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Vivendo no Mundo dos Espíritos
Outros livros psicografados pela médium Vera Lúcia Marinzeek de
Carvalho: Com o espírito Antônio Carlos
- Reconciliação
- Cativos e Libertos
- Copos que Andam
- Filho Adotivo
- Reparando Erros
- A mansão da Pedra Torta
- Palco das Encarnações
- Aconteceu
- Muitos são os Chamados
- O Talismã
- Aqueles que Amam
- O Diário de Luizinho (infantil)
- Novamente Juntos
- A Casa do Penhasco
- O Mistério do Sobrado Com o espírito Patrícia
- Violetas na Janela
- A Casa do Escritor
- O Vôo da Gaivota
Com o espírito Rosângela
- Nós, os Jovens
- A Aventura de Rafael (infantil)
- Aborrecente, não. Sou adolescente!
- O Sonho de Patrícia (infantil)
- Ser ou não Ser Adulto
- O Difícil Caminho das Drogas
- O Velho do Livro (infantil) Com o espírito Jussara
- Cabocla
Com espíritos diversos
- Valeu a Pena!
- Perante a Eternidade
- Deficiente Mental: Por que Fui Um? Livros em outros idiomas
- Violets by my Wíndow
- Violetas en Ia Ventana
- Reconciliación
- Deficiente Mental: Por que Fui Uno?
- Viviendo en el Mundo de los Espíritus
Índice:
Prefácio ...........................................................................................7
1 - Novos Amigos .....................................................................9
2 - As Colônias ............................................................ ........... 14
3 - Abrigo Caridade e Luz ....................................... .............. 20
4 - Posto Vigília ...................................................................... 30
5 - Samaritanos ...................................................................... 38
6 - Desencarnação ............................................ .................... 45
7 - Desligamento ................................................................... 51
8 - Reencarnação ......................................... ......................... 57
9 - Causa e Efeito ................................................................... 64
10 - Ação e Reação .................................................................. 70
11 - Loucura ............................................................................. 77
12 - Obsessão ..................... ..................................................... .84
13 - Pedidos ................................................................. ............. 92
14 - Umbral ............... .............................................................. 100
15 - Conhecendo mais o Umbral .................................... .... 108
16 - Aparelhos e Mentes ....................................................... 115
17 - Criação da Terra e Religiões ........................................ 119
18 - A Palestra e a Feira do Livro Espírita ........................... 124
19 - Vícios ............................................................................... 130
20 - Agradecimentos ............................................................. 138
prefácio
1
Desde remotas épocas, a história da humanidade nos traz notícias basicamente de dois tipos característicos de
homens: os heróis ou santos, e os maldosos ou trevosos, ambos com os seus conseqüentes prêmios ou castigos.
Os relatores não nos dizem o que acontece com os milhões de homens que vêm, vivem, passam pela Terra e não
deixam marcas. Homens cujas vidas se diluíram em meio à vida das multidões. Homens que, com seu trabalho e
dedicação, deram aos heróis condições de realizar seus grandes feitos. Homens que vieram e viveram
pressionados pela sociedade ou foram praticamente escravizados pelos mais sagazes. Durante estes milhões de
anos, a raça humana ainda não exercitou o bem viver, com exceção de uns poucos.
Neste livro, temos na personagem central uma pessoa que bem viveu, quando na sua estada no mundo físico.
Muito embora tenha sido uma pessoa comum, sua vida fraterna foi a causa de uma passagem suave e tranqüila ao
mundo astral, mesmo porque não poderia ser de outra forma. Os leitores terão a oportunidade da confirmação dos
encantamentos da vida, acompanhando a personagem, mesmo não sendo esta nem heroína nem santa.
Verão a beleza e a harmonia de viver, quando o homem espontaneamente vai ao encontro da integração cósmica.
A vida concede ao seu filho vitalidade, alegria e o amor não contaminados pelas paixões mundanas.
À personagem central, o afeto e carinho daquele que por um período não muito longo foi seu pai.
José Carlos Braghini
São Sebastião do Paraíso, MG - 1993
9
1 Novos amigos
Saturada de entusiasmo e alegria, não dessa euforia passageira que ocasionalmente nos acontece no mundo, mas
de um estado permanente que envolve de beleza todas as coisas que vemos e tocamos, com esse estado de
espírito apresentei-me ao departamento da escola a que fora destinada. Entrei sozinha, atravessei o pátio e
caminhei para o setor onde iria conhecer as orientações do curso que iniciaria. O pouco que sabia desse curso
deixara-me ansiosa por fazê-lo. Adentrei a sala onde iríamos ter a primeira reunião do grupo. Passando pela porta
da sala de aula, vi que muitos já haviam chegado e fui cumprimentada por todos. Cumprimentos acompanhados de
um sorriso franco e de lealdade, que eu tanto apreciava no relacionamento com meus colegas quando estava
encarnada. A sala era grande e agradável. As carteiras ou mesinhas eram confortáveis e em cada uma havia uma
placa com o nome do candidato. Procurei a minha e sentei-me, aguardando. Logo, todos os alunos chegaram. Não
conhecia nínguem, mas todos eram simpáticos, sentia-me entre amigos, não superficialmente, mas entre aquelas
pessoas em quem podemos confiar nossas questões mais íntimas. Como é comum em todos os lugares em que a
expectativa impera, grupinhos se formaram em sadia conversação.
- Atenção, por favor!
Os três orientadores entraram na sala. Sentamo-nos e ficamos em silêncio.
- Sou Raimundo.
- Sou Isaura.
- Sou Frederico.
Os três instrutores apresentaram-se e ficaram em pé, em frente do grupo. O instrutor Raimundo nos explicou que
iria fazer a chamada dos presentes para que todos se conhecessem e, se quiséssemos, poderíamos falar alguma
coisa a nosso respeito. Que esta atitude abreviaria o conhecimento uns dos outros, tornando-nos uma família.
Sentia-me cheia de vida e emoção, voltara a fazer o que tanto gostava: estudar e conhecer outras atividades nesta
nova maneira de viver. No lar terreno, havia escutado de meus pais muitas explicações sobre a mudança de
interesses e necessidades fora do corpo físico, mas minha expectativa era maior agora do que naquela época.
O grupo era de trinta pessoas, dezessete homens e treze mulheres. Começou a chamada, chegou a minha vez.
- Sou Patrícia, desencarnei aos dezenove anos por aneurisma cerebral, estou há seis meses na Colônia. Amo tudo
aqui e anseio por aprender.
No grupo, era a que tinha desencarnado mais recentemente e a mais nova em idade. O outro aluno que estava a
menos tempo desencarnado estava há três anos nessa situação. A maioria estava há bastante tempo no plano
espiritual e possuía muitos anos de trabalho.
D. Isaura, senhora portadora de vastos conhecimentos sobre o mundo em que agora estávamos vivendo e que há
muito tempo trabalha orientando neste curso, deu-nos, com olhar meigo e aspecto agradável, algumas explicações.
- Este curso é feito de três formas. Os jovens e as crianças maiores têm-no como parte do estudo do Educandário.
Os adultos podem fazê-lo de dois modos. Os que não têm conhecimentos, fazem-no em período maior: três anos.
Os que têm conhecimentos, fazem-no em nove meses, como é o caso de vocês aqui presentes.
Frederico e d. lsaura sentaram-se. Frederico era meu amigo e seria nosso instrutor. Fiquei alegre em vê-lo e tê-lo
por perto. Raimundo iria responder a algumas perguntas e, sorrindo, falou um pouco de si:
- Estou há sessenta anos no plano espiritual. Quinze anos administrando cursos. Em cada curso que dou aprendo
mais
10
um pouquinho. Agora estou à disposição para as perguntas desta turma tão agradável.
Marcela foi a primeira a perguntar.
- Só conheceremos o plano espiritual através de cursos?
- Certamente que não. Muitos o conhecem pelo trabalho. Mas os cursos nos dão conhecimentos mais amplos e
completos. - Após uma pausa, nosso mestre continuou de maneira terna: - Vocês vão gostar. Primeiramente, terão
aulas teóricas sobre um determinado assunto, depois terão aulas práticas nas quais, em excursões, verão o que
estudaram em sala de aula.
"Nessas excursões, não serão só espectadores, mas também atuarão. Trabalharemos onde quer que estejamos.
Também visitaremos ambientes projetados e sustentados por espíritos ignorantes e conheceremos ilhas de socorro
mantidas por espíritos trabalhadores no bem. Retornaremos aqui para debates e
apreciação nos quais todos darão
opiniões e sugestões que serão estudadas e que poderão vir a ser utilizadas. As opiniões de todos serão
importantes."
Como ninguem perguntou mais nada, d. Isaura deu as explicações:
- Nas aulas, poderão vir vestidos como quiserem. Mas, nas excursões, usaremos uniforme. A veste é importante;
para nós é como uma apresentação. Encontrarão os uniformes nos alojamentos. Agora vamos conhecer o
alojamento, os quartos destinados a vocês, onde estarão hospedados enquanto estiverem estudando aqui. Durante
o curso, entre um assunto e outro, terão poucas horas livres. Serão nove meses sem folgas. Dentro de duas horas
iniciaremos o curso, e o primeiro assunto serão as ColÔnias. Aproveitem essas duas horas para se conhecerem
melhor.
Grupinhos se formaram e os três instrutores saíram, eles também ficariam alojados em quartos iguais aos nossos e
junto com os estudantes.
- Oi, sou Nair. Não conheço ninguém aqui - disse, dirigindo-se a mim, uma senhora de agradável aspecto. - Vim
de outra Colônia para este curso.
- Prazer em conhecê-la, Nair. Que tal irmos ver o alojamento juntas?
Sorri, incentivando-a. Também não conhecia ninguém, mas iria conhecer e sentia que gostaria de todos. Nair viera
de uma Colônia pequena. Queria, como todos, aprender. Saímos da sala e logo depois estavam os quartos: eram
trinta, seguidos. Na porta havia uma plaqueta com o nome de cada participante. Entrei no meu para deixar meus
poucos pertences. Emocionei-me, o quarto era lindo. Ali ficaria muitas horas nos nove meses seguintes. Gosto
muito de ter um local para orar, meditar, ficar sozinha pensando, para que os conhecimentos adquiridos
proporcionem ambiente para minha compreensão espiritual, o que me é fundamental. O quarto era ideal, pintado
de amarelo-claro, com cortinas de renda na janela, que dava vista para um jardim todo florido. Estava mobiliado
com armário, cama, sofá e uma escrivaninha. Enfeítavam-no lindos abajures e um quadro maravilhoso: uma
paisagem com montanha e lago. O banheiro era pequeno, tudo lindo e confortável. Coloquei na escrivaninha as
fotos de minha família que trouxera, juntamente com objetos que uso para escrever e estudar. Olhei
demoradamente para as fotos; amo os meus familiares e têlos à vista é muito agradável. Parecia que todos eles me
saudavam com carinho e incentivo. Meu pai parecia dizer: "Orgulho-me de você, filha, conhecer, aprender, é ter
sempre novas oportunidades". Minha família é minha alegria, juntos
participamos da harmonia com o Criador.
Guardei as poucas roupas no armário. O uniforme estava dependurado. Eram calças compridas azul-claras, uma
camisa azul estampadinha, tendo no bolso meu nome bordado. A camisa dos homens era azul, da cor da calça. Os
calçados eram ténis ou sapatos azuis. Confortável e prático, gostei muito. Depois que olhei tudo, saí alegre para o
pátio. A turma conversava animada. Estávamos todos juntos. Entrosei-me. Gostei deles. Ao faltar quinze minutos
para começar o curso, todos entramos em nossos quartos para ficarmos um pouco a sós.
É difícil descrever o que senti, pois sempre amei estudar, sempre ansiei por aprender. Ali estava para meu primeiro
aprendizado em curso intensivo. Sabia muito por livros espíritas como era o plano espiritual, mas, agora, estava
desencarnada e veria por mim mesma. Orei e agradeci. Só tinha que agradecer pela oportunidade.
Ao ouvir uma suave campainha, fui para a sala de aula. Raimundo foi quem nos recepcionou:
- Meus amigos, vamos fazer uma oração pedindo ao Mestre Jesus que seja nosso maior orientador neste curso em
que vamos tomar conhecimento do plano espiritual. Que nosso Irmão Maior esteja sempre conosco e que
possamos aprender, ajudar, por toda sua duração. Pai Nosso...
Com um sorriso agradável deu sua primeira aula.
12
2 Colônias
O instrutor Raimundo iniciou sua explanação colocando-nos a par da existência, por toda a Terra, de Colônías
Espirituais. São inúmeras pelo Brasil. Colônias são cidades no plano espiritual que abrigam temporariamente os
desencarnados, espírítos que estão no rol das reencarnações.
São encantadoras! Em todos os locais em que há as cidades materiais há um espaço espiritual e nele ficam os
Postos de Socorro e as Colônias. Pequenas localidades de encarnados, como vilas e cidadezinhas, também têm
seu espaço espiritual, só que às vezes não têm Colônias e seus habitantes, ao desencarnar e se tiverem condições,
vão para as Colônias vizinhas.
As Colônías podem ser pequenas, médias, grandes e de estudos.
As Colônias de Estudo são somente uma escola ou universidade. Nelas há alojamentos para os professores e para
os alunos, salas de aula, bibliotecas e imensas salas de vídeo. São locais que estudiosos sonham em conhecer e
morar.
As outras Colônias têm as bases iguais, são fechadas, há portões, sistemas de defesa, grandes hospitais, escolas,
jardins, praças, locais para reuniões e palestras, e a governadoria. Não são iguais e nem poderiam ser. São todas
belas, oferecendo muitos atrativos.
Vimos filmes sobre Colônias, primeiramente as muitas do Brasil, depois as principais do exterior. A índia e o
Tibete têm
14
Colônías encantadoras, de uma arquitetura diferente, em que usam muito a cor dourado-clara. São belíssimas.
A aula teórica foi realmente interessante. Perguntou-se muito, e os instrutores respondiam com prazer.
- Quem fundou as Colônias? - Quis saber Marcela.
- Cada Colônia tem seus fundadores. São grupos de espírítos construtores que vieram para o Brasil com os
imigrantes. Assim como foram formadas as cidades na Terra, foram fundadas também as Colônías. Há ColÔnías
no Oriente, com milhares de anos. Vivemos em grupos, os mais adiantados ajudando os mais atrasados, sempre
perto uns dos outros. Por isso cada cidade na Terra tem seu núcleo espiritual correspondente.
- Antes de o Brasil ser colonizado não havia Colônias? Perguntou Luís.
- Não como estas. Havia, sim, núcleos espirituais, nos quais os orientadores do Brasil já planejavam a colonização,
protegiam e orientavam seus habitantes, os índios.
- Um espírito pode entrar numa Colônia, tentando enganar?
- Indagou Luíza.
- Nunca soubemos de um acontecimento deste tipo. Ele entraria para fazer o quê? Ele próprio se sentiria mal por
não estar no seu meio. Se quisesse espionar, o que veria não poderia copiar. Não conseguiria enganar, pois sua
maneira de viver difere da nossa. Quase todas as Colônias, as cidades espirituais, estão situadas a uma certa
distância vibratória do orbe terrestre e, não comparando com as medidas físicas, ficam dentro da quarta dimensão
vibratória, a partir da nossa querida Terra.
- Se uma cidade material fosse destruída, a Colônia também acabaria naquele espaço? - Ivo perguntou, curioso.
- Não acabaria. Se a cidade dos encarnados não fosse reconstruída, a Colónia mudaria para outro local.
- As Colônías também crescem? - Glória indagou.
- Sim, dependendo de suas necessidades, são ampliadas.
- Prevendo um acontecimento desastroso na cidade material, as Colônias se preparam para receber os abrigados?
James indagou.
- Certamente, como também os Postos de Socorro da região. Mas, para não provocar pânico e preocupação entre
seus habitantes, esse preparo é feito horas antes.
Começou a aula prática. Fomos primeiramente excursionar em nossa Colônia, que eu já conhecia'. Mas foi, como
sempre, emocionante passear por lá. Uma festa para meus olhos e meu espírito. E agora, com o primeiro grupo de
colegas de estudo, as maravilhas que conhecia pareciam se renovar aos meus olhos. Tal qual a mãe que não se
cansa de olhar e admirar o seu rebento amado. O grupo alegre inteirava-se de tudo, vimos as praças, os jardins e
prédios, conversamos agradavelmente com o responsável pela Colônia, seu governador, que nos incentivou com
palavras amáveis. Ao visitar o hospital, conversamos com os doentes, tentando passar-lhes a alegria que
sentíamos. Ajudamos na limpeza e na alimentação dos pacientes.
As Colônias têm um perfeito intercâmbio umas com as outras e com os Postos de Socorro a elas subordinados.
Frederico nos explicou:
- Agora, vão conhecer a Escola de Regeneração. São poucas as Colônias que têm essas escolas. Destinam-se aos
irmãos trevosos, para se recuperarem. É preciso esclarecer que há uma grande diferença entre espíritos trevosos e
espíritos necessitados. Em nossos Centros Espíritas normalmente se socorrem espíritos necessitados ou
ignorantes. Trevosos muito pouco vão à Terra, não se interessam pelos encarnados por achá-los ignorantes e
inúteis, certamente há algumas ressalvas. Esses irmãos dedicam-se quase sempre a reinar em seus domínios no
Umbral. Há poucos Centros que se dedicam a doutrinar essa classe de espíritos, pois eles dão muito trabalho. Eles
se realizam no mal e é no mal que querem viver; desprezam qualquer atitude fraterna, cultivando o egoísmo.
Dominam e são dominados, não há liberdade. Nesses domínios há os julgadores e os vingadores em nome de
Deus. Esta escola foi fundada para receber esses irmãos.
A Escola de Regeneração é muito bonita e fica dentro da Colônia São Sebastião. É cercada, e só é possível entrar
e sair por um portão. Nela, estão localizadas as salas de aula, os alojamentos, tanto para os professores como para
os alunos
- Em meu primeiro livro, Violetas na janela, descrevi bem a Colônia onde estou e, de
modo geral, todas as Colônias. Neste livro, para não ser repetitiva, descrevo-as superficialmente. (Nota da Autora
Espiritual)
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uma biblioteca bem equipada, uma sala de vídeo pequena onde há televisão e filmes sobre diversos assuntos.
Há o refeitório, sala de palestras, salas de assistências, uma enfermaria e a diretoria. Nos fundos, um pomar e
plantações de cereais, local ocupado para terapia dos alunos. No centro, um lindo jardim com muitas flores e
bancos.
Os professores, além de serem bons, no sentido fraternal, têm profundos conhecimentos para lidar com os irmãos
que lá são abrigados.
O curso é intensivo, com aulas de moral cristã, alfabetizaÇão e educação. Os alunos usam uniforme e só saem da
escola após terminado o curso; nem às outras partes da Colônia vão. Ao concluí-lo, escolhem uma ocupação ou
reencarnam. E um lindo trabalho e tem dado excelentes resultados. Infelizmente, para esses irmãos há muito
tempo no erro e nas trevas, e necessário um local apropriado para que recebam orientação de modo especial.
Conversamos com alguns alunos que há algum tempo estavam na escola, todos se mostravam contentes; disseram
amar a escola e os professores e que estavam aproveitando bem as aulas que recebiam.
É um grande trabalho de regeneração!
Fomos excursionar em outras Colônias. Viajamos de aeróbus. Visitamos uma Colônia média em tamanho. A
Colônia do espaço espiritual da cidade de Ribeirão Preto. É linda! Muito florida e sua biblioteca é enorme. Foi
maravilhoso visitar esse local de pesquisa que é sua biblioteca, encantei-me com seus livros antigos e com os
vídeos da formação da Terra. Possui três hospitais grandes e muitas praças. A parte infantil, o Lar da Criança, é
muito ampla e bonita.
Na aula teórica, havíamos pedido para visitar a Colônia Nosso Lar.
- Meu sonho - disse Luís, entusiasmado - é, desde encarnado, conhecer a Colônia Nosso Lar e, se possível, ver
André Luiz.
Chegou o tão esperado dia, fomos visitar a Colônia Nosso Lar, no espaço espiritual da cidade do Rio de Janeiro.
Acho que quase todos os espíritas sonham em conhecer essa Colônia, a primeira a ser descrita pela psicografia
aos encarnados. Fomos
17
muito bem recebidos. Ficamos hospedados por dois dias em uma de suas escolas. Conhecemos todos os seus mais
importantes parques e bosques. Realmente, Nosso Lar é magnífica! Emocionei-me ao ver tantas belezas. No
segundo dia, à tarde, tivemos a grata alegria de conhecer o escritor André Luiz. Reunimo-nos em um dos seus
salões para palestras. Há vários nessa Colônia. O salão é redondo, o palco tem a forma de meía-lua, as poltronas
também são arredondadas. O salão todo tem várias tonalidades de amarelo. Muito bonito e diferente. O auditório
lotou, vários grupos em excursão estavam ali com a mesma finalidade. Disseram-nos que André Luiz, sempre que
possível, atende a pedidos como este, de excursões de alunos que querem conhecê-lo. Luís não conseguiu parar
de sorrir.
- Que ventura! Realizo meu sonho! Sou fã desse escritor desde encarnado!
André Luiz apresentou-se com simplicidade e naturalidade. É como certas pessoas que olhamos e achamos
superagradáveis. Cumprimentou-nos, sorrindo.
Pensei que fosse diferente! - Exclamou Ivo. - É tão simples que nem parece ser tão conhecido por todas as
Colônias do Brasil e por todos os espíritas!
D. Isaura olhou para Ivo, pedindo silêncio. André Luiz falou, com voz forte e tranqüila, que era somente um
simples estudante em fase mais adiantada e que somente ficou conhecido por ter tido a oportunidade de ditar os
livros que foram psicografados, descrevendo o plano espiritual.
Que para ele o mais importante era que todos os que ali estavam, querendo estudar, aprendessem a serem úteis
com sabedoria. Em seguida, fez uma linda oração. Durou a reunião vinte minutos. Admiradora da dupla André
Luiz e Chico Xavier, foi um prêmio escutá-lo e vê-lo.
Passamos por uma das Colônias da cidade de São Paulo. Ao todo são três grandes. Encantamo-nos com seu
tamanho. E como tudo é bem dividido! Passamos também por Brasília. Colônia nova, bem distribuída, moderna e
maravilhosa. É uma das mais belas Colônias do Brasil. Suas praças e jardins são fabulosos e há muitas flores do
plano superior perfumando o ar, encantando a todos.
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NO roteiro de nossas Visitas constavam duas ColÔnias de Estudo. Agora era minha vez de ficar radiante, pois
essas Colônias exercem sobre mim delicioso fascínio. São somente para estudos e oferecem meios espetaculares
de passar conhecimentos aos seus alunos.
- Ei, Patrícia - falou Nair -, aposto que você logo que possível irá para uma Colônia de Estudos.
- Sim - respondi sorrindo e sonhando -, se for possível irei estudar em uma!
As Colônias são realmente maravilhosas. Por mais que procuremos descrevê-las, não conseguimos transmitir a
beleza que vemos. Também cada descrição é narrada por alguém que, por afinidade, fala do que mais gosta.
Murilo, um colega amante da natureza, ama a Botânica, disse que, se tivesse oportunidade, narraria as belezas e
variedades das plantas e flores. Talvez eu tenha mais facilidade para descrever locais de estudo. Amo aprender.
Voltamos entusiasmados à sala de aula, repletos de ânimo e disposição. As opiniões foram calorosas. Não houve
sugestões, mudar o quê? Tudo era perfeito!
Foi sugerido que cada um comentasse o que viu e sentiu na excursão. Na oportunidade, falei encantada das salas
de video, que já descrevi no livro Violetas na janela, da Colônia de Estudos. Seus
assuntos são completos. Vê-las e fazer uso dessas salas é sonho de qualquer aprendiz. As Colônias de Estudos
têm nomes bonitos e sugestivos. Também falei entusiasmada da oportunidade que tive de conhecer uma sociedade
perfeita, regida pelo amor e pela fraternidade.
- Bem, todos gostaram, isto é bom, porque nos próximos assuntos não verão somente maravilhas. E o trabalho
fará parte das excursões seguintes - falou d. Isaura carinhosamente.
19
3 Abrigo caridade e luz
Postos de Socorro - disse Raimundo - são locais em que os espíritos socorridos têm permanência transitória, são
amparados e orientados, têm liberdade de escolher o caminho a seguir. Se adaptados à nova vida e despertos a crescer,
vão estudar nas Colônias de que necessitam. Se ficam inconformados e revoltados, retornam ao lugar de onde vieram. Esses
Postos também são chamados de casas, mansões, abrigos, colônias etc. São locais menores de socorro na crosta e no
Umbral. Podem ser grandes, médios ou pequenos. Não são cidades, embora haja algumas que têm todas as repartições de
uma.
- Têm também quem os administre? - Quis saber Ilda.
- Certamente. Nos Postos, reina a harmonia e a disciplina. Há uma pessoa responsável e um grupo de orientadores que
auxiliam nessa administração.
- As casas transitórias, ou rotatórias, ou giratórias, são Postos de Socorro? - Indagou Luís.
- Sim, esses abrigos localizados dentro do Umbral locomovem-se, conforme as necessidades, para outros locais dentro do
próprio Umbral. São Postos de Socorro.
- Que são realmente os Postos de Socorro? - Indagou Luíza.
- São abrigos temporários, onde ficam hospedados os irmãos necessitados e onde eles são tratados com todo carinho em
suas enfermidades e necessidades. Depois, esses irmãos
são conduzidos às ColÔnias. Porém muitos deles ficam, quando sadios, nos Postos servindo à comunidade que os abrigou.
Indagamos muito, vimos filmes diversos sobre Postos de Socorro. Chegou a hora de visitá-los.
Frederico nos apresentou um chinês chamado In-AI-Chin. Este é um amigo que nos acompanhará todas as vezes que
sairmos em excursões.
Ficamos quietos, mas as indagações ferviam em nossos cérebros; Zé não agüentou e perguntou:
-Por quê? Há algum motivo para termos tão agradável companhia?
O chinês sorriu suavemente, e Frederico respondeu:
- Nunca houve nessas excursões de estudo um acidente desagradável. Tem razão, Zé, há um motivo para este companheíro
estar conosco, Temos em nosso meio Patrícia, que, quando encarnada, foi Espírita, e seu pai é um doutrinador, dirigente de
um Centro Espírita. Como todo aquele que acende a Luz incomoda os irmãos ignorantes das trevas, por cautela, In-AI-Chin
nos acompanhará. Nosso amigo trabalha na equipe de desencarnados deste Centro Espírita, é muito experiente. Nutre
muito carinho por Patrícia e trabalhou espiritualmente ao lado dela, quando estava encarnada. Querendo vê-la sempre bem,
fará companhia a ela e a nós todos nas excursões que serão para Patrícia as primeiras. A mãe de Patrícia teme represálias a
ela pelo trabalho que seu pai faz; ela pediu e, para tranqüilizá-la, foi atendida por este amigo que fará parte de nossa equipe.
Pensei: "Tomara que não fique como minha ama-seca". In-AI-Chin sorriu de forma encantadora e disse:
- Espero não ser importuno. Meu objetivo é ajudar e aprender. Embora tenha vindo para estar perto de Flor Azul de
Patrícia, quero ser amigo de todos.
Fiquei vermelha. A turma gostou da idéia dele. Rodearam-no. In-AI-Chin é sereno, doce, estatura média, veste uma túnica
clara e um gorro. Muitos espíritos gostam de continuar vestindo-se como faziam quando encarnados. Nunca vi um espírito
esclarecido com roupas extravagantes. São simples, vestem-se como gostam. Espíritos orientais vestem-se normalmente
com túnicas, ou seja, como se vestiam quando
20
encarnados. É como gostam de estar. In-AI-Chin sorri sempre, demonstrando muita tranqüilidade e
felicidade. Dirigia-se a mim só como Flor Azul de Patrícia. E Zé indagou:
- Por que a chama de Flor Azul de Patrícia?
- Porque tem os olhos mais azuis que já vi, também porque são doces e tranqüilos, como duas flores a enfeitar
quem a olha. Como seu nome é de difícil pronúncia e como só se dirigia
a mim assim, nós o apelidamos de Flor Azul, cognome que o deixou contente. Ele disse:
- Nada mais bonito que ser comparado com uma flor!
O primeiro Posto que visitamos fica no Umbral mais ameno. Fomos de aeróbus. Vimos pedaços do Umbral,
que descreverei quando formos visitá-lo. O que sabia dos Postos e o que vi na aula teórica deixaram-me
curiosa em saber como é esta parte do plano espiritual.
Um portão grande e pesado foi aberto, entramos. d. Isaura exclamou, comovida:
- Estamos no Abrigo Caridade e Luz!
O aeróbus parou no pátio, descemos. O abrigo parece um ponto de luz, de claridade, na neblina escura do
Umbral. É um ponto de amor! O Posto tem forma arredondada, no centro há uma praça com um lindo
chafariz. Possui muitas árvores e flores parecidas com as que existem na Terra. Na entrada, logo depois do
portão, vemos canteiros de rosas coloridas muito bonitas. Por todo o Posto há vasos grandes com florezinhas
perfumadas e delicadas, vermelhas. Lindas!
E cercado por altos e fortes muros e tem um excelente sistema de defesa. Nair, vendo tudo, exclamou:
- Este Posto deve incomodar. Não pode ser bem visto por aqui. Raimundo sorriu e nos esclareceu:
- Nós, os que caminhamos no bem, não atacamos irmão nenhum, nem suas cidades ou abrigos. Os ignorantes
trevosos nos atacam e, se pudessem, destruiriam este abrigo e todos os Postos de Socorro. Sim,
incomodamos. A maioria dos moradores do Umbral não quer socorro por aqui.
A diretora do abrigo veio nos receber com muito carinho. Conversávamos contentes, quando se aproximou
de mim um trabalhador do Posto.
- Você é Patrícia, a filha do Senhor José Carlos?
22
- Sou.
Sem que eu esperasse, tomou minha mão, beijou-a e me entregou um buquê de flores.
- Muito devo a seu pai. Agradeço a ele por seu intermédio. Obrigado! Pensei em
ajudá-la, mas como não
necessita de ajuda aceite este presente.
Fiquei sem jeito, e por momentos não soube o que fazer. Todos observavam a cena. Rápido pensei no que
meu pai faria diante deste acontecimento. Sorri e o abracei.
- Que bom ver amigos aqui! Como está o senhor?
- Agora bem, graças a Deus. Trabalho aqui - disse com orgulho -, isto devo a Deus e a seu pai. Fui socorrido e
orientado por ele.
- Alegro-me em saber.
O senhor ficou emocionado, enxugou as lágrimas e se afastou. d. Isaura aproximou-se e disse:
- Não se acanhe, Patrícia. É comovente ver pessoas gratas. Quem faz, para si faz. Seu pai o ajudou sem
esperar recompensa. Mas ele, esse trabalhador, aprendeu bem e é grato. Ficou feliz em vê-la e em poder
agradecer. Agiu certo, filha, devemos ser gratos e receber com carinho as gratidões!
Um trabalhador mostrou-nos o alojamento. Iríamos ficar hospedados por três dias e não sairíamos do Posto.
Acomodaram dois em cada quarto. Fiquei com Nair. Esta amiga é curiosa e observadora, revirou o quarto.
- Esta cama é sua, esta é minha. Será que iremos dormir mesmo?
- Como nos foi dito, aqui talvez necessitemos de descanso, porque neste trabalho doa-se muita energia.
O quarto era simples, sem enfeites, com a janela dando para o pátio e possuía banheiro, pois às vezes, quando
nos alimentávamos, tínhamos necessidade de usá-lo.
Fomos chamados para conhecer a parte externa do abrigo. É todo pintado de branco, suas janelas têm
formato das janelas antigas, são grandes e trabalhadas. No Umbral, fora do abrigo, a temperatura estava fria;
no Posto estava amena, agradável. Há um sistema parecido com um aquecedor central que controla a
temperatura ambiente, isto para que seus abrigados não sintam frio ou calor. Nós não sentimos as mudanças
da
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temperatura, porque aprendemos a nos controlar. Para os que sabem, a temperatura está sempre amena. Andando
pelo Posto, parece que estamos dentro de uma grande construção com seus prédios separados por pequenos
pátios. Fomos à torre da guarda. Leonel, um rapaz que estava no controle, mostrou-nos tudo. O sistema é perfeito.
Pelos aparelhos da torre eles sabem quem se aproxima do Posto. Tudo é televisionado, Da torre
controla-se todo o
sistema de defesa.
- O abrigo recebe muitos ataques? - Indaguei.
- Uma média de três por mês - Leonel respondeu atencioso.
- Já ficou com medo de algum? - Perguntou Zé.
- Há seis meses, reuniram-se em um grupo grande do Umbral e nos atacaram com força total. Cercaram-nos e
tivemos que colocar todos os nossos lança-raios em ação. O pessoal do abrigo concentrou-se em oração. Receei
por momentos e achei que teríamos que pedir auxílio a outros Postos. Mas tudo deu certo, não conseguiram nem
se aproximar muito do abrigo.
- Você fica aqui o tempo todo? - Quis saber Luíza.
- Fazemos horário de rodízio. Amo esta torre,
- Tudo aqui parece complicado - disse Luís.
- Não, tudo é simples, embora perfeito.
Há uma tela, parecida com televisão, que mostra todo o muro.
- Aqui - mostrou Leonel -, por este aparelho vejo quem se aproxima do abrigo, a três quilômetros.
- Que faz quando está sendo atacado? - Indagou Glória.
- Primeiro dou o alerta ao abrigo, depois coloco em funcionamento os aparelhos de defesa que atiram cargas
elétricas.
- E isto? Que tem aqui? - Perguntou Luís, mostrando alguns
objetos pequenos diante de uma televisão ligada à imagem de um senhor lendo o Evangelho.
- Isto é espionagem - Leonel respondeu sorrindo. - Alguns irmãos trevosos, curiosos para saber o que se passa e
como é aqui, colocam em irmãos que serão socorridos estes aparelhos de escuta, como botões, anéis, cintos,
amuletos etc. Observem bem.
Observamos sem pegar.
Que incrível! - Exclamou Glória.
Apreendemos estes apetrechos e os colocamos na frente desta televisão. Está sintonizada num canal em que se
lêem
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os Evangelhos diariamente. Os escutas ouvírao um pouco do que tem o livro e verão somente o que se passa na
televisão. Conhecia este canal, é de uma esfera superior onde lêem e
explicam o Evangelho; é bastante visto por toda a Colônia. Mas as perguntas continuaram. Cida indagou:
- Não é possível ficarem alguns destes aparelhos nos socorridos?
- Não, porque eles trocam de roupas e são banhados aqui, mas, se ficar, nada verão que possa interessá-los.
Saí da torre muito confiante. No pátio, dividimos o grupo em três partes com dez componentes mais um instrutor e
fomos às enfermarias. Visitamos os abrigados já melhorando. Pensei comígo: "Estão tão ruins que nem posso
imaginar os piores".
Homens e mulheres pareciam fantasmas de filme de terror. Apiedamo-nos. Magros, olhos saltados e gemendo.
Seus ais eram de cortar o coração.
Tentei ficar alegre ao me aproximar deles. Pensei que, ao observá-los bem, iria ler seus pensamentos, como havia
lido nos livros de André Luiz, quando encarnada. Não consegui nada, e perguntei o porquê a Frederico,
- Patrícia - ele me respondeu -, isto é para quem sabe, quem trabalhou anos com irmãos neste estado. Logo mais
terão aulas no curso e aprenderão um pouco sobre o assunto.
Alimentamos e limpamos os abrigados. Conversamos com eles, alguns respondiam, explicavam como estavam,
uns falavam de suas desencarnações. Normalmente gostam de falar de si, de queixar-se. Um senhor tristonho
disse que fora alegre mas imprudente, cometeu erros, sofreu muito ao desencarnar e ficou triste. Dávamos passes,
orávamos para cada um que visitávamos. A maioria parecia alheia; os nervosos se acalmavam depois do passe.
Alguns não entendiam nada do que viam e indagavam o que se passava, outros respondiam com monossílabos às
indagações. Quando acabamos, estávamos cansados. Fomos para os quartos. Tomei banho e fomos para o salão
de refeições, onde nos alimentamos com frutas e sucos.
Escurecia. Fomos convidados a ir ao salão de música. O local é muito bonito, com lindos quadros, vasos de flores,
cadeiras confortáveis. Raimundo explicou:
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- Nesta sala temos televisão, cinema, instrumentos musicais. É o local onde se reúnem os trabalhadores e os
convidados para edificantes palestras.
Maria e Tobias, dois trabalhadores do Posto, nos brindaram com lindas melodias, ela ao piano, ele ao violino.
Marcela, nossa colega, cantou duas canções. Passamos horas agradáveis.
Todo o Posto é iluminado com luz artificial, e mesmo durante o dia há luzes acesas dentro dos prédios, menos nos
pátios que só têm as luzes acesas ao entardecer. À noite, o Posto é bem iluminado. Saímos para o pátio. Vimos o
céu quase como os encarnados, só que com mais neblina, a luz da lua é fraca. O perfume das flores,
principalmente das vermelhinhas, invade os pátios.
Fomos repousar, estava cansada e dormi por cinco horas. De madrugada fomos acordados, tomamos uma refeição
e visitamos o restante do Caridade e Luz.
- Oi, turma! - Disse Zé, que levantou atrasado. - Há tempo não durmo tanto.
- Quando desprendemos energias e não estamos acostumados, necessitamos repô-las - esclareceu d. Isaura.
O Posto tem uma bonita e bem-arrumada biblioteca, que contém vasta literatura espírita. Os bons livros dos
encarnados ali têm suas cópias. É bem freqüentada pelos trabalhadores e os abrigados em recuperação. Ao lado
da biblioteca está a sala de orações. Lugar discreto e muito bonito, não é grande, mas aconchegante; também
possui cadeiras confortáveis e vasos floridos. Ali os abrigados em recuperação vão orar. Os trabalhadores também
gostam de freqüentar a sala.
É tranqüila, tem muitos fluidos energéticos. Sente-se muita paz lá dentro.
O amanhecer no Posto é bonito, o sol aparece entre as nuvens, clareando os pátios e jardins.
Fomos às enfermarias. Visitamos os irmãos, que dormiam em pesadelos. Ah, como a colheita é obrigatória!
Vendo-os, enchemo-nos de compaixão, pois sabíamos que todos ali estavam daquele modo por imprudência, por
muitos erros. Passamos horas nas enfermarias. Ver tantos irmãos em sofrimento me entristeceu. Embora sabendo
que nada é injusto, tivemos vontade de recuperar todos. Mas isso é impossível, pois a
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recuperação é lenta, ajudamos poucos. Demos passes, acomodamos, demos água, fizemos círculos de orações. Só
dois despertaram e foram levados para outra enfermaria. Acordam assustados, muitos temem e choram.
Estava cansada. Depois fomos para o quarto, onde tomei banho, alimentei-me, fiz exercícios de respiração e
relaxamento. Iríamos partir na manhã seguinte. A turma se reuniria à noite para ver um filme e ouvir uma palestra.
Pedi para descansar; foram muitos os da turma que também pediram. Aqueles irmãos sofridos não me saíam do
pensamento. Fiquei revendo tudo como num filme. Os instrutores permaneciam sempre conosco e eram os que
mais trabalhavam, estavam sempre prontos a nos esclarecer sobre qualquer dúvida. Flor Azul,,sempre tranqüilo,
ajudava os enfermos com muito carinho. Depois de orar, Nair e eu fomos dormir. Dormir desencarnada é como
adormecer encarnada. Quando se está encarnado, o corpo descansa, desencarnado é o perispírito que descansa, e
refazemos as energias. Logo depois deste curso, nunca mais dormi. É ótimo ter muito tempo.
Acordei refeita. Partimos sem nos despedir, porque voltaríamos outras vezes e ali ficaríamos hospedados,
enquanto visitássemos os Postos da Terra.
Fomos de aeróbus até a crosta. Ver o sol sem neblina é bem mais agradável, respiramos aliviados. Visitaríamos os
Postos de Socorro existentes para os encarnados daquela região. Nas cidades da Terra há muitos Postos de
Socorro pequenos, e assim também nos Centros Espíritas; esses Postos são verdadeiros pontos de amor e auxílio.
Visitamo-los por horas. Ajudamos, cuidando de seus enfermos e dos recém-desencarnados. A maioria dos recém-
desencarnados socorridos fica nos Postos por algum tempo, depois ou eles são levados para serem doutrinados
nas reuniões dos Centros Espíritas ou vão para outros locais e são transportados para Postos maiores ou Colônias.
Os que ficam, quase sempre passam de ajudados a ajudantes. Há sempre muitos trabalhadores e o trabalho é
imenso. O movimento é grande; o responsável pelo Posto fica só para atender as pessoas e os trabalhadores que
têm problemas. Principalmente os Postos dos Centros Espíritas estão sempre lotados. A maioria deles está
localizada acima da
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construção material. Há sistema de defesa, porta ou portão, janelas com grades, enfermarias, sala de recepção,
local de descanso para seus trabalhadores, às vezes, salas de música e pequenas bibliotecas.
Nair comentou comigo:
- Observe, Patrícia, que por onde passamos sempre há bons livros e muitos exemplares do Evangelho e de O
Evangelho Segundo o Espiritismo.
- Não se instrui quem não quer! - Respondi.
- Vocês sabem quantos cristãos, ou que se dizem cristãos, têm uma religião e não conhecem o Evangelho? - Ivo
nos indagou.
- Devem ser muitos; não conhecem e nem seguem, a notar pelos muitos socorridos - respondi.
- É pena! - Exclamou Ivo. - O Evangelho não ser lido e vivido! Estávamos num Posto, todos atarefados, quando
escutamos Cida gritar. Levei tamanho susto, que fiquei parada por segundos, depois corri também. Cida estava na
sala da frente, a de curativos. Frederico veio tão depressa que trombou com Flor Azul.
- Calma, Cida! Que houve? - Indagou Frederico.
- Entrou um homem aqui, roubou um esparadrapo e saiu correndo!
- Ufa! - Frederico exclamou aliviado.
- Acho que gritei à toa - disse Cida, sem graça.
- À toa e escandalosamente, Cida - disse d. Isaura carinhosamente. - Não precisava fazer a gritaria.
- Peço-lhes desculpas - disse Cida.
- O irmão que pegou o esparadrapo não passará pelo portão, só se o porteiro deixar. E muitas vezes deixam. Ele
entrou aqui querendo objetos para fazer um curativo, às vezes nele ou em companheiros. Pela Terra, ao redor dos
Postos, estão sempre muitos irmãos a vagar, ficam a vampirizar os encarnados. Muitos vampirizam alcoólatras e
se metem em brigas, Às vezes, vêm aqui para fazer curativos, mas sabem que escutarão algumas verdades que
incomodam, assim, preferem nos roubar - explicou atenciosamente um atendente do Posto, que finalizou bem-
humorado. - Espero que o susto tenha passado.
- Vocês recebem muitos ataques? - Ivo perguntou.
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- Não muitos. São mais ataques de irmãos querendo se divertir, mas como nossos raios elétricos são fortes e lhes
dão a impressão de morte, dificilmente nos atacam.
Como esse homem entrou aqui? - Luíza indagou curiosa. É conhecido do porteiro e nosso. Pediu ao porteiro que
fosse atendido, e ele o deixou entrar e também sair, sem problemas. Os que vagam, em sua maioria, costumam nos
pedir coisas, como remédios e alimentos, e é raro nos furtarem. Este, hoje, resolveu fazê-lo.
José de Arimatéia, o nosso distraído Zé, exclamou alto:
- Já sei por que usamos uniformes! É para não sermos confundidos com os demais birutas!
O susto passou, voltamos às tarefas. Já era noite alta quando regressamos ao Caridade e Luz para o merecido
descanso. Dois dias fizemos essas visitas e descansamos no abrigo. Foram muito proveitosas as excursões. Gostei
muito desses postos de auxílio entre os encarnados. São realmente de muita ajuda, onde a caridade é
verdadeiramente aplicada.
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4 Posto Vigílía
De manhãzinha, saímos novamente, só que desta vez a pé. Andar pelo Umbral é estranho. Se a Colônia é uma
festa aos meus olhos, o Umbral, com seu ambiente angustioso e depressivo, é para mim uma visão terrível e
horripilante. Sabia que muitos espíritos vagavam por lá, e apiedei-me deles, como também sabia que muitos ali
estavam por gostar, o que achei tremenda falta de gosto, mas temos todos o livre-arbítrio e cada um gosta de um
lugar. Caminhamos horas em fila, todos juntos: d. Isaura na frente, Raimundo no meio e Frederico no Final; Flor
Azul ao meu lado. Não conversamos, íamos em silêncio. Tivemos recomendações de não conversar, para não
sermos notados. Caminhávamos cautelosos pisando em terreno mais firme, porque há muita lama. Vestimos capas
de cor marrom, que vinham até os joelhos, com capuz, deixando somente o rosto de fora, e calçamos botas
especiais. Luíza comentou, enquanto nos vestíamos:
- Por que nos vestimos assim para andar pelo Umbral? Parece tão estranho.
- Estamos somente nos protegendo - respondeu d. Isaura.
- Caso sejamos atacados, as capas nos protegerão. As botas são para dar segurança na caminhada.
Ao caminhar pelo Umbral, entendi o porquê de nos vestirmos assim.
O Umbral é sujo, tem partes escorregadias. As botas nos davam firmeza, e as capas, conforto.
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Deslumbrada com o que via, ao dar por mim, muitas vezes estava com os olhos arregalados. Pensei: "Se estivesse
aqui sozinha, morreria de medo, se porventura isto fosse possível". Em certo momento, uma grande ave voou
perto de nós. Assusteime e abafei um grito que ficou preso na garganta. Mas não fui só eu a levar o susto, Luíza e
Nair aconchegaram-se a Flor Azul, que estava tranqüilo e nos olhava sorrindo. O resto do caminho fiquei bem
perto dele. Fizemos o trajeto em perfeito silêncio e sem problemas.
A claridade é escassa, parecia o anoitecer entre os encarnados. Sem muita neblina ou nevoeiro. De longe, o Posto
parece somente um muro, não se vê nada dele por fora. Ao aproximarmo-nos mais, vimos o muro cinzento e o
portão, parecido com um de madeira, pesado, trabalhado em relevo, bonito e simples.
D. Isaura fez soar a campainha e o pesado portão foi aberto. Entramos no pátio: era quadrado com poucas flores,
em alguns canteiros, a enfeitá-lo, rodeado de pequenas árvores sem muita beleza, parecidas com muitas que
possuem os encarnados. Fomos recebidos pelo seu administrador, diretor ou responsável:
- Boa tarde! Sou Guilherme. Sejam bem-vindos ao Posto Vigília. Por favor, venham comigo, mostrarei seus
alojamentos, pois presumo que queiram descansar.
As Colônias e Postos de Socorro seguem o mesmo horário da Terra. Se na cidade dos encarnados fossem quatorze
horas, ali também era.
O Posto Vigília fica no Umbral, numa zona de muito sofrimento. É uma casa transitória ou rotatória, ou seja, muda
de lugar. Joaquim, um dos nossos colegas, trabalhou ali por anos, e estava afastado para fazer o curso. Depois de
concluí-lo, retornará a suas atividades. Foi recebido com alegria, abraçado pelos trabalhadores do Posto.
Percebemos que todos ali se amavam, formando uma grande família.
Luzes artificiais iluminam o Posto dia e noite. Do pátio, passamos à parte destinada aos hóspedes. Ficamos, Luíza
e eu, juntas no quarto, que era simples, sem enfeites, mas confortável. Após nos higienizarmos, fomos ao
refeitório, onde tomamos a refeição, composta de frutas e caldos. Reunimo-nos logo após no salão de palestras
para conversarmos.
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Recebemos explicações sobre o Posto Vigília.
- Este abrigo foi criado na mesma época em que se formou um povoado para os encarnados. Quando o ambiente
começa a ficar deveras pesado, vem a tempestade de fogo e mudamos de lugar - explicou Guilherme.
- Queria ver uma! - Exclamou James.
- Não estamos esperando para já - continuou o administrador do Posto. - O fogo cai como raios queimando tudo,
purificando os fluidos pesados. Todos fogem, e os que estão para ser socorridos recebem aqui o abrigo.
- Muda-se para longe? - Indaguei.
- Não, sempre ficamos na região. Há casas como estas em outras Colônias, que chegam a mudar-se para locais
vinte a cinqüenta quilômetros distantes. Nós normalmente nos mudamos para sete a dez quilômetros.
Faz tempo que trabalha aqui? - Perguntou Nair. Há trinta anos.
Puxa! - Exclamou Marcela. - Deve ter adquirido muita experiência. Como veio para o Posto?
Quando encarnado, fui pessoa boa, cumpridora dos meus deveres. Amava e amo os Evangelhos e tudo fiz para
seguir os exemplos de Jesus. Desencarnei e, ao ser socorrido, fui levado para uma Colônia. Achei encantador
tudo o que vi lá, mas amei este Posto logo que o visitei em uma excursão, como a que vocês estão fazendo agora.
Entendi que são poucos os que, como eu, são socorridos ao desencarnar e me apiedei ao ver tantos irmãos
imprudentes que sofrem; quis trabalhar no Vigília. Meu pedido foi aceito e por anos servi aqui, fiz um pouco de
tudo. Pude socorrer amigos, parentes e, aos poucos, todos os socorridos passaram a ser meus irmãos. Aqui
aprendi a amar a todos, como Jesus nos ensinou. Tenho um amor especial por este recanto de auxílio. Há treze
anos administro o Vigília.
Guilherme, ao falar do Vigília, tinha os olhos brilhando, entusiasmados. Olhei para ele com admiração, certamente
não era, o seu trabalho, fácil. Ali estava somente por amor aos semelhantes e deixava transparecer isso em seus
modos, no seu olhar tranqüilo e bondoso. A admiração foi de todos.
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A conversa continuou, trocamos idéias sobre o Umbral, da parte que vimos. Conversamos até as vinte horas e
nos retiramos para nossos aposentos. Na Colônia, quase não me alimentava ou dormia. Nessas excursões, andar
pelo Umbral e ajudar nos Postos nos cansava, despendíamos energia. Assim, precisávamos de alimentação pelo
menos uma vez ao dia, e de descanso. Esse descansar era ler algo edificante, meditar e até mesmo dormir algumas
horas.
No outro dia, às cinco horas da manhã, participamos da prece matinal. Guilherme convidou d. Isaura para fazer a
oração. Nossa orientadora orou com um fervor que nos comoveu. Pétalas claras de fluidos caíram sobre O Posto e
sobre nós, fortalecendo-nos, saturando-nos de muita energia. Logo após, fomos conhecer o Posto Vigília. É um
Posto de tamanho médio. Tem salão para palestras, também ocupado para música, sala da diretoria, refeitório,
pátio, salas de consultas, alojamentos dos trabalhadores e enfermarias. Nossos três instrutores ficaram, desde
nossa chegada, nas salas de consultas atendendo os abrigados confusos em busca de orientação. Flor Azul ficou o
tempo todo ajudando nas enfermarias.
Repartimo-nos em grupos de sete e fomos com os
trabalhadores ajudar nas enfermarias. Elas são
compridas, com leitos
nos dois lados, têm banheiros simples, tuld taumit-os limpo e claro. Os abrigados têm necessidades: ali eonm
e e usam o banheiro. Têm fome e sede, só não sentem frio ou calor porque o Posto tem um sistema parecido com o
ar condicionado dos encarnados. Esse sistema é central, deixando o Posto e até seus pátios com temperatura a
radável.
Primeiramente, entramos nas enfermarias em que os doentes estavam em condições melhores. Conversamos
com eles e os ajudamos a se alimentarem e a se limparem.
- Você é bonita! - Disse, dirigindo-se a mim, uma senhora muito magra de olhos entristecidos.
- Obrigada. Como está a senhora?
-Agora não Posso me queixar. Já sofri muito. Mas foi merecido. Quando encarnada aprontei muito.
Sorri apenas. Sabia que a curiosidade não leva a nada. Tínhamos recomendações para animar os enfermos, falar
do Evangelho e de Jesus. Mas também de escutar seus desabafos.
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- Você é tão boa! Sofreu ao desencarnar? - Indagou-me.
- Não, senti que ia dormir e acordei bem e entre amigos.
- Entre amigos. Para ter amigos é necessário fazê-los, não
é? Não os fiz, e os que pensei ter eram piores do que eu. Aposto que não sofreu, porque foi boa!
- Talvez devesse ter sido melhor. Mas não cometi erros, desencarnei em paz e a harmonia me acompanhou.
- Você não quer me escutar um pouquinho? As vezes tenho vontade de conversar. Os trabalhadores daqui são
ótimos, mas tão ocupados, Sabe, não fui boa em nada. Fui má filha, fugi de casa aos treze anos para o meretrício,
fiz muitos abortos. Tive três filhos, dei dois, o outro, antes o tivesse dado. Era um rapazinho esperto, um ladrão.
Um dia, ao roubar de um cliente meu, este o matou. Não fui boa mãe. Bebia muito, envelheci rápido e a morte me
buscou para o sofrimento. Fiquei dezessete anos no Umbral. Quando me socorreram, era um farrapo, estava muito
cansada. Há bastante tempo estou aqui.
- E irá melhorar logo - disse animando-a. - Tire dos erros do passado acertos para o futuro. Tente se recuperar e
passar de ajudada a ajudante.
A senhora sorriu tristemente. Dei-lhe um passe, fiz alto uma oração, ela me agradeceu:
- Obrigada!
Um senhor dizia sem parar:
- O café, tenho que colher o café!
Após o passe disse frases maiores, e deu para entender que roubou muito café de seus patrões. Colhia o café da
plantação durante o dia e, à noite, ia pegá-lo. O arrependimento fazia-o ver o fato sem interrupção. Depois do
círculo de orações, ele adormeceu tranqüilo.
E, assim, muitos tinham histórias reais para contar, descortinavam erros sobre erros. A maioria fora egoísta.
Amaram mais a matéria do que as verdades espirituais. O orgulho e o egoísmo levam muitos à porta larga da
perdição, para o sofrimento após a desencarnação. Ao sairmos das enfermarias, Zé comentou:
- Estava com vontade de perguntar a Frederico por que existem tantas enfermarias e, nelas, tantos necessitados.
Descobri
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ao escutar esses infeliZes. Sabem, iMpressionei-me ao ouvir de um senhor que estuprou e matou a Própria filha de
oito anos.
Um dos trabalhadores do Posto, ao escutar, argumentou:
- SãO Os imprudentes a que Jesus se referiu. Não fizeram o bem, viveram para a matéria, plantaram o mal e
colheram o sofrimento. E tanto fizeram maldades aos outros e a si próprios, que só poderiam ficar como estão.
Assim, caro estudante, estes abrigos são bálsamos para eles.
Na segunda enfermaria os doentes estavam em Piores condições. Uns falavam sem parar. Ao serem atendidos com
a alimentação, passes e oraÇões, melhoravam, ora aquietandose, ora falando frases mais coerentes.
Um senhor chamou-me a atenção, o remorso o castigava: ele expulsou os pais, já velhos, de sua casa, e eles
desencarnaram em um asilo, sem vê-lo mais. Uma outra senhora falava sem parar que matara. Após tomar o
passe, lembrou-se do amante que assassinara friamente. Outro senhor lembrava com aflição da filha renegada de
sua amante.
Que bom! - pensei - não ter erros para me atormentar. Como sou feliz! Nada melhor que plantar o bem",
Visitamos duas enfermarias no Primeiro dia. Os trabalhadores do Posto não fazem o que fizemos. Não há tempo,
Porque Os operários SãO Poucos para muito trabalho. Acabamos à tarde,
fomos para nosso quarto, depois para o
refeitório, e dele pasamos ao salão de música.
A noite saímos para o pátio. Os muros que cercam o vigília são fortes e altos, e no pátio há uma torre onde está o
sistema de defesa. Para subir lá, usa-se um elevador, Subimos em grupos pequenos. A torre tem trinta metros.
Também tem sistemas de defesa perfeitos e nunca um ataque os preocupou. Margarida, a senhora encarregada
àquela hora da guarda, mOstrou-nos alguns aparelhos que medem as vibrações fora do Posto num raio de três
quilÔmetros. Por ele ficam sabendo quem se aproxima e quantos são. Não se enxerga o céu, nem as estrelas; às
vezes, a lua, quando é cheia. Olhei do alto da torre, em volta do Posto, não enxerguei nada 'só O Posto lá
embaixo e suas luzes; fora, a neblina e a escuridão.
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Quando esperava a vez de subir na torre, olhava distraída um pequeno e bonito chafariz de pedra verde, com
delicados contornos de flores, rodeado de plantas. Flor Azul aproximou-se:
- Está a pensar, Flor Azul de Patrícia?
- Espero a minha vez de conhecer a torre. Foi bom vê-lo. Quero agradecer.
-A menina se lembra do senhor que a agradeceu no Caridade e Luz? Sinto como ele, só que mais feliz, porque
posso acompanhá-la e fazer algo por você. O que lhe faço, gostaria de estar fazendo também a seu pai. Muito devo
a ele, ao grupo espírita e a você. Poder retribuir é uma graça. Sou seu amigo desde que você era encarnada. Não
me agradeça, faço isso de coração e com felicidade.
- Que bom ser sua amiga, Flor Azul!
-Ao termos bons amigos, temos tesouros. Tendo-os por amigos, você e seu pai, sinto-me rico.
Sorriu de maneira terna. "É" - pensei -,"ele tem razão. Fazer por ter como amigos bons espíritos é ter tesouros no
plano espiritual. Também me sentia possuidora de largos bens".
Frederico fez a oração da noite e fomos descansar. Fiquei a pensar nos enfermos, no que vi e no que ouvi deles.
Como a maldade faz mal ao maldoso! Como é difícil a colheita da plantação ruim!
No outro dia, fomos a três enfermarias de irmãos que dormiam em pesadelos. É triste
vê-los. Uns ficam com os
olhos abertos e parados. A maioria não fala, seus semblantes são de horror. Estavam todos higienizados e bem
instalados e, nem por isso, eram agradáveis de ver. Eles ficam com as imagens dos próprios erros a lhes passar na
mente, sem parar. Às vezes, gemem com aflição. Cuidamos deles com carinho, limpando-os, acomodando-os,
dando-lhes passes e fazendo orações. Muitos, depois, ficaram mais tranqüilos, melhorando suas expressões. O
tempo que ficam assim é variado, alguns chegam a ficar anos, outros, meses. Quando acordam, passam para outra
enfermaria. Os enfermos vão mudando de enfermarias até ficarem bons. Quando recuperados escolhem o que
fazer: ou passam a trabalhar no Posto, ou vão para as Colônias estudar, ou reencarnam.
À noite escutamos músicas. Uma trabalhadora do Vigília nos brindou com encantadoras canções. Chama-se
Cecília, canta
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muito bem, íem linda voz. A boa música ajuda a refazer as energias. É
sempre agradável ouvir canções em
companhia de amigos
- Os trabalhadores do Vigília amam receber estas excursoes e visitas, gostam de conversar, trocar
informações. A noite transcorreu tranqÜilamente.
5
Samaritanos
No outro dia, logo após a oração matinal, foi dado o alarme. Aproximavam-se os samaritanos. Continuamos no pátio para esperá-los.
O portão foi aberto e eles entraram.
Vieram em veículos que não há como descrever. Não há condições de transmitir situações idênticas, porque não são iguais, nos dois planos de vida. Só posso transmitir
semelhanças de estados psíquico e espiritual. Podem haver semelhanças visuais, mas não fatos iguais no conteúdo externo e interno. Ficamos a observá-los, menos Joaquim,
que foi ajudá-los. Samaritanos são os trabalhadores do Posto que saem pelo Umbral a socorrer os que querem auxílio. Estavam vestidos, para melhor trabalhar, de botas
altas e capas com gorro de tonalidades do bege ao marrom-claro. Como as que usamos para atravessar o Umbral. Os socorridos estavam seminus, e os poucos vestidos
tinham suas roupas sujas e em farrapos. Apiedamo-nos. Estavam sujos, com cabelos e unhas grandes. Uns falavam, outros permaneciam como múmias, não se mexiam, embora
estivessem com os olhos abertos e aterrorizados. Muitos gemiam tristemente. Por um instante entristeci. Ver aqueles irmãos daquela forma era comovedor. Nunca pensei
em ver tanto sofrimento. Muitos apresentavam sinais de torturas. Ficamos em silêncio, parece que por momentos não tivemos vontade de falar, a cena nos comoveu.
Uma senhora socorrida, ao ver uma das trabalhadoras, exclamou:
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Um anjo! Você é um anjo! Socorra-me, pelo amor de Deus! Os socorridos foram levados para uma enfermaria
própria,
especial, para serem limpos e alimentados. Depois seriam encaminhados para as enfermarias e separados, conforme seu estado.
- Por favor, deixem-me ficar com ela!
Um homem segurava a mão de uma mulher, que dormia em pesadelo.
- Providenciarei para ficarem juntos. Obrigado!
Um samaritano respondeu:
Guilherme confirmou o pedido. Ficariam juntos. Normalmente, pelos seus estados, seriam separados. Mas aqueles dois estavam unidos e o homem, em estado melhor, se
preocupava com a mulher, em condições piores. Notava-se que se amavam. "Ainda bem que ficaram juntos" - pensei.
O grupo de samaritanos era formado por duas mulheres e seis homens. Cumprimentaram-nos sorrindo e foram guardar os veículos. Em seguida, esses trabalhadores iriam
alimentarse e descansar. Aproximamo-nos, admirando sua coragem e abnegação. Indaguei a um deles:
- Gosta deste trabalho? Faz isto há quanto tempo?
- Amo ir à procura dos que pedem auxílio em nome de Deus. Fui socorrido por uma caravana como esta, há quinze anos, neste Posto, e há cinco anos estou nesse trabalho.
- Como se sente a senhora, sendo mulher, num trabalho que exige tanta coragem? - Indagou o nosso distraído Zé a uma das trabalhadoras, uma moça de seus trinta anos
e muito bonita.
- Não existe no plano espiritual trabalho só para homens ou mulheres. Aqui somos criaturas de Deus. Gosto do que faço. Cada vez que regresso ao Posto com irmãos
sofredores, é alegria para meu coração.
A caravana trouxe vinte e um socorridos. Esses trabalhadores ficam dias pelo Umbral, vão a todos os lugares onde há necessitados, socorrendo sempre muitos irmãos.
O tempo de permanência no Posto varia de dois a três dias. Nesse tempo fazem planos, traçam rotas para o próximo socorro.
Logo depois de os socorridos terem sido recolhidos, a torre deu o alarme.
O som deste é uma campainha suave. Há quatro
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modos de dar o alarme. Três curtos, como foram dados para os samaritanos, aproxima-se diligência do bem. Um toque suave e longo significa aproximação de irmãos ignorantes.
Outro toque mais alto é para alertar sobre ataques; o que tem um som diferente, avisa que o Posto está para ser atacado por muitos espíritos. Nada de escândalos,
tudo é tranqüilo, porém o som é ouvido até onde estão as pessoas que necessitam ser alertadas. A campainha não toca nas enfermarias.
O guarda da torre nos disse que se aproximava um grupo de dez irmãos trevosos.
- Esperemos para ver o que querem - disse Guilherme. Novamente o guarda disse que o grupo havia parado a alguns metros. Logo escutamos gritos.
- Que gritam? - Indagou Luíza. - Dizem Valéria?
- Acho que é Venâncio - disse James.
Um dos socorridos saiu do pátio desesperado.
- É este! É Valêncio! - Explicou um samaritano.
O homem estava em horrível estado, fora torturado e se mostrava muito machucado, os sinais de tortura marcaram-lhe todo o corpo. Guilherme e um dos trabalhadores
o pegaram, levando-o novamente para dentro.
Frederico nos explicou:
- Este socorrido estava sendo torturado por esse grupo. Arrependeu-se e pediu, a tempo, auxílio em nome de Deus. Desta vez, os socorristas o trouxeram, e seus carrascos
vieram atrás dele. Vão levá-lo agora para uma câmara onde não escutará esses chamados.
- Que será que ele fez para ser tratado assim? - Indagou Glória com piedade.
- Infeliz de quem faz maldades, porque nem sempre quem as recebe, perdoa. Chega um dia em que a morte faz com que se encontrem. Certamente o torturaram por vingança
- esclareceu Frederico.
- Se eles gritassem meu nome, ficaria, como ele, desesperada? - Perguntei impressionada.
Frederico sorriu e disse:
- Certamente que não. Você não tem vínculos com eles. Para sentir seus chamados é preciso estar vinculada a eles, ter as mesmas vibrações e ter ficado muito tempo,
como esse irmão
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ficou, com eles. Se um grupo a chamasse, ouviria, simplesmente. Não deve temer.
O medo é para quem duvida.
O guarda da torre ficou atento, mas os do grupo gritaram de longe por trinta minutos. Não tendo resultado, resolveram ir embora.
- E se atacassem? - Perguntou Luíza preocupada.
- Teríamos que nos defender com raios elétrícos - respondeu Guilherme tranqüilo.
- O que presenciamos aqui acontece sempre? - Indagou Ivo.
- Sim. Às vezes ficam inconformados ao perderem suas vítimas. Alguns, como esses, só os chamam, outros nos atacam. Mas, uma vez aqui dentro, ninguém sai se não quiser
- respondeu Guilherme.
Eram onze horas da manhã, hora de partirmos. Despedimo-nos alegres, pois voltaríamos ao Posto para estudar o Umbral. Guilherme nos agradeceu, e Raimundo retribuiu
os agradecimentos em nome de todos. Saímos pelo portão e em fila. Iríamos a pé até o Caridade e Luz e então tomaríamos o aeróbus que nos levaria de volta à Colônia.
No Umbral estava frio, mas não percebíamos. Como já disse, aprendemos a neutralizar a temperatura exterior. Mas sentia-me um pouco sufocada. Fiquei bem perto
do Flor Azul, que continuava tranqüilo. Confesso que o Umbral me dá medo. Ler ou ver em filmes é uma coisa, mas, lá, pessoalmente, é outra. Nada tem de bonito ou
agradável. Voltamos sem problemas. Quando chegamos ao Abrigo Caridade e Luz, foi um alívio. Só paramos lá para pegarmos o aeróbus. Estava cansada, e a condução veio
em boa hora.
Que gostoso é estar na Colônia! Chegamos à noite e fomos direto para nosso alojamento, onde nos alimentamos e descansamos. Gostava de anotar tudo o que via, e era
nessas horas de descanso que o fazia; depois de ter anotado, dormi algumas horas.
No outro dia cedinho, tivemos a aula de conclusão. As perguntas foram muitas.
- Os trabalhadores do Posto recebem bônus-hora? E os samaritanos ganham mais? - Indagou Cecília.
- É fácil aprender. Estudei o assunto no curso de alimentação que fiz na Colônia e transcrevi no livro Violetas najanela; o desencarnado que não sabe neutralizar
a temperatura exterior sente frio e calor.
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Raimundo foi o escalado para responder:
- Para todos são contadas as horas de trabalho. Recebem bônus-hora os que querem e precisam. No trabalho que requer mais esforço e se despende mais energias, recebem
dobrado e, às vezes, triplicado, como o dos samaritanos.
- Os samaritanos são atacados? - Quis saber Glória.
- Esses trabalhadores são chamados de muitas formas: missionários, emissários etc. São atacados muitas vezes. Saem sempre pelas regiões do Umbral e, às vezes, ficam
no Posto somente por horas. Rara é a excursão em que não são atacados. Nossos amigos não são intimidados com isso. Possuem redes de proteção e estão sempre com os
lança-raios, aparelhos de defesa pequenos. São espertos e se saem sempre bem, porque não estão a fim de brigas e, por isso, impõem respeito.
- São heróis! Que trabalho difícil! Admiro-os! Eles têm folga? - Marcela falou entusiasmada.
- Têm folga sim e as passam como querem, uns vêm à Colônia, alguns visitam amigos e outros ficam no Posto.
- Eles percorrem todo o Umbral? - Perguntei.
- Sim, percorrem. Em cada excursão vão para uma parte do Umbral. Vão em todas as cavernas, buracos, vales, enfim, por todos os lados. São experientes e conhecem
todos os lugares do Umbral nesta região.
- Eles vão também às cidades do Umbral? - indagou James.
- Sim, vão. Algumas vezes, pedem autorização para pegar alguns que querem socorro. Outras vezes, os samaritanos são vistos pelos habitantes das cidades do Umbral
socorrendo alguns irmãos. Quando esses irmãos não são do interesse dos que lá moram, os samaritanos trabalham sem problemas. Mas, quando eles querem socorrer alguém
que interessa aos moradores da cidade do Umbral, os samaritanos entram sem serem vistos. Como ocorreu no caso daquele torturado que vimos e que foi chamado pela
turma, de fora do muro.
- Há socorristas pelo Umbral, no mundo inteiro? - Cida perguntou.
- Sim, pelo Umbral de toda a Terra há socorristas que trabalham em nome de Jesus, auxiliando todos os que sofrem e clamam por ajuda.
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- Esses socorristas nunca ficaram presos? Os espíritos ignorantes que gostam do Umbral nunca prenderam alguns deles?
- Indagou Nair.
- Não tivemos notícias de acontecimentos deste tipo. Num aperto maior, eles podem mudar a vibração e tornar-se invisíveis para os outros.
Resmunguei baixinho, e Raimundo me disse:
- Patrícia, quer falar alguma coisa?
- Estou pensando: não quero nem trabalhar num Posto de Socorro nem no Umbral, acho que não tenho jeito. Mas admiro os que lá trabalham.
- Essas tarefas requerem pessoas com muito amor e caridade. Por isso, devemos respeitar esses trabalhadores e admirar o que fazem.
Todos nós olhamos para Joaquim, que ficou encabulado. -Aqueles que vimos nas enfermarias dos Postos demoram para melhorar? - Perguntou Cida curiosa.
- Depende muito de cada um. Há irmãos que levam anos para melhorar, para outros a melhora leva meses.
- Existe socorrido que não gosta do Posto? - Indagou Ivo.
- Sim, existe, embora os que para lá são levados queiram o socorro, pois estão quase sempre cansados de sofrer. Estes são normalmente agradecidos. Não podemos levar
irmãos que não estejam arrependidos e não queiram o socorro, porque eles acham tudo ruim. Outros dizem que nos Postos há muita disciplina e querem ir embora. Alguns
espíritos que não sofreram o suficiente e que são abrigados em Postos de Socorro, a pedido de terceiros ou por equipes que trabalham em Centros Espíritas, muitas
vezes não gostam e não ficam, voltando aos ex-lares e a vagar.
- Eu - disse Rosália - estive no Vigília como socorrida. Sou grata a todos. Mas ver o Posto como aprendiz é diferente.
- Claro. Estava enferma, necessitada, conheceu as partes que lhe cabia habitar. Agora, foi conhecê-lo como estudante, e tudo lhe pareceu diferente.
- Rosália, você lembra alguma coisa de quando esteve lá como socorrida? - Zé perguntou.
- Sim. Como esquecer o sofrimento? Era um farrapo humano, foi doloroso.
O remorso é fogo a queimar.
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Como não houve mais perguntas, Raimundo disse:
- Façam uma redação, escrevam o que viram, o que mais os impressionou.
Não é um trabalho obrigatório. Farão a redação só os que quiserem. Aqueles que têm dificuldades para escrever e preferem falar, contarão o que sentiram e do que
gostaram. Alguns preferem ficar só escutando.
Foram quinze a ler o que escreveram. Todos falaram dos samaritanos. Trocamos idéias. Ivo e Luís disseram que, após o curso, irão trabalhar num Posto no Umbral.
Conhecer esses Postos, esses lugares de paz no meio do sofrimento, nos foi gratificante. São casas de socorro abençoadas. São refrigério aos irmãos atormentados.
Que bom que há esses locais, e como é maravilhoso neles existirem os trabàIhadores do bem!
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6 (Desencarnação
Começamos a aula teórica narrando nossas próprias desencarnações. Todos, de fato, têm uma interessante história para contar. Ninguém teve a desencarnação da mesma
forma, embora seja natural e para todos.
Narrei a minha, em poucas palavras:
- Desencarnei por aneurisma cerebral, nada vi ou percebi; para mim, foi como dormir e acordar entre amigos. Adaptei-me logo, era espírita, e este fato ajudou-me
muito.
- Veio com diploma! - Exclamou Ivo brincando. - Sabia o que ia lhe acontecer e o que ia encontrar. É bem esperta!
- De fato - respondi -, quem tem religião interiormente e
vive de acordo com o Evangelho é esperto! O Espiritismo bem compreendido educa para a continuação da vida.
- Acha, Patrícia, que, pelo fato de você ter sido espírita, teve e tem recebido muito aqui no plano espiritual? - Perguntou Zé, também referindo-se ao fato de Flor
Azul nos acompanhar nas excursões por minha causa.
- Zé, o Espiritismo proporcionou-me um ambiente propício para realizar-me interiormente. Segui realmente a Doutrina de Allan Kardec, vivi o Evangelho de Jesus.
D. Isaura interrompeu delicadamente:
- Patrícia enquadra-se bem num dos ensinamentos de
O Evangelho Segundo o Espiritismo, Capítulo XVIII - Muitos os chamados e poucos os escolhidos. No item doze, que nos diz: "Aos espíritas, portanto, muito será pedido,
porque
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muito receberam, mas também aos que souberam aproveitar os ensinamentos, muito lhes será dado".
Zé narrou a sua desencarnação:
- A minha desencarnação foi o máximo, é de morrer de rir. Morri de susto. Verdade! Estava bem, pelo menos nada sentia. Um dia um amigo e eu fomos dar um passeio
de carro. Ao atravessar a linha do trem, o carro parou, enguiçou e nada de pegar. Nisso o trem vinha vindo. Meu amigo correu para fora do carro. A aflição fez-me
ficar parado. Meu amigo gritou para que eu saísse e, como não saí, ele voltou e tentou de novo fazer o carro pegar, até que pegou, e saiu um segundo antes que o
trem passasse.
"'Que susto hein, Zé!'
"Nada de responder. Meu coração simplesmente parou, fazendo-me ter morte instantânea. Na verdade, só escutei meu amigo falando, depois perdi os sentidos. Meu espírito
adormeceu. Acordei sozinho, estava caído perto da linha do trem. Não senti nada, levantei e fui para casa. Lá, uma choradeira total. Entrei e outro susto. Vi-me
no caixão. Senti-me mal e ninguém ligou. Confuso, fiquei a pensar: 'Morri? Fiquei louco? Foi um outro sujeito parecido comigo que morreu?' Mas ninguém me via. Resolvi
apelar. Na hora do aperto, como sempre, recorre-se a Deus. Comecei a gritar a Deus, pedindo perdão e socorro. Senti ser chacoalhado. 'Calma, Zé, que escândalo!'
Era minha mãe que já desencarnara há tempo. 'Mãe' - disse gritando -, 'me socorre! Morri ou estou louco?' 'Calma, filho, tente se acalmar'. A senhora é assombração?'
- perguntei mais calmo. 'Não, sou sua mãe, que muito o ama. Não tenha medo, vou ajudá-lo.' Mamãe levou-me para um canto da casa onde não havia ninguém e voltou à
sala, onde estava o caixão com meu corpo, para acabar de desligar-me dele. Dois amigos passaram perto de mim e comentaram:
'O Zé deve estar contando piadas a São
Pedro'. O outro respondeu: 'Morreu de susto, isto é jeito de morrer?' 'Piadas a São Pedro' - pensei -, 'estou passando um tremendo aperto'. Aí, um grupo de senhoras
começou a orar, senti-me melhor e mais calmo, foi me dando sono. 'Venha, Zé!'- disse mamãe. Acomodei-me nos braços dela e dormi. Acordei e pensei ter sonhado, mas
logo me certifiquei de
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que tudo era verdade. Sempre fui muito alegre e católico freqüentador da igreja. Aceitei bem o fato e tratei de me acostumar à nova vida: logo estava trabalhando
e hoje faço este curso para melhor servir."
- Eu fui ateu! - Iniciou Ivo. - Ateu convicto de que estava certo. Achava, quando encarnado, que tudo era pelo acaso. Deus era uma personalidade inventada para aterrorizar
os ignorantes. Não existia nada além da morte do corpo. Fiquei doente, uma grave doença que me acamou; aí, às vezes, me perguntava: "Será que estou certo?" Fiquei
com medo e julguei que a doença é que me dava temor. A idéia do suicídio veio, porém repeli, não era covarde, agüentaria o sofrimento. Resolvi esperar pelo fim.
Não acreditar em nada é triste, não se tem consolo e, pensando que acabamos, dá uma sensação agoniada.
"Não percebi minha desencarnação. Continuei muito tempo agindo como doente no hospital, sentindo o abandono dos meus familiares. Depois, fui retirado do hospital
por espíritos brincalhões e levado ao cemitério. Falaram que morri, que desencarnei, mas não conseguia entender nada. Não sabia orar; o pouco do Evangelho que conhecia
não me vinha à mente, pois nunca prestara atenção nele. Encarnado, ria das pessoas religiosas, mas não fui mau. Se não fiz o bem, tampouco fiz o mal. Fui pego por
entidades maldosas e ]evado para uma cidade do Umbral, como escravo. Tinha que fazer certos tipos de trabalhos para eles. Anos fiquei assim, até que entendi tudo:
a vida continua após a morte do corpo e Deus existe. Cansado de sofrer, recorri a esse Deus em que não acreditava, que é nosso Pai Amoroso.
O socorro não veio de
imediato, mas não desisti, a cada dia, com mais fé, clamei por auxílio. Fui socorrido, levado a um Posto. Agradecido e querendo ficar bom, recuperei-me e passei
a ser útil. No Posto fiquei muito tempo. Depois vim para a Colônia trabalhar. Mudei muitas vezes a forma de trabalho, para conhecer como é viver por aqui. Tendo
conseguido pelo meu trabalho elogios, porque nunca fui preguiçoso, e trabalhar forçado como escravo é bem penoso, mas aprende-se a trabalhar, pedi para estudar.
Penso que se conhecer este mundo maravilhoso posso firmar minha fé e ser útil com maior segurança.
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Desencarnei há quarenta e cinco anos, vinte e cinco anos sofri vagando e no Umbral. Vinte e cinco anos é muita coisa, mas foi justo. Quem descrê de tudo
só é acordado pelo sofrimento."
Ivo - indagou Luíza, se você tivesse sido mau, iria sofrer mais?
- Certamente que sim, acredito que mais e por mais tempo.
Terezinha falou de sua desencarnação. Ela é calma, fala mansa, é muito simpática:
- Era muito religiosa, gostava muito de orar, mas infelizmente a religião não me ensinou o que seria a morte. Tive um câncer generalizado, que me causou muito sofrimento.
Aí, indagava a mim mesma: "Por que sofro tanto? Deus está sendo injusto comigo?" Procurava fortalecer-me na fé, mas não entendia, e a fé sem raciocínio é difícil
de manter. Desencarnei e fui levada para um Posto. Melhorei logo, mas pensava ainda estar encarnada e me curando. Quando me falaram que desencarnei, não acreditei;
depois, ao pensar e analisar, fiquei tremendamente decepcionada por não ser como pensava e me tornei apática. Não queria nada, não queria escutar ninguém e pensei
novamente: "Que adiantou ter sido boa e devota? Deus estaria sendo justo comigo?" Os orientadores do Posto levaram-me a uma reunião espírita. No Centro, vi muitos
mutilados e sofredores e escutei do orientador: "Vê como valeu ter sido boa e devota? Observe bem que muitos, ao terem o corpo morto, não tiveram a cura como você,
não foram levados para um socorro". Fiquei olhando tudo curiosa, não me incorporei, só escutei, e voltei diferente. Muitas vezes fui às reuniões e, juntamente com
orientadores, fui conhecer o Umbral. Melhorei, saí da apatia e pude saber que minha desencarnação com sofrimento foi para quitar o passado de erros.
O mundo espiritual
me fascinou, e de ajudada passei a ajudante; hoje tenho a graça de estar aprendendo para servir com mais sabedoria.
Ilda, com simplicidade, narrou sua desencarnação:
- Estava feliz, casada com o homem que amava, e minha casa era um sonho. Ao ficar grávida senti-me a mais feliz das mulheres. Meu parto complicou e desencarnei,
após ter
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tido uma menina. Fui socorrida e levada, após a morte do meu corpo, para um Posto de Socorro. Como sofri. Esforçavame para não me revoltar. Sentia o choro dos meus
pais e do esposo. Deixar tudo, quando se é feliz, não é fácil; só se tivermos compreensão, como Patrícia, que também era feliz e continuou sendo. Meus pais pegaram
a menina, minha filha, para criar, e meu esposo voltou para a casa de seus pais. Sentia tanta falta deles, queria tanto ter cuidado, acariciado, pegado e amamentado
minha filha. Queria estar encarnada! Só pensando neles, não dei atenção a mais nada. Tive de ser doutrinada, através de uma incorporação, num Centro Espírita, e
fazer um tratamento com um médico psicólogo aqui. Só aos poucos fui me acostumando. Meu esposo casou-se de novo e tem outros filhos; minha filha já é uma adolescente.
Agora amo viver aqui, mas não foi fácil. Tudo o que passei foi um aprendizado difícil, mas necessário ao meu espírito.
A desencarnação é o nascer do espírito para o mundo espiritual. Tivemos aula de anatomia. Estudamos os pontos de força e vimos em filmes como se faz para desligar
o perispírito do corpo morto. As equipes de socorro que fazem esse desligamento reúnem-se normalmente em grupo de três a quatro socorristas. Para trabalhar nesse
processo, fazem longo estudo e treinamento, e só podem realizar o desligamento, imediato, de poucas pessoas. Por isso, não são muitos nessas tarefas. Vimos o trabalho
deles em filmes, quando faziam vários desligamentos.
Depois desse curso, qualquer um de nós poderia desligar alguém após seu corpo ter morrido, mas não devemos fazer isso sem ordem superior. É bom saber! Saber é poder
fazer!
O desligamento se faz de várias formas. Minutos apos a morte do corpo, alguns dias ou meses. Isso depende do merecimento de quem desencarna.
Estudamos muito a parte do corpo humano e, utilizando bonecos, vimos como se faz o desligamento. Esses bonecos são cópias fiéis do corpo humano e do perispírito.
Entendemos perfeitamente como funciona o corpo físico, o que ocorre com ele e como se desintegra.
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Impressionei-me ao ver, em filmes, o desligamento de pessoas que se suicidam. Sempre é muito tempo após a desencarnação. Que triste! É a pior desencarnação, embora
seja cada caso um caso. Mas sofre muito quem pratica esse crime contra si mesmo.
A aula teórica foi muito boa e esperava ansiosa pela aula prática.
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7 Desligamento
As aulas práticas foram realmente muito importantes. Flor Azul se ajuntou a nós, como sempre muito simpático,
e trabalhou bastante. Primeiramente fomos a hospitais de encarnados da região. Por mais que estudemos, ao ver
pessoalmente a tarefa é diferente, por entrar a emoção e, às vezes, a piedade. Também, porque é com a
desencarnação que encontramos os amigos ou os inimigos que fizemos, quando encarnados. Vimos primeiramente
a desencarnação de um senhor que a equipe socorrista veio desligar; esperavam-no muitos amigos e familiares.
Desencarnou tranqüilo. Foi bonito. Mas logo em seguida vimos a desencarnação de outro senhor, que muitos
obsessores aguardavam. Oramos por ele, mas não conseguimos impedir que os obsessores o desligassem e o
levassem, certamente, para o Umbral.
D. Isaura aproveitou para elucidar-nos:
- Estamos aqui para um aprendizado, auxiliando todos os que fizeram jus a uma ajuda dos bons. Não podemos
interferir na colheita de ninguém. Esse senhor vibrou com os inferiores e não conosco; a vida toda afinou-se com
eles, com esses irmãos das trevas, e só pode ter agora a companhia que ele mesmo escolheu. Ao cometer erros,
estamos vibrando com os errados. Este senhor precisa sofrer, para aprender. O sofrimento é o remédio de que
necessita.
Vimos muitas desencarnações. Em hospitais grandes acontecem muitas. Ajudamos os socorristas nos
desligamentos de muitos deles.
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Onde íamos, apresentávamo-nos, ao chegar, aos responsáveis do local. Fomos sempre bem recebidos e estivemos em muitos hospitais.
Desligamentos de crianças são rápidos. Normalmente, quando estão para desencarnar, uma equipe de socorristas já está perto, e sempre são levadas para um socorro.
Impressioneime porque criança sempre me comove, mas é mais fácil, não são normalmente tão presas à matéria como os adultos.
Depois, ficamos de plantão nas rodovias de maior movímento. Nas grandes rodovias há, em determinados pontos, pequenos Postos de Socorro e, ao mais simples acidente,
é acionado um aparelho, indicando o local e a gravidade. A equipe de socorro vai em seguida, chegando mesmo antes do socorro material. Fomos recebidos com alegria
pelos trabalhadores. Torci para que não houvesse nenhum acidente, mas houve vários. Os Postos de Socorro nas rodovias estão sempre em contato e, assim, quando acontecia
um acidente, logo nos era comunicado e íamos imediatamente para o local. Não é agradável ver pessoas machucadas e com dores. Ajudamos tanto os feridos, como os que
desencarnaram. O desligamento nos acidentes às vezes é violento, pois o corpo morre e o perispírito se desliga instantaneamente. Levamos muitos espíritos para o
Posto de Socorro da rodovia. Ali recebem os primeiros socorros, logo depois são levados para outros Postos de Socorro.
Muitas vezes é feito somente o desligamento sem socorrer o espírito. Há desligamentos que demoram pouco tempo. Outros são feitos aos poucos, levando horas.
Depois de muitas horas nas rodovias, onde vimos muitos acidentes com mortes e muitos machucados, fomos para o cemitério.
- Aqui existem muitos apegados ao corpo físico, nosso trabalho de aprendizagem consiste em ajudar, desligando todos os que pudermos.
Eram muitos os que gemiam ao lado dos corpos apodrecendo; outros dormiam em pesadelos. Os trabalhadores da equipe de socorristas do cemitério vieram nos receber
contentes:
- Bem-vindos, os do grupo de estudantes! A presença de vocês nos é muito grata. Sempre que aqui vêm, conseguem ajudar muitos irmãos que não souberam desencarnar
e sofrem.
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Espíritos vagabundos, arruaceiros, gostam de zanzar pelos cemitérios, mexem com os que sofrem e riem dos que
se julgam encarnados. Tivemos recomendações para ignorá-los. Durante nosso trabalho, ficaram nos observando,
chegaram a nos ironizar, mas sem se aproximar.
No cemitério, havia muitos ligados ao corpo morto.
- São tantos! - Exclamou Zé. -Aposto que vamos conseguir levar a metade para o socorro.
Aposto que ficarão somente dez - disse Luís.
- Ficam três - eu disse.
O grupo é alegre, não se pode abaixar a vibração com tristezas e piedade sem ajuda. Falamos por brincadeira.
Desejávamos que não ficasse nenhum sem socorro. Repito que poderíamos ajudar somente os que pedissem com
humildade, sinceridade, e os que estavam a fim de socorro, mas não os revoltados, que blasfemavam. Estes são
muito necessitados, mas não adianta levá-los para um socorro, porque não aceitam e só trazem problemas para o
local para onde são levados.
E lá fomos nós, todos animados, tentar conversar com eles. Não é fácil!
Nos que dormiam demos passes, mentalizando nossas forças para ver se conseguíamos despertá-los, acalmá-los e
fazer que pensassem em Jesus, em Deus.
Três dos que dormiam despertaram apavorados e, assim que os desligamos, saíram correndo. Certamente seriam
socorridos mais tarde. Os que gemiam estavam perturbados pela dor e pelo horror de estarem ali; dávamos o passe
e pedíamos que ficassem calmos. Pudemos desligar muitos, socorrendo-os e levando-os ao Posto de Socorro. Em
quase todos os cemitérios há um Posto pequeno, para onde os socorristas levam, por pouco tempo, os socorridos.
Alguns repeliam nosso socorro, chegando a nos xingar. A eles nada pudemos fazer.
Para mim, esse trabalho é delicado, e admiro os que o fazem. Não é fácil ver muitas tristezas. A vontade que me
deu foi de socorrer todos, mas não é possível e, por isso, ficaram muitos ali presos a seus corpos em
decomposição. Mas nosso trabalho deu resultado, porque os poucos que socorremos nos encheram de alegria.
Admiro os socorristas dos cemitérios.
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Quase todos moram no pequeno Posto, trabalham muito, têm pouca folga e são felizes. Amam o que fazem.
- Pensei que ia me sujar ao lidar com tantos irmãos sujos, uns até apodrecendo - falou Luíza com sinceridade.
Frederico respondeu:
- Não, Luíza, nós não nos sujamos. Depois, sabemos plasmar limpeza, limpar-nos pela força da mente. De fato,
em sua maioria, os irmãos que sofrem, aqui, estão sujos, mas devemos ver os irmãos que sofrem e pensar que
talvez pudéssemos ser um deles. A sujeira externa não é obstáculo ao socorro.
Fomos ver alguns velórios. Sempre uma nuvem cinzenta de tristeza e agonia paira sobre o local. Vimos alguns
em que apenas velavam o corpo, com o espírito já desligado, ausente.
Mas em alguns velórios o espíríto ali estava, confuso. Em outros, dormiam junto ao corpo. O que atrapalha
nesses lugares é a choradeíra. Que bom seria se todos entendessem a desencarnação como ela é e
aceitassem essa ausência física, ajudando o desencarnado com pensamentos de carinho, orando com fé,
auxiliando no desligamento e na sua ida para o plano espiritual!
Raimundo foi com Joaquim tratar, em outro local, de um caso particular. Teríamos duas horas para ficar na
crosta e fazer o que quiséssemos. Quase todos seguiram d. Isaura, que quis retornar ao cemitério. Era noite,
convidei a turma para ir a minha casa terrena. Alguns aceitaram, Frederico nos acompanhou. Fomos em sete.
Entramos em casa e acomodamo-nos na sala de televisão. Sempre me emociono ao entrar no meu ex-lar
terreno. Sentir os fluidos dos familiares, o calor humano, o carinho com que sou lembrada, é bem agradável.
Começamos a conversar. Meus familiares dormiam.
A conversa esquentou, Zé acabou fazendo um barulho físico na televisão. Aquietamos na hora. Meus pais
acordaram, vieram ver o que tinha feito barulho. Não vendo nada, logo voltaram a dormir. Zé, sério, falou
dirigindo-se a nós:
- Respeitem a casa de Patrícia, suas assombrações de meia importância.
Foi só risada.
Zé costuma dizer que não somos tão pés-de-chinelo e nem importantes. Somos somente meio...
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Frederico nos explicou que foi possível
fazer o barulho, Porque havia alguém sensitivo em casa e por estarmos distraídos a conversar. Pediu ao Zé
com delicadeza que não fizesse mais esse tipo de brincadeiras. Ele entendeu e se desculpou.
No horário marcado, pegamos o aeróbus, que estava em um Posto de Socorro, e voltamos à Colônia.
Na aula de conclusão, todos quisemos falar. Os socorristas dos cemitérios foram nossos heróis.
- Tive vontade de desligar todos os que vi, ainda ligados ao Corpo morto - disse Terezinha. - Será que não
Poderíamos mesmo ter feito isso?
- Se tivéssemos desligado todos, não teríamos agido com sabedoria - respondeu d. Isaura. - Quando fazemos
algo prematuramente, resulta quase sempre em prejuízo ao socorrido. Todos os doentes necessitam da
medicação certa.
- Vimos também familiares desligando entes queridos, sem a Presença dos socorristas.
Não pensei que isso
fosse Possível
- falou Marcela.
- Vocês agora sabem, e quem sabe pode fazer, desde que tenha permissão. Vocês viram familiares desligarem
seus entes queridos, mas somente os que já Podiam ser socorridos; os outros, ou seja, os que não têm
merecimento, os familiares não podem socorrer.
- Vimos também os obsessores desligarem aquele senhor. Pensei que só os bons soubessem - disse Luís.
- Saber não é Privilégio só das pessoas boas. Os maus sabem isso e muito mais coisas. Desligam, sim, e fazem
isso com companheiros e com os que odeiam,
- Espíritos maus podem fazer desencarnar uma pessoa? lvoindagou.
- Não. Nem os maus, nem os bons. Só podem desligar. E desligam quando O
COrPO já está
morto. A morte do corpo segue a lei natural. Pode um encarnado matar outro encarnado. Mas não pode o
desencarnado matar o corpo de um encarnado. Tanto os bons quanto os maus têm que esperar o corpo físico
morrer para desligar o perispírito.
-Já desencarnamos tantas vezes, e cada vez nos parece algo fenomenal. Por que isto? - Glória indagou.
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- Falta de educação sobre a desencarnação, falta de entendimento certo. Entre os encarnados, é o Espiritismo que
dá a compreensão da desencarnação. Também nem sempre se vive encarnado como se deve, com a consciência
tranqüila, e a morte, esta desconhecida de muitos, acaba provocando o pânico.
- Existe quem conhece bem a desencarnação e consegue desligar-se sozinho? - Indaguei.
- São casos raros, mas conseguem sim. Quem sabe, para si sabe.
Fiquei duplamente contente, pensei na minha família; certamente, se continuassem a estudar como fazem, não
ficariam presos ao corpo morto, e depois, agora eu sabia, aprendi para ajudar.
A desencarnação foi realmente um assunto interessante!
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8 Reencarnação
Na aula teórica, tivemos conhecimentos de anatomia, estudamos o corpo humano. Depois vimos, através de
filmes, muitas reencarnações. Presenciamos nascimentos de gêmeos, observando como dois ou mais espíritos se
preparam para reencarnarem juntos. E também COMO é feito o processo de esquecimento do passado. Todos nós
temos na reencarnação um recomeço. Não nos convém recomeçar lembrando o passado. Temos a bênção do
esquecimento dos nossos erros, para que no novo corpo recomecemos sem a dor do remorso.
- É útil recordar o passado, outras existências? - Indagou Terezinha.
- Quando desencarnados, só se recordam os que estão aptos para isto e se for útil a eles. Encarnados, em alguns
casos somente. É prejudicial lembrar-se por curiosidade. Às vezes, recordar é uma terapia. Como em pessoas com
tendências ao suicídio. Talvez sabendo um pouco do que sofreu, quando se suicidou em vida passada, lutará
contra essa tendência e tentará superá-la. Algumas pessoas com traumas têm seus problemas amenizados com a
lembrança. Só recorda sozinho aquele que está amadurecido para isso. Muitas recordações em espíritos imaturos
os têm levado à loucura - respondeu Raimundo.
- Vi, quando encarnado, pessoas loucas, que tinham duas personalidades, será que é porque recordavam o
passado? IvO indagou.
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- Cada caso deve ser analisado para darmos o diagnóstico. Mas pode ser que, recordando sem o devido preparo, o
cérebro físico adoeça, confundindo tudo. Sei de obsessores que, vendo que o encarnado tem tendências à loucura,
o forçam a recordar o passado e assim ele fica doente. O esquecimento é uma bênção!
- Mas ficam em nós fatos do passado, medos, afetos e desafetos, não é mesmo? Sempre, quando encarnado, se
tem alguma sensação de conhecer lugares ou pessoas - disse Rosália.
- Todos nós esquecemos o passado para reencarnar, mas fica em muitos a impressão dos acontecimentos mais
marcantes. Daí sentirmos essas sensações.
Muitos fatos interessantes foram narrados. Há grupos que se afinam numa grande família espiritual e procuram
reencarnar sempre juntos, uns ajudando os outros. Existe também a reencarnação numa tentativa de reconciliar
espíritos, embora nem sempre se consiga isso. Conhecemos tantos casos assim, membros de uma família se
odiando e, às vezes, até matando um ao outro.
Joaquim narrou sua história:
- Inimigos de séculos fomos eu e outro espírito. Reencarnamos como irmãos nesta minha última existência, para
que aprendêssemos a amar. Desde pequenos brigávamos, nos odiando. Numa dessas brigas, atingiu-me ele com
uma faca, fiquei gravemente ferido e vim a desencarnar dias depois. Ainda bem que ele se arrependeu, pedindo-me
perdão, e eu o perdoei de coração. Ele ainda se encontra encarnado e se arrependeu com sinceridade. Mas entre
nós houve tantas ofensas, que teremos de estar juntos de novo para atar laços de afeição.
- Será que poderão brigar novamente? - Indagou Cecília. Joaquim respondeu:
- Espero que não. Tenho me esforçado para aprender: trabalho no Posto, no Umbral, no meio de muito sofrimento
para conscientizar-me do bem. Para amar a todos como a mim mesmo.
Fomos ao Departamento de Reencarnação da Colônia. É um prédio muito bonito, cercado de jardins. O prédio de
três
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andares é só para o Departamento. Inúmeras pessoas trabalham ali. Sua decoração é simples, com pintura bege-
clara. Possui muitas repartições. Primeiramente ficamos no salão da frente, )a estavam varias Pessoas preparando-
se para a reencarnação. Misturamo-nos a elas, conversando para saber de seus problemas e o que desejavam.
Aproximei-me de duas senhoras, apresentei-me. A mais velha disse:
-Aqui estou para pedir a reencarnação. Minha bisneta, espíríto muito querido, quer engravidar, espero ser esse
nenê. Confio nela e sei que me educará bem.
- Preocupo-me - disse a outra senhora. - Quero reencarnar para esquecer. Cometi muitos erros na existência
passada e, por mais que tente não sofrer por eles, não consigo, O remorso me persegue. Pedi que me esquecesse,
com a bênção da reencarnação. Só que abusei dos vícios, com as bebidas alcoólicas e o fumo, danificando meu
corpo sadio. Agora, ao encarnar, terei algumas doenças que me farão ficar longe de tais vícios.
Fiquei a pensar no que ouvi. Procurei Frederico e indaguei: Frederico, é Possível acontecer o que aquela senhora
me disse? - E relatei-lhe o fato.
- Patrícia, somos o que construímos no passado e Seremos no futuro o que Construirmos no presente. Essa
senhora não conseguiu educar-se. Reencarnando deste modo, poderá transmitir ao corpo físico o que pensa.
Misturei-me aos outros novamente. Aproximei-me de um homem e de uma mulher jovens ainda. Ela nos disse:
- Gosto muito da pessoa que vai ser meu pai. Mas não gosto da que vai ser minha mãe. Sei que ela não tem
simpatia por mim.
- Não aprendeu a amá-la? - Indaguei,
- Bem, não é fácil. Ela é muito chata. Novamente fui indagar Frederico.
- Ora, Patrícia, todos nós que estamos no rol das reencarnaÇões temos defeitos a superar e virtudes a
adquirir. Não é Porque vão reencarnar que são santos ou que aprenderam tudo na
cartilha do bem viver. Se
fossem perfeitos, a Terra não estaria nessa confusão que vemos.
O fato é que este preparo é para poucos. Como também são POUcOs os que Podem escolher os país, como irão
ser etc. Esse
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preparo só é possível aos que trabalham, são abrigados nas Colônías e nos Postos de Socorro.
Há muitas salas no Departamento. A sala dos pedidos é muito freqüentada. É onde se fazem os pedidos para
reencarnar. As pessoas que trabalham no Departamento são treinadas e com muita experiência. Têm tarefas no
Departamento e na Terra, acompanhando as reencarnações e ajudando a conscientizá-las.
Existe a sala dos moldes, onde são estudadas as formas do corpo que os futuros reencarnados terão. É muito
bonita; vimos fazer alguns moldes de corpos perfeitos, que teriam doenças depois de certa idade etc. Os técnicos
são preparados, estudiosos e gostam do que fazem. Esses moldes são feitos assim: o espírito que quer reencarnar
vai até lá e pede que lhe façam um molde. Baseados no físico dos pais, os técnicos traçam o modelo, levando em
conta os pedidos do reencarnante, como doenças, detalhes etc. Quando forem reencarnar e seu períspírito se
encolher para se ligar ao feto, tudo é feito baseado neste molde. O molde é feito para o feto, mas sabe-se como vai
ficar quando adulto. Não são todos os que reencarnam que fazem uso desta sala. São poucos os que podem
escolher o corpo que vão ter. Esses poucos são os casos, em que haja problemas particulares, em que os
estudiosos do Departamento pedem que sejam feitos, e os casos de espíritos com muito merecimento.
Há a sala de espera, onde ficam os candidatos à reencarnação que pedem para reencarnar e aguardam sua vez.
Aprendi muito conversando com as pessoas. E notei que
não pensam da mesma forma. Muitos gostam da vida encarnada e pediam nova oportunidade no corpo. Outros
queriam reencarnação porque lhes era necessário, mas amavam vida no plano espiritual. Em alguns deles o medo
estava presente, temiam perder-se na matéria. Sabem que a encarnação ilude a muitos e que o caminho das
facilidades é mais prazeroso. Sabem que crescer espiritualmente não é fácil.
Conversamos muito, animamos todos. Reencarnar é morrer para o mundo espiritual.
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A aula pratica foi ótima, pelo menos não vimos choradeira. Nascimento é quase sempre motivo de alegria.
Flor Azul juntou-se a nós. Perguntei-lhe:
- Como vai o trabalho no Centro Espírita?
- Muito bem. Temos tido muitas atividades ultimamente. Pensei: "Coitado, tanto trabalho e ele aqui comigo".
Esqueci que ele podia ler meus pensamentos. Respondeu tranqüilamente:
- Sim, há muito trabalho, porém o meu é este agora e o faço com amor. Coitado é aquele que não gosta do que faz.
Saber que confiam em mim para protegê-la é um presente que recebo.
Sorri, e também pensei: "Tenho muito que aprender, para
viver sem dar 'ratas' no plano espiritual .
Primeiramente fomos ver o encontro de pais com futuros filhos.
Os trabalhadores do Departamento trazem o espírito, o candidato à reencarnação, até a casa dos pais ou da mãe.
Afastam os encarnados do corpo, enquanto dormem. São na maioria encontros felizes. Só trazem dificuldades
quando a reencarnaçao e para reconciliar e os encarnados não querem aceitar os inimigos por filhos.
E emocionante ver espíritos afins se reencontrarem. Comovemo-nos ao ver um encontro entre futuros pai e filho.
Dois espíritos amigos há séculos.
Vimos também espíritos se ligarem aos fetos, O espírito reencarnante fica junto à mãe, grudadinho. É tão lindo!
Que maravilha é a maternidade!
Presenciamos uma reencarnação frustrante, que não deu certo. A gestante adoeceu, danificou o feto e ele morreu.
- E agora? - Quis saber Cecília. - Que irá acontecer?
- Aproveitamos para ajudar a mãe - disse Frederico. - Este espírito será levado de volta ao Departamento e tentará
de novo.
- Com esta mesma família? - Ivo perguntou.
- Tudo indica que sim, porque são afetos, mas, se não for Possível, escolherá outra família.
Observamos, também, chegar ao hospital uma mãe que Provocara o aborto e estava com grande hemorragia. O
reencarnante estava colado a ela. Os técnicos o retiraram de
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perto da mulher e o levaram ao Departamento, a um local próprio.
O que gostamos de ver foram os partos, e ajudar. Que gostoso é ver um nenê nascer. Nascimento é festa para a
maioria dos encarnados. Ver pais felizes com os filhos é alegria para nós todos.
Mas há reencarnações que não dão certo, ocorrendo a desencarnação da criança logo em seguida. Isso acontece
por muitos fatores, e o espírito é sempre levado de volta ao DePartamento. Lá, ou planejam reencarnar novamente
ou retomam o aspecto que tinham antes da reencarnação frustrada. Isso ocorre para um aprendizado.
Vimos uma mãe que doou o filho, não querendo nem vê-lo. Soubemos que o reencarnante fora seu inimigo, e ela
sentiu repulsa ao tê-lo. Novamente fomos à sala de aula para a conclusão. Este assunto, embora fascinante, não foi
intenso. As perguntas foram poucas.
- Como se sente o espírito após um aborto?
- Se o aborto foi natural, ou seja, algo não deu certo e o feto morreu, o reencarnante sente por não ter dado certo,
tenta de novo, às vezes com os mesmos pais; se não é possível, escolhe outros. Não sentem dor, nada, É como se
você fosse dar um salto, tenta e não dá certo, prepara-se e tenta de novo. Já no aborto provocado, o espírito não
sente dor, mas sente a repulsa, a rejeição. Normalmente é socorrido e levado para o Departamento. Mas há casos
em que o reencarnante se revolta e não pode ser socorrido; retoma a forma anterior e passa a ser obsessor dos
pais ou da mãe.
- Pode haver algum acidente imprevisto na reencarnação?
- Ivo perguntou.
- Sim, nós vimos um aborto natural, em que, infelizmente, a mãe ficou doente e o feto morreu.
- Achei muito interessante o caso que vimos de o pai querer o reencarnante por filho, e a mãe, não - comentou
Cecília.
- De fato - respondeu Frederico -, isso é comum: um dos
cônjuges quer um espírito por filho, e o outro, não. Os técnicos sempre tentam reconciliar ambas as partes.
- Todas as mães que dão os filhos o fazem porque eles foram seus inimigos? - Luís perguntou.
- Não, muitas vezes o fazem por necessidade, outras por não querer responsabilidade. Também acontece, como o
caso que vimos, de serem inimigos, e a mãe não querê-lo.
Há outros tipos de reencarnação: os não assistidos por espíritos protetores do bem. Não vimos esses casos no
curso. Não me cabe agora entrar nesses pormenores, pois eu ainda não estou inteirada do assunto.
Pensei bem, não quero reencarnar tão cedo. Amo tanto a vida no plano espiritual! Porém, sei que um dia terei
novamente de fazê-lo. Entendi agora bem o que um senhor no Departamento me disse:
- Ora, se todos entendessem o que é a vida quando encarnados, chorariam na reencarnação e não na
desencarnação!
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9 Causa e Efeito
A aula teórica sobre causa e efeito, ou causas dos sofrimentos, foi muito movimentada. Todos tinham exemplos e
histórias para contar.
Frederico abriu a aula fazendo uma bela dissertação:
- Somos herança de nós mesmos. Somos o que construímos. Se almejamos melhorar, temos que fazê-lo agora, no
presente. Veremos, neste estudo, pessoas que sofrem, estão sentindo o efeito, e estudaremos a causa. Toda causa
produz um efeito. Causas boas, efeitos bons; causas ruins, efeitos negativos. Na Terra, são poucos os que chegam
às universidades; para uma minoria, o carma negativo é anulado pela transformação interior, pelo trabalho no bem,
reparando erros corri acertos. É o fazer pelo sofrer. Mas, para a maioria, o carma negativo é eliminado pela dor.
Fez, paga: porque quase todos pensam assim, e deve ser assim até o amadurecimento, para o espírito entender.
Para resgatar erros, reparando-os, é preciso muita sinceridade. Deixar o que se tem que fazer para o futuro é adiar;
adiamento esse que nem sempre é possível, pois o abuso traria piores conseqüências. E importante crescermos
com compreensão. A oportunidade de crescer pelo amor todos temos; se a perdermos, a dor, sábia companheira,
vem nos impulsionar. Reparar erros pelo amor, pela transformação interior, é assunto das Colônias de Estudos,
para os que querem continuar aprendendo. Assim os que estiverem interessados podem, após o curso, continuar a
estudar, aprofundando-se no tema.
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"Quando encarnado, muito errei, mas compreendi o erro, e essa compreensão fez com que trabalhasse na
Medicina com muito amor. Usei meus conhecimentos médicos para o bem de todos que me procuravam. Troquei o
resgate do sofrimento pelo trabalho em prol de outros e pela minha transformação interior.
"Na última passagem pela Terra, conheci Patrícia. Ela vivia encarnada na sua penúltima encarnação. Essa amiga
errou, sofreu, e pediu para reencarnar. Planejou desencarnar jovem após longa doença. Mas isso não se deu;
regressou jovem ao plano espiritual, mas não esteve doente. Sua vivência no bem, sua modificação e realização
interior anularam o carma negativo, e ela não necessitou do sofrimento das doenças para ajustar-se. Modificou o
efeito. Isso é possível, mas é preciso que seja realmente sincero, e essa modificação, essa realização, seja
verdadeira."
Enquanto Frederico falava, senti que era verdade, senti que ficaria doente por muito tempo, piorando sempre. Esse
sofrimento seria uma reação, mas que foi modificada. Não necessitei sofrer para vencer.
Frederico continuou a explicar:
- O corpo perispiritual e o corpo material formam uma composição harmoniosa de energias. Quando agimos
egoisticamente, desequilibramos esta composição vibratória no espírito e no corpo. Há então decomposição ou
doença. Vendo o erro, o espírito quer repará-lo e, para tanto, tem que mudar sua maneira de viver, não
externamente, mas com profunda compreensão. A dor, quando compreendida, transforma o indivíduo na sua
maneira de agir. Mas, se não compreender, a dor pode induzi-]o à revolta, e poderá acontecer maior acúmulo de
desequilíbrio, ou dívida.
Frederico deu uma pausa; todos nós prestávamos atenção na exposição que desenvolvia. Com sabedoria
completou:
- As reaçoes, os efeitos, podem ser tanto para a felicidade como para o sofrimento. Uma pessoa que viveu no bem
tem logo ao desencarnar a reação de um socorro, da felicidade no plano espiritual.
"Os efeitos do bem, que trazem paz e harmonia, não precisam ser modificados. Já os do sofrimento podemos, pelo
livre-arbítrio e vontade, anular ou suavizar. Mas nosso estudo é sobre os efeitos pela dor, pelo sofrimento."
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Todos nós poderíamos falar, dar opiniões e contar a própria história.
Murilo foi o primeiro:
- Quando encarnado, tive o braço e a mão direita sempre com feridas. Quando elas secavam, deixavam meu braço
negro. Doia muito. Sofri com isso, desde menino até minha desencarnação. Só depois de algum tempo socorrido,
internado em um hospital na Colônia, foi que sarei. Há pouco tempo pude saber o porquê da minha doença, que
nada e ninguém conseguiu curar. Na minha outra existência fui um coronel orgulhoso e surrei vários negros
escravos por serem preguiçosos. Desencarneí, sofri muito, e culpava o braço e a mão que seguraram o chicote.
Reencarnei sentindo-me culpado e uma doença veio queimar os fluidos negativos que eu mesmo gerei pelo
remorso.
Lauro também contou sua história:
- Encarnado, desde pequeno tive asma; por toda minha existência tive crises, que muito me incomodavam, e sofri.
Era pobre, meus pais desencarnaram e tinha de trabalhar para me sustentar, já que meus irmãos, igualmente
pobres, não podiam cuidar de mim ou me sustentar. As crises faziam com que faltasse ao trabalho e fui muitas
vezes despedido. Sentia muita falta de ar; quando ficava muito mal, internava-me em hospitais, e foi numa dessas
vezes que desencarnei, sendo enterrado como indigente. Mas fui resignado, sentia que era merecido meu
sofrimento. Multas vezes chorei, mas não me revoltei. Desencarnei e fui socorrido, porque todos os que sofrem
com resignação, como eu, têm a bênção de um socorro. Isso se a pessoa foi boa. Tive que ficar internado num
hospital para tirar a impressão da doença que tanto me afligia. Há algum tempo soube que fui suicida na existência
anterior. Por motivo bobo, danifiquei o corpo perfeito, destruindo-o imprudentemente. Suicidei-me por um amor
não correspondido. Atirei-me num rio fundo, morrendo afogado.
Lauro emocionou-se ao narrar. D. Isaura aproveitou para dar alguns esclarecimentos:
- Nem todas as reações, efeitos, têm causas semelhantes. Nem todos que sofrem de asma agiram como Lauro. Os
motivos são muitos para se ter uma existência com falta de ar.
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Laís também quis falar:
- Encarnada, fui casada com uma pessoa boa. Tentei tudo para ter filhos e não consegui. Vivi frustrada e desejosa
de ser mãe. Depois de um tempo desencarnada, querendo saber o porquê de não ter tido filhos, soube que na
existência anterior fiz muitos abortos, somente porque não queria deformar meu corpo. O companheiro fora
também o mesmo desta existência e me incentivava a abortar.
- Laís - Nair perguntou -, você quitou o carma negativo que você mesma gerou? Você se sente em paz a este
respeito?
- Sofri e aprendi pela dor a dar valor à maternidade. Mas poderia ter adotado crianças órfãs por filhos. Se tivesse
feito isso, teria anulado pelo amor o efeito negativo que criei. Talvez viesse a ter, nesta mesma encarnação, filhos.
Quando amamos filhos alheios como nossos, estamos modificando a reação. Infelizmente não soube fazer isso.
Fui egoísta.
James narrou o que se deu com ele:
- Quando estava com quarenta anos, fiquei surdo. É bem triste não ouvir nada. Trinta anos fiquei sem escutar som
algum. Também sofri um derrame que me fez ficar num leito anos seguidos. Tive muitos filhos, mas só uma filha
cuidou de mim. Nesta encarnação fui bom, honesto e trabalhador. Penso, ou tenho certeza, que sofri pelos erros de
outras existências. Mas não tive coragem de recordar. Talvez porque não tenha quitado tudo. Por isso estudo,
quero quitar o resto, anular os efeitos dos meus erros, empenhando-me no trabalho do bem, na minha
transformação interior.
Todos estamos envolvidos por histórias deste tipo. Quase todos falavam de si, como Glória:
- Logo na adolescência fiquei doente, tinha acessos, desmaios, em que me debatia e babava. Sofri muito e
constantemente passava vexames e dava espetáculos. Era só sair de casa para ter esses acessos. Saía, ficava
nervosa e eles vinham. Era muito católica. Muitas vezes tive essas crises nas missas, e o pároco me disse,
tentando ser gentil, que estava dispensada de assistir à missa. Mas gostava tanto de ir, de rezar, e fiquei muito
triste. As pessoas tinham receio do contágio e, muitas vezes, caí na rua e lá fiquei. Éramos pobres, mas enquanto
tive mãe encarnada estava protegida. Quando ela desencarnou,
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fiquei com meus irmãos, cada época com um. Sentia que não era bem aceita. Mas não tinha para onde ir, e com
pouco estudo, não conseguia arrumar trabalho. Já tinha quarenta anos quando passei a tomar remédios mais fortes
e modernos, e os acessos abrandaram. Desencarnada fui socorrida, porque sofri com resignação e nada fiz de
errado. Soube que vivi os primeiros anos encarnada obsediada. E que foi minha mãe desencarnada que tudo fez
para que eu fosse perdoada. Na existência anterior, fora um rico senhor de escravos, pratiquei muitas maldades e
não fui perdoado por três espíritos, que me acompanharam, víngando-se. Depois de anos, eles se cansaram
porque, orando sempre, fiz com que não conseguissem me atingir muito. Mas, pelos meus próprios erros, sofri.
Hoje estes três espíritos estão encarnados, e os ajudo sempre que posso.
Luíza disse:
- Na última encarnação, tive uma doença que me fez ficar com as pernas defeituosas, andava com dificuldade.
Desencarnada vim a saber que na existência anterior suicidei-me, atirando-me em um precipício, danificando meu
corpo que era perfeito.
D. Isaura voltou a afirmar que as reações nem sempre são iguais, embora as ações sempre resultem numa reação.
Raimundo deu uma aula interessante de como a reação
acontece. Ao fazermos o mal, o erro fica registrado em nós. É como colocarmos a mão num metal quente, e a dor
virá como reação, na hora, após meses, ou séculos. Só que poderemos, nesse intervalo entre o ato e a reação,
cortar esse efeito ou suavizá-lo com amor verdadeiro, com trabalho desinteressado no bem e com a modificação
interior.
Vimos filmes de países onde muitos desencarnam de fome, seja pela seca ou pela guerra. Vimos a reação de
muitas pessoas, em grupos afins, que necessitam desse doloroso aprendizado para dar valor aos acontecimentos
simples, à fraternídade e à honestidade. Muitas pessoas sentiam o efeito da ação nefasta de usar o cofre público
indevídamente. O que usou a guerra para fazer maldades, acumular fortunas.
Observamos também pessoas que cometeram muitos erros e marcaram seus perispíritos com tantos fluidos
negativos que,
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além de ir por afinidade para o Umbral e lã sofrer por anos, ao reencarnar passaram para o corpo físico esses
fluidos como doenças, para se purificar.
Nem todo sofrimento é por reação negativa; às vezes, não aproveitando as lições de amor para progredir, a dor nos
obriga a caminhar. Porque é através, quase sempre, da dor que procuramos Deus, uma religião, a modificação
interior, e fazemos a troca de vicios por virtudes.
Foi muito proveitosa a aula teórica.
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10 -Ação e Reação
Não tivemos muito trabalho na aula prática; realizamos tudo com pouca ajuda.
D. Isaura explicou:
- Tenho aqui algumas fichas de pessoas encarnadas que levarei para a crosta. Iremos vê-las e, pelas suas fichas,
saber qual a ação que desencadeou a reação presente. Deixo claro que nada há de curiosidade, isto é feito para
que possam aprender com exemplos verdadeiros.
Viemos para a Terra de aeróbus, deixando-o num Posto de Socorro. Todos juntos fomos ver as pessoas que íamos
estudar.
Vimos um homem com quarenta anos aproximadamente. Era alegre, um deficiente mental, conversava sentindo-se
muito importante. Às vezes, andava com seu cavalo de pau, vendo-se em cima de um garboso cavalo. Tocava
uma
violinha de brinquedo e cantava canções que ninguém entendia. Andava pelas ruas, e algumas pessoas o
ajudavam, outras mais por brincadeira o contrariavam, deixando-o nervoso. Às vezes, corria atrás das pessoas que
mexiam com ele. Sofria de epilepsia, que, com os ataques, fazia-o cair e debater-se, deixando-o machucado.
- Este irmão - disse d. Isaura - já foi obsedado. Com o passar dos anos, os espíritos que o acompanhavam
acabaram por desistir da vingança. Tudo o que sente é reflexo dos erros do passado. Nesta encarnação é bem
cuidado pela mãe, que por
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doenças sofre muito também. São muito pobres, passam por muitas necessidades. Ele, na existência anterior, era
um senhor de escravos, nesta região mesmo. Foi casado, e sua ex-mulher é agora sua mãe. Foram orgulhosos e
cometeram muitas maldades. Para sustentar o luxo, deixavam os escravos quase sem roupas e com pouco
alimento. Se outrora cavalgava sobre bonitos cavalos, agora anda com seu cavalo de pau. Outrora ia a saraus,
onde tocava e cantava, enquanto seus escravos gemiam em sofrimento, agora é ridicularizado enquanto dança e
canta pelas ruas. Mas ele sofre, seu espírito orgulhoso aprende num corpo deficiente, sem saúde, sofrendo ataques
que o deixam caído pelas ruas.
Demos passes nele e na mãe. Esta senhora nesta encarnação sofre com humildade. Oramos por eles.
Vimos um mudo, também deficiente mental, que andava perambulando pelas ruas da cidade. Estava a sentir a
reação de uma vida anterior de caluniador e intriguista. Desencarnado, teve o remorso destrutivo que danificou
suas cordas vocais e o cérebro físico. Abusou da inteligência para prejudicar muitas pessoas. Estava inquieto,
tinha dores no abdomem fizemos um circulo de oração, ele se acalmou, emocionou-se e chorou. Frederico
elucidou-nos:
- Ele sente as emanações de carinho, pois recebeu bem nossos fluidos. Que seus sofrimentos sejam a
aprendizagem de que necessita. Que ele aprenda para não mais errar.
Vimos um aleijado numa cadeira de rodas. Esse irmão era revoltado, e a revolta que sentia gerava nuvens escuras
em sua volta. Era mal-humorado e invejoso. Dispersamos as nuvens escuras com passes e tentamos dar-lhe
pensamentos otimistas. As nuvens sumiram, mas sabíamos que ele logo as criaria novamente. Vimos seu passado.
Na existência anterior fora casado com uma viúva rica que tinha um filho. Sua esposa tinha um irmão solteiro, que
ia deixar a fortuna para o sobrinho que fosse o melhor peão. O casal teve mais filhos, e ele queria que a fortuna do
cunhado fosse para um de seus filhos e não para o enteado, como tudo indicava. Planejou um acidente. Ao saber
que o enteado ia montar um cavalo bravo, cortou o arreio e ficou observando. O animal derrubou o mocinho, que
ficou ínconsciente. Vendo que nada sofrera, pegou um pau e quebrou
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as duas pernas dele. Naquele tempo não havia os recursos que há hoje, e a medicina não pôde recuperar as pernas
dele. Ficou aleijado e não pôde mais montar. Um dos filhos dele acabou recebendo a fortuna. E agora, nesta
encarnação, ainda menino, sofreu um acidente e teve as pernas amputadas, deixando-o nesta cadeira.
- Na revolta, resgata seu carma? - Quis saber Ivo.
- Aquele que se revolta não aproveita o sofrimento como preciosa lição. Sofre, às vezes, mais. Resgata. A
diferença do bem sofrer e mal sofrer é a aceitação e a compreensão do sofrimento. Aceitando o sofrimento, ao
desencarnar é socorrido logo está bem; desencarnando revoltado não terá o socorro continuará sofrendo até se
tornar humilde - respondeu Frederico. - A revolta faz mal a ele mesmo. Faz com que seja desagradável, seja uma
pessoa que os outros não gostam de ter no seu convívio. Ele se amargura e sofre mais.
Vimos um casal de cegos. Ser cego não é fácil, basta fechar bem os olhos e pensar que ficaremos por muito tempo
assim. Cada um deles tinha ações diferentes para estar sofrendo
esta reação. Ela, por ciúmes, mandara cegar uma pessoa. Na existência anterior, ordenou a dois capangas que
seqüestrassem uma jovem rival, passassem veneno em seus olhos e a abandonassem na floresta. A jovem teve a
visão quase toda danificada. Quando a mandante do crime desencarnou, sentiu remorso, que a fez ficar cega;
reencarnou e trouxe para a matéria os olhos sem vida.
Ele é cego e inteligente, é espírito que quer evoluir. Ao recordar, desencarnado, de seu passado, de suas
existências anteriores, viu que há muito tempo fora um general que mandava cegar os vencidos. Isso o chocou de
tal forma, que quis vir nesta encarnação cego, para não sentir mais remorso. Os dois trabalham para viver, e é ele
quem a sustenta com otimismo e fé.
- Ele não poderia cuidar de pessoas cegas, ajudá-las, em vez de reencarnar cego? - Luíza perguntou.
- A escolha foi dele - respondeu Raímundo. - Temos o livre-arbítrio. Talvez tenha temido falhar. Pode-se,
desencarnado, fazer planos de ajudar pessoas cegas. Aqui, encarnado, mudase muito, porque as ilusões da matéria
fazem quase sempre
esquecer os propósitos. Muitos falham. Desencarnados, fazem muitos planos, mas a maioria volta ao plano
espiritual falida.
Ao ver estas pessoas, dávamos passes, alegrando-as, fazendo-as sentirem-se melhor. Fomos visitar uma escola de
deficientes mentais. Um número grande de crianças ali estava. Três delas estavam obsedadas. Primeiramente as
cercamos e nos tornamos visíveis para os obsessores. Com delicadeza, tentamos convencê-los a acompanhar-nos,
deixando suas vítimas. Dois espíritos que estavam com uma menina nos ouviram atenciosos, e foi com alívio que
escutamos que iriam conosco, pois estavam cansados de sofrer e a vingança não os interessava mais. Nós os
levamos para o Posto de um Centro Espírita onde, na próxima reunião, seriam doutrinados e levados para uma
escola na Colônia. No segundo caso, o obsessor nos olhou desconfiado, conversou pouco, prometeu pensar em
nossas propostas e saiu do local. Havia uma criança obsediada que era influenciada por dois espíritos. Os três
estavam bem entrelaçados. Os obsessores nos escutaram de forma confusa não chegando a nos entender.
Raimundo disse:
- Não podemos no momento fazer nada, mas este local é visitado sempre por socorristas, que darão
atenção
especial a estes três, que por erros comuns estão entrelaçados no ódio. Como estão, se afastarmos um dos
desencarnados, a criança corre o risco de desencarnação. Ela é novata na escola, acredito que logo os socorristas
conseguirão orientar estes desencarnados e levá-los para um socorro.
São muitas as más ações que levam os espíritos a reencarnar com deficiências mentais. É raro, mas há espírito
que, por determinado objetivo, reencarna deficiente sem ser pela reação negativa. Ali estavam espíritos que
abusaram da inteligência. Outros danificaram o cérebro com tóxicos e álcool. Outros cometeram suicídio. Alguns
praticaram tantos erros e o remorso destrutivo fez com que deformassem o cérebro perispiritual, trazendo para o
corpo esta deformidade, ao reencarnar.
Aproximamo-nos de um menino com deficiência bem acentuada.
Ele fora rico, filho mais velho, e tinha uma irmã. Era adolescente quando o pai desencarnou, deixando a mãe nova
e muito
72
bonita. Estava com dezessete anos quando sua mãe começou a interessar-se por outro homem. Ele passou a
seguir a mãe e escutou-a conversando com o namorado. Descobriu que iam se casar e que ela estava grávida. Não
querendo que a mãe se casasse e que, ainda, tivesse mais filhos para repartir a herança, planejou o crime, matou a
mãe com uma faca e fez a culpa cair sobre um ex-escravo que trabalhava na fazenda. Nessa época, já tinha
acontecido a abolição. Fingindo grande dor e indignação, sem esperar um julgamento, mandou colocar o negro no
tronco e chicoteá-lo até a morte. Ainda deu a entender que a mãe era amante do negro. Assim o negro
desencarnou no tronco sem maiores problemas para ele. Seu avô ficou sendo seu tutor até a maioridade. Ficando
maior, passou a tutelar a irmã mais nova. Era trabalhador, inteligente e multiplicou os bens. Não querendo que a
irmã se casasse, começou, logo que Ficou mocinha, a lhe dar, sem que ela percebesse, tóxico, fazendo-a passar
por louca e doente. A irmã desencarnou moça e passou a obsediá-lo. Ele casou, teve filhos, foi respeitado, mas
acabou fazendo uso de tóxico, na tentativa de amenizar o remorso. Desencarnou em péssimo estado. A irmã o
perseguiu por anos. Depois o remorso destrutivo danificou seu cérebro, que fora perfeito. Reencarnou como vocês
agora vêem, centraliza no corpo os fluidos negativos que ele mesmo criou.
Olhamos os deficientes com profundo amor e carinho. Seus sorrisos simples, seus modos frágeis fazem com que
tenhamos vontade de abraçá-los. Fizemos isso, passamos-lhes alegria. Nada é eterno e nem a reação é infinita.
Tudo se renova, o tempo passa, a desencarnação vem, e eles, socorridos e orientados, têm outro reinício. Confesso
que me apiedei de todos. Só os imprudentes pensam que nada tem retorno. Ver as pessoas sofrerem as reações, os
efeitos, é triste. Se soubessem os encarnados que ninguém faz nada sem retorno e que só anulamos esses efeitos
com muito amor e renovação, não cometeriam tantos erros.
Depois de termos ficado horas com eles, findou a excursão e retornamos à Colônia.
Na aula de conclusão, houve muitas perguntas respondidas por Raimundo.
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- Pode-se pedir para reencarnar cego, Surdo ou mudo? Indagou Luíza.
- Sim, pode. O Departamento das Reencarnações estuda cada caso. O solicítante recebe orientação e, se quiser
assim mesmo, os instrutores verificam se será bom ou não para ele. Só depois de feito um estudo favorável é que
ele pode reencarnar com deficiência, porque a maioria das deficiências são as que criamos em nós mesmos pelos
nossos erros.
- Pode-se querer ser deficiente para crescer espiritualmente, progredir? - Ivo indagou.
- Sim. Às vezes um espírito acha que só assim, deficiente na matéria, acordará para o progresso. Mas lembro-os
que deficiência é um sofrimento que fará bem só a si mesmo. Progredir pelo trabalho no bem, pela transformação
interior, é muito mais meritório. Mas há pessoas que conciliam a deficiência com a transformação interior e se dão
muito bem. Normalmente, quando isso acontece, conseguem arrastar muitos com seu exemplo.
- O que acontece se alguém, sofrendo muito pela reação de más ações, se suicidar? - Marcela perguntou.
- Além de não quitar seu carma negativo, terá ainda sua situação agravada. Ao suicidar-se, encontrará dores
piores e não terá seus problemas resolvidos.
- Conheço - disse Murilo - um senhor médium que sempre deixa para depois o trabalho no bem, o trabalho com
sua mediunidade. Diz não ter chegado ainda a hora de trabalhar, de seguir a Doutrina Espírita. Tem um carma
negativo a anular. Que acontecerá com ele?
- Não se deve deixar para depois o que se pode e deve fazer hoje, agora. Se ele tem que anular o carma e não o
faz, se perder a oportunidade do amor, só restará a dor. Não basta fazer promessas, tem que realizar. Não posso
afirmar o que acontecerá com ele; talvez, se continuar a recusar-se a trabalhar com a mediunidade, a dor sábia virá
como reação.
- Vimos um deficiente mental que recorda seu passado e seus erros. Os outros não recordam, por quê? - Indaguei.
- Como vimos, cada caso é um caso. Não se pode tachar nada no plano espiritual como regra geral. Este espírito
fixou tanto a mente nos seus erros, que nem com a reencarnação conseguiu esquecer.
75
- Que acontecerá com ele? - Quis saber.
- Desencarnará logo, será atendido e internado num hospital, numa ala própria para irmãos com deficiência
mental, e dependerá dele sua recuperação. Depois, como acontece sempre com esses irmãos, porém não é
regra, novamente repito, reencarnará outra vez e aí esquecerá tudo.
- Ele vive as duas existências? - Mauro perguntou.
- Não, ele vive o que é hoje, mas sua mente confusa recorda a encarnação passada, agravando mais sua
deficiência. Tem no passado a idéia fixa.
- É verdade que deficientes mentais são sempre socorridos, ao desencarnar, por uma equipe especial? -
Indagou James.
- Sim, é verdade. São desligados, socorridos em alas próprias de hospitais nas Colônias onde se recuperam.
- Os sofrimentos são sempre reações? - Indagou Glória.
- Como já foi dito, não. Ao pararmos, não querendo progredir, a dor pode nos impulsionar ao progresso. São
muitas as vezes em que o sofrimento nos faz voltar ao Pai Amoroso, a uma religião, à modificação interior.
Chegou ao término este assunto tão fascinante; tinha algumas horas livres. Fui visitar vovó e amigos. Lenita
estava a minha espera na escola, abraçamo-nos carinhosamente; foi comigo à casa de vovó. Que bom rever
amigos. Vovó e suas amigas me receberam com alegria. Conversamos animadas. Fui também ver minhas
violetas, estavam lindas e floridas. Como é bom ser amada desta forma, ser lembrada com carínho pelos
entes queridos e deles receber incentivos. Estávamos ligados pelo amor verdadeiro, sem egoísmo. As
violetas eram o símbolo deste carinho. Beijei suas florezinhas coloridas e mandei um pensamento de gratidão
a minha mãe.
Falei entusiasmada do curso, contei-lhes detalhes. Vovó comentou:
- Ah! Patrícia, se todos fossem como você, se todos os que desencarnam pensassem e agissem como você!
- A Terra seria um planeta de regeneração - completei brincando.
Passei momentos agradáveis entre amigos.
76
11 LOUCUra
Impressionante e realmente fascinante é o cérebro humano, residência central da alma; arquivo do nosso
passado, nascedouro de toda a criatividade humana, sede de toda felicidade e alegria, quando isento de
conflitos.
Mas a maioria de nós não faz outra coisa senão deteriorar a capacidade mental através da deturpação das
forças e energias que recebe da bondade divina. É um fato corriqueiro, que muito pouco nos chama a
atenção e, quando chegamos a vê-lo acontecendo com nossos irmãos, procuramos as causas dessas
infelicidades e dores em agentes externos, como as anomalias físicas, ou na ignorância de nossos irmãos
obsessores. Dificilmente paramos para pensar que o caminhar da natureza cósmica é no sentido do
aperfeiçoamento de todas as suas manifestações, incluindo também o homem. Mas quase nunca o homem
olha para dentro de si e reconhece que é em si mesmo que reside a fonte de seus próprios males e infortúnios.
Meditando sobre esses fatos, iniciei a aula teórica em que estudamos o cérebro humano. Vimos que o
cérebro físico é idêntico ao perispiritual. Numa aula difícil, estudamos as partes do cérebro e seus respectivos
nomes. Montamos um cérebro de "plástico" para termos a real idéia de como é formado. Impressionante e
maravilhoso é o cérebro humano. Aprendemos os nomes complicados das doenças que o atingem e seus
sintomas.
77
Vimos filmes sobre doenças mentais e também sobre doentes. Estudamos e vimos a loucura sem a obsessão. O
motivo por que a obsessão é a causa de muitas doenças e loucuras, estudaríamos posteriormente. As doenças
mentais são quase todas de origem espiritual. Estão ligadas a um passado cheio de erros. Muitos doentes
recordam total ou parcialmente, de forma confusa, existências anteriores e perturbam o cérebro, que, predisposto
a adoecer pelas muitas maldades que fizeram, não consegue se equilibrar. Recordações do passado não
prejudicam pessoas equilibradas e que já quitaram suas dívidas ou o carma negativo.
Tivemos uma aula interessante na qual aprendemos a nos concentrar em outras mentes e saber o que estão
pensando ou o que está se passando. Aprendemos para ajudar. Só podemos ler com a permissão de quem estamos
pesquisando, ou quando este está muito necessitado de ajuda. A mente perturbada é fácil de ler, porque seus
pensamentos estão fixos em determinado assunto. Claro que só com estas aulas não iríamos sair lendo
pensamentos. Mas era um início. Para desenvolver esse processo com perfeição, leva-se tempo e é necessário
prática. Este estudo serviria apenas para ler os pensamentos dos doentes e ajudá-los. Temos que nos concentrar
na mente do outro, e o que ele pensa vem à nossa mente. No começo líamos de forma incerta, pedaços somente,
depois com o treino fomos nos aperfeiçoando. De desencarnado para desencarnado é mais fácil. Depois aprendi a
ler a mente dos encarnados. Mas só faço isso para uma ajuda, nunca por curiosidade. Depois, como já disse, a
mente perturbada é mais fácil. Em doentes mentais os pensamentos são sempre muito confusos.
Na aula prática, fomos ao hospital da Colônia. Os doentes perturbados ficam no hospital em alas separadas.
Dentro dessas alas ainda são isolados, dependendo de seu estado. Esses socorridos, é claro, não estavam
obsedados, mas muitos tinham sido quando encarnados.
Visitamos primeiramente os que se encontravam Ia em recuperação. A enfermaria é grande, com muitas janelas,
leitos, cadeiras, algumas mesas com flores, quadros na parede e cortinas nas janelas. Era uma enfermaria
feminina. As doentes
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usam roupas brancas, vestidos ou conjuntos de calças compridas e camisas.
A primeira impressão que se tem é que estão bem, não têm dores, mas, em algumas, os olhos são um tanto
parados, em outras, inquietos. Umas falam muito, outras são quietas. Receberam-nos bem, gostam de conversar e
falar de seus problemas. Recebemos orientação e permissão para tentar pôr em prática o que aprendemos sobre a
leitura da mente. Fomos até lá para conversar com as doentes, tentar ajudá-las com conselhos, dar passes e
convidá-las a orar conosco.
Fui conversar com uma mocinha que parecia estar com quinze anos, mas tinha vinte e três.
- Você quer me escutar mesmo? - Interrogou-me. - Posso contar minha vida a você?
- Claro que pode. Fale o que quiser - respondi.
- Eu era uma boa moça, ou todos pensavam que era. Honesta e trabalhadeira, ajudava minha mãe, viúva, a
costurar para as freguesas. Comportava-me um tanto estranha, maníaca, mas nada sério. Tinha vinte e dois anos,
não arrumava namorado e acabei apaixonada por um homem casado, passando a encontrar-me com ele às
escondidas. Fiquei grávida. Ele não queria nada comigo; arrumou e pagou para que fizesse aborto. Temendo os
comentários maldosos e minha mãe, fiz o aborto. Ninguém ficou sabendo, mas depois desse gesto fiquei doente.
Tornei-me louca e fui internada num sanatório, onde desencarnei após um tratamento de choque. Sofri muito, fui
perseguida por um espírito inimigo de outra existência. Esse espírito, tentando reconciliar-se, ia nascer como meu
filho e eu o abortei. Não me perdoou, o ódio voltou mais intenso e me perseguiu pelo Umbral. Depois de algum
tempo fui socorrida. Agora estou bem.
Observando-a, vi que ela fora um espírito endividado que, na encarnação anterior a esta, muito errou e, quando
desencarnou, sofreu muito no Umbral e acabou perturbada. Fez um tratamento e reencarnou. Na vida física, após
novo erro com o aborto, seu cérebro desarmonizou-se e o obsessor conseguiu deixá-la doente. Se não errasse
nesta, não iria adoecer. Assim, vimos casos em que os obsessores esperam uma oportunidade, como novos erros e
desequilíbrio sentimental, uma dor
79
como a da desencarnação de entes queridos, que baixa a vibração, para poder atuar.
Esses doentes gostam tanto de atenção que, às vezes, querem nos narrar tudo de novo, querem que fiquemos
perto e lhes dediquemos atenção. A moça agarrou a minha mão.
- Deixe-me ficar mais perto de você, sinto-me bem! Deixe! Naquela hora, ninguém estava no leito. Isabel, assim se
chama, e eu estávamos sentadas nas cadeiras perto de sua cama. Alguns colegas meus e alguns doentes saíram
para o pátio defronte à enfermaria, que tem muitos canteiros floridos. Apiedei-me dela e a convidei a ir comigo
conversar com uma senhora que há tempo nos olhava sorrindo. Fomos, Isabel ficou quieta, só escutando, mas não
largou minha mão. Após os cumprimentos, a senhora pôs-se a falar:
- Filha, estou doente, mas não sou louca como dizem. Engraçado, aqui não me chamam de louca, mas no outro
lugar, sim (referia-se ao período de encarnação). Sou uma baronesa, falo, falo e ninguém acredita. Tenho casa
grande, bonita, empregados e escravos, mas moro nesta tapera feia, com pessoas que dizem ser meus parentes.
Tenho roupas bonitas e visto-me assim, com as feias. Já nem sei quem sou. Sou Maria? Ou Carmela? Que
confusão. Quem você acha que sou? (Falava, mas não esperava resposta.) Sou as duas, ou nenhuma. Dizem que
fui Carmela, morri ou desencarnei e nasci ou reencarnei como Maria. Mas todos são um só. Por que sou duas?
Queria ser Carmela, que se vestia bem, alimentava-se bem, era bonita e rica.
- Não gostava de negro? - Indaguei. - Maria é negra.
- Não, tenho horror, são sujos e burros. Mas sou negra, não vê? Não era e fiquei.
Tentei explicar que, na existência anterior, foi Carmela, e que teve o corpo morto, depois reencarnou como Maria.
Ela repetiu sua história novamente. Dei-lhe um passe e ela se acalmou. Ali estava um caso de recordação fora de
hora, fruto verde. Talvez tenha relembrado pela ação de algum obsessor, querendo perturbá-la. Ou ela mesma,
fascinada com a encarnação como Carmela, não esqueceu, e as lembranças confundiram-na quando voltou como
Maria, numa encarnação de que não gostava e repeliu, por ser pobre, feia e negra, raça que detestava.
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íamos para outra enfermaria. Isabel me soltou chorando e querendo que prometesse voltar para vê-la. Disse-lhe
que faria o possível. Tinha pouco tempo livre e precisava fazer coincidir meu horário livre com o de visita. Quando
terminou o curso, fui revê-la. Já estava bem melhor. Sorriu ao me ver, conversamos muito. Queria reencarnar,
havia pedido, mas os instrutores disseram que ela tinha que ficar mais tempo no plano espiritual. Convidaram-na
para estudar. Incentivei-a, Isabel é analfabeta. Falei da escola com carinho, ela ficou entusiasmada. Lá ela
aprenderia o Evangelho, a Moral Cristã, que muito bem lhe fariam.
Essas enfermarias que vimos são de doentes que, encarnados, tiveram anomalias mentais. No plano espiritual há
muitas enfermarias de doentes que, encarnados, foram sadios e, ao desencarnarem, perturbaram-se com o
sofrimento ou o remorso.
Fomos a uma enfermaria masculina. Quando entramos, um senhor me olhou fixamente e disse:
- É você!
Assustei-me, e Frederico foi até ele. Ela o quê?
É linda!
Zé me disse baixinho:
- Aí, Patrícia, fazendo sucesso até por aqui!
Frederico ficou conversando com ele, que, enquanto estivemos lá, olhou muito para mim.
Outro fato interessante aconteceu nessa enfermaria. Um doente confundiu Nair com outra pessoa que fora sua
amiga. Pegou em sua mão e não soltava. Frederico e Raimundo tiveram de prostrá-lo com um passe para que
largasse a mão dela.
Fui conversar com um velhinho. Após os cumprimentos começou a falar:
- Fui um caçador, morava perto de uma pequena floresta. Atirava bem. Um dia, por acidente, matei um outro
caçador. Temendo as conseqüências, coloquei a arma na mão dele como se ela tivesse disparado. Deu certo e o
fato foi dado como acidente ou suicídio. Passados uns anos, minha filha queria casar com um sujeito mau,
vagabundo e cínico. Sem ninguém saber, marquei uma caçada com ele, dizendo que
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era para conversarmos sossegados. Atirei nele e fiz como da outra vez. O acidente teve suspeitas, mas como não
houve provas ficou por isso mesmo. Mas esse espírito me obsediou até que fiquei perturbado. Meus familiares
diziam que estava caduco. Desencarnei e sofri muito. Já faz tempo que estou no hospital.
Acabou de falar, abaixou a cabeça e ficou triste, animei-o; depois sorriu para mim.
- Como é bom ter a consciência tranqüila!
Fui conversar com outro senhor que, logo depois de conversarmos um pouco, narrou sua história:
- Na encarnação anterior a esta, fui à guerra, matei muitos homens e cometi maldades com os prisioneiros.
Reencarnei em outro país, era pobre e trabalhador. Mas alguns inimigos me acharam e ficaram esperando uma
oportunidade: se eu cometesse algum erro ou baixasse minha vibração, iriam obsediar-me. Apaixonei-me por uma
moça rica que nem sabia que eu existia. Criei coragem e confessei-lhe meu amor, mas ela riu de mim. Tomei
veneno, só que não morri, fiquei mudo. Passado algum tempo, minha mãe desencarnou. Aí senti muito e
perturbei-me
Acabei sendo o mudo-bobo. Vivi anos assim, sozinho numa casinha, a pedir esmolas. Com o tempo os
obsessores foram embora, sei que foi minha mãe que fez com que eles me perdoassem. Desencarnei e fui
socorrido, porque sofri resignado por muitos anos. Estou aqui há pouco tempo. Tenho ainda as "idéias" confusas.
Às vezes, lembro-me da guerra e grito. Mas, graças a Deus, estou melhorando, e estar falando novamente é bom
demais.
Chegou a dormir, quando recebeu o passe.
Fomos ver os que dormiam em pesadelos. Formamos equipes de cinco, para dar passes em cada um deles. Ao
orarmos, às vezes víamos seus pesadelos.
Uma senhora sentia falta do seu obsessor a quem estava ligada pelo ódio e pela paixão. Queria-o e chamava-o sem
parar. Um enfermeiro nos disse que o espírito que a obsedara ficou no Umbral, não quis o socorro.
- Ele sente chamá-lo? - Indagou Laís ao enfermeiro.
- Não, a distância é grande e as vibrações muito diferentes. Lemos os pesadelos de um senhor que teve a tara do
sexo e, para se satisfazer, matou duas crianças.
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Vimos também uma senhora que matou, afogada, uma criança, menina de dois anos, para vingar-se da patroa.
Ninguém descobriu, e deram o fato por acidente. Mas um dia o remorso veio e ela passou a sofrer muito.
Tudo muito triste de ver. Erros, remorsos e sofrimentos podem perturbar alguém e, quando encarnado, pode vir a
ter uma das doenças mentais como reação...
Viemos à Terra por poucas horas e fomos visitar um sanatório. Desta vez, viemos só para ver casos de loucura
sem obsessão. Nossas visitas ajudam os doentes: fazemos círculos de orações e damos passes. Quase sempre
esses doentes manifestam suas doenças quando cometem erros; sentem uma dor maior, têm que enfrentar as
responsabilidades ou são acolhidos por acontecimentos desagradáveis. Vimos nesses encarnados as doenças de
que eram portadores e seus sintomas.
Não tivemos muito que debater na aula de conclusão. Só Luís perguntou:
- As doenças mentais são hereditárias?
- A hereditariedade pode dar aos indivíduos as tendências físicas. Mas, quase sempre, reencarnam com espíritos
afins e tantas vezes quantas as que participam de erros em conjunto. Pode ser que erraram juntos e, por isso,
resgatam juntos. Quando o espírito se equilibra, o cérebro físico também será equilibrado.
Foi bom para todos nós esse estudo.
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12 Obsessão
Viver em paz consigo mesmo é fonte perene de alegria e felicidade. Mas, quando me foi dado conhecer
pessoalmente o trabalho de recuperação de obsessores e obsediados, uma tristeza tão profunda me atingiu que
pareceu partir todo o meu ser, ao ver o estado lamentável em que ficam credores e devedores, verdadeiros atores
representantes do ódio, a destruírem-se mutuamente. Constrangedora e até dolorosa a influência negativa exercida
por esses irmãos, ainda fixados no egoísmo quase absoluto.
Difícil é o trabalho de socorro a eles, exigindo dos espíritos que se dedicam a esse mister dedicação e paciência
tão grandes que chegamos a ver nessa atitude o reflexo do amor divino, amor sem fronteiras, vencedor do tempo e
do espaço, na busca da recuperação de seus filhos. O Pai não abandona Seus Filhos e os socorre através de Seus
próprios filhos, envolvendo todos no Seu grandioso amor, esperando, pela eternidade, que voltemos para o cultivo
da fraternidade.
Nada melhor que as lições de Allan Kardec para nos ensinar o que seja obsessão. É a ação persistente de um
espírito sobre uma pessoa. Apresenta características diversas, desde a simples influência de ordem moral até a
completa perturbação do organismo e das faculdades mentais. As piores obsessões são as de ação vingativa.
Normalmente, o obsessor e o obsediado se relacionaram em existências anteriores. A obsessão, a subjugação e a
possessão levam muitos à loucura,
Normalmente o obsessor tenta dar ao obsediado uma idéia fixa. Às vezes, faz recordar parte da existência anterior
para que ele se confunda. Quase sempre, entre o encarnado e o desencarnado, ou os desencarnados, há lutas e
troca de ofensas. O ódio e a paixão os unem.
Em nossa aula prática viemos para a Terra, já que tínhamos visto no hospital da Colônia ex-obsediados,
desencarnados, que foram obsediados quando encarnados. Como sempre, viemos de aeróbus, paramos num Posto
de Socorro, na Terra, e saímos para ver alguns casos de obsessão. O primeiro que analisamos foi de simples
influenciação mental. Como o de um desencarnado que não sabia que desencarnara e estava perto, "encostado",
em uma encarnada, uma menina, vampirizando suas energias, ou melhor, trocando energias. Ela começava a sentir
sintomas das doenças, do mal-estar que o desencarnado sentia. A menina tinha o pai, desencarnado, perto de si.
Sentia dores e tristeza que começavam a afetar seu físico. Tentamos intuir a mãe a levá-la para tomar passes. Foi
um alívio para nós, quando ela resolveu ir a um Centro Espírita. Ao tomar o passe, o espírito também recebe e se
sente melhor. O pai, desencarnado, foi convidado a permanecer no Centro Espírita, para ser doutrinado mais tarde,
na sessão de desobsessão.
Vimos um encarnado, fanático religioso, tendo perto de si um desencarnado também fanático, os dois se afinavam.
Estavam sempre a discutir religião. Olhamos, observamos e nada fizemos, os dois se sentiam bem assim.
Entramos em três bares. Os encarnados bebiam. E eram poucos os que não estavam acompanhados por
desencarnados. Ali, muitos espíritos sugavam o hálito dos que bebiam, embriagando-se juntos. Alguns
desencarnados bêbados, ou que queriam beber, ficavam perto de qualquer encarnado que bebia. Outros
desencarnados ali estavam com companhia fixa. Vimos um que obsediava um encarnado, mas não se embriagava,
queria que seu obsediado bebesse para se tornar ridículo, um farrapo humano. Os desencarnados bebiam e
fumavam, participando das conversas dos encarnados. É estranho ver desencarnados bêbados. Não diferem dos
encarnados. Brigam entre si, riem, caem, dizem grosserias. Alguns parecem animais
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e, na maioria, são sujos, com cabelos e unhas grandes, e babam. Ali só observamos, sem sermos vistos. Não fizemos socorro.
- Nem todos os encarnados bebem por influência dos desencarnados! - Zé comentou.
- Grupos se afinam, ambos, encarnados e desencarnados, bebem porque gostam. São escravos dos vícios, até que se libertem - respondeu d. Isaura.
- Esses desencarnados ficam muito tempo assim? - Luíza indagou.
- Depende de cada um - respondeu novamente d. Isaura. Uns ficam muitos anos, outros cansam-se logo. Esses espíritos são presas fáceis de espíritos do Umbral, que
os fazem escravos. Mas, quando querem largar o vício, sempre encontram ajuda, sejam encarnados ou desencarnados.
Fomos ver um grupo se drogando. Eram oito encarnados, só dois adultos, e os seis jovens já estavam dopados. Tive dó, conheci alguns. Também não pudemos fazer nada.
O grupo dos desencarnados que se drogava com eles era maior: vinte, todos perturbados. Figuras estranhas, sujas e mal cheirosas. Os drogados encarnados ainda têm
sempre quem cuide deles, mas os desencarnados que se drogam, não; e para eles nada mais importa. Fizemos um cerco ao redor deles. Raimundo se fez visível aos desencarnados.
Irradiou grande luz, que por momentos os tonteou. Temeram, tentaram fugir, mas não conseguiram. Raimundo falou com eles. Convidou-os a uma libertação, a um tratamento.
Eles, após o susto, escutaram quietos, mas com risos cínicos. Quando Raimundo acabou de falar, eles vaiaram. Nenhum se interessou em mudar. Já tínhamos observado
o bastante e fomos embora, deixando todos drogados.
Fomos a um Centro Espírita, numa sessão de desobsessão. Ali estavam três obsediados com seus acompanhantes.
O primeiro caso, o mais simples, era de uma senhora que
estava acompanhada por sua irmã, que não sabia ter desencarnado.
O fato de desencarnar e ficar com familiares é comum, e também fácil de resolver, porque basta fazer o desencarnado entender seu estado e levá-lo para um socorro.
Há casos em que o desencarnado volta, mas normalmente o problema é resolvido facilmente no Centro Espírita.
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- Se a obsediada não tivesse vindo ao Centro Espírita, o que aconteceria? - Indagou Terezinha.
- O desencarnado acabaria por entender seu estado, ou clamaria por auxílio, ou sairia a vagar; situações assim normalmente não duram muito, embora provoquem muitos
transtornos - respondeu Frederico.
O segundo caso era de uma moça cujo obsessor era um apaixonado, desprezado na existência anterior e que agora a obsediava. Não queria que ela fosse feliz nem arrumasse
namorado. Também não foi difícil de resolver. Incorporado, recebeu orientação, sendo levado a um Posto de Socorro para se tratar.
O terceiro caso, mais difícil, só seria resolvido após um tratamento com passes e com a desobsessão dirigida aos dois. Juntos há tempos, estavam tão unidos que não
se podia afastá-los sem um preparo. Os dois estavam sendo orientados.
O Centro Espírita é sem dúvida um Posto de Socorro para espíritos encarnados e desencarnados doentes, um amparo a todos os que sofrem. Amo de forma especial os Centros
Espíritas ativos no bem e dou graças por ter conhecido, quando encarnada, o Espiritismo.
Fomos para o sanatório. Ficamos alojados no Posto de Socorro, no plano espiritual, junto ao hospital material.
O Posto é muito bonito, simples, confortável, bem
moderno e aparelhado. A equipe dos desencarnados de lá auxilia também os encarnados doentes. Ali ficamos quatro dias. Chegamos à noite e fomos descansar. No dia
seguinte cedinho, fomos ao salão e fizemos orações pedindo ao Pai a compreensão para ajudar com sabedoria.
Muitos dos internos estavam obsediados. Quando chegam a ponto de ficar doentes mentais é porque a obsessão existe há bastante tempo; e obsessões de muito tempo quase
sempre danificam o físico. Necessitam os doentes de tratamento para a matéria. Observamos também que muitos dos desencarnados, obsessores, estavam igualmente perturbados,
doentes também. Muitas das obsessões eram por vingança e cobrança.
Pusemo-nos a trabalhar. Separamo-nos em grupos de três a cinco, para ajudar um de cada vez. Quando essas excursões vêm a hospitais e sanatórios, os encarnados que
cuidam dos
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doentes sempre comentam: "Que paz há por aqui! Estes dias estão tranqüilos".
Ajudaríamos, nesses dias, os encarnados enfermos, os enfermeiros, os médicos, enfim todos os que lá trabalham. Meu grupo se aproximou de uma jovem negra, tinha de
zoito anos. Ao seu lado, uma moça branca desencarnada. As duas, no passado, na encarnação anterior, apaixonaram-se pelo mesmo homem. A desencarnada tinha se suicidado
ao se ver desprezada. A jovem negra na outra encarnação não foi boa, cometeu muitos erros. Reencarnou com vontade de acertar, e é honesta. Apaixonou-se novamente
pelo amor do passado. A outra, desencarnada, não quis e não quer ver os dois juntos, interferiu de tal forma, obsediando a rival, que ficou perturbada e foi internada
no sanatório. O rapaz casouse com outra. A desencarnada não sabe. A jovem encarnada falava o tempo todo em fogão. Ora ela era um fogão e, quando falava isso, a desencarnada
ria gargalhando. Ora falava que ganhou um fogão, que a cama era um fogão. A idéia fixa de fogão era a desencarnada que lhe dava, por ela ter se suicídado colocando
o fogo de um fogão no corpo. Tentamos conversar com a desencarnada, mas não foi fácil. Ouvia-nos sem entender bem, estava perturbada, e seu pensamento era só o de
separar os dois. Fizemos círculos de orações, demos passes e, no quarto dia, acabamos por encaminhá-la a um socorro. Foi levada para uma das enfermarias, das que
havíamos visitado, para doentes mentais na Colônia. A encarnada também estava doente, mas com o tratamento certo logo ficaria boa.
Vimos uma senhora que ocupava um quarto pago. Era de família de muitas posses. Ao seu lado estava uma negra que a obsediava. A encarnada gostava de se enfeitar,
a obsessora também, as duas pareciam amigas. Mas era só aparência. Ao tentarmos conversar com a desencarnada, vimos que ela odiava a outra, mas ao mesmo tempo gostava
de viver perto dela. Escutou quieta nossa argumentação. Pensei que fosse naquela hora conosco. Mas nos disse, cínica:
- Acabaram? Já lhes dei muita atenção. Queiram retirar-se. Na segunda vez que nos dirigimos a ela, ouviu-nos já inquieta. Ao ser convidada a vir conosco, gritou
batendo o pé no chão:
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- Não e não! Não vou! Por que querem que a largue? Por que querem que ela fique boa? Sabem o que ela me fez? Era sua escrava, sua aia. Ela sempre foi caprichosa
e má, e só porque achou que não passei sua roupa direito me jogou água quente no rosto e no corpo. Ainda me fez trabalhar toda queimada. A queimadura infeccionou,
passei dias entre a vida e a morte. Sarei e fiquei toda marcada com a pele repuxada. Isso ela fez comigo! Fez muitas outras maldades, não só a mim, como também a
muitos outros escravos. Por isso, desistam, não vou. Fico com ela até que desencarne.
Frederico aproximou-se e a olhou fixamente, fez com que ela visse, recordasse o porquê dessa reação. Na existência anterior, fora um capataz que marcava com ferro
quente os escravos. Recordou tranqüila.
- Já recordei isso! Outros como vocês tentaram me levar, mostram tudo para mim. Fiz e sofri! Mas esta fez mais e tem que sofrer. Fico aqui!
Raimundo mostrou-lhe por uma tela portátil a Colônia com toda sua beleza. Olhou curiosa, depois, cínica, comentou:
- Isso não é para mim! Raimundo nos disse:
- Há muito tempo esta mulher obsedia a outra. A encarnada foi de fato tudo o que ela disse. Reencarnou na mesma família. Quando adolescente o pai se suicidou e foi
ela quem o encontrou enforcado. Perturbou-se e a desencarnada pôde atuar numa obsessão marcada. Mas recebi ordem do Departamento de Pedidos para tentar tudo e separar
as duas.
Raimundo aproximou-se da desencarnada, olhou-a bem, e as manchas com as bolas da queimadura apareceram em seu rosto e braços. Ela começou a gritar:
- Feiticeiro! Isto não! Dói muito! Não quero lembrar! Tire isto!
- Só se você vier conosco - respondeu Raimundo tranqüilo.
- Não!
Afastamo-nos, Raimundo nos esclareceu.
- Devo levá-la por livre vontade, seria fácil levá-la à força. Mas a encarnada sentiria muito, podendo até desencarnar. Se ela vier de livre vontade, embora eu esteja
forçando para seu próprio bem, a encarnada sentirá, mas não irá ser prejudicada.
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Raimundo vigiou-a de perto. Ela se contorcia, chorava de dores. Tão ligada estava à encarnada, que esta ficou inquieta, passando a mão pelo rosto e braços, e começou
a queixar-se de dores. Por oito horas a desencarnada agüentou as dores. Pediu socorro aos gritos. Raimundo se fez visível a ela, abraçou-a fraternalmente e tirou
dela a queimadura.
- Filha - disse Raimundo com carinho -, venha conosco. Venha para ser feliz! Irá aprender muitas coisas, irá reencarnar e esquecer.
- Vou - disse séria.
- Vá se despedir da encarnada, tire dela seus fluidos.
A desencarnada aproximou-se da encarnada e a abraçou.
- Adeus! Vou embora! Deixo você sozinha. Se puder, volto para vê-la.
Raimundo a levou para a Colônia. Sumiram as dores da encarnada, mas ela sem saber por que começou a chorar sentida. No outro dia estava triste, tudo fizemos para
alegrá-la. Ela sentia falta da desencarnada. Frederíco nos disse:
- Ela não era só obsediada. Tem uma lesão no cérebro que se agravou ao ver o pai morto daquela forma. Agora, sem a obsessão, ela melhorará, mas não irá sarar. Isto
é conseqüência dos muitos erros que cometeu.
Vimos viciados encarnados, internados para se desintoxicarem e espíritos junto a eles, como se fossem encarnados a se tratarem. Levamos todos os que pudemos para
hospitais da Colônia e dos Postos de Socorro.
Os quatro dias foram produtivos, muito fizemos, muito ajudamos, muito aprendemos,
De volta à Colônia, estávamos satisfeitos. Ajudar nos faz bem. A aula de conclusão foi bonita, todos os casos foram comentados. Marcela suspirou ao dizer:
- Como não se pratica o perdão sincero! Como o erro acarreta sofrimento! Como nos prejudicamos ao fazer uma ação que necessite de perdão!
As perguntas não foram muitas, porque tudo o que vimos ficou bem explicado. Mas sempre se tem algo para esclarecer. Glória perguntou:
- Frederico, uma pessoa boa pode ser obsediada por um espírito que se julga prejudicado, mas na verdade não foi?
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- O desencarnado pode tentar se aproximar, mas, se o outro é bom, as vibrações diferem de tal modo que ele
não pode atuar. Também, se o encarnado começar a se perturbar, os bons sempre têm auxílio, seja de outros
encarnados seja de desencarnado.
- E se o encarnado não for tão bom, mas nada fez de mau ao desencarnado, embora este julgue que fez, pode
obsediá-lo? - Perguntou de novo Glória.
- Uma obsessão sem maiores conseqüências, às vezes, não é tão prejudicial quanto imaginam.
Muitas vezes, leva
as pessoas procurar ajuda em Centros Espíritas. Se a pessoa não for tão
boa, pode obsediá-la sim. Mas o encarnado, sendo inocente, não irá aceitar. Ele tem seu livre-arbítrio. O que faz o
espírito obsediar é a aceitação do encarnado, por ter a consciência pesada.
- A jovem do fogão irá sarar totalmente? - Ilda perguntou.
- Acredito que sim. Muitas vezes, ao afastar o obsessor, logo o corpo físico se recupera ou, pelo menos, a doença
é controlada.
- Vimos muitos obsessores perturbados. Que acontecerá a eles? - Laís indagou.
- Chegará o dia em que serão socorridos, aí serão submetidos a tratamentos. Quando curados, vão estudar ou
reencarnarão. Mas, enquanto estão vagando, ficam a perturbar e perturbados.
- Não pudemos -trazer todos os obsessores, por quê? - Indagou Cida.
- Seria bom curar todos, socorrer todos. Mas isso traria resultado? Não, continuariam a errar. E para o erro não há
reação? Pudemos trazer os que conseguimos fazer querer o socorro. Argumentamos com todos, uns quiseram,
outros não. Só forçamos a ex-escrava, porque foi pedido pela encarnada. Solicitações que chegaram ao
Departamento de Pedidos foram analisadas e concluiu-se que era chegada a hora de separá-las. Que bom se
pudéssemos atender todos! Mas como desta vez trouxemos muitos, haverá muitas outras vezes. Aos poucos serão
todos a querer o socorro. Só que aí haverá outros. Mas o sofrimento cansa, e os obsessores sofrem também.
Meditei muito nesses problemas que atingem muitos, como a obsessão, e concluí:
- E falta de seguir os ensinamentos de Jesus! Quem ama o próximo não lhe faz maldades. Quem ama o próximo
não persegue. Quem ama vive em harmonia!
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13 Pedidos
A aula teórica foi pequena. D. Isaura nos explicou que estudaríamos os pedidos que encarnados e desencarnados
fazem a santos, almas ou espíritos, a Jesus, a Nossa Senhora etc. São tantos os pedidos que nas Colônias há
Departamentos onde eles são estudados e encaminhados a equipes que irão atendê-los.
- Esses pedidos são feitos ora com fé, ora querendo facilidades entre os encarnados - disse d. Isaura. - Alguns são
atendidos na hora, outros dependem de algum tempo. Por exemplo: um homem ao se ver em perigo grita pela
ajuda de Maria, mãe de Jesus; qualquer bom espírito por perto pode atendê-lo. Quem proporciona essas graças
são equipes de espíritos em nome de qualquer entidade. Isso não importa. Honras a encarnados só importam a
eles mesmos. A nós, trabalhadores do bem desencarnados, só importa o bem que fazemos.
- Fazer promessas é errado? - indagou Glória.
- Muitos fazem de boa-fé, mas já é tempo de se entender que não se podem trocar bens materiais por favores
espirituais. É muito mesquinho: você faz isto, que faço aquilo. Pode-se pedir, mas sabendo que, se for atendido,
não precisará dar nada em troca. Bastará agradecer.
- O que é certo pedir? - Ivo perguntou.
- O mais certo é fazer por si mesmo. Mas pode-se pedir para melhorar, para ter paciência, ter forças, sabedoria,
para trocar vícios por virtudes. Isto é mais viável.
- Muitas pessoas fazem promessas - disse Joaquim. - Minha mãe fez uma para eu cumprir, mas desencarnei e não
a realizei. Ela achou, por isso, que eu estava no inferno. Sofria e transmitia a mim sua agonia. O padre aconselhou
que ela mesma cumprisse. Mamãe cumpriu e me deu sossego. Senti muito quando ela me imaginava no inferno.
- O não-cumprimento do que se prometeu incomoda a si mesmo. Conheço pessoas que desencarnam e não têm
sossego, ficam a vagar com aflição por não terem cumprido uma promessa. Outros não cumpriram e até se
esqueceram; socorridos, ao lembrar, aprendem que esse fato não interfere no auxílio, quando desencarnam. Bons
espíritos não cobram. É nosso costume cobrar de nós mesmos. Mas, já que prometemos, trocamos favores,
recebemos ajuda do outro, é honesto cumprir. Não se pode prometer algo para outro cumprir. Não somos
responsáveis pelos pedidos e promessas de outros. Quando os terráqueos evoluírem mais, não haverá promessas.
- Há os que fazem promessas cujo cumprimento é a melhora interior? - Lauro perguntou.
- Bem poucos. Prometem muito e, às vezes, coisas muito difíceis de cumprir! Raramente fazem promessa para
melhorar, deixar um vício.
Na aula prática, fomos conhecer o Departamento de Pedidos. Não são iguais, variam muito de uma Colônia para
outra. Nas Colônias grandes, ou nas que ficam próximas de onde, no plano físico, há romarias, esses
Departamentos são grandes. Na Colônia de São Sebastião está localizado dentro do prédio das Religiões. Tem
quatro salas grandes. A primeira ocupa-se com pedidos de desencarnados. Sem a roupagem física, pedese bem
menos. Não se fazem promessas, mas educa-se para a gratidão. Lá, nessa sala, chegam pedidos de desencarnados
da Colônia e Postos de Socorro. São solicitações para mudar de trabalho, de moradia e, muitas, para ajudar entes
queridos, desencarnados ou encarnados.
As outras três salas se destinam a atender pedidos de encarnados. Na primeira, são separados e encaminhados
para as duas outras, a fim de serem analisados; depois, voltam à sala de origem, para serem encaminhados aos
socorristas ou aos espíritos
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que trabalham nesse Departamento, isto é, são separados os que poderão ser atendidos.
Não há muitos pedidos sem promessas, por isso a segunda sala é pequena; nela são analisados os apelos
conscientes, sem promessas. Muitos são atendidos. Essa sala é muito agradável, tem lindos quadros na parede.
Todo o Departamento é pintado de amarelo-claro e tem como enfeites muitos vasos de flores. A terceira sala, bem
grande e com várias mesas, é para os que pedem COM promessas. Os pedidos são ali separados, e as mesas têm
plaquinhas com nomes de Santos, de Jesus, de Almas. Os dirigidos à Virgem Maria são numerosos. Depois fazem
a separação em viáveis e inviáveis. Os considerados inviáveis não serão atendidos, como os casos de pedidos para
chover ou não chover, para vitória de times esportivos, para ganhar em loteria etc. Os viáveis são os que podem
ser atendidos, em parte ou totalmente. Nesse caso, os pedintes recebem a visita dos trabalhadores do
Departamento, que depois dão seu parecer final. Se aprovados, os trabalhadores atendem, e a pessoa obtém a
graça, aí resta o pedinte cumprir o prometido.
Tudo consta de fichas bem organizadas. Nelas há o nome de quem pede, o endereço e o que se pretende. Quando
a solicitação é feita, os do Departamento anotam. Por exemplo: se a pessoa pede em uma igreja, um trabalhador
registra e leva o pedido para o local próprio. Mas há solicitações que vêm direto ao Departamento. O pensamento
age à maneira de um telefone, como se o pedinte com fé assim se comunicasse. Não é
com todas as pessoas que
ocorre esse fato, mas basta ter fé para que aconteça. Duvidar é cortar a ligação.
- Por isso é que muitos convocam as pessoas que consideram boas, que têm fé, para orar por eles - disse Zé.
Em sua maioria, os pedidos têm origem em locais como igrejas, cemitérios, nos próprios lares etc. São anotados e
levados ao Departamento. E isso é feito não só pelos que lá trabalham, mas também por qualquer espírito do bem
e, às vezes, são espíritos familiares ou trabalhadores de qualquer outro setor. Nos cemitérios, os socorristas de lá
mesmo é que tomam nota.
Estávamos curiosos e observando tudo, quando um orientador da casa nos disse gentilmente:
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- Podem ler os pedidos, mas façalm o favor de os colocar, depois, no mesmo lugar.
Admirei-me da quantidade. Pe91uei*** alguns que estavam como viáveis. Eram pedidos para e11ra, para largar de
fumar, para aceitar o filho que não conseguira amar. Ali estavam também anotadas sugestões para os
so'corristas.
A ficha da mãe, pedindo à Nossa Senhora que a ajudasse a amar o filho, foi analisada, e viram que mãe e filho
foram inimigos no passado e que, nesta encarnação, estavam juntos para se reconciliar. A ajuda consistia em
conversar com ela, enquanto o corpo dormia, e fazê-la entender a
necessidade de aceitar o filho. Envolvê-la em
pensamentos diários 'durante seis meses, íncentivando-a ao perdão e ao carinho.
- Dará certo? - Indaguei a um traNalhador, mostrando a ficha.
- Creio que sim. Dependerá de que ela aceite nossas orientáções - respondeu gentilmente.
Pede-se muito, e a pilha de solicitações inviáveis era grande. Peguei algumas para ler. Numa
delas, uma senhora
rogava às almas do purgatório ajuda para que o marido não descobrisse que ela o traíra; rezaria três terços no
cemitério,
Em outra, um rapaz pedia a Santo Antônio que o ajudasse a se casar com uma moça rica e
bonita; iria à missa uma
vez por mês durante toda a vida.
Certa moça suplicava à Virgem Maria que a livrasse de estar grávida, era solteira.
Alguns, inviáveis, eram insistentes com pedidos a vários santos de uma vez e com promessas incríveis.
O orientador do Departamento gentilmente nos esclareceu:
- Respeitamos todas as formas "de crenças e todos os pedidos. Se aqui chegaram é porque
foram feitos com fé,
embora saibamos que muitos não têm base em fé raciocinada. Respeitamos mesmo os pedidos
para encobrir erros,
como este que pede à Nossa Senhora Aparecida proteção para não ser preso enquanto rouba. Nele, há mais
ignorancia do que maldade.
Marcela leu alto as palavras de um traficante que pedia proteção para não ser descoberto
e, preso. Prometia dar
uma grande quantia em esmolas para os pobres. O orientador elucidou-nos:
95
- Todas as vezes que esse solicitante está para receber um carregamento de tóxicos, faz promessa semelhante.
Não o ajudamos, não podemos auxiliá-lo como deseja, e os acontecimentos ficam à revelia. Há algum tempo
promete e, porque não foi preso, paga a promessa. Já tentamos ajudá-lo, incentivando-o a mudar a forma de viver,
a deixar de traficar. Mas, infelizmente, não é isso que quer, pois gosta do que faz.
Após analisar tudo, saímos com um grupo de socorristas que ia atender algumas solicitações.
O primeiro caso era o de um senhor, pedindo que sarasse. Estava no hospital, tinha câncer em estado adiantado.
Não obteria a cura do corpo, seu pedido não seria atendido, mas o auxiliariam de outra forma. Os socorristas iriam
assisti-lo e incentivá-lo a ter bons pensamentos e a resignar-se. A equipe o visitaria todos os dias, até que
desencarnasse. Sentiu ele nossa presença e recebeu os fluidos doados, ficou calmo e adormeceu.
Uma outra súplica nos comoveu. Uma menina de oito anos, órfã de mãe, desejava a genitora de volta.
- Mas isso não é inviável? - Indagou Glória.
- O pedido, sim - respondeu Frederico -, mas não a ajuda. Os socorristas também irão, por um determinado tempo,
vísítá-la todos os dias, consolando-a e ajudando-a a aceitar a desencarnação da mãe.
Já outra senhora queria ajuda, porque se sentia mal, com falta de ar. A seu lado estava um desencarnado a
vampirizá-la. Os socorrístas fizeram-se visíveis a ele, conversaram e o convenceram a ir para um Posto de
Socorro.
Depois fomos ver como se anotam as fichas. Era em uma igreja. Naquela hora da tarde, estava quase vazia. Só um
trabalhador do bem ali se encontrava. Aproximamo-nos de uma senhora que orava com fé, aos pés do altar do
Coração de Jesus. O trabalhador do bem anotava seu pedido, enquanto ela orava. Queria que o filho fosse
aprovado na escola.
- Essa senhora será atendida? - Perguntou Ivo ao trabalhador.
- Os trabalhadores do Departamento podem ir até o filho e incentivá-lo a estudar. Às vezes, pode estar com algum
problema de saúde ou com algum desencarnado atrapalhando. Nesse caso, aconselha-se à mãe, em forma de
intuição, a procurar um
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médico ou um Centro Espírita. Sabendo a causa, podem os trabalhadores achar uma solução. Mas, se for preguiça,
só pode ser incentivado. Ninguém irá fazer o que lhe compete: estudar.
Depois fomos a um lugar de romaria. Ali, muitas pessoas pagavam promessas ou pediam graças. As súplicas eram
diversas: desejavam obter facilidades, riquezas. Algumas eram comoventes, pediam saúde, melhora de caráter.
Estas últimas, aliás, geralmente eram feitas para outras pessoas, como a esposa que desejava que o companheiro
largasse a bebida, e o filho, o tóxico.
Em lugares de romarias há equipes grandes de trabalhadores. Os pedidos são encaminhados normalmente ao
Departamento de uma Colônia. Se o local é muito freqüentado, o Departamento fica ali mesmo, como em
Aparecida do Norte. Uma equipe grande trabalha ali, onde os pedidos são anotados e levados, depois, para as
salas construídas no plano astral, como continuação da construção material.
- Lugares de romaria são atacados pelos irmãos do Umbral?
- Perguntou Cida.
- Sim, por isso os trabalhadores são também guardas, e o local está equipado com raios elétricos - respondeu
Raimundo.
- Que acontece se o raio atingir um encarnado? - Joaquim perguntou.
- Nada, somente atinge os desencarnados - continuou a elucidar Raimundo. - Os trabalhadores do local estão
aptos a lidar com esses raios, e não acontecem contratempos.
Porque muitas pessoas vêm de longe, de diversas partes do Brasil, os socorristas vão, depois, a seus lares. Todos
os pedidos recebem respostas.
Vimos um senhor pedir que ganhasse um carro na rifa. Os trabalhadores não iam interferir no sorteio. Mas, sim,
incentivá-lo a pensar mais na parte espiritual.
Em épocas de grandes romarias, o local recebe ajudantes extras. É comovente ficar ali escutando as súplicas. Há
tantas pessoas com fé!
Não trabalhamos durante o estudo que fizemos, só observamos.
Voltamos à Colônia. A aula de conclusão, como sempre, serviu para tirar dúvidas. Joaquim foi o primeiro a
perguntar:
- Como é feita a ajuda de pedidos que envolvem tempo, como a de um senhor que pediu proteção ao neto que
acabava de nascer?
Frederico é que respondeu:
- Isto é inviável. O recém-nascido não terá proteção especial por causa da solicitação. Ajuda, em todos os
momentos, todos nós temos. Mas um pedido de outra senhora que reza a vida toda para ter uma boa morte, ou
desencarnação, aí sim, quando chegar a hora, terá assistência. Se for boa, terá um socorro mais profundo, se não,
só assistência para desligá-la e lhe dar as primeiras orientações.
- Uma senhora pediu com fé a Nossa Senhora que ajudasse o esposo desencarnado. Como é feita a ajuda? -
Indagou Rosália.
- Os socorristas podem pesquisar e saber onde o esposo está. Se está bem, nada será feito. Se está sofrendo,
analisam o caso. Pode ser que não queira ajuda no momento, assim, não será auxiliado, e o pedido não poderá ser
atendido. Mas, se sofre e quer o socorro, receberá ajuda.
- Vimos uma senhora que faz promessas demais, por qualquer coisa. Que acontecerá com ela? - Ivo perguntou.
- Age erradamente; já tentaram instruí-la, orientã-la para que mude. Os pedidos de acontecimentos do dia-a-dia
seguem seu curso. Os trabalhadores não podem perder tempo com isso. Vamos desejar que ela mude, mas, se não
o fizer, nada acontecerá a ela. Vimos que não age de má-fé.
- Pede-se muito para chover ou não chover - disse Ilda são todos inviáveis?
- Sim, todos.
- Impressionei-me com uma senhora que rogava para morrer, para desencarnar - disse Lauro.
- A solicitação é inviável, mas ela receberá ajuda. Vão incentivá-la a querer viver encarnada, vão tentar que
alguém, encarnado, converse com ela e a ajude. Não desencarnará fora de hora. Não se pode ajudar ninguém a
desencarnar assim.
Num caso de perigo, o pedido passa pelo Departamento?
- Perguntou Cida.
- Não, os bons espíritos que estão por perto tentam ajudar no que for possível.
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- E se não houver ninguém por perto? - Cida perguntou novamente.
- As palavras ficam no ar, e podem ser captadas pelos espíritos bons num raio de quilômetros. Pode o pedido ir ao
Departamento em questão de segundos e o pessoal de lá avisar uma equipe que esteja trabalhando na Terra.
Volitando rápido, o socorro acontece imediatamente.
- Só as súplicas feitas com fé vão para o Departamento, não é? - Indagou Terezinha.
- Sim. Vocês nem imaginam o quanto se pede. Mas as que são feitas sem fé não chegam ao Departamento.
- Se alguém fizer promessa e o pedido não for para o Departamento, mas acontecer de dar certo; a pessoa tem que
cumprir a promessa? - James indagou.
- Quem fez a promessa não irá saber desse detalhe. Promessa não cumprida incomoda a si mesmo. Promessas de
pedidos que o pessoal do Departamento atende, em nome de Jesus, de Maria, de santos etc., não interessa se
foram cumpridas ou não. Para os trabalhadores basta fazer o bem, realizar um bom trabalho.
- Há espíritos que cobram promessas? - Marcela indagou.
- Existem promessas feitas em terreiros, a determinados espíritos, a almas do "Purgatório". Os que atendem são
espíritos ainda não esclarecidos. Prestam ajuda como podem, mas querem receber o pagamento e costumam
cobrar.
As perguntas terminaram e Frederico encerrou com estas palavras:
- Quando a Terra evoluir, cessará essa troca de favores. Pedidos serão como uma ajuda para se melhorar. Porém,
aprendemos desde já que cada um deverá fazer por si o que lhe cabe.
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14 Umbral
Tínhamos algumas horas livres, antes de começar o novo tema de estudo: o Umbral. Aproveitei para meditar, e
vieramme à mente recordações... Lembrei-me do que meu pai nos falou certa vez, no aconchego do lar, sobre o
Umbral. A natureza não se desvia do caminho do aperfeiçoamento, da manifestação divina. Aonde quer que
olhemos, há evolução mesmo que lenta, mas constante. Parece-nos que, somente no âmbito hominal, há
possibilidade de recusa desse crescimento, embora muitos não o admitam. Mas, se não houver evolução, há
estagnação no plano mental egoísta. É uma verdade patente, exposta de uma forma tão agressiva nas regiões
umbralinas, que chega a nos causar arrepios.
Parece ser ali a morada de todas as misérias imagináveis. Espíritos que se transformam em farrapos humanos,
cultivando entre si a promiscuidade, o medo, a miséria e a exploração feita pelos mais sagazes e violentos.
A natureza parece estar sempre carrancuda e revoltada, pois o dia nunca amanhece totalmente, e a penumbra é
uma constante. Às vezes, violentas tempestades assolam essas regiões, num esforço supremo de aliviar, limpar
acúmulos de miasmas e trevas criados pelo homem profundamente egoísta.
Ali se reúnem, numa convivência deprimente, espíritos invigilantes que, na Terra, não se preocuparam com o
crescimento espiritual, pois, se não fizeram o mal, o bem também
100
não realizaram. E dessa maneira criaram débitos, porque, quando se pode, deve-se fazer. E nós podemos refletir a
luz, a harmonia, a bondade e a fraternidade de Deus.
Certamente, o Umbral não é um lugar agradável. Se a maioria dos encarnados tivesse idéia do que é viver nele,
mesmo que por determinado tempo, aproveitaria mais o período da encarnação para aprender, viver no bem e
modificar-se interiormente, fazendo-se merecedor de moradas melhores, ao desencarnar.
Nunca pensei em ver tantas coisas diferentes como as que havia na aula teórica sobre o Umbral. Os filmes foram
separados por itens. Primeiramente, vimos filmes sobre a vegetação. No Umbral ela é sempre pouca e não é
constituída de muitas espécies. A maioria das árvores são retorcidas, com troncos grossos, e não muito altas. Em
alguns lugares, há vegetação rasteira que lembra ervas e capins da Terra. Servem de alimentação a muitos
espíritos que lá vivem. Varia a vegetação pelos muitos pedaços do Umbral. Vimos primeiro a da nossa região,
depois a do Brasil e, por fim, a do mundo.
Depois mostraram os animais, as aves, que também são de poucas espécies, desprovidos de beleza, mas úteis.
Vimos as diversas formas de cavernas, grutas e abismos existentes no Umbral.
- Tudo isto existe porque tem quem os habite - disse d. Isaura.
Filmes exibiram os diversos tipos de habitantes do Umbral, que podem ser divididos em grupos. Os chefes, que
são espíritos inteligentes, normalmente estudiosos de magia, ávidos de domínio, odeiam quase sempre o bem e os
bons. São na maioria feiticeiros. Normalmente os grandes chefes têm aparência comum de humanos. Com formas
extravagantes, só se apresentam os subchefes e os subordinados.
Há os que trabalham com os chefes, membros do grupo, do bando. Muitos dentre eles são também estudiosos,
feiticeiros, conhecedores das leis naturais. Obedecem às normas do grupo. Embora considerados livres, não são
realmente, pois não abandonam facilmente o bando e recebem castigos por desobediência. Dizem gostar do que
são e do modo como vivem.
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Encontram-se também pelo Umbral espíritos solitários, mas
são poucos. A maioria deles vive nos grupos.
Há os que vagam, em turmas de arruaceiros, entre o Umbral e a Terra.
Há os escravos, os que não servem para pertencer ao bando, trabalham, não recebem nada em troca, a não ser
castigos, se não obedecerem.
Existem também os que são torturados e tratados assim, na maioria, por vingança.
Assim como há os que dizem gostar de já há também os que consideram o Umbral o inferno, penam por vagar sem
rumo, sofrendo pelos seus erros.
Agrupam-se em cidades, pequenas vilas ou núcleos. Vimos muitas cidades nos filmes, Todas elas têm a mesma
base. O melhor prédio é para o chefe, há o local para as festas e o salão de julgamento ou audiências, A maioria
delas tem biblioteca com livros de magia e obscenos. Livros e revistas em sua maioria também editados na Terra.
Só que os encarnados têm livros e revistas bons e maus, e lã só há os ruins. Vimos, espantados, cidades enormes
com muitos habitantes
escravos,
O Umbral das Américas é mais ameno, se comparado com
da Europa e Ásia. O Umbral do velho mundo é mais fechado, com abismos enormes e horripilantes.
Vimos muitos filmes sobre cada Umbral de outras regiões, porque na aula prática iríamos visitar só o da nossa
região.
- Por que é permitido existirem esses chefes? - Perguntou Rosália, impressionada com o poder que eles têm.
- Todos nós temos nosso livre-arbítrío - respondeu Raimundo. - Somos o que desejamos ser. Tudo nos é
permitido, mas nem tudo nos convém. São espíritos ávidos pelo fascínio do poder.
- Não seria interessante que uma equipe de bons espíritos os doutrinasse? - Indagou Rosália novamente.
- Surgiriam outros. Muitos esperam uma vaga de chefe. Entre eles sempre há a disputa pela chefia. Só quando
apresentam sinais de cansaço é que existe oportunidade de mudança. Mas eles, como são inteligentes, sabem que
um dia terão que mudar.
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- Eles não temem ser expulsos da Terra, quando ela passar de planeta de expiação para o de regeneração? -
Indagou Ivo- Ou não sabem disso?
- Sabem, mas sempre pensam que há tempo, que esse fato irá demorar para acontecer. Outros não se importam,
porque o poder lhes sobe à cabeça. Sabemos que nós, uma grande parte dos terráqueos, fomos expulsos de um
outro planeta, que passou de mundo de provação ao de regeneração, e aqui reiniciamos o aprendizado. Também
na Terra haverá uma seleção e nela ficarão só os bons e os que pretendem, com boa vontade e sinceridade, ser
bons.
Nem nos filmes o Umbral é agradável de ver. Saber que aquilo é realidade e que ali estão irmãos nossos deixou-me
triste por momentos.
Depois meditei no que d. Isaura disse:
- Umbral não é sinônimo nem de sofrimento nem de felicidade, é um lugar transitório. É um ambiente criado pelo
mau uso da mente humana. Nem todos acham o Umbral triste e feio, muitos gostam de viver ali. Gostos diferem-se
a uns agrada a limpeza, a outros agrada a sujeira. Uns preferem a verdade, outros, a ilusão e a mentira. Depois,
ninguém está ali por punição, e sim por vibrar igual ao ambiente. Os que sofrem não ficam lá para sempre, há o
socorro.
A aula teórica foi ótíma, vimos muito sobre o Umbral, havendo muito para ser visto e estudado. Não nos
aprofundamos, porque o tempo de estudo era para conhecermos o principal somente. O Umbral é imenso, do
tamanho dos continentes. Onde houver um núcleo de encarnados, existirá também o espaço espiritual bom e o
ruim.
Núcleos são agrupamentos de espíritos. Fiquei abismada com alguns núcleos, como o dos suicidas, que ficam
quase sempre em vales e são visitados tanto por socorristas como pelos maus, que vão atormentar mais ainda os
que lá vivem.
Núcleos de drogados constítuem-se quase sempre em pequenas cidades. Em certas localidades são cidades
grandes, fechadas e movimentadas, onde fazem grandes festas. O local de drogados, na região, chama-se Vale das
Bonecas. Nele há casas e um grande laboratório. Vimos, em filmes, como é por dentro, inclusive o laboratório.
103
Semelhantes se afinam e se constituem em núcleos de ladrões, de assassinos etc.
Voltamos a estudar o Umbral da nossa região. Vimos o mapa e tudo o que existe lá está marcado e dividido em
partes numeradas por setor, para que os socorristas tenham seu trabalho facilitado.
Em nossa região, há uma cidade umbralina de tamanho médio, com muitos núcleos. A maioria deles tem
denominação dada por seus habitantes. Algumas são interessantes, outras ridículas ou obscenas. Existe um núcleo
de alcoólatras que se chama Barril Grande. Possui algumas casas emendadas umas nas outras. Há o chefe, e ali
vivem outros escravos, mas não há torturados. Seus moradores também gostam de vagar entre os encarnados e
embriagar-se com eles.
Não fui muito entusiasmada para a aula prática. Sabia que tinha que conhecer o Umbral e, para mim, não era nada
animador. Mas ele existe e não pode ser ignorado.
Saímos de manhãzinha, de aeróbus, até o Abrigo Caridade e Luz. Ficamos hospedados lá por alguns dias,
excursionando durante o dia e descansando à noite. Mas também andamos por duas noites pelo Umbral. No
primeiro dia, saímos em volta do Posto. Nessas excursões socorreríamos os que nos pedissem com sinceridade o
auxílio.
Lá, o solo é diversificado, ora com lama, ora escorregadio ou seco. Vestimos as roupas especiais que já citei e
colocamos luvas grossas. Muitos espíritos vão ao Umbral sem nada em especial, vestindo-se normalmente, mas
para nós, em estudo, foram recomendadas essas vestimentas. Flor Azul nessas excursões ficava perto de mim,
mas nosso amigo muito trabalhou, estando sempre alegre e feliz.
Ver pessoalmente, estudar o Umbral, é diferente de ouvir, falar, ler uma narrativa, assistir a filmes. Também difere
conforme o gosto do narrador. Embora saiba que é útil e necessária sua existência, achei um lugar feio e
horripilante. Dei graças, muitas vezes, por não ter vagado, nesta minha desencarnação, por aquelas paisagens e
por conhecê-lo só em estudo.
O Umbral segue o ritmo da Terra, se na região dos encarnados é dia ou noite, se chove ou não, se faz frio ou calor,
lá também acontece o mesmo.
104
No Umbral, o odor é ruim, cheira a sujeira, lama podre e mofo. O ar é pesado e sufocante.
Na sua parte mais amena e na região onde está o Abrigo Caridade e Luz, a vegetação é maior, rareando onde ele é
mais fechado. Nas cavernas, grutas, não há vegetação e se houver é bem pouca.
Cada um de nós levava uma mochila que continha uma lanterna, uma rede de proteção pequena, um mini lança-
raios, lençóis para envolver os socorridos, porque esses infelizes estão normalmente em farrapos, ou algumas
vezes nus.
Poderíamos desta vez conversar. Ao escutar vozes, gritos de socorro, íamos até eles. Aproximávamo-nos,
conversávamos com os necessitados, explicando em que consistia nosso socorro. Que seriam levados para o
Posto, onde reina a disciplina, a ordem, e seriam curados, mas teriam que estar dispostos a mudar de vida. Uns
queriam ficar livres dali, às vezes estavam em grutas, buracos ou na lama, queriam o bem-estar, mas não estavam
dispostos a se modificar ou ir para o abrigo. Os que não desejavam vir conosco, apenas os tirávamos dos buracos,
das grutas ou da lama, limpando-os e deixando-os seguir para onde quisessem. A maioria ficava por lá a vagar.
Durante a excursão, encontramo-nos com muitos deles. Uns pediam que os levasse até onde estavam os
encarnados, e lhes dizíamos não poder. De fato, tínhamos ordem de não levá-los, nem de ensiná-los a fazer isso.
- Se eles forem até os encarnados, irão atormentá-los e vampirizá-los - disse Joaquim. - Mas, infelizmente, os
moradores daqui ensinam a muitos.
Não sabem ir sozinhos? - Indagou Ivo a Joaquim. É muito difícil ir sem conhecer o caminho.
Vimos alguns guardas da cidade do Umbral a vigiar espírítos presos em buracos, na lama etc. Eles não gostam que
sejam soltos, mas quase sempre se afastam com a presença dos bons. Estávamos em um grupo grande. Além de
nós, em trinta integrantes, havia três instrutores, Flor Azul e mais cinco trabalhadores do Posto nos
acompanharam. Mas alguns grupos atacavam, jogando em nós imundície, lamas fétidas, pedras etc. Abríamos as
redes e tentávamos conversar com eles. Se não paravam com o ataque, respondíamos com nossos lança-raios e
eles saíam a correr.
105
- Se um bando grande nos atacar? - Indagou Nair preocupada.
- Bandos maiores não irão se interessar em defrontar-se co
nosco - disse Raimundo. - Mas, se sentirmos a presença de um ataque maior, voltaremos ao Posto imediatamente.
Estudamos a vegetação, chegamos perto, passamos a mão,
fomos até os filetes d'água, estudamos o solo, as pedras. Estávamos distraídos vendo as pedras, quando Raimundo
pediu que nos juntássemos.
- Vamos, daqui a minutos, ser atacados. Logo ouvimos blasfêmias, gritos e uivos,
- E o professor de araque que está dando aulinha e seus feiosos alunos - falou uma voz, aos gritos. - Não
queremos conversas. Podem se defender que vamos atacar. Seus atrevidos! Nós não vamos onde vocês moram
estudar nada. Vocês não têm nada a fazer aqui. Querem copiar a paisagem? Têm que pagar!
Riram escandalosamente. Abrimos as redes e permanecemos em silêncio. Ficamos, Nair e eu, pertinho de Flor
Azul. Rosália teve medo, e Frederico teve que ampará-la. Jogaram em nós diversas imundícies.
- Não vão parar? - Indagou Raimundo alto. - Estamos aqui em paz!
Risadas e gritos foram a resposta, e continuaram nos atacando.
- Aos raios! - Disse Raimundo.
Alguns de nós atiraram com os lança-raios. Os projéteis clarearam o local. Resistiram por minutos, esconderam-se
atrás das pedras. Mas muitos foram atingidos, caíram, ficando paralisados por horas. Quem é atingido tem a
sensação de que está morrendo de novo. Foram retirando-se aos poucos, pararam de rir, mas ainda blasfemavam.
Quando saíram todos, guardamos nossas redes.
- Confesso que tive medo - disse Zé. - Se fosse mulher, iria ficar encostada em um dos instrutores como fizeram
Rosália, Nair e Patrícia. Raimundo, eles não têm arma de fogo? Vejo-os com armas rudimentares.
- São as que sabem fazer. Espíritos inteligentes aqui no Umbral usam a mente para atacar. Depois, com uma arma
de fogo as balas atravessam os corpos, só ferindo. Preferem paus, correntes, esses que usam e que dão mais medo.
106
- Eles não têm redes nem lança-raios - observou Luís. - Se tivessem, poderíamos nos defender deles? Se um de
nós perder o lança-raios, ou a rede, saberão usá-las?
- Se um de nós perder, é muita falta de cuidado. Devemos ter atenção com nossos objetos. Mas, se isso acontecer,
tanto a rede como os lança-raios se autodestruirão, se usados por alguém com vibração baixa.
- Eles não sabem construí-los? - Indagou Luíza.
- Não sabem. Mas, se por acaso construírem armas parecidas, usam-nas entre si, nada aconteceria conosco se
fÔssemos atacados. É por precaução que usamos estas roupas e trazemos nossos apetrechos. Vocês estão em
estudos, não têm ainda conhecimentos para vir aqui desprovidos destes materiais.
A tempestade que desejávamos ver aconteceu. Ficou mais escuro. Agrupamo-nos bem perto um do outro e
ficamos observando. O vento forte uivava sacudindo as árvores, entendemos o porquê de serem baixas e fortes.
Raios cortavam o ar clareando tudo, os trovões eram violentos, o barulho, ensurdecedor. Logo a chuva começou a
cair, deixando mais lama ainda pelo solo. Não durou mais que trinta minutos. Depois, o ar ficou mais leve, menos
sufocante, e o odor, mais ameno.
Por dias andamos por ali, entramos em grutas, descemos em buracos. As grutas ou cavernas por ali não são
grandes, mas vimos nos filmes algumas enormes. Nem bonitas como muitas na Terra. São todas muito parecidas.
As pedras são escuras sem beleza, é frio lá dentro, tem um salão onde normalmente há espíritos presos. É bem
fácil de se perder. A escuridão é total.
As noites no abrigo foram agradáveis, conversamos, ouvimos música, trocávamos idéias do que víamos,
alimentávamo-nos e descansávamos em nossos quartos ou alojamentos. Os instrutores e Flor Azul não ficavam
conosco, iam para as enfermarias trabalhar. Todos os dias trazíamos socorridos que tinham necessidade de
cuidados.
Por duas noites saímos, mas ficamos por perto do abrigo. A noite no Umbral se mostra mais assustadora. Só se vê
a lua, quando é cheia, sendo avermelhada. Lá é bem escura a noite.
Depois de conhecer todo o Umbral em volta do abrigo, partimos de manhãzinha, a pé, para o Posto Vigília.
107
15 Conhecendo mais o Umbral
Não precisávamos ir em silêncio no caminho para o Posto Vigília, mas conversávamos só o necessário; não dava
vontade de falar, permanecíamos concentrados observando tudo.
O caminho não é fácil, íamos próximos um do outro, prestando atenção onde pisávamos. Na aula teórica,
estudamos o caminho no mapa e já tínhamos passado por ali quando fomos visitar o Posto Vigília. Mas
necessitávamos de experiência, para não nos perdermos por aquele caminho cheio de curvas. Quanto mais
andávamos, mais escuro ficava. Fomos socorrendo os irmãos que encontrávamos. Eram os caídos na lama, os que
se arrastavam pelo solo. Apiedamo-nos de todos. Alguns, mesmo sofrendo, ao nos ver, insultavam-nos aos gritos:
- Que fazem aqui? Não têm nada de andar por aqui observando. Vão embora!
Muitos falavam palavras obscenas. Grupos de arruaceiros fogem quase sempre das equipes de socorro.
Encontramos por duas vezes grupos assim, que fugiram escandalosamente fazendo algazarra. Os mais inteligentes
param e observam somente, não insultam, ficam em silêncio. Os valentões, que gostam de brigas, enfrentam os
grupos de socorro, mas, aos primeiros impactos dos lança-raios, correm aos gritos, insultando.
Acolhemos, no caminho, vinte e três sofredores e os levamos ao Posto. Uns iam amparados, outros, nas macas.
Desses vinte e três, ao chegarmos ao Posto, cinco disseram não querer ficar. Mas, antes de deixá-los partir, foram
por nós limpos e
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vestidos; nos feridos, fizemos curativos, foram alimentados, e aí os deixamos ir embora. Os dezoito restantes
foram limpos e encaminhados às enfermarias.
Um fato interessante: um dos que não ficaram, embora limpo e alimentado, nós o encontramos dias depois,
reconhecendo-o pela roupa, estava com um grupo que nos insultou.
Chegávamos sempre ao Posto cansados e, após nos limparmos e alimentarmos, íamos ouvir música e conversar.
Não trabalhávamos no Posto, só os instrutores o faziam.
Vimos uma grande tempestade, certo dia, ao conhecermos o Umbral, perto do Vigília. Foi de amedrontar. Raios
cortavam o local com enormes clarões. Grupos corriam, assustados, de um local para outro sem saber para onde
ir. Muitos chegaram perto de nós, mas, quando a tempestade se acalmou, saíram a
correr.
- Não há perigo um raio cair sobre alguém? - Indagou Lauro a Frederico.
- Não. Os raios não fazem estragos. Queimam os fluidos deletérios. Nossas capas nos protegem deles. Mas, se
cair sobre um dos que vagam, receberá a carga elétrica que o fará perder os sentidos, já que não pode desencarnar
novamente.
A vontade que dá, ao andar pelo Umbral, é de socorrer a todos. Mas frutos verdes não se aproveitam. Nem todos
querem auxílio dos bons. Não é possível levar os que não querem, seriam prejudiciais aos Postos e às Colônias.
Quando almejarem com sinceridade pela ajuda, terão sempre quem os auxilie.
Entramos num buraco. Colocamos nossas lanternas na testa e descemos com cordas, que amarramos a um
aparelho que enfincamos no solo. Descemos todos, só Raimundo ficou lá em cima. Depois de minutos,
encontramos uma encosta grande com cerca de dez metros. Ali estavam espíritos, que correram aflitos ao nosso
encontro, a nos pedir socorro. Organizamos para que subissem. Eram oito. Cinco conseguiram ir sozinhos, um
necessitou que um dos trabalhadores do
{ - As tempestades ocorrem no Umbral como ocorrem na Terra. Se aqui podemos por aparelhos prever, nos
Postos de Socorro também. Não são mandadas pelo Plano Maior, mas podem ser, às vezes, por necessidade. As
tempestades fazem parte do dia-a-dia do Umbral.}
109
Posto o colocasse nas costas. Dois, inconscientes, tiveram que ir de maca, que prendemos às cordas e alçamos. Lá
em cima, Raimundo conversava com eles, explicando como seria o socorro e que, se quisessem, poderiam ir
embora. Só os inconscientes eram levados sem perguntar. Muitos ficavam conosco, mas a maioria ia embora
quase sempre, sem sequer agradecer.
Continuamos a descer e paramos numa gruta. A escuridão era total. Entramos, não era grande, havia ali seis
espíritos, sendo que três pediram para ficar. Estranhamos. Todos indagaram:
- Por quê?
D. Isaura simplesmente respondeu:
- Gostam. Cada um deve ter seu motivo para não querer sair daqui.
Continuamos a descer, chegamos ao final. Era uma vala e ali estavam três espíritos presos com cordas; nós os
soltamos.
- Quem os prendeu? Por quê? - Quis saber James.
Dois amaldiçoavam seus algozes e nos pediram em nome de Deus que os castigássemos. O terceiro ficou calado.
d. Isaura respondeu:
- Por isso estão aqui, por amaldiçoar. E, certamente, por brigas. Podemos
soltá-los, levá-los para cima, mas não
para o Posto. Voltando ao que estava quieto, d. Isaura indagou:
- E você, não quer se vingar?
- Não, senhora, quero ir com vocês. Sofro e estou cansado.
- Covarde! - Disse um dos dois.
- Você irá conosco - disse nossa instrutora.
Nessa excursão vimos outros fatos assim. Ao serem socorridos, pediam-nos que os vingássemos, que
prendêssemos ali seus algozes.
Subimos de volta, o buraco era fundo, achei um horror e sabia que era um dos pequenos.
Naquela noite, Flor Azul ficou um pouco conosco, falou que na China o Umbral é mais assustador e há lugares tão
fechados que raramente os socorristas vão até lá.
Um socorrista do Posto nos esclareceu:
- Esses que libertamos do buraco e não vieram conosco logo estarão envolvidos em novas confusões e, muitas
vezes, serão presos novamente. Só em excursões de estudos é que
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são soltos; nas que fazemos diariamente Vamos só até os que clamam por ajuda.
No outro dia, entramos numa grande caverna. Amarramos cordas na cintura para não nos perdermos. Não
entramos nos locais mais baixos. Trouxemos para fora muitos espíritos, mas socorremos poucos.
Fomos ver alguns núcleos de perto. São todos mais ou menos iguais: localidades pequenas, com poucas casas
agrupadas. São movimentados. Há alguns fechados por altos muros. Não entramos em nenhum. Nesse dia, Artur
veio fazer-nos companhia. Artur é o companheiro desencarnado do trabalho de meu pai. Gosto muito dele.
Alegre, risonho, cumprimentou-nos sorrindo e disse que ia nos acompanhar pela excursão no Umbral. Alegramo-
nos.
Num local cheio de pedras, ouvimos barulho de um grande bando se aproximando. Reunimo-nos em círculo. Flor
Azul ficou ao meu lado e cada instrutor também perto. Um grupo grande, de uns trezentos moradores do Umbral,
parou a nossa frente. Aquietaram-se e um deles falou:
- É aí que está a filha do feiticeiro José Carlos?
Já ouvira espíritos se referirem assim com desprezo ao meu pai, chamando-o de feiticeiro.
Artur adiantou-se dando alguns passos e parou diante deles, cruzou os braços no peito e respondeu:
- Está, por quê?
De sua mente saíram fachos de luz que os atingiram em cheio. Por segundos ficaram recebendo os raios de luz,
depois, assustados, debandaram em gritos. Artur voltou ao nosso grupo tranqüilo:
- Continuamos?
Todos estávamos curiosos e o rodeamos perguntando:
- Que aconteceu? - Muitos perguntaram de uma vez.
- Soubemos que iriam atacá-los e vim para ajudá-los - respondeu Artur, tranqüilo como sempre.
- Queriam a Patrícia? - Perguntou Nair, assustada.
- Pretendiam somente assustá-la.
- Por quê? - Indagou Ivo.
- O pai de Patrícia é um orientador espírita e incomoda os ociosos, os que por determinado tempo preferem o
caminho do erro. Pensaram que poderiam assustar a filha, porém esquece111
ram que os encarnados que trabalham no bem têm os desencarnados bons a ajudá-los.
- Eles voltarão? - Luíza perguntou.
- Não creio. Mas continuarei com vocês até o final do estudo do Umbral.
- Você se assustou, Patrícia? - Indagou Zé.
- Não, senti-me tranqüila como sempre - disse, olhando para Flor Azul.
Como não confiar, tendo a companhia dos três instrutores, de Flor Azul e Artur? De fato, Artur nos presenteou
com sua presença nas excursões que fizemos ao Umbral, só não ficava no Posto. Estava sempre calado e
conversava quando interrogado, sendo agradável com todos. Artur é simples, ninguém adivinha do que é capaz.
Por isso o admiramos e lhe ficamos gratos.
Os samaritanos saíram conosco. Eles conhecem o Umbral melhor do que seus moradores. É agradável sair com
eles. Levaram-nos ao pântano número dois, assim chamado por ser uma região de muita lama. O lugar é de difícil
acesso, tem que se descer muito e há muitos abismos. Fomos descendo e socorrendo irmãos necessitados, mas
somente alguns deles iriam para o Posto, a maioria somente seria tirada dali. O lugar é feio, muita lama, pouca
vegetação, escuro e fétido. Para voltar, já era tarde, logo seria noite, Frederico, d. Isaura e Raimundo uniram-se
em pensamento e fizeram uma passarela de luz. É linda! Maravilhosa! É uma estrada inclinada de luz amarelada.
Fomos andando sobre ela. Estranho e fenomenal. É como andar no solo. Depois de andar por horas em solo
acidentado era agradável caminhar pela passarela. Os três instrutores iam na frente e formando a passarela a dois
metros na frente deles. íamos atrás com os socorridos e, à medida que passávamos, a passarela ia sumindo.
Tínhamos que ajudar a sustentá-la com pensamentos bons. Fomos cantando. Logo estávamos em solo firme e
perto do Posto Vigília. De longe, a passarela, embora amarelo-clara, parecia um arco-íris.
No dia seguinte, Raimundo pediu permissão ao chefe da cidade do Umbral para entrarmos e vê-la. O governador -
assim é chamado - deu permissão, mas avisou que seríamos vigiados.
Naturalmente, vimos somente algumas partes, não conhecemos as prisões, os lugares de torturas e nem entramos
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nas casas dos moradores. Visitamos o salão de festa, todo roxo e amarelo-forte, com desenhos em preto. Nas
paredes há desenhos de dragões, figuras satânicas, parecidas com as que os encarnados desenham, do diabo.
Enfeitam também o local algumas cortinas amarelas e vermelhas em tom forte. Não há flores nem plantas. Havia
pelo local algumas cadeiras. Depois fomos à sala de audiência, é de dar medo. Toda preta, com enfeites dourados
e prateados. Tinha muitas cadeiras, todas pretas e em ordem. Não estava nada sujo. Também fomos à biblioteca, é
grande, contendo muitas revistas e livros sobre sexo, muitas cópias que os encarnados possuem. Não são
bagunçados. Estão em estantes e há até quem cuide dos livros e revistas.
Fiquei o tempo todo perto de Artur, que pouco conversou. Éramos visitas e nos foi recomendado evitar
comentários. Andamos pelas ruas, na ocasião estavam razoavelmente limpas. As ruas são curvas e de pedras.
Já era hora de irmos embora, Raimundo agradeceu a acolhida. Não teve resposta, pois julgam-se importantes. Ao
sairmos, dois guardas vieram nos olhar, para ver se não levávamos ninguém da cidade. Não socorremos ninguém
nem vimos ninguém para socorrer. Pudemos olhar só os moradores, que fizeram de tudo para nos mostrar o
quanto eram felizes. Mas não são, pois sua alegria é falsa. Ninguém é tão feliz, no termo certo, longe, distante do
Pai, de Deus.
Raimundo nos explicou que nem sempre são permitidas estas visitas e que, sem autorização, nenhuma excursão
entra na cidade. E que os escravos e torturados ficam escondidos nessas oportunidades. Entretanto, quando os
socorristas querem, entram sem ser notados e socorrem aqueles que estão a clamar auxílio.
Agradecemos aos samaritanos, a Artur e ao pessoal do Posto Vigília. Despedimo-nos alegres, a excursão
terminava. Partimos para o abrigo e dele para a Colônia.
Na Colônia, recebemos oito horas livres. Fui ver vovó e os amigos. É tão bom revê-los!
Depois tivemos a aula de conclusão. Não se tinha muito que perguntar. Somente James perguntou a Raimundo:
- Por que muitos que sofrem ficam pelos vales e buracos e não nas cidades deles?
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- Porque, nas cidades, não querem os que sofrem, os perturbados nem os inconscientes, porque não servem para
nada.
Ficamos todos consternados em ver o Umbral. Mas agora sabíamos andar por ele, ir a um socorro. Fizemos no
final da aula uma prece pelos que vivem lá e agradecemos por não estarmos nele.
Felizes os que tudo fazem, esforçam-se por vibrar no bem. Felizes os que, ao desencarnar, têm por merecimento
um lugar de bem-aventurança. Felizes os que seguem os ensinamentos de Jesus; os que aprendem, encarnados, o
que é desencarnar e mudam interiormente para melhor. Esses não terão o Umbral por moradia.
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16 Aparelhos e mentes
Tivemos aula teórica sobre aparelhos usados no plano espiritual. Infelizmente não posso descrevê-los com
detalhes por dois motivos. Primeiro, não tenho meios de transmitir, e a médium, desconhecendo, torna-se difícil.
Segundo, não tive autorização do plano superior para descrevê-los com minudência, porque este relato, sendo
público, poderá ser lido também por maus.
No plano espiritual há muitos aparelhos. Todos lindos e úteis. Já conhecíamos todos, muitos deles usamos nas
excursões e na vida diária na Colônia. Nenhum polui nem ocasiona acidentes. Acidentes não acontecem por aqui.
Começo narrando os maravilhosos aerõbus, aparelhos de locomoção, uma mistura de ônibus e avião, para curtas e
longas distâncias, para pequenos grupos ou muitas pessoas.
As telas, usadas em muitos Centros Espíritas pelos desencarnados trabalhadores para que os indivíduos vejam
acontecimentos, principalmente do passado, são leves, simples e muito práticas.
Há o removedor de ar, aparelho usado para coletar fluidos, sejam os bons, para armazenar, ou os ruins, para
limpar o ambiente. Lembra um pouco um aspirador terreno, é leve e prático.
Existem os aparelhos usados principalmente nos Postos de Socorro, para deixar o ambiente com temperatura
agradável. São instalados numa parte do prédio.
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Há os aparelhos de vigia e os que medem as vibrações. Também existem os aparelhos de defesa e os lança-raios,
que parecem um lança-bolas. São leves, e há os que são pequenos, de oito centímetros.
Existem, ainda, os aparelhos parecidos com a televisão e os vídeOS.
São muitos, todos úteis e maravilhosos.
Os espíritos do Umbral têm também muitos aparelhos dos quais fazem uso. Aprendemos, em aula, a usá-los e a
neutralizá-los.
Tivemos, nas aulas, conhecimento de todos os aparelhos existentes no plano espiritual. Aprendemos a usá-los
mas não a construí-los. Existem oficinas nas Colônias para tais procedimentos.
Só tivemos a parte teórica, em que manuseamos vários aparelhos. Também não houve aula de conclusão, porque
as dúvidas foram tiradas durante a aula teórica.
Conversamos muito, trocando idéias. Narrei aos colegas um fato do meu conhecimento.
- O Centro Espírita que freqüenteí, quando encarnada, recebeu, por certo período, a ajuda de um grupo de
espíritos sediados no local chamado Colina. São todos orientais, Flor Azul faz parte desse grupo. Todos esses
espíritos são encantadores, assim como Flor Azul. Dentre eles, há um médico especial de nome Tachá. É exímio
construtor de aparelhos, mas o mais impressionante é a sua maneira de curar seus doentes. Com alegria, graça,
bondade contagiante, envolve seus pacientes num canto manso e harmonioso, enquanto lhes recupera o
perispírito. O resultado é surpreendente. Depois que desencarnei, indaguei a Maurício, amigo médico que
trabalhou com essa equipe, o porquê de ele ter tanta facilidade e rapidez para curar. Disse-me que, enquanto ele,
Maurício, curava o doente de fora para dentro, Tachá envolvia o paciente pela música, fazendo com que iniciasse
sua própria mudança interior, ajudando-se. Enquanto nós, dizia Maurício, com a nossa maneira fazemos tudo
sozinhos, ele faz o próprio doente recuperar-se; daí sua habilidade.
- Esses aparelhos foram descritos no livro Violetas na janela.
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Em seguida, tivemos uma aula sobre a influência da mente. Sabemos bem que se pode influenciar e que podemos
ser
influenciados tanto para o bem como para o mal. Mentes perversas podem prejudicar outras: desencarnados a
desencarnados, desencarnados a encarnados e encarnados a encarnados.
- Vocês devem, sempre que possível, influenciar, tentar transmitir aos outros pensamentos bons, de alegria, paz e
amor
- disse Frederico.
A mente tem muita força. Mentes treinadas fazem muito. Vimos em filmes várias formas de usar a mente, para o
bem e para o mal.
Com a mente, pode-se criar, plasmar objetos. Tentamos plasmar algo. Foi uma alegria! Certamente, necessita-se
de muito estudo, treino e domínio da mente para fazer isso. Ajudados pelos três instrutores, conseguimos plasmar
três rosas, que logo desapareceram. Duas foram cor-de-rosa e a terceira, metade vermelha, metade amarela.
Rimos muito.
Flor Azul, convidado a participar da aula e a nos dar demonstração, sorriu e não se fez de rogado. Tranqüilo,
sentou-se cruzando as pernas como os logues, mentalizou por minutos, e uma caixinha marrom surgiu. Uma
espécie de porta-jóias. Que será que tem dentro? - Marcela perguntou.
Podemos abri-la? - Indagou Nair, curiosa.
Com autorização de Flor Azul, abrimos. Dentro, havia uma placa, parecida com madeira, com os dizeres nela
gravados: "A sabedoria é a fonte da prudência". Aplaudimos, ele ficou encabulado.
- Lindo! - Dissemos entusiasmados.
Soubemos o tanto que se pode fazer com a mente e que todos somos capazes. Basta estudar e querer!
- Ao dar um passe, o passista está influenciando quem o recebe? - Indagou James a Raimundo.
- De certa forma, sim, influenciando para o bem. Passes significam transfusões de energia. São doações e, para
isso, quem dá passes tem que ter, para doar. Nos Centros Espíritas ou com pessoas boas que benzem, ou com
quem dá passes, há sempre desencarnados bons que ajudam nessas doações.
- Passes são úteis? - Indagou Glória.
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- Sim e muito. Para pessoas enfermas são muito úteis. Para pessoas obsedadas, de grande ajuda. Para os médiuns
que não trabalham com sua mediunidade, é como tomar comprimido para dor de cabeça, corta-se por determinado
tempo o efeito, mas não se elimina a causa. O passe deve ser encarado como um remédio poderoso e, como todos
os remédios, não deve ter abusos. Não é certo acostumar-se com passes e tornar-se um papa-passes e tomá-los
por tomar.
- Já escutei sobre os passes que, se bem não fizerem, mal não fazem - disse Rosália.
- É errado. Só faz bem. Não devemos menosprezar assim algo tão útil e tão sério, que exige tanto do passista.
Passe é algo maravilhoso. Tanto que os espíritas conscientes fazem cursos, estudam, para praticar tal evento. E
deveria ser mais valorizado.
Aprendemos a dar passes, antes de visitar o hospital da Colônia, e isso na primeira aula. É simples, mas
necessitamos estar bem conscientes de que estamos transmitindo o que temos. Nós, desencarnados, podemos dar
passes em encarnados, que não vão receber como o de um médium, porque não temos fluidos materiais, mas
sempre são de grande ajuda.
Aprendemos a fluir água. Em Centros Espíritas, para os freqüentadores em geral ela é só energizada. Os
encarnados sempre devem deixar água limpa para isso. Sempre que se encontram impurezas, devem ser
neutralizadas. Existe a água separada para certas pessoas onde são colocados os remédios de que necessitam.
Sempre quem faz isso é a equipe médica, mas como normalmente muitos necessitam de ajuda, aprendemos para
ser úteis.
Essas aulas, embora curtas, foram de grande proveito.
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17 Gríação da terra
Vimos em filmes, na aula teórica, a criação da Terra em suas diversas épocas. Tudo tão lindo! Fitas que foram
psicometradas da Terra. Já as tinha visto nas salas de vídeo, mas com amigos e instrutores explicando era
diferente. Toda a criação de Deus é fantástica. A Terra passou por diversas transformações, mas continua linda.
O desconhecido nos fascina, tanto o passado como o futuro. Raramente damos valor ao presente, que é na verdade
a única realidade que podemos viver. Em nível de conhecimentos, é necessário remontar ao passado para que
tenhamos uma noção da evolução cósmica. Nesse curso, com grata satisfação foi-nos mostrado e explicado um
pouco da nossa nave espacial, o planeta Terra. Com muita atenção, escutamos a explicação sobre os primórdios
da Terra e da raça humana, nela radicada. Vimos seus primeiros habitantes e como as religiões surgiram. Há em
todos nós a necessidade de crença. Nosso espírito sabe da existência do Criador. Foram várias horas vendo, sem
nos cansar, extasiados com tanta beleza, a Terra, nossa morada abençoada. Esse estudo é de tal forma envolvente,
que era nosso desejo não sair da sala de aula enquanto houvesse algum fato a ser conhecido.
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Vimos as religiões do passado. A idolatria dos deuses da natureza, como o sol e a lua. O surgimento dos deuses
de barro e metal, as guerras, as atrocidades em nome das religiões, que se denominavam donas da verdade, e
muitas crueldades aconteceram tendo como pano de fundo a religião. Depois, estudamos de forma geral as
religiões atuais, só para termos uma idéia de como crêem, agem e quais são seus objetivos.
Todas as religiões são boas se seguidas interiormente, no entanto, devemos ter cuidado com algumas que levam
ao fanatismo. Religiões são setas no caminho, mas cabe a nós caminhar.
As religiões cristãs são muitas, têm base nos ensinos de Jesus, que são interpretados de várias formas. Mas são
poucas as que tentam seguir a essência dos seus ensinamentos, ficando restritas a atos exteriores. As que
facilitam a caminhada evolutiva são as que ensinam raciocinando, fazendo entender para crer. Entre essas, está o
Espiritismo, que ensina o porquê de Deus ser justo, através das leis da reencarnação e da lei de causa e efeito. E
também esclarece o que acontece quando se desencarna.
A aula foi tão bem explicada que não houve necessidade de perguntas.
Iniciaríamos a parte prática e estávamos duplamente contentes, porque iríamos, por vinte e quatro horas,
excursionar por dois outros países: a índia e o Vaticano.
Viemos à Terra de aeróbus. Fomos visitar diversos templos da nossa religião e ver seus cultos. A oração sincera é
ouvida em qualquer culto. Há pessoas boas e de fé em todas as religiões. Gostamos de ver, de ouvir orações.
Pessoas que oram com sinceridade são rodeadas de fluidos agradáveis. Ouvimos seus ensinamentos e nos
sentimos bem em seus templos. Como são bons os ensinos religiosos! Em muitos templos fomos recebidos por
desencarnados. Muitos, ao desencarnarem, ficam em templos a trabalhar, outros infelizmente desconhecem seu
estado, mas não fazem mal aos outros. Esses foram os que tentamos ajudar. Mas não estávamos ali para isso, e,
sim, para entender os diversos credos.
Como há pessoas boas dentro das religiões, há também as más. Há as que usam a crença para serem desonestas.
Muitas pessoas más fazem erros em nome de Deus, de Jesus. Mas
120
ainda bem que fatos bons se sobressaem aos ruins. Todas as religiões ensinam a amar a Deus, fazer o bem e evitar
o mal.
Fomos a vários cultos de diversas religiões e sempre nos receberam bem. Respeitamos todos, ficamos quietos
prestando atenção.
Visitamos os umbandistas. A Umbanda é às vezes incompreendida. A maioria faz o bem, mas infelizmente há os
que se dizem umbandistas e não seguem o nível da maioria. Seus rituais são bonitos, com cantos de muita
significação. Raimundo os cumprimentou com carinho. É conhecido, está sempre trazendo alunos para conhecê-
los. Pediu licença e gentilmente fomos conduzidos a uma ala para visitantes. Ficamos só observando. Muitos
socorros foram realizados. Todos os desencarnados que lá trabalham vestem-se de branco, salvo alguns. Eles têm
muita paciência com os encarnados e tudo fazem para ajudar. Respeitamos muito a Umbanda e o seu trabalho.
Fomos ver o Candomblé. Os seguidores desencarnados nos trataram muito bem, deram até um presente a
Raimundo, que agradeceu sorrindo. É uma cópia de um livro deles. Seus rituais são diferentes. Observamos tudo
calados. Não gostam de intromissões nem cabia a nós, visitantes, dar palpites. Suas vestes têm significado, seus
colares, enfim tudo o que usam. Os desencarnados têm Colônias próprias, cidades no Umbral, onde há hospitais,
escolas, boas bibliotecas, e se ajudam mutuamente. São várias Colônias pelo Brasil'.
Existe a Quimbanda. Ela não dá permissão para ver seus rituais. São grupos de encarnados que se unem a
desencarnados que, por algum tempo, seguem outros caminhos.
Esses grupos de encarnados assim agem quase sempre para facilitar suas vidas. Mas essa ajuda é ilusória. Trocam
favores entre si e cometem muitos erros.
Vimos, de longe, encarnados e desencarnados fazendo trabalhos de macumba, de feitiço. Notamos entidades
trevosas, moradores das cidades do Umbral, virem receber as oferendas.
5 - São raras essas separações, após a desencarnaÇão. Aqui, vimos o Candomblé socorrer só os seus seguidores e
alguns dos seus admiradores. Os seguidores do Candomblé não aceitam as orientações das Colônias existentes,
por isso foram feitos núcleos próprios. No futuro haverá união, com o crescimento espiritual de todos.
121
Sabemos que o mal existe, tem força, mas o bem tem muito mais.
Vimos também oferendas de agradecimentos, e dessas reuniões pudemos nos aproximar. São quase como
promessas, pedem, recebem e fazem as doações. Outras são somente agrados pelo muito que recebem.
Fomos à tão esperada visita ao exterior. Primeiro, à índia, terra dos misticismos.
- E a primeira vez que vou ao Exterior! - Exclamou Glória contente.
- Eu também - respondi.
Não fomos ver o plano espiritual, e sim o material. Seus templos são encantadores. Soubemos que Gandhi está no
espaço espiritual da índia, trabalhando por seu querido país. Em curto espaço de tempo deu para ver poucas
coisas. Os indianos são quase sempre muito religiosos, suas religiões, diferentes das cristãs, são motivo de muitas
controvérsias. Os lugares sagrados têm uma energia muito forte e são guardados por inúmeros desencarnados.
Visitamos alguns assim e, num templo lindíssimo, estava escrito em indiano, no plano espiritual, que nos foi
traduzido: "Deus, que está em toda parte, aqui se faz presente pela demonstração de amor".
Achamos tudo muito bonito. Fomos de aeróbus da índia ao Vaticano. Ao chegarmos lá, uma equipe desencarnada
analisou nossa autorização de visita e só depois nos permitiu a entrada.
- Fazem isso porque o Vaticano é alvo de incontáveis ataques - explicou d. Isaura.
Inúmeros espíritos que sofrem e vagam, ali vão em busca de socorro, e a maioria é socorrida nos portões de
entrada. O Vaticano é cercado no plano espiritual. Há diversos guardas e socorristas que ali trabalham ajudando.
Visitamos os lugares permitidos aos visitantes encarnados. As belezas materiais são numerosas. O catolicismo
herdou bastante das religiões pagãs. Algumas imagens de santos foram outrora ídolos pagãos. Em lugares de fé,
oração, os fluidos são agradáveis. Tivemos conhecimento de que mudanças em breve ocorrerão no catolicismo.
Vimos um grande número de socorristas trabalhando, atendendo ou anotando pedidos dos encarnados, num
trabalho incessante. Vários deles foram religiosos encarnados.
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Pena que essas excursões foram curtas, só dando para visitar a parte material. Mas foram inesquecíveis. Achei
tudo lindo!
Voltamos ao Brasil, a nossa região, e fomos ver alguns Centros Espíritas. A simplicidade, a compreensão da
verdade fazem esses lugares humildes serem transformados em fontes de bênçáos e luzes. Por ter sido espírita,
encarnada, foi com enorme alegria que visitei Centros Espíritas. Amo o Espiritismo!
Nos Centros que visitamos, fomos bem recebidos. Todos conheciam Raimundo e d. Isaura, que foram abraçados
com carinho. Lá, poderíamos indagar à vontade. Meus companheiros fizeram inúmeras perguntas. Eu só olhava
tudo com amor. Foram excursões agradabilíssimas.
123
18 A palestra e a feira do livro espíritaWilrado.&íoro Cs
Alegrei-me imensamente quando fomos ao Centro Espírita em que meu pai trabalha. Rever os amigos fez bem ao
meu coração. A reunião começou, e grande era o número tanto de encarnados como de desencarnados que
estavam atentos à palestra da noite, para ouvir meu pai. Como sempre faz, fala claro e com voz agradável:
- Se queremos nos aproximar de Deus, temos que investigar para conhecermos um pouco da sua maneira de ser.
"As atividades humanas têm, no desejo de aquisição, o elemento que as sustenta. Em conseqüência disso, somos
todos egoístas, chegando a atingir os planos mentais ou psíquicos.
"Nossos irmãos inconscientes ou semiconscientes, quando buscam a preservação do indivíduo, não ultrapassam o
necessário para sua sobrevivência e realização de suas funções. Nessas ditas manifestações, podemos ver Deus
criador agir sem interferência na liberdade do indivíduo, coisa que não acontece no âmbito do ser humano. Ora, se
quero me relacionar bem com um indivíduo, tenho que conhecê-lo, gostar das mesmas coisas que ele, amar aquilo
que é seu e, se possível, pensar como ele.
"Por que as flores são belas e perfumadas? Interrogação interessante que nos leva a meditar e, meditando,
chegamos à
124
intuição. Para a personalidade, tudo tem um motivo; todo caminho ou toda ação tem como princípio um fim. Não
concebemos agir sem um fim pessoal, Vivemos presos à ativídade da mente, arquivo do passado coletivo e
particular, por isso não percebemos que a ação cósmica não tem necessidade de chegar a lugar, ganho, ou fim
nenhum.
"Muitos dirão que as flores são belas e perfumadas porque Deus quis embelezar e perfumar o ambiente e a vida
dos homens. Que pretensão! A beleza, a pureza e o perfume da inocente flor enfeitam a existência também do
revoltado, do gozador, do egoísta, do desumano que é capaz de se opor ao Criador, que o sustenta em todas as
suas necessidades. Ademais, para o Pai, que realmente ama, aspectos externos não alteram a sua maneira de
amar. Ele ama todas as suas manifestações, porque elas fazem parte Dele. Na verdade é Ele mesmo, pois fora
Dele nada existe. Não, não foi por causa do homem que Deus criou as flores.
"Para elas, por que motivo existe, então, tanto perfume e beleza? Nenhum. São o que são, pela sua própria
natureza interior, não importa que a vejam ou não. Que estejam num jardim entre os homens ou na mata onde
ninguém as veja. Não importa onde nascem, serão sempre a manifestação de agradável beleza.
"Da mesma forma devem ser os homens, só que com uma diferença, o que a flor é por inocência, deve ser o
homem por sapiência. Tem o homem liberdade para ser a mais bela manifestação do Eterno. Muitos são contra, e
é o que com a maioria acontece. Outros, livres e conscientes da Divindade, se integram a Ele, passando a refletir o
Eterno, saturando a Terra de luz, beleza, perfume e, acima de tudo, do amor incondicional que tudo envolve no seu
carinho protetor.
"E as violetas? Teriam elas inveja das rosas ou desejariam um dia vir a ser rosas? Não! As violetas estão felizes
em ser o que são; felizes por serem manifestações do Criador, sem pretender nenhuma justiça por parte Daquele
que tudo é, pois tudo que elas são a Ele pertence, e delas mesmo nada possuem.
"O homem bom deve ser bom, porque esta é a sua natureza, e não para receber prêmios e louvores. Não importa
se os outros verão ou não a sua bondade. Deve ser como as flores,
125
que não escolhem lugar nem pedem reconhecimento para ser o que de fato são.
"Devemos imitar as flores, cuja alegria e felicidade está na atitude permanente de refletir o belo, o perfumado, o
imponderável. O nosso paraíso não está no além, nem no aquém, está dentro de nós mesmos."
- Que bonita palestra! - Exclamou Ivo.
- Deve se orgulhar do seu pai, hein, Patrícia? - Disse sorrindo James.
Somente sorri. Sim, sentia-me feliz e encabulada com os elogíos dos companheiros à bonita palestra de meu pai.
No final, uma chuva fina de fluidos salutares encheu o ambíente, saturando-nos de energias. Chorei de emoção,
amo meus pais, e vê-los estudando, trabalhando no bem, alegra-me muito. Saber que estão em comunhão com o
Pai é felicidade para mim. A reunião acabou com grande proveito. Ficamos ali por momentos a conversar.
Maurício me abraçou carinhosamente:
- E então, como vai minha menina?
- Encantada com o curso - respondi.
Voltamos à Colônia onde passamos algumas horas livres. Aproveitei para escrever o que ouvi, o que aprendi no
curso, e para ler um pouquinho.
Na manhã seguinte, fomos visitar diversas bancas do livro espírita e livrarias espíritas. Que gostoso! Estar entre
livros bons é sempre prazeroso.
- As bancas e livrarias espíritas são guardadas vinte e quatro horas por dia - explicou Raimundo. - Quando o livro
espírita começou a sobressair, a educar e a ensinar, as trevas começaram a atacar. Assim, tivemos que nos
defender. O trabalhador ou trabalhadores não só exercem a função de vigia, mas orientam, pela intuição,
vendedores e compradores, limpam o ambiente.
- Se receber um ataque de uma falange, de um grupo grande, o que o trabalhador faz? - Indagou Lauro.
- Quase sempre - respondeu Raimundo - esses ataques são previstos, e equipes que trabalham em Centros
Espíritas vêm para cá. Se não foi possível saber antes, ao ser cercado, o trabalhador aciona um alarme e em
segundos recebe ajuda.
126
- Eles são os anjos dos livros - disse Zé, bem-humorado. Dali fomos visitar uma Feira do Livro Espírita. Se
encarna
dos trabalham para organizá-las, o trabalho dos desencarnados não é pouco. Um orientador desencarnado veio
nos receber gentilmente.
- Fiquem à vontade.
- Como é o trabalho de vocês? - Indagou Luís.
O orientador nos esclareceu bondosamente. É um espírito de uma simpatia sem limite. Conhecido entre os
encarnados e os desencarnados, gosta muito da boa literatura. Infelizmente não nos é possível dizer seu nome,
porque, como ele disse, seu trabalho é temporário. Logo o deixará, para fazer outro.
Estamos contentes com o que fazemos, somos um grupo de cinqüenta espíritos. Coordenamos as Feiras por
todo o Brasil. Quando começa a organização de uma Feira, temos um grupo menor que vai até os encarnados,
para ajudá-los a formar as bases e protegê-los. Quando começam a montar a barraca, ficamos ajudando. Como os
encarnados fazem rodízio, agimos assim também.
- Qual é a função de vocês junto à Feira? - Perguntou Glória.
- Primeiramente, guardar, proteger de ataques de irmãos que se incomodam com a luz que sempre traz o ensino
cristão. Aqui estamos para orientar, dar passes, purificar o ambiente, ajudar os desencarnados que vêm
acompanhando os encarnados, e aqueles que vêm em busca de auxílio.
- Se duas ou mais Feiras acontecerem na mesma época, que fazem? - Indagou Luíza.
- A equipe de cinqüenta é grande, e assim somos para podermos nos repartir. Mas, se houver necessidade, a
Colônia Casa do Escritor, cujos habitantes trabalham em prol da boa literatura, nos envia mais ajudantes. As
Feiras estão crescendo e esperamos que no futuro todas as cidades as tenham.
- E em época que não há Feira nenhuma? - Indagou Zé.
- Não ficamos à toa, estamos sempre ajudando pessoas que de alguma forma lidam com jornais espíritas e suas
editoras, e incentivando pessoas a ler etc.
- Que trabalho bonito! - Exclamei.
127
- Todos os trabalhadores que estão aqui fazem parte da equipe? - Rosália perguntou.
- Não, temos a equipe da cidade que nos ajuda, que vem se unir a nós numa tarefa coletiva e agradável. Em cada
cidade em que acontece a Feira do Livro Espírita, os trabalhadores do local se organizam para um trabalho extra
de ajuda aos encarnados.
- Também fazem plantão? - Indagou Ilda.
- Sim, para que todos participem e também porque muitos entre nós têm outros trabalhos junto à literatura espírita.
Olhamos os livros, encantados.
- Os encarnados que desejarem dispõem de lindas obras que orientam, consolam e esclarecem - falou d. Isaura.
Ficamos horas observando. Ora os trabalhadores intuíam os
vendedores, ora auxiliavam os compradores e os visitantes. Muitos desencarnados lá iam, ora acompanhando o
encarnado, ora curiosos. Como o plantonista encarnado se dirige ao visitante, o trabalhador se dirige
educadamente ao desencarnado, e um diálogo acontece; quase sempre o desencarnado é levado para um socorro
ou para um dos Centros Espíritas da cidade para orientação.
Vista de longe, a Feira é um ponto luminoso, para onde os sofredores vão em busca de auxílio.
- Já tivemos uma forma estranha de ataque - disse-nos um trabalhador. - Os moradores do Umbral reuniram um
grande grupo de espíritos que por lá vagavam, sofriam, e os trouxeram até nós, esperando que bagunçassem o
local. Mas, ao ver a luz que emite a Feira, caíram de joelhos a clamar socorro. O orientador lhes dirigiu a palavra,
explicando-lhes sua situação de desencarnados e carentes de ajuda, orou com eles. Foram todos socorridos sem
problemas. Desde então não fizeram mais este tipo de afronta.
Vimos um grupo pequeno de irmãos do Umbral observando a Feira de longe.
- Que farão, se eles se aproximarem? - Indagou Cida ao orientador.
- Vamos conversar com eles, sempre recebemos bem qualquer visitante. Se nos atacarem, os lança-raios
funcionarão; se o ataque é em maior número, imediatamente os trabalhadores
128
do bem, da cidade, vêm em nosso auxílio e a barraca é cercada por milhares de auxiliares.
- Muito interessante! - Disse Marcela. - Há muitos ataques?
- Nas primeiras Feiras houve mais. Agora quase não tem havido. Estão preferindo desanimar os organizadores
encarnados. Mas o espírita é teimoso e, quando se trata de fazer o bem, de realizar a Feira, muitos resistem firmes
com nosso incentivo.
Se encarnados gostam da Feira, os desencarnados que trabalham gostam mais. Ali reinam a alegria e o carinho.
Quantos auxílios e ajudas são prestados numa Feira! E o
mais importante: quantos livros bons circulando e ensinando! Voltamos entusiasmados; a aula de conclusão foi só
de conversas. Todos nós adoramos visitar os Centros Espíritas, as livrarias, as bancas e, principalmente, a Feira do
Livro Espírita.
129
19 Vícios
D. Isaura começou a aula falando dos vícios em geral, e deu uma definição:
- Vício é o uso costumeiro de toda e qualquer coisa que nos acarrete prejuízo. É o costume de proceder mal. Vício
é doença complexa que exige vontade para libertar-se dela. Para se curar, é necessário enfrentá-lo e vencê-lo; se
ele não for vencido, torna-se escravo dele. Só estaremos libertos se não tivermos vícios. Todos são nocivos para
quem os tem. Às vezes, um ou dois que temos escurecem as virtudes que adquirimos.
Nossa instrutora fez uma pausa e continuou:
- São muitos os vícios e, às vezes, não os temos fortes, mas mesmo um restinho de qualquer deles nos atrapalha
muito. Vou citar os mais conhecidos: agressividade, álcool, ambição, apego material, avareza, calúnia, ciúme,
cólera, fumo, gula, inconformação, inveja, jogo, maledicência, mentira, ociosidade, orgulho, pornografia, queixa,
roubo, tóxico, usura, vaidade. Acho que não precisamos descrevê-los. Mas, se alguém quiser fazer alguma
pergunta sobre algum, fique à vontade.
- Não pensei que a agressividade fosse um vício - disse Ivo.
- Há pessoas que, nervosas, agridem causando danos a quem está perto. Têm por mau hábito ser violentas. O pior
é que muitos agressivos não se acham viciados.
- Conheci uma senhora - disse Rosália - que vivia, quando encarnada, se queixando. Ficou antipática. Qualquer
assunto
130
que se conversasse com ela, dava um jeito de induzir a conversa para doenças, e começavam as queixas.
- Devemos ter cuidado para não ficar a nos queixar, não tão-só por sermos desagradáveis a quem nos escuta, mas
porque nossos pesares só tendem a aumentar e, ao ver somente os acontecimentos ruins, esquecemos os bons.
- Meu pai era um alcoólatra - narrou Luís. - Desencarnou por problemas que a bebida lhe causou. Sofreu muito ao
desencarnar. Por anos vagou pelo Umbral, enlouquecido pela bebida e querendo vampirizar encarnados para poder
se embriagar junto deles. Foi tão triste! Deformou seu perispírito, parecia um bicho, quando minha avó, mãe dele,
pôde socorrê-lo. Está internado num hospital de outra Colônia. Lesou tanto seu cérebro perispiritual que acho que
não reencarnará perfeito.
- É verdade, Luís - disse d. Isaura. - Quando danificamos por vícios o que temos de perfeito, podemos reencarnar
deficientes para um aprendizado. Mas esse fato não é regra geral. Seu pai, socorrido, talvez se recupere.
- Mas encarnado pode voltar a ser alcoólatra não é? - Indagou Luís novamente.
- Só nos livramos do vício quando provamos a nós mesmos que somos capazes. Por livre vontade, lutamos contra
ele e o vencemos. Na encarnação futura, poderá ter vontade, embora tenha sofrido, e a dor, esta sábia
companheira, tenha feito com que tome aversão à bebida. Conheço um espírito que na encarnação passada foi
uma alcoólatra, desencarnou, sofreu e hoje é excelente médium, não gosta nem do cheiro de bebidas alcoólicas.
- Ela venceu seu vício? - Indaguei.
- Sim, venceu. A dor fez com que aprendesse.
- Todos os vícios nos levam à dor? - Indagou Lauro.
- Depende também do mal que podem causar. Exemplo: se fumamos em local aberto e longe de outras pessoas, só
a nós fazemos mal. Se é calúnia, pode-se fazer mal a outros. Há vicios que não são acentuados e por eles não se
causou danos maiores, outros são fortes, enraizados e prejudicam muito.
- Tenho uma irmã que nasceu muda. Tive tanta pena dela
- falou triste Nair. - Quando desencarnei quis saber o porquê. Esse fato me incomodou muito por achá-lo injusto.
Meu pai,
131
que há muito tempo estava desencarnado, disse que ela na encarnação passada fora uma caluniadora. Fez muitas intrigas prejudicando muitos. Desencarnou, sofreu bastante
e o remorso destrutivo danificou suas cordas vocais, e reencarnou muda.
- Como já foi dito, quem abusa do que tem perfeito pode por determinado tempo tê-lo deficiente. Cada caso é um caso. Nem todos os mudos foram caluniadores. As causas
podem ser diferentes para o mesmo efeito.
- Ela irá falar ao desencarnar? - Nair perguntou.
- Dependerá dela; se for boa nesta reencarnação, terá o socorro e logo estará falando. Se não for, vagará, ou irá para o Umbral, continuando muda até que seja socorrida.
- Tenho um amigo - disse Joaquim - que atualmente trabalha comigo no Posto de Socorro. Disse-me que sofreu muito ao desencarnar por dois vícios, o jogo e o fumo.
Desencarnou e queria continuar a fumar e a jogar cartas. Ele teme que, ao reencarnar, continue nos vícios.
- Não se deve reencarnar com medo. Diga a ele, na próxima oportunidade, para continuar trabalhando e, se possível, estudar. Só reencarnar quando estiver seguro.
- Estando seguro não irá cair no vício novamente? - Joaquim indagou.
- É uma garantia a mais. Se mesmo os mais preparados podem errar novamente, imaginem os que acham que irão sucumbir.
Na aula prática, fomos visitar, na Colônia, a ala do hospital onde ficam os que se desintoxicam do fumo e do álcool. Estão todos separados. Primeiramente fomos visitar
os que fazem um tratamento para se desintoxicar do fumo e que foram pessoas boas, algumas espíritas. Foi agradável a visita, estavam todos conscientes tanto do desencarne
como do tratamento. Vimos que todos se mostravam um tanto envergonhados por não terem se livrado do vício quando encarnados.
- Aqui ficam por pouco tempo - disse Frederico.
A segunda enfermaria era de alcoólatras. Infelizmente, o álcool danifica muito mais o perispírito. Conversamos com alguns deles e os animamos. Uma senhora me disse:
- Estou envergonhada de ter descido tanto por um vício. Encarnada, abandonei meus pais, marido e filhos. Não liguei a
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afetos, a ninguém. Desencarnei e sofri. Até que, cansada, lembrei-me de Deus, e por muito tempo clamei por ajuda. Mas, sabe, ainda não estou bem, tenho vontade de
beber.
Chorou, apiedei-me. Demos-lhe um passe. Ao me concentrar nela, vi que estava aflita, com vontade de se embriagar.
- No começo é assim mesmo - explicou Raimundo. - Mas
logo se sentirá melhor. A Colônia lhe proporcionará objetivos sadios, e nada como um objetivo bom, sério, para ajudar a esquecer e a anular um vício.
A enfermaria onde estão os recém-socorridos que foram viciados no álcool é de causar tristeza. Estavam todos marcados de tal forma, que os perispíritos se mostravam
deformados. Oramos e demos passes, a maioria estava alheia, com olhares abobalhados.
Os viciados em tóxicos estão em ala separada, no hospital. É fechada e não podem sair sem permissão.
No jardim que faz parte dessa ala ficam os que estão para receber alta. Reunimo-nos a eles. Já estavam com o perispírito reconstituído e então conversamos. Queriam
saber como são as outras dependências da Colônia em que estudávamos. Não gostam de falar de si nem de tóxicos. Esse fato lhes traz recordações ruins. Depois fomos
ver os das enfermarias. Não é agradável olhá-los. Muitos jovens ali estavam, deformados, uns com aspectos de animais, na maioria dementes, uns nem falavam, uivavam.
É difícil dialogar com os que estão nesse estado, eles não entendem.
- Frederico - indagou Glória -, todos se recuperam?
- Infelizmente, não. Muitos desses irmãos não sustentaram somente o vício do tóxico, foram também agressivos, maledicentes, preguiçosos, cometeram muitos erros;
o vício e o remorso destrutivos danificaram de tal forma o perispírito que não podemos recuperá-los desencarnados. Só um corpo novo, na matéria, os ajudará.
- Como deficientes físicos? - Indagou Glória, espantada.
- Sim. Eles mesmos se danificaram. A reencarnação será uma bênção que irá curá-los.
Visitamos uma parte da escola onde há orientação psicológica que ajuda na libertação dos vícios, porém para viciados em tóxicos há uma ala própria no hospital. Bem
interessante,
133
os orientadores são muito simpáticos e instruídos. Atendem com hora marcada. Como não queríamos interromper
nem vexar os consultantes, a visita foi rápida. Raimundo comentou:
- Todos temos sempre ajuda, que nos facilita deixar o vício. Basta querer.
Um senhor, na sala de espera, conhecia Raimundo e foi cumprimentá-lo. Muito simpático, cumprimentou-nos
sorrindo e disse:
- Queira Deus que nenhum de vocês passe pelo que passei. Por mentir, sofri muito. Tenho horror de mentir e
sinto-me sufocado só em pensar em voltar a fazê-lo. Estou em tratamento aqui na escola. Quero tanto me libertar
do vício da mentira, e também do horror que tenho de voltar a fazê-lo. Tenho que me equilibrar.
Ao sairmos, Marcela comentou com Raimundo:
- O horror de voltar a mentir pode lhe causar mal?
- Sim, pode, Odiar, ter horror, não é bom, por nada. Devemos evitar os vícios com compreensão. Não é fácil
abandonar um vício, necessita-se primeiro de se conscientizar que o tem, depois fazer tudo para se libertar dele.
Quando encarnados, provamos que estamos libertos dele, ou empenhamos nossa luta para vencê-lo. Esse senhor
teme que ao reencarnar volte a mentir e sofra tudo novamente. Mas, com a orientação que tem recebido, terá
grande chance de compreender e aprender. Quem aprende e põe em prática supera o vício.
Não viemos ver viciados, encarnados. Seria mais fácil ver os que não têm vício, pois são tão poucos. Vícios
ainda, infelizmente, fazem parte da vida dos terráqueos.
Voltamos à sala de aula para assistir aos filmes sobre tóxicos. Conhecemos as plantas que os contêm, como se
refina. Vimos como as drogas percorrem o organismo e o que ocorre com o cérebro; como se torna um
dependente.
- Como drogas fazem mal ao corpo e ao espírito! - Exclamou Cida, tristemente. - Como as drogas fazem escravos!
Depois observamos muitos núcleos, cidades no Umbral,
onde se reúnem os viciados em drogas. Esses núcleos, normalmente, não são muito enfeitados, mas bem fechados,
não se entra ou sai dali com facilidade. Os filmes foram feitos por socorristas que, disfarçados, entraram e
filmaram
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tudo. São cercados por altos e fortes muros, seus prédios têm poucas janelas e quase todas com grades; o terrível
são os porões onde estão as prisões.
Nesses núcleos, há os chefes que quase sempre não são viciados em tóxicos; lá existem muitos guardas e também
estudiosos no assunto. Há laboratórios onde se realizam pesquisas. Salões de festas e palestras. Há um local que
denominam escola, onde se aprende a vampirizar, a obsedar, a vingar-se, a intuir os encarnados invigilantes a usar
drogas. Os núcleos têm sempre bibliotecas, onde, além da péssima literatura, são encontrados muitos livros e
revistas sobre tóxicos. Esses núcleos têm como finalidade incentivar e exercitar os vícios do fumo, de bebidas, e
também os abusos da sexualidade. Tudo é sujo e de causar repulsa.
No Brasil, há agrupamentos assim, de diversos tamanhos. Os maiores são os do espaço espiritual da cidade do Rio
de Janeiro e de São Paulo.
Entendi o porquê de as drogas deformarem tanto. Um drogado não liga para nada, vai decaindo cada vez mais.
Vimos muitos núcleos e fiquei com muita pena.
- Aqui estão Marcelo e Fábio, dois ex-drogados, ex-moradores do Vale das Bonecas. Vieram responder a algumas
indagações e conversar conosco.
Surpresa agradável, os dois eram jovens, alegres e simpáticos. Fábio foi logo dizendo:
- Eu era assim antes de me viciar, depois virei um farrapo humano. Desencarnei de tanto drogar-me. Vivi no Vale
por um bom tempo. Mas minha família, muito católica, orava com fé por mim. A oração vinha até mim a iluminar-
me, dando lances de clareza, aí me dava vontade de mudar. Um dia, ao vampirizar um jovem, fomos, a turma e eu,
cercados por um grupo de estudantes como vocês. Pedi socorro, eles me levaram para o hospital, fui internado e
tratado por longo tempo. Agora estou servindo à comunidade que me abrigou.
- Que sentia quando estava no Vale? - Glória indagou.
- Só pensava em me drogar. Desencarnado, sentia mais falta da droga. Fazia tudo o que mandavam para ter a
droga.
- Você ficou muito deformado? - Ivo quis saber.
135
- Sim. Um dia, ao estar num quarto com um encarnado para juntos usufruirmos da cocaína, olhei no espelho e me
assustei. Pouco me lembrava de mim sadio.
- Marcelo, e com você o que se deu? Como caiu no vício? Rosália perguntou.
- Era um tanto vadio, ocioso e me enturmei com outros viciados. Droguei-me dois anos e meio somente.
Desencarnei por uma overdose. Fui levado para o Vale. Achei terrível e, no começo, me drogava, mas pouco,
somente para enfrentar a barra que é lá. Depois, não quis mais e tentei fugir, fui pego e torturado. Foi horrível,
sofri muito. Certo dia, alguns socorristas disfarçados entraram lá, fazem isso periodicamente, e me libertaram.
Como queria me livrar do vício, o tratamento foi rápido, e logo sarei.
- Que mais sentiu em tudo isso? - Perguntou Marcela.
- Foi a dor que causei a meus pais.
O tóxico é um vício terrível, e as conseqüências, muito trístes. Por horas os dois ficaram conversando conosco.
Depois, visitamos o Posto de Socorro da região, onde são socorridos, e lá ficam, nos primeiros dias, os viciados
em tóxico. Chama-se Posto de Apoio. Muitos trabalhadores moram lá. Não é grande, porém tem cercados e
grandes lança-raios. Esse Posto é muito atacado. Está localizado no Umbral. Fomos de aeróbus. Seu pátio é
bonito, florido, possui flores azuis parecidas com hortênsias e são delicadas. Possui muitos bancos, onde os
trabalhadores descansam. Tem uma sala de palestra, refeitório, moradia dos trabalhadores e as enfermarias,
espaçosas e muito limpas. Os abrigados são separados, conforme o estado de cada um. Não ficam lá muitos
abrigados, já que depois de algum tempo são transportados para a Colônia. Tendo vagas, recebem socorridos de
outros locais. Os recém-socorridos viciados são separados dependendo de sua situação. Os leitos para os
inquietos, agitados, são cobertos por lençóis magnéticos que prendem o doente ao leito, sem privá-lo de
movimentos. Ajudamos os trabalhadores a limpá-los e a alimentá-los. Muitos nem falavam, uivavam como
animais.
Para socorrer os intoxicados necessita-se sempre de muitos trabalhadores. Por isso na Colônia estão sempre
incentivando a
136
cooperação de todos. Nas folgas e férias dos trabalhadores das Colônias e Postos, como os professores, os
médicos etc., muitos se unem a esses abnegados servidores, como multidões a auxiliar os irmãos imprudentes que
caíram no vício.
A ajuda não é fácil, porque quase sempre o viciado não quer abandonar o vício.
Nós mesmos fomos com bastante vontade de ajudar, trabalhamos muito e conseguimos poucos resultados, mas
esse pouco nos deixou alegres.
Na aula de conclusão não tivemos muito a perguntar. Matéria fácil de entender, mas tão difícil de realizar. São
poucos os libertos, muitos tentando libertar-se e grande parte, escravos dos vícios.
137
20 Agradecimentos
O dia amanheceu lindo, como todos os dias na Colônia. Ia acontecer nossa última aula: realizado estava nosso
curso. Fiquei pensativa. Em minha tela mental apareceram, como num filme, os acontecimentos com que
convivemos. Uma emoção carinhosa brotou em minha alma. Amava todos e, naquele instante, senti que não era
uma afeição igual para todos. Mentalizei um de cada vez e vi jubilosa que Deus, ao nos criar, não fez cópias, mas
nos deu a capacidade de amar indistintamente, vendo realçar em cada um seus valores especiais. Em um, amava
em especial sua espontaneidade; em outro, a capacidade de abnegação; em outro, a simplicidade; noutro, a
bondade; e em muitos, a inteligência. Assim, as qualidades natas de cada um resplandeciam aos meus olhos. E
pareceu-me que o amor, olhando dessa forma, se multiplicava dentro de mim, muito embora não houvesse como
medi-lo.
Ao me lembrar dos professores, senti um respeito profundo. De que forma poderia demonstrar minha gratidão por
tudo o que me fizeram, por todos os conhecimentos de que foram portadores e nos transmitiram?
Agradecimentos? Não! Era muito pouco pelo tanto que nos fizeram. Não havia pagamento para esse tipo de bem
adquirido, o mínimo que poderia fazer era tê-los como exemplo. Daqui para a frente, todos os meus pensamentos e
atitudes seriam baseados nas virtudes que eles demonstraram, durante o período em que estivemos juntos.
138
Meu coração transbordava de amor e afeição, estava feliz. Não a felicidade que, na matéria, procuramos como
siriônimo de poder, facilidades e ociosidade. A felicidade que sentia tinha como fruto o desejo ardente de
trabalhar, servir, amar intensamente todas as manifestações de meu Deus, pois Ele é tudo para mim, e eu O via em
todos os meus amigos, irmãos e instrutores.
Começaram as despedidas, senti profundamente. Alguns do nosso grupo mudariam de trabalho, entusiasmados
com outras formas de servir. Todos os pedidos de mudança foram aceitos, deixando-nos contentes. Somente
Lauro, Laís e eu continuaríamos a estudar. Só que iríamos nos separar também. Os dois iriam para uma Colônia
de Estudo, e eu, para outra.
- Que irá fazer, Patrícia? - Indagou Nair.
- Passarei os dias que tenho livre com vovó e a visitar meus familiares. Depois, volto a estudar. Anseio por
aprender e conhecer.
Memorizei a conversa que tive com meu amigo Antônio Carlos.
- Patrícia disse ele -, irei acompanhá-la a uma Colônia de Estudo, onde fará um curso mais profundo do plano
espiritual e do Evangelho.
Falou entusiasmado dessa Colônia.
- É linda, nela encontrará grandes amigos. É mais uma etapa; depois, quero levá-la à Casa do Escritor. Local onde
estudará, aprenderá a ser uma literata, para ditar aos irmãos encarnados tudo o que vê e aprende.
- Gosta muito da Casa do Escritor, não é? - Indaguei.
- Sim, amo diletamente esse local. É uma Colônia onde irmãos que amam aprender e ensinar se unem em esforço
mútuo na divulgação da boa literatura. E maravilhosa!
Na sala de aula, conversamos cerca de meia hora, contentes e tristes ao mesmo tempo. Todos sentiam o término
dos estudos. Mas estávamos contentes por tê-lo concluído. Ninguém poderia dizer que era o mesmo de antes,
sentíamo-nos enriquecidos.
D. Isaura e Raimundo logo iriam receber outra turma. Frederico voltaria a sua Colônia de Estudo, onde lecionaria
determinada matéria no curso de Medicina.
- E Flor Azul?
139
Ao ser lembrado, esse amigo entrou na sala.
- Peço licença para estar junto de vocês nestes últimos momentos.
Abracei-o demoradamente. Ensaiei antes um agradecimento formal, mas emocionada só consegui dizer:
- Obrigada!
Sorriu com delicadeza e enxugou no meu rosto as duas lágrimas teimosas que saíram dos meus olhos.
- Agora, Flor Azul de Patrícia, volto ao meu trabalho habitual, em tempo integral. Com muito lucro, fiz mais
amizades. Abraçamo-nos e prometemos nos ver.
Raimundo pediu silêncio. Não era, o nosso amigo instrutor, de muito falar. Com um sorriso nos lábios, nos olhou
carinhosamente:
- Amigos, agradeço-lhes por terem feito deste estudo um ótimo aprendizado, por terem feito deste trabalho uma
ajuda a outros irmãos. Conhecimentos adquiridos são nossos bens, tesouros que nos enriquecem. Foi um prazer
conviver com vocês. Espero que coloquem em prática o que aprenderam nestes meses de convivência. Estamos
em condições de ajudar, é maravilhoso. Agora vamos unir nossos pensamentos em agradecimentos ao Pai, a quem
tudo devemos.
O agradecimento deve ser dentro de cada um.
Calou-se por instante, deixando que nosso agradecimento fosse particularizado.
"Pai, agradeço por tudo" - pensei -, "por tudo mesmo. Sou tão feliz, tenho recebido tanto, ajude-me a ser sempre
digna de continuar recebendo".
Raimundo, com voz emocionada, orou o Pai-Nosso.
Em seguida, demos vivas, com alegria. Feliz, por ter encerrado mais uma etapa, outro curso dos muitos que
ansiava fazer.
Fím
Se você gostou deste livro, o que acha de fazer com que outras pessoas venham a conhecê-lo também? Poderia
comentá-lo com aquelas do seu relacionamento, dar de presente a alguém que talvez esteja precisando ou até
mesmo emprestar àquele que não tem condições de comprá-lo, O importante é a divulgação da boa leitura,
principalmente a literatura espírita. Entre nessa corrente!
140
[Este livro foi digitalizado e corrigido por Katia Oliveira,
em Abril de 2002.
Se você deseja livros no gênero, escreva para:
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Novamente Juntos
Romance de Antônio Carlos
Psicografado por
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho
editora
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Outros livros psicografados pela médium
Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho:
Com o espírito Antônio Carlos
- Reconciliação
- Cativos e Libertos
- Copos que Andam
- Filho Adotivo
- Reparando Erros
- A Mansão da Pedra Torta
- Palco das Encarnações
- Aconteceu
- Muitos são os Chamados
- O Talismã Maldito
- Aqueles que Amam
- O Diário de Luizinho (infantil)
- A Casa do Penhasco
- O Mistério do Sobrado
Com o espírito Patrícia
- Violetas na Janela
- Vivendo no Mundo dos Espíritos
- A Casa do Escritor
- O Vôo da Gaivota
Com o espírito Rosângela
- Nós, os Jovens
- A Aventura de Rafael (infantil)
- Aborrecente, não. Sou adolescente!
- O Sonho de Patrícia (infantil)
- Ser ou não ser adulto
Com o espírito Jussara
- Cabocla
Com espíritos diversos
- Valeu a Pena!
- Perante a Eternidade
- Deficiente Mental: Por que Fui Um? Livros em outros idiomas
- Violetas en la Ventana
- Violets by my Window
- Reconciliación
- Deficiente Mental: i,Por que Fui Uno?
- Viviendo en ei Mundo de los Espíritus
Dedico este livro a todas as pessoas que auxiliam,
esclarecendo para que os ajudados possam
ter sua caminhada facilitada. E com especial
carinho às que ajudam com conhecimento,
fruto do estudo da Doutrina Espírita.
Antônio Carlos
À Angélica, minha filha amada, com todo
o meu carinho, dedico esta obra.
Vera
São Carlos, primavera de 1999.
1
Mudança de vida
Ventava forte. Ana abotoou o casaco. Esfriava e certamente logo iria chover. Mas nada
disso a interessava, estava distraída com seus pensamentos. Andava depressa, descia a
ladeira quase a correr, pois não queria chegar muito tarde em casa, mas já estava bem
atrasada. E com certeza seu pai, preocupado, estava nervoso esperando-a. Até que Ana o
compreendia. Senhor Alberto, seu pai, desde que a esposa morreu e os outros três filhos se
casaram, tinha por ela, a caçula, redobrada atenção. E isso a incomodava, afinal, estava com
quase vinte e quatro anos, era adulta, trabalhava e queria ter liberdade para fazer o que
quisesse. .Julgava-se incompreendida, principalmente porque toda a sua família não queria
que ela se encontrasse com Gilberto, seu namorado.
Abriu a porta de casa aliviada, a ventania estava incomodando-a. E seu pai, como sempre,
estava na sala, sentado na
sua poltrona preferida.
- Ana, minha filha, você se atrasou. Onde estava? - Perguntou.
- Na casa da Carina - mentiu. - Não o avisei no almoço que ia à casa dela?
- Sim... Bem, vou dormir - disse o senhor Alberto. - Vá descansar, filha, amanhã terá
de levantar cedo. Boa noite!
Ana foi para o seu quarto. Gostava de sua casa, de seu quarto. Embora sem luxo, tudo era
decorado com gosto. Suspirou e
a lembrança de sua mãe veio à sua mente.
- Mamãe, estou com saudades! - Murmurou.
Dona Rita, sua mãe, falecera havia doze anos. Ana se lembrava dela com carinho, fora uma
pessoa especial, bondosa, excelente genitora. Talvez por isso o pai nunca quis se casar
novamente.
Dona Rita, quando ainda estava com eles, tentava ajudar a
todos. Ana sentia falta dos conselhos maternos, pensou:
"Será que se mamãe estivesse conosco iria ficar também contra mim? Ela não gostava de
mentiras, iria me recriminar por estar mentindo. Mas eles estão me obrigando a isso. Não
querem aceitar o Gilberto."
Sentiu remorso. Não gostava de ter de inventar desculpas
todas as vezes em que ia se encontrar com o namorado.
7
Ana tinha três irmãos: Carlos, Lúcio e Maísa. Estavam todos casados, tinham filhos,
problemas, mas ainda tinham tempo de implicar com ela. Estavam do lado do pai e
interferiam muito em sua vida. Ana pensava assim. Julgava-se certa e não queria nem
analisar os argumentos deles, nem sequer imaginar que poderiam ter razão. Gostava de
Gilberto e pronto. Não ligava para o que eles falavam do moço, que não era bom partido.
- Ora - resmungou novamente -, eles não entendem que ele é o homem que amo.
Conversara com a irmã pela manhã e as palavras de Maísa
ressoavam ainda em sua mente:
"Ana, ninguém sabe ao certo quem é esse moço. Talvez seja até casado! Você não é
nenhuma adolescente, já é adulta para saber o que é errado ou o que é bom para você. Por
favor, minha irmã, escolha um bom moço para se casar."
Ela não respondeu, mas pensou com ironia:
"Escolher? Como escolher? Como se fosse possível dar preferência a alguém nesta cidade!
há tempo que não tenho namorado, agora que Gilberto está interessado em mim, eles me
pedem para abandoná-lo!"
Lembrou os acontecimentos de sua vida. Não eram muitos os importantes. Tímida, teve
poucas amigas, agora todas casadas, e alguns namoricos sem importância, nada sério,
ninguém a que devesse dar mais atenção. Gilberto surgiu na sua vida quando Ana estava
carente e achando que ia ficar solteira. Não se importava com esse fato, mas seus familiares
sim, queriam vê- la casada. Só que achava falta de um companheiro, alguém que a
protegesse, lhe desse atenção. E Gilberto lhe enchia de mimos e carinhos.
"é o homem de minha vida e eles não têm o direito de me
impedir de ficar com ele! Talvez..."
O namorado às vezes parecia esconder algo. "Será que é casado? Acho que não! Ele vai tão
pouco à sua cidade natal" - pensou.
Ele falava raramente de sua família, dizia que os pais tinham morrido, os dois irmãos
mudaram para uma cidade grande e nunca mais deram notícias, e que tinha uma irmã com
quem não se dava bem.
Ana achava Gilberto bonito: alto, forte, olhos esverdeados,
cabelos lisos e castanhos e o sorriso um tanto maroto.
"Eu - pensou, observando-se no espelho - não tenho nada
de excepcional, nada mesmo..."
Ana tinha estatura média, cabelos e olhos castanhos, lábios
pequenos, uma pessoa comum.
8
- Muito comum! - Balbuciou. - Não gosto do meu nariz. É um pouco grande. Perto de
Gilberto, sou bem feia. Não sei por que ele se interessou por mim... Ah, mamãe! Que falta
sinto da senhora! Se estivesse aqui iria me ajudar. Acho que papai não quer que eu me case
para não ficar sozinho, e meus irmãos, egoistas, para não sobrar para eles cuidarem de
papai, que está adoentado. é isso mesmo!
Ana havia ido encontrar-se com o namorado e estava um pouco preocupada e até com certo
medo. Achava que estava grávida e não sabia como Gilberto iria receber a notícia, nem
seus familiares.
Cansada, acabou dormindo.
Levantou-se cedo como de costume, fez o café, colocou de molho a roupa que ia lavar e foi
para o trabalho. Estava sempre resmungando. Queixava-se de que além de trabalhar muito
no emprego ainda havia o serviço de casa.
Era vendedora numa loja de tecidos. Ficava de pé o tempo todo, mas sabia que não iria ter
por muito tempo esse emprego. O dono deixava bem claro que só empregava moças
solteiras. "Casou, tem de deixar o emprego" - dizia ele.
Antes de ir para casa almoçar, passou no laboratório e pegou
seu exame. Não abriu, colocou-o na bolsa, deixou para fazê-lo
em sua casa.
Ao chegar encontrou o almoço pronto, o pai havia feito; a
irmã lavara toda a roupa e a cunhada limpara a casa.
Almoçou calada, só trocou umas palavras com o pai. Estava aflita para ver o resultado do
exame. Lavou rápido a louça e
foi para o quarto.
"Estou grávida ou não?" - Pensou, ansiosa.
Abriu o envelope e veio a confirmação: estava grávida. Não
quis chorar, respirou fundo e secou as lágrimas que teimaram
em escorrer pelo rosto.
- Vou ser mãe - murmurou. - Um ser se forma no meu corpo!
Voltou ao trabalho como se nada tivesse acontecido. A noite foi
ansiosa ao encontro de Gilberto, e assim que o viu, falou, nervosa:
- Gilberto, tenho algo muito sério para dizer a você. Peguei o resultado do exame e estou
grávida...
O moço a abraçou rindo, alegre.
- Ana, que alegria! Nosso filho será lindo como você. Estou muito contente!
- Gilberto, iremos nos casar, não é? - Perguntou a moça,
nervosa.
- Ana, já não tenho como esconder... Fiz muitas coisas erradas em minha vida... Era bem
moço, estava com vinte e um
9
anos quando engravidei uma namoradinha e tive de casar. Nun ca a amei e nosso
relacionamento não durou muito. Perdoe-me! Diga, Ana, por Deus, que me perdoa! Ao
conhecê-la, me apai xonei e tive medo de que você não me aceitasse se soubesse que sou
casado. Amo, adoro você! Se pelo menos houvesse divórcio! Não queria lhe dar este
desgosto. Meu casamento foi um erro e acabamos por nos separar. Ana, vamos viver juntos.
Por favor... Seremos como casados e um dia tenho a certeza de que poderemos nos casar.
Prometo a você! *
Gilberto falava depressa, Ana escutava, querendo entender.
Por fim balbuciou:
- Você é casado!
- Mas é como se não fosse, não sinto, já falei, foi um erro. Perdoe-me! Diga que não irá
me abandonar, que ficará comigo!
- Sem casar? - Perguntou ela, triste.
- O amor deve ser sempre o mais importante. Para mim, para nós, é como se estivéssemos
casados!
- Gilberto, você casou porque a moça estava grávida. Você tem filhos? - Indagou-o
olhando nos olhos.
- Duas meninas... - Respondeu ele. - Lívia e Vanessa, são duas crianças lindas. Eu
cuido delas, mando-lhes dinheiro e quando vou a minha cidade natal é só para vê-las.
- Como chama sua esposa? - Perguntou.
-Ana...
- Gilberto, perguntei qual é o nome dela.
- Ela se chama Ana como você. Só que são tão diferentes! Você é especial, a mulher da
minha vida. Fique morando comigo! Moraremos nesta casa, sei que é simples, mas devo
ter au mento de salário e aí iremos para outra melhor. Aqui você será a rainha do meu lar,
da minha vida.
- Lá em casa eles não irão gostar - disse ela.
- Já não gostam... O que eles não querem é perder você, a empregadinha... Eles não
querem que você seja feliz.
- Gilberto, ao saberem que estou grávida perderei meu em prego.
- Não faz mal, quero você só cuidando da nossa casa, de mim e do nosso filho.
- Ou filha - corrigiu Ana.
- Claro - falou ele, sorrindo. - Disse filho por força de ex pressão. Vamos, vou levar
você à sua casa, pegará suas roupas e essa noite mesmo virá para cá. Você é para mim a
minha esposa, e eu cuidarei com todo o amor e carinho de você.
Como o leitor deve ter percebido, essa história se passou antes de o divórcio ser legalizado
no Brasil (Nota do Editor).
lo
Gilberto era entusiasmado, eufórico, decidia tudo com ímpeto. Tratava Ana como se ela
fosse realmente muito importan te para ele. Falou tanto que ela não deu importância ao fato
de ele ser casado. Compreendeu-o. O moço não deixou que pensasse nem deu tempo para
ela dar atenção a uma voz lá no fundo do seu íntimo, que lhe pedia para ter cautela e que
não deveria magoar seus entes queridos. Nem lembrou que amava o pai, a família e que
eles iriam sofrer com a sua atitude.
E lá se foram os dois para a casa dela. Ele foi falando o
tempo todo como seriam felizes juntos, do filho maravilhoso que
teriam.
- Esperarei você aqui! - Disse Gilberto.
Ficou aguardando Ana em frente à sua casa. Ela entrou. Seu
irmão Lúcio estava conversando com o pai.
- Ana, estou esperando-a porque preciso conversar com você - disse o irmão.
- é bom mesmo que esteja aqui, vou pegar minhas roupas e ir embora com meu noivo.
- Ana... - Disse o senhor Alberto, lamentando, mas os dois irmãos se olharam
enfurecidos, se exaltando, e não deram atenção ao pai, que ficou pálido.
Lúcio falou:
- E que nunca deixará de ser noivo! Ana, você está maluca! Descobri que Gilberto é
casado. Soube disso hoje e estava aqui falando sobre isso com papai. Tínhamos razão, esse
sujeito não presta!
- Ana! - Senhor Alberto falou alto. Os filhos olharam assus tados para ele, que passou a
falar num tom mais baixo: - Filha, bem que tentamos avisá-la. Mas parece que você
mentiu para nós, estava se encontrando com ele escondido. Agora que sabe que ele é
casado vai desistir dele, não vai?
- Não e não! - Gritou Ana. - Vocês estão contra mim, não querem que eu seja feliz! Os
manos não querem que eu me case porque terão de cuidar do senhor. E o senhor, papai, não
quer perder a empregadinha que sou!
- Cale-se, Ana! Não fale assim com papai! Nada disso é ver dade! Você nunca foi tratada
como empregada. E queremos o papai conosco. O que estamos tentando fazer é com que
você não se dê mal, que não seja infeliz ao lado de um canalha! Sabemos que Gilberto é
má pessoa. Entenda isso! Ele é casado! - Falou Lúcio, aos gritos.
- Sei disso! - Respondeu Ana, exaltada. - Não podemos nos casar, mas viveremos
como marido e mulher.
- Filha, por favor, não faça isso! - Pediu o senhor Alberto.
11
- Vou e vou! Ninguém irá me impedir!
Ana correu até seu quarto e se pôs a juntar suas roupas,
colocando-as em duas malas. Seu irmão entrou no quarto.
- Ana, não dê esse desgosto ao papai, por favor, vamos conversar com calma.
- Lúcio, estou grávida e vou morar com Gilberto, doa a quem doer. Não me impeça! -
Falou Ana compassadamente.
O irmão a olhou por instantes, procurando se acalmar. Falou em tom mais baixo.
- Não a estou impedindo, queria apenas que entendesse. Mas se está grávida, é melhor ir
mesmo.
Saiu do quarto e ela, mais rápido, continuou a pegar suas
roupas. Ao passar pela sala, Lúcio estava sentado ao lado do pai.
- Ana, minha filha - disse o senhor Alberto -, você agiu muito errado e, por favor, não
erre mais. Confiava em você! Será para nós uma vergonha sua gravidez, mas se quiser
ficar, daremos um jeito. Porém, se sair, não volte nunca mais a esta casa.
Ana parou um momento. Olhou para o pai, o sofrimento estava visível no rosto dele, mas
ela não hesitou, se encaminhou
para a porta.
- Ana - disse o irmão -, nunca mais volte! Você está morta para nós! Filha ingrata!
Ela saiu rápido, não queria que tivesse acontecido assim, seria bem melhor que todos a
compreendessem. Lágrimas escorreram pelo seu rosto. Gilberto, ao vê-la, veio ao seu
encontro. Pegou as malas e a beijou no rosto.
- Que foi? Brigou com seu pai?
- Eles não aceitaram...
- Não ligue, agora serei sua família. Amarei você por todos.
Ana estava triste, mas não ficou assim por muito tempo. Gilberto, entusiasmado, alegre,
falava de planos maravilhosos,
seriam com certeza muito felizes.
- Ana - disse Gilberto, animando-a -, assim que nosso filho nascer, tudo ficará em paz.
Verá que seu pai a perdoará.
- Ele é tão firme em suas opiniões...
- Mas se renderá ao nos ver felizes. Depois, se ele não a perdoar é porque não merece
mesmo a filha que tem. Não fique triste!
Ela enxugou as lágrimas e sorriu para ele. Gilberto devia ter
razão, pensou. O importante era ser feliz com o homem que a
amava.
A casa de Gilberto era simples, num bairro afastado, ficava situada longe de todos os seus
familiares e da casa de seu pai. Era pequena, desconfortável, mas para ela, apaixonada,
estava tudo bem. Dormiu reconfortada nos braços dele. No outro dia
12
não levantou cedo, quando o fez, limpou alegre o seu lar e só à tarde foi ao seu emprego e
se despediu. As amigas a abraçaram, desejando-lhe felicidades. Recebeu os cumprimentos
um tanto sem jeito. Sentiu vergonha ao dizer que estava grávida e que não iria se casar.
Ficou encabulada ao dizer onde iria morar.
- é por pouco tempo - desculpou-se. - Logo que Gilberto tenha aumento, mudaremos,
aí voltarei aqui para convidá-las
para ir à minha casa.
Saiu da loja com vontade de chorar, ia sentir saudade, principalmente das colegas.
Percebeu com tristeza que ultimamente se afastara das amigas, só saía com Gilberto, e a sua
melhor amiga, ou pelo menos a que considerava ser sua amiga, não gostava de seu
namorado. Aconselhou, insistiu para que Ana se afastasse dele, até parecia que agia assim a
pedido de seu pai. Acabaram brigando e não conversaram mais.
Reagiu, não queria ficar triste. "Nada é perfeito" - pensou. Com o dinheiro que recebera,
comprou objetos para a casa. Procurou se distrair com a arrumação do seu novo lar e
tentou não pensar nos familiares.
Gilberto era encantador, lhe trouxe flores à noite e tudo fez
para alegrá-la e para que esquecesse a briga com a família.
- Ana, verá que logo eles a procurarão e tudo ficará bem entre vocês.
- Não sei não, papai é tão irredutível! Nunca o vi voltar atrás
no que diz.
Três dias depois, Ana foi à casa de Carlos, seu irmão, no
horário que sabia que ele não estava, para pedir à cunhada Geni
um favor. Elas sempre se deram bem, confiava nela.
- Geni, pegue para mim o restante de minhas roupas. Estou com receio de ir lá e papai se
zangar comigo.
- Ana - disse Geni, olhando-a com carinho -, será que você precisava fazer o que fez?
Estamos sentidos com você, O senhor Alberto está adoentado de tanta tristeza. Acho que é
melhor mesmo você não ir mais lá. Ele está falando para todos que você morreu para ele e
devemos esquecer que você existe.
- Não tenho culpa, Geni, foram vocês que não aceitaram
Gilberto.
- Você não acha estranho todos acharem uma coisa e só você outra? - Indagou Geni.
Ana tentou se justificar, falando apressada:
- é porque não conhecem o Gilberto como eu. Se conheces sem, mudariam de opinião.
Mas você vai ou não me fazer esse
favor?
- Vou fazer. Carlos acha que devemos tirar logo tudo que resta de seu de lá. Ana, iremos
mudar para a casa de seu pai no
13
final de semana. Sabe que sempre gostei dele como se fosse meu pai e não queremos que
fique sozinho. Você estava errada quando dizia que não queríamos que você se casasse para
não ficarmos com ele. Vou mudar para lá e é com prazer que o faço, tenho a certeza de que
ele estará melhor conosco do que com você, que ultimamente já não era a boa filha que
sempre foi. Ana, Carlos e eu pegaremos amanhã tudo que é seu e pagaremos um frete para
que seja entregue na sua casa.
- Agradeço, Geni - disse Ana. - Acho que você está querendo me dizer que não é para
eu vir mais aqui.
- Como já lhe disse, iremos nos mudar. Carlos, como os seus outros irmãos, estão
magoados pelo que você fez ao seu pai. O senhor Alberto não quer mais vê-la e nós
também não. Você escolheu e espero que realmente tenha optado pelo melhor para você.
Ana sorriu sem graça. Sentiu um pouquinho de ciúme. A casa de seu pai era boa, situada
num bairro nobre, tinha três quartos, era arejada, com um jardim com muitas flores. Tinha
esperança de que o pai os chamasse para morar lá, mas com a mudança do irmão, teve a
certeza de que o genitor não o faria.
- Obrigada, Geni - disse Ana, nervosa.
Sentindo que a cunhada queria que fosse embora, despediu-se. Foi para casa pensando:
"Papai estará bem. Com Geni e Carlos morando lá, não ficará
sozinho, não preciso me preocupar com ele nem com ninguém,
minha atenção deve ser para com Gilberto e o nenê."
Porém, sentiu ter sido substituida tão rápido e por tudo ter se
ajeitado sem ela.
"Será que eu não era tão importante? Ou não fiz por merecer ser?"
Tentou parecer alegre para Gilberto, tinha que se desligar da
família, que já tinha se esquecido dela.
No outro dia cedo, uma charrete parou à sua porta.
- Dona Ana - disse o charreteiro -, sua cunhada Geni mandou isto para a senhora.
Desceu sacolas e caixas, colocou-as na sala e foi embora.
Ali estava tudo que era dela: alguns livros, objetos, as roupas
todas limpas e passadas, tudo em ordem.
"Parece até que estou vendo papai organizar estes objetos.
Tudo arrumado, como sempre gostou."
Entristeceu-se ao pegar uma blusa, a que ele lhe dera de presente no seu aniversário. Pegou
a peça de roupa, encostou-a no rosto e veio a imagem de seu pai, triste, com lágrimas nos
olhos, arrumando aquelas caixas.
Tentou se animar e colocar tudo no lugar.
14
A vida de Ana mudou. Passou a cuidar da casa e de Gilberto. Não viu mais as amigas e
parentes, conversava raramente com as vizinhas, que estavam sempre sobrecarregadas de
trabalho e problemas. Teve uma gravidez tranqüila, embora tivesse enjoado muito.
Quando o nené estava para nascer, Ana começou a perceber algumas mudanças em
Gilberto. Chegou a reclamar com
ele, que se defendeu:
- Desculpe-me, Ana, é que estou nervoso, queria lhe dar mais conforto, melhorar de vida.
Ganho pouco e tenho ainda de
dar dinheiro para minhas filhas.
- Entendo isso e não estou lhe cobrando nada, a não ser que seja carinhoso comigo.
Falando em suas filhas, faz tempo que
não vai vê-las.
- é verdade. Vou domingo. Livia e Vanessa sentem minha falta. Não é coincidência
demais minhas duas mulheres chamarem Ana? Ela se chama Ana Machado da Silva, e
você, Ana Maria da Silva.
- Você e eu temos o mesmo sobrenome: Silva. Foi por isso que a vizinha da frente achou
que fôssemos casados. Se casarmos não irei mudar o meu sobrenome, continuarei com o
mesmo.
Riram.
Ana sentiu as primeiras dores e Gilberto a levou para o hospital. Não foi possível o parto
normal, então foi feita uma cesariana. Nasceu um lindo e sadio menino, que se chamou
Rodrigo.
- Gilberto - pediu ela -, vá, por favor, avisar meu pai e meus irmãos que nosso filho
nasceu.
Ele foi contrariado, só para atendê-la. Foi recebido por Lúcio, que nem o convidou para
entrar, apenas escutou-o, desinteressado. Quando Gilberto calou-se, o irmão de Ana disse:
- Obrigado. Diga a minha irmã que não nos interessa e que vocês sejam felizes.
Gilberto ia responder, mas Lúcio bateu a porta, deixando-o desconcertado. Ele foi embora
raivoso e descontou em Ana seu mau humor. Ela chorou, sentida, ele saiu e só voltou para
casa de madrugada, cheirando a bebida.
Gilberto foi mudando, passou a ir ao bar cada vez mais e por mais tempo, e já não a tratava
como antes, estava sempre nervoso. Culpava-a pela falta de dinheiro e se queixava que
tinha de dar mesada para as filhas.
Rodrigo não tinha nem um ano quando Ana novamente ficou grávida. Gilberto alegrou-se:
- Outro menino!
A segunda gravidez foi mais difícil e ela fez de tudo para
evitar brigas com ele, que estava cada vez mais mal-humorado.
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Sentindo dores, foi para o hospital sozinha, porque Gilberto havia ido passear. Deixou
Rodrigo com a vizinha. Sentiu muitas dores, era um feriado e não havia médicos no
hospital. Só no outro dia um médico resolveu fazer a cesariana.
- Doutor, por favor, me opere para que não tenha mais filhos.
E o médico a atendeu: lhe fez laqueadura após Marcelo ter
nascido, sadio e forte.
Gilberto se alegrou com o filho, mas logo voltou à sua vida de bares, bebedeira e nervoso
em casa. Ana nem tentou dessa vez avisar a família. Durante todo o tempo decorrido, só
tinha visto de longe um sobrinho com a cunhada. Tinha saudade e lhe doía o fato de eles
não quererem nem ver seus filhos.
Marcelo tinha três meses quando Ana passou a fazer quitutes para o dono de um bar perto
de sua casa. O dinheiro que Gilberto lhe dava era suficiente apenas para comprar alimentos.
Necessitavam de tudo: roupas, remédios, tratamento dentário, porque nunca mais, desde
que viera morar com ele, fora ao dentista. Passou a trabalhar muito, ele só pagava o aluguel
e o resto ela tinha de bancar com o dinheiro que recebia fazendo salgados e doces.
"Solteira, reclamava do serviço de casa e eu fazia tão pouco. Papai me ajudava e tantas
vezes encontrei comida já pronta, até no meu prato. Minha irmã e minhas cunhadas
ajudavam tanto! Meu trabalho na loja era tão leve! Como eu era feliz e não sabia!"
Começou a pensar muito no seu pai e a ter saudade de casa, dos irmãos, da vida que tinha.
Estava sempre cansada, trabalhava às vezes até tarde ou levantava de madrugada para dar
conta de tudo. Gilberto quase não parava em casa.
- Ana - exigia ele -, quero minhas roupas bem lavadas e passadas. Sabe que tenho de
me vestir razoavelmente bem no
trabalho.
- Gilberto, estou trabalhando demais, estou cansada. Você bem que poderia ficar mais em
casa e me ajudar.
Gilberto virou-se e lhe deu um tapa no rosto, que se não
fosse a parede ela teria caído no chão.
- Vagabunda! Não me encha mais ainda! Não agüento mais essa vida miserável!
Saiu nervoso. Ana ficou atônita, doía o rosto, que avermelhou,
mas interiormente doía mais. Chorou por horas, sentida.
"Papai tinha razão! Gilberto não presta! Por que fui entender
isso só agora?"
Ficou com mais saudade ainda dos seus parentes. Sabia
pouco deles e resolveu ir visitá-los no domingo. Gilberto, todo
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domingo, saía cedo para jogar futebol com os amigos e só voltava à noitinha. Não falou
nada a ele, temendo que a impedisse ou quisesse ir junto. Pela manhã, Ana se arrumou da
melhor maneira possível e também aos meninos e foi esperançosa rumo à casa do pai.
Aproximou-se do seu ex-lar com o coração batendo apressado. Viu Carlos na porta. Ana o
chamou, ele a olhou e veio
devagar encontrar com ela.
- Ana! - Exclamou ele.
- Carlos, vim ver papai...
- Papai não quer vê-la. Para ele, para nós, você morreu quando saiu de casa naquele dia
para juntar-se com aquele canalha. Papai sofreu muito, tivemos medo de que morresse por
sua causa, sofremos também. Mas passou. Agora papai está tranqüilo, não se fala em você
aqui em casa. Acho que não é o momento para você vê-lo.
- Você não quer que eu o veja? - Perguntou ela, se seguran do para não chorar.
Carlos abaixou a cabeça, nem olhou direito para os sobrinhos, respondeu firme e em tom
baixo:
- Não sou eu! Na verdade ninguém quer vê-la. Quando tiver oportunidade perguntarei a
papai se ele quer recebê-la. Se acei tar, irei avisá-la. Você se deu mal? Pelo que sei daquele
homem, deve ser infeliz. Sabemos que ele bebe, que vai muito em bares, tem amantes.
Sinceramente, não queríamos isso para você, mas não posso deixar de lhe dizer ou lembrá-
la que a havíamos prevenido sobre isso. Como acho também que só se lembrou de nós, de
papai, por estar em dificuldades. é melhor voltar para sua casa. Você já nos trouxe
dissabores demais.
- Carlos, não vim pedir ajuda.
- é melhor mesmo, Ana. Não iríamos ajudá-la. Fez sua escolha, agora agüente!
Virou-se e voltou para casa. Ana ficou olhando-o por alguns segundos, segurou a mão de
Rodrigo com mais força e apertou Marcelo nos braços. Por mais que se esforçasse para não
chorar, lágrimas escorreram pelo seu rosto.
Ana, desanimada, pôs-se a caminhar de volta ao seu lar.
- Estou cansado, mamãe - queixou-se Rodrigo.
Pegou os dois, também se sentia cansada e triste. Não andou muito e encontrou um vizinho
que fazia frete com uma charrete.
Ele lhe ofereceu carona. Ana aceitou, aliviada.
Sentia-se muito triste e não estava com vontade de conver sar; o vizinho, pessoa boa,
percebeu e começou a brincar com os meninos, que gostaram do passeio. Ao chegar,
agradeceu lhe, entrou em casa rapidamente e então chorou muito.
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"Devo ter feito meus irmãos e papai sofrerem demais. Será que por isso estou sendo
castigada? Não, acho que não! O que está me acontecendo é reação de minha imprudência.
Não quis ver a realidade. Gilberto não me enganou, fui eu que não quis vê-lo como ele é
realmente. Como minha vida mudou! Que mudança de vida!"
A tarde, quando Gilberto chegou, ela comentou com ele a
tentativa de ver o pai.
- Bem-feito para você! Quem mandou ir até lá? Seria bom se eles nos aceitassem, talvez
nos ajudassem. Porém, nenhum deles quer você ou seus filhos. Vê se entende isso e não os
procure mais! Tenha vergonha!
- Gilberto, sofro com o desprezo deles! - Queixou-se ela.
- Ora, não me encha, você ultimamente só sabe reclamar.
- Separei-me deles por sua causa! - Gritou Ana, nervosa.
- Minha não! - Gritou ele também. - Você que foi culpada! Só você! Ficou grávida de
propósito para me prender! Se você tivesse escutado seus familiares teria sido melhor não
só para você, mas para mim também.
Ofendeu-a muito. Ana revidou e acabou levando uma surra. Doía-lhe o corpo, mas muito
mais intimamente. Nunca pensou que pudesse ser surrada daquele jeito por alguém que
julgou amar e ser amada.
E, a partir desse dia, quando falava algo que Gilberto achasse ruim, ele a espancava. Ana
passou a evitar aborrecê-lo. Mas, às vezes, nem precisava falar nada; ao chegar em casa
bêbado ele a surrava.
Queria achar uma solução, não sabia como, tinha medo dele. Pensou até em se separar, mas
não tinha como sobreviver sozinha com os dois filhos, trabalhava muito e ganhava pouco.
E depois que conversara com Carlos, tinha a certeza de que sua família não iria ajudá-la.
Arrependeu-se.
"Mas - pensava - não se volta no tempo. Não dei valor à felicidade que tinha, não quis
escutar as pessoas que realmente me queriam bem. Ah, se as tivesse escutado! Elas tinham
razão, eu é que fui boba em acreditar nele! Não resta outro jeito senão aceitar esta mudança
de vida, a que eu, iludida, escolhi."
E tentou fazer de tudo para viver do melhor modo possível.
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2
Anos Diííccis
- Ana - disse Délia, sua vizinha e amiga -, você precisa rezar, deye ir à igreja. Quando
não rezamos as coisas pioram.
- é verdade, Ana - falou Antonia, outra vizinha. - Nunca vi você ir à igreja, acho que
só foi no batizado de seus filhos. Por falar em batizado, cadê os padrinhos desses meninos?
Eles não a ajudam?
- Nada! - respondeu Ana. - Nem os conheço direito, são colegas de trabalho de
Gilberto. Eles, depois do batismo, não viram mais os afilhados. Gilberto diz que não os
convida para vir aqui porque tem vergonha da casa pobre.
- Bem, voltando ao assunto, você deve rezar - insistiu Délia.
- Não tenho roupa para ir à igreja - queixou-se Ana.
- Ora, vá em um horário que não tem ninguém. Eu também tenho vergonha de ir à missa,
vai muita gente chique. Se você quiser ir amanhã à tarde, fico com os meninos para você -
ofereceu Antonia.
- Quero e agradeço, faz tempo que não entro em uma igreja para rezar.
- Reze com fé - aconselhou Délia - para sua vida melhorar e para que Gilberto se torne
mais humano. Surrando-a assim, uma
hora irá machucá-la muito.
Ana sorriu encabulada. As casas eram todas próximas, pequenas, não podia esconder o que
se passava, ali todos sabiam o que acontecia. E era comum por ali o marido espancar a
esposa. Ficou envergonhada ao escutar o que Délia falara, mas compreendeu que ela não
fazia por mal. As vizinhas, principalmente as duas, eram pessoas boas e uma ajudava a
outra no possível. Ana costumava ajudar Délia na lavagem de roupa e ficava muito com os
filhos de Antonia quando ela tinha de sair. Elas retri buiam, eram amigas e Ana gostava
delas. Ultimamente era só com as vizinhas que conversava. Não viu mais suas antigas co
legas, encontrou certa vez com a que julgou ser sua melhor amiga, mas esta fingiu nem
conhecê-la. Procurava ser boa ami ga para as vizinhas e elas também gostavam dela.
No dia seguinte, Ana levantou-se mais cedo, fez menos salgadinhos e à tarde foi à igreja.
Esta era longe de sua casa, teve
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de andar um bom pedaço. Alegrou-se, havia muito não saía sozinha e não precisaria
preocupar-se com os meninos; eles ficariam bem com Antonia.
Entrou na igreja, sentou-se num banco e se pôs a observar
tudo. O templo era bonito, sentiu paz e orou...
Nunca seguiu uma religião. A mãe, católica, ia raramente à igreja. O pai, presbiteriano,
também quase não freqüentava. Para não brigar, seus pais não falavam aos filhos de sua
religião e acabaram não deixando para eles uma orientação religiosa. Realmente, pensou
ela, havia muito não rezava. Sentiu-se bem, como se tivesse recebido um alimento
espiritual. De fato, a ora ção nos alimenta, fortalece, com ela atraímos energias benéficas e
confortadoras.
Pena que não podia ficar mais tempo. Voltou para casa alegre. E, desde esse dia, Ana
passou a orar, em casa mesmo, por que era difícil sair com as crianças para ir à igreja, pois
tinham de andar muito e elas não agüentavam, e nem ela conseguia carregá-las. Ana não
gostava de incomodar as vizinhas, pedindo para ficar com seus filhos, pois elas eram tão
ocupadas e tinham tantas dificuldades...
Marcelo adoeceu, amanheceu com febre, diarréia e vômito. Ana inquietou-se e, a conselho
das vizinhas, deu chás, mas ele foi piorando e logo à tardinha Rodrigo também começou a
se sentir mal.
Apavorada, Ana pediu para o filho de Délia ir chamar Gilberto no bar. Délia veio ver como
estavam os meninos. Preocupadaaconselhou-a:
- Leve-os ao médico! Vou com você ao hospital, vamos levá los para um pronto-socorro!
Eles estão piorando e não dá para
esperar.
- Délia, não tenho dinheiro!
- Nem eu! Daremos um jeito, no hospital eles atendem os pobres de graç.
- Gilberto pode achar ruim... - Ana lamentou-se.
Délia a abraçou com carinho e falou:
- Vamos, Ana, não devemos ficar esperando por ele, nen sabemos se virá. A noite tudo
complica e já são quase seis hora
da tarde. Vamos!
Délia pegou Rodrigo e Ana, Marcelo, e saíram andando rápido
rumo ao hospital. Délia teve mais iniciativa. Chegando ao
hospital pediu, implorou para que atendessem os meninos. )
a enfermeira reclamou da hora, mas as deixou entrar. Olhou os
garotos e disse:
- Vou chamar o médico.
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O médico veio e examinou-os.
- Eles ficarão internados, vou medicá-los.
- Por favor, doutor - pediu Ana -, nunca me separei deles.
- Não tem outro jeito, senhora - respondeu bondosamente o médico. - Os dois têm de
ficar internados e tomar os medicamentos. Ficarão na enfermaria, os colocarei juntos,
assim não estranharão. Volte para casa sossegada, serão bem tratados. Amanhã à tarde
poderá vê-los e, se estiverem bem, poderão ir com a senhora.
Ana os beijou se segurando para não chorar, para não assustá-los. A moça os levou.
Rodrigo chorou, mas Marcelo estava tão fraco que não se importou; acomodou-se no colo
da enfermeira, que o acalentou. Délia abraçou a jovem mãe e as duas retornaram aos seus
lares. A vizinha, conhecendo Gilberto, entrou com a amiga em sua casa para defendê-la, se
fosse preciso. Ele estava nervoso, esperando-a. Ao vê-la gritou:
- Ana, sua vagabunda, onde estava? Onde estão as crianças? Por que mandou me
chamar? Quer levar uma surra?
- Calma, Gilberto - falou Délia com firmeza. - Nós fomos levar os meninos ao hospital
e eles ficaram internados. Eles não
estão bem. Estão passando mal...
- Estão doentes? - Gaguejou ele. - Ficaram lá sozinhos?
- Na enfermaria - respondeu Ana, chorando.
- Acho que vou sair e pedir dinheiro emprestado a amigos e pagar o tratamento deles. é
isso! Vou e volto logo com o dinheiro. Não chore, Ana, darei um jeito - falou Gilberto.
Saiu.
- Ana, também vou indo - disse Délia.
- Obrigada, Délia, muito obrigada! - Ana se expressou, grata.
- Pelo menos Gilberto não lhe bateu. Não acredito que ele arrume dinheiro, deve ter ido
ver a outra. Canalha! Procure descansar, amiga, os meninos estão bem. No hospital serão
bem cui dados, tomarão remédios e logo estarão aqui de novo e sadios.
Ana ainda limpou a casa, lavou roupa. Só depois foi se dei tar. Nunca, até então, sentiu
tanto a falta de dinheiro e de apoio, e teve medo de os filhos morrerem. Sentiu um aperto no
coração, quis ter um ombro amigo para chorar. Amava muito os filhos, eles eram tudo que
ela tinha. Orou até que o cansaço a venceu e dormiu.
Sonhou com sua mãe. Estavam num lugar bonito, calmo, Ana achou que era num jardim.
Dona Rita lhe afagou os cabelos, disse-lhe muitas coisas, mas ao acordar ela só se recordou
dessas palavras: "Calma, minha filha, tudo passa, os meninos ainda ficarão mais com
você".
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Gilberto só chegou de madrugada; cheirando a álcool, deitou
e dormiu, nada comentou sobre o dinheiro nem dos meninos. No
outro dia, ao sair para trabalhar, falou:
- Ana, não arrumei o dinheiro, mas meus amigos me garantiram que no hospital eles
serão bem tratados; então fiquei tranqüilo. E você não deve se preocupar.
Ana trabalhou muito. O sonho lhe deu forças, teve-o na me mória o dia todo, parecia que
ainda sentia o carinho da mãe.
Teve muita saudade dela, do pai e dos familiares.
A tarde foi ao hospital. A enfermeira levou-a para vê-los. Marcelo ainda estava tomando
soro por via intravenosa, mas Rodrigo estava melhor, brincava no berço. Eles se alegraram
ao vê-la. Ana, ao saber que os filhos estavam bem, ficou feliz, os abraçou e beijou.
- Mamãe - disse Rodrigo -, tomei injeção igual à do Marcelo e só chorei um
pouquinho. A moça me deu comida, estava gostosa, tomei todo o leite, não senti frio, estou
quietinho e obediente!
- Você já é mocinho, mamãe está contente com você.
- Dona Ana - disse a enfermeira -, o doutor falou que ama nhã a senhora poderá levá-
los. E que eles estão desnutridos,
estão precisando se alimentar melhor.
Ana enxugou as lágrimas, a enfermeira observou-a bem e
continuou a falar:
- Conheço algumas senhoras, pessoas boas, que ajudam famílias pobres, principalmente
se têm crianças. Se a senhora quiser darei seu nome e endereço a elas. Este grupo doa
roupas e alimentos.
- Quero sim, senhora, obrigada!
A enfermeira anotou seu nome e endereço.
"Meu Deus! - Pensou. - Precisar da caridade alheia para que meus filhos sejam mais bem
alimentados. Que situação! Ma ainda bem que existem pessoas boas, que ajudam. Que
Deus a proteja!"
Voltou triste para casa, mas aliviada por saber que eles estavam
bem. Gilberto saiu do trabalho e veio direto para casa.
- Ana, você foi ver os meninos? Como estão eles? - Indagou assim que chegou.
- Estão melhor, a enfermeira disse que amanhã poderei traze-los para casa. Gilberto, o
médico falou que eles precisam se ali
mentar melhor.
- Você não lhes dá comida? - Perguntou ele.
- Claro que dou, mas temos sempre tão pouco! - Respondeu ela tristemente.
- Vou lhe dar mais dinheiro para que você compre frutas leite para eles. Já que os meninos
não vieram para casa e estão
bem, vou me distrair um pouco, trabalhei muito hoje. Volto logo
22
Saiu e Ana se pôs a trabalhar. Queria adiantar seu serviço
para poder se dedicar mais aos filhos no outro dia. Concluiu,
triste:
"Gilberto deve ter outra mulher. Meu irmão, Carlos, me disse naquele dia que ele tinha
amantes. Délia deixou escapar que ele tem outra. Mas isso não me importa. Só queria que
ele me tratasse melhor!"
No outro dia, Délia foi com ela ao hospital para ajudá-la a trazer as crianças. Gilberto veio
para casa após o trabalho, trouxe leite e frutas, agradou os filhos e não saiu, fato raro. Os
meni nos gostaram, sentiram a falta de casa, da mãe, e se distraíram com as brincadeiras do
pai. Mas já no outro dia ele voltou à rotina.
Dias depois, Ana recebeu a visita de três senhoras. Conver saram com ela, fizeram
perguntas, Ana encabulou-se, mas respondeu com sinceridade.
- Meu marido e eu trabalhamos, vejam as senhoras, faço doces e salgados para o dono do
bar lá daquela esquina, mas não dá. é que meu companheiro tem mais duas filhas com a
esposa dele e as sustenta. O ordenado é pouco e...
- Está bem, dona Ana, vamos ajudá-la - disse uma senhora simpática. - Todo mês
traremos alimentos e roupas. Aqui está a
ajuda desse mês.
Ana recebeu a caixa, alegrou-se e agradeceu, comovida. O auxílio era uma bênção, agora
poderia alimentar melhor os filhos. Assim, passou a receber a cesta todo mês, com
alimentos e roupas. Só que ela temia que aquelas senhoras descobrissem que Gilberto
bebia, que freqüentava bares. Teve medo de que elas não entendessem sua situação, que ela
tinha medo dele, que era surrada, não queria ser tachada de mulher de malandro. Não gostava
da vida que levava, mas não tinha como modificá-la.
"Tempos atrás - pensou - não acreditaria se me dissessem que alguém poderia agüentar
tudo o que tenho passado. Certa mente eu diria que essa pessoa estava assim porque queria,
e que se quisesse realmente mudar daria um jeito. Mas quando é conosco é que vemos que
não é tão fácil assim. Se sair de casa para onde irei? Quem me dará emprego com duas
crianças? Ou onde deixá-las? Se pelo menos aqui nessa cidade tivesse locais onde elas
pudessem ficar, como nas metrópoles grandes. Ou se meus familiares me aceitassem!"
Um dia, logo cedo, bateram à sua porta. Era uma mulher.
- A senhora é Ana Silva?
Ana observou-a, não a conhecia, não era das redondezas.
- Sou, sim! - Respondeu, curiosa.
23
- Seu irmão Carlos me pagou para procurá-la e lhe dar urr recado. Trabalho no hospital,
sou faxineira. Seu pai está internado
e quer vê-la.
- Papai! O que meu pai tem? - Perguntou, aflita.
- Ele está doente e seu caso é grave. Aqui está o número do quarto dele. Seu irmão
mandou lhe dizer que pode ir a qualquer hora e, se possível, para ir hoje. E que ele não está
nada bem - respondeu a mulher.
Ana pegou o papel. Só estava escrito o número do quarto
teve uma ligeira tontura, tentou sorrir e disse baixinho:
- Obrigada!
Ficou com o papel na mão sem saber o que fazer. Lembrou
de Délia e correu até sua casa. Ela estava lavando roupa. Con
tou-lhe tudo.
- Délia, que faço?
- Vá ver seu pai - respondeu a amiga.
- Se falar isso a Gilberto, ele não deixará!
- Pois não fale! Apresse seu serviço que apresso o meu. Vá tarde visitar seu pai e deixe as
crianças comigo.
- Vou fazer isso. Obrigada, Délia!
Fez seu trabalho aflita, pensou no pai o tempo todo. Como
estaria ele? Será que iria morrer? O que ele queria com ela?
A tarde foi ao hospital. Na portaria, a atendente pediu que
aguardasse um instante. Foram minutos que lhe pareceram horas
A moça sorriu ao retornar e lhe disse:
- Venha, senhora, a levarei até o quarto.
Com o coração batendo forte, acompanhou a moça. Tentava
inutilmente se acalmar.
- é aqui. Pode entrar, seu pai está aguardando-a.
A moça abriu a porta, ela entrou, seu pai estava sozinho no
quarto. Ana observou-o, teve vontade de chorar, ele estava pálido
e muito magro.
- Papai! - Conseguiu finalmente balbuciar.
Ele abriu os olhos e sorriu.
- Minha filha! Aproxime-se!
Ela o fez timidamente. O pai a olhou bem e lágrimas escorreram pelo rosto.
- Filha, queria vê-la!
- Como está o senhor? - Perguntou ela.
- Mal, acho que irei morrer. Morrer? Não sei! Ana, tenl sentido muito sua mãe ao meu
lado e isso me dá a certeza que não morremos. Morrer deve ser só para o corpo; a almaé
eterna, vai viver noutro lugar. Ninguém acredita que eu sinto sua mãe comigo. Ela quer que a
perdoe e tem me falado em sono.h
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Ontem, ao acordar, até senti suas mãos me afagando os cabelos. Isso me tem dado muita
força; tenho sentido dores, mal- estar, mas não reclamo. Rita me falou, não sei explicar
como, mas a escuto, que você, filha, é infeliz, que se arrependeu, mas que ainda ficará bem,
terá dias tranqüilos. Acredito nela, minha esposa nunca mentiu.
O senhor Alberto cansou, fez muito esforço para falar, ficou quieto, descansou por minutos.
Ana se segurou para não chorar,
ficou ali ao lado do leito sem saber o que fazer, só o olhando.
- Dê-me sua mão, filha!
Ana segurou a mão do pai com força.
- Papai, me perdoe!
- Perdôo, filha! Perdôo-a sim! Também fui intransigente. E você nunca me procurou.
Queria conhecer seus filhos, meus
netos. Eles são bonitos?
- São, sim! Posso beijar o senhor?
- Sim! - O senhor Alberto falou, suspirando.
Ana o beijou na testa e recebeu outro beijo no rosto. Sorri ram entre lágrimas.
- Você acredita, filha, que eu escuto sua mãe? - Perguntou o senhor Alberto.
- Sim, papai, acredito - respondeu Ana com sinceridade.
- Ela me fala que ficaremos juntos num lugar bonito e teremos muitas alegrias. Obrigado
por ter vindo, necessitava conversar com você.
- Eu amo o senhor! - Exclamou Ana, comovida.
Bateram de leve na porta e uma enfermeira entrou.
- Hora da injeção! Por favor, senhora, ele terá de dormir.
- Já vou! A bênção, papai! Fique com Deus!
- Deus a abençoe filha! Seja feliz!
Não queria ir, sentiu vontade de ficar mais ao lado do pai, esse lhe sorria docemente, ela o
beijou de novo e saiu rápido. No corredor viu Lúcio, que lhe virou as costas. Ana foi
embora, as lágrimas teimaram em escorrer pelo rosto. A reconciliação lhe fez bem, tirou
um peso do seu coração, estar de bem com o próximo nos faz bem.
"Voltarei - pensou. - Depois de amanhã é domingo e virei
vê-lo de novo. Carlos não contou ao papai que fui vê-lo aquela
vez. E melhor que ele não saiba que não me deixaram visitá-lo".
Domingo pela manhã, bateram na porta. Ana se assustou,
mas, em seguida, alegrou-se, pois era seu sobrinho. Havia tempo que não o via, estava
moço e bonito.
- Romeu, que prazer em vê-lo!
Abriu os braços querendo abraçá-lo, mas ele se esquivou.
25
- A senhora mora aqui! - Disse o mocinho, espantado.
- Entre! - Convidou ela.
- Não posso, tia. Só vim avisá-la que vovô faleceu nessa madrugada. Está sendo velado na
capela do cemitério, o enterro será às dezessete horas. Estou com pressa, tenho de avisar os
outros parentes. Até logo!
Saiu apressado. Ana ficou olhando-o. Seu sobrinho Romeu lhe era muito querido, o mais
velho e que muito pajeara. Agora, uma pessoa indiferente, viera ali só para cumprir uma
obriga ção, avisá-la da morte do pai. Ao se lembrar de seu genitor, entristeceu:
"Não fui boa filha! - Pensou. - Sempre reclamei de tudo, exigia, e a vida me ensinou,
poderia bem ter aprendido pelo carinho, amor, a dar valor ao que tinha. Espero ter
aprendido! Vou vê-lo. Não, só irei ver o seu corpo, foi no hospital que o vi pela última
vez."
Gilberto já havia saído e dessa vez recorreu à Antonia, que ficou com os meninos para ela ir
ao cemitério. No caminho foi pensando nos momentos felizes em que viveu no lar de seus
pais. No seu aniversário era sempre uma festa, ganhava presentes dos irmãos, os pais
faziam uma festinha para seus amigos. Mesmo depois da morte da mãe, o pai fez questão
de continuar fazendo festa. Não podia dizer que estava sentindo uma dor que o pai logo ia
fazer chás e lhe dar remédio.
"Estava sempre sendo mimada. Agora tudo é diferente, até cheguei a esquecer o meu
aniversário este ano, nunca mais ninguém me deu presentes. E se reclamo de alguma dor
para Gil berto, ele reage grosseiramente. Pior são as agressões. Quanta dificuldades tenho
enfrentado! Que anos difíceis!"
Chegou um tanto encabulada, entrou na capelinha. NaqueLa época era costume velar em
casa, mas alguns ficavam na pequena capela do cemitério. Ana não sabia se foi seu pai qu
tinha escolhido ou os irmãos. Aproximou-se do caixão, seu pai parecia dormir. Lembrou o
que ele lhe disse sobre sua mãe.
"Os dois devem estar agora juntos e felizes" - pensou.
Só alguns tios vieram cumprimentá-la. Ana tinha a certeza de que todos ali presentes
deveriam saber de suas dificuldade Sentiu-se observada, teve vontade de chorar, esforçou-
se e conseguiu segurar as lágrimas. Teve a sensação de que muitos dviam achar bem-feito
ela ter se dado mal. Parecia que os pensamentos deles chegavam até ela: "Bem-feito! Ana
escolheu! Viver com um homem sem ser casada!"
Sentindo-se deslocada, envergonhada, ficou num canto qui
tinha, orou para seu pai com fé, pediu a Deus que ele fosse acolhido
26
num bom lugar. Sem saber explicar por que, teve certeza, sentiu que seu querido genitor
não estava ali e que deveria guar dar dentro dela os momentos de carinho da reconciliação.
Achan do que não deveria permanecer mais ali, foi embora antes do que planejara.
Ana teve uma sensação estranha, não ficou com vontade de
chorar pela morte do pai, achou que ele estaria bem e que ele a
amava.
Andou depressa e logo chegou em casa.
- Não ficou para o enterro, Ana? - Perguntou Antonia. - Os meninos estão bem.
- Senti-me deslocada lá, Antonia - respondeu Ana. - Meus irmãos e sobrinhos nem me
olharam.
- Não fique triste por isso. O importante é que seu pai a perdoou e que fizeram as pazes.
- é! - Exclamou Ana, emocionada. - Sou grata a Deus por isso, por me ter dado essa
oportunidade.
A noite, quando Gilberto chegou, contou a ele, que nada comentou. Ana se esforçou para
não ficar triste, e quando lembrava do pai, o fazia com carinho, recordando os beijos que
trocaram.
Cinco dias depois, Gilberto chegou furioso em casa.
- Ana, fui lá em sua casa, a que foi do seu pai. Encontrei seus irmãos e eles me
ameaçaram, quase me bateram! Miseráveis!
- O que você foi fazer lá? - Indagou, espantada.
- Reclamar o que é seu! Espertos! Sabe o que eles fizeram? Devem ter forçado seu pai a
passar em vida tudo para eles. Você não tem direito a nada! Não vai receber nem um
centavo. Eles me mostraram os documentos, todos registrados. Para saber se de fato eram
verdadeiros aqueles papéis, perguntei a um funcionário da fábrica que trabalha no
escritório e que entende disso, ele me confirmou. Você foi deserdada!
Depois de ter xingado muito, foi para o bar. Ana suspirou
aliviada, ainda bem que não lhe bateu.
"Gilberto não deveria ter ido lá - lamentou. - Não queria
mesmo nada deles. Não fiquei magoada por papai ter feito isso,
meus irmãos mereciam".
Não se falou mais nisso e sua vida continuou do mesmo jeito. Havia épocas em que
Gilberto parecia estar de melhor humor, em outras pior, e por qualquer motivo lhe batia.
Era exigente com sua roupa, queria estar sempre com ela limpa e bem-passada.
Um dia, ao ir entregar os doces e salgadinhos no bar, um
homem a olhou atrevidamente.
27
- Então você é a mulher do Gilberto? O malandro não sabe dar valor à belezura de mulher
que tem. Meu nome é Miguel,
muito prazer!
- Prazer! - Respondeu Ana, virando o rosto e deixando-o de mão estendida. - Estou
com pressa. Senhor Matias, pegue as
bandejas que tenho de ir embora.
- Que pena! - Falou o homem cinicamente. - Poderia ficar um pouco mais e beber
comigo, eu pago!
- Obrigada! Não bebo nem gosto de ficar em bar. Por favor! Pegou as bandejas e saiu
apressada. Logo após ter passado
a porta, chegando à calçada, a toalha caiu e ela abaixou-se para apanhá-la. As pessoas que
estavam dentro do bar não conseguiam vê-la. Pensando que ela estava longe, comentaram
e Ana escutou:
- Miguel - disse o dono do bar -, dona Ana é mulher direita, trabalhadeira. Deixe a
coitada em paz!
- Ora, será que ela quer paz como você diz? Bem que poderia não ser tão honesta. O
marido a trai, está cada dia com uma! E ainda bate nela! Se ela me desse atenção até que
gostaria de lhe dar uns tabefes. Pelo jeito ela gosta!
Riram...
Ana sentiu o rosto queimar, voltou rápido e triste para casa.
Desconfiava de que falavam dela, mas ter certeza doeu. Todos
pela vizinhança sabiam de seus problemas, sentiu-se humilhada.
'Sou orgulhosa ainda - pensou -, mas orgulho por quê?"
Havia muito tinha percebido que Gilberto, quando tinha caso com alguém, melhorava seu
humor, e estava preferindo que ele sempre tivesse amantes, porque além de não amá-lo
mais, tinha-lhe nojo.
"Amar? - pensou. - Será que algum dia amei Gilberto? Foi
só uma paixão que com o tempo não restou nada...
Em casa consolou-se, abraçando os filhos. Rodrigo estava
com três anos e Marcelo com quase dois. Eram lindos e ela o
amava muito
"Ainda bem - pensou que Gilberto não bate neles".
Ele não lhes dava atenção, via-os pouco, porque rarament ficava em casa, vinha para jantar,
tomar banho, chegava tarde saía cedo, horário que os meninos estavam sempre dormindc
As vezes brincava com eles, falava com orgulho:
"Vocês, quando crescerem, vão ser doutores! Vão ser ricos
o pai irá aconselhá-los."
Ana ajeitou os filhos junto ao coração e beijou-os. ElEs
riram alegres. Rogou a Deus:
"Pai, me dê forças para criá-los, para protegê-los!"
28
3
As Meninas
O almoço ainda não estava pronto quando Gilberto chegou nervoso. Ana assustou-se, ele
fazia a refeição no trabalho e nunca viera naquele horário para casa.
- O que aconteceu, Gilberto? - Perguntou ela preocupada.
- Recebi na fábrica o recado de que Ana, a minha esposa, morreu... - Respondeu ele,
empalidecendo.
- O quê? Mas ela era tão jovem! Estava doente? - Perguntou Ana, preocupada.
- Não sei, só me avisaram que ela faleceu. Acho que não estava doente, não se queixou de
nada na última vez em que a vi. Tenho de ir lá cuidar de tudo, vou logo, no primeiro horário
do trem. Arrume uma sacola com uma troca de roupa, talvez eu tenha de dormir por lá -
respondeu ele.
- E as meninas? O que será delas? - Indagou Ana. - Devem estar sozinhas e sofrendo!
- Claro! - Falou Gilberto, aborrecido. - Perderam a mãe. Ana foi uma má esposa, não
tenho sorte mesmo, duas Anas,
duas pestes. Mas era boa mãe.
- Traga as meninas para cá, Gilberto, você é o pai - disse Ana com dó delas. - Tão
novinhas e sem mãe!
- Não precisa me lembrar de que eu sou o pai. Até que gostaria de não ser. O que farei
com tantas mulheres para sustentar?
- Eu o ajudo, não reclame! - Falou ela, tentando animá-lo.
- Ajuda? Ganha tão pouco! é melhor eu ir logo, senão perco o trem.
Ana ficou triste com a notícia. Era a primeira vez que via Gilberto tão preocupado. Ela
sabia pouco sobre as meninas, ele raramente ia vê-las. Pelo que sabia, elas não tinham
muitos parentes, podiam contar só com a mãe, já que o pai não se impor tava com nada.
Teve dó delas e orou para que tudo pudesse se resolver da melhor maneira e pensou:
"Se as meninas vierem para cá, vou agradá-las, tratá-las
bem, vou amá-las..."
Aguardou preocupada a volta de Gilberto. Três dias depois
ele veio com as garotas. Ana as olhou com carinho, eram muito
bonitas, estavam assustadas e tristes.
29
- Venham conhecer os seus irmãos - disse Gilberto a elas. - Este é Rodrigo, este é
Marcelo. A casa é pequena, mas mudaremos para outra maior. Acomodaremos vocês esta
noite aqui na sala. Amanhã irei à estação buscar as coisas de vocês que despachei pelo
trem.
Gilberto falava, queria distrai-las, mas elas ficaram paradas,
olhando tudo quietas e temerosas.
Os meninos se aproximaram delas, começaram a conversar e a fazer perguntas, mas as duas
só respondiam com monossílabos. Gilberto fez um sinal para Ana ir com ele à cozinha e
cochichou:
- A mãe delas morreu de repente, do coração. Sentiu-se mal, a vizinha chamou o médico,
mas quando ele chegou ela já
estava morta.
Ana tratou de tomar as providências para acomodá-las, pediu emprestado um colchão a
uma vizinha e colocou na sala para que elas dormissem. Fez uma sopa da melhor maneira,
com o que tinha, porém elas comeram pouco. Foram dormir. Ana comoveu-se ao vê-las
abraçadinhas, deitadas no colchão. Uma dava força à outra.
No outro dia, Gilberto foi cedo à estação e voltou em uma
charrete com alguns objetos. Ele comentou com Ana:
- Peguei isso da casa delas, tinham pouco, as meninas têm só o necessário, poucas roupas,
duas camas e uma máquina de
costura.
- Era da mamãe - disse Livia. - Ela costurava para as freguesas.
- Vou ver se arrumo comprador para esta máquina. Comc aqui ninguém costura, é melhor
vender para termos dinheiro para
nos mudar - disse Gilberto.
As meninas trocaram olhares, Ana sentiu que elas queriam
ficar com a máquina, mas nada falaram. Falou com carinho para
elas:
- Lívia e Vanessa, quero que se sintam à vontade, é a casa de seu pai, é de vocês de agora
em diante. Não sintam medo Sei que é difícil ser órfã de mãe, a minha faleceu também e
com preendo a dor de vocês. Nós nos daremos bem.
- Será que ela não volta mesmo? - Indagou a menor, Vanessa.
- Não - respondeu Lívia -, já nos falaram muito sobre isso Mamãe foi e não voltará
mais!
- Duvido! - Exclamou Vanessa. - Mamãe nos ama e dará ui jeitinho de vir nos ver.
Ana saiu da sala, mas escutou Lívia dizer:
30
- Bem que mamãe achava que esta outra Ana deveria ser uma boba como ela. São bem
pobres, tanto quanto nós, e ela
trabalha muito.
- Sinto falta da mamãe e quero chorar! - Falou Vanessa.
- Não chore, irmãzinha, cuidarei de você.
- Você é tão pequena quanto eu! - Choramingou a menor.
Ana emocionou-se e chorou. Prometeu a si mesmo:
"São tão pequenas e sofrem tanto. Vou ajudá-las! Vou ser a segunda mãe delas.
Coitadinhas!"
Lívia era bem parecida com o pai: cabelos escuros, olhos verdes, traços delicados, tinha
oito anos. Vanessa estava com seis anos e era bem diferente da irmã; a menor tinha algo,
uma delicadeza que cativava logo a todos, era mais clara, olhos pretinhos, traços delicados,
nariz pequeno e arrebitado.
"Vanessa deve parecer com a mãe, Ana deve ter sido muito
bonita" - pensou.
A casa era pequena e tornou-se minúscula. Ana tudo fez
para acomodá-las e para que se sentissem à vontade, mas elas
estavam muito tristes.
- Ana - falou alegre Gilberto-, arrumei uma outra casa, agora ficaremos mais bem
acomodados.
No domingo se mudaram. Embora a nova casa fosse perto, Ana se entristeceu por deixar
Délia e Antonia, suas vizinhas e amigas. A casa para a qual se mudaram era maior, tinha
dois quartos. Gilberto vendeu o berço e comprou uma cama de solteiro.
- Os irmãos juntos! - Falou ele. - As crianças, os quatro, ficam acomodados neste
quarto maior. Rodrigo e Marcelo, que são
pequenos, dormirão na mesma cama e as meninas nas delas.
Ficaram mais bem instalados, embora a casa fosse tão simples quanto a outra.
Ana foi com Lívia à escola, Gilberto havia trazido sua transferência. Ao ver os
documentos, a moça que fazia a matrícula
disse:
- Dona Ana, sua filha poderá vir na segunda-feira.
Ao saírem, Lívia comentou:
- Por causa do nome, a moça achou que eu era sua filha.
Ana a abraçou e ela não repeliu.
Logo as meninas estavam brincando na rua com as outras crianças e passaram a ajudá-la
cuidando de Rodrigo e Marcelo.
- Ana, vê se trabalha mais, as despesas aumentaram - resmungou Gilberto.
- é verdade, aumentaram, mas em compensação teremos o dinheiro que você mandava
para elas e que agora nos ajudará.
- Hum... - Ele resmungou e saiu.
31
Ana estava na cozinha enrolando doces. Lívia a ajudava
Vanessa brincava com Rodrigo. Quando ele saiu, a pequena disse
- Papai quase não pára em casa.
- Escutei o que vocês falaram - falou Livia. - Ana, papai não deu dinheiro para nós, nunca
deu. Mamãe, algumas vezes, pediu, mas ele não deu. Minha mãe trabalhava como você, ela
costurava o tempo todo.
Ana sentiu raiva de Gilberto, mas nada comentou, e pensou
"Então ele não as ajudava, não dava dinheiro para as filhas
Gastava tudo no bar, com certeza."
As meninas ficaram conversando.
- Não sei se gosto do papai - disse Vanessa.
- Fique quieta, Vanessa - repreendeu Lívia. - é melhor ser mos boazinhas como
aconselhou dona Dalva, a nossa antiga vizinha que era amiga de mamãe. Quando nossa mãe
morreu dona Dalva nos disse: "é melhor vocês irem com seu pai e serem obedientes para
se dar bem com a madrasta. Vocês não tên escolha! Se sua tia ficar com vocês..."
Lívia parou de enrolar o doce, ficou quieta, com o olhar dis
tante.
- Vocês não gostam de sua tia? - Perguntou Ana.
- Não conheço a irmã do papai - respondeu Lívia -, só a de longe. Mamãe não gostava
dela. Tenho outros dois tios que são muito pobres, acho que mais do que nós. Depois tenho
um primo meio louco, bobo, sei lá, que olhava para mim e para Vanessa de um jeito de que
mamãe não gostava, ela tinha medo de que ele se aproximasse de nós.
"Elas não tinham mesmo com quem ficar - pensou Ana. - tia, a irmã de Gilberto, é uma
prostituta, e pelo que ele fala dela, é uma pessoa má. Os irmãos da mãe, segundo Gilberto,
um alcoólatra e om outro tem a mulher inválida, são muito pobres para ficar com elas".
Ana passou a dar mais atenção, a conversar com as meninas, tentou cativá-las pela amizade.
Contava-lhes histórias, casos engraçados. Queria que elas gostassem dali, dos irmãos dela, e
não as deixava trabalhar. Quando a ajudavam era porqi queriam. Não foi difícil: elas,
carentes, logo estavam gostando dela e Ana passou a querê-las muito.
Lívia ia à escola, era inteligente e aprendia rápido. As duas fizeram muitas amizades,
passaram a ser alegres. Comentava muito sobre a mãe com Ana. Achando que fazia bem às
meninas, ela até as incentivava.
- Mamãe - falava Lívia - trabalhava até tarde da noite. Quando íamos deitar ela ficava
trabalhando e quando levantávamos
estava costurando.
32
- Saía pouco de casa, às vezes ia às casas das freguesas e eu gostava de ir junto. Estou
com saudade dela - dizia Vanessa, começando a chorar
Sempre que falavam sobre a mãe se emocionavam, e Ana as abraçava.
Rodrigo e Marcelo passaram a querer bem as irmãs e, se não fosse por Gilberto, seriam
uma família feliz.
- Mamãe também chamava Ana - disse Livia. - O pai dela, meu avô, que eu nem
conheci, a chamava de Aninha.
"Aninha - pensou Ana. - Será assim que me referirei a ela, a mãe dessas meninas lindas"
No dia em que as senhoras trariam a cesta do mês, Ana ficou atenta; assim que as viu,
correu até sua antiga casa. Após os cumprimentos, explicou:
- Mudei, moramos logo ali. A mulher do meu marido faleceu as meninas, filhas dele,
vieram morar conosco.
- Bem - disse uma senhora -, agora que ele não tem de dar a pensão delas, talvez você
não precise da nossa ajuda.
- é que aumentou nossa despesa também. A casa para a qual mudamos é tão pobre como
esta, só tem um quarto a mais
- disse Ana, triste, temendo que elas não a ajudassem mais.
Mas elas deixaram a cesta e ficaram de resolver se continuariam ajudando ou não.
A noite, quando Gilberto chegou, Ana estava nervosa e o
acusou:
- Você, Gilberto, é um miserável, me dizia sempre que ajudava as filhas, que dava
dinheiro para o sustento delas, mas descobri que nunca deu nada a elas. Deve ter gastado
esse dinheiro no bar, com suas amantes.
- Não fale assim! O que pensa que é? Menti sim! Como você quer que eu viva assim
miseravelmente? Se não fossem meus amigos, o bar, iria morrer de tédio! Você está
abusada! Quem é você para me dirigir a palavra nesse tom? Isso é porque ficou uns tempos
sem apanhar! Toma!
Ana sufocou os gemidos, não queria que as crianças escutassem, mas não pôde abafar o
som das pancadas. Depois de alguns instantes, Gilberto resolveu deixá-la em paz,
acomodou- se na cama e dormiu. Ana não quis chorar, temendo acordar as crianças ou
Gilberto, porque ele fatalmente recomeçaria com a agressão. Deixou apenas lágrimas
escorrerem pelo rosto.
No outro dia ela estava toda dolorida, com muitos hematomas e uma grande mancha roxa
na face direita. Vanessa, ao vê-la, comentou inocentemente:
- Papai bateu em você, escutamos. Tivemos medo de ele bater na gente também e ficamos
caladinhas.
33
- Ana - disse Lívia -, mamãe dizia que papai também batia muito nela. Uma vez,
quando papai esteve lá em casa, ele SE queixou, reclamou muito de você, depois quis
agarrar mamãe tivemos de gritar e os vizinhos o puseram para fora. Ela nos disse: "Pobre
desta outra Ana, deve apanhar como eu apanhei"
Ana nada comentou, triste, e se pôs a pensar em como sair daquela situação. Não sabia
como fazer para sustentar as crianças, não tinha para onde ir, ainda mais agora, com mais
duas meninas. Sim, porque ela não iria deixar as meninas com ele.
A tarde, quando Gilberto chegou em casa, viu Lívia com as
bandejas, voltando do bar.
- Vim trocar de roupa - disse ele -, tenho uma festinha para ir. Lívia, por que você foi
ao bar?
- Me ofereci para ir. Todos comentam ao ver Ana com os ferimentos no rosto -
respondeu a menina calmamente.
Gilberto olhou para Ana, sentou-se, coçou a cabeça, depois
disse:
- Ana, não queria machucá-la!
Ela virou-se para ele e Gilberto pediu:
- Sente-se aqui um momento.
Ela ia recusar, estava preparando o jantar, mas querendo evitar confusão, sentou-se.
- Ana, sei que é honesta, trabalhadeira, trata bem as meninas. Não sei por que faço isso
com você! Não merece!
Ela ficou calada. Ele também ficou quieto uns instantes, de
pois disse:
- Bem, vou tomar banho e ir à tal festa. Não prometo, mas vou tentar não bater mais em
você.
Levantou-se e Ana voltou a preparar o jantar. Foi a única vez
que ela percebeu que ele poderia estar arrependido das agressões
que fazia.
Ainda bem que as mulheres bondosas entenderam e continuaram
a lhe trazer o auxilio e roupas para todos.
Uma tarde, ao ir comprar verduras, Ana encontrou uma tia
e esta a observou bem.
- Ana! Como está você?
- Estou bem, e a senhora? - Respondeu ela.
Tudo bem. Alegro-me por você estar bem e por não precisar da família, porque nenhum de
nós iria ajudá-la depois do q fez. Engravidou, saiu de casa para ir morar com um safado
quase matou seu pai de desgosto. Acho que ele nunca mais foi feliz e acabou morrendo por
isso. Você..
- Até logo, tia. Tenho de ir!
Saiu e não deixou a tia falar mais.
34
"Será que não tem compaixão? Não fiz nada por mal. Na quela época achei que amava
Gilberto, como também que era o melhor para mim. Não posso contar com ninguém da
minha família, eles não irão me ajudar em nada, nunca."
Foi para casa, triste.
- Ana - disse Vanessa numa manhã -' esta noite sonhei com a mamãe. Ela estava
bonita, linda mesmo, com uma roupa nova. Ela me beijou e abraçou apertado. Eu falei a
ela: "Mãe, que vestido lindo! E novo?" Ela me respondeu: "Vanessa, eu não ligo para
roupas, mas esta é uma que ganhei para trabalhar". "A senhora trabalha? - Perguntei. -
Não está descansando?" "Não me sinto cansada, estou muito bem. Trabalhar é uma
bênção." Aí perguntei de novo: "O que a senhora faz? Costura?" Ela respondeu: "Não,
filha, ajudo os doentes. Vim aqui para vê-las e dizer a você e a Livia que queiram bem a
Ana, ela é boa, e que não esqueçam de orar como eu as ensinei". Me beijou de novo e
sumiu, acordei e pareceu que o beijo foi real, senti seus lábios no meu rosto. Gostei de ter
sonhado e saber dela.
Ana sorriu e pensou: "Coitada dessa mãe, mesmo se estiver no céu não deve ter sossego,
deixando as filhas com o pai, que ela sabe bem a peste que é, e com uma madrasta que nem
conheceu. Mas Aninha, se você pode me escutar, fique sossegada, serei sempre boa para
elas".
- Vanessa, acho que sua mãe tem razão, necessitamos orar.
- Que tal fazermos como em minha casa, quando mamãe era viva? Fazíamos assim, todos
os dias, antes de irmos para a cama dormir; rezávamos, as três, para o Papai do Céu, para
Nossa Senhora e para nosso Anjo da Guarda.
- Vamos começar hoje - disse Ana. - Rezaremos todos os dias antes de irmos dormir.
E assim passaram a fazer.
Os meses se passaram, o ano letivo iniciou e Vanessa também foi para a escola. E todos no
grupo escolar novamente acharam que ela era a mãe das meninas e ninguém desmentiu.
Ana até sentiu uma pontinha de orgulho ao escutar:
"A senhora tem filhos lindos! Duas meninas educadas e bonitas e dois garotos
maravilhosos!"
Os problemas continuavam os mesmos. A alimentação era pouca, às vezes não tinham leite
nem frutas. Ana temia que as crianças adoecessem, mas elas cresciam e cada vez ficavam
mais lindas, eram inteligentes. As meninas ensinavam muitas coisas aos irmãos, elas
falavam certo e estavam sempre corrigindo Rodrigo e Marcelo, que aprendiam rápido.
Gilberto estava, como sempre, agressivo, estúpido. Ainda bem, pensava Ana,.
35
que ele não agredia os filhos, mas esses o temiam, evitavarr ficar perto dele. Era um alívio
quando ele saía de casa.
Para intranqüilidade de Ana, ela notou que Gilberto estava
olhando muito para as meninas, principalmente para Lívia,
maiorzinha, com olhares de cobiça.
"Meu Deus! - pensou. - Que triste! Tomara que eu estejE
errada. Será que Gilberto seria capaz?"
Ficou muito atenta e resolveu não deixar as meninas a só
com ele.
Numa tarde de domingo, ele veio mais cedo para casa, conversou com todos bem-
humorado, virou para Ana e disse:
- Ana, vim mais cedo para ficar com as crianças para você
ir à missa.
- Obrigado, Gilberto, não quero ir à missa, não tenho roupa e me envergonho de ir mal
vestida!
- Então vá à casa de Délia, vá se distrair conversando com ela. Fico com as meninas e
você leva os meninos.
- Não - respondeu Ana com firmeza. - Já conversei com Délia e Antonia hoje.
- Que coisa! - Ele gritou exaltado. - Se queixa de que não sai, quando me ofereço para
ficar com as crianças você não aceita! Vai e pronto! Saia! Vá para qualquer lugar e leve seu
filhos. Cuido das meninas!
- As meninas não precisam de cuidados - respondeu ela. Não vou sair! Saia você, volte
ao bar que é melhor para todos
- Não me fale assim! Vou lhe bater! - Gritou Gilberto, ameaçador.
As crianças se aconchegaram com medo. Ana pensou: "Apanho, mas não o deixo sozinho
com as meninas"
Papai - pediu Livia -, por favor, não bata em Ana! Ela não
quer sair. Se ela sair, quero ir junto!
- Eu também! - Rogou Vanessa.
- Que família eu tenho! Que horror! Não mereço isso! Não sei por que não largo todos vocês
e sumo!
Saiu e todos suspiraram aliviados.
"Não posso viver assim - pensou Ana -' isso não é vida! asM o que posso fazer? Talvez eu
esteja julgando erradamente Gilberto, mas já escutei fatos de abusos entre pai e filhas e tenho
medo. Tenho de defender as meninas; são inocentes e já sofreram muito com a morte da
mãe!"
Ao ficar sabendo no outro dia que Gilberto foi visto com outra
se sentiu aliviada.
"Nos dará mais sossego! - Pensou. - Tomara que esqueça
das filhas"
36
Lívia era mais calada, estava sempre sonhando, desejando
ter coisas.
"Ah! - Dizia. - Se tivesse uma bicicleta! Uma boneca grande. Queria morar numa casa
com jardim, ter um cachorro".
Já Vanessa era pacífica, bondosa, tentava sempre confortar,
dar o que tinha para a irmã e para os irmãos.
No Natal as senhoras trouxeram presentes. Vanessa ganhou
uma boneca maior do que a de Lívia.
- Lívia - disse a menina -, gostei mais da sua boneca, quer trocá-la comigo?
Quero! - Respondeu Lívia depressa, pegando a boneca dela.
Ana as observava, não tinha como Vanessa ter gostado mais da boneca da irmã, a sua era
maior e mais bonita. Vanessa queria que a irmã ficasse contente com o presente e ficou
alegre com a felicidade de Lívia.
"Vanessa é especial - pensou Ana -, muito especial!"
Gilberto começou a reclamar demais, era do emprego, do
chefe, e ela ficou apreensiva quando ele comentou:
- Ana, que tal irmos embora para outra cidade, para uma maior?
- Não sei... - Murmurou Ana.
Mas ele nem prestou atenção no que ela disse e continuou a
falar, eufórico:
- Gostaria de comprar um automóvel!
- Automóvel? Mas isso é só para ricos! - Exclamou Ana, assustada.
- E para os espertos, não se esqueça. Vou aprender a dirigir um. Conheço um sujeito que
sabe, ele é chofer particular de um velho rico. Esse meu conhecido irá pegar o automóvel
escondido do seu patrão e irá nos ensinar, eu e meu amigo, no domingo.
- Escondido? - Perguntou Ana.
- Sim, e daí? Não tem nada demais nisso. Só pedi para que ele me ensine.
Ana tentou não dar importância, era, sem dúvida, mais uma brincadeira, um sonho dele. Só
que teve medo, se ele perdesse o emprego, se ficasse sem trabalho e mais tempo em casa a
situação pioraria muito. Esperava que essas idéias malucas passassem.
As meninas se arrumavam para ir à escola quando Ana escutou Lívia ralhar com Vanessa.
Aproximou-se devagar e se pôs
a escutar.
- Vanessa, já lhe falei para não dizer isso! Ninguém acredita que você vê mamãe. Dizem
que é sua imaginação. Você sonha
somente!
- Mas eu a vejo! - Exclamou a garotinha. - Você não acredita em mim?
37
- Acho que você não mente! Mas não sei... Mamãe está morta enterrada. Você não pode
vê-la!
- Posso e vejo - choramingou Vanessa.
- Vanessa - disse Ana interrompendo a conversa das duas -, você vê sua mãe?
As duas se assustaram, Vanessa não respondeu e Lívia a
defendeu:
- Não fique brava com ela, Ana. Vanessa é pequena e não sabe das coisas...
- Não vou ficar brava, Lívia - respondeu Ana. - Não tem motivo. Mas me conte,
Vanessa, você está vendo sua mãezinha?
O que ela fala para você?
- Ela fala sempre que nos ama. Para ter cuidado com papai, para ficar ao seu lado e que
ela cuidará de Rodrigo e Marcelo.
- Gosto de Aninha, a mãe de vocês - falou Ana, abraçando as duas. - Gosto mesmo.
Creio que se nós duas tivéssemos nos encontrado, seríamos amigas. Eu acredito em você,
Vanessa. Se sua mãe tem oportunidade lá no céu de vir ver vocês, ela o fará e tentará ajudá-
las. Ela sempre foi boa mãe e deve continuar sendo!
- Ela me disse que não está no céu - falou Vanessa, convic ta -, mas que mora num
lugar bonito e que trabalha.
Ana se lembrou do que seu pai lhe disse no hospital e sorriu.
- Bem, o que importa é que ela cuida de nós. Agora vão para a escola senão chegarão
atrasadas.
As duas saíram correndo e, em seguida, Rodrigo chamou
pela mãe, ele ainda estava deitado e disse:
- Mamãe, eu vi a tal da Aninha!
- Que Aninha? - Perguntou ela.
- A mãe da Livia e Vanessa, a tal que mora no céu.
- Viu? - Indagou Ana, assustada.
- Falei com ela num campo verdinho e bonito.
- Ah! - Suspirou Ana, aliviada. Você sonhou!
- Ela me disse que irá cuidar de mim e de Marcelo e que é para a gente não ficar com
medo. Ela nos amará como a senhora ama as meninas.
Rodrigo se distraiu e se pôs a brincar. Ana ficou pensativa.
"Engraçado! Por que será que Aninha disse à Vanessa que cuidará de Rodrigo e Marcelo e
meu filho sonhou com ela sobre isso? Será que Aninha vem mesmo ver as filhas? Ou ela
imagina tudo isso? Por que será que Rodrigo sonhou com ela sobre o mesmo assunto?"
Sem respostas às suas indagações, Ana se distraiu com o
trabalho, que era muito. Lembrou que fazia um ano e oito meses
que as meninas estavam com eles.
e
38
"Eu as amo quase tanto quanto amo Rodrigo e Marcelo - pensou. - é tão bom expandir o
amor!"
As vezes, uma delas a chamava de mãe, principalmente
Vanessa, que, ao escutar os meninos chamarem-na, também o
fazia. A primeira vez que a chamou de mãe, riram.
- Você chamou minha mãe de mamãe! - Disse Rodrigo, gargalhando.
- Não me importo - falou Ana -' se quiserem me chamar de mãe, podem fazer. Vocês
duas sabem, lá no fundo do coração, que sóu uma substituta e que Aninha sempre será a
mãezinha de vocês.
- Se a senhora passou a ser mãe delas, quero que Aninha seja a minha também. Quero
duas mães, como elas! - Exclamou
Rodrigo, se divertindo.
Eu também! - Falou Marcelo.
Riram de novo.
Ana pensou: "Criança tem cada uma! Rodrigo quer que Aninha seja a mãe dele também!"
Levou na brincadeira e esqueceu o fato.
Sem Gilberto em casa, com ele fora, até que a vida deles
não era ruim. Os cinco se queriam bem, riam por qualquer motivo e as risadas deles faziam
Ana rir. Ela os amava.
39
4
O Acidente
Gilberto chegou mais cedo, eram dezessete horas e as crianças estavam brincando na rua.
- Chegou mais cedo, Gilberto? - Indagou Ana. - O jantar não está pronto. Quer que
chame as crianças?
- Deixe-as brincar, preciso conversar com você, a sós. Ana, sente aqui um pouco e preste
atenção no que vou lhe falar. Vamos embora esta madrugada, iremos mudar de cidade.
Ana, espantada, não conseguiu falar nada, arregalou os olhos
e abriu a boca. Gilberto ficou uns instantes calado e depois falou
mais devagar.
- Ana, preste atenção, não é difícil entender. Vou começar pelo início. Recebi uma oferta
de trabalho numa cidade longe daqui. Oferta boa! Vou ganhar bem mais e trabalhar menos.
Coisa garantida! O meu futuro patrão é concorrente da fábrica onde trabalho, ou melhor,
trabalhei, porque saí há três dias. E nesse período que estive sem fazer nada, arrumei tudo.
Sou genial! Não lhe falei que estava aprendendo a dirigir? Pois bem, apren di. Com o
dinheiro que recebi do meu ex-patrão e um outro aí, comprei um automóvel muito bonito.
Decidi que iremos embora e amanhã de madrugada vamos partir.
- Mas assim, de repente? Temos poucas horas, tenho muito que fazer, eu... - Murmurou
Ana.
- Não tem nada! Eu já fiz tudo! Ana, não quero que resmungue. Obedeça e pronto! Não
posso estar alegre e entusiasmado
que você atrapalha.
- é que eu estou assustada.... - Disse Ana, apreensiva.
- Calma! Deixe eu lhe contar tudo e verá que iremos embora para melhor, bem melhor!
Sai do emprego, recebi o que tinha direito e enganei um tolo no jogo. Com o dinheiro
comprei um carro para pagar em duas vezes, uma parcela já paguei, a outra o sujeito nunca
verá. Também quem mandou ele me vender mais caro do que vale? Comprei, só que não
,pagarei o resto. - Gilberto riu e continuou a falar calmamente. - E por isso e por algo
mais que tenho de ir embora escondido.
- Que mais? O que você fez mais, Gilberto? - Perguntou Ana,
temerosa.
40
Gilberto, continuando a rir, respondeu cinicamente:
- Sou esperto! E muito! Trapaceei no jogo para ganhar de um tolo rico que mora numa
cidadezinha perto, ele vem nos finais de semana aqui para jogar. Como muitos ficaram
sabendo da minha trapaça, irão contar a ele e certamente o cara não irá gostar. Eu disse à
turma do bar que vou devolver o dinheiro. Mas não vou, vamos embora. Ana, fiz de
propósito, não paguei o aluguel da casa, devo três meses, conversei com o proprietário,
combinei com ele pagar tudo depois de amanhã, falei que ia receber um dinheiro e o dono
desta espelunca está esperando. Também vendi todos os nossos móveis, se é que podemos
chamar isto que temos de móveis, e o sujeito vem pegá-los amanhã cedo. Já recebi o
dinheiro.
- Gilberto, como pôde fazer isto? - Perguntou Ana, se esforçando para não chorar.
- Fiz isso tudo escondido de você, porque mulher é muito faladeira e ia contar para as
vizinhas e tudo ia dar errado. Estou de bom humor, alegre e aviso: não me aborreça e
obedeça! Vamos agir com maturidade, não fique com esta cara de espanto, faça tudo como
nos outros dias. Depois que colocarmos as crianças para dormir, arrumaremos tudo. Depois
da meia-noite todos por aqui estão dormindo, aí eu levo para o carro nossas roupas, depois
acordaremos as crianças e iremos embora. Ah, Ana, que gostoso,vamos de automóvel. Sim,
no carro que comprei. Irá ser uma viagem fenomenal!
Parou de falar. Gilberto estava feliz, ria, pegou na mão de Ana.
Ela estava nervosa, esforçando-se para entender; Atreveu-se a
perguntar
- Onde iremos morar nessa tal cidade? Vamos só com a nossa roupa?
- Não se preocupe - respondeu ele. - Já pensei em tudo. Lá ficaremos hospedados uns
dias no alojamento da fábrica, até acharmos uma casa para morar, e compraremos tudo de
que necessitarmos.
- Tenho meu trabalho - falou ela. - Não é melhor falar com o senhor Matias? Faz anos
que faço doces e salgados para ele.
- Ana, você se preocupa muito com os outros. Trabalhou para ele, recebeu e nada devem
um para o outro. Ou... - Riu.
- Que foi, Gilberto? O que você fez? Por que está rindo? - Quis Ana saber.
- Passei no bar do senhor Matias e pedi a ele um adiantamento. Ele me deu, é pouco,
aquele avarento me adiantou uns trocados. Queria estar perto para ver a cara daquele sovina
quan do souber que você o enganou.
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- Eu?! - Exclamou Ana, assustada.
- Não é você que trabalha para ele? Recebeu adiantado, só que não irá mais fazer os doces
e salgados. Bem, não importa; digamos, se isso lhe soar melhor, que fui eu a enganá-lo.
Mas ele irá pensar que foi você.
- Meu Deus! - Disse ela, indignada.
- Deus nos ajude! Porque tudo isso tem uma finalidade: me lhorarmos de vida. Mereço!
- As meninas estão na escola, precisam de transferência para continuar estudando - disse
Ana.
- Precisam! Por isso hoje à tarde fui à escola e peguei todos os papéis necessários. O que
você pensa, que não me preocupo com meus filhos? Já pensei em tudo, resolvi e dará certo,
é só você não atrapalhar. Agora faça o jantar, tome banho, dê banho nas crianças e não fale
nada a elas.
- Queria me despedir de minhas amigas... - Pediu ela.
- Está doida? Não vai nada. Não sairá de casa, ficarei aqui vigiando você. Quer estragar
tudo?
Não está certo sairmos fugidos...
Gilberto a olhou sério e falou, ameaçador:
- Ah, é? Se alguém souber dos meus planos estamos perdidos. O senhor Matias irá querer
o dinheiro que me adiantou, o dono do carro, o restante que lhe devo. E ainda tem mais,
pedi a vários amigos e vizinhos dinheiro emprestado e eles irão querer nos matar se
souberem que iremos embora, fugir.
- Fugir... - Balbuciou Ana.
- Ou ir embora sem nos despedir... Ajudo você, recolha as roupas, passe, vamos arrumar
tudo.
Ana, atordoada, se pôs a fazer o que ele mandou. Tremia, procurava raciocinar, coordenar
as idéias. Pensou aflita: "Meu Deus, o que faço? Fugir? Como Gilberto pôde fazer isso
tudo? O que irão pensar Délia e Antonia, amigas de tanto tempo? E o senhor Matias? E os
vizinhos para quem ele pediu dinheiro em prestado?"
Gilberto aproximou-se dela, levantou seu rosto com a mão,
obrigando-a a olhá-lo e, como que adivinhando seus pensamentos, falou:
- Ana, tenho sido mau esposo, mas prometo a você que mudarei. Vou ganhar mais e
cuidarei melhor de vocês. Lá não terei as más companhias, porque são esses meus amigos
que me levam para o mau caminho. E lhe prometo não ir a nenhum bar e ser um bom
esposo. Sabe, Ana, para todos somos casados. Seu nome parecido com o da falecida
ajudou. Meu futuro patrão acha que somos marido e mulher e que os quatro são
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nossos filhos. É assim que vai ser. Eu mudei, pode acreditar, e para melhor. Poderia ir
sozinho e deixar você e as crianças, mas não fiz.
- Seu patrão queria alguém casado e com família para esse tal emprego? - Perguntou ela.
- Como sabe? - Falou Gilberto, surpreso. - Isso está no contrato, mas não é por isso
que os estou levando. Amo você! E verdade! Você é boa, trabalhadeira e eu não ia deixar
meus filhos pequenos. Eles um dia se orgulharão do pai que têm. Ana, estou muito feliz!
Você deveria estar também. Já pensou se lhe deixo, se vou embora sozinho? O que faria
com todas essas dívidas? O que faria para viver? Seria expulsa desta casa e não teria nada
para levar, já que vendi tudo.
Ana sentiu uma forte dor de cabeça, tomou um comprimido. Chamou as crianças para que
elas fossem tomar banho, serviu o jantar e as colocou na cama. E se pôs devagar a arrumar
tudo que iriam levar. Gilberto até que a ajudou e ficou observando-a, vigiando-a o tempo
todo. Tinham poucas roupas e tudo doado pelas senhoras. Ao se lembrar delas, sentiu não
poder se despe dir, agradecer mais uma vez.
- Pronto! E isso que levaremos - disse Gilberto. - Daqui a pouco levo estes dois sacos
até o automóvel, ele está estacionado lá na avenida, não posso trazê-lo aqui, todos
escutariam o barulho. Volto e carregaremos os meninos, eu Rodrigo e você Marcelo, as
meninas irão andando. Pararemos antes de chegar a uma cidade e comprarei para vocês
algumas roupas. Ficarei envergonhado se chegarem lá vestidos com esses trapos.
- Lá onde Gilberto? - Indagou Ana. - Você ainda não me falou para onde iremos.
- Nem falarei. E longe daqui, chegaremos após quatro ou cinco dias de viagem. Ninguém
deve saber para não irem atrás
de nós. Vocês irão gostar, é uma cidade muito bonita.
Ana não falou mais nada. Passava da meia-noite quando Gilberto abriu a porta e,
certificando-se de que não tinha ninguém na rua, saiu com os dois sacos de roupas. Ana
pensou em escrever um bilhete para as amigas, mas desistiu. Délia e Antonia, conhecendo-a
bem, entenderiam, mas ficariam sentidas de qualquer jeito, com bilhete ou não.
"Meu Deus! Estou sendo conivente com Gilberto. Mas o que
posso fazer? Quem me ajudará depois de tudo o que ele fez?"
Talvez se ele tivesse dito antes ela teria mais tempo para pensar, achar um meio de evitar,
mas ele arrumou, planejou tudo de um jeito que ela não tinha escolha ou, naquele momento,
não achava outra maneira de agir, só restava acompanhá-lo nessa aventura.
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Gilberto retornou logo e ordenou:
- Acorde as meninas!
Ana foi até o quarto e sacudiu-as, chamando-as baixinho. Acordaram assustadas.
- Lívia e Vanessa, seu pai resolveu viajar e nos levar com ele. Vamos, levantem logo.
Ajudo vocês a trocarem de roupa.
Elas se levantaram sonolentas. Gilberto pegou Rodrigo e ela, Marcelo, e saíram de casa.
Lágrimas escorreram pelo rosto de Ana. Foram lágrimas de agonia, de incerteza, sentia por
ter deixado a casa, o bairro em que por anos viveu, onde deixava muitas amizades. Era
bem triste ter de sair daquele jeito, fugindo.
- Nossa!
- Que beleza! Exclamaram as meninas ao verem o automóvel. Gilberto sorriu:
- é lindo e meu! Vamos, meninas, nos acomodar para partir logo. Quanto mais depressa
melhor!
- Não estou entendendo! Por que estamos saindo assim, de noite, e parece que escondido?
- Indagou Lívia.
- Não pergunte nada, menina enxerida. Obedeça e pronto! - Respondeu o pai.
Ana e Gilberto acomodaram os quatro no banco de trás e
ele colocou o automóvel para funcionar. Exclamou alegre:
- Lá vamos nós com a ajuda de Deus!
- é melhor orar - lembrou Vanessa -, pedir a Deus que nos
oriente.
Oraram as três, ele ficou calado.
Foram até perto de uma estrada, mas ele manobrou o carro
voltaram.
- Pensei que íamos por ali - disse Ana.
- é isso que quero que pensem - respondeu ele. - Me envolvi com um pessoal
perigoso, trapaceei o chefão do pedaço. Se nos pegarem... Mas não se preocupe, estou
enganando-os direi tinho. Se alguém tiver nos visto, dará informações erradas.
Os meninos continuaram dormindo e as meninas, apesar da
novidade, acabaram por adormecer. Ele dirigiu por um tempo,
distanciaram-se alguns quilômetros da cidade.
- Vamos parar aqui até o dia clarear. Vou ver se consigo dormir. Tente descansar você
também.
Gilberto se acomodou no banco, fechou os olhos. Ana estava tensa, procurou relaxar, não
tinha sono, se pôs a orar, acalmou se um pouco, ficou muito tempo acordada. O luar
clareava a noite e ela podia ver que estavam à beira da estrada, debaixo de uma grande
árvore. Acabou dormindo, e acordou com ele a chamando.
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- Acorde! Já está amanhecendo. Olhe que bonito! Faz tempo que não vejo o nascer do
astro-rei! Acorde as crianças, aqui é um bom lugar para ser usado como banheiro. Tem até
um riacho perto, onde podemos lavar o rosto.
Ela os acordou. Foi uma festa para eles a novidade. Falavam todos juntos, indagavam,
encantados, nunca haviam entrado num automóvel. Admiraram o carro, era preto, bonito,
parecia novo. O pai, orgulhoso, explicava:
- E possante! Está bem conservado! Já foi de dois donos. Agora vamos nos alimentar.
Trouxe pães e frutas que comprei ontem. Vamos nos apressar, não quero atrasar a viagem,
quero me distanciar rapidamente desta cidade.
Gilberto se pôs a cantar, as crianças, alegres, cantaram junto. Ana estava atordoada.
"Sou comparsa dele. Meu Deus, o que faço?"
- Mãe! - Chamou Vanessa.
O pai interferiu:
- E isso, Vanessinha, de hoje em diante você e Lívia só devem chamar Ana de mãe. Na
outra cidade ninguém precisa
saber que a mãe de vocês era a outra. E...
- Não quero esquecer minha mãe - choramingou Lívia.
- Não precisa esquecer - falou Ana. - Aninha estará sempre conosco na lembrança, no
coração. Ela será a mãe de vocês, a
que mora lá no céu, e eu sou a que estará sempre com vocês.
- Bem, se é assim, tudo bem - concordou Lívia.
- Otimo - disse o pai. - Seremos uma família feliz, perfeita. Vocês vão ver, garotos,
que vida boa teremos.
A viagem estava sendo cansativa, ele só parou para comer
e abastecer o veículo, queria realmente se distanciar cada vez
mais. Só à noite pararam. Foi um alívio quando ele disse:
- Aqui é um bom lugar para pararmos. Vamos nos acomodar e tentar descansar. Amanhã
poderemos parar mais, comeremos em bares nas cidades em que pararmos.
- Não temos mais nada para comer - disse Ana.
- Queria tomar banho - falou Vanessa.
- Não dá, filha, amanhã talvez - respondeu o pai.
Ele estava alegre, paciente e carinhoso com todos. Acomodaram-se da melhor maneira
possível no automóvel, e as crianças dormiram logo.
"Ainda bem que está calor e o tempo limpo" - pensou Ana.
Tentou dormir, estava cansada, mas também com medo e preocupada. Atenta a todos os
barulhos, demorou para adormecer. No outro dia, logo que clareou, retomaram a viagem.
Logo chegaram a uma cidadezinha, pararam num bar, usaram o banheiro
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e se alimentaram. E assim foi mais um dia. No outro, cedo, Gil berto falou, entusiasmado:
- Vamos parar nesta cidade que é maior, procurar uma loja e comprar duas trocas de
roupa para todos vocês. Não quero chegar com a família mal vestida. Quero-os bonitos!
Pararam numa loja e compraram calçados e roupas para
todos, mas não se trocaram. Perto de chegar procurariam um
lugar para tomar banho e se trocar.
- Pelos meus cálculos falta muito chão para percorrermos - falou Gilberto.
- Como é longe essa cidade! Estou cansada! - Resmungou
Lívia.
- Não reclame! Vocês estão se divertindo. Essa cidade é longe sim, mas é acolhedora e
todos nós iremos gostar dela.
A rodovia agora era mais movimentada e poeirenta. Estavam cansados, sujos, as crianças
começaram a brigar, a resmungar. Subiram uma serra, a estrada contornava a montanha.
- Que lugar lindo! - Ana exclamou.
Um homem fez sinal para que parassem e explicou:
- Senhor, por favor, estamos consertando a rodovia, terá de esperar para atravessar. Pare
aqui, logo formará fila e assim que
for liberado o senhor passará.
- Serei o primeiro - respondeu Gilberto. - Irá demorar?
- Creio que uns quarenta e cinco minutos. Uma barreira caiu sobre a pista e estamos
consertando. Será liberado primeiro do que os que estão do outro lado, porque o caminho
está estreito e só poderá passar um veículo de cada vez.
Gilberto estacionou o carro no local que o moço indicou.
Desceram do automóvel, olharam o lugar.
Encantaram-se com a paisagem. Ele foi até o local do conserto e voltou comentando:
- Há muitos homens trabalhando, foi um deslizamento grande, caiu muita terra na pista
- Estamos perto de um precipício - comentou Ana. - Uns cinco passos para trás tem
um buraco enorme e com muitas
pedras.
- Não deixe as crianças se aproximarem - pediu ele. As crianças queriam ir ao banheiro
e Gilberto levou os me ninos perto de umas árvores. As meninas queriam ir também,
mas, como havia muitos homens por ali, ele recomendou:
- Ana, vá até ali, há uma casa onde eles vendem quitutes e lá poderão usar o banheiro.
Leve as meninas.
Havia uns sete veículos esperando. Gilberto entrou no carro
com os meninos e ela foi com as garotas no local indicado. Uma
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senhora as atendeu sorrindo e as levou ao banheiro. Após agradecer, saíram, e então
escutaram barulho e gritos, assustaram- se. Ana sentiu um tremor, um pressentimento ruim,
uma aflição, gritou, pegou na mão das meninas e correram. Parou perto dos carros. Olhou
assustada, trêmula, o deles não estava lá. As pes soas olhavam para o precipício.
As meninas tremiam. Ana ficou parada, sem coragem de se aproximar mais, não conseguia
falar. Um homem, ajudado por outros, subiu. Ele descera pelas pedras para ver o que
acontecera com os acidentados. Suspirou limpando as mãos e falou:
- Que desgraça! Três mortos!
Ana largou a mão das meninas, aproximou-se. O homem a
olhou, penalizado.
Um acidente! O automóvel caiu no precipício e...
Ana deu um grito roco, sentiu uma dor que pareceu arre bentá-la toda, tudo lhe parecia
rodar, foi amparada, desmaiou.
Voltou a si com a senhora que antes conversara esfregando- lhe um líquido gelado no
pulso. Estava deitada numa cama e as
meninas ao seu lado a olhando assustadas, caladas e aflitas.
- O que aconteceu? - Indagou ela.
Ninguém lhe respondeu. Olhou para o homem que vira subir
o barranco.
- Estão mortos? Os três? Por favor... - Rogou ela com a voz enfraquecida, querendo que
fosse tudo um pesadelo.
- Sim, senhora - respondeu o homem, sério e com muito dó.
- A senhora quer vê-los? Tiramos os três de lá, estão à beira da estrada.
- Vou - respondeu ela se levantando. - Vocês, meninas, ficam aqui, volto logo.
Caminhou com dificuldade. Foi com o homem até o local onde minutos antes estavam
parados. Não havia mais carros. Viu os três corpos cobertos com lençóis. O homem
levantou uma ponta, viu o bracinho de Rodrigo sujo de sangue.
- Por favor! - Pediu ela. - Não quero vê-los, não consigo. O senhor tem certeza de que
estão mortos mesmo?
- E melhor a senhora não ver mesmo. Esteve tempo desmaia da. O automóvel se
estraçalhou. Os três morreram na hora. Não sofreram! O pegamos lá de baixo com tudo que
nos foi possível, os sacos de roupas levei-os para minha casa. Toma, aqui está a carteira do
seu marido. A senhora vai ter de decidir como faremos para enterrá-los.
- A polícia! - Conseguiu ela balbuciar.
- Por aqui não há delegacia e por isso a polícia demora muito a chegar. Não podemos
deixar os corpos lá no chão. Se a senhora quiser, me dê algum dinheiro, que vou enterrá-
los.
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- Quanto você acha que isso vai custar? - Perguntou, ainda confusa.
O homem falou a quantia. Era todo o dinheiro que ela tinha na carteira, era pouco, mas tudo
o que lhe restava.
- Tome! Por favor, me faça esta caridade, enterre-os por mim, não tenho condições de
resolver esse assunto.
- Eu cuido de tudo para a senhora. Vou enterrá-los juntos, já que morreram unidos. E
melhor não vê-los, estão desfigurados.
Volte para minha casa, fique lá até que resolva o que fazer.
Ana voltou andando devagar, as pernas pareciam pesadas, não conseguia raciocinar, se
esforçava para compreender o que ocorria. Não chorou, porém sentia uma dor tão forte que
não era possível descrevê-la. Ao chegar a casa, a senhora ofereceu uma cadeira, ela sentou-
se no canto da sala, ficou parada, quieta, alheia. Lívia e Vanessa ficaram ao lado dela,
assustadas e te merosas.
- Venham jantar - disse a dona da casa. - Arrumei o quarto e vocês poderão dormir
esta noite aqui.
Ana sentou-se à mesa e tomou umas colheradas de sopa
junto com as meninas.
O homem, o dono da casa, chegou.
- Pronto, senhora, enterrei os três juntos no cemitério do povoado. O padre os abençoou.
Esta estrada está fazendo vítimas.
- Obrigada! Deus lhe pague! - Ana balbuciou baixinho.
- Eles morreram mesmo! - Exclamou Lívia.
- Sim, menina - respondeu o homem -, seu pai e seus irmãos morreram.
Elas choraram, Ana as abraçou e beijou. Foram para o quarto, deitaram juntinhas, as
meninas logo dormiram. Ana teve um sono tumultuado, acordava sobressaltada toda hora.
Foi de madrugada, ao escutar os donos da casa se levantarem, que pare ce que saiu do
torpor e se lembrou de tudo.
- Meu Deus! - Exclamou e chorou.
Que dor cruciante sentimos com a separação causada pela morte do corpo físico de pessoas
que amamos! Ela é muito profunda, talvez a pior que existe. Sentiu mais pelos dois filhos,
achou que se chorasse todas as lágrimas que tinha não melhoraria, por nada se sentiria
consolada.
As meninas acordaram e choraram junto com ela.
A senhora bateu na porta do quarto e chamou-as:
- Levantem, tomem café, banho. A senhora poderá lavar as roupas que estão sujas. Se
sentirá melhor fazendo algo.
- Obrigada, senhora - respondeu Ana. - Está sendo muito boa conosco. Deus lhe
pague. Como se chama?
- Não precisa agradecer. Me chamo Vicentina.
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Elas se levantaram, tomaram o café oferecido. Ana observou a casa: era pobre, tinha dois
quartos, sala e cozinha. O casal tinha cinco filhos, todos pequenos. Depois foi separar as
roupas, as delas para lavar, as de Gilberto e dos meninos deixou num saco. Vicentina estava
observando-a, e Ana então lhe disse:
- Se quiser ficar com estas, umas são novas, nem foram
usadas.
- Não gosto de roupas de defunto - respondeu a dona da casa. - Pode deixar aí, darei
aos pobres do povoado.
Tomaram um banho, se sentiram melhor. Ela lavou as roupas, fez o que Vicentina lhe
mandou, estava apática e cansada. Passou o dia quieta e à noite dormiram novamente no
mesmo quarto. Pela manhã as meninas foram brincar com as outras crianças. O dono da
casa aproximou-se dela.
- Dona Ana, o que a senhora pretende fazer? Quer avisar alguém do falecimento de seu
esposo e filhos? Vai continuar a
viagem?
- Como eles morreram? - Indagou ela, triste.
- Quando a estrada foi liberada, seu marido era o primeiro da fila, mas o sujeito que
organizava a travessia deixou um se nhor rico passar na frente. Seu marido parecia nervoso,
xingou e tentou impedir que lhe tomassem a dianteira. Como os carros estavam próximos,
ele deu ré para se distanciar e assim pegar maior velocidade e impedir o outro de seguir na
sua frente. Não sei se ele não sabia dirigir direito ou não calculou a distância do buraco, o
fato é que ele não conseguiu parar a ré e caíram.
Ela escutou calada e pensou: "Foi imprudência de Gilberto,
deve ter achado desaforo alguém ter passado à sua frente, morreu por isso e matou meus
dois filhos"
- Dona Ana - disse Vicentina -, não me leve a mal, mas a senhora precisa decidir para
onde irá. Não podemos hospedá las por mais tempo. A casa é pequena, o quarto que
ocupam é dos meus filhos, somos pobres e...
- Entendo, Vincentina, agradeço de coração a generosidade de vocês. Estou confusa, foi
tudo inesperado, não sei o que farei.
Não tenho dinheiro para voltar e...
Estava realmente confusa, não sabia para onde estavam indo. Estavam longe de sua ex-
casa, mas também como voltar para lá depois do que Gilberto fez? Ao vê-la indecisa, o
dono da casa disse:
- Se a senhora arrumasse um emprego para se sustentarem, poderia juntar dinheiro para
voltar para a cidade de vocês. Lá do outro lado da serra, na beira da estrada, há um
restaurante que está precisando de empregados.
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- Será que conseguirei o emprego? - Perguntou ela, esperançosa
- Se Deus quiser irá conseguir. Deve ir amanhã mesmo - falou ele.
-Acho uma boa idéia. O senhor Lauro, que mora logo ali, irá para lá amanhã de charrete,
poderá levar vocês três. Vou conversar com ele. Amanhã, logo cedo, irão embora -
expressou Vicentina.
Ana os olhou agradecida. Compreendia-os, já haviam feito
muito dando-lhes abrigo sem sequer conhecê-las. Não poderiam
ficar mais. Chorou, teve medo. Até que Gilberto lhe fazia falta.
- Não chore, dona Ana - disse Vicentina consolando-a. - Sei que deve estar sendo
difícil, perdeu o marido e os dois filhos,
mas ficaram as garotas e elas precisam muito da senhora.
Sim, é verdade, pensou Ana, as meninas necessitavam dela
e ela só tinha Lívia e Vanessa.
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O Restaurante da Beira da Estrada
Ana arrumou toda a roupa e logo após o jantar foram se dei tar. Ela demorou para
adormecer, ficou pensando em tudo que lhe aconteceu. Não tinha dinheiro nem para tomar
um café, só possuía aquelas poucas roupas que estavam nos sacos. O carro se estraçalhou e
ela deixou que seu hospitaleiro, caso conse guisse vender alguma peça, ficasse com o
dinheiro. Sentiu medo, seu futuro parecia um grande desconhecido e temia muito a in
certeza. Não tinha nem como fazer planos. Rogou a Deus para que conseguisse arrumar um
emprego. Acabou por dormir, acordou cedo e pôs-se a se arrumar para irem embora.
Tomaram o café.
- Dona Ana, o senhor Lauro chegou - avisou Vicentina.
Despediram-se do casal, das crianças, agradecendo-lhes com sinceridade. Acomodaram-se
na charrete e o senhor Lauro,
um homem já idoso, foi conversando com as meninas.
- Ainda bem que só teremos de descer a serra. Coitado do cavalo se tivesse de subir -
disse Lívia.
- Ele está acostumado, trato bem dele, é meu companheiro de jornada. Na volta, à tarde, é
só subida, mas andamos deva gar. Vou lá buscar mercadorias para o pessoal que mora no
alto da serra. E meu trabalho!
Ana falou pouco, olhou triste para a paisagem, lembrou que a admirou logo que começaram
a subir a serra, dias antes. Lembrou do rostinho dos meninos, sorridentes, sentiu um aperto
no coração, mas se esforçou para não chorar. Estava preocupada, se não arrumasse
emprego, onde dormiriam, como iriam se ali mentar? Não queria esmolar, esperava não ter
de fazer isso.
Faltavam poucos minutos para as onze horas quando
chegaram.
- E aqui! - Disse o senhor Lauro. - Vou apresentar a senhora para o proprietário, mas
antes vou conversar com ele. Se Deus
quiser arrumará o emprego.
As três observaram o local. Era uma construção nova, grande, um posto para abastecer os
veículos, um alojamento que era
dividido em vários quartos, um bar e um restaurante. Elas
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desceram da charrete, ficaram juntinhas, quietas com os dois sacos de roupas aos pés. Ana
suspirou.
"Meu Deus! Que situação! Pai, nos ajude!"
- A vaga ainda não foi preenchida, dona Ana - surgiu falan do o senhor Lauro. -
Venha!
Ela o acompanhou, entraram num escritório ao lado do posto
e um senhor a olhou atentamente.
- Quer o emprego? - Perguntou, mas não esperou pela res posta e continuou falando: -
Aqui tem muito trabalho e o empregado tem de fazer o serviço direito. Está disposta?
- Sim, senhor - respondeu ela encabulada.
- O senhor Lauro me disse que tem duas filhas. Terá comida para vocês três e um quarto
lá nos fundos. Quer olhar o quarto antes de aceitar o emprego? - Perguntou ele, depois de
informar qual seria o salário de Ana.
- Não, senhor, preciso muito trabalhar, aceito!
- Pois então começa agora. Vou mandar um empregado acompanhá-la até o quarto, servir
o almoço e você irá já para o restaurante e iniciará o trabalho. Aviso-a, se não fizer o
serviço direito, será mandada embora.
- Sim, senhor - respondeu ela.
Um homem mal-encarado veio para levá-las ao quarto.
- Chamo Cecílio, acompanhem-me. Os quartos dos empregados ficam lá nos fundos.
As três o acompanharam, os fundos que ele disse era um
galpão com várias portas atrás do restaurante.
- E aqui!
Pegou uma chave e deu para Ana, que abriu a porta. O quarto
tinha um armário pequeno, uma cama de solteiro, uma mesinha
e duas cadeiras
- O banheiro é ali, são dois para todos os empregados. Mas são só sete os que dormem
aqui. Troque de roupa, dona Ana, e
vá para o restaurante - disse Cecílio.
- Sim, obrigada - Ana agradeceu.
Entraram e fecharam a porta.
- Bem - disse Ana -' é aqui que moraremos por uns tempos.
- E bem ruim, vamos dormir as três na mesma cama! - La mentou Lívia.
- E só por um tempo, Lívia - disse Vanessa. - Daremos um
jeito.
- Vou trocar de roupa e ir trabalhar. Vocês duas fiquem juntas. Limpem aqui e coloquem
as roupas no armário.
- Pode deixar, mamãe - disse Vanessa. - Vi um tanque lá fora, lavaremos as roupas e
limparemos tudo.
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Bateram na porta, Lívia abriu, era o senhor Cecílio com uma travessa.
- E o almoço das duas, a senhora almoçará lá.
- Sim, obrigada! - Respondeu Ana.
O almoço estava numa travessa com um prato servindo de tampa e duas colheres. A comida
era simples. Ana abraçou as
meninas e disse:
- Repartam, uma usa o prato e a outra a travessa, depois lavem tudo e levem ao
restaurante.
Trocou de roupa, saiu rápido e foi trabalhar. Ao chegar no
restaurante foi abordada por uma mulher.
- Você é a nova empregada? Ainda bem, estava difícil sem ajudante. Lave toda esta louça.
Me chamo Ofélia, me pergunte se tiver dúvida. Você já almoçou? Não! Sirva-se ali e coma
antes de começar a lavar a louça. Mas ande rápido, preciso logo destes pratos.
Ana percebeu que havia realmente muito serviço e tratou de
fazer tudo rápido e bem-feito. Já eram quase cinco horas quan do Ofélia lhe disse:
- Gostei do seu modo de trabalhar, espero que continue as sim. Vou fazer o prato do jantar
de suas filhas, você pode ir lá levar, mas volte, aí jantará e hoje ficará até às vinte horas.
Seu horário é das sete da manhã até a noite. Terá folga duas vezes ao mês. Tem que nos
compensar, você tem as meninas que ficarão com você no quarto e estamos dando
alimentos para elas também. Pela manhã elas poderão vir aqui tomar café.
- Sim, senhora - respondeu Ana.
"Meu Deus, que emprego arrumei! Mas não posso reclamar!
As meninas estão comigo, pelo menos temos o que comer e
onde dormir."
Ela levou o jantar.
- Veja, mamãe, limpamos todo o quarto, ficou tudo limpo, lavamos as roupas, só que não
temos como passá-las. Mas não
faz mal, vamos alisá-las com as mãos - disse Vanessa.
- Trouxe o jantar, tenho de voltar. Vocês fiquem aqui trancadas, não abram a porta para
ninguém, chamo quando voltar
e espero que seja logo.
Ana voltou ao trabalho. Eram vinte horas quando Ofélia a
deixou ir. Tinha pouca claridade no alojamento dos empregados. Ana as chamou. Lívia
abriu a porta e disse:
- Mamãe, o senhor Cecílio veio aqui, bateu na porta, abri só um pouquinho, não o
convidei para entrar, ele queria saber se
estávamos bem. Vanessa ficou com medo e eu também.
- E melhor só abrir para mim. Respondam quando baterem sem abrir a porta
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- Está cansada? - Perguntou Livia.
- Sim, estou, o trabalho é muito. Vou tomar banho.
- Lívia e eu tomamos juntas - disse Vanessa.
Ana foi tomar banho e voltou logo.
- Vou me deitar, estou cansada - disse ela. - A cama é pequena, vamos nos organizar.
Eu e Vanessa desse lado e Lívia do
outro.
- Mãe, temos mesmo que ficar aqui? Não gosto desse lugar. Vanessa e eu iremos ficar sós
nesse quarto? Poderemos estudar?
- Perguntou Lívia.
- Livia e Vanessa, estou tão confusa quanto vocês. Deixamos a cidade onde morávamos,
saímos fugidos, nos distanciamos bastante e não temos como voltar, porque não temos
dinheiro. Nem como ir para a tal cidade que seu pai não falou onde era. Mas por que ir para
lá? O emprego era para ele. Voltar? Como seríamos recebidas depois do que Gilberto fez?
Aqui vou ganhar muito pouco, mas estamos juntas, temos onde ficar e alimentos. Vou
procurar outro emprego assim que receber o primeiro salário.
- Não quero voltar para a cidade onde morávamos - disse Lívia. - A senhora tem razão,
se papai saiu fugido deve ter aprontado mais coisas que não nos falou. Depois, se nossa tia
descobrir que papai morreu, ela nos tirará da senhora e eu não quero.
- Nem eu, mamãe! Quero ficar com a senhora - disse
Vanessa.
- Aqui ninguém nos conhece e todos julgam que sou a mãe de vocês. Vamos fazer um
trato: não falar a verdade para ninguém.
- A senhora tem razão - disse Lívia. - Isso será segredo nosso. Eu juro que nunca irei
falar.
- Também juro, a senhora é nossa mãe! - Exclamou Vanessa.
- Promessa é promessa, que a verdade nunca seja dita -
falou Ana.
Os dias passaram, sempre com muito trabalho. Ana começava às sete horas da manhã e
não tinha hora para sair. As me ninas iam ao banheiro juntas, limpavam o quarto, lavavam
roupa e ficavam a maior parte do tempo presas no quarto. Elas tinham medo, ali passavam
muitas pessoas estranhas e os próprios empregados eram mal-encarados. Só se afastavam
do alojamento para tomar café da manhã, iam com Ana ao restauran te e por ali ficavam
um pouquinho, paradas na porta, olhando o movimento.
Dormiam mal, apertadas. Ana às vezes tinha até dores no corpo, de tão cansada. Com tanto
trabalho e problemas, passava o dia sem muitas lembranças. Mas à noite, a saudade era
mais forte. Ficava recordando os meninos, imaginava-os dormindo
54
ao seu lado, lembrava de cada detalhe de seus rostinhos lindos e amados. As vezes chorava;
outras, para não incomodar mais ainda as meninas, se esforçava para não fazê-lo. A dor que
sentia era cruciante.
Livia às vezes reclamava, mas Vanessa estava sempre animando:
- Mamãe, no inverno teremos de comprar um cobertor - disse Lívia.
- Temos de comprar muitas coisas - respondeu Ana.
Ana indagou aos colegas de trabalho o que teria de fazer
para as meninas irem para a escola.
- Aqui - respondeu Ofélia - não se tem este luxo. Ninguém estuda. A escola fica na
cidade, é longe para ir a pé e não tem
como ir de outro modo.
Elas estavam temerosas. Ana trabalhava preocupada e as meninas só saíam do quarto para
ir com ela tomar o café da manhã, para irem ao banheiro e lavar roupa. Coitadas, só fica
vam trancadas num espaço pequeno sem ter nada que fazer. Estavam tristes e sofridas.
Quando Ana recebeu seu primeiro ordenado, ela teve de dar
uma parte para o senhor Cecilio, porque ele aproximou-se dela
e falou:
- Dona Ana, aqui é perigoso para duas meninas tão bonitas. Sabe como é, os homens as
cobiçam. Eu posso olhá-las, já que
sou guarda, mas preciso ser pago para isso.
Ela entendeu que o maior perigo era ele e lhe deu o dinheiro.
Com o resto comprou o que mais precisavam e ainda guardou
um pouquinho.
As folgas a que Ana tinha direito estavam sendo adiadas e
ela trabalhava todos os dias. No terceiro mês, após receber, avisou Ofélia:
- Tenho de sair amanhã. Vou à cidade com as meninas.
- Está bem - concordou Ofélia, mal-humorada.
Logo cedo, lá foram as três para a cidade. De fato, ficava distante e tiveram de andar muito.
O município era pequeno. Foram à escola, havia vagas e as meninas poderiam ser matri
culadas. Sentaram-se numa pracinha para conversar.
- Foi fácil na escola, é só se matricular e vir, mas como? Estamos tão longe! Não será
perigoso nós duas caminharmos
de lá até aqui? - Indagou Lívia.
- Não sei se agüentarei andar tanto - disse Vanessa.
-Tenho uma idéia! - Exclamou Ana. -Talvez possamos morar aqui. Vou procurar um
emprego na cidade.
55
E o fez a manhã toda. Indagou, foi a todos os lugares indicados. Nada conseguiu. Ninguém
tinha emprego para uma mulher
com duas filhas.
- Mamãe, estou cansada e com fome. Ninguém quer dar emprego à senhora por nossa
causa. Se fosse sozinha já teria
arrumado - disse Vanessa.
- Não fale isso, Vanessa, não sou sozinha, tenho vocês. Vamos voltar para o restaurante,
não vou desanimar. Nas minhas
outras folgas insistirei em procurar.
Voltaram caladas. Para ir à cidade, colocaram as melhores
roupas e se arrumaram. Ao chegarem, Ofélia gritou para Ana:
- Venha rápido aqui, temos um problema!
Ela deu a chave para as meninas e foi para o restaurante.
- Ana - disse Ofélia -, José, o garçom, levou um tombo, tiveram de levá-lo ao médico.
Me ajude a servir as mesas.
Ela se pôs a trabalhar.
- Ana - senhor Cecílio a chamou em tom baixo para um canto. - Tenho uma proposta a
lhe fazer. Está vendo aquele se nhor? Aquele que está naquela mesa no centro? E o senhor
Gustavo, um cliente rico que às vezes pára aqui. Ele gostou de você, quer que vá ao quarto
para um encontro.
- Eu não vou... - Balbuciou ela, e o senhor Cecílio não a deixou terminar.
- Ele lhe ofereceu uma boa quantia para que se encontre com ele. Não recuse, mulher, são
vários meses de ordenado seu. Poderá comprar cobertores, cadernos, algo para as meninas
se distraírem e elas não irão saber.
- Está ganhando por isso, senhor Cecílio?
- Estou, recebi uma gorjeta e se você aceitar ganharei outra. Deve ir a esse encontro
também por mim, afinal, tem alguns homens mal-intencionados, você trabalha, elas ficam
sozinhas, pode acontecer de eu não ver e aí... Mas se aceitar, redobro a vigilância, ninguém
mexerá com suas filhas.
Ela sentiu uma tristeza que lhe doeu no peito. Repetiu baixinho a quantia oferecida. Era
tentadora. Com esse dinheiro poderia alugar um quarto na cidade, colocar as meninas na
escola e arrumar outro emprego por lá
- Está bem - murmurou.
- Otimo - disse senhor Cecílio, alegre. Falou algo para Ofélia aproximou-se de Ana
novamente.
- Tudo bem, Ofélia dispensou-a. O senhor Gustavo ficará no quarto três, ele já está indo e
você deverá ir logo após.
Ana foi até o banheiro, lavou o rosto, que parecia brasa.
Segurou-se para não chorar.
56
"O que faço, Meu Deus?"
Não queria pensar, respirou fundo e saiu do restaurante rumo aos quartos da frente, os
melhores que havia. Caminhou como se fosse para a morte, bateu e entrou no quarto.
- Entre, Ana - disse o senhor Gustavo gentilmente.
Depois ele lhe deu o dinheiro.
- Aqui está o que combinei. Você não está acostumada a isso, não é?
- Não, senhor - respondeu ela. - Não sou mulher de encontros. Eu... preciso...
- Desculpe-me! - Pediu ele. - Pode ir!
Ela saiu quase a correr e foi para o quarto. Não falou nada para as meninas, guardou o
dinheiro. No outro dia, disse a Ofélia:
- Vou precisar do meu dia de folga, preciso ir à cidade.
- Vá na quarta-feira - respondeu ela.
Perguntou às colegas onde poderia alugar um cômodo ou uma casinha pequena na cidade.
- Não é difícil - respondeu uma delas -, mas terá de com prar pelo menos o essencial
para poder se mudar: fogão, panelas, camas. Terá de fazer mais uns programas.
Ela não respondeu, compreendeu que a colega tinha razão, só o quarto alugado não
resolveria, tinha de ter pelo menos al guns móveis. E se envergonhou, até sentiu estar
vermelha, todos sabiam do seu encontro. Retornou ao trabalho.
Na quarta-feira foram à cidade. Viu um quartinho para alugar com banheiro, nos fundos de
uma casa, num lugar bom. Mas o dinheiro que tinha não dava para comprar os objetos de
que necessitaria para ir morar nele. Compraram cobertores, pois já estava esfriando e logo
seria inverno, roupas de cama, banho, alguns cadernos, lápis, algumas balas para agradar as
meninas e mais alguns objetos de que estavam precisando. Tomaram um lanche e voltaram
alegres para o restaurante.
Dias depois, num sábado, Vanessa, ao acordar, falou:
- Mamãe Ana, vi minha mãe, a Aninha. Ela me disse que é para você aceitar o que lhe
será oferecido e repetiu duas vezes.
- O que será, mamãe? - Indagou Lívia. - O que será que tem
de aceitar? Bem que poderia ser um emprego melhor.
- Será que dará para mudarmos para a cidade? - Perguntou Vanessa.
- Vou fazer de tudo para isto. Tudo...
Ana respondeu e pensou: "Será que precisarei ter outros encontros? Mas que farei para ter
dinheiro? Como deixar por mais tempo as meninas trancadas neste quarto?" Suspirou ,
olhou para elas com carinho e falou:
57
- Fazia tempo que Aninha não aparecia para você. Temos passado tantas dificuldades!
- Mamãe, a senhora lembra que Rodrigo disse que minha mãe ia ser a mãe dele também?
Acho que assinhora como a senho ra cuida de nós, mamãe também cuida deles - falou Lívia.
- Tenho certeza de que acontece isso - afirmou Vanessa.
- Sinto tanta falta dos meus filhos! - Choramingou Ana. - Que saudades! Agora
entendo muita coisa que antes não entendia. Quando os meninos ficaram doentes no
hospital, sonhei com minha mãe e ela me disse que não iria perdê-los daquela vez. Rodrigo
também sonhou com Aninha, que lhe falou que eles iriam morar com ela. Como também
sua mãe disse a você, Vanessa, que iria cuidar deles. E aconteceu, eles morreram e Aninha
deve estar cuidando deles com todo o carinho.
- Como você cuida de nós! Trabalha muito, se preocupa conosco. Se estivesse sozinha, ia
ser melhor para a senhora - falou Vanessa.
- Já lhe pedi para não falar mais assim. Vocês são tudo que tenho, fico triste por não ter
como lhes dar nada melhor. Mas,
paciência, vou conseguir. Vocês voltarão a estudar!
- Se mamãe Aninha disse que é para aceitar o que lhe será oferecido é porque acontecerá
alguma coisa boa - falou Lívia.
- Vamos para o restaurante tomar café, não quero me atrasar.
Logo após o almoço, o senhor Cecílio aproximou-se dela e
falou:
- O senhor Gustavo está lhe esperando no banco, embaixo da grande árvore. Vá logo!
Ana estava suja, com roupas velhas, cabelos desarrumados. Pensou em se arrumar um
pouquinho, mas não o fez, foi rapidamente para o local indicado. A grande árvore ficava do
lado direito do posto e um banco de cimento a rodeava. Viu o senhor Gustavo sentado. Ele
se levantou educadamente quando ela chegou.
- Boa tarde, Ana! Como está?
Sentaram-se, ela torcia o avental, respondeu timidamente:
- Bem, e o senhor?
- Não me chame de senhor, mas sim de Gustavo. Ana, vou direto ao assunto. Tenho uma
chácara não muito longe daqui,
perto da cidade, e quero convidá-la para ir morar lá.
Fez uma pausa, olharam-se por um instante, ele continuou:
- Sou casado, tenho três filhos moços. Minha esposa e eu moramos na mesma casa, mas
estamos separados há muito tempo. Não nos damos bem, sempre tive aventuras. Gostei de
você, por isso a estou convidando. Poderemos tentar; se der certo,
seremos
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felizes. Desculpe-me, mas sou objetivo, não é minha intenção ofendê-la nem
enganá-la.
- Tenho duas filhas - falou ela baixinho.
- Sei disso, desculpe-me novamente, mas procurei saber de você. Se aceitar, poderá levar
suas filhas, não é minha intenção separá-las. Creio que irão gostar da chácara, ela é grande,
boni ta, a casa é espaçosa e suas filhas não necessitam ficar presas, não há perigo por lá.
Então, o que resolve?
Ana abaixou a cabeça e procurou coordenar os pensamentos.
"Aceite!"
Foi um sussurro, sentiu como se alguém colocasse a mão no seu ombro e lhe falasse no
ouvido. Virou-se, não viu nada. Olhou para Gustavo, ele estava calmo, também abaixou a
cabeça esperando a resposta. Lembrou-se do que Vanessa lhe falara de manhã. Aninha lhe
pedira para aceitar. Suspirou e pensou:
"Amante novamente!"
Com seu suspiro, Gustavo a olhou e sorriu, ela o analisou:
Cabelos escuros, mas já grisalhos, sorriso franco, dentes perfei tos e os olhos castanhos,
olhar sincero e bondoso. Se realmente podemos conhecer alguém pelo olhar, Gustavo
deveria ser sin cero, bom e leal. Não o deixou esperando pela resposta. Seria difícil ir para
um lugar pior do que era ali e, se Aninha achava que ela deveria aceitar, o faria.
- Aceito, vou com você, só que... não queria que tivesse má impressão de mim.
- Compreendo-a - disse ele - você aceitou por não ter alterna tiva melhor. Mas não se
arrependerá. Vá agora até o seu quarto, arrume tudo o que é de vocês, estarei esperando-as
aqui. Vou acer tar sua demissão com o proprietário.
Ela se levantou e rumou para o quarto. Ainda estava indecisa,
teve medo. Lívia abriu a porta assustada.
- Aconteceu alguma coisa, mãe?
- Sim, Vanessa tinha razão quando me avisou que eu receberia uma proposta e, como
recomendou, aceitei: vamos pegar
o que é nosso para irmos embora daqui.
- Para onde? - Quis saber Lívia.
- Para uma chácara. Dias atrás conheci um homem, Gustavo, e ele hoje veio nos convidar
para morar na chácara de sua pro priedade. Me ajudem, vamos trocar de roupa, colocar as
sujas e as molhadas num saco e as limpas no outro. Vamos logo que ele está nos esperando.
- Mamãe, a senhora falou a ele que não é nossa mãe de verdade? - Indagou Lívia.
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- Claro que não! Nunca diremos, prometemos! Ele sabe de vocês, nunca iria a um lugar a
que não pudesse levá-las.
- Irá como empregada? - Perguntou Vanessa, que até aque le momento estava
observando calada.
Ana preferiu dizer a verdade. As meninas, embora com pou ca idade, já haviam visto
muitos acontecimentos ali, naqueles quartos ao lado, que serviam de encontro para muitos
casais. Ela teve de explicar a elas muitas coisas, principalmente para se defender.
- Não, minha filha, não vou como empregada. Ele é um homem casado, não combina
com a esposa, mas parece ser boa pessoa, me quer como mulher e... Bem, vou tentar,
dificilmente será pior que aqui. Se não der certo, resolveremos depois. Mas vocês estarão
seguras, as defenderei sempre.
- Está fazendo isso por nós, não é? - Indagou Vanessa.
Ana não respondeu e se pôs a pegar e separar o que leva riam. Logo estavam prontas e
seguiram rumo ao local combina do. Querendo se despedir das colegas, pediu para as
meninas esperarem à porta e entrou no restaurante. Escutou Ofélia di zendo às outras duas
empregadas:
- Hoje em dia está muito difícil arrumar quem queira traba lhar, pessoas direitas. Vê a
Ana, não ficou muito e já arrumou
um amante rico.
- Não sei o que aquele homem charmoso viu nela. Ela é bem esperta! - Comentou uma
moça.
- Coitada! - Disse outra sua colega. - Que Deus a ajude! Não duvido de que se ela
ficasse por mais tempo por aqui, se tornasse uma prostituta. E quem iria garantir que as
garotas con seguiriam ficar trancadas no quarto por mais tempo. Logo esta riam se
engraçando com algum moço e aí... Isso se não fossem estupradas.
Viram Ana, que preferiu fingir não ter escutado os comentá rios, apenas sorriu e falou:
- Só vim dizer adeus! Boa sorte para vocês!
Abraçaram-se.
- Se cuida! - Disse Ofélia.
Gustavo as esperava debaixo da árvore. Quando elas se aproximaram, abriu a porta do seu
automóvel novo e bonito.
- Vocês, meninas, sentem-se aí, me dêem isso, vou colocar
aqui.
Ficaram envergonhadas de estarem levando suas roupas dentro de sacos. Mas ele pareceu
não estranhar. As meninas se
acomodaram no banco traseiro, ela na frente.
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- Aqui está seu dinheiro, dos dias em que trabalhou. Vamos embora! - Exclamou
Gustavo.
Pegou as notas e guardou no bolso, era mais do que deveria receber. Observou-o, parecia
contente, teve a certeza de que aquele dinheiro era ele que estava dando. Deu uma última
olha da para o posto, para o restaurante, suspirou. Não estava levan do boas recordações
dali. Olhou para ele novamente, sentiu a esperança renascer no seu íntimo. Procurou
relaxar. E a viagem iniciou.
61
6
A Chácara.
Fizeram o trajeto em silêncio. Ana estava apreensiva e as meninas, embora estivessem
gostando, sentindo-se aliviadas por terem deixado o minúsculo quarto, estavam temerosas,
atentas, tinham receio de falar.
- é aqui! - Exclamou Gustavo. - A chácara!
Um senhor veio correndo e abriu um portão enorme pintado
de azul. O carro parou em frente a uma casa grande, com uma
agradável varanda com muitas folhagens e flores.
O senhor que abriu o portão ficou de pé perto do automóvel sorrindo e uma mulher também
veio recebê-los. Gustavo os apresentou.
- Esta é Ana, a nova patroa de vocês, e suas filhas, Lívia e Vanessa. Ana, este é Nicanor,
que zela pelo pomar e pelo jardim, é um ajudante para trabalhos gerais. Esta é Ruth, que
cuida da casa, faz todos os serviços domésticos.
Cumprimentaram-na sorrindo. Gustavo continuou a falar:
- Entremos, venham conhecer a casa. - Elas ficaram admiradas. - Temos três quartos,
as meninas poderão escolher qual quiserem. Então, garotas, qual escolhem? Talvez este
para você, Vanessa, este para Lívia. Não? Querem ficar juntas? Fiquem à vontade.
As duas só moviam a cabeça, preferiam dormir juntas. E
escolheram o maior que dava para a frente da casa.
- Ruth cuidará para que fiquem acomodadas. Venha Ana, este é o nosso quarto, uma suíte
com banheiro. Gostou? Otimo!
Vamos acomodar seus pertences.
Novamente ela se envergonhou dos sacos, em minutos guar daram tudo. Lívia sorriu e
comentou baixinho:
- Veja, mamãe, quantos cobertores, roupas de cama novas e cheirosas, toalhas macias.
Que beleza de casa!
Tomaram banho, Gustavo as chamou para jantar. Sentaram se à mesa, mas ficaram
imóveis. Ele falou:
- Gosto de me alimentar acompanhado, as refeições são mais agradáveis com a família
reunida. Não estão com fome? Podem
se servir!
Olhou para Ana, que tratou de explicar:
62
- Gustavo, creio que não sabemos comer corretamente.
- Ora, podem aprender. é assim...
Explicou como se servia, como usar os talheres.
- Observem como faço e imitem. Não se envergonhem, ninguém nasce sabendo, quando
se quer, se aprende.
Elas pouco conversaram, Gustavo falou da chácara, comentou da comida, que estava
deliciosa, e elas acabaram comendo
muito. Depois foram para a sala.
- Ana, aqui as meninas não precisam ficar presas, não há
perigo.
- Posso correr pelo pomar? Pegar frutas? - Indagou Livia.
- Claro, Lívia - respondeu Gustavo -, vocês agora moram aqui, poderão brincar com as
crianças da vizinhança, são pessoas boas. Irão gostar daqui.
- Já gosto - respondeu Lívia.
Ana e Gustavo foram à varanda, sentaram-se nas confortáveis cadeiras. Ela estava
encabulada, não sabia como agir. Ele a
olhou sorrindo:
- Ana, sinta-se à vontade. Não gostou da casa?
- Gostei muito. O lugar é agradável, a casa é confortável e
bonita.
Conversaram um pouco e foram dormir. O domingo foi tranqüilo, andaram pela chácara e
logo após o almoço Gustavo foi
embora, prometendo voltar na quinta-feira, e recomendou:
- Ana, aqui nessa gaveta tem dinheiro, se precisar de alguma coisa, peça a Nicanor para ir
comprar na cidade.
As três, sem Gustavo em casa, exploraram o lugar.
- Gostei demais daqui mamãe, vamos ficar, não é? - Indagou Lívia.
- Também gostei, mamãe, parece que estou sonhando e tenho medo de acordar naquele
antigo quarto - disse Vanessa.
- Espero ficar - respondeu Ana -, farei de tudo para que isso aconteça.
A casa tinha de tudo, e com fartura. Passaram três dias passeando pela chácara, brincando
com alegria
Conheceram melhor os dois empregados que trabalhavam na chácara. Nicanor morava ali
perto, era casado, tinha filhos e netos, era trabalhador, gostava das plantas. Havia uma
charrete que ele usava para Ir à cidade.
- A cidade é perto - explicou ele -, pode-se ir a pé tranqüila mente, uso a charrete
apenas para fazer compras.
A chácara ficava num bairro residencial, por isso havia casas por perto. A estrada era
estreita, de terra, mas eles a chamavam de rua.
63
Gostaram também de Ruth. Ela se trajava bem, tinha roupas bem melhores que as de Ana.
Era solteira e morava na chácara,
numa casinha ao lado da casa onde estavam alojados.
- Ruth, você não tem família? - Indagou Livia.
- Livia, minha filha, você não deve ser indiscreta - Ana a repreendeu.
- Dona Ana, não repreenda a menina, não ligo de falar sobre isso. Não tenho família, sou
órfã, minha mãe morreu quando eu era nenê, não sei de meu pai, fui criada num orfanato.
Quando tinha dezoito anos, a direção da instituição me arrumou um em prego, assim vim
servir a dona Eugênia.
- E cadê essa dona Eugênia? - Perguntou Vanessa.
- Faleceu. Quando vim para cá, ela era viúva, tinha dois filhos e, quando desencarnou, os
filhos venderam a chácara para
o senhor Gustavo e continuei aqui.
- Você falou que ela desencarnou. O que é isso? - Indagou Vanessa, curiosa.
Ruth sorriu e explicou:
- E o mesmo que morrer, desencarnar é o espírito abando nar o corpo físico que morreu e
ir viver noutro lugar.
- Legal! Gostei de desencarnação, prefiro-a a dizer morrer. Morte dá uma sensação de
acabar, e ninguém acaba - falou
Vanessa.
- Você gostava do orfanato? - Quis saber Lívia.
- Sim, lá foi meu lar, gostava, só que me sentia sozinha, é triste ficar sem família.
- Também sou órfã! - Disse Lívia. Ana e Vanessa a olharam e ela tratou de reparar: -
Orfã de pai, e tenho medo de perder
mamãe.
Vanessa aproximou-se de Ruth, abraçou-a e beijou-a.
- Ruth, acho que você poderá ser da nossa família, somos só nós três. Poderá ser, deixe-
me pensar... uma tia. Gosto de
você!
Ruth se emocionou, enxugou uma lágrima e sorriu. Ana calculou que ela deveria ser de sua
idade, ter uns trinta e poucos anos. Era miúda, clara, cabelos castanhos, quase louros, mas
de olhar triste. Compreendeu que ela deveria se sentir muito só. Olhou as meninas com
carinho, ela nunca ia se sentir sozinha.
Na quinta-feira cedo, Vanessa achou um cachorrinho muito
sujo, magro, parecia doente.
- Mamãe, posso ficar com ele?
- Não sei, Vanessa. Acho que devemos pedir ao Gustavo.
- Vamos cuidar dele - disse Lívia. Daremos comida e vamos limpá-lo, pois está frio para
lhe dar banho.
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Logo após o almoço, Gustavo chegou, cumprimentou todos sorrindo. Vanessa ficou
olhando-o fixamente. Ele percebeu, passou a mão no seu queixinho e indagou:
- Que foi, Vanessa? - Nada de ela responder. - Vamos, fale. O que quer?
- Ficar com o cachorro - disse ela, criando coragem.
- Quer ter um cachorro? Claro, pode ter, a chácara é grande, boa para ter animais, e gosto
deles. Vou arranjar um para você.
- é que já tenho - respondeu ela. - Bem, achei um perdido, perguntei pela vizinhança,
não tem dono, ninguém o quer, está só e abandonado, coitadinho. Mamãe disse que
poderíamos ficar com ele se o senhor deixasse.
- Já deixei - respondeu ele e Vanessa sorriu contente. - O cãozinho agora não está mais
só e abandonado, tem dono, você
e Lívia. Podem cuidar do bichinho. Tragam-no aqui para eu ver.
Elas correram e trouxeram o animalzinho no colo.
- Ele está feio - explicou Lívia - porque passava fome, mas vamos cuidar dele e ficará
bonito.
- Certamente - falou Gustavo -, se vocês cuidarem dele com carinho ficará bonito;
tudo que é tratado com amor fica lindo.
Mas como chama o bichinho?
- Zek - respondeu Vanessa. - E um nome forte para um cachorro valente.
Gustavo foi trabalhar, mas voltou para o jantar. Agora elas
estavam mais descontraídas. Após a refeição, foram para a varanda conversar.
- Ana, tenho uma fábrica na cidade, uma indústria pequena perto da grande que possuo,
onde minha família reside. Não gosto de ficar em hotel e como tenho de vir muito a esta
cidade, comprei esta chácara na esperança de que meus familiares vi essem aqui, organizei
tudo para isso, mas nunca quiseram vir. Lorena, minha esposa, não gosta nem de cidade
pequena e muito menos de chácara, e meus filhos nunca quiseram vir conhecer. Ficava aqui
muito sozinho e quando a conheci, comecei a sonhar em tê-la aqui comigo.
- Fale de você, Gustavo - pediu Ana.
- Casei apaixonado, mas nos enganamos, logo estávamos apenas nos tolerando. Tivemos
três filhos, Paulo Sérgio, que tem o nome dos avôs, Aurea e Júnior, o caçula. Paulo Sérgio
pensa em se casar logo, trabalha comigo na outra fábrica, Aurea é uma jovem que só pensa
em se divertir. Já o Júnior é um bom moço, nos damos muito bem. Desde que meu caçula
nasceu, eu e Lorena nos separamos. Apesar de vivermos na mesma casa, evitamos até de
falar um com o outro. Não pensamos em nos sepa
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rar, há muito dinheiro em jogo. Já éramos ricos, unimos as fortu nas e agora é difícil dividi-
la. Lorena não sabe fazer nada, só gastar, e não quer se separar porque sabe que logo iria
perder tudo que caberia a ela. Tive nesses anos aventuras e ela também. Es tranha? Lorena
é discreta, mas tem seus amantes, é fútil, está sempre enfeitada demais. E foi assim que
criamos nossos filhos. Aurea é parecida com a mãe, Paulo Sérgio é indiferente e o Júnior...
Falou por bastante tempo. Ana o escutava, atenciosa, e com preendeu que Gustavo era rico,
mas tinha muitos problemas. Falar fez bem a ele, e finalizou:
- Ana, estou gostando demais de tê-la aqui.
- Também estamos gostando, Gustavo - respondeu ela sor
rindo.
De madrugada acordaram com Lívia chamando e choran do. Ana levantou aflita, abriu a
porta, Lívia estava encostada nela com as mãozinhas no rosto.
- Que foi, filha?
- Dor de dente!
- O quê? - Perguntou Gustavo, se levantando. - Dor de dente? Deixe-me ver. Nossa,
que cárie grande! Você não vai ao dentista?
- Acho que... nunca foi - respondeu Ana.
- Tratarei disso amanhã - falou ele. - Tente, Ana, amenizar a
dor dela.
Voltou para a cama e pensou: "Puxa, dor de dente! Nunca foi ao dentista. Uma criança que
está morando na mesma casa que eu, com dor de dente! Deveria ter imaginado, eram
pobres, nem roupas têm. Tenho de cuidar melhor delas"
Ana limpou o dentinho e, quando a dor passou, voltou cuida dosamente ao quarto. No outro
dia, Gustavo falou:
- Ana, conheço um bom dentista, vou conversar com ele. Quero que as atenda logo cedo.
As três irão tratar dos dentes. Vou mandar um empregado de automóvel buscar vocês.
Volto para o almoço.
- Não fica caro? O dentista não cobra muito? - Indagou ela.
- Ana, não quero que se preocupe com isso. Vou cuidar de vocês, das três. Para mim não é
caro - sorriu ele.
Gustavo saiu para trabalhar, ela acordou as meninas. Disse
a elas:
- Vamos ao dentista, Gustavo irá mandar um empregado nos buscar. Vamos colocar essas
roupas.
- Que são as melhores - falou Lívia. - Só temos duas trocas melhorzinhas, o resto está
bem ruim. Mamãe, tenho medo do dentista.
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- Lívia, é bom tratar dos dentes! Você não terá mais dores. Não tenha medo, ele é um
profissional e deixará nós três com os
dentes sadios. Gustavo pagará tudo.
- Mamãe, gosto do senhor Gustavo, gosto muito, ele é bom
- expressou Vanessa
Logo após, um moço, empregado da fábrica, veio com o automóvel buscá-las. Era a
primeira vez que elas iriam à cidade. Acharam-na singela, agradável, suas principais ruas
eram calçadas com pedras. Olharam, admiradas, tudo. Gostaram. O carro parou e o moço
disse:
- E aqui, dona Ana. Podem entrar, o dentista está esperan do, vou aguardá-las aqui.
Um senhor simpático as recebeu sorrindo.
- O senhor Gustavo já me explicou, entrem, por favor. Quem será a primeira?
Ana foi para dar bom exemplo e acabar com o medo das
garotas. Tinham muito que fazer, os dentes estavam muito estragados e o dentista tratou
primeiro do dente dolorido de Lívia.
- Não irá doer mais. E para terminarmos logo, vamos marcar muitos horários.
Saíram aliviadas.
- Não vou ter mais medo de dentista - falou Vanessa. - Ele é um senhor simpático e
seu dente, Livia, não doerá mais.
Durante o almoço comentaram com Gustavo a aventura que
foi para elas a ida ao dentista. Ele sorriu e falou:
- Ana, hoje só irei à fábrica mais tarde. Logo virá aqui uma moça que vende roupas, pedi
a ela que trouxesse algumas para vocês experimentarem. Ela é esposa de um funcionário
meu, e a mãe dela é costureira e fará alguns vestidos para vocês. Essa moça está precisando
vender...
Elas nada comentaram. Após uma pausa, ele continuou:
- Estamos em férias escolares, logo começará o segundo semestre, vou matricular as
meninas num estabelecimento de ensino na cidade perto daqui. Nicanor leva os netos para a
escola de charrete e levará também as duas. Pelo que você me disse, Ana, elas foram
poucos dias deste ano às aulas, mas a diretoria irá aceitar tudo, ajudo muito o Grupo
Escolar e ela ficou contente por me fazer esse favor, as meninas não perderão o ano. Mas,
para não terem muitas dificuldades, contratei uma professora particular que dará aulas a
elas nesta última semana de férias e continuará depois que as aulas começarem. Se vocês
são mesmo estudiosas, não sentirão falta das aulas que perderam. Essa moça, a professora
particular, é dona Geni, que leciona num colégio. Está com a mãe doente, precisando muito
de um orde
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ordenado extra. Vocês, meninas, irão gostar dela, virá aqui logo mais à tarde e dará uma lista de
materiais que vocês precisarão comprar. Na segunda-feira, quando forem ao dentista, meu
empregado comprará para vocês.
As três ficaram quietas escutando. Vanessa até abriu a boca, os olhos de Lívia se encheram
de lágrimas e Ana pensou: "Gustavo está nos ajudando da mesma forma que parece fazer
aos outros, creio que ajuda todos. Que homem bom!" Olhou, queria dizer algo que
expressasse o que sentia, mas só conseguiu balbuciar:
- Gustavo, obrigada!
- Senhor Gustavo - exclamou Livia -, muito obrigada! Agra deço muito por não ter
mais dor de dente. Sou estudiosa, gosto
muito de aprender e vou estudar muito.
- Senhor Gustavo - expressou Vanessa timidamente -' que Deus o proteja pelo que está
fazendo por nós. Gosto do senhor!
- Bem, vamos acabar de almoçar - disse Gustavo, alegre - que logo a moça das roupas
chegará.
E realmente a moça chegou com grandes sacolas e começou a mostrar as roupas. Eram
boas, deviam ser caras. Ana e as
meninas ficaram indecisas, e Gustavo falou:
- Separe tudo o que serviu, elas ficarão com todas.
- Gustavo - Ana falou baixinho -, são muitas e caras, não precisamos de tantas.
Ele sorriu e lhe falou ao ouvido:
- Deixe-me comprá-las, a moça precisa vender.
Os olhos das meninas brilharam de admiração, nunca ima ginaram ter roupas tão bonitas. A
moça, após a venda, foi em bora contente. Elas vestiram roupas novas para esperar pela
professora, que não demorou a chegar, e a aula começou. Dona Geni fez uma avaliação,
marcou horário para a semana toda à tarde para lhes dar aulas e deixou a lista do material
de que necessitariam na escola.
Quando Gustavo chegou para o jantar, encontrou-as felizes,
com roupas novas, conversando e rindo.
- Que bom vê-las contentes!
- Contentes? - Exclamou Ana. - E pouco, estamos felizes.
- Ana, amanhã à tarde vou embora, volto na quinta ou sex ta-feira. Meu empregado virá
buscá-las pela manhã todos os dias para levá-las ao dentista e na segunda-feira ele as levará
a duas lojas, uma de confecção, onde comprará roupas íntimas e o que lhes falta; outra é de
sapatos, é de um amigo meu. Quero que compre pelo menos três calçados para cada uma.
Depois irão à papelaria comprar tudo que dona Geni escreveu na lista e mais pastas,
lancheiras e o que as meninas quiserem. Quero também
68
que vocês vão a uma cabeleireira, precisam de um bom corte
nos cabelos. Vou pedir para dona Geni levá-las.
E assim foi feito. Nunca tiveram tantas roupas, agasalhos, cadernos, e uma nova vida
começou para elas. Foram ao salão de beleza, as trataram bem. Ana fez muitas coisas que
as mulheres costumam fazer e o resultado foi muito bom.
Mas não se enfeitou muito, lembrou que Gustavo falou de sua esposa com reprovação,
queria agradá-lo e achou que o faria com sua simplicidade. Quando ele a viu, ao retornar,
comentou aprovando:
- Ana, você está muito bonita!
Estava tudo muito tranqüilo, em paz, e Ana teve medo de que tudo passasse rápido. As
meninas, alegres, estudavam e aprendiam com facilidade, dona Geni afirmou que não iam
ter problemas para acompanhar os colegas de classe. Porém, Ana sentia a falta dos filhos,
tinha muita saudade e chorava escondido, a ausência deles lhe doía demais.
Nicanor trouxe a esposa, dois filhos e netos para que Ana e as meninas conhecessem, como
também apresentou-as às crianças da vizinhança, e logo fizeram amizade. As aulas
começaram, tinham aulas no período da tarde. Nicanor as levava de charrete e as buscava,
gostavam da escola. Como iam ao dentista pela manhã, dona Geni vinha à noite, ajudava-as
com as tarefas, ensinando-as o que elas não sabiam.
O tratamento dentário foi dolorido para Ana. Vanessa terminou primeiro, depois Lívia e
finalmente ela. Aprenderam a escovar corretamente os dentes e Gustavo marcou para que
elas fossem todas as férias ao consultório dentário.
Ana não gostava de ficar à toa; ajudava Ruth e as duas se tornaram amigas. Ruth a ensinou
a bordar e ela passou a fazer toalhas muito bonitas. Também foi aprender a costurar com
uma vizinha. Quis aproveitar a oportunidade para aprender uma profissão. Guardou por um
tempo as roupas velhas, depois pediu para Ruth doá-las.
- Perto daqui há umas casinhas onde moram pessoas muito pobres. Irei até lá levar estas
roupas.
Lívia comentou feliz:
- Nem parece que faz três meses que estamos aqui. Mamãe, por favor, não quero ir
embora, não quero sair da chácara.
- Devemos fazer tudo para ficar - expressou Vanessa. - Va mos ser sempre boazinhas e
agradecidas ao senhor Gustavo.
E ele estava cada vez mais ficando na chácara, quase todos
os finais de semana. Falava sempre de seus problemas a Ana,
que escutava atenta, dando sugestões e animando-o. Mas ela
69
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pouco falava de si, só contou que não vivia bem com Gilberto, que este a maltratava.
Preferia falar de sua infância, de seus pais. Narrou a ele a briga com a família. Falou que
Gilberto morreu em um acidente, mas não disse nada dos filhos, era um assunto muito
doloroso que não conseguia ainda lembrar sem chorar, e não queria se lamentar para ele,
que tanto as ajudava. Depois, tolamente, temeu contar a ele que as meninas eram enteadas e
não filhas.
Um dia ele viu uns livros na cabeceira da cama.
- Você está lendo-os? - Indagou.
- Gosto de ler - respondeu ela. - Achei estes livros numa
gaveta.
- Vou trazer para você alguns livros de que gosto, aprende- se muito lendo.
é um hábito
que devemos cultivar.
Ele trouxe algumas obras e Ana passou a ler muito. Passaram a ter mais assunto para
conversar e era sempre muito agradável ficar juntos conversando, às vezes na sala, outras
na varanda. E ele se refazia na chácara, lá tudo era paz e tranqüilidade.
Pela manhã, num sábado, Ana estava na cozinha ajudando Ruth e Gustavo ficou na
varanda. As meninas jogavam bola, contentes. Ele ficou algum tempo observando, depois
resolveu se aproximar delas:
- Que bola diferente! Deixe-me ver! é de tecido?
- é - respondeu Vanessa. - Mamãe que fez!
Ele pegou e examinou a bola, Ana a tinha feito de papel e tecido.
- Vocês não têm brinquedos? - Perguntou. - Não têm vontade de tê-los?
- Eu queria ter uma bicicleta e uma boneca grande. Uma vez ganhei uma boneca, mas ela
ficou na outra casa quando
mudamos - expressou Livia.
- Vamos à cidade, vocês duas e eu. Comprarei alguns brinquedos para vocês - falou
Gustavo.
Livia aproximou-se do carro, rapidamente. Vanessa segurou-a pelo braço, olhou para ele e
disse:
- Não precisa, senhor Gustavo, o senhor já nos tem dado tudo de que precisamos, somos
gratas.
- Vanessinha, quero comprar uns brinquedos para vocês, vamos logo, que a loja ainda está
aberta. Nicanor, avise a dona
Ana que saí com as meninas, mas volto logo.
Quando Nicanor avisou Ana, ela ficou indecisa, sem saber o que fazer. Temeu, nunca havia
deixado as meninas sozinhas com ninguém. Mas não demoraram a voltar, e ela se
envergonhou por ter duvidado de Gustavo. Elas estavam tão felizes e gritaram
entusiasmadas:
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- Mamãe! Mãe! Venha ver o que ganhamos do senhor Gustavo!
Lívia e Vanessa pulavam, sorriam e falavam ao mesmo tempo. Desceram do automóvel
com duas bicicletas, bonecas grandes, bolas e mais alguns brinquedos. Ana as olhava
emocionada. Lívia conseguiu falar com mais calma:
- Mamãe, o senhor Gustavo comprou tudo isso para mim e para Vanessa e disse mais: que
nos dará uma festa de aniversário! Irei fazer treze anos no mês que vem e é para a senhora
fazer uma grande festa, e outra no aniversário de Vanessa. Como estou feliz!
Ana se esforçou para falar, estava emocionada:
- Vocês agradeceram?
- Eu falei um milhão de obrigadas! - Exclamou Livia.
- E eu, dois milhões - disse Vanessa.
Ana aproximou-se dele, que as olhava contente, e o beijou no rosto.
- Obrigada, Gustavo! Deus lhe pague!
- Já pagou com seu beijo - respondeu ele, abraçando-a.
Foram almoçar e deixaram as meninas brincando.
- Deixe-as - disse ele -, virão comer quando estiverem com fome. Estão tão
entusiasmadas com os brinquedos!
Fizeram as festas, vieram os coleguinhas da escola, as crianças da vizinhança. E a chácara
agora estava sempre com a meninada brincando, comendo as frutas, rindo e gritando.
Quando chegaram ali, as meninas pareciam ter menos idade, eram miúdas, mas elas
cresceram naqueles meses, pareciam outras, estavam sadias, coradas, mais bonitas, eram
felizes.
Dois meses depois, elas não precisaram mais das aulas particulares e foram aprovadas com
boas notas.
Nas festas de final de ano, Gustavo passou com a família. As
três sentiram falta dele, mas entenderam.
As meninas se divertiram muito nas férias, e as aulas iniciaram.
Gustavo dava dinheiro para Ana todo mês, apesar de mandar Nicanor comprar tudo de que
necessitassem na cidade e
pagar depois. Ela não gastava com nada e resolveu guardar.
- Gustavo - disse ela -, você me dá dinheiro e não tenho gastado, gostaria de guardá-lo,
mas com a inflação não vale a
pena.
- Vou abrir uma conta no banco para você.
Trouxe os papéis para ela assinar e todo mês ela passou a
depositar o que ele lhe dava. Sentiu-se mais tranqüila; se precisasse tinha como se manter
por uns tempos.
Ela passou a ir freqüentemente ao salão de beleza, fazia tudo
para agradá-lo e ele continuava gentil e bondoso.
71
Naquela tarde estava muito quente. Ana estava só com Ruth, foi ao jardim, sentou-se num
banco de madeira embaixo de uma árvore. Zek, o cachorro, que agora estava sadio e muito
bonito, a acompanhou. Ele era um animal dócil, carinhoso, que gostava de estar sempre
com ela. Ficou deitado ao seu lado. Ana parou de bordar, olhou para suas mãos; não tinha
mais calos, estavam macias, as unhas esmaltadas e bonitas, pensou:
"Tudo tão calmo! Como seria nossa vida se não tivesse acontecido o acidente? Será que
Gilberto teria mudado? Não, acho que não! E se só ele tivesse morrido? Que bom seria ter
aqui comigo meus dois filhos. Rodrigo e Marcelo iam gostar muito de morar neste lugar.
Mas como seria naquele tempo no restauran te com mais dois? Não seria, com quatro não
teria arrumado o emprego."
De repente, ela sentiu um mal-estar estranho, ficou arrepiada. Zek ganiu e pulou no seu
colo, se escondeu tremendo na saia dela. Ana olhou para o lado, onde estava o cãozinho e
aí... viu Gilberto com o mesmo olhar cínico e maldoso. Não o viu nitidamente como se vê
um encarnado, mas o escutou como se as palavras ecoassem dentro dela:
- Ana, vá embora daqui!
72
7
A Pcrscguiç d
Gilberto
A imagem sumiu. Ana abraçou Zek e correu com ele para casa. Entrou na sala, ainda estava
tremendo, lembrou que deixou o bordado no jardim, talvez no chão, mas não teve nenhuma
vontade de buscá-lo.
"Devo ter adormecido e sonhado, só pode ser isso!" - Pensou.
De novo o arrepio, a sensação estranha e aquela voz que dizia:
- Ana! Pegue as meninas e vá embora daqui! Abandone Gustavo, eu ordeno! E me
obedeça logo, senão você já sabe!
- Não, não quero ir embora daqui, não quero! - Falou alto, estranhando mais ainda por
estar respondendo àquele fenômeno.
- Vai e vai porque eu quero!
Escutou não como se ouvem pessoas no plano físico, sentiu
os dizeres na mente e teve a certeza de que era Gilberto. Balbu dou toda trêmula:
- Meu Jesus, me acode! Deus, tenha piedade de mim!
- Vou, mas volto, e pense já como ir daqui com as minhas filhas!
A sensação acabou. Ana ficou um tempo sentada no sofá da sala encolhida e com medo,
tentou raciocinar:
"Será que vi realmente Gilberto? Se Vanessa vê e fala com a mãe dela, a Aninha, isso é
possível. Mas por que ele quer que vamos embora? Ciúme? Não, não creio, é por maldade.
Ele não quer nos ver bem. Vou buscar meu bordado."
Voltou ao jardim com receio e Zek, ao seu lado, juntinho dela estava com medo também.
Pegou a toalha, voltou rápido para casa e a guardou, não estava com vontade de bordar
mais. Tam bém não conseguiu ler. Tentou parecer tranqüila às meninas quando elas
chegaram da escola. A noite, teve medo de ficar no quarto sozinha; pela primeira vez quase
chamou as meninas para dormirem com ela.
"Tudo isso é bobagem - pensou, tentando se convencer. Deve
ter sido o calor, tive uma visão, foi só isso, não vi nada, não
escutei nada".
Dormiu e sonhou. O que realmente aconteceu foi que Ana,
ao adormecer, se desprendeu do corpo e em perispírito encon
Perispírito: envoltório semimaterial que une o espírito ao corpo material (N. E.).
73
trou-se com Gilberto, que a esperava para conversar. Ele entrou
no seu quarto e se queixou:
- Ana, não estou bem, morrer é muito ruim, é estranho. Sin to-me como se estivesse vivo,
ando sem destino, tenho dores,
sofro. E tudo isso é culpa desse Gustavo, assassino!
- Não fale assim, Gilberto, você não tem o direito de entrar aqui nem de me atormentar!
- Disse ela com medo.
- Como você está atrevida! Está precisando apanhar! Escute aqui, minha cara, sempre
mandei em você e vai continuar me obedecendo, nada vai ser diferente. Você tem de
abandonar o assassino, porque aí ele sofrerá, o safado idiota ama você de fato. Vou lhe
explicar por que tem de abandoná-lo. Morri por culpa de um ricaço, um miserável que nos
atirou no precipício, e sabe quem é o assassino? Gustavo! Sim, ele mesmo. Agora
entendeu?
- Não acredito! Você mente! - Exclamou ela.
- Não minto! Gustavo é o assassino de seus filhos! - Afirmou Gilberto, sorrindo
cinicamente.
- Onde estão Rodrigo e Marcelo? - Perguntou Ana.
- Não sei! Foi muito confuso, me lembro pouco daquele dia, padeci muito. Quando
entendi que empacotei, que morri, estava num lugar estranho, aí fui atrás do assassino e
qual foi meu espanto: encontrei-o aqui com vocês, minha mulher e filhas.
- Gilberto!
Ouviram e ambos olharam para onde vinha aquela voz doce
e forte, e viram Aninha. Ela aproximou-se, ficou do lado de Ana
e falou de modo calmo, mas firme:
- Saia daqui, Gilberto! Você não tem o direito de cobrar nada. Não se preocupa com
ninguém. Não quis saber dos meninos, nem de Ana com nossas filhas. Em vez de tentar
ajudar seus familiares ou mesmo querer saber como estavam, se bem ou mal, como
sempre, egoísta, pensou só em você. Culpa o outro pelo que ele fez de errado, perde tempo
em querer se vingar. Raciocinou por acaso para onde Ana irá com nossas filhas? Se terão
onde morar, se se alimentarão, terão frio ou...
- Não se intrometa! Saia daqui você! Ninguém a chamou!
- Tenho duas filhas aqui, amo-as, me preocupo com elas e não quero que vão embora!
Gilberto gritou, Ana se assustou, correu para o corpo e acordou tremendo, toda suada.
Teve medo, acendeu a luz e começou a orar. Lembrou-se do sonho com quase todos os
detalhes. Normalmente quando acordamos após esses encontros é mais fácil recordá - los.
Gilberto saiu do quarto dela, foi à varanda e Aninha foi atrás.
Ele falou debochando:
74
- Minha digníssima ex-esposa, que todos por aqui a chamam de Aninha, caia fora, o
assunto não é com você.
- Engana-se, Gilberto, é comigo sim. Tive permissão para protegê-las e eu não deixarei
que você se vingue de um homem
nobre e bom e prejudique-as pela sua insensatez.
- Ele é um assassino! - Exclamou ele, nervoso.
- Você sabe que não! Foi seu o erro e é o culpado pela desencarnação de Rodrigo e
Marcelo.
- Hum... desencarnação, parece que esteve aprendendo... Bem, Aninha, vá embora que o
assunto é meu e não gosto de intromissão. Senão... vou bater em você, vou surrá-la tanto
que se arrependerá de ter vindo se intrometer.
- Você já não pode me bater - afirmou Aninha tranqüila-
mente.
- Ah, não?
Ele riu e foi para o lado dela com o pulso fechado. Aninha
ficou passiva e orou por ele. Quando se aproximou mais, foi jogado longe, caiu e rolou.
- Tudo está diferente, Gilberto - disse ela calmamente. - Você não poderá mais
encostar em mim. Foi repelido pela ener gia que me envolve, pela vibração que irradio. E
aqui estarei para proteger minhas filhas.
Gilberto se sentiu humilhado, se levantou resmungando e
saiu.
"Que humilhação! Sempre bati nessas duas! E não contava com a intromissão de Aninha.
Vou ter dificuldades! Na casa do assassino está Ernesto e aqui, esta outra. Vou ter de usar
mais a inteligência."
Foi à outra cidade, na casa de Gustavo, a que ele morava
com a família. Não entrou, ficou no jardim. Ernesto, logo que o
viu, se aproximou.
- Olhe aqui, dê o fora! Já lhe falei que não o quero por aqui.
- Só vim conversar! - Respondeu Gilberto. - Me responda, o que esse
aomem lhe fez para
que você lhe seja um cão de guarda?
- Cuidado com a ofensa! Não creio que possa ser comparado a um cão, esse animal é fiel
e eu não sou. Mas exijo respeito
quando falar do senhor Gustavo.
- Respeito! - Riu Gilberto. - E um bacana que mora nesta mansão, tem de tudo, é
casado e tem amante.
- O senhor Gustavo é separado da esposa - defendeu Ernesto.
- Ele tem um quarto aqui só para ele, só não casa com a outra porque não pode. Ele é
trabalhador, bom pai, boa pessoa e ótimo patrão.
- Pelo visto - disse Gilberto, ele lhe fez muito. Você parece devedor.
75
Sentaram-se na grama no jardim. Ernesto falou:
- Fui empregado do senhor Gustavo por muitos anos. Ele sempre foi bondoso e justo, me
tratava bem. Só que fui ingrato,
o traí, fui um cretino e quero que ele me perdoe.
- Se o senhor Gustavo é tão bom como você fala, por que ele não lhe perdoa? -
Perguntou Gilberto.
- Porque ele não sabe o que eu fiz - respondeu Ernesto.
- Não entendo....
- Vou lhe explicar: é que roubei dele uma boa quantia de dinheiro, disse a todos que
ganhei na corrida de cavalos, todos acreditaram, mas desfrutei do dinheiro só por uns
quinze dias, tive um derrame e "bati as botas", meu corpo morreu e eu continuei vivo e
com remorso.
- A família rica... - Ironizou Gilberto.
- Sim, o dinheiro ficou para eles, mas não me importo com isso. Tenho uma família
honesta, esposa direita, que chorou a
minha morte - falou Ernesto tristemente.
- Mas como roubou o cara e ele não percebeu? Que estranho! Ele é panaca? - Gilberto
perguntou, curioso.
- Vou lhe contar tudo e aí entenderá. Estava viajando com o senhor Gustavo. Fomos à
outra fábrica, quando ele recebeu um telefonema da esposa dele, dona Lorena, que para
infernizá-lo exagerou o estado de saúde do filho, o caçula, Júnior. O rapaz teve uma crise
de apendicite e estava sendo operado. Pelo que ela disse, Júnior estava à morte. O senhor
Gustavo se desesperou, ele adora os filhos. Saímos apressados, no caminho houve um
acidente e o meu ex-patrão estava com uma quantia grande de dinheiro. Ele me pediu para
ficar no local, me deu esse dinheiro para que eu pagasse toda a despesa do funeral e
amparasse a viúva.
- E você roubou! Safado! - Gritou Gilberto. - Onde foi esse acidente?
- Na serra...
Gilberto esmurrou Ernesto.
- Ladrão miserável! Fui enterrado como indigente, porque Ana não tinha dinheiro, e foi
você que o tirou dela! Sou eu quem morreu naquele acidente e aqui estou para me vingar
do assassino.
Os dois lutaram, se esmurraram por minutos. Machucados,
pararam cansados e deitaram na grama.
IDesencarnados como Ernesto e Gilberto, sem a compreen são da vida espiritual, que
vagam sem orientação, são muito materializados, sentem os reflexos e as necessidades
como se estivessem no corpo físico. Vemos muitos agirem como se ainda es tivessem
encarnados. Lutas e brigas são comuns nas regiões umbralinas ou quando estão vagando.
Sentem dores nos machu
76
cados. Estremecidos, vemos muitos vingadores torturarem, castigarem seus desafetos, que
sofrem muito.
Ernesto falou após uma pausa:
- Gilberto, sou um ladrão miserável, mas me arrependi e vou proteger o senhor Gustavo.
Ficarei guardando-o como um cão de guarda, pois agora quero ser fiel, com ele ficarei até
que me perdoe. Sou mais forte que você, não lhe bati mais porque não quis, só me defendi
para ver se sua raiva passava. E o se nhor Gustavo não é assassino! Estava presente e vi
tudo. Foi você o culpado. Ao chegarmos na serra, vimos que ia demorar muito na fila e não
queríamos perder tempo. Meu ex-patrão deu uma gorjeta ao funcionário para que nos
deixasse passar na frente. Você que veio por cima de nós, bateu no nosso automóvel,
voltou para dar ré e, como era mau motorista, caiu no precipício.
- E você defende o patrão, é empregadinho até hoje - ironizou
Gilberto.
- Sempre gostei de trabalhar, dava graças a Deus por ter um emprego e viver dignamente
com o ordenado que recebia, e o
senhor Gustavo foi sempre um bom patrão.
- Está bem, até que o entendo - falou Gilberto. - Odeio você por ter ficado com o
dinheiro de Ana, mas admiro sua esperteza, faria o mesmo no seu lugar. Você não vai
deixar que eu me aproxime dele?
- Não!
Ernesto o olhou e o ameaçou com a mão fechada. Gilberto
levantou-se e foi embora.
"Bem - pensou -, se não posso me aproximar desse assassino, o jeito é fazer com que
Ana se vingue por mim."
E ficou na chácara e passou a atormentar Ana. Aninha, ven do o que acontecia, porque
estava lá sempre que lhe era possível, visitando as três, pediu licença e teve permissão de
vir ajudá-las, mas na condição de auxiliar também o ex-esposo.
Ana estava inquieta, nervosa, tinha medo de dormir e sonhar com Gilberto, parecia que o
via pela casa, sentia sua presença e ouvia sempre:
"Ana, vá embora desta casa!"
Quando Gustavo chegava, ela se esforçava para parecer
normal. A presença dele lhe dava mais segurança, mas quando
ele ia embora, voltava a inquietar-se.
E assim foi por dois meses; ela não sabia o que fazer, temia que ao contar a Gustavo este a
julgasse louca, desequilibrada. Não conseguia ter sossego, não lia mais nem bordava.
Queria a proteção de Gustavo.
Ernesto, ficando com Gustavo, não deixava Gilberto se aproximar e este, a contragosto,
não conseguia influenciá-los. Por
77
isso Ana se sentia melhor com Gustavo. Esse espírito, Ernesto, usava a força para afastar
Gilberto. Já Aninha ajudava Ana, mas queria que ela procurasse o entendimento, um meio
certo, caridoso, que afastasse Gilberto, em que a amiga aprendesse e achas se uma religião,
a compreendesse e seguisse, como também encaminhasse as filhas. E pelos acontecimentos,
tinha esperança de que Ana se encontrasse no Espiritismo. Acompanhava tudo de perto, só
interferiria se Gilberto se excedesse, porque planejava também ajudá-lo. Embora ela
estivesse sempre ali, Gilberto não a via, pois seu padrão vibratório era mais baixo que o da
ex-mulher. Mas, caso Aninha desejasse ser vista por ele, bastaria baixar sua vibração para
que ele pudesse enxergá-la.
Domingo à tarde Gustavo ia embora e desta vez ia ficar quinze
dias, ia viajar a negócios. Ele a abraçou na despedida.
- Ana, sinto-a triste.
- é que você irá demorar desta vez...
- Mas voltarei, querida.
Ana estava sofrendo e, pior, não sabia o que fazer para acabar com aquele tormento.
Andava pela casa nervosa, tentando
parecer tranqüila para as meninas.
Estava no quarto quando sentiu o ex-companheiro novamente ao seu lado. Falou,
desesperada:
- Gilberto, pelo amor de Deus, me deixe em paz!
- Não quero prejudicá-la, quero que me obedeça! Mas se teimar em não me atender, vou
deixá-la louca!
- Como tem coragem de fazer isso? Não chega o que me fez quando vivo? - Perguntou
Ana.
- Cara Ana, continuo vivo, embora a morte tenha acabado com meu lindo corpo carnal! E
foi esse assassino que acabou com a vida prazerosa que eu tinha, por isso tenho de acabar
com ele! Estou tendo uma idéia brilhante: se ele matou a mim e aos seus dois filhos, você
deve matá-lo! Isso, mate-o! E logo!
- Nunca! Não sou uma assassina! - Ela falou, exaltada.
- Mas ele é! Matou-me! E você tem de me vingar! Odeio-o! - Exclamou Gilberto com
raiva.
- Matando-o irei para a prisão, e as meninas, não pensa nelas? O que irá acontecer com
suas filhas?
- Irão para um orfanato, sei lá, resolverei isso depois. Há muitas pessoas boas que gostam
de ajudar órfãs... - Riu ele cini camente.
- Gilberto, como você é imprudente...
Escutaram novamente a voz doce e firme.
- Aninha? Você de novo? Não se intrometa! - Gritou Gilberto.
Ana ajoelhou-se e rogou:
78
- Aninha, por favor, por suas filhas, me livre do Gilberto... Ave Maria....
Orações sempre têm respostas. Ruth entrou no quarto para
limpá-lo, viu a patroa ajoelhada, aproximou-se e falou timidamente
- Dona Ana, está acontecendo alguma coisa? Está doente? Emagreceu, quase não come,
está nervosa, abatida. Se eu puder ajudar...
la responder que não, tudo estava certo, mas sentiu Aninha
ao seu lado, que a motivou, e falou:
- Ruth, o pai das meninas, meu ex-esposo, o que morreu... E que o tenho visto, ouvido,
não sei explicar. Isso está me fazendo mal, tenho medo, ele quer que eu vá embora.
- Dona Ana, sou espírita, freqüento um Centro Espírita pequeno, humilde, logo ali, perto
da curva que leva à cidade. Entendo perfeitamente a senhora, sei que isso é possível. Eu
também tenho sentido algo estranho, tenho visto dois vultos, um escuro, de fluidos ruins, e
outro iluminado. Por isso acredito na senhora, porque esse fato tem explicação na Doutrina
Espírita. Quando o corpo morre, somos levados a viver com um corpo espiritual, o
perispírito, e pode-se ir a muitos lugares. Os bons, que têm merecimentos, para lugares
lindos, tranqüilos; os imprudentes po dem ir ao Umbral, um lugar que temporariamente os
abriga, ou podem vagar nos lugares em que viveram encarnados ou perto de seus
familiares. Pelo que a senhora disse, Gilberto era um imprudente, creio que vaga e quer
atormentá-la talvez por ciú me não a queira perto do senhor Gustavo.
- Acredito no que você está dizendo, Ruth. - Expressou Ana. - Mas quem poderá me
ajudar? Gustavo voltará daqui a três dias e
eu estou confusa, não sei o que fazer.
- A senhora não quer ir à casa do senhor João? E um senhor espírita que trabalha no
Centro Espírita que eu freqüento, ele mora ao lado do Centro. Pedirei para ele lhe dar um
passe, que lhe fortalecerá. Pediremos ajuda a ele e aos bons espíritos, que nos auxiliarão,
orientando-nos.
- Quero ir, sim! - Respondeu Ana, esperançosa.
E foram. O senhor João as atendeu gentilmente, deu-lhe um
passe, colocou as mãos acima de sua cabeça e orou baixinho.
Ana sentiu-se em paz, mais tranqüila. Ele falou:
- Dona Ana, está conosco uma senhora, um espírito, uma desencarnada que me diz que a
ama muito, está lhe pedindo para voltar mais vezes aqui e que está, dentro do possível, ajudando
E que é para a senhora repartir com as meninas os problemas.
79
Lágrimas escorreram dos olhos de Ana, que falou emocionada
- Por favor, senhor João, pergunte a ela dos meninos.
O senhor espírita aquietou-se por um instante e respondeu:
- Ela está me dizendo que os meninos, filhos dela, estão muito bem, que ela é mãe
dedicada. Eles são muito felizes.
Ana entendeu. Aninha dizia que era mãe deles, como ela era das meninas. Sentiu saudades,
vontade de abraçar os filhos, olhou para aquele senhor de olhar meigo, confiou nele, e ele
disse tranqüilamente:
- Para mãe, para aquele que ama, o importante é saber que o ser amado está bem.
Entendeu o recado, agradeceu mentalmente a Deus e ver balmente a ele e saíram. Ela se
sentiu bem, como há muito não
se sentia, desde que Gilberto começou a persegui-la.
- Ruth, agradeço por ter me trazido aqui. Senti muita paz e quero voltar.
- Dona Ana, segunda-feira à noite temos trabalhos de passes e leitura do Evangelho. Se
quiser, venha comigo.
- Vou vir sim!
As meninas faziam lição na sala quando ela chegou. Ruth foi
para a cozinha e Ana decidiu conversar com elas à noite, após o
jantar.
Gilberto não foi com elas ao Centro, continuava com raiva. Ernesto estava atento, muitas
vezes vinha à chácara observar o que Gilberto fazia. Ali estava quando Ana e Ruth
chegaram e os dois viram Aninha acompanhando-as. O ex-companheiro de Ana falou,
exaltado:
- Bandida! Você, Aninha, jogou baixo, tanto fez que levou a idiota da Ana naquele lugar.
E agora não consigo me aproximar dela com esta energia que aquele senhor colocou à sua
volta. Mas há mal que vem para bem, ela irá falar com as meninas e minhas filhas irão
querer ir embora quando souberem que Gustavo assassinou a mim e aos meninos!
Passe, quando é dado com amor, por passistas que querem realmente ajudar, é transmissão
de energias benéficas de gran de ajuda. As pessoas que vão em busca desse auxílio devem
fazê-lo somente quando necessitadas e ser receptivas, querer o benefício recebido e
alimentar essas energias com orações e bons pensamentos, porque basta baixar as vibrações
para as boas energias se dispersarem. Senhor João, passista exemplar, com a orientação e
trabalho em conjunto com amigos espirituais, colocou em Ana uma energia que a protegia
de outras contrárias. Eles sabiam o que estava acontecendo, pois Aninha lhes dissera.
80
Nesse caso e em muitos que temos visto, desencarnados imprudentes como Gilberto não
conseguem se aproximar enquanto o encarnado estiver protegido por esses fluidos.
Devemos dar mais valor a esse ato benéfico que é o passe. Os passistas devem vibrar
melhor, com caridade e amor para doar, e quem recebe deve fazê-lo com amor, confiança e
se esforçar para conservar o que recebeu, porque é de graça, mas é por graça.
Gilberto virou para Ernesto e falou, confiante:
- Ernesto, fique para escutar a conversa que Ana terá com minhas filhas e verá sua
derrota. Seu querido patrão ficará sem
a mulher amada. Gostar de Ana, que mau gosto!
- Está bem, se você ficar, posso também, pois não quero perder você de vista -
respondeu Ernesto.
- E você ficará, Aninha? - Perguntou Gilberto, rindo.
- Vou e lhe aviso, não vamos interferir, ficaremos só escutando. Não vou deixar você
fazer nada com as meninas.
- Não tenho feito nada com elas. Tenho a certeza de que elas irão embora. Não é a
vingança que sonhei, queria mesmo que Ana o matasse, mas sei que não conseguirei fazer
esta "mosca morta" matar o cara. Já sei, Aninha, não precisa repetir. E difícil, quase
impossível obrigar alguém que não tem má índole a fazer algo que não quer. Esta bobinha
não tem instinto assassino, não mata nem um rato. Disso já desisti, mas não de fazê-la ir
embora.
Gilberto concluiu acertadamente. E muito difícil obrigar um encarnado a fazer algo que ele
repele, que lhe é totalmente contrário. Todos nós podemos ouvir sugestões, mas fazer ou
não o sugerido depende de cada um. Gilberto desistiu sem tentar fazer da ex-companheira
uma criminosa. Muitos tentam por anos; se conseguem ou não, irá depender de quem
vencer. Os encarnados têm tudo para vencer, basta serem persistentes, se me lhorarem e
procurarem ajuda, que sempre encontram. Essa atitude facilita muito. Não é fácil, mas se
muitos conseguem, todos podem. E bem mais fácil o desencarnado perturbar, tendo como
objetivo as fraquezas daqueles que querem prejudicar. Se Ana tivesse o vício de roubar,
seria fácil fazê-la ladra; instinto assassino, fazê-la matar. Gilberto, percebendo que Ana
seria incapaz de matar, que preferiria antes morrer que tornar-se assas sina, desistiu desse
intuito, mas via a possibilidade de ela ir embora e passou a usar de todos os seus recursos
para que isso acontecesse.
Quando Ruth foi para sua casa à noite, Ana reuniu as meni nas na sala; o trio desencarnado
estava presente e prometeram
que só escutariam.
81
- Mãe, o que a senhora tem? Tem estado abatida. Está doente? - Indagou Vanessa.
- Não, filha, não estou doente. Tenho algo importante a dizer para vocês. Prestem atenção.
Vocês se lembram do acidente na
serra?
- Ah, mamãe, por favor, devemos esquecer aqueles fatos tristes, já passou - expressou
Livia.
- Lívia, deixe mamãe falar - pediu Vanessa.
Ana pediu que elas se aproximassem. As três se sentaram
juntinhas e ela falou:
- E que tenho visto, sentido, sei lá o que é, o pai de vocês. Gilberto tem me atormentado,
exige que vamos embora daqui porque, segundo ele, foi Gustavo que dirigia o outro
automóvel. Ele o chama de assassino.
Ficaram caladas por instantes. Lívia quebrou o silêncio, falando devagar, depois mais
exaltada e acabou chorando:
- Por favor, mamãe, pense bem no que irá fazer. A senhora acredita naquele homem? Meu
pai foi um bandido, mau, nunca se importou conosco, nem vivo nem agora, morto. Nunca
estive tão bem como agora. Coisas materiais? Sim, nunca tive tanto como agora, tudo o que
eu nem ousava pensar. Mas também tenho segurança. Na escola os amigos me respeitam.
"Olha - escuto -, esta é Livia, a enteada do senhor Gustavo". Será que meu pai não vê
tudo isso? Não passamos mais fome nem frio, não estamos presas àquele quartinho
enquanto a senhora trabalhava triplicado. Ele não tem o direito de nos pedir isso! Não tem!
Não quero ir embora, mamãe, por favor, por Deus. O se nhor Gustavo é tão bom! Queria
que ele fosse meu pai... Depois, quem é meu pai para nos pedir isso? Pensa que não
entendia os olhares dele para mim? Eram os mesmos de meu primo, aquele que mamãe
Aninha temia e não deixava que ficássemos perto dele. Eu entendia, a senhora percebeu e
não deixava que ficássemos a sós com papai, até foi ameaçada de ser surrada. Enten do
muito sobre isso, a vida me ensinou, meu primo, em casa com meu pai, no restaurante. Me
sinto segura com o senhor Gustavo, com ele fico sozinha, ele nunca me olhou com cobiça,
é uma pessoa honesta e boa. Não quero ir embora daqui! Não quero!
Abraçaram Ana e choraram. Vanessa falou meigamente:
- Calma, Lívia! Primeiro temos de saber se o que nosso pai fala é verdade. Infelizmente
ele não é confiável! Depois, lembro- as de que quem teve culpa no acidente foi ele, que foi
imprudente, exaltado, morreu por sua própria culpa e causou a morte de Rodrigo e
Marcelo. Se no outro carro estava mesmo o senhor
82
Gustavo, esse não foi culpado. Escutei os comentários das pessoas por lá. Também não
quero ir embora daqui. Mas quero ficar com a senhora e acatarei o que decidir. Mas por que
a senhora não pergunta ao senhor Gustavo? Ele lhe dirá a verdade. Se era ele quem dirigia o
outro carro, para mim não será diferente, gosto dele, sou grata por tudo que nos tem feito.
- Quando Gustavo chegar, depois de amanhã, conversarei com ele - falou Ana, decidida.
Foram dormir. Os três desencarnados ficaram calados, saíram para a varanda. Ernesto disse
a Gilberto:
- Puxa, que peste você foi e ainda é! incrível como você é
mau...
- Quem é você para me criticar? - Indagou Gilberto, nervoso
- Não se esqueça de que é um ladrão.
- Você também roubou, trapaceou, não pode me comparar com você, eu sempre fui bom
pai. Fiquei até arrepiado de ouvir o relato de sua filha. Tarado, você a desejava, e se não
fosse esta Ana, você teria abusado da garota. Você disse que elas iam que rerir embora,
mas parece que elas gostam mais do senhor Gustavo.
- Ordinário!
Partiu para cima dele, deu uns socos e recebeu muitos outros. Ernesto voltou para perto de
Gustavo e Gilberto foi para um canto da chácara. Aninha se pôs a orar
Ana dormiu melhor, protegida pelas energias que o senhor João transmitiu a ela. Gilberto
não conseguiu aproximar-se. Ficou resmungando:
"Devo ter paciência, essa energia irá sumir, tenho que impe di-la de voltar àquele lugar. Se
eu pudesse com essa Ruth que a levou! Mas ela também é protegida, está sempre orando,
pensando no bem e em ajudar. Vou ser persistente! Que ingratidão! Minhas filhas ficaram
do lado dele, do assassino!"
Ana decidiu, iria continuar indo ao Centro Espírita e contar tudo ao Gustavo assim que ele
chegasse. Novamente o trio desencarnado decidiu ouvir a conversa sem interferir, e
Ernesto avisou Gilberto:
- Se você se intrometer, vou lhe bater tanto que se arrependerá. Você merece ser surrado,
bateu em mulheres...
Ana esperou Gustavo com ansiedade. Quando ouviu o barulho do carro seu coração bateu
descompassadamente, foi à varanda, tentou sorrir ao vê-lo alegre descer do automóvel. As
meninas cumprimentaram-no, foram para a sala e ficaram aguar dando. Vanessa disse:
- Livia, vamos rezar?
83
Ajoelharam-se, ficaram orando e fluidos de paz envolveram casa toda. Gustavo, ao ver
Ana, notou que estava apreensiva.
- O que você tem, minha querida? Aconteceu algo enquanto eu viajava?
- Gustavo, preciso conversar com você. Vamos ao nosso
quarto.
Ele se sentou na cama e esperou que ela falasse. Ana não
sabia como começar, tinha ensaiado tanto, preferiu ser sincera e
falou a ele toda a verdade.
- Gustavo, tenho algo do meu passado que você não sabe. Não menti para você, apenas
não lhe falei tudo. Lívia e Vanessa
não são minhas filhas, são enteadas.
E contou tudo. Ao falar do acidente, Gustavo ficou branco,
arregalou os olhos.
- Foi você, Gustavo, que dirigia aquele automóvel?
Ele abaixou a cabeça.
- Me perdoe, Ana. Fui eu sim. Naquele dia, estava aqui na fábrica quando recebi um
telefonema de Lorena. Ela estava desesperada, chorando me disse que Júnior estava no
hospital sendo operado de uma apendicite aguda e que corria risco de vida. Levei comigo
Ernesto, um empregado de confiança, e par ti aflito, queria chegar logo e saber de Júnior,
temia que ele morresse. Ao ver a fila na serra, me desesperei, dei uma gorjeta ao
funcionário para passar na frente. Não entendi o porquê daquele homem vir para cima de
mim, do meu carro. Não tive culpa, sei que não deveria ter tentado passar à frente; se não
fosse por estar ansioso, não teria feito isso. Ele caiu no precipício. Apavorei-me quando
um senhor me disse: "Morreram, o motorista morreu! O senhor não teve culpa!" Apesar de
ter distribuído algumas gorjetas, ainda levava comigo uma grande quantia em dinheiro para
depositar no banco, pois não tive tempo de fazer isso aqui. Pedi ao Ernesto: "Fique aqui e
cuide de tudo, do enterro, da viúva, dê todo esse dinheiro a ela, só depois de tudo acer tado
vá embora
Gustavo fez uma pausa, passou a mão no rosto e voltou a
**- Mas, pelo visto, Ernesto não fez isso. Quando ele voltou, três dias depois, afirmou que
*tudo tinha sido feito e que só havia falecido o motorista. E Lorena exagerou. Júnior passou
pela cirur gia, mas tudo estava bem. Não esqueci esse episódio, me aborreci muito, mas não
tive culpa, como também achei que tinha amparado a família do morto. Ana, por favor, me
perdoe! Sei que deve ter sofrido muito com tudo isso. Sabe, quando a vi chegan do ao
restaurante com as meninas, senti algo diferente, como se
a
falar:
84
Novamente Juntos
conhecesse as três, como se precisasse protegê-las. Naquele dia, achei que era uma atração,
mas você se tornou importante para mim. Amo você! Queria que entendesse e ficasse
comigo.
Ana estava de pé, aproximou-se dele, sentou ao seu lado na
cama, olhou-o. Lívia tinha razão, Gustavo era bom, um homem
íntegro.
- Claro que o perdôo, Gustavo. Perdôo você! Entendo que não teve culpa. Realmente, esse
seu empregado não me deu o
dinheiro...
- Ele, tempo depois, contou a todos que ganhou uma quantia em aposta de corrida de
cavalos. Acreditei sem desconfiar,
ele era um empregado de confiança.
- Você o perdoa, Gustavo? - Perguntou Ana num ímpeto.
- Como não fazê-lo, Ana? Se agora mesmo pedi perdão a você e me perdoou. Foi você a
maior prejudicada. Perdeu dois filhos... Sim, perdôo Ernesto. Sabe, Ana, hoje cedo abri ao
acaso o Evangelho e sabe o que li? A parábola do senhor que perdoou o servo que lhe
devia dinheiro, e esse servo não perdoou o companheiro que lhe devia uma pequena
quantia. Quem não está carente de perdão para não perdoar? Ernesto morreu e quero que
ele esteja em paz. Não sabia que ele fez isso. Sabendo agora, o perdôo.
Ernesto chorou de soluçar. Aninha alegrou-se. Gilberto, mal-
humorado, ficou impassível, conforme o combinado, não por que tinha dado a palavra, mas
temeu a reação de Ernesto.
Ana escutou Gustavo emocionada e falou a ele calmamente:
- Gustavo, vamos esquecer tudo isso. As meninas são como filhas, eu as amo, peço-lhe
não dizer nada a ninguém. Aninha, a mãe delas, cuida dos meus filhos como mãe. Sabe,
Gustavo, esses dias foram difíceis, Ruth me levou para tomar passe num Centro Espírita
aqui perto, queria lhe pedir permissão para freqüentar esse local de orações.
- Você não tem religião, não é, Ana? Pois faz falta. Não precisa pedir, pode ir. E você
em razão, vamos esquecer esse acontecimento infeliz. Admiro-a mais ainda, minha
querida. Nunca mais falaremos sobre esse assunto, e que isso não interfira na vida tranqüila
que estamos tendo.
Ela sorriu e o abraçou.
- Vou tomar meu banho, estou cansado - disse ele.
Entrou no banheiro e ela correu até as meninas. Emocionou-se ao vê-las ajoelhadas orando.
- E aí, mamãe, é mentira? - Indagou Lívia.
- Não, Lívia, é verdade...
Contou a elas toda a conversa e finalizou:
85
- Gustavo e eu resolvemos esquecer esse fato triste. Ele não teve culpa e não vamos
embora daqui por isso.
- Ai, graças a Deus! Mil vezes obrigada, Nossa Senhora! Está certa, mamãe, vamos
esquecer. Mas o senhor Gustavo, sabendo agora que não somos suas filhas, nos tratará
diferente? Irá nos querer aqui? - Indagou Livia, preocupada.
- Lívia, para Gustavo, será como sempre. E eu sou mãe de vocês! - Expressou Ana.
- Devemos ser ainda mais gratas a ele! - Expressou Vanessa.
- Agiu certo, mamãe. Não só por nós, mas pela senhora. O se nhor Gustavo a trata como
merece. Eu a amo e gosto muito dele. Vamos esquecer esse assunto!
Gustavo saiu do banho, olhou para as meninas e falou contente
- Trouxe presentes!
Abriu a mala com os pacotes. Vanessa, com os olhinhos la crimosos, aproximou-se dele e
falou, emocionada:
- Senhor Gustavo, obrigada, muito agradecida. Gosto do
senhor!
E o beijou no rosto. Sorriram alegres e abriram os presentes.
Os três desencarnados foram para a varanda.
- Está contente agora, não é, Aninha? Perguntou Gilberto.
- Acho que foi o certo, Gilberto - respondeu ela.
- Bem, Ernesto, adeus! Você vai embora agora, não é? - Perguntou Gilberto.
Ernesto estava emocionado, ainda tinha lágrimas no rosto,
mas respondeu enérgico:
- Eu?! Claro que não!
- Como não? Você deu sua palavra que ia embora assim que o senhor Gustavo lhe
perdoasse. Isso já aconteceu e você vai fazer o que prometeu.
- Não vou, meu caro - respondeu Ernesto. - Não vou enquanto estiver por aqui
querendo fazer mal a este homem
honrado e maravilhoso.
- Você deu sua palavra! - Insistiu Gilberto.
- E um ladrão indigno tem palavra? Não vou e agora tenho mais motivação para defender
o senhor Gustavo com minha vida... Bem, não estou vivo, mas defendo-o com todas as minhas
forças - expressou Ernesto com convicção.
Gilberto retirou-se para seu canto, resmungando: "Não vou
desistir, não vou...
86
8
No Centro espírita
Ernesto redobrou a vigilância enquanto Gustavo estava na chácara. Passaram três dias
tranqüilos. Gilberto ficou de longe,
observando com raiva.
- Fale de seus filhos, Ana. Você deve sentir muita falta deles - pediu Gustavo.
Estavam sentados na varanda, ela não queria mais tocar no assunto, porém sentia vontade
de falar dos filhos a ele, contou do tempo em que os meninos estiveram ao seu lado, como
eram bonitos, alegres, como ela cuidava deles. Terminou dizendo:
- Eu os amo, serão sempre meus filhinhos queridos, creio que vivem em outro lugar bom,
lindo, e que tem Aninha por mãe, estão felizes e isso me basta. A vida não é sempre como
queremos, mas podemos viver bem com o que temos. Passei por tem pos difíceis, fui
irresponsável brigando com meu pai para ficar com Gilberto, sofri muito. O período em que
estive naquele restaurante foi muito ruim, trabalhava tensa, com medo de que alguém
mexesse com as meninas. Estou feliz aqui, tenho paz e elas estão tão bem! Quero agradecê-
lo, devo-lhe isso.
- Preferiria ouvir que você me ama, mas tenho paciência, um dia dirá. As meninas estão
chegando. Gosto delas, são educadas e boazinhas, vou ajudá-la e orientá-las na vida.
Gustavo foi embora na segunda-feira cedo e Ana não via a hora de ir ao Centro Espírita.
Foi antes do horário, sentou-se e orou. Aquele lugar lhe dava calma, sentia-se bem. Viu
algumas pessoas pegarem livros para ler numa estante e Ruth explicou:
- Podemos pegar livros emprestados, é só marcar no caderno; é permitido ficar com o
livro por até vinte dias.
- Quero pegar um - disse Ana. - Qual devo pegar para entender o que se passa
comigo?
- O Livro dos Espíritos, de Allan Kardec. E ótimo, mas talvez a senhora não o entenda.
- Vou pegar este; se não entender perguntarei a você.
Assim o fez. No horário marcado o trabalho começou com uma palestra. A convidada da
noite foi Antonina, que falou sobre um texto do Evangelho, e após as pessoas necessitadas
foram à sala de passes. Ruth disse a Ana baixinho:
87
- cada semana é uma pessoa que estuda um tema e fala sempre tentando ser clara e
simples. Depois temos o tratamento pelo passe, mas esse deve ser usado como remédio, só
quando for necessário.
Achando que estava precisando, Ana foi receber um passe
como da outra vez, sentiu-se muito bem.
Naquela noite começou a ler o livro e achou-o muito interessante. No outro dia, perguntou
a Ruth:
- Ruth só há o trabalho de segunda-feira no Centro?
- Não, senhora, há muitas atividades. Na quarta-feira há o grupo de estudo; estamos
estudando O Livro dos Médiuns, de Allan Kardec; na quinta-feira temos um trabalho de
orientação a desencarnados, de desobsessão; no domingo tem evangelização infantil e
encontro de jovens para estudar a Doutrina. Também nos reunimos aos sábados à tarde para
costurar e ajudar famílias carentes.
- Posso ir? - Perguntou Ana.
- Será bem-vinda. Só aconselhamos a não ir aos trabalhos de desobsessões sem um
preparo. Venha comigo às quartas-
feiras, a senhora gostará de conhecer nosso estudo.
Ana resolveu ler e estudar O Livro dos Espíritos e o fez em todo seu tempo disponível. Pôs-
se a meditar já na primeira página sobre os dizeres: "Contendo os princípios da Doutrina
Espírita sobre a imortalidade da alma, a natureza dos Espíritos e suas relações com os
homens, as leis morais, a vida presente, a vida futura e o futuro da humanidade segundo o
ensinamento dado pelos espíritos superiores com a ajuda de diversos médiuns. Compilados
e ordenados por Allan Kardec"
- Acho - Ana falou baixinho - que é isso que necessito saber para resolver meus
problemas e ajudar Vanessa, que sempre
ouviu e viu Aninha, que é uma desencarnada.
Quem não gostou foi Gilberto, que resmungou:
- Que chato! Ana só fica lendo esse livro e não me dá atenção. Se fico perto dela, escuto-
a ler; acho que terei de dar uma
pausa, devo ter paciência...
- Gilberto! - Chamou Aninha.
- Você de novo? - Respondeu ele. - O que quer?
- E bom você cultivar a paciência.
- Não me amole! Não me ridicularize, acharei um jeito de Ana fazer o que quero. Nunca
tive muita paciência...
- Não quer saber o que Ana está lendo com tanto interesse? Você não tem curiosidade de
conhecer as muitas formas de viver sem o corpo físico? Você sabe tão pouco sobre isso.
Aqui está o livro que Ana lê, dou a você para que faça o mesmo.
e,
88
Aninha deu a ele O Livro dos Espíritos; ele pegou e riu.
- Muito grosso! Acha mesmo que vou ler isso? Nunca me interessei por livros... Li alguns
pornográficos...
- Perdeu oportunidade de se instruir quando estava encar nado, não a recuse agora -
falou Aninha com tranqüilidade.
- Como conseguiu este livro? E igual ao que Ana lê, mas tem algo diferente. Como ele foi
feito? - Perguntou Gilberto, curioso, examinando o livro.
Aninha sorriu e respondeu, elucidando:
- Você não está vestido? Também tenho roupas. São plasmadas, pode-se fazer muito com
a força da mente, pela vontade. Aprenderá isso e muito mais lendo..
Gilberto pareceu interessado, mas inesperadamente jogou o
livro fora, no chão do jardim.
- Não o quero e não me amole...
Foi para seu canto, Aninha pegou o livro.
"Você ainda irá ler, Gilberto, irá sim!"
Gilberto pensava em Ana e recebia seus pensamentos, o que lia no livro.
"Que chato! Não agüento mais essa baboseira!"
Quis ir embora por uns tempos, pensou e não achou para onde ir. Resolveu esperar o
entusiasmo de Ana passar, esse cer tamente passaria, e se pôs a observar Ruth; ela não
deveria ser tão certinha como parecia ser.
Ana chegou ao capítulo 9 - "Intervenção dos Espíritos no
Mundo Corporal". Na resposta da pergunta 474 leu muitas vezes
o trecho: "Mas saiba que essa dominação não se faz jamais sem
a participação daquele que a suporta, seja por sua fraqueza,
seja por seu desejo"
"é isso que acontece - pensou -, tenho deixado Gilberto
interferir na minha vida, tenho escutado-o. Que coisa! Estou
descobrindo um mundo novo e estou gostando!"
Na quarta-feira foi com Ruth ao Centro Espírita. Esta apresentou-a ao grupo:
- é minha patroa, dona Ana, que está atravessando um perío do difícil e quer freqüentar o
grupo de estudo para que possa
entender o que se passa com ela.
- Seja bem-vinda!
Após uma oração, foi aberto O Livro dos Médiuns e o senhor
João explicou:
- Estamos estudando o livro de Kardec sobre mediunidade.
Ana resolveu não atrapalhar; mesmo que não entendesse, não perguntaria nada. Segundo
Ruth, era lido um texto e faziam comentários. Mas antes de começar a leitura, uma senhora
indagou:
89
- Senhor João, é mesmo necessário o médium estudar? Conhecer a Doutrina? Não é
preferível ele ter boa vontade e trabalhar?
- é importante ter boa vontade e trabalhar, não adianta nada só ter conhecimento. Aquele
que só conhece e nada faz com o que sabe, a meu ver, é como aquela figueira da qual Jesus
falava aos seus discípulos, que não dava frutos. Mas também vejo um médium que não quer
estudar como alguém que quer fazer um farto jantar e não entende nada de culinária. Só
entrar na cozinha (Centro Espírita) e ser cozinheiro (médium) não fará com que o jantar
saia a gosto. Muitos médiuns que não estudam põem a culpa das bobagens que fazem nos
desencarnados que recebem. Há muitos desencarnados sem conhecimentos, mas também,
como muitos encarnados não querem estudar, o trabalho que fazem poderia ser bem
melhor. E muitos desencarnados não conseguem passar o que sabem ao médium por este
não ter conhecimento. Agora, se unir os fatores, conhecimento, vontade e disposição, o
trabalho sairá do melhor modo possível; e se unir o amor aos ingredientes, aí sim,
estaremos seguindo o exemplo de Jesus, dos espíritos superiores. Agora vamos abrir o livro
no capítulo 23* e continuar onde paramos: ler as questões 242 e 243.
Ana escutava fascinada, e um senhor fez uma pergunta:
- O desencarnado que persegue um encarnado tem consciência de que ocupa seu tempo
indevidamente? Por que existe
tantos a obsediar?
Senhor João respondeu, elucidando:
- Como já vimos e veremos no decorrer deste capitulo, desencarnados obsediam por
muitos motivos. Poderia responder simplesmente: pela falta de perdão. Isso resumiria tudo.
Porém, o assunto é mais abrangente. Há desencarnados que se iludem, querendo continuar
vivendo como encarnados e para isso têm de vampirizar, roubar energias alheias para se
sentirem alimentados, porque não sabem tirar das fontes naturais energias para si. Essas
obsessões são simples de resolver, principalmente para os encarnados que nos procuram;
aos desencarnados é oferecida ajuda; tendo o livre-arbítrio, podem aceitar ou ir procurar
outro encarnado para vampirizar. Há obsessões pelo amor sem com preensão, o
desencarnado quer ficar perto de seu afeto e às vezes pensa até que o ajuda. Mas ninguém
faz sem saber, sem poder. Esses também são quase sempre de fácil solução, por que o
desencarnado, ao compreender que está errado, querendo bem o ser amado, aceita aprender
a ser útil para ajudar mais
O Livro dos Médiuns, cap. 23, "Da obsessão" (N. E.).
90
tarde. Os que não perdoaram perseguem com rancor, necessi tam ambos, desencarnado e
encarnado, compreender a necessidade de perdoar e fazer o bem.
O senhor João fez uma pequena pausa e continuou:
- Estou me lembrando agora de uma historinha que há tempo li e adaptarei para melhor
ilustrar esse fato.
"Um homem, vamos chamá-lo de José, andando pelo campo, chegou à margem de um
riacho. Embora não fosse fundo, era largo. Viu um senhor idoso e tudo indicava que queria
atra vessar. José aproximou-se e ofereceu:
"Precisa de ajuda, senhor?'
"Bom jovem, queria atravessar este rio, porém estou doente
e não posso me molhar.'
"Sou forte, se o senhor quiser posso carregá-lo até o outro
lado.'
"O senhor aceitou sorrindo e José o colocou nos ombros e o levou ao outro lado.
"Obrigado, meu caro - agradeceu o velho. - Você acaba de
ser testado por mim, um gênio, o senhor do destino dos homens'.
"José se assustou ao ver aquele velho se transformar e teve
diante de si um homem bem-vestido, alto e forte.
"José, não se assuste. Por ter me prestado um favor, lhe farei
outro. Levarei você até a gruta onde está o livro do destino. Vou
deixá-lo lá por três minutos e poderá escrever nele o que quiser.'
"E José foi transportado rapidamente pelo gênio até a gruta.
Foi tão rápido que não deu tempo de ele saber onde ficava tão
famoso lugar
"Aqui está o livro, uma caneta e lembre-se, tem três minutos! - Disse o gênio e se
retirou, deixando José sozinho.
"E abriu o enorme livro e logo achou a página em que estava
escrito o seu nome. Mas pensou: 'Tenho uma ótima oportunidade de me vingar dos meus
inimigos'. Eram três os seus desafetos.
"Rápido, procurou o nome do primeiro, achou a página dele e escreveu: 'vai ficar cego'.
Procurou o segundo e, achando, anotou: 'vai ficar na miséria'. E assim fez com o terceiro,
e determinou: 'vai morrer só e abandonado'. Quando ia procurar seu nome novamente,
surgiu o gênio e lhe disse:
"Seu tempo acabou!
"E José se viu transportado como um raio para a margem
do rio.
"E sabem que aconteceu com o José dessa singular história? Foi abandonado pela esposa e
filhos, ficou só, na miséria e cego. E pior, se lastimando, porque se ele não tivesse perdido
tempo com seus inimigos, certamente teria uma vida diferente.
91
do
"Certamente que o livro do destino não existe como é narra- nesse conto, mas existe o que
fazemos, as nossas ações.
"Tantos como José passam a existência preocupados com os desafetos, esquecendo de fazer
algo de bom para si, e pior, continuam após a desencarnação a se preocupar com aqueles
que julgam ser seus inimigos.
"Se esquecermos os desafetos e nada fizermos para prejudicá-los, não teremos do que nos
lastimar, como José, que poderia ter prestado mais atenção nos afetos e não seria
abandonado, ter se dedicado mais ao trabalho e não acabaria na miséria, vibrar melhor no amor
e não ter adoecido. Se o desencarnado, em vez de querer se vingar, tivesse procurado o
bem, iria ter a saúde proveniente do equilíbrio espiritual, teria o merecimento de ser
abrigado numa Colônia e desfrutaria das belezas que nenhuma riqueza material pode dar.
Deveria ter feito amigos e prestado mais atenção neles, porque possuir amigos é nunca
estar só ou se sentir abandonado.
"O tempo passa e não tem retorno. Temos visto muitas pessoas desperdiçá-lo em magoar
os outros, em se vingar, sendo que poderia estar fazendo algo de bom para si mesmo.
Entenderá um dia, como José, que não vale a pena alimentar mágoas, porque o que
desejamos aos outros é o que atraímos para nós."
A aula, o estudo da noite terminou. Ana achou que passou rápido e pensou: "Quero me ver
livre de Gilberto, mas não pensei em ajudá-lo. Creio que tenho de mudar esse meu modo
de agir, devo auxiliá-lo, não sei como, mas irei aprender. Afastan do-o, resolverei o meu
problema, mas o dele não; porém, se orientá-lo, ajudando-o, aí sim, solucionaremos a
questão".
- Ruth, queria ler o livro que estudam. Logo acabarei de ler O Livro dos Espíritos e creio
que terei de fazê-lo muitas vezes até que assimile o que está escrito nele. Mas esse assunto,
obsessão, me fascina, quero ler para na próxima aula ter alguns conhecimentos e entendê-
la melhor.
- Tenho um exemplar em casa, emprestarei à senhora.
No trabalho de desobsessão na quinta-feira, Aninha conversou com os trabalhadores
desencarnados do grupo.
- Peço-lhes, se possível, para orientar pela incorporação Ernesto e Gilberto.
- Aninha, já havíamos marcado para atendê-los - respondeu um dos orientadores. -
Quando dona Ana aqui veio, perce bemos a necessidade de orientá-los. Logo mais os
traremos.
Faltavam alguns minutos para iniciar o trabalho, alguns encarnados haviam chegado,
inclusive Ruth. Os trabalhadores
desencarnados da casa foram até Ernesto e o trouxeram. Ele
92
estava junto de Gustavo; sem entender como, sentiu como se voasse e se viu no Centro
Espírita, naquela sala simples com bancos, uma mesa e cadeiras. Olhou tudo assustado, e
um trabalhador da equipe o acalmou:
- Senhor Ernesto, não tenha medo, aqui estamos reunidos pelo amor de Cristo para ajudar
todos os necessitados. Sou desencarnado como você, o trouxemos aqui para que receba
uma orientação.
- Como vim parar aqui?
- Dois amigos foram buscá-lo. Você não os viu porque com sua atitude e pensamentos
vibra diferente, e eles assim preferiram para que viesse rápido. Agora nos vê porque
estamos preparados para isso, para melhor ajudá-lo. Esses dois companheiros o pegaram
pelo braço e o conduziram volitando até aqui. Volitar é se locomover pela força do
pensamento. E como voar pelo espaço. Não se sente bem?
- Tenho medo! - Exclamou Ernesto.
- Não precisa temer, está entre amigos.
O orientador afastou-se. Ernesto viu muitas pessoas orando e se pôs a orar também. Como
o exemplo é importante! Os encarnados esperavam o início em preces, levando muitos
desencarnados a orar também, e tudo é facilitado com os fluidos da oração. O medo de
Ernesto passou e ele ficou quieto, aguardando.
Buscaram também Gilberto, este se encontrava na chácara. Agiram do mesmo modo, pois
esse processo é bastante usado. Para evitar discussões ou tentativa de agressão por parte dos
socorridos, os socorristas não se fazem visíveis, pegam aquele que vieram buscar e volitam
com ele, que não entende como foi de um lugar para outro tão rápido. Gilberto até tentou
reagir, não conseguiu e rapidamente estava no Centro. Então viu dois se nhores ao seu lado
e começou a gritar, espernear, tentou agredir e foi imobilizado. Dessa forma o
desencarnado se sente amarrado, não pode se mexer. Tenho visto em alguns lugares que
esses rebeldes são realmente amarrados por cordas, correntes, materiais plasmados pelos
trabalhadores locais*. Porém, isso não é preciso, a força de pensamento de quem sabe
utilizá-la imobili za o socorrido para que ele não tumultue o ambiente. E Gilberto foi
impedido até de falar para que não xingasse, ficou apenas ouvindo e enxergando.
- Senhor Gilberto - explicou um orientador -, ficará assim até que se comporte, não
queremos machucá-lo nem que nos
machuque. Aqui é um lugar de orações e exigimos respeito.
Os espíritos, quando necessário, manipulam energias e plasmam, ou seja, formam o
material de que precisam com essa energia (N. E.).
93
Trouxemo-lo aqui na tentativa de ajudá-lo para que tenha uma vida melhor.
Gilberto ficou tenso, observou tudo e pensou:
"Estou no meio de carolas que só rezam.
O desencarnado escalado para receber orientação por um intercâmbio se aproxima de um
médium, essa aproximação é de vinte a oitenta centímetros, embora varie muito, mas não
há necessidade de o desencarnado se aproximar muito do encar nado. Este incorpora só as
sensações e transmite os pensamentos, ele fala e o médium repete o sentido ou, às vezes,
palavra por palavra.
Gilberto ficou atento. Observou Ruth que, sentada numa
cadeira à mesa, repetia o que um desencarnado falava.
Foi a vez de Ernesto, que respondeu ao cumprimento do
dirigente encarnado e foi sincero.
- Gostei daqui!
- Que bom! - Respondeu o orientador. - Convido-o a ficar conosco.
- Não posso! Tenho algo importante a fazer. Aqui teria sossego, aprenderia, talvez seria
até feliz. Mas errei e tenho, de alguma forma, de reparar o que fiz para ser digno desse
benefício. Peço-lhes, suplico que me recebam depois. Se aquele ali que quer prejudicar a
quem tanto devo ficar e não fizer mais o mal, eu fico. Caso ele não fique, deixe-me ir e
proteger meu benfeitor.
- Você sabe fazer isso? - Indagou o orientador.
- Pensava que sim, mas agora tenho dúvidas.
- Entendemos você. Terá nosso auxílio. Um amigo da casa o
ajudará.
- Eu agradeço! Deus lhe pague!
Foi a vez de Gilberto. Aproximou-se de um senhor e, quando
pôde falar, xingou. Mas o médium ficou quieto.
- Por que ele não repete? Fez com os outros!
Aí o médium repetiu e o orientador explicou:
- Se você agredir será imobilizado novamente. O médium é esclarecido, educado nas suas
faculdades e não tem por que repetir suas palavras agressivas. Seja educado! Respeite o
lugar em que está!
- Não vim aqui porque quis! Não quero estar neste local que me incomoda.
- Você está incomodando os outros! Desperdiça seu tempo, poderia usá-lo para o seu
bem-estar.
- Não tenho nada que fazer... - Expressou Gilberto.
- Todos nós temos, não quer aprender a viver de outro modo? Conhecer lugares próprios
para os desencarnados?
94
Novamente Juntos
A conversa durou alguns minutos e Gilberto estava irredutível. Foi afastado do médium e
ficou imobilizado numa parte própria.
Com uma bonita oração encerraram os trabalhos. Gilberto
foi solto e voltou para a chácara.
"Tenho muito que aprender. Esses desencarnados são sabidos, gostaria de voar como eles;
mas uma coisa aprendi, a falar por meio de um encarnado. E aquela Ruth é um deles. Agora
ela verá o que acontece com quem se intromete nos meus planos."
Ana pegou de Ruth O Livro dos Médiuns e já na primeira página leu e releu o texto:
"Contém o ensino especial dos Espíritos sobre a teoria de todos os gêneros de
manifestações, os meios de comunicação com o mundo invisível, o desenvolvimento da
mediunidade, as dificuldades e os tropeços que se podem encontrar na prática do
Espiritismo"
"São livros para serem estudados, lidos muitas vezes, e eu o
farei!" - Exclamou decidida.
Gilberto estava inquieto, andava pela chácara, se pôs a pensar: "Preciso achar algo para
fazer já, senão serei derrotado. Mas
o quê?"
Pela manhã o jardineiro, senhor Nicanor, que era realmente uma pessoa boa, honesta,
trabalhadora e que gostava muito dos patrões, chegou nervoso, e Gilberto logo se
aproximou. Tinha brigado com a esposa e estava aborrecido, insatisfeito, e isso bastou para
que o ex-companheiro de Ana pudesse influenciá-lo.
Senhor Nicanor não era um médium* com sensibilidade suficiente para fazer intercâmbio
espiritual. Todos somos médiuns; no entanto, há os que têm mais ou menos sensibilidade.
Esse jardineiro vibrava bem e Gilberto não tinha nem como chegar perto dele, e quando o
fazia sentia-se incomodado, às vezes repelido. Muitos pensam que são só desencarnados
bons que não deixam os imprudentes e maus se aproximar dos encarnados. E a vibração do
próprio encarnado que os repele.
"Brigue mesmo! - Disse Gilberto ao senhor Nicanor. - Mulher tem de apanhar para
ficar obediente! Você trabalha tanto
para quê? Eles não dão valor!"
Senhor Nicanor captou alguma coisa e suspirou. Sentia realmente isso, então se afinou com
Gilberto, que se deliciou. Mas
não lhe importavam as brigas dele, e teve uma idéia.
"Nicanor, tudo que está acontecendo é porque a Ruth vai
naquele lugar horrível que mexe com o diabo e ele anda à solta
Mediunidade: é a capacidade de nos comunicarmos com o mundo espiritual, seja em sonho,
por meio da intuição ou de qualquer outra maneira. Todos somos médiuns, pois
a influência dos espíritos se exerce sobre nós de alguma forma (N. E.).
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por aqui atrapalhando todos! está até levando a
patroa. Você tem de abrir os olhos
dela! Tem! E empregado de confiança do senhor Gustavo. Dona Ana é boa e tem de ser
alertada. Tudo isso é por causa do demônio!
Senhor Nicanor pensou, parou de trabalhar e concluiu:
"Tudo estava bem até dona Ana ir ao Centro Espírita. E meu
dever de empregado avisá-la, a coitadinha não deve saber do
perigo que corre."
Nisso Ana sentou-se à varanda. Gilberto insistiu:
"Vá lá, Nicanor, e fale com ela!"
Incentivado por Gilberto, o jardineiro foi impulsivamente conversar com sua patroa,
querendo ajudá-la. Não era do temperamento dele se intrometer, mas achou que deveria
alertá-la. Cumprimentou-a, tímido, e foi logo falando para não perder a coragem:
- Dona Ana, a senhora é pessoa boa, gosto muito do senhor Gustavo e me vejo na
obrigação de avisá-la. Não deve ir àquele lugar, láno tal do Centro Espírita. Os espíritas
mexem com o demônio. E sim! Eles falam com o diabo! Eu... bem... desculpe-me, mas tive
de falar para a senhora não ser enganada. Vou indo!
Senhor Nicanor afastou-se e se pôs a pensar:
"Se é o demônio que está fazendo eu brigar com minha esposa é porque o escutei e atendi.
Vou lá em casa pedir desculpa, dizer para Maria acender uma vela para Nossa Senhora e
vou trabalhar orando."
E Gilberto foi repelido.
"Que coisa difícil é mexer com pessoas boas! Que coisa!" - Resmungou ele.
Mas Ana ficou pensando no que o jardineiro lhe disse e Gilberto ficou contente. Ela foi à
procura de Ruth, que estava lavan do roupa, e indagou:
- Ruth, é verdade que os espíritas mexem com o diabo?
Ruth sorriu, achando graça, e respondeu:
- Dona Ana, será que precisamos mexer com o diabo? Não é ele que nos tenta? Vou
explicar à senhora para que não tenha medo. Todos os espíritos rebeldes às Leis Divinas
são impruden tes que seguem por algum tempo o caminho do mal. São os opositores, é
certo que entre eles há alguns muito maus, que são tachados de diabo, demônio e tantos
outros nomes. Existem mediunismos, pessoas com mediunidade que usam dessa faculdade
para prejudicar outros ou em benefício próprio, podendo invocar esses espíritos. Mas não é
nosso caso. O que a senhora viu ali? Um lugar cristão, de estudo evangélico e que só faz o
bem.
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Dona Ana, há religiões que também fazem esse intercâmbio, só que desencarnados bons
são chamados de espírito santo; os que ainda não tiveram orientação e os maus,
denominados de de mônio. E muitos desses espíritos, tachados de diabos e outros nomes,
basta receberem uma orientação, serem encaminhados, para deixar de praticar o mal. E isso
que tentamos fazer, orientar, encaminhar espíritos que vagam, imprudentes e trevosos, e os
Centros Espíritas sérios o fazem. Instruir irmãos a seguir o bom cami nho é uma grande
caridade.
Ana entendeu e se deu por satisfeita, mas Gilberto ficou furioso
"Que coisa! Nada dá certo! Vou observar bem essa Ruth. Vou incorporar. Palavra estranha,
dá impressão que se pode entrar no seu corpo, mas isso não acontece. Vou fazer como no
Centro Espírita!"
Aproximou-se de Ruth, que o sentiu. Médium estudiosa, ela sentiu a vibração
desconfortável de Gilberto e reconheceu ser um desencarnado mal-intencionado. Por isso e
por outros moti vos é aconselhado àqueles que têm mais sensibilidade estudar
(desenvolver), aprender a lidar com essa faculdade para melhor ajudar e para defender-se. E
devemos conhecer desencarnados pelos fluidos, que não são modificáveis, porque muitos
desses desencarnados imprudentes sabem modificar a aparência peris piritual e podem
tomar a forma, a semelhança do que quiserem. Mas as vibrações, essas não enganam. Bons
transmitem tranqüilidade, bem-estar; maus, desconforto. Mas é só com a experiên cia que
se consegue realmente distinguir.
Ruth pensou no seu protetor e esse, em instantes, estava ao
seu lado. Gilberto franziu a testa e tentou explicar:
- Só queria incorporar, ela faz isso lá no Centro Espírita.
- Disse bem, meu amigo, no Centro Espírita e em horário próprio, o que não é o caso
agora.
- Pensei que poderia fazer isso a qualquer hora - disse ele, dando um risinho.
O protetor desencarnado de Ruth sorriu tranqüilamente. Olhando de maneira serena, mas
com autoridade, elucidou-o:
- Quando um médium faz jus a uma proteção, isto é, trabalha com sua mediunidade para
o bem, tem um companheiro desencarnado que o protege. No caso de Ruth, trabalhadora as
sídua, me tem como protetor, amigo de trabalho, e eu não vou permitir que você a
prejudique!
- Você é babá de encarnado? Belo trabalho! - Zombou Gil berto, rindo cinicamente
97
- Não -
amigo, nao sou babá, sou companheiro E não fico o tempo todo ao lado dela. Tenho meu
trabalho, mas estou ligado a ela para atender a qualquer chamado e protegê-la. Fico com ela
nas situações difíceis e de perigo como amigo e colega. Faço um trabalho em que posso me
ausentar e atendê-la em instantes.
Gilberto se afastou, irritado. Ruth se tranqüilizou, sentindo a
presença de seu protetor, e esse trabalhador desencarnado, de pois de tudo acertado,
afastou-se, tinha muito que fazer.
Um desencarnado para ser protetor, guia, orientador de um encarnado, precisa se preparar
para isso, e mesmo com essa preparação só protege encarnados se estes fizerem por
merecer, isto é, se forem úteis trabalhando com sua mediunidade. Porém, os orientadores
não ficam vinte e quatro horas à disposição, a não ser que o médium atenda muitas pessoas
por dia, como o senhor João fazia, ou em ocasiões especiais de um ataque de espíritos
trevosos. No caso de Ruth, médium que freqüentava um Centro Espírita para trabalhar em
horário fixo, seu protetor trabalhava também em outro local, num posto de socorro, mas
estava ligado a ela para atendê-la quando precisasse.
Quando o médium trabalhador se ausenta do trabalho útil, se for por motivo justo, por
doença, a proteção continua. Mas se o médium se afasta sem motivo, a proteção termina,
porque o desencarnado tem trabalho a fazer e não lhe é permitido proteger alguém que não
faz por merecer. O desencarnado preparado para esse trabalho sabe bem como agir e não
está lá para facilitar ou fazer o que é tarefa do encarnado. Só age como esse ami go de
Ruth, não deixando que abusos aconteçam. Mas muitas vezes o protetor tem dificuldades
porque o encarnado afina com o desencarnado mal-intencionado. Mas médiuns estudiosos,
trabalhadores, só passam por esses apertos para aprender, porque é necessário se tornarem
auto-suficientes para serem realmente úteis. Há também, conheço muitos, protetores não
preparados que ajudam, mas, sem o conhecimento necessário, deixam de fazer muita coisa
ou fazem incorretamente. Ninguém fica sem proteção, principalmente quem faz e conserva
amigos. As vezes o protetor não faz, mas um outro que ama faz, protege mais. Quem tem
amigos tem mais coisas do que imagina. Também tenho visto desencarnados familiares
auxiliarem muito. Nessa história, vimos Aninha ajudando, só que, espírito esclarecido,
pediu permissão e ajudou com sabedoria, deixando Ana procurar auxílio para aprender,
mas ficou atenta para que Gilberto não se excedesse. Os médiuns não devem por qualquer
motivo pedir a intervenção do seu mentor, não incomodar tanto o desen carnado que os
protege. Espíritos laboriosos têm sempre o que
98
fazer. Gilberto ironizou chamando o protetor de Ruth de babá. Não são. Os mentores
devem ser vistos e tratados como compa nheiros, amigos, e respeitados pelo muito que
fazem.
Gilberto foi para seu canto preocupado, as coisas para ele
não estavam saindo bem e resmungou:
"Malditos espíritas!"
99
9
Ajudando Gilberto
O final de semana transcorreu tranqüilo. Gustavo chegou e Ana estava como antes.
Conversaram alegres, trocaram idéias; as meninas entenderam que para ele não fez
diferença saber a verdade e isso as tranqüilizou.
Na segunda-feira Ana foi com Ruth ao Centro Espírita, continuou a ler os livros de Kardec,
agora com mais atenção, meditando sobre os ensinamentos.
Um orientador desencarnado do grupo passou a se encontrar com Ernesto, a conversar com
ele.
- Ernesto - elucidou -, não deve ficar tão perto do senhor Gustavo, ore mais, aproveite
o tempo para ler esses livros.
- Obrigado, farei direitinho o que você diz - respondeu com sinceridade o ex-empregado
de Gustavo.
- Ernesto, ficarei vigiando para você; vá ao Centro Espírita, teremos hoje uma palestra
interessante para desencarnados.
Ele passou a ir sempre que convidado, estava gostando de participar das reuniões, entendeu
que deveria ser bom demais poder ficar com aqueles novos amigos, compreendeu que ne
cessitava ajudar Gilberto, porque se este desistisse de se vingar, ele poderia ir embora e
viver dignamente a vida desencarnada.
Centros Espíritas laboriosos não têm só atividades para encarnados, o trabalho abrange
desencarnados, há socorro médico, palestras educativas, normalmente um pronto-socorro
vinte e quatro horas por dia para os necessitados.
Gilberto passou a observar Ruth mais atentamente. Um dia
a viu olhando as meninas brincarem no jardim, elas riam e cantavam alegres. Ele escutou
seus pensamentos:
"Meu filho teria quase a idade delas, como me arrependo
por ter feito aquilo!"
"Aquilo o quê? - Indagou Gilberto, olhando-a fixamente. - Vamos, pense! Quero saber!
Teve um filho?"
Ruth lembrou e Gilberto escutou:
"Era tão sonhadora, amei, fiquei grávida, me desesperei e
abortei...
"Ah! Não é tão certinha assim! E "abortadeira"! Não sabe
que é pecado? Errou e dá uma de santinha! Trabalha lá em nome
do Senhor! Imprestável! Não é digna e dá uma de honesta!"
100
Ruth recebeu de forma confusa os pensamentos de Gilberto e infelizmente deu ouvidos a
ele; se segurou para não chorar. Aninha observou a cena, intuiu Ana a ir até ela e, ao vê-la
quieta olhando as meninas, sentiu que Ruth estava triste, angustiada, aproximou- se:
- Ruth, o que tem? Está se sentindo mal?
A interpelada não respondeu, abaixou a cabeça. Ana preocupou-se. Ruth era tão prestativa,
trabalhadeira e bondosa. Descuidou-se, esqueceu que a ajudante dos serviços de casa
poderia ter problemas.
- Se eu puder ajudá-la... Sentemos aqui. Não quer conver sar, contar o que se passa? Está
doente? Vou levá-la ao médico.
Quer uns dias de folga?
Ruth sentou-se ao lado de Ana e falou baixinho. Gilberto ficou
atento, Aninha também, só que ele não a viu.
- Dona Ana, estava olhando as meninas e me emocionei. Obrigada, não estou doente nem
quero folga. E que me lembrei de fatos passados e fiquei triste. Sabe, poderia ter um filho
ou filha para alegrar minha vida, talvez estivesse brincando agora com as meninas, seria da
mesma idade.
- Você teve um filho? - Perguntou Ana.
- Não o tive, não o deixei nascer, matei-o! - Ruth respondeu segurando o choro.
Quietaram-se por instantes.
- Abortou? Conte-me, Ruth. Fará bem a você falar.
- Não menti quando falei de mim. Me dava bem com minha ex-patroa, ela tinha um filho
casado que vinha sempre visitá-la. Amei-o! Ele percebeu e começou a me dar mais atenção
e nos tornamos amantes. Porém, deixou claro que não ia abandonar a esposa. Qreio que ele
nunca me amou. Fiquei grávida, me apavorei, ele disse que até me ajudava
financeiramente, mas deveria jurar que não falaria a ninguém que o filho era dele. Sabendo
de uma mulher que fazia aborto, fiz. Me arrependi muito. Dona Eugênia, minha patroa, não
ia me desamparar; eu passaria por dificuldades, mas quem não passa? Se tivesse agora ele
ou ela comigo, teria alguém meu para me preocupar, amparar, uma pessoa a me chamar de
mãe, que me daria um beijo carinhoso. Arrependo-me tanto! Cometi um erro grave e pago
por ele. Um filho é uma bênção e seria minha alegria...
- Você ainda é jovem, Ruth, poderá ter outros filhos... - Falou Ana, animando-a.
- Não teria um filho só por ter e, além disso, não posso mais tê-los. Dona Ana, o aborto
foi malfeito, ficaram seqüelas e eu não posso mais ser mãe... Se vier a encontrar alguém,
falarei a ele do meu problema.
Gilberto ironizou:
lo
"Então a santinha do pau oco abortou! E fica aí dando lições de moral! Hipócrita!"
Ruth começou a chorar.
- Dona Ana, acho que não vou mais trabalhar no Centro Espírita. Sou indigna! Não
presto para nada. No Espiritismo é ensina do que não devemos praticar aborto. Impedi um
espírito de
reencarnar. Já pedi muitas vezes perdão a Deus e a esse espírito.
- Ruth, você sabe que moro aqui com Gustavo sem ser casada e que também não o fui
com o pai das meninas. Creio que é difícil encontrar alguém que não tenha errado.
Compreendo você, deve ter passado por um período difícil e se desesperou.
Escutaram bater, palmas.
- Posso entrar? O de casa!
- E o senhor João - disse Ruth se levantando.
Ele aproximou-se, cumprimentou as duas. Ana o convidou:
- Entre, senhor João, sente-se conosco um pouquinho. Que agradável surpresa!
- Fui fazer uma visita aqui perto e me deu uma vontade de passar aqui...
- Pelo pouco que sei, acho que não foi por acaso. Ruth estava me dizendo que acha que
não vai mais trabalhar no Centro Espírita porque se acha indigna e eu estou pensando que
também sou.
- O Espiritismo não quer pessoas perfeitas, mas sim as que têm vontade de melhorar.
Também me acho imperfeito, e se remoemos os erros do passado podemos nos achar
indignos de trabalhar no bem. Mas não devemos nos esquecer da misericórdia, da bondade
de Deus, que nos dá oportunidade de corrigir nossos erros, trocar vícios por virtudes,
progredir, e para isso temos o próximo para ajudar, porque auxiliando é que temos a grande
oportunidade de aprender. Lembro a vocês que Jesus não condenou a mulher adúltera, só
pediu a ela para que não voltasse a pecar. Madalena, a mulher pecadora narrada no Evan
gelho, tornou-se discípula de Jesus e amou muito pelo muito que errou. Temos muitos
exemplos, basta ler os Evangelhos. Sábios, prudentes são aqueles que reparam seus erros
com trabalho edificante. Não devemos nos julgar piores pelos erros do passado, e que esses
sejam lições para não errarmos mais e acertar no presente. Você, Ruth, é uma boa
colaboradora. Acha- se indigna? Não creio, não a julgo. Pense, se errou, muito tem de
amar, o amor anula erros. E a senhora, dona Ana, será sempre bem-vinda à nossa casa, não
se prive de aprender.
- Obrigada, senhor João - expressou Ruth, emocionada. - O senhor tem razão, não sei
por que tive esses pensamentos. Vou
lhe fazer um cafezinho.
102
- A mim?! Incrível! - Disse Gilberto, rindo.
faz
Ernesto.
O visitante ficou mais alguns minutos conversando e foi embora.
- Que homem bondoso! - Exclamou Ana.
- E sim, senhora, muito bondoso - concordou Ruth. - E ele tem razão, não vou me
achar mais indigna e não vou perder a oportunidade de continuar a ir ao Centro Espírita
para trabalhar e aprender. Só que agora o farei com mais amor e não vou julgar as pessoas
que erraram ou erram, porque a vida, às vezes, nos coloca no lugar da mulher que ia ser
apedrejada; outras, com pedras na mão, e aí não devemos esquecer que já estivemos errados
e jogá-las no chão. Não devemos participar do erro, mas querer bem a pessoa errada e
tentar entendê-la. Obrigada, dona Ana, por ter me escutado. Pago caro por meu erro, se
tivesse deixado meu filho nascer, seria uma criança adorável, eu teria alguém para amar,
por companhia...
- Mãe! Mãeê! - Gritou Lívia, e Ruth disse baixinho:
- A me chamar de mãe...
Ana abraçou Lívia, que tinha apanhado uma linda goiaba e veio lhe trazer. Pensou: "As
vezes recusamos presentes. Quer tesouro maior aqui na Terra, quando estamos encarnados,
do que filhos?"
Gilberto ficou furioso:
"Nada que faço dá certo! Que coisa! Esses espíritas parece que têm saída para tudo."
Ernesto veio visitá-lo.
- Oi, Gilberto! Como está passando?
- Não acredito! Você perguntando como tenho passado? Que
aqui? Deixou-o sozinho? Desistiu de ser cão de guarda?
- Não - respondeu Ernesto, tranqüilo -, continuo vigiando o senhor Gustavo, só vim
aqui para ver você. Está tão sozinho! Gil berto, tenho pensado muito no que aqueles
senhores espíritas nos disseram. Morremos, estamos vivos e continuamos errados.
- E fácil, Ernesto, vá lá e peça abrigo. Esses bonzinhos sem pre acodem os pedintes.
- Você não quer vir também? - Indagou Ernesto, esperançoso.
- Não! - Respondeu Gilberto, mal-humorado.
- Então não vou!
- Seria bom demais se você fosse! Ultimamente só me acontecem coisas ruins, por
instantes pensei que você ia abandonar o posto e deixar o campo livre para mim - falou
Gilberto.
- Impedindo-o de se vingar faço bem a você - afirmou
103
- Impeço-o de fazer o mal porque, meu caro, pagamos sempre pelo mal que fazemos.
- Você, Emesto, está estranho. Mesmo não tendo com quem conversar não quero
continuar papeando com você.
Saiu. Ernesto resolveu conquistar a amizade de Gilberto. Só
que não deixaria o senhor Gustavo à mercê dele, isso não!
Gilberto ficava muito num canto da chácara e Zek, o cachorro, não se aproximava dele.
Existem animais que percebem a presença de desencarnados, sem, entretanto, entender o
que seja. E algo diferente do habitual. Gilberto não gostava do cão, este tinha receio dele.
Não era agradável ao cãozinho sua aproximação. E Zek estava atento, querendo a
companhia de Ana e das meninas.
Na aula de quarta-feira, Ana compareceu entusiasmada. Cláudia leu um texto continuando
o estudo do capítulo 23 de O Livro dos Médiuns, chamado "Da obsessão". Após,
começaram a comentar sobre o assunto. Eva exclamou, triste:
- Devo ser muito ruim para ter sido obsediada!
- Não, dona Eva - explicou senhor João -, todos nós temos defeitos a serem
substituidos por virtudes. Somos ainda muito necessitados de aprender, melhorar, temos
ainda falhas. Não é preciso ser mau para ser perturbado pelos desencarnados que nos
querem prejudicar. E nem devemos achar que todos os desencarnados que obsediam são
também maus. Certo que há os maus, mas muitos são como nós, escravos das ilusões mate
riais, orgulhosos para não perdoar, ou os que ainda não conse guiram compreender o que
seja viver sendo útil no outro plano. Anos participando deste trabalho de orientação,
compreendo que não se muda com a morte do corpo físico: encarnado impruden te,
desencarnado perturbado. Recomenda-se muito melhorar nossas vibrações com atitudes
boas, viver dignamente, ter bons pensamentos, vigiar as palavras, orar; agindo assim, pertur
badores do além não nos atingem. Quando tentamos fazer isso, estamos agindo certo,
aprenderemos para sermos um dia bons, mas no caminho se pode tropeçar, isto é natural, só
tropeça aque le que caminha. O importante, mesmo que o tropeço resulte num tombo, é
levantar e caminhar. As dificuldades diárias nos fazem baixar a vibração, são preocupações
com finanças, pro blemas de doenças conosco ou na família, tristeza, etc. Para manter uma
boa vibração vinte e quatro horas por dia é neces sário treino, perseverança, muito esforço,
mas se muitos conse guem, todos nós podemos. Não se menospreze, dona Eva, deve ficar
atenta aos tropeções e se recompor o mais depressa possível. Passamos aqui na Terra por
um período de transformação e
104
toda mudança nos parece complicada e difícil. Penso que nós, encarnados, estamos num
mar de vibrações heterogêneas, que são como ondas a nos atingir. Afinamos com algumas
ondas, mas isso não impede de recebermos as chicotadas de outras. E às vezes não nos
damos conta de que saímos de uma para entrar em outra.
- Isso me deu um alívio, senhor João. Vou prestar mais atenção, me policiar para ficar
numa boa onda - disse dona Eva, e
todos sorriram.
Ana queria entender o que aconteceu com ela, temia perguntar e sua questão ser primária,
mas arriscou:
- Senhor João, nunca tinha visto almas penadas, digo, desencarnadas, nunca os escutei,
até que um dia também fui perturbada por um deles, cheguei a vê-lo, ouvi-lo. Tenho
mediunidade em potencial para trabalhar com ela ou foi só um período? Des de que
comecei a freqüentar aqui não senti mais nada.
- Todos nós temos sensibilidade, que pode aumentar diante de alguns fatos. Creio, dona
Ana, que a senhora não tem me diunidade em potencial para trabalhar como médium.
Tenho presenciado muito esse fato. Por razões diversas muitas pessoas, por determinado
tempo, ficam mais sensíveis, podendo ver, ou vir espíritos e depois voltam ao normal. Isso
ocorre muito em casos de vingança, quando o desencarnado se vale de sua vontade para
que o encarnado possa senti-lo. Também sei de espíritos que fazem as pessoas recordarem
partes de outras existências para perturbar. Há certos locais de energias muito concentradas
que podem fazer a sensibilidade aumentar e pessoas que nunca tiveram nenhuma
percepção do plano espiritual chegarem a ver ou ouvir algo.
- Senhor João, eu sou médium. Sou pior que os outros ou melhor? - Perguntou o senhor
Custódio.
- Nem uma coisa nem outra! - Respondeu o interpelado. - Não acho certo muitos
dizerem que são médiuns porque são piores, porque muito erraram. Errar todos nós, que
estamos encar nados na Terra, exceto alguns, já o fizeram e continuam fazendo, uns mais,
outros menos. Mediunidade é um fator orgânico, inerente a todos nós e que se pode usar
para o bem ou para o mal, conforme nosso livre-arbítrio. Há pessoas que se preparam na
erraticidade, que é o período em que se vive no plano espiritual, para se dedicar ao trabalho
do bem; achando que aprenderão muito tendo mediunidade, pedem para tê-la; outras acham
que repararão erros. Infelizmente esquecem isso no plano físico e algumas repelem essa
faculdade, que pode ser branda ou mais acentuada. Vaidosos são os médiuns que pensam
ser melhores
105
que os outros. Somos todos convidados a crescer espiritualmente e prudentes são aqueles,
médiuns ou não, que participam dessa oportunidade. Sou médium e trabalho há quarenta
anos com minha faculdade, já lutei com a vaidade, e não pensem que a venci; tenho estado
sempre atento para que ela não suna forte e a tenho sob vigilãncia, mas também passei
períodos em que me julguei inferior, e isso não me fez bem. Concluí que sou como todos,
nem pior, nem melhor. Sou o João, um homem que tenta ser decente, trabalhador, honesto,
como também aproveito para aprender, ser útil, e agradeço a Deus a oportunidade e a
mediunidade, reparo erros e mais, aprendo muito. Sou feliz por ser médium, amo essa
faculdade e quero aproveitar esta encar nação para dar largos passos e, quanto mais
caminho, mais me sinto agradecido e nem pior nem melhor.
A aula foi muito proveitosa.
Gustavo, naquele final de semana, pegou, curioso, O Livro
dos Espíritos e começou a folheá-lo, depois a ler atentamente.
- Ana, posso levar este livro para ler? Estou achando interessante. Aqui fala de Deus
como penso que seja o Pai Celeste.
- Não é meu, Gustavo, peguei-o emprestado na biblioteca do Centro Espírita, mas tenho
ainda uma semana para devolvê-lo. Leve-o! Gustavo, estou só começando a ler os livros
espíritas e creio que você é espírita e ainda não sabe.
- Como? - Riu ele.
- Você tem atitudes espíritas.
- Cristãs? - Indagou Gustavo.
- Sim - respondeu Ana -, o espírita, antes de tudo, é cristão.
No outro final de semana, Gustavo chegou e deu um pacote para Ana.
- Querida, gostei muito desse livro de Allan Kardec e com prei os outros que encontrei
numa livraria e também alguns de
mensagens, romances, todos espíritas.
Ana agradeceu, comovida.
Na segunda-feira as meninas foram ao Centro Espírita com
ela e Ruth. Vanessa se entusiasmou:
- Mamãe, gostei muito, posso voltar? Posso ir aos domingos na reunião de jovens e
crianças?
- Pode!
- Eu também quero ir! - Expressou Lívia.
- Mamãe, tenho pensado no papai, ele ainda não desistiu de se vingar, não é? Está
perdendo um tempo precioso tentando
nos prejudicar - suspirou Vanessa.
- Escutei do senhor João uma histoninha interessante. Contou a elas a história do homem
que perdeu tempo prejudicando seus inimigos e nada fez para si.
106
Papai está agindo assim! - Exclamou Vanessa. Que pena! Vou pensar num modo de
ajudá-lo!
- Eu não quero saber dele! - Expressou Lívia. - Quero-o longe de nós. Nada tenho de
agradável para lembrar dele. Não
lhe tenho rancor nem lhe desejo mal. Quero-o longe!
Naquela noite, Vanessa orou com fé, pediu a Deus, a Jesus,
se tivesse com ela, para ajudar o pai, que a orientasse para que
pudesse fazê-lo.
"Entre nós ele é o maior necessitado! Como seria bom enca minhá-lo, despertá-lo para o
bem!"
Adormeceu. Aninha ajudou-a, mas não se tornou visível. Vanessa desprendeu-se do corpo,
saiu em perispírito, ficando presa ao corpo físico por um cordão também invisível, caminhou
tranqüilamente e foi à varanda, onde Gilberto estava abor recido.
- Papai!
- Vanessa!
Ela aproximou-se dele e sentou-se ao seu lado.
- Como está o senhor? - Indagou.
- Não estou nada bem. Abandonado e triste! Minhas filhas e minha mulher preferem esse
assassino - lamentou Gilberto.
- Papai, amo o senhor. Sou sua filha! Não prefiro ninguém. Ana encontrou o senhor
Gustavo e os dois se amam. Ele a trata bem. Lívia e eu temos somente mamãe Ana e ela
nos ama como verdadeira mãe, o senhor Gustavo é bom - Vanessa falou mei gamente.
- Estou cansado de ouvir: "O senhor Gustavo é bom, é isto e aquilo", e eu não! -
Exclamou Gilberto, sentido.
- Papai, a vida é bonita e podemos aproveitá-la para apren der, para orar. Não está
cansado de não fazer nada?
- Nunca gostei muito de trabalhar, fazia quando encarnado porque não tinha outro jeito.
Mas essa vidinha aqui na chácara
tem me cansado. Mas não tenho para onde ir...
Vanessa olhou-o nos olhos, continuou a falar com meiguice:
- Papai, queria vê-lo feliz e acho que só o será quando tiver paz e deixar os outros em paz.
- Acha que não devo atormentar o assassino?
- Papai, tente entender o que houve de fato. Não julgo ninguém, porém acho que o senhor
Gustavo não é assassino. Por que tenta enganar a si mesmo? Coloca a culpa de sua imprudência
no outro. Foi uma fatalidade!
- Vanessa, sinto que é sincera. Por que me ama?
- O senhor é meu pai!
- Isso é um fato - disse Gilberto.
107
- Amo-o porque, lá no fundo, o senhor é bom!
- Nunca lhe fiz um agrado...
- Pode fazer agora - pediu Vanessa.
- Não tem medo? Posso abraçá-la?
Ela o abraçou e ele chorou emocionado.
- Filha! Filhinha! Você me ama de verdade?
- Amo-o e quero que fique bem. Que seja feliz!
- Você ficará alegre sabendo que eu estou bem? - Indagou
Gilberto.
- Sim, ficarei! É isso que quero! - Afirmou a menina com convicção.
- Sei... Devo ficar alegre sabendo que vocês estão bem... Sei...
Vanessa o beijou na testa e afastou-se. Aninha sorriu. Ela a instruiu bem. A menina acordou
sentindo-se leve e tranqüila, passou a orar muito para o pai. Ana também passou a fazê-lo e
Gilberto inquietou-se, já não tinha mais certeza se queria se vingar e não sabia o que fazer.
Pegara o livro que Aninha lhe deu, leu alguns trechos, às vezes orava com Vanessa e
concluiu: "Se nunca ajudei minhas filhas, devo fazer agora, deixando-as com Ana na
chácara. Elas estão bem como o senhor Gustavo, que, pensando bem, não é assassino!"
Na quinta-feira ficou atento e pensativo: "O pessoal do Cen tro Espírita não veio mais me
buscar! Será que devo ir lá?"
Quando o início do trabalho estava próximo, ele se pôs a
andar na rua entre a chácara e o Centro sem saber se ia ou não.
- Boa noite, senhor Gilberto! Convido-o a entrar! - Disse um trabalhador do Centro a
ele, que só esperava por isso, mas respondeu:
- Posso ir, mas saio quando quiser!
Recebeu orientação novamente, mas dessa vez estava receptivo, ouviu com atenção e teve
vontade de ir com eles para
longe dali.
Ninguém muda de repente. Com a desencarnação a pessoa não se transforma de imediato.
Vanessa contribuiu com sua atitude amorosa para a mudança dele. Gilberto tinha muito o
que aprender para realmente melhorar. Foi levado para um posto de socorro, onde iria ter
lições numa escola própria de Evangelho e moral, como também teria um trabalho, uma
tarefa. Para muitos o trabalho é distração, mas muito benéfico. Quando trabalhamos
deixamos a ociosidade, que é o berço de muitos vícios, O trabalhador não tem tempo a
perder e quando fazemos o bem aos outros pelo trabalho é dignificante.
Ruth, no outro dia, contou a Ana e às meninas o que aconteceu na reunião, que Gilberto
fora socorrido.
108
- Graças a Deus! - Exclamou Ana. - Gilberto agora deixará de sofrer.
- Que bom para nós, nos deixará em paz! - Exclamou Lívia.
- Que bom para ele! - Alegrou-se Vanessa. - Não perderá mais tempo querendo nos
prejudicar. Vou orar para que ele fique onde foi levado. Transmitirei a ele por pensamentos
mensagens de amor, de otimismo. Papai será feliz!
Assim o fez. Ana também passou a orar por ele desejando
que estivesse bem.
E Gilberto recebia as boas vibrações enviadas por elas. As
vezes sentia falta das farras, da ociosidade ou mesmo desejo de
prejudicar Gustavo. Mas recebia...
"Papai, estou orgulhosa do senhor! Cuide-se! Aproveite para aprender, conhecer os lugares
bonitos que tem aí. Faça amigos! Amo o senhor! Estou alegre sabendo que está bem! Fique
aí, aceite o que os orientadores estão a oferecer..."
"Gilberto - Ana dizia a ele em oração -, mude para melhor,
quero-o bem, vejo-o entre pessoas boas que o respeitam, que o
orientam. Trabalhe e sinta a tranqüilidade do lugar, não desanime..."
Ele recebia a visita de Aninha, que o incentivava:
- Gilberto, você se acostumará logo aqui, seja útil, é tão bom ser auto-suficiente. Você
pode, você deve, se esforce e será.
- Lívia se esqueceu de mim - queixava-se ele. - Não recebo nada dela. Mas a
compreendo, só queria que me perdoasse e
me aceitasse...
-A vida nos oferece essas oportunidades... -Aninha o animava.
Ela o levou algumas vezes para ver os meninos. Rodrigo e
Marcelo estavam felizes no educandário de uma colônia. Aninha
explicou a Gilberto:
- Eles logo irão reencarnar na cidade onde residiram, serão crianças saudáveis em lares
honestos.
- Eles merecem bons pais, o que não fui para eles - falou Gilberto, sentido.
Na época, Aninha foi por um intercâmbio avisar Ana, que no momento ficou sentida, eles
teriam outros pais, outra mãe... Mas entendeu que a vida continua e o amor deve ser
ampliado; uma vez amado, sempre amado. E afetos se reencontram...
Ana, na primeira oportunidade, na aula de quarta-feira, agra deceu:
- Aqui vim desesperada em busca de auxílio porque estava sendo perturbada por um
desencarnado. Fomos orientados e ajudados. Queria agradecê-los e continuar a freqüentar
as reu niões, gosto muito daqui, de todos, quero aprender!
109
- Até que foi fácil - disse Eva. - Seu ex-companheiro acabou entendendo, há casos
muito mais difíceis. Muitos desencarnados
se unem a outros maus para se vingar.
- é! - Exclamou Ana, curiosa.
O senhor João elucidou:
- Muitos desencarnados, querendo se vingar, se unem a outros. No Umbral há grupos de
vingadores, há até locais denominados escolas para ensinar imprudentes a se vingar. Estes,
na ânsia de prejudicar, se envolvem em situações e às vezes se tornam até escravos do
grupo, têm de obedecer sob pena de serem castigados, e não se livra fácil deles. No Umbral
não se faz favor sem trocas.
- Ainda bem que Gilberto não se uniu a esses desencarnados
- expressou Ana. - Mas se tivesse, o que aconteceria?
- Teríamos mais trabalho! - Falou calmamente o senhor João.
- Já nos defrontamos muitas vezes com desencarnados vingadores que se julgam
justiceiros e orientamos a muitos. Outros, não querendo confronto conosco, desistem.
Muitos perseveran tes perseguem, implacáveis, e só conseguimos resultado com força
moral, paciência, e durante o período em que tentamos orientá-los recebemos as vibrações
contrárias. Como Emanuel diz: "Não se socorre o náufrago sem receber chicotadas das
ondas". Quando se consegue ajudá-los, uma alegria imensa nos invade. E orientando a outros,
encarnados e desencarnados, que solidamos o que aprendemos.
- Senhor João, Alaíde não quer mais freqüentar nosso Centro Espírita. Disse que não
concorda com alguns espíritas. Acho que ficou desgostosa por aquele desentendimento sobre assis
tência social. é pena! - Falou Isabel.
- Quando nos reunimos para fazer algo, devemos entender que somos diferentes e que
pode, no grupo, haver opiniões diversas. E para vivermos bem com outro é preciso ser
tolerante para ser tolerado, compreender para ser compreendido. E dei xar de freqüentar um
local como uma instituição religiosa por isso, quase sempre é desculpa para si mesmo, que
não é levada em conta na espiritualidade. Para viver bem na sociedade temos de aprender a
ceder, entender e não nos melindrar. Não houve intenção de ofender e quem se ofende fácil
é orgulhoso. Depois, uma instituição como a nossa não pertence a ninguém, é de todos.
Tudo passa e o ensinamento religioso permanece.
As aulas eram muito interessantes, Ana gostava muito e tornou-se espírita convicta;
passou, com afinco, a estudar a Doutrina.
110
lo
Minha Querida
Gustavo foi ficando cada vez mais na chácara. Os filhos, Paulo Sérgio e Aurea, casaram e
trabalhavam na fábrica maior. Livia e Vanessa cresciam, já estavam mocinhas,
continuavam estudando e não davam preocupações. Ana se orgulhava delas.
Um dia, Gustavo disse a Ana:
- Querida, vou morar aqui definitivamente. Nem para manter as aparências fico com
Lorena. Conversei com ela, acabamos discutindo.
- Ela deve me odiar - expressou Ana.
- Lorena odeia muitos. Não menti a você, minha querida, estamos separados há tempo,
não vamos legalizar, um desquite não resolveria. Mas temos de repartir nossos bens. Vou
deixar tudo que temos na outra cidade para ela, Paulo Sérgio e Aurea. O que tenho aqui
ficará para Júnior, que deverá vir trabalhar comigo.
- Júnior não será prejudicado? - Indagou Ana.
- Meu caçula é parecido comigo, não só fisicamente como também no gênio, modo de
agir e pensar. Vou reuni-los e comunicar a eles. A parte de Lorena ficará para os dois
filhos mais velhos e a parte aqui, que me toca, para Júnior. Conversarei com ele, entenderá.
Paulo Sérgio já trabalha comigo há tempo, Aurea está indecisa, mas está na hora de ela
assumir o trabalho. Lorena me recrimina por estar com você e diz que se sente
envergonhada pelos comentários. Não quero humilhá-la. Separar legalmente sairia caro e
me impediria de fazer o que quero. Abrirei mão de muito, ficarei nessa divisão com bem
menos. Mas não me impor to. Para todos seremos separados e minha mulher é você.
- Seus filhos não devem gostar de mim - expressou Ana.
- Os dois mais velhos são muito parecidos com a mãe, acham que você é interesseira.
Júnior gostará de você quando conhecê la. Ele virá para cá. Aprenderá comigo e terá essa
fábrica só para ele. Um dia me agradecerá, herdará menos em dinheiro, mas terá a
tranqüilidade de não ter sócios. Certamente que terei de acudi-los muitas vezes, farei com
prazer, eles sabem disso. Tenho algum dinheiro guardado, comprarei uma casa boa para
cada uma das meninas, vou passar esta chácara para o seu nome
111
e mais duas casas. Não quero deixá-la desamparada se eu vier a desencarnar primeiro.
- Você disse desencarnar, Gustavo - riu Ana.
- Acho o termo certo. Vou começar a ir ao Centro Espírita
com você.
- Gustavo, não quero nada seu, já me deu tanto!
- Já decidi, Ana, é o que vou fazer.
- Gustavo, não quero nada no meu nome, não sou mãe das meninas. Se desencarnar elas
poderão herdar o que é meu?
- Já pensei nisso. Porei no nome delas com usufruto seu. E seu até que venha a falecer.
- Se eu desencarnar primeiro, ficará sem esta chácara de que tanto gosta - falou Ana.
- Não quero ser cativo de lugar, terei um dia de deixar esta chácara. Lembranças guardo
no coração. Aqui tive paz, ou será
que foi você, querida, que me deu essa paz? - Falou ele, rindo.
Quando Gustavo foi à reunião, Ana ficou orando para que
tudo desse certo. Ele voltou abatido.
- Foi difícil, Ana. Discutimos por horas. Fiquei só com uma parte dessa fábrica, tendo
Júnior por sócio. Meus filhos são egoístas. Me doeu quando a reunião terminou, Júnior
chegou perto de mim e perguntou: "Papai, por que me prejudicou?" Respondi:
"Amo você, filho, compreenderá mais tarde que eu o estou protegendo. Nem tudo na vida
é dinheiro. Não ouviu aqui tantas reclamações? Livro-o disso!" Ele me olhou e se afastou
sem falar mais nada. Roguei a Deus para que ele me entenda. Júnior virá para cá, não quer
vir para a chácara, ficará no hotel, com prarei para ele uma casa grande, logo casará, morará
nesta cidade. Vou me empenhar para que essa fábrica cresça e prospere.
- Ele irá entender, não se preocupe - disse Ana, animando-o.
- Lorena, Paulo Sérgio e Aurea acabarão por se entender. Júnior iria sofrer junto deles,
seria prejudicado; comigo não. Ana, estou livre até das aparências, agora estou realmente
separado. Pena que não posso casar com você.
- Isso não me importa! - Expressou ela
- Somos companheiros, Ana, casados por afeto.
Júnior veio para a cidade, ficou hospedado no hotel, viajava nos finais de semana para ver a
noiva. Um dia, após o trabalho, veio para a chácara com o pai; os dois chegaram
conversando, animados. Ana foi recebê-los; timidamente sorriu para ele, que observava a
casa.
- O senhor mora aqui?!
- Sim e gosto. O que esperava, um luxo frio como a outra casa? - Respondeu Gustavo.
112
- Não, é que... - Balbuciou Júnior.
- Meu filho - apresentou Gustavo -, esta é minha companheira, a mulher que
compartilha comigo esta casa.
- Boa noite!
Júnior a observava e Ana ficou vermelha.
- O jantar está pronto. Janta conosco, Júnior?
- Se não for incômodo...
Ficou para o jantar, conheceu as meninas e acabou ficando à vontade. Júnior pensava que a
mulher que morava com o pai fosse ambiciosa, estranhou a casa simples e ela também.
Percebeu que os dois se entendiam e que ela fazia seu genitor feliz. Passou a freqüentar a
chácara e logo se tornou amigo delas. Convidou-as para seu casamento, mas Ana preferiu
não ir, não que ria ser motivo de comentários ou desagrado para Lorena.
Luciana, a esposa de Júnior, era uma moça muito bonita, simpática. Tornou-se amiga de
Ana e das garotas e vinham almoçar todos os domingos na chácara. Moravam numa casa
grande, bonita. Júnior começou a se interessar pelo trabalho, preparan do-se para
administrar a fábrica.
Muitas vezes Gustavo tinha de ir até os outros filhos resolver problemas e atritos. Paulo
Sérgio se queixava do desinteresse de Aurea, que por sua vez reclamava do irmão, que
queria que ela trabalhasse, e ambos criticavam a mãe, que gastava demais. E as dificuldades
maiores da fábrica era Gustavo quem resolvia.
Reuniram-se na chácara para um almoço num domingo chuvoso em que Gustavo voltara
na véspera, fora tentar resolver
mais uma briga. Ele se queixou:
- Júnior, sua mãe quer ir novamente à Europa. Paulo Sérgio não quer lhe dar dinheiro.
Estamos atravessando um período em que precisamos ter cautela com gastos. Lorena não
quer saber, quer viajar.
- O que fez o senhor? - Indagou Júnior.
- Fiz um novo contrato e depois de os três assinarem, o regis trei. Agora só pode haver
retirada da fábrica duas vezes por ano e uma quantia certa e igual para os três. E quem
trabalha tem um ordenado, isso obrigará Aurea a produzir. Sua mãe me xingou, disse que
venderia bens, e quando falei a ela que não podia, ela quase me agrediu com socos. Paulo
Sérgio teve de interferir. Prevendo isso, porque Lorena sempre gastou muito, registrei tudo
e fiz bem feito. Nem eu, nem ela podemos vender nada; na verdade, não somos mais
donos, é tudo de vocês. Lorena não irá mais viajar e para cortar despesas se mudará para
um apartamento, deixando a casa para Paulo Sérgio morar com a família.
- Agiu certo, senhor Gustavo - disse Luciana. - Conhecendo seus filhos, Júnior iria
sofrer muito com toda essa confusão. Paulo
113
Sérgio é ambicioso, ninguém lhe tirará a presidência e se, ele puder, ficará com tudo.
Desculpe-me, são seus filhos. Agradeço ao senhor pelo que fez, aqui estamos bem!
- Luciana sempre me advertiu sobre isso e parece que vocês dois tinham razão - falou
Júnior.
Gustavo olhou com carinho para o filho e comentou:
- Paulo Sérgio e Aurea começam a entender que não fui o maior culpado de o casamento
com sua mãe não ter dado certo.
Agora estão sentindo mais os devaneios dela.
- é que agora isso lhes dói no bolso - disse Luciana. Espero que eles se entendam e que
o senhor não precise interferir tanto.
Iria haver uma festa na fábrica pelos seus trinta anos de existência, que seriam
comemorados com muita alegria. Gustavo e Júnior prepararam tudo. A festa começaria à
tarde e todos os familiares dos empregados foram convidados.
- Ana - disse Gustavo -, você irá comigo, quero que faça um lindo vestido para você e
para as meninas.
O dia esperado chegou e Ana se arrumou toda.
- Está linda, querida! - Exclamou ele.
A festa foi num galpão, havia mesas espalhadas por todo o local, que estava enfeitado de
bandeirinhas; havia comida e bebida à vontade. A criançada gritava contente, todos
estavam alegres. Gustavo conduziu Ana pelo braço até uma mesa à frente, sentaram-se
lado a lado. Contente, ele cumprimentava os convidados, ela se sentia protegida ao lado
dele e sorria para todos.
Ilo meio da festa, um funcionário pediu silêncio e todos quietaram. Fez um breve discurso
do porquê da festa, a importância
da fábrica na vida de todos e finalizou:
- Senhor Gustavo, nosso presidente, poderia nos alegrar com alguns dizeres.
Isso não estava no programa. Gustavo levantou sorrindo e
falou:
- Não sou de discursar; porém, se meu caro funcionário me passou a palavra, não devo
perder a oportunidade de dizer que hoje estou muito contente por estar realizando um
sonho: desta fábrica ser ativa e produtiva, O trabalho dignifica o homem, trabalhamos aqui
juntos, somos companheiros que temos por ob jetivo ser úteis e melhorar cada vez mais.
Um lugar de trabalho honesto é abençoado por Deus e a Ele rogo proteção a todos nós.
Vamos brindar! A nossa fábrica, a nossa união, a amizade! E creio que cada um tem algo
particular para dedicar este brinde. Peço licença a vocês para fazer em voz alta o meu. -
Com o copo na mão, virou-se para Ana. -A minha companheira, a pessoa que me tem
dado alegria, apoio e carinho, à Ana, minha mulher...
114
Ana levantou-se sem saber o que fazer, pegou seu copo,
cruzaram os braços, ela tremia, emocionada, e ele disse baixinho, antes de colocar o copo
nos lábios.
- Eu a amo...
Palmas e todos brindaram. A festa continuou animada. Ana
falou a ele:
- Gustavo, você me emocionou, eu agradeço.
- Por que você me agradece? E verdade, minha querida, você me fez sentir vontade de
viver.
Ela pensou, comovida: "Gustavo é tão bom, talvez eu não o mereça, nunca pensei que ele
fizesse isso na frente de todos. Como não ser agradecida? - Olhou para ele, sorriu feliz. -
Creio que devo continuar agindo como sempre, é disso que ele gosta em mim".
As meninas, que agora eram mocinhas, estavam radiantes.
Vanessa chegou a chorar com a homenagem. E a festa foi um
sucesso.
No outro dia, Livia e Vanessa comentaram com a mãe sobre
os acontecimentos. A mais velha falou toda contente:
- Mamãe, sabe o que ouvi? Que o senhor Gustavo, antes de conhecer a senhora, teve
algumas amantes, saía com mulheres
e que depois ninguém nem o viu olhar para outra.
- Também já ouvi comentários assim - afirmou Vanessa. - Estou tão feliz! Bendito dia
em que o senhor Gustavo nos viu.
- Sim - exclamou a mãe -, bendito dia!
Ana se pôs a pensar: "Ontem quase disse a ele que também o amo. Por que não consigo?
Sinto que, se eu me declarar, ele irá embora. Esquisito! Tenho medo de falar, um receio
estranho, como se ao dizer, o perderei".
Gustavo e Ana pouco saíam, ela o esperava chegar em casa, sempre tranqüila, risonha,
tentava adivinhar o que o companheiro queria e fazia tudo para agradá-lo, e ele
correspondia, era caseiro, educado. Quando saíam tinha a satisfação de agradá-la mais
ainda perto dos outros e se a apresentava a alguém era como esposa.
Ana pensava sempre nos irmãos, nos amigos da cidade onde
nasceu, tinha saudade. Comentou isso com Gustavo.
- Ana, se você sabe o endereço de seus irmãos, por que não escreve para eles?
Ela o fez e recebeu resposta. Carlos, seu irmão, respondeu que ficaram felizes por saber que
ela se encontrava bem, que também tinham saudade, mas lastimava que a vida estava difícil
para todos, dinheiro pouco, etc.
Ela leu e releu a carta muitas vezes. Comentou com Gustavo:
115
- Acho que eles estão em dificuldades financeiras. Tenho dinheiro guardado, o que você
sempre me deu. Queria ir lá vê-
los e, se possível, ajudá-los.
- Ana, eles não quiseram saber de você quando precisou. - Gustavo falara sem pensar.
Ao se dar conta, sorriu: - Tem razão,
minha querida, devemos ir lá.
- Você iria comigo? Já viaja tanto...
- Vou com você - decidiu Gustavo. - Me organizarei para tirar uns dias de folga, se as
meninas quiserem, poderão ir
conosco. Vamos de carro
- Gustavo, tive duas amigas que quero visitar e ajudar, como também pagar algumas
dívidas que Gilberto fez.
- Muito justo. Se seu dinheiro não der, lhe darei mais.
- Obrigada, Gustavo!
As meninas não quiseram ir.
- Não quero perder aulas - disse Lívia. - Além disso, não tenho ninguém para rever. E
ainda tenho medo de minha tia.
Será que ela pode nos tirar da senhora?
- Nunca! - Exclamou Ana. - Ela que tente!
-Mamãe, também não quero ir- expressou Vanessa. -A senhora tem os irmãos,
sobrinhos, eu não, nem me lembro das amigas.
No dia marcado os dois partiram em viagem. Foi cansativo, ficava em outro estado, era
distante e foram parando para descansar. Ana estava ansiosa. Quando chegaram, se pôs a
observar tudo. A cidade estava diferente. Comentou com ele, que lhe respondeu:
- Claro, querida, o tempo passa, modificando tudo.
Hospedaram-se num hotel e Ana quis ir à casa da irmã
porque achou que a encontraria em casa.
- Ana! - Espantou-se Maísa. - Entre!
Abraçaram-se. Eles entraram e Gustavo se apresentou:
- Sou o esposo de Ana, Gustavo. Prazer!
Sentaram e ficaram em silêncio. Ana disse:
- Como estão todos?
Maísa deu notícias dos familiares, ela ouviu, atenta. Um sobrinho chegou.
- Tia Ana! Que surpresa!
- Rogério! Como você cresceu! Está lindo! - Exclamou Ana, abraçando-o.
- Tia, o carro que está lá fora é da senhora? - Indagou o
sobrinho.
Ana ia responder, mas Gustavo adiantou.
- é nosso! Como está, meu rapaz?
Conversaram uns minutos. Pelas roupas, pelo carro, logo perceberam que Ana se dera bem.
O sobrinho, gentil, convidou:
116
- Titia, vou reunir a família toda hoje à noite na casa do tio Carlos, que é maior, para que
veja todos e para que possamos
matar a saudade que tínhamos da senhora.
- Agradeço! Bem, agora vamos, estamos cansados. As oito horas, está bem?
Foram descansar, à noite reviu todos, abraçaram-se, quis
saber das novidades, conversaram muito e foram embora tarde.
Ficou combinado novo encontro na noite do dia seguinte.
Voltaram para o hotel. Ana ficou calada, ele respeitou seu
silêncio. No outro dia, cedo, ela pediu:
- Me leve onde morei, quero ver os amigos.
Foram rever o bairro, as casas pobres a emocionaram.
- E aqui que morei, depois ali. Nesta casa morava Antonia. Vamos lá.
Bateu na porta e uma moça abriu. Ana a reconheceu.
- Renata! Você não é a filha de Antonia? Que bom vê-la. Como está sua mãe?
- A senhora é Ana? Amiga de mamãe? Não quer entrar? Mamãe morreu... Já faz algum
tempo.
- Sinto muito... - Lastimou Ana. - Volto aqui depois. Você sabe de Délia?
- Mora ainda na mesma casa -, respondeu a mocinha.
Ana foi até lá. Délia, ao vê-la, gritou alegre e veio encontrá-la.
Abraçaram-se comovidas.
- Puxa, que roupa chique!
Conversaram animadas, Délia estava como sempre, os filhos crescidos e muitos
problemas.
- Ana - disse ela -, pensei até que você havia morrido. Soubemos do acidente, a
polícia foi atrás de Gilberto, não entendemos bem o que houve.
- No acidente faleceram Gilberto e os meninos, fiquei com as meninas, são nossas filhas
e...
Contou o que se passou, omitindo que era Gustavo quem
dirigia o outro automóvel.
- Délia, me diga, para quem Gilberto ficou devendo?
Ela falou e completou a afirmação.
- O automóvel que Gilberto comprou e pagou só a entrada era roubado.
- Vou pagar nossos antigos vizinhos, depois volto aqui. Saiu com Gustavo, que estava
quieto, acompanhou-a, pro tegendo-a.
Ana foi à casa de todos que Délia citou e pagou as dívidas. Calculou o que compraria
naquele tempo com o dinheiro e acrescentou mais um pouco. Não era muito, ninguém por
ali tinha para emprestar. O espanto foi total.
117
- Dona Ana! A senhora não morreu? Pagar a dívida?
Mas ficaram contentes. O antigo dono do bar onde ela trabalhava, agora aposentado, estava
lá conversando, se espantou,
mas recebeu o dinheiro e indagou:
- Dona Ana, sempre quis saber, foi a senhora ou Gilberto que me deu o golpe?
- Ele... bem, o que importa é que não lhe devemos mais nada e agradeço o senhor...
- Este dinheiro fará mais fartura agora do que se tivesse recebido naquele tempo. Minha
esposa está doente, é a quantia certa para os exames. Obrigado, dona Ana. E digno de sua
parte pagar dívidas do falecido.
Voltaram à casa dos filhos de Antonia.
- Renata, devia para sua mãe e quero deixar este dinheiro para vocês. Por favor, reparta
com seus irmãos.
- E muito! Depois, não me lembro de a senhora ter ficado devendo a mamãe, ela
comentava sempre que para nós Gilberto não pediu nada - falou a mocinha.
- Dívida de amizade não tem preço. Por favor...
Renata pegou, Ana despediu-se e voltou à casa de Délia,
que os esperava com um cafezinho.
- Délia, minha amiga, paguei todos por aqui, só não quitei as dívidas com os amigos de
Gilberto que eram bandidos.
- Por que fez isso? - Indagou Délia.
- Primeiro, porque posso; segundo, por Gilberto, ele se sentirá bem ao saber que quitei
seus débitos com as pessoas honestas que ele enganou. Aqui está algo que quero lhe dar.
Não abra, deixe para depois que eu sair.
- O que é? - Perguntou Délia.
- Um mimo a uma amiga que me ajudou quando necessitei
- falou Ana, carinhosamente.
- Você também me ajudou.
- Quero lhe dar um presente.
Abraçaram-se na despedida.
- Voltará? - Délia quis saber.
- Não, Délia, partirei desta vez para sempre. Cuide-se! - Respondeu Ana, emocionada.
Entraram no carro.
- Vamos para o hotel, Gustavo.
No quarto, Ana falou para ele:
- Vamos embora. Estou com saudade da chácara, vontade de estar no nosso lar.
- Ana, você deu todo o seu dinheiro..
- Desculpe-me se dei o dinheiro sem consultá-lo.
118
- Querida, não precisa se desculpar, o dinheiro era seu. Só queria entender, pensei que
daria aos seus familiares. Temos um
encontro hoje à noite...
- Gustavo, quando Carlos me escreveu, afirmou que passavam por dificuldades. Aqui,
compreendi que não era verdade. Todos estão bem, não ricos, como você, mas ninguém
precisa de auxílio. Mentiram, e sabe por quê? Medo de que eu pedisse dinheiro a eles.
Trataram-nos bem porque souberam que nos hospedamos no melhor hotel da cidade, pelo
carro que tem, pelas roupas que vestimos. Ouvi indagarem a você o que faz, o que tem.
Vim disposta a ajudá-los, mas não precisam. Vivi anos naquele bairro, senti que deveria
quitar as dívidas que Gilberto fez enganando pessoas que têm pouco, que emprestavam para
ajudar. Antonia foi minha grande amiga, ela desencarnou, ficará con tente pelo que dei aos
seus filhos. E esse dinheiro ajudará Délia.
- Minha querida, não fique triste, devemos ter nossos familiares, as pessoas que amamos.
As meninas não são nossas consangüíneas e as amamos tanto!
- Por que me chama de querida?
- Querida é algo muito apreciável, indivíduo estimado. E isso que sinto em relação a você.
E quando digo minha não é por posse, é meu afeto. Se quer, vamos embora. Mas, e o
encontro de hoje à noite?
- Escreva para mim um cartão se desculpando e peça na portaria do hotel para que seja
entregue logo.
Gustavo escreveu e meia hora depois foram embora. Ana olhou pela última vez a cidade
onde nasceu, recordou dos filhos, a saudade apertou o peito, teve vontade de chorar, não o
fez. "Como minha vida mudou quando fui embora daqui! Se não ti vesse ido, como seria?
Talvez estivesse com os dois, mas não conheceria Gustavo. Eles teriam desencarnado se
não tivesse me aventurado com Gilberto? Se? Se? Como nos atrapalha esta inda gação."
Lembrou com detalhes dos rostinhos dos filhos, pareciam sorrir para ela. O amor
continuava. Não quis que ele percebesse, seu companheiro sentia muito por estar
envolvido, mesmo sem ter culpa na desencarnação deles. Da outra vez que partiu dali foi
com medo e incerteza; agora era diferente, ao lado dele tinha se gurança. Olhou para aquele
homem bondoso, que fazia tudo por ela, sorriu, teve vontade de dizer que o amava, mas não
conse guiu. Ele respeitou seu silêncio, compreendendo-a.
Ana alegrou-se ao chegar na chácara.
- Não viajo mais! Como nosso lar é gostoso!
Ele sorriu e suspirou aliviado, concordava. As mocinhas quiseram saber por que voltaram
tão rápido.
119
- Fiz o que há muito queria, revi todos e compreendi que minha família está aqui.
Gilberto, que de tempos em tempos vinha visitá-los, quando soube o que Ana fez, ajoelhou-
se e pediu: "Perdão Ana! Perdão!" E foi tão forte seu apelo que ela, sem entender bem por
que, respondeu em pensamento: "Perdôo você, Gilberto, perdôo!" E ele chorou aliviado e
agradecido.
Para melhor comodidade, Gustavo instalou um telefone na
chácara, ele estava sempre precisando usá-lo para seus negócios.
Lívia teve alguns namorados e firmou com Cláudio, um mocinho bom e educado. No
começo Ana preocupou-se, a família dele podia se opor, mas tudo deu certo. Planejaram se
casar. Gustavo disse
- Lívia, vou reformar a casa que sua mãe lhe deu, será meu presente de casamento.
- Obrigada, senhor Gustavo!
As três se reuniram.
- Não vejo por que contar ao Cláudio que não sou sua filha -
falou Lívia.
- Minha irmã - expressou Vanessa -, não é certo esconder esse fato de seu futuro
marido.
- Prometemos não falar a ninguém - disse Lívia.
- Tem medo? Por quê? - Indagou Ana.
- A senhora é tratada como esposa do senhor Gustavo. Tal vez seja por isso que a família
de Cláudio tenha me aceitado.
Amo-o e não quero perdê-lo!
- Filha - Ana suspirou, abraçando-a -, sua irmã tem razão. Se ao saber a verdade
Cláudio mudar, é porque não a merece. Conte só a ele, a família dele não precisa saber.
Casará no cartório, terá de aceitar os documentos, não dá para esconder.
- Vou perguntar ao senhor Gustavo como é feito tudo isso. Gustavo verificou os
documentos, teve uma surpresa e chegou em casa com a notícia
- Vocês não sabem o que Gilberto fez. Deve ter enrolado o cartório, fez o atestado de
óbito no seu nome e deixou como viva Aninha. Você, Ana, tem os documentos da mãe das
meninas. Quando passei a chácara e as casas para o seu nome, o M foi abreviado, não
prestei atenção se M era de Maria ou Machado. Se você quiser legalizar, teremos de
contratar um bom advogado, será um processo longo, teremos de ir muitas vezes nas duas
cidades, ter testemunhas, e com Gilberto falecido é mais difícil.
- Deixemos como está. Não faz diferença - disse Ana, achando
graça.
120
- Por que será que papai fez isso? - Indagou Livia.
- Ele demorou para legalizar esses papéis - lembrou Ana. - Disse na época que não
tinha dinheiro e quando o fez deve ter preferido continuar casado ou porque no seu
emprego não podia ser solteiro. Deve ter achado mais fácil.
- Bem, vamos esquecer então. Lívia pode casar sem medo. Sua mãe, até no papel, é Ana.
Zek morreu de velhice. Todos entristeceram. Livia e Vanessa o enterraram no jardim. Ana
sentiu falta dele, estava sempre com o cão, que a acompanhava por toda a chácara. Era um
animal querido.
Livia, pressionada por Vanessa, contou ao noivo o que prometera não falar a ninguém.
Cláudio comentou:
- Que mulher fabulosa é a dona Ana!
O casamento foi marcado e Lívia queria pedir algo ao Gustavo e não sabia como, ele
percebeu e indagou:
- O que se passa, menina?
- é que... - Encabulou-se.
- Senhor Gustavo, ela quer lhe pedir algo e está envergonhada - interferiu Vanessa.
Ele sorriu e a olhou com carinho.
- Queria que o senhor entrasse comigo na igreja. Devo-lhe tanto, é como um pai para
mim, o único que tive, não sei se o
senhor aceita... - Pediu Livia.
- Será um prazer! Entrarei com você na igreja com muito orgulho. Obrigado por me
comparar a um pai - ele se emocionou.
E organizaram uma grande festa, a recepção seria na chácara.
O casamento foi lindo, Livia ficou maravilhosa, Gustavo entrou com ela na igreja. A festa
foi um sucesso e Ana ficou muito
feliz.
Aninha e Gilberto assistiram, ela comentou:
- Logo, Gilberto, você voltará ao plano físico tendo nossa filha por mãe.
A festa terminou, tudo saiu a contento. Gustavo e Ana ficaram um pouco na varanda,
comentando sobre os acontecimentos. Aninha e Gilberto se aproximaram deles. Gustavo
afirmou:
- Ana, não sei por que, mas acho que Gilberto e Aninha vieram assistir ao casamento de
Lívia, sinto-os contentes.
- Foi tudo tão lindo! Obrigada, querido!
- Obrigado, senhor Gustavo!
- Deus lhe pague!
Os pais biológicos de Lívia choraram emocionados. E o com panheiro de Ana sentia paz,
recebeu as vibrações de gratidão e também que era sincero o agradecimento de um antigo
desafeto. E como isso faz bem!
121
11
Vanessa sempre foi um encanto, estudiosa, aplicada, delicada, amorosa. Fazia magistério,
queria ser professora, era seu sonho. Tinha muitas amigas a quem estava sempre ajudando.
Freqüentava o Centro Espírita com assiduidade, fazia parte da mocidade e de um curso para
evangelizar crianças.
Ganhou de Gustavo, quando fez dezesseis anos, um bonito cavalo de raça e ela deu-lhe o
nome de Astro; os dois se entendiam. Ela o tratava com carinho e Astro era obediente. Era
difícil o dia em que não saíam para passear pelas redondezas.
Vanessa começou a se interessar por um moço, Vinícius,
alto, forte, moreno, mais velho que ela uns quatro anos. Ele não
lhe dava atenção, era namorador, tinha muitas garotas atrás dele.
Mas a filha de Aninha não era de desistir facilmente; pensou, pensou e resolveu lutar,
queria-o, achava que estava apaixonada. Começou a ir aonde ele estava, a olhá-lo, e todos
perceberam. As amigas até que tentaram aconselhá-la.
- Vanessa, Vinícius é namorador, mais velho, sai com as garotas mais bonitas da cidade.
- Não insista - disse outra -, ele nem percebe que você existe.
- Acho que tenho de lutar pelo que quero! - Falou ela, convicta.
Havia um clube na cidade onde a moçada ia muito, Gustavo era sócio e Vanessa sempre
estava lá com as amigas. Numa tarde, vendo-o sozinho no bar do clube, aproximou-se.
- Oi, está quente hoje, não?
- E... - Respondeu ele, olhando para ela.
- Está sozinho? - Indagou Vanessa, sabendo que era uma pergunta tola, mas não sabia o
que dizer.
- E óbvio! Vanessa, você é uma criança e não gosto de me ninas, prefiro mulheres feitas.
Não estou a fim de namorar sério e não quero complicações com o senhor Gustavo. Por
isso, me nininha, largue do meu pé. Certo?
Saiu e ela ficou parada, como se tivesse tomado um choque. Respirou fundo, olhou para os
lados e sentiu alívio, não tinha ninguém perto. Ofendida e com vontade de chorar, foi ao
banheiro, depois saiu para avisar as amigas que ia embora. Voltou para casa aborrecida,
sofria, amava-o, ou melhor, pensava que estava enamorada.
122
Foi só trancada no seu quarto que chorou até dormir. Tinha amor-próprio e resolveu não
fazer mais nada para conquistá-lo, não iria nem olhar mais para ele. Mas, disfarçadamente,
olhava-o. Vinícius estava sempre rindo ao lado de moças, tinha mui tos amigos.
Doze dias depois que isso aconteceu, numa tarde de domingo, suas amigas foram ao clube.
Como o almoço de família ia atrasar, Vanessa combinou encontrar com elas lá. Chegou e
suas amigas não estavam no local combinado. Escutando vozes na sala de jogos, foi para lá.
Encontrou Vinícius mais três amigos, e ele falou alto para os
colegas.
- Lá vem o grude! Essa garota não se manca, está sempre atrás de mim. Será que não
percebe que eu não a quero, que a
acho feia e sem graça? Que foi, garota? Procurando-me?
Vanessa não respondeu, por um instante ficou parada, virou
as costas e ainda ouviu o comentário de um dos mocinhos:
- Vinícius, por que a trata assim? Você não é grosseiro. Nunca o vi tratar alguém desse
jeito.
-. Ora, ela me enerva...
Ela foi embora. No caminho da chácara lágrimas escorreram pelo seu rosto. Chegando, as
enxugou, não queria que ninguém notasse ou soubesse, disfarçou, tinha vontade de chorar,
desabafar, mas ali não tinha jeito. Todos, ao vê-la, quiseram saber por que voltara cedo e
ela falou:
- Minhas amigas devem ter ido a outro lugar, não estavam no clube. Vou dar uma volta
com Astro.
Cavalgando pôde chorar, estava humilhada, ferida; ele a achava feia, sem graça, e isso lhe
doía, ainda mais por ter falado perto de outros. Naquele dia mesmo todos os amigos
saberiam e ririam dela.
Lívia e ela tinham muitos amigos, mas sabiam que o preconceito existia. Sua mãe não era
casada, embora o senhor Gustavo a tratasse como esposa e a elas como filhas, sabiam dos
comentários: "Não serve para esposa, a mãe não é casada..." Talvez seja por isso que ele
não a queria, mas podia ser também por que a achasse feia. Sentiu muita raiva e naquele
momento resolveu que um dia iria dar o troco para Vinícius. Iria de algum modo fazer ele
se apaixonar por ela e depois iria desprezá-lo.
Tomou o rumo que ia para o campo, a estrada, continuação da rua da chácara, que ia até
uma cidadezinha próxima e dava em muitas fazendas. Foi cavalgando devagar, chorando e
se afastando.
"Pronto! - Resmungou. - Já chorei demais por aquele idiota,
que não perde por esperar!"
123
Continuou indo para a frente, foi quando ela viu um moço parado embaixo de uma árvore
com o cavalo ao lado.
- Ei, Vanessa!
- Ernane! Que surpresa!
Apeou e foi cumprimentá-lo.
- Como você está bonita! - Exclamou ele, gentilmente. - Mas o que tem nos olhos?
- Acho que foi a poeira...
- Deve ter sido um motivo forte. Veio de longe! Não quer ir lá em casa? Minha tias
ficariam contentes em vê-la - convidou
Ernane.
Montaram em seus cavalos e foram. Vanessa não estava com vontade de voltar à chácara e
conhecia as tias de Ernane, eram amigas de sua mãe, espíritas, senhoras bondosas que
moravam numa casa grande nos arredores da cidade vizinha. Eram as duas, Olga e Tereza,
solteiras e tinham pelo sobrinho um amor imenso. Ouviu comentário de sua mãe que
Ernane estava doente e que viera passar uma temporada com as tias.
Foi recebida com alegria. Tomaram café.
- Vanessa - disse tia Olga -, você avisou em casa que vinha
para cá?
- Não. é que fui cavalgando e... - Respondeu a garota.
- Já viu que horas são? Sua mãe ficará preocupada. Chegará lá de noite - falou tia
Tereza.
Vanessa olhou as horas e levou um susto, se distraíra no seu
resmungo. Ernane teve uma idéia:
- Vanessa, telefone para sua mãe, diga que está aqui, que se distraiu, e fique para dormir.
Amanhã irá embora. Não podemos
deixá-la ir, ficará escuro logo.
- Faça isso, querida! - Pediu tia Olga.
A mocinha telefonou.
- Mamãe, me distraí e tia Tereza e tia Olga querem que eu durma aqui... A aula de
amanhã não é importante. Está bem!
Desligou o telefone e disse contente:
- Mamãe deixou! Fico! Não vou incomodar mesmo?
Conversaram animados e a mocinha esqueceu a mágoa. Prestou atenção em Ernane: era
loiro, bonito, olhar calmo e muito
educado. Mas estava magro e pálido.
- Vanessa - disse ele -, se quiser, é claro, a ensinarei a cavalgar com elegância.
- Queria ser uma pessoa fina, uma mulher interessante - respondeu, pensando que se
fosse daria em Vinicius a lição que
tanto queria.
124
- Poderei ensiná-la! Sabe jogar xadrez? Não? Dançar? Pois eu a ensinarei. Não deve
sentar-se assim, fique reta na cadeira,
cruze as pernas. Isso! Perfeito!
Ela gostou, seria de agora para a frente diferente, aprenderia ser uma mulher como
Vinicius gostava e aí ele iria ver só.
Já no outro dia aprendeu muitas coisas. Ernane deu a ela uma lista de livros que deveria ler.
Foi embora à tarde, prometendo voltar no sábado para passar o final de semana. O moto
rista a levou e foi buscá-la no domingo à noite. Por sete finais de semana fez isso e nas
férias de julho passou na casa das tias de Ernane, que passaram a ser tias dela também.
Ana soube por Lívia o que acontecera com a filha e Vinícius, achou que era bom para ela
ver pessoas diferentes. Depois conhecia Olga e Tereza do Espiritismo, eram amigas, e estas
a convenceram a deixá-la com elas; isso estava fazendo bem à mocinha.
Vanessa voltou das férias mudada, andando com elegância,
com roupas modernas e bonitas, cortou os cabelos, aprendeu a
maquiar-se, jogava xadrez, leu todos os livros que Ernane recomendou, gostou, sempre
teve muito prazer em ler, aprendeu a
dançar, a gostar de ver as estrelas, sabia o nome das principais e
qual a sua localização no firmamento.
As amigas admiraram o novo visual.
- Como você está bem!
Viu Vinícius e nem olhou, virou mesmo as costas. Ele a fitou, ela levantou a cabeça, nunca
mais deixaria que a humilhasse. Estava entusiasmada com o que Ernane lhe ensinara,
passou a sentar-se como ele aconselhara, usar o perfume indicado.
- Campeonato de xadrez! - Comentou a turma eufórica.
O clube estava promovendo um campeonato e Vanessa se inscreveu, Ernane a ensinara e
ela aprendeu rápido. E grande foi sua surpresa ao encontrar Vinícius, que também se
inscrevera. Houve o primeiro jogo, ela ganhou fácil. Havia pessoas de todas as idades, mais
homens; enquanto esperava o término, colocaram música e um senhor, conhecido como
excelente dançarino, desafiou as mulheres:
- Quem sabe dançar para ser meu par?
Riram. Vanessa sempre gostou de dançar, e depois que
Ernane a ensinara o fazia bem. Levantou-se.
- Danço com o senhor!
E se saiu muito bem. A turma bateu palmas e o senhor
comentou:
- Puxa, menina, você dança mesmo!
- Estou só acompanhando o senhor, gosto de dançar - respondeu ela.
125
Depois de umas três músicas, Vinícius aproximou-se do casal e disse:
- Senhor, vou lhe tomar a garota! Permite?
Vanessa trocou de par, Vinicius dançava bem, foi fácil acompanhá-lo. Mas não olhou para
ele, ficou o tempo todo de cabeça erguida, nariz para o alto. Quando terminou a música,
voltou para perto das amigas, que vieram para a competição.
- Então, acabaram? Vamos embora?
Vinicius comentou:
- Não sabia que jogava bem xadrez nem que dançava...
- Por que tinha de saber? - Falou calmamente
- Virá ao baile sábado? - Perguntou ele.
- Não, tenho outro compromisso - respondeu, virando-se para o outro lado.
No final de semana foi à casa das tias de Ernane, este estava
enfermo e ela lhe fez companhia.
- Vanessa - disse ele -, tenho câncer, não tem cura, meu pai quer que eu vá para os
Estados Unidos, não quero. Pedi a ele para ficar aqui com minhas tias, que desde que minha
mãe desencarnou são tudo para mim.
A mocinha queria-o bem, era um grande amigo, talvez viesse a amá-lo, mas ele sempre
com delicadeza cortou qualquer
aproximação nesse sentido. Ela ficou triste.
- Por que está triste? Não sabe que todos nós vamos desencarnar? Não tenho medo dessa
mudança! Tenho a certeza de que ficarei bem no Plano Espiritual. Depois, estaremos
unidos pela nossa amizade. Não quero que sofra por mim, não quero ser motivo de tristeza
para ninguém - falou ele tranqüilamente.
- Desculpe-me, amigo! Você tem razão, a desencarnação é para todos nós...
No terceiro jogo de xadrez, ganhou novamente e ficaram no final comentando sobre as
estrelas. Era o assunto preferido de Ernane e por isso ela conhecia bem e espontaneamente
comentou sobre constelações, cometas e quando se deu conta ela e Vinícius conversavam
animadamente. Ele entendia bem do assunto.
Vanessa saía pouco e nos finais de semana ia para a casa das tias. Passou um mês e Emane
partiu com o pai para os Estados Unidos, ia tentar um tratamento. As tias choraram e ela
ficou apreensiva e chorou também.
O campeonato estava em fase final. Vanessa ficou como fina lista, Vinícius também.
Jogaram e empataram. Novos jogos, ele tirou o primeiro lugar e ela, o segundo. Houve
festas, dançaram e ele começou a se interessar pela filha de Ana, principalmente
126
após um curso de psicologia, tinham as mesmas idéias. Comentaram sobre o curso, quando
falavam sobre livros, nova coincidência: gostavam, liam os mesmos autores.
A mocinha o evitava e isso despertou mais seu interesse, começou a cortejá-la.
- Você virá ao baile neste sábado? Não a entendo, gosta tanto de dançar e não vem aos
bailes - disse ele.
- Não sei, não estou com vontade - respondeu ela com desdém.
E não foi, preferiu visitar as tias Olga e Tereza, elas sentiam muito a ausência do sobrinho.
Escreviam sempre. O tratamento não deu certo e ele voltou para o Brasil, ficou na casa do
pai no Rio de Janeiro e as tias foram para lá. Vanessa quis ir visitá-lo, mas ele pediu que
não fosse, estava muito doente. Ela entendeu.
Recebeu a notícia de sua desencarnação e chorou. Ana a consolou:
- Minha filha, não deve agir assim. Entendemos bem esse acontecimento. Vamos orar por
Ernane, tenho a certeza de que ele está agora com a mãe, ele tinha conhecimentos e mereci
mentos, ficará bem no Plano Espiritual. E lá, para os bons, é bem melhor do que aqui.
Pense nele tranqüilo, feliz e sadio.
Vanessa se esforçou, e por insistência da mãe passou a sair mais, também porque as tias
estavam ainda no Rio de Janeiro e não podia ir à casa delas. Encontrava com Vinicius e
ignorava-o. Foi a um baile, ele a convidou para dançar e a elogiou:
- Você está bonita!
- Muda de opinião depressa ou costuma mentir? Há pouco tempo me achava feia.
- Creio que não reparei bem. Você é linda!
Semanas depois ele pediu para namorá-la, ela disse que não
moço insistiu.
Vanessa costumava cavalgar por ali, só que agora se vestia como uma amazona, usava
botas, chapéu, calças compridas, roupas que ganhara de Ernane. Corria pelo campo, Astro
pulava obstáculos. Estava distraída e como de costume parou, subiu no arreio, ficando de
pé para alcançar umas goiabas, colheu-as e se pôs a comer, sentando novamente no arreio.
- Vanessa!
Ela virou e se defrontou com Vinícius observando-a. Ele parara a caminhonete na estrada e
viera até a cerca. Falou preocupado:
- Que perigo! Você pode cair!
- Mas não caio, depois, se acontecer, do chão não passo! - Respondeu ela calmamente.
- Malcriada! Por que fez isso? Ficar de pé em cima do cavalo! Exibida! - Falou ele
exaltado.
- Para quê? Para quem? Ora, Vinícius, vá encher outro! Se quisesse me exibir daria um
show para uma platéia e cobraria
ingresso. Nem sabia que estava aí me olhando.
Galopou em sentido contrário. Ele estava com um amigo,
que riu.
- Você, meu caro, deu uma mancada, Vanessa anda muito bem a cavalo.
- Poderia ter caído, que imprudência! - Exclamou Vinícius.
- Cuidado! Parece apaixonado! Ela esteve interessada em você e a esnobou, agora é o
contrário - comentou o amigo.
Ele nem respondeu.
Tiveram algumas discussões, mas acabaram por namorar. Só que Vinicius era ciumento, às
vezes agia com grosseria, e os amigos não entendiam, e era assim só com ela. Se Vanessa
revidava, brigavam. Ele não gostava que a namorada cavalgasse, então ela diminuiu seus
passeios a cavalo para evitar desavenças, e quando o fazia ia escondido dele.
Tias Olga e Tereza voltaram da viagem e Vanessa foi visitá las. Vinícius se aborreceu:
- Nunca fiquei sabendo por que você gosta tanto de ir lá.
- Gosto das duas, somos amigas.
A mocinha foi no sábado cedo, voltaria no domingo à tarde. Mas, no sábado à tarde,
Vinícius apareceu por lá. Foi recebido bem, e gentilmente conversou com as duas senhoras.
De repente, ele viu o retrato de Ernane.
- Grande amigo! Sinto sua morte!
- Você o conhecia? - Indagou Vanessa, espantada.
- Estudamos juntos, moramos na mesma república, éramos confidentes, aprendi a jogar
xadrez com Ernane - respondeu ele,
suspirando.
- Ele esteve aqui doente. Você não veio vê-lo?
- Claro que sim! Nas terças-feiras vinha jogar com ele; só não vim nas férias de julho
porque ele me pediu que não viesse.
Vinicius se emocionou com as lembranças e ela ficou pasmada. Tia Olga o chamou para ir
à cozinha. Compreendeu tudo. Ernane sabia de seu amor por Vinicius e resolveu ajudá-la,
até o perfume indicado era o preferido dele, danças, xadrez, livros. Ernane, conhecendo o
amigo, sabendo do que ele gostava, fez com que ela aprendesse a gostar das mesmas coisas
para conquistá-lo.
Ele foi convidado a pernoitar, aceitou, e no domingo foram
embora.
Namoraram por meses, brigaram muito. Ele paquerava outras garotas e às vezes até perto
dela.
128
No final do ano, a escola de Vanessa organizou uma excursão, iriam passar oito dias no
litoral. Gustavo pagou tudo e ela
estava radiante.
- Você não vai! - Afirmou Vinícius.
- Claro que vou! Não conheço o mar, sonho com essa viagem.
- Um dia, quando casarmos, levarei você à praia. Com sua turma você não vai!
Discutiram por dias e ele deu um ultimato:
- Se você for, o namoro está terminado.
Ela ficou indecisa, mas já estava tudo acertado, senhor Gustavo lhe dera tudo com prazer,
Ana estava contente por ela ir
viajar. As amigas opinaram:
- Não entendo por que Vinícius age assim com você. Todos gostam dele como amigo.
- Você deve ir, brigam, depois voltam.
Vanessa foi, esqueceu as brigas e aproveitou a viagem, que
foi maravilhosa. Quando chegou, surpresa, ele estava com outra
namorada.
A filha de Ana chegou à conclusão de que foi o melhor e que
deveria esquecê-lo.
Dias depois, cavalgando por ali, perto da chácara, encontrou com Adriano. Conhecia-o, ele
estudava em outra cidade, estava no último ano de direito, morava num sítio ali perto. As
amigas diziam que ele estava interessado nela, mas, como só tinha olhos para Vinícius, não
lhe deu atenção. Observou o rapaz, não era bonito, mas inteligente, educado e, como ela,
gostava de animais. Conversaram muito, combinaram cavalgar no dia seguinte. E o fizeram
por toda a semana.
Gustavo os encontrou, parou, cumprimentou Adriano. Quando
Vanessa retornou a casa, ele perguntou:
- Você está namorando Adriano?
- Não senhor, nos encontramos para cavalgar - respondeu a mocinha.
- Gosto dele! Quando ele se formar vou convidá-lo para trabalhar na fábrica. Ele parece
interessado em você. Adriano é
ouro enquanto o outro é lata.
Saiu. Ana, que escutava, completou:
- Gustavo não gosta de Vinícius. Ele tem a estranha mania de olhar para os olhos das
pessoas e sentir quem elas são.
As fofocas eram muitas. As amigas comentavam, Vinícius
falava dela, que era bobinha, indecisa, que só pensava em
namorá-la novamente se ela pedisse desculpas etc.
- Nem vou me desculpar, como não aceito as desculpas dele
- afirmou.
129
Com raiva, Vanessa aceitou namorar Adriano, logo viu a diferença, ele a tratava como se
fosse alguém muito importante.
Com o retorno às aulas, ele foi estudar e voltou na Semana
Santa. Cavalgaram juntos a tarde toda. A noite, quando ele veio
buscá-la, estava com o rosto marcado.
- O que aconteceu? - Perguntou ela.
- Acho que você vai saber mesmo. Vinicius e eu brigamos.
Vanessa ficou revoltada. Adriano era de estatura média; Vinícius era alto, forte e
certamente deu uma de valentão querendo resolver na força uma frustração, nunca pensou
que ela iria namorar outro.
- Ele me agrediu e... - Falou Adriano, querendo explicar.
Resolveram esquecer o incidente desagradável. Adriano voltou para estudar. Vinícius
começou assediá-la, queria voltar a namorá-la. Uma noite, foi à chácara, sentaram na
varanda, começaram a discutir e ele acabou por gritar. Gustavo interferiu:
- Olhe aqui, mocinho, não quero que trate Vanessa assim. Vá gritar na sua casa. Ela está
namorando outro. Pare de assediá-la.
Ele não respondeu e foi embora. Quando ela entrou, escutou Gustavo falando com o pai de
Vinícius ao telefone:
- Seu filho está se tornando inconveniente. Está perseguin do minha enteada e gostaria
que o aconselhasse a parar.
Depois que desligou, falou à mocinha:
- Sabe o que o pai dele me respondeu? Que pensava que era você que ficava atrás do
filho. Mas disse que vai falar com ele. Vanessa, não quero interferir, mas aconselho: pense
bem! Será que esse moço grosseiro é o melhor para você?
Ela foi para o quarto. Aquela noite teve um sonho tão real
que pareceu verdadeiro.
Era casada com Vinícius, tinha medo dele, conheceu Emane e apaixonou-se, traiu o marido,
que descobriu e foi matar seu amante, que acabou assassinando seu esposo. Emane foi
preso. Ela já tinha dois filhos do esposo, esperava um do amante. Foi desprezada, teria
passado fome se não fosse pela ajuda de Adriano, um jovem professor. Depois de um
tempo, ele se declarou, levou-a para morar com ele e a ajudou a criar os filhos como se
fossem dele.
Acordou aflita e chorou muito. "O que faço?" E viu Aninha
ao lado de sua cama lhe sorrindo.
"Minha filha, aconselhe-se com Ana."
Não dormiu mais, ficou pensando, levantou cedo, queria conversar com a mãe, mas foi só
após o almoço que conseguiu. Contou-lhe todo o sonho. Ana escutou com atenção, pensou
um pouco e aconselhou:
130
- Vanessa, sonhos têm muitos significados. Pode ser que este seja uma recordação do
passado. Mas nem sempre estivemos envolvidos com pessoas que encontramos nesta
encarnação. Pode ser que por esses problemas tenha sonhado, confundindo tudo,
romanceando ou fazendo uma história para os três. Minha filha, temos oportunidade pela
reencarnação de recomeçar, certo que esse recomeço pode ser como reparação,
reconciliação, mas antes de tudo é um aprendizado. Temos por obrigação aprender, melhorar
progredir e aproveitar essa oportunidade para estarmos bem e sermos felizes.
Conheci nesta encarnação dois opostos. Gilberto me lembra Vinicius na agressividade e
Adriano, Gustavo. Não sei se já estive junto de Gilberto em outras encarnações. Se estive
ou se deveria fazer algo para ele, nada adiantou, não consegui mudá lo. Talvez na minha
passividade permiti que ele continuasse agindo errado. Você disse que no seu sonho você
temia o esposo, talvez porque ele era agressivo e mau. Jovem, sonhadora, não resistiu à
paixão e acabou tendo amante. Ernane nesta vida desencarnou jovem, talvez porque tenha
matado na outra. Mas se isso aconteceu, os dois se reconciliaram, tornando-se amigos.
- Mamãe, se traí Vinícius, talvez deva ficar com ele...
- Será, filha, que não irá traí-lo de novo? Agüentará se ele a trair, agredir, humilhá-la
como ele tem feito? Vinícius não é mau, só que não é par para você. Afinamos com
algumas pessoas e com outras não. Gustavo não deu certo com Lorena e comigo sim. Você
será feliz com alguém que lhe dê segurança, amor e que combine para viver sem brigas.
Não pense, se iludindo, que poderá mudar Vinícius. E difícil mudar alguém, é melhor se
entrosar com um que combine com seu jeito de ser. Muitas pessoas vivem bem com brigas
e ciúmes, você não, gosta de harmonia. Adriano a ama, sim, basta olhar para ele para
perceber. E se seu sonho foi real, ele não teve nada com as desavenças, ajudou-a e veio
enamorar-se de você, ofereceu um lar honesto e criou seus filhos. Agora, novamente a
ama...
- Será que Emane queria que eu ficasse com Vinícius? - Perguntou a mocinha.
- Ele só pensou em ajudá-la ao saber que era apaixonada por ele - respondeu Ana.
- Estou dividida!
- Que não seja pelo passado. Este ficou para trás. Escolhemos nosso futuro com as
decisões do presente. Pense bem, filha, com quem você gostaria de viver até a velhice e
quem seria bom pai para seus filhos.
Dias depois, tia Olga telefonou para que Vanessa fosse lá.
Estavam alegres, receberam pela psicografia uma mensagem
de Ernane.
131
Vanessa leu contente; o amigo contava onde estava, descre uma linda colônia. Junto da mãe
estava sadio e feliz.
- Esta é para você - disse tia Tereza, entregando-lhe um papel. Era um bilhete:
"Querida amiga Vanessa. Seu sonho mostrou parte de uma encarnação que tivemos juntos.
Erramos, sofremos e pagamos por isso. Suas mães Ana têm razão, o afeto sincero de
Adriano lhe fará feliz. Vinicius nos perdoou, mas no fundo ainda tem mágoas, não as
alimente. Ele encontrará o seu verdadeiro amor. Seja feliz! Ernane.
- Veja, Vanessa, o médium se enganou, p no plural: suas mães - observou tia Olga.
- E linda! Que mensagem verdadeira! - Exclamou a moci nha, compreendendo bem, não
era engano.
E decidiu, ficaria com Adriano. Telefonou para Vinícius encontrar com ela e foi clara:
- Vinicius, amo o Adriano, quero continuar com ele, como também quero ser sua amiga.
Ele virou as costas e a deixou sozinha. Mas, namorador como era, logo estava com outra.
Realmente Vanessa amava Adriano; conhecendo-o melhor, teve certeza de que ele era seu
par ideal; combinavam, respeitavam-se e ele a amava muito.
Firmaram o namoro; no final do ano, ambos se formaram:
ela professora e ele advogado, e ele foi trabalhar na fábrica e tornou-se grande amigo de
Júnior. Ficaram noivos.
A mocinha foi lecionar, realizando seu sonho, como também dava o curso de
Evangelização Infantil. Adriano tinha outra reli gião, mas, como era curioso, foi indagando
sobre o Espiritismo, lendo livros, e a convite dela foi algumas vezes ao Centro Espírita,
tornando-se por opção espírita.
Marcaram o casamento; a filha de Ana contou toda a sua história ao noivo.
- Por isso que Ernane pôs no plural: suas mães. Que sorte a sua de ter duas mães
maravilhosas.
Os dois reuniram amigos do Centro Espírita na véspera do casamento para uma oração. Foi
muito bonito, leu-se um texto do Evangelho e receberam vibrações de carinho de
encarnados e desencarnados.
O casamento foi na chácara. Gustavo encaminhou-a até a mesa do juiz; casaram só no civil,
eles não quiseram tomar a bênção de uma igreja que não freqüentavam. A noiva estava
linda, Ana chorou emocionada. E os dois viveram bem, tiveram uma união feliz e três
filhos.
132
12
Ausência
A chácara estava sempre animada. As crianças adoravam ir lá e domingo era sagrado:
chegavam cedo e só iam embora à noitinha. Davam-se bem, os filhos de Júnior chamavam
Ana de vovó, assim como os de Lívia e Vanessa tratavam Gustavo de vovô.
Os donos da chácara nunca mais viajaram. Ela recebeu algumas cartas de familiares, que
respondeu educadamente, ignoran do as indiretas para visitá-los. E as notícias acabaram
escasseando.
Ana não quis mais juntar dinheiro, gastava-o todo com os netos. Gustavo passou a ir com
ela ao Centro Espírita, gostava de estudar e ajudava muito, contribuindo com dinheiro para
as sistência social. Ela costurava, bordava para o bazar, que vendia as peças para arrecadar
dinheiro e convertê-lo em alimentos; visitava famílias, ajudando em casos de doença.
Viviam tranqüilos. Raramente discutiam, e quando isso acontecia era por bobagens, e
acabavam rindo.
Luciana, Lívia e Vanessa se tornaram grandes amigas. Freqüentavam muito a casa uma da
outra, as crianças se davam bem. Júnior e a esposa começaram a se interessar pelo Espiri
tismo, começando por ler alguns livros e depois a freqüentar o Centro Espírita. A nora de
Gustavo era uma pessoa especial, delicada, sincera, de família rica, mas simples e
prestativa.
- Quero trabalhar também! - Disse ela a Júnior, que no começo era contra. - Lívia
ajuda Cláudio, Vanessa leciona. As crianças - que eram três - já estão grandinhas, posso
bem sair de casa para trabalhar.
- Vá ao Centro Espírita com Vanessa - disse Júnior.
- Mas já estou indo...
- Por que não começa a fazer algo na fábrica? Aprenda pelas tarefas simples para depois
fazer com conhecimento algo lá dentro de que goste - opinou Ana.
- Quero! Posso ir, Júnior? - Pediu Luciana.
- Luciana - disse Gustavo -, um casal, para trabalhar no mesmo local, precisa estar
consciente de que não é fácil mais essa convivência. No trabalho há muitos problemas e um
pode se doer pelo outro ou discordar indevidamente por ser mais íntimo. Depois, ficarão
todo o tempo juntos, pense bem.
133
12
Ausencia
A chácara estava sempre animada. As crianças adoravam ir lá e domingo era sagrado:
chegavam cedo e só iam embora à noi tinha. Davam-se bem, os filhos de Júnior chamavam
Ana de vovó, assim como os de Lívia e Vanessa tratavam Gustavo de vovô.
Os donos da chácara nunca mais viajaram. Ela recebeu algu mas cartas de familiares, que
respondeu educadamente, ignoran do as indiretas para visitá-los. E as notícias acabaram
escasseando.
Ana não quis mais juntar dinheiro, gastava-o todo com os netos. Gustavo passou a ir com
ela ao Centro Espírita, gostava de estudar e ajudava muito, contribuindo com dinheiro para
as sistência social. Ela costurava, bordava para o bazar, que vendia as peças para arrecadar
dinheiro e convertê-lo em alimentos; visitava famílias, ajudando em casos de doença.
Viviam tranqüilos. Raramente discutiam, e quando isso acon tecia era por bobagens, e
acabavam rindo.
Luciana, Lívia e Vanessa se tornaram grandes amigas. Fre qüentavam muito a casa uma da
outra, as crianças se davam bem. Júnior e a esposa começaram a se interessar pelo Espiri
tismo, começando por ler alguns livros e depois a freqüentar o Centro Espírita. A nora de
Gustavo era uma pessoa especial, delicada, sincera, de família rica, mas simples e
prestativa.
- Quero trabalhar também! - Disse ela a Júnior, que no co meço era contra. - Lívia
ajuda Cláudio, Vanessa leciona. As crian ças - que eram três -já estão grandinhas, posso
bem sair de casa para trabalhar.
- Vá ao Centro Espírita com Vanessa - disse Júnior.
- Mas já estou indo...
- Por que não começa a fazer algo na fábrica? Aprenda pelas tarefas simples para depois
fazer com conhecimento algo lá den tro de que goste - opinou Ana.
- Quero! Posso ir, Júnior? - Pediu Luciana.
- Luciana - disse Gustavo -, um casal, para trabalhar no mes mo local, precisa estar
consciente de que não é fácil mais essa convivência. No trabalho há muitos problemas e um
pode se doer pelo outro ou discordar indevidamente por ser mais íntimo. De pois, ficarão
todo o tempo juntos, pense bem.
133
- Senhor Gustavo - falou Livia -, Cláudio e eu trabalhamos juntos desde que casamos,
embora eu dedique ao trabalho somente a parte da tarde, quando as crianças estão na
escola. O senhor tem razão. Muitas vezes Cláudio não foi tão delicado e eu, por outras, já
impliquei com o modo de ele proceder. Após algumas discussões, preferimos o diálogo
franco e entramos num acordo.
- Estou pensando em colocar uma pessoa para ajudar o pessoal, nossos empregados, nos
problemas diários, como também
alguém de confiança para dirigir nossa creche - falou Gustavo.
- Aceito qualquer um! - Entusiasmou-se Luciana.
- Papai - falou Júnior -, estava pensando em contratar alguém formado em assistência
social para atender os funcionários. Eles não estariam à vontade com Luciana. E na creche
tem dona Isaura e..
- Isaura deve se aposentar. Há queixas contra ela, é muito rígida, quer muita ordem e a
garotada precisa de disciplina, mas
não tanto - comentou Gustavo.
- Gosto de crianças - falou Luciana -, talvez não seja bem isso que queira.
- Não cuidará só de crianças - expressou Gustavo. - Tomará conta de tudo e pode crer,
minha nora, os empregados da creche lhe darão mais trabalho. Depois, quero que
desenvolva um trabalho junto aos empregados para que todos mantenham os filhos na
escola. E aproveito para convidar Vanessa para que juntas abram um curso para alfabetizar
adultos, escola para nossos empregados. Não quero analfabetos na fábrica.
- Que bonito! Gustavo, você é o máximo! - Exclamou Ana em voz alta.
Todos riram.
Vanessa deixou a escola onde lecionava e, com Luciana, organizou o projeto na fábrica.
Não só deram o curso para os empregados, mas para todos aqueles que queriam. As salas
de aulas encheram, novos professores foram contratados e tudo custeado pela fábrica.
Vanessa ficou radiante.
- André Luiz, se desobedecer ficará de castigo - advertiu Lívia.
- Pode deixar que tomo conta dele - disse Ana.
- Mamãe - falou Lívia -, Cláudio e eu decidimos ser firmes na educação de André
Luiz. Juliana é tão meiga, mas ele necessita de mais pulso.
Lívia trouxera os dois filhos, iriam ela e o marido sair. Isto acontecia sempre, as três
costumavam deixar os filhos na chácara para passear e eles gostavam muito. Ana
reconheceu que a filha tinha razão, o garoto era um tanto rebelde. André Luiz
recebeu
134
esse nome em homenagem ao escritor desencarnado espírita, que já editara os
primeiros livros e dos quais todos eram fãs.
A filha saiu. Ana sentou-se na varanda e pensava no assunto,
quando o menino aproximou-se.
- Vovó, a senhora está triste? Alguém lhe bateu?
- Me bater? De onde tirou essa idéia, André Luiz?
- Bem... éque esta noite sonhei que um homem batia na senhora. E parecia que era eu,
mas não era, foi um homem. Acordei aborrecido. Resolvi defendê-la, se alguém lhe bater,
esmurro com força. Não deixo, vovó! Não mesmo!
Ana abraçou o neto. André Luiz era muito parecido fisica mente com Livia, mas ela se
assemelhava com Gilberto. Tambémjá percebera que ele era arisco com Gustavo. Ficava
sempre a olhá-lo, enquanto os outros netos corriam para abraçar o avô, que fazia de tudo
para agradá-los. Gustavo tinha que chamá-lo, aí ele se alegrava e ia correndo.
- Obrigada, meu neto querido, é bom saber que tenho você para me defender. Vovó o
ama. Esqueça esse sonho!
Sonhos podem não ter significado e só uns, raros, têm alguma ligação com nosso passado.
André Luiz fora Gilberto e quando ele estava no Plano Espiritual, socorrido, sentira muito
por ter tratado as duas Anas tão mal. Isso marcou-o e desejou ser bom para ela, que seria
sua avó. E realmente era o neto que estava sempre ao seu lado e perguntava sempre:
"Precisa de algo, vovó? Está triste? Não deixo ninguém lhe bater!" Riam ao escutar esta
última frase. "Ninguém bate na vovó, André Luiz. Por que diz isso?" "Bem, respondia,
podem querer bater, mas eu não deixo!" Ana o compreendia.
Gustavo raramente viajava, quando fazia era para apaziguar
os filhos com a ex-esposa ou para ajudá-los nos negócios.
Estavam reunidos na sala, era noite, estava muito frio, as crianças foram para o quarto de
brinquedos. Vieram ver Gustavo, que regressara pela tarde, fora ver os filhos e desta vez
demorou mais dias.
- Papai, mamãe me ligou, conversou comigo por tempo. Quer dinheiro.
- Senhor Gustavo - interferiu Luciana -, não quero que Júnior dê dinheiro à mãe. Por
favor, convença-o!
- Papai - continuou Júnior -' mamãe me pediu uma quantia razoável e me disse que é
pouco. Queixou-se do senhor, que a enganou, impedindo por documentos de vender os
bens. Xingou Paulo Sérgio por não lhe dar o que deve, como também reclamou de Aurea,
que não a defende.
Gustavo passou a mão no queixo, todos na sala o olhavam,
suspirou:
135
- Júnior, meu filho, você está bem casado. Luciana sempre foi sensata e deve prestar mais
atenção em sua opinião. Já recebeu alguma visita de seus irmãos ou de sua mãe nesse
tempo em que mora aqui?
- Não, senhor - respondeu. - Eles dizem que sou louco por morar numa cidade
pequena. Não vieram.
- Sua mãe já lhe telefonou para saber se estava bem?
- Não, uma vez ela me disse que o senhor tomaria conta
de mim.
- Filho, para todos, até para alguns amigos, eu o prejudiquei quando reparti nossas
finanças. Mesmo sendo só sua essa fábrica, ficou com menos que os outros dois. Injustiça?
Lorena é uma pessoa inteligente, entendeu isso. O que ela fez para defendê-lo? Nada! Meu
filho, estive esses dias na fábrica, com eles, as finanças estão bem, mas estão com muitos
problemas. Paulo Sérgio só dá à sua mãe o que ela tem direito. Ele me disse que não é
como eu, que sempre fui bobo e dei tudo que ela queria, que a acostumei mal. Lorena gasta
muito, é com extravagâncias, festas, viagens, etc. Se ela precisasse de dinheiro por motivos
justos, não iria pedir a você, porque eu a acudiria. Você, filho, tem se esforçado, trabalha
muito, eu tenho orgulho disso, irá ser o melhor presidente dessa fábrica. Não duvido! Se
você atender sua mãe uma vez, ela, insaciável, irá querer sempre. Sua mãe não tem limites.
Atenda sua esposa, diga a ela que não e deixe claro que tem de viver com o que recebe, que
sabemos ser muito.
Gustavo fez uma pausa, suspirou triste e continuou:
- Paulo Sérgio está roubando sua irmã e sua mãe. Ele é trabalhador, esperto, inteligente,
mas não tem vocação para trabalhar para os outros. Vi isso, conversei com ele, argumentou:
"Papai, Aurea só vem aqui para me arrumar confusão, mamãe é uma devassa que só pensa
em gastar. Ainda bem que o senhor fez tudo bem feito, se não ela já teria vendido tudo e
estaria na miséria. Papai, estou cansado disso, mamãe só vem aqui para me pedir dinheiro,
não é como o senhor, que vem nos ajudar. Só estou pegando o que é justo. Algumas
transações, separo o meu." Tentei ainda persuadi-lo a agir com honestidade, aí ele me colo
cou no meu lugar, eu não era mais nada ali dentro. Procurei Au rea, nada adiantou, ela está
brigando muito com o marido. Insisti com ela para que trabalhasse, cuidasse do que era
dela, e sabem vocês o que minha filha me respondeu? "Papai, eu trabalhar? Nunca, meu
marido é rico, tenho o esperto do meu irmão para fazê-lo por mim. Que ele trabalhe e eu
receba!"
Gustavo parou de falar, o silêncio na sala era total. Ana pegou sua mão. Júnior perguntou a
ela:
136
- Dona Ana, o que a senhora acha disso tudo?
- Acho, Júnior, que seu pai é o homem mais maravilhoso que existe e que ele o ama
muito. E se sua mãe vier realmente a precisar, você deve ajudá-la, mas agora auxiliará
muito mais negando.
- Senhor Gustavo, eu gosto muito do senhor e o admiro - disse Vanessa, levantando-se
do seu lugar e o abraçando.
- Eu - exclamou Luciana - tenho o melhor sogro do mundo. Somos, sou feliz aqui
nesta cidade pequena, tendo vocês por amigos. Só discordo, senhor Gustavo, de uma coisa:
antes podia ser que Júnior tenha ficado com menos, mas agora creio que não, a fábrica
cresceu muito.
- Papai, hoje o compreendo e sou grato. Conhece bem seus filhos. Deu a cada um o que
lhe era devido. Obrigado! - Falou
Júnior, emocionado.
- Sinto que é sincero e me alegro. Você, filho, terá logo a igualdade financeira de seus
irmãos e mais paz e sossego.
Tempos depois Gustavo se queixou de dores. Estava tendo má digestão, foi ao médico, que
lhe pediu para consultar um especialista. Júnior foi com ele à capital e uma cirurgia foi
marcada. Ana foi com ele, operaram-no. Ela ficou o tempo todo ao seu lado. Disseram que
era um tumor no intestino e que ele ficaria bem. Ela desconfiou e pediu que Júnior dissesse
a verdade.
- Papai tem câncer, está em estado avançado.
- Ele vai morrer... - Balbuciou, trêmula.
- Todos nós vamos...
Voltaram para casa, ele se sentiu melhor, chamou a companheira e o filho.
- O que tenho? Podem dizer! é grave?
- Não, papai, claro que não! Ficará bom e...
- Está bem, não precisam dizer mais nada. Filho, acho que não vou mais à fábrica, vou me
aposentar. Se tiver alguma dúvi da quanto à administração, tire logo. Cuide de tudo!
Os dois entenderam que ele sabia, preferiu fingir que acreditava neles. E não se tocou mais
no assunto.
- Dona Ana - disse Júnior -, vou arrumar outra empregada, Ruth poderá ajudá-la a
cuidar de papai.
Assim o fez, arrumou outra empregada e logo depois mais
outra para ir no domingo, folga desta. Ruth passou a ajudá-la
com muita dedicação.
Gustavo piorou. O grupo espírita que visitava doentes vinha
sempre vê-lo, ele gostava, orava junto e recebia o passe.
Um dia, com todos reunidos ele pediu:
- Quero pedir a vocês um imenso favor. Não quero voltar ao hospital. Quero ficar aqui...
137
- Mas papai...
- Por favor, filho, faça isso por mim.
- Faço! - Afirmou Júnior.
- Obrigado!
Júnior contratou um enfermeiro, depois mais outro. O quarto transformou-se, havia de tudo
para atendê-lo. Ana deixou a cama só para ele, comprou outra para ela, que foi colocada ao
lado da dele. Já não trocava de roupa para deitar, só descansava quando ele dormia. A
enfermidade piorou e ele passou a sentir muitas dores. Ana sofria por ele, ficava ao seu lado
o tempo todo.
- Ana - disse ele -, você sempre me agradeceu, agora sou eu a agradecê-la. Está
fazendo muito por mim. Não sei se faz só por gratidão, você nunca me disse que me ama.
Não sei por que, minha querida, mas meu coração quer acreditar que sou amado.
Ela carinhosamente segurou sua mão, pensou: "Sempre temi dizer a ele que o amo. Um
medo bobo me impede de falar, é um temor que parece que, se eu disser, ele me
abandonará. E agora? Irá ele me abandonar ao desencarnar? Não! Tenho a certeza de que só
se ausentará"
- Gustavo...
- Dona Ana! - Ruth entrou no quarto afobada e sem bater na porta. - Os filhos do
senhor Gustavo chegaram...
Ela tinha ouvido barulho de carro, reconheceu ser o de Júnior,
mas este estava sempre na chácara; também tinha ouvido baru lho de outros veículos, mas
não deu atenção.
- Meus filhos?! - Indagou Gustavo, alegre.
- Sim, senhor - respondeu Ruth. - O filho, a filha e os netos.
- Vou recebê-los e acompanhá-los até aqui disse Ana.
Ela foi à sala e escutou:
- E inacreditável! - Exclamou Paulo Sérgio. - Papai mora aqui!
- Vou acabar acreditando em Júnior, que essa dona Ana não interesseira - falou Aurea.
- Boa tarde! - Disse a anfitriã. - Sejam bem-vindos ao nosso lar. Ia dizer humilde, mas
não o era para ela nem para Gustavo.
Simples, talvez, mas para eles era um lar, e isso era importante e se orgulhavam disso.
Cumprimentaram-na polidamente. Aurea observou-a bem. Um dos garotos, já rapazinho,
disse:
- Queria ver meu avô.
- Claro, por favor...
O doente alegrou-se, abraçaram-se, conversaram...
- Papai - disse Paulo Sérgio -, estou com uma dificuldade e...
Júnior o olhou advertindo, mas o pai respondeu:
e
138
- Paulo Sérgio, é só fazer isso... - Finalizou dizendo: - Quan do você tiver dúvida, peça
a opinião de Júnior. Duas cabeças pensam melhor que uma. Vocês devem ser mais amigos
e trocar idéias.
Ana ficou ao lado dele quieta. Depois de algum tempo de
conversa, ofereceu para hospedá-los.
- Obrigada, dona Ana - respondeu Aurea -, já nos hospedamos na casa de Júnior.
Amanhã iremos embora.
- Vamos então tomar um café - convidou-os.
Foram, sentaram à mesa e saborearam o café que Ruth
tinha preparado. Paulo Sérgio comentou com o irmão:
- Júnior, papai está mal, deveria ter nos avisado.
- Mais ainda? - Respondeu com uma pergunta, deixando-o sem graça.
- é triste vê-lo assim. Não seria melhor levá-lo ao hospital?
- Indagou Aurea.
- Já lhes expliquei que papai não quer - respondeu Júnior.
Voltaram ao quarto, ficaram até perceber que o pai estava
cansado. Voltaram no outro dia, almoçaram na chácara. Paulo
Sérgio, ao se despedir de Ana, falou:
- Tinha idéia de levar papai para um hospital, mas mudei de opinião, ele está bem tratado
aqui.
Voltaram mais vezes, não juntos. Gustavo se alegrava com as visitas, mas piorava e as
dores eram alucinantes. O médico os advertiu de que ele estava em fase terminal. Ana só
saía de perto dele para ir ao banheiro.
- Quero, Ana, que depois você se cuid& - Pediu o enfermo. Piorou tanto que quase não
conseguia mais falar, se tranqüilizou um pouquinho, se esforçou, olhou para ela e disse:
- Minha querida...
Não falou mais e horas depois desencarnou.
Os amigos espíritas vieram e oraram por ele, levaram-no para a fábrica, foi velado lá. Ana
não deixou colocar velas e não quis flores, mas muitas pessoas as levaram e o ambiente
ficou florido. Muita gente compareceu, empregados, familiares, todos orando, sentiram
realmente a perda daquele homem justo e bondoso.
Ana sentou-se ao lado do caixão, não chorou, se esforçava tentando ajudar Gustavo, pedia
aos bons espíritos para socorrê lo e que ele dormisse. Não queria chorar para não perturbá-
lo. Ele estava se ausentando. Sabia que a ausência dói, a falta física é dolorosa, mas pior é
achar que a morte do corpo é separação. Tinha a certeza de que se reencontrariam.
Os familiares de Gustavo chegaram, cumprimentaram-na. Viu
Lorena, estava vestida luxuosamente, chegou perto do caixão,
tirou um lenço e enxugou umas lágrimas. Disse a Paulo Sérgio:
139
- Tire esta mulher daqui, sou a esposa legítima.
- Mamãe, por favor, não crie confusão, a senhora é a ex! - Pediu Paulo Sérgio.
- Mamãe, a senhora prometeu. Por favor, comporte-se! - Júnior disse com firmeza.
Ana escutou, nada respondeu, continuou ali a receber os pêsames. Após o enterro, os
familiares dele voltaram para a cidade onde moravam, nem passaram na casa de Júnior,
que acompanhou Ana até a chácara. Ela estava cansada, o enteado lhe deu um calmante e
ela dormiu por horas. Acordou e ouviu Ruth na cozinha, foi para lá.
- Ruth, temos de nos organizar. A vida continua, embora tenha mudado. Nada mais será
como antes. Sentirei muito a falta de Gustavo, mas temos de ajudá-lo. Vou hoje à reunião
do Centro Espírita, quero agradecer aos amigos e pedir que o ajudem a adaptar-se no plano
espiritual.
Foi. Agradecer o auxílio que recebemos é gratificante. A gratidão tem fluidos balsâmicos
que envolvem beneficiadores e
beneficiados.
No outro dia, Ana reuniu todos na chácara.
- Júnior, quero que cuide da demissão dos enfermeiros, não iremos mais precisar deles.
- Vou fazer isso hoje mesmo - respondeu o moço. - Vou indenizá-los. Quero também a
opinião da senhora sobre um as sunto. Queria que Félix, o filho de Nicanor, viesse morar na
casa de Ruth, vou aumentá-la, e também que a outra empregada continuasse aqui. Ruth
poderá ter um quarto aqui, ficaremos mais tranqüilos com vocês duas juntas. Bem, a não ser
que a senhora venha morar com um de nós...
- Você me conhece, Júnior, disse primeiro a alternativa que eu escolheria. Sim, aceito sua
opinião. Félix substitui senhor Nicanor desde que ele se aposentou. Mora numa casa
simples, ficará contente de residir aqui, é um bom empregado. Pode aumentar a casa. Ruth
já estava dormindo aqui desde que Gustavo piorou, agora deve ficar definitivamente.
Vamos aproveitar que estamos aqui reunidos para resolvermos o que fazer com os per
tences do meu querido companheiro. Vou hoje mesmo modificar o quarto, mandarei os
remédios, tudo que usamos na enfermidade dele para o hospital.
Separaram todos os objetos dele. Júnior levou muitas coisas para a fábrica, o resto seria
doado, ficando só com alguns como lembrança. Foram livros, relógio, discos, pouca coisa,
mas de significado carinhoso.
140
No outro dia tudo estava modificado. Ana recebeu muitas
visitas e veio a saber o tanto que seu companheiro ajudava financeiramente a muitas
entidades filantrópicas.
Ela às vezes chorava, a saudade doía, mas orava pedindo ao Pai forças e consolo, queria
que Gustavo a sentisse bem e conformada. Incentivava-o com pensamentos otimistas:
"Fique bem! Alegre-se, aceite o que lhe é oferecido!" Embora a ausência doesse, se
consolava pensando que um dia iria desencarnar e esperaria esse acontecimento com
paciência, e então estariam novamente juntos.
- Dona Ana - disse Ruth -, a senhora está se esforçando bastante. A senhora é espírita!
Ana sorriu, era para ela o maior elogio que recebera. Respondeu:
- Obrigada, Ruth!
Compreendeu que muitos se dizem espíritas, mas será que são realmente? E ter escutado
isso de Ruth, seguidora da Doutrina há tantos anos, a motivou. Entendeu que são nas
provas difíceis que demonstramos ser o que nos propomos. Era espírita, e como isso lhe
fazia bem!
Ela e Ruth decidiram que a outra empregada viria aos sábados, domingos e às segundas-
feiras; ela aceitou contente, teria mais tempo para a casa. Trabalharia quando a casa
estivesse com visitas, pois todos continuavam a vir nos finais de semana.
Félix mudou, tinha muitos filhos, e a chácara continuou sendo alegrada por muitas crianças
e jovens. Todas as festas da família eram lá, como também era ponto de excursão de
creches e de escolas: iam à chácara e eram recebidos com doces e bolos. A criançada da
vizinhança estava sempre por lá a brincar e sabo rear as frutas do bem cuidado pomar.
- Ruth - disse Júnior -, estive pensando que vocês duas precisam descansar, viajar...
- Uns amigos vão numa excursão visitar, conhecer o Chico Xavier, queria ir... -
Respondeu Ruth, contente.
- Pois vão! Está decidido! Organize tudo - afirmou Júnior.
- Obrigada, Júnior, mas não quero ir. Ruth irá, mas prefiro ficar aqui, não gosto de viajar
- disse Ana.
Insistiram, mas ela não queria. Júnior então disse a Ruth:
- Vá você, pago tudo!
- Mas eu tenho dinheiro.
- Compre com ele roupas novas, quero que viaje bem vestida - falou o moço sorrindo.
E Ruth foi realizar seu sonho de conhecer Chico Xavier, que
despontava como médium dentro do Espiritismo no Brasil.
141
Ana sempre sentiu muita saudade de Gustavo. Mas sempre teve o cuidado de não perturbá-
lo com seu lamento, queria-o bem.
Quando queremos bem uma pessoa, desejamos que seja feliz. Devemos compreender que o
desespero só a prejudica e nos esforçar para nos mantermos em equilíbrio, com bons pen
samentos. Depois, ela passou a se dedicar a outros que sofriam. Quando fazemos isso,
nosso fardo fica leve, o tempo passa mais rápido, suavizando dores, porque esquecemos das
nossas quando acudimos os outros, tudo fica mais fácil. E uma terapia muito boa auxiliar o
próximo.
Ana passou a se dedicar mais ainda à Doutrina, trabalhando
muito na assistência social.
Júnior passou a cuidar das finanças, pagava os empregados
da chácara a dava à madrasta dinheiro para as despesas. Ela,
quando se aposentou, disse a ele:
- Não precisa me dar mais dinheiro!
- Dona Ana, farei isso todo mês, gaste com o que quiser. A senhora dá tantos presentes
aos netos.
- Você tem notícias de seus irmãos? - Perguntou Ana.
- Estão bem, têm lá os seus problemas, conversamos por telefone às vezes, as reclamações
são as mesmas, mamãe continua com seus gastos excessivos. Minha família está aqui!
E era uma família unida em que um podia contar com o
outro. Queriam-se bem!
142
13
Novamente Juntos
Gustavo acordou sentindo-se melhor, sem dores, voltou a
dormir. Depois da terceira vez que acordou foi que retomou
a consciência. Observou o lugar onde se encontrava e pensou:
"Minha melhora no plano físico seria impossível, não tenho dores
e não é pela injeção. Estou numa enfermaria de hospital. Então,
devo ter desencarnado e estou no plano espiritual e socorrido."
- Graças a Deus! - Murmurou.
Um companheiro de quarto o olhou e comentou:
- Dormiu muito...
- E acordei disposto. Quando foi que desencarnei?
- 1h... outro com essa história... Acordou perturbado... - Falou o homem, fazendo uma
careta.
Gustavo sorriu e indagou:
- Como faço para chamar alguém?
- Logo um encarregado virá aqui.
Minutos depois entrou na enfermaria um moço bonito e agradável, que sorriu para todos.
Um outro interno, que ocupava o
mesmo quarto, o chamou:
- Por favor, Juliano, necessito de notícias!
O moço, que naquele momento Gustavo soube se chamar Juliano, aproximou-se do leito e
conversou com a pessoa que o
solicitara, depois veio até ele.
- Como se sente?
- Bem melhor. Queria lhe perguntar como devo agir. Posso me levantar?
- Creio que sua melhora será rápida, Gustavo. Vou avisar alguns amigos que você
acordou. Acho que é melhor ficar ainda
um pouco no leito.
Ele ficou deitado olhando tudo. O senhor ao seu lado estava
muito aborrecido. Não queria ter morrido e se queixou:
- Não sei se acredito ou não que morri. E estranho!
- Toda mudança pode parecer estranha se não a entendemos. A morte do corpo nos leva a
viver de outro modo, é uma grande
mudança. E nosso querer não influi. E melhor aceitar, amigo!
- Gostava de minha casa, de minhas coisas, sinto falta de implicar com os filhos e netos.
Você está dizendo isso porque
certamente não tinha nada - resmungou o companheiro de quarto.
143
- Tem razão, não tinha nada! De que somos donos realmente? Do corpo? Este morre
independentemente da nossa vontade. De alguma casa? Deixamo-la um dia, querendo ou
não. De afetos? De alguém? Não fomos donos de ninguém nem pertencemos a outrem. O
senhor se engana, fui, na Terra, encarnado, um homem de posses, tenho uma esposa linda,
boa e nos amamos, tenho filhos e netos. Só que, pensando bem, uso o termo "tenho"
indevidamente. Mas como dizer? Não sei. Não perdi os afetos, o amor é como a vida,
continua.
Uma senhora entrou no quarto, veio com uma linda flor e
entregou a Gustavo. Este a reconheceu, era parecida com
Vanessa.
- Aninha? - Perguntou ele
- Gustavo, seja bem-vindo!
- Então não é para ter dúvidas, desencarnei mesmo - sorriu ele.
- Sim e espero que se recupere logo.
- Quero me recuperar e espero saber como fazê-lo, e o mais rápido possível.
- Gustavo, vim convidá-lo para morar comigo, resido nesta colônia numa casa bonita,
lembra a chácara. Moro com sete
amigos e estamos esperando-o.
- Obrigado, Aninha. Já começava a me preocupar como e o que ia fazer ao sair daqui. Foi
você que me trouxe para a colônia?
- Não, você foi desligado e encaminhado para cá pela equipe de amigos, trabalhadores
desencarnados do Centro Espírita
que freqüentava.
- Amigos! Que bom! Quero agradecê-los! - Exclamou Gustavo.
- Terá oportunidade - falou Aninha. - Agora eu que quero agradecê-lo. Você foi muito
bom para minhas filhas. Elas o amam
como pai porque você agiu como se fosse. Obrigada!
Ele não respondeu, sorriu, e Aninha lhe deu notícias de todos, ficou aliviado por saber que
estavam bem e pensou: "Não
quero que sofram por mim"
- E impossível - disse Aninha, lendo seus pensamentos - eles sentem sua falta. Mas
como compreendem, estão fazendo de tudo para não atrapalhá-lo. E você está aqui porque
fez por merecer. Venho buscá-lo amanhã. Até logo!
Aninha saiu e o senhor, que ficou atento à toda a conversa,
comentou:
- Você chegou há pouco e já está indo. Não tem medo do que encontrará fora destas
paredes?
- Amigo, é melhor aceitar o que nos está sendo oferecido. Aqui é maravilhoso...
144
O senhor interferiu:
- Como sabe?
- Sou espírita, segui uma religião que nos esclarece nesse sentido. Existem, amigo,
lugares horríveis aonde um desencarnado pode ir. Pensava muito, quando encarnado, na
desencar nação. Estou bem e vou ficar melhor, não quero ser por mais tempo motivo de
trabalho para os outros.
- Trabalho para os outros? - Perguntou o senhor, estranhando.
- Você não é servido? Então, dá trabalho aos outros. Não pensou nisso? - Indagou
Gustavo.
- E...
- Pois não quero ser servido, quero ser auto-suficiente e útil. Sempre fui trabalhador e
quero continuar sendo.
- Você não sente falta dos seus familiares? Não tem vontade de estar na sua casa? -
Interrogou o senhor.
- Claro! E deverei sentir mais ainda, sei disso e estou preparado. Quanto mais depressa
me adaptar aqui, melhor será para mim. Desencarnei e não tem volta, por isso, siga meu
conselho, aceite e tudo será mais fácil.
- Sabe disso tudo só porque era espírita? - Quis saber seu
companheiro, curioso.
- Sim e porque acreditava. Como vê, facilitei aprendendo
antes.
O senhor quietou e Gustavo ficou pensando. Compreendeu que fora socorrido por
misericórdia, talvez porque a usou para com o próximo. Cometera erros, arrependeu-se, se
voltasse no tempo não os faria novamente. Mas tentou acertar e fez amigos, tanto que
trabalhadores desencarnados do Centro Espírita o ajudaram. Era grato por isso. Não queria
ser dependente, necessitado, mas fazer por merecer continuar abrigado. Estar socorri do era
uma grande graça.
No outro dia, Aninha veio buscá-lo. Ele gostou muito da casa
dela e de seus amigos.
Quando se quer, quando se almeja, se consegue, e isso é um
fator importante no plano espiritual. Gustavo logo adquiriu conhecimentos para viver bem
na colônia e passou a ser útil.
Estava tranqüilo, fez muitos amigos, gostava do trabalho, admirava a organização e a
ordem da colônia, e mais, era grato por estar vivendo ali, e quando somos gratos temos de
fazer com que a gratidão dê frutos.
No começo sabia de seus entes queridos pelas notícias que Aninha lhe dava. Quando se
sentiu seguro, teve autorização para visitá-los. E como foi para ele gratificante vê-los!
Estava presente nas lembranças de todos de forma carinhosa. No começo, Aninha o
acompanhava. Certa vez ele comentou com ela:
145
- Não entendo como muitos desencarnados acham ruim ver seus familiares refazendo suas
vidas.
- E egoísmo - esclareceu sua cicerone. - Muitos, ao fazer esta mudança, querem que
seus familiares sofram por eles, e, se isso acontece, eles se perturbam com as vibrações
aflitivas que recebem. Como o entendimento faz falta! Ao entender que nada acaba, a vida
não pára, continuamos com nossa individualidade, continuamos a amar e compreendemos
que certamente estaremos juntos de novo, tudo fica mais fácil, e não há motivo para tanto
sofrimento, O desencarnado deve orar, desejar com sinceridade que os familiares fiquem
bem no plano físico; e os encar nados, por sua vez, desejar que o ente querido que partiu
pela morte física esteja tranqüilo para fazer essa mudança, que para muitos é difícil devido
à falta de compreensão.
E Gustavo ficou aguardando o retorno de sua companheira.
Queria que quando ela viesse até ele estivesse bem para recebê
la. Dedicou-se ao trabalho e ao estudo com muito carinho.
Mas foi uma neta que retornou primeiro, a filha de Aurea. A
mocinha tinha dezoito anos, sofreu um acidente e veio a desencar nar. Um orientador da
colônia em que Gustavo estava o chamou:
- Sua neta, Elenice, desencarnou. Você tem permissão de ir até lá e ajudar a equipe
socorrista.
- Como ela está? - Indagou, preocupado.
- Está em processo de desligamento
Gustavo foi até eles. Desespero, agonia, tristeza e até revolta.
Elenice estava sendo preparada para o velório por encarnados e uma equipe de
desencarnados desligavam seu espírito do corpo morto. O avô aproximou-se, ela se debatia,
estava perturbada, sem saber o que ocorrera, não queria dormir, tinha medo.
- Minha neta!
Abraçou seu perispírito e o beijou.
Gustavo não teve muito contato com os netos, filhos de Aurea e Paulo Sérgio. Mas queria-
os bem e quis, naquele instante, ajudá-la, protegê-la e deixou o amor envolver. Esforçou-se
para não se deixar abranger pelas vibrações confusas dos familiares. O corpo dela estava
machucado, teve fraturas, cortes, mas ela não sentia dor. Foi um acidente de carro em que
viajava com amigos, só ela desencarnou, os outros ficaram feridos.
Elenice quietou-se um pouco e o olhou, apavorada:
- Vovô, vovô... - Balbuciou baixinho.
- Neta querida! Acalme-se! Vovô protege você!
Foi conversando com ela, a mocinha se acalmou, ficou sonolenta e os trabalhadores
puderam desligar seu espírito do cor po morto. O desligamento é feito de muitos modos.
Alguns são
146
feitos por socorristas, outros por amigos e parentes. Em caso de morte violenta, o
desligamento é feito rapidamente, mas nos casos de imprudentes que muito erraram e de
suicidas, demora dias, meses, até anos para ser efetuado. Para os bons este processo é
sempre mais fácil. Este desligamento é a saída definitiva do espírito da matéria.
E lá ficou o corpo, sendo ajeitado por trabalhadores encar nados. Gustavo a tinha no colo,
com a cabeça dela junto ao seu
peito. Um socorrista explicou:
- Somos trabalhadores de um pronto-socorro junto à rodovia. Elenice é boa menina,
poderíamos tê-la desligado no local do acidente, mas ela ficou muito apavorada e não
conseguimos fazê-la dormir. Temos de levá-la ao posto de socorro.
- Agradeço aos senhores. Tenho permissão para acompanhá-la.
Acomodaram-na num leito, Gustavo ficou ao seu lado. A
mocinha não conseguia dormir nem ficar tranqüila. Gritos, choros
dos familiares a faziam sacudir, ficava aflita e murmurava:
- Não! Mamãe! Não chore! Vou! Estou viva! Dormir, não! Parem com isso!
O avô ficou com ela. Eles lembravam de acontecimentos e ela também vira tudo.
Elenice sempre foi boa pessoa, amiga leal, as colegas choravam, mas muitas oravam, e
foram essas orações que ajudaram a acalmá-la por momentos. Mas o desespero dos
familiares sacudia a garota no leito. Ela era boa filha, estudiosa, pacificadora, estava
sempre tentando fazer com que os pais parassem de brigar, ajudava a mãe com conselhos e
carinhos e também a avó. Lorena sentiu; era a primeira vez que Gustavo viu a ex-esposa
sofrer realmente. Ela gostava muito dessa neta.
Depois do enterro, com calmantes, quietaram, e Elenice pôde
ficar mais tranqüila. Ela pediu:
- Vovô! Não me deixe dormir! Não quero adormecer! Por Deus!
- Calma, querida, estou aqui com você. Acalme-se! - Disse ele, abraçando-a
carinhosamente.
Então ele compreendeu. A neta era religiosa, tinha a idéia errônea de que a morte era um
sono do qual não acordaria antes do Juízo Final. E ela não queria dormir, ter a bênção do
sono reparador.
O médico do posto de socorro veio conversar com ela.
- Não me importo de ter morrido, mas não quero dormir. Não me deixe dormir, vovô -
pediu ela.
- Não deixarei, querida. Não vou sair do seu lado.
Ela ficou treze dias no posto e Gustavo não saiu do seu lado,
e ela não dormiu. Se o cansaço a fazia cochilar, pulava aflita
tentando ficar desperta. E os familiares não ajudavam, era
147
revolta, desespero e dó dela, que chorava ao senti-los. Só ficava mais tranqüila quando
recebia orações de amigas, de Júnior, Luciana, e foram muitas as de Ana. Foi providenciada
sua remo ção para a colônia, para o hospital na ala de jovens, O avô a acompanhou.
Na colônia recebia menos vibrações dos familiares. Além disso, Júnior e Luciana
chamaram a atenção deles com rigor, deram-lhes livros espíritas. Os primeiros foram lidos
por curiosidade; os demais, com interesse, e fizeram bem a eles, consolaram- nos. Foi um
chacoalhão para eles essa dor. Aurea e o esposo se uniram no sofrimento, mudaram alguns
conceitos, até Lorena começou a pensar que também iria morrer um dia, teve medo e
começou a refletir sobre sua vida, passou a ir mais à igreja, a orar e até a fazer caridade.
Elenice ficou internada muitos meses, fez tratamento, e só de pois de oito meses que
dormiu tranqüila, perdeu seu medo de ador mecer. Foi aos poucos se entrosando com outros
jovens. Quando saiu do hospital, foi morar no alojamento com outras mocinhas. Gustavo
ficou todo o tempo de que dispunha ao lado dela.
- Obrigada, vovô - agradeceu a garota. - Sabia que o senhor era bom, mas não
calculava o tanto. Agora o senhor não precisa mais ficar muito comigo, estou bem,
tranqüila e tenho certeza de que serei muito feliz aqui. Nunca pensei que fosse tão simples
a desencarnação. Fiz um drama à toa.
E o avô só se tranqüilizou em relação a ela quando a viu
adaptada no plano espiritual.
A primeira vez que Gustavo foi a uma excursão ao Umbral para conhecer em estudo, voltou
apreensivo pelo que viu. Ele visitou um local perto do posto de socorro. Um orientador, ven
do-o triste, conversou com ele:
- Gustavo, por quê está assim?
- E que vi tantos sofredores! Reconheci lá um senhor que desencarnou com câncer como
eu e não pôde ser socorrido.
- Meu caro, há formas diversas de sofrer, uns se revoltam e esse sofrimento não lhes serve
para nada, outros se conformam, agem certo e isso lhes dá merecimento para receber ajuda.
E alguns, como você, se regeneram devido à dor, entendem o sofrimento, vibram melhor
com ele, que é motivo de reflexão para progredir.
- Muitos pediam socorro...
- Gustavo - continuou a esclarecer -, para ser socorrista no Umbral é preciso aprender
a distinguir um pedinte que quer alí vio de outro que quer se melhorar. Existe o errado
gozador, que erra por prazer, e quando vem a reação, a dor, se torna errado
148
sofredor, mas continua sendo errado. Para ser socorrido é necessário, para o bem dele e do
local onde será abrigado, que se arre penda e queira melhorar. Ninguém muda só com a
desencarnação, mas sim quando compreende e quer a mudança, transforman do-se para o
bem. Não basta só pedir socorro; antes, é preciso querer essa melhora, converter-se de sua
maldade e imprudência e não só almejar o fim de seu sofrimento.
Gustavo entendeu.
Há formas diversas de arrependimento, nuns o remorso é destrutivo, odeiam seu erro e pelo
desespero cometem outros, como aconteceu com Judas Iscariotes, que se arrependeu da
traição que fez ao mestre Jesus e se suicidou, cometendo outro grande erro. O
arrependimento deve ser construtivo, devemos querer reparar com sinceridade a ação
indevida. Eu, Antônio Carlos, tenho ido muito ao Umbral e de fato vemos muito isso,
pedidos aflitos, desesperados de ajuda, mas infelizmente, em muitos, é somente para o
alívio de seus padecimentos; uns até querem ficar sem as dores para se vingar, outros
pensam em voltar aos seus prazeres mundanos. São poucos que despertam para a mudança,
para o querer melhorar-se, por causa do sofrimento. E ele pode ser visto de diversas
maneiras: como castigo, oportunidade para mudar, se regenerar ou aprendizado para o
progresso. Muitas vezes, no começo, o desencarnado que sofre no Umbral pede alívio; não
tendo, se revolta e a dor persistente o leva a pensar diferente. Então é socorrido e essa
vontade de mudar pode passar com as dificuldades e ele voltar aos antigos erros; não
mudou, ficou só no querer.
Mas os socorristas auxiliam também os que querem alívio; sempre é dada uma
oportunidade para os pedintes mudarem. Dificilmente essa chance é dada aos revoltados,
aos que se jul gaminjustiçados e aos que querem vingança.
E um equívoco achar que basta pedir socorro para ser auxiliado. Muitas vezes dar alívio
antes do tempo é privar a pessoa
de aprender.
Isso não acontece só com os desencarnados. Todos nós queremos nos livrar das reações
que nos trazem sofrimento e nem sempre abdicar das ações erradas. Somos livres para pedir
alívio, mas normalmente quem socorre deve entender que quando o amor não consegue
ensinar, a dor tenta, e que o sofrimento pode levar à transformação. Felizes os que
entendem e mudam para melhor pela compreensão.
Gustavo começou a ter algumas lembranças de vidas passadas e teve a certeza de que ele e
Ana já haviam estado juntos.
Procurou o departamento na colônia que orienta sobre essas
recordações e recebeu muitas informações, leu bastante sobre o
149
assunto. Compreendeu que lembrar erros pode ser doloroso, mas
nossas ações, tanto as boas quanto as más, nos pertencem.
"E bom recordar preparado" - pensou ele.
E assim que se sentiu apto, recordou. Foram muitas exis tências, lembrou os fatos mais
importantes. Uma, porém, o marcou mais. Normalmente a encarnação que nos fez sentir
mais remorso ou aquela em que aprendemos muito entre afetos queridos é a que mais deixa
marcas. E esta ele lembrou com detalhes.
Renascera num país europeu, fora camponês, seus pais viviam com dificuldades, embora
fossem donos de um pequeno sítio; mas eram unidos e se queriam bem. Seu pai uma vez
prestou um favor a um monsenhor e o convidou para batizá-lo, era então recém-nascido. E
combinaram que ele seria padre, quando ficasse moço iria para um convento. Cresceu
sabendo disso e assim desejava. Seus pais lhe falavam sempre da possibilidade de ser
importante dentro da Igreja e até ajudar a família. O padrinho, o monsenhor, mandava
dinheiro todo ano para que pudesse estudar e ele o fazia com dedicação. Esperava ansioso a
ida para o convento.
Certamente as pessoas que participavam desses fatos ti nham outros nomes, mas o que é um
nome? Designação para uma encarnação? Vamos continuar chamando-os como na última
existência para facilitar o entendimento.
Ana era vizinha de Gustavo, viam-se sempre. Um dia se aproximou dele.
- Será que você poderia me ensinar a ler? Queria muito aprender. Não o incomodarei,
qualquer hora que puder estará
bem para mim.
Ele fazia serviços leves, estava vigiando o rebanho e atendeu ao apelo, ensinava-a
enquanto vigiava os animais.
Envolveram-se, eram jovens, sadios, bonitos e tornaram-se
amantes.
- Ana - disse ele, com sinceridade -, não lhe prometo nada. Sabe que vou para o
convento assim que meu padrinho ordenar. Não é certo o que fazemos, é melhor nos
separarmos, não venha mais aqui, por favor.
- Sempre soube que vai ser padre e não me importo.
- Não me ame, Ana, não faça isso. Se souber que está gostando de mim, não a verei mais.
Entendeu? Não me ame, não
picarei com você. Vou para o convento. Serei padre!
- Por que, Gustavo? - Indagou ela.
- Porque foi decidido desde o meu batismo. Meu padrinho custeou meus estudos. Nessa
época difícil é privilégio ter um
sacerdote na família. Depois, está traçado, não tem volta.
150
Se desistir os meus pais poderão sofrer, creio que meu padrinho
não me perdoará.
- Sei disso e compreendo seu medo.
- Ana, eu também quero isso, entendeu? Eu quero! Sempre quis. Por isso, não me ame.
Mas ela já o amava havia tempo, estudar foi um pretexto para ficar perto dele.
Compreendia-o, todos temiam a Igreja, que tinha poderes, e a Inquisição prendia e matava
muitas pessoas. O padrinho de Gustavo era um monsenhor temido. Sentiu também que ele
era sincero, queria ser padre, tinha vocação.
Aí, Ana descobriu que estava grávida. Naquela tarde disse
a ele:
- Gustavo, eu o amo!
- Eu lhe pedi para não deixar isso acontecer, eu lhe roguei!
- Não se manda nos sentimentos - disse ela, chorando.
Ele não falou mais nada, saiu aborrecido de perto dela. Ana decidiu que falaria da gravidez
no outro dia.
Mas não o viu mais. Gustavo resolveu partir no dia seguinte
sem se despedir de ninguém; foi visitar seu padrinho e pedir a
ele para entrar imediatamente para o convento.
Viajou de madrugada, dois dias depois estava na frente do
monsenhor.
- Padrinho - disse ele -, me desculpe se vim sem ser chamado, é que estava ansioso
para conversar com o senhor e começar
meus estudos para ser um sacerdote.
- Está desculpado! Gosto de sua ansiedade. Irá se tornar um bom padre. Pode ficar!
Gustavo ficou no convento.
Ana chorava muito e reclamava: "Por que disse a ele que o amava? Por quê? Foi por isso
que ele foi embora antes do previsto. Não deveria ter dito a ele meus sentimentos. Se
tivesse ficado calada, ele não teria partido. Talvez quando soubesse da minha gravidez
mudasse de idéia. Foi embora, o perdi porque disse que gostava dele". Isso a martirizava.
Escondeu a gravidez até passar o período que pudesse abor tar. Teve medo de que a família
não a deixasse ter o filho. Ali perto, havia uma mulher que fazia chás com ervas para
abortar e muitas recorriam a ela, principalmente as mulheres solteiras. Ana queria o filho,
seria um pedacinho de Gustavo para ficar com ela.
Quando falou, disse toda a verdade, sua família achou ruim, mas, como pessoas bondosas,
resolveram apoiá-la. Seu pai contou ao pai de Gustavo e resolveram que o melhor era
esconder o fato. Ana ficou em sua casa, seus pais cuidaram dela e dos be bês. Ela teve
gêmeas, duas encantadoras meninas, Lívia e Vanessa. Eram sadias e ninguém ficou
sabendo quem era o pai.
151
Os pais de Gustavo foram na sua ordenação e contaram a ele. Sentiu por Ana e pelas
meninas e pensou em ajudá-las.
Gustavo tentou ser bom padre. Como o monsenhor, seu padrinho, trabalhava para o Santo
Ofício, ele não quis ficar com seu benfeitor, pois ficara horrorizado com a Inquisição, pediu
para cuidar de uma paróquia, foi mandado para um lugar distante, uma cidade pequena.
Gostou e se dedicou ao seu trabalho. Só que passou a mandar dinheiro a Ana para que ela
criasse as meninas. Nunca as viu, mas sempre as auxiliou com o dinheiro que recebia da
Igreja.
Protegeu como pôde os perseguidos da Igreja, da política e uma vez quase foi preso. Seu
padrinho, agora cardeal, o salvou. Mas começou a incomodar algumas pessoas, foi
envenenado e sua morte foi tida como natural.
Ana sempre amou Gustavo, criou as filhas com muito amor e o dinheiro que recebia era
como um bálsamo ao seu coração, acreditava que ele as amava. As meninas estudaram e
cresceram sem problemas, casaram e nunca ficaram sabendo quem era o pai delas;
receberam dinheiro até que ele faleceu. Ana teve tuberculose e desencarnou aos trinta e seis
anos.
Encontraram-se no plano espiritual para uma conversa. Gustavo estava preocupado com a
Inquisição, trabalhava tentando ajudar desencarnados que odiavam a Igreja. Ana estava
preocupada com as filhas, trabalhava numa equipe que auxiliava encarnados. Não tinham
rancor. Ele lhe pediu perdão e ela o perdoou de coração.
- Você não me enganou. Fui tola em amá-lo. Nunca deveria lhe dito que estava amando
você...
Separaram-se. Tiveram outras encarnações.
Gustavo, ao lembrar dessa sua encarnação, pensou:
"Quando as vi naquele restaurante senti algo estranho, confundi meus sentimentos. Foi um
reencontro!"
Compreendeu a bondade de Deus, reencontrou-as e cuidou delas. "Não fiz a coisa certa,
deveria ter oferecido emprego, trazido as três para a chácara. Mas creio que amei Ana
assim que a vi. Tive vontade de ajudá-las e agora sei o porquê. Devia isso a elas. E ainda
bem que agi assim. Lívia e Vanessa foram minhas filhas no passado e eu não as criei, não
dei proteção, carinho e agora estiveram comigo como filhas de outro. Acho que nesta fui o
que deveria ter sido no passado. Pai, obrigado, Deus, por esta oportunidade. Obrigado!"
Entendeu também o porquê de Ana nunca lhe ter dito que o amava
Já se passaram seis anos que ele desencarnara. Aninha veio
visitá-lo.
152
- Gustavo, Ana deverá se reunir logo a nós!
- Ela está doente? - Perguntou ele, preocupado.
- Está só adoentada, terá um derrame cerebral fatal. Não se preocupe, quando isso ocorrer
os amigos do Centro Espírita a
trarão até nós.
Aguardou ansioso esse tempo todo para estarem novamente juntos e agora que isso não
demoraria sentiu uma grata alegria, mas ficou inquieto com a proximidade do reencontro.
Um orientador o aconselhou:
- Calma, Gustavo!
- Luís, é que eu quero ficar para sempre com ela, mas será que minha companheira irá
querer?
- Claro que sim! - Respondeu o orientador, animando-o.
- Mas e depois? Teremos de reencarnar, será que nos sepa raremos?
- Gustavo, você não deve se preocupar tanto com o futuro. Vocês deverão ficar muito
tempo no plano espiritual, irão morar juntos. Embora devam fazer tarefas diferentes, terão
muito tempo para estar um ao lado do outro. Vocês aproveitaram bem esta encarnação,
fizeram por merecer socorro, estar juntos e plane jar se reencontrar quando chegar o tempo
de reencarnar. Afetos se acham.
- Entes queridos sempre se encontram no plano espiritual?
- Normalmente sim, aqueles que se unem pelo amor acabam juntos, a não ser que,
imprudentes, queiram abreviar o tempo
de ausência e se matem.
- Os suicidas não encontram seus afetos? - Quis saber Gustavo.
- Leia as questões 944 a 952 de O Livro dos Espíritos, de Alian Kardec - recomendou
Luís.
Após ter agradecido, Gustavo foi para casa e leu e releu as
questões, principalmente a 956, que diz:
"Os que, não podendo suportar a perda de pessoas que lhe
são queridas, se matam na esperança de ir reencontrá-las, atin gem seu objetivo?"
"O resultado, para eles, é diferente do que esperam, e em lugar de estarem reunidos ao
objeto de sua afeição, dele se distanciam por maior tempo, porque Deus não pode
recompensar um ato de covardia e o insulto que lhe é feito, duvidando de sua providência.
Eles pagarão esse instante de loucura com desgostos maiores que aqueles que acreditavam
abreviar e não terão para os compensar a satisfação que esperavam."
Leu também a questão 934 e se pôs a meditar: "Ainda bem
que Ana nunca pensou nesse ato tresloucado. Irá desencarnar
153
logo e poderemos estar juntos. Quem o pratica é por falta de fé. E que decepção, morrer
pensando em ficar junto e estar separado realmente"
Suicídio é triste! E obrigação dos que entendem ajudar de alguma forma os que têm
tendências a cometer esse ato imprudente. O amor deve ser um sentimento que dá força
para viver, tanto encarnado quanto desencarnado. E se sofrem pela ausência, pela morte
física, devem ter esperança, porque antecipar é prolongar essa separação. Há tanto a fazer
no período de ausência! Como Gustavo, que foi por merecimento a uma colônia e lá
procurou se adaptar, estudar e trabalhar, e Ana, que procurou consolo nas lágrimas que
enxugou, fazendo o bem. E creio que a desencarnação de filhos seja mais dolorida, afetos,
entes queridos são todos os que amamos. A vida continua e não é queren do colocar um
final num período que resolveremos a situação. A esperança deve ser cultivada porque, se
agirem de maneira correta, estarão com certeza novamente juntos.
Ana estava adoentada, foi ao médico, a pressão arterial
estava alta. Fez os exames que o médico pediu. Fez repouso,
regime alimentar, tomou os remédios e resmungou:
- Ruth, só acho ruim ficar sem ir ao Centro Espírita.
- E só por uns dias, dona Ana. As meninas estão preocupadas com a senhora.
- Meninas? Elas já têm filhos grandes - disse Ana, rindo.
A chácara era ainda ponto de encontro da família. Os netos gostavam muito dela, era a avó
com a qual podiam contar sempre.
Tempos antes Ana pediu às filhas, pois a chácara era delas, que se ela morresse Ruth
continuaria ali até que também fizesse sua passagem para o plano espiritual. Elas
prometeram e Ana ficou tranqüila; não queria que Ruth, a amiga de tantos anos, ficasse
desamparada.
Com sua doença, os netos vinham vê-la com mais freqüência.
- Vovó, a senhora tem saudade do vovô? - Quis saber Eleonora, filha de Júnior
- Claro! Tenho muita. Mas um dia nos encontraremos de novo e ficaremos juntinhos.
- Vovó, o que a senhora irá falar para ele quando o vir?
- Algo que sempre quis falar e não consegui. Umas palavrinhas muito importantes.
- Já sei - disse a sabida garota -, que a senhora gosta dele.
Ana sorriu, a mocinha afastou-se e ela ficou pensando como
seria maravilhoso estar com ele de novo.
Os exames iriam ficar prontos na quinta-feira e Ana desencarnou na terça-feira de
manhãzinha. Acordou, sentiu-se mal,
154
chamou Ruth, que ligou para Lívia, Vanessa, Júnior e para o médico. Voltou para a cama e
sentiu tontura, perdeu os sentidos, dormiu e acordou num leito diferente. Observou por
instantes o local, estava certamente num hospital, numa enfermaria. Havia muitos leitos,
alguns ocupados por outras mulheres.
"Estou num hospital, mas onde? De encarnados ou desencarnados?"
Não sentiu nada diferente, resolveu esperar, estava muito
bem.
De repente, viu Aninha. Na verdade, sentiu que era ela, pois
nunca a vira antes, mas teve a certeza quando notou que ela
trazia algumas flores. Sorriram.
- Ana, como está?
- Bem, Aninha.
- Me reconhece? - Indagou a visita.
- Sinto que é Aninha. Acho que afetos não se estranham - respondeu a recém-
desencarnada.
- Ana, quer alguma coisa? Posso fazer algo por você?
- Onde estou? - Indagou Ana.
- Numa colônia. Amigos do Centro Espírita a trouxeram - respondeu Aninha.
- Que bom!
- Ana, queria agradecê-la.
- Também tenho de lhe agradecer.
Sorriram. Entenderam que amigos sempre têm de agradecer um ao outro.
- Ana, tem alguém aqui ansioso para vê-la - falou Aninha.
- Gustavo?! - Exclamou Ana.
- Sim!
"Gustavo - pensou ela -, amor de minha vida, não tenho mais medo de perdê-lo,
estivemos separados, mas unidos em
pensamento e, agora, novamente juntos".
- Como estou? Bem? - Ana passou as mãos pelos cabelos, ajeitando-os.
- Está muito bonita! - Respondeu Aninha.
Afastou-se, Gustavo entrou no quarto, aproximou-se deva gar. Comovido, sentou-se numa
cadeira ao lado de seu leito e
pegou a sua mão; ela apertou a dele.
- Ana, minha querida...
- Gustavo, eu o amo!
Emocionados, sorriram felizes.
155
Olá, bons amigos:
Mais livros de Vera Lúcia M. de Carvalho anexados. Desta vez são os livros: Vivendo no Mundo dos Espíritos e Novamente juntos
Muita paz!
Bezerra
Livros:
http://bezerralivroseoutros.blogspot.com/
Áudios diversos:
http://bezerravideoseaudios.blogspot.com/
https://groups.google.com/group/bons_amigos?hl=pt-br
'TUDO QUE É BOM E ENGRADECE O HOMEM DEVE SER DIVULGADO!
PENSE NISSO! ASSIM CONSTRUIREMOS UM MUNDO MELHOR."
JOSÉ IDEAL
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