Ele
voltar
RICKY MEDEIROS
Ano 2015. O autor diz que esta história é
uma ficção. Eu tenho minhas dúvidas.
Conforme prometera há dois mil anos, Ele
reencarna no Brasil, como Antônio Almeida, pa-
ra falar claro e sem mistérios de velhas verdades
que os homens não aprenderam até hoje.
Mestre iluminado, utiliza-se dos modernos
recursos da comunicação para ensinar que
temos o poder de escolha e somos responsáveis
pelo nosso destino. Dá lições de fraternidade,
mostra a perfeição do universo, fala com
sabedoria.
Elevada com seus conceitos, me pergunto:
esta história seria premonição? Difícil respon-
der. Mas sinto que tudo poderá acontecer exata-
mente assim quando Ele voltar.
ZIBIA GASPARETTO
I
ISEN 85-85872-65-9
9 788585 87265
9788585872656
RICKY MEDEIROS
Antes mesmo do lan-
çamento de A Passagem,
Ricky Medeiros já havia
começado a escrever
Quando Ele Voltar.
Meste seu mais recen-
te livro, Ricky nos transmi-
te uma mensagem de oti-
mismo, fé e esperança,
combatendo nosso medo
em relação às grandes mu-
danças que ocorrerão na
vibração terrestre durante
o novo milênio.
A inspiração para esta
obra veio mais uma vez de
seu irmão Joe e de outros
mentores espirituais, que
enviaram esta mensagem
para que, Quando Ele Vol-
tar, todos nós estejamos
prontos para ouvir suas
palavras.
Ricky Medeiros nasceu
em Scranton, Pensilvânia
(EUA), e vive no Brasil,
onde trabalha no SBT.
RICKY MEDEIROS
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EDITORA e GRÁFICA
VIDA & CONSCIÊNCIA
Sumário
Uma História Antes do Livro.........................11
Introdução........................................15
Uma Viagem no Astral..............................19
O Começo do Fim..................................29
Longe das Câmeras, Perto da Luz......................43
Masterson Dá as Ordens.............................53
Hanley e as Fitas...................................63
Não Tenham Medo.................................69
A Caçada Começa..................................79
Uma Visão do Inferno...............................87
Atrás da Verdade...................................95
Almeida, Aborto e uma Palavra sobre Adão e Eva........101
Os Falsos Profetas..................................111
Vida e Morte.....................................117
As Fitas Estão Prontas..............................135
Fita Um...................................•.....143
Fita Dois.........................................155
Fita Três.........................................161
O Ultimo Sonho de Masterson.......................169
Mary Faz um Relatório..............................173
Hanley Faz uma Viagem.......... ..................187
O Anúncio.......................................191
O Último Encontro................................199
Reação..........................................205
A Entrevista Ouvida pelo Mundo.....................215
O Confronto..................•...................223
Dedicatória
Depois do sucesso de A Passagem, descobri um monte de no-
vos amigos. Mas gostaria de dedicar este livro a alguns velhos ami-
gos. Nos Estados Unidos, temos uma expressão que vou tentar
traduzir: "Faça sempre novos amigos, mas conserve os antigos; os
novos são de prata, porém os antigos são de ouro". Assim, quero
citar aqui os meus velhos amigos de ouro, que, espero, permane-
cerão perto de mim por muito tempo: Verão (Everálvio de Jesus),
Fernando Pellegio e Makarrão (Angelo Ribeiro).
Há muitos outros, claro, mas faço questão de destacar estes
nomes, e eles sabem por quê. A vida, como todos nós sabemos,
é sempre cheia de surpresas, algumas agradáveis e outras nem
tanto. Estes três amigos sempre foram surpresas muito agradáveis
para mim.
Queria também dedicar este livro à minha esposa Sônia, que
continua me agüentando, e às minhas filhas Juliana e Fernanda.
E, claro, ao meu irmão Joe Medeiros. Infelizmente ele teve de pas-
sar para o outro lado para que a minha atenção fosse despertada para
as coisas que o espírito podia nos ensinar nesta vibração terrestre.
Finalmente, dedico este livro a todos que leram A Passagem.
Vocês deram a maior realização de minha vida. Obrigado.
Uma pequena história antes do livro
"Reconheça que sua imaginação, seu pensamento e seu senso percep
tivo são canas maduras que as crianças cortam e fingem ser cavali-
nhos. Negue seus desejos e vontades, e um cavalo de verdade apare-
cerá sob você."
Jalaluddin Rumi, místico islâmico
"Um homem age conforme os desejos aos quais ele se apega. Após a mor
te, ele vai para o mundo seguinte levando em sua mente as impressões
sutis de suas ações. E, depois de colher o que plantou, ele retoma no-
vamente a esse mundo de ação. Assim, aquele que tem desejos conti-
nua sujeito à reencarnação."
Sukla Yajur Veda, Brihaàaranyaka Upansihad4A-6
"E todo o que tiver deixado casas, ou irmãos, ou irmãs, ou pai, ou mãe,
ou filhos, ou terras, por amor do meu nome, receberá cem vezes tan-
to, e herdará a vida etema."
Mateus 19:29
Você que leu A Passagem sabe que escrevo com a ajuda de meu
irmão Joe Medeiros. Ele passou para a vida espiritual quando ti-
nha doze anos de idade, há mais de trinta anos. Em A Passagem,
eu contei uma história real, que aconteceu alguns meses após sua
morte. Ele escreveu uma mensagem na parede da casa de meus pais
em Syracuse, Nova York. As palavras, escritas com giz de cera
preto, diziam:
EU AMO MINHA MÃE, EU AMO MEU PAI. NÃO FIQUEM
TRISTES E NÃO CHOREM POR MIM.
A mensagem terminava com o desenho de um enorme cora-
ção, dentro do qual estava escrito "JOE".
Vou contar uma outra história também verdadeira que acon-
teceu poucas semanas depois.
Eram mais ou menos sete da noite. Não lembro a data, mas
tenho certeza de que era um dia de semana. Minha mãe me cha-
mou de seu quarto para que eu ajustasse a imagem da televisão.
Ela estava deitada quando entrei e em seu colo havia três páginas
de uma carta.
Nós conversávamos enquanto eu mexia no aparelho. Ela dis-
se que a carta era para uma amiga que vivia no Brasil, contando
como tinha sido o funeral de meu irmão.
Finalmente, com a imagem da TV ajustada, deixei o quarto.
Alguns minutos se passaram e ela chamou novamente. "O que
será que ela quer agora?", perguntei a mim mesmo.
Quando cheguei a seu quarto, ela me perguntou sobre a car-
ta. Respondi irritado que não fazia a menor idéia do que ela esta-
va falando. Minha mãe reclamou que a carta estava na cama quan-
do eu entrei no quarto para mexer na TV, e agora havia sumido.
Eu respondi que tinha visto a carta em seu colo quando consertei
a televisão.
Minha mãe era e ainda é meio desligada. Algumas vezes ela
se esquece de onde guarda cheques, certidões de nascimento e
outros objetos importantes. (Uma vez ela perdeu cinco mil dóla-
res em dinheiro. Ainda hoje evitamos tocar nesse assunto, que vi-
rou uma espécie de tabu.)
Ela estava muito aborrecida, repetindo que a carta era sobre
o funeral de meu irmão e ela não queria escrever sobre isso de
novo. Cheguei perto da cama e pedi-lhe que se levantasse. Tirei
a colcha, com a certeza de que iria encontrar a carta.
Nada.
Tirei o cobertor. Nada.
Tirei os lençóis. Nada.
Olhei embaixo dos travesseiros. Nada.
Ela me olhou com aquele seu olhar aéreo, sem saber se era cul-
pada ou não.
— A carta estava aí agora há pouco — disse ela, apontando
para a cama. — Você mesmo viu. Não brinque comigo!
Minha mãe sabia que seus filhos brincavam com ela por cau-
sa de seu notório "desligamento". (Tenho de admitir que às vezes
brincávamos mesmo, mas dessa vez era sério.)
Eu me ajoelhei e enfiei a mão debaixo da cama. Tinha cer-
teza de que encontraria a carta lá. Tateando, senti alguma coisa
quente. Eu a peguei e a puxei para fora: era a carta.
Mas a carta não era mais uma carta. As páginas estavam amas-
sadas e torcidas em um nó. Minha mãe ficou assustada. Ela que-
ria saber como aquilo podia ter acontecido. Olhei para seu rosto,
e pela sua expressão eu sabia que não era obra de seu desligamen-
to. Isso era outra coisa.
Decidimos então telefonar para Margaret Tice, que era mé-
dium e pastora do centro espírita em Syracuse. Ao telefone, mi-
nha mãe, com a carta amassada nas mãos, explicou o que havia
acontecido.
— Preciso lhe fazer uma pergunta — disse a médium. — O
que estava escrito na carta?
Minha mãe respondeu que a carta era para uma amiga no
Brasil e descrevia o funeral de Joe.
— Não foi uma carta fácil de escrever — ela acrescentou.
A Sra. Tice disse que tinha sido Joe quem dera o nó. Ele le-
vou a carta desta dimensão para a dele. Essa teria sido a razão de
a carta estar quente quando a encontrei debaixo da cama.
— Por que ele faria isso? — escutei minha mãe perguntar.
— Ele está mandando uma mensagem. Está pedindo para
você não pensar nele com tristeza e dor. Lembra o que ele escre-
veu na parede? — disse ela, referindo-se ao incidente ocorrido se-
manas antes. — "Não fiquem tristes e não chorem por mim."
A Sra. Tice explicou que, enquanto minha mãe escrevia a car-
ta, ficava pensando em Joe de uma forma negativa, de uma forma
que o prendia aqui.
— Ele está pedindo para ser liberado. Quando pensa nele
com tristeza e dor, você o chama e o traz de volta. Ele tem mui-
tas coisas para fazer. Ele tem seu próprio caminho para seguir. Li-
bere-o, assim ele poderá evoluir e completar a missão para a qual
seu espírito foi criado.
Este livro pretende trazer a você a mesma mensagem que Joe
trouxe à nossa família: libertação.
Mas a libertação a que este livro se refere é mais difícil do que
se desprender de um ser amado que morreu. O desprendimento des-
te livro é sobre a nossa libertação; libertação de nossos egos, de
nossas vaidades e de nossas crenças. Leia cuidadosamente as três
diferentes citações do início do capítulo. As três, de diferentes re-
ligiões, falam sobre desprendimento. Assim falará também este
livro. Assim falou meu irmão Joe.
A Terra está sendo preparada para uma Nova Era, e nós pre-
cisamos nos preparar também. Comece a ler este livro desprenden-
do-se de seus dogmas, de suas crenças e de seus apegos. Espero
que, quando você chegar ao fim, nós tenhamos começado o difí-
cil processo de desligamento.
Introdução
"Estai preparados vós também, porque o Filho do Homem chegará na
hora em que menos pensais."
Lucas 12:40
"Para a salvação dos corretos e a destruição dos maléficos e para firmar
a Lei, eu renasço, era após era."
BhagavadGita, 4:8
O milênio está pegando mal. As pessoas estão enlouquecen-
do, procurando sinais do fim do mundo. Estão esperando que
montanhas desabem, que os oceanos inundem a Terra e que bo-
las de fogo caiam do céu. Aí, para finalizar, algum lunático cha-
mado de anticristo chega (supostamente de algum país obscuro do
Oriente Médio, onde nem a CNN tem filial) para comandar as le-
giões das trevas. Ele destruirá tudo e todo aquele que estiver em
seu caminho. E, quando todo o caos, destruição e confusão tive-
rem acabado, Jesus aparece, comandando os exércitos de luz. Ele
então levará com ele os sobreviventes desse Armagedom para a
Terra Prometida.
Por outro lado, temos os cientistas sociais, escritores de livros
e roteiristas de filmes que prevêem um futuro frio e estéril, no
qual os seres humanos serão pouco mais que uma peça insignifi-
cante de uma enorme máquina universal.
Me poupe!
Há e haverá mudanças na esfera terrestre. Mas essa transfor-
mações não são nada mais, nada menos que as conseqüências da
evolução acontecendo na Terra. As mudanças que virão, as cha-
madas mudanças da Nova Era, serão físicas e espirituais. E se as
montanhas desabarem, se os oceanos ferverem e as bolas de fogo
realmente caírem do céu? O que quer que aconteça, não será por
acidente, não será por acaso. O que quer que aconteça, aconte-
cerá a todos nós.
Este livro é sobre um mensageiro que vem da mesma faixa ilu-
minada de Jesus. Esse mensageiro entrará na faixa terrestre para
nos ajudar a nos prepararmos para as mudanças que virão.
O que seria se tal mensageiro aparecesse hoje, agora, neste exa-
to momento? O que aconteceria se ele chegasse sem a fanfarra, sem
o oba-oba e os fogos de artifício que o pessoal do Apocalipse pre-
viu? O que aconteceria se ele aparecesse como apareceu da últi-
ma vez, um homem comum, pregando uma mensagem de amor,
compaixão e salvação?
Um mensageiro de luz encarnou há dois mil anos. Seu nome
era Jesus. Mas a Terra era diferente naquela época. Jesus viveu e
pregou numa pequenina região do mundo, e as pessoas que ele en-
sinou eram simples e humildes.
Não havia televisão, rádio, jornais ou Internet para transmi-
tir em segundos para todo o mundo o seu rosto e as suas palavras.
Ele falou com centenas de pessoas em pequenas vilas e cidades,
não simultaneamente para milhões espalhados no planeta. Ele
pregava com parábolas longas, não em entrevistas de trinta segun-
dos feitas para os telejornais do século XXI. Há dois mil anos, ele
bateu de frente com superstições, ignorância, interesses políticos
e religiosos da época.
Hoje ele também iria bater de frente com superstições, into-
lerância, muitos interesses políticos e religiosos, e estaria dispu-
tando nossa atenção com a MTV, cento e cinqüenta canais de te-
levisão e a HBO.
Quando Jesus andou na Terra, falou em uma só língua para
uma única cultura e para uma única sociedade. Hoje, existem inú-
meras culturas, subculturas e até sociedades dentro de sociedades.
A aldeia global de hoje é muito mais complexa que aquele peque-
no vilarejo da Galileia.
O que diria esse mensageiro da faixa crística ao nosso mun-
do do século XXI? O que ele diria para este mundo materialista e
dividido? Ele usaria aquelas difíceis parábolas de dois mil anos
atrás? E, o mais importante, como nós o aceitaríamos? Compreen-
deríamos sua mensagem simples de amor, de redenção pessoal e
de salvação? Nós o abraçaríamos como sendo a luz da felicidade
ou o apedrejaríamos como se fosse um louco, um fanático ou um
revolucionário? Em outras palavras, será que faríamos hoje o mes-
mo que fizemos a ele dois mil anos atrás?
Este é um livro inspirado. Eu o escrevi com a ajuda de espí-
ritos iluminados que estão me usando para trazer para a vibração
terrestre uma mensagem de esperança, de amor e de conforto.
Eles estão me usando para fazer brilhar uma luz em nosso mundo,
às vezes tão escuro e confuso. Esses espíritos querem dividir conos-
co um pouco de sua luz, para que possamos encontrar nosso pró-
prio caminho para casa. Eles estão me usando para nos ajudar a
nos preparar para as futuras mudanças terrestres. Eu, o chamado
autor, não sou nada mais que um veículo humano através do qual
vêm a sabedoria e a verdade que esses espíritos têm para oferecer.
Neste livro, ele voltou. Ele encarnou nesta aldeia global a
qual chamamos Terra. Ele vive, anda e ensina. A mensagem que
trouxe é a mesma de dois mil anos atrás, mas ainda assim ela será
ouvida sem os filtros dos tempos, com preconceitos e interesses.
E claro que as situações descritas neste livro são fictícias. O
enredo é meramente uma invenção dramática, usada para entre-
ter e explicar. Mas essa é a única ficção; o resto é tão verdadeiro
quanto a vida que você está vivendo.'
Por favor, leia este livro com uma mente aberta, para que a
luz que meus amigos espirituais oferecem possa enchê-lo de espe-
rança, de verdade e de felicidade. Este é o desejo deles, assim
como é também o meu, quando começamos juntos nossa jorna-
da para casa. Porque, quando Jesus realmente reaparecer, trará
junto todos os homens e todas as mulheres desta Terra, e a nacio-
nalidade, a religião e a raça não terão a menor importância. Ele
não virá em razão de um culto, de uma seita ou de uma nação; o
mensageiro da luz e do amor virá para restaurar a fé em Deus e em
nós mesmos.
Capítulo l
Segunda-feira, uma data qualquer, anq^2015^
UMA VIAGEM NO ASTRAL
". .derramarei o meu Espírito sobre toda a carne; vossos filhos e vossas
filhas profetizarão, os vossos anciãos terão sonhos, os vossos mance-
bos terão visões; e também sobre os servos e sobre as servas naqueles
dias derramarei o meu Espírito. E mostrarei prodígios no céu e na ter-
ra, sangue e fogo, e colunas de fumaça."
Joel 2:28-30
"Ele é o nunca-criado criador de tudo. Ele conhece tudo. Ele é pura cons-
ciência, o criador do tempo, todo-poderoso, onisciente. Ele é o Senhor
da alma, da natureza e das três condições da natureza. Dele vem a
transmigração da vida, a liberação, a servidão do tempo e a liberdade
na eternidade."
Krishna Yajur Veda, Svetasvatara Upanishads 6.16
No bairro mais pobre da cidade mais rica do mundo, um pa-
dre ajoelha-se ao pé da cama. Com o terço na mão ele olha para
um crucifixo simples de madeira pendurado sobre a cama.
O padre Jean é um estranho na América. Nos últimos vinte
anos ele foi confessor, amigo e confidente dos milhares de pobres
e esquecidos da cidade de Nova York, pessoas cujos antepassados
foram arrancados de suas raízes africanas e se tornaram escravos.
O padre vive com eles na pobreza e no esquecimento. Ele é pas-
tor da Igreja Católica Apostólica Romana de São Paulo, no Har-
lem, em Nova York. E ele, como os ancestrais dos paroquianos, tam-
bém veio da África.
Ajoelhado em seu quarto modesto e pouco mobiliado, o pa-
dre negro agradeceu a Deus pelo dia que terminara, pediu perdão
por suas falhas e procurou sabedoria para o dia de amanhã. Aci-
ma de tudo, ele pediu uma orientação. O padre procurava uma luz
que iluminasse sua alma confusa.
Ele estava sendo atormentado por visões e vozes que assom-
bravam seus dias e suas noites. No início elas eram suaves e sutis,
meros sussurros sem forma e sombras vistas do canto do olho. Mas,
com o passar dos meses, os sussurros tomaram forma e a luz saiu
das sombras.
Anjos sem asas falavam, dizendo que havia chegado o momen-
to de preparar o mundo.
— Ele está na Terra — insistiam as entidades da luz. — E
você pode ajudá-lo.
No começo Jean pensou que estav enlouqueçendo. No en-
tanto, havia uma urgência e uma realidade nas mensagens, con-
vencendo-o de que ele não estava tendo alucinações. As mensa-
gens eram verdadeiras. As visões e as vozes eram reais. Ele tinha
certeza.
Mas ele estava com medo. A igreja franzia o cenho para vi-
sões e vozes. Por alguma razão, a igreja achava que revelações e
profecias só cabiam no Velho Testamento.
O padre rememorou seus dias de seminário na Africa e os
cursos especiais sobre crenças nativas.
Na África, diziam que os curandeiros eram possuídos por
espíritos. Os curandeiros adoravam e reverenciavam as entidades
espirituais. Ás vezes, por meio de encantos e magias, invocavam
essas divindades para intervir em assuntos terrestres.
Os professores do seminário ensinaram-lhe que os curandei-
ros não tinham contato nenhum com o além, eles eram apenas ví-
timas de suas próprias alucinações. Os padres diziam que as cren-
ças tribais não eram nada mais quesitos pagãos, cujos praticantes
brincavam com as forças negras de Satanás.
O jovem padre às vezes questionava essa contradição óbvia:
seria alucinação ou o demônio?
No entanto, para ele isso era irrelevante. O padre era devo-
tado a Jesus e acreditava que Cristo era o verdadeiro salvador da
humanidade.
Agora, em dois mil e quinze, separado de sua terra natal
por vinte anos e por um grande oceano, o padre negro chamou
seu salvador.
_Em nome de seu filho Jesus — implorava ele a Deus —,
mande-me a graça para entender. Mostre que o que vejo e o que
ouço vêm de você. Prove para mim que as vozes e as visões per
tencem à luz e não à escuridão. Mande um sinal mostrando que
o que ouço em meus sonhos e o que vejo quando estou acordado
é verdadeiro e é sagrado. Eu preciso ter certeza.
Por meses Jean sonhou com um homem que ele conhecia
como Jesus. Ess homem disse ao padre que ele estava vivo e es-
tava vivendo na Terra. Nesses sonhos a voz dizia:
— Todos vão entender o que tenho para falar. Mas apenas
aqueles que estiverem prontos vão aceitar o que falo. Como na úl-
tima vez, jogarei sementes ao vento, e elas irão pegar apenas onde
o solo estiver pronto. Você pode ajudar a preparar o solo; eu que-
ro explicar o que ficou mal entendido. É o momento: dois mil
anos já se foram.
Todas as noites nos últimos seis meses o padre rezava pelo si-
nal. Ele precisava saber se não estava sendo enganado pelo seu pró-
prio ego ou por legiões das trevas.
"Não vou anunciar um anticristo e não serei vítima de meu pró-
prio orgulho", refletiu. "Se devo espalhar essa mensagem, Deus,
preciso saber que ela é de você."
Jean raramente rezava para si mesmo. Aos quinze anos, en-
trou para o seminário porque sabia que Deus o havia chamado
para viver sua vida como Jesus viveu.
Aos vinte e dois anos, ele dividiu com seu rebanho a alegria,
a paz e a harmonia que encontrou em Jesus. Por meio de canções,
danças e risos, o padre levou a seus paroquianos um Jesus que não
era um pedaço de gesso afixado numa cruz, mas um espírito vivo
que fazia parte de suas vidas. Ele viajou por todo o continente
africano, dizendo a milhões de pessoas que Jesus estava vivo em
todos e em cada um deles.
"Jesus era o filho de Deus. Nós também somos. Nós somos um
com Ele, e através Dele somos um com Deus e um com o outro",
era como ele terminava suas missas.
No Harlem, aos quarenta e cinco anos, ele era amado por
seus paroquianos. Ajudava-os a enxergar além da rotina maçan-
te de suas vidas e além do rancor de ser pobre numa nação rica.
Por isso, a igreja de São Paulo ficava lotada todos os domingos com
pessoas que procuravam sua alegria, seu conselho e sua amizade.
Agora ele estava sendo chamado por forças desconhecidas
para preparar o caminho para um Jesus que não vivia somente
dentro de nós. Agora ele vivia também entre nós.
Quando Jean foi para a cama, ficou esperando ansiosamente
pelo sonho daquela noite. Ele limpou a mente e colocou de lado
seus medos, dúvidas e desejos. Esvaziou e rendeu sua alma a Deus.
O padre não sabia, mas estava prestes a viajar para o mundo as-
tral, o mundo dos espíritos.
Se você estivesse naquele pequeno quarto e se seus sentidos pu-
dessem sintonizar as vibrações elevadas, veria o espírito de Jean
sincronizado com as mais desligando
se vagarosamente de seu corpo adormecido, permanecendo ligado
apenas por um cordão fino de prata brilhante. Você veria o espírito
to de Jean flutuar suavemente para cima. E ao seu redor você veria
anjos e guias espirituais da mais pura luz protegendo-o nessa viagem.
Essa era uma experiência inédita, mas ele permaneceu cons-
ciente durante cada etapa da viagem espiritual. Olhando para
baixo, viu o cordão que ligava seu espírito flutuante ao corpo
adormecido pulsar com energia. Ao seu lado, via os anjos que o
guiavam cada vez mais alto ao destino final.
Durante o trajeto, uma voz calma, vinda de algum lugar, pe-
dia-lhe para relaxar:
— Jean, acredite em nós e em você mesmo. Estamos levan-
do-o a um lugar especial, a uma vibração da mais intensa luz e ver-
dade. Chegou a hora de você conhecer sua missão. Há trabalho
pela frente, e você precisa estar preparado. Suas perguntas serão
respondidas, não se preocupe. Você está na luz e encontrará o que
está procurando.
Jean, um padre católico negro que veio da África para traba-
lhar nos guetos do Harlem, imediatamente soube que ele não era
apenas isso. Naquele momento ele soube que sempre tinha sido
muito mais. Ele enxergou além dos rótulos, além dos muitos no-
mes e identidades que carregava consigo, em suas várias encarna-
ções na esfera terrestre. Em um breve e divino segundo de cons-
ciência, ele se transformou naquilo que sempre soube que era: um
espírito eterno. A sua volta giravam cores vivas com uma pureza
e uma harmonia que ele nunca vira antes, e por meio dessas vi-
brações caleidoscópicas sentiu a serenidade, a segurança e a har-
monia da criação de Deus.
Jean chegou ao que parecia ser um quarto branco. Mas era um
quarto diferente, sem limites, com infinitas paredes, um teto in
terminável e um chão sem fim. Seus sentidos não podiam assimi-
lar o que estava acontecendo, então ele se rendeu à corrente de
paz que tomou conta de sua alma. Ele estava sozinho naquele
quarto, mas sabia que era um com o Universo. Ele sentia que es-
tava no centro da criação.
De repente, do nada e de lugar nenhum surgiu um homem.
O padre imediatamente percebeu que não era um homem de car-
ne, osso e sangue. Jean estava vendo uma imagem, e era a ima-
gem de seus sonhos.
O homem devia ter uns vinte e tantos anos. Tinha cabelos
escuros e cheios, estava bem bronzeado e tinha mais ou menos um
metro c oitenta de altura. Seu rosto era suave, confortante e se-
reno, os olhos de um azul profundo.
Ele se aproximou de Jean, tomou suas mãos e colocou-as en-
tre as suas. As mãos do homem eram longas e finas. O padre sen-
tiu um poder forte porém doce emanar daquelas mãos. Seu olhar
penetrava profundamente os olhos de Jean. Sem mexer os lábios,
o homem disse:
Oi, Jean. Fico feliz por sua vinda. Eu o conheço desde o
inicio dos tempos, mas acho que esta é a primeira vez que a gen-
^tjg-^gricontra pessoalmente. Nós sempre nos conhecemos. Eu,
você e todos os seres vivos somos um com o Criador e ligados uns
aos outros. Muitos espíritos da vibração terrestre se esqueceram
desta ligação. Mas não tem problema: essa é uma das razões por
que voltei.
Petrificado, o padre ouvia atentamente o que o jovem dizia,
e cada palavra o atingia como um raio.
— Eu voltei para ajudar os espíritos do plano terrestre. Eles
têm medo. Medo da morte e medo da vida. Por causa desses me-
dos, as almas terrestres se esqueceram do que são, construindo
muros à sua volta, e agora não conseguem encontrar a saída. Eu
voltei para trazer a luz.
Jean sabia quem era aquele homem.
Lendo os pensamentos do padre, o jovem disse:
— Desta vez será diferente, mas ao mesmo tempo será a
mesma coisa. Eu não vim para mostrar um caminho novo, mas
sim para ensinaria andar de um jeito novo no caminho velho.
Dois mil anos já se passaram. A Terra e a criação de que ela faz
parte mudaram.
O homem envolveu Jean com sua vibração simples, pura e har-
moniosa. E continuou:
— A Terra está entrando em uma nova era. Os espíritos hu
manos estão confusos. Eles anseiam por novas respostas para ve-
lhas perguntas. Sua dimensão terrestre foi preparada para a minha
volta. Nunca houve tanto interesse pelo invisível e pelo inexpli
cável. Eu darei aos espíritos terrestres as respostas que eles tão de-
sesperadamente procuram. Todos entenderão minhas palavras,
mas apenas aqueles que estiverem prontos irão aceitá-las.
O jovem pousou o braço no ombro de Jean, abaixou o tom
de voz e falou diretamente à alma do padre:
— Muitos foram chamados. Mas, como sempre, poucos retor-
naram minha ligação. Você foi um deles. Há outros. Quando che
gar a hora, eles vão aparecer. Mas você tem uma tarefa difícil pela
frente. — O homem sorriu para Jean e acrescentou: — Você vai
anunciar ao mundo que eu voltei.
Aquelas palavras ecoaram na alma do padre. Ele não podia
acreditar no que estava ouvindo. Olhando para o jovem atlético,
indagou:
— O que eu preciso fazer? Por que eu? Quem vai me ouvir?
Eu não posso fazer isso. Eu não sou ninguém. Dê sua mensagem
para o papa, ele é o líder de sua igreja na Terra. Eu sou apenas o
pastor de uma pobre igreja de negros.
Com um sorriso largo, o jovem respondeu:
— Bem, eu sou igual ao meu Pai. Escrevo direito por linhas
tortas.
Jean esperava uma resposta um pouco mais séria. Com seus olhos
azuis cintilantes, o homem fitou um ponto distante e continuou:
— Eu não tenho religião. Não pertenço a nenhuma seita.
Não assinei contrato de exclusividade com nenhuma igreja ou
templo. Eu pertenço a todos. Eu não sou cristão, judeu, hindu, mu-
çulmano, budista ou pagão. Eu sou tudo e mais um pouco. Minha
verdade está em todos os lugares. Você acha que há uma religião
oficial deste lado da vida? Alguém realmente acredita que existe
uma fé ou uma igreja levando meu selo de aprovação? Neste lado
da vida, religião não significa nada. Aliás, nesta dimensão, reli-
gião nem existe.
— Mas por que eu? — O padre queria uma resposta.
— Como eu disse, muitos foram chamados, poucos respon-
deram. Muitos ouviram minha voz em seus sonhos, mas poucos estavam prontos para ouvi-la_em suas almas. Apenas alguns foram
capazes de deixar de lado suas vaidades e seus egos para ouvir a ver-
dade que trago. Poucos enxergaram além de suas ambições terres-
tres para ver as visões do espírito.
Olhando no fundo da alma do padre, o homem continuou:
— Você, Jean, me vê em todo lugar. Você se lembra do que
eu ensinei? "Abençoados são os pobres de espírito." Você é pobre
de espírito. Seu espírito não flerta com as bobagens e o orgulho
da Terra. Você é abençoado porque seu espírito é pobre de ape-
gos. Seu espírito é pobre de desejo.
— O que você precisa? — perguntou o padre em estado de
choque.
O homem começou a caminhar, fazendo sinal para que o pa-
dre o seguisse. Ele levantou o braço esquerdo, varrendo o branco
infinito que os cercava.
A Terra apareceu. Estava bem longe, uma bola azul solitária
suspensa na escuridão do universo. O padre estava espantado. Ele
e o homem moreno estavam flutuando no espaço, observando o
planeta girar lentamente em seu eixo. Jean esperava avidamente
as próximas palavras do jovem a seu lado.
— Coloque isto em sua cabeça: mudança não é boa nem
ruim. É simplesmente o resultado do que veio antes.
Apontando para a Terra, pediu ao padre que prestasse muita
atenção. De repente, a Terra transformou-se numa tela de cinema
gigantesca, mostrando imagens geradas por um projetor invisível.
Na tela, a história do planeta era contada, começando com
os primeiros grupos tribais ao redor de uma fogueira e passando para
as guerras, triunfos e tragédias da raça humana. Daquele ponto pri-
vilegiado, Jean compreendeu que os triunfos e as tragédias eram
iguais, nem bons nem ruins. Todo acontecimento era uma conseqüência do que veio antes, um círculo contínuo e inquebrável, em
que um evento alimenta outro. A roda do tempo girava e girava,
implacável indestrutível, sempre mudando.
— Na história da dimensão terrestre, nunca houve tantas
mudanças num espaço de tempo tão curto — explicou o jovem.
— No entanto, há coisas_que nunca mudam. Hoje, por exemplo,
as pessoas se comunicam instantaneamente com o outro lado do
mundo, mas em compensação nunca estiveram tão isoladas umas
das outras.
Enquanto ele falava, uma família apareceu na tela da Terra:
pai, filho, filha e mãe. Cada um vivia num mundo particular:
em seu dormitório, o filho surfava pela Internet, a mãe entretinha-se com um filme em seu quarto, o pai assistia a um jogo na
sala e a filha falava ao telefone, cada um em seu próprio mundo,
um isolado do outro.
A narração do homem continuava enquanto a Terra girava.
— Pela primeira vez na história da Terra, o conhecimento é
de fácil acesso. Mas, por outro lado, o homem nunca esteve tão
ignorante.
Jean viu conflitos raciais, crimes de ódio e cenas de fanatis-
mo religioso passando na tela da Terra. O rapaz continuou:
Na esfera terrestre, os humanos estão sempre descobrin
do novas e avançadas tecnologias. Mas os homens são prisioneiros, porque seus espíritos estão acorrentados a seus próprios egos,
Eles transformaram a Terra numa enorme comunidade ligada por
satélites, aviões e comunicação instantânea. Mas eles se debatem
em relação a suas diferenças ao invés de se unirem em torno do
que têm em comum. As pessoas se reúnem em grupos, vendo virtude e justiça apenas em suas próprias necessidades, crenças e de-
sejos. A humanidade construiu uma grande aldeia interligando
milhares de tribos diferentes. Mas o homem se isola um do outro.
Agindo dessa forma, ele corta a ligação com Deus. Por quê? Por-
que todos são espíritos criados pelo Senhor. Sendo assim, todos têm
uma ligação divina um com o outro. Se vocês se isolam entre si,
também se isolam de Deus.
Enquanto a bola azul girava lentamente, o padre viu imagens
de brancos lutando com negros, mulheres brigando com homens
e religiões guerreando entre si. As cenas o faziam lembrar os te-
lejornais terrestres.
A imagem da Terra foi se desvanecendo lentamente. Em seu
lugar reapareceu o quarto branco sem paredes. O jovem de cabelos pretos, com seu braço ainda sobre o ombro do padre, continuou
falando:
— Essas são apenas algumas das razões por que voltei. O ho-
mem está pronto. Seu espírito anseia pela verdade. Devagar ele
está percebendo que suas invenções, seus confortos e suas conquis-
tas terrestres trazem apenas um alívio temporário para seu vazio.
O padre concordou balançando a cabeça enquanto conti-
nuava prestando atenção às palavras do rapaz.
— Todo dia nasce uma nova religião, culto ou seita. Apesar
disso, o espírito humano continua a clamar por respostas. Chegou
a hora, Jean, de ajudar os espíritos terrestres a se religar entre si e,
conseqüentemente, com Deus. Eu os ajudarei a sair das cavernas
de medo que construíram para si mesmos.
O padre caiu de joelhos, inclinou-se para a frente e beijou as
mãos longas e finas do jovem.
— Obrigado, Jesus — foi tudo que o padre conseguiu falar.
O homem respondeu em um tom deliberadamente lento:
— Eu sou quem você pensa que sou. Eu sou Jesus para al-
guns. Buda, Krishna ou Maomé para outros. — O jovem riu e comentou: — Para alguns eu serei até mesmo o próprio demônio.
Como eu disse: eu sou quem você pensa que sou.
— O que você quer que eu faça? — perguntou o padre, ain-
da ajoelhado.
— Nada muito difícil — respondeu ele sorrindo. — Quero di-
zer, você não vai ter que abrir o Mar Vermelho nem transformar
um cajado numa cobra. Essas coisas eram de uma outra época, di-
rigidas para um outro povo. Hollywood pode fazer esses efeitos
especiais muito melhor, então por que competir com Spielberg?
Ele então pôs suas mãos sobre a cabeça do padre e daquelas
mãos fluiu uma energia intensa de pura luz.
De volta à vibração terrestre, Jean dormia enquanto seu
espírito reentrava no corpo. Em algumas horas, por volta das seis da
manhã, o corpo iria acordar. Jean saberia que Deus havia respon-
dido às suas preces. O sinal estava dado.
E um novo dia estava raiando, enquanto a roda do tempo gi-
rava e girava, sem parar, inquebrável, sempre mudando.
Capítulo 2
Segunda-feira, o mesmo dia, ano 2015
O COMEÇO DO FIM
"Eu, que sou a luz, vim ao mundo para que todo aquele que crê em mim
não permaneça nas trevas. E, se alguém ouvir as minhas palavras e
não as guardar, eu não o julgo; pois eu vim, não para julgar o mundo, mas para salvar o mundo."
João 12:46-47
"Eles são para sempre livres, quem renuncia a todos os desejos egoístas
e desprende-se da jaula-ego do "eu", "me" e "meu" para ser unido
com o Senhor. Este é o estado supremo. Consiga isso e passe da mor-
te para a imortalidade."
Bhagavad Gita, 2:71
Quatro pessoas estavam sentadas no escritório impecavel-
mente decorado, uma delas atrás da escrivaninha e as outras três
num sofá grande e confortável de couro. Todos olhavam para uma
TV de trinta e seis polegadas, ouvindo um pregador. Suas palavras
enchiam a sala e o homem atrás da escrivaninha olhava freqüen-
temente para os três enquanto o vídeo passava. Ele notou que, se-
guindo suas instruções, eles estavam prestando muita atenção ao
que o pregador dizia na TV.
— Estou aqui esta noite para responder às suas perguntas —
dizia a voz da televisão. — Mas antes de começar há uma coisa
que quero dizer. O Reino de Deus não vem através de mim. Tampouco de outra pessoa. O Reino de Deus está dentro de vocês e
só vocês podem encontrá-lo. A felicidade, o contentamento, a
paz que Deus prometeu não vêm de fora, vêm de dentro. As pes-
soas que prometem que Deus prometeu não podem entregar a mer-
cadoria. Nem eu posso. Eu posso mostrar, ajudar e ensinar, mas
só vocês podem decidir se a minha verdade é a sua verdade, se o
meu_caminho é o seu caminho. 0 que é correto para um pode
não ser para o outro. Não há um caminho certo, como também
não há nenhuma religião certa. Então, tomem cuidado quando
ouvirem alguém pregando que seu caminho é o único caminho
para a felicidade, a salvação e a iluminação. Eu estou lhes dizendo há vários caminhos e nenhum é mais certo ou mais sagrado
que outro.
O pregador parou e olhou para seu público. Havia quase du-
zentas pessoas enfiadas na sala onde o encontro estava acontecen-
do. Constatando que não havia perguntas ou dúvidas, ele conti-
nuou seu sermão.
— Todo mundo nasce com o livre-arbítrio. Em outras pa-
lavras, todos têm o poder da escolha, que é um grande presente
divino. Mas, ao mesmo tempo, esse poder é um grande desafio, porque através da escolha vocês podem cortar os ciclos repetitivos de
nascimento, morte, renascimento, morte e renascimento. Porém,
para isso acontecer, vocês têm que entender que suas ações e es-
colhas têm conseqüências. E vocês sentirão os resultados de suas
ações tanto nesta encarnação quanto nas próximas.
As mais ou menos duzentas pes"soas espremidas dentro da pe-
quena sala do humilde barraco de madeira prestavam muita atenção ao jovem pregador de cabelos negros. A câmera escondida
gravando o encontro captou seus rostos e o profundo interesse
dedicado àquele jovem.
— Eu sou um mensageiro. Eu sou um exemplo. Eu sou uma
luz iluminando um dos muitos caminhos. Se você escolher o meu caminho, ande por ele com todo o seu coração. Não porque sua
esposa, esposo ou amigo está querendo. Ande porque este é o ca-
minho certo para você. Há diferentes verdades e diferentes caminhos. Use o livre-arbítrio dado por Deus, para escolher o caminho
certo para você.
O microfone da câmera escondida captou o suave murmúrio
do público. Até aquele momento, ninguém havia interrompido o
discurso com perguntas ou comentários.
O pregador parou e sorriu. Depois de uma pequena pausa,
sua voz suave e serena continuou a envolver as duas salas: a do
barraco em que ele se encontrava e a do escritório onde ele era
visto por videoteipe. Os que assistiam do escritório estavam gru-
dados à tela da televisão e os que se encontravam no barraco es-
tavam deslumbrados pela sua presença.
— A verdade é uma coisa engraçada. Cada um tem a sua —
ele começou. — Há dois mil anos foi dito: "A menos que se nasça da água e do Espírito, não se poderá entrar no Reino de Deus.
Aquele que nasce da carne é carne, e aquele que nasce do espíri-
to é espírito".
— Bom, isso é verdade. Mas cada pessoa que lê essas palavras
vê uma verdade diferente. Alguns querem afogar você na água! Eu
pergunto: o que isso tem a ver com o Reino de Deus? Outros querem que vocês nasçam de novo em Cristo, mas Cristo nunca falou
nada disso. O que ele disse foi: vocês têm que renascer da água e do
Espírito. Então, vocês estão vendo: verdades diferentes para pessoas
diferentes. Mas a verdade é uma só. Nosso espírito tem realmente
que nascer de novo, e de novo e de novo, até que, como a água,
ele esteja limpo de seu próprio ego, de suas vaidades, preconceitos
e impulsos materiais. Nosso espírito precisa se livrar das vibrações
desta esfera para poder progredir até as vibrações mais elevadas.
Até aquele momento, a câmera estava num plano aberto,
mostrando o pregador, alguns assessores e cerca de duzentas pes-
soas enfiadas na sala superlotada. Neste instante, a poderosa len-
te passou a enquadrar somente o pregador.
— O espírito, a alma, ou seja qual for o nome que vocês queiram dar, precisa nascer várias vezes até acertar. O espírito, que é
parte do Espírito divino, precisa nascer nesta vibração terrestre até
que esteja pronto para progredir no universo.
O rapaz deu uma olhada em sua volta para certificar-se de
que o público estava conseguindo acompanhar seu discurso. Ele
não queria ficar muito adiante deles. Sentindo que todos o estavam entendendo, ele continuou:
— A Terra foi criada milhões de anos atrás e ocupou um lu-
gar no universo. Espíritos afinados com a vibração terrestre encar-
navam em corpos físicos para viver nesta dimensão. E, por milhões
de anos, espíritos têm visitado a escola da lerrã7 primeiro como
homens da Idade da Pedra aprendendo as duras lições oferecidas
por um meio ambiente cruel e perigoso. Aos poucos, eles apren-
deram a se comunicar uns com os outros. Aprenderam também
que precisavam unir-se para sobreviver. Aqueles espíritos apren-
deram a lição da fraternidade e, com o passar do tempo, o homem
começou a procurar as respostas para sua existência. Ele inventou
suas primeiras religiões: deuses do fogo, da água, das florestas e das
montanhas. E mesmo nessas primeiras crenças havia um conceito verdadeiro: o homem era apenas uma parte de um todo maior.
— Mas vocês têm que entender que, embora o espírito humano tenha evoluído, ainda não é perfeito. Vocês carregam as-
sim colmo carregaram nos primeiros dias da Terra, as vibrações
negativas de ciúme, ódio, vaidade e raiva. E às vezes suas ações são
movidas não pelo amor mas pelo ódio; não com harmonia mas com
raiva. Vocês precisam aprender que há conseqüências para seus atos.
Ele olhou em direção à câmera e continuou:
— Vocês não podem lavar essas imperfeições simplesmente
mergulhando num rio. Vocês não podem apagar suas falhas, vai-
dades e delitos atirando-se no chão e dizendo que aceitam Jesus
como seu salvador. Não é tão fácil. Eu gostaria que fosse, mas não
é assim. Sabem por quê? — perguntou, e imediatamente respon-
deu à sua própria pergunta: — Porque não seria justo.
Bob Masterson, o homem sentado atrás da escrivaninha,
apertou um botão do controle remoto, congelando a imagem. O
Banqueiro Bob, como os críticos o chamavam, estudava a imagem
do pregador na TV da mesma forma como um lutador media um
oponente. Na tela congelada via-se um jovem de vinte e poucos
anos, mais ou menos um metro e oitenta de altura, peso médio,
físico atlético, muito bronzeado, rosto alongado e angular, cabelo preto liso.
— Ele é bem o tipinho — bradou Masterson.
Mas sua atenção foi desviada para as mãos do pregador: lon
gas, suaves, quase afeminadas. Aquelas mãos pareciam envolver
a platéia.
Masterson tinha certeza de que o pregador não sabia que es-
tava sendo gravado. A câmera escondida era operada por Emílio
Araújo, chefe do escritório de Masterson em São Paulo, Brasil. Dois
meses antes Araújo enviara a Masterson um dossiê sobre Antônio Almeida, um pregador brasileiro que estava atraindo um público considerável na periferia da cidade. Seguindo seu procedi-
mento habitual para esse tipo de caso, Masterson imediatamente
mandou Araújo seguir Almeida e gravar seus sermões onde quer
que ele fosse.
— Não deixe que ele saiba que você o está gravando. Quero
ver esse cara do jeito que ele é — instruiu Bob ao gerente duran-
te uma ligação internacional.
Mas, apesar das garantias de Araújo, Masterson sentiu que
os olhos azuis do pregador estavam olhando diretamente em sua
direção.
Retomando o controle remoto, o Banqueiro pediu aos seus três
companheiros que prestassem muita atenção ao que viria em se-
guida. A imagem do monitor descongelou e Almeida voltou a fa-
lar. Masterson e os outros continuaram ouvindo.
A câmera escondida continuava focalizada no rosto do jovem.
— Deus não castiga. Ele não julga. Somos nós que nos punimos, porque somos responsáveis pelos nossos atos e suas conseqüên-
cias. Digo isso porque é verdade. É através de nossos pensamen-
tos, ações e desejos que colocamos em movimento as rodas de
nossa própria felicidade ou tristeza. Vou tentar explicar isso da
maneira mais simples possível.
— Todos nós somos espíritos criados pelo Ser Supremo. Ele
nos criou à sua imagem e semelhança.
O pregador de cabelos escuros riu, acrescentando:
— Na Terra, costuma-se conceber Deus como tendo nossa ima-
gem e semelhança. Talvez por isso o imaginemos com cabelos
brancos e uma barba. Mas, vão por mim, ele não é nada disso.
O microfone escondido captou a gargalhada da multidão. O
jovem pregador sorriu e prosseguiu:
— Todos nós viemos da mesma fonte. Somos parte do mes-
mo todo. Somos irmãos e irmãs de verdade. Somos todos unidos
uns aos outros porque todos viemos do mesmo criador. Porém
cada um de nós é diferente e tem que evoluir com Deus e com o
universo que ele criou. É por isso que nascemos nesses corpos ter-
restres. Estamos aqui para aprender as emoções, relacionamentos
e desafios que somente podem ser encontrados na vibracão terrestre. Estamos aqui para experimentar, para aprender, para ter su-
cesso e até mesmo para falhar. Estamos aqui para evoluir. Somos
espíritos, nascidos dentro dessa carcaça chamada de corpo. A vida
nos é concedida para que possamos viver, experimentar e apren-
der. Quando a vida do corpo termina, nosso espírito renasce numa
nova vida, em um novo corpo. E essa nova vida e esse novo cor-
po são moldados com base nas experiências, pensamentos e ações
de nossas vidas passadas. Essa é a lei do universo, a lei natural, a
lei espiritual. Essa lei é chamada de carma, e é através do carma
que atingimos a perfeição. Somos renascidos em carne, porém somos do espírito. Estou apenas explicando a vocês o que foi dito
muitos, muitos anos atrás.
Os assessores de Masterson estavam de olhos grudados à
televisão. Mas Masterson já assistira à fita antes, e sua atenção es-
tava voltada às reações de seus subordinados. A voz do alto-falan-
te da televisão tornou-se enfática e emocionada quando o pregador atingiu seu ponto principal. 4
— Vocês podem voltar para casa hoje à noite e orar até o
amanhecer. Vocês podem chamar Deus de seu Senhor, seu Mes-
tre, seu Pai. Mas, se suas ações e seus pensamentos não estiverem
repletos de amor, compaixão e misericórdia, suas palavras serão vazias. Vocês podem ir a qualquer igreja ou templo gritando améns
até sua garganta doer. Isso não vai valer nada. Não basta dizer "Eu
aceito Cristo como meu Salvador. Perdoe-me de todos os meus pecados". Meu caminho é mais difícil que isso. Não há nenhuma igreja, templo, padre, pastor ou feitiço que mudará sua vida. Você é a
resposta para as suas preces, você é o caminho para a sua própria
salvãção. As respostas estão dentro de você. Eu posso até apontar
o caminho, mas é você quem precisa viajar. I
Mais uma vez, Masterson parou a fita. Ele sorriu para seus
três executivos.
_Se continuar com esse papo, ele não vai ter futuro algum
nesse negócio. Onde já se viu pedir às pessoas que sejam responsáveis por si mesmas?
Os três assessores riram com Masterson. Ele estava sentado
atrás de uma enorme escrivaninha de carvalho estrategicamente
colocada em frente a uma janela panorâmica que lhe permitia ad-
mirar a linda manhã de primavera em Louisville, Kentucky. A
sua direita estava Bill Hanley, o produtor de televisão de Master-
son. Hanley olhava para o fogo ardendo lentamente na lareira de
pedras. Ele notara que o fogo da lareira sempre estava aceso, mes-
mo em conjunto com o ar-condicionado nos dias quentes de ve-
rão. Masterson tinha uma queda para o dramático, e Hanley sabia que era por isso que o Banqueiro Bob era o único evangélico
da televisão que havia durado todos esses anos. O fogo crepitan-
te fazia parte do show de Masterson.
Os olhos de Hanley vagaram ao redor da sala e pousaram ime-
diatamente atrás de Masterson, na parede das celebridades, um pai-
nel de mogno escuro polido à mão em que molduras caríssimas
ornavam fotografias de senadores, presidentes, líderes empresa-
riais e artistas posando com Masterson. Hanley também sabia que,
quando Masterson apertava um botão escondido embaixo da escrivaninha, a parede se abria, escondendo as fotografias e deixando em seu lugar um bar repleto com as mais variadas bebidas.
Agora, os olhos de Hanley pousavam em Masterson. Hanley
se perguntava o que seu chefe havia visto no pregador brasileiro.
Qual era, afinal, o motivo daquela reunião? Seria absurdo, pensou ele, que seu chefe estivesse preocupado com aquele sujeito. Mas-
JE5£5SH> aos cinqüenta e nove anos de idade, estava no auge da
carreira, era o rei dos evangélicos. Ele era o cjono da maior e mais
respeitada organização evangélica do mundo, a CCM, Cruzada
Cristã Mundial. Seu programa O Clube de Cristo cobria quase noventa por cento dos Estados Unidos e logo estaria cobrindo oiten-
ta por cento do planeta.
Phil, o que você acha desse cara?
A voz de Masterson cortou os pensamentos de Hanley. Mas
a pergunta era para Phil Martelli, que, aos sessenta e cinco anos,
era o gênio financeiro da CCM. Masterson valorizava a opinião de
Martelli, que, afinal, ajudara-o trinta anos atrás, encontrando ma-
neiras de comprar e manter no ar uma estação UHF que se tornou
a pedra fundamental da CCM.
Masterson ouvia o que Martelli falava:
— O que você quer dizer com o que acho dele?
Como a maioria dos homens de finanças, Martelli sempre
começava uma resposta com uma pergunta, ganhando tempo para
elaborar sua resposta:
— Tenho visto esses tipos ir e vir. O que há de tão especial
com esse aí? Por falar nisso, qual é seu nome?
Apesar de ter lido o nome em vários lugares, Masterson re-
correu ao relatório que veio com as fitas.
— O nome do garotão é Almeida. Antônio Almeida. Tem vin-
te e nove anos e é de uma família rica de São Paulo. Estudou aqui
nos Estados Unidos, fala português, inglês, espanhol e francês. Pa-
rece que o garoto tem jeito para línguas. O pai traabalha com im-
portação e exportação. Almeida saiu de casa há mais ou menos dois
anos, deixando a mamãe, o papai e a boa vida para trás. Prega nas
periferias, nas casas das pessoas, nas ruas, enfim, onde puder. Vem;
chamando a atenção dos jornais locais, dando algumas entrevistas
tas no rádio e na televisão. Nosso pessoal no Brasil achou que talvez eu ficasse interessado nele também.
— Não entendo — disse Martelli. — Qual é a jogada? Estou
vendo um filhinho Provavelmen-
te, ele deve fumar um baseado e sair procurando o Nirvana. Daqui
qui a alguns anos vai assumir os negócios do pai e dar uma gorje-
ta boa para a empregada no Natal. Aqui hoje, sumido amanhã.
Masterson sorriu, mas não respondeu. Virou-se para outra
pessoa que estava na sala e perguntou sua opinião. Ela era Mary
Fried, que estava na CCM havia apenas cinco anos, trabalhando
no departamento de opinião pública e de tendências sociais ame-
ricanas. Mary era uma especialista em pesquisas, e esse conheci-
mento lhe garantia um lugar no sofá do conselho.
_Bob, os poucos minutos que ouvi até agora lembram mui-
to a filosofia da Nova Era. Só que isso não vai pegar com os pobres do Brasil ou de qualquer outro lugar do mundo. Esse papo de
responsabilidade pessoal não cola com as classes mais baixas e menos instruidas Esse pessoal tem dificuldades até para sobreviver
no dia-a-dia Eles não querem ficar procurando alguma verdade
interior. Pessoas_desse nível preferem que sua religião e seus pregadores sejam simples e diretos: "Diga-mg^oauefazer e o que não
fazer". Isso é o que eu mais ouço em nossos grupos de pesquisa. E
que esse cara está dizendo? "Faça você mesmo." Acho que não
há por que se preocupar com ele — concluiu, enfaticamente.
Masterson avaliou as palavras de Fried. Hanley, vendo Masterson bater seus dedos na escrivaninha, sabia que agora seria sua vez.
— E você, Bill, como avalia esse rapaz?
— Eu não sei — respondeu Hanley. — Sei como esse papo
de responsabilidade pessoal o desagrada: nenhuma aceitação de
Cristo, nenhuma prece, nenhum compromisso. ("Nada de doações..." disse Hanley a si mesmo, mas ele não iria falar isso ao Banqueiro Bob.) Concordo com Phil e Mary. O garoto vai sumir dentro de um ano. O que está pegando?
Masterson não respondeu. Ele apenas apontou para o televi
sor e apertou o botão play do controle remoto. A voz de Almeida
veio através do alto-falante novamente.
— Eu não estou aqui para morrer por seus pecados. Nem
aquele outro veio parãTssõ. — Ele sorriu e acrescentou: — Não
estou aqui para fazer milagres. Eu vi um mágico na televisão fazer
a Estátua da Liberdade desaparecer. Isso é uma coisa difícil de su-
perar, e, se eu fizesse alguma coisa desse tipo, iriam dizer que eu
sou um mágico, um bruxo ou Satanás em pessoa. Hoje em dia as
pessoas ficam nervosas com milagres. Acho que tem a ver com toda
essa onda de milênio.
Almeida riu, e o público também. Ele ergueu a mão pedindo
silêncio e continuou.
Vocês vão ter que decidir por vocês mesmos quem eu sou.
Eu não vim para tomar o lugar dele. Olhem dentro de seus corações. Se vocês sentem que falo a verdade, continuem ouvindo. Se
sentem que não, podem ir embora. Eu não sou sua resposta, achem
seu próprio caminho. E lembrem-se disto: existe apenas uma verdade, mas ela pode ser encontrada em faixas diferentes.
Ninguém saiu da sala. Ele, então, continuou:
— Como eu disse antes, há muitas estradas e muitas escolhas ao longo do caminho. Eu sou apenas uma delas. Uma vez eu
disse: na casa de meu pai há muitas moradias. Se assim não fosse,
por que eu lhes diria que iria preparar um lugar para vocês?
A câmera escondida continuou gravando enquanto o prega-
dor fazia uma pausa para tomar um gole de água. Ele esperou por
eventuais perguntas. Não houve nenhuma, então ele continuou.
— Vou explicar o que isso quer dizer. O universo é a casa do
Pai, e nessa casa há muitos, muitos quartos. A Terra é um quarto
ou uma dimensão dentro da criação divina, é onde vivem os es-
píritos que estão afinados com essa vibração. Mas há muitas, mui-
tas outras faixas de vibração espalhadas no universo.
— Agora vou mostrar uma coisa para vocês.
Almeida levantou a mão esquerda com a palma virada para
o público. Em seguida ele dobrou o braço para baixo, como se es-
tivesse apontando para alguma coisa à esquerda. Depois, com o dedo
indicador de sua mão direita ele tocou o mínimo esquerdo.
— É mais ou menos assim — explicou. — Cada um desses de-
dos é uma faixa, uma dimensão ou uma casa no universo. Cada
quarto tem sua própria razão, sua própria vibração especial.
Depois que o indicador tocou todos os dedos da palma aber-
ta, Almeida disse:
— Mesmo na Terra há diferentes faixas de vibração. Em cada
uma dessas faixas as pessoas vivem, suas vidas fazendo escolhas,
aprendendo e evoluindo. Por que alguns vivem na pobreza, na
doença, na fome, na ignorância e na miséria? Por que alguns têm
sucesso e outros não? A resposta é simples: carma, a cola que une
nossas vidas.
— A razão de nossas vidas terrestres é clara: superar as vontades, desejos e ambições de nossas personalidades. Quando um
espírito consegue isso, ele entra em sintonia com as mais eleva-
das vibrações e com o Criador. Pouco a pouco, durante cada en-
carnação nós vamos desmanchando pedaços desta ilusão terrestre
e evoluimos trocando o peso de nossos egos pela leveza
Enquanto falava sobre a evolução do homem, Almeida apon-
tava para cada dedo, até chegar ao polegar. Então ele disse:
_Q espírito que vocês conhecem como Jesus vem da faixa
mais alta e pura, de onde também vieram Buda, Moisés, Maomé
e Krishna. Ele estão todos iguais, mas são diferentes. Eles são mensageiros da mesma luz, mas suas mensagens eram dirigidas para
diferentes épocas, povos e culturas.
Almeida dobrou o polegar para dentro da palma da mão, de-
pois cobriu o polegar com os outros quatro dedos.
_Como vocês podem ver, a vibração de Jesus existe em to-
das as faixas terrestres. Ele é o mestre desta vibração que vocês cha-
mam de Terra. — Quanta besteira! — resmungou Masterson em voz alta.
Mas ele não parou a fita.
Almeida continuou com a lição:
— Há uma razão para os quartos diferentes e para as faixas di-
ferentes. Há uma razão para tudo, para qualquer circunstância e
situação na Terra e em todo o universo. Há verdade em todas as
religiões, em todas as crenças. E há uma verdade absoluta: todos
os espíritos, portanto todos os seres humanos, são uma parte de um
todo maior. Ninguém foi criado para viver sua vida numa eterna
desgraça, porque ninguém vive só uma vida.
Almeida parou e olhou para as duzentas pessoas atentas às suas
palavras. Ainda com a mão fechada, prosseguiu:
— Imagine o seguinte: você tem dez filhos. Nove estão em
Casa. Mas você está sempre esperando que o décimo chegue. Sua
família não estará completa enquanto aquela criança não chegar.
Para responder a uma pergunta antiga feita milhares de anos atrás:
sim, nós somos os guardiões do nosso irmão. Não poderá haver harmonia, paz ou felicidade na família enquanto aquele décimo filho
não chegar em casa. Todos têm que voltar a ser parte do todo, não
apenas os nove mas o décimo também. Um dia todos nós vamos
nos reunir com nosso criador na harmonia perfeita de sua vibra-
ção. Vocês não foram criados em vão, vocês são uma parte dele.
Mas todos terão que voltar. O inteiro não pode ser inteiro se uma
parte estiver faltando. Mas nenhum espírito poderá ir para uma
vibração se não estiver afinado com ela. Ninguém vai para um quarto mais alto na mansão de nosso Pai se não estiver pronto. Estou
aqui porque a Terra está mudando e porque quero mostrar mais uma
vez que a maldade, as tentações e as vibrações negativas deste
mundo podem ser vencidas.
A câmera e o microfone gravaram a agitação da multidão en-
quanto gritos de "Amém" e "Obrigado, Senhor" eram ouvidos na
sala. Almeida precisou levantar a voz para poder ser ouvido:
— Uma Nova Era chegou. A Terra está mudando, evoluindo.
Eu vim da vibração de Jesus para prepará-los para esta mudança.
Almeida levantou a mão esquerda com seus dedos ainda co-
brindo o polegar e chamou a atenção do público para seu punho
fechado.
— Olhem para minha mão esquerda — ele quase gritou. —
Lembram como mostrei que a vibração de Jesus pode ser encon-
trada e sentida nesta Terra? Isso é verdade. A vibração de Jesus pode
ser encontrada no Vaticano, nas montanhas do Tibete nos rios
da India, nas mesquitas do Islã, nas sinagogas de Israel, e, sim, até
aqui nas favelas do Brasil. Eu posso ajudar vocês a encontrar seu
lugar no universo de nosso Pai.
Antônio Almeida parecia estar olhando diretamente para a
câmera escondida de Bob Masterson quando afirmou:
— Eu sou quem vocês decidem por vo-
cês mesmos. Se acham que sou Jesus, então eu sou. Se acham que
sou uma fraude, um maluco, um anticristo perigoso, então eu sou.
Masterson parou a fita.
— Oh, Deus! — resmungou Phil Martelli. — Eu estava er-
rado. Ele não pensa que é Buda. Ele pensa que é Jesus!
— Um Jesus da Nova Era, com Buda, Maomé e Moisés por
conta — acrescentou Mary Fried com uma gargalhada.
Bob Masterson não riu. Olhando fixamente para os três, ele
perguntou:
— Vocês ainda não entenderam, não é?
Os três assessores se calaram e voltaram-se para Masterson.
_O que você quer dizer? — perguntou Bill Hanley.
Masterson dobrou as mãos em frente ao rosto, como se esti-
vesse rezando. Calmamente ele perguntou:
_Que língua se fala no Brasil?
_Português — respondeu Mary Fried.
_Você fala português, Mary? — perguntou Masterson. — Ou
você, Phil? Bill?
Os três trocaram olhares entre si, mas foi Bill Hanley quem
primeiro entendeu.
— Meu Deus! Nós entendemos cada palavra que ele disse...
— sussurrou ele, num tom de voz quase inaudível.
Masterson olhava para o espaço, mãos ainda dobradas em
prece, enquanto a roda do tempo girava sem parar.
Capítulo 3
Manhã da mesma segunda-feira, ano 2015
LONGE DAS CÂMERAS, PERTO DA LUZ
"Qualquer que receber esta criança em meu nome, a mim me recebe;
e qualquer que me receber a mim, recebe aquele que me enviou; pois
aquele que entre vós todos é o menor, esse é grande."
Lucas 9:48
"Ele está transbordando com a luz de Deus — ele quebrou o cálice do
corpo, ele é Luz Absoluta."
O Caminho Sufi do Amor: Os Ensinamentos Espirituais de Rumi
As câmeras da CCM não podiam estar em todos os lugares ao
mesmo tempo. E, devido às instruções específicas de Masterson, elas
só poderiam gravar Almeida quando estivessem completamente
ocultas. Por esse motivo, Masterson não tinha conhecimento de
tudo que Antônio Almeida fazia. Naquela segunda-feira, enquan-
to o evangélico e seus assessores assistiam ao videoteipe, Antônio
Almeida fazia o que ele mais gostava: atendia pequenos grupos de
pessoas.
Em um pequeno galpão caindo aos pedaços, Antônio Almei-
da recebia toda manhã o que chamava de "casos especiais". Cer-
cado por três ou quatro amigos de confiança, Antônio atendia de cinquenta a cem pessoas por dia, individualmente ou em grupos
não maiores que cinco.
Naquela manhã, Inês Carvalho Prado foi ao galpão. Era a
Primeira vez que ela ia àquela parte da cidade. Levava consigo
Paulo, seu filho de oito anos de idade. Ele era a razão por que ela
estava naquele momento tocando a campainha.
Inês pertencia a uma das mais importantes famílias brasilei-
ras. Seu pai, um empresário rico e de grande influência, era o
dono de um conglomerado de bancos, refinarias, fazendas e indús-
trias. Conhecido, respeitado e temido no Brasil inteiro, ele não
controlava apenas um império econômico; ele também controla-
va pessoas.
Dez anos antes, Inês apaixonara-se pelo filho de um outro
homem rico e famoso. Seu casamento com Ricardo Prado foi o
evento social do ano. As fotos do casamento estiveram em todos
os jornais e revistas nacionais. Nas colunas sociais, sempre há des-
taque para as festas promovidas ou freqüentadas por eles. Ricar-
do e Inês formavam um casal tão adorável que a imprensa os ape-
lidara de "o príncipe e a princesa do Brasil". E, de fato, durante os
dois primeiros anos de casamento, formaram um casal feliz. Até
o nascimento de Paulo.
Paulo nasceu com a síndrome de Down. Com um QI de mais
ou menos 62, ele não era o herdeiro que se esperava para o trono
dos Carvalho Prado. A doença fora diagnosticada quando Paulo
ainda estava no ventre de sua mãe. Ricardo tentou convencê-la
a abortar:
— Essa criança será um peso terrível. E que espécie de vida
poderá ter?
Inês recusou firmemente. Era católica e levava a sério a sua fé.
Depois que o bebê nasceu, Ricardo insistiu para que o menino fosse internado em uma escola especial, onde pudesse ficar
"com gente igual a ele". Inês novamente disse não.
Ê a velha história: o pai rejeita o filho, a mãe protege a crian-
ça, o pai esquece a esposa. E, para piorar, cinco semanas antes o
médico disse a Inês que a criança teria, talvez, apenas três ou qua-
tro anos de vida.
Assim, naquela manhã de segunda-feira, Inês Carvalho Pra-
do achava-se diante de duas portas de aço cinza, a entrada do gal-
pão onde morava Antônio Almeida.
Ela tomou conhecimento do pregador pelos jornais e pela te-
levisão. No começo ela o menosprezou, considerando-o mais um
dos muitos paranormais excêntricos que aparecem todo dia no
país O Brasil é um país místico, e grande parte de sua população,
apesar da forte presença da Igreja Católica, acredita em coisas so-
brenaturais. A opinião inicial de Inês a respeito de Almeida foi
reforçada quando ela passou a ouvir vários comentários de que
ele era a reencarnação de Jesus Cristo.
¦ Mas seu parecer a respeito dele começou a mudar quando, na
semana anterior, ela viu Almeida ser entrevistado num programa
de televisão. Ele não era o louco que ela e a apresentadora do pro-
grama estavam esperando. No começo da entrevista, a apresen-
tadora tinha sido cínica e até mesmo sarcástica. Mas, conforme o
desenrolar da entrevista, a apresentadora e Inês foram mudando
de opinião. Inês ficou particularmente interessada no que Almei-
da tinha a dizer sobre destino.
— Há uma razão e uma verdade para tudo que acontece em
nossas vidas. Há uma razão e uma verdade para tudo que está
acontecendo nesta Terra, neste universo. Há dois mil anos, um pa-
raplégico clamou a Deus: "Por que você me fez assim?" A respos-
ta — disse Almeida à apresentadora, que passara a prestar muita
atenção em todas as suas palavras — ainda é a mesma do que era
naquele tempo. O oleiro tem direito sobre o barro, para fazer da
mesma massa um vaso para decoração e o outro para uso trivial,
não é? Nada é por acaso. Nada é por acidente.
A apresentadora fez um sinal de que estava entendendo, e Al-
meida continuou com sua explicação sobre o destino.
— Todos nós sabemos o que é gravidade. É uma força invisí-
vel que segura a gente na Terra. Há uma outra força também, cha-
mada de carma. Carma é a cola que nos une. Carma é a força que
molda nossas circunstâncias atuais e futuras, é a soma e o resultado de nossas ações, vidas e pensamentos passados.
A apresentadora brincou, dizendo que agora sabia de onde vi-
nha a expressão "carma ruim", mas Almeida interrompeu-a:
Desculpe, mas preciso corrigir o que você acabou de dizer.
Não existe essa coisa de carma ruim ou carma bom. Há, simplesmente carma. Carma não é julgamento, carma é um resultado. Ponto final. Nós aprendamos por meio do carma. É como o povo diz:
Você colhe o que planta. Há justiça nisso, porque você fica sen-
do responsável por suas próprias ações. Não existe essa história de
pecado original, há apenas a conseqüência de seus próprios pen-
samentos, palavras e ações.
Nesta manhã, parada à frente do galpão, Inês Carvalho Pra-
do queria respostas. Ela queria saber por que seu filho Paulo era
um vaso imperfeito, por que ele nuncãTria aprender, rir, amar e
viver como as outras crianças. E por que foi dado a ela esse peso
para carregar. Ou, usando as palavras de Almeida, Inês queria saber qual era seu carma.
Então ali estava ela, numa rua sem árvores, num bairro es-
tranho, em pé, em frente a duas portas de aço cinza, apertando
uma campainha, buscando uma resposta que talvez estivesse do
outro lado.
Uma das portas se abriu. Um jovem negro, de uns vinte anos
de idade, convidou Inês para entrar. Ele estendeu a ela uma ficha
branca com o número 53 escrito e disse-lhe que podia sentar-se,
mostrando uma fileira de cadeiras onde mais de cinqüenta pessoas
esperavam para ver Antônio Almeida.
— Tem bastante gente na sua frente — avisou o rapaz. — Mas
não se preocupe: ele vai vê-la ainda hoje.
— Que bom. É para mim e para meu filho. Quanto ele cobra?
— Todo mundo pergunta isso. A gente devia imprimir a res-
posta na ficha. Ele não cobra nada, não, senhora. Antônio diz
que atender os necessitados é uma das razões por que ele está aqui
na.Terra Não seria certo ele cobrar pela oportunidade de realizar
aquilo que ele nasceu para fazer. Por isso, não precisa pagar nada,não.
Só precisa esperar.
Inês dirigiu-se às cadeiras, com Paulo segurando sua mão, rin-
do e sorrindo. Ela olhou para os rostos ao seu redor. As pessoas que
estavam sentadas com ela eram um mosaico de seu país: jovens,
velhos, ricos, pobres, pretos e brancos. Um mosaico montado pelo
desejo de todos de ver Antônio Almeida.
Inês ficou imaginando se aquele homem, que alguns chama-
vam de Jesus e outros de pirado, poderia dar-lhe a resposta que tanto procurava. Enquanto aguardava sua vez, algumas possíveis res-
postas giravam em sua mente.
__Você está sendo testada por Deus, com esse fardo. Carregue-o com dignidade — disse uma voz.
Uma outra voz soou:
_Durante toda a sua vida você só teve privilégios. É rica e
famosa, uma VIP. Deus mandou esse castigo para mostrar que é ele
quem manda.
As vozes não paravam, algumas dizendo que o menino era uma
praga em sua família, ou que ela estava pagando pelos pecados de
seu pai e de seu avô, que, ela sabia, não mediam esforços para
conseguir o que queriam.
— Você e seu marido estão pagando pelos pecados de seu
pai e de seu sogro. Deus lhes deu uma criança retardada — gri-
tou outra voz.
Ela olhou para o relógio: quase duas horas tinham se passa-
do desde que se sentara, esperando para falar com Antônio Almei-
da. Subitamente Inês foi arrancada de seus pensamentos, ao ou-
vir uma voz chamando o número 53. Embora tivesse decorado o
número escrito na ficha, ela olhou para confirmar. Era mesmo o
53. Havia chegado a hora de ver o guru.
O jovem que a atendera na entrada encaminhou-a para uma
pequena sala com dez cadeiras. Em uma delas estava sentado An-
tônio Almeida.
O cenário não era o que ela esperava. Inês havia imaginado
uma sala meio escura, com incenso queimando, gravuras de san-
tos, talvez até mesmo um altar. Mas ali não havia nada disso, ape-
nas um jovem atlético usando uma camiseta e jeans, sentado ca-
sualmente em uma cadeira. As paredes não viam uma demão de
tinta havia anos, e, ao invés de gravuras sagradas, a única coisa pen-
durada era um calendário vencido.
Levando Paulo pela mão, ela caminhou em direção a Almei-
da, que se levantou e deu-lhe as boas-vindas.
Por favor, não fique nervosa. Eu sei por que você está aqui.
Como você pode saber? — retrucou ela, dando-se conta
de que estava mesmo nervosa, porque sua resposta fora mais
agressiva do que desejava. A atenção de Almeida voltou-se para
° menino:
— E qual é o seu nome? — perguntou, curvando-se à frente
para alisar o cabelo do garoto.
— Paulo, meu nome é Paulo.
— Como posso ajudar você? — perguntou Almeida a Inês,
mas o garoto interrompeu e perguntou a Almeida se ele sabia fa-
zer uma borboleta.
Almeida, sem esperar pela resposta de Inês, olhou para o me-
nino e disse:
— Eu tenho certeza, Paulo, de que ninguém poderia fazer uma
borboleta mais bonita do que a que você tem em tua cabeça.
Inês explicou o motivo de sua ida até lá. Contou
que o tinha visto na televisão, lido sobre ele nos jornais. Secamen-
te, perguntou quem ele era. Almeida olhou para ela e para o me-
nino, e, rindo, disse:
— Ah! A pergunta do "quem é você"... As pessoas me per-
guntam isso o tempo todo. Meu nome é Antônio. Se você pen-
sa que sou mais do que isso, então eu sou. Por favor — antecipou
ele, cortando seus protestos —, eu não estou lhe respondendo
com um enigma. Um monte de gente acha que sim. Acham que
estou fugindo da pergunta. Mas minha resposta é, realmente, sim-
ples e reveladora.
Inês dava a ele toda a atenção, enquanto Paulo corria e ria
ao redor da sala.
— As pessoas precisam acreditar — continuou Almeida. —
As almas humanas estão se perdendo neste mundo moderno e efi-
ciente. Estão construindo paredes ao seu redor, isolando-se umas
das outras. Olhe em sua volta. As pessoas amontoam-se em seus
pequenos cantos, protegidas por suas próprias crenças, convicções, valores e preconceitos. Se eu saísse por aí dizendo: "Eu sou
Jesus, ou "Eu sou Buda", ou Maomé ou Krishna, você pode
imaginar o que aconteceria. As pessoas, isoladas em seus peque-
nos cantos de preconceito e medo, iriam me atacar violentamente. Alguns me defenderiam, mas outros... como posso dizer?...
me crucificariam — acrescentou com um sorriso. — Sendo assim,
prefiro responder que eu sou quem você pensa que eu sou. E nes-
ta afirmação está a maior verdade. Se você acredita que sou Jesus
reencarnado, então eu sou. Se você acredita que sou um Buda
moderno, eu sou também. Se você acredita que sou um Moisés da
Nova Era, tudo bem, eu sou. Na verdade, eu sou mais e sou me-
nos o que você pensa que eu sou. Eu não vim como um salvador.
Não vou voar com ninguém para o céu em nuvens de glória. Mas
você deve acreditar que sou alguma coisa, senão você não teria vin-
do procurar respostas para suas perguntas.
Inês olhou para o rapaz. Ela acreditou em cada palavra sua-
vemente dita. Ela lhe contou que seu filho era retardado, tinha a
síndrome de Down, e ela queria saber por quê.
— Por que o quê? — ele perguntou. E, sem esperar por uma
resposta, Almeida olhou para Paulo e disse a Inês: — Se você pu-
desse ver seu filho como eu o vejo, você veria que não há absolu-
tamente nada de errado com ele. Na verdade, seu espírito é luz,
sua aura e pura.
Inês, chocada, explodiu:
— O que você quer dizer com isso? Que não há nada de er-
rado com ele? Você não vê? Olhe para ele, ele é mongolóide. Você
o viu falar, ele mal sabe conversar direito.
Almeida sorriu para Inês e disse que ele realmente viu seu filho.. Não o Paulo que ela via, mas o espírito encarnado como Paulo. Inês não se conteve:
— Ele não pode aprender, ele nem sabe contar. Ele está em
uma escola especial e nem sabe como amarrar os sapatos, soletrar
o próprio nome ou mesmo falar sem pronunciar errado as palavras.
Ele jamais aprenderá alguma coisa!
Ele não pode aprender porque ele não precisa aprender. Há
poucas coisas para esse espírito aprender, entender estudar — res-
pondeu Almeida calmamente.
O médico disse que ele vai morrer daqui a três ou quatro
anos - disse ela.
E porque ele não precisa viver mais que isso — respondeu
Almeida.
-Então por que ele nasceu? Por que ele foi colocado nesta
Terra? E por favor, não me venha com aquela resposta estúpida:
vontade de Deus". Eu não suporto mais ouvir isso. Por que
ele foi dado para mim e por que agora será tirado de mim? Responda isso, se você puder.
Ela encarou Almeida e esperou impacientemente a resposta
— A vontade de Deus... — Almeida refletiu. — Essa expressão é tão mal usada! Ele é culpado de tudo, não é? Nós damos:
a ele tanto poder... Talvez façamos isso para não colocar a responsabilidade em quem merece: nós mesmos.
Almeida fitou dentro dos olhos de Inês, vendo sua raiva, se
ressentimento e a ferida na sua alma. Ele viu uma mãe que em breve perderia seu único filho. Ele viu uma esposa que já havia perdido o marido.
— A Terra não existe para nosso prazer e para diversão -
continuou ele. — Esta dimensão existe e nós estamos aqui p<
uma razão.
Inês o interrompeu com uma pergunta:
— Você pode curar meu filho?
Antônio passou a mão no cabelo e respondeu:
— Eu poderia. Pode ser feito. Mas, neste caso em particular
não é necessário. Quando um milagre acontece, é o espírito que
está sendo curado não o corpo físico. Por exemplo, os médicos que
tão descobrindo que um grande número de doenças está relacionado às emoções da pessoa. O problema, muitas vezes, é com a alma
e não com o corpo físico. Pode ser dada a visão a um cego? — perguntou. — Claro que pode, se seu espírito equilibrou seu carma
aprendeu as lições que tinha que aprender vivendo como cego.
Inês esperava ansiosamente, e Almeida olhou para Paulo
que estava na dele, brincando num canto da sala. Antônio virou
se e falou para ela:
— Em seu filho não há nada para curar. É verdade que seu espírito está preso dentro de um terrível defeito. Mas, muito ante
de nascer, oespírito que você conhece como Paulo escolheu esta
vida. Ele escolheu esse corpo específico não visando apenas seu
próprio desenvolvimento ou a solução de algum carma. Ele quiz
voluntariamente reencarnar nesta Terra por amor a você e a seu
marido. A cura, neste caso, não é dele. É sua e de seu marido""
_Eu sabia! — murmurou ela. — Estamos pagando pelos pe-
cados de nossos pais.
Almeida irritou-se com as palavras de Inês:
_Você quer parar com essa história de pecado? Você não está
pagando por nada, muito menos pelas ações alheias. Paulo veio
até você e seu marido para que vocês pudessem aprender compaixão, amor, compreensão e sacrifício.
Almeida tomou as mãos de Inês e segurou-as enquanto con-
tinuava a falar:
_Você precisa aprender amor. Você precisa aprender com-
paixão. Ã vida lhe deu uma criança que depende de você para
respirar, um filho que não é inteligente, nem bonito, desembaraçado ou jovial. A vida lhe deu a chance de aprender uma lição pre-
ciosa: sentir e se identificar com Paulo e com outros seres huma-
nos que não são tão brilhantes ou sofisticados como seu círculo de
amigos. A lição não é para ele. É para você e seu marido. O me-
nino não é uma compensação para o egoísmo e ambição dos avós;
ele é uma lição para você e Ricardo.
Almeida parou um segundo antes de prosseguir. Olhando
para Paulo, que ainda estava brincando num dos cantos da sala,
o rapaz continuou:
— Isso não é para compensar os egos ambiciosos e inescru-
pulosos de seus pais e avós. Essa lição é para você e Ricardo. Vo-
ces podem aprender agora, ou acabarão aprendendo de alguma
Outra forma mais cedo ou mais tarde. A alma de vocês vive nesta
ta Terra para poder, através dos tempos, quebrar seu próprio ego,
vaidade e orgulho, purificando-se enquanto evolui.
Meu marido não quer saber de Paulo. Nem de mim. Ele
tem uma amante. Nós"não dormimos mais na mesma cama —
disse Inês, soluçando.
Almeida continuou, segurando a mão da mulher:
Esse garoto não é um castigo. Antes de você nascer, Inês,
você escolheu a vida que está levando agora. Quando seu espírito estava do outro lado, sabia as lições que teria que aprender,
a ajuda de seus guias e professores, seu espírito delineou a vida
que você está vivendo. Aprenda, cresça e acenda o fogo do amor, j
da compreensão e da compaixão que está dentro de você.
Fez uma breve pausa e continuou:
— Paulo entrou em sua vida por sua causa. O espírito que vive
naquele corpo entende uma das leis básicas do universo, a de que
nenhum espírito pode unir-se novamente com o Criador até que
todos estejam prontos. O todo que era um não pode ser um de novo
se uma parte for deixada para trás. Ele encarnou para ajudá-la em
seu trajeto. Mas, Inês, é você que precisa aprender.
Enquanto ela enxugava as lágrimas que corriam pelo rostoj
Almeida acrescentou, muito delicadamente:
— Há uma outra coisa que você precisa aprender com Paulo. Ele veio para a Terra a fim de ajudá-la crescer. Faça o mesmo pelo homem com quem casou. Ajude- o a crescer também
Seu espirito está confuso, ele tem sofrido. Eu sei que ele a machucou
, mas lembre-se disso: não poderemos ser um inteiro nova
mente se uma parte estiver faltando. Ajude Ricardo a encontrai
seu caminho.
Inês perguntou o que ela deveria fazer. Com um sorriso compreensivo, ele disse:
— A resposta é simples: amor. Ame seu filho, ajude-o e cuide dele da mesma forma como gostaria que cuidassem de você.
Faça para os outros o que você faria para você. Não há nada mais
para dizer, exceto isto: abrace esta chance que
para aprender. Agradeça a Deus por
e para seu marido evoluírem.
i
Capítulo 4
Mesma segunda-feira, mesma reunião, ano 2015
MASTERSON DÁ AS ORDENS
"Ao cumprir-se o dia de Pentecostes, estavam todos reunidos no mesmo lugar. De repente veio do céu um ruído, como que de um vento im-
petuoso, e encheu toda a casa onde estavam sentados."
Atos 2:1-2
Um silêncio nervoso tomou conta da sala. Masterson olhou
para seus três assessores. Ele estava se divertindo mas ao mesmo
tempo preocupava-se com a confusão deles. Almeida falava por-
tuguês. Ninguém sabia dizer ao menos '.'bom dia" naquela língua.
No entanto, todos entenderam cada sílaba que Antônio Almei-
da pronunciara.
— Alguma explicação? — Masterson interrogou.
Hanley, Martelli e Fried olharam um para o outro e, não encontrando uma resposta em seus próprios olhos, eles se viraram ao
mesmo tempo para Masterson. O diretor financeiro, Martelli, res-
pondeu à pergunta de Masterson:
Eu não sei o que falar. Estávamos esperando que você
soubesse o que está acontecendo. Você disse que ele falava inglês
perfeitamente. Talvez ele tivesse conhecimento de que estava sendo gravado e falou em inglês. Eu não sei, droga, eu não
sou especialista em eletrônica. Mas, sei lá, alguém pode ter me-
xido na fita, feito uma dublagem, como eles fazem com aqueles
filmes estrangeiros.
Masterson levantou-se da cadeira, dirigiu-se à enorme janela panorâmica e ficou olhando para os prédios distantes de Louis
ville. Ainda de costas para seus executivos, colocou-os a par de tudo
que sabia.
— Em primeiro lugar, ele não sabia que estava sendo grava
do. Obviamente, ele estava falando em português, porque todo
mundo que estava ali entendeu o que ele disse. Além do mais, Emílio Araujo foi taxativo: a câmera e as fitas estavam com ele o tem-
po todo. Acho então que está eliminada qualquer teoria de sabo-
tagem eletrônica.
Virando-se, Masterson olhou para Hanley e perguntou:
— Você é o gênio da TV. O que você acha? Alguém dubloi
ou mexeu naquela fita?
Todos olharam para Hanley, esperando que ele tivesse a res-
posta. Ele não pensou muito para responder:
— Rode a fita mais um pouco. Desta vez, sabendo o que estou procurando, talvez eu possa descobrir. Eu não estava prestando atenção em como o cara falava; eu estava prestando atenção
no que ele falava. r
Andando para sua mesa, Masterson pegou o controle remoto e jogou-o para Hanley.
— Ligue você mesmo — ordenou.
Antes de apertar o botão play, Hanley foi até o televisor. Aumentou o volume e colocou os ouvidos perto do alto-falante. Con-
siderando-se pronto, apertou o botão do controle remoto.
O monitor de TV tomou vida, e a tela iluminou-se com a imagem do pregador atraente e bronzeado. A câmera abriu o plano
mostrando novamente Antônio Almeida cercado por sua platéia
— Olhem ao seu redor e olhem para dentro de vocês. As res
postas que procuram estão aí: ao seu redor e em seu interior.
vocês procurarem, vão achar. É mais simples do que parece.
Como antes, ouviram Almeida em inglês. Hanley e todos
que estavam na sala agora estavam prestando uma especial atenção às palavras do jovem pregador brasileiro.
— Procurem, que vocês acham. O que vocês plantarem, vc
cês colhem. Isso faz parte da lei de Deus na Terra e por todo o universo. Não há nada misterioso ou complicado nisso. O ilumina
do Buda ensinou essa lição também. Ele usou a palavra carma.
sempre mudando, crescendo e evoluindo. Nós, os espíritos criados por ele, também estamos em constante mudança. E, quando
evoluímos e crescemos, ele também cresce e evolui, porque somos
parte dele. Como vocês são parte de Deus, vocês são co-criadores. Por isso ele lhes deu o livre-arbítrio, porque sem esse poder
de escolha vocês não poderiam criar nada.
Almeida estava com a platéia na palma da mão, e a câmera,
gravando os rostos na multidão, registrou a concentração indivi-
visivel do povo no pregador. O jovem de cabelos escuros continuava a falar com voz calma, firme e confortante.
Juntamente com o poder de escolha vem a responsabili-
dade e uma outra palavra para responsabilidade é carma. Tudo que
vocês fazem, falam ou pensam tem conseqüências; se não agora, mais
tarde. Carma não é castigo, não é vingança. Carma é a lei natural das conseqüências. Não vejam isso como se fosse a volta
de ações passadas; essa atitude faz com que vocês vejam a vida de
uma forma negativa. Carma não é negativo nem positivo. Simplesmente é. Não há carma bom nem mim. Há simplesmente o
resultado das escolhas.
Hanley parou a fita e olhou para Masterson, Martelli e Mary
Fried. Eles aguardavam ansiosamente o veredicto. E não gostaran
do que ouviram:
— Eu vi alguns desses filmes estrangeiros a que Phil se referiu e posso garantir: se o inglês foi dublado nesta fita, é a melhor
dublagem que já ouvi.
Masterson olhava para o chão, Martelli suspirava e Mary Friec
fazia anotações no bloco de papel em seu colo. Hanley explicou
— O som ambiente é natural, o sincronismo labial e a voz com
binam com o corpo. É aí que todos os trabalhos de dublagem entram bem. A voz e o som ambiental não casam, o movimento do
lábios nunca é perfeito, e as vozes, não importa o talento dos dubladores, nunca batem com as dos atores originais. Eu posso assegurar que esta fita não foi dublada, pelo menos por nenhum processo que eu conheça. Mas tenho algumas dúvidas.
Mais uma vez, o grupo olhou ansiosamente para ele. Quem
sabe, pensaram eles, Hanley tenha descoberto algo.
— Primeiro: se esta fita não foi dublada, o que está acontecendo?
Ele deixou a pergunta no ar antes de continuar.
— Em segundo lugar, por que alguém dublaria esta fita? Não
ouvimos nada tão importante, novo ou impressionante. Já ouvi
mos essa baboseira da Nova Era antes. Por que alguém gastaria di-
nheiro e tempo para alterar esta fita? — perguntou dirigindo-se
ao seu chefe.
Masterson sacudiu os ombros e, com impaciência, respondeu:
— E por que você acha que eu tenho as respostas? Não tenho
a menor idéia do que está acontecendo.
Masterson contou como a fita caiu em suas mãos. O grupo de
assessores sabia que as quarenta e oito filiais estrangeiras da CCM,
além de espalhar a palavra de Deus interpretada por Masterson,
estavam sempre de olho aberto para outros evangélicos que divulgavam suas próprias leituras das palavras de Deus. Missionários da
CCM estavam sempre alertas para potenciais concorrentes.
Havia mais ou menos um mês, Masterson recebera um rela-
tório da filial brasileira. O relatório era sobre um pregador chama-
do Almeida.
_Nosso gerente brasileiro, Emílio Araújo, disse que esse ra-
paz _Masterson apontou para o monitor — estava começando
a aparecer em jornais e em alguns programas de televisão. Então,
conforme nossos procedimentos normais, eu pedi uma fita, que che-
gou alguns dias atrás, trazida pessoalmente por uma missionária que
voltava do Brasil.
Masterson levantou-se e foi até sua escrivaninha pegar um
maço de papéis.
— Esta é a tradução da fita, do português para o inglês. É ób-
vio que nosso pessoal em São Paulo ouviu a fita em português.
Por esse motivo, coloquei a fita na máquina e comecei a acom-
panhá-la com esta tradução na mão. Em poucos segundos eu me
dei conta de que estava entendendo tudo que Almeida dizia.
Imediatamente peguei o telefone e liguei para Araújo. Ele não ti-
nha a mínima idéia do que eu estava falando. Jurou que ele mes-
mo tinha operado a câmera e entregado a fita para a missionária
no aeroporto.
Masterson contou que a missionária era uma avó de sessen-
ta e cinco anos de Omaha, Nebraska. Ela pegou o vôo da Varig
de São Paulo para Atlanta, onde mudou de avião e veio direta-
mente para Louisville entregar a fita. Masterson acrescentou que
ele mesmo ligou para a missionária e perguntou discretamente se
a fita ficara em poder dela o tempo todo.
E lógico, Sr. Masterson — respondeu ela. — Disseram que
o pacote era muito importante. Eu o coloquei em minha bagagem
de mão e não tirei os olhos dela.
E isso é tudo — completou Masterson. — Eu não tenho
nenhuma pista. Mas vocês podem ter certeza: eu vou descobrir, em
nome de Jesus, o que está acontecendo aqui.
Ele indireitou seus ombros e assumiu a postura de um gene-
ral comandando suas tropas. Numa voz firme, ele deu ordens es-
tritas: o que aconteceu naquela sala não poderia sair dali. Dito isso,
ele passou a instruir individualmente cada um de seus assessores,
começando por Phil Martelli, o diretor financeiro:
— Descubra como, de onde, de quem e quanto dinheiro está
por trás desse cara. Quero saber quem são os financiadores e, se
não houver nenhum, descubra como Almeida se sustenta. O pes-
soal do Brasil relatou que ele não realiza muitos encontros em
massa somente pequenas reuniões nas favelas nas ruas e em casas particulares. Não há muito dinheiro nessa história. Isso está me
deixando preocupado. Ele tem que ter alguma fonte de renda.
Quero saber tudo sobre ele, até o tamanho de suas cuecas e onde
ele as compra. Tudo, entendeu, Phil? Vasculhe a vida dele.
Instruções dadas, ele cumprimentou Martelli e dispensou-o
para que executasse sua tarefa. Agora era a vez de Mary Fried.
Ela era uma das melhores pesquisadoras de opinião pública dos
Estados Unidos. Antes de ser contratada pela CCM, trabalhou no
Partido Republicano, onde estava se tornando rapidamente a prin-
cipal estrategista política.
— Mary, acho nunca vamos precisar do que vou pedir ago-
ra. Eu pessoalmente acho que o Brasil está enchendo a bola des-
se cara. Mas, por via das dúvidas, quero que você pesquise esse tal
de Almeida. Nós precisamos saber qual é a dele. Por queum garoto brasileiro rico, que faz parte da classe alta, joga tudo fora para
ser um pregador?
Mary Fried começou a tomar nota de novo (ela sempre em-
punhava um bloco de notas quando o chefe a chamava) e Masterson continuou com suas instruções.
— Tente descobrir aonde ele quer chegar, qual é sua mensa-
gem, o que ele está pregando e como sua mensagem está sendo
recebida. Penetre em sua pele e descubra uma maneira de destrui-lo. Essa coisa do idioma está me preocupando. Se descobrirmos
que não é um truque eletrônico podemos ter problemas. Talvez
seja necessário inventar uma explicação. Entendido? Então come-
ce a agir. A partir de agora, o Projeto AA, Antônio Almeida, é
sua prioridade.
Mary sorriu. Ela estava vibrando com sua atribuição. "De vol-
ta ao jogo duro", pensou. Embora estivesse feliz com seu trabalho
na CCM, Mary sentia a falta do jogo mortal.
_- Não se preocupe: esse cara é meu — disse ela ao sair do
escritório.
Masterson por fim sentou-se no sofá ao lado de Hanley.
_Há uma razão por que o deixei por último. Eu queria falar
com você em particular. Há quanto tempo está comigo? Já faz uns
vinte e cinco anos, não?
— Vinte e sete, para ser exato — respondeu Hanley. — Co-
mecei assim que saí da faculdade. ("Como se você não soubesse",
Hanley falou para si mesmo.)
— Olhe, sei que você não é um verdadeiro crente — come-
çou Masterson. — Você nunca aceitou Cristo como seu salvador.
Você deve até ser um liberal enrustido também. Mas foi exatamente por isso que mantive você comigo todos esses anos. Como você
sabe, muitas pessoas gostariam que eu o demitisse. "De jeito ne-
nhum", eu digo a eles. "Billy é um profissional. Ele não se envol-
ve emocionalmente e é bom no que faz."
Hanley sabia que Masterson estava falando a verdade.Os
"fanáticos" da CCM nunca confiaram nele; e mais: eles tinham ciú-
me de seu relacionamento com Masterson. Por outro lado, ele
também conhecia seu chefe havia muito tempo, o suficiente para
saber quando ele estava maquiando.
Masterson confessou estar escondendo alguma coisa:
- O que ninguém sabe é que há quatro fitas, não uma. Que-
ro que você, e só você, dê uma olhada nelas. Fiz cópias. As originais ficam comigo. Conheço algumas pessoas que podem ir até o fundo nesta história do idioma. De você eu quero outra coisa.
Hanley esperou pela bomba. Masterson abaixou o tom de voz e continuou.
Avalie o cara. Você tem o dom para fazer isso melhor que
Mary e toda a sua pesquisa e seus relatórios. Deixe que ela descu
bra o que as pessoas pensam sobre ele, mas eu quero saber o que
você pensa sobre ele, Bill. — E acrescentou: —Meça-opara mim.
"Masterson sabe que sou bom na avaliação de pessoas", pen-
sou Hanley, "porque é o que tenho feito nesses últimos vinte e
sete anos."
Sua mente retornou para os primeiros dias do programa Clube de Cristo. Ele estava começando a dirigir o programa e lembra-
va de alguns truques que havia ensinado ao chefe. Hanley tinha
códigos para esses truques. Um deles era o "olhar da alma".
— Quando um convidado estiver falando — Hanley ensi-
nou para Masterson —, não olhe para ele. Olhe para a câmera 3.
Vou posicionar essa câmera atrás do convidado. Olhe diretamen-
te para a lente da câmera 3. De vez em quando eu vou cortar para
essa câmera enquanto o convidado estiver falando. As pessoas em
casa pensarão que você está ligado em cada palavra que seu con-
vidado estiver dizendo. Você vai aparecer como uma pessoa envolvida, preocupada e alerta.Se você olhar para o convidado,
você parecerá distraído e desligado. Isso é televisão. Televisão não
é real. Televisão é o que parece ser real
Masterson aprendeu bem aquela lição, assim como todas as
outras também.
Uma dessas lições era um truque apelidado de "indagação
moral".
— Quando você ouvir alguma coisa terrível, como a notícia
da abertura de uma clínica de aborto, continue olhando para a câ
mera 3. Franza suas sobrancelhas e gire seus olhos para o céu. Não
precisa exagerar, a câmera fará isso por você. Fazendo assim você.
poderá expressar sua indignação moral contra os impulsos corruptos do mundo moderno sem parecer como fanático religioso.
"Eu o ensinei bem", refletiu Hanley. Os ternos azúis de risca
de giz, as camisas cor de areia e as gravatas vermelhas de cetim (sem
falar no cabelo grisalho cuidadosamente arrumado e o porte que
seu um metro e oitenta ostentava) deram a Masterson o apelido
deBanqueiro Bob.
As lembranças do passado desfilavam pela cabeça de Hanley.
Ele se recordou de como havia treinado Masterson a moderaria
voz para se diferenciar de seus concorrentes evangélicos que adoravam gritar exageradamente seus améns.
Hanley havia ajudado a moldar a imagem de Masterson: um
homem que falava com Deus à noite e com políticos durante o dia.
_Então assista a estas fitas — disse Masterson, tirando-o de
suas lembranças. — Quero suas impressões e também quero que
voce organize estas fitas. Faça uma edição baseada em temas. Por
exemplo, há trechos em que Almeida fala sobre céu, pecado e
reencarnação. Agrupe todo o material referente ao céu. Faça uma
compilação de tudo.
Hanley pegou as fitas de Masterson e perguntou:
"— Você viu todas elas?
Masterson respondeu que sim.
— No primeiro trecho que você nos mostrou — disse Hanley —, Almeida disse que haveria uma sessão com perguntas e
respostas. E então?
— Então o quê? — Masterson respondeu.
— O que eu gostaria de saber é se as falas das outras pessoas
estavam em inglês ou em português.
Masterson suspirou e disse:
— Vou responder assim: eu entendi todas as palavras des-
sas fitas.
Hanley já estava quase do lado de fora do escritório quando
a voz do Banqueiro Bob o fez parar.
— Você lembra que, de vez em quando, a gente gravava aqueles programetes sobrei Bíblia?
Hanley deixou o chefe continuar.
Bem... Uma coisa está me perturbando.
— O que é?
O Pentecostes. "O presente do Espírito Santo, o presen-
te das línguas." Eu fico imaginando se tudo isso é verdade...
Capítulo 5
Mesma segunda-feira, escritório de Bill Hanley, ano 2015
HANLEY E AS FITAS
"Sua visão se tomará clara apenas quando você puder olhar dentro de seu
coração. Quem olha para fora sonha; quem olha para dentro acorda."
Carl Jung
"Deus disse a Abraão: "Vá para você mesmo, conheça a si mesmo, realize seu ser."
O Cabala Essencial
Seguindo as ordens de Masterson, Hanley, com as quatro fi-
tas embaixo do braço, pegou o elevador e desceu para seu escri-
tório, no terceiro andar. Abrindo a porta, ordenou à secretária
que cancelasse todos os seus compromissos, porque estaria traba-
lhando num projeto especial.
— Ah, e nenhum telefonema. Não vou poder atender nin-
guém, exceto Masterson ou alguém de minha família — disse ele,
fechando a porta de sua sala.
Depois de se acomodar em sua cadeira, Hanley organizou-se
mentalmente. O primeiro passo seria assistir a todas as fitas, fa-
zendo anotações para depois montar a edição pedida por Master-
son. Para clarear os pensamentos, Hanley tirou todos os papéis
irrelevantes de sua mesa e olhou para as quatro fitas à sua frente.
Eram fitas digitais, as melhores que existiam. Ele sabia que não haveria nenhum problema com qualidade, porque a tecnologia digital permitia cópias exatamente idênticas aos originais.
Enquanto ele limpava a mesa, tentou entender os aconteci-
mentos daquela manhã.
"Bob está atrás de alguma coisa. O que será?", Hanley se per-
guntou. Ele conhecia Masterson profundamente e estava ciente
de suas obsessões fanáticas e às vezes injustificadas.
A mente de Hanley voltou vinte anos, lembrando-se do jo-
vem e carismático padre africano que estava ressuscitando sozinho
o catolicismo africano.
O padre havia atraído um número enorme de seguidores, que,
aos sábados e domingos, lotavam estádios de futebol para presen-
ciar suas missas. Ele tinha até mesmo gravado CDs de hinos po-
pulares, um deles ultrapassando a marca de dois milhões de cópias
vendidas. O padre era um convidado freqüente nos programas po-
pulares de televisão. Ele era um homem atraente, inteligente e elo-
qüente que estava provocando um renovado interesse na fé ca-
tólica da África. A freqüência às igrejas era cada vez maior, e o
próprio papa viajara pelo continente acompanhado pelo padre.
Por outro lado, os missionários da CCM estavam frustrados.
Suas missões e creches se esvaziavam, enquanto as mães levavam
seus filhos para as aulas de catecismo.
Masterson, lembrou Hanley, espumava de raiva. A África era
importante para ele porque a CCM, por meio de campanhas na TV,
arrecadava milhões de dólares para seus missionários. Durante
aqueles programas, Masterson informava o número de almas afri-
canas salvas pela CCM e quantas mais podiam ser conquistadas para
Jesus se os bons telespectadores cristãos doassem mais cinco, dez
ou vinte dólares. Tudo estava indo bem até aquele padre aparecer.
A estratégia de Masterson era simples. Ele pediu a Martelli,
como fizera algumas horas atrás, que vasculhasse as finanças do pa-
dre. Naquela época, Mary Fried ainda não trabalhava na CCM, e
Masterson contratou alguns investigadores particulares para levan-
tar a vida particular do padre.
Mas foi Martelli quem salvou a pátria.
Hanley lembrava-se, quase que palavra por palavra, da reu-
nião em que Martelli relatou a Masterson o que ele descobrira so-
bre as finanças do padre.
— É o seguinte — começou Martelli. —O padre está limpo.
Mas não se pode dizer o mesmo dos seus parentes. Por exemplo,
seu cunhado tem participação nas vendas de lembrancinhas durante as missas. Você sabe: Jesus de plástico, terços, imagens da Vir-
gem Maria, toda aquela tranqueira católica. Estou convencido de
que o padre não sabe nada sobre isso; ele é puro como a neve cain-
do. O pior que se pode dizer é que ele é ingênuo. E esse mesmo
cunhado também é responsável pela venda dos CDs. O lucro das
vendas é destinado para alguma caridade da igreja. Mas nosso
amigo está passando a mão em vinte por cento. De novo, tenho
certeza de que o padre não sabe nada. Ele é simplesmente um cara
que tem um cunhado — finalizou Martelli com uma risada.
Algumas semanas depois começaram a surgir denúncias na im-
prensa africana relatando as falcatruas do cunhado. Artigos assi-
nados por intelectuais africanos criticavam veementemente o pa-
dre e seu cunhado malandro, dizendo que o pobre povo faminto
da África estava sendo iludido.
Os bispos africanos e o Vaticano sabiam que o padre era ino-
cente, mas acharam melhor transferi-lo. Decidiram mandá-lo para
os Estados Unidos, onde havia carência de padres nas paróquias
dos bairros mais pobres. A última notícia que Hanley tivera do pa-
dre era que ele estava rezando e cantando para os negros pobres
do Harlem.
Hanley sabia que houve centenas de outros casos como esse.
Masterson sempre agia decisivamente quando seus interesses es-
tavam em jogo. O Banqueiro Bob nunca se contentava com pou-
co. "Pense grande", era o que Masterson costumava exortar a seus
auxiliares. Hanley sabia que "grande" era a quantia de dinheiro
cobiçada.
Masterson, logo no início da carreira, percebera que os americanos não se interessavam muito em ajudar necessitados nas
regiões pobres do país. "Mas" ele sempre dizia,"coloque no ar algumas
cenas com crianças pobres e desnutridas da Africa, América do Sul ou Ásia, e os americanos vão mandar cheques para sal-
var suas almas. O povo americano têm um tremendo complexo
de culpa. Eles sabem que financeiramente estão melhores gue o
restodo mundo, então eles acham que devem pagar a Deus pela
sua boa sorte."
A CCM e Masterson usavam os campos férteis do Senhor j
África, Ásia e América Latina para arrecadar dinheiro nos Estados Unidos, Canadá e Europa ocidental. Essas doações do mu
do rico, além de sustentar milhares de missionários, pagavam
satélites, cabos de fibra óptica e estações de televisão que a CC
usava para divulgar em todo o mundo a palavra de Deus segu
Masterson.
O que os doadores não sabiam era que aquele mesmo dinheiro
financiava negócios imobiliários de milhões de dólares, investimentos em plataformas de petróleo e participações em banco
europeus e companhias de seguros. O braço financeiro de
Masterson tinha, havia muito tempo, se estendido em quase todos
dos os países do mundo.
Bill Hanley voltou sua atenção para o trabalho. Com as fitas
já inseridas nos aparelhos de vídeo, ele estava pronto para começar. O cronômetro à sua frente anunciava que as fitas começariam
a rodar em vinte segundos. Enquanto estivesse assistindo às fit
uma outra cópia digital estaria sendo produzida, a qual seria usada para realizar a compilação solicitada por seu chefe.
O relógio eletrônico agora mostrava o número 18, e, enquan
to a contagem regressiva continuava, Hanley especulava quais seriam as intenções de Masterson em relação ao jovem pregador
brasileiro.
Antônio Almeida era diferente do padre africano. Ele ainda
não era famoso, não era nenhuma ameaça a Masterson e não estava pedindo a seus seguidores que aderissem a uma igreja, um
partido político ou uma revolução social.
— Talvez — disse Hanley em voz alta para sua sala vazia —,
quando eu terminar de assistir a estas fitas, eu entenda o porquê
de tudo isso.
O cronômetro já tinha chegado ao número 10, e Hanley procurou se concentrar no trabalho que tinha pela frente. Cada fita
tinha duas horas de duração, portanto assistir a todas levaria mais
de oito horas.
— Tudo bem — disse ele para si mesmo. — Não tenho nada
melhor para fazer.
Olhou para o relógio em seu pulso e pensou:
"Agora são duas da tarde. Devo terminar perto das onze."
A contagem regressiva chegou aos cinco segundos. Enquan-
to os aparelhos se ligavam, ele lembrou de pesquisar a referência
ao Pentecostes feita por Masterson. Mas agora o show estava
pronto para começar. O monitor da televisão se iluminou com a
imagem de Antônio Almeida adentrando uma sala mal ilumina-
da numa favela brasileira. As cento e poucas pessoas naquela sala
se levantaram quando o rapaz entrou. Almeida sorria enquanto
cumprimentava cada pessoa. Ao chegar ao centro da sala, o pre-
gador olhou diretamente para a câmera escondida de Masterson.
E sorriu.
Naquele momento, Hanley teve certeza de que, apesar das ga-
rantias de Masterson e do escritório do Brasil, Antônio Almeida
estava ciente da câmera escondida. Hanley também podia jurar
que Almeida sabia que aquelas gravações iriam acontecer. Ele leu
isso no rosto do pregador.
— Quem sabe — disse Hanley mais uma vez para a sala va-
zia — nestas fitas eu encontre mais do que estava esperando...
Capítulo 6
Mesma segunda-feira, São Paulo, Brasil, ano 2015
NÃO TENHAM MEDO
"Levantem-se, leões, e livrem-se da ilusão de que vocês são ovelhas. Vocês são almas imortais, espíritos livres, abençoados e eternos."
Swami Vivekananda
Enquanto Bill Hanley assistia às fitas clandestinas, Antônio
Almeida estava com mais ou menos cinqüenta adolescentes em
seu pequeno galpão alugado em São Paulo.
Nas últimas semanas, adolescentes de todo o Brasil haviam
aparecido para falar com Almeida. Ele percebeu que a maioria
deles tinha as mesmas perguntas, dúvidas e medos sobre suas vi-
das, seu futuro e sobre si mesmos. Por isso, Almeida decidiu reser-
var duas horas por dia para conversar com eles. Por serem infor-
mais, esses encontros diários eram a parte do dia mais apreciada
por Almeida.
Quando Antônio entrou, os adolescentes estavam esparrama-
dos num semicírculo, sentados em cadeiras, em pé ou sentados
no chão com as pernas cruzadas. Posicionando-se no meio do círculo, Almeida começou:
— Oi, pessoal. Estou feliz em ver vocês aqui. Tenho certeza
de que a gente vai pasar uma tarde interessante.
Seus olhos percorriam lentamente a sala enquanto ele exa-
minava o grupo.
— A vida é como esta reunião. Aqui nesta sala, nós vamos
aprender de cada um. Vocês, e todos que vivem neste momento
na Terra, estão aqui para aprender. E uma das melhores maneiras
de aprender é aprender com cada um. Podem acreditar: eu apren
do com vocês. Toda vez que eu sento eu
cresço um pouco. Obrigado por terem vindo. Um dos meninos levantou sua mão e perguntou a Almeida j
como eles poderiam aprender um com o outro:
— Afinal, somos moleques que não sabem nada da vida. Pelo j
menos é isso que os nossos pais sempre falam— acrescentou o ado-
lescente. O grupo riu e Almeida riu junto.
— Vocês vão ficar surpresos. Em primeiro lugar, nenhum de
nós está aqui hoje por acaso. Não há acasos nem coincidências.
Existe uma ordem no universo é para nossas vidas neste universo.
Nada, absolutamente nada acontece sem razão. Deixem-me mostrar a vocês — disse Antônio, perguntando ao menino qual
era seu nome.
— Luís Mendonça — foi a resposta.
Almeida andou até uma menina sentada no meio do semi-]
círculo e perguntou qual era seu nome.
— Sônia Martinelli.
Antônio dirigiu-se para Luís:
— Se você ouvisse a história de Sônia, veria que ela é muito parecida com a sua. Ela também se sente desprezada, isolada e sozinha. Ela tem dúvidas. Ela não sabe se tem o talento e a inteligência necessários para obter sucesso na vida. Estou certo? — perguntou aos dois.
Luís e Sônia concordaram, assim como a maioria dos adolescentes na sala.
— Acabamos de ter a primeira lição de hoje: vocês não estão
sozinhos. Quando eu tinha sua idade, também tinha muitos dos mesmos sentimentos, dúvidas, ansiedades e medos sobre meu futuro.
Almeida voltou para o meio do semicírculo. Ele pegou um
exemplar de um jornal velho. Na primeira página estava a história de dois adolescentes americanos que entraram em sua escola
com metralhadoras matando ou ferindo quarenta colegas.
— Por que isso aconteceu? — perguntou Almeida, referindo-
se ao jornal que ele segurava no ar.
Ninguém respondeu. Almeida cutucou o grupo, perguntan
do uma vez se eles tinham alguma idéia do que faria dois jovens matarem seus amigos e depois se suicidar.
O grupo continuou sem responder.
Almeida então perguntou se algum deles já havia pensado em
fazer alguma coisa parecida.
Um rapaz alto e loiro, sentado na parte mais externa do se-
micírculo, levantou timidamente a mão. Outro, sentado no meio,
levantou a mão também. Lentamente, quatro outras mãos se le-
vantaram, e Almeida fez uma pergunta simples ao rapaz loiro:
— Porquê?
O garoto olhou primeiramente para Almeida e depois para seus
amigos. Finalmente, ele respondeu:
_Provavelmente pela mesma razão daqueles dois caras nos
Estados Unidos.
— Explique isso. Por que você acha que fizeram aquilo? —
perguntou Almeida.
— Medo — respondeu o garoto. — Eles estavam com medo
porque eles não se encaixavam. Eles se sentiam fora do grupo. Aí,
depois de cansar de ter mecTõTeles ficaram com raiva.
— E isso aí, ele está certo — disse um dos rapazes que levantara a mão. — Eles estavam com raiva porque não se encaixavam
em sua escola. Eles tinham tanto medo de nunca ser nada ou ninguém que acharam melhor desistir.
Uma parte do grupo concordou. Outra parte esperou saber o
que Almeida tinha para falar. E ele foi direto ao assunto.
Medo. É sobre isso que nós vamos falar. Do que vocês têm
Alguém aí fale sobre isso.
Uma menina chamada Juliana se abriu:
- há uma pressão sobre mim. Estudar, tirar boas notas, ir
Para a faculdade, arrumar um bom emprego, casar bem, etc, etc,
Eu não sei se posso fazer tudo isso. Às vezes, acho que não
vale a pena.
Do outro lado da sala, uma garota de uns dezoito anos relatou seus medos ao grupo.
Tenho medo de ficar sozinha. Eu não iria suportar. Eu sei
que não sou bonita nem muito inteligente, acho que vai ser difí-
cil arranjar alguém, mas eu não vou conseguir viver só.
As vozes foram se sobrepondo, cada um trazendo a público |
seus medos.
— Eu tenho medo de não me encaixar. Sei que o pessoal me I
chama de caxias, de CDF E também não sou bom com garotas —-
confessou uma voz masculina.
— A vida é complicada. Tem noite que vou dormir pensando em não acordar mais — desabafou outro garoto.
— O que eu vou fazer da minha vida? Nada me interessa. |
Todo dia a mesma rotina chata e inútil. .TNão há nada que eu quei-
ra ser ou fazer — acrescentou uma garota no fundo.
— Eu não sou bom o suficiente. Todo mundo sabe o que quer
todos têm objetivos. Todo mundo é senhor de si mesmo. Eu me
sinto um fracassado — exclamou uma outra voz.
E assim continuou: os cinqüenta adolescentes contando seus
medos para Almeida, sem esconder nada. Uma barragem havia caído, e as emoções reprimidas fluíram como um rio para o oceano
que era aquela sala. Eles estavam abrindo seus corações diante de
Antônio Almeida e do grupo. Eles confiavam nele e, em sua pre-
sença, confiaram uns nos outros. Eles tiraram a máscara da arrogância adolescente e contaram a Almeida que estava trancafia-
do em suas mentes.
Antônio observava. E ouvia. Ele deixou a conversa fluir ser
interromper. Quando a discussão serenou, disse:
— Espero que vocês tenham percebido o que aconteceu aqui.
Vocês ajudaram um ao outro. E conseguiram fazer isso sozinhos porque, por um breve momento nesta sala, vocês estiveram ligados
entre si.
Almeida, agora relaxado numa cadeira, perguntou se eles sabiam o que tinham em comum Em uma só voz, todos responderam.
— Medo!
Sorrindo, Almeida continuou:
— Vocês todos têm medo. Podem ser medos diferentes, mas
a emoção e o resultado são os mesmos. Alguns têm medo de jião
ter amigos, outros medo de crescer ou de não ser bem-sucedidos
ou medo de ficar sozinhos. Alguns de vocês pensam não ter garra suficiente ou não se consideram bonitos o bastante ou prontos
para lutar neste mundo competitivo em que vocês nasceram. Estou certo?
A resposta foi um sonoro sim.
Ele olhou nos olhos dos jovens. Aqueles olhos ansiavam por uma resposta que acabasse com suas dúvidas e ansiedades. Eles não
queriam ter medo. Almeida abaixou a voz e continuou falando:
— Vou contar uma coisa para vocês. Vocês não são os úni-
cos. Cada grupo que atravessou estas portas falou a mesma coisa:
nós temos medo. Vou revelar outro grande segredo: todos que vivem neste mundo têm medo. Pouquíssimas pessoas não o têm.
Ultimamente o medo vem correndo solto na vibração terrestre.
Sentada na primeira fila, uma menina de quinze anos, rosto
cheio de espinhas, discordou do que ele acabara de dizer:
— Eu olho ao meu redor e todos parecem saber o que que-
rem. Todos parecem saber o que estão fazendo. Eu sinto que sou
a única que não é assim.
Almeida balançou a cabeça e falou:
— Bem, durante os últimos dez minutos você ouviu o con-
trário disso. Ninguém aqui afirmou que não tinha medo de nada.
Ou será que você está falando dos adultos, aqueles que parecem
estar sempre numa boa?
Ela e vários outros concordaram. Almeida prosseguiu:
— Bem, vamos falar sobre isso. Quem são as pessoas mais fa-
mosas e bem-sucedidas que vocês conhecem? São os cantores,
atletas e empresários famosos? Você acham que, por terem atin-
gido num certo nível de fama", fortuna e poder, eles não têm medo?
Vocês acham que eles não temem o dia em que a fama acabar? Vo-
cês acham que eles não têm medo de ficar velhos ou perder suas
posições?
Os adolescentes fizeram um sinal com a cabeça, concordan-
do com Almeida, que enfaticamente continuou falando para eles.
— Todos têm medo. Medo do mundo, medo de suas próprias
fraquezas e do vazio em suas almas. E é por causa desses medos que
muitas pessoas, e não apenas da idade de vocês, procuram drogas.
As drogas servem para mascarar a dor, o medo e a ansiedade. Vo-
cês todos já ouviram falar de empresários, roqueiros ou atletas que
pagam uma fortuna para sustentar seus vícios. Se eles não tives-
sem medo e soubessem por que nasceram neste mundo, eles não
precisariam se drogar para encobrir seus medos.
O grupo estava silencioso, refletindo sobre as palavras de Antônio Almeida.
— Eu sei que a maioria de vocês já experimentoudrogas. Al-
guns por curiosidade, para descobrir qual é o barato. Outros por-
que seus amigos usam e vocês querem se enturmar. A maioria de
vocês experimentou e largou. Outros experimentaram, usaram e
não pararam mais, porque com drogas vocês escapam. Seus medos desaparecem e suas ansiedades vão embora como uma nuvem
de chuva. Mas não há respostas no mundo drogado. É como sair
de férias: quando a gente volta, os problemas que deixamos para
trás ainda estão lá.
Os jovens concordaram com ele. Todos esperavam o que Al-
meida iria dizer em seguida. Ele se levantou novamente com o jor-
nal nas mãos. 1
— Nós começamos falando sobre esses dois adolescentes nol
Estados Unidos. Eles entraram na escola vestidos de preto mataram
outros estudantes e depois se mataram. Eles estavam com
medo porque estavam sozinhos. Estavam com medo porque pen-
savam ser os únicos que se sentiam assim: isolados, sem amigos quê
se preocupassem com eles... O medo faz essas coisas. O medo faz uma
sociedade inteira procurar um bode expiatório para sua miséria:
os negros os amarelos e os descrentes. Durante a história recen-
te deste mundo, uma nação inteira matou homens e mulheres em
campos de concentração. Fizeram isso por causa do meda Medo
é raiz podre da maldade. — -
A sala estava quieta, e Almeida foi chegando ao seu ponte
principal.
— Nesta vibração, a maioria das almas vive, como um
seus escritores uma vez colocou, em um desespero silencioso. P
soas têm medo de viver e medo de morrer. Uma das razões pelas.
quais eu vim foi para ajudar vocês a superar esses medos. Não a
medo da morte mas seus medos da vida. O medo apaga o es-
o Quando vocês temem, vocês não conseguem experimen-
evoluir, vocês apenas fracassam. O medo paralisa nosso
maior dom, o livre-arbítrio, impossibilitando-nos de fazer escolhas.
Almeida olhou para o grupo. Eles estavam refletindo sobre o
ele dissera e, enquanto olhavam para dentro de si mesmos, sabiam que suas palavras eram verdadeiras.
_- Quem é o responsável pelo medo? Nós. Nós o alimentamos em nós mesmos e dentro dos outros.
Almeida voltou a falar dos colegiais americanos. Ele disse ao
grupo que aqueles jovens estavam com medo e por isso tinham rai-
va. Raiva por não se adaptar ao meio, raiva por serem diferentes
e raiva por não serem aceitos por seus colegas. Cada um de vocês
é responsável pelo medo que os outros espíritos sentem. Quando
vocês — suas mãos varreram o grupo, indicando que ele se referia a todos eles — rejeitam alguém porque ele ou ela não é bo-
nito, inteligente, divertido ou não se veste bem, vocês são responsáveis pelo medo desse alguém, pela sua rejeição, sua dor e sua
raiva. E, como somos todos ligados uns aos outros, quando cria-
mos medo em outro ser humano nós o criamos em nós mesmos.
O garoto loiro que havia começado a discussão ergueu a mão
para fazer outra pergunta.
— Olha, esse papo é legal, pode até ser verdade. Mas tem
uma coisa que eu e quase todo mundo quer saber. Não... — cor-
ngiu-se — não quer saber. Precisa saber. Nossas vidas não fazem
sentindo porque não entendemos o que estamos fazendo aqui, por
que nascemos, o que esperam que a gente faça. Ninguém nunca
respondeu isso. Você pode?
Mais do que uma pergunta, aquilo havia sido um desafio. Almeida perguntou brincando se era uma pergunta capciosa. O gru-
Po não riu. Ainda em pé, o garoto encarou Antônio, esperando
resposta. Almeida sentou-se no chão com as pernas cruzadas,
ente ao grupo, e disse que iria responder, mas que eles teriam de ter
paciência.
- Vou tentar explicar isso de uma maneira que nunca mais
esquecer e, espero, de uma maneira que vocês entendam.
Pediu-lhes que se sentassem no chão, relaxassem e se abrissem para seus próprios sentidos, sentimentos e emoções.
- Não tenham medo, nada de estranho vai acontecer. Que
ro apenas que vocês estejam abertos e conscientes.
Almeida pediu-lhes que limpassem suas mentes de qualquer
coisa em que estivessem pensando e que imaginassem uma caixa
vazia, dentro da qual eles colocariam seus pensamentos, preocupações e problemas.
— Eu quero que vocês coloquem inclusive o que acham que
vamos fazer. Não tentem pensar adiante. Deixem suas mentes viverem no presente, no agora.
Ele esperou alguns instantes até que os jovens fizessem
que ele pedira, e então pediu-lhes que fechassem a caixa e a selassem bem.
— Quando terminarem, simplesmente empurrem a caixa para
longe, a uma distância em que ainda pode ser vista mas que não
atrapalhe o caminho.
Antônio aguardou mais um pouco e continuou:
— Vocês perguntaram: qual é o sentido da vida? Por que es
tamos aqui? Agora eu vou fazer uma pergunta para vocês. Mas
não respondam ainda. Simplesmente ouçam a minha voz enquanto eu guio vocês.
Almeida perguntou se eles alguma vez já tinham feito ou criado alguma coisa: um desenho, uma pintura, uma historia ou, quando crianças,um modelo de massinha ou um castelo de areia.
— Visualizem o desenho, o castelo de areia, o poema ou a história que vocês criaram. Pensem neles agora.
Ele fez uma pausa, deixando suas mentes tocar, segurar e acaririciar suas criações.
— Essa criação é você. Você criou alguma coisa do nada
Você fez uma expressão de si mesmo. Você preencheu um vazio
com a inventividade de sua mente. Você criou alguma coisa que
era ao mesmo tempo parte de você e separada de você. Alguma
coisa que não existia começou a existir porque você a desejou.Você foi
foi o criador.
Almeida continuou falando enquanto os adolescentes viam
mentos mais escuros de medo, insegurança, dor e angústia, vivam
sabendo que vocês são um espírito eterno criado por ele, o Espírito Universal. Saibam que vocês são parte dele e ele é parte de
vocês. Saibam que vocês viveram antes e viverão de novo. Saibam que vocês, antes de nascer, escolheram o caminho que estão
trilhando agora, porque vocês sabiam que era o melhor caminho
para vocês. Vocês não são um desenho, um poema ou um modelo de massinha. Vocês são criações vivas do universo. Vocês estão
aqui nesta Terra para aprender, crescer e evoluir. Saibam isso,
vocês não terão medo. Saibam que todos os espíritos encarnados
nesta Terra estão aqui pela mesma razão que vocês. Entendam
isso, e não haverá razão para sentir medo.
Finalmente, antes de se despedir dos adolescentes, Almeida suplicou-lhes que ficassem longe das drogas.
— Como eu disse, a droga apenas encobre seus problemas. Mas
elas também fazem outra coisa: distanciam vocês de seu verdadeiro ser. Vocês estão na Terra para aprender, criar, experimentar,
crescer. Vocês estão aqui para provar tudo que este mundo tem para
oferecer. Não caiam na besteira de pensar que as drogas vão aguçar
çar seus sentidos, tornando-os mais conscientes de suas experiências. Isso, para não dizer coisa pior, é merda. Drogas confundem a
mente física. O espírito usa a mente física para sentir, entender
fazer experiências nessa vida que você está vivendo. Um vício aqui na Terra dificulta que seu próprio ser, seu espírito, se liberte
desta vibração. Se você se prender a esta vibração, você não estará livre para
progredir, você não estará livre para se reunir,
seu espírito de criação.
Capítulo 7
Mesma segunda-feira, escritório de Mary Fried, ano 2015
A CAÇADA COMEÇA
"Ó amante do Rei! Saiba que teu caminho é procurar o prazer daque-
le Senhor Generoso. Quando tu procuras o desejo e o prazer do Bem-
Amado, procurar teu próprio desejo é proibido."
O Caminho Sufi do Amor: Os Ensinamentos Espirituais de Rumi
Seis salas à direita da sala de Bill Hanley, Mary Fried consul-
tava seus arquivos à procura de empresas de pesquisa em São Pau-
lo, no Brasil. Pessoas ligadas a Mary reconheceriam facilmente
seu escritório. A sala era fria, estéril, moderna e eficiente, com pa-
redes cinza-claro e carpete cinza-escuro. No centro da sala ficava
sua enorme escrivaninha cromada, com tampo de vidro, ladeada
por duas poltronas feitas de couro preto e cromo. À sua esquerda
e à sua direita, dois computadores estavam ligados: um conecta-
do a um site qualquer na Internet e o outro acompanhando os re-
sultados de sua última pesquisa. Não havia vida naquele escriório nenhuma planta, flor ou mesmo toques pessoais. As persianas
brancas da janela estavam quase sempre fechadas e o ar-condicio-
nado mantinha uma temperatura constante de vinte e dois graus,
tanto no verão quanto no inverno.
Um escritório funcional e eficiente, com tudo em seu devi-
do lugar.
O escritório espelhava Mary. Com um metro e sessenta de altura, ela era uma morena enxuta. Seu corpo não carregava exceso de peso e sua personalidade não carregava excesso de emoção.
usava o cabelo escuro sempre curto, pouca ou nenhuma maquiagem no rosto, e seu guarda-roupas se compunha essencialmente
de terninhos escuros. Muitos de seus amigos, sem ela saber, chamavan-na de "paisagem lunar", porque, como a lua, ela era "va-
zia sem charme".
Enquanto mergulhava no Projeto Antônio Almeida, Mary sorriu ao lembrar-se do que falou para seus amigos quando aceitou o
convite para trabalhar com Masterson, cinco anos atrás.
— Religião e política são a mesma coisa: ou você acredita ou
você não acredita. E, no final das contas, nenhuma das duas_faz
um pingo de diferença na vida das pessoas.Quando ela conheceu Masterson, os dois estavam em lados
opostos. Ele buscava ser candidato à presidência pelo Partido Re-
publicano; ela prestava consultoria a esse mesmo partido, que te-
mia ser dominado pela direita religiosa representada por Masterson.
A campanha do evangélico foi um fracasso. Ele foi obrigado
a se retirar da corrida presidencial quando tropeçou em suas próprias palavras, dizendo que "a América é uma nação cristã, e aqui
não há espaço para muçulmanos, ateus ou budistas". Aquilo parecia ter sido o fim da carreira política de Bob Masterson.
Poucos dias depois do fiasco, ele telefonou para Mary, cujas
técnicas maquiavélicas o haviam impressionado. Ela era talentosa ao usar os resultados de suas pesquisas de uma maneira prática
e mortal. Masterson sentiu na pele sua capacidade de distinguir
os temas chaves da campanha e instantaneamente formular uma
mensagem aceita por brancos e negros, pobres e ricos.
Masterson queria Mary jogando em seu time.
— Ela divide números e pessoas melhor que qualquer um —
disse ele a seus assessores. — Ela consegue jogar um grupo contra
o outro sem ninguém é uma bruxa.
Masterson tinha certeza de que Mary poderia ajudá-lo em
seus planos. O evangélico sabia que a religião estava mudando na
América e no mundo todo. A fé sempre havia sido um grande e
lucrativo negócio. mas agora ele via a religião se tornar uma grande força política também. E Bob queria dominar o novo jogo.
Ele sabia que nunca poderia ser senador ou presidente, por-
que ele era um alvo fácil. Sua patética campanha à presidência dei-
xara isso dolorosamente claro. Ele se via como um grande "corre-
tor de poder" agindo nos bastidores. Masterson queria esse papel
não só nos Estados Unidos, mas também em todos os países onde
a CCM tivesse interesse. Não importava se o país fosse uma demo-
cracia, ditadura ou monarquia, Masterson queria ter influência. Para
ele, essa era a chave da sobrevivência da CCM.
Com isso na mente, ele contratou Mary Fried. Informação é
poder e nos dias de hoje a informação vem por meio de pesquisas de opinião e comportamento. Ele já controlava as mídias ele-
trônica e impressa o suficiente para atingir o público. Agora ele
precisava de informação sobre esse público para que pudesse manipulá-lo. A partir daí, tudo se encaixaria, e os políticos não se li-
mitariam a ouvir o que Masterson dissesse; eles iriam executar o
que ele exigisse.
Obter concessões de rádios e TVs nos Estados Unidos e no exterior seria fácil. Dependendo do efeito na Cruzada Cristã Mundial,leis poderiam ou não ser aprovadas. Masterson dizia a si mes-
mo que esses planos e artimanhas eram a única maneira de reali-
zar o trabalho do Senhor no século XXI.
Mary aceitou o desafio e, depois de algumas semanas no tra-
balho, ela sugeriu a Masterson que expandisse sua base.
— As pessoas o consideram muito sem graça. Você é tido
como um grosseirão intolerante e inflexível Nos anos oitenta
você era visto como um soldado nas Unhas de frente da batalha
contra a decadência moral. Mas, Bob, os anos oitenta já se foram.
Estamos no século XXI, e você está batendo na mesma tecla há mais
de trinta anos.
Masterson não estava gostando da conversa, mas continuou
ouvindo sem interromper.
— Você fala para as mesmas pessoas todo dia na televisão, seu
ibope não muda há cinco anos. Você é como o padre da missa de
domingo, falando sempre para as mesmas duzentas pessoas que
freqüentam sua igreja. Você está falando para os já convertidos.
Você tem que abraçar um público maior_se quiser ter a força política que pretende ter.
Enquanto organizava o Projeto AA, Mary Fried recordava
aquela primeira conversa com Masterson. No decorrer dos anos,
eles obtiveram um sucesso moderado na ampliação da base.
dos primeiros passos que ela sugerira foi que ele encontrasse uma
— Olhe, nesta altura do campeonato é muito difícil mudar
sua imagem. Você aparece na televisão há mais de trinta anos
pessoas sabem quem você é. O que você precisa fazer é continuar
trabalhando em sua base principal. As doações de que precisamos
vêm deles, não podemos perdê-las. Mas precisaremos de outra plataforma se quisermos atingir o grande público americano. Mary traçou seu plano: formar um comitê nacional independente
mas controlado pela CCM.
— Esse comitê seria mais moderado, flexível e menos dogmático
tico do que você. Mas por meio dele você poderá escolher candidatos
e bancá-los financeiramente, atacar inimigos políticos,
construir alianças pelo país inteiro. Esse comitê pode falar com pessoas que não falariam com você nem mortas. 1
Masterson amou a idéia, e a Maioria Cristã Americana nasceu, tendo eleito, nos últimos seis anos, dois governadores, cinco
senadores, vinte deputados federais e mais de cento e cinqüenta
deputados estaduais no país. Masterson e a MCA tornaram-se uma
força expressiva no Partido Republicano. Em quatro anos, eles
iriam indicar seu primeiro candidato à presidência. Bob Master-
son, com a ajuda de Mary Fried, era um corretor de poder muito
importante na vida americana.
Mary cuidara do projeto MCA desde sua criação. E agora Masterson lhe entregava aquele abacaxi chamado Antônio Almeida
O Projeto AA envolvia religião e política. Mary sabia que Masterson estava preocupado com o rapaz brasileiro, e ela tinha certeza de que ele autorizaria qualquer manobra suja para destruir o
sujeito.
— Coitadinho do Jesus da Nova Era — pensou, enquanto
imprimia uma lista das cinco maiores firmas de pesquisas de São
Paulo. — O cara não tem a menor chance.
Assim que Almeida estivesse em sua alça de mira, ela atiraria. Ela iria vasculhar o pregador dos pés à cabeça e depois acabaria
com ele. Ela era a rainha do jogo sujo.
Mary aprendera uma coisa importante em todos os seus anos de pesquisas de opinião pública:as pessoas não mudam. Cada geração carrega
consigo os preconceitos, aspirações e medos passados
ração de avõ para pai e de pai para filho.
Ela era mestra na arte de usar o preconceito de um grupo contra outro.
- Divida as pessoas em categorias, defina o que elas não têm em comum e
jogue uma contra a outra. Isso feito, o jogo é todo
seu-costumava falar.
Ela fazia isso com prazer nas campanhas políticas. Mas com re-
ligião era outra coisa. Ela sabia que isso era brincar com dinamite.
Suas pesquisas mostravam que a religião era uma das princi-
pais motivações na vida de uma pessoa. Ela usava a Irlanda do Norte, os mártires árabes e os conquistadores do Mundo Novo como
exemplos:
— Olhem ao seu redor. Vejam como pessoas morrem e ma-
tam em nome da fé. Tudo que se tem a fazer é manipulá-las— ex-
plicava Mary nos seminários fechados da CCM.
— Garotos japoneses atiraram-se contra navios de guerra
americanos por um Deus do Sol; adolescentes muçulmanos fixam
bombas em seus corpos por Alá. E aqui mesmo nos Estados Uni-
dos vocês têm fanáticos religiosos citando a Escritura Sagrada para
justificar racismo e pena de morte.
Mary estava convencida de que no novo milênio a política
seria um jogo de várzea. A "Primeira Divisão", ela tinha certeza, seria disputada no campo da religião.
- Eu e Bob Masterson formamos um par perfeito — dizia ela a seus amigos mais íntimos. — O manipulador-mestre e a mestra
do manipulador.
Ela sabia que Masterson poderia facilmente perder o rumo por
causa desse tal de Almeida.
- Como um cara podia falar em uma língua e ser entendi-
do em outra? — perguntou a si mesma.
Naquele momento, ela não estava considerando isso um grande problema; se não houvesse uma explicação lógica, ela simplesmente inventaria uma.
"Sempre podemos jogar a culpa no demônio", pensou.
Ela agora se ocupava em rotular Almeida. Era assim que ela sempre começava seu trabalho.
— Rotule e classifique. Uma vez que você tenha rotulado
seu oponente, ele poderá ser dividido, dissecado e, se preciso, destruído — ensinava a seus assistentes.
Mary iniciou esse processo pondo seus próprios preconceitos para trabalhar. Certa vez ela disse a uma colega:
— As pessoas são a soma de seus preconceitos. Seus medos
são mais fortes e falam mais alto que seus ideais. E hoje as pessoas
têm medo. Elas temem o futuro porque têm pavor de mudanças,
Elas têm medo de uma sociedade que está mudando depressa demais para elas. Por causa disso, as pessoas se isolam em grupos
que compartilham os mesmos gostos e as mesmas aversões. Com
todo esse medo rodando por aí, meu trabalho fica muito, mas
muito mais fácil.
Sentada em seu escritório, Mary escreveu essas palavras em
seu bloco de anotações:
GAROTO RICO, ELITISTA, MÍSTICO.
Dois anos atrás ela fizera um trabalho exaustivo com a Bíblia.
Não uma pesquisa religiosa ou acadêmica. Ela não entendia a Bí-
blia mais que qualquer um. Ela usou a Bíblia para um projeto de
pesquisa. Ela queria descobrir como os fanáticos os cristãos tradicionais e as pessoas não filiadas a uma crença específica inter
pretavam a mesma passagem bíblica. Ela e mais de cem assisten-
tes gastaram seis meses e setecentos e cinqüenta mil dólares da CCM
para completar o trabalho.
Ela e Masterson consideraram que o dinheiro e o esforço ti
nham valido a pena. Eles conseguiam encontrar, instantaneamen-
te, citações apropriadas para qualquer situação política ou moral
E o melhor de tudo é que se eles sabiam quais citações teriam maior
efeito sobre este ou aquele público. Mary Bob dominavam Velho e o Novo Testamento.
Se Masterson tinha de falar para um grupo de crentes sobre
a pena de morte, por exemplo, ele usava a citação "Olho por
olho". Os crentes adoravam isso. Eles esperavam por isso. Sentiam- se bem
com isso. Então, Bob Masterson dava-lhes isso.
Mas essa citação não caiu bem com o público mais sofistica-
"Olho por olho" estava no Velho Testamento. O público mais
sofisticado queria Jesus e o Novo Testamento. No banco de dados criado por Mary havia cinco ou seis citações de Jesus que po-
diam ser interpretadas como favoráveis à pena de morte. E Masterson era um mestre em manipular interpretações.
Quando Bob precisava de um gancho bíblico para uma pa-
lestra, contra o aborto, ele tinha várias ao seu dispor, usando o
Deus bravo que castiga para os fanáticos, e para os indecisos uma
citação mais "light". Bob e Mary chamavam isso de religião sob medida: "Dê ao povo o que eles querem", dizia Masterson, "contan-
tõque dancem conforme a minha música."
A atenção de Mary voltou-se para Antônio Almeida, o garoto latino cheio da grana. A Sagrada Escritura não gosta de dí-
nheiro. "Dinheiro é mim, pobreza é bom", anotou Mary em seu
bloco.
Muito tempo atrás, Masterson dissera-lhe:
— Pessoas ricas sentem-se culpadas quando você diz que o di-
nheiro é mim. E, quando se sentem culpadas, elas lhe dão um
pouco de seu dinheiro para suavizar a culpa.
"Agora", pensou Mary olhando para seu bloco de anotações,
temos que encarar a questão da Nova Era. Isto é fácil mas ao
mesmo tempo problemático. Terei que andar na corda bamba."
Suas pesquisas apontavam que os menos instruídos e perten-
centes às classes baixas não compreendiam a filosofia da Nova
Era. Eles viam a espiritualidade da Nova Era como alguma coisa
nova e portanto, temível. Na visão deles, a Nova Era representava tudo que era moderno e efêmero nessa sociedade que cada
vez mais bolava as classes baixas. A Nova Era consistia num con-
ceito muito vago para eles; não havia pecado, regras, muito menos um Deus raivoso para temer. Muito tempo atrás, Mary aconselhara Masterson a não se meter com a Nova Era.
Ela tinha certeza de que aquilo era mais
uma onda passageira da elite. Mas, agora que eles estavam de olho
em Almeida, Mary sentiu que ela teria que se atualizar sobre losofia da Nova Era.
E o melhor lugar para começar seria, provavelmente,
Paulo, no Brasil.
Mary decidiu realizar pessoalmente a pesquisa. Ela queria
saber tudo sobre aquele sujeito.
Em sua mente ela já havia classificado todos os preconceitos
a Nova Era, dinheiro e latinidade. Agora ela poderia deco
Almeida conforme essas classificações. E então ela o destruiria
"O que as pessoas têm em comum não serve para nada. O
vale é aquilo que as separa. Descubra quais são seus medos, ódio
e preconceitos, e você conquistará seus corações e nentes", era
de suas considerações favoritas.
Ela chamou seu assistente e pediu-lhe que reservasse u
passagem de ida e volta para São Paulo, com partida naquela n
te e retorno para dali a cinco dias. Mary estendeu-lhe uma fo
contendo o nome de três firmas de pesquisa que ela seleciora
pedindo-lhe que telefonasse para cada uma e marcasse reunião
para o dia seguinte à tarde.
— Diga-lhes que quero ver suas melhores apresentações
que tenho muito dinheiro para gastar.
Um sorriso nasceu em seus lábios quando ela começou
pesquisar na Internet à procura de sites__sobre a Nova Era,
Milênio e Espiritismo. A caçada havia começado, e Mary era a do
da caçada.
— E sempre melhor ser a raposa do que o coelho — murmurou alto para uma sala vazia.
Capítulo 8
Terça-feira, ano 2015
UMA VISÃO DO INFERNO
"Que tipo de Deus é ele? Enquanto permanecer um único fio de cabelo de amor por você mesmo, ele não lhe mostrará o seu rosto. Você precisa estar completamente repelido por você mesmo e pelo mundo e ser
seu próprio inimigo (...) Leve seu coração para Deus e separe-o de tudo
que não tem valor."
O Caminho Sufi do Amor: Os Ensinamentos Espirituais de Rumi
Distante da cúpula da CCM não apenas geograficamente, o
padre Jean estava sentado em seu pequeno escritório, na reitoria
da Igreja de São Paulo, em Nova York. Era o começo da tarde de
terça-feira e ele já estava trabalhando no sermão do domingo.
Aquela missa de domingo seria especial, porque a igreja de São
Paulo estaria comemorando seu primeiro centenário. Como a pa-
roquia, graças a Jean, era uma das poucas igrejas católicas de pe-
riferia prosperando nos Estados Unidos, a arquidiocese de Nova
York decidira divulgar amplamente o evento. No domingo, a missa seria transmitida não só para todo o território americano mas
também para vários países africanos. Além disso, o novo papa de-
monstrara grande interesse pelo trabalho do padre Jean, e uma trans-
missão exclusiva seria vista pelo Santo Padre em seu apartamento Vaticano.
Nos Estados Unidos, a missa seria exibida nos mais de cem
sistemas a cabo que transmitiam o canal da Igreja Católica para
mais de noventa por cento do país. Na África, em virtude da diferença de fusos horários, a igreja convenceu várias TV estatais a
transmitir a missa em horários diferentes. A igreja bancaria o custo de tradução nos países onde o inglês não fosse a língua nativa
Se para a arquidiocese aquela missa tinha grande valor,
o padre Jean o evento seria de especial importância. No
mingo, durante a celebração, Jean revelaria suas visões para seus
paroquianos e para o mundo. Jean tinha certeza de que o fim
sermão seria também o fim de sua carreira. Mas ele não pode
deixar de usar as câmeras de televisão para anunciar ao mundo que o milênio estava mesmo cumprindo sua promessa, que uma Nova
Era estava nascendo na Terra.
Ele falaria de uma batalha. Não a batalha física e mortal do
Armagedom, mas uma batalha para a alma humana. Jean fala
da procura dos espíritos da Terra por novas respostas aos velhos |
problemas nestes tempos materialistas. E, no final do sermão, contaria ao mundo as boas-novas: o Cristo mensageiro havia chegado.
Enquanto escrevia o sermão, Jean ouvia claramente uma voz
suave, a mesma que vinha escutando nos últimos seis meses e que mais recentemente deixara de vir de uma fonte externa, tornan
do-se parte dele.
— Jean, não tenha medo: você está na luz. Mostre às pessoas
como elas são ligadas umas com as outras, e como todos são ligados ao universo. Afastemos do medo e da raiva e faça-os superar suas
próprias vaidades e egos. Ajude os espíritos encarnados nesta Terra a dentro e para fora de si mesmos e, principalmente
te, prepare-os para receber o mensageiro que chegou.
O padre aceitou a tarefa com um sorriso. Ele sabia es
sendo inspirado por uma força exterior. Nas últimas semanas, Jean
tornara-se um médium, vendo e ouvindo o que outras pessoas i
conseguiam ver nem ouvir.
Em algumas ocasiões, Jean pôde entrever o outro lado
vida. Ele aprendeu que em alguns casos, para algumas almas, a
vida pós-morte era meramente uma continuação da vida terrestre.
Nessas suas espreitadas pelo além, o padre via os espiritos não como fantasmas ou formas enevoadas, mas como seres reais vivendo
e prosseguindo com suas vidas lado a lado com espíritos encarnados na Terra.
Ao lembrar-se de uma experiência ocorrida no dia anterior,
Jean não conteve um sorriso. Acontecera em sua lanchonete pre-
ferida, perto da igreja, onde ele estava almoçando. Enquanto co-
mia, ele via espíritos desencarnados indo e vindo, levando suas
vidas numa dimensão diferente mas não menos real que a terres-
tre. Aqueles espíritos não eram "fregueses" da lanchonete. Eles es-
tavam ali, circulando, mas pertenciam a outro nível de vibração.
Jean compreendeu que eles viviam em uma das muitas mansões
de que Jesus falara. Seus mentores espirituais haviam ensinado
que no universo há ainda muitos outros níveis de vida:
— Quando um espírito deixa o plano terrestre, ele é atraído
a um plano de existência para o qual está preparado. O espírito
Habita aquela esfera até que esteja pronto para uma outra encar-
nação na Terra ou para prosseguir numa outra vibração.
- Não há infernos perpétuos — explicaram os guias. — As
vibrações infernais são as mais baixas e densas. Nessas faixas, a be-
leza e harmonia do Mestre só podem ser vistas de relance. Os es-
píritos que lá habitam não ardem em chamas ou na lava derre-
tida. Eles vivem em vibrações densas, baixas e escuras, fora da
vibração divina. Isso não é um castigo, padre, é uma conseqüência de seus próprios atos.
Desde o florescimento de sua mediunidade, Jean tivera mui-
tas visões, e agora uma imagem do inferno lentamente se forma-
va à sua frente. Jean desejava que algumas das visões que ele presenciara nunca tivessem ocorrido; esta visita ao inferno seria uma
delas.
Uma escuridão acinzentada lentamente o envolveu e um frio
úmido penetrou seu corpo. A sua volta, numa tonalidade um pou-
co mais clara que a escuridão, Jean viu os espíritos que habitavam
aquela esfera.
Estes espíritos, Jean, estão presos aqui. Suas vibrações os
trouxeram a este nível. Eles não são demônios e não estão sendo
castigados. Eles estão simplesmente sofrendo as conseqüências de
seus atos, pensamentos e intenções — declarou o guia.
Jean percebeu que aqueles espíritos se moviam lentamente,
como se estivessem presos ao frio pesado, escuro e cinzento daque
la vibração. O guia, captando os pensamentos do padre, explicou
o que estava acontecendo:
— Eles não são almas perdidas, padre. Eles são espíritos pre-
sos, espíritos que se apegaram às vibrações densas de suas vidas ter-
restres orgulho, raiva, medo, ódio e ciúme. Eles não foram capa-
zes, em suas várias encarnações, de se separar de seus próprios
egos, de suas ambições e de seu egoísmo. Eles eram, como vocês
falam na Terra, "cheios de si mesmos", a ponto de não sobrar es-
paço para mais nada. Agora, neste lado da vida, onde a ilusão da
Terra não existe, eles estão sentindo a verdadeira densidade, peso
e escuridão de suas próprias vibrações. Deus não criou este infer-
no; foram os espíritos que o criaram com sua própria insanidade.
O guia pediu ao padre que olhasse para longe, onde uma luz
penetrava a névoa úmida e escura.
— Está vendo a luz no horizonte? Essa luz não é fraca e não
falha. O amor e o poder de Deus são sentidos até mesmo aqui. Se
esses espíritos parassem, meditassem e se separassem de si mesmos,
sentiriam os raios de sua luz aquecer suas almas.
Padre Jean estudou a cena e perguntou que tipo de espírito acabava caindo naquele lugar. O guia respondeu com uma pergunta:
— Qual é, em sua opinião, a pior ofensa que um ser humano
pode cometer?
O padre refletiu por um breve instante e respondeu:
— Depois de suicídio, assassinato.
— Por que diz isso? — perguntou o guia.
— Assassinato é uma ofensa contra a humanidade, e contra
Deus.
-— Então deixe-me contar uma história sobre dois assassinos
— disse o guia. — Os dois morreram mais ou menos na mesma
época. O primeiro matou por causa de uma paixão feroz. O segun-
do tinha eliminado friamente um empresário rival.
O guia disse que um deles estava naquela vibração escura e
o outro numa outra, onde estava acertando seu equilíbrio cármico
não apenas com sua vítima mas também com todos que ti-
nham sido direta ou indiretamente afetados pelo assassinato.
— Qual deles você acha que está aqui? — perguntou o guia.
Jean sacudiu os ombros e disse que não tinha a menor idéia
da resposta.
_- O espírito que matou por paixão esta aqui. Esta e uma vi-
bração de emoções densas, onde residem os espíritos que não
conseguiram separar-se da raiva, da fúria e do ódio. O espírito
que matou friamente está em outro lugar, lidando com as con-
seqüências de seus atos, especialmente com as forças cármicas que
ele desencadeou.
O padre não conseguia entender por que os dois espíritos ti-
nham sido levados para níveis de vibração diferentes.
_Afinal — justificava Jean —, assassinato é assassinato.
— Sim, assassinato é assassinato, mas com intenções e mo-
tivos diferentes. Um homem que comete assassinatos em série,
estupra, tortura e brutaliza suas vítimas estaria na mesma freqüênciã de um assassino profissional que mata por dinheiro? As moti-
vações de um são diferentes das motivações do outro. Um está agin-
do por impulso e o outro por motivação financeira. As intenções
são diferentes, portanto o carma criado é diferente.
O guia explicou a Jean que a justiça na Terra ou é preta ou
é branca.
— E é assim que deve ser — declarou. — Espíritos encarna-
dos precisam de diretrizes fortes e bem definidas. Mas do lado de
cá a coisa é diferente. Aqui não há julgamentos, portanto há muitos tons de branco, cinza e preto.
Jean desculpou-se, dizendo não ter ainda compreendido exa-
tamente o que o guia estava tentando dizer.
Vou dar um exemplo — propôs o guia. — Uma crian-
ça não aprende da mesma forma que um adulto. A criança e o
adulto estão em níveis diferentes de desenvolvimento.Aqui é a
mesma coisa: níveis e faixas diferentes. Quanto mais alto você evoluir maior é sua responsabilidade. Isso explica por que dois espí-
ritos cometem o mesmo ato e os resultados acabam sendo diferentes para cada um.
O padre quis saber quanto tempo os espíritos permaneciam
naquela vibração.
Vou repetir, padre: não há regras. Tudo depende do espí-
rito. Auxílio e orientação estão próximos, porque espíritos das vibrações mais altas podem vir até aqui, se for necessário. São esses
caras — o guia apontou para as formas cinza-escuro à sua volta —;
que não podem ir embora enquanto não estiverem prontos.
Ele então perguntou se o padre havia notado algo estranho.
Jean pensou por um momento, sorriu e respondeu:
— Eles não podem ver a gente, é isso?
— Você está certo — respondeu o guia, explicando que os es-
píritos daquele nível não podiam vê-los porque ele e o padre estavamjrnjiujna-fr^qiiêncjajnais alta. — É a mesma coisa na Terra —
acrescentou. — Almas terrestres não podem ver o mundo espiritual ao seu redor porque as vibrações não combinam.
— Como a lanchonete — observou o padre.
— Sim, exatamente como a lanchonete — confirmou o guia,
sorrindo.
Nada disso estaria no sermão de domingo. As verdades sobre
o mundo espiritual ficariam por conta do pregador brasileiro de
cabelos escuros. A missão de Jean era anunciar sua chegada.
— Você nasceu nesta Terra não para mostrar o caminho, Jean
— lembrou-lhe o guia —, mas para prepará-lo.
Após a partida do guia, as lembranças daquela esfera inferior
foram se desvanecendo lenta e dolorosamente.
O padre lembrou-se então da reunião com o arcebispo no dia
anterior. Jean fora chamado a seu escritório para discutir os even-
tos do domingo.
Na reunião, o padre tinha visto não só o corpo físico da-
quele homem, mas também o espiritual. Observando a aura que
envolvia o espírito do arcebispo, Jean obteve a certeza de que
aquele era um homem bom, que acreditava em sua religião. Mas,
como a maioria dos homens, ele tinha se desviado ao longo do ca-
minho. A administração da igreja, a política e as relações com
autoridades locais, estaduais e nacionais haviam tirado o arcebis-
po Farley da trilha que o levara para a igreja trinta anos atrás.
Olhando para o homem sentado atrás da escrivaninha que
os separava, Jean via um homem infeliz e sem rumo. As distra-
ções da Terra tinham arrancado um jovem padre do caminho es
olhido e colocado um homem de meia-idade atrás de uma enorme escrivaninha.
Depois de discutir os detalhes finais da transmissão, o arce-
bispo lembrou Jean da importância daquela missa.
_- Como você sabe, padre, a igreja não tem tido muita sor-
te em converter os africanos. Aqui nos Estados Unidos nossos
índices de conversão entre os negros também não estão lá essas
coisas. Você é nosso exemplo, você é nossa maior estrela. Até o
papa demonstrou interesse em você. Isso pode dar em algo inte-
ressante, quem sabe? Acho que você está no caminho certo para
se tornar bispo.
O arcebispo, o bom homem que havia perdido seu rumo, es-
taria na Igreja de São Paulo, no domingo, celebrando a missa com
o padre Jean. O Santo Padre estaria assistindo de Roma.
Mas o sermão seria dado por Jean. E ele sabia que aquele ser-
mão pertencia ao homem de cabelos escuros do Brasil.
Capítulo 9
Mesma terça-feira, ano 2015
ATRÁS DA VERDADE
"Não ajunteis para vós tesouros na Terra, onde a traça e a ferrugem os
consomem, e onde os ladrões minam e roubam; mas ajuntai para vós
tesouros no céu, onde nem a traça nem a ferrugem os consomem, e onde
os ladrões não minam nem roubam."
Mateus 6:19-20
Bob Masterson estava sozinho em seu escritório, localizado
exatamente acima da sala de Bill Hanley. Batendo os dedos no tam-
po da escrivaninha, ele procurava se concentrar nas providên-
cias que já havia tomado e nas que ainda precisaria fazer nos pró-
ximos dias.
— Vamos estabelecer prioridades — disse ele a si mesmo.
Dali a mais ou menos quarenta e cinco minutos ele entraria
em seu elevador particular e desceria até o primeiro andar para gra-
var os programas do Clube de Cristo. Antes disso, porém, ele pre-
cisaria ler as anotações que o pessoal da produção preparara sobre
os convidados. Masterson não gostava de surpresas, por isso, mes-
mo quando os convidados eram assíduos do programa, ele lia aten-
tamente o relatório de sua produção. Munido desses dados, ele
começou a avaliar como seria o programa.
Entrevista número um: Phyllis McCord. Esta senhora era
uma veterana dos velhos tempos, famosa por suas posturas contra
o aborto, contra o feminismo e contra os imigrantes. Masterson
às vezes se perguntava se alguma vez Phyllis fora a favor de algu-
ma coisa. Os produtores sugeriam que ele lhe perguntasse sobre
suas últimas conquistas na luta contra o aborto.
O convidado seguinte seria Peter Antonelli, cuja filha fora
estuprada, torturada e assassinada havia oito anos. O assassino, um
tal de Emilio Caldeira, estava preso havia sete anos no corredor
da morte na Califórnia. Suas apelações legais haviam se esgotado
e a execução estava marcada para dali a duas semanas.
Antonelli, como sempre, usaria o programa para falar em prol
da pena de morte. Muito tempo atrás, Masterson tinha se decla-
rado favorável a esse tipo de punição, citando o "olho por olho"
do Velho Testamento como justificativa. Antonelli era sempre
uma atração eficiente, de alto impacto emocional, e isso dava a
Masterson a certeza de que esse programa seria muito bom.
O último convidado seria Billy Tyler. Tyler acabara de voltar
de uma temporada de três anos como missionário da CCM na Asia
e estava trazendo consigo um vídeo sobre as obras da Cruzada na-
quele continente. O relatório da produção avisava que Tyler fa-
laria sobre as dificuldades da CCM em divulgar o evangelho numa
área dominada pela superstição e pelo misticismo.
Lendo o relatório, Masterson recordou-se de suas recentes
negociações com o governo chinês. Por vários anos a China proi-
bira a presença da CCM em seu território, e Masterson aguardou
todo esse tempo uma brecha por onde a Cruzada pudesse entrar
para salvar bilhões de almas chinesas. Nos últimos meses, no en-
tanto, a cúpula chinesa, preocupada com as tensões e inquietu-
des trazidas pela modernidade, vinha olhando para a CCM de
Masterson com novos e bons olhos. A Cruzada, com sua postura
conservadora e pró-governo, poderia ser usada como um contra-
peso às correntes liberais que vinham fervilhando na sociedade
chinesa.
"Em poucos meses", pensou Masterson, "eu terei iniciado mi-
nha campanha 'Vamos Salvar Um Bilhão de Almas para Jesus', e
o governo chinês terá a estabilidade necessária para controlar
aquelas almas."
Masterson era pragmático. Ele não via nada de imoral ou an-
tiético em negociar com um governo que durante anos persegui-
ra e sufocara a religião.
— Os tempos mudam e você tem que mudar com eles —- res-
pondia Masterson a seus assessores quando eles questionavam seu
namoro com a última safra de líderes chineses.
Tendo lido o roteiro do primeiro programa, Masterson vol-
tou-se para sua mais nova obsessão.
"Antônio Almeida... Quem é esse cara?", é o que Bob queria
saber.
Seus pensamentos haviam retornado para o pregador brasi-
leiro e mentalmente Masterson ia classificando e analisando in-
formações e ações.
"Martelli irá vasculhar as finanças do rapaz. Se houver algo,
Phil com certeza encontrará, manipulará e me entregará numa
bandeja de prata."
"Mary Fried... Nunca confiei totalmente nela. Mas ela ataca-
rá Almeida como um mangusto em cima de uma cobra naja. Ela
vai desmascarar esse cara, descobrir qual é a dele e dar-lhe um
chute no saco."
Bill Hanley era um caso diferente. Masterson confiava ple-
namente nele, ou pelo menos sabia como ele iria reagir em de-
terminada situação. "Bill, o Agnóstico", era como ele afetuosa-
mente o chamava. Já fazia algum tempo que Hanley deixara de
dirigir Masterson no Clube de Cristo e passara a comandar toda a
programação e produção da rede da CCM.
Há muito que Masterson suspeitava que Hanley não com-
prava o peixe religioso vendido pela CCM, mas isso não importa-
va, porque ele sabia que Bill era um profissional competente e, aci-
ma de tudo, um amigo. Masterson tinha a certeza de que Hanley
iria se concentrar em Almeida como um raio laser, dando a Mas-
terson tudo que ele precisava saber sobre a vida pessoal de Almei-
da. Hanley faria isso e o faria bem-feito, porque Hanley não acre-
ditava em nada.
A mente metódica de Masterson continuava a preparar as
próximas jogadas.
Prioridade número um: verificar se as fitas foram adulteradas
e se há uma explicação lógica para Almeida, falando em portu-
guês, ser compreendido por qualquer um, inclusive Masterson.
Ele cuidaria disso imediatamente. Sua secretária já havia solici-
tado um portador, e dentro de uma hora a fita estaria a caminho
de Washington, D.C., onde passaria por uma bateria de testes nos
sofisticados aparelhos eletrônicos da McKinsley-Coughlin, em-
presa de segurança altamente especializada e sigilosa, com servi-
ços prestados inclusive para o FBI e a CIA. A resposta viria em no
máximo três dias, e Masterson já havia transferido para a conta
daquela empresa a primeira das três parcelas de cinqüenta mil dó-
lares. A McKinsley-Coughlin não era barateira.
Para Masterson, o mistério do idioma era o xis da questão. Se
as fitas tinham sido modificadas, tudo que ele teria de fazer era des-
cobrir por quem e por que foram alteradas. Mas, se não houve
alteração... bem, isso seria uma outra história.
Pelo que ouviu naquelas fitas, Masterson sabia que o que Al-
meida pregava era coisa velha, mais antiga do que o próprio cris-
tianismo. Porém, se os testes comprovassem a autenticidade das
fitas, Masterson sabia que as velhas idéias de Almeida se torna-
riam um problema a ser encarado.
Mas intimamente, longe das maquinações de sua mente me-
tódica, Bob Masterson sabia qual era a verdade.
No dia anterior, depois falar com o gerente da filial brasilei-
ra, Masterson fez uma ligação para a Universidade da CCM, onde
muitos alunos estrangeiros estavam matriculados, e pediu ao rei-
tor que lhe mandasse três estudantes: um brasileiro, um russo e um
egípcio. Ele disse ao reitor que estava pensando em usar esses es-
tudantes num especial de televisão. Masterson instruiu sua secre-
tária para marcar três reuniões diferentes: primeiro a brasileira,
depois o russo e por último o egípcio.
A brasileira, Maria Rosa Cavalcante, tinha vinte e um anos
e era de Salvador, na Bahia. Chegou às três e meia da tarde no es-
critório de Masterson. A entrevista começou com o evangélico fa-
zendo algumas perguntas banais: de onde ela era, como ficou sa-
bendo da Universidade da CCM e quais eram seus planos depois
de formada, etc, etc, etc. Ele informou-lhe que estava pensando
em produzir um programa de televisão sobre estudantes estrangei-
ros na Universidade da CCM e perguntou se ela estaria interessa-
da em participar.
A jovem ficou lisonjeada, e Masterson avisou que em breve
estaria entrando em contato com ela. A moça estava quase sain-
do do escritório quando Masterson a chamou de volta.
— Puxa, já ia me esquecendo! Tenho aqui uma fita que veio
do Brasil. Você poderia ouvir um trechinho e traduzir para mim?
Mais uma vez lisonjeada, Maria Rosa sentou-se na cadeira, e
Masterson passou três minutos da fita de Antônio Almeida. A
estudante fez uma perfeita tradução simultânea do português para
o inglês.
— Tem uma coisa que eu gostaria de saber — perguntou Mas-
terson quando ela terminou. — O Brasil é um país tão grande...
Vocês têm sotaques regionais, como aqui nos Estados Unidos?
Ela respondeu que no Brasil havia vários sotaques diferentes.
— E qual é o sotaque desse cara?
— Interessante o senhor ter perguntado, porque o sotaque
dele é o mesmo que o meu, da Bahia.
O evangélico agradeceu-lhe a ajuda. Maria Rosa sorriu e dei-
xou o escritório.
O estudante egípcio veio logo a seguir, e depois dele foi a vez
do russo. Ambos foram capazes de traduzir para o inglês o que ou-
viram na fita. O egípcio disse que o homem falava como seu tio
Oman, e o russo identificou o sotaque como sendo o de sua cida-
de natal.
Bob estava pagando cento e cinqüenta mil dólares à Mc-
Kinsley-Coughlin para confirmar o que já ele sabia: não havia
uma explicação lógica para o que estava acontecendo. Mas, como
sempre, Masterson era um homem cauteloso, que alinhava cuida-
dosamente seus peões antes de fazer a primeira jogada.
"Talvez amanhã seja o dia de mover mais um peão", pensou
Masterson.
Mary Fried vivia lhe dizendo que o que ele falava no Clube
de Cristo não tinha importância alguma.
— Você está falando para os fiéis nesse programa — decla-
rou ela. — Eles têm pouco a ver com nosso objetivo principal. A
mídia despreza tudo que acontece nesse programa, pois conside-
ra o Clube de Cristo irrelevante.
Ela chegou a fazer uma comparação com os discursos de Adolf
Hitler nos Beer Halls de Munique, explicando que a classe média
alemã, inclusive os judeus, ignoravam o que Hitler gritava em
seus discursos fanáticos nos Beer Halls.
— O alemão comum perdoava e tolerava o Hitler dos Beer
Halls, dizendo que ele não era realmente assim e que o que ele fa-
lava naqueles discursos servia apenas para manter os fiéis na linha
— explicou Mary.
Depois daquela conversa com Mary, Masterson passou a en-
carar o programa como o seu próprio Beer Hall, onde ele podia di-
zer quase tudo que queria sem se preocupar com as conseqüências.
No decorrer dos anos, com a ajuda de Mary, ele utilizou ha-
bilmente o Clube de Cristo para manter na linha os seguidores de
sua doutrina, enquanto ia, lentamente, construindo uma nova e
mais respeitada imagem fora desse seu rebanho.
No dia seguinte, durante a gravação do programa, ele usaria
aquele púlpito para dar os primeiros tiros de advertência na bata-
lha que ele via surgir à sua frente.
Capítulo 10
Noite da mesma terça-feira, ano 2015
ALMEIDA, ABORTO E UMA PALAVRA SOBRE
ADÃO E EVA
"Eu não vou questionar as suas opiniões. Eu não vou interferir em sua
crença. Eu não vou dar ordens para a sua mente. Tudo que eu digo
é: examine e pergunte. Olhe para dentro da natureza das coisas. Pes-
quise as bases de suas opiniões, os prós e os contras. Saiba por que você
acredita e entende o que eu acredito e possua razão para a fé que está
em você."
Frances Wright (1795-1852)
Toda terça-feira, por volta das sete da noite, Almeida janta-
va em seu galpão com alguns amigos. Cada uma das vinte e pou-
cas pessoas que compareciam trazia consigo algum tipo de alimen-
to: pão, frango, batatas, legumes, macarrão, queijos e sobremesas.
Nesta noite, vinte pessoas, representando quase todos os seg-
mentos da sociedade brasileira, se reuniram com Almeida na maior
sala do galpão. Alguns eram velhos amigos do pregador, que os cha-
mava espirituosamente de "amigos da primeira encarnação", por
tê-los conhecido ainda em seus dias de estudante sustentado pelo
pai milionário. Esse grupo de "amigos da primeira encarnação"
era formado por corretores da bolsa de valores, empresários, ad-
vogados, professores e donas de casa. Alguns deles traziam seus fi-
lhos para esses jantares semanais.
O segundo grupo, que Almeida chamava de "amigos feitos ao
longo do caminho", era constituído por pessoas que o pregador co-
nheceu quando começou a pregar, três anos atrás.
Os "amigos feitos ao longo do caminho" eram um grupo he-
terogêneo composto de escritores, executivos, um médico, um
funcionário público, um jornalista, um monge budista e até mes-
mo um veterinário.
Esses jantares realizados semanalmente eram na verdade ape-
nas uma desculpa para que pudessem se encontrar. Depois da re-
feição, o grupo sentava-se e conversava. Esta noite não seria uma
exceção.
Sentados nas cadeiras ou mesmo no chão com as pernas cru-
zadas, cada um podia falar o que quisesse sobre sua vida. Antônio
chamava esses jantares de "terapia de grupo semanal", e nenhum
assunto era considerado proibido ou inapropriado. A única coisa
que Almeida pedia era que não houvesse discussões nem brigas e
que as opiniões, perguntas e problemas de cada um fossem respei-
tados, porque, segundo ele, "isso não é exatamente um encontro
de oração tradicional, mas poderia ser. Quando as pessoas se reú-
nem para ajudar umas às outras, há oração. E, para que essa ora-
ção possa ser positiva e saudável, vamos deixar as discussões de lado".
Ele continuou, dizendo que aquilo não era uma competição, e que
não havia premiação para o mais brilhante, o mais espirituoso, o
mais neurótico ou o mais problemático.
— Mantenham as vibrações positivas, deixem as negativas do
lado de fora! — era a única coisa que o jovem pregador pedia.
Essas conversas costumavam varar a noite em virtude daque-
le ambiente leve, aberto e caloroso, propício a que as pessoas, sem
medo, expusessem suas almas. Como Antônio uma vez explicou:
— Isso também é oração, porque vocês estão se comunican-
do com Deus e com vocês mesmos.
A conversa desta noite começou quando a ex-namorada de
Antônio, integrante do grupo "primeira encarnação", revelou:
— Acho que vou fazer um aborto, Toninho.
Todos os olhares se voltaram para a jovem. Seu nome era
Fernanda Silveira. Ela era amiga de infância de Almeida, e os
dois chegaram a namorar no final da adolescência. Hoje eles eram
amigos íntimos, e pelo menos duas vezes por semana Fernanda vi-
sitava-o no galpão.
Almeida, sentado em uma longa mesa de madeira no centro
da sala, também voltou sua atenção a Fernanda, perguntando-lhe
o motivo de tal resolução.
— E porque estou grávida e não queria estar — respondeu com
um riso nervoso. — Poderia haver alguma outra razão ?_— desafiou.
— Bem, há algumas que me vêm à mente — gracejou Antô-
nio. — Mas, na maioria das vezes, as razões são irrelevantes. Con-
te para a gente o que está acontecendo.
Fernanda olhou para o grupo e começou a contar sua his-
tória. Ela estava com vinte e seis anos, não era casada e esta-
va iniciando uma carreira promissora em um dos mais respeita-
dos escritórios de advocacia do país. Ela não queria engravidar
ou casar, e não estava interessada em criar um filho nessa fase de
sua_vida.
— Eu não estou pronta, e, além disso, seria uma mãe horrível — admitiu.
Fernanda sabia que o aborto era ilegal no Brasil, por isso já
estava com passagem marcada para os Estados Unidos, onde faria
a operação.
— Fê — disse Almeida, chamando-a pelo apelido —, se você
está tentando me chocar, sinto dizer que não funcionou. Se você
quer saber o que eu penso sobre aborto, esqueça. E, se você quer
que eu lhe convença, de uma maneira ou de outra, esqueça tam-
bém. Eu não posso. Esse é um exemplo perfeito de livre-arbítrio.
A escolha é sua, não minha.
Algumas das mulheres presentes iniciaram um ruidoso aplau-
so, mas Almeida levantou a mão abruptamente, fazendo-as parar,
e disse com um sorriso nos lábios:
— As feministas que me desculpem, mas vou ter que esclare-
cer minhas palavras. Isto não é um caso de escolha porque ela,
como mulher, tem o direito de fazer o que quer com seu corpo. A
escolha neste caso é diferente. A escolha é de Fernanda porque ela,
um espírito em evolução, tem a obrigação de usar seu livre-arbítrio.
Almeida adiantou que aborto era um assunto polêmico, "como
tudo hoje em dia. Nesta era em que vivemos, asjgessoas se apres-
sam a tomar partido e formar suas opiniões", lamentou ele.
Antônio continuou falando para Fernanda e o grupo, que es-
tava ouvindo atentamente cada uma de suas palavras.
— Eu não vou interferir em sua escolha nem vou questionar
sua opinião. Se você acha que chegou à decisão certa, então vá
em frente. Sua mente não deve acatar a vontade de ninguém.
Naquele momento, um zunzum começou a tomar conta do gru-
po. Aborto era um assunto que incendiava as emoções no mun-
do todo, principalmente nos países católicos, como o Brasil. An-
tônio pediu silêncio a seus amigos e prosseguiu:
— Tudo que posso dizer é: ouça e depois decida. Se você quer
e está pronta para ouvir, eu explicarei o que está envolvido nessa
história.
Fernanda e as demais mulheres da sala fizeram sinal afirma-
tivo com a cabeça.
— Antes de encarnar nesta Terra, um espírito auxiliado por
seus guias e mentores faz uma reflexão sobre suas vidas passadas.
Depois, eles começam a moldar uma nova encarnação, que pre-
cisa estar afinada com a vibração e o carma do própro espírito.
Antônio olhou ao redor da sala para se assegurar de que to-
dos estavam entendendo suas palavras. Então ele falou direta-
mente para Fernanda:
— Em outras palavras, Fê, você escolheu a sua vida. Trabalhando com seus guias, você talhou uma encarnação na qual você
iria enfrentar situações e circunstâncias necessárias ao crescimen-
to de seu espírito.
Almeida interrompeu sua explicação e avisou ao grupo que ele
iria fazer algo que raramente fazia: usar seus poderes paranormais.
— As pessoas desta Terra costumam consultar médiuns ou videntes para saber como viver suas vidas. Mas vocês estão encarnados para viver no aqui e no agora, e não no futuro ou no pas-
sado. Vocês estão nesta Terra para fazer suas próprias escolhas.
quero ajudar Fernanda a fazer uma escolha, não fazer a escolha por
ela. E para isso vou ter que olhar para além deste aqui-agora.
Uma onda de expectativa tomou conta da sala. Preocupada,
Fernanda olhou para Antônio, mas ele simplesmente sorriu, pe-
dindo-lhe que relaxasse.
— Nada de ruim vai acontecer. Não vou invocar nenhuma
alma penada. Eu vou simplesmente ler a sua alma.
Ele respirou fundo e continuou:
— Como todos os outros aqui, você traçou a vida que agora
está vivendo. Você foi atraída por seus pais em virtude de um
relacionamento carmático criado durante outras encarnações.
Nesta vida, como criança você aprendeu com eles, e agora como
adulta eles estão aprendendo com você. Você nasceu neste país
porque na vibração do Brasil você está encontrando os desafios de
que sua alma necessita. Você é uma advogada num país de injustiças onde os poderosos fazem as leis. Por causa disso, todo dia você
tem que escolher entre as forças desta vibração e a voz interior de
seu espírito. Ser uma advogada tentando cumprir a lei numa vi-
bração como esta não é fácil, e você escolheu nascer neste país justamente por causa disso.
Fernanda perguntou o que ele queria dizer com aquilo. An-
tônio explicou que sua profissão, a advocacia, era freqüentemen-
te usada não para fazer justiça mas para obter vantagens.
— Você sabe a diferença. Seu espírito alcançou um ponto de
evolução em que ele sabe onde fica a justiça. Você está nesta Ter-
ra e neste país como uma talentosa advogada para fazer escolhas.
Você, antes de reencarnar, traçou uma vida cheia de escolhas.
Almeida explicou que, à medida que evolui, o espírito depara com mais escolhas. Para explicar isso, Antônio utilizou um
exemplo simples: um bebê.
— Um recém-nascido não pode escolher por si mesmo, en-
tão poucas opções são oferecidas. Conforme a criança amadurece, as alternativas se sucedem. Com o espírito acontece a mesma
coisa. Um espírito primitivo não se adapta a uma vibração em
que as escolhas são complexas. Ele não está pronto, e não have-
ria nada para aprender numa vibração dessas. Vocês podem ver ago-
ra a lógica e a perfeição do universo: as escolhas vêm somente
quando estamos prontos. E, com o aparecimento de mais alterna-
tivas, aumentam também as conseqüências.
Almeida dirigiu-se para Fernanda e falou:
— É por isso que eu disse que as razões por trás de sua esco-
lha de abortar são irrelevantes. Razões são irrelevantes. Qjrngor-
tante é a escolha, e também a intenção e a motivação por trás dessa escolha.
Alguém do grupo perguntou:
— Se Fernanda fizer o aborto, ela não estará impedindo um
espírito de entrar neste mundo? Ela não estará impedindo uma ou-
tra alma de viver sua vida? Isso não é assassinato?
Almeida explicou que uma pergunta dessas não poderia ser
respondida com um simples "sim" ou "não".
— O espírito que agora está ao lado dela esperando encarnar
poderia ter criado essa situação para provocar Fernanda. Talvez esse
espírito não esteja destinado a nascer e esteja cumprindo um pa-
pel carmático com ela, dando-lhe a chance de escolher. Nada
acontece por acaso e nada é tão simples como parece.
Antônio ampliou sua resposta:
— Todo mundo enfrenta inúmeras escolhas todos os dias, e
não cabe a ninguém dizer se as decisões foram certas ou erradas.
Nenhuma pessoa pode dizer qual efeito terão as escolhas no carma de cada um.
Levantando-se da mesa onde estava sentado, Antônio cami-
nhou até o lugar em que estava Fernanda.
— Vou conta uma história que vocês já ouviram muitas ve-
zes. E, talvez porque já a tenham ouvido tantas vezes, devem es-
tar cheios dela e desistiram de entendê-la. — Ele deu uma risada
e acrescentou: — Eu sei disso porque quando era moleque eu não
agüentava mais ouvir essa história.
Almeida disse que iria falar de Adão e Eva.
— Lembram-se deles, não? Aqueles adolescentes avoados
que comeram na banca de frutas errada? Pois bem, vou analisar
cada palavra, começando com a parte em que Deus soprou a vida
num monte de pó. Esse sopro é chamado espírito. Deus pegou sua
energia, ou seu espírito, e o colocou em nós. Nós viemos dele.
Nós somos parte dele, e é isso que esta parte da história de Adão
e Eva nos ensina.
Almeida então relembrou a parte em que Deus criou Eva a
partir de uma costela de Adão.
— Adão_nasceudo sopro ou espírito de Deus, e Eva foi criada a partir da costela de Adão. O cara que escreveu essa parte da
Bíblia estava querendo dizer o seguinte: muitos a partir de um.
Nós somos muitos e diferentes seres humanos. Mas todos nós temos a mesma origem.
Almeida esfregou as mãos e continuou com sua narrativa:
— Até aquele momento, as coisas iam bem. Mas Deus tinha
imposto uma condição. No meio do jardim havia uma árvore.
Deus disse a Adão e Eva que tudo naquele jardim era deles, menos a árvore. Aquela árvore era o que lhes permitiria distinguir o
que era bom do que era ruim. "Se comerem dessa fruta, vocêsjnor_-
r^rão^', foi o que ele disse aos dois.
— Preciso esclarecer uma coisa — interpôs Almeida. — Nes-
ta história, Adão simboliza a primeira leva de espíritos que en-
carmaram na Terra. Esses espíritos estavam apenas começando sua
evolução aqui. Vocês se lembram do que eu falei sobre os bebês?
Guardem isso na cabeça.
Sentindo uma certa inquietação nas pessoas que o ouviam,
Almeida fez um pedido:
— Vocês estão esperando que eu chegue ao ponto. Devem es-
tar perguntando o que isso tem a ver com aborto. Relaxem. Esta
história tem tudo a ver com aborto, e com mais um monte de ou-
tras coisas também.
Almeida continuou sua narrativa, dizendo que todos sabiam
que uma cobra falante tinha aparecido para estragar tudo.
— A cobra disse a Eva que ela podia comer a fruta sem medo
de morrer e que na verdade a maçã lhe daria conhecimento, deixando-a sábia como Deus. Bem, a gente sabe como a história
terminou. Eva comeu a fruta e começou a menstruar. Adão teve
que agüentar suas TPMs e dali em diante iria ter que camelar
para sobreviver. E ninguém na Terra, desde aquele dia, viveu feliz para sempre.
O grupo todo caiu na gargalhada. Almeida, num tom mais sé-
rio, continuou:
— É lógico que não havia nenhuma cobra falante. Não havia, nenhuma árvore da sabedoria. Afinal, então, essa história é
sobre o quê? Esse conto está com a gente desde o começo dos
tempos. Existe verdade nele? Como eu sempre digo, há verdade
em tudo. É o homem que, quando não entende a verdade, colo-
ca baboseira.
Almeida descreveu-lhes o Éden como um jardim de beleza ma-
jestosa, paz e harmonia. O Éden pertencia às altas vibrações,
onde há equilíbrio perfeito e os ciclos da natureza estão em sin_-
cronia. como os ciclos do espírito.
--Visualizem as cores mais puras ou o dia mais perfeito, que
vocês já vivenciaram e vocês terãojuma pequeníssima idéia de.
como são as altas vibrações — ilustrou Antônio. — Todos os es-
píritos foram criados dessa vibração e é para lá que todos os espíritos um dia retornarão. Mas, para isso, o espírito precisa estar li-
vre dos apegos às vibrações baixas. A história do Gênesis é sobre
isso: não basta comer uma maçã ou dizer uma prece ou ler um
livro para evoluir. O que a história ensina é bem claro: para alcan-
çar a mais alta, pura e leve vibração, nós precisamos experimen-
tar,trabalhar, renascer, viver e morrer. Como foi dito nessa his-
tória que acabei de contar, "do suor de seu rosto você comerá pão.
até retomar para a terra, pois dela você foi tirado; você é pó e ao
pó retornará". Nossos espíritos encarnam no pó. O pó_é o corpo
físico, e esse corpo, quando morre, retorna ao pó da terra. Gênesis é sobre escolha,e nos diz que não há caminho fácil para
encontrar a sabedoria que procuramos. Ninguém pode dar as suas
respostas. Não há maçãs mágicas, árvores misteriosas ou orações
místicas para iluminar sua alma. Somente você, na sua hora, pode
descobrir por você mesmo o que é certo e o que é errado. E isso
pode acontecer unicamente por meio da escolha e não porque
você está seguindo uma ordem.
Ele fitou diretamente os olhos de sua amiga Fernanda quan-
do disse:
— Eu poderia ajudar você nessa escolha, Fê. Eu vejo o espí-
rito esperando ser seu filho. Eu posso até explicar por que ele es-
colheu você. Mas não vou. Não posso ser sua macieira: a escolha
é sua. É o seu carma, o seu trabalho, a sua decisão. Nada disso é
meu ou -enfatizou, olhando diretamente para as amigas de Fer-
nanda — de qualquer pessoa nesta sala. Uma escolha é uma de-
cisão, e uma decisão não é certa ou errada.Você tem conhecimento
e você sabe o que está envolvido.Você conhece todas as op-
ções disponíveis. A escolha é sua, porque a vida é sua.
Almeida estava voltando para seu lugar na comprida mesa de
madeira, quando parou e acrescentou:
— Ah! Por falar nisso, esqueçam todo aquele papo de pe-
cado original. O pecado original é meramente um outro jeito de
dizer apego: apego ao ego, à vaidade, ao orgulho e ao poder. Libertem-se desses apegos e voem para vibrações mais alta^ Nossa
amiga Eva queria ser como Deus, mas ela não estava pronta. Seu
ego entrou no caminho.
Um homem idoso sentado num canto distante da sala levan-
tou a mão e fez uma pergunta. Antônio, que agora estava sentado na mesa, acenou para ele.
— Você facilita demais as coisas, Antônio. As pessoas preci-
sam de orientação e de alguém que diga o que é certo e o que é
errado. Imagine onde a gente estaria se todo mundo fizesse o que
bem entendesseTCTrnundo estaria um caos.
Almeida perdeu a paciência. Ele se levantou e não fez ques-
tão de esconder sua frustração. Ele se dirigiu ao grupo num tom
de voz mais alto que o habitual:
— Será que vocês não percebem que já estão no caos? Um
caoscriado pelo medo, pelo ciúme, pelo ódio! As pessoas já estão
fazendo o que bem entendem, por isso vamos parar com a hipo-
crisia de uma vez por todas.
Ele respirou fundo para recuperar a calma e disse:
— Lembram-se do que eu ensinei sobre intenções? Se você
é adepto de uma determinada igreja, religião ou credo e segue seus
ensinamentos por causa do medo, você não está evoluindo. Você
está deixando o medo ser a sua motivação quando você diz: "É melhor eu fazer isso ou aquilo, assim estarei acumulando créditos no
céu". O espírito que faz isso está deixando os outros controlarem
sua vida, porque os outros é que estão tomando as decisões para
ele. Se é para se render às_crencas ou aos ideais alheios, qual se-
ria então a razão de viver nesta esfera?
Almeida dirigiu-se novamente a Fernanda, falando agora
num tom mais suave:
— Minha querida Fê, eu poderia dizer o que fazer, mas eu a
amo demais para fazer isso. Eu poderia dizer que é errado fazer
aborto, mas que bem isso faria? Pense e aja por si mesma, porque
somente assim você vai aprender e crescer. E isso vale para todos
vocês e é a minha mensagem. Foi por causa disso que eu voltei:
para dizer a todos que deixem suas idéias preconcebidas para trás
e que atirem seus medos no entulho da história.
Capítulo 11
Quarta-feira à tarde, ano 2015
OS FALSOS PROFETAS
O maquiador completou os últimos retoques no rosto de Mas-
terson e em poucos minutos começaria a gravação dos programas
Clube de Cristo que iriam ao ar na semana seguinte. Masterson sem-
pre mantinha pelo menos uma semana de programas gravados
com antecedência, o que lhe garantia flexibilidade para cumprir
seus outros compromissos.
Francine Boyer, sua assistente, deu três batidas na porta e en-
trou no camarim para avisar que a gravação iria começar em cin-
co minutos. Olhando para ela pelo reflexo do espelho, Masterson
fez um aceno com a mão e disse que já estava pronto para ir.
— Meus alemães estão lá fora — disse ele, sorrindo para si mes-
mo. — Vou dar a eles aquilo que esperam.
Cerca de meia hora atrás, Masterson chegara a uma decisão
final. Hoje, ele iria disparar os primeiros tiros de uma guerra. Essa
guerra, ele sabia, seria uma luta crucial para o futuro da CCM, para
o seu próprio futuro político e tudo o mais que ele construiu du-
rante os últimos trinta anos.
Sentado no camarim, Masterson refletiu sobre aqueles trinta anos. Seu pai fora um juiz de interior no pequeno e pobre esta-
do de Missouri. Honesto e severo, o pai o enviara para a Univer-
sidade Bíblica de Missouri, onde aprenderia a ter disciplina e medo
do Senhor.
Bob odiava aquela universidade religiosa, suportando-a mais
por medo do senhor seu pai do que por medo do Senhor Divino.
No terceiro ano da faculdade, porém, Masterson conheceu Betty,
com quem namorou, noivou e, assim que se formaram, casou.
Jim, o pai de Betty, era tudo que o pai de Bob não era. O sogro bancou os estudos do genro na faculdade de direito da Univer-
sidade de Missouri, onde Masterson se formou com honras em
1981. Ele era, então, aos vinte e quatro anos de idade, um advo
gado com um futuro brilhante pela frente, um futuro assegurado pelo
convite do sogro para trabalhar em seu escritório de advocacia em
Lexington, Kentucky. Masterson, no entanto, tinha outros planos.
Durante seu último ano de faculdade, ele se apaixonou pela
televisão. Desde os anos sessenta ela havia tomado posse das salas das famílias, e Masterson sabia que o poder desse meio de co-
municação só tendia a aumentar.
Masterson queria juntar o que ele considerava as duas forças
mais poderosas do século_XX: religião e televisão. Ele dizia que
quem pudesse arranjar esse casamento com sucesso teria um enorme poder.
Bob contou sua idéia ao sogro. Cético porém acessível, Jim
Marlin ajudou Masterson a comprar a estação que em outubro
daquele ano estrearia no canal 18 com o nome de TV CCM.
O resto é história. E quando Masterson saiu de seu camarim
em direção ao cenário do Clube de Cristo ele literalmente pôde ver
a história que ele escrevera. No novo complexo multimilionário
da CCM, havia oito estúdios digitais de televisão e cinco conexões
de satélite que transmitiam a programação da CCM para mais de
cento e cinqüentaemissoras nos Estados Unidos e outras duzen-
tas ao redor do mundo.
Mas o complexo de televisão era apenas uma parte do im-
pério Masterson, composto ainda de um banco financeiro nas
Ilhas Caimã, uma companhia de previdência privada que gera-
va bilhões de dólares, mais de setenta e cinco estações de rádio,
sete jornais diários e centenas de igrejas espalhadas em mais de
sessenta e cinco países. Graças a essa base sólida, Masterson re-
centemente pôde lançar uma rede comercial de TV com a qual
esperava, um dia, competir com as maiores redes de televisão dos
Estados Unidos.
Aguardando fora do palco pelo sinal de entrada, Masterson
se preparava para começar a luta pela sobrevivência de seu impé-
rio. Hoje ele começaria a combater o homem que, quando fala-
va, era entendido por todos.
Bob Masterson sabia quem era Antônio Almeida, mas jamais
contaria a alguém sobre esse homem que vinha aparecendo em seus
sonhos nos últimos cinco anos. Na semana anterior, o sonhos se
tornaram reais, e ele estava vivendo essa realidade durante toda
esta semana. Ele teria de apagar essa realidade da face da Terra,
ou ela o apagaria. Masterson estava perto de se tornar uma força
chave na estrutura mundial e ninguém iria bloquear seu caminho.
O Banqueiro Bob (ele sabia como seus críticos o chamavam),
desonesto com os outros, pelo menos era honesto consigo mesmo.
Ele sabia que manipulara os medos, as ansiedades e as crenças das
pessoas para chegar aonde chegou. Ele pregava as palavras de
Deus, mas contratava pessoas para lhe dizer o que eram essas pa-
lavras, e ele usou essas palavras para conseguir o que queria. E
dentro de alguns minutos ele as usaria de novo. Dali a alguns ins-
tantes ele falaria com seus fiéis e leais defensores. Eles eram, como
dizia Mary Fried, seus "alemães do Beer Hall".
Enquanto a orquestra do estúdio tocava a música de abertu-
ra, Masterson olhava para o palco. O novo cenário do Clube de
Cristo era lindo, parecendo uma sala de estar da classe média alta
americana. Bill Hanley tirou Bob de trás da mesa de entrevistas
que ele vinha usando havia anos e o fez sentar-se numa cadeira
de balanço de onde Masterson falaria informalmente com os con-
vidados sentados no sofá.
Bob informou ao pessoal técnico que, antes de ir para a ca-
deira, caminharia até o centro do palco, onde faria seu discurso
de abertura. Quando a orquestra estava quase chegando ao fim da
música, o locutor Joe Layton fez a apresentação do programa:
— E agora, diretamente de Louisville, Kentucky, com o mais
antigo programa de entrevistas cristão do mundo, aqui está o lí-
der espiritual da América, Bob Masterson.
O auditório aplaudia com entusiasmo. Masterson andou até
o centro do palco e, sorrindo, agradeceu as palmas. Quando os aplau-
sos cessaram, Masterson começou a falar para eles e para milhões
de pessoas no mundo que estariam assistindo ao programa na pró-
xima segunda-feira. Ele olhou diretamente para a câmera 2. Nes-
se instante, a câmera enquadrou o tele-evangélico da cintura para
cima, e, enquanto ele falava, ela se aproximou para um close
seu rosto.
Masterson tirou o sorriso dos lábios e começou a falar.
— Tenho certeza de que vocês perceberam que começamos
nosso programa de hoje de uma maneira diferente. Não estra-
nhem, mas hoje quero falar pessoalmente a cada um de vocês. E
achei melhor nem usar aquela linda cadeira que os produtores do
programa fizeram para mim. Desta vez vou falar em pé, de frente
para todos vocês, como Daniel entrando na cova do leão.
Masterson armou o espetáculo com estas frases iniciais. Iso
lando-se da opulência criada pela equipe de produção, ele se co-
locou no mesmo nível dos espectadores. A platéia esperava an-
siosamente as próximas palavras de Masterson, e o Banqueiro Bob
não iria decepcionar.
— Nós estamos vivendo numa época perigosa. Vivemos na
aurora de um novo milênio, quando a Bíblia diz que grandes mu-
danças balançarão a Terra. A nossa Bíblia e o nosso Deus dizem
que precisamos desconfiar dos falsos profetas que usam seu nome
mas que, na verdade falam em nome de Satanás.
Sua equipe, assim como a platéia, ouvia atentamente cada pa-
lavra. A equipe, porque nunca sabia aonde Bob iria levá-la. A
platéia, porque sempre sabia aonde Bob iria levá-la: para a Terra
Prometida, para o céu e aleluias.
— Agora, eu quero avisar que os falsos profetas estão aqui. Es-
tão vivendo e respirando entre nós. Eles chegaram, e logo sabe-
remos quem são eles.
Ele parou, esperando o efeito de suas palavras. As câmeras de
televisão focalizavam a platéia. Eles estavam em silêncio, alguns
com os olhos fechados, orando. Masterson continuou:
— Amigos, nós precisamos renovar nossa fé em Deus e em
seu único filho, Jesus. Não estou falando de uma profecia para
uma época distante; isto está acontecendo agora. As palavras da
Bíblia foram cumpridas. Os falsos profetas chegaram..
O auditório segurava a respiração. Aquele era o Bob Master-
son que conheciam e amavam. Ele era o homem que falava com
Deus e dividia a verdade divina.
__Muito em breve vocês vão saber quem são eles. Eu irei, com
ajuda de vocês, desmascarar suas mentiras, truques e fraudes.
Esse é o motivo por que Deus nos deu esta poderosa arma chama-
da televisão, estas cameras, estes estúdios e os satélites que orbi-
tam no espaço. Chegou a hora de usá-los em seu nome.
Dito isso, o auditório explodiu em améns e aleluias. Eles su-
plicavam por mais, e o tele-evangélico não os decepcionou:
_Vocês devem estar perguntando como é que eu sei quem
são esses falsos profetas? Eu respondo: Deus me deu um sinal, e eu
vou dividir esse sinal com vocês agora.
O auditório silenciou. Bob ia dar-lhes uma visão. Eles deses-
peradamente queriam ver.
— Esses falsos profetas falarão de uma Nova Era. Todos nós já ouvimos essa babaquice antes: não há necessidade de religião
para salvação e não há necessidade de Jesus. Nós sabemos que isso
simplesmente não é verdade, concordam? Só há um caminho para
a salvação, que é através de Jesus e da Bíblia.
O auditório, quase em uma só voz, gritava améns. Masterson
levantou sua mão para acalmar os fiéis.
— Por favor... Por favor... O falso profeta — disse Bob, des-
ta vez usando o singular — diz que fala em nome do Senhor. Algumas pessoas vão até dizer que ele é Jesus. E espalharão essa mal-
dita mentira. Esse falso profeta veio para plantar dúvidas em seus
corações. Mas vocês não ouvirão. Ele vem para espalhar medo, mas
vocês não temerão, porque deram as suas almas a Jesus e eu estou
do seu lado.
Masterson deu um passo em direção ao auditório, fazendo
com que a câmera momentaneamente perdesse o foco.
— Esse falso profeta está aqui. Ele fala como um cordeiro,
mas é tão esperto como um lobo. Tomem cuidado com ele. Ele vai
Jogar pai contra filho, mãe contra filha e nação contra nação. Ele é o demônio, e vai usar toda a trapaça e astúcia que Satanás co-
nhece tão bem.
O auditório de Masterson estava estupefato. O pessoal da
Produção estava em estado de choque. Tanto um quanto o outro esperavam pelo que viria agora.
— Mas eu estou aqui com o poder absoluto e a glória de Deus
que usará esta televisão e as estações de rádio para derrotar esse
pagão. Deus destruirá esse homem que já vive entre nós. Ele diz
que vem em nome da paz e do amor. Mas ouçam com atenção o
quue ele vai dizer, porque ele representa o oculto, Satanás e a bru-
xaria. Há anos nós ouvimos essa conversa fiada de Nova Era: reen-
qamação, vidas passadas e comunicação com espíritos mortos.
Tudo isso é profano, tudo isso é ímpio Tudo isso se opõe aos prin-
cÍpios cristãos. Mas não tenham medo: eu vi o inimigo, e por meTo
da CCM eu comandarei todo o Exército de Deus para combater esse
inimigo e suas mentiras.
O auditório levantou-se, aplaudindo em pé. Masterson, ain-
da postado na frente deles, sorriu enquanto o diretor da televisão
inseria um intervalo comercial.
Capítulo l2
Tarde da mesma quarta-feira, ano 2015
VIDA E MORTE
"Então sonhou: estava posta sobre a terra uma escada, cujo topo chegava ao céu; e eis que os anjos de Deus subiam e desciam por ela."
Gênesis 28:12
"...todos eles, como um vestido, envelhecerão; como roupa os muda-
rás, e ficarão mudados."
Salmos 102:26
O Hospital das Clínicas é um dos maiores hospitais de São
Paulo. Devido ao seu grande porte, ele é dividido em várias uni-
dades, cada qual destinada a um fim específico.
Com a permissão da administração, Antônio Almeida visi-
tavao hospital pelo menos duas vezes por mês. Naquela tarde de
quarta-feira ele apareceu num setor relegado do hospital: a ala da
morte, onde pacientes terminais sem dinheiro ou família espera-
vam a morte chegar. A última lembrança da Terra desses pacien-
tes seria o grande quarto com suas paredes nuas e brancas, o frio
profissionalismo dos enfermeiros e os últimos suspiros de vida de
seus colegas de quarto.
No quarto visitado por Almeida cabiam seis camas, mas nes-
se dia apenas três__estavam ocupadas. Deitada no leito mais próximo à porta estava Rosa, uma velha senhora cujo corpo com cân-
£êl_anunciava as horas finais de sua jornada de setenta e três anos
na Terra.
Ao lado dela, no meio do quarto, estava Manuel. Seu cora-
Çao não conseguia mais bombear o sangue, e em poucas horas ele
também passaria desta dimensão para outra. Diferentemente
Rosa, ele tinha apenas trinta e um anos de idade, mas, como e
não teria família ou amigos ao redor de sua cama nessas suas
mas horas.
No terceira leito estava Felipe, de cinqüenta e dois anos. S
fígado estava apodrecido em virtude dos anos e dos rios de álcool
que ele consumira. Sua pele estava amarelada e inchada, porque
algumas horas atrás seus rins pararam de funcionar e começaram
a espalhar veneno por todo o seu corpo. Felipe também estava se
preparando para a morte.
Várias ondas de som flutuavam pela ala da morte. Do interior do hospital vinha o som metálico dos carrinhos de comida
de remédios que circulavam pelos corredores estreitos. De um
ponto mais distante, o barulho do trânsito caótico de São Paulo
entrava pelas pequenas janelas abertas. E finalmente a última
onda: gritos e gargalhadas de crianças brincando num parque pró-
ximo. Todos esses sons diferentes diluíam-se num só. Eles se tor-
naram o som da vida no quarto da morte.
Quando Antônio entrou no quarto, Rosa acenou fracamen-
te e sorriu para ele. Sentando-se numa cadeira em frente aos três
pacientes, Almeida sorriu e acenou de volta.
— Oi, meu nome é Antônio. Eu venho aqui de vez em quan-
do para ver se há alguma coisa que eu possa fazer, talvez levar um
recado, escrever uma carta ou simplesmente bater um papo. Eu estou cem por cento à sua disposição. Usem e abusem, eu não te-
nho mais nenhum lugar para ir hoje.
Manuel tossiu e brincou:
— Nem nós.
Almeida e Rosa sorriram. Felipe olhava fixo com seus olhos
fundos.
— Você está certo — respondeu Antônio —, mas está erra-
do também. Vocês três têm um lugar para ir. A maioria das pes-
soas diria que vocês vão morrer. Eu nunca gostei dessa palavra, mor-
te, porém é a única que temos. Nós podemos falar sobre a morte,
se quiserem.
Manuel sacudiu os ombros e perguntou:
__Você é médico, padre ou qualquer coisa do gênero? Aon
de nós vamos? Fazer mais exames?
Felipe, ainda mudo, ouviu as perguntas de Manuel e dirigiu
o olhar para Antônio, esperando uma resposta.
— Bem, Manuel — disse Antônio, lendo o nome na placa pre-
sa ao pé da cama. — Eu não sou padre nem médico. E vocês já estiveram aonde vão
— Antônio acrescentou que gostaria de conhecê-los, mas sob uma
condição: não queria falar sobre doença.
— As enfermeiras me colocaram a par de tudo, então não
vamos falar de seus corpos. Aliás, dentro de algumas horas vocês
estãrãõ jogando esses corpos fora.
Rosa, numa voz fraca e baixa, apresentou-se:
— Meu nome é Rosa Rodrigues. Tenho setenta e três anos de
idade e sei que não chegarei aos setenta e quatro. Para falar a ver-
dade, duvido que esteja aqui amanhã. Mas não estou com medo.
Tive uma vida dura mas boa. Eu sempre soube me virar. Enterrei
dois maridos e trabalhei a vida toda. Não tive filhos porque não
pude. E isso aí: não tenho ninguém, então estou aqui neste quarto esperando a morte. — E, olhando para as outras duas camas ocu-
padas, comentou: — Como eles.
Manuel sorriu e Felipe olhou para o teto do quarto.
— Alguns mais cedo do que outros — sussurrou Felipe.
— Eu sei — disse Antônio com suavidade. — Estou aqui por
causa disso. Nós podemos falar sobre o tempo, futebol ou até mes-
mo fofocar sobre artistas. Qualquer coisa. Ou nós podemos falar
sobre o que está chegando: a morte.
Felipe, para quem cada palavra era um esforço, começou onde
Manuel havia terminado:
— Se você não é um padre, você é o quê? Um assistente so-
cial? Um pregador?
Almeida respondeu perguntando por que era tão importante saber quem ele era.
Considere-me simplesmente um_amigo — acrescentou.
Manuel explicou a intenção de Felipe:
Saber quem você é ajuda a gente a entender por que
você está aqui. Nós não temos visitas. Se você é um padre, é seu
dever estar aqui. Se é um pregador, você vai nos pedir para acei-
tar Jesus.
Felipe e Rosa concordaram. Todos os três esperavam por sua
resposta.
Almeida pensou cuidadosamente. A ala estava quieta, o silên-
cio era quebrado apenas pelos sons da vida: as batidas dos carri-
nhos, as buzinas dos carros na rua, os risos das crianças no parque.
— Eu já disse que não sou padre, e também não sou prega-
dor. Não vou pedir que vocês aceitem Jesus. Eu vou pedir a vocês
para fazerem uma coisa mais difícil: eu quero que vocês aceitem.
vocês mesmos.
As palavras de Antônio prenderam-lhes a atenção. O trio
esperava ansiosamente pelo que ele falaria em seguida. Felipe ten-
tou sentar, mas seu corpo estava fraco demais.
Rosa confessou que queria saber o que havia do outro lado.
— Eu aceitei Jesus há muito tempo e sei que ele estará esperando por mim — acrescentou firmemente.
— Se é isso que você espera — disse Antônio —, é isso que
vai acontecer.
Sorrindo para Rosa, ele continuou:
— Isso me lembra uma piada. Acho que um pouco de risada
cairia bem agora, então vamos nessa. Se bem que já vou avisan-
do que não sou muito bom para contar piadas. Então, além de
não ser padre, pregador ou assistente social, vocês vão descobrir
que também não sou um comediante.
Os três deram um largo sorriso quando ele começou a piada.
— "Era uma vez um casal que estava junto por mais de qua-
renta anos. Quando chegaram à terceira idade, fizeram um pacto:
quem morresse primeiro se comunicaria com o outro contando
como era depois da morte. O marido, seu nome era Oscar, mor-
reu primeiro. Uns meses se passaram e um dia o telefone tocou.
A viúva atendeu:
— "Oi, meu bem, sou eu" — disse a voz do outro lado.
— "Oscar! Não posso acreditar! Onde você está? Como vai
voce
_"Eu estou ótimo. Acordo todo dia às sete, e antes do meio-
dia já fiz amor umas oito vezes. Aí eu almoço e transo mais dez ve-
zes antes do jantar. Depois do jantar, até mais ou menos meia-
noite, quando finalmente vou dormir, eu trepo pelo menos outras
dez vezes".
_"Uau!" — exclamou a esposa. — "Você deve estar no céu".
_ "Não" — respondeu Oscar. — "Eu sou um coelho na
África".
Os quatro riram, e Manuel perguntou a Almeida o que ele
achava que aconteceria depois que eles morressem.
— Bem, posso garantir uma coisa: vocês não serão coelhos
na África.
— Graças a Deus — disse Manuel. — Eu preferiria ser um ca-
chorro na casa de alguma madame rica. Eles vivem melhor do
que muita gente.
Mais uma vez os três caíram na risada. Mas Almeida expli-
cou por que aquilo estava fora de cogitação:
— Espíritos humanos não voltam como animais porque o espírito foi criado com livre-arbítrio. Animais decidem por instin-
to; humanos, por escolha.
— O que acontece, então? — perguntou Felipe. — Eu gos-
taria de saber, já que isso vai acontecer comigo dentro de algumas
horas. Todos nós sabemos por que estamos neste quarto: acabaram-
se todas as esperanças, o tempo está se esgotando e o juiz vai dar
o apito final.
Esperança, medo e ansiedade tomaram conta da sala quieta,
e uma onda do som da vida morreu: os ruídos dos carrinhos de co-
mida e de remédio desapareceram, deixando apenas o barulho
abafado do tráfego da cidade e a gritaria das crianças brincando.
— A morte é igual e ao mesmo tempo diferente para todos.
— explicou Almeida. — A morte de cada pessoa é idêntica por-
que o término desta vida é o renascimento para uma outra. Há or-
dem na vida, há ordem na morte, como também há ordem para o
renascimento.
Tossindo por causa do líquido enchendo seus pulmões, Ma-
nuel disse para Almeida que não tinha entendido nada:
— Por favor, simplifique. Eu quero entender.
Antônio sorriu e explicou:
— Neste instante vocês estão esperando a morte chegar. Ne-
nhum de vocês tem mais que algumas horas de vida sobrando na
esfera terrestre. Mas neste messmo hospital, não muito longe da-
qui, há um outro quarto. Nesse quarto, espíritos estão entrando
nesta esfera terrestre. Para eles, a passagem está começando. Para
vocês, a passagem chegou ao fim. Mas — ressalvou — as aparên-
cias enganam.
Almeida pediu a Rosa, Felipe e Manuel que fechassem os
olhos e caminhassem com ele até o quarto de que ele falara. Com
sua voz calma e firme, Antônio guiou-os por uma viagem imagi-
náriapejojiospital, passando por médicos e enfermeiras, atravessando vários corredores, até chegarem ao berçário.
— Olhem para aqueles bebês nos berços. Alguns estão con-
fusos e desorientados. Eles estão se adaptando aos corpos físicos.
Durante os últimos meses eles abaixaram sua vibração espiritual
para poder encarnar dentro dos ventres de suas mães. Daí, eles nas-
ceram, da mesma maneira como vocês, poucos anos atrás, nasce-
ram. Vocês acham que tudo isso é por acidente, sem plano, sem
razão? Vocês acham que vida e morte e tudo que acontece no
meio não têm significado?
Os três pacientes prestes a morrer observavam a fileira de re-
cém-nascidos à sua frente enquanto ouviam Almeida.
— Vocês nascerão de novo assim como eles e como vocês mes-
mos nasceram.
Agora, o barulho do tráfego na ala da morte também havia
sumido. O único som que se ouvia era o das crianças do parque e
a voz de Antônio.
— Eu disse que a vida e a morte são a mesma coisa para todo
mundo. E eu disse que a vida e a morte também são diferentes para
todos. Agora eu vou explicar.
Com a imagem dos recém-nascidos ainda na mente dos três,
o jovem continuou:
— Nascimento e morte... São simplesmente mudanças de
uma forma de vida para outra. Na morte, você deixa esta terra e
volta para o espírito. No nascimento, você deixa o espírito e en-
tra na Terra. Um é uma conseqüência natural do outro.
Almeida passou a explicar as diferenças:
— Antes de nascer, o espírito traça a vida que vai levar. Um
espírito, dependendo do nível de desenvolvimento e de seu dese-
jo de evoluir, é atraído para uma vibração onde encontrará desa-
fios, lições e situações necessárias para seu desenvolvimento. Mas,
assim que o espírito nasce, ele se esquece desse plano.
— Por que esquecemos? Não seria melhor se soubéssemos o
que estamos fazendo aqui? — interrompeu Felipe. Manuel e Rosa
concordaram com ele.
Almeida respondeu:
— Não seria mais fácil fazer uma prova se você já soubesse as
perguntas? Claro que seria. Mas e daí? O que foi aprendido? Essa
amnésia espiritual também é parte da ordem universal. Vocês gostariam de saber tudo que fizeram nas vidas passadas? Como vocês
poderiam viyer no aqui e no agora desta vida se vocês constante-
mente se lembrassem das outras vidas? Nascer significa vir para esta
vida, não reviver as outras.
Antônio definiu a diferença entre nascimento e morte:
— Na morte, a vida terrestre é deixada para trás e a vida em
espírito recomeça. No nascimento, tudo que veio antes é esque-
cido, mas na morte vocês se lembram de tudo. Um espírito, de-
pois de um período de ajuste, vai gradualmente lembrando que ele
é a soma de todas as suas encarnações passadas. Na morte desco-
brimos quem realmente somos.
Manuel lembrou Almeida de sua promessa de explicar como
o nascimento e a morte poderiam ser a mesma coisa para todos e
ao mesmo tempo ser diferentes para cada pessoa.
— A resposta é fácil: cada um de vocês é único. Cada espírito, desde o momento da criação, evolui por si próprio. Vocês não
são robôs seguindo ordens de um Deus invisível. Vocês têm suas
próprias vontades, e os resultados de suas vontades determinam
suas vidas. Diferentes escolhas provocam diferentes evoluções.
Antônio esperou um momento antes de prosseguir. Ele que-
ria ter certeza de que Rosa, Manuel e Felipe haviam entendido.
Manuel, que pedira uma explicação simples, sorriu e fez um sinal
para que Antônio continuasse.
— Aqueles recém-nascidos também são os totais de seus pas-
sados. Eles não estão começando da estaca zero. Eles estão ini-
ciando suas novas vidas na Terra no lugar onde as velhas vidas os
levaram. Cada espírito tem experiências únicas para viver, novos
relacionamentos para desenvolver e velhos relacionamentos para
equilibrar. Vocês todos entraram neste mundo da mesma manei-
fãTmãTestão aqui por razões diferentes.
Apesar de respirarem com dificuldade e sentirem dores insu-
portáveis, os três estavam ligados em suas palavras.
— Nesta vida que estão vivendo agora, vocês três trilharam
caminhos distintos. Chegou o fim de seu tempo aqui e logo vocês
renascerão em uma outra vida, a vida do espírito.
Um por um os bebês começaram a desaparecer. Um por um,
fileira após fileira, até que só três restaram. Três recém-nascidos
chamados Rosa, Manuel e Felipe.
— Vejam como vocês eram. Olhem para esses bebês: são vo-
cês poucos anos atrás.
Os três pacientes, em seus momentos finais neste plano, vi-
ram a si mesmos em seus momentos iniciais na Terra. Antônio pas-
sou a falar com eles individualmente.
— Rosa você encarnou há setenta e três anos dentro deste
corpo que em alguns minutos vai desistir da vida. Antes de nas-
cer, você mesma chegou às suas próprias conclusões sobre as ne-
cessidades, vontades e ideais de evolução de seu espírito. Em suas
outras vidas, você sempre foi um espírito dependente, sem a confiança para acreditar em seus próprios sentimentos e idéias. Você
concordou com seus guias e mentores quando, durante sua revisão cármica, foi mostrado que você precisava desenvolver sua au-
tóçíinfiança e sua independência.
A velha senhora cujo corpo fora devorado pelo câncer olhou
espantada para o recém-nascido à sua frente, vendo uma aura de
luz pura rodeando o bebê. Ela era o bebê e o bebê era ela.
— Você escolheu levar uma vida sozinha e solitária. Você
desenhou as circunstâncias desta última passagem na Terra.
Antônio pediu-lhe então que prestasse muita atenção, por-
que uma senhora idosa acabava de aparecer ao lado do bebê Rosa.
O nome da senhora também era Rosa.
_Você pode ver, minha querida, quanto você viajou nesta
vida?_perguntou Antônio. — Você pode ver como seu espírito é diferente e ao mesmo tempo o mesmo que era setenta e três
anos atrás?
A imagem da velha Rosa sorriu para a recém-nascida Rosa en-
quanto o agonizante corpo de Rosa olhava.
— Seu espírito cresceu na escola da Terra e você acrescen-
tou a ele segurança e autodeterminação. Depois desta encarnação,
sua capacidade de usar o livre-arbítrio está mais forte. Agora você
está pronta para assumir e enfrentar maiores responsabilidades. Você
não e mais o espírito dependente, medroso e tímido que nasceu
setenta e três anos atrás. Você está pronta para prosseguir.
Rosa olhava para as imagens aos pés do leito, enquanto Al-
meida terminava de falar.
— Você, Rosa, teve uma vida dura. Você começou a traba-
lhar quando ainda era criança,"sendocozinheira, empregada, lavadeira e babá. Mas essa vida foi o resultado das outras, assim
como a próxima será o resultado desta.
Almeida voltou a falar para o três, comentando que na pas-
sagem desta dimensão para a próxima eles entenderiam melhor es-
sas vidas que estavam terminando.
— Vocês, orientados por seus guias e mentores, olharão para esta e outras encarnações. Vocês verão todas elas à sua fren-
te compondo o mapa que e a viagem de sua alma.
Manuel estava concentrado em seu ser-criança. O bebê esta-
va rodeado pela mesma aura de energia branca do bebê Rosa. Al-
meida falou diretamente a ele:
— Manuel, você veio à Terra como um espírito que não en-
tendia a solidão. Por isso, não conseguia compreender as conseqüên-
cias de seus atos numa vida anterior. Você nasceu para aprender a
partir da negligência, do abandono e da indiferença dos outros.
O paciente viu não só o recém-nascido ao pé da cama mas
também a si mesmo na vida anterior a esta. A imagem era de um
empresário bonito, rico e cheio de sucesso. Manuel sorriu quando
reconheceu a si próprio.
— Naquela encarnação você sacrificou tudo por sua carrei-
ra: a família, os filhos e os amigos. Tudo e todos.
Quando Almeida disse essas palavras, uma pequena família
se formou ao redor do empresário Manuel.
— Sua esposa se sentia abandonada e você a fazia sentir que
ela não estava à sua altura. Seus dois filhos pequenos, apesar de
terem herdado sua grande fortuna, nunca tiveram seu amor ou
atenção. Sua negligência, e não seu dinheiro, foi sua verdadeira
herança naquela vida.
Manuel assistia a tudo com incredulidade, enquanto Almeida continuava com a narração:
— Mas como é que você poderia entender as conseqüências
de seus atos naquela vida se você nunca sentira as conseqüências
do abandono? Entrou em campo, então, a grande força do carma.
O carma, com seu consentimento e ciência, permitiu a você apren-.
der o que é solidão. Nesta vida que está chegando ao fim, você saiu
de casa cedo. Abandonar o lar não significou muito para você
porque seu pai morreu quando você tinha uns dez anos de idade,
sua mãe o abandonou para se casar de novo, e a tia que o criou só o fez por obrigação.
Após ligeira pausa, Antônio continuou:
— Você veio a esta cidade para ganhar a vida. Após anos de
trabalhos humildes e pesados, você descobriu que havia deixado
a pobreza miserável de casa para viver uma pobreza miserável e in-
diferente na cidade grande. Você trabalhou toda a sua vida carregando tijolos, misturando concreto e quebrando pedras. E agora
tudo está terminando, aqui nesta ala de caridade, onde você está
sozinho. Durante sua vida você não sentiu, nenhuma vez, o toque
de uma mão humana estendida com amor e nenhuma vez, quan-
do criança, você sentiu o companheirismo de um pai, de um ir-
mão ou o carinho de uma mãe.
Manuel sufocou um choro.
— Mas nunca se esqueça de uma coisa, Manuel: esta vida
que está acabando não foi castigo nem compensação pela vida
anterior. Esta vida atual foi uma conseqüência do que tinha vin-
do antes. Você aprendeu. Agora você é ainda mais responsável por
seus atos e por seus pensamentos. Você também, Manuel, não é
o mesmo espírito que nasceu na Terra trinta e um anos atrás.
Falando para os três, Almeida acrescentou:
_E muito em breve vocês vão ver o quanto mudaram.
Almeida voltou sua atenção para Felipe, que, sem nenhum
entusiasmo, esperava a trama de sua vida começar ao pé da cama,
onde ele também se via como um recém-nascido.
— Sua história é diferente, Felipe. Você começou esta vida
com tudo: uma família rica que lhe oferecia todas as oportunida-
des e privilégios.
Almeida caminhou, parando ao lado do recém-nascido que
era Felipe cinqüenta e dois anos atrás.
— Você não nasceu na pobreza e na solidão, como Rosa e Ma-
nuel. Mas um tipo diferente de pobreza tomou conta de você:
medo. O medo de não corresponder às expectativas e exigências
de sua família. Você se entregou ao medo de fracassar, ao medo da
responsabilidade e por último ao medo de viver a vida.
Uma lágrima rolou pelo rosto inchado e amarelado de Feli-
pe enquanto Antônio continuava:
— Você apelou para as drogas e o álcool para silenciar o medo
e fugir das expectativas. Suas escolhas o trouxeram aqui, onde
você vai morrer sozinho.
De repente, do nada, uma luz suave e poderosa cobriu a cama
de Felipe. Almeida olhou para a luz e sorriu, como se estivesse ven-
do um velho amigo.
— Porém — disse ele a Felipe — você nunca estava sozinho.
Nem por um momento. Você escolheu a vida que viveu, do mes-
mo jeito que Rosa e Manuel escolheram a deles. E, como eles ti-
nham razões diferentes para seguir seus caminhos, você também
tinha a sua.
Felipe olhou para Almeida com uma pergunta em seus olhos.
— Em suas várias vidas aqui, meu amigo, você nunca carre-
gou os fardos da responsabilidade. Antes de nascer nesta vida
atual, você escolheu aprender como era isso. Seu espírito preci-
sava entender, como só a escola terrestre pode ensinar, o que é ser
responsável pelo bem-estar dos outros, por seus empregos e pela
segurança financeira de suas famílias. Isso não se pode aprender
no mundo astral. Então, você nasceu numa família industrial rica.
Esperavam que você tomasse conta dos negócios familiares. Você
freqüentou as melhores escolas, faculdades e universidades em
preparação para isso. Todas as oportunidades imagináveis lhe fo-
ram dadas para que pudesse assumir aquelas responsabilidades.
Felipe virou-se para seus dois companheiros de quarto e daí
para Almeida. E simplesmente declarou:
— Eu falhei.
— Quem disse que você falhou? Você encarnou para aprender. Você aprendeu. Você aprendeu como os pesos dessas respon-
sabilidades podem sobrecarregar um espírito. Sentiu essas obriga-
ções sufocando, reprimindo e estrangulando você com medo. Você
aprendeu como o medo paralisa, aleija e engole o livre-arbítrio de
um espírito. Você também, Felipe, não é mais o mesmo espírito
que entrou naquele corpo infantil. Agora, porque sentiu na pele,
você conhece o peso da responsabilidade.
Almeida, observando a luz que cobria o leito de morte de Fe-
lipe, percebeu que havia mais duas luzes no quarto, uma com Ma-
nuel e outra com Rosa. Olhando para os três, declarou:
— Está chegando a hora. Lembrem-se disto: nenhum de voês é melhor que o outro. Nenhum é mais correto ou mais perfei-
to_E façam um favor para vocês mesmos: esqueçam toda essa bes-
teira sobre o julgamento furioso de Deus.
Rosa, devagarinho, levantou um dedo, sinalizando que que-
ria falar.
— Como pode ser isso? — Sua voz era pouco mais que um sus-
surro. — Eu trabalhei duro e muito. Eu nunca bebi e nunca usei
drogas. Como podemos ser iguais? Felipe, como ele mesmo disse,
foi presenteado com oportunidades e privilégios com os quais eu
só sonhava. Ele jogou sua vida fora. Como você pode dizer que nada
disso faz diferença?
Manuel concordou com ela, e Felipe disse:
— Ela está certa. Eu baguncei tudo e desperdicei esta vida.
Rosa, presunçosamente, acrescentou:
_- Tá vendo? Ele mesmo admite. Como você pode compa-
rar a minha vida com a dele? Eu não tinha nada quando entrei nes-
te mundo, mas eu não senti pena de mim. Ele, por outro lado,
veio com tudo e vai sem nada. Ele perdeu a sua chance e vai ter
que pagar por isso.
Antônio saiu de sua cadeira e caminhou até a janela, momen-
taneamente virando suas costas para os três. Através da janela
ele observou o movimento da cidade, depois virou-se e encarou
os pacientes.
— Vocês não enxergam a beleza e a harmonia do que está
acontecendo neste quarto? Não conseguem enxergar a perfeição
da vida? Rosa, você realmente viveu uma vida difícil e aprendeu.
Você vai levar desta encarnação os atributos positivos de coragem,
dignidade e humildade. Mas — acrescentou, olhando para Feli-
pe, porém falando com Rosa — a dureza de sua vida lhe fez per-
der algumas coisas. Onde está sua compaixão? Onde está sua com-
preensão? Onde está sua empatia por uma alma deitada duas
camas ao lado da sua?
Rosa e Manuel, em silêncio, olhavam para o teto do quarto,
ainda não enxergando a luz que cobria cada um. Os olhos de Fe-
lipe estavam grudados em Antônio.
Almeida perguntou se eles se lembravam da parábola bíbli-
ca do mestre e seus servos.
— Antes de viajar, um proprietário de terras chamou seus
três empregados. Cada um deles tinha diferentes aptidões, conhe-
cimentos e habilidades, e de acordo com essas qualidades ele lhes
deu diferentes quantias de dinheiro. Para o mais brilhante dos
três ele deu cinco talentos.
Almeida parou para explicar que, naqueles tempos, talento
era uma outra palavra para dinheiro, acrescentando:
— Porém não quero que vocês pensem em talento como di-
nheiro. Essa não é uma história sobre capitalismo — brincou.
Antônio continuou com a história, lembrando que o mes-
tre tinha dado dois talentos ao segundo e apenas um ao tercei-
ro empregado.
— O proprietário avisou que poderiam fazer o que quisessem
com seus talentos, e quando ele voltasse de sua viagem ele os cha-
maria para acertarem as contas. Então o patrão viajou. Vocês sa-
bem como a história termina. O cara que ganhou cinco talentos
conseguiu dobrar o dinheiro. Quando o patrão voltou, ele deu os
dez para ele. O segundo empregado, que recebeu dois, fez mais
dois, devolvendo quatro. Mas o terceiro sujeito, que começou com
um, ficou com medo e enterrou seu talento. Quando chegou a
sua vez do acerto, ele desenterrou o talento e o devolveu. O patrão ficou zangado, porque aquele homem nem tentou usar o ta-
lento dado para ele.
Felipe, na certeza de que a história era dirigida a ele, olhou
para Almeida. Mas Antônio, olhando para os três, disse que a
maioria das pessoas pensa que essa parábola é sobre dinheiro.
— Elas estão erradas. Essa história é sobre responsabilidade
e escolha. Todos levam, através de suas encarnações, o que o es-
pírito aprendeu: são nossos talentos. Não é Deus quem distribui
esses talentos. Os espíritos os adquirem durante suas sucessivas
vidas em busca de evolução e desenvolvimento. E o espírito é li-
vre para usar, ou não, seus talentos da maneira que quiser. Tudo
depende de vocês. Vocês podem criar, desenvolver e fazer crescer
esses talentos. Vocês podem até enterrá-los, como fez o terceiro
empregado na história. A escolha é sua. Essa história ensina a lei
suprema do universo: vocês precisam evoluir, crescer e se desen-
volver para se reunirem com o criador.
Rosa, que conhecia bem a Bíblia, falou:
— É por isso que o mestre ficou bravo com o terceiro homem? Foi porque ele não usou o talento que recebeu?
Almeida respondeu dizendo que ela estava parcialmente
certa.
— O mestre na história representa Deus. Isso é óbvio. Mas
Deus nunca fica bravo. Naqueles tempos, os espíritos terrestres não
estavam prontos para entender o que Deus realmente é. Por isso
criaram a imagem de um Deus furioso e raivoso. Naquela época
as pessoas aprendiam através do medo. Sua obediência era movi-
da pelo medo do castigo. Elas não eram capazes de aprender de ou-
tra maneira. Muitas histórias bíblicas e algumas religiões de hoje
usam esse tipo de Deus para manter as pessoas na linha. Mas, vol-
tando ao assunto, vocês lembram o que o mestre fez com os dois
primeiros? Ele estava feliz com seus esforços e convidou os dois para
morar com ele. Eles ficaram "unidos" com Deus. Não porque tiveram um lucro rápido, mas porque através da escolha desenvol-
veram seus talentos. O terceiro foi banido da casa do mestre. Ele
não tinha construído nada com o que possuiu. Ele ficou com medo. Então, não podia ser "unido" com seu mestre. Ele não evoluiu.
Nesse momento, apenas o som do riso das crianças no parque preenchia aquele quarto. De todos os sons da vida, sobrara so-
mente um.
— Vocês três vieram para a Terra como espíritos únicos, mas
ao mesmo tempo iguais. Únicos porque vocês andaram diferen-
tes caminhos e aprenderam diferentes lições, e iguais porque to-
dos nós estamos ligados um ao outro, porque somos a imagem e
semelhança do criador.
Dirigindo-se à velha senhora cujo corpo tremia de dor, An-
tônio falou:
— Rosa, seu caminho foi duro, mas foi escolhido antes de
você nascer. Dentro de poucos minutos, seu espírito vai deixar
seu corpo desgastado. Você verá que ainda tem muito para apren-
der: compaixão, tolerância e empatia. Vá. Você está livre. Acei-
te você mesma pelo que você é: um espírito do Criador. Aceite os
outros pelo que eles são: uma parte do Criador e uma parte de
você. Aceite os outros pelo que eles são: espíritos do Criador que
tomaram caminhos diferentes.. Aceite as suas fraquezas, fragilida-
des e fracassos. Você disse que aceitou Jesus como seu salvador. Mi-
nha querida Rosa, tudo que ele quer é que você aceite a si mes-
ma, seus irmãos e suas irmãs.
Rosa suspirou e, antes de fechar os olhos para sempre, viu a
luz que cobria sua cama. Ela descansou em seus últimos momen-
tos na Terra.
Almeida voltou sua atenção para o homem do meio.
Manuel, você também viveu uma vida dura de pobreza e
vagou entre a indiferença e a solidão. Logo você vai ver esta vida
pelo que foi: um equilíbrio do carma e do espírito. Em uma outra
vida você abandonou sua família pela carreira; nesta, você viveu
sozinho e trabalhou em empregos humildes e pesados, não como
um castigo, mas como equilíbrio e conseqüência.
Almeida pediu-lhe para virar os olhos para cima. Quando o
fez, Manuel também viu a luz que flutuava sobre sua cama. An-
tônio disse que ele não estava mais sozinho.
Felipe, olhando para Almeida, disse:
— Acho que você vai falar comigo agora. Não sei se vou gos-
tar do que vai dizer.
Sem sorrir, Antônio falou com ele e com os outros dois.
— Você veio para a Terra a fim de aprender a assumir respon-
sabilidades. Você enterrou seus talentos em drogas e álcool por-
que temia suas obrigações.
Almeida parou para respirar. Os sons das crianças rindo eram
fracos e distantes agora. O quarto estava quieto e tranqüilo. Quan-
do recomeçou a falar, sua voz não era mais que um sussurro.
— Deixe esses medos aqui no plano terrestre. Você não fa-
lhou, você mudou. Seu espírito aprendeu como é encolher-se de
medo e ser incapaz de pensar, agir e decidir. Você não falhou, você
aprendeu. Você não e o mesmo espírito que era há cinqüenta e dois
anos, quando entrou nesta esfera.
Felipe sorriu para Almeida. Seu rosto estava ainda mais in-
chado e amarelo por causa do veneno que corroía seu corpo. Numa
voz rouca, quase inaudível, ele disse:
— Obrigado. As palavras são amáveis, mas sei que fui uma de-
cepção para todo mundo, incluindo eu mesmo. Quando você con-
tou aquela história da Bíblia, eu sabia que era o terceiro cara. Eu
sou aquele que enterrou tudo que possuía. Agora vou ter que en-
carar um mestre bravo que sabe que desperdicei a vida.
Almeida afastou as palavras de Felipe com um gesto de sua
mão e respondeu categoricamente:
— Sinto decepcioná-lo, mas não há nenhum Deus bravo esperando. Não há nenhuma divindade pronta para julgá-lo cul-
pado. Sim, houve oportunidades que você jogou fora. Mas, por
outro lado, você aprendeu. Você agora compreende como o medo
corrói e corrompe. Por que você acha que o medo existe? Nós estamos aqui para aprender, mesmo com o medo. Você aprendeu.
Você cresceu.
Antônio apontou o dedo para cima. Felipe agora via a ener-
gia pura e branca acima de sua cama.
— Vá com a luz — disse Antônio — e deixe seus medos para
trás. Leve com você somente o que o medo ensinou. Você também não está mais sozinho.
Os três pacientes estavam em seus momentos finais na Ter-
ra. Suas últimas lembranças do plano terrestre não seriam das
paredes brancas e nuas ou do profissionalismo da equipe de en-
fermagem. Seriam de Antônio Almeida, que havia entrado em
seu quarto para falar sobre "o tempo, futebol e até mesmo fofo-
cas de artistas".
— Nenhuma vida é perdida. Nenhuma vida é um fracasso —
disse ele com paixão e convicção. — Nenhuma visita a esta esfe-
ra terrestre termina em derrota. Isso não é possível. Mesmo as li-
ções do medo, da fúria e da raiva são parte de sua evolução. Deus
criou tudo. O medo, a fúria, a raiva e o ciúme coexistem com o
amor, a coragem e a felicidade. Tudo faz parte da sua criação, e esses chamadas vibrações mais baixas existem para a nossa evolução. Nós escolhemos como usá-las. Alguns derrotam o ódio. Ou-
tros vencem o medo. Alguns passam por cima do ciúme e outros
controlam sua fúria. Outros não. Mas cada espírito aprende do
seu próprio jeito e em seu próprio tempo. Nenhum espírito é me-
lhor ou pior que outro. Todos são parte do todo e todos são liga-
dos um ao outro. As vezes — ele deu uma olhadela para Felipe —
nos aprendemos de maneiras nunca imaginadas. Olhe para dentro de seu espírito, Felipe. Olhe para dentro de você mesmo e
você vai ver que, por causa do medo, você aprendeu compaixão.
Use essa compaixão para ajudar outros espíritos a superar seus
próprios medos. Ninguém entende melhor do que você como o
medo pode paralisar e destruir. Use seu entendimento para ensi-
nar os outros.
Enquanto Almeida falava, o sons das crianças brincando
no parque foi sumindo, e da mesma forma desapareceram Rosa,
Manuel e Felipe. Antônio sorriu quando os viu deixando seus
corpos. Ele viu familiares, mortos há muito tempo, chegando
para cumprimentá-los, enquanto os três passavam desta vida
para a próxima.
Antônio continuou observando enquanto cada um deles era
abraçado por sua própria luz especial. Felipe, olhando para trás em
direção a seu corpo morto, deu uma olhada para Almeida.
— Obrigado — cochichou Felipe para Antônio. — E quem
é você?
— Pergunte a Rosa. Ela sabe — brincou Almeida.
O silêncio tomava conta da ala da morte quando Antônio dei-
xou o quarto, enquanto o círculo do tempo continuava e conti-
nuava. Inquebrável e interminável.
Capítulo 13
Sexta-feira, ano 2015
AS FITAS ESTÃO PRONTAS
Hanley e Martelli foram convocados para uma reunião no
escritório de Masterson. O chefe estava esperando. Ambos, Han-
ley e Martelli, sabiam que seria uma reunião rápida e objetiva,
sem tempo para conversa fiada ou amenidades sociais.
— E então, Phil? — perguntou Masterson apontando a pas-
ta de papéis trazida por Martelli. — O que você conseguiu?
— Depende. Informações eu tenho muitas. Informações
úteis, nada.
Hanley ouvia enquanto Masterson calmamente perguntou a
Martelli o que ele queria dizer com "nada".
— O cara é limpo. Há mais ou menos onze anos, quando Al
meida tinha dezoito anos, o pai abriu um fundo de investimentos.
Com juros, ganhos de capital e retornos de investimento, o fun-
do vale hoje algo em torno dos três milhões de dólares. Mas —
ressalvou — o garoto mal toca nesse dinheiro. Ele saca uns dois
mil, três mil dólares por mês, só isso.
— Quem está por trás dele? Há algum igreja, partido políti-
co, seita?
— Ninguém. Não há igreja, partido político, organização so-
cial ou culto. Nadica de nada. Esse cara não pertence a ninguém
a não ser a si mesmo.
Hanley meditou sobre as palavras de Martelli, pensando:
"Isso era o que eu achava: Almeida pertence a ele mesmo e a
mais ninguém."
Obviamente decepcionado, Bob Masterson agradeceu Mar-
telli e o dispensou, ficando apenas com Hanley. Antes mesmo de
Masterson perguntar, Hanley voluntariamente informou sobre
as fitas.
— Elas estão prontas, todas editadas, compiladas, conferidas
e indexadas. Eu as agrupei da melhor maneira que pude. E até so-
brou tempo de fazer uma transcrição de cada fita.
Dito isso, ele se levantou da cadeira e entregou a Masterson
três fitas de duas horas de duração cada, as cópias escritas e as fitas originais.
Masterson queria saber como ele editara as fitas.
— Bem, foi razoavelmente simples. Eu juntei tudo por as-
iunto. Por exemplo, há várias palestras em que ele faz algumas
interpretações bíblicas, então coloquei todos esses trechos jun-
tos. Depois, há ocasiões em que ele discute questões sociais, como
aborto, pena de_morte, direitos da mulher, relações raciais, po-
breza e fome. Também juntei essas. Há partes que chamo de "Nova
Era", quando ele fala de meditacão, carma, Deus e o pós-vida.
Masterson olhou para as três pilhas separadas que Hanley co-
locara em sua mesa. Olhando diretamente para Hanley, o evan-
gélico perguntou o que ele achava de Antônio Almeida.
Hanley, sabendo que isso seria um dos assuntos da reunião,
estava preparado.
— Ele é bom, Bob. Ele tem carisma. E domina o público sem
esforço nenhum. Não importa se a audiência é grande ou peque-
na, ele parece que está falando com cada pessoa, individualmen-
te. Ele é muito persuasivo, graças em grande parte à sua sinceridade. Eu me lembro de uma fita em que Almeida estava pregando
para umas quinhentas pessoas. Ele estava sendo importunado por
um crente. O homem gritava, chamando Almeida de blasfemo, herege e filho de Satanás.
Hanley esperou a reação de Masterson. Ele soube da grava-
ção de quarta-feira, quando Masterson, mesmo sem citar o nome
de Antônio, tinha dito mais ou menos o que o crente falara para
Almeida. Mas Masterson não fez nenhum comentário, então Han-
ley continuou a falar sobre o jovem pregador.
— Almeida ficou ali parado, só ouvindo o que o homem que-
ria falar. Ele não perdeu a calma e não levantou a voz. Quando o
crente terminou, Almeida caminhou através da multidão e ficou
ao lado do indivíduo.
_Veja bem — explicou Hanley —, havia mais de quinhen-
tas pessoas naquele lugar. Almeida abriu o caminho pela multi-
dão para ficar ao lado do cara.
Masterson ouvia, enquanto Hanley descrevia o que aconte-
cera em seguida.
_"O que é que eu falo que o assusta tanto?" — perguntou
Almeida ao crente. — "O que o deixa ficar tão irado? Você não
lembra de sua Bíblia? Foi dito: 'Eu tenho outras ovelhas que não
são deste rebanho Eu preciso trazê-las também e elas ouvirão a
minha voz. Assim haverá um só rebanho e um só pastor' ".
Hanley contou a Masterson que Almeida, ainda segurando a
mão do sujeito e em pé no meio da multidão, pregou:
— "Parem de brigar entre vocês mesmos sobre qual religião
ou pessoa é a mais correta, a mais santa ou a mais verdadeira. Há
verdade em cada um e em todos vocês. E essa parece ser a verda-
de mais difícil para vocês entenderem. Mas, uma vez que apren-
dam isso, não haverá necessidade de discutir, brigar ou temer um
ao outro. Eu digo: há verdade nos padres e freiras que entregaram
sua vida à fé. Há verdade no rabino que estudou o Talmude e ensina sua palavra. E há verdade e dignidade no pastor que aconse-
lha seu rehanho e cura suas almas. A verdade está até mesmo no
ateu que procura suas respostas de sua própria maneira. Em suma,
há verdade em todos vocês".
— E aí, o que aconteceu? — perguntou Masterson.
— Nada, exceto que ele pediu a todos para rezar. E todo mun-
do, até o crente, se ajoelharam.
Masterson quis saber o que Almeida fizera em seguida.
— Bem, eles começaram a rezar o pai-nosso, com Almeida explicando a cada passagem da oração.
Hanley pediu a seu chefe para esperar enquanto ele folhea-
va as transcrições das fitas. Depois de achar o que estava procu-
rando, Hanley narrou:
— A multidão começa:
— "Pai Nosso que estais no céu, santificado seja o vosso nome.
Venha a nós o vosso reino. Seja feita a vossa vontade, assim na terra como no céu".
Hanley descreveu que Almeida levantou a mão e pediu que
a multidão o escutasse.
— "Nós o chamamos de Pai porque não sabemos do que o cha-
mar. Nós o chamamos de Pai porque ele é o Pai que nos deu vida.
Nós somos seus filhos e filhas. Nós todos somos as suas crianças".
- "Mas" — Hanley continuou lendo as palavras de Almeida — "ele é mais que Pai e nós somos mais que filhos. Ele é o Es-
pírito Criador, e nossos espíritos são criados à sua imagem. Nós estamos nesta terra não para descobrir mas para redescobrir a magia
de nossas próprias almas. Vocês esqueceram quem vocês são. A von-
tadedeTe é que vocês na Terra se reúnam com seu Espírito, um Espírito que está sempre mudando e evoluindo. Vocês esqueceram
que são todos iguais: vocês não são negros, brancos, asiáticos, bra-
sileiros, africanos, franceses, russos ou americanos. Vocês são es-
píritos. Mas na Terra vocês marcam as pessoas a ferro, como o
gado: católicos, protestantes, crentes, judeus, budistas, muçulma-
nos, e assim por diante. Vocês têm rótulos e categorias para todos
e para tudo. Foram vocês que inventaram esses nomes e catego-
rias, não ele. Seria melhor se vocês simplesmente proclamassem:
NÓS SOMOS UM. Nós somos os filhos do mesmo Pai, nascidos
para aprender, evoluir e ajudar um ao outro a achar nosso caminho devolta para ele. Nós precisamos voltar. Todos
nós precisamos voltar para casa".
Hanley explicou que Almeida fizera um sinal para a multi-
dão continuar com a oração, e todos juntos bradaram:
"O pão nosso de cada dia nos dai hoje. Perdoai as nossas
ofensas, assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofendido. Não nos deixei cair em tentação, mas livrai-nos do mal. Amém"
Hanley contou a Masterson que mais uma vez Almeida ex-
plicou para as pessoas o significado daquela oração:
— "Aqui está explicada a grande lei cármica: perdoai as nossas
ofensas, assim como nós perdoamos aqueles que nos têm ofen-
dido. Vocês são filhos de Deus, vocês são os co-criadores desta
terra. Sendo assim, o que vocês plantaram ontem será colhido
amanhã. Vocês são responsáveis por seus atos e pensamentos. Por
dividirem um com outro o Espírito dele, tudo que vocês fazem, fa-
lam ou pensam causa um murmúrio na criação, porque todos vocês fazem parte desta criação. Esses murmúrios afetam não só os
outros mas vocês mesmos. Por isso,~cõmo a prece diz, perdoem aqueles que os ofenderam e causaram dor. Façam isso
por amor a vocês mesmos, porque assim vocês podem começar a
quebrar o grande círculo cármico da vida".
— "Depois vem a súplica: 'livrai-nos do mal'. O que se pede
aqui é que ele os libere de vocês mesmos, porque vocês são res-
ponsáveis por cada partícula de mal que há nesta vibração. Por quê?
Lembram-se daqueles murmúrios? Vocês emanam vibrações de
ciúme, ódio e medo criando as vibrações negativas dessa esfera".
— "A paz_na Terracomeçará quando vocês passarem a viver
em harmonia com vocês mesmos. Só assim é que as tolas e estúpidas barreiras sexuais, raciais, religiosas e políticas que vocês criaram serão destruídas. Harmonia, paz e amor começam com vocês
e com ninguém mais".
Masterson perguntou a Hanley como o encontro terminara.
— Está tudo aqui — respondeu Hanley mostrando as três
pastas.
— Parece que você ficou bem ligado nesse Almeida — ob-
servou Masterson. — O que está acontecendo? Essa colcha de retalhos de budismo, misticismo, espiritismo e tudo mais que ele
inventa impressionou você?
— Bob, ele é um orador excepcional. Ele trabalha uma mul-
tidão melhor do que qualquer político, ator ou orador que eu já
vi. E há ainda uma outra coisa que me veio à cabeça...
Masterson ficou curioso. Durante todos os anos que ele co-
nheceu Hanley, ele nunca o tinha visto tão interessado, envolvi-
do ou entusiasmado com um assunto.
— E o que seria? — A curiosidade de Masterson havia sido
cutucada.
Aquela deixa era justamente o que Hanley estava esperando.
E ele não a deixaria escapar.
— E se Almeida realmente for um mensageiro da Nova Era?
Dê-me um segundo para explicar — disse ele, cortando qualquer
possível interrupção de Masterson. — Se Almeida for verdadei
ro, nada e ninguém vai poder pará-lo. Nem você, nem eu, nem as
pesquisas de Mary Fried, com seus gráficos e dados. Nós podería-
mos camuflar o assunto e criar controvérsias e uma nuvem de fu-
maça sobre ele. Quem sabe ele pode até mesmo morrer, como o
último que apareceu. — Hanley agora olhava serenamente nos
olhos de seu chefe, e perguntou: — Já passou pela sua cabeça que
esse cara pode ser real?
Masterson levantou-se e foi até o sofá sentar-se perto de Bill
Hanley.
— Claro que já pensei nisso. Eu quase não penso em outra coi-
sa — confessou sem emoção.
Hanley, encorajado, voltou a bater na mesma tecla:
— O fenômeno dos idiomas vai vir à tona. Alguém vai des-
cobrir isso logo. Bob, eu entendi toda e qualquer palavra daque-
la fita, as perguntas e as respostas. Ninguém alterou essas fitas,
agora tenho certeza disso.
Masterson pegou um envelope que estava na mesa e disse:
— Lembra que eu falei que iria mandar os originais para análise? Bem, aqui está a resposta. Custou cento e cinqüenta mil dó-
lares para descobrir isso — disse ele, lendo o que estava escrito no
relatório: — Nossa conclusão é que as fitas das gravações de ví-
deo de um Sr. Antônio Almeida são as originais dos eventos des-
critos nessas fitas. Nossa análise assegura, sem restrições ou he-
sitações, que as gravações não foram alteradas, adulteradas ou
falsificadas da versão original inglesa.
— Versão original inglesa... — disse Hanley, sorrindo. —
Eles também acharam que a fita estava em inglês!
Masterson sacudiu os braços e perguntou o que Hanley esta-
va pensando.
— Traga-o aqui, antes que o fator "língua" seja revelado.
Traga-o para Louisville, entreviste-o, debata com ele, faça o que
você quiser. Será o maior acontecimento televisivo do milênio.
Bob Masterson contra o Jesus da Nova Era o homem que fala em
línguas.
Masterson não acreditou no que estava ouvindo.
— Você perdeu o juízo! Você quer que eu ponha Almeida
no ar,em minha rede de televisão, e mostre a sua cara em meus
satélites para o mundo inteiro ver? Por que não deixar que ele en-
tre neste escritório e tome conta do pedaço? Você pirou! — fina-
lizou Masterson, bufando.
Hanley já esperava por isso. Masterson estava obviamente se
sentindo ameaçado por Almeida. Mas, depois de vinte e sete anos
trabalhando com o homem, Hanley sabia que muita água ainda
iria rolar.
"Masterson também tem suas dúvidas sobre Almeida", pensou.
— Bob, preste atenção — apressou-se em dizer. — Nós esta-
remos na frente dessa bola de neve que vai rolar montanha abai-
xo assim que as pessoas sacarem o que está acontecendo. E ela vai
nos cobrir.
Masterson, ainda bufando, deixou Hanley falar.
— Ponto 1: esse cara não está atrás de dinheiro. Ele está bem
de vida e, como informou Martelli, nem usa o que tem. Ponto 2:
as pessoas estão loucas por um messias; elas estão nervosas e com
medo. O mundo está simplesmente ficando de cabeça para baixo
com esse papo de fim do mundo, retorno de Jesus, milênio.
Hanley parou e olhou diretamente nos olhos do chefe. En-
tão continuou:
— Agora, no ápice da histeria, aparece um cara que quando
fala é entendido por todos, em qualquer lugar do mundo. Pronto:
você tem um messias instantâneo. Você pode ir à televisão quan-
tas vezes quiser e chamá-lo de falso profeta ou até mesmo de de-
mônio. Mas eu acho que você não vai conseguir parar essa bola
de neve, Bob.
Em todos os vinte e sete anos que Hanley trabalhou para
Masterson, o produtor nunca falara assim com o chefe. Bill Han-
ley estava surpreso consigo mesmo por sua audácia. Masterson,
pelo menos nesse momento, estava chocado demais para respon-
der, então Hanley, percebendo que levava vantagem, continuou
pressionando.
— Traga Almeida aqui. Entreviste-o na frente desse auditório
fanático que fica gritando améns. Atire tudo que você tem
contra ele e deixe as coisas rolarem. Tente quebrá-lo. Se você
conseguir, fará ao mundo um favor, e você será um herói. Afinal de contas, quem quer outro messias? Eles só causam confusão. 1
— E se ele não quebrar? — perguntou Masterson com um
expressão séria.
Hanley estava preparado para isso também.
— Se fizermos tudo direitinho e mesmo assim você não conseguir quebrá-lo, todos o verão como um evangélico tolerante
de mente aberta, que é a imagem que Mary Fried vem tentando
criar para você nos últimos cinco anos. Você só pode ganhar. A
CCM vai cobrir o maior evento religioso ou... a maior farsa reli-
giosa do século! Bob — finalizou Hanley —, se Almeida for real,
não há nada que possamos fazer.
Masterson estava furioso demais para tomar uma decisão.
Como Hanley ousava falar com ele daquela forma? Se não fosse
por Masterson, Hanley provavelmente estaria produzindo um jor-
nalzinho em alguma emissora do interior.
— Você terminou!
Não era uma pergunta. Hanley não sabia de que modo enca-
rar isso. Ele sorriu e perguntou:
— Para agora ou para sempre?
Masterson fitou Hanley intensamente e com um longo sus-
piro lamentou:
— Esqueça tudo isso. Talvez você tenha razão. Deixe-me
pensar sobre isso durante o fim de semana. Eu devo receber os re-
latórios de Mary em breve. E também quero dar uma olhada nes-
sas cópias.
— Claro, o que você quiser.
— Por falar nisso — perguntou Masterson timidamente —,
cá entre nós, você acha que esse cara é de verdade? O que pensa
o Bill Hanley agnóstico, cético e cínico a respeito de Antônio
Almeida? Ele é o Cristo reencarnado?
— Que tal uma resposta típica de Almeida? — disse Hanley,
devolvendo o gracejo para Masterson, que sorriu e concordou. —
Almeida é quem você pensa que ele é.
Capítulo 14
Noite da mesma sexta-feira, ano 2015
FITA UM
Masterson levou para casa as três fitas editadas e as trans-
crições feitas por Hanley. Ele tinha folheado os textos em seu es-
critório e viu que, como sempre, Hanley fizera um excelente
trabalho. Seguindo suas instruções ao pé da letra, Hanley tinha
editado três fitas de duas horas cada a partir das quatro originais.
Ele eliminou as redundâncias, repetições e conseguiu organizar
os discursos por tópicos.
Masterson estava sentado sozinho em sua biblioteca particu-
lar, vestindo um roupão azul e branco solto e confortável. Depois
de um jantar leve, ele estava pronto para assistir, ouvir e ler tudo
que ele tinha em mãos sobre Antônio Almeida. De sua macia
poltrona de couro marrom ele olhou para o relógio digital do vi-
deocassete. A luz verde mostrava a hora: oito e cinqüenta e sete.
Sua esposa estava em Nova York, em uma de suas freqüentes
viagens de compras, então ele estaria livre para pelo menos duas fi-
tas, e, se conseguisse espantar o sono, veria todas as três. A primei-
ra fita, que Hanley rotulou de No Que Eu Acredito, chamou sua aten-
ção. Ele decidiu começar por ela e foi até o aparelho para inseri-la.
O televisor deu sinal de vida assim que ele apertou o botão play, e,
quando Masterson estava de volta à sua poltrona, a tela estava
preenchida com o rosto agora familiar de Antônio Almeida.
O rapaz de vinte e nove anos estava falando num grande
auditório para mais de mil pessoas. A câmera escondida da CCM
devia estar a uns trinta metros do palco, porque a imagem ofere-
cida da multidão era impressionante.
Uma voz saída do meio da multidão lançou uma pergunta. Al-
meida ouviu a pergunta e repetiu-a em seu microfone para que to-
dos pudessem ouvi-la.
— Um homemjne^ergumouno que eu acreditava — disse
ele olhando para os rostos na platéia. — Vou começar dizendo isto:
não se trata crença, mas de fatos.
"Que idiota presunçoso", pensou Masterson, rabiscando anotações no transcrito.
No televisor do evangélico, Almeida começou a elencar es-
ses fatos.
— Em primeiro lugar, Deus existe. Vocês podem chamar de
ele, ela ou o que quiserem: Inteligência Infinita, Mãe Pai Deus,
Ser Supremo ou Espírito Universal Ou que tal "Deus do meu en-
terTCitrnêntõ"? Isso não faz mais sentido? Pensem nisso por um se-
gundo. Cada um tem uma concepção sobre Deus. Todos estão cer-
tos, porque Deus é tudo.
Almeida perguntou se alguém tinha alguma dúvida sobre o
que ele tinha dito.
— É claro que não — bufou Masterson em voz alta. — Você
fez Deus tão fácil para eles!
A fita continuou passando, e Almeida continuou:
— Nós fomos todos criados à imagem de Deus. Sei que vo-
cês ouviram isso trilhões de vezes, mas já pararam para pensar nis-
so? Alguns de vocês são loiros, outros orientais, alguns são baixos,
outros são gordos. Obviamente não somos a imagem física de
Deus, isso seria impossível. Nossos espíritos é que são criados à sua
imagem, por isso somos todos iguais no espírito. Somos todos ir-
mãos e irmãs.
O jovem e bonito pregador sorriu para o público e levou sua
explicação um passo adiante.
— Se todos nós fomos feitos à sua imagem, então todos nós somos ligados um ao outro. Por causa de Deus, cada um de nós é par-
te do outro, portanto somos responsáveis pelo outro e com o outro.
Antônio, olhando diretamente para a lente da câmera escondida, frisou:
— Eu acredito em Deus e acredito em vocês. Eu gostaria que
vocês acreditassem em vocês mesmos.
Uma outra voz, essa mais próxima da câmera, foi captada
pelo microfone. Havia uma certa hostilidade na pergunta:
— E quanto a Jesus? Você acredita nele?
"Boa!", pensou Masterson. "Até que enfim esse cara vai ter que
assumir."
A câmera focalizou o rosto de Almeida, como se ela também
estivesse esperando por essa pergunta. Masterson prestou muita
atenção à resposta.
— Eu acredito em Jesus. Eu sei que ele foi, e é, o filho de Deus.
Almeida parou por um segundo, e comentou:
— Fico contente que tenham feito essa pergunta. Não pode-
ria ter vindo numa hora melhor, porque essa questão leva a esta
resposta: todos nós somos filhos e filhas de Deus. Jesus não é mais
nem menos filho de Deus do que vocês. Na verdade ele era, e é,
Filho do Homem também.
Murmúrios de desaprovação e descrença rolaram entre o
povo. Almeida sorria pacientemente enquanto esperava o bur-
burinho cessar. Quando voltou a falar, sua voz era calma, suave
e acolhedora:
— O nome de Jesus atrai tanta emoção e paixão... Não en-
tendo por quê. Ele é filho de Deus, e vocês também. Ele nasceu
como Filho do Homem para que os seres humanos pudessem se
identificar com ele. Não sei por que vocês querem separar vocês
de Jesus. Mas, se vocês têm tanta dificuldade de acreditar que vo-
cês e ele são um e iguais, vou explicar então como vocês e ele são
diferentes.
Masterson acompanhava atentamente, fazendo anotações
nas margens do transcrito.
— Para começar, há diferentes níveis de vibração no univer-
so. Uns são altos e outros baixos. Jesus falou a vocês sobre esses
diversos níveis quando descreveu os diferentes quartos na man-
são do Pai. O espírito que vocês chamam de Jesus veio da mais alta
vibração.
O público silencioso prestava extrema atenção ao jovem.
— Jesus é o mestre deste mundo. Ele é o guarda da vibração
terrestre. Ele é o professor dos professores e é o mais velho de uma
grande família de irmãos. Ele é o Bodhisattva, no Oriente, é o
Imam Mahdi para os muçulmanos. Dois mil anos atrás, quando en-
trou na vibração terrestre, Jesus veio como um espírito de luz encarnado nesta vibração baixa da Terra. Ele veio para ensinar. Ele
viveu uma vida em carne e osso para mostrar a todos desta vibra-
ção como viver.
— Ele mesmo disse: "Eu vim como uma luz nesse mundo,
para que todos que acreditam em mim não fiquem na escuridão.
E, se alguém. ouvir minhas palavras e não as guardar, eu não o julgarei, porque eu não vim para julgar o mundo, mas sim para salvar o mundo".
— Vocês, meus amigos, compartilham o mesmo espírito que
andou no corpo terrestre de Jesus. Vocês, ele e eu somos filhos
de Deus. Somos todos criados à imagem e semelhança do Espí-
rito Infinito.
A multidão estava silenciosa. Masterson, assistindo em sua
casa, apontou o dedo para a TV e desafiou Almeida:
— Você parece tão convincente sem ninguém contestan-
do... Eu queria ver você frente a frente com alguém que soubes-
se o que está falando. Como eu!
No vídeo, Almeida continuava seu discurso:
— Jesus não pertence ao cristianismo, mas à humanidade.
Ninguém é dono de Jesus e ninguém é dono de vocês.
Sem esperar por outra pergunta, Antônio prosseguiu, contando à multidão silenciosa no que mais ele acreditava. Masterson continuou fazendo suas anotações.
— Vocês perguntaram no que eu acredito. Eu repito: eu não
acredito, eu sei. Por exemplo, toda moralidade pode ser resumida
nessa regra simples: Faça aos outros o que você faria a você mes-
mo". Isso é verdade, porque "os outros^ são vocês. E, pela lei do
carma, o que você fizer aos "outros" será, de uma maneira ou de
outra, feito para "você".
— Também é verdade quando declaro que a morte não existe! Ao invés da morte, há o renascimento. E nascimento é a mes-
ma coisa que morte; tudo depende do lado da porta pelo qual a
pessoa está passando. Se alguém está entrando neste mundo, vo-
cês chamam de nascimento, e se alguém está indo para o mundo
astral, vocês chamam de morte.
Uma senhora grisalha e gorda, beirando os sessenta anos,
educadamente levantou a mão. Almeida viu-a e, levando seu mi-
crofone, encaminhou-se até onde ela estava sentada. Chegando
a seu lado, ele pediu-lhe que falasse ao microfone para que todos
pudessem ouvir sua pergunta. Rindo, ele disse para ela que tinha
aprendido essa técnica assistindo aos programas de entrevista da
televisão. Até mesmo Masterson sorriu com a piada.
A senhora grisalha timidamente pediu que ele falasse um
pouco mais sobre reencarnação.
— Olhem à sua volta — pediu ele ao público. — Vocês co-
nhecem alguém aqui que é perfeito?
Não houve resposta.
— Pensem um pouco. Não há ninguém que vocês conheçam
que é como Cristo? Não existe ninguém que vocês conheçam que
vive sua vida como Jesus viveu a dele?
Ninguém respondeu.
— Esse silêncio não me surpreende, porque ninguém é per-
feito. Se vocês fossem, não estariam nesta vibração. Agora — dis-
se ele voltando para o palco —, vocês acreditam honestamente
que Deus iria criar e depois amaldiçoar essas criações a uma vida
eterna no inferno? Vocês não acham que ele os criou para uma coisa maior que apenas uma vida de dor e sofrimento na Terra?
Sua voz praticamente suplicava por entendimento, enquan-
to continuava:
— Olhem ao seu redor e vocês verão que há um plano e uma
razão para tudo. Porque alguns espíritos, criados à imagem dele,
vivem nesta terra na pobreza, fome e ignorância, enquanto outros,
também criados à sua imagem, vivem aparentemente no bem-
bom? Eu pergunto: se vivêssemos apenas uma vida na Terra, isso
seria justo? Ninguém é perfeito, e é quase impossível para qual-
quer espírito evoluir em uma única encarnação.
Almeida pediu-lhes que analisassem suas próprias vidas para
ver exemplos do ciclo das passagens.
— Quando você passa de recém-nascido para criança, o recém-nascido morre e a criança nasce. Depois, na passagem da in-
fância para a adolescência, a criança é que morre, com o adoles-
cente tomando seu lugar. E um dia o adolescente vira adulto, e o
adulto vira idoso. Essas são as mudanças que todos passam nesta
vida: sempre mudando sempre morrendo e sempre nascendo de
novo. A vida do espírito é assim também: sempre mudando, evoluindo e se desenvolvendo,
Bob Masterson anotou na margem do transcrito: "O cara sim-
plifica tudo. Ele é muito bom. Ele convence".
No monitor do evangélico, Antônio Almeida continuava
sua explicação:
— Como eu disse: nascimento e morte, não há realmente
muita diferença.
Ele então informou ao público que estava pronto para expli-
car uma outra verdade.
— Todo mundo tem um direito divino, chamado de livre-
arbítrio, por meio do qual o espírito evolui, aprende e também se
responsabiliza pelas ações resultantes de suas escolhas. Isso não é
um castigo, e também não é um prêmio. É simplesmente uma con-
seqüência chamada carma. Quando vocês aprenderem que suas
ações e motivações tem conseqüências, começarão a viver a vida
para a qual foram criados.
— É muito importante, então, que vocês não deixem ninguém
viver a vida por vocês. 0 que é certo para uma pessoa pode não
ser certo para você. Você cresce por causa do livrê^ãnSítrio e apren-
deatravés da escolha.
Masterson bufava para a tela da televisão, dizendo que a maioria das pessoas são idiotas e precisa de alguém que as gue as guie e ensine,
— Sem gente como eu — resmungou —, a maioria das pes-
soas nesta terra estaria perdida.
A fita continuava a rodar no aparelho. De repente, a tela es-
cureceu. As anotações de Hanley diziam que a próxima cena ti-
nha sido gravada no mesmo auditório, mas depois que a multidão
havia ido embora. Para esse segmento Hanley tinha dado o nome
de Uma Explicação da Vida.
A câmera escondida mostrava Almeida sentado com cinco
pessoas numa mesa, colocada no centro do palco. As anotações
no pé da página explicavam que as cinco pessoas eram amigas ín-
timas de Almeida. A jovem se chamava Fernanda. Hanley disse
que ela aparecia em outros sermões. O senhor mais velho tinha o
nome de Roberto e era budista. Outro homem, meio calvo, era Macedo, um ex-padre católico. Hanley não tinha certeza de quem era
o garoto de cabelos loiros. E ele achava que a senhora mais velha
de cabelos ondulados grisalhos era uma médium chamada Márcia.
Almeida, com a voz enrouquecida pelo sermão, falou casual
mente com seus amigos:
— Há uma coisa que preciso explicar. Eu não tenho feito isso
porque não quero deixar as pessoas confusas. Mas, como vocês sa-
bem, há uma diferença entre espírito e alma. Eu costumo passar
batido por esse assunto porque cada um vai conferir essa diferença quando chegar ao outro lado. Vou tentar explicar a diferença
a vocês, e depois me digam se devo incluir isso nas palestras.
Os cinco concordaram, e o garoto loiro falou:
— Isso deve ser interessante.
Masterson, imitando sarcasticamente o garoto, disse para o
aparelho de televisão:
— É, eu acho que essa merda vai ser bem interessante, também.
— Bem — começou Almeida —, o espírito é uma criação di-
reta de Jeus, então o espírito é perfeito.
O garoto loiro de dezesseis anos interrompeu, perguntando
como um espírito pode ser perfeito se há assassinos, estupradores
e pessoas maldosas nesta terra.
— Eu vou chegar lá — respondeu Almeida. — O espírito é
perfeito porque Deus é perfeito. Mas Deus é maior que o espírito
porque espíritos e humanos são cópias ou "imagens" de Deus. En-
tão os espíritos humanos não são originais, são cópias.
Os cinco amigos ouviam atentos.
— Deus criou espíritos para viver a experiência humana por-
que através da humanidade eles têm experiências e evoluem com
ele. Mas, para viver num corpo humano, o espírito também precisa criar sua própria imagem. E essa imagem é chamada de alma.
A alma, ligada ao espírito perfeito, mora no corpo encarnado.
Todo mundo está acompanhando? — perguntou.
Fernanda repetiu:
— Nosso espírito vem do Criador, e nossa alma vem de nosso espírito. Até aqui, tudo bem.
Antônio comentou que estava contente por estarem todos en-
tendendo, e continuou com a explicação:
— Antes de um espírito encarnar nesta vibração, a alma cria
uma personalidade.
Notando a confusão nos olhos do garoto, Almeida procurou
detalhar esse tópico:
— Antes de retornar, ou nascer, nesta vibração, o espírito
sabe do que precisa para evoluir. Ele escolhe o sexo mais adequa-
do: masculino ou feminino. Ele molda uma forma: alto, gordo,
baixo, inteligente ou não. O espírito, por meio da alma, selecio-
na a raça: branco, negro, oriental, e assim por diante. Tudo isso
para adquirir as condições para encontrar as circunstâncias, expe-
riências e lições de que o espírito necessita para progredir. O conjunto dessas características geradas para o espírito pela alma é
chamado de personalidade. O espírito, por intermédio da alma, cria
uma cada vez que encarna. Entendeu? — perguntou, olhando di-
retamente para o menino.
O adolescente sorriu, como se tivesse passado numa prova de
matemática, e disse:
— Deus espelha o espírito, o espírito espelha a alma, e o es-
pírito, através da alma, cria nossas personalidades.
Almeida passou a mão nos cabelos do garoto.
— Até aqui, tudo muito bem — disse, sorrindo com satisfa-
ção —, mas há mais algumas coisas.
Bob resmungou sarcasticamente para o aparelho de televisão:
— Aposto que sim.
O jovem pregador prosseguiu:
— Nas filosofias esotéricas, a personalidade é freqüentemen-
te chamada de "o ser mais baixo", porque ela, diferentemente do
espírito e da alma não faz parte da energia da luz. Ela, por ter sido
criada para viver nesta terra, pertence à carne.
O budista, que até aquele momento ouvia em silêncio, sor-
riu e acrescentou:
— Isso é verdade. A personalidade está presa à vibração ter-
restre. Ela, e só ela, está sujeita às limitações de tempo e espaço
neste mundo.
Almeida concordou.
Márcia, a médium espírita, concordou também:
— São as personalidades que nascem e são as personalidades
que morrem. E é por meio da personalidade que experienciamos
o mundo terrestre e tudo que este mundo físico oferece. Há uma
conexão da personal idade com a alma e da alma com o espírito.
Nós chamamos isso de perispírito.
Almeida sorriu, dizendo que ela também estava certa.
— E é a personalidade que está presa à vibração terrestre,
onde o bem e o mal existem — disse ele.
Macedo, o ex-padre católico, comentou:
— E o bem e o mal são forças reais criadas pelas personalida-
des que habitam este planeta.
— Você também está correto — afirmou Antônio.
Roberto, o budista, explicou que era isto que Buda procura-
va demonstrar quando ensinava meditação: "Olhe para dentro. Deixe a personalidade do lado de fora. Aquiete a mente, que é uma j
ferramenta da personalidade. Deixe de lado suas ambições, desejos e apegos da personalidade. Fazendo isso, você verá o Buda que
está dentro de cada um".
— O espírito que está dentro — acrescentou o adolescente.
A médium aderiu:
— A imagem de Deus dentro.
O ex-padre acrescentou:
— O Espírito Santo dentro.
Fernanda sorriu para Almeida e falou:
— Deus dentro, o Espírito dentro, Buda dentro. Em todos
nós. Juntos.
Os seis refletiram durante alguns momentos. E chegaram à con-
clusão, através dos ensinamentos de Almeida, que religiões e cren-
ças tinham mais em comum do que eles pensavam.
Masterson, assistindo ao vídeo, colocou o lápis de lado e pa-
rou de fazer anotações. Ele estava interessado no que o jovem pre-
gador iria dizer em seguida.
— A personalidade é o mundo. O espírito é Deus. Use a per-
sonalidade para aprender, para evoluir, para viver experiências. É
por isso que vocês estão aqui. Mas não seja um escravo de sua per-
sonalidade, porque você é muito mais do que suas ambições, seu
ego, seu orgulho, seus desejos.
Fez uma pequena pausa e continuou:
— Morte é quando a personalidade retorna para a alma. Lem-
brem-se de que a alma criou a personalidade para viver experiên-
cias na vibração terrestre. Agora eu posso explicar o que foi dito
dois mil anos atrás:
— Não ame o mundo ou qualquer coisa do mundo. Se alguém amar o mundo, o amor do Pai não está nele. Porque tudo
no mundo — as súplicas do homem pecador, o desejo de seus
olhos e a ostentação de tudo que ele tem e faz — não vem do Pai,
mas do mundo. O mundo e seus desejos acabam-se, mas o homem
que faz a vontade de Deus vive para sempre.
— Agora que vocês compreenderam isto, é fácil entender
quais são os passos da evolução espiritual. Primeiro: a personali-
dade terrestre é purificada e libertada dos apegos e das vibrações
mais baixas. Isso acontece através da reencarnação e do carma.
Quando essa liberação ocorre, a personalidade libertada torna-se
uma com a alma. Quando essa junção personalidade-alma acon-
tece, a alma também pode se juntar com o espírito. Todo es^eprq-
cesso é guiado e inspirado por Deus através do Espírito Santo.
Como eu digo, existe verdade em tudo e em toda religião. Espírito,alma e personalidade: nossa trindade pessoal!
Masterson, com raiva, pegou o lápis e rabiscou agitadamente.
"Como ele ousa igualar os seres humanos à Trindade? Isso bei-
ra a blasfêmia", anotou ele.
No vídeo, o budista concordava com Almeida: _
— Isso está escrito no Sukla Yajur Veda. "Um homem age de I
acordo com seus desejos, aos quais se apega. Assim, aquele que tem
desejos continua sujeito ao renascimento."
Macedo, o ex-padre, acrescentou:
— J°áo da Cruz disse: "Se é para um homem entrar na união
Divina, tudo que habita em sua alma deve morrer, tanto o pouco
como o muito, como o pequeno, o grande, e a alma precisa estar
livre de desejos".
E Almeida terminou a discussão dizendo:
— Se qualquer homem quer vir comigo, deixe-o negar a si
mesmo.
Masterson resolveu que era hora de fazer um pequeno inter-
valo antes de colocar a fita número dois.
— O cara sabe dar show — disse ele em voz alta enquanto se
dirigia à cozinha para fazer um sanduíche.
Capitulo 15
Noite da mesma sexta-feira, ano 2015
FITA DOIS
Quando Masterson voltou para sua biblioteca, o relógio di-
gital do videocassete marcava onze e quinze da noite. Seus olhos
vagaram alternadamente pelas duas fitas restantes, até se fixarem
na que Hanley rotulou de Hoje. Enquanto voltava para sua pol-
trona reclinável e antes de apertar play no controle remoto, Mas-
terson refletiu sobre a primeira fita.
A questão da língua mais uma vez dominou seu pensamen-
to. Como foi feito? O que estava por trás daquilo? Será que forças
místicas estavam em ação, forças que ele mesmo não entendia? Pe-
ritos e também sua própria investigação empírica concluíram que
as fitas não tinham sido alteradas. Agora era a hora de Masterson
chegar a uma conclusão.
"Se não há nenhuma explicação terrestre, então deve haver
uma explicação não terrestre", ponderou Bob, perguntando-se se
a explicação estaria no lado do bem ou do mal.
Acomodado em sua poltrona, Masterson tentou entender
Almeida.
"Como é que pode? Se eu falasse em línguas, iria querer que o
mundo inteiro ficasse sabendo. Eu mesmo estaria me chamando
de 'O Novo Messias'. Mas Almeida não está nem aí com isso. É
como se soubesse como toda essa brincadeira vai terminar."
Com o lápis e o transcrito na mão, Masterson estava arma-
do e pronto para mais uma tentativa de desvendar o enigma cha-
mado Antônio Almeida.
Na televisão de trinta e seis polegadas, o rosto expressivo de
Almeida preenchia toda a tela. Masterson, como sempre, achava
que aqueles olhos azuis apontavam diretamente para ele. Hanley,
obviamente, copiara essa primeira cena de uma outra fita, e, como
a câmera estava focalizando o pregador bem de perto, Bob não con-
seguia saber o local onde Almeida estava discursando.
— O mundo de hoje é muito mais complicado do que o mun-
do de seus pais. Porém a vida é a mesma de dois mil anos atrás.
Eu sei que isso é confuso, mas vou explicar.
Quando a câmera abriu o plano, o televisor mostrou Almei-
da em pé no meio de uma grande roda de pessoas.
— É o seguinte — começou Almeida sua explicação, viran-
do-se e olhando em volta da roda. — Todas as sociedades e cul-
turas estão mudando numa velocidade nunca vista antes. Vocês
devem se sentir um pouco deslocados por causa dessas mudanças,
não é verdade?
O microfone da câmera captou os murmúrios de concordân-
cia da multidão.
— E é com razão que vocês se sentem assim, porque há um
monte de coisas acontecendo: antigos empregos estão desapare-
cendo, dando lugar a outros, que exigem novas habilidades. Aviões,
televisão, satélites, Internet... O mundo está girando mais depressado que nunca. Até poucos anos atrás uma pessoa podia
manter o mesmo emprego e viver por toda a vida na mesma casa
em que nasceu. Hoje um trabalhador troca de emprego seis ou
sete vezes durante a vida, muda várias vezes de cidade para cida-
de, ou até mesmo de país para país.
Almeida passeou os olhos demoradamente pela multidão e
perguntou:
— Agora vocês devem estar pensando: o que vai acontecer?
Aonde isso vai chegar e o que significa?
Uma jovem, de idade mais ou menos igual à dele, levantou
a mão e perguntou:
— Eu acho que nós gostaríamos de saber por quê.
— E agora, garotão? — comentou Masterson em sua poltrona.
— A pergunta foi boa. Vamos ver se você tem uma boa resposta.
— OK — disse Antônio. — O que está acontecendo? Aon-
de isso tudo vai chegar? O que significa? E por que está aconte-
cendo? Vamos por etapas. Primeiro, o que está acontecendo? Isso
se chama mudança. Mas muitas pessoas acham que é uma mudan-
ça tecnológica que está acontecendo. Elas estão erradas, porque
o que está acontecendo é uma mudança espiritual. Vou repetir o
que já falei milhares de vezes: a vida nesta vibração se resume a
escolhas, e a vibração terrestre está aberta para mais escolhas porque o espírito humano evolui. Quanto maior o avanço espiritual, maior o número de escolhas que aparecem. Lembrem-se: nada
acontece por acaso. Dois mil anos atrás havia poucas opções nes-
ta vibração porque os espíritos encarnados naquela época não
eram tão evoluídos quanto o são hoje. A evolução traz desenvol-
vimento, e o desenvolvimento pede um nível mais alto de esco-
lhas e responsabilidade.
Masterson, fazendo suas anotações, acompanhava rancorosa-
mente a lógica de Almeida.
— Em segundo lugar, aonde vai chegar tudo isso? A vibração
deste mundo está mudando porque nada no universo é constan-
te. Até mesmo Deus muda, evoluindo também em sua perfeição.
Sim, o milênio está trazendo novidades para esta dimensão. Não_
é o fim do mundo, mas sim a mudança do mundo.
Mesmo pela televisão Masterson sentia aumentar o nível de
ansiedade do público. E o dele também.
"Será que Almeida vai fazer previsões para o milênio?",
cogitou.
Antônio também sentiu a ansiedade e, para quebrá-la, brin-
cou com a platéia, dizendo:
— Calma, todos vocês estão nisso juntos. Não esquentem a
cabeça e não passem seus dias esperando o sol despencar ou um
meteoro se espatifar no Atlântico inundando o planeta. As mu-
danças que estão vindo são nada mais, nada menos que o resulta-
do da evolução desta vibração e, no final das contas, evolução de
vocês também. Mas vou adiantar uma coisa: a Terra está entrando numa Nova Era. Valores espirituais e ideais morais terão uma
nova importância, e os espíritos que não estiverem prontos simplesmente reencarnarão numa outra vibração mais adequada.
Antônio disse à multidão que ele queria voltar ao porquê.
— A resposta é simples: mudanças e escolhas. Nada é cons-
tante ou estagnado. Nada é para sempre. Os espíritos encarnados
aqui, através de suas reencarnações, mortes e renascimentos não
são os mesmos de quando foram criados milênios atrás. E as mu-
dançasemseus espíritos são refletidas nas mudanças nesta terra
porque esta vibração reflete a vibração coletiva dos espíritos
vivendo aqui. Mais uma vez volto a repetir: nada é por acaso. E, quando a vibração terrestre muda, a vibração do universo também
muda, porque tudo está interligado e conectado. Pensem em como
tudo isto é emocionante e como vai abrir novas portas.
Masterson resmungou em voz alta e escreveu:
"O cara às vezes parece um porta-voz da Câmara de Comércio."
Um senhor de mais idade, beirando os sessenta anos, cabe-
los grisalhos, acenou para o pregador, dizendo que queria falar.
Almeida sorriu para o velho e deu sinal para ele falar.
— Entendo o que você fala sobre progresso. Mas parece que
não estamos progredindo; estamos regredindo. Olhe para toda
essa violência de hoje. No meu tempo não era assim.
Antônio concordou dizendo que conhecia muitas pessoas
que se sentiam da mesma forma.
— Mas — explicou — o progresso leva a culpa por muitos ma-
les que vocês mesmos criam. Acabei de explicar que haveria uma
questão espisritual a ser encarada na Nova Era. A violência, sem
sombra de dúvida, é uma questão espiritual, porque, enquanto
ódio, a desconfiança e a exploração existirem nesta vibração, a vio-
lência existirá. Entendam isto: vocês são responsáveis pela violência, porque vocês alimentam a vibração de que a violência preci-
sa para existir.
Masterson, assim como a multidão que cercava Almeida,
aguardava ansiosamente as próximas palavras do jovem pregador.
— Na hora que vocês perceberem que estão ligados um com
o outro, a violência acabará. Tão logo vocês decidam se unir so-
bre o que vocês têm em comum,ao invés de se dividir sobre suas
diferenças, a violência desaparecerá desta vibração.
Um outro senhor, possivelmente um professor universitário,
discordou:
— Absurdo! A violência é o resultado de desiquilibrios sociais. As pessoas assaltam, roubam e até matam porque se sentem
inadequadas ou porque não têm dinheiro ou porque têm problemas mentais ou emocionais.
- Absurdo! — retrucou Almeida. — A violência é o resul-
tado do medo que vocês têm do outro. É esse medo que impossibilita a distribuição justa da riqueza da Terra. Vou provar isso para
vocês por meio de perguntas. Por que uma nação teme que uma
outra fique por cima? Por que os brancos temem os negros? Por que
os ocidentais temem os orientais? E a pergunta mais inconcebí-
vel: por que uma religião teme a outra? Vocês já sabem a respos-
ta: medo, ciúme e ódio. E todos os três são a mesma coisa.
Naquele momento Masterson percebeu por que ele temia Al-
meida: o homem era uma forte ameaça a seu império, a suas am-
bições políticas e a tudo em que ele acreditava.
— Somente quando os homens conhecerem o espírito é que
essas vibrações pesadas poderão ser superadas. Quando vocês re-
conhecerem que realmente são um só, não haverá razão para ciú-
me. Quando vocês souberem que os primeiros serão os últimos e
que os últimos serão os primeiros, essa competição constante,cor-
rupta e estúpida à qual vocês estão apegados evaporará.
Antônio olhou para todo o grupo. Ele sabia que a maioria
não estava convencida, por isso resolveu terminar sua mensa-
gem assim:
— Há dois mil anos veio um outro mensageiro. E os espíri-
tos encarnados daquela época o chamaram, entre outras coisas, de
idealista sonhador. Eu vou fazer mais algumas perguntas para vo-
cês: Por que é mais fácil para os espíritos terrestres entender ciúme do que entender o amor? Por que é mais fácil abraçar o ódio
do que a compaixão? A Terra está entrando numa Nova Era, e aque-
les que não aceitarem esses ideais não poderão viver aqui. E sim-
plesmente isso.
Capitulo 16
Sexta-feira para sábado, ano 2015
FITA TRÊS
Bob Masterson lutava contra seus olhos pesados. O relógio di-
gital do aparelho de vídeo indicava meia-noite e trinta e cinco,
era madrugada de sábado. Dali a algumas horas ele estaria rece-
bendo de Mary Fried um e-mail relatando seus quatro dias de in-
tensa pesquisa em São Paulo e, em seguida, dependendo desse
relatório, ele daria um telefonema para Bill Hanley. Masterson
deixara Hanley de prontidão. O evangélico ainda não havia de-
cidido se mandaria ou não Hanley para o Brasil a fim de convi-
dar Almeida a Louisville.
"Falta só uma fita", pensou Bob, olhando o relógio. Ele esten-
deu a mão para pegar a fita que Bill entitulara de Palavras Velhas,
Idéias Novas.
Mais uma vez, ele inseriu a fita no aparelho, voltou para sua
confortável poltrona e esperou as primeiras imagens aparecerem.
Essa fita era diferente das outras duas. A tela da TV não acen-
deu imediatamente com a imagem do pregador jovem e atlético.
A câmera tremia um pouco, mas finalmente se estabilizou e foca-
lizou um senhor de idade, de terno preto, camisa branca sem gra-
vata e um chapéu preto.
"Parece um rabino", refletiu Masterson. Checando as anota-
ções de Hanley, ele viu que estava certo: o homem era mesmo um
rabino.
O rabino estava educadamente com a mão levantada, aparen-
temente esperando ser notado por Almeida, que estava terminan-
do de responder uma outra pergunta. Antônio, do outro lado do
palco, provavelmente fizera um sinal para o rabino, pois o rosto
enrugado do homem sorriu e ele começou a fazer sua pergunta.
— Espere um segundo — disse Almeida, de algum ponto do
recinto.
Nesse instante a câmera abriu para uma tomada geral, mos-
trando Antônio andando até o rabino, fazendo sinal para alguém
trazer uma cadeira para o velho senhor.
Aquela imagem informou a Masterson que esse seria outro en-
contro de massa, desta vez acontecendo ao ar livre embaixo de uma
lona. As anotações de Hanley não forneciam nenhuma pista de
onde e quando o encontro ocorrera. Porém Bob pôde ter certeza
de que tinha sido ao anoitecer. Por seus cálculos, havia em torno
de quatrocentas pessoas debaixo da tenda e outras cem aglome-
radas do lado de fora.
Almeida sentou-se no chão, de pernas cruzadas, ao lado do
rabino, e perguntou:
— O que posso fazer pelo senhor, mestre?
O velho rabino sorriu, segurando o microfone que Antônio
lhe dera.
— Eu gostaria de fazer uma pergunta. Mas, primeiro, tenho
um comentário a fazer.
Almeida olhava para longe quando o rabino começou a falar.
— Meu jovem, eu o ouvi falar não só uma vez, mas três ve-
zes durante estas últimas semanas. Você é um excelente orador e
— acrescentou com um sorriso insinuante — parece ter um ex-
celente domínio da língua.
Luzes vermelhas piscaram e sirenes tocaram na cabeça de
Masterson. Ele olhou para as anotações de Hanley, temendo o
que viria em seguida.
— Mas tenho algumas dúvidas. Você fala umas coisas que
vão completamente contra tudo que estudei, li e pelo menos ten-
tei seguir durante toda a minha vida. Você poderia, por favor, res-
ponder-me algumas perguntas?
Masterson ficou aliviado ao ouvir isso e ao ler nas anotações
de Hanley que o "mistério da língua" não seria discutido.
Almeida, olhando para o velho, respondeu que seria uma
honra responder à sua pergunta, mas primeiramente ele gostaria
de explicar ao público quem era aquele senhor.
._Este senhor é um rabino, um ensinador Ha fé judaica. Eu
estou muito feliz por ele estar aqui esta noite. Já havia notado sua
presença em outras ocasiões e estou contente que ele tenha vol-
tado, mas estou ainda mais feliz por ele ter resolvido se juntar ao
nosso bate-papo. — E, sorrindo para o rabino, pediu: — Vá em
frente, mestre.
- _Eu o ouvi declarar, diversas vezes, que não existe o certo
nem o errado, há apenas conseqüências. Você também afirmou que
não há nenhum julgamento de Deus, há apenas o resultado de nos-
sas ações. Isso não faz sentido para mim. Você está ensinando que
somos livres para agir como quisermos e para inventar as regras?
Não existem padrões? Não há nenhuma moral, não há nenhuma
ética? — O rabino fixou sua atenção em Almeida, esperando uma
resposta.
Antônio levantou-se do chão e olhou não para o rabino, mas
para a platéia.
— Reconheço que p que eu disse é difícil de entender. Des-
de o momento em que vocês nascem, as pessoas lhes impõem seus
conceitos do que é certo e errado. E agora — disse ele, sorrindo
— chega esse tal de Almeida pregando que não existe certo nem
errado. Acho que eu não devo ter explicado direito.
Antônio respirou fundo. Ele estava determinado a esclarecer
o assunto.
— Eu repito: não há certo. Não há errado. Há, no entanto,
tudo. E neste tudo está a resposta. Por exemplo — falou dirigin-
do -se ao rabino —, você já ouviu falar dos dez mandamentos?
O velho senhor, com um sorriso nos lábios, respondem que sim.
— Bem — Almeida agora falava para o público —, risquem
a palavra mandamentos. Ninguém lhes obedece mesmo. Vamos
ser honestos: os dez mandamentos são a maior piada da Terra,
porque ninguém realmente os segue.
As pessoas presentes naquela tenda estavam chocadas com suas
palavras, mas Almeida continuou sem parar:
— Vamos deixar de hipocrisia. As pessoas matam não so-
mente outras pessoas, mas também matam outras formas de vida
do planeta. As pessoas mentem, roubam e cometem adultério. No
sabá, quantas igrejas, templos e sinagogas ficam quase vazias? En-
tão é como eu disse: os dez mandamentos são uma piada.
O rabino começou a protestar, mas Almeida educadamente
levantou sua mão, pedindo calma e paciência.
— Rabino, eu gostaria de saber uma coisa: as pessoas que
desrespeitam esses mandamentos vão passar a eternidade queimando no inferno? Ou será que um mandamento é mais importante do que outro? Por exemplo: não matar é mais sério do que
não mentir? Ou guardar o sagrado dia de Deus é menos sério do
que roubar?
O rabino pediu para Almeida prosseguir. Ele estava prestan-
do muita atenção ao que Antônio estava dizendo, como também
estavam as quatrocentas pessoas da platéia. Sentado em Louisville, Kentucky, Bob Masterson também escutava cada palavra que
Almeida tinha para falar.
Almeida declarou ao rabino e ao público que um mandamen-
to não era mais importante do que outro.
— Mas eles não são mandamentos. Eles não são leis, não são
decretos, não são ordens.
O rabino falou ao microfone, perguntando a Almeida o que
eram os mandamentos se não regras de Deus para os homens.
Antônio respondeu:
— Eles não são dez mandamentos, eles são dez percepções.
O rabino olhou curiosamente para o jovem pregador à sua fren-
te, esperando o que viria em seguida.
Antônio, com largo sorriso, entendeu a confusão do velho.
— Quando você está iluminado e ciente de sua conexão
com Deus e com todos,_os supostos mandamentos deixam de ser
mandamentos, eles se tornam uma parte de você. Você não obe-
dece. Você é.
Antônio avisou ao público que iria explicar cada uma dessas percepções que eles conheciam como mandamentos. Ele pediu
que alguém dissesse o primeiro.
Uma menina de oito anos de idade, na frente do palco com
seus pais, gritou: "Não matarás". Antônio sorriu e disse que, ape-
sar de não ser o primeiro, era um bom começo.
— Quando seu espírito chegar à luz, você terá amor e respei-
to por toda e qualquer forma de vida, e vai entender que não pode
terminar com uma vida porque a vida não tem fim. Quando vo-
cês perceberem que são espíritos do mesmo criador, finalmente
perceberão a conexão entre vocês e todas as formas de vida que
existem. Essa percepção não pode ser imposta; ela tem que evo-
luir. Vocês saberão que estão evoluídos e iluminados quando "não
matarás" virar "eu sou um com o todo".
Uma explosão de vozes ecoou na tenda, e as pessoas dispu-
tavam a atenção de Antônio, que pacientemente acalmou o pú-
blico dizendo que ele podia adivinhar qual era a pergunta que os
angustiava.
— Todos vocês querem perguntar sobre assassinato e pena
de morte. Aposto que é isso que está em suas mentes.
— Olho por olho, dente por dente — gritou um homem do
fundo.
Masterson assistia à multidão pressionar Almeida. Ele tam-
bém estava curioso para ver como o pregador iria lidar com esse
assunto polêmico.
— Olho por olho, dente por dente — repetiu Almeida. — O
Velho Testamento — acrescentou, acenando para o rabino. — Esse
é um bom exemplo de como as palavras podem ser mal interpre-
tadas, mal usadas e distorcidas.
O zumbido provocado pelos comentários tomou conta da
tenda, e Antônio pediu à platéia que ouvisse atentamente o que
ele iria explicar.
— Essas palavras, "olho por olho, dente por dente", foram as
primeiras instruções básicas sobre o carma: o que você faz será fei-
to a você. Não querem dizer mais nada.
Passando os dedos por entre os cabelos pretos, o pregador
continuou:
— Hoje vocês usam aquelas palavras para justificar a pena de
morte. Digo em voz clara: nada justifica a pena da morte, porque
assassinato não justifica assassinato e não existem racionalizações,
estatísticas ou gráficos que possam tornar certo o que é errado.
Uma jovem segurando um recém-nascido nos braços gritou
para Almeida que as pessoas tinham o direito de se proteger contra os marginais. Antônio concordou, mas acrescentou:
— Aprendam a tratar a alma que mata e estupra. Eu sei que
é mais fácil trancar pessoas numa cela e esquecê-las. Mas não es-
queçam o que ensinei: nós todos somos os guardiões de nossos ir-
mãos, porque somos do mesmo Espírito e isto vale não somente
para vocês, mas também para o membro mais desprezível e odia-
do da sociedade. Essa alma, mesmo doente, perturbada e confu-
sa, é também um espírito de Deus.
Enquanto alguns demonstravam seu descontentamento, Al-
meida levantou a mão e falou:
— Eu nunca disse que o caminho que aponto é fácil, e tam-
bém nunca falei que meu caminho é o único. Mas eu sempre falo
a verdade porque este palco aqui não é um palanque político, eu
não estou caçando seus votos.
Masterson deu um crédito para Almeida:
— Pelo menos ele não é mais um que fica em cima do muro.
Ele fala o que pensa e não se importa se concordam ou não.
Novamente sinalizando ao rabino, Almeida lembrou que que-
ria voltar às dez percepções. O velho senhor declarou:
— Eu sou o Senhor teu Deus. Não terás nenhum outro Deus.
além de mim.
— Quando vocês chegam à luz, vocês verão a verdade por trás
dessa frase, e os outros deuses ao seu redor não serão mais importante. Esse "mandamento" não está falando dos deuses de outras
religiões, seitas ou crenças, mas sim dos deuses da terra: dinheiro,
poder, sucesso e status. Vocês saberão que estão no caminho da luz
quando esses deuses não significarem mais nada para vocês.
O rabino proferiu o próximo mandamento:
— Não invocarás o nome de Deus em vão.
— Se vocês percebem a verdade da primeira, vocês entendem
esta segunda. O caminho de Deus é um e o caminho da Terra é
outro. Quando vocês perceberem que Deus não castiga nem pre-
mia e não se mete com nosso carma, vocês entenderão como é em
vão usar o nome dele para sucesso pessoal, glória ou mesmo vin-
gança. Não usem o nome dele para justificar seus atos ou vanglo-
riar seu ser, e, principalmente, não usem o nome de Deus para
conseguir vantagens morais ou financeiras.
O rabino passou para o terceiro mandamento:
— Guardarás o dia de sábado, para o santificar, como te or-
denou o senhor teu Deus.
— Esse dia do sabá, para os iluminados, não existe — expli-
cou o jovem pregador — porque, quando vocês perceberem o que
realmente são, esse um dia virará todos os dias. Quando seu espí-
rito se desapegar das encarnações terrestres e perceber que é um
espírito realmente ligado a Deus, todos os dias virarão santos.
Uma voz na multidão, antecipando-se ao rabino, gritou o
mandamento número quatro:
— Honra teu pai e tua mãe.
Almeida explicou que, uma vez que uma pessoa reconhece
que todos são do mesmo Espírito, ela passa a honrar a todos, por-
que "vocês verão todos como seu pai ou sua mãe, porque todos nós
somos um".
Brincando, Antônio lembrou que o mandamento cinco, "o
mandamento do assassinato", já havia sido discutido, então ele pu-
laria para o número seis, "Não cometerás adultério".
— Este e o resto desses "mandamentos" são basicamente a mes-
ma coisa. Eles falam sobre a maneira como os espíritos evoluídos
vêem um ao outro. Não há necessidade de trapacear, roubar ou pe-
gar alguma coisa que não lhes pertence. O evoluído sabe que tudo
é seu e ele não iria roubar a honra ou a reputação de uma pessoa
com mentiras. Um espírito evoluído não tem, em todos os senti-
dos, ciúme de seu vizinho.
O velho rabino levantou-se de sua cadeira com microfone
na mão e dirigiu-se ao público:
— Este homem tem razão. Quando redescobrirmos quem so-
mos, estaremos livres. Livres das idéias mesquinhas, dos ódios, das
ambições e dos desejos. Deus prometeu isso para seu povo. Ele
não nos ordenou isso, porque todos nós somos livres para encon-
trar o próprio caminho no tempo certo. Acho que sei o que An-
tônio quer dizer. Os dez mandamentos não são leis escritas em pe-
dra, eles são faróis plantados, no caminho de vossas vidas. E nós
vamos saber que alcançamos nosso destino quando esses faróis
não forem mais necessários.
Masterson olhou para o relógio: eram quase duas hora da ma-
drugada de sábado para domingo. Ele estava cansado e com sono.
Capítulo 17
Sábado de manhã, ano 2015
O ÚLTIMO SONHO DE MASTERSON
"Em vão o homem tolo acumula comida. Eu lhes digo de verdade, será
sua queda. Ele junta para si mesmo, nem para um amigo, nem para
um companheiro. Sozinho ele come."
Rig Veda Samhita 10.117.6
"Assim, pois, todo aquele dentre vós que não renuncia a tudo quanto
possui, não pode ser meu discípulo."
Lucas 1433
Com seus olhos carregando o peso do sono, o evangélico su-
biu a longa escada de carvalho até seu quarto no andar de cima.
Eram quase duas e meia da madrugada de sábado e ele sabia que
teria um dia cheio pela frente.
Primeiro: Mary Fried mandaria, de São Paulo, nas primeiras
horas da manhã, o e-mail com o resumo das pesquisas sobre Al-
meida. Ele sabia que o relatório seria completo, competente e pro-
fissional, porque Mary era demasiadamente completa, competen-
te e profissional, além de ser fria, sem emoção. Ele nunca confiou
totalmente nela.
Segundo: Hanley. Seria bom mandá-lo ao Brasil para falar
com Almeida? O que lucraria ao dar a esse pregador da Nova Era
uma vitrine para o mundo todo em sua rede de televisão?
"E o mistério da língua?", pensava Masterson. Ele tinha aca-
bado de assistir a quase seis horas de fitas gravadas numa língua
estrangeira e entendera todas as palavras, nuances e sílabas pronunciadas não só por Almeida mas por todos os que estavam pre-
sentes. Masterson não tinha nenhuma dúvida de que o mistério
seria descoberto não dentro de poucos dias mas dentro de poucas horas.
"E, quando isso acontecer, o circo realmente vai pegar fogo"
refletiu.
E Antônio Almeida? Quem era ele? Até então ninguém__
nem Mary, nem Martelli, nem Hanley — foi capaz de responder
a essa pergunta.
"Será ele um hippie ou um profeta? Cristo ou um anticristo?",
questionava sua mente febril. Nem mesmo Almeida dizia quem
ele era. "Eu sou quem você pensa que sou", era sua resposta.
"Talvez ele esteja certo", respondeu Masterson a si mesmo na
escuridão de seu quarto. "Talvez ele seja apenas o que a gente pen-
sa: nada misterioso, nada sobrenatural e nada extraterrestre."
Enquanto se revirava de um lado para o outro, tentando pe-
gar no sono, Masterson questionava a si mesmo:
— Então, se for assim, eu acho que ele é o quê?
— Ele é um falso profeta, um anticristo — respondeu a pa-
ranóia dentro dele.
— Não há nada que indique isso — respondeu o Masterson
pragmático ao Masterson paranóico.
— Então seria ele Jesus, ou um mensageiro dele que encar-
nou na Terra? — acrescentou o Masterson humano.
— Talvez seja — respondeu o Masterson tele-evangélico. —
Afinal, fiz uma fortuna dizendo que o dia do retorno ia chegar. E
se agora for verdade, e essa verdade se chamar Antônio Almeida?
Todos os Mastersons procuraram uma resposta. Bob tentou
aquietar essas vozes, mas cada uma clamava por sua atenção.
Ao seu redor ele sentiu os tique-taques do tempo batendo si-
lenciosamente, incessantemente e interminavelmente, prestes a
desvendar a resposta. Ele tinha certeza de uma coisa: a resposta vi-
ria logo; não no ano que vem nem no mês que vem. Logo. Todos
os seus sentimentos e cada centímetro de seu ser diziam que a res-
posta viria dentro de dias ou talvez de horas e Bob sabia que ele
faria parte dessa resposta.
A névoa do sono lentamente tomou conta da mente cons-
ciente, e sua mente inconsciente despertou. Masterson não sa-
bia mas seu espírito agora estava aberto para receber orientação.
Enquanto sua mente consciente vagava para o descanso, seu es-
pírito também vagava, não mais prisioneiro desta dimensão, mas
livre para viajar numa outra. Bob Masterson, mais uma vez, iria
sonhar com Antônio Almeida.
Como todo mundo, Bob tinha seus guias espirituais, que, nos
sonhos, tentavam abrir a cortina entre o mundo terrestre e o mun-
do astral Toda noite, nos sonhos, eles tentam trazer conforto, co-
nhecimento e orientação. Mas, como a alma de Masterson esta-
va presa aos medos terrestres, aos sonhos materiais e aos desejos
de sua personalidade, ele não entendia claramente as mensagens
que esses guias traziam.
Nessa madrugada de sábado para domingo os guias mais uma
vez tentaram abrir a cortina, querendo mostrar quem realmente
era Antônio Almeida. A seu lado todos esses anos, seus guias vi-
ram a construção da CCM e sua transformação em um dos maio-
res impérios das comunicações do planeta. Esses guias também
estavam ao lado do evangélico quando ele usava o nome de Deus
para fins lucrativos. Estavam com ele agora, falando sobre o ama-
nhecer da Nova Era e como ele poderia usar esse complexo de co-
municações para contar ao mundo sobre as mudanças que viriam
pela frente.
— Você pode fazer muito para aliviar o medo, esclarecer os
mal-entendidos e contribuir para o progresso dos espíritos humanos. Você foi presenteado. Use o que lhe foi dado para espalhar a
palavra — sussurrou um dos guias para o espírito de Masterson.
Em seguida, um dos guias respondeu à pergunta que atormen-
tava a alma de Bob Masterson.
— Antônio é um mensageiro de luz. Alguns o conhecem
como Jesus, outros como Buda, outros como um profeta da Nova
Era. Ele é tudo isso e muito mais. Antônio é o Filho do Homem,
porque ele nasceu dentro da carne para mostrar o caminho fora
da carne. Ele sofre, ele sente, ele age e reage como vocês, mas ele
não faz parte da ilusão que vocês criaram para vocês mesmos. An-
tônio é uma parte de seu mundo, mas não é de seu mundo Esse
mensageiro veio da mais alta vibração para mostrar como conse"
guir chegar a esta vibração.
Seu sonho foi filtrado pelos apegos terrestres, e Masterson
não assimilou tudo que foi falado. Mas, em um momento qualquer
durante seu sono, o tele-evangélico tomou uma decisão: ele man-
daria Hanley a São Paulo para convidar Antônio Almeida para
aparecer na rede mundial da CCM.
Capítulo 18
Manhã do mesmo sábado, ano 2015
MARY FAZ UM RELATÓRIO
"E os soldados, tecendo uma coroa de espinhos, puseram-lha sobre a cabeça, e lhe vestiram um manto de púrpura; e chegando-se a ele, diziam:
Salve, rei dos judeus! e davam-lhe bofetadas."
João 19:2-3
"Sempre impeça a alma carnal de pegar o que ela quer, assim você pode
atingir o desejo eterno e estar livre da prisão da escuridão."
Corão 79:40 -41
Mary Fried chegou a São Paulo numa terça-feira de manhã,
e logo depois de um banho e troca de roupa no hotel, ela come-
çou a trabalhar no caso de Antônio Almeida. Agora, quatro dias
depois, o serviço estava terminado e ela estava pronta para falar
com Bob Masterson. Cerca de uma hora antes, ela mandara, via
Internet, um resumo e análise referentes à sua intensa pesquisa so-
bre Antônio Almeida.
Em seu escritório alugado, Mary esperava ansiosamente o te-
lefone tocar, e enquanto não tocava, ela lia e relia o relatório. E,
mesmo depois de tê-lo lido oito vezes, ela ainda não sabia o que
pensar sobre o jovem pregador brasileiro.
Mary começou seus grupos de trabalho sobre Almeida na
quarta-feira, e com a ajuda de pesquisadores que falavam inglês ela
mesma conduziu várias sessões. Um dado que a impressionou foi
que mais de duas mil pessoas de todos os segmentos da sociedade
brasileira participaram das discussões sobre Antônio Almeida.
Mary fez uso de sofisticadas técnicas utilizadas para descobrir, por exemplo, por que as pessoas preferem uma marca de sa-
bonete a outra. Durante quatro dias de trabalho, elaborou-se um
retrato cada vez mais detalhado sobre o que as pessoas pensavam
de Antônio Almeida. E, em quinze anos no ramo de pesquisa,
Mary nunca tinha visto o tipo de resultado que ela acabara de
mandar a seu chefe.
Mary estava perplexa. Ela sempre teve a habilidade de ver
como pessoas^de níveis sociais distintos reagiam diferentemen-
te ao mesmo fato, pessoa ou assunto. Ela contava com isso. Sua
reputação tinha sido construída com base em seu talento de jo-
gar um grupo contra o outro. "Divida e conquiste", ensinava a
seus discípulos.
O caso Almeida, no entanto, não pôde ser atacado com tan-
ta facilidade, porque quase todos os participantes, independente-
mente de idade, sexo, religião, educação ou nível econômico,
reagiam ao jovem pregador da mesma maneira. Mary Fried pas-
sou desde as onze horas da noite de sexta até as dez horas da ma-
nhã de sábado conferindo os resultados dos duzentos grupos, e
daquela montanha de papel uma constatação se sobressaía: as pes-
soas, quando ouviam Almeida falar, se envolviam com ele. Cer-
ca de oitenta por cento dos participantes expressaram uma opi-
nião mais do que favorável sobre o pregador depois de ouvi-lo.
Ela estava abismada com o fato de católicos conservadores,
judeus ortodoxos, batistas, protestantes evangélicos e até mesmo ateus
declarados concordarem: eles gostavam de Antonio Almeida.
Mary sabia que precisava achar um gancho para dar sentido
àquele absurdo. Masterson estava em pânico, e sua equipe em
Louisville informara que Bob já havia começado a agir. Contaram
para ela sobre a gravação do Clube de Cristo da quarta-feira, quan-
do, mesmo não citando Almeida por nome, Masterson lançou os
primeiros tiros contra o pregador brasileiro. O programa estava es-
calado para ir ao ar na segunda-feira, dali a dois dias. Mary sabia
que Bob estava começando a posicionar a artilharia, e ela também
sabia que Masterson sozinho era um canhão solto.
Sua equipe, que a acompanhava desde os tempos do Partido
Republicano, era leal a ela e não à CCM, e colocaram-na a par da
idéia de Bill Hanley de levar Almeida a Louisville, para debater
com Masterson.
"Hanley é um bundão...", pensou. "Mas essa idéia até que tem
um certo mérito."
Mary então varou a madrugada sem dormir, massageando e
floreando seu relatório. Sua intenção era encontrar uma isca que
Masterson pudesse morder, porque ela queria assumir o controle
total do Projeto A A.
_Assuste-o, depois o acaricie — repetiu Mary dezenas e de-
zenas de vezes pela manhã. "Assuste-o com o relatório e depois o
acaricie ao telefone" era a estratégia que ela adotara. Mary tinha
certeza de que conseguiria o controle do projeto.
— Afinal — disse ela sorrindo para si mesma — não sou a ma-
nipuladora do manipulador?
Enquanto esperava o telefone tocar, Mary fazia o que sempre
costumava fazer antes de entregar um relatório: lia-o como se fos-
se Masterson lendo-o pela primeira vez.
PROJETO DE PESQUISA
SOBRE ANTÔNIO ALMEIDA
Antônio Almeida é um brasileiro de vinte e nove
anos de idade que ultimamente vem atraindo a atenção
no Brasil como um pregador. Algumas pessoas vão até mais
longe, chamando-o de Jesus da Nova Era. Por enquanto
essa atenção está concentrada no Brasil, porém não de-
morará muito até que ele atraia interesse de fora. Até
hoje ninguém se deu conta do fenômeno da língua, mas
com certeza isso não vai durar muito.
("Basta que ele abra a boca quando um estrangeiro es-
tiver ouvindo", refletiu Mary. "E isso pode acontecer a qualquer momento.")
Neste relatório estão os pontos chaves que surgiram
depois de conduzir grupos de discussão com duas mil pes-
soas de todos os níveis socioeconómicos e religiosos exis-
tentes no Brasil. Esses grupos foram compostos de cato-
licos, protestantes, judeus, muçulmanos, budistas, espí-
ritas e até ateus.
("Vou começar mostrando a ele que fiz minha lição de
casa", pensou Mary.)
Devo avisar que o que vou relatar precisa ser cober-
to de extremo sigilo, porque, em todos os meus anos
como pesquisadora profissional, nunca vi resultados se-
melhantes aos apontados nesta pesquisa.
(Mary orgulhava-se desta última frase, porque transmi-
tia para Bob um sentimento de importância e urgência. Ela
podia ver Masterson arqueando as sobrancelhas ao ler isso.)
Nós usamos uma técnica especial, chamada "An-
tes e depois". Os "antes" são pessoas que nunca ou-
viram falar de Almeida. O líder da discussão leu uma
passagem de um de seus sermões. Os "depois" são as
mesmas pessoas entrevistadas depois que o líder do gru-
po mostrou uma fita em que Almeida fala as mesmas pa-
lavras que o líder havia lido. Os resultados foram, no mí-
nimo, interessantes.
("Eu sei que Bob gosta desses truques de pesquisa. Ele
vai vibrar.")
RESULTADOS
OS ANTES
O moderador leu:
"O pecado não existe, nem o chamado certo e erra-
do. A vibração terrestre criou esses conceitos porque pes-
soas precisam de sinalizações morais em seu caminho na
vida. Mas como pode existir um certo ou errado se exis-
te causa e efeito, e tudo é resultado do que veio antes?
Eu pergunto: como pode haver o errado se nada aconte-
ce por acaso? Então não existe essa coisa de escolha er-
rada ou ação certa. O que existem são ações^ e as intenções por trás dessas ações. Alguns atos e intenções vêm
de apegos as vibrações de poder, riqueza, ego, vaidade e
status. Logicamente as ações que fluem desses apegos
têm conseqüência, assim como as ações e intenções que
vêm do amor, do desprendimento e da humildade têm as
suas conseqüências. Ação resulta em reação, e o pecado
é uma palavra obsoleta quando você entende essa lei
cármica."
("Masterson vai dar pinotes quando ler isto.")
Agora, aqui estão algumas reações dos ANTES:
"Quem disse isso é um idiota. Ensinaram-me o que é
certo e o que é errado. Pecado é errado. E uma ofensa con-
tra Deus...", dito por uma dona de ema de trinta e três anos,
classe média.
"Imagine o que aconteceria se as pessoas fizessem o
que bem entendem... Seria o caos. Quem disse isso está
sugerindo que somos livres para fazer o que quisermos",
executivo de quarenta e dois anos, classe média alta.
"Meu marido bebe muito. Nós vamos à igreja evan-
gélica, onde o pastor grita com ele. Pelo menos ele o as-
susta o suficiente para fazê-lo parar um pouco de vez em
quando. Meu marido é muito ignorante e estúpido para
saber o que fazer por si mesmo", empregada doméstica,
classe baixa.
Depois de um intervalo de aproximadamente vinte
minutos, passamos a fita em que Almeida fala exatamen-
te as mesmas palavras.
("Por falar nisso, eu estava na sala. E ouvi a fita em in-
glês . Graças a Deus todos os participantes eram brasileiros.")
Aqui está agora o que essas mesmas pessoas disseram
depois de ouvir Almeida:
OS DEPOIS
"Sempre me ensinaram que não havia pretos ou bran-
cos na vida, mas todos somos diferentes, e fazemos as
coisas por diferentes razões. Eu me divorciei alguns anos
atrás porque meu marido batia em mim e em meus filhos.
A Bíblia diz que sou uma pecadora porque me casei de
novo. Acho que seria um pecado muito maior se eu fi-
casse com aquele homem, deixando-o bater em mim e
em minhas crianças", dona de casa, trinta e três anos de idade, classe média.
"O cara está certo. As pessoas fazem o que querem,
pecado ou não pecado. Essa coisa de ameaçar você com
pecado não funciona. No entanto, se você sabe que é
responsável por tudo que você fizer, até mesmo pelo que
você pensa, bem, isso é uma outra história. Ele está fa-
zendo com que eu reavalie como e por que eu ajo", exe-
cutivo de quarenta e dois anos, classe média alta.
"Como eu disse, meu marido pára de beber durante
um tempinho, depois que o pastor de nossa igreja dá um
susto nele. Depois começa de novo. Talvez ficar assustan-
do não funcione tão bem, afinal de contas", empregada
doméstica, classe baixa.
Um outro exemplo:
Citação de Almeida lida pelo moderador:
"Existe uma ordem no universo, como existe ordem
e razão para a vida. A reencarnação faz parte dessa or-
dem e do plano divino. Nossos espíritos aprendem através de cada ciclo de morte e renascimento. Cada vida é
diferente, e, a_cada vida, surgem novas experiências para o espírito provar. Por exemplo: você está aqui
para.aprender com a raiva, mas não para agir com raiva.
Você está na Terra para aprender com o ódio mas não para
ser odioso. Você está aqui para aprender com o ciúme mas
não para ser ciumento. Você está aqui para aprender com
o medo, mas não para ser medroso, como também você
está aqui para aprender a usar o poder; a usar o dinheiro, e não ser
possuído pelo poder; a usar o dinheiro, e não ser escra-
vo do dinheiro; e a aprender com a matéria, mas não ser
da matéria. Porém espíritos encarnados se esquecem de
sua origem divina e se apegam às ilusões da vibracão terrestre. É por causa desses apegos que vocês estão cons-
fãntemente renascendo aqui. Desprendam-se e descu-
bram o que vocês realmente são. O Espírito Universal —
ou Deus, se é assim que querem chamá-lo — está dentro de cada um e em todos vocês. Nós somos criados à
sua imagem e semelhança."
OS ANTES
"O, meu! De novo esse lero-lero de Nova Era? Esse
papo todo é complicado demais para eu entender", estudante , vinte e três anos, católico.
"Como pode Deus estar dentro de um assassino, um
estuprador, um bandido? Quem disse isso não vive no
mundo real. Parece algum monge budista vivendo no
topo de uma montanha", contadora, trinta e nove anos, sem
preferência religiosa.
"Nós nascemos apenas uma vez, depois morremos.
Assim diz a Bíblia", senhora de cinqüenta e cinco anos de
idade, batista.
OS DEPOIS
"Ninguém é santo, especialmente se você ouve o que
eles falam na igreja. Talvez ele esteja certo: nenhum de
nós faz a coisa certa na primeira vez, ou na segunda ou
na terceira, porque nós nunca pensamos realmente no
que estamos fazendo aqui", estudante, vinte e três anos,
católico.
"Eu sempre pensei que Deus não tivesse nada a ver
com a minha vida e pensei que as coisas aconteciam por-
que aconteciam. Talvez esses assassinos e estupradores,
dos quais eu falei antes, bem, eu não sei. Se eles são uma
parte da criação da vida, assim como eu, deve haver uma
razão por trás de tudo que acontece", contadora, trinta e
nove anos, sem preferência religiosa.
"Tenho tentado viver uma vida conforme a minha re-
ligião. Mas e os que pertencem a outras religiões? Eu sou
melhor que eles? Eu acho que não. Talvez, só talvez, esse
garoto Almeida tenha razão: cada vez que a gente vem,
a gente aprende alguma coisa diferente", senhora de cin-
qüenta e cinco anos de idade, batista.
ANÁLISE
Eu jamais vi algo parecido antes. Parece que Almei-
da provoca um curto-circuito nos preconceitos, idéias e
crenças de cada pessoa. Examine cuidadosamente o que
essas pessoas disseram e verá que todos ouviram o que que-
rem ouvir. Eles personalizam os ensinamentos dele. Isso
acontece sem exceções, desde os católicos mais tradicio-
nais, até judeus ortodoxos e os crentes mais radicais.
("Bob vai remoer isso um pouco.")
O telefone tocou. Mary sabia que era Masterson ligando de
Louisville. Ao pegar o telefone e ouvir o sinal característico de li-
gação internacional, sua intuição se mostrou correta: o chefe es-
tava no outro lado da linha.
— Oi, como está São Paulo? — perguntou uma voz cansada.
— Li seu relatório há mais ou menos dez minutos. Então, o que
fazemos agora? Pelo que você disse, esse cara vai converter o mun-
do em poucos dias — disse Masterson com seriedade.
Mary estava preparada. Ela havia ensaiado essa conversa du-
rante as últimas horas. Agora era sua chance de tomar conta da
situação e arquitetar todo o ataque contra Antônio Almeida.
— Oi, Bob. Talvez ele demore um pouco mais, se depender
da gente.
Ela estava dando à sua voz o tom mais alegre e confiante pos-
sível. O duelo com Masterson iria começar agora.
— Bill Hanley quer trazê-lo até Louisville para um debate ao
vivo comigo. O que você acha?
Mary sabia que ele estava a fim de jogá-la contra Hanley.
Essa era a maneira pela qual Masterson formava suas opiniões e
chegava às suas decisões. Ela disse que eles poderiam conversar
sobre isso em seguida, mas antes havia algumas coisas que ela gos-
taria de discutir com ele.
— OK, Mary, o que você manda?
Ela respirou fundo e começou.
_Bob, olhe, nós temos que ser objetivos. Na segunda-feira pas-
sada apenas cinco dias atrás, você chamou a gente em seu escritó-
rio e passou uma fita sobre esse desconhecido brasileiro chamado
Antônio Almeida. Todos nós achamos esse cara um maluco. Nos-
sas opiniões não foram mudadas por qualquer coisa que ele disse.
Pelo menos a minha não foi — acrescentou sarcasticamente.
_Pode continuar. Estou acompanhando.
_Mas ficamos intrigados. Como podíamos entender cada pa-
lavra de um homem que falava numa língua que não era a nossa?
Em breve, esse mistério se tornará público, e, quando isso ocor-
rer, bem, eu não posso imaginar o que vai acontecer.
— Hanley falou a mesma coisa — cortou Bob.
Mary odiava ser interrompida. Isso quebrava a linha de racio-
cínio que ela tentava criar. Porém uma coisa estava ficando bem
clara: ele estava levando a idéia de Hanley a sério. Ela poderia usar
isso para conseguir o que queria.
— E ele está cem por cento com a razão. Você sabe disso e
eu sei disso. É ridículo tentarmos enganar a nós mesmos. Mas essa
não é a questão — considerou ela, tentando trazer a conversa de
volta para onde ela queria.
— Aonde você quer chegar, Mary? O fato é que o homem é
entendido por qualquer um que o escute. Eu gostaria de saber
como ele faz isso. É alguma espécie de experiência paranormal? É
Deus? È o demônio? Eu posso ouvir as perguntas agora.
O que Mary ouvia era um misto de frustração e medo na voz
de Masterson. Ela o deixou continuar:
— Você mesma foi para o Brasil à caça dele. Você me man-
dou um relatório dizendo que quem o ouve vira um discípulo. En-
tão, Mary, qual é exatamente a sua?
— A minha, Bob, é simples: depois de ouvir esse cara em seu
escritório e aqui no Brasil, eu não virei um apóstolo dele. Nem
você, nem Hanley, nem Martelli. Nem vinte por cento das pes-
soas pesquisadas.
— E daí? Eu, você, Martelli e Hanley. Quatro pessoas com in-
teresses próprios para não acreditar em uma palavra que o cara diz.
Esse era o momento de Mary dar sua cartada. Ele estava pronto e ela também.
— Exatamente. Você matou a charada. Existe um jeito de
combater esse cara. Eu sei que há. Ouça-me.
Masterson suspirou. Era um suspiro que podia ser ouvido atra-
vés da ligação de oito mil quilômetros de distância.
— OK, vá em frente.
— Todo mundo é uma mala cheia de interesses. Ninguém
gosta de admitir, mas nós somos. De uma maneira que desconhe-
ço, Almeida passa por cima dos interesses individuais. É como se
por um breve momento esses interesses entrassem em curto-cir-
cuito, deixando Almeida passar. — Mary fez uma pausa, dando a
Masterson uma chance de participar.
— OK, estou acompanhando.
— A pesquisa mostra que, para oitenta por cento das pessoas
nos grupos, o curto-circuito aconteceu. Mas e os outros vinte por
cento? — disse ela em tom provocador.
— Vinte por cento não é exatamente uma maioria absoluta,
não é, Mary?
A voz de Masterson era puro sarcasmo. Mary decidiu ignorar
o gracejo, dizendo-lhe que não importava qual era a porcentagem.
— O que importa é que essas pessoas, e eu nos incluo, bloquearam Almeida. E eu acho que descobri por quê. — Ela parou
dramaticamente e continuou: — Preste bem atenção, eu fiz isso
meio de improviso. Fiquei acordada a noite inteira comparando
e examinando tudo cuidadosamente e fazendo anotações. E acho
que temos o fio da meada que estamos procurando. E, mais impor-
tante ainda, estou encontrando um gancho para usar essa infor-
mação nos outros oitenta por cento.
Acima do ruído da ligação via satélite, Mary ouviu Master-
son engolir em seco. Ele mordeu a isca, ela pensou.
— Explique — foi tudo que ele respondeu.
Então ela explicou.
— Você já percebeu, chefe: interesses ou, como diria o Sr. Al-
meida, "apegos". Mas eu explicarei. Conforme eu escrevi, nossos
grupos de pesquisa foram equilibrados para incluir todos os níveis
sociais, econômicos e escolares do Brasil. Tenho certeza de que você
sabe que este é um país de grandes contrastes. Ele tem uma peque-
na elite rica e instruída. Sua classe média está lutando para man-
ter-se em pé e é dividida em classe média alta, média e baixa. Os
brasileiros são muito conscientes sobre níveis sociais. Bem no fi-
nal da linha você tem os pobres e os miseravelmente pobres, cuja
pobreza é tão baixa que não pode ser medida.
Após fazer essa sucinta descrição da sociedade brasileira, Mary
se considerou pronta para entregar a Masterson suas conclusões
sobre Antônio Almeida.
— Depois de conferir os resultados, cheguei a uma conclusão
interessante e descobri o que os vinte por cento têm em comum.
Agora eu sei como quebrar o cara, mas há uma ressalva.
— E qual seria essa ressalva? Não! — corrigiu ele rapidamen-
te. — Antes que você me conte o final, diga-me o resto. Ponha-
me a par de tudo.
Mary, com muito gosto, obedeceu. Ela sabia que estava com
o controle da situação.
— Eu sempre disse: procure os denominadores incomuns para
separaras pessoas. Bem, desta vez eu tive que achar um denomi-
nador comum. E achei.
Ela disse a Masterson, em tons frios, que os vinte por cento
eram compostos de indivíduos extremamente ricos e instruídos e
de sujeitos miseravelmente pobres.
— Eu tenho um sentimento forte do que está acontecendo
aqui — disse ela.
Mary explicou que ela nunca vira dois grupos de tamanha
diferença reagir da mesma maneira a algo. Mas, acrescentou, ela
sabia por quê.
— A elite dos instruídos vive num mundo isolado. Para eles
a vida é boa. Eles são os "mestres do universo". Por que mudar?
Por que arriscar? Por que desistir daquilo que eles têm? Para citar
mais uma vez nosso amigo Almeida, são apegados, ou, como você
percebeu, têm interesses próprios.
Mary esperou o efeito de suas palavras. Então continuou:
— Os miseravelmente pobres daqui são iguais aos nossos nos
Estados Unidos: eles não têm nada além de miséria, doença e ignorância. Eles têm medo de tudo. Eles também, de uma forma
perversa, são enraizados em seu modo de vida. Eles temem mudan-
ças e também têm seus interesses próprios.
Masterson, começando a entrever a luz fraca no fim do túnel,
perguntou a Mary o que tudo aquilo significava.
— Medo, Bob. Tudo se resume ao medo. Os ultra-ricos têm
medo quando Almeida fala "Desistam de tudo porque o que vo-
cèTtllnnão significa nada". Os miseravelmente pobres, bem, eles
têm medo de quase tudo. Medo, Bob, é o denominador comum
nesses dois grupos tão incomuns...
Mary então voltou ao assunto de Bill Hanley.
— A idéia dele não é "meia-sola" como parece. Imagine: você
contra Almeida, mas com um porém: eu lhe dou as armas. Nós usa-
remosoj sermões dele contra ele mesmo e assustaremos o mundo
inteiro. Você vai representar os interesses, ou os "apegos" da so-
ciedade. Almeida será o agitador, o revolucionário, o cara que
quer mudar nosso modo de viver. O Sr. Almeida estará acabado,
mesmo que ele seja Cristo retornando, ou a luz de Buda ou Mao-
mé vindo da montanha. Almeida vai descobrir logo logo que está
lidando com pessoas desta terra, e nós podemos fazê-los se apavo-
rar com o que Antônio Almeida representa. Eu sei que posso con-
segui-lo, Bob. Eu nunca estive mais certa em toda a minha vida.
Masterson contou-lhe sobre o programa que iria ao ar na se-
gunda-feira.
— Eu não mencionei Almeida, mas com certeza armei o cir-
co contra ele.
— Não transmita esse programa. Nós temos que convencer
Almeida a vir. Se eu fosse ele e visse aquele programa, eu não
chegaria nem a mil quilômetros de você.
Masterson concordou e perguntou a ela quando voltaria para
os Estados Unidos. Mary respondeu que tinha reserva saindo de
São Paulo naquela noite e deveria estar de volta a Louisville no
dia seguinte à tarde. Ela perguntou se poderia começar a trabalhar
no programa de debates.
— Primeiro, Almeida tem que aceitar o convite. — Master-
son riu e refletiu: — Acho que Bill Hanley é o cara indicado para
convencê-lo. Vou ligar para ele agora.
Mary concordou e disse que precisava ter acesso a qualquer
informação que Masterson tivesse ou que viesse a ter de Almei-
da, por menor que fosse.
_Com o que eu tenho mais o que você tem, acho que podemos detoná-lo — proclamou ela confiante e entusiasticamente.
— Eu tenho um monte de material que Hanley juntou para
mim. Estou lendo desde ontem. Engraçado... Almeida não é tão
convincente no papel. Você tem certeza de que essa é uma gran-
de idéia, colocá-lo no ar?
Mary solenemente respondeu:
— Nós não temos muita escolha. Com ele perto de você, nós
podemos derrubar qualquer coisa que ele diga. Mas, quando o mi-
lagre da língua for percebido, nós estaremos correndo atrás do
prejuízo. Temos que acabar com ele bem depressa.
Masterson lembrou-se de uma coisa que Bill Hanley dissera
poucos dias atrás. Ele a repetiu para Mary.
— Hanley disse quase a mesma coisa. Mas também disse
que, se Almeida for real, não fará a menor diferença o que ten-
tarmos fazer.
Mary riu e disse que discordava de Hanley.
— E daí? Se ele for mesmo real, fará uma grande diferença,
sim. Lembra-se do que fizeram com aquele outro Jesus?
Masterson não riu. Disse-lhe para encontrar-se com ele no dia
seguinte às sete da noite para começarem a planejar o grande due-
lo da televisão.
Capítulo 19
Primeiras horas da madrugada de domingo, em algum lugar
sobre o Atlântico, ano 2015
HANLEY FAZ UMA VIAGEM
Separados por quilômetros e pela escuridão, dois aviões pas-
saram um pelo outro sobre o Oceano Atlântico. Um ia para o
norte, de São Paulo, Brasil para Miami, Estados Unidos. Mary
Fried estava nesse avião, digitando em seu laptop sob a luz fraca
de sua poltrona na primeira classe. Ela estava voltando para Louis-
ville, onde assumiria o comando das tentativas de Bob Masterson
para destruir Antônio Almeida.
No outro avião, indo ao sul, estava Bill Hanley saindo de
Miami com destino a São Paulo. Ele tinha acabado de acertar seu
relógio de pulso para o horário padrão brasileiro, que estava duas
horas à frente de Louisville, onde era uma hora da madrugada de
domingo. Ele chegaria a São Paulo em cinco horas, ou seja, às
oito horas da manhã no horário local.
Ele sabia que Mary estava voando de volta para Louisville. Mas-
terson informara-o sobre o relatório dela e como ela concordava
com a idéia de que trazer Antônio Almeida até os estúdios da
CCM em Kentucky seria a melhor e talvez única chance de aca-
bar com essa ameaça. Hanley estava aliviado por Masterson ter can-
celado o Clube de Cristo que iria ao ar na segunda-feira.
— Se aquele programa fosse transmitido, seria impossível
convencer Almeida a vir para Louisville — dissera-lhe Master-
son, como se a idéia toda de levar Antônio Almeida aos Estados
Unidos fosse dele.
Hanley achava que não seria difícil levar Almeida. Ele se
lembrou das fitas e dos olhos que penetravam as videocâmeras es-
condidas. Almeida sabia o tempo todo que estava sendo gravado.
"E ele sabe que estou voando oito mil quilômetros para vê-lo e
sabe também por que eu estou indo", pensou Hanley enquanto fe-
chava os olhos num esforço para conseguir um pouco de descanso.
Hanley pensou em Mary Fried, lá na escuridão, no avião
voando ao norte. Ele sabia que sua mente febril estava traçando
cada ângulo e desvio no drama que estava prestes a começar. Bill
Hanley sabia que no final nenhum truque dela ou de Bob Mas-
terson faria diferença, porque ele iria contar tudo a Almeida. De-
pois de assistir e ouvir a oito horas de vídeo, ele sabia quem era
Antônio Almeida. E ele, Bill Hanley, iria entregar ao pregador bra-
sileiro o maior palco eletrônico do mundo: a rede da CCM, cobrin-
do quase oitenta por cento do planeta.
O sono veio fácil para Bill Hanley enquanto o Boeing se di-
rigia a seu destino. O escritório brasileiro da CCM comunicou-lhe
que Antônio Almeida estaria esperando por ele às duas da tarde,
horário local. Hanley descansou. Ele sabia que o encontro seria
bem-sucedido e que pela primeira vez em muitos anos ele estaria
seguindo sua consciência, porque ele, o cético, o cínico, o agnós-
tico, finalmente encontrara algo em que acreditar.
O avião aterrissou no Aeroporto Internacional de Guarulhos
exatamente às oito horas e cinco minutos. Após passar pela alfân-
dega e pela Imigração, Hanley procurou por Emílio Araújo no
terminal lotado.
Seus olhos captaram uma tabuleta branca, onde o nome "Han-
ley" tinha sido rabiscado. Ele caminhou até o homem que segu-
rava a tabuleta e se apresentou.
— Oi, sou Araújo — respondeu o homem baixo e careca. —
O Sr. Masterson disse-me que o senhor estava vindo. Está tudo ar-
ranjado. Eu pessoalmente vou levá-lo para seu hotel e depois va-
mos visitar o Sr. Almeida.
Araújo pegou a maleta de Hanley enquanto se encaminha-
vam para o estacionamento do aeroporto.
— Desculpe tê-lo tirado da cama tão cedo num domingo,
mas nós resolvemos essa viagem na última hora.
— Sim, eu sei. O Sr. Masterson telefonou ontem e contou que
o senhor viria para se encontrar com o Sr. Almeida. Ele não me
falou muito mais do que isso.
Pela maneira que Araújo terminou a frase, Hanley deduziu que
o gerente do escritório estava esperando uma explicação. Mas não
haveria nenhuma.
Dirigiram-se para o hotel, preenchendo o tempo com uma con-
versa corriqueira. Depois de fazer o check-in, Hanley pediu o en-
dereço de Antônio Almeida, dizendo que iria tomar um banho,
comer alguma coisa e sair para seu encontro às duas.
Araújo protestou, dizendo que ele o levaria pessoalmente
para ver Almeida.
— Eu não poderia deixá-lo ir desacompanhado — disse Araújo. — O Sr. Masterson jamais me perdoaria se eu o deixasse sozi-
nho nesta cidade enorme.
Hanley cortou as objeções do gerente.
— Tenho certeza de que o hotel pode arranjar um motoris-
ta. Almeida fala inglês, e não sei quanto tempo vou demorar. Eu
me sentiria melhor se fosse sozinho — afirmou, acrescentando
com um sorriso: — Tenho certeza de que o senhor tem coisas me-
lhores para fazer num domingo do que ser meu motorista.
Araújo, sem graça, deu a Hanley o endereço.
— Se o senhor mudar de idéia, escrevi o número do telefo-
ne de minha casa atrás.
— Manterei contato — mentiu Hanley.
Subindo no elevador para seu quarto no décimo-quinto an-
dar, ele olhou para o relógio: eram quase onze horas da manhã. Logo
ele estaria a caminho para ver Antônio Almeida.
Capítulo 20
Domingo, ano 2015
O ANÚNCIO
"Estai vós também apercebidos; porque, numa hora em que não pen-
seis, virá o Filho do Homem."
Lucas 12:40
"Deixe-nos concordância com nosso próprio povo, e concordância com
os que são estranhos para nós. Assim, Ashvins, cria entre nós e os estranhos uma unidade de orações."
Atharva Veda Samhita 7.52.1
A Missa Maior estava poeticamente rica graças ao ritual e ao
simbolismo da Igreja Católica, e os bancos estavam ocupados por
mais de quinhentos paroquianos e membros da elite social e po-
lítica de Nova York. As seis câmeras de televisão transmitindo a
missa eram discretas, assim como os repórteres que esperavam do
lado de fora da igreja. Eles tinham sido avisados de que o arcebis-
po, o padre Jean e celebridades locais iriam desfilar diante de suas
câmeras e canetas quando a missa terminasse.
Jean estava orgulhosamente sentado numa cadeira de espal-
dar alto à direita do altar observando seu rebanho composto pe-
los pobres, discriminados e esquecidos da América. Seus olhos
percorriam sua igreja humilde, sabendo que o Espírito de Cristo
estava lá.
Logo ele iria invocar esse espírito, porque, em alguns minutos, Jean faria o sermão que ele havia escrito, reescrito e en-
saiado a semana toda. O padre não tinha certeza de qual seria a
reação da congregação. Ele nem tinha certeza se pisaria naquela
igreja novamente. A única certeza que ele tinha era de que aque-
le sermão teria de ser feito nesse dia.
— Lembre se disso, padre — avisou a voz invisível. — Hoje
você vai preparar o caminho para ele. Ele está aqui e você preci-
sa espalhar a boa notícia. Diga que ele não virá em carruagem de
fogo, ele não andará através das nuvens com legiões de anjos.
Diga-lhes que ele anda nesta terra como eles andam.
Seus pensamentos foram interrompidos pelo arcebispo, que,
terminando seu próprio sermão, fez-lhe um sinal pedindo-lhe que
subisse até o púlpito. O padre negro levantou-se de sua cadeira e
foi aplaudido calorosamente por sua congregação. Mas ele não
caminhou para o púlpito onde o arcebispo o esperava, e foi para
o meio da fileira da comunhão, fazendo um sinal para a igreja lo-
tada abafar seus aplausos.
— Bom dia e bem-vindos à Igreja de São Paulo. Hoje há mui-
tos rostos conhecidos aqui, rostos que vejo semana após semana
e mês após mês. Vocês — disse, gesticulando para a platéia mas
olhando para as câmeras de televisão — são os paroquianos da Igre-
ja de São Paulo.
E então, sorrindo para as câmeras, continuou:
— E bom dia, boa tarde ou boa noite para aqueles que estão
no outro lado das câmeras, em suas casas, compartilhando conos-
co um momento muito especial num dia muito especial. Ao nos-
so novo Santo Padre em Roma, assistindo à nossa celebração, eu
digo: seja bem-vindo à sua Igreja de São Paulo e que um dia Vos-
sa Santidade possa andar por essas alas com o povo do Harlem.
Jean fez uma pausa e lentamente olhou ao redor da igreja.
Ele respirou fundo e continuou:
— Sem sombra de dúvida, hoje é um dia extraordinário. Da-
qui a pouco vou compartilhar com vocês uma grande notícia. Te-
nho certeza de que alguns, se não muitos de vocês, vão achar
essa notícia difícil de acreditar. E, quando terminar, muitos de vo-
cês aqui e em casa vão achar que sou um herético, blasfemo ou
louco. Quero dizer a vocês que eu não sou nada disso. Quando
o dia de hoje chegar ao seu fim, serei exatamente o mesmo que
era no começo deste dia: um padre de quarenta e cinco anos,
que veio para a América vinte anos atrás para espalhar a pala-
vra de Deus.
Murmúrios cheios de expectativa soavam pela igreja. Jean, es-
perando os sussurros cessarem, procurou rostos de paroquianos
que ele conhecia bem. E nesses rostos ele encontrou o apoio de
que precisava. Ele olhou para o arcebispo, que ainda estava no púl-
pito. No rosto dele também havia um sorriso, porém era um sor-
riso nervoso e ansioso. Jean, cheio de confiança, encarou direta-
mente o olho eletrônico da câmera de televisão e falou aos milhões
de espectadores espalhados no mundo.
— Mas, antes da notícia, eu peço a vocês aqui e em casa que
me acompanhem numa oração especial. É uma oração sem pala-
vras, na qual não pedimos nada além de paz para nós mesmos.
O padre pediu a um dos coroinhas para trazer a cadeira que
ele estava usando alguns minutos atrás e comentou que ele pre-
feriria fazer essa oração sentado.
Até mesmo o arcebispo desceu e ocupou uma cadeira ao lado
do altar.
Murmúrios excitados novamente se espalharam pela igreja.
— Nós vamos tentar uma coisa diferente — disse Jean aco-
modando-se em sua cadeira. — Fechem os olhos. Não façam nada.
Não pensem em nada. Simplesmente ouçam e relaxem. Relaxem
e respirem. Relaxem quando inspiram, inalando a energia da vida.
Expirem e sintam o ar limpando seu corpo. Inalem e saibam que,
sem essa energia, que chamamos de oxigênio, nossos corpos físi-
cos morreriam.
O som de quinhentas pessoas respirando juntas ecoava sua-
vemente pela igreja. Até ali as câmeras de televisão somente
focalizavam o padre, mas nesse momento percorreram toda a
igreja, transmitindo imagens de quinhentas pessoas com seus
olhos fechados, respirando juntas. As câmeras voltaram a foca-
lizar o arcebispo, que também estava silenciosamente inspiran-
do e expirando.
O padre prosseguiu num tom de voz baixo e suave, levando
a congregação um passo adiante na oração.
— Inspire e pense na pessoa sentada a seu lado. Pense na pes-
soa à sua frente e naquela atrás de você. Ele ou ela também está
respirando, dividindo o mesmo ar a mesma energia.
Expire, e os pensamentos que você tem sobre essas pessoas vão sejuntar aos pensamentos que elas têm sobre você. Respire fundo,
sabendo que você está ligado a todos por essa energia de que pre-
cisamos para viver. Expire, sabendo que você está conectado
cada um através dos pensamentos que dividimos. Lentamente res-
pirando, para dentro e para fora, veremos que somos um o ou-
tro, ligados com aqueles que estão em casa e com os bilhões de
espíritos vivendo neste planeta. Vocês estão unidos com o fazen-
deiro do interior, com o operário em Cingapura, com o engraxa-
te em Caracas, com o banqueiro em Londres e com o órfão na Chi-
na. Expire, e cada um é seu irmão. Cada uma é sua irmã. Cada um
é você. Nós dividimos o mesmo ar, a mesma energia.
As câmeras de televisão, agora mostrando uma tomada geral
da congregação, levaram para o mundo a imagem de quinhentas
almas unidas em uma só. E essa imagem eletrônica carregava a voz
dèTêãn, que levou os fiéis a um outro passo na oração.
— Inspire esta união. Nós somos um; negros, brancos, ama-
relos, vermelhos, ricos, pobres, humildes e poderosos. Nós somos
ligados um com cada um, porque nós somos um com Deus.
A câmera ainda estava focalizada na congregação, que respi-
rava um só pensamento: unidos em uma mente e um corpo.
O padre abriu seus olhos e os outros também abriram os seus.
Instintivamente, cada pessoa virou para a pessoa que estava ao lado.
E quando os olhos de uma pessoa encontravam os olhos da ou-
tra, sorriam.
Jean sorriu também. Ele estava orgulhoso de sua congregação,
como um pai vendo seu filho marcar um gol num jogo de futebol.
— É por causa disto que ele está na Terra — disse ele em voz
baixa para a igreja. — Ele voltou porque nos esquecemos de quem
somos, de onde viemos e como somos ligados um com cada um.
Os olhos da paróquia estavam focalizados no padre, como
também estavam os olhos eletrônicos das câmeras de televisão e
os do arcebispo. Todos esperavam pelas próximas palavras. Ele ti-
nha sua total atenção.
_O "ele" de que falo é Jesus. Ele voltou. Ele está aqui. Agora Ele está vivendo nesta terra, neste exato momento. Ele está vivo.
Ele não virá amanhã ou depois, ou no mês que vem, ou em algu-
ma data no futuro. Ele está aqui. Eu o vi. Eu falei com ele. Eu vi
a sua imagem. Eu ouvi a sua voz. Nisso vocêspodem acreditar. Eu
falo a verdade.
De repente a igreja foi tomada de todo tipo de emoção con-
cebível. Surpresa, dúvida, excitação, descrença, alívio, ansiedade,
antecipação. E Jean, agora, novamente em pé no meio da fileira
de comunhão, era o foco dessas emoções. Ele esperou que a igre-
ja se acalmasse.
As câmeras de televisão, rapidamente, mostravam a imagem
do arcebispo nervoso e impotente, assistindo de sua cadeira aos
acontecimentos que se desdobravam à sua frente.
O padre continuou, sua voz voando, alcançando cada canto
da igreja lotada.
— Por que estão chocados? Por que estão surpresos? Foi por-
que eu o vi ou porque ele está aqui? No começo eu também fiquei
chocado e com medo. E eu também estava cheio de dúvidas quan-
do tive as primeiras visões e quando ouvi as vozes de seus mensageiros. Eu pensei que estivesse ficando louco, ou até pior: achei
que as forças das trevas estavam tomando conta de mim.
— Hoje tenho certeza de que não sou louco e não estou sen-
do guiado pelas legiões da escuridão. Os mensageiros que ele en-
viou me levaram até a luz e até ele.
— Por favor, acreditem em mim — implorou Jean. — E, o mais
importante, acreditem em vocês.
— Alguma vez vocês duvidaram que ele voltaria? — questionou. — Todo mundo sabe que, por causa do milênio, um monte
de profetas e cultos malucos tem surgido. Mas foi o próprio Jesus
quem prometeu sua volta, e todas as religiões terrestres ensinam
que ele vai reaparecer, trazendo com ele uma Nova Era. Bem,
meus amigos, a Nova Era é agora, e não há nada de novo no que
estou falando. As profecias de um Salvador, Messias, Avatar e Di-
vino Professor são encontradas em todas as crenças.
O padre deu uma olhada para o arcebispo, que, ainda senta-
do, balançou a cabeça em resignação. Jean virou seu rosto para as
câmeras e para a congregação.
— No cristianismo, Deus fez de Jesus o mais velho de uma grande família de irmãos que estará conosco até o final da era. A Velha Era está terminando, a Nova Era está amanhecendo, e nos
irmão está conosco.
Jean estava inspirado, sua voz crescendo enquanto pergunta-
va e respondia a suas próprias perguntas:
— Quem é esse novo Cristo? Seria o mesmo Jesus que há
dois mil anos pregou que abandonássemos nossos desejos terres-
tres e ambições e o seguíssemos? Sim, é ele.
— Seria ele o mesmo Buda, o Bodhisattva que ensinou os
homens a se desprenderem de seus próprios egos para encontrar
a felicidade? Sim é ele — proclamou Jean diante das cameras de
televisão e do mundo.
— Seria ele o Imam Mahdi dos muçulmanos, o Mestre dos
Mestres, o instrutor dos anjos, que alertou os homens sobre a ba-
talha entre suas almas e o mundo material? Sim é ele.
E, finalmente, Jean perguntou:
— Seria ele Moisés, quem primeiro trouxe para esta esfera
terrestre a mensagem de um criador supremo? Sim, é ele. E, re-
pito, ele é o mais velho de uma grande família de irmãos — gri-
tou o padre para o mundo ouvir. E com sua voz baixa e firme ele
acrescentou: — E mais uma vez ele está aqui. Hoje. Vivendo
nesta terra.
Os olhos do padre percorreram a congregação confusa. Ele sa-
bia o que estavam pensando: "Aqui está nosso padre, nosso ami-
go, dizendo-nos que Jesus voltou. Será que ele enlouqueceu?"
Respondendo à questão não dita, Jean continuou:
— Não, eu não enlouqueci. — Com um sorriso acrescentou:
— E eu não quero começar nenhum outro culto a Jesus. Deus
sabe que já temos o bastante.
O som baixo de algumas tensas risadas veio dos bancos. O pa-
dre deu um largo sorriso e continuou.
— Vocês podem acreditar em mim ou não. Mas ouçam o que
eu tenho para anunciar. O que vocês, eu e bilhões de almas pelo
mundo todo estávamos esperando aconteceu. Jesus retornou à
carne. Ele vive, anda, respira, fala e dorme exatamente como nós.
Ele é o Filho do Homem, porque seu espírito encarnou como nós
para mostrar como viver. Ele voltou a nós para mostrar-nos o ca-
minho de casa.
Jean parou por alguns segundos. Ele sabia que talvez estives-
se indo muito depressa, dizendo muita coisa muito rapidamente,
mas ele não tinha escolha. A hora havia chegado, e com renova-
da determinação o padre voltou para o sermão.
— Qual é esse caminho? Bem, isso não cabe a mim respon-
der. Ele dirá isso nos próximos dias. Eu sou apenas um mensagei-
ro de sua chegada. Estou aqui para dizer que ele voltou, não numa
carruagem de fogo, porque ele não precisa de uma, e não veio
acompanhado de exércitos de anjos, porque ele não precisa de
exércitos. Ele veio para falar com palavras que possamos enten-
der. Ele veio para clarear as águas que foram poluídas pelas más
interpretações, preconceitos e interesses próprios. Ele veio para con-
versar diretamente com vocês.
A cada respiração o padre sentia-se mais confiante. A cada
palavra ele ficava mais forte e mais determinado para tocar cada
pessoa que ouvia sua voz.
— Isto não é o fim do mundo. Não tenham medo. Não ha-
verá nenhum holocausto, guerra, fome ou praga. Ele nunca disse
que haveria. Mas teremos mudanças, não porque estamos no fi-
nal dos tempos, mas porque estamos no final de uma era e uma
Nova Era está lentamente começando. Ele voltou para ajudar a
humanidade a entrar nessa Nova Era. Muito em breve vocês sa-
berão dele. Alguns já sabem. Vocês o reconhecerão quando ouvi-
rem sua voz, porque ele falará a seus corações.
O padre virou-se para o arcebispo.
— Vossa Eminência, eu sinto muito ter escolhido este dia e
esta igreja para fazer este anúncio. Eu não tive nenhuma inten-
ção de desrespeito. Sou católico nos quarenta e cinco anos que
venho caminhando nesta terra. Mas agora acredito que Jesus não
pertence a nenhuma religião, nenhum pastor, nenhum padre, ne-
nhum país e nenhuma cultura. Ele é Moisés, Buda, Maomé e Krish-
na. Nós cristãos não temos o monopólio de seu nome, e, por falar
nisso, seu nome atual é Antônio Almeida. Deus abençoe a todos
Jesus agora não só vive dentro de nós, ele agora vive entre nós e*
neste exato momento ele está vivendo em São Paulo, Brasil.
E, com isso, o padre Jean terminou seu sermão de domingo.
Ele se virou e voltou para a sacristia, enquanto uma congregação
silenciosa e chocada permaneceu sentada. A apresentação do co-
ral da igreja, que estava programada, não aconteceu, e o arcebis-
po silenciosamente levantou-se de sua cadeira e seguiu o padre.
Do lado de fora, no caminhão de externa da televisão, o di-
retor de TV encerrou a transmissão ao vivo da igreja e retornou o
controle da rede para o centro de operações, a mais ou menos tre-
zentos quilômetros de distância, em Maryland. Seu assistente, re-
cém-saído da faculdade, respirou fundo e disse:
— A imprensa terá um prato cheio com isso. Especialmente
quando se tocarem do nome dele.
— O quê? — resmungou de volta o diretor.
— O padre, o cara que disse que Jesus estava aqui. Você sabe:
o cara negro que acabamos de transmitir para o mundo todo...
— Não banque o espertalhão. Eu sei de quem você está fa-
lando. O que há com o nome dele?
— Jean-Baptiste. É francês e significa João Batista. Você sabe:
o cara da Bíblia que viveu no deserto. Ele foi um profeta, e pre-
disse a chegada de Jesus.
Capítulo 21
Mesmo domingo, ano 2015
O ÚLTIMO ENCONTRO
"Ponde- vos nos caminhos, e vede, e perguntai pelas veredas antigas, qual
é o bom caminho, e andai por ele; e achareis descanso para as vossas
almas."
Jeremias 6:16
"Eles são mais felizes para ver muitos caminhos diferentes do que se eles
tivessem que ver todo mundo caminhando no mesmo caminho, porque
desse nosso caminho eles vêem a grandeza de minha bondade mais
completamente revelada."
Santa Catarina de Siena
Antônio começou a ligar para seus amigos mais íntimos no
domingo de manhã, pedindo-lhes para ir ao galpão ao meio-dia.
— Tenho uma coisa importante para dizer e gostaria que você
estivesse aqui — falou ele para cada uma das quinze pessoas.
Fernanda, temendo que algo tivesse acontecido, chegou uma
hora antes do combinado. Quando o viu, perguntou o que estava
acontecendo.
— Fernanda, vamos esperar todos chegar, assim não tenho que
explicar e reexplicar quinze vezes a mesma coisa. Mas eu posso lhe
adiantar isso: os acontecimentos estão correndo depressa agora, mas
o que era para ser será. Nas próximas horas você saberá de tudo.
Estava chovendo em São Paulo, e, mesmo num domingo de
manhã, o tráfego estava confuso. Antônio esperou até meio-dia
e quinze, para que o último convidado chegasse. Seu nome era To-
más, um garoto de dezesseis anos de idade que tinha "adotado" Al-
meida como seu irmão mais velho. Antônio ficou lisonjeado e os
dois se tormaram amigos durante o último ano e meio.
Almeida sentou-se no chão no meio de uma sala que muito
tempo antes servira de depósito para rolamentos mas nestes últi-
mos três anos fora sua sala de visitas. Os quinze estavam sentados
ao seu redor, em cadeiras ou no chão com as pernas cruzadas.
— Há uma razão por que liguei para vocês. Não sei se vou ter
muito tempo para falar com cada um nos próximos dias.
Suas palavras inundaram a sala, provocando ondas após on-
das de ansiedade entre os amigos.
— Relaxem — disse ele sorrindo. — Nenhum imprevisto irá
acontecer. Antes de encarnar eu sabia o que aconteceria, porém,
diferentemente de vocês, eu me lembro de tudo. Acho que che-
gou a hora de falar sobre algumas das coisas que vão acontecer nos
próximos dias. Os quinze olharam um para o outro e depois para
Antônio, que ainda estava calmamente sentado no meio deles.
— Parece que você vai deixar a gente — falou abruptamen-
te o garoto de dezesseis anos.
— De uma certa maneira eu vou, mas vocês sabem que sem-
pre estarei por aí.
Fernanda começou a chorar.
— Já ouvi palavras assim, e todos nós sabemos o que aconte-
ceu com aquele cara que as falou: ele foi crucificado. É isso que
vai acontecer com você?
Ele sorriu e contou para o grupo que crucificação não estava
mais na moda.
— Leva muito tempo, não existem marceneiros de confian-
ça como antes e dá muita chance para discursos finais.
Ninguém riu, e, por causa disso, Almeida pediu ao grupo para
relaxar um pouco.
— Desta vez não vai haver nenhum Monte Calvário.
— O que é isso, então? Um último encontro dos fiéis? Se for,
onde está a comida? — gracejou Macedo, o ex-padre católico.
— Mais ou menos — respondeu Almeida —, mas vamos pa-
rar com essas referências bíblicas. Lembrem-se do que eu sempre
falei: desta vez será igual e ao mesmo tempo diferente.
O jovem pregador perguntou as horas. Márcia, a médium es-
pírita, disse que faltavam quinze para a uma. Almeida comentou
que em Nova York seriam dez e quarenta e cinco, e acrescentou:
— Em mais ou menos meia hora, um padre católico em
Nova York vai anunciar para o mundo que sou Jesus reencarna-
do na Terra.
No silêncio que o envolvia, Almeida continuou, informando
que em pouco mais de uma hora a campainha do galpão iria tocar.
— Um americano vai querer falar comigo, e ele não sabe o
que está acontecendo em Nova York. Ele veio para me convidar
para ir aos Estados Unidos e aparecer num programa evangélico
de televisão.
— Que programa? — perguntou Fernanda.
Antônio relatou para ela e o grupo que o programa seria o Clube
de Cristo de Bob Masterson.
— Aquele homem é um fanático! Não vá, ele quer destruir
você — alertou um dos amigos.
— É um truque, uma armação! — A voz era de Roberto, o
monge budista. — Antônio, esse Masterson tem uma péssima re-
putação. Ele é um demagogo dos piores. Ele é poderoso e não está
construindo só um império religioso, mas um império político
também. Sua ambição é sem limites. Pense duas vezes antes de dei-
xar seu mensageiro entrar aqui. Pense três vezes antes de aceitar
o convite.
Antônio estava de pé nesse momento, olhando fixamente
para seus amigos. Ele estendeu as mãos, com as palmas para bai-
xo, pedindo silêncio.
— Eu irei. Estou na Terra por causa disso. Tudo se resume a
escolhas.
O budista e os outros catorze amigos olharam para Almeida
como se ele fosse de um outro planeta. Eles não tinham entendi-
do nenhuma palavra que ele dissera.
Foi o garoto Tomás quem questionou Almeida, pedindo uma
explicação de suas últimas palavras.
Antônio, calma e firmemente, respondeu a todos:
— Eu sempre disse: a vida na Terra é sobre escolhas. A en-
carnação aqui se resume ao uso do livre-arbítrio. Porém, para ha-
ver escolhas as pessoas precisam de opções. Eu preciso aceitar o
convite desse Masterson porque ele está me dando a chance de fa-
lar, de uma só vez, com todos os espíritos encarnados neste pla-
neta. Bob Masterson não é mau, mas ele representa uma escolha.
Eu vim para mostrar quTTiá outras opções, outros caminhos e es-
tradas para seguir.
O grupo fixou a atenção em Almeida, ouvindo cada palavra
e sentindo cada inflexão de sua voz. Enquanto o pregador cami-
nhava vagarosamente pela sala, sua voz foi crescendo em paixão
e em emoção:
— Eu sempre disse: eu sou quem vocês pensam que sou. Mas
eu sou mais. Eu disse n vezes que não pertenço a nenhuma reli-
gião, a nenhuma fé, a nenhum credo, a nenhuma seita. Eu quero
que as pessoas entendam isso e que elas vejam as infinitas possi-
bilidades abertas à sua frente.
Antônio parou de andar e abriu a palma da mão esquerda.
— De um lado, Bob Masterson, o pastor evangélico da tele-
visão. — E, abrindo a palma da mão direita, ele disse: — Do ou-
tro lado, eu, Antônio Almeida, o mensageiro da faixa crística
para a Nova Era.
Por alguns instantes ele ficou ali parado, deixando o grupo olhar
para suas duas palmas abertas.
— Pensem nisso por um minuto. Pensem nas opções abrin-
do-se para bilhões de pessoas que estarão assistindo ao debate. —
Movendo o braço esquerdo, ele disse: — O cristianismo de Mas-
terson prega que apenas aqueles que acreditam em Jesus serão salvos e todos os outros estão fora.- Almeida flexionou o braço
direito. — Eu quero declarar às pessoas que ninguém está fora. Todas as pessoas estão incluídas porque Deus ama todos. Somos
todos seus filhos.
O jovem pregador mexeu a mão esquerda novamente.
— Aqui temos Masterson dizendo: "Não confiem em seus
próprios sentimentos e julgamentos; Satanás pode manipulá-los".
Almeida levantou a mão direita, dizendo ao grupo:
— Eu quero dizer ao mundo que sua mente e sua consciên-
cia são presentes de Deus. O livre-arbítrio é uma ferramenta para
aprender, para crescer, para questionar e para experimentar. Eu di-
rei ao mundo que cada um é responsável por sua própria salvação
e que cada um é responsável por todas as pessoas ao seu-redor.
Almeida continuou a martelar nas escolhas que ele queria
dar aos espíritos encarnados na vibração terrestre. Ele explicou ao
grupo que ele queria ajudar esses espíritos a entender que Deus não
é lei nem mandamentos, dizendo: "Vocês não vão conhecer Deus
por meio de leis ou mandamentos. Vocês o conhecerão amando
a si mesmos e aos outros".
A voz de Antônio, cheia de paixão e fúria, encheu a sala
quando proclamou:
— Quero acabar com essa noção de julgamento. Pessoas
como Masterson dizem que é possível saber como Deus vai jul-
gar, então somos capazes de julgar os outros. Eu digo que nin-
guém pode julgar ninguém, porque nenhuma pessoa sabe qual o
carma que uma pessoa está vivendo. Se eu conseguir isso, as pes-
soas vão parar de se dividir em cima de suas diferenças e precon-
ceitos. Eu quero que as pessoas se unam pelo que têm em comum:
vocês são espíritos imortais criados por Deus, e Deus não julga nem
recrimina.
Antônio baixou o tom de sua voz e num sussurro confiden-
cial contou a seus amigos:
— Eu quero que o mundo finalmente entenda que eu não.
morri por seus pecados. Eu nunca vim para isso. Eu mostrarei ao
mundo, de uma forma que eles finalmente vão entender, que mi
nha morte e meu renascimento foram acontecimentos espirituais,
os mesmos pelos quais vocês já passaram tantas vezes. Quero fa-
lar ao mundo sobre reencarnação, que é a maneira de Deus man-
ter a ordem e o equilíbrio em sua criação.. Muitos pensam que
reencarnação é uma segunda chance de acertar as coisas. Eu mos-
trarei que reencarnação é mais que isso, é a oportunidade que
Deus deu para aprender e crescer com todas as diferentes emoções
e experiências encontradas na vibração terrestre.
Antônio sentou-se novamente no chão e olhando para os
rostos de seus amigos falou:
— Eu rezo para ajudar as pessoas a superar essa obsessão com
Jesus. Quero explicar que não sou o centro de nenhuma fé e que
eles não têm que me aceitar cegamente para serem salvos. Eu vivi
aqui dois mil anos atrás para ensinar. Eu vivi num corpo de car-
ne e osso para mostrar que era possível deixar a matéria de lado e
ver além dos egos, paixões e desejos, liberando-se dos apegos e
ilusões materiais.
Quando Antônio estava terminando o discurso, a campainha
tocou. Márcia, a médium espírita, olhou para o relógio e disse:
— Ele está um pouco atrasado.
Macedo, o ex-padre católico, brincou:
— O galo cantou três vezes.
Antônio Almeida, o mensageiro da Nova Era, riu e acres-
centou:
— Eu já falei para parar com essas referências bíblicas. Elas
estão me dando nos nervos.
Tomás, que foi abrir a porta, voltou para o grupo dizendo que
um tal de Hanley queria ver Antônio.
— Vai nessa — disse o garoto a Almeida.
Capítulo 22
llh40 Nova York
I3h40 São Paulo
REAÇÃO
"Vigiai, pois; porque não sabeis quando virá o senhor da casa; se à tar-
de,se à meia-noite, se ao cantar do galo, se pela manhã; para que, vin-
do de improviso, não vos ache dormindo. O que vos digo a vós, a to-
dos o digo: vigiai."
Marcos 13:35-37
Quando a missa acabou, o padre Jean-Baptiste imediatamen-
te deixou o altar, voltando para a sacristia. Atrás dele estava o
arcebispo Carlton Farley. Jean-Baptiste já havia tirado a vesti-
menta verde e dourada sobre sua batina quando Farley, com o ros-
to vermelho de raiva, entrou, fechando e trancando a porta.
— Você tem alguma idéia do que fez? Como pôde? O que, em
nome de Deus, está acontecendo? — gritou, assim que se assegu-
rou de que estavam a sós.
Jean-Baptiste sabia que o arcebispo não poderia reagir de uma
outra forma. Por causa disso o padre, alguns dias antes, fizera seus
planos para largar a igreja que, além de seu lar físico, foi também
seu lar espiritual nos últimos vinte e três anos. O padre entregou
a Farley um envelope branco e disse:
— È meu pedido de demissão.
Farley olhou para o padre, seu superstar da periferia, e balan-
çou a cabeça.
— Por que você fez isso? — repetiu.
Jean-Baptiste perguntou se o "porquê" se referia ao pedido de
demissão ou ao sermão. O arcebispo respondeu veementemente:
— Por que você não veio falar comigo? Podíamos ter conver-
sado sobre essa história de "Jesus está de volta". Eu também já
tive várias crises_de fé e, não tenho dúvida, poderia tê-lo ajuda-
do. A igreja precisa tanto de você, mas você preferiu jogar tudo
fora por causa de uma pessoa que nem mesmo conhece.
Em um tom calmo e pausado, Jean-Baptiste respondeu que não
estava tendo alucinações, não estava em crise e não tinha jogado
no lixo seu futuro por alguém que ele nem mesmo conhecia.
— Eu o conheci durante toda a minha vida. Assim como o
senhor, Vossa Excelência Reverendíssima.
Um arcebispo exasperado que mal ouviu as palavras do pa-
dre explodiu:
— Você usou este dia, com câmeras e satélites transmitindo
suas palavras para o mundo, para ridicularizar a igreja. Muito es-
perto. Por que não esperou o próximo domingo, se você está tão
certo de que esse fulano é quem você pensa que é? Por que neste
domingo, quando até o Santo Padre estava assistindo?
O padre disse ao arcebispo que ele mesmo tinha respondido
suas próprias perguntas.
— Acho que não temos mais nada para falar — lamentou Jean-
Baptiste. — Aqui está meu pedido de demissão. Preste bem aten-
ção nos próximos dias. Em breve o senhor verá com seus próprios
olhos que ele voltou. Deus vos abençoe.
— Aonde você vai ? — perguntou o arcebispo Farley, desta vez
preocupado.
Sem olhar para trás, e sem a batina preta da igreja, o negro
respondeu:
— Encontrar Antônio Almeida.
Na saída, Jean-Baptiste teria de passar pela fila das câmeras
de televisão, microfones de rádio e fotógrafos da imprensa, po-
rém ele já esperava e ansiava por isso.
Conferindo seu relógio, ele viu que eram quinze para uma. Ha-
viam passado somente quinze minutos desde que ele anunciara o
Retorno.
I3h00 Nova York
I7h00 Vaticano
Quando a transmissão terminou, o recém-eleito papa João
XXIV virou-se para os dois cardeais sentados à sua direita. Ele fa-
lou primeiro com Feliciano Paoletti, o diretor de Comunicações
e Relações Públicas.
João queria saber onde a missa foi vista.
— Bem, Vossa Santidade — respondeu o italiano corpulen-
to e grisalho —, a missa foi transmitida ao vivo para os Estados
Unidos e Canadá. No entanto, devido às diferenças no fuso ho-
rario, o programa será atrasado duas horas na África. Ainda pos-
so impedir a transmissão africana — reportou, pegando o telefo-
ne a seu lado.
— Espeta! — ordenou o papa. — Há tempo.
O papa virou-se para o cardeal americano Robert Donaldson.
Alto e elegante, Donaldson estava sentado no sofá, visivelmente
nervoso. Ele tinha certeza de que levaria a culpa pelo desastre que
se desenrolou em Nova York.
"Assim que eu sair daqui", pensou, "vou telefonar para Farley
e descobrir o que aconteceu com aquele padre maluco."
— Cardeal Donaldson, o que Vossa Eminência sabe a respei-
to desse padre Jean-Baptiste? — perguntou o papa com seu inglês
impecável. Quando jovem, João XXIV passou alguns anos nos Es-
tados Unidos, onde implantou essa mesma rede de televisão que
acabara de transmitir o sermão de Jean-Baptiste.
— Vossa Santidade, sei que o padre Jean-Baptiste fez um tra-
balho louvável para a igreja em Nova York — respondeu Donald-
son, achando que seria melhor falar o menos possível.
O papa arqueou suas sobrancelhas. Ele recriminou o cardeal,
lembrando que, na semana anterior, Donaldson recomendou que
Jean-Baptiste fosse elevado a bispo e transferido de volta à Áfri-
ca, onde a igreja precisava desesperadamente de padres carismá-
ticos como ele.
— Vossa Eminência deveria saber mais sobre ele — argu-
mentou o papa — para ter recomendado sua elevação a bispo.
O cardeal Donaldson não retribuiu o olhar do pontífice,
simplesmente acrescentando que o arcebispo Farley, da arquidio-
cese de Nova York, estava orgulhoso do padre negro, e a indica-
ção viera dele.
— Verdade? — foi tudo que o papa disse.
O diretor de Comunicações queria saber o que fazer com a re-
transmissão africana.
— Nada — foi a resposta do papa.
O cardeal Paoletti estava incrédulo e protestou vigorosamen-
te contra a decisão do pontífice.
O jovem papa levantou a mão, cortando o cardeal.
— Paoletti, não estamos na Idade Média — disse João XXIV
rindo. — A igreja não controla mais o que as pessoas vêem, ou-
vem ou lêem. Deixe-me contar o que está acontecendo nas reda-
ções de jornal do mundo.
Todos sabiam que João trabalhara nos vários departamentos
de imprensa da Igreja Católica. Ele era considerado, até por pro-
fissionais de fora da igreja, como um produtor de televisão capaz
e competente.
O cardeal Paoletti ouvia em silêncio enquanto o pontífice con-
tinuava com suas observações.
— Hoje é domingo. Os domingos são dias mortos para notí-
cias. Neste instante, o que aconteceu em Nova York está sendo
encarado como uma curiosidade, mas as equipes de plantão, en-
tediadas, vão se atirar em cima disso porque têm que preencher
seus noticiários. Nós não podemos impedir isso. Da mesma forma
que não podemos impedir Jean-Baptiste de dar uma entrevista
coletiva à imprensa — disse, dando uma olhada no relógio — nos
degraus da própria Igreja de São Paulo.
O telefone tocou, interrompendo o papa. Paoletti atendeu,
mas a chamada era para o cardeal Donaldson. Paoletti informou
que era o arcebispo Farley na linha. Donaldson silenciosamente
praguejou. O papa havia temporariamente esquecido que ele exis-
tia, mas agora, com esse telefonema, Farley chamara a atenção para
o cardeal novamente.
Após urna conversa curta e brusca, o cardeal desligou. Ele
comunicou que o padre Jean-Baptiste havia pedido demissão e
naquele momento estava ciando uma entrevista coletiva à im-
prensa "nos degraus da Igreja de São Paulo".
O papa esfregou as mãos e riu.
_Não falei para vocês? Como ficaríamos — disse ele a Pao-
letti-_se, depois de promover essa missa na África durante se-
manas, nós a cancelássemos sem explicação? E não esqueçam que
o continente inteiro vai saber, em questão de minutos, o que Jean-
Baptiste falou. Essa entrevista coletiva à imprensa será editada
em instantes, aí sobe para os satélites e é distribuída no mundo in-
teiro. Como eu digo: deixe rolar, pelo menos ninguém pode nos
acusar de censura. Esse é o Nosso desejo — João XXIV proposita-
damente usou o Nós formal para grifar a ordem.
O cardeal Paoletti suspirou. Ele sabia que seria inútil argumen-
tar com esse jovem papa.
— O que direi à imprensa? — perguntou derrotado.
O pontífice pôs a mão no queixo. Ele sabia que não podia con-
tar a esses dois sobre seus sonhos e a certeza que tinha de que foi
o próprio Espírito Santo que realizou sua surpreendente eleição a
papa para que nesse exato momento ele estivesse sentado no tro-
no de São Pedro.
Paoletti esperou sua decisão.
João XXIV sabia que, dentro de minutos, os telefones no es-
critório de imprensa de Paoletti iriam tocar, com repórteres que-
rendo saber qual a reação do Vaticano aos acontecimentos do dia.
O pontífice sabia que o Vaticano teria de dizer algo. Um "sem
comentários" não iria satisfazer ninguém. Um breve sorriso esbo-
çou-se no rosto do Santo Padre, enquanto ele dizia ao cardeal o
que fazer.
— Diga que o padre Jean-Baptiste entregou sua carta de de-
missão e essa demissão não foi processada. Oficialmente, Jean-
Baptiste ainda é um padre da Igreja Católica Apostólica Roma-
na e continua sendo, até que sua demissão seja finalizada dentro
do curso normal dos procedimentos da igreja.
João XXIV tinha ciência de que "o curso normal dos procedi-
mentos da igreja" poderia levar meses, se não anos. Paoletti e Do-
naldson também sabiam disso.
Paoletti, agora cauteloso, questionou as instruções do papa.
— Vossa Santidade, com o devido respeito, padre Jean-Bap-
tiste usou esta igreja para anunciar a Segunda Vinda de Jesus Cris-
to. Ele nos embaraçou perante o mundo todo. Com certeza, há mui-
to mais para ser dito.
João respondeu perguntando retoricamente a Paoletti o que
ele faria:
— O que deveríamos fazer? Atacar sua credulidade? Renun-
ciar a um homem que há apenas uma semana o cardeal Donald-
son recomendara para ser bispo? Que tal dizer que ele é louco,
que está sofrendo perturbações mentais?
Aquilo tinha sido um desafio. Mas nem o cardeal Paoletti
nem Donaldson respondeu, e mais uma vez a palavra do jovem papa
prevaleceu.
12hl7 Nova York
Os repórteres entediados que esperavam fazer entrevistas obri-
gatórias e previsíveis com Jean-Baptiste, o arcebispo Farley e os
políticos presentes à missa de aniversário estavam agora energizados. O instinto coletivo dizia que eles não mais estavam cobrin-
do uma reportagem corriqueira. Um padre católico proclamou do
altar de uma igreja católica, para uma platéia internacional, que
Jesus Cristo estava de volta, morando na América do Sul sob o
nome de Antônio Almeida.
Jean-Baptiste, saindo da igreja pela porta lateral, andou até
os repórteres como se estivesse dando um passeio de domingo. O
primeiro jornalista que o viu era da rede ABC. O repórter, um ra-
paz alto, loiro, com vinte e sete anos de idade, tinha começado a
trabalhar naquela semana.
Ele tinha sido indicado para cobrir as cerimônias daquela ma-
nhã porque, como dissera seu chefe de reportagem, "essa é uma his-
tória simples, bem apropriada para um novato". Agora, o novato
via em Jean-Baptiste a chance de colocar uma reportagem no jor-
nal nacional da rede. Nada mau para sua primeira semana na ci-
dade grande.
Ele, seguido por sua equipe, foi o primeiro a alcançar Jean-
Baptiste, e, antes que seus rivais chegassem, lançou a primeira
pergunta:
— Padre, o senhor poderia repetir para nossa câmera o que
disse dentro da igreja?
Jean-Baptiste calmamente esperou os outros repórteres che-
garem, arruinando os sonhos do jovem repórter de ter pelo me-
nos uma resposta exclusiva. Vendo as câmeras posicionadas, o pa-
dre respondeu:
— O que tem sido profetizado aconteceu. Jesus retornou. Um
mensageiro para a Nova Era chegou à Terra. Em poucos dias o mun-
do saberá que falo a verdade.
Uma tonelada de perguntas jorrou em cima do padre, mas ele
manteve a calma, avisando os repórteres que responderia a todas
as questões, mas teriam de ser feitas uma de cada vez.
Uma senhora da Televisão Católica cinicamente pergun-
tou se ele estava sob tratamento médico, tomando algum tipo de
remédio.
O padre sorriu, informando que, se remédio para sinusite con-
tava, então ele estava tomando remédios.
— E posso assegurar à senhora que é só isso. Mas vou respon-
der à pergunta por trás de sua pergunta. Eu não estou sob o efei-
to de qualquer tranqüilizante ou antidepressivo e não faço trata-
mento para nenhum tipo de problema emocional. Por que é tão
difícil acreditar, ou pelo menos considerar, o que estou dizendo?
O cristianismo não tem rezado por milhares de anos por este mo-
mento? Agora eu lhe pergunto: por que acha que estou tendo
alucinações?
A senhora não respondeu, mas alguém de trás gritou:
— Padre, como o senhor sabe? Conte-nos por que o senhor
tem tanta certeza.
Os repórteres ficaram em silêncio à espera da resposta.
Jean-Baptiste cuidadosamente elaborou sua resposta diante das
câmeras.
— Eu sei porque me foi mostrado. Deram-me provas, e são pro-
vas que me satisfazem. Há mais ou menos seis meses eu comecei
a ter o que chamam de experiências paranormais. Vozes e visões.
E essas vozes falavam que a hora havia chegado, que a Terra esta-
va pronta para ouvir e que ele havia retornado.
Jean-Baptiste parou e olhou para os repórteres em volta ano-
tando e gravando cada sílaba pronunciada. Antes de continuar
. ele fez um sinal para a senhora da Televisão Católica e brincou:
-Sinutab não induz experiências paranormais.O grupo riu e ele continuou:
— Ele apareceu num sonho. Mas era um sonho tão real quan-
to este momento que estamos passando agora. Um sonho em que
senti a sua presença com a minha, vivo, vibrante e presente. Ele
disse que voltou para mostrar o caminho. Ele está aqui para ex-
plicar o inexplicado. Ele não veio para acabar com o mundo, mas
para começar um novo.
Um editor religioso do New York Times, um dos poucos repór-
teres da imprensa escrita presentes, perguntou a ele se "em seu so-
nho o homem falou que era Jesus".
— Ele explicou que ele era quem pensávamos que ele era.
Ele é um mensageiro de luz da mais alta vibração, a vibração de
Jesus. Eu o entendi como sendo Jesus, mas um budista poderá en-
tendê-lo como Buda, um hindu poderá conhecê-lo por Krishna.
Faz sentido quando você pensa sobre isso um pouco.
O homem do New York Times soltou outra pergunta:
— Então você está pedindo ao mundo inteiro para acreditar
em você, um simples padre católico, porque você ouve vozes e
tem visões e sonhos?
O padre olhou nos olhos do repórter e disse:
— Por que você acha tão difícil de acreditar? É porque eu
não sou um papa, bispo ou um rabino? Ou é porque você está com
medo de que seja verdade e que o dia finalmente tenha chegado?
Sim, eu estou pedindo a vocês para acreditar que não sou um afri-
cano louco. Mas vocês não precisam acreditar em mim. Em pou-
cos dias todos saberão, porque ele contou que, quando ele falar,
todos entenderão.
Numa questão de minutos, a entrevista do padre Jean-Bap-
tiste, levada por impulsos eletrônicos no espaço, seria vista pelo
mundo todo.
14hl5 São Paulo, Brasil
Bill Hanley estava quinze minutos atrasado para o encontro
com Antônio Almeida. Conferindo seu relógio, ele calculou que
seria meio-dia e quinze nos Estados Unidos. Ele não sabia, mas
dentro de uma hora e meia o pessoal de todas as redes de televi-
são do mundo estaria estacionado em frente ao galpão no qual ele
iria entrar.
Capítulo 23
Mesmo domingo, São Paulo, ano 2015
A ENTREVISTA OUVIDA PELO MUNDO
Logo depois que as primeiras imagens do sermão de Jean-
Baptiste e sua entrevista explodiram nos televisores do mundo, as
maiores agências de notícias disputavam umas com as outras para
descobrir onde estava Antônio Almeida.
Horários de satélite, caminhões de externa, links de microon-
das e canais de fibra óptica estavam sendo reservados enquanto
São Paulo, Brasil, subitamente virou o centro do mundo.
De Atlanta, a CNN entrou em contato com sua filial brasi-
leira, exigindo uma entrevista com Almeida dentro de uma hora.
De Nova York, a ABC, a CBS e a NBC colocaram sua força to-
tal e recursos mundiais em ação para encontrar Antônio Almeida.
De Londres, o serviço mundial da BBC foi inundado por te-
lefonemas depois de exibir uma reportagem de quinze minutos
sobre o padre Jean-Baptiste. A organização de notícias britânica
também despachou ordens às suas tropas: encontrem Almeida.
A Reuters, a AP, a France Press e todas as outras grandes e
pequenas organizações jornalísticas do mundo estavam chegando
ao velho galpão alugado em São Paulo, onde naquele momento
Almeida estava se encontrando com Bill Hanley.
— Eu sei por que você veio — adiantou Almeida a um can-
sado Bill Hanley. — Não há necessidade de entrar em detalhes.
Eu aceito.
Tudo que Hanley podia fazer era sorrir.
— Pensei que teria que o convencer. Durante toda a viagem
de avião eu ensaiei os argumentos que iria usar. Não pensei que
seria tão fácil — disse Hanley rindo.
— Por que você teria que me convencer a fazer algo que já
está prestabelecido? — respondeu Almeida antes de perguntar
Hanley que horas eram.
— Três horas. Por quê?
— Bem, meu amigo, em poucos minutos nós vamos fazer história. Dê uma olhada na janela.
Do andar superior, Hanley olhou para a rua abaixo: não era mais uma rua deserta e vazia de domingo. As primeiras peruas d
reportagem já estavam apontando seus pratos redondos para satélites invisíveis; homens e mulheres corriam ajeitando câmera
e luzes, enquanto outros puxavam quilômetros de cabos de fibra óptica, ligando essas câmeras com o mundo.
— O que está acontecendo?— perguntou um Hanley alarma
do. Desde que descera do avião, e com as duas horas de fuso, ele
não tinha contato com os Estados Unidos. Ele estava preocupado, imaginando que a atividade de baixo fosse o resultado de al-
guma coisa que Masterson pudesse ter armado.
Almeida colocou-o a par de tudo, contando que, duas horas
antes, um padre do Harlem tinha contado ao mundo que ele, An-
tônio Almeida, era Jesus reencarnado.
— E você é? — perguntou Hanley sem emoção.
— Fique por aí e descubra. Agora, quando é que seu chefe quer
me interrogar?
Hanley explicou que o programa estava previsto para ir ao ar
quarta-feira à noite, as sete horas, horário de Nova York, e seria trans-
mitido ao vivo de Louisville, Kentucky, para o mundo inteiro.
— Bem, o seu Masterson provavelmente já foi informado so-
bre os últimos acontecimentos de hoje. Sem nenhuma dúvida, está
queimando linhas telefônicas por toda Louisville, tentando saber
qual que é a do padre. Seu chefe gosta de saber tudo sobre todo
mundo, não é verdade? Mas, dentro de mais ou menos trinta mi-
nutos, ele vai ter que dançar conforme a minha música. Como não
quero que ele retire seu convite tão generoso, eu vou divulgá-lo
para o mundo inteiro — acrescentou, sorrindo para a janela.
Hanley sorriu e entendeu. Almeida estava planejando dar
uma entrevista coletiva à imprensa na qual anunciaria ter aceita-
do a oferta da CCM. Hanley sabia que o jovem iria dar um xeque-
mate em seu chefe. Não haveria jeito de Masterson retirar o con-
vite, uma vez que Almeida o tenha tornado público.
Enquanto esperavam os últimos carros de reportagem, Al-
meida perguntou a Hanley quem teve a idéia do debate.
— Eu — respondeu Hanley.
Almeida quis saber o motivo. Hanley confessou que, hones-
tamente, não sabia por quê. Talvez fosse seu instinto profissional
falando mais alto, ou era alguma coisa a mais.
— E o que poderia ser essa coisa a mais?
— Talvez eu ache que Jean-Baptiste esteja certo. Eu sei que
Masterson está errado. Ignorei isso durante estes últimos vinte
e poucos anos. Eu trabalhei, fiz algum dinheiro, me diverti. Mas
eu assisti a todas as fitas que Masterson gravou de você... A
propósito, você sabia que ele o estava gravando secretamente,
não sabia?
Almeida balançou a cabeça em aprovação e fez sinal a Han-
ley para continuar.
— Bem, eu vi verdade naquelas fitas. E agora você terá uma
chance de falar, ao mesmo tempo, com bilhões de pessoas.
— Então, que assim seja — disse Almeida encaminhando-se
para a porta que os levaria para baixo. Ele pediu para Hanley
acompanhá-lo, explicando:
— Você vem comigo. Vou apresentá-lo como o enviado de
Bob Masterson.
Com Almeida na frente, os dois desceram as escadas e foram
até a parte maior do galpão, onde estavam os amigos de Antônio.
Almeida sorriu, pedindo que também fossem com eles.
— Vamos fazer isso juntos, todos nós. Depois de hoje seremos
"popstars" — comentou Almeida, rindo. — Quem sabe o Sr. Han-
ley aqui possa até mesmo fazer um filme sobre nós.
Ele fez sinal para que o seguissem, enquanto abria as portas
de aço cinza e caminhava para a rua.
— É ele! — Um vizinho apontou para os repórteres. — É
Antônio!
A confusão começou: produtores dentro das peruas avisando
outros produtores, nas sedes a milhares de quilômetros de distân-
cia, que Almeida apareceu.
— Parece um cara normal — disse um deles.
Essa opinião era compartilhada entre todos os repórteres, pro-
dutores e cameramen presentes.
— Por aqui! Por aqui! — gritou um repórter da CNN, gesti-
culando para a bateria de microfones, cada um com seu próprio
logotipo colorido, colocados a alguns metros de Almeida.
CNN, ABC, CBS, Fox, Reuters, Televisa, BBC, SkyAsia, Fran-
ce Press, AP, Austrália 7, Pan-Africa, as maiores redes de tele-
visão brasileiras... todas com seus logotipos, orgulhosamente de-
senhados nos mais de trinta microfones enfileirados na frente
do galpão.
Assim que Almeida se postou na frente dos microfones e câmeras, um repórter da CBS abriu a entrevista:
— Sr. Almeida, está ciente do que aconteceu hoje em Nova
York? Algumas horas atrás, um padre católico, com o nome de Jean-
Baptiste, declarou que você é Cristo reencarnado. Ele falou isso
durante uma missa transmitida para o mundo todo. O que você
tem a responder?
Almeida ignorou a pergunta e o repórter.
— Bem-vindos ao Brasil.
Quando ele começou, os tradutores simultâneos nas redações
ao redor do mundo começaram a abrir suas bocas, prontos para tra-
duzir do português para suas línguas nativas as palavras de Antô-
nio Almeida.
— Estou feliz que tenham vindo. Eu sei que domingo é um
dia de poucas notícias, porém nem eu achava que vocês fariam tudo
isso — comentou, referindo-se ao equipamento de televisão que
estava transmitindo a coletiva.
Nos Estados Unidos, os tradutores tomaram seus primeiros fô-
legos, mas logo perceberam que estavam ouvindo o jovem prega-
dor em inglês.
Na África, partes do continente ouviam a voz em inglês, ou-
tras em suaíle, árabe, holandês ou até mesmo nas centenas de dialetos falados no continente.
Ao vivo ou nas infinitas reprises dessa entrevista, as pessoas
do mundo inteiro ouviram Antônio Almeida falar em sua pró-
pria língua.
— Chegou a hora, espíritos da Terra, de vocês entenderem
quem são. Nos próximos dias, vocês conhecerão quem eu real-
mente sou, e, quando isso acontecer, vocês também conhecerão
quem são vocês.
O mundo viu Almeida apresentar Bill Hanley, representan-
te de um famoso tele-evangélico americano que convidou Antô-
nio para ir a Louisville, Kentucky, onde seria entrevistado, ao
vivo, num debate transmitido para o planeta inteiro.
O mundo ouviu Almeida agradecer ao evangélico Bob Mas-
terson e avisar que, no programa de quarta-feira, "meu ser verda-
deiro será conhecido".
Antônio não respondeu às perguntas dos repórteres, e falou
diretamente para o gigantesco público do outro lado das cameras,
declarando que uma Nova Era estava rapidamente chegando e
que ele viera a esta dimensão para ajudar o mundo a se preparar.
Muitas emissoras que não estavam transmitindo a entrevis-
ta ao vivo mudaram de idéia e interromperam suas programações.
Durante os próximos dias, as palavras de Almeida seriam disseca-
das, analisadas e avaliadas em cada canto do globo, e suas pala-
vras "Eu vim não para mostrar um novo caminho, mas para ex-
plicar o velho caminho" seriam infinitamente repetidas durante
a contagem regressiva para a transmissão de quarta-feira.
Quase uma hora se passou desde que Almeida começara a fa-
lar para as cameras de televisão na frente do galpão. Durante essa
hora, ele pediu para o mundo:
— Não tenham medo. Isto não é o Final dos Tempos, é o co-
meço da Nova Era, uma era em que os espíritos humanos apren-
derão a se unir em torno das coisas que têm em comum ao invés
de se dividir por suas diferenças.
A voz de Antônio, ouvida ao vivo em todos os cinco conti-
nentes, relembrou aos espíritos terrestres que eles eram "imagens
de seu criador e todos dividem o mesmo espírito com Deus". O jovem moreno falou sobre a justiça eterna da reencarnação, expli-
cando que "não existe essa coisa de castigo eterno. Seu Pai é jus-
to, e ele os ama" e "A morte é igual ao nascimento. É só uma
questão de qual lado da porta você está".
— Mas chega por hoje — encerrou Antônio. — Como di-
zem na televisão, não percam na próxima quarta-feira o final eletrizante desta história — brincou.
Acenando para as cameras e para a enorme multidão que ha-
via se juntado nas ruas ao redor do galpão, ele, Hanley e seus ami-
gos começaram a andar em direção à sua casa.
Pelo canto do olho, ele viu um casal com uma criança. Era
Inês, Paulo e seu marido. Os três correram para Antônio, e Pau-
lo abraçou a perna do pregador.
— Eu o vi na TV, e decidimos vir para cá — disse Inês. — Meu
marido e eu queremos fazer algo por você. Esse americano, Bob Mas-
terson, nós sabemos tudo sobre ele. Você tem que estar com seus
amigos quando for para lá. Na terça-feira à noite haverá um avião
no aeroporto esperando por você e — ela apontou para os amigos
de Antônio — qualquer um que você quiser levar. O avião os le-
vará diretamente para Louisville.
Com lágrimas nos olhos, ela declarou que, se Almeida não se
importasse, ela, seu marido e Paulo gostariam de ir junto.
— Quando eu vim aqui naquele dia, você me falou que não
havia necessidade nenhuma de um milagre. Bem — disse ela aper-
tando a mão do marido —, você me deu um milagre. Nós, Ricar-
do e eu, estamos juntos outra vez. Nós três — falou, olhando para
Paulo, que ainda estava abraçando a perna de Almeida — somos
uma família agora. Obrigada.
Antônio, olhando para o casal, simplesmente respondeu:
— Inês, eu não fiz nenhum milagre. Você mesma fez. Vou
aceitar sua oferta do avião, e, é claro, vocês irão conosco. Eu gos-
taria de ter meus amigos comigo.
Com isso, Antônio, com Inês, Hanley e todos os amigos pre-
sentes, entrou no galpão, enquanto os comentaristas, repórteres
e editores espalhados pelo mundo resumiram para seus telespec-
tadores os acontecimentos do dia.
Mas o que ficou gravado na mente de todos foram as últimas
palavras de Antônio, entendidas no mundo inteiro, em toda e
qualquer língua:
"Não percam na próxima quarta-feira o final eletrizante des-
ta história."
Capítulo 24
Quarta-feira à noite, ano 2015, Planeta Terra
O CONFRONTO
"Deixe-nos ter concordância com nossa própria gente, e concordância
com pessoas que são estranhas para nós. Crie entre nós e os estranhos
uma unidade de corações."
Atharva Veda Samhita
"Os bens de Deus, que são além de todas as medidas, só podem ser
guardados num coração vazio e solitário."
São João da Cruz
O mundo parou.
O mundo esperou.
O mundo olhou.
Na cidade de Nova York, pessoas davam "festas Almeida" em
suas casas enquanto contavam os minutos para o início da trans-
missão histórica daquela noite. Do outro lado do mundo, no Ja-
pão, já era a manhã de um outro dia. Operários descansavam suas
ferramentas e administradores desligavam seus computadores, jun-
tando-se a amigos e colegas de trabalho na frente dos televisores.
No Brasil, onde Almeida nasceu, as grandes lojas deixaram as te-
levisões das vitrines ligadas durante a noite para que as pessoas vol-
tando do trabalho não perdessem "O Show de Antônio". As ruas
de toda a Europa estavam vazias enquanto famílias e amigos se reu-
niram para assistir ao que estava sendo chamado "O Debate do Mi-
lênio". E, na Africa, televisores ligados em geradores iluminavam
os céus escuros de vilarejos remotos.
O planeta inteiro estava ligado no sinal de Louisville, de
onde, em questão de minutos, um tele-evangélico chamado Bob
Masterson e um pregador chamado Antônio Almeida falariam
para o mundo.
No estúdio em Louisville, tudo estava pronto. As cameras
estavam em posição e o exército de técnicos da CCM terminou os
ajustes finais.
Bill Hanley traçou o visual do programa. Masterson e Almei-
da sentariam no centro do palco, lado a lado, em duas cadeiras bege.
Eles estariam separados por uma mesa pequena com uma garrafa
de água em cima.
O palco era escuro, exceto por dois focos de luz sobre cada um
dos participantes. O visual era simples mas poderosamente dramá-
tico, focalizando a atenção na dupla.
Faltavam somente alguns minutos. Bob Masterson esperava,
como um campeão de pesos-pesados antes de uma luta, no lado
direito do palco. Ele nervosamente falava e brincava com a pes-
quisadora Mary Fried e com Phil Martelli, seu diretor financeiro.
Martelli deu a Masterson um relatório sobre Jean-Baptiste, o pa-
dre africano. Ele instruiu Masterson:
— Use esta informação. O nome dele só bateu ontem. Nós
já lidamos com esse cara antes.
Masterson passou os olhos no relatório e sorriu para seu di-
retor financeiro.
Durante a última hora a CCM mandou sinais de espera para
todas as suas emissoras espalhadas no mundo, e no vazio escuro
do espaço esses sinais foram retransmitidos entre centenas de sa-
télites orbitando a Terra. De cada facho invisível de um satélite,
outros fachos nasciam. O satélite que pertencia ao Vaticano cap-
tou o sinal de Louisville (o papa pessoalmente pedira permissão
a Masterson), transmitindo-o para milhares de canais a cabo ao
redor do planeta.
As seis maiores redes de televisão americanas também espa-
lharam o sinal de Louisville pelo território americano, enquanto
a CNN e a BBC mandavam o sinal para as suas afiliadas no mun-
do inteiro.
Na última hora, os sistemas Televisão Nacional Chinesa e Ali
índia Broadcasting juntaram-se ao sinal de Louisville. Cada can-
to do planeta seria coberto pelo sinal da CCM, e não haveria lu-
gar onde o debate não pudesse ser assistido.
O público já estava na platéia do estúdio. Masterson enche-
ra o auditório com seus fanáticos fiéis. Almeida não fez nenhuma
objeção, pedindo somente que trinta dos quatrocentos lugares fos-
sem reservados para seus acompanhantes e que o padre Jean-Bap-
tiste assistisse ao debate dos bastidores.
Neste momento, em lados opostos do palco, os dois homens
esperavam. Masterson, com Mary e Martelli, recebeu o último re-
sumo antes de entrar no ar.
— OK —- disse Mary rapidamente. — Tenho os últimos re-
sultados de minhas pesquisas. Foram feitas só nos Estados Unidos,
mas tenho certeza de que devem bater com o que está acontecen-
do no resto do mundo.
Mary apressou-se em contar tudo, deixando Bob a par das úl-
timas informações que ela tinha recebido, tabulado e analisado.
"Ela ainda não entendeu", pensou o evangélico enquanto Mary
elaborava um perfil atualizado de Almeida.
— Aqui nos Estados Unidos, mais de noventa por cento das
pessoas responderam que ouviram falar de Almeida, e, desses no-
venta por cento, quase cem por cento ouviram o próprio Almei-
da falar. Todo mundo sabe do "milagre da língua". Muitos estão
assustados e todos querem uma explicação.
Masterson, exasperado, quase perdeu a paciência. Ele per-
guntou se alguma coisa era realmente nova e importante. Mary
resmungou:
— Nada, nada mesmo.
— Foi o que pensei — retrucou o evangélico. — Em três mi-
nutos eu vou encarar uma platéia mundial de bilhões de pessoas,
e, depois de tudo isso que você informou, continuo sem nada novo
para falar.
Martelli lembrou-o do relatório sobre o padre. Masterson
nem respondeu.
No outro lado do estúdio, Antônio Almeida estava com Jean-
Baptiste.
— Este telegrama acabou de chegar — informou o padre. —
É do papa.
Antonio pegou o pedaço de papel amarelo, leu-o, e um sor-
riso passou por seu rosto.
— Lembra-se de que falei para você que muitos foram cha-
mados? Esse papa — disse Almeida batendo os dedos no telegra-
ma — ouviu. Ele não interferiu, não usou seu poder na igreja para
ferir a mim ou a você. Ele mandou as estações de rádio e de tele-
visão do Vaticano exibirem este programa e, por intermédio de seus
bispos, recomendou que todos os católicos o assistissem.
— Parece ser um selo de aprovação não oficial — comentou
Jean-Baptiste. — Ele provavelmente não podia dar um aval de-
clarado, porque com isso ele desencadearia uma guerra dentro
da igreja.
— Antes que a noite acabe, você vai saber de uma outra pes-
soa que também foi chamada. Hoje à noite ele terá a última opor-
tunidade de ouvir a voz que falou para sua alma — disse Almei-
da apontando para Masterson no outro lado do estúdio.
Jean-Baptiste se surpreendeu, e Antônio pôs um dedo nos lá-
bios pedindo para o padre ficar calado, ouvir e esperar.
Bill Hanley, plantado na frente de quinze monitores de tele-
visão, viu o relógio digital avisar que faltavam três minutos.
Em três minutos a rede de televisão CCM estaria formada, le-
vando as imagens que ele selecionava do Estúdio 7, em Louisvil-
le, Kentucky, para o mundo.
Em três minutos, os espíritos encarnados neste planeta iriam
decidir se eles tinham diante de si um messias ou um louco.
Hanley apertou o botão e falou ao microfone à sua frente:
— Srs. Masterson e Almeida, tomem seus lugares. Entrare-
mos no ar em dois minutos.
Sua voz inflamou o já estratosférico grau de tensão e anteci-
pação que enchia o estúdio.
Os dois ainda não tinham se encontrado. Masterson, andan-
do em direção à sua cadeira à esquerda de Almeida, avaliou o jo-
vem. Chegando juntos ao centro do palco, Bob olhou nos olhos
de Almeida e confessou:
— Não fiz nada durante as últimas duas semanas a não ser ten-
tar decifrá-lo, e sinto que não estou mais perto da verdade do que
estava quando comecei.
Almeida estendeu a mão para Masterson, que também ofe-
receu a sua, acrescentando:
— Bem-vindo a Louisville. Acredito que teremos uma noi-
te interessante pela frente.
Almeida retornou o sorriso de Masterson sem dizer nada.
Masterson estava impecavelmente vestido num terno azul-ma-
rinho, camisa azul-clara e gravata de seda vermelha. Ele parecia
como sempre pareceu: um homem que falava com Deus durante
a noite e com banqueiros de Wall Street e políticos durante o dia.
Almeida, por outro lado, parecia um hippie moderno: calça
bege, camisa azul de jeans e sapatos de camurça marrom-claros.
Antes de sentar, ele passou as mãos em seus cabelos escuros, numa
tentativa frustrada de deixá-los alinhados. Antônio, certamente,
não parecia que falava com políticos ou banqueiros, e, sendo vin-
te anos mais moço do que Masterson, também não parecia o tipo
que passava suas noites falando com Deus.
Da sala de controle no andar superior, Hanley calmamente
avisou Masterson, Almeida e todos no Estúdio 7 que dentro de trin-
ta segundos estariam no ar, com um público estimado em oito bi-
lhões de pessoas.
VINTE SEGUNDOS: Masterson revisou seus comentários de
abertura.
QUINZE SEGUNDOS: Bob, olhando para Almeida, pensou:
"Como é que esse cara pode ser quem dizem que é? Ele parece
um voluntário do Greenpeace que acabou de voltar da Austrália."
DEZ SEGUNDOS: Masterson se endireita na cadeira, olha para
a câmera 3 e veste seu tão bem ensaiado e tão eficiente sorriso de
televisão.
CINCO SEGUNDOS: Um locutor anuncia:
— E agora, senhoras e senhores, direto do Estúdio 7 da CCM,
em Louisville, Kentucky, com vocês... Bob Masterson.
O tom da locução era casual, assim como Bob Masterson,
que, sorrindo para a câmera, abriu o programa:
— Olá. Alguns de vocês já me conhecem, e, para aqueles
que não, gostaria de me apresentar: meu nome é Bob Masterson.
Mais de trinta anos atrás, Deus falou comigo e me mandou espa-
lhar a sua palavra e a de seu filho Jesus. Com sua ajuda eu criei a
Cruzada Cristã Mundial, CCM. Sou seu fundador e presidente.
Também apresento o Clube de Cristo um programa evangélico de
entrevistas, exibido diariamente em nossa rede CCM. Acabaram
de me informar que nosso sinal está sendo visto em todo o mun-
do, nos Estados Unidos, Canadá, Europa, África, Ásia, China,
Rússia, América do Sul e Austrália. Então, para vocês que estão
vendo a CCM pela primeira vez, dou-lhes as minhas boas-vindas
e meus agradecimentos.
O tele-evangélico virou-se para a câmera 4, que ele sabia
estar focalizando de perto seu rosto. Com austeridade na voz,
anunciou:
— Dentro de alguns instantes vou apresentar-lhes o Sr. An-
tônio Almeida, do Brasil. Nestes últimos dias, todos nós ouvimos
falar muito dele. Algumas pessoas estão proclamando que ele é o
Cristo que voltou. — Masterson parou por um segundo e acres-
centou: — É o que veremos. Porém todos sabemos que, quando
ele fala, todos entendem, e não importa a língua que a pessoa fala.
Esse fenômeno está sendo chamado de "milagre da língua". —
Novamente ele parou para respirar, depois acrescentou: — Nós va-
mos ver isso também.
Por meio de um pequeno fone de ouvido, Masterson pôde
ouvir as palavras de encorajamento de Mary Fried nos bastidores:
— Até aqui, tudo bem. Continue pegando leve.
Masterson deu um leve sorriso, enquanto continuava a con-
versar com o mundo.
— Poucos dias atrás, antes de explodir toda esta onda em
torno do Sr. Almeida, eu decidi entrar em contato com ele. E
convidei-o para vir aqui a fim de que pudéssemos descobrir mais
sobre ele. Ele é mesmo o que algumas pessoas estão dizendo? Ou
ele é, conforme a Bíblia preveniu, um dos falsos profetas que vi-
riam nos dias finais para espalhar falsidades e mentiras?
Masterson colocou na mesinha à sua frente as fichas que
estava lendo. Então olhou para Antônio e, com um sorriso lar-
go, declarou:
— Mas acho que a melhor maneira de começar o programa
é simplesmente fazer a pergunta que está na boca do mundo in-
teiro: "Como você faz aquilo? Como você pode falar e ser enten-
dido por todo mundo?"
O auditório lotado, em sua maior parte por freqüentadores as-
síduos de Masterson, aplaudiu a pergunta. Antônio ignorou o au-
ditório e olhou para a câmera 2, que Hanley explicara que seria
sua câmera principal.
— Não se preocupe com nada — informara Hanley durante
a viagem para Louisville. — Garanto que jamais darei um enqua-
dramento de câmera ruim.
Almeida, seu rosto enchendo as telas de televisão ao redor do
mundo, declarou simplesmente:
— Eu não faço nada.
Masterson esperava mais. O mundo também.
Masterson fez um sinal com a cabeça, tentando arrancar algo
mais de Almeida.
Antônio apenas olhou para a platéia e repetiu:
— Eu não faço nada.
Bob Masterson esticou a mão, tocando no braço de Almei-
da, e afirmou que aquela resposta não era suficiente.
— Você acha que pode se livrar dessa simplesmente dizendo
"Eu não faço nada"? Sua habilidade de ser entendido por todos no
planeta conquistou nossa imaginação. Sua habilidade tocou nos-
sas esperanças e ao mesmo tempo, também, mexeu com nossos me-
dos. Veja bem, Antônio, você é um homem de vinte e nove anos
de idade, de quem até alguns dias ninguém ouvira falar antes. Do-
mingo passado, um padre qualquer do Harlem falou para o mun-
do que você é Jesus Cristo, e poucas horas depois você dá uma en-
trevista e o mundo inteiro entende toda e qualquer palavra de
sua boca. Você não pode se livrar com um simples "Eu não faço,
nada". Desculpe, mas isso não vai colar!
Masterson estava no ataque, pressionando um Almeida apa-
rentemente evasivo.
??Q
Em seu fone de ouvido, Bob ouviu Mary dizer que ele estava
marcando gois.
Mas ele não contava com uma coisa: Antônio não viajara oito
mil quilômetros para debater com Masterson. Ele veio para reve-
lar ao mundo, de um único lugar e de uma única vez, quem ele era
e por que estava na Terra. Almeida não iria entrar no jogo de
Masterson, e em pouco tempo o evangélico iria descobrir isso.
— Sua pergunta implica que uso mágica ou algum poder si-
nistro. Seu tom de voz implica que eu altero o curso natural das
coisas. Na verdade, é o contrário: eu uso a lei natural. Portanto,
eu não faço nada; o universo faz tudo.
Antes que Masterson pudesse interromper, Almeida levan-
tou sua mão, cortando o tele-evangélico. O jovem pregador con-
tinuou explicando o que queria dizer "nada".
— Do outro lado do véu que vocês chamam "vida" há uma
outra "vida", e essa vida é o mundo espiritual, que é o lar natural
de vocês, é de onde todos nós viemos. Nesse mundo não há fala,
nem palavras, nem vocabulário. Os espíritos se comunicam por meio
de vibrações de pensamento.
— Mas na vibração terrestre vocês estão encarnados em cor-
pos físicos que têm uma mente, e essa mente precisa de palavras ou símbolos para se comunicar. Além disso, a mente é uma ferra-
menta da personalidade terrestre. Portanto eu não falo para suas
mentes, falo para o espírito eterno, dando um curto-circuito na per-
sonalidade" encarnada.
— Agora voces sabem por que todos me entendem. Pensem
por um segundo nisto. Não é uma prova inegável que somos um?
De que somos todos iguais, apesar de todas as nossas diferenças ex-
ternas? Não é esta a prova de que vocês fazem parte de alguma coi-
sa muito maior do que vocês?
— Eu falo a lingua universal. E uso essa língua para ensinar
a verdade universal. Eu vim para mostrar essa verdade a vocês.
Como eu disse, é realmente muito simples: eu não faço nada.
De sua posição nos bastidores, Mary Fried sussurrou ao micro-
fone que levava sua voz para o aparelhinho quase invisível no ou-
vido direito de Masterson:
— Pergunte como podemos saber que não é um truque. Per-
gunte como podemos ter certeza de que ele não é Satanás. Como
podemos ter certeza de que ele não é um anticristo. Faça essas
perguntas, Bob! Marque um gol!
Enquanto Masterson sutilmente balançava sua cabeça de-
monstrando que entendera as instruções, Hanley por sua vez
percebeu um discreto sinal de Almeida e cortou para uma camera mostrando Almeida retirando o aparelho da orelha direi-
ta de Masterson.
— Eu não acho que vamos precisar de perguntas quem vêm
dos bastidores, Sr. Masterson. Mas vou responder à pergunta —
disse ele apontando para o pequeno fone de ouvido — antes mes-
mo de você perguntar.
Um embaraçado Bob Masterson ficou estático enquanto An-
tônio repetia palavra por palavra a pergunta feita por Mary Fried.
— Não há truques, não faço feitiços nem crio ilusões. Podem
ter certeza de que não sou um falso profeta nem um anticristo. Leia
sua Bíblia de novo, Sr. Masterson, porque não, usei essa Bíblia
para lucros ou ganhos pessoais. E nunca usei as palavras daquele
livro para assustar, enganar ou manipular pessoas. Para dizer a ver-
dade, eu fiz o oposto. Eu disse inúmeras vezes: "Acreditem e con-
fiem em vocês mesmos". Eu imagino — ele parou e olhou direta-
mente para Masterson — que isso deve irritar algumas pessoas. E,
como você está tão determinado a me associar a ele, vou falar um
pouco desse tal anticristo.
Ignorando Masterson, que estava confuso e sem rumo, o jo-
vem pregador falou apaixonadamente para as cameras de televisão:
— O anticristo é tudo que Cristo não é. Quandovocê_vive
no ódio, ao invés de viver no amor, você está adorando e alimentando o anticristo. Quando você é tentado pelo mundo ao
seu redor: sua riqueza, seu poder, seu status... você caminha com
o anticristo.
— O anticristo não é uma pessoa ou um indivíduo. O anti-
cristo é o mundo material; Cristo é o mundo espiritual. Cristo é
a verdade; o mundo material é a ilusão. Quando vocês entende-
rem isso, estarão no caminho para descobrir quem vocês realmen-
te são. O anticristo existe por causa disso. É impossível comparar
verdade com verdade. Você só pode comparar a verdade com a men-
tira. A riqueza o poder e as ilusões de seu mundo material exis-
tem para que vocês tenham as opções para escolher.
Almeida virou-se para Masterson, devolveu-lhe o fone de
ouvido e, olhando por cima dos ombros do evangélico em dire-
ção aos bastidores, avisou que aceitava perguntas de onde vies-
sem, mas achava que a platéia tinha o direito de saber o que es-
tava acontecendo. Então, olhando diretamente para Masterson,
avisou:
— Eu sei muito bem por que fui convidado esta noite. Você
queria que eu caísse em sua armadilha. Isso não vai acontecer,
porque desta vez será diferente daquela outra.
Masterson nervosamente pôs o aparelhinho no lugar e rapi-
damente acrescentou que ele também estava procurando a verda-
de. O evangélico veio com uma outra pergunta.
— Qual o seu relacionamento com Jean-Baptiste, o padre
católico que, no domingo passado, começou toda essa confusão ao
afirmar que você era a reencarnação de Jesus Cristo?
Almeida demorou para responder:
— Meu relacionamento com Jean-Baptiste é o mesmo que te-
nho com você e com todo mundo. A única diferença é que o padre ouviu só isso
Masterson achou melhor não levar o assunto adiante. Ele ti-
nha um pressentimento de que Almeida iria jogar as informações
de Martelli contra ele. Ele percebeu que errara ao subestimar aque-
le jovem, por isso decidiu fazer a grande pergunta:
— Então, se você não é o anticristo, quem é você? Você é Je-
sus que retornou? Domingo passado o padre Jean-Baptiste disse ao
mundo que você era. Ele estava certo?
Por alguns instantes, o mundo inteiro ficou em silêncio. Bi-
lhões de pessoas sentadas em frente a seus televisores aguardavam
esperançosamente a resposta.
No Japão, onde era de manhã e Almeida era ouvido em ja-
ponês, eles esperavam.
Na China, onde eles assistiam durante o café da manhã ou
no almoço, dependendo do fuso horário, velhos e jovens aguar-
davam sua resposta.
Na América do Norte, as cidades movimentadas estavam
quietas enquanto o povo assistia.
Na América do Sul, crianças, pais e avós esperavam.
Na África, dos vilarejos tribais até as cidades modernas,
pessoas olhavam umas para as outras e para as suas telas, saben-
do que dentro de poucos segundos suas vidas estariam mudadas
para sempre.
E, na Europa, nações e pessoas estavam unidas na espera.
A platéia em Louisville também estava silenciosa. Eles não
eram mais os fanáticos de Masterson. Eles eram seres humanos que,
com seus oito_bilhões de irmãos e irmãs, aguardavam a resposta
de Antônio Almeida.
Os segundos passavam lentamente. As câmeras de Bill Han-
ley focalizavam Almeida. Ele estava pronto. Ele sorriu e falou:
— É claro que esta não é a primeira vez que essa pergunta é
feita. Até agora tenho respondido "Eu sou quem vocês pensam que
sou". E é verdade. Se as pessoas pensam que sou Jesus, então eu
sou. Se alguém me vê como Buda, Moisés ou Krishna, então eu
sou. Para o Sr. Masterson — ele deu um largo sorriso olhando na
direção do evangélico — eu era até o anticristo.
Em um gesto calculado, Almeida olhou diretamente na len-
te da câmera e para o mundo. Do outro lado da lente, o mundo
olhava de volta para ele.
— Eu não posso, e não quero, controlar o que acontece em
seus corações ou mentes. Não vou me aproveitar de seus medos,
ansiedades e inseguranças para manipular suas emoções e suas vi-
das. Estou aqui para liberar vocês dos medos, ansiedades e inse-
guranças. Eu vim para devolver vocês a vocês mesmos.
Almeida piscou para a câmera. Ele sabia o que estava acon-
tecendo nos lares, fábricas e escritórios no mundo. Ele sabia que
as pessoas estavam dizendo "Ele ainda não respondeu à pergun-
ta". Almeida pediu paciência, prometendo que contaria a eles
quem exatamente ele era.
— Mas primeiro tenho que esclarecer algumas coisas.
A platéia do estudio suspirava na expectativa. Oito bilhões
de almas espalhadas na vibração terrestre estavam presas a cada
palavra.
— Para começo de conversa, Jesus é o mais perfeito espirito
da luz. Ele encarnou na Terra para mostrar o caminho. Ele viveu
entre os homens desta vibração para dar um exemplo. Ele é o
Grande Mestre e encarnou como homem para mostrar ao homem
como viver como homem. Ele era, verdadeiramente, o Filho do
Homem, mostrando que era possível superar todas as tentações,
vaidades e vibrações negativas do plano terrestre.
— Mas ele não foi um juiz. Ele mesmo disse: "Eu não vim para
julgar o mundo, mas para salvar o mundo". Ele veio para mostrar
a vocês o caminho de casa
— Ele não morreu pelos pecados do homem, porque não_há
pecados, apenas dívidas cármicas, e ninguém pode pagar essas dí-
vidas por vocês.
— Finalmente, Jesus foi o maior médium que já existiu. Ele
viveu completamente em dois mundos diferentes: encarnado na
Terra e na mais leve e mais altã vibração do mundo espiritual. Ele
era uma ponte entre esses dois mundos. Como acham que ele fez
todos aqueles peixes caírem na rede? — acrescentou brincando.
Masterson levantou sua mão e ousadamente explicou a Al-
meida que na Bíblia Jesus especificamente disse que ele era o ca-
minho e que só aqueles que o seguissem encontrariam a vida eter-
na e a salvação.
Antônio deu um tapinha na mão de Masterson, como um
professor confortando um aluno com dificuldade. Ele perguntou
a Masterson se ele conhecia alguém que verdadeiramente seguia
o que Jesus ensinava.
— Jesus disse aos espíritos terrestres para se libertarem de si
mesmos, de suas ilusões, desejos e necessidades. E que, quando
conseguissem isso, eles seriam salvos de si mesmos. Esse é o cami-
nho do qual Jesus falou, e é isso que venho dizendo: não ouça o
externo, ouça o interno. Sigam Cristo e não o mundo de glamour
ao seu redor. Quando ele proclamou "Eu sou o caminho", ele es-
tava convocando os espíritos encarnados a seguirem seu exemplo
e não a seguirem o mundo.
Almeida olhou incisivamente para Masterson, arremessando
suas palavras no tele-evangélico.
— Mas ele nunca falou "Atirem-se no chão, aceitem-me
como seu salvador pessoal e tudo ficará bem". Ele nunca ensinou
isso porque a salvação não é tão fácil assim. A salvação requer mais
do que palavras, mais do que orações e mais do que rituais elabo-
rados. O desenvolvimento do espírito vem por meio de ações,
pensamentos e realizações. E — enfatizou — ele nunca pregou que
aqueles que não acreditavam nele seriam punidos eternamente.
Isso eu posso garantir.
Um Masterson sarcástico, tentando se recuperar, lembrou
Almeida que ele ainda não tinha respondido à pergunta "Quem é você:
Pelo aparelhinho, Mary parabenizou o evangélico:
— Você está dando a volta por cima!
Masterson ignorou-a.
Uma voz na platéia gritou:
— É isso mesmo, Almeida! Diga. Nós merecemos saber. O
mundo inteiro está esperando.
Aquele espectador resumiu tudo que a platéia e o mundo
queriam dizer.
Antônio percebeu a frustração e disse que eles iriam saber
quem ele era.
— Só que, em vez de falar, eu vou mostrar.
"Eles estão prontos", pensou Almeida.
Ele se levantou da cadeira e caminhou para o auditório. Ele
antecipara a Hanley tudo que iria acontecer, por isso o diretor es-
tava com suas cameras a postos. Em sua cadeira, Bob Masterson
observava apreensivamente enquanto Almeida, no centro do pal-
co, conversava com o auditório:
— Eu falei que Jesus era um médium, uma espécie de ponte
entre a vibração terrestre e todas as vibrações e freqüências da
criação. Bem, eu também sou. Eu também ando entre este e to-
dos os níveis de vibração. Eu vou usar esta habilidade para mos-
trar a vocês exatamente quem sou.
Almeida apontou para o fundo do palco. Ele fez questão de
lembrar que estavam no estúdio de Bob Masterson, usando os re-
cursos de Bob Masterson.
— Eu acho que ninguém o acusaria de estar me ajudando,
não é, Bob?
Masterson riu. O auditório também. Antônio pediu ao mun-
do inteiro para prestar atenção no que iria acontecer.
— Eu falei da luz mais pura e da vibração mais alta. Não pos-
so mostrar para vocês essa luz em sua forma mais pura, porque
seus sentidos humanos ficariam sobrecarregados. Mas o que vocês
vão ver dará alguma idéia dabeleza e da harmonia que está ao seu
redor. Vou dar a vocês uma amostra do que os espera quando vo-
cês passarem para o outro lado.
Um redemoinho de cores cercou o jovem e lentamente as
cores se misturaram numa pulsante aura branca de energia pura.
— Eu sou quem vocês pensam que sou — declarou ele, en-
quanto uma parte da aura branca lentamente se separou do todo.
— Eu sou o Buda do Oriente, que veio para mostrar o caminho
da luz e da verdade interior. Assim como Jesus, eu ensinei a este
mundo as lições do carma e da reencarnação.
O campo de energia ganhou a forma real e tridimensional de
um jovem e sorridente Buda.
— Eu sou quem vocês pensam que sou — declarou nova-
mente Antônio, enquanto uma outra parte do glorioso campo de
força branco se separou e tomou um lugar ao lado de Buda. — Eu
sou_Moisés, que trouxe para esta vibração terrestre os dez esclare-
cimentos de Deus. Os espíritos que ensinei estavam começando
seu processo de evolução. Eles necessitavam de orientações estri-
tas para achar seu caminho.
Moisés, com uma barba branca ondulante, emergiu da inten-
sa nuvem branca de ectoplasma.
— Eu sou quem vocês pensam que sou — repetiu Almeida en-
quanto o deus hindu Krishna aparecia de uma outra bola de luz.
— Eu encarnei para mostrar a harmonia e a beleza da criação. Eu
também ensinei a procurar a força divina que está dentro de cada
um de vocês.
Ao redor do mundo as pessoas assistiam em silêncio às transfigurações manifestadas em suas telas de televisão. Instintivamen-
te todos sabiam que o que estavam vendo era verdade e que An-
tônio Almeida era tudo que eles pensavam, e muito mais.
No Estúdio 7, os olhos de Bob Masterson encheram-se de lá-
grimas. Ele também sabia que as manifestações eram reais e sabia
que Antônio era mesmo Jesus retornado.
— Eu sou quem vocês pensam que sou. — O familiar refrão
de Almeida foi ouvido novamente. Um jovem de pele morena
emergiu do mais novo campo de energia. — Eu sou Maomé e sei
como minhas palavras têm sido mal usadas e mal compreendidas.
A Guerra Santa do Corão não é uma guerra de nação contra na-
ção, mas é uma guerra interna da alma, uma guerra da luz con-
tra o mundo.
— Eu sou quem vocês pensam que sou — proferiu Antônio
pela última vez, enquanto um homem de cabelos castanhos e com-
pridos vestido com um manto branco apareceu do último campo
do ectoplasma brilhante. — Eu sou Jesus. Eu voltei para esclare-
cer o que está tão mal entendido. Eu voltei para ensinar a vocês
novamente que somos um com o outro, porque todos nós somos
filhos de Deus.
As câmeras de TV agora mostravam os cinco campos distin-
tos de energia voltando para a aura branca que pulsava cercando
o corpo de Antônio Almeida. Mais uma vez o redemoinho de co-
res vibrantes e vivas circulou ao redor dele. Quando as cores se des-
vaneceram, Almeida sorriu e disse:
— Aposto que nem Houdini poderia fazer melhor que isso.
Não houve resposta da platéia.
Bob Masterson foi o primeiro a falar:
— Eu nunca vi nada igual em toda a minha vida. Eu posso
garantir que o que aconteceu aqui foi real. Nenhuma projeção
dos bastidores, espelhos ou efeitos eletrônicos especiais foram usa-
dos. Eu estava sentado a apenas alguns metros de distância e eu
sei o que vi.
Antônio, agora sentado, explicou que havia muito mais do
que haviam visto.
— Vocês viram cinco luzes Cada uma encarnou nesta terra
em épocas diferentes e cada uma foi enviada para ensinar culturas díferentes. Pensem sobre isso e vocês entenderão que de onde
viemos não existe religião. Religião não significa nada no outro
fado do véu que vocês chamam de morte. E, na Nova Era que
vem vindo, religião não significará nada na Terra.
— Não haverá nenhum judeu, nenhum católico, nenhum pro-
testante, nenhum muçulmano, nenhum hindu, nenhum budista.
Nenhum cristão. Os rótulos que hoje dividem vocês, derreterão.
De repente, o som de três tiros irrompeu do auditório. Na
platéia, Phil Martelli estava em pé, empunhando uma pistola
semi-automática. Três balas partiram em direção a seu alvo: An-
tônio Almeida.
Tudo aconteceu numa fração de segundo: primeiro o som dos
tiros, o grito da platéia. Depois, num curtíssimo espaço de tempo,
silêncio. E assombro. As três balas estavam paradas, suspensas no
ar e no tempo, a alguns centímetros de Antônio.
Masterson, boquiaberto, estava tomado de incredulidade.
— Meu Deus, o que está acontecendo aqui? — E, olhando para
Almeida, ele gritou: — Eu não tive nada a ver com isso, juro por
tudo que é sagrado.
O jovem pregador, seu corpo apenas alguns centímetros na
frente das três balas, calmamente disse a Masterson que acreditava
nele. E, olhando para os três pequenos mísseis, ele sorriu e debochou:
— Ainda nãojestá na hora. Tenho mais coisas para falar.
— É um milagre! — gritou alguém do auditório.
Um coral de améns e aleluias emergiu da platéia. Antônio
esperou o público se acalmar. Ainda em pé, em frente às três ba-
las, ele explicou que o que tinha acontecido não era realmente
um milagre.
— Milagres não podem ser explicados. Isto aqui eu posso ex-
plicar. Mas, antes, eu tenho uma pergunta para o pistoleiro.
Phil Martelli já estava preso no chão pelos seguranças da
CCM. Antônio pediu aos três agentes robustos para deixá-lo ir.
— Ele não vai a lugar algum — acrescentou.
Um Martelli atordoado, em pé e cercado pelos seguranças, es-
perou pela pergunta de Almeida.
— Por quê? — foi tudo que Antônio falou.
Hanley tinha suas câmeras concentradas tanto em Martelli
como em Almeida. Ele agora focalizava bem de perto o rosto de
Martelli. Seus olhos varreram o chão enquanto sua voz tremia de
medo quando ele começou a responder.
— Estou pensando em fazer isso desde o dia em que Master-
son mostrou sua fita para nós. Não havia nenhum outro jeito, eu
não tinha escolha. Com você por aí, não haveria lugar e razão
para tudo isto, para mim, para a CCM. Nós nos tornaríamos inú-
teis. A organização não conseguiria sobreviver se as pessoas acre-
ditassem em você. Por que eles mandariam doações para manter
toda esta operação em pé? Por que se importariam com o que Bob
Masterson tinha para dizer se o artigo real e genuíno estava por
aqui? Não iríamos agüentar nem por seis meses. Eu sei, eu sou o
diretor financeiro. Eu tentei matar você para salvar este lugar.
Hanley mudou o foco para Bob Masterson, que sentado res-
pondeu a Martelli:
— Phil, eu também sei disso. Mas... eu sonhei com este ho-
mem — confessou. — Naqueles sonhos eu fiquei sabendo quem
ele era, mas eu ignorei. Eu entrei na de Mary, achando que pode-
ríamos driblá-lo. Mas não dava. — Ele sorriu e, olhando para Al-
meida, acrescentou: — Você não pode driblar a verdade. Ela tem
o hábito de vir à tona mais cedo ou mais tarde.
As três balas permaneciam suspensas na frente de Almeida,
que tinha Masterson à sua esquerda e Martelli à sua direita. Até
aquele momento ele ficou ouvindo Martelli e Masterson sem in-
terromper. Então ele falou, não para Martelli, nem para Master-
son, mas para o mundo:
— Meda Foi por causa do medo que este homem disparou
os tiros. Medo de perder o que tinha, medo de perder seu empre-
go, seu status. Medo de perder dinheiro.
Almeida suspirou e, pela primeira vez, denotou-se cansaço
em sua voz.
— Foram feitas algumas citações bíblicas esta noite — lem-
brou ele, olhando para Masterson. — Eu gostaria de fazer algumas
também. Afinal eu tenho algum conhecimento do que está na
Bíblia, especialmente o Novo Testamento — brincou. — Lembram
quando falei que é mais fácil um camelo passar pelo buraco de
uma agulha do que um homem rico entrar no céu? Todos acha-
ram que tenho alguma coisa contra o dinheiro.Bem, não há nada
errado com o dinheiro. O dinheiro evoluiu nesta vibração porque
as pessoas tiveram que fixar valores nas coisas.
- Não há nada de errado com isso. Como não há nada de
errado com um carro de luxo, férias no Caribe ou roupas caras. Nada
de errado mesmo. O que causa o espírito são os apegos. Os espíritos encarnados ficam tão presos à riqueza, ao status
ou ao poder que seu Deus é o material não o espiritual. Ê por cau-
sa disso que um homem apegado às coisas materiais não pode ir
para uma vibração mais alta. Ao final das contas, ele se acorren-
tou a si mesmo, incapaz de ir para a frente e incapaz de desenvol-
ver seu espírito.
Almeida caminhou em direção a Martelli. Ele fez um sinal para
que os três seguranças que seguravam o diretor financeiro da CCM
se afastassem.
— Meu irmão — disse Almeida, tocando gentilmente o bra-
ço do homem —, você foi levado ao assassinato por causa de seu
apego ao trabalho, ao status e ao dinheiro. Você está disposto a
acabar com a minha vida por causa de suas correntes.
Martelli não disse nada, mas olhava desafiadoramente nos
olhos do jovem pregador brasileiro. Antônio ignorou-o e caminhou
até Masterson.
— O Sr. Masterson fundou a CCM trinta anos atrás. Seu ob-
jetivo não era espalhar a palavra de Deus. O Sr. Masterson que-
ria fama, poder e dinheiro. Ele me convidou esta noite para me
destruir. Ele gravou secretamente minhas pregações no Brasil e man-
dou o Sr. Martelli e — pegando o aparelho de ouvido novamen-
te — a Srta. Fried fuçarem a minha vida, tentando achar um jei-
to de me sujar.
Masterson, com a cabeça baixa, resmungou, concordando.
— Ele também — Almeida apontou para Masterson — es-
tava apegado. Não só ao dinheiro, não só à fama, mas aos sonhos
do poder. Ele queria ser uma eminência parda em nível mun-
dial, e sua ambição propulsionou a ambição da Srta. Fried e do
Sr. Martelli.
Uma voz vinda da platéia gritou alguma coisa sobre as balas,
lembrando Almeida que ele havia prometido uma explicação so-
bre o tal milagre.
— Poucos minutos atrás, três balas foram disparadas da pis-
tola semi-automática de Martelli contra mim. Todo mundo, no
auditório e em casa, ouviu o som dos tiros. De repente, como se
congeladas no espaço, as três balas pararam. Elas ainda estão sus-
pensas, para todos verem.
— Tudo tem a ver com o tempo — continuou ele, casualmen-
te. — Na Terra vocês estão acostumados a ver o tempo como uma
linha reta, com vocês no meio dessa linha e os acontecimentos ocor-
rendo antes e depois.
Almeida desenhou um círculo no ar e pediu à platéia para ima-
ginar o tempo como um círculo, ao invés de uma linha.
— Agora, coloquem-se no centro do círculo do tempo: acon-
tecimentos ocorrem ao redor de vocês, todos ao mesmo tempo. É
diferente de uma linha, onde as coisas acontecem em seqüência.
— No círculo do tempo, nada vem antes e nada vem depois.
É assim que o tempo realmente é. Não há nada antes e nada de-
pois. É tudo igual.
Bob Masterson, olhando para as balas, confessou que não ti-
nha entendido.
— Eu sei que é difícil acompanhar — respondeu Antônio —,
mas é assim mesmo. Não se esqueçam de que também sou um mé-
dium. Eu vivo em todas as dimensões. Eu simplesmente mudeiji
maneira como vocês viram a minha morte dentro do círculo do
tempo. Eu alterei um ponto de referência, mas não mudei a con-
seqüência. A morte virá em breve.
A platéia chocada ficou apreensiva, com todos esperando
pelo que o jovem pregador diria em seguida.
Almeida, posicionado entre Martelli e Masterson, estava pa-
rado na frente das três balas. Pelo que parecia uma eternidade, An-
tônio olhou para os dois homens. Finalmente, ele perguntou a
Masterson:
— Quem você acha que sou?
— Eu não acho. Eu sei — foi a resposta de Masterson. —
Você é quem você diz que é. Estou feliz que tenha podido usar es-
tes estúdios e satélites para conversar com o mundo. Por todos es-
ses anos, eu realmente fui um manipulador inescrupuloso, usan-
do e distorcendo a religião para ganhar dinheiro e poder.
Masterson continuou, dizendo que Martelli estava certo, que
toda a organização provavelmente iria fechar e que, de qualquer
maneira, não havia mais necessidade da CCM.
Almeida olhou para Masterson explicando que nada aconte-
cia por acaso ou por acidente.
— Estava previsto que você teria este canal, que você con-
seguiria todos esses recursos. Se isso não fosse verdade, não teria
acontecido.
O tele-evangélico olhou longa e duramente para o jovem.
— O que você quer de mim?
Deixando Masterson de lado por um momento, Almeida vi-
rou-se para Martelli e também perguntou quem ele pensava que
Almeida era. Martelli respondeu com amargura:
— Você é um bruxo, uma fraude, provavelmente o próprio de-
mônio. Não acreditem numa palavra do que ele diz — gritou ele
para o mundo.
Almeida voltou sua atenção para Masterson.
— As fitas — Almeida lembrou Masterson. — Exiba as fitas
que Bill Hanley editou. Mostre-as várias vezes. Eu dei outras fitas
a ele; algumas que eu mesmo fiz. Elas falam da vida, da morte, de
escolhas e decisões que vocês, nesta esfera, encaram dia e noite.
Ele sabe o que fazer. Faça cópias dessas fitas e ofereça-as para quem
as quiser. Desta vez meu testamento não será escrito por outros,
porque foi falado por mim mesmo.
O mensageiro disse ao mundo que seu tempo nesta vibração
estava terminando.
— Haverá grandes mudanças nos próximos anos. A Terra
progrediu e não será mais um mundo de sofrimentos e expiações.
Ela está se preparando para se tornar um mundo de uma vibração
mais alta.
— E claro que nem todos que vivem aqui agora estarão sin-
tonizados com a nova vibração. Mas há outros lugares na criação
para onde eles podem ir, porque há um lugar para todos na man-
são de meu pai. A Terra vai mudar fisicamente também, porque
não terá que sustentar tanta gente.
Masterson interveio:
— Fogo, enchentes, terremotos... o quê?
— Não se preocupem com isso, porque no final das contas
você e cada espírito desta vibração retornará ao criador. Isso é
tão certo quanto o nascer do sol de amanhã. E o plano. É assim
que deve ser.
Bill Hanley, da sala de controle, não se conteve e perguntou
a Almeida:
— Por que você tem que morrer agora, quando o mundo fi-
nalmente sabe quem você é? Você não pode ficar mais um pouco?
— Eu preciso morrer pela mesma razão que morri da última
vez. Eu tenho que mostrar a vocês, e desta vez será gravado, que
não existe essa coisa chamada morte, porque vou conquistar a
morte na frente do mundo todo.
Dito isso, as três balas, que até aquele momento estavam pa-
radas no ar, retomaram sua veloz trajetória em direção a seu alvo.
Uma delas atravessou o lado esquerdo de seu corpo, outra pene-
trou no lado direito e a terceira cortou o plexo solar.
O corpo despencou no chão do estúdio, o sangue escorrendo
livremente. Entretanto Almeida continuava ali em pé, exatamen-
te no mesmo lugar em que seu corpo jazia morto.
— Esse foi meu corpo e esse foi meu sangue. Eu sou o espíri-
to. Eu vivo. Vocês também. Para todo o sempre, uma vida sem fim.
Peguem meu corpo físico e queimem-no. Ele não significa nada.
Guardem na memória este corpo, meu corpo místico, porque ele
é aquele que vive para sempre.
Enquanto o corpo espiritual lentamente desaparecia para uma
outra dimensão, sua voz lembrava ao mundo:
— Isto que vocês estão vendo agora acontece todos os dias.
É chamado morte: a passagem desta vida para a outra. E há tam-
bém uma outra passagem que acontece todos os dias, chamada
nascimento. Os dois são um e iguais. Vivam suas vidas na Terra
com isso em suas mentes.
Bob Masterson instruiu sua equipe para exibir e reexibir o
programa a noite inteira em rodízio com as três fitas de Hanley.
No Brasil, Almeida tinha dado a Hanley inúmeras outras fitas
que ele mesmo tinha feito. Estas também foram passados duran-
te os dias e noites seguintes.
O padre Jean-Baptiste foi chamado para o Vaticano, onde
ele, juntamente com o papa João XXIV, trabalhou com líderes re-
ligiosos do mundo inteiro com o objetivo de, no prazo de um ano,
unir todas as seitas, religiões, credos e fés da Terra numa só.
Mary Fried deixou a CCM, mas ela não tinha para onde ir. Sua
habilidade em "dividir e conquistar" foi ficando cada vez menos
requisitada à medida que os meses passavam. Líderes e partidos po-
líticos pareciam estar menos interessados em ser reeleitos e mais
interessados em resolver os problemas da fome, educação e direi-
tos humanos.
Bill Hanley permaneceu com a CCM, que passou a chamar-se
RTNE - Rede de Televisão da Nova Era. Ele produzia e dirigia pro-
gramas de televisão que tratavam da nova espiritualidade que es-
tava tomando conta do mundo. Um de seus projetos favoritos foi
um filme sobre Antônio Almeida e seus quinze amigos brasileiros.
Phil Martelli, julgado e condenado pelo assassinato de Almei-
da, foi ironicamente um dos primeiros beneficiados da nova espi-
ritualidade. Os Estados Unidos suspenderam a pena de morte em
todo o território nacional. Martelli e outros ex-condenados do
corredor da morte estavam agora sob os cuidados de monges bu-
distas. Esses monges viviam na prisão com os presos. Sabendo que
"todos nós estamos ligados uns com os outros", os monges e auto-
ridades penitenciárias decidiram que era hora de tratar a alma de
um criminoso em vez de "trancá-lo e jogar as chaves fora".
Fernanda teve seu bebê, e Inês, com seu marido, continuou
cuidando de Paulo.
E Bob Masterson?
Bem, ele continuou fazendo sua especialidade: reunindo-se com
políticos e banqueiros de Wall Street. Mas a conversa agora era
outra. Ele estava tentando convencer esses políticos a derrubar to-
das as barreiras econômicas, sociais e culturais que existiam nos
Estados Unidos e em todos os países do mundo.
— Nós todos estamos vivendo juntos neste mundo — exor-
tava Bob.
Ele persuadia os banqueiros a encontrar caminhos para dis-
tribuir a riqueza do mundo de uma maneira mais justa.
— Falem com suas corporações. Digam-lhes que não vamos
precisar de um novo modelo de carro. Precisamos de estradas, de
escolas e empregos. A humanidade só poderá progredir quando to-
dos nós repartirmos as riquezas que este mundo tem para oferecer.
E realmente um só mundo.
E é claro que Masterson continuou com seu programa diário
de entrevistas, desta vez espalhando a mensagem de Antônio so-
bre responsabilidade pessoal, escolha e unidade.
A Nova Era havia chegado.
Olá, bons amigos:
Mais um livro espírita para todos!
Muita paz!
Bezerra
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