terça-feira, 2 de novembro de 2010

{clube-do-e-livro} LIVRO ANEXADO O VÔO DA GAIVOTA DE VERA LÚCIA M. DE CARVALHO


Outros livros psicografados pela médium
vera Lúcia Marinzeck de Carvalho:


Com o Espirito Antônio Carlos:
- Reconciliação
- Cativos e Libertos
- Copos que Andam
- Filho Adotivo
- Reparando Erros
- A Mansão da Pedra Torta
- Palco das Encarnações
- Aconteceu
- Muitos São os Chamados
- O Talismã Maldito


Com o Espirito Patricia:
- Violetas na Janela
- Vivendo no Mundo dos Espíritos
- A Casa do Escritor


Com Espiritos diversos:
- Valeu a Pena
- Perante a Eternidade


Psicografado por

Vera LÚCIA MARINZECK de Carvalho




Erir EniTorr E nisrriruinorr Tnr.

Ruo Rtuoí, 383 - V. Esperonço/Penho - fone:(O11 ) 684-6000
CEP 03646-000 - 5õo Poulo - SP

Correspondêncin pnrn:

Caixa Postal 67545 - fg. flmeido limo - CEP -3102-970
São Paulo - SP



O VÔO DA GAIVOTA
Copyright by © Petit Editora e Distribuidora Ltda. 1996/1997
la edição/impressão: Julho/96 - 100.000 exemplares
2a edição/impressão: Maio/97 - 50.000 exemplares


Capa:
Criação e execução: Flávio Machado
Ilustração: Daniel Zolyomi
Fotolito da capa: Stap - Stúdio Gráfico
Editoração eletrônica: Petit Editora e Distribuidora Ltda.

Dados Internacionais de Catalogação na Publicação (CIP)
(Câmara Brasileira do Livro, SP Brasil)
Patrícia (Espírito)
O vôo da gaivota / Patrícia ; psicografia
de Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho. - São
Paulo : Petit, 1996.

ISBN 85-7253-032-0

1. Espiritismo 2. Psicografia I. Carvalho,
Vera Lúcia Marinzeck de. II. Título
96-2032 CDD: 133.93

Índices para catálogo sistemático:
1. Mensagens psicografadas : Espiritismo
133.93




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qualquer forma ou por qualquer meio, salvo com autorização da editora.
Ao reproduzir este ou qualquer livro pelo sistema de fotocopiadora ou
outro meio, voce estará prejudicando a editora, o autor e a você mesmo.
Existem outras alternativas, caso voce não tenha recursos para
adquirir a obra. Informe-se, é melhor do que assumir débitos.



Impresso no Brasil / Presita er Brazilo


Com muita alegria volto à literatura, motivada pelo
carinho dos leitores.

E é a você, amigo leitor, que dedico esta obra com
imensa ternura.

Também o faço a desencarnados e, principalmente, a
encarnados que são úteis por sua capacidade e têm
como meta o progresso no aprendizado.

Estendo-me aos anônimos, desconhecidos dos encar-
nados, mas conhecidos do Plano Maior, que fazem o
Bem por amor, sem sequer se importar com nomes
célebres.
Patrícia

São Sebastião do Paraíso, MG


Palavras de um amigo




Patrícia, nossa jovem escritora, que nos tem presenteado
com sua literatura simples, sincera, que nos traz bons e profundos
ensinamentos, vem novamente nos brindar com mais este
livro.
Fala-nos da caminhada em que assume novas e diferentes
tarefas, do seu desprendimento e desapego.
Patrícia trabalha e estuda no Plano Espiritual, mas aceitou
mais esta tarefa de escrever aos encarnados, na intenção de
alertá-los quanto ao engano de cultuar personagens famosas. A
Doutrina Espírita não está nas mãos de poucos, sejam encarnados
ou desencarnados. São muitos os espíritos que trabalham
para o Bem da Humanidade.
A nossa alegre escritora, na sua humildade, se acha pequena,
mas com vontade de aprender, não querendo que a
cultuem e que lhe dêem maior valor do que se acha merecedora.
O enredo deste livro é muito interessante. Participando do
socorro a um desencarnado toxicômano, ela nos narra importantes
fatos que trazem muitos esclarecimentos sobre o prejuízo
causado pelos tóxicos, o grande mal da atualidade. O desenrolar
atraente desta história faz deste livro mais um marco na
Literatura Espírita.

Antônio Carlos


Índice




Introdução ... .. ... ... ... ... .. .... ... .. .... .. ... .. .. ... ... ... ..11
Assumindo uma Tarefa..... ... .. ... .. ... ... ... .. ... ... ... .. ..13
Ouvindo uma História ...... ... ... .... .. ... ... ... .. ... ... ... .. ..17
Colóquio Interessante ... ... ... ... ... .. .. ···· ··· ·· ··· ··· ··· .. ..31
Amor e Desapego ..... ... .... .. ... ... ... ... .. ... ... ... .. .... ...37
Um Pedido Diferente .... ... ... .. .... .. ... ... ... .. .. .... .. ... ..46
O Mandante do Crime ... ... ... .. .... .. ···· ·· ··· ··· ···. ..55
Túnel Negro ....
.65
Na Sala de Aula... ... .. .... ... ·· ···· ·· .72
Desencarnações ...... ... .. .... ... ... ... ... .. ... .. ... .... . .... .. 77
Numa Reunião Espírita·.. .... ... .. ... ... ... ... ... .. ... ... ... ...90
Recuperação dos Socorridos... ... ... ... ... ··· ·· ··· ·· ···· ·· ····
Natan ...... .. .. ... ... ... .. ... ... ... . . ... .. ... ... ... .. ... ......106
O Médico Nazista·.... ... ... ... ... .. .... ... .. ... .. ... ... ... ....115
A História de Elisa .... ... ... .. ... ... ... ... ... ... .. ... ... ... ...127
O Vôo da Gaivota .... ... ... ... ... ... ... ... ... ... .. ... ... .. ....135



Introdução




Quando encarnada, por muitas vezes olhava maravilhada
as gaivotas voando. Encantava-me com seus vôos, que me trans-
mitiam a sensação de liberdade. São tão livres! À tarde, andando
pela praia, acompanhava suas movimentações pelos ares. Livres
e felizes, faziam acrobacias oferecendo um espetáculo de
rara beleza.
O espaço imenso é o ambiente preferido das gaivotas. Mas
elas não podem deixar de pousar na areia da praia, para completar
a alimentação necessária à manutenção do seu corpo.
Mesmo pressentindo a possibilidade de encontrar predadores
inimigos, essa corajosa ave não se intimida e, muito vigilante,
pousa na praia. Se falhar na sua precaução, infeliz terá sido sua
descida, pois será presa fácil de algum inimigo natural. Se cuidadosa
e atenta, feliz será seu pouso. Pegará o que precisa e
novamente alçará vôo, ficando na areia, até a próxima onda,
apenas a marca de seus delicados passos, a indicar que ali
passou uma gaivota, realizando com prazer e alegria a função
de viver e participar, com a vida, do anseio de ser e existir.

Sabendo que venho raramente ao plano físico, naquele
dia Elisa me comparou com uma gaivota.
- Gaivota, por que desce à Terra? Procura alimento?
Não respondi de imediato. Olhei para a amiga que me viu
como tão belo pássaro. Seus olhos negros, meigos e bonitos
brilhavam. Sorriu. Seu sorriso maravilhoso contagiava aqueles
que a rodeavam, além de deixar à vista as fileiras de dentes


12 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

perfeitos. Elisa é uma negra linda, a beleza dos seus sentimentos
mostra e embeleza ainda mais seu perispírito.
Fiquei a pensar no que me levava a voltar à Terra. O que
estaria fazendo ali? Ajuda? Tarefa? Trabalho? O Bem que fazemos
é um crédito, uma necessidade ou um alimento?
Volitei e vi que a gaivota deixou marcas dos seus pezinhos
no chão arenoso. Voltei o pensamento ao passado recente
e me certifiquei de que, ao tentar ajudar os que ficaram na
Terra, acabei por fazer muitos afetos. O Bem realizado deixaria
marcas?





1 - Volitar, na literatura espírita, é a denominação do ato de os espíritos
pesencarnados se movimentarem no espaço, quando o fazem sem que os
pés toquem o chão. Nos livros espíritas, principalmente nos do espírito An-
 N.A.E ) hé ncontáveis exemplos nesse sentido. (Nota da Autora Espiritual



Assumindo uma Tarefa



Encarnados nossas ações estão condicionadas a um fim
pessoal, qual seja a aquisição monetária ou um diploma que
nos habilitará a exercer funções bem remuneradas entre nossos
companheiros de caminhada. Aqui, no Plano Espiritual,
para aqueles que compreendem e vivem a unidade do Universo,
trabalhar ou estudar não significa oportunidade de
remuneração pessoal, mas sim ocasião propícia para não ficar
à margem da evolução. A beleza da existência está na sua
dinâmica atividade. Ela nunca é monótona. A vida se parece
com imenso rio que, apesar de estar no mesmo lugar, nunca é o
mesmo, pois se renova a cada segundo. Nossa personalidade é,
por natureza, ociosa. Se não acordarmos para uma melhoria
em nossa maneira de ser, correremos o risco de ver o rio da
vida passar e ficarmos à sua margem, perdendo a oportunidade
de irmos juntos daqueles que com ele caminham rumo ao
infinito. Aceitar novas incumbências de trabalho, de maiores
responsabilidades, é motivo de alegria para todos nós que desejamos
participar, em nome de Deus, da manutenção e do
progresso de todos os seres humanos. Fui chamada a lecionar
num curso de Reconhecimento do Plano Espiritual, no qual a
professora titular, Marcela, se ausentara porque havia também
aceitado incumbência de trabalhos superiores. Apesar de feliz
por ter sido lembrada, e radiante por me sentir útil, não pude
deixar de ter momentos de preocupações, pois estariam vários
espíritos sob minha responsabilidade.


14 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Como de outras vezes, fui em busca de conselhos de meus
amigos. Ao ver Maurício, dirigi-me alegre ao seu encontro.
Meu amigo sorriu. Como é agradável vê-lo assim. Sempre
me lembro de seu doce e confiante sorriso. Respondeu aos
meus anseios, tranqüilo, transferindo-me belos ensinamentos.
- Patrícia, como começa o aprendizado de um professor
universitário na Terra? Nos primeiros anos escolares, aprende
as primeiras letras. Estudioso, cursa todas as séries exigidas.
Um dia, a escola terrena dá por encerrados seus estudos e o
classifica apto a lecionar - às vezes até na própria escola em
que se preparou. Se for sensato, reconhecerá, com certeza, que
sabe apenas "o razoável" do assunto em que se especializou e,
então, continuará estudando a vida toda. Mas o conhecimento
adquirido é patrimônio seu, conseguido por seu esforço. Querendo
lecionar, pode e deve fazê-lo, porque muitos nem têm
este saber que você considera moderado. E felizes os qup passam
aos outros seus conhecimentos. Quantos se indagam: terei
capacidade de lecionar? Se têm conhecimento da matéria em
questão, terão capacidade, sim. Aqui também é assim. Todos
temos que aprender para saber. Que tristeza seria sentir que
não há mais nada para aprender. O aluno não deve ficar muito
tempo na mesma série. Seu estudo deve render até que passe
de aluno a mestre. Tenho acompanhado seus estudos: você
aprendeu com amor e já está apta a ensinar o que adquiriu.
- Mas, Maurício - insisti -, e se não estiver?
- Está! O que pensa você que é um instrutor aqui no Plano
Espiritual? É somente um espírito dedicado, estudioso, que começou
seu aprendizado como todos. Não se deve ser avaro de
conhecimentos, não se julgar incapaz e nem ser presunçoso
com o que pensa saber. Necessário e indispensável é o bom
senso; porque através dele temos a exata medida de nosso
cabedal, sem entretanto chegar à vaidade. Depois, Patrícia,
não se devem querer sumidades para ensinar, mas sim querer
os que transmitem com amor os conhecimentos que possuem.
Se a chamaram, é porque a julgam apta. Aqui não existe o
"jeitinho" que leva muitos a terem cargos imerecidos. Depois,
os cursos vêm prontos à sua mão. E verdade que terá de


O VÔO DA GAIVOTA 15

responder a muitas questões. Confio em você. Aceite o encargo
e tire bom proveito da experiência.
Também fui conversar com vovó Amaziles. Gosto muito de
visitá-la e a suas amigas, de suavizar a saudade que sinto da
casa em que moram e que foi minha primeira acomodação,
após a desencarnação. Após os abraços, falei da minha dúvida.
- Patrícia - respondeu vovó -, esse curso é muito importan-
te. Nele se aprende muito do Plano Espiritual, na teoria e na
prática. Aquisição teórica ou intelectual são apenas arquivos de
informações e conhecimentos. As excursôes feitas durante o
curso são a vivência do fato. Com compreensão, todo aquele
que viveu sabe como tomar a melhor atitude diante de cada
problema. A intenção do curso é que todos que o freqüentem,
tenham esta compreensão. Pois somente a vivência desses fatos
ou conhecimentos será transmitida às nossas células
perispirituais e, conseqüentemente, impressionará as células
físicas. E, quando reencarnarmos, essas vivências aflorarão em
nossa mente como dom nato ou como mente inconsciente.
Aceite, você é capaz! Você tem estudado tanto! Coloque em
prática o que aprendeu e ainda aprende.
De Antônio Carlos, ouvi:
- Não fazer, por julgar-se incapaz, não é aceito como des-
culpa nem aqui no Plano Espiritual, nem como encarnado. Se
não é, torne-se. Todos somos capazes. Principalmente, se não
nos é exigido o impossível. Agiu certo, de modo prudente, consultando
os amigos. Quando nos sentimos inseguros, devemos
pedir opiniões a amigos que consideramos, e por quem somos
considerados. Com as sugestões recebidas, devemos então optar
pelo que é melhor para nós mesmos e para os outros. Não é
certo fazer o que não somos capazes, no momento. Às vezes,
imprudentemente, prejudicaremos a nós e aos outros, fazendo
algo por ambição, poder e vaidade. Não é o seu caso. Aceite e
lembre-se: aprendemos muito mais quando transmitimos co-
nhecimentos.
Também me aconselhei com papai e dele recebi preciosa
lição.
- Filha, a vida sabe melhor o que é bom a cada um de nós.
Estamos sempre sendo convidados a assumir alguma tarefa.


PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARvAi un

Para mim, o melhor lugar é aquele em que somos mais úteis.
Ao esquecermos de nós mesmos, vivendo entregues ao bem
alheio, criamos condições para que Deus possa agir através da
nossa humilde personalidade. E, nunca se esqueça, tudo o que
fizer, faça bem feito.
E, ali estava eu, numa sala de estudo, ministrando uma
aula sobre as Colônias. Sentindo-me perfeitamente à vontade.
A sala apresentava-se muito agradável. Talvez não tivesse
ta por
para os outros, a mesma beleza vis mim. "Lugar de ensino
deve ser um lugar diferente. O local onde se aprende precisa
ser respeitado como um templo", dissera uma vez um amigo.
Concordava com ele. Todas as escolas deveriam ser educandários,
que preparam para a vida útil. A classe era pequena, tinha
uma lousa e mesinhas confortáveis, e duas grandes janelas
com vista para o jardim que contornava a escola. O que a
tornava tão agradável para mim era que ali nos reuníamos para
estudo. E aprender ensinando me fascina.
- Por que esta Colônia tem o nome de Vida Nova? - per-
guntou Terezinha.
- Todas as Colônias, Postos de Socorro, Casas de Auxílio
têm uma designação pela qual são conhecidas. É como na
Terra, onde todos os lugares têm nome. Quando esta Colônia
foi fundada, um dos seus idealizadores lhe deu este nome, na
esperança de que todos que viessem para cá tivessem realmente
um reinício de esperança e mudanças para melhor, o
que os levaria a uma vida nova. Daí o nome.
Os vinte e dois alunos prestaram muita atenção, e depois
voltaram para as suas tarefas: descrever a Colônia que os abrigava.
A Colônia Vida Nova fica no Plano Espiritual de uma cidade
brasileira, pitoresca e de porte médio. É linda! Que
interessante é o amor incondicional. Quanto mais uma mãe
olha seu filho, mais o acha bonito, não importando quantas
vezes o faça. Assim acontece comigo. Todas as vezes que chego
a uma Colônia, esta é para mim maravilhosa. Emociono-me e
alegro-me. Como é agradável estar no convívio de uma cidade
no Plano Espiritual.
E, assim, a aula transcorria tranqüilamente.


OuVindo uma História




As dissertações ficaram muito boas. Após a leitura de algumas,
pelos próprios alunos, concluímos que nem todos têm a
mesma impressão do Plano Espiritual. Albertina até me indagou:
- Patrícia, como pode haver tantos modos de ver, sentir e
ter sensações diferentes, diante de um mesmo objeto ou lugar?

- Realmente - respondi. - Podem existir muitas formas de
sentir os acontecimentos pelos quais somos envolvidos. Estou
lembrando agora de algo que ilustra bem este fato. Há algum
tempo, ouvi uma estorinha interessante. "Uma florzinha branca
e mimosa floresceu à beira da estrada. Por esse caminho, passavam
muitas pessoas e muitas nem sequer a viam. Uma
mulher, ao defrontar-se com ela, disse: Veja, uma flor à beira
da estrada! Ela é medicinal, muito boa para dores. É bom saber
que aqui existe, quando precisar, virei buscar. Um poeta que
cantava as alegrias e tristezas, as belezas do mundo, também
passou pela estrada, e ao ver a flor parou e exclamou comovido:
Que linda flor! É digna de enfeitar os mais lindos cabelos de
uma mulher apaixonada! Mas, infelizmente, no momento não
estou amando, senão a levaria para enfeitar minha querida!
Em seguida passou pela estrada uma jovem que, ao ver a delicada
flor, parou para admirá-la. Que florzinha mais
encantadora! Que perfeição em seus contornos! Como é bonito
ver uma flor a enfeitar uma estrada, suavizando a visão talvez
tão cansada e preocupada dos que passam por ela. Com um


PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

gesto meigo, beijou a flor e seguiu seu caminho. Passou por ali
também um materialista que, ao ver a flor, falou revoltado e
furioso: Flor imbecil, por que veio florir nesta estrada poeirenta?
Seu branco não combina com a sujeira do lugar. É uma
inútil! Chutou-a e foi embora. Um senhor, de quem o tempo
havia branqueado os cabelos, ao ver a flor ali solitária, à beira
da estrada, exclamou: Como a obra de Deus é perfeita! Como
o Senhor do Universo é bondoso conosco, dando-nos belezas
assim para nos alegrar! Seja bendita, florzinha branca! Obrigado
por você existir e nos alegrar! Sabiamente continuou seu
caminho. E a singela flor continuou sendo a mesma para todos.
Só que, conforme a compreensão, o interesse, o estado
de espírito, viam-na de maneiras diversas.
Todos esses personagens, ao verem a flor, reagiram de
com seu condicionamento. A mulher, preocupada
com enfermidades físicas, viu na flor seus dotes curativos.
Para o poeta, a flor foi a causa ou o motivo para aflorar em sua
mente os devaneios. O senil, já desiludido com as ilusões mundanas,
ansioso por unir-se a Deus, viu ali a manifestação Daquele
que tanto procurava.
Se falarmos a respeito disso com um mestre Espiritual, ele
nos dirá que o belo ou o feio que possamos sentir e ver é
conseqüência de nossa escolha pessoal. A vida não fez discriminações
nas suas manifestações. O bem e o mal estão restritos
ao âmbito hominal, assim como o belo e o feio. Cosmicamente,
eles não existem, pois nada há em que nâo haja a
Onipresença Divina. Cada ser ou criatura tem sua razão de ser
na cadeia das relações em que a vida se manifesta. Toda manifestação
tem os dotes que necessita, para desempenhar sua
função. É muito importante que possamos aprender a ver as
coisas como são e não como queremos que sejam.
As Colônias, Albertina, são lugares que abrigam muitos
temporariamente, como no Plano Físico. E, dependendo de
muitos fatores, cada qual as vê como consegue ou quer. Este
fato também acontece com os encarnados. Muitos se deslumbram
diante de um jardim florido, da visão de um rio, de
montanhas, enquanto que alguns nem os vêem e para outros
tudo isto é indiferente. Considero as Colônias encantadoras.


O VÔO DA GAIVOTA

Quando estava encarnada, maravilhava-me com os lugares belos
da Terra. Achava lindo o mar, gostava de olhar o céu, as flores,
deslumbrava-me e deslumbro-me ainda com tantas belezas.
Nossa Terra é bela!
Descreverei, para melhor ilustrar este fato, uma redação
escrita sobre o assunto. Quase todos a fizeram. Vou comentar o
que achei mais interessante.
Que coisa fantástica é a vida, e por mais que a observemos,
parece-nos sempre nova. Quando ouvimos a história da
vida de alguém, sentimos a nossa própria, pois ela nos traz
notícias de um ser humano, portanto, a história da própria humanidade.
Mas, normalmente, não ouvimos muito as pessoas,
pois quase sempre vivemos fechados em nosso mundo interior
de tal forma que, mesmo dando-lhes aparentemente atenção,
não chegamos a entendê-las. Para compreender uma história,
é necessário viver as emoções de quem narra os acontecimentos,
seu estado psíquico, de alegria, esperança, angústia, rancor,
mágoa, gratidão ou qualquer outra expressão emocional. Escutando
com atenção a história de Genoveva, uma pessoa comum,
como a maioria dos encarnados ou desencarnados, teremos a
oportunidade de entender o porquê de muitas vezes fazermos
de nossas existências uma verdadeira tragédia, da qual desfrutamos
pequenos momentos de alegria e um tempo sem conta
de desespero, frustrações, angústias e dores. A personagem
possui a manifestação Divina. Amando a presença de Deus,
que é o autor de todas as manifestações em cada criatura,
teremos compaixão por todos os seres humanos que no momento
representam, como atores, no palco da vida. Imbuídos
desses sentimentos, podemos ver a enormidade de nossa ignorância.
Como ela começou não importa, o que interessa é tirá-la
de nós. Isto está em nossas mãos realizar. Portanto, não convém
aplaudir ou censurar os erros ou os acertos de uma pessoa,
mas compreender o que a humanidade tem feito com o privilégio
de viver, ciente daquilo que somos: seres humanos.

Genoveva começa contando sua desencarnação. Comento-a,
porque chegamos à conclusão que está muito relacionada
à nossa maneira de viver encarnados, à nossa desencarnação e


20 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MpRINZECK DE CARVALHO
à nossa vivência aqui, no Plano Espiritual. A própria Genoveva
leu sua redação para toda a classe.

" Desencarnei jovem" - começou Genoveva-
tão jovem. Tinha trinta e sete anos , isto é não
Amava a vida, possuía lá
meus problemas como todo mundo, mas estava satisfeita. Casada,
com dois filhos adolescentes, vivia feliz no meu lar. Um
dia, como fazia sempre, saí para comprar roupas. Estava de
carro, d ri do pór as e, distraída, atravessei a rua, quando um
corria além do um jovem embriagado, me atropelou. Ele
ermitido e eu estava entretida: não deu para
evitar o acidente. Desencarnei no ato. Se as pessoas que viram
ficaram abaladas e confusas, imaginem eu. Senti-me jogada no
chão e escutei meus ossos se quebrarem. Não senti dor, mas
fiqueiatordoada. Sentei-me, com dificuldade, na calçada. Não
conseguia ver direito e, então, perdi os sentidos. Acordei num
lugar escuro, úmido, com cheiro nada agradável. Esfreguei os
olhos. Tive a certeza de estar acordada
uma senhora a uns dois metros
de mim, que me observava
calada. Era bem feia, estava suja, cabelos brancos es etados
ou q
achei-a horrível. Ela fic
quieta, enquanto eu a olhava detalhadamente.
Concluí, como sempre fazia, que nem todos eram
bonitos como eu".
Resolvi indagar-lhe.
A senhora sabe por que estou aqui neste lugar estranho?"
"Não é estranho" - respondeu ela, séria-
como outro qualquer." , "é um lugar
"Mas como vim parar aqui? Não me lembro..."
- perguntei-lhe.
Mas onde Vi, então,
delicadeza, tentando ser gentil com aquela estranha mulher
"Uma tumza das que andam por aqui, a trouxe"
após um instante em silêncio. - disse ela
Escutei eles dizerem que a encontraram
sem sentidos, após o acidente. Como não havia
ninguém ao seu lado, pegaram-na e a deixaram aí."
"O acidente!" - exclamei. "
aquele maluco! Lembro-me bem! O carro da-
Mas não era para eu estar num hospital?"
"Se não tivesse morrido, acho que sim, - respondeu a
senhora com sua voz rouca, o que para mim, naquele momento
era muito desagradável.


O VÔO DA GAIVOTA 21

"O que a senhora está me dizendo? Se não tivesse morrido?
Por quê? Morri?"
"Que acha? Claro que morreu!" - respondeu dando um
sorriso cínico.
"Não e não! Não morri!" - gritei.

"Morreu! Morreu e morreu! - gritou ela mais do que eu. "O
"carro passou em cima de você e seu corpo morreu. Mas, como
ninguém morre de fato, aqui estamos vivas em espírito."

"Faz tempo que estou aqui?" - perguntei assustada.

"Um bom tempo. Estava aí deitada sem sentidos.

"Mas que lugar é este?" - indaguei desesperada.

"Pelo que vê, não é muito bom" - respondeu a senhora
após uns minutos calada. "Você não deve ter sido boa coisa,
senão teria sido levada para outro lugar."

"Como se atreve?" - falei sentida.

"Ora, ora, falo como quero. Você é morta! Morta!"
"Não e não!"
Repetia já duvidando. Chorei muito, revoltei-me, dei mur-
ros no chão até que cansei. A mulher saiu de perto de mim.
Dormi. Acordei e senti-me pior, e ainda estava com sede, fome
e me sentindo suja, de um jeito que detestava ficar. Pensei no
acidente e tive ódio do imprudente motorista, e comecei a
sentir meu corpo doer. Percebi que era só pensar no acidente
para ter dores, e assim esforcei-me para não pensar mais. Re-
polvi saber onde estava. Arrastando, locomovi-me alguns metros,
e vi que me encontrava em pequena abertura de uma rocha.
Perto, achei um filete dágua que, com nojo, tomei para amenizar
a sede. Vi que outros, ali, a tomavam, além de comerem
pequenas ervas. Comi também. Não me atrevi a ir mais longe;
e
, quando saía, voltava sempre rápido para a abertura. Aquela
senhora igualmente se abrigava ali, só que saía e demorava a
voltar, pois andava pelo Umbral. Às vezes conversava comigo, e
era a única pessoa com quem eu falava. Sentia-me terrivel-
mente só."
Faço uma parada na narrativa de Genoveva para explicar
alguns detalhes. Muitos não vivem como parte integrante do


22 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
Universo, agem como entes separados da vida. A lagarta nos dá
um bom exemplo de como agir. Como lagarta, realiza com
eficiência sua função, vive para se empanturrar de folhas, adquirindo
energia suficiente para que possa acontecer sua
metamorfose. Muitos encarnados esbanjam energias insensatamente,
de tal forma que, no momento da desencarnação, estão
tão defasados que o espírito não consegue abandonar a matéria.
Não devemos negar as funções do viver, mas sim estarmos
conscientes de que somos transeuntes; não fazer da existência
um acúmulo de sensações e prazeres como se isto fosse a
finalidade única para a qual reencamamos. Identifico Genoveva
com muitos de nós. Nossa narradora se identificou com o
que representava, um elemento feminino cheio de dotes e beleza
física diante do sexo oposto, sentindo-se segura e confiante
pois tinha mais que as outras
. Nada lhe interessava a não ser
ela mesma. Tudo o mais, até o marido e os filhos, era apenas
apêndice do seu "status". Meditando, conseguimos olhar o Universo
como um todo orgânico, vendo a unidade de Deus. Assim
compreendemos sua Onipresença em tudo e em todos entendendo,
então, que para a natureza não há nem bonito nem feio
mas simplesmente um conjunto de manifestações ou indivíduos
que juntos compõem o Universo manifestado. Vemos
que, assim
o bonito e o feio fazem arte de nossa preferência pessoal.
Se conseguimos ver isto como um fato, nos libertamos do apego,
desejos e sensações de sermos melhores que os outros. O
início da verdadeira humildade é não se sentir melhor que
ninguém. Entre milhares de desencarnações que ocorrem diariamente,
cada desencarnado tem uma sensação diferente da
passagem do estado físico
para o espiritual. Mesmo em acidentes
parecidos com o de Genoveva, cada qqual a sente de um
modo. A desencarnação é um fato comum e natural, mas que
se diferencia de uma pessoa para outra. Genoveva foi desligada
bruscamente com o choque. Ao perder os sentidos, ficou em
seguida foidlevado na calçada, já que seu corpo
físico logo em
para o necrotério. Como não se afeiçoara a
ninguém de bem, isto é, trabalhadores ou socorristas, para lhe
velar e s não apósnvamsirizar nados que vagavam, a pegaram.
Levaram p seus fluidos vitais, e a deixaram


O VÔO DA GAIVOTA 23

lá no Umbral. Se Genoveva tivesse adquirido afetos espirituais,
através de sua vivência física, teria sido levada para um posto
de socorro. No exercício da fraternidade incondicional, que é o
servir sem desejar nada em troca, nem mesmo recompensa da
parte de Deus, emanamos boas vibrações. Essas vibrações atraem
os bons espíritos, como também impedem o assédio dos
maus à nossa volta. Tenho visto muitos acontecimentos, em
que desencarnados perversos aprisionam recém-desencarna-
dos imprudentes e os fazem escravos ou os levam para seus
agrupamentos. No caso de Genoveva, porém, sugaram-lhe as
energias e a deixaram num canto do Umbral. Voltemos à sua
narração.
"Não sabia há quanto tempo estava ali, naquele lugar horroroso.
Só mais tarde soube que foram seis meses, os quais
para mim pareceram ser mais de seis anos. Sentia, às vezes,
meus filhos me chamarem. Respondia alto:
- Já vou filho, já vou!"
Mas não ia. Não sabia como fazer e nem tinha forças para
me locomover. Sentia que oravam por mim e, nesses instantes,
ficava mais calma. Comecei então a me lembrar muito de
Dona Rita, minha vizinha. Recordei que ela era aposentada,
viúva, e seu filho que morava longe, não lhe dava atenção.
Passava por muitas necessidades. Dava-lhe muitas coisas, in-
clusive comida pronta, ora o almoço, ora o jantar, comprava-lhe
remédios, além de propiciar-lhe carinho. la vê-la quase todos
os dias e, agora, ela orava muito por mim. Escutava-a dizer:
"Genoveva, peça ajuda a Deus. Ele é nosso Pai e nos ama.
Peça perdão! Queira ajuda!"
Fiquei a pensar no que escutava. "peça ajuda, peça perdão".
Mas eu estava revoltada, pois não queria ter morrido. Era
bonita, cheia de vida e saúde e, agora, estava sofrendo. E não
queria continuar naquele estado, tinha que mudar, só que não
sabia como. As orações de Dona Rita fizeram diminuir minha
revolta, acalmei-me e comecei a meditar. Nunca pensei que a
morte viesse para mim, mas só para os outros. Ainda mais que
me achava jovem para morrer... e eu não queria a morte nem
na velhice. Então percebi que por ali passavam outras pessoas,


24 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
diferentes, limpas e com semblantes tranqüilos. Já haviam tentado
conversar comigo, porém não lhes dei atenção. Talvez
vocês achem incoerente essa minha atitude, pois me incomodavam
a sujeira e aquele lugar horrível e
dava atenção para aquelas pessoas assim mesmo,
limpas e saudáveis
Mas
Sentia-me inferior a eles e isso me
magoava. Também estava envergonhada por estar em estado
tão deprimente. É que, quando encarnada
agora era apenas um farrapo. Mas depois a e sentia rainha e
poderiam me ajudar e acreditei que eles
quando os vi de novo, os chamei, pensando
firme nos dizeres da minha ex-vizinha.
perdão!" "Peça ajuda! Peça
"Senhores por
favor, me dêem atenção!"
Aproximaram-se e, perto deles, percebi como eram feli-
zes. Olhei-os emocionada.
"O
que quer?" - indagou um deles.
Ajuda, perdão..."
- respondi envergonhada.
"Venha conosco.

explicáções. Ao pedir o e d oração de Genoveva para alguns, não
demonstrou que reconhecia
os erros cometidos e que desejava mudar para melhor. Deus
nunca se  ende conosco, apenas nos ama. O que precisamos é
da renovação interior, para participarmos da renovação da humanidade.
Normalmente, quando os familiares chamam os
que desencarnaram, eles os atendem, indo para perto deles, se
não tiverem conhecimentos da vida no Plano Espiritual. E Genoveva
não os tinha. São muitos os que abandonam os Postos
de Socorro, para atender aos chamados dos seus. O desconforto
impele o desencarnado a voltar ao estado anterior, isto é a
sentir a vida que tinha, quando encarnado. A
leva para onde o desejo os guia, vontade forte os
perto de seus afetos quase sempre ao antigo lar ou
nas Colônias · Os recém-socorridos
que estão abrigados
maiores não saem, porque elas ficam mais longe
da crosta e não é tão fácil saírem sem
permissão. Mas muitos
para atender insistentes chamados, pedem
para


O VÔO DA GAIVOTA 25

ir, mesmo sabendo o risco que correm ao voltarem sem estar
preparados. Desencarnados que vagam pelo Umbral, costumam
também atender a esses chamados. Mas nem todos voltam,
como no caso de Genoveva. Primeiro, porque os chamados não
teriam sido muito insistentes, segundo, por causa do medo de
sair do lugar em que se está. Depois, Genoveva não amava
ninguém mais do que a ela mesma. Também, porque ela se
sentia enfraquecida, sem forças psíquicas. Quanto à ajuda que
recebeu de Dona Rita, foi uma reação de uma de suas ações. É
como meu pai sempre diz: "O Bem que fazemos, a nós mesmos
fazemos." E ele lembra sempre das palavras do Nazareno, que
é como gosta de se referir a Jesus, nosso Grande Mestre. "Granear
amigos com as riquezas da iniqüidade, para que, quando
vierdes a precisar, vos recebam nos tabernáculos eternos." (Lucas,
XVI:9).z Quando fazemos o Bem, fazemos amigos. Se um
deles nos for grato, ele nos ajudará quando necessitarmos. Genoveva
fez algumas boas ações. E Dona Rita, grata, não a
esqueceu. Orou com sinceridade e fé para ela. Oração sincera
não fica sem resposta. Genoveva recebeu o carinho de sua ex-vizinha
da forma que precisava no momento.Ela recebia seus
tluidos de ânimo e conforto, embora sua ex-vizinha fizesse ora-
ções decoradas que lhe ensinara a religião que seguia. Orações
envolvem o beneficiado com energias benfazejas, de modo a
ajudá-lo no que necessita. E para Genoveva seriam para seu
arrependimento; para que pedisse perdão e perdoasse, que
chamasse por ajuda, mudando assim seu padrão vibratório e
possibilitando o socorro. E foi isto o que aconteceu.

Continuemos com a interessante narrativa de Genoveva.

"Fui amparada com delicadeza, quando um senhor e uma
moça me levaram para uma casa enorme, um Posto de Socorro
no Umbral. A moça me ajudou a tomar banho. Deliciei-me.
Com roupas limpas, tomei um prato de sopa quente, que achei
muito saborosa. Depois acomodei-me num leito perfumado e
dormi tranqüila. Não estava doente, nem sentia dores, estava


2 - As citações do Evangelho contidas neste livro foram tiradas da Biblia -
Tradução Vulgata.


26 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

só desorientada e com fraqueza. Recuperei-me logo. E fui trans-
ferida para esta Colônia.
"Você vai para a Colônia Vida Nova. Verá como ela é
linda."
Ouvi muitos comentários parecidos. E fiquei curiosa para
vê-la. Fui conduzida à Colônia junto com outros que também se
dirigiam a uma cidade no Plano Espiritual pela primeira vez.
Lá, nos separamos, e fui conduzida para uma casa, onde fiquei
hospedada. Que decepção! Não vi nada das maravilhas que
disseram. A casa, sem arranjos e enfeites, era simples demais.
Só tinha o necessário.
"Que beleza de jardim!
"Que flores lindas!
Tentava prestar atenção e descobrir onde estava a beleza
do que ouvia. O jardim para mim parecia como outro qualquer
da Terra. Só
que talvez mais cuidado e respeitado. As flores
eram flores como sempre foram. Havia algumas diferentes
mas eram plantas... Estava apática. Tentava ser gentil com as
pessoas que moravam comigo, porque era tratada com extrema
delicadeza. Carinhosamente me levaram para conhecer a
Colônia. Nada me entusiasmou. Achei-a extremamente sem
atrativos, pois as belezas e sensações de que gostava, não eram
ali cultivadas. Havia muitas mulheres bonitas, mas elas agiam
como se este fato não lhes importasse. Para mim, a minha
beleza era um patrimônio importante. Gostava dessa aparência,
quando encarnada, pois sentia-me superior à maioria das
mulheres. A Colônia era um lugar como outro qualquer. Bem,
como outro qualquer, não! Para ser sincera, comparando com o
lugar em que fiquei, no Umbral, naquela abertura da rocha, ali
era o paraíso. Os novos amigos muito me aconselhavam. Consideravam-me
como amiga deles, mas eu não pensava assim:
para mim eram somente pessoas boas que tentavam me ajudar
Tudo fizeram para me tirar da apatia, sendo até convidada
a fazer pequenas tarefas. Não era preguiçosa. Muito fútil e
vaidosa, sim, mas ociosa, não. Aceitei, porque senti que deveria
ocupar meu tempo. Fui trabalhar na Biblioteca, onde Maura,
uma senhora alegre e extrovertida, me orientava.


O VÔO DA GAIVOTA 27

"Genoveva, querida, coloque estes livros em ordem alfabética."

Fazia tudo direitinho.

"Muito bem!" - incentivava ela. "Você tem trabalhado com
vontade. Você não é curiosa? Não tem interesse no conteúdo
destes livros? Não gosta de ler? Não a vejo nem folheá-los."

Acabei por pegar um. Abri e li uma página. Era um livro
que os encarnados têm também o privilégio de conseguir para
leitura. Levei-o, emprestado.

Minha apatia foi desaparecendo aos poucos com a ajuda e
alegria dos meus amigos - agora sim, considero-os como ami-
gos - e de lições ouvidas e lidas. Com o estudo e atenção fui
compreendendo que meu corpo e tudo o que me rodeava não
existiam para meu prazer e sensações, mas sim como parte de
um todo que é a manifestação de Deus. Então aconteceu o que
não esperava, pois antes eu via e ouvia, mas nãu todas as
coisas. Agora vejo e ouço o que antes me passava despercebido.
Comecei a esquecer de mim, para prestar atenção à minha
volta. Tempos depois, olhei para tudo novamente e encontrei
as belezas que todos admiravam. Amo muito a Colônia, mas
beleza para mim, por muito tempo, foram outras coisas: vestidos
novos da moda, luxo e beleza física. Só a compreensão faz
vermos a beleza nas coisas simples. Aprendo a vê-las. Estudei e
estudo, trabalho e tenho Paz, e agora estou bem.

Depois de um tempo por aqui, pedi permissão para visitar
meus familiares. Pedidos esses, feitos por quase todos os que
vêm para cá. Alguns dias após ter solicitado, o responsável do
departamento que cuida desse atendimento, chamou-me para
entrevista.

"Tenho saudades dos meus familiares" - disse -, "quero
vê-los e saber como estão."

Meu pedido foi aceito e, ao marcar dia e hora, lembrei de
Dona Rita, e pedi outro favor.

"Será que não posso ir só um pouquinho à casa de minha
ex-vizinha?"
"Pode" - responderam.


28 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Vamos parar um pouquinho com a narrativa para uma
elucidação.
Nessas primeiras visitas, os desencarnados seguem algumas
normas da Casa, onde estão abrigados e que nem sempre
são as mesmas para todos. Elas têm o objetivo de preservar o
equilíbrio do novato em sua nova maneira de viver. Para cada
visitante é determinado um tempo, conforme suas necessidades.
Mas é costume, nas primeiras vezes, irem com um
companheiro experiente, que nem sempre fica junto durante a
visita, mas que o acompanha para trazê-lo de volta à Casa em
que está abrigado.
Voltemos à narrativa.
"Emocionei-me ao ver meu esposo e meus dois filhos.
Percebi que os amava de forma egoísta. Tanto que, ao desencarnar,
só pensei em mim. Não julguei que eles sofreriam pela
nossa separação. Os três estavam muito unidos. Arrumaram
uma empregada e tentavam ajudar um ao outro, levantando o
ânimo. Fiquei por horas esforçando-me para seguir os ensina-
mentos e recomendações que recebi, tais como ficar ale re
orar por eles e não interferir em suas ações. Quase na hora de ir
embora, fui ver Dona Rita e, para meu espanto, ela me sentiu
por ser sensitiva, percebeu minha presença. Não que tenha me
visto, mas pensou em mim de maneira tema.
Genoveva tá Ob Deus a proteja onde esteja. Que seja feliz!
Sou-lhe tão gra rigada.
Orou e me disse coisas carinhosas pelas quais me animei.
Soube, também, que meu esposo continuou lhe dando, em
minha intenção, todo mês, uma quantia em dinheiro. Eu os
achei maravilhosos, ele e meus filhos.
Na hora de voltar, aguardei meu acompanhante para retornarmos
à Colônia. Abracei-o e chorei. Afagou-me somente. Meu
pranto era diferente. Fora muito feliz encarnada e queria voltar
a ser... Mudei, tornei-me mais alegre e entusiasmada."
Genoveva terminou a leitura e, como sempre, após havia
perguntas. Essas redações não são obrigatórias e nem a sua
leitura. Faz quem quer, podendo também o aluno, se preferir
,


O VÔO DA GAIVOTA 29

falar sobre o assunto. Mas, desta vez, foi Genoveva quem indagou:
- Patrícia, ao visitar Dona Rita, quando ela me agradeceu,
saíram dela raios lindos, coloridos, que vieram até mim. Foi
muito agradável. Percebi que aquela sensação de carinho que.
recebia dela, eu já a tinha recebido outras vezes, principalmente
quando estava no Umbral. Também agradeci a Dona Rita,
pois estava ali para isto. E vi que ao fazê-lo também saíram de
mim esses raios, que lhe foram também muito agradáveis.
Como você explica isto?
- Quando estamos carentes - respondi -, é que mais senti-
mos as vibrações de carinho, como aconteceu a você no Umbral.
Dona Rita orava, desejando-lhe que estivesse bem. O ato de
agradecer é muito bonito. A gratidão sincera sai da alma e
envolve a pessoa que agradece, com raios de suave colorido,
os quais depois vão para quem estamos agradecendo, beneficiando
a ambos. Muitos pensam que bons e harmoniosos fluidos
só acontecem em esferas elevadas e que só espíritos superiores
são portadores de tais vibrações. É que ainda não perceberam
que, por Deus, fomos dotados em estado potencial com a capacidade
de amar e de sermos fraternos, cabendo-nos somente
dinamizar este estado de vida. O estado psíquico de gratidão é
uma faculdade do ser humano. Somos filhos do amor. Mas não
devemos nos importar com agradecimentos e, sim, compreender
o que realmente somos, para que, ultrapassando o egoísmo
cheguemos ao estado de fraternidade, em que o reconhecimento
seja uma situação natural de se viver. Beneficiamos a
nós mesmos, quando cultivamos o sentimento sincero da gratidão.
Ninguém fez mais perguntas e saímos, para um pequeno
intervalo. Fiquei a meditar. Muitos temem a desencarnação por
não terem o preparo para essa continuação de vida. Muitos
sofrem com essa mudança, que a vida nos impõe, sem que
tenhamos outra escolha. Outros a acham maravilhosa, pois,
pela lei da afinidade, gostam muito do lugar para onde foram
atraídos. A natureza não dá saltos, nada é excepcional e a
beleza está na simplicidade. Muito se tem falado da continuação
da vida depois da morte física, mas cabe a cada um fazer


30 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

seu preparo, sem descuidar do tempo presente. Pois é nele que
construímos nosso futuro. Devemos viver bem e no Bem, sempre.
A desencarnação pode ocorrer a qualquer momento. Que
ela nos surpreenda, então, de tal modo que possamos estar
aptos a continuar a viver bem e felizes.


Colóquio Interessante


Numa aula especial, trocamos idéias sobre diversos assuntos
do interesse da maioria. Lena, nossa querida colega, alegre
como sempre, indagou:

- Patrícia, por que uns se deslumbram tanto com as Colôni-
as e outros, não?

- Nada deve acontecer em excesso - expliquei. - O equilí-
brio precisa existir sempre. Colônias servem de lar a muitos
desencarnados, mas temporariamente. É necessário amar, respeitar
e dar valor a todas as formas de lar. Muitos, pela vibração,
se afinam mais com estes lugares de Paz e Harmonia que, para
outros, são monótonos e sem atrativos. Quando aprendemos a
ver Deus em tudo e dentro de nós, qualquer lugar é maravilhoso,
pois não existem lugares ruins. Se estamos satisfeitos conosco,
so ada nos para
seremos felizes onde estivermos, se insatisfeito

rece suficientemente bom.

Josefino perguntou para elucidar-se.

- Patrícia, as Colônias progridem?

- Sim e muito. As Colônias estão sempre progredindo pelo
trabalho de seus moradores. Sempre se modificam para melhorar
a vivência temporária de todos que aqui vêm.

- Elas aumentam de tamanho? Quem as constrói? - inda-
gou Josefino novamente.
- Normalmente - respondi -, as Colônias são criadas e
quenas
pelos seus fundadores. Vão sendo ampliadas conforme

32 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIlVZECK DE CARVALHO

a necessidade. Seus fundadores são sempre desencarnados que
amam o Bem e o próximo. Muitas vezes, após a fundação,
permanecem eles trabalhando nelas, para o Bem comum. Cada
Colônia tem os seus fundadores; são eles orientados por espíritos
superiores, que trabalham como construtores, no Plano
Espiritual.
- Patrícia, nunca tive uma profissão, nem quando encarna-
do, nem quando vagava desencarnado - disse Josefino. - Aqui
aprendi muito e, após o curso, vou estudar enfermagem.

- Fico contente por você, porque conhecimentos só nos
fazem bem e, quanto mais sabemos, mais podemos ser úteis.
- Patrícia - replicou Marília -, continuaremos a exercer
aqui a profissão que tínhamos quando encarnados? Fui advogada.
Poderei trabalhar na advocacia? Quando encarnada
preocupei-me tanto com isso!
- Marília, profissões devem ser temporárias. Encarnados,
as temos também para a sobrevivência. Aqui devemos ser úteis,
aprendendo as muitas formas de assim ser. Os conhecimentos
que teve ao estudar e ao exercer sua profissão, fizeram que
desenvolvesse sua inteligência, pois, os conhecimentos que nos
esforçamos para obter, nos pertencem. Os encarnados não devem
preocupar-se com o exercício de suas profissões, no Plano
Espiritual, ou inquietarem-se por não terem alguma. Quando
queremos, achamos sempre um modo de ser útil e de trabalhar.
Aqui é uma continuação de vida, mas muda-se muito, de
vez que coisas que fazíamos quando encarnados não há, muitas
vezes, como e por que fazê-las no Plano Espiritual. Aqui, nas
Colônias, fazemos rodízio de muitas tarefas para aprender mais
e também para escolher da que mais gostamos para a ela nos
dedicarmos. Você, Marília, poderá fazer muitas tarefas e muito
lucrará com o aprendizado.
- E no Umbral? - perguntou Marília novamente. - Traba-
lham, por lá? Exercem os desencarnados as profissões que
tinham quando encarnados?
- Os que sofrem no Umbral - elucidei - não fazem nada, a
não ser os que são obrigados, como escravos. Os moradores,
principalmente das regiões umbralinas, trabalham, só que de


O VÔO DA GAIVOTA 33

modo muito diferente dos desencarnados que o fazem para o
bem comum. No Umbral, tudo é feito com egoísmo, vaidade e
para o mal. Consideram estar trabalhando, quando estão vingando
obsediando e destruindo. Lá muitos têm conhecimentos,
mas os usam de forma errada. Quanto às profissões que tinham
, quando encarnados, quase sempre não têm como
exercê-las, já que a vida física difere muito da que vivemos no
Plano Espiritual.
- Patrícia - disse Marília -, quando eu ainda estava encar-
nada, um amigo meu desencarnou e, na ocasião, fiquei muito
impressionada. Comecei a sentir muitas dores, como ele as
sentia. Meu esposo me levou ao Centro Espírita e lá me falaram
que ele não estava comigo como julgávamos, mas sim num
hospital no Plano Espiritual. Fui aconselhada a não pensar nele
e, á sim, melhorei. Lembrando agora deste fato, gostaria de
entender o que se passou.
- Vou lhe responder o que pode ter ocorrido. Porém não se
pode dar uma resposta categórica para algo, sem se analisar
bem o que aconteceu. Para cada fato há várias explicações.
Esse seu amigo desencarnado não estava perto de você, mas,
ao
pensar múito nele, você se ligou mentalmente a ele. Quando
isso acontece, o que pode suceder é uma transmissão de
vibrações, e até mesmo uma transfusão de energias. Por isso,
somos incentivados pelos instrutores a fazer coisas boas e a nos
ligar a pensamentos elevados ou a espíritos bons, pois, assim
procedendo, absorvemos suas vibrações. Aquele que tem mais,
dá ao que tem menos. Ao pensarmos coisas ruins, prendemo-nos
a espíritos afins e deles recebemos as más vibrações, quando
não, somos por eles vampirizados, principalmente se estivermos
encarnados. Podemos também permutar vibrações de
desarmonia e angústias. Você, encarnada na época e pensando
forte, se ligou ao seu amigo desencarnado que, mesmo socorrido
num hospital, estava ainda enfermo, e assim ocorreu a troca
de fluidos. Ao não pensar mais nele tão insistentemente, desligou-se
e melhorou. Devemos orar para todos, sem atrair para
nós nada que o outro esteja sentindo. É preciso orar, mas somente
enqar à pessoa a querri oramos, bons fluidos, ânimo,
paz e alegria.


34 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

- Patrícia, por que há tantos desequilíbrios? São muitos os
desencarnados, perturbados, e também vemos encarnados com
cérebros danificados, portando doenças mentais. Este assunto
me intriga - falou Olavo.
- Você, Olavo, deu a designação certa: desequilíbrio - fa-
lei. - Encarnados, quando se alimentam demasiado
,
desequilibram o aparelho digestivo, e a má digestão certamente
os incomodará. Do mesmo modo, podemos nos equilibrar ou
não, como resultado de nossos atos. Ações boas nos equilibram,
harmonizando-nos com a perfeição. Ações más danificam o que
está bem, desequilibram, trazendo sempre a doença e o sofrimento.
E quando sofremos sem nos revoltar, acabamos por
entender que foram nossos atos negativos que motivaram essa
situação. Ao mudarmos nossa maneira de viver, teremos aprendido
mais uma lição. E, se não aprendemos pelo amor
,
acabaremos aprendendo pela dor. A mente e o corpo não são criados
por nós, apenas os desenvolvemos. Tanto a mente como o
corpo anseiam pela harmonia, que compõe a natureza. Essa harmonia
só é possível quando não há interesse pessoal e quando
todos trabalham com um único objetivo, o do Bem comum. Agindo
egoisticamente, nós nos separamos espontaneamente do
movimento da vida. É como se o feto recusasse o sangue da mãe
que o sustenta. A mente ou um corpo privados dos fluidos cósmicos,
pelo egoísmo, entram em estado de perturbação. O
remorso destrutivo também desequilibra bastante. Muitos, ao desencarnarem,
percebem o tanto que erraram, perturbando-se
demasiado e depois, sem um preparo especializado das Colônias,
uma compreensão, ao reencarnar passam para o corpo
esse desajuste. Essas deficiências também podem ocorrer quando
abusam do corpo saudável, danificando-o com drogas ou
suicidando e, então, se ressentirâo, em outra encarnação, de um
corpo perfeito. Igualmente, o desequilíbrio mental será causado
por abuso da inteligência, ao se prejudicar os outros. As
anomalias físicas não existem como punição de Deus, mas sim
como conseqüências do nosso remorso destrutivo, advindo de
vivência com tins egoísticos, como se não participássemos da humanidade.
Reconhecer que erramos é fundamental, mas
punirmo-nos, por incrível que pareça, é uma atitude de egoísmo.


O VÔO DA GAIVOTA 35
Que seria mais agradável a Deus: ser um aleijado, representando
um peso para a sociedade, ou reconhecer nossos desacertos
e preparar-nos convenientemente para ser daqueles que constroem
e enobrecem a humanidade? certamente, a segunda
hipótese.
Helena pediu para falar e, atendida, propiciou-nos valiosa
lição.
- Encarnada, tive uma deficiência mental. Meu cérebro
não funcionava normalmente. Doenças? Foram várias, e a medicina
tinha muitas explicações. Tomei muitos medicamentos.
Desencarnei após sofrer muito. Que fiz para ter vivido assim?
Este fato veio a me incomodar, depois de eu ter melhorado no
hospital desta Colônia. As lembranças do passado vieram fácil
à minha mente, entretanto, quando encarnada, também as tinha
e não as entendia, e elas vinham como sensações
desagradáveis a me incomodar. Meus erros foram muitos, e me
marcaram profundamente as recordações que me vinham ao
cérebro, de forma difusa, levando-me a me perturbar ainda
mais. Não quero e não vou falar dos erros do passado. Contarei
a vocês a minha vida como doente mental, sem generalizar, só
narrando minha experiência particular. Reencarnei, por afinidade,
numa família de classe média, tendo assim assistência
material e também afetiva. Desde criança, já era considerada
estranha e esquisita. Quando entrava em crise, falava coisas
desconexas, afirmando ser outra pessoa, com outro nome, alguém
desconhecido. Sentia-me realmente assim: duas
personalidades. Na adolescência, piorei muito e fui internada
em hospitais, onde sofria bastante com a separação dos meus e
com os medicamentos. Em algumas vezes, agia como sendo
uma pessoa, em outras, agia diferente. Havia também períodos
de melhora, quando conseguia reconhecer ser ora doente, ora
normal. Queria me curar, pois envergonhava-me dos vexames
que causava, me irritava e sofria com as chacotas e risos dos
outros. Aborrecia-me dizer coisas tolas, ser ridícula. Não era
agressiva, a não ser quando me irritava, aí eu xingava as pessoas.
Sendo católica, ia sempre à igreja, quando estava calma. Se
me via nervosa, minha mãe não me deixava ir, porque não
parava quieta, incomodando as pessoas. Gostava de ver Nossa


36 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIIVZECK DE CARVALHO

Senhora Aparecida, a quem chamava de Parecidinha. Não rezava
de forma decorada, e minha contemplação representava
minha oração. Familiares e conhecidos, para me chatear, mexer
comigo, diziam que iam bater na imagem de Nossa Senhora,
então eu chorava desesperada e só parava quando me garantiam
que não bateriam na minha Santinha. Fugia muito de casa
para passear pelas ruas, andando de um lado a outro e, quando
me cansava, voltava para casa. Dei muitos vexames e sofri por
isso, porque não queria ser daquele jeito. Para meu orgulho era
um enorme ridículo. Aprendi muito, só que desencarnei doente,
com muitas dores e, nessa ocasião, uma equipe, que
trabalhava em nome de Maria, veio me socorrer. Sarei após um
bom e longo tratamento espiritual, neste hospital da Colônia, e
digo-lhes que agora também perdi o orgulho, que foi minha pior
doença.
Completei com a explicação:
- Quando o desequilíbrio mental é muito grande, pode-se
perder a capacidade de ser uma pessoa sadia. A recuperação
só se faz com o auxílio de outros espíritos e através de reencarnações,
ocasiões em que se recebe novo cérebro, mas que
pode novamente ser danificado enquanto persistir a causa. O
reequilíbrio vem pouco a pouco, como a água limpa em caixa
suja, que, renovada, acaba por limpar todo o ambiente. E é
pela bondade de Deus, concedendo-nos a reencarnação, que
acontece a recuperação. Muitas são as causas que levam os
encarnados a terem doenças mentais, e suas sensações diferem
de uma pessoa a outra. Tenho escutado muitas narrativas
diferentes de pessoas que, encarnadas, tiveram deficiências
mentais. Não existem duas experiências iguais, e, normalmente,
são recuperações difíceis, pela dor, quando se poderia muito
bem tê-las feito pelo amor. Temos, para meditar, a narrativa de
Helena, lembrando que não devemos ironizar o doente, porque
poderia sermos nós a passar por essa experiência de recuperação.
Não tendo mais comentários, a aula terminou com muito
proveito para todos.


Amor e Desapego

Paula tudo escutava e ficava pensativa. Não tinha muito
tempo de desencarnada. Saindo de suas reflexões, indagou:

- Será que um dia irei gostar da vida de desencarnada?
Sinto muita falta de tudo que era meu.

Carlos Alberto demonstrou vontade de responder à colega
e, notando isso, dei-lhe permissão para falar.
- Paula, também já me senti assim. Fiquei revoltado ao
desencarnar. Não aceitava, pois fui tirado da vida física cheio
de vitalidade, sonhos, planos, estava casado e com duas filhinhas
para criar. Pensei muito: por que eu? Com tantos querendo
morrer e continuando encarnados, e eu que gostava tanto da
vida física, desencarnei. Minha avó com muita paciência tentava
me confortar. Dizia-me sempre:
"Carlos Alberto, aqui você não terá a competição de um
trabalho estafante, não ficará doente, não sentirá frio ou calor.
A vida aqui é tão boa!"

"Gosto do trabalho competitivo, aprecio a luta pela sobrevivência,
gosto do frio e nada mais agradável que sentir calor, e
ainda: as doencinhas quebram a rotina" - respondia, sincero.

Com o tempo, acabei conformado com o inevitável. Após
muitos anos, entendi o porquê de ter-me sentido desse modo.
Foi por não estar preparado e não ter informações verdadeiras
da desencarnação. Amava muito e de maneira incorreta a vida
material, para entender a vida espiritual. E, quando me tornei


38 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

útil, é que passei a amar a vida, sem me importar se estava
encarnado ou desencarnado. Paula, por que você não aprende
a amar? Todas as etapas de nossas existências, no Plano Físico
ou Espiritual, nos são úteis."
- Achei muito válida a opinião de Carlos Alberto - falei à
Paula, querendo ajudá-la, como também para elucidar a turma
sobre essa questão de interesse de todos, e que nâo estava no
plano de aula.
- Paula, tenho notado que você se queixa muito. Agia assim,
quando encarnada?
- Acho que sim, tinha reumatismo, a me incomodar muito,
morava com meu filho e não me dava bem com a nora...
- Paula - interrompi -, muitos de nós costumamos reclamar
por não aceitar o que temos e o que somos. Quando
encarnada, você se queixava de muitas coisas, e não mudou ao
desencarnar. Ninguém muda de imediato. Para nos transformarmos,
necessitamos de muita compreensão. Temos sempre
muitas possibilidades de ser felizes, só que quase sempre não
as percebemos. Às vezes, prefere-se desejar algo que não se
tem, na ilusão de ser, ou ter. Consideramos estar nos atos externos
ou em terceiros a nossa tão falada felicidade. E, na maioria
das vezes, ao conseguir o que almejamos, a euforia passa logo,
e voltamos a desejar outras coisas. Todavia a tão sonhada felicidade
está dentro de nós, não importando onde vivemos e o que
fazemos; os atos externos não devem influir em nossa Paz interior.
Muitos pensam que só serão felizes desencarnados. Outros,
que só a vida física lhes trará alegrias. Ao colocar fatos externos
como condição para sermos felizes, não seremos. E também
não devemos esperar que outros resolvam, para nós, a dificuldade.
Enquanto não solucionarmos nossos conflitos de ter e ser,
permaneceremos insatisfeitos em qualquer lugar. A felicidade
duradoura está na Paz conquistada, na harmonia, no equilíbrio,
na alegria de ser útil, no Bem e ao caminhar para o progresso.
Creio, Paula, que irá gostar da vida aqui, quando sua felicidade
não depender de coisas ou de pessoas; não esperar recompensas,
retorno; não exigir nada; quando você amar a si mesma, a
vida e a todos que a rodeiam.


O VÔO DA GAIVOTA 39

- Patrícia, por que não falamos um pouco sobre o amor?-
disse Heloísa. - Sobre o Amor e o desapego.
O assunto era deveras fascinante, tentei elucidar a turma.
-Amar, de forma egoísta, todos os seres humanos o fazem,
nem que seja a si mesmos. Mas o amor de forma verdadeira,
sem egoísmo e posse, é que demonstra que aprendemos. Ao
amar verdadeiramente, anulamos erros e irradiamos alegrias
em nossa volta.
Amar e desapegar-se dos seres que amamos não é fácil.
Os encarnados, no aprendizado para se desprender do que lhes
é caro, chegam a ter sensações de dor, porque sentem sufocada
sua ilusão de ter. É necessário amar tudo, mas sabendo que isso
nos é emprestado. E por quem? Pelo nosso Criador. Lembremos
que com objeto emprestado, cuidado dobrado. Sim, realmente,
o que temos, nos é emprestado, já que não somos donos das
coisas materiais, não possuímos nada. Nosso amor pelas coisas
deve ser sensato, para usar o que nos é permitido, sem abusar.
E também dar valor à casa que nos serve de lar, às roupas que
vestem o corpo, ao local em que trabalhamos, onde recebemos
o necessário para o sustento material, enfim, a todos os objetos
que nos são úteis. Porém, teremos um dia que deixar isso para
outros, e que os deixemos da melhor forma possível, a fim de
que eles possam desfrutar dos objetos emprestados tanto quanto
nós. Até o corpo físico temos que devolver à natureza. E essa
devolução como é difícil para muitos.
Até aí, parece fácil, embora saibamos que muitos, possuídos
pelo desejo de ter, se esquecem desse fato e se apegam a
coisas, objetos, julgando ser deles, mas, quando desencarnam,
não querem deixá-los e a eles ficam presos. Há uma parte mais
difícil, que é amar nossos entes queridos sem apego. Quase
sempre nos julgamos insubstituíveis junto daqueles que amamos,
pensando amá-los mais que ninguém, e ser indispensáveis
na vida deles. Apegamo-nos assim às pessoas, esquecendo que
elas também são amadas por Deus e que somos companheiros
de viagem, cabendo a cada um caminhar com seus próprios
passos. E, ainda, muitas vezes nessas caminhadas, somos levados
a nos distanciar um do outro, embora afetos sinceros não se
separem. Podem estar ausentes, não separados. Deixar que


40 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

nossos afetos sigam sozinhos, sem nós, é algo que devemos
entender. É o desapego. Ao desencarnar, ausentamo-nos do
convívio de nossos entes queridos e, se não entendermos isso,
consideraremos essa ausência como separação definitiva. É
preciso aprender a amar com desapego, ampliar o número de
nossos afetos, sem a ilusão da posse. Se formos chamados a
nos ausentar, pela desencarnação, continuemos a valorizá-los,
respeitando-os, ajudando-os. Estaremos no caminho do desapego,
e continuaremos a amá-los da mesma forma.
Terminei de falar e lembrei-me de Luiz, de sua história,
que poderia bem ilustrar este assunto. Convidei-o a falar de si,
para toda a classe, sabendo que sua narrativa seria importante
para todos nós. Luiz começou a falar:
- Minha vida transcorria com normalidade. Minha família
e eu vivíamos numa propriedade rural, onde ganhávamos o
pão com trabalho honesto. Apesar de muitas dificuldades, éramos
felizes, pois aprendemos com nossos pais a trabalhar e
confiar em Deus. Estava com cinqüenta anos, ao desencarnar.
Quando me dei conta, sem saber quanto tempo havia passado,
vi-me num ambiente agradável e fraterno. Passados uns dias,
senti, lá no fundo, preocupação com minha família, e isso aumentava
a cada instante.
Quando o médico que nos atendia, chegou para a visita
diária, externei minhas preocupações, que se transformavam
numa grande angústia quase insuportável. Com muita atenção
e carinho, esclareceu-me que eu havia morrido, desencarnado,
e que estava num Posto de Socorro, salientando que aquilo era
percepção psíquica do estado mental por que passava minha
família, naquele momento difícil. Eu sentia daquele modo, porque
era como se vivesse cada um dos pensamentos e angústias
da minha esposa companheira e de meus filhos. Explicou-me
também que todo sentimento muito forte, em relação a uma ou
mais pessoas, nos une mentalmente a elas, e que estamos
ligados pelo amor ou pelo ódio. Eu estava ligado aos meus, por
afeto. Ensinou-me também que eu, no momento, não podia
fazer nada por eles a não ser orar, pedindo a Deus que lhes
concedesse paz, amor, harmonia e a aceitação do ocorrido,
pois a morte de um ente querido é quase sempre muito dolorida.


O VÔO DA GAIVOTA 41

É um fato que irá acontecer em todas as famílias, não por
estarmos sendo punidos, mas sim por circunstâncias naturais
do ciclo da vida. E, para que haja vida, é necessário o nascimento
e a morte. Deveríamos aceitar o fato assim como ele é,
não como queríamos que fosse.
Aquele ensino dirigido a mim, com palavras tão carinhosas,
não foi suficiente para aplacar minha angústia e
preocupação, que aumentaram por saber que estava morto,
desencarnado. Minha decepção e frustração eram terríveis, pois
fora, durante toda a vida física, muito religioso e "temente" a
Deus. Obedecia sem questionar, como lei, a catequese de minha
religião e acreditava nas palavras daquele que se dizia
digno da possibilidade de doar bens divinos. E agora! - pensava
aflito. - Estava morto e não estava no céu, em paraíso nenhum!
Não vira Jesus Cristo! Mas, ponderava para mim mesmo, estava
sendo bem tratado num local muito limpo e com carinho. O
enfermeiro de plantão, Antônio, do qual me tornei amigo, dava-me
toda assistência e nada me faltava. Mas tudo aquilo não foi
suficiente para aplacar minha decepção e desejo de estar junto
dos meus.
Pensei muito, encontrei aqui tudo muito diferente do que
imaginava. Mas, se existisse céu como acreditava, as pessoas
que fossem para lá, teriam, para ser felizes, que perder a individualidade.
Porque, para mim, nenhum lugar seria um paraíso,
separado dos meus. Achava que tudo que desfrutei, quando
encarnado, eram posses minhas: casa, sítio e família. Os bens
materiais, adquiri-os com trabalho honesto, mas eles não me
importavam, ainda mais que os deixei para os que amava.

Chamei o enfermeiro e perguntei se poderia falar com o
responsável por aquele hospital. Logo ele voltou com a resposta
que, como eu estava bem, iria ter alta no dia seguinte e nessa
ocasião o diretor falaria comigo. Não consigo descrever como
senti lento o tempo que esperei até o momento da minha liberação
do hospital.

O que agravou bastante meu estado emocional foi o conflito
de pensamentos, a preocupação com a família. Eu estava
morto, sem estar preparado para o mundo que encontrei. Não
sabia onde me encontrava, nem o que ia fazer na nova vida.


42 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Sentia os familiares em dificuldade e não tinha mais o corpo
físico. Como ajudá-los?
Foi em meio a todo este contlito e perguntas sem respostas
que chegou Antônio, com roupas novas para mim, pedindo que
me trocasse, pois o diretor do hospital estava à minha espera
para a entrevista tão desejada.
Aquelas palavras caíram como bomba em cima de mim,
pois até então eu estava sendo bem atendido. As minhas dificuldades
eram somente os contlitos dos meus pensamentos.
Depois dessa entrevista, seria liberado, e para onde iria? Iria
fazer o quê? O que um morto faz? Onde realmente estava? Foi
com uma sensação indescritível de desamparo, que me pus a
caminho, com Antônio.
Mas qual não foi minha surpresa, quando fui recebido pelo
diretor. Se me sentia desamparado por Deus, ao ver aquela
pessoa bondosa e atenciosa, senti logo o amor que emanava
dele. O mal estar desaparecia à medida que conversávamos,
chegando a ponto de não me sentir mais decepcionado por não
ter me encontrado com Jesus Cristo, pois encontrava ali um
representante Dele.
Com muito amor, o diretor foi me explicando tudo e delineando
a minha recente maneira de viver, com nova
acomodação e afazeres. Passado um tempo, acostumei, assumi
a nova vida e gostei muito do local em que vivia. Era deveras
bom, lugar de muita harmonia e fraternidade. Mas continuava a
sentir minha família em dificuldades.
Explicaram-me que, em breve, minha família se acomodaria
com a nova situação. Com o passar do tempo, sentia
minha companheira mais conformada com a falta, porém ela
estava angustiada e o motivo não era a minha desencarnação,
mas uma de minhas filhas.
Como eu não estava suportando senti-los com dificuldades,
comecei a ter remorso que, aos poucos, foi aumentando.
Que esposo, que pai fora eu? Enquanto eles sofriam, eu vivia
num lugar extraordinariamente bom. Fui falar com meu superior
e confessei minhas preocupações. Ouvi dele conselhos e
explicações, pois eu não tinha conhecimentos suficientes para


O VÔO DA GAIVOTA 43

ajudá-los. Mas, apesar de todas as recomendações, não mudei
de atitude, achei que, se nada pudesse fazer por eles, iria sofrer
junto. Não queria ter aquela vida maravilhosa e saber que eles
sofriam. Seria solidário com eles: se chorassem, queria abraçá-los
e chorar também; se eram perseguidos, que me perseguissem;
se machucados, que sentisse a dor de suas feridas.

Pedi, insisti para voltar ao lar. Diante de minha atitude,
meu superior autorizou a volta. Nossos desejos são sempre
respeitados, quis voltar e o fiz. Apesar das explicações e recomendações,
pensei estar preparado. Mas não estava. As
dificuldades foram muito maiores do que esperava.3

Chegando em casa, deparei com dois mal encarados, espíritos
perturbados na maldade. Ao me verem, perguntaram-me
se viera ver os familiares sofrerem. Eles obsediavam uma de
minhas filhas e estavam prejudicando, infernizando toda a família.
Quis impor a minha autoridade, pois era o chefe daquele
lar, dono daquela propriedade. Quis expulsá-los, porém eles se
recusaram a sair. Isto me levou a ficar nervoso e era o que eles
precisavam para que eu me perturbasse, ao contato com a
vibração ambiente. Senti primeiro uma violenta dor de cabeça
e logo em seguida uma agonia, como se tivesse desencarnado
naquele instante. Perturbei-me por algum tempo, mas não sei
precisar quanto, e esse meu estado só piorou a situação dos
meus. Voltei ao equilíbrio depois, numa reunião espírita, onde
me senti unido a uma pessoa, havendo outra conversando comigo,
explicando-me que eu precisava de auxílio e que Deus,
através de seus enviados, estava me socorrendo.

"Preciso ajudar os meus" - respondi.

"Para auxiliar é preciso ter condições" - esclareceu o
orientador encarnado dessa reunião. "Não se preocupe, os seus

- É normal querer auxiliar os que amamos. Mas só ajudamos quando preparados
e, para esse preparo, não temos tempo determinado. Dependendo
de muitos fatores, é rápido para uns e demorado para outros. Podemos
ajudar com conhecimentos e segurança, quando os orientadores do local
que nos abriga, nos julgam capazes. Mas, mesmo assim nossa ajuda é limitada,
pois cada qual tem a lição que lhe cabe fazer. (N.A.E.)


44 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE (Arzvnr un

também estão sendo atendidos e, assim também, os agressores
de sua família. Se não se quiser ter inimigos, é necessário
tomá-los, amigos. Estamos providenciando para que isso seja
um fato.

Senti-me melhor e o orientador me convidou:
"Amigo, queira o socorro oferecido, vá viver uma vida digna
de um desencarnado. Será que é este o tipo de vida que seus
familiares desejam para você?"
"Não" - falei -, "eles me querem bem, pensam que estou
no céu e que sou feliz."
"Por que você não faz o que eles querem? Por que não
aprender a amar com desapego? O amigo não está esquecendo
que eles são, como você, filhos de Deus? Se você foi chamado a
viver de outro modo, é porque findou seu tempo como encarnado.
E não será egoísmo a felicidade que se desfrutar numa casa
de auxílio no Plano Espiritual, se a conseguiu por merecimento
e afinidade. Faça o que tem que ser feito. No momento é viver
num abrigo para desencarnados, estudar e trabalhar, sendo útil
como fez quando encarnado. Vai, amigo, fazer o que lhe é
devido, não se envergonhe de ser feliz, porque, ao estarmos
bem, irradiaremos alegrias que beneficiarão os outros."
Mais tarde, na Colônia, já adaptado, é que vim a saber que
minha outra filha namorava o filho de um senhor, dirigente de
um Centro Espírita, e o rapaz, vendo o que acontecia em minha
casa, pediu ajuda ao seu genitor e esse auxílio não se fez demorar.
Naquela ocasião, fomos todos orientados no Centro, os dois
espíritos que os atormentavam e eu. Com nosso afastamento, a
situação melhorou muito. Minha esposa pensou ter alcançado
uma graça que pedira a uma santa e a uma senhora desencarnada
na cidade, tida como milagreira, por ter sido boa quando
encarnada. Soube, mais tarde, que essa senhora não pôde na
época ajudá-los. E meus familiares nem ficaram sabendo que
receberam tanto de desconhecidos, de um Centro Espírita.
Hoje, estou bem, visito-os sempre e tento ajudá-los dentro
dos meus limites. Uma família grande sempre tem problemas,
mas não me desespero quando não tenho como auxiliá-los.
Luiz deu por finda sua narrativa, deixando-nos silenciosos.


O VÔO DA GAIVOTA 45

Talvez porque todos nós já tivéssemos passado por problemas
parecidos e estávamos dispostos a aprender a amar sem
apego.
Após a aula, meditei sobre o assunto. Muitos encarnados
me têm pedido ajuda, talvez por acharem que posso muito, ou
pelo que escrevo, através de livros. Porém nada sou, pouco
posso. Esforço-me, isso sim, para aprender e trabalhar, pois
almejo caminhar no Bem, rumo ao progresso. Devido às minhas
tarefas, não posso atender a esses pedidos, porém eles
não ficam sem resposta. A personalidade, aqui, não é cultuada.
Os bons espíritos atendem em nome da fé, da sinceridade, sem
se importar de quem vem o pedido. Muitos, que os encarnados
nem conhecem, são ativos no Plano Espiritual e atendem essas
solicitações. Constituem-se em obreiros, samaritanos, humildes
trabalhadores dos Centros Espíritas, desencarnados amigos
e protetores dos que pedem. Fazem por amor, apenas pelo
prazer de servir.
Deve-se pedir a Deus, a Jesus, ao anjo protetor, que os
bons desencarnados atendam e ajudem no que seja possível.

Concluí meus pensamentos com a certeza de que amo
muito e que minha família aumenta constantemente, pois quero
amar toda a humanidade. Mas tenho, pelos meus, imenso e
infinito carinho, só que com desapego. Amo-os sem posse. É o
que todos nós devemos fazer: amar com desapego.



Um Pedido Diferente


Ao sair da classe, fui informada que havia uma visita para
mim e me aguardava no jardim em frente da escola. Ao aproximar-me
do local, veio ao meu encontro uma moça
extremamente agradável.
- Patrícia! Sou Elisa! Gostaria de conversar com você.
- Oi, Elisa, como está? Sentemos aqui.
Convidei-a e nos acomodamos num banco embaixo de
uma frondosa árvore. Minha recém-conhecida falou de modo
delicado.
- Patrícia, vim lhe pedir uma ajuda muito especial. Na
Casa do Escritor, me informaram que a acharia aqui. Antes
,
porém, fui procurá-la num Centro Espírita, em que, disseram-
me, você se manifestava. E, lá, me decepcionei, porque a
manifestante não era você.
Sorri, compreendendo.
- Elisa, isso tem ocorrido. Gosto de Centros Espíritas e
muito mais ainda da Doutrina, que já abraçara encarnada. Após
meus estudos de Reconhecimento do Plano Espiritual, só fui a
alguns Centros Espíritas para conhecer e estudar, não os tenho
visitado mais. Quando vou à Terra, apenas vejo meus familiares
e, quando dá, visito somente o Centro Espírita que meus
familiares freqüentam, para estar com eles e rever amigos. Isto
porque optei por estudar e trabalhar com desencarnados em
Colônias.


O VÔO DA GAIVOTA 47

- Pensei que você estivesse ditando mensagens por outros
médiuns - falou Elisa.
- Tudo o que faço e que farei é com muito amor - repliquei.
- Não é meu trabalho desenvolver médiuns, pois é tarefa
que exige muito preparo e paciência. Também não tenho como
incumbência ser protetora de ninguém, nem escrevo por outros
médiuns, a não ser por minha tia Vera. Isto porque nós duas nos
rearamos durante anos, quando estávamos desencarnadas,
pará esse trabalho. Reencarnamos e tivemos, na vida física,
grande afinidade, conseguia transmitir a ela o que pensava.4
Após programar nosso trabalho, nós o executamos com dedicação,
para que saia o melhor possível. Tenho recebido muitas
manifestações de carinho por estes livros, e meu afeto por todos
é sincero e profundo. Gostaria de estar perto daqueles que
desejam minha presença, mas é impossível, porque meu trabalho
é nas Colônias e não tenho condições de estar em muitos
lugares ao mesmo tempo.5

- Você vai visitar muito seus pais? Comunica-se no Centro
Espírita que eles freqüentam

- Estou com eles sempre que me é possível. Meus familiares
e eu somos espíritos afins, unidos por um afeto puro e
desinteressado. Na reunião que eles freqüentam, não se valoriza
o nome do comunicante, mas, sim, o bem que sua presença
ou comunicação proporciona aos que estão presentes, sejam
encarnados ou desencarnados. Quem organiza a parte espiritual


4 - Fato presenciado pelos familiares. (N.A.E.)

5 - Eu, Patrícia, autora dos livros Violetas na Janela, Vivendo no Mundo dos
Espiritos, A Casa do Escritor e este O Vôo da Gaivota, afirmo que não me
manifestei e nem tenho me manifestado em nenhum lugar ou Centro Espírita
nem por nenhum outro médium, seja pela psicografia ou pela
psicofonia. Recomendo muita cautela a esse respeito. Para que entendam
bem o processo, sugiro que leiam e meditem sobre o capítulo "O Engano"
do livro Aconteceu, de Antônio Carlos. (N.A.E.)

6 - Agora que trabalhamos neste livro, como sempre com muito carinho,
vou só nos horários certos para ditar à tia Vera. Continuo a estudar e a lecionar
nas Colônias de Estudo. Por opção, volto à Terra só para este trabalho.
(N.A.E.)


48 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

é nosso grande amigo Artur e seus colaboradores que são uma
quantidade enorme de Josés, Anas, Joaquins, Marias, Antônios
e muitos outros nomes comuns esquecidos dos homens, mas
conhecidos de Deus. Meu pai nunca me invocou nem dei comunicação
de forma espontânea. Reconheço que, nessas reuniões,
sou aprendiz e que meu pai, encarnado, sabe muito mais do
que eu. E, quando lá vou, o faço para escutar e aprender. Mas
você veio pedir ajuda. De que se trata?
- Sei que os trabalhadores da Colônia Casa do Escritor têm
atendido, em seu nome, inúmeras pessoas. Estou ciente também
que ao pedirmos nem sempre seremos atendidos por
a quem fizemos as rogativas, pois muitas vezes são
outros espíritos que nos socorrem. Entretanto, me foi permitido
vir até você. Moro na Colônia Perseverança, trabalho como
enfermeira em um dos hospitais, mas estou de licença, para
cuidar de um assunto particular. Porém, analisando bem o problema
que quero resolver, compreendi que não tenho como
fazê-lo sozinha. Conversei com um socorrista do Umbral e ele
me informou que, para esse tipo de trabalho, seria aconselhável
pedir ajuda a um Centro Espírita, a uma pessoa que possua
preparo especializado para a tarefa. Ouvi, surpresa, ele me
dizer que seu pai poderia me ajudar. Em vez de ir logo ao
Centro Espírita onde ele trabalha, vim primeiro até você. Se
considerar conveniente e me encaminhar a eles, o grupo do
qual seu pai faz parte certamente me ajudará.
- Certamente - respondi rindo. - O que não fazem os pais
pelos filhos? Você pensou bem...
Achando que me devia mais explicações, Elisa continuou
a falar.

- Fui, quando encarnada, muito doente. Logo que desencarnei,
socorreram-me. Recuperei-me rápido e gostei da nova
vida e da Colônia para onde fui levada. Era ainda jovem, vinte e
três anos, e deixei na Terra meus pais e dois irmãos, que muito
me amam e que me ajudaram muito com suas orações. Estava
contente, estudava e trabalhava. Foi então que algo começou a
me inquietar, de vez que sentia grande necessidade de recordar
minha encarnação anterior, por certo ligada a acontecimentos


O VÔO DA GAIVOTA 49

 talvez, tivesse que solucionar, por isso sentia muita vontade
lembrar. Fui, então, procurar ajuda no departamento

róprio e pedi para recordar meu passado. Estudando meu
pedido, o pessoal especializado me atendeu e pude recordar.
wmpreendi que minha preocupação era com um espírito, a
,quem sou muito ligada; pois inquietava-me por ele, só que não
sabia onde estava, e quis encontrá-lo. Após algumas pesquisas,
tomei conhecimento de que Walter está desencarnado e em
um local do Umbral. Sinto culpa por ele ter caído no erro e
estou triste por ele estar lá.
Elisa enxugou as lágrimas, aquietando-se por alguns segundos;
respeitei seu silêncio, aguardei e logo ela continuou:

- Walter está no Umbral, numa fortaleza, e o chefe do local
é muito perigoso.
- Ele pediu ajuda? - indaguei.
- Não, não tem condições para isso. Se tivesse pedido, um
socorrista já o teria tirado de lá. Ele está muito iludido, completamente
perturbado. Sofre, esquece do Pai Maior e julga-se
também esquecido.
- Socorrer alguém sem que ele queira é difícil - falei.

- É por isso que venho pedir para você me ajudar. Se o
tirarmos de lá e o levarmos ao Centro Espírita, para receber
orientação, através de um médium de incorporação, ele irá
querer o socorro - falou Elisa esperançosa.

- Elisa, por que Walter está perturbado?

- Resgate, Patrícia, mas também pelos tóxicos. Sei que é
uma ajuda difícil. Drogados dão muito trabalho, ainda mais os
que não querem socorro. Mas eu o amo tanto!

Seus olhos meigos encheram-se novamente de lágrimas.
Sorri, animando-a e pedi:
- Conte-me tudo.
- Sabendo onde Walter estava, fui à Colônia a que aquela
região do Umbral está vinculada. Pedi a eles informações,

7 - O Umbral é separado, para melhor haver socorro, por regiões que estão
vinculadas a uma Colônia. Ex.: uma cidade de encarnados tem seu
Umbral, Postos de Socorro e Colônia. As regiões como as cidades do Umbral
têm nomes e essas designações são muito repetidas. (N.A.E.)


50 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

inclusive por "vídeo"s, para conhecer o lugar. Entristeci-me
mais ainda. O local era horrível. Chama-se Túnel Negro, e consiste
numa construção que tem só um portão de entrada. O
chefe desse lugar chama-se Natan e, juntamente com outros
desencarnados afins, ou seja, um bando, fazem experiências
com os toxicômanos desencarnados que vão lá. Muitos ali sofrem
horrores. Indaguei aos instrutores como faria para libertá-lo
de lá e eles me disseram que, num ambiente trevoso daquela
espécie, seria necessário algum espírito ou espíritos que tivessem
conhecimentos em manipular forças primárias. E um
encarnado o faria com mais facilidade, pois os desencarnados,
mesmo sendo bons, teriam limitações já que não mais possuem
vibrações primárias.9 Também não bastaria só tirá-lo
daquele lugar ruim, porque, liberto, não se poderia trazê-lo
para um socorro que não quer, por estar revoltado, abobalhado
e perturbado. Não poderia deixá-lo vagando no Umbral, porque
seria novamente enturmado a seus afins e talvez ficasse em
condições piores ou, então, cairia em outras armadilhas que só
lhe trariam sofrimentos, e poderia também vagar entre os encarnados,
da sua mesma espécie, prejudicando-se mais. Para
ajudá-lo a querer regenerar-se, aconselharam-me que teria que
orientá-lo, fazendo com que entendesse que estava errado. Mas,
no estado em que se encontra, não irá me escutar. Tendo o
choque da incorporação, receberá do médium e dos orientadores,
encarnados e desencarnados, que sustentam a reunião, o
equilíbrio de energias psíquicas de que necessita. Receberá
mais, se o médium for equilibrado, e compreenderá seu estado


8 -A palavra "vídeo" foi usada apenas como identificação, para que o leitor
tenha uma idéia aproximada do que seja o aparelho. (N.A.E.)
9 - Vibrações ou energias primárias são mais materiais, as quais espíritos
ligados à matéria possuem e encarnados também, por terem o corpo físico.
Espíritos bons e esclarecidos normalmente não as possuem, pois estão
mais voltados para o plano espiritual, mas podem comandar os que as têm.
Elisa se referiu a quem lhe deu informações, a ela e a mim, já contando
com minha ajuda. Para auxiliar espíritos trevosos é necessário saber, e nós
duas não havíamos aprendido. E quem manipula as forças primárias são os
que já se libertaram dos condicionamentos do mundo físico, pois a natureza
obedece as suas ordens. (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 51

desencarnado. Também, recebendo uma boa orientação,
rá querer o socorro e assim eu o ajudarei. o Como vê, seu
e encaixa bem na ajuda de que preciso.
Fez uma pausa e continuou:
- Walter desencarnou jovem, completamente dominado
tóxico. Foi assassinado após uma briga com outro companheiro
de vício, e está tão perturbado que nem sabe o que lhe
aconteceu. Patrícia, você poderia pedir por mim esse favor a
eu pai?
- O chefe não irá gostar se o tirarmos de lá - eu disse.
- É... Não irá gostar - Elisa respondeu preocupada.
- Você e eu não podemos - expliquei -, não temos conhecimentos
e nem sabemos como abordar esse chefe e seus
seguidores. Para enfrentar desencarnados trevosos, não basta
só ser bom, é preciso saber como manipular o elemento primário
que compõe a estrutura física da Terra. Essa força é uma só
,
e os bons a usam para o Bem, porém os maus, para dominar,
destruir e se impor. Esse chefe possui tais conhecimentos, é
inteligente e, assim, precisamos de alguém que o enfrente à
altura. Vou levá-la até meu pai, certamente ele e seus companheiros
desencarnados poderão orientá-la. Meu pai, antes de
reencarnar, trabalhou muitos anos como socorrista no Umbral,
e conhece a região muito bem. E agora, encarnado, ele vai
muito lá prestar socorro, quando está desligado do corpo físico
pelo sono. Com certeza, irá conosco tirar seu ente querido, do
Túnel Negro. Como a equipe que trabalha no Centro Espírita
também é laboriosa e dedicada, ela poderá nos acompanhar e
ajudar nesse socorro.
- Patrícia, foi difícil para mim entender que um encarnado
tem condições de ajudar a desencarnados que necessitam. Antes
pensava que os encarnados só poderiam ajudar, em reuniões
de desobsessões, no Centro Espírita. Achava que só os desencarnados
pudessem ir ao Umbral.

10 - Para muitos desencarnados, chegar perto de um médium orientado
no Bem, receber seus fluidos, é como receber um choque que o faz despertar
do seu torpor. (N.A.E.)


52 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVAr.un

- Claro que não - respondi. - Muitos desencarnados trabalham
socorrendo e ajudando; no Umbral. Como também muitos
encarnados, desligados do corpo físico pelo sono, vão ao Umbral
e às suas cidades, para confabular com espíritos afins suas maldades,
brigas, vinganças e, também, vão muito às suas festas.
- Os socorristas não têm medo? - perguntou Elisa se assustando.
- Não. Todos nós, não importando se estamos vivendo
num corpo físico ou não, quando queremos e sabemos, somos
muito úteis no trabalho de socorro, no Umbral. Aqueles que
sabem, devem fazê-lo, pois lá temos muitas oportunidades de
praticar o bem. Quem sabe é porque aprendeu, e os conhecimentos
são tesouros adquiridos. Não é certo pensar que só
desencarnados têm como ajudar no campo espiritual. Muitos
encarnados também o têm, e o fazem. Devemos pensar que os
desencarnados, que hoje ajudam com eficiência, serão os encarnados
de amanhâ. E dos que estão no Plano Físico, muitos
foram os que socorreram com êxito anteriormente. Meu pai
nesta encarnação é um homem comum, com todos os problemas
de uma pessoa vinculada às necessidades da vida física,
mas também trabalha espiritualmente. Vai muito ao Umbral
embora seu tempo seja limitado pelo corpo físico. Ele é conhecido
pelos maus, na região umbralina onde trabalha, como
feiticeiro. Talvez porque, durante centenas de anos, trabalhou
no Umbral, onde adquiriu muitos conhecimentos.
- Patrícia, Natan, o chefe do Túnel Negro, é rancoroso.
Conosco ele não poderá fazer nada, por estarmos fora do espaço
de sua ira, mas e seu pai? Certamente esse chefe do mal
ficará sabendo que foi o Sr. José Carlos quem nos ajudou. Estando
seu pai encarnado, Natan poderá atingi-lo.
- Meu pai ama de forma especial esses desencarnados
que temporariamente estão no caminho do mal. E, quanto mais
espíritos trevosos o pressionam, mais ele se lembra do passado,
aperfeiçoando-se pouco a pouco na forma de lidar e
ajudá-los. Com ele trabalha uma equipe de desencarnados afns
que lhe darão suporte. São companheiros de trabalho e tenho
certeza de que a ajuda será bem maior do que você pensa.


O VÔO DA GAIVOTA. 53

Elisa sorriu, esperançosa. Mas, por ter que voltar aos meus
afazeres, despedimo-nos. Nessa época em que trabalhava na
Colônia Vida Nova, tinha muito tempo livre e fui com ela aventurar-me
na ajuda que, para mim, constituiu um trabalho
diferente.
No horário marcado, encontrei-me com Elisa e volitamos
até meu lar terreno. Lar é sempre o lugar onde somos amados,
e eu me sinto muito amada. Ali era minha ex-casa terrena, mas
sempre o meu lar. Na sala, chamei por meu pai e, ele, desprendido
do corpo físico, veio ao meu encontro.

- Papai...
- Patrícia, minha filha!
Abraçamo-nos. E vendo que tínhamos visita, sorriu cumprimentando-a.
- Papai, esta é Elisa. Necessita de sua ajuda.

- Sim...
Contei-lhe tudo. 
- Vamos ajudá-la. Patrícia, prócure saber de todos os detalhes
sobre esse lugar e, amanhã à noite, iremos lá, para que
possamos planejar como libertar Walter. Agora, necessito continuar
um trabalho...
- Amanhã mesmo traremos Walter? - perguntou Elisa.

- Não - respondeu meu pai. - Amanhã visitarei o local e
prepararei o Posto de Socorro que temos no Centro Espírita,
para receber os que traremos do Túnel Negro, e também comunicarei
aos meus companheiros desencarnados que trabalham
conosco, para que também venham nos ajudar.

- Mas não vamos socorrer um só, o Walter? - Elisa perguntou
novamente.
- Como ir lá e libertar um só? - disse meu pai. - E os
outros? Como deixá-los? Se vamos socorrer, traremos todos os
que querem ser libertados daquele lugar e os que estão, como
Walter, incapazes de decidir.
- Elisa - eu disse -, quando temos ocasião de socorrer,
devemos sempre fazer, tanto com os que sofrem como com os
que se perderam no caminho do erro.


54 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
- Sr. José Carlos - Elisa falou novamente com sinceridade
-, Natan, o chefe, é mau e...
- Mas é nosso irmão - respondeu meu pai
m aqui ai
- Amanhá
esteja neste horário.
Despedimo-nos de meu pai. E, na Colônia des edi
Elisa, pois tinha uma reunião na escola. Combinamos de nos
en contrar logo de manhâ para irmos ao Umbral. Chegaríamos às
ce o ó ádes do Túnel Negro para obter informações e conhe-
- Ainda bem que vamos durante o dia! - exclamou Elisa.
- É - respondi rindo -, mas à noite voltaremos.
Fui à reunião, onde os instrutores do curso trocaram idéias
sobre o resultado obtido. Essas trocas de informações são muito
átdor e átnltores aproveitam muito. Depois, fui até ao orien-
da Colônia Vida Nova, onde eu estava
temporariamente trabalhando, e pedi autorização para fazer
te autorizada.aE o' nos horários de folga, no que fui prontamen-
sse outro trabalho seria a a uda prometida a
Elisa. O orientador geral de que
falei, é o responsável pela
govemador, instdrutorem muitas outras qualificações, tais como:
p etc. Trabalhando por pouco tempo ou por
períodos indeterminados em um lugar, deve-se seguir as normas
da casa, e tudo o que
ser comunicado ou que for fazer, além do ro ramado, deve
pedir permissão.
No dia seguinte, encontrei-me
com Elisa e partimos para a


Como combinamos, pela manhã, Elisa e eu fomos ao Umbral.
O local que íamos observar ficava num vale enorme e
muito sujo. Nós duas conhecíamos aquela região, pois tínhamos
ido lá para estudo e algumas tarefas. Mas sempre temos
algo novo para conhecer, todas as vezes que vamos a uma das
suas áreas. O Umbral difere muito de uma região para outra. E
nunca havíamos estado naquela parte. Elisa, como já tinha
estado ali, me guiou. Nenhum espírito que já tenha algum conhecimento
do Plano Espiritual, se perde no Umbral. Pode não
achar o que procura e, se por acaso acontecer de não saber
onde se encontra, é só pensar na Casa em que trabalha, a que
está vinculado, para receber ajuda de um socorrista ou entrar
em sintonia com os que estão lá e, em instantes, acha o caminho
de volta. Pode também receber orientação no local em que
se encontra.
Como era de dia, o local tinha claridade, embora escassa,
à maneira do entardecer na Terra. Naquela região, havia muitas
pedras com, mais ou menos, um a dois metros de diâmetro,
a maioria cinza-escuro. O lugar era de pouca vegetação, com
algumas árvores pequenas e tortas, pelo vento forte que costumava
ter o lugar. Alguns filetes de água corriam pelo chão, de
cor marrom e, às vezes, era somente barro.

Logo que chegamos às proximidades do Túnel Negro, vimos
uma grande e sólida construção. Não encontramos nenhum
desencarnado por perto, de vez que por ali não vagava


54 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

ninguém. Isso era mau sinal, significava que o local era temido;
em lugares assim, sofredores e moradores que não pertencem
ao bando, nem passam perto.
Túnel Negro está localizado no Umbral, na parte fácil de
visitar, ou seja, no local mais ameno. Muitos dos socorristas
para se locomoverem melhor pela região umbralina, e terem
facilitados seus trabalhos, classificam o Umbral de três modos:
lugares amenos, medianos e profundos, de difícil acesso, onde
estão os abismos, os buracos e onde existem quase só trevas.
Nós nos acautelamos, porque tudo estava muito silencioso,
embora, às vezes, ouvíssemos gritos alucinantes ou gargalhadas
perturbadoras. Não posso deixar de pensar que, se quando
encarnada visse o Umbral, pensaria estar vivendo um filme de
extremo horror. Entretanto, é uma das Moradas do Pai, e onde
tantos irmãos nossos fizeram sua moradia. Alguns ali sofrem,
outros reinam, mas existem aqueles que de lá gostam, pois se
iludem, enfim são todos infelizes. A criatura só é ser infeliz
quando se distancia do seu Criador.

Uma trilha, um caminho, liga o Túnel Negro a uma cidade
dos encarnados. Era de terra batida, contomando as pedras
maiores. Íamos, assim, em ziguezague.

Qualquer um no Umbral nos veria, por vibrarmos diferente,
porém, se quiséssemos, não seríamos vistas. Os socorristas,
quando trabalham na zona umbralina, se tornam visíveis aos
seus moradores, porque, assim, podem ser solicitados, facilitando
os socorros. E, em visitas ao Umbral, temos sempre muitas
oportunidades de ajudar e aprender.

De repente, ouvimos vozes e, para melhor observar o grupo
que passava, ficamos atrás de uma pedra maior perto da
trilha. Como eles estavam distraídos, não nos viram. Não queríamos
que percebessem nossa presença. O bando que passou
pela trilha, era de seis espíritos, todos de aspecto ruim, armados,
com roupas de couro e de tecido grosso, e alguns enfeitados
com colares. As mulheres estavam muito maquiadas. Gargalhavam
e falavam alto. Passavam rumo à cidade dos encarnados.

Bem perto de nós, dois deles, um casal, distanciaram-se
do grupo, pararam para conversar. E nós os escutamos confabular:


O VÔO DA GAIVOTA 57

- Nenê - disse o homem -, vamos ver se o garoto toma a
eira dose. Você sabe que é importante para mim vingar-
o pai dele. Orgulhoso e arrogante, sentirá, vendo o único
homem viciar-se e se tornar um nada, um inútil como a
iria dos viciados.
- Você não gosta mesmo de viciados - falou, rindo, a mulher...
- São uns fracos, uns bobos! - replicou ele. - Preste atenção,
você tem que fazer com que alguma das mocinhas viciadas
se aproxime dele e namore o garoto. E daí, apaixonado, ele
éstará a um passo de se drogar.

- O garoto costuma orar e não se afina com as meninas
que se drogam. Será um tanto difícil...

- Não se queixe, trabalhe - falou ele autoritário -, fiz um
grande favor a você e me deve este.

- Estou tentando...
Foram embora. Elisa não pôde deixar de comentar:

- Será que irão conseguir? Tomara que não!

- Como ela disse, é difícil forçar alguém que não se afina
com as drogas, a usá-las - respondi. - E, se o garoto tem hábito
de orar, acredito que não iráo conseguir. Os encarnados devem
estar sempre atentos a todas as tentações, e seguir sempre o
bom caminho, que é seguro e não traz o arrependimento que
machuca tanto.
- É certo ele se vingar de alguém querendo atingir seu
filho? - indagou Elisa.
- Vingança nenhuma é certa ou justa. O melhor é sermos
sempre bons e ficarmos longe do alcance destes desencarnados,
ainda com esses impulsos. E, como percebemos, não será
fácil eles se vingarem daquele indivíduo atingindo o filho: Mas,
se o filho se afinasse com as drogas, não precisaria nem incentivos.
Depois, quem ora com sinceridade, tem sempre alguém
bom .a ajudá-lo e protegê-lo.
- Uá... á... - gritou alguém com voz soturna atrás de nós.
Elisa e eu voltamo-nos calmamente e ouvimos outro grito:


- Ai!..
58 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIfVZECK DE CARVALHO

Defrontamos com um desencarnado todo sujo, com os cabelos
espetados e com as roupas em farrapos:
- Satanás três vezes! - falou ele repetindo a frase depressa.
- Que susto! Quis assustar e vocês me assustam. Vocês são
horrorosas! Moças, estou só brincando, não me peguem.
Estava realmente assustado. Elisa me indagou:
- Patrícia, o que está acontecendo?
- Acho que ele tem o costume de assustar os outros, pelo
Umbral.
- É isto aí! - falou-nos olhando com medo. - Sou o rei dos
sustos. Hoje me dei mal...
- Assustou-se conosco? - perguntou Elisa.
- Como não? É difícil ver duas senhoras assim...
Pensou em dizer feias, mas não disse. Saiu correndo. Rimos.
Elisa comentou:

- Quem assusta, um dia acaba assustado.
- Ele confundiu-se - falei. - Vendo-nos achou que tinha
tudo para passar um belo susto. Conversávamos distraídas atrás
da pedra e, ao nos ver de perto, se decepcionou. Normalmente
brincalhões não costumam brincar com socorristas, pois os temem
porque não querem, no momento, sair de onde estão e
sabem que eles podem pôr fim às suas brincadeiras de mau
gosto. Confuso, assustou-se.
Saímos de trás da pedra e voltamos à trilha, para logo
chegarmos às proximidades do Túnel Negro. Escondemo-nos
perto e ficamos observando. Não demorou muito, e dois sujeitos
esquisitos, parecidos com o grupo que vimos, entraram na
fortaleza sem problemas. Aproximamo-nos atentas e com cautela,
pois estávamos observando e não queríamos alertá-los.
Se, entretanto, algo saísse errado, eles não nos atacariam, pois
temos alguns recursos para sair bem dessas situações, como
nos tornar invisíveis, volitar rápido e outros, que não devem ser
mencionados no momento, para que não venham a ser do
conhecimento de desencarnados moradores do Umbral.
Ficamos perto do muro do Túnel Negro, que é todo cercado
por essa parede forte, larga e com, talvez, uns vinte metros


O VÔO DA GAIVOTA 59

de altura. É um muro de tom marrom-escuro. A fortaleza só tem
um portão e, na frente dele, havia dois vigias, os quais pelo que
vimos não estavam atentos, conversavam e, às vezes, iam para
a parte de dentro. Conseguimos ver que após o portão havia
uma sala onde uma mulher, atendente, dava informações e
recebia a todos que chegavam.

Não fomos lá para entrar, por isso cautelosamente só observamos
tudo. Deu também para ver que, no meio da
construção, existia uma torre bem alta, certamente o local de
observação.

O movimento era bem pequeno, talvez pelo horário e também
porque Túnel Negro não é lugar de muitas visitas e, sim,
restrito aos moradores e viciados.

Depois de ver tudo o que nos interessava, saímos sem
sermos notadas, não voltando pela trilha, mas, perto dela, a
alguns metros ao lado.
- Patrícia - falou Elisa - vai ser difícil!
- Que nada, ânimo! Tiraremos Walter de lá.

Foi quando escutamos:

- Ei, sua branquela! Ei, neguinha! Podem me ajudar.

- Quê? - Elisa indagou.
- Por favor - corrigiu a voz -, as senhoras podem me ajudar?
No Umbral, escutam-se muitas coisas desagradáveis e às
vezes obscenas, para as quais não se deve dar importância. Era
voz, que nos parecia de alguém sofrendo, e fez minha companheira
responder. Voltamos para o local de onde veio a voz e
nos deparamos com um homem sentado no chão.

- O senhor está nos pedindo ajuda? - indaguei.

- Queiram me desculpar, pensei que não iam me ouvir ou
atender.
- Está desculpado - disse Elisa. - Mas o que quer?

- São espíritos bons? Pela aparência e roupas só podem
ser. Estou preso aqui e quero sair.

Nós o examinamos. Era um homem de uns sessenta anos,
deveria ter essa idade quando desencarnou. Apresentava-se


60 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

sujo, descabelado, machucado e permanecia sentado, porque
estava acorrentado por uma pema, a direita, a uma estaca no
solo.
Seria para nós bem fácil libertá-lo, pois a corrente, como
tudo que existe no Plano Espiritual, é do mesmo material que o
nosso perispírito. Poderíamos arrebentar a corrente com nossa
força mental, porém devemos analisar sempre antes de conceder
ajuda desse tipo, porque não basta só libertar. Temos de
prestar atenção, para não prejudicar mais ainda o desencarnado
preso. Se o libertássemos para onde iria? Que faria? Seria
aprisionado novamente? Nesse caso, seria pior, porque sofreria
mais ainda.
- Quem o prendeu? - Elisa indagou.
Olhei-o fixamente e convidei-o mentalmente a não mentir.
Se o fizesse, logo saberia, lendo também seus pensamentos, eu
teria a verdade. Fazemos isto facilmente com desencarnados
fracos e com os que sofrem. Com os moradores do Umbral,
com os que são maus e fortes, é bem mais difícil, porque para
fazer isso com esses desencarnados trevosos tem que se treinar
muito e saber usar bem esta habilidade.
O homem nos olhou bem, suspirou, enxugou algumas lágrimas
e respondeu:
- Meu genro, ou melhor, meu ex-genro... Quando encarnado,
fomos sogro e genro... Chamo-me Jacy e estou há tempos
preso aqui.
- Não sai para nada? - perguntou Elisa.
- Não, meu genro vem sempre aqui, ora me bate, ora me
traz o que comer e água. Ele é violento e mau.
- Por que ele o prendeu? - indaguei.
- É uma longa história. Soltem-me e, estando num lugar
seguro, conto a vocês.
Elisa me olhou e me disse mentalmente:
"Vamos libertá-lo e, se não pudermos socorrê-lo,. o deixaremos
em outra área do Umbral. Por favor, Patrícia!". - rogou,
notando que eu hesitava.
- Vamos soltá-lo - concordei:


O VÔO DA GAIVOTA 61

Arrebentamos fácil a corrente e, como a perna dele estava
inchada, ajudamo-lo a ficar de pé, mas ele gemia de dor. Apoiando-se
em nós, retornamos à trilha rumo à cidade dos
encarnados. Logo chegamos e nos sentamos na relva, num
terreno vago, e Jacy, como prometera, contou sua história.

- Encarnado, fui um homem rico, não milionário, porém
com muitas posses. Tinha cinco filhos, e uma das minhas filhas
foi casada com esse que me prendeu. Ele tratava muito mal
minha menina, batia nela, além de manter muitas amantes,
gastando tudo o que possuía. Pensando ficar livre de tal peste,
mandei matá-lo, pagando bem caro um assassino que o eliminou
com um tiro. Ninguém descobriu, nem ficaram sabendo
que eu fora o mandante. Mas ele, depois de desencarnar, ficou
sabendo e esperou que eu também desencarnasse, para me
maltratar. Já lhe pedi perdão, mas ele não me atende...

- Pediu, de coração? - Elisa indagou.

- Sim, mas logo que desencarnei, sentia que, se voltasse
ao passado, mandaria fazer tudo novamente. Depois, com o
tempo, lá sozinho e preso, fiquei a pensar e entendi que estava
errado. Não tinha o direito de tirar a vida física de ninguém.

- De fato, Jacy, não temos o direito de cortar a existência,
num corpo de físico, de ninguêm. Agora você está livre e o
convido para se voltar ao bem, a pedir perdão a Deus e recomeçar
a vida, auxiliando a si mesmo e a outros irmãos. Aceita?

- Vamos levá-lo a um lugar onde será hospitalizado, para
sarar de todos seus machucados - falou Elisa delicadamente.

- Este lugar é bonito? - perguntou ele. - Ouvi dizer que
onde os bons moram é fantástico.

- Sim - repliquei -, é maravilhoso para aqueles que querem
mudar, mas desinteressante para quem cultiva os prazeres
materiais. Você irá para um Posto de Socorro aqui perto.

- Obrigado - falou com sinceridade.

Nós o levamos para um Posto de Socorro da região localizado
perto do Umbral. Tocamos a campainha, apesar de que
esses Postos de Socorro têm sempre vigias e locais de observação,
podendo ver quem se aproxima e, pelas vibrações, sabem


62 PATRÍCIA / VERA LÚClA MARINZECK DE CARVALHO

também quem é. Os portões dos Postos normalmente são
trancados, mas poderiam, só pela vibração, ser abertos, não
necessitando bater ou tocar a sineta que existe em alguns. Porém
esse bater é costume no Plano Espiritual, porque, ao parar
no portão ou porta, o visitante é observado melhor. Em muitos
Postos, quando o portão é aberto, defrontamo-nos com um hall
ou sala, onde são normalmente atendidos quem os visita. Em
casos de emergência, quando se está para chegar a essas casas
de auxílio, pede-se mentalmente e o portão se abre ao se estar
perto. Há casos também, em que os trabalhadores da casa vão
encontrar-se com quem pede ajuda, para auxiliar. Esse bater é
mais uma forma educada de visitar uma casa.
O portão foi aberto e fomos convidados a entrar. Explicamos
para a senhora que nos atendeu, o porquê de nossa
presença, e pedimos abrigo para Jacy. Atenderam-nos prontamente
e, já no pátio, Jacy nos indagou:
- Vocês não iam me levar para um lugar lindo? Aqui é tão
simples!
Entendi-o. Lugares bonitos se diferenciam pelo gosto. Para
muitos, lugares lindos são de luxo e ostentação. Para outros, os
que se afinam com a simplicidade, a maior beleza é a vibração
de harmonia emitida por seus sustentadores. Para Elisa e eu, o
Posto é muito bonito, com canteiros floridos a enfeitar o pátio, e
árvores arredondadas de um verde muito agradável estavam
entre os canteiros, cobrindo bancos nísticos, num convite às
pessoas a se sentarem. O prédio, em formato de U, de três
andares, é majestoso e tem janelas grandes, com flores no
beiral em quase todas.
- O quê?! - falou Elisa, espantada. - Não acha aqui bonito?
- Pensei que fosse diferente - respondeu Jacy.
Deixamos Jacy acomodado numa enfermaria e voltamos
aos nossos afazeres. Dias depois, fomos visitá-lo e nos informaram
que Jacy saiu sem licença e foi para sua ex-casa terrena.
Agradecemos e partimos.
- Patrícia, vamos procurar Jacy?
- Elisa, ele fez sua escolha.


O VÔO DA GAIVOTA 63

- Vamos ver o que ele está fazendo. Talvez esteja precisando
de ajuda. E se o genro o pegou novamente?
- Está bem, vamos - respondi.
Foi fácil achá-lo. Quando ele nos contou sua história, deu
todos os detalhes e até mostrou a casa onde morou. Nós o
encontramos triste, a chorar na sala de sua ex-casa terrestre. Ali
fora sua casa, mas não um lar, porque lar é união de moradores
com afeto. É, para nós desencarnados, todo o lugar onde somos
amados. Ao nos ver, chorou mais alto. Ele sofria realmente.
- Sou tão infeliz! Saí daquele lugar de luz e paz e vim para
casa. Só encontrei erros e problemas.
- E por que saiu? - quis saber Elisa.
- Quis vê-los, tinha saudades.
- Deveria ter esperado. Quando pudesse, teria permissão.
- falou minha amiga.
- E agora, o que faço? Tenho medo! Quero voltar e não sei.
Será que vocês me levariam de volta? Por favor, ajudem-me de
novo! Sei que não mereço, sou um mandante de crime. Mas
vocês são tão boazinhas!
- Podemos levá-lo - disse séria -, mas se prometer que
será obediente, comportado e, logo que possível, deverá passar
de servido a servidor. E tem mais: ser agradecido.
- Prometo fazer isso tudo.
Levamo-lo de volta.
Como é triste cometer erros e ter a própria consciência a
nos cobrar, e não os que prejudicamos a fazê-lo. Consciência
tranqüila e sem erros significa nossa tranqüilidade, porque a
dor do remorso é terrível. Quem faz o mal, é insensato.
Vendo-me pensativa, Elisa disse:
- Patrícia, é para alertar as pessoas que você estuda tanto
e deseja ensinar?
- Sim, por isso e por muitas outras coisas também. Porque,
Elisa, aquele que sabe tem mais chance de acertar, e conhecer
representa fazer com sabedoria. Somos livres por tudo por aquilo
que sabemos e escravos pelo que não sabemos. Não devemos


64 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

compactuar com o erro, mas amar a presença de Deus no
pecador. Esclarecendo, educando, enfraquecemos o erro e fortalecemos
o Bem nos que erram.
- Patrícia, admiro você!
Sorrimos. Viver tentando acertar é maravilhoso.

Túnel negro




Na noite seguinte, fomos, Elisa e eu, encontrar com meu
pai. Minha amiga foi logo lhe passando os dados do Túnel Negro,
com informações que obteve no Posto de Socorro do Umbral,
das imediações do local onde Walter estava.

- Obtive os dados com o orientador do Posto de Socorro
Caminheiros de Jesus - explicou Elisa.

Colônias ou Postos de Auxílio têm quase sempre a previsáo
exata de quantos desencarnados vagam pelo Umbral, e de
quantos moradores existem em suas cidades. Isso, no seu espaço
espiritual, para facilitar socorros e orientar socorristas. Assim,
tínhamos nas mãos um mapa do local, com as medidas de
todos os compartimentos do Túnel Negro. Seu chefe era mesmo
o Natan. Estavam anotados quantos colaboradores eIe tinha,
quantos escravos e abrigados, como também todos os detalhes
importantes da fortaleza, por dentro. Meu pai leu todos os dados
e entregou a folha a Elisa. E nos convidou:

- Vamos!
Volitamos até o Umbral e, lá, fomos andando. Observamos
tudo. Perto do Túnel Negro, paramos e examinamos bem o
local. Ficamos ali poucos minutos e voltamos.

- Amanhã voltaremos - disse meu pai -, só que um pouco
mais tarde, e de lá tiraremos os que quiserem sair. Agora, vou
ao Posto, junto ao Centro Espírita, para organizar tudo.

Estávamos caminhando, Elisa e eu mais próximas, e meu
pai a uns dois metros de distância, quando ouvimos:


66 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHn

- Café com leite! Uma branca, outra negra! Leite com café!
O desencarnado que falou, riu alto, gostando do que dizia.
Elisa o observou e dirigiu-se a meu pai.
- Sr. José Carlos, por que tanto preconceito? Ontem mesmo,
por aqui, nos chamaram de branquela e negrinha.
- Muitos ainda dão valor ao exterior de tudo, até das pessoas.
Preconceito racial tem sido a causa de muitas desavenças
terrenas, pois longe estão de entender o que a pessoa é realmente,
vendo somente o exterior, criticam tentando ofender.
Esse indivíduo tanto quis ofender a uma como a outra. Tivemos
e teremos com certeza muitas existências, vidas físicas, pertencendo
a várias raças. A cor da pele muda conforme nossa
necessidade de aprendizado, ou por reencarnarmos em determinado
local da nossa Terra. Podemos ter sido vermelhos,
amarelos, negros e brancos. Aqui no Umbral também há preconceitos
e muitos. Existirão preconceitos até que entendam
ser temporário a pessoa vestir um corpo branco ou amarelo.
Nosso espírito é e será o mesmo. Devemos tirar lições dos
diferentes modos de ser externamente, para nosso aprendizado
e progresso.
Meu pai fez pequena pausa e concluiu:
- Muitos têm medo de olhar para dentro de si mesmos,
porque só irão encontrar inferioridade e o grande vazio do nada.
E, sem a comunhão com a vida, quase sempre o preconceito
racial vem à tona. Assim, não gostam de olhar os mais evoluídos
que eles, pois, ao vê-los, confirmam sua própria pobreza.
Eis a razão da maledicência. Ao denegrir a imagem do próximo,
sentem-se melhores que os alvos de suas críticas. Ainda
não conseguem ver, reconhecer todos como irmãos.
- Eu, se quisesse - disse Elisa -, poderia, agora que possuo
um corpo perispiritual, ser diferente. Modificá-lo e ser branca
ou com feições orientais, mas a cor não me faz diferença. Amo
todas as raças e permaneço como fui em minha última encarnação.
- Para os que compreendem, o exterior não faz diferença-
disse rindo meu pai. - Uma de minhas encarnações que recordo
com carinho foi na Índia, em que fui bem escuro, quase negro.


O VÔO DA GAIVOTA 67

Eu também já recordei muitas de minhas existências. Também
já vesti um corpo físico negro e isso não me fez diferença,
pois tive nessa encarnação alegrias. tristezas e problemas comuns
de encarnada, como em todas as outras oportunidades.
Senti-me bem em ser negra! Meu pai tem razão, tudo é temporário,
tudo passa e nós ficamos com o proveito de cada
encarnação.
Despedimo-nos. Cada um voltou aos seus afazeres. Eu voltei
à Colônia Vida Nova, Elisa, ao hospital da Colônia
Perseverança e meu pai, ao Posto do Centro Espírita. No outro
dia, nos encontramos e nos juntamos a um grupo de vinte desencarnados,
trabalhadores da equipe do Centro Espírita, da
equipe de meu pai. Conhecia quase todos. Cumprimentamo-nos
alegres e rumamos para o Túnel Negro. Sabíamos que
Natan estava sempre ausente à noite, quando se dirigia com
freqüência para perto dos viciados encarnados, dizendo que
pesquisava o efeito das drogas nos corpos físicos. Saía sempre
com seus colaboradores diretos.
Logo chegamos. Íamos entrar meu pai, Elisa e eu, além de
cinco da equipe, os demais nos esperariam por perto. O Túnel
Negro por fora parecia mais com um castelo, desses europeus
antigos, cor cinza e com algumas janelas pequenas. Natan não
confinava seus moradores, que ali entravam e saíam quando
quisessem, havendo prisões só para os que o desobedeciam.
Mesmo os que ali estavam, e que eram usados para experiências,
entravam conscientes do que ia acontecer, e muitos viciados
procuravam o Túnel Negro em busca de drogas para uso próprio.
É claro que, para conseguir o que desejavam, tinham que
se submeter às regras da casa.
A entrada do hospital, assim eles gostavam de chamar o
lugar, era vigiada. Natan não admitia falhas, e seus ajudantes o
temiam. Os drogados desencarnados e também os encarnados
desprendidos pelo sono físico, entravam ali facilmente. Muitos
encarnados transitam pelo Umbral: uns, trabalhadores do Bem,
para ajudar, outros à procura de seus objetos de prazer. Os
encarnados viciados são bem-vindos em muitos lugares parecidos
com o Túnel Negro, isso porque lá recebem incentivos para
continuarem no vício e também orientação para viciar outros.


68 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

São instruídos para continuar no erro e fazer o que eles querem.
Pensam, esses encarnados, que estão com amigos e acabam
como fantoches nas mãos deles. Os drogados vêm sempre ao
Túnel Negro em busca das sensações que o tóxico lhes proporciona,
e Natan, por aquela área do Umbral, tinha fama de
alimentá-los no objetivo de seus desejos.
Ficamos rentes à parede externa, perto da porta da frente.
Os guardas estavam, no momento, do outro lado, quando meu
pai, representando um viciado, entrou na saleta como se procurasse
drogas. Veio atendê-lo uma enfermeira, ou atendente,
uma desencarnada que anotava tudo o que se passava por ali.
Acostumada a receber encarnados, atendeu-o normalmente
sem desconfiar de nada.
- Quero falar com Dr. Natan - disse meu pai.
- Ele não está no momento - respondeu a mulher.
- Chame-o para mim - insistiu papai.
- Não posso importuná-lo e não sei onde ele está. Você vai
ter de aguardar.
- Vá chamá-lo, moça - falou meu pai -, trouxe um material
que há tempos ele procura.
A mulher virou-se e entrou por uma porta indo à outra sala.
Rapidamente papai nos deu sinal para entrar. Passamos da sala
para um corredor e por muitas outras salas ou cômodos. Ali não
havia enfeites como costumamos ver nas cidades umbralinas.
Existiam muitos corredores e, para iluminar a casa por dentro,
colocaram archotes nas paredes. Viam-se também alguns quadros
com desenhos alucinantes, que tiravam a monotonia do
cinza de suas paredes. Havia ali poucas cadeiras, parecia só ter
o essencial. A casa possuía área de lazer e acomodações garticulares
aos seus moradores, eram cômodos parecidos uns com
os outros. As prisões eram celas pequenas e individuais.
Logo após, entramos numa grande sala e nos separamos
em grupos; meu pai entrou no laboratório, olhando tudo sem
mexer em nada. Possuía bons equipamentos, demonstrando
que Natan e sua equipe eram estudiosos. As salas em que
entramos, eram chamadas de enfermarias e sabíamos que numa
delas Walter estava. Esses locais em nada lembravam os da


O VÔO DA GAIVOTA 69

Colônia de Socorro, ou mesmo os que existem em hospitais
terrenos. Estávamos perto do laboratório, quando, pegos de
surpresa, os guardas que estavam dentro da casa não reagiram,
pois foram imobilizados pela força mental de nossos amigos.

Quando entramos na enfermaria, a visão que tivemos foi
tão patética, quanto horripilante. Não havia leitos, só umas
espécies de cabides nas paredes e com vários desencarnados
eomo que dependurados, como se fossem roupas velhas. Elisa
e eu ficamos perplexas diante de tão triste visão. Minha amiga
sufocou um grito, quando viu Walter entre eles... Correu ao seu
encontro, tirou-o de lá e ele caiu em seus braços. Meu pai veio
até nós e, em fração de segundos, foi tirando todos e colocando-os
diante da porta, para que nós duas os encaminhássemos
para a saída. Não conseguíamos movê-los. Apavorada, indaguei
a meu pai:

- Que faço?
- Empurre-os!
No corredor havia carrinhos, talvez para transportá-los. Colocamos
todos dentro, pois não conseguiam andar, e os levamos
para fora. Quando passamos pela saleta da entrada, um alarme
tocou forte e estridente, parecendo uma buzina alta. A
fortaleza foi vasculhada por nós, e todos os que quiseram sair,
foram tirados de lá. Fizemos, então, uma fila, dando as mãos, e
os puxamos até o vale, perto do Túnel Negro, onde os outros da
equípe nos esperavam. Alguns dos desencarnados que estavam
presus, foram amparados. O castigo para eles era ficar sem o
hipnotismo de Natan e, sem isso, privados da droga, mostravam-se
desesperados. Tínhamos pressa, porque os guardas
imobilizados logo voltariam ao normal e poderiam vir atrás de
nós ou chamar por Natan, e não queríamos um confronto agora
com ele. Precisávamos auxiliar todos os que queriam ajuda, e
os socorridos estavam assustados, sendo que alguns não sabiam
direito o que estava acontecendo e nos olhavam com medo.
Meu genitor faiou para eles:

- Aqui estamos em nome de Jesus para ajudar os que
querem. Levaremos vocês a um local de socorro, onde seráo
tratados com bondade e curados de seus males. Os viciados


PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIZNK DE CARVALHO

receberão tratamento especial e ajuda para se livrarem do
vício. Convidamos todos a nos acompanhar, porque tiramos
vocês de lá, mas levaremos só os que quiserem. Vamos prosseguir
e os que não desejarem ir conosco, podem voltar.
Levaremos, porém, os que não estão em condições de decidir.
Muitos voltaram, inclusive alguns que estavam presos. Trinta
desencarnados ficaram conosco e, juntos, fomos para o Posto
do Centro Espírita. Já nos esperava a equipe médica, com os
enfermeiros, e nos pusemos a trabalhar. Seriam feitos os primeiros
socorros em muitos deles. Walter e seus companheiros,
que estavam dependurados, permaneciam inconscientes e completamente
dependentes das sensações das drogas
administradas a eles através do hipnotismo de Natan.
Desencarnados viciados iam ao Túnel Negro em busca das
drogas, mas Natan hipnotizava-os, fazendo-os sentir como se
tivessem desfrutando o objeto do seu desejo, como maconha,
cocaína, heroína etc. Hipnotizados, esses imprudentes desencarnados
serviam para experiências desse médico, que lhes
sugava os fluidos vitais, para si e seus companheiros. Os viciados
pensavam que tomavam as drogas, e assim também os que
vagavam por ali. Julgavam que lá havia tóxicos. Natan náo
tinha nenhuma droga no Túnel Negro. E suas experiências eram
cruéis.
Os desencarnados se alucinam e se degeneram muito mais
que os encarnados, com os tóxicos. Deformam seus perispíritos,
sendo muito triste vê-los. Todos estavam muito magros,
pálidos, sem energias psíquicas, abobalhados e com o pensamento
fixo nas drogas. Walter era louro, de cabelos curtos, mas
de olhos fundos, vidrados, e os lábios roxos. Elisa o reconheceu
mais por senti-lo do que visualmente. Isso acontece muito no
Plano Espiritual, de uma pessoa reconhecer a outra apenas
sentindo, pois o perispírito muda muito.
Todos os inconscientes e os semi-inconscientes foram medicados
e colocados nos leitos. Os outros também tiveram os
primeiros cuidados. Alguns dos colaboradores que serviam a
Natan também ali estavam, mas desconfiados. Não eram viciados.
Trocaram de roupa e ficaram conversando com os


O VÔO DA GAIVOTA 71

trabalhadores desencarnados do Centro Espírita que, gentilmente,
os elucidaram em suas dúvidas.

Meu pai trabalhou na ajuda por duas horas e, após, voltou
ao corpo físico. Muitos dos socorridos que não necessitavam
passar por uma incorporação mediúnica, foram levados do Posto.
Os viciados conscientes seguiram para hospitais no Plano
Espiritual, próprio para eles. Alguns se dirigiram para suas Colônias
de origem. Os servidores de Natan que pediram ajuda
foram encaminhados para a Colônia na Escola de Regeneração
para adaptarem-se à nova vida que lhes era oferecida. Permaneceram
no Posto do Centro Espírita só os que precisavam
passar por um trabalho mediúnico de incorporação, quando
teriam a consciência retomada, inclusive com a transfusão de
tluidos, e então poderiam escolher se queriam ou não a ajuda
oferecida. Muitos desses desencarnados se mostravam com os
perispíritos deformados pelo vício, pelos castigos e pelas experiências.
Encaminharam-se rapidamente os socorridos para as Colônias,
por dois motivos: para começar imediatamente o
tratamento que necessitavam, e para iniciar o aprendizado que
os libertaria daquela subjugação. E, também, porque sabíamos
que, se Natan os chamasse, acostumados que estavam a obedecê-lo,
voltariam ao Túnel Negro e, nas Colônias, essa volta
seria mais difícil, por estarem mais longe da Crosta e fora do
alcance das mentes trevosas. Os que precisavam ficar no Posto,
foram acomodados em quartos isolados, e aqueles que ainda
não tinham consciência de sua situação, ficaram em leitos,
amarrados, não podendo sair.

Agora, teríamos de esperar o dia certo em que encarnados
e desencarnados se reuniriam para o trabalho de equipe, onde
os nossos socorridos seriam orientados em uma sessão, junto
aos médiuns da casa.
Elisa ficou no Posto, cuidando de Walter e de todos os que
ali estavam, ajudando os trabalhadores desencarnados da casa.
Voltei aos meus afazeres nas salas de aula do curso que ajudava
a administrar, esperando, ansiosa, o desenrolar dos
acontecimentos.




a Sala áe Ala



Enquanto aguardava a assistência para o Walter, dediquei
ainda mais tempo ao meu trabalho. Estava me dando bem
como instrutora do Curso de Reconhecimento do Plano Espiritual.
Estava gostando muito de lecionar. Numa das aulas, Norio, o
japonês, me fez algumas perguntas sobre matéria que não constava
do currículo. Percebi com satisfação que estava apta a
responder, e isto me tranqüilizou.
No Plano Espiritual, principalmente onde se pratica o bem
perdemos aos poucos o costume de reparar na aparência física
dos outros. Na classe onde trabalhava havia idosos, negros,
brancos e, como temos muitos orientais nas terras brasileiras, é
claro que os temos no Plano Espiritual. Norio é muito agradável,
risonho, inteligente, e de olhos puxados. Quando encarnado
era chamado "Norio, o japonês", e continuou sendo depois
de desencarnado, orgulhando-se muito do tratamento carinhoso.

- Patrícia - replicou Norio -, admiro muito Allan Kardec
como também a equipe que o ajudou a escrever os livros que
nos legou. Onde eles estão? No momento estão encarnados ou
desencarnados?
- Norio, poucos sabem sobre isso no Plano Espiritual. Eu
não sei. Só sabem os desencarnados mais elevados e que têm
como tarefa a orientação da Terra. Nós, a maioria, não sabemos
deles e nem do destino de espíritos considerados santos ou
que foram importantes, de alguma forma, quando encarnados.


O VÔO DA GAIVOTA 73

Essa situação acontece por precaução, porque, se os desencarnados
souberem, logo os encarnados saberão. E, como
há muitos imprudentes, se falarmos que estão encarnados, rapidamente
centenas de Allans Kardec irão surgir, como também
cada um de sua valiosa equipe. Se dissermos que estão desencarnados,
poderão acontecer muitas supostas manifestações,
por via mediúnica, em lugares que não têm a devida cautela
com mensagens assinadas por pessoas famosas. Assim sendo,
só posso responder que eles continuam firmes nos seus propósitos,
rumo ao progresso, preocupados com todos os espíritos que
trabalham para a sua evolução, e ajudam com bondade a todos.
Se estão encarnados, nem cogitam em pesquisar o que
foram no passado, porque isso não preocupa os espiritos bons.
Se desencarnados, muitas vezes se escondem em pseudônimos,
porque reconhecem que não fizeram mais do que lhes
competia fazer.
- Patrícia, já estou volitando, mas não o faço com rápidez,
será que aprenderei logo? - perguntou Norio novamente.

- Certamente - respondi. - Aprendemos primeiro a volitar
devagar para depois fazê-lo rápido. A última forma que aprendemos
é a de fazê-lo com a rapidez do pensamento. O curso de
volitação nas Colônias é aberto a todos, e aprende quem o
deseja.
- Muitos encarnados se desprendem de seus corpos e volitam.
É porque já sabiam? São danadinhos... - disse Norio.

- Aquele que sabe, faz! Se desencarnados sabiam, ao encarnar
recordam-se facilmente e, quando desprendidos do corpo
carnal, seja consciente ou pelo sono físico, utilizam-se da capacidade.
Mas encarnados também aprendem, se alguém os
ensinar.
- Patrícia, quem tem medo de altura, como faz para volitar?
- indagou Norio, todo sério.
Rimos.
- Se desencarnado - elucidei-o -, deve procurar o porquê

11- Esta resposta aqui registrada, eu a dei sob orientaçáo da equipe da
Colônia Casa do Escritor. (N.A.E.)


74 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE C'ARvAr un

do medo e superá-lo. Quando encarnados, usam-se alguns truques.
No corpo carnal o medo de altura é mais forte, porque se
sabe que, ao cair, irá no mínimo se machucar. Desencarnados
não correm esse risco. Minha mãe está encarnada, é acrófoba e
volita e vai a muitos lugares. No começo, tinha cautela, e não
olhava para baixo, agora o faz mais facilmente, e certamente
um dia irá superar esse trauma, causado por acontecimento
em outra existência.
- Patrícia - falou Ernani -, tenho uma prima que é espírita
e sua filha mais velha, Lilian, desencarnou. Ela está bem e feliz
aqui no Plano Espiritual, mas seus pais querem ter outro filho e
que Lilian volte a reencarnar. Ontem nos encontramos e ela
está num dilema, reencarnar ou não.
- Se os pais querem ter outro filho, tudo bem, mas não
devem proceder como seus primos querem, com o retorno da
filha. Existe essa possibilidade, em alguns casos, quando desencarnados
podem reencarnar em curto espaço de tempo entre
familiares e, às vezes, com os mesmos pais. Mas cada caso
deve ser estudado com atenção. Os encarnados não devem
fazer desse desejo algo que incomode o desencarnado, pois
isto significa ser egoísta. E o desencarnado, se não tiver planos
de reencarnar logo, não deve fazê-lo só porque os pais querem.
Aconselhe Lilian a conversar com um orientador e pedir ajuda
para resolver esse problema. E, se ela se achar sem condições
de retomar à carne, não deve fazê-lo agora.
O assunto da aula passou a ser obsessão.
Geralda nos contou que teve uma existência física muito
difícil. Órfã, casou-se jovem e sofreu muito com o marido, que
bebia. Querendo se ver livre do esposo, planejou e o assassinou,
sem que ninguém ficasse sabendo. Trabalhou muito e
criou seus cinco filhos. Mas o esposo, em espírito, querendo
vingar-se, obsediou-a por anos, até que os filhos moços procuraram
um Centro Espírita que a ajudou. Falou emocionada do
muito que sofreu e que, por causa da obsessão, conheceu o
Espiritismo que veio elucidá-la e auxiliá-la bastante.
Marcílio teve uma experiência diferente, desencarnou em


O vô DA GAIVOTA 75

acidente no trabalho. Desencarnado, descobriu que a esposa o
traía com seu sobrinho. Com raiva, passou a obsediá-la, não
deixando ninguém se aproximar dela com intenção amorosa.
Com a vida conturbada, a esposa foi a um lugar, onde pagou
para ficar livre da influência negativa, no caso, ele. Os desencarnados
que lá trabalhavam, pegaram-no e o levaram preso
para um lugar do Umbral. Marcílio ficou muito tempo prisioneiro,
quando fez amizade com um outro desencarnado que
também estava preso. Esse amigo contou-lhe porque estava
cativo. Desencarnara, deixando a esposa com seis filhos e, preocupado
com eles, voltou a sua antiga casa terrena, sem saber
que os prejudicava. A esposa, sem entender bem a situação,
procurou ajuda erradamente e ele foi preso por espíritos maldosos.
Por isso, devemos buscar auxílio só em lugares bons,
que fazem caridade, principalmente quando se trata de entes
queridos desencarnados. Socorristas vieram e ajudaram este
seu amigo, levando-o para um lugar melhor. Tempos depois ele
voltou e o socorreu. Marcílio disse-nos que foi uma experiência
muito triste não ter perdoado e ficar obsediando os seus. Esqueceu
de si para infernizar a esposa e sofreu muito.

Concluímos que é muito penoso tanto obsediar como ser
obsediado. Aquele que obsedia perde tempo precioso, pára no
seu caminho, para atormentar os outros. O melhor é viver de tal
modo que não mereçamos raiva e ódio de ninguém. Mas, se
pelo passado, alguém nos cobrar, é nosso dever ajudá-lo, e
assim pararemos de sofrer pelo que fizemos. Do contrário, se
permitirmos que o outro nos faça mal, é o mesmo que continuar
prejudicando os outros. Deve, portanto, o obsediado orar, ter
vida decente e procurar num Centro Espírita o auxílio para si e
para o outro. Todos devem ser tratados como irmãos e como
gostariam que fossem tratados. O obsessor e o obsediado merecem
o mesmo respeito.
Muitos foram os comentários sobre a obsessão. Albertina
nos narrou:
- Tenho um tio que é uma pessoa muito difícil. Vive irritado,
enfermo e, nas suas crises, atormenta toda a família. Muitos
diziam que estava obsediado. Até a família, embora descrente,
foi em busca de auxílio. Mas nada. Ele melhorava pouco e logo


PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

voltava ao seu mau humor. Logo que desencarnei, procurei
ajuda para meu tio, pensando que era obsediado. Mas, para
minha surpresa, ao visitá-lo não vi nenhum desencarnado com
ele. Querendo aprender, perguntei a um orientador que, para
esclarecer-me, foi comigo vê-lo.
"Albertina" - disse o orientador -, "esse senhor não é obsediado.
Ele não se educou, é uma pessoa nervosa e
consequentemente doente, pois quem não aprende a controlarse,
quase sempre se torna enfermo. É pessimista, eoísta,
gerando assm muitos fluidos negativos, que o tornam mais
irritado ainda. É pessoa difícil e que nada faz para se melhorar.
Nem tudo o que acontece aos encarnados é culpa dos desencarnados.
E nem sempre situações difíceis acontecem por
obsessões. Estas existem, mas deve-se analisar se o encarnado
sofre mais por suas próprias ações, por sua maneira errada de
ser e agir. Como também se não é física a origem do distúrbio
como seu tio, que é pessoa difícil.
Realmente, concluímos que muitos encarnados colocam a
culpa nos outros, porque isso é mais fácil do que reconhecer os
próprios erros.
- Patrícia - perguntou Marília -, um encarnado pode obsediar
um desencarnado?
- Pode. Se o encarnado ficar pensando no desencarnado,
chamando-o, com choro e desespero, não se conformando com
sua desencarnação, pode atrapalhá-lo. Mesmo se estiver abrigado
em Colônias, sentirá esses chamamentos, que o
incomodarão. Se estiver vagando, quase sempre vem e fica
perto do encarnado, numa troca doentia de tluidos. Os encarnados
devem ajudar os desencarnados que amam, sendo otimistas
orando por eles, desejando que estejam bem e felizes, e que
aceitem a desencarnação. O amor deve sempre nos levar a
querer o melhor para o ser amado.
- Bendito seja o Amor! - exclamou Terezinha, sorrindo.
Finalizamos a aula.


Desenrzoes



Nosso grupo de estudo foi com os outros dnis instrutores
aprender, na prática, e tentar ajudar algumas desencarnações.
Já havíamos visto, na teoria, as muitas formas de deixar o corpo
físico. Agora iríamos ver, para ter conhecimentos sobre os desligamentos
de algumas pessoas.

Fomos avisados que estava havendo um tiroteio entre grupos
rivais e nos dirigimos imediatamente para lá. Ao chegarmos,
ainda trocavam tiros e algumas pessoas corriam com medo. Os
assassinos fugiram, deixaram caídos dois feridos: um, na perna;
outro, no abdome, mão e perna. Havia três mortos.

Rápidos, também, vieram para ajudar quatro socorristas
que trabalhavam na região, e também um bando de desencarnados
trevosos, que chegaram tocando tambores e fazendo
barulho.

- Por que esta algazarra? - indagou Terezinha.
Alberto, um outro instrutor, respondia a todos, esclarecendo.

- Grupos assim, de desencarnados que vagam, estão sempre
à cata de novidades e confusões. Deliciam-se com brigas,
chegando até a apostar e torcer por um desfecho macabro.
Temos visto alguns batucando, andando por aí, como estes que
têm esta preferência. Muitos grupos possuem conduta elevada,
mas são muitos os oufros .que gostam de algazarra.

Muitos do bando trevoso nos viram, outros nos sentiram.


78 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Pararam perto e esperaram, porém continuavam a batucada.
Alguns gritaram dirigindo-se a nós.
- Ei, vocês do Cristo, andem logo!
- Peguem os que são de vocês e se mandem!
- Queremos os nossos!
Voltamos a atenção e os cuidados para os feridos. O que
tinha levado três tiros, estava mal e perdia muito sangue. O
dono do bar onde aconteceu o tiroteio chamou a polícia e a
ambulância, o socorro para os feridos veio rápido e os dois
foram levados para o hospital. Cleusa, que foi médica encarnada,
acompanhou-os fazendo tudo ao seu alcance, para ajudá-los.
Os três, cujos corpos físicos estavam mortos, mostravam-se
confusos e sofriam.

- Este - disse um dos socorristas - é bom moço, trabalhador,
correto, e atiraram nele só porque conversava com este
outro, seu primo, que era traficante.
Observamos melhor os três: eram todos jovens, adolescentes.
O apontado pelo socorrista, via-se, pela sua aura, que
era boa pessoa, todavia o que notamos nos outros dois, não foi
nada agradável. A aura deles estava suja, pastosa e tinha tonalidade
escura.
- Este - disse o outro socorrista, esclarecendo nossa turma
- já assassinou três pessoas, é traficante e sádico. Tem dezessete
anos. E o outro é um viciado em drogas e costuma roubar
carros.
Estes dois debatiam-se, desencarnados, já que os corpos
mortos estavam inertes. Ficamos em sua volta e oramos. Depois,
aproximamo-nos do que era bom. Um dos socorristas lhe
falou bondosamente:
- Jairo, você está ferido, vamos ajudá-lo. Calma! Fique
tranqüilo!
O garoto acalmou-se e o processo de desligamento foi
rápido. Alberto esclareceu ao grupo:
- Logo a polícia estará aqui e levará os cadáveres. Precisamos
desligar Jairo depressa para levá-lo daqui, evitando assim
cenas desagradáveis a este jovem.

O VÔO DA GAIVOTA 79

s Jairo, espírito, adormeceu tranqüilo e logo os socorristas
experientes o desligaram, levando-o para um Posto de Auxílio,
ali perto. Seu cadáver ficou com muitos ferimentos, mas o rosto
demonstrava tranqüilidade. O socorrista que ficou, dispersou os
fluidos vitais de seus restos mortais, para evitar que fossem
sugados, vampirizados.
Quando o socorrista terminou, afastamo-nos alguns metros,
nada mais tínhamos a fazer. Agora, porém, seria a vez do
outro grupo. Ficamos observando em silêncio e a cena trágica
nos chocou.
Eles se aproximaram dos outros dois, e vimos um deles,
parecia o chefe do grupo, especialista em desligamento, ficar
bem próximo dos jovens mortos. Ele falou rindo, talvez imitando
com deboche os socorristas.

- Calma aí, Negrão! Fique tranqüilo, Tenho! tiro vocês daí!
Estão mortinhos! Ou melhor, mortões!
Alguns pararam a batucada para olhar melhor, outros continuaram.
Com rapidez, o desencarnado, demonstrando que
sabia fazer e bem feito, desligou os dois sem qualquer delicadeza,
jogando-os para os do bando, que os seguraram rindo e
fazendo piadas. Os dois estavam abobalhados, assustados e
com medo. O grupo avançou sobre os restos mortais deles, já
que o socorrista vigiava o do que fora socorrido. Como feras,
vampirizavam os fluidos vitais, sugando o que escorria pelo
chão.
Alguns encarnados rodearam o local, olhando curiosos. Foi


12 - É cena deprimente ver espíritos vampirizando encarnados. Socorro na
desencarnação depende só do merecimento. Espíritos que vagam necessitam
muito de fluidos e, como não conseguem absorvê-los naturalmente,
os roubam, vampirizando dos recém-desencarnados, como também o fazem
dos encarnados. Quando isso acontece, o desencarnado sente esvair
suas forças, suas energias psíquicas. As energias físicas voltam à natureza,
sendo sugadas as energias psíquicas ou mentais. Assim, quando os socorristas
fazem isso, eles retêm para o corpo perispiritual as energias que o
recém-desencarnado necessita, e fazem também retomar rápido as energias
que são da natureza. (N.A.E.)


PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

quando uma senhora se aproximou chorando, era a mãe de
Jairo. Nós a rodeamos, tentando confortá-la.
- Jairo estará melhor agora! - disse Albertina, nossa companheira
de grupo
Uma mulher que acompanhava a mãe de Jairo, sentiu a
expressão forte e comovida de Albertina, abraçou-a e lhe falou:
- Neuzinha, não se desespere, Jairo estará melhor agora
longe desta vida ruim!
- Estará! Falou a mãe comovida. Ele era tão bom, que só
pode estar bem.
Veio outra senhora chorando desesperada. Era a mãe de
um dos outros dois.
- Meu filho, avisei tanto que não era para se meter com
esses bandidos.
Afagamo-las, confortando. Sofriam muitíssimo.
Os desencarnados do bando continuaram até que se saciaram,
depois se afastaram alguns metros, observando, talvez
porque também fazíamos o mesmo. Lourival, da nossa turma,
querendo aprender, indagou ao socorrista que estava ali olhando,
com tranqüilidade:
- O senhor não se entristece com essas cenas?
- Certamente, mas faz dez anos que trabalho no Posto de
Serviço aqui perto e, infelizmente, estas cenas são comuns por
aqui.
- E os outros dois - quis saber Marília -, que acontecerá
com eles?
- Não foi possível socorrê-los porque insensatamente se
afinam com o outro grupo. Pelo que tenho visto, logo estarão a
farrear com o bando, ou planejando se vingar dos seus assassinos.
- E o Jairo? - perguntou Lourival. - Aceitará o socorro
oferecido?
- Acredito que sim - replicou o socorrista pacientemente.-
É um bom garoto, afeiçoa-se ao bem e gostará do nosso Posto.
Mas ele é livre, poderá sair se quiser.
A polícia chegou e começou o seu trabalho. Os do bando


O VÔO DA GAIVOTA 81

riam, ora xingando os policiais, ora um ao outro. Mas não se
aproximaram. Quando os cadáveres foram levados, o socorrista
despediu-se de nós. O bando também se afastou, fazendo
muito barulho, levando os dois amparados, que estavam quase
inconscientes e não entendendo o que acontecia.

Afastamo-nos silenciosos, vimos a desencarnação de três
jovens, de modo violento e doloroso.
Deixo claro que nem todos os que são assassinos têm a ,
mesma maneira de desencarnar. Às vezes, quando há um tiroteio
com desencarnação, o bando trevoso não comparece, nem
os socorristas. Tenho visto alguns terem uma morte violenta e o
desligamento ser compulsório, rápido, e o desencarnado ficar
perto do corpo morto, sem entender o que ocorreu. E, em outros,
o desligamento acontecer tempos depois. O socorro
depende muito do merecimento, como no caso de Jairo, ou de
muitos fatores, como o desencarnado pedir ajuda a alguém
ligado a ele, seja encarnado ou desencarnado. Claro que, depois
dos primeiros socorros, ele ficará abrigado, se quiser.

Fomos ver outro desligamento. Dirigimo-nos a um cemitério
e, lá, visitamos um velório, na sala sete, onde éramos
esperados. Fomos estudar o desligamento de uma mulher, cujo
corpo físico completava cinco horas sem as funções vitais. Estava
num caixão lacrado e sua desencarnação aconteceu em
decorrência da AIDS. Dois socorristas esperavam para começar
o processo de desligamento. Logo após nos acomodarmos, eles
se puseram a trabalhar. Havia poucos encarnados no velório e
o enterro iria acontecer logo.
- Esta mulher - explicou um dos socorristas - teve uma
vida degenerada. Mas, ao descobrir que estava doente, foi em
busca de cura num Centro Espírita. Não teve a cura do corpo,
mas a Doutrina muito fez por ela. Passou a ler livros espíritas, a
ouvir palestras e mudou sua vida, modificando-se interiormente
para melhor. Aceitou a doença e, nos últimos tempos, orava
muito para ter socorro quando desencarnasse. Por isso, aqui
estamos. Ela dorme e não está sentindo nada. Antes de seu
corpo morrer, deram-lhe medicamento para dormir, e desencarnou
adormecida.


82 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Alguns dos alunos, já esclarecidos, foram ajudá-los e em
pouco menos de uma hora estava desligada. Dormia tranqüila.
- Pronto - disse o socorrista -, agora vamos levá-la para
um hospital no Plano Espiritual, onde se recuperará.
Na sala ao lado desta, no velório, havia muito barulho e
muitas pessoas choravam desesperadas. Aproveitando a oportunidade
de aprender, fomos lá ver o que ocorria.
De fato, vários encarnados ali presentes choravam sofrendo
muito. Velavam o corpo de um adolescente. Um dos
socorristas, que trabalhava com outros, naquele cemitério,
acompanhou-nos e nos elucidou:
- Este garoto ia fazer dezesseis anos, mas suicidou-se dando
um tiro no ouvido. Foi levado ferido para o hospital, onde
ficou seis dias em coma, acabando por desencarnar.
Ouvimos muitos comentários de encarnados.
- Dizem que foi por causa da namorada.
- Falam que se matou por ser homossexual.
E foram muitas os comentários maldosos. Não se devem
fazer observações negativas de ninguém, principalmente num
velório, pois devemos nos comportar como gostaríamos que
procedessem no nosso.
Mas o que nos levou a ficar, para observar, foi que o garoto
já estava desligado, só que perturbado, aflito e agoniado. Permanecia
perto do corpo morto, sem se afastar, mas gritando
desesperado, a querê-lo de volta, ou revivê-lo para continuar
sua vida, como encarnado.
- Que imprudência! - exclamou Genoveva emocionada.-
Quis se matar e, após fazê-lo, quer o corpo de volta.
- Certamente - esclareceu Alberto -, o garoto não pensou
nas conseqüências do seu ato. Vendo seus pais e irmãos sofrerem
tanto por ele, desesperou-se. Como também, vendo o corpo
morto e ele vivo, enche-se de medo do desconhecido, da nova
vida que agora terá.
Perto dele, tentando acalmá-lo e ajudá-lo, estava um senhor
desencarnado, seu avô. Porém o garoto não queria
afastar-se dali e não aceitava ajuda. Os encarnados choravam


O VÔO DA GAIVOTA 83

e ele chorava também. Nisso, um tio do menino entrou no
velório. Era um senhor espírita, com modos educados, que,
com frmeza, recomendou aos pais e familiares:
- Por favor, sei que a dor é grande neste momento, mas
vamos orar todos juntos. Vamos dar nossa ajuda a ele que tanto
amamos, perdoando-o por seu ato insensato, pois não nos cabe
julgá-lo, mas sim auxiliá-lo. Iniciemos, rogando ao nosso Pai-
Maior a ajuda que ele precisa, para que possa ser socorrido
pelos bons espíritos.
Quietaram-se todos e o senhor fez uma oração muito bonita,
no que foi acompanhado por todos, inclusive nós,
desencarnados. O garoto parou de chorar e tentou orar, mas
não conseguiu acompanhar as palavras do tio. Muitos tluidos o
envolveram e, por momentos, ele se equilibrou e, após a oração,
escutou claramente as palavras do tio, que lhe falou
mentalmente:
"Calma! Não se desespere! Nada acabou com a morte do
seu corpo. Somos eternos! Peça perdão! Aceite o socorro! Dura na!
Calma!"
Ele aceitou a ajuda do avô desencarnado. Refugiou-se nos
seus braços e dormiu. Só que seu sono era agitado e seu avô o
levou para o abrigo, um pequeno Pronto-Socorro Espiritual daquele
cemitério. O socorrista nos disse, explicando:
- Ele ficará em nosso abrigo até acordar. E, quando o fizer,
seu avô e um orientador falarão com ele, e a ele caberá escolher
se quer ou não o socorro. Se aceitar, será levado a um
hospital no Plano Espiritual, próprio para suicidas, se não, sofrerá
muito mais. Mesmo num hospital, demorará a se recuperar,
porque lesou o seu próprio corpo. Logo farão seu enterro e,
como vimos, a atitude do senhor espírita foi de grande valia,
demonstrando como as pessoas boas e com compreensão podem
ajudar nos velórios.
Fiquei impressionada com a expressão de terror e desespero
do garoto. Sei que é bem triste e de muito sofrimento, para
os familiares, a ocorrência do suicídio. Mas não devem se desesperar,
nem blasfemar e, sim, tentarem ajudar um ao outro,
esforçando-se todos para auxiliar o suicida. Que vejam nele um


84 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

imprudente que fez muito mal a si mesmo, e a necessitar do
perdão de todos e de muitas orações, colocando nelas o incentivo
para que ele peça perdão, que rogue socorro e que aceite a
ajuda oferecida, como também desejar-lhe paz e felicidade.
Isto vindo dos entes queridos o auxilia muito, pois os familiares
do suicida não devem pensar que ele será infeliz e que sofrerá
pela eternidade. Nada na espiritualidade se faz automaticamente,
pois cada caso é visto com carinho especial. Não se
deve matar ou tirar a vida física de quem quer que seja e,
embora, as conseqüências do erro sejam penosas para quem o
cometeu, o agressor sempre é perdoado, quando pede perdão
com sinceridade e repara a falta. O carinho dos que nos amam
significa conforto, a facilitar as coisas. E, quem pensa em se
suicidar, que não o faça, por pior que seja a dificuldade do
momento, lembrando que tudo passa, e o tempo trará as soluções.
Continuamos a existência após a morte do corpo e, para o
suicida, essa continuação não é agradável, porque ele acaba
sofrendo bastante.
O socorrista nos acompanhou para uma visita ao cemitério.
- Veja - disse Josefino -, dois desencarnados trevosos guardando
este túmulo.
- Aqui está enterrada há nove dias uma senhora - esclareceu
o socorrista. - Como ela ainda está ligada ao corpo, os
desencarnados fazem rodízio para vigiá-la. São muitos os que
querem vingar-se dela.
- Eles não poderiam desligá-la? - indagou Marília. - Pelo
que vimos, muitos desencarnados maus sabem fazer isto.
- Claro que poderiam - respondeu o socorrista. - Mas já
viram vocês como é triste o sofrimento de uma pessoa que fica,
após o desenlace, ligada ao corpo por dias? Sente a decomposição
e os vermes a devorando. É por este sofrimento que eles
não a desligam. Só vigiam para que ninguém o faça ou, se ela o
fizer por si mesma, saia e eles a percam de vista. Certamente,
quando eles sentirem que ela já está parando de sofrer no
corpo em decomposição, a levarão para o Umbral.
- Ela deve ter sido muito má para ter despertado tanto ódio


O VÔO DA GAIVOTA 85

assim - comentou Hugo -, tenho pena dela. Será que vocês
socorristas não poderiam desligá-la? Socorrê-la?

Alberto, querendo que todos entendessem bem o que acontecia,
nos convidou:
- Vamos nos aproximar para estudar e entender melhor
este fato.

Os dois desencarnados que vigiavam, não arredavam o pé
do lugar, embora se inquietassem com nossa presença. Um
deles, depois de gaguejar, esforçou-se para falar.

- Esta não é de vocês! E, depois, não estamos fazendo
nada.
- Sei - respondeu o socorrista -, viemos só para estudar.
Vimos a senhora, seu corpo se decompunha e ela, espírito
estava desesperada, revoltada e indignada. Blasfemava contra
Deus achando injusto seu sofrimento.

- É por isto, Hugo, que os socorristas não podem ajudá-la.
Vamos orar por ela - esclareceu Alberto.

Todos do grupo recolheram-se em orações. Fluidos nossos
foram até ela, porém não a atingiram devido ao seu bloqueio
negativo. Fluidos bons ou ruins não são impostos, são lançados,
e recebidos quando queremos e, ainda, podemos repelir qualquer
energia que nos seja lançada. Quando oramos, ela por
segundos pensou em Deus, mas não aceitou nossos pensamentos
e sugestões de voltar ao Bem. De forma que, pelas oraçôes,
recebem-se fluidos benéficos, mas se pensarmos negativamente,
não se conseguem recebê-los. Enquanto orávamos, os dois
vigias afastaram-se alguns metros, ficaram nos olhando e Cleusa
dirigiu-se a eles:
- Vocês dois não querem orar conosco? Não querem ajuda?
Não precisam de auxílio? Por que não a perdoam?

- Calma aí, moça! - respondeu um deles. - Perdoar por
quê? Ela nem pediu! E por que se preocupa conosco? Não queremos
nada de vocês. Não queremos orar. Ajuda? - riu. - Uma
garrafa de pinga seria de bom gosto.

Afastamo-nos e nos despedimo dos socorristas, agradecendo.
Estávamos sendo aguardados num apartamento, e para lá


86 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIlVZECK DE CARVALHO

fomos, para estudar o desencarne de uma senhora. Alberto
explicou à turma:
- Esta senhora é muito boa, teve uma vida digna fazendo
do seu dia-a-dia um ato de amor. Ama a Deus profundamente,
ama a si mesma com muito respeito pela vida e ao próximo
como a si mesma.
Entramos no apartamento. A senhora que viemos observar
morava sozinha, estava no quarto, deitada, e lhe fazia companhia
a filha, que estava na cozinha preparando o jantar. Muitos
desencarnados bons ali permaneciam, e vieram para estar com
ela, porque a amavam. Alguns deles comentaram:
- Ao saber que minha benfeitora ia desencarnar, pedi licença
para vir ficar perto dela, para transmitir-lhe o arnor que
lhe devoto.
- Ela é tão boa! Vou vibrar com carinho para que não sinta
nada.
A senhora estava acamada e naquele dia sentia-se indisposta.
Ao pegar o copo de água para beber, um socorrista
colocou um remédio na água, que ela tomou, ficando sonolenta.
Três socorristas especializados começaram, com delicadeza,
o desligamento. Após alguns minutos, o coração físico parou, e
também a respiração. O corpo carnal morreu, o perispírito separou-se
dele, e ela sorriu meigamente. Recebeu bons fluidos
de todos os presentes e adormeceu tranqüila. Os que ali estavam
por amizade e carinho começaram a cantar canções
bonitas que escutávamos nas Colônias e Postos. O ambiente se
mostrava radiante e com vibrações de muita paz.
O trabalho dos socorristas terminou e ela foi conduzida
para uma Colônia. Alguns a acompanharam, outros permaneceram
ali.

- Vamos ficar até o enterro - disse um senhor.
A filha veio dar uma olhada na mâe e pensou que dormia,
ao vê-la quieta. Uma senhora desencarnada aproximou-se da
filha e lhe pediu para ver melhor a mãe. Ela, então, notou que a
mâe não respirava e entendeu que desencarnara. Ajoelhou-se,
começou a orar e lágrimas escorreram abundantes pela sua


O VÔO DA GAIVOTA 87

face. Após acalmar-se, sustentada pelos fluidos dos desencarnados
presentes, levantou-se e foi tomar as providências que
cabiam no momento.
Afastamo-nos comovidos e Lourival comentou:

- Que diferença! Vimos uma desencarnada, de quem muitos
queriam vingar-se. E esta senhora, com tantos a ajudar.

Alberto elucidou-nos:

- A desencarnação é a continuação real da vida que tivemos,
pois ligamo-nos através de nossos atos. Presenciamos duas
formas de viver diferentes e não precisamos saber o que fez
uma ou a outra, mas concluímos como deve ter sido a via
delas. Diretrizes para o bem-viver não nos faltam. Os ensinamentos
de Jesus estão aí para todos, e não é difícil segui-los.
Felizes os que fazem do Bem o objetivo de suas existências!
- Por que umas pessoas se apavoram tanto com a desencarnação
e outras não? - Hugo indagou.

Meditei por uns instantes, a pergunta era realmente interessante.
Respondi tentando esclarecê-lo do melhor modo
possível:
- Muitos realmente temem a desencarnação. O que normalmente
acontece com alguns encarnados é que eles vivem
as projeções, esperanças e idéias que preenchem seus pensamentos.
Outros, masoquistas, ruminam insensatamente ofensas,
dores e angústias, gostando até de se sentirem doentes para
serem alvo de atenção. Têm medo de olhar a vida como ela é,
porque, se conseguissem ver a realidade da vida, teriam que
mudar radicalmente seus pensamentos, modos e atitudes,
por que a vida não está delineada como os seus desejos e recusas.
Ela é o que é.
Vejamos um exemplo. Quase sempre, diante da desencarnação
de um ente querido, preocupamo-nos conosco, nos
primeiros instantes, quando pensamos: "Ai, meu Deus, que será
de mim agora?" Depois, diante da dureza da separação, ficamos
preocupados e vemos que deveríamos ter tido atitudes
bem mais amorosas e benfazejas com aquele ente querido que
se foi.


8g PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Jesus nos advertiu que estivéssemos vigilantes. Recomendou
aos apóstolos: "Estejam cingidos os vossos rins."3
Isto é,
com cintos cingidos. Naquele tempo, viajavam colocando nos
cintos os pertences mais importantes da viagem. Recomendou-nos,
assim, que estivéssemos sempre prontos para a viagem,
referindo-se à desencarnação, porque a vida física não nos dá
aviso prévio sobre isso e, assim, passamos do Plano Físico para
o Espiritual muitas vezes desprevenidos. Muitos encarnados não
vivem esse ensinamento, essa verdade, daí haver tanta vaidade,
orgulho e prepotência. Porque, se todos percebessem que
nada somos por nós mesmos, e que nada temos de absolutamente
nosso, a simplicidade e humildade seriam a base de
nossas relações.
Nas grandes catástrofes do mundo físico, os homens se
ajudam mutuamente com simplicidade e fraternidade, porque
com o acontecido tudo perderam e naquele instante são iguais.
Passados os momentos dolorosos, vão aos poucos voltando as
suas ilusões e a se explorar mutuamente.
A humildade cultivada externamente representa vaidade e
pretensão. A verdadeira modéstia somente existe, quando não
agimos com egoísmo e estamos totalmente conscientes de nossa
pequenez. Se procedermos assim, veremos a realidade
daquilo que somos e o que a vida é. Isso é fundamental, para
não nos perdermos nos caminhos das pretensões e vaidades
humanas.
Aqueles que seguem os ensinamentos de Jesus esquecem-se
de si e não se apavoram com a desencarnação, encarando-a
como um prosseguimento da vida. Têm eles, como ponto fundamental,
a glória de Deus manifestada na vida e não nos seus
desejos pessoais. Agem como a lagarta que está sempre pronta
a aceitar com amor as transformações que a vida quer operar
em sua existência: de lagarta faminta, transformar-se em bela
borboleta, sustentada pela energia do néctar das flores. Mas
para isso é preciso que amemos a Deus acima de tudo, acima
de nós mesmos. Não o Deus distante e, sim, o Onipresente.

13 - Lucas, XII:3S. (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA g9

o é, E necessário pensar seriamente na desencarnação, como
nos felzon amento da vida e se quisermos ter uma continuação,
que o façamos por merecer.
Vimos muitas desencarnações e todos nós, do grupo, aprendemos
a desligar o perispírito do corpo físico. Lourival e Cleusa
se emocionaram tanto, que escolheram trabalhar, após o curso
socorrendo recém-desencarnados.
Meu amigo Antônio Carlos tem razão: aprendemos muito
quando ensinamos aos outros o que sabemos. Gostei imensamente
de participar deste curso!


uma Reunião Espírita



No dia e hora marcados para a orientação dos socorridos
do Túnel Negro, fui ao Centro Espírita e lá me encontrei com
Elisa.
- Patrícia - disse ela -, estou ansiosa e também preocupada.
Será que Walter irá aceitar a ajuda oferecida?
- Espero que sim - respondi. - Como estão eles? Como
está Walter?
- Mostram-se como os deixamos, somente alguns mais
agitados. Serão trazidos do Posto para o salão logo mais.
Construído da mesma substância do perispírito, o Posto de
Socorro está acima da construção material do Centro Espírita.
Muitos Centros têm um pequeno hospital assim, um lugar de
emergência, representando a continuação da construção material.
Quase sempre essa continuação de auxílio tem um pequeno
ou mini-hospital para os primeiros socorros e, também, locais
para moradia de alguns desencarnados que lá trabalham. São
muito úteis, mas sempre singelos e acolhedores. Quando o
Centro Espírita tem Posto de Socorro, os socorridos ficam provisoriamente
nesse lugar e são trazidos ao local da reunião
mediúnica, pouco antes de seu início. O Posto do Centro em
que estávamos é muito bonito, com quadros de lindas paisagens,
além de flores, alegrando a entrada.
Enquanto aguardava, fui rever amigos desencarnados. Após
muitos abraços e conversas, tomamos nossos lugares, porque


O VÔO DA GAIVOTA

logo começariam os trabalhos programados. Meu pai sempre
chega bem antes da hora e lá fica orando e meditando. Porém,
muitas pessoas chegam também antes, para conversar com ele
e sanar dúvidas, no que procura ele atender a todas. Os encarnados
foram chegando e me sentia bem em vê-los, pois convivi
com muitos deles e alegrava-me por tê-los como amigos. Emocionada,
escutei meu pai:

"Muito se tem dito sobre o significado das parábolas do
Mestre Nazareno. No Ocidente, quase a totalidade das pessoas
se dizem cristãs. É indiscutível ter sido Jesus o maior espírito de
que temos notícia, expoente em valores e qualidades dentre
todos os instrutores conhecidos pela nossa humanidade. E nós,
cristãos, conhecemos e deveríamos compreender os ensinos
de Jesus e ter seu exemplo como meta de vida. Vangloriamo-nos
sempre de ser seus seguidores, porém, a maioria de nossas
atitudes, nossas reações diante das relaçôes que a vida nos
impôe, não diferem muito das pessoas ditas não cristãs. Não
estaria algo errado? Admitindo-se que sim, não seriam naturalmente
os ensinamentos de Jesus mas, somente, a nossa maneira
de entendê-los ou traduzi-los em nossa forma de viver.

Criamos uma complexidade enorme em nossa estrutura
psíquica, em nosso patrimônio espiritual, e nos consideramos
repletos de créditos, de conhecimentos e posições, que apenas
existem por uma autovalorização de nossos próprios atos. Nossas
ações estão, erradamente, baseadas na reciprocidade, de
vez que não sabemos fazer nada sem esperarmos retorno ou
ganho pelos nossos atos. Não costumamos gravitar em torno do
centro da vida, que é Deus. Com exceção de poucos, o ponto
em torno do qual gravitamos é o nosso próprio ego. Nossos
pensamentos e ações têm o próprio benefício como fim. Aprendemos
a somente adorar a Deus, o que nos é muito fácil, porque
não nos exige nem esforço físico e nem gastos financeiros e,
assim, não sabemos ainda vê-Lo e amá-Lo nas suas manifestações
mais simples. Amá-Lo na sua onipresença requer
sensibilidade e visão acurada da realidade dos fatos da vida.
Temos conhecimento, através dos relatos de desencarnados,
que esse sentimento de ganho e perda nos acompanha após a


92 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

desencarnação. Instituem-se, então, nas Colônias, o bônus-hora
para que os recém-chegados, condicionados ao ganho, não se
sintam desestimulados para o trabalho. O bônus-hora é um
incentivo ao espírito ocioso, ou, em outras palavras, ao espírito
que ainda vive em função da sua própria pessoa e que ainda
não conhece o valor do bem coletivo. Recebem provisoriamente
esse tipo de ganho, para que tenham estímulos no trabalho
em seu benefício e de seu próximo, até que entendam o trabalho
desinteressado.
Amar a Deus é tê-Lo como centro da própria vida, vê-Lo,
senti-Lo, ter afeto por Ele em todas as suas manifestações. Jesus
disse: "Senhor, graças te dou por ter ocultado isto aos sábios
e prudentes e revelado aos simples e pequeninos". Sábio não é
o mesmo que erudito, o que muito conhece, que tem a qualquer
momento de cor as citações do patrimônio intelectual e
religioso da humanidade. Não condenamos o conhecimento
dos livros sacros, pois eles nos são necessários, mas reprovamos
a maneira como muitos o utilizam. O conhecimento
representa um meio para que conheçamos a experiência dos
que nos antecederam. Esses arquivos ajudam o ser humano na
evolução, mas devemos crescer pela conduta reta, pelo espírito.
E para que esses ensinos façam parte de nossa vida, é
necessário que o exemplo do Nazareno seja compreendido e
não decorado, como temos feito há quase dois mil anos. Ao
compreendê-los veremos que Jesus via e vivia, assim já não
mais faremos a Sua vontade e sim a nossa, que passa a ser
como a Dele, porque veremos como Ele o que é falso e o que é
verdadeiro.
Disse Jesus aos seus apóstolos: "Ide, ensinai, curai para
que quando os homens virem suas boas obras glorifiquem o Pai
que está nos céus". Quanta simplicidade, quanta humildade!
Praticar os maiores benefícios à humanidade e esquecer não só
do ganho pecuniário e, também, de qualquer agradecimento
ou reconhecimento do beneficiado. Fazer por amor à vida que
se manifesta no necessitado e em si mesmo, e agir de tal forma
que possamos ver em cada ser humano a imagem e a
manifestação de Deus. E não devemos incentivar o culto da


O VÔO DA GAIVOTA 93

idolatria da personalidade de José, Sebastiana, Maria, Antônio
"(14)

Um freqüentador indagou a meu pai:
- Por que tenho tantos conflitos? Como poderei eliminá-los?
- O maior drama do homem não está na pressão do meio,
nem nas dores externas. A própria morte física é passageira
- respondeu meu genitor. - O grande drama, a grande dor é o
conflito que existe entre o que somos e o que nos ensinaram
que deveríamos ser. Temos aprendido que necessitamos reprimir
os impulsos egoístas, para poder viver bem com nosso
próximo. Enquanto estivermos valorizando mais a vontade de
outros, seja quem for, o conflito permanece e não haverá mudança
radical em nosso relacionamento com a vida. Porque,
apesar de achar certo fazer o que eles querem, e disto esperar
créditos e ganhos, a realidade é que ainda permanece a vontade
de fazer o que se gosta.
Temos nosso ego quase sempre colocado como o centro
do Universo, devendo girar tudo em torno de nosso prazer e
satisfação. Essa é geralmente nossa conduta, mas a vida não
sabe e não se importa com nada disso, porque ela tem seu
próprio caminho. E aí, insatisfeitos, nos frustramos, ficamos inconformados
e, às vezes, nos revoltamos com o desenrolar dos
acontecimentos. Assim, batemos de frente com a realidade e
perdemos todo o interesse de nos importarmos com a vida. Por
isso, precisamos aprender a aceitar a vida como ela é, sem
querer que seja diferente. Mudar para melhor está em nossas
mãos, como também aceitar sem contestações o que a vida
nos proporciona, mesmo aparentemente em situações e circunstâncias
desfavoráveis, pois é nos momentos difíceis que
nos superamos, isso se não tivermos dó de nós mesmos. Precisamos
compreender que não somos somente filhos de Deus,


14 - As passagens citadas do Evangelho não estão na íntegra e nem cito
capítulo ou versículo. Escrevendo os ditos de meu pai, fiz como ele costuma
fazer, nada decorado, sim compreendido. (N.A.E.)


94 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVAI.Hn

mas muito mais, pois que fazemos parte de Sua própria manifestação.
Compreendendo isto, entenderemos a diferença
existente nos dois filhos, na parábola evangélica do Filho Pródigo.
O mais velho nunca saiu de casa, sempre fez a vontade do
Pai, mas viveu sempre insatisfeito, porque no seu íntimo não
sentia as coisas do Pai como suas. E o Pai não o sentia perto de
si, apesar de amá-lo muito. O mais novo, depois de se afastar,
de esbanjar o que lhe pertencia, conheceu a si próprio e compreendeu
que ele e o Pai eram um só. E, se eram um só
extinguiram-se aí todas as cobranças, todos os conflitos, permanecendo
somente uma única coisa, a unidade com Deus, em
todas suas manifestações.
Agora, se pretendermos amenizar os conflitos e as dificuldades
que possam nos perturbar, lembremo-nos das palavras
de nosso Mestre, diante de circunstância semelhante: "Vinde a
mim todos vós que andais cansados e sobrecarregados, que eu
vos aliviarei, pois meu jugo é suave e meu peso é leve". O
amado Mestre era viril em todas suas respostas, não no sentido
de machismo, mas de pureza, simplicidade e inocência austera.
Dificuldades sempre as teremos, porque relacionamento é
atrito de interesses. E toda cadeia de vida é um constante atrito
de funções das manifestações de Deus. E o conjunto harmônico
de todas suas funções compõe a sintonia do Universo. Particularmente,
esse atrito se traduz pelo conflito entre o que queremos
que seja e o que realmente é. Esta resposta é para aqueles que
querem mais profundamente ter a visão do que realmente somos.
Se você não compreender - falou referindo-se ao jovem
que o indagara -, fique com a primeira parte, que vai amenizar
muito sua maneira de viver seus conflitos.
Uma médium que há tempo freqüenta a casa, trabalhando
regularmente, relatou seu drama íntimo, reclamando que Deus
foi e tem sido injusto com ela.
- Minha filha - respondeu meu pai, tratando-a de forma
carinhosa -, pensarei no seu caso e verei como amenizar seu
drama.
Isso acontece em algumas situações que requerem um
estudo maior, com a procura de soluções para os inúmerosos
problemas que lhe encaminham, mas nunca deixando de


O VÔO DA GAIVOTA j5

atender a quem quer que seja. Quase sempre responde de
imediato, mas, nesse caso, ele teria que meditar para achar a
melhor maneira de ajudá-la.
A reunião começou e transcorreu tranqüilamente, conforme
narrarei no capítulo seguinte. Tempos depois me encontrei
com Elisa que, curiosa, me indagou sobre esse fato:
- Patrícia, qual foi o conceito do Sr. José Carlos sobre Deus
ser justo ou injusto? Tenho certeza que ele resolveu a questão
junto à médium, mas gostaria de saber a opinião dele sobre tão
delicada questão: Justiça ou Injustiça Divina.
- Elisa, não posso responder por ele. Hoje, papai está em
viagem de negócios e, pelo que sei, o assunto somente poderá
ser resolvido à tarde. Neste momento, está almoçando. Vamos
até ele!
Elisa me acompanhou, contente e, em instantes, estávamos
ao seu lado. Papai acabara de almoçar e, não tendo nada
para fazer sicamente, entrou no seu costumeiro fluxo de pensamento.
Isto acontece normalmente quando está só e sem
obrigações físicas. Então carinhosamente lhe perguntei:
- Papai, Deus é justo para uns e injusto para outros?
Como sempre faz, comparou um relacionamento físico entre
as pessoas e o assunto questionado, simbolizando como
deveria ser o relacionamento entre Deus e nós, e nós e Deus.
Pedi a ele novamente que gravasse seus pensamentos e
ele o fez em guardanapos de papel. Agora que escrevemos este
trecho, pedi à médium, Tia Vera, que solicitasse a ele esses
guardanapos. Gentilmente nos cedeu, e os transcrevo na íntegra.
Aí está sua resposta:
"Normalmente, quando tudo dá certo conosco, achamos
que é merecimento e que Deus nos faz justiça. Quando nos são
negados nossos anseios de preechimento mental e satisfação
física, ou seja, quando não está acontecendo o que queremos,
sentimo-nos injustiçados, principalmente ao nos compararmos
com outras pessoas. Por que ele tem e eu não? Achamos que
Deus não está fazendo justiça conosco e que estamos sendo
punidos. É que trazemos cargas negativas do passado, que ocasionam
frustrações no momento, existindo também atos desta


96 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

encarnação que podem ser o motivo de muitas decepções
Normalmente, não enxergamos a realidade da vida e sim
a projeção das nossas ilusões, por considerarmos a vida física
como fim e não como meio.
Muitas vezes, o justo ou o injusto baseia-se, de acordo coom
nossa compreensão, no que damos e no que achamos que
devemos receber em troca.
Sentimo-nos injustiçados, porque quase sempre temos
como meta nossa distração e o preenchimento da vida com
prazer. Transformamos as funções e necessidades do corpo físico
e a capacidade de pensar como fim da nossa existência. Não
chegamos a olhar a vida como um todo e a desempenhar eficientemente
nossa parte neste conjunto. Já imaginaram se o
coração se sentisse injustiçado por não ter folga e nem descanso
físico? Que seria do homem? Diante desse exemplo,
aprendemos que cada um deve fazer o que lhe compete, sem
esperar recompensas, e sempre consciente de que deve utilizar
o potencial nobre que a vida lhe concedeu. Apesar de insignificantes
diante do cosmo, fazemos parte dele. Portanto, precisamos
desempenhar nossa função como parte da vida e não viver
para os nossos prazeres e conquistas, materiais ou espirituais.
Deus não cria os seres, para puni-los ou premiá-los. Cada
qual tem sua função e utilidade, assim como o grão de areia
tem sua função no deserto ou na praia.Punir uma manifestação,
seria reconhecer Sua própria falha.
Ao comprarmos uma máquina nova, o fabricante nos dá
garantia da mesma, e qualquer falha no seu funcionamento
não significa a intenção do fabricante em nos punir, pois a
garantia dela fará com que ele lhe restaure as funções. E, no
caso, ele é o maior prejudicado, porque, além dos gastos de
reposição, teria seu nome comercial prejudicado e posta em
dúvida sua idoneidade. Não somos uma máquina, é certo, e a
falha nunca está em Deus, e sim em nossa maneira de nos
relacionarmos com suas Leis, com a vida. Na maioria das vezes,
nossos ânimos e desejos não encontram ressonância nos
planos traçados pela vida, por causa de nossas existências anteriores.
Às vezes o que desejamos não é o que podemos ter.
Quase sempre nossos desejos são saturados de egoísmo. Os da


O VÔO DA GAIVOTA 97

vida são saturados de grandeza, de amor e de realização plena
do homem.
Na Terra, cada variedade de raça recebe, com maior ou
menor intensidade, o que necessita para desempenhar e enobrecer
a espécie a que pertence. O grupo humano não foge à
regra geral e natural, somente foi acrescentada em nós a faculdade
da liberdade de escolha, para cumprirmos a tarefa para a
qual fomos chamados. Se nos harmonizamos com as Leis Divinas,
nos sentiremos felizes a caminho do progresso, enquanto
que, se as desprezamos, criamos um ambiente vibratório individual
de desarmonia, que poderá atingir aqueles que nos
cercam, e terá ressonância de vibrações inferiores. Será que
Deus criou a Terra, com todo seu aparato animal e vegetal,
somente para o desfrute do homem? O ser humano foi criado
para usufruir de tudo à custa dos que caminham com ele? Não!
Pelos seus atos de abuso, cuja conseqüência não compreende,
presume que Deus lhe está sendo injusto.
Temos quase sempre, em nossas existências, buscado o
significado da vida, tentando adivinhar por que razão Deus criou
o homem. Talvez façamos isso, por darmos importância demais
em pensar o que somos, ou pelos sentimentos que nos
transmitiram, de tão importante questão. Deus é profundamente
simples. Para que possamos ouvi-Lo e senti-Lo, é preciso
antes de tudo ser simples como Ele. Um exemplo da simplicidade
de Deus é sua onipresença tanto em nosso Cristo, quanto
num verme desprezado por todos. Devemos nos despojar do
cultivo da autovalorização: vaidade, orgulho e presunção, para
nos tornarmos melhores. Se não assumirmos nossa participação
no conjunto do orbe terráqueo, nos sentiremos excluídos de
obrigações e responsabilidades. E aí, o que acontece com os
habitantes da Terra? A conseqüência é esta que estamos vendo:
destruição e devastação do que a natureza levou milhões de
anos para realizar. Não nos sentindo parte do Universo, parece
que estamos no mundo somente para usar e desfrutar as coisas,
não tendo nada a responder, sem responsabilidades com o que
acontece com tudo e com todos, alheios aos que sofrem dores e
misérias.
Não podemos compreender Aquele do qual estamos separados


98 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIIVZECK DE CARVALHO

e, enquanto assim estivermos, não faremos parte do todo,.
Ao contrário, se participarmos do todo, seremos um só. Náo
haverá nem o maior, nem o menor, porque nosso pequenino eu
se perderá, diante da grandeza e importância do Universo.
Que restará, então, para nós e para nossa espécie? Viver e
neste viver, conhecer e compreender nossas funções e as dos
que nos cercam, compondo assim um todo harmônico. Aquilo
que os irracionais fazem instintivamente, o homem deverá fazer
consciente e espontaneamente. Os irracionais não têm
escolha, o homem pode escolher. Pode recusar ou participar do
Banquete Divino, que é a própria vida, refletindo assim a simplicidade
e o equilíbrio do macro, refletido no micro. Não
teremos, então, nenhuma pretensão, por situações anteriores
posteriores, ou do momento presente, pois elas são produtos do
egoísmo oriundo da mente temporal. E Deus é atemporal.
Deus é, também, profundamente justo. Não há desvios
nem preferências em suas leis. Recebemos de acordo com o
que fazemos, sendo que nossas vibrações são resultados de
nosso estado interior, e que nos proporcionarão ligações com
vibrações harmoniosas ou perturbadas, a causar dor e angústia,
ou a felicidade. Conhecendo a Lei da Reencarnação, entenderemos
melhor a Justiça Divina. Compreendendo Deus, veremos
que tudo que Ele faz é justo, pois nada deve a ninguém. Tudo o
que recebemos é graça e de graça, nada temos feito para ter
crédito com Deus. E, por mais que façamos, procede d'Ele o
potencial da vida, a capacidade e a oportunidade de agir Se
vivermos esta verdade, nunca se abrigará em nossa mente a
questão de Deus ser justo ou injusto.
"Meu pai é meu mestre. Alegro-me muito aprendendo com
o que ele diz.


Recuperação dos Socorridos



Após a oração, começou o trabalho de desobsessão. Para
nós, desencarnados, os trabalhos começaram bem antes, pois
tudo é muito bem organizado. Elabora-se a lista dos desencarnados
que vão ser orientados, para que eles sejam trazidos do
Posto para o salão onde é feita a reunião. Eles ficam alguns
metros acima dos encarnados, sendo que o forro e o telhado da
construção material desaparecem para eles. Os desencarnados
trabalhadores e eu vemos as barreiras materiais, como se fossem
um desenho que não atrapalha em nada. Com a previsão
de quantos médiuns virão, é feita a programação para que o
trabalho tenha o melhor proveito possível. Muitos dos que vão
receber a orientação, atraves da incorporação, ao verem o trabalho
dedicado dos trabalhadores, ao escutarem as conversas
edificantes e a leitura do Evangelho com sua explicação, já se
sentem inclinados a mudar, e vários deles nem precisam mais
da incorporação.
No sentido espiritual, para a alma em evolução, a vida
material constitui ambiente hostil. Justificamos, quase sempre,
nossas falhas, com a desculpa de que a maioria age da mesma
forma, e alegamos que não somos santos e, assim, não se pode
exigir de nós uma maneira de agir mais elevada. Dessa forma,
criamos uma distância entre o que fazemos e o que deveríamos
ter feito. É como o aluno que freqüenta a escola e não se aplica
no exercício do aprendizado e, no final do ano, ao fazer as
provas, vê-se reprovado. Quando um desencarnado se depara,


100 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

frente a frente, com um encarnado de atitudes dignas, sem a
aura de santo, sente o estímulo de imediato. A presença de
alguém elevado dispensa comentários. Palavras ensinam, exemplos
arrastam.
Mas a maioria dos socorridos necessitava de incorporação,
como era o caso de Walter e de seus companheiros que, agitados,
mostravam sentir falta da sensação das drogas e não
conseguiam entender o que realmente estava acontecendo.
Foram todos conduzidos à incorporação. Narrarei a incorporação
de Walter, por ter sido muito importante para mim e Elisa.
Walter foi colocado perto da médium que lhe serviria de
intérprete. Na simbiose da incorporação, há uma permuta entre
os dois, desencarnado e encarnado. O médium sente os
dramas do desencarnado e este absorve parte do equilíbrio do
médium. Isto já fez Walter retornar um pouco à realidade. Mas
não conseguiu falar direito, só balbuciou algumas palavras:
"Natan... cocaína... preciso... socorro...
"
Nos dois dias que Walter ficou no Posto, meu pai e a equipe
dos desencarnados, principalmente os médicos interessados
no socorro dos espíritos, presos no vício, estudavam o melhor
modo de orientar os irmãos imprudentes e infelizes. Iriam testar
uma nova forma de ajudá-los, e todos os trabalhadores do
Centro estavam esperançosos, aguardando resultados positivos.
Meu pai foi falando a ele, enquanto os desencarnados reforçavam
o que lhe era dito. Acalmaram-no. Walter foi induzido a
voltar no tempo, modificando seu perispírito. Sabemos bem que
isto é possível. Os encarnados têm notícias desse processo, através
de muitos livros. O perispírito é modificável e há muitos que
sabem fazê-lo. Vimos, no livro Libertação, de André Luiz, psicografia
de Francisco Cândido Xavier, um desencarnado das trevas
modificar o perispírito de muitos, na sua cidade umbralina. Existem,
pelo Umbral, desencarnados com aparência monstruosa e
muitos, com aparência modificada por eles mesmos, para
melhor assustar os outros. Sabemos também de muitos desencarnados
que dão nova forma a seus perispíritos, para ficarem
com a aparência de outros espíritos, para enganar e mistificar. Todavia,
conhece-se a árvore pelos frutos. Conhece-se o


O VÔO DA GAIVOTA 101

encarnado por seus fluidos, os quais eles nunca conseguirão
modificar. Nos estágios elevados do Plano Espiritual também se
modifica o perispírito, seja a aparência dos bons, com a finalidade
de ajudar, ou a de outros que, no momento, não têm por si mesmo
como mudar. Recuperam inúmeros socorridos, cujas
aparências se transformaram em figuras monstruosas, animalescas
e deformadas, para os deixar com aspecto normal. Também
podem rejuvenescer, ou tomar a aparência de antigas encarnações.
Os desencarnados bons só usam esse processo com alguma
utilidade. Mas, basta saber, para mudar de aparência em qualquer
lugar e por motivos os mais diversos; se são bons, para
ajudar; se, maus e brincalhões, para enganar, confundir e assustar.
Porém continuam a ser os mesmos, em relação à elevação
normal, só mudam a forma.
Com Walter foi usado esse processo. Fez-se uma regressão
de memória, até que ficasse com a aparência da idade de
meses antes de começar a se drogar. Forçando mais um pouquinho,
conseguiram, com êxito, fazê-lo se sentir mentalmente
como estava na aparência. Tornou-se, então, um garoto de catorze
anos, gorducho, rosado de olhar esperto. Com o semblante
de quando era jovem, não foi difícil fazer com que assumisse
sua vida daquela época, mesmo porque no seu inconsciente
havia um desejo enorme de fugir de sua atual situação. Consolidado
seu equilíbrio, assumida estava a situação. O doutrinador
tem que adquirir, nessas horas, a confiança e a amizade do
socorrido. Através do carinho e da compreensão, convidaram-no
para ver a vida de um amigo seu que muito errou e que
precisava de auxílio - neste caso, a vida dele mesmo. Então
mostrando sua auto-escravização no vício e seu consinte
sofrimento. Quase sempre, ao ter alguém as primeiras
de seu passado, já drogado, há também recusa instintiva
ver aquelas atitudes, como também a recusa de admitir
fora ele próprio a viver determinadas passagens. O doutrinador
deve, então, insistir para que se concentre no personagem
 assistência. Em poucos instantes, ele se reconheceu e começou
a se desesperar, tentando assumir novamente seu estado
de drogado. Nesse momento é preciso muito esforço


102 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

dos trabalhadores desencarnados, para lhe manter o equilíbrio.
O doutrinador deve ter autoridade direta sobre ele, mantendo-o
no estado em que foi levado, pela regressão, isto é, permanecer
com a aparência física e mental de antes de se drogar. Deve
agir com muita autoridade, afeto e carinho, insistindo na sua
recuperação. Com Walter que já havia sentido a harmonia do
estado anterior, antes de se drogar, encontrou base para não se
desesperar e assumir de novo o equilíbrio, já na sua personalidade
atual. Não se deve esquecer também que, durante todo o
socorro, nesse processo o equilíbrio do médium é fundamental
pois naqueles momentos os dois agem como um só. Também o
médium deve estar em sintonia com o doutrinador, respeitando-o
e confiando na sua capacidade de dirigir os trabalhos.
Walter se analisou e meu pai, como orientador encarnado orientou-o,
até que ele passou a entender
a situação:
perfeitamente sua
- Meu filho, você está numa reunião de Amor e Caridade.
Aqui tentamos ajudá-lo, para que seja livre. Estamos a lembrá-lo
do que aconteceu, dos fatos vividos por você. Você é um
garoto sadio que foi experimentar drogas e a elas ficou preso.
Recorde! Uma dose, a segunda, mais outra e veja como ficou.
Desencarnado, você continuou, em espírito, ligado às drogas
porque a morte não nos liberta de nossos vícios.
Walter ficou assustado. Lembrou-se de tudo e lágrimas escorreram
abundantes de seus olhos.
- Perdão, meu Deus! Perdão! - falou emocionado.
- Tenho
horror em ver como fiquei! Não quero ser um trapo humano!
quero ficar assim, sadio e com raciocínio. Nunca mais me
viciarei!
- Então aceita nosso auxílio? - indagou meu pai.
- Peço-o em nome de Deus! - falou Walter chorando.
- Será acolhido e orientado!
Walter foi tirado de perto da médium, quando Elisa pegou
na sua mão e lhe disse com carinho:
- Walter, meu filho! Meu anjo!
- Mãe - disse ele. - Minha mãe!


O VÔO DA GAIVOTA 103

Olhou para Elisa e não a reconheceu, mas sentiu que ela
era, ou melhor, fora sua mãe. Elisa fora sua genitora em encarnação
anterior.
- Sim, sou eu, sua mãe Gertrudes - disse Elisa (nome que
sua mãe adotara no plano espiritual).

Walter, cansado pelas emoções, adormeceu nos braços de
Elisa que se pôs a chorar baixinho, com emoção e gratidão.
Finalmente a mãe recuperara seu ente querido.

O processo utilizado tem êxito, em recuperação de desencarnados
viciados, pois tomando a forma perispiritual de antes
de se viciar, adquire-se mais força para dominar a situação.
Alguns, nesses processos, não recordam o período de viciado,
mas é bom que o façam para que saibam e entendam o tanto
que sofreram. Todos os socorridos do Túnel Negro pediram
ajuda e foram acolhidos, por isso o tratamento continuaria,
sendo eles encaminhados a hospitais próprios, onde a ajuda
psicológica seria a mais importante, juntamente com a Evangelização.
Em algumas doutrinações, como a de Walter, pode acontecer
de o socorrido ver tudo o que se passou com ele e não
querer a ajuda oferecida, preferindo continuar no vício. A escolha
é do socorrido, pois todos nós temos o livre-arbítrio a ser
respeitado. Nesses casos, o doutrinador ainda deve argumentar
tentando ajudar na recuperação. Se houver ainda recusa, deve-se
deixar que se comporte como escolheu e ser retirado do
local do Centro Espírita. Sem sustento de bons fluidos, é costume
voltar logo ao estado deplorável de drogado. Será, entretanto,
em outra ocasião, socorrido novamente e, quando estiver cansado
das drogas, aceitará a ajuda.

Também o doutrinador deve ficar atento para não deixar o
socorrido ter remorsos destrutivos, incentivando-o a ter esperanças
de vida no futuro e reparar seus erros através do trabalho
útil e no Bem.
Uma convidada, desencarnada, que assistia à reunião indagou
a Maurício, que estava ao meu lado:

- aurício o drogado é responsável por todos seus atos
errados? Como, por exemplo, aquele rapaz que, ao discutir

104 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

com sua mãe, a empurrou com força, levando-a a cair e bater
com a cabeça e desencarnar. Agindo assim sob o efeito da
droga, ele é culpado?
- A intenção, em um ato errado, é pior às vezes que o
próprio ato - respondeu o interpelado. - Ele não teve a intenção,
não queria a morte física da mâe, mas foi a causa da sua
desencarnação, daí a sua culpa. É muito difícil um drogado náo
saber que age erradamente e que poderá provocar, por isso,
acontecimentos trágicos em sua vida. Em todos nossos atos, o
que importa é a intenção e, assim, notamos que aquele jovem
tinha na mente este propósito, que lhe trazia muitos sofrimentos.
Vimos também que a recuperação total dos viciados que
não praticaram outras faltas, é mais fácil, o mesmo não acontecendo
com alguns que, além do vício, cometem outros erros.
Deve o encarnado pensar bem nisso, antes de seguir o
caminho das drogas. Nas conseqüências tristes que advirão,
como aconteceu a este rapaz que, mesmo amando a mãe, foi a
causa de sua desencarnação.
A reunião terminou após a oração, quando os orientadores
espirituais energizaram beneficamente todo o ambiente e, também,
as pessoas presentes.
Os encarnados conversavam trocando idéias, e os mentores
espirituais estavam contentes com o êxito da experiência.
Todos os socorridos do Túnel Negro passavam relativamente
bem. Elisa levaria Walter para a Colônia Perseverança, onde
trabalhava, pois, desde que soube ser ele viciado em tóxicos,
pediu para trabalhar naquele setor do hospital, onde os internos
se recuperavam das drogas. Agora iria também cuidar dele.
Despediu-se de nós emocionada e chegando perto do meu pai,
agradeceu; ele sentiu uma vibração diferente, carinhosa, que
só os gratos conseguem emitir, e sorriu em resposta.
Dois trabalhadores desencarnados do Centro Espírita ajudaram
Elisa a transportar Walter, ainda adormecido, para a
Colônia. Terminados os trabalhos todos foram embora, e os
espíritos socorridos conduzidos para novas acomodações. Após
as despedidas, voltou a rotina no Centro Espírita, até a próxima
reunião.


O VÔO DA GAIVOTA

Também retornei à Colônia e aos meus afazeres. Porém
surpreendi-me com as notícias. Natan já havia descoberto quem
entrara nos seus domínios e, raivoso, queria acertar contas.
Acompanhei os acontecimentos.

Natan


Sempre que possível, ia às reuniões no Centro Espírita,
para me inteirar dos acontecimentos. Quando não podia, Artur,
um dos orientadores do Centro, amigo de muitas encarnações
de meu pai, me colocava a par da situação.
No Umbral, os chefes sabem de tudo o que lá acontece,
com relativa facilidade. Natan, ao voltar ao Túnel Negro naquela
noite em que lá estivemos, cientificou-se de tudo. Disseram-lhe
que vários espíritos, comandados por um ainda encarnado, entraram
em sua fortaleza, levando com eles os que quiseram ir.
Nada danificamos com nossa excursão ao Túnel Negro, só
tiramos alguns sofredores de lá. Porém, como Elisa previu, Natan
logo soube o nome do encarnado, onde ele morava, seus
familiares e o Centro Espírita que freqüentava. Dois de seus
servidores, espíritos ligados a ele no trabalho no Túnel, foram
observar meu pai e o Centro Espírita.
Na reunião seguinte, foram os dois servidores ao Centro
Espírita levar um recado de Natan. Entraram como convidados,
sem se despojarem de suas armas e aguardaram o início da
reunião em silêncio. Um dos orientadores da casa lhes explicou
como deveriam proceder. Como queriam falar pela incorporação,
tiveram que aguardar na fila, e só seria permitida a
comunicação deles no momento previsto. Um deles ao observar
o ambiente, curioso, conteve-se para não chorar, ao ouvir a
explicação do Evangelho e as orações e, quando foi chamado
para se incorporar, pediu ao companheiro que o fizesse. O


O VÔO DA GAIVOTA 107


quieto e o tempo
no Centro, estava ar que era
desde que entraraforçando-se para dem E erto do
e a baixa onstr

ordens recebidas de Natan , P
cado, seguindo as ondeu ao cumprim

ara a in
corporação, resp a. Depois, a e'ist do e
ss
dium, p ipida a pala o que veio como
i-noite, quando lhe f áe Natan falou
ara '
uenciado pela mente ' do Tú el Negro estivesse ali.
róprio, como se o chefe que fizeram nos
fosse o p n não gostou da invasão os reparação.
- Meu chefe Natan violação e exigi
os uma tender um pedido
us domínios. Sofrem ão foi para a o sei por
mos também que essa inv lle ela estava junto


s ua filha desencarnada, e gtáveis, já que foram lá só para
a
por impre
ue se interessam
sgatá-los· anos de imp  - meu

- Por que chama os toxicôm restáveis.
iai inda ou.
- Nem racioci-
 - respondeu ele rindo.
- São outra coisa.
para experiências. Drogados são encarnam
mais! Só servem quando se quer vingar de algu
inúteis. Não é à toa que, q ele tiver tendência, perde-se
nado, incentiva-se-o ao  mpletamente escravo da droga e
nos tóxicos, tornando s · Viciados são fantoches, farrapos
presa fácil de seus vingadores m terem levado de lá os impres-
Natan não achou rui
humanos m entrado lá sem permissão.
táveis. Irritou-se por tere permissâo, ele consentiria? - indagou
- Se eu tivesse pedido
meu pai d ria os imprestáveis - respondeu

- Entrar lá não! Mas lhe a
le rindo cinicamente. istiu meu pai, que
com
e  - ins
- Daria mesmo. conversava
orientador encarnado da casa.
ele como - não todos ou nem tantos,
talvez
- Ora - respondeu ele  me atormentar mais ainda os
lhe liberasse alguns. É nosso costu
que são do interesse dos bons.

Fez uma pausa. infelizmente, é o que
o desencarnado falou, ue costu-
não é regra geral.
Sendo assim, ao notar
ma acontecer, porém, do interesse dos socor-
seus domínios é



107 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

presumindo que, desse modo, vingam-se dos interessados. Por
isso, sempre se faz com cautela a demonstração desse interesse.
Logo após a pausa, em que ele observou bem o local,
continuou a falar calmamente.
- Deixemos de conversas! Natan exige a devolução de
todos e desculpas com pompas. Quer a reparação! Você com
seus comparsas devem ir ao Umbral em horário marcado e,
na frente dos convidados dele, se desculparem.
- Volte e diga a Natan que não quisemos afrontá-lo
. Mas,
por circunstâncias articulares e justas, tivemos que ir lá. Não
devolveremos nenhum dos que nos pediram abrigo e infelizmente
não faremos o que ele quer.
Todos nós presentes, tanto os encarnados
quanto os desencarnados, sabíamos que Natan através de uma
ligação com o seu enviado, estava vendo e ouvindo o
que ocorria na reunião.
Mas, como ele mandou recado recebeu resposta
para que o portador a levasse até ele. O desencarnado irritou-se
com o que ouviu, porém controlou-se e respondeu:
- Quero deixar claro que ninguém estava lá obrigado. Se
existiam alguns presos foi por não cumprirem obrigações. Vocês
estão arrumando confusão. Vou embora e darei o recado.
Afastou-se da médium. O desencarnado falava a verdade
ois nos domínios do Túnel Negro ninguém permanecia obrigado.
Os viciados iam lá à procura da droga e submetiam-se aos
piores vexames e situações humilhantes para conseguir o sustento
para seus vícios.
O outro que viera junto e que observava tudo
chegou perto e
companheiro falava, c , n uanto o
Centro e pediu:
o de um dos trabalhadores do
- Será que vocês não me abrigariam? Gostei daqui, quero
ficar.
- Certamente que sim.
Ao se afastar da médium, o enviado de Natan
pelo amigo e o viu na fila dos que iam p Procurou
socorridos. Olhou p ara a Colônia, como
para ele e não falou nada. Saiu do Centro
Espírita e foi cumprir a tarefa que lhe impusera o chefe.
Como previsto, Natan não gostou da resposta e, no dia

O VÔO DA GAIVOTA 109

seguinte, preparou bem seus servidores, armou-os e ordenou
que fossem ao Centro Espírita e o invadissem. Deu instrução
para expulsarem todos que lá se encontrassem e quebrarem
tudo, mas não foi junto, ficou no Túnel Negro.

Artur, prevendo o ataque, organizou a defesa do Posto e do
Centro Espírita, para que todos os aguardassem tn áqalm perto,
taram realmente invadir, mas, quando se enco

Artur e os companheiros foram ao encontro deles, dominando-os
pela força mental, imobilizando-os. Levaram-nos, em seguida,
para o pátio, já desarmados, e depois os encaminharam para o
Posto, acomodando-os numa sala própria. Tudo normalizado,
Artur conversou com eles, durante horas. Perguntavam sobre
tudo e Artur os esclarecia. Viram a Colônia, pela tela, e lhes foi
oferecido socorro médico e abrigo. Após, Artur abriu a porta da
sala e disse:
- Podem sair os que quiserem, só que irão sem as armas.
Os que desejam ficar conosco serão bem-vindos.

Muitos se mostravam indecisos. Se voltassem, seria como
fracassados, não tendo cumprido a tarefa que lhes fora confiada.
Temiam o chefe, mas gostavam da vida que levavam, e não
queriam mudar. Foram poucos os que gostaram do que lhes foi
oferecido por Artur, em nome de todos os trabalhadores do
Centro. Muitos dos desencarnados que vagam pelo Umbral, não
têm idéia de outra forma de vida na espiritualidade e, ao conhecer,
geralmente aceitam, querem a mudança. Outros,
indiferentes, preferem mesmo é continuar como estão. Do grupo
de Natan, alguns ficaram na sala, mas a maioria saiu. Muitos
se dirigiram para o Umbral, onde iriam vagar sem rumo, pois
não tinham disposição de voltar ao Túnel Negro, de vez que
temiam Natan. Outros, mais corajosos, voltaram, e ficamos
sabendo depois que não foram castigados. Os que permaneceram
e aceitaram socorro, foram encaminhados para a Colônia,
para a Escola de Regeneração. As armas deles, feitas do mesmo
material que constitui nosso perispírito, foram destruídas.

Natan mandou dois de seus servidores, os de sua confiança
para ficarem perto de meu pai e eles trouxeram outros dois

que foram induzidos a pensar que
desencarnados, viciados


110 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

meu pai ia lhes dar drogas. Desencarnados nesse estado têm
fluidos pesados e angustiantes. Por isso, Artur levou os dois
viciados para o Posto do Centro, onde receberam os primeiros
socorros, sendo depois orientados em reunião, da mesma forma
que Walter, e obtiveram o mesmo êxito. Artur fez um
esquema especial de proteção aos médiuns e freqüentadores
do Centro, para que não fossem atingidos pelas vibrações dos
seguidores de Natan, como também para as pessoas que sempre
estão com meu pai, inclusive os familiares. Os outros dois,
os servidores de Natan, meu genitor convidou-os para ficarem
com ele. Seguiram-no de perto, por dias.
Natan, vendo seus dois melhores auxiliares em perigo,
chamou-os de volta. O perigo, para ele, era o de se converterem.
Meu pai ora, medita, lê e faz com que os desencarnados
que estão junto dele, escutem. Trata-os com bondade, porém
com firmeza e não aceita suas interferências. Apesar de cansá-lo
muito essa conduta, ele sabe que tem de estar vigilante vinte
e quatro horas por dia. E esse tipo de pressão o tem feito crescer,
porque o "orar e vigiar" o coloca constantemente em vibração
maior, que atinge os desencarnados de forma diferente, levando-os
a refletirem e a pensarem em Deus.
Natan veio encontrar-se com meu pai. Esperou-o à noite,
perto do Centro Espírita, e disse a um dos guardas que queria
falar-lhe. Meu pai foi ao seu encontro.
- Você é um feiticeiro terrível! - disse Natan. - Não quero
que nenhum dos meus companheiros sofra sua influência. Exijo
uma reparação sua e tudo ficará por isto mesmo, mas que vá
ao Túnel Negro e me peça desculpas. Abro mão do resto.
A palavra "feiticeiro" foi empregada por ele, para definir
aquele que tem força mental e que a usa tanto para o bem
como para o mal. E o tom de desprezo seria para ofender.
Desencarnados que, temporariamente estão seguindo o mal,

15 - Anteriormente, o Sr. José Carlos havia convidado dois espíritos para
ficarem ao seu lado e agora convidou Natan. Para fazer isto, é necessário
ter muitos conhecimentos e moral elevada. Alerto os encarnados, para não
agirem assim, sem o preparo devido. (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 111


gostam de chamar meu pai assim, como também de indiano,
porque ele, em muitas encarnações, teve a Índia como berço.
- Você tem me observado - respondeu meu pai -, deve
saber que sempre que erro, peço perdão de coração. Nunca
peço por orgulho, pois levo muito a sério o ato de me desculpar.
Quando o faço, é porque entendi que errei e procuro não mais
incidir nessa falta, para não ter que me desculpar pela segunda
vez pelo mesmo ato. Isto porque, reconhecendo meu erro, me
esforço para melhorar. Não me arrependi por ter ido ao Túnel
Negro e libertado não só o desencarnado, que foi o motivo de
socorro, mas todos os que quiseram nosso auxílio. Faria de
novo, por isso, em respeito a você, não posso me desculpar.
Para nos reconciliarmos com alguém, mesmo não sendo
culpado, não nos custa pedir desculpas. Meu pai com sua atitude
estava querendo ajudar Natan. Tentava fazer que esse espírito
se voltasse para Deus.
- Atormentarei você! - exclamou ele.
- É um direito seu - respondeu meu pai. - Convido-o a ficar
comigo.'5 Só que eu também tenho direitos. Você tentará me
atormentar, atingir-me, eu me esforçarei para não receber sua
influência negativa, como também tentarei transmitir-lhe as
minhas sugestões. Terá que me escutar! Será só entre nós dois.
O mais forte irá influenciar o outro. E o mais forte será aquele
que tiver a vida, os pensamentos e as atitudes baseados na
verdade. E a verdade nunca será produto de nosso desejo, esperança
ou ambição, mas, sim, sempre a mesma, infinitamente,
no tempo e no espaço.
- Não sou de fugir de desafio. Vou agora ao Túnel Negro
tomar algumas providências e voltarei. Aguarde-me!
- Não o estou desafiando. Será um prazer conviver com
você! Vamos aprender muito um com o outro.
Natan afastou-se, já havia perdido muitos dos seus seguidores
e achou que só ele estaria apto a dar uma lição merecida
naquele que, em sua opinião, o desafiara. Estava com raiva de
todos do grupo, e com os desencarnados, sabia por antecipação
que não podia com eles. Com meu pai era, porém, diferente,
ele estava na came, sujeito a muitos condicionamentos e me

112 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

lindres devido às necessidades e funções do corpo, sendo assim
mais fácil de atingir e prejudicar. Entendia que, atingindo um
encarnado, atingiria todo o grupo. Organizou, então, o Túnel
Negro para que continuasse a funcionar sem ele e, assim, no
outro dia, foi ao encontro de meu pai e começou a acompanhá-
lo de perto. Meu genitor continuou com sua vida normal, de
trabalhador no plano físico e espiritual. Natan não ficou, de
imediato, como obsessor de meu pai, mas sim curioso, e com
raiva daquele momento, quis conhecer como era o dia-a-dia de
uma pessoa tão diferente das com que convivera.
Natan pressionava meu pai. Forçava-o a pensar em coisas
mundanas, para que baixasse a vibração. Meu pai, por outro
lado, meditava em coisas superiores e Natan era forçado naturalmente
a sentir as mesmas coisas. Percebia as sugestões e
desejos terrenos. Porém, mostrava mentalmente a Natan a estupidez
e a mediocridade daqueles que usam as necessidades
e funções do mundo físico, como propósito de vida. À noite,
meu pai desligado do corpo físico se dirigia para o trabalho
espiritual e Natan ia junto. Encaminhava-se ao Posto do Centro
para cuidar dos doentes, conversava com os socorridos, e ele
ao seu lado. E foi assim, por muito tempo, até que Natan começou
a se interessar pelo trabalho realizado no Posto, e começou
a falar de si, e meu pai atenciosamente o escutou.
Natan foi médico, quando encarnado. Ambicionando enriquecer,
usou a medicina somente como profissão para ganhar
dinheiro. É preciso lembrar que o trabalhador faz jus ao seu
salário, mas nenhum profissional deve só visar o lucro, mas sim
fazer também, através de seu trabalho, todo o bem possível.
Médicos lidam com dores e por isso devem, também, ser humanitários.
Trabalharem pelo sustento material, sim, mas sem
se esquecerem de fazer aos outros o que queiram que lhes
façam. Natan fez muitos abortos e receitou remédios proibidos,
desde que lhe pagassem. Mas a desencarnação chegou e se viu
diante de muitos inimigos que queriam vingança. A situação o
apavorou demais, primeiro porque era ateu, segundo, porque
aquele bando o atormentava sem poder destruí-lo. Vingavam-se
por tê-los impedido de reencarnar, ou por não terem sido
atendidos, porque não podiam remunerá-lo. Estava irado


O VÔO DA GAIVOTA 113

quando o tiraram de seus perseguidores. Eram espíritos, moradores
de uma cidade umbralina, que vieram e o levaram. O
chefe dessa cidade sabia quem ele era, mas deixou que sofresse
por uns tempos, para que ficasse lhe devendo obrigação.
Natan não é o nome verdadeiro dele, tendo escolhido esse
cognome tempos depois, talvez para impor mais respeito a
seus inferiores. Levado à cidade umbralina, o chefe conversou
com ele e lhe ofereceu abrigo em troca de seu trabalho como
médico. Natan não era ocioso, sempre foi trabalhador, por isso
aceitou e se aliviou por ficar livre do bando que o perseguia,
mas com o qual aprendera tantas maldades. O chefe daquele
local, no intuito de organizar um lugar especializado em tóxicos,
fundou o Túnel Negro e o colocou para administrá-lo. Com
o passar dos anos,  chefe se desinteressou pelo lugar e Natan
ficou sendo o senhor absoluto.
O Túnel Negro não forçava ninguém a ficar lá e nem seus
moradores saíam à procura de desencarnados para irem lá. Os
viciados desencarnados é que o procuravam, em busca das
drogas. Só que, depois de serem abrigados, tinham que seguir
as normas da casa e trabalhar para eles. Existem muitos lugares,
abrigos, cidades no Umbral, para onde os desencarnados
viciados são levados como prisioneiros. Como também há outros
lugares, como o Túnel Negro, onde os desencarnados não
são obrigados a ir e nem a permanecer. É lugar de livre acesso.
Mas Natan era insatisfeito e isso lhe doía e o atormentava.

Instalou-se, então, a troca de fluidos entre eles. Meu pai
começou a sofrer os de Natan, sentindo doer-lhe por dentro,
como um vazio profundo. Certo dia, meu pai estava meditando
e Natan perto dele, quando meu genitor lhe disse:

"Natan, é falta de Deus! É a ausência do Pai em você que
lhe dói tanto. Você era ateu, mas não pode dizer agora que
ainda o é. Por que, então, não se aproxima do Pai?"

Natan não respondeu e se afastou. Depois de meses, era a
primeira vez que se afastava. Recolheu-se num canto no Umbral
e pôs-se a pensar. No dia da reunião, quase no horário de
começar, ele entrou no Centro, pediu licença e se colocou na
fila dos que iam receber orientação, pela incorporação. Estava
diferente, sem seus colares e suas armas.


114 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK nR f auvnr un

Na sua vez de se comunicar, aproximou-se educadamente
de uma médium, cumprimentou meu pai e disse:
- Você me venceu!
- Não! Natan, você não lutou comigo. Mas lutou consigo
mesmo. Era a ausência de Deus que o atormentava. Você é
infeliz e apenas o convidamos a aprender a ser feliz. Fico contente
por você querer mudar. Gosto de você! Venha viver uma
vida digna de um espírito.
- Quero ser seu amigo! - exclamou Natan emocionado.
- Sejamos então amigos! Preciso muito de amigos.
Natan foi levado para a Escola de Regeneração. Após ter
feito o curso, foi trabalhar num Posto de Socorro do Umbral
onde exerce seus conhecimentos de Medicina, em socorro aos
necessitados. Sempre que pode vai visitar meu pai e assistir às
reuniões do Centro. Trabalha muito. Artur, sempre que o vê,
costuma dizer de forma carinhosa:
"Ama muito, porque foi muito perdoado!
Artur falou, modificando o texto do Evangelho de Lucas
VII:47. "São lhe perdoados muitos pecados, porque muito amou."

O Médico nazista



Quando fomos assistir à recuperação de Walter, na reunião
do Centro Espírita, defrontamos com um caso muito interessante
que me chamou atenção e, por isso, acompanhei o desenrolar
do drama.
Estávamos aguardando o início, quando chegaram três pessoas:
um casal com a filha adotiva. O casal, principalmente a
senhora, queixou-se que a mocinha, a filha, continuava tendo
suas crises.
Artur me explicou que Joana, assim se chamava a jovem,
era médium e estava sendo obsediada por alguns espíritos,
suas vítimas no passado. Tinha crises, em qualquer hora e lugar,
e procurava meu pai, em horários inoportunos, para lhe dar
passes, porque só assim se acalmava.

Minha mãe foi sentar-se ao lado dela, porque, conforme
me explicaram, logo que entrava no Centro, começavam suas
crises, e era necessário alguém perto que a controlasse. Seus
obsessores possuíam sobre ela o domínio psíquico, mesmo à
distância. Queriam que sofresse, pois ela os havia prejudicado.

Gosto muito de ver minha mãe, pois amamo-nos muito. É
a pessoa de quem mais gosto, e sempre que me é possível vou
visitá-la, ficar ao seu lado, porque me é prazeroso.

Joana é uma mulata forte, de olhar malicioso, demonstrando
não estar a fim nem de orar, nem de melhorar. Ali está
por imposição dos pais e para ficar livre de suas crises, que
considera ridículas e que lhe fazem passar vergonha. O seu


116 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

obsessor chefe era inteligente e sutil e, como ela tinha má
índole, passou a incentivá-la a fazer uso da maldade, chegando
a ponto de incorporar, utilizando-a como médium, e tentar matar
a mãe e o pai. Fazia com que descuidasse completamente
da disciplina pessoal e dos compromissos próprios de sua idade,
para envolvê-la no seu ardil. O desencarnado transmitia-lhe
acontecimentos do passado das pessoas para que, assim, dominasse
as mais fracas que a cercavam.
Quando foi levada até a casa de meu pai, o obsessor aceitou,
porque confiava que iria dominar qualquer encarnado com
que defrontasse, sentindo-se assim forte no seu orgulho e pretensão.
Vencidos os primeiros embates, o obsessor sentiu-se
admirado pela força que desconhecia e quis, então, aprender
com eles, com o grupo do Centro, não para melhorar, mas para
ficar mais poderoso.
" Artur me pôs a par dos acontecimentos. Joana, em sua
encarnação anterior, fora um médico nazista e praticara muitas
maldades e experiências com os judeus. Reencamou longe da
Alemanha, num corpo feminino e mulato, mas mesmo assim
foi encontrada pelos que não a perdoaram. Sabiam que ela
comparecia ao Centro para se livrar deles, os obsessores. Sorrindo
e com seu modo agradável, Artur comentou:
- Patrícia, seu pai, por ajudar a jovem, está sofrendo com o
rancor desses obsessores. Mesmo assim, está ajudando-a, embora
sabendo que ela não gosta daqui nem dele e que, assim
que se sentir livre dos desafetos, não voltará mais. Socorremos
para mostrar aos encarnados a força espiritual de que dispôe
um Centro Espírita, desde que se trabalhe em prol do bem
comum, e também dos que vêm pedir ajuda.
Prestamos atenção na orientação que meu pai deu aos três
encarnados: pai, mãe e filha.
- Só ficamos livres do nosso passado trabalhando no bem,
no presente. Para nos livrarmos de obsessores, devemos pedir
perdão, perdoar e nos harmonizar com as Leis Divinas. Precisamos
entender que os espíritos têm seus motivos para perseguir
as pessoas, por isso devemos entendê-los e tentar amá-los,
porque eles também necessitam de ajuda. Para não sermos


O VÔO DA GAIVOTA

atingidos pelos obsessores, devemos mudar nossa vibração,
sair da faixa mental deles, isto é, pensar em coisas boas e
superiores e agir de modo digno, trabalhar no Bem e amar
muito. Vocês aqui estão em busca de auxílio, porém devem
ajudar a si mesmos. Certamente, quando você se sentir bem,
Joana, não voltará mais aqui. Porém, quero lhe dizer uma coisa,
você é médium e necessita aprender a lidar com sua
faculdade e trabalhar muito no bem, para viver tranqüila e sem
essas crises. Mas, se você se afastar do Centro Espírita e não se
modificar, a situação que vive agora voltará sempre. Os Centros
Espíritas estão melhor preparados para ajudar nos casos de
obsessão, ensinando a lidar com a mediunidade para o bem, e
em suas reuniões ouvirá ensinamentos que ajudarão a sua renovação
interior.
Joana não gostou muito do que ouviu, mas ficou quieta.
Quando começou o trabalho de desobsessão, três dos que
a estavam importunando, se comunicaram. Os três, dois homens
e uma mulher, foram judeus, ou ainda eram, pois o fator
raça se mostrava ainda forte neles. O primeiro estava sem um
braço e sem o olho esquerdo. Cumprimentou mal-humorado,
não queria conversar com ninguém, foi perto do médium contra
sua vontade e falou com raiva:

- Por que interferem no que é justo? Embora tenham outra
religião, vocês amam a Deus. Nunca ouvi falar de religião deste
jeito. Oram, dizem fazer o bem, conversam com os mortos,
mas ajudam os criminosos. Isto não está certo. Por que o ajudam,
esse monstro sanguinário?

O desencarnado desconhecia o Espiritismo, estranhando o
intercâmbio mediúnico e o ensinamento de que todos somos
filhos de Deus e, por isso, irmãos uns dos outros.

- Se eu lhe disser que queremos é ajudar você... - começou
a dizer meu pai, porém foi interrompido por ele.

- Ah, mas por que não nos avisaram logo que querem se
unir a nós. Quanto mais, melhor!
- Você não entendeu, queremos ajudá-lo a se recuperar, a
tomar-se sadio, a viver de modo digno, num lugar propício.

- Quem lhe falou que quero ser sadio? - indagou nervoso.


118 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

- Já me propuseram isto uma vez e não aceitei. Quero ficar
como ele me deixou, para ter sempre motivo para odiá-lo.
- Você sofre e faz sofrer - disse meu pai.
- Nem começamos. É melhor dizer: sofre e faremos sofrer
cada vez mais - respondeu ele.
- Não vale a pena! Você já pesquisou por que sofreu assim?
Se sabe que continuamos a viver após a morte do corpo,
que reencarnamos e, por isso, é que você o está perseguindo
reencarnado em outro corpo? Então sabe que viveu encarnado
outras vezes. Vamos, irmão, recordar seu passado?
A equipe desencarnada, já pronta, colocou à sua frente a
"tela", que é como na espiritualidade chamam este aparelho.
Ele é denominado de muitas maneiras, havendo alguma diferença
de um local para outro, mas é sempre o mesmo e muito
útil. O espírito que se comunicava fora, na encarnação anterior
também judeu e, numa guerra, havia trucidado muitás pessoas,
entre elas jovens e crianças. Ao recordar, deu gritos lancinantes,
mas o médium, treinado, só alterou um ouco a voz isso
porque não é necessário gritar. Acalmaram o desencarnado
que, com dificuldade, voltou a falar.
- Olho por olho...
- Não, meu amigo - disse meu pai. - É a lei do retorno:
você plantou, você colhe. Não precisaria sofrer assim, se tivesse
entendido a lei do Amor e feito o bem.
- Ela também pagará pelo que fez? Pelo que entendi, se
ela não Fizer o bem, sofrerá o que me fez sofrer. Você não irá
conseguir fazer dela uma pessoa boa. Que será dela?
- Deixe-a, irmão, deixe-a! Cuide de você. Vamos ajudá-lo,
pense em Deus. O Pai é bondoso e nos ama.
A equipe médica entrou em ação e com os fluidos doados
pelos encarnados e também pela vontade do espírito que, agora,
queria tornar-se sadio. O braço se curou e ficou perfeito,
como também o olho.
- Perdoe, irmão, para ser perdoado!
- Como não perdoar, se devo tanto? Perdôo e peço perdão
a Deus. Queria ir para junto dos meus, lá na minha terra.


O VÔO DA GAIVOTA 119

- Atenderemos seu pedido.

Ele saiu de perto do médium e passou para outra fila, a dos
que iam para a Colônia. Após a reunião, seria levado à Colônia
São Sebastião por uns dias e, depois, seria transferido para
onde quisesse. Uma equipe o levaria.
Normalmente reencarnamos em diferentes raças, para
aprender amar a todas. Mas, sem ser regra geral, alguns judeus
mais radicais ainda têm preferido vir sempre como judeus, a
esperar o Messias, pois se julgam os filhos escolhidos, o povo de
Deus, mas são, realmente, como todos nós, porque não somos
privilegiados pela raça. Aqueles desencarnados, totalizando
onze, estavam há algum tempo, nas regiôes espirituais do Brasil,
à procura, para vingar, deste espírito, que fora um médico
nazista. Já começavam a dominar o idioma português, pois o
médium que o auxiliou, sempre consciente, não precisou se
expressar com sotaque. Devemos esclarecer que o médium
transmite o pensamento do espírito e, nestes casos, sentem
mais do que propriamente repetem o que escutam. A mediunidade,
quando educada, é maravilhosa, e assim possibilitou que,
ele, judeu, transmitisse pensamentos que o médium traduziu
por palavras.
O outro judeu se incorporou em outra médium e foi doutrinado
por uma integrante encarnada, do grupo. Lídia conversou
com ele e o fez entender a necessidade de perdoar e seguir seu
caminho. Ele, porém, quis ficar em nossa Colônia e, quando
fosse reencarnar, preferia que fosse aqui. Não gostaria mais de
ser judeu, porque, segundo comentou, os judeus sofriam muito
com a segregação. Normalmente esses pedidos são atendidos,
porém o departamento próprio da Colônia é que estuda cada
caso.
A mulher também incorporou. Parecia fria, porém ao sentir
o afeto dos trabalhadores da casa, encarnados e
desencarnados, conteve-se para não chorar, e disse com voz
comovida:
- Não sou má, ele, sim, é maldoso. - referindo-se à jovem
Joana. -Esconde-se em outro corpo, mas é ele. Pensa você que
ele é bom? Não! Nos enfrenta e, se pudesse, nos faria sofrer


120 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARvAl.un

tudo novamente. Você acha que é por persegui-lo que somos
maus? Somos vítimas! Vou falar o que ele fez comigo e, então
me dará razão.
Fez uma pausa e como se criasse coragem para recordar e
começou:
- Estava casada e feliz, tínhamos uma pequena fortuna e
dois filhos lindos. Quando a Segunda Guerra Mundial começou,
nos apavoramos, porque sabíamos muito bem que os nazistas
perseguiam os judeus. Meu esposo alistou-se no exército, na
tentativa de impedir que eles nos oprimissem, no país em que
vivíamos e, por isso, morreu lutando. Quando houve a invasão
de nossa cidade, fomos presos e nossos bens confiscados. Da
prisão partimos para o Campo de Concentração, onde sofremos
muito: frio, fome e humilhações. Naquele Campo havia um
laboratório onde este médico medonho e outros faziam experiências
com os presos, ou simplesmente os torturavam pelo
prazer de vê-los sofrer.
Ao ver meus filhos chorarem de fome e frio, e com muito
desconforto, resolvi pedir clemência. Solicitei para falar com o
comandante e, para minha surpresa, ele me atendeu e me
levou à sua sala. Quem me atendeu foi esse aí, o médico
nazista, que me olhou de cima a baixo e me indagou:
"Então, judia, que reivindica?"
Pensando que ele ia me ajudar, falei rápido para não perder
a coragem:
"Por favor, senhor, aqui estou com meus dois filhos pequenos,
passamos fome e frio."
"Se você se entregar a mim, intercederei por vocês" - disse
rindo.
Sempre fui muito direita, fiel ao meu esposo, porém, pelos
meus filhos, aceitei a proposta indecente. Depois, ele mandou
que um soldado fosse buscar meus filhos. Achei que, pela felicidade
dos meus, teria valido o sacrifício. E, esperançosa, quando
pensei que fosse me dar ajuda, meus dois filhos chegaram
assustados e correram ao meu encontro. O mais velho estava
com quase sete anos e o outro, com quatro. Gelei quando ouvi
a ordem.


O VÔO DA GAIVOTA 121


"Leve-os ao laboratório!"
Era no mesmo prédio, na sala ao lado. E cada soldado
pegou um de nós e para lá fomos arrastados. Amarraram-me
fortemente numa cadeira e ele, cínico, me olhou sorrindo:
"Idiota! Judia imbecil! Pensou que eu ia me encantar por
você? Verá para que serviu sua astúcia em me pedir auxílio."
Pedi a ele por piedade, pelo amor de Deus, para fazer o
que quisesse comigo, sem maltratar meus filhos, porém ele ria.
O que me fez ver foi horrível. Torturou meus filhos, cortou-os
em pedaços até que morressem. Eles gritavam apavorados,
olhando para mim e eu gritava também. Quando os dois não
tinham mais vida, veio me torturar. Começou, extraindo minhas
unhas. Fiquei alucinada e, aí, perdi o controle, pois a dor
era demais. Mas ele não me torturou muito, desencarnei, pois
meu coração não agüentou. Fui socorrida e fiquei muito tempo
como louca e, quando voltei ao normal, alguns espíritos me
disseram da possibilidade de vingança. Aceitei e agi, com todas
as minhas forças, para me desforrar.
Faço uma pausa nesta narrativa, para algumas explicações.
Nos Campos de Concentração, como em qualquer lugar
de aniquilamento humano, há muitos socorristas, como também
há muitos desencarnados que agravam os acontecimentos.
Do mesmo modo, costumam ficar outras vítimas a socorrerem
suas companheiras de sofrimento. Esta senhora foi socorrida
por outros judeus, que ali haviam desencarnado. Não foi, assim,
socorrida por espíritos bons, porque ela estava com muito
ódio. As crianças e aqueles que perdoavam, eram levados às
Colônias ou a outros lugares de socorro. Os que eram vítimas,
tanto quanto ela, a socorreram, levando-a para um pequeno
abrigo no Campo de Concentração, no Plano Espiritual e, quando
ela aparentemente estava melhor, foi convidada a se vingar.
A guerra é por demais triste, pelas atrocidades que se cometem.
Esforcemo-nos, pois, para que haja Paz, começando com
a tolerância e a concórdia com os que nos cercam. A Paz começará
em pequeno círculo, mas se a cultivarmos irá se ampliando
e atingirá muitos outros e, dessa forma, um dia teremos a Paz
por toda a Terra. E fatos como esses, tão tristes, ficarão apenas
na história e não mais se repetirão:


122 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIN7.Rrr nF rnnvn u,

A senhora emocionada, continuou a falar.
- Ficávamos perto dele sem, contudo, conseguir nossos
propósitos e ele ficava mais nervoso e revidava nos prisioneiros.
Mas a desencarnação chegou para ele, quando foi atingido
por uma granada. Sofreu bastante. Aí, sim, começamos nossa
vingança. Nós o perseguíamos por onde ia, e ele vagava urrando
pelo Umbral, até que se pôs a gritar por socorro e sumiu da
nossa frente. Vim a saber que espíritos bons o tinham levado
para ajudá-lo. Nós não fomos socorridos, não queríamos, porque
nosso objetivo era fazê-lo sofrer. Durante esse tempo, muitos
desencarnados bons conversaram conosco, aconselhando-nos
a desistir, mas escutávamos somente nossos companheiros.
Entretanto, vários do grupo desistiram e os acompanharam. Por
outro lado, ninguém se esconde de seus erros e nem dos que
não o perdoaram. E assim, enquanto procurávamos o perverso,
aprendemos como nos vingar. Anos se passaram, mas conseguimos
descobri-lo. Agora querem que eu desista Por acaso
aqui há mães e pais? Será que podem imaginar o que é ver o
que eu vi? Sofrer o que sofri? Dá para imaginar ver seus filhos
amarrados, gritando de dores e desespero? Odeio-o! Odeio-o!
Fez-se um silêncio total. Todos os desencarnados prestaram
atenção, muitos, ao ouvi-la, conseguiram ver suas
lembranças. Alguns choraram. Os encarnados também se comoveram.
Ela sentiu os fluidos de amor e compaixão de todos.
E, em dado momento, uma das trabalhadoras da casa, em
espírito, aproximou-se dela, abraçou-a e falou emocionada:
- Minha filha, pare de sofrer! Por favor, recomece sua vida.
Também sou mãe e entendo seu sofrimento. Compreendo seu
desejo de vingança, porém, digo-lhe que dessa forma você vai
perpetuar seu sofrimento. Venha para junto de seus amados e
não sofra mais! Chega! Perdoe e venha conosco. Amarei você
como uma filha! Venha!
- Minha irmã! - falou meu pai. - Ele reencarnou, e você
parou no tempo só para se vingar! Por que não recomeça e
tenta ser feliz? Devemos esquecer os momentos que nos foram
cruéis e só lembrá-los para tirarmos alguma lição. É bem melhor
pensar somente nos bons momentos. Você é infeliz! E
recordando sempre esses fatos, prolonga mais seu sofrimento.


O VÔO DA GAIVOTA 123

Você acredita em Deus, e se Ele nos perdoa por que não perdoa,
nosso próximo? Sabe que nada que acontece fica escondido
ou impune. Deixe seu algoz, agora Joana, em seu novo corpo, e
cuide de você. Perdoe para ser perdoada!

- Quero esquecer! Esquecer!..

Aninhou-se nos braços da trabalhadora da casa que a abraçou
e, após, foi levada adormecida para a Colônia. A reunião
terminou com todos comovidos pelo sofrimento daquela senhora,
e eram muitas as orações em seu favor. Emocionei-me,
também, ao acompanhar suas lembranças, realmente duras
cenas de horror.
Talvez possam vocês pensar que retrato muitas tristezas
neste livro. É que as tristezas e as alegrias existem e devemos
ser realistas, tirando de fatos tristes lições preciosas que nos
impulsionarão com otimismo para o caminho do Bem e para a
felicidade. Ao tomar conhecimento de fatos assim, conseguimos
entender ambas as partes, e ajudar sem condenar. Por isso
como sou alegre, passo minha alegria aos que me rodeiam. A
alegria nos fortalece, nos anima e nos dá compreensão da dor
do próximo.
Aquela senhora foi internada num hospital da Colônia onde
recebeu, por tempos, tratamento, carinho e ensinamentos. A
equipe da Colônia encontrou seus dois filhos e esposo, encarnados
na Europa, e a levou para vê-los. Estavam os três bem.
Depois de algum tempo, ela pediu para ser transferida para a
Colônia, na espiritualidade, onde estavam seus entes queridos.
Estando bem melhor e com planos para reencarnar, porque só
assim esqueceria tanto sofrimento, foi transferida. Despedi-me
dela desejando-lhe boa sorte.
Mas ainda faltavam oito obsessores. Sete receberam orientação
e ajuda, nas reuniões seguintes. Com cada um deles,
uma história triste. Desses onze que obsediavam Joana, com
desejo de vingança, dez foram socorridos e só um pediu para
trabalhar no Plano Espiritual. Os demais pediram para reencarnar,
pois queriam a misericórdia do esquecimento. E todos foram
atendidos.
Contudo o chefe dos dez obsessores, de nome Josef, era


124 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHn

um judeu rude que, ao ver os três primeiros se afastarem, voltou-se
furioso contra meu pai, que, como sempre acontece,
sentiu-lhe a vibração e tentou, também, orientá-lo.
Artur soube que o grupo tinha seu núcleo na Europa e foi
lá, para conversar com eles. Eram vingadores dos criminosos
de guerra, que se intitulavam: "Os Ofendidos da Guerra". Constituíam-se
em vários grupos, todos unidos entre si. Artur pediu
uma audiência com o chefe, um judeu de muitos conhecimentos.
Após cumprimentos, Artur começou o diálogo. E nos contou,
depois, que o chefe tinha total conhecimento do que
acontecia com seus subordinados, junto a Joana, e não deixou
que ele, Artur, falasse muito. Citava com exatidão pedaços do
Antigo Testamento. Sabia a Biblia quase que de cor Falava de
muitas passagens para justificar a vingança.
"É olho por olho, dente por dente!" - falou demonstrando
calma.
Artur replicou com os ensinamentos de Jesus. Ele disse
não acreditar num profeta que se deixou matar. Mas, após alguns
minutos de conversa, confessou que reconhecia a força e
a presteza dos trabalhadores de Jesus. Artur lhe pediu, então,
que parasse com as vinganças; ele riu, se aquietou por momentos,
e falou decidido:
"Não é nosso interesse o confronto com ninguém. Temos
tempo. Vou suspender a vingança dele por enquanto. Chamarei
Josef, o único que ficou, e que é o mais decidido em seus
objetivos. Só faço um aviso: teremos outra oportunidade. O
mais difícil já conseguimos, pois sabemos onde ele está, que se
esconde num corpo de mulher quase negra. É castigo para ele,
orgulhoso de sua raça, ter sido loiro e rico, agora quase pobre,
mulher, mulata e filha adotiva. Acharemos outros que o odeiam.
Ele certamente não ficará para sempre na guarda de vocês,
porque não mudou sua conduta."
De fato, Josef foi embora e Joana ficou livre dos seus obsessores,
não porém de seus erros. Meu pai chamou-a e a seus
pais também, para uma conversa.
- Vocês vieram à procura de ajuda espiritual e a receberam.


O VÔO DA GAIVOTA 125

Analisem o ocorrido e tirem boas lições de tudo o que lhes
aconteceu. Esses fatos são, em parte, conseqüência do passado
e o resultado da maneira de viver sem esforço para a melhoria
íntima. Você, Joana, está com sua sensibilidade completamente
aflorada, isto quer dizer que você tem a porta aberta para
receber influência do mundo astral, sem, entretanto, agora,
poder discipliná-la. Só terá influência e sintonia com espíritos
bons, por meio de boas atitudes e de bons propósitos. E ficará
ligada aos maus, se descuidar do seu aprimoramento espiritual.
Se você se afastar do Bem, da oração sincera, e não se
esforçar para mudar para melhor, não nos responsabilizaremos
pelos acontecimentos futuros. Afastando-se também da ajuda,
tudo que passou mais facilmente se repetirá.

Joana não estava preocupada com o aprimoramento espiritual.
Queria era força e poder. Dominar. Mas indagou a meu
pai.
- Sr. José Carlos, posso aprender com o senhor.
- Claro que pode. Deve!
- Vou ter essa força que o senhor tem?
- Poderá ter esta e muito mais. Mas, para isso, deve primeiramente
educar-se na boa conduta e fazer por merecer a
companhia dos trabalhadores desencarnados que convivem conosco.
Mude para melhor e queira com vontade fazer o Bem,
porque agindo assim aprenderá e muito.

Joana não respondeu. Sentindo-se melhor, afastou-se do
Centro. Sua mãe ainda voltou outras vezes, mas também fez o
mesmo. Artur me disse:
- Patrícia, nesse socorro, ajudamos mais os desencarnados
que essa jovem. Ela, agora, não quer mais saber de seu pai
e, quando o vê de longe, se afasta para nem cumprimentá-lo. A
figura dele a faz recordar os ensinamentos que escutou, e que
ela quer esquecer.
- Como ficará ela? - indaguei.

-Vamos aguardar. Os erros, Patrícia, não conseguimos jogá-los
fora, porque nos pertencem, e um dia a reação virá. Quando
o grupo de vingadores perceber que ela não está mais sob a
proteção dos bons, voltará, talvez, como tenho visto em casos


126 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHn

assim, com mais sutileza e cautela. Ela, não vindo aqui e nem
recebendo outro auxílio, não estará vinculada a uma proteção
e, como não faz por merecer nenhuma ajuda, será fácil eles
voltarem e se vingarem. Ele, ao desencarnar como médico
nazista, foi socorrido, no Umbral, livrando-se daqueles que queriam
dele se vingar, sendo levado na ocasião para um Posto de
Socorro e logo em seguida reencarnou. Socorro não quer dizer
que o indivíduo tenha mudado, porque, mesmo que receba
orientação, para mudar será necessária uma transformação
interior muito grande.
Fiquei a pensar como a crueldade faz mal ao que a pratica.
Quanta imprudência em cometer erros. E a reação desses
atos pedirá reajuste no caminho, mas como Deus é misericordioso
sempre dá novas oportunidades.
Ao findar esta narrativa, posso concluir que todos nós, encarnados
e desencarnados, tivemos um grande ensinamento
com os fatos ocorridos. Que todos nós temos que aprender a
amar, a ser úteis para termos Paz e sermos felizes. E que a
alegria interna virá quando superarmos nossos traumas íntimos
e ajudarmos outros a fazê-lo. Alegria!


A -istória de Elisa


Numa das minhas folgas, fui visitar Elisa. Queria rever minha
amiga e tinha muito interesse
pela
recuperação de Walter. O des f rá profunda o perispírito do
uso das drogas traumatiza de o arte dos nossos
esse vício atinge boa p
usuário. Atualmente, rporal e levando
jovens encarnados, trazendo-lhes muitas mazelas. O caso de
os a voltar à espiritualidade com
Walter era de meu particular interesse, pelo socorro de que
participei e pelo muito que apreônlcomro delanp ntro em meu
ara podermos

horário livre, de lazer, coincidin osto muito de
conversar calmamente, trocando idéias, pois

diálogos edificantes. Elisa esperava-me na portaria do hospital
em que, no momento, trabalhava e onde Walter estava internado.
Alegramo-nos quando nos vimos. ir vê-la. Que
- Patrícia - exclamou Elisa feliz -, programava

bom tê-la conosco! Quero agradecer-lhe. Foi muito atenciosa
conosco. s osta e minha amiga como boa cicerone,
Sorri em re p '
mpanhou-me para conhecer o hospital. 1 próprio para
aco um hospita
Quase todas as Colônias t émóxico. Em algum
as outras

viciados em álcool taba ismo 1 se aradas, em hospita
Colônias, esses doentes ficam em a as p is
tradicionais.
Na Colônia Perseverança, o hospital é separado, grande e
com muitos trabalhadores dedicados que ajudam na recuperação


28 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

de desencarnados viciados.'6 Lugar calmo, com muitos jardins,
salôes para palestras e encontros; suas principais terapias
são o trabalho, a música e o teatro. Suas enfermarias são
separadas por alas masculinas e femininas e pelo tipo de vício
que o infermo possui.
Primeiramente, vimos a parte central onde se situam as
salas de orientações, os alojamentos de seus trabalhadores, a
biblioteca e os salões. Após, Elisa me levou para conhecer o
atendimento aos desencarnados que, no corpo físico, foram
fumantes. Estes, se tinham só esse vício, não ficam internados,
só vêm ao hospital para serem ajudados a se libertar da vontade
de fumar. Só em casos raros é que um ex-fumante se interna,
e isso se pedir, mas, mesmo assim, sempre por pouco tempo. O
tabagismo intoxica bastante o perispírito e, nessa parte, fazem
tratamento para que o assistido se liberte da dependência, sendo
assim, ele recebe conhecimentos sobre  assunto, orientação
e apoio que o ajudarão a resolver o problema. Mas só o conseguirão
se, novamente reencarnados e tendo oportunidade, não
fumarem. Ressalvo o termo oportunidade, porque, se estiver
encarnado e, por algum motivo, não puder fumar, não quer
dizer que tenha solucionado a questão. Isso acontece com todos
os vícios, e só podemos dizer que os vencemos, quando
temos oportunidade de voltar a eles e os ignoramos.
A ala dos alcoólatras é grande. O álcool danifica o cérebro,
e o aparelho digestivo, sendo muitos os doentes a se recuperar
em vários estágios nessa parte do hospital. Os infermos, quando
melhoram, assistem a muitas aulas, fazem terapia de grupo e
avaliam todos os acontecimentos passados por eles, decorrentes
do vício, e apreciam as oportunidades de melhora oferecidas.
A parte que nos interessava, era a que Elisa se dedicava
com todo carinho, a ala dos toxicômanos. Infelizmente esse
local do hospital e os de todas as Colônias têm sido ultimamente
ampliadas. São muitos os imprudentes que desencarnam

16 - Muitos desencarnados estão tão agarrados à matéria, que se sentem
por muito tempo como encarnados, daí a minha referência a "desencarnados
viciados". (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 129

vítimas, direta ou indiretamente, das drogas. Os que estão ali
socorridos, têm aspecto bem melhor dos que os que vagam ou
os que estão no Umbral. Nas Colônias, são separados pelo grau
de perturbação em que se encontram e o tratamento normalmente
é longo, requerendo esforço do internado, e muita
dedicação e amor dos trabalhadores.

Não pensem os leitores que nesses hospitais só se vêem
tristezas. Nada disso. Tristeza é sentimento negativo. Não ajuda
e para nada serve, pois só construímos e progredimos com o
trabalho alegre. Os trabalhadores dali tinham sempre no rosto
o sorriso bondoso e agradável, a palavra amiga e o amor que
irradiava e contaminava os internos e, assim, os temporariamente
abrigados se sentiam seguros, incentivados, amados, e
com disposição para se recuperarem.

O hospital da Colônia Perseverança é muito bonito e acolhedor.
Elisa me levou à ala onde Walter estava abrigado, e ele
nos esperava no jardim interno que circunda a parte de sua
morada provisória. Recebeu-nos sorrindo e estava com aparência
sadia, com normal equilíbrio.

- Patrícia - disse sorrindo -, queria tanto conhecê-la e
agradecer. Obrigado!
- De nada - respondi. - Como tem passado?
- Melhoro, graças a Deus e ao pessoal do hospital. Vou
ficar bom logo.
Walter estava com a aparência de adolescente, como aparentava
naquela reunião do Centro Espírita. E continuaria assim
porque queria essa aparência, a que tinha antes de se drogar.
Isso lhe dava mais confiança. Outros, após o tratamento no
hospital, podem retomar, se quiserem, a aparência de quando
desencarnaram, só que com aspecto sadio.

Sentamos os três num banco e fizemos alguns comentários.
Elisa falou alegremente:

- Estou gostando muito de trabalhar neste hospital. Aqui
vim por Walter, mas agora não penso em deixá-lo. Quando
Walter tiver alta, ficarei, de vez que já decidi e obtive autorização.
Estudarei, para aprender e melhor servir neste campo de
ajuda. E você, Patrícia, quais são seus planos para o futuro.


130 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

- Como você sabe, gosto muito de ensinar. Logo, Marcela,
a quem substituo, retomará a seus afazeres. Devo, então, voltar
à Colônia Casa do Saber, continuar os estudos e trabalhar transmitindo
meus conhecimentos a outros desencarnados."
Admirei o banco em que nos sentávamos, muito bonito e
de contornos diferentes. Notando, Walter explicou:
- Esses bancos são feitos por internos em nossas oficinas.
- O trabalho é de grande ajuda e uma das melhores terapias
para nossos abrigados - disse Elisa, olhando carinhosamente
para Walter. - Mas não só para eles e, sim, para todos nós,
encarnados e desencarnados. O trabalho é bênção. Corpos e
mentes ociosos estão com as portas abertas aos vícios, enquanto
que o trabalho nos mantém ocupados e nos abre outras
portas opostas a eles. Aqui em nossas oficinas se faz muita
coisa.

No Plano Espiritual, tudo pode ou poderia ser plasmado.
Mas os que sabem dar formas às coisas são poucos, pois necessita-se
de tempo e de muito aprendizado para a tarefa. O trabalho
é uma bênção que ajuda intensamente a todos nós e, na espiritualidade,
representa importante benefício, existindo trabalho,
do mais simples ao mais difícil, para todos os que quiserem.
Inúmeros desencarnados ainda estão muito apegados ao modo
de vida na Terra e, assim, quando trabalham, lhes é dado o
bônus-hora. Os que já superaram esse apego, entendem o porquê
do trabalho e não mais necessitam esse tipo de
remuneração. Pessoas que já trabalham sem esse apego, quando
chegam ao Plano Espiritual, participam da vida aqui,
exercendo suas tarefas pelo Amor ao trabalho, não exigindo
nada em troca. No hospital, os internos que ali auxiliam, rece

17 - A Colônia Casa do Saber, que descrevi no terceiro livro, A Casa do
Escritor, é onde moro atualmente, ao escrever este livro. E tenho planos
de ficar aqui por muito tempo, sendo que virei raramente à Terra, para o
contato com os encarnados. Foi uma opção que fiz, atendendo convite de
superiores. É tarefa que faço com muita alegria, porque somos sempre os
beneficiados pelas responsabilidades que nos oferecem. Devemos, pois,
participar de todas elas com muito regozijo e amor, e dessa forma tudo o
que realizarmos ficará bem feito. (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 131

bem os bônus-hora, mas são poucos os trabalhadores que servem
no hospital e que os recebem. Há muito tempo que não os
necessito, mas lembro-me de minha alegria, quando obtive
meu primeiro bônus-hora. Foi uma euforia trabalhar e ter uma
compensação. Agora, minha alegria é somente ser útil. Não
almejo recompensas.
Quietamo-nos por alguns segundos. Meus pensamentos vagaram
pela trajetória vivida por pessoas como Walter. Suas
existências, até serem socorridos, são uma verdadeira tragédia.
Elisa quebrou o silêncio.
- Patrícia, você não pode imaginar o tanto que sonhei, por
todos estes anos de desencarnada, com este momento. Estar
assim com meu Walter, em plena recuperação. Sou muito grata
a Deus por esta oportunidade.

Fechou os olhos por momentos e depois começou a falar
com sua voz suave.
- Tudo começou em nossas encarnações anteriores, em
que fomos unidos pelo afeto maternal. Fui mãe dele, meu nome
era Gertrudes. Nasci e cresci num bordel de uma cidade pequena,
onde me tornei prostituta logo mocinha. Aos vinte anos, tive
um filho, José, que é o Walter de agora. Até os seis anos, minha
avó, que morava perto, cuidou dele. Quando ela desencarnou,
ele veio morar comigo. Mimei-o demais, dando-lhe tudo o que
queria e, muitas vezes, eu justificava minhas atitudes, falando
que isso era bom para ele. Menino ainda, começou a tomar
bebidas alcoólicas, e achei linda sua atitude.

O tempo passou rápido e ele tornou-se moço, foi então que
percebi que ele andava se embriagando demais e tentei fazê-lo
parar, só que não consegui. Quando chamava sua atenção, me
respondia grosseiramente:

"Bebo por você ser o que é. Gostaria de ter uma mãe
trabalhadeira e honesta!"

Isto me feria muito. E ele se embriagava cada vez mais,
até que passou a ficar quase que somente bêbado. Desencarnamos
quase que na mesma época. Fiquei doente e desencarnei
após muito sofrimento. Ele ficou pelo bordel, onde todos o conheciam
e lhe davam de comer, além de bebidas. Desencarnou


132 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

ao cair de uma ponte alta e bater a cabeça nas pedras. Sofremos,
vagando juntos, pelo Umbral. Ele, sempre me culpando,
dizia:

"Se tivesse me batido na primeira vez que bebi e não
achado graça, eu não teria me tornado um bêbado."
Depois de muitos sofrimentos, fomos auxiliados e levados
para um Posto de Socorro, onde ficamos por um período. Aconselhados
a reencarnar, pedimos para renascer em famílias de
costumes rigorosos que nos ajudassem a superar nossos vícios.
Atenderam-nos e reencarnamos, e viemos somente como conhecidos,
nem amizade tivemos.
A família que me abrigou, educou-me com costumes rígidos,
o que achava certo, pois me sentia segura. Queria acertar,
queria vencer o vício e consegui. Fui uma moça honesta e
trabalhadeira e, por ser bonita, fui assediada por muitos rapazes,
mas não dei importância a nenhum. Não desejava namorar,
pois sentia que ia desencarnar logo e não queria deixar ninguém
mais a sofrer por minha causa. E, realmente, tive câncer
e desencarnei. Meus pais e meus irmãos sentiram bastante
minha falta, mas não me atrapalharam e muito me ajudaram
com suas preces. O resto você já sabe.
Walter prestou muita atenção no que ouvia e, após uma
pausa, disse:
- Ao ouvir Elisa falar, as cenas vieram-me à memória.
Recordo... Era pequeno e já gostava de bebidas alcoólicas, e
como minha mãe não proibia, passei a tomar muito, prejudicando-me.
Gostava do bordel, porque ali todos me tratavam
bem. Depois me tornei tão dependente do álcool, que só ficava
embriagado e, assim, quando desencarnei, sofri muito. Reencarnado,
nesta última vez, como Walter, tive outra oportunidade,
mas logo o gosto pela bebida aflorou forte em mim. Bebia
escondido, porque meus pais me proibiam e, como a bebida
deixava cheiro, dificultava-me dissimular. Eles me vigiavam,
regulavam meus horários e, percebendo minha tendência para
a bebida, cheiravam minha boca sempre que voltava para casa.
Então, enturmei-me com colegas na escola e experimentei a
maconha e, depois de algum tempo, a cocaína. Comecei a tirar


O VÔO DA GAIVOTA 133

notas baixas, sendo ainda aprovado naquele ano, mas no ano
seguinte, em que já me viciara pesado, as notas pioraram e
meu comportamento estava péssimo. Meus pais foram chamados
pela diretora e souberam de tudo. Levei uma surra,
tiraram-me da escola e passaram a me vigiar mais ainda. Desesperado
com a falta da droga, fugi de casa e fui morar com
viciados e traficantes num barraco. Meus familiares sofreram
muito e meu pai, que era o mais rígido, mandou me dizer que
ele ainda me aceitava em casa, se largasse o tóxico. Se quisesse
ficar entre os criminosos, que os esquecesse, porque eu
estava morto para eles. Como queria a droga, fiquei naquela
vida. Minha mãe vinha me visitar, às escondidas, e trazia roupas,
alimentos e dinheiro, mas chorava sempre quando me via.
Continuei me drogando cada vez mais...

Ao recordar esses momentos dolorosos, Walter começou a
gaguejar, falando com dificuldade as últimas frases. Começou a
ter uma crise. Elisa e eu lhe demos um passe, que o acalmou,
provocando-lhe sono e nós o levamos para o leito na enfermaria.
Elisa, então, terminou a narração do que aconteceu com
Walter.
- Ele contraiu dívidas por causa das drogas e, como não
conseguiu pagá-las, foi assassinado. Desencarnou e continuou
desesperado, alucinado pelas drogas, quando procurou o Túnel
Negro. Naquele local eles ensinavam os desencarnados viciados
a vampirizar encarnados para satisfazerem o vício e,
também, o hipnotismo de Natan os fazia sentir como se tivessem
usando drogas.
Nós ajeitamos Walter no leito e ele, sonolento, virou-se
para mim e disse:
- Elisa não é culpada! Ninguém é responsável pelos nossos
erros a não ser nós mesmos. Se antes eu a acusava, foi na
tentativa de culpar alguém, de colocar em outros a responsabilidade
que era só minha. Nesta última encarnação tive pais que
se importaram comigo, honestos, exemplificaram o Bem e não
tive a quem culpar a não ser a sorte, sendo que nossa sorte nos
mesmos é que a fazemos. Não venci meu vício!

- Mas vencerá! - exclamei.


134 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Walter dormiu.
- Como o tóxico prejudica a tantos imprudentes - disse
Elisa. - Walter fará o tratamento muito tempo ainda, e só estará
bem quando lembrar-se de tudo o que lhe aconteceu e não
sentir nada. Ele tem aula de Evangelização, faz orações, tem
terapia e acompanhamento psicológico. E também, Patrícia,
como foi boa a regressão para Walter, a doutrinação que ele
recebeu, na reunião Espírita.
Elisa ajeitou o lençol do leito dele com carinho de mãe e,
em seguida, saímos silenciosas do quarto.


O VÔO da gaivota.


Elisa me acompanhou até outro jardim, que fica na frente
do hospital. É um recanto mais bonito, cheio de flores coloridas
e palmeiras frondosas. Ali muitos internos passeiam em horário
de lazer, por ser um lugar agradável. Minha amiga convidou-me
para sentar e falou:
- Patrícia, tenho, na espiritualidade, trabalhado em muitos
lugares, entrando em contato com muitos trabalhadores e socorridos.
Aprendi que aquele que ajuda, trabalha, está se
exercitando no bem para que, pelo hábito, possa ter melhor
disposição na conquista de sua evolução.
No meu convívio com você e com os integrantes do Centro
Espírita, percebi que pode haver diferença. Quando Walter e eu
estávamos sendo amparados, em nenhum momento me senti
necessitada, como aquela que estava sendo ajudada. Pelo contrário,
todos da equipe realizaram o socorro como se estivessem
fazendo algo para eles mesmos, com naturalidade e atitudes
rotineiras. E eles não estavam lidando com desencarnados perturbados
comuns, mas sim com espíritos trevosos e um mago
maléfico ou um satanás, se assim podem-se designar Natan e
sua equipe. Você pode me explicar o estado espiritual daqueles
trabalhadores?
- Elisa, quase todos aqueles espíritos atingiram o chamado
autoconhecimento e, aqueles que não o atingiram, estão se
esforçando para tal. Não necessitam de estímulos externos,
para fazerem o que fazem, nem pagamento ou recompensas


136 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

de qualquer espécie. Sabem que são pequenos, espiritualmente,
conhecem todos os meandros da personalidade, com todas
suas misérias, conflitos, condicionamentos, ilusôes, e a nossa
peculiar ignorância quanto à verdade daquilo que realmente
somos. Não estão estacionados, vivem plenamente a onipresença
Divina, e se sentem unos com ela, porque vivem como
parte integrante do Universo. E, assim, trabalham, responsabilizando-se
com tudo, como se a casa fosse deles.
Tudo o que fazem é por amor à vida, que está presente
tanto neles como em qualquer manifestação Divina, daí a naturalidade
e desprendimento que você sentiu em seu convívio.
- Patrícia, posso chamá-la de Gaivota?
Com meu consentimento, Elisa continuou:
- Então, Gaivota, como me explica o socorro prestado a
mim. Ajuda? Trabalho? Bem realizado?
- Por que me chama de Gaivota? - perguntei.
- Gaivota é um pássaro muito bonito - respondeu ela -,
quase todo clarinho, elegante e de voar preciso. Depois sempre
deixa sinal de seus pezinhos na areia, mostrando que passou
por ali. Deixa marcas. E você deixou marcas em nossas vidas,
na minha e na de Walter.
Agradeci, sorrindo e, após pensar uns momentos, respondi
que sabemos porque escutamos, repetidamente, o que deveríamos
colocar em prática em nosso dia-a-dia.
- Ajudar é favorecer, facilitar, fazer alguma coisa a alguém,
prestar auxílio. É necessário esquecermos de nós mesmos quando
ajudamos a alguém. E quando ajudamos alguém a melhorar,
melhoramos o mundo em que vivemos. Temos o dever de
auxiliar, do melhor modo possível, aqueles que surgem no nosso
caminho.
Trabalho é aplicação na atividade, por isso devemos trabalhar
por amor ao trabalho, não para cobrar pelos seus resultados.
Com nosso exemplo nas tarefas úteis, podemos fazer outros nos
seguirem, embora cada um deva fazer o que lhe compete, sem
medo, tentando aprender cada vez mais. O amor precisa estar
presente em tudo o que fazemos, porque nos torna mais eficientes.
E assim trabalharemos com alegria e gratidão, realizando


O VÔO DA GAIVOTA

bem as pequenas tarefas, quando demonstraremos ser dignos
das randes. Ao ajudar o próximo descobriremos o caminho da
fraternidade e do amor. O que fazemos no presente, nos mostrará
o que realizaremos no futuro. Sobre esse assunto, é muito
interessante ler O Liuro dos Espiritos, de Allan Kardec, Parte
Terceira, capítulo III, "Da Lei do Trabalho".

O Bem é praticado com Amor, pois ao fazê-lo nos tornamos
melhores e estamos colaborando para melhorar a
humanidade. É preciso fazer o Bem, expandindo os ensinamentos
de Jesus, lembrando a todos sua doutrina de Amor. Mas sem
confundir sentimentalismo com Amor, que deve ser benéfico e
nos impulsionar na evolução. O Amor nos ajuda a vencer os
obstáculos do caminho, e é o único capaz de nos redimir e nos
levar ao progresso. Os resultados do Bem praticado só a Deus
pertencem. Esqueçamos de créditos, nas tarefas da bondade,
de vez que somos os primeiros beneficiados. O Bem nos alimenta?
Sim, alimenta a todos nós e nos fortalece, levando-nos
ao aprendizado do Amor.

Fiz uma pausa, o assunto é fascinante, embora tenha muito
para colocá-lo
to que aprender ainda sobre esse é tos e minha amiga
plenamente em prática. Pensei por mo

aguardou ansiosa que eu retornasse às elucidações.

- Elisa vamos mudar o enfoque de sua pergunta. Por que
motivo alguém faz alguma coisa a outra pessoa? Mesmo sendo
crente, de alguma seita ou religião, ou mesmo descrente? Qual
o motivo que leva um ato a ter resultado bom ou mau? Será
sempre necessário existir algum motivo para se praticar alguma
ação? Observemos as diferentes motivações que envolvem
Que motivo leva o
as ações da maioria dos seres humanos p
avarento a trabalhar tanto e a explorar, quase sempre, seus
semelhantes? O egoísmo, certamente. Que motivo leva o ladrão a
agredir e roubar suas vítimasteinadá eligiões, para
leva a maioria dos seguidores de de

deixar de fazer o que gosta e somente obedecer os outros. Não
pelo anseio de ter posse de uma situação sem problemas,
á egoísmo?
será ? Isso também não ser
mesmo que seja no Além s se a dos homens,
ao fazermos algo esperarmos recompensa, )

seja de Deus, estaremos agindo com egoísmo, embora dessa


138 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

forma ajudemos muito outras pessoas e a nós mesmos, porque
quem faz o bem trilha o caminho para se libertar desse sentimento,
que é o egoísmo. O Bem sempre beneficia, enquanto a
maldade prejudica. O dia em que não mais agirmos negativamente,
estejamos encarnados ou desencarnados, haverá Paz e
Harmonia na Terra, pois todos iremos fazer o que deve ser feito.
Não haverá mais explorações nem comparações, pois isso é a
causa de muitos conflitos, dores, sofrimentos e angústias na
convivência dos seres humanos. Cada um de nós estará feliz
com a vida que tem e fará todo esforço para melhorar seu
trabalho físico e seu aprimoramento espiritual. O desejo de
posse, seja qual for, desaparecerá e teremos equilíbrio e
Paz.
Você, Elisa, me perguntou o que concluo da experiência
que tivemos juntas. Prefiro dizer que foi um período agradável
em que aprendi muito e que poderei passar a outros a experiência.
Fazer o Bem estando desencarnado é muito mais fácil,
pois podemos trabalhar horas seguidas em determinada tarefa,
seja no Plano Espiritual, até mesmo no Umbral, ou entre os
encarnados, e, ao terminá-la, ou vencendo nosso horário de
trabalho, temos o equilíbrio das Casas de Socorro, do nosso
cantinho nas Colônias ou dos nossos Abrigos. Nós nos recompomos
rápido. E os encarnados? Eles têm seus afazeres físicos,
têm a preocupação com a sua manutenção e de sua família.
Têm o corpo para cuidar, higienizar, conservar sadio e, quando
não, tentar sanar suas deficiências físicas. São muitos, Elisa, os
encarnados que fazem o Bem apesar de todas essas dificuldades
e, embora alguns ainda o façam por recompensa, um dia
se libertarão dessa conduta. Outros, e são inúmeros, fazem-no
por Amor, tendo como recompensa o prazer de servir. Como
admiro os que fazem o Bem! E esse fazer deve ser no presente,
agora, no momento. Não deixe, você, agora encarnado,
para
fazê-lo depois. No Plano Espiritual certamente terá oportunidade,
mas é aí no corpo físico que se tem o grande aprendizado
do bem. E ele deve ser feito sem se cultuarem nomes famosos


O VÔO DA GAIVOTA 139

de desencarnados. Há muita sabedoria em praticar o bem com
Amor e simplicidade.
Terminei minha explanação, trocamos ainda alguns comentários
sobre o hospital. Elisa tinha que voltar ao trabalho, e
nos despedimos com um abraço fraterno.
- Patrícia, tudo o que aconteceu ficará gravado na minha
memória - disse ela com simplicidade.
Deixei o hospital, a Colônia Perseverança. Ainda estava no
meu horário livre, a aula que eu daria só começaria mais tarde
e, então, fui ver meus pais, que passavam uns dias no litoral,
para descansar.
Não estava totalmente satisfeita com a resposta que dera a
Elisa. Meditei sobre o assunto. Veio-me à mente a questão 642
de O Livro dos Espiritos, Parte Terceira, capítulo I, cuja resposta
é: "É preciso fazer o Bem no limite de suas forças, porque cada
um responderá por todo mal que tiver ocorrido, por causa do
Bem que deixou de fazer."'s Aí está a grande responsabilidade
de não se aproveitar o momento.
Menina e adolescente, estudei num colégio católico e gostava
muito de uma frase escrita no altar da capela: "liolontá di
Dio - Paradiso mio."'9 Compreendi-a assim: "Fazer a vontade
de Deus é minha alegria." Qual é a vontade de Deus em relação
a nós? Penso que é que cresçamos rumo ao progresso, que
sejamos bons, que compreendamos, amemos uns aos outros, e
que façamos todo o bem possível ao próximo e a nós mesmos
pelo trabalho e Amor. Quanta fé possuía quem pronunciou essa
frase e que exemplo nos deixou de resignação, ânimo e coragem.
Também sobre o assunto, lembrei-me de um ensinamento
de Jesus, contido no Evangelho de Lucas, XVII:7-10, quando o
Mestre Nazareno nos ensina que o senhor não fica devendo
obrigações ao servo, que fez o que ele mandou, e conclui dizendo:


18 - Citação tirada da tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbosa-IDE.
(N.A.E.)
19 - Copiamos na íntegra esta frase, é assim que está grafada em uma das
paredes de sua pitoresca Capela. [N.A.E.)


140 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

"Somos servos inúteis; fizemos o que deveríamos fazer". Que
temos que fazer? Seguir os mandamentos? Viver com dignidade
e honradez? Não fazer o mal? Acredito que sim. E se não fizermos?
Não seremos considerados nem servos. E para sermos
servos úteis? Além de fazer o que nos compete, não praticar o
mal, seguir os mandamentos, fazendo mais, muito mais. Trabalhar
com Amor ultrapassando nossas obrigações, para o nosso
bem, para o bem do próximo e, mais ainda, nada esperar em
troca.
Encontrei meus pais caminhando na praia. A tarde quente
de verão estava maravilhosa. É sempre encantador ver o mar
com seu verde-azulado e com suas ondas a se desfazerem na
areia. Caminhavam eles tranqüilos desfrutando a calma do local.
Aproximei-me. Amo-os tanto! Querendo obter mais
informações sobre este assunto interessante, perguntei a meu
pai, porque sua opinião foi, é e será sempre muito importante
para mim.
"Como é, papai" - disse-lhe de mente para mente -, "o que
me diz sobre um trabalho realizado, o fazer o Bem, o porquê de
o fazermos..."
Papai pensou e acompanhei seus pensamentos.
"Jesus em certa ocasião disse: O Pai age até hoje, eu também
ajo. A vida é ação. Na natureza física tudo o que entra no
estado de letargia apodrece e se desintegra. Semelhante é a
nossa mente, que, se não for usada, petrifica e embrutece. Se
canalizada para o mal, embora não regrida, produz dores e
dívidas para si mesmo, pois quem prejudica se imanta ao prejudicado.
E aí viverá, no ambiente que construiu agredindo a
tudo e a todos. O homem sábio, conhecendo as implicações da
ação, caminha em sintonia com a natureza que, de momento
em momento, aperfeiçoa sua manifestação. Faz das suas ações
a razão de sua vida e, ao agir beneficamente, sente participar
com Deus do seu perpétuo agir.
Não há vida sem relacionamento, e é no aprimoramento
das relações que construímos, que está um novo céu e uma
nova Terra.
Portanto, uma tarefa realizada que resulta no bem de


O VÔO DA GAIVOTA 141

alguém não deve ser olhada como uma ajuda, tampouco como
trabalho, muito menos para aquisição de crédito junto do beneficiado
ou de Deus, mas sim como o próprio exercício de viver.
Pois, se Deus age, eu também preciso agir.

Jesus disse muitas vezes: Eu e o Pai somos um, só que Ele
é maior que eu.
Quando chegarmos a compreender que o universo é nossa
família, tudo o que venhamos a fazer, é para nós que estaremos
fazendo ois tanto a casa como a família é nossa. Cuidemos de

quando encarnados, sem espe
nossa casa e de nossa família

rar que alguém nos elogie por algo que é nossa obrigação
Fazer dessa forma é como compreendo e como procuro fazer.

"Papai! Mas muitos encarnados não zelam bem por suas
casas e nem cuidam bem de seus filhos".

"Fazer só a obrigação não dá merecimento, nem crédito, e
nem deve ser alvo de elogios. Mas, se não cumprimos as obrigações,
somos devedores, pois não realizamos o que era de
nó sa responsabilidade. Quando ultrapassarmos o tempo e o
espaço, não mais existindo em nós créditos e débitos, iremos
fazer todo o Bem pelo simples prazer de comungar com a vida
pelo profundo Amor a todas as manifestações Divinas.

Viver a certeza da onipresença de Deus é diferente do
chamado crer, ou de ter fé. Aqui residem dois opostos; o crer é
volutivo, incerto, mutável de acordo com a emoção do momento
e o viver na onipresença é sólido. Vamos exemplificar em
nossa família consangüínea: Pai e filha é parentesco, não é
crença, é um fato de que não há dúvida. Vivemos plenamente o
fato do vínculo que nos une aos parentes mais próximos. Da
mesma forma, como viver na onipresença de Deus não é um
ato de momento, ou atitude de crença, é a visão plena e total
que estou em Deus e Ele está plenamente em mim. Portanto,
de foi Dele. Mas,
to, o que é Dele é meu e o que é meu s Ele eu recaria-
apesar de não existir separação entre mim e , P
mente existo, só Deus é plenitude total."

O horário me chamava ao regresso. Beijei-os. Volitei a alguns
metros do solo e olhei-os. À sua frente estava uma gaivota


142 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

que, ao sentir a proximidade deles, voou tranqüila, ganhando
com seu vôo, espetacular altura, deixando desenhados na areia
seus pezinhos...
Meus pais se afastaram e suas pegadas ficaram...
Há pessoas que passam pela vida e deixam marcas...






Se você gostou deste livro o que acha de fazer com que outras pessoas
venham a conhecê-lo também? Poderia comentá-lo com as pessoas do seu
relacionamento, dar de presente à alguém que você sinta estar precisando
ou até mesmo emprestar àquele que não tenha condições de comprar. O
importante é a diwlgação da boa leitura, principalmente a literatura Espírita.
Entre nessa corrente!


VIOLETAS NA
JANELA ESpItIItOS A casa do Escritor

Primeiro livro da - é um local fas-
Agorajá ambienta

série, onde ajovem da à nova ` vida, cinante onde se re-
autora, que desen- patrícia nos leva, únemtodosaqueles
carnou com apenas através dos cursos 9ue de uma forma
1 g anos, conta co- ou de outra traba-
mo isso ocorreu e 9ue realiza, conhe- lham com literatura
sua adaptação no cer e entenderPvá- moralizante, princi-
Mundo Espiritual. ria is egás como lo Palmente a literatu-
Você irá apreciar o tua , ra Espírita. Lá, o es-
relato, descrevendo n á b postos deoSo- parl tex órs ná s mé-
as descobertas do
outro lado da vida. corros e outras lo- diuns, aprende tam-
Como é o dia-a-dia calidades. Muitos bém técnicas de re-
temas são transmi- dação. Patrícia ain-
do espírito, como se 1 dos, da arruma tempo
vestem suas ne- tidos e ana isa

cessidades físicas, sempre com a sau- para contar o seu
Você irá se dável curiosidade passado, uma boni-
etc que é a p
encantar com este eculiari- ta história de final
livro. dade da autora. romântico.

Todos psicografados pela médium

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

s livr
os da Patrícia já
são best sellers


RECONCIlIAÇÃO
Fascinante, comovente
e esclarecedora
narrativa, um livro
que agrada a todos.
Sua trama envolvente,
começa com um
duplo assassinato, o
pai matando a golpes
de faca, sua esposa e
seu filho. Mas após
todo este drama, o leitor viverá uma profunda
lição de amor,
solidariedade, abnegação e ternura num
relato maravilhosamente comovente,
você irá se apaixonar
por ele!

coPos QUE ANDAM
Um livro que em função
do próprio tema,
todos devem ler e divulgar, pois aborda os
perigos de invocar
espíritos por meio de
objetos tais como:
copos, pêndulos, etc.
Muitas são as histórias que entremeiam
a narrativa, destacando a da garota Nely
que é induzida pelos espíritos inferiores, a matar o próprio
pai e suicidar-se
posteriormente.

FILHO ADOTIVO
Além de exaltar a caridade e a grandeza de
pais que conseõuem
amar filhos alheios,
este livro traz uma
trama muito envolvente, enfocando dois
irmãos, que, sem o saberem, namoram e
pretendem se casar.
Mas, a intervenção da
mãe,já falecida, aliada a espíritos amigos
tentam de todos os
meios evitar o matrimônio, trazendo a
cada página, gratas
surpresas, fazendo
deste livro, excelente
leitura e sahoroso
aprendizado.

PAlCO DAS ENCARNAÇÕES
Eis uma história realmente interessante. Augusto,
é o personagem principal de duas encarnações
diferentes, uma como filho de dono
de engenho e senhor de escravo e depois como
negro, escravo no mesmo engenho. Você irá
se emocionar com suas tentativas de ajudar seus
entes queridos. A luta num tempo em que a lei
era do mais forte!

Livros de Antônio Carlos
Psicografados pela médium
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho
O VÔO DA GAIVOTA 101

encamado por seus fluidos, os quais eles nunca conseguirâo
ificar. Nos estágios elevados do Plano Espiritual também se
ifica o perispírito, seja a aparência dos bons, com a finalidade
ajudar, ou a de outros que, no momento, nâo têm por si mes-
como mudar. Recuperam inúmeros socorridos, cujas
parências se transformaram em figuras monstruosas, animales-
as e deformadas, para os deixar com aspecto normal. Também
Odem rejuvenescer, ou tomar a aparência de antigas encarna-
gôes. Os desencamados bons só usam esse processo com alguma
tilidade. Mas, basta saber, para mudar de aparência em qual-
quer lugar e por motivos os mais diversos; se são bons, para
ajudar; se, maus e brincalhões, para enganar, confundir e assus-
.tar. Porém continuam a ser os mesmos, em relação à elevação
noral, só mudam a forma.
Com Walter foi usado esse processo. Fez-se uma regressão
de memócia, até que ficasse com a aparência da idade de
meses antes de começar a se drogar. Forçando mais um pou-
quinho, conseguiram, com êxito, fazê-lo se sentir mentalmente
como estava na aparência. Tornou-se, então, um garoto de ca-
torze anos, gorducho, rosado de olhar esperto. Com o semblante
de quando era jovem, não foi difícil fazer com que assumisse
sua vida daquela época, mesmo porque no seu inconsciente
havia um desejo enorme de fugir de sua atual situação. Conso-
lidado seu equilíbrio, assumida estava a situaçâo. O doutrinador
tem que adquirir, nessas horas, a confiança e a amizade do
socorrido. Através do carinho e da compreensão, convidaram-
no para ver a vida de um amigo seu que muito errou e que
cecisava de auxílio - neste caso, a vida dele mesmo. Então
mostrando sua auto-escravizaçâo no vício e seu conse-
nte sofrimento. Quase sempre, ao ter alguém as primeiras
s de seu passado, já drogado, há também recusa instintiva
ver aquelas atitudes, como também a recusa de admitir
fora ele próprio a viver determinadas passagens. O doutri-
r deve, então, insistir para que se concentre no personagem
 assistência. Em poucos instantes, ele se reconheceu e co-
ou a se desesperar, tentando assumir novamente seu estado
'or, de drogado. Nesse momento é preciso muito esforço


102 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

dos trabalhadores desencarnados, para Ihe manter o equilíbrio.
O doutrinador deve ter autoridade direta sobre ele, mantendo-o
no estado em que foi levado, pela regressâo, isto é, permane-
cer com a aparência física e mental de antes de se drogar. Deve
agir com muita autoridade, afeto e carinho, insistindo na sua
recuperaçâo. Com Walter que já havia sentido a harmonia do
,
estado anterior, antes de se drogar, encontrou base para não se
desesperar e assumir de novo o equilíbrio, já na sua personali-
dade atual. Não se deve esquecer também que, durante todo o
socorro, nesse processo o equilíbrio do médium é fundamental
P ,
ois naqueles momentos os dois agem como um só. Também o
médium deve estar em sintonia com o doutrinador, respeitan-
do-o e confiando na sua capacidade de dirigir os trabalhos.
Walter se analisou e meu pai, como orientador encarnado ori-
entou-o, até que ele passou a entender p ,
situação:
erfeitamente sua
- Meu filho, você está numa reunião de Amor e Caridade.
Aqui tentamos ajudá-lo, para que seja livre. Estamos a lembrá-
lo do que aconteceu, dos fatos vividos por você. Você é um
garoto sadio que foi experimentar drogas e a elas ficou preso.
Recorde! Uma dose, a segunda, mais outra e veja como fcou.
Desencarnado, você continuou, em espírito, ligado às dro as
porque a morte não nos liberta de nossos vícios.
Walter ficou assustado. Lembrou-se de tudo e lágrimas es-
correram abundantes de seus olhos.
- Perdão, meu Deus! Perdâo! - falou emocionado.
- Tenho '
hQorror em ver como fquei! Não quero ser um trapo humano!
uero icar assim, sadio e com raciocínio. Nunca mais me
viciarei!
- Então aceita nosso auxílio? - indagou meu pai.
- Peço-o em nome de Deus! - falou Walter chorando.
- Será acolhido e orientado!
Walter foi tirado de perto da médium, quando Elisa pegou
na sua mão e lhe disse com carinho:
- Walter, meu filho! Meu anjo!
- Mãe - disse ele. - Minha mãe!


O VÔO DA GAIVOTA 103

Olhou para Elisa e não a reconheceu, mas sentiu que ela
rra, ou melhor, fora sua mãe. Elisa fora sua genitora em encar-
iação anterior.
- Sim, sou eu, sua mãe Gertrudes - disse Elisa (nome que

ua mãe adotara no plano espiritual).

Walter, cansado pelas emoções, adormeceu nos braços de

Elisa que se pôs a chorar baixinho, com emoçâo e gratidão.
Finalmente a mãe recuperara seu ente querido.

O processo utilizado tem êxito, em recuperação de desen-
carnados viciados, pois tomando a forma perispiritual de antes
de se viciar, adquire-se mais força para dominar a situaçâo.
Alguns, nesses processos, não recordam o período de viciado,
mas é bom que o façam para que saibam e entendam o tanto
que sofreram. Todos os socorridos do Túnel Negro pediram
ajuda e foram acolhidos, por isso o tratamento continu ria,
sendo eles encaminhados a hospitais próprios, onde a a uda
psicológica seria a mais importante, juntamente com a Evange-
lização.
Em algumas doutrinaçôes, como a de Walter, pode aconte-
cer de o socorrido ver tudo o que se passou com ele e não
querer a ajuda oferecida, preferindo continuar no vício. A esco-
lha é do socorrido, pois todos nós temos o livre-arbítrio a ser
respeitado. Nesses casos, o doutrinador ainda deve argumentar
tentando ajudar na recuperação. Se houver ainda recusa, deve-
se deixar que se comporte como escolheu e ser retirado do
local do Centro Espírita. Sem sustento de bons fluidos, é costu-
me voltar logo ao estado deplorável de drogado. Será, entretanto,
em outra ocasião, socorrido novamente e, quando estiver can-
sado das drogas, aceitará a ajuda.

Também o doutrinador deve ficar atento para não deixar o
socorrido ter remorsos destrutivos, incentivando-o a ter espe-
ranças de vida no futuro e reparar seus erros através do trabalho




i
útil e no Bem.
Uma convidada, desencarnada, que assistia à reunião in-
dagou a Maurício, que estava ao meu lado:

- aurício o drogado é responsável por todos seus atos
M ,
errados? Como, por exemplo, aquele rapaz que, ao discutir


104 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

com sua mãe, a empurrou com força, levando-a a cair e bater
com a cabeça e desencarnar. Agindo assim sob o efeito da
droga, ele é culpado?
- A intençâo, em um ato errado, é pior às vezes que o
próprio ato - respondeu o interpelado. - Ele não teve a inten-
ção, não queria a morte física da mâe, mas foi a causa da sua
desencarnação, daí a sua culpa. É muito difícil um drogado náo
saber que age erradamente e que poderá provocar, por isso,
acontecimentos trágicos em sua vida. Em todos nossos atos, o
que importa é a intenção e, assim, notamos que aquele jovem
tinha na mente este propósito, que lhe trazia muitos sofrimen-
tos. Vimos também que a recuperaçâo total dos viciados que
não praticaram outras faltas, é mais fácil, o mesmo nâo aconte-
cendo com alguns que, além do vício, cometem outros erros.
Deve o encarnado pensar bem nisso, antes de seguir o
caminho das drogas. Nas conseqüências tristes que advirão,
como aconteceu a este rapaz que, mesmo amando a mãe, foi a
causa de sua desencamação.
A reuniâo terminou após a oração, quando os orientadores
espirituais energizaram beneficamente todo o ambiente e, tam-
bém, as pessoas presentes.
Os encamados conversavam trocando idéias, e os mento-
res espirituais estavam contentes com o êxito da experiência.
Todos os socorridos do Túnel Negro passavam relativamente
bem. Elisa levaria Walter para a Colônia Perseverança, onde
trabalhava, pois, desde que soube ser ele viciado em tóxicos,
pediu para trabalhar naquele setor do hospital, onde os intemos
se recuperavam das drogas. Agora iria também cuidar dele.
Despediu-se de nós emocionada e chegando perto do meu pai,
agradeceu; ele sentiu uma vibraçâo diferente, carinhosa, que
só os gratos conseguem emitir, e sorriu em resposta.
Dois trabalhadores desencarnados do Centro Espírita aju-
daram Elisa a transportar Walter, ainda adormecido, para a
Colônia. Terminados os trabalhos todos foram embora, e os
espíritos socorridos conduzidos para novas acomodaçôes. Após
as despedidas, voltou a rotina no Centro Espírita, até a próxima
reunião.


O VÔO DA GAIVOTA

Também retornei à Colônia e aos meus afazeres. Porém
surpreendi-me com as notícias. Natan já havia descoberto quem
entrara nos seus domínios e, raivoso, queria acertar contas.
Acompanhei os acontecimentos.


' l atan




Sempre que possível, ia às reuniôes no Centro Espírita,
para me inteirar dos acontecimentos. Quando não podia, Artur,
um dos orientadores do Centro, amigo de muitas encarnações
de meu pai, me colocava a par da situação.
No Umbral, os chefes sabem de tudo o que lá acontece,
com relativa facilidade. Natan, ao voltar ao Túnel Negro naque-
la noite em que lá estivemos, cientificou-se de tudo. Disseram-lhe
que vários espíritos, comandados por um ainda encamado, en-
traram em sua fortaleza, levando com eles os que quiseram ir.
Nada danificamos com nossa excursão ao Túnel Negro, só
tiramos alguns sofredores de lá. Porém, como Elisa previu, Na-
tan logo soube o nome do encamado, onde ele morava, seus
familiares e o Centro Espírita que freqüentava. Dois de seus
servidores, espíritos ligados a ele no trabalho no Túnel, foram
observar meu pai e o Centro Espírita.
Na reunião seguinte, foram os dois servidores ao Centro
Espírita levar um recado de Natan. Entraram como convidados,
sem se despojarem de suas armas e aguardaram o início da
reunião em silêncio. Um dos orientadores da casa lhes explicou
como deveriam proceder. Como queriam falar pela incorpora-
ção, tiveram que aguardar na fila, e só seria permitida a
comunicação deles no momento previsto. Um deles ao obser-
var o ambiente, curioso, conteve-se para nâo chorar, ao ouvir a
explicação do Evanelho e as orações e, quando foi chamado
i para se incorporar, pediu ao companheiro que o fizesse. O
,


O VÔO DA G

107


quieto e o tempo
no Centro, estava ar que era
, desde que entraraforçando-se para dem · E erto do
e a baixa onstr

 de cab ç , es
ordens recebidas de Natan , P
cado, seguindo as ondeu ao cumprim

ara a in
corporação, resp a. Depois, a e'ist do e
ss
dium, p ipida a pala o que veio como
i-noite, quando lhe f áe Natan falou
ara '
uenciado pela mente ' do Tú el Negro estivesse ali.
róprio, como se o chefe ue fizeram nos
fosse o p n não gostou da invasão os reparação.
- Meu chefe Nata violação e exigi
os uma tender um pedido
us domínios. Sofrem ão foi para a o sei por
mos também que essa inv lle ela estava junto
. Nã

s ua filha desencarnada, e gtáveis, já que foram lá só para
a
por impre
ue se interessam
sgatá-los· anos de imp  - meu

- Por que chama os toxicôm restáveis.
iai inda ou.
- Nem racioci-
 - respondeu ele rindo.
- São outra coisa.
para expenências. Droados sãomfr encar-
nam mais! Só servem uando se quer vingar de algu
inúteis. Não é à toa que, q ele tiver tendência, perde-se
nado, incentiva-se-o ao  mpletamente escravo da droga e
nos tóxicos, tornando s · Viciados são fantoches, farrapos
presa fácil de seus vingadores m terem levado de lá os impres-
. Natan não achou rui
humanos m entrado lá sem peissão.
táveis. Irritou-se por tere permissâo, ele consentiria? - inda-
- Se eu tivesse pedido

gou meu pai· d ria os imprestáveis - respondeu

- Entrar lá não! Mas lhe a
,
le rindo cinicamente. istiu meu pai, que
com
! e  - ins
' - Daria mesmo. conversava
orientador encamado da casa.
ele como - não todos ou nem tantos,
talvez

- Ora - respondeu ele  me atormentar mais ainda os
lhe liberasse alguns. É nosso costu

que são do interesse dos bons.

Fez uma pausa. infelizmente, é o q
ue o desencarnado falou, ue costu-
não é regra g
eral. Sendo assim, ao notar
ma acontecer, porém, do interesse dos socor-
seus domínios é








I g PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
presumindo que, desse modo, vingam-se dos interessados. Por
isso, sempre se faz com cautela a demonstração desse interes-
se. Logo após a pausa, em que ele observou bem o local
,
continuou a falar calmamente.
- Deixemos de conversas! Natan exige a devoluçâo de
todos e desculpas com pompas. Quer a reparação! Você com
seus comparsas devem ir ao Umbral em horário marcado e
, na
frente dos convidados dele, se desculparem.
- Volte e diga a Natan que não quisemos afrontá-lo
p p . Mas,
or circunstâncias articulares e justas, tivemos que ir lá. Não
Ihe devolveremos nenhum dos que nos pediram abrigo e infe-
lizmente nâo faremos o que ele quer.
Todos nós presentes, tanto os encarnados fre
q
quanto os desencamados, sabíamos que Natan atrav s de uma
ligação com o seu enviado, estava vendo e ouvindo o
ria na reunião que ocor-
. Mas, como ele mandou recado recebeu res osta
para que o portador a levasse até ele. O desencamado irrpitou-
se com o que ouviu, porém controlou-se e respondeu:
- Quero deixar claro que ninguém estava lá obrigado. Se
existiam al uns presos foi por não cumprirem obrigações. Vo-
cês estâo arrumando confusão. Vou embora e darei o recado.
Afastou-se da médium. O desencarnado falava a verdade
P
,
ois nos domínios do Túnel Negro ninguém pemzanecia obriga-
do. Os viciados iam lá à procura da droga e submetiam-se aos
piores vexames e situações humilhantes ara conseguir o sus-
tento para seus vícios. p
O outro que viera junto e que observava tudo
hegou pert e q
companheiro falava, c , n uanto o
Centro e pediu:
o de um dos trabalhadores do
- Será que vocês não me abrigariam? Gostei daqui, quero
ficar.
- Certamente que sim.
Ao se afastar da médium, o enviado de Natan
pelo amigo e o viu na fila dos que iam p Procurou
socorridos. Olhou ara a Colônia, como
para ele e não falou nada. Saiu do Centro
Espírita e foi cumprir a tarefa que lhe impusera o chefe.
Como previsto, Natan não gostou da resposta e, no dia


O VÔO DA GAIVOTA 109

seguinte, preparou bem seus servidores, armou-os e orde Ç u
que fossem ao Centro Espírita e o invadissem. Deu instru ão
para expulsarem todos que lá se encontrassem e quebrarem
tudo, mas não foi junto, ficou no Túnel Negro.


Artur, prevendo o ataque, organizou a defesa do Posto e do
Centro Espírita, para que todos os aguardassem tn áqalm perto,
taram realmente invadir, mas, quando se enco

Artur e os companheiros foram ao encontro deles, dominando-
os ela força mental, imobilizando-os. Levaram-nos, em seguida,
pa á o átio, já desarmados, e depois os encaminharam para o
Posto, acomodando-os numa sala própria. Tudo normalizado,
Artur conversou com eles, durante horas. Perguntavam sobre
tudo e Artur os esclarecia. Viram a Colônia, pela tela, e lhes foi
oferecido socorro médico e abrigo. Após, Artur abriu a porta da
sala e disse:
- Podem sair os pue quiserem, só que irão sem as armas.
Os que desejam ficar conosco serão bem-vindos.

Muitos se mostravam indecisos. Se voltassem, seria como
fracassados, não tendo cumprido a tarefa que lhes fora confia-
da. Temiam o chefe, mas gostavam da vida que levavam, e não
queriam mudar. Foram poucos os que gostaram do que lhes foi
oferecido por Artur, em nome de todos os trabalhadores do
Centro. Muitos dos desencarnados que vagam pelo Umbral, não
têm idéia de outra forma de vida na espiritualidade e, ao co-
nhecer, geralmente aceitam, querem a mudança. Outros,
indiferentes, preferem mesmo é continuar como estão. Do gru-
o de Natan, alguns ficaram na sala, mas a maioria saiu. Muitos
pe dirigiram para o Umbral, onde iriam vagar sem rumo, pois
não tinham disposição de voltar ao Túnel Negro, de vez que
temiam Natan. Outros, mais corajosos, voltaram, e ficamos
sabendo depois que não foram castigados. Os que permanece-
ram e aceitaram socorro, foram encaminhados para a Colônia,
para a Escola de Regeneração. As armas deles, feitas do mes-
mo material que constitui nosso perispírito, foram destruídas.

Natan mandou dois de seus servidores, os de sua confian-
ça ara ficarem perto de meu pai e eles trouxeram outros dois

' p , que foram induzidos a pensar que
desencarnados, viciados


110 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

meu pai ia lhes dar drogas. Desencamados nesse estado têm
fluidos pesados e angustiantes. Por isso, Artur levou os dois
viciados para o Posto do Centro, onde receberam os primeiros
socorros, sendo depois orientados em reunião, da mesma for-
ma que Walter, e obtiveram o mesmo êxito. Artur fez um
esquema especial de proteçâo aos médiuns e freqüentadores
do Centro, para que nâo fossem atingidos pelas vibrações dos
seguidores de Natan, como também para as pessoas que sem-
pre estâo com meu pai, inclusive os familiares. Os outros dois
,
os servidores de Natam, meu genitor convidou-os para ficarem
com ele. Seguiram-no de perto, por dias.
Natan, vendo seus dois melhores auxiliares em perigo,
chamou-os de volta. O perigo, para ele, era o de se converte-
rem. Meu pai ora, medita, lê e faz com que os desencamados
que estâo junto dele, escutem. Trata-os com bondade, porém
com firmeza e nâo aceita suas interferências. Apesar de cansá-
lo muito essa conduta, ele sabe que tem de estar vigilante vinte
e quatro horas por dia. E esse tipo de pressão o tem feito cres-
cer, porque o "orar e vigiar" o coloca constantemente em vibraçâo
maior, que atinge os desencarnados de forma diferente, levan-
do-os a retletirem e a pensarem em Deus.
Natan veio encontrar-se com meu pai. Esperou-o à noite,
perto do Centro Espírita, e disse a um dos guardas que queria
falar-lhe. Meu pai foi ao seu encontro.
- Você é um feiticeiro terrível! - disse Natan. - Não quero
que nenhum dos meus companheiros sofra sua influência. Exijo
uma reparação sua e tudo ficará por isto mesmo, mas que vá
ao Túnel Negro e me peça desculpas. Abro mão do resto.
A palavra "feiticeiro" foi empregada por ele, para definir
aquele que tem força mental e que a usa tanto para o bem
como para o mal. E o tom de desprezo seria para ofender.
Desencarnados que, temporariamente estâo seguindo o mal,

15 - Anteriormente, o Sr. José Carlos havia convidado dois espíritos para
ficarem ao seu lado e agora convidou Natan. Para fazer isto, é necessário
ter muitos conhecimentos e moral elevada. Alerto os encarnados, para não
agirem assim, sem o preparo devido. (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 111


gostam de chamar meu pai assim, como também de indiano,
porque ele, em muitas encamações, teve a Índia como berço.
- Você tem me observado - respondeu meu pai -, deve
saber que sempre que erro, peço perdão de coração. Nunca
peço por orgulho, pois levo muito a sério o ato de me desculpar.
Quando o faço, é porque entendi que errei e procuro não mais
incidir nessa falta, para não ter que me desculpar pela segunda
vez pelo mesmo ato. Isto porque, reconhecendo meu erro, me
esforço para melhorar. Não me arrependi por ter ido ao Túnel
Negro e libertado não só o desencarnado, que foi o motivo de
socorro, mas todos os que quiseram nosso auxílio. Faria de
novo, por isso, em respeito a você, não posso me desculpar.
Para nos reconciliarmos com alguém, mesmo não sendo
culpado, não nos custa pedir desculpas. Meu pai com sua atitu-
de estava querendo ajudar Natan. Tentava fazer que esse espírito
se voltasse para Deus.
- Atormentarei você! - exclamou ele.
- É um direito seu - respondeu meu pai. - Convido-o a ficar
comigo.'5 Só que eu também tenho direitos. Você tentará me
atormentar, atingir-me, eu me esforçarei para não receber sua
influência negativa, como também tentarei transmitir-lhe as
minhas sugestões. Terá que me escutar! Será só entre nós dois.
O mais forte irá influenciar o outro. E o mais forte será aquele
que tiver a vida, os pensamentos e as atitudes baseados na
verdade. E a verdade nunca será produto de nosso desejo, es-
perança ou ambição, mas, sim, sempre a mesma, infinitamente,
no tempo e no espaço.
- Não sou de fugir de desafio. Vou agora ao Túnel Negro
tomar algumas providências e voltarei. Aguarde-me!
- Não o estou desafiando. Será um prazer conviver com
você! Vamos aprender muito um com o outro.
Natan afastou-se, já havia perdido muitos dos seus segui-
dores e achou que só ele estaria apto a dar uma liçâo merecida
naquele que, em sua opiniâo, o desafiara. Estava com raiva de
todos do grupo, e com os desencarnados, sabia por antecipaçâo
que nâo podia com eles. Com meu pai era, porém, diferente,
ele estava na came, sujeito a muitos condicionamentos e me-


112 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

lindres devido às necessidades e funções do corpo, sendo assim
mais fácil de atingir e prejudicar. Entendia que, atingindo um
encamado, atingiria todo o grupo. Organizou, então, o Túnel
Negro para que continuasse a funcionar sem ele e, assim, no
outro dia, foi ao encontro de meu pai e começou a acompanhá-
lo de perto. Meu genitor continuou com sua vida normal, de
trabalhador no plano físico e espiritual. Natan nâo ficou, de
imediato, como obsessor de meu pai, mas sim curioso, e com
raiva daquele momento, quis conhecer como era o dia-a-dia de
uma pessoa tão diferente das com que convivera.
Natan pressionava meu pai. Forçava-o a pensar em coisas
mundanas, para que baixasse a vibraçâo. Meu pai, por outro
lado, meditava em coisas superiores e Natan era forçado natu-
ralmente a sentir as mesmas coisas. Percebia as sugestões e
desejos terrenos. Porém, mostrava mentalmente a Natan a es-
tupidez e a mediocridade daqueles que usam as necessidades
e funçôes do mundo físico, como propósito de vida. À noite
,
meu pai desligado do corpo físico se dirigia para o trabalho
espiritual e Natan ia junto. Encaminhava-se ao Posto do Centro
P ,
ara cuidar dos doentes, conversava com os socorridos, e ele
ao seu lado. E foi assim, por muito tempo, até que Natan come-
çou a se interessar pelo trabalho realizado no Posto, e começou
a falar de si, e meu pai atenciosamente o escutou.
Natan foi médico, quando encarnado. Ambicionando enri-
quecer, usou a medicina somente como profissâo para ganhar
dinheiro. É preciso lembrar que o trabalhador faz jus ao seu
salário, mas nenhum profissional deve só visar o lucro, mas sim
fazer também, através de seu trabalho, todo o bem possível.
Médicos lidam com dores e por isso devem, também, ser hu-
manitários. Trabalharem pelo sustento material, sim, mas sem
se esquecerem de fazer aos outros o que queiram que lhes
façam. Natan fez muitos abortos e receitou remédios proibidos,
desde que lhe pagassem. Mas a desencarnação chegou e se viu
diante de muitos inimigos que queriam vingança. A situação o
apavorou demais, primeiro porque era ateu, segundo, porque
aquele bando o atormentava sem poder destruí-lo. Vingavam-
se por tê-los impedido de reencarnar, ou por não terem sido
atendidos, porque não podiam remunerá-lo. Estava irado


O VÔO DA GAIVOTA 113

quando o tiraram de seus perseguidores. Eram espíritos, mora-
dores de uma cidade umbralina, que vieram e o levaram. O
chefe dessa cidade sabia quem ele era, mas deixou que sofres-
se por uns tempos, para que ficasse lhe devendo obrigação.
Natan não é o nome verdadeiro dele, tendo escolhido esse
cognome tempos depois, talvez para impor mais respeito a
seus inferiores. Levado à cidade umbralina, o chefe conversou
com ele e lhe ofereceu abrigo em troca de seu trabalho como
médico. Natan não era ocioso, sempre foi trabalhador, por isso
aceitou e se aliviou por ficar livre do bando que o perseguia,
mas com o qual aprendera tantas maldades. O chefe daquele
local, no intuito de organizar um lugar especializado em tóxi-
cos, fundou o Túnel Negro e o colocou para administrá-lo. Com
o passar dos anos,  chefe se desinteressou pelo lugar e Natan
ficou sendo o senhor absoluto.
O Túnel Negro não forçava ninguém a ficar lá e nem seus
moradores saíam à procura de desencamados para irem lá. Os
viciados desencarnados é que o procuravam, em busca das
drogas. Só que, depois de serem abrigados, tinham que seguir
as normas da casa e trabalhar para eles. Existem muitos luga-
res, abrigos, cidades no Umbral, para onde os desencarnados
viciados são levados como prisioneiros. Como também há ou-
tros lugares, como o Túnel Negro, onde os desencamados não
sâo obrigados a ir e nem a permanecer. É lugar de livre acesso.
Mas Natan era insatisfeito e isso lhe doía e o atormentava.

Instalou-se, então, a troca de fluidos entre eles. Meu pai
começou a sofrer os de Natan, sentindo doer-lhe por dentro,
como um vazio profundo. Certo dia, meu pai estava meditando
e Natan perto dele, quando meu genitor lhe disse:

"Natan, é falta de Deus! É a ausência do Pai em você que
lhe dói tanto. Você era ateu, mas não pode dizer agora que
ainda o é. Por que, então, não se aproxima do Pai?"

Natan não respondeu e se afastou. Depois de meses, era a
primeira vez que se afastava. Recolheu-se num canto no Um-
bral e pôs-se a pensar. No dia da reunião, quase no horário de
começar, ele entrou no Centro, pediu licença e se colocou na
fila dos que iam receber orientação, pela incorporaçâo. Estava
diferente, sem seus colares e suas armas.


114 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK nR f auvnr un

Na sua vez de se comunicar, aproximou-se educadamente
de uma médium, cumprimentou meu pai e disse:
- Você me venceu!
- Nâo! Natan, você não lutou comigo. Mas lutou consigo
mesmo. Era a ausência de Deus que o atormentava. Você é
infeliz e apenas o convidamos a aprender a ser feliz. Fico con-
tente por você querer mudar. Gosto de você! Venha viver uma
vida digna de um espírito.
- Quero ser seu amigo! - exclamou Natan emocionado.
- Sejamos então amigos! Preciso muito de amigos.
Natan foi levado para a Escola de Regeneração. Após ter
feito o curso, foi trabalhar num Posto de Socorro do Umbral
onde exerce seus conhecimentos de Medicina, em socorro aos
necessitados. Sempre que pode vai visitar meu pai e assistir às
reuniôes do Centro. Trabalha muito. Artur, sempre que o vê,
costuma dizer de forma carinhosa:
"Ama muito, porque foi muito perdoado!
Artur falou, modificando o texto do Evanelho de Lucas
VII:47. "São lhe perdoados muitos pecados, porque muito amou."


O Médico 1`azista




Quando fomos assistir à recuperação de Walter, na reunião
do Centro Espírita, defrontamos com um caso muito interessan-
te que me chamou atenção e, por isso, acompanhei o desenrolar
do drama.
Estávamos aguardando o início, quando chegaram três pes-
soas: um casal com a filha adotiva. O casal, principalmente a
senhora, queixou-se que a mocinha, a filha, continuava tendo
suas crises.
Artur me explicou que Joana, assim se chamava a jovem,
era médium e estava sendo obsediada por alguns espíritos,
suas vítimas no passado. Tinha crises, em qualquer hora e lu-
gar, e procurava meu pai, em horários inoportunos, para Ihe dar
passes, porque só assim se acalmava.

Minha mãe foi sentar-se ao lado dela, porque, conforme
me explicaram, logo que entrava no Centro, começavam suas
crises, e era necessário alguém perto que a controlasse. Seus
obsessores possuíam sobre ela o domínio psíquico, mesmo à
distância. Queriam que sofresse, pois ela os havia prejudicado.

Gosto muito de ver minha mãe, pois amamo-nos muito. É
a pessoa de quem mais gosto, e sempre que me é possível vou
visitá-la, ficar ao seu lado, porque me é prazeroso.

Joana é uma mulata forte, de olhar malicioso, demons-
trando nâo estar a fim nem de orar, nem de melhorar. Ali está
por imposição dos pais e para ficar livre de suas crises, que
considera ridículas e que lhe fazem passar vergonha. O seu


116 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

obsessor chefe era inteligente e sutil e, como ela tinha má
índole, passou a incentivá-la a fazer uso da maldade, chegando
a ponto de incorporar, utilizando-a como médium, e tentar ma-
tar a mãe e o pai. Fazia com que descuidasse completamente
da disciplina pessoal e dos compromissos próprios de sua ida-
de, para envolvê-la no seu ardil. O desencamado transmitia-lhe
acontecimentos do passado das pessoas para que, assim, domi-
Ì
nasse as mais fracas que a cercavam.
Quando foi levada até a casa de meu pai, o obsessor acei-
tou, porque confiava que iria dominar qualquer encamado com
que defrontasse, sentindo-se assim forte no seu orgulho e pre-
tensão. Vencidos os primeiros embates, o obsessor sentiu-se
admirado pela força que desconhecia e quis, então, aprender
com eles, com o grupo do Centro, não para melhorar, mas para
ficar mais poderoso.
" Artur me pôs a par dos acontecimentos. Joana, em sua
encarnação anterior, fora um médico nazista e praticara muitas
maldades e experiências com os judeus. Reencamou longe da
Alemanha, num corpo feminino e mulato, mas mesmo assim
foi encontrada pelos que não a perdoaram. Sabiam que ela
comparecia ao Centro para se livrar deles, os obsessores. Sor-
rindo e com seu modo agradável, Artur comentou:
- Patrícia, seu pai, por ajudar a jovem, está sofrendo com o

"
rancor desses obsessores. Mesmo assim, está ajudando-a, em-
G: bora sabendo que ela nâo gosta daqui nem dele e que, assim
que se sentir livre dos desafetos, não voltará mais. Socorremos
i para mostrar aos encarnados a força espiritual de que dispôe
;
um Centro Espírita, desde que se trabalhe em prol do bem
comum, e também dos que vêm pedir ajuda.
Prestamos atenção na orientação que meu pai deu aos três
encamados: pai, mãe e filha.
- Só ficamos livres do nosso passado trabalhando no bem,
no presente. Para nos livrarmos de obsessores, devemos pedir
perdâo, perdoar e nos harmonizar com as Leis Divinas. Precisa-
mos entender que os espíritos têm seus motivos para perseguir
as pessoas, por isso devemos entendê-los e tentar amá-los,
porque eles também necessitam de ajuda. Para nâo sermos


n vô0 DA GAIVOTA

atingidos pelos obsessores, devemos mudar nossa vibraçâo,
sair da faixa mental deles, isto é, pensar em coisas boas e
superiores e agir de modo digno, trabalhar no Bem e amar
muito. Vocês aqui estão em busca de auxílio, porém devem
ajudar a si mesmos. Certamente, quando você se sentir bem,
Joana, não voltará mais aqui. Porém, quero lhe dizer uma coi-
sa, você é médium e necessita aprender a lidar com sua
faculdade e trabalhar muito no bem, para viver tranqüila e sem
essas crises. Mas, se você se afastar do Centro Espírita e não se
modificar, a situação que vive agora voltará sempre. Os Centros
Espíritas estão melhor preparados para ajudar nos casos de
obsessão, ensinando a lidar com a mediunidade para o bem, e
em suas reuniôes ouvirá ensinamentos que ajudarão a sua re-
novação interior.
Joana não gostou muito do que ouviu, mas ficou quieta.
Quando começou o trabalho de desobsessão, três dos que
a estavam importunando, se comunicaram. Os três, dois ho-
rr.ens e uma mulher, foram judeus, ou ainda eram, pois o fator
raça se mostrava ainda forte neles. O primeiro estava sem um
braço e sem o olho esquerdo. Cumprimentou mal-humorado,
não queria conversar com ninguém, foi perto do médium con-
tra sua vontade e falou com raiva:

- Por que interferem no que é justo? Embora tenham outra
religião, vocês amam a Deus. Nunca ouvi falar de religião deste
jeito. Oram, dizem fazer o bem, conversam com os mortos,
mas ajudam os criminosos. Isto não está certo. Por que o aju-
dam, esse monstro sanguinário?

O desencarnado desconhecia o Espiritismo, estranhando o
intercâmbio mediúnico e o ensinamento de que todos somos
filhos de Deus e, por isso, irmãos uns dos outros.

- Se eu lhe disser que queremos é ajudar você... - come-
çou a dizer meu pai, porém foi interrompido por ele.

- Ah, mas por que nâo nos avisaram logo que querem se
unir a nós. Quanto mais, melhor!
- Você nâo entendeu, queremos ajudá-lo a se recuperar, a
tomar-se sadio, a viver de modo digno, num lugar propício.

- Quem lhe falou que quero ser sadio? - indagou nervoso.


118 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

- Já me propuseram isto uma vez e não aceitei. Quero ficar
como ele me deixou, para ter sempre motivo para odiá-lo.
- Você sofre e faz sofrer - disse meu pai.
- Nem começamos. É melhor dizer: sofre e faremos sofrer
cada vez mais - respondeu ele.
- Não vale a pena! Você já pesquisou por que sofreu as-
sim? Se sabe que continuamos a viver após a morte do corpo,
que reencarnamos e, por isso, é que você o está perseguindo
reencarnado em outro corpo? Então sabe que viveu encamado
outras vezes. Uamos, irmão, recordar seu passado?
A equipe desencarnada, já pronta, colocou à sua frente a
"tela", que é como na espiritualidade chamam este aparelho.
Ele é denominado de muitas maneiras, havendo alguma dife-
rença de um local para outro, mas é sempre o mesmo e muito
,'; útil. O espírito que se comunicava fora, na encamação anterior
também judeu e, numa guerra, havia trucidado muitás pessoas,
entre elas jovens e crianças. Ao recordar, deu gritos lancinan-
P ,


,.
tes, mas o médium, treinado, só alterou um ouco a voz isso
porque não é necessário gritar. Acalmaram o desencarnado
que, com difculdade, voltou a falar.
- Olho por olho...
- Não, meu amigo - disse meu pai. - É a lei do retorno:
você plantou, você colhe. Não precisaria sofrer assim, se tives-
f.
se entendido a lei do Amor e feito o bem.
- Ela também pagará pelo que fez? Pelo que entendi, se
ela não Fzer o bem, sofrerá o que me fez sofrer. Você não irá
conseguir fazer dela uma pessoa boa. Que será dela?
- Deixe-a, irmâo, deixe-a! Cuide de você. Vamos ajudá-lo,
pense em Deus. O Pai é bondoso e nos ama.
A equipe médica entrou em açâo e com os fluidos doados
P
; pelos encarnados e também ela vontade do espírito que, ago-
ra, queria tornar-se sadio. O braço se curou e ficou perfeito,
como também o olho.
i' - Perdoe, irmão, para ser perdoado!
- Como nâo perdoar, se devo tanto? Perdôo e peço perdão
a Deus. Queria ir para junto dos meus, lá na minha terra.


n vÔ0 DA GAIVOTA 119


- Atenderemos seu pedido.

Ele saiu de perto do médium e passou para outra fila, a dos
que iam para a Colônia. Após a reunião, seria levado à Colônia
São Sebastião por uns dias e, depois, seria transferido para
onde quisesse. Uma equipe o levaria.

Normalmente reencarnamos em diferentes raças, para
aprender amar a todas. Mas, sem ser regra geral, alguns judeus
mais radicais ainda têm preferido vir sempre como judeus, a
esperar o Messias, pois se julgam os filhos escolhidos, o povo de
Deus, mas são, realmente, como todos nós, porque não somos
privilegiados pela raça. Aqueles desencarnados, totalizando
onze, estavam há algum tempo, nas regiôes espirituais do Bra-
sil, à procura, para vingar, deste espírito, que fora um médico
nazista. Já começavam a dominar o idioma português, pois o
médium que o auxiliou, sempre consciente, não precisou se
expressar com sotaque. Devemos esclarecer que o médium
transmite o pensamento do espírito e, nestes casos, sentem
mais do que propriamente repetem o que escutam. A mediuni-
dade, quando educada, é maravilhosa, e assim possibilitou que,
ele, judeu, transmitisse pensamentos que o médium traduziu
por palavras.
O outro judeu se incorporou em outra médium e foi doutri-
nado por uma integrante encamada, do grupo. Lídia conversou
com ele e o fez entender a necessidade de perdoar e seguir seu
caminho. Ele, porém, quis ficar em nossa Colônia e, quando
fosse reencarnar, preferia que fosse aqui. Não gostaria mais de
ser judeu, porque, segundo comentou, os judeus sofriam muito
com a segregação. Normalmente esses pedidos são atendidos,
porém o departamento próprio da Colônia é que estuda cada
caso.
A mulher também incorporou. Parecia fria, porém ao sen-
tir o afeto dos trabalhadores da casa, encarnados e
desencarnados, conteve-se para não chorar, e disse com voz
comovida:
j
- Não sou má, ele, sim, é maldoso. - referindo-se à ovem
Joana. -Esconde-se em outro corpo, mas é ele. Pensa você que
ele é bom? Não! Nos enfrenta e, se pudesse, nos faria sofrer


120 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARvAl.un

tudo novamente. Você acha que é por persegui-lo que somos
maus? Somos vítimas! Vou falar o que ele fez comigo e, então
me dará razão.

Fez uma pausa eomo se criasse coragem para recordar e
começou:
- Estava casada e feliz, tínhamos uma pequena fortuna e
dois flhos lindos. Quando a Segunda Guerra Mundial começou,
nos apavoramos, porque sabíamos muito bem que os nazistas
perseguiam os judeus. Meu esposo alistou-se no exército, na
tentativa de impedir que eles nos oprimissem, no país em ue
vivíamos e, por isso, morreu lutando. Quando houve a invasão
q
de nossa cidade, fomos presos e nossos bens confiscados. Da
prisão partimos para o Campo de Concentração, onde sofremos
muito: frio, fome e humilhaçôes. Naquele Campo havia um
laboratório onde este médico medonho e outros faziam experi-
ências com os presos, ou simplesmente os torturavam pelo
prazer de vê-los sofrer.
Ao ver meus filhos chorarem de fome e frio, e com muito
desconforto, resolvi pedir clemência. Solicitei para falar com o
comandante e, para minha surpresa, ele me atendeu e me
levou à sua sala. Quem me atendeu foi esse aí, o médico
nazista, que me olhou de cima a baixo e me indagou:
"Então, judia, que reivindica?"
q P P P
Pensando ue ele ia me ajudar, falei rá ido ara não er-
der a coragem:
"Por favor, senhor, aqui estou com meus dais filhos peque-
nos, passamos fome e frio."
"Se você se entregar a mim, intercederei por vocês" - disse
rindo.
Sempre fui muito direita, fiel ao meu esposo, porém, pelos
meus 6lhos, aceitei a proposta indecente. Depois, ele mandou
que um soldado fosse buscar meus filhos. Achei que, pela felici-
dade dos meus, teria valido o sacrifício. E, esperançosa, quando
pensei que fosse me dar ajuda, meus dois filhos chegaram
assustados e correram ao meu encontro. O mais velho estava
com quase sete anos e o outro, com quatro. Gelei quando ouvi
a ordem.


O VÔO DA GAIVOTA 121


"Leve-os ao laboratório!"
Era no mesmo prédio, na sala ao lado. E cada soldado
pegou um de nós e para lá fomos arrastados. Amarraram-me
fortemente numa cadeira e ele, cínico, me olhou sorrindo:
"Idiota! Judia imbecil! Pensou que eu ia me encantar por
você? Verá para que serviu sua astúcia em me pedir auxílio."
Pedi a ele por piedade, pelo amor de Deus, para fazer o
que quisesse comigo, sem maltratar meus filhos, porém ele ria.
0 que me fez ver foi horrível. Torturou meus filhos, cortou-os
em pedaços até que morressem. Eles gritavam apavorados,
olhando para mim e eu gritava também. Quando os dois não
tinham mais vida, veio me torturar. Começou, extraindo mi-
nhas unhas. Fiquei alucinada e, aí, perdi o controle, pois a dor
era demais. Mas ele não me torturou muito, desencamei, pois
meu coração não agüentou. Fui socorrida e fiquei muito tempo
como louca e, quando voltei ao normal, alguns espíritos me
disseram da possibilidade de vingança. Aceitei e agi, com todas
as minhas forças, para me desforrar.
Faço uma pausa nesta narrativa, para algumas explica-
çôes. Nos Campos de Concentração, como em qualquer lugar
de aniquilamento humano, há muitos socorristas, como tam-
bém há muitos desencamados que agravam os acontecimentos.
Do mesmo modo, costumam ficar outras vítimas a socorrerem
suas companheiras de sofrimento. Esta senhora foi socorrida
por outros judeus, que ali haviam desencarnado. Não foi, as-
sim, socorrida por espíritos bons, porque ela estava com muito
ódio. As crianças e aqueles que perdoavam, eram levados às
Colônias ou a outros lugares de socorro. Os que eram vítimas,
tanto quanto ela, a socorreram, levando-a para um pequeno
abrigo no Campo de Concentração, no Plano Espiritual e, quan-
do ela aparentemente estava melhor, foi convidada a se vingar.
A guerra é por demais triste, pelas atrocidades que se come-
tem. Esforcemo-nos, pois, para que haja Paz, começando com
a tolerância e a concórdia com os que nos cercam. A Paz come-
çará em pequeno círculo, mas se a cultivarmos irá se ampliando
e atingirá muitos outros e, dessa forma, um dia teremos a Paz
por toda a Terra. E fatos como esses, tão tristes, ficarão apenas
na história e não mais se repetirão:


122 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARIN7.Rrr nF rnnvn u,

A senhora emocionada, continuou a falar.
'
- Ficávamos perto dele sem, contudo, conseguir nossos
, propósitos e ele 6cava mais nervoso e revidava nos risionei-
ros. Mas a desencamação chegou para ele, quando foi atingido
P
por uma granada. Sofreu bastante. Aí, sim, começamos nossa
vingança. Nós o perseguüamos por onde ia, e ele vagava urran-
do pelo Umbral, até que se pôs a gritar por socorro e sumiu da
nossa frente. Vim a saber que espíritos bons o tinham levado
para ajudá-lo. Nós nâo fomos socorridos, nâo queríamos, por-
que nosso objetivo era fazê-lo sofrer. Durante esse tempo, muitos
i:
desencarnados bons conversaram conosco, aconselhando-nos
I a desistir, mas escutávamos somente nossos companheiros.
Entretanto, vários do grupo desistiram e os acompanharam. Por
outro lado, ninguém se esconde de seus erros e nem dos que
não o perdoaram. E assim, enquanto procurávamos o perverso,
;
aprendemos como nos vingar. Anos se passaram, mas conse-
q ?
guimos descobri-lo. Agora querem ue eu desista Por acaso
aqui há mães e pais? Será que podem imaginar o que é ver o
que eu vi? Sofrer o que sofri? Dá para imaginar ver seus filhos
amarrados, gritando de dores e desespero? Odeio-o! Odeio-o!
Fez-se um silêncio total. Todos os desencarnados presta-
ram atenção, muitos, ao ouvi-la, conseguiram ver suas
lembranças. Alguns choraram. Os encarnados também se co-
moveram. Ela sentiu os fluidos de amor e compaixão de todos.
E, em dado momento, uma das trabalhadoras da casa, em
espírito, aproximou-se dela, abraçou-a e falou emocionada:
- Minha flha, pare de sofrer! Por favor, recomece sua vida.
Também sou mãe e entendo seu sofrimento. Compreendo seu
desejo de vingança, porém, digo-lhe que dessa forma você vai
perpetuar seu sofrimento. Venha para junto de seus amados e
í não sofra mais! Chega! Perdoe e venha conosco. Amarei você
como uma filha! Venha!
- Minha irmã! - falou meu pai. - Ele reencamou, e você
parou no tempo só para se vingar! Por que não recomeça e
tenta ser feliz? Devemos esquecer os momentos ue nos foram
cruéis e só lembrá-los para tirarmos alguma lição. É bem me-
q
Ihor pensar somente nos bons momentos. Você é infeliz! E
;j recordando sempre esses fatos, prolonga mais seu sofrimento.
t'


O VÔO DA GAIVOTA 123

llocê acredita em Deus, e se Ele nos perdoa por que não perdo-
a,rá nosso próximo? Sabe que nada que acontece fica escondido
ou impune. Deixe seu algoz, agora Joana, em seu novo corpo, e
cuide de você. Perdoe para ser perdoada!

- Quero esquecer! Esquecer!..

Aninhou-se nos braços da trabalhadora da casa que a abra-
çou e, após, foi levada adormecida para a Colônia. A reunião
terminou com todos comovidos pelo sofrimento daquela senho-
ra, e eram muitas as orações em seu favor. Emocionei-me,
também, ao acompanhanhar suas lembranças, realmente du-
ras cenas de horror.
Talvez possam vocês pensar que retrato muitas tristezas
neste livro. É que as tristezas e as alegrias existem e devemos
ser realistas, tirando de fatos tristes lições preciosas que nos
impulsionarão com otimismo para o caminho do Bem e para a
felicidade. Ao tomar conhecimento de fatos assim, consegui-
mos entender ambas as partes, e ajudar sem condenar. Por isso
como sou alegre, passo minha alegria aos que me rodeiam. A
alegria nos fortalece, nos anima e nos dá compreensão da dor
do próximo.
Aquela senhora foi intemada num hospital da Colônia onde
recebeu, por tempos, tratamento, carinho e ensinamentos. A
equipe da Colônia encontrou seus dois filhos e esposo, encama-
dcs na Europa, e a levou para vê-los. Estavam os três bem.
Depois de algum tempo, ela pediu para ser transferida para a
Colônia, na espiritualidade, onde estavam seus entes queridos.
Estando bem melhor e com planos para reencarnar, porque só
assim esqueceria tanto sofrimento, foi transferida. Despedi-me
dela desejando-lhe boa sorte.
Mas ainda faltavam oito obsessores. Sete receberam orien-
tação e ajuda, nas reuniões seguintes. Com cada um deles,
uma história triste. Desses onze que obsediavam Joana, com
desejo de vingança, dez foram socorridos e só um pediu para
trabalhar no Plano Espiritual. Os demais pediram para reencar-
nar, pois queriam a misericórdia do esquecimento. E todos foram
atendidos.
Contudo o chefe dos dez obsessores, de nome Josef, era


124 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHn

um judeu rude que, ao ver os três primeiros se afastarem, vol-
tou-se furioso contra meu pai, que, como sempre acontece,
sentiu-lhe a vibração e tentou, também, orientá-lo.
Artur soube que o grupo tinha seu núcleo na Europa e foi
lá, para conversar com eles. Eram vingadores dos criminosos
de guerra, que se intitulavam: "Os Ofendidos da Guerra". Cons-
tituíam-se em vários grupos, todos unidos entre si. Artur pediu
uma audiência com o chefe, um judeu de muitos conhecimen-
tos.
Após cumprimentos, Artur começou o diálogo. E nos con-
tou, depois, que o chefe tinha total conhecimento do que
acontecia com seus subordinados, junto a Joana, e não deixou
que ele, Artur, falasse muito. Citava com exatidão pedaços do
Antio Testamento. Sabia a Biblia quase que de cor Falava de
muitas passagens para justificar a vingança.
"É olho por olho, dente por dente!" - falou demonstrando
calma.
Artur replicou com os ensinamentos de Jesus. Ele disse
não acreditar num profeta que se deixou matar. Mas, após al-
guns minutos de conversa, confessou que reconhecia a força e
a presteza dos trabalhadores de Jesus. Artur lhe pediu, então,
que parasse com as vinganças; ele riu, se aquietou por momen-
tos, e falou decidido:
"Não é nosso interesse o confronto com ninguém. Temos
tempo. Vou suspender a vingança dele por enquanto. Chamarei
Josef, o único que ficou, e que é o mais decidido em seus
objetivos. Só faço um aviso: teremos outra oportunidade. O
mais difícil já conseguimos, pois sabemos onde ele está, que se
esconde num corpo de mulher quase negra. É castigo para ele,
orgulhoso de sua raça, ter sido loiro e rico, agora quase pobre,
mulher, mulata e flha adotiva. Acharemos outros que o odei-
am. Ele certamente não fcará para sempre na guarda de vocês,
porque não mudou sua conduta."
De fato, Josef foi embora e Joana ficou livre dos seus ob-
sessores, não porém de seus erros. Meu pai chamou-a e a seus
pais também, para uma conversa.
- Vocês vieram à procura de ajuda espiritual e a recebe-


O VÔO DA GAIVOTA 125

ram. Analisem o ocorrido e tirem boas lições de tudo o que lhes
aconteceu. Esses fatos são, em parte, conseqüência do passado
e o resultado da maneira de viver sem esforço para a melhoria
íntima. Você, Joana, está com sua sensibilidade completamen-
te aflorada, isto quer dizer que você tem a porta aberta para
receber influência do mundo astral, sem, entretanto, agora,
poder discipliná-la. Só terá influência e sintonia com espíritos
bons, por meio de boas atitudes e de bons propósitos. E ficará
ligada aos maus, se descuidar do seu aprimoramento espiritu-
al. Se você se afastar do Bem, da oração sincera, e não se
esforçar para mudar para melhor, não nos responsabilizaremos
pelos acontecimentos futuros. Afastando-se também da ajuda,
tudo que passou mais facilmente se repetirá.

Joana não estava preocupada com o aprimoramento espi-
ritual. Queria era força e poder. Dominar. Mas indagou a meu
pai.
- Sr. José Carlos, posso aprender com o senhor.

- Claro que pode. Deve!

- Vou ter essa força que o senhor tem?

- Poderá ter esta e muito mais. Mas, para isso, deve pri-
meiramente educar-se na boa conduta e fazer por merecer a
companhia dos trabalhadores desencamados que convivem co-
nosco. Mude para melhor e queira com vontade fazer o Bem,
porque agindo assim aprenderá e muito.

Joana não respondeu. Sentindo-se melhor, afastou-se do
Centro. Sua mãe ainda voltou outras vezes, mas também fez o
mesmo. Artur me disse:
- Patrícia, nesse socorro, ajudamos mais os desencarna-
dos que essa jovem. Ela, agora, não quer mais saber de seu pai
e, quando o vê de longe, se afasta para nem cumprimentá-lo. A
figura dele a faz recordar os ensinamentos que escutou, e que
ela quer esquecer.
- Como ficará ela? - indaguei.

-Vamos aguardar. Os erros, Patrícia, não conseguimos jogá-
los fora, porque nos pertencem, e um dia a reação virá. Quando
o grupo de vingadores perceber que ela não está mais sob a
proteção dos bons, voltará, talvez, como tenho visto em casos


126 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHn

assim, com mais sutileza e cautela. Ela, nâo vindo aqui e nem
recebendo outro auxílio, não estará vinculada a uma proteção
e, como não faz por merecer nenhuma ajuda, será fácil eles
voltarem e se vingarem. Ele, ao desencarnar como médico
nazista, foi socorrido, no Umbral, livrando-se daqueles que que-
riam dele se vingar, sendo levado na ocasião para um Posto de
Socorro e logo em seguida reencarnou. Socorro não quer dizer
que o indivíduo tenha mudado, porque, mesmo que receba
orientação, para mudar será necessária uma transformação
interior muito grande.
Fiquei a pensar como a crueldade faz mal ao que a prati-
ca. Quanta imprudência em cometer erros. E a reaçâo desses
atos pedirá reajuste no caminho, mas como Deus é misericordi-
oso sempre dá novas oportunidades.
Ao findar esta narrativa, posso concluir que todos nós, en-
carnados e desencarnados, tivemos um grande ensinamento
com os fatos ocorridos. Que todos nós temos que aprender a
amar, a ser úteis para termos Paz e sermos felizes. E que a
alegria interna virá quando superarmos nossos traumas íntimos
e ajudarmos outros a fazê-lo. Alegria!


A -Iistória de Elisa



Numa das minhas folgas, fui visitar Elisa. Queria rever mi-
nha amiga e tinha muito interesse s uiconcá sado p a
p elo

recuperação de Walter. O des f rá profunda o perispírito do
uso das drogas traumatiza de o arte dos nossos
esse vício atinge boa p
usuário. Atualmente, rporal e levando-
jovens encamados, trazendo-lhes ú tas mazelas. O caso de
os a voltar à espiritualidade com

Walter era de meu particular interesse, pelo socorro de que
participei e pelo muito que apreônlcomro delanp ntro em meu
ara podermos

horário livre, de lazer, coincidin osto muito de
conversar calmamente, trocando idéias, pois g

diálogos edificantes. Elisa esperava-me na portaria do hospital


em que, no momento, trabalhava e onde Walter estava interna-
do. Alegramo-nos quando nos vimos. ir vê-la. Que
- Patrícia - exclamou Elisa feliz -, proramava


bom tê-la conosco! Quero agradecer-lhe. Foi muito atenciosa
conosco. s osta e minha amiga como boa cicerone,
Sorri em re p '
mpanhou-me para conhecer o hospital. 1 próprio para
aco um hospita
Quase todas as Colônias t émóxico. Em algum
as outras

viciados em álcool taba ismo 1 se aradas, em hospita
Colônias, esses doentes ficam em a as p is
tradicionais.
Na Colônia Perseverança, o hospital é separado, grande e
com muitos trabalhadores dedicados que ajudam na recuperaçáo


I 28 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

de desencarnados viciados.'6 Lugar calmo, com muitos jar-
dins, salôes para palestras e encontros; suas principais terapias
sâo o trabalho, a música e o teatro. Suas enfermarias sâo
separadas por alas masculinas e femininas e pelo tipo de vício
que o intemo possui.
Primeiramente, vimos a parte central onde se situam as
salas de orientaçôes, os alojamentos de seus trabalhadores, a
biblioteca e os salões. Após, Elisa me levou para conhecer o
atendimento aos desencamados que, no corpo físico, foram
fumantes. Estes, se tinham só esse vício, não ficam intemados
,
só vêm ao hospital para serem ajudados a se libertar da vonta-
de de fumar. Só em casos raros é que um ex-fumante se interna,
e isso se pedir, mas, mesmo assim, sempre por pouco tempo. O
tabagismo intoxica bastante o perispírito e, nessa parte, fazem
tratamento para que o assistido se liberte da dependência, sen-
do assim, ele recebe conhecimentos sobre  assunto, orientação
e apoio que o ajudarão a resolver o problema. Mas só o conse-
guirão se, novamente reencarnados e tendo oportunidade, não
fumarem. Ressalvo o termo oportunidade, porque, se estiver
encarnado e, por algum motivo, não puder fumar, não quer
dizer que tenha solucionado a questão. Isso acontece com to-
dos os vícios, e só podemos dizer que os vencemos, quando
temos oportunidade de voltar a eles e os ignoramos.
A ala dos alcoólatras é grande. O álcool danifica o cérebro,
e o aparelho digestivo, sendo muitos os doentes a se recuperar
em vários estágios nessa parte do hospital. Os intemos, quando
melhoram, assistem a muitas aulas, fazem terapia de grupo e
avaliam todos os acontecimentos passados por eles, decorren-
tes do vício, e apreciam as oportunidades de melhora oferecidas.
A parte que nos interessava, era a que Elisa se dedicava
com todo carinho, a ala dos toxicômanos. Infelizmente esse
local do hospital e os de todas as Colônias têm sido ultimamen-
te ampliadas. São muitos os imprudentes que desencamam

16 - Muitos desencarnados estão tão agarrados à matéria, que se sentem
por muito tempo como encamados, daí a minha referência a "desencar-
nados viciados". (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 129

vítimas, direta ou indiretamente, das drogas. Os que estão ali
socorridos, têm aspecto bem melhor dos que os que vagam ou
os que estão no Umbral. Nas Colônias, são separados pelo grau
de perturbação em que se encontram e o tratamento normal-
mente é longo, requerendo esforço do internado, e muita
dedicação e amor dos trabalhadores.

Não pensem os leitores que nesses hospitais só se vêem
tristezas. Nada disso. Tristeza é sentimento negativo. Nâo ajuda
e para nada serve, pois só construímos e progredimos com o
trabalho alegre. Os trabalhadores dali tinham sempre no rosto
o sorriso bondoso e agradável, a palavra amiga e o amor que
irradiava e contaminava os internos e, assim, os temporaria-
mente abrigados se sentiam seguros, incentivados, amados, e
com disposição para se recuperarem.

O hospital da Colônia Perseverança é muito bonito e aco-
lhedor. Elisa me levou à ala onde Walter estava abrigado, e ele
nos esperava no jardim intemo que circunda a parte de sua
morada provisória. Recebeu-nos sorrindo e estava com aparên-
cia sadia, com normal equilíbrio.

- Patrícia - disse sorrindo -, queria tanto conhecê-la e
agradecer. Obrigado!
- De nada - respondi. - Como tem passado?

- Melhoro, graças a Deus e ao pessoal do hospital. Vou
ficar bom logo.
Walter estava com a aparência de adolescente, como apa-
rentava naquela reunião do Centro Espírita. E continuaria assim
porque queria essa aparência, a que tinha antes de se drogar.
Isso lhe dava mais confiança. Outros, após o tratamento no
hospital, podem retomar, se quiserem, a aparência de quando
desencarnaram, só que com aspecto sadio.

Sentamos os três num banco e fizemos alguns comentári-
os. Elisa falou alegremente:

- Estou gostando muito de trabalhar neste hospital. Aqui
vim por Walter, mas agora não penso em deixá-lo. Quando
Walter tiver alta, fcarei, de vez que já decidi e obtive autoriza-
ção. Estudarei, para aprender e melhor servir neste campo de
ajuda. E você, Patrícia, quais são seus planos para o futuro.


130 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

- Como você sabe, gosto muito de ensinar. Logo, Marcela
,
a quem substituo, retomará a seus afazeres. Devo, então, voltar
à Colônia Casa do Saber, continuar os estudos e trabalhar trans-
mitindo meus conhecimentos a outros desencamados."
Admirei o banco em que nos sentávamos, muito bonito e
de contornos diferentes. Notando, Walter explicou:
- Esses bancos são feitos por intemos em nossas oficinas.
- O trabalho é de grande ajuda e uma das melhores terapi-
as para nossos abrigados - disse Elisa, olhando carinhosamente
para Walter. - Mas não só para eles e, sim, para todos nós
,
encarnados e desencarnados. O trabalho é bênção. Corpos e
mentes ociosos estão com as portas abertas aos vícios, enquan-
to que o trabalho nos mantém ocupados e nos abre outras
portas opostas a eles. Aqui em nossas oficinas se faz muita
coisa.

No Plano Espiritual, tudo pode ou poderia ser plasmado.
Mas os que sabem dar formas às coisas são poucos, pois neces-
sita-se de tempo e de muito aprendizado para a tarefa. O trabalho
é uma bênção que ajuda intensamente a todos nós e, na espiri-
tualidade, representa importante benefício, existindo trabalho
,
do mais simples ao mais difícil, para todos os que quiserem.
Inúmeros desencamados ainda estão muito apegados ao modo
de vida na Terra e, assim, quando trabalham, Ihes é dado o
bônus-hora. Os que já superaram esse apego, entendem o por-
quê do trabalho e não mais necessitam esse tipo de
remuneração. Pessoas que já trabalham sem esse apego, quan-
do chegam ao Plano Espiritual, participam da vida aqui,
exercendo suas tarefas pelo Amor ao trabalho, nâo exigindo
nada em troca. No hospital, os intemos que ali auxiliam, rece-
17 - A Colônia Casa do Saber, que descrevi no terceiro livro, A Casa do
Escritor, é onde moro atualmente, ao escrever este livro. E tenho planos
de ficar aqui por muito tempo, sendo que virei raramente à Terra, para o
contato com os encarnados. Foi uma opção que 6z, atendendo convite de
superiores. É tarefa que faço com muita alegria, porque somos sempre os
beneficiados pelas responsabilidades que nos oferecem. Devemos, pois,
participar de todas elas com muito regozijo e amor, e dessa forma tudo o
que realizarmos ficará bem feito. (N.A.E.)


O VÔO DA GAIVOTA 131

bem os bônus-hora, mas são poucos os trabalhadores que ser-
vem no hospital e que os recebem. Há muito tempo que não os
necessito, mas lembro-me de minha alegria, quando obtive
meu primeiro bônus-hora. Foi uma euforia trabalhar e ter uma
compensação. Agora, minha alegria é somente ser útil. Não
almejo recompensas.
Quietamo-nos por alguns segundos. Meus pensamentos va-
garam pela trajetória vivida por pessoas como Walter. Suas
existências, até serem socorridos, são uma verdadeira tragédia.
Elisa quebrou o silêncio.
- Patrícia, você não pode imaginar o tanto que sonhei, por
todos estes anos de desencamada, com este momento. Estar
assim com meu Walter, em plena recuperação. Sou muito grata
a Deus por esta oportunidade.

Fechou os olhos por momentos e depois começou a falar
com sua voz suave.
- Tudo começou em nossas encarnações anteriores, em
que fomos unidos pelo afeto maternal. Fui mãe dele, meu nome
era Gertrudes. Nasci e cresci num bordel de uma cidade peque-
na, onde me tomei prostituta logo mocinha. Aos vinte anos, tive
um filho, José, que é o Walter de agora. Até os seis anos, minha
avó, que morava perto, cuidou dele. Quando ela desencamou,
ele veio morar comigo. Mimei-o demais, dando-lhe tudo o que
queria e, muitas vezes, eu justificava minhas atitudes, falando
que isso era bom para ele. Menino ainda, começou a tomar
bebidas alcoólicas, e achei linda sua atitude.

O tempo passou rápido e ele tomou-se moço, foi então que
percebi que ele andava se embriagando demais e tentei fazê-lo
parar, só que não consegui. Quando chamava sua atençáo, me
respondia grosseiramente:

"Bebo por você ser o que é. Gostaria de ter uma mãe
trabalhadeira e honesta!"

Isto me feria muito. E ele se embriagava cada vez mais,
até que passou a ficar quase que somente bêbado. Desencarna-
mos quase que na mesma época. Fiquei doente e desencarnei
após muito sofrimento. Ele ficou pelo bordel, onde todos o co-
nheciam e lhe davam de comer, além de bebidas. Desencarnou


132 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

ao cair de uma ponte alta e bater a cabeça nas pedras. Sofre-
mos, vagando juntos, pelo Umbral. Ele, sempre me culpando,
dizia:

"Se tivesse me batido na primeira vez que bebi e não
achado graça, eu não teria me tomado um bêbado."

Depois de muitos sofrimentos, fomos auxiliados e levados
para um Posto de Socorro, onde ficamos por um período. Acon-
selhados a reencarnar, pedimos para renascer em famílias de
i'.'. costumes rigorosos que nos ajudassem a superar nossos vícios.


,,.
Atenderam-nos e reencarnamos, e viemos somente como co-
nhecidos, nem amizade tivemos.
A família que me abrigou, educou-me com costumes rígi-
dos, o que achava certo, pois me sentia segura. Queria acertar,
queria vencer o vício e consegui. Fui uma moça honesta e
trabalhadeira e, por ser bonita, fui assediada por muitos rapa-
zes, mas não dei impo-tância a nenhum. Não desejava namorar,
pois sentia que ia desencamar logo e não queria deixar nin-
guém mais a sofrer por minha causa. E, realmente, tive câncer
i e desencarnei. Meus pais e meus irmãos sentiram bastante

minha falta, mas não me atrapalharam e muito me ajudaram
com suas preces. O resto você já sabe.
Walter prestou muita atenção no que ouvia e, após uma

i
pausa, disse:

j
- Ao ouvir Elisa falar, as cenas vieram-me à memória.


ì
Recordo... Era pequeno e já gostava de bebidas alcoólicas, e
como minha mãe não proibia, passei a tomar muito, prejudi-
cando-me. Gostava do bordel, porque ali todos me tratavam
bem. Depois me tomei tão dependente do álcool, que só ficava
embriagado e, assim, quando desencamei, sofri muito. Reen-
carnado, nesta última vez, como Walter, tive outra oportunidade,
mas logo o gosto pela bebida aflorou forte em mim. Bebia
escondido, porque meus pais me proibiam e, como a bebida
deixava cheiro, dificultava-me dissimular. Eles me vigiavam,
regulavam meus horários e, percebendo minha tendência para
a bebida, cheiravam minha boca sempre que voltava para casa.
Então, enturmei-me com colegas na escola e experimentei a
maconha e, depois de algum tempo, a cocaína. Comecei a tirar


O VÔO DA GAIVOTA 133

notas baixas, sendo ainda aprovado naquele ano, mas no ano
seguinte, em que já me viciara pesado, as notas pioraram e
meu comportamento estava péssimo. Meus pais foram chama-
dos pela diretora e souberam de tudo. Levei uma surra,
tiraram-me da escola e passaram a me vigiar mais ainda. De-
sesperado com a falta da droga, fugi de casa e fui morar com
viciados e traficantes num barraco. Meus familiares sofreram
muito e meu pai, que era o mais rígido, mandou me dizer que
ele ainda me aceitava em casa, se largasse o tóxico. Se quises-
se ficar entre os criminosos, que os esquecesse, porque eu
estava morto para eles. Como queria a droga, fiquei naquela
vida. Minha mãe vinha me visitar, às escondidas, e trazia rou-
pas, alimentos e dinheiro, mas chorava sempre quando me via.
Continuei me drogando cada vez mais...

Ao recordar esses momentos dolorosos, Walter começou a
gaguejar, falando com dificuldade as últimas frases. Começou a
ter uma crise. Elisa e eu lhe demos um passe, que o acalmou,
provocando-lhe sono e nós o levamos para o leito na enferma-
ria. Elisa, então, terminou a narração do que aconteceu com
Walter.
- Ele contraiu dívidas por causa das drogas e, como não
conseguiu pagá-las, foi assassinado. Desencarnou e continuou
desesperado, alucinado pelas drogas, quando procurou o Túnel
Negro. Naquele local eles ensinavam os desencarnados vicia-
dos a vampirizar encarnados para satisfazerem o vício e,
também, o hipnotismo de Natan os fazia sentir como se tives-
sem usando drogas.
Nós ajeitamos Walter no leito e ele, sonolento, virou-se
para mim e disse:
- Elisa não é culpada! Ninguém é responsável pelos nossos
erros a não ser nós mesmos. Se antes eu a acusava, foi na
tentativa de culpar alguém, de colocar em outros a responsabi-
lidade que era só minha. Nesta última encarnação tive pais que
se importaram comigo, honestos, exemplificaram o Bem e não
tive a quem culpar a não ser a sorte, sendo que nossa sorte nos
mesmos é que a fazemos. Não venci meu vício!

- Mas vencerá! - exclamei.


134 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

Walter dormiu.
- Como o tóxico prejudica a tantos imprudentes - disse
Elisa. - Walter fará o tratamento muito tempo ainda, e só estará
bem quando lembrar-se de tudo o que Ihe aconteceu e não
sentir nada. Ele tem aula de Evangelização, faz oraçôes, tem
terapia e acompanhamento psicológico. E também, Patrícia
,
como foi boa a regressão para Walter, a doutrinação que ele
recebeu, na reuniâo Espírita.
Elisa ajeitou o lençol do leito dele com carinho de mãe e
,
em seguida, saímos silenciosas do quarto.


O Võo da Caivota.




Elisa me acompanhou até outro jardim, que fica na frente
do hospital. É um recanto mais bonito, cheio de flores coloridas
e palmeiras frondosas. Ali muitos internos passeiam em horário
de lazer, por ser um lugar agradável. Minha amiga convidou-me
para sentar e falou:
- Patrícia, tenho, na espiritualidade, trabalhado em muitos
lugares, entrando em contato com muitos trabalhadores e so-
corridos. Aprendi que aquele que ajuda, trabalha, está se
exercitando no bem para que, pelo hábito, possa ter melhor
disposição na conquista de sua evolução.
No meu convívio com você e com os integrantes do Centro
Espírita, percebi que pode haver diferença. Quando Walter e eu
estávamos sendo amparados, em nenhum momento me senti
necessitada, como aquela que estava sendo ajudada. Pelo con-
trário, todos da equipe realizaram o socorro como se estivessem
fazendo algo para eles mesmos, com naturalidade e atitudes
rotineiras. E eles não estavam lidando com desencamados per-
turbados comuns, mas sim com espíritos trevosos e um mago
maléfico ou um satanás, se assim podem-se designar Natan e
sua equipe. Você pode me explicar o estado espiritual daqueles
trabalhadores?
- Elisa, quase todos aqueles espíritos atingiram o chamado
autoconhecimento e, aqueles que nâo o atingiram, estâo se
esforçando para tal. Nâo necessitam de estímulos externos,
para fazerem o que fazem, nem pagamento ou recompensas


136 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

de qualquer espécie. Sabem que são pequenos, espiritualmen-
te, conhecem todos os meandros da personalidade, com todas
suas misérias, conflitos, condicionamentos, ilusôes, e a nossa
peculiar ignorância quanto à verdade daquilo que realmente
somos. Não estâo estacionados, vivem plenamente a onipre-
sença Divina, e se sentem unos com ela, porque vivem como
parte integrante do Universo. E, assim, trabalham, responsabili-
zando-se com tudo, como se a casa fosse deles.
Tudo o que fazem é por amor à vida, que está presente
tanto neles como em qualquer manifestação Divina, daí a natu-
ralidade e desprendimento que você sentiu em seu convívio.
- Patrícia, posso chamá-la de Gaivota?
Com meu consentimento, Elisa continuou:
- Então, Gaivota, como me explica o socorro prestado a
mim. Ajuda? Trabalho? Bem realizado?
- Por que rne chama de Gaivota? - perguntei.
- Gaivota é um pássaro muito bonito - respondeu ela -,
quase todo clarinho, elegante e de voar preciso. Depois sempre
deixa sinal de seus pezinhos na areia, mostrando que passou
por ali. Deixa marcas. E você deixou marcas em nossas vidas
,
na minha e na de Walter.
Agradeci, sorrindo e, após pensar uns momentos, respondi
que sabemos porque escutamos, repetidamente, o que deverí-
amos colocar em prática em nosso dia-a-dia.
- Ajudar é favorecer, facilitar, fazer alguma coisa a alguém,
prestar auxílio. É necessário esquecermos de nós mesmos quan-
do ajudamos a alguàm. E quando ajudamos alguém a melhorar,
melhoramos o mundo em que vivemos. Temos o dever de
auxiliar, do melhor modo possível, aqueles que surgem no nos-
so caminho.
Trabalho é aplicaçâo na atividade, por isso devemos traba-
lhar por amor ao trabalho, não para cobrar pelos seus resultados.
Com nosso exemplo nas tarefas úteis, podemos fazer outros nos
seguirem, embora cada um deva fazer o que lhe compete, sem
medo, tentando aprender cada vez mais. O amor precisa estar
presente em tudo o que fazemos, porque nos torna mais efici-
entes. E assim trabalharemos com alegria e gratidão, realizando


O VÔO DA GAIVOTA

bem as pequenas tarefas, quando demonstraremos ser dignos
das randes. Ao ajudar o próximo descobriremos o caminho da
fratemidade e do amor. O que fazemos no presente, nos mos-
trará o ue realizaremos no futuro. Sobre esse assunto, é muito
interes ánte ler O Giuro dos Espiritos, de Allan Kardec, Parte
Terceira, capítulo III, "Da Lei do Trabalho".

O Bem é praticado com Amor, pois ao fazê-lo nos torna-
mos melhores e estamos colaborando para melhorar a
humanidade. É preciso fazer o Bem, expandindo os ensinamen-
tos de Jesus, lembrando a todos sua doutrina de Amor. Mas sem
confundir sentimentalismo com Amor, que deve ser benéfico e
nos impulsionar na evolução. O Amor nos ajuda a vencer os
obstáculos do caminho, e é o único capaz de nos redimir e nos
levar ao progresso. Os resultados do Bem praticado só a Deus
pertencem. Esqueçamos de créditos, nas tarefas da bondade,
de vez que somos os primeiros beneficiados. O Bem nos ali-
menta? Sim, alimenta a todos nós e nos fortalece, levando-nos
ao aprendizado do Amor.

Fiz uma pausa, o assunto é fascinante, embora tenha mui-
ara colocá-lo
to que aprender ainda sobre esse é tos e minha amiga
plenamente em prática. Pensei por mo ç

aguardou ansiosa que eu retornasse às elucida ões. q

- Elisa vamos mudar o enfoque de sua pergunta. Por ue

motivo alguém faz alguma coisa a outra pessoa? Mesmo sendo
crente, de alguma seita ou religião, ou mesmo descrente? Qual
o motivo ue leva um ato a ter resultado bom ou mau? Será
sem
pre necessário existir algum motivo para se praticar algu-
ma a ão? Observemos as diferentes motivaçôes que envolvem
ç . Que motivo leva o
as ações da maioria dos seres humanos p
avarento a trabalhar tanto e a explorar, quase sem re, seus
semelhantes? O egoísmo, certamente. Que motivo leva o la-
. Que motivo
drão a agredir e roubar suas vítimasteinadá eligiões, para
leva a maioria dos seguidores de de

deixar de fazer o que gosta e somente obedecer os outros. Nâo
elo anseio de ter posse de uma situação sem problemas,
P á egoísmo? S
será ? Isso também não ser
mesmo que seja no Além s se a dos homens,
ao fazermos algo esperarmos recompensa, )

seja de Deus, estaremos agindo com egoísmo, embora dessa


138 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

forma ajudemos muito outras pessoas e a nós mesmos, porque
quem faz o bem trilha o caminho para se libertar desse senti-
mento, que é o egoísmo. O Bem sempre beneficia, enquanto a
maldade prejudica. O dia em que não mais agirmos negativa-
mente, estejamos encamados ou desencarnados, haverá Paz e
Harmonia na Terra, pois todos iremos fazer o que deve ser feito.
Não haverá mais exploraçôes nem comparaçôes, pois isso é a
causa de muitos conflitos, dores, sofrimentos e angústias na
convivência dos seres humanos. Cada um de nós estará feliz
com a vida que tem e fará todo esforço para melhorar seu
trabalho físico e seu aprimoramento espiritual. O desejo de
posse, seja qual for, desaparecerá e teremos equilíbrio e
Paz.
Você, Elisa, me perguntou o que concluo da experiência
que tivemos juntas. Prefiro dizer que foi um período agradável
em que aprendi muito e que poderei passar a outros a ex eri-
ência. P
Fazer o Bem estando desencarnado é muito mais fácil,
pois podemos trabalhar horas seguidas em determinada tarefa
,
seja no Plano Espiritual, até mesmo no Umbral, ou entre os
encarnados, e, ao terminá-la, ou vencendo nosso horário de
trabalho, temos o equilíbrio das Casas de Socorro, do nosso
cantinho nas Colônias ou dos nossos Abrigos. Nós nos recompo-
mos rápido. E os encarnados? Eles têm seus afazeres físicos
,
têm a preocupação com a sua manutenção e de sua família.
Têm o corpo para cuidar, higienizar, conservar sadio e, quando
não, tentar sanar suas deficiências físicas. São muitos, Elisa, os
encarnados que fazem o Bem apesar de todas essas dificulda-
des e, embora alguns ainda o façam por recompensa, um dia
se libertarão dessa conduta. Outros, e são inúmeros, fazem-no
por Amor, tendo como recompensa o prazer de servir. Como
admiro os que fazem o Bem! E esse fazer deve ser no presente
,
agora, no momento. Não deixe, você, agora encarnado, p
ara
fazê-lo depois. No Plano Espiritual certamente terá oportunida-
de, mas é aí no corpo físico que se tem o grande aprendizado
do bem. E ele deve ser feito sem se cultuarem nomes famosos


O VÔO DA GAIVOTA 139

de desencarnados. Há muita sabedoria em praticar o bem com
Amor e simplicidade.
Terminei minha explanaçâo, trocamos ainda alguns co-
mentários sobre o hospital. Elisa tinha que voltar ao trabalho, e
nos despedimos com um abraço fratemo.
- Patrícia, tudo o que aconteceu ficará gravado na minha
memória - disse ela com simplicidade.
Deixei o hospital, a Colônia Perseverança. Ainda estava no
meu horário livre, a aula que eu daria só começaria mais tarde
e, então, fui ver meus pais, que passavam uns dias no litoral,
para descansar.
Não estava totalmente satisfeita com a resposta que dera a
Elisa. Meditei sobre o assunto. Veio-me à mente a questão 642
de O Livro dos Espiritos, Parte Terceira, capítulo I, cuja resposta
é: "É preciso fazer o Bem no limite de suas forças, porque cada
um responderá por todo mal que tiver ocorrióo, por causa do
Bem que deixou de fazer."'s Aí está a grande responsabilidade
de nâo se aproveitar o momento.
Menina e adolescente, estudei num colégio católico e gos-
tava muito de uma frase escrita no altar da capela: "liolontá di
Dio - Paradiso mio."'9 Compreendi-a assim: "Fazer a vontade
de Deus é minha alegria." Qual é a vontade de Deus em rela-
ção a nós? Penso que é que cresçamos rumo ao progresso, que
sejamos bons, que compreendamos, amemos uns aos outros, e
que façamos todo o bem possível ao próximo e a nós mesmos
pelo trabalho e Amor. Quanta fé possuía quem pronunciou essa
frase e que exemplo nos deixou de resignação, ânimo e cora-
gem.
Também sobre o assunto, lembrei-me de um ensinamento
de Jesus, contido no Evangelho de Lucas, XVII:7-10, quando o
Mestre Nazareno nos ensina que o senhor não fica devendo
obrigações ao servo, que fez o que ele mandou, e conclui dizendo:


18 - Citação tirada da tradução de Salvador Gentile, revisão de Elias Barbo-
sa-IDE. (N.A.E.)
19 - Copiamos na íntegra esta frase, é assim que está grafada em uma das
paredes de sua pitoresca Capela. [N.A.E.)


140 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

"Somos servos inúteis; fizemos o que deveríamos fazer". Que
temos que fazer? Seguir os mandamentos? Viver com dignidade
e honradez? Não fazer o mal? Acredito que sim. E se não fizer-
mos? Não seremos considerados nem servos. E para sermos
servos úteis? Além de fazer o que nos compete, não praticar o
mal, seguir os mandamentos, fazendo mais, muito mais. Traba-
lhar com Amor ultrapassando nossas obrigações, para o nosso
bem, para o bem do próximo e, mais ainda, nada esperar em
troca.
Encontrei meus pais caminhando na praia. A tarde quente
de verão estava maravilhosa. É sempre encantador ver o mar
com seu verde-azulado e com suas ondas a se desfazerem na
areia. Caminhavam eles tranqüilos desfrutando a calma do lo-
cal. Aproximei-me. Amo-os tanto! Querendo obter mais
informações sobre este assunto interessante, perguntei a meu
pai, porque sua opinião foi, é e será sempre muito importante
para mim.
"Como é, papai" - disse-lhe de mente para mente -, "o que
me diz sobre um trabalho realizado, o fazer o Bem, o porquê de
o fazermos..."
Papai pensou e acompanhei seus pensamentos.
"Jesus em certa ocasião disse: O Pai age até hoje, eu tam-
bém ajo. A vida é ação. Na natureza física tudo o que entra no
estado de letargia apodrece e se desintegra. Semelhante é a
nossa mente, que, se não for usada, petrifica e embrutece. Se
canalizada para o mal, embora nâo regrida, produz dores e
dívidas para si mesmo, pois quem prejudica se imanta ao pre-
judicado. E aí viverá, no ambiente que construiu agredindo a
tudo e a todos. O homem sábio, conhecendo as implicaçôes da
ação, caminha em sintonia com a natureza que, de momento
em momento, aperfeiçoa sua manifestação. Faz das suas ações
a razão de sua vida e, ao agir beneficamente, sente participar
com Deus do seu perpétuo agir.
Não há vida sem relacionamento, e é no aprimoramento
das relações que construímos, que está um novo céu e uma
nova Terra.
Portanto, uma tarefa realizada que resulta no bem de


O VÔO DA GAIVOTA 141

alguém não deve ser olhada como uma ajuda, tampouco como


,
trabalho, muito menos para aquisição de crédito junto do bene-
ficiado ou de Deus, mas sim como o próprio exercício de viver.
Pois, se Deus age, eu também preciso agir.

Jesus disse muitas vezes: Eu e o Pai somos um, só que Ele

é maior que eu.
Quando chegarmos a compreender que o universo é nossa
família, tudo o que venhamos a fazer, é para nós que estaremos
fazendo ois tanto a casa como a família é nossa. Cuidemos de

' p , quando encamados, sem espe-
nossa casa e de nossa família

rar que alguém nos elogie por algo que é nossa obrigação
Fazer dessa forma é como compreendo e como procuro fazer.

"Papai! Mas muitos encarnados não zelam bem por suas
casas e nem cuidam bem de seus filhos".

"Fazer só a obrigação nâo dá merecimento, nem crédito, e
nem deve ser alvo de elogios. Mas, se nâo cumprios as obri-
a ões, somos devedores, pois não realizamos o que era de
nó sa responsabilidade. Quando ultrapassarmos o tempo e o
espaço, não mais existindo em nós créditos e débitos, iremos
fazer todo o Bem pelo simples prazer de comungar com a vida
pelo profundo Amor a todas as manifestações Divinas.

Viver a certeza da onipresença de Deus é diferente do
chamado crer, ou de ter fé. Aqui residem dois opostos; o crer é
volutivo, incerto, mutável de acordo com a emoçâo do momen-
to e o viver na onipresença é sólido. Vamos exemplificar em
nossa família consangüínea: Pai e filha é parentesco, nâo é
crença, é um fato de que não há dúvida. Vivemos plenamente o
fato do vínculo que nos une aos parentes mais próximos. Da
mesma forma, como viver na onipresença de Deus não é um
ato de momento, ou atitude de crença, é a visão plena e total

ue estou em Deus e Ele está plenamente em mim. Portan-
q empre
de foi Dele. Mas,
to, o que é Dele é meu e o que é meu s Ele eu recaria-
apesar de não existir separaçâo entre mim e , P
mente existo, só Deus é plenitude total."

O horário me chamava ao regresso. Beijei-os. Volitei a al-
guns metros do solo e olhei-os. À sua frente estava uma gaivota


142 PATRÍCIA / VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO

que, ao sentir a proximidade deles, voou tranqüila, ganhando
com seu vôo, espetacular altura, deixando desenhados na areia
seus pezinhos...
Meus pais se afastaram e suas pegadas ficaram...
Há pessoas que passam pela vida e deixam marcas...



tllt





Se você gostou deste livro o que acha de fazer com que outras pessoas
venham a conhecê-lo também? Poderia comentá-lo com as pessoas do seu
relacionamento, dar de presente à alguém que você sinta estar precisando
ou até mesmo emprestar àquele que não tenha condições de comprar. O
importante é a diwlgação da boa leitura, principalmente a literatura Espíri-
ta. Entre nessa corrente!


VIOLETAS NA MN S ÉSCtl T0R tor
JANECA ESpItIItOS A casa do Escn

Primeiro livro da - é um local fas-
Agorajá ambienta

série, onde ajovem da à nova ` vida, cinante onde se re-
autora, que desen- patrícia nos leva, únemtodosaqueles
carnou com apenas através dos cursos 9ue de uma forma
1 g anos, conta co- ou de outra traba-
mo isso ocorreu e 9ue realiza, conhe- lham com literatura
sua adaptação no cer e entenderPvá- moralizante, princi-
Mundo Espiritual. ria is egás como lo Palmente a literatu-
Você irá apreciar o tua , ra Espírita. Lá, o es-
relato, descrevendo n á b postos deoSo- parl tex órs ná s mé-
as descobertas do
outro lado da vida. corros e outras lo- diuns, aprende tam-
Como é o dia-a-dia calidades. Muitos bém técnicas de re-
temas são transmi- dação. Patrícia ain-
do espírito, como se 1 dos, da arruma tempo
vestem suas ne- tidos e ana isa

cessidades físicas, sempre com a sau- para contar o seu
. V ocê irá se dável curiosidade passado, uma boni-
etc que é a p
encantar com este eculiari- ta história de final
livro. dade da autora. romântico.

Todos psicografados pela médium

Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho

s livr
os da Patrícia já
são best sellers


RECONCIlIAÃO
Fascinante, comoven-
te e esclarecedora
narrativa, um livro
que agrada a todos.
Sua trama envolven-
te, começa com um
duplo assassinato, o
pai matando a golpes
de faca, sua esposa e
seu filho. Mas após
todo este drama, o lei-
tor viverá uma pro-
funda lição de amor,
solidariedade, abne-
gação e ternura num
relato maravilhosa-
mente comovente,
você irá se apaixonar
por ele!

coPos cvE
ANDAM
Um livro que em fun-
ção do próprio tema,
todos devem ler e di-
vulgar, pois aborda os
perigos de invocar
espíritos por meio de
objetos tais como:
copos, pêndulos, etc.
Muitas são as histó-
rias que entremeiam
a narrativa, destacan-
do a da garota Nely
que é induzida pe-
los espíritos inferio-
res, a matar o pró-
prio pai e suicidar-se
posteriormente.

FIHO ADOTIVO
Além de exaltar a ca-
ridade e a grandeza de
pais que conseõuem
amar filhos alheios,
este livro traz uma
trama muito envol-
vente, enfocando dois
irmãos, que, sem o sa-
berem, namoram e
pretendem se casar.
Mas, a intervenção da
mãe,já falecida, alia-
da a espíritos amigos
tentam de todos os
meios evitar o matri-
mônio, trazendo a
cada página, gratas
surpresas, fazendo
deste livro, excelente
leitura e sahoroso
aprendizado.

PAlCO DAS ENCARNAÕES
Eis uma história realmente interessante. Au·-
gusto, é o personagem principal de duas en-
carnações diferentes, uma como filho de dono
de engenho e senhor de escravo e depois como
negro, escravo no mesmo engenho. Você irá
, se emocionar com suas tentativas de ajudar seus
entes queridos. A luta num tempo em que a lei
era do mais forte!

Livros de Antônio Carlos
Psicografados pela médium
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho




Olá, bons amigos:

                  Livros de Vera Lúcia M. de Carvalho anexados. Desta vez é o Vôo da  Gaivota.


 

Muita paz!

 

Bezerra

http://bezerralivroseoutros.blogspot.com/


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Seja bem vindo ao Clube do e-livro
 
Não esqueça de mandar seus links para lista .
Boas Leituras e obrigado por participar do nosso grupo.
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Conheça nosso grupo Cotidiano:
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Muitos arquivos e filmes.
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