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A Amnésia moderna
Entrevista com Olavo de Carvalho
Roberta Tótora - Editora da Porto do Céu
Não há como ficar inerte e não parar para pensar diante de um texto de Olavo de Carvalho. Autor de livros polêmicos como O Imbecil Coletivo, o filósofo tem sacudido os meios universitário e cultural do país, com sua análise crua e profunda da intelectualidade nacional. Mais do que criticar personalidades em grandes veículos de comunicação e criar inimizades, Olavo diz lutar contra uma postura "imbecilizante" do pensamento, buscando retomar os valores da verdadeira Filosofia, esquecida por uma modernidade arrogante e sem memória. Poucas pessoas sabem que o filósofo é também astrólogo e que considera a Astrologia um estudo obrigatório para aqueles que procuram saber sobre Filosofia e Cultura, não só como uma mera curiosidade histórica, mas como um sistema de pensamento sobre o qual nossa sociedade está estruturada até hoje. Olavo de Carvalho falou com exclusividade à Porto do Céu sobre a importância do estudo astrológico e os problemas da sua utilização nos dias de hoje.
Porto do Céu - Como a Astrologia contribuiu para a sua formação?
Olavo de Carvalho - Muito. Não existe possibilidade alguma de entendimento de qualquer civilização antiga sem o conhecimento da Astrologia. O modelo de visão do mundo baseado nos ciclos planetários e nas esferas esteve em vigor durante milênios e isto continua a estar, de certo modo, no "inconsciente" das pessoas. Apesar de algumas deficiências no modelo astrológico, foi ele quem estruturou a humanidade pelo menos a partir do império egípcio-babilônico, o que significa, no mínimo, cinco mil anos de história. A Astrologia é um elemento obrigatório, por isto quem não a estudou, não estudou nada, é um analfabeto, um estúpido. O trabalho mais vigoroso nas ciências humanas do século XX, por exemplo, só aconteceu depois da existência do Instituto Warburg, fundado em Londres por um milionário judeu fugido da Alemanha, que juntou, durante 20 anos, as melhores cabeças do século em torno de uma coleção de manuscritos astrológicos e alquímicos. Sem este estudo, a comunidade acadêmica nunca teria qualquer possibilidade de compreensão real das civilizações antigas.
Porto do Céu - Quais as conseqüências da perda deste conhecimento em nosso tempo?
Olavo de Carvalho - A conseqüência é simplesmente não entender mais o passado. Se alguém não entende as civilizações antigas, não sabe mais onde está. É uma amnésia.
Porto do Céu - Como foi que o Sr. entrou em contato com a Astrologia?
Olavo de Carvalho - Foi uma casualidade. O Dr. Müller contratou-me na época em que eu trabalhava no Jornal da Tarde para redigir um curso de psicologia baseado em astrologia, já que era argentino e não dominava muito bem o português. Depois destas aulas, um mundo sem limites se abriu para mim.
Porto do Céu - Qual é a sua relação com a Astrologia hoje?
Olavo de Carvalho - O meu acerto de contas com a astrologia foi o curso "Astrocaracterologia", uma espécie de conclusão que tirei dos meus vinte anos de estudo e que fechou a minha contribuição para o assunto. Eu equacionei a Astrocaracterologia de tal modo que, para avançar de onde parei, só mesmo a pesquisa experimental. Para se formar uma ciência, é preciso levantar uma série de conceitos; destes conceitos, tirar hipóteses; das hipóteses, um método e dos métodos, as pesquisas. A parte teórica eu pude concluir, mas daí para frente, a Astrocaracterologia deixou de ser problema teórico para ser de investigação científica. Eu não tenho condições de dar continuidade a estas pesquisas porque precisaria de tempo, gente e dinheiro. Voltar a mexer neste assunto só me deixaria desesperado, porque eu não poderia realizar as investigações necessárias para responder as questões que levantei.
Porto do Céu - É possível resgatar a Astrologia tradicional nos dias de hoje?
Olavo de Carvalho - Não sei. Isto é um tremendo abacaxi. Primeiro: não existe uma só astrologia tradicional, mas milhares. Quando falamos "tradicional", estamos nos reportando a certas épocas, onde esta Astrologia estava integrada completamente nas civilizações. Se a pergunta é "nas condições da nossa sociedade, é possível produzir uma astrologia tradicional?", a resposta é "não". Precisamos retomar o estudo astrológico de um outro plano, para estruturar uma ciência. Só que não fizemos nem uma coisa nem a outra. Os astrólogos não fizeram porque têm preguiça e os outros, porque têm preconceito. Só quem se interessou realmente pela Astrologia foram historiadores e filólogos, cuja função não é desenvolver a Astrologia, mas estudar o que ela foi e qual o lugar dela nas civilizações antigas. Estes fizeram a sua parte e levaram a coisa a sério.
Porto do Céu - O trabalho dos astrólogos, então, seria pesquisar junto aos textos antigos e desenvolver a astrologia enquanto ciência, já que é impossível o resgate da astrologia tradicional?
Olavo de Carvalho - Eu não diria que esta é a única possibilidade. Você não imagina como esta sua pergunta é difícil. A resposta é: não sei (risos). Não sei.
Porto do Céu - O Sr. afirma no seu livro "Astros e Símbolos" que não é possível a compreensão da Astrologia sem a prática de um esoterismo vivente, só alcançado através de um compromisso com um exoterismo ortodoxo. É neste sentido que é impossível a compreensão desta e de outras ciências tradicionais em nosso tempo?
Olavo de Carvalho - A própria descrição de esoterismo e exoterismo, que levei a sério por muito tempo, eu não aceito mais. Ela não é suficiente, é muito pobre, apesar de poder ser válida. Esoterismo e exoterismo são conceitos que só se aplicam tal e qual no conceito islâmico, onde existe uma fronteira, uma lei exotérica clara que funciona para todo mundo, e organizações esotéricas, que são para os que estão interessados. Esta fronteira, tão clara no mundo islâmico, não existe no mundo cristão e em outras tradições. Como é que podemos falar em esoterismo e exoterismo no contexto budista, por exemplo? Na obra de René Guenon, ele aplica este conceito a todas as tradições, mas isto é uma espécie de "islamização" das religiões e o próprio Guenon estava consciente disso.
Porto do Céu - A Astrologia, então, pode ser resgatada num contexto cultural, mas não a astrologia tradicional?
Olavo de Carvalho - A Astrologia esteve integrada de algum modo às tradições, mas hoje em dia não temos mais tradição espiritual nenhuma. Temos, sim, uma devastação. Como é que podemos recuperar somente a Astrologia, se ela é apenas um pedaço do equipamento? Só podemos no sentido de estudo histórico, de compreensão do passado ou então sob uma forma de ciência, do modo como as ciências hoje são compreendidas.
Porto do Céu - Esta visão que o Sr. tem hoje é diferente da apresentada nos seus livros sobre Astrologia.
Olavo de Carvalho - Os três livros que escrevi sobre Astrologia foram redigidos para um grupo de pessoas que estavam metidas até a goela no esoterismo islâmico. Para entender-se o que está escrito, é preciso saber para quem foi escrito. Nada do que está ali pode ser transposto para um público geral sem que sejam feitas as devidas conversões. Se eu fosse reeditar estes livros, no lugar de uma página, teria que escrever trinta. Com estas perguntas, você não tem idéia da complicação que me arrumou (risos). A maior parte das coisas que está me perguntando, eu terei que responder "não sei". São talvez as questões mais espinhosas da nossa civilização e, no entanto, tem gente que dá palpites sobre elas a torto e a direito.
Porto do Céu - Esta perda das tradições espirituais tem alguma coisa a ver com a era de Aquário?
Olavo de Carvalho - A era de Aquário é exatamente isto, a era da farsa, e já estamos nela. O Anticristo já está aí. Hoje, através dos meios de comunicação, é possível que dez pessoas mintam simultaneamente para bilhões e a farsa fica estabelecida.
Porto do Céu - Existe alguma espécie de compensação para os homens que estão vivendo na nossa época?
Olavo de Carvalho - Sim. As pessoas são julgadas com menos severidade. Deus, nesta época, suporta coisas que em outros tempos não suportaria. Nós estamos conversando sobre coisas aqui que, no passado, demoraríamos uns vinte anos para compreender, só depois de rezar muito. Hoje não precisamos passar por diversas práticas ou rituais de iniciação para compreendermos uma série de coisas. Esta é uma espécie de compensação natural ou sobrenatural, da mesma forma que o julgamento de Deus sobre as almas torna-se muito mais brando. Se você está no meio da confusão geral e ainda está tentando descobrir o que é o certo, no meio de pessoas que não sabem mais distinguir o bem do mal, então você já fez muito.
Porto do Céu - O Sr. não utiliza os planetas Urano, Netuno e Plutão em suas análises astrológicas. Acha impossível estabelecer um simbolismo correto para estes planetas?
Olavo de Carvalho - Não sei. Deixei este assunto de lado, porque achei que ele era mais um abacaxi. Se há alguém que não pode opinar sobre o assunto, este alguém sou eu. Não atendo para leitura de mapas há uns vinte anos, mas foi exatamente depois que deixei de trabalhar profissionalmente que comecei a estudar mesmo a astrologia. Se você está em dúvida a respeito de tudo e mexendo nos pilares de uma ciência, não tem como trabalhar com ela no campo da prática diária. Não dá para desmontar um carro e andar nele ao mesmo tempo. O questionamento teórico da Astrologia é muito profundo. Não utilizei Urano, Netuno e Plutão porque percebi que isto me colocava perguntas muito mais complicadas do que aquelas com que eu estava lidando, utilizando apenas os sete planetinhas.
Porto do Céu - O que o Sr. pensa das interpretações atribuídas a estes planetas descobertos nos últimos séculos?
Olavo de Carvalho - Urano, por exemplo, recebe uma interpretação já muito ligada ao próprio espírito moderno. Certas organizações esotéricas agem, ritualmente, no sentido da interpretação que elas próprias atribuíram ao planeta. Os ciclos destes astros começam a trabalhar mais neste sentido, porque são reforçados pela ação humana. Eu não acredito, realmente, que um planeta possa trazer a ideologia da revolução francesa. Agora, quando se quer realizar uma grande mudança no mundo, saber da existência de um novo planeta pode ser maravilhoso, já que possibilita a realização de toda uma reinterpretação da história, com base nos significados que você mesmo quis atribuir a ele. Acontece a mesma coisa com Netuno e Plutão, mas isto não quer dizer que estas interpretações não funcionem, porque parcialmente estes efeitos podem corresponder ao dos planetas, embora sejam apenas uma parte destacada do significado total daquele astro. Até o sétimo planeta, os astrólogos contavam com uma interpretação estável entre várias civilizações e não dá para justificar estas interpretações apenas como produto ideológico de tais civilizações. Mas nestes últimos, você tem interpretações específicas da astrologia ocidental, feita quase que totalmente por sociedades secretas. Essas interpretações não tem universalidade, apesar de poderem ser parcialmente válidas. Acho que somente lá perto do século XXV que será possível entender este problema. A gente pode perguntar tudo, mas não ter todas as respostas de uma vez.
Porto do Céu - A astrologia está, então, numa encruzilhada?
Olavo de Carvalho - Sim, ela está em uma confusão miserável. Nunca um século foi tão difícil de ser entendido contemporaneamente como este. Nós estamos vivendo numa era verdadeiramente terrível. O número de coisas que dá para saber e utilizar como orientação é muito pequeno. A humanidade sempre soube mais ou menos o que estava acontecendo, as decisões de reis e príncipes não eram mistérios inimagináveis. Hoje são. As pessoas poderosas estão distantes, cercadas por muros e muros de segredos e mentiras. Os instrumentos de ocultação são monstruosos. Mais do que na era da informação, estamos na da ocultação.
Porto do Céu - Diante de todas estas confusões incorporadas à Astrologia nos dias de hoje, ainda vale a pena falar sobre o assunto?
Olavo de Carvalho - Se é para as pessoas entenderem o que está acontecendo, é claro que vale a pena. As discussões públicas sobre isto são muito problemáticas, e é preciso ter paciência para explicar tudo, o que numa entrevista é impossível. Vale mais é ensinar para aqueles que estão dispostos a estudar ao longo dos anos.
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