quarta-feira, 13 de julho de 2011

{clube-do-e-livro} LIVRO ANEXADO: Libertação- André Luiz - Chico Xavier(16)


Repassando:





















Resenha:

Ante as portas livres

 

       Ante as portas livres de acesso ao trabalho cristão e ao conhecimento salutar que André Luiz vai desvelando, recordamos prazerosamente a an­tiga lenda egípcia do peixinho vermelho.

       No centro de formoso jardim, havia grande lago, adornado de ladrilhos azul-turquesa.

       Alimentado por diminuto canal de pedra, es­coava suas águas, do outro lado, através de grade muito estreita.

       Nesse reduto acolhedor, vivia toda uma comu­nidade de peixes, a se refestelarem, nédios e satis­feitos, em complicadas locas, frescas e sombrias. Elegeram um dos concidadãos de barbatanas para os encargos de rei, e ali viviam, plenamente des­preocupados, entre a gula e a preguiça.

       Junto deles, porém, havia um peixinho verme­lho, menosprezado de todos.

       Não conseguia pescar a mais leve larva, nem refugiar-se nos nichos barrentos.

       Os outros, vorazes e gordalhudos, arrebatavam para si todas as formas larvárias e ocupavam, dis­plicentes, todos os lugares consagrados ao descanso.

       O peixinho vermelho que nadasse e sofresse. Por isso mesmo era visto, em correria constante, perseguido pela canícula ou atormentado de fome.

       Não encontrando pouso no vastíssimo domi­cilio, o pobrezinho não dispunha de tempo para muito lazer e começou a estudar com bastante interesse.

Fêz o inventário de todos os ladrilhos que enfeitavam as bordas do poço, arrolou todos os buracos nele existentes e sabia, com precisão, onde se reuniria maior massa de lama por ocasião de aguaceiros.

Depois de muito tempo, à custa de longas perquirições, encontrou a grade do escoadouro.

A frente da imprevista oportunidade de aven­tura benéfica, refletiu consigo:

— "Não será melhor pesquisar a vida e co­nhecer outros rumos?"

Optou pela mudança.

Apesar de macérrimo pela abstenção completa de qualquer conforto, perdeu várias escamas, com grande sofrimento, a fim de atravessar a passagem estreitíssima.

Pronunciando votos renovadores, avançou, oti­mista, pelo rego d'água, encantado com as novas paisagens, ricas de flores e sol que o defrontavam, e seguiu, embriagado de esperança ...

Em breve, alcançou grande rio e fêz inúmeros conhecimentos.

Encontrou peixes de muitas famílias diferen­tes, que com ele simpatizaram, Instruindo-o quanto aos percalços da marcha e descortinando-lhe mais fácil roteiro.

Embevecido, contemplou nas margens homens e animais, embarcações e pontes, palácios e veículos, cabanas e arvoredo.

Habituado com o pouco, vivia com extrema simplicidade, jamais perdendo a leveza e a agilidade naturais.

Conseguiu, desse modo, atingir o oceano, ébrio de novidade e sedento de estudo.

De Inicio, porém, fascinado pela paixão de observar, aproximou-se de uma baleia para quem toda a água do lago em que vivera não seria mais que diminuta ração; impressionado com o espetáculo, abeirou-se dela mais que devia e foi tragado com os elementos que lhe constituíam a primeira refeição diária.

Em apuros, o peixinho aflito orou ao Deus dos Peixes, rogando proteção no bojo do monstro e, não obstante as trevas em que pedia salvamento, sua prece foi ouvida, porque o valente cetáceo começou a soluçar e vomitou, restituindo-o às correntes ma­rinhas.

O pequeno viajante, agradecido e feliz, pro­curou companhias sim páticas e aprendeu a evitar os perigos e tentações.

Plenamente transformado em suas concepções do mundo, passou a reparar as infinitas riquezas da vida. Encontrou plantas luminosas, animais es­tranhos, estrelas móveis e flores diferentes no seio das águas. Sobretudo, descobriu a existência de muitos peixinhos, estudiosos e delgados tanto quan­to ele, junto dos quais se sentia maravilhosamente feliz.

Vivia, agora, sorridente e calmo, no Palácio de Coral que elegera, com centenas de amigos, para residência ditosa, quando, ao se referir ao seu co­meço laborioso, veio a saber que sômente no mar as criaturas aquáticas dispunham de mais sólida garantia, de vez que, quando o estio se fizesse mais arrasador, as águas de outra altitude conti­nuariam a correr para o oceano.

O peixinho pensou, pensou... e sentindo imen­sa compaixão daqueles com quem convivera na in­fância, deliberou consagrar-se à obra do progresso e salvação deles.

Não seria justo regressar e anunciar-lhes a verdade? não seria nobre ampará-los, prestando-lhes a tempo valiosas informações? Não hesitou.

Fortalecido pela generosidade de irmãos ben­feitores que com ele viviam no Palácio de Coral, empreendeu comprida viagem de volta.

Tornou ao rio, do rio dirigiu-se aos regatos e dos regatos se encaminhou para os canaizinhos que o conduziram ao primitivo lar.

Esbelto e satisfeito como sempre, pela vida de estudo e serviço a que se devotava, varou a grade e procurou, ansiosamente, os velhos companheiros.

Estimulado pela proeza de amor que efetuava, supôs que o seu regresso causasse surpresa e entu­siasmo gerais. Certo, a coletividade inteira lhe cele­braria o feito, mas depressa verificou que ninguém se mexia.

Todos os peixes continuavam pesados e ociosos, repimpados nos mesmos ninhos lodacentos, prote­gidos por flores de lótus, de onde saiam apenas para disputar larvas, moscas ou minhocas desprezíveis.

Gritou que voltara a casa, mas não houve quem lhe prestasse atenção, porqüanto ninguém, ali, ha­via dado pela ausência dele.

Ridicullzado, procurou, então, o rei de guelras enormes e comunicou-lhe a reveladora aventura.

O soberano, algo entorpecido pela mania de grandeza, reuniu o povo e permitiu que o mensageiro se explicasse.

O benfeitor desprezado, valendo-se do ensejo, esclareceu, com ênfase, que havia outro mundo liquido, glorioso e sem fim. Aquele poço era uma Insignificância que podia desaparecer, de momento para outro. Além do escoadouro próximo desdobra­vam-se outra vida e outra experiência. Lá fora, corriam regatos ornados de flores, rios caudalosos repletos de seres diferentes e, por fim, o mar, onde a vida aparece cada vez mais rica e mais surpreen­dente.

Descreveu o serviço de tainhas e salmões, de trutas e esqüalos. Deu notícias do peixe-lua, do peixe-coelho e do galo-do-mar. Contou que vira o céu repleto de astros sublimes e que descobrira árvores gigantescas, barcos imensos, cidades praiei­ras, monstros temíveis, jardins submersos, estrelas do oceano e ofereceu-se para conduzi-los ao Palácio de Coral, onde viveriam todos, prósperos e tran­quilos. Finalmente os informou de que semelhante felicidade, porém, tinha igualmente seu preço. De­veriam todos emagrecer, convenientemente, absten­do-se de devorar tanta larva e tanto verme nas locas escuras e aprendendo a trabalhar e estudar tanto quanto era necessário à venturosa jornada.

Assim que terminou, gargalhadas estridentes coroaram-lhe a preleção.

Ninguém acreditou nele.

Alguns oradores tomaram a palavra e afirma­ram, solenes, que o peixinho vermelho delirava, que outra vida além do poço era francamente impossí­vel, que aquela história de riachos, rios e oceanos era mera fantasia de cérebro demente e alguns chegaram a declarar que falavam em nome do Deus dos Peixes, que trazia os olhos voltados para eles ünicamente.

O soberano da comunidade, para melhor iro­nizar o peixinho, dirigiu-se em companhia dele até à grade de escoamento e, tentando, de longe, a tra­vessia, exclamou, borbulhante:

— "Não vês que não cabe aqui nem uma só de minhas barbatanas? Grande tolo! vai-te daqui! não nos perturbes o bem-estar... Nosso lago é o centro do Universo... Ninguém possui vida igual à nossa! ..

Expulso a golpes de sarcasmo, o peixinho rea­lizou a viagem de retorno e instalou-se, em definitivo, no Palácio de Coral, aguardando o tempo.

Depois de alguns anos, apareceu pavorosa e devas tadora seca.

As águas desceram de nivel. E o poço onde vi­viam os peixes pachorrentos e vaidosos esvaziou-se, compelindo a comunidade inteira a perecer, atolada na lama...

 

O esforço de André Luis, buscando acender luz nas trevas, é semelhante à missão do peixinho vermelho.

Encantado com as descobertas do caminho in­finito, realizadas depois de muitos conflitos no so­frimento, volve aos recôncavos da Crosta Terrestre, anunciando aos antigos companheiros que, além dos cubículos em que se movimentam, resplandece outra vida, mais intensa e mais bela, exigindo, porém, acurado aprimoramento individual para a traves­sia da estreita passagem de acesso às claridades da sublimação.

       Fala, informa, prepara, esclarece ...

       Há, contudo, muitos peixes humanos que sor­riem e passam, entre a mordacidade e a Indiferença, procurando locas passageiras ou pleiteando larvas temporárias.

       Esperam um paraíso gratuito com milagrosos deslumbramentos depois da morte do corpo.

       Mas, sem André Luiz e sem nós, humildes ser­vidores de boa vontade, para todos os caminheiros da vida humana pronunciou o Pastor Divino as in­deléveis palavras: — "A cada um será dado de acordo com as suas obras."

                                                                      
                                                                       EMMANUEL                                  
 

Pedro Leopoldo, 22 de fevereiro de 1949.






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