por Mauro Ventura
Se você tiver a chance de conhecer o casal Luis Fernando e Lúcia Veríssimo, escolha sentar-se ao lado dela. Até porque ele vai passar boa parte da noite calado,
pontuando seu silêncio por uma ou outra tirada genial, enquanto ela, dona de um bom humor irresistível, contará histórias, fará observações inteligentes sobre filmes
e livros, e deixará todo mundo à vontade. Aos 65 anos, essa carioca de Botafogo, fã de praia, que jogava vôlei no Posto 4, teve a vida alterada aos 21 anos, quando
foi morar na casa dos sogros, em Porto Alegre, com o marido e a filha Fernanda-depois nasceram ainda Mariana e Pedro.
A mudança se deu porque o escritor estava sem perspectiva de emprego no Rio. Ela tinha 19 anos ao se casarem, pouco antes do golpe militar de 64. Ele se apaixonou
num fim de tarde em que tomavam chope, e o sol batia no rosto dela, ressaltando os olhos verdes: "Foi covardia." Lúcia não perde palestra do marido para saber o
que ele pensa. "Faz 46 anos que tento descobrir com quem me casei", brinca. Ele diz: 'Ainda bem que não descobriu, se não você ia embora." Como ela não dá palestra,
eis aqui a oportunidade de conhecer um pouco dessa mulher fascinante.
REVISTA O GLOBO: Terça-feira você embarca para sua sexta Copa. Como é sua relação com o futebol?
LÚCIA VERISSIMO: O único interesse da minha mãe, que tem 84 anos, é o futebol. Ela é Botafogo doente e me levava, pequena, a General Severiano para assistir aos
jogos. Mas sou flamenguista porque um tio, rubro-negro fanático, levou-me para ver o tricampeonato do Flamengo em 1953, 54 e 55. No Sul, sou Internacional, se não
apanho em casa (Veríssimo é colorado doente).
- Como você e Verissimo se conheceram?
Ele trabalhava para um americano, fazia o jornal em inglês da Câmara de Comércio do Rio. Precisavam de uma datilógrafa, e uma amiga minha, cuja mãe trabalhava no
mesmo prédio, ficou sabendo. Aí fui lá, e começamos a trabalhar juntos. Ele conta: "Quando você entrou com uma saia xadrez pregueada, blusa de banlon branca, chapeuzinho
e olhos verdes, pensei: `Não posso perdê-la'."
O americano não pagava nosso salário. Então, para me manter lá, o Luis Fernando passou um tempo pagando o meu, sem eu saber. Ele diz que achou mais negócio casar
comigo do que eu continuar como secretária. Eu era péssima datilógrafa, lenta. (Risos.) Ele quis casar rápido. Declarou-se e disse que eu tinha 20 e poucos minutos
para decidir. Uma tia falou: "Só pode estar grávida." Noivamos no dia em que Kennedy morreu. Ele morrendo e a gente botando aliança no dedo e tomando Coca-Cola
para
comemorar.
- E o casamento? Vocês são muito diferentes, não?
Somos. Nós nos casamos em março de 64. Brinco que dei o golpe no Luis Fernando. (Risos.) E ele brinca que a ditadura continua lá em casa até hoje. Ele não consegue
puxar conversa, e eu converso até com pedra, como ele diz. Certa vez falei: "Tá vendo ali dois velhinhos de mãos dadas? Tu nem a minha mão pega." E dá certo há
46
anos. O que temos em comum mesmo é gostar de viajar.
- Como foi para você, uma carioca típica, ir para o Sul?
Nunca imaginei sair do Rio. Mas as coisas não estavam dando certo. Luis Fernando tentou até montar um negócio de exportação e importação. Os pais dele (o escritor
Érico Verissimo e Mafalda) insistiram para irmos morar com eles no Sul, e Luis Fernando disse: "Quem sabe a gente vai, arruma alguma coisa e volta para o Rio."
Já
faz 44 anos isso. (Risos.) Eles eram extremamente afetuosos. Seu Érico falava: "Com nora não se briga." E sempre que passava por mim dava tapinhas no meu rosto
e
dizia: "Tão bonitinha. Coitadinha, se meter com aquele cara." (Risos.) Era uma casa onde os homens não tomam chimarrão, não sabem fazer churrasco e não andam a
cavalo.
E onde eu, mulher e carioca, é quem assa o churrasco. É a desmoralização do gaúcho.
- Verissimo volta e meia escreve sobre ter deixado o Movimento dos Sem Neto. E como foi para você?
Ele estava muito mais agoniado que eu, mas estou encantada. Lucinda tem 2 anos. Ela mistura as línguas (a mãe, Fernanda, é casada com o inglês Andrew). Quando quer
a mamadeira, fala: "Bah, cadê minha bottlezinha?" Outro dia riscou todo o lençol com esferográfica. Perguntei: "Lucinda, quem fez isso?" Ela: "O vovô." Fazia sentido.
É que Luis Fernando assistiu a tudo e não fez nada.
Renata Coutinho
"Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera;
esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora."
(Rabindranath Tagore)
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