sábado, 11 de maio de 2019

{clube-do-e-livro} SOCIEDADE SECRETA PARTE 2(MORTE POR ENCOMENDA) - JOSÉ LOUZEIRO - FORMATOS: PDF,RTF,EPUB E TXT

MORTE-

POR ENCOMENDA

COLE����O CEDIBRA ESPECIAL (S��rie Vermelha)

Pr��ximo lan��amento:

5 . - M O E D A S DE SANGUE ��� Jos�� Louzeiro

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S��rie Amarela 4

OS PORTEIROS DA M A D R U G A D A ���

Carlos Aquino

S��rie Azul 4

A G O N I A N O N A T A L ���' Jos�� Edson Gomes

S��rie Verde 4

SEM RUMO NA NOITE ���

H��lio Miranda de Abreu

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��� Editora Brasileira Ltda. ��� Caixa Postal 20.095 ���

Rio de Janeiro, Capital.



MORTE

POR ENCOMENDA

(sociedade secreta-parte II)

jos�� louzeiro





cedibra


Capa: Edi Briah��ot Bousquet

Foto cedida* pela "American International Inc.

Copyright �� M C M L X X V I CEDIBRA ��� Editora Brasi-

leira Ltda. "

Bua Filomena Nunes, 162 ��� 20.000 ��� ZC-22 ��� Rio de

Janeiro, Capital. .

Composto e impresso pela Cia. Editora Americana

Rua Visconde de Maranguape, 15 ������ RJ.

O texto deste livro n��o pode ser, no todo ou em parte,

nem registrado, nem reproduzido, nem retransmitido,

por qualquer meio mec��nico, sem a expressa autoriza-

����o do detentor do copyright,

resumo da parte I

O velhote usando capa sai do bar na Ave-

nida Jabaquara, em S��o Paulo, numa manh��

de chuva mi��da. Atravessa trechos ocupados

pelas obras do metr��. Pouco depois as pessoas

que est��o no bar ouvem disparos de metralha-

dora. Correm �� porta, o velho, est�� entrando

num carro e indo embora. O morto �� um jovem

acusado de muita coisa, inclusive de exercer ati-

vidades subversivas. Seu nome �� jackson Alberto.

Quem estaria interessado em tirar a vida do

mo��o? Uma gang que fazia tr��fico de entorpe-

centes e a qual Jackson Alberto se ligara. Entre

outras coisas, os fora-da-lei o acusavam de ter

ficado com a import��ncia de 10 -milh��es de cru-

zeiros. . '

No dia em que a irm�� de Jackson Alberto

vai ao Instituto M��dico Legal paulista, a fim de

transportar o corpo para o Rio, �� surpreendida

por elementos que se dizem da Pol��cia. Da�� em

diante a jovem viver�� uma assombrosa realidade.

Mas, afinal, por que a gang dos entorpecen-

tes desejava manter a mo��a prisioneira? Para

que a outra quadrilha, a que perdeu os 10 mi-

lh��es, fosse levada a acreditar que Jackson Al-

berto teria dito �� irm�� onde escondera o di-

nheiro.

���5

cap��tulo 1

O tipo baixote, com cara de rato, vai fo-

lheando vagarosamente os pap��is que retirou da

pasta.

A sala �� pequena. S�� umas tr��s mesas, o

sof�� de madeira, quatro ou cinco cadeiras.

Numa parede, por tr��s do baixote, a fotografia

do velho e a legenda, lembrando ter sido dos

mais dedcados servidores d�� DSM.

Os tr��s homens que detiveram Ana Maria no

Aeroporto de Congonhas est��o do lado. N��o di-

zem uma ��nica palavra. O que tinha a ser dito

j�� fora calmamente anotado pelo baixote.

O moreno forte n��o inventou nada. Tam-

b��m, durante o trajeto at�� aquela sala, nenhu-

ma pergunta fora feita a Ana Maria.

A sala n��o tem janelas. Fica no final de um

longo e mal iluminado corredor. A porta por

onde entraram �� estreita. Abre s�� de um lado.

De fora, montando guarda, permaneciam dois

caras troncudos e de rev��lveres na entura. Mas

ningu��m ali usa uniforme. Todos'' t��m apar��n-

cia de burocratas satisfeitos com seus cargos ��,

por isso, n��o parecem ter-pressa.

��� Quer dizer que a senhora resolveu nos

confundir ��� diz o baixote, pondo os pap��is de

lado e apoiando firmemente os cotovelos na

mesa. ��� Primeiro, seu irm��o �� morto" e a culpa

recai sobre a gente. Depo's a senhora aparece e

se descobre que pertence ao bando d*e Lucaro.

As contas banc��rias, os bilhetes, os gastos nas

lojas... .

Ana Maria est�� surpresa com as conclus��es

do cara de rato:

��� Isso tudo �� uma confus��o armada por

Lucaro!

���7

Mas n��o tem ��nimo de prosseguir. Os olhos

fixam-se num ponto distante. Sabe que est��

mais .complicada do que imagina. Vagamente,

vai ouvindo-o que continua a dizer o baixote.

��� Para n��s a coisa �� clara. A senhora se

associou ao calabr��s pra matar o irm��o. O pas-

so seguinte �� dizer onde est��o os 10 milh��es

que tamb��m n��o pertencem a Lucaro. Ele deve

ter-lhe dito que a bolada ser�� rachada meio a

meio. Ocorre que n��o conhece aquele verme.

Da��, conclui-se que ajudou a tramar a morte do

seu irm��o, inutilmente. De posse do dinheiro,

Lucaro tratar�� de elimin��-la.

Ana Maria sacode a cabe��a, os olhos enchem-

se de l��grimas.

N��o! N��o �� nada disso! T��o querendo me

botar maluca! N��o ajudei a matar o Jackson!

��� N��o venha me d zer que n��o sab a das

liga����es de Jackson com o pessoal dos t��xicos ���

grita o baixote, em tom de advert��ncia.

��� Juro que n��o sabia ��� responde Ana Ma-

ria, chorando. ��� Ele tava em S��o Paulo h��

mais de tr��s anos. Ia ao Rio rapidamente. Quan-

do a gente se encontrava, quase n��o tinha tem-

po de conversar.

��� Qual era o n��mero do seu telefone no Rio?

��� indaga de repente o baixote.

Ana Maria n��o. entende o motivo da pergun-

ta. O baixote repete. Ela diz.

��� Pois aqui t�� uma conta telef��nica do

Lucaro e seu n��mero aparece diversas vezes.

O homem aproxima a conta de Ana Maria.

Ela est�� surpresa. N��o consegue entender o que

v��. Sabe que jamais falou com Lucaro no Rio,

nunca recebeu telefonema seu. N��o tem d��vida

de que tudo aquilo �� um jogo. E como poderia

ter certeza de que aqueles homens na sala eram

de fato da DSM?

8���

Ocupada com esses racioc��nios, n��o percebe

quando o baixote faz um aceno ao tipo branco

e forte, espesso bigode marcando-lhe o rosto. O

cara levanta-se da cadeira, afasta uma das me-

sas do lugar, curva-se um pouco, afasta tamb��m

o tapete, levanta uma tampa. No mesmo ins-

tante, os outros do;s pegam Ana Maria pelos

bra��os.

��� J�� que escolheu o pior, que seja como quer

��� afirma o baixote.

O tipo de bigode desce primeiro. Em seguida

�� a vez de Ana Maria: Os outros dois descem

em seguida. O compartimento onde est��o ��

bastante abafado. A tampa se fecha, as luzes

est��o acesas.

O tipo moreno aperta um bot��o. Uma porta

se abre, entram por ela. Chegam ao corredor.

Passam a primeira porta fechada, entram na se-

gunda. Ana Maria est�� gelada. N��o tem como

escapar daqueles homens e sabe bem o que vai

lhe acontecer. O de bigode segura-a com for��a

pelos bra��os. Aparece um crioulo de cabe��a pe-

lada. Demonstra muita intimidade com os que

chegam.

��� Deixa a gatinha comigo! ��� diz ele, mos-

trando os dentes. ��� Ela vai :c��htar tudo. Mas

s�� pro papai. �� uma quest��o de bom senso.

Dizendo isso, p��e o bra��o nps' ombros de Ana

Mana. E, pouco a pouco, vai' comprimindo-lhe

o pesco��o. A mulher esperneia e o crioulo leva-a

assim, quase pendurada, para um dos cantos.

Segura-a pelas roupas, puxa com for��a, deixa-a

seminua. O tipo de bigode assovia, Ana Maria

chora alto.

��� Pode gritar �� vontade, boneca!

O crioulo agora segura-a pelos cabelos e faz

rodopiar. Primeiro para um lado, depois para

o outro. No momento em que tenta agarrar-se

���9



aos seus bra��os musculosos, ele a esbofeteia com

ter��a. Solta-a bruscamente, ela cai. O de bigode

se aproxima. Pisa nos bra��os de Ana Maria, o

moreno .forte prende-lhe as pernas. O croulo

desembrulha uns fios que est��o na parede; na

extremidade de cada um deles h�� bicos de metal.

��� Agora a gatinha vai falar pelos cotovelos.

Ana Maria est�� tonta de ser rolada pelos

cabelos, tem vontade de vomitar, sabe que vai

ser morta por aqueles homens. O crioulo apro-

xima um dos bicos de metal da sua vagina, o

terceiro tipo,. o mais calado de todos, liga a

chave e desliga quase no mesmo instante. A

mulher solta um berro de quem est�� se acaban-

do. O moreno forte pergunta:

��� Desde quando trabalha com Lucaro?

Ana Marra vai contando uma hist��ria que

n��o existe. Tudo que diz �� transmitido para a

mesa do baixote.

��� Ajudou ou n��o ajudou a matar seu irm��o?

Diz que sim.

��� E onde est�� o dinheiro?

Isso n��o pode responder. N��o sabia de di-

nheiro. N��o podia nem mentir a respeito. O

crioulo enfia-lhe na vag na o bico de metal mais

alongado, o tipo calado liga a chave e deixa

demorar. Sente-ae o cheiro de carne queimada.

��� Desmaiou.^��� diz o crioulo. ��� Pega um

pouco de merc��rio e algod��o no arm��rio.

O homem incumbido de controlar a chave el��-

trica apare(!e^com o merc��rio. O crioulo en-

charca uma mecha de algod��o, introduz na mu-

lher, que parece adormecda. O tipo de bigode

deixa de pisar-lhe nos pulsos. O moreno forte

�� de opini��o que Ana Maria n��o sabe de nada.

��� Nosso trabalho �� fazer ela falar ���" diz

o de bigode. ��� S e depois, na presen��a do me-

retr��ssimo, vai dizer que n��o disse, �� outra his-

t��ria. Aqui, fala ou se ferra..

O crioulo molha algod��o no ��lcool, passa

nas narinas da mulher. O tipo calad��o aparece

com um pouco d'��gu��. Ana Maria estremece,

bate-se, o crioulo risonho torna a segur��-la.

��� Fala onde t�� o dinheiro. Dessa vez vou

te enfiar isto aqui (mostra o bico de metal) at��

o est��mago.

Sabe que �� imposs��vel resistir. Inventar�� o

que quer que seja para livrar-se da c��mara de

tortura. O crioulo solta os ferros no ch��o, pu-

xa-a pelos cabelos at�� uma cadeira. Ana Maria

est�� descal��a e completamente nua.

��� A gente devia era ficar brincando por

tr��s dela, at�� resolver falar ��� afirma o de bi-

gode.

��� E a bronca depois! ��� afirma o moreno

forte.

��� Bronca droga nenhuma, cara! ��� diz o

de bigode. ��� Se todo mundo pode comer, por

que �� que se vai abrir o bico?

O crioulo mostra os dentes num sorriso lar-

go. O de bigode est�� pronto a iniciar seu plano

quando a porta abre. Entra o baixote.

��� Quando algu��m aqui achar que n��o deve

respeitar ordens superiores, ao menos desligue

o microfone ��� diz o baixote, sempre muito

calmo e n��o se dirigindo especificamente a ne-

nhum deles.

��� At�� agora n��o disse coisa com coisa ���

explica o crioulo.

Ana Maria geme e chora baixinho, o corpo ��

percorrido por estreme����es, o cara de rato man-

da que a cubram com os restos da roupa. Abre

a pasta e tira uma folha datilografada. P��e-se a

ler:

"Eu, Ana Maria, declaro para fins legais, ter

participado da trama com o quadrilheiro Lu-

caro de tal, foragido da Justi��a, a fim de matar

meu irm��o Jackson Alberto. Jackson se apo-

���11

derou da quantia de 10 milh��es, pertencentes a

uma quadrilha que negociava entorpecentes

��om Lucaro. O dinheiro teria sido entregue a

Jackson pelo indiv��duo chamado Zanete, igual-

mente procurado pela Justi��a. Jackson utili-

zaria o dinheiro em atividades subversivas."

O baixote faz uma pausa, tira uma caneta

do bolso, estende a Ana Maria.

��� Pronto! �� s�� assinar a declara����o e nos

levar ao esconderijo de Lucaro. Caso contr��rio,

vai ter de amargar. Ningu��m at�� hoje conseguiu

sair daqui sem dizer o que se deseja. Os m��to-

dos podem n��o ser muito modernos, mas s��o

eficientes. Voc�� n��o ag��entar�� este tratamen-

to mais de tr��s dias.

Ana Maria pega a caneta. O de bigode em-

purra a mesinha para junto dela. O baixote

recomenda que n��o suje a folha datilografada.

Com difculdade assina o nome completo. O

papel volta ��s m��os do baixote, ele puxa a car-

teira de identidade - da mulher, confere a assi-

natura. Recoloca a folha na pasta.

��� Como v��, esta primeira parte foi muito

mais simples do que se fazia supor. A segunda

vai depender de sua coragem. Mas esteja certa

de que vamos lhe proteger. Aos que colaboram

conosco, garantia total!

12���

capitulo 2

Ana Maria passa a noite num sal��o que lem-

bra enfermaria. Mulheres e homens de aventa s

brancos movimentam-se. Est�� deitada numa

cama. Logo que come��ou a raciocinar, que p��de

recordar como ia chegando ao aeroporto e como

o tipo moreno a abordou, sentiu vontade de

fugir. Movimentou primeiro as pernas, os bra-

��os. Isso, no entanto, bastou para deix��-la ton-

ta. N��o sabia se estava sob efeito de drogas.

Tinha certeza de estar fraca e completamente

dolorida. Jamais conseguiria fugir. Uma ex-

traordin��ria sensa����o de derrota a invadia. E,

por mais que procurasse reprimir esse sentimen-

to, n��o conseguia. Os olhos se encheram d'��gua

e durante alguns momentos chorou em sil��ncio.

Por si, por Jackson Alberto, pelos pais que se

acabaram de trabalhar, a fim de lhes garantir

o futuro.

Quando a mulher j�� velha e rabugenta se

aproximou para aplicar-lhe a inje����o, ainda ti-

nha os olhos vermelhos. N��o sentiu a picada

da agulha, n��o segurou o algod��o para conti-

nuar a fazer a massagem. O pensamento ca-

minhava longe. E, n��o sabe como, sempre ter-

minava no ponto em que tudo come��ou. Na-

quele sal��o vazio, com muitas l��mpadas pen-

duradas no teto, o homem com a prancheta vi-

rando p��ginas, at�� encontrar o n��mero de re-

gistro do corpo de Jackson Alberto. A�� chega-

ram os desconhecidos, mostraram documentos,

mandaram que os acompanhasse. Devia ou n��o

devia ter seguido aqueles estranhos? Era d��vida

que n��o a abandonava. Por que n��o gritou por

socorro? Mas quem, hoje em dia, est�� interes-

sado em socorrer? E quem pode socorrer? Os

���13

pensamentos desencontrados aumentavam-lhe

a ang��stia. Uma id��ia foi ent��o se formando,

tomando conta de seus olhos, de seu corpo e dos

pr��prios movimentos que, vez por outra, expe-

rimentava fazer.

"Tu, Ana Maria, te acostumaste a viver s��

no lado em que o sol bate. E te acostumaste,

tamb��m, com uma filosofia caduca. Essa de que

somos pac��ficos e tementes a Deus. A luz e a

mentira andam juntas. Ambas s��o ilus��rias. A

verdade est�� do outro lado. Desse que �� ilumi-

nado por estrelas de treva e onde as figuras se

mostram exatamente como s��o. Quem sabe teu

irm��o n��o era tamb��m uma dessas figuras? Ou

ser�� que isso seria descrer demais na esp��cie,

por negar teu pr��prio sangue? Mas, seja como

for, �� no lado da sombra que se movem as tou-

peiras Lucaro Palito, Mestre Z��vi, Robert��o e

agora o baixote de cara de rato, o moreno forte,

o calad��o, o de bigode, sem falar no crioulo de

riso c��nico. Quanto prazer ele sent u de poder

rolar-te pelos cabelos, como se estivesse brin-

cando com. um pi��o. Ah, como foi agrad��vel

para ele! N��o procura explica����o para essas

coisas. S��o o que s��o. Na medida exata em que

devem se refletir. O mal se paga com o mal. O

bem �� a peneira com que se pretende tapar o

sol."

* ���

Ana Maria n��o queria deixar-se tomar por

esses pensamentos, mas tamb��m n��o conseguia

evit��-los. E, assim, como num estado de sono-

l��ncia, muito distante de si mesma, foi ouvindo

o que lhe dissera Lucaro.

��� Teve sorte de n��o cair nas m��os do pessoal

da DSM.

Aquilo era a DSM. Apenas a mostra, como o

crioulo de riso c��nico dissera; como o baixote

dissera. N��o resistiria tr��s dias. E h��o havia

14���

hist��ria que n��o conseguissem arrancar das v��-

timas.

���

O que Ana Maria temia era n��o encontrar o

caminho que os levasse ao esconderijo de Lu-

caro. Mas, admitindo que acertasse, a outra

prova dif��cil era ficar exposta aos membros da

quadrilha, na qualidade de denunciante.

De uma forma ou de outra n��o havia como

escapar. A n��o s e r . . E a��, tamb��m muito dis-

tante de si, enquanto a velha rabujenta ia e vol-

tava, foi acompanhando uma outra id��ia que se

formava. Id��ia que a conduzia para fora da-

quele c��rculo. N��o tinha d��vida de que, quando

nada em rela����o ao pessoal da DSM, Lucaro n��o

fizera chantagem.

Os novos projetos de Ana Maria foram inter-

rompidos pela apari����o do baixote cara de rato.

Estava de palet�� e gravata, como se pronto para

alguma festa. Falava manso e pausadamente.

Ouviu palavras da velha rabujenta, aproximou-

se com certa curiosidade.

��� Sabemos que seu estado �� animador. N��o

lhe pe��o desculpas, porque, n��o me desculparia.

Mas esteja certa de que n��o houve nada de pes-

soal. �� imposi����o do sistema. N��s somos pe��a

dessa m��quina. Espero que compreenda.

��� E o que vai acontecer, agora? ��� indaga

Ana Maria, com certa impaci��ncia.

O baixote fica um tanto atrapalhado, esfre-

ga as m��os.

��� Na realidade �� sempre problem��tico di-

zer-se o que vai acontecer. Qual o pr��ximo pas-

so. Uma coisa �� certa: n��o vai continuar aqui

V��o lhe dar roupas novas e no gabinete da che-

fia receber�� instru����es. Estarei l�� pra facilitar

as coisas. N��o nos queira mal. S�� estamos ten-

tando desvendar mist��rios que envolvem certos

setores. Desde que coopere, tudo ser�� bem sim-

���15



ples. Posso lhe dizer que n��o levei a termo aque-

las declara����es. N��o foram espont��neas. De na-

da adiantariam.

O baixote desaparece, Ana Mara est�� ainda

mais confusa. N��o consegue entender aquele

tipo t��o mi��do e t��o enigm��tico. N��o sabia

sequer se continuava acusada de algum envol-

vimento com os bandidos ou n��o, n��o sabia se

achava que Jackson Alberto era ou n��o um sub-

versivo .

As luzes sobre a cama se acenderam, o sal��o

lhe pareceu menos frio, p��de distinguir pain��is

coloridos nas paredes e as duas jovens fardadas

que se aproximaram. A mais alta ajudou-a a

sentar-se, a outra mostrou-lhe as roupas. J��

n��o sentia as tonturas e entendia perfeitamente

tudo que estava se passando. Abotoou a saia, a

blusa, enfiou as botas de cano longo, reconheceu

sua bolsa e, dentro dela o rel��gio de pulso, as

pulseiras, os pap��is, tal��es de cheque, algum

dinheiro, documentos.

��� Est�� tudo em ordem ��� disse a mo��a ri-

sonha e alta, -

��� E agora, para ..onde vamos? ��� foi tudo

que p��de perguntar.

��� Primeiro' ao gabinete da chefia. L��, sa-

ber�� o que fazes. .

Ana Maria atravessou um longo corredor,

subiu escadas, entrou, num sal��o colorido, de

poltronas de couro e tapetes caros, quadros rica-

mente emoldurados nas paredes, um janel��o de

vitrais dando para o jardim e as ��rvores. As

mo��as sentaram-se ao lado dela. Durante uns

minutos esperaram em sil��ncio.

A porta se abriu, apareceu o homem alto e

de terno escuro, sapatos reluzentes. Atravessou

o sal��o, como se j�� estivesse atrasado para o en-

contro. Dirigiu-se diretamente a Ana Maria.



��� Desculpe o transtorno que lhe causamos.

Infelizmente ainda ocorrem dessas coisas. Mas.-

saiba que n��o nos destinamos a isso. Estamos

aqui para orientar socialmente.

Durante o tempo em que o homem falou,

Ana Maria n��o encontrou uma s�� palavra para

dizer-lhe. Preocupava-se em saber at�� que ponto

desejava chegar. O cidad��o, ao contr��rio, per-

dia-se no discurso e mostrava exemplos de ou-

tras mo��as que foram bem tratadas na DSM e

por isso terminaram sendo boas colaboradoras

da organiza����o. Lembrou at�� o caso da estu-

dante que gostou tanto do pessoal que, durante

o Natal, mandava-lhe flores e uma garrafa de

champanha.

A essa altura, as duas jovens que haviam

acompanhado Ana Maria at�� o sal��o pediram li-

cen��a para retirar-se. A mais alta; que parecia

ter patente superior, disse simplesmente:

��� Com sua permiss��o, expel��ncia!

Ana Maria olhava as ��rvores, os quadros nas

paredes, o rosto paternal do. homem bem vestido.

��� E para que saiba o quanto pode ser ��til,

basta que compreenda isto: se nos ajuda a sur-

preender Lucaro e seu bando, ter�� prestado um

grande servi��o �� comunidade.

Ana Maria sentiu um princ��pio de revolta.

O cidad��o bem vestido e falante, que a mo��a

alta chamou excel��ncia, pareceu-lhe t��o repug-

nante quanto o baixote e o crioulo de riso c��nico.

��� Mas Lucaro garante que foi um policial

da DSM quem matou Jakson Alberto! ��� diz

ela.

��� N��o acredite nisso ��� responde o desco-

nhecido, com uma sombra de contraredade no

rosto. ��� Bandidos n��o merecem cr��dito!

Ana Maria achou melhor n��o se -aprofundar

em detalhes.



��� E que desejam afinal de mim?

_ �� assim que se fala. Damos-lhe toda co-

bertura pra que nos leve ao local onde o bando

se re��ne. Esteja certa de que nada lhe aconte-

cer��. .

��� N��o tenho certeza se vou acertar.

��� Procure se esfor��ar. Se quiser, agora

mesmo pode sair e dar um jeito de lembrar em

que bairro fica. Quem sabe, rodando de carro

n��o se recordaria?

Dizendo isso aperta uma campainha, depois

atende o telefone, um cont��nuo de uniforme traz

caf��. Ana Maria abre a bolsa, mexe nos pap��is,

recorda o que lhe dissera Robert��o:

��� Quando quiser me ver de novo �� s�� ligar

pra este n��mero.

E ali estava, na pr��pria caixa de anticoncep-

cionais. Um simples n��mero, perdido em meio

a outras anota����es e que poderia modificar a

situa����o, deixar o homem bem vestido indigna-

do. Jamais gostaria de ser citada como exemplo,

igual �� mocinha que mandava champanha no

Natal, naturalmente por ter gostado da surra

que levou.

O cidad��o senta-se de novo, toma o caf�� com

eleg��ncia.

��� O carro est�� chegando. Qualquer despe-

sa �� por nossa conta. Um funcion��rio vai lev��-

la at�� o p��tio.

Ana Maria estava de p��, esperando ordem

para retirar-se. N��o conseguia dizer nada. Tudo

aquilo que o elegante falara, soava-lhe falso.

Sabia muito bem o quanto valia sua seguran��a

para ele. Importava-se em botar as patas em

Lucaro. N��o interessavam os meios.

O rapaz magro e alto apareceu, foram feitas

as apresenta����es;

��� �� gente nossa ��� disse o homem de terno

escuro, dirigindo-se a ele. ��� Precisa dar um

passeio pela cidade. At�� descobrir um certo en-

dere��o. �� poss��vel que tenha de rodar um bo-

cado. Mas n��o se preocupe. O importante ��

descobrir uma certa casa. Leve um carro de

chapa fria.

E, voltando-se para Ana Maria, o rosto s��rio.

��� Procure cooperar. Qualquer erro de sua

parte pode lhe trazer preju��zo.

���19

cap��tulo 3

Palito interrompe a leitura do jornal, atende

o telefone.

��� �� o Natureza ��� diz ele, dirigindo-se a

Lucaro.

Enquanto Lucaro ouve e faz gestos, Palito

n��o consegue prosseguir na leitura. Mestre Z��vi

�� que n��o se preocupa, ocupado que est�� numa

partida em que Soneca, p��la primeira vez, est��

levando a melhor.

��� T�� dizendo que conseguiu entrar no lan-

ce ��� afirma Lucaro, repondo o fone no gancho.

��� A donzela caiu nas garras da DSM, mas h��

uma possibilidade: v��o dar uma volta com ela,

pra tentar nos localizar. �� a�� que Z�� da Hora e

Harmonia v��o mostrar o que. sabem fazer. Na-

tureza e Queixada ficam na. retaguarda. Tra-

balho dif��cil. Acha que se deve conf ar s�� neles

ou mandar pra l�� Robert��o e Soneca?

��� Pra l��, pra onde? ��� argumenta Palito,

mostrando certa preocupa����o.

��� Pelo que t�� dizendo Natureza, j�� sabe o

trajeto que o carro vai fazer ��� explica Lucaro.

��� Seguido de outro, cheio de tiras ��� afirma

Palito.

Lucaro brinca com o punhal, balan��a-se na

cadeira, olha um ponto distante, por cima dos

jogadores. Palito faz considera����es vagas, sabe

que Lucaro n��o est�� prestando aten����o.

��� E se a gente surpreendesse o pessoal da

retaguarda? ��� diz Lucaro.

��� A gente, n��o. Os amiguinhos de Nature-

za . Afinal, �� hora dele mostrar servi��o ��� afir-

ma Palito, encolhendo os m��sculos do rosto num

riso frio.

���21

��� Tem raz��o. De qualquer forma ��� acen-

tua Lucaro ��� �� bom se saber como pretende

agir. N��o confio naquele gordo. Depois do que

fez "com a documenta����o, o melhor �� confiar,

desconfiando.

Enquanto Lucaro vai falando, falando, Pali-

to j�� fez nova liga����o. Est�� com o fone no ou-

vido, aguardando. Quando o policial atende, en-

trega o fone a Lucaro.

��� E como vai ser a festa? ��� come��a Luca-

r o . ��� Juro que esquec' de perguntar detalhes.

Tamb��m, �� tanta coisa ao mesmo tempo que a

gente se perde.

Faz. um riso, balan��a-se na cadeira, gesticula,

enterra o pequeno punhal n a m e s a j�� toda fu-

rada. As considera����es de Natureza s��o longas,

Palito n��o perde os menores movimentos de

Lucaro.

��� Parece que, desta vez, botou a cuca pra

funcionar ��� diz Lucaro. ��� O pessoal da reta-

guarda vai sofrer um acidente. A�� uma Vera-

neio fecha o chapa fria da DSM e a donzela ��

salva. Como nas hist��rias de fadas.

Lucaro acha gra��a , de suas pr��prias palavras.

Palito n��o ri.

��� E quando vai ser isso?

��� Dentro de alguns minutos. Tiveram de

apressar a coisa porque houve mudan��as na

DSM. O chefe decidiu precipitar os aconteci-

mentos. Exatamente pra ver se nos pegava

desprevenidos.

��� Se tudo isso der certo ��� afirma Palito

��� acho que Natureza merece perd��o.

��� A�� que te engana. Se tem de saber se ele

t�� mesmo do nosso lado ou se fez algum con-

chavo com a.turma da DSM. N��o engulo aquele

gordo. E tanto �� assim que �� bom se mandar

o Robert��o pro cruzamento onde v��o botar a

carreta, pra for��ar o acidente.

22���

��� Se tem de combinar alguma coisa que

n��o teja no programa, n��o vai fazer na rua,-

considera Palito.

��� Mas sempre pode haver um detalhe a ob-

servar. .. ��� diz Lucaro.

Palito sorri, Lucaro chama Robert��o, Mestre

Z��vi lan��a uma carta, Soneca esfrega as m��os.

��� Acho bom o Soneca ir tamb��m ��� pon-

dera Lucaro.

Palito n��o diz sim nem n��o; Soneca levan-

ta-se dizendo que a partida estava ganha, Mes-

tre Z��vi faz uma careta de quem n��o se con-

tenta com a derrota, recolhe as cartas enquanto

Soneca chega perto da mesa de Lucaro, onde j��

est�� Robert��o.

Saem em seguida, Soneca botando o palet�� e

respondendo a uma provoca����o de Mestre Z��vi.

Lucaro balan��a-se na cadeira, espeta mais uma

vez o punhal na mesa.

��� E se Natureza tiver mancomunado com a

turma da DSM, o que pretende fazer? ��� indaga

de repente Palito.

��� A�� se tem de botar a cuca pra pensar.

N��o se pode apagar aqueles caras sem mais nem

menos ��� responde Lucaro. ��� Mas n��o creio

que se precise chegar a esse ponto. A n��o ser

que Natureza e o pessoal dele queira colaborar.

Uma nota firme, como nunca viu antes e, quem

sabe!...

Palito torna a achar gra��a, ele ajusta a gra-

vata muito estreita no pesco��o esquel��tico.

��� Depois do servi��o pronto, todos somem

do mapa. A��, n��o pode haver contempla����o ���

torna a dizer Lucaro, como que completando o

racioc��nio.

��� Isso pode degenerar numa crise que n��o

acaba nunca. Na verdade n��o se sabe quem

est�� por tr��s de Natureza ��� afirma Palito.

���23

��� N��o creio que haja mais algu��m, al��m

d��s que conhecemos. Natureza n��o parece, mas

�� unha de fome. Quer tudo pra ele. Quanto me-

nos gente, menor a divis��o da bolada que pega.

Isso �� bom pra ele e pra n��s ��� diz Lucaro.

Soneca dirige o carro lentamente pela ala-

meda, entra na rua de pedras e casas de portas

e janelas sempre fechadas, jardins abandonados,

pardais catando gr��os de areia. Depois aumenta

a velocidade na avenida larga, entra pela Santo

Amaro, at�� o cruzamento com S��o Sebasti��o.

Passa por ele, a marcha reduzida.

��� L�� est�� a carreta. Deve ser aquela ���

diz Robert��o, pondo os ��culos escuros.

Soneca n��o faz coment��rios, o carro pros-

segue, pra junto ao meio-fio. Robert��o tira o

rev��lver do porta-luvas, p��e no bolso do palet��.

Soneca nunca se afasta de sua arma.

Caminham vagarosamente. Depois Robert��o

atravessa a rua, Soneca deixa que se distancie.

Do ponto de ��nibus ambos podem ver perfeita-

mente a carreta. N��o t��m id��ia da hora em que

o carro deVer�� aparecer, mas sabem que o mo-

torista da carreta est�� a par dos planos. Param

muitos ��nibus, as mulheres sobem e descem com

sacolas, os homens est��o apressados, h�� crian-

��as de farda azul e branca. A manh�� est�� clara,

p��lido sol amea��a formar-se por entre nuvens

cinzentadas. Robert��o olha as mulheres, os car-

ros que se aproximam, Soneca est�� atento ao

motorista da carreta. Viu quando examinou o

rel��gio, tomou posi����o na cabine, acionou o mo-

tor. O sinal ficou vermelho, os autom��veis redu-

ziram a marcha, mas dois deles avan��aram as-

sim mesmo.

A carreta se deslocou, pegou embalo na la-

deira e, ao manobrar na frente dos carros pa-

rados, atingiu. dois deles. Robert��o teve a vis��o

bastante prejudicada, mas o barulho da colis��o

24���

foi grande. Enquanto as pessoas que estavam

no ponto do ��nibus corriam para ver o que havia

acontecido o motorista da carreta tratou de desa-.

parecer. Robert��o chegou perto dos carros

amassados. Uma mulher gemia e chorava, um

velhote tinha a testa ensang��entada. Na Va-

riant, dirigida por um japon��s, os estragos fo-

ram consider��veis. A frente do carro completa-

mente destru��da e o motorista com o rosto at n-

gido por estilha��os. Robert��o. e Soneca exami-

naram rapidamente o local e partiram na dire-

����o do Dodge estacionado um pouco mais ��

frente. Soneca arrancou furiosamente, os pneus

cantando. Robert��o n��o parecia preocupado.

��� Se t�� pensando alcan��ar os caretas, de-

siste. O trato foi a gente olhar o que ia aconte-

cer. Vamos retornar e dar o recado.

Soneca fez ar de riso.

��� Aposto que o cara da carreta entendeu

tudo errado.

��� M��o-de-obra barata �� o qu�� d��. Quero ver

agora como Lucaro vai se virar.

��� Mas como �� que tu. vai .saber se a mu-

lher que ficou arrebentada n��o era da DSM?

��� indaga Soneca, um tanto sem prop��sito.

��� Deixa de ser trouxa, car�� ��� afirma Ro-

bert��o, impaciente. ��� Olhei pra dentro do car-

ro . Tinha at�� uma melancia que se partiu com

o choque. A pinta tava vindo de uma feira qual-

quer. Os carros eram aqueles dois que avan��a-

ram o sinal. Sou capaz de apostar!

���25

cap��tula 4

Natureza est�� sentado de um lado, Z�� da

Hora do outro. Sobre a mesa, x��caras de caf��,

Mestre Z��vi permanece no seu lugar, mas n��o

se ocupa com as cartas. Simplesmente acompa-

nha o desenrolar da reuni��o. Palito terminou de

atender ao telefone. Disse qualquer coisa para

Lucaro, mas este pareceu n��o se interessar.

��� Depois se fala disso. Primeiro vamos cho-

rar com Natureza a mancada que acaba de dar.

E o que �� pior: lascou com v��rias pessoas que

n��o tinham nada com nada. Isso �� que �� pla-

nejar bem um acidente!

��� Mas nem tudo t�� perdido ��� argumenta

Z�� da Hora. ��� Se veio aqui exatamente pra

isso. O cara que t�� no carro com a gatinha

pegou bola. S�� que joga alto. Mesmo assim se

arriscou e mandou ele confiar na gente. �� o

que ele vai fazer. Num cruzamento que for fa-

vor��vel ou at�� numa reta, vai catucar no freio

e ag��entar uma cacetada na traseira. A gatinha

se manda e ele tem uma desculpa �� apresentar.

Quando os pilantras da retaguarda aparecerem,

a coisa t�� feita.

Lucaro esbo��a um riso, Palito desanuvia o

rosto. O pr��prio Natureza demonstra surpresa,

mas se ag��enta.

��� E quanto foi que prometeram dar pro

cara? ��� indaga Lucaro.

��� Se deixou em aberto ��� afirma Z�� da Ho-

ra. ��� N��o se queria propor nada antes de levar

um papo. Acho que uns 100 mil quebra o galho.

Afinal, a transa �� de responsabilidade.

��� E o pinta �� firme! "��� diz Natureza, reco-

brando o ��nimo.

���27



>���,-E com' rela����o a Virg��lio, qual �� a infor-

ma����o?��� indaga Lucaro.

��� Acho que. o pessoal da DSM botou a m��o

' nele e t�� fazendo segredo.

.��� Pois tenho 300 mil pra quem descobrir

o paradeiro dele ��� assegura Lucaro, firmando

os bra��os peludos na mesa. ��� N��o se admite

que um cara como Virg��lio suma e fique por

isso mesmo. Onde j�� se viu uma coisa dessa?

��� Devagar se chega l��, chefe ��� diz Z�� da

Hora. ��� A gente d�� uma por����o de mancadas

como essa da carreta, mas vez por outra acerta.

Ora, se acerta!

��� Acho que voc��s devem agir em duas fren-

tes ��� explica Lucaro. ��� Enquanto uns cuidam

^da gatinha, outros ficam de olho no Fl��vio.

Aquela do desaparecimento da mercadoria n��o

me convence. J�� mandei o Hildebrando fu��ar

l�� pelo Rio, mas quero a vers��o de voc��s.

��� Tamos em. cima do caso. At�� agora ���

diz Natureza .���; parece mesmo que a droga su-

miu. Tamos de olho no Fl��vio e tamb��m num

tal de LescOl��sco.

Lucaro compreende que a reuni��o est�� ter-

minada, os assuntos em pauta foram examina-

dos. Levanta-se, abre o cofre, retira diversos

ma��os de notas. Manda Palito conferir. As no-

tas s��o entregues, a Natureza.

��� Pode t��^ certo que o bicho �� de palavra

��� diz ainda^��.da Hora, antes de seguir com

Natureza na dire����o do elevador.

Soneca e Robejt��o descem com eles. Durante

uns instantes, Lucaro fica se balan��ando na ca-

deira. A��,, subitamente, 'o calabr��s �� tomado de

um acesso'de riso. Palito tamb��m ri, Mestre

Z��vi n��o tem como permanecer s��rio.

��� Parece uma com��dia! ��� afirma Lucaro.

��� S�� acho que se t�� mexendo com muitas

pedras ao mesmo tempo ��� pondera Palito.



Lucaro torna-se s��rio.

��� Quer dizer ent��o que n��o se tem condi����o

de controlar esses bostas? ��� indaga Lucaro, fi-

cando de p��. ��� Pois saiba de uma coisa: ta-

mos puxando direitinho cada um dos cord��es

que fazem com que se movimentem. O neg��cio

�� ter calma. A equipe �� pequena, mas t�� mos-

trando que tem valor.

��� S�� acho que n��o se deve menosprezar o

advers��rio.

Mestre Z��vi faz uma interven����o vaga, Lu-

caro n��o presta aten����o ao que diz, Palito pros-

segue :

��� A carreta entrou em cima dos carros por

erro ou foi de prop��sito?

��� Assim �� imposs��vel trabalhar, cara. Te-

rnos de acreditar em alguma coisa ��� declara

Lucaro. ��� Compete a n��s saber pegar as con-

tradi����es deles e botar pra quebrar.

O telefone toca, Mestre Z��vi atende, passa

para Lucaro.

��� �� Madame Berta.

��� Madame Berta? ��� indaga Lucaro, antes

de pegar o fone.

��� A modista ��� lembra Palito.

Lucaro vai ouvindo, os olhos, se abrem mui-

to, um riso se espalha por todo o rosto.

��� Vamos j��. Em dez minutos se chega a��!

Entrega o fone a Mestre Z��vi com muita

anima����o.

��� O Z�� da Hora deu um pla firme. Sabem

quem t�� na casa de Madame Berta? Nossa gati-

nha . Chegou h�� coisa de cinco minutos.

��� E como descobriu o endere��o? ��� quer

saber Palito.

��� N��o importa. O certo �� que t�� l�� ��� afir-

ma Lucaro.

��� Isso quer dizer que decidiu ficar do nosso

lado ��� diz Mestre Z��vi.

��� Entendeu que a barra com os caras da

DSM n��o �� mole ��� acentua Lucaro.

Palito mostra-se reservado. Soneca e Rcber-

t��o aparecem. Lucaro manda que se dirijam ��

casa de Madame Berta, usando carros diferentes.

��� Nada de mancadas ��� diz ele.

��� E se a gatinha armou um la��o pra gente,

como se vai fazer? ��� indaga Palito.

Robert��o e Soneca param diante de Lucaro,

Mestre Z��vi tamb��m n��o encontra o que dizer.

Lucaro balan��a-se na cadeira, pensa um momen-

to na coloca����o do auxiliar.

��� Ele tem raz��o. Todo cuidado �� pouco. So-

neca salta dois quarteir��es antes da casa de Ma-

dame Berta. Se notar alguma coisa suspeita, tra-

ta de cair fora. Robert��o passa de carro pela

casa e estaciona um quarteir��o �� frente. Na

porta de uma panificadora.

Depois dessas explica����es os dois se sentem

mais encorajados, desaparecem no elevador. Pa-

lito faz novas suposi����es:

��� Acha que ela se abriu com o pessoal da

DSM?

��� N��o creio. N��o tinha nada a dizer. Se

soubesse do nosso endere��o, n��o tenha d��vida de

que j�� teriam batido por aqui ��� diz Lucaro.

��� E qual vai ser o papel dela daqui por

diante? ��� pergunta Palito.

��� Fazer Zanete entender que a gente n��o

tem nada a ver com os tais 10 milh��es ��� res-

ponde Lucaro. ��� Se mostra os caras que tive-

ram implica����o na morte do nojento e deixa

ela agir. Acabasse matando dois coelhos de uma

vez: limpa a barra com o neg��cio do dinheiro e

d�� baixa numa s��rie de tipo safado. O progra-

ma iniciado com Virg��lio n��o pode parar a �� .

Palito n��o faz considera����o alguma, Lucaro

torna a espetar o punhal na mesa, Mestre Z��vi

atende o telefone.

30���

��� �� Harmonia.

Lucaro evita que a conversa se alongue. -N��o

gosta de Harmonia. De todos os ajudantes de

Natureza �� o que menos topa. Manteve-se sem-

pre desconfiado com ele.

��� Parece que o pessoal do Natureza resol-

veu se mexer. Tou at�� achando estranho ��� diz

Lucaro. ��� J�� sabem quem tirou a mercadoria

do apartamento do Arc��dia. "

��� Disse quem foi? ��� indaga Mestre Z��vi.

��� N��o. Mas, pelo que deixou entendido, t��o

no rumo certo ��� acrescenta Lucaro.

��� E se Papa-Defunto der com a l��ngua nos

dentes? ��� argumenta Palito.

��� Vai ser o primeiro servi��o da gata. Atrair

Papa-Defunto pra local que nos convenha.

��� E por que n��o marcar logo um encontro

com ele no apartamento de h��spedes? ��� quer

saber Mestre Z��vi.

Lucaro pensa na sugest��o, mex��-se na ca-

deira.

��� V�� se consegue localizar o homem, Pa-

lito!

Palito d�� uns telefonemas. N��o consegue

nada.

��� O melhor �� mandar Soneca -no IML ���

diz Lucaro. ��� Ele traz o bicho pra c��, se re-

solve a parada.

Mestre Z��vi acha o racioc��nio correto.

��� Melhor do que botar a mo��a nessa jo-

gada. Ela vai precisar no minimo de duas se-

manas pra se adaptar. ��� .'

��� Acho que Harmonia acaba de cometer

uma grande mancada ��� diz Lucaro. ��� Se quer

nos assustar, n��o vai perder por esperar. Ao

mesmo tempo era bom que se soubesse as liga-

����es que t��m 'com Papa-Defunto.

��� �� exatamente o que tava pensando ���

diz Palito com veem��ncia. ��� E se tiver tudo

���31

combinado entre eles? Quando Papa-Defunto

fingir que caiu na isca, n��s �� que tamos sendo

fisgados...

��� Pois ent��o tenho uma id��ia mais pr��tica

��� diz de repente Lucaro. ��� Mestre Z��vi se

planta logo mais perto da casa dele e acaba

com o problema.

��� Isso �� o mais certo ��� confirma Palito.

Mestre Z��vi abre o arm��rio, tira o 38, movi-

menta o tambor, recolhe as balas.

��� Espero Soneca ou vou sozinho?

Lucaro atira-lhe as chaves do carro.

��� Pode usar o Opala. V�� se tem bastante

gasolina.

Palito deseja-lhe sorte, o velho de complei-

����o maci��a espera o elevador, desaparece. A��,

vendo-se s�� com Palito, Lucaro sente certo te-

mor. N��o entende por que, de repente, ficaram

sozinhos. E, embora n��o demonstrasse, passou-

a analisar at�� que ponto aquilo fora planejado

por Palito. Afinal, por que n��o desconfiar dele?

Na verdade aquele companheiro de tantos anos

acreditava na sua atua����o ou esperava o melhor

momento de atacar? E Lucaro conhecia o quanto

Palito era sutil. Como conseguia raciocinar bem

mais longe do que ele. Mas, se pretendia pre-

gar-lhe uma surpresa, por que o advertia tanto

contra o perigo? Provavelmente era apenas um

teste. Palito nunca se afobava. Ao mesmo tem-

po imagina que aquilo tudo eram suposi����es.

Vagas suposi����es. Como ele mesmo defendia,

deveria acreditar e"m alguma coisa, do contr��rio

a vida se tornaria um espa��o em branco, abso-

lutamente insuport��vel. E, afinal, que vida era

aquela que estavam levando?

Palito move-se pela sala. Olha as cartas de

Mestre Z��vi, lan��adas sobre a mesa, vai ao ba-

nheiro, mexe na pilha de jornais.

Lucaro faz um sorriso, balan��a-se na cadeira.

32���



��� Quando tudo isso tiver claro, pode t�� cer-

to que n��o vou esquecer a ajuda que me deu.

O que recolher ser�� teu tamb��m. Meio �� meio.

Como sempre foi.

Palito n��o entende muito bem a respeito do

que vem aquela explica����o extempor��nea. Nem

se mostra interessado. Oferece caf�� a Lucaro,

ele aceita, ambos v��o tomando, pequenos goles,

enquanto Palito considera ser um golpe de sorte

do grupo ter de volta a mulher.

��� Com ela aqui ��� diz ��� se pode de fato

promover uma reciclagem do sistema. E o lixo

que for aparecendo por a�� "n��o causar�� proble-

mas.

��� Foi o que sempre quis fazer ��� afirma

Lucaro. ��� S�� que ainda n��o era o momento

oportuno. Imaginei contar com o Fl��vio pra

isso, mas tava errado.

cap��tulo 5

O Opala desliza por baixo das ��rvores, onde

se escondem pardas barulhentos. Mestre Z��vi

ajusta a capa, come��a a andar. As ruas esta-

vam desertas e ainda n��o eram 18 horas. Os

carros passavam r��pido, os ��nibus rangiam o

freio na parada do botequim. Mestre Z��vi teve

vontade de entrar, sentar-se numa das mesas,

conversar com os poucos tipos que ali estavam.

H�� muito tempo n��o fazia isso. Desde que se

meteu nos neg��cios com Lucaro. Mas sabia

tamb��m que um homem n��o deve querer todas

as coisas ao mesmo tempo. Era um pensamen-

to correto. Quando trabalhou vinte anos segui-

dos no entreposto de pesca teve tempo bastan-

te para sentar-se nas mesas com pescadores e

feirantes. Era uma turma alegre. Os gar��ons

se aproximavam. Uns preferiam cacha��a pura,

outros pediam chope, ele sempre gostou de vi-

nho. Por mais ordin��rio que fosse! Em com-

pensa����o a vida era dif��cil. Quase, nunca tinha

dinheiro suficiente para pagar o' quartinho no

hotel, adiava o pagamento da comida na Pen-

s��o Castelo. Tudo muito dif��cil. Esses proble-

mas se acabaram, mas vieram outros. Agora, o

mais grave, o que irritava, era n��o poder mos-

trar-se . Deveria estar sempre em guarda. Sem-

pre de sentidos alerta. A qualquer momento

o perigo surgia. Numa esquina, por tr��s de uma

porta, de dentro de um carro em movimento.

N��o entraria no bar. Aproveitaria para fazer

um longo exerc��cio, caminhando at�� o dep��-

sito da cervejaria. Depois voltaria, porque nun-

ca se sabe o que pode acontecer. E se Papa-

Defunto resolvesse vir mais cedo para casa?

Como �� que ia explicar a Lucaro? N��o queria

���35

ouvir as cr��ticas comuns a Soneca e Robert��o.

Mestre Z��vi tinha outro padr��o. Inspirava con-

fian��a .

Quando as luzes nas ruas e nas casas esta-

vam acesas, encostou-se no p�� de f��cus italiano.

Uma ��rvore copuda que, ��quela hora, parecia

mais escura que a pr��pria noite chamuscada

de brilhos. Os pardais haviam silenciado, os

carros continuavam passando em velocidade.

Ent��o Mestre Z��vi compreendeu que aquele era

um bairro pacato, povoado de pessoas da classe

m��dia que voltavam sempre muito tarde, a fim

de manter o carrinho na garagem improvisada,

a casa simples, a esperan��a por tr��s de quatro

paredes. N��o entendia por que esse tipo de

gente persistia em progredir, se a vida em geral

n��o significava muita coisa. E quem sabe o pr��-

prio Papa-Defunto n��o estaria ��quela hora, fa-

zendo planos, iludindo pessoas chorosas, na ��n-

sia de amealhar cada vez mais? Disso n��o tinha

a menor d��vida. Nas vezes em que estivera com

ele, vira bem como era ganancioso. A princ��-

pio admitia isso como coisa de jovem. Depois foi

verificando que se*ehganara. Papa-Defunto era

mau. E, Mestre Z��vi teve vontade de rir. Os

caras maus de" hoje n��o eram mais como os de

antigamente, que apresentavam aqueles olhos

saltados, marcas profundas no rosto, bei��os gros-

sos. Papa-Defunto era at�� simp��tico. Essa sim-

patia tornava-se maior porque estava sempre

rindo. E tinha, uns gestos agrad��veis.

A mulher se aproxima, pergunta para que

lado era a rua Para��so. Esfor��a-se para recor-

dar. A mulher fixa-o com aten����o, depois con-

tinua a caminhada. Mestre Z��vi fica se recri-

minando pela distra����o. Como deixou de pres-

tar aten����o na mulher que se aproximava? Co-

mo s�� foi perceber quando ela j�� estava falan-

do, indagando a respeito da tal rua?

36���

Um instante de tristeza invadiu as entranhas

do velho. Estava perdendo os reflexos. Dez anos

antes aquela mulher n��o teria chegado cem

metros, sem que logo percebesse.

Essa esp��cie de lamenta����o silenciosa teria

se alongado ainda mais, se n��o visse o carro que

apontou no final da rua e rodava lentamente,

far��is de luz baixa acesos. Imaginou tratar-se

do pr��prio pessoal de Natureza, querendo com-

plicar a hist��ria. Imaginou uma surpresa dos

agentes da DSM, ou petul��ncia do Robert��o.

Nunca acreditou direito naquele cara. Entre as

coisas de Lucaro que n��o conseguia engolir,

aquela era uma: Robert��o sair para a rua, com

tarefas importantes a cumprir. Mais cedo ou

mais tarde Lucaro iria lhe dar raz��o. O carro

vem se aproximando e, agora, n��o tem d��vida

de que os ocupantes est��o numa miss��o de ob-

serva����o. Com pequeno esfor��a eleva-se nos

galhos do f��cus. O carro passa, torna a voltar

�� sua posi����o, atento ��s lanternas traseiras, at��

que se perdem.

O ��nibus p��ra, saltam algumas pessoas, em

poucos instantes apenas o homem caminha pela

cal��ada, pasta na m��o. Torce para- que seja

Papa-Defunto. O cara j�� est�� t��o perto que

ouve seus passos. Aproxima-se do port��o, quan-

do vai abri-lo Mestre Z��vi sai das sombras.

��� Marchetti!

O homem j�� abriu o cadeado, a corrente faz

certo ru��do, Mestre Z��vi est��_ perto, bra��os es-

tendidos .

��� Puxa! Que expediente t��o longo �� esse?

Vai acabar enriquecendo!

Marchetti sorri, convida-o a entrar.

��� Fica pra outro dia. Lucaro tem um ser-,

vicinho que pode te interessar.

���37

E, chegando o rosto o mais perto poss��vel do

ouvido de Marchetti, cochicha.

��� Vinte mil, na moleza!

Marchetti torna a sorrir.

��� O pessoal teve por aqui um temp��o, de-

pois resolveu estacionar na esquina. Vamos at��

l��.

Mestre Z��vi p��e o bra��o nos ombros do mo��o,

inicia uma.conversa sem sentido. Distanciam-se

por baixo dos postes de ilumina����o, como dois

amigos: a vida e a morte.

38���

cap��tulo 6

Ap��s uma semana de chuva, o sol voltou a

aparecer. �� tarde fazia um pouco de calor e

Natureza esfregava repetidas vezes o len��o no

rosto.

No bar, em frente �� Divis��o T��cnica,, est��

reunido com Harmonia, Z�� da Hora e Queixada.

Este ��ltimo fala pausadamente e baixo. Natu-

reza mostra-se nervoso.

-��� Pelo que me disseram ��� afirma Queixada

��� o corpo foi levado sigilosamente pro I M L .

Diz o Montanha que tiraram da B��llings. Uns

pescadores acharam. A fam��lia? Acho que n��o

sabe de nada!

��� De quem se suspeita? ���- indaga Harmo-

nia.

��� Em princ��pio, de todos -- responde Na-

tureza.

��� Calma. Vamos manter a cabe��a fria e

tratar de raciocinar ��� prop��e Z�� da Hora. ���

Afinal, quem sai pra chuva �� pra se molhar.

Lamento o que aconteceu com Virg��lio, mas

qualquer um de n��s corre o mesmo risco.

��� Ent��o, por onde come��ar? ��� quer saber

Natureza.

��� Em quantas transas o Virg��lio. tava me-

tido?

��� E como se vai saber! ��� responde Quei-

xada.

��� Temos de levantar uma p�� de hip��teses,

examinar cada uma e eliminar as que n��o s��o

v��Ldas ��� diz Z�� da Hora.

��� Tu, que vivia com ele pra cima e pra bai-

xo, que tem a dizer? ��� indaga Natureza, diri-

gindo-se a Harmonia.

���39

��� Bem ��� come��a Harmonia ��� ele levava

tamb��m uns papos com os traficantes da Z��

Paulino. Coisa leve. N��o creio que tenha for-

��ado a barra.

��� E aquela hist��ria com o pessoal da Ceasa?

Tu sabia alguma coisa disso? ��� pergunta Z��

da Hora.

��� Vi ele se queixando uma vez que tinha

sido passado pra tr��s pelos caras que contro-

lam o frete. Depois n��o tocou mais no assunto

��� explica Harmonia.

��� Acho; que. esse papo n��o leva a nada ���

afirma Queixada.

��� Ent��o o que �� que prop��e?

��� Sei l��! Temos de levantar todos os passos

do homem, Onde foi que ele teve por ��ltimo,

antes de morrer. Quem botou o olho nele pela

��ltima vez? Aquela hist��ria que todo investi-

gador de merda deve saber ��� diz Queixada com

ironia.

��� Pra chegar a isso, se tem de saber pri-

meiro o dia certo em que foi morto ��� considera

Natureza..

��� Pois ent��o vamos atr��s do laudo. A par-

tir da�� se pensa no que fazer ��� afirma Quei-

xada. ��� -N��o adianta a gente t�� aqui levan-

tando suspeitas.

��� Quem fica encarregado de pegar uma c��-

pia do laudo?

��� Deixa comigo ��� diz Queixada. ��� J��

falei com Montanha. Ele tamb��m t�� na jogada.

Amanh�� se sabe disso tudo.

��� J�� que �� assim ��� come��a Natureza um

tanto formal, como se presidisse uma sess��o

solene ��� vamos ao assunto seguinte. O caso

da gatinha, que apanhou paca na DSM. Ter-

minei sabendo da fria em que se ia entrando.

Fui no setor de r��dio, procurar o delegado. A��

ouvi aquele fariseu do Gilvandro recebendo o

40���

pl��. Iam sair com a gatinha por a��, at�� encon-

trar o caminho de Lucaro e depois o nosso. Dei

um al�� pro Stockller, ele se virou e cantou a

pedra com seguran��a. A garota ia passear com

um tal de Malta. Bati um fio pro calabr��s,

depois fui l�� com o Da Hora. Se prop��s uma

nota pro tal Malta. O calabr��s topou. Cem mil.

Queixada assovia, Natureza n��o se incomoda

com isso.

��� O Malta morou na jogada e viu que ia ser

seguido por outros caretas. A�� foi que se bolou

aquela da carreta, pra pegar o carro que vinha

seguindo Malta. Deu em merda, porque o

motorista era um pateta. De qualquer forma,

nem eu sei explicar, o Malta tava mesmo a fim

da grana. Acabou dando um jeito de bater com

o carro n��o sei por onde, o que permitiu a fuga

da gatinha.

��� Sem mais nem menos... considera

Harmonia.

��� N��o sei como foi ��� argumenta Natureza

��� o que sei �� que ela foi estourar na casa

daquela puta velha chamada Berta. - A�� Berta

botou a irm��zinha do nojento em contato com

Lucaro e t�� tudo em paz outra vez. - .

��� Um final feliz ��� diz Queixada:

��� Tamb��m n��o tou acreditando muito na

jogada desse tal Malta ��� afirma Z�� da Hora.

��� Bem, isso �� outro ponto que depois se

pode discutir ��� afirma Natureza; ��� 'O mais

importante, agora, �� saber a comiss��o que cobrei,

por ter arranjado o extra pro Malta.

Natureza faz riso c��nico, passa o len��o na

testa, apoia maci��amente os bra��os volumosos

nas bordas da pequena mesa e diz, aproximan-

do o rosto:

��� Oitenta mil!

Recosta-se na cadeira, esfrega as m��os, mos-

tra os dentes mi��dos.

���41



��� Aquele calabr��s pensa que nos enraba,

mas se ferra sempre!

��� D�� a modesta quantia de 16 mil pra cada

��� acentua Z�� da Hora, demonstrando estar por

dentro da transa.

��� �� pena que Virg��lio n��o teja presente!

��� O mais engra��ado ��� acentua Natureza,

sempre rindo ��� �� que o ot��rio do Malta ainda

achou que vinte mil era o maior dinheiro que

j�� havia ganho de uma s�� vez.

��� E o que �� que o Lucaro ainda vai querer

com a pequena? ��� indaga Queixada.

��� Os 10 milh��es que ningu��m sabe por

onde andam ��� diz Natureza, com simplicidade.

��� Enquanto fica nessa briga ��� considera

Z�� da Hora. ��� se pega as sobras. S�� queria saber

com precis��o era a respeito desse tal Malta.

Conhe��o o Stockller, mas n��o me lembro do

Malta. E olha que j�� transei um temp��o com

aqueles motoristas da DSM.

��� N��o fica- grilado que a gente vai apurar

isso ��� afirma Queixada.

��� E, se o Virg��lio foi apagado por algu��m

da DSM? ��� quer saber Harmonia.

Natureza. torna a apoiar os bra��os volumo-

sos na borda da mesa.

��� S�� nos resta um caminho: queimar o

cara; ou os .caras. Se querem guerra, v��o ter

guerra.

O portugu��s, por tr��s do balc��o, atende ao

telefone, chama Natureza. O homenzarr��o gor-

do ergue-se, as cal��as apertadas entre as pernas.

Quando- o gar��om termina de recolher os copos

e limpa a mesa, retorna.

��� �� Montanha. T�� no Instituto de Crimi-

nal��stica com uma novidade do cacete.

Os olhares voltam-se para ele, o gar��om dis-

p��e outros copos dourados de chope.

��� Descobriram quem matou Virg��lio? ��� in-

daga Harmonia, um tanto impaciente.

��� Quem dera! Descobriram o corpo de Car-

los Eduardo Marchetti, a dois quarter��es da

casa dele, l�� pros lados de Cambuci. E se n��o

sabem quem era Marchetti, ent��o fiquem saben-

do que �� Papa-Defunto!

��� Queimaram Papa-Defunto?

��� Ent��o a coisa n��o �� isolada ��� diz Quei-

xada. ��� Algu��m t�� com a m��o estendida pra

nos pegar.

��� Quando foi que souberam?

��� Ontem de madrugada. Por volta de lh30.

Al��m do buraco do 38 na cabe��a a per��cia n��o

encontrou qualquer impress��o ��� afirrna Natu-

reza. ��� Acham que �� coisa de profissional.

��� E o que �� que a gente vai fazer? quer

saber Harmonia.

��� Que �� que tu acha? ��� responde um

tanto irritado Z�� da Hora.

��� Acho que se deve preparar uma isca e

ficar de olho ��� prop��e Natureza. Por en-

quanto n��o sei como, mas depois se d�� um jeito.

��� Eu come��aria pelo pessoal de Lucaro ���

diz Z�� da Hora.

��� Eu por aqueles pilantras da DSM, que

querem tudo pra eles. Principalmente esse tal

de Stockller ��� afirma raivosamente Harmonia.

��� E se Lucaro se juntou com a turma de

Stockller pra dar fim na gente? ��� argumenta

Queixada.

��� Bem, se for pensar nisso, n��o se sai mais

de casa ��� responde Natureza. ��� Acho que se

t�� inventando fantasma. A gente estuda como

fazer a isca e manda pra cima deles. Quem pegar

a bola t�� passando recibo.

��� Nesse caso, sou de opini��o que se deve

catucar o calabr��s primeiro ��� afirma Queixada.

���43

Natureza leva o copo de chope �� boca, n��o

sabe o que deva ser proposto como "isca". Tem

certeza de que, se n��o apresentar um plano ela-

borado, logo Palito desconfiar�� da manobra e

a��, al��m da inimizade, v��o perder a possibilidade

do dinheiro que sempre pinga.

��� Topo qualquer parada. Comigo n��o tem

tempo ruim ��� diz Natureza, pondo o copo sobre

a mesa; ��� Acho apenas que se tem de botar

muita graxa ha jogada, N��o esque��am que a

gente t�� lidando com bons jogadores. Caras que

pegam no baralho e sabem o que fazer com as

cartas.

E por que ent��o n��o se bola que tipo de

isca usar? ��� indaga Harmonia.

��� Tu acha por acaso que �� f��cil! ��� argu-

menta Natureza, ��� Qual �� a id��ia que tem a

respeito-?

��� Ora eu procuraria envolver a pr��pria ga-

rota.

Z�� da Hora fica surpreso com a agilidade

demonstrada por Harmonia, faz um riso largo.

Ta��. Gostei da sugest��o. Que tal isso,

hem?

Natureza n��o responde, Queixada considera

que o dificil �� chegar at�� a mulher.

��� E por que n��o o Soneca, que tem bronca

de Lucaro? ��� sugere Natureza.

Os olhos de Z�� da Hora brilham de satis-

fa����o.

��� �� isso a��, gordo maldito!

Natureza sente-se um tanto envaidecido,

prossegue na sua linha de racioc��nio:

��� Desde o ano passado que Soneca come-

��ou essa bronca. Acho que �� tudo por causa do

Robert��o, que �� peixinho do calabr��s. Arranja

at�� mulher pra ele, o puto! A gente chama So-

neca pra levar um papo e manda brasa. Depois,

�� s�� esperar. Se n��o der em nada se chama

44���

ele de novo, despacha do planeta, faz Lucaro

acreditar em jogada do pessoal d�� DSM ou at��

mesmo de Zanete.

��� Isso a��. O Zanete ��� afirma Queixada. ���

Lucaro vive se cagando de medo dele!

Mais uma vez o homem do balc��o chama Na-

tureza ao telefone. Z�� da Hora examina os bol-

sos do palet��, em busca do isqueiro, Harmonia

lembra que j�� �� tarde, ainda tem de voltar �� Di-

vis��o T��cnica. O gar��om recolhe as notas, Na-

tureza se aproxima reclamando das aporrinha-

����es de dona Ivonete, do recado que deixou o

delegado, exigindo o inqu��rito conclu��do at�� o

final da semana. Z�� da Hora prop��e ajud��-lo,

Natureza confessa n��o gostar de trabalhar aos

s��bados e domingos.

��� A n��o ser quando �� extremamente neces-

s��rio!

Diz isso e come��a a rir, no que �� acompanha-

do pelos parceiros.

���45

cap��tulo 7

A porta se abre na sala mal iluminada, po-

r��m familiar a Mestre Z��vi. Sentado em frente

��s cartas est�� Soneca.

��� Ganhando ou perdendo?

Soneca sorri. O velho joga a capa sobre a

cadeira, recoloca o 38 no arm��rio, guarda cui-

dadosamente as balas no estojo guarnecido de

feltro.

��� Vindo de algum trabalho?

��� Um extraordin��rio sempre fez bem �� sa��-

de ��� �� tudo que diz o velho.

Senta-se em frente a Soneca, recolhe as" car-

tas, manda que parta.

��� E a irm��zinha do Jackson? Apareceu,

mesmo?

��� J�� foi pro apartamento. Lucaro e Palito

foram ouvir a hist��ria dela. Robert��o vai ficar

l��, tomando conta quando os dois. sa��rem ��� diz

Soneca, um tanto despe tado.

��� E Berta pode continuar transando? Lu-

caro n��o falou no caso dela?

Soneca arregala os olhos. N��o havia pensado

nisso.

��� Desde que encontraram a gatinha, se t��

sem seguran��a!

��� Vai ver que Palito j�� tem alguma bola-

����o ��� argumenta Soneca.

Soneca perde como sempre, partem para

uma outra jogada. Mas, na realidade, Mestre

Z��vi n��o est�� motivado. Embora mantenha as

apar��ncias, o que desejava agora era fechar-se

no seu apartamento de hotel, puxar as cortinas,

dormir at�� o dia seguinte. N��o consegue enten-

der por que algumas das palavras de Papa-De-

funto ficaram lhe azucrinando a mem��ria.

���47

��� Com esse frio que t�� fazendo o bom era

se tomar alguma coisa quente ��� diz Soneca.

��� Boa id��ia ��� exclama o velho, erguendo-

se e abrindo o arm��rio. ��� Isto aqui �� um bom

vinho.

Traz a garrafa para a mesa onde est��o as

cartas, tira a corti��a com a ponta do punhal de

Lucaro. P��e um pouco em cada copo, brinda

com Soneca.

��� Que caso foi o seu?

O velho olha-o sem ��nimo de falar. Sabe, no

entanto, que n��o deve haver segredos entre eles.

��� Papa-Defunto. Fazia tempo que n��o o

via. Anteontem o vi pela ��ltima vez.

��� Sofreu muito? ��� indaga Soneca com seu

jeito que faz lembrar um excepcional.

Procurei ser o mais preciso poss��vel.

��� Era amigo da gente. Gostava dele. N��o

entendi essa do Lucaro ��� argumenta Soneca.

Mestre Z��vi lamenta, resolve indagar a res-

peito de Papa-Defunto. Como era de fato, o

que fazia, por que se metia em tantas embru-

lhadas.

��� Ora, ele tinha um ideal. Quando se tem

um ideal a .gente fica assim. Sempre traba-

lhando, at�� botar a coisa de p�� ��� diz Soneca,

um tanto desiludido.

��� E que ideal era esse? Tava numa transa

igual a do Jackson?

��� Nada disso ��� responde Soneca, sorrindo.

��� Era lel�� da cuca. Queria juntar dinheiro pra

fazer um asilo de velho.

��� Asilo pra velho?

��� Ele me dizia que a m��e j�� tava com 70

anos a casa onde moravam era bem grande

pros fundos. Vinha juntando uns cobres e quan-

do tivesse bastante ia fazer umas obras. A��

transformava a casa num asilo. Tinha plano

48���

at�� de contratar um m��dico e uma enfermeira

pra cuidar dos velhotes. Era lel�� da cuca.

��� E como pretendia manter o neg��cio?

��� Ora, descobriu um meio gozado de ganhar

a nota. Nem precisava mais de Lucaro. Dos de-

funtos que iam pro IML pegava dentadura, piv��

e at�� obtura����o. Depois vendia pros prot��ticos.

Mestre Z��vi torna a botar vinho nos copos,

enquanto v�� Papa-Defunto falando, falando,

teme que Soneca possa ouvi-lo.

Se tudo correr como espero, nos pr��ximos

cinco anos vou come��ar uma obra s��ria, que n��o

tem nada com o que tou fazendo atualmente."

Ent��o era aquilo. S�� agora entenda por que

aquele rapaz lhe parecera sempre t��o .alegre

e despreocupado. N��o era a figura m�� e cal-

culista que Lucaro pintava. ���

Toma mais vinho, Soneca continua a falar

das perip��cias de Papa-Defunto para conseguir

dinheiro. Em dado momento o velho se levanta, pega de novo a capa, diz ter esquecido de um

encontro importante.

Soneca considera estranho seu comporta-

mento mas, se ainda estava v vo, era exatamen-

te por ter aprendido a n��o se envolver nos pro-

blemas particulares de cada um. Continua em

frente ��s cartas, cumprindo o plant��o da ma-

drugada que lhe fora imposto. Sabe que a qual-

quer momento Lucaro e Palito aparecer��o. Est��o

sempre acordados. N��o se recorda de ter che-

gado algum dia ��quela sala e n��o ver logo a

cara indiferente do calabr��s. Palito costumava

desaparecer de manh��. Quando voltava, tinha

os olhos inchados e vermelhos.

Mestre Z��vi liga o motor do carro, sai de r��.

Passa por ruas esburacadas e amplas avenidas

iluminadas, at�� chegar ao pr��dio, onde v��rias

pessoas se movimentam. Ao funcion��rio identi-

���49



fica-se como agente policial. Seu desejo �� ver o

corpo de Carlos Eduardo Marchetti.

O homem manda que tome o elevador no

final do corredor. O elevador sobe com fr��geis

estalidos. No sal��o amplo e pouco iluminado, o

servidor de avental branco puxa uma gaveta,

outra, l�� estava Papa-Defunto.

��� O senhor �� da fam��lia?

Ficar um tanto embara��ado. Diz ser o in-

vestigador que estava tentando esclarecer o caso.

O servidor prossegue falando. Afirma ter co-

nhecido Marchetti e achar estranho que algu��m

o desejasse matar.

V a i ver que foi um engano.

O servidor parece n��o ouvir a pondera����o,

fala do tempo em que Papa-Defunto andou lhe

criando problemas por tentar ajudar pessoas

que chegavam ao IML, sem nenhuma orien-

ta����o.

A gaveta se fecha, Marchetti parece ainda

estar rindo, os olhos de Mestre Z��vi enchem-se

de l��grimas, o servidor caminha para outro sa-

l��o e, ali, no meio de tantas cadeiras vazias,

��quela hora da madrugada, est�� a velhinha en-

rugada. Quando v�� o homem de avental se apro-

ximando e a outro, de capa, ela se levanta com

dificuldade, vai agradecer por ter vindo.

��� Meu menino tinha bons amigos. N��o sei

por que fizeram isso com ele.

Mestre Z��vi j�� n��o escuta o que diz o servi-

dor, as palavras da velhinha o atingem como

l��minas. Retira-se daquele sal��o e daquele pr��-

dio, acelera por qualquer rua, sente a respira-

����o faltar, n��o consegue entender que estranha

for��a se est�� apoderando de sua vontade.

Estaciona na pracinha deserta, entra no bar

para tomar um caf�� quente. Reanima-se um

pouco, pede a chave do apartamento na porta-



ria, estende-se na cama de roupa e tudo, olhos

perdidos num ponto que n��o podia atingir.

Recorda a conversa de Soneca sobre o pro-

jeto de Papa-Defunto e, pela primeira vez, ar-

repende-se de ter abandonado sua fun����o no

entreposto para seguir Lucaro e Palito.

Agora, estava tudo claro. Ambos, tratavam

os colaboradores como se fossem meros bonecos.

Punham uns de p��, quando desejavam que ou-

tros os matassem. Elimina����o m��tua, para que

entre ambos reinasse a mais absoluta seguran-

��a. Virg��lio foi morto por que podia vir a ser

prejudicial. Papa-Defunto seguiu o mesmo ca-

minho. E ele fora o instrumento da execu����o.

Com toda a experi��ncia adquirida nos seus

58 anos de vida, tinha de admitir estar sendo

arrastado, segundo as vontades de dois aut��n-

ticos pilantras. E o inteligente seria continuar

deixando-se dar corda. Como se fosse um brin-

quedo. N��o sabe por que, tamb��m, come��a a

p��r d��vida sobre o desaparecimento dos 10 mi-

lh��es de que tanto Lucaro falava.- O dinheiro

sumiu ou desapareceu apenas o portador, assim

como desapareceu a mercador a do Hotel Arc��-

dia? Um homem vivo esse Lucaro. Muito vivo,

Mestre Z��vi. E voc�� se deixando levar na mar��.

Mas daqui em diante a coisa seria diferente.

Na primeira oportunidade ver�� de quantos paus

se faz uma canoa.

A manh�� come��a a clarear. Os olhos ficam

pesados, os pensamentos distanciam-se. Ao le-

vantar s��o quase 11 horas. N��o tem pressa de

ir ao escrit��rio, como nos outros dias. Quanto

menos visse Lucaro e Palito, tanto melhor para

sua sa��de.

cap��tulo 8

Ana Maria estava cada vez mais desconfiada

com tantas aten����es. At�� Palito, sempre calado,

agora falava, sugeria coisas. Robert��o, talvez

por estar diante dos chefes, era o menos ex-

pansivo.

��� O que lhe disse, antes de dar no p�� se

confirmou. E pode t�� certa que teve muita

sorte. Se cai nas garras do Comodoro, a esta

hora n��o estaria aqui, ouvindo os conselhos de

Lucaro.

Nesse ponto tamb��m Robert��o aproveita pa-

ra dizer o que sabe dos caras da DSM. Ana Ma-

ria ouve, em certos momentos sorri.

��� Robert��o fica um pouco por aqui, pra

evitar aborrecimentos ��� diz Palito, levantan-

do-se .

Ana Maria vem at�� a porta, n��o sabe se deve

ou n��o considerar-se agradecida, n��o sabe se

permitir�� ou n��o a Robert��o prosseguir nas suas

intimidades. De uma coisa no entanto estava

certa: n��o gostaria de tornar a ser levada aos

por��es da DSM. Nisso Lucaro tinha raz��o. E

quando lhe diziam que aquilo era apenas o

princ��pio, a introdu����o de um exerc��cio de tor-

tura que fatalmente se encerrava, quando a v��-

tima estava morta, Ana Maria sentia um cala-

frio .

Mas, para Robert��o o mundo n��o tinha co-

res sombras. Ou talvez nem tjvesse cor algu-

ma. Deliciava-se com o que fazia e s�� se tornava

comunicativo �� noite. Era, como ele pr��prio

cansara de afirmar, um ser noct��vago.

��� Se botar o p�� na rua meio-dia; sou capaz

de ficar cego,

���53

Agora, o papo que tentava alongar era in-

teiramente sem fundamento. E, por n��o dizer

respeito a Ana Maria, esta n��o se mostrava

interessada. Ouvia-o por considera����o e um

certo medo. Se pudesse, ainda que correndo

todos os riscos, tentaria a fuga outra vez. S��

que n��o iria mais ao aeroporto, nem �� rodo-

vi��ria. Procuraria escapar de carro, embora

n��o soubesse dirigir direito.

Robert��o falava-lhe nas jogadas que Lucaro

queria fazer com gente de mais longe.

��� J�� imaginou. Se der certo, daqui a pouco

se t�� transando numa outra. Passeando de

Boeing, conhecendo uma por����o de lugar ba-

cana. Como se fosse artista de cinema. Te digo

mesmo, se essa coisa pintar, como t��o querendo,

vou me mandar. Se Lucaro cumprir o riscado,

muito bem. Se mancar, a�� vou s�� no embalo,

sem depender mais de ningu��m. Vem comigo?

Ana Mar'a n��o sabe o que responder. Sorri,

diz n��o ter entendido nada do que contou. Por

isso n��o poder�� dizer que sim, nem que n��o.

Robert��o acha gra��a.

��� Parece mais mineira do que catarinense.

Ambos acham engra��ado. Robert��o vai at��

o arm��rio, volta com a garrafa de u��sque e os

copos.

Palito- puxa com for��a a porta do carro e

Lucaro faz uma careta de quem considera estar

tudo indo muito bem.

��� Tenho certeza que agora �� nossa ��� diz,

engrenando a marcha.

��� �� prov��vel que sim ��� considera Palito.

��� E -se Zanete n��o acreditou no sumi��o da

mercadoria?

54���

��� Ent��o se tem de dar um jeito de viver

afastado dele. Acho tamb��m que se deve pedir

a ele que mande pra c�� o Beto. Gordo e o Tar-

quinio, pra ajudar nas investiga����es. A�� vai ver

que n��o se t�� de brincadeira.

Lucaro acha a sugest��o oportuna. E, como

que continuando o racioc��nio de Palito:

��� A�� ele se encontra com a mulher. boa,

num apartamento de luxo, morre cercado de

beleza e esperma ��� diz ironicamente.

��� Isso mesmo. O pessoal de Natureza n��o

vai entender nada ��� considera Palito e ter-

mina concluindo que tanto Virg��lio quanto.Pa-

pa-Defunto foram mortos por gente de Zanete.

Lucaro torna a sorrir, o carro entra na ram-

pa, encaminham-se ao elevador. Soneca est��

quase dormindo, �� tomado de surpresa quando

os dois entram.

��� Imagina! Se fosse alguem de outro time

tu ia te estrepar ��� diz Lucaro.

Soneca encaminha-se �� pia, banha �� rosto,

abre a garrafa de caf��.

��� Cad�� Mestre Z��vi? ��� quer saber Lucaro.

��� Teve aqui rapidamente e se mandou.

��� Disse alguma coisa? ��� indaga Palito.

��� N��o falou nada!

��� Que �� que t�� dando nesse velho? Aparece

quando quer, sai sem dizer pra onde vai. ���

comenta Lucaro.

E, dirigindo-se a Palito: .

��� Acho bom chamar ele de lado, explicar

que isso aqui n��o �� um clube de ociosos. Todo

mundo tem tarefas a cumprir e elas aparecem

quando menos se espera.

Soneca bota o palet�� para ir embora, Palito

remexe no arm��ro, onde guarda as armas e a

muni����o, Lucaro est�� recostado na cadeira, ba-

lan��ando-se.

���55

Soneca j�� sumiu da sala, a madrugada ��

silenciosa e fria, Palito procura a caixa de balas.

Quando se volta, Lucaro �� tomado de extraor-

din��ria surpresa. Est�� diante de uma 45, mu-

nida de silenciador. Palito tem a mesma cara

indiferente, embora os olhos mostrem-se bri-

lhantes.

��� O que �� ;sso? T�� ficando louco?

Palito se aproxima um pouco mais.

��� N��o tente qualquer movimento, pra que

tenha tempo de contar uma hist��ria que sempre

quis saber: com quem t�� os dez milh��es?

"Lucaro n��o sabe a que atribuir semelhante

modifica����o no comportamento de Palito, tenta

umas palavras de concilia����o.

��� Sabe muito bem que n��o tenho nada de

rom��ntico ��� afirma Palito. ��� Vim te aturan-

do esse tempo todo, mas depois percebi a jo-

gada. Qu��r que a gente v�� se eliminando uns

aos outros. ��i o dinheiro aparece. E n��o have-

ria mais ningu��m pra se intrometer no teu

caminho. Nem eu.

- Que �� isso? T�� nervoso. Juro que se sou-

besse do dinheiro j�� teria dividido em partes

iguais.

��� Pois acho que sabe onde t�� e quero todo

pra mim e pra manter a organiza����o.

Aciona o gatilho, o proj��til atinge Lucaro

no ombro esquerdo, ele cai de costas da cadeira,

come��a a chorar. Palito faz um movimento r��-

pido, agora est�� bem perto, Lucaro tentando

tapar o ferimento por onde o sangue escapa, o

rosto se entortando em caretas.

��� Onde t�� o dinheiro? ��� repete Palito. ���

Vou contar at�� tr��s!

S�� a�� Lucaro decide explicar que era dono

do hotel de terceira categoria onde Jackson Al-

56���

berto se hospedava. Fez isso para que o mo��o

imaginasse estar em absoluta seguran��a. Com-

prou o hotel de um espanhol que se meteu com

o lenoc��nio e o jogo. Endividou-se, pegou o di-

nheiro que lhe dera, bateu em retirada. Lu-

caro diz ainda que nesse hotel, num aparta-

mento do 5�� pavimento, fez seu escrit��rio par-

ticular. Ali mantinha, num cofre, os dez mi-

lh��es que recolhera em poder de Jackson Al-

berto .

��� Juro que ia dividir em partes iguais con-

tigo ��� diz chorando, os cabelos despenteados,

a camisa geralmente t��o limpa agora com uma

mancha escura no peito.

��� Sempre te achei covarde ��� diz pausada-

mente Palito ��� mas n��o pensei, que fosse t��o

imundo.

Uma viatura da pol��cia passa na rua com a

sirena aberta, torna a fazer-se sil��ncio.

��� Em que livro t�� anotado o segredo do

cofre?

Lucaro tenta erguer-se para encontrar, Pa-

lito manda que se acalme, abre e fecha gavetas,

sempre atento ao calabr��s. Tira uma agenda

comprida da ��ltima gaveta, ali est��o algumas

anota����es, sobre as quais Lucaro jamais lhe fa-

lara. Palito tem vontade de rir, os m��sculos

do rosto se contraem. O dedo aciona o gatilho

duas vezes. Lucaro tenta arrasta-se para jun-

to da parede, um outro disparo arrebenta-lhe a

cabe��a.

Calmamente Palito fecha a gaveta da mesa,

ajeita o palet��, ajusta o la��o da gravata estrei-

ta, apaga a luz, entra no elevador. Quando se

aproxima do carro, est�� certo de que aquela

madrugada silenciosa fora prop��cia �� execu����o

do plano que vinha arquitetando h�� tanto tem-

po. O carro perde-se na rua deserta.

���57

De tr��s de uma coluna, no entanto, aparece

Soneca. N��o entende por que Pal'to lhe pare-

cera t��o assustado e por isso mesmo cauteloso.

Retorna �� sala, acende a luz, l�� est�� Lucaro

desfigurado de ferimentos. Imagina chamar Ro-

bert��o, sair �� procura de Mestre Z��vi mas trata

de conter-se. Toma o resto do caf�� que ficara

na garrafa, senta-se, acende um cigarro, n��o

pode deitar de olhar o rosto mutilado de Lu-

caro.

Soneca n��o sabia exatamente o que fazer.

Ficava olhando um ponto distante, no ch��o,

fixava-se outra vez no rosto ensang��entado do

calabr��s. Levantou-se, remexeu nos arm��rios,

foi at�� o banheiro, voltou trazendo um rolo de

pl��stico. Abriu no ch��o, cuidadosamente, puxou

para cima dele o corpo de Lucaro. Com uma

vassoura e pano molhado, limpou o sangue dos

tacos. - Puxou o embrulho na dire����o do ele-

vador e deste para o carro. Teve dificuldade em

erguer o corpo, sem deixar o sangue pingar no

cimento. Fechou a mala, retornou �� sala, exa-

minou detidamente os tacos, a mesa, a eade;ra.

Manchas que haviam escapado, foram pacien-

temente limpas. Soneca n��o sabia exatamente

o fundamento de sua id��ia, mas sentia que de-

veria proceder assim, e com muita cautela.

Quando deu a limpeza por conclu��da, embru-

lhou o pano molhado em jornais, teve vontade

de rir. Sabia que Palito ia ficar assombrado.

Se havia bolado o plano, contando de implicar

Mestre Z��vi ou at�� mesmo Robert��o, ia se en-

ganar. E a��, tornou a rir, como costumava fazer

e por isso achavam que era lel�� da cuca, um

excepcional que, vez por outra, conseguia rea-

lizar bons trabalhos. Um tipo sem futuro, que

Lucaro aguentava mais por pena do que por

necessidade.

58���

Joga o pano sujo na mala, o carro desce a

rampa, toma o atalho para a Avenida Marginal,

roda algum tempo ao lado do canal malcheiroso,

p��ra no posto, manda completar o tanque com

gasolina azul.

S��o mais de quatro horas, sabe que tem de

se apressar. Entra em velocidade na Via An-

chieta, passa com cautela pelo ped��gio, aumen-

ta a velocidade, pneus cantando nas curvas. Em

Cubat��o e no entroncamento da Pia��aguera o

nevoeiro ainda �� forte. Reduz a marcha, ultra-

passa o caminh��o que se desloca com lentid��o.

Uns vinte minutos depois est�� no trecho prop��-

cio �� execu����o da primeira parte do plano. Mete

o carro por entre os arbustos, a zona �� inteira-

mente deserta. Abre a mala, o rosto de Lucaro

est�� azulado, tira o buj��o onde havia, gasolina,

joga por cima do Dodge, nas rodas, por dentro

do motor. Risca o f��sforo, as chamas se alas-

tram. Fica olhando as labaredas que crescem,

tem vontade de fugr, mas sabe da necessidade

de aguentar firme. A estrada �� longa, n��o o

assusta o tanto que ter�� de andar para conse-

guir transporte de volta �� cidade.

Naquele momento, o que interessava era

ver o Dodge pegar fogo, ser transformado com-

pletamente e, com ele, o corpo de Lucaro. De-

pois de uns quarenta minutos o fogo perdurava

apenas nos restos de pneus e nos almofadados

dos assentos. A tampa da mala soltou uma das

portas queimou completamente, Soneca aproxi-

mou-se. Alongou o pesco��o, os olhos n��o en-

contraram Lucaro. Apenas um mont��o de cin-

zas. Com um graveto p��s-se a revolver as cin-

zas e achar aquilo um tanto divertido. Poucas

horas antes, Lucaro era o senhor todo poderoso,

capaz de emitir palavras que o assustavam e o

faziam passar dias e dias angustiado. Agora,

���59



apenas cinzas, como cigarro que se consumiu

na borda do cinzeiro. E, n��o sabe por que, co-

me��ou a rir do carro queimado e das cinzas do

calabr��s, que eram da mesma tonalidade e por

isso se confundiam.

cap��tulo 9

Desde cedo est�� chovendo. Nas ruas e no bar

as luzes acenderam. O primeiro a chegar e pro-

curar a mesa de costume foi Harmonia. Depois

apareceram Z�� da Hora, Queixad�� e Natureza.

Natureza esfrega o len��o no rosto, Harmonia

est�� nervoso, Queixada sorri do que dizem, do

que ouve Natureza afirmar do delegado, de dona

Ivonete.

��� Isso n��o �� nada em compara����o ao que

t�� acontecendo com a turma de Lucaro ��� diz

de repente Queixada.

Harmonia olha-o surpreso, Z�� da Hora mos-

tra-se interessado.

��� Que �� que t�� acontecendo?

��� Pelo que soube, o Palito t�� querendo dar

o bote.

��� Se conseguir passar Lucaro pra tr��s a

gente vai ter de alterar os planos. ��� diz seca-

mente Natureza.

��� Alterar uma ova ��� considera Z�� da Ho-

ra.��� Tem �� de acabar com ele ou at�� mesmo

com o calabr��s, antes que seja tarde.

��� O melhor homem de liga����o pra isso ��

o Soneca ��� diz Queixada. ��� De bobo s�� tem

a cara.

��� E o que �� que se vai dizer pra ele? ���

indaga Z�� da Hora.

-��� Uma est��ria que conven��a ��� declara Na-

tureza.

��� Se bola uma. Qual �� o problema? ��� ar-

gumenta Queixada.

��� Uma delas pode come��ar assim ��� afirma

ironicamente Harmonia: ��� Cs pilantras da DSM

n��o gostaram da atua����o de Lucaro e t��o quei-

���61

mando ��leo pra botar a m��o na irm��zinha do

Jackson. Sabem que Palito fez a bola����o toda.

��� E por que n��o dizer ��� sugere Z�� da

Hora ��� que os pilantras da DSM t��o levando

grana de Zanete e querem a mulher de volta

com os dez milh��es?

Natureza ouve sem nada dizer. Queixada

faz alguns considerandos.

��� Isso- que Z�� da Hora acaba de dizer ���

afirma. Natureza ��� �� mais natural.

��� E complica mais a coisa ��� acentua Quei-

xada.

��� Complica porra nenhuma ��� diz Harmo-

nia. ��� �� Mais ou menos o que t�� acontecendo.

Ningu��m vai me botar na cabe��a que o calabr��s

enrustiu. os dez milh��es e Zanete vai deixar

pra l��.

��� Quem liga pro Soneca? ��� indaga Natu-

reza.

��� Eu fa��o isso ��� responde Harmonia. ���

Chamo daqui mesmo, se me der o n��mero.

Natureza, tira uma caderneta do bolso do

palet��.

��� Anota l��!

��� Fala do orelh��o ��� adverte Z�� da Hora.

��� N��o confio nesse portugu��s.

��� E onde pode ser o al�� com ele?

Os que est��o na mesa entreolham-se.

��� Por que n��o ser aqui mesmo? Qual �� o

problema? indaga Queixada.

Harmonia vai embora, Queixada faz um co-

ment��rio sem import��ncia, Natureza lembra es-

tar cheio de trabalho.

��� �� bom se resolver logo essa parada. Cada

dia se t�� adiando isso. Se o bicho n��o topar ���

diz Z�� da Hora ��� se consegue outro que nos

ajude a roer a corda do calabr��s e daquele rato

magricela.

62���

Natureza ouve a lenga-lenga que se estende,

ouve o samba-can����o no r��dio de pilha, escon-

dido por tr��s das garrafas, pensa no trabalho

se amontoando na sua mesa, no dinheiro que

tem de conseguir para cobrir o pagamento de

presta����es.

Quando retorna de suas divaga����es, Harmo-

nia est�� puxando outra vez a cadeira,, a roupa

borrifada de chuva.

��� Disse simplesmente ��� come��a Harmonia

��� que aqui tem uma bomba pra estourar e se

n��o vier bater um papo com a gente vai virar

fuma��a.

Toma um gole de caipirinha, os olhares es-

t��o voltados para ele.

��� O bicho se apavorou. Deve t�� se man-

dando pra c��!

Queixada brinca com o copo pelo meio de

bebida, fala da id��ia que lhe deu.

��� Temos de fazer ele sentir que os graud��o

do grupo dele t�� dividido e a raia muda n��o

sabe de nada. Palito t�� numa jogada com Za-

nete, levando inclusive apoio da DSM. Vai ter

de escolher: ou conta o que t�� acontecendo por

l�� ou a gente vai tirar o corpo fora e quem for

podre que se quebre.

��� Isso faz sentido ��� diz Z�� da Hora.

��� Pode convencer ��� concorda Natureza.

O garoto entra no bar oferecendo jornais,

Z�� da Hora compra um exemplar, a manchete

fala no crime do oper��rio que matou a mulher

e os dois filhos.

Soneca aparece na porta, faz um sorriso

quando v�� os conhecidos. Aproxima-se, Z�� da

Hora puxa mais uma cadeira para junto da

mesa.

��� Senta a��, bicho ��� diz ele.

��� Que �� que t��o tomando?

���63

Natureza n��o se anima responder. Mostra o

copo, as rodelas de lim��o. Z�� da Hora chama o

gar��om.

��� Olha aqui, chapa ��� come��a Queixada ���

n��s tamos numa encruzilhada.

Faz um sorriso c��nico, no que �� acompanha-

do por Harmonia, prossegue:

��� Se faz a jogada de Lucaro, mas na turma

do calabr��s, tem uns pintas usando camisa de

dois times. Isso n��o pode. E pra te provar que

se ta certo, Virg��lio foi pro belel��u e n��o se

sabe quem despachou ele. J�� imaginou a gente

ser tira e t�� boiando na morte do pr��prio amigo? Isso n��o- d��. Hoje resolvemos te convocar.

��� �� isso a�� ��� afirma Natureza. ��� Se acha

que pode entrar na jogada...

Soneca leva o copo �� boca, estala os bei��os,

Natur��za prossegue:

��� Vamos dar um chega pra l�� no calabr��s.

���- Pra in��cio de conversa, se bota a m��o

naquele magricela filho-da-puta ��� afirma Z��

da Hora,, demonstrando irrita����o.

��� Vou apostando que essa de dar baixa na

gente saiu da cabe��a de Palito ��� afirma Har-

monia.

��� E onde �� que entro nisso? ��� indaga So-

neca.

��� Basta nos dar a dica de como se movi-

mentam ��� diz Natureza. ��� Essa de Lucaro

querer ficar com a irm�� do nojento n��o da pra

entender.

��� O sumi��o da mercadoria do Hotel Arc��-

dia tamb��m n��o ��� acrescenta Harmonia.

��� Eu acho que Palito transa com a turma

da DSM ��� afirma Queixada.

Soneca' se alarma com essa declara����o, toma

mais um gole de caipirinha.

��� Desde quando mandou apagar Esmeral-

dino ��� prossegue Queixada ��� tenho cisma com

64���

ele. O velhote tava na mira dos letra O da D S M .

A�� ele resolveu matar dois coelhos de uma s��

cajadada. Prometeu uma nota alta, o ot��rio des-

pachou o nojento e caiu em cima da bucha.

��� Pra mim ��� diz Harmonia ��� tudo na

gang de Lucaro quem planeja �� Palito. T��

passando o calabr��s direitinho pra tr��s.

��� O que posso dizer ��� afirma Soneca, afas-

tando o copo ��� �� que tou por fora disso tudo.

Fa��o algumas coisas que mandam, mas n��o sei

das implica����es.

��� Pois daqui em diante vai saber ��� afir-

ma Z�� da Hora. ��� Aquele calabr��s �� um des-

carado e o magricela �� pior do que ele. T��o

numa de dar baixa no pessoal. Primeiro o Es-

meraldino, depois Virg��lio, agora Papa-Defunto.

Se n��o se abre o olho, vamos tamb��m, sofrer aci-

dentes por a��, como se fosse um bando de car-

neiro.

��� �� o al�� que se queria te dar, diz de

repente Natureza, como que prosseguindo o ra-

cioc��nio de Z�� da Hora. ��� Tu fica entrosado

com a turma, sem arredar de perto de Lucaro

e de Palito.

��� E se recusar?

��� N��o se acredita nisso ��� acentua Quei-

xada ��� porque se t�� tratando com um cara

inteligente. De mais a mais, Palito quer �� que

tu te acabe. Talvez a essa hora, at�� j�� teja na

lista de baixa. Como �� que se vai saber?

Soneca toma mais um gole da caipirinha.

Por um instante pensa em abrir o jogo, dizer

como encontrou o corpo de Lucaro no escrit��rio, mas se cont��m. N��o est�� entendendo muito

bem as pretens��es de Natureza e seus parceiros,

pode ser at�� que no fundo estejam numa jogada

arquitetada por Palito. Como �� que ia saber?

��� O plano que se quer botar em pr��tica ��

simples ��� diz Natureza. ��� O pessoal da DSM

���65

sabe que a mulher t�� debaixo da asa de Lucaro.

Se trata de apagar os putos e a culpa vai cair

nos ombros de quem?

Os olhos de Natureza crescem, o riso parece

tom.ar conta de seu rosto inteiro.

��� Isso mesmo. Se d�� a dica pro ot��rio ir

buscar a garota na marra. A�� ele se depara com

a mulher querendo primeiro ir pra cama. N��o

tem quem resista, E ela d�� um jeito no safado.

Se a dose n��o for suficiente, um de n��s acaba

de completar.'

��� E se ele se recusar? ��� indaga Soneca.

��� Recusar o cacete! ��� comenta Z�� da Ho-

ra. ��� A. gente vai arrancar ela das m��os do

calabr��s pra entrar nessa transa. �� coisa da

pesada. Se t�� com medo, ent��o vamos falar com

o Robert��o. Quando te abotoarem, azar!

Soneca mostra-se receoso. Desde que che-

gou, �� a primeira vez que consegue acreditar no

prop��sito, dos caras que o cercam.

��� Entende bem: ou fica com a gente ou

vai se estrepar ��� acentua Z�� da Hora. ��� N��o

se t�� aqui blefando nem tentando te passar pra

tr��s. Tamos numa decisiva.

��� Se l�� pelas tantas a coisa clarear como

se espera ��� afirma Queixada, sempre ir��nico

��� quem sabe at�� se n��o se termina descobrindo

os tais dez milh��es?

���= Se isso acontecer ��� diz Natureza ��� pode

t�� certo de que ser�� dividido em partes iguais.

Como tudo que se faz. Na igualdade, pra evitar

aborrecimento.

Soneca faz seu sorriso caracter��stico de idio-

ta, recosta-se na cadeira, sente-se um tanto vai-

doso de pela pr meira vez, estar sendo solicitado.

��� OK. Topo o balan��o.

Natureza se alegra, Z�� da Hora esfrega as

m��os, Harmonia bate no ombro de Soneca.

66���

��� �� isso a��, bicho!

��� S�� tem um por��m! ��� prossegue Soneca.

��� Lucaro j�� era!

Natureza limpa os risos do rosto, Harmonia

solta o copo na mesa, Queixada belisca um can-

to da unha, Z�� da Hora parece n��o entender

direito o que ouve.

��� Como �� que ��?

��� Lucaro se foi.

E fazendo um gesto de quem dispara uma

arma.

��� Psit... psit.. . psit... O primeiro tiro

pegou no ombro, o segundo no peito e o de mi-

seric��rdia na cabe��a.

��� Quem nos fez esse favor? ��� indaga Quei-

xada . ���

��� Palito. Quando voltaram do apartamento

onde t�� a mulher. O que disseram, n��o escutei.

Havia descido pra ir embora. O carro n��o quis

pegar. Ent��o vi Palito aparecer sozinho, en-

trar no Opala de Lucaro e se mandar. Subi pra

lavar as m��os e encontrei Lucaro botando o

sangue ruim pra fora.

��� Por que Palito deixou o corpo enfeitando

o escrit��rio? ��� indaga Z�� da Hora.

Soneca faz outro riso imbecil. Sabe, definiti-

vamente, que �� o centro das aten����es e isso o

satisfaz.

��� N��o sei. Em compensa����o, ele deve t��

maluco, porque o corpo desapareceu.

��� Que hist��ria �� essa, cara? ��� indaga Na-

tureza, um tanto surpreso.

��� Muito simples ��� prossegue Soneca. ���

Botei o corpo na mala do Dodge que n��o queria

pegar e decidi fazer uma jogada com Palito.

S��rio, olhos grandes e sonolentos, Soneca

faz como que uma queixa.

���67

��� Palito sempre me considerou um merda.

Agora, quero ver a cara dele. Al��m de sumir

com Lucaro, fiz uma limpeza no local.

Soneca acha muita gra��a dessa sua esperteza.

��� Vou apostando ��� prossegue ��� que ele

descubra l�� no escrit��rio algum pingo de sangue.

Sabe o que �� que vai acabar pensando? ��� diz,

aproximando o rosto das outras caras bastante

s��rias. - Que ficou biruta. Isso a��. Biruta!

Ri alto, Z�� da Hora n��o sabe mais se est��

de fato na presen��a de um cara normal ou n��o,

o mesmo pensamento t��m Natureza e Queixada.

��� E o que �� que fez com o calabr��s? ���

indaga Harmonia.

��� Foi gozado ��s pampas ��� responde Sone-

ca. ��� Me mandei pela Via Anchieta, tomei o

rumo de Guaruj��. Num descampado da Pia��a-

guera meti o carro no mato e taquei fogo. Fi-

quei sentado olhando, at�� o ferro entortar e os

pneus virar cinza.

��� Puxa, cara! ��� torna a dizer Harmon;a.

��� Tu entrou numa legal. J�� tava do lado da

gente e n��o se sabia.

Soneca sente estar falando demais. Toma

outro gole de caipirinha, encara Natureza, Z��

da Hora e Queixada.

��� N��o t��o acreditando?

Natureza roda na m��o gorda o copo de be-

bida, Z�� da Hora faz uma careta, Queixada bate

o cigarro na caixa de f��sforo. Soneca torna a

sorrir.

��� Se n��o t��o acreditando, por que n��o te-

lefonam pro escrit��rio? E depois, por que n��o

d��o um salto na Pia��aguera pra ver como ficou

o Dodge? -

��� N��o se desconfia de ti ��� considera Z��

da Hora ��� mas �� o que se vai fazer.

Natureza manda que Harmonia fa��a a li-

ga����o. Logo, Harmonia volta ao seu lugar.

68���

��� Disseram que Lucaro t�� viajando.

Soneca sorri, Z�� da Hora olha com descon-

fian��a para Natureza.

��� Ent��o s�� falta o passeio na .Pia��aguera ���

diz Queixada.

��� Vem com a gente ou quer fazer um mapa

do local? ��� indaga Z�� da Hora.

��� Posso ir. Tou de carro a�� do lado da

pra��a ��� responde Soneca, um tanto contraria-

do com aquela desconfian��a, mas satisfeito com

a verdade que s�� ele conhecia.

���69

cap��tulo 10

Palito p��e a capa no espelho da cadeira, d��

um "oi" sem significa����o para Mestre Z��vi, que

est�� ocupado com suas cartas. Aproveita-se da

indiferen��a do velho para reavaliar os aconteci-

mentos da madrugada, ali mesmo, naquela sala.

N��o entendia, no entanto, por que o corpo n��o

estava ali e como at�� mesmo as manchas de

sangue tinham sumido. Teve vontade de discar

para Robert��o, perguntar se estava tudo em or-

dem, mas n��o discou. Era necess��rio, antes de

mais nada, saber se Mestre Z��vi j�� estava ali

h�� muito tempo. Se percebeu alguma coisa de

estranho quando chegou. As indaga����es deve-

riam ser espont��neas, coisa de quem n��o quer

nada.

A resposta de Mestre Z��vi �� reticente, n��o

satisfaz. Palito vai ao banheiro, nem sinal do

corpo. Teria sido uma artimanha do Robert��o

ou do pr��prio velho? Mestre Z��vi fala dos tele-

fonemas que recebeu para Lucaro.

��� O Muril��o e o Erva-Doce t��o. querendo

levar um pi�� com ele.

Palito n��o diz nada. Abre gavetas, disca um

n��mero, desliga. Nunca se sentira assim t��o

inquieto.

��� O Fl��vio e o Tarquinio, telefonaram? ���

indaga.

O velho n��o responde. Sacode apenas a ca-

be��a, enquanto estuda uma jogada. Palito re-

comenda que fique atento �� chamada de Fl��vio,

desaparece da sala, mete-se no carro, roda na

dire����o do Jabaquara.

E se chamasse Erva-Doce para apurar o su-

mi��o de Lucaro? A id��ia lhe parece razo��vel,

embora pouco consistente. Por isso, enquanto

���71

o carro avan��a, vai pensando em solucionar o

problema. Erva-Doce podia n��o ser sutil quan-

to Queixada, mas tinha suas qualidades. E, a

maior delas, era n��o estar muito comprometido

com o pessoal de Natureza e Z�� da Hora.

O carro- estacionou em frente ao pr��dio de

seis pavimentos, muito antigo, a placa imunda

anunciando apartamentos confort��veis. Sobe a

escada de degraus gastos, chega ao homem sen-

tado por tr��s do balc��o, o ventilador empoeira-

do. Explica que �� s��cio de Lucaro, t��m um en-

contro, marcado. O homem arregala os olhos,

levanta-se, torna-se gentil, mostra a outra es-

cada que leva ao quinto pavimento, onde Lu-

caro ocupava os melhores aposentos. Palito roda

a chave na porta, deixa que se abra vagarosa-

mente, mas permanece no corredor. Entra, tor-

na a fechar a porta, empunha o rev��lver. Exa-

mina os c��modos, o banheiro, a cozinha, os ar-

m��rios embutidos. Abre uma janela, v�� a pai-

sagem de chamin��s, torres, fios e telheiros das

casas por perto. Num canto, o cofre. Gira o

segredo para a direita, para a esquerda, aciona

a ma��aneta, a porta n��o abre. Abaixa-se, mar-

ca os n��meros com mais cuidado, gira para a

esquerda, bem devagar. Mexe na ma��aneta, ali

estavam os ma��os de notas. Sinceramente como

nunca vir�� tanto dinheiro reunido. Fecha o

cofre, apaga as luzes, retorna ao corredor e ��

escada. O porteiro sorri quando o v�� aproxi-

mar-se .

��� N��o quer esperar mais um pouco?

Palito diz ter falado com Lucaro por tele-

fone, voltaria mais tarde ou no dia seguinte.

O importante, agora, era descobrir o paradeiro

de Erva-Doce. E, preocupado com isso, imagina

retornar ao escrit��rio, chamar Mestre Z��vi para

uma conversa franca, falar da morte de Lucaro.

Mas como explicar o assassinato se o corpo havia

72���

desaparecido? Mestre Z��vi n��o acreditaria. No

m��ximo ficaria calado, ouvindo. Seria uma

completa palha��ada. N��o podia se desmoralizar

desse jeito. E se chamasse Robert��o e contasse

exatamente como tinha feito? Seria um seu

aliado? Talvez sim, talvez n��o. Imposs��vel acre-

ditar em Robert��o. S�� mesmo Lucaro conseguia

lhe dar tanta trela. Ent��o chamaria Soneca.

N��o chamaria. A d��vida o atordoava. Num

determinado momento n��o sabia mais para onde

estava rodando. Gra��as ��s divaga����es, no en-

tanto, chegou �� pra��a de muito movimento,

lembrou-se da rua onde vivia Montanha com a

amante e tr��s filhos menores.

Por que Montanha nunca estava presente

��s reuni��es que Natureza promovia com Z�� da

Hora? Por que eram poucas as refer��ncias dos

companheiros sobre ele? Talvez fosse homem

que procurava, juntamente com Erva-Doce. E,

quem sabe, a partir da�� n��o se formasse o gru-

po que estava pretendendo? Novas caras, novas

atitudes, mais firmeza no que tinha de ser feito.

Exatamente o contrario da atua����o de Lucaro.

Muita ��gua morna, muito deixa pra amanh�� o

que se pode fazer hoje. Entra pela ��rea estrei-

ta, bate na porta, aparece a velhota desgrenha-

da, diz que o pessoal estava fora. Palito confir-

ma se era a casa de Montanha, a mulher parece

n��o entender, olha-o com certa admira����o, como

se sua presen��a ali fosse uma surpresa. -

��� Sou amigo dele ��� afirma Palito; queren-

do for��ar a velhota a falar.

��� Seu Montanha foi assassinado ontem. O

senhor n��o sabia?

Compreende n��o ter mais o que dizer, seu

desejo �� chegar ao piimeiro orelh��o, ligar para Natureza.

O telefone chama diversas vezes, pergunta

por Natureza, a mulher informa ter sa��do a ser-

���73

vi��o. O carro arranca, em poucos minutos est��

subindo a rampa, entrando na garagem sempre

sombria, por mais claro que fosse o dia.

Mestre Z��vi n��o se importa com o tempo,

continua a concorrer consigo pr��prio numa par-

tida intermin��vel.

��� Quem t�� ganhando? ��� indaga Palito,

querendo ser amistoso.

��� Empate ��� responde secamente o velho.

E, olhando fixamente Palito:

���. J�� n��o existem jogadas novas a serem

feitas!

Palito percebe o alcance da indireta, n��o se

deixa perturbar.

��� E algum dia existiram?

O Velho faz um sorriso, o telefone toca. ��

Natureza. Palito n��o precisa perguntar nada.

Recoloca o fone no gancho, passa uma das per-

nas na ponta da mesa, toma vagarosamente o

caf�� que Mestre Z��vi p��s na x��cara.

��� Sabe o que aconteceu?

Mestre Z��vi olha-o atentamente.

��� Mandaram o Montanha pra fora do pla-

neta ��� diz Palito. ��� H�� um pessoal por a��

trabalhando pra dar baixa na gente.

��� Como mataram?

��� Pelo que t�� dizendo Natureza, foi atra��do

a um suadouro. Apareceu com um espetadela

no pesco��o.

Mestre Z��vi sorri, co��a a cabe��a.

��� N��o era a bola����o que -Lucaro tinha pra

irm�� do nojento?

��� N��o se chegou a p��r em pr��tica ��� res-

ponde Palito. ��� E se ela j�� tivesse agindo, n��o

ia pegar exatamente Montanha. O melhor ele-

mento que se tinha por aqui.

74���

��� Vai ver que Lucaro precipitou as coisas.

Palito continua a tomar o caf��. O velho mos-

tra-se um tanto preocupado. Palito sente isso

pelos seus gestos, o modo de olhar e de mexer-se.

��� Seria o Fl��vio, que resolveu se vingar?

��� �� dif��cil saber. H�� muita coisa aconte-

cendo, que n��o se consegue explicar ��� acentua

Palito.

Aparece Soneca, mostra os jornais com a

foto de Montanha assassinado.

��� Ningu��m sabe como foi a historia ��� diz

Soneca. ��� Saiu de casa e agora t�� morto.

Palito olha os jornais e Soneca, na tentativa

de surpreender-lhe na primeira falha. Sabe o

quanto �� fraco de car��ter. Atrav��s de simples

contradi����o poderia saber do paradeiro de Lu-

caro. Por isso, o importante era alongar aquela

fala����o.

���75

Cap��tulo 11

A tarde est�� escura, as luzes nas ruas e nas

casas acenderam antes da hora. Robert��o sen-

te-se alegre. Traz para a sala o balde de gelo.

Ana Maria usa um vestido claro, com ramagens

no peito. Ouve, um tanto constrangida, o que

falam aqueles homens que v�� pela primeira vez.

��� E voc��, Natureza, o que acha? ��� indaga

Robert��o.

��� O Soneca t�� falando a verdade. Fomos

na Pia��aguera e o Dodge tava queimado. Se

hoje tamb��m Lucaro n��o der as caras no escri-

t��rio, o que ele diz confere.

��� E voc�� Da Hora?

��� Acho que �� a chance de se mandar Palito

em frente e voc�� assumir o neg��cio.

Robert��o sorri, olha Ana Maria com certa

vaidade.

��� Antes de mim, tem Mestre Z��vi.

��� N��o se ap��ia aquele velho ��� assegura

Queixada.

Robert��o, sempre sorrindo, faz um gesto de

quem diz, "se n��o h�� outro caminho!:.. P��e

u��sque nos copos, o primeiro a tomar �� Z�� da

Hora.

��� Despachando Palito ��� afirma ele ��� se

t�� inclusive vingando a morte do irm��o dela. A

trama saiu toda da cabe��a daquele magricela.

��� Eu mesma gostaria de fazer isso,��� diz

Ana Maria.

Queixada esbo��a ar de deboche.

��� Olha, gatinha, n��o �� f��cil. Aquele bicho

s�� tem pele e osso, mas �� capaz de dar n�� em

trilho.

��� Quando a gente pegar ele de jeito, se

deixa tu fazer a cobran��a ��� afirma Z�� da Hora.

���77

��� Pra n��s ele vai explicar a morte de Virg��-

lio e agora de Montanha ��� acentua Natureza.

Robert��o acha que a hist��ria de Soneca tem

fundamento, pois jamais Lucaro se ausentara

do escrit��rio tanto tempo e ainda mais sem

dizer para onde ia.

��� Quando tudo tiver em ordem ��� afirma

Natureza ��� a garotinha volta pra casa e isso

aqui �� como se n��o tivesse acontecido. Como

num sonho, hem?

Queixada �� mais objetivo, quer saber por

onde come��ar.

��� R o b e r t �� o chama Palito ��� prop��e Natu-

reza. ��� Diz que ela tem novidades a contar.

A liga����o �� feita, quem atende �� Mestre

Z��vi. Robert��o pergunta por Palito, recebe a

informa����o de que saiu. Tenta alongar a con-

versa, o velho n��o tem muito o que dizer. Na-

tureza olha Z�� da Hora.

��� Ser�� que se deixou transpirar alguma coi-

sa? ��� indaga Natureza de forma ing��nua.

��� N��o pode ter desconfiado ��� diz Z�� da

Hora.

��� Vamos embora e mais tarde se volta. An-

tes, dou um telefonema ��� combina Natureza.

Robert��o faz mais um sorriso, a porta se

fecha, o carro desliza no p��tio, some na rua.

Ana Maria termina de tomar o u��sque.

��� J�� n��o ag��entava mais aquele papo ���

diz ela.

��� Pr�� surpreender Palito tem de ser assim,

boneca: Muita graxa, sen��o o desgra��ado esca-

pole ��� comenta Robert��o, beijando-a no pes-

co��o e apert��ndo-lhe os seios. ��� Se deixar, posso

te fazer muito feliz!

Ana Maria s�� pensa numa maneira de fugir,

mas tem de admitir Robert��o como aliado. Ele

sabe disso e, no per��odo dessa admiss��o, ele se

78��� -

aproveita ao m��ximo. Desabotoa-lhe a. blusa,

ainda fala da proposta dos amigos e conhecidos.

��� Se der certo ��� afirma ��� j�� imaginou

como vou ficar importante?

Ela sabe que os parceiros querem usar Ro-

bert��o como instrumento de alguma manobra e

ele n��o tem imagina����o para acompanhar isso.

Sabe tamb��m que na primeira oportunidade v��o

elimin��-lo. Mas at�� l��, poderia sumir dali.

Robert��o beija-a e diz coisas sem sentido,

acha muita gra��a de suas pr��prias palavras.

Quando est�� se introduzindo e ela geme. bai-

xinho, numa entrega passiva, sem entusiasmo,

ouvem a barulheira de vidro se quebrando na

sala. Robert��o salta da cama, procurando as

roupas, Ana Maria encolhe-se debaixo da co-

berta, a porta se abre. Como est��. escuro, n��o

podem ver os que chegam. A exp��ctatiya de-

mora fra����es de segundos. A luz se acende,

Robert��o n��o conseguiu vestir-se. A sua frente

est��o Palito, Erva-Doce e Muril��o. Este ��ltimo,

forte e de olhar odiento, aproxima-se, aplica-lhe

uma chave de bra��o, sai do quarto empurran-

do-o para a sala. Palito fecha a porta por fora.

��� Amarra a boca desse filho-da-puta ��� diz

Palito. ��� Quanto menos barulho fizer, melhor.

Robert��o tenta espernear, Muril��o aperta a

chave, ele faz uma careta. Erva-Doce entope-lhe

a boca com peda��os de papel, passa uma tira de

pano por cima. Muril��o terce mais o bra��o para

tr��s, Erva-Doce d�� um chute nos test��culos.

Depois Erva-Doce puxa-o pelos cabelos, Ro-

bert��o fica de rosto baixo, Muril��o ergue o joe-

lho com for��a, a pancada destro��a os bei��os que

estavam permanentemente rindo, o sangue des-

ce. Palito, sentado numa poltrona, manda que

Erva-Doce tire a morda��a. No mesmo, instante

Muril��o puxa um canivete do bolso, a l��mina

se alonga com um estalo.

���79

��� Se der um pio, te sangro na goela.

Robert��o �� obrigado a acocorar-se, os test��-

culos quase arrastando no ch��o.

Que golpe era aquele que tava tramando

com Natureza e Z�� da Hora? ��� indaga Palito.

Robert��o n��o sabe como responder, nunca

se vira antes em situa����o semelhante. Muril��o

n��o espera conversa, aplica-lhe o "telefone", ele tenta erguer-se de tanta dor, Erva-Doce pisa-o

nas costas. Os olhos de Palito brilham de indig-

na����o. Tamb��m segura Robert��o pelos cabelos.

��� Olha aqui, filho-da-puta, a gente veio pra

acabar contigo. Conte ou n��o como foi a his-

t��ria, tu vai morrer ��� acentua Palito.

Robert��o decide falar:

��� Foi o Z�� da Hora que me procurou pri-

meiro. Ele e o Queixada. Ai apareceram e come-

��aram a propor coisas, dizendo que Lucaro ti-

nha morrido.

Palito aplica-lhe um pontap�� no rosto.

���- Agora, tu que j�� comeu tanto a gatinha,

vai pagar por isso. A n��o ser que explique quem

matou Montanha ��� diz Palito.

O rosto de Robert��o �� uma s�� mancha de

sangue. As palavras que pronuncia s��o de dif��cil

entendimento. Palito compreende que �� tolice

continuar insistindo. Sabe perfeitamente que

se pegar. Queixada ou Z�� da Hora, termina des-

cobrindo o motivo da morte de Montanha. Er-

va-Doce prende os bra��os de Robert��o, Muril��o

sangra-o no pesco��o com o canivete. Os olhos

do homem se abrem em desespero e espanto, as

m��os fortes de Erva-Doce o mant��m quieto. Em

poucos instantes amolece e se estende no tapete.

Erva-Doce abre a porta do quarto. Ana Ma-

ria aparece no mesmo vestido claro, cara de es-

panto.

��� N��o ligue pra ele. Teve o que merecia.

N��o passava de um moleque ��� explica Palito.

80���

��� Voc�� vai com a gente. N��o �� seguro conti-

nuar aqui.

No carro, Ana Maria reconhece o motorista

que saiu com ela da DSM, a fim de localizar o

esconderijo de Lucaro. Passam por alguns pon-

tos da cidade que j�� conhecia, mas depois enve-

redam por ruas desertas e esburacadas, atraves-

sam um terreno com balizas de futebol, chegam

ao pr��dio coberto de limo e cercado de ��rvores

copudas. Erva-Doce abre o port��o, o carro entra.

Na casa, Ana Maria torna a rever a costureira

Berta. Esta faz um sorriso e diz algumas pa-

lavras que n��o tinham qualquer carga afetiva.

Ana Maria n��o consegue entender mais o que

est�� se passando novamente, nem por que ��que-

la insist��ncia em mant��-la presa.'

No sal��o cercado de cortinas os homens to-

mam lugar nas poltronas. Berta sai para -trazer

caf��.

��� Pra voc�� que t�� entrando agora na orga-

niza����o ��� come��a Palito, dirigindo-se a Ana

Maria ��� tenho a dizer que Lucaro sumiu. H��

v��rios dias que n��o se faz outra coisa, sen��o

procurar ele. Temos mais ou menos id��ia dos

respons��veis por isso. Mas, por enquanto, n��o

se pode fazer afirma����es. Seja como for, os com-

promissos que ele assumiu, v��o ser cumpridos.

N��o era inteligente o Robert��o se juntar com

qualquer um pra tentar aniquilar a sociedade.

Por isso tamos nos juntando aos bons e esque-

cendo os que n��o prestam. Transavam com

a gente por uma quest��o de bondade do

Lucaro. Acontece que, quem tem pena do mi-

ser��vel, termina ficando no lugar dele. N��o sou

mais realista do que o rei, mas os princ��pios da

sociedade v��o ser cumpridos. Quando Lucaro

reaparecer, como espero, n��o vai ffcar decepcio-

nado com a gente. No seu caso pode estar

certa: os matadores de Jackson Alberto v��o ser

���81

punidos. Entre eles t�� seu Z�� da Hora e o Quei-

xada. Agiram com uma certa coniv��ncia de

Mestre Z��vi. Por isso eu sempre o mantive ��

dist��ncia e cansei de advertir Lucaro para o

fato.

Berta volta com a bandeja de x��caras, bule,

a��ucareiro, pratos cheios de torradas e biscoi-

tos. Sorri, Ana Maria n��o corresponde �� sua

aparente alegria. Est�� cada vez mais alarmada

com o rumo dos acontecimentos. Muril��o pega

uma x��cara e se sente-se motivado a falar:

Ou se limpa a barra, ou ningu��m pode

trabalhar em seguran��a. Quando percebi o jogo

de Da Hora. e do pr��prio Natureza, tratei de

pular fora do barco. N��o quero me envolver com

essa gente sem personalidade.

8 2 ���

Cap��tulo 12

Harmonia volta para o , carro, bastante ner-

voso.

��� Acabaram com Robert��o.

Natureza levanta o vidro do seu lado, Z�� da

Hora engatilha a arma, Queixada faz o mesmo.

Passam pelo port��o, atravessam o hall do edif��-

cio com apar��ncia de mans��o colonial, que est��

sempre deserto.

Harmonia �� o primeiro a entrar. Revista os

quartos, volta dizendo que n��o h�� ningu��m. En-

tram, fecham a porta, Queixada fica de fora,

montando guarda.

��� Puxa, cara! Tem a mesma espetadela de

Montanha no pesco��o. Como ser�� que a gati-

nha conseguiu fazer isso?

��� N��o agiu sozinha. Se foi ela, algu��m

ajudou.

��� Ser�� coisa de Palito? ��� indaga Harmo-

nia .

��� Como dois e dois s��o quatro ��� considera

Z�� da Hora.

��� E quem deu cobertura.a ele? ��� indaga

Natureza.

��� �� o que se tem de saber ��� diz Z�� da

Hora, examinando melhor o ambiente.

��� Ser�� que aquele magricela vai nos passar

pra tr��s?

��� Se foi ele, vai acabar tamb��m com o So-

neca.

Natureza acha aquela pondera����o por demais

inteligente, ergue-se, Queixada continua de ar-

ma em punho, Retornam ao carro, Harmonia

fica incumbido de examinar se est��o sendo se-

guidos,

���83

���- Agora, que se tem de admitir que o ma-

gricela �� vivo, isso tem! ��� diz Queixada, de-

monstrando admira����o pelo s��cio de Lucaro. ���

Se o calabr��s fosse t��o esperto quanto e l e . . .

Natureza n��o gosta muito do elogio.

��� Mas o erro do sabido �� pensar que todo

mundo �� bobo. Numa volta do caminho ele se

estrepa.

Z�� da Hora n��o entra na conversa. Est�� sur-

preso com a habilidade de Palito. N��o consegue

entender como soube da reuni��o. Haveria um

espi��o entre eles? Era doloroso ter de admitir

isso. Harmonia? Queixada? O pr��prio Natureza?

Horrorizava-se s�� com o pensamento. Tantos

anos juntos, tantas lutas vencidas e aquele inci-

dente que �� dilu��a intimamente. Nunca se sen-

tira assim. Era prefer��vel n��o procurar saber.

Como tamb��m era certo que iria se afastar.

Limitaria os gastos, voltaria �� vida antiga, di-

f��cil, medida, sem grandes esperan��as. Era pre-

fer��vel, a ter de viver momentos como aquele.

N��o repara sequer quando o carro p��ra. Natu-

reza pergunta se est�� dormindo, responde que

a morte de Robert��o o deixou tonto. Mas Na-

tureza n��o perde a calma. Afirma que vai des-

cobrir como Palito soube do encontro. E, embora

n��o comente logo com os companheiros, uma

id��ia lhe ocorre. Como saber se no bar do por-

tugu��s o telefone n��o tinha extens��o?' Natureza

tem at�� vontade de rir dessa hip��tese. Relem-

brou as muitas coincid��ncias por causa de te-

lefonemas dados do bar.

Sentam na mesa de sempre, o gar��om apa-

rece, Z�� da Hora prefere o chope, Queixada quer

uma caneca de vinho, Natureza e Harmonia pre-

ferem cerveja. O gar��om se afasta, Natureza

p��e os bra��os na mesa, aproxima o rosto, fala

da sua suspeita;

84���

��� Pra se tirar isso a limpo, logo mais vou

pro telefone e um de voc��s disfar��a que vai ao

banheiro. A�� d�� a volta por dentro e v�� quem

fica de ouvido no que se fala.

��� E se a gente descobrir o cara? ��� indaga

Z�� da Hora.

��� Espera ele sair, d�� um castigo e depois

queima.

��� E tu acha que Palito t�� usando a garota

nas jogadas dele?

Natureza faz uma careta, se esfor��a no raco-

c��nio.

��� Ainda n��o d�� pra sentir. S�� sei de uma

coisa: a gatinha n��o ia derrubar o Montanha

se tivesse sozinha. Mesmo do Robert��o n��o da-

ria conta. Tem mais gente na jogada.

��� Claro que tem ��� afirma Harmonia. ���

O cara tava todo arrebentado, como se tivesse

sido atropelado.

��� E se for o pessoal do Zanete, por causa

da mercadoria que sumiu do Hotel Arc��dia? ���

torna a indagar Z�� da Hora.

��� Pode ser que tenha raz��o ��� diz Natureza

��� mas agora o que t�� interessando �� esse ne-

g��cio do telefone. Partindo da�� se pode chegar

a muitos lugares.

Z�� da Hora se prop��e a entrar no bar. Pri-

meiro iria ao banheiro. Na volta penetraria na

cozinha, no dep��sito. Se havia uma extens��o,

era l�� que estaria localizada. Harmonia vai pa-

ra um orelh��o chamar por Natureza. O gar��om

traz mais chope e outra cerveja Harmonia j��

desapareceu, Natureza bebe calmamente, Quei-,

xada faz considera����es vagas a respeito da atua-

����o de Soneca, acha que n��o devem dar muito

cr��dito ao que diz.

��� De louco ele n��o tem nada. Sabe muito

bem o que faz ���-afirma Natureza.

- 8 5

O telefone toca, o portugu��s chama. Nature-

za ergue-se lentamente, como era do seu feitio. J��

est�� falando, fazendo alguns risos, quando Z��

da Hora atravessa o sal��o, entra no banheiro.

Depois sai, passa pela cozinha sem ser visto,

chega ao c��modo bastante amplo, transformado

em deposito de cadeiras velhas, mesas de pernas

quebradas e montueiras de garrafas. Vai mais

para os fundos, sai na porta que d�� para o sa-

gu��o estreito. Reexamina com mais calma. Es-

tava certo de que ali n��o havia extens��o. Re-

torna um tanto decepcionado. Natureza vem

para a mesa. Da Hora explica n��o ter encon-

trado nada, Queixada mostra-se muito chateado

com isso.

��� E se for na casa do lado? ��� diz Na-

tureza.

��� Mas a�� como �� que se vai saber, cara?

��� Ora; amanh�� se pode vir pra c�� e mandar

o Harmonia entrar l�� disfar��ado de funcion��-

rio da Telef��nica. ,

��� Isso �� fantasia ��� afirma Da Hora. ���

N��o vai dar em nada. O importante �� a gente

catucar mais o Soneca. �� at�� poss��vel que ele

saiba explicar a morte de Robert��o.

Queixada e Harmonia s��o da mesma opini��o.

��� Bem, se acham isso, n��o vejo problema ���

diz Natureza. ��� Harmonia! Liga pra ele, man-

da vir pra c��.

Harmonia torna a levantar, Queixada est��

interessado em saber se Lucaro foi morto ou

n��o, Z�� da Hora acha que o caminho mais certo

�� liquidar com Palito, pura e simplesmente.

��� S�� por t�� vivo ele j�� �� culpado!

Natureza. sabe que o momento n��o �� prop��-

cio.

��� Se acaba com ele e a�� um mundo inteiro

de coisa ruim desaba na gente. Como �� que se

vai enfrentar a situa����o? E se Palito estiver mes-

86���

mo ligado com a turma da DSM? J�� imaginou

chegar em casa e encontrar dois caras comendo

tua mulher e tuas filhas?

Harmonia volta do telefone:

��� Disse que j�� vem.

* * *

Soneca puxa uma cadeira, os olhos cansados,

um riso contrafeito, modificando-lhe o rosto.

��� Algum problema? ��� quer saber Z�� da

Hora.

��� Aquele magricela t�� me torrando o saco!

��� J�� soube o que aconteceu com Robert��o?

��� indaga Queixada.

Soneca n��o responde.

��� Queimaram ele! ��� diz Harmonia.

��� Antes, levou um pau que n��o t�� no gibi

��� explica Natureza. ��� E a irm��zinha do no-

jento deve t�� na jogada.

��� Por que o Robert��o?

��� E eu l�� sei! ��� diz Z�� da Hora, contrariado.

O gar��om traz o copo de chope que Soneca

pediu.

��� Hoje eu tenho uma novidade ��� diz.

Toma um pouco da bebida, olhos atentos es-

peram que prossiga.

��� Palito t�� pedindo arrego. Disse que Lu-

caro nunca mais voltou e por sso deseja reunir

o grupo e explicar o desaparecimento. Como ��

que vai explicar, n��o sei. S�� acho que primeiro

a gente devia ouvir o que tem a dizer.

��� Ser�� que tem peito de contar como apa-

gou Lucaro? ��� indaga Natureza.

��� �� isso que queria sentir ��� afirma Soneca.

��� S�� topo se for todo mundo de uma vez

��� diz Harmonia.

��� Pois �� isso que t�� querendo Um pl�� ge-

ral ��� explica Soneca.

���87



��� E onde pode ser? ��� indaga Z�� da Hora.

��� N��o disse. Mas se topam, posso saber com

ele e dar o al�� depois.

Soneca lembra suas diverg��ncias com Palito,

mas ao mesmo tempo acha que, se conseguir fir-

mar o p��, as coisas v��o melhorar. Mesmo que

Lucaro continue sumido. Diz tamb��m que Pa-

lito era o c��rebro da sociedade. Lucaro tinha

mais aud��cia. Mas as melhores id��ias sempre

foram do magricela. Em muitas ocasi��es Lu-

caro n��o entrou em fria por causa dele. E, en-

quanto vai dizendo isso, s�� da boca para fora,

Soneca sabe perfeitamente que a jogada de Pa-

lito o tempo todo, foi apenas para ganhar a

confian��a do calabr��s. Mas com ele n��o ia acon-

tecer isso. Desconfiou logo que n��o prestava.

Por isso n��o se importava muito quando, mesmo

sem insulta-lo, sabia que o estava considerando

um idiota. Lucaro gritava palavr��es pelas coisas

erradas que fazia. Palito apenas mexia os m��s-

culos do rosto, num riso de deboche. Aquilo ��

que considerava o maior insulto. E ele o insul-

tava mesmo sem dizer nada. N��o sentia a me-

nor falta de Robert��o porque era outro igual a

Palito. J�� com Mestre Z��vi tinha bons momen-

tos. Se falava, relembrava casos, o velho o ou-

via, atentamente. Jamais riu de sua cara de

excepcional, nem de suas risadas fora de pro-

p��sito. Mestre Z��vi era outro tipo de gente. Viu

como ficou abatido, desde o momento em que

lhe contou a respeito de Papa-Defunto. Da sua

alegria e de seus planos. Um cara lel�� da cuca,

querendo ajudar os velhotes. O pr��prio Soneca

n��o se lembrou bem da condi����o de Mestre Z��vi,

quando lhe falou dessas coisas. Percebeu, no

entanto, o seu arrependimento em ter cumprido

aquela tarefa. Isso fazia de Mestre Z��vi um ho-

mem diferente dos que conhecia. Nenhum deles,

ali, se parecia. Nem o Montanha, muito menos

Natureza ou at�� mesmo o Beto Gordo, que ti-

nha fama de ser bom car��ter. Duvidava muito

se algum tivesse a sinceridade de Mestre Z��vi.

��s vezes tinha vontade de parar o jogo, per-

guntar o que estava se passando. Mas apren-

dera a n��o se intrometer em particularidades.

O dia que Mestre Z��vi quisesse desabafar, estava

certo de que o faria.

Olha o. homem que varre a rua, metido numa

capa, com capuz que lhe cobre a cabe��a. Fica

achando gra��a do que ouve Z�� da Hora dizer a

respeito da morena que estava comendo, das

besteiras que afirmava Harmonia, at�� que o

gar��om trouxe a conta. N��o deixaram que pa-

gasse nada, marcaram contato telef��nico por

volta das 22 horas.

Natureza retornou ao trabalho, Dona Ivo-

nete falou no recebimento do inquerito, Z�� da

Hora recebeu a ordem para estar ��s 19 horas em

frente ao supermercado, Harmonia entregou-se

�� sua tarefa no setor de mecanografia, Queixa-

da continuou a brincar com uns e outros, por-

que, segundo ele pr��prio dizia, os criminosos

comuns estavam em f��rias.

Natureza p��s-se a examinar o inqu��rito da

mulher que apareceu morta, exatamente no dia

em que o marido iniciara uma viagem e, por

mais que procurasse entrosar-se no caso, estava

preocupado com o encontro. Por que Palito te-

ria tanto interesse em reuni-los, se eram apenas

elementos de liga����o e para tarefas espor��di-

cas? Estaria querendo envolv��-los mais e mais,

a ponto de n��o conseguirem retroceder? Teve

vontade de chamar de novo Z�� da Hora, contar-

lhe sua preocupa����o.

O telefone toca, Dona Ivonete atende.

��� �� pra voc��!

Movimenta-se entre as mesas, ouve Soneca

dizer que est�� tudo OK, o encontro seria no

���89

escrit��rio, iam estar presentes, al��m deles, Mu-

ril��o e Erva-Doce. Sabe que n��o pode exigir

detalhes de Soneca. Era at�� de estranhar que

tenha se referido aos participantes. Pelo tele-

fone interno comunica a Z�� da Hora e pede que

fale com os outros, pois tinha muito trabalho

pela frente. Quando Queixada recebe o recado

aparece, senta do lado de Natureza, pergunta

se n��o era a boa oportunidade de exigir uma

soma alta de Palito.

��� Afinal, pelo que j�� senti, t�� precisando

da gente. Se n��o tiver nosso apoio n��o vai con-

seguir firmar-se.

Natureza p��ra o que est�� fazendo, considera

a oportunidade daquele racioc��nio.

��� Com que argumenta����o?

��� Argumenta����o droga nenhuma! Se t�� pre-

cisando e ponto final. Fica por conta de coisas

que se possa fazer,

Natureza sabe que isso vem a calhar. Resol-

veria uma por����o de problemas.

��� Eu n��o tenho mais um tost��o daqueles

16 mil que recebi da bonifica����o ��� diz Queixa-

da, sorrindo. ��� Joguei tudo nas contas atrasa-

das. S�� os juros me levaram um dinheir��o.

��� �� uma boa pedida. No caminho se bola

o montante.

Os dois homens falam com cautela, sempre

procurando evitar que Dona Ivonete ou��a o que

est��o discutindo. Quando a mulher se ausenta

da sala Queixada mostra-se mais animado.

��� Acho que se a gente pedir 200 ainda ��

pouco. O magricela t�� num barco fazendo ��gua.

Se n��o se agarra com quem sabe nadar, vai em-

bora .

Um riso largo se esbo��a no rosto at�� ent��o

sombrio de Natureza. Pega o telefone interno,

comunica o fato �� Z�� da Hora.

90���

capitulo 13

A noite est�� escura e fria. Dona Ivonete j��

foi embora. Como sempre faz, deixou a m��quina

coberta com a capa, a toalha de rosto estendida

no espelho da cadeira. As pastas est��o amontoa-

das umas sobre as outras. Natureza ainda faz

umas anota����es, quando chega Z�� da Hora, De-

pois pega o palet��, passa a chave na gaveta,

pergunta por Harmonia e Queixada.

��� T��o l�� embaixo, esperando!

Descem as escadas porque o elevador est��

custando, caminham pela cal��ada molhada

o estacionamento onde Queixada costumava

guardar o carro. Entram, Natureza acomoda-se

no banco dianteiro.

- ��� Quanto acham que se deve pedir pro ma-

gricela?

��� Uns 300 mil ��� diz simplesmente Z�� da

Hora.

Harmonia considera a soma exagerada.

��� Vai acabar pensando que a gente t�� que-

rendo botar ele contra a parede.

��� N��o tem que pensar porra nenhuma ���

argumenta Z�� da Hora. ��� Vai depender do que

se fa��a por ele. Sem dinheiro tem de entender

que �� peso morto nas nossas costas.

��� L�� isso �� verdade ��� concorda Natureza.

��� Digamos 200 mil ��� prop��e Queixada.

��� Acho mais razo��vel ��� acentua Harmoni|.

��� N��o vejo diferen��a de 200 pra 300 ��� ar-

gumenta Z�� da Hora ��� Lucaro t�� montado na

nota. Nos d�� 300 mil agora e logo mais Palito

j�� acionou o esquema e a quantia gasta �� repos-

ta. T��o negociando com LSD e mescalina. Coisa

da pesada.

���91

��� Ent��o se faz o pedido na base dos 300 mil

pra baixar um pouco se for o caso ��� pondera

Natureza.

O carro chega �� rua de pedras, escura, sobe

a rampa de cimento do pr��dio velho, caindo aos

peda��os. Como j�� estavam acostumados, n��o

havia uma s�� l��mpada acesa. Estacionam do

lado de um Opala; ao saltar, Z�� da Hora com-

pleta as balas que est��o faltando no tambor,

Queixada faz a mesma coisa.

��� Com esse magricela �� sempre bom con-

fiar, desconfiando .

Dirigem-se ao elevador, a porta se abre quase

dentro da sala. O primeiro a entrar �� Z�� da

Hora. V�� logo Palito, que se levanta e vem re-

ceb��-los. -Faz um riso que �� mais uma careta.

Cumprimenta Natureza, fala com Queixada e

Harmonia.. Palito parece mais expansivo do que

no comum das vezes em que ali estiveram Na-

tureza e Z�� da Hora. Perto da mesa, onde est��o

as cadeiras, notam a presen��a de Mestre Z��vi

e Soneca. Como sempre o velho est�� ocupado

com as cartas do baralho. Soneca sorri ao v��-los,

vai buscar as x��caras para oferecer caf��.

Z�� da Hora �� o primeiro a falar.

��� Nosso amigo Lucaro resolveu tirar f��rias?

Palito faz um riso ainda mais sem gra��a, os

m��sculos do rosto se encolhem, sente necessi-

dade de ocupar as m��os e por isso ajusta o n��

da gravata estreita.

��� Sinceramente n��o tou entendendo qual ��

a dele ��� diz Palito secamente. ��� �� a primeira

vez que some sem me dizer nada.

��� E se foi alguma coisa mais grave? ��� quer

saber Queixada.

��� �� pra isso que infelizmente se tem de

estar preparado ��� afirma Palito.

��� H�� muita transa����o em curso, muito com-

promisso assumido. N��o tou a par de tudo que

92���

ele faz, nem do que porventura combinou com

voc��s. Em cada quest��o h�� sempre um aspecto

mais particular.

��� �� assim que se fala ��� afirma Z�� da Hora.

��� Uma vez (semana passada, se bem me lem-

bro) por telefone, disse a ele que a interfer��ncia

no grupo do Zanete aqui em S��o Paulo ia custar

uns 300 mil. Neg��cio arriscado, que envolve uma

complica����o dos diabos

��� Disse que na hora certa tava disposto a

topar a parada ��� acentua Queixada.

��� E agora, pelo que se t�� sabendo, os caras

t��o rondando por a��. Cada vez mais perto ���

dramatiza Z�� da Hera.

��� T��o pra dar o bote ��� diz Natureza. ���

Principalmente, se souberem que Lucaro se

mandou.

Os olhos de Palito emitem brilho estranho.

Evidentemente que n��o gosta daquele ensaio de

chantagem. Sem perder a calma, sem alterar

a voz, diz simplesmente:

��� T��o vendo s��! Juro como n��o me lembro

desse acerto com Lucaro.

Mestre Z��vi percebe a diabolice de Palito,

sabe que est�� manobrando as v��timas como de-

seja, reinicia o jogo, enquanto Soneca ainda

passeia de um lado para o outro com a garrafa

t��rmica e as x��caras.

��� Deixa caf�� quente tamb��m pra Muril��o e

Erva-Doce. Agora v��o estar mais ligados �� gen-

te. A sociedade chegou a um ponto que o pro-

blema n��o �� pagar bem. �� saber a quem se t��

pagando ��� diz Palito, mas s�� Natureza consegue

perceber longe o in��cio da manobra.

��� H�� muito tempo n��o vejo Muril��o ��� afir-

ma Harmonia, como se n��o tivesse coisa me-

lhor a dizer.

��� Pois daqui a pouco v��o se reunir com a

gente, ��� diz Palito e novamente os m��sculos

���93



do rosto se encolhem e, com certo esfor��o, esbo-

��a-se um riso.

Mestre Z��vi se aproxima tamb��m do grupo,

Palito pega o rolo de papel que est�� sobre a

mesa, semelhante a um mapa. Abre, a folha ��

grande, arrasta no ch��o. Natureza segura de

um lado, Palito acha que o melhor �� pendur��-la

na parede. Para isso Mestre Z��vir deixa a ca-

deira, caminha na dire����o do banheiro, enquan-

to Palito explica que o gr��fico ia mostrar os

pontos que tinham a atingir, numa pr��xima

fase de expans��o. O velho retorna com o peda��o

de barbante, a porta do elevador abre, Palito

diz -simplesmente��� "olha eles chegando" ��� e

nem Natureza, nem Queixada, Z�� da Hora ou

Harmonia t��m tempo de fazer qualquer movi-

mento. Mal conseguem ver Muril��o e, por tr��s

dele Erva-Doce, que aponta a metralhadora e

dispara.

Mestre Z��vi atira-se no ch��o, pois j�� sabia

do plano, Palito est�� numa posi����o privilegia-

da. O primeiro a cair �� Queixada. Harmonia

ainda conseguiu voltar-se e por isso recebeu a

saraivada no rosto. Z�� da Hora pegou a carga

maior nas costas e no peito! Natureza teve a

testa esfacelada.

Palito deixa o gr��fico cair, como coisa in��til

que era, Muril��o, manda Mestre Z��vi descer e

sondar se os disparos atra��ram algum curioso.

O sil��ncio pesa dentro da sala. Palito d�� umas

passadas, da parede at�� o corpo volumoso de Na-

tureza, baba e sangue misturando-se. Ia dizer

qualquer coisa que n��o chegou a ser ouvida.

Erva-Doce acionou mais uma vez o gatilho. Pa-

lito tentou voltar-se mas n��o deu tempo. Tom-

bou, olhos abertos, como que assustados com sua

pr��pria trama.

Mestre Z��vi retornou, Muril��o j�� havia pu-

xado dois dos corpos para o banheiro, enquanto



Soneca providenciava peda��os de pl��stico. Erva-

Doce depositou a metralhadora na cadeira, So-

neca passou a perna na mesa que pertencera a

Lucaro, p��s-se a falar de uma maneira que

Mestre Z��vi jamais ouvira.

��� Daqui pra frente as coisas v��o seguir sem

tanto mist��rio. A come��ar pelos dez milh��es que

foram escondidos num hotelzinho da Avenida

Jabaquara e que tavam na mira de Palito.

Erva-Doce toma caf��, Muril��o acha gra��a

do jeito que Soneca tem de resolver as coisas.

��� Fa��a as contas, mestre, veja quanto d��

dez dividido por quatro.

��� Tamos ricos. D�� dois milh��es- e meio pra

cada um!

O telefone toca, Erva-Doce atende, passa pa-

ra Soneca.

��� �� a irm�� do Jackson Alberto.

��� N��o vejo mais raz��o de prender a mo��a

aqui ��� afirma Mestre Z��vi.

��� Basta que assuma o compromisso com a

gente de sumir e manter o bico fechado ��� diz

Muril��o.

��� �� o que vou combinar com ela ��� afirma

Soneca.

FIM





De bons amigos lançamentos




O Grupo Bons Amigos  tem a satisfação de lançar hoje mais um livro digital para atender aos deficientes visuais.    

Sociedade Secreta Parte 2 - (Morte por Encomenda)  -José Louzeiro
Livro doado por Bezerra e digitalizado por Fernando José  
Sinopse:

 

Sinopse parte I

O velhote usando capa sai do bar na Avenida

Jabaquara, em São Paulo, numa manhã

de chuva miúda. Atravessa trechos ocupados

pelas obras do metrô. Pouco depois as pessoas

que estão no bar ouvem disparos de metralhadora.

Correm à porta, o velho, está entrando

num carro e indo embora. O morto é um jovem

acusado de muita coisa, inclusive de exercer atividades

subversivas. Seu nome é jackson Alberto.

Quem estaria interessado em tirar a vida do

moço? Uma gang que fazia tráfico de entorpecentes

e a qual Jackson Alberto se ligara. Entre

outras coisas, os fora-da-lei o acusavam de ter

ficado com a importância de 10 -milhões de cruzeiros.

. '

No dia em que a irmã de Jackson Alberto

vai ao Instituto Médico Legal paulista, a fim de

transportar o corpo para o Rio, é surpreendida

por elementos que se dizem da Polícia. Daí em

diante a jovem viverá uma assombrosa realidade.

Mas, afinal, por que a gang dos entorpecentes

desejava manter a moça prisioneira? Para

que a outra quadrilha, a que perdeu os 10 milhões,

fosse levada a acreditar que Jackson Alberto

teria dito à irmã onde escondera o dinheiro.


Sobre o autor:  


José de Jesus Louzeiro (São Luís do Maranhão, 19 de setembro de 1932 - Rio de Janeiro, 29 de dezembro de 2017) foi um escritor, roteirista e autor de telenovela brasileira


Iniciou sua carreira como estagiário em revisão gráfica no jornal O Imparcial em 1948 aos dezesseis anos de idade. Em 1953, aos 21 anos, se transfere para o Rio de Janeiro onde foi trabalhar no semanário: A Revista da Semana e no grupo dos Diários Associados de Assis Chateaubriand, mais especificamente como "Foca" em O Jornal e daí foi deixando suas marcas através de suas redações nos jornais Diário Carioca, Última Hora, Correio da Manhã, Folha e Diário do Grande ABC e nas revistas Manchete e Diário Carioca.


Por mais de vinte anos atuou também como repórter policial. Na literatura, estreou com o conto Depois da Luta, em 1958, no cinema escreveu os diálogos do filme: Lúcio Flávio, o Passageiro da Agonia, baseado no romance de sua autoria lançado em 1976 pela editora Civilização Brasileira. Escreveu outros livros sobre casos policiais famosos como o Caso Araceli e o assassinato de Cláudia Lessin Rodrigues. O romance reportagem Aracelli, meu amor, foi censurado durante a ditadura militar a pedido dos advogados dos acusados.[1] Em Carne Viva (1988) traz personagens e situações que lembram as mortes de Zuzu Angel e seu filho, Stuart.[2] Seus livros são, na maioria, contos biográficos, narrados como romance-reportagem, chegando perto de quarenta publicações. A ele se atribui a introdução no Brasil do gênero literário romance-reportagem, que no exterior tivera como representante Truman Capote, que escreveu A Sangue Frio.


Assinou também o roteiro de dez filmes, sendo quatro deles já populares como Pixote, a Lei do Mais Fraco, Os Amores da Pantera de Jece Valadão, O Homem da Capa Preta e Amor Bandido, com Paulo Gracindo.


Escreveu telenovelas como Corpo Santo e Guerra sem Fim. Mas sua telenovela O Marajá, uma comédia baseada no governo de Fernando Collor de Melo, foi proibida de ir ao ar, numa época em que não havia mais censura no Brasil. Depois desse episódio, o autor conta que começou a enfrentar dificuldades para realizar novos projetos na televisão.


Louzeiro faleceu aos 85 anos de causas não reveladas, mas consequentes de doenças que se agravaram em função de diabetes[3].


Obras:

Depois da Luta (1958)

Lúcio Flávio, o passageiro da agonia (1975)

Aracelli, Meu Amor (1976)

Infância dos Mortos (1977)

Em Carne Viva (1988)

E vários títulos de bolso pela Cedibra

Fonte:

https://pt.wikipedia.org/wiki/Jos%C3%A9_Louzeiro

Lançamento: Grupo Bons Amigos :  

http://groups.google.com.br/group/bons_amigos?hl=pt-br


Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais e como forma de acesso e divulgação para todos. 

É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras .





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