quinta-feira, 11 de fevereiro de 2010

Sombras

   
Sombras
 
janeiro 4, 2010 por carlajaia

Dancei. Dancei. E dancei. E todos aqueles rodopios, Rebeca, eram para você. Louca, eu queria fazer-me o auge da simplicidade. Perigosamente nua. Aquela nudez sem pose. Meu Deus, como desejei uma nudez sem pose: a nudez da terra e dos trovões, nudez da liberdade, uma nudez feia. Feia, Rebeca. Dancei e, em meus rodopios, fui livremente feia. Quando soltamos nossas mãos e nossos pés e nossos ventres e nossos pelos, a beleza se esvai como que desnecessária. Sobramo-nos deusas, conhecedoras – não! criadoras: criadoras dos mais delicados mistérios que descem ácidos e melados nas gargantas desavisadas. Por isso escolhi você, Rebeca. Por isso sempre escolho você. Encantam-me as coisas que você diz. Não me refiro à resposta, querida, porque a resposta é simples. Digo das perguntas que dançam e das não-palavras que melodizam a tentativa de expressar. Expressar o que? O nada. O nada, o feio, o osso, o fundo da garganta. O sono, o alívio, a velhice, o tempo e todos os tédios. Dancei, querida, dancei magicamente sobre o tédio, excitantemente entediada: amando o vazio como quem ama um príncipe. Essa foi a minha revolução da noite: amar aquilo que não se vê, aquilo que ali não está, amar estonteantemente o mal-amado: a pedra, a folha seca, as formigas e os escorpiões. Amar os detalhes e as solidões: nossas aflitas solidões vermelhas. Apagamos a vermelhidão, Rebeca, e nos deitamos nas sombras, as sombras que acariciam nosso sossego e que fazem do silêncio uma glória. Sombras que aguardam o amanhecer e que nos abraçam caladas para que possamos pensar. Pensamento que arrebata, Rebeca, que é razão risonha e sabedoria infantil. Pensamento insano, querida, que nos aguça os sentidos porque inventa a paz. Eu amo, amo, amo as sombras, Rebeca. E dentro delas eu danço, ali onde só você vê…
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"Fale com delicadeza hoje; quando o amanhã chegar, você já estará habituado".

Sérgio Pinto da Cunha

pintoo@globo.com

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