domingo, 30 de maio de 2010

Brasileiro não gosta de ler? Lya Luft

BRASILEIRO NÃO GOSTA DE LER?

A meninada precisa ser seduzida. Ler pode ser divertido e interessante, pode
entusiasmar, distrair e dar prazer.

Não é a primeira vez que falo nesse assunto, o da quantidade assustadora de
analfabetos deste nosso Brasil. Não sei bem a cifra oficial, e não acredito
muito em cifras oficiais. Primeiro, precisa ser esclarecida a questão do que
é analfabetismo. E, para mim, alfabetizado não é quem assina o nome, talvez
embaixo de um documento, mas quem assina um documento que conseguiu ler e...
entender. A imensa maioria dos ditos meramente alfabetizados não está nessa
lista, portanto são analfabetos – um dado melancólico para qualquer país
civilizado. Nem sempre um povo leitor interessa a um governo (falo de algum
país ficcional), pois quem lê é informado, e vai votar com relativa lucidez.
Ler e escrever faz parte de ser gente.
Sempre fui de muito ler, não por virtude, mas porque em nossa casa livro era
um objeto cotidiano, como o pão e o leite. Lembro de minhas avós de livro na
mão quando não estavam lidando na casa. Minha cama de menina e mocinha era
embutida em prateleiras. Criança insone, meu conforto nas noites
intermináveis era acender o abajur, estender a mão, e ali estavam os meus
amigos. Algumas vezes acordei minha mãe esquecendo a hora e dando risadas
com a boneca Emília, de Monteiro Lobato, meu ídolo em criança: fazia mil
artes e todo mundo achava graça.
E a escola não conseguiu estragar esse meu amor pelas histórias e pelas
palavras. Digo isso com um pouco de ironia, mas sem nenhuma depreciação ao
excelente colégio onde estudei, quando criança e adolescente, que muito me
preparou para o mundo maior que eu conheceria saindo de minha cidadezinha
aos 18 anos. Falo da impropriedade, que talvez exista até hoje (e que não
era culpa das escolas, mas dos programas educacionais), de fazer
adolescentes ler os clássicos brasileiros, os românticos, seja o que for,
quando eles ainda nem têm o prazer da leitura. Qualquer menino ou menina se
assusta ao ler Macedo, Alencar e outros: vai achar enfadonho, não vai
entender, não vai se entusiasmar. Para mim esses programas cometem um pecado
básico e fatal, afastando da leitura estudantes ainda imaturos.
Como ler é um hábito raro entre nós, e a meninada chega ao colégio achando
livro uma coisa quase esquisita, e leitura uma chatice, talvez ela precise
ser seduzida: percebendo que ler pode ser divertido, interessante, pode
entusiasmar, distrair, dar prazer. Eu sugiro crônicas, pois temos grandes
cronistas no Brasil, a começar por Rubem Braga e Paulo Mendes Campos, além
dos vivos como Verissimo e outros tantos. Além disso, cada um deve descobrir
o que gosta de ler, e vai gostar, talvez, pela vida afora. Não é preciso que
todos amem os clássicos nem apreciem romance ou poesia. Há quem goste de ler
sobre esportes, explorações, viagens, astronáutica ou astronomia, história,
artes, computação, seja o que for.
O que é preciso é ler. Revista serve, jornal é ótimo, qualquer coisa que nos
faça exercitar esse órgão tão esquecido: o cérebro. Lendo a gente aprende
até sem sentir, cresce, fica mais poderoso e mais forte como indivíduo, mais
integrado no mundo, mais curioso, mais ligado. Mas para isso é preciso,
primeiro, alfabetizar-se, e não só lá pelo ensino médio, como ainda ocorre.
Os primeiros anos são fundamentais não apenas por serem os primeiros, mas
por construírem a base do que seremos, faremos e aprenderemos depois. Ali
nasce a atitude em relação ao nosso lugar no mundo, escolhas pessoais e
profissionais, pela vida afora. Por isso, esses primeiros anos, em que se
aprende a ler e a escrever, deviam ser estimulantes, firmes, fortes e
eficientes (não perversamente severos). Já se faz um grande trabalho de
leitura em muitas escolas. Mas, naquelas em que com 9 ou 10 anos o aluno
ainda não usa com naturalidade a língua materna, pouco se pode esperar. E
não há como se queixar depois, com a eterna reclamação de que brasileiro não
gosta de ler: essa porta nem lhe foi aberta.
Renata Coutinho

"Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera;
esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora."
(Rabindranath Tagore)

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