fazermos uma mesa-redonda para estudar
a mente de Jesus. Sofia ser�� a moderadora,
o doutor Alberto e o doutor Thomas ser��o
os dois te��logos de um lado da mesa e dois
neurocientistas ateus, eu e um amigo, estaremos
na posi����o oposta ��� disse Marco Polo.
��� Dois ateus contra dois te��logos? ��� indagou
o Dr. Thomas.
��� N��o contra, mas num caldeir��o de debates
��� respondeu Marco Polo.
Os dois ilustres te��logos sentiram-se honrados
e, ao mesmo tempo, desafiados.
��� Sabemos que voc�� �� um pesquisador do
processo de constru����o de pensamentos e
deforma����o de pensadores. Sentimo-nos
honrados em estudar o evangelho de S��o
Lucas com voc��.
��� Desculpe-me, doutor Alberto. N��o me
sinto honrado em estudar o evangelho de
S��o Lucas, mas do homem Lucas, com suas
poss��veis loucuras e san��dades, sua serenidade
e superficialidade. S�� aceitarei esse debate se
ele for livre, sem religiosidade, sem medo de
discutir qualquer ideia, dogma ou conceito.
Vamos debater Jesus sob o manto da
psicologia, da sociologia e da psicopedagogia.
O Dr.Alberto e o Dr.Thomas se entreolharam,
engoliram em seco e confirmaram:
��� Aceitamos as condi����es.
Sofia sabia que Marco Polo tinha uma grande
capacidade de analisar detalhes que poucos
enxergavam. Era um pensador extremamente
detalhista. Foi assim que se tornou o primeiro
neurocientista e psiquiatra a arriscar-se numa
empreitada como aquela.
N��o tinha a m��nima ideia do que o aguardava.
DEDICO ESTE LIVRO A ALGU��M ��NICO!
De todas as coisas que conquistei na vida
Voc�� tem um lugar de destaque.
Obrigado por existir.
A vida �� bela e breve como gotas de orvalho
Em instantes aparece e logo se dissipa
Aos primeiros raios do tempo.
Por ser fascinante e ef��mera, dever��amos
Transformar l��grimas em sabedoria
E perdas em maturidade
Escrever os cap��tulos mais nobres nos dias mais tristes
E ser um explorador n��o apenas do planeta Terra,
Mas do planeta Mente.
Inclusive da mente do homem mais inteligente da hist��ria.
/ /
Copyright �� 2016 por Augusto Jorge Cury
Todos os direitos reservados.
Nenhuma parte deste livro pode ser utilizada ou reproduzida sob quaisquer
meios existentes sem autoriza����o por escrito dos editores.
As passagens b��blicas citadas neste livro usaram como refer��ncia
as seguintes vers��es: B��blia Septuaginta, B��blia King James,
B��blia de Jerusal��m, B��blia Jo��o Ferreira de Almeida.
Edi����o: Rafaella Lemos
Revis��o: Alice Dias e Luis Am��rico Costa
Projeto gr��fico e diagrama����o: Val��ria Teixeira
Capa: Raul Fernandes
Imagem de capa: Christophe Dessaigne/ Trevillion Images
Impress��o e acabamento: Associa����o Religiosa Imprensa da F��
CIP-BRASIL. CATALOGA����O NA PUBLICA����O
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ
C988h Cury, Augusto
O homem mais inteligente da hist��ria/Augusto Cury;
Rio de Janeiro: Sextante, 2016.
272 p.; 16 x 23 cm. (O homem mais inteligente da hist��ria; 1)
ISBN 978-85-431-0435-5
1. Romance brasileiro. I. T��tulo. II. S��rie.
CDD 869.3
16-35647 CDU821.134.3(81)-3
Todos os direitos reservados, no Brasil, por
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SUM��RIO
Pref��cio 7
A era dos mendigos emocionais 10
Terremotos emocionais 21
Perdas irrepar��veis 29
Humanidade em chamas 35
O Muro das Lamenta����es 44
Manuscritos do Mar Morto 50
Um homem questionador 56
Um vendaval na mente de Paulo e Lucas 65
Os impactos da mesa-redonda 72
Lucas, um bi��grafo l��gico e detalhista 82
Maria, uma educadora ousad��ssima 89
Maria, uma mulher anal��tica e ousada 99
Um menino surpreendente 108
O Magnificat: uma tese sociol��gica 118
Fatos estranhos nos bastidores do debate 128
O mundo ruindo aos p��s de Marco Polo 135
Um menino alegre que viveu h�� dois mil anos 146
O estranho homem de marketing de Jesus 150
Jesus e os mais dram��ticos testes de estresse 161
20 O teste do poder pol��tico e religioso 168
2 1 O quarto teste de estresse: humilha����o p��blica 173
22 O inconsciente dos debatedores 183
23 Marco Polo perdendo quem mais ama 190
24 Uma fama incontrol��vel e surpreendente 198
25 A escolha "errada" dos disc��pulos 210
26 A passagem que Lucas n��o contou 217
27 Crescendo em sabedoria 222
28 Marco Polo: o terremoto emocional 229
29 Michael e sua filha: os impactos da mesa-redonda 240
30 O ataque terrorista 247
3 1 O serm��o da montanha: o mais fascinante tratado
sobre a felicidade 253
Agradecimentos 265
PREF��CIO
P
P
rovavelmente fui mais c��tico e cr��tico do que os grandes ateus da
hist��ria, como Marx, Nietzsche, Diderot, Freud, Sartre. Ao produzir
uma das poucas teorias da atualidade sobre o funcionamento da mente
e o processo de forma����o de pensadores, tornei-me h�� muitos anos um
ateu cient��fico, enquanto a maioria dos ateus not��veis foi, na realida
de, composta de antirreligiosos.
Apesar dos meus limites, resolvi estudar de forma detalhada a mente
do personagem mais famoso da hist��ria sob crit��rios psicol��gicos,
psiqui��tricos, psicopedag��gicos e sociol��gicos. Esperava, ao estudar
a personalidade de Jesus, encontrar uma intelig��ncia comum, pouco
criativa, pouco anal��tica, pouco instigante, sem gest��o da emo����o, ou
ent��o um "her��i" mal constru��do por galileus. Entretanto, fiquei per
plexo. Tornei-me um ser humano sem fronteiras.
O resultado dessa prolongada pesquisa, que levou mais de 15 anos,
comp��e esta obra, O homem mais inteligente da hist��ria, que se consti
tuir�� de v��rios volumes. Creio que, se n��o tivesse 30 anos de experi��ncia
como pesquisador e profissional de sa��de mental - com mais de 20
mil atendimentos -, n��o teria condi����es de escrev��-la. Apesar disso, a
fim de ter mais liberdade para expressar meu processo de produ����o de
conhecimento, preferi escrever em forma de romance.
E fico feliz com o fato de que, assim como alguns de meus livros
est��o sendo adaptados para as telas do cinema pela Warner/Fox - como
O vendedor de sonhos, O futuro da humanidade e Petrus Logus -, esta
obra se tornar�� um seriado internacional. Recentemente, um not��vel
cineasta me pegou pelo bra��o e confessou que filmar uma s��rie baseada
em O homem mais inteligente da hist��ria ser�� seu mais importante
projeto de vida!
O psiquiatra e cientista Marco Polo �� o protagonista desta obra.
Durante uma important��ssima confer��ncia promovida pela ONU em
Jerusal��m para discutir o futuro do planeta Terra, ele abalou os presentes
ao falar sobre a preserva����o de outro planeta, o planeta emo����o:
"Antes de os recursos da Terra se esgotarem, esgota-se primeiro a mente
humana", declarou ele.
Questionado sobre quais pensadores foram bons gestores da emo����o,
Marco Polo comentou: "Todos os que eu estudei falharam: Freud,
Einstein, Gandhi, Nietzsche..." deixando a plateia em choque. Mas, em
seguida, uma soci��loga americana lan��ou a pergunta fatal: "E Jesus? Ele
foi um bom gestor da emo����o?" Marco Polo foi categ��rico: "Como sou
ateu, n��o discuto religi��o em minhas confer��ncias."
Por��m a plateia de intelectuais, sabendo que ele estudava o processo
de forma����o de pensadores, o desafiou a estudar a mente de Jesus sob a
luz das ci��ncias humanas. Ele resistiu muito, mas por fim montou uma
mesa de not��veis para refletir e analisar a intelig��ncia de Cristo.
Talvez pela primeira vez na hist��ria o intelecto de Jesus ser�� estudado
sob par��metros ser��ssimos como habilidade de lidar com perdas e
frustra����es, resili��ncia, autocontrole, capacidade de proteger a emo����o
e ferramentas para formar mentes brilhantes.
Marco Polo pouco a pouco descobrir�� que ele mesmo, as ci��ncias
humanas e todas as religi��es erraram dramaticamente em n��o ter estudado
Jesus em termos cient��ficos. A mente do mais famoso personagem
de todos os tempos �� muito pouco conhecida, inclusive pelos bilh��es de
seres humanos das mais diversas religi��es que o admiram...
Com a avalanche de est��mulos estressantes que viveu desde a inf��ncia,
Jesus tinha muitos motivos para ter depress��o e ansiedade. Mas
ele geriu sua emo����o? Desenvolveu uma sa��de mental s��lida? Teve
autocontrole nos focos de tens��o? Como educador, tinha tudo para
fracassar, pois escolheu um time de jovens com v��rios transtornos de
personalidade e que s�� lhe davam dor de cabe��a. Mas ser�� que ele usou
t��cnicas psicol��gicas modernas para transformar pedras brutas em obras
de arte? Ele teve ��xito?
O mundo comemora o nascimento de um menino cuja personalidade
n��o conhece e n��o sabe como se formou. Surpreendi-me muit��ssimo
com essa an��lise e provavelmente muitos ficar��o surpresos e at�� perplexos
com O homem mais inteligente da hist��ria.
Julgue por si mesmo!
DR. AUGUSTO CURY
1
A ERA DOS MENDIGOS
EMOCIONAIS
OSecret��rio-Geral da Organiza����o das Na����es Unidas, a ONU, deu
in��cio �� reuni��o de emerg��ncia sobre a viol��ncia no mundo. Os
principais l��deres pol��ticos das na����es, assim como pensadores das mais
diversas ��reas, estavam presentes. Os n��meros mostravam um aumento
assustador da viol��ncia n��o apenas nos pa��ses pobres e emergentes, mas
tamb��m nas na����es mais ricas.
-Bullying nas escolas, viol��ncia contra mulheres e crian��as, ass��dio
moral nas empresas, agress��es sexuais, corrup����o na pol��tica, sabotagem
no mercado, exclus��o de imigrantes, suic��dios, homic��dios, terrorismo.
Enfim, o leque de viol��ncia nas sociedades modernas �� enorme.
Vivemos o apogeu do progresso material, o ��pice da era digital, mas n��o
estancamos a hemorragia da viol��ncia ao redor do mundo. Ao contr��rio,
ela est�� aumentando... �� incompreens��vel! - concluiu, preocupado.
- Est�� aberto o debate para encontrarmos solu����es sustent��veis.
Muitos presidentes, ministros e parlamentares fizeram suas considera����es.
Alguns poucos soci��logos tamb��m mencionaram o adensamento
populacional, as crises econ��micas, a exclus��o social e outros tantos
problemas como fatores agravantes.
Quando a confer��ncia se aproximava do fim e os presentes j�� estavam
cansados de ouvir as mesmas discuss��es, o Secret��rio-Geral retomou a
palavra:
-A ONU agradece a participa����o dos l��deres mundiais nesta grande
confer��ncia sobre as causas e solu����es para a viol��ncia na era moderna.
Faremos um relat��rio que ser�� enviado a todas as na����es, embora eu tenha
a impress��o de que ainda falta um diagn��stico adequado da quest��o.
-E falta mesmo! - proclamou Marco Polo, um psiquiatra pesquisador
que estava entre os espectadores.
Estressado, o Secret��rio-Geral advertiu:
- Sinto muito, senhor, mas o debate n��o est�� aberto �� plateia.
- As grandes ideias n��o s��o propriedade das lideran��as pol��ticas, mas
da mente de quem as pensa - confrontou-o Marco Polo.
Pego de surpresa, o Secret��rio-Geral da ONU pensou melhor.
- Abrirei uma exce����o. Seu nome?
- Marco Polo - apresentou-se de forma breve.
- Seja r��pido, por favor. A hora est�� avan��ada - pediu delicadamente
oSecret��rio.
Pol��mico, ousado, provocador, Marco Polo sentiu-se �� vontade:
- Senhoras e senhores, n��o apenas pisamos na superf��cie do planeta
Terra, mas tamb��m na camada superficial do planeta emo����o. Est�� em
curso uma verdadeira explos��o de transtornos ps��quicos e sociais. E
uma das grandes raz��es para isso �� o fato de a educa����o cl��ssica ter se
tornado excessivamente cartesiana, l��gica, linear, desprezando as habilidades
socioemocionais capazes de proteger a psique. Se n��o mudarmos
o paradigma fundamental da educa����o, seremos uma esp��cie invi��vel!
A plateia se agitou.
- Mudar o paradigma da educa����o? Como assim, senhor Marco Polo?
- questionou um intrigado ministro canadense que estava na primeira fila.
-A educa����o mundial precisa passar da era da informa����o para a
era do Eu como gestor da mente humana! A primeira gera gigantes
na ci��ncia, mas crian��as no territ��rio da emo����o; a segunda cria seres
humanos bem resolvidos, coerentes e altru��stas.
O tema era completamente novo e, ao mesmo tempo, perturbador.
As pessoas que haviam bocejado nos ��ltimos discursos mostravam-se
agora despertas.
-O que �� ser gestor da mente humana? - questionou uma senadora
americana. - Nunca ouvi falar dessa tese!
- Ser gestor da mente humana �� saber gerenciar os pensamentos, proteger
a emo����o, libertar a criatividade e se tornar protagonista da pr��pria
hist��ria. A educa����o cl��ssica cr�� que a maneira de formar mentes brilhantes
�� bombardear o c��rebro com milh��es de dados e fazer os alunos
assimil��-los. Isso �� um grande engano!
- Mas h�� s��culos a educa����o �� assim, detentora e transmissora das
informa����es mais relevantes da sociedade - retrucou o ministro da
Educa����o da Fran��a.
- Sim, doutor, mas essa educa����o n��o funciona mais, pelo menos
n��o coletivamente. A mente dos nossos alunos mudou muit��ssimo.
Assim como n��o �� poss��vel dar tinta e pinc��is a uma m��quina e
esperar que ela crie obras-primas como as que Da Vinci, Van Gogh
e Rafael pintaram, n��o �� poss��vel formar obras-primas na tela da
mente humana com esse estilo de educa����o. As pessoas precisam
aprender a pensar coletivamente, a ser altru��stas, a se colocar no lugar
do outro e ser tolerantes ��s frustra����es!
Nesse momento, Marco Polo pediu licen��a para fazer algumas proje����es
no tel��o. Ele sempre levava consigo um pen-drive com os v��deos e
as anima����es que costumava utilizar em suas palestras. No entanto, seu
pedido foi negado.
- N��o ser�� permitido. Est�� tarde, senhor - falou com arrog��ncia um
assistente do Secret��rio-Geral.
- Se a plateia n��o quiser me ouvir, sento-me agora - respondeu com
seguran��a Marco Polo.
Isso fez a plateia chiar. Os espectadores agora pareciam sedentos por
ouvir as novas ideias que o psiquiatra trazia.
O pedido foi ent��o reconsiderado. Autorizado pelo Secret��rio-Geral,
Marco Polo entregou seu pen-drive ao t��cnico respons��vel e come��ou
a mostrar imagens reais: carros sendo conduzidos de maneira irrespons��vel,
em alta velocidade, desrespeitando as normas de tr��nsito e
causando acidentes horr��veis. Em seguida completou:
1 2
- Nosso intelecto �� um ve��culo mental complexo e o dirigimos de
forma irrespons��vel. Por qu��? Porque as escolas e as universidades n��o
educam o Eu, que representa a capacidade de escolha, o livre-arb��trio, a
consci��ncia cr��tica para estar ao volante. Um olhar atravessado estraga
o dia, uma cr��tica asfixia a semana, uma trai����o pode comprometer
uma vida.
- Est�� sugerindo que estamos na inf��ncia do Eu como diretor da
mente? - indagou o primeiro-ministro franc��s, indignado.
- Sim. �� isso que estou afirmando! - respondeu com convic����o.
Em seguida, com o cuidado de preservar a identidade das pessoas
envolvidas, projetou no tel��o situa����es grav��ssimas que mostravam
jovens contrariados se mutilando e garotas anor��xicas, s�� pele e ossos.
- E sabem por que essas meninas est��o magras como os pobres famintos
da ��frica subsaariana? - indagou Marco Polo. - Porque se sentem
gordas. A ditadura da beleza est�� matando nossos jovens por dentro.
Em seguida mostrou cenas de pessoas an��nimas cometendo os mais
diversos tipos de viol��ncia e at�� assassinatos por motivos banais.
- Pequenas contrariedades geram rea����es desproporcionais. Estamos
na era do descontrole emocional.
Era poss��vel perceber a perplexidade no rosto dos que assistiam ��
apresenta����o de Marco Polo. Um pol��tico famoso que estava na primeira
fileira lembrava silenciosamente que no dia anterior gritara com a esposa
como se ela fosse sua escrava: "Saia da minha frente, sua d��bil mental!
Esse terno n��o combina com essa gravata!" Sentia-se envergonhado.
Marco Polo seguia com a apresenta����o:
- As vacinas nos protegem contra viroses, mas quais vacinas podem
prevenir a viol��ncia e os transtornos ps��quicos? Sem mudar a educa����o,
�� imposs��vel. Qual delas voc�� daria a quem voc�� ama? Normalmente
nenhuma! Estamos acostumados a dar broncas, apontar falhas, tecer
cr��ticas...
- Mas quem tem dentro de si um manual de regras de comportamento
n��o faz um bom trabalho educacional? - questionou um senador
republicano dos Estados Unidos.
- Desculpe-me, mas quem possui apenas um manual de regras est��
apto a consertar m��quinas, n��o a formar mentes brilhantes.
Depois desse coment��rio, Marco Polo ainda complementou:
- A falta de prote����o da emo����o �� a maior de todas as viol��ncias, e a
cometemos contra nossos pr��prios filhos!
- Como podemos mudar isso, doutor Marco Polo? - perguntou o
Secret��rio-Geral, abalado.
- H�� muitas ferramentas �� nossa disposi����o: podemos ser mais lentos
para reagir e mais r��pidos para pensar; ser emp��ticos e nos importar
com a dor dos outros; ter consci��ncia de que por tr��s de algu��m que
fere h�� uma pessoa ferida; pensar como humanidade e n��o apenas
como grupo social... E todas essas ferramentas est��o relacionadas com
a gest��o da pr��pria mente.
Em seguida o pesquisador mostrou que na atualidade levamos o ve��culo
mental, a constru����o dos pensamentos, a uma velocidade nunca
antes vista. Por isso �� f��cil perder o autocontrole!
- Mas... mas... nunca ouvi falar nisso - comentou um l��der alem��o.
- Mas agora �� tempo de ouvir! Hoje uma crian��a de 7 anos possui
mais dados que imperadores romanos. Uma de 9 anos possui mais
informa����es que S��crates ou Plat��o. Isso n��o �� suport��vel. O excesso
de informa����es n��o utilizadas torna-se lixo intelectual. Esgota o c��rebro.
Em m��dia, quem tinha mais informa����es: Einstein ou os bons engenheiros
e f��sicos da atualidade?
- Einstein? - disse um ministro da Educa����o europeu.
- Errado, senhor. S��o os engenheiros e f��sicos da atualidade. Mas por
que n��o produzem ideias complexas como as que o jovem Einstein produziu
aos 27 anos, no tosco escrit��rio de patentes em que trabalhava? O que
forma um pensador n��o �� a quantidade de dados, mas sua organiza����o.
Marco Polo projetou algumas anima����es reveladoras. Crian��as e
adolescentes conectados o dia todo no celular, mas desconectados de
si mesmos. De repente, diante da menor contrariedade, tinham rea����es
explosivas. Tamb��m mostrou crian��as dormindo mal e outras acordando
de madrugada para acessar as redes sociais. Pareciam zumbis.
- Mas a era digital trouxe ganhos ineg��veis! - questionou uma l��der
indiana.
- Sim, inclusive um aumento cognitivo e uma melhora do racioc��nio
l��gico e da produtividade. Mas tamb��m trouxe preju��zos gigantescos.
N��o podemos fechar os olhos para isso. Milh��es de jovens s��o v��timas
de intoxica����o digital. - E Marco Polo explicou melhor: - Tire-lhes os
celulares e muitos ter��o sintomas de abstin��ncia como as geradas pela
depend��ncia de drogas! Ansiedade, insatisfa����o cr��nica, impaci��ncia,
baixa toler��ncia a frustra����es, um t��dio atroz quando sentem que n��o
t��m nada para fazer.
- Mas estamos na era da democracia, somos livres em nossas escolhas...
- defendeu um fil��sofo su����o.
- Mas, senhor, eu asseguro, nunca nas sociedades democr��ticas
houve tantos escravos no ��nico lugar em que �� inadmiss��vel ser um
prisioneiro: na pr��pria mente.
- Mas o desenvolvimento tecnol��gico levou ao aumento da expectativa
de vida. N��o podemos conden��-lo. Vivemos o dobro do tempo
que os romanos viviam! - disse uma l��der italiana, especialista em
sa��de p��blica.
-A tecnologia levou a ganhos important��ssimos. No passado uma
amigdalite matava. Mas precisamos ver o outro lado da moeda social.
Vivemos em m��dia 80 anos, mas a mente humana est�� t��o estressada
pelo excesso de informa����es que hoje em dia 80 anos passam como se
fossem 20 no passado.
- Ent��o nosso sistema virou uma f��brica de doidos. Para o senhor,
estamos vivendo mais em termos biol��gicos e morrendo mais cedo em
termos emocionais, �� isso? - indagou um pol��tico franc��s.
- Tenho certeza de que estamos vivendo esse paradoxo. Essa �� uma
viol��ncia subliminar contra n��s mesmos, mas n��o catalogada pela
ONU nem discutida neste debate. N��o parece que dormimos e acordamos
com a idade que temos hoje, senhoras e senhores?
-O doutor Marco Polo tem raz��o. Algumas pesquisas indicam
que esse ritmo fren��tico nos torna mais individualistas e insatisfeitos.
Estamos na era da ind��stria do lazer, mas nunca tivemos uma gera����o
t��o triste. Esse �� outro grande paradoxo - afirmou Michael, um neurocientista
que mais tarde se tornaria amigo de Marco Polo.
- Estamos na era dos mendigos emocionais - concluiu Marco Polo.
- Muitos dos senhores aqui trajam ternos e gravatas de marca, mas n��o
poucos mendigam o p��o da alegria. Essa �� outra autoviol��ncia.
Houve um burburinho na plateia.
- Quer dizer ent��o que as sociedades modernas viraram um manic��mio
a c��u aberto? - bradou um pol��tico russo.
As pessoas ficaram inquietas. Estavam ali para discutir a viol��ncia
dos outros, e n��o sabiam que eram violentas consigo mesmas. Marco
Polo mencionou tamb��m a multiplica����o do n��mero de mendigos
na Fran��a do s��culo XVIII. Devido ��s guerras, corrup����o pol��tica e
conflitos sociais, produziram-se tantos miser��veis que era poss��vel
trope��ar nos famintos que viviam nas ruas. Mas hoje estamos na era
dos miser��veis emocionais. E citou um pa��s jovem, ensolarado e alegre,
o Brasil:
- Por exemplo, na cidade de S��o Paulo, no per��odo de 2002 a 2012, o
��ndice de suic��dios entre jovens aumentou 42%.
- Que loucura �� essa? Se isso acontece no Brasil, para onde caminha
a humanidade? - comentavam as pessoas umas com as outras.
Marco Polo completou:
-A FAO, ��rg��o da ONU respons��vel pela seguran��a alimentar,
como os senhores devem saber, detectou que h�� 800 milh��es de pessoas
passando fome no mundo. Um problema intoler��vel. - E, fitando
os olhos do Secret��rio-Geral, que estava perturbado com a exposi����o,
apontou: - Mas as estat��sticas n��o dizem que h�� bilh��es de mendigos
emocionais, alguns morando em belos apartamentos e em casas
confort��veis.
A plateia irrompeu em aplausos. Marco Polo ia encerrar sua fala, mas
as pessoas solicitaram que continuasse. Um pol��tico argentino inclusive
comentou algo muito s��rio, mas de modo engra��ado:
- Onde h�� um restaurante emocional, doutor Marco Polo? Sou
impaciente, reclamo muito, detesto quando meu notebook ou celular
demora para ligar. Sou um faminto emocional.
Muitos sorriram e o aplaudiram. Marco Polo comentou:
-A principal caracter��stica dos mendigos emocionais �� fazer pouco
do muito. Por exemplo, os pais t��m pavor de que os filhos se tornem
dependentes de drogas, mas, sem perceber, viciam o c��rebro deles com
excesso de est��mulos.
De repente, uma das maiores empres��rias da Espanha, que dava o
mundo aos filhos, mostrou-se preocupad��ssima:
-O excesso de presentes pode prejudicar nossos filhos?
- Pode ser uma viol��ncia contra a sa��de emocional deles, senhora.
Pode lev��-los a precisar de cada vez mais est��mulos para sentirem algumas
migalhas de prazer. N��o s��o apenas as drogas que causam depend��ncia
- alertou Marco Polo.
Os l��deres estavam muito perturbados; muitos ca��am nessa armadilha.
Ent��o o psiquiatra projetou a imagem de uma crian��a africana
soltando pipa, feliz da vida. Depois a de outra correndo atr��s de
animais, sorrindo, como se tivesse mergulhado num o��sis de prazer.
A seguir, mudou a paisagem, mostrando uma anima����o em que um
menino fazia birra: "Eu quero mais!" Outra gritava com a m��e: "Voc��
tem que me dar um celular novo!" Comportavam-se como pequenos
reis que faziam dos pais seus servi��ais.
"Meu Deus, o que estou fazendo com meus dois filhos..." disse a si
mesma a empres��ria. "Dou presentes quase todos os dias e quanto mais
dou, menos agradecem, mais reclamam e mais infelizes ficam."
-O risco de pais abastados gerarem desnutri����o emocional e ansiedade
�� maior do que o de pais pobres... - completou Marco Polo.
Os l��deres mundiais esfregavam as m��os no rosto, assustados.
Representavam a elite de seus pa��ses.
- Voc�� nos tirou o ch��o, doutor Marco Polo. Discutimos viol��ncia
neste congresso, mas n��o a que praticamos com nossos filhos - falou o
ministro da Defesa da Alemanha. - Para mim, basta. Precisamos repensar
nossas atitudes violentas.
Marco Polo n��o podia mais se calar. Antes da sa��da do ministro da
Defesa, ele jogou mais uma bomba emocional no colo da plateia:
- Por favor, procurem dar aos seus filhos o que o dinheiro n��o pode
comprar: sua presen��a e sua hist��ria. Ensinem-lhes a contemplar o belo.
Esse �� o presente dos presentes!
- Contemplar o belo �� o mesmo que admirar o belo? - indagou o
ministro ainda de p��.
A resposta o fez sentar-se:
- N��o! At�� um psicopata como Adolf Hitler admirava o belo. Ele acariciava
sua cadela Biondi com uma das m��os e com a outra telefonava
aos seus subordinados ordenando guerras irracionais. Era vegetariano,
n��o queria que os animais sangrassem, mas n��o se importava que
crian��as e mulheres sangrassem nos campos de concentra����o. Admirar
o belo �� uma experi��ncia fugaz. Contemplar o belo �� se entregar atenta
e detalhadamente.
As pessoas se entreolhavam. O Secret��rio-Geral da ONU indagou:
- Os grandes pensadores da hist��ria porventura contemplavam o
belo?
- Raramente. Einstein era depressivo; Kafka, pessimista; Van Gogh,
hipersens��vel; Nietzsche, m��rbido. O sucesso financeiro, pol��tico, intelectual,
se n��o for trabalhado, gera insucesso emocional, leva a uma psi-
coadapta����o ao pr��prio sucesso, fazendo com que as pessoas precisem
de "muito" para sentir "pouco". Celebridades, �� medida que ascendem
na carreira, asfixiam o prazer de viver...
Terminou comentando que muitos milion��rios, conforme enriquecem
mais e mais, tornam-se sem perceber miser��veis morando em pal��cios.
- Estou assustado... Entrei rico e sa�� mendigo da sede da ONU! brincou
um empres��rio do Vale do Sil��cio.
Todos deram gargalhadas.
- A emo����o �� democr��tica, senhoras e senhores, ela se alimenta especialmente
das coisas simples e an��nimas da vida.
De repente, uma pergunta inesperada e dific��lima de responder
tumultuou ainda mais o ambiente:
-E Jesus Cristo, sabia contemplar o belo? - indagou um l��der do
Parlamento brit��nico.
Marco Polo parou, respirou profunda e prolongadamente e respondeu:
- Respeito os que aderem a alguma religi��o, mas sou ateu. Para
mim, Deus �� uma ideia constru��da pelo c��rebro humano, que, por ser
apaixonado pela vida, n��o suporta seu caos na solid��o de um t��mulo...
Portanto, n��o vou discutir religi��o aqui.
Mas o l��der do Parlamento brit��nico o confrontou:
- Eu n��o perguntei se o senhor cr�� em Deus ou n��o. Perguntei se o
personagem Jesus era saud��vel, feliz, se contemplava o belo! - insistiu.
Marco Polo respirou lentamente. O clima ficou tenso na reuni��o da
ONU.
- Nunca estudei sua personalidade, mas as religi��es crist��s vendem a
ideia de que Jesus Cristo era um homem triste, intimista, que carregava
o mundo nas costas, com baixo n��vel de alegria.
De repente, uma ouvinte ficou de p�� e, em sintonia com o pol��tico
ingl��s, desafiou Marco Polo:
- Sei que voc�� estuda o processo de forma����o de pensadores, doutor.
Voc�� �� muito ousado, mas parece que tem medo de investigar a mente
de Jesus sob o ��ngulo das ci��ncias humanas - comentou aquela psic��loga
sem meias palavras.
Todos ficaram espantados com a aud��cia da mulher.
- Medo, eu? - disse Marco Polo, olhando bem nos olhos dela.
- Sim, medo, o velho c��rcere humano! Por que voc�� n��o aceita o
desafio de investigar os amplos aspectos da intelig��ncia de Jesus?
Sil��ncio geral na plateia. Marco Polo partiu para o ataque:
-A senhora acha correto me pressionar diante desta nobre plateia de
l��deres mundiais? - falou, aparentemente indignado.
- Sem d��vida que sim! - afirmou ela.
Um burburinho tomou conta do lugar. O Secret��rio-Geral da ONU
se levantou para tentar moderar a situa����o. Em seguida Marco Polo
indagou, mais s��rio ainda:
- Qual �� o seu nome?
- Anna.
Ent��o ele abriu um sorriso e comentou:
- Vou pensar no seu questionamento, Anna. Mas antes quero dizer
publicamente que eu te amo...
Ningu��m entendeu nada. Ap��s um sil��ncio c��lido, ele explicou:
- Bom, preciso gerir minha mente, pois at�� minha esposa est�� me
estressando...
Quando ficaram sabendo que Anna era sua mulher, todos sorriram,
se levantaram e irromperam em aplausos. Enxergaram neles um casal
incr��vel, espont��neo e inteligente. E nesse clima Marco Polo encerrou
sua participa����o.
Muitos sa��ram da reuni��o da ONU transformados; alguns, reflexivos;
outros, atordoados. Perceberam que n��o sabiam dirigir o ve��culo mental,
queriam liderar o mundo, mas n��o eram l��deres de si mesmos. Estavam
no rol dos mendigos emocionais, vivendo de migalhas de prazer.
20
2
TERREMOTOS EMOCIONAIS
Anna, a mulher de Marco Polo, era uma psic��loga brilhante. Sua
m��e sempre fora depressiva e, infelizmente, havia tirado a pr��pria
vida quando ela ainda era crian��a. Teve de se reinventar para
sobreviver. Seu pai, Dr. Amadeus, era um exemplo cl��ssico do homem
que empobreceu �� medida que enriqueceu. Era autorit��rio, insens��vel,
controlador, cobrador.
A doen��a de sua m��e a estimulou a especializar-se em depress��o, o
��ltimo est��gio da dor humana. Marco Polo foi um ponto de virada em
sua hist��ria, um novo cap��tulo em sua biografia, que contribuiu muito
para que ela se tornasse d��cil e resoluta, generosa e determinada. Seu
objetivo principal como profissional de sa��de mental era instigar seus
pacientes a serem aut��nomos.
Seu pai tentou de todas as formas impedir a rela����o dos dois. Ter uma
filha psic��loga j�� era complicado para um megaempres��rio cujo deus
era o dinheiro. Agora, ter um genro psiquiatra, amigo dos "esquizofr��nicos",
era intrag��vel e revelava as pr��prias loucuras do Dr. Amadeus.
- Minha filha, voc�� tem uma vida de rainha. Viver com esse psiquiatrazinho
sem dinheiro e saturado de romantismo intelectual far�� com
que voc��, cedo ou tarde, caia na realidade. Certamente engordar�� as
estat��sticas dos relacionamentos fracassados.
Marco Polo chegou sem que fosse notado e ouviu a conversa do pai
com a filha. Sempre seguro, interveio com convic����o:
- Quem ama sem riscos ama sem gl��rias!
Pego de surpresa, Dr. Amadeus n��o pediu desculpas. Ali��s, desculpas
n��o faziam parte do dicion��rio de sua vida. Confrontou-o:
- S�� que alguns riscos s��o est��pidos e irracionais... O padr��o de vida
da minha filha vai despencar e voc�� n��o vai conseguir supri-lo sem
minha ajuda.
- N��o precisaremos da sua ajuda - afirmou Anna.
-�� o que os filhos rebeldes sempre dizem - rebateu o pai com raiva,
afastando-se.
Ref��m do passado, no in��cio do relacionamento Anna era possessiva,
ciumenta, hipersens��vel, sempre procurando uma aten����o desproporcional
de Marco Polo. Uma pequena distra����o que fosse gerava
dram��ticas cobran��as. O m��dico estimulava sua consci��ncia cr��tica,
pois sabia que ningu��m se casa apenas com uma pessoa, mas tamb��m
com os fantasmas do seu passado e com sua fam��lia.
- Uma pessoa emocionalmente mal resolvida tem um amor insaci��vel,
que sempre procura no outro o que n��o tem dentro de si, dizia.
Anna se abalava com as palavras do namorado. Procurava digeri-las
dia e noite.
- Eu sei, Marco Polo. N��o quero que seu amor me liberte. Tenho que
aprender a ser livre. Mas o que quero, na verdade, �� que seu amor me
d�� asas para voar mais longe.
-O ci��me �� a falta de si mesmo em primeiro lugar, e n��o do outro.
Se voc�� se abandonar, serei incapaz de saci��-la - dizia Marco Polo com
frequ��ncia.
Anna aos poucos resolveu a dif��cil equa����o da possessividade. A partir
da�� come��aram a ter uma rela����o riqu��ssima. Por fim, contra todos
os esfor��os de seu pai, casaram-se. Por��m a conviv��ncia tumultuada
com o Dr. Amadeus se abrandou - embora jamais tenha sido solucionada
- com o nascimento do ��nico filho do casal, Lucas, um garoto
esperto, soci��vel e bem-humorado.
Com o passar dos anos Marco Polo conquistou fama internacional.
Era ousado, tranquilo, um profissional humilde e not��vel, acima de
tudo um pesquisador perspicaz. Era capaz de manter a serenidade
mesmo em tempos de crise. Por��m todo ser humano tem seus limites.
Manter o autocontrole diante da dor dos outros �� uma coisa, mas
diante da nossa pr��pria dor, sobretudo quando perdemos quem mais
amamos, �� outra coisa. Havia chegado o seu momento de beijar a lona
da fragilidade.
Marco Polo vertia l��grimas inconsol��veis. Estava perdendo sua eterna
namorada, Anna.
- Por qu��? Por qu��? - se perguntava.
Colocava as m��os sobre a cabe��a, enxugava as l��grimas de seu rosto
e andava de um lado para outro.
- Eu te amo, querida. N��o parta t��o cedo! - dizia a si mesmo em
voz alta. - Vi tantas pessoas devastarem sua personalidade por causa
de perdas irrepar��veis. Agora estou sendo devastado! Que dor �� essa...?
A solid��o branda �� criativa, a solid��o intensa �� abortiva. Marco Polo
sentou-se na poltrona em que costumava ler as biografias dos grandes
personagens da hist��ria e escrever seus textos, mas n��o conseguia pensar.
A mesa de m��rmore travertino polido nunca fora t��o fria. �� sua
frente, v��rios de seus livros empilhados, alguns deles publicados em
diversos pa��ses. Naquele momento Marco Polo n��o era o psiquiatra
famoso nem o cientista e escritor arguto, mas um ser humano fragmentado
tentando assimilar o pr��prio caos.
Era comum ter surpresas agrad��veis quando se sentava nessa poltrona.
Anna, sempre generosa, trazia-lhe uma fruta, um caf��, um suco ou
lhe fazia uma car��cia na cabe��a.
- Voc�� n��o me deixa pensar - brincava ele.
Questionadora, ela frequentemente lhe fazia perguntas sobre os textos
que elaborava. Marco Polo lembrou-se de seus ��ltimos questionamentos.
- Que pensador voc�� est�� estudando agora?
- Alguns fil��sofos existencialistas: Nietzsche, Merleau-Ponty, Sartre.
- Como eles sa��ram da curva e produziram novas ideias?
Marco Polo falava das suas anota����es com entusiasmo. Tinham
longas e agrad��veis conversas. Estudar o processo de forma����o de
pensadores era extenuante, mas ter Anna ao seu lado era como ter um
perfume a inspirar sua mente. Nesse dia ele produziu algumas conclus��es
que a deixaram muito pensativa:
- Qual �� a maioridade civil, Anna?
- Dezesseis ou 18 anos, dependendo da sociedade.
-E qual �� a maioridade emocional? - indagou ele.
- Nunca refleti sobre isso.
- H�� muitas pessoas de 50 ou 60 anos que ainda s��o imaturas. N��o
sabem sequer ser contrariadas nem reconhecer minimamente seus
erros. O mundo tem de girar �� sua volta, pois t��m a idade emocional
de 10 ou 12 anos.
- Que idade emocional ter�� meu pai? - indagou ela pensativa.
-�� um garoto no corpo de um homem de meia-idade. - Depois,
respirando lentamente, ele brincou com ela: - N��o foi f��cil cativar
voc��.
- Eu �� que conquistei voc��, mocinho. Ainda bem que voc�� sabe fazer
escolhas... - disse ela agarrando sua camisa e o beijando.
Era assim a rela����o entre Anna e Marco Polo, regada de afeto, serenidade
e bom humor. Mas agora ele estava experimentando a solid��o
��rida de um deserto. Anna estava morrendo. Subitamente, seu celular
tocou, trazendo-o de volta para a dur��ssima realidade.
- Marco Polo?
Seu cora����o disparou. A not��cia mais amarga que um ser humano
poderia receber estava prestes a ser anunciada.
- Sim!
- Aqui ��... Matheus. - Era seu amigo pneumologista.
- Matheus, como Anna est��?
Matheus embargou a voz. N��o conseguia proferir aquelas palavras,
pois era muito amigo de Anna tamb��m.
- Eu j�� sei, amigo... Anna fechou os olhos... para a vida... - antecipou-se
o psiquiatra, que h�� pouco deixara o hospital.
- Ainda n��o, meu amigo - comentou o pneumologista com a voz
embargada.
- Ah, felizmente. Como ela est��? - indagou Marco Polo, com os olhos
cintilantes pelas l��grimas que brotavam.
- Est�� inconsciente... em coma induzido. Teve duas paradas card��acas.
Conseguimos ressuscit��-la, mas... mas... dificilmente suportar��
uma terceira... Est�� com fal��ncia m��ltiplas de ��rg��os...
- Fal��ncia m��ltipla?! - exclamou Marco Polo, inconformado.
Estava vivendo um verdadeiro terremoto emocional.
- Sinto muito, amigo... Voc�� est�� perdendo sua esposa... E eu e
Cl��udia, uma grande... amiga - disse o Dr. Matheus, n��o contendo tamb��m
suas l��grimas. - Bom, voc�� est�� mais preparado... para suportar
essa perda... Agora �� tempo de preparar o Lucas...
Dar a um filho a not��cia de que nunca mais ouviria a voz da m��e
ou teria seus abra��os e beijos �� a ��ltima coisa que um pai espera fazer.
Marco Polo sentou-se novamente na poltrona e refletiu sobre isso. A
saudade retirava o oxig��nio da sua emo����o.
Lucas estava em Miami, passando f��rias na casa do av��. Logo que o
filho partiu, Anna come��ou a manifestar os sintomas de uma doen��a
pulmonar autoimune rara e de evolu����o r��pida, pegando todos os
m��dicos de surpresa, inclusive Marco Polo. Esperava diariamente que
ela se recuperasse, por isso n��o contara a gravidade da doen��a para
Lucas. Mas Anna piorava cada vez mais.
Quando Marco Polo pegou o celular para lhe dar a triste not��cia,
outro terremoto emocional abalou ainda mais seus alicerces. Ele recebeu
a liga����o de um policial americano.
-Mister Marco Polo?
- Pois n��o.
- Aqui �� da pol��cia de Miami, 25Q distrito.
Marco Polo gelou por dentro.
- Aconteceu alguma coisa com meu filho Lucas?
- Infelizmente sim!
- Um acidente? - indagou quase sem voz.
- N��o.
Marco Polo respirou um pouco mais aliviado. O chefe do distrito
continuou:
- Porte de drogas!
- Porte de drogas? Um menino de 16 anos est�� portando drogas? Mas
ele nunca usou drogas!
De fato, Lucas nunca usou drogas. At�� 15 dias antes.
- Os pais s��o sempre os ��ltimos a saber.
- Que drogas?
- Cinco gramas de coca��na.
- Coca��na? Mas ele nem sequer tem dinheiro para comprar isso!
-E cometeu outra infra����o. Estava dirigindo sem licen��a.
- Como �� poss��vel? N��o tem carro �� disposi����o dele, que est�� passando
f��rias na casa do...
Mas em seguida Marco Polo caiu em si e sussurrou abalado:
- Doutor Amadeus...
-O qu��? - indagou o chefe do distrito policial.
- Pensei alto. Posso falar com meu filho?
- Sim - respondeu o policial e passou o telefone a Lucas.
- Filho...? Lucas...?
Mas Lucas s�� chorava.
- Filho, fale comigo.
- Me desculpe, papai... Me desculpe... - disse o garoto aos prantos.
- Sempre estimulei voc�� a valorizar a vida, filho... Coca��na cria uma
grav��ssima depend��ncia psicol��gica. Gera um c��rcere emocional terr��vel.
- Eu sei, papai. Foram s�� algumas experi��ncias... Sou o pior filho do
mundo...
Marco Polo n��o sabia qual dor era maior, a perda da esposa ou a
perda do filho.
- N��o diga isso, meu filho. Eu te amo. Quando voc�� come��ou a usar?
Seja honesto, por favor!
- Foi aqui em Miami. Experimentei no segundo dia depois que
cheguei. Alguns amigos que conheci aqui...
26
- N��o s��o amigos, meu filho.
Lucas continuava muito abalado, chorava.
- Acalme-se, filho... Existem dores piores que essa...
- Piores, papai? Como? O vov�� est�� furioso. Disse que sou um merda,
que envergonho a fam��lia, que n��o vou ser nada na vida!
- N��o, n��o, meu filho... voc�� �� um garoto maravilhoso. Vamos transformar
esse erro num grande acerto. Deixe-me falar com seu av��.
O Dr. Amadeus pegou o telefone falando de maneira r��spida:
- Que educa����o voc�� deu para seu filho? Voc�� n��o �� um psiquiatra
famoso?
- Sou um ser humano sujeito a erros. N��o diminua seu neto, doutor
Amadeus. Ele precisa de voc�� neste momento dif��cil.
- Tenho que limpar a sujeira dele. E voc�� ainda vem me dar li����o de
moral? - disse o sogro, sem qualquer compaix��o.
Nem sequer perguntou sobre o estado de sa��de da filha, mesmo
sabendo que ela estava na UTI.
Marco Polo, profundamente ferido, elevou o tom de voz:
- Voc�� deu dinheiro sem controle ao Lucas e deixou um carro �� disposi����o
dele sem que ele tivesse licen��a para dirigir?
- Est�� me chamando de irrespons��vel? Voc�� fracassa como educador
e ainda me culpa, seu... seu...
- Nem perguntou sobre sua filha. N��o consegue ser generoso nem
quando Anna... est�� perdendo a vida...
Quando Marco Polo falou do estado de Anna, o Dr. Amadeus caiu
em si e silenciou pela primeira vez. Tremendo, disse:
- Anna est��...?
Lucas ouviu as palavras do av�� e entrou em p��nico.
-O que foi, vov��?
- Infelizmente Anna teve duas paradas card��acas... - informou Marco
Polo. - Est�� respirando com a ajuda de aparelhos... Eu estava prestes a
ligar para voc��s.
- Minha filha est�� morrendo... - disse o Dr. Amadeus, que nesse
momento ficou mudo e deixou o telefone cair.
Desesperado, o menino pegou o aparelho e falou com o pai:
- Pai... papai... a mam��e est�� morrendo?
- Ah, meu filho, ela ainda est�� viva...
- A doen��a dela �� s��ria?
- Infelizmente ��. Ela respira com a ajuda de aparelhos.
- N��o! N��o! Mam��e n��o pode morrer! - disse Lucas, aos prantos.
- Mas vamos ter esperan��a... �� melhor ficarmos juntos. Volte para casa.
Lucas desligou o telefone, desesperado. Eles foram liberados do
distrito policial devido �� urg��ncia m��dica de sua m��e. O garoto teria
de apresentar-se a um tribunal e passar por uma corre����o educativa
em sua cidade. Seu av�� deveria comparecer posteriormente para mais
esclarecimentos. Apesar de detestar hospitais, o Dr. Amadeus n��o podia
se recusar a visitar a filha num momento t��o delicado.
3
PERDAS IRREPAR��VEIS
egaram o primeiro voo para Los Angeles. A quarta esposa do
Dr. Amadeus os acompanhava. Quando chegaram ao hospital,
Marco Polo avistou o filho de longe. Correram um ao encontro do
outro. Choraram juntos. Foi um momento emocionante que comoveu
a todos os que estavam por perto. Em seguida estendeu as m��os para
Dr. Amadeus, que o cumprimentou formalmente.
- Como est�� a mam��e?
- Estou aguardando as ��ltimas not��cias.
Surgiu o Dr. Matheus, vindo da UTI. Combalido, aproximou-se do
menino com os olhos ��midos. Esfregou as m��os na cabe��a.
- Ol��, Lucas! - E deixou escapar uma l��grima.
- Mam��e morreu?
- Sinto muito. - O pneumologista respirou fundo e meneou a cabe��a,
confirmando. Depois pediu algo imposs��vel para um filho que acabou
de perder um dos pais: - Seja forte.
- Voc�� tem todo o direito de chorar, filho. Chore sem medo - disse
Marco Polo, devastado.
- N��o! N��o! Eu quero a minha m��e...!
O pai de Anna, Dr. Amadeus, retirou-se tr��mulo. Foi para um hotel
e se entupiu de tranquilizantes, como sempre fazia quando enfrentava
algum problema. Interiorizar-se e pensar na vida dava-lhe pavor. Marco
Polo levou o filho para ver o corpo. Ele abra��ou a m��e.
29
- Mam��e... Mam��e, por que voc�� se foi? - balbuciava Lucas repetidamente,
beijando-a.
No dia seguinte, aconteceu o vel��rio. Era um dia ensolarado, mas
profundamente triste. E n��o apenas Lucas chorava. Mais de duzentas
crian��as e adolescentes que viviam nos quase vinte orfanatos de que
Anna cuidava choravam a sua morte.
Cada grupo de meninos e meninas abandonados trazia um cartaz.
Um dizia: "Voc�� foi embora, mam��e, mas viver�� para sempre dentro
de n��s! - Orfanato Saint Claire." Outro dizia: "Nossos pais nos abandonaram,
mas seu cora����o nos acolheu, Anna. Voc�� �� inesquec��vel! Orfanato
Los Angeles." Outro ainda: "Obrigado por ter dado o melhor
que voc�� tinha para os que pouco tinham. Te amamos. Orfanato Hijos
de Maria - San Diego."
Marco Polo era abra��ado n��o apenas por Lucas, mas por todos seus
"filhos adotivos". Foi o vel��rio mais emocionante que aquele cemit��rio
j�� havia presenciado. Apesar do cen��rio marcadamente triste, Marco
Polo homenageou a esposa:
- Anna foi minha eterna namorada. Viver ao seu lado foi um privil��gio.
Era gentil, generosa, paciente e tolerante. Soube suportar os cap��tulos
mais importantes de sua vida nos momentos mais desesperadores
de sua hist��ria.
Lucas tamb��m falou:
- Mam��e morreu t��o cedo... Mas ela viver�� para sempre dentro de
mim. Ela me amou, acolheu, foi paciente, foi... foi... - E n��o conseguiu
mais proferir suas palavras.
Em seguida o religioso teceu as suas:
- Anna �� como uma daquelas raras flores que nascem no jardim da
humanidade e prematuramente s��o colhidas. Ela procurava a assinatura
do Autor da Vida nas entrelinhas da exist��ncia. Era um ser humano e
uma profissional not��vel. H�� alguns dias ela nos deixou uma mensagem
por escrito, para ser lida caso partisse:
Por mais longa que seja, a vida extingue-se rapidamente no par��ntese do
tempo. Deslumbrar-se com ela �� a maior responsabilidade de todo mortal.
30
Lucas e Marco Polo, meus queridos, vou am��-los para sempre, mesmo que
meus olhos estejam fechados. A todos os meus filhos adotivos dos orfanatos
e meus queridos amigos e amigas, n��o chorem por mim... Se mere��o ser
honrada por todos voc��s, honrem-me sendo mais felizes, honrem-me deslumbrando-
se com a exist��ncia, pois a vida �� um grande teatro, e a morte ��
apenas um ato. Continuarei encenando meu texto na eternidade.
Beatrice, Julia e Hillary choravam sem parar. Ao ouvirem essas palavras,
bateram longas palmas em homenagem �� sabedoria da amiga
Anna. Todos os presentes as acompanharam. Honraram Anna com o
c��lice da alegria.
Durante a sa��da do vel��rio, o Dr. Amadeus se aproximou de Marco
Polo. Parecia que finalmente aquele homem idoso quebraria sua m��scara
e se curvaria em generosidade. Ledo engano. Olhando para as
crian��as dos orfanatos, ele disse com arrog��ncia:
- Voc�� e minha filha fizeram coisas interessantes. Mas n��o se esque��a,
doutor Marco Polo: se a vida �� um teatro, voc�� abreviou a pe��a da
exist��ncia da minha filha. Voc�� n��o colocou Anna nas m��os dos melhores
m��dicos! Investigarei sua conduta!
Depois beijou o neto na testa e saiu sem dizer mais nada. O multimilion��rio
partiu para seu c��rcere, um enorme palacete em Miami,
rodeado de pessoas pagas para falar todos os dias que ele era um grande
homem... Sociopatas financeiros n��o t��m amigos, mas bajuladores...
Um ano depois
Marco Polo era professor na faculdade de medicina e de psicologia.
Apesar de ser um intelectual aplaudido, n��o escondia suas falhas debaixo
do tapete da intelectualidade. Certa vez estava na sala dos professores
do departamento de psicologia com o Dr. Robert, um renomado
psic��logo, professor na mesma institui����o.
- Como est�� Lucas? - perguntou o amigo.
- Continua usando drogas - disse Marco Polo levando as m��os �� cabe��a.
- Sinto muito...
- Me angustia ouvir a varia����o da famosa frase "M��dico, cura a ti
mesmo!" para "Psiquiatra, cura teu pr��prio filho!".
- Ele �� resistente ao tratamento?
- Lucas j�� passou por cinco psic��logos e tr��s psiquiatras. Mas sempre
acaba desistindo. Tento ajud��-lo, mas �� dif��cil. Ele �� um cofre, n��o se
abre. Precisa se reinventar, mas sua motiva����o �� insustent��vel. Quando
entra nas janelas traum��ticas, fecha o circuito da mem��ria, prefere se
punir, sente-se impotente, esquece de tudo...
O Dr. Robert procurou levar esperan��a para Marco Polo, algu��m
que ele admirava e que o ajudou em sua forma����o. Todavia, era dif��cil
ajudar o pr��prio mestre.
- Voc�� �� um excelente psiquiatra, treinou muitos de n��s. Tenho certeza
que de alguma forma vai conseguir ajud��-lo a dar a volta por cima.
- Sonho dia e noite com isso. Mas tenho medo de perd��-lo! - Depois
respirou profundamente e comentou: -�� dif��cil aceitar o fato de que
ajudei in��meros pacientes, treinei psiquiatras e psic��logos, mas falhei
na hora de cuidar de quem estava em meus bra��os...
O Dr. Robert disse:
- Voc�� desenvolveu uma teoria sobre o funcionamento da mente,
sabe melhor do que ningu��m que n��o temos controle sobre o processo
de forma����o da personalidade. Psiquiatras, psic��logos, l��deres, celebridades
tamb��m formam filhos doentes... N��o se culpe, Marco Polo. Voc��
sempre foi um pai presente e amoroso.
- Pais presentes tamb��m falham. N��o falhei em dar amor nem em
apoiar meu filho. Mas fracassei em oferecer ferramentas para ajud��-lo a
ser autor da pr��pria hist��ria.
- Todos n��s falhamos nesse quesito - lamentou o Dr. Robert.
- Infelizmente s�� desenvolvi essas ferramentas quando ele j�� era
adolescente... Meu filho n��o sabe gerenciar sua ansiedade nem proteger
sua mente.
3 2
- E quem sabe, Marco Polo? Quantos psiquiatras e psic��logos sabem
proteger a pr��pria emo����o? S��o ��timos para os outros, mas se esquecem
de si mesmos. Meus filhos tamb��m cresceram com dificuldades.
Laura �� consumista e Pedro �� agitad��ssimo...
- Ensinamos valores como ��tica e honestidade, e achamos estupidamente
que isso �� suficiente. Atiramos nossos filhos na cova dos le��es,
nesta sociedade estressante, sem habilidades para sobreviver. A humanidade
tornou-se uma f��brica de loucuras e n��s somos seus construtores...
De repente seu celular tocou. Era algu��m informando o paradeiro de
Lucas. Marco Polo havia contratado um detetive para saber onde e com
quem o filho comprava drogas.
- Como? Onde o Lucas est��?
Marco Polo saiu apressado, sem nem conseguir se despedir do amigo.
Pegou o carro e, dirigindo com rapidez, foi at�� uma regi��o perigosa,
onde imperava uma rede de tr��fico. N��o sabia que seu filho conhecia
traficantes perigosos. Havia falado com o chefe de pol��cia da regi��o
durante o trajeto.
- Sei onde meu filho est��!
Chegando l��, entrou numa casa mal iluminada. Havia prostitutas no
local. V��rias pessoas estavam usando drogas, algumas deitadas no ch��o,
dopadas. De repente, chegou a uma sala onde alguns traficantes discutiam
seus neg��cios. Eles ficaram tensos com a presen��a do intruso. Marco
Polo fechou rapidamente a porta e continuou a procurar o filho.
Subitamente, a imagem que um pai jamais imaginaria presenciar:
Lucas estava estendido no ch��o com crise convulsivas. Seus olhos estavam
virados, a boca espumava e seus membros tinham espasmos. Ele
estava sofrendo uma overdose.
- Filho! Filho! - gritou desesperado.
Subitamente, Lucas teve uma parada cardiorrespirat��ria. Estava
morrendo...
- Lucas, meu filho, n��o morra! - disse Marco Polo chorando.
Deu um soco no peito de Lucas para tentar ressuscitar seu cora����o,
mas ele n��o voltou. Come��ou a massagear seu t��rax com for��a e em
seguida fez respira����o boca a boca. Havia perdido a esposa de forma
tr��gica, agora estava perdendo o filho de forma calamitosa.
Nesse ��nterim, a pol��cia chegou ao local e come��ou a ca��ar os traficantes.
Marco Polo continuava suas manobras. Felizmente o cora����o de
Lucas voltou a bater. O garoto tossiu. Marco Polo o abra��ou forte e mais
uma vez derramou l��grimas.
- Pai... o que aconteceu...? - disse Lucas em voz baixa.
- Voc�� voltou, meu filho... Voc�� voltou... - disse, tentando enxugar as
l��grimas enquanto segurava a cabe��a de Lucas junto a seu peito.
Levantou-o lentamente e, com o apoio de um policial, come��ou a lev��-lo
para o carro. Os traficantes passaram por eles algemados, uivando de
raiva. Foram apreendidos dez quilos de coca��na e milhares de pedras
de crack. O chefe do tr��fico, fitando Marco Polo, sentenciou:
- Nenhum lugar deste planeta �� longe demais para eu encontrar voc��.
O psiquiatra continuava apoiando Lucas. Ficou temeroso, mas o
chefe de pol��cia, que era seu amigo, lhe disse:
- N��o se preocupe, doutor. Eles sempre dizem isso.
Em seguida, os traficantes foram empurrados pelos policiais para os
carros. Lucas foi internado num hospital geral. Uma vez restabelecido,
pediu para o pai:
- Eu quero ser internado numa cl��nica especializada!
- Voc�� j�� foi, meu filho. N��o adianta apenas se isolar. Voc�� tem de
querer se tratar, tem de desejar mapear os fantasmas que o assombram!
- N��o tenho controle, pai. Desta vez eu quero, eu preciso.
E assim, pela segunda vez, ele foi internado. Passaria tr��s meses longe
de tudo e de todos, mas n��o dos vampiros emocionais que estavam nos
por��es de sua mente. Precisaria deixar a luz da raz��o penetrar nos solos
in��spitos de sua psique para poder biografar sua hist��ria - e n��o ser
biografado por seus traumas.
4
HUMANIDADE EM CHAMAS
Explos��es ensurdecedoras convidavam ao p��nico. Enlouquecidos,
homens gritavam como animais empunhando baionetas contra
inimigos criados nos gabinetes dos governantes. Era a Primeira
Guerra Mundial. De repente a imagem mudou. Trens carregados de
crian��as, mulheres e outros inocentes paravam na esta����o mais f��nebre
da humanidade, na Pol��nia. Gemidos inexprim��veis. Em seguida
o c��lice da morte se formou em Hiroshima. O Jap��o ardia em dor.
Medo inimagin��vel!
Rajadas de metralhadoras serrilhavam a floresta no Vietn��. Homens
tornavam-se predadores de si mesmos. Subitamente seres espantados
olhavam para o alto. As torres g��meas desabavam! A realidade nua era
mais cruel que a fic����o. Ataques terroristas se multiplicavam, o v��rus
da corrup����o infectava as na����es, fluxos de imigrantes, intoler��ncia ��s
frustra����es, culto ��s celebridades... A humanidade estava em chamas.
De repente, a comiss��ria de bordo chamou o passageiro:
- Senhor, senhor... acorde!
-O qu��? - disse Marco Polo, assustado. Estava tendo um pesadelo.
- Por favor, trave sua mesa e retorne o encosto da poltrona �� posi����o
inicial. Vamos pousar em Jerusal��m - solicitou a comiss��ria.
- Ah, sim!
Desde que impactara os pol��ticos na confer��ncia da ONU sobre
causas e solu����es para a viol��ncia, Marco Polo tornara-se consultor
da organiza����o. Fora convidado para dar uma confer��ncia no mais
importante congresso internacional para a preserva����o dos recursos
naturais do planeta, promovido pela entidade. O tema era "Aquecimento
Global - O futuro da Terra". As principais cabe��as pensantes das na����es
estavam reunidas: juristas, ambientalistas, executivos, l��deres pol��ticos,
soci��logos, psic��logos, educadores. Mas Marco Polo falaria dos recursos
naturais de outro planeta: o planeta emo����o.
Os ��ltimos anos tinham sido os mais quentes j�� registrados pelo
homem, e as respostas dos pa��ses ao aquecimento global eram t��midas.
"Estamos preparando as mais dram��ticas armadilhas para nossos filhos.
N��o sabemos os segredos das tamareiras. Quem as planta n��o colhe
seus frutos, mas o faz para as pr��ximas gera����es. Somos uma esp��cie
irrespons��vel", pensava Marco Polo.
Na entrada do sal��o nobre do congresso, um ecologista franc��s comentou
para um colega alem��o:
-�� estranho. Estou folheando os temas das confer��ncias e h�� um
pesquisador, doutor Marco Polo, que falar�� sobre "A sustentabilidade
do planeta emo����o". Nunca ouvi falar desse tema.
- Eu tamb��m n��o. N��o entendo qual a rela����o disso com aquecimento
global.
Havia v��rias palestras acontecendo simultaneamente, mas, no sal��o
nobre, chegara o momento da confer��ncia magna do dia. Logo ap��s
ser apresentado, Marco Polo pegou o microfone e, sem meias palavras,
abalou de imediato a plateia com mais de 500 participantes:
- Antes de a Terra falir, falir�� primeiro a emo����o do Homo sapiens.
N��o adianta falar da preserva����o dos recursos naturais deste planeta
azul sem falarmos primeiramente da preserva����o dos recursos do planeta
emo����o. Pesquisas demonstram que uma em cada duas pessoas
desenvolver�� um transtorno ps��quico: ansiedade, depress��o, s��ndrome
do p��nico, doen��as psicossom��ticas. S��o mais de tr��s bilh��es de seres
humanos. A cada 40 segundos, uma pessoa tira a pr��pria vida. Cerca
de 70 milh��es de pessoas s��o portadoras de transtornos alimentares,
como bulimia e anorexia. Apenas 3% das mulheres se veem belas, o
36
que demonstra um assassinato coletivo da autoestima. Eis a fal��ncia
da emo����o.
As pessoas olhavam umas para as outras preocupadas. Muitas ficaram
reflexivas. Depois disso, o Dr. Marco Polo falou de forma crua e
transparente:
- Estamos na era do desperd��cio emocional. Desligamos nossos aparelhos,
mas n��o a nossa mente. Freud comentou que os traumas na primeira
inf��ncia determinariam o adoecimento ps��quico do adulto, mas
podemos adoecer em qualquer ��poca se o ��ndice GEEI for alto.
Quando Marco Polo falou sobre o ��ndice GEEI, psic��logos, soci��logos
e pedagogos ficaram saturados de d��vidas. Nunca tinham ouvido
falar desse ��ndice.
Logo uma soci��loga, a Dra. Michelle, professora de uma universidade de
Paris, que estava sentada na segunda fileira, se levantou e o interrompeu:
- Desconhe��o o que �� esse ��ndice GEEI, doutor Marco Polo.
Ele esperava por essa pergunta. Deu um leve sorriso e dissertou:
-O ��ndice GEEI significa "Gasto de Energia Emocional In��til". N��o
adoecemos apenas por traumas ou d��ficit de neurotransmissores, mas
tamb��m por um gasto irrespons��vel de energia emocional.
- Mas quais comportamentos comp��em esse ��ndice? - questionou
um ambientalista canadense.
- Se eu lhe contasse, o aquecimento global do seu planeta c��rebro iria
��s alturas! - brincou. Todos sorriram. Em seguida solicitou: - Relaxem
pernas e bra��os e, por favor, sorriam, pois o caso �� de chorar.
Todos sorriram mais uma vez diante do bem-humorado professor.
Mas o que ele estava falando era s��rio.
-O primeiro comportamento que esgota os recursos naturais do
planeta emo����o: ser um agiota da emo����o.
Ningu��m entendeu o que ele queria dizer. Marco Polo continuou:
-O agiota financeiro empresta a juros altos e, ��s vezes, impag��veis.
Do mesmo modo, o agiota da emo����o se doa para quem ama, mas cobra
juros emocionais exorbitantes. S��o os pais que n��o suportam a m��nima
contrariedade dos filhos, professores intolerantes, incapazes de abra��ar
os alunos rebeldes, parceiros especialistas em criar atritos, executivos
incapazes de dar risadas da pr��pria estupidez. Sejamos honestos: quem
�� um agiota da emo����o no seu ��ntimo?
Muitos na plateia levantaram as m��os.
- Estou come��ando a entender que esgoto meu c��rebro e o dos outros
com facilidade - comentou um jurista para outro.
Em seguida Marco Polo mostrou imagens que abalaram a plateia.
Executivos batendo na mesa, cobrando de seus funcion��rios como se
fossem servos. Um dizia: "Seus incompetentes!" Outro bradava: "Caiam
fora, est��o despedidos!" Pais rasgando a prova do filho: "Voc�� �� uma
aberra����o, menino! Na sua ��poca eu tirava nota m��xima!"
- E h�� outros tipos atrozes de cobradores, aqueles que cobram demais
de si mesmos - continuou. - S��o os autoagiotas da emo����o. Quem cobra
demais de si e dos outros est�� apto para trabalhar numa financeira, mas
n��o para ter uma bela hist��ria de amor com a pr��pria sa��de emocional.
Todos sorriram, embora o caso fosse de chorar. Marco Polo seguiu:
- Ruminar perdas e frustra����es e sofrer por antecipa����o s��o outros
comportamentos que destroem o planeta emo����o e infectam o presente:
o ��nico tempo em que �� poss��vel ser feliz, realizado e relaxado.
Um dos presentes, um advogado judeu ativista dos direitos humanos,
o Dr. Mois��s, levantou as m��os e brincou:
- Professor, onde me interno? Meu ��ndice GEEI �� alt��ssimo! -A
plateia riu e aplaudiu seu bom humor. Ent��o ele ficou s��rio e concluiu:
- Muitos de n��s somos ��timos para a sociedade, mas, ao mesmo tempo,
carrascos de n��s mesmos. Como vamos cuidar do planeta Terra se
somos irrespons��veis com o planeta emo����o?
- Voc�� entendeu minha tese! - afirmou Marco Polo. Em seguida
mostrou closes de pessoas nos mais diversos escal��es suando, colocando
as m��os na cabe��a, desesperadas, ofegantes. Era poss��vel imaginar
seu cora����o batendo num ritmo alucinante. - S��o os escravos da era
moderna. Algemados na pr��pria emo����o!
Um psiquiatra chin��s, o Dr. Ma Tao, ficou t��o impactado com a exposi����o
que perguntou:
- Fadiga ao acordar, dores de cabe��a, queda de cabelo, dificuldade de
conviver com pessoas lentas podem ser considerados sintomas de que
os recursos do planeta emo����o est��o esgotados?
- S��o mais do que sintomas, s��o gritos de alerta do c��rebro. Mas
somos surdos - confirmou o Dr. Marco Polo. - Inclusive, senhores, o
d��ficit de mem��ria corriqueiro, de que sofrem quase todos nas sociedades
modernas, �� uma s��plica cerebral para mudar o rumo da vida.
Sonho que o ��ndice GEEI diminua e se transforme num ��ndice GEEU,
Gasto de Energia Emocional ��til, inclusive para dar respostas corajosas
para mitigar o aquecimento global.
Os aplausos da plateia ecoaram. O Dr. Marco Polo continuou:
-A humanidade est�� em chamas. Sem gest��o da emo����o, ricos se
tornam miser��veis, casais come��am seus romances no c��u do afeto e
os terminam no inferno dos atritos, jovens asfixiam sua criatividade,
profissionais sabotam suas habilidades. Sem gest��o da emo����o, o c��u e
o inferno ps��quico convivem na mesma mente...
O Dr. Marco Polo estava lan��ando o primeiro programa mundial de
gest��o da emo����o. Sonhava em contribuir para o futuro da humanidade.
- Um dos comportamentos mais violentos de antigest��o e que mais
esgotam o planeta emo����o �� a necessidade neur��tica de mudar os
outros. Ningu��m muda ningu��m; temos o poder de piorar os outros, n��o
de mud��-los. Quem j�� tentou mudar alguma pessoa teimosa?
Quase todos levantaram a m��o.
- Sinto muito, mas voc��s a pioraram. - Muitos ca��ram na gargalhada,
mas deviam estar preocupados. O psiquiatra completou: - S��
a pr��pria pessoa pode se reciclar. Existe um fen��meno que arquiva
todas as experi��ncias no c��rtex cerebral sem a autoriza����o consciente
do Eu.
E projetou na tela uma representa����o do fen��meno RAM (registro
autom��tico da mem��ria) atuando num imenso c��rebro. Uma rejei����o,
alguma ofensa, um tom de voz elevado, uma cr��tica, algum pensamento
perturbador: tudo era registrado em fra����es de segundo, formando
arquivos que mudavam a paisagem da mem��ria. Ele usou a met��fora de
uma cidade para ilustrar a explica����o. Era como se as pra��as deixassem
de ser arborizadas e iluminadas, os bairros fossem perdendo seu brilho,
as ruas se enchessem de buracos.
- Cuidado, senhoras e senhores, as t��cnicas que usamos para tentar
mudar os outros geram janelas traum��ticas que cristalizam neles tudo
aquilo que mais detestamos: elevar o tom de voz, critic��-los excessivamente,
passar serm��es, comparar e pressionar!
Marco Polo fez muitos outros coment��rios importantes e complexos.
Discorreu sobre a natureza dos pensamentos, o gerenciamento do
estresse, autonomia, reedi����o da mem��ria... Tudo parecia transcorrer
de forma brilhante em sua confer��ncia.
Quando ele j�� se aproximava do fim, uma inesperada tempestade
emocional come��ou. George, um fil��sofo existencialista, especialista
em Sartre, pediu a palavra:
- Eu sempre ensinei que o ser humano est�� condenado a ser livre,
mas, segundo sua explana����o, doutor Marco Polo, sem gest��o da emo����o
podemos ser escravos vivendo em sociedades democr��ticas.
- Correto, professor!
-A minha quest��o �� a seguinte: seu programa n��o �� ut��pico demais
para ser colocado em pr��tica numa sociedade digital e l��gica?
- Se n��o fizermos isso, vamos nos tornar uma esp��cie invi��vel!
- Mas voc�� conhece intelectuais que brilharam na hist��ria como gestores
de sua emo����o? Pensadores, artistas, l��deres, religiosos?
- Estudo o processo de forma����o de pensadores, mas desconhe��o
homens que tenham sido modelos em gest��o da emo����o - comentou
Marco Polo.
- Nenhum? - insistiu o fil��sofo.
Marco Polo come��ou a dar exemplos surpreendentes:
- Freud baniu da fam��lia psicanal��tica os que contrariaram suas ideias.
Einstein tinha tra��os depressivos e, al��m disso, internou um dos filhos
em um manic��mio e nunca mais o visitou. Gandhi foi um pacifista,
mas n��o pacificou os fantasmas de um de seus filhos, que era alco��latra.
Franz Kafka era pessimista. Schopenhauer era de uma perspic��cia
tremenda, mas chafurdava na lama da ang��stia. Kant encastelou-se em
sua pequena cidade. S��crates foi um mestre na arte de questionar, mas
n��o questionou outras alternativas �� cicuta, mesmo diante das s��plicas
de Plat��o e de outros disc��pulos. Enfim, respondendo �� sua pergunta,
desconhe��o homens inteligentes que tenham sido peritos em gerir
sua emo����o nos focos de tens��o.
-E o senhor? Como autor desse programa de gest��o emocional, n��o
�� um perito na ��rea? - indagou um psiquiatra japon��s.
A plateia ficou emudecida. Marco Polo saiu do anfiteatro e viajou
em sua mente, fazendo um breve resgate de sua hist��ria. Anna estava
ofegante. Ele, desesperado. Segundos depois ela n��o estava mais em
seu leito. Marco Polo chorava aos p��s de sua cama. "Anna, minha querida,
por que me deixou? Fui tudo t��o r��pido!" Em seguida a paisagem
mental mudou novamente. Pensou em seu filho. Lucas estava dizendo:
"Por que est�� t��o preocupado comigo? O grande Marco Polo est�� com
medo?" "Sim, meu filho. Sou um pequeno pai que tem medo de perder
voc��!", respondeu.
De repente ele voltou para a plateia, que estava esperando uma resposta.
Todos queriam saber se ele era ou n��o um modelo de gest��o da
emo����o. Marco Polo confessou com l��grimas nos olhos:
- Sofro por antecipa����o, tenho medo de perder algu��m que amo.
Rumino tamb��m o passado, resgato a perda de quem amei e me angustio.
Sou um aprendiz na gest��o da emo����o, um ser humano em constru����o.
- Que honestidade �� essa? - falaram uns para os outros sobre a transpar��ncia
de Marco Polo.
- Se esse sujeito, com essa intelig��ncia, �� um ser humano em constru����o,
ent��o eu sou um embri��o - falou um amigo para outro na
primeira fileira.
Depois do momento c��lido de reflex��o, quando a tempestade emocional
parecia ter deixado o ambiente, ela voltou com mais for��a.
- E Jesus Cristo? - indagou uma soci��loga americana.
- De novo? - falou baixinho Marco Polo, para s�� ele ouvir.
Lembrou-se de sua esposa Anna, que publicamente o incitara a responder
uma pergunta similar. Agora questionavam outra ��rea ps��quica
do mesmo personagem. E de novo ele declarou:
- Desculpe-me, mas sou ateu. N��o discuto religi��o em minhas confer��ncias
- falou, mas n��o evitou outro questionamento.
- Mas quem disse que estou discutindo religi��o? Estou me referindo
ao homem Jesus Cristo, a figura hist��rica. Estou indagando se ele foi ou
n��o um perito em gest��o da emo����o.
Marco Polo respirou fundo e perguntou o nome da soci��loga.
- Anna.
- Anna? Que incr��vel!
- Sim, Anna. Por qu��?
Ele ficou com os olhos ��midos e disse:
- Desculpe-me... Lembrei de uma pessoa muito querida... J�� fui
desafiado a estudar a mente de Jesus, mas s�� analiso biografias confi��veis.
Sempre considerei as suas biografias, ou evangelhos, uma tentativa
de um grupo de galileus de produzir um her��i para se livrarem
do jugo de Tib��rio C��sar, o tir��nico imperador romano...
Houve um alvoro��o na plateia. De repente caiu um raio no meio da
tempestade emocional.
- Doutor Marco Polo, sua tese sobre o ��ndice GEEI e a gest��o da
emo����o s��o inteligent��ssimas, mas o senhor n��o acha que esse comportamento
expande esse ��ndice? - questionou a Dra. Sofia.
Sil��ncio geral na plateia. O psiquiatra ficou s��rio por alguns instantes,
mas depois abriu um largo sorriso. Todos deram risadas com ele.
Depois de uma breve tossida, ele disse:
- Acho que sou um bom mestre, pois permito que at�� minha assistente,
a Dra. Sofia, me coloque contra a parede!
Ele foi aplaudido. E em seguida falou com transpar��ncia:
-O preconceito sem d��vida �� uma forma tola de desperdi��ar energia
emocional tanto da pessoa exclu��da quanto do agente da exclus��o. O
preconceito nutre os vampiros que est��o nos por��es da nossa emo����o.
Um dia terei de analisar o personagem Jesus sob o ��ngulo das ci��ncias
humanas... Algu��m mais quer me estressar? - brincou. Em seguida
encerrou a confer��ncia: - Muito obrigado por me ouvirem...
E assim, o instigante pensador terminou sua fala sobre "A sustentabilidade
do planeta emo����o". Foi aplaudido de p�� prolongadamente.
Em seguida v��rias pessoas o rodearam para cumpriment��-lo e pedir
que autografasse seus livros. Aquela cidade era m��gica e costumava
produzir impactos mentais imprevis��veis em seus visitantes. Jerusal��m
abalaria os alicerces de Marco Polo.
5
O MURO DAS LAMENTA����ES
Ap��s a confer��ncia, Marco Polo e Sofia, sua assistente, foram para o
hotel descansar. Como o hotel ficava a 1,5 quil��metro do local do
evento, preferiram fazer o percurso a p��. Queriam desfrutar da beleza
da cidade. Pessoas de mais de cem na����es visitavam Jerusal��m todos
os anos.
Marco Polo n��o apenas amava produzir conhecimento sobre a mente
humana como tamb��m tinha um hobby: a fotografia. Com sua sensibilidade
lapidada, gostava de capturar a express��o facial das pessoas, suas
alegrias e tristezas, seus sucessos e dramas.
De repente, um sujeito apontou uma arma para Marco Polo, que
estava distra��do.
- Cuidado, Marco Polo! - gritou Sofia.
Quando o homem ia atirar, foi rapidamente contido por seguran��as
disfar��ados. Derrubaram-no, renderam-no e o algemaram.
-O que foi?
- Aquele homem estava apontando uma arma para voc��! - disse
Sofia em estado de p��nico.
- Para mim? Como?
- N��o sei. Ele estava no meio da multid��o, a 10 metros, eu vi. A arma
estava apontada em sua dire����o. Vamos embora!
- Acalme-se, Sofia. Seria um terrorista? Um sociopata? N��o tenho
inimigos!
Naquele exato momento o sujeito que antes empunhava a arma fitou
Marco Polo, que percebeu.
- Vamos para o hotel? - insistiu Sofia.
- Espere. Acalme-se. Esse homem deve ter me confundido com
algu��m. Lembre-se do ��ndice GEEI. N��o vamos sofrer por antecipa����o.
O criminoso j�� foi preso. N��o vamos deixar que ele roube nossa sa��de
emocional - disse com seguran��a.
Ela ficou surpresa com a resili��ncia de Marco Polo; minutos depois,
relaxou. Observava seu chefe fotografando as pessoas e ficava intrigada.
Ele deveria fotografar monumentos.
- Fico admirada de ver voc��, uma pessoa t��o famosa, dar tanta aten����o
��s pessoas simples, an��nimas.
-O segredo da felicidade �� fazer muito do pouco. Cada ser humano
�� uma obra de arte mais bela do que a Mona Lisa de Da Vinci e mais
complexa do que a Guernica de Picasso. E aqui tamb��m me refiro aos
portadores de doen��as mentais. S�� n��o enxerga quem n��o tem...
Antes que completasse a frase, ela o fez por ele:
- ... olhos para ver. Por isso voc�� disse em uma de suas aulas que "o
culto ��s celebridades" �� um sintoma de uma humanidade doente.
- Exatamente. Mesmo um paciente em surto psic��tico �� t��o ou mais
denso do que o melhor ator de Hollywood. Aquele vive um filme de
terror, enquanto este veste o personagem!
Em seguida ele se surpreendeu com a assistente quando ela
completou:
-A avers��o aos que sofrem mentalmente e os aplausos aos que frequentam
as colunas sociais s��o t��picos de uma sociedade doente.
- Parab��ns, Sofia.
Pouco tempo depois, estavam diante do famos��ssimo Muro das
Lamenta����es. Marco Polo passou a fotografar as pessoas orando, chorando,
fazendo s��plicas em favor de seus conflitos. O psiquiatra ficou
pensativo, lembrando-se das pr��prias l��grimas. Resgatou a imagem de
Anna, sua esposa, e de Lucas, seu filho. Reviveu um momento muito
feliz. Os tr��s corriam por entre as ��rvores tentando pegar um ao outro
45
como se a vida fosse uma eterna brincadeira. De repente a imagem
desapareceu e Marco Polo ficou levemente ofegante.
Sofia, vendo-o pensativo, comentou:
- Desculpe-me se o coloquei em xeque durante o debate, professor.
N��o quis ser indelicada.
Sofia tinha 31 anos e Marco Polo, 47.
- Aprendo mais com quem me desafia do que com quem me aplaude.
- Sempre fui muito t��mida, nem sei como falei aquilo.
- Os t��midos sempre est��o em d��bito com a espontaneidade. T��m
um ��ndice GEEI alto, pois se preocupam muito com a opini��o dos
outros. Se silenciar suas ideias, Sofia, ter�� uma d��vida impag��vel
consigo mesma.
Sofia ficou surpresa com essas palavras.
- J�� que voc�� me instiga a n��o me calar, o que o fez mudar o semblante
enquanto fotografava?
- N��o sei definir... Fotografei alguns personagens estranhos que me
fizeram viajar no tempo.
- A viagem foi agrad��vel?
- Sim, mas o retorno foi cruel...
O Muro das Lamenta����es era uma esp��cie de museu a c��u aberto, o
remanescente da estrutura que dava sustenta����o para o edif��cio principal,
um local onde fora constru��do o Templo de Jerusal��m. Reis, presidentes,
empres��rios, celebridades, pessoas de todos os povos e culturas
passavam por ele, retiravam sua maquiagem social, lamentavam suas
perdas e faziam seus pedidos. Ao tocar suas imensas pedras, os seres
humanos despiam-se do manto de deuses e vestiam o manto da sua
fragilidade e mortalidade...
Segredavam palavras inaud��veis, escreviam desejos nunca antes
expressos e os incrustavam nas frestas da muralha. Marco Polo, pela
avalanche de est��mulos estressantes por que passara, deveria estar
apoiado no Muro das Lamenta����es, mas n��o se curvaria ao "sobre-humano".
Ao ver o comportamento de asi��ticos, americanos, europeus,
africanos, latinos, comentou em voz alta para si mesmo:
- N��o entendo por que essas pessoas gastam tanto tempo lamentando
suas mazelas e fazendo pedidos. Ser�� que n��o h�� coisas mais inteligentes
e eficientes para resolver seus conflitos?
Imediatamente Sofia olhou fixo para ele, que deu um leve sorriso e
esclareceu:
- �� preconceito meu, concordo. Mas �� que n��o consigo aceitar esse
tipo de comportamento.
A Dra. Sofia era psiquiatra, filha de m��dicos, pai cat��lico e m��e protestante,
ambos oncologistas. Cria em Deus, embora n��o fosse religiosa.
Ao ouvir o questionamento de Marco Polo, ela lhe respondeu:
- Muitas dessas pessoas que choram no Muro das Lamenta����es j��
choraram diante de oncologistas, ortopedistas, psiquiatras, enfim...
J�� procuraram a ci��ncia para resolver seus graves problemas.
Marco Polo engoliu em seco as palavras de sua assistente.
- �� prov��vel... - confirmou. - O socialismo n��o exterminou a religiosidade,
a teoria da evolu����o n��o a asfixiou, a era digital n��o a silenciou.
�� interessante!
- Quem sacia o desejo irrefre��vel do ser humano de buscar suas origens
e aliviar suas ang��stias? - questionou Sofia.
- Quando eu era jovem dizia que era ateu, mas depois comecei a
pensar melhor e me tornei algu��m rom��ntico como voc��, passei a crer
em Deus, Sofia. Mas, por fim, quando comecei a pesquisar a mais complexa
fronteira da ci��ncia, ou seja, a constru����o dos pensamentos e a
forma����o da consci��ncia, tornei-me um ateu cient��fico.
Em seguida fez uma longa pausa e pressionou com arrog��ncia e ironia
a sua assistente:
- Responda-me com sinceridade: a cren��a em Deus pode ser considerada
fruto de um c��rebro evolu��do?
- Antes de responder, responda-me primeiro: a arrog��ncia pode ser
fruto de um c��rebro evolu��do? - devolveu ela, enfiando um punhal em
seu orgulho.
- Ei, espere a��! Chamou-me de prepotente? - disse ele admirado.
Sem medo de ser repreendida, ela devolveu:
-E voc�� me chamando de est��pida? N��o sou religiosa, mas creio em
Deus. Portanto, segundo seu diagn��stico, meu c��rebro n��o �� evolu��do.
- Me desculpe!
- Se voc�� n��o estava na inaugura����o do tempo gerada pelo Big Bang
nem participou dos milh��es de eventos f��sicos que se sucederam ao
nascimento do universo e, ainda assim, afirma convictamente que em
nenhum desses eventos houve a participa����o de um Autor da Exist��ncia,
seja ele quem for, como eu o classifico? Deus, superg��nio ou ing��nuo?
- Que atrevida!
- Voc�� me encorajou a n��o me calar, lembre-se!
Marco Polo tinha discuss��es do mais alto n��vel quando era torpedeado
com argumentos l��cidos. Sofia mexeu tanto com seus pensamentos
que ele iniciou um debate filos��fico raro e interessant��ssimo:
- Stephen Hawking, g��nio da f��sica, certa vez disse que a busca por
Deus era fruto do medo do escuro. Em minha opini��o, foi ing��nuo, pois
o racioc��nio dos religiosos �� mais complexo do que uma fuga de qualquer
tipo de medo ou fobia. Muitos evolucionistas tamb��m s��o simplistas ao
crer que a teoria da evolu����o exclui Deus. Deus poderia ser o originador e
o monitorador dos processos aleat��rios da evolu����o. Darwin, ao morrer,
sabia disso, pois, em meio a v��mitos e ang��stias, clamou por Deus...
- Interessante - disse Sofia, impressionada com a cultura do Dr.
Marco Polo. - Por favor, continue.
E, em meio a tantos transeuntes que passavam pelo Muro das
Lamenta����es, os dois cientistas da mente humana continuaram seu
inquietante debate. Parecia que n��o havia nada nem ningu��m em
Jerusal��m para distra��-los. Marco Polo completou seu racioc��nio:
- Penso de forma diferente dos ateus cl��ssicos, Dra. Sofia. Para mim,
o ser humano �� uma grande pergunta em busca de insaci��veis respostas. A
sede de conhecer suas origens, associada �� avers��o �� morte intr��nseca da
mente humana, �� que fomenta uma busca irrefre��vel por Deus. Portanto,
n��o sou g��nio, sou um apenas um servo da ci��ncia, a ci��ncia �� meu deus...
- Tamb��m sou neurocientista, embora n��o tenha seu reconhecimento
internacional, doutor Marco Polo. Todavia, ao contr��rio de voc��,
a ci��ncia �� meu instrumento de trabalho, n��o meu deus. Os mesmos
argumentos que o fazem ser ateu me inspiram a crer em Deus. E me
desculpe por afirmar que o extremismo racional �� t��o atroz quanto o
fundamentalismo religioso.
Raramente algu��m debatia com Marco Polo sem experimentar o
sabor da ignor��ncia, ainda que suave. Mas a intelig��ncia de Sofia perturbava
seu c��rebro.
- Tenho de reconhecer que seu racioc��nio �� rom��ntico, mas brilhante
- disse ele, sorrindo. E acrescentou: - Empatamos.
Mas Sofia n��o ficou satisfeita com um empate. Pensando nos ataques
terroristas, nas massas de imigrantes, nos conflitos culturais que se multiplicavam,
ela acrescentou:
- E acho que a ci��ncia e as universidades atuais apequenam-se quando
se recusam a debater sobre Deus e espiritualidade, achando que isso
tem a ver com a ades��o a uma religi��o. Os fil��sofos do passado, como
Descartes, Espinosa, Agostinho, Kant, eram mais ousados. Esses temas
eram assuntos de pensadores, n��o os deixavam apenas nas m��os dos
religiosos.
Marco Polo franziu a testa e sorriu impressionado.
- Que mulher ousada!
Quanto terminaram o debate descobriram que dezenas de pessoas ao
redor ouviam atentamente a discuss��o. Alguns os aplaudiram. Ningu��m
venceu o debate, mas eles pelo menos marcaram seus territ��rios.
49
6
MANUSCRITOS DO MAR MORTO
Marco Polo e Sofia chegaram ao imenso hotel. Ao passarem pelo
sagu��o conversavam de forma alegre e suave. De repente, ele viu
um folheto que seduziu seus olhos. Era sobre uma confer��ncia que ocorreria
naquela mesma noite. O tema era "Manuscritos do Mar Morto -O
maior achado arqueol��gico da hist��ria".
- Interessante - falou para si.
Marco Polo observou o nome do preletor e alguns assuntos que
seriam abordados. Seus olhos brilharam. Tinha a curiosidade de aprofundar
seu conhecimento sobre os Manuscritos, mas n��o sob o ��ngulo
religioso. Lembrou-se de Anna, sua esposa. Deu um prolongado suspiro,
fez um solene momento de sil��ncio. Sofia o observava.
- Curioso com o tema?
- Sim.
Despediu-se de sua assistente e os dois combinaram de jantar juntos
ap��s o descanso. Estava fatigado; o trabalho intelectual, por mais prazeroso
que fosse, era desgastante. Ap��s o banho, sentou-se na poltrona
do quarto. Pegou um jornal, mas n��o conseguiu ler. Sua mente estava
fixa na confer��ncia que o folheto anunciava. Pensou aqui, refletiu acol��,
hesitou por instantes, mas, inquieto, ligou para Sofia.
- Estou pensando em ir �� confer��ncia sobre os Manuscritos do Mar
Morto. Come��a em 30 minutos. Se estiver disposta, gostaria de convid��-la.
Jantaremos depois do evento. O que acha?
Ela abriu um sorriso.
- Proposta aceita!
Dez minutos depois estavam num t��xi a caminho do local indicado
no folheto. Chegaram em cima da hora. O conferencista, o professor
Mois��s Abraham, era arque��logo da Universidade de Jerusal��m, um
Ph.D. respeitado. Havia cerca de setenta pessoas no anfiteatro para ouvi-lo.
Marco Polo sentou-se na ��ltima fileira. N��o queria se expor.
- Os Manuscritos do Mar Morto s��o uma cole����o de centenas de
textos que estavam encravados nas cavernas de Qumran, no mar Morto.
Foram encontrados logo ap��s a Segunda Guerra Mundial, entre o final
dos anos 1940 e durante a d��cada de 1950. S��o c��pias rigorosas dos textos
sagrados hebraicos, realizadas por uma casta de judeus, os ess��nios,
que viveram h�� mais de dois mil anos, no s��culo II a.C. Representam,
portanto, os maiores achados arqueol��gicos da literatura mundial contou
o Dr. Mois��s com propriedade.
A plateia ficou impressionada pela longevidade dos textos e pela
obsess��o dos ess��nios em fazer c��pias fi��is das Antigas Escrituras. Em
seguida o Dr. Mois��s explicou:
- Os Manuscritos s��o certamente a vers��o mais antiga da B��blia
Hebraica. S�� n��o cont��m os livros de Ester e de Neemias. Seus copistas
viviam na clausura e sua fidelidade aos textos originais era t��o grande
que descartavam todas as vers��es com erros ortogr��ficos. Provavelmente
viviam em pleno sil��ncio enquanto realizavam essa magna tarefa.
Marco Polo ficou impressionado com o que ouviu. Ap��s a exposi����o,
a sess��o de perguntas do p��blico foi aberta. Depois de se apresentar
brevemente, falou:
- Doutor Mois��s, estou realmente surpreso com a sua exposi����o.
Sempre fui cr��tico da manipula����o dos tradutores ao longo dos s��culos.
Eles s��o vitais numa sociedade, mas h�� uma express��o italiana:
"Tradutores, traidores". Sempre pensei que os textos b��blicos da atualidade
haviam sido modificados pelos copistas e religiosos ao longo dos
s��culos, seja inconsciente ou conscientemente.
Marco Polo tinha esse conceito em mente n��o apenas porque era
um pesquisador de biografias antigas, mas tamb��m porque era escritor.
Alguns de seus livros n��o tinham sido traduzidos de forma adequada
para outras l��nguas, gerando confus��es e interpreta����es d��bias
ou equivocadas.
- Sou escritor, sei que tradu����es podem mutilar uma obra - completou
o psiquiatra.
- Sua surpresa, doutor Marco Polo, �� a mesma que calava em minha
mente. �� muito f��cil introduzir nossas cores e sabores quando copiamos
ou vertemos os textos para outras l��nguas. Todavia, para espanto
da arqueologia, as vers��es mais antigas que t��nhamos do Antigo
Testamento datavam dos s��culos IX e X d.C. E essas vers��es s��o exatamente
iguais ��s feitas um mil��nio antes pelos ess��nios, no s��culo II a.C.
Marco Polo ficou impressionado com esse achado arqueol��gico. Como
era pesquisador, sempre usava a arte das perguntas como bisturi para
dissecar conhecimentos mais profundos. Detestava respostas prontas.
Sob o olhar espantado de Sofia, come��ou em seguida a bombardear o
Dr. Mois��s com seus questionamentos:
- Qual �� a hist��ria da forma����o dos ess��nios? Quais foram seus projetos
de vida? Que motiva����o consciente e inconsciente os controlava?
Com quem aprenderam a escrita? Suas rela����es interpessoais eram
regadas a generosidade ou a competividade? Como se constitu��a sua
hierarquia social?
O Dr. Mois��s sorriu.
- J�� tinha ouvido falar do senhor, doutor Marco Polo. Sua avalanche
de perguntas expressa a mente de um cientista insaci��vel e exigente.
- Desculpe-me. N��o sei aprender de outro modo - brincou Marco
Polo.
- Sinto muito, mas n��o tenho muitas respostas. H�� mais de vinte anos
estudo essa misteriosa casta judaica, mas quase n��o h�� relatos sobre os
ess��nios. Provavelmente eram cultos, viviam na clausura e com rigor
comportamental extremo, o que evidencia uma motiva����o incontrol��vel
para cumprir seu projeto de vida. Preservar esses escritos para as
gera����es seguintes era seu legado para o mundo!
De repente Alberto Mullen, renomado te��logo do Vaticano, que participava
da plateia, tomou a palavra e tamb��m questionou:
- Os ess��nios aguardavam a vinda do Messias?
- Alguns textos que escreveram falavam sobre o Messias, indicando
que esperavam, sim, sua vinda - comentou o arque��logo.
Nesse momento Thomas Hilton, um professor americano, doutor em
teologia, completou as d��vidas:
- H�� um texto no evangelho de Lucas, no capitulo 3:15, que diz que
os judeus daquele tempo tinham grande expectativa pela vinda do
Messias. Ser�� que esse fen��meno religioso, associado ��s tens��es pol��ticas
e econ��micas da ��poca, n��o motivou os ess��nios a encravar v��rias
copias nas montanhas?
- Sua tese �� interessante. Sem d��vida fen��menos poderosos estavam
na base da motiva����o dessa casta, que abandonou tudo, inclusive sua
vida secular, para se dedicar a essa empreitada solit��ria.
Marco Polo achou inteligentes as interven����es do Dr. Thomas e do
Dr. Alberto. Mas, mais uma vez, mostrou as fagulhas do seu ate��smo:
- Desculpem-me, mas, em qualquer ��poca em que a tirania impera, o
povo busca um salvador. Al��m disso, como esperavam a vinda do Messias
se, ao mesmo tempo, fizeram in��meras c��pias para serem achadas por
outras gera����es? N��o parece racional!
Os te��logos se entreolharam. O Dr. Thomas se defendeu:
- Mas o que �� racional? A esperan��a, a motiva����o, a transcend��ncia,
a f�� dessa casta? Os ess��nios, com medo de persegui����o pol��tica, poderiam
ter feito c��pias para eles mesmos ou para seus filhos.
- Medo �� uma velha desculpa - apontou Marco Polo.
- Os Manuscritos do Mar Morto s��o um card��pio de respostas temperadas
com muitas d��vidas - tentou abrandar Dr. Mois��s.
E assim terminou a confer��ncia. Marco Polo adorava ser desafiado.
Foi uma noite maravilhosa. Em seguida, ele e Sofia foram procurar
um restaurante para jantar. No meio da refei����o, o psiquiatra
comentou:
- Na filosofia, a d��vida �� o princ��pio da sabedoria. Ela esvazia o esp��
rito humano e nos leva a ver o mundo sob outras perspectivas. Sem ela,
usamos antolhos, como os animais de uma carruagem.
- Um pensador �� r��pido em perguntar, mas lento para responder.
Mas a metralhadora de suas perguntas assusta - observou Sofia.
Marco Polo sorriu e acrescentou:
- A ditadura das respostas �� cruel. Cientistas, educadores e religiosos
frequentemente s��o viciados em responder sem antes se questionar.
N��o formam pensadores.
E assim tiveram uma agrad��vel conversa. Depois do jantar foram para
o hotel. Passariam mais alguns dias em Jerusal��m. Queriam explorar a
magna e misteriosa cidade, palco de sonhos e pesadelos, de paz e guerras.
Frequentemente Marco Polo ligava para seu filho. Queria saber como
estava evoluindo o tratamento.
- Filho, como est��?
- Me repensando.
- Est�� gostando dos psic��logos?
- S��o interessantes. Mas n��o sinto nenhuma alegria.
-A absten����o da droga gera uma rea����o depressiva. Lute pela sua
vida, Lucas! Ela �� seu maior tesouro! H�� educadores na comunidade
terap��utica?
- Sim. Todos eles passaram pelo mesmo caos. Me d��o muita for��a.
- Nunca se esque��a de que os maiores c��rceres n��o est��o nos pres��dios,
mas em nossa mente!
E assim a conversa se estendia.
- Est�� gostando de Jerusal��m, pai?
- Muito.
Nesse momento Lucas se lembrou da m��e.
- Mam��e amaria... estar a��...
E come��ou a chorar. Marco Polo ficou emocionado tamb��m. Seus
olhos ficaram ��midos.
- N��o tenha medo de lembrar nem de falar de sua m��e... Nem tenha
medo de chorar... Os grandes homens choram.
E depois terminaram um confessando que amava o outro.
No dia seguinte, quando chegaram de um passeio, Sofia viu um
folheto sobre outra confer��ncia de te��logos renomados. O tema era "As
biografias de Jesus, realidade ou fantasia?". De imediato ela foi seduzida.
- Veja, Marco Polo, que tema interessante!
Ele fitou os olhos dela e jogou-lhe um balde de ��gua fria:
- Sinto muito, n��o estou motivado - falou clara e convictamente.
- Lembre-se da confer��ncia da ONU. Voc�� foi instigado a pesquisar
a mente de Jesus.
- Instigado inclusive por voc��. Mas n��o tenho interesse no momento.
Sofia n��o gostou de sua negativa, afinal de contas no dia anterior
ela aceitara o convite dele. Poderia ter sido um pouco mais delicado.
Repensando sua indelicadeza, Marco Polo, ao sair do elevador, disse-lhe:
- Ok. Aguardo voc�� ��s 19h no sagu��o do hotel.
- N��o se sinta obrigado.
- Irei... mas n��o conv��m... - afirmou.
- Por qu��?
- Metralhadora de perguntas! - lembrou ele. Ela entendeu o recado.
Marco Polo n��o se calaria: tinha a grande chance de questionar os
palestrantes e tumultuar o ambiente. Abalar mentes r��gidas era uma de
suas especialidades. Sofia admirava seu professor, mas ficou realmente
preocupada. Ele parecia incontrol��vel quando come��ava a questionar
tudo e todos. Parecia que S��crates e Marco Polo bebiam da mesma
fonte, muito embora S��crates n��o fosse ateu - ao contr��rio, ao ser
condenado a tomar cicuta, o veneno que o calaria, ele protestou dizendo
que continuaria filosofando na eternidade! Marco Polo n��o queria
saber do futuro, mas debater no presente.
7
UM HOMEM QUESTIONADOR
C
C
hegando ao local do evento, sentaram-se na ��ltima fileira como no
dia anterior. Sofia respirou lentamente. Olhou para Marco Polo e o
viu tenso. Havia 55 pessoas presentes. Logo reconheceram os preletores:
o professor doutor Alberto Mullen, te��logo do Vaticano, t��o respeitado
que algumas pessoas torciam para que um dia ele fosse papa. O outro
conferencista era Thomas Hilton, protestante, doutor em teologia por
Harvard, escritor renomado.
- N��o eram eles que estavam na confer��ncia sobre os Manuscritos do
Mar Morto? - indagou ela.
- Sim - confirmou Marco Polo um tanto sisudo.
Ouviram muitas coisas sobre achados paleogr��ficos, arqueol��gicos,
geogr��ficos, sobre os evangelhos. Sofia pensou que Marco Polo talvez
estivesse gostando, mas o g��nio incontido se mantinha calado, sem
que sua express��o denunciasse nada. O Dr. Thomas terminou sua fala
tocando num assunto muito sens��vel para os dois psiquiatras:
- As biografias de Jesus Cristo falam sobre a supera����o da morte,
uma esperan��a para os mortais e um assunto que escandaliza a medicina
e as demais ci��ncias.
Logo ap��s a fala dos conferencistas, abriu-se um espa��o para perguntas
e debates. A Dra. Sofia, com ousadia, comentou:
-O fim da exist��ncia est�� na ess��ncia da mente humana. Ele permeia
a maioria das doen��as ps��quicas. A s��ndrome do p��nico, as
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paran��ias, ideias de persegui����o e as fobias s�� existem porque somos
mortais.
Marco Polo ficou analisando sua colega. Ele se levantou e comentou:
- Uma observa����o sutil e inteligente, doutora Sofia. - E completou o
racioc��nio dela: - A condi����o fr��gil e mortal do ser humano movimenta
a ind��stria dos seguros, as for��as armadas, a medicina, os mecanismos
de seguran��a dos aparelhos, os filmes de Hollywood, enfim, �� respons��vel
direta ou indiretamente por mais de dois ter��os do PIB mundial.
A plateia observava com distinta aten����o os dois cientistas. O Dr.
Thomas Hilton, impressionado, acrescentou:
- Esse questionamento �� interessante. De fato, a hist��ria de Hollywood
teria de ser reescrita se n��o houvesse o fen��meno da morte. As armas,
as persegui����es, o terror, a a����o, os super-her��is se nutrem de nossa
fragilidade existencial.
Sofia, animada, ainda comentou:
- Mais de dez trilh��es de c��lulas constituem o corpo humano, e
nenhuma delas est�� programada para morrer. Mecanismos cerebrais
s��o acionados lan��ando uma onda de horm��nios na corrente sangu��nea
e produzindo taquicardia e aumento da ventila����o pulmonar, tudo para
que o ser humano fuja de uma situa����o de risco.
O debate parecia transcorrer de forma brilhante at�� que Marco Polo
sentenciou:
- As religi��es tamb��m s��o um mecanismo de fuga das situa����es de
risco.
Sil��ncio geral na plateia. Alguns ficaram chocados com sua tese. Mas,
para espanto de Marco Polo, o Dr. Alberto, disse:
- Obrigado por sua honestidade. Mas nem toda fuga �� ruim. Diante da
inevitabilidade da morte, a religi��o �� uma fonte inesgot��vel de esperan��a.
- Depende. A religi��o tamb��m pode ser uma fonte de doen��as mentais
se houver radicalismo, intoler��ncia contra os que pensam diferente,
d��ficit de generosidade - afirmou o psiquiatra.
- Estamos de acordo! - confirmaram os dois preletores.
- Estar de acordo n��o responde minha quest��o.
-A esperan��a de supera����o da morte �� um atributo dos fracos ou
uma busca inteligente do direito de continuar existindo, doutor Marco
Polo? - indagou Sofia. - Ser�� que essa busca pela eternidade n��o �� a
mesma dos ateus quando defendem o direito de liberdade de express��o?
Esse questionamento sagaz levou Marco Polo a se repensar:
- S��o coerentes as suas indaga����es. Talvez, no n��vel inconsciente,
tanto religiosos l��cidos quanto ateus brilhantes busquem a liberdade
em seus amplos aspectos. - Em seguida se voltou para os preletores: - E,
se a liberdade nos �� t��o cara, �� sobre os alicerces dela que tenho de ser
sincero. Embora os senhores conferencistas sejam inteligentes, n��o me
convenceram de que os evangelhos n��o tenham sido biografias escritas
por homens com motiva����es pol��ticas.
O Dr. Thomas Hilton respondeu:
- Foram escritos por homens, mas inspirados por Deus... Mais de
dois bilh��es de seres humanos cr��em nisso.
Mas Marco Polo rebateu:
- Inspira����o divina entra na esfera da f��. Quando a f�� fala, a raz��o se
cala. Mas, como sou um homem da ci��ncia, n��o consigo me calar. Por
isso pergunto aos senhores: como se formou a personalidade de Jesus? Ele
tinha rea����es depressivas e/ou ansiosas? Sabia gerenci��-las? Era resiliente?
Tinha autocontrole nos focos de tens��o? Passou por testes de estresse?
Sabia filtrar est��mulos estressantes? Sua intelig��ncia era brilhante ou
opaca? Formava pensadores ou repetidores cegos de informa����es? Quais
eram suas principais teses psicol��gicas? - E, depois de metralhar os dois
conferencistas com essas indaga����es, concluiu: - Saio daqui um pouco
mais culto, mas ainda ateu. E com mais d��vidas do que quando entrei!
O Dr. Thomas e o Dr. Alberto ficaram atordoados com essa sequ��ncia
de questionamentos. Eles nunca tinham estudado essas ��reas do
personagem que amavam. Marco Polo chocou a plateia.
- Sinto muito - disse a todos. Depois olhou para Sofia, que estava
at��nita, e comentou: - Eu lhe disse que era melhor que eu n��o viesse.
E foi saindo do recinto, deixando-a. Ela se levantou para acompanh��-lo.
O Dr. Alberto, ao v��-lo indo em dire����o �� porta, comentou:
- Newton e Einstein acreditavam em Deus.
Voltando-se para ele, Marco Polo rebateu-o novamente:
- Os f��sicos s��o mais emotivos, passionais, enquanto n��s, m��dicos,
com destaque os neurocientistas, somos mais racionais.
Deu mais alguns passos, parou de novo, olhou para os dois conferencistas
e proferiu suas ��ltimas palavras para uma plateia perplexa:
- Todos os dias crian��as morrem de fome, jovens perdem a vida por
causa de drogas, pais sucumbem ao c��ncer... Se existe um Deus, qual a
raz��o de seu sil��ncio? Mas meu ceticismo vai al��m desse c��lido sil��ncio.
Por��m n��o tenho direito de desconstruir aquilo em que cr��em. ��
melhor que eu mesmo conviva com meus fantasmas mentais.
Sofia estava de p��. N��o sabia o que dizer ou como proceder. Ap��s
falar, Marco Polo continuou se dirigindo �� porta de sa��da.
Todavia o Dr. Thomas o provocou:
- Nem todas as biografias de Cristo foram escritas por judeus. Por
que n��o estuda a biografia escrita por um grego erudito?
Marco Polo interrompeu sua marcha. Em seguida o Dr. Alberto o
instigou mais ainda:
- Estivemos em sua confer��ncia patrocinada pela ONU sobre gest��o
da emo����o.
Marco Polo se virou para ele, que arrematou:
- Instigaram voc�� a estudar a mente de Jesus sob a perspectiva das
ci��ncias humanas. J�� que voc�� �� um neurocientista, por que n��o estuda
a ��nica biografia de Jesus produzida por um m��dico?
Marco Polo respirou fundo. Pego de surpresa, indagou:
- Um m��dico? Quem �� o autor?
-O doutor Lucas - respondeu o te��logo de Harvard, referindo-se ao
evangelho escrito pelo parceiro de Paulo.
Marco Polo lembrou-se mais uma vez de Anna. Nesse momento,
num ato incomum, ele decididamente disse:
- Se me derem os escritos do doutor Lucas em v��rias vers��es, vou
estud��-los, sim.
Sofia relaxou seu semblante e sorriu.
Depois do fim do evento, todos os participantes sa��ram, restando
apenas os quatro: Marco Polo, Sofia, Thomas e Alberto. Marco Polo
comentou:
- J�� que voc��s me desafiaram, proponho fazermos uma mesa-redonda
para estudar a mente de Jesus. Sofia ser�� a moderadora, o doutor Alberto
e o doutor Thomas ser��o os dois te��logos de um lado da mesa e dois neurocientistas
ateus, eu e um amigo, estaremos na posi����o oposta.
- Dois ateus contra dois te��logos? - indagou o Dr. Thomas.
- N��o contra, mas num caldeir��o de debates. Para que n��o seja
um conte��do d��bil e pouco produtivo, me proponho a estudar disciplinadamente,
de manh�� e �� tarde, os principais textos da biografia
do doutor Lucas. A cada noite nos reuniremos para debater minhas
conclus��es.
Os dois ilustres te��logos sentiram-se honrados e, ao mesmo tempo,
desafiados. Escolheram um ambiente calmo para fazer a mais incr��vel
viagem: estudar algumas camadas da intelig��ncia do mais incr��vel
personagem da nossa hist��ria. Marcaram os debates numa sala da
Universidade de Jerusal��m.
Entusiasmado, o not��vel te��logo do Vaticano comentou:
- Sabemos que voc�� �� um pesquisador do processo de constru����o de
pensamentos e de forma����o de pensadores. Sentimo-nos honrados em
estudar o evangelho de S��o Lucas com voc��.
- Desculpe-me, doutor Alberto. N��o me sinto honrado em estudar
o evangelho de S��o Lucas, mas do homem Lucas, com suas poss��veis
loucuras e sanidades, sua serenidade e superficialidade. Voc��, doutor
Alberto, representa o catolicismo, e voc��, doutor Thomas, o protestantismo,
n��o �� mesmo? Pois bem, s�� aceitarei esse debate se ele for livre,
sem religiosidade, sem holofotes, sem freios, sem medo de discutir e
colocar em xeque qualquer ideia, dogma ou conceito. Vamos debater
Jesus sob o manto da psicologia, da sociologia e da psicopedagogia.
O Dr. Alberto e o Dr. Thomas se entreolharam, engoliram em seco e
confirmaram:
- Aceitamos as condi����es.
E Marco Polo, honesto, comentou:
- Mas h�� o risco de que, depois desse debate, descubram que a intelig��ncia
de Jesus �� destitu��da de profundidade e complexidade.
- Mas tamb��m �� poss��vel que ocorra o contr��rio, que seu ceticismo
possa implodir - desafiou o Dr. Thomas.
Marco Polo meneou a cabe��a, como se tivesse compaix��o pelos
equ��vocos dos dois debatedores. Sofia aceitou ser a moderadora. Ela
estimularia o debate, abrandaria as tens��es, extrairia conclus��es e
garantiria o direito de express��o de cada debatedor.
-E quem �� o outro debatedor ateu? - perguntou ela, curiosa.
- Michael Herman, doutor em neuroci��ncia, que mora em Jerusal��m.
Somos amigos, mas n��o sei se aceitar�� o desafio ou ter�� disponibilidade.
- Doutor Michael Herman? J�� li alguns de seus artigos. Ele �� um
neurocientista famoso por suas teses e por criticar as religi��es e suas
incoer��ncias - comentou o Dr. Thomas.
Com uma capacidade de s��ntese fascinante, Marco Polo comentou
que iria analisar a mente de Jesus sob par��metros definidos:
- Analisarei estas dez habilidades b��sicas de Jesus:
1. Habilidades de gest��o da emo����o;
2. Capacidade de filtrar est��mulos estressantes;
3. Compet��ncia para debelar focos de tens��o e se reinventar no caos;
4. Capacidade para libertar seu imagin��rio e desenvolver a criatividade;
5. Resili��ncia e limiar para suportar frustra����es;
6. Prazer sustent��vel e capacidade de contemplar o belo;
7. Capacidade de pensar antes de reagir e autocontrole;
8. Capacidade de ser emp��tico e de construir pontes interpessoais;
9. Habilidade de formar pensadores e mentes brilhantes;
10. Capacidade de ser autor da pr��pria hist��ria e consci��ncia cr��tica.
Os te��logos ficaram impressionados com os dez temas e entenderam
que fariam uma jornada ��pica, com focos bem objetivos. Estavam animados
com a possibilidade de conhecer Jesus sob ��ngulos e em ��reas
provavelmente in��ditos. Mas n��o deixaram de sentir um frio na espinha.
O resultado parecia imprevis��vel.
Sofia sabia que Marco Polo tinha uma grande capacidade de analisar
detalhes subliminares que poucos enxergavam. Era um pensador extremamente
detalhista. Foi assim que se tornou o primeiro neurocientista
e m��dico psiquiatra a arriscar-se numa empreitada como aquela. N��o
tinha a m��nima ideia do que o aguardava.
No caminho para o hotel, pegaram um t��xi. O motorista era sisudo, n��o
expressava um ��nico sorriso e mal conversava. Marco Polo deu o endere��o
e o homem come��ou a dirigir. No meio do trajeto, algo imprevis��vel
aconteceu. Um carro passou por eles em sentido contr��rio, deixando o
taxista preocupado, pois o motorista parecia empunhar uma metralhadora.
Marco Polo e Sofia, distra��dos, n��o perceberam nada. De repente,
o carro suspeito fez uma manobra radical 50 metros �� frente e come��ou
a perseguir o t��xi em que estavam. O motorista acelerou imediatamente.
-O que est�� acontecendo? - perguntou Marco Polo.
- Estamos sendo seguidos!
-O qu��? Isto n��o �� Hollywood, senhor - disse Sofia preocupada.
- Seria bom que fosse, madame.
A persegui����o foi implac��vel. Entre uma curva e outra, Marco Polo
indagou:
- Est��o perseguindo quem? N��s ou o senhor?
- N��o sei. H�� mais de dez anos trabalhei no servi��o de intelig��ncia
deste pa��s - disse quase sem f��lego o taxista, fazendo uma manobra
r��pida. - E voc��s?
- Somos cientistas. Somos inofensivos!
- Inofensivos? Os cientistas est��o no centro das conspira����es mundiais!
- afirmou.
Sofia olhou para Marco Polo preocupad��ssima. Testa franzida, cora����o
galopante, pulm��es estressados, ela apertou suas m��os como quem se
agarra para n��o cair num penhasco.
Nesse exato momento o motorista perdeu o controle e bateu em outro
carro. Instantes depois, v��rios carros de pol��cia chegaram. Observando
o movimento, os perseguidores fugiram sem deixar rastros. Marco Polo
sofreu uma les��o na coxa direita. Sofia teve escoria����es na testa. Foram
atendidos em um pronto-socorro pr��ximo do local e logo liberados.
- Quem nos seguia? - perguntou Sofia.
- �� perturbador... mas vamos nos acalmar. Ou os perseguidores queriam
nos assaltar, ou estavam atr��s desse motorista. Sabe-se l�� quem ele
�� ou o que j�� fez.
Eles se abra��aram carinhosamente. Pegaram outro t��xi para o hotel.
Ela estava compenetrada, tentando entender o incompreens��vel. Sua
hist��ria nunca fora uma lagoa pl��cida, e Sofia sonhava ter dias tranquilos
em Jerusal��m. Mas tudo estava ficando turbulento demais. O motorista
do t��xi teve que ficar internado, com suspeita de haver fraturado
alguma costela.
Ao chegar ao hotel, Marco Polo recebeu uma liga����o de Lucas. Ele
resolveu contar sobre o acidente, mas antes que ele o fizesse, foi seu
filho que o deixou tenso.
- Pai, est�� dif��cil suportar a solid��o. Esta cl��nica parece uma pris��o disse
Lucas, muito desanimado.
- Tenha paci��ncia, meu filho. Siga todo o ritual do tratamento.
- Durmo pouco, meu apetite est�� p��ssimo, parece que apenas carrego
meu corpo. A vida perdeu o colorido para mim.
- Voc�� est�� deprimido. Dentro de um m��s j�� estar�� de volta, meu
filho. Estaremos juntos. Seu Eu tem de escrever sua biografia, n��o deixe
que sua depend��ncia a escreva. Abra sua mente e procure desenvolver
o prazer de viver e n��o deixe de tomar seu antidepressivo!
- Ok! E voc��, como est��? - disse Lucas tentando mudar de assunto.
-O t��xi em que eu estava sofreu um acidente, mas nada grave. Vou
ficar aqui em Israel por mais uns dias. Mas prometo que estarei em casa
antes de voc�� sair da cl��nica.
- Ainda n��o superei a perda da mam��e, me desculpe - disse Lucas
emocionando-se ao recordar sua m��e.
- Ela �� inesquec��vel, n��o se puna. - Depois de uma pausa, Marco Polo
disse: - Acho que ela gostaria de saber o que estou prestes a fazer.
-O qu��?
- Estudar a personalidade de Jesus sob a luz das ci��ncias humanas.
- N��o acredito!
- Pode acreditar. Estudarei um escritor que leva seu nome: Lucas.
- Lucas, o que escreveu o evangelho?
- Ah��. Depois eu conto os resultados.
E, assim, pai e filho se despediram. No dia seguinte, Marco Polo ligou
para Michael e falou sobre o projeto.
- Aceita participar desse debate, meu amigo?
- Eu admiro voc��, Marco Polo, j�� at�� recebi sua ajuda, mas entrar
nessa seara �� uma fria.
- Por qu��, Michael?
- Somos racionais, enquanto que esses religiosos... - N��o completou
seu pensamento.
- Mas pode ser uma experi��ncia intelectual interessante. Uma pausa
em nossa cansativa atividade acad��mica e de pesquisa.
- Estudar a mente de Jesus? Mas a intelig��ncia dele pode contribuir
para as universidades e a ci��ncia? N��o creio... Tem ideias interessantes?
Dif��cil... - falou, cheio de preconceitos, depois acrescentou: - E,
al��m disso, seus estudos sobre a mente humana, associados ��s minhas
cr��ticas, poder��o desencaminhar esses religiosos. O papa n��o vai gostar
disso - brincou.
- Mas o doutor Thomas e o doutor Alberto s��o pontos fora da curva,
s��o te��logos muito inteligentes - insistiu Marco Polo.
- Bom, ser�� interessante v��-los beijar a lona nesse debate. Aceito!
E se despediram. Marco Polo recebeu o livro de Lucas, o terceiro
evangelho, em v��rias vers��es. A mesa do quarto de hotel era pequena
para acomodar tantos textos.
Nos dias que se seguiram, ele se levantava de manh�� e come��ava a
estudar. S�� parava ao entardecer. Nunca os alicerces de um intelectual
foram t��o abalados; ao mesmo tempo, nunca renomados te��logos
haviam percebido que conheciam t��o pouco os textos nos quais juravam
ser peritos.
8
UM VENDAVAL NA MENTE
DE PAULO E LUCAS
Marco Polo conhecia as armadilhas do processo de interpreta����o.
Sabia que toda interpreta����o corria o risco de contaminar uma
observa����o: uma barata podia ser vista como um dinossauro, um elevador
podia ser sentido como uma caixa asfixiante, uma plateia podia ser
encarada como uma amea��a.
-O ser humano �� o pr��prio criador dos monstros que o aterrorizam
- dizia ele quando orientava Sofia. - Quem sou? Como estou? Onde
estou? A que aspiro? O que infecta a mente de quem interpreta?
Esses eram alguns dos fen��menos inconscientes que induziam psic��logos,
pais, magistrados e executivos a julgarem de forma distorcida
seus pacientes, filhos, r��us e colaboradores, lembrou ela.
- Estude os textos do doutor Lucas de forma transparente. Seu ate��smo,
sua personalidade, seu estado emocional e motivacional n��o podem
contagiar seu olhar, pelo menos n��o excessivamente - solicitou ela.
Marco Polo sabia disso. Caso contr��rio, fracassaria na complexa
empreitada de estudar a mente de Jesus. N��o queria brincar de deus,
queria apenas ser um cientista s��rio e isento.
Foi com essa consci��ncia cr��tica que leu atentamente a introdu����o do
primeiro cap��tulo do livro de Lucas. Refletiu, comparou, analisou. N��o
esperava grandes surpresas; afinal de contas, o que esperar dos primeiros
par��grafos de um livro? Mas de imediato ficou perplexo com a narrativa.
- N��o �� poss��vel! Que escritor �� este? - indagou.
Ficou perturbado com as interpreta����es. Percebeu que n��o poderia
prosseguir a an��lise do biografado, o homem Jesus, sem primeiro estudar
minimamente o bi��grafo, o homem Lucas. E, como pesquisador,
procurou usar mais do que o m��todo socr��tico para aprofundar sua
an��lise. Procurou interrogar as indaga����es, questionar o que estava por
tr��s das primeiras palavras do m��dico grego.
- Quem �� Lucas? Qual a estrutura b��sica da sua personalidade? Era um
homem dosado ou superficial? Um curandeiro ou um m��dico criterioso?
Que motiva����es conscientes o controlavam? Que motiva����es inconscientes
estavam por tr��s da biografia que escreveu? Seu texto era prolixo/
detalhista, prolixo/evasivo, sint��tico/superficial ou sint��tico/profundo?
Ao analisar os primeiros cap��tulos, come��ou a ficar convencido da
��ltima op����o. Lucas escreve de forma sint��tica, procurando dizer muito
com poucas palavras. Resume um dia em poucas e densas palavras.
Marco Polo estudava o bi��grafo e o biografado com tanta concentra����o
que parecia se transportar para o passado e observar os acontecimentos
hist��ricos como se os tivesse vivenciado.
Depois de horas a fio de estudo, ficou com a mente fatigada. Sentindo
necessidade de descansar, dormiu um sono curto, mas profundo. E, por
incr��vel que pare��a, algo estranho come��ou a acontecer. Ele passou a
sonhar com os fatos que envolviam sua leitura.
Dois mil anos atr��s
Um m��dico ainda jovem estava sentado num banco de madeira na pra��a
central de Antioquia, uma cidade da S��ria antiga. Era o entardecer. O dia
havia sido extenuante. Muitos doentes, muito sofrimento. De repente,
um sujeito mais ou menos da sua idade invadiu o ambiente p��blico.
Andava inquieto por toda a pra��a, falando para quem quisesse ouvir.
Estava t��o motivado que parecia delirar. Embora fosse eloquente,
somente os camelos prestavam aten����o nele. Mas sua convic����o era
inabal��vel:
- Esse homem cujos seguidores eu encarcerava me fez cair do meu
orgulho e beijar o solo da minha insignific��ncia!
- Mais um religioso delirando... - Lucas pensou em voz alta e virou
o rosto para n��o ouvir mais nada.
No entanto, o sujeito o viu e se aproximou de Lucas. Sem pedir licen��a,
come��ou a falar do personagem que implodira seus preconceitos
e calibrara seus conceitos. Lucas n��o deu import��ncia. De repente, o
homem, que falava tr��s l��nguas, dirigiu-se a ele em grego.
Lucas ficou impressionado, mas, polido, perguntou:
- Seu nome, senhor?
- Saulo, da cidade de Tarso - disse o orador ambulante.
- Desculpe, senhor Saulo, mas n��o estou interessado em prega����es.
- Mas voc�� precisa me ouvir...
- N��o tenho tempo para essas coisas, sou m��dico.
- Excelente. Jesus �� o m��dico dos m��dicos.
- Ele fez o juramento de Hip��crates?
- Juramento?
- N��o conhece o juramento que o grande m��dico grego ensinou aos
seus disc��pulos? - perguntou Lucas, citando alguns termos desse juramento:
- Juro que a ningu��m darei com prazer rem��dio mortal nem
conselho que prejudique... Em toda casa, a�� entrarei, mantendo-me
longe de todo dano volunt��rio e de toda a sedu����o. Aquilo que no exerc��cio
da profiss��o eu tiver visto e ouvido, que n��o for preciso divulgar,
conservarei inteiramente em segredo. Se eu tiver cumprido esse juramento,
que me seja dado gozar a felicidade e minha profiss��o...
- Interessante - comentou Saulo. - Ao contr��rio desse juramento, o
que eu tenho visto e ouvido tenho o dever de divulgar.
E, assim, Saulo contou sua experi��ncia no caminho de Damasco... e
todo dano f��sico, social e emocional que causou aos que seguiam Jesus.
Lucas ficou at��nito com seu relato.
- Senhor Saulo, voc�� tinha uma ira incontida! Ser contr��rio ao seu
pensamento era um convite a ser seu inimigo. Como pode ter mudado
tanto?
67
Saulo de Tarso fez um longo relato sobre o crucificado e seu projeto.
- Mas, senhor Saulo, o que me diz desse homem �� uma loucura.
- Eu mesmo estou assombrado com o que me aconteceu. Persegui,
pressionei, puni, induzi �� blasf��mia, prendi e concordei com assassinatos
sum��rios dos que andavam nesse "caminho".
- Que mal esses miser��veis lhe fizeram para querer feri-los e encarcer��-
los?
- Nenhum, mas feriram meus preconceitos. Confesso: fiquei decepcionad��ssimo
comigo mesmo... -E relatou de forma crua sua viol��ncia.
- Mas a morte de um homem na cruz �� o ��pice da fragilidade, o
maior de todos os vexames sociais. Lido dia e noite com a morte, e qualquer
morte �� melhor do que a crucifica����o - enfatizou Lucas.
- Concordo... mas a morte dele era parte do projeto de Deus - afirmou
Saulo.
-E quando esse tal de Jesus morreu? - perguntou Lucas, curioso.
- H�� oito anos.
E assim a conversa se estendeu. Pouco a pouco o m��dico grego foi
se envolvendo com os relatos de Saulo. Di��logos, trocas e experi��ncias
seriam vivenciados posteriormente. Lucas fora tocado de tal forma que
n��o conseguia mais ser o que era antes. Dali a algumas semanas chegaria
o grande dia de sua decis��o. Abandonaria seu of��cio de m��dico,
uma carreira certa, para seguir um homem deslumbrado e com um sentimento
de culpa brutal. Era um risco alt��ssimo para quem tinha muito
a perder, para quem era racional.
As grandes decis��es s��o sempre solit��rias. Lucas decidira fazer a
segunda jornada, a jornada do cora����o, a jornada que n��o d�� lucro ao
bolso, mas �� emo����o. Escolhera a jornada em que se d�� o melhor que
se tem para fazer os outros felizes. Decidira recome��ar sua hist��ria ao
lado de Saulo de Tarso, que se tornou Paulo. Assim, Paulo e Lucas se
tornaram amigos insepar��veis por d��cadas.
68
Jerusal��m, quinze anos depois
A dupla Paulo e Lucas fazia tanto sucesso que impactava as na����es. Paulo
atuava no palco do teatro social, Lucas atuava nos bastidores. Paulo, culto
e eloquente, convencia as plateias; Lucas, generoso e meticuloso, curava
as feridas. Paulo falava para as massas, enquanto Lucas atuava junto ��s
pessoas individualmente, comovendo os passantes que encontrava, fossem
eles oficiais romanos ou miser��veis �� margem da sociedade.
Paulo dava seguran��a a Lucas, que por sua vez dava apoio m��dico e
emocional a Paulo. Eram encantadores de homens. N��o recebiam sal��rio,
mas eram ricos. N��o tinham seguran��a alimentar, mas comiam o
suficiente. A cama nem sempre era confort��vel, mas dormiam satisfeitos.
As pedras eram seus travesseiros e as noites estreladas, seus len����is.
- Caiam fora. Est��o perturbando a ordem - disse certa vez um oficial
romano, L��cio Extilo, acompanhado de uma escolta.
- Se nos calar, morremos - afirmou Paulo.
E, sem medo da espada que poderia lhe perfurar o abd��mem e expor-
lhe as entranhas, o corajoso Paulo falou mais uma vez do "caminho".
N��o longe deles, o oficial romano montou acampamento. A noite
soube-se que havia adoecido. Ao tomar conhecimento desse fato, Lucas
se disp��s a trat��-lo. O oficial inicialmente o rejeitou, mas a febre alta, a
diarreia e o v��mito o obrigaram a mudar de ideia. Acabou aceitando
a consulta do m��dico grego. Depois de medic��-lo, Lucas, como de costume,
partiu em sil��ncio sem nada cobrar. No dia seguinte retornou
para saber se o paciente estava se restabelecendo.
- Mas isso �� um absurdo, doutor Lucas! - disse o oficial quando o
m��dico falou sobre Jesus. - Como �� poss��vel acreditar num homem que
crucificamos? Espanta-me um m��dico crer nessas fantasias!
- Todos estamos pasmados, Te��filo L��cio Extilo. Mas aquele que foi
para a solid��o de um t��mulo superou o que os m��dicos jamais imaginaram
superar!
- Mas, doutor Lucas, morremos todos os dias. Estadistas, generais,
ricos... Todos digladiamos com a morte e perdemos.
- Eu sei, a morte dribla todos os m��dicos. Os seres humanos nascem
como vencedores e morrem como perdedores. Quando nascem, choram
de alegria; quando morrem, outros choram de tristeza por eles. Mas...
Lucas teve longas conversas com o oficial romano. Todavia, a conversa
inteligente com L��cio Extilo, seus questionamentos finos e suas
d��vidas marcaram o m��dico grego a tal ponto que ele sonhou em um
dia escrever uma narrativa hist��rica ordenada, com an��lises e avalia����es
detalhadas sobre o homem que o fascinara.
- Pretendo escrever uma s��ntese da hist��ria de Jesus. O que acha,
Paulo?
- Excelente ideia. Poder�� colher fatos de que n��o fiquei sabendo,
temas que n��o conheci. Mas como voc�� far��, Lucas?
- Voc�� sabe, sou detalhista. S�� conseguirei realizar esse projeto se
puder entrevistar pessoalmente os personagens que conviveram com o
Mestre.
- Iremos para Jerusal��m na primavera. Essa ser�� sua grande oportunidade.
Lucas e sua miss��o
Lucas observava a velha cidade, o andar das pessoas, as pedras desgastadas
das ruas, as cicatrizes dos muros, os telhados envelhecidos.
Parecia que a hist��ria penetrava em seus pulm��es. Entrevistou Maria
demoradamente, conversou com os disc��pulos do crucificado, com testemunhas
oculares que presenciaram os fatos. Seu intelecto entrava em
��xtase �� medida que ia fazendo um invent��rio psicossocial dos fatos que
haviam marcado as pessoas.
�� noite retornava para seus aposentos, numa pequena hospedagem
no lado leste de Jerusal��m. Seus bolsos estavam cheios de fragmentos
hist��ricos. Guardava-os como a um tesouro incalcul��vel.
- Como vou organizar todo esse material? Assumir a empreitada
dessa narrativa �� uma grande responsabilidade. Serei capaz?
O Dr. Lucas se sentava numa cadeira r��stica com p��s assim��tricos, o
que gerava um balan��o desconfort��vel. Mas n��o se importava. Euf��rico,
debru��ava-se sobre uma mesa feita de tronco de oliveira que continha
algumas sali��ncias e alguns orif��cios, fruto do trabalho incans��vel de
fungos e cupins. A luz n��o era boa, o ambiente n��o era arejado, mas ele
tinha o melhor espa��o do mundo para libertar o pensamento.
O Dr. Lucas agora era o m��dico das letras, um escritor obsessivo,
organizando a narrativa e procurando sintetizar as entrevistas.
- Tratei de muitas enfermidades, observei tremores e ataques febris,
mas agora estou tr��mulo, quase febril. �� dific��limo biografar o homem
que abalou nossas convic����es... - expressou-se para Paulo.
- Eu sei o qu��o complexo ��. Essa �� a obra da sua vida, seu projeto
mais importante - afirmou o companheiro, dando-lhe o mais not��vel
apoio.
Lucas sa��a para as entrevistas e retornava. Escrevia detalhadamente,
transpirava emo����o. N��o imaginava que seu livro seria um dos maiores
best-sellers de todos os tempos.
9
OS IMPACTOS DA MESA-REDONDA
A
A
primeira mesa-redonda enfim come��ou. Marco Polo entrou
empunhando uma bengala, devido �� les��o na coxa. N��o queria
for��ar muito a perna direita. Mas estava compenetrado, pensando n��o
no acidente, mas na leitura e nas an��lises que havia feito sobre os escritos
do Dr. Lucas. Cumprimentou Sofia dando-lhe um beijo no rosto. Ela
tinha um leve hematoma na testa. Estendeu as m��os para o Dr. Alberto
e o Dr. Thomas. Em seguida cumprimentou seu amigo neurocientista,
Michael, que n��o tardou a provocar os te��logos.
- Preocupado com o acidente, Marco Polo? Sinto muito - indagou
Michael.
- N��o com o acidente, mas com a leitura! - afirmou.
- Pelo jeito j�� se decepcionou com os textos. Eu o conhe��o - afirmou
o neurocientista.
Apesar de ter um imediato estranhamento com Michael, o Dr. Alberto,
o te��logo do Vaticano, tentou amenizar o clima, mas o fez errado.
- Estamos animados em discutir os textos de Lucas, um dos santos
mais not��veis da Igreja!
- Espere a��! N��o estou aqui para estudar santos e dogmas! - retrucou
o Dr. Michael, levantando-se para sair. - Sou cientista. N��o gastarei
meu tempo com cren��as question��veis.
- Espere, Michael. O debate nem come��ou e voc�� j�� est�� desistindo?
- disse Marco Polo.
- Mas seu semblante j�� diz tudo.
- Voc�� agora l�� pensamentos, Michael? - questionou Sofia, a moderadora.
Michael se sentou, mas ainda estava inconformado.
- Antes de come��ar a estudar a mente de Jesus, precisamos estudar
a mente do seu bi��grafo. Mas acalme-se, Michael. N��o estudaremos o
Lucas beatificado, mas o homem real, concreto, que grita atrav��s de
seus escritos - reiterou o Dr. Marco Polo.
- Desculpem-me, estamos t��o viciados em falar de forma religiosa
que �� dif��cil mudar nosso linguajar - disse o Dr. Alberto, constrangido,
acrescentando em seguida: - Mas n��o sabemos quase nada sobre Lucas.
Sua origem, onde nasceu, quem foram seus pais, sua educa����o, como se
voltou para o cristianismo, quando morreu...
-�� estranho. Estudei tanto sobre os primeiros textos de Lucas que
dormi e sonhei com ele. Claro que isso n��o tem validade cientifica. Mas
o sil��ncio pode denunciar mais do que as palavras - afirmou Marco Polo.
- Marco Polo tem raz��o. Ainda que os achados sejam restritos, precisamos
discutir o escritor por tr��s do livro, mesmo que mergulhemos
mais no mar das d��vidas do que no das respostas - disse Sofia.
Marco Polo abriu um leve sorriso e em seguida perguntou aos participantes:
- Voc��s n��o acham estranho que um m��dico grego, um seguidor de
Hip��crates, tenha decidido seguir um crucificado? N��o os surpreende
um ser humano largar a medicina, sua seguran��a e sua cidade para
perambular pelo mundo?
- De fato, s��o comportamentos estranhos, absurdos aos olhos humanos,
ainda mais no nascedouro do cristianismo - concordou o Dr. Alberto.
Marco Polo continuou na sua arguta capacidade de perguntar:
-E o que pensam de Lucas, um homem l��gico e supostamente generoso,
ter um mentor que demonstrou irracionalidade e revelou claros
tra��os de sociopatia?
- Como assim? Est�� se referindo ao Ap��stolo Paulo? - perguntou o
Dr. Thomas, tr��mulo.
- Exatamente - respondeu Marco Polo, aguardando a rea����o dos dois
te��logos, que foi imediata.
O Dr. Thomas e o Dr. Alberto se levantaram para encerrar o debate,
enquanto o primeiro dizia:
- Esta mesa-redonda est�� fadada ao fracasso. N��o participarei.
Interpreta����es radicais me d��o asco.
- Concordo - disse o te��logo do Vaticano. - Ser ateu, doutor Marco
Polo, ainda que um dos mais not��veis, �� algo respeit��vel, mas fazer prejulgamentos
severos como esse �� inadmiss��vel.
- Parab��ns, Marco Polo, vencemos! - comemorou Michael.
- Michael, isto n��o �� um ringue - ponderou Marco Polo.
- Se fosse, ter��amos um nocaute no primeiro round.
Vendo que os dois te��logos partiriam, a Dra. Sofia tentou contornar
o clima tenso:
- Acalmem-se, senhores. Esperem o doutor Marco Polo explicar sua
tese. Mal nos sentamos ao redor desta mesa e j�� a partimos ao meio!
Sem que os debatedores soubessem, algumas pessoas - cuja identidade
era desconhecida - haviam instalado c��meras ocultas para filmar o debate.
A ideia era disponibilizar o conte��do ao vivo, pela internet. N��o sabiam que,
em pouco tempo, haveria uma multid��o querendo assisti-los: "Intelectuais
ateus debatem a intelig��ncia de Jesus com intelectuais religiosos."
O conte��do era t��o empolgante que, em menos de uma semana, os
v��deos iriam viralizar e come��ariam a ser assistidos em v��rios idiomas.
Apesar de o debate ser em ingl��s, havia um programa de tradu����o
simult��nea para os espectadores.
Paralelamente a isso, os debates passariam tamb��m a ser assistidos
presencialmente. Alguns alunos e professores, ao passarem pela porta
entreaberta, eram cativados pelas discuss��es. Sedentos de conhecimento,
entravam silenciosamente, sentavam-se e ficavam impressionados.
No in��cio, nenhum dos debatedores percebeu sua presen��a. Mas pouco
a pouco a plateia aumentou. Os que assistiam aos debates repercutiam
suas impress��es e divulgavam o evento.
Naquele primeiro dia, Marco Polo permaneceu em sil��ncio diante
74
do clima tenso. Esperou que os ��nimos se acalmassem. Os te��logos se
sentaram novamente, dando-lhe uma oportunidade para se explicar.
O psiquiatra, em vez de pedir desculpas, disparou outras perguntas:
-O que voc�� acha de um homem punir pessoas inocentes? E persegui-
las implacavelmente? E lev��-las ao c��rcere? E pression��-las a irem
contra a pr��pria consci��ncia e suas cren��as? E o que pensam sobre esse
homem consentir o assassinato dessas mesmas pessoas sem um julgamento
justo? Pior ainda, meus amigos, sem nada que justificasse t��o
severa senten��a? Como voc��s chamam esse comportamento registrado
por Lucas em seu livro de Atos, senhores?
- Bem... - come��ou o Dr. Thomas.
O Dr. Michael interrompeu o te��logo de Harvard:
- O qu��? Paulo, o mentor de Lucas, o bi��grafo que estamos estudando,
tinha esses antecedentes? Lucas foi um louco ao seguir um homem
violento assim.
- Mas isso foi antes de ele se curvar ao cristianismo - afirmou o te��logo
do Vaticano.
- Mas, independentemente disso, ele tinha tra��os de sociopatia, o que
�� diferente de ser um psicopata - afirmou Marco Polo.
- Como assim? - questionou o Dr. Thomas, que, como muitos, n��o
conhecia a diferen��a.
- Os psicopatas matam, ferem e n��o sentem a dor dos outros, mas,
durante boa parte do tempo, podem ser bem-comportados socialmente.
Os sociopatas, por sua vez, t��m transtornos sociais, s��o violentos,
autorit��rios, controladores, desobedecem ��s regras, mas isso n��o quer
dizer que sejam frios e destitu��dos de sentimentos. Paulo tinha tra��os
de sociopatia, mas n��o era um psicopata.
- Puxa, agora voc�� me aliviou - comentou o Dr. Thomas, satisfeito.
- Paulo era violento n��o porque fosse judeu ou porque defendesse a
pr��pria religi��o, o juda��smo, mas porque tinha transtornos de personalidade,
era escravo da necessidade de poder. - E explicou o que �� o gasto
de energia emocional in��til. - Ele n��o tinha prote����o emocional. Seu
��ndice GEEI era alt��ssimo. Qualquer contrariedade o invadia.
- Mas como ele mudou? - indagou Michael.
- Eis a quest��o. �� poss��vel que tenha ocorrido algo em sua mente,
algo muito mais forte do que um insight psicoterap��utico ou uma consci��ncia
cr��tica gerada pelo autoconhecimento.
- N��o entendi - comentou Sofia.
- Tamb��m n��o estou entendendo - disse o Dr. Michael.
- Como psiquiatra, tratei muitos casos complexos; foram milhares
de consultas e atendimentos. Mas o que ocorreu na personalidade de
Paulo me parece muito dif��cil de explicar. �� como se sua mente tivesse
passado por uma revolu����o altru��sta capaz de implodir seu egocentrismo
- disse Marco Polo, respirando lentamente.
- N��o vai me dizer que, do dia para a noite, Paulo deixou de ser lobo
e se transformou num cordeiro - disse Michel, descrente. - Segundo a
psiquiatria, isso n��o existe, Marco Polo.
- Ainda estou avaliando, Michael. Parece que Paulo continuou tendo
um car��ter forte, mas ele passou a usar sua energia n��o mais para destruir,
e sim para construir. Ele realocou sua energia mental.
- Voc�� tem raz��o, doutor Marco Polo - disse o Dr. Alberto, tomando
a palavra: - Paulo perseguia os seguidores de Jesus de forma implac��vel,
mas algo aconteceu no caminho para Damasco que o transformou num
homem desnudado de vaidades, de maquiagens. Ele foi iluminado.
- Aqui, mais uma vez reitero, n��o estudaremos fatos sobre-humanos.
O que nos interessa s��o os fen��menos psicol��gicos e sociais.
Confesso que fiquei surpreso ao analisar essa passagem. O vendaval
emocional que Paulo atravessou foi gigantesco. Esse fen��meno emocional
parece ter sido t��o s��rio que ele decidiu confessar publicamente
as suas loucuras.
- N��o consegui acompanhar seu racioc��nio - confessou Michael.
- Michael, voc�� teria coragem de falar de todos os seus erros, da sua
estupidez, das suas rea����es agressivas e dos seus comportamentos d��beis
para um jornalista e permitir que ele afixasse tudo isso no mural da
universidade? - perguntou Marco Polo, dando um recado para o amigo.
- Claro que n��o!
- Mas Paulo fez muito mais do que isso. Ele dissecou seus comportamentos
insanos e permitiu que Lucas os publicasse. Suas loucuras
varreram gera����es. E, talvez por se abrir com o companheiro, Paulo
teve um ombro para chorar e outro para apoi��-lo! Todos n��s precisamos
de um ombro.
- Que surpreendente, Marco Polo! Nunca tinha visto Paulo sob essa
perspectiva - comentou o te��logo de Harvard.
Todos ficaram impressionados com a descri����o. Sofia discorreu com
compet��ncia:
- Os homens proclamam seus feitos e escondem seus defeitos.
Escondem sua idiotice debaixo da maquiagem pol��tica, financeira e
social. Nunca vi um pol��tico, empres��rio ou pensador relatar seus comportamentos
vexat��rios de forma espont��nea e p��blica.
De repente tr��s espectadores come��aram a conversar uns com os
outros, dizendo que eles tamb��m eram especialistas em esconder suas
mazelas. S�� ent��o foram notados.
Michael interveio:
- Desculpem, mas este debate �� particular.
Ao que James, um aluno, discordou:
- Desculpe, mas a quem pertence o conhecimento? A uma casta de
not��veis ou �� humanidade?
Diante disso, Marco Polo e os outros concordaram com a presen��a
dos espectadores. E, voltando-se para os not��veis te��logos, indagou:
- Os cat��licos e os protestantes amam o Ap��stolo Paulo, mas s��o
transparentes como ele foi? S��o capazes de expor seus terremotos
emocionais?
- Bem, sinceramente... n��o - disse o Dr. Alberto com honestidade.
- Se houvesse um clima aberto e acolhedor nos meios religiosos,
depress��es seriam tratadas, suic��dios seriam prevenidos, conflitos interpessoais
seriam resolvidos, a pedofilia seria evitada. Haveria gest��o, n��o
implos��o da emo����o! - afirmou Marco Polo.
- Esse verniz religioso �� mesmo detest��vel. Paulo o aboliu ao m��ximo!
- admitiu corretamente o te��logo do Vaticano.
No debate seguinte, Marco Polo se preparou para citar exemplos grav��ssimos
do que acontece em duas das principais religi��es do mundo
-o catolicismo e o protestantismo.
- Lembro-me de um bispo cat��lico e professor de teologia que tinha
ataques de p��nico. Era um ser humano inteligente, d��cil, am��vel, mas
toda vez que fazia suas homilias tinha a sensa����o s��bita de que ia morrer.
Sentia que seu cora����o iria saltar pela boca, seus pulm��es pareciam
prestes a explodir. Uma experi��ncia horr��vel. E sabe para quantas pessoas
esse nobre educador teve a coragem de falar sobre seus ataques de
p��nico, doutor Alberto?
- N��o tenho ideia.
- Nenhuma. S�� depois que seu transtorno emocional se tornou grav��ssimo,
deixando v��rias sequelas sociais, �� que ele me procurou e se tratou.
Nesse momento, n��o eram poucos os religiosos que assistiam ��quele
solene debate pela internet e choravam. Alguns de alegria, porque algu��m
os entendia, outros de tristeza, porque se sentiam dramaticamente s��s.
- E voc��, Dr. Thomas, acha que os protestantes s��o emocionalmente
mais transparentes, abertos e acolhedores que os cat��licos?
- Acho que somos devedores ao exemplo de Paulo e Lucas.
- De fato. A cultura dos religiosos, apesar das exce����es, �� a cultura de
produzir super-her��is. N��o se admitem transtornos ps��quicos. T��-los ��
sinal de fragilidade, um convite ao sentimento de culpa. Eles deveriam
ser acariciados, acolhidos, cuidados. N��o �� essa a cultura de Paulo.
Quantos s��o os que est��o fatigados, sofrendo por antecipa����o, ruminando
perdas e m��goas, angustiados, com o planeta emo����o esgotado?
- N��o sei...
- Nem eu, pois falta pesquisa. Lembro que atendi um l��der protestante
batista, culto, generoso, not��vel entre seus pares. Ele estava deprimido,
ansioso, sem encanto pela vida. Pensava em desistir de tudo. Sabe
para quantas pessoas ele contou seu caos, doutor Thomas?
- Imagino que a ningu��m.
- Nem para a esposa. Esse bom homem, num rompante de desespero,
pegou seu carro e foi para uma estrada com a ideia de tirar a pr��pria
vida. Queria atirar-se de um penhasco. Ent��o recebeu um telefonema
da esposa: "Onde voc�� est��? O que est�� fazendo?" Ele caiu em prantos.
Depois desse epis��dio, me procurou para se tratar. Mas muitos se
calam... O sil��ncio nutre os vampiros emocionais.
Depois o psiquiatra comentou que o exemplo de Paulo era extremo,
que ningu��m deveria proclamar suas mazelas publicamente, mas que
jamais dever��amos deixar de procurar algu��m, um Lucas, um m��dico,
um amigo, um terapeuta, para se abrir.
- Julgar menos e abra��ar mais �� uma das ferramentas de gest��o da
emo����o. Creio que foi isso que Lucas quis gritar em seus textos. Mas
quem ouve a sua voz? Vemos letras mortas, n��o um exemplo vivo pontuou
Sofia.
- Generais que n��o valorizam seus soldados feridos no front de batalha
n��o s��o dignos de ganhar a guerra - concluiu inteligentemente o
te��logo do Vaticano.
- As religi��es podem ser uma fonte de doen��as mentais se as utilizarmos
para maquiar nossos fantasmas emocionais e nossa sa��de mental
- completou o te��logo americano, por sua vez.
- Os professores se escondem atr��s do giz, os intelectuais atr��s dos
t��tulos, espectadores atr��s do filme, lideres atr��s do poder - disse Sofia
respirando profundamente.
- Voc�� �� transparente, doutora Sofia? - indagou Michael.
Os olhos de Sofia lacrimejaram.
- Meu ex-marido tinha um grave transtorno de personalidade.
- Voc�� n��o precisa entrar em detalhes - disse Marco Polo.
- Mas eu quero. Meu caso se tornou p��blico.
Nesse momento, a inteligente e delicada Sofia resgatou seu passado.
Recordou os dias tristes em que seu marido a humilhava. "Eu sou belo
como um modelo fotogr��fico, muitas mulheres caem aos meus p��s",
dizia ele. "Ent��o por que n��o vai embora?", retrucava Sofia. "Porque
tenho pena de voc��", disparava ele. "N��o quero que fique comigo por
compaix��o." "Voc�� n��o tem ningu��m, sua tola. Seus pais morreram.
Seus irm��os est��o falidos." "Mas eu tenho dignidade. Eu irei embora!"
Por��m ele a empurrava na cama, gritava e amea��ava: "Vai embora? Me
abandone e eu te mato. Voc�� �� mais doente mental que seus pacientes!
Mais dependente de mim do que os que usam drogas!"
Ao recordar essa breve cena de terror, Sofia teve a ousadia de comentar:
- Ele me pressionava de todas as formas. Aquilo me violentava
por dentro, mas eu tinha medo de perd��-lo. E ele tinha raz��o, eu era
dependente dele. E, quando ousei terminar a rela����o, o stalker surgiu, o
monstro veio �� tona.
-Stalker? O que �� isso? - perguntou o Dr. Alberto.
-Stalker quer dizer perseguidor. �� o termo que se usa quando um
algoz passa a perseguir sua v��tima. Ele se torna predador e ela, a ca��a.
S�� nos Estados Unidos, 500 mil mulheres s��o v��timas desses agressores.
Meu ex-marido passou a me perseguir no trabalho, nas ruas, pelo telefone,
pelas redes sociais. Fazia press��o, chantagens, amea��as. Fui v��tima
desse homem por cinco anos - disse em meio a l��grimas.
- Se voc��, que �� uma psiquiatra l��cida, se submeteu a esse ultraje,
quantas mulheres n��o se calam? - comentou Marco Polo.
- Muitas. Tenho vontade de dar palestras para ajud��-las.
Todos na mesa-redonda aplaudiram sua coragem. Sem que ela soubesse,
tudo o que falou foi transmitido via internet, impactando milhares
e milhares de mulheres. Sua privacidade fora violada, mas in��meras
mulheres resolveram denunciar seus predadores.
- E voc��, Michael? Que vampiros o assombram? - indagou o Dr. Alberto.
- N��o estou preparado.
- E voc��, Dr. Alberto?
- Tamb��m n��o estou preparado.
- Idem - declarou o Dr. Thomas.
- Quem n��o mapeia seus fantasmas mentais ser�� assombrado por
eles at�� o ��ltimo suspiro existencial - arrematou Marco Polo. - O tempo
est�� avan��ado, mas um dia lhes contarei sobre meus fantasmas!
Quando essa frase ganhou a internet, imediatamente viralizou.
Milh��es de pessoas compartilharam o v��deo. Logo depois desse debate,
os membros da mesa come��aram a receber not��cias de alguns de seus
80
amigos, alunos e colegas de trabalho dizendo que os estavam acompanhando
em tempo real. Antes do debate seguinte, os participantes se
reuniram e pensaram em proibir essa divulga����o.
- Nossa privacidade est�� em jogo. Tudo o que Sofia falou vazou. N��o
sabemos quantas pessoas em quantos pa��ses est��o assistindo. Recebi
informa����es at�� de Singapura - comentou Michael.
- Acho que temos de proibir a transmiss��o do debate pela internet falou
o Dr. Alberto com convic����o.
Mas Sofia disse com maturidade:
- Claro, ningu��m deve expor coisas ��ntimas e comprometedoras na
internet. Mas se nos espelh��ssemos um pouco no mentor de Lucas, o
Ap��stolo Paulo, que teve a coragem de falar de seus erros, ser��amos
menos hip��critas do que costumamos ser em nossas universidades,
institui����es e at�� em nossas religi��es. Muitas pessoas poder��o ser ajudadas.
Recebi diversas mensagens de pessoas me agradecendo por contar
a minha hist��ria.
- Acho saud��vel o uso da internet com crit��rio. Voto a favor de continuarmos
sendo filmados - disse Marco Polo.
E todos os demais os acompanharam. Assim, o debate come��ou a
ter alcance internacional. A mais not��vel mesa-redonda que se instalou
para estudar a mente de Jesus tamb��m estava expondo a personalidade
dos debatedores e dos internautas de todas as culturas. Participar dela,
ainda que como espectador, era um convite para garimpar as chagas
emocionais, um perigo para quem amava se esconder de si mesmo.
10
LUCAS, UM BI��GRAFO L��GICO
E DETALHISTA
Amesa-redonda prosseguia. Depois de discorrer rapidamente sobre
o car��ter do misterioso m��dico grego e de seu mentor, Paulo,
chegou o momento de Marco Polo revelar os detalhes das primeiras
an��lises sobre os textos de Lucas. Seu semblante mudou.
- Comentamos fen��menos do bi��grafo. Agora iremos penetrar na
introdu����o ou pref��cio do seu livro. O pref��cio, quando profundo, revela
um mapa do que se ir�� encontrar ao longo de uma obra.
- Mas que parte do texto do evangelho de Lucas voc�� considera o
pref��cio? - perguntou o Dr. Thomas.
- Os primeiros quatro vers��culos.
-E que an��lise voc�� fez? - apressou-se Sofia a saber.
- Estou perplexo at�� agora - disse Marco Polo, fazendo um longo e
enigm��tico sil��ncio.
Michael, que conhecia bem o amigo, se antecipou e disse:
- Pelo jeito, condenou Lucas como escritor. Escreve mal? �� superficial?
Vem bomba a��.
-O doutor Lucas escreve como um louco - comentou Marco Polo.
- Eu sabia - disse Michael.
Por��m Sofia interveio, desanimada:
- Explique melhor sua observa����o. Uma afirma����o desta n��o �� uma
resposta, mas uma opini��o ditatorial.
82
Os dois te��logos ficaram abatidos. Sa��ram do c��u para o abismo
novamente. Queriam explica����es inteligentes.
- Observando esses vers��culos, n��o vejo raz��es para essa loucura.
Tach��-lo de insano sem argumentos plaus��veis �� uma insanidade maior
ainda - disse o Dr. Alberto em sintonia com Sofia.
- Voc��s me interpretaram erroneamente. N��o disse que o doutor
Lucas "�� um louco", mas que "escreve como um louco".
- Como assim? - questionou Michael, espantado.
- Lucas comenta que "muitos se empenharam em elaborar uma narrativa
hist��rica sobre os fatos que entre eles ocorreram, conforme descreveram
testemunhas oculares e os l��deres dedicados �� Palavra". E diz que "ele
mesmo investigou tudo em detalhe a partir de sua origem". Em seguida,
ele endere��a seu livro a uma pessoa espec��fica: "Decidi te escrever um relato
ordenado, �� excelent��ssimo Te��filo, para que tenhas plena convic����o..."
Marco Polo sabia que o processo de forma����o de pensadores era
forjado pela arte da pergunta. Perguntar, questionar, abria o leque da
mente para grandes respostas. Ele provocava os membros da mesa-redonda
a cada minuto.
- O que voc��s enxergam nesses primeiros textos? Qual era a inten����o
subliminar?
- Vejo um escritor preocupado com fatos hist��ricos. N��o um bi��grafo
de gabinete, mas um autor investigativo, como se estivesse defendendo
uma tese - comentou o te��logo do Vaticano.
- Sim, ele perscruta fatos como um m��dico quando vai diagnosticar
uma doen��a. Lucas, ao dizer que investigou, entrevistou, organizou os
dados, demonstra que valoriza mais o natural do que o sobrenatural,
mais o racioc��nio esquem��tico do que uma narrativa supersticiosa.
- Interessante - apontou Sofia. - Ele era um escritor refinado!
- Mas, se ele escreve falando do biografado de forma apaixonada, n��o
haveria um envolvimento emocional que dificultaria o distanciamento
necess��rio para se realizar uma pesquisa adequada? - indagou Michael,
o neurocientista.
- Sim, Michael, ele se envolve emocionalmente, mas tem uma lucidez
surpreendente. Gostaria de dizer que os textos iniciais s��o insignificantes,
mas tenho de confessar que estou surpreso.
- Por qu��, Marco Polo? - questionou o amigo.
- Vejamos. Ele fez um levantamento surpreendente das gera����es da
fam��lia de Jesus. Ele disse: "Jesus, filho de Jos��, que era filho de Eli, que
era filho de Matate..." Independentemente da exatid��o desses dados,
apont��-los �� muito relevante. Ele fez entrevistas extensivas com pessoas
que viveram com Jesus. N��o vou entrar em detalhes agora, mas inclusive
foi o bi��grafo que mais se aproximou de Maria, e ela lhe revelou fatos
��ntimos sobre o filho. Tenho de reconhecer que, como escritor, o doutor
Lucas levou a racionalidade ��s alturas!
Os dois te��logos e Sofia se encantaram com a honestidade de Marco
Polo. Em seguida ele prosseguiu:
-O pensamento dedutivo �� o pensamento mais l��gico do intelecto,
e poucos o desenvolvem por completo. Vamos exercit��-lo. O doutor
Lucas escreveu: "Muitos t��m empreendido narrar ordenadamente os
fatos que entre n��s ocorreram." O que voc��s deduzem desse trecho?
- Que Lucas empreendeu uma narrativa inteligente, baseada em
investiga����o - afirmou o Dr. Thomas.
- Essa �� a dedu����o ��bvia, mas liberte seu imagin��rio e v�� mais fundo
na dedu����o, doutor Thomas - instigou Marco Polo.
Mas nada mais lhe veio �� mente. Nem �� dos outros.
- Lucas escreveu por volta do ano 55 d.C, antes da biografia ou evangelho
de Jo��o, correto?
- Sim - disseram os dois te��logos.
- Portanto, �� prov��vel que antes dele j�� tivessem sido escritos os livros
de Mateus e Marcos. Mas por que Lucas diz que "muitos t��m empreendido
escrever"?
- Espere. Ele deveria ter dito no m��ximo "dois", mas a express��o
"muitos" tem grande significado. Indica que, al��m dos conhecidos,
provavelmente existiam muitos bi��grafos de Jesus, cujos escritos se
perderam - afirmou o Dr. Alberto.
-�� uma dedu����o mais profunda - afirmou Marco Polo.
84
- Ou n��o foram validados pelos crist��os - disse o Dr. Thomas.
- Faz sentido - comentou Sofia.
- Mas o pensamento dedutivo que entra em camadas mais profundas
dos fatos �� que o "fen��meno Jesus" era contagiante. Mexeu tanto com
a mente e o imagin��rio dos personagens da ��poca que provocou uma
avalanche de sonhos, expectativas e afetos, motivando as pessoas a falar
e escrever sobre ele.
- Talvez um del��rio coletivo? - indagou Michael.
- Um del��rio coletivo s�� ocorre nos focos de tens��o pol��tica e social,
como, por exemplo, quando um ditador est�� no poder ou um grande
acontecimento social est�� em curso. Nesse caso, o Eu torna-se ref��m do
imagin��rio irracional.
-E o livro de Lucas foi escrito mais de duas d��cadas ap��s Jesus ter
sido crucificado.
- Exato, doutor Thomas.
- Al��m disso, se houvesse del��rio religioso, o doutor Lucas n��o falaria
sobre narrativa l��gica" e muito menos seu mentor, Paulo, reconheceria
as pr��prias loucuras - discorreu Marco Polo.
- Reconhe��o que havia consci��ncia cr��tica - afirmou Michael, refinando
seu pensamento dedutivo. - Ao contr��rio da Alemanha nazista,
onde os l��deres eram "inquestion��veis". Eles consideravam os judeus
inimigos simplesmente por serem diferentes.
- Correto. E Lucas, apesar da paix��o pelo biografado, empregou os
pressupostos de uma excelente an��lise: foco nos detalhes, capacidade de
observa����o, entrevistas, organiza����o de dados... - concluiu o Dr. Alberto.
Nesse momento, Sofia resolveu desafiar Marco Polo. Olhando para
ele, disse:
- Numa ��poca em que o analfabetismo atingia as massas, o fato de
haver muitos que se motivaram a registrar os comportamentos de Jesus
refor��a a tese de um personagem real, e n��o fict��cio - ponderou, olhando
fixo para Marco Polo.
O psiquiatra sorriu. Sofia apenas jogou combust��vel na fogueira que
ele j�� havia acendido.
- Para mim, Jesus tinha sido um personagem constru��do por um
grupo de galileus para libert��-los da tirania do imperador romano,
Tib��rio C��sar. Entretanto, independentemente de achados arqueol��gicos,
a cr��tica filos��fica e liter��ria aponta para o fato de que Jesus n��o
pode ter sido uma figura fict��cia, uma obra da imagina����o. Ele foi o
agente de um "terremoto emocional" real, embora ainda n��o tenhamos
julgado sua intelig��ncia - reconheceu Marco Polo, perturbado.
- Surpreendente - disse o Dr. Alberto. - Sempre falamos da inspira����o
divina desse livro, mas esquecemos que Lucas tamb��m usou uma
not��vel intelig��ncia.
-O ser humano raramente encanta, inspira ou impacta seus alunos,
colegas de trabalho ou familiares. Ao contr��rio do fen��meno Jesus,
somos toscos demais - afirmou Marco Polo, decepcionado consigo
mesmo, lembrando-se de Lucas, seu filho. - Todavia, o que mais abalou
meu preconceito n��o foi o racioc��nio empregado pelo doutor Lucas,
mas sua motiva����o ao escrever seu livro.
- N��o estou entendendo aonde voc�� quer chegar. Lucas escreveu para
a humanidade! - pontuou o Dr. Alberto.
- N��o. Seu livro foi usado pela humanidade, mas ele n��o o escreveu
com esse intuito.
- Para os judeus, ent��o? - indagou o Dr. Alberto.
- N��o.
- Para os gregos? - perguntou Michael.
- Tamb��m n��o - afirmou Marco Polo. - Vejam novamente o pref��cio
e tentem encontrar um detalhe que passou despercebido por in��meros
estudiosos.
- Incr��vel. Que loucura �� essa? �� verdade! Lucas escreveu para um s��
homem! - bradou o Dr. Thomas. - Ele disse: "Decidi te escrever um relato
ordenado, excelent��ssimo Te��filo, para que tenhas plena convic����o..."
- Exatamente. A introdu����o de Lucas me atirou no ch��o, devastou
mais uma vez meu preconceito - comentou o psiquiatra, que, em seguida,
ficou em sil��ncio.
- N��o entendo o que o abalou tanto - indagou Michael.
- Pense comigo. Voc�� gastaria meses ou anos escrevendo um livro ��
m��o para uma s�� pessoa?
- Seria um desperd��cio de tempo! - concordou Michael.
- Somos cartesianos, l��gicos, apequenados. Contabilizamos o tempo,
n��o o desperdi��amos nem com quem amamos. N��o perguntamos para
eles que pesadelos os assombram nem que l��grimas nunca encenaram
no teatro do rosto - reagiu Marco Polo.
Michael ficou mudo. Tinha uma filha com s��ndrome de Down, mas
n��o era um garimpeiro que explorava os tesouros nos solos da emo����o
dela. Naquele momento, passou um filme em sua mente. Sua filha dizia:
"Papai, papai, vem brincar comigo." "Agora n��o posso, filha", ele respondia
e sa��a de cena. Tinha tempo para a ci��ncia, mas n��o para quem
dizia amar.
A sala do debate ganhava mais espectadores. Os que estavam presentes,
bem como os milhares de pessoas que assistiam ao vivo pela internet,
ficaram tocados com a superficialidade das rela����es interpessoais
que viviam.
Uma jovem de 15 anos, de origem japonesa, ao assistir ao debate,
disse para seu pai:
- Voc�� nunca tem tempo para mim, papai. Conecta-se com o mundo,
mas n��o se conecta comigo.
Um jovem de Xangai, de 20 anos, comentou:
- Meu pai, voc�� sabe que sou o melhor aluno da classe. Conhece
minhas notas, mas nunca perguntou nada sobre meus sentimentos nem
sequer sobre minhas l��grimas. Estou deprimido, �� beira de um suic��dio.
Um m��dico franc��s pediu desculpas para a esposa por ser seco e frio
dentro de casa. Delicadamente indagou:
-O que eu posso fazer para torn��-la mais feliz? Onde eu errei e n��o
percebi?
Muitas pessoas iam sendo transformadas �� medida que assistiam
aos debates e enxergavam o comportamento de Lucas em valorizar um
amigo.
Sofia completou o racioc��nio de Marco Polo:
- N��o temos tempo nem para n��s mesmos. Somos traidores de nossa
qualidade de vida, m��quinas de trabalhar e de realizar tarefas. O livro
de Lucas resgata o que o dinheiro jamais pode conquistar!
Marco Polo a aplaudiu e completou:
- Lucas teria escrito para um oficial romano, numa ��poca em que o
tempo era escasso e que a m��dia de vida n��o ultrapassava os 40 anos? ��
quase... incompreens��vel.
- Esse comportamento, de escrever um livro para uma s�� pessoa, ��
um surto psic��tico - afirmou Michael.
- Ou um surto de amor - ponderou o Dr. Thomas. - Deduz-se que
o livro de Lucas, por ser endere��ado a um s�� homem, n��o era uma propaganda
pol��tica ou uma pe��a de marketing de uma religi��o, mas um
ato solene de amor.
- Sem amor n��o h�� inclus��o social sustent��vel. A Europa, palco da
Primeira e da Segunda Grande Guerra, precisa redescobrir um Jesus
n��o religioso, um amor que transcende barreiras culturais, que abra��a
mais e julga menos, que desperdi��a tempo com os que vivem �� margem
da sociedade - concluiu o te��logo do Vaticano, pensando na inclus��o de
imigrantes, nos ataques terroristas e nos conflitos econ��micos.
Todos silenciaram em homenagem ��s v��timas inocentes dos ��ltimos
ataques terroristas. Depois disso, Marco Polo finalizou o debate
daquele dia:
- N��o sei se vamos nos decepcionar com a intelig��ncia de Jesus ou
n��o, se passar�� nos testes de estresse e de gest��o da emo����o ou n��o, mas
�� ineg��vel que, por onde andou, ele causou um vendaval emocional que
fragmentou o egocentrismo.
E assim terminou mais uma mesa-redonda de Marco Polo e seus
amigos. Os demais debates ocorreriam no mesmo n��vel. A mente deles
e dos que lhes assistiam come��aria a vivenciar uma revolu����o emocional.
Surpresas incr��veis surgiriam.
11
MARIA, UMA EDUCADORA
OUSAD��SSIMA
Respeitosos e entusiasmados, sem medo nem freios, os cinco membros
discutiam o comportamento de Jesus e de todos os personagens
que o envolviam - como Lucas, Paulo e Maria - sob o prisma
das ci��ncias humanas. Sem mais demora, Marco Polo retomou os
debates:
- Sei que est��o animados para come��ar a estudar a personalidade de
Jesus, mas ainda n��o �� o momento!
- Como n��o? - retrucou Michael.
- Estudamos, ainda que minimamente, algumas caracter��sticas da
mente do doutor Lucas, o bi��grafo de Jesus. Agora precisamos estudar
algumas caracter��sticas relevantes de sua educadora: Maria.
O Dr. Alberto abriu um sorriso e disse:
- Depois da Sant��ssima Trindade, Maria �� a personagem mais querida
para a Igreja Cat��lica Romana.
- Mas ser�� que voc��s a conhecem? - provocou Marco Polo.
-�� claro que sim - disse Dr. Alberto impulsivamente. Mas depois se
corrigiu: - Pelo menos penso que conhecemos.
- Mas �� muito prov��vel que a mulher mais famosa da hist��ria, no que
se refere aos meandros de sua mente, seja pouqu��ssimo conhecida pelos
que a admiram.
Sofia come��ou a refletir sobre as palavras do seu mentor e percebeu
que mais uma bomba estava prestes a ser detonada. Sem demora, a
moderadora da mesa-redonda indagou:
- Poderia explicar melhor?
- Quais caracter��sticas da personalidade de Maria s��o mais relevantes?
- Ela era d��cil, meiga, abnegada, doadora - afirmou sem margem de
d��vidas o te��logo do Vaticano.
Marco Polo o confrontou:
- N��o �� esta a Maria apontada pelo doutor Lucas. Ela pode ser dotada
de meiguice e generosidade, mas as caracter��sticas mais relevantes
descritas pelo m��dico grego s��o: 1) uma coragem extrema; 2) uma
sofisticada capacidade de reflex��o; 3) uma surpreendente habilidade
de raciocinar de maneira sint��tica; e 4) uma autoestima extraordin��ria.
O Dr. Alberto comentou:
- Sou te��logo e tamb��m formado em psicologia. Dei in��meras confer��ncias
sobre Maria, mas essas caracter��sticas n��o estavam em meu
radar. Coragem extrema e autoestima extraordin��ria... Ser�� que n��o
est�� equivocado, doutor Marco Polo? - perguntou o Dr. Alberto.
- Esses tra��os da personalidade de Maria tamb��m s��o novos para
mim - comentou Sofia, que tamb��m admirava a m��e de Jesus. - Sempre
vi Maria triste, sofrendo, tal como esculpida na Piet��, a famosa obra de
Michelangelo que fica na catedral de S��o Pedro. E em que base anal��tica
voc�� se apoia para afirmar essas quatro caracter��sticas?
- Pense um pouco, Sofia. Quem acreditaria que o beb�� era um projeto
divino? Como acreditariam que uma jovem, uma adolescente de 15 ou
16 anos, era portadora da mais not��vel miss��o? Como convencer homens
cultos, os escribas e fariseus, que determinavam o que era adequado
em termos espirituais ou heresia? Ela aceitou ficar gr��vida sem titubear,
numa terra em que os ad��lteros eram condenados �� morte. Como ela
explicaria a gravidez a seus pais, ao futuro marido e aos amigos?
- �� preciso determina����o - reconheceu o Dr. Thomas.
- Mais que isso, uma ousadia sem precedentes.
- Para n��s, que enxergamos os fatos sob o ��ngulo espiritual, parece
que tudo ocorreu de forma perfeita, harmoniosa, mas esquecemos de
nos colocar no lugar dos outros para sentir suas ang��stias - afirmou o
te��logo do Vaticano.
- Sem d��vida - comentou Marco Polo, perito em an��lise cr��tica. Interpretar
os comportamentos de algu��m j�� �� ser��ssimo, ainda mais
quando s��o descritos em letras secas e frias. Temos de duvidar de nossas
verdades, pensar em outras possibilidades. Vivemos num mundo violento
porque as pessoas pensam sem qualidade. Transportem-se para o
lugar de Maria e tentem sentir suas emo����es.
Ao fazer esse exerc��cio, o Dr. Thomas comentou:
- Imagine as noites de ins��nia, o risco de ser execrada socialmente,
os deboches, as cr��ticas dos que a consideravam louca...
- Num momento ela era exaltada como a "mulher das mulheres", noutro
tinha de suportar ser a m��e mais perseguida - afirmou Sofia.
Marco Polo se alegrou ao ver que seus amigos estavam saindo da
superf��cie do debate e entrando em camadas mais profundas do racioc��nio
dedutivo, indutivo e reflexivo. Sofia, lembrando-se de sua breve e
sofrida experi��ncia como m��e, comentou:
-O ��nico filho que tive nasceu com sete meses, prematuro, depois
de uma grave discuss��o com meu ex-marido. Mas, infelizmente, ele teve
problemas cardiorrespirat��rios.
Os olhos de Sofia lacrimejaram ao relatar sua emocionante hist��ria.
Ela recordou a cena: "Onde est�� meu filho?", perguntava ela. "Acalme-se,
Sofia. Ele est�� na UTI neonatal", dizia a enfermeira.
- Mas meu instinto materno falou mais alto - contou aos membros
da mesa. - Ningu��m conseguiria me impedir. Eu sa�� segurando o soro
e fui at�� a UTI. Desesperada, cheguei �� porta e tentaram me barrar. Mas
eu gritava: "Quero ver meu filho!" O m��dico olhou em meus olhos e
me deu a senten��a final, um punhal em meu cora����o: "Sinto muito, ele
acabou de falecer." Eu entrei na UTI e comecei a acariciar meu pequeno
beb��. Queria v��-lo brincando, crescendo, me beijando, mas seus l��bios
estavam cerrados e seus olhos, fechados para sempre.
Todos os membros da mesa-redonda colocaram as m��os sobre as dela.
- Sinto muito - disseram.
- Voc�� �� forte e encantadora, Sofia - concluiu Marco Polo.
N��o poucos espectadores na plateia e entre os que assistiam via internet
choraram. Foi ent��o que Sofia acrescentou:
- Se eu estivesse no lugar de Maria, se tivesse que fugir desesperadamente
para que meu filho n��o fosse morto, talvez enlouquecesse ou me
considerasse a mais enganada das mulheres, n��o a mais privilegiada afirmou,
ainda emocionada.
Depois de uma breve pausa, o te��logo de Harvard perguntou a
Marco Polo:
- Entendi que Maria precisou de uma coragem extrema, mas que
elementos o fazem considerar que Maria era reflexiva?
- Em primeiro lugar, o doutor Lucas comenta que um forasteiro
invadiu seus aposentos, um "extraterrestre" chamado Gabriel. Em vez
de sucumbir ao medo, Maria ficou intrigada, analisando o motivo de
sua sauda����o. Em segundo lugar, quando o estranho lhe fez a proposta
do projeto divino, ela novamente refletiu e quis saber como os eventos
se materializariam.
- De fato, essa dedu����o �� surpreendente. Quem debateria com um
fantasma? Maria discutiu com o estranho, disse: "Como isso ocorrer��,
se n��o tenho rela����o com homem algum?" - apontou o Dr. Alberto com
perspic��cia. - Ela era uma jovem reflexiva, n��o impulsiva.
- Lucas disse no pref��cio da biografia de Jesus que relataria fatos testemunhados
em primeira m��o. �� muito prov��vel que esses pensamentos
��ntimos de Maria tenham sido relatados por ela pr��pria - concluiu
o Dr. Thomas.
- H�� grande possibilidade de isso ser verdade - afirmou Sofia.
Michael ficou com uma pergunta entalada na garganta enquanto
Marco Polo fazia essa exposi����o.
- Esperem um pouco! Voc��s acreditam que Maria concebeu miraculosamente?
Em pleno s��culo XXI, �� um absurdo crer nesse fen��meno!
Marco Polo se adiantou:
- Para a medicina, Jesus precisaria ter 23 cromossomos de um espermatozoide
e 23 cromossomos de um ��vulo. Assim seria formado um
ovo, que se multiplicaria rapidamente em milh��es de c��lulas, que formariam
um embri��o, e a partir do segundo trimestre teria bilh��es de
c��lulas e formaria um feto, que resultaria num organismo com mais
de 10 trilh��es de c��lulas... Como voc�� aponta, Michael, a equa����o biol��gica
de Jesus n��o fecha.
- Mas n��o podemos esquecer que quem nos d�� um relato da concep����o
de Jesus n��o �� um escritor qualquer, mas um m��dico criterioso,
o doutor Lucas - alertou Sofia, assumindo o papel de m��dica psiqui��trica.
-O Autor da Vida poderia ter pego todos os cromossomos de
Maria, feito uma clonagem e modificado apenas um dos cromossomos
X, transformando-o em Y.
- Imposs��vel! - disse Michael.
-O que �� imposs��vel para os homens �� poss��vel para Deus - afirmou
o Dr. Alberto.
- Falamos que n��o discutir��amos religi��o neste debate. Deus para
mim �� uma fic����o - disse Michael, se levantando com rispidez.
- Se voc�� n��o �� uma fic����o, como pode afirmar que Deus �� uma fic����o?
- retorquiu o Dr. Alberto, irritado.
Os ��nimos ficaram acirrados. Marco Polo tentou acalmar o amigo:
- Quando a f�� fala, a ci��ncia se cala. Esse �� o nosso trato. Mas pense
um pouco, Michael, vamos fazer uma exce����o e discutir filosoficamente
as hip��teses da concep����o de Jesus.
Nesse momento Marco Polo entrou em camadas t��o profundas que
todos os que o ouviam ficaram abalados:
- Supondo que Deus exista, vamos coloc��-lo no centro deste debate.
Quero respostas honestas e r��pidas dos dois te��logos. Quem �� ele e qual
�� sua identidade?
- N��o sabemos com precis��o. Deus �� um mist��rio - disse o Dr. Thomas.
- Obrigado pela honestidade. Mas n��o �� estranho amarem e seguirem
um desconhecido?
- Jesus Cristo revelou alguns de seus aspectos - afirmou o Dr. Alberto.
- Qual a sua origem? - perguntou Michael, com uma risada sutil.
- Ele n��o tem origem - afirmou o Dr. Thomas. E completou: - Ele
�� autoexistente. Ele ��, sempre foi e sempre ser��. Existe de eternidade a
eternidade.
- Como �� poss��vel? Ent��o ele �� t��o grande que est�� zombando deste
debate - declarou Marco Polo.
A plateia riu.
- Talvez esteja se divertindo - comentou o Dr. Alberto.
Mais risos.
- Ele n��o se assusta com o meu ate��smo nem com o de Marco Polo?
- alfinetou Michael.
- Penso que ele �� um pai que v�� as crian��as correndo de um lado
para outro e diz: "Que brincadeira interessante!" - especulou o
Dr. Thomas.
- Era s�� o que me faltava, sou um brinquedo de Deus - comentou
Michael.
Dessa vez a plateia caiu na gargalhada, inclusive Sofia. Mas em seguida
o Dr. Thomas comentou:
- Todavia, este debate �� ser��ssimo e tem consequ��ncias important��ssimas,
pelo menos para n��s, mas talvez para toda a humanidade.
Eles gravavam o debate para depois transform��-lo em livros.
- Ah, bom, assim j�� melhorou! - afirmou Michael, de forma engra��ada.
Marco Polo aumentou a temperatura das perguntas:
- Por que Deus fica no anonimato?
- N��o sei - afirmou o Dr. Alberto.
- Por que n��o interv��m diretamente nesta c��lida esp��cie?
- N��o sei - afirmou o Dr. Thomas.
- Como "n��o sei"? Voc��s n��o s��o te��logos not��veis? - indagou
Marco Polo.
- Nenhuma resposta seria suficiente para essa quest��o. Sobretudo
depois que se instalou este debate sobre a mente de Jesus - afirmou o
Dr. Thomas com maturidade.
- Retomemos o pensamento de Voltaire: Deus n��o age porque ��
omisso ou porque considera a humanidade um projeto falido? - provocou
Marco Polo.
- Gostei, Marco Polo. Esse questionamento foi na mosca - comentou
Michael, euf��rico.
Mas a resposta do Dr. Thomas foi um balde de ��gua fria:
-O Autor da Exist��ncia �� t��o grande e apostou tanto na humanidade
que deu a ela um tesouro insond��vel: a liberdade de escolha. Escolhas
erradas s��o as verdadeiras respons��veis pela biografia da humanidade
ser manchada pela viol��ncia.
- Inclusive a viol��ncia causada pelos erros dos crist��os, como as Cruzadas,
a Inquisi����o, a exclus��o das minorias - disse Michael, mais exaltado.
- Inclusive essas - afirmou laconicamente o te��logo do Vaticano. Os
crimes cometidos por filhos n��o podem ser atribu��dos aos seus pais.
- Os filhos erram quando os pais n��o os educam bem! - comentou
Michael.
- Nem sempre. Voc�� �� neurocientista e sabe que n��o se fabrica uma
personalidade. O que estamos fazendo nesta mesa-redonda? N��o estamos
estudando a intelig��ncia de Jesus? N��o vamos analis��-lo como
gestor da emo����o? N��o pretendemos avali��-lo como Mestre. Vamos ver
se ele �� um bom educador da humanidade? - indagou o Dr. Alberto.
- Excelente desafio. Mas vamos ver tamb��m se os crist��os s��o bons
alunos? - provocou Michael mais uma vez.
- Not��vel desafio! Estamos aqui para isso! - disse o Dr. Thomas sem
meias palavras. - Inclusive para mapear nossos vampiros emocionais.
A mesa-redonda produzia debatedores fortes que pouco a pouco
perdiam o medo de olhar para dentro de si. A plateia estava fascinada
com todos esses questionamentos profundos.
- Inteligente resposta! - constatou Marco Polo. - Neste debate,
estudaremos a mente de Jesus e colocaremos em xeque inclusive suas
habilidades para formar pensadores. Agora vamos continuar exercitando
o racioc��nio complexo. Imagine que Deus se esconde atr��s
da cortina do tempo e do espa��o. Nesse caso, ele �� superpoderoso e
est�� acima da teoria da relatividade e da f��sica qu��ntica. Como pode
algu��m t��o grande enviar o filho que tanto ama �� morte? Deus n��o
foi cruel?
-O que voc�� chama de crueldade n��s chamamos de amor - afirmou
o Dr. Thomas.
Marco Polo engoliu em seco, suspirou e continuou a bombardear os
ilustres te��logos com suas perguntas, algumas nunca antes feitas.
- Seria sensato seu filho, superpoderoso, atemporal, passar pelo constrangimento
de ser um embri��o, um feto, um beb��, uma crian��a, um
adolescente, para depois se tornar um adulto e atuar no teatro social?
Michael entrou nessa seara, sorriu vitorioso e completou:
- Parab��ns, Marco Polo, sou f�� do seu racioc��nio. Se eu fosse Deus,
seria mais esperto, enviaria um general com um enorme ex��rcito ou um
super-her��i.
Mais uma vez a plateia riu. Mas Sofia n��o gostou da maneira debochada
como Michael falou e confrontou-o:
- Os super-her��is, como o Super-Homem e o Batman, s��o ac��falos.
Eles combatem inimigos sem se preocupar com a hist��ria socioemocional
dos oponentes! - Todos deram gargalhadas. Sofia completou: - Mas
agora alguns roteiristas est��o tentando humaniz��-los.
- Opa! A Dra. Sofia deixou de ser moderadora e est�� tomando partido
- disse Michael com ironia.
Nesse meio-tempo, mais alguns espectadores entraram na sala de
debates. O Dr. Alberto estava adorando o racioc��nio de Marco Polo e
comentou:
- De fato, o projeto de Deus �� complexo, demandou um custo emocional
car��ssimo de sua parte. Ele queria que seu mensageiro, seu filho,
adquirisse a humanidade no sentido mais pleno da forma����o biol��gica
e psicol��gica para que, entendendo as loucuras humanas, pudesse resgatar
o ser humano.
- O beb��, o menino e o homem Jesus precisavam sentir dores f��sicas e
emocionais, experimentar a solid��o, o desprezo, os vales das ang��stias
e das ansiedades - completou o Dr. Thomas.
Marco Polo parou para pensar, n��o esperava essa resposta. Mas insistiu:
- Para voc��s, ent��o, Jesus tinha consci��ncia de quem era no ��tero
materno?
96
- Voc�� entrou numa esfera em que nunca imaginei entrar. N��o sei afirmou
o Dr. Alberto.
- Se Jesus era o filho de Deus tal como voc��s cr��em, o ��tero de Maria
poderia ter sido uma solit��ria insuport��vel - afirmou Michael.
- Nove meses poderiam ser um per��odo emocionalmente mais longo
do que toda a eternidade. Um c��rcere inimagin��vel - afirmou Marco
Polo. E especulou: -A n��o ser que sua mem��ria preexistente fosse
suprimida durante sua forma����o fetal e sua inf��ncia.
- Estou perplexo com seus questionamentos, doutor Marco Polo.
Nunca imaginei que com esta idade minha mente iria se tornar um caldeir��o
de indaga����es - disse o Dr. Thomas. - Talvez a mem��ria de Jesus
tenha sido suprimida durante a forma����o de sua personalidade e sido
resgatada aos 30 anos, quando ele come��ou a divulgar sua mensagem.
Mas esses pontos s��o um mist��rio!
- Lancei a d��vida, mas como cientista sou obrigado a pensar melhor
a respeito. Uma amn��sia tempor��ria? Um comportamento autista em
rela����o a seu passado atemporal? Dif��cil ter certeza. E, al��m do mais,
como Jesus poderia ter suprimido seu passado preexistente se com 12
anos debatia com os doutores da lei e dizia coisas al��m dos ensinamentos
dos seus pais? - refletiu Marco Polo.
- N��o sei, n��o sei... Nunca tinha pensado sobre isso. Se a mem��ria de
Jesus estava preservada, ele pode ter sofrido e se sacrificado pela humanidade
muito mais do que imaginam todas as religi��es que o admiram.
Sua forma����o foi t��o dram��tica quanto sua crucifica����o... Um c��rcere
insuport��vel - afirmou o Dr. Thomas, impressionado.
- Meu Deus, a crucifica����o seria apenas um fragmento de sua dor...
- comentou Sofia, admirada.
- Lemos os evangelhos com tanta superficialidade que anulamos
nossa capacidade de pensar - concordou o Dr. Alberto.
Antes de terminar mais uma mesa-redonda, Michael se levantou e
tentou sintetizar seu mar de d��vidas:
- Voc��s n��o acham absurdo um suposto pr��ncipe, enviado por um
poderos��ssimo rei, nascer num curral? Isso �� coisa de louco!
- Louco de amor - confrontou-o Dr. Alberto mais uma vez.
- Amor, amor, amor... Voc��s religiosos s��o infectados pelo romantismo!
- afirmou Michael.
- De fato, qualquer beb�� nas favelas do Rio de Janeiro, da ��ndia e de
Bangladesh nasceria em condi����es mais dignas do que esse menino.
N��o bastasse o poss��vel c��rcere do ��tero materno, o beb�� nasceu num
est��bulo, mal teve tempo de brincar, precisou fugir para outro pa��s para
n��o ser morto. Esse menino teve muitos motivos para ser deprimido e
ansioso! Se n��o soubesse filtrar est��mulos estressantes e gerir sua emo����o,
naufragaria - ponderou Murco Polo.
- Essa �� uma hist��ria sem precedentes - afirmou o Dr. Thomas.
- Nem o criativo Nietzsche em seus del��rios imaginaria uma hist��ria
como a dessa crian��a! - disse Michael.
- N��o sei se Jesus passar�� nos testes da intelig��ncia socioemocional,
que �� muit��ssimo mais complexa do que a intelig��ncia l��gica dos testes
de QI, mas �� inquestion��vel que sua hist��ria �� revolucion��ria - concluiu
Marco Polo com propriedade.
Todos concordaram. Durante esses acalorados debates, incont��veis
crist��os, budistas, judeus e ateus come��aram a acompanh��-los pela
internet. Inclusive os islamitas, at�� porque Jesus era um dos personagens
mais citados no Alcor��o.
Segredos e mais segredos. Os membros da mesa nunca imaginaram
que a biografia de Jesus escrita por Lucas fosse essa fonte insond��vel de
mist��rios. E estavam apenas no in��cio dos debates. N��o sabiam aonde
chegariam.
12
MARIA, UMA MULHER
ANAL��TICA E OUSADA
O in��cio desta era
N
N
aquela tarde ensolarada, o vento ro��ava a rua de terra seca e levantava
uma cortina de poeira que emba��ava os olhos das pessoas
mas refrescava a pele. Tr��s grandes amigas que tinham acabado de completar
15 anos reuniam-se descontra��das numa pra��a. Estavam debaixo
de uma oliveira, cujo tronco carcomido escondia s��culos de exist��ncia.
As garotas n��o festejaram seu anivers��rio, pois a vida era t��o dura que
ter o que comer j�� era uma festa. Sentadas em velhos e irregulares bancos
de madeira, contemplavam no horizonte as planta����es de uva e o
solo despido de gram��neas. Sons de pardais, cuja sinfonia era sempre
confusa, alegravam as jovens na terra da escassez.
As amigas dividiam peda��os de p��o feitos com farinha misturada
com azeite e sal. Tinham que mastigar muito para umedecer o bocado
e n��o ficar entaladas. Uma jovem se destacava pela sociabilidade, pela
eloqu��ncia e o bom humor. Estava euf��rica, animada, porque fora prometida
a um homem. Sua alegria era contagiante.
- Vai se casar em breve, Maria? - indagou Rebeca.
- Em um ano.
-O dia em que eu me casar serei tamb��m feliz - disse Rute.
- Nunca pense em se casar para ser feliz, Rute, mas para ser mais
feliz. Feliz voc�� j�� deveria ser - afirmou Maria.
99
Rute parou, pensou no que Maria disse e lhe respondeu:
- Voc�� diz cada coisa! �� dif��cil acompanhar o seu racioc��nio.
- O que �� ser feliz? - disse Rebeca, fazendo a pergunta mais frequente
da humanidade, aquela que os s��bios de todas as culturas e em todos os
tempos nunca conseguiram responder na plenitude.
Mas para Maria a resposta era simples:
- Ser feliz �� contemplar a assinatura do Autor da Exist��ncia nas coisas
simples e an��nimas. �� se deslumbrar com a chuva e com o sol. �� recome��ar
tudo de novo quando necess��rio.
- Voc�� parece t��o forte. N��o se deprime nesta terra seca? - indagou
Rebeca.
- Sou feliz por existir, respirar, amar, sonhar, por me relacionar...
Nunca pensou como �� incr��vel estar viva? - comentou Maria.
- Voc�� �� t��o ousada, Maria! - exclamou Rebeca.
- Minha ousadia vem da minha pequenez, Rebeca.
- N��o tem medos? - quis saber a amiga curiosa.
- Tenho meus medos. E o maior deles �� n��o ter controle sobre mim
mesma, especialmente sobre meus pensamentos soberbos e negativos
- afirmou a jovem, que possu��a um racioc��nio sem precedentes entre
todas as jovens da Terra.
- Mas de onde vem a sua intelig��ncia? - perguntou Rute, perturbada.
- Todos somos inteligentes - afirmou Maria com simplicidade.
De repente um mendigo apareceu pedindo p��o. Seu rosto estava deformado
pela lepra. Rebeca e Rute se encolheram, enquanto Maria foi ao
encontro dele e lhe deu um peda��o. Alguns escribas, homens cultos que
passavam por ali, a advertiram:
- Cuidado, jovem. Pode ser perigoso.
Mas ela os surpreendeu:
-O maior perigo �� ficarmos indiferentes �� dor dos outros.
- Mas quem �� voc�� para nos ensinar?
- Desculpe, n��o quero ensinar nada, s�� falei o que sinto.
- N��o percebe que esse leproso contamina a terra? E o cheiro dele ��
horr��vel.
- Mas quem exala um bom odor de sua alma? - indagou ela: - Deus
n��o exalta os humildes e retira do trono os orgulhosos?
As amigas ficaram abismadas com sua ousadia. Rebeca puxou-a pelo
bra��o e disse baixinho:
- Maria, cuidado! Voc�� �� uma mulher.
- Voc�� �� muito estranha, minha jovem - disse um dos senhores.
E, assim, Maria estava vivendo os pensamentos mais relevantes que
um dia proclamaria em sua tese conhecida como Magnificat. Tinha
uma habilidade intelectual que n��o era pr��pria da sua idade. As amigas
tomaram o rumo de suas casas. No caminho, Rebeca lhe pediu:
- Maria, pode me ensinar a ler?
- Eu tamb��m gostaria - pediu Rute.
- Est��o dispostas a superar o preconceito dos homens?
- Tenho d��vidas - disse Rute com sinceridade. - Sei que a leitura ��
um privil��gio de poucos homens, especialmente dos escribas.
- Saber as letras �� uma coisa, ler papiros �� luz de lampi��es �� outra.
Isso exige perseveran��a para enfrentar o cansa��o.
Rebeca franziu a testa e confessou:
- N��o tenho essa motiva����o toda...
- Eu tenho fome de ler e sede de conhecer. N��o aprendi a ler porque
meu pai desejou me ensinar, mas porque lutei por esse sonho. Houve muita
disciplina.
Minutos depois ela se despediu das amigas. O sol preparava-se para
se despedir dos lavradores. Chegando em casa, Maria beijou seus pais
no rosto.
- Que bom v��-lo animado, papai!
- Seu encanto pela exist��ncia me fascina, minha filha - disse seu pai
com alegria.
- Numa terra onde falta o p��o de trigo, n��o pode nos faltar o p��o da
alegria - disse a jovem Maria com arg��cia. - Como passou o dia?
- Colhemos azeitonas e as esprememos. Teremos uma boa safra.
Logo Maria se despediu de seus pais e se recolheu em seus aposentos.
Sua cama de palha tinha ondula����es indesej��veis. Mas, para ela,
era sua emo����o que dava densidade a seu colch��o e embalava seu sono
por noites tranquilas.
Sentou-se na cama e come��ou a meditar. Depois de elevar os olhos
para o teto l��gubre, preparava-se para recuperar a energia vital gasta
em mais uma jornada di��ria. Todavia, sentiu algo estranho em seu
quarto, parecia que estava sendo observada. Deveria estar tomada pelo
medo. Ondas de subst��ncias, em destaque a adrenalina, deveriam estar
percorrendo sua corrente sangu��nea, disparando seus pulm��es e seu
cora����o para fugir da situa����o de risco.
Maria n��o velava os problemas, racionalizava-os. Subitamente percebeu
que um forasteiro entrara em seu quarto. E, para piorar o estressante
quadro, o estranho bradou para ela:
- Alegra-te, muito agraciada. O Senhor est�� contigo!
Quem se alegraria diante de um invasor? Que mente permaneceria
calma diante de um estranho num ambiente t��o ��ntimo? Mas, em vez
de se curvar ao medo e entrar em estado de choque, a jovem mergulhou
dentro de si e come��ou a refletir sobre o significado da mensagem. O
estranho se surpreendeu com a atitude da jovem.
- Maria, n��o temas. Tu ��s uma mulher privilegiada por Deus. Eis que
dar��s �� luz um filho, o qual chamar��s de Jesus. Ele ser�� grande e ser��
chamado de filho do Alt��ssimo... E o seu reino n��o ter�� fim...
Maria, em vez de ficar muda, sair correndo ou chamar seus pais,
come��ou a dialogar com o "fantasma" em seu quarto:
- Voc�� invadiu meus aposentos e me pediu para n��o ter medo. E, em
seguida, deu-me uma not��cia surpreendente, dizendo que darei �� luz
um filho. Ainda por cima me disse que esse menino se chamar�� filho
do Alt��ssimo. Quem �� voc��?
- Eu sou Gabriel.
E, para espanto dele, em lugar de recusar a impactante oferta ou
achar que tudo era um del��rio de sua mente, a jovem come��ou a perguntar
sobre como se daria esse inimagin��vel fen��meno:
- Como acontecer�� isso? Jamais tive rela����o com homem algum!
Ent��o o anjo lhe esclareceu o plano e finalizou dizendo:
- Para Deus, n��o h�� nada imposs��vel!
Gabriel esperava muitas outras perguntas, d��vidas c��lidas, dantescas
incertezas em rela����o ao futuro, at�� porque Maria era muito jovem.
Entretanto, para seu espanto, ela aceitou o mais complexo desafio. N��o
pensou nas grav��ssimas consequ��ncias que teria que enfrentar.
- Cumpra-se em mim a sua palavra.
No dia seguinte, logo que amanheceu, com muito tato procurou conversar
com os pais sobre os fatos. Sentiu o drama que teria pela frente.
-O qu��? Um estranho em seu quarto? Maria, a sua imagina����o ��
muito f��rtil!
- Mas, papai, o anjo falou comigo!
- Anjos falam com os homens, com os sacerdotes!
- Mas falou comigo! - afirmou.
-E o que ele disse? - indagou a m��e, preocupada.
- Que eu era uma privilegiada por Deus.
- Mas todas as jovens s��o.
- Ele disse mais uma coisa.
E fez um momento de sil��ncio, o que inquietou sua m��e.
- Vamos, fale, menina!
- Que eu ficarei gr��vida, ou melhor, que estou gr��vida.
- Gr��vida? Mas voc�� ainda n��o se casou!
Ela silenciou novamente. Seu pai entrou em p��nico.
- N��o vai me dizer que voc�� est�� gr��vida de outro homem?
Era uma situa����o dram��tica. Se seus pais reagiram assim, como
explicaria aos outros? Que palavras diria? Quem nela acreditaria? O pai
a amava muito, mas se espantou a tal ponto que se levantou e elevou o
tom de voz:
- Maria, voc�� sempre nos deu muitas alegrias, sua sensibilidade ��
contagiante. Mas voc�� foi longe demais. - E, limpando o suor do rosto,
disse: - Filha, sabe as consequ��ncias disso? Ser�� apedrejada. Sangrar��
em pra��a p��blica.
- Querida, se n��o est�� gr��vida de Jos��, voc�� cometeu adult��rio - falou
a m��e chorando, com a voz tr��mula.
103
- Cairemos em vergonha. Voc�� ser��... repudiada. Ai, meu Deus... disse
o pai colocando as m��os na cabe��a.
Os pais limpavam as l��grimas do rosto. Estavam em p��nico.
Pela primeira vez Maria se deu conta da responsabilidade que havia
aceitado.
- Meu pai, acredite em mim, n��o estou gr��vida de um homem.
- Est�� louca, menina? - disse a m��e, angustiada.
-O que de fato aconteceu em seu quarto? - indagou o pai, tentando
ficar um pouco l��cido naquele tenso clima emocional.
- Meu corpo foi invadido por uma for��a incomum. Parecia que eu
estava flutuando nas nuvens. A crian��a que carrego foi gerada por
Deus.
-O qu��? Filha, isso �� a heresia das heresias! Se disser isso publicamente,
assinar�� sua senten��a de morte...
Assim, Maria come��ou a atravessar os longos vales dos estresses.
Teria de ser fort��ssima. De agora em diante, seus dias tranquilos acabariam.
N��o mais correria nas pra��as nem teria longas e agrad��veis
conversas com suas amigas. Era uma m��e que teria de explicar o inexplic��vel,
que corria risco iminente de perder a vida e perder seu filho.
Percorreria os desertos sociais, seria companheira da solid��o, migraria
para Bel��m, fugiria para o Egito, teria de esconder um filho especial,
um superdotado. Uma decis��o que tomou em segundos lhe traria obst��culos
imprevis��veis para sempre.
Maria, a mulher das mulheres, chorou.
- Marido, pare de falar de morte. Voc�� j�� assassinou Maria tr��s vezes
- disse a m��e, vendo o desespero da filha.
- O anjo Gabriel disse... que meu filho �� o Messias, o filho do Alt��ssimo.
Eu fiquei t��o alegre... mas agora voc��s est��o me colocando medo.
- Minha filha, minha filha, minha filha - disse o pai abra��ando
a am��vel Maria e colocando a cabe��a dela sobre seu ombro direito.
- Somos miser��veis, morando numa cidade miser��vel, numa regi��o
desprezada pelos l��deres de Jerusal��m. Como ousa dizer que... que foi a
escolhida para trazer o Messias, filha? Ser��, meu Deus? Ser��?
- Meu pai, apenas cri. E algo aconteceu. O anjo Gabriel disse ainda
que Isabel, minha prima, tamb��m est�� gr��vida.
- Como pode ser? Ela �� idosa - falou a m��e, mergulhada num mar
de d��vidas.
- Mas ele afirmou.
Ent��o o pai teve uma brilhante ideia para evitar que a filha fosse alvo
dos furiosos homens moralistas da cidade.
- Os her��is sempre morrem mais cedo. Seja discreta, filha. V�� para as
regi��es montanhosas onde est�� sua prima. Vamos deixar esta tempestade
de areia passar...
Maria suspirou profundamente, beijou o pai e aceitou a sua proposta.
- Eu estava pensando mesmo em visitar Isabel.
Foi ent��o que a jovem se preparou para ir �� casa de Zacarias e Isabel.
A mulher das mulheres, a escolhida entre tantas jovens, deveria seguir
viagem em luxuosa carruagem, ter uma escolta de soldados e assistentes
para suprir suas necessidades pessoais... Mas n��o, a humanidade n��o
lhe sorriu, como n��o sorriu ao seu filho. Faria uma longa e extenuante
viagem a p��. A solid��o era sua companheira e a sua cren��a, sua prote����o.
No outro dia bem cedo, Maria pegou sua trouxa, colocou-a nas costas e
foi se despedir das duas grandes amigas. Arriscou-se a segredar a verdade
apenas para elas. Mais uma vez tentou explicar o inexplic��vel. Esperava
uma despedida triunfal, mas eis que come��ou a sentir a dor do desprezo.
- Mas isso �� loucura, amiga! - afirmou Rute.
- Maria, isso �� muito s��rio - disse Rebeca, duvidando da sua sanidade
mental. - Vamos consultar um fariseu e pedir a opini��o dele.
- N��o, n��o! Eles n��o entender��o por ora.
-E Jos��, j�� sabe?
- Ainda n��o. Estou contando isso s�� para voc��s. Eu creio no projeto
de Deus. Eu creio no enviado! - disse ela, convicta.
- Mas por que teria de ser voc�� a escolhida, e n��o eu ou outra jovem?
- indagou Rebeca. - Isso �� o orgulho dos orgulhos. E quem disse que
o Messias nasceria como uma crian��a fr��gil e pobre? -E deu as costas
para Maria. Estava ficando perigoso demais ser ��ntima dela.
- Cuidado com as palavras. Cuidado com sua seguran��a - disse Rute
e, junto com Rebeca, tamb��m deu as costas para a sua amiga.
As mais importantes decis��es de um ser humano s��o solit��rias.
Solit��ria ela decidiu e solit��ria ela partiu. E, assim, Maria seguiu estrada
afora. No caminho encontraria homens mal-encarados. Perguntava-se
se aqueles homens sabiam que estava gr��vida, mas n��o de seu parceiro.
Vendo pedras nas m��os, pensava que eram endere��adas a ela... O anjo
lhe pediu que n��o temesse, mas era imposs��vel exigir isso dela agora.
Repetia para si mesma: "Quem vence sem riscos vence sem gl��rias."
Mas os seus riscos eram inimagin��veis...
Subitamente uma rajada de vento atingiu o hotel de Marco Polo, fazendo
a porta do quarto se abrir e bater com for��a, assustando-o. Mais uma vez
ele percebeu que estava sonhando com os fatos do passado. Penetrou
tanto nos textos de Lucas que libertou seu imagin��rio. Foi at�� a janela
para fech��-la. Olhou para o horizonte e viu a cidade de Jerusal��m iluminada,
incluindo a parte velha. Era uma paisagem paradis��aca.
De repente, n��o enxergou mais nada: uma cortina de fuma��a vendou
seus olhos. Olhou para baixo e com dificuldade viu alguns andares em
chamas. Sirenes come��aram a tocar, carros de bombeiros come��aram a
chegar. Rapidamente saiu do apartamento e bateu forte na porta do de
Sofia, que era ao lado do seu.
- Sofia! Sofia!
Ela acordou tr��mula.
-O que foi?
-O hotel est�� pegando fogo! Vamos!
Apesar de assustada, ela conseguiu dizer:
- Espere.
- Deixe tudo!
Mas as mulheres t��m um instinto diferente. Ela teve tempo de agarrar
uma sacola de roupas e sua bolsa, e rapidamente partiu em dire����o �� esca
da. N��o podiam usar o elevador. Enquanto desciam, encontraram muitas
pessoas gritando, chorando. Algumas tossiam por causa da fuma��a.
Chegando ao sagu��o, foram resgatados. As pessoas que estavam intoxicadas
eram levadas ao hospital. As que estavam bem de sa��de eram
encaminhadas para outros hot��is. Ainda n��o se sabia se havia algu��m
dormindo nos andares de cima. Como Marco Polo havia acordado, ele
e Sofia sa��ram ilesos, mas n��o emocionalmente.
13
UM MENINO SURPREENDENTE
Eram duas da madrugada quando Marco Polo e Sofia chegaram ao
novo e agrad��vel hotel: o American Colony. Ela ainda estava muito
assustada. Pediu para ficar em um andar baixo, diferente do andar em
que estava no outro hotel. Fez rapidamente o check-in.
- Estou abalada. Se voc�� n��o acordasse, talvez n��o estiv��ssemos aqui.
- Mas ainda bem que estamos aqui, vivos e saud��veis. Procure descansar,
Sofia.
- Como? Estou angustiada. Minha emo����o est�� em chamas.
- N��o rumine o passado nem sofra por antecipa����o. Tente impugnar
seu medo dentro do poss��vel!
- Tentarei - disse emocionada, observando a sua seguran��a.
Procurando distra��-la do foco de tens��o, Marco Polo disse:
- Sofia, voc�� �� mais esperta que eu. Peguei meus documentos e mais
nada, enquanto voc�� tamb��m pegou algumas roupas!
- N��o sei se as mulheres s��o mais espertas ou mais tolas.
- Mais inteligentes, com certeza. N��o se esque��a do nosso projeto.
- Estou animada. Temos a mesa-redonda �� noite.
- Tive sonhos incr��veis com os fatos passados.
- De novo? - indagou ela, curiosa.
- Sim. Mas dessa vez foi com a m��e do menino. Maria deve ter atravessado
tornados emocionais e sociais impens��veis, piores do que o que
tivemos hoje.
- Interessante... Para instigar voc�� desse jeito, Lucas fez um bom
trabalho como bi��grafo. - Depois de uma breve reflex��o, ela beijou seu
rosto e lhe disse: - Boa noite, meu guardi��o.
Feliz com o gesto, ele n��o disse nada, apenas meneou a cabe��a. Sofia
foi se deitar, mas a ansiedade �� inimiga do sono. Sua mente hiperacelerada
conduzia seu Eu a se fixar no estado consciente. Demorou para
dormir, mas, quando desacelerou, mergulhou nas ��guas densas do
inconsciente e teve um sono profundo. E, por mais not��vel que pare��a,
dessa vez foi ela que libertou seu imagin��rio e penetrou na incr��vel hist��ria
do personagem que estudavam.
Ano 55 d.C.
Cinquenta e cinco anos depois daqueles epis��dios, uma mulher de
cabelos grisalhos, l��cida, tranquila, acolhedora, de voz pausada estava
sentada na pequena varanda de uma casa de terra batida. Sua pele,
tal como as paredes da resid��ncia, mostravam as cicatrizes do tempo.
Tinha 70 anos, e um homem ao redor dos 40 a procurava. Ele batia de
casa em casa tentando identific��-la.
Eis que o homem, depois da procura incans��vel, aproximou-se
da mulher e pousou seus olhos nos dela. Seu cora����o acelerou. Era
um m��dico, tratara de tantos idosos, n��o deveria se impressionar.
Entretanto, a personagem que desejava encontrar era de tirar o f��lego.
- Procuro Maria. Por acaso �� a senhora?
-E eu procuro o doutor Lucas. Por acaso �� o senhor?
- Como sabe meu nome? - indagou ele, intrigado.
- Disseram que o companheiro daquele que antes perseguia os que
amam Jesus, meu filho, queria me entrevistar.
Lucas ficou com os l��bios tr��mulos.
- D��-me essa honra. Posso me sentar?
-O que o impede? Meu cora����o �� seu, e minha hist��ria tamb��m.
Tamb��m foi cativado por ele?
- Cativado, fascinado, encantado. Nem sei como descrever.
- Eu o entendo. Tamb��m me senti assim desde seu nascimento.
E, assim, Maria come��ou a contar sua riqu��ssima hist��ria para um
entrevistador que tinha fome e sede de detalhes. Como m��dico j�� vira e
ouvira muitos casos fora da curva social, mas a trajet��ria dessa mulher
o deixara maravilhado.
-O que motiva suas entrevistas?
- Preciso escrever para um grande amigo.
- Os escritores s��o os primeiros a saborearem a pr��pria obra. Voc��
escreve para si mesmo.
Lucas nada disse, apenas refletiu. A sabedoria de Maria e seus relatos
levavam Lucas a fazer uma pausa de vez em quando. Elevava seus olhos
e os fixava no horizonte. Procurava-se.
- Senhora, sua voz pausada e seus gestos dosados s��o como m��sica
aos meus ouvidos. N��s gregos amamos escultura, mas a maior escultura
�� a personalidade de um ser humano. E a sua foi entalhada por dores
inimagin��veis, alegrias inexprim��veis e aventuras surpreendentes expressou
o bi��grafo de Jesus.
- Vivi muitas aventuras, mas lhe pe��o, meu bom m��dico: sintetize o
que eu contar. N��o fale muito de mim, prefiro a discri����o.
- Por qu��, senhora? - indagou Lucas.
- Sou privilegiada por ter participado da hist��ria do filho do Alt��ssimo.
Isso basta, meu filho. Ficar nos bastidores �� minha especialidade.
- Humildade �� uma qualidade grandiosa - comentou ele.
- Mais que isso: a humildade �� o alicerce da sabedoria. E ningu��m
foi mais humilde que o menino que carreguei nos bra��os e vi crescer.
- Posso saber de tudo desde o come��o? Jos�� estranhou?
- Como n��o estranharia? Mas ele era um homem diferente. Tentei
explicar-lhe, mas ele n��o entendeu. Nem poderia. Mas n��o gritou,
n��o me excluiu nem me acusou. Se fosse outro, talvez n��o suportasse.
Preservando-me do julgamento social, se afastou secretamente. Mas foi
iluminado e, por fim, me acolheu, me abra��ou, chorou e juntos levamos
adiante o projeto de Deus.
Lucas engoliu em seco. Sabendo de toda as injusti��as que Jesus
e seus disc��pulos sofreram e ainda sofriam, pensou consigo: "Que
coragem �� essa?" Depois disso, Maria comentou que sua presen��a
na sua cidade natal havia ficado insuport��vel. Muitos especulavam
sobre sua gravidez. Felizmente houve o decreto de C��sar Augusto,
imperador romano, para fazer o primeiro recenseamento de todos os
moradores dos povos dominados pelo imp��rio. Jos�� deveria se alistar
na cidade onde nasceu, Bel��m.
- Eu estava sentindo as dores do parto. Sofria muito, mas pelo menos
estava longe dos olhares preconceituosos. Procuramos uma hospedaria,
mas todas estavam ocupadas. Ningu��m nos acolheu.
- Voc�� carregava no ventre o menino mais incr��vel que se formou
no ventre de uma mulher e simplesmente n��o havia lugar para dar ��
luz. N��o apenas n��o conseguia explicar sua gravidez mas tamb��m esse
contraste. N��o ficou perturbada? - quis saber Lucas.
- Jos�� em alguns momentos indagava: "N��o �� ele o escolhido? Por
que �� preterido? Por que nascer nessas condi����es miser��veis?" Meu
filho deveria nascer numa casa ou hospedaria confort��vel, mas, diante
de tantas perguntas sem respostas, eu apenas aceitava o inevit��vel.
- Aceitar que o cheiro azedo de estrume fermentado fora seu perfume;
o calor dos animais, seu cobertor. E, em seguida, ser exaltado por
pr��ncipes do Oriente... Esses s��o paradoxos que deixariam qualquer um
em estado de choque! - afirmou Lucas.
Maria ficou encantada.
- Imagine, Lucas, que meses depois o beb��, que nenhum mal fez a
ningu��m, foi perseguido como o mais miser��vel dos homens. T��nhamos
de fugir dia ap��s dia. O deserto e o o��sis sempre estiveram nas p��ginas
de nossa hist��ria.
- Chorou muitas vezes?
- Incont��veis. Mas Deus enxugava minhas l��grimas.
-A mulher das mulheres sentiu-se tra��da ou abandonada por Deus?
Maria respirou profundamente. Lucas era um homem que n��o poupava
perguntas.
- N��o, nunca. Algumas vezes me senti a mais infeliz das mulheres.
Imagine a dor que senti ao saber que, por causa do meu filho, m��es choravam
desesperadas porque seus filhos tinham sido mortos por Herodes.
- Mas voc�� n��o era culpada.
-E quem poderia me aliviar? Nem anjos, nem amigos, nem meus
pais. Mas meu menino me aliviava. Ele n��o parava de sorrir para mim.
Parecia estar me dizendo: "Coragem!" Se eu n��o dialogasse com Deus,
enlouqueceria.
- A fuga para o Egito foi dif��cil?
- Foram dezenas de quil��metros no lombo de um jumento. Necessidades
feitas ao relento. Sol escaldante. Ventos cortantes e frio, muito
frio �� noite. Morar em terra de desconhecidos... O que acha?
- Arrependeu-se em algum momento de ter aceitado a miss��o?
- Jamais. Sou privilegiada. Aprendi a ser feliz no caos. Os perdedores
veem as tempestades e recuam; eu, no mesmo ambiente, procurava ver
a oportunidade de cultivar...
Lucas ficou impressionado com a intelig��ncia de Maria. E, de repente,
mostrando curiosidade, perguntou-lhe sobre a inf��ncia de Jesus:
-E como foi sua rela����o de m��e com esse filho? Ele a surpreendeu
muito?
-A intelig��ncia e os comportamentos do meu filho foram desafios
inimagin��veis. Era um beb�� que cresceu fisicamente como qualquer
outro, mas, por dentro, ele... N��o sei explicar... Ele era diferente, ��nico,
singular...
- Como assim? - perguntou Lucas, curioso.
- Fazia festa para tudo. Ele ca��a, se machucava, chorava, mas em
seguida sorria e continuava brincando. Vivia com tanta intensidade
cada minuto que dava trabalho para dormir. Parecia que o sono era
uma perda de tempo - disse ela, viajando no passado.
- Fascinante. Era soci��vel?
- Muito. Era uma crian��a extrovertida. Se jogava nos bra��os de todos,
nem parecia que tinha m��e. Crian��as mais velhas eram passivas, quietas,
mas ele, mesmo quando beb��, queria de todas as formas se comunicar.
"Ba, ba, ba!" Era engra��ado... - disse Maria sorrindo.
-E os medos, tinha muitos?
- Medos? Medo n��o fazia parte de sua hist��ria, o que me preocupava
muit��ssimo. Brincava com c��es bravios, se aproximava de cavalos. Mas
era incr��vel: os animais se acalmavam diante dele. Aonde ele chegava,
apaziguava os ��nimos, inclusive das pessoas.
- Interessant��ssimo.
Maria fez uma pausa para contar um epis��dio. Disse que quando o
menino tinha 3 anos e eles estavam no Egito por causa da persegui����o
de Herodes, Jesus viu um casal de idosos caminhando e imediatamente
soltou-se dela. Eram duas pessoas desconhecidas, mas para ele ningu��m
era estranho. Correu com dificuldades at�� o casal, pegou as m��os
deles e foi indo caminho afora, feliz da vida.
- Corri rapidamente, tomei-o das m��os deles. Em seguida tentei
adverti-lo, mas ele s�� sorria. Divertia-se com tudo.
- Incr��vel! Ele sempre foi um menino desprendido? - indagou Lucas.
- Sempre, sempre... E mais tarde ele demonstrou que era mais do
que meu filho: ele era filho da humanidade, filho do Autor da Vida. Era
judeu, mas pertencia �� esp��cie humana. Ele amava o cheiro de gente
desde pequeno.
- Admir��vel! - exclamou Lucas. - Nunca vi uma crian��a assim.
- Ele cresceu, mas tudo que tinha n��o era seu. O sal��rio n��o era seu,
o tempo n��o era seu, suas vestes n��o eram suas. Certa vez, ao v��-lo mais
uma vez doando suas roupas, Jos��, embora fosse um bom homem, disse-
lhe: "Filho, voc�� se preocupa demais com os miser��veis!"
- E qual foi a rea����o dele? - perguntou Lucas, curioso.
- Ele colocou delicadamente cada uma de suas m��os nos ombros
de Jos�� e lhe disse: "Pai, eu tenho que amar as pessoas como eu amo a
mim e a voc��s. Ser feliz �� fazer os outros felizes. Trabalharei e comprarei
outra roupa!" Seu amor n��o cabia dentro de si.
- Tinha sede de aprender?
- Muita. Todos os dias observava o comportamento das pessoas e
discutia comigo. Mas n��o sei quem ensinava mais, se eu a ele ou ele a
mim... No fundo, n��o sabia quem era o educador, se eu ou ele...
- E quando ele ficava nervoso, irritado?
- Raramente perdia a paci��ncia, mesmo quando via injusti��as. Era
calmo como a brisa e resistente como as folhas das tamareiras, que,
humildes, se curvam diante das tempestades, mas n��o se quebram...
- Reclamava?
- Era um especialista em agradecer at�� quando o feriam.
- Feliz?
- Dotado de um otimismo e uma alegria insond��veis. Ele dizia algo
incompreens��vel: "M��e, eu te amo intensamente, mas amo a humanidade
de forma inimagin��vel. Um dia deixarei de ser seu filho e serei filho do
homem, filho da humanidade. Nesse dia, lembre-se de se posicionar
como a escolhida, a mulher das mulheres..."
O m��dico grego nunca mais foi o mesmo depois de entrevistar Maria
e as testemunhas que andaram e respiraram o mesmo ar que Jesus.
- Biografo algu��m que foi pendurado sobre um madeiro e morreu
como o mais miser��vel dos homens. Mas sei que o maior favor que se
fez a essa semente foi sepult��-la. Sepultando-a, deu-se origem a uma
��rvore, uma floresta... - disse Lucas para si mesmo em l��grimas.
Logo ap��s se sentarem para mais um debate, os parceiros da mesa-redonda
tocaram no assunto do dia em Jerusal��m: o inc��ndio do hotel.
- Voc��s estavam no hotel em chamas. Que coisa horr��vel! - comentou
o Dr. Thomas. - H�� ainda v��rias pessoas internadas. Algumas com
intoxica����o grave.
- Foi apavorante mesmo - afirmou Sofia. - Nunca passei por um
medo t��o atroz.
Em seguida, Michael disse com preocupa����o:
-�� muito estranho o que est�� acontecendo com Marco Polo e
Sofia. Primeiro o acidente, agora um hotel em chamas. Os turistas em
Jerusal��m costumam ter muita seguran��a!
- Sem falar do homem do rev��lver! - comentou Sofia ansiosa.
114
- Rev��lver? - indagou o Dr. Thomas. - N��o sab��amos disso.
Marco Polo achou desnecess��rio contar-lhes para n��o alarm��-los.
Para preservar o ��ndice GEEI, n��o propagandeava os problemas. Sofia
foi quem lhes relatou:
-O atirador quase disparou!
- Mas foi acidental. A v��tima poderia ser qualquer outra.
- Que perturbador! - exclamou o Dr. Alberto.
- Temos de acionar o servi��o de intelig��ncia do pa��s - disse Michael.
- N��o podemos ficar paranoicos achando que h�� uma conspira����o em
curso, caso contr��rio, n��o vivemos. Quem poderia querer nos silenciar? E
por qu��? N��o faz sentido - afirmou Marco Polo. - Sem gerir nossa emo����o,
somos sequestrados mentalmente, ainda que estejamos livres por fora.
- Concordo - disse Sofia.
O Dr. Alberto tamb��m comentou um fato incomum:
- N��o sou paranoico, mas ontem fui seguido por tr��s homens mal-encarados.
Eu tentava me livrar deles, mas eles apressavam os passos em
meu encal��o. Como conhe��o muito Jerusal��m, misturei-me com as
pessoas que estavam no Muro das Lamenta����es, depois passei por um
portal e entrei na loja de um amigo. Assim, me livrei deles.
- Isso tudo �� muito estranho - afirmou Michael.
- Estranho foi meu sonho. Sonhei com Lucas entrevistando Maria disse
Sofia.
Todos se entreolharam.
- Voc�� tamb��m, Sofia? Quando? - quis saber Marco Polo.
- Nesse novo hotel. O debate, o inc��ndio, minhas reflex��es, tudo isso
instigou meu inconsciente.
- Mas n��o vamos falar de sonhos neste debate inteligente! Sonhos
n��o servem de material de an��lise cr��tica da hist��ria, a n��o ser para
analisar a personalidade do sonhador - afirmou Michael.
- Claro, Michael. Como Voltaire, detesto a supersti����o - disse Marco
Polo. - Nos sonhos, o Eu, que representa a consci��ncia cr��tica, deixa
de se ancorar nos milhares de janelas ou arquivos que financiam sua
autonomia e identidade.
Ele ainda comentou que, durante o sono, um fen��meno inconsciente
que chamava de autofluxo entrava em cena e come��ava a passear por
arquivos marcantes registrados recentemente ou no passado remoto,
sobretudo os traum��ticos. Assim, ele promovia uma explos��o criativa,
com personagens, cenas, ambientes...
Sofia observava seu mestre e o admirava. Sentia que ele navegava no
fascinante mundo da mente humana. Ap��s dar essa sint��tica explica����o,
Marco Polo olhou para a sala em que costumavam realizar os debates
e se surpreendeu ao perceber que estava quase cheia. �� medida que
as sess��es da mesa-redonda aconteciam, o boca a boca sobre o debate
aumentava, gerando uma rede de interesses. Os espectadores tinham
sede de aprender.
Eis que subitamente um frade capuchinho levantou-se da plateia e
fez um pedido:
-O senhor deu uma explica����o l��gica para os sonhos. Mas poderia
nos contar o seu sonho, doutor Marco Polo?
-�� desnecess��rio para este debate - respondeu, n��o querendo dar
��nfase �� sua imagina����o.
Por��m algumas outras pessoas, entre eles dois professores universit��rios,
tamb��m solicitaram que ele lhes contasse. Estavam curiosos.
- Por favor - pediram.
- Eu conto o meu - disse Sofia, muito mais desprendida que Marco
Polo.
E, assim, Marco Polo tamb��m cedeu e os dois pediram uma pausa no
debate para contar os fascinantes filmes que haviam passado na mente
de cada um. Depois do relato dos sonhos, as pessoas se mostraram
impressionadas. Milh��es de internautas os acompanhavam atentamente
sem tirar os olhos dos notebooks, celulares, tablets e TVs.
- Nunca vi sonhos t��o criativos, com tanta riqueza de detalhes sobre
fatos que nunca foram escritos - afirmou o Dr. Thomas, intrigado.
- O conte��do desses sonhos �� extraordin��rio. �� como se voc��s tivessem
sido transportados no tempo - comentou o Dr. Alberto fitando os
olhos de Marco Polo e depois os de Sofia.
- Eu acordei com uma tranquilidade que ansiol��tico nenhum pode
oferecer. Tudo parecia t��o concreto - confessou Sofia com prazer. -��
��bvio que s��o fen��menos que acontecem nos solos do meu inconsciente,
mas ao ver a face do menino Jesus fiquei emocionada. Ele n��o era
belo, mas sua express��o era linda. Ao pegar as m��os dos idosos e se
deixar levar por eles, estes foram transformados pela alegria.
- �� engra��ado. Ao contr��rio de Sofia, acordei assustado, o que me fez
ver o hotel em chamas - contou Marco Polo. - Estava tenso pelos grandes
riscos que Maria correria. Raramente me lembro dos meus sonhos,
mas esses t��m sido arrebatadores.
Esfregando as m��os no rosto, Michael respirou profundamente.
Queria falar algo, mas relutava. Entretanto, n��o se aguentou:
- Minha esposa nunca se interessou muito pelas minhas coisas, mas
todos os dias me pressiona para saber o conte��do do que debatemos.
N��o tenho sonhado com nada do que discutimos, mas nunca dormi t��o
mal. Esta mesa-redonda �� uma fonte de mist��rios. Acidentes, sonhos...
O que mais haver�� pela frente?
- Mas voc�� n��o �� supersticioso - comentou o psiquiatra com o pesquisador
das sinapses nervosas.
- N��o sou mesmo! Mas vou dizer mais uma vez: que �� estranho, ��.
A sala inteira relaxou e sorriu. Michael era do tipo s��rio, mas engra��ado.
Ele se esfor��ava para ser intoc��vel, mas seu humor transbordava
at�� quando ele era duro. Perspicaz, tinha raz��o. Ningu��m imaginava os
segredos que os aguardavam.
14
O MAGNIFICAT:
UMA TESE SOCIOL��GICA
Orosto de Maria transpirava em sua caminhada at�� as regi��es montanhosas
onde vivia Isabel, a futura m��e de Jo��o Batista. A musculatura
de suas pernas tremia de cansa��o. Desidratada, sua l��ngua apegava-se
ao palato. Seu cora����o vibrava, bombeando sangue com intenso vigor, e
seus pulm��es disparavam em busca de mais oxig��nio. A ansiedade por
saber not��cias de Isabel e a fadiga se mesclavam na mesma pessoa.
Maria deveria fazer uma pausa e descansar sob a sombra de uma oliveira
antes de entrar na pequena cidade cravada no alto da montanha.
Seu corpo gritava "Pare", mas sua mente suplicava "Continue". A busca
de esperan��a �� incontrol��vel.
Ao entrar na casa de Zacarias, iniciou a sauda����o a Isabel. Era uma
visita inesperada, mas de imediato surpreendeu-se com a atitude da
prima. A anfitri�� quebrou o protocolo duas vezes: saudou a visitante
em estilo mais solene e considerou a adolescente superior a si mesma,
embora fosse mais velha que ela. Colocou-a no pedestal da fama e nos
patamares mais dignos da feminilidade. E, por incr��vel que pare��a, proclamou
o filho dela como Senhor do mundo...
- Feliz ��s tu entre todas as mulheres, e bendito �� o fruto do teu ventre.
Qual o motivo do privil��gio de receber a m��e de meu Senhor? Meu
beb�� se agitou de alegria. Feliz �� aquela que cr��.
Surpresa, Maria saiu dos vales da fadiga para as plan��cies do des
canso; do deserto das tens��es para o o��sis do j��bilo. O estresse brando
irriga o pensamento, o estresse intenso aborta a racionalidade. Maria
deveria estar mentalmente bloqueada e criativamente est��ril, mas, para
espanto de quem a observava, abriu as janelas de sua mem��ria, libertou
seu imagin��rio e produziu teses psicossociais sofisticadas. Nesse
exato momento, come��ou a recitar seu famoso e pouco compreendido
poema, conhecido como Magnificat:
-Minha alma engrandece ao Senhor e meu esp��rito se regozija em
Deus, meu salvador, pois contemplou a insignific��ncia da sua serva.
Mas de hoje em diante todas as gera����es me chamar��o bem-aventurada,
pois o Poderoso realizou maravilhas a meu favor. Santo �� seu nome. A
sua compaix��o se estende aos que o respeitam, de gera����o em gera����o.
Ele operou poderosos feitos com seu poder, dispersou aqueles cujos pensamentos
��ntimos s��o soberbos. Derrubou governantes do seu trono, mas
exaltou os humildes. Supriu abundantemente os famintos, mas expulsou
de m��os vazias os que se achavam ricos..1
Seu poema n��o era um discurso sobre-humano, mas o retrato do milagre
do conhecimento. Possu��a tantos elementos subterr��neos quanto um solo
que escondesse pepitas de ouro e as ocultasse dos olhares dos garimpeiros
superficiais. Anos antes, sua sede de aprender n��o apenas a levara a ser
alfabetizada, mas a ler com consci��ncia cr��tica e a produzir ideias como o
confeiteiro que, com ingredientes simples, elabora pratos saborosos.
Os dias constru��ram os meses. Maria teve uma gravidez de risco,
marcada por rejei����es, longas jornadas a p�� e o nascimento do beb�� no
lugar mais in��spito poss��vel, um ninho de bact��rias e v��rus: um est��bulo.
Depois que a crian��a nasceu, um refrig��rio. Pastores do Oriente
deram-lhe as boas-vindas com sua Gloria in Excelsis Deo! E, com os
presentes que receberam, parecia que Maria e Jos�� navegariam em c��u
de brigadeiro. Ledo engano. Bel��m ficava a 8 quil��metros de Jerusal��m
e o casal queria ir at�� a velha cidade para apresentar seu beb�� no templo.
Texto composto pela combina����o de v��rias vers��es diferentes.
Enquanto faziam o ritual de consagra����o, eis que tiveram outra grata
surpresa. Sime��o, um velho e justo anci��o, pegou o menino em seus
bra��os e expressou seu Nunc Dimittis. Irradiando alegria proclamou:
-�� Soberano! Como prometeste, podes agora despedir em paz teu
servo! Porquanto meus olhos j�� contemplaram tua salva����o... Luz para
revela����o aos gentios e para gl��ria de Israel.
Os fatos que cercavam o misterioso menino eram surpreendentes.
Jos�� e Maria confirmaram que seu filho seria notavelmente grandioso.
Abra��aram um ao outro, alegraram-se, apertaram suavemente as
bochechas do beb��. Relaxaram sem ter consci��ncia dos percal��os que os
aguardavam. Mas n��o tardou para que soubessem que a estrada �� frente
era sinuosa. Sime��o, o mesmo homem que lhes trouxe o c��lice da alegria,
lhes deu tamb��m o c��lice da afli����o. Continuando sua proclama����o,
dissecou de forma espetacular os acontecimentos que Jesus viveria:
-Eis que esse menino est�� destinado �� queda e ascens��o de multid��es...
Ser�� um sinal de contradi����o. De forma que a intimidade dos pensamentos
de muitos cora����es ser�� revelada.
O menino iria se tornar um not��vel m��dico da mente no futuro,
capaz de dissecar pensamentos perturbadores, vaidades subliminares,
inten����es escusas, ang��stias veladas. Sime��o declarou a grandeza e os
riscos de Jesus. Em terra de cego, quem tem um olho jamais ser�� rei,
mas sim ferido, execrado, banido. Ver o invis��vel e revelar o intang��vel
seria um perigo para o sistema social. O idoso Sime��o poderia parar
por ali, poderia poupar Maria, mas fitou os olhos dela e deixou-a abalada.
Sem deten��a, declarou:
- Quanto a ti, todavia, uma espada transpassar�� a tua alma.
Maria seria a m��e mais privilegiada do mundo, beberia da fonte das
fontes excelentes do prazer, descobriria todos os dias um beb�� fascinante,
um menino borbulhante, um adolescente espetacular, mas cedo
ou tarde sofreria perdas irrepar��veis. Amou-o at�� o impens��vel, mas o
perderia pouco a pouco e, por fim, o veria perecer na cruz.
- Se n��o aprendesse a proteger minimamente sua emo����o, Maria n��o
sobreviveria num ambiente sem o oxig��nio da generosidade - concluiu
Marco Polo.
Foi assim que o pesquisador e psiquiatra descreveu de forma po��tica
e profunda os fatos que ocorreram com a educadora de Jesus: o encontro
com Isabel, o Magnificat, o nascimento do beb��, o encontro com os
pastores e as palavras aterradoras de Sime��o. Todos na mesa-redonda e
na plateia ficaram impressionados com sua narrativa.
Sofia olhava para ele mais uma vez admirada. "Como um ateu poderia
ir t��o fundo nos detalhes da hist��ria de Jesus?", perguntava a si
mesma, at��nita. Esquecera que ele pesquisava como um garimpeiro de
ouro que se negava a ficar na superf��cie.
Ap��s essa descri����o, Marco Polo come��ou a revelar suas an��lises.
Disse que Maria produziu seu famoso Magnificai ao encontrar Isabel no
ano 4 d.C, ��poca do nascimento de Jesus - hoje j�� se sabe que ele n��o
nasceu no primeiro ano desta era, mas quatro anos depois.
- Mas como Lucas registrou o poema de Maria proferido mais de
meio s��culo antes? - indagou o psiquiatra. E ele mesmo sugeriu a resposta:
- Maria era letrada. Deve t��-lo registrado e guardado a sete chaves.
Esperou d��cadas at�� que aparecesse algu��m especial para revel��-lo.
- A vida �� um grande livro. Para uns, revelamos a capa; para outros,
o pref��cio; e, ainda para outros, os segredos ��ntimos da hist��ria - disse
Sofia com sensibilidade ��mpar.
- Muitos casais dormem juntos mas n��o dividem seus sonhos e pesadelos.
O relacionamento �� um teatro. Sob o ��ngulo da gest��o da emo����o,
n��s s�� nos abrimos com as pessoas em quem confiamos e s�� confiamos
em quem admiramos - acrescentou Marco Polo magistralmente.
- De fato, Lucas deve ter sido especial para Maria. Somente ele registrou
o Magnificat, o Nunc Dimittis e muitas outras coisas que apenas
Maria sabia. Ela se encantou com o m��dico grego a ponto de lhe dar
suas p��rolas - afirmou o Dr. Alberto.
Curiosa, Sofia queria entender as p��rolas ocultas no Magnificai de Maria.
-O que se pode deduzir e induzir das primeiras frases de Maria a
Isabel: "Minha alma engrandece ao Senhor e meu esp��rito se regozija em
Deus"? - questionou.
Marco Polo n��o revelou suas interpreta����es. Como um professor que
provoca a mente dos seus alunos, disse:
- Arrisque-se a descobrir, Sofia. Liberte seu imagin��rio.
- Ela exalta o Deus em que cr��.
- Sofia, mas isso est�� na superf��cie da senten��a. O que est�� no subsolo?
- provocou novamente o psiquiatra. - H�� um conte��do revolucion��rio
nessas palavras. Doutor Alberto e doutor Thomas?
O Dr. Alberto analisou, mas n��o conseguiu alcan��ar o racioc��nio do
homem que pesquisava o processo de forma����o de pensadores.
- Como assim, doutor Marco Polo? - perguntou o Dr. Alberto.
- Desculpem-me, mas os religiosos est��o intoxicados com rituais.
Eles t��m uma rela����o fria e seca com o Deus em que cr��em - acusou
Marco Polo.
- Voc�� n��o pode afirmar isso! - disse o te��logo de Harvard, indignado.
- Voc�� est�� nos prejulgando - comentou tamb��m o Dr. Alberto.
- N��o sou eu que afirmo essa tese, mas a pr��pria Maria que voc��s
valorizam e desconhecem.
- N��o estou entendendo - disse o te��logo do Vaticano.
- Supondo que Deus seja real, tenha uma personalidade concreta,
por que ele escolheu Maria? Quais os crit��rios de sua sele����o? Foi sua
gentiliza, docilidade ou ��tica? Milhares de jovens eram gentis e ��ticas.
Foi sua cultura e seu racioc��nio r��pido? Havia muitas jovens cultas e
perspicazes em seu tempo.
- Quais foram os crit��rios, ent��o? - indagou Sofia, ansiosa.
- N��o tenho muitas respostas, mas a an��lise do seu poema Magnificai
�� arrebatadora. O que mais diferenciava Maria de todos os demais
seres humanos era sua intimidade surpreendente com o Deus em que
ela acreditava. Ela era diferente dos religiosos do seu tempo, talvez de
todos, inclusive das mais variadas eras.
- Mas... Mas... Ainda n��o entendi, me desculpe - declarou Sofia,
confusa.
- Observe o que ela disse, Sofia: "Minha alma engrandece ao Senhor
e meu esp��rito se regozija em Deus." Sob a ��tica da sociologia e da psicologia,
essa frase do Magnificat de Maria revela um relacionamento n��o
ritual��stico, sem barreiras nem dist��ncias. - Em seguida Marco Polo
comentou: - Para explicar melhor, deixem-me perguntar: pensamento
consciente �� real ou virtual?
-�� real - afirmou o Dr. Thomas.
- �� ��bvio que �� real - tamb��m afirmou o neurocientista Michael.
- Errado. �� virtual. Um pai incorpora a realidade do filho, suas
ang��stias, perdas, frustra����es, ou apenas a interpreta? - questionou
novamente Marco Polo.
- Interpreta - disse Michael.
- Um psiquiatra consegue vivenciar os ataques de p��nico de um
paciente? - indagou outra vez Marco Polo.
- N��o. Ele somente interpreta a realidade do outro, mas nunca a
assimila essencialmente - concluiu Sofia, come��ando a entender aonde
Marco Polo queria chegar.
- Claro, Sofia. Entre um psiquiatra e os ataques de p��nico ou as crises
depressivas de um paciente existe um espa��o infinito. E por qu��?
Porque o pensamento com o qual entendemos o outro, bem como o
mundo que nos rodeia, �� virtual. Pais e filhos, professores e alunos,
casais, enfim, todas as rela����es ocorrem dentro de uma bolha virtual.
Por isso mais de 90% dos nossos julgamentos est��o errados ou contaminados.
Julgar o outro sem se colocar no lugar dele �� algo que est�� sujeito
a muitos equ��vocos!
- Estou confuso - declarou Michael com honestidade.
Sempre demorava algum tempo para os membros da mesa-redonda
entenderem aonde Marco Polo queria chegar, mas depois suas mentes
eram iluminadas. Em seguida, ele completou o racioc��nio:
- Pense comigo, Michael. O pensamento, por ser virtual, libertou
nosso imagin��rio. Por isso pensamos no futuro, que �� inexistente, ou
resgatamos o passado, que �� irretorn��vel. Mas, ao mesmo tempo, isso
nos aprisionou numa solid��o dram��tica. Reitero: vivemos numa ilha
virtual. Estamos pr��ximos, mas, ao mesmo tempo, infinitamente distantes
de tudo, inclusive das pessoas que amamos.
-O que isso tem a ver com Maria? - indagou o Dr. Thomas.
-A rela����o de Maria com seu Deus era t��o ��ntima e cheia de trocas
que de alguma forma ela rompeu a barreira da virtualidade. Ela disse:
"A minha alma engrandece ao Senhor." N��o sou religioso, mas a an��lise
cr��tica demonstra que o Deus de Maria n��o estava apenas nos c��us dos
c��us, mas na intimidade de sua mente. Para engrandec��-lo, ela dialogava
dia e noite com ele de forma espont��nea.
- Surpreendente. Que conclus��o bomb��stica! - afirmou o Dr. Alberto,
que era especialista em Maria.
- Que mulher era essa? - comentou Sofia, perplexa com essa interpreta����o.
-O Deus de Maria era mais do que uma religi��o judaica formal,
mas uma rela����o estreita entre uma filha e um pai.
-E o que �� mais estrondoso �� que Maria disse: "Meu esp��rito exulta
em Deus", sugerindo prazer, e n��o culpa; encantamento, e n��o medo comentou
Marco Polo.
- Sob o ��ngulo da psicologia, �� poss��vel inferir que a espiritualidade
de Maria era diferente da de centenas de milh��es de religiosos da atualidade?
- indagou o Dr. Alberto.
- Segundo a descri����o do doutor Lucas, n��o tenho d��vidas - afirmou
Marco Polo. - Ela tinha uma espiritualidade inteligente, que era uma
fonte de sa��de emocional e que deve t��-la transformado num ser humano
emp��tico, determinado, resiliente e que geria sua emo����o.
- A religi��o se torna uma fonte de doen��as mentais quando a autopuni����o,
o medo, a servid��o fria, o julgamento e a exclus��o dominam a
mente dos religiosos. Usando a linguagem de Marco Polo, podemos
dizer que tudo isso s�� aumenta o ��ndice GEEI - comentou Sofia.
- Nunca vi Maria por esses ��ngulos - confessou o te��logo do
Vaticano de forma sincera.
- Embora me faltem muitos elementos sobre sua personalidade,
Maria foi a mulher mentalmente mais saud��vel que j�� analisei - afirmou
Marco Polo, emocionado.
- Isso �� um absurdo, Marco Polo - comentou Michael, irritado.
- Voc�� est�� mudando de lado. Cad�� um dos ateus mais famosos de
nosso tempo?
- Michael, n��o estou aqui para defender meu ate��smo e muito menos
para defender as religi��es. Estou aqui para ser imparcial. Seria f��cil dizer
que tudo isso �� uma bobagem, que Lucas �� um escritor d��bil, que Maria
�� uma mulher superficial e que os fatos que envolvem o menino Jesus
s��o banais. Mas tenho de ser honesto: esta an��lise me deixou chocado!
- Mas muitos religiosos s��o est��pidos e superficiais! - esbravejou
Michael.
- Mas n��o os estou analisando! Muitos baniram Deus por causa dos
comportamentos dos crist��os! Para mim, isso �� um convite �� superficialidade!
Resolvi ir fundo na avalia����o da mente desse Jesus. N��o me
preocupam as consequ��ncias!
Sofia olhou para Marco Polo e respirou profunda e lentamente. Estava
impressionada com sua transpar��ncia.
- Que outros elementos voc�� tem para afirmar que Maria era mentalmente
saud��vel? - perguntou ela.
Antes de responder, Marco Polo lhe fez uma pergunta:
- Quem foi a mulher com a autoestima mais s��lida da hist��ria?
- N��o tenho ideia. Acho imposs��vel saber - afirmou Sofia.
- Provavelmente foi Maria! - declarou Marco Polo.
- Maria? Como? - indagaram os dois te��logos.
- Era s�� o que faltava! - bradou Michael.
- Ela corria o risco de ser apedrejada?
- Sim - responderam em un��ssono.
- Corria o risco de ser considerada her��tica ou insana?
- Sim - disseram novamente.
- Seria poss��vel, em meio a todo esse inferno emocional, preservar
uma autoestima s��lida?
- Seria quase imposs��vel - afirmou Sofia.
- Todavia, Sofia, Maria ousou proclamar: "De hoje em diante todas
as gera����es me chamar��o bem-aventurada" Ela proclamava que todas as
gera����es humanas, at�� o dia de hoje, a chamariam de feliz das felizes,
mulher das mulheres, quando o solo ru��a aos seus p��s. Quem teve uma
autoestima t��o s��lida?
Sofia sorriu e disse:
- Tenho de reconhecer que essa conclus��o �� incr��vel. Hoje as mulheres
olham no espelho uma ruga, uma cicatriz, e l�� se vai a autoestima.
Apesar de ser psiquiatra, minha autoimagem precisa ser calibrada.
- Eu me cobro demais e sou hipersens��vel a ofensas e cr��ticas - confessou
o Dr. Alberto.
- Grandes profissionais que n��o gerem sua emo����o s��o carrascos de si
mesmos. �� preciso se reinventar - comentou o psiquiatra, alertando-os.
Em seguida comentou que autoestima �� uma palavra muito simples,
mas tem consequ��ncias brutais. �� imposs��vel ter sa��de emocional sem
uma autoestima sustent��vel.
- Por qu��? - indagou Michael, inquieto.
- Porque quem tem baixa autoestima �� intolerante ��s frustra����es,
tem baixos n��veis de prazer, n��o ousa, reclama muito e tem enorme
dificuldade em se reinventar. Mendiga o p��o da alegria, ainda que seja
financeiramente abastado. Infelizmente, como disse na confer��ncia da
ONU h�� pouco tempo, estamos na era dos mendigos emocionais.
- Ent��o sou uma mendiga emocional - bradou uma jovem de 30
anos que estava na plateia. - Sou privilegiada social e financeiramente,
mas estou me especializando em reclamar e me punir.
- Eu tamb��m. Sou modelo fotogr��fico, mas estou sempre me cobrando
- contou um jovem de 25 anos. - Detesto ver minhas fotos em revistas
e comerciais. J�� me cortei duas vezes, me punindo!
Todos ficaram assustados com esses testemunhos.
- Mas voc��s s��o t��o belos! - afirmou o Dr. Alberto, sem compreender
as raz��es dessas pessoas que t��m tudo para serem felizes, mas s��o tristes.
- N��o �� o espelho que denuncia a beleza. Ela est�� nos olhos do observador!
N��o �� a maciez da cama que determina o sono, mas a mente de
quem dorme - afirmou Marco Polo com propriedade.
Sofia aproveitou e disse:
- O mundo estava desabando sobre Maria, mas seu Eu n��o sucumbia
ao medo nem ��s cobran��as!
- Talvez gritasse dia e noite no sil��ncio de sua mente: "Os melhores
dias est��o por vir!" - Ent��o Marco Polo advertiu os que o ouviam: Cuidado!
Se querem ser emocionalmente saud��veis, h�� um lugar em
que voc��s n��o devem ser t��midos: dentro de si mesmos!
Com essas palavras Marco Polo encerrou mais uma mesa-redonda.
Muitos dos que assistiam ao debate, seja ao vivo ou pela internet,
descobriam que eram mendigos emocionais; que precisavam de muito
para sentir pouco; que sua emo����o n��o tinha estabilidade: num per��odo
estavam alegres; noutro, angustiados e desanimados.
Entenderam que n��o precisavam assistir a um filme de terror para se
aterrorizar. Eles mesmos constru��am seus monstros. Faziam parte da
estat��stica dos miser��veis da era moderna. A bomb��stica mesa-redonda
organizada por Marco Polo os estimulou a sair da plateia, entrar no
palco da pr��pria mente e come��ar a dirigir um novo script. Jerusal��m
mais uma vez influenciava o mundo...
15
FATOS ESTRANHOS NOS
BASTIDORES DO DEBATE
Michael ficou tenso com a explica����o de Marco Polo sobre a era
dos mendigos emocionais. Vestiu a carapu��a: era insatisfeito,
irritadi��o, pouco contemplativo e dado ao pessimismo. Seu ��ndice GEEI
era alt��ssimo. Ele demonstrava ser intoc��vel, dur��o, mas no fundo sua
autoestima era fr��gil. Sofrera bullying na inf��ncia. Era gordo, motivo de
piadas de garotos insens��veis. A duras penas emagrecera.
No debate seguinte tocou no assunto. No entanto, em vez de falar de
si mesmo, atacou o otimismo exagerado de Maria, questionando sua
sanidade mental:
- Marco Polo, no ��ltimo debate voc�� disse que Maria tinha uma autoestima
t��o s��lida que foi uma das maiores da hist��ria. Talvez, sob alguns
aspectos, a maior. Ela teve a coragem de dizer que todas as gera����es a
considerariam a mais feliz das mulheres ou a bem-aventurada. Mas,
como cientista que sou, j�� vi muitos loucos sofrendo de del��rio de grandeza.
Maria n��o era v��tima de um surto psic��tico? Ou de um estado de
euforia, de uma depress��o bipolar?
O Dr. Alberto ficou inquieto. Sofia e o Dr. Thomas tamb��m.
- Michael �� um especialista em sabotar as coisas em que cremos! disse
exasperado o te��logo do Vaticano.
- Relaxe, Alberto, voc�� me aceitou nesta mesa-redonda, ent��o vai ter
que me engolir!
I28
Marco Polo, por sua vez, interveio suavemente:
- Os questionamentos de Michael s��o pertinentes, doutor Alberto.
Depois, com um sorriso no rosto, discorreu:
- Pensei muito no assunto. Para espanto da psiquiatria e da psicologia,
no mesmo poema em que Maria diz ser a mulher das mulheres,
a feliz das felizes, ela exalta de forma profunda e po��tica as pr��prias
limita����es. Ela diz com todas as letras: "Deus contemplou a humildade
de sua serva" Portanto, ao mesmo tempo em que a autoestima dela
estava nas nuvens, sua consci��ncia cr��tica tinha ra��zes fincadas na terra,
o que n��o ocorre num surto psic��tico nem no estado de mania de uma
depress��o bipolar.
- Autoestima not��vel e humildade extraordin��ria habitavam a mesma
mente - declarou o Dr. Alberto, satisfeito.
-E ao mesmo tempo! - exclamou o psiquiatra.
- Essa Maria analisada e descrita nesta mesa-redonda talvez seja muito
maior do que os cat��licos descobriram e do que os protestantes imaginaram
- comentou o te��logo de Harvard.
- Talvez Maria seja maior at�� do que os islamitas compreenderam.
Ela �� a ��nica mulher citada no Alcor��o - relembrou Marco Polo.
- N��o sabia disso - afirmou Sofia.
Michael esfregou as m��os no rosto, relaxou e depois concluiu, perplexo:
- N��o poucos psiquiatras e psic��logos torcem o nariz para a religi��o
judaico-crist��, dizendo que ela �� promotora do sentimento de culpa e da
autopuni����o. Mas tenho que admitir que o doutor Lucas descreve personagens
que viveram com maturidade e leveza extraordin��rias.
-O Deus de Maria era um poeta da generosidade, seu prazer em se
doar, abra��ar e dar tantas oportunidades quantas fossem necess��rias
parece consumi-lo. Somente isso explica a express��o em seu Magnificat:
"A sua compaix��o se estende de gera����o em gera����o" - concluiu Sofia.
Em seguida Marco Polo fez uma pergunta intrigante:
- Parab��ns, Sofia. Mas lhe pergunto: julgar erros �� um racioc��nio
complexo ou simples?
Ela e os outros disseram:
- Complexo.
- Erraram. �� um racioc��nio simples, linear, l��gico. Qualquer m��sero
computador pode ser especialista em apontar falhas.
Todos ficaram pensativos. Na sequ��ncia, ele indagou:
-E a compaix��o?
- Dif��cil responder - afirmou Michael.
- Pois lhe asseguro que a compaix��o, a toler��ncia, o respeito pelos
diferentes s��o habilidades t��o complexas que ultrapassam os limites da
l��gica, os computadores jamais os ter��o.
- Sinceramente, estou no ch��o. Sempre considerei que o Magnificai
havia sido plantado no c��rebro de Maria de cima para baixo, como
um milagre, mas ele reflete um pensamento sint��tico de uma mente
��mpar - afirmou o Dr. Alberto. - Tenho que rever minhas convic����es
e minhas aulas.
Marco Polo continuou:
- E isso n��o �� tudo, doutor Alberto. Maria tinha consci��ncia pol��tica
agu��ada e sonhava com uma sociedade justa: "Exaltou os humildes e
supriu abundantemente os famintos e despediu de m��os vazias os que se
achavam ricos..." Analisando esses textos, pergunto: Maria falava apenas
sobre os bens materiais? Quem s��o os ricos?
- Os que se infectam com orgulho, inveja, vingan��a, necessidade
neur��tica de poder... - respondeu Sofia. E depois indagou, fascinada:
- Quantas gera����es se passaram para surgir essa Maria? Talvez muitas.
Quantas jovens foram avaliadas nos quesitos transpar��ncia, consci��ncia
cr��tica, ousadia, humildade, autoestima? Talvez milh��es...
Sensibilizado com toda essa explana����o, Michael n��o suportou e
resolveu abrir o cofre de sua mente.
- Humildade n��o faz parte do dicion��rio da minha vida. Autoestima
baixa e orgulho, sim. Meu ��ndice GEEI est�� alto: c��rebro esgotado, fadiga
ao acordar, impaci��ncia... Preciso me rever - confessou.
- Felicito-os por mapearem suas limita����es, meus amigos. Somos eternos
aprendizes, a n��o ser que estejamos mortos - afirmou Marco Polo.
- Parab��ns, Michael! Quanto mais as pessoas t��m sucesso acad��mico
e social, mais vestem um personagem, deixam de ser elas mesmas, t��m
possibilidades de esconder suas ang��stias - comentou Sofia, sentindo
isso na pele.
- E voc��, doutor Thomas? Parece t��o perfeito... - provocou Michael.
Nesse momento o Dr. Thomas desabou. N��o conseguia mais segurar
um conflito que o perturbava:
- Concordo. �� mais dif��cil lidar com o sucesso que com o fracasso.
Quanto mais os te��logos ascendem na carreira espiritual, mais aumentam
as chances de n��o reconhecerem suas frustra����es e fragilidades humanas,
seu humor depressivo. Assumem o papel de super-her��is, solit��rios, sem
ningu��m com quem se abrir. Sou assim, mas n��o posso me calar.
E contou uma hist��ria emocionante, que o estava perturbando
muit��ssimo:
- Meu filho mais velho, Peter, �� depressivo. Nunca valorizei sua
doen��a, mas h�� dois meses ocorreu um epis��dio marcante. Ele n��o se
levantou da cama. Peguei-o dormindo at�� as 13 horas. "S��o 13 horas,
Peter! Parece alienado de tudo! Vive num casulo." "Deixe-me em paz.
N��o quero conversar!", respondeu ele. "Voc�� era um aluno brilhante,
agora se isola do mundo!", tentei persuadi-lo. "N��o tenho mais brilho!"
"Desperte para a vida, menino! Saia desse marasmo!" sentenciei.
O Dr. Thomas parecia abalado, mas continuou:
- Peter n��o me respondeu, fingiu n��o ouvir mais a minha voz. Fiquei
irado. "Voc�� s�� me decepciona!", acusei. "Eu sei disso", disse Peter,
levantando a cabe��a. E, cheio de dor, completou: "O pior de tudo �� que
eu s�� me decepciono tamb��m! Esque��a que eu existo!" Tentei contestar:
"Como esquecer que voc�� existe? Eu pago suas contas, lhe dou comida,
compro suas roupas, pago seu celular e a faculdade que voc�� se nega a
frequentar." Nesse momento Peter se sentou na cama e come��ou a solu��ar.
"Eu n��o estou precisando de um banco. Preciso de um pai..."
Aquilo tocou Thomas profundamente. Ele continuou:
- Ent��o Peter disse: "N��o �� porque sou irrespons��vel, doutor Thomas,
caso contr��rio n��o teria sido o melhor aluno da classe de direito. N��o saio
da cama porque estou morrendo por dentro! N��o percebe? N��o tenho
raz��o para viver..." Abrandando a voz, eu lhe disse: "Confie em Deus,
meu filho." Ao que ele respondeu: "Eu confio em Deus, mas n��o confio
na vida, nas pessoas, nem em voc��, meu pai. Voc�� nunca fala de si
mesmo e nunca me pergunta como estou, o que estou sentindo, que
pesadelos me perturbam!" Arrependido, eu lhe pedi desculpas. Ent��o o
abracei e chorei junto com ele.
Depois de relatar essa hist��ria, o Dr. Thomas caiu em l��grimas.
Marco Polo, lembrando-se do pr��prio filho, se compadeceu do intelectual
de Harvard:
- Os grandes homens tamb��m choram. O problema �� que eles n��o
sabem o que fazer com as l��grimas.
- Tem raz��o. E Peter tamb��m. N��o sei falar de mim mesmo nem
penetrar no mundo daqueles que amo. Fico isolado em minha intelectualidade.
S�� agora estou enxergando que sempre vivi numa bolha
solit��ria. Preciso romp��-la.
- Por que voc�� n��o o encoraja a procurar um psiquiatra? - indagou
Sofia.
- Encorajei. Mas ele resistiu.
- Se voc�� se humanizar, crescer�� dentro dele. Peter certamente o
ouvir�� - aconselhou o Dr. Alberto, seu amigo.
Houve um sil��ncio mordaz na mesa-redonda. Comovidos, alguns
participantes da plateia tomavam notas. Outros se arriscavam a contar
publicamente a pr��pria hist��ria, algo incomum. Um jovem de 30 anos
tomou a palavra:
- Meu pai �� militar. Nunca dialogou comigo. Era um especialista em
me cobrar.
Uma jovem de 25 anos, psic��loga, em sintonia com o outro jovem,
levantou-se e contou:
- Meu pai n��o �� militar, mas professor de psicologia. Apesar disso,
ele nunca se sentou comigo. Nunca me perguntou sobre as l��grimas que
chorei ou que jamais tive coragem de chorar. N��o quero essa educa����o
para meus futuros filhos. S�� depois de ter estudado psicologia comecei
a dar um desconto para ele...
Todos queriam sair da bolha social em que se encontravam. Come��aram
a perder o medo de falar n��o apenas sobre o mundo em que estavam, mas
tamb��m sobre o mundo que eram. Descobriram que viviam tanto na
superf��cie do planeta Terra quanto na superf��cie do planeta emo����o.
- Por tr��s de uma pessoa que fere h�� sempre uma pessoa ferida.
Compreender quem nos machucou n��o muda o outro, mas nos transforma.
Quanto pior a qualidade da gest��o da emo����o, mais importante
ser�� o papel da psiquiatria e da psicologia cl��nica.
Com essas palavras, Marco Polo encerrou outra mesa-redonda.
V��rias pessoas vieram cumpriment��-lo.
- Estava �� beira do suic��dio antes de ouvir esses debates - contou-lhe
um jovem de 18 anos que mal come��ava sua hist��ria e j�� estava desistindo
dela.
- Voc�� n��o quer matar a vida, mas sua dor. Procure um bom terapeuta.
Todos foram para casa pensativos. Michael teve de passar no supermercado.
Ele, que era sempre fechado, passou a cumprimentar pessoas
que encontrava.
- Que alegria �� essa, doutor Michael? - indagou a caixa do supermercado.
- Estou comprando autoestima - brincou.
Sofia sentou-se na cama e come��ou a refletir sobre o que debateram.
Participara de muitas mesas-redondas, mas essa mexera com as entranhas
de seu ser.
Marco Polo, por sua vez, come��ou a andar de um lado para outro
no apartamento, como fazia quando estava inquieto, gestando grandes
ideias. Em seguida, abriu o computador, foi ao seu "di��rio de bordo" e
come��ou a escrever algumas frases:
"Uma tese come��a a se aninhar em minha mente e me deixa ansioso: a
psicologia, a sociologia e a pedagogia, enfim, as ci��ncias humanas, erraram
ao n��o estudar a biografia de Jesus com disciplina e profundidade. O
homem mais famoso da hist��ria tornou-se um tabu. Ferramentas surpreendentes
de gest��o da emo����o deixaram de ser usadas. As universidades
falharam! Eu falhei!"
O psiquiatra lembrou que Maria recebeu a not��cia de que sua alma
seria transpassada pelas perdas irrepar��veis que sofreria. Recordou que
ele mesmo foi transpassado pela perda de Anna.
As l��grimas s��o poemas universais. Quando a boca silencia, os olhos
as proclamam... Os que n��o sabem chorar n��o sabem fazer poemas no
caos! Marco Polo chorou.
16
O MUNDO RUINDO AOS P��S
DE MARCO POLO
Um ano antes
Marco Polo e Anna tinham ido para o Caribe. Comemorariam
mais um ano de casamento. Raramente duas pessoas foram t��o
apaixonadas.
- Voc�� �� inesquec��vel, Marco Polo! Meu eterno namorado.
-E voc�� �� insubstitu��vel, Anna!
"Era uma viagem de comemora����o, mas tamb��m de descanso. Os dois
trabalhavam muito. Ele: psiquiatra, pesquisador, professor universit��rio.
Ela: psic��loga cl��nica, especialista em depress��o.
Para Marco Polo, seus pacientes n��o eram doentes, mas obras de arte
que ele procurava entender. Observando Anna brincar com as ondas,
refletiu sobre a complexidade da vida, pegou um papel e escreveu mais
uma met��fora:
"A personalidade humana �� como uma onda do mar e o tempo �� como
a praia. Cada onda tem uma silhueta, assim como cada personalidade
tem suas caracter��sticas, umas discretas, outras borbulhantes, mas
todas encenam sua pe��a no teatro do tempo e, cedo ou tarde, voltam
t��mida e misteriosamente para o mar da exist��ncia deixando poucos
vest��gios"
Muitos amavam aplausos, premia����es, colunas sociais, mas Marco
Polo amava pensar os mist��rios que cercam a vida.
- Venha curtir o mar! - convidou Anna subitamente, cheia de alegria.
- Estou indo, querida! Mas cuidado, as ondas est��o fortes!
Anna mergulhava como se estivesse rompendo a barreira do tempo e
do estresse profissional. Insistiu de novo:
- Venha, Marco Polo. N��o deixe este momento passar...
Imediatamente ele largou o papel e se deixou abra��ar pelo mar. Mas
no fundo queria o melhor de todos os abra��os, o dela. Anna nadava
tentando vencer a resist��ncia das ondas. Marco Polo nadava atr��s dela.
Ambos sabiam que as coisas simples e an��nimas nutrem mais a emo����o.
Momentos depois foram caminhar na praia. Fitando-o, ela disse
com singeleza:
- N��o precisamos de muito para ser felizes. De que adianta cuidar
dos outros se esquecemos de n��s mesmos?
-A sede de aliviar a dor humana me consome. Mas preciso desacelerar
- confessou Marco Polo. - Sucesso profissional sem sucesso emocional
n��o �� sucesso, �� autodestrui����o...
- Voc�� tem cuidado de si? - fez ela a simples e vital pergunta.
Marco Polo mergulhou na pr��pria mente e foi honesto:
- N��o o suficiente. Estou com 47 anos, meus cabelos come��am a
branquear. Mas voc��, com seus 37 anos, ainda �� uma menina. Ali��s, eu
lhe fiz bem, voc�� est�� mais bonita do que quando a conheci.
- Eu �� que lhe fiz bem! - disse Anna, topando a brincadeira. Consegui
dar um pouco de equil��brio a esse pesquisador maluco que
sempre viveu fora da curva.
- Ainda vivo fora da curva, mas sem d��vida voc�� me trouxe um
pouco para o centro. Obrigado por existir...
De repente duas mulheres muito bonitas passaram �� sua frente. Ela
sentiu que os olhos dele se desviaram discretamente na dire����o delas.
- Est�� olhando para outras mulheres, Marco Polo?
- Meus olhos s��o seus! -E em seguida disse sorrindo: - Est�� com
ci��me, Anna?
- Ci��me, esse velho fantasma que assombra homens e mulheres? Ele
me toca, mas n��o me espanta mais. Ali��s, li seus manuscritos sobre o
ci��me.
- Interessada pelas minhas ideias?
- Sempre estive. Eu me lembro bem: "Quem ama tem ci��mes? Se
considerarmos o ci��me uma busca de aproxima����o, sim! Mas o ci��me
nutrido pelo medo da perda gera a necessidade de controle, que, por
sua vez, torna-se um desvio doentio da necessidade de aproxima����o,
produzindo a busca de uma aten����o exagerada e insaci��vel!" -E ela
completou: - Gostei tanto que at�� decorei. Acho que voc�� tem futuro
como pesquisador e escritor.
- Depois de ter escrito dez livros, talvez eu tenha aprendido alguma
coisa - disse ele livre e leve.
Marco Polo era editado em dezenas de pa��ses, mas nunca perdera
a serenidade. Sabia que o v��rus do orgulho abortava a criatividade.
Depois disso, ele completou:
- O ci��me brando �� inofensivo, torna-se um contraponto �� indiferen��a.
Quem �� indiferente n��o ama, ��s vezes nem a si mesmo. Por outro
lado, quem tem ci��me em excesso se autodestr��i, perde a autoconfian��a
e acelera a perda. E vou defender uma nova tese na psicologia: quem
tem ci��me na verdade n��o quer a aten����o do outro, mas de si mesmo,
pois se autoabandonou. Por isso, por mais que tenha aten����o do outro,
sua sede �� insaci��vel. Errou o alvo.
Ela ficou mais uma vez admirada e orgulhosa do marido. Ele tamb��m
comentou que o ci��me �� outra maneira atroz de esgotar os recursos
naturais do planeta emo����o.
- Espere, isso n��o li - disse ela.
Foi ent��o que ele lhe contou que estava finalizando o desenvolvimento
de um programa sobre Gest��o da Emo����o. Eram um casal inteligente
com di��logos agrad��veis e interessantes.
- E voc��, Marco Polo? Tem ci��me de mim?
- Voc�� �� mais bela que as mais belas garotas.
- Demagogo - disse Anna, dando-lhe um suave belisc��o.
- Sinceramente, ao olhar para voc��, meus horm��nios ficam �� flor da
pele. Como n��o ter ci��me de voc��? Mas eu o administro.
- Sabe por que meu ci��me por voc�� tamb��m �� calmo? - perguntou ela.
- Diga, querida!
- Porque sou linda, maravilhosa e inteligente e voc�� �� um privilegiado
por viver comigo. Se me abandonar, quem vai perder ser�� voc��!
- disse Anna, alegre e autoconfiante.
Estava distante da jovem que fora ref��m do passado, insegura, cuja
m��e havia tirado a pr��pria vida e cujo pai era um milion��rio autorit��rio,
insens��vel, extremamente cr��tico. Tornara-se uma mulher livre. Ap��s
dizer essas palavras, saiu correndo pela praia.
- Espere a��, mocinha. De baixa autoestima voc�� n��o vai morrer! disse
Marco Polo sorrindo e correndo atr��s dela.
Quando ele a estava quase alcan��ando, algo inesperado aconteceu. O
cora����o de Anna come��ou a bater muito mais forte, ela ficou ofegante e
teve uma vertigem. Perdeu os sentidos, caiu e bateu com a face na areia.
- Anna! Anna! O que aconteceu? Voc�� est�� bem?
Marco Polo ficou desesperado. Pensou que ela estivesse tendo um infarto
ou uma crise convulsiva. Mas n��o houve espasmos musculares nem desvio
do olhar ou da rima bucal. Logo ela despertou, mas estava desorientada.
-O que aconteceu? Onde estamos?
- Estamos aqui na praia, no Caribe. Corri atr��s de voc��, mas de
repente voc�� caiu e desmaiou.
- Acho que �� o excesso de trabalho...
Ele limpou delicadamente cada gr��o de areia do rosto dela e a acariciou.
- Querida, voc�� me assustou.
E a beijou suavemente na testa e depois nos l��bios, e a abra��ou.
- Que abra��o gostoso. Vou fazer isso outras vezes - brincou ela.
- Lembrei-me de quando est��vamos nos conhecendo. Seu pai viu
voc�� nos bra��os de um estranho e gritou: "Quem �� esse sujeito, Anna?"
"�� Marco Polo", voc�� disse. "Um aventureiro? O que ele faz?"
- Quase o matei do cora����o quando disse que voc�� era psiquiatra -
Anna recordou.
- N��o foi f��cil vencer o tigre.
- Mas voc�� ainda n��o venceu o doutor Amadeus...
Vendo-a mais relaxada, Marco Polo indagou:
- N��o sente mais nada?
- Estou apenas ofegante e com uma leve dor no peito.
Ele a examinou com cuidado. Seus l��bios estavam azulados, refletindo
a falta de oxig��nio. Marco Polo era m��dico psiquiatra, n��o um
especialista nessa ��rea, mas n��o gostou do que viu.
- Vamos, querida. Talvez tenhamos que fazer alguns exames.
- N��o preciso de exames. Preciso s�� relaxar. O almo��o n��o me caiu bem.
Curiosos os rodearam, alguns com a inten����o de ajud��-los. Marco
Polo agradeceu e, levando o bra��o direito dela sobre seu pesco��o, foram
caminhando at�� o hotel. Anna tomou um analg��sico e um antit��rmico
e logo se restabeleceu.
- Fiquei t��o feliz quando me disse que ainda era uma bela garota que
tentei correr como uma. Estou fora de forma.
- Talvez tenha tido essa queda porque estava com ci��me de mim.
- Seu tolo. -E completou com emo����o: - Estou com saudades do
nosso Lucas. Vou ligar para ele.
Lucas, o ��nico filho, estava com 16 anos. Era um jovem que tinha
alto rendimento nas provas. Sonhava em estudar medicina em Harvard.
Queria seguir os passos do pai, n��o por imposi����o, mas porque o admirava.
No per��odo em que estavam de f��rias no Caribe, Lucas estava na
casa do av��, Dr. Amadeus, o que deixava Marco Polo intranquilo. O sogro
sempre dizia: "Se h�� algu��m que pode ensinar o Lucas a ser empreendedor,
esse sou eu, seu av��! Voc��s s��o intelectuais, duros, sonhadores."
Lucas vivia como um rei na casa do Dr. Amadeus, sem controle. N��o
tinha hor��rio para sair, para dormir, nem limite para gastar. O av�� mentia
dizendo que trazia o garoto na "r��dea curta".
- Onde ser�� que Lucas est��? Ele n��o atende!
- Lembre-se, Anna, que sempre dissemos para ele n��o ficar conectado
o dia todo no celular. S��o cinco da tarde de s��bado. O menino tem
ju��zo. Deve estar no cinema com alguma garota.
Anna deitou-se, relaxou e dormiu por duas horas. Marco Polo, prevenido,
j�� havia contatado um centro m��dico. Esperava ser chamado
para o atendimento. Infelizmente, Anna acordou ofegante e com dor no
peito outra vez. Foram r��pido �� consulta m��dica.
Chegando ao centro m��dico, ela foi examinada por um cl��nico geral
experiente, o Dr. Franklin. Depois de fazer perguntas e examin��-la, ele
pediu um raio X e um exame de sangue. Quando chegaram os resultados,
o m��dico se mostrou muito preocupado.
- Anna, voc�� est�� com broncopneumonia... Enfim, pneumonia bilateral.
A falta de ar e dor tor��cica difusa decorrem dessa pneumonia.
-�� grave, doutor? - perguntou, ansiosa.
- �� trat��vel. Voc�� �� forte - interveio Marco Polo.
- O ideal seria saber o tipo de agente causador, se v��rus ou bact��ria. E,
se for bact��ria, qual seria o antibi��tico mais eficiente. Mas vou lhe prescrever
um bom antibi��tico de amplo espectro e observar sua evolu����o.
Anna colocou sua m��o direita sobre a esquerda de Marco Polo e
lamentou:
- Estraguei nossas f��rias, querido.
- De modo algum...
A noite Lucas ligou.
- Filho, que saudade! Onde esteve?
- Fui ao cinema com uma garota que conheci esses dias. E voc��,
mam��e?
- Peguei uma pneumonia. Mas logo vou ficar boa.
E conversaram por longos minutos. Depois disso o pai dela, Dr.
Amadeus, pegou o telefone.
- Est�� doente, Anna? Como assim?
- Uma pneumonia, papai. Mas estou medicada.
- Marco Polo est�� lhe dando aten����o?
- Como sempre, papai...
I40
- N��o sei, n��o. Quer que envie um avi��o para peg��-la?
- N��o �� necess��rio.
Tr��s dias depois, Anna continuava febril e com falta de ar ao m��nimo
esfor��o. As imagens do raio X pioraram em vez de melhorar.
- Deve ser uma bact��ria resistente. Recomendo que voc�� procure um
centro m��dico maior e fa��a mais uns exames - recomentou o Dr. Franklin.
- Precisamos partir, querida - disse ele, franzindo a testa e pegando
suavemente suas m��os. -A pneumonia n��o cedeu. �� melhor tratarmos
no hospital onde trabalhamos.
- Estou preocupada, querido, mas vai dar tudo certo - disse ela com
brandura.
- Venceremos essa bact��ria! - assegurou ele.
Pegaram o primeiro voo para Los Angeles, a cidade onde moravam.
Marco Polo estava preocupado com as superbact��rias resistentes a
antibi��ticos. Mas n��o comentou nada. Anna viajou de m��scara. Tomou
todos os cuidados para n��o contaminar os passageiros e para n��o se
contaminar com outros agentes. Fatigada, adormeceu.
Ela acordou quando o avi��o aterrissou. Uma cadeira de rodas a
esperava. Havia um funcion��rio do aeroporto �� disposi����o deles para
facilitar a sua sa��da. Era triste a cena. Foram diretamente ao hospital.
Marco Polo havia acionado uma equipe dirigida pelo Dr. Matheus, um
amigo pneumologista. Revelando ternura, Anna foi transportada numa
cadeira de rodas pelos longos corredores.
Como trabalhava no hospital e tamb��m fazia trabalho social na ala
infantil, foi reconhecida por todos assim que chegou no sagu��o.
- Anna? O que aconteceu? - indagou uma enfermeira preocupada
com sua debilidade.
- Uma pneumonia me derrubou. Mas vai dar tudo certo.
- Ol��, Anna! Desejo melhoras para a m��e das crian��as abandonadas
- disse uma m��dica abanando as m��os.
- Anna! Anna! - Gritaram tr��s crian��as de 5, 6 e 7 anos de uma casa
de acolhimento a que ela dava assist��ncia gratuita. Correram at�� ela e
a beijaram.
- Jorge, Rafael, Leo? Que bom ver voc��s - disse ela recordando os
nomes. Ficou t��o emocionada que come��ou a ter falta de ar.
- Anna, precisamos ir - disse o m��dico, preocupado. Os meninos
pareciam tristes. Anna lacrimejou e, ofegante, os deixou.
Feitos os exames, o Dr. Matheus e sua equipe entreolharam-se preocupados.
- Olhe, Marco Polo, os exames mostram que ela tem uma pneumonia
difusa e severa em ambos os pulm��es. Comparando as imagens
feitas no Caribe com as de agora, a pneumonia est�� em franca
progress��o.
Entraram com outros antibi��ticos.
-O ideal seria fazer um exame da secre����o pulmonar, mas voc��,
Anna, n��o consegue escarrar. Se as imagens n��o melhorarem nos pr��ximos
tr��s dias, faremos uma broncoscopia para retirar um pequeno
fragmento para an��lise.
- Est�� certo, doutor, vamos fazer o necess��rio - comentou ela, preocupada,
mas n��o desesperada.
- Cuide bem dela, Matheus.
O pneumologista abriu um sorriso e observou:
- Em nossa roda de amigos sempre comentamos que voc��s s��o um
casal invej��vel.
Nesse exato momento Anna teve uma crise de falta de ar. O Dr. Matheus
colocou-lhe rapidamente uma m��scara de oxig��nio para alivi��-la. Em
seguida apareceram tr��s amigas com buqu��s de flores: Julia, Beatrice e
Hillary. Uma delas segurava um cartaz que dizia:
"A amiga mais querida do mundo!"
Anna tirou a m��scara e abriu um sorriso. Ela e Marco Polo irradiavam
sociabilidade. Lideravam um projeto em mais de vinte orfanatos
que ensinava crian��as e adolescentes a desenvolverem habilidades
socioemocionais.
- Amiga, amamos voc��. As crian��as dos orfanatos est��o sentindo
sua falta.
- Como elas est��o?
- Vamos ��s l��grimas ao ver o progresso delas. As crian��as est��o se
tornando resilientes e aprendendo a pensar antes de reagir.
- Muitos trabalham por um sal��rio, outros por seus sonhos. Obrigada
- comentou ela com sensibilidade.
- Sinto muito, mas agora voc��s precisam ir - interveio o Dr. Matheus.
- Anna precisa descansar.
De repente ela teve outra crise de falta de ar. Essa foi mais intensa.
O Dr. Matheus teve de socorr��-la rapidamente. As amigas sa��ram chorando
ao ver sua ang��stia respirat��ria. Minutos depois, Anna come��ou
a tomar outro coquetel de antibi��ticos.
Passados tr��s dias, era de esperar alguma melhora. Mas, infelizmente,
n��o foi o que aconteceu.
- N��o desista, meu amor - disse o pesquisador que estudava o funcionamento
da mente humana.
- N��o tenho medo de morrer, tenho medo... de perder voc�� e o
Lucas... - disse ela, emocionada.
Comovido, Marco Polo tinha a voz embargada:
- Esque��a-nos, querida... Por enquanto, concentre-se... em sua sa��de.
Dez minutos depois o Dr. Matheus entrou no quarto para fazer sua
visita di��ria. Sem meias palavras, foi transparente:
- Comparei os raios X e as tomografias dos dias anteriores com as de
hoje de manh��. Sua pneumonia �� resistente, Anna.
No meio da not��cia ruim, Anna recebeu uma liga����o. Era seu filho.
- Posso atender, doutor Matheus? �� meu filho, Lucas.
- Claro, mas procure n��o se emocionar muito.
- Filho, que bom ouvir sua voz! Como est��o as f��rias? - indagou com
voz fr��gil e lenta.
-O vov�� me deixa fazer muitas coisas divertidas. E voc��? Por que
est�� falando com dificuldade?
- Ainda n��o acertamos... o antibi��tico. Mas logo daremos um chega
para l��... nessa pneumonia.
- Voc�� n��o est�� bem. Tentarei pegar um voo ainda hoje. Quero ficar
ao seu lado.
- N��o adianta... Curta suas f��rias... Em poucos dias elas terminam...
- Mas, mam��e, voc�� mal consegue falar...
De repente, o pai de Anna, Dr. Amadeus, percebendo que a evolu����o
da doen��a da filha n��o estava sendo satisfat��ria, num rompante de raiva
tomou o telefone das m��os do neto e, destitu��do de preparo emocional,
falou para a filha:
- Saia da�� imediatamente, Anna! V�� para um hospital melhor! E
mande a conta para mim!
Era o que seu pai sabia fazer: pagar contas. Tinha um medo terr��vel
de doen��as, nunca frequentava hospitais e raramente ia a vel��rios.
- Estou sendo... bem atendida, papai...
Marco Polo percebeu que Anna ficou mais tensa e ofegante ao falar com
o pai. Retirou o fone dela e procurou diminuir a carga tensional. Mas, por
mais que fosse um psiquiatra experiente, o Dr. Amadeus era intrat��vel.
- Bom dia, doutor Amadeus...
- "Bom dia" coisa nenhuma! Voc�� est�� matando minha filha! - disse,
vomitando as rejei����es hist��ricas contra o "amigo dos psic��ticos".
Marco Polo tentou se conter. Ao lado do av��, Lucas o confrontou:
- N��o fale assim com meu pai.
Marco Polo ouviu as palavras do filho, mas afirmou para seu arrogante
sogro:
- Ela est�� tendo o melhor atendimento. M��dicos amigos meus, que
s��o professores universit��rios, a est��o assistindo...
- Professores universit��rios como voc��? Voc��s n��o t��m compet��ncia
para atuar na iniciativa privada e ficam encastelados dentro das universidades!
Leve minha filha agora para o melhor centro m��dico particular
- ordenou o homem cujo deus era o dinheiro.
- Ela est�� num centro de excel��ncia. Tenho de desligar. Obrigado pela
sua preocupa����o... - retrucou Marco Polo.
Ele tentou preservar a tranquilidade de Anna. Depois de se despedir
de Lucas, desligou.
Lucas criticou o av��:
- Meu pai �� excelente m��dico e faz a mam��e muito feliz!
-A ingenuidade �� uma ben����o, Lucas.
- O que voc�� quer dizer com isso? Meu pai �� um pensador respeit��vel.
- Pensadores morrem de fome e, ��s vezes, matam os outros de fome
tamb��m. E silencie suas l��grimas! Homens n��o choram!
- Quem chora, ent��o? Os computadores?
- Cale-se! Respeite os mais velhos, seu insubordinado!
E, ap��s repreender Lucas, saiu de cena. Sequer procurou consol��-lo
em rela����o �� doen��a da m��e.
O garoto foi para o quarto e come��ou a derramar suas l��grimas ��s
escondidas. Depois pegou um travesseiro e o colocou sobre o rosto. N��o
tinha consci��ncia, mas estava perdendo quem mais amava...
I45
17
UM MENINO ALEGRE QUE VIVEU
H�� DOIS MIL ANOS
Um menino de 5 anos observava deslumbrado algumas borboletas
que passavam por ele e come��ou a correr atr��s delas. Corria de um
lado para outro como se quisesse bailar no ar. Com os bra��os abertos,
reproduzia os movimentos dos insetos. Seus pais e dois l��deres religiosos,
Josefus e Benjamin, que estavam de visita, observavam-no atentamente.
Euf��rico, o menino gritava sem parar:
- Voa, borboleta linda! Voa!
E dava risadas. Acompanhava a trajet��ria de uma borboleta, depois
de outra e ainda outra. Tinha uma energia descomunal. Josefus, um dos
visitantes, ficou impressionado e falou para seus pais:
- Raramente vi um menino t��o alegre.
- De onde vem tamanha felicidade? Voc��s n��o s��o ricos, a casa n��o
tem grande conforto, lutam todos os dias para sobreviver, mas esse
menino sorri como se fosse o mais rico do mundo - indagou Benjamin,
o outro visitante.
- Meu filho �� especial - disse a m��e.
- Todas as crian��as s��o especiais - comentou Benjamin.
- Mas esse menino faz de pequenas coisas um espet��culo aos seus
olhos - concordou o pai.
- Interessante - disse Benjamin, desconfiado. - Mas quem o ensina a
admirar a natureza? Jos�� ou voc��, Maria?
-�� da natureza dele. Ensinamos um pouco, mas parece que ele tem
sede de viver. Quer explorar tudo, conhecer tudo, brincar com tudo. E
todas as noites me pede para lhe contar hist��rias. S�� depois fecha os
olhos.
- �� seguro?
- Parece n��o ter medo de nada. Veja, ele est�� querendo montar numa
ovelha! - disse a m��e. - Cuidado, meu filho! - E continuou: - Ele brinca
com c��es bravios e eles se acalmam.
Jos�� deu um toque em Maria para ela n��o revelar tudo. Era melhor
preservar o filho.
- Mas como ele pode fazer isso? - perguntou Josefus co��ando sua
longa barba.
Eis que nesse momento passava um cavaleiro trotando rapidamente.
O menino foi ao encontro dele.
- Cuidado! - disse Benjamim, com medo de que fosse pisoteado.
- Filho! - gritou a m��e, desesperada mais uma vez.
Mas o animal interrompeu sua marcha e se aproximou lentamente
do menino abaixando a cabe��a, como se lhe fizesse rever��ncia. Para
espanto de todos, ele a co��ou.
- Que incr��vel! - disse Benjamin, um fariseu importante, ao observar
a cena.
- Voc��s n��o devem ser irrespons��veis deixando-o solto - advertiu o
outro l��der religioso.
- Mas �� imposs��vel cont��-lo! - afirmou a m��e.
De repente o menino bradou:
- Vem, papai, vem, mam��e, vamos brincar com o cavalo!
- Agora n��o, Jesus - disse o pai. - Venha, vamos para casa.
Ent��o ele parou e obedeceu. O cavaleiro, impressionado com a habilidade
do menino, partiu olhando para tr��s.
- Ele chora muito?
- S�� em situa����es extremas! - contou o pai. - Mas logo ele se refaz
e reassume seu sorriso. Sou carpinteiro, senhores, e meu filho �� forte
como as mais resistentes madeiras.
Correndo na dire����o dos pais, o menino n��o viu uma pedra, trope��ou,
caiu e bateu com o rosto nos pedregulhos do solo. Maria correu
ao seu encontro, foi a primeira a socorr��-lo. Logo depois, Jos�� e os
dois l��deres chegaram.
- Meu filho, voc�� se machucou?
Sua face direita sangrava. Por instantes ele chorou, mas logo se refez
e, como Maria havia comentado, abriu um sorriso.
- l�� estou bem.
- Mas que menino �� este? Devia estar gemendo de dor - afirmou
Benjamin.
Os l��deres religiosos se entreolharam e ficaram intrigados com a
recupera����o do garoto. Sua capacidade de lidar com a dor era incomum.
Ativo, mas obediente, sens��vel, mas forte.
- Vamos cuidar desse machucado.
- N��o est�� doendo. Vamos brincar!
- Para ele, parece que a vida �� uma eterna brincadeira... - disse o pai,
fascinado com tanta energia.
Jos�� pegou a m��o direita de Jesus e os tr��s come��aram a se despedir.
Todavia, mais um epis��dio misterioso ocorreu. O menino ouviu o balido
de uma ovelha com um filhote, que deu um gemido sofr��vel que s��
ele percebeu.
-O carneirinho est�� doente.
-O qu��? Que carneirinho? - perguntou o pai.
O menino se soltou do pai, deu alguns passos e apontou:
- Aquele.
Mas, como o animal estava distante, saiu correndo atr��s dele.
- Jesus! Jesus! Venha aqui.
- Mam��e, o filhote est�� com dor! - afirmou. - Vamos!
E, intrigados, o acompanharam. Quando o menino se aproximou, a
m��e do filhote amea��ou lhe dar uma cabe��ada.
- Cuidado, filho! - gritou a m��e.
Mas imediatamente ela se acalmou. Outra vez se surpreenderam.
Constrangida, a m��e reafirmou:
- J�� lhes disse, os animais o amam.
Quebrando o clima de tens��o, o pai interveio:
- Meu filho, o carneirinho est�� ��timo. Ele est�� andando.
- Mas ele n��o est�� mamando - afirmou a crian��a.
De repente, Josefus, que entendia de cria����o de ovelhas, olhando para
o ��bere da m��e, viu que ele estava cheio, pingando.
- Esperem, o menino tem raz��o. O filhote n��o est�� mamando. Foi
rejeitado pela m��e. Realmente est�� fraco, cambaleante. Se n��o derem
leite a ele, vai morrer.
Todos se entreolharam admirados. Em seguida, para espanto geral,
o menino se aproximou da ovelha m��e, acariciou sua cabe��a e depois
abra��ou o cordeirinho. Com muito esfor��o, segurou-o em seus bra��os
e o levou at�� o ��bere da ovelha. De repente, o filhote que tinha sido
rejeitado come��ou a sugar o n��ctar da m��e.
- �� incr��vel, nunca vi um comportamento desses. Uma m��e que rejeita
um filhote raramente o aceita de volta - comentou Josefus.
Em seguida se despediram. E, sem que os pais pedissem, o menino
deu um abra��o nos l��deres. Assim, cada um seguiu seu caminho, olhando
para tr��s, algo que sempre ocorria com os passantes que encontravam
Jesus. A cada passo, uma pergunta: "Que menino �� esse? O que ser�� desse
menino quando crescer?"
De repente Sofia acordou. Sentou-se na cama e sorriu. Percebeu que
mais uma vez viajara em seus sonhos. Pensou em Marco Polo. Precisava
contar para ele. No entanto, era uma experi��ncia dif��cil de ser traduzida
em palavras. E seu sono agradeceu. Ela voltou a dormir e teve uma noite
restauradora.
18
O ESTRANHO HOMEM
DE MARKETING DE JESUS
m homem que parecia louco, vestido como um maltrapilho, bra
dava com uma voz vibrante e eloquente sobre a grande revolu����o
social que come��aria de dentro para fora. Proclamava que um l��der se
aproximava e mudaria o status quo das rela����es humanas. Seria o protagonista
de um governo justo e generoso. Parecia delirar. E, sem papas
na l��ngua, colocando a pr��pria cabe��a a pr��mio, apontava as mazelas
dos transeuntes e a corrup����o dos l��deres de seu tempo. Fustigando-os
com vara curta, dizia:
- Ra��a de v��boras, quem os induziu a fugir da ira que est�� por vir?
Nunca se viu algu��m com tanta coragem numa ��poca de persegui����es
pol��ticas. Era recomend��vel a discri����o, mas ele era incapaz de ficar
calado. Queria de todas as formas penetrar nas entranhas da mente das
pessoas e dissecar os tumores escondidos debaixo de sua pele, incluindo
a arrog��ncia e as exclus��es. Seu nome era simples - Jo��o -, mas seus
objetivos eram complexos.
- Eu sou uma voz que prepara o caminho do meu l��der, o senhor do
mundo. Ele �� t��o poderoso e magistral que n��o sou digno sequer de me
curvar perante ele.
As pessoas desenhavam em seu psiquismo um super-her��i inimagin��vel,
um l��der jamais visto, acompanhado de uma escolta triunfal,
transportado numa carruagem coberta de ouro. Sua beleza deixaria
em ��xtase os olhos abatidos pela fome, numa ��poca em que o imp��rio
romano espoliava os celeiros de Israel.
Mas nada de o homem aparecer... �� noite Jo��o procurava repousar
sua voz desgastada pelos brados, mas seus disc��pulos e agregados o
importunavam. Questionando-o, diziam:
- Por que o Messias demora tanto?
- Acalmem-se, todos voc��s. Cedo ou tarde ele vai aparecer.
- Mas que caracter��sticas ele tem para o reconhecermos? - perguntou
um fariseu, um l��der que se unira ao bando dos reacion��rios.
Jo��o engolia em seco, mas n��o perdia a seguran��a.
- Quando o virem, ele ser�� inconfund��vel. Seus gestos, rea����es e
palavras proclamam sua identidade. Seu poder �� incomensur��vel e sua
eloqu��ncia �� arrebatadora.
- Mas como voc�� sabe disso, se n��o o conhece?
A pergunta fatal foi elaborada por um escriba, um professor das
Sagradas Escrituras que tamb��m fora cativado por Jo��o.
O mais importante e estranho especialista em marketing pessoal de
que j�� se teve not��cia respirou e sorriu. Sua emo����o estava �� flor da pele.
- Eu sei porque sei - disse convicto.
Ele inaugurou uma tese que ultrapassaria a de S��crates, feita tr��s
s��culos antes: "Sei que nada sei."
- Mas como �� poss��vel anunciar um desconhecido com tanta seguran��a?
- questionou um l��der pol��tico local.
- Basta! Quando ele vier, nos surpreender��! - disse Jo��o, tentando
acabar com aquele mar de d��vidas.
- Mas, Jo��o, muitos o odeiam por voc�� apontar seus crimes.
Herodes cogita met��-lo no c��rcere. Muitos fariseus t��m ins��nia por
causa das suas acusa����es. Falar do seu nome causa-lhes tremores. Se
o Messias n��o aparecer para lhe garantir a prote����o, cedo ou tarde a
sua cabe��a pode rolar... - comentou um disc��pulo, preocupado com
seu estranho mestre.
- Acaso tenho eu medo da morte? N��o chafurdem na lama do conformismo.
Este mundo precisa ser virado de cabe��a para baixo - disse
ele, virando a cabe��a n��o para baixo, mas para o lado, procurando
repousar ao relento.
Muitos que seguiam os ensinamentos de Jo��o n��o dormiam, comiam
nem se vestiam como ele. De dia ficavam na margem do rio Jord��o e ��
noite iam para suas casas ou para hospedarias. Logo pela manh��, Jo��o
repetia o mesmo ritual. O incans��vel mestre de cerim��nias anunciava o
l��der de seus sonhos, o Autor de uma nova era.
Se Einstein entrasse por uma janela do tempo e o aconselhasse, certamente
o desanimaria. Ouviria dele: "�� mais f��cil desintegrar o ��tomo
do que se desfazer dos preconceitos." Se Martin Luther King tamb��m
pudesse viajar no tempo para orientar seu ��nimo, n��o seria diferente.
Talvez dissesse: "Abraham Lincoln libertou os escravos na constitui����o,
e eu, cem anos depois, estou lutando para desfazer os paradigmas
sociais, resgatando os direitos civis dos negros, mostrando que brancos
e negros s��o iguais na ess��ncia. Somos todos uma s�� fam��lia."
Naquele tempo, como em todas as eras, as pessoas n��o se interiorizavam,
n��o se autocriticavam nem mapeavam as pr��prias falhas. De m��ltiplas
formas, Jo��o proclamava que elas, sobretudo os l��deres, tinham
tr��s necessidades doentias que infectavam suas mentes: a necessidade
de controlar os outros, a de ser o centro das aten����es sociais e a de poder.
Que miss��o dantesca �� remover o lixo do psiquismo humano!
- Ele mudar�� o cora����o humano - afirmava com seguran��a.
- Mas o ser humano �� imut��vel - diziam outros com a mesma
seguran��a.
- Como devemos estar preparados para esper��-lo? - perguntavam
ainda outros, mais sens��veis.
Mas a resposta era bomb��stica, tanto real quanto metaf��rica:
- Quem tiver duas t��nicas, reparta com quem n��o tem. E, quem tiver
alimentos, fa��a-o da mesma maneira.
O mesmo sentimento do Magnificat de Maria estava nas entranhas
desse personagem inusitado. Mas as semanas se passaram e nada de o
Messias aparecer. A impaci��ncia ia aumentando. Cada dia era sentido
como um m��s; cada m��s, como um ano.
Quando tudo parecia uma miragem no deserto, eis que inesperadamente
apareceu um sujeito totalmente diferente das descri����es grandiloq��entes
feitas por Jo��o. N��o havia carruagens, escoltas nem glamour
social. Mas Jo��o o pressentiu.
- Sil��ncio! - disse o homem que sempre fora agitado.
Os olhares se cruzaram. O cora����o disparou e os seus pulm��es aceleraram.
O momento solene finalmente se aproximava. Todos queriam
ver o que Jo��o via, mas ningu��m enxergava. "Onde est�� o imponente
Messias? Onde est�� o pr��ncipe do tempo? Cad�� o libertador?", seus ��ntimos
se perguntavam. C��u claro, sol escaldante, suor no rosto. Jo��o n��o
tardou a apont��-lo.
- Eis o homem que se apaixonou pela humanidade, eis o homem
que se sacrificar�� por ela, tal qual um cordeiro imolado num altar. Eis o
advogado que nos defender�� de nossas loucuras.
Todos, euf��ricos, se esfor��avam para identific��-lo, mas ele se perdia
na multid��o.
- Abram seus olhos e vejam o mais solene dos enviados!
N��o tinha beleza superlativa nem dotes f��sicos not��veis. Tocando os
ombros dos que estavam �� sua frente, pedia delicadamente passagem.
Ningu��m o notou, a n��o ser Jo��o, seu anunciador, o homem que fazia
seu marketing pessoal, que aplainava os acidentes geogr��ficos da mente
humana. Ao identific��-lo, o ilustre mestre de cerim��nias parecia um
menino que encontrara o pai no final da tarde, depois da lida no campo.
- Eis o l��der dos l��deres, o pr��ncipe dos meus sonhos!
- Mas cad�� o homem? - indagavam os miser��veis, pol��ticos, fariseus
e letrados escribas. A decep����o n��o poderia ser maior. - N��o �� poss��vel
que seja ele... Seria capaz de libertar Israel das garras de Tib��rio C��sar
e dos pesados impostos pagos a Roma?
Queriam um libertador pol��tico, mas Jesus era o libertador dos c��rceres
ps��quicos. Como o filme que frequentemente frustra o leitor de uma
obra que j�� havia filmado em sua mente, o personagem de Jo��o n��o
correspondia ��s expectativas de seu imagin��rio. As m��os feridas por
empunhar martelos, as cicatrizes das faces expostas aos raios solares
por horas a fio eram chocantes. Mas, se lhe faltavam as caracter��sticas
exteriores, transbordava ousadia e lucidez.
Ele olhou para Jo��o, mas n��o se identificou. N��o falou seu endere��o,
sua origem, seu projeto de vida, nada... Transpirando sil��ncio pelos
poros, Jesus apenas come��ou a se curvar diante de Jo��o para viver a
inquietante met��fora psicossocial do batismo. Tocaria as ��guas e sairia
delas proclamado um novo homem, capaz de domesticar os fantasmas
que aterrorizam a mente humana, das fobias ao ci��me, do egocentrismo
ao sentimento de vingan��a. Perplexo, o mestre de cerim��nias disse:
- Curva-se a mim? Eu, que sou indigno de desatar-lhe as correias das
sand��lias... Eu �� que devo me curvar diante de voc��...
Ao ouvir essa rever��ncia, um escriba entrou em estado de choque.
- Como pode um homem t��o ousado, que colocava diariamente sua
cabe��a a pr��mio, agir de forma t��o humilde diante desse homem t��o...
t��o simples?
- Incompreens��vel! - confirmou outro letrado.
De agora em diante, esse homem subiria no palco e abalaria os preconceitos
dos espectadores. Como fora dito �� sua m��e quando ele ainda
era beb��, aquele homem dissecaria pensamentos ocultos.
Sala do debate
Marco Polo discorreu na mesa-redonda sobre a hist��ria de Jo��o ponto
por ponto: seu modus operandi, seu projeto de vida, sua atua����o como
mestre de cerim��nias, conforme a descri����o do doutor Lucas. Falou em
detalhes sobre o encontro entre o anunciador e o anunciado. Interpretou
n��o apenas os textos claramente expostos, mas tamb��m deduziu fen��menos
e induziu ideias que estavam nas entrelinhas.
Foi como assistir a um filme dirigido por um h��bil diretor atento aos
detalhes impercept��veis ao primeiro olhar. Alguns poucos e raros filmes
fazem justi��a ao livro em que foram baseados. Os espectadores da
mesa-redonda ficaram maravilhados. Depois de toda essa abordagem,
Marco Polo faria sua an��lise cr��tica.
- Por incr��vel que pare��a, Jesus n��o disse que Jo��o estava exagerando
em sua humildade ao falar que se achava indigno de tirar suas
sand��lias. Suas simples palavras revelam sua dram��tica superioridade:
"Cumpramos as escrituras..."
Michael ficou intrigado com a exposi����o. Numa crise de ansiedade,
bateu na mesa, indignado, quase fora de si. Em seguida assustou n��o
apenas os membros da mesa, mas tamb��m a atenta plateia que os ouvia:
- Esta mesa-redonda �� perturbadora, Marco Polo!
-O que foi? - indagou Sofia, preocupada.
- Sofia... Sofia... a hist��ria desse homem deixa qualquer intelectual
maluco.
- Por qu��? - disse Thomas.
- Como assim por qu��? Por acaso voc��s crist��os cr��em sem consci��ncia
cr��tica? - falou rispidamente - Como Marco Polo tem exposto, os
disparates que acompanham a hist��ria de Jesus s��o no m��nimo bomb��sticos.
Sejam honestos ao responder.
Depois de uma pausa para respirar, come��ou sua bateria de perguntas:
- Ele foi anunciado como rei?
- Sim - afirmou o Dr. Alberto.
- Mas esse an��ncio saiu nas primeiras p��ginas da corte como o filho
dos pr��ncipes? - indagou outra vez Michael.
- N��o! Foi anunciado ocultamente por um estranho que apareceu no
quarto de Maria - comentou Sofia.
- Foi concebido com a participa����o de homem? - indagou Michael.
- Segundo o doutor Lucas, n��o - apontou o Dr. Thomas.
- Teve um nascimento digno?
- N��o - disse o Dr. Alberto. - Nasceu num est��bulo.
- Foi protegido na inf��ncia?
- N��o! Fugiu para o Egito - rebateu Sofia.
- S�� esses pontos j�� enlouquecem qualquer pensador.
E, depois de outra pausa para pensar, continuou:
-A educadora encarregada de cuidar do filho do "Todo-Poderoso"
tinha status nobre?
- N��o! Era uma adolescente pobre de uma regi��o miser��vel - comentou
o Dr. Alberto.
- Ela e o menino correram risco de vida?
- Provavelmente muitos - afirmou Sofia.
- Em meio ao turbilh��o de riscos, ela tinha autoimagem fragmentada?
- N��o. Vimos que tinha alt��ssima autoestima! - disse o Dr. Thomas.
- Maria vivia na era do analfabetismo?
- Sim, apesar de a cultura grega ter sido difundida por Alexandre, o
Grande.
- Com quem aprendeu a ler?
- N��o sabemos! - afirmou o Dr. Alberto.
- Mist��rios e mais mist��rios! Tudo aqui �� um mar de segredos! - afirmou
Michael.
Marco Polo admirava a capacidade de s��ntese do amigo.
-E tem mais - contestou o neurocientista. - Quando Jesus, o filho
do suposto Autor da Exist��ncia, resolveu abrir a boca ao mundo, usou
uma "equipe" de marketing formada por um s�� homem. E, pior ainda,
um homem que comia, se vestia e falava como um extraterrestre.
Muitos deram risadas na plateia, mas estavam pensativos. Ele tinha
raz��o.
-O caso n��o �� de rir; �� de chorar! E, al��m disso, ele foi o primeiro
profissional de marketing que propagandeou um homem sem conhec��-
lo! E, para piorar mais uma vez, ao inv��s de ser polido, discreto, esse
marqueteiro descia a lenha nas lideran��as da ��poca.
- S��o inumer��veis os paradoxos - afirmou o Dr. Thomas.
Diante disso, Michael se levantou, fitou seu amigo psiquiatra e companheiro
de ci��ncia e concluiu, ansioso:
- A hist��ria de Jesus est�� perturbando minha racionalidade, Marco Polo!
- Sente-se, Michael. - solicitou Marco Polo com calma. - Voc�� est��
tenso.
- Tenso? Minha mente est�� um caldeir��o em ebuli����o. - Depois
advertiu: - Marco Polo, voc�� �� um not��vel psiquiatra. Vamos cair fora
desta mesa-redonda, sen��o vamos ter um surto psic��tico!
Muitos na plateia deram novas risadas pela maneira como Michael
fez sua abordagem, inclusive o Dr. Thomas e o Dr. Alberto. Mas ele
estava falando s��rio.
- Isso n��o �� engra��ado, senhores Thomas e Alberto! Talvez os senhores
j�� tenham enlouquecido e n��o sabem disso - afirmou Michael.
As pessoas riram mais ainda, mas ao mesmo tempo mergulharam
nas ��guas da reflex��o.
- Esses paradoxos s��o maravilhosos. Um prato cheio para quem
gosta de pensar, mas nem a ci��ncia nem as religi��es se debru��am e se
deslumbram diante deles - concluiu Sofia com a maior seriedade.
De repente, um senhor de cabelos grisalhos, que era um f��sico da
Universidade de Oxford, comentou:
- Eu n��o sou religioso, mas estou t��o perplexo quanto o doutor
Michael. A Europa trata a mente mais famosa da hist��ria com superficialidade.
Estamos perdendo a capacidade de questionamento!
Ent��o Marco Polo respirou fundo e fez um coment��rio ser��ssimo:
- Michael, meu amigo de ci��ncia, o que me deixa perturbad��ssimo
�� que todos esses paradoxos que estamos analisando e que voc�� sintetizou
gritam mais uma vez que Jesus n��o poderia ser um personagem
inventado!
- Como assim, Marco Polo? - indagou Michael, confuso.
- Pense comigo. Voc�� usaria Jo��o como seu homem de marketing
para se candidatar �� chefia do departamento da universidade?
- Claro que n��o, Marco Polo. Ningu��m em s�� consci��ncia usaria
um homem como ele. Ele me faria perder muitos votos. Ali��s, o resultado
da elei����o pode sair ainda esta noite. Estou confiante em que
serei o vencedor!
Alguns na plateia aplaudiram. Gostavam de seu modo despojado e
irreverente. Ele levantou as m��os, agradecendo.
- Mas, continuando, ao que tudo indica, Jo��o de fato queria aplainar
o relevo da mente dos seres humanos, doesse a quem doesse. Mesmo
que o resultado fosse um antimarketing.
- Tem raz��o - reconheceu Marco Polo.
- Que escritor teria habilidade de construir um personagem com
esses fen��menos sociais? Ali��s, a hist��ria de Jesus n��o perturbou apenas
n��s, mas tamb��m os seus escritores, inclusive o doutor Lucas. Seus
textos mostram um homem at��nito com o personagem que descrevia.
Ele tinha tantas coisas para escrever, mas procurava ser constantemente
sint��tico. E, al��m disso, sua escrita tinha problemas de pontua����o ��s
vezes, sem pausas para respirar, de t��o fascinado que estava.
-O menino que estamos estudando �� muito diferente da crian��a
pacata do Natal. Tudo nele foge ao previs��vel - acrescentou Sofia.
- Quando nossos alunos se formam nas universidades, embora estejam
despreparados para a vida, seus pais fazem festas solenes, como se
fossem her��is. Mas Jesus teve zero privil��gios sociais do nascimento ��
morte - concluiu Marco Polo.
- Que loucura! Isso n��o foi cruel? - afirmou Michael.
De repente, Sofia chegou a uma conclus��o bomb��stica:
- Talvez as regalias lhe tenham sido tiradas para que sua luz brilhasse
de dentro para fora...
Marco Polo colocou as m��os na cabe��a, incomodado.
- Voc�� est�� defendendo a tese de que o suposto Autor da Exist��ncia
controlou o tempo e o espa��o para que seu enviado nascesse sem regalias
sociais? Est�� dizendo que o objetivo de todos esses paradoxos era que ele
revelasse sem qualquer maquiagem sua notoriedade psicol��gica?
-A conclus��o de Sofia faz todo sentido! - afirmou o Dr. Alberto.
- Mas esse pai atirou o filho na cova dos le��es - afirmou Michael.
Diante disso, Marco Polo comentou inteligentemente:
- Mas esse Deus dos crist��os estaria disposto a correr tanto risco?
- Como assim? - indagou Sofia, intrigada.
- Retire o nome, o poder, o status e os bens materiais dos reis ao
longo da hist��ria e observe se eles seriam capazes de brilhar no anonimato,
por si mesmos.
- Muitos eram t��o incompetentes que n��o passariam de vassalos afirmou
Michael. - Nem bajuladores sobrariam.
- Mesmo alguns presidentes eleitos democraticamente, se lhes tirar
mos o poder, o status, o populismo e os testarmos nos solos do anonimato,
seriam incapazes de administrar um botequim, um pub, uma
microempresa - afirmou Marco Polo.
- E, j�� que tudo foi tirado do personagem mais famoso da hist��ria,
tamb��m tiraremos todo o nosso pudor em investig��-lo - concluiu
Michael solenemente.
- Correto. A partir de agora, analisaremos sua intelig��ncia sem preconceitos
nem dogmas, sobre o que sobrar, doa a quem doer. Poderemos
nos decepcionar muit��ssimo - comentou Marco Polo.
- Ou admir��-lo muit��ssimo - ponderou o intelectual do Vaticano.
- Eu pago para ver - arrematou Michael.
- Espere, Michael. Voc�� vai ter um surto psic��tico - provocou o
Dr. Thomas, tal como ele havia feito antes.
- Estou gerindo melhor minha emo����o - disse o outro, saindo pela
tangente.
Nesse exato momento, o telefone de Michael come��ou a vibrar.
Ningu��m olhava o celular enquanto debatiam, mas havia uma mensagem
urgente.
- Desculpem-me por olhar a mensagem, mas �� urgente.
A medida que lia, ia parecendo mais abalado. A mensagem dizia:
"Cuidado com esse debate! Em qualquer uma dessas noites sua fam��lia
poder�� ser sequestrada."
Ele passou o telefone para Marco Polo l��-la. Este ficou muito preocupado.
Michael comentou a mensagem com todos, que tamb��m se
abalaram. Mas se refez e comentou:
- S�� pode ser brincadeira de mau gosto. �� raro haver sequestro de
civis em Jerusal��m.
- Ser�� que algu��m est�� tentando nos impedir de participar destes
debates? - indagou Sofia.
- Muitos est��o assistindo pela internet. E h�� sempre alguns malucos
no mundo virtual. Amea��as est��reis - afirmou o neurocientista.
- Fique �� vontade, Michael. Se quiser desistir da mesa-redonda, n��s
entenderemos.
- Como? Eu oriento mestrandos e doutorandos, mas h�� t��o poucas
teses interessantes e inovadoras na atualidade... Mesmo quando eu
penso em desistir destes debates, sei que eles se tornaram meu maior
desafio intelectual!
Sofia lembrou-se dos riscos que ela e Marco Polo correram, mas tentou
se motivar.
- Depois de tudo o que vimos, estudar a mente de Jesus tornou-se uma
grande miss��o... embora tenhamos encontrado pedras no caminho.
- Confesso que nunca fiquei t��o apreensivo e, ao mesmo tempo, t��o
interessado em descortinar a personalidade do homem que eu sigo! afirmou
o Dr. Thomas.
A plateia estava lotada; havia at�� algumas pessoas sentadas no ch��o.
Todas elas se levantaram em peso e aplaudiram a ousadia e a honestidade
dos debatedores. Em mais de oitenta pa��ses onde esse debate estava
sendo assistido ao vivo, inclusive de madrugada, incont��veis pessoas
tamb��m aplaudiram. Todos queriam embarcar nessa fascinante viagem
cheia de rotas imprevis��veis e surpreendentes.
19
JESUS E OS MAIS DRAM��TICOS
TESTES DE ESTRESSE
Na manh�� seguinte, Marco Polo estava compenetrado, pensativo,
refletindo sobre as ideias e teses que haviam debatido nos ��ltimos
encontros. Pegou seu computador e mais uma vez escreveu suas
impress��es acerca dos mist��rios da exist��ncia humana:
"A vida �� um grande contrato de risco. E uma das cl��usulas mais
importantes desse contrato �� que devemos viver cada dia como um
novo cap��tulo e cada cap��tulo como uma aventura. Quem se aprisionou
no c��rcere da rotina n��o sonha, n��o se recicla, n��o aprende mais.
Deixou de ser autor da pr��pria hist��ria, tornou-se um zumbi, ainda
que esteja fisicamente vivo. Eu estava assim!"
Depois de escrever essas ideias, ele foi estudar o livro do Dr. Lucas.
Sua mesa tinha dezenas de livros. Ele consultava textos de todas as religi��es
e de diversos pensadores para formular sua an��lise cr��tica. Muitos
intelectuais criam suas ideias em momentos ca��ticos, e Marco Polo
desenvolvia as suas na desordem. Livros no ch��o, textos e mais textos
sobre a mesa, pap��is de anota����es para todos os lados.
�� medida que lia e elaborava questionamentos, sua mente abria as
janelas da mem��ria. Ao ler os textos que se seguiram ao encontro com
Jo��o, o anunciador do Messias, Marco Polo come��ou a ficar abismado.
Ficou espantado ao descobrir que Jesus, antes de abrir a boca ao mundo,
passou pelo mais dram��tico teste de estresse. Intrigado, Jo��o perguntava
a si mesmo: "Quarenta dias no deserto sem comer? Isso �� uma fic����o
ou press��o total? Como, no ��pice do esgotamento f��sico e mental, ele
conseguiu pensar: 'N��o s�� de p��o viver�� o homem'? A que nutriente
ele se refere? F��sico ou metaf��sico? Reinos e poder pol��tico que nenhum
homem jamais teve ao alcance do carpinteiro de Nazar��? Ser�� isso uma
met��fora ou ele tinha habilidades intelectuais para seduzir na����es?
Pin��culo do templo e estrelismo religioso, poderia ele assumir o controle
da humanidade, mas recusou? N��o �� poss��vel. Tinha o carpinteiro
ferramentas para esculpir um trono pol��tico e religioso mundial?"
Marco Polo era um pesquisador raro. Usava muito mais do que o
m��todo socr��tico para fomentar perguntas: usava a arte da d��vida como
um bisturi para penetrar em camadas mais profundas dos textos que
lia, para reviv��-los, dissecar suas implica����es e enxergar seus limites e
alcances. Tudo isso para ver os fatos com a menor contamina����o poss��vel.
Por isso n��o se poupava, questionava suas proposi����es a cada instante.
Queria enxergar o mundo como ele ��, n��o como gostaria que fosse.
Debate: 1Q teste de estresse - Levando o corpo ao limite
Marco Polo respirou lenta e profundamente. Olhou para Sofia, depois
para o te��logo de Harvard e, em seguida, para o te��logo do Vaticano.
Fitou seu amigo Michael e passou os olhos pela plateia que se apinhava
na sala de aula.
- Esperava questionar de todas as formas a mente de Jesus, mas n��o
imaginava que, antes de cientistas fazerem seus questionamentos, ele
j�� tivesse sido avaliado por testes quase humanamente insuport��veis.
Sabiam disso?
- N��o sei do que voc�� est�� falando! - exclamou o Dr. Alberto.
- Nunca ficou at��nito com o teste de estresse de Jesus no deserto?
Nunca ficou perplexo com seu incr��vel ritual de passagem, antes de ele
come��ar a falar sobre seu grande projeto de vida?
- Voc�� est�� falando da tenta����o das trevas? - indagou o Dr. Thomas.
Imediatamente Marco Polo reagiu. Queria mais uma vez deixar
evidentes os marcos entre a ci��ncia e a religi��o, ainda que em algumas
��reas eles se sobrepusessem. Por exemplo, a ci��ncia aborda o controle
da ansiedade e a religi��o aborda o controle da ang��stia existencial.
- Vamos deixar claros os limites entre a ci��ncia e a espiritualidade.
Estamos fazendo uma mesa-redonda para falar de acontecimentos pass��veis
de serem interpretados, analisados e criticados. Reitero: quando
a f�� fala, a ci��ncia se cala.
- Perfeito, Marco Polo - apontou Michael.
- Reafirmamos nosso acordo - disseram os dois te��logos.
- Ok! Portanto, n��o discutiremos for��as do mal, milagres, fen��menos
sobrenaturais nem outros elementos cuja investiga����o cientifica
seja imposs��vel. Por exemplo, se h�� um Deus Todo-Poderoso, por que
n��o remove o lixo do universo, por que n��o elimina as for��as do mal?
Quem constr��i uma grande casa tem de tratar seu esgoto! - declarou
Marco Polo.
- Jesus �� o enviado para tratar esse esgoto. �� nisso que cremos - disse
o Dr. Thomas.
- Cren��as! Como discuti-las? Com que base? - questionou Michael,
exasperado.
- Acalme-se, Michael - pediu Marco Polo.
De repente, Sofia teve um insight.
- Se eventualmente discutirmos assuntos que ultrapassam os limites
da l��gica, temos de faz��-lo sob o ��ngulo filos��fico, n��o o cient��fico comentou
a moderadora.
Michael aplaudiu Sofia. Todos da plateia os acompanharam. Dito
isso, Marco Polo estava pronto para avan��ar.
- Os testes de Jesus foram incomuns e praticamente insuport��veis.
Precisamos analis��-los �� luz das ci��ncias humanas.
- Refere-se �� crucifica����o? - indagou Sofia.
- N��o!
- Todos somos testados ao longo da vida: os alunos nas provas, os
profissionais nas entrevistas, as startups pelo mercado, os executivos
no cumprimento de metas. Como neurocientista, sou especialista em
testes. Como voc�� pode afirmar que os testes de Jesus s��o incomuns? questionou
Michael.
-�� o que diz o texto do m��dico grego! - afirmou Marco Polo.
- Explique melhor - solicitou Michael.
- Voc�� suportaria ficar quatro dias sem comer?
- Claro que n��o. J�� fui obeso na inf��ncia. Hoje me controlo, mas
tenho um caso de amor com a geladeira - disse Michael.
- Lucas diz que Jesus ficou sem comer durante quarenta dias no
deserto.
- Mas isso �� imposs��vel.
- Bom, sem beber, em dois ou tr��s dias nos desidratamos. Sem comer,
�� quase imposs��vel sobreviver. Mas �� o que Lucas disse. A n��o ser que
ele esteja inventando!
- Mas ele era m��dico, um homem l��gico - lembrou o Dr. Thomas.
- Esse �� o primeiro teste. E n��o terminou. Lucas diz que ele se submeteu
a essa prova����o espontaneamente, n��o contra a sua vontade. Se
isso for real e n��o uma fantasia, ele quebrou todos os limites do estresse
f��sico. Teve um autocontrole que homem algum jamais teve. Deve ter
emagrecido quase at�� a morte.
Marco Polo, que estudou e escreveu longos textos sobre a hist��ria do
Holocausto, principalmente sobre o drama insuport��vel que os judeus
passaram nos campos de concentra����o, comentou:
- Nos campos de concentra����o, a ra����o era baix��ssima, de 300 ou 400
calorias di��rias. A maioria morria em poucos meses.
- Nesse extremo n��o h�� solidariedade, toler��ncia nem mente capaz
de desenvolver um racioc��nio complexo - afirmou Sofia.
- Exatamente, Sofia. Nesse extremo, o Homo bios (instintivo) prevalece
sobre o Homo sapiens (pensante). Enfim, fecha-se o circuito da
mem��ria, apontando que sobreviver �� mais importante que pensar e
se doar. Por isso, meus amigos, muitos judeus, esmagados pela fome,
tinham rea����es ego��stas, escondiam alimentos, dissimulavam. Alguns
tra��ram seus pares por causa de um peda��o de p��o, embora fossem boas
pessoas fora desse dram��tico estresse - comentou Marco Polo.
- Doutor Marco Polo, li um dos seus artigos, em que aponta que nos
pa��ses onde h�� escassez de alimento, por exemplo, onde chove menos
de 700 litros por metro quadrado por ano, h�� mais atritos, guerras, disputas
- comentou o Dr. Thomas.
- Exatamente. Mas isso pode ser corrigido pela educa����o, em destaque
a educa����o socioemocional, que estimula a coopera����o, o pensar
antes de reagir, o exerc��cio de se colocar no lugar do outro - comentou o
autor do programa de gest��o da emo����o. - Por outro lado, em pa��ses em
que h�� abund��ncia, por exemplo, de sol e terras f��rteis, como o Brasil,
promovem-se a alegria, festas e os encontros sociais, mas h�� menos
est��mulos �� leitura, �� pesquisa e �� supera����o de obst��culos.
- Puxa, nunca tinha pensado nisso. Tanto a escassez extrema quando
a abund��ncia trazem armadilhas que s�� a educa����o socioemocional
poderia resolver - comentou Sofia. - Por isso os pa��ses de clima temperado
se desenvolveram mais.
- Claro, h�� muitas vari��veis, mas o clima e a educa����o os ajudaram.
Mas vamos voltar �� quebra de paradigmas de Jesus. Ele passou pelos
testes do ��tero de Maria, da fuga para o Egito, do trabalho silencioso
e humilde como carpinteiro. Agora, no entanto, seu corpo �� esmagado
pela fome - comentou o Dr. Thomas.
- Como pode algu��m decidir passar por uma prova dessas? Isso ��
loucura, Marco Polo... - disse Michael, indignado.
- N��o brigue comigo, Michael. Brigue com o doutor Lucas, o bi��grafo.
Ele disse que sua narrativa seria criteriosa. Tratou de muitas pessoas
com inani����o. Agora a pessoa que ele ama est�� morrendo de fome. Ele
deveria ter abortado o pensamento depois desse teste de estresse.
- Foi-lhe dito que ele poderia transformar pedras em p��es. Claro, eu
sei que n��o entraremos nessa seara - discorreu o Dr. Alberto. - Mas, em
sintonia com seu racioc��nio, meu ponto �� que ele n��o abortou o pensamento.
Disse: "N��o s�� de p��o viver�� o homem, mas de toda palavra que
sai da boca de Deus!"
- Essa �� a tese - comentou Marco Polo.
- Espere a��. Disseram-lhe que ele poderia suspender as leis da f��sica
e mudar a mat��ria? Poderia transformar pedras em p��es? Como isso ��
poss��vel? - indagou Michael, mais uma vez perturbado.
- Michael, essa n��o �� a tese. Concordamos que n��o vamos discutir os
poderes sobrenaturais desse homem. E por que voc�� est�� discutindo?
- Desculpe-me. �� que...
-A tese �� que ele produziu um pensamento l��cido quando todo seu
corpo morria. Mas, antes de discorrer sobre ele, deixe-me especular. O
texto diz que, depois de quarenta dias, ele teve fome. E nos dias anteriores,
n��o ficou faminto? Claro que ficou!
Marco Polo continuou dizendo que o m��dico grego apontou subliminarmente
que ele estava num processo de interioriza����o que suprimiu
seus instintos. E completou seu racioc��nio:
-O ser humano poderia ter esse autocontrole? O que sabemos ��
que, nos terremotos, h�� pessoas presas nos escombros que libertam
um poder mental que as preserva fisicamente. Algo chocante para a
medicina!
- Incr��vel. Nunca tinha pensado nesse poder mental! - disse Sofia.
Marco Polo continuou:
- Agora vamos ao pensamento: "N��o s�� de p��o viver�� o homem,
mas de toda palavra que sai da boca de Deus." Em primeiro lugar,
esse pensamento �� l��gico. Em segundo, Jesus tinha consci��ncia cr��tica
comparativa: p��o f��sico versus p��o metaf��sico. Em terceiro, entra numa
seara imposs��vel para a ci��ncia investigar: sobreviv��ncia humana temporal,
propiciada e simbolizada pelo p��o de trigo versus sobreviv��ncia
atemporal, propiciada pelo suprimento produzido diretamente pelo
misterioso Autor da Exist��ncia.
- Mas...mas... de onde voc�� tirou tudo isso? - comentou o Dr. Alberto,
admirado.
- Isso �� um absurdo - declarou Michael. - A ci��ncia de fato n��o pode
investigar isso.
- Mas o que �� interessante, Michael, �� que, enquanto o corpo de Jesus
estava �� beira do colapso, morrendo, ele escandalizava a medicina, que
se digladia diariamente com a morte. Ele falava do maior sonho dos
mortais: a eternidade.
- Interessante, interessante... - disse o Dr. Alberto. - Ele n��o perdeu o
romantismo pela vida mesmo diante da morte. Ele irrigava sua vida com
esperan��a, pois sem esperan��a morremos, ainda que estejamos vivos.
- N��o deixa de ser curioso - aduziu Sofia. - Jesus discorria sobre a
"antimat��ria", n��o no sentido cl��ssico da f��sica, mas da atemporalidade.
Sei que n��o �� assunto deste debate, mas se trata de uma discuss��o filos��fica
sofisticada. Ele parecia n��o se curvar a nenhum tipo de medo.
O instinto animal e o ser racional habitam o mesmo ser humano.
Dependendo dos n��veis de estresse, o instinto animal prevalece sobre
o racional, levando um ser humano a cometer atos impens��veis, a
dar vaz��o �� raiva, ao ��dio, �� impulsividade, ao sentimento de vingan��a.
O corpo de Jesus foi levado ao limite, e n��o seria a primeira vez.
Entretanto, em vez de sucumbir aos instintos, ele preservou sua consci��ncia
cr��tica. Ele fez poesias no caos.
20
O TESTE DO PODER
POL��TICO E RELIGIOSO
intelectuais que estudavam a mente de Jesus continuaram a
Os
debater sobre os mais dram��ticos testes de estresse a que um
ser humano pode se submeter. A maioria dos seres humanos n��o
suportaria minimamente essa press��o ao longo da vida, sobretudo
pessoas das classes m��dia e abastada. Depois de estudar os testes que
levaram o corpo de Jesus ao extremo, partiriam para avaliar os testes
que levariam a ambi����o ao extremo, a emo����o ao limite, o intelecto a
salivar de prazer...
Marco Polo discorreu:
-O segundo teste de estresse passado por Jesus n��o �� menos assombroso
e dif��cil do que o teste f��sico: a necessidade neur��tica de poder.
Seu autocontrole foi testado ao m��ximo.
- Voc�� est�� falando de quando ele foi levado ao alto de um monte e
enxergou todos os reinos e sua gl��ria na Terra? - sugeriu o Dr. Thomas.
- Sim. Por��m esse lugar n��o devia ser um lugar f��sico, mas metaf��rico.
- Testar a sede de poder n��o �� t��o dif��cil... N��o sou ambicioso! apontou
Michael.
- Tamb��m penso o mesmo - afirmou o Dr. Alberto.
Ambos estavam sentados diante de Marco Polo. De repente, o psiquiatra
tomou um gole de ��gua e esguichou na cara de Michael e do
Dr. Alberto. Imediatamente gritou:
- Voc��s s��o fracos!
Ambos tiveram um ataque de raiva. Todos que viram a cena ficaram
espantados.
- Voc�� est�� louco, Marco Polo? - esbravejou Michael de p��.
- Esta mesa-redonda o deixou transtornado? - disse em voz alta o
ponderado te��logo do Vaticano.
- Voc��s s��o hip��critas! Desde o come��o querem me sabotar - continuou
atacando Marco Polo.
Todos ficaram escandalizados. Os dois agredidos bufavam de ansiedade.
O cora����o deles parecia estar prestes a sair pela boca. Em seguida
Marco Polo se sentou e pediu desculpas a seus dois amigos.
- Desculpem-me. Mas, por favor, digam-me honestamente: o que
sentiram com esse teste?
-O qu��? Isso foi um teste? - indagou o te��logo americano, pasmado.
- Voc�� est�� brincando comigo? Testou meu autocontrole? - indagou
Michael, tr��mulo.
- Testei. Sentiram raiva e vontade de me atacar?
Ambos disseram que sim.
-A necessidade neur��tica de poder n��o ocorre apenas quando ambicionamos
descontroladamente o poder que n��o temos, mas tamb��m
quando exercemos sem gerenciamento o poder que j�� possu��mos. Se
tiveram vontade de me agredir neste ambiente controlado, eu que sou
amigo, imaginem num ambiente aberto e diante de desafetos.
- Mas aonde voc�� quer chegar? - questionou Sofia, perplexa.
- O doutor Lucas indicou que Jesus, depois do estresse f��sico extremo,
foi testado a ambicionar o poder e a us��-lo de forma desmedida durante
toda a sua jornada.
- Que teste incr��vel! - confirmou o Dr. Alberto.
- Os homens vendem a alma por causa do poder, se corrompem,
destroem seus princ��pios, esmagam sua ��tica, se matam, controlam seus
pares e fomentam guerras. Talvez esse n��o seja seu problema, doutor
Alberto. Mas, se voc�� tivesse muit��ssimo poder e fosse agredido em seu
ponto nevr��lgico, n��o pensaria duas vezes antes de us��-lo.
- Estou chocado com minha rea����o. O homem que eu sigo era completamente
desprendido do poder.
- As Cruzadas, a Inquisi����o e tantos comportamentos agressivos indicam
que, em determinados momentos da hist��ria, se construiu um Cristo
�� imagem e semelhan��a do egocentrismo de seus l��deres - comentou Sofia.
- No m��s passado demiti minha assistente apenas porque ela me confrontou
na frente de dois outros cientistas. Fui egoc��ntrico - confessou
Michael honestamente.
Depois desse epis��dio, Marco Polo comentou algo surpreendente:
-O bi��grafo de Jesus aponta que ele tinha capacidade de seduzir
povos e reinos e domin��-los. Ele comenta, em outras palavras, que Jesus
"teria todos os reinos da Terra se, prostrado, adorasse o pr��prio poder".
Teria o alcance que nenhum C��sar jamais teve!
- Foi testado no inferno da fome e na gl��ria das na����es... - comentou
Michael.
- Parece um exagero que ele tivesse capacidade de dominar reinos comentou
Sofia.
- Parece mesmo. Todavia, analisei os comportamentos de Jesus nos
momentos finais de sua vida. Ele reagia como um nobre, n��o como um
encarcerado. Pilatos parecia uma crian��a diante dele. Herodes Antipas
sentiu-se um menino, assombrado com suas rea����es.
- Isso �� not��vel - disse o Dr. Thomas. - Ser�� que Lucas estava certo?
Se usasse todas as suas habilidades f��sicas e mentais, Jesus conquistaria
como homem o poder supremo na Terra?
- Mas, se eu viesse para mudar os destinos da humanidade, jamais
deixaria de usar o poder, se o tivesse - comentou Michael.
- Ningu��m em s�� consci��ncia deixaria, Michael. Mas o homem mais
intrigante e complexo que passou nesta Terra deixou - declarou Marco
Polo. E completou: - E, para terminar o debate de hoje, seu terceiro
teste foi o religioso. Capitaneado quando ele foi elevado ao pin��culo do
templo. Mas n��o vou gastar tempo com esse...
- Como assim? Est�� dizendo que Jesus teria capacidade de assumir o
controle de todas as religi��es? - questionou o Dr. Alberto.
O te��logo americano tomou a frente:
-O texto a que o doutor Marco Polo se refere diz que ele poderia
se atirar do pin��culo do templo, que simbolizaria as mais diversas religi��es,
e seria miraculosamente amparado. O que indica que, se usasse
sua intelig��ncia e seus milagres com o fim de se autopromover, poderia
seduzir todas as religi��es, liderando-as. Por tocar em atos sobrenaturais,
Marco Polo se recusou a entrar nessa seara.
- Voc�� entendeu - disse Marco Polo sem outras palavras.
Mas, por incr��vel que pare��a, o pr��prio Michael, que sempre fora t��o
c��tico, resolveu tecer coment��rios filos��ficos sobre essa tese:
- Seria fascinante se o personagem que estamos estudando n��o fosse
fict��cio, mas real: um homem que tivesse nas m��os o poder pol��tico e
religioso que os l��deres jamais tiveram, mas que os recusasse cabalmente,
desejando apenas ser humano.
-E como ser humano desejasse transformar a humanidade... Muitos
que aderem ��s mais diversas religi��es querem ser deuses. Mas Jesus tinha
fome e sede de ser humano! - argumentou o te��logo estadunidense.
- Talvez 90% das pessoas que det��m o poder, seja de que tipo for,
sejam indignas dele. O poder as infecta, fecha o circuito da mem��ria,
aprisiona o Eu em janelas traum��ticas e asfixia sua humanidade - concluiu
Marco Polo.
- S�� �� digno do poder quem se curva diante da sociedade para servi-la,
n��o quem pressiona a sociedade para que o sirva - comentou Sofia com
sabedoria.
- Mesmo pessoas aparentemente humildes ficam irreconhec��veis
com o poder nas m��os - comentou o te��logo do Vaticano.
- Inclusive n��o poucos pensadores deixam de pensar criticamente declarou
Michael.
Diante disso, Marco polo dissertou:
- Muitos empregados querem ser empres��rios, muitos empres��rios
querem ser pol��ticos, muitos pol��ticos querem ser reis, muitos reis querem
ser deuses, mas, para espanto das ci��ncias humanas, o ��nico homem
que foi chamado de filho de Deus queria ser humano.
- Jesus propunha uma revolu����o na ess��ncia da humanidade - concluiu
Sofia.
Depois de todo esse debate, Marco Polo, que era um dos raros pesquisadores
mundiais que estudava o processo de forma����o de pensadores,
assegurou que a personalidade de Jesus parecia ser muito diferente
da de todos os personagens que havia pesquisado: Abraham Lincoln,
Nietzsche, Sartre, Kant, Robespierre, Freud, Einstein.
- Voc�� esperava se decepcionar t��o logo come��asse a analisar a intelig��ncia
dele - acusou Sofia.
Marco Polo apenas meneou a cabe��a.
- Eu esperava que ele fosse abatido no primeiro round, mas estou
confuso - confessou o neurocientista ateu Michael.
- Concluo com um n�� na garganta esta tese: nunca algu��m t��o grande
desejou se fazer t��o pequeno para tornar os pequenos grandes - argumentou
um dos maiores ateus que a ci��ncia j�� conheceu, Marco Polo.
Embasbacados, os intelectuais terminaram em sil��ncio mais uma
sess��o da mesa-redonda. Milh��es de pessoas que assistiam aos debates
entenderam que os estragos na humanidade ao longo da hist��ria n��o
foram produzidos por seres humanos, mas por aqueles que se postulavam
deuses, que faziam guerras, mesmo sendo mortais, que feriam,
humilhavam e exclu��am sem ter consci��ncia de que um dia iriam para
a solid��o de um t��mulo.
Havia muitos l��deres pol��ticos e religiosos assistindo aos debates.
Alguns eram candidatos a deuses, mas agora sentiam a necessidade de
se candidatar a ser o que sempre foram: apenas seres humanos, fr��geis e
imperfeitos, que cedo ou tarde precisariam de um ombro para chorar e de
outro em que se apoiar. De fato, uma revolu����o humana estava em curso.
21
O QUARTO TESTE DE ESTRESSE:
HUMILHA����O P��BLICA
debates gerados pela mesa-redonda que estudava a mente de
Os
Jesus abalavam paradigmas, conceitos, dogmas e a vis��o de vida
dos debatedores e dos espectadores.
Na manh�� seguinte, Marco Polo pediu caf�� no quarto. Estava mergu
lhado nos livros. Nunca estivera t��o compenetrado.
Sofia foi tomar o caf�� da manh�� com os demais h��spedes. Havia um
burburinho na imensa sala de refei����es, mas ela parecia n��o ouvir nada.
O conhecimento que vinha adquirindo estava mexendo com sua maneira
de ser e de pensar. Revisava os cap��tulos de sua hist��ria, reescrevia seus
conflitos, nutria sua ousadia.
Michael passou a ter um sono cada vez mais agitado. Acordava
assustado. Sua esposa n��o entendia o que estava acontecendo com ele.
R��gido, cartesiano, excessivamente cr��tico, seu comportamento passava
por algumas transforma����es. Na manh�� que sucedeu �� an��lise dos
testes de estresse do homem mais famoso da hist��ria, sua aula para a
p��s-gradua����o em medicina foi diferente.
- N��o adianta voc��s tagarelarem, falando do que n��o entendem.
Meu objetivo em minhas aulas ��, em primeiro lugar, transform��-los
em seres humanos aut��nomos, gestores m��nimos de suas mentes. N��o
conseguir��o brilhar profissionalmente se antes de tudo n��o brilharem
dentro de si.
- Sermos gestores da nossa mente? O senhor nunca disse isso para
n��s. Doutor Michael, que bicho o mordeu? - indagou uma jovem m��dica,
surpresa.
-O bicho da intelig��ncia. A vida �� um grande contrato de risco.
Vence quem �� resiliente, quem renuncia ��s ambi����es tolas e se prepara
minimamente para as curvas imprevis��veis da exist��ncia.
Os alunos se entreolharam, espantados. Vendo que estavam intrigados,
Michael brincou:
- Obrigado pelos aplausos.
A turma, sorrindo, o aplaudiu. Michael tinha um humor ��cido, mas
com a mesa-redonda estava aprendendo a arte de ser simp��tico.
O Dr. Thomas e o Dr. Alberto, por sua vez, tamb��m eram inundados
por uma onda de pensamentos. Jamais imaginaram que o homem que
amavam e consideravam o "Filho de Deus" vivenciasse os mais incr��veis
testes de estresse como ser humano.
- Alberto, se Jesus tivesse preservado sua mem��ria, nunca imaginaria
que o ��tero de Maria pudesse ser um c��rcere inimagin��vel.
- �� verdade, meu amigo. E sua inf��ncia? Se durante sua meninice o
filho do Alt��ssimo preservou sua mem��ria atemporal, se n��o teve uma
amn��sia at�� o encontro com Jo��o Batista, passou por testes inacredit��veis.
Se n��o tivesse mergulhado nas ��guas profundas da paci��ncia e da
toler��ncia, n��o teria suportado. E quem tem paci��ncia hoje nesta sociedade
em que tudo �� urgente? - afirmou o Dr. Thomas.
Em seguida o Dr. Alberto comentou as ��ltimas an��lises do debate:
-E o que me deixa mais surpreso �� que os maiores testes a que Jesus
Cristo foi submetido ocorreram antes de ele abrir a boca ao mundo e
iniciar seu projeto. Nunca havia pensado que a cruz foi apenas a "cereja
do bolo" em seu imenso sacrif��cio pela humanidade.
- Ele atravessou os vales s��rdidos do esgotamento f��sico, mental e
social - comentou o Dr. Thomas. - Quem amaria os bastidores do teatro
se pudesse ser aplaudido no palco como ator principal?
E, desse modo, os debatedores imergiam num caldeir��o de reflex��es
e di��logos sobre cada uma das sess��es noturnas da mesa-redonda.
Na sess��o seguinte, Marco Polo comentou:
- Jesus estava sem nada e sem ningu��m. Fisicamente no caos, mentalmente
no p��, socialmente fragmentado, mas, como vimos, recusou-se a
usar sua intelig��ncia para conquistar os reinos da Terra e o poder religioso.
Quem renunciaria ao poder m��ximo se o tivesse? Voc�� renunciaria,
Michael?
- Eu... Eu n��o sou uma pessoa ambiciosa - afirmou Michael.
- N��o? Como voc�� se sentiu quando perdeu a elei����o para a chefia do
departamento da universidade?
- Fui tra��do, Marco Polo. Tra��do! - disse, batendo na mesa, mas logo
depois caiu em si.
- Somos t��o humildes que temos orgulho de ser humildes - enfatizou
o psiquiatra.
- Est�� me chamando de hip��crita? - indagou Michael, ansioso.
- Ser hip��crita significa dissimular, disfar��ar, representar. Todos
somos hip��critas, pelos menos ao disfar��ar nossos sentimentos diante
de quem amamos! Eu sou. E voc��, n��o �� tamb��m de vez em quando? perguntou
Marco Polo para seu amigo.
- Sou - confessou Michael.
- Jesus veio para transformar a humanidade, mas rejeitou os meios
tradicionais: as cr��ticas excessivas, a intimida����o, o tom de voz elevado,
os serm��es, a puni����o - afirmou o Dr. Thomas com ast��cia.
-O risco desse m��todo inovador era enorme! Era uma nova linguagem,
um novo processo, um novo projeto - ponderou Marco Polo
outra vez.
E Michael aproveitou para questionar os membros da mesa:
- Supondo que o pai de Jesus fosse mesmo o Autor da Exist��ncia, o
mentor do Big Bang e o monitorador dos eventos f��sicos, n��o ficaria
o filho magoado com seu pai por todos os testes de estresse a que fora
submetido?
- Jesus deveria ter a mais perfeita humanidade, por isso passou pelos
mais dram��ticos testes. Ele era o prot��tipo de um novo homem - afirmou
o Dr. Thomas.
- Interessante. Voc��s t��m respostas para tudo... - disse Michael.
Depois voltou suas baterias contra eles: - Voc��s, te��logos, nunca ficaram
magoados com o Deus em que cr��em? Ou a vida dos crist��os �� um
c��u de brigadeiro?
Eles engoliram em seco. O Dr. Alberto resolveu abrir seu cora����o:
- Confesso: j�� senti m��goas de Deus. - Enquanto o Dr. Alberto falava,
viajava no tempo: - Minha m��e morreu quando eu tinha 9 anos. Antes
de fechar seus olhos, ela disse: "Deus vai cuidar de voc��, Alberto. Tenha
certeza." Mas n��o cuidou, pelo menos aos meus olhos. Fui abandonado
pelo meu pai aos 11 anos. "Papai, aonde voc�� vai?", perguntei entre
l��grimas, percebendo algo estranho. Ele me disse: "Vou fazer uma viagem,
mas volto logo." Mas se casou com outra mulher e nunca mais voltou.
Tive que lavar banheiros f��tidos de restaurantes para sobreviver. Dois
anos depois, o irm��o que mais amava foi atropelado e morreu. Culpava
Deus por minhas desgra��as. Mas quanto mais o rejeitava, mais me sentia
atra��do para conhec��-lo. Desejava ajudar a humanidade. Por fim me decidi
pela ordem dos franciscanos. Sou feliz - disse, enxugando os olhos.
Michael ficou surpreso com essa resposta. Nunca tinha visto tanta
transpar��ncia. Ele acreditava que esses religiosos eram superficiais, que
n��o pensavam, n��o meditavam sobre a vida, n��o tinham um racioc��nio
existencial complexo. Em seu preconceito ate��sta, eles aderiram ��s suas
religi��es por serem fr��geis. Mas agora enxergava homens fort��ssimos. E
sua perplexidade continuou quando o Dr. Thomas decidiu falar:
- Tamb��m j�� tive minhas m��goas de Deus. Servi por cinco anos os
miser��veis na ��frica subsaariana. Todos os dias dava o melhor de mim.
Frequentemente sepultava meninos e meninas mortos por inani����o,
diarreia ou desidrata����o. Eu morria por dentro a cada enterro que
fazia. Por fim, peguei meningite. O que me matava n��o era a doen��a,
mas saber que eu n��o podia ajudar os pequenos. Debilitado, martelava
perguntas em minha mente: "Deus, qual o sentido de estar neste hospital
se n��o posso salvar uma crian��a doente? Onde est�� voc��?" - contou,
emocionado.
Marco Polo ficou intrigado com esses relatos. Tenso, disse:
- N��o teve vontade de chutar tudo para o alto e gritar: "Deus, voc��
n��o existe!"?
- Se eu deixasse de acreditar em Deus, morreria minha esperan��a de
que um dia aquelas crian��as mortas por inani����o sorririam na eternidade.
Se considerasse Deus uma utopia, esgotaria meu sonho de que
toda dor seria aliviada, de que toda injusti��a humana seria reparada. Os
ditadores venceriam, os violentos seriam her��is. O Magnificat de Maria
n��o seria cumprido - disse o te��logo americano.
- Mas... mas... - balbuciou Michael, embara��ado e sem a����o. - Mas,
se Deus �� real, ele �� omisso no tempo presente!
- Voc�� descr�� de Deus por causa do sil��ncio dele no tempo, enquanto
eu creio em Deus por causa de sua a����o na eternidade - rebateu o
te��logo do Vaticano.
Os dois ateus, Marco Polo e Michael, estavam em lado oposto ao dos
te��logos, mas pela primeira vez, e de forma realmente profunda, admiraram
a intelig��ncia de seus argumentos.
- Para mim, Deus n��o �� omisso no presente. Ele d�� a tinta e o papel,
mas n��s escrevemos nossa hist��ria... - afirmou Sofia com sabedoria. E,
lembrando-se de um debate anterior, concluiu: - Parece que a grande
meta de Jesus era humanizar o ser humano.
Marco Polo ainda comentou que em todas as religi��es - budismo,
islamismo, bramanismo - sempre existiram os ap��stolos da paz, que
levaram a cabo a dif��cil tarefa de domesticar seus instintos e vacinar-se
contra o autoritarismo.
- Quanto mais sucesso um ser humano tem, mais dificuldade ele ter��
para suportar frustra����es. Alguns, tolerantes no in��cio da carreira, se
tornam implac��veis quando sobem ao p��dio. N��o aceitam ser minimamente
contrariados. �� nessa ��rea que se deu o quarto e mais cortante
teste de estresse que Jesus atravessou - afirmou Marco Polo.
- N��o me lembro de outro teste - afirmou o Dr. Thomas, curioso.
Todos ficaram impressionados quando Marco Polo discorreu sobre
o teste que avaliaria as outras prova����es a que Jesus fora submetido.
Aquele seria, portanto, o teste dos testes, que poderia lev��-lo a se
arrepender de ter aberto m��o de todo o imenso poder que supostamente
tinha.
- Que teste foi esse? - indagou Michael, n��o disfar��ando sua curiosidade.
-O teste da humilha����o social.
Marco Polo comentou que, depois de ter sa��do vitorioso do teste
do esgotamento f��sico e mental, bem como da supera����o da ambi����o do
poder pol��tico e religioso, era preciso descansar, ser aplaudido socialmente
e aclamado espiritualmente. Mas nada disso ocorreu. Ele saiu
das sombras de uma vida an��nima e foi levar sua mensagem �� regi��o
em que cresceu.
- Agora entendo. Ao se assumir como libertador do povo, ele foi execrado
por seus amigos, exclu��do pela sociedade e excomungado pelos
l��deres religiosos - comentou o Dr. Thomas.
Depois de ganhar o Oscar de melhor ator e melhor diretor nos quarenta
dias do deserto, o carpinteiro de Nazar�� foi vaiado em sua pr��pria
casa. Quando ia levar os pr��mios, tiraram-lhe o glamour, foi marcadamente
rejeitado. N��o bastava mais esculpir madeira, tinha de esculpir
uma obra-prima na emo����o para n��o se traumatizar...
Todos ficaram impressionados com a exposi����o de Marco Polo. Ele
lan��ou uma pergunta aos seus amigos da mesa-redonda e depois para
toda a plateia que se apinhava na sala:
- Quem nos trai: os amigos ou os inimigos?
A plateia ficou dividida.
- Os amigos �� que nos traem! - apontou Marco Polo claramente. Os
inimigos apenas nos aborrecem. S�� os amigos, aqueles em quem
apostamos o que temos de melhor, podem nos apunhalar pelas costas.
Depois de algumas discuss��es, ele indagou novamente:
- Por que Jesus disse "M��dico, cura a ti mesmo!" para seus amigos e
colegas de Nazar��?
- Ele estava se referindo a um prov��rbio que retrataria sua pris��o e
crucifica����o - afirmou o Dr. Alberto.
-�� mais do que isso, doutor Alberto. Ele estava fazendo gest��o de
sua emo����o. Estava educando sua emo����o para n��o se decepcionar com
seus amigos e l��deres sociais.
- Como assim? - perguntou Michael, interessado.
- Jesus usou duas t��cnicas modernas de prote����o emocional: a primeira,
doar-se sem cobrar demais, diminuir a expectativa do retorno;
a segunda, n��o exigir dos outros o que eles n��o podem dar. Diriam a
ele: "Voc�� ajudou a muitos, mas �� incapaz de se ajudar. Her��tico! Falso!
Impostor! Cura a ti mesmo!" Ao prever esses est��mulos altamente
estressantes, ele geria sua emo����o e, em consequ��ncia, n��o fazia dela
uma lata de lixo. E voc��s, sabem proteger sua emo����o?
- Estou pasmado com a mente desse homem. Eu cobro demais de
meus dois filhos, minha esposa e meus colegas. Vendo minha paz por
um pre��o vil. No come��o de minha carreira na medicina, era tolerante
e paciente. Agora, no entanto, no ��pice do meu status profissional, sou
exigente demais com tudo e todos. Nem eu me suporto! Zero de prote����o
emocional. Meu c��rtex cerebral �� uma lata de lixo! - confessou um
m��dico que assistia ao debate.
A mesa-redonda deixou de ser constitu��da por cinco pessoas e passou
a envolver toda a plateia. Esse debate multifocal era incontrol��vel.
Michael conhecia esse m��dico. Sabia da sua fama. Motivado por ele,
teve a coragem de tamb��m declarar:
- Sempre fiz de minha emo����o um saco de entulhos. Sou especialista
em esperar demais dos outros. Algumas pessoas at�� me evitam nos corredores
e na sala dos professores.
- Quem cobra demais dos outros est�� apto a trabalhar numa financeira,
n��o necessariamente a ter belas hist��rias de amor - comentou
Marco Polo, arrancando risadas da plateia. Mas no fundo o caso era de
chorar...
Depois disso o cientista comentou alguns importantes segredos do
funcionamento da mente. Marco Polo disse que, nos computadores,
somos como deuses, arquivamos e deletamos tudo o que desejamos.
Mas na mente humana isso era imposs��vel. Tudo que detestamos ��
registrado de maneira privilegiada.
- Se voc��s detestam algu��m, sinto muito, essa pessoa vai dormir com
voc��s e perturbar seu sono. - Novamente os participantes riram. As
t��cnicas que usavam as faziam dormir com os inimigos. E Marco Polo
completou: - Jesus, de forma inteligent��ssima, ao diminuir a expectativa
do retorno e n��o agir como um cobrador, prevenia a forma����o de
janelas traum��ticas e conservava sua sa��de emocional nos seus testes
de estresse social.
Marco Polo explicou ainda que n��o era poss��vel apagar os arquivos
doentios, a n��o ser com danos cerebrais, como traumatismo craniano
ou degenera����o do c��rtex, como ocorre com o mal de Alzheimer. Em
seguida, disse que a emo����o jamais pode liderar a si mesma.
- A emo����o n��o pode ter um cart��o de cr��dito ilimitado. Ela d�� sentido
�� vida, mas n��o pode liderar a mente, n��o pode comprar o que n��o
lhe pertence. Caso contr��rio, uma barata se transformar�� num monstro,
uma cr��tica gerar�� um inimigo, uma humilha����o p��blica gerar��
sentimento de vingan��a ou complexo de inferioridade. Sem gest��o da
emo����o, reitero, o c��u e o inferno ps��quicos est��o muito pr��ximos.
Todos ficaram muito satisfeitos com a exposi����o de Marco Polo. Uma
senhora que estava na plateia, professora de sociologia, ficou t��o comovida
com o que ouviu que se levantou e disse:
- Doutor Marco Polo, sou soci��loga e professora universit��ria h�� 25
anos e nunca pensei que os conflitos sociais, como guerras, homic��dios,
viol��ncia nas escolas, ass��dio moral nas empresas, tivessem entre suas
grandes causas a falta de gerenciamento emocional. Isso �� t��o novo quanto
revolucion��rio. O agressor tem metaforicamente um cart��o de cr��dito
ilimitado, n��o suporta ser contrariado e, pelo que entendi, o agredido
tamb��m, pois compra irresponsavelmente o que n��o lhe pertence.
Marco Polo se levantou e a aplaudiu publicamente. As demais pessoas
o acompanharam. Os mist��rios que envolviam o personagem mais
famoso da hist��ria inspiravam mentes. Sofia, emocionada, acrescentou:
- As ferramentas que Jesus usou s��o t��o poderosas que podem prevenir
do estresse a certos tipos de depress��o. Mas �� uma pena constatar
que as universidades foram omissas ao n��o estudar Jesus sob bases
cient��ficas. Ele n��o sofria por antecipa����o nem ruminava perdas e
frustra����es. Ele pensava estrategicamente no futuro e se preparava para
suportar o insuport��vel.
- Seu ��ndice GEEI era baix��ssimo. N��o gastava energia emocional
in��til - afirmou o te��logo do Vaticano.
- Os textos do doutor Lucas indicam que Jesus era muito soci��vel.
Era letrado, lia com frequ��ncia os textos publicados. Todavia, entre
ser querido por seus pares e aceitarem-no como o l��der aguardado por
s��culos havia uma dist��ncia muito grande - comentou Marco Polo.
- Crer que um simples carpinteiro, que cresceu no meio deles, mudaria
o mundo, n��o cabia no imagin��rio deles - comentou Sofia.
- Exatamente, Sofia - confirmou Marco Polo. E depois concluiu de
forma impactante: - Talvez Jesus tenha sido o personagem que mais foi
testado em seu autocontrole. Ele estava livre, poderia decidir se calar, ir
embora ou usar seu suposto poder para controlar e fascinar seus desafetos,
mas se portou como um simples ser humano. N��o queria provar
nada para ningu��m. Quem de voc��s abriria m��o de seu poder quando
humilhado? - questionou Marco Polo.
- Sinceramente, eu n��o abriria m��o - respondeu Michael. - Muitos
intelectuais amam debater ideias, mas t��m a necessidade neur��tica de
controlar os outros.
- Muitos religiosos n��o admitem que sua autoridade seja questionada
por seus liderados. Amam os aplausos, mas excluem seus cr��ticos - afirmou
o Dr. Alberto.
- Todavia, para espanto da sociologia, Jesus tratou seus opositores
com flores. Fossem cr��ticos, fossem prostitutas, ningu��m estava fora da
sua agenda - concluiu Marco Polo.
- Ao que tudo indica, o homem mais famoso de todos os tempos, o
��nico cujo anivers��rio �� lembrado globalmente, n��o ficou conhecido
pela sua mais not��vel especialidade: ser gestor da emo����o, escrever
poesias no caos... - concluiu Sofia.
O debate produzia um material borbulhante, saturado de emo����es,
aventuras e toques solenes de intelig��ncia. Por��m, quando iam encerrar
mais uma sess��o da mesa-redonda, Marco Polo deixou todos pensativos
com suas palavras finais:
- Eu estudo o processo de forma����o de pensadores, mas a intelig��ncia
de Jesus �� t��o complexa que me sinto abalado. Um homem testado nesses
c��usticos quesitos e que passou com louvor por todas as prova����es
tinha de ter uma mente sobredotada, uma genialidade sem tamanho.
No entanto, �� poss��vel inferir que o maior de todos os testes por que
Jesus passou n��o foi vis��vel ou percept��vel, como o esgotamento f��sico,
a ambi����o pol��tica, a necessidade neur��tica de controlar os outros ou
mesmo a humilha����o p��blica, mas invis��vel.
- N��o estou entendendo, Marco Polo - disse Sofia, espantada.
- Muito menos eu... Mais um teste? - indagou o Dr. Thomas, desconfiado.
Marco Polo apenas respondeu:
- Trinta anos mapeando a mente humana... Trinta anos avaliando
os fantasmas emocionais que nos assombram... Trinta anos esquadrinhando
os conflitos sociais... Jesus se submeteu ao mais rigoroso
teste de paci��ncia. Por outro lado, n��s, que vivemos nesta sociedade
urgente, falhamos. Um minuto que o celular trava e nos estressamos,
n��o �� mesmo?
- Incr��vel - concordou o Dr. Alberto.
- Ele n��o foi para a ��ndia? Para a Gr��cia? N��o visitou os s��bios do
Egito? - questionou Michael.
- Ningu��m sabe - interveio Marco Polo. - Mas talvez n��o tenha
ido para lugar algum. Talvez estivesse gerindo sua emo����o na regi��o
de Nazar��. Trinta anos se preparando para esculpir a mente humana...
Trinta anos para abrir a boca ao mundo... Trinta anos de paci��ncia...
Quem teria esse autocontrole?
Desse modo, todos os que ouviram suas palavras sa��ram introspectivos
ao deixar o debate. Tinham muitas d��vidas, mas ao mesmo tempo
pareciam convictos de que o homem mais famoso da hist��ria era tamb��m
o menos conhecido pela humanidade...
22
O INCONSCIENTE DOS DEBATEDORES
Dois mil anos antes: meus amigos, meus algozes
M
M
uitos no rio Jord��o ficaram impressionados com a rever��ncia de
Jo��o a Jesus, logo ele que costumava ser implac��vel com pol��ticos
e fariseus. O homem que n��o tinha papas na l��ngua curvou-se aos p��s de
um ser humano simples, de vestes r��sticas, de origem humilde. Esse era
o tema da conversa entre os espectadores no caminho de volta para casa.
- Como p��de Jo��o exaltar aquele nazareno? Ser�� que n��o errou o
alvo? - disse um disc��pulo intrigado.
- N��o �� poss��vel. Jo��o �� cortante como uma faca de dois gumes. Falou
que o guardava durante anos. Eu conhe��o o carpinteiro Jesus.
- Voc�� o conhece? Conviveram, brincaram juntos? Um homem desse
of��cio e com essa origem n��o pode ser o Messias.
- N��o, mas lhe asseguro: muitas vezes, quando ele falava, algo queimava
em nossa mente. Nos tumultos, ele estava sempre calmo. O que
ele tinha n��o era seu. Era o primeiro a ajudar a comunidade, o mais
h��bil em resolver conflitos de forma pac��fica.
- Poxa, mas n��o parece.
- Ele �� um artes��o em aparecer, ajudar e em seguida desaparecer. J��
ganhei aplausos por solu����es que ele deu...
- Interessante.
- Mas tenho um temor. Os maiorais da cidade se escandalizar��o
quando souberem de sua nova identidade.
Pouco depois, o amigo de Jesus o encontrou na entrada de Nazar��.
-A primavera chegou. �� tempo de falar do reino de meu pai.
O amigo teve calafrarios.
- Sou teu amigo, Jesus. Aprendi muito contigo todos esses anos. Mas
�� melhor partires. Os l��deres ter��o p��nico quando abrires a boca.
- N��o posso partir agora - disse Jesus.
- Por favor, ent��o silencia - pediu seu amigo.
- Se eu me calar, essas pedras falar��o.
- Por amor �� tua vida, s�� discreto.
- N��o percebeste que em todos esses anos fui sempre discreto? ��
tempo de falar sobre quem sou e por que estou no seio da humanidade.
- Mas os l��deres indagar��o: "Conhecemos seus pais, como ele se
declara ser o Messias? Imposs��vel! Heresia!"
- Em primeiro lugar filho do homem, filho da humanidade - declarou
Jesus uma express��o que usaria com frequ��ncia.
No dia seguinte foram �� sinagoga. E Jesus, como sempre fazia, leu um
texto. Mas, dessa vez, depois de seus dram��ticos testes de estresse, pegou
os pergaminhos do profeta Isa��as e n��o os leu na sequ��ncia do livro.
Buscou uma parte do texto em que ele acreditava haver uma parte da
sua biografia, embora escrita muitos s��culos antes do seu nascimento.
-O Esp��rito do Senhor me envolve, pois me equipou para trazer
boas-novas aos pobres. Enviou-me a curar os feridos em seu cora����o. A
pregar liberdade aos cativos. Para restaurar a vista aos cegos. E tamb��m
para p��r em liberdade os encarcerados.
Todos estavam fascinados com suas palavras. Seu pai e sua m��e
ouviam seu discurso satisfeitos. Devia parar, mas eis que ele abalou a
todos quando teve a ousadia de dizer:
- Hoje se cumpriu esta Escritura em mim...
A rea����o foi imediata.
- N��o �� esse o filho de Jos��? - diziam at��nitos.
Outros olhavam para sua m��e e diziam:
- Que heresia �� essa? Seu filho atribuiu a si o poder de ser o Messias,
o libertador da na����o. Pe��a para seu filho se calar!
Maria e Jos�� ficaram sem palavras e come��aram a entender o que os
aguardava. Maria lembrou-se do aviso de que uma l��mina atravessaria
sua alma. E, naquele momento, a l��mina come��ou a feri-la. Jesus, observando
a perplexidade dos amigos, parentes e membros da cidade, usou
uma frase bem conhecida que retratava o v��rus da discrimina����o:
- Em verdade lhes digo que nenhum profeta �� bem recebido em sua
p��tria.
�� medida que Jesus apontava os erros humanos, inclusive a falta de
generosidade dos nazarenos, eles se enfureciam. Seus pais choravam.
Dias antes, ele dissera �� sua m��e: "Chegou a hora, minha m��e. Eu a
amo muit��ssimo, mas de agora em diante me entregarei �� humanidade.
Lembre-se de que voc�� foi escolhida para me receber. N��o se posicione
como minha m��e, mas como uma mulher, a escolhida, a mulher das
mulheres. Se voc�� se posicionar como minha m��e, sofrer�� muit��ssimo."
Mas, para Maria, era imposs��vel separar as coisas.
"Eu o amo at�� o impens��vel, mas seguirei sua orienta����o, meu filho",
disse ela, apreensiva. "Mulher, essa ser�� a senha de que voc�� dever��
lembrar-se sempre", respondeu ele.
O homem que mais foi testado na hist��ria testava agora o cora����o
das pessoas. Falava convictamente sobre seu projeto. Seus amigos o
amavam, mas sa��ram do c��u da admira����o para o inferno da rejei����o.
Muitos viraram as costas para Jesus.
E, num rompante de f��ria, as pessoas arrastaram-no centenas de
metros e levaram-no para o alto de um monte. L�� gritavam:
- Negue o que voc�� disse!
- N��o posso negar o que sou.
- Voc�� �� um simples carpinteiro.
- Sou um carpinteiro do esp��rito e da mente humana tamb��m!
Sua m��e bradava chorando:
- Filho, meu filho querido. Soltem-no!
- Cale-se - disse um religioso. - Um jovem que cresceu e trabalhou
entre n��s se autoproclamar como o Messias �� inaceit��vel!
E aparentemente era inaceit��vel mesmo. Por isso Jesus sempre dava
desconto para as pessoas. N��o cobrava o que elas n��o podiam dar. N��o
cobrou nada, inclusive de seus amigos. Iriam precipit��-lo do penhasco.
Jesus morreria precocemente, seus ossos seriam quebrados, sua cabe��a
sofreria traumatismos. Seria seu fim...
Naquele exato momento, o Dr. Thomas acordou assustado. Sonhara
com esses acontecimentos. O ��ltimo teste de estresse de Jesus mexeu
tanto com ele que seu inconsciente o levou a mergulhar no passado.
Estava ofegante. Subitamente, abriu o livro de Lucas e foi at�� a passagem
em que Jesus estava para ser atirado do penhasco e a leu. No exato
momento em que Jesus morreria, algo estranho aconteceu. Ele fitou os
olhos de seus algozes, penetrando-lhes a mente, e eles lhe abriram passagem.
Jesus passou entre eles como o ar que flui entre os dedos.
Um l��der superpoderoso
Era o primeiro s��culo desta era, ano 32. O imperador romano Tib��rio
C��sar, os senadores e os grandes generais de Roma estavam reunidos na
sala do trono, todos perplexos com um personagem que os magnetizava
com sua sabedoria, seguran��a e suas estrat��gias.
-O que fizeste comigo? - indagou Tib��rio, atordoado.
- Nada que j�� n��o estivesse dentro do pr��prio C��sar - comentou o
homem que o deixou embara��ado e embasbacado.
- Nunca imaginei que um judeu seria capaz de entrar no nosso ninho,
na elite dos romanos, e nos deixar at��nitos - afirmou o imperador.
Tib��rio nascera em 42 a.C. Sua m��e se divorciara de seu pai e se casara
com Otaviano, o futuro Augusto, que lideraria o imp��rio com aspira����es
divinas. Foi adotado oficialmente no ano 4 d.C. Em setembro
do ano 14, tornou-se o segundo da dinastia J��lio-Claudiana, sucedendo
Augusto, seu padrasto. Depois de relatar seu assombro com o personagem
que o impactava, indagou:
- Quem ��s tu?
- Sou quem sou! - respondeu o intruso com determina����o e mist��rio.
Em outras situa����es, uma resposta t��o vaga seria um sacril��gio punido
com morte. Mas o intruso os deixava perplexos, seus gestos eram
chocantes, suas palavras eram penetrantes. Tib��rio, os senadores e os
generais pareciam meninos diante de um g��nio.
- Sou um homem em avan��ada idade, estou cansado de guerras,
embora minhas campanhas na Pan��nia, Germ��nia e R��cia tenham sido
bem-sucedidas.
- As armas dominam o corpo, mas s�� o conhecimento domina a
mente. Os fortes usam a intelig��ncia para liderar, os fr��geis n��o t��m
outra alternativa sen��o as armas. Este imp��rio vai se fragmentar em mil
peda��os - falou o misterioso personagem.
- Sou um homem angustiado. Fui chamado "tristissimus hominum",
o mais triste dos homens, pelo velho Pl��nio. Entretanto, penetras em
minha cabe��a como o ar em meus pulm��es. Tuas palavras transpiram
alerta e ��nimo. O imp��rio precisa de um novo modus operandi.
- De onde vem todo esse conhecimento? - indagou o senador L��vio
para o protagonista. - Dos gregos?
- J�� lhes disse. Venho das entranhas do que sou!
- Nunca vi tamanha habilidade estrat��gica vinda de um homem t��o
jovem - disse Germ��nico, o grande general romano.
-O tempo n��o �� o ��nico ingrediente da experi��ncia, general. Sou o
Mestre dos mestres - afirmou o intruso.
- Meu trono est�� destinado �� minha dinastia - comentou Tib��rio
C��sar. - Mas, para o bem do imp��rio, poderei rever meu projeto
pol��tico.
- Mas e Cal��gula e Tib��rio Neto? - indagou o senador Marcus T��lio.
- �� tempo de mudan��as, senadores. Se este homem chamado Jesus
o desejar, ele ser�� o C��sar dos C��sares - disse, citando o nome dele. E
completou: - Uma nova ordem, um novo relacionamento, uma nova
pol��tica se instalaria no seio do Imp��rio Romano.
Os senadores e os generais ficaram confusos com a atitude de Tib��rio,
mas ele estava t��o resoluto que um a um come��aram a aplaudir a sua
decis��o.
- C��sar! C��sar! C��sar! - bradou a elite romana.
Mas o enigm��tico personagem apenas sorriu. E, numa atitude corajosa,
deu as costas ao poder m��ximo do mundo. Abrindo sua boca,
deixou-os ainda mais assombrados do que estavam:
- Sou um viajante do tempo, imperador e senhores. Se soubessem o
poder que eu j�� tive, ficariam surpresos. Vim de muito longe �� procura
do cora����o humano, n��o do trono pol��tico.
Pasmado pela recusa ao trono, o imperador mostrou sua indigna����o:
- Como recusas assumir o imp��rio? Pelo poder se trai, se corrompe
e se mata.
-O meu cetro chama-se liberdade! N��o quero servos, mas amigos.
Nesse momento, um assessor que o acompanhava tentou dissuadi-lo
desesperadamente.
- Jesus, meu mestre, conhe��o a tua mensagem, o teu projeto de vida
- disse ele.
- Tens certeza?
- Sim! Por que tornas as coisas t��o dif��ceis? Se assumires o imp��rio e
dominares outros reinos, ser��s o senhor da Terra, teu projeto ganhar��
musculatura rapidamente em todo o mundo.
- N��o ouviste que quero uma transforma����o de dentro para fora?! expressou
o Mestre dos mestres.
- Eu entendo. Mas enviar um bando de galileus para alardear tua
mensagem e revisar a agenda da humanidade ser�� um caminho acidentado
e arriscad��ssimo.
- Mas �� o modo correto - comentou o Mestre com simplicidade.
- Mas ser�� muito lento! Se ouvires Tib��rio, tuas palavras se alastrar��o
como chamas sobre as palhas do campo.
- As coisas mais importantes e mais belas n��o podem ser apressadas...
N��o se estica a personalidade de um filho, �� necess��rio form��-la.
E, al��m disso, o amor e o poder n��o andam de m��os dadas. - Depois
dessas palavras o Mestre finalizou: -O poder compra bajuladores, mas
n��o amigos. O poder compra a cama, mas n��o o descanso. O poder
compra o mundo, mas jamais o amor...
Depois de uma breve pausa, Jesus olhou para o imperador e finalizou
dizendo:
- Tenho um poder inimagin��vel. Mas sou um caminhante do tempo.
Estou �� procura do que o poder n��o pode comprar...
Transtornado, o amigo lacrimejou e previu:
- Mas, Mestre, tu ser��s rejeitado pelos teus amigos, execrado pelos
abastados, considerado her��tico pelos religiosos e por fim ser��s tratado
como... como...
- O maior criminoso de Roma! O amor exige sacrif��cios.
- Mas teus disc��pulos ser��o atirados ��s feras, morrer��o �� espada por
gladiadores, ser��o considerados a esc��ria do mundo...
- Chorarei com eles as suas l��grimas. Aos que me seguir��o, n��o prometerei
c��us sem tempestades, mas for��a na tormenta. Nem aplausos na
jornada, mas coragem para suportar as vaias e habilidade para escrever
cap��tulos nobres nos dias dram��ticos...
O imperador Tib��rio teve inveja de sua sabedoria. Mas, ao mesmo
tempo, ouvindo a recusa, mesmo diante de suas s��plicas, mudou sua
disposi����o:
- Atirai esse ingrato ��s feras! E tamb��m o seu disc��pulo, que n��o o
dissuadiu de rejeitar o poder de Roma! - Ent��o os soldados os pegaram
e levaram para servir de pasto para grandes felinos. Ao serem colocados
na arena, tr��s le��es os atacaram.
O Dr. Alberto deu um grito ensurdecedor. Agora foi sua vez de acordar
assustado. Levantou-se da cama tremendo. Em seu sonho, ele era o
assessor de Jesus, era ele quem havia suplicado que se tornasse o C��sar
dos C��sares para facilitar a divulga����o solene de seu projeto, de sua
mensagem...
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MARCO POLO PERDENDO
QUEM MAIS AMA
Oprimeiro psiquiatra e pesquisador que resolveu analisar a intelig��ncia
de Jesus sob o ��ngulo das ci��ncias humanas estava fascinado
com os resultados iniciais. Por pesquisar a forma como homens
e mulheres romperam o c��rcere da rotina ao longo da hist��ria e se tornaram
pensadores e produtores de novas ideias, achava que n��o havia
muito mais com que se surpreender.
Ele j�� tinha analisado a intelig��ncia de Freud, Piaget, Sartre, Marx,
Kant, Descartes e muitos outros pensadores. Havia analisado como
operavam a arte da cr��tica e da d��vida, seus comportamentos saud��veis
e suas debilidades, seus golpes de ousadia e seus recuos. Agora o estudo
da mente do homem mais famoso da hist��ria, que ele sempre desprezara,
perturbava seus preconceitos, reciclava sua arrog��ncia, expandia as
possibilidades do pensamento.
Reiniciou a mesa-redonda dizendo de forma aberta e espont��nea:
- Ao recordar os principais par��grafos da biografia de Jesus escrita
pelo doutor Lucas, alguns de n��s revelaram sem medo seus mais c��lidos
cap��tulos. Eu sempre fui soci��vel, mas, nos rec��nditos do meu ser, sou
um homem e um profissional solit��rio. Todavia, chegou a minha vez de
lhes contar o dia mais triste da minha vida, meu maior teste de estresse.
Todos ficaram impressionados com essas palavras. Michael olhou
para Sofia, Thomas fitou Alberto. Milh��es de pessoas que assistiam ao
debate pela internet se fixaram na tela. Marco Polo era t��o inteligente
que parecia imbat��vel, distante das mazelas emocionais dos mortais.
Mas chegou o momento de esse intelectual revelar as l��grimas que
chorou e as que nunca teve coragem de encenar no teatro de seu rosto...
Ele contou os momentos finais da mulher que amava. Sofia quase n��o
piscava ao ouvi-lo.
Um ano antes
Anna, a minha eterna namorada, a mulher mais d��cil que conheci,
estava cada vez mais debilitada. Suas crises de falta de ar aumentavam e
eram horr��veis. Nem eu nem ela descans��vamos. Estava t��o apreensivo
que n��o deixei nenhuma enfermeira dormir com ela. Fiquei ao seu lado
minuto ap��s minuto em seus ��ltimos dias. A cada crise, ela precisava
colocar a m��scara de oxig��nio rapidamente.
Vendo a preocupa����o indisfar����vel do meu amigo pneumologista, o
Dr. Matheus, perguntei-lhe em voz baixa, para Anna n��o ouvir:
- E qual �� o pr��ximo passo?
-A pneumonia bilateral n��o melhora com nenhum antibi��tico.
Estou desolado. O pr��ximo passo ser�� fazer uma bi��psia do pulm��o
por v��deo.
Mas Anna havia lido seus l��bios.
- Quando faremos a bi��psia? - indagou ela.
- Agora - disse o Dr. Matheus.
Ela retirou a m��scara e deu uma resposta positiva:
- N��o percamos tempo! N��o sei se sobreviverei... Mas lutarei at�� o
��ltimo minuto pela... vida... - disse a corajosa psic��loga ofegante, tentando
engolir o ar que estava ao seu redor, mas parecia t��o escasso.
Na atualidade, ��bitos decorrentes de pneumonia s��o rar��ssimos, mas
eu pressentia que havia algo errado, que seus pulm��es entrariam em
estresse dram��tico e seu cora����o sofreria um colapso. Feita a bi��psia, a
an��lise seguiu para o patologista com um pedido de urg��ncia. O resultado
sairia na manh�� seguinte. N��o consegui esperar a visita do meu
amigo. Procurei-o em seu consult��rio, que ficava dentro do pr��prio
hospital. Ansioso, bati na porta e entrei.
- Matheus, saiu o resultado?
- Deve ter sa��do, Marco Polo. Deixe-me abrir meu computador e ver
meus e-mails. - Ap��s consultar sua caixa de entrada, disse: - ��timo.
Saiu...
Mas sua tranquilidade se converteu imediatamente em ang��stia.
Cada segundo em que lia o diagn��stico dos fragmentos do pulm��o de
Anna parecia uma d��cada para mim.
- E a��? �� grave?
O pneumologista contraiu os m��sculos da face e abaixou o tom de voz:
- Anna n��o est�� com uma infec����o bacteriana nem virai.
- Como assim? - indaguei perplexo.
- Ela est�� com uma grave doen��a autoimune: "bronquiolite obliterante."
- Nunca ouvi falar dessa doen��a pulmonar.
-O pr��prio organismo dela est�� atacando seus pulm��es, causando
inflama����o severa, bloqueando todos os br��nquios, impedindo a respira����o.
- Quais as causas dessa doen��a? - perguntei.
- Gen��ticas, emocionais, ambientais... N��o sabemos as causas definitivas.
- Qual a solu����o? �� grave?
O pneumologista meneou a cabe��a. Eu passei as m��os no rosto e n��o
consegui conter as l��grimas:
- Corro o risco de perder Anna?
Matheus e sua esposa eram nossos amigos. Ele teve de ser completamente
honesto:
- Voc�� �� forte, mas, infelizmente, sim.
- Como a vida �� uma gangorra! Est��vamos no Caribe de f��rias, felizes
da vida, mas de repente ela desmaiou e sa��mos do c��u emocional para o
inferno ps��quico! Qual o tratamento? - indaguei ansioso.
- Temos de entrar o mais r��pido poss��vel com corticoide em doses
altas para tentar evitar a fal��ncia pulmonar. Sua respira����o est�� t��o
claudicante que �� melhor que ela v�� para a UTI, pois se acontecer uma
urg��ncia...
O Dr. Matheus n��o precisava completar o quadro, eu previa o que
poderia acontecer. Fui ao quarto da mulher que amava tentando manter
o bom humor, mas era imposs��vel. Emocionalmente, eu estava t��o
asfixiado quanto os pulm��es de Anna. Ela me conhecia nas entrelinhas.
- Eu sei... Estou partindo...
- N��o, Anna... N��o. Tentaremos uma terapia com corticoide.
Reunindo for��as, ela disse:
-A morte �� uma visitante inoportuna... Bate na porta de crian��as e
de adultos. ��s vezes, no momento em que menos... temos tempo para
atend��-la...
E novamente teve uma crise de falta de ar, agora intensa.
- Escolha a vida, Anna, n��o se renda. Por favor, n��o desista...
Ela tirou a m��scara e com muita dificuldade disse:
- Ningu��m morre... quando... �� amado por algu��m...
Logo chegou o Dr. Matheus e explicou melhor sua doen��a, a terapia
com corticoide e os procedimentos.
Quando o Dr. Matheus terminou de falar, Anna sofreu uma parada
card��aca. O mundo ruiu aos meus p��s. O m��dico acionou a campainha
e, enquanto traziam uma maca com urg��ncia, ele fazia compress��o
do t��rax dela e, em sincronia, eu realizava a respira����o boca a boca.
Trabalh��vamos em conjunto. Depois de muito esfor��o, o cora����o de
Anna voltou a bater. Ela deu um forte suspiro e voltou a respirar.
Ao ser levada pelo corredor para a UTI, outro drama: Anna teve
outra parada card��aca. Desesperado, peguei o desfibrilador mais pr��ximo
e entreguei ao Dr. Matheus. Era horr��vel ver a pessoa amada fechando
os olhos para a vida.
Os choques descarregados pelo desfibrilador fizeram com que o
sofr��vel cora����o de Anna, agredido pela falta de oxig��nio, teimasse em
voltar a bater. Mas os movimentos n��o eram vigorosos. Ela foi levada
rapidamente para a UTI.
Acompanhei-a segurando sua m��o e dizendo:
- Lute! Lute pela vida! Lute por mim! Lute pelo Lucas!
Naquele momento eu n��o era um psiquiatra, n��o era um intelectual,
mas um homem que, embora n��o estivesse descontrolado, estava
completamente infeliz. Por incr��vel que pare��a, Anna olhou para mim
e abriu um sorriso calmo, desprendido. Em seguida, movimentou seus
l��bios arroxeados e me enviou um suave beijo. Foi ent��o que me lembrei
de um dos meus pensamentos: "Cedo ou tarde as ��guas serenas ou
turbulentas desaguam no oceano."
Quando chegamos �� UTI, me impediram de entrar.
- N��o entre, Marco Polo. Por mais equilibrado que seja, voc�� �� um ser
humano. Deixe que cuidaremos dela... - afirmou o m��dico intensivista.
Fiquei do lado de fora. O primeiro procedimento foi monitorar o cora����o
de Anna, ao mesmo tempo em que faziam um acesso para passar soro
com medicamentos. Olhando para os colegas, o Dr. Matheus indagou:
-O que voc��s v��o fazer?
Foi o m��dico-chefe da UTI quem respondeu:
- Precisamos medic��-la e diminuir seu estresse f��sico e mental.
- V��o me... sedar? - indagou Anna.
Disseram que sim.
- E, se for necess��rio, vamos entub��-la tamb��m.
- Coma induzido?
- S�� se precisar! - afirmou o Dr. Matheus.
- N��o antes de... me despedir... de Marco Polo...
- Mas, Anna... - disse o m��dico.
Por��m, resoluta, ela fitou os olhos dos dois m��dicos e dos enfermeiros
e disse categoricamente:
- N��o antes!
Se Anna morresse, o Dr. Matheus n��o queria ficar com esse peso na
consci��ncia. Olhou bem nos olhos do m��dico-chefe da UTI e pediu sua
permiss��o. Ele entendeu a gravidade do caso e assentiu com a cabe��a. Foi
ent��o que tive acesso ao seu leito... E assim m��dicos e enfermeiros presenciaram
um dos momentos mais lindos que j�� se passaram numa UTI.
- Querida, estou aqui...
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- Filme-me... com seu celular... - disse ela.
- Para qu��?
- Plano B... Fa��a isso e coloque oxig��nio puro... em mim - expressou-se
ela com dificuldade.
O pr��prio Dr. Matheus o fez. Com isso, sua energia vital melhorou.
Ganhando for��as, ela disse na filmagem:
- Lucas, para mim voc�� �� o melhor filho do mundo... Ainda que eu
feche meus olhos, eu jamais o esquecerei... N��o tenha medo da vida.
Seja muito feliz, o melhor amigo de seu pai... Beba da sua sabedoria...
Eu derramava l��grimas enquanto filmava. Depois Anna respirou profundamente
e enviou uma mensagem para o inumano e frio pai:
- Papai, eu o perdoo. Obrigado por ter me gerado e cuidado de mim...
Nesse momento, ela voltou a ficar ofegante. Seu cora����o ficou muito
abalado. O Dr. Matheus voltou a injetar oxig��nio em suas narinas. Os
m��dicos e enfermeiros da UTI, frequentemente distantes como forma
de prote����o para suportar os sofrimentos dram��ticos do ambiente, se
emocionaram ao ouvir as palavras de Anna. Alguns choraram tamb��m...
- N��o fale mais nada... - supliquei a ela.
Mas ela continuou:
- Plano A...
Elevando os bra��os e abaixando o celular, indicou que o que falaria
agora n��o precisava ser gravado, apenas registrado na mem��ria.
- Se eu n��o sobreviver... cuide de Lucas com sabedoria, se reinvente
sempre como pai. E eu quero encoraj��-lo... a amar outra mulher...
Eu solucei. Ela completou:
- Procure-a como um ca��ador de p��rolas.
- Imposs��vel algu��m substituir voc�� - disse eu a ela.
- Para a raz��o, sim, para a emo����o, n��o.
Depois, ap��s outra dose de oxig��nio, pegou a minha m��o direita e
reuniu for��as para dizer estas ��ltimas palavras:
- Voc�� �� generoso como a chuva e altru��sta como o Sol, Marco Polo....
Transformou minha hist��ria num espet��culo... Sei que voc�� n��o cr�� em
Deus...
- Anna... - disse eu, tentando silenci��-la.
Por��m ela completou:
- Mas eu creio que a vida �� um grande roteiro e a morte �� apenas um
ato do espet��culo... Continuarei encenando minha pe��a na eternidade...
Meu amado, se permita pensar em outras possibilidades... Estude a
mente de Cristo.
Minha esposa falava de esperan��a enquanto morria. E, �� medida que
falava, o aparelho que monitorava seu cora����o mostrou-o bombeando
o sangue com mais for��a e ritmo. A mente humana revelava seu poder.
Todos que observaram o gr��fico do monitor ficaram impressionados.
Apertei suas m��os e, com a voz embargada, disse:
- Querida Anna, meu amor por voc�� �� indecifr��vel... De todas as
coisas que eu conquistei na vida, voc�� foi a melhor delas... Voc�� �� inesquec��vel...
Muito obrigado, mas muito obrigado mesmo por existir...
Ao dizer essas palavras, o "bipe" mostrou mais vigor ainda. Parecia
que Anna n��o tinha nenhuma doen��a grave. Em seguida os m��dicos
colocaram as m��os nos meus ombros e solicitaram que eu me retirasse.
Quando eu ia saindo da UTI, a fun����o card��aca de Anna come��ou a
perder for��a e ritmo outra vez. Ofegante, ela mal conseguia respirar. Os
m��dicos e enfermeiros socorreram-na rapidamente. Foi o dia em que
mais chorei em minha hist��ria...
Entrei no elevador e quase n��o enxergava os n��meros. Nem reparei
que um dos meus raros desafetos, o Dr. Felpes, estava l�� dentro. Ele
achava uma heresia que um pensador da atualidade produzisse uma
nova teoria sobre o funcionamento da mente capaz de repensar as teorias
cl��ssicas de Skinner, Freud, Jung, Piaget. A universidade era uma
fogueira de egos e vaidades.
O Dr. Felpes ficou espantado ao me ver consternado, n��o sabia o que
estava acontecendo. Como alguns intelectuais insens��veis, tornou-se
um predador especialista em atacar pessoas feridas.
-O intelectual imbat��vel est�� debilitado? - indagou, com um sorriso
no rosto.
Eu n��o respondi. Mas ele me provocou mais ainda:
- Inacredit��vel! Marco Polo tamb��m tem sentimentos! N��o sabia que
voc�� tamb��m chorava.
- Doutor Felpes, voc�� sequer conhece o pref��cio dos meus escritos,
que dir�� os cap��tulos mais importantes. Sim, estou chorando. E, se quer
saber, sinto-me o mais fr��gil dos homens... - confessei.
Desconcertado e caindo em si, o Dr. Felpes indagou:
-O que est�� acontecendo?
- Estou perdendo quem mais amo...
- Desculpe-me...
E assim, sem dizer mais nada, sa�� do elevador. Percorri os longos
corredores do t��rreo. Professores, alunos e profissionais que passavam
por mim e me contemplavam ficavam perplexos. Alguns perguntavam:
- O que est�� acontecendo com o professor?
Ao me ver emocionado, um neurocirurgi��o falou para sua roda de
amigos, citando uma frase da ��ltima aula que tivera comigo:
- "A personalidade humana �� uma constru����o sofisticada, mas cedo
ou tarde n��o sobra pedra sobre pedra. Recolher nossos fragmentos e
nos reinventar �� o que nos diferencia." N��o foi ele quem disse isso?
O que esse neurocirurgi��o n��o sabia �� que tinha chegado a minha vez
de recolher meus peda��os e me reconstruir. Eu sabia que muitos falham
nessa empreitada... Por isso, gritava dentro de mim: "Vale a pena viver!
Apesar de a vida ser breve como gotas de orvalho que por instantes
aparecem e logo se dissipam aos primeiros raios do tempo."
Ao ouvirem o relato de Marco Polo, milhares de pessoas dos mais
diversos pa��ses ficaram encorajadas a recolher seus fragmentos e
n��o desistir da vida, mesmo em face da morte. Os amigos ficaram
profundamente sensibilizados com a perda de Anna. N��o imaginavam
que uma pessoa t��o resoluta e inteligente como Marco Polo pudesse
beijar o solo mais ��rido da fragilidade. Sofia pegou sua m��o direita e a
acariciou suavemente.
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UMA FAMA INCONTROL��VEL E
SURPREENDENTE
Marco Polo contou que, depois dos inimagin��veis testes de estresse
de Jesus, sua fama come��ou a se espalhar de forma incontrol��vel.
Suas palavras e suas atitudes eram t��o inovadoras que ocupavam o
imagin��rio das pessoas e frequentavam as primeiras p��ginas do mais
confi��vel meio de comunica����o da civiliza����o humana: o boca a boca.
- Numa ��poca em que os transportes eram rudimentares, que n��o
havia jornais, TV, celulares, redes sociais, Jesus causou uma onda de
not��cias em terra seca. N��o se falava de outra coisa, a n��o ser do homem
que queria mudar o mundo.
- Mas esse brilho social n��o veio dos atos sobrenaturais que os crist��os
dizem que ele promoveu? - comentou o Dr. Alberto.
- Em pleno s��culo XXI, isso �� hist��ria de Branca de Neve - disse
Michael.
- Desculpe, Michael. Depois da an��lise dos fatos que envolveram
Jesus, do seu nascimento aos seus testes de estresse, n��o cabe deboche.
Voc�� pode duvidar se houve milagres ou n��o, mas tem que respeitar os
fatos. A n��o ser que voc�� pense que o doutor Lucas estava tendo um
surto psic��tico quando escreveu sua hist��ria.
- N��o, n��o penso assim. Lucas revelou-se um escritor coerente e l��cido
- afirmou Michael, engolindo em seco. - Como Marco Polo concluiu,
todos os paradoxos da hist��ria de Jesus revelam que ele existiu como um
personagem hist��rico. Mas n��o creio nos atos sobrenaturais. Confesso:
antes eu debochava dessa cren��a. Hoje, evolu��; apenas respeito!
Alguns o aplaudiram na plateia.
- Devemos sempre nos lembrar de que nosso objetivo nesta mesa-
redonda �� estudar a mente de Jesus, n��o avaliar sua suposta divindade
- declarou Marco Polo.
- Mas voc�� acha que Lucas estava delirando ao relatar fatos extraordin��rios,
que ultrapassaram os limites da f��sica qu��ntica e da teoria da
relatividade? - indagou o te��logo de Harvard.
- Sei que �� intrigante que um m��dico inteligente como o doutor
Lucas tenha escrito que Jesus suspendeu as leis da f��sica e usou m��todos
metaf��sicos para restaurar as c��lulas dos doentes... As ci��ncias cl��ssicas
n��o conseguem entrar nessa seara, pelo menos at�� o momento.
- Nunca pensei que estudar esse Jesus fosse t��o perturbador. Tudo
em sua hist��ria atinge limites inimagin��veis - afirmou Michael.
- Para mim, era mais f��cil dizer que Lucas era um p��ssimo escritor,
que sua narrativa era d��bil, que suas ideias eram infantis e ing��nuas,
como centenas de livros que leio, mas esse homem �� um bi��grafo not��vel.
Estudaremos em nossa pr��xima mesa-redonda algo que me abalou
muit��ssimo. Jesus queria difundir sua mensagem para o mundo, mas
n��o apenas recusou o poder pol��tico e religioso nessa empreitada como
tamb��m a fama. Ele preferia o anonimato.
- Voc�� est�� brincando comigo, Marco Polo? - indagou Michael. Mais
um paradoxo! N��o vou suportar!
Mais uma vez a plateia riu do jeito despojado desse intelectual. E,
assim, os debatedores se retiraram. Mereciam um longo descanso.
Principalmente Marco Polo, que estava fatigado por contar a hist��ria de
Anna. Mas, apesar disso, resolveu ir a p�� para o novo hotel onde estavam,
que era mais perto do Muro das Lamenta����es do que o que pegou fogo.
Sofia o acompanhava. Ao chegarem ao local, ele pediu licen��a para ela e
se aproximou das velhas pedras da muralha. Havia poucas pessoas.
Ao se aproximar, ele viu uma mulher idosa chorando. Em voz baixa,
suplicava:
- Tire meu marido do coma! Foram tantos anos felizes. N��o suporto
seu sil��ncio.
Um homem trajando terno Armani, presidente de uma grande companhia
do Vale do Sil��cio, que n��o tinha coragem de visitar o Muro das
Lamenta����es durante o dia, tamb��m vertia l��grimas. Visitava Israel a
neg��cios, mas seu verdadeiro tesouro estava falindo: seu filho de 7 anos
estava morrendo de c��ncer. Com a m��o direita, tocava uma das velhas
pedras e, com a outra, enxugava o rosto enquanto dizia, quase sem voz:
- David ainda �� uma crian��a... Por favor, n��o deixe meu filho morrer.
Extirpe seu c��ncer.
Emocionado, Marco Polo tamb��m resolveu passar as m��os lentamente
sobre as pedras. Sentiu sua temperatura fria, mas tamb��m seu
relevo liso. Milh��es de pessoas as haviam tocado. Que pesadelos tiveram?
Que sonhos constru��ram?, pensou. Era um lugar surreal. Nesse
momento, o psiquiatra rompeu seu orgulho ate��sta e entendeu que a
religi��o ser�� uma chama inextingu��vel na humanidade. Esperan��a �� o
segredo! Lembrou-se das palavras de sua assistente: "O socialismo n��o
a exterminou, a teoria da evolu����o n��o a asfixiou e a era digital n��o a
silenciou." Concluiu: somos mortais, n��o h�� religioso que n��o tenha o
que suplicar nem ateu que um dia n��o tenha do que se lamentar.
Lembrou-se da perda de Anna e tamb��m derramou l��grimas. N��o
sabia fazer preces, n��o cria em Deus, n��o tinha f��, n��o tinha esperan��a
de que ela estivesse pulsando sua exist��ncia al��m do par��ntese do
tempo. Se tivesse, seria irrigado com esperan��a. Mas ele era cient��fico
demais, simplesmente n��o conseguia. Lembrou-se depois de Lucas, seu
querido filho, dependente de drogas. Temia que ele pudesse ser v��tima
de uma overdose, como duas vezes j�� ocorrera.
Sofia se aproximou. Jamais imaginara ver o famoso chefe do departamento
de psiquiatria, escritor famoso e pesquisador respeitado desabando
daquele jeito. Ela tocou seus ombros. Ele ficou constrangido,
tentou limpar o rosto ��s pressas. Buscando alivi��-lo, ela lembrou-se de
uma de suas p��rolas intelectuais.
- Lembre-se: "Os grandes homens tamb��m choram."
-O problema �� que eles n��o sabem o que fazer com suas l��grimas!
- reconheceu ele.
Nesse momento, ambos deixaram o local e foram a p�� para o novo
hotel. Ela lhe deu o bra��o. E, assim, eles seguiram para o hotel. De repente,
ele parou, fitou os olhos dela e lhe disse:
- Tenho vontade de beij��-la!
Admirada, ela o encorajou:
-E por que n��o o faz?
- Voc�� �� 16 anos mais nova que eu.
- Mas sou uma mulher.
- N��o �� justo. Sou um profissional e voc�� ��...
- Aqui voc�� n��o �� meu chefe! Os psiquiatras s��o complicados no
amor - reclamou.
- Voc�� tamb��m �� psiquiatra.
- N��o, j�� lhe disse: aqui sou uma mulher.
Ele a beijou na testa e, para seu espanto, comentou:
- Namorei muitas mulheres antes de Anna. Preciso reaprender agora.
Discuto sexualidade com meus pacientes, mas, para mim, um amor
sustent��vel tem de ser inteligente... e um amor inteligente tem de ser...
- Pare de enrolar, Marco Polo, e me beije! - disse ela, dando-lhe uma
bronca afetuosa.
Espantado e intimidado pela seguran��a de Sofia, se arriscou a beij��-
la. E o fez prolongadamente. Sentiu os l��bios quentes tocarem os seus;
eram dois mundos cruzando os horizontes, dois seres humanos feridos
navegando nas ��guas da emo����o.
Dois mil anos antes
Era um entardecer avermelhado, o sol parecia sangrar no horizonte. O
calor era insuport��vel. Uma multid��o aflu��a para ver um homem sem
beleza magistral, mas de gestos delicados e palavras poderosas. Maridos
carregavam suas esposas; pais, as suas crian��as; filhos transportavam
seus pais; amigos, uns aos outros. Todos queriam ver, ouvir, ser tocados
por Jesus. Ao avistar todo aquele movimento social na terra da fome,
era poss��vel enxergar que o carpinteiro de Nazar�� estava se tornando
famoso, mas ainda n��o dava para saber que ele se tornaria a maior celebridade
de todos os tempos.
- Meu pai est�� �� beira da morte, senhor - dizia um.
- Meu amigo est�� desfalecido. Perdeu a capacidade de andar - dizia
outro.
- Meu filho est�� febril, tosse muito e nem sequer consegue erguer a
cabe��a - falava uma m��e aos prantos.
Se a vida �� uma estrada sinuosa, naquele tempo era mais. Uma simples
amigdalite levava �� morte. Uma virose causava uma epidemia. A
desnutri����o, a falta de vacinas e de antibi��ticos fazia daquela era uma
era de dor e incerteza. Todos procuravam o m��dico dos m��dicos.
- Ricos ��s portas da morte abririam m��o de seus tesouros em troca
de sa��de. Idosos �� beira do ��ltimo suspiro existencial dariam seu conhecimento
em troca da juventude. Por isso declaro que, de todos os bens
que voc��s podem adquirir nesta Terra, nada supera o que voc��s j�� t��m: a
vida - dizia o Mestre dos mestres aos brados para uma multid��o sedenta.
Os que tinham sede de sabedoria e os miser��veis que tinham sede
de al��vio n��o paravam de chegar. Mas aonde? O caminhante n��o
tinha moradia, sua sala de aula era ao ar livre, a tela que pintava era o
mundo, sua cama era qualquer peda��o de ch��o. Amou tanto a humanidade
que esqueceu de si mesmo. Se n��o lhe oferecessem um bocado,
esquecia de comer.
Nunca naqueles tempos dur��ssimos sua fama se espalhou r��pido.
Logo antes de o sol cortejar o dia, as pessoas procuravam Jesus e ele
come��ava a ensinar. Momentos depois desaparecia. Procurava a solid��o
como o sedento a ��gua, e l�� tinha di��logos misteriosos, encontrava-
se consigo mesmo. E a multid��o continuava procurando-o. E,
encontrando-o, cercavam-no, espremiam-no, suplicavam-lhe. Era sua
��ltima esperan��a. Em segundos, os miser��veis estampavam um sorriso
no rosto. Mas Jesus insistia:
- N��o conte para ningu��m.
Ele era cr��tico do culto �� celebridade! Mas era imposs��vel n��o dividir
o dia mais alegre de suas vidas. Era imposs��vel manter o caminhante no
anonimato. Tib��rio C��sar cobrava pesados impostos daquele povo sofrido.
Uma parte significativa de gr��os e azeitonas era destinada a abastecer
as castas dos nobres e os poderosos ex��rcitos de Roma. Ter Jesus era ter
refrig��rio, t��-lo era ter seguran��a, t��-lo era ter encanto pela vida.
A multid��o se apossava dele como se fosse sua propriedade. Mas o
caminhante insistia:
- �� necess��rio que eu anuncie uma nova era, um novo relacionamento,
uma nova forma de ver e reagir �� vida.
Mas as pessoas pareciam n��o ouvir.
- Fique conosco! N��o nos abandone! - insistiam.
- Neste reino os grandes controlam os pequenos, mas eu preciso falar
do reino de Deus, onde todos s��o irm��os, onde uns lutam pelos outros,
onde todos s��o uma s�� fam��lia.
Ele era po��tico, por��m as pessoas n��o estavam interessadas em poesia,
mas em resolver seus problemas. Ele sabia disso, n��o cobrava nada.
Por ser dotado de consci��ncia, sabia que quando o ser humano sofre,
todo o universo sofre, quando tem ins��nia, todo o universo n��o dorme.
A ��nica dor que ele realmente sente �� sua pr��pria dor. A consci��ncia
que nos fez ��nicos tamb��m nos fez egoc��ntricos. Empatia era uma
habilidade rara.
- Ei, voc��s! Deixem-no conversar conosco tamb��m.
A press��o era grande. Jesus n��o tinha palco, mas todos queriam que
ele encenasse a pe��a; n��o tinha p��lpito, mas todos queriam que ele discursasse.
Sua eloqu��ncia era contagiante. Mas era quase imposs��vel falar.
Estava ele junto ao lago de Genesar��. A multid��o se apertava para
ouvi-lo. Ele ent��o subitamente planejou uma estrat��gia nunca antes
imaginada. Ao avistar dois barcos junto �� praia do lago, pediu:
- Preciso de seus barcos.
- Mestre, todos o procuram e voc�� quer pescar?
- Sim. Pescar homens.
Sua voz era t��o forte e, ao mesmo tempo, t��o delicada que era impos203
s��vel negar seus pedidos. O improv��vel ent��o acontecia. Entrando num
dos barcos, pediu ao marujo que o afastasse um pouco da terra. E foi
assim que, pela primeira vez, algu��m falou de um barco para uma multid��o
na margem. Houve uma longa confer��ncia, a maior parte da qual
nunca foi registrada por seus bi��grafos.
- Aprendam a respeitar os diferentes. Uma pessoa feliz investe tudo
que tem para fazer os outros felizes.
E continuava ensinando:
-O ego��smo e o individualismo s��o defeitos da personalidade.
Repartam suas t��nicas, dividam seus alimentos. As cabe��as abatidas
que voc��s erguem hoje ser��o as que um dia se lembrar��o de levant��-los.
De repente, Tiago e Jo��o, dois jovens promissores, filhos de um homem
de neg��cios, Zebedeu, que tinha alguns barcos, o ouviram.
- Quem �� este homem? - quis saber Tiago.
Jo��o, o mais novo respondeu:
- N��o sei, Tiago. Mas, quando ele fala, meu cora����o queima, meu
irm��o!
Zebedeu tamb��m ouvia aquele homem entusiasmado. Logo ap��s
ter dado a sua aula ao ar livre, Jesus se aproximou da margem.
Encontrando Sim��o, que mais tarde se chamaria Pedro, fez-lhe um
estranh��ssimo convite:
- De agora em diante ser��s pescador de homens. Vem e segue-me.
S�� um louco largaria um emprego seguro para seguir um estranho
que sequer lhe prometia um prato de comida. Mas o Mestre cativava o
cora����o, libertava o imagin��rio, inspirava a capacidade de sonhar.
Sim��o, vendo sua fama, o status not��vel do estranho e, ao mesmo
tempo, seduzido por sua mensagem, n��o teve d��vida. Falou para
Andr��, seu irm��o:
- N��o sei o que �� pescar homens. Mas deve ser algo muito melhor do
que cheirar a peixe e estar na voragem da noite.
As grandes decis��es s��o solit��rias. Sim��o tomou uma atitude que
mudaria para sempre sua hist��ria. Andr�� igualmente.
- Pescador de homens? Que loucura �� essa? - pensou alto Zebedeu.
204
De repente, Zebedeu o viu vindo em sua dire����o. Precisava esconder
os dois filhos daquele misterioso personagem. Tentou distra��-los estimulando-
os a consertar as redes.
- Vamos, costurem as redes. Estamos atrasados.
Mas n��o foi poss��vel evitar o convite. Jesus se aproximou, fitou os dois
jovens - bem mais novos que Sim��o e Andr�� -e fez o incr��vel chamado:
- Vinde e segui-me.
Seguir para onde? Seguir no escuro. Ser um caminhante sem nenhuma
seguran��a social, sem escolta, sem comida, sem bens, apenas com o
sonho de ajudar a humanidade.
A ousadia, capacidade de se aventurar, de romper o c��rcere da rotina,
sempre fez os cientistas serem mais produtivos na juventude do que na
maturidade. Acomodados pelos aplausos e sucessos acad��micos, n��o
poucos se tornam est��reis de novas ideias. Jesus escolheu jovens, embora
soubesse que sempre foram mais irrespons��veis.
- Meus filhos, n��o... - suplicou Zebedeu, chamando-os �� parte.
- Pai, �� nossa oportunidade - comentou Tiago.
- Que oportunidade �� essa, meu filho?
- Queremos ajudar a mudar o mundo.
- Mas voc��s sequer conseguem mudar este lugar e querem mudar o
mundo!
O pai tinha suas raz��es.
- E voc��, Jo��o? Ainda �� um garoto. Mal completou 15 anos.
- Pai, eu sei me virar. Eu vou segui-lo. Ele vai libertar Israel - afirmou
Jo��o.
- Est�� louco, meu filho? Olhem para ele. N��o tem ex��rcitos, anda
como maltrapilho...
- Mas fala o que ningu��m jamais falou! - afirmou Andr��.
- At�� Sim��o deixou tudo - comentou Jo��o.
- Sim��o atropela todo mundo! Ele �� agitado como as ondas do mar!
- reagiu Zebedeu.
De repente Jesus se aproximou da reuni��o familiar e disse calma e
seguramente:
205
- Fique tranquilo, Zebedeu. Cuidarei deles.
- Mas eles t��m um futuro promissor aqui. Temos barcos, um neg��cio.
- Mas eu lhes darei os tesouros dos c��us. Conhecer��o mist��rios que
s��bios n��o viram, que reis dariam tudo para ter, mas n��o tiveram...
O Mestre dos mestres era sedutor. Suas palavras tinham um magnetismo
inigual��vel, tocavam os rec��nditos da emo����o, mexiam com
o imagin��rio... Zebedeu estava repleto de d��vidas. Mas, de repente,
um epis��dio emocionante o tocou profundamente. Um leproso f��tido,
deformado, intimidado pela doen��a, ao ver Jesus prostrou o rosto na
terra e suplicou-lhe, dizendo:
- Senhor, se quiseres, podes curar-me.
A rea����o das pessoas que estavam pr��ximas foi imediata. Os leprosos
eram lixo social.
- Fujam deste homem! - disse um sem cora����o.
- Este leproso est�� contaminando a terra - disse outro insens��vel.
- Seus pecados sobem aos c��us - comentou um religioso.
Mas Jesus olhou para aquele homem, que nos ��ltimos tempos comia
e bebia do card��pio do desprezo, e se compadeceu dele. Seus olhos
lacrimejaram. Sem medo, fez o que ningu��m tem coragem de fazer.
Tocou seu rosto deformado. Sentiu a pele fl��cida e ferida sair em suas
m��os. N��o apenas respeitava os diferentes - os amava. Tratava-os como
pr��ncipes. Inaugurou o amor solid��rio, o amor com atitudes, a lei das
leis dos direitos humanos.
- Quem �� voc��?
- Sou Rubem, senhor.
- Que l��grimas voc�� chorou?
- Todas as que um homem tratado como lixo j�� chorou.
-E que l��grimas nunca serpentearam em seu rosto, meu filho?
Quero saber as que voc�� n��o teve coragem de chorar.
Rubem foi pego de surpresa. Fez uma pausa e, com a voz truncada,
falou dos momentos em que a solid��o e a rejei����o penetraram nos
rec��nditos da sua emo����o.
- Meu pai me abandonou. Meus irm��os... me viraram o rosto...
206
Minha esposa me excluiu, e meus dois filhos t��m vergonha de dizer
que eu existo! Minha m��e, ah, ela era t��o am��vel, mas foi a ��ltima a me
riscar da sua hist��ria!
E, emocionado, tentava enxugar as l��grimas, com suas m��os rugosas,
do rosto ferido pela lepra. Muitos ficaram impressionados com o
di��logo inteligente que Jesus tinha com os miser��veis. Para o Mestre da
emo����o, eles n��o eram doentes, mas seres humanos complexos e completos
que precisavam mais do que ter um corpo curado - precisavam
de uma mente saud��vel.
- Proteja-se, Rubem. N��o compre o que n��o lhe pertence. O perd��o
n��o resolve os erros dos que ferem, mas alivia as dores dos feridos.
- Como eu fa��o isso, Mestre?
- Sou um caminhante que ensina as pessoas a caminharem dentro de
si. Venha e ou��a.
- Mas sou leproso. Todos fogem de mim.
- Todos podem fugir de voc��, mas nunca fuja de si mesmo.
Enquanto ouvia o homem incomum que invadia sua mente e seu
esp��rito, sua pele foi restaurada. De repente, ele colocou as m��os no
rosto e sentiu a pele lisa. Olhou para os membros e n��o estavam mais
deformados.
- Meu Deus, o que aconteceu?! Minha pele tem sensibilidade. N��o
desprende do meu corpo. Obrigado! Obrigado! - dizia Rubem dando
saltos de alegria...
Seus disc��pulos foram ��s nuvens. Sim��o comentou cheio de entusiasmo:
- Acertamos, amigos! Trabalhamos a vida toda em barcos. Agora
vamos embarcar na mais incr��vel aventura.
- Incr��vel! Mas quem �� ele? - indagou o jovem conversador, Jo��o.
- N��o sei, mas este homem vai dominar o mundo - afirmou Sim��o.
- Eu quero estar ao seu lado quando isso acontecer - falou Tiago
ambiciosamente.
Todavia, para espanto deles, ao ver Rubem dando saltos de alegria,
Jesus chamou-o e lhe disse:
- Rubem, tenho um pedido a lhe fazer.
207
Sim��o falou baixinho para seu irm��o Andr�� e para os irm��os Tiago
e Jo��o:
- Este homem �� inteligente. Vai dizer: "Divulgue para o mundo todo
o meu poder!"
Mas a mensagem foi justamente o contr��rio:
- N��o conte para ningu��m o que lhe fiz!
- Mas como n��o, senhor? - indagou o leproso.
-O qu��? Ele pediu sil��ncio? Como? N��o estou entendendo? comentou
Sim��o, o futuro Pedro.
- Reitero: n��o conte para ningu��m o que lhe fiz. N��o me promova,
promova o amor, promova o prazer em se doar.
O leproso n��o entendeu nada. Ali��s, todos ficaram confusos. Era
imposs��vel esconder Jesus. A sua fama se propagava de forma cada vez
mais descontrolada. Multid��es o procuravam ansiosamente. Jesus atendia
in��meras pessoas, mas de vez em quando continuava se retirando
para o deserto. L�� meditava, relaxava, desacelerava, tinha encontros
insond��veis com aquele que o enviou. A solid��o sempre foi um momento
��nico para se ter encontros po��ticos consigo mesmo. Quem odeia a
solid��o nunca foi amigo de si mesmo. O mestre da gest��o da emo����o
sabia disso.
Posteriormente outro incidente ocorreu. Quando Jesus ensinava
no interior de uma casa, havia uma multid��o cercando o ambiente.
Desesperados, um grupo de amigos queriam trazer um dos seus, que
era parapl��gico, at�� Jesus. Mas era imposs��vel entrar. Todavia, num
momento ��mpar de criatividade, eles subiram at�� o telhado e, por entre
as telhas, baixaram o doente ao centro do local onde Jesus estava. Criam
que o simples galileu tinha poderes sobre-humanos. Vendo a coragem
deles, Jesus ousou dizer ao miser��vel:
- Seus erros e falhas est��o perdoados.
N��o era isso que o moribundo esperava ouvir. Queria se movimentar,
andar, deixar de ser um peso para seus pais. Mas o Caminhante queria
faz��-lo se movimentar primeiro em sua mente, pois sabia que milh��es
andam mas n��o saem do lugar, movimentam m��sculos mas est��o
208
encarcerados. Por��m as palavras de Jesus ca��ram como uma bomba
sobre a cabe��a dos religiosos que o ouviram.
Espantado, um deles comentou:
- Quem �� este que perdoa as faltas humanas? S�� Deus pode faz��-lo.
- Sua atitude �� insuport��vel - retrucou outro.
E, perturbados, se levantaram para sair. Mas o homem que conhecia
as inquieta����es humanas, o analista dos bastidores da mente humana,
diagnosticou as armadilhas que os aprisionavam. Fitou os olhos deles e
se antecipou, dizendo:
-O que �� mais f��cil fazer: dizer que seus erros est��o perdoados ou
movimentar seus ossos e m��sculos, que h�� anos est��o paralisados?
- Claro, palavras s��o f��ceis de serem ditas - expressou um espectador
esperto.
Mas, para espanto dos observadores, o galileu mais uma vez deixou
todos assombrados:
- Levanta-te, recobra teus movimentos!
O miser��vel tornou-se imediatamente o homem mais livre e feliz do
mundo. Agora tinha uma longa jornada para aprender a ser livre no
��nico lugar em que �� inadmiss��vel um ser humano ser prisioneiro: dentro
de si mesmo. Teria de aprender que, infelizmente, os piores c��rceres
da humanidade residem no c��rebro humano.
209
25
A ESCOLHA "ERRADA" DOS DISC��PULOS
Marco Polo come��ou a comentar os textos de Lucas que falam do
processo incomum de um mestre para cativar e iniciar um sofisticado
processo de forma����o de seus disc��pulos. Mais uma vez tudo fugia
ao trivial. Discorreu sobre o chamamento, a forma inusitada e ousada
como os abordou, os riscos que eles correram, os primeiros conflitos e
as decep����es. Depois disso, trouxe uma quest��o de suma import��ncia
para a mesa-redonda e que talvez n��o tenha sido debatida ao longo
da hist��ria.
- Se houvesse uma equipe de recursos humanos auxiliando Jesus
na sele����o de seus alunos mais pr��ximos, seriam eles aceitos? A personalidade
e a capacidade de ter autocontrole, de empreender, de se
reinventar de Pedro, Jo��o, Tom��, Judas eram not��veis? Jesus passou em
todos os testes poss��veis e inimagin��veis, mas seus disc��pulos passariam
nos mais simples testes de avalia����o?
Todos ficaram mudos.
- Eu nunca pensei nisso - afirmou o Dr. Thomas. - N��s, crist��os,
acreditamos que ele tenha feito as escolhas corretas.
- Pois, na minha an��lise cr��tica, ele n��o fez.
- Eu sabia. Esse Jesus teria de falhar em alguma coisa - comentou
Michael. - Qualquer mestre que se preze tem de selecionar bem seus
alunos se n��o quiser naufragar seu projeto. Nas universidades americanas,
s�� os excelentes alunos s��o admitidos em Harvard, Stanford, Yale,
MIT e outras. Em Israel, as melhores cabe��as s��o selecionadas a dedo
pelas universidades.
- N��o �� poss��vel que Jesus tenha feito escolhas erradas - retrucou o
Dr. Alberto. - Com que base voc�� diz isso?
-O tema �� extenso. Aqui farei apenas uma s��ntese da personalidade
dos disc��pulos e das escolhas arriscad��ssimas que Jesus fez. Mas, antes,
gostaria de perguntar ao ilustre representante do catolicismo e quem
sabe futuro papa, doutor Alberto, e ao ilustre te��logo de Harvard, Dr.
Thomas, qual aluno de Jesus tem o melhor perfil psicol��gico? Enfim,
quem �� o melhor dos disc��pulos?
Marco Polo pediu para a plateia tamb��m votar. Jo��o ganhou disparado,
seguido por Pedro.
O Dr. Alberto n��o teve d��vidas:
- Sim��o Pedro, �� claro. O mais honesto e dispon��vel dos disc��pulos.
O Dr. Thomas, por sua vez, tinha clara sua escolha:
- Jo��o, o mais am��vel de todos eles.
A resposta de Marco Polo foi bomb��stica:
- Uma an��lise criteriosa revela que o melhor era Judas Iscariotes.
A plateia que lotava a sala ficou pasma. Os dois te��logos se levantaram
imediatamente e metralharam Marco Polo com argumentos.
- Seu julgamento est�� equivocado - afirmou o Dr. Thomas.
- Voc�� n��o tem base psicol��gica para afirmar isso - comentou
o Dr. Alberto.
- Marco Polo, at�� eu acho que voc�� foi longe demais - afirmou Sofia.
- Um traidor ser considerado o melhor dos disc��pulos. Isso �� inconceb��vel
- comentou Michael tamb��m.
Sem defender sua ideia, Marco Polo apresentou as caracter��sticas da
personalidade dos disc��pulos mais conhecidos de Jesus.
- Pedro era agitado, ansioso, reagia sem pensar, n��o sabia se colocar
no lugar dos outros. R��pido em julgar, lento para pensar. Colocou seu
mestre em situa����es delicad��ssimas devido �� sua impulsividade. Quase
causou in��meras mortes quando cortou a orelha de um soldado no ato
da trai����o. Se fosse um aluno nos dias de hoje, os professores quereriam
v��-lo a milhas de dist��ncia de sua sala de aula. Confirmam, doutores? perguntou
aos dois te��logos.
- Sim - disseram ambos, constrangidos.
�� medida que Marco Polo realizava suas intepreta����es, os te��logos
recordavam os textos que j�� haviam lido. Por interpretar os evangelhos
apenas �� luz da teologia, haviam asfixiado sua an��lise sobre a mente dos
disc��pulos.
- Jo��o, o mais am��vel dos disc��pulos, era bipolar.
Essa declara����o de imediato causou estranheza em todos os que o
ouviam.
- Mas... onde voc�� viu que ele tinha transtorno bipolar? - questionou
Sofia como psiquiatra.
- N��o, Sofia, Jo��o n��o tinha transtorno bipolar, sua emo����o n��o oscilava
entre depress��o e euforia, mas ele tinha uma personalidade bipolar.
Era generoso quando as pessoas correspondiam ��s suas expectativas,
mas tinha rea����es extremamente agressivas quando contrariado.
Queria chamuscar com fogo os que n��o seguissem Jesus. Confirmam,
doutores?
- Sim - disseram novamente os te��logos, constrangidos.
- Caramba, Marco Polo. Esses alunos n��o passariam nem numa universidade
de segunda categoria - comentou Michael.
- Mateus tinha um car��ter duvidoso. Estava a servi��o de Roma, era
tratado como traidor do seu povo e, ainda por cima, tinha fama de
corrupto. Tom�� era paranoico e inseguro, n��o confiava nem na pr��pria
sombra - afirmou Marco Polo, que em seguida refez sua pergunta: Ent��o,
quem era o melhor dos disc��pulos?
Ningu��m se arriscou a responder, mas intu��ram a resposta.
- Judas Iscariotes! - concluiu Marco Polo. - Ele era o mais dosado,
sereno, tinha voca����o social, se preocupava com os pobres, n��o era
impulsivo, n��o colocava seu mestre em situa����es delicadas.
- Mas como ele o traiu? - indagou Sofia.
- N��o vou entrar em detalhes sobre a trai����o a Jesus neste momento.
Estudarei esse assunto no momento oportuno. Mas Judas, apesar de ter
uma personalidade mais calma e serena, tinha uma falha grav��ssima: ele
n��o era transparente!
- Agora entendo. Uma pessoa que n��o �� transparente leva para o
t��mulo seus conflitos - afirmou Sofia.
- Exatamente. Uma pessoa que n��o �� transparente tem um Eu defeituoso,
que n��o tem autocr��tica, que veste um personagem, dissimula
seus conflitos. E, al��m disso, arquiva janelas Killer, ou traum��ticas, a
cada frustra����o. Os demais disc��pulos, apesar dos transtornos s��rios de
personalidade, tinham sede de se transformar, de superar seus limites,
reescrever sua hist��ria. Eles reeditavam suas janelas traum��ticas em seu
c��rtex cerebral, enquanto Judas as acumulava!
- Selecionar alunos t��o problem��ticos indica a falha de Jesus como
mestre - afirmou Michael.
Sil��ncio geral na plateia e na mesa-redonda. Milh��es de pessoas
dos mais diversos pa��ses estavam assombradas. "Jesus errou?", se perguntavam.
De repente, Marco Polo disse:
- Ou Jesus errou, ou ele tinha uma autoconfian��a t��o grande como
educador que era capaz de transformar qualquer pedra bruta em obra-
prima - comentou Marco Polo, silenciando Michael.
O Dr. Alberto reagiu de imediato. Como se tivesse tido um daqueles
raros insights, relatou:
-�� admir��vel! Qualquer aluno que o desejasse tinha oportunidade
de se matricular na academia de Jesus e se tornar uma mente brilhante.
- Se Judas n��o tivesse se suicidado, ele teria sido um grande pensador,
tal como o ap��stolo Pedro, que escreveu duas complexas cartas no
final da vida. O Mestre dos mestres era t��o inteligente que seria capaz
de transformar qualquer um que estivesse aos seus p��s! - disse o Dr.
Thomas, pasmado.
- O que se pode inferir dessa an��lise pr��via �� que Jesus, como gestor
da emo����o, deu tudo o que tinha aos que pouco tinham. Que professor
�� esse que, no ato da trai����o, chamou seu traidor de amigo e lhe fez uma
pergunta para que ele mesmo constru��sse sua resposta: "Amigo, por que
voc�� est�� aqui?" - afirmou Marco Polo. - E qual dos bi��grafos apontou
essa pergunta: Mateus, Marcos, Lucas ou Jo��o?
- Lucas? - indagou Sofia.
- N��o, Mateus. E ele tinha um objetivo sociol��gico ao deixar registrada
essa pergunta? Sim! - disse Marco Polo. - Mateus era corrupto e foi
abra��ado por seu mestre no come��o da jornada. E Judas era coerente,
mas por fim o traiu e foi abra��ado por Jesus no final da vida. Ambos
n��o mereciam, mas foram acolhidos generosamente. Talvez Jesus seja
um dos rar��ssimos professores que n��o desistem de nenhum aluno,
mesmo que lhes cuspam no rosto. Eram os alunos que desistiam dele!
- Sou muito r��gido como professor de gradua����o e p��s-gradua����o.
Para esse Jesus n��o importava o material. Ele realizava a inclus��o social.
Era capaz de transformar barro em pedras, pedras em materiais de
constru����o. Estou perturbado - afirmou Michael.
O Dr. Alberto completou com maestria:
- As melhores universidades do mundo escolhem as melhores cabe��as,
j�� Jesus transformava os ��ltimos da classe, a esc��ria intelectual, nas
melhores mentes.
- Mas, para realizar sua tarefa magna como educador, tinha de haver
mudan��a completa de mentalidade, uma mudan��a de dentro para fora,
por isso disse: "Ningu��m p��e vinho novo em odres velhos. Pois estes se
romper��o." - comentou Marco Polo.
- Estou impressionada - expressou Sofia. - Uma educa����o nova com
um conhecimento novo, representado pelo vinho, precisaria de novos
odres, uma nova mente com novas habilidades!
De repente, um professor de hist��ria cansado de ver a mesmice na
educa����o comentou:
- Nossa educa����o �� linear. Bombardeamos o c��rebro dos alunos
com dados e o resultado final �� a forma����o em massa de repetidores
de informa����es. Qualquer computador, por mais med��ocre que seja,
guarda e recita mais dados que a mem��ria humana. Apenas as exce����es
tornam-se pensadores. Quais s��o os novos paradigmas da educa����o
proposta por Jesus?
Marco Polo enumerou alguns:
- Por enquanto citarei apenas sete, que s��o frutos de minha an��lise
pr��via de todo o livro do doutor Lucas: 1) Cada aluno tem um potencial
incr��vel, mesmo que seja impercept��vel; 2) Ningu��m �� irrecuper��vel; 3)
Ningu��m muda ningu��m; s�� a pr��pria pessoa pode se reciclar; 4) As
habilidades socioemocionais, como pensar antes de reagir, empatia,
resili��ncia, gest��o da emo����o, s��o vitais para arquivar janelas saud��veis,
e n��o doentias, no c��rtex cerebral; 5) Usar met��foras e hist��rias ��
importante para libertar o imagin��rio e a criatividade; 6) Din��micas e
viv��ncias no processo educacional rompem o c��rcere da teoria; 7) Erros
s��o oportunidades para crescer, n��o para novas puni����es.
- Surpreendente. Estou curioso para ver o resultado desse processo
educacional! Se pescadores incultos, coletores de impostos corruptos e
jovens paran��icos e inst��veis tiverem sido transformados em alunos brilhantes,
vou virar sacerdote! - brincou Michael, embora estivesse chocado.
Foi assim que participantes e espectadores ficaram profundamente
pensativos. Nunca um mestre teve tanta autoconfian��a em sua metodologia
para transformar mentes inquietas e insanas em mentes calmas e
inteligentes...
Michael era o professor de p��s-gradua����o mais temido de sua famosa
universidade. Controlava seus alunos com m��o de ferro. Todos tinham
de tirar nota m��xima com louvor no dia da defesa da tese de mestrado
ou doutorado. Era autorit��rio, austero, de pouca conversa. Na mesa-
redonda, ele estava irreconhec��vel, mais solto, relaxado, bem-humorado,
admitindo suas falhas.
No dia seguinte ao ��ltimo debate, pegou alunos da gradua����o em
medicina colando em mais uma de suas dific��limas provas. Descoberta
a trama, chamou o grupo, constitu��do de dois alunos e duas alunas, ��
sua sala:
- Voc��s ser��o expulsos ou no m��nimo reprovados por mim!
Os alunos ficaram em estado de choque. Seu futuro fora jogado no lixo.
- Professor, nos desculpe - pediu uma aluna em prantos.
- Erramos - disse outro aluno, quase sem voz.
- Toda a����o tem rea����es. Toda atitude tem consequ��ncias. Voc��s
brincaram com fogo e se queimaram.
- Suas provas s��o quase imposs��veis - disse um aluno, exaltado.
- N��o eleve o tom de voz! Para mim, aluno que cola nas provas est��
descartado da minha classe. Entretanto...
- N��o vai nos reprovar?
- Vou trein��-los. Um mestre deve investir o que tem de melhor
naqueles que pouco t��m...
Um dos alunos, que acompanhava os debates, disse para sua colega,
baixinho:
-�� a mesa-redonda...
- Voc��s me decepcionaram. Trocarei a nota zero, a reprova����o do
final do ano ou a expuls��o da universidade por um desafio: voc��s dar��o
uma aula sobre os assuntos que colaram. E ter��o de dizer coisas que n��o
ensinei nas aulas!
- Mas, professor, como faremos isso?
- Poup��-los n��o quer dizer passar a m��o na cabe��a. Voc��s s��o capazes
de ir muito mais longe do que imaginam.
- Voc�� est��... nos elogiando? - perguntou a estudante que estava em
prantos.
- Reinventem-se! Eu aposto em voc��s!
Ap��s olharem uns para os outros admirados, eles toparam.
- Desafio aceito.
E, assim, os alunos sa��ram com a miss��o de serem muito melhores
do que eram. E de fato usaram o caos como oportunidade criativa. O
mestre usou o erro deles para trein��-los, n��o para destru��-los. E foi fascinante.
Os quatro deram um salto sem precedente em sua intelig��ncia.
Eram alunos bem abaixo da m��dia, mas, a partir desse epis��dio, pouco
a pouco se transformaram nos melhores da classe.
26
A PASSAGEM QUE LUCAS N��O CONTOU
Amais penetrante mesa-redonda para estudar a intelig��ncia do
homem cuja hist��ria mudou o calend��rio da humanidade continuava
mapeando os vampiros que estavam nos por��es da mente dos
pr��prios debatedores e dos espectadores. E n��o apenas de crist��os, mas
de pessoas de todas as religi��es, inclusive ateus.
- Tenho recebido in��meras mensagens de pessoas que est��o assistindo
ao nosso debate ao redor do mundo - relatou o Dr. Thomas, entusiasmado.
- Nunca imaginei que na minha idade pudesse ser irrigado
com essa alegria indecifr��vel. Um budista do Jap��o me contou que,
como eu, criticava o filho todos os dias por n��o corresponder ��s suas
expectativas. Mais tarde o filho confessou ao pai que, ao elogi��-lo
mais e critic��-lo menos, ele evitou que se matasse... E o suic��dio entre
jovens �� alto no Jap��o.
E continuou contando:
- Um senhor ��rabe, praticante do islamismo, que h�� trinta anos
n��o conversava com um irm��o devido a uma discuss��o por heran��a,
me contou que, depois de assistir �� mesa-redonda, o procurou e disse:
"Irm��o, o dinheiro compra bajuladores, mas n��o amigos. Voc�� �� meu
melhor amigo. Tome o que voc�� acha que �� seu de direito!" Eles se
reconciliaram e choraram juntos. Disse ainda que Jesus �� comentado
em prosa e verso no Alcor��o. Agora descobriu algumas ferramentas
universais capazes de unir mu��ulmanos e crist��os.
Michael tamb��m contou a experi��ncia que teve com os alunos de
medicina que colaram na prova. Todos se sensibilizaram. Marco Polo,
ao ouvir todos esses relatos, lembrou-se de seu filho, Lucas. Precisava
tamb��m ser um engenheiro de janelas light, arquivos saud��veis capazes
de conter altru��smo, aposta, apoio, encorajamento.
- Esse debate tem sido um sucesso, mas o sucesso mal trabalhado faz
um estrago na mente humana maior do que o fracasso: asfixia a criatividade,
embota os sentimentos, fomenta o egocentrismo - assegurou
Marco Polo. - Nunca devemos nos esquecer do exemplo magno da
jovem Maria.
- Autoestima not��vel e humildade solene na mesma mente - recordou
Sofia.
E, por falar na educadora do menino Jesus, Marco Polo olhou fixamente
para os dois intelectuais da teologia, um representando o catolicismo
e outro o protestantismo, e discorreu:
- Nunca �� demais lembrarmos que, nesta mesa-redonda, n��o estudaremos
os supostos atos sobrenaturais de Jesus. Se eles foram reais
ou n��o, se Jesus tinha um poder sobre-humano ou n��o, se havia nele
habilidade de suspender as leis da f��sica... isso tudo entra na ��rea da f��.
- Quando entra a f��, a ci��ncia se retira - reafirmou a psiquiatra Sofia.
Mas acrescentou: - Entretanto, se discutirmos esses assuntos, ser�� no
campo da filosofia.
- Exato! E, sob o ��ngulo da filosofia, pergunto aos te��logos presentes:
qual foi o primeiro ato sobrenatural de Jesus descrito por seus bi��grafos?
- Foi no casamento de Can�� da Galileia - disse o Dr. Thomas.
- Ali ele transformou ��gua em vinho - completou o Dr. Alberto.
- Muito bem. Esse epis��dio �� conhecido em todo o mundo, mas ��
dif��cil que os fatos socioemocionais que est��o nos bastidores sejam
conhecidos. Como foi que isso ocorreu?
- Maria chegou a Jesus e disse: "Acabou o vinho." - disse o Dr. Alberto.
-E a resposta dele foi delicada? - indagou Marco Polo.
O Dr. Alberto engoliu em seco, pois sabia que a resposta do filho
para sua m��e parecia ser destitu��da de generosidade. Tal resposta foi
alvo de questionamentos durante s��culos a fio pelos te��logos. Muitos
at�� evitavam coment��-lo.
- Aparentemente n��o - respondeu o Dr. Thomas. - Jesus disse:
"Mulher, o que tenho eu contigo? Ainda n��o �� chegada a minha hora."
- Que resposta estranha! Cad�� a rela����o afetiva entre o filho e a m��e?
- indagou Michael.
O Dr. Alberto tentou dar v��rias explica����es, comentou sobre a
inaugura����o do projeto de Jesus, a interfer��ncia de Maria, o ambiente
p��blico, mas nada justificava a d��vida fatal. A resposta foi indelicada,
evidenciando que a rela����o m��e-filho, t��o valorizada por bilh��es de
crist��os ao longo das eras, fora colocada em xeque.
Nesse exato momento, Marco Polo come��ou a fazer sua an��lise cr��tica:
- Em primeiro lugar: por que Maria disse que acabou o vinho?
As explica����es foram muitas, mas nenhuma convenceu o psiquiatra.
Ent��o ele disse:
- Pensem comigo. Ela apenas apontou que o vinho acabou. Por qu��?
Sem pretender discutir assuntos da f��, as palavras breves de Maria "O
vinho acabou" eram mais do que um pensamento sint��tico. Era uma
senha dizendo: "Eu j�� vi voc�� fazendo coisas incr��veis. Se voc�� quiser,
pode mudar isso." - comentou analiticamente Marco Polo.
Sofia foi iluminada.
- Claro! Ela devia saber que ele tinha feito atos sobre-humanos na
juventude. S�� pode ser!
- Se isso foi verdade, Maria tinha n��o apenas um filho extraordin��rio
por dentro, em sua mente, mas tamb��m em seus comportamentos, tal
qual Sofia sonhou - expressou o Dr. Alberto.
- E, como m��e, devia fazer um grande esfor��o para esconder o menino
Jesus, para que n��o corresse risco de vida! - completou o Dr. Thomas.
- Voc��s entenderam.
- Voc��s est��o me deixando maluco! - afirmou Michael, completamente
perdido.
- Nunca analisei esses fatos pelo ��ngulo da psicologia. Mas faz sentido,
pois, em seguida, Maria diz aos servos: "Fazei tudo o que ele vos
disser." Filho e m��e se conheciam tanto que eles falavam atrav��s de
c��digos e olhares - afirmou o Dr. Thomas.
- Depois da senha de Maria, Jesus falou a sua senha, "Mulher", e
indagou "O que tenho eu contigo? N��o �� chegada a minha hora". �� prov��vel
que ele tenha preparado sua m��e muitas vezes para ela separar as
coisas. Imaginem a cena comigo. Jesus respirou lenta e profundamente.
Queria contar algo que a chocaria. Ela pensava que nunca o perderia,
ainda mais de forma inumana. Seu nascimento havia sido trinta anos
antes. A mem��ria dela j�� n��o resgatava os primeiros acontecimentos.
Sabia quem ele era, mas n��o conhecia os fatos que se sucederiam. O c��u
estava de brigadeiro, sem nuvens, sem tempestades no horizonte.
"M��e, preciso lhe contar algo. Chegou a minha vez de partir. Sou
profundamente grato por todo o carinho, cuidado e aten����o. Mas de
agora em diante deixarei de ser em primeiro lugar seu filho e serei filho
da humanidade. Os riscos ser��o enormes."
E sua m��e deve ter-lhe dito: "Mas n��o conseguirei ficar longe de voc��,
meu filho", ao que ele respondeu: "Se n��o puder ficar longe de mim,
se quiser me acompanhar, ter�� grandes alegrias, mas enormes frustra����es."
"Estou preparada", disse ela, sempre ousada.
Mas com sensibilidade ele comentou: "Para diminuir seu sofrimento,
voc�� ter�� que voltar �� sua origem. Ter�� que se posicionar n��o como minha
m��e, mas como a mulher das mulheres. Lembre-se sempre da miss��o para
a qual voc�� foi chamada." "N��o me esquecerei, meu filho." "N��o h�� pior
dor do que uma m��e perder um filho." "Meu filho, voc�� vai morrer?", perguntou
ela, abalada. "M��e, lembre-se: eu sou o cordeiro de Deus."
Ela sentiu uma dor intensa. Ficou com os olhos ��midos. Limpou o
rosto com suas vestes grossas. Sua alma seria transpassada sem anestesia.
"Eu o amo de forma inimagin��vel, meu filho... Me ajude se eu me
esquecer..." disse ela com a voz embargada.
Pegando as duas m��os dela, beijou-lhe o rosto e tentou poup��-la: "Se
voc�� se esquecer, lhe darei uma senha: 'mulher'."
Depois de Marco Polo contar essa poss��vel hist��ria, o Dr. Alberto
ficou profundamente emocionado.
- Ent��o, quando Jesus falou para Maria aquela frase aparentemente
fria "Mulher, o que tenho eu contigo?", na realidade ele estava lembrando-
a da senha. - disse o Dr. Alberto, maravilhado. - Tem fundamento...
tem fundamento... Essa an��lise resolveu uma equa����o que ficou sem
solu����o por 2 mil anos.
E Marco Polo ainda concluiu:
- Mas, apesar de ter-lhe dito a senha, Jesus ouviu Maria. Ele deve ter
meneado a cabe��a para indicar que realizaria seu desejo. Talvez tenha sido
o��nico ato sobre-excelente que Jesus fez e que n��o aliviou a dor de algu��m.
Depois desse coment��rio, Marco Polo indagou �� plateia at��nita:
- Quando o doutor Lucas relata esse epis��dio da transforma����o da
��gua em vinho?
As pessoas que conheciam a biografia que ele escreveu ficaram
intrigadas. N��o se lembravam. Os dois te��logos que debatiam na mesa
foram procurar a passagem, mas n��o a encontraram.
- Em nenhum lugar - afirmou o Dr. Alberto. - Mas �� estranho; se
Maria foi t��o ��ntima de Lucas, por que ela n��o lhe contou um fato t��o
importante?
- Eis a quest��o: porque ela achava desnecess��rio. N��o era importante.
- Jesus, mesmo n��o querendo realizar o ato, por fim fez a vontade
da m��e. Mas... n��o entendo o motivo pelo qual ela o omitiu de Lucas ponderou
Sofia, confusa.
- Por causa de sua discri����o - afirmou Marco Polo. - Ela foi atendida,
mas n��o era o sofrimento de algu��m que estava em quest��o naquele
momento... O que deve t��-la feito se calar.
- De onde voc�� tirou tudo isso, Marco Polo? - indagou mais uma vez
o Dr. Thomas, intrigado.
- Um garimpeiro n��o produz as pepitas, s�� remove a terra. N��o
tenho m��rito algum.
E depois disso concluiu mais uma vez que foi uma perda enorme para
a humanidade o fato de as religi��es e as ci��ncias humanas n��o terem estudado
a intelig��ncia de Jesus com a profundidade que ele sempre mereceu...
E fez o mea culpa, confessou a estupidez do pr��prio preconceito.
27
CRESCENDO EM SABEDORIA
os�� entalhava um tronco carcomido, duro e curvado de oliveira.
Era uma lida dif��cil, penosa. Robo��o, um amigo, estava ao seu lado.
Subitamente, Maria se aproximou dele apreensiva. Estava com Judith,
mulher de Robo��o. O comportamento do menino Jesus mais uma vez
a preocupava.
- Jesus sumiu de novo!
- Aonde ser�� que ele foi desta vez?
O garoto tinha 8 anos. Era determinado, esperto, arguto, explorador.
Sua capacidade de perguntar era espantosa e sua generosidade deslumbrava
a todos.
- Ele n��o os obedece? - indagou Robo��o.
- Ningu��m �� t��o obediente quanto ele, mas, como o sedento procura
a ��gua, ele tem sede de descobrir o mundo - afirmou Maria.
- Ent��o esse seu filho vai lhe trazer muitas alegrias - assegurou
Judith, tentando consol��-la.
- O problema �� que ele ainda �� uma crian��a, corre risco de ser ferido,
roubado, vendido como escravo... - expressou Jos��.
- Mas ele n��o tem medo de sair sozinho nesses tempos dif��ceis? questionou
Robo��o.
- Meu filho parece n��o ter medo de nada - relatou Jos��, limpando o
suor do rosto. - Vou atr��s dele.
Maria, Judith e Robo��o o acompanharam nessa empreitada.
Procuraram por horas.
- Viram meu filho? - perguntava o pai ��s pessoas no caminho.
- Meu filho Jesus, estamos procurando-o - informava a m��e.
- De novo fugiu? - havia quem dissesse.
- N��o. Ele n��o fugiu. Est�� conversando com estranhos - assegurava
o pai.
- Com estranhos? Est��o faltando limites - criticavam alguns.
E, assim, eles percorreram o vilarejo tentando encontrar o paradeiro
do menino. Uns davam uma pista, outros davam outra, mas, quando l��
chegavam, ele j�� tinha partido.
- Seu filho j�� fez isso outras vezes? - questionou Judith, o rosto suado.
- Algumas vezes, mas sempre voltou. Temo que um dia n��o volte disse
o pai, muito preocupado.
Enquanto isso, um pouco distante dali, o menino se aproximou de
um idoso. Falante, puxou conversa:
- Boa tarde, senhor.
- Boa tarde, meu filho.
-O senhor mora sozinho?
- Moro.
- �� dif��cil ficar s��?
- Um pouco - disse o idoso, admirado com a indaga����o.
- Seus filhos n��o o visitam?
- Cada um tem a sua vida, meu filho.
- Mas os pais n��o devem ser muito importantes para os filhos?
- ��, mas o tempo passa e muitos filhos se esquecem que t��m pais.
- Mas n��o deveriam esquecer! - comentou o menino.
- Que idade voc�� tem? - perguntou o idoso, admirado.
- Vou fazer 9. - Mas logo desviou a conversa: - J�� sofreu muito?
- Muitas vezes, meu filho.
- Por qu��?
- Eu me senti abandonado. Tenho dor no peito... ��s vezes n��o tenho
o que comer!
O menino deixou escapar uma l��grima e o idoso percebeu. De repente
desembrulhou um p��o que carregava e lhe perguntou:
- Est�� com fome?
- Suport��vel - disse o senhor, n��o revelando sua tremenda fome.
Nesse momento o menino partiu seu p��o ao meio e entregou uma
parte ao idoso, que se encheu de alegria.
- Quem �� voc��, meu filho?
- Sou um menino que n��o gosta de ver os mais velhos sofrerem.
O idoso comia sem tirar os olhos do menino. Subitamente, o garoto
o surpreendeu mais ainda:
- Olhe as nuvens pintando o c��u. Veja aquele p��ssaro, que voo
lindo. - Uma rajada de vento se abateu sobre ele. Ele abriu os bra��os,
fechou os olhos e disse: - Sinta, vov��, como �� bom ser abra��ado
pelo vento.
O idoso comia o p��o e as palavras do menino. Entre uma mordida e
outra, perguntou:
- Diga-me o seu nome. Quem s��o seus pais? Onde voc�� mora?
- Chamo-me Jesus.
Mas, em vez de responder as outras perguntas, o menino questionou
o idoso, deixando-o preocupado:
- Onde ficam os leprosos?
O idoso co��ou a cabe��a, tenso.
- Por qu��? O covil dos leprosos �� um lugar muito perigoso.
- Por favor, me diga como eu chego l��.
- Fica encravado naquela montanha. -E apontou para o horizonte.
- Mas n��o se aproxime, menino.
- Por qu��?
- Os leprosos vivem como feras. Eles atacam as pessoas, roubam,
ferem e at�� matam.
- Eles n��o s��o maus. S�� ferem porque est��o feridos.
O idoso parou, pensou e perguntou novamente ao menino quem ele
era, ao que Jesus lhe respondeu:
- Sou apenas um menino que ama a humanidade...
224
E em seguida partiu sem dizer mais nada. O idoso tentou seguir seus
passos, mas ele saiu correndo. Parecia que corria como um bezerro
solto do curral, feliz da vida. Duas horas depois, seus pais apareceram
com o casal de amigos. Estavam muito fatigados.
-O senhor viu um menino sozinho por estas bandas?
- Magro, cabelos lisos, falante, esperto, que nos deixa sem voz?
Maria olhou para Jos��, Judith fitou Robo��o.
- Sim, �� esse mesmo - confirmou Maria, alegre.
- Onde ele est��, senhor? - indagou o pai, ansioso.
- H�� duas horas partiu, mas n��o sai da minha mente.
Pensaram que o idoso estivesse perturbado.
- Ainda estou com o ju��zo perfeito, meus filhos. Mas o menino que
aqui esteve matou a minha fome duas vezes...
- N��o estou entendendo, senhor - disse Jos��.
- Matou a fome com metade do seu p��o de trigo e matou minha fome
de alegria com seu jeito de ser.
Maria ficou pensativa. Mais uma vez seu filho abalara os que o
ouviam. Ela sempre pedia que ele tomasse cuidado, que n��o dialogasse
com quem n��o conhecia. Mas era quase imposs��vel. Ele era extremamente
soci��vel.
- Voc��s s��o os pais dele?
- Sim - disse Maria.
- Quem lhe ensinou as coisas que ele me disse?
Os pais se entreolharam.
- N��s lhe ensinamos, ele nos ensina. -E n��o querendo revelar mais
nada, mas ao mesmo tempo aflita, Maria foi direto ao assunto: - Mas
diga-me, senhor, onde ele est��?
- No covil dos leprosos.
- No covil dos leprosos? - ecoou Robo��o, amigo de Jos��, assustado.
- L�� �� um lugar perigos��ssimo.
- Eu o adverti, mas ele saiu correndo. Tentei correr atr��s dele. Sinto
muito. N��o pude segur��-lo.
- Ningu��m consegue, senhor. Vamos - disse Jos��.
E assim os quatro sa��ram apressados. Desceram ladeira abaixo, fizeram
uma curva, at�� que chegaram ao ambiente onde os leprosos se
isolavam da sociedade. Eles se escondiam ali por medo de serem apedrejados,
queimados, zombados, exclu��dos pelos "saud��veis". Alguns
parentes e amigos, mostrando fagulhas de compaix��o, atiravam do alto
do penhasco peda��os de p��o para eles n��o morrerem de fome.
No interior da imensa caverna havia um po��o de ��gua. Ali eles se
banhavam de vez em quando, faziam suas necessidades, tomavam ��gua
contaminada e se reinfectavam. O covil era um dep��sito de seres humanos.
Temerosos, Maria, Jos�� e seus amigos se aproximaram lentamente.
�� medida que foram entrando na caverna, viram uma tocha acesa e
v��rios leprosos ao redor do menino. Seus pais e o casal de amigos ficaram
assombrados. O menino conversava com os miser��veis, animando-os...
- Quais foram seus dias mais alegres, Isaque?
- Foi quando nasceu meu filho, que tamb��m se chama Isaque. Eu o
apertava no meu peito e me sentia o homem mais feliz do mundo.
- E qual foi o seu dia mais triste?
- Foi quando Isaque, com 15 anos, disse a seus amigos que n��o tinha
pai. Tinha vergonha de dizer que eu tinha lepra. Eu ouvi essas palavras
quando estava atr��s de uma oliveira. Chorei por tr��s dias seguidos.
-E voc��, Mois��s? Quando foi que pulou de alegria? - perguntou o
menino com a disposi����o de um mestre.
Mois��s era uma pessoa toda deformada pela lepra. Muitos amigos
e parentes criam que ele n��o era mais um ser humano. Sua face era
horr��vel. Parecia o rosto da cruza de um leopardo com um lobo. Mas o
menino Jesus garimpava ouro em solo rochoso.
- Foi quando me casei com Rinna. Era uma mulher maravilhosa, alegre,
divertida. Uma semana de festa, vinhos, assado de carneiro, uvas.
-E quando voc�� teve sua maior tristeza? - indagou o filho de Jos�� e
Maria.
Seus pais ouviam assombrados seu filho fazer essas perguntas aos
leprosos. Como eles estavam distra��dos, n��o notaram a presen��a dos
estranhos.
- Fiquei muito triste quando, aos primeiros sinais da lepra, Rinna
come��ou a me evitar e questionar quais eram meus pecados. Se eu era
um leproso, eu merecia, pois era um pecador. Depois dela, meus amigos
me abandonaram, em seguida meus irm��os. Mas nada foi mais triste
do que quando meus pais pararam de me visitar. Deixaram-me para
morrer. Hoje eu pare��o um monstro.
- Quem tem lepra n��o merece viver, menino - disse Salus, outro
leproso.
- Voc��s s��o gigantes. Conseguem viver mesmo sendo tratados como
lixo humano.
- Onde voc�� aprendeu isso, menino?
- Meu pai me ensinou. Deixe-me tocar suas feridas.
Eles rejeitaram. Mas o menino insistiu e come��ou a passar as m��os
sobre o rosto ferido, fedido e deformado deles. E o ardor da pele diminuiu.
De repente, um grito ecoou na caverna l��gubre e ��mida. Era Robo��o:
- N��o toque essas feridas, garoto!
Os mais de vinte leprosos se encheram de raiva. Os "normais" s��
invadiam aquela caverna para feri-los ou mat��-los.
- Ataquem-nos! - ordenou Mois��s.
A presen��a deles era odiada. Foram para cima dos invasores com paus.
- N��o fa��am isso! - bradou Jesus.
De repente ele ouviu a voz de Maria:
- Jesus, meu filho!
- Mam��e! Mam��e! - gritou ele.
Ent��o algo surreal aconteceu. Alguns leprosos deram ordens em voz
alta.
- N��o os toquem! S��o seus pais!
O menino correu e abra��ou os pais.
- Filho, �� perigoso estar aqui.
Subitamente Jesus olhou ao redor e viu os leprosos sofridos e com a
apar��ncia deformada. Parecia uma cena de terror. Mas ele disse:
- S��o meus amigos, mam��e.
Jesus refrigerou a emo����o deles; era tempo de se despedir. O menino
deu um abra��o em cada um. Foi uma cena comovente. Emocionados, os
miser��veis soltaram l��grimas e se perguntavam: "Que menino �� este?"
Ao partirem, algo incr��vel aconteceu. Mois��s, o leproso mais deformado
cujo rosto o menino havia acariciado, recuperou a sa��de e restaurou a
anatomia do rosto. Ele dava saltos de alegria.
Depois desse epis��dio, os leprosos passaram a procurar o menino
ansiosamente, mas n��o o acharam, pois Jos�� estava trabalhando em
outra cidade, fazendo um servi��o por encomenda. Al��m disso, por
onde os leprosos passavam se informando sobre ele, eram exclu��dos.
Alguns foram apedrejados por pessoas insens��veis. A cabe��a de um
deles come��ou a sangrar.
Nesse exato momento, Sofia acordou desesperada. Teve mais um
sonho intrigante com a inf��ncia de Jesus. N��o sabia por qu��, mas ela
penetrara nas entranhas da forma����o da personalidade do menino mais
famoso da hist��ria... Ela se alegrou por ele, mas chorou pelos exclu��dos.
28
MARCO POLO: O TERREMOTO
EMOCIONAL
Durante o caf�� da manh��, Sofia contou para Marco Polo o filme que
se passara em sua mente. Ela o relatava com tanta emo����o e riqueza
de detalhes que ele se comoveu. Ficou ciente de que a intelig��ncia do
homem que mudou a hist��ria mexia mais uma vez com os bastidores
de suas mentes. Fitando os olhos dele, ela disse:
- Claro, foi apenas mais um sonho impactante. Mas pelo menos em
meu inconsciente se resolveu o elo perdido entre o Jesus adulto encantador
e o menino inspirador.
Marco Polo comentou:
- Nossa mente tem uma criatividade fascinante, ainda mais quando
�� provocada como est�� sendo na mesa-redonda.
- Confesso que desde pequena sempre tive uma atra����o por conhecer
o beb�� que comemor��vamos no Natal. Ficava vendo-o nos pres��pios e
tentava imaginar como cresceria, com quem brincaria, como lidaria com
a dor e com seus pais. No meu sonho, ele foi um menino indescrit��vel.
-A impress��o que tenho �� de que os bilh��es de seres humanos que
seguiram Jesus Cristo ao longo da hist��ria e ainda o seguem nos dias
atuais n��o t��m consci��ncia plena das causas exatas por que cr��em nele.
Eles valorizavam seus atos sobre-humanos, sua morte na cruz e sua
promessa da eternidade, mas foram seus pequenos e inteligent��ssimos
gestos, suas atitudes intrigantes e suas ideias revolucion��rias que no
fundo os seduziram. Os dez par��metros que estou usando para estudar
a mente dele revelam isso.
Sofia lembrou que Marco Polo usaria essas ferramentas de an��lise, o
que a levou a perguntar, curiosa:
- Interessante. Poderia sintetizar esses par��metros e os pontos em
que Jesus tem sido excepcional?
- Ainda �� cedo para fazer uma an��lise completa. Lembre-se, ainda
estamos no in��cio de nosso debate. Mas as suas habilidades para filtrar
est��mulos estressantes, se reinventar no caos, sua empatia, a resili��ncia
para suportar frustra����es, a capacidade de autocontrole nos focos de
tens��o, as habilidades pedag��gicas para formar mentes brilhantes e ser
autor da pr��pria hist��ria est��o me tirando o sono.
- Lembre-se da confer��ncia que voc�� deu aqui para a ONU. Voc��
disse que nunca tinha estudado um intelectual que gerisse sua emo����o
a esse ponto.
- Lembro-me todos os dias. Inclusive eu falhei - declarou honestamente.
Ao mesmo tempo que ele fazia essas compara����es, mergulhava em
sua hist��ria. Em situa����es normais, Marco Polo era muito saud��vel
emocionalmente. Mas os terremotos emocionais que atravessara foram
devastadores. Mostravam-lhe que faltava a ele maestria para filtrar est��mulos
angustiantes, empatia para cativar o pr��prio filho, capacidade para
resgat��-lo e estimul��-lo a transformar o caos em oportunidade criativa.
- Eu sou um agiota da minha emo����o. Cobro demais de mim, procuro
ser ��timo para os outros, mas estou c��nscio de que sou um carrasco
de mim mesmo.
Sofia pegou em sua m��o direita e delicadamente disse:
- Voc�� precisava se abra��ar, dar novas chances para si e para quem
ama...
- Eu sei. N��o basta ser psiquiatra, �� insuficiente ser um pesquisador.
Preciso me tornar um ser humano em constru����o. Necessito romper o
c��rcere da rotina e me reinventar na rela����o com Lucas, sen��o o perderei...
De fato a fama internacional e o prest��gio intelectual de Marco Polo
230
n��o adiantavam em nada para cativar seu filho; pelo contr��rio, s��
aumentavam seu desafio. Lembrou-se da tese "O poder compra bajuladores,
mas n��o amigos". Sem d��vida precisava reescrever sua hist��ria.
Um ano antes
Depois que perdeu Anna, Marco Polo procurava se aproximar ainda
mais de seu filho. Lucas era mais importante para ele que todo o ouro
do mundo. Por��m o problema nunca tinha sido o amor dos pais a seus
filhos, mas a forma de traduzir esse amor. Cobran��as s��o um rem��dio
que produz muitos efeitos colaterais. A cobran��a asfixia o di��logo. Sem
o di��logo, a rela����o perde a espontaneidade; sem a espontaneidade, se
sufoca a confiabilidade; sem confiabilidade, a rela����o se torna est��ril.
Mesmo no caso de pais inteligentes e generosos... Se n��o desenvolverem
certas habilidades emocionais junto com seus filhos, a rela����o se
desertifica. Marco Polo sentiu isso na pele. Ningu��m imaginava que o
h��bil psiquiatra viveria esse dram��tico roteiro. Antes de Lucas se afundar
no uso de drogas, teve muitas conversas com ele. Algumas saturadas
de estresse.
- Como est�� a sua vida, filho?
- Estou bem.
- Quer conversar... sobre sua m��e, a perda dela?
Lucas lacrimejou, queria evitar o assunto. N��o sabia lidar com temas
tensos.
- N��o! Quero ir para o meu quarto.
- Voc�� est�� sempre fugindo. Vamos conversar!
- N��o quero! J�� disse! - falou asperamente.
- Como n��o quer? O que voc�� faz �� noite? Com quem sai? Quem s��o
seus amigos? - indagou Marco Polo.
- Os de sempre! - disse Lucas, sem querer estender a conversa.
- Est�� indo bem com sua psic��loga?
- Ela �� muito superficial - respondeu o garoto.
- Ela �� superficial ou voc�� �� que �� resistente? - questionou o pai.
Marco Polo n��o queria arrombar o cofre da mente de Lucas. Sabia de
seus limites e respeitava o filho, mas estava inconformado. Percebia que
ele continuava a usar drogas. Sofria por antecipa����o, o que era totalmente
compreens��vel nesses casos, mesmo para um psiquiatra experiente.
- Vamos falar sobre os motivos que o levaram a usar drogas?
- N��o quero conversar! - disse Lucas e saiu andando.
Marco Polo elevou um pouco o tom de voz:
- Como n��o? Voc�� depende de mim e me despreza como lixo?
- N��o o desprezo! N��o tenho motivos para usar drogas. Voc�� e a
mam��e sempre foram carinhosos comigo. Sempre dialogaram, inclusive
sobre drogas.
-E por que entrou nessa armadilha? - indagou o pai.
- Voc�� �� psiquiatra e n��o entende!
- Sou psiquiatra, mas n��o sou m��gico nem adivinho. S�� consigo analisar
o que as pessoas me dizem.
Lucas deu um suspiro. N��o queria tocar no assunto, mas falou rapidamente
sobre o tema:
- Estava num grupo legal, onde havia uma garota bonita me paquerando.
Ofereceram-me coca��na uma vez, eu rejeitei; duas vezes, tamb��m
rejeitei. Na terceira vez a garota me disse "Deixe de ser careta". Foi
ent��o que cedi. �� isso!
- Prefere ser um careta ou um prisioneiro das drogas?
- Acabou! Prometo. Confie em mim.
- Filho, seja voc�� mesmo! Sou seu pai e seu amigo. Pode me contar o
que n��o teve coragem de falar at�� agora.
- N��o tenho nada para falar. Quero ir para o meu quarto.
E assim ele saiu da sala. Lucas sempre fora um garoto aberto, transparente,
mas a perda s��bita da m��e, a experi��ncia traum��tica na delegacia,
a acusa����o ferina do av�� e o excesso de trabalho do pai o fizeram se
fechar em seu pr��prio mundo.
Antes desses epis��dios, n��o tinha nenhum grande conflito em sua
personalidade. Marco Polo sabia, diferentemente do que Freud acreditava,
que n��o s��o necess��rias perdas ou priva����es na primeira inf��ncia
para se ter um adulto doente. Mesmo tendo uma inf��ncia feliz, se o Eu,
como gestor da mente humana, n��o aprende a proteger a emo����o, experi��ncias
estressantes podem construir c��rceres ps��quicos.
As drogas eram uma dessas experi��ncias, embora uma boa parte dos
que as experimentavam sa��sse do processo sem ficar dependente. N��o
era o caso de Lucas. A dificuldade de lidar com a solid��o o afetava e
diminu��a seus freios. Come��ou a ter relacionamento com um grupo
de alunos da escola que eram usu��rios. Logo foram seduzidos tamb��m
por alguns traficantes que se passavam por l��deres sociais. Quinze dias
depois, Marco Polo teve outra conversa tensa com Lucas.
- Filho, voc�� est�� estranho. Tem usado drogas? Seja honesto!
- N��o usei. Voc�� n��o confia em mim! - disse com convic����o, mas
mentia.
- Observe com quem voc�� anda - disse Marco Polo.
- Fique tranquilo, sei me cuidar - retrucou ele rispidamente, algo raro.
- Vou encaminh��-lo para outra psicoterapeuta. Voc�� precisa encontrar
algu��m com quem se identifique. Sofreu uma sobrecarga de tens��o
alt��ssima nos ��ltimos tempos.
- N��o quero!
- Mas voc�� tem faltado ��s sess��es com a sua terapeuta atual!
- Vou pensar. - E saiu sem prolongar o di��logo.
Dias depois, Lucas foi �� festa de anivers��rio de um colega. Precisava
voltar cedo porque tinha aula na manh�� seguinte. Um amigo mais
velho o traria de volta. Chegou �� meia-noite. Estava emocionalmente
alterado, olhando para os lados, com ideias de persegui����o, t��pico comportamento
de quem usou coca��na. Marco Polo o aguardava preocupad��ssimo.
Quando ele passou pela sala, n��o viu o pai.
- Lucas, filho, espere - disse, interrompendo seus passos.
- Eu vou dormir - disse ele, perturbad��ssimo.
- Espere, eu lhe pe��o.
- Tenho que acordar cedo.
- J�� lhe disse. Espere! - disse Marco Polo em voz mais alta.
- Que saco!
-O qu��? Voc�� jamais me viu ofendendo algu��m, como tem coragem
de falar desse modo com seu pai?
-�� que voc�� me controla demais - disse Lucas depois de um breve
sil��ncio.
- Eu o controlo? Voc�� �� que n��o tem autocontrole. Por que est�� t��o
agitado?
- N��o d�� uma de psiquiatra.
- Sou o seu pai. Por que esse comportamento agitado?
Marco Polo se aproximou dele e viu que estava tenso, observando
tudo ao redor.
- N��o usei drogas.
- N��o deixe esse vampiro sugar voc��.
Lucas fez sil��ncio. O pai entendeu.
- Filho, perdemos a mam��e... N��o quero perder voc��... Drogas
podem ser um caminho sem volta.
Lucas come��ou a chorar.
- Eu sou fraco, papai...
- Deixe-me ajudar... Eu te amo.
- Eu nem sei se me amo mais.
E se abra��aram. Marco Polo percebeu que o caso de seu filho n��o
era apenas uma experi��ncia perigosa e tempor��ria. Come��ou a colocar
limites, a controlar seu dinheiro e seus hor��rios. Continuava a tentar
se aproximar dele, mas Lucas estava deprimido, n��o queria conversa.
Enviou-o a mais um colega psiquiatra, mas ele n��o se adaptou. Encontrou
uma psic��loga cl��nica, Dra. Susan, mas a rela����o entre pai e filho piorou
depois disso. Ela, querendo ganhar a confian��a de Lucas e sem entender
as nuances de seu conflito, o jogou contra o pai:
- Seu pai �� muito dominador.
- Ele n��o me deixa respirar...
- Voc�� deve impor o que pensa. Caso contr��rio, ficar�� sempre na
sombra dele.
Se havia uma coisa que Marco Polo n��o fazia era controlar as pessoas.
Ele sempre dizia: "Quem vence sem riscos vence sem m��ritos." Sempre
dava ��s pessoas o direito de expressarem suas ideias, inclusive de critic��-
lo. Encorajava seus alunos e colaboradores a terem ideias pr��prias,
inclusive a discordarem dele.
Marco Polo foi conversar com a psicoterapeuta.
- Dra. Susan, a rela����o com meu filho est�� pior. O que est�� acontecendo?
- Voc�� domina o Lucas!
- Como pode afirmar que o domino? Sempre o encorajei a lutar pelos
seus sonhos.
- Tem de dar liberdade a ele.
- Mas liberdade sem responsabilidade �� autodestrui����o - disse, questionando-
a.
-O senhor pode ser um pensador respeitado, mas tem de respeitar
os direitos do seu filho.
- Claro que devo respeitar seus direitos, mas n��o posso concordar
que use drogas.
- Drogas? Como assim? Ele n��o me disse que estava usando drogas.
- Lucas est�� vindo ��s sess��es h�� dois meses e voc�� n��o sabia que ele
estava usando coca��na? - disse Marco Polo abatido, aborrecido.
- Por acaso eu sou uma deusa que sabe de tudo? - respondeu ela com
arrog��ncia.
- Voc�� n��o �� deusa, mas pelo menos devia ser humana. S�� seres
humanos tratam de seres humanos. Adeus.
Marco Polo encontrou outra psic��loga para Lucas, mas havia um
problema de que ele n��o sabia. Sem sua autoriza����o, o av�� tinha dado
ao menino um cart��o de cr��dito sem limite. O riqu��ssimo av�� n��o
sabia que o dinheiro mal usado empobrece tanto ou mais que a falta
dele. Lucas sacava dinheiro e continuava usando drogas. Tornava-se
cada vez mais um especialista em dissimular, disfar��ar, mentir. Marco
Polo lutava para conquistar o filho, uma tarefa cada mais dif��cil, e de
repente recebeu uma not��cia que fez seu mundo desabar sobre sua
cabe��a. Seu celular tocou.
- Doutor Marco Polo?
- Pois n��o, �� ele que est�� falando.
- Aqui �� o doutor James, do pronto-socorro do hospital Saint Louis.
Seu filho teve um colapso card��aco.
O cora����o de Marco Polo parecia que tamb��m entraria em colapso.
-O qu��? Como ele est��? - perguntou desesperado.
- Est�� passando bem agora - afirmou o m��dico.
- Mas o que aconteceu?
- Ele teve uma overdose.
Essa fora a primeira overdose de Lucas. A segunda foi logo antes de
ele viajar para Jerusal��m.
- Como? Mas... Mas... - disse, transpirando.
Marco Polo pegou o carro e imediatamente foi ao pronto-socorro.
Quando Lucas viu o pai, caiu em prantos. Ele estava deitado numa maca
tomando soro. Desesperado, pediu ajuda.
- Pai, quase morri!
- Lucas, meu filho, o que voc�� est�� fazendo com a sua vida?
- N��o sei, n��o sei - disse, aos prantos.
- Onde eu errei? - indagou o psiquiatra com l��grimas nos olhos,
sentindo-se culpado.
- Voc�� n��o tem culpa. Faz dois meses que a mam��e morreu. N��o
consigo viver sem ela... - disse, solu��ando. - Morro de saudades...
- Eu tamb��m, meu filho... - comentou, enxugando os olhos. - A dor
de um filho �� inimagin��vel... Mas honre sua m��e sendo mais feliz, n��o
se autodestruindo!
- N��o consigo me controlar... Por favor, me interne...
Marco Polo ficou condo��do ao ver Lucas t��o fragilizado. Abra��ou-o
durante um longo tempo. Era um bom jovem, mas estava se perdendo
completamente. Preocupad��ssimo, ele indagou:
- Onde voc�� consegue dinheiro para comprar droga?
- Com o cart��o de cr��dito que o vov�� me deu - confessou Lucas,
tirando o cart��o da bolsa e entregando-o ao pai.
- Qual o limite desse cart��o?
- N��o tem limite. Posso gastar quanto quiser.
- Como seu av�� p��de fazer isso com voc��?
236
- N��o sei. Talvez porque nunca foi um bom pai para a mam��e. Mas
ele me ama!
- Superprote����o �� uma forma de sabotagem, meu filho. Sem limites,
nosso instinto animal vence o racional! - disse Marco Polo, completamente
indignado.
Seu sogro havia tentado sabot��-lo a vida toda; agora parecia que
queria sabotar seu filho. Depois desse triste epis��dio, levou-o para casa
consternado. O futuro era um horizonte sem dire����o, um c��u sem estrelas.
Teriam de tatear juntos para sobreviver.
Como estudava a ��ltima fronteira da ci��ncia, a forma����o do Eu e a
constru����o da consci��ncia, Marco Polo certa vez disse algo para uma
plateia de educadores que descreveria seu futuro estado emocional:
- Todos devemos ser cr��ticos do antropocentrismo, de nos colocarmos
como o centro do universo, mas �� um fato inevit��vel que, por
termos uma consci��ncia existencial, nos tornemos ��nicos, diferentes
uns dos outros. Quando sofremos, parece que todo o universo sofre,
quando experimentamos a solid��o, todo o universo sente-se s��, pelo
menos para nossa consci��ncia emocional.
Essas palavras esquadrinhavam a mente do pr��prio Marco Polo
enquanto levava seu filho do pronto-socorro para casa. Ele chorava,
e parecia que todo o universo estava em prantos. Perdera a esposa de
forma tr��gica, agora tinha medo de perder seu ��nico filho. Parecia
que todo o universo era v��tima do mesmo terror. O mundo estava
colapsando com Marco Polo, levando-o mais uma vez a entender que
n��o h�� gigantes na vida - cedo ou tarde nossa fragilidade exala de
nossos poros...
Depois de recordar rapidamente esses epis��dios, Marco Polo ligou
para Lucas. A mesa-redonda o levou a pensar muito sobre as pontes
que havia constru��do para ele. Era um profissional de sa��de mental.
N��o queria ganhar discuss��es nem defender seu ponto de vista; queria
ganhar seu filho. Lembrou-se do debate que estava realizando e teve a
coragem de lhe pedir desculpas.
- Desculpe-me, meu filho. Sou um especialista em julgar, mas preciso
ouvi-lo mais.
- N��o, meu pai, eu �� que estou errado.
- N��o, meu filho. Sou mais velho, fui treinado para ouvir o que os
outros t��m para falar. Mas confesso que procurei ouvir s�� o que eu queria
ouvir, e n��o o que voc�� tinha para dizer...
Lucas ficou emocionado.
- Nunca imaginei que voc�� fosse capaz de dizer isso. Voc�� �� mais
transparente do que eu imagino. Mas n��o consigo me abrir com voc��.
- Talvez porque me falte transferir-lhe o capital das minhas experi��ncias.
- Como assim?
Marco Polo engoliu em seco e ficou com os olhos ��midos.
- Dou-lhe orienta����es, conselhos, sou um manual de ��tica. Mas
me esqueci de falar das minhas l��grimas para voc�� aprender a chorar
as suas.
-A n��o ser agora que perdemos a mam��e e que estou com problemas,
nunca imaginei que voc�� chorasse.
- Pois voc�� est�� enganado. Quero tamb��m lhe contar sobre as minhas
derrotas para que voc�� entenda que ningu��m �� digno do p��dio se n��o
utilizar seus fracassos para conquist��-lo.
- Voc�� parece invenc��vel. Voc�� tem derrotas?
- V��rias, meu filho.
- Mas sempre pensei que sua vida fosse perfeita.
Marco Polo sorriu.
- Voc�� sabe que eu tirava as notas mais incr��veis na sua idade?
- Sabia, voc�� tem t��tulo de g��nio de um instituto europeu.
Marco Polo fez uma pausa. Seu filho realmente n��o o conhecia.
- Mas isso foi vinte anos depois do col��gio. Na escola, eu era um dos
piores da classe.
- N��o acredito!
- Pois pode acreditar. Era desconcentrado, irrespons��vel, n��o tinha
projeto de vida. S�� depois que uni sonhos com disciplina �� que reescrevi
minha hist��ria.
- Quem imaginaria que o grande Marco Polo, um intelectual reconhecido
internacionalmente, foi um desastre no col��gio - disse Lucas,
abrindo um sorriso.
- Voc�� conhece os aplausos que tive, mas desconhece as vaias que
recebi. Conhece minha intelig��ncia, mas desconhece minhas falhas da
juventude!
- Mas... mas... por que voc�� n��o me contou isso antes?
- Essa �� uma das minhas falhas. Reafirmo que faltou lhe transferir o
capital das minhas experi��ncias. Por isso declaro: voc�� �� o maior tesouro
do mundo para mim.
- Como assim? Os drogados s��o considerados... lixo social...
E, nesse momento, Marco Polo ficou muito emocionado e n��o respondeu
sua quest��o. Come��ou a cantar parab��ns para seu filho:
- Parab��ns para voc��, nesta data querida, muita felicidade, muitos
anos de vida...
- Papai, voc�� est�� ficando louco? Hoje n��o �� meu anivers��rio!
- Eu sei, Lucas, mas estou cantando "Parab��ns" porque todos os dias
sou um privilegiado em ter voc�� como filho. Obrigado por existir...
- Papai, eu... sempre o... decepcionei. E voc�� diz que... �� um privil��gio
ser meu... pai... Eu te amo... Eu te amo... Me perdoe.
Lucas desatou a chorar. N��o conseguia dizer mais nada. Marco Polo
tamb��m. Ambos viveram a linguagem do sil��ncio. E desse modo um
novo e poderoso cap��tulo entre eles se iniciou...
29
MICHAEL E SUA FILHA: OS IMPACTOS
DA MESA-REDONDA
mbora estivesse se reciclando, Michael era n��o apenas austero como
pesquisador e r��gido como professor, mas tamb��m um amante solit��rio.
N��o sabia encantar e envolver Sarah, sua esposa. Mas sua performance
mais emblem��tica era como pai. Tinha uma ��nica filha, Isabela,
portadora de s��ndrome de Down.
Quando ela nasceu com a face que dava sinais da s��ndrome, o neurocientista
ficou decepcionado, emudecido, isolado. Sonhava que sua
filha fosse brilhar como ele na ci��ncia. Os filhos s��o a alegria dos pais
ou sua frustra����o, principalmente se os pais forem m��opes.
- Michael, brinque com Isabela - dizia Sarah mil vezes.
Ele sempre dava desculpas. Sua falta de tempo era, na realidade, falta
de amor. Raramente se envolvia com sua pequena menina, e, quando o
fazia, n��o se entregava.
Cinco anos se passaram. Michael ainda tinha dificuldades para
peg��-la no colo, sair com ela pelas ruas, andar de m��os dadas nos parques,
brincar de esconder atr��s das ��rvores. Era um homem inteligente,
respons��vel e ��tico, mas o bullying que sofrera na inf��ncia por ser
obeso, a rigidez dos pais e a timidez na adolesc��ncia embotaram seus
sentimentos.
- Voc�� tem uma filha? Como ela ��? - indagavam alguns colegas da
universidade.
240
- Ela? Ela �� d��cil, inteligente... - E, constrangido, encerrava logo a
conversa. Nunca dizia que tinha s��ndrome de Down.
Michael n��o conseguia fazer de Isabela uma flor especial como ela
merecia. Quando chegava em casa, se recolhia em seu escrit��rio para ler,
escrever artigos ou ver seriados. Sarah, por sua vez, era m��dica oncologista.
Trabalhava muito. Lidava com a morte com frequ��ncia. Era uma
mulher sens��vel, precisava de aconchego, companheirismo, di��logo. Mas
Michael era um especialista em cobrar e n��o se doar. Vivia a tese de seu
amigo Marco Polo: "Sem gest��o da emo����o, casais come��am seu relacionamento
no c��u do romance e o terminam no inferno dos atritos."
Entretanto, Michael estava em processo de muta����o. A mesa-redonda
estava mexendo com sua cabe��a, mudando seus par��metros. ��s vezes
contava alguns momentos dos debates para Sarah. Mas era econ��mico
nas palavras. Certa noite cumprimentou-a de forma diferente:
- Sarah, como foi seu dia?
-O que deu em voc��? - questionou ela, curiosa.
- Como assim? - indagou Michael.
- Voc�� nunca me pergunta como foi meu dia.
- S��rio? Eu pensei que fosse um marido mais gentil.
Sarah olhou bem nos olhos dele e lhe disse com todas as letras:
- N��o percebe que sou uma vi��va com marido vivo? N��o, melhor
ainda: sou uma esposa cujo marido me trai com frequ��ncia...
- Eu? Traindo? Voc�� est�� ficando louca, Sarah!
- N��o se trai apenas sexualmente. Se trai pelas indiferen��as, pelas
redes sociais, pela internet, pelos seriados.
- Mas eu n��o acho que seja indiferente.
- Voc�� perdeu a sensibilidade, Michael. Sabe h�� quanto tempo voc��
n��o me d�� um beijo verdadeiro?
- Bem... Faz muito tempo?
- Um ano!
- Um ano? Ent��o estou assexuado! - disse, brincando.
- Sabe h�� quanto tempo n��o fazemos amor?
- N��o me fa��a perguntas dif��ceis...
241
- Trinta e sete dias.
- Estou assexuado mesmo... -E depois disso deu uma desculpa: - ��
a ci��ncia! Os cientistas esgotam o c��rebro pensando, raramente t��m
muito vigor sexual!
- Quando �� confrontado, leva na brincadeira; quando contrariado,
vira um le��o. Quem �� voc��, marido? Parecemos um casal em final de
carreira. N��o d�� mais - disse ela respirando fundo. Estava cansada dessa
rela����o fria.
- Sarah, eu te amo - declarou, preocupado. Pela primeira vez teve
medo de perd��-la.
-O amor verdadeiro �� imperfeito, eu sei. Mas, sem atitude, se torna
est��ril. N��o encanta nem inspira - falou Sarah com maturidade.
Michael engoliu em seco. Tentou saldar seu imenso d��bito emocional:
- Eu vou mudar. �� s��rio!
- Sabe quantas vezes no ��ltimo ano voc�� me prometeu que iria mudar?
- Cobrando de novo?
- N��o vou cobrar, mas fiz quest��o de anotar. Foram 22 vezes. Vinte
e duas promessas n��o cumpridas. Vinte e duas vezes voc�� me traiu,
Michael. Ali��s, traiu a si mesmo.
- Mas...
Quando ele ia argumentar, ela continuou despejando sua indigna����o
e suas raz��es:
- Eu admirava sua intelectualidade, sua perspic��cia, o cientista
sonhador. Hoje esse tipo de ci��ncia me d�� asco. Estou cansada de
homens cartesianos, l��gicos, cr��ticos, mas vazios. Homens como voc��
amam o pr��prio ego e mais ningu��m.
- Sarah, que questionamento �� esse? Voc�� parece Marco Polo falando.
- Marco Polo amava Anna. Elogiava-a todas as vezes que sa��amos
juntos. Era inspirador. Importava-se com os sentimentos dela. Era um
gentleman.
-E eu sou um traste? Voc�� sempre me acusa, sempre...
Quando Michael ia continuar a rebater Sarah e provocar mais uma
guerra interpessoal, interrompeu seus argumentos e subitamente disse:
- Paulo! - lembrou-se do mentor de Lucas.
Recordou que Paulo teve coragem de relatar suas loucuras para Lucas
e permitiu que as contasse para o mundo. Enquanto ele, Michael, era
uma caixa-preta, nunca reconhecia os pr��prios erros, nunca pedia desculpas,
era um especialista em defender suas posi����es. O que importava
era ganhar as discuss��es, nunca a pessoa com quem discutia.
- Quem voc�� citou? - indagou Sarah, curiosa.
- N��o, nada. Lembrei de um personagem que estudamos na mesa-redonda.
- Enquanto eu falo, voc�� pensa em outra coisa. �� sempre assim! Estou
no rodap�� de sua hist��ria.
Ele observou que de seu olho direito saiu uma l��grima. Comovido,
disse:
- Minhas sinceras desculpas... Voc�� tem raz��o.
Admirada, ela disse:
- Est�� me dando raz��o? Deixe de ser falso. Voc�� nunca pede desculpas...
Pela primeira vez foi profundamente humilde e mapeou seus c��rceres
mentais sem medo.
- De fato sou cartesiano, exalo o pensamento l��gico em meu c��rebro...
N��o sei me entregar, n��o sei estender as m��os, sou impaciente,
meu n��vel de toler��ncia ��s frustra����es sempre foi baixo... - E embargou
a voz. - N��o sei me doar... A n��o ser quando conheci voc��...
Sarah ficou surpresa com as palavras de seu parceiro. N��o parecia o
mesmo. Mas ela se sentia t��o ferida por ele que aproveitou para descarregar
suas m��goas hist��ricas:
- E n��o sabe mesmo. Voc�� nunca soube amar Isabela... Desculpe-me,
mas parece que voc�� tem vergonha... de ter uma filha especial.
Nesse momento, Michael n��o suportou. Sarah tocou a ferida proibida.
- N��o diga isso! Voc�� est�� me ofendendo! - gritou.
Ela baixou o tom de voz e lhe lembrou:
- Ent��o por que n��o brinca com sua filha?
Ele se abateu. Come��ou a lacrimejar.
- Sou oncologista, vou continuar a dissecar seu tumor emocional.
A n��o ser que voc�� n��o me permita. - E Sarah continuou a usar o bisturi
das palavras: - Por que n��o se esconde atr��s dos len����is ou dos estofados
e chama a aten����o de Isabela? Por que �� t��o t��mido em faz��-la sorrir?
Qualquer pai que se preze �� um especialista em fazer os filhos felizes.
Michael colocou as m��os no rosto e se desesperou. N��o conseguiu
preservar a maquiagem. Soltou l��grimas incontidas. Confessou sua
frustra����o em ter uma filha especial.
- Eu sonhava ter uma crian��a... que crescesse... que fosse uma pensadora
como eu. Sonhava que escrevesse livros... deixasse um legado
para... a humanidade... Mas Isabela...
- Sua filha pode n��o deixar um legado social, mas pode deixar um...
legado para voc��... N��o entende? - expressou Sarah com l��grimas nos
olhos tamb��m.
Sarah, vendo-o desabar, foi generosa com ele. N��o apontou mais
suas falhas, apenas abra��ou-o. Todo homem, por mais r��gido que seja,
esconde uma crian��a que precisa do colo de uma mulher. Michael,
sempre autossuficiente, tirou seu escudo e se deixou ser protegido
pela esposa.
- N��o se puna. Sei que esse diagn��stico �� duro para voc��, mas �� a
primeira vez em anos que voc�� fala do ser humano que est�� dentro de
voc��. Se voc�� se esconder atr��s do intelectual, do cientista, nunca poder��
reciclar o lixo da sua mente - disse ela afetivamente. E acrescentou:
- Voc�� pode e deve ser um bom pai.
Essas palavras o inspiraram. Depois de todo o impacto que os ��ltimos
debates com Marco Polo tiveram, ele concluiu algo que guardou
para si, mas agora dividia com Sarah:
- O inferno emocional est�� cheio de pais bem-intencionados... Preciso
educar minha emo����o e gerir minha mente. Isso �� t��o novo que fico perdido
em alguns momentos. Preciso me reinventar, reciclar minha forma
de ser. �� duro admitir. Parece que tenho vergonha de nossa filha, mas
no fundo tenho vergonha de mim mesmo... - E nesse momento desatou
a chorar. - Por isso nunca a levei �� universidade, �� escola, ao shopping...
Sou um monstro...
- N��o, querido, voc�� �� s�� um ser humano imperfeito... -E novamente
o abra��ou.
E colado ao seu ombro ele agradeceu.
- Obrigado... Vou ser um humano em constru����o...
De repente, apesar de serem 11 horas da noite, Isabela acordou. Foi at��
o quarto dos pais. Ao ver as l��grimas escorrendo do rosto de Michael, a
menina se abalou. Grudou na sua perna e disse insistentemente:
- Papai, papai... te amo. N��o chora n��o... Isabela est�� aqui.
Ele se abaixou, pegou-a no colo e lhe disse:
- Voc�� tem mais intelig��ncia emocional... que o papai.
Ing��nua, ela gritou:
-E voc�� ��... o melhor... pai do mundooooo!
Nesse exato momento, algo inesperado aconteceu. A porta do apartamento
do casal foi arrombada. Assustados, eles ouviram passos e
perceberam que sua casa fora invadida. Como estavam no quarto do
casal e desesperados, se esconderam dentro do banheiro. Tr��s pessoas
encapuzadas come��aram a revirar gavetas, arm��rios, escrivaninhas.
Chegaram ao quarto e pegaram o notebook de Michael. Em seguida
tentaram abrir a porta do banheiro. Como estava trancada, um dos
ladr��es lhe deu um pontap��.
A fam��lia ficou em estado de choque. Michael agarrou a filha com
for��a, mas com o maior carinho do mundo. Queria proteg��-la com a
pr��pria vida. Como percebeu que os invasores conseguiriam arrombar
a fr��gil porta, ele bradou:
- Peguem o que quiserem, mas deixem minha fam��lia em paz!
Eles chutaram a porta outra vez. Isabela, assustada, come��ou a solu��ar.
Michael abra��ou-a e, beijando-a, tentou confort��-la, falando baixinho:
-O papai est�� aqui! O papai est�� aqui.
- Obrigada, papai. Te amo - disse ela generosamente.
- Abram a porta ou atiraremos! - disse outro ladr��o aos brados.
Angustiado, Michael disse de novo:
- Estou com minha filha pequena. Ela est�� muito assustada. Por
favor, levem tudo. S�� nos poupem!
Michael lembrou-se da amea��a que recebera quando estava na mesa-
redonda e temeu muit��ssimo. Quando os ladr��es atiraram na fechadura,
todos ouviram sirenes da pol��cia. V��rios carros chegaram. Os invasores
partiram rapidamente.
Passado o tremendo susto, Michael n��o desgrudou de Isabela. Ficou
todo o tempo com a filha no colo enquanto informava aos policiais os
acontecimentos. Sarah, embora deprimida, olhava para os dois com
alegria. Queria tirar Isabela dele para que descansasse, por��m ela j�� n��o
era mais um peso para o pai, e sim uma fonte indiz��vel de alegria. Ele
fazia quest��o de ficar abra��ado com ela.
E, a partir desse momento, a rela����o de Michael com Sarah e Isabela
deu um salto emocional sem precedente. Na tarde do dia seguinte, ele
mudou sua rotina, fez quest��o de levar a filha �� universidade. Todos se
encantaram com a menina. Afetiva e comunicativa, ela abra��ava e beijava
quem encontrava. Michael percebeu que sua filha era mais soci��vel
e admir��vel que ele. A sensibilidade ganhou da raz��o.
O neurocientista tamb��m fez uma grande descoberta. Entendeu que
as crian��as especiais s��o t��o fascinantes que acalmam a ansiedade dos
seus educadores, pois costumam ser mais pacientes, d��ceis e tolerantes
que a m��dia. Foi assim que um pai mentalmente engessado come��ou a
dan��ar a valsa da emo����o com as pernas livres.
246
30
O ATAQUE TERRORISTA
Era um dia comum, mas os acontecimentos que sucederiam o transformariam
num espa��o de tempo extraordin��rio. O Dr. Alberto se
encontrava em seus aposentos, lendo, refletindo, escrevendo. Estava
animad��ssimo com todos os debates sobre a biografia de Lucas. De
repente, algu��m bateu na porta e lhe entregou uma carta timbrada com
o selo papal. Era um carimbo id��ntico ao que conhecia, mas nunca
recebera uma carta especial. Sem demora, abriu-a. O conte��do era
estrondoso. Continha apenas uma frase:
Alberto, volte imediatamente para o Vaticano, pois o debate de que voc��
est�� participando em Jerusal��m �� uma afronta.
Alberto ficou perturbad��ssimo. N��o entendia o que estava acontecendo.
Ser�� que ofendi a C��ria Romana?, pensou angustiado. A urg��ncia do
pedido era tanta que ele sequer poderia se despedir pessoalmente de
seus amigos. Estava combalido. Contristado. Perguntou-se: Que erro eu
cometi? Nossos debates s��o de uma profundidade ��nica. Ser�� que �� proibido
pensar? Logo agora que voltei ao meu primeiro amor pelo Autor da
Vida, como quando iniciei minha carreira!
Arrumava a mala abatido e pensativo. Quando aprontou-a, pegou seu
celular e se preparou para ligar para o Dr. Thomas. Antes de digitar
seu n��mero e lhe dar a p��ssima not��cia, uma liga����o entrou primeiro no
celular. Era o secret��rio-geral da Catedral de S��o Pedro. Ficou tr��mulo.
- Alberto?
-Sim!
- Aqui �� Ant��nio Carminati.
-�� um prazer, Dom Ant��nio. Algo errado? - disse, respirando com
desconforto.
- N��o, ao contr��rio. Gostaria de parabeniz��-lo pelo inteligent��ssimo
debate nessa admir��vel mesa-redonda.
-O qu��? Mas... O senhor a tem acompanhado? - indagou alegre o
Dr. Alberto.
- Como posso perder? Milh��es de pessoas assistem a voc��s todas as
noites, como um seriado de TV. Muitos que conhe��o s�� falam nisso. Os
debates est��o mexendo com a nossa mente.
- N��o sabia disso.
- Ficamos conhecendo Maria numa perspectiva que nunca hav��amos
estudado. Que intelig��ncia ela tinha! Que ousadia! Que capacidade de
proteger sua emo����o! Que autoestima s��lida! O impacto �� t��o grande
que o papel da mulher est�� sendo questionado na Igreja. Elas devem ser
mais ativas, participativas, influenciadoras. Mais de mil c��lulas em v��rios
pa��ses est��o discutindo os assuntos que voc��s trazem.
- Puxa, fico felic��ssimo - declarou o Dr. Alberto, n��o se contendo
dentro de si.
Ant��nio Carminati estava t��o euf��rico que continuou a mostrar os
impactos da mesa-redonda:
- A intelig��ncia de Jesus �� simplesmente surpreendente. Os testes de
estresse que ele atravessou nos tiraram o sono. Suas habilidades emocionais
e sua autoconfian��a para formar pensadores a partir de pedras
brutas s��o espantosas. Conhec��amos o filho de Deus, mas n��o o filho
da humanidade.
- Eu tamb��m estou perplexo, revendo meus paradigmas.
- Falhamos em n��o estudar a mente de Jesus sob o ��ngulo da ci��ncia.
Dois mil anos de erro crasso. - E em seguida o secret��rio papal declarou:
-O papa gostaria de conhecer o doutor Marco Polo e os demais
membros da mesa-redonda um dia.
- Direi isso a eles.
- Continue, n��o pare.
- Mas, secret��rio... Estou preocupado. Recebi uma carta papal dizendo
que eu deveria voltar imediatamente para o Vaticano.
- Estranho... S�� pode ser falsa.
-O selo parece o do papa. Por que tem certeza de que �� falsa?
- Porque sou eu que distribuo as cartas enviadas pessoalmente pelo
santo padre - afirmou Ant��nio Carminati. E acrescentou: - Algu��m
est�� fazendo uma brincadeira de mau gosto com voc�� ou querendo
sabotar a mesa-redonda.
Alberto ficou intensamente preocupado.
A mesa-redonda come��ava todos os dias ��s sete da noite. Chegando
para mais uma sess��o, o Dr. Alberto relatou os fatos logo que encontrou
seus amigos no corredor da universidade. Em seguida, Michael
chegou e o ouviu intrigado. Alberto falou da alegria que Dom Ant��nio
Carminati lhe dera e, ao mesmo tempo, da estranha carta que recebera.
Michael estava com tique nervoso. N��o parava de estalar os dedos.
Depois do coment��rio do te��logo do Vaticano, relatou a dram��tica
experi��ncia de ter ficado trancado no banheiro com a filha e a esposa.
Todos ficaram estressados.
-O que est�� por tr��s de todos esses fatos perigosos? Ser�� que h�� uma
conex��o entre os riscos que Marco Polo e Sofia correram, a persegui����o
que Alberto sofrera, a carta enigm��tica que recebera e o drama de
Michael? - indagou o Dr. Thomas, tenso.
- Ser��o eventos isolados, frutos de lobos solit��rios, ou uma conspira����o
de um grupo radical? - indagou Michael, pensativo.
- N��o �� poss��vel que queiram sabotar nosso debate. N��o fazemos mal
a ningu��m - comentou Sofia.
- A n��o ser ��s mentes r��gidas, que odeiam pensar em outras possibilidades
- especulou Marco Polo.
- Talvez tenhamos que proibir a transmiss��o do debate pela internet
- ponderou Michael.
- S�� que os ganhos s��o enormes n��o apenas para n��s, mas tamb��m
para os espectadores - ponderou o Dr. Alberto.
Enquanto eles discutiam esses assuntos, o tempo passou. Estavam
15 minutos atrasados. Havia muitas pessoas do lado de fora da sala de
debate esperando que eles entrassem, pois a porta s�� se abria com a
presen��a dos debatedores.
- Conversaremos sobre esses assuntos depois - disse Marco Polo.
E assim todos se dirigiram para a sala de debate. Tiveram que atravessar
a multid��o sedenta por ouvi-los. Alguns pediam para fazer selfies,
atrasando-os mais ainda. Quando a sala foi aberta e os cinco intelectuais
come��aram a caminhar em dire����o �� mesa, houve um estrondo
ensurdecedor. Havia uma bomba escondida debaixo da mesa, pronta
para explodir quando o debate j�� tivesse come��ado.
O tumulto foi grande, pessoas ca��ram umas por cima das outras.
P��nico, choro, gritos por todos os lados. Marco Polo teve de proteger
Sofia para ela n��o ser pisoteada. Felizmente ningu��m se machucou.
Mas, se n��o fosse pelo atraso, as consequ��ncias seriam terr��veis. N��o
apenas os debatedores estariam mortos, mas muitos membros da plateia
tamb��m.
A pol��cia especializada em ataques terroristas teve de revistar cada
canto da universidade. Era a primeira vez que uma bomba explodia
dentro da institui����o. Os debatedores foram longamente interrogados.
Sofia chorava apoiando-se no ombro de Marco Polo. Depois do interrogat��rio
detalhado e de idas e vindas, o Dr. Thomas sugeriu aos amigos:
- Dentro de mim h�� um grito surdo dizendo que eu n��o pare os
debates. Mas devemos ponderar os riscos.
-�� uma perda irrepar��vel, mas talvez... seja melhor dar um tempo...
- expressou-se o Dr. Alberto, angustiado.
- Minha vida est�� virando de cabe��a para baixo com esta mesa-redonda,
mas n��o posso esconder que estou com medo de continuar...
- afirmou Michael.
Sofia, que parecia a mais fr��gil, se mostrou a mais forte:
- Voc��s, homens, s��o t��midos. Recuam aos primeiros obst��culos.
N��o h�� milh��es de pessoas nos vendo?
- Sim - disseram os outros.
250
-E muitos n��o est��o usando as ferramentas emocionais que discutimos
para expandir sua qualidade de vida nesta sociedade maluca e
consumista?
- Sim - afirmaram novamente.
- Ent��o n��o se acovardem - falou ela, altissonante.
Marco Polo olhou bem nos olhos de Sofia e a admirou solenemente.
Em sintonia com ela, ele afirmou:
- Resisti a estudar a intelig��ncia desse personagem hist��rico por duas
d��cadas. Achava uma perda de tempo.
Depois passou as m��os no rosto e completou seu racioc��nio:
- Mas reafirmo: ao analisar o psiquismo de Jesus, esperava encontrar
algu��m fr��gil, previs��vel, comum, sem atitudes ��mpares, com uma emo����o
sem brilho e um intelecto tosco, mas nunca me senti embasbacado
diante de uma intelig��ncia t��o complexa e, ao mesmo tempo, nunca
fui t��o desafiado a me autoconhecer e construir novas ideias. Eu n��o
pararei de estud��-lo mesmo com todos os riscos!
Sofia sorriu e declarou:
- Lembrem-se: o homem Jesus passou solitariamente pelos mais
surpreendentes testes de estresse e n��o recuou um mil��metro do seu
projeto. Eu tamb��m n��o recuarei.
- Mas o reitor da universidade fechou as portas. Tem medo de novos
ataques - ponderou Michael.
- Ent��o partamos para as ruas de Jerusal��m - instigou Marco Polo,
tendo uma ideia irreverente: - Vamos seguir os passos que esse homem
misterioso deu! Vamos frequentar os lugares onde Jesus falou e agiu
em Israel e na Palestina! Talvez seja mais seguro estar ao ar livre em
Jerusal��m do que em ambientes fechados.
Os demais debatedores ficaram pensativos diante da proposta. E,
num rompante de alegria, a uma s�� voz, disseram:
- Eu topo!
-A pr��xima mesa-redonda ser�� sobre o Serm��o da Montanha, que
era o assunto que havia preparado para o debate que cancelamos comentou
Marco Polo, entusiasmado.
- Realizaremos a discuss��o no pr��prio lugar onde Jesus proclamou,
para uma multid��o deslumbrada, seu famos��ssimo discurso? - indagou
Sofia, euf��rica.
- Essa �� a proposta! - confirmou o psiquiatra.
Duas pessoas que estavam de plant��o observando-os ouviram a proposta
de Marco Polo. Elas participavam do debate como espectadoras
e tinham formado um grupo chamado "O homem mais inteligente da
hist��ria". Logo divulgaram nas redes sociais o encontro ao ar livre.
Desse modo, mesmo correndo riscos imprevis��veis, Marco Polo,
Sofia, Michael, o Dr. Alberto e o Dr. Thomas come��aram a discutir ao
vivo e em cores as ideias e os comportamentos de Jesus nas ruas da
cidade m��gica, Jeric��, Mar Morto e outros s��tios. Ao contr��rio dos
milh��es de turistas de mais de cem na����es que visitavam esses locais
famosos, os debatedores estavam interessados em entrar em ��reas
nunca antes penetradas, em descobrir os bastidores da intelig��ncia do
homem que revolucionou grande parte da humanidade.
Jerusal��m poucas vezes foi t��o eletrizante e enigm��tica.
31
O SERM��O DA MONTANHA:
O MAIS FASCINANTE TRATADO
SOBRE A FELICIDADE
Marco Polo chegou de camiseta verde levemente estampada com
algumas flores amarelas. Tirou o blazer escuro que sempre o caracterizava.
O intelectual n��o entendia de combina����o de roupas. Dalt��nico,
algumas vezes j�� vestira sapatos diferentes e meias de cores distintas. Os
debates n��o ocorreriam mais �� noite, mas �� luz do dia, no per��odo da
tarde. Ele parecia feliz, livre para debater o magno discurso. O psiquiatra
subiu lentamente o monte onde a tradi����o diz que Jesus o proferiu.
Chegando ao topo, ficou imaginando a multid��o no sop�� da montanha
ouvindo os ecos das palavras do intrigante homem de Nazar��. Mais
de uma centena de pessoas acompanhava os debatedores. Ao chegarem
ao cume, a brisa refrigerou suas faces. Sentaram-se nas pedras e nos
bancos improvisados. As pessoas fizeram um c��rculo ao redor deles.
Algumas os filmavam com seus celulares.
Era surpreendente como o debate parecia uma orquestra. Marco Polo
era o maestro que provocava todos a tocarem o instrumento do pensamento
cr��tico. E o faziam de forma brilhante, at�� quando discordavam
ou questionavam um ao outro. Logo Michael, relaxado, comentou:
- Marco Polo, suas an��lises sobre a mente de Jesus s��o instigantes.
N��o me transformei numa pessoa religiosa, mas passei a questionar
minha rigidez e meus preconceitos.
Sua filha, Isabela, estava em seu colo mexendo em seus cabelos. Era
uma imagem afetiva surreal naquela misteriosa montanha - um reflexo
do fato de que, com o andar do debate, Michael nunca mais seria o
mesmo. Dessa vez Sarah, sua esposa, estava presente, mesclada �� plateia.
- Que outras surpresas nos aguardam? - indagou Sofia sem demora.
- Eu conhe��o bem o Serm��o da Montanha - confirmou o Dr. Thomas.
- Defendi uma tese de doutorado baseada nele.
- Ent��o, por favor, doutor Thomas, a palavra �� toda sua - disse Marco
Polo humildemente.
- Neste momento abro m��o, doutor Marco Polo. Escrevi na esfera
teol��gica. Tenho sede de aprender o discurso de Jesus na esfera psicol��gica
e sociol��gica - afirmou, como um aluno apaixonado pelo
aprendizado.
Sem deten��a, o psiquiatra e pesquisador come��ou a apresentar suas
an��lises para serem refletidas e debatidas. Em sua tese inicial, j�� surpreendeu
a plateia:
- Em primeiro lugar, o Serm��o da Montanha �� o maior tratado sobre
a felicidade e a preven����o de transtornos emocionais da hist��ria!
- Como assim? Jesus se antecipou 2 mil anos ao falar sobre preven����o
ps��quica? Hoje a ci��ncia ainda est�� engatinhando nesse assunto. Como
isso �� poss��vel? Estou ansiosa para checar os fundamentos que sustentam
essa magna tese - comentou a psiquiatra Sofia, admirada.
- Tratado sobre a felicidade e a preven����o de doen��as ps��quicas?
Nunca vi o Serm��o da Montanha sob essa perspectiva - disse, surpreso,
o intelectual de Harvard.
Em seguida, Marco Polo continuou:
- Mas, como o assunto �� vast��ssimo, agora vamos falar sobre a felicidade.
Pergunto-lhes: a felicidade �� um fen��meno psicol��gico vital para
o ser humano? O que �� ser feliz?
- Embora "o que �� ser feliz" seja de dif��cil conceitua����o e tenha mil
variantes, como alegria, prazer, bem-estar, n��o h�� d��vida de que a busca
pela felicidade �� o objetivo fundamental do cientista, do amante, dos
poetas, dos filhos, dos pais, enfim, do ser humano - afirmou Michael.
- Te amo, papai - disse Isabela logo ap��s a fala de seu pai. Em seguida
beijou seu rosto como se estivesse entendendo suas ideias. A emo����o de
Michael foi ��s nuvens. Sarah, a m��e, lacrimejou.
Marco Polo, de forma po��tica, discorreu sobre o tema:
-A felicidade sempre percorreu as art��rias da motiva����o humana.
Reis a procuraram com seu poder, mas ela lhes disse: "O poder n��o
pode me controlar." Celebridades tentaram cativ��-la com seu brilho,
mas ela bradou: "N��o me encontro sob os holofotes."
Todos aplaudiram o cientista. Inspirada por ele, Sofia continuou a
poesia:
- Generais tentaram render a felicidade com suas armas, mas ela
assegurou: "N��o me submeto ao c��rcere do medo." Milion��rios tentaram
conquist��-la com seu dinheiro, mas ela gritou: "N��o estou �� venda."
Jovens tentaram se apropriar dela correndo risco de vida, mas ela bradou:
"Aquiete-se, ou me escondo dentro de voc��."
Todos aplaudiram a sensibilidade de Sofia tamb��m.
Marco Polo come��ou a dizer que um dos mais antigos relatos da
busca pela felicidade foi produzido por um dos mais s��bios reis do
passado:
- Salom��o talvez tenha sido o primeiro grande l��der que procurou a
felicidade como objetivo de vida. Homem ��tico e culto, para ele ser feliz
era ter rela����es sociais saud��veis. Por isso escreveu seu inteligente livro
de prov��rbios. Por��m se infectou com o poder, em destaque quando
acreditou que ser feliz era nutrir sua emo����o com tudo o que seus olhos
desejavam. Ele esgotou o c��rebro, se deprimiu e levou seu ��ndice GEEI
��s nuvens.
A plateia ficou abalada. Para muitos deles, o s��bio rei Salom��o era um
personagem hist��rico intoc��vel.
- Mas... Mas... onde est�� esse erro compulsivo de Salom��o? - indagou
o Dr. Alberto.
- De fato, Salom��o teve ouro, roupas fin��ssimas, pal��cios, servi��ais. E
ainda por cima teve mil mulheres: setecentas esposas e trezentas concubinas
- apontou Marco Polo.
- Esse homem era um obsessivo sexual! - exclamou Michael.
Muitos deram gargalhadas.
- N��o vou julgar a patologia de Salom��o, mas ele foi atormentado por
mil sogras! - afirmou Marco Polo. Mais risadas. - Brincadeiras �� parte,
a sabedoria desse rei era magn��fica. Mesmo um homem inteligent��ssimo
pode se perder no poder se, ao longo da vida, n��o voltar ��s origens,
n��o se autocriticar, n��o for contemplativo, n��o gerir minimamente sua
emo����o. Por isso, certa vez Jesus observou: "Olhai os l��rios do campo,
vede como s��o t��o belos. Nem Salom��o se vestiu como um deles."
- Sob o ��ngulo da gest��o da emo����o, essa passagem �� uma cr��tica ��
sa��de emocional de Salom��o - comentou o Dr. Thomas. - Talvez esse
rei tenha sido a primeira celebridade mundial! At�� a rainha de Sab��, de
um reino distante, veio homenage��-lo. Mas ele estava... estava...
Vendo a dificuldade do Dr. Alberto de concluir seu racioc��nio, Marco
Polo completou com ousadia:
- Emocionalmente nu... Salom��o se cobria com vestes de ouro, mas
emocionalmente estava descoberto, sem prote����o, sem capacidade de
conquistar o que o poder n��o pode dominar nem comprar, enfim, sem
vestir "os l��rios do campo".
- Fascinante! A busca pela felicidade, quando feita de forma errada,
leva de fato �� autodestrui����o. O resultado foi que Salom��o estava t��o
m��rbido, pessimista e infeliz que escreveu de forma po��tica que tudo
era vaidade. Perdera o prazer de viver, enquanto Jesus se alegrava com
um l��rio - ponderou Sofia, que tamb��m conhecia esses textos.
- Esse �� o contraste entre um excelente gestor da emo����o e um
p��ssimo gestor. O consumismo levou Salom��o a ser um maltrapilho
emocional morando num pal��cio. Atualmente, nas sociedades modernas,
a ansiedade alimenta o consumismo e o consumismo retroalimenta
a ansiedade, tornando-se uma das grandes causas da era dos
mendigos emocionais. Esse tema deveria ser inesquec��vel! - declarou
Marco Polo.
Duas belas jovens se entreolharam; sentiam-se emocionalmente miser��veis.
Toda semana compravam uma nova pe��a de roupa de marca.
- Como a busca desenfreada pelo prazer pode gerar infelicidade?
Qual o mecanismo mental? - perguntou uma delas, chamada Marina.
Marco Polo fitou seus olhos e respondeu:
-A emo����o �� o fen��meno mais democr��tico da exist��ncia, mais do
que as democracias pol��ticas. Quem tem dez casas n��o �� dez vezes mais
feliz do que quem tem apenas uma casa do mesmo padr��o. Ter n��o ��
ser. A causa disso �� um fen��meno inconsciente chamado psicoadapta����o.
A frequente exposi����o ao mesmo objeto ou ao ato de comprar
aciona esse fen��meno diminuindo os n��veis de prazer. Por exemplo,
no come��o da carreira, uma celebridade tem alt��ssimo prazer em dar
um aut��grafo, mas, no auge da carreira, se n��o gerenciar a emo����o, os
aut��grafos passam a lhe trazer ang��stia.
- Deixe-me ver se entendi. Com o tempo, o rico perde o prazer de
entrar em sua Ferrari, pois psicoadaptou-se ao est��mulo, enquanto uma
pessoa pobre pode estar alegr��ssima ao entrar pela primeira vez num
carro caindo aos peda��os - comentou Michael.
- Correto.
- Acho que eu mere��o aplausos - brincou o neurocientista.
Isabela, sua filha, aplaudiu primeiramente. Depois os demais a acompanharam.
Tanto ateus quanto religiosos que assistiam ao debate enxergavam
seus fantasmas emocionais, inclusive o pr��prio Marco Polo. Seu racioc��nio
descortinava os conflitos humanos hist��ricos.
- Al��m de Salom��o, outra busca irrefre��vel pela felicidade est�� na
epopeia de Gilgamesh, rei dos sum��rios, relatada muitos s��culos antes
de Cristo - disse o psiquiatra.
O Dr. Alberto havia estudado essa epopeia em suas teses, por isso se
adiantou:
- Gilgamesh perseguiu a imortalidade como o objetivo maior do ser
humano. Para ele n��o haveria felicidade plena sem a imortalidade.
- �� indiscut��vel que a morte �� um acidente de percurso grav��ssimo na
hist��ria de todo mortal. Trilh��es de c��lulas reagem contra uma situa����o
de risco pois est��o programadas geneticamente para viver. E o c��ncer
�� fruto de c��lulas que querem ser eternamente jovens. Mas as c��lulas
cancerosas s��o ego��stas, vivem s�� para elas e suas filhas, desrespeitando
a unidade do organismo - comentou Michael Gates, o neurocientista.
- Se suas c��lulas detestam morrer, por que voc�� �� ateu, Michael? espezinhou-
o o Dr. Alberto, sorrindo.
- Esses religiosos infernizam o c��rebro dos ateus - disse Michael,
topando a brincadeira. E depois completou: - Acho que alguns ateus
s��o t��o armados quanto os religiosos ferrenhos. Eu era assim, confesso.
Sou c��tico, mas minha mente n��o �� mais um cofre fechado,
Dr. Alberto. Admito que nunca me senti t��o bem em debater com
pessoas t��o diferentes.
Sarah, no meio da plateia, deu um suspiro e sorriu levemente. Esse
era o Michael com quem ela se casara. O poder intelectual o enrijecera,
mas ele agora voltava ��s suas origens.
-A ang��stia gerada pela fragilidade da vida e pela morte em si movimenta
grande parte do PIB mundial - relembrou Marco Polo.
- Faz sentido - ponderou Jacob Moscovitt, um coronel das for��as
armadas de Israel na plateia. - O sistema de sa��de, os mecanismos de
seguran��a dos produtos, a ind��stria do seguro, o sistema judici��rio, as
for��as armadas s�� existem porque o ser humano �� pass��vel de dor e de
calar a vida.
- Interessante - disse Sofia. - Quer dizer que a busca de Gilgamesh
pela supera����o da morte �� a busca essencial inclusive de ateus?
- Como assim? - indagou Marco Polo, curioso.
Sofia concluiu:
- Quando os ateus defendem suas ideias, eles est��o em busca da
liberdade de express��o, mas cedo ou tarde s��o atropelados pela morte,
que dilacera essa liberdade.
-�� um racioc��nio inteligente - disse Marco Polo com humildade.
- Como eu comentei antes, quando S��crates foi condenado a tomar
cicuta, para que silenciasse suas ideias, ele disse aos inimigos que continuaria
filosofando na eternidade.
A ousadia do pensador da Gr��cia antiga era realmente admir��vel.
- N��s, ateus, nos esfor��amos ao m��ximo para encarar a morte com naturalidade.
Todavia, nossas l��grimas nos denunciam - comentou Michael.
Sofia completou:
- Usamos t��cnicas psicoterap��uticas e ansiol��ticos para controlar a
ansiedade, mas n��o podemos ser arrogantes e negar que a busca por
Deus, independentemente da cultura e da religi��o, �� uma busca leg��tima
para aliviar a ang��stia diante da inevitabilidade da finitude da vida.
- Faz sentido tamb��m - afirmou Michael sem outros argumentos.
- Mas a religi��o, seja qual for, sem altru��smo, empatia, prote����o da
emo����o ou aumento do limiar para frustra����es, asfixia a sa��de emocional
e transforma a felicidade numa utopia - exp��s Marco Polo mais
uma vez.
- Concordo - afirmaram o Dr. Thomas e o Dr. Alberto simultaneamente.
E, assim, a mesa-redonda orquestrada por Marco Polo debatia livremente
os mais diversos temas sem medo. Descobriram que o comportamento
de religiosos e ateus de n��o se sentarem para debater com
respeito e intelig��ncia suas teses era infantil.
-A Europa est�� em chamas por causa de islamistas, crist��os, intelectuais...
Vivem ilhados. Deveria haver milhares de mesas-redondas
como esta, mas elas s��o raras como os diamantes nobres - comentou
Marco Polo.
Em seguida, continuou sua explana����o:
- No s��culo VII a.C, S��lon tinha o conceito de que felicidade era
morrer gloriosamente pela p��tria ou por algu��m que se ama. Sua tese
chocou certo rei, chamado Creso, que cria que a felicidade se encontrava
no ac��mulo de riqueza material e poder.
- Bem, a tese do rei Creso �� atual��ssima, pois essa �� a cren��a do capitalismo
- afirmou o evolucionista Charles Deloid, que tamb��m estava
na plateia, a 5 metros deles. - Tornei-me ateu porque vi alguns l��deres
religiosos radicais destitu��dos de generosidade e outros preocupados
muito mais com seu bolso do que com o pr��ximo.
- Talvez voc�� n��o seja ateu, mas um antirreligioso - definiu Sofia.
- Na famosa obra Fausto, de Goethe, um homem angustiado, depri
mido, cujo c��rebro estava esgotado pela autopuni����o, vendeu sua alma
ao diabo para, na outra vida, encontrar os segredos de uma vida feliz:
viajar entre as estrelas, comer at�� se fartar, vestir-se com as melhores
roupas. Segundo essa tese, ser feliz era uma necessidade prim��ria do
ser humano - comentou Marcus Gebbe, professor de literatura que
tamb��m acompanhava o debate ao vivo.
Marco Polo instigava todos a opinarem se desejassem. Depois de
todo esse caldeir��o de ideias, ele preparava o ambiente para falar das
bomb��sticas teses do Serm��o da Montanha.
- Em 1972, o rei do But��o, um pequeno pa��s encravado nas montanhas
do Himalaia e que tem escassos recursos naturais e terras
in��spitas, introduziu um novo par��metro para determinar a riqueza
de sua na����o. Ao inv��s de usar o PIB, o Produto Interno Bruto, que
mede os servi��os, a produ����o de gr��os e da ind��stria, ele prop��s a
FIB, Felicidade Interna Bruta. A FIB levava em considera����o paz, harmonia,
compaix��o, a qualidade da habita����o, do ambiente, da escola.
Pa��ses ricos podem ter um povo com baixos n��veis de felicidade e vice-
versa. O que acham da tese da FIB?
- Fascinante - disse Sofia.
- Encantadora - assegurou o Dr. Thomas.
- Espetacular - confirmou o Dr. Alberto.
- Admir��vel - declarou Michael.
Mas Marco Polo fez uma corre����o no conceito:
- A FIB �� inteligente, mas insuficiente. Faz-se necess��rio a introdu����o
do GEIB, ou seja, Gest��o da Emo����o Interna Bruta. Caso contr��rio,
erros dram��ticos podem ocorrer.
- N��o entendi - declarou Michael.
- Analisem comigo: pode haver paz por fora, mas tormenta por dentro,
uma mente agitada e tensa. Portanto, FIB alta e GEIB baixa. Pode
haver compaix��o com os outros, mas pessoas generosas podem ser carrascos
de si mesmas, seja sofrendo por antecipa����o, ruminando perdas
ou cobrando demais de si.
As pessoas ficaram pensativas ap��s ouvir esses argumentos.
260
Entenderam que n��o adiantava haver felicidade exterior se interiormente
o Eu n��o fosse l��der de si mesmo. Iluminadas por esse conhecimento,
uma avalanche de pessoas come��ou a declarar publicamente
seus terrores mentais. Foi uma cena emocionante.
- Eu tenho uma cama confort��vel, mas n��o descanso. Acordo no
meio da noite e n��o consigo voltar a dormir. Angustiado, vou acessar
o celular. Vivo cansado! Parece que carrego meu corpo - comentou
um jovem de 15 anos. Ansioso como milh��es de jovens, estava
destruindo o motor da vida, o sono. Todos ficaram preocupados
ao ouvi-lo.
- Eu tenho seguro de casa, de empresa e de vida. Sou abastado. Mas
n��o tenho seguro emocional. Minha mente n��o tem prote����o. Ofensas,
cr��ticas e contrariedades me arrasam - declarou Antony, um rico
empres��rio americano.
Sofia, inspirada por esse empres��rio, completou as ideias de Marco
Polo:
-A Felicidade Interna Bruta s�� �� sustent��vel se houver gest��o da
emo����o coletiva. Pelo ��ngulo do PIB, as 100 pessoas mais ricas do
planeta det��m 70% da riqueza mundial. S��o mais abastadas que sete
bilh��es de seres humanos. Uma injusti��a. Todavia, h�� muitos nomes
listados na Forbes que vivem de migalhas de prazer. E, quando a gest��o
da emo����o �� med��ocre, o ��ndice GEEI �� alt��ssimo. Eles se tornam algozes
de seu pr��prio c��rebro.
Depois de toda essa explana����o, Marco Polo indagou:
-E Jesus? Por que eu lhes disse que o Serm��o da Montanha �� um
tratado not��vel sobre a felicidade?
As pessoas n��o souberam responder. Foi ent��o que ele as abalou
dizendo:
- As teses desse intrigante homem n��o tratam da felicidade "autoajuda",
religiosa, rom��ntica ou po��tica, mas da felicidade inteligente.
- Por acaso h�� dois tipos de felicidade? Uma inteligente e outra desinteligente?
- questionou o Dr. Alberto.
- Claramente - assegurou Marco Polo. - Uma an��lise criteriosa
desse famoso discurso, proferido h�� 2 mil anos, provavelmente no
mesmo local onde estamos reunidos, evidencia que h�� dois tipos de
felicidade:
1. A felicidade inteligente �� sustent��vel, se renova, enquanto a desinteligente
�� insustent��vel, envelhece r��pido, morre quando o prazer
se dissipa.
2. A felicidade inteligente �� cultivada; a desinteligente �� desleixada.
3. A felicidade inteligente �� resiliente, nutre-se das crises; a desinteligente
sucumbe ��s frustra����es.
4. A felicidade inteligente gerencia a ansiedade e, portanto, �� paciente,
enquanto a desinteligente �� impulsiva e intolerante.
5. A felicidade inteligente doa-se muito e cobra pouco; a desinteligente
doa-se pouco e cobra muito.
6. A felicidade inteligente faz muito do pouco, �� contemplativa,
enquanto a desinteligente faz pouco do muito, �� consumista.
7. A felicidade inteligente respeita as diferen��as, enquanto a desinteligente
tem a necessidade neur��tica de mudar os outros, eleva o tom
de voz, critica muito, compara, pressiona.
Marco Polo deu muitas outras explica����es do pensamento de Jesus
sobre a felicidade inteligente. Para ele, ser feliz n��o era ter uma vida perfeita
sem falhar, trope��ar nem errar, mas usar nossas loucuras para nutrir
a sanidade, as crises para alicer��ar a toler��ncia, as l��grimas para enriquecer
a sabedoria... Todos ficaram maravilhados.
- Espere, Marco Polo. Sabemos que os transtornos ps��quicos, como
a depress��o e o suic��dio, est��o em expans��o nas sociedades modernas.
H�� estat��sticas destoantes, mas elas s��o explosivas. Provavelmente, 1,4
bilh��o de pessoas, ou 20% da popula����o mundial, dever�� desenvolver
um transtorno depressivo ao longo da vida. Se as escolas ensinassem
os alunos a gerir a emo����o e a ter uma felicidade inteligente, essas estat��sticas
seriam mais generosas? - indagou o reitor da Universidade de
Jerusal��m.
262
- N��o tenho d��vidas, senhor. O Serm��o da Montanha revela ferramentas
fundamentais para uma emo����o sustent��vel e saud��vel.
- Mas... mas... sempre pensei no Serm��o da Montanha como um
conjunto de regras e princ��pios de conduta - comentou o Dr. Alberto,
intrigado.
Marco Polo disse que Edward Jenner criou a vacina contra a var��ola
h�� mais de dois s��culos. A partir desse epis��dio, a medicina biol��gica
investiu grande parte de seus recursos na preven����o, enquanto a medicina
psicol��gica se tornou excessivamente curativa. Ainda acrescentou:
- N��o sei se me decepcionarei com a intelig��ncia de Jesus nos cap��tulos
posteriores da biografia escrita pelo doutor Lucas. H�� desafios
dantescos, textos complexos e de dif��cil an��lise, mas at�� o momento ��
poss��vel dizer que ele foi o Mestre dos mestres da gest��o da emo����o.
Milh��es que o seguem n��o previnem seus conflitos porque nunca
entenderam e incorporaram as ferramentas propostas por ele.
Marco Polo ent��o se levantou e proclamou:
- Ele criticava a necessidade neur��tica de ser o centro das aten����es,
por isso o que sua m��o direita fazia, a esquerda n��o deveria saber. Ele se
encantava com uma prostituta como se fosse uma rainha e dava aten����o
a um moribundo como se fosse um pr��ncipe.
- Surpreendente! - comentou Sofia.
- Espetacular - afirmou Sarah, a esposa de Michael.
-A partir de agora vamos estudar as entranhas do Serm��o da
Montanha. O discurso retrata a preocupa����o desse misterioso homem,
famos��ssimo e, ao mesmo tempo, desconhecid��ssimo, com o futuro da
humanidade. Ele queria torn��-la vi��vel!
- Est�� afirmando que o Serm��o da Montanha �� uma vacina emocional
para viabilizar a vida humana? - indagou Michael, chocado.
Marco Polo fitou Michael e depois a multid��o, e completou seu
racioc��nio:
- Sim. O Serm��o da Montanha foi muito mais do que um discurso
bel��ssimo, um manual de conduta, uma confer��ncia ousad��ssima. Ele
proporcionou ferramentas para transformar o Homo sapiens, essa esp��263
cie t��o complexa e bela, mas tamb��m t��o violenta e emocionalmente
doente, numa esp��cie saud��vel, regada a uma felicidade sustent��vel.
Muitos de n��s ficaremos positivamente assombrados...
Mas infelizmente o tempo daquela mesa-redonda ao ar livre havia
acabado. O sol se despedia no horizonte quando Marco Polo a encerrou.
As pessoas da plateia reclamaram, tinham sede e fome de novos
conhecimentos. As teses do mais famoso discurso da hist��ria seriam
dissecadas em outros debates. Elas enriqueceriam a humanidade, independentemente
de etnia, cor da pele, cultura e religi��o, e sobretudo irrigariam
o territ��rio da emo����o de cada ser humano. Seria uma viagem
inimagin��vel.
Todavia, ao mesmo tempo em que penetrariam em camadas mais
profundas da intelig��ncia do homem que abalou a hist��ria, sofreriam
uma persegui����o implac��vel de inimigos misteriosos que queriam
sabotar o mais intrigante debate de que se teve not��cia.
FIM DO PRIMEIRO VOLUME
AGRADECIMENTOS
Agrade��o a todos os seres humanos de todos os povos e culturas que
saem da superf��cie do planeta emo����o e entram em camadas mais profundas
da pr��pria mente.
Aos que n��o t��m medo de pensar criticamente, questionar suas verdades
e se reinventar.
Aos que deixam de ser deuses e entendem que a vida �� brev��ssima
para se viver e longu��ssima para se falhar.
Aos que compreendem que os fantasmas mentais que mais nos
assombram s��o criados por n��s mesmos.
Aos que rompem o c��rcere do egocentrismo, s��o apaixonados pela
humanidade e de alguma forma d��o o melhor de si para que a esp��cie
humana seja mais vi��vel, inteligente, inclusiva e generosa!
PR��XIMOS VOLUMES DA COLE����O
O homem mais inteligente da hist��ria
O serm��o da montanha
(PREVIS��O DE LAN��AMENTO: OUTUBRO DE 2017)
No segundo livro da cole����o O homem mais inteligente da hist��ria, os
cientistas ateus Marco Polo e Michael estudam o Serm��o da Montanha.
Apesar de este ser o discurso mais famoso da hist��ria, tamb��m �� o
menos compreendido sob o ��ngulo das ci��ncias humanas. At��nitos,
eles v��o descobrir que n��o se trata apenas de um c��digo de conduta:
esse serm��o cont��m as regras de ouro para o desenvolvimento de uma
mente livre e de uma felicidade inteligente e sustent��vel.
Continuando a estudar a interessante inf��ncia de Jesus, os membros
da mesa-redonda v��o conhecer as incr��veis ferramentas que ele usou
depois de adulto para resolver pacificamente os conflitos, filtrar est��mulos
estressantes, superar conflitos interpessoais e formar o Eu como
protagonista do livre-arb��trio e autor da pr��pria hist��ria. Ele soube
que somente assim o ser humano estaria preparado para domesticar os
fantasmas mentais que assolam a humanidade -o medo, a inseguran��a,
a autopuni����o, a raiva, o ��dio, a inveja, o ci��me, o sofrimento por
antecipa����o e a rumina����o de perdas, m��goas e frustra����es do passado.
Ao mesmo tempo, �� medida que v��o se aprofundando no estudo da
mente de Jesus, os intelectuais ter��o que lidar com seus pr��prios problemas
e loucuras. Al��m disso, os ataques misteriosos continuam. Eles
correm um s��rio risco de vida.
Amor e sacrificio
No terceiro livro da cole����o O homem mais inteligente da hist��ria,
vamos conhecer as t��cnicas socioemocionais modernas que Jesus usou
para formar mentes brilhantes a partir da personalidade tosca, inquieta,
rude e imatura dos disc��pulos. Ele soube gerenciar a emo����o, administrar
a ansiedade, se colocar no lugar dos outros, trabalhar perdas e
frustra����es e dar o melhor de si para os que pouco t��m. Met��fora por
met��fora, par��bola por par��bola, evento por evento, ficaremos conhecendo
os momentos mais emocionantes da jornada do nazareno.
Agora ser�� a vez de a mesa-redonda estudar o maior julgamento da
hist��ria e o comportamento solene do r��u quando o mundo desabava
sobre ele. Durante a terr��vel crucifica����o, Jesus manteve-se sereno, em
total controle da pr��pria emo����o. O homem mais inteligente da hist��ria
fazia poesia no caos e educava a emo����o quando era imposs��vel pensar.
A discuss��o na mesa-redonda trar�� resultados inesperados e imprevis��veis
para os membros que a comp��em e os milh��es de pessoas de
todos os povos que a acompanhavam pela internet.
CONHE��A OUTROS T��TULOS DO AUTOR
O futuro da humanidade
Primeiro romance do psiquiatra Augusto Cury, O futuro da humanidade
oferece uma rara oportunidade de repensar a sociedade e o rumo
de nossas vidas. Com mais de 28 milh��es de livros vendidos no Brasil,
Cury nos presenteia com uma saborosa fic����o que ilustra os ensinamentos
presentes em seus livros e se apoia na sua vasta experi��ncia
profissional.
O livro conta a trajet��ria de Marco Polo, um jovem estudante de
medicina de esp��rito livre e aventureiro como o do navegador veneziano
do s��culo XIII, em quem seu pai se inspirou ao escolher seu nome.
Ao entrar na faculdade cheio de sonhos e expectativas, Marco Polo se
v�� diante de uma realidade dura e fria: a falta de respeito e sensibilidade
dos professores em rela����o aos pacientes com transtornos ps��quicos,
que s��o marginalizados e tratados como se n��o tivessem identidade.
Indignado, o jovem desafia profissionais de renome internacional
para provar que os pacientes com problemas psiqui��tricos merecem
mais aten����o, respeito e dedica����o -e menos rem��dios. Acreditando
na for��a do di��logo e da psicologia, ele acaba causando uma verdadeira
revolu����o nas mentes e nos cora����es das pessoas com quem convive.
Uma hist��ria de esperan��a e de luta contra as injusti��as, este livro �� a
saga de um desbravador de sonhos, de um poeta da vida, de um homem
disposto a correr todos os riscos em nome daquilo que ama e acredita.
Armadilhas da mente
Camille �� uma mulher bela, rica e brilhante, capaz de deixar as pessoas
impressionadas com sua habilidade de debater e argumentar. Mas
seus diplomas e seu intelecto n��o foram suficientes para evitar que se
tornasse v��tima de suas pr��prias emo����es.
Casada com o banqueiro Marco T��lio, Camille sempre foi fechada
em seu pr��prio mundo. Cr��tica, obsessiva, pessimista, n��o gostava de
ser confrontada e n��o se curvava diante de ningu��m, nem de psiquiatras
ou psic��logos. N��o conclu��a nenhum tratamento.
Vendo a depress��o, as manias e as fobias de sua esposa se agravarem,
Marco T��lio resolve comprar uma linda fazenda para que ela possa se
afastar do estresse da cidade, respirar ar puro, se reconectar com a natureza
e, quem sabe, com ela mesma.
Mesmo assim, transtornos mentais a impedem de sair de casa e pesadelos
constantes n��o a deixam dormir. Enclausurada em sua pr��pria
mente, Camille piora a olhos vistos.
A reviravolta, por��m, muitas vezes come��a onde menos se espera.
Quando conhece o exc��ntrico jardineiro da fazenda, Camille se surpreende
com sua intelig��ncia e, ao interagir com ele, a alegria volta
pouco a pouco ao seu cora����o.
Em seguida entra na sua vida o s��bio e instigante psiquiatra Marco
Polo, que a estimula a superar os conflitos e procurar um personagem
que deixara pelo caminho: ela mesma. Camille ter�� que aprender a se
perdoar e a compreender pessoas "imperdo��veis".
Profundo e emocionante, Armadilhas da mente �� uma aula de filosofia
e psicologia, que mostra que os labirintos da psique humana s��o
bem mais complexos do que qualquer um de n��s �� capaz de imaginar.
Cole����o An��lise da Intelig��ncia de Cristo
A cole����o An��lise da intelig��ncia de Cristo re��ne em uma caixa especial
os cinco t��tulos desta consagrada s��rie de Augusto Cury:
Em O Mestre dos mestres, Augusto Cury faz uma original abordagem
da vida desse grande personagem, revelando que sua intelig��ncia era
bem mais grandiosa do que imaginamos.
Em O Mestre da sensibilidade, o autor apresenta um estudo sobre as
emo����es de Jesus e explica como ele foi capaz de suportar as maiores
prova����es em nome da f��.
Em O Mestre da vida, Cury decifra as profundas mensagens deixadas
por Jesus desde a sua pris��o e o seu julgamento at�� a sua condena����o ��
morte na cruz.
O Mestre do amor investiga a paix��o que Jesus nutria pelo ser humano.
Com uma abordagem po��tica - embora baseada na ci��ncia, na
hist��ria e na psicologia -, o autor faz um estudo sobre as tocantes mensagens
que Jesus deixou antes de morrer na cruz.
No ��ltimo livro da cole����o An��lise da intelig��ncia de Cristo, Augusto
Cury estuda a face de Jesus como mestre, educador e artes��o da personalidade.
O Mestre Inesquec��vel revela o fant��stico crescimento ps��quico
e intelectual vivido pelos ap��stolos e mostra como Jesus os transformou
nos excelentes pensadores que revolucionaram a humanidade.
Esta edi����o �� o presente ideal para quem quer ter uma vis��o completa
da original abordagem que Augusto Cury faz da vida de Jesus Cristo,
revelando uma s��rie de fascinantes aspectos de sua personalidade e
comportamento.
ESCOLA DA INTELIG��NCIA
O Instituto Academia de Inteligencia convida diretores de escolas,
coordenadores pedag��gicos, professores e pais para conhecerem o programa
Escola da Inteligencia elaborado pelo Dr. Augusto Cury h�� mais
de dez anos. Nobres objetivos permeiam esse projeto:
a)Estimular as fun����es mais importantes da intelig��ncia dos alunos:
pensar antes de reagir, colocar-se no lugar dos outros, trabalhar perdas
e frustra����es, libertar a criatividade, proteger a emo����o, gerenciar pensamentos,
desenvolver a consci��ncia cr��tica, elaborar sonhos e projetos
de vida, adquirir resili��ncia ��s intemp��ries sociais.
b) Estimular o treinamento do car��ter: perseveran��a, honestidade,
esp��rito empreendedor, debate de ideias, disciplina, lideran��a, capacidade
de recome��ar, educa����o para o tr��nsito, educa����o para o consumo.
c) Fornecer ferramentas para prevenir transtornos ps��quicos, como
inseguran��a, fobia, ansiedade, agressividade, complexo de inferioridade,
sentimento de culpa, falta de transpar��ncia, uso de drogas.
d)Enriquecer as rela����es interpessoais por meio de di��logo, educa����o
para a paz, cr��tica contra a discrimina����o, toler��ncia, altru��smo,
compaix��o, solidariedade.
O projeto �� enriquecido por material de apoio pedag��gico, treinamento
de professores-facilitadores e acompanhamento. Apesar de sua
profundidade, encanta alunos e professores com uma aplica����o pedag��gica
simples e instigante. Deve ser inserido na grade curricular com
uma aula semanal. A Escola da Intelig��ncia �� talvez um dos poucos
projetos cuja meta �� preparar os alunos para serem pensadores e n��o
repetidores de ideias, educando-os para enfrentar os desafios da vida e
equipando-os para serem autores da sua pr��pria hist��ria.
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www.escoladainteligencia.com.br e www.portaldainteligencia.com.br
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Olá, pessoal:
Este é mais um livro de nossa campanha de doação e digitalização de livros para atender aos deficientes visuais.
Agradecemos ao irmão Fernando pela digitalização e pela irmã Edjane pela doação.
Pedimos que não divulguem em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos.
O Grupo Mente Aberta lança hoje mais um livro digital !
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Abraços fraternos!
Bezerra
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