sexta-feira, 17 de setembro de 2010

{clube-do-e-livro} Rebecca Winters - Fruto_proibido.txt

Fruto Proibido.
Rebecca Winters.
Título original: Husband Potential.


Fran was shocked by the intensity of her attraction to Andre Benet. He wasn't looking for a relationship, so he'd let Fran think he was unavailable. Now he couldn't
resist her any longer. But would Fran feel quite so safe with him now he had husband potential?

Dados da edição: Harlequim Ibérica, Madrid, 2002.
Género: romance.
Digitalização: Dores Cunha.
Correcção: Edith Suli.
Estado da obra: corrigida.
Numeração de página: cabeçalho.
Esta obra foi digitalizada sem fins comerciais e destina-se unicamente à leitura de pessoas portadoras de deficiência visual. Por força da lei de direitos de autor,
este ficheiro não pode ser distribuído para outros fins, no todo ou em parte, ainda que gratuitamente.

ROMANCES com CORAÇÃO
Editados por HARLEQUIN IBÉRICA, S.A.
1999 Rebecca Winters. Todos os direitos reservados.
FRUTO PROIBIDO, Nº 596 - 29.5.02
Título original: Husband Potential.
Publicado originalmente por Mills
Boon, Ltd., Londres.
Todos os direitos, incluindo os de reprodução total ou parcial, são reservados. Esta edição foi publicada com a autorização de Harlequin Enterprises II BV.
Todas as personagens deste livro são fictícias. Qualquer semelhança com alguma pessoa, viva ou morta, é pura coincidência. (r) tm. Harlequin, logotipo Harlequin
e Bianca são marcas registadas por Harlequin Enterprises II BV e Novelas com coração é marca registada por Harlequin Enterprises Ltd.
I.S.B.N.: 84-396-9730-9 Depósito legal: M-13874-2002 Fotocomposição: M.T., S.L. Madrid Impresso: COIMOFF, S.A. Arganda del Rey
DISTRIBUIDOR EXCLUSIVO PARA PORTUGAL: M.I.D.E.S.A. Rua da República da Coreia, 34 Ranholas - 2710 Sintra - Portugal


Capítulo I

Das escadas do mosteiro, Fran Mallory conseguia contemplar todo o vale de Salt Lake. Às sete da manhã, o sol espreitava por sobre as montanhas existentes por trás
do edifício de pedra de cor ocre.
O orvalho humedecia a relva naquela gloriosa manhã de Abril. Um sentimento de paz impregnava aquela terra, coberta de árvores em flor.
Tinha filmado tudo isto e muito mais, enquanto o perfume delicioso dos frutos recém-nascidos actuavam como um afrodisíaco para os seus sentidos. Ficou uns segundos
a olhar para as nuvens que, sobre um céu brilhante, se deslocavam como se fossem almofadas brancas.
Dado que a sua vida estava ditada pela velocidade de uma agenda cheia, Fran gostaria que houvesse um meio de forma a guardar aquele momento como se armazenava informação
num computador, para assim poder voltar a presenciá-lo com um simples clique sempre que se quisesse encontrar consigo mesma...
Mas não sabia como fazê-lo. Só tinha a certeza de que em momentos como aquele, a sua alma ansiava inexplicavelmente por algo que não conseguia especificar.
Ao mesmo tempo que permanecia ali pensativa, o som do canto gregoriano dos monges ecoou pelas jánelas
da capela. O maravilhoso som das vozes masculinas pertencia àqueles monges que tinham escolhido o celibato para se dedicar a uma causa maior ao serviço de
Deus.
Não conseguia entender aqueles homens que negavam a si mesmos as paixões do corpo para assim demonstrar a sua devoção.
Por outro lado, o seu próprio pai nunca fora capaz de controlar as suas paixões e, depois de ser infiel à sua mãe com mais de uma mulher, abandonara o lar sem voltar
a dar sinais de vida.
E Fran não era a única entre os seus amigos cuja família tivera o mesmo fim. O pai de Marsha Hume tivera que passar um tempo na prisão depois de se descobrir que
era casado com duas mulheres ao mesmo tempo, apesar de viverem em cidades diferentes.
Fran também não era capaz de entender aquele outro extremo. Nem o facto de vários dos seus colegas de faculdade, homens casados, terem tentado seduzi-la, acreditando
seriamente que ela estaria interessada em manter um romance com eles. Desiludida e enojada, Fran apercebeu-se de que a sua desconfiança para com os homens em geral
era cada vez mais intensa.
Se era realmente verdade que Deus desejava que os homens e as mulheres se casassem para formar uma família unida para sempre, então quase ninguém satisfazia o seu
desejo. Apesar disso, tinha que admitir que existiam excepções. O seu tio, o pastor da sua igreja... e alguns colegas de trabalho.
Os monges que ouvia cantar certamente poderiam fazer parte dessa lista. Imaginava que eram homens honestos.
Fran venderia a sua alma para encontrar um homem
bom, mas já com vinte e oito anos, duvidava que alguma vez o conseguisse. Afastou a sua cabeleira loura platinada para trás e abriu a porta, ansiosa por esquecer
todos os pensamentos negativos naquele tão maravilhoso dia.
O vestíbulo da capela parecia estar deserto. Não deveria surpreendê-la, já que era demasiado cedo para a chegada de turistas e visitantes.
Um letreiro indicava que os convidados deviam subir até ao andar de cima para ouvir a missa. Outro, assinalava a loja de presentes, situada à direita. Paul dissera
que o abade se encontraria ali com ela para a primeira entrevista. Teria que obter a sua autorização para poder fotografar o interior do mosteiro.
Fran abriu a porta da loja e não conseguiu evitar suster o alento. Pelo que Paul lhe tinha dito, estava preparada para conhecer um homem com setenta anos.
O monge alto de cabelo escuro e bem barbeado que se encontrava atrás do balcão devia ter perto dos trinta anos de idade. Vestia uma camisa e umas calças castanhas,
tal como os monges que ela vira a trabalhar na horta.
Ao vê-la entrar, fixou os seus olhos escuros, inteligentes e negros nos dela. A luz ténue existente no interior da loja impedia-a de ver os detalhes com clareza.
- Posso ajudá-la? - perguntou.
A voz do monge era profunda e masculina, tanto que lhe despertou os sentidos.
- Sou Fran Mallory, da revista Beehive Magazine. Queremos entrevistar o abade para um artigo que vai sair no mês de Julho. Disseram-me que ele estaria aqui à minha
espera às sete horas.
- Lamento, mas o padre Ambrose não se encontra
muito bem. Disseram-me para lhe pedir desculpas pelo incómodo e que talvez se possa adiar a entrevista para outro dia.
Ele continuou a encher o resto das estantes com jarros de mel e marmelada, cuja etiqueta Fran reconheceu.
- Claro.
Nunca se sentira tão ignorada por um homem até a esse dia, apesar de nunca ter estado tão perto de um monge.
- Podemos marcar a entrevista consigo?
- Não. Telefone para a semana. Nessa altura, ele já deve estar melhor.
- Espero que não seja nada grave.
- Também eu.
O monge virou-se, indicando com isso que a conversa estava terminada. Mas, por mais estranho que pudesse parecer, Fran não queria ir-se embora. Os monges fascinavam-na,
especialmente aquele. O seu cabelo curto rejuvenescia-o por trás. Fran tentou imaginá-lo vestido de calças de ganga e t-shirt, com o cabelo um pouco mais comprido.
- Pensava que os monges faziam voto de silêncio, à excepção do abade, claro. Como é que você pode estar a falar comigo?
- Apesar de os irmãos não terem necessidade de falar muito, o voto de silêncio é um mito - foi a resposta dele.
- Se isso é verdade, posso entrevistá-lo enquanto trabalha? Ou será que o abade é o único que pode falar com mulheres?
- Se isso fosse verdade, não estaria a falar consigo agora mesmo - respondeu calmamente.
- Desculpa, o meu comentário não pretendia que fosse provocador.
De repente, o monge virou-se e olhou-a de novo.
- Porque é que se está a desculpar?
Perante a franqueza daquela pergunta, Fran sentiu-se invadida por um calor que lhe percorreu todo o corpo.
- Você não é a primeira mulher curiosa que cá veio, intrigada com a nossa decisão de nos submetermos ao celibato. No entanto, imagino que alguém como você ache esse
facto incompreensível.
- Alguém como eu?!
- Ora, menina Mallory. Conhece perfeitamente o impacto que pode provocar num homem, de contrário teria colocado a questão de forma bem diferente - o olhar dele percorreu
todo o seu corpo. - E também se vestiria mais discretamente. Só uma mulher com a sua confiança não permitiria que ninguém se interpusesse no seu caminho, nem sequer
a doença do padre Ambrose.
Se Fran fosse uma pessoa violenta, tê-lo-ia esbofeteado.
- Não é de estranhar que tenha acabado aqui, isolado do mundo. Só Deus é capaz de perdoar a sua arrogância, sem falar na falta de educação para com desconhecidos.
- Esqueceu-se de mencionar outros pecados piores. De qualquer maneira, peço desculpa se a ofendi.
- Não fala como um monge.
As mãos dele permaneceram quietas sobre a bancada.
- Como é que fala um monge?
Fran não tinha resposta para aquilo. Nunca conhecera
nenhum antes, pois fora Paul quem falara com o abade, mas pensava que deviam ser diferentes dos outros homens.
- Lamento tê-la decepcionado, mas os monges são pessoas normais, de carne e osso. Nalguns casos, tão propensos aos defeitos como o resto do mundo.
- Já me apercebi disso - respondeu, surpreendida com tamanha sinceridade. - É isso que quer que eu mencione no artigo?
- Não importa aquilo que eu quero. Sem o consentimento do padre Ambrose, não pode fazer nada.
- E se você puder influenciar a decisão dele, é evidente que ele não vai dar qualquer tipo de entrevista. Pode ser que lhe interesse saber que fui enviada aqui porque
a pessoa que era para vir está com gripe. Não era minha intenção provocar monges esfomeados por sexo. A julgar pela sua reacção, parece que a minha presença o deixou
nervoso. Sem dúvida que a sua sofredora consciência vai obrigá-lo a infligir algum castigo a si mesmo.
Antes de abandonar a sala, Fran virou-se para o monge.
- Diga ao abade que lhe hão-de telefonar da revista para marcar uma nova entrevista. Desejo-lhe um bom dia.
Reprimiu a vontade de bater com a porta e saiu do mosteiro sem olhar para trás. A sensação de beleza que a invadira tinha-se evaporado num segundo.
André Benet sentiu que a fragrância a pêssego proveniente daquela mulher continuava a pairar no ar minutos após a sua brusca saída da loja.
Tinha sido rude com ela. Bastante rude, embora não sentisse qualquer tipo de remorsos. Ela não era diferente da sua própria mãe, uma corajosa mulher que se atrevera
a tudo sem pensar nas consequências.
Apesar de conhecer a inclinação do seu pai pelo sacerdócio, tinha-o tentado antes de ele partir. E o fruto dessa relação era André.
Interrogou-se se seria uma coincidência o facto da menina Mallory levar um fato cor-de-pêssego vestido. Até a sua pele possuía a mesma luminosidade. O que, juntamente
com o delicado cabelo, lhe conferia um aspecto ao qual nenhum homem conseguia ser imune. Nem sequer um monge... e ela sabia-o!
Pelos vistos, a sua mãe tinha possuído o mesmo tipo de beleza e sensualidade. Pelo menos, a suficiente para que o seu pai fizesse amor com ela uma vez mais antes
de prosseguir o seu caminho.
André conhecia perfeitamente esse tipo de desejo. Se fosse um artista, não seria capaz de resistir à tentação de aprisionar a imagem da menina Mallory num quadro.
Mas nem era um artista nem um monge.
Até àquele momento, não se despertara em si qualquer tipo de talento. Órfão ao nascer, foi criado em Nova Orleães pela sua tia Maudelle, uma mulher amargurada, apesar
de ter um bom coração, que trabalhava como costureira.
Apaixonado pelos grandes barcos que navegavam no rio Mississipi, ele tinha saído de casa, ainda adolescente, para conhecer o mundo. Desse modo, trabalhara em barcos
de mercadorias exercendo diferentes tipos de ofícios até chegar a ser marinheiro mercante.
A dada altura, tornou-se bom amigo de um suíço que falava quatro idiomas com fluidez. Invejando essa
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habilidade, André inscreveu-se na Universidade de Zurique, onde estudou alemão e francês, juntamente com história. E, apesar de poder tornar-se professor, André
decidiu regressar ao mar e às viagens.
Manteve-se em contacto com Maudelle e enviava-lhe dinheiro. Em algumas ocasiões, até regressou a Nova Orleães para passar uns dias na companhia da tia. Mas nada
conseguia reter a sua alma nem refrear a sua inquietude. Nem sequer uma esposa. Pensava que as mulheres serviam para se divertir, mas nada mais. Maudelle desesperava-se
com semelhante atitude e rezava diariamente pelo sobrinho.
André divertia-se muito com ela, mas a sua alegria desvaneceu-se um mês antes, quando um amigo íntimo da sua tia lhe telefonou para o barco, no qual viajava pelo
Bósforo, para lhe suplicar que regressasse a casa. Maudelle tinha adoecido.
Depois de apanhar o primeiro avião que saía de Ancara, André chegou justamente a tempo para ver a tia no seu leito de morte. Apesar de nunca ir à igreja nem de ter
crenças religiosas, sabia que a sua tia era uma católica praticante. Pelo que telefonou para a paróquia e pediu que alguém lhe fizesse a extrema-unção.
Enquanto lhe pegava na mão e esperava pelo padre, Maudelle começou a confessar-se. André já tinha ouvido falar do arrependimento no leito da morte, mas nunca pensara
seriamente nisso. Pelo menos, até a sua tia lhe revelar certos segredos que ela lhe ocultara.
A confissão da sua tia fez com que a vida de André desse uma reviravolta levando-o até Salt Lake City, em Utah. Um lugar remoto escolhido pelos primeiros mormones
na sua expansão até ao Oeste, em 1840.
André amava tanto o mar que, ao ver-se rodeado
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pelo enorme deserto de Salt Lake, sentiu que aquele era um verdadeiro castigo. No entanto, seria apenas uma situação temporária e depressa regressaria ao trabalho.
Por instantes, quase duvidou estar vivo. Apenas a fragrância de pêssego o recordava poderosamente da sua mortalidade. E, claro, aquele monge que jazia doente na
sua severa cela do outro lado do santuário. Um monge conhecido por todos como o abade. O pai biológico de André. Tinha nascido há sessenta e seis anos atrás e corria-lhe
nas veias sangue inglês e francês. Sofria de ataques de pneumonia e a doença deixara-o num estado muito frágil.
Quando André entrou na cela, o seu pai virou-se para ele.
- Mostraste o mosteiro à jornalista?
- Não, disse-lhe que estarias melhor dentro de uma semana. Passaste a tua vida inteira a construir este mosteiro, por isso deves ser tu a relatar a história dele.
O seu pai ergueu a mão.
- Eu não fiz nada. Foi tudo obra de Deus, meu filho.
- Como queiras, pai. De todos os modos, esperemos que te recuperes e que sejas tu a mostrá-lo à jornalista.
- Acho que não vou conseguir.
- Não digas disparates - replicou André. Perder o pai que acabara de encontrar era um golpe demasiado duro para ele. - Chamei uma ambulância. Tens que ir para o
hospital.
- Não - o velho senhor tentou erguer-se. - Não quero ir para hospital nenhum. Nunca gostei de hospitais.
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Algo que André devia ter herdado dele. Mas havia muitas mais coisas.
- Agora, és o meu único consolo. Aproxima-te. É uma verdadeira alegria poder falar com o meu filho. És um presente divino que me é oferecido no fim da minha vida.
Aquilo devia ser mentira.
O repentino surgimento de André no mosteiro dez dias antes, dizendo que era filho do abade, tinha causado grande impacto. André estava convencido de que a pneumonia
se agudizara devido à culpa.
Pouco se importava com o facto do seu pai o negar. André sabia a verdade. Era ele o responsável pelo actual estado do abade.
- És uma vítima e o meu coração sofre ao saber que viveste sem uma verdadeira família à tua volta. Se existe um dedo acusador, devia apontar para mim por ter feito
amor com a tua mãe antes de me consagrar monge. Foi a coisa mais egoísta que fiz até hoje.
- Segundo a minha tia Maudelle, foi a minha mãe quem te tentou, apesar da tua rejeição.
- A Maudelle era a irmã mais velha da tua mãe. Nunca se casou, nem sequer conheceu homem nenhum. Os ciúmes que sentia da tua mãe fizeram-na dizer coisas muito desagradáveis.
Não acredites nas suas acusações. Um homem não pode ser tentado se não quiser, meu filho. Tu já viveste e sabes que isso é verdade.
André sabia-o perfeitamente bem.
- A tua mãe era de proveniência francesa e era uma mulher muito linda. O teu cabelo escuro e os teus olhos negros fazem lembrar-me dela - o abade soluçou brevemente.
- Apesar de sempre ter desejado servir a
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Deus, também a amava a ela e se me tivesse dito que estava grávida, ter-nos-íamos casado. Talvez uma parte de mim esperasse que assim fosse. Contei-lhe que me iam
mandar para Utah, mas ela ficou calada. Nunca mais voltei a ter notícias dela. Daí nunca ter descoberto que tinha falecido em consequência do parto.
Grandes lágrimas cairam pelas suas faces abaixo.
- Por isso, não te enganes a ti mesmo, André - continuou a falar com a voz rouca. - A tua mãe não era egoísta. Não me confessou o seu estado, porque sabia que eu
queria consagrar-me a Deus. E a tua tia Maudelle fez algo ainda mais altruísta. Apesar dos seus ciúmes, criou-te e transformou-te num homem maravilhoso.
- Mas nem sequer me deu o teu nome de família!
- Não entendes? Quiseram proteger-me. Mas Benet é um lindo nome. É o nome da tua mãe e deves sentir um enorme orgulho nele. Oh, André! Não mereço tanta alegria,
mas tenho a certeza de que Deus recompensará a Maudelle por te ter criado como se fosses seu filho.
O velho abade olhou para André com ternura.
- Estou muito orgulhoso de ti. Viajaste, fizeste coisas muito diferentes, falas outras línguas e estudaste na universidade. Também sei que investiste dinheiro de
uma forma inteligente. Nenhum homem poderia pedir um filho melhor. Adoraria que toda a gente soubesse que és meu filho!
- Não é preciso, pai. Ninguém precisa de o saber. Nunca te quis trazer a vergonha.
- Vergonha?! Não entendes! Porque é que haveria de esconder tamanho milagre como a minha própria
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carne dos irmãos com quem tenho trabalhado todos estes anos? Já lhes disse que quando eu partir, poderás cá ficar o tempo que quiseres. Esta pode ser a tua casa,
se quiseres.
O velho abade respirava com dificuldade.
- Eu não fui um homem do mundo. Não te posso deixar uma loja ou uma quinta. Não tenho nada. Mas posso dar-te um lugar tranquilo para repousar e meditar. Acho que
só te falta uma coisa para seres um grande homem. Penso que aprendeste tudo menos o significado da vida. Talvez o encontres aqui algum dia e depois consigas desfrutar
da paz que tens evitado durante tanto tempo.
André, maravilhado com a sabedoria do seu pai, pegou na frágil mão dele. Quando ouviu o soluço do seu pai, não conseguiu evitar um estremecimento.
- Revela-me o que vai no teu coração. Além da confusão e da raiva que possa sentir contra mim, contra a tua mãe e até contra a tua tia, sei que tens perguntas para
me colocar. vou tentar responder o melhor possível, mas quero algo em troca. Promete-me que não deixarás que a tua vida se guie pela raiva e pela amargura de agora
em diante!
O seu pai estava a pedir-lhe o impossível, mas naquela situação não podia fazer outra coisa senão prometer aquilo que pensava não conseguir cumprir.
Fran nem queria acreditar que estivessem já em meados de Maio. Sexta-feira era a data limite para entregar os artigos que iam sair em Julho e ainda tinha que ir
a Clarion para visitar alguns dos descendentes dos primeiros judeus que ali chegaram.
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- Linha dois, Fran.
- Agora não posso, Paula.
- Mas o homem já telefonou cinco vezes.
- Como é que se chama?
- Não disse.
- Está bem.
Fran não gostava daquele tipo de telefonemas onde as pessoas não se identificavam.
- Fala Fran Mallory.
- Até que enfim, menina Mallory. Ela reconheceu aquela voz.
O seu corpo começou a tremer de um modo inexplicável e decidiu que, quer fosse o tal monge ou não, negava-se a ser amável com ele. Talvez fosse falta de caridade,
mas aquele homem tinha sido muito antipático para com ela.
- Ah, sim?
- Mas estava a pedi-las.
Tal resposta fê-la fechar os olhos com força. Aquele homem não correspondia nada à imagem que tinha dos monges.
- Se o abade já se recuperou o suficiente para dar a entrevista, devia falar com o senhor Paul Goates. É ele quem está a tratar desse assunto.
- Disseram-me que se encontra de férias. Se continua interessada no artigo, venha ao mosteiro ainda hoje.
E a chamada caiu.
Fran ficou ali, com o telefone na mão durante uns segundos, para depois lançar um grito de frustração antes de desligar.
- Venha ao mosteiro ainda hoje! - repetiu, imitando-lhe a voz.
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Quem é que aquele homem julgava que era?
- A falar sozinha, Frannie? Sabes o que isso significa - disse Paul.
Ela virou-se.
- O que é que estás aqui a fazer?
O jornalista louro e baixinho pestanejou.
- Acho que trabalho aqui.
- Mas acabaram de me dizer que estavas de férias.
- Ah, sim? O Barney decidiu dar-me uns dias? Agora? Logo agora que estamos tão perto da data de entrega dos artigos? Que grande novidade!
- Aquele monge do mosteiro acabou de telefonar para me dizer que tinha que ir fazer a entrevista ainda hoje, já que tu estavas fora.
- Estava. Ontem - replicou Paul com um sorriso. É evidente que esse monge quer voltar a ver-te. Se não consegues imaginar o difícil que deve ser para eles ver uma
mulher bonita, eu consigo.
Paul estava enganado. O monge em questão não gostava dela.
- Não tenciono pôr lá os pés. O artigo é teu.
- Ora, dá uma alegria ao pobre homem - o jornalista piscou-lhe o olho. -Além disso, hoje tenho que ir ao Museu dos Dinossauros para fotografar os fósseis de um brontossauro
que acabaram de encontrar. E não te esqueças que já fotografaste o exterior do mosteiro. A propósito, as fotografias estão fabulosas. Sobretudo as que tiraste das
montanhas.
- Muito obrigada - murmurou, preocupada com aquela repentina mudança de planos.
Quase sentia medo de voltar a ver aquele monge, apesar de, no fundo, a fascinar. Tinha-a feito sentir coisas novas. Além disso, a entrevista seria com o abade.
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Quanto ao monge, rezou para não ter que falar com ele. E se chegassem a encontrar-se, fingiria que não o tinha visto.
Mas, uma hora depois, teve que se retractar das suas palavras quando descobriu que ele a esperava no parque de estacionamento do mosteiro. Antes de desligar o motor,
notou que o seu nível de adrenalina tinha subido poderosamente.
O monge abriu-lhe a porta e pegou na mala com as câmaras fotográficas. Fran corou violentamente ao notar que o monge estava a observar as suas longas e torneadas
pernas. Saiu rapidamente do veículo, observando que ele estava vestido da mesma maneira que da última vez.
Fran não se apercebera do quanto a sua pele era morena, mas sob a intensa luz do sol reparou que passava muitas horas ao ar livre. Fran não evitou conter o alento
ao observar o seu belo rosto e o corpo duro e musculoso. Envergonhada, afastou os olhos.
- Deve ter ultrapassado o limite de velocidade para chegar tão depressa, menina Mallory.
- Tenho imenso para fazer durante o dia de hoje, mas suponho que para si esse seja outro dos meus pecados.
- Outro?
- Imagino que deve ter feito uma longa lista.
- Porque é que haveria de fazer isso? - perguntou ele, fechando a porta do carro.
- O abade está à espera? - quis saber ela, ignorando a sua pergunta.
- Não, faleceu quatro dias após a sua visita.
- Não entendo porque é que não me disse isso quando me telefonou - replicou, zangada.
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- Porquê? Certamente que a morte dele não significa nada para si e, de todas as formas, vai obter o seu artigo.
Ela virou-se com os punhos cerrados.
- Como é que me pode dizer uma coisa dessas? O Paul contou-me que, por telefone, o abade parecia ser uma pessoa encantadora. Estava desejosa de o conhecer e lamento
imenso a sua morte.
- Aceito a reprimenda.
Fran engoliu em seco. Não era uma desculpa sólida, mas era evidente que aquele monge jamais desenvolvera qualquer habilidade social.
- Acho que foi abade neste mosteiro durante trinta anos. Imagino que os monges vão sentir muito a sua falta.
- Certamente que sim.
- Está a gozar comigo, não está?
Ele encolheu os ombros com um gesto elegante.
- Pelo contrário. vou sentir a falta dele mais do que você pensa - retorquiu.
Talvez a morte do abade tivesse realmente entristecido aquele homem. Não teria lido nalgum sítio que era suposto que os monges e as freiras não se ligassem afectuosamente
por ninguém? Na opinião de Fran, uma pessoa tinha que ser bastante desumana para agir dessa forma.
- O padre Ambrose pediu-me para ser eu a dar a entrevista.
Passava-se ali algo estranho que Fran não entendia. Mas não sentia qualquer desejo de descobrir o que era.
- Este artigo podia servir para honrar a sua memória.
- Fale-me da revista para a qual trabalha, menina Mallory.
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- É uma publicação mensal que tenta mostrar ao resto do mundo aquilo que é a região. Fazemos reportagens sobre locais de interesse, sobre a história, a religião,
a indústria, lugares de ócio e sobre algumas pessoas em particular.
- E que interesse é que tem a história deste mosteiro?
- bom, interessamo-nos não apenas pelo Utah do presente. Também gostamos de falar sobre o passado da região. Segundo sei, este mosteiro data de 1860, apesar do primeiro
edifício, feito de madeira, ter sido queimado durante uma greve dos trabalhadores da zona. E parece que o mosteiro se transformou numa comunidade isolada do exterior
até à chegada do abade Ambrose, cem anos depois. Foi ele quem transformou o local num santuário para todos aqueles que o queiram visitar.
- Impressiona-me que saiba tanto sobre este lugar. Sugiro-lhe que façamos a entrevista enquanto damos um passeio pela horta.
Pela primeira vez, o monge parecia não estar na defensiva e isso contribuiu para que ela, finalmente, conseguisse descontrair-se.
- Se concordar, gostaria de gravar a nossa conversa.
Ele assentiu, enquanto caminhava com largos passos. Fran tinha que andar muito depressa para conseguir acompanhá-lo.
- A ideia da horta foi dele?
- Sim, assim como as colmeias. com o mel branco que fazia, o abade conseguiu assim uma forma de manter a comunidade sem necessidade de recorrer a dinheiro exterior.
Até conseguiu comprar mais terras de cultivo.
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- Aonde é que foi ele buscar a receita?
- O abade nasceu na zona de Louisiana. Tinha lá um amigo cuja mãe cozinhava para uma família rica. Parece que o abade aprendeu a forma como essa senhora fazia o
mel, assim como as compotas. E, desse modo, trouxe consigo os segredos da cozinha do Sul.
- O mel branco é estupendo. Compro-o muitas vezes. Adorava tê-lo conhecido.
- Era um homem incrível. Quando ele cá chegou, tudo isto não passava de um campo cheio de pedras e ervas daninhas.
Ela ficou a olhar para as terras lavradas, onde os monges estavam a trabalhar. Depois, virou-se para contemplar o mosteiro.
- E a pedra da fachada...
- É da zona. Levaram muitos anos a construir o edifício.
- Gostaria de ver uma fotografia do abade na época em que ele cá chegou.
- Acho que temos algumas, mas estão bastante deterioradas.
- Na redacção, temos um especialista em restaurar fotografias antigas. Se me desse uma delas...
- Claro.
Fran estava encantada. Por alguma estranha razão, desejava que aquela reportagem fosse algo excepcional.
- Posso fotografar o interior da igreja?
- Pode fotografar o que desejar. E pode ainda assistir à missa no local reservado para o público, a partir do qual tem uma vista estupenda do altar. O abade mandou
vir a pedra de Florença.
- Já vi. É uma maravilha. E posso fotografar a
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campa do abade? Imagino que tenha sido enterrado aqui... Gostaria de terminar o artigo com uma fotografia da sua lápide. Junto à fotografia podíamos colocar a seguinte
frase: Monumento a um santo.
- O cemitério da comunidade fica nas traseiras do mosteiro - respondeu o monge.
Durante uma hora, Fran continuou a interrogá-lo, enquanto visitavam os campos, a cozinha, a biblioteca e o santuário. Mas era lógico que não podiam ter acesso às
celas dos monges.
Finalmente, fotografou a loja de lembranças, onde comprou mel branco e compota de pêra para a sua família. Também levou alguns livros que continham informações úteis.
- Gostaria de lhe pedir um último favor - comentou ela, enquanto o monge a acompanhava até ao carro. Fotografei todos os seus irmãos, mas não a si. Deixa-me fotografá-lo
junto às escadas da capela?
-Não.
Aquela resposta não deixava lugar para dúvidas. Fran tentou ocultar a sua decepção. "O que é que se passa, Fran? É um monge, por amor de Deus!", disse a si mesma.
- Foi muito amável por me ceder o seu tempo. Agora, deixo-o regressar às suas tarefas. Nunca pensei que vocês trabalhassem tanto. Apercebeu-se de que estava a falar
demasiado depressa, mas não conseguia evitá-lo. - Aprendi muito consigo e vou tentar fazer um artigo interessante, que as pessoas possam desfrutar. Quando o terminar,
telefono-lhe para lho mostrar e para que me dê a sua autorização antes de o publicar. - Quando é que estará terminado?
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Tinha que pensar com rapidez. Depois de chegar a Clarion, começaria
a trabalhar de imediato, pelo que... - Depois de amanhã, por volta das nove. Está bem para si? - A essa hora estarei na loja. "Muito
bem, mas o problema vai ser que tipo de desculpa vou inventar para voltar depois do artigo ser publicado...", reflectiu. -
É verdade, ainda não me disse como se
chama. - Isso não é importante - respondeu ele, abrindo-lhe a porta do carro. Fran entrou no mesmo. - Eu apenas lhe concedi a entrevista de forma a cumprir a vontade
do padre Ambrose. Fran sentia-se bastante nervosa. Não sabia se aquele homem se teria apercebido da atracção que despertara nela. Se trabalhava na loja de presentes,
certamente teria já reparado no facto de muitas mulheres se sentirem atraídas por ele. Seria por isso que assumira uma atitude tão rude? Sem se atrever a olhá-lo
de frente, arrancou e afastou-se, consciente de que se tinha ruborizado. Mas quando fez a curva para sair para a estrada principal, não conseguiu deixar de olhar
pelo espelho retrovisor, para descobrir que ele já lá não estava.

Capítulo 2

- Como é que era o meu pai, tia Maudelle? - Não sei. A tua mãe saía com muitos homens
e só sei que ele não estava presente quando tu nasceste. - Fui eu que causei a morte dela, não fui? - Mas não foi de propósito. E agora pára de fazer perguntas e
acaba de lavar os pratos. Estou cansada e quero ir deitar-me. Amanhã temos que ir à missa. - O que é uma missa? - É uma festa que se celebra na igreja. - Mas eu
não gosto de igrejas. - Não precisas de gostar para ires. - Porquê? - O dever e o prazer são duas coisas completamente diferentes. Dá-nos carácter. - O que é o carácter?
- É fazer algo que não nos apetece. - Mas, então, porque é que tenho que o fazer? - Porque Deus manda. - E quem é Deus? - Não sabes? - Não, mas sei quem é Maria.
- Quem é? - A mãe de Jesus. Ele tinha a sorte de poder vê-la sempre. - Quem é que te disse isso?
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- O Pierre. Eu gostava de poder ver a minha mamã. - bom,
mas não pode ser, por isso não penses mais nisso. - Está bem. André acordou muito inquieto. Tinha tido um pesadelo e estava a suar. Olhou para o relógio e viu que
eram quatro e meia da madrugada. Levantou-se da cama do quarto de hóspedes do mosteiro, deitou água fria numa bacia e lavou a cara. Depois, passou as mãos pelo cabelo.
Pela primeira vez na vida, não sonhava que perdia o pai e sim a sua mãe. Por isso sentia-se confuso. Tambem se sentia confuso e magoado devido ao silêncio da
sua tia Maudelle durante todos aqueles anos. Esta nunca lhe falara sobre o seu pai. No entanto, depois de falar com ele, apercebeu-se do sofrimento pelo qual a sua
tia passara. Porque quando André lhe dizia que sentia falta da mãe, ela devia sentir-se magoada, já que se esforçara por ser uma mãe para ele. Assim que, por um
lado, preferia que ela não lhe tivesse confessado a verdade. Mas já era demasiado tarde para dizer à tia que lamentava não tê-la compreendido. Até ela lhe revelar
a verdade, André levara uma vida agradável. Tinha recebido uma educação digna e escolhera o seu modo de vida. Mas, de repente, sentia-se preso a um pedaço de terra
sem dono, no meio do nada. Porque se antes de saber a verdade, não tinha a verdadeira sensação de identidade, depois de conhecer o seu progenitor essa sensação quase
desaparecera.
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Ele e o seu pai eram pessoas completamente diferentes. O seu pai tinha sido um homem simples que vivera do trabalho que fazia com as mãos. Amara
a natureza e vivera sem mulher alguma a seu lado. Além disso, acreditara em Deus. Como é que André podia ser seu filho? E como é que a sua mãe pudera ser uma mulher
que estudara apenas durante a escola primária, que vivera a vida sem aspirações, obrigada a ir à missa todas as semanas e a coser vestidos para pessoas ricas? Pelo
que o seu pai dissera, ela tinha sido uma linda jovem com inúmeros pretendentes, mas tivera o azar de se apaixonar por um homem que queria ser monge. Nada daquilo
fazia sentido para André. Certamente que era assim que se sentiam muitas das crianças quando descobriam a identidade dos seus progenitores. Secou o rosto com uma
toalha e sentiu a sua barba incipiente. Tinha que se barbear, já que ia estar com a menina Mallory às nove da manhã. Assim que autorizasse a publicação do artigo
sobre o mosteiro, apanharia um táxi para o aeroporto. Por muito bem que os monges se tivessem portado com ele, não passava de um estranho e estava na hora de partir.
Pensou que ia gostar de ir até Los Angeles e dali viajar até ao Alasca, local que sempre desejara conhecer. No seu estado de espírito, apetecia-lhe ver as soalheiras
águas do Oceano Pacífico. Depois de se vestir, foi ter com os irmãos ao campo. Eram cinco da manhã e eles já estavam a trabalhar. Três ou quatro horas de trabalho
físico iam-lhe fazer bem. Pelo menos, assim, não teria que pensar.
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Durante as suas inúmeras viagens, André conhecera muitas mulheres misteriosas e exóticas.
E até chegara a relacionar-se com várias delas, mas desde que chegara ao mosteiro que não voltara a pensar em nenhuma delas, excepto na menina Mallory. No entanto,
isso devia-se certamente ao facto de ela estar ligada ao artigo. Quatro horas depois, Fran entrou na loja de presentes com uma pasta debaixo do braço. André descobriu,
com algum desagrado, que tinha estado ansioso à sua espera e que o seu pulso se acelerara ao vê-la. Não era a mulher mais linda do mundo, mas possuía algo diferente.
Mesmo sob a tênue luz da sala, resplandecia saúde. - bom dia - disse ela com uma voz rouca, que o agitou. - Menina Mallory, pode deixar a pasta na bancada disse,
afastando os objectos que estavam em cima da mesma. - Como pode ver, o artigo inicia-se com uma fotografia do padre Ambrose. Arranjámo-la nos arquivos da Igreja
Católica. Deve ter sido tirada há uns vinte anos atrás. Estava muito elegante com o hábito. Foi muito amável da sua parte permitir que fizéssemos esta reportagem.
Gostaria de oferecer as contra-portadas ao mosteiro. Assim posso... assim, a revista pode agradecer-lhe o tempo que nos dedicou. André fixou o olhar no rosto bronzeado
e nos olhos azuis do seu pai. Só um olhar àquele jovem monge apagou da sua mente a imagem do homem que tinha morrido nos seus braços. A menina Mallory tinha razão.
O seu pai tinha sido um homem muito atraente.
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Via-se que era alto e que possuía um ar distinto. De repente, o coração de André viu-se inundado por um inesperado
orgulho filial. A jovem olhou-o com uma expressão de preocupação reflectida nos seus olhos verdes. - Sente-se bem? - Sim - respondeu, agradecido pelo presente que
aquela mulher lhe oferecera. - Por favor... Leia o artigo tranquilamente. Entretanto, vou dar um passeio. André ficou agradecido por ficar a sós. Assim que ela saiu,
leu o artigo, maravilhado com o trabalho que aquela mulher tinha feito. As fotografias reflectiam perfeitamente bem a calma e a beleza que emanavam da igreja e
seus arredores. Uma grande dor invadiu-o ao pensar que o pai já não podia desfrutar daquele magnífico tributo à sua vida e à sua contribuição para com o mosteiro.
Estava tão concentrado em terminar de ler o artigo, que nem sequer se apercebeu que a menina Mallory tinha regressado até que sentiu o seu perfume. - Gostaria de
alterar alguma coisa? Ou talvez não esteja de acordo com algo? - perguntou, olhando-o nos olhos. - Não. Tenho a certeza de que o abade teria ficado encantado. -
Ainda bem. Depois de o publicarmos, trarei cópias para todos os irmãos. "Mas eu já cá não estarei", pensou André. - Tenho a certeza de que ficarão muito felizes.
- bom, não quero empatá-lo mais. Além disso, tenho que voltar à redacção. Por isso... Adeus. Fechou a pasta e voltou a colocá-la debaixo do
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braço. Ele estudou aquele corpo sensual, coberto por um fato amarelo.
Por isso, devido ao nó que se formou na sua garganta, nem sequer conseguir responder. Limitou-se a ficar ali,
quieto, como se aquela bancada servisse de refúgio. bom, assim teria uma coisa a menos em que pensar. André não gostava nada de Salt Lake e não pensava lá voltar.
Fran devia estar a preparar a sua viagem. Ia cobrir a digressão do coro Lake Mormon Tabernacle por Los Angeles e pela Austrália, mas sentia-se impaciente para que
a edição de Julho ficasse, finalmente, pronta. Tinha passado essa noite em branco, à espera que amanhecesse para levar os exemplares da revista aos irmãos do mosteiro.
Após a sua última visita, decidira que enviaria as cópias por correio. Era o mais sensato, depois dos sentimentos que um certo monge despertara nela. No entanto,
algo no seu interior impedia-a de o fazer desse modo. "Tenho que ver aquele monge pela última vez. Tenho que o ver", pensou. A sua mãe ficaria bastante surpreendida
se descobrisse aquele segredo. Até ela mesma se sentia surpreendida com o seu próprio comportamento. Se o pastor da sua igreja descobrisse, diria que aquilo era
obra do inimigo e que este atacava sempre no ponto mais vulnerável de cada um. Ouvira-o dizer inúmeras vezes, a partir do púlpito, mas nunca o levara a sério.
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Nem sequer queria pensar nisso, mas estava certa de que não era correcto voltar a visitar o monge. Aquele homem parecia conhecê-la melhor do que ela mesma e o mais
humilhante era que Fran estava decidida a regressar à cena do crime. E parecia que ia em busca do mesmo. Talvez fosse por masoquismo ou, simplesmente, porque queria
atrair a atenção daquele monge celibatário. Apesar de existirem mais de cem irmãos no mosteiro, ela apenas levou uma dezena de exemplares. Não era necessário levar
uma cópia para cada um, já que os monges não podiam possuir nada pessoal. Mas era de bom tom levar exemplares necessários para que todos pudessem ler a reportagem
e talvez até colocarem alguma exposta na loja de presentes. Ao chegar ao mosteiro, viu que havia vários carros estacionados, assim como um autocarro de turismo.
Franziu o sobrolho. Não pensara que podia estar acompanhada quando fizesse a entrega dos exemplares. "Tu queres é estar a sós com ele! És uma estúpida, Francesca
Mallory!", repreendeu-se a si mesma. Saiu do carro e encaminhou-se até à entrada da capela, levando as revistas. Como temia, a loja estava a abarrotar com pessoas
de óculos de sol e máquinas fotográficas. Pôde ver dois monges a atender os turistas, mas nenhum deles era aquele que lhe roubava o sono. Sentiu-se desiludida e
esperou que a loja se esvaziasse um pouco antes de se aproximar de um deles. - Chamo-me Francesca Mallory, da Beehive Magazine. Disse ao monge que entrevistei para
o artigo sobre o abade Ambrose que lhes traria vários exemplares da revista assim que fosse publicada.
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O homem inclinou-se ligeiramente. - É muito amável - afirmou,
agarrando nas revistas. As coisas não lhe estavam a correr como ela esperava. - Será que posso falar um momento com o monge que entrevistei? - Ele já não está entre
nós. Fran ficou perplexa. - Quer dizer que foi transferido para outro mosteiro? - Não lhe posso dizer. Sentiu um calafrio por todo o corpo. - Compreendo. Lamento
apenas não lhe poder agradecer pessoalmente. - Eu comunicar-lhe-ei o seu agradecimento. - Obri... gada e adeus. - Adeus. Fran dirigiu-se até ao carro, completamente
atordoada com aquela notícia. Tinha uma enorme sensação de perda no peito. Quando estava prestes a partir para Los Angeles, dois dias depois, sentia uma enorme fúria
consigo mesma por ter permitido que a lembrança daquele homem interferisse no seu trabalho. Enquanto entrava num dos dois aviões contratados para transportar o
coro, decidiu que tinha que esquecer tudo aquilo e concentrar-se no seu trabalho. Aquela viagem não só ia ser uma grande aventura, como podia ser bastante importante
para a sua carreira. Por tudo isso, não colocaria em perigo a sua profissão devido a um simples monge.
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Ao chegar a Los Angeles, uma multidão recebeu o coro com
grande entusiasmo. Como era uma fã, Fran tinha assistido a vários dos seus concertos. Ia escutá-los aos domingos durante anos e conhecia inúmeras canções do seu
repertório. Algumas delas até a emocionavam bastante. Havia uma canção em particular que a fazia chorar, acompanhada do resto da audiência. Após um silêncio emocionado,
todos se levantavam e aplaudiam fervorosamente. Para Fran, aquele silêncio de respeito era a demonstração de uma admiração muito maior que a própria ovação. Já
à noite, foi ao concerto com a sua máquina, preparada para fotografar algumas pessoas da plateia. Queria uma imagem que expressasse a magia daquela noite. Barney
confiava nela. Se o fizesse bem, seria a portada da revista, algo que Fran ainda não tinha conseguido. Aquela podia ser a sua grande oportunidade. A canção que esperava
chegou pouco depois do interlúdio. Obtivera autorização para se aproximar da orquestra e, assim, além de não incomodar ninguém, podia realizar fotografias frontais.
O director do coro ergueu a batuta. Quando toda a gente ficou em silêncio, as sopranos começaram a cantar suavemente. A evocativa música chegou de imediato à alma
de Fran. E o mesmo aconteceu com os restantes espectadores. Fran começou a fotografar, de maneira que quando todo o coro se juntou, a sua câmara deteve-se num rosto
que irradiava felicidade. Era uma mulher com uns sessenta anos, de cabelo grisalho e expressão doce. Os seus traços podiam ser característicos da Europa de Leste.

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As lágrimas caíam-lhe pelas faces rosadas e os seus olhos pareciam transfigurados com a música. Fran engoliu em seco e tirou umas dez fotografias, uma atrás da
outra. Não havia necessidade de procurar mais nada. Algo lhe dizia que aquela mulher era o que ela esperara descobrir entre o auditório. Reflectia perfeitamente
os sentimentos dos outros. Talvez Fran pudesse encontrar algo melhor na Austrália, mas duvidava. Era um momento único e iluminador e sentiu-se nas nuvens. Arrastada
por uma estranha força que não sabia de onde provinha, começou a sentir-se ansiosa para que o concerto terminasse e pudesse, assim, aproximar-se daquela senhora.
Atrás daquele rosto tinha que existir uma história especial e Fran queria conhecê-la. Não apenas pelo artigo, mas também para satisfazer a sua própria curiosidade.
Assim que o coro finalizou a sua actuação, a audiência aplaudiu durante uns cinco minutos. Ninguém queria que aquele concerto terminasse. com passos decididos, Fran
dirigiu-se até junto da mulher que tinha estado a fotografar. Enquanto as pessoas comentavam sobre o que acabavam de ouvir, Fran chegou junto dela. - Foi um concerto
maravilhoso, não acha? A senhora, cujo rosto estava humedecido pelas lágrimas, deitou a cabeça para trás. - Foi tão maravilhoso como quando os vi há uns anos atrás
na Alemanha. - Viu-os na Alemanha? - Oh, sim! Há muitos anos atrás. Quando eu era pequena e vivia em Berlim leste, a minha mãe disse-me que se alguma vez tivesse
a oportunidade, devia ir até
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a um local onde pudesse encontrar Deus. Na altura, não a entendi. Anos depois, saí do país e fui com a minha família para Frankfurt.
Foi aí que ouvi esta música pela primeira vez. Depois, fomos viver para Zurique e voltei a ouvi-los. Foi então que encontrei Deus. Não imagina o que senti - adiantou,
abanando a cabeça. Mas Fran podia imaginá-lo. Até tinha captado a expressão de êxtase daquela mulher com a sua câmara. - Obrigada por me ter contado a sua história
- sussurrou Fran. - Trabalho para uma revista de Utah e tirei-lhe algumas fotografias. Importa-se que as publique? - Em absoluto. - Obrigada - murmurou a jovem,
enquanto via a senhora a afastar-sé e a juntar-se à sua família. Fran, com os olhos igualmente húmidos, virou-se e encontrou-se subitamente com um homem que podia
ser o irmão gêmeo do monge que tinha entrevistado em Salt Lake, apesar de ter o cabelo mais comprido e de usar fato e gravata. Não tinha lido certa vez que todas
as pessoas tinham um duplo? Claro, aquela noite parecia possuir um quê de surrealismo. Primeiro, a mulher e depois aquele rosto de um homem que já pertencia ao seu
passado e que ela tentara esquecer, embora em vão. Zangada consigo mesma por ficar a olhá-lo, afastou os olhos e tentou passar a seu lado. - Menina Mallory? Fran
ficou imóvel. Aquela voz era-lhe familiar. - Se pensa que sou uma aparição, garanto-lhe que não sou. A jovem virou-se, confusa. - Quando fui levar as revistas ao
mosteiro, um dos
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monges disse-me que você já lá não estava, mas não sabia que se encontrava aqui, em Los Angeles. - Parti um dia depois da sua última visita.
- Não posso dizer que estou surpreendida. Não me parece que fizesse parte daquele local. - Tem razão. Uma vez mais, a sinceridade dele desarmou-a. - Fugiu? O homem
assentiu ligeiramente. - Pode-se dizer que sim. - E um monge pode fazer isso?! Quero dizer, não existem certas formalidades a serem cumpridas para abandonar a ordem?
- Existem um sem-fim de formalidades, incluindo um pedido de dispensa do Papa de Roma. A informação que Fran tinha acerca da vida dos religiosos não era muita. O
pouco que sabia provinha dos filmes que vira. E duvidada que Hollywood alguma vez tivesse feito um filme sincero acerca da verdadeira angústia que essa decisão
implicava. - Foi... excomungado? - Que eu saiba, não. Nesse momento, a maioria das pessoas já estava perto do seus carros. Felizmente! A surpresa de Fran teria sido
evidente para qualquer um que estivesse a observá-los. - Sente-se atormentado com a decisão que tomou? - Está preocupada com a imortalidade da minha alma? Fran podia
suportar qualquer coisa menos a troça daquele homem. - De certo modo! Depois da forma como me tratou no primeiro dia que fui ao mosteiro, não entendia como é que
podia continuar lá.
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- Isso quer dizer que pensou em mim. Os olhos da jovem pareciam soltar faíscas. - Está a interpretar mal as minhas palavras. - Estou comovido
com a sua preocupação. Fran não suportava mais aquilo. Era evidente que aquele homem estava a sofrer, mas isso nada tinha a ver com ela. - Lamento. Fui demasiado
sincera. É um dos meus piores defeitos. - Adoro esse defeito. A jovem engoliu em seco. - Não tenho o direito de lhe dizer isto. Não sei nada sobre si nem sobre a
sua vida. Simplesmente surpreendi-me ao vê-lo aqui. - Acha que não sou capaz de apreciar um concerto? - Claro que não. O canto gregoriano que escutei no mosteiro
foi um dos mais belos que já ouvi em toda a minha vida. Mas não era isso que eu queria dizer. - Então, o que era? - Acho que não tenho que lhe dar explicações. Foi
uma coincidência virmo-nos encontrar aqui, em Los Angeles. - Pensei o mesmo quando a vi a falar com a Gerda. - Conhece-a?! - perguntou, espantada. - Conhecemo-nos
há muito tempo. Quando souberam que ia estar em Los Angeles, ela e a família convidaram-me para vir com eles ao concerto. Ele estudou os traços femininos com uma
ávida intensidade. - Porque é que veio falar com ela? - Estou aqui em trabalho. vou cobrir a digressão do coro pela Austrália. Além dos textos, tenho que tirar fotografias.
E esta noite encontrei aquilo que procurava
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no rosto da sua amiga. Felizmente, ela deu-me autorização para utilizar as fotografias. Ele pareceu desconfiar
das suas palavras. E Fran não conseguiu deixar de se interrogar sobre o porquê daquele olhar tão solene. - Então, teve sorte. É uma pessoa muito especial. - Já me
tinha apercebido. - Quer dizer que parte amanhã para Sidney? - Sim, essa será a primeira cidade australiana onde o coro vai estar. - Vai gostar de lá ir. - Já lá
esteve? -Já. Houve uma pausa. - E agora vive em Los Angeles? -Não. Fran arrependeu-se da sua pergunta. Por ser monge, aquele homem devia ter que cumprir certas regras
que certamente o impediam de falar sobre os seus assuntos pessoais. - Estou desejosa de visitar Brisbane - disse ela, tentando continuar aquela conversa fluidamente.
Ouvi dizer que tem umas praias cristalinas e uns bosques maravilhosos. - É verdade. Mas não deixei de visitar o Great Barrier Reef. É espectacular. - Já mo disseram.
Para alguém que sempre viveu dentro de um mosteiro, o mundo deve ser um local fascinante. - Sim. Mas não tão fascinante como neste momento. Se fosse outro homem,
Fran teria assumido aquele comentário como algo pessoal, mas tratando-se de um monge arrependido, decidiu ignorá-lo.
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- Rezo para que encontre aquilo que procura.
- Costuma rezar? - perguntou ele com um gesto divertido. Fran lançou um profundo suspiro. - É uma maneira de falar. - Quer dizer que não reza. - Não disse isso.
- Então, o que é que queria dizer? Fran estava cansada de tantas perguntas. - Não sou eu que estou com problemas espirituais. E agora tenho que me ir embora, o autocarro
deve estar à minha espera. Temos que estar no aeroporto dentro de pouco tempo. - Uma vez mais, adeus. Espero que se divirta na Austrália. Ela dissê-lhe adeus e
virou-se para partir, apesar de não suportar a ideia de que ele a deixasse ir sem a chamar. Tinha o horrível pressentimento de que nunca mais voltariam a ver-se.
"O que é que esperavas? Pensavas realmente que um monge atormentado te ia pedir para passares a noite com ele?", perguntou-lhe a sua consciência. "O que é que te
surpreende tanto, Francesca Mallory? Porque é que te sentes magoada? O que é que vocês podem significar um para o outro?" Fechou os olhos. "Não sabias que és uma
estúpida?!".

Capítulo 3

Um dos marinheiros, Jimmy Bing, vivia em Los Angeles. A sua família estava entre a multidão, à sua espera. Era evidente que sentia muitas
saudades dos seus. André, no entanto, não se sentia ligado a nenhuma cidade em particular. - De onde és tu, André? - Nasci em Nova Orleães. - Mas não tens sotaque.
- Saí de lá quando era novo. - Pelo teu nome, pensei que eras do Quebeque. - Que mal é que tem o meu nome? - Antes de casar e mudar-me para Los Angeles, trabalhei
no St. Lawrence Seaway e um dos marinheiros era um canadiano da parte francesa que também se chamava Benet. - E pensaste que eu era canadiano? - bom, não tinha a
certeza. Em qualquer dos casos, quando é que voltas para casa? Casa? O que era isso? Algo que, normalmente, não o preocupava, mas desde que vira os monges a enterrarem
o corpo do seu pai, a necessidade de saber mais acerca das suas origens não parava de o devorar. - Por agora, vou regressar ao Alasca.
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- Quando é que o barco volta a sair?
- Dentro de uns dias. Jimmy colocou a mochila ao ombro. - bom, já que não queres ficar em minha casa, acho melhor ir-me embora. A minha mulher e os
meus filhos estão à minha espera. Foi um prazer trabalhar contigo, André. - Igualmente. Boa sorte, Jimmy. Lá em baixo, juntava-se uma multidão para receber o barco.
Mas André não conseguia afastar o olhar de Jimmy, que descia a passarela a toda a velocidade. Ao longe, viu uma linda loura com duas crianças a correr até junto
dele. André ouvia os seus gritos de alegria. Jimmy atirou a mochila para o chão e abraçou os três. André apercebeu-se da felicidade deles. Nunca invejara ninguém
como então. De repente, a cena tornou-se nublada e André conseguiu ouviu a voz do pai. - Eu não sou um homem do mundo, por isso não te posso deixar nenhum negócio
ou quinta. Não tenho nada, mas posso oferecer-te um local de repouso onde possas estar sozinho e meditar. Se não encontrares o sentido da tua vida nas viagens,
talvez um dia o encontres aqui. Então, desfrutarás da paz que tens procurado. André fez uma careta. Depois, agarrou na mochila e desembarcou. Uma coisa era certa.
Encontrar-se com a menina Mallory no Hollywood Bowl, meses antes não o ajudara em nada a recuperar a calma da sua mente. Ela fizera-o sentir-se culpado.
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Porque,
anteriormente, se tinha razões para não lhe contar a verdade, agora isso deixara de existir. Talvez a paz e a tranquilidade do mosteiro fossem exactamente aquilo
de que necessitava para serenar o espírito. E Salt Lake ficava apenas a uma hora de avião. Por outro lado, tinha a certeza de que seria acolhido pelos irmãos. Necessitava
de um pouco de privacidade. E a vida no barco tornara isso impossível. As pessoas solitárias eram normalmente vistas como possíveis fontes de problemas devido ao
seu desejo de solidão. Criam divisões nos grupos, mesmo que involuntariamente, e as divisões conduzem à desmoralização. Por isso, apercebeu-se de que se não se
curasse depressa, os seus dias no mar estavam contados. Sete horas depois, quando a esfera alaranjada do sol já se tinha escondido no lago, chegou ao mosteiro num
carro alugado. Os irmãos tinham terminado os coros e não se via ninguém. Quando já estava a chegar ao edifício, deteve-se ao lado da estrada para terminar de comer
o seu hambúrguer com batatas fritas. Ao olhar para cima, pareceu-lhe que as montanhas iam cair sobre si. A neve derretera devido ao calor do Verão. Não tinha reparado
na beleza daquelas montanhas na sua visita anterior, mas o seu pai devia vê-las diariamente. Para um homem que nascera nas planícies de Louisiana, aquela terra
montanhosa devia ter sido uma fonte de contínua surpresa. O som dos sinos ecoou desde a igreja. Era um belo som que invadia os campos e todo o mosteiro. André
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pensou que viviam ali oitenta monges que conseguiam não desejar nada do exterior. Cada um estava contente com o que tinha. Mas ele não pertencia àquele lugar. Só
graças ao seu progenitor tinha o direito de entrar e sair dali quando quisesse. Contudo, não tinha o direito de incomodar os monges que se deitavam cedo para descansar.
Voltou a arrancar e acabou por chegar ao mosteiro. Havia um aroma doce no ar quente daquela noite de Verão. Tocou à campainha com prudência e um irmão saiu para
o receber. Cumprimentou-o cordialmente e dissê-lhe que podia utilizar o mesmo quarto que da outra vez. Um sentimento de dê já vu acompanhou-o, enquanto percorria
aqueles corredores decorados com pinturas sacras e pensava, com tristeza, no pouco tempo que tivera para conhecer o seu pai. O quarto estava tal e qual o deixara,
salvo por um detalhe. Alguém tinha deixado uma revista na sua mesa. Deixou a mochila no chão e agarrou na revista com curiosidade. Beehive Magazine. Mostra-te as
maravilhas de Utah. Passou a primeira página e procurou no índice. Encontrou o nome de Francesca Mallory e sentiu um aperto no peito. Deitou-se e começou a ler o
artigo sobre o mosteiro. Ficou a olhar para a fotografia a cores do seu pai, que ocupava uma página inteira. Era a mesma fotografia que ele tinha na sua carteira.

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Sentiu um nó na garganta, enquanto lia o texto. Pensou que morriam milhões de pessoas sem que ninguém soubesse da sua existência. Mas, graças àquele artigo, milhares
de pessoas ficariam a conhecer o trabalho que o pai de André tinha realizado. Sentiu-se muito agradecido para com o editor da revista e para com a mulher que escrevera
o artigo. Mas também se arrependeu por ter sido tão cruel com ela no início e isso pô-lo de mau humor. Pouco depois, decidiu tomar um duche antes de ir dormir.
Mas ao aperceber-se de que não tinha sono, agarrou novamente na revista e começou a ler outros artigos com grande interesse. A história que mais gostou foi a que
Francesca tinha escrito acerca dos agricultores judeus que tinham criado
uma pequena aldeia em Carlon. Apesar de André ter viajado mais do que a maioria das pessoas
que conhecia, tinha que reconhecer que possuía uma séria lacuna. Mal conhecia os Estados Unidos, com excepção das cidades portuárias de Nova Orleães, Nova Iorque
e Los Angeles. Pelo que, não fazia ideia da quantidade de etnias que conviviam em Utah. Também era ela quem assinava outro artigo sobre os índios navajos que viviam
na região. Finalmente, apagou o candeeiro e decidiu dormir, pensando que se ela o tivesse acompanhado nas suas viagens, teria reunido material suficiente para elaborar
centenas de artigos. No dia seguinte, tinha que ir comprar artigos de higiene pessoal. Decidiu que também compraria o último exemplar de Beehive Magazine. Aquela
mulher possuía um talento especial para escrever, pelo que André sentiu um enorme interesse
sobre
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o artigo que ela tinha realizado acerca da digressão do coro
da região pela Austrália. O concerto no Hollywood Bowl tinha sido excelente. A música comovera-o e pensava que ela devia ter sentido o mesmo. Recordou que ao vê-la
ali com o seu fato azul celeste, pareceu-lhe que estava a sonhar. Depois, teve que admitir que da primeira vez que a vira, pensara que a sua feminilidade era algo
excessiva. Evidentemente, mudara de opinião. De facto, pelo seu modo de pensar nela, estava a começar a aperceber-se de que tinha que fazer algo a respeito disso.
Não podia continuar assim... - Frannie? - soou a voz pelo intercomunicador. Podes vir ao meu escritório, por favor? Barney parecia sério. - Sim, claro. vou já. Enquanto
se levantava, Paul ficou a olhá-la. - Onde vais? Gostava que me lesses isto e que me desses a tua opinião. - O chefe quer falar comigo. - Mas não demores muito,
já sei como são as mulheres... - E eu sei como é que são os homens. - Tenho a certeza que sim, minha menina. Paul era uma das poucas pessoas que conhecia a sua opinião
acerca dos homens e que não tentava fazê-la mudar de opinião. E ela gostava dele por isso. - Não te preocupes, volto já. Dirigiu-se ao escritório do seu chefe e
bateu à porta. Barney dissê-lhe que entrasse.
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- O que é que...? - mas o resto da pergunta ficou no ar quando viu que o seu chefe tinha uma visita. Fran apenas
se sentira tão débil numa outra ocasião. Na noite que vira o monge no concerto em Los Angeles. E era suposto não voltar a vê-lo. - Frannie? Sentes-te bem? Ela deixou-se
cair na cadeira que se encontrava em frente à secretária sem afastar o olhar dos olhos do monge. Aqueles olhos castanhos escuros eram demasiado lindos para pertencerem
a um homem. A verdade é que desde que o vira pela primeira vez na loja do mosteiro, apercebeu-se que era um homem impressionante, mas, naquele momento, parecia ainda
mais atraente, com uma camisola bordeaux e uns sapatos de vela. com o seu esbelto corpo e o cabelo escuro, possuía um ar europeu, no qual ela nunca reparara antes.
Era um homem intrigante e sofisticado. E perigoso! Fran sentiu o corpo a estremecer de excitação. - O senhor Benet contou-me que não só se conheceram no mosteiro,
como se encontraram em Los Angeles. Benet? Teria algum antepassado francês? Isso explicaria a tez morena, apesar de achar que os franceses não era assim tão altos.
- É verdade, Barney. - Disse-me que te quer agradecer pessoalmente pelo magnífico artigo que escreveste sobre o trabalho do padre Ambrose. - Não o poderia ter feito
sem a ajuda do senhor Benet. - Limitei-me a dar-lhe alguns dados, mas foi ela
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quem os transformou numa história da qual qualquer monge se sentiria orgulhoso -
disse ele a Barney, apesar dos seus olhos não se afastarem dos dela. - Obrigada - sussurrou Fran. Barney passou nervosamente uma mão pela cabeça calva. Era evidente
que estava aborrecido com ela pela sua pouca loquacidade. - O senhor Benet também se desfez em elogios acerca da tua reportagem do número de Setembro. Segundo parece,
ele conhece aquela senhora alemã. Pelo que gostaria de lhe enviar um exemplar da revista. - E se não se importasse de lhe escrever umas palavras, menina Mallory...
- adiantou o monge. - Quando a Gerda vir a fotografia dela na primeira página e ler o artigo, decerto que se sentirá a pessoa mais feliz ao cimo da terra. - Será
um prazer assinar-lhe um exemplar. - vou buscar alguns exemplares para que os assines, Frannie - disse o seu chefe. - Assim, essa senhora poderá oferecer alguns
aos seus familiares e amigos. Assim que Barney abandonou o gabinete, o monge estendeu-lhe o exemplar da revista que tinha nas mãos. - Encontrei esta revista no meu
quarto ontem à noite. Gostaria que ma assinasse no artigo sobre o abade. Por favor, assine como Francesca e dedique-o ao André. André. O padre André Benet. Seria
assim que os irmãos do convento o tratavam? com a mão algo nervosa, Fran colocou a revista sobre a secretária de Barney e alcançou uma esferográfica. Enquanto o
fazia, a sua perna bateu acidentalmente na dele, provocando-lhe uma descarga eléctrica em todo o corpo. Teve que se afastar dele rapidamente,
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apesar do monge não mostrar sinais de se ter apercebido. Felizmente,
Barney entrou naquele momento com algumas revistas nas mãos. - Quer que escreva algo especial aos seus amigos?
- Gostaria que dedicasse uma à Gerda, outra ao filho, Harbin, outra ao neto, Renke, outra à nora, Ludwiga, outra à neta, Adeleide, e outra ao irmão da Gerda, que
se chama Kurt. - Acho que vai ter que me soletrar todos esses nomes. - Claro. - Deseja beber alguma coisa, senhor Benet? - ofereceu Barney, que estava a ser bastante
mais amável do que o habitual. - Temos café, Coca-Cola, Seven-Up, ginger-ale... - Obrigado, senhor Kinsale, mas não quero nada. - E tu, Frannie? - Estava a beber
um ginger ale quando me chamaste, mas obrigada na mesma, Barney. Enquanto assinava as revistas, sentiu o olhar do monge sobre si e, apesar de usar uma saia e casaco
muito discretos, a forma como ele a observava fê-la sentir-se nua. E ruborizou-se. - Já está - disse, pouco depois, olhando para Barney. - Por isso, se me dão licença,
tenho trabalho para fazer. Foi um prazer voltar a vê-lo, senhor Benet. Levantou-se e saiu do gabinete a toda a velocidade. - Santo Deus! O que é que aconteceu? Fran
esfregou a nuca. - Agora não, Paul, dói-me a cabeça. - Ele despediu-te...?
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- Não, não é isso. - Já te aumentou o salário recentemente, por isso, que mais é que
pode ser? - Ficarias surpreendido se soubesses. - bom, seja o que for, vai correr tudo bem. - Claro, sobreviverei. "Tenho que sobreviver", disse a si mesma. Talvez
a maioria dos homens fossem uns pecadores, mas comparados com aquele monge, eram uns santos. Não importava o facto de ser atraente. Fran não tinha esperado vinte
e oito anos para acabar por se envolver com um monge atormentado que ansiava estar com uma mulher. Ela sentira o olhar dele. E tinha sido bastante íntimo. Talvez
a sua visita ao mosteiro tivesse feito com que se questionasse se conseguiria viver sem entregar o seu amor a uma mulher. Era suposto que Fran tivesse confiança
suficiente em Paul para desabafar, mas certamente que este se limitaria a gozar com ela. Tudo teria sido mais fácil se não o tivesse encontrado em Los Angeles. E
pior ainda, ele tinha regressado a Salt Lake para se apresentar no gabinete do seu chefe. A culpa era toda sua. Devido à atracção que sentia por ele, tinha regressado
ao mosteiro sem que fosse necessário e o monge devia saber disso. Ele devia saber que podia ter enviado alguém. Pelo que não era de estranhar que o senhor Benet
tivesse ido procurá-la, sabendo que os seus sentimentos eram mútuos.
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Barney costumava dizer-lhe que ela atrevia-se a chegar ao fundo da questão. E isso transformava-a
numa boa jornalista. Mas, desta vez, tinha-se envolvido numa bela alhada. Aquele homem tinha regressado a Salt Lake! E quanto tempo pensaria ficar ali? - Frannie?
Sobressaltou-se ao ouvir a voz do chefe através do intercomunicador. Ela ainda só abandonara o seu gabinete há poucos minutos atrás. Virou-se para Paul com o rosto
envolto em pânico. - Faz-me um favor e vai ver se o Barney está sozinho. Não lhe digas nada. E depois vem-me dizer. - Está bem. Pareceu-lhe que Paul demorou uma
eternidade a cumprir as suas ordens. - O que é que se passa? O chefe parece algo zangado. - Está sozinho? - perguntou, mordendo o lábio. - Está. - Obrigada, Paul.
- Vais explicar-me o que é que se passa? - Talvez depois. Quando entrou no gabinete de Barney, ele limitou-se a olhá-la em silêncio. - Sei que não me portei bem,
mas tenho uma explicação. - Já sei qual é essa explicação: não gostas dos homens. - Gosto de ti... e do Paul... e do tio Donald... - Pára. Desta vez, deixaste
que os teus medos interferissem na tua profissão. - Já te disse que existe uma explicação.
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- Então, desembucha. - Estou metida numa enorme alhada. Ele ficou a
observá-la fixamente. - Não me digas que vais ter um filho daquele homem... -Não! -Graças a Deus! - Tudo começou quando o Paul adoeceu e me pediu para ir ao mosteiro
no lugar dele para realizar a reportagem. O seu chefe ouviu toda a história sem a interromper e quando Fran terminou o relato, ele inclinou-se para trás na cadeira
e começou a brincar com os óculos. - És uma mulher muito bonita, Frannie, e nenhum homem deixa passar isso de lado, nem sequer um monge. - O Paul disse-me o mesmo.
- Porque é a verdade. - Obrigada pelo elogio, Barney, mas tens que admitir que esta situação é bastante complicada. - Referes-te ao facto daquele monge ter abandonado
o hábito? Não é o primeiro caso e certamente não será o último. Sabes o que é que eu acho? - O quê? - Acho que também estás interessada nele. Porque, quanto a ele,
era evidente o seu interesse. Não tirou os olhos de cima de ti. - Sinto-me como uma estúpida! - Porque descobriste que podes sentir-te atraída por um homem? Ainda
bem que assim é. Barney mais parecia a sua mãe a falar. -Acho... melhor regressar ao trabalho.
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- Sim, mas se quiseres voltar a falar sobre este assunto, já sabes
onde é que me podes encontrar. André escreveu em alemão: Estimada Cerda, Aquela jornalista que trabalha para a revista Beehive Magazine de Salt Lake City e que falou
contigo após o concerto de Los Angeles, escolheu a tua fotografia para a primeira página da edição de Setembro. Também fala de ti no seu artigo. Esta manhã, fui
à redacção da revista para arranjar alguns exemplares. Tenho a certeza de que tu e a tua família vão adorar tanto como eu. Amanhã, sigo novamente para o Alasca durante
uma temporada. Se precisares de alguma coisa, podes contactar-me através do mosteiro. A morada é: l Peruvian Drive Salt Lake City Ut84999 Cuida bem de ti e recebe
um forte abraço deste teu amigo, André. Dobrou a carta e introduziu-a numa das revistas. Depois, empacotou-as a todas e entregou-as a um dos empregados dos Correios.
Já podia partir, satisfeito por ter podido demonstrar, em parte, a gratidão que sentia para com Gerda por o ter tratado tão bem na Suíça há alguns anos atrás, numa
época em que André se encontrava particularmente desanimado. Quanto a Francesca Mallory, começou a perceber que seria bastante difícil apagar a sua imagem da memória.
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De facto, desde que a conhecera, os longos períodos de tempo que passara sem a ver nem ouvir tinham sido um verdadeiro tormento. Talvez durante aquela
nova viagem ao Alasca fosse capaz de eliminar a lembrança daquela mulher de uma vez por todas...

Capítulo 4

O pastor de Fran tentava sempre permanecer no vestíbulo da igreja
após a missa para falar com os seus fiéis. Ela passara algumas semanas sem ir a um dos seus sermões. Talvez porque preferia manter-se ocupada
para não ter tempo livre para pensar. A igreja provocava-lhe um exercício de introspecção e, quando isso acontecia, acabava sempre por pensar naquele homem: André
Benet. Não voltara a vê-lo desde que este a visitara na redacção. Devia estar contente, mas, ironicamente, após oito semanas passadas sem ter notícias dele, sentia
um ridículo desassossego. André dominava todos os seus pensamentos, tanto de dia como de noite. Muito próxima de Fran, estava Emily Wilcox a falar com o pastor.
Era psiquiatra no hospital da universidade. Durante as últimas semanas, Fran tinha pensado em telefonar-lhe para marcar uma consulta, mas não se atrevera. O que
é que lhe diria? "Doutora, não consigo esquecer um monge celibatário que me aborrece e excita ao mesmo tempo sempre que o vejo. Um homem que, provavelmente, nunca
mais voltarei a ver. Um homem cujas ideias religiosas são muito diferentes das minhas". Fran abanou a cabeça. "És uma hipócrita, Fran. Tu
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não és uma seguidora fiel das ideias religiosas que a tua mãe abraçava
e te ensinou desde pequena", repreendeu-se. - Fico feliz por te ver, Fran. Como estás? Ela ergueu a cabeça bruscamente.
- Padre Barker... estou bem, obrigada. Adorei o seu sermão. - Obrigado, ainda bem que vieste. A Lacille e eu vamos dar, esta tarde, uma festa de recepção ao nosso
filho Howard. Gostaríamos que viesses. Será a partir das sete. Fran não conseguiu deixar de se interrogar sobre se Howard continuava a ser tão presunçoso como no
passado. Anos antes, durante as actividades que tinham lugar na igreja, ela tivera que o obrigar a parar várias vezes. Mais tarde, Howard tinha ido para fora estudar
Medicina. Talvez a vida o tivesse tornado um homem mais suportável. - A sua esposa disse-me que ele já é doutor. O rosto do pastor iluminou-se. - Sim. Estou muito
feliz por ele regressar a casa. - Isso é maravilhoso. Deve estar muito orgulhoso. E é claro que terei um enorme prazer em aceitar o seu convite. - Estupendo, então,
vemo-nos mais tarde. Fran não lhe apetecia nada daquilo, mas também não podia ser mal-educada. A verdade era que, ultimamente, nada a atraía e isso começava a preocupá-la.
Se já não fosse tarde, tentaria abordar a doutora Wilcox para falar com ela. Decerto que ainda não tinha saído. Mas enganou-se. Teve que parar para cumprimentar

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algumas pessoas e, quando chegou ao parque de estacionamento, o Jaguar verde da doutora já lá não estava. Num estado lamentável, Fran entrou na sua carrinha e
foi para casa. Tinha muito que fazer, mas sentia-se demasiado nervosa para se concentrar. Talvez lhe fizesse bem ir dar um passeio. A sua família ia reunir-se nesse
dia para almoçar em casa do tio, mas Fran decidira que preferia passar o dia sozinha. Não ia suportar as inevitáveis perguntas. Se tivesse fome, comeria algo na
festa do pastor. A tarde cinzenta de Novembro combinava com o seu estado de ânimo. Não era a melhor época de Salt Lake City. Faltavam as boas quedas de neve para
a grande transformação. Uma vez mais, desejou estar a trabalhar, assim não teria tempo para pensar no monge que, para ser honesta, estava a transformar-se numa obsessão.
Quando o carro passou ao lado do desvio que ia até ao mosteiro, acelerou e negou-se a olhar naquela direcção. Alguns quilómetros depois, Fran chegou à base da cordilheira
montanhosa que limitava a parte sul do estado. Tinha ficado quase sem gasolina. No desvio da auto-estrada, André, num carro alugado, dirigiu-se para Norte e depois
desviou-se para chegar a um pequeno centro comercial com dois pequenos restaurantes e uma bomba de gasolina. Entrou com a intenção de comprar o jornal. Felizmente,
havia um exemplar do Salt Lake Tribune. Contente por tê-lo encontrado, apesar da hora tardia, colocou-se na fila para o pagar. Foi então que viu aquele
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cabelo louro platinado. Ela também estava na fila,
mas muito mais perto da caixa. André esticou o pescoço para poder vê-la melhor. Usava um lindo fato azul escuro que condizia
com os sapatos de salto. O colarinho da blusa era azul claro. De costas, parecia muito elegante, clássica e, sobretudo, muito feminina... Estava ansioso por vê-la
virar-se. A julgar pelos olhares dos dois jovens que estavam atrás dela, também eles deviam ter-se apercebido dos seus atributos, e André sentiu ciúmes. As probabilidades
eram de uma entre um milhão, mas se aquela mulher não era a menina Mallory... De repente, viu-lhe o perfil e não conseguiu conter um gemido. A menina Mallory dirigiu-se
até à porta e ele seguiu-a, deixando o jornal no balcão. Apesar dos saltos, caminhava bastante depressa. André caminhou mais rapidamente e chegaram ambos ao posto
de gasolina ao mesmo tempo. - Francesca? O expressivo gesto dela foi o melhor elogio que André podia receber. Significava que não o tinha conseguido esquecer e,
muito mais importante do que isso, que não lhe era indiferente. Ela voltou-se e olhou-o com incredulidade. - O que é que estás aqui a fazer? - perguntou, tratando-o
por tu pela primeira vez. - Estava a comprar um jornal quando te vi - os olhos verdes escuros estavam tão brilhantes que André não conseguia deixar de os contemplar.
- A casualidade continua a fazer com que nos encontremos. Ao ver que eras tu, segui-te.
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Silêncio. - Tens que admitir que é mais fácil de nos encontrarmos aqui
do que em Los Angeles - adiantou. Desta vez, estou apenas a poucos quilómetros do mosteiro. Fran continuava a olhá-lo com estranheza e sem dizer nada. - Algo me
diz que continuas preocupada com a minha alma. - Não, acho apenas que és incapaz de decidir se ficas no mosteiro ou se te vais embora para sempre. - Cada vez estou
mais perto de tomar uma resolução definitiva. Fran ergueu o rosto, intrigando-o. - Não consigo imaginar-te a ter que tomar uma decisão tão importante. - Isso é normal
na minha família. - O que é que queres dizer? - O meu pai teve o mesmo problema. - Continuo sem entender. - O meu pai era monge. - O teu pai?! - exclamou, levando
a mão à garganta. -Sim. - Mas... não te compreendo. - Imagino que não tenho que te explicar algo tão básico como a atracção entre os dois sexos. Também acontece
aos monges, mesmo que tenham a melhor das intenções. É evidente que a minha mãe também participou no acto com a maior das felicidades. - Entendo, mas é triste que
alguém tenha que travar uma luta desse tipo. A tua mãe ainda é viva? -Não.
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- E o teu pai? -Também não. - Lamento. - Também eu. O abade Ambrose era um grande homem.
Fran agarrou-se à porta do carro para não cair ao recordar a fotografia do abade, quando jovem, que tinha saído na revista. "O abade Ambrose era o pai de André?",
interrogou-se. Fran lembrava-se que tinha sido um homem muito atraente, mas não entendia como é que não reparara nas parecenças entre pai e filho. "Porque te esforçavas
por não pensar nele", dissê-lhe uma voz interior. - Falas como se o teu pai fosse um desconhecido para ti. - E era. Nenhum dos dois sabia da existência do outro
até nos conhecermos duas semanas antes da sua morte. Tivemos apenas catorze dias depois de passarmos uma vida inteira separados. Fran não compreendia. - Antes de
o conheceres, viviam em mosteiros diferentes? -Não. - Estás a sugerir que não és monge? - perguntou, confusa. Um leve sorriso apareceu no rosto de André. A sua virilidade
provocou nela estranhas sensações. - Mas, porque é que não me disseste isso antes? Tiveste várias oportunidades... - Quatro, para ser exacto, mas em nenhuma delas
me pareceu ser o momento adequado.
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- E agora é o momento adequado? - perguntou com os olhos brilhantes de raiva. André observou-a
por uns segundos. - Sim, parece que não consigo esquecer-te. Aquela confissão fez com que o coração de Fran quase explodisse. - Queres dizer, apesar de todos os
teus esforços? - Algo parecido. Fran não conseguia defender-se de uma confissão daquelas. com o corpo a tremer, lançou-lhe um gélido sorriso. - Que sorte não se
passar o mesmo comigo. - Tanto tu como eu sabemos que isso não é verdade. Se bem te lembras, estive na redacção contigo e com o teu chefe. E nem ele deixou de se
aperceber da atracção que existe entre nós. Aterrorizada ao descobrir que André sabia da influência que tinha sobre ela, entrou no carro e fechou a porta. Mas,
para sua infelicidade, tinha deixado a janela esquerda aberta. André baixou a cabeça e olhou-a fixamente, enquanto colocava as mãos sobre o vidro para que ela não
o fechasse. - Ia amanhã à redacção para te convidar para jantar, mas como estás aqui, acho que não quero esperar tanto tempo. Encontra-te comigo esta tarde. - Impossível
- respondeu ela, olhando para a frente. - Isso quer dizer que estás ocupada? - Quer dizer que não aceito convites de desconhecidos. - Nós não somos desconhecidos.
Fran virou-se ao escutar aquelas palavras. E foi um
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erro. Os olhos dele possuíam um fogo que a excitava e assustava em simultâneo.
- Para mim, és. Até agora
pensava que eras um monge! - Um monge com problemas mentais? E certamente que ao descobrires que sou um homem normal que se sente atraído por ti, foi um alívio.
Pelo menos, não tens que te sentir culpada por estares a tentar um monge. Fran corou. - Enganas-te! Isso apenas aumentou as minhas desconfianças. Não tenho ideia
de quem realmente és. - Já percebi. Mas era isso que eu queria até agora. Sabes? Durante anos, desfrutei da minha liberdade sem as complicações que uma mulher pode
chegar a causar. Especialmente uma mulher como tu. A voz masculina era insuportavelmente sedutora. Fran agarrou-se ao volante com força. - Se isso era um elogio,
não atingiste o teu objectivo. Uma pessoa que mente durante meses sobre algo tão importante como o sacerdócio, decerto que é capaz de mentir sobre tudo o resto.
Não quero saber nada de ti! - Se menti, fi-lo para me proteger. Enquanto pensavas que eu era monge, podia manter-te afastada de mim. Ou, pelo menos, foi isso que
pensei... - adiantou ironicamente. - Apesar de pensares o contrário, não tencionava enganar-te. Quando chegaste pela primeira vez ao mosteiro, o meu pai estava
a morrer. Eu não queria que ninguém cuidasse dele, queria ser eu a fazê-lo. Fran sentiu o amor existente naquelas palavras. - Decidimos que me vestiria como os
outros monges
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para evitar especulações por parte dos visitantes. Na manhã que chegaste para a entrevista, tinha estado toda a noite com ele para o manter sentado
e a respirar melhor. Fran sentiu que os seus olhos se humedeciam. Naquele momento, entendeu muitas coisas. - Ele estava muito fraco, mas insistiu no facto de ser
importante conceder a entrevista, pelo que decidimos que seria eu a tratar disso. Fran ficou fascinada com as suas palavras. - Quando entraste na loja, senti a tua
energia de imediato e o teu interesse em fazeres aquela entrevista. Mas o meu pai, que eu acabara de conhecer, estava a morrer numa cela. Devido ao seu estado,
sentia-me incomodado com qualquer intrusão que me obrigasse a afastar-me de junto dele. E, pior do que isso, magoou-me que, apesar do meu sofrimento, me sentisse
atraído por ti. André fez uma pausa. - Na segunda vez que foste ao mosteiro, eu estava a sofrer bastante com a morte do meu pai. E, apesar disso, a minha atracção
por ti intensificou-se. Interroguei-me sobre o que é que me levava a sentir tamanha atracção apesar do meu estado de espírito. Não era lógico. E, claro, não queria
sentir-me preso a ti. Sempre tentei evitar compromissos, daí que te tenha deixado pensar que era monge. André fez outra pausa. - Mas o destino parece ter outros
planos para nós. Quando nos encontrámos no concerto, apercebi-me que corria perigo. Nessa noite, quase te contei toda a verdade, mas uma parte de mim continuava
ainda zangada por não ser capaz de te esquecer. vou ser sincero
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Francesca. Conheci várias mulheres, mas nunca nada foi duradouro. E então, conheci-te
a ti e a atracção foi imediata. E nunca mais desapareceu. Por isso, gostava que nos conhecêssemos melhor, pois sei
que sentes a mesma atracção por mim. Fran sentiu
um delicioso calafrio por todo o corpo. - Queres almoçar comigo? A tentação de aceitar era demasiado poderosa, mas a sinceridade dele tinha criado nela novos pontos
negros. Horrorizava-a que André admitisse ser incapaz de se comprometer com uma mulher. André não parecia ser muito diferente do pai, que deixou de amar a sua mulher
e a abandonou por outra vida. E Fran não queria que a história se repetisse. - Agradeço a tua sinceridade e admito que existe uma certa atracção entre nós, mas não
posso sair contigo, André... - disse sem o olhar nos olhos. - Não me perguntes porquê. E agora, se me dás licença, estou atrasada para uma festa. - Invejo-te. -
O que é que queres dizer? - Tens um lugar aonde ir e gente que te ama. Eu não sou daqui. Sou apenas o filho do abade falecido. Trataram-me como um convidado especial
no mosteiro, mas não consigo aproveitar-me da sua hospitalidade eternamente e os monges não podem fazer amizades. Não conheço ninguém aqui além de ti. Fran ficou
muda. - Se pensas que vou ficar com pena de ti, enganas-te. - Não me entendeste bem. Pensei que tinha deixado bem claro que és a única razão pela qual estou aqui.
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- Então, lamento, porque me é impossível pensar sequer em manter uma relação séria contigo. - Se isso é verdade, porque é que o irmão Joseph me disse que
tinhas ficado tão triste quando foste ao mosteiro levar as revistas e descobriste que eu não estava lá? Fran rubori ou-se. - Deve ter imaginado coisas. - Não. Ele
disse-me que ficaste bastante incomodada e que querias saber para onde é que eu tinha ido. Não acredito que reagisses assim e agora não queiras saber de mim. -
Por favor, André - Por favor, o quê? É imaginação minha o batimento que estou a ver no teu pescoço? É verdade, estás a usar uma roupa que te realça o corpo e a beleza.
- Isso é um comentário demasiado pessoal para alguém que mal conheces. - Em Maio, estivemos mais de uma hora a falar sobre o artigo, mas não foi o suficiente. Assim
como o nosso breve encontro em Los Angeles. Por isso é que voltei, para remediar a situação, mas se achas ofensivo um simples elogio, então não preciso de perguntar
como é que reagirás perante isto. Fran viu o desejo nos seus olhos antes de ele lhe agarrar o rosto. As suas mãos eram fortes e masculinas. Ia beijá-la ali, diante
de toda a gente! Antes de conseguir gritar, a boca dele cobriu a sua. Fran tentou resistir, mas foi-lhe impossível. André insistiu até conseguir que Fran separasse
os lábios e ambos começaram a respirar e a mover-se como uma só pessoa.
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Ela, surpreendentemente, respondeu com ênfase, um beijo atrás do outro até perder a
conta devido àquela necessidade de prolongar o prazer. Até então, Fran não conhecia o significado da palavra êxtase. O mundo pareceu girar sem controlo à sua volta.
Surpreendeu-se ao descobrir que os gemidos que se ouviam, saíam da sua própria boca. Fran não conseguia aproximar-se o suficiente dele. Algo a impedia de se agarrar
àquele corpo duro e poderoso. Ao tentar aproximar-se mais, chocou com os joelhos na porta. Nesse momento, apercebeu-se da intensidade da sua euforia. Tinha perdido
por completo toda a noção de espaço e tempo. - Não voltes a dizer-me que não estás interessada em mim - a voz rouca ecoou dentro dela.
- Fran! Ainda bem que vieste. O Howard perguntou por ti.
Vai ao salão, a menina Landers está a perguntar-lhe sobre a sua alimentação. Acho que precisa de alguém que o resgate - disse o pastor,
piscando-lhe um olho. Fran esboçou um débil sorriso e seguiu os outros convidados que também estavam atrasados. Era incrível conseguir caminhar e falar sobre futilidades
como se nada tivesse acontecido. Certamente que toda a gente na festa notaria que acabara de ser beijada apaixonadamente. Ao olhar pelo espelho retrovisor confirmara
as suas suspeitas. Os olhos possuíam um estranho brilho e a pele estava avermelhada, sobretudo em redor da boca devido à barba dele. E o pior de tudo era que cada
vez que se lembrava da sua boca, todo o seu ser estremecia com uma dor indescritível.
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Ouvira falar inúmeras vezes sobre a química entre pessoas e sabia que tinha
que existir, de outro modo a espécie humana acabaria. Mas não estava preparada para aquela experiência que acabara de ter lugar dentro do seu carro. E com um homem
que mal conhecia... Antes daquele dia, imaginara-o no mosteiro, a dormir com os outros monges. Imaginara-o ali desde a sua adolescência, como tantos outros jovens
que decidiam unir-se ao sacerdócio, procurando refúgio e solidão. Descobrir que não era religioso, significava que estivera noutro lado e isso tornava tudo ainda
mais misterioso. Era, sem dúvida, um homem do mundo. Naturalmente, devia ter conhecido outras mulheres. Era impossível que um homem tão atraente como ele não tivesse
namorada. Mas, segundo as suas próprias palavras, nenhuma das relações que tivera tinha sido duradoura. Era como o pai. E, para sua vergonha, tinha-o beijado com
tamanha paixão que mal podia acreditar. Mas não queria pensar nas mulheres com quem André se envolvera. Não duvidava que a sua atracção fosse demasiado poderosa
para que alguma mulher conseguisse resistir. Contudo, apesar de desejar estar novamente nos seus braços, apesar de não conseguir viver sem sentir a boca dele sobre
a sua, a ideia de se comprometer com um homem que admitia não querer compromissos, era impossível. Se alguma vez se apaixonasse, seria por um homem respeitável
e íntegro que quisesse uma relação duradoura,
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alguém com uma educação sólida e com valores. - Cinco dólares pelos teus pensamentos - disse uma voz masculina,
fazendo-a regressar à realidade. - Howard... - Lembras-te do meu nome. Isso já é alguma coisa. Os seus olhos azuis não tinham mudado. Olhavam-na com a mesma admiração,
apesar de também ver neles uma certa dúvida. Decerto que viria a ser um bom ginecologista. - Os teus pensamentos impedem-te de falar - murmurou com pena. - Não acredito
que não estejas casada e com filhos. - Ia dizer o mesmo de ti. Quanto a
mim, tenho andado muito atarefada com o meu trabalho. - Eu sei, o meu pai mostrou-me
o artigo que escreveste sobre o coro. Parabéns! Tens talento como escritora e fotógrafa. - Obrigada, mas a vida a ti também não te tem corrido mal, doutor.
Mas peço desculpa pelo teu pai. Sei que sente um enorme carinho por todas as pessoas que assistem às suas missas, mas não precisava de te ter mostrado a revista.
Ele sorriu, mas o seu sorriso perdera toda a velha arrogância. O belo adolescente louro, dois anos mais velho do que ela, tornara-se num homem ainda mais bonito
cujo cabelo escurecera um pouco. - Claro que devia. Pedi-lhe que me mantivesse informado acerca de ti. Fran achou aquilo muito estranho após todos aqueles anos.
- bom, em qualquer dos casos, dou-te as boas-vindas a casa.
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- Pareces sincera. Ficou surpreendida com a franqueza do seu comentário. - Claro que estou a ser sincera.
Estamos todos muito orgulhosos de ti. - Quer isso dizer que tenho possibilidades de aceitares sair comigo? Estou à espera dessa oportunidade há nove anos. Fran ter-se-ia
rido se algum outro velho amigo seu lhe dissesse aquilo, mas Howard era diferente. Lembrava-se de tê-lo rejeitado inúmeras vezes e isso fê-la sentir uns certos
remorsos. - bom, nesse caso, aceito. Ele abanou a cabeça. - Incrível! Que tal, amanhã à noite? Podíamos ir jantar depois de terminar a minha visita ao hospital.
Howard era exactamente o que ela necessitava naquela altura para esquecer André Benet. - Parece-me perfeito. A que horas? - Posso telefonar-te? - Tens o meu número
de telefone? - Decerto que o meu pai deve tê-lo. - Sim, então, fico à espera da tua chamada - virou-se para se afastar. - Não te vás já embora. Ainda não provaste
os manjares que a minha mãe preparou - Howard parecia atento a todos os detalhes. Mas ela tinha perdido o apetite após o seu encontro com o monge. bom, na realidade
não era nenhum monge. Ela nem sequer sabia quem era. - Estive fora durante quase todo o dia e tenho coisas para fazer em casa. Por isso, se não te importas, prefiro
retirar-me.
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- claro. Falamos amanhã. Definitivamente, Howard tinha amadurecido. - Boa noite, Howard. - Boa noite, Fran. Lá fora estava escuro e fresco. Estava
ansiosa por chegar a casa para pensar no que acontecera essa tarde. Quando chegou ao carro, viu algo branco situado sob um limpa pára-brisas. De início, pensou
que seria publicidade, mas ao ver que os carros do lado não tinham nada, soube que se tratava de uma mensagem. com o coração na boca, agarrou no papel e entrou no
carro. Fechou a porta com o trinco antes de o ler. Sentia as mãos a tremer, enquanto lia a bela letra cursiva: Francesca, Não era minha intenção assustar-te. Como
não sei onde vives e não queria incomodar-te, telefonando-te para o trabalho ou aparecendo por lá sem avisar, não tive outra opção senão seguir-te. Quando leres
esta nota, já estarei de volta ao mosteiro à tua espera. As portas da capela estão abertas até à meia-noite. Temos que falar. Se não vieres, então pensarei que
os sentimentos que experimentei há pouco, quando nos beijámos, foram apenas meus. De modo que não voltarei a incomodar-te. André. Fran sentiu a boca seca. Leu a
nota várias vezes antes de a rasgar. André Benet sabia exactamente o que estava a fazer.
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Devia ter-se apercebido do medo que Fran sentia perante a paixão que
ele lhe despertava. E não tinha que ser uma profetisa para saber que, se fosse ao mosteiro, não se limitariam a ficar na capela a conversar. Ainda excitada com o
encontro anterior, sentiu a tentação de fazer algo que nunca imaginara possível antes de o conhecer. Mas se cedesse à tentação, sabia que se arrependeria depois.
Howard acabara de a convidar para sair com ele e ela aceitara. Que tipo de mulher seria se, depois de se comprometer em sair com um homem, fosse a correr para os
braços de um estranho enigmático cuja vida mal conhecia? "Então, serias a versão feminina do teu pai", dissê-lhe uma voz. Horrorizada com aquela conclusão, Fran
arrancou e dirigiu-se até casa a toda a velocidade.

Capítulo 5

André sabia que Francesca desejava ir. De contrário, não teria correspondido ao seu beijo daquela
forma. E essa explosão de desejo que despertara em ambos não era algo que se pudesse esquecer tão facilmente. Mas também sabia que ela não iria lá essa noite. Sabia
que Fran ainda não estava preparada para admitir os seus sentimentos por ele. Ainda assim, decidiu esperar até à meia-noite, pelo que se sentou num banco de pedra
no exterior da capela. Sob a luz da fachada, começou a ler a carta que recebera de Gerda. Querido André, Recebi as revistas como se fossem um presente do Céu. Não
conseguia deixar de chorar. Agradeço-te de todo o coração. Também gostaria de agradecer a essa jovem jornalista. Talvez um dia possa fazê-lo pessoalmente. Como sabes,
quando nos reunimos em Los Angeles para ir ao concerto, o Harbin acabara de fazer a sua entrevista para arranjar um emprego como professor nos Estados Unidos. bom,
temos excelentes notícias: ofereceram-lhe um lugar na UCLA, na Universidade de Washington e na
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Universidade de Utah. E o melhor de tudo é que, finalmente, aceitou
o lugar de professor de alemão na Universidade de Utah. O que significa que nos vamos mudar em breve para Salt Lake. Desde que ouvi cantar o coro pela primeira vez,
que desejei ir para aí viver. Neste momento, estamos a fazer os preparativos para deixar a nossa casa de Zurique. Chegaremos a Salt Lake no início de Dezembro. Não
podemos procurar casa antes de chegarmos aí, mas não importa. Deus foi bom comigo e com a minha família. André, meu amigo, já sabes que terás sempre um lugar onde
ficar cada vez que fores a Salt Lake visitar a campa do teu pai? A nossa casa será sempre a tua casa. Ver-nos-emos em breve. Cuida bem de ti. com enorme carinho,
Gerda. Abanou a cabeça. Não podia acreditar. Gerda e a sua família iam mudar-se para Salt Lake. Como é que era possível tamanha casualidade? Claro, aquela notícia
era tão inesperada como encantadora. Enfiou a carta no bolso e tirou o jornal. Depois de ter seguido Francesca até à festa, tinha-o comprado numa loja. À meia-noite
e um minuto, fechou o jornal e entrou na capela para apagar as luzes. A seguir, fechou a porta à chave, enquanto decidia comprar uma casa ali. Nada seria mais agradável
do que convidar Gerda e a sua família a ficar com ele. Eles tinham-no hospedado em sua casa, em Zurique, quando era estudante e adoraria devolver-lhes o favor.

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Tinha apenas um mês para a comprar e mobilar. Isso significava que teria de agir rapidamente.
Howard insistiu em acompanhar Fran até à porta do edifício onde
se encontrava o seu apartamento. E pelo modo como a olhou, era evidente que não desejava que a noite terminasse ali. Por seu lado, Fran estava demasiada alterada
com a sua relação com André Benet para pensar no que quer que fosse. - Obrigada por esta noite excelente, Howard. Adorei. - Também eu. Gostarias de ir comigo à ópera
na sexta-feira à noite? Vão representar As bodas de Fígaro. - Infelizmente vou sair em viagem. - Um trabalho para a revista? - Sim. Tenho que fazer um artigo sobre
o West Desert, incluindo a estrada de Bonneville Salt Flats. - Quer dizer que vais passar a noite em Wendover. Fran soube qual era a ideia dele. Pelo que decidiu
não lhe dar oportunidade para se oferecer para a acompanhá-la. - vou acampar com uns amigos em Blue Lake. Lembras-te da Silvia Wherett? - Vagamente. - Pois a Silvia
lembra-se bem de ti. Estava apaixonada por ti no liceu. bom, acho que todas as raparigas estavam apaixonadas por ti. - Nem me apercebi disso - disse ele num tom
sério. Fran voltara a cometer um erro. - bom, isso foi há muito tempo atrás. Agora é casada. O Fred, o marido, é professor na Universidade de
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Utah. Os alunos vão fazer o exame este fim-de-semana
para se licenciarem. vou fotografá-los e incluí-los no meu artigo. Acho que só regresso a casa no domingo à noite. - O jantar
desta noite foi chato, não foi? Sei que foram os meus pais que te pediram para ires a minha casa ontem e certamente que aceitaste sair comigo por pena. - Não! Juro-te
que não se trata nada disso. - Então, existe outra pessoa. Ela abanou a cabeça. - Enganas-te, Howard. Não saio com ninguém há muito tempo - os encontros com André
eram outra coisa. - Isso não quer dizer nada. Podes estar apaixonada por ele, apesar de não se encontrarem. Garanto-te que esta noite estavas noutro sítio, e não
a jantar comigo. - Lamento... És a última pessoa do mundo que eu quero ofender. - Acredito, mas diz-me a verdade. Estás apaixonada por outro homem? - Já te disse
que não. Não é isso. - Então, o que é? - Preferia não falar acerca desse assunto. Ele suspirou com resignação. - O tempo não te mudou. Continuas a lutar contra a
tua própria natureza. - O que é que queres dizer com isso? - O teu pai fez-te muito mal. Nunca pensaste em pedir ajuda? - Já estou a fazer um tratamento - admitiu,
lembrando-se do doutor Wilcox. - Talvez seja a solução. Porque tudo o que eu deejo
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é conseguir conhecer-te melhor, mas enquanto continuares a desconfiar
dos homens, é impossível. Tens que conseguir arriscar-te a amar alguém. Boa noite, Fran. Ele já se ia a afastar quando ela o chamou.
- Howard? Por favor, não te
zangues comigo. Posso telefonar-te durante a próxima semana? - Só se o quiseres fazer a sério. Howard acabara de deixar bem claro que não queria ser um brinquedo
nas mãos dela. Pelo que tinha que esclarecer os seus sentimentos antes de lhe telefonar. Fran, já deitada, não conseguia tirar as palavras de Howard da cabeça. Eram
as mesmas que a sua mãe costumava dizer, assim como Barney e Paul. Mas ouvi-las da boca dele era completamente diferente. Não se tratava do conselho de um especialista.
Era um homem atraente e inteligente que seria um marido perfeito para qualquer mulher. Devia sentir-se adulada pelo facto de Howard querer conhecê-la melhor. E,
de facto, sentia-se adulada. E também se sentia atraída pelo facto de ele não recear envolver-se com uma mulher de vinte e oito anos cujos problemas emocionais devia
ter resolvido há muito tempo atrás. Se os superasse, talvez chegasse a descobrir o que existia entre ela e Howard. Mas antes de tentar aproximar-se dele, tinha
que conseguir esquecer André Benet. Fran abraçou-se à almofada, recordando a sua cobardia ao fugir dele. E isso provava o seu desequilíbrio. Se tivesse aceite o
convite
para passarem o resto da tarde juntos, não estaria agora a sentir-se tão mal. A sua indecisão fora a razão pela qual André a beijara.
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E a sua resposta àquele beijo devia-se ao facto de André
simbolizar o fruto proibido. Assim que desvelasse o mistério, seria como qualquer outro homem. Quem teria dito que não existe medo
maior do que o medo de si mesmo? Ao Fim e ao cabo, André não fizera nada horrível. Segui-la até casa dos Barker para lhe deixar uma nota no carro não era crime nenhum.
Mas o problema é que Fran continuava a vê-lo como um monge. No entanto, André era um homem normal. Era ela quem não se estava comportar de forma normal. Tinha ido
ao mosteiro pela segunda vez como uma adolescente apaixonada para falar com o objecto do seu desejo. Por isso, não tinha direito de o culpar por estar agora a persegui-la.
Se não queria vir a ser uma velha solteirona, via-se obrigada a solucionar os seus conflitos. O facto de voltar a ver Howard após tantos anos, fizera-a relembrar
de que era incapaz de confiar nos homens devido à relação com o seu progenitor. Na manhã seguinte, depois de passar a noite toda a pensar naquilo, telefonou para
a redacção para informar de que chegaria tarde. A seguir, foi até ao mosteiro. Tinha a certeza de que André se surpreenderia ao vê-la, mas via-se obrigada a falar
com ele se quisesse recuperar a paz. Tinha que o ver como um homem normal se queria esquecê-lo. Vê-lo como Paul ou qualquer outro colega de trabalho. Só depois
podia iniciar uma relação com Howard sem que nada os separasse. Fran apercebeu-se de que Howard Barker era o homem adequado para casar.

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Se não tivesse deixado que os pecados do seu pai a afectassem emocionalmente,
não sabia o que podia ter acontecido entre ela e Howard alguns anos antes. Por outro lado, não tinha muito
tempo para resolver as suas dúvidas, porque Howard deixara bem claro que não ia estar sempre à sua espera. Era uma manhã típica de Inverno, corria um vento frio
e havia restos de neve no campo e no telhado do mosteiro. Enquanto se aproximava do edifício, reparou no elegante Mercedes azul que se aproximava dela em sentido
contrário. Diminuiu a velocidade e afastou-se para a direita para deixar passar o outro carro. Para sua surpresa, o Mercedes parou ao seu lado. Era André quem ia
ao volante. O mundo deteve-se por um momento. Ele estava incrivelmente atraente com uma camisola de gola alta preta. A verdade é que não tinha imaginado na noite
passada que o seu encontro seria assim. - bom... bom dia - cumprimentou ela. André olhou-a de um modo que a fez recordar o beijo. Mal conseguia respirar. - Vinha
ver-te - conseguiu dizer, - mas parece que tinhas outros planos... - Estaciona o carro, já vou ter contigo. O seu corpo tremia de tal forma que não sabia se conseguiria
chegar ao parque de estacionamento. Mas acabou por alcançá-lo. Antes de desligar o motor, ele já estava a seu lado. Quando mais se aproximava, mais o seu pulso se
lhe acelerava. Para que ele não voltasse a encurralá-la, Fran saiu do carro. Foi um erro, pois ficaram demasiado perto
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um do outro. Arrepiou-se ao ver o poderoso
corpo masculino a poucos centímetros do seu. - Hoje é o teu dia de folga? - Não, mas telefonei a dizer que ia chegar mais tarde. - Mais tarde? Ela mordeu o lábio.
- O tempo que demorar a falar contigo. - Vejo que preferes falar comigo às sete e meia em vez de à meia-noite - murmurou ele num tom seco, provocando-lhe um rubor
intenso no rosto. - Já tomaste o pequeno-almoço? - Não - tinha perdido o apetite. - Eu também não. Há um café aqui próximo que se chama Copper Kettle. - Estive lá
umas quantas vezes. - Ainda bem, podemos ir no meu carro se quiseres. Mas se achas que te vou sequestrar, podes ir no teu carro e encontramo-nos lá. -André... -
Tem cuidado com o que vais dizer. Não digas que não te avisei. - bom, seria um disparate levar os dois carros. - Concordo. Vamos no teu ou no meu? Ela apercebeu-se
de que estando perto dele era in-í capaz de manter o controle de si mesma. - Se quiseres, podemos ir no teu carro. A cara de satisfação dele quase a fez mudar de
opinião, mas recuar seria como admitir a sua derrota. Pelo seu próprio bem, tinha que seguir em frente com o seu plano. - Fecha bem o teu carro. Nos dias de hoje,
nem sequer o parque de estacionamento de um mosteiro é um lugar seguro.
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- É verdade. Agradecida, virou-se e fechou o carro. Depois, entrou no Mercedes. Quando
sentiu o olhar dele sobre o seu cabelo, começou a sentir-se nervosa. - Este carro parece ser novo - comentou ela, quando André se sentou atra do volante. - Comprei-o
ontem. Como todos os carros alemães, o Mercedes ronronou suavemente. - Estás a pensar em voltar para Nova Orleães? - Porquê? - Não vives lá? - Porque é que pensas
isso? - Pela informação que me deste sobre o teu pai para o artigo. - É verdade que nasci lá - admitiu com voz distante, - mas nunca considerei aquela casa como
meu lar. Quando fiz dezassete anos, saí de lá, atraído pelo mar. Fran imaginou-o de imediato com farda de marinheiro, atraente e bronzeado. - Então, estás no exército
naval? - Não é nada tão romântico - replicou com voz dura, lendo os pensamentos dela. - Mas já dei a volta ao mundo várias vezes como marinheiro mercante. Fran conteve
a respiração. A profissão de marinheiro mercante sugeria um homem sem lar e sem compromissos. Uma alma inquieta que não podia permanecer no mesmo lugar durante
muito tempo antes de viajar para outro sítio. com uma mulher diferente... - Não queres ouvir mais nada? O que te contei é suficiente?
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- Não! Cla... claro que
não. - Então, porque é que estás com essa expressão de horror? - Não assumi nenhuma expressão de horror. - Claro que assumiste! André virou o carro e empreendeu
a direcção do mosteiro. - O que é que estás a fazer? - vou levar-te até ao teu carro. - Não, André! - gritou, alarmada, colocando, sem se aperceber, a mão sobre
a dele para o deter. Mas ele acelerou e cobriu a distância num curto espaço de tempo. Quando chegou, virou-se para ela. - Fizeste bem em não vir à capela ontem à
noite. Andas a brincar com o fogo. Sai do carro agora mesmo, Francesca, enquanto ainda estou de humor para te deixar sair. Regressa à tua vida. - O que é que queres
dizer? - Exactamente o que disse. André tinha uma expressão furiosa no rosto e, pelo modo como agarrava o volante, Fran podia ver que estava prestes a explodir.
- Porque é que me estás a afugentar? Admito que fiquei surpreendida com o teu trabalho, mas... - Surpreendida não, ficaste chocada! E, neste momento, estás a pensar
como é que posso ser o filho de um monge que foi capaz de passar a vida no mesmo lugar. Coloquei a mesma pergunta a mim mesmo quando descobri que o meu pai era
abade num mosteiro situado numa cidade perdida. Até então, Salt Lake não passava de um ponto no mapa que eu nunca tinha visitado nem tencionava visitar. A emoção
transmitida pela sua voz, fê-la estremecer.
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- Quem é que te disse que era vivo? - A minha tia Maudelle. - Não foi a tua própria mãe quem to disse? - Talvez o
tivesse feito se não tivesse falecido quando eu nasci. Surpreendida, Fran ficou a observá-lo. Descobrir que a mãe de André tinha falecido aquando o seu nascimento
e depois descobrir o próprio pai duas semanas antes de o perder, devia ter sido niuito duro para ele. E isso explicava o comportamento hostil para com ela quando
a vira pela primeira vez. Devia ter sido um momento bastante difícil. Não era de estranhar que tivesse tentado manter-se ao lado do pai durante as horas que ainda
lhe restavam. Certamente que falar com uma jornalista que não aceitava um não como resposta devia ter sido uma tortura, dadas as circunstâncias. Uma vez mais, sentiu-se
envergonhada. - Parece um pouco cruel que a tua tia esperasse tanto tempo para te dizer que o teu pai estava vivo aventurou. - Ela nunca se casou nem teve filhos.
com a perspectiva do tempo decorrido, acho que se preocupava com o facto de eu, ao saber a verdade, deixasse de gostar dela. Claro que isso não aconteceria, eu
adorava-a. Mandava-lhe dinheiro periodicamente e visitava-a de vez em quando, mas ela só foi sincera comigo quando estava a morrer. "Outra perda", pensou Fran, devastada.
- Agora já sabes que o meu passado não é nada convencional. Até agora, adorava a vida no mar e moldava-me perfeitamente. É um trabalho duro, apesar de ser honrado,
e que me deu a possibilidade de viajar e
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ganhar bastante dinheiro. Mas apercebi-me de que nem todas as mulheres gostam de um marido assim particularmente uma
como tu. Olhou-a de forma penetrante. - Agora que te contei tudo, podemos começar a falar de ti, Francesca. Porque é que escolheste este momento para te ofereceres
como cordeiro perante o altar? - Vim... cá esta manhã, porque alguém importante me fez perceber que tinha que enfrentar as minhas inseguranças. - Alguém importante?
-Sim. - Um homem? - Sim. - Que se sente ameaçado por mim? - Olha, André... fugi de ti e sei que isso não é próprio de uma mulher adulta, pelo que pensei que devia
vir falar contigo. Desse modo... - Desse modo, pensaste que me convencerias a ser um bom rapaz e a afastar-me da tua vida. Então, já podes começar a sair com um
homem menos perigoso cujos antecedentes conheças bem. Andas à procura de um marido seguro? Fez uma careta irónica. - Olha, Fran, sou um homem que te deseja em todos
os sentidos. E se fosses sincera, admitirias que vieste cá está manhã exactamente pelos mesmos motivos. Aproximou-se e passou o braço por trás do assento dela. -
Porque é que não começas por me contar porque é que tens medo dos homens?
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Invadida por todo o tipo de emoções, Fran balbuciou que se devia ao seu pai. - Mas o
que é que ele fez? - O que é que a maioria dos homens faz às suas esposas? - perguntou ela com a voz temerosa. - Queres dizer que lhe era infiel? -Sim. - E quando
é que descobriste? - Aos sete anos de idade. Um dia, cheguei a casa depois de estar a brincar com os meus amigos e encontrei a minha mãe a chorar na sala. Quando
lhe perguntei o que se passava, respondeu-me que o meu pai tinha-se ido embora de casa. Como ele viajava frequentemente, não entendi o que é que ela queria dizer
exactamente. Fran fez uma pausa. - E foi então que me explicou que alguns homens eram demasiado inquietos para ficarem no mesmo sítio durante muito tempo. Contou-me
que ninguém sabia porquê, mas esses homens não conseguiam permanecer para sempre no mesmo local. Também me disse que ele tinha tido várias amantes durante todos
aqueles anos e que, finalmente, partira com uma delas. Fran tossiu. - Na altura, era demasiado jovem para entender exactamente o que é que ela queria dizer. Além
disso, eu amava o meu pai e só queria que ele voltasse para casa. Foi então que a minha mãe me disse que ele nunca mais voltaria. E aceitou, porque ele nunca mais
voltou. - Lamento imenso, mas a diferença entre o teu pai e eu é que nunca tive nenhuma mulher à minha espera enquanto viajava de um lugar para o outro. Nunca conheci

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nenhuma mulher com quem me quisesse casar e ter filhos. Contudo, imagino o quanto deve ter sido difícil para ti vir falar comigo. Mas já podes ir-te embora e
dizer a esse teu amigo que não tem com que se preocupar. Fran ficou gelada. Apercebeu-se de que não estava preparada para que aquela "relação" terminasse tão bruscamente.
- André... - Por amor de Deus... Sabes o que vai acontecer se continuarmos juntos durante mais tempo. Além disso, algo me diz que nunca estiveste com um homem. Fran
removeu-se inquieta no assento, afastando o olhar. - Eu sabia. Por isso, vai-te embora a não ser que queiras que não me responsabilize pelas minhas acções. Ela colocou
a mão sobre a porta, mas não a abriu. - Para... onde é que vais quando deixares o mosteiro? André respirou fundo e olhou-a de forma enigmática. - Para que é que
queres saber? Que interesse é que isso pode ter para ti? Na tarde em que se beijaram, ele confessou que tinha regressado a Salt Lake apenas por ela. E já a assustava
a ideia de não o voltar a ver. - Por favor, André. - Por favor, o quê? - Voltas ao mosteiro? - Não para cá ficar, mas volto quando quiser visitar a campa do meu
pai. Contudo, se nos voltarmos a encontrar, será por pura coincidência. Adeus, Francesca. Ela obedeceu-lhe.
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O Mercedes arrancou assim que ela saiu e Fran ficou
a observar como o carro desaparecia. Sentiu uma enorme dor dentro de si e teve a horrível premonição de que deixara fugir algo vital para ela. Entrou no seu carro
e apercebeu-se do seu agitado estado emocional. De repente, ao chegar junto de Parley s Canvon, olhou pelo espelho retrovisor e viu que estava a ser seguida por
um carro da polícia. No meio da sua agonia, não se apercebeu da sua má condução. Aquela foi a primeira multa por excesso de velocidade desde os seus tempos de estudante.
Quando chegou a Heber, soube que fugir não ia diminuir a sua dor. Nada o faria. Tinha que regressar à redacção e trabalhar até à exaustão. Durante os dias seguintes,
nem o trabalho nem os amigos conseguiram fazer desaparecer a dor que lhe invadia o coração. Evitou ir à igreja, pois sabia que Howard ia lá estar e não queria vê-lo
enquanto não se recuperasse. Era incrível a influência que André tinha exercido sobre ela. Tinham-se visto poucas vezes desde Abril, mas ele tinha exercido um efeito
devastador sobre ela. O pior eram as noites. A lembrança do que sentira nos seus braços não a deixava dormir. Se aquilo era amor e se temia que assim fosse, durante
quanto tempo continuaria atormentada daquela forma? Dizia-se que o amor tinha que ser alimentado. Talvez se passasse uma temporada sem ver André o seu amor acabasse
por desaparecer.

Capítulo 6

- Gerda? Agora que tu e a tua família estão instalados, pensei que gostaria de fazer uma festa. Apetece-me agradecer aos meus vizinhos
e a alguns homens de negócios que me acolheram tão bem. - Estupendo! - exclamou ela, batendo palmas. Mas quero ser eu a cozinhar e a decorar a casa. André sorriu
de satisfação. - Imaginava que ias dizer isso e sabes que adoro cozinha alemã. Lembro-me da tua comida na época que era estudante em Zurique. Só de pensar nisso,
até já sinto água na boca. - Vai ser um prazer cozinhar para a festa. - Enquanto estiverem comigo, quero que se sintam como se estivessem na vossa própria casa.
- É verdade, traz as decorações de Natal que estão no móvel. - Amanhã vamos buscá-las. Hoje, vou tratar dos convites. Já falei com o Harbin e ambos pensamos que
o próximo sábado pode ser um bom dia para fazer a festa. Ele deu-mé os nomes e as moradas de vários colegas da universidades. Queres convidar alguém em especial?
- bom, gostaria de convidar o bispo e os conselheiros da Igreja e as respectivas famílias, claro. Assim como aquele simpático senhor que canta no coro
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e as pessoas que conhecemos em Zurique após a actuação.
- Já sei de quem estás a falar. - Disseram que tínhamos que nos encontrar se algum dia viesse a Salt Lake. Além disso,
mandaram-me um postal. Acho que tenho a morada deles na minha agenda. vou buscá-la. - Mais alguém? - Se te referes à menina Mallory, a linda rapariga da revista,
não falei nisso porque imagino que será a primeira convidada da tua lista. André abanou a cabeça, confuso. Gerda conhecia-o demasiado bem. - Sei que estás apaixonado
por ela. E não sabes como me sinto feliz por teres decidido fazer algo a respeito disso - os seus olhos cintilaram. - Além de que toda a minha família está desejosa
de a conhecer para lhe agradecer a honra que nos concedeu. Fez uma pausa. - E acho que também podias convidar o editor da revista. Também gostaria de lhe agradecer
pelos exemplares que a menina Mallory nos enviou. - Parece-me bem - murmurou André. O senhor Kinsale tinha sido muito simpático e, assim, Francesca não podia recusar
o convite. - Estou certo de que ele ficará encantado. Gerda envolveu-lhe o rosto com lágrimas nos seus olhos azuis. - Não sabes a sorte que tivemos quando decidiste
ficar em nossa casa. Sempre te comportaste dignamente comigo e com a minha família. Nunca te poderei agradecer o suficiente. - Não há nada para agradecer. Pelo
contrário, eu é
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que ficarei eternamente agradecido por me terem acolhido em vossa casa e por me fazerem sentir como parte da vossa família. - De certo modo, vieste
preencher uma lacuna que o meu amado Gunther deixou nos nossos corações quando saiu de casa. E, por isso, ficar-te-emos agradecidos para sempre. André olhou-a solenemente.
- bom, então, pode-se dizer que estamos em paz, não é? - Já, Mein Schatz. Quando ela abandonou o estúdio, ele procurou a morada da revista. Durante as cinco semanas
passadas, tinha procurado uma casa e mobilara-a de forma a estar pronta para a chegada de Gerda e da sua família. Até conseguira passar um Dia de Acção de Graças
memorável com Jimmy e a família deste. Durante todo esse tempo, tentara esquecer Francesca, mas ao dactilografar o seu nome e morada no computador tinha sido como
abrir a caixa de Pandora. De repente, a memória do seu último encontro surgiu-lhe na mente. Recordou o pânico dela ao perceber que não voltariam a ver-se. André
sentiu as mãos a tremer sobre o teclado. E pensava ele que conseguia controlar os seus sentimentos... - Frannie? - Sim, Barney? - Deixa o que estás a fazer e vem
ao meu gabinete.
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Certamente seria algo importante. Afastou a ideia de que aquilo tinha a ver com André. Após cinco semanas de agonia, chegara à conclusão de que
o melhor que lhe tinha acontecido era o facto de ele ter desaparecido da sua vida para sempre. Talvez se tivesse descuidado no seu trabalho e Barney quisesse dizer-lhe
que se não saísse rapidamente daquele estado de depressão teria que se ir embora. - O que é que se passa? - perguntou Paul. - Parece que ainda estás pior do que
o habitual - aquele homem passava o dia a gozar com ela, tentando animá-la. - Obrigada, Paul. Também te desejo um Feliz Natal. - Frannie? Acho que precisas de melhorar
o teu humor. - Estou assim tão mal? - Já sabes que se quiseres conversar, estou desejoso de te ouvir. - Eu sei. Obrigada. Depois, foi até ao gabinete do chefe. -
Tenho uma surpresa - disse este ao vê-la entrar. - O que é? Ele estendeu-lhe uma carta dirigida à menina Francesca Mallory. Ela abriu-a e viu que se tratava de um
convite. A menina Francesca Mallory e o seu acompanhante estão cordialmente convidados para o bufete, natalício organizado pela senhora Gerda Richter no sábado,
a partir das sete. - Gerda Richter? Qualquer coisa que a fizesse recordar André acele rava-lhe o pulso.
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- Mas pensava que vivia em Zurique! - Parece que agora
está em Salt Lake. Talvez tenha vindo de férias. O remetente é de Federal Heights. - Um dos meus bairros preferidos - comentou ela. - Adoro aquelas casas ao estilo
clássico. - O mais difícil é ter dinheiro para lá viver. - É verdade. - Muito bem, então, vamos os quatro a essa festa, não achas? - Quais quatro? - Ora, Frannie!
O teu convite menciona-te a ti e ao teu acompanhante. Não que eu tenha algum problema em ir acompanhado pela minha mulher e pela minha escritora, mas não te parece
que já está na hora de procurares um homem e saíres do teu estado de prostração? - Prostração? - A mim não me enganas. Posso não ser médico, mas reparei que padeces
de um dos piores casos de mal de amores. - Vai passar. - Não sem ajuda. Será que não te apetece estar com mais nenhum outro homem? Só podes esquecer um amor com
outro amor. De contrário, a memória do senhor Benet vai andar a torturar-te para o resto da vida. Apesar da dor que sentia, não conseguiu deixar de se rir
ao ver o sorriso dele. E desataram a rir-se à gargalhada. - É assim que eu gosto de te ver. Fran pensou que talvez Barney tivesse razão e se não se esforçasse, continuaria
o resto da vida a lembrar-se de André. - Sabes uma coisa? Acho que há um homem que vai aceitar ser meu acompanhante.
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- Estupendo! Podem ir ter comigo e com a
Reba. nepois falamos mais detalhadamente durante a próxima semana. - Muito bem. A Gerda foi muito amável em convidar-te, mas fiquei bastante surpreendida. Durante
o nosso breve encontro, apercebi-me que se trata de uma mulher muito generosa. - Estou desejoso de a conhecer. Além disso, aquele número foi o mais vendido do ano.
Graças à tua perícia, claro, mas também ao rosto dela. Fran ficou emocionada com o elogio. Talvez tudo aquilo a ajudasse a seguir em frente e a deixar de pensar
no passado. André terminou de acender a última vela. Depois, supervisionou com satisfação o aspecto do salão e do vestíbulo da sua nova casa. Começou a procurar
uma vivenda em Salt Lake ligeiramente destroçado, pensando que seria impossível encontrar uma mansão a seu gosto. Até que Natalie Cairms, a responsável pelos seus
investimentos, lhe descobriu o bairro de Federal Heights. Quando Natalie estacionou o carro em frente da casa, André decidiu que era perfeita. Era uma mansão de
tectos altos, com lareira e uma biblioteca suficientemente grande para albergar as centenas de livros que adquirira durante as suas viagens. Além disso, tinha seis
quartos e cinco casas de banho, espaço suficiente para Gerda e para os seus netos. Eles ocupariam o piso de cima, enquanto ele dormiria no quarto principal, situado
no piso de baixo. O bairro tinha umas mansões magníficas e ficava
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perto da universidade, do teatro, da ópera e da sala de concertos de Salt Lake. E nessa noite,
enquanto acendia as velas da enorme árvore de Natal e escutava os cânticos da época, apercebeu-se de que poderia ser feliz ali, naquela casa. Em cima da secretária
do século dezassete que herdara da sua tia Maudelle, colocara uma fotografia do seu pai e outra da sua mãe. Além de uma dele juntamente com a sua tia. Enquanto
Gerda e a sua família tratavam dos últimos detalhes, ele decidiu acender a lareira. Os convidados deviam estar a chegar. E se tudo corresse como calculara, Francesca
seria um deles. Tentava acalmar-se desde que se levantara essa manhã, mas já não a via há tanto tempo que mal conseguia controlar as suas emoções. - O primeiro convidado
está a chegar! - gritou Gerda quando a campainha tocou. - Eu vou abrir! André pensou que seria Natalie. Desde o início que a bela advogada, mãe de dois filhos, deixara
bem claro que a sua relação podia ultrapassar o âmbito profissional. E ele, apesar de saber que não tinha qualquer futuro com ela, não quisera desalentá-la, já
que se tratava de uma preciosa ajuda, além de ser uma mulher muito interessante. Mas quando Natalie entrou no salão com um espampanante vestido vermelho e o beijou
ternamente no rosto com o olhar aceso, soube que tinha que terminar com aquilo o quanto antes e evitar que ela sofresse um desengano. - Esta casa é magnífica,
André, a sério! Acho que ninguém da zona tem uma colecção de antiguidades como a tua. Basta olhar para aquele piano ou para os tapetes...
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- Ainda bem que gostas.
O que é que se passa, André? Pareces preocupado- . - bom, estou preocupado, mas graças a ti e a tua ajuda acho que a festa será um êxito. Sobressaltou-se ao ouvir
a campainha. - Por favor, fica à vontade, Natalie. Acho que tenho de iniciar o meu papel de anfitrião. Ao fim de meia hora, a casa encheu-se de amigos, vizinhos
e homens de negócios. André falou com todos, mas esteve sempre atento à porta. Cada vez que ia abri-la, esperava encontrar o encantador rosto de Francesca, mas quando
soaram as oito e um quarto, pensou que nem ela nem o seu chefe iriam comparecer. A sua decepção era tamanha que se sentia como se lhe tivessem esmurrado o estômago.
Talvez os convites se tivessem extraviado... - André? - Natalie aproximou-se e agarrou-o pelo braço. - Estás tão calado que tenho a certeza de que se passa alguma
coisa. Depois de todos saírem, fico a ajudar-te a limpar a casa. Antes de lhe explicar que tinha contratado um serviço de catering para fazer esse trabalho, a campainha
voltou a tocar. Virou-se mesmo a tempo de ver Herbin a abrir a porta a mais quatro pessoas. Quando viu Francesca, conteve o alento. Deixara o cabelo solto nessa
noite e usava um vestido de veludo verde pálido que lhe realçava discretamente os seios e as suas belas ancas. André foi até junto dela, mas Gerda chegou primeiro.
Cumprimentaram-se e depois a senhora abraçou-a com carinho. Naquele preciso instante, os olhos de Francesca encontraram-se com os de André. Ele estava
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suficientemente perto para ouvir o suspiro qUe saiu da sua boca.
-André... Já se separara de Gerda e ele pensou que ela ia desmaiar. Como sabia o que Fran estava a sentir, nada
poderia ser mais satisfatório. - Boa noite, Francesca. - Vieste à festa da Gerda? Esta soltou uma gargalhada. - Oh, não, minha filha. Esta é a nova casa do André.
Eu e a minha família é que somos seus hóspedes até conseguirmos comprar uma para nós. Tal como o André, decidimos vir viver para Salt Lake. Mas ele foi tão amável
que me deixou convidar-te para a sua festa de inauguração. Tenho que confessar que é como um filho para mim. Trato-o por mein Schatz, que significa "meu tesouro"
em alemão - olhou carinhosamente para André. - E agora, porque é que não apresentas este teu belo acompanhante que parece ser bastante paciente. Não me lembro de
o ter visto contigo em Los Angeles. Fran recordou naquele momento as palavras de André, no último dia que se encontraram, de que, provavelmente, nunca mais se voltariam
a ver. Por tudo isso, custou-lhe imenso sorrir amavelmente enquanto fazia as apresentações. Gerda pareceu simpatizar com Barney e estava ansiosa por falar com ele.
Levou-ó a ele e à esposa até ao salão, mas Fran foi incapaz de se mexer. Ficou ali, a tentar entender e assumir que durante aquelas últimas semanas André tinha
estado muito perto, enquanto ela se lamentava pensando que ele tinha partido para lugar incerto. Mas André tinha
comprado
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casa numa das zonas mais bonitas de Salt Lake onde agora habitava.
Apesar disso, não tinha tentado entrar em contacto com ela. Mas, afinal, porque é que haveria de o fazer? Fora ela quem lhe dissera
que nunca mais queria vê-lo. Até lhe dissera que existia outro homem na sua vida. Por isso, não tinha porque se sentir magoada. Mas a verdade era outra. De facto,
sentia-se totalmente destroçada... Quanto a Gerda Richter, Fran não conseguia conceber a razão pela qual ela e a sua família tinham ido viver para ali, pois desconhecia
que o seu filho tinha sido contratado como professor de alemão na universidade. Mas se não fosse pela velha senhora, Fran não estaria ali naquele momento. Talvez
não passasse tudo de um sonho. Embora fosse evidente que o homem de elegante fato azul cuja atracção era poderosa, não era apenas fruto da sua imaginação. O seu
cabelo tinha crescido e emanava dele uma certa sofisticação urbana. Era-lhe impossível deixar de o observar, mas teve que o fazer por decência. Por amor a Howard!
E esquecera-se completamente dele! Se o seu coração não parasse de palpitar daquela maneira, ia ter que começar a temer pela sua integridade física. Colocou uma
mão sobre o peito, mas foi inútil. - Howard? André Benet é o filho do falecido abade Ambrose, sobre quem fiz um artigo há uns meses atrás. Foi ele quem me deu a
entrevista no lugar do pai. Senhor Benet, este é o doutor Howard Barker. - Li o artigo com muito interesse e vejo que é parecido com o abade - murmurou Howard com
educação.
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- O seu pai foi um homem extraordinário. Lamento que tenha falecido. - Obrigado, doutor Barker. Desejava poder ter estado mais tempo com ele, mas foi
impossível. Os seus pais ainda são vivos? -Sim. - Então, é um homem de sorte. - O pai do Howard também é uma pessoa extraordinária - adiantou Fran, apesar de sentir
uma enorme vontade de sair dali para fora. - É o pastor da nossa paróquia. - Ah, sim? - replicou André, olhando para Howard com curiosidade. - Então, parece que
temos algumas coisas em comum. Somos ambos filhos de homens que consagraram a sua vida a Deus. E ao contrário deles, ambos tomámos outro rumo nas nossas vidas.
- Tem razão. De facto, até me sinto obrigado a desculpar-me pela minha profissão, pelo menos, uma vez por dia. O penetrante olhar de André dirigiu-se inesperadamente
a Fran. - Nisso, o bom doutor e eu somos diferentes. Quando alguém demora a assentar como eu o fiz, ninguém nos conhece o suficiente para tecer esse tipo de comentários.
Fran apercebeu-se que Howard se sentira incomodado com a resposta. - Em que é que trabalha? Fran nem queria acreditar que eram capazes de estar a conversar tão civilizadamente.
- com excepção dos anos que passei a estudar na universidade da Suíça, passei quase toda a vida no mar. Agora tenho vários tipos de negócios.
95 "Na
universidade?", pensou ela de imediato. "E que tipo de negócios teria?".
- André? - uma voz feminina fê-la regressar à realidade. Virou a cabeça e ficou a olhar para uma mulher
morena e atraente que usava um vestido vermelho. Esta agarrou no braço de André com tamanha confiança, que pouco havia para dizer. O coração de Fran não deixava
de palpitar com força. - Não me apresentas aos teus amigos? - Esta é a Natalie Cairms, a minha assessora fiscal. Sem a sua ajuda, nunca teria conseguido descobrir
esta casa. Natalie, apresento-te a Francesca Mallory, jornalista da revista Beehive Magazine, e o seu amigo, o doutor Howard, o novo ginecologista da cidade. -
A sério? - os seus olhos iluminaram-se ao ver Howard. - Precisa de casa? - Por acaso, até preciso. Fran pestanejou. Nem queria acreditar no que estava a acontecer!
- Tenho estado a viver com os meus pais, mas depois de abrir o consultório comecei a sentir-me impaciente por encontrar uma casa própria. Naturalmente, gostaria
de poder comprar uma como a do senhor Benet. É linda. Mas sou um médico recém-licenciado, pelo que não posso aspirar a tanto. Natalie esboçou um doce sorriso. -
Dentro de um ou dois anos, tenho a certeza de que vou ter que lhe arranjar uma casa igualmente bonita. Entretanto, dou-lhe o meu cartão para poder entrar em contacto
comigo ainda esta semana. Tenho a mala lá em cima. Se me dá licença, doutor Barker, volto já. Ela afastou-se, sussurrando algo ao ouvido de André.
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A familiaridade entre ambos era algo que Fran não conseguia suportar.
Necessitava de ficar a sós durante uns minutos para se recuperar. - Howard? Enquanto esperas pela Natalie,
vou buscar uma bebida ao salão. - Boa ideia, vou já ter contigo. Sem olhar para nenhum dos homens, Fran foi até ao salão. Era enorme e possuía um certo encanto medieval
devido ao tecto alto. Numa das paredes, havia uma tapeçaria. Conteve a respiração perante a beleza dos candelabros e da magnífica mesa com um centro de flores em
cima. A um canto, havia uma árvore de Natal com inúmeras luzes vermelhas e adornos de madeira pintados à mão. Por tudo isso, não era de estranhar que o ambiente
fosse o mais descontraído possível. André tinha preparado um fabuloso banquete. Contudo, Fran perdera o apetite. - Foi a Gerda quem preparou tudo. Prova o bolo de
maçã e canela. É uma velha receita de família e está espectacular - murmurou-lhe André ao ouvido. Ao escutar a sua voz, Fran quase deixou cair o prato que estava
a preparar para Howard. Ergueu o olhar. - O que é que se passa, André?! Da última vez que nos vimos, pensava que nunca mais nos voltaríamos a encontrar. Imaginei
que tinhas regressado ao mar. Mordeu o lábio, esforçando-se para se acalmar. - E agora, encontro-te aqui, nesta magnífica casa, e com a família da Gerda como teus
hóspedes. - Gostas das coisas que fui comprando ao longo dos anos? - perguntou ele, suavemente. - Pensei que
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seria óptimo desempacotar todos os meus tesouros
e orocurar um lugar permanente para os ter. Não achas que ficam bem aqui? Fran mal conseguia respirar correctamente.
- Não precisas que te responda. Por favor, diz-me
porque é que fizeste tudo isto. Ele observou-a. - Sabes perfeitamente bem porquê - a sua voz reflectia uma ligeira agressividade. - Tu és a única razão pela qual
me instalei em Salt Lake. - Mas... - Não te disse tudo o que pensava da última vez, porque, se bem te lembras, foste ao mosteiro com o propósito de nunca mais me
veres. Também me disseste que existia um homem importante na tua vida. Era o doutor Barker, não era? Como por arte de magia, ele mudara de assunto. O coração de
Fran quase lhe saía do peito. - Conheço o Howard desde pequena. - Fazem um belo par e ele tem a família e a profissão adequada. Além disso, pode-se ver nitidamente
que está louco por ti. "Basta, André!", gritou para si mesma. - Quando se passa grandes temporadas no mar com diferentes tipos de homens, aprende-se a conhecê-los.
Gosto do doutor Barker. Acho que encontraste a tua alma gêmea, Francesca. Se gostasse de apostar, afirmaria que esse homem te será fiel durante toda a vida. Fran
tremia tanto que teve que pousar o prato sobre a mesa. - Ele sabe quem eu sou? - Depois desta noite, decerto que sim. - Porquê?
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- Sabes bem porquê... Quando te
vi atrás da Gerda e me apercebi que a casa era tua, fiquei bastante espantada e com certeza que o Howard reparou nisso. - Mas disfarçaste muito bem. - Por favor,
vamos deixar de falar dele. - Claro. Do que é que gostarias de falar? - De nada. Tens imensos convidados que decerto querem falar contigo. - Mas eu prefiro falar
contigo. E para ser sincero, preferia fazer muitas mais coisas contigo. - Como é que podes dizer isso? - Posso ter muitos defeitos, mas não minto acerca dos meus
sentimentos. Desejo-te desde que te vi pela primeira vez no mosteiro - o corpo de Fran tremia cada vez mais violentamente. - E sei que também me desejas a mim.
- Parece que a Natalie também. - Precisava de uma assessora. Convidei-a como recompensa pelo seu óptimo trabalho. Depois desta noite, não voltarei a vê-la. Tu és
a única mulher que me interessa. - Durante quanto tempo?! - Posso perguntar-te o mesmo a ti. Achas que só as mulheres é que têm o direito de ter esse medo? Conheces
o número de maridos que chegam a casa e encontram as esposas na cama com outro?
Fran nunca tinha pensado seriamente nisso. . - Achas que sou capaz de fazer
semelhante coisa? Um sorriso trocista desenhou-se no rosto de André. - Não sei. - Admito que a dúvida possa sempre existir. - Mas um homem e uma mulher corajosos
não têm medo de correr esse risco. Os meus pais fizeram amor,
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abendo que seria a primeira e última vez. O coração do meu Pa estava destroçado por a amar, apesar
de saber que o seu destino era ser padre. A minha mãe também o sabia e por isso nunca lhe confessou que tinha engtavidado. Morreu quando eu nasci. - Oh, André...
Não sei como foste capaz de suportar a morte do teu pai daquela maneira. - Porque fizemos as pazes antes de ele falecer. Serias capaz de fazer o mesmo com o teu
pai, apesar daquilo que ele te fez? Ela negou com a cabeça. - Não quero voltar a vê-lo. - Eu senti o mesmo quando a tia Maudelle me confessou ao morrer que o meu
pai estava vivo. Para o fazer, tive que me arriscar a voltar a sofrer. - É evidente que és mais forte do que eu. - Não te iludas. Estava louco por te ver. Se me
tocasses, sentirias que estou a tremer de emoção. Desejo-te como nunca desejei ninguém. Fran corou violentamente. As suas emoções eram , tão intensas, que mal conseguia
falar. - André, eu... - Fran? Ela virou-se com uma certa sensação de culpa.
Ho- ward tinha-se aproximado. - Enquanto a Natalie e eu estávamos a conversar,telefonaram-me
e vou ter que ir ao hospital. O Barney depois leva-te a casa. - vou contigo - adiantou ela, temendo ficar a sós com André. Ele negou com a cabeça. - Não faço ideia
do tempo que vou demorar. Acho melhor ficares e desfrutares da festa. Apesar de ele nunca o demonstrar, a jovem sabia que Howard estava zangado. - Obrigado pela
sua hospitalidade e lamento ter que me retirar tão cedo - estendeu a mão a André. - Eu entendo, e obrigado a si por ter vindo. - Fran? - Howard mostrou um estranho
olhar. Amanhã, telefono-te. Ela podia ter-lhe pedido que lhe telefonasse ainda essa noite, mas, como André estava a ouvir, afastou a ideia da cabeça. - Está bem,
espero que corra tudo pelo melhor. O médico assentiu, olhando-os a ambos, e afastou-se. - Ser esposa de um médico tem os seus perigos, mas todas as relações que
valem a pena requerem sacrifícios - murmurou André. - com licen... - Aonde vais com tanta pressa? E antes de ela ter tempo para responder, ele agarrou-a pela cintura.
- Por favor, deixa-me - quase gritou ao sentir que aquelas mãos lhe provocavam uma tempestade de sensações. - As pessoas vão perceber. - Não se não fizeres uma cena.
E agora, diz-me, porque é que estás tão zangada? - Porque planeaste isto tudo! - Não podes acreditar que tenho alguma coisa a ver com o facto de o Howard ter sido
chamado ao hospital... - Sabes bem a que é que me refiro. - Se te referes a esta festa, então, tens razão. Fi-la para que a Gerda e a família dela se sentissem como
se estivessem em casa. São estrangeiros e devem ter vontade
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de se relacionar. Conheço muito bem esse sentimento. - Mas se eu soubesse que esta casa era tua,
não teria vindo - respondeu ela com os dentes cerrados. - Sabias que a Gerda era minha amiga. Podes afirmar sinceramente que não esperavas encontrar-me aqui? - Se
o fiz, foi inconscientemente - admitiu de má vontade. - De outro modo, jamais teria pedido ao Howard para me acompanhar. Ele é a última pessoa do mundo que eu quero
magoar. - Se não existisse nada entre nós, não o magoarias. Mas como esta noite isso ficou bem claro, a verdade não pode permanecer oculta. Eu levo-te a casa mais
logo. As pernas de Fran começaram a tremer. - Não, André. vou com o Barney. - Podes ir com ele, mas eu seguir-te-ei no meu gcarro. - Não podes abandonar os teus
convidados! - afirmou, surpreendida. - Espera e verás. - André, por favor... - Podes dizer-me o que quiseres quando estivermos a sós, mas agora sugiro que vás
ter com o teu chefe para o avisares de que te vou levar a casa. Ou queres que seja eu a dizer? Durante todo o tempo, manteve-a agarrada pela mão. O que provocava
em Fran certas coisas que não conseguia ignorar. com o coração prestes a explodir, saiu praticamente a correr da sala para se afastar dele o mais possível. Quando
chegou junto de Barney este estava a falar com um grupo de pessoas. O seu chefe viu-a e foi ter com ela. - Devias ter visto a tua cara ainda agora. Servia como
óptima portada da revista. Barney era muito intuitivo. - Onde é que está a tua mulher? - Foi à casa de banho. E já que estamos sozinhos, podes dizer-me porque é
que deixaste aquela bela mulher de vermelho encurralar o Howard ainda há pouco? - Eu não deixei nada! Quando o Howard soube que ela era assessora fiscal, quis falar
sobre negócios. - Assim que a minha mulher voltar, posso levar-te a casa. - Já se ofereceram para me levar, mas obrigada na mesma - retorquiu com uma voz débil.
Não necessitava de mentir. Barney sabia de tudo. - Os métodos do senhor Benet são pouco ortodoxos, para não dizer outra coisa, mas parecem-me efectivos. Conseguiu
aquilo que eu jamais esperava ver acontecer. - Não te entendo. - Porque é que não mo contas na segunda-feira, na redacção? Boa noite, Frannie. Ele beliscou-lhe a
face antes de a deixar sozinha para enfrentar aquela noite que temia e desejava ao mesmo tempo.

Capítulo 7

Fran encontrou-se de repente a contemplar uma fotografia que estava ao lado de
outra parecida com aquela que André lhe tinha dado do seu pai. Era o retrato de uma mulher jovem de cabelo e olhos escuros, idênticos aos
de André. A sua falecida mãe era linda. Tal como o seu filho. Ver aquela beleza ajudou-a a imaginar como fora duro para o pai de André ter que a abandonar. Mas fizera-o,
negando assim a mãe e filho a possibilidade de terem uma família. Como teria sofrido ela ao morrer sem poder cuidar do seu bebê! com uma tremenda curiosidade por
tudo o que se referia a André, Fran foi até ao outro lado da sala, onde havia um pequeno grupo de fotografias. Em seguida, reconheceu André com uns nove ou dez anos
de idade. Usava calções e camisa, e estava de mão dada com uma senhora que devia ser a sua tia. Pegou noutras duas fotografias, ambas da mesma época. Nem ele nem
a tia sorriam e Fran emocionou-se pensando no sofrimento que tinham enfrentado. Quase a chorar, pousou as molduras e saiu do salão, impaciente por encontrar um lugar
onde pudesse ficar sozinha. Chegou ao vestíbulo e viu uma porta aberta. Consumida pela necessidade de saber tudo acerca de André, espreitou. Para seu alívio, não
estava lá ninguém. Fechou a porta e aproximou-se de uma estante que chegava ao tecto. Entre outras coisas, André parecia ser um ávido leitor de livros de história.
Retirou um livro que falava de Roma. Ao contrário dos "novos ricos" que colocavam estantes de livros para serem vistos pelos outros, André passara muitos anos no
mar e era provável que tivesse lido todos aqueles exemplares. Viu ainda inúmeros textos escritos por André. E havia ainda uma invejável colecção de livros religiosos.
Sem se dar conta do tempo, começou a folhear os livros, completamente fascinada. Não ouviu nenhum ruído até que, de repente, sentiu umas mãos sobre os seus ombros.
-André... - afirmou suavemente. Um segundo depois, o livro já jazia sobre o chão. - Ainda bem que encontraste algo que te interesse sussurrou ele, enquanto a beijava
no pescoço. - Mas agora que estamos finalmente sós, lembrei-me de outra coisa que pode ser mais satisfatória para ambos. Como desejava ter-te nos meus braços! As
mãos dele deslizaram até às ancas dela para depois lhe tocarem o ventre. Fran abandonou-se nos seus braços e ergueu o rosto para se beijarem. Quando se uniram,
sentiu-se submergida numa explosão de desejo que a fez tremer. Sem se aperceber, abraçou-o, desesperada por estar o mais perto possível dele. - Desejo-te, Francesca
- murmurou André com a voz rouca, beijando-lhe os olhos, o nariz, as orelhas... Até que ficaram ambos sem alento.
105
- Durante todos estes meses, pensei que ia enlouquecer. Desejo-te
mais do que tudo. Nunca desejei tanto uma mulher. Fran não conseguia defender-se, já que ela sentia -o
mesmo. E algo lhe dizia que ele não
estava a mentir. - Eu também te desejo, André... Mas... O gemido de André ignorou o seu protesto. - Meu amor, fica comigo esta noite - sussurrou, acariciando-lhe
os braços. - Já se foram todos embora e os meus hóspedes já se foram deitar. Ela quase cedeu. - Mesmo que quisesse ficar contigo, não posso. - Porquê? Sei que és
inexperiente. Jamais faria algo que não quisesses. Não sabes que jamais te magoaria? Fran sabia-o. - Não entendes. Não é essa a razão, André. - Então, tens medo
que eu volte a partir quando acordares pela manhã. - Não! - ela afastou o olhar, tentando esconder a verdade. - Mentes, Francesca, mas já tomei uma decisão, Vamos
até Nevada e casaremos lá. Fran ergueu o rosto e olhou-o, confusa. -Casaremos... Ele beijou-a com uma paixão que se moldou na perfeição à necessidade do corpo
feminino. - Devia ter-me declarado antes, mas como desconfias dos homens, pensei que a única forma de fazer amor contigo seria pedir-te em casamento sem promessas
nem expectativas. Ela estremeceu, pois entendia demasiado bem o que ele queria dizer. - Não sabes que o que eu menos quero é uma aventura?
106
Porque é que haveria de comprar esta casa se não viesse para aqui viver com a
minha companheira? Nunca pedi nenhuma mulher em casamento, mas estou a pedir-te a ti - a emoção existente
na sua voz atingiu-lhe o recanto mais profundo do seu coração. Abraçou-o, ainda sem compreender. Estaria ele realmente a pedi-la em casamento? André enterrou a boca
no cabelo dela. - Sugiro que o casamento seja em Nevada por várias razões. Em primeiro lugar, desejo fazer amor contigo esta noite, querida, pois é impossível continuar
a beijar-te sem que isso aconteça. O casamento dar-nos-á a liberdade de nos amarmos com a paixão que sentimos desde que nos conhecemos. Em segundo lugar, sei que
sentes afecto pelo doutor Barker e seria doloroso pedir ao pai dele que nos casasse diante de todos. Era verdade que não tinham passado muito tempo juntos, mas
devido às circunstâncias durante as quais se conheceram, ela sabia o essencial sobre a sua vida e educação. E tinha que admitir que seria impossível passar mais
tempo sem poderem expressar o seu amor fisicamente. André emanava algo especial que a excitava, mesmo quando só pensava nele. E se estivessem juntos, tinha apenas
que lhe acariciar a mão ou tocá-la para que Fran se abandonasse nos seus braços. Como é que uma pessoa conseguia resistir a tão poderosas armas? Fran estava completamente
apaixonada. Desejava-o há meses, sonhava fazer amor com ele sem a mínima sensação de culpa.
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Casar serviria para satisfazer as necessidades de ambos e, ao mesmo
tempo, legitimar aquilo que sentiam um pelo outro. André tinha razão em várias coisas. Se fossem a Nevada, não colocariam a família Barker numa posição delicada,
sem falar na mãe de Fran, que secretamente desejava que a filha se casasse com Howard. E se ela lhe dissesse que não podia casar naquele momento, ele partiria dali
para sempre. Sabia que era tudo ou nada. Ela já tinha passado pela experiência devastadora de se despedir e achava que não suportaria passar novamente por isso sem
consequências traumáticas. Era inútil enganar-se a si mesma. Desde que recebera o convite de Gerda que rezara para que André estivesse na festa. Essa noite brindava-lhe
novamente a oportunidade de escolher e considerar o que seria não voltar a vê-lo, não voltar a ser beijada pelos seus lábios. Como não conseguia imaginar a sua vida
sem André e como se negava a ter uma simples aventura, o casamento parecia ser a única saída. Claro que desconhecia o tempo que aquele casamento podia durar. Não
acreditava que durasse muito. Não por ela, mas por ele. Assim, teria apenas que esperar que André se cansasse dela e quisesse abandoná-la. Seria esse o preço que
pagaria por o amar. - Quando ouvi os teus passos pela primeira vez, o meu coração começou a palpitar, fazendo vibrar todo o meu corpo. Então, soube que me estava
a acontecer algo muito importante. De início, tentei lutar contra esses sentimentos. Invadiam-me, assustavam-me. - Entendo-te, porque foi exactamente isso que senti

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quando fui ao mosteiro naquela manhã - confessou Fran. - Envergonhava-me de pensar no muito que te desejava ver. Além disso, não queria acreditar que me tinha
apaixonado por um homem que tinha feito votos de castidade - arrepiou-se ao recordar. - Mas não conseguia controlar os meus sentimentos. - Graças a Deus - murmurou
André, apertando a perna dela com suavidade. Depois, acariciou-lhe o cabelo. - Parece que estás com sono. Porque é que não tentas descansar um pouco? Aquele comentário
relembrou-a que a noite de núpcias estava prestes a começar. Acalorada, tentou seguir a sua sugestão. Sentia tamanha palpitação no coração que nem acreditava ser
possível adormecer, mas a dado momento o seu corpo sucumbiu a todas as emoções que o invadiam. E só acordou quando a sedutora voz de André a chamou. - Chegámos,
Francesca - declarou ele, beijando-a tão apaixonadamente que, ao afastar os seus lábios dos dela, Fran demorou algum tempo a recuperar-se. - Não acredito que estamos
aqui. Não devias ter-me deixado dormir tanto. - Não te preocupes, necessitavas de descansar. Pega na tua mala. As mãos dela tremiam um pouco, enquanto arranjava
o cabelo e retocava a cor dos lábios. Quando acreditou estar apresentável, saiu do carro com as pernas a tremer e ficou satisfeita por ele querer ajudá-la. Ao entrar
na pequena capela branca, cruzaram-se
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com um par de recém-casados. Não pareciam ter mais de dezoito anos. - bom dia - cumprimentou uma mulher junto à entrada.
- Sou a senhora Appleby e este é o meu marido, o juiz Appleby. Será ele quem vai oficializar a cerimônia. O senhor e a senhora Granville serão as testemunhas. Basta
que preencham o formulário para a certidão de casamento e podemos começar. Trouxeram as alianças? - Sim - respondeu André, olhando para uma Fran bastante surpreendida.
- Compraste as alianças? André mostrou, sorridente, um simples anel de ouro que retirou do bolso do seu casaco. - Foi a única coisa que o meu pai me deixou antes
de morrer. Comprou-o com a intenção de pedir a minha mãe em casamento, mas ela, sabendo da sua vocação, incentivou-o a partir e o meu pai ficou com ele. Fran tapou
a boca com as costas da mão. O anel era lindo e representava o amor dos pais de André. - Vai-lhes custar cem dólares. André voltou a enfiar o anel no bolso para
tirar a carteira. Fran viu como deixava uma nota de quinhentos dólares sobre a mesa. - Fique com o troco, senhora Appleby. Considere-o como um presente por ter aceite
casar-nos tão depressa. - É muito generoso, senhor Benet. Vamos utilizá-lo para ajudar as pessoas que não tem dinheiro suficiente para pagar a certidão. E agora,
se a sua noiva assinar aqui, o juiz poderá dar início à cerimônia. Fran aproximou-se e, dando um suspiro, agarrou na
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caneta. Se nessa tarde, quando se estava
a arranjar para a festa, lhe tivessem dito que se ia casar com André nessa noite, não teria acreditado. "Meu Deus, o que é que eu estou a fazer?", interrogou-se.
A senhora Appleby entregou ao marido os papéis assinados. - Francesca Mallory e André Benet, não é? - perguntou ele, ajustando os óculos. - Ia dizer-lhes para darem
a mão, mas vejo que já se adiantaram. Por favor, aproximem-se do púlpito. Vejo aqui que é a primeira vez que ambos se casam. - Sim - murmurou André, enquanto Fran
apenas assentia. - São ambos adultos e sabem o que estão a fazer, mas o casamento é como entrarmos em águas inexploradas. Um marinheiro saberia do que é que estou
a falar. A expressão de André provocou em Fran mais inquietude do que segurança. Águas inexploradas... O que é que sabia verdadeiramente sobre André? A verdade é
que ainda lhes faltava muito para saberem mais um sobre o outro antes de se comprometerem em algo tão importante como o casamento. - Isso significa que têm que
estar preparados para tudo - continuou o juiz, ignorando os sentimentos contraditórios que buliam no interior de Fran. - E existe apenas uma forma para isso. O
homem tirou os óculos. Depois, inclinando-se sobre o púlpito e olhando fixamente para ambos, continuou: - Tudo o que têm que fazer é dar mais importância à felicidade
do cônjuge do que à vossa. É só! - repetiu,
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estendendo as mãos. - É esse o truque! Deixar o egoísmo de lado é o que transforma o casamento em algo duradouro.
Quando chegarem os filhos, trazem mais felicidade, mas também mais trabalho. Depois de saírem desta capela, prometem antepor a felicidade do esposo ou esposa à
vossa, sempre. Não só conseguirão desta vida tudo aquilo que querem, como serão felizes. Fran pensou que o seu amor por André era mais forte do que ela jamais acreditara
ser possível, mas as palavras do juiz alertaram a sua consciência. Não podia prometer sinceramente perante Deus que colocaria sempre a felicidade de André acima
da sua. Não, quando não sabia o que é que o faria feliz. André tinha comprado uma casa para que ambos lá vivessem. Era evidente que tinha dinheiro e negócios que
os ajudariam, mas Fran ainda não se sentia preparada para viver com ele, pois continuava a pensar que André se cansaria de uma vida convencional depois de ter estado
tantos anos no mar. Enquanto a paixão durasse, a ideia de formar uma família era bastante atraente, mas depois, provavelmente, ele sentir-se-ia preso. E então chegariam
as discussões, as acusações, pois ela sentiria a sua inquietação e começaria a comportar-se de forma possessiva. Quando André partisse, Fran não seria capaz de
enfrentar as pessoas sabendo que fora incapaz de manter o amor do seu marido vivo. E preferia morrer a ter que repetir a história da sua mãe. Portanto, seria melhor
manter o casamento em segredo por um tempo e levar vidas separadas. Quanto aos filhos, nunca tinham falado disso antes.
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E Fran sabia que ter filhos cujo pai
poderia vir a abandoná-los, seria uma experiência terrível. No entanto, pelo que André lhe contara no carro, parecia desejar ser pai. Uma vez mais, recordou a magnífica
casa que comprara. Era enorme. Demasiado grande para duas pessoas apenas. Talvez pelo facto daquela cerimônia não ser religiosa nem convencional, Fran não imaginara
que as palavras do juiz a afectassem tanto. Mas, para sua surpresa, cada coisa que o homem dizia impregnava-lhe a alma, inquietando-a. - E agora, Francesca Mallory,
repita: aceito este homem, André Benet, como legítimo esposo. Ela tentou tossir, mas tinha a garganta seca. - Eu... - começou, mas não conseguiu prosseguir. Tentou
de novo. O braço de André envolveu-lhe a cintura. - O que é que se passa, meu amor? Estás muito pálida. Sentes-te doente? - Sim - disse, agarrando-se a ele. - Não
consigo continuar, André. Aconteceu tudo demasiado depressa. Perdoa-me - depois, olhou para o juiz. - Peço desculpa. - Muito bem, menina Mallory - o sorriso do juiz
era terno. - É melhor esperar até aceitar os votos do casamento sem vacilações. É uma mulher corajosa. Admiro-a pela sua coragem. Tenho a certeza de que o seu noivo,
o senhor Benet, não quer que a menina faça algo para o qual não se sente preparada. Aconselho-vos a irem para casa e resolverem isto juntos. Se o seu destino é
casar, o tempo mostrar-vos-á o caminho.
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Os olhos de Fran encheram-se de lágrimas, enquanto o juiz a abraçava. Quando a soltou, André agradeceu-lhe a ele e à
esposa. Depois, acompanhou-a até fora da capela. - André... - gemeu com dor, depois de entrar no carro. - Está tudo bem, Francesca. - Não! Estou assustada, André.
Preciso de mais algum tempo para pensar. - Eu entendo. - Depois de te ter dito que casaria contigo, não sei como é que podes entender o que quer que seja. Tens todo
o direito de me desprezares. - Não seria sincero se não admitisse que estou aborrecido, mas não te desprezo. Sabes bem o que sinto por ti. - Vais-me levar a Salt
Lake? - É isso que queres que eu faça? Fran lutou por controlar as suas emoções, mas não conseguiu. - Quero fazer o que tu quiseres - afirmou antes dei tapar
a cara com as mãos e desatar a chorar. - Então, é exactamente isso que vou fazer. A viagem até ao apartamento dela foi
bastante tensa. As últimas palavras de
André tinham-na aterrorizado por completo. - Não precisas de esperar até eu entrar - sugeriu acP sair do carro. Ele ignorou-a e saiu para a ajudar. Quando chegaram
ao apartamento, Fran estava à beira de um ataque de nervos. André já não a desejava. E quem é que podia culpá-lo?!
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Fran abriu a mala e encontrou a chave. Uns segundos depois,
a porta estava aberta. -André... - Não digas nada que possas vir a lamentar. A seguir, beijou-a na boca antes de desaparecer.

Capítulo 8

A campainha voltou a tocar. - Fran? Estás em casa, querida? Fran ouviu a voz da sua mãe. Desorientada, levantou a cabeça da almofada e olhou para o relógio que tinha
na mesa-de-cabeceira. Era meio-dia? André deixara-a em casa às quatro da manhã e ela, depois de chorar bastante, adormecera. - Espera um minuto, vou já. Levantou-se
e vestiu o robe. Depois, atravessou o apartamento e dirigiu-se até à porta. -Mamã? - Fran, filha... - a mãe abraçou-a. - Graças a Deus que atendeste. Anda toda a
gente à tua procura. Por isso, vim para ver se estavas doente. - Estou bem - murmurou com alguma culpa. A mãe olhou-a com carinho. - Não me parece. O que é que se
passa, querida? Onde é que estiveste? O Howard anda a tentar falar contigo desde ontem à noite. A paciente dele não estava em trabalho de parto e mandaram-na para
casa, por isso foi à tua procura à festa. Fran gemeu. - Mas já tinha terminado quando lá chegou e a empregada do senhor Benet não sabia de nada. Por isso, telefonou
ao Barney, pensando que estarias em casa
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dele, e o Barney disse que foi o senhor Benet quem te trouxera a casa. O Howard ficou bastante alarmado quando te telefonou
esta manhã, às dez horas, e não atendeste. "Desculpa, Howard. Desculpa!", pensou. - Eu também te telefonei várias vezes, até que decidi vir ver o que se passava.
Quando vi que tinhas o carro na garagem, comecei a ficar preocupada. - Desculpa. Anda, mamã, senta-te. Fran fechou a porta, mas a sua mãe permaneceu junto à entrada.
- Sei que tens vinte e oito anos e já sabes cuidar de ti mesma, mas quando telefonei para casa do senhor Benet e me disseram que ele ainda não tinha chegado, assustei-me
e pensei que podiam ter tido um acidente de carro. "Oh, não!", exclamou para si mesma. André tinha-se ido embora... mas a vida continuava. - Filha? Senta-te no sofá,
estás pálida. vou buscar-te um copo com água. Bebeu o líquido de uma só vez. Depois, quando se sentou no sofá, olhou para a mãe que a observava com curiosidade.
- Mamã... Ontem à noite, depois da festa, o André pediu-me em casamento e eu aceitei. E fomos para Elko. - Filha! - exclamou, abraçando a filha. - Deixa-me terminar,
mamã. Estávamos a meio da cerimônia quando eu disse que não conseguia continuar. Tenho que confessar que foi a pior experiência da minha vida. O André trouxe-me
a casa. Estava tão horrorizada com o que tinha feito, que vim o caminho
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todo a chorar. De certeza que nunca mais voltarei a vê-lo. Fran fez uma pausa. - Depois
de me ter deitado, passei o tempo a chorar. Quando, finalmente, adormeci, não ouvi mais nada. Desculpa por teres vindo até aqui e encontrares-me assim. A expressão
de felicidade desapareceu do rosto da sua mãe, envelhecendo-a. - Porque é que estás assim, mamã? Pensava que querias que eu casasse com o Howard. - Enganas-te, querida.
Para ser sincera, nunca pensei que te casasses. Por isso, quando me disseste que tinhas ido para Elko, fiquei feliz. Pensei que a minha filha tinha finalmente encontrado
um homem que conseguira eliminar todas essas barreiras que construíste à tua volta. Mas é evidente que me enganei. Tens tanto medo da traição que não consegues
confiar no instinto que Deus te deu. As faces de Fran encheram-se de lágrimas. - Tu confiaste no teu instinto e olha o que aconteceu. ; A sua mãe assumiu uma expressão
de desespero. - Filha, não podes reger a tua vida em função daquilo que se passou comigo! - Mas tu sofreste muito quando descobriste que o papá te era infiel. -
Magoou-me, mas não me arruinou a vida. Se encontrasse um homem em quem confiasse, voltaria a correr esse risco. Fran nem queria acreditar naquilo que estava a ouvir.
- Voltavas realmente a casar?
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- Claro. De facto, desejei que isso tivesse acontecido quando ainda eras pequena para que crescesses dentro de uma família feliz.
Foi a filha abandonada que ontem te impediu de casar e não a mulher adulta. Mas deves gostar muito do André. Se não, não terias fugido com ele. Tenho a certeza
de que o amas. - Mais do que a própria vida... E por isso é que não consigo casar com ele, mamã, não suportaria se ele alguma vez me abandonasse. A mãe de Fran levantou-se
e olhou com pena para a filha. - Desejaria poder ajudar-te, Fran. Gosto muito de ti... - Eu também te adoro. - Dadas as circunstancias, direi ao Don e à Mavo que
estás doente e que não vais almoçar. - Obrigada. A senhora Mallory abraçou-a. - Antes de mais nada, tens que telefonar ao Barney e ao Howard para lhes dizer que
não aconteceu nada. - Sim - prometeu, acompanhando a mãe até à porta. Abraçaram-se uma vez mais e despediram-se. Fran ficou sentada no sofá, sem forças para nada.
De repente, o telefone tocou e o seu coração começou a palpitar com força. Seria André? Correu para atender, mas era a voz de Howard. - Fran? - Sim, Howard. Ainda
bem que telefonaste, ia ligar-te agora mesmo. A minha mãe veio cá e acordou-me. Disse-me que ontem à noite regressaste à festa, mas quando lá chegaste o André já
me tinha trazido a casa. Desculpa.
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O prolongado silêncio aumentou a dor de Fran. - A tua relação com o Benet é mais do que evidente - aquela afirmação foi algo
inesperada. - Apercebi-me de que não tenho hipótese alguma e por isso é que tentei telefonar-te, para te desejar o melhor. E estou a ser sincero. Mas posso pedir-te
um favor? - Claro - respondeu ela com os olhos cheios de lágrimas. - Não deixes de ir à paróquia por minha causa. Estou bem e espero um dia encontrar uma mulher
que me ame tanto como tu amas o Benet. - Decerto que a encontrarás, porque és um homem maravilhoso - conseguiu dizer. - Adeus, Fran. Antes de perder as forças, pensou
que tinha que falar com Barney. Para seu alívio, foi o atendedor automático quem atendeu. No estado que estava, seria bastante difícil conversar com ele. Deixou
uma breve mensagem e foi deitar-se. Não sabia se voltaria a querer levantar-se de novo. O telefone tocou precisamente quando André estava a entrar pela porta de
trás de casa. Correu para atender. - Francesca? - Não, sou eu, a Natalie. E foi como se lhe tivessem deitado um balde de água fria pela cabeça a baixo. - O que é
que posso fazer por ti, Natalie? - respondeu, pensando na sua estupidez. - Desculpa se te incomodo, mas disseste-me para
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telefonar quando encontrasse uma casa
para a Gerda e acho que já tenho uma. Ele respirou fundo. - Acabei de chegar e a Gerda não está em casa. Suponho que deve ter ido à igreja. Por isso, acho que não
regressa antes das quatro. - Que pena! Porque com a lista de pessoas que tenho, o mais provável é que seja vendida ainda hoje. Fica mesmo ao lado da universidade
e tem uma vista estupenda. Natalie fez uma pausa. - E, surpreendentemente, o preço é precisamente aquele que a Gerda pode pagar. O dono tem que se mudar antes do
Natal devido a problemas econômicos. Queres ir vê-la comigo? Depois de ter passado quase todo o dia no mosteiro, regressara a casa pensando que tinha que elaborar
um plano para reconquistar Francesca. Não estava disposto a perdê-la. Mas Gerda era sua amiga e estava ansiosa por arranjar casa... - Qual é a morada? - É o número
823 da Eleventh Avenue. - Estarei lá dentro de dez minutos. Obrigado, Natalie. Depois de escrever um recado a Gerda, explicando-lhe a situação, mudou de roupa e
saiu. Pensou que não se demoraria mais do que quarenta e cinco minutos. Mas enganou-se. A casa estava cheia de gente e levaram muito tempo até conseguirem vê-la.
Mas, no fim, apercebeu-se de que se tratava da casa ideal para Gerda. Pelo que, assustado com a possibilidade de que
alguém
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se antecipasse, André assinou um cheque e Natalie tratou do acordo para a
comprar. Eram quatro e dez quando saíram de casa. - A Gerda já deve estar em casa. Por isso, podias acompanhar-me para depois
lhes vir mostrar o imóvel. - Boa ideia! Além disso, eles têm que assinar uns papéis. - Então, vamos. Estava desejoso de regressar para ver se Francesca tinha mudado
de opinião, pelo que conduziu mais depressa do que era habitual. Para alívio seu, o carro de Harbin estava estacionado em frente à casa. Mal saiu do carro, a porta
abriu-se. - André! - gritou Gerda. - Que bom que estás bem! - E porque é que não haveria de estar? Deixei-te um recado. - Sim, mas antes de o lermos estávamos muito
preocupados. Até a mãe da Francesca telefonou para cá. Ninguém sabia onde estavam, pelo que chegámos a pensar que tinham sofrido um acidente. - Falaremos mais tarde,
Gerda. Agora tenho que ir falar com a Francesca e a Natalie vai mostrar-vos uma casa. Acho que é perfeita. E como receávamos que fosse comprada por outras pessoas
ainda hoje, antecipei-me. Gerda ficou assombrada. - Pagaste a casa com o teu próprio dinheiro?! - Não terias feito o mesmo por mim? - bom, talvez... - Vais adorar,
Gerda. Acho que vão ser muito felizes naquela casa e, além disso, fica a poucos minutos da minha. - Obrigada, André! Ainda hoje, na igreja, rezei para que arranjássemos
uma casa. És um amigo precioso!
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- bom, Gerda, agora tenho que ir. E dirigiu-se até à casa de Francesca. Eram quase seis horas quando Fran ouviu a campainha da
porta. Não estranhava se fosse o seu tio Donald que, apesar de ser dentista, também se preocupava em tratar da saúde geral da família. Apesar de ter tomado um duche
e mudado de roupa, o seu rosto continuava a mostrar marcas das suas longas horas de choro. Foi abrir a porta com uma toalha enrolada na cabeça. - Quem é? - O André.
Sentiu um aperto no peito. Ele ainda não se tinha ido embora. Teria ido ali para se despedir? Gemeu. Não queria que ele a visse naquele estado, mas sabia que tinham
que conversar. Antes de mais, queria pedir-lhe perdão. - Espera um momento, André. - Não demores muito, senão a comida arrefece. "Comida?", interrogou-se e sem pensar
em mais nada, abriu a porta. Ele trazia na mão um saco enorme. Os seus olhares encontraram-se depois dela admirar a sua beleza. De facto, nunca o tinha visto tão
atraente. Ficou sem alento, pensando que já podiam estar casados a desfrutar a lua-de-mel. - Entra... Podes deixar a comida sobre a mesa. Já volto. - Não há pressa.
Não tenho que ir a lado nenhum. Se isso fosse verdade...
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Se ele pudesse ficar a seu lado para sempre. Certamente que o seu pai dissera o mesmo à sua mãe no início
do casamento. Todos os homens o fazem quando se casam, mas nem sempre cumprem o que prometem. Sentia as mãos a tremer, enquanto penteava o cabelo. Apanhou-o num
carrapito. Depois, espalhou um pouco de base pelo rosto. Quando terminou e regressou à sala, viu que André já tinha ligado a televisão e que estava a ver um jogo
de rugby. A comida que tinha levado era chinesa. Tinha um aspecto incrível. Pela manhã, pensara que nunca mais voltaria a ter fome, mas já recuperara o apetite.
"Pára de mentir a ti mesma, Fran. Foi a visita inesperada do André que te devolveu a vida. Por isso, desfruta este momento porque não terás muitos mais no futuro",
dissê-lhe uma voz interior. Ele observou-a de cima a baixo e isso provocou-a de forma erótica. André possuía a faculdade de a fazer sentir-se bonita, mesmo quando
não se achava nada bem. - Gosto desse penteado. Tens um lindo pescoço, Francesca. Ela sentiu o seu corpo incendiar-se. - Obrigada, é uma herança da minha mãe. -
Estou desejoso de a conhecer - disse, levantando-se. - Senta-te aqui. vou servir-te. Como ainda não conheço as tuas preferências, trouxe um pouco de tudo - adiantou,
estendendo-lhe a comida e uma lata de coca-cola. - Obrigada. Fran apercebeu-se de que ele continuava a falar
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como se fossem um futuro casal. Mas ela sabia que
era impossível depois do que tinha feito. -André... relativamente ao que aconteceu... - A culpa foi minha. Não devia ter-te pedido algo para o qual ainda não te
sentias preparada. - Pensei que estava preparada e lamento se te magoei. - Francesca, não quero as tuas desculpas. A culpa foi a minha impaciência. Ontem à noite,
pensei que a química que existe entre nós seria suficiente para nos casarmos o quanto antes, mas agora sei que necessitamos de mais tempo para nos conhecermos melhor.
Ela abanou a cabeça, enquanto se levantava. - Não entendes, André. Isso não faz diferença alguma. "Se passar mais tempo contigo, somente me apaixonarei ainda mais
por ti. E não posso permitir que isso aconteça", pensou. Enquanto falavam, ele terminou de comer. - É o teu medo que fala por ti, descontrai-te e goza o momento,
sem te preocupares com o futuro - afirmou André com a voz algo apagada. - André? Estás bem? Ele tinha fechado os olhos. - Nem por isso. Importas-te que me deite
um pouco no sofá antes de me ir embora? E adormeceu. Coisa que não a surpreendia. Tinha passado a noite a conduzir e isso, após a experiência traumatizante vivida
por ambos, explicava facilmente o seu cansaço. - André - sussurrou, tapando-o com um cobertor. Deita-te - e ele acomodou-se no sofá. Fran ficou a observá-lo. Ajoelhou-se
no chão e viu
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o quanto parecia vulnerável quando estava a dormir. As suas longas pestanas curvavam-se. Desejou tocá-lo, mas corria o risco de o acordar. Tudo
naquele homem era perfeito. Fran adorava o seu cabelo escuro e a tez bronzeada; adorava o seu nariz e a forma da boca. Se fosse sua esposa, podia deitar-se com ele.
E o mais certo seria começar a beijá-lo até André acordar com a paixão no corpo. Fran apercebeu-se de que se não fosse por Paul lhe pedir para o substituir, nunca
o teria conhecido. Fora o destino que os juntara. Mas se casasse com aquele homem e depois ele a abandonasse, sabia que jamais se recuperaria. Emocionada, decidiu
fazer algo para se acalmar e foi arrumar a cozinha. Depois, lavou os dentes e deitou-se. Não fazia ideia de quando é que André ia acordar. Quando se levantou às
sete horas e saiu do quarto após uma bela noite de sono, viu que ele já se tinha ido embora. Devia ter acordado a meio da noite. Odiava a sensação que tinha sempre
que se separava dele. Decidiu ignorá-la e ir à cozinha preparar um sumo de laranja e uma torrada. Felizmente, era segunda-feira e estaria ocupada durante todo o
dia. Pelo que nem teria tempo para pensar nele. Três quartos de hora mais tarde, chegou ao escritório, e surpreendeu-se ao ver o ramo de rosas que adornava a sua
secretária. - Trinta - comentou Paul. - Contei-as. São lindas e cheiram muito bem. Mas não fiques aí parada! Têm um cartão. - Viste quem é que as trouxe?
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- Um estafeta. - Mas ainda é cedo, não é? - Parece que não - assegurou Paul com um sorriso. - Ora, Frannie, já não aguento tanto mistério. Ou será que queres que
seja
eu a ler o cartão? - Acho que já sei quem é que as enviou. - Todos nós apostámos que foi o tal monge. - Ele não é monge. - Era apenas uma piada. Mas deves ter feito
alguma coisa a esse tipo para ele te ter enviado esse ramo. "bom, quase me casei com ele!", pensou. Viu o seu nome completo escrito no envelope. Ninguém a tratava
por Francesca excepto André. De repente, apercebeu-se de algo mais. Ao tirar o cartão do envelope, viu cair sobre a secretária um anel de ouro. Paul assobiou. -
Senhoras e senhores, vejam isto! Ela pegou no anel e depois leu o cartão. Minha querida, Desculpa-me por ter adormecido ontem à noite. Será que me enganei ou não
terá estado um anjo a cuidar de mim enquanto eu dormia? Peço-te que uses este anel ao pescoço até te sentires preparada para o usares no dedo. Talvez se o meu pai
tivesse pedido o mesmo à minha mãe não se tivessem separado. Amo-te, Francesca. André. Paul aproximou-lhe uma caixa com lenços de
papel.
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- Podes usar os que ainda há, mas diz-me uma coisa...
posso anunciar a toda a gente que estás noiva? - Nem penses, Paul! Não entendes. Por favor, não fales a ninguém sobre este
anel! - Está bem. - Obrigada. - Mas tenho a certeza de que estás apaixonada por esse homem. - Não o nego... - Frannie... nem todos os homens são libertinos. Ficarias
surpreendida se descobrisses que muitos são fiéis às suas esposas. - Eu sei, e tu és um deles. - Tenho a impressão de que esse marinheiro ouviu o cantar das sereias
e veio a navegar até ti. Será essa a sua perdição, Frannie? -Oh, Paul! Abanou a cabeça com desespero sem conseguir conter as lágrimas. - O Barney vem aí. Ela
pegou num lenço e secou os olhos. - Mas o que é que se passa aqui? A jovem virou-se lentamente para enfrentar o seu chefe. - Foi um amigo que me enviou um ramo de
rosas. - Alguém que eu conheça? - O André. - Já imaginava. É uma pena que não possas ficar a vê-las. Tens que ir a Washington ainda hoje. Mas podes cá deixar o ramo
para nós o contemplarmos. - Porque é que tenho que ir a Washington? - Lembras-te do número que queremos lançar na
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Primavera acerca das pessoas de Utah que vivem
fora do Estado? - Sim, claro - mentiu. Esquecera-se de tudo desde que André desaparecera da sua vida. - Deram-nos autorização para entrevistarmos os nossos congressistas
e querem que vás esta semana, pois para a próxima começam as festas natalícias. Uma semana fora... Continuaria André em Salt Lake quando ela regressasse? - Não se
trata de nenhum artigo sobre política. Queremos apenas contar aos nossos leitores como é a vida dos nossos congressistas na capital. A maioria das pessoas não sabe
sequer como é que são os gabinetes deles. Se entrevistares as suas secretárias e assistentes, obterás a informação de que necessitas. Barney fez uma pausa. - Agora,
podes ir para casa e começar a fazer as malas. Passa pelo gabinete da Emily antes de ires. Ela tem o teu bilhete de avião e a reserva do hotel. O teu voo sai às
onze. "Já?", reflectiu. - Ouve... - Barney olhou-a, sorrindo. - Aquilo de deixares as flores aqui era uma brincadeira. - Eu ajudo-a a levá-las - ofereceu-se Paul.
- Vamos, Frannie. Tens que te despachar. Ela enfiou o anel na mala como uma sonãombula e depois seguiu Paul até ao gabinete de Emily. Pela primeira vez na vida,
não queria fazer aquela reportagem. Não queria sair de Salt Lake, mas trabalho era trabalho. Assim que chegou a casa, colocou as rosas em água. Era um ramo tão impressionante
que lhe custava afastar o olhar.
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Depois, telefonou à mãe para lhe dizer que ia viajar. Desligou e começou a pensar no que ia fazer a respeito de André. Não podia
partir sem lhe agradecer as rosas. E como não pensava ficar com o anel, decidiu que seria melhor passar por sua casa e entregar-lho. Vinte minutos depois, André
abriu a porta de casa. Estava magnífico! - bom dia - murmurou ele. - Não pensava ver-te tão cedo, mas fico feliz por teres cá vindo. Entra. - Não posso, André. vou
mesmo agora para o aeroporto. O rosto dele fechou-se. - vou a Washington e vim agradecer-te o lindo ramo de ro... - Porque é que não te levo ao aeroporto e falamos
um pouco? Deixamos o teu carro na minha garagem. - Agradeço, mas não quero incomodar-te. - Se bem te lembras, após a nossa boda falhada, disseste-me que querias
que eu fizesse o que bem me apetecesse, não foi? - Foi... - Além disso, gosto de fazer favores. Dão sentido à vida. Entra, enquanto vou buscar as chaves. Fran entrou
em casa e sentiu-se novamente enfeitiçada com o seu encanto. André passou-lhe o braço pelos ombros e atraiu-a até si. - Vamos até ao salão... Quando entraram,
as suas pernas tocaram-se. - Oh... - exclamou Fran ao ver Natalie. - Olá. - bom dia - disse a outra, alegremente. - Olha, André... é evidente que estás ocupado,
con isso... - Não - replicou ele num suave tom. - A Natalie
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veio falar com a Gerda. Querida, ainda não te contei que os Ritcher compraram uma casa e que se
vão mudar antes do Natal? - Não, não sabia - respondeu a jovem, pensando que isso significava que André ia ficar sozinho. - Que bom. - Acho que a Gerda vem aí -
afirmou Natalie. - Foi um prazer estar convosco.

Capítulo 9

André esperou para ouvir a porta fechar-se. - Tenho que fazer isto - murmurou então, para depois a abraçar
e beijar. - Não, André! - protestou ela, lutando por se libertar. - Não temos tempo. Além disso, não consigo pensar quando me abraças e preciso de falar contigo
sobre uma coisa. Ele continuou a beijá-la no pescoço. - Não quero que penses. Quando pensas, começam os problemas - sussurrou, com voz sedutora. - Por favor, André,
é importante. É sobre o anel. Não posso aceitá-lo. André afastou-se de má vontade e ela pegou na mala para tirar a peça de ouro, devolvendo-lha. Os olhos de Fran
suplicaram a André que a entendesse. - Não posso casar contigo, André. E como é algo muito precioso para ti, não posso aceitá-lo. Depois, afastou-se e agarrou numa
cadeira como se necessitasse de um escudo que a protegesse de André. Ele apercebeu-se de que tinha que ter cautela. Não imaginara que a situação se dificultasse
tanto. - Desculpa pela forma como me comportei com a Natalie, pensei... - Sei exactamente o que pensaste. Se existisse
alguma
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coisa entre mim e a Natalie,
não andava atrás de ti. Estou apaixonado por ti e a Natalie sabe disso. Finalmente, Fran atreveu-se a olhá-los nos olhos. - Mas não sou tua noiva. - Para mim, és.
Falaste com o doutor Barker? - Falei. - Apesar de não acreditar nisso, ele foi desagradável contigo? - Não, o Howard disse-me que tinha percebido que eu estava apaixonada
por ti. Até me pediu para não deixar de ir à igreja por causa dele. - Como te disse antes, é um bom homem. - É, sim. - Mas, felizmente, não é homem para ti. Querida,
se queremos chegar ao aeroporto a tempo, temos que ir já. Sem lhe dar qualquer oportunidade para protestar, André agarrou-a pelo braço para que fossem juntos buscar
as chaves. - E a conversa com a tua mãe? - quis saber André, já no interior do carro. - Ela sabe que quase nos casámos? -Sabe. - A julgar pela tua reacção, nunca
me perdoará por ter fugido com a filha. Não estranharia se ela não me quisesse conhecer. - Estás enganado, ela gostaria de te conhecer. E quanto ao facto de não
nos termos casado... até ficou triste. - Francesca, nesse caso, vamos preparar outra cerimônia, mas mantê-la-emos em segredo até te sentires preparada. - Não, André.
Em primeiro lugar, a minha mãe não ia gostar nada disso.
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- Do quê? - Eu sei como é que ela pensa. Vai dizer que um casamento que se mantém em segredo não é verdadeiro
e que se o fizermos será apenas para legalizar... - O nosso prazer? Sim, possivelmente, a tua mãe tem razão. Uma noiva que acaba de casar deve gritar ao mundo a
sua felicidade. A minha tia Maudelle desejava que eu me casasse. Acho que até chegou a desenhar o vestido de noiva para a minha futura esposa antes de eu sair de
Nova Orleães. - Já tinhas noiva aos dezasseis anos? A curiosidade de Fran fê-lo sorrir. - Não, mas a minha tia já tinha escolhido várias raparigas para mim. Eram
filhas de boas famílias católicas. - Então, certamente não aprovaria o nosso casamento. - Se ela te tivesse conhecido, certamente dar-nos-ia a sua bênção. - André,
prefiro mudar de assunto. - Eu não, temos que falar sobre os teus medos e solucioná-los. Parece que foste educada por uma mulher maravilhosa que soube aceitar a
traição do teu pai e que agora está impaciente para que te cases. - Mas aquilo que lhe aconteceu a ela foi demasiado cruel! - Admito que sim. - O meu pai pertencia
a uma família com dinheiro. Frequentou boas escolas e teve todas as oportunidades para triunfar. Ele e a minha mãe apaixonaram-se loucamente. Segundo a minha avó,
todos diziam que era o par ideal. Poucos anos depois de se casarem, ele começou a viajar. A seguir, começou a ausentar-se aos
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fins-de-semana e, finalmente, durante
semanas inteiras. Lembro-me de ouvir a minha mãe a chorar. Apesar de ser muito pequena, sabia porque é que ela chorava. Fran virou-se para ele. Os seus olhos verdes
brilhavam devido às lágrimas. - Como é que se pode conhecer o futuro? O tio Donald, irmão do meu pai, é precisamente o contrário. É uma pessoa que adora a esposa
e os filhos - Fran fez uma pausa. - Mas, afinal, o que é que se passou com o meu pai? Como é que ele nos pôde fazer tudo aquilo a mim e à minha mãe?! André ficou
sério. Os receios de Fran estavam profundamente enraizados. Pela primeira vez, interrogou-se sobre se haveria esperança para eles. - Não tenho resposta para isso,
Francesca. Ninguém tem. A única coisa que se pode fazer é tentar viver a vida ao máximo. E é isso que eu quero fazer. Contigo. - Até te cansares de mim? - Isso também
te pode acontecer a ti. Apesar de, no nosso caso, por nos termos conhecido já adultos, não acredito que os nossos sentimentos se alterem depois de casados. E quando
tivermos filhos, estes fortalecerão o nosso amor. - E se não tivermos filhos? - Exista alguma razão para não poderes ter filhos? - Não, mas e se um de nós decidir
que não quer ter filhos? - bom, claro que podemos esperar uns anos. Neste momento, só penso em fazer amor contigo dia e noite. - André, queres mesmo ter filhos?
- perguntou, angustiada. Aquela pergunta surpreendeu-o.
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- Claro, uma das razões pelas quais comprei a casa foi porque tinha cinco quartos espaçosos. Tinha a
esperança de os encher de crianças louras ou morenas. - É realmente um dos teus sonhos? - perguntou, nervosa. - Cresci com uma tia que nunca soube o que era o amor
de um homem. Estava sempre zangada. Para ter companhia, gostava de ir a casa dos meus amigos e estar com as famílias deles. Sonhava frequentemente em fazer parte
de uma família com uma mãe encantadora, um pai e muitas irmãs e irmãos que brincassem comigo depois de os meus amigos irem para casa. Aquela resposta pareceu espantá-la.
- Francesca, o que é que se passa? - Talvez tenha tido esse tipo de sonhos, mas não me lembro. Só sei que quando o meu pai nos deixou, prometi nunca me casar e nunca
ter filhos. - Imagino que a maioria das crianças pensa o mesmo em circunstâncias semelhantes. Felizmente, transformaste-te na bela mulher com quem eu quero casar.
Quando o momento adequado chegar, teremos filhos e amá-los-emos a todos. - Mas, e se esse momento nunca chegar? As perguntas de Fran estavam a afectá-lo profundamente.
- Vês agora porque é que não consegui casar contigo? Quando o juiz falou em filhos, não consegui prometer a mim mesma colocar a tua felicidade acima da minha. Se
acontecesse alguma coisa ao nosso amor, pelo menos, isso só nos afectaria a nós dois e não aos nossos filhos.
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Fran começou a chorar. - Estamos a chegar ao terminal.
Por favor, deixa-me aqui. Não quero que entres comigo. Promete-me isso, André. Depois do que ela acabara de lhe revelar, ele não queria aborrecê-la ainda mais. Além
disso, tinha que reflectir. Abrandou e estacionou o carro junto ao passeio. - Antes de ires, deixa-me despedir-me. Abraçou-a e beijou-a. - vou enlouquecer enquanto
estiveres fora. És a minha vida, Francesca. És a única coisa que me importa murmurou desesperado, contra a boca dela. - Apesar de o saberes, asseguro-te que estarei
aqui à tua espera quando voltares. Uma sombra assombrou os verdes olhos femininos, como se quisesse acreditar nele, mas não conseguia confiar nas suas palavras.
- Amo-te, André - chorou apaixonadamente. Depois, beijou-o com uma paixão que o fez renascer. Enquanto tivesse os seus beijos, seria paciente com ela. Pensava que
tinha aprendido o que era ter paciência no mar, mas depois de conhecer Francesca apercebeu-se de que nunca soubera o verdadeiro significado daquela palavra. - Queremos
dar graças por esta linda casa nesta maravilhosa cidade. Queremos dar graças por termos vindo para este maravilhoso país e para esta magnífica igreja. E, sobretudo,
queremos dar graças ao nosso querido amigo, André, que foi tão bom connosco. É
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um santo e merece a bênção divina.
Por favor, Cuida dele e Fá-lo saber que sempre
o consideraremos como parte da nossa família. E agora, queremos que Abençoes esta comida que nos alimenta e fortalece. Ajuda-nos. Amém. - Amém - murmurou André
com os olhos brilhantes. As palavras de Gerda emocionaram-no e sentia-se satisfeito por estar sentado à mesa com aquela família na sua nova casa. Sentia apenas a
falta de uma pessoa... Harbin, enquanto trinchava o pedaço de carne assada, pareceu ler os pensamentos de André. - Quando é que a menina Mallory regressa? - Esta
noite. O voo atrasou-se devido a fortes rajadas que estão a atingir aquela zona, mas quando telefonei informaram-me que o avião já tinha saído de Logan. Gerda olhou-o
com carinho. - Lamento o quanto a espera tenha sido longa, André. Sei o quanto sentes a falta dela. - É a minha vida. - Então, tens que fazer algo a respeito disso.
Era a primeira vez que Gerda falava de Francesca. Por um momento, André lembrou-se da sua tia. Tinha chegado a hora da verdade.
É - É essa a minha intenção. Lembras-te
da noite da festa? - Claro. - Quase se transformou na melhor noite da minha vida. A Francesca e eu fomos de carro até Nevada para nos casarmos lá. Gerda esboçou
um sorriso.
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- A meio da cerimônia, ela sentiu um enorme pânico e não conseguiu continuar. Todos os presentes se entreolharam. - Ela ainda tem que superar certos
medos e esta noite tenho um plano para a ajudar. - Porque é que não me disseste? Deves ter sofrido bastante. - A Francesca é muito frágil. Cerda franziu o sobrolho.
- Mas, porque é que não quis casar contigo? És um homem tão maravilhoso! - Adoro os teus exageros, Gerda. Mas a Francesca tem os seus motivos. - Não existem motivos
suficientes para não querer casar contigo. Há muito que desejo poder preparar-te uma grande boda. - Não há nada que eu mais deseje. Quando a Francesca estiver preparada,
falaremos contigo para tratares disso. - Então, vais tentar que seja esta noite? -Sim. - Fico feliz por ti. Daqui a pouco tempo, teremos um pequeno André a correr
pela casa. Se achas que agora és feliz, espera até sentires o teu primeiro filho nos braços. Os azuis olhos de Harbin iluminaram-se. - A mamã tem razão, André.
Uma casa transforma-se num verdadeiro lar quando os filhos começam a chegar. - Tenho que admitir que estou desejoso que isso aconteça, mas, por enquanto, só quero
ter a Francesca sã e salva nos meus braços.
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- E vais tê-la. - Depois do jantar, se achas que te consegues concentrar, continuaremos com a partida de xadrez até
teres que ir para o aeroporto - sugeriu Harbin. André esboçou um sorriso. - Por acaso, estás a planear aproveitar-te de mim? - Não! - respondeu Harbin, soltando
uma gargalhada. - Não me interessa. Preciso de me distrair. - Foi o que eu pensei. Uma hora depois, Harbin lançou o xeque-mate. Definitivamente, André não conseguira
concentrar-se no jogo. Depois de agradecer a hospitalidade a Gerda e à sua família, foi para o aeroporto. Fran olhou pela janela do avião na escuridão. O piloto
acabara de anunciar a chegada a Salt Lake e ela não conseguiu deixar de se sentir invadida por um enorme nervosismo. André estaria à sua espera no aeroporto. Aquela
semana solitária e desolada, durante a qual só os seus telefonemas a tinha animado, demonstrara uma coisa: André era um homem excepcional e não merecia sofrer.
Queria filhos, formar uma família, e Fran negava-se a dar-lhe o seu amor. E por isso, dir-lhe-ia que tinham que se afastar. Tinha que se despedir dele essa noite
antes que as suas forças a abandonassem. Tinha sido um erro ir a Nevada com ele e alimentar as suas esperanças. Tinha pensado com o coração e não com a cabeça. Graças
a Deus, não tinham feito amor. Mesmo assim, não sabia se seria capaz de cortar o laço que os unia. Mas não era demasiado tarde. André não ia continuar a lutar para
a convencer. Ele queria filhos e quando percebesse que ela não mudaria de opinião, partiria para sempre de Salt Lake, e era exactamente isso que Fran queria. Seria
a única forma para conseguir sobreviver. - Francesca? Estou aqui, querida. Antes de o ver na multidão de pessoas, ouviu a profunda voz masculina. Ao contemplar aquele
atraente rosto, afastou os olhos, negando-se a deixar-se levar por algo que a impedisse de continuar com os seus planos de terminar a relação. André aproximou-se
dela e abraçou-a. - Pensava que nunca mais chegavas. Vamos embora. André pegou na mala dela e na câmara. Depois, passou-lhe o braço pelos ombros e levou-a até ao
andar inferior para recolherem a bagagem. Fran estava apavorada. André devia sentir-se da mesma forma e, em vez de falar, acariciava-a silenciosamente. Apesar de
não querer reagir, as mãos de André despertaram-lhe sensações deliciosas por todo o seu corpo. Após o terrível frio sentido na rua, Fran sentiu o conforto do Mercedes
assim que André abriu a porta para ela entrar. No interior, aproximou-se.
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- Estiveste demasiado tempo fora - murmurou com emoção. Era uma tortura não responder,
mas Fran estava a lutar pela sua vida. Pelo que virou a cabeça para se esquivar da deliciosa boca masculina. - André? Importas-te de me levar a casa? Não me sinto
muito bem. Posso ir buscar o meu carro a tua casa noutro dia. Fran sentiu a hesitação dele. Pelo canto do olho, viu que o seu olhar penetrante a observava com curiosidade.
- Quando falámos pela última vez, não parecias estar assim. Ficaste enjoada no avião? -Não. - Então, talvez te tenhas constipado. Ainda bem que voltaste, assim posso
cuidar de ti. "Não, André, não posso deixar que isso aconteça. Não posso deixar que o meu amor por ti me deixe mais frágil", pensou. André ligou o ar-condicionado
e recuou para sair do parque de estacionamento. Quando começaram a circular pela estrada que os levava até ao centro de Salt Lake, Fran sentiu necessidade de falar
para se descontrair. - Parece que as ruas estão em melhor estado. - Não brinques comigo, Francesca. Passámos por muita coisa para escondermos a verdade um do outro.
Quero saber o que se passa e quero sabê-lo já. Fran apercebeu-se de que André estava a falar a sério. - Podes parar o carro? - Por outras palavras, o que tens para
me dizer pode fazer-me perder o controle do carro.
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- Não, André... Acho melhor conversarmos em minha casa. - A tua casa agora é na minha casa. Não quero que
durmas comigo, pelo menos por enquanto, quero apenas viver contigo durante algum tempo para nos acostumarmos um ao outro. A Gerda e a família dela já estão na casa
deles, por isso nada nos impede de estar juntos. Ela não conseguia olhá-lo nos olhos. -Não. - Francesca... pensei bastante. André continuou a falar como se ela não
tivesse dito nada. - Não me importa se não queres ter filhos. Sem ti, a minha vida fica vazia. Não necessitamos de ninguém para sermos felizes. - Não posso pedir
que te sacrifiques dessa maneira por mim. - Porquê? -André... Fran estava muito nervosa e começou a esfregar as pernas com as mãos. Apercebeu-se de que ele observava
cada um dos seus movimentos e isso aumentou a sua ansiedade. Finalmente, arranjou coragem. - Acho que não devemos voltar a ver-nos. André, para surpresa de Fran,
ficou em completo silêncio. Continuou a conduzir como se nada se passasse. Ao fim de poucos minutos, chegaram junto do complexo de apartamentos onde se situava o
dela. - Por favor, André... diz alguma coisa - suplicou. A nossa relação foi um erro desde o início. Deixámo-nos arrastar pela nossa paixão, mas isso não
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dura para sempre. Será mais fácil afastarmo-nos agora. Como André continuava calado, ela começou a ficar seriamente alarmada. - Enquanto estive em Washington, pensei
muito. Tu estás a levar uma vida pouco natural aqui, em Salt Lake. Sê sincero, André. Tu amas o mar. A única razão pela qual vieste ao Oeste foi o teu pai, mas
agora ele já está morto e nada te prende a este lugar. Fran não parecia capaz de se deter. - Fui eu que comecei tudo isto desde o primeiro dia que te vi, quando
não tinha porquê. Mesmo pensando que eras um monge, provoquei-te por me sentir atraída por ti. Foi um erro da minha parte. Fran lutou por respirar fundo. - Espero
que um dia possas perdoar-me por ter sido tão horrível e por te dizer que casaria contigo quando o meu coração sabia que não podia fazê-lo. Tens que procurar a
tua felicidade. Depois da vida que levaste, morrerias em Salt Lake. Não tenciono casar, mas sei que um dia vais encontrar uma mulher que te possa dar tudo aquilo
de que necessitas, tudo aquilo que mereces. Ninguém merece mais do que tu ter um casamento feliz e uma família. Desejaria ser eu a mulher que te daria todas essas
coisas, mas não consigo - adiantou num sussurro sufocado. - Acredito, Conheci marinheiros que eram como tu. Tinham sofrido uma infância cruel e não eram capazes
de viver plenamente. A dor instalara-se neles muito cedo. Em psiquiatria, isso tem um nome e ninguém consegue ajudá-los. É evidente que és igual a eles.
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Fran ficou imóvel, paralisada com aquelas palavras.
André saiu do carro e começou a tirar a bagagem do porta-bagagens. De seguida, abriu-lhe a porta a ela e ajudou-a
a caminhar sobre a neve. André sempre fora um cavalheiro, mas aquela demonstração de educação, quando Fran sabia o quanto estava a magoá-lo, era demasiado. - Por
favor, André, larga-me! - Enquanto aqui estiver contigo, porque é que não aproveitas? Quando me for embora, poderás voltar a ser auto-sufíciente. Fran sentiu uma
dor intensa que quase a fez perder o equilíbrio. André dirigiu-se até ao edifício. E ela não podia fazer mais nada senão segui-lo. - vou mandar trazerem-te o carro
amanhã de manhã. Fran procurou as chaves na mala, abriu a porta e enfiou a bagagem no minúsculo vestíbulo. - Parece que está tudo em ordem - declarou André, depois
de fazer uma rápida inspecção. Fran reparou que os olhos dele escondiam os sentimentos. - Um marinheiro sabe melhor do que ninguém o que é o cruzar de dois barcos
durante a noite. A escuridão e um mar sem piedade rodeia-nos e sentimos uma estranha ligação, um pequeno laço de humanidade até ambos desaparecerem em direcções
opostas e nunca mais voltarem a encontrar-se. Nós também tivemos esse doce momento de união. Acredites ou não, considero-me afortunado por poder guardar uma lembrança
de ti no meu coração. Alguns mortais nem sequer chegaram perto disso. Adeus, Francesca.
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Ela fez um gesto com a mão e agarrou-se à porta para não cair.
Aquela não era como as outras vezes. André Benet acabara de desaparecer da sua vida para sempre. - Natalie? -André? - Peço desculpa por te telefonar a esta hora,
mas é importante. - Não há problema. Considero-te um bom amigo e podes telefonar-me à hora que quiseres. Está tudo bem com a família Richter? - Estão muito felizes,
mas não te estou a telefonar por isso. - Em que é que te posso ajudar? - Vou-me embora de Salt Lake ainda hoje e não volto. - Como? Pensava que... - Ouve, Natalie.
Já arrumei as coisas que vou levar. Tudo o resto será vendido com a casa. Deixo isso nas tuas mãos. Quando arranjares um comprador, entra em contacto com o meu
advogado. -Mas, André... - Por favor, Natalie! Continuaremos a ser amigos, mas faz o que te peço. - Não te preocupes, vou obter um bom preço pela casa. - Tenho a
certeza que sim e obrigada por tudo. És uma óptima profissional. Cuida bem de ti, Natalie. André tinha apenas que fazer duas coisas antes de ir
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para o aeroporto.
Sentou-se em frente à sua secretária e começou a escrever uma carta em alemão. Querida Gerda: Foste como uma mãe para mim. Esta noite escrevo-te como um filho. A
Francesca deixou-me. Entendo as suas razões, mas não consigo viver na mesma cidade que ela. Nem sequer no mesmo país. Não vais saber de mim durante muito tempo,
mas quero que saibas que ter-vos-ei a todos sempre no meu coração. Deixo-te o meu carro como presente de despedida. É alemão, pelo que decerto que vais gostar. O
meu advogado entrará em contacto convosco para tratar disso. Se as coisas só podem correr bem a um dos dois, fico feliz que sejas tu a escolhida. És a pessoa mais
nobre do mundo. Foi um privilégio conhecer-te a ti e à tua família. Sê sempre feliz, Gerda. Espero que quando te lembrares de mim, o faças como o teu schatz, adoro
essa palavra. com muito carinho: André. Dobrou a carta e introduziu-a num envelope. Quando chegasse ao aeroporto, deitá-la-ia no correio. Quarenta e cinco minutos
depois, disse ao taxista que seguisse o carro de Francesca, enquanto ele o levava até junto do apartamento dela. Depois de deixar a chave na caixa do correio, entrou
no táxi. Dez minutos depois, pediu ao motorista para parar junto ao mosteiro.
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Já passava da meia-noite e os monges estavam a dormir, mas André não necessitava
de luz para caminhar pela parte sul do mosteiro. Já tinha ido muitas noites até junto da campa do seu pai às escuras quando não conseguia dormir. - Não podia partir
sem te dizer uma coisa. Foi aqui, em Salt Lake, que conheci uma mulher que me fez descobrir o significado da vida. Não precisas de te preocupar comigo. Descansa
em paz, meu pai.

Capítulo 10

- Estou sim? Gerda? Houve um breve silêncio. - És tu, Francesca? - Sim, desculpa se te estou a incomodar. - Não incomodas nada, querida.
- Passei pela casa do André e vi que estava à venda. Sabes onde é que ele está? Preciso de falar com ele. - Ele enviou-nos uma carta. Dizia que se ia embora e que
nunca mais voltaria. - Para onde é que ele foi, Gerda? Tenho que o encontrar! - Adoraria sabê-lo. Gerda parecia demasiado sincera para estar a mentir. - Achas que
a Natalie sabe? - Não, já lhe perguntei. Foi ela quem ficou encarregue da venda da casa. Parece que o André lhe disse para vender tudo, os móveis inclusive. Fran
ficou muda, pensando no erro que tinha cometido. - Também falei com o advogado do André - adiantou, Gerda. - Mas se sabe onde está, deve ter recebido ordens para
não o revelar. Fran gemeu. - Ele partiu por minha culpa.
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- Estava muito apaixonado por ti. - Oh, Gerda! Não imaginas como o amo. Tenho que o encontrar! - Talvez
no mosteiro... - disse Gerda, após uns segundos de silêncio. - Claro, o mosteiro! Ele não se iria embora sem se despedir deles. vou lá agora mesmo. - Telefona-me
se souberes de alguma coisa! - Claro, Gerda, e obrigada. - Não tens que me agradecer. Ambas o amamos muito, não é? -Sim! Mas, uma hora depois, as esperanças de Fran
de descobrir algo desvaneceram-se ao falar com o irmão Joseph. - Estou apaixonada por ele, irmão Joseph. Talvez o André não lhe tenha dito nada, mas ele também me
ama. Quero apenas encontrá-lo para conversarmos. Pediu-me em casamento e quero dizer-lhe que aceito. O velho monge olhou-a com compaixão. - Não sabia. Parabéns.
Essa notícia decerto que iria ser do agrado do abade. - O único problema é que tenho que encontrar o André. Não sabe onde é que ele pode estar? Não lhe disse nada?
- Não, infelizmente, não. - Se tiver notícias dele, por favor, telefone-me. - Volte dentro de uma semana. Talvez já saibamos de alguma coisa. - Obrigada. Fran teve
que se virar para não começar a chorar ali mesmo. E, de facto, já estava a chorar quando o monge voltou a chamá-la.
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- Está aqui um postal para ele. Chegou há
uns dias. Como se vão casar, talvez gostasse de o levar. Fran aceitou o postal e leu-o. Querido André: A minha esposa e eu estivemos a pensar, e se achas que a tua
esposa não se importa, adoraríamos passar por Salt Lake e ficar uns dias em vossa casa. Estou impaciente por conhecê-la. Mas terá que ser depois do Natal, porque
vamos passar as festas com a nossa família. Deixo-te o meu número de telefone. Depois combinamos a data concreta. As crianças estão impacientes por ir esquiar contigo.
Mais uma vez, obrigado pelo convite. Um abraço. Jimmy Bing. Fran pestanejou. Jimmy era o homem com quem André tinha passado o dia de Acção de Graças. Conheceram-se,
enquanto trabalhavam como marinheiros no Alasca. - Irmão Joseph? Posso telefonar daqui? - Claro, minha filha - respondeu ele, retirando o telefone debaixo da bancada.
Fran tinha o pressentimento de que aquele Jimmy era a única pessoa que podia saber do paradeiro de André. com o coração a palpitar aceleradamente, marcou o número
e rezou para que estivesse alguém em casa. - Você é o André Benet? André deixou de colocar as suas coisas no barco.
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- Sim, sou eu. - Andam à sua procura no cais.
- Mas estamos prestes a zarpar. - Foi o que pediram para lhe dizer. Provavelmente, era Jimmy e a sua família, que se iam despedir dele, mesmo depois de lhes ter
pedido para não o fazerem. - Obrigado. - Não tem de quê. Havia sempre uma multidão reunida em redor dos barcos, especialmente num porto como São Pedro. André detestava
despedidas. O que menos lhe apetecia fazer naquele momento era ir ao cais e ver cenas de dor. A família de Jimmy tinha assistido a muitas despedidas e ele, para
não os incomodar, saíra bem cedo de casa deles. Não sabia porque é que tinham lá ido. Para André também era difícil e teria que fazer um último esforço por se mostrar
civilizado. A ideia de um futuro sem Francesca fazia-o sentir-se muito sozinho. - Desculpe - ia dizendo ao passar pelas escadas. Foi até ao cais e procurou por Jimmy.
-André! Virou a cabeça e semicerrou os olhos. Devia estar a sofrer alucinações. De entre todas as vozes, havia uma que o chamava bastante parecida com a de Francesca.
Talvez já tivesse começado a enlouquecer. - Espera, não vás! André demorou a reagir, temendo ter que se voltar e, assim, o sonho se desvanecesse. Mas quando o fez,
viu uma mulher loura que tentava desesperadamente atravessar aquela barreira humana. André não imaginava como é que o tinha encontrado,
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mas não importava.
Sem pensar, começou a correr na sua direcção. Ao chegar, abraçou-a e apenas viu os olhos verdes impregnados de lágrimas. A forma como Francesca o abraçou a ele,
como se a sua vida disso dependesse, foi um bálsamo para a sua alma dorida. - Graças a Deus que não cheguei demasiado tarde! - foi a única coisa que Fran conseguiu
dizer, sem prestar atenção às pessoas que os rodeavam. Entreolharam-se. - Por favor, não me deixes, André. Todos sabem que quero que voltes. Necessito de ti. Amo-te,
meu amor. Fran acariciou-lhe o rosto e, ao fazê-lo, viu que André chorava. - Por favor, diz que me perdoas. Começaremos tudo de novo. Desta vez, vai correr bem.
Tenho imenso para te contar, mas não aqui. Digo-te apenas que aquele teu comentário acerca dos marinheiros que não conseguiam amar por terem sofrido na infância,
me abriu os olhos. Depois de partires, pensei nisso muitas vezes. Apercebi-me de que se não me arriscasse, ia permitir que o comportamento do meu pai acabasse por
me arruinar a vida. Fiquei furiosa quando percebi que já tinha arruinado parte dela e, então, pensei que não ia arruinar o resto. Fui a tua casa e descobri que
estava à venda. Quase morri quando vi a placa de venda... André não dizia nada, observava-a apenas para se certificar de que não era um sonho. - André, volta comigo,
por favor! Juro-te que te farei o homem mais feliz do mundo. Não posso viver sem ti!
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O milagre tinha acontecido. André abraçou Francesca que, finalmente, lhe
abrira a alma. Aquele momento era tão especial, que se sentia quase incapaz de expressar os seus sentimentos. - Comecei a viver no dia em que te conheci. Nunca
mais fui o mesmo desde então - murmurou ele antes de a beijar. Aquele beijo foi diferente. O medo e a resistência de Fran tinham desaparecido. Beijou-o com uma paixão
que o cativou de forma que André mal ouviu um dos marinheiros a chamá-lo. - Ei, Benet! Vens connosco ou não? - Não! - gritou. - Espera aqui, meu amor, não te mexas.
Os olhos dela adquiriram um estranho brilho. - Não vou a lado nenhum a não ser contigo. Amo-te tanto que até me dói o coração. - Tenho um remédio para isso... -
Também eu - disse ela, sorrindo, apesar das lágrimas. - O juiz de Elko concordou em casar-nos assim que lá chegarmos. Dissê-lhe que, desta vez, estava preparada.
Já reservei o voo das três horas. As palavras não eram suficientes. André voltou a abraçá-la e, finalmente, despediu-se, assegurando-lhe que voltaria de seguida.
- Dá-me cinco minutos e serei todo teu. - Que te parece toda a vida? - o tom apaixonado da voz feminina reacendeu o fogo existente no íntimo de André. - Óptimo,
meu amor! Nove horas mais tarde, estavam em frente ao juiz Appleby. - Parece que solucionaram os vossos problemas.
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Eu dissê-lhes que se houvesse amor, tudo o
resto se solucionaria. E agora, repita... Enquanto Francesca dizia as palavras de uma forma clara e vibrante, André agarrava-a pela cintura. O juiz assentiu e disse
a Benet para repetir as mesmas palavras. A profunda voz masculina penetrou no coração de Fran, que assentiu e cujo rosto reflectia uma felicidade nunca antes sentida.
- Como tu, Francesca, e tu, André, prometeram perante Deus e estas testemunhas, amar-se-ão um ao outro até que a morte vos separe. Eu, como juiz do tribunal do condado
de Elko, no Estado de Nevada, proclamo-vos marido e mulher. O que Deus uniu, que nenhum homem separe. Pode beijar a sua linda esposa, senhor Benet. ; André tirou
do bolso do fato o anel que ela tinhaj tanto desejado usar no dedo. Quando lho colocou,
verificou que era precisamente a sua medida. - Francesca... - murmurou
ele com emoção.
Fran ergueu os olhos, incapaz de negar a André mais pequeno segredo do seu coração. A reacção dele reflectiu-sê-lhe nos olhos escuros e na boca,
procurando a dela com uma avidez avassaladora. Cinco semanas depois, enquanto Fran se encontrava ao lado do marido para cumprimentar os seus convidados no salão
da casa de Gerda, notou que a mão de André lhe acariciava as costas. - Quando é que vamos poder ficar a sós? - sussurrou-lhe André.
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Fran estremeceu de prazer.
Cada vez que faziam amor era como se fosse a primeira. André tinha-a feito renascer. Entregavam-se com uma paixão que ela julgara impossível. Por outro lado, nunca
soubera o que era ser amada por um homem como André. Bastava pensar nele, imaginá-lo na cama consigo, nos seus braços, para deixar de raciocinar. - Ainda falta um
pouco. Há muita gente da paróquia que deseja conhecer o meu atraente marido. Sabes? Lembrei-me da primeira vez que te vi. - Espero que o fato que estou a usar agora
me fique melhor do que a roupa que o irmão Joseph me deu para eu vestir naquela altura. - Não me estava a referir à roupa. -Ah, não? As faces dela ruborizaram-se.
- O que eu queria dizer é que possuis um porte principesco. Fiquei sem alento quando te vi e acho que ainda não me recuperei. - Acho que vou esperar até mais tarde
para te demonstrar aquilo que senti quando te vi com aquele fato cor de pêssego. Tenho a certeza de que o próprio diabo se sentiria tentado se te visse. - André!
Ele beijou-a no pescoço. - Adoro quando te finges surpreendida. - Se queres saber a verdade, sou a inveja de todas as mulheres presentes nesta sala. Ele fez um gesto
negativo. - Todos olham é para ti, Francesca. Sinto pena do doutor Barker. O pobre diabo continua apaixonado por ti.
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- Enganas-te, querido. O que se passa é
que ele gostava de estar tão apaixonado como nós, e um dia, certamente, acontecer-lhe-à o mesmo. - Se tiver sorte e conhecer a mulher adequada. Esta noite, tenho
pena que o mundo inteiro não se sinta como nós. Os olhos de Fran encheram-se de felicidade e recordou que tinha que lhe contar algo muito importante. - André...
- sussurrou, misteriosamente. - Quando isto acabar, gostaria de ir dar um passeio contigo. Ele dirigiu-se à sua esposa com um olhar cheio de curiosidade. - Admito
que tinha outros planos, mas nunca te consigo dizer que não. - Não vai ser muito tempo. Um estranho brilho iluminou os olhos de André. - É uma surpresa? - Vais ter
que esperar para descobrir - respondeu ela com um provocante sorriso.
Não me devias ter dito. Agora estou impaciente, - Se sairmos agora, vai toda a
gente ficar decepcionada, sobretudo a Gerda e a minha mãe, que se esforçaram para que esta festa fosse um êxito. - Nesse caso, concordo. Além disso, são as mulheres
que eu mais gosto a seguir a ti. Duas horas depois, André conseguiu ficar, finalmente, sozinho com a sua esposa. - Onde é que queres ir? - Segue pela estrada do
sul. Fran estava a comportar-se de uma forma misteriosa e André nem sabia o que pensar. Era evidente que
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desconhecia muitas coisas acerca dela, mas não se queixava.
Pelo contrário, a vida com aquela mulher estava a ser uma verdadeira benção. - Sai na próxima saída, meu amor. - Como queiras - murmurou ele, observando o encantador
perfil da sua amada. Nessa noite, Fran irradiava uma beleza que a iluminava. Efectivamente, André estava tão concentrado que nem se apercebeu que estavam a chegar
ao mosteiro. Era meia-noite e estava frio. - Dentro de segundos, as tuas perguntas serão respondidas. Se achares bem, gostaria que fôssemos visitar a campa do teu
pai. André ficou espantado, mas Fran parecia tão decidida que saiu do carro e ajudou-a a sair. - Está muito frio para ti. - Não terei frio se me abraçares. A lua
iluminava aquela área, indicando-lhes o caminho. Sem falarem, detiveram-se ao chegaram junto do local onde André vira os monges sepultar o seu pai. Fran virou-se
lentamente e pegou nas mãos dele. - André, meu amor... tenho algo para te dizer e pensei que o teu pai também gostaria de ouvir. O coração de André começou a palpitar
a toda velocidade. Um sorriso iluminava o rosto de Fran. - Querido, vamos ter um filho. Soube ontem e estou muito feliz. Achei que tínhamos que vir aqui, pois este
é o local onde tudo começou, onde nos apaixonámos. Antes, pensava que as coisas aconteciam por acaso, mas agora acredito realmente no destino. Vieste
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para cá graças à tua tia te ter revelado o paradeiro do teu pai
e eu porque o Paul não pôde vir fazer a entrevista. Foi o destino, o nosso destino, que
nos juntou. E agora,
enviou-nos um filho. André não conseguia pensar nem falar. Abraçou-a fortemente. Fran, aquela bela e maravilhosa mulher, que levava agora o futuro de ambos no ventre,
tinha-o tornado no homem mais feliz do mundo.

Fim

Bjos!
 
Edilma
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Boas Leituras e obrigado por participar do nosso grupo.
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