sábado, 31 de julho de 2010

Amizade

Amizade se escreve assim

Foi durante a Primeira Grande Guerra. Eles eram jovens e a
amizade que os unia tinha a ver com alguns momentos de lazer, de
música e, sobretudo, de sobrevivência.

Ele não poderia esquecer que devia sua vida a um judeu
alemão chamado Erik.

Um ano mais velho que ele próprio, Erik ensinou Hans a
tocar acordeão.

Certo dia, o sargento entrou no alojamento perguntando
quem tinha letra bonita.

O capitão precisava que fossem escritas umas 12 cartas.
Ele estava com reumatismo ou artrite ou algo parecido e não podia
escrevê-las.

Ninguém se voluntariou. Erik, no entanto, resolveu indicar
o amigo. Falou que ele tinha caligrafia impecável.

Em verdade, a capacidade de redação de Hans era reduzida.
Mas ele escreveu as cartas, enquanto o restante dos homens entrava em
combate.

Nenhum deles voltou. O corpo de Erik foi encontrado em
vários pedaços, numa colina cheia de relva.

Hans guardou o acordeão do amigo e o levou consigo,
durante toda a guerra.

Ao regressar para casa, localizou a família de Erik para
devolver o instrumento.

A viúva não o quis. Olhar para o instrumento musical lhe
trazia memórias ainda mais nítidas do tempo em que ela e o marido
davam aulas de música.

Hans tocou para ela, enquanto ela chorava, em silêncio.

Num papel, Hans escreveu seu nome e endereço.

Sou pintor profissional. Pinto seu apartamento de graça,
quando a senhora quiser.

Hans se foi, logo após descobrir que Erik deixara um filho
pequeno de nome Max.

Mais de 20 anos se passaram. Com a chegada da Segunda
Guerra Mundial e a perseguição aos judeus, Max foi ocultado em um
depósito por meses a fio, por um amigo alemão.

Contudo, o perigo aumentava dia a dia. Era preciso sair dali.

Max lembrou de Hans, o amigo de seu pai. E da promessa
feita a sua mãe.

Sim, ela nunca precisara da pintura no apartamento. Mas
ele precisava de um abrigo.

Um contato foi enviado ao endereço de Hans. Semanas
depois, veio a informação: Hans ainda tocava acordeão, o do pai de
Max.

Não era filiado ao Partido Nazista. Era pobre, casado e
tinha uma criança. Importante: ele lhe mandara um livro. Na capa
interna, uma chave. A chave de sua casa.

Assim, nas primeiras horas de uma madrugada silenciosa, na
pátria do nazismo, um jovem judeu chegou à casa de Hans.

Colocou a chave na fechadura, entrou na cozinha.

Hans despertou. Desceu os degraus, no escuro.

No escuro encontrou o jovem fugitivo. Fez-lhe café para aquecê-lo.

Depois, o escondeu no porão.

Era uma situação aflitiva. Assustadoramente aflitiva.

Se Hans e a esposa fossem apanhados dando abrigo a um
judeu, seriam presos, condenados, talvez mortos.

Nunca mais veriam a criança... Mas Hans fizera uma promessa.

Devia sua vida ao pai daquele jovem. Jamais poderia esquecer isso.

* * *

Amizade se escreve de muitas formas. Pode se escrever com
l, de lealdade, com g, de gratidão, com c, de coragem.

Mas, principalmente, com a, de amor, sentimento elevado
sempre presente nas almas nobres.

Pense nisso.

--
Regina Equileprote
Magnificent
O Nvda fuma muito!!!

--
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