quarta-feira, 23 de dezembro de 2015

{clube-do-e-livro} A Lógica da Emoção - Manoelita Dias dos Santos

A LÓGICA
DA EMOÇÃO


da psicanálise à física quântica

Manoelita Dias dos Santos


"Enquanto Freud explica

o diabo dá os toques."
Raul Seixas.

DA PSICANÁLISE À FÍSICA QUÂNTICA

Senhores, sei que o que escreverei
poderá soar algumas vezes estranho. Os
assuntos neste trabalho são difíceis, e é
mais desafiador ainda colocá-los de forma
clara.
Na primeira parte deste trabalho apresentei

o Homem como um produtor de realidade.
Disse que nos diferenciamos das demais
espécies e adquirimos um mundo interno
vasto e rico, onde além da memória de
fatos reais estão nossas fantasias.
Procurei mostrar quanto este mundo
humano, denominado civilização, pode estar
insano. Como ele atingiu níveis de mal estar
evidentes e encontra-se em crise. Falei do
aumento dos casos de ansiedade e
depressão e de como nosso cotidiano, tido
como normal, é gerador de doença. Como
as coisas nas quais uma sociedade crê
passam a ser reais para ela e nem sempre
essa realidade criada é boa para o homem.
Comparei nossos progressos como espécie
ao preço que pagamos por isto. Questionei
o nível de sanidade mental da humanidade
e apontei a necessidade de busca de novos
caminhos quando tantos falharam em
produzir saúde para todos no planeta.
Utilizei citações de Freud, a quem
admiro sinceramente. Seu artigo "O Mal

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Estar na Civilização" serviu-me de base
para tentar explicar as raízes do atual
estado de desconforto que uma enorme
parcela da sociedade experimenta, a nível
mundial.
Fiz alguns comentários sobre o Brasil e
sobre a forma como nos comportamos uns
com os outros, nossa dificuldade de auto
estima e nossa imaturidade como nação.
Citei o desenvolvimento infantil e suas
diversas fases tentando fazer uma analogia
com o desenvolvimento da espécie e prever
melhoras em nosso comportamento, com o
estabelecimento de relações mais maduras
entre os homens.

Na segunda parte, vamos para algo
mais abstrato, algo a que sempre me furtei
desde que a medicina entrou em minha
vida. Estava certa de ter de seguir por um
caminho lógico e rigorosamente científico.
Contudo, lidando com algo tão impalpável
como as emoções humanas, fica difícil não
usar a observação e fazer inferências à
partir dela, foi o que fiz.
Minha idéia é que, na maior parte do tempo
estamos sintonizados neste canal comum
que nos liga ao nosso viver concreto e
provê os meios de nossa sobrevivência. O
sono, as psicoses e os estados alterados de
consciência são momentos em que outros
canais são sintonizados.

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Supus, baseada na física e na farmacologia,
que a troca de canais se dá através de
alterações na densidade do meio interno
cerebral e da qualidade e freqüência da
energia psíquica.
Penso que essa forma de energia com que
está investido o sistema psíquico, tem uma
qualidade, é fluida e instável. Não tem
expressão conhecida na zona de densidade
onde são realizadas as pesquisas e não
pode ser alcançada pelos nossos aparelhos
detectores de fenômenos físicos. A
neurociência deseja ardentemente palpar a
energia psíquica, desvendá-la, sem que isso
tenha sido possível até aqui.

Se o universo é composto de
diferentes níveis energéticos e a cada um
corresponde uma densidade diversa, nossa
mente pode ser capaz de variar seu nível de
percepção em função da densidade e de
características do seu potencial energético
total.
Contudo, creio que neste sistema existe
um fator qualitativo altamente diferenciado,
mais importante no resultado dos
fenômenos psíquicos que o quantitativo.
Esse fator provavelmente determina a
freqüência do sistema, sendo o principal
determinante da potência.
A forma energética da qual está investido
nosso psiquismo, tem uma qualidade
amplamente variável que possivelmente

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relaciona-se à subjetividade, àquilo que
denominamos emoção. O nível de
agregação das partículas nesse sistema
deve ser bastante baixo, por esta razão
talvez ciência não o alcance. Dentro do
modelo de Bohr para o átomo de
hidrogênio, podemos supor que há várias
órbitas possíveis e creio que sejam
determinadas pelo fator qualitativo. Essa
também pode ser a razão da amplitude de
campo psíquico humano e suas
possibilidades de conexão. Uma energia
suficiente para a inteligência humana não
poderia mesmo ter menor potencial, nem
distribuição mais restrita.
Propus ainda que, as alterações no campo

eletromagnético humano podem ser
rudimentos da prova concreta destas
alterações de densidade e potência
contínuas que acompanham o fluxo

energético mental.

Assim sendo, fui obrigada a admitir
que nossa mente é um sistema de energia
que se liga tanto ao exterior, através dos
cinco sentidos, quanto ao interior através
da emoção e da memória. Os cinco sentidos
que conhecemos dizem respeito à captação
dos fenômenos físicos relativos à densidade
que os constitui biologicamente. É um corpo
que convive com estímulos energéticos
provenientes de outros corpos, vivos e
inanimados.

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Além desses, devem existir sentidos
capazes de captar impressões internas e, as
externas produzidas por fenômenos que
pertençam a um nível mais sutil que o
concreto. O único sentido especial em que
posso pensar é a emoção, e mais adiante
apresentarei minhas razões.

Quando dormimos estamos ligados
num canal que capta imagens internas
predominantemente. Imagens daquilo que
denominamos mundo interno ou vida de
fantasia. É uma abertura para o canal do
inconsciente que se dá a períodos de
aproximadamente doze horas, num ritmo
adaptado às funções solares.
Esta abertura regularmente preparada pela
natureza, deve responder às necessidades
de descarga de pulsões diárias e,
representar um efeito reparador que se
deve à volta do estado de equilíbrio da
energia psíquica. Uma quantidade maior de
energia livre deve ocorrer pela manhã e
estar conectada aos conteúdos de vivências
diurnas ao voltarmos para o próximo sono,
de acordo com a programação fisiológica.
O estado de sono permite a reorganização
auto determinada do fluxo, com a liberação
de catexias investidas durante a vigília.
Cada imagem mnêmica e seus registros
sensoriais herdarão um pouco dessas
catexias, que se tornarão quiescentes, o
restante será transformado em energia livre

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novamente. As catexias passam ao pré-
consciente, ou o nível mais superficial do
inconsciente não reprimido.

A influência de uma mente sobre
outra pode ocorrer e está presente nos
fenômenos ditos telepáticos; diríamos que
nosso aparelho receptor, além de imagens
externas e internas, capta outras, geradas
num psiquismo alheio, através da empatia.
Isso tudo se dará num nível de fenômenos
energéticos que recém começamos a
desvendar.
Digo que a emoção é a forma básica de
energia mental do homem e aquela que
maior amplitude apresenta na distribuição
de suas partículas subatômicas, tanto que
não a detectamos, pois estamos procurando
numa proximidade excessiva.
Penso, que foi ela quem nos deu este
privilegiado avanço de inteligência e que, é
também ela quem nos pode conectar uns
aos outros através do que denomino
interpenetração de campos psíquicos. Outra
característica desta qualidade energética é
a propriedade de influir nos processos
biológicos.

A emoção foi colocada aqui como
um sentido, pois é o sistema receptor dos
estímulos que nos chegam desde estas três
direções: externo, interno, alheio, conforme
disse antes, sendo que o alheio é acessado
tanto pela via interna quanto externa

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Coloquei a emoção na qualidade energética
de um sentido pois tal como os demais,
caracteriza um sistema. Sentido que é
especialmente desenvolvido no homem, e
que o torna uma inteligência criativa pela
amplitude da sua via qualitativa.
O sistema todo é infinito, só as vias de
percepção interna são incontáveis, as da
emoção, as somáticas, as de percepção
externa e todas elas interligadas em todas
as possibilidades, como as combinações
numéricas, constróem um sistema que a
racionalidade não alcança.
É necessária uma compreensão à nível
inconsciente, um evento inteligente que não
pertence à consciência e ao processo
secundário. Uma forma de compreensão
que se dá por vias diferentes daquelas
usadas no raciocínio lógico.

Apresento a emoção como um sentido
pertencente a um sistema inteligente que
torna o homem mais forte e ao mesmo
tempo mais vulnerável, dependendo da
qualidade dos afetos que predomine dentro
de cada um; qualidades que determinam
percepções de prazer e desprazer. A
emoção é simplesmente uma energia e sua
qualidade é potencial. As formas que
assumirá dependerão basicamente das
relações entre as partes de um vínculo, o
que conhecemos por relação objetal, e das
estimulações somáticas capazes de atingir

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esse nível sensorial. A equanimidade,
conforme denomina o budismo, seria a
emoção em seu estado puro, apenas
potencial.
O conceito de inconsciente inteligente
parece uma constatação inevitável, uma vez
que conheçamos a natureza da energia
psíquica.

Cito algumas experiências ditas pára
normais e tento abordá-las à luz da ciência,
admitindo que apenas uma pequena parte
de nossa mente se refere ao universo
concreto e obedece às suas leis. A maior
parte da mente, que é inconsciente,
pertence ao universo que está fora da
densidade relativa e, portanto, livre dos
princípios da física Newtoniana.
Sugiro o uso dos conhecimentos desta nova
física, pós relatividade, e das antigas
escolas esotéricas, bem como das tradições
religiosas e filosóficas do ocidente e do
oriente, no estudo da mente humana, seu
controle e a forma como age no corpo
criando saúde ou enfermidade, além das
possibilidades de expansão.

Finalmente, ficamos inclinados a
pensar que as razões da ética situam-se no
campo da física e do fenômeno físico
emoção. A razão última de agirmos
eticamente é o fato de termos emoções, e
elas poderem se propagar na forma de
energia, atingindo as associações humanas

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de forma crescente, até a humanidade
como um todo. Estou usando a teoria de
campos de Michael Faraday e James Clarck
Maxwell, e a prova matemática conhecida
por teorema de Bell, para inspirar minhas
hipóteses.
Trata-se de influência de uma força sobre
outra, dentro do estudo do
eletromagnetismo e do fenômeno
denominado coerência supraliminar.

A emoção é a consciência diferenciada
do homem, é ela quem ativa o sistema? Um
cérebro pode existir até mesmo dissociado
de um corpo, em um laboratório, mas uma
consciência envolve reconhecer-se como um
ser e também perceber a existência de
outros. Essa consciência só se desenvolve à
partir da emoção. Só quando sente que se
relaciona com outros seres humanos e por
eles desenvolve afetos, alguém passa a
existir como consciência, antes disso existe
apenas a vida animal.
O cérebro nesse caso, é capaz de manter o
corpo funcionando e de ter algumas reações
instintivas básicas, mas só à partir do
desenvolvimento do amplo e especial
sentido que é a emoção, a consciência pode
despertar do biológico.

A emoção é a representação mais
básica que conhecemos de um processo
inteligente não consciente, ou seja, que usa

o processo primário, e pertence a um reino
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onde não existe o eu sou, nem lá, nem
quando, nem como, nem se...Uma
compreensão sem palavras, prévia ao
pensamento lógico, um sentir inteligente.
O conceito de consciência aqui empregado é
aquele comumente usado pela psicanálise,
com três níveis propostos na hipótese
topográfica de Freud, que foi, como ele
mesmo deixou claro, uma divisão feita com
fins didáticos.

Quando nascemos somos um
potencial, o que eqüivale a "no começo era

o id" e possivelmente se relacione a "no
começo era o verbo", ou a ação, mas não
há ainda uma autoconsciência. A educação
nos torna humanos, nos distingue dos
outros animais.
Somos dotados de um potencial energético
suficiente para o surgimento da emoção e
da inteligência, através da propriedade
ampliada da autoconsciência.
Apenas em potencial somos humanos ao
nascermos. Nossas vidas determinarão o
que chegaremos a ser, que emoções nos
conduzirão a que.
Nem todos os tópicos aqui
apresentados serão desenvolvidos no
presente trabalho, alguns serão abordados
de forma superficial e muito simples já que
se trata de uma introdução ao tema, que
deve ser gradualmente ampliado em
oportunidades futura.

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CONVERSA COM FREUD


Em meus devaneios, imagino como
seria bom poder conversar com Freud.
Muitas vezes me perguntei que pensaria ele

agora, tantos anos depois. Novos
questionamentos surgiram para quem
trabalhe com a mente humana, tantas

coisas estão diferentes neste mundo que
conheço, em relação ao que ele conheceu.
Imagino se não estaria interessado nessas
coisas de que falava e outras, como o
renascimento do desejo ocidental da relação
com a espiritualidade, as formas de
comunicação direta entre pessoas, além do
verbal e pára verbal. As influências mentais
que um humano pode exercer sobre outro,
a forma como cores e luzes e outras formas
eletromagnéticas podem influenciar o
psiquismo.
O ritmo de vida que temos hoje, e a
disparidade com nossos ciclos biológicos,
sobretudo após o advento do controle da luz
pelo homem.
A quantidade de estímulos que o sistema
nervoso central é capaz de processar de
forma saudável, em comparação a que
estamos submetidos. Acredito que diria:
"vocês tem, realmente, muitos motivos
para estarem todos perturbados: seu
mundo é insano e tóxico."

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A vida nas metrópoles, o novo
comportamento sexual e as posições
feminina e masculina, o advento das drogas
psicoativas na medicina e sua disseminação
na sociedade.
Seja nas formas terapêuticas ou adictivas A
violência, as angústias do ser hoje.
Há muitas coisas sobre as quais Freud não
falou, ao menos diretamente, pois eram
desconhecidas no tempo em que viveu. Que
pensaria ele sobre todas estas questões?
Isto é o que tenho me perguntado. Muito do
que escreveu serve como início para a
compreensão de fenômenos da atualidade
mas, é inevitável que surjam novas
perguntas e respostas diante de tão
grandes alterações dentro e fora da cabeça.
Meu desejo de ouvi-lo está presente em
qualquer um que tenha interesse por
comportamento humano, é impossível não
imaginar como seria esclarecedor ouvir sua
opinião e que seu saber pertence à
humanidade, é parte do quebra cabeças e
importa para todos.
. Quando foi lançada a fluoxetina, o
primeiro dos antidepressivos inibidores
seletivos da recaptação de serotonina,
houve quem a saudasse como a droga da
felicidade. Passados alguns anos se
confirma o que já sabíamos: isto não existe!
O número de usuários da fluoxetina e de
outros antidepressivos é enorme. Todos

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estão doentes? Muitos não estão. O que
parece é que tentamos compensar com
drogas os estragos do meio e nossa
insatisfação com a vida. Não é possível o
que o mundo atual quer das pessoas, elas
realmente se desequilibram e tentam
acelerar ou acalmar seu psiquismo através
de medicamentos. É uma tentativa de
adaptar-se ao ritmo frenético da vida,

corresponder às novas exigências e
conviver com as inseguranças.
Um grande avanço ocorreu com o

tratamento químico dos desequilíbrios
mentais, mas ele não representa a
totalidade da resposta que buscamos.
Sabemos que a depressão e ansiedade tem
hoje uma freqüência crescente e boa parte
disso se deve à insatisfação vital e ao
estresse. Se entristece e angústia o ser
contemporâneo, privado de seus ritmos,
seus afetos e crenças internas. Por essas
últimas entendendo o que cada um crê de si
mesmo e dos seus vínculos que lhe fornece
reasseguramento contra o desamparo.
Crenças externas seriam aquelas
pertinentes à realidade objetiva,
comumente confundida com real,
esquecendo que, para o homem, suas
crenças internas são igualmente parte da
realidade.

Que respostas temos para tudo
isso? Como vamos enfocar e tratar estes

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sinais de desconforto dados pela mente
humana nos dias que correm, mais de em
todos os que em todos os precedentes?
O contexto favorece o desenvolvimento
destes distúrbios em populações que, sob
outras condições de vida, estariam
provavelmente sadias. Se pensarmos no
quanto nos resulta cara esta nova
problemática de saúde, com perdas
individuais e sociais, dispêndio de recursos
para tratar, não apenas a condição direta
de enfermidade mas, suas repercussões
sobre o meio, teremos que reavaliar modos
de viver, pensar, desejar, estabelecer
relações.
Nossos tempos são geradores de emoções
tóxicas. Remeto essas considerações ao
artigo "O Lado Tóxico dos Processos
Mentais," e a "O Mal Estar na Civilização, S.
Freud.

O ideal econômico desta civilização
avançou tanto que suprimiu muitas das
reações espontaneamente ditadas por
nossa natureza. Várias de nossas
necessidades passaram a ser consideradas

incompatíveis com os deveres e as
conveniências da sociedade.
Desconhecemos a razão principal da

existência de todo este esforço que se
chama civilização: o próprio homem e seu
bem estar, e parecemos desconhecer ainda

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as considerações da biologia para nossa
saúde ou enfermidade.
Arriscaria dizer que viver está
progressivamente mais complicado. Se as
facilidades proporcionadas pela tecnologia
aumentam, as exigências crescem num
ritmo mais acelerado, e as ameaças se
tornaram mais diversificadas.

A grande conquista humana deste
último século deveria Ter sido a liberdade, o
avanço da democracia nas relações entre
cidadãos e nas íntimas também. A liberdade
de fato é um bem precioso, e o direito
primeiro do ser, o que representaria um
salto evolutivo impressionante. Contudo,
não somos ainda totalmente livres, muitas
são as tensões que incidem sobre nós e
nosso mal estar diante delas, bem como é
insipiente nossa capacidade para auto
determinação construtiva.
Neste mundo em que me movo e onde
vivem meus pacientes, posso dizer que o
culto à produção e consumo tem
escravizado a sociedade de tal forma, que
os avanços conseguidos estão ruindo. As
relações interpessoais estão mais instáveis
e superficiais, enquanto que as sociais são
comandadas pela competição. Portanto,
apenas substituímos nossos deuses por
outros que não sei se são melhores, e as
tiranias persistem, inda que tenham tomado
outras formas.

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Temos ameaças nucleares,
econômicas, biológicas, pairando sobre nós.
E é grande o desafio de convivência, com
milhões de homens apinhados em
aglomerados urbanos cuja qualidade de
vida é duvidosa e a segurança precária.
Muito mais que uma droga como a
fluoxetina é necessário para responder a
isso. Fica adiada e descoberta da felicidade
instantânea, permanente, e advinda de algo
externo, facilmente encontrado, acessível a
todos. Sem dúvida, era uma boa fantasia.
Resta-nos, prosseguir na jornada de
entender e tratar as emoções e seu local de
existência: as relações humanas. Não se
pôde sustentar a simplificação que tínhamos
em mente quando se previu que as
alterações da química cerebral acabariam
com o sofrimento humano.
Algo mais está na fonte desses desacertos e
desencontros: ainda dependemos do outro,
ainda temos uma natureza de afetos e uma
biologia cujas necessidades não se pode
descartar.

A evolução do conhecimento faz com
vivamos num dia sempre novo, onde há
sempre algo acontecendo. Este mundo
agitado está sempre mudando, até mesmo
numa velocidade maior que somos capazes
de acompanhar. Em nossa essência mais
profunda, somos os mesmos, nem todas as
modificações foram assimiladas pela mente

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nem o corpo. As impossibilidades
constituem aquilo que resulta na patologia
da atualidade.
É inevitável que o senso de identidade fique
perturbado neste redemoinho, no torvelinho
das mudanças, da hiper informação, da
super exigência, dos mega qualquer coisa e
da escassez afetiva e de segurança..
O senso de identidade fundamenta o ser,
qualquer geração que houvesse passado
por tão bruscas mudanças como as últimas,
teria sérios abalos em sua saúde física e
mental.
Este, talvez seja o tempo de maior conflito
interno que a humanidade já viveu e, por
isso mesmo, é um momento interessante:
crises são grandes oportunidades, nelas
pode haver intenso crescimento emocional,
apesar do desconforto.
Analisando estes tempos e os homens e
mulheres que os constróem, concluímos
que, ou aproveitamos o momento e
amadureceremos muito como sociedade nos
próximos anos, ou podemos ficar todos
ruins da cabeça.

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ALÉM DO CONCRETO


Outra mudança de enfoque surge
das novas direções assumidas pela análise
de fenômenos mentais que já foram
indistintamente chamados pára normais,
como a telepatia, a comunicação do homem
com seu próprio inconsciente e com o
alheio.
Em um artigo escrito em 1932, chamado
"Sonhos e Ocultismo, Freud inicia uma
observação destes fatos à luz da
psicanálise. Diz-se aberto a estudar
quaisquer evidências relacionadas ao então
chamado ocultismo, e recomenda a seus
discípulos e estudantes presentes, que
adotem "pensamentos mais gentis" em
relação ao tema.
Diz:... "A própria história da ciência oferece
abundantes exemplos que são uma
advertência contra a condenação
prematura....Dentre estas conjecturas, sem
dúvida a mais provável é aquela segundo a
qual existe um fundamento real nos fatos
do ocultismo, até hoje não reconhecido e ao
redor do qual o embuste e a fantasia
teceram um véu que é difícil descerrar."
"Em minha opinião, não mostra grande
confiança na ciência quem não pensa ser
possível assimilar e utilizar tudo aquilo que

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talvez venha a se revelar verdadeiro nas
assertivas dos ocultistas."

Estes fenômenos mentais já não
devem mais ficar restritos ao domínio da
religião e das ciências ocultas, interessam à
ciência e em especial à medicina; retirá-los
do terreno incerto da crença para dar-lhes
um lugar entre os assuntos da observação
cientifica é uma das tarefas que se
descortina para nós.
A fé e as reações psíquicas que provoca, a
relação do homem com seu inconsciente
mais profundo, onde estão as imagens
religiosas, as forças psíquicas mobilizadas
no processo e suas influências, começam a
alcançar os domínios da ciência. O que
talvez explique o desconforto diante da
afirmação "Deus está morto". Precisamos
chegar a entender completamente essas
relações entre o homem e as figuras
arquetípicas que o constituem, segundo
Iung. Sua leitura é extremamente difícil,
mais que a de Freud pela linguagem
utilizada: metafórica como as religiões
antigas de onde descendem os arquétipos.
Embora não tenha sido tão examinada
quando a obra de seu primeiro mestre, a de
Iung representa, a meu ver, uma
interpretação de sonhos referida ao
inconsciente da espécie.
A ciência tem pouco a pouco, seu interesse
deslocado para estes achados ainda

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tímidos, mas que falam sempre a favor de
certo poder e lógica contidos nestes atos
mentais ainda pouco conhecidos e mal
dominados por nós. Para que saiamos do
obscurantismo ditatorial do exato, sem
cairmos na fantasia, é preciso pensar
seriamente sobre tudo isto.

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COMUNICAÇÃO EMPÁTICA


A comunicação direta de
inconsciente para inconsciente é conhecida
na psicanálise, algo do que paciente e
analista trocam de informações, pode usar
esta via. Para tanto, o analista usa uma
técnica de escuta em atenção flutuante,
algo levemente modificado em termos de
estado de consciência. Está atento, porém
não da mesma forma que estaria à
conversa com um amigo ou a algo fora
desta situação específica de trabalho.
Esta pequena alteração no nível de
consciência, parece tornar maior sua
capacidade de compreensão e a
comunicação tende a ser mais eficiente
nesses momentos, pois ocorre diretamente
entre os psiquismos, sem que seja
necessária entrada dos conteúdos na
consciência, através da censura. .
Nas situações do cotidiano também existe
esta forma de comunicação, apenas não
estamos conscientes dela Parece algo com
a intuição, com sentir ao invés de ouvir,
pois a palavra é um meio de comunicação
restrito ao processo secundário.

Aquelas pessoas que desenvolvam
este tipo de comunicação e a usem com
mais consciência, são consideradas dotadas
de algum potencial especial, o que não

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parece correto; esta forma de contato entre
os inconscientes deve ocorrer com muito
mais freqüência que se consiga identificar.
A existência de um tipo especial de
comunicação entre humanos adquire
importância quando pensamos que não a
conhecemos e nem seus efeitos. Sempre
que se desconhece algo, perde-se
oportunidades. Talvez pudéssemos prevenir
algumas coisas e incentivar outras se
tivéssemos um maior domínio deste
território.
As profissões que usam esse meio de
contato, não desconhecem a toxicidade de
sua tarefa. Trabalhar assim tem algo de
muito exaustivo, que chega a ser sentido
fisicamente. A medicina dita primitiva usa o
método de acessar o inconsciente para
diagnosticar e tratar seus doentes. Não
desconhece o poder da fantasia sobre a
saúde, nem desconhece a toxicidade de um
psiquismo em desordem, assim os
curadores antigos são instruídos e
preparados para uma tarefa perigosa, para
a qual utilizam-se de rituais. Esses nada
mais são que traduções simbólicas,
linguagem metafórica tal como ocorre no
que denominamos inconsciente. Esta
prática considera o grupo e não apenas o
paciente, para fins de tratamento, o que
revela conhecimento sobre a dispersão da
energia psiquica sob forma de fantasia

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inconsciente, resultando na interpeneração
de campos psíquicos e suas potencialidades.

Quando prestamos atenção a esta
intuição humana a cerca de si próprio, fica a
pergunta: não há uma forma de toxicidade
nas relações humanas em geral ? Nós
sabemos que a saúde mental depende
essencialmente da qualidade dos vínculos, e
tal como os médicos primitivos, não
desconhecemos a importância de se
trabalhar com o grupo familiar e ainda, o
quanto o adoecer costuma ser algo que se
dá dentro de relações humanas.
Entre pessoas de uma mesma família o
contato é intimo, de forma que as fantasias
estão entrelaçadas, os códigos são
semelhantes, a herança inconsciente é
compartilhada.
Essa ligação é ainda mais visível na relação
mãe e filho, especialmente na infância. Para
além do que a mãe diga ou de como seja
seu comportamento aparente, a criança
sabe como a mãe se sente e identifica-se
com isso, reproduz em seu comportamento
as fantasias maternas, parecendo captá-las
e torná-las suas.
Nosso inconsciente é o reino da fantasia,
dos desejos ou temores traduzidos em
pensamentos e imagens que se refletem na
consciência, a tal ponto que podemos de
alguma forma dizer que somos as nossas
fantasias. E quando elas são comunicadas

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de um psiquismo a outro denominamos o
processo transmissão entre inconscientes,
quando se pode Ter consciência do processo
trata-se de comunicação empática.

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EMPATIA E FANTASIAS NA SAÚDE

Não há caminhos fáceis para o
homem quando se trata de conhecer a si
mesmo, pois há muitas imagens violentas e
desagregadoras, vividas com a qualidade
sensitiva do real quando são conectadas,
que jazem em nosso universo interior.
Por isso mesmo se postula terapêutico um
aprendizado, de modificação de clichês,
ratificando o que há de saudável em nós e
reduzindo a força daquilo que, pertencendo
a nós mesmos, pode nos aniquilar.
Existem muitos caminhos de auto
conhecimento, em geral conhecemos
melhor aqueles vindos da sabedoria
oriental. Nesses processos sempre há
mestres e discípulos e um longo caminho a
ser percorrido, tal como no treinamento dos
curadores primitivos, que intuíram essa
constituição psíquica humana.
Na atualidade podemos perceber que as
pessoas buscam este tipo de conhecimento
e a pressa que tem nos resultados.
Particularmente, não acredito em meios
fáceis para se ampliar a própria consciência
e o nível de saúde mental. Muita seriedade
é necessária quando se trata de oferecer
meios de acesso ao inconsciente que não
sejam aqueles guiados pela própria

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intuição, o sentido de si próprio no nível
subjetivo do termo.

Quem está doente pede ajuda a
alguém e a ciência deixou muito espaço em
branco quando tratou de tornar-se exata,
fria e matemática. O sentimento básico de
quem está doente é o desamparo e
qualquer um que ofereça alívio para isto
será ouvido.
Acredito que a medicina esteja diante de
tão fortes evidências de suas lacunas na
forma de tratar a alma de seus pacientes,
que precisará mudar.
Quem fala de saúde, fala de qualidade de
vida. Infelizmente, não a temos num nível
tão abrangente, nem podemos estender a
uma parcela maior da população os
benefícios conquistados pela inteligência da
espécie. Assim, para muitos a simples
sobrevivência inda resulta a principal
questão; mesmo tomando essa realidade é
necessário avaliar também a subjetividade
humana.
Não é bom para os médicos tratarem seus
pacientes como um corpo apenas, pois esta
é uma visão parcial e só pode obter um
resultado parcial, gerando insatisfação,
mesmo que, no estágio em que muitas
populações se encontram, a abordagem de
suas questões orgânicas já represente um
passo muito adequado.

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A prática médica é uma fascinante
mistura de ciência e arte e nenhum destes
aspectos pode ser negligenciado. Há muito
de arte em tratar o homem, pois há muito
de fantasia, estética e sensibilidade nele. É
uma figura gigantesca, cheia de nuances e
de possibilidades. Muitos são seus caminhos
internos e seus desvios, suas luzes e
sombras se refletem sobre seu corpo, seu
comportamento, sua capacidade, sua
energia.
Alguém, para tratar de outro, precisa
conhecer um oceano e pretender entendê-
lo, ouvir sua voz, saber de que precisa, que
males o afligem, e para isto a objetividade
não basta, é necessário lançar mão de algo
mais.
Claro está que algumas doenças guardam
mais que outras a relação intima com a
alma, mas todos os pacientes que vemos
tem uma história pessoal, eventos de
emoção e fantasias poderosas.

Somos um pouco do que somos, já
antes de nascer: a síntese da herança de
nossos ancestrais humanos e pré humanos,
escolhida pelas múltiplas possibilidades da
genética, determina uma combinação única
que é o nosso centro, o miolo do ser e a
isso vai-se sobrepondo a experiência
externa, em especial a interação com outros
seres.

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Temos uma carga de fantasias que são
herdadas e às quais se ajuntam as que são
adquiridas nas vivências posteriores,
sobretudo nas infantis enquanto ainda
somos mais moldáveis, uma certa
permeabilidade, no entanto, existe ao longo
de toda a vida. Se assim não fosse não
existiria o tratamento capaz de retificar
essas fantasias quando produzem doença,
usando a plasticidade da alma humana e a
capacidade de amar. Lembrando aqui
novamente Freud, quando diz que "estamos
fadados a cair enfermos sempre que, por
razões internas ou externas, estamos
impedidos de amar".
A fantasia que mais freqüentemente
mobiliza a tenacidade, a vibração, a
confiança e a vontade de estar vivo é a
fantasia amorosa. Seja por alguém ou algo,
é ela a o motor da criação e do equilíbrio
interno humano e, por conseguinte, do
externo.
Manter tal estado é a parte delicada da
questão. Criar uma expectativa mais
promissora e reforçar a capacidade de
emergirmos de nossas dificuldades e criar
boas situações, precisa ter força para se
manter. E o ambiente pode ser cruelmente
hostil ao desenvolvimento e sustentação
destas capacidades.
Um ambiente que auxilie na sustentação
destas capacidades, através da mobilização

30



das fantasias correspondentes, é indicado
num tratamento psicológico e muito
provavelmente benéfico quando a questão
seja agir sobre um mal físico

O quanto as fantasias podem
mobilizar a saúde e a enfermidade é algo
difícil de mensurar, passa mais por
convicção do que por dados estatísticos, ou
exames laboratoriais e de imagem. Não há
imagens confiáveis da emoção, nem como
compará-la em seus diversos momentos
com o desenvolvimento de um processo
patológico ou sua cura. Estes são dados que
faltam a medicina.
Há casos dramáticos de limite, quando a
medicina desiste dos pacientes e eles não
desistiram de viver. É preciso tentar outra
coisa, geralmente isso fica a cargo da fé ou
de não médicos. Mas nós também sabemos
lidar com o espírito e podemos aprender
mais se prestarmos atenção, se tivermos a
tenacidade e coragem de tentarmos
também uma abordagem não física para
algo orgânico.

Se há um acesso da mente para o
corpo capaz de fazê-lo adoecer, precisa
haver uma influência somática no
psiquismo. Ou não faria sentido, se isso não
existir toda a lógica de influências
recíprocas está desafiada.
Se pensarmos no quanto as pessoas podem
estar conectadas pelos fios invisíveis da

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mente, especialmente quando há entre elas
uma forte vinculação afetiva, somos
obrigados a entender que a antiga
sabedoria dos curadores está correta, e que
é preciso abordar mais que o paciente todo
seu ambiente, seus relacionamentos e as
fantasias que transitam por aí.
O passo mais óbvio é não subestimar a
toxicidade dos afetos, nem seu poder
reparador.
Tal como procuramos o pulso e os
batimentos cardíacos, a respiração e a cor
da pele como sinais de vitalidade orgânica,

o sorriso e as lágrimas são sinais do
subjetivo, que como os sinais físicos
indicam um nível de vitalidade do sujeito.
Uma das piores coisas que se pode
encontrar num paciente é uma nível
mantido de tensão e apatia. Esses são
péssimos sinais. Mesmo assim é preciso
avaliar a capacidade de resposta a um
estímulo positivo. Se você estimula e ele
responde, a subjetividade está viva e capaz
de recuperar energia.
Algumas vezes é muito difícil encontrar este
ponto de estímulo. Em geral precisamos
usar medicamentos psicoativos nestes
casos, pois não há como esperar uma
resposta interna em intensidade e tempo
hábeis, ou porque o nível de vitalidade está
muito comprometido, ou porque o nível de
tensão é excessivo para que se possa
32



estabelecer um contato com as partes mais
saudáveis da personalidade.

O quanto as fantasias são
poderosas e, o quanto somos hábeis em
movê-las no sentido desejado com fim de
cura, são questões relevantes para nós
.Talvez usemos pouco esse recurso
terapêutico.
Ao falar em poder da fantasia e em sua
mobilização como método de tratamento
não me refiro a ilusionismos, algo mais
profundo deve ocorrer que simples
repetições de mensagens positivas. É
necessário conhecer as crenças mais
arraigadas no paciente e as mais ativas no
momento do adoecer e no curso da doença,
entendendo que interferências podem ter
nestes processos.
Trata-se de uma forma de tratamento que
utiliza simplesmente ( e tão
complexamente) a emoção. Desintoxicar
emocionalmente e gradualmente substituir
crenças e sensações vigentes por outras
mais agradáveis é restabelecer o pulso da
subjetividade organizadora do cosmos
humano.

Entender o que se passa no corpo
que possa afetar a saúde como um todo é
mais fácil, estamos lidando com o concreto,
ao menos até uma boa parte da
investigação. É mais fácil ter respostas
sobre a química corporal do que avaliar a

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subjetividade, porquê demanda mais tempo
de contato entre o paciente e o médico.
Essa é uma das razões porque não se usa
muito essa via. Somos uma medicina que
tem alguma pressa e às vezes se torna
superficial por conta dela. Outra razão, é
que avaliar a subjetividade do paciente
requer uma elevada capacidade empática,
muito mais que o referencial teórico,
embora este seja fundamental. É preciso ter
olhos de ver a emoção, em que momento
se desperta, com que se conecta, ler a
fantasia é necessário para poder movê-la. E
usamos menos os atributos da racionalidade
e mais a capacidade de perceber a
linguagem emocional do outro, que se
arranja de forma diferente mas, usa o
mesmo alfabeto em todos nós. Este
processo é mais sentido do que pensado, e
exatamente por isso pode ser tão mais
exaustivo.
Estar frente à frente com o doente e
receber dele essas informações profundas
por um bom tempo, ler os sinais que emite,
nos expõe a uma certa toxicidade da qual
precisamos então nos resgatar para ir
adiante.

A expectativa do médico, o quanto
realmente lhe interessa a cura, suas
próprias fantasias em relação a poder agir
sobre determinada condição, são
determinantes para o sucesso do

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tratamento. O quanto o professor deseja
ensinar e confia em sua capacidade para
fazê-lo influi na aprendizagem, e com o
médico não é diferente. Nos dois casos é
preciso um fluxo de interesses, um deve ser
capaz de mobilizar no outro o desejo de
vitória sobre as condições desfavoráveis.
Acreditamos que se pode agir sobre uma
patologia e buscamos firmemente fazê-lo,
então o paciente entende que está sendo
ajudado e se identifica com essa força que
provém do terapeuta.
Por isso, não nos podemos deixar
influenciar pela fantasia negativa do
paciente a seu próprio respeito, precisamos
ter a autoridade de afirmar que a parte que
deseja curar-se deve e pode assumir o
comando dessa situação. Precisamos
acreditar nela para que possa crescer, para
que possa despertar. Ainda assim, não
temos uma forma de afirmar qual será o
resultado da batalha, mas o espírito com o
qual a enfrentamos é fundamental.

Uma expectativa lúcida e positiva
precisa ser mantida e transmitida ao
paciente.
Quando nos procura, ele o faz movido pelas
suas fantasias de cura e é preciso preservá-
las como o mais precioso de seus bens,
mesmo que esteja frágil, encoberta e
empoeirada. Pois, se não a tivesse mais,
estaria morto. ASSIM COMO NÓS

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MÉDICOS, QUANDO PERDEMOS NOSSAS
FANTASIAS DE PODER CURAR ESTAMOS
MORTOS PARA ESTA PROFISSÃO.
Isto me parece muito importante. Podermos
manter nossas fantasias mais saudáveis,
que envolvem a capacidade de vencer
circunstâncias desfavoráveis e de persistir
numa direção de êxito é a forma como
podemos trabalhar. Sempre dizendo que
fantasia é algo mais profundo que devaneio,
não é fugir da realidade, é a nossa
realidade interna.

Quando digo fantasias de poder curar não
me refiro a alguém que se atribua poderes
indevidos, refiro-me a uma capacidade de
insistir em algo pela vida. Algumas vezes a
desesperança contida nas fantasias do
paciente nos contamina.
Podemos sentir simplesmente como algo
nosso, pensar que tem a ver com as nossas
vidas, nossas crenças mais profundas
podem contaminar-se neste contato com a
doença.
Adoecer envolve, necessariamente, uma
boa dose de fantasias de derrota,
destruição, morte.
Daí vem a toxicidade da área médica. Não
se pode lidar tanto e tão proximamente com

o que é doente sem alguma forma de
contágio, que precisa manter-se sob
controle e ser sempre menor que nossas
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crenças mais positivas e alicerçadas no
instinto de vida.

Os Kereis conhecem esta
toxicidade, a medicina que usa a magia
conhece estes princípios todos e os atribui a
espíritos. De certa forma o são. Se
pensarmos que o doente é a soma de todos
os fragmentos de Ego que herdou, que em
seu inconsciente existem milhões de
fantasias que correspondem a registros
favoráveis e desfavoráveis, não só de sua
existência mas daqueles que o precederam,
estes serão os bons e os maus espíritos
para a medicina primitiva.
Desde esse ponto de vista, o que fazemos é
afugentar maus espíritos e atrair os bons.
Transformar a fantasia, esgotar sua
energia, despertar outras mais favoráveis,
eis o que tentamos fazer.
Esses curadores da Polinésia crêem que a
saúde depende de estarmos acompanhados
de bons espíritos, no que se pode usar uma
analogia com as fantasias mais saudáveis.
Se alguém não vive com alegria e
abundância ou repouso adequados, os bons
espíritos dos ancestrais vão-se embora,
então ela adoece. Admitem que há doenças
diferentes quanto a causa e, que algumas
não obedecem a este mecanismo.

Há muitas influências que são
percebidas como estranhas a nós porque
provém de partes de nós mesmos que nos

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são desconhecidas. Uma parte pequena é
conhecida. Em parte porque somos
treinados a nos distanciar de nossos
aspectos mais autênticos, em parte porque
muito do que somos está oculto para o tipo
de percepção que usualmente temos.
Os povos primitivos tem um sistema de vida
e de percepção que se relaciona mais
intimamente com seu inconsciente,
individual ou coletivamente. O reino
desconhecido de nossa mente ignora a
lógica e está sempre presente mas cede
espaço, no homem civilizado, ao racional e
ao convencional.
Uma das maiores forças desse universo
interior é sua capacidade criativa. Se esta
não encontra um modo de expressão, uma
grande quantidade de energia ficará
represada e gerará tensão. Assim, todos os
desejos que reclamam satisfação e
pressionam por realizar-se sem encontrar
um meio, comprimem o psiquismo
produzindo uma desorganização de seu
fluxo. Mas, este é forte demais para que
permaneça silencioso, o resultado é uma
enfermidade, tenha ela um caráter orgânico
ou não, e em geral há um misto delas.
Muito dos desgastes físicos que se alcança
em determinada fase da vida tem origem
nesse funcionamento forçado, contra a
correnteza, bem como em hábitos nocivos à
saúde.

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Originam-se na incapacidade de controlar o
nível de tensão psíquica e na
impossibilidade de encontrar uma via
alternativa de satisfação. Para isso existem
causas culturais, formação de hábitos
desfavoráveis, mas em grande parte uma
forma de ansiedade e incomodidade
psíquica mantida que nos faz doentes.
Por todos estes fenômenos subjetivos que
compõe o adoecer, a relação médico
paciente passa por algo mais abrangente
que a relação técnica, é uma interação
direta de dois inconscientes onde o papel do
médico é, através da empatia, entender o
que se passa no íntimo do paciente.
Conhecimentos científicos são bons e
necessários, mas só isso não basta para
nós.

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REAÇÕES DE ESTRESSSE
SOMATIZAÇÕES E DEPRESSÃO


Há uma conexão entra ansiedade e
stress, entre stress e depressão, e entre
tais quadros e desequilíbrio químico
orgânico, embora não necessariamente
somático. Toda a mecânica corporal é
regida por substâncias que comandam as
engrenagens sutis do metabolismo e do
comportamento. Todo organismo é então
regido, em cada um dos seus mínimos
processos, por substancias químicas
inteligentes que sabem exatamente o que
fazer enquanto são saudáveis. Quem as cria
é o DNA, nosso material genético.
O DNA é a inteligência orgânica em ação,
mas todo comando dessa ação é
transmitido à partir do cérebro.
O CEREBRO É, EM ÚLTIMA INSTÂNCIA, O
COMANDANTE DE TODO FUNCIONAMENTO
ORGÂNICO.
Ele também comanda através de emoções,
interpreta o que está recebendo de
mensagens do meio interno e externo,
transformando isso numa ordem para ao
corpo.
EXEMPLO DISSO: PRODUÇÃO DE
ADRENALINA EM SITUAÇÕES DE TENSÃO .
A CLÁSSICA REAÇÃO FUGA OU LUTA.

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A vida moderna contém estímulos e
exigências em demasia, desencadeia-se
uma série de eventos decorrentes dessa
situação:
ATIVAÇÃO CONSTANTE SISTEMA
NEURONAL DO LOCUS CERULEUS.
Produção excessiva de adrenalina.
REAÇÃO FUGA OU LUTA CONSTANTEMENTE
INTERPRETADA PELO CÉREBRO.
ESTRESSE (AUMENTO DA ANSIEDADE,
PERMANÊNCIA DO ESTADO ANSIOSO,
IRRITABILIDADE.DESGASTE ORGÂNICO-
DESGASTE CEREBRAL.)
DURANTE O ESTRESSE AUMENTA A
PRODUÇÃO DE CORTISOL, QUE É
PRODUZIDO PELA SUPRA RENAL.
O Cortisol atua diretamente sobre o sistema
imunológico ! Atua também sobre a
produção de NORADRENALINA, FREANDOA,
EM UMA REAÇÃO DE TENTAR CONTER O

ESTRESSE.
CORTISOL DIMINUI A EFICIÊNCIA DA
SEROTONINA, O RESULTADO É
DEPRESSÃO.

A DEPRESSÃO PODE SER UM QUADRO QUE
INDIQUE A NECESSIDADE DO ORGANISMO
RETRAIR-SE, DESCANSANDO E REDUZINDO
TODOS OS SEUS NÍVEIS DE ATIVIDADE
PARA UMA POSSÍVEL RECOMPOSIÇÃO.
COMO A ANSIEDADE É O MODELO DE
PRODUÇÃO DO ESTRESSE MAIS NOTAVEL

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ENTRE ANIMAIS, DEVE SER ASSIM NO
HOMEM.
POR ISSO A RELAÇÃO ENTRE ANSIEDADE E
DEPRESSÃO, A UM PONTO EM QUE OS
TRANSTORNOS DE ANSIEDADE SÃO
TRATADOS COM ANTIDEPRESSIVOS.
A MENTE REAGE COM UMA ORDEM PARA
RETRAIR-SE, AFASTAR-SE DE ES
TÍMULOS.ISSO CORRESPONDE AOS
SINTOMAS DE ISOLAMENTO, SENSAÇÃO DE
FRAGILIDADE, LENTIDÃO FÍSICA E MENTAL
DA DEPRESSÃO.

NAS MULHERES O PÓS PARTO E O
PRÉ MENSTRUAL SÃO PERÍODOS
VULNERÁVEIS À DEPRESSÃO.

AS ÍNDIAS RETRAEM-SE
COPSTUMEIRAMENTE DURANTE A
MENSTRUAÇÃO
E O PRINCÍPIO DA ECONOMIA DE

ESTÍMULOS, PARA MELHOR RECUPERAÇÃO
ORGÂNICA AO FIM DE UM CICLO, ESTÁ
CONTIDO NESSA PRÀTICA DA MEDICINA
INDÍGENA.
ANTIGAMENTE TÍNHAMOS MENOS
DEPRESSÃO E ANSIEDADE GRAÇAS A UM
MODELO DE VIDA MENOS ANSIOGÊNICO.
A REGULAÇÃO INTERNA ATRAVÉS DE
HÁBITOS SAUDÁVEIS DE SONO E VIGÍLIA,
ALIMENTAÇÃO, MENOS ESTÍMULOS DO
AMBIENTE, MENOS PRESSA, MENOS
MUDANÇAS, MENOS ALTERAÇÕES

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EMOCIONAIS SIGNIFICAVAM MENOS
ESTRESSE.
COMO NÃO EXISTIAM TRANQUILIZANTES
TAL COMO OS CONHECEMOS HOJE,USAVASE
A AUTO REGULAÇÃO ORGÂNICA.
ISTO TAMBÉM ERA POSSIVEL PORQUE OS
FATORES GERADORES DE ANSIEDADE
ERAM MENORES.

O USO EXCESSIVO DE
TRANQUILIZANTES É OUTRO FATOR
PROVAVELMENTE ENVOLVIDO NO
AUMENTO DOS CASOS DE DEPRESSÃO.
E ANSIEDADE, POIS, QUANDO RECEBE
ESTÍMULO EXTERNO QUÍMICO PARA
ACALMAR-SE (TRANQÜILIZANTE) por
tempo longo, O ORGANISMO ESQUECE
COMO PRODUZIR SUAS PRÓPRIAS
SUBSTÂNCIAS TRANQÜILIZANTES.

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UMA EXPERIÊNCIA PESSOAL


Logo que conclui o curso de medicina,
há exatos onze anos, prestei concurso
público como generalista. Fui trabalhar em
ambulatórios periféricos, pronto
atendimento, unidades móveis para áreas
rurais. Tinha também um consultório
particular, muitos sonhos e planos, um
bocado de teoria e pouca experiência.
Quando começamos nossas vidas como
médicos, precisamos ouvir demoradamente
cada paciente, para entendê-los e para
aplacar nossa própria angústia e o medo de
errar. Ganhamos tempo para termos
certeza de que compreendemos o que
tentam nos dizer.
Até porque, o paciente não tem exata
consciência do que se passa com ele, dá-
nos pistas que seguimos na tentativa de
ajudá-lo. Precisamos escutar com cuidado.

Ouvi então muitas histórias e percebi,
gradualmente, que pelo menos setenta por
cento dos pacientes que atendia tinha um
mesmo problema básico: a infelicidade.
Este, no meu entendimento, os tornava
mais suscetíveis ao adoecer. Insatisfação
vital, mágoas, perdas, dificuldades
econômicas e familiares, falta de
esclarecimento e de oportunidades,

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circunstâncias desfavoráveis por todos os
lados.
Assim que consegui ver a situação com
clareza, fiquei pensando o quanto adiantaria
tratar seus problemas clínicos imediatos e
devolvê-los aos seus cotidianos
problemáticos que, ou não os deixariam
curar-se, ou os tornariam novamente
enfermos.

Percebi que nos males do homem
entram em jogo tanto forças externas
quanto internas e que o externo depende
muito de como estamos por dentro.
Isto reascendeu em mim o desejo de
estudar o comportamento humano e de agir
onde me parecia essencial e mais urgente:
a alma. É bonito ver alguém despertar, se

fortalecer, tornar-se maior que suas
dificuldades e descobrir um jeito mais
saudável de viver.

Ainda me preocupa perceber que a
patologia psíquica está tão presente em
nossas vidas, individual e coletivamente e a
percebemos tão pouco. Como não temos
uma idéia clara sobre o que há de anormal
em nosso comportamento, permitimos que
muitos estragos aconteçam. A sociedade
parece ter idéia de que só o que representa
uma dramática perda de contato com a
realidade ou gera sintomas muito
incapacitantes, deva ser examinado e
tratado. Além disso não se apercebe da

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relação direta entre enfermidade mental e
seus efeitos sociais, nem dos efeitos sociais
sobre a saúde mental da população.
É precário é nosso nível médio de saúde
mental como são precários todos os
indicadores de qualidade de vida e saúde
em geral.
Quanto sofrimento há nas vidas de cada um
a sociedade tende a encarar como normal?
Pensamos em qualidade de vida muito mais
em termos condições econômicas, que sem
dúvida são importantes, mas cuja
precariedade não é o único determinante de
nosso mal estar. È compreensível que,
sendo um país pobre pensemos em
subjetividade como um luxo. Mas mesmo
cidadãos de um país pobre tem direito a
terem suas almas levadas em consideração.

Como as emoções não são palpáveis,
esquecemos de relacionar nosso mal estar
como população a elas e de perceber que
nossas ações afinal, são o que cria o mundo
em que estamos vivendo. E ações
dependem de como funciona a cabeça.
As dores da alma são talvez mais difíceis de
serem suportadas, mas a sociedade não se
pergunta se seus cidadãos se sentem bem e

o resultado é a crise atual, com tantas
rupturas de equilíbrio culminando em
violência, drogadição, ansiedade e
depressão como jamais tivemos.

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Somos um país com sintomas que indicam
estarmos meio doentes da cabeça. O
mundo todo tem suas patologias mas nós
estamos, ao que parece, especialmente
doentes. Dois tele jornais consecutivos são
suficientes para abalar qualquer um.
Como penso que não podemos por na conta
de fatores genéticos ou ecológicos toda a
origem de nossos problemas mentais,
prefiro aqui analisá-los de um ponto de
vista social. Nossas escolhas nem sempre
vem sendo feitas nas bases mais saudáveis,
como tampouco é saudável a passividade
de quem nada decide. Associados aos
sintomas da comunidade, temos graves
sinais de que as pessoas deixaram de ser o
mais importante, ou não o foram jamais.
Baseada nessas constatações sobre a
enfermidade que nos cerca tentei tecer
algumas considerações que me parecem
válidas. Lembrei-me sobretudo de S. Freud
que escreveu, entre tantas coisas, sobre o
mal estar que experimentamos na
civilização. Tentei buscar sua ajuda para
compreender o que tanto nos é
desconfortável, como nós mesmos criamos
muito desse desequilíbrio e analisar nossas
motivações menos visíveis e mais atuantes.

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DEPRESSÃ0


Há algum tempo este tema tornou-se
parte de nosso cotidiano. Nas ruas no
trabalho, em casa, na vizinhança...Todo
mundo tem algum contato com ela, até
mesmo pessoal. Acredito que se deva, ao
analisá-la, partir do ponto de vista de que a
tristeza é um estado de alma normal em
determinados momentos. Inclusive na vida
dos chamados animais irracionais existe a
reação de tristeza, que sempre se refere a
uma perda. È um modo de reagir à perda
de algo ou alguém que é comum a uma
ampla lista de espécies no reino animal.
Tristeza é um estado passageiro de
desinteresse pelo externo, introspecção
e luto. É uma espécie de saudade.
A melancolia que Freud descreve é uma
imensa saudade que nos faz adoecer. Só
podemos sentir a falta de algo que
conhecemos e não temos mais e sabemos
todos como essas ausências podem ser
dolorosas.
Uma fêmea que perde o filhote
provavelmente desenvolverá algum tipo de
reação semelhante. O filhote que perde a
mãe...o animal que perde a liberdade...o
índio aculturado, o atual homem
civilizado...também podem desenvolver
essa resposta afetiva, Pela duração de tal

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mal estar ou pela intensidade da
experiência e seu impacto sobre o aparelho
psíquico, isso pode tornar-se doença .Aí
entramos em casos em que a tristeza passa
a ser o estado corrente.
O animal em cativeiro não reencontra a
alegria privado de sua liberdade.
Simplesmente a circunstância desfavorável
permanece e estado emocional
correspondente também. É possível que um
animal destes recobre parte do equilíbrio
conseguindo uma adaptação a nova
situação, mas será sempre castrado em
suas potencialidades e é por isso que não se
pode viver em cativeiro, é o máximo da
saudade: a falta de si mesmo.

O estado emocional tristeza pode
perpetuar-se pela vida, formando um modo
de ser ou de reagir que se repetirá.
Desenvolvemos uma resposta emocional
durante a infância que dependendo da
intensidade e da duração se perpetuará
como um modelo.
Crianças tem menos estrutura e devem ser
poupadas de perdas e perigos para que
possam se desenvolver. Esse é um fato
óbvio que o Brasil não tem visto com a
devida seriedade. Somos alegres, fazemos
carnaval, mas e as seqüelas em nossa auto
estima? Ninguém percebe este traço
melancólico disfarçado no brasileiro? Ele às
vezes parece acreditar-se parte de uma

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casta inferior, um país de segunda linha
onde as coisas não podem dar certo. O
brasileiro amarela.
Temos uma pátria mãe gentil, exuberante e
doce mas meio distraída, deixa as coisas
meio frouxas, seus filhos por demais à
vontade. Precisaria talvez ser um pouco
mais clara quanto às regras e empenhar-se
mais na educação de seus filhos. Não
permitir que os fantasmas das perdas, da
violência e da insegurança os atinjam ainda
crianças.

Há distinção entre tristeza passageira,
estado de alma temporário e tristeza
mantida. Seja esta decorrente da
fragilidade emocional de uma criança, seja
pela recorrência ou manutenção das
circunstâncias desfavoráveis.
Uma é resposta, a outra é crônica. Uma é
vivência delimitada no tempo, a outra é
modo de reagir e sentir o mundo. Tristeza
patológica, se podemos chamar assim, não
necessariamente precisa ter uma
intensidade dramática, embora possa ser
assim. Várias reações de tristeza pouco
visíveis podem produzir estados de inibição
permanente, com prejuízo para a
capacidade de desfrutar a vida e relacionar-
se e exercer atividades criativas e
produtivas. São formas mascaradas e subclínicas
de depressão.

50



Somos seres que crescemos e nos
desenvolvemos investindo nossa libido no
mundo que nos cerca. Libido é nossa
energia amorosa. Para permitir que flua
temos que poder interagir com o que nos
cerca com um mínimo de inibições e
entraves. Essa interação mantém a tensão
psíquica sob controle há uma descarga
adequada ao bom funcionamento mental.
É nossa libido que se dirige a nossos pais e
forma um elo amoroso que nos mantém
interessados nesse contato e faz com que
procuremos interagir e fazer crescer essa
ligação.
Libido é um termo popularmente associado
apenas à sexualidade, no entanto é mais
abrangente e constitui toda experiência de
prazer e a base de todas as nossas
construções. Usamos a libido para nos
relacionar com pessoas, com o trabalho e
com tudo o que está ao nosso redor.
Sendo a libido a força que nos liga mais
fortemente à vida, podemos compreender
sua importância. Quando investimos essa
energia em alguém, ele se torna
emocionalmente significativo para nós.
Assim também uma circunstância ou algo
que amamos, porque representam
oportunidades de gratificação. Podemos
então entender que uma perda de qualquer
uma dessas relações nas quais

51



depositamos nossa energia amorosa,
desperte um estado de mal estar.
Ele poderá vir a ser superado, após um
período de luto, se conseguirmos recuperar
esse capital afetivo e investí-lo em outras
pessoas ou circunstâncias, estabelecendo
novamente uma ligação que nos
proporcione a sensação de bem estar em
substituição a que perdemos.
Pode ocorrer, contudo que não consigamos
recuperar esse capital e que a energia de
que tanto necessitamos para viver, fique
retida nessa situação de luto sem que ela
chegue a ser superada.
Tal é o caso de perdas muito significativas
ou repetidas em situações em que somos
ainda muito frágeis para administrar tais
prejuízos e incapazes de realizar o processo
de substituição de uma ligação amorosa por
outra, como na infância.
As conseqüências desse desarranjo precoce
de nossas energias será uma menor
disponibilidade delas para interação com o
mundo. Além disso, perdas posteriores
tenderão a despertar o mesmo estado de
luto e angústia verificado nessas primeiras

experiências. Teremos então uma
predisposição emocional às reações
depressivas.
Há também uma predisposição

genética a esse tipo de adoecer. Sabe-se
que as chamadas doenças afetivas tem um

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caráter familiar, como várias outras
enfermidades também o tem. Em todas as
vidas existirão situações de perda e
decepção com aqueles ou aquilo que
amamos e até conosco mesmos. Talvez
aquelas pessoas cuja genética predispõe a
uma queda na produção de determinados
neurotransmissores, causadora de
depressão, estejam mais vulneráveis e
reajam mais intensamente às adversidades
ao longo da vida.
Porém, mesmo sem predisposição genética
qualquer pessoa pode desenvolver uma
reação depressiva em determinado ponto
da vida, dependendo das suas
circunstâncias. E podem responder muito
bem ao uso de antidepressivos, sugerindo
que a reação emocional acompanha-se ou
pode mesmo ser a geradora de um déficit
na produção dos neurotransmissores

Atualmente há um significativo

aumento no número de pessoas, pelo
mundo afora, que estão desenvolvendo
sintomas depressivos. Pessoalmente

acredito que tal situação esteja ligada a
desequilíbrios nas situações de vida de cada
uma delas e da humanidade como um
todo. Creio que se possa falar de um
desequilíbrio em nosso habitat emocional,
que se apresenta hoje mais intenso do que
em outras épocas..

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Quer dizer: existem perdas maciças de

aspectos muito importantes de nossas
naturezas e por isso estamos
desconfortáveis. O desconforto mantido

gera stress e este o esgotamento de nossas
possibilidades interativas, que representa a
depressão. Assim, é de qualquer forma uma
saudade que nos atinge e enferma.
Saudade de tudo aquilo que nossa natureza
sensível necessita para manter-se vigorosa
e que os valores da atualidade tentam nos
convencer que não são importantes. Como
a liberdade, a criação, a segurança, o amor,
a esperança e os sonhos.

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VISTOS POR OUTROS OLHOS


Hoje vi um índio de uma tribo
nordestina O rapaz, muito inteligente,
estava abatido. Havia tristeza em sua voz
que embargava, tremia, seus olhos tinham
lágrimas. Mas ele prosseguia e controlava
sua emoção, embora não a escondesse.
Lidava com uma tristeza que vinha e
voltava dependendo do conteúdo emocional
de seu discurso. Se falava de suas perdas
de seu povo, chorava. Se falava de sua
tribo viva, mantinha-se no controle, voltava
a entusiasmar-se.
Sabiamente disse:" aprendi que o bom
guerreiro não pára na metade da luta."
O estado que costumamos descrever como
depressão é isto: a luta acabou! Perde-se o
desejo de continuar nela. o guerreiro
desiste.
Instala-se um estado de desesperança
absoluta. Nos consideramos tão menores
que as circunstâncias que nos trazem
sofrimento, que perdemos qualquer
expectativa de revertê-las. Fica-se irritadiço
explodindo facilmente ou apático. As duas
coisas podem se alternar.

É certo que muitas disfunções e
doenças físicas podem ser responsáveis ou
auxiliarem muito no desenvolvimento de
um estado depressivo, mas não me parece

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que possamos atribuir a elas o expressivo
aumento na incidência desta condição nos
dias atuais.
Parece-me antes que precisamos repensar
as condições de vida a que estamos
submetidos e sua repercussão em nó. Fazer
uma análise clara de nossas conquistas, do
quanto acrescentamos em bem estar e de
quanto nos equivocamos e falhamos em
torná-lo acessível a todos. Do que significou
nosso progresso científico e tecnológico
para nossa segurança e qualidade de vida e
de que formas estamos nos agredindo e
desrespeitando muitas de nossas
necessidades a ponto de estarmos
adoecendo.
Essa análise é oportuna especialmente
agora em que consideramos a possibilidade
de que a depressão seja a segunda
patologia mais incidente neste século que
se inicia, segundo dados da OMS. Vale
lembrar que a OMS conceitua saúde como
um estado de bem estar físico e mental
presente na maior parte do tempo.

Outra questão importante é a
elevação dos níveis de ansiedade presentes
na sociedade. Muitos desses casos de
ansiedade virão a mostrar-se de casos de
depressão encoberta e crônica. Noutras é
como se fosse um estado de agitação e
alerta que antecede a prostração, o
chamado estresse.

56



Analisar as cultura diferentes da nossa onde
mais aparecem tais patologias, pode ser
uma via de acesso importante ao
conhecimento dos fatores sociais no mal
estar que se instalou em nossas vidas.
Citei o exemplo do índio Tiny-á,
impressionou-me pela clareza de suas
idéias e considerei seu testemunho
importante para todos. Ele tem consciência
de que, em seu estado natural o indígena
não interessa a sociedade, é um povo que
não consome. Nas suas palavras:" não paga
para nascer, não paga para comer, não
paga para morrer." Está fora do contexto,
não dá nenhum lucro. Passa a ser uma
curiosidade, peça de museu. O índio sabe
que a situação de seu povo não é boa e que

o poder não os conhece realmente, a
sociedade o ignora na maior parte do tempo
ou dele extrai benefícios sem que exista um
real interesse neles.
A visão que este índio tem da
sociedade é a de escravos: "O branco passa

o mês inteiro trabalhando só para pagar
contas, quando consegue pagar..." O
branco embora não apanhe diretamente,
apanha de outras formas não tendo tempo
nem liberdade. O índio apanha de um jeito
e o restante do povo de outro, essa a sua
conclusão.
Não se pode dizer que esse homem tão
simples esteja errado. Tem a visão ampla
57



de quem não está comprometido com os
mesmos valores sociais que tanto prezamos
e que nos parecem indiscutíveis. É como a
visão de uma criança, muito simples e
direta.
Como o índio de Caetano Veloso "... o que
revelará aos povos surpreenderá a todos
não por ser exótico, mas por ser o óbvio."
Um ser de outra cultura pode nos ver nus
denunciando todo o contraditório do que vê.

58



MAL ESTAR QUE CRESCE


Outro dia conversava com um
psiquiatra experiente, quase trinta anos na
especialidade. Pergunto-lhe como percebe
na sua prática diária esse aumento
anunciado dos casos de depressão.
Responde-me que é real, praticamente
triplicou o número deste diagnósticos em
uns 25 anos. Podemos considerar que hoje
a depressão é mais diagnosticada .Há maior
esclarecimento, a própria medicina tem
olhos mais atentos para o problema. Há
também menos preconceito. Hoje, qualquer
um pode dizer que se sente triste,
insatisfeito, deprimido. Pode-se falar
abertamente sobre emoções e procurar
tratamento sem que isso represente algo
tão difícil como era anos atrás.
É verdade, tudo isso ocorre, mas ainda é
real o crescimento deste estado de ânimo.
A depressão atinge mais as mulheres. Elas
já no passado podiam andar amargas e
infelizes com freqüência por estarem
descontentes com suas vidas, cheias de
filhos que não desejavam, cerceadas em
sua liberdade, sobrecarregadas de tarefas
domésticas.
Estes estados emocionais exercem uma
espécie de contágio que denominamos
identificação, copiar o comportamento de

59



alguém cuja importância em nosso
desenvolvimento afetivo tenha sido
marcante. Ocorre especialmente entre pais
e filhos

Os homens idosos que conheci não
pareciam tão infelizes, pareciam mais
confortáveis em seus papéis sociais.
Sempre coube a eles mais liberdade de
escolha, de ir e vir e expressar-se.
Satisfazer seus desejos sexuais era direito
indiscutível, respeito á natureza do macho.
Já natureza da fêmea parecia pressupor

restrições e imposições. Algumas das
mulheres que descrevi já tinham dois
trabalhos, principalmente aquelas que

viviam no campo trabalhando na lavoura.
Era sem dúvida mais difícil ser mulher, a
quantidade de estressores a que estavam
submetidas era maior e a biologia mais
mexida. Cada gestação e parto são ocasiões
de profundas alterações hormonais. Talvez
por tudo isso essas mulheres sejam
descritas freqüentemente como ultra
exigentes, irritadiças, despejando sua
agressividade sobre os filhos..
Algumas delas chegam a nós e podemos
ouvir delas próprias seus relatos de vidas,
suas histórias de exposição continuada ao
sofrimento e a doença..
Apesar da rigidez da educação o homem
ainda podia encontrar mais espaço para a
satisfação. Mais oportunidades de

60



gratificação e menos renúncias eram
exigidas deles, além de não serem
biologicamente tão atingidos em seu
equilíbrio quanto à mulher.
Aos poucos, porém, estamos podendo
observar uma tendência de nivelamento
com a elevação dos casos de ansiedade
entre os homens. Eles hoje não tem
trabalho garantido e sofrem com as
mudanças nos papéis. A mulher é mais
submissa a eles e isso parece contrariar sua
tendência instintiva dominadora . Os
homens chegarem realmente a considerar-
se numa posição de superioridade. Agora
muita coisa mudou para eles também e
muitos são os que se sentem
desconfortáveis com essa perda de
estabilidade e de poder.

A situação da mulher não era das
mais satisfatórias e evidentemente começou
a pressionar por mudanças. A necessidade
de incorporá-la como mão de obra após a
revolução industrial foi a grande alavanca
das transformações .A mulher saiu de casa,
ganhou o mercado de trabalho, adquiriu o
direito ao voto e posteriormente à
contracepção. Passos importante que
levaram a uma nova situação; não se
revelou perfeita a condição conquistada
nem a sobrecarga deixou de existir.
Recentemente foi divulgada uma pesquisa
realizada na Inglaterra mostrando que as

61



mulheres não estão tão satisfeitas assim
com sua condição de trabalhadoras. Lá elas
representam quase metade da força
produtiva e tem um padrão de primeiro
mundo.
Os dados revelaram que oitenta por cento
delas cumprem dupla jornada e setenta e
sete por cento abandonariam o trabalho no
dia seguinte, não fosse a necessidade
econômica.

Meu amigo psiquiatra entende o resultado
da pesquisa da seguinte forma: as
mulheres estão reclamando do fato de suas
atividades domésticas não serem
valorizadas.
Penso que não seja exatamente isso, é um
pouco menos simples. Não creio que
alguém aceite com prazer trabalhar
duplamente não importa quais sejam as
honrarias dispensadas Não querem
continuar trabalhando depois de chegar em
casa, enquanto seus companheiros seguem
tendo o direito a sentar-se e assistir seu
programa favorito na TV.

Esse acúmulo de funções leva a
exaustão. Uma tal carga é incompatível com
a manutenção de humor normal. Toda
forma de sobrecarga pode levar a um
quadro de estresse seguido facilmente de
uma depressão pela insatisfação vital
continuada. A natureza requer ao menos

62



um pouco de descanso, de espontaneidade,
menos carga enfim.

Segundo as mesmas pesquisas, as
entrevistadas admitem sentir-se irritadas e
brigarem ao menos duas vezes por semana
com seus maridos. Não é difícil entender,
não é mesmo?
Isso sem esquecer os cuidados com os
filhos pequenos, a atenção que exigem e o
sentimento tantas vezes presente de estar
falhando como mãe. Sensação que se
agrava à medida que a paciência encurta:
mãe cansada com filhos cheios de energia e
querendo o máximo dela .A irritabilidade é
inevitável e os desentendimentos também.

Parece ser este um caldo de cultura
ideal para toda sorte de desavenças
domésticas, divórcios e insatisfações. Antes
havia a sobrecarga dos muitos filhos e do
exaustivo trabalho doméstico, a pouca
liberdade e a dependência econômica ,hoje
é a dupla jornada. Não está fácil encontrar
uma fórmula conciliatória que atenda aos
interesses e necessidades femininas. Por
isto, elas são em grande parte responsáveis
pelas estatísticas de aumento de
sentimentos de mal estar na população, são
elas as mais expostas aos fatores que
levam à falha do funcionamento emocional.

São muitos papéis a serem
desempenhados, todos tem relevância e a
mulher pretende cumprir com sucesso todos

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eles. Sobra pouco tempo e disposição para

o prazer e é bem provável que se
desenvolva um descompasso entre os
desejos dos parceiros. Quando a sobrecarga
aparece a libido é uma das primeiras áreas
abaladas. Falta energia e sobram
ressentimentos, conscientes ou
inconscientes, em relação aos privilégios
masculinos.
Por todas estas razões de cunho social e
biológico, a depressão ainda afeta mais o
sexo feminino, mas os homens também
estão começando a ser mais afetados,
sofreram com as mudanças nos papéis
sociais, com a necessidade de adaptar-se a
uma nova ordem familiar,
às alterações nas relações de trabalho, já
não são muito melhor tratados que as
mulheres.
64



AMBIENTE SOCIAL E PERDAS


Podemos discutir muitas, talvez
infinitas situações de desequilíbrio em nosso
cotidiano. Não é necessário buscarmos uma
causa para o aumento da incidência de
depressão num fator ambiental, exceto se
estivermos falando de ambiente social.
Passemos a uma questão já há muito
discutida e exposta por Sigmund Freud em
seu artigo "O Mal Estar na Civilização": o
quanto nossos papéis sociais podem ser
desconfortáveis.

Do mesmo autor é o postulado básico
da psicanálise que nos diz que a depressão
ou melancolia se origina numa perda.
Esta perda inicialmente refere-se a uma
pessoa querida ,importante para o indivíduo
a ponto de que, a privação de sua presença
ou de seu afeto e atenção, sejam geradores
de significativo sofrimento psíquico.

Posteriormente em nossas vidas
teremos muitas oportunidades de,
novamente, passarmos por situações de
perda. Elas não precisam referir-se
exatamente a pessoas mas a situações,
lugares, status, saúde , habilidades, auto
imagem etc.

Pode representar a perda de si
próprio, perda de identidade; pode referir


65



se a perda da liberdade, ou de valores que
são caros ao indivíduo.

Acredito que tenhamos muitas perdas
a analisar, como sociedade ou
individualmente.
Perdemos a tranqüilidade, a segurança para
andar pelas ruas, a certeza de que teremos
como sobreviver perdemos a elegância em
muitos aspectos, a delicadeza, a confiança
no outro, nas instituições.
Perdemos as férias, os pequenos prazeres
de cada dia foram cortados pelo orçamento
estreito. Perdemos estabilidade, poder
aquisitivo, esperanças. E perdendo,
acabamos por perder também a paciência.
Começamos a desenvolver aquela
desagradável sensação de estar pagando
mico. Essa é a classe média brasileira que
vejo.

Nunca na história da humanidade
mudamos nosso mundo e nossos valores
com tamanha velocidade quanto no século

XX.
Antes disso, uma geração vivia como
sua antecessora e ainda transmitia seus
valores quase intactos à próxima.
As coisas evoluíam mais lentamente e o
impacto das mudanças era tão diluído que
dificilmente poderia ser um fator de
estresse importante para nossos
antepassados, como é para nós.

66



Hoje podemos ver três gerações envolvidas
numa relação familiar onde os valores serão
freqüentemente opostos ou muito
divergentes.

Isso distancia. Família é uma
associação que pressupõe intensa ligação
emocional.

difícil para a pessoa idosa
compreender o comportamento liberal da
filha, na faixa dos trinta anos,
economicamente independente, solteira,
preocupada com sua carreira acima de tudo
e pouco interessada num relacionamento
amoroso mais duradouro.
É bem provável que a moça também se
irrite com a lentidão e os valores da mãe.
Esse é apenas um exemplo que quer dizer
mais ou menos o seguinte: se três gerações
vivem em uma casa, são três ideais
distintos, três juízos de valor, três visões de
um mesmo mundo.

Para cada geração há um padrão de
comportamento ideal .O que para uma é
correto e desejável para a outra pode ser
vergonhoso e inaceitável à auto estima .E
se a diferença pode e deve trazer o
progresso e a evolução se baseia na
mudança, é preciso descobrir em que grau
e velocidade somos capazes de absorver
tudo isso sem afetar nosso equilíbrio
emocional e nossas relações interpessoais.
Não podemos perder todas as relações e

67



todos os valores de uma hora para outra
sem nos desestruturarmos.

Por isso mudanças, quando envolvem
nossa libido, nossos amores mais
profundos, precisam levá-los em
consideração ou serão devastadores. Terão
impacto negativo sobre a saúde humana e
de qualquer outro animal que se sinta
ameaçado, privado de sua identidade e ou
exposto a perdas maciças.

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A IMAGEM DE SI PRÓPRIO


Todo ser humano tem uma imagem
de si mesmo. É uma imagem ideal da qual
busca aproximar-se. Na civilização esta
imagem é variável de acordo com os
conceitos de cada época. O que foi o ideal
de mulher para minha avó não é para mim.
O que é ideal para uma cultura, não é para
outra.

É outro postulado da psicanálise que o
homem mede a si próprio pelo grau de
proximidade que logra atingir de seu ideal.
Parece haver, hoje mais do que nunca uma
certa confusão de ideais. Muitas vezes
pessoas parecem confusas em relação ao
que devem ser. Já não há padrões de
comportamento tão rígidos dizendo-nos
como agir, pensar e nos conduzir em nossas
escolhas. Somos, em tese, mais livres, mas
continuamos necessitando de modelos com
os quais nos identificar.

Nem sempre os modelos disponíveis
são os mais saudáveis e tentar encaixar-se
neles pode ser extremamente complicado.

Há casos até dramáticos como as
adolscentes que precisam
desesperadamente manter-se num peso

considerado ideal para modelos, e muitas
vezes impossível para elas. São razões
orgânicas. Cada uma tem sua estrutura

69



física que deixa de ser respeitada, levando-
as a adoecer. E há outros casos menos
drásticos em que pretendemos alterar
profundamente nossa natureza pessoal para
nos encaixarmos em uma imagem que nos
é mostrada como ideal.
A perda da autenticidade é um grande risco
e não deveria ser estimulada em hipótese
alguma.

Na formação dessa imagem ideal, que
perseguimos pela vida a fora, estão
profundamente enraizados os valores
morais transmitidos pela família e os
educadores.

São eles enfim que nos ensinam como
devemos ser para recebermos aprovação e
sermos aceitos, amados e admirados.
Evidentemente desejamos muito isso, tanto
porque precisamos ser aceitos num grupo
como pela nossa própria vaidade pessoal.
Mais tarde entram em jogo os padrões da
escola, do grupo de adolescentes, da mídia,
do nosso meio social. Esses padrões podem
ser conflitantes e nos tornar divididos
internamente, confusos em relação ao que
devemos ser.

Confusos e insatisfeitos. Agudamente
conscientes de nossa insatisfação e achando
sempre que o problema somos nós. O
mundo tenta nos convencer disso, e a
medicina ajuda quando silencia a respeito
do erro que esta sendo cometido.

70



A medicina, como defensora da vida e da
saúde humanas, talvez coubesse denunciar
muito mais claramente o quanto nossos
conceitos coletivos, que passamos a
denominar realidade, podem ser nocivos a
nós mesmos.

Ela costuma optar por uma postura
mais fria e conivente com toda forma de
maltrato a que somos submetidos pelos
nossos próprios enganos pessoais e sociais.
Freqüentemente limita-se a remendar uma
parte de nós quando adoecemos
fisicamente ou, chega a nos considerar
anomalias, seres infantis e mal adaptados
quando o sofrimento é emocional.

Há muito sofrimento mental nos dias
que correm. Nossos consultórios estão
cheios de pessoas infelizes, e trabalhar com
cada uma delas pode fazer uma grande
diferença na sua qualidade de vida, mas
seria necessário um trabalho mais amplo
que atingisse a coletividade e onde cada um
pudesse rever seus padrões e forma como
se comporta. Os erros com que compactua
e pelos quais paga alto preço.

Pensaríamos em um ser saudável
quando este fosse suficientemente forte
para construir uma imagem de si próprio
com certa independência e respeitando suas
necessidades naturais e individuais sem ter
que se encaixar em todos os padrões
externamente ditados, freqüentemente

71



incompatíveis com sua verdadeira
satisfação.

Uma pessoa enfim mais liberta para
julgar e defender-se de padrões
equivocados que venham de fora, com
suficiente senso crítico para reconhecer o
que serve ou não a ela .E Com permissão
interior para questionar o que é razoável no
próprio ideal e atrevimento suficiente para
revê-lo.

De nada adianta uma libertação de
tirânicos ideais passados se precisarmos
substituí-los por outros ditadores, qual
crianças indefesas que dependam de que
alguém as guie e diga como comportar-se e
em que acreditar.
Viver nossas próprias e preciosas vidas
respeitando nosso direito a um quinhão de
bem estar, do qual não deveríamos abrir
mão sob nenhum pretexto ou influência, e
respeitando aqueles que compartilham
nosso viver, é o grande desafio da saúde
mental e de qualquer um de nós.
Isso implica em escolhermos ideais mais
compatíveis com nossa realidade pessoal e
coletiva, que não nos obriguem a sacrifícios
e artificialismos sem perspectiva de
sustentação.

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O CONCEITO DE REALIDADE


Estas páginas pretendem fazer um
esforço de entendimento a respeito dos
múltiplos equívocos individuais e coletivos a
que temos nos submetido e suas
repercussões sobre nossa saúde física e
mental, nossa qualidade de vida e nossas
relações interpessoais.

Esse esforço provém de uma
compreensão pessoal de que não
mudaremos nada enquanto não mudarmos
a nós mesmos, partes dessa sociedade que
é, sob vários aspectos de uma sanidade
duvidosa, e que se assim o é, é com a
nossa permissão.
Permitamo-nos o exercício de desconfiar do
que seja realidade, de perguntar se não
temos pelo menos duas delas as quais nos
submetemos e, que tipo de contradições
isso cria.

Aliás a existência dessa duplicidade,
realidade biológica , instintiva e realidade
cultural, não é idéia nova e já se encontra
amplamente discutida a partir do trabalho
de Sigmund Freud, especialmente nos
artigos "O Mal Estar na Civilização" e "O
Futuro de uma Ilusão".
Coube a ele o pioneirismo e a coragem de
expor as fantasias e o funcionamento

73



mental humano em todas as suas nuances,
por incômodo que tenha sido à humanidade
reconhecer-se nos seus achados. E o
grande mérito de situar nas relações
interpessoais a origem dos distúrbios antes
tidos como determinados por uma
degeneração orgânica.

Também a descoberta de que somos
os únicos animais que criaram uma
realidade para si próprios, fonte de tantas
satisfações e amarguras ao mesmo tempo.

Não dá certo alterar demais a
natureza humana. Aliás não dá certo alterar
profundamente qualquer natureza e isso já
estamos aprendendo à duras penas.

Se somos seres divididos entre duas
realidades, nossa vida será mais difícil. Eu
preciso fazer algo ou viver de determinada
forma para que minha condição biológica
seja respeitada e eu tenha saúde e bem
estar, mas, a minha realidade sócio-
cultural me diz outra coisa. Então surgem
as distorções e prejuízos a saúde do homem
contemporâneo.

Talvez seja possível dizer, sem
exagero, que sob muitos aspectos vivemos
em situações semelhantes a animais em
cativeiro. Claro, nem todos se sentem
assim, mas muitos, talvez até a maioria.
Nosso mundo não é generoso com a maior
parte de seus habitantes, há muitas faltas e
muitas imposições sobre nós.

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Paulo Francis teria dito que a maior
parte da população da Terra vive em um
imenso campo de concentração. Acho esta
uma afirmação verdadeira. Não vejo o
Homem confortável em seu viver.

75



O TRABALHO


Trabalho é meio de vida, de
sustentação material e, deveria ser, de
promoção da auto estima, de liberação do
potencial criativo.

O homem trabalha usando parte de
uma energia que se supõe ser
originalmente sexual e agressiva. A isso se
dá o nome de sublimação.

Mas, que espécie de trabalho temos?
E muitas vezes nem temos... Quantos de
nós tem o privilégio de dizer que gostam do
que fazem?

Poucos têm a chance de escolha e
desempenham uma atividade que
considerem prazerosa. Ao contrário, a
maioria de nós está submetida à condições
de trabalho cuja compatibilidade com
nossa saúde física e mental é frágil..
Por não prover os meios necessários à
sobrevivência digna, por ser excessivo, por
não existir, por ser automático e repetitivo,
por muitas razões o trabalho pode voltar a
ser o que significava inicialmente:
instrumento de tortura.

O trabalho dignifica o homem
dependendo de qual seja, em que condições
se dê. É, sem dúvida, uma grande
possibilidade de expressão, de geração de

76



bem estar individual e coletivo. Mas isso
numa situação ideal.

O homem é, em sua natureza, criativo
e o trabalho deveria respeitar isso.

É inegável que o comportamento
animal baseia-se num sistema de
recompensas. Se você não tem alguma
oportunidade de prazer gerada por uma
atividade, dificilmente desejará continuá-la,
poderá fazê-lo por necessidade de
sobrevivência, mas o fará precariamente se
algum grau de prazer não estiver contido
nisso.
Se pudéssemos ver o trabalho como algo
vital e precioso, se pudéssemos colocar nele
condições de desenvolvimento e bem estar,
estaríamos contribuindo para elevar o nível
de saúde física e mental do planeta.

O trabalho precisa ser visto como
instrumento de promoção e manutenção da
saúde.

77



CIVILIZAÇÃO


Freud em seu artigo "O Futuro de
Uma Ilusão", diz: "Todo o indivíduo é
virtualmente inimigo da civilização, embora
se suponha que esta constitui um objeto de
interesse humano universal."

E segue dizendo que, por pouco capaz
que seja o homem de existir isoladamente,
vê como um pesado fardo tudo o que dele
exige a civilização.

É verdade. Muito exige de nós a
civilização, e a alguns pouco dá.
Ele define civilização como: "Tudo aquilo em
que a vida humana se eleva acima da sua
condição animal, e difere da vida dos
animais...".

Para Freud a civilização apresenta
dois aspectos fundamentais: o primeiro
envolveria todo o conhecimento
desenvolvido pelo homem afim de controlar
a natureza e dela extrair riquezas para a
satisfação de suas necessidades.
Aqui já caberia uma indagação sobre o que
são nossas reais necessidades. Que
necessidades temos realmente para nos
mantermos saudáveis e termos uma vida
agradável?

O 2º aspecto é o mais complicado, ou
é o grande problema através dos tempos:

78



"...inclui todos os regulamentos necessários
para ajustar as relações dos homens uns
com os outros e, a distribuição da riqueza
disponível".

Diz-nos ainda que a relação entre os
homens é profundamente influenciada pela
quantidade de satisfação que a riqueza
existente proporciona. Ora perguntar-se-ia
se a civilização não esqueceu a que veio.

Se seu objetivo era garantir a cada
um, através da formação de grupos, uma
fatia de satisfação... Fica confuso adaptar
esse conceito ao que vivemos atualmente,
difícil definir qualquer contorno desse
objetivo inicial na atual economia mundial.

Examinemos outro aspecto desse
artigo: "... um homem pode, ele próprio, vir
a funcionar como riqueza em relação à
outro homem, na medida em que a outra
pessoa faz uso de sua capacidade de
trabalho ou escolha como objeto sexual."
Convém explicar o que significa aqui objeto
sexual, que é diferente do conceito
corrente.

É preciso ter em vista que, para
Freud, objeto não significa algo inanimado,
mas objetivo.

Algo vivo que interage e desperta um
afeto determinado no outro. Sexual aqui
não se restringe ao significado da
sexualidade direta. A sexualidade para
Freud é um conceito bem mais amplo que

79



envolve as relações amorosas não sexuais,
como as familiares e sociais.

Voltando às suas palavras, um
homem pode significar riqueza para outro,
riqueza material ou riqueza emocional e
sexual, de gratificação, de qualquer forma
riqueza está no sentido de gratificação,
satisfação de uma necessidade. E isso pode
ser assim em um sentido ou em outro.

O seu trabalho pode significar riqueza
para mim na medida em que você faz algo
que eu não faço e de que preciso. Cada um
de nós tem habilidade para produzir um
bem ou serviço de que a sociedade
necessite e assim todas as necessidades
ficam satisfeitas. Um indivíduo encontra
satisfação em desenvolver uma
determinada habilidade e em usufruir de
habilidades alheias, nesse sentido, um gera
riqueza para o outro, é uma relação
enriquecedora.

Também do ponto de vista amoroso:
uma amizade, um companheiro, um filho, é
alguém a quem dedicamos nosso amor e a
quem servimos também como fonte de
gratificação e prazer. Que nos tem como
uma riqueza. É uma relação geradora de
satisfação mútua.

Todas as complicações vem depois e
parecem residir exatamente na questão
satisfação mútua, da qual dependeria todo

o pacto da civilização.
80



Ela é um projeto ambicioso que o Homem
ainda não concluiu, avança mas inda não
tem clareza de como fazer.

Estamos em meio às dificuldades de
implementação deste projeto. Temos alguns
êxitos e alguns pontos de muito difícil
solução.

81



DIFICULDADES


Freud não vê as complicações citadas
como inerentes à natureza da civilização.
Crê que sejam determinadas pelas próprias
dificuldades das formas culturais até hoje
conseguidas e ao fato de, apesar do grande
avanço no sentido de controlar a natureza
,tal não ter- se repetido no tocante às
relações humanas.

Deveria então haver um
reordenamento delas, de forma que o
homem se sentisse mais confortável
consigo e com seus pares. Isso poderia
reduzir o conflito interior de cada um e os
conflitos de grupos liberando um bom
potencial de energia para a realização de
trabalho, criação e o desfrute saudável das
riquezas.

A questão toda é como fazer e se é
possível fazer. Assinala Freud que não lhe
parece suficiente cuidar para que a riqueza
seja adequadamente distribuída para
eliminar o conflito. Parece que considerava
este um passo básico e o objetivo primeiro
de vivermos em sociedade. Mas há outra
questão fundamental: como lidar com os
sacrifícios instintivos impostos ao homem
pela civilização
Evidentemente quando foi escrito este
artigo os sacrifícios exigidos eram bem

82



maiores do que hoje, especialmente no
sentido sexual direto.

Em contrapartida criaram-se, em
minha opinião, outras formas de renúncias
e padecimentos. De muitas outras formas
nos afastamos de nossa natureza e criamos
oportunidades para conflitos.

Em todo caso sempre podemos nos
perguntar se uma distribuição mais
adequada da riqueza já não funcionaria
como uma compensação para os sacrifícios
que o tornar-se civilizado impõe a todos, e
se não funcionaria como um estímulo para
que nos empenhássemos mais em dominar
os instintos que não se adaptam
exatamente aos mais elevados valores da
cultura.

83



RACIONALIDADE E CONFLITO


Não dá para esquecer em nenhum
momento que somos animais. Animais que
se tornaram racionais e que neste processo

tornaram-se mentalmente mais
complicados.
Ganhamos comodidades e

provavelmente o direito a uma vida mais
longa do que tínhamos como nômades. A
agricultura foi uma aquisição importante,
garantia maior de sobrevivência e
oportunidade para o início do processo de
civilização.

Mas este é um processo que exige muitas
modificações de comportamento. Um
animal não apresenta mais do que
rudimentos de pensamento, agindo
instintivamente. Significa que segue suas
necessidades e que estas são ditadas
unicamente pela biologia. Não há conflitos a
nível psíquico. Sem chance deles existirem
num animal irracional.

Garantimos o acesso ao conflito
interno e, por conseqüência ao externo,
quando interpusemos entre o impulso e a
ação, o pensamento. O homem costuma
pensar antes de agir. Pode-se achar tal
coisa extremamente desejável, no entanto
certamente não é coisa fácil de ser
executada já que pressupõe um

84



julgamento, o certo e o errado. Até hoje
não chegamos a uma conclusão sobre isso e
tentamos convencer uns aos outros do
acerto de nossa forma de julgar.

Se obtivemos grandes conquistas com

o ato de pensar, acrescentamos também
muita confusão às nossas existências e
todos sabemos quantas situações e ações
errôneas surgem de um pensamento
distorcido.
Também é verdade que o pensamento
representando a consciência moral, tanto
pode frear atitudes instintivas danosas
como outras que não necessitariam ser
bloqueadas, gerando inibições.
É difícil alterar tão profundamente
uma natureza e ainda assim lograr
encontrar um equilíbrio. É justamente esse
novo equilíbrio que buscamos
exaustivamente.
Todos tem uma idéia sobre qual seria esse
caminho e vão atrás, convencem outros a
seguí-los, porém ninguém tem sido muito
eficiente nesta busca e grandes enganos
tem ocorrido com desfechos às vezes
lamentáveis.

Esse é o desafio maior da espécie, sua
trajetória fatalmente terá de passar pelos
esforços em compreender e se entender
com seu interior, já que dominar o externo
não nos bastou.

85



Esse desenvolvimento de pensamento
pode parecer contrário a civilização. Não é
exatamente assim. Apenas gostaria de
indagar: se o objetivo da civilização foi o
de elevar o nível de bem estar e promover a
vida humana, em que ponto nos perdemos?
Precisamos prestar atenção ao fato de que
nenhum animal sobre a terra adoece tanto
do ponto de vista mental quanto o homem.
Há sofrimento nisso, muito sofrimento.

Se a loucura é a suprema perda de
liberdade, não podemos negar que a
espécie humana tem um passe de acesso
facilitado a ela..

É próprio do homem civilizado
adoecer mentalmente muito mais do que
qualquer outro animal. Quando eles vêm
para o nosso convívio é que adoecem. O
jeito humano de viver pode levar animais a
doença mental e física, ao stress do animal
domesticado.

86



PRIVAÇÃO E FRUSTRAÇÃO


Continuando a seguir os passos de
Freud na análise da civilização, seria
interessante ressaltar três conceitos:

1)Frustração- "o fato de um instinto
não poder ser satisfeito".

2)Proibição- "O regulamento pelo qual
essa frustração é estabelecida."

3)Privação- "Condição produzida pela
proibição".

Prosseguindo, mostra que é
necessário fazer uma distinção entre
"privações que afetam a todos e privações
que não afetam a todos, mas apenas a

grupos, classes ou mesmo indivíduos
isolados."
As primeiras, impostas a todos,

seriam a proibição ao incesto, ao impulso
de matar e ao canibalismo.

De todos elas podem ser encontrados
resquícios, derivados, atitudes que
substituem disfarçadamente esses impulsos
no comportamento humano atual.

Em seguida vêm as proibições
impostas diferentemente aos homens, de
acordo com sua classe social.

Diz:" Se, porém, uma cultura não foi
além do ponto em que a satisfação de uma

87



parte de seus participantes depende da
opressão da outra parte (parte esta talvez
maior, e este é o caso de todas as culturas
atuais), é compreensível que as pessoas
assim oprimidas desenvolvam intensa
hostilidade para com a cultura."

A existência da cultura é possível
através do trabalho de todos e da riqueza
por todos produzida, usufruir de tal riqueza
é a grande dificuldade. A maior parte da
população está submetida a um estado de
privação, embora tenha concordado em
trabalhar para produzir a riqueza.

Logicamente isso já contém em si,
acima de quaisquer juízos morais, uma
contradição evidente. Se o indivíduo se
submete a determinada situação que não
coincide exatamente com seus desejos
naturais deve haver uma recompensa
suficiente para isso.

É o principio do adestramento de
animais, fazem o que lhes é ensinado em
troca de recompensa. Pode parecer
aviltante comparar o comportamento
humano e suas motivações com os destes
seres irracionais, mas os princípios são os
mesmos gostemos ou não da idéia.

Todo comportamento depende de um
equilíbrio entre as situações de gratificação
e frustração. Nenhuma sociedade pode ser
bem sucedida se não prestar atenção a esse
modo de funcionarmos. Se você se sente

88



repetidamente exposto a situações de
frustração, o mal estar é inevitável. Gera
uma tensão que tanto pode eclodir
abertamente em violência quanto levar a
várias formas de adoecer, inclusive a perda
de interesse pela existência.

Pode também desenvolver um padrão
de comportamento em que o próprio
indivíduo sabota suas possibilidades de
satisfação e as dos outros ao seu redor. Se
alguém não pode ter satisfações,
dificilmente concordará que outros as
tenham. Parecerá um roubo, uma situação
injusta, quer a proibição se origine dentro
ou fora dessa pessoa.

Os sacrifícios exigidos do grupo são
mais facilmente tolerados .O acesso de
alguns a determinadas situações e escolhas
mais favoráveis é sempre difícil de
administrar. O limite para a frustração
existe.

É preciso que haja pelo menos um
equilíbrio entre as experiências satisfatórias
e as frustrantes, e não é possível impingir
situações de privação continuada sem o
desenvolvimento de uma resposta
emocional equivalente.

Pode-se argumentar que a
competitividade e a diferença fazem parte
da natureza. Isso, em princípio, é
absolutamente verdadeiro, mas a civilização

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não surgiu exatamente para tentar
equacionar tais diferenças?

O objetivo da associação humana sob
regras comuns não é precisamente propiciar
uma fatia de bem estar a todos em troca do
sacrifício de alguns prazeres instintivos?
Não sacrificamos como espécie nossa
espontaneidade e concordamos em abrir
mão de determinados impulsos e
satisfações para termos outras?

Qual é o nível de satisfação criado por
este pacto, e qual sua distribuição?
"...Não é preciso dizer que uma civilização
que deixa insatisfeito um número tão
grande de seus participantes e os
impulsiona à revolta, não merece a
perspectiva de uma existência duradoura."

90



INCREMENTO DA VIOLÊNCIA


Deve abrigar muitos aspectos, pensei
na perda da esperança. Insegurança e
insatisfação continuadas levam a perda da
esperança. Não se tira a esperança de um
povo ou de um indivíduo, sem ela estamos

mortos, nossa relação com a vida se
deteriora, nosso potencial criativo e
produtivo se esvai.

A esperança é o motor de quaisquer
realizações. A sua perda é o incentivo a
todas as formas de deterioração, entre elas
a violência e o desejo de romper o contato
com a realidade desfavorável. A vontade de
sair do mundo. Mas não dá para sair e ele
não pára.

Precisamos cada vez mais de
momentos de afastamento do caos. Há
muitas formas de fazer isso e uma das
soluções mais procuradas tem sido o uso de
drogas. Álcool sempre foi consumido em
escala significativa e é reconhecidamente
um facilitador da violência. Violência no
trânsito, violência doméstica, todos os tipos
dela. Cresce o contingente de mulheres que
abusam do álcool , geralmente dentro de
suas casas, mas com efeitos de irrupção de
agressividade contra os filhos, coisa que
antes costumava acontecer somente aos
homens. O crack e a cocaína deterioram o

91



comportamento e são altamente
potencializadores de violência.
Continuo atribuindo, em última instância,
todos estes comportamentos à perda de
esperanças nessa realidade e ao desejo de
conexão com outra.


Tais substâncias alteram o juízo de
realidade abolindo toda e qualquer censura
ou oposição moral do próprio indivíduo.
O comportamento agressivo é também uma
mazela transmitida de uma geração a outra.
Crianças que sofrem agressões até os cinco
anos de idade tem enorme chance de se
tornarem adultos violentos. As
circunstâncias externas desfavoráveis fazem
crescer uma agressividade latente que a
droga libera e potencializa.
Os impulsos destrutivos são freados por
duas situações: o juízo moral da própria
pessoa que condena a ação violenta, e o
temor da represália, a contenção externa.
Parece que temos tido um decréscimo nos

fatores inibidores e um acréscimo nos
geradores e facilitadores de
comportamentos agressivos.

É outra falha evidente nos ideais da
civilização, estamos mais agressivos que os
irracionais.

Até aqui estamos falando de situações
de agressividade extrema, com lesões
corporais e atentados à vida. Há também as
pequenas agressões do dia a dia, o

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comportamento irritadiço e explosivo, o
popular mau humor, que nos atinge como
peste, dando sinais de que nosso
psiquismo se encontra prejudicado,
funcionando mal em algum ponto.

Muitos estão assim pelas ruas da
cidade e não agiram sempre dessa forma,
não é um traço de personalidade, é um
comportamento atual, surgido sob
determinadas circunstâncias estressoras,
agudas ou crônicas.

Um tipo de comportamento social em
que todos ao redor passam a ser
identificados com o estado de mal estar que
vivenciamos. Até porque, parecem mais
competidores e alguém que nos ameace do
que possa nos beneficiar. Esperamos a
agressão do outro porque já criamos uma
expectativa nesse sentido, que nasce da
experiência de se Ter sido repetidamente
agredido. Essa talvez seja a pior forma de
perdermos a esperança, não esperarmos
outra coisa do meio e das pessoas além de
agressão.

Parece necessário, nos dias em que
vivemos, sair um pouco da análise
individual e partirmos para analisar uma
conjuntura, uma vez que a sintomatologia
atinge tão elevada incidência.
Já podemos falar de uma sociedade doente,
ou mais agudamente doente do que em
épocas anteriores. Os eventos vitais e o

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meio social sempre foram importantes na
manutenção ou rompimento do equilíbrio
psíquico. Em todos os tempos sempre se
pode identificar fatores desencadeantes do
desequilíbrio.

Hoje a questão é que um número
crescente de pessoas estão tento seu
equilíbrio rompido, o adoecer cresceu
demasiado para que continuemos a analisar
apenas os fatores individuais.
Mesmo em relação ao abuso de drogas,
sabemos que há certos traços de
personalidade comuns aos chamados
adictos, mas como foi que cresceu tanto
esse número? Não teríamos que considerar
fatores sociais? Não teríamos que pensar na
hipótese de que viver nesse mundo tenha
se tornado por demais angustiante para
muitos? E que então as substâncias capazes
de alterar isso sejam naturalmente mais
procuradas?

Se não posso mudar o mundo, posso
ao menos mudar a percepção que tenho
dele e obter algum prazer que não estou
conseguindo sozinho.

Álcool e drogas são freqüentemente
utilizados como "tratamento", tranquilizante
para quem está ansioso, estimulante para
quem está deprimido, desinibidor para o
tímido.

Quanto mais cresce a angústia do
viver e quanto menos eficiente é a

94



sociedade em nos oferecer segurança
material e emocional, mais desejaremos
estar fora dela e buscar alternativas que
nos aliviem, além de, naturalmente
desenvolvermos intensa agressividade
contra tudo aquilo que identifiquemos como
responsável pelo nosso mal estar.

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ESTRESSE


Todos concordamos que trabalhar é
necessário, pode ser gratificante e é dever
de todo adulto prover sua subsistência, a de
seus dependentes e colaborar de alguma
forma para o desenvolvimento da sociedade
e a geração de riquezas nesta.

Ocorre que nem sempre as condições
de trabalho são compatíveis com a saúde
física e mental do trabalhador.

Há poucos dias vi pela TV um taxista
e um médico que não dormem e um
professor que trabalha sessenta horas por
semana e aos domingos faz planejamento
de aulas e corrige provas. Isso pode dar
certo? Não! Eis a resposta, nem para eles
nem para a qualidade do serviço que
prestam. E porque fazem isso? Dizem que é
para sobreviver. De fato, não parecem estar
ficando ricos nem se trata de seres
doentiamente ambiciosos acumulando
riquezas. São cidadãos tentando se adaptar
às circunstâncias da economia e do
mercado de trabalho. Não pareceu, como
disse, que fossem doentes. Pareceu que em
breve poderão estar doentes ou mortos.
Outros casos de flagrante incompatibilidade
com a saúde existem e são bem
conhecidos.

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Algumas funções são emocionalmente
mais difíceis para o trabalhador, como a
área da saúde. Em condições normais já
são carregadas de um significativo esforço,
enfrentamento diário com a morte e o
sofrimento humanos .Da presteza e acerto
de suas decisões e ações dependem vidas.
São funções de difícil desempenho, que
requerem descanso adequado, preparação
psicológica, prevenção do stress,
treinamento constante.

Professores que lidam com crianças e
adolescentes, partem do ponto zero e
somando seus esforços precisam alfabetizar
e formar um cidadão apto a interagir com o
mundo, ter um espaço na sociedade.
Transmitem o conhecimento e os valores da
espécie. São educadores, enorme
responsabilidade. Ajudam a formar
consciências, desenvolver habilidades,
senso crítico. Estão no lugar de modelos
importantes.

Tudo isso é óbvio e chega a
constranger pela simplicidade, mas é
sempre bom remarcar que determinadas
relações, inda que profissionais, carregam
aspectos afetivos importantes e negar a
necessidade da vinculação entre esses
profissionais e aqueles que são seus
pacientes, alunos ou seja qual for a relação,
é negar a própria essência do trabalho

97



realizado e diminuir as chances de seu
sucesso

A convivência prolongada entre o
profissional da área de saúde ou educação,
por exemplo, com sua clientela leva ao
desenvolvimento de um certo grau de
intimidade e confiança que é benéfico, mas
pode tornar-se complicado quando as
questões vitais destes exigem uma atuação
que não está ao alcance daquele serviço.

Muitos professores têm falado do
quanto é complicado ver crianças com fome
ou frio, do quanto são emocionalmente
carentes e dispostos a disputar qualquer
mínima possibilidade de atenção. Por um
processo de empatia esses sofrimentos vão
também sendo acumulados por quem
convive com eles.

Agora, exerça uma profissão destas
por muitos anos, sem a garantia de que ao
menos suas necessidades básicas sejam
atendidas, pense na possibilidade de ir
parar no SPC ou de cair nas garras do
cheque especial, ou caia nelas logo de uma
vez. Assim você tem uma fórmula simples,
mas que lhe dá a uma grande chance de
desenvolver alguma forma de desequilíbrio
físico e mental.

Muitos povos já conviveram com
situações limite, guerras, fome desespero, e
se reergueram, é verdade, o que parece
cansativo entre nós é a forma como tais

98



coisas são insidiosas e se repetem sem
melhora ou com melhora muito gradual. Por
isso tornam-se extenuantes e tão nocivas:
vão minando a esperança e você vai
começando a descrer. Então, se você tem
mais uma predisposição genética e
problemas pessoais, é fácil conseguir
infartar, tornar-se hipertenso ou ter um
problema psiquiátrico qualquer.
Citei a área de saúde e da educação porque
são algumas das que mais tem buscado
atendimento, com quadros de ansiedade,
stress e depressão, mas evidentemente há
muitos outros segmentos sociais afetados
pelo chamado estresse. Ele é o produto de
uma exposição excessiva a estímulos que
não conseguimos processar sem a exaustão
física e mental.

99



CONSUMO


A propaganda brasileira é muito
criativa, reconhecida internacionalmente.
Assistimos muita televisão, que aliás chega
a ser produto de exportação.
Imagino que já estejamos em condições de
dizer que somos uma sociedade altamente
especializada em desenvolver desejos de
consumo.

Devíamos ter também adquirido tal
eficácia em produzir riquezas e distribuí-las,
de modo que muitos, pudessem consumir.
Senão, fica sem graça, vira até humor
negro.

Faça uma experiência: amarre seu
cachorro e pendure algumas lingüiças de
modo que fiquem bastante visíveis, mas
não estejam ao seu alcance. Providencie
outro cachorro e alimente-o até que fique
satisfeito (tudo na frente do faminto).
Repita isso diariamente e aguarde os
resultados.

Peço desculpas se a comparação fere
a sensibilidade de alguém, mas acho que
isso explica muita coisa. Bombardear uma
população de apelos a um consumo que é,
para quase toda ela, inacessível, torna-se
perigoso.

O desejo humano é algo poderoso,
uma vez que se crie uma necessidade em

100



nossas mentes, vamos atrás dela de
qualquer jeito. Além disso, não se deve
brincar com os sentimentos despertados
pela frustração, eles produzem reações que
podem fugir ao controle.

Se conseguirem nos convencer de que
algo é importante para nossas vidas, que
seremos mais felizes com este ou aquele
produto, imagem ou situação, estará criada
uma necessidade, que pode ser antes de
tudo emocional. Mas as necessidades desta
natureza não são menos poderosas que
outras, ao contrário; tanto é assim que a
publicidade vende, mais que o produto, a
idéia de satisfação que ele é capaz de
proporcionar.

Consumo também pode ser droga,
quer dizer: pode viciar. Tudo o que produz
alguma satisfação traz em si o desejo da
repetição. O que está em jogo nele é então,
satisfação instintual. Como sexo, jogo,
agressão, proteção, distinção sobre os
demais, força... Prometer uma satisfação
instintual é uma forma de sedução e esta se
assemelha ao domínio, ao comando dos
atos de alguém em função de um desejo
mobilizado.

Mexer com desejos humanos é fácil,
eles são comuns a todos, com algumas
variações individuais. Despertar desejos em
excesso pode tornar-se escravizante. Pode
ser danoso ao equilíbrio social e individual

101



RIQUEZA MENTAL


Ao analisar a riqueza mental da

civilização precisamos levar em conta:*
O nível moral de seus participantes (ou até
que ponto os preceitos da civilização foram
internalizados pelos seus indivíduos). Seus
ideais e produções artísticas e as
satisfações derivadas dessas fontes.

Os ideais de um povo representam a
sua avaliação de quais realizações são mais
importantes e em que sentido deve realizar
seus maiores esforços. É como uma
definição de prioridades: o que é importante
para nós como nação?

O Brasil tem isso definido? Existe um
esforço coletivo num determinado sentido?
Só ouvimos falar em metas impostas a nós,
parecendo que não temos nossas próprias
definições a respeito.

E o que tem a ver isso com saúde
mental? Tem porque é bom sentir-se parte
de um esforço que dá certo. E até aqui a
maioria dos destaques que obtemos como
nação não se referem exatamente ao
sucesso, mas às falhas. Recém agora
começa a aparecer alguma coisa nova, num
sentido mais construtivo, de realização. Por
isso nos apaixona tanto o talento individual
vencendo lá fora, somos gratos a Sena,
Guga e Pelé e outros tantos. Resgatam um

102



pouco da nossa auto estima, são os
brasileiros que deram certo! Alguma coisa
dá certo, que bom! Através deles temos a
oportunidade do êxito, que entre nós é
sempre mais baseado no talento e no
empenho pessoal que na estrutura da
nação.

Eles transformam o que fazem numa
arte, como artistas todos nós somos nos
malabarismos do cotidiano, só que nem
sempre somos tão bem sucedidos.
Talvez até pelo fato dos ideais da nação
serem meio dispersos: cada um por si,
fazendo do seu jeito, sem uma definição de
idéias comuns.

Criação artística nós temos por aqui,
bastante até. Não podemos pensar a arte
como algo elitizado, disponível apenas para
as camadas mais educadas da sociedade.
Refinamento existe na arte, sem dúvida,
mas é apenas uma faceta mais elaborada
da criação artística. A arte é antes de tudo
meio de expressão e necessidade humana.
Toda arte provem da mesma fonte interior,
a criatividade e o anseio pelo belo, mesmo
que não freqüente academias.

E, como é rica a produção artística
nacional!. O brasileiro é um povo de
múltiplas origens e, possivelmente por isto,
bastante criativo. Expressamos a riqueza de
um universo interior formado de tantas
influências, há em nós muitas vertentes e a

103



arte é uma das satisfações a que o povo
teve acesso. Nossa música é riquíssima,
nossas cores, nossas fantasias, nossa
dança...Então, a arte aqui foi feita pelo
povo, embora não fazendo parte de sua
educação formal, ela está "no sangue" de
todos os povos e acaba por expressar-se,
entre nós isto se dá de forma marcante.
Se o interesse artístico pode ser
considerado um indicativo de força, dos
recursos psicológicos de um indivíduo e
expressão de seu universo interior, porque
não de uma nação?

Os comentários a seguir são de
Freud: "Um tipo diferente de satisfação é
concedido aos participantes de uma unidade
cultural pela arte...Como já descobrimos há
muito tempo, a arte oferece satisfações
substitutivas para as renúncias culturais e,
por esse motivo, serve como nenhuma
outra coisa, para reconciliar o homem com
os sacrifícios impostos pela civilização".
Aqui a arte está sendo colocada como
elevada expressão de alma e autêntica
necessidade humana. Utiliza-se a criação
como auxiliar na recuperação de um
equilíbrio psíquico comprometido.
Arteterapia oficial e não oficial, aquela
manifestação criativa de cada um em seu
meio, pode revelar-se salvadora em meio a
tensão do dia a dia.

104



Não fomos feitos para trabalhar o tempo
todo sob a pressão da lógica e do
racionalismo, nosso psiquismo não agüenta
isso por muito tempo. Precisamos da
criação, da liberdade de expressão e do
lúdico.

105



PROCESSO PRIMÁRIO E
PROCESSO SECUNDÁRIO


A forma original de funcionamento
mental humano é o processo primário.
Nascemos nele, e durante algum tempo
permaneceremos funcionando assim. Aos
poucos, a medida que entramos em contato
com o mundo ao nosso redor, vamos
desenvolvendo um outro modo de
funcionamento que inclui a palavra e o
pensamento. Aí nos tornamos racionais

No processo primário só existe
representações de coisas e de afetos, nossa
percepção é muito mais direta e as imagens
não estão organizadas da forma que
costumamos percebe-las no processo
secundário, uma aquisição, algo que nos é
ensinado.

É interessante ressaltar que não o
suportamos por muito tempo. Funcionar
segundo os princípios da lógica é algo que o
cérebro faz durante um tempo limitado,
depois necessita do repouso do sono, que é
quando o universo interior pode agir como é
de sua natureza, e manifestar-se através
dos sonhos.

Durante o sono voltamos a nos reger
pelas leis do processo primário, que é
aparentemente caótico exatamente.
Também nos bebês e nos psicóticos

106



encontramos esse modo de funcionamento,
muito mais intuitivo e distanciado da visão
ordenada que procuramos criar do mundo à
nossa volta e de nossas sensações.

A arte, por ser um processo intuitivo e
livre, constitui-se num canal de expressão
para o inconsciente e para o processo
primário. Daí a sensação agradável, que se
assemelha a desfrutar de liberdade,
experimentada por aquele que cria: um
verdadeiro reencontro consigo mesmo, um
mergulho fundo em nossa essência. Como o
sono, tem um efeito reparador.

107



SABER "TRAÇAR"


A observação das pessoa em seus
ambientes naturais e de suas expressões
mais sinceras nos pode revelar muita
sabedoria. E talvez demonstrar na prática
os benefícios da autenticidade e da livre
expressão de nossas tendências criativas.
Um destes mestres de grupos musicais e
folclóricos do nordeste, deu a TV um
depoimento relevante

Um cidadão de muito pouca educação
formal, mas dono de sabedoria, diz à
reportagem que o fundamental na vida é
saber 'traçar'. O que entende por traçar é
relacionar-se com o outro: "...saber traçar é
saber tratar bem a qualquer um nessa vida,
seja pobre ou seja rico, homem ou mulher,
seja de que cor for..."

Dá pra imaginar alguma expressão
maior de civilidade?

Aquela gente canta, dança e se
relaciona com elegância. Os velhos ensinam
aos jovens a sua arte e são respeitados,
todos compartilham do prazer. A alegria, a
competição saudável, os desafios dos
trovadores são exemplo de interação
positiva e muito civilizada, sim, embora tão
simples.

Se pudéssemos estar menos tempo
submetidos a tensão e mais dedicados a

108



atividades criativas, talvez soubéssemos
todos "traçar melhor".
O mau humor e a irritabilidade são sinais de
tensão interna. Indicam que há um
desconforto mental gerado pelo fluxo
inadequado de energias psíquicas.

Há uma compreensão popular que
uma pessoa cronicamente mal humorada, e
que suporta mal a alegria e satisfação
alheias, é uma frustrada. Isso é verdadeiro.
O quanto podemos nos permitir ter
satisfação e, o quanto somos capazes de
produzi-la, estão diretamente relacionados
ao quanto poderemos suportar que os
outros estejam bem.

E, quando alguém se encontra em tal
situação de frustração, provavelmente foi
por demais tolhido em sua espontaneidade,
de forma que já não pode conectar-se com
o que há de lúdico e autêntico em si, nem o
permite aos demais.

Pode ser o meio que a cerca, pode ser
ela própria que tenha banido de sua
imagem ideal qualquer manifestação mais
primitiva e desinibida, próxima a sua
natureza.

Se, em seu meio ou em seu próprio
código moral, a satisfação não é bem vista
e aceita, as situações de frustração a que
essa pessoa se exporá serão crônicas, e o
mal estar inevitável.

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Quando você está impedido de
encontrar satisfação dificilmente concordará
que outros encontrem. Mesmo que as
pessoas a seu redor não sejam as
responsáveis por seu estado de
insatisfação, você tenderá a vê-las como
tal. Essa é uma confusão típica da mente
humana.

Como disse, não podemos nos reger
sempre pela razão, há momentos em que o
inconsciente e seu modo de funcionar
entram em ação. Para ele, o que é parecido
pode tornar-se igual e sentimentos podem
ser inadequadamente desenvolvidos .

Por isso é tão necessário que ao
menos tentemos criar um ambiente que
permita um quantum de satisfação
suficiente para nós mesmos e para aqueles
que nos cercam. Senão, corremos o risco de
nos sentir agredidos e roubados de forma
absolutamente equivocada, e de não
tratarmos nada bem a quem nos rodeia.
Pior, podemos passar a tratar mal a nós
mesmos e nos desinteressar pela vida,
quando ela não mantém um mínimo
necessário de seu caráter prazeroso.

Sem que estejamos ao menos
medianamente satisfeitos com nossas vidas,
é difícil que saibamos "traçar", é difícil que
ela nos interesse, e que permitamos ao
outros viver em paz.

110



PREDADORES


Quantas renúncias precisamos fazer
para nos tornarmos civilizados! Respeitar a
mulher do próximo (a), respeitar a
propriedade, deixar de matar...

Há um problema básico na vida em
comunidade: "Todos os outros tem os
mesmos desejos que eu, e não me tratarão
com mais consideração que eu os trato".
Diz Freud.

Se abolíssemos todas as proibições a
estas alturas de nosso desenvolvimento
mental, provavelmente encontraríamos um
estado perigoso. Movendo-nos por nossos
desejos, sem tomar em consideração os
alheios, estaríamos procedendo de um
modo primitivo.

Foi para dominar a natureza externa e

o que nela nos ameaçava que chegamos a
propor o pacto de alterar a nossa própria, e
desenvolvemos a vida em sociedade. Para
que isso fosse possível desenvolvemos
regras e mais regras.
Mas é evidente que alguma coisa deu
errada pois começamos por tentar nos
proteger da natureza inóspita e criamos
algo mais difícil de controlar que somos nós
mesmos. Como vamos nos defender de nós
mesmos, se nossas regras ou não são

111



claras, ou não são seguidas por todos e
revertem contra nós mesmos?

Como uma espécie torna-se ameaça
para si própria? Como foi que nos tornamos
nossos próprios predadores, tanto como
espécie quanto como indivíduos?

Simplesmente não conseguimos
cumprir o contrato, pois não estamos todos
de acordo com suas cláusulas. Então
vivemos num estado intermediário entre

aquilo que idealizamos e o que
conseguimos, entre a barbárie e a
civilização.

De qualquer maneira, cada um de nós
pode optar pela civilidade em sua vida.
Civilidade com espontaneidade, com graça e
gentileza. Experimente dar-se esta chance,
as pessoas ao seu redor provavelmente
corresponderão. Todos gostam de ser bem
tratados e estas atitudes positivas tem um
efeito de contágio tão decisivo quanto as
negativas.

Comece fazendo a sua parte. Ponha
seu peso pessoal do lado da liberdade
responsável e recuse-se a agir como um
predador. Isto fará bem ao mundo, mas,
fará bem a você em primeiro lugar.
Predadores estão em estado de alerta
mantido, uma situação menos tensa é mais
desejável e benéfica à sua saúde.

112



CRIANÇAS


Freud descreve o homem como uma
criatura assustada e desamparada diante de
forças que não consegue controlar e que o
levam sem apelação à morte .A angústia
diante desse terrível e inevitável fato,
tornaria o homem emocionalmente
semelhante a uma criança ,dependente de
um poder maior que o proteja, recompense
e puna conforme seus pais o fizeram na
infância.

Apresenta então a religiosidade como
uma construção humana na tentativa de
aplacar as próprias angústias e relacionar-
se com o desconhecido, o que escapou ao
seu controle, em especial com a
desagradável consciência da própria
finitude.

De fato precisamos concordar que as
imagens religiosas são semelhantes às
familiares, com pai, mãe, irmãos e um
sistema de punição e recompensa.

Amit Goswame, físico indiano,
descreve o deus ocidental como imperador
de destinos. Diz que o ocidental vê um deus
como algo externo a ele, poderoso e
terrível. Isso corresponde exatamente ao
pai de algumas gerações atrás.

A imagem de um Deus imperador,
todo poderoso, que a tudo via e de quem

113



tudo dependia, realmente existia e existe
ainda muito entre nós ocidentais; talvez por
sermos mais jovens como civilização,
precisemos lançar mão de conceitos mais
próximos ao pensamento infantil. No
entanto, é inegável que assim como o pai
real, biológico, teve seus poderes
restringidos e seu status revisto, também a
relação do ocidental com seu deus vem se
alterando. Está admitindo novos
questionamentos e até mesmo uma
aproximação à outras religiões e filosofias,
altera-se o comportamento de fé inabalável
e dogmática e surge o fator investigação,
curiosidade pelo que não é evidente e
mensurável A religiosidade ocidental perdeu
bastante de seu caráter absolutista..

É possível que as mudanças na
relação do ocidente com a fé, reflitam uma
tentativa de independência e menor
vulnerabilidade. Estamos nos sentindo um
pouco menos desprotegidos e dando-nos o
direito de desconfiar dos dogmas.

Buscamos descobrir por conta própria
nossos caminhos, chegando às nossas
conclusões pessoais sobre o tema.

Podemos hoje escolher ter uma
concepção religiosa da vida ou não. Nada
mais é imposto com a força do passado, é
nossa própria necessidade quem dita a
visão que teremos. Isso parece ter sido um
avanço.

114



As religiões sempre tentaram exercer
um papel disciplinador sobre o homem,
contendo seus instintos menos desejáveis e
pregando uma relação pacífica e ordenada,
fraterna, como fazem os pais com seus
filhos. Seria uma tentativa de encontrar
uma paternidade para a grande família
humana, e uma forma de transmitir os
valores morais sobre os quais se ergueria a
civilização. Todo juízo moral descendeu, em
princípio da religião, que talvez tenha
precisado valer-se de uma linguagem
simbólica, que levasse em conta nossas
origens, laços familiares e a forma como as
regras nos são transmitidas na infância.

A religiosidade não é mais imposta e
ainda assim continua existindo e
demonstrando que há uma possível
inclinação humana aos atos de fé, a uma
relação profunda com o impalpável. Não sei
se considerar tal inclinação apenas uma
manifestação de nosso natural desamparo é
correto. A ciência sabe pouco sobre isso,
mas já admite que a fé influencia processos
de cura. Não sabe medir, nem examinar em
laboratórios estas reações, por enquanto
apenas registra a relação entre melhores
evoluções clínicas e fé.

Vamos então deixar em aberto.
Respeitemos as muitas possibilidades de
descobertas nesta área e continuemos a
observar estas forças psíquicas que mal

115



compreendemos, e que podem vir a tornar-
se ferramentas importantes na medicina do
futuro.

Pensemos nelas como arquétipos,
cujo verdadeiro ordenamento e dimensão
no psiquismo ainda não conhecemos
completamente.

116



DESAMPARO


O desamparo é característico da
condição humana. A consciência da própria
mortalidade parece ser exclusividade nossa,
nenhuma outra espécie precisa conviver
com a dor de saber-se um ser mortal. Ser
humano, já parece trazer em si o estigma
da angústia. Conhecemos parte do mundo,
temos uma consciência parcial, que nos
trouxe talvez mais dúvidas do que proteção,
somos seres em eterna indagação. E, ainda
quando tentemos construir certezas, elas
não costumam durar muito.

Nosso ritmo como descobridores,
inventores e investigadores deste universo
que nos rodeia, acelerou-se sensivelmente.
Acabamos de sair de um século agitado,
marcado pelo grande avanço científico e
tecnológico e uma enorme revolução nos
costumes.

Tudo o que era inquestionável passou
a sê-lo e, até o conceito de matéria e as leis
da físicas foram abalados. Descobrimos
viver num universo relativo e muitas de
nossas precárias certezas se foram.

A moral passou a ser questionável, a
estrutura familiar também, o trabalho faltou
para muitos e para outros tantos deixou de
ser satisfatório.

117



Adquirimos até mesmo mais consciência de
nossos próprios enganos e dos danos que
causamos ao meio ambiente, da falha de
nossas tentativas de estabelecer um estado
de bem estar duradouro que sempre foi
nosso objetivo.

Tanto criamos e fizemos, e não somos
hoje menos desamparados que as gerações
que nos antecederam. Nossa angústia não
se aplacou, nem se pode dizer que seja
mais fácil viver neste mundo, a despeito de
toda a tecnologia e o avanço da medicina
que, deveriam ter surtido efeitos tão mais
apaziguadores sobre nós.

De certa forma, perdemos
definitivamente nossa ingenuidade, aquela
que tínhamos quando nos lançamos à
conquista de tudo que temos hoje. Quase
parecemos ter esgotado nossa criatividade
e nossas esperanças de alcançar esse nível
de satisfação a que chamamos felicidade.
Até os jovens, tantas vezes, parecem estar
olhando o futuro com mais ansiedade e
menos expectativas positivas. Não se pode
viver a juventude sem sonhos e ideais.

Talvez tenhamos passado a acreditar
que somos demais, que há gente demais
sobre a terra e não encontraremos um lugar
nesse mundo novo. Tudo isso se soma para
aumentar nosso original estado de
desamparo. Nosso mundo parece-nos ser
um lugar pouco seguro para nós.

118



MUDANÇAS NAS RELAÇÕES


Até poucas décadas, havia uma certa
forma padronizada e menos instável de ver

o mundo. Todos deviam pensar mais ou
menos o mesmo, não havia uma massa
crítica considerável. Por muito tempo, a
crítica e os questionamentos ficaram a
cargo de artistas e intelectuais, por sinal os
mais atacados pela angústia e a melancolia.
Ao homem comum cabia seguir as regras,
que eram bem claras, dedicar-se ao seu
trabalho e a cumprir seu papel familiar e
social. As relações eram mais duradouras e
estáveis, de forma que pouco se alterava o
status de cada um, se não havia muitas
perspectivas, tampouco eram grandes os
riscos de alguém deixar de ser o que era ou
fazer o que sempre fizera.
Hoje vivemos situações bem diversas,
a natureza de nossas relações tende mais a
instabilidade e qualquer um pode expressar
suas idéias e insatisfações. Inclusive o seu
chefe, que não vai pensar duas vezes em
despedi-lo se houver alguém melhor para
ocupar o seu lugar ou isso trouxer
vantagem econômica para a empresa.
Troca-se um funcionário antigo por três
jovens vigorosos, com o mesmo custo
financeiro.

119



As relações tornaram-se mais
impessoais em quaisquer aspectos da vida.
Também nas relações amorosas a incerteza
se instalou, somos mais livres para acabar
com uma relação insatisfatória, ótimo! Mas
também é mais fácil que se rompam laços
importantes sem maiores considerações.
Neste assunto, tampouco é difícil que outra
pessoa passe a ocupar o seu lugar, o que
antes seria absolutamente condenável.-

Talvez a maior conseqüência das
mudanças seja que viramos todos grandes
competidores. Se há em nós algo que se
incline naturalmente nessa direção, também
parece haver um exagero desta postura na
atualidade. Ninguém pode manter-se nessa
posição por muito tempo porque ela é
tensa, um competidor precisa estar sempre
em estado de alerta, pronto a revidar
qualquer ataque e defender a melhor
posição, com produção de adrenalina total.
Tempo integral de vigília, logo incompatível
com nosso equilíbrio orgânico e psíquico.

Talvez os nossos ancestrais, nas
cavernas, vivessem assim. Mas, não foi pra
dar um refresco que fundamos a nossa
civilização? Correr das feras era dureza, e
viver no Brasil de hoje, para grande parte
da população, não é mais fácil. É tenso,
instável e exige atenção redobrada.

Todas essas mudanças nas nossas
relações com o mundo nos põe em

120



constante questionamento sobre quem
somos e como viveremos amanhã, é um
estado de coisas realmente propício a
ansiedade pois fomos programados para
receber uma certa quantidade de estímulos
e não podemos suportar mais do que isso.
Não importa quanto a sociedade seja
exigente e até onde vá seu delírio sobre
super profissionais, super machos ou
fêmeas. Esse ideal fantasioso que extrapola
todos os nossos limites físicos e mentais é
uma insanidade coletiva.
Qualquer um precisa sentir-se
razoavelmente seguro em suas relações
com o mundo que o cerca para sobreviver e
manter-se saudável.

121



UMA TENTATIVA DE
DOMINAR OS INSTINTOS


As religiões serviram ao propósito de
difundir e impor os princípios da civilização
tal como se apresentavam em cada época.
Ou, como interessava a quem podia
determinar a ordem das coisas. Para obter
tal poder valeu-se de algumas ameaças,
mas, sobretudo da promessa de vida
eterna. Se tivermos que morrer, que nosso
desaparecimento ao menos não seja total.
Cada um de nós gosta demais de si mesmo
para pensar que simplesmente deixará de
existir e terá sido como se nada tivesse
acontecido, o mundo não sentirá nossa falta
e nossos sacrifícios e esforços terão sido
vãos.

Então, é uma boa idéia poder
continuar existindo de alguma forma,
mesmo quando não se tenha mais corpo,
talvez até seja melhor.

Ao nos dar essa perspectiva, a religião
conquistou grande poder e foi relativamente
fácil conduzir os destinos humanos. Coube a
ela dizer aos homens o que estava correto e
interpretar os desígnios de Deus. Uma
tarefa e tanto, convenhamos.

O catolicismo acabou abusando de
seus poderes e da paciência de boa parte
de seus seguidores. A reforma protestante

122



pretendia ser um alívio e uma libertação,
cada um podendo fazer seu próprio contato
com Deus e ser salvo a sua maneira, mas
os homens administram e criam as
religiões, e o poder é sempre sedutor, tende
a ser burocrático e inimigo da liberdade.

A religiosidade tem estado a serviço
do domínio dos instintos e da nossa
natureza animal, mal vista e considerada
pouco nobre. No entanto, sofreu das
mesmas doenças que costumam atacar
qualquer uma de nossas instituições, e
passou a ser questionada. Até porque, os
homens já cansados das renúncias
instintivas e pouco dispostos a continuarem
submetidos a sua costumeira rigidez.,
foram relativizando o poder das igrejas. Tal
como acontece com o indivíduo que se
torna adulto e começa a pretender tomar
suas próprias decisões.

Já que não acreditamos mais no
inferno e na danação eterna, é preciso
encontrar outras razões para agirmos
dentro de alguns princípios éticos que
permitam a convivência humana.

A maior destas razões pode ser que
queremos nos preservar. Atacar o outro,
seja de que forma for, resultará em algum
tipo de retaliação, se não mais de natureza
divina, proveniente da parte agredida ou
daquilo que a representa: a lei.

123



A outra razão para o comportamento ético é

o elo afetivo. Descobrimos, ao longo da
existência, que a maioria de nós sente
muito mais prazer quando se vê invadido de
sensações amorosas que de raiva. É mais
agradável o envolvimento amoroso.
Assim deveria ser, em condições de
normalidade. Claro que há quem sinta
prazer em sofrer e ou infringir sofrimento a
outrem, numa forma de perversão.
Estamos chegando à condições de
maturidade suficientes para sermos nossos
próprios pais e ditarmos nosso código de
comportamento, em relação ao outro e a
nós mesmos? Provavelmente já deveríamos
ser capazes disso por escolha amadurecida
Nesse sentido, a religiosidade deixa de ser
um modo de controlar o comportamento
humano para ser substituída pela ética
pessoal e coletiva, e o bem estar que
decorra de seu exercício.

Mesmo o que é impalpável deixou de
ser propriedade de qualquer religião,
passamos mais ao campo da filosofia e da
ciência ao investigarmos aquilo que não é
visível, coisas que mesmo impalpáveis
podem ser reais. Desta forma, até mesmo
nossas relações com o abstrato mudaram.
Agora, cabe a nós mesmos lidar com nossas
tendências instintivas e decidir em que
direção usá-las. Como extrair delas o

124



melhor proveito, para cada um e para
todos.

125



DOMÍNIO


Nas duas tendências em que se
dividiu o cristianismo ocidental, catolicismo
e protestantismo, lamentavelmente
mantivemos como tendência o desejo de
poder sobre o outro, seja ele um
estrangeiro ou um compatriota, de outra
cor, sexo, credo, ou classe social. As
religiões nunca deram cabo desta tendência
instintiva, nem as próprias igrejas jamais
estiveram livres do desejo de dominar,
ocultando-o sob a forma de obediência e
justificando das mais variadas formas a
presença de um desejo teoricamente
condenável. Nenhuma religião conseguiu
convencer definitivamente os homens da
igualdade entre eles. Há sempre um instinto
de domínio presente e a vontade de
conduzir as vidas alheias de acordo com
nossos próprios interesses.

Esse papel dominante costuma ser
mais desempenhado pelos machos da
espécie. Herança instintiva de um tempo
em que a força física lhes assegurava uma
posição de superioridade na hierarquia do
bando, relacionado à biologia. O macho é
mais agressivo e seu instinto de domínio,
mais forte.

As tentativas de aplacar tais impulsos
tiveram êxitos apenas parciais, e em geral

126



conseguimos apenas abrandar e disfarçar,
desviar e regulamentar esse poderoso
impulso. Ele a princípio servia à vida, a sua
preservação através da caça, da defesa e
da seleção genética.

O ideal civilizado é uma oposição a
esse instinto e, provavelmente este seja um
dos fatores que o tornem tão dificilmente
realizável.

Além das razões biológicas imediatas,
sempre teremos necessidade de
comparação e do julgamento favorável a
nós. Para tanto, sempre precisaremos
considerar alguém inferior e dominá-lo, já
sob o patrocínio do desamparo infantil.

Na medida em que o mundo se
democratizou, o racismo e a violência
passaram a ser moralmente condenados, as
mulheres e as minorias reivindicaram
posições de igualdade, então novas formas
de competição e domínio precisaram ser
criadas para satisfazer esse instinto.
Seremos superiores se formos os mais
malhados, os mais jovens, os que falam
inglês, os mais titulados, os que tem maior
poder aquisitivo, os mais sensuais, os mais
magros, os louros...Enfim, sempre há entre
nós humanos uma fantasia de seres
superiores, que em verdade não se sustenta
em outra coisa que não em nosso desejo de
sermos especiais.

127



Existem mil e um padrões que definem os
vencedores da competição. E, talvez a
maior evidência atual deste desejo seja o
modelo de economia.

Ficamos divididos entre nossa
consciência de grupo, nossos laços com os
demais e este poderoso impulso de sermos
melhores, representado a cada época por
uma simbologia específica. No fundo é um
descendente do instinto sexual, todos
querem ser os machos dominantes da
manada e não há nada mais caro a um
homem que sua masculinidade.

Somente um símbolo que a substitua
poderá apresentar-se a ele com igual valor.
Hoje é o dinheiro esse símbolo de poder,
que substitui a dominância física
garantidora de satisfação sexual pela força
econômica, que abre as portas do poder e
realiza todos os desejos. Inclusive os
sexuais pois, ser um grande acumulador de
poder continua atraindo as fêmeas e
correspondendo à imagem de força e vigor
que procuravam naqueles com quem
decidiam procriar. O macho fisicamente
mais desenvolvido dominava os demais e
era aceito como aquele que mais serviria
aos propósitos da espécie, transmitindo
seus genes.

Hoje o que tem mais dinheiro e poder
é, teoricamente o mais forte, o mais apto a

128



enfrentar esse mundo tal como o
construímos.

129



TIRANIAS


Elas podem ser internas ou externas e
facilitam-se mutuamente, tem ação de
reforço. Sempre parecemos precisar delas
pois, quando nos livramos de uma, logo
arranjamos outra. A sociedade atual, com
seu aparente liberalismo, continua
exercendo várias formas de tirania, a maior
delas talvez seja a ditadura econômica.

Os economistas terão mil explicações
para todo o desarranjo e a desigualdade do
planeta, mas são apenas discursos e, em sã
consciência, não se pode deixar de admitir
que deve existir alguma razão mais
profunda, inconsciente e portanto
desconhecida por nós, que nos leve a lidar
tão mal com a questão de distribuir
riquezas e viver em paz.

Acredito que, no cerne dessa
dificuldade, esteja o mesmo instinto que
produz dominação. Não quero aqui elogiar
nem atacar nenhum dos sistemas
inventados pelo homem para regular essas
relações. Todos de alguma forma se
revelaram falhos e precisaremos continuar
trabalhando essa questão, talvez por muitos
séculos ainda. O fato, que para essa análise
basta, é que o dinheiro é um meio de poder
e o veículo de tirania mais usado na
atualidade. Facilita a escravização humana,

130



a serviço mais do nosso sadismo que de
qualquer outra justificativa consciente que
tenhamos.

A competitividade coloca-nos na tensa
posição de ter de ser o melhor e alija-nos
do que há de agradável na convivência
pacífica. Cria, para nós mesmos,
verdadeiros infernos de esforço para
corresponder a essas expectativas que
assumimos como nossas, e incrementa
nossa sensação de solidão. O homem
urbano contemporâneo possui muito e vive
mergulhado em solidão.

131



VINCULAÇÃO AFETIVA


A espécie humana diferenciou-se, em
grande parte, através da vinculação afetiva.
Somos então divididos por uma
contradição: poucas outras coisas na vida,
ou talvez nenhuma outra, trazem tanto
prazer e sensação de plenitude quanto à
relação amorosa entre seres humanos, mas
também extraímos algum prazer do domínio
e da agressão.

Essa vinculação amorosa, como
também já foi dito, não precisa ser de
natureza sexual direta, podemos desfrutar
intensamente de nossas relações
interpessoais. Somos emocionalmente
dependentes disso e não há outro caminho
senão admiti-lo, respeitar essa necessidade
básica do homem. Pequenos atos do
cotidiano, como conversar agradavelmente
com um amigo, contém valioso componente
erótico.

Erótico vem de Eros, amor, escolhido
para representar o instinto de vida em
contraposição a tánatos, o instinto de
morte. Seríamos formados pela soma
destes instintos opostos e em cada uma de
nossas ações e desejos se pode identificar
uma mescla deles.

Importa, para fins de saúde, que
reforcemos o componente erótico de nossas

132



vidas em oposição ao que há em nós de
tanático ou destrutivo.

O instinto de vida quer somar,
agregar, construir e viver, o oposto é o
instinto de morte. Como disse, nossas
ações não contém puramente um deles,
mas uma mescla de ambos, importando
qual prevaleça. É melhor para nós que
prevaleça Eros, não por outro motivo que
não seja nosso próprio bem estar.
Eros acompanha-se de toda sensação de
prazer e vida, nunca nosso elo com a
existência é tão forte como quando estamos
envoltos nessa sensação de satisfação que
denominamos amor.

Todas as formas de tirania, ainda que
apareçam disfarçadas sob a roupagem dos
mais nobres ideais, estão
predominantemente a serviço de tánatos,
que é onde reside o medo e a angústia e a
perversão.

Se o homem governado por seu
inconsciente, como pode um cego guiar
outro?. E, em que consiste o valor de
dominarmos o que é externo a nós, se não
temos o domínio sobre nós mesmos?

133



RAÍZES DO DOMÍNIO


"Em 1912 concordei com uma
conjectura de Darwin, segundo a qual a
forma primitiva de sociedade humana era
uma horda governada despoticamente por
um macho poderoso. Tentei demonstrar que
os destinos dessa horda deixaram traços
indestrutíveis na história da descendência
humana e, especialmente, que o
desenvolvimento do totemismo, que
abrange em si os primórdios da religião, da
moralidade e da organização social, está
ligado ao assassinato do chefe pela
violência e a transformação da horda
paterna em uma comunidade de irmãos".

O texto acima chama-se "O Grupo e a
Horda Primeva", foi escrito por Freud e
pertence ao artigo Psicologia de Grupo e a
Análise do Ego.

Nele se pode descobrir interessantes
ponderações sobre a psicologia de grupo,
nossa necessidade de sermos orientados,
conduzidos, comandados por alguém a
quem consideremos superior. A forma como
nos sentimos atraídos facilmente por
indivíduos dispostos a exercer tal papel de
líder, e o quanto estes tendem a ter como
característica o narcisismo, ou seja :o amor
de si próprio, acima de qualquer outro.
Sentimos como especial e irresistível apelo

134



da imagem do homem apaixonado de si
próprio. Embora nos dias atuais tal faceta
precise ser mais discreta, já que gostamos
de pensar que estamos sendo conduzidos
por líderes bondosos e justos, muito
interessados em nós.

Tais personalidades, dotadas de
vaidade suficiente para o auto
enaltecimento despertam em nós admiração
e respeito tal como nosso pai, que um dia
nos pareceu todo poderoso e ideal.

E, assim como admiramos e seguimos
os preceitos ditados pelo pai dentro de uma
família, fazendo dele nossa referência,
também o grupo elege seus ideais,
personificados em seus líderes e ídolos, aos
quais tenta seguir e com quem se identifica.

No grupo, pode haver um
definhamento da mente individual e uma
perda do senso crítico. As figuras de líderes
e os ideais do grupo estão na mesma escala
de prestígio. Funcionam de uma forma
semelhante à hipnose, exercendo fascínio e
comando sobre nossos atos. É desta forma
que nos tornamos reféns dos ideais de
grupo e fascinados pela idéia do poder.
Assim, as raízes do domínio encontram-se
na admiração que temos pelo dominador, e
na secreta satisfação que encontramos em
nos identificar com ele.

135



LIBIDO, O ELO


"E, no desenvolvimento da
humanidade como um todo, do mesmo
modo que nos indivíduos, só o amor atua
como fator civilizador, no sentido de
ocasionar a modificação do egoísmo em
altruísmo."

Ed. Standard, vol. XVIII.

Segundo a hipótese acima, grupo se
uniria baseado no laço libidinal entre seus
participantes. O primeiro destes laços se
estabelece na infância e é forçado, ou
facilitado, pelo fato de sermos
absolutamente indefesos e dependentes. É
preciso que alguém mantenha-se
suficientemente interessado em nós para
prover nossas necessidades e manter-nos
vivos. Esse primeiro laço é, então, de total
dependência, e nele, em princípio,
desconhecemos a existência do outro como
um ser independente de nós. Supomos que
existe em função de ser nosso provedor e o
vemos com os olhos do interesse em obter
satisfação.

É inicialmente um amor egoísta e
movido pelo interesse de auto-preservação.
A medida que crescemos, desenvolvemos
consciência da existência do outro, um ser

136



amado e desejado que existe
separadamente. Forma-se a idéia de eu e
não eu.

Quando descobrimos a existência do
OUTRO, passamos a nos preocupar com sua
segurança e bem estar. Sua presença é
tranquilizadora e desejada e sua integridade
vital para nós. Ainda estamos atuando em
proveito próprio: esse alguém nos é muito
caro e perdê-lo seria doloroso e ameaçador.
Este fato representa um grande avanço no
desenvolvimento da psiquê, saímos de um
estágio anterior de nos considerarmos o
centro do mundo para o universo das
relações. E toda nossa existência será
assim, a menos que adoeçamos
mentalmente ou que alguma patologia nos
tolha por demais essa capacidade.

Se chegarmos a ser saudáveis o
suficiente para ingressar nessa etapa já
teremos cumprido importante parte de
nosso desenvolvimento.

Algum tempo depois passamos a nos
identificar com esse outro. Com a
maturidade nos tornaremos gradualmente
capazes de identificar seus estados de
espírito e de avaliar seu bem estar
comparando com o que sentimos, num
processo de empatia.
Aí já temos uma forma mais evoluída de
amor, em que tentamos proteger a quem
amamos, zelamos por ele e já somos

137



capazes de abrir mão de algum desejo em
seu favor. Seremos capazes, por exemplo,
de renunciar a um impulso agressivo para
não feri-lo.

Esse período do desenvolvimento
psíquico humano acompanha-se das
maiores aquisições de habilidades. Um
verdadeiro surto de desenvolvimento ocorre
na criança que vive essa fase. Desencadeia-
se o processo de aquisição da linguagem e
da marcha e acentua-se a capacidade de
imitar. A criança adquire independência
gradual a medida que se reconhece como
indivíduo.

Esse seria o desenvolvimento
desejável e correto da nossa capacidade de
relacionamento e auto-percepção. Mas, não
necessariamente ocorre assim e, na vida
adulta temos inúmeras oportunidades de
preservar a forma primitiva de ligação, em
que outro é visto como mera fonte de
satisfação sem que exista nenhum
reconhecimento de suas necessidades.

Em tal situação torna-se muito
dificultada a formação de grupo, cada um
verá o outro a serviço de si próprio e terá
dele uma visão parcial, já que só algumas
de suas características serão proveitosas e
não haverá genuína preocupação e
reconhecimento.
Numa relação em que os laços libidinais se
tenham desenvolvido satisfatoriamente, os

138



indivíduos terão alcançado este nível mais

amadurecido de percepção integral e
capacidade empática, segundo as
observações da psicologia do

desenvolvimento feitas pela escola inglesa.

139



IMATURIDADE


Na sociedade brasileira assistimos o
predomínio de um típico desenvolvimento
de relações imaturas, com a exclusão de
grupos. Há brasileiros relegados à condição
de seres inferiores que não merecem
oportunidades e respeito como os demais
cidadãos. Temos deles uma visão bastante
parcial que atende aos nossos interesses.
Por certo, tal estado de coisas só é possível
com o consentimento deles próprios, cujo
senso de identidade já parece, muitas
vezes, incluir um reconhecimento passivo

desta inferioridade, e a tentativa de
imitação do grupo social dominante é
freqüente.

Pelo mesmo processo de idealização e
identificação com quem está, em nosso
juízo, acima de nós, copiamos os modelos
estrangeiros, sem a auto crítica necessária.
Somos outro povo e temos outra realidade,
enquanto a desprezarmos continuaremos
buscando modelos, ao invés de resgatar
nossa própria riqueza e, nossas qualidades
serão mal desenvolvidas.

Sofremos todos deste sentimento de
inferioridade em relação aos que nos
parecem mais poderosos, e estaremos
sempre dispostos a encontrar alívio na

140



possibilidade de nos sentir-mos superiores à
alguém.

Esse é um processo universal. Todas
as culturas distinguem classes de cidadãos
e parecem ter essa necessidade de
estratificação. Algumas nações já levaram
ao extremo este desejo de superioridade
sobre outros povos, outras raças.

O não reconhecimento do outro
deve-se em grande parte a essa falha no
amadurecimento psíquico, que nos faz
conservar um estado de desproteção
primária.

É o medo de não sermos atendidos,
vistos e bem tratados pelo objeto do qual
esperamos essas condutas que nos leva,
originalmente ao desejo de domínio. Ele
próprio é um desejo de preservação da vida
de um indivíduo ou grupo, que sente o
outro como ameaça. Se a boa sorte nos
faltar poderemos morrer, e eles , os outros
bem podem ser os agentes de nossa
desgraça.

No desamparo da condição infantil
nascem as primeiras fantasias paranóides,
nos sentimos perseguidos por todo risco de
vida e dispostos a não corrê-lo, nem que
para tal precisemos eliminar outro.
Pressupõe que não sejamos capazes de
cuidar de nós mesmos sozinhos, e resulta
que somos ainda na vida adulta,
emocionalmente indefesos.

141



O medo pode levar a tentativa de
sujeição explícita do outro, pela força ou
pela sugestão, quando não de ambas as
formas.

Manter alguém dependente é uma
forma de garantir que a relação terá
continuidade nos termos por mim
desejados. Minar a auto confiança é uma
das formas de impedir o desenvolvimento
da independência.
Desenvolver um sistema de dominação
através do sentimento de culpa é outro
meio de manter alguém sob controle, esse
mais usado quando aquele que desejamos

manter sob nossa influência não se
sujeitaria por meio da força ou da
inferiorização.

Existem muitas formas de perpetuar
relações de dependência mas em todos os
casos, ainda que haja um indivíduo em
posição dominante, a dependência é
recíproca, pois alguém que tenha
desenvolvido um grau suficiente de
maturidade terá auto confiança suficiente
para dispensar qualquer laço que não se
estabeleça por razões de satisfação
recíproca e igualitária. O temor à
aniquilação e a não satisfação das nossas
necessidades infantis, leva ao intenso
desejo de domínio e controle.

O laço afetivo não suficientemente
sedimentado para garantir nossa

142



independência, subentende outra
possibilidade: a de que tentemos agradar
nos submetendo e correspondendo às
expectativas daquele cujo amor nos
interessa.

Quando estamos apaixonados somos
capazes de perceber tudo que de nós
espera o outro e tudo faremos para obter
uma reciprocidade de interesse. Assim
também na relação com os grupos
tendemos a idealizá-los se é para nós
importante pertencer Faremos tudo para
sermos a eles. Exaltamos seu valor e
turvamos nosso senso crítico em prol dessa
admiração. aceitos e assim nos
assemelharmos a isso que é por nós tão
valorizado. Nosso narcisismo, o amor de
nós próprios, nos leva a querermos
corresponder a esse ideal social.

Se tal estado pudesse ser substituído
por uma aceitação mais tranqüila do que
somos e não tendêssemos a desenvolver
relações dependentes, poderíamos nos
aproximar do outro de forma a estabelecer
uma relação de reciprocidade de satisfação.
Isso corresponderia a vermos o outro de
forma não fragmentada. Eu me relaciono
com o outro inteiro, posso perceber o que
sente e me preocupo com isso, pretendo
conquistá-lo mas não dependo de sua
aprovação para me manter vivo e com
minha auto estima preservada. Essa é uma

143



relação adulta e desejável, tanto no âmbito
pessoal quanto social.

144



MEDO


O medo é uma emoção. Apesar da
sua invisibilidade, são elas, as emoções,
que governam o mundo, ao lado da fome.
Partindo das emoções criamos nossas
fantasias e as lançamos ao mundo na forma
de comportamentos, conceitos e criações.
Baseados nelas criamos outro mundo para
nós que, dispensando muitas vezes a
realidade biológica, pretende impor-se
sobre tudo e todos, parecendo desconhecer
limites e, às vezes desprezar o princípio de
realidade

Realmente adoramos pensar em nós
mesmos como super alguma coisa, cai bem
para a nossa vaidade acreditarmos que
somos poderosos e que seremos ainda mais
se nos comportarmos desta ou daquela
forma.

Há cada vez mais técnicas para
desenvolver super habilidades e muitas
publicações e linhas de pensamento
atuando em sinergismo com essa
valorização de nossos poderes. É
perfeitamente compreensível que alguém
que se sente no fundo frágil e teme o
amanhã como tememos, busque meios de
superar-se e de negar as condições
desfavoráveis da existência. Mais tentador
fica se pudermos conseguir isso de uma

145



forma fácil, que não exija muito tempo nem
esforço de auto conhecimento e
aperfeiçoamento. É bastante útil para lidar
com o medo.

Isso serve muito a um tipo de
desenvolvimento egoísta que me diz que eu
preciso dedicar-me ao desenvolvimento de
meus super poderes e então serei um
vencedor e quem não chega a isso, o faz
por incapacidade e merece realmente ser
relegado a um segundo plano.

A cultura atual é marcada pelo
egocentrismo, baseado no que, podemos
dizer que tem traços claramente infantis.
Um desses traços é a prevalência da
insegurança, do temor pela vida que nos
torna cada dia mais interessados apenas em
nós mesmos. Somos uma cultura medrosa
e que esconde o seu medo mediante a
adoção de imagens de superioridade e força
ilimitada. É sabido que a paranóia disfarça
seu medo sob uma delirante idéia de poder.
Nos nossos delírios, desconhecemos a
realidade que já existia muito antes de
inventarmos a nossa. Podemos perceber
isso na pretensão delirante que
desenvolvemos de poder alterar tão
substancialmente o meio ambiente e nossa
biologia, com a ingênua perspectiva de que
a natureza acabaria se rendendo aos nossos
desejos. Sonhamos poder prescindir dela,
esquecemos até que precisamos respirar.

146



O mundo que criamos devasta qualquer
coisa que se oponha a ele, incluindo nós
mesmos. Passamos a fazer um enorme
esforço para passar por cima de nossa
natureza todos os dias. Existem delírios
pessoais e coletivos.

147



QUESTIONANDO
E AMADURECENDO


Há algum tempo ninguém podia
reclamar, a realidade cultural era
indiscutível. Quem discutisse era louco. Se
alguém não compartilhava da visão dos
demais: louco! Ou subversivo, mas de
qualquer forma perigoso. E, obviamente
ninguém queria para si tal diagnóstico e o
estigma contido nele, o banimento da
sociedade.

Hoje temos maior liberdade para
discutirmos nossos valores e decisões,
especialmente quando a educação permite

o desenvolvimento de uma consciência
crítica. Gradualmente percebemos a
importância de abrir espaço para o

questionamento, inda que isso varie de
sociedade para sociedade.

Temos acesso a tantas informações
que nossas crenças não obrigatoriamente
precisam ser iguais as de nossos pais ou de
qualquer grupo a que pertençamos. Mesmo
existindo uma pressão no sentido da
uniformidade de comportamento, o meio
social já permite mais a diferença. Há uma
tolerância maior e um trânsito mais livre
pelas idéias. O cidadão que tem acesso à
informação pode escolher em que acreditar
ouvindo várias versões e escolhendo a que

148



lhe pareça mais correta. Este é um
significativo avanço, por um lado pode ser
até um pouco confuso, mas é mais
democrático pelo menos, e tende a ser
menos delirante.

Poder questionar é vital para o
espírito da civilização na medida em que
amplia a consciência. Sanadas nossas
dificuldades imediatas de sobrevivência,
passamos a desenvolver outras
necessidades e estas vem a constituir a
cultura. Tudo o que fazemos para lidar com
nossos afetos, criar e nos organizar como
grupos.

Somos seres inquietos e curiosos, o
que permitiu um significativo crescimento
de nossos conhecimentos a cerca do mundo
em que vivemos e o desenvolvimento da
ciência e tecnologia.
Mas, basta ver o quanto avançamos em
áreas como a física e a genética, por
exemplo, e contrapor esse avanço com o
extraordinário atraso verificado em
situações cuja questão é o homem e a
ética. Muitas tragédias humanas nascem na
falta de condições econômicas e de
educação mínimas, outras nas velhas
questões de poder. O que talvez venha a
ser a mesma coisa.

O desenvolvimento do planeta não é
homogêneo, avançamos com enormes
disparidades, à medida em que a educação,

149



que é afinal o que vem a produzir
humanidade e nos distanciar da
irracionalidade, vai se alastrando, a
consciência da espécie tende a despertar. É
até compreensível que o planeta passe por
esse aumento nos casos de depressão.
Obviamente, quanto mais tomamos
consciência do que somos e como vivemos,
mais evidente fica esta diferença entre
como as coisas são e como deveriam ser.
Em muitos momentos uma expansão da
compreensão envolve o processo de
entristecer-se. Que pode aliás, ser positivo,
não na medida em que paralise, mas que
nos faça ver o que efetivamente se passa à
nossa volta, nossas responsabilidades e os
erros contidos nessa leitura da realidade.

A dor psíquica é também um sinal de
alerta, tal como a física. A dor que sentimos
em nossos corpos nos avisa que algo está
errado e é considerado um alerta defensivo,
agindo a nosso favor. A dor que sentimos
na alma pode ser um aviso de que algo não
anda bem e servir à mudança.

Assim como em nosso
desenvolvimento individual passamos por
uma fase depressiva, também como espécie
podemos estar enfrentando semelhante
crise. É justamente ao atingir a etapa
depressiva que a criança toma pleno
conhecimento da existência do outro e,

150



paralelamente, faz seus maiores
progressos.

Talvez se possa dizer que é aí que
nasce a ética, já que ao adquirirmos a
consciência do outro, separado de nós,
renunciamos ao nosso egoísmo original,
onde nos considerávamos o centro do
mundo e a sua razão de ser. É doloroso, de
certa forma, porque perdemos a ilusão de
que todos os nossos desejos existem para
ser satisfeitos e aprendemos a lidar com
frustração, renunciar e esperar. Mas é
também a oportunidade de desenvolvermos

o vínculo amoroso real, aquele que não se
baseia apenas na nossa gratificação.
151



LAÇOS E EQUILÍBRIO


O laço afetivo é oportunidade de
desenvolver em nós o que é humano, no
sentido modificado que o ideal da civilização
representa. Nasce daí nossa capacidade de
empatia, que seria em ultima instância o
patrocinador da ética. Se o laço não é
adequadamente formado e não adquirimos
essa habilidade de reconhecer o outro,
nenhum de nossos impulsos mais egoístas e
agressivos pode ser freado. Não há o
desenvolvimento da culpa que aqui refere-
se ao pesar pelo dano que causamos a
quem nos é caro.

Se não desenvolvemos a capacidade
de nos ligar libidinalmente a alguém, aquilo
que chamamos amor, nenhum pesar será
possível já que os demais nos serão
indiferentes. Só o temor de uma retaliação
pode ser o freio, resultando num estado de
coisas mais primitivo e distante do que
pretende a civilização, em termos ideais.

Desenvolver esse laço afetivo é nossa
maior aquisição, no sentido de nos
tornarmos humanos e é, ao mesmo tempo,

o maior alimento de nosso psiquismo.
Receber cuidados e atenção amorosa nos
leva a desenvolver um apego tal, que dirige
nosso ser para o outro, cria em nossa vida
a sua presença e organiza nosso caos
152



interior, preenchendo nossos vácuos, e
estabelecendo a confiança que nos salva do
desespero.

O não estabelecimento desse vínculo
pode levar à morte, à doença mental em
seus mais variados níveis de gravidade,
incluindo a sociopatia. Um homem não
existe sem o outro, e talvez precise desse
elo mais do que qualquer outra espécie.

Perceber que a doença mental
passava por estas relações interpessoais,
sua importância decisiva para a saúde ou
enfermidade foi um mérito inegável de
Freud

Claro que era mais fácil, e pode ser
ainda hoje, atribuir todo desequilíbrio e
sofrimento mental aos azares da biologia.
Olhar para nossas relações interpessoais e
sociais, nossos parâmetros serem colocados
em discussão, é mais complicado, mexe
com a estrutura de muitas coisas que afinal
não sabemos como mudar ou tememos
fazê-lo.

Não há dúvidas de que se pode
encontrar uma predisposição genética para

o desenvolvimento de uma ou de outra
doença mental, porém colocar toda a
explicação na biologia negando a influência
do meio, é um mecanismo arriscado.
Do equilíbrio de nossas relações
afetivas e da capacidade, à partir daí
desenvolvida, de confiar e interagir,

153



depende a saúde mental humana. Simples,
básico, mas bem difícil de ser posto em
prática. Muitos complicadores surgirão ao
longo da vida, porém nossa capacidade de
reagir a eles será sempre diretamente
proporcional às experiências de gratificação
amorosa e confiança que tenhamos tido.

Uma ressalva: quando falo relação
amorosa na educação, está incluída a
colocação de limites que posteriormente nos
capacitará a abrirmos mão daqueles
impulsos e condutas que se mostrem
incompatíveis com a convivência entre nós.

154



A QUESTÃO DO MEIO TERMO


Há alguns críticos da evolução dos
costumes, da psicologia aplicada aos
relacionamentos, transformação das
relações familiares e sociais no sentido de
uma maior liberalidade. Saímos de uma
rigidez absoluta de comportamento onde
nada podia ser questionado, a lei e a ordem
vigentes em cada grupo deviam ser
energicamente impostas sobre todo e
qualquer interpretação ou desejo pessoal.
As relações familiares baseavam-se na
autoridade inquestionável dos pais. Castigos
físicos, as vezes extremos, eram
justificados e tidos como necessários. A
sexualidade era totalmente vigiada, as
relações sociais tão padronizadas e
imutáveis que perdia-se a espontaneidade.
Um sistema de castas, assumido ou velado,
condenava os talentos da pobreza à
obscuridade.

Muitas eram as distorções e as
amarras deste tipo, e a análise de seus
pacientes levou Freud a denunciar tal
rigidez como parte do adoecimento
psíquico.

Pela primeira vez falou-se tão
abertamente em sexualidade, emoções,
desejos, necessidades, impulsos. Tivemos
nossas entranhas como espécie mapeadas,

155



ficamos nus diante dessa ação denunciante
da psicanálise. Por isso ela foi muito mal
recebida num primeiro momento, com sua
irritante disposição para discussão das
verdadeiras motivações e necessidades
humanas.

A psicanálise e suas idéias tiveram um
impacto significativo no curso dos
acontecimentos deste século que passou.
Talvez ela própria tenha sido o resultado de
uma onda de pressão por estes
questionamentos e uma reformulação no
modo de vida. E, em sua análise da
convivência humana, já antevia o mal estar
que hoje vemos tão claramente instalar-se
na civilização.

Além de seus temas angariarem
pouca simpatia num mundo pouco disposto
ao questionamento, contou com o
desfavorecimento de lidar com temas tão
abstratos como as emoções. Elas não são
mensuráveis e por mais escrupulosas que
tenham sido as análises que conduziram ao
desenvolvimento de suas teorias e técnicas,
jamais gozou do status de ciência,
permanecendo com o título de doutrina
científica.

Mesmo assim, aos poucos ganhou o
mundo, ampliou-se o número de estudiosos
do tema comportamento humano, seu
desenvolvimento e funcionamento mental

156



do homem, com todas as suas
complicações.

Fomos aos extremos e uma onda de
liberação de desejos varreu o mundo.
Estamos em fase de experimentação,
colocamos muitos conceitos abaixo e
continuamos procurando novas posturas
mais saudáveis. Talvez todas estas
experiências nos coloquem em posição de
chegar a uma condição intermediária.

Crianças precisam de amor e
tolerância, castigos físicos e maus tratos
criam adultos inseguros e violentos. Mas
crianças precisam de limites, de bons
exemplos mais do que discursos, e de
alguma disciplina.

Por algum tempo pensou-se que a
psicologia pregava uma atitude tão liberal
na criação de nossos filhos, que não exigiria
qualquer imposição de limites, que seria
traumática. Um afastamento absoluto da
posição anterior em que os pais estavam
investidos de todo poder e do direito de
exercerem seu sadismo e descarregar sua
agressividade nos filhos.

O que se buscava criar, no entanto,
era o exercício de uma paternidade
responsável, onde houvesse espaço para
uma mais livre expressão da afetividade.

Uma grande conquista da humanidade
foi o direito de decidir se deseja ter filhos e
quantos. Isso é fundamental na idéia de

157



paternidade responsável. Ninguém, rico ou
pobre, deveria Ter filhos pelos quais não
pretenda responsabilizar-se. Não se trata de
pretender impedir ninguém de procriar.
Trata-se do investimento na idéia de que

somos responsáveis por aqueles que
trazemos ao mundo, independente de
classe social ou faixa etária a que
pertençamos.

Essa questão da faixa etária é
também interessante. Se antes a virgindade
era uma imposição absoluta, não estaremos
hoje presenciando uma exposição massiva e
precoce ao erotismo? E não será verdadeiro
que esta exposição se dá antes que o jovem
possa ter uma real noção de sua capacidade
de procriar, e maturidade para lidar com
ela? Por que nós temos tantas adolescentes
grávidas? E por que esse número vem
crescendo? Isto não é justo, nem com elas
nem com seus filhos.

Também aqui teremos que encontrar
um meio termo, orientando os jovens para

o exercício de sua sexualidade sim, mas
com respeito a si próprios e à possibilidade
de gerarem filhos. Tratar com naturalidade
o sexo, não implica em negar os riscos de
seu exercício. Também não implica em
submeter crianças ao risco da estimulação
sexual precoce.
Mas, nada parece tão difícil para a
humanidade quanto o tal caminho do meio.

158



Temos a tentação de escolher entre os
opostos, que deriva da necessidade de
estarmos certos, e os que defendem outro
ponto de vista, evidentemente estarão
errados.

O homem divide o mundo em céu e
inferno, santo e promíscuo, bem e mal,
preto e branco, rico e pobre, esquerda e
direita...Não conheço nenhuma fórmula
mais eficaz de emperrar o desenvolvimento
de qualquer indivíduo ou nação do que
posturas extremas, fechadas para a dúvida
e o questionamento. Sem eles não
poderemos jamais descobrir onde reside o
equilíbrio das coisas.

Outrora o comportamento social foi
absolutamente engessado sob rígidas
normas. Abolimos grande parte delas e
conseguimos ficar, em alguns aspectos,
mais livres, mas não ficamos também mais
"mal educados"? Seria realmente necessário
abolirmos os pedidos de desculpas, licença,
agradecimentos e gentileza em geral?
Felizmente, um número crescente de
pessoas vem se dando conta disso e
começa a voltar o interesse pelas chamadas
boas maneiras. Por algum tempo, ser bem
educado pareceu ser o mesmo que estar
numa posição de submissão. Que bom se
pudéssemos nos resgatar desse engano e
voltar a uma certa elegância no ato de
conviver.

159



Tornarmo-nos mais liberais e críticos
em relação ao mundo não implica em
agirmos movidos por impulsos,
desconhecendo quem está ao nosso lado,
ao contrário, o espírito da coisa era outro,
era estabelecermos novas regras mais
compatíveis com nossas necessidades, mais
justas e eficazes em promover nossa vida
em sociedade. Não era para liquidar com
todas elas e decretar que cada um esta por
sua conta e risco, sem limites para a
satisfação.

Outro exercício que parece necessário
é repensarmos a velhice. Há algumas
décadas a idade mais avançada
relacionava-se com o poder. Os mais velhos
tinham poder de decisão maior que os
jovens, conferido pela experiência de vida.
Ser velho já traz em si seus inconvenientes,
falta o vigor físico e a mente ágil da
juventude. E ainda mais, será que
precisaremos todos ser descartados como
obsoletos daqui há algum tempo? O
envelhecimento traz uma lentificação
natural, que de forma alguma está sendo
compatível com a velocidade dos dias
atuais. Teríamos que providenciar para que
todos pudessem viver no seu próprio ritmo,
sem imposições que não encontram
correspondência em nossa realidade física.
Nas chamadas culturas primitivas o velho
ainda tem importância. Com o

160



conhecimento baseado na vivência e sendo
transmitido de geração à geração, de forma
predominantemente oral, o velho pode ser
útil. Hoje, no nosso meio, ninguém está
precisando de velhos para contar estórias, o
saber é registrado e transmitido de outras
formas e a velocidade com que avança o
tipo de conhecimento em que estamos
interessados, faz com que facilmente
fiquemos defasados.

Como não dá para permanecer jovem
indefinidamente, embora esse seja um dos
mais acalentados sonhos, parece melhor
que comecemos a tratar de encontrar um
modo de vida adequado e respeitoso para
conosco mesmos que, mais dia menos dia,
seremos velhos.

Temos que descobrir alguma
satisfação em envelhecer, nem que
tenhamos que aprender com as chamadas
culturas mais primitivas. Afinal, não é fácil
deixar de gozar de uma posição de respeito
e autoridade no grupo social, para passar à
outra tão indesejável quanto o lixo atômico.

161



MUDANÇAS X PROGRESSOS


Assim como no assunto envelhecer
houve mudanças, mas não necessariamente
progressos, em outras áreas tivemos
grandes alterações de comportamento, mas

o avanço real no sentido da promoção e do
respeito a pessoa é duvidoso.
A mulher que não tinha seu direito ao
exercício da sexualidade reconhecido, não
chega a encontrar-se hoje em situação tão
mais privilegiada. Passou a ser mais
explorada sexualmente e menos respeitada
em seu ritmo biológico. A sexualidade
feminina difere da masculina em muitos
aspectos e ignorar as diferenças é um ato
de desrespeito.

Saímos da privação do prazer para a
obrigatoriedade dele, com o mito da
sensualidade exacerbada, produto de
consumo de massas. Mulheres precisam
estar sexualmente disponíveis e, além de
desempenharem vários outros papéis,
precisam ser super fêmeas e ainda, muitas
vezes, desconhecer sua natural inclinação
ao romantismo.

Tenho me perguntado se o
comportamento sexual atual, que
seguidamente separa as correntes afetiva e
física da sexualidade, não é, no caso
feminino, mais discurso que convicção.

162



Cada relação que iniciam, na maior parte
das vezes traz consigo uma expectativa
amorosa, esperam que daí surja um
relacionamento afetivo estável e
satisfatório. Essa expectativa não tem
encontrado correspondência nos homens,
menos fixos, que se mostram mais
propensos a deslocar sua libido de um
objeto ao outro sem grandes complicações.

A maturidade sexual pressupõe a
capacidade de direcionarmos a uma mesma
pessoa as correntes afetiva e sensual . Ou
seja: podermos sentir desejo sexual e nos
ligarmos afetivamente a quem o desperte.
Em alguns momentos parece que apenas
trocamos de inibição, estamos menos
hábeis em estabelecer a ligação afetiva;

sobre o afeto parecem ter recaído as
repressões que outrora se dirigiam a
corrente sexual direta.

163



EDUCAÇÃO


O ATO DE EDUCAR CONSISTE
BASICAMENTE EM TRANSMITIR
CONHECIMENTOS E VALORES QUE POSSAM
SER ORIENTADORES DE UMA CONDUTA

SAUDÁVEL, E PERMITAM O
DESENVOLVIMENTO DE TODAS AS
POTENCIALIDADES DE UM INDIVÍDUO.

Tal processo se dá através, ou à partir,
do vínculo afetivo desenvolvido entre as
partes. Ele nos confere autoridade de guias
para que, eventualmente, façamos as
necessárias correções de rota; coibimos
condutas não desejáveis, estimulando as
que nos pareçam mais adequadas. Por
condutas não desejáveis, entendemos
aquelas lesivas ao próprio indivíduo ou a
outrem.

"É impossível fugir a impressão de
que as pessoas comumente empregam
falsos padrões de avaliação- isto é, que
buscam poder, sucesso e riqueza para elas
mesmas e os admiram nos outros,
subestimando tudo o que verdadeiramente
tem valor na vida".

O Mal Estar na Civilização, Standard Ed.
Vol.XXI .

Este é um comentário que questiona
profundamente nossa capacidade de acerto

164



nas escolhas. Quanto mais complexos
fomos ficando e mais complexa tornou-se
nossa realidade cultural, naturalmente,
tornou-se também mais confusa.

Há coisas que nos cercam e que
percebemos com os sentidos, fazem parte
da natureza, algumas delas sentimos como
estimulação interna, fazem parte das
nossas necessidades como seres vivos.
Esses são aspectos de uma realidade que
independe da nossa vontade. Além dessa,
há toda uma realidade feita de conceitos,
que se organiza na mente humana e é
lançada ao exterior na forma do que
denominamos cultura.

O homem cria, logo existe. Cria coisas
materiais e conceitos, abstrações. Aliás, cria

o material à partir da observação da
natureza e de uma posterior abstração.
Imagino que as dificuldades tenham se
intensificado quando paramos de olhar a
natureza e perdemos o ritmo das
abstrações.
Muito do que criamos e

transformamos em de verdades, padrões
ou conceitos, podem ser imensos equívocos
e gerar situações absolutamente distorcidas
e patológicas, embora sejam reconhecidas
como realidade para a maioria das pessoas.
Não é muito difícil vender uma realidade a
alguém. Isso se dá essencialmente pela
educação e pela propaganda (derivada da

165



primeira), podendo também dar-se pela
imposição e o medo.
Portanto, qualquer loucura ou absurdo,
pode vir a tornar-se realidade, desde que se
consiga convencer um número suficiente de
pessoa.


A educação deve ser capaz de formar
um indivíduo com suficiente senso crítico,
que o torne apto a defender-se de nossas
eventuais imperícias na apreensão da
realidade. Nisso reside a expectativa de
progresso da humanidade.

166



LIDANDO COM A ANGÚSTIA


Freud, em l927, ao escrever O Mal
Estar na Civilização, já havia passado por
uma guerra e alguns maus bocados em sua
vida, inclusive perdeu um filho nesse
conflito. Suas conclusões muitas vezes
traduzem amargura em relação ao
comportamento humano e à vida em si.
Descreve a vida que nós homens
encontramos ao nascer, como algo árduo
demais para a maioria de nós. Fonte de
sofrimentos, decepções e repleta de tarefas
impossíveis. Deste modo, conclui que não
resta ao homem senão desenvolver
algumas medidas no sentido de "tirar luz de
suas desgraças".

Trata-se de duas classes de medidas:
as mentais e as químicas. Todas duas

trabalhando com uma tentativa de
transformação da realidade, ou da
percepção que dela temos.
As mentais levam-nos à
engenhosidade de buscar o prazer em

atividades como a ciência, ou mais simples,
como "cultivar um jardim".

São medidas que tentam minorar o
sofrimento inerente à vida e, delas se vale o
homem desde seus primórdios, buscando
reduzir a angústia e dar sentido a seu viver.

167



Precisamos crer que tais alternativas
venham surtindo algum efeito, e cada
geração traga em si um nível crescente de
auto estima, a ponto de reivindicar e buscar
construir para si uma melhor qualidade de
vida. Avançamos, no sentido da produção
de riquezas materiais, e daquilo que é útil à
vida humana, a um ponto em que já
teríamos meios de providenciar para que
todos tivéssemos nossas necessidades
básicas supridas.

Encontramos o artifício de produzir
cultura para ocupar nossas mentes
inquietas, produzimos trabalho em
quantidade suficiente para criar todo um
universo, só não avançamos o suficiente no
desenvolvimento das relações humanas.
Talvez por isso continuemos tão expostos a
angústia.

O sentido da vida, qual seria? A
resposta de Freud é bastante óbvia:
felicidade. Afirma que o sentido da vida é o
princípio do prazer, afastar-se da dor,
aproximar-se do que é prazeroso. Ocorre
que, segundo ele mesmo descobriu, no
homem esse princípio deixou de funcionar a
contento.

Escreveu outro artigo intitulado "Além
do Princípio do Prazer", onde descreve
como as atividades humanas estão indo em
direção contrária a esse princípio da
natureza.

168



Desta forma, parece-lhe inevitável
deduzir que a felicidade é algo
absolutamente utópico e improvável,
realizável apenas de forma episódica e de
preferência ligado ao contraste, a satisfação
abrupta de intensas necessidades.
Talvez nossa falta de habilidade para atingir
um estado duradouro de satisfação resida
justamente na forma como a
compreendemos.

A mente oriental apresenta algumas
diferenças em relação à ocidental. Tenta ser
mais calma, ir mais devagar,
desenvolvendo uma sabedoria de quietude
e disciplina para defender-se do sofrimento.
Seu conceito de felicidade parece diferir do
nosso, e aproximar-se mais de um estado
de tranqüilidade do que de uma sucessão
de prazeres.

Suas filosofias buscam exatamente o
equilíbrio interno, eles não desconhecem o
poder da mente para criar situações
desagradáveis e enfermidades físicas.
Tentam treiná-la numa direção pacificadora,
pretendendo desfazer-se do ilusório para
atingir algo mais duradouro.

Trata-se, tanto o modo ocidental
quanto oriental de viver, das tentativas de
encontrar um estado de estabilidade, que
poderia ser definido como saúde mental,
onde predomine o bem estar. São caminhos
diferentes com um mesmo objetivo.

169



As duas são formas de buscar a
reconciliação com o princípio do prazer,
perdido ao longo de nossa caminhada
evolutiva. Alguns orientais parecem ter
adotado uma forma mais discreta de
persegui-lo, com a elegância e a prudência
de um felino, enquanto o ocidental é mais
afoito, agindo mais impulsivamente. Tais
diferenças talvez se possa colocar na conta
da idade de cada civilização, seríamos como
adolescentes.

Dentro da análise do estado de
equilíbrio nervoso em qualquer organismo
vivo, podemos perceber que ele se move
dentro de um princípio de economia de
estímulos, sente apenas suas necessidade
físicas, responde à elas e presta atenção ao
meio. Não há nenhuma forma de super
estimulação espontaneamente buscada. Na
natureza a mente prefere o silêncio.
Possivelmente isso guarde alguma relação
com o desejo oriental de aprender a manter
a mente em estado de quietude e o prazer
que nisso encontram.

Voltando a análise do artigo, segundo
Freud o sofrimento nos ameaça de três
direções: primeiro nosso corpo, sujeito a
diversos males e fadado ao declínio e a
morte; depois das forças relativas ao
mundo externo que nos são desfavoráveis
e, por último, o sofrimento a nós imposto
pelos outros homens. De todas as formas

170



de sofrimento a que estamos sujeitos,
identifica a que se origina em outro ser
humano como a mais difícil de lidar. Temos
avançado, embora não tenhamos um
domínio absoluto que nos livre de
catástrofes naturais, do envelhecimento e
das doenças, lidamos melhor com tais
situações.

Resta-nos amenizar o sofrimento que
um indivíduo cause a outro, já que esta tem
realmente sido nossa maior fonte de
desprazer.
"...O sofrimento que provém dessa última
fonte talvez seja mais penoso do que
qualquer outro."

171



O LADO TÓXICO DOS
PROCESSOS MENTAIS


É INTERESSANTE AQUI RESSALTAR
OS COMENTÁRIOS DO AUTOR SOBRE A
POSSIBILIDADE DAS EMOÇÕES
PRODUZIREM EFEITOS TÓXICOS:

"...É EXTREMAMENTE LAMENTÁVEL
QUE ATÉ AGORA ESSE LADO TÓXICO DOS
PROCESSOS MENTAIS TENHA ESCAPADO
AO ESTUDO CIENTÍFICO.'

Isto foi escrito em l927, de lá para cá
muito se descobriu em termos de relacionar
substâncias químicas a estados de humor e
alterações de comportamento e percepção.

O curioso é que, ao descobrirmos tais
substâncias, as tenhamos colocado como
causadoras de tais enfermidades ou
distúrbios, sem correlacioná-las às
emoções. Quer dizer: colocamos as
substâncias como produtoras da emoção
penosa, retirando de cena as relações
interpessoais, que são onde se originam as
emoções.

Se substâncias podem produzir
emoções, o que parece enunciado na
afirmação de Freud é que o contrário pode
ser verdadeiro: emoções produzem
substâncias tóxicas.

172



Após um período em que se julgou possível
tratar alguns quadros depressivos apenas
com a correção química do déficit de
neurotransmissores, alguns psiquiatras
começam a falar do risco desse
procedimento, fazendo reviver a eficácia e
necessidade da abordagem dos aspectos
emocionais.

Quando o sofrimento nos alcança
desde a direção do outro, e atinge uma
intensidade tal que nisso fique retida nossa
energia, tendemos a buscar caminhos para

o afastamento da realidade. Isso
subentende que, no estado natural das
coisas, o que nos liga realmente ao mundo
é o interesse pelo outro. Quando há uma
falha mais profunda nisso, produzem-se em
nós emoções tóxicas. Nesse caso, a
realidade passará a nos interessar menos, a
ponto de desejarmos nos afastar, afinal é
nela que localizamos a fonte do nosso
desconforto.
Tomamos então dois prováveis
caminhos: o afastamento físico e o químico.
O primeiro representado pela tendência ao
isolamento e o segundo por substâncias que
nos desconectem de uma realidade
desfavorável.

Podemos buscar de vários modos
alterar a toxicidade causada por alguma
emoção. Usamos freqüentemente uma
forma química de neutralizar os efeitos de

173



uma outra reação química, produzida
endogenamente através da emoção.

Trabalhar com as emoções, no intento
de reduzir ou extinguir sua toxicidade é um
caminho que não pode ser dispensado.
Quando a gravidade do processo emocional
compromete a qualidade de vida e o
comportamento, modificá-lo através de
substâncias químicas exógenas só é
possível até certo ponto. Mascarar os
sentimentos, ao invés de chegar a elucidá-
los é, na verdade, um prejuízo ao paciente.
É compreensível que alguém que sofre
busque alívio rápido para sua dor, não
importa se é de natureza física ou psíquica.
Lamentavelmente, a idéia de que todo
sofrimento deriva apenas de um
desequilíbrio biológico tem sido uma
posição freqüente em correntes das ciências
que se ocupam da saúde mental. O paciente
aceita esta posição cômoda e prefere
manter-se indefinidamente usando
substâncias capazes de alterar a percepção
de seus sofrimentos, atenuando-a, a ter
que se encontrar com suas motivações
emocionais profundas. Por tais razões, é
necessário distinguir entre condições
crônicas que necessitarão de intervenção
química mantida, e outras que podem
beneficiar-se do uso de medicamentos
temporariamente, enquanto se providencia

o tratamento das emoções.
174



Talvez pudéssemos acrescentar uma
terceira reação à decepção, a agressividade.
A agressividade natural é, em princípio
defensiva, portanto seria de esperar que, ao
nos sentirmos agredidos por algum ponto
da realidade nos tornemos agressivos.

A própria depressão pode começar a
se manifestar por um aumento da
agressividade e posteriormente evoluir para
a apatia e a retirada do interesse do mundo
externo. Em determinado ponto da
evolução, um quadro depressivo não
apresenta agressividade visível, ela está
toda dirigida ao próprio indivíduo. O
extremo desta agressividade auto dirigida é

o suicídio, afastamento definitivo da
realidade.
Também outra patologias apresentam
um aumento da agressão, auto ou hetero
direcionada, como resposta ao sofrimento e
aos desequilíbrios químicos.

Embora tal sofrimento seja atribuído a
uma percepção equivocada do mundo,
temos de reconhecer que em muitos casos,
senão em todos, podemos identificar uma
fonte de sofrimento real que participa no
processo de alteração de comportamento.
Muitos dos sintomas da loucura são
realizações fantasiosas de desejos ou
revivências de situações traumática. O
medo é uma emoção muito presente na
loucura, mais do que todas as outras talvez,

175



e explica a agressividade exacerbada dos
quadros psicóticos.

A agressividade é uma forma de que
se lança mão, na tentativa de lidar com o
sofrimento.

É possível que o que decida se vamos
ou não adoecer mentalmente, seja nossa
predisposição genética mais a sensibilidade
de cada um ao sofrimento e sua capacidade
de percebê-lo. Este pode ser um longo
caminho que termine por realmente turvar
todo juízo de realidade, com o
desenvolvimento de idéias delirantes que se
organizam na forma de pesadelo. Um
pesadelo que se vive acordado.

Se a loucura for um último e
desesperado ato de fuga e distanciamento
do que, no mundo produziu a dor,
encontra-se na situação de um lamentável
engano. Nada mais do que tenha visto
assemelha-se mais à descrição do inferno,
que a angústia, a loucura e a violência
descontrolada.

Evidentemente tal fuga não poderia
ser voluntária, ou cairia numa situação de
fingimento. A loucura é bem menos
agradável do que possa fazer supor a figura
do maluco beleza, ele é um maluco mais
esperto, que se defende do mundo criando
seu próprio código de comportamento e
vendo o que se passa em torno com o riso
do estrangeiro, que não tem os mesmos

176



compromissos e a paixão que nos torna, às
vezes risíveis figuras.

O louco de verdade é bem menos
capaz de se defender, na verdade caiu
numa rede de sonhos em plena vigília e
encontra-se na situação de um prisioneiro,
ou pior, já que o prisioneiro ao menos ainda
guarda algum controle sobre seus
pensamentos.

Mas esse tipo de doença mental, que
apresenta tão alto grau de distorção de
percepção e tamanhas alterações de
comportamento é relativamente raro.. O
que mais afeta as pessoas são pequenos
grandes distúrbios em que a apreensão da
realidade fica parcialmente deformada,
toma a forma de sintomas neuróticos. Eles
podem passar despercebidos e até ser
reconhecidos como naturais ou desejáveis
pela sociedade.

Afinal, todos temos de lidar de alguma
forma com nossas emoções tóxicas, e um
pouquinho de loucura todos são capazes de
perceber em si mesmos.

Da forma que se dá o
desenvolvimento emocional do homem, é
muito improvável que escape de uma
contaminação por identificação e do
desenvolvimento de um sintoma.

Os adultos são em grande parte
crianças, embora administrem seus
negócios e dirijam seus carros em perfeita

177



adequação à imagem social que lhes
corresponde, sua imperícia no trato das
emoções geralmente se mostra com
facilidade a um examinador honesto.

O que conservamos de traços infantis
é aquilo que não pode amadurecer, ficou
retido em algum momento, por uma
dificuldade enfrentada durante o período de
amadurecimento do Ego. Algumas coisas
ficam para trás como se houvessem falhas
na nossa alfabetização afetiva ou como se
tivéssemos deixado de compreender
determinadas lições.

Mais tarde, falta a habilidade para
lidar com situações emocionalmente
semelhantes ou, somos compelidos por
uma força interna a repetir incontáveis
vezes a lição na tentativa de acertar. O
difícil, é que repetimos mil vezes errado,
porque a aprendizagem foi incorreta. Nós
aprendemos o que nos foi ensinado, mas o
conteúdo estava errado.

Os professores são os adultos, que já
tinham suas próprias dificuldades e estavam
mal informados também. Assim, seguimos
num semi analfabetismo afetivo herdado a
cada geração, que nos mantém sob efeito
de processos mentais mal arranjados e
tóxicos.

Esse é o resumo bem rápido de uma
neurose, algo que fica mal entendido, mal
absorvido e pressiona como um calo. Dói

178



mas, geralmente dá pra ir levando e não
foge muito do comportamento médio; então
nos damos por satisfeitos e até mesmo
somos capazes de não nos apercebermos
que algo ande errado, especialmente
quando correspondemos ao padrão familiar.
As coisas que aprendemos em casa nos são
apresentadas como corretas e por maiores
que sejam as críticas em determinado ponto
da vida, logo estaremos repetindo
automaticamente tudo o que criticamos. Foi
a linguagem em que fomos emocionalmente
alfabetizados, e tal como a língua mãe,
tenderá sempre a ocupar nossos
pensamentos.

Para fins de entendimento da
psicopatologia da sociedade em seu
cotidiano, basta-nos pensar em termos de
neuroses e traços neuróticos, e mais
recentemente em reações de estresse.
Basta-nos perceber, que a maioria das
pessoas sofre de alguma deficiência de
aprendizagem emocional, sofrendo com a
toxicidade de suas emoções que nem
sempre lhes permitem ter o comportamento
mais saudável, mesmo quando o desejem.
Essas pessoas educam seus filhos sob o
efeito da mesma toxicidade e ela vai
atravessando gerações.

Uma neurose tem seu núcleo formado
na infância e se prolonga pela vida adulta,
florescendo incólume até que se descubra

179



sua existência e busque um tratamento,
que não é rápido e muito menos indolor,
mas benéfico, no sentido de agregar
qualidade às nossas vidas.

Todo mundo tem suas esquisitices,
seus pontos de desequilíbrio, suas "luas",
dias de baixo astral, inibições, temores e
manias. Esses, pela constância na vida de
alguém, podem ser denunciados como
sintomas neuróticos. Mas quase ninguém
suporta essa palavra, todos pretendemos
nos considerar saudáveis e não desejamos
complicar nossas vidas com explicações e
buscas que nos parecem sempre
desnecessárias.

A formação de um sintoma é sempre
um remendo de que a mente lança mão em
situações de dificuldade maior. Uma solução
provisória que acaba ficando permanente.
Um jeito, enfim de lidar com um conflitos
que se instalem dentro de nós produzindo
efeitos tóxicos. Todo conflito produz
ansiedade, que é desagradável, e da qual
nosso aparelho psíquico tenta livrar-se.
Mais ou menos como uma cadeira cujo pé
quebrou ou ameaça quebrar e a qual
remendamos. Depois passamos uma demão
de tinta e vamos encontrando um jeitinho
de poder sentar sem que ela se desmonte.
Mesmo que isso signifique nunca poder
sentar confortavelmente, ao menos
podemos continuar usando a cadeira.

180



Esse é o sintoma neurótico, um
arranjo mental que nos produz algum
desconforto, mas nos permite continuar
funcionando, ainda que precariamente, e às
custas de um dispêndio de energia psíquica.
Sim, esses sintomas são verdadeiros
ladrões de energia, levam embora uma
parte preciosa do que poderíamos usar em
nosso benefício.

Mas, porque então ninguém gosta da
idéia de ter que admitir que a cadeira está
com o pé quebrado? Porque quando o
sintoma se formou havia sofrimento. Foi
exatamente para escapar dele que
chegamos a formar o sintoma. Como o
tempo é algo que só existe para a
consciência, toda a emoção continua
guardada, tão intacta como uma múmia
egípcia, bem como as idéias que originaram

o conflito. Mas não ligamos mais uma coisa
à outra, sofremos por outras situações
semelhantes, reagimos mal à situações que
nos lembrem aquele conflito inicial mas, ele
mesmo ficou soterrado.
Se ele vier a tornar-se consciente,
coisa que é desejável no tratamento,
sentiremos a mesma dor psíquica que nos
fez adoecer e reviveremos tudo como se
fosse hoje. Evidentemente isso é
desagradável, embora necessário à cura. O
mesmo princípio que originou o movimento
de enterrar o conflito, na tentativa de fazer

181



cessar a angústia, é o que tentará nos
afastar de ter que revivê-la. Mesmo que
funcionemos com remendos.

Outra razão é que a sociedade não vê
com bons olhos que seus membros
demonstrem qualquer sofrimento psíquico.
O sofrimento físico é bem tolerado, mas o
mental tende a ser visto como sinal de
fraqueza.

A sociedade espera que sejamos
fortes o suficiente para suportá-la com toda
a insanidade que a forma. Se não
conseguirmos, a fraqueza é nossa. Nós é
que somos seres mal adaptados. Reclamar
demais ou desviar-se do padrão social
sempre pode ser considerado um ato
subversivo. Isso, muitas vezes, é punido
com a desaprovação do grupo demonstrada
no conceito de anormalidade, do qual todos
querem escapar.

O que acontece na atualidade, é que
as pessoas estão perdendo o medo de dizer
que se sentem mal. Também é verdadeiro
que a pressão cresceu demasiado sobre o
indivíduo contemporâneo, e seus remendos
estão se desfazendo, deixando ver a
patologia subjacente.

182



ENERGIA DESPERDIÇADA


O mecanismo básico através do qual
nossa cabeça tenta livrar-se de um conflito
é semelhante à solução dada pela sociedade
aos criminosos. Quando uma parte de nós,
seja um desejo ou um impulso agressivo, é
julgada indesejável pela nossa consciência,
ela é jogada nos porões do inconsciente.
Tal como um prisioneiro que se pretenda
ignorar, a idéia reprimida continua lá. Não
há possibilidade de eliminá-la, apenas de
mantê-la presa. A parte condenada, de
modo algum concorda com sua prisão.
Ficará lá apenas se mantivermos um rígido
esquema de segurança com grades e
guardas para contê-la. Teremos então um
abalo em nossa economia psíquica para
manter esse arranjo, mas isso ainda nos
parecerá vantajoso.

Sempre corremos o risco de uma
rebelião, uma fuga, ou que o prisioneiro se
associe a alguém que está em liberdade
para continuar agindo. No caso, isso se dará
pelo sintoma, que sempre aparece, mesmo
que de forma disfarçada.
Além disso, à noite, quando a censura
relaxa, o inconsciente aparece em nossos
sonhos.

Mas, os prisioneiros de nosso
inconsciente são na maioria inocentes. A

183



neurose se apoia numa justiça
excessivamente rigorosa e assustada, que
pune sem chances de defesa.

Se a justiça for excepcionalmente
rigorosa, pode vir a gerar sérias inibições,
já que quase todo nosso mundo interno
estará encarcerado e, só a parte que se
adapta à rigidez das normas estará vivendo
livremente. Isso pode resultar em menos
energia mental disponível para a
aprendizagem e para a vida em geral.
A justiça dentro de nós é representada pelo
sentimento de culpa, que é em todo caso
necessário para que não causemos danos a
outrem. Só que costuma prender as
emoções e fantasias erradamente e não é
eficiente em coibir a violência, que
encontrará outras formas de se manifestar.
Pode também prender impulsos amorosos e
nos tornar culpados de crimes que nem
cometemos, basta ter desejado fazê-lo.

Esse sistema é apenas um arranjo,
nascido da precariedade das defesas de
uma criança, diante das exigências do meio.
Não é o melhor modo de solucionar nossos
conflitos, é apenas o que conseguimos fazer
naquele momento. Ele falha por não
conseguir inibir o desconforto mental, como
pretendia, e por representar um alto
consumo de energia psíquica.

Um afeto ou emoção está sempre
ligado a uma imagem, idéia ou fantasia. O

184



máximo que podemos fazer é reprimi-las. A
emoção não se submete a esse
encarceramento.

Dizendo de outra forma: alguém pode
apagar uma lembrança mas não se livrará
da emoção que ela desperta. Poderá apenas
mascará-la e ela aparecerá sob uma outra
forma.

Então você se pega tendo reações
emocionais que não compreende. Poderá
ficar muito emotivo diante de uma cena, ou
ansioso, ou agressivo numa circunstância
que normalmente não provocaria isso. São
manifestações emocionais que não guardam
uma correlação adequada com os fatos. O
exemplo mais fácil de compreender são as
fobias, um medo extremo de algo que não
apresenta um perigo suficiente, ou muitas
vezes não apresenta perigo algum.

Todo esse esquema de proteção,
cria incapacidade de leitura correta da
realidade. É o quer dizer a expressão
governado pelas emoções. Mesmo que a
aparência seja de perfeito controle e os
sintomas silenciosos, toda a conduta
obedecerá a motivações inconscientes que
tentaremos justificar de alguma forma a nós
mesmos.

Assim, o que somos obrigados a
concluir é que um arranjo rigoroso, onde
uma justiça interior age com mão de ferro,
tem sido usado até aqui. Foi a forma como

185



a humanidade conseguiu controlar seus
impulsos menos desejáveis e obrigar-se a
seguir os caminhos da cultura. É, contudo,

um método primitivo. Sua eficácia é
pequena e seu consumo energético
excessivo.

Por isso, estamos tentando encontrar
outra maneira de funcionar, em que o
inconsciente deixe de ser um porão cheio de
degredados. O inconsciente deve então,
deixar de ser um local inacessível e mantido
assim à custa de energia que deveria estar
disponível à consciência. Na verdade
significa que precisamos encontrar um meio
de expandir a consciência para que nos
tornemos mentalmente mais potentes.

186



DOIS TIPOS DE ANSIEDADE


Voltarei ao exemplo do índio: sua
mente é menos complexa e não apresenta
grandes dificuldades de manejo, desde que
em seu habitat natural, em suas condições
sociais originais. Eles não se afastaram
tanto de sua natureza como nós civilizados,
seu código de leis internas é outro. Podem
satisfazer seus impulsos com menos culpa e
ansiedade. A estrutura psíquica é menos
sujeita a conflitos. Suas normas interiores
não oferecem tanta resistência à realização
de seus desejos quanto as nossas. Seus
desejos são mais simples e não são
conflitantes.

Seu funcionamento mental admite a
ansiedade, mas como resposta a um perigo
real. Se tal não existir, não haverá
ansiedade.

Toda forma de angústia é em princípio
angústia pela vida, um sinal de alerta para
defesa do indivíduo. Essa sensação foi dada
a ele pela natureza para que possa se
proteger.

O homem civilizado, em sua
complexidade mental, é o único animal
capaz de apresentar um tipo de ansiedade
não realística. A ansiedade neurótica é
originada no temor aos nossos juizes
internos, que nos avaliam o tempo todo e a

187



quem pretendemos agradar, pois os
tememos.
Constantemente surgirão conflitos
diante de desejos ou impulsos

incompatíveis com nosso código interno de
avaliação, gerando ansiedade, que neste
caso se liga à fantasias e não ao mundo
real. O perigo que pressentimos não nos
ameaça desde uma fonte externa, mas
interna.

Podemos transferir este nosso temor
para algo visível e que esteja a nosso redor.
Ou, às vezes não ligamos a nenhum fator
específico, sentimos um mal estar que é
vago e sua verdadeira origem permanece
para nós desconhecida. Podemos ter muitas
explicações para nossa ansiedade e
precisamos tê-las mesmo. Se pudermos
localizar uma causa poderemos controlá-la
e eliminá-la.

É muito difícil lutar com um inimigo
invisível, livrar-me de um desconforto cuja
fonte eu desconheça, por isso o mecanismo
de atribuir a esse ou aquele fator nossa
ansiedade é tão necessário para nós.

Aí começamos a atribuir a isso e
aquilo nosso mal interno, ou a falta de
alguma coisa, e vamos indo atrás dela. Se
estamos nesse caminho de pistas, sem
saber o que de verdade nos aflige, podemos
chegar a mudar toda nossa vida
inutilmente, ou seguir caminhos falsos em

188



busca de um bem estar que nunca é
encontrado. Uma angústia dessa natureza,
nunca encontra alívio, apenas se abranda
ou intensifica, desloca-se de uma situação à
outra ao longo da existência. Eis o benefício
de conhecermos nossa totalidade, sem que
nenhuma fração do que nos compõe fique
oculta.

189



CHEGANDO AO LIMITE


Se a ansiedade é um sinal de alerta
para que o organismo se proteja, em nós
humanos ele deixou de ser tão simples e
natural.

Todo organismo vivo pretende
manter-se livre de estímulos desagradáveis.
Uma vez dado o alerta de perigo, afasta-se
do estímulo que o causou, se puder. Caso
não possa, lutará. É a conhecida reação de
fuga ou luta, com a descarga de adrenalina
que a acompanha.

Cada ser vivo pretende manter-se a
salvo e longe de um excesso de estímulos
que produza essa reação. Se tais estímulos

se repetissem demasiadamente, o
organismo entraria em colapso por
estresse, iria ao esgotamento.

Então, cada sistema nervoso funciona
dentro de um princípio de economia de
estímulos. Busca a quietude para manter-se
em equilíbrio e só despende sua energia
para tarefas que sejam consideradas
essenciais.. Fora isso, pretende evitar o
desgaste de um excesso de estimulação.

Com o homem não poderia ser muito
diferente. Não fomos feitos para absorver
estímulos continuados e acima da nossa
capacidade de processá-los. Porém,
estamos rotineiramente expostos a eles.

190



Ruído excessivo, trânsito complicado,
violência urbana, pressões de todas as
formas nos atingem vindas do exterior.
Esse excesso de informações simultâneas e
de solicitações é vivido pelo cérebro com
ansiedade.

Some-se a isto as pressões que se
originam de nosso interior, inquieto e
modificado em seu modo de funcionamento
original e, dificilmente será possível manter
um equilíbrio deste sistema nervoso.
Tentaremos inicialmente responder a essa
estimulação mas, quando o organismo der
sinais de não estar podendo processar tudo,
começaremos a ter sintomas. O primeiro
deles talvez seja a irritabilidade, uma
defesa natural de hostilidade se estamos
sendo mentalmente agredidos pelos
estímulos.

Depois, tenderemos a buscar o
afastamento, para economia de energia,
evitaremos o estressor e o desconforto.

Explicando desta forma não fica difícil
compreender como chegamos a tantos
casos de limite atingido, e falhas no sistema
mental super estimulado e pressionado de
várias formas. O Ego se enfraquece,
especialmente se experimenta repetidas
vezes a sensação ou a realidade da derrota.
Aquele equilíbrio interno que, à duras penas
vinha tentando manter, se rompe. Os
remendos se soltam, você senta de mau

191



jeito e a perna quebrada da cadeira vem à
baixo.

192



TRÊS PARTES DA MENTE


Para chegarmos a entender com
maior clareza os conflitos que podem
instalar-se na mente, é preciso fazer uma
tentativa de dividi-la, dando nomes às
partes conflitantes. Dessa forma surgiram
os conceitos de Ego, id e superego.

O Ego é um pobre funcionário que
tem dois patrões. Para piorar um pouco as
coisas, eles não se dão bem, tem idéias
opostas na maior parte do tempo. Cada um
é mais exigente que o outro, ambos são
autoritários e pressionam o Ego para que
realize todas as tarefas que lhes
interessem, com a maior eficácia e no
menor tempo possível.

Um pouco parecido com aquela
imagem de desenhos animados, em que de
um lado fala o anjinho e do outro o
diabinho, cada um dando uma ordem
oposta ao personagem.

Diz o cristianismo que "um homem
não pode servir a dois senhores...".Talvez

seja uma referência a essa forma de
funcionamento mental, da qual não
escapamos.

Naturalmente isso envolve tensão, e o
Ego fica freqüentemente confuso: se agrada
a um, recebe a represália do outro.

193



O Id é a parte primitiva, que
corresponde aos instintos e às razões
biológicas do ser, pretende manter-se vivo,
satisfazer seus impulsos sexuais, disputar
aquilo que for importante para sua
sobrevivência ou satisfação instintiva,
defender-se e eliminar qualquer estímulo
desagradável. O id é regido pelo princípio
do prazer. Se algo é agradável aproxima-
se, se é o contrário afasta-se. É ele quem
comanda todo o comportamento dos
animais irracionais.

Contém também as informações
geneticamente transmitidas sobre o
comportamento da espécie. Esta parte do
aparelho psíquico não conhece nenhuma
das regras da cultura, só segue as regras
da natureza biológica.

O superego é um senhor ou senhora,
ou ambos, civilizado, representado pela
figura de nossos pais, professores, todos os
representantes da lei e da ordem que
participaram da nossa educação, nos
disseram o que era certo e errado e nos
avaliaram. Figuras que também nos
protegeram e por isso adquiriram grande
prestigio conosco, sua opinião é para nós de
importância indiscutível.

É o representante de todo código
moral de uma cultura. Supõe-se que possa
existir um superego herdado que transmita
leis de caráter ancestral.

194



Dá para perceber que id e superego
tem interesses e pontos de vista bastante
distintos e que conciliá-los não pode ser
tarefa fácil. Tal como é difícil estudar e
conhecer as leis escritas de um povo, há
toda uma série de regras, imposições e
proibições que são transmitidas pela
palavra e pelo comportamento, que
precisam ser conhecidas e consideradas
antes de cada ato de um indivíduo. Nisto
constitui-se grande parte da educação. Uma
tentativa de ensinar a nossa parte animal
como comportar-se segundo novas regras.
Quando estas regras se opõe a um
interesse ou necessidade ditados por um
instinto, instala-se um jogo de forças
opostas que pressionam o Ego, instalando o
conflito. E é ele, quem deve servir de
mediador.

Quando se é ainda jovem e não
adquiriu suficiente independência e
habilidade, resulta bastante difícil solucionar
tais impasses. Quanto mais rigoroso o
código de comportamento maiores serão
suas dificuldades. Por esta razão, como já
foi dito, é nessa etapa da vida que as
soluções encontradas podem constituir a
oportunidade para o surgimento de uma
neurose, um conflito que não fica bem
resolvido.

Quanto mais amadurece, mais capaz

o Ego se torna de encontrar soluções que
195



satisfaçam parcialmente a ambos os
interesses. Digamos que ele avança na sua
capacidade diplomática, mas ainda fica com
aqueles conflitos pendentes que se tenham
instalado na infância.

Os temas mais difíceis de administrar
são os interesses conflitantes relativos à
sexualidade e a agressividade. Há outros de
mais fácil encaminhamento como ter
necessidade de dormir e precisar trabalhar,
ter fome e não poder pegar o alimento
porque não lhe pertence. Ambos são
exemplos de como se pode contraria um
impulso natural em favor das exigências do
meio e de si próprio, na medida em que
estas restrições são colocadas para dentro
de nós. Não digo que seja fácil, mas mais
fácil.

Sempre haverá o dia em que o
faminto vai pegar o alimento e você vai
dormir no trabalho ou deixar de comparecer
a ele.

Contudo é mais fácil, porque tais
temas despertam menos ansiedade interna
e tem mais a ver com a realidade externa.
Nenhum superego pode ser tão rígido que
exija de alguém morrer de fome diante da
comida, é interesse dele manter-se vivo.
Tampouco pode impedir que você adormeça
se seu organismo está extenuado. Nestes
casos o conflito maior é com o exterior, seu

196



patrão vai mandá-lo embora ou você será
preso, talvez.

A realidade externa é o terceiro fator
a ser considerado pelo Ego, tanto quanto os
patrões internos, há este que fica do lado
de fora e o comanda com igual força.

Pode-se até indagar se, no atual
momento, o externo não é mais exigente e
difícil de lidar. A realidade atual é de um
nível de exigência muito elevado, fornece
pouca segurança, é instável e agressiva
para um grande número de pessoas. Além
disso torna-se mais competitiva.
Observamos então o aumento da pressão
sobre o Ego, vindo agora de outra direção:

o mundo. Esta é a razão urgente pela qual
os homens precisam ampliar a capacidade
energética de suas mentes. Tendo que
corresponder à tantas exigências e absorver
tantas informações, precisam ser capazes
de elevar a quantidade de energia da
consciência. Essa energia é então retirada
da repressão e muito de nosso universo
oculto está aparecendo, o que ocasiona as
crises que observamos individual e
coletivamente.
Trata-se de uma espécie de abertura
política. É um período de transição em que
as forças mentais estão procurando uma
nova maneira de arranjar-se.

A realidade brasileira, por exemplo,
tem sido de frustrações repetidas e

197



privações adicionadas à vida do povo.
Aumentam as dificuldades econômicas e
fica a sensação de estar fazendo muito
esforço, talvez cada vez mais esforço, para
ter menos.

Essa é, evidentemente, uma situação
de descompasso entre gratificação e
frustração. A última é muito maior, o que já
seria suficiente para gerar mal estar. Se
você considerar ainda uma perda da
esperança, que é aquele fator que nos
projeta no futuro e faz crer que lá
encontraremos alívio e bem estar, estará
pior a saúde mental do brasileiro.

E se, por fim, aumentar a sua
insegurança em relação à própria
integridade física e as suas condições de
responder à novas propostas e exigências
do meio, teremos tudo para promover um
sério abalo emocional.

Após um determinado ponto de
pressão a violência ou a prostração tendem
a se instalar. Nesse estado de coisas, não
há chance real de progresso, porque o
agente deste é o homem e sua energia,
ninguém mais. Portanto, qualquer proposta
de desenvolvimento requer motivação para
enfrentar os desafios, esperança que
produza energia criadora e produtiva.

198



SOCIEDADE DESGASTADA


Somos uma sociedade
emocionalmente desgastada, o mal estar é
visível. Podemos percebe-lo nos
consultórios e nas ruas, ouvimos falar dele
nas filas de supermercado e nas conversas
entre amigos, no trabalho, em qualquer
lugar onde a troca de informações seja
possível.

Não temos estatísticas em relação a
isso, o que é lamentável, pois elas nos
ajudariam muito a planejar nossas políticas
de saúde pública. Sabe-se porém que,
pessoas cujo equilíbrio psíquico esteja
abalado, adoecem mais fisicamente e isso
aumenta a demanda em todos os setores
de atendimento, não apenas nos serviços
de saúde mental.

Vejamos o que diz a revista da ABP,
em exemplar dedicado ao tema depressão,
referindo-se a epidemiologia e impacto
social deste distúrbio:
"...Depressão é mais comum entre
mulheres, pessoas divorciadas ou
separadas, vivendo sozinhas, com baixo
nível de escolaridade e renda,

desempregados e morando em zonas
urbanas."
Note-se que baixa escolaridade e

renda e desemprego já são fatores que

199



limitam o acesso a um atendimento médico
e que, nesta camada da população, deve
então haver um grande número de casos
não diagnosticados e tratados.

Prossegue: "...Pessoas deprimidas são
mais sujeitas a consultarem médicos e a
serem hospitalizadas. O custo e a eficácia
dos tratamentos para depressão devem ser
balanceados com o alto custo individual e
social associado à enfermidade".
Por que tais dados são mencionados aqui,
em algo direcionado ao público leigo?
Porque é justamente a opinião pública que
tem meios de pressionar no sentido da
solução de seus problemas de saúde mais
urgentes.

Se grande parte das pessoas atingidas
por sintomas de depressão não tem acesso
a tratamento adequado, para onde estão
indo? Algumas para o botequim da esquina,

o álcool funciona como anestésico para as
dores psíquicas. Outras para as igrejas, e
muitas dessas estão florescendo nos
tempos atuais, infelizmente também
florescem as práticas de extorsão mediante
promessas de redenção e cura.
Outras drogas podem estar sendo mais
procuradas, cocaína por exemplo é um
estimulante, euforizante, e pode facilmente
ser reconhecida como fator de alívio.
De qualquer forma não se pode deixar
de avaliar os custos sociais e individuais

200



desses transtornos, a perda de capacidade
de trabalho e relacionamento que
envolvem.

Abaixo, sintomas depressivos são
citados. Lembramos que a intensidade deles
é variável e não precisam estar todos
presentes ao mesmo tempo para que seja
feito um diagnóstico de depressão.

Humor depressivo: sensação de
tristeza, desvalorização e culpa.

Redução da capacidade de
experimentar prazer nas atividades antes

consideradas agradáveis.
Fadiga ou sensação de perda de
energia

Diminuição da capacidade de pensar,
de concentrar-se ou de tomar decisões.
Alterações do sono, insônia e dormir
demais são os mais freqüentes.
Alterações do apetite, perda ou

aumento.
Redução do interesse sexual.
Retraimento social.
Crises de choro.
Comportamentos suicidas
Lentificação ou agitação psicomotora.

Revista brasileira de psiquiatria, vol. 21..

Com relação ao fato da depressão ser
mais freqüente nas mulheres, pode-se

201



atribuir a algumas situações de caráter
biológico, em que há alterações hormonais
suficientes ao menos para facilitar o
aparecimento de sintomas depressivos. São
elas: o pós parto, o climatério e as TPMs.
Mesmo nestes casos há fatores emocionais
e sócio culturais associados à maior
freqüência de diagnósticos de quadros
depressivos em mulheres. Em primeiro
lugar elas tendem a manifestar mais seus
sentimentos que os homens, cuja educação
procura treiná-los para que não se queixem,
associando essa atitude a uma
demonstração de fraqueza.

As mulheres são também mais
dispostas ao questionamento e apreciam
mais conversar sobre seus sentimentos e
questionar suas relações, fato que
freqüentemente cria um desencontro sério
de interesses numa relação amorosa.

Outros fatores poderiam ser: os
múltiplos papéis sociais desempenhados
pelo sexo feminino, a sobrecarga de
trabalho, e a menor liberdade instintiva
dada às mulheres pela sociedade. É sempre
esperado que cedam mais, sejam mais
dóceis e compreensivas e efetuem mais
renúncias em favor do grupo familiar.

Em relação a baixa escolaridade e
renda parece bem fácil compreender que as
pessoas, nestas condições sofrem maiores
privações e tem menos oportunidades de

202



satisfação e reconhecimento. Tem vidas
mais difíceis.

Quanto ao estado civil, homens
separados ou divorciados teriam mais
propensão a deprimir-se, geralmente é ele
quem sai de casa e perde o convívio diário
com os filhos. Também podem ser mais
dependentes da atenção e cuidados
femininos do que supõe.

Uma grande parte das pessoas que
atendo apresentam estes sintomas, outras
tantas tem acentuados sintomas de
ansiedade. Acredito que a sociedade
brasileira esteja manifestando uma reação
de luto pelas coisas que vem perdendo e
insegurança diante de um futuro que, sob
vários aspectos, se mostra incerto.

203



PAIXÃO, ATRAÇÃO E CASAMENTO

Quando estamos apaixonados
experimentamos o êxtase, poucas coisas
podem ser tão agradáveis nesta vida. O
objeto de nossa paixão é suficiente para nos
garantir toda satisfação e a tão buscada
felicidade parece ter finalmente se tornado
realidade.

Idealizamos nossos amados como
portadores de todo o valor e fonte
inesgotável de prazer e bem estar. Então
nos dirigimos ao passo seguinte que é
concretizar essa união, casando ou vivendo
sob o mesmo teto. Quando o tempo da
paixão se extingue sobrevem a frustração.
É inevitável porque nossas expectativas
eram demasiadas e ninguém no mundo
pode ser a fonte de toda satisfação para
outra pessoa. Poderá ser uma das fontes de
satisfação, mas não terá como ser a única,
fatalmente teremos que buscar em outras
situações o nível de satisfação de que
necessitamos.

Como a paixão não se extingue
exatamente no mesmo instante para
ambos, é provável que surjam
ressentimentos. Ou por que o outro já não
nos vê da forma idealizada de antes e nossa
vaidade gostaria que assim fosse, ou por
que nós já não podemos esperar dele

204



satisfação constante . Sentimos que alguém
falhou.

Ou eu falhei, não sendo capaz de
mantê-lo eternamente apaixonado, ou é ele
não foi capaz de perceber a oportunidade
que a vida lhe deu de estar a meu lado e
ser feliz para sempre.

Há uma imaturidade em esperar que
alguém corresponda a todas as nossas
expectativas e nos mantenha em
permanente estado de satisfação fazendo
de nós o centro do seu universo. A mesma
expectativa que temos na infância em
relação aos nossos pais e que um dia
também se mostra impossível.

Como é parte da nossa natureza
ansiar pelo outro e ter a necessidade de
amar e ser amado essa é uma das nossas
principais questões e resolvê-la deve passar
por um ajuste de expectativas. Isso
depende de um amadurecimento que nos
leve a responsabilizarmo-nos pela nossa
satisfação tanto quanto temos que nos
responsabilizar por nossa sobrevivência.
Assim como ao nos tornarmos adultos não
devemos esperar que outros nos sustentem
e dirijam, também não seria razoável
esperar que outra pessoa represente tudo
que aspiramos e nem que espere de nós tal
coisa.

Mas, como a paixão é um louco anseio
pelo outro, somos capazes de fazer

205



promessas de tal ordem e de crer nas que
nos são feitas. Se nossas expectativas de
crianças não chegaram a encontrar
correspondência na realidade, pois nossos
pais fatalmente um dia nos decepcionam e
temos de crescer e afastarmo-nos deles,
quem sabe este novo amor terá melhor
destino?

E não tem melhor destino quando
nossas expectativas são essas, não podem
ter, dada a impossibilidade que trazem em
si. Começando pelo fato de que o desprazer
é inevitável em algum momento e nem nós,
nem o outro conseguiremos vestir a roupa
de super heróis capazes de modificar toda a
realidade em favor do amado.

Nossas expectativas não vem abaixo
sem sofrimento. Se o relacionamento se
rompe podemos encontrar outro, mas o
sucesso deste também dependerá da forma
como o encaremos. Permanecendo vivas
nossas fantasias de felicidade total,
cairemos no mesmo quadro. Talvez até
passemos a crer na impossibilidade de um
relacionamento romântico e deixemos que a
desesperança domine a cena. Podemos
passar a encarar o assunto como algo
perigoso, uma fonte de inesgotáveis
enganos e tentemos nos afastar.
Manteremos distância emocional suficiente
para sentir-nos seguros tornado superficiais
os relacionamentos. Não creio que ignorar o

206



outro de um ponto de vista afetivo seja
solução satisfatória por muito tempo. Tomá-
lo apenas como objeto do desejo sexual
direto e isolado de toda ligação amorosa
não funciona, sempre fica um gostinho de
quero mais. A corrente afetiva da
sexualidade, que é tão importante quanto a
outra para um ser maduro, fica relegada ao
exílio.

Mesmo que desejemos ardentemente
tornar possível esse método, pensando em
economizar sofrimento, ele não se revelará
satisfatório

Os homens tem parecido os menos
satisfeitos com tantas mudanças nas
relações entre os sexos. Acho
compreensível. Os relacionamentos nos
moldes antigos forneciam a eles grandes
fontes de satisfação. A figura feminina, na
cabeça de um homem estará sempre ligada
a uma figura maternal. Uma revivescência
do seu primitivo amor pela mãe era possível
no casamento tradicional mais do que hoje.
A mulher o servia, cuidava dele, de seu
bem estar, de sua alimentação, de suas
roupas. Como sua mãe o fez um dia, mas
com a vantagem de oferecer também
satisfação sexual e de poder ter a mulher
amada só para si.

Coisa que sempre foi ardentemente
desejada por ele desde a infância, mas a
existência do pai, de irmãos ou de um

207



padrasto atrapalharam. Agora, casado, o
homem pode realizar o desejo de ser
carinhosamente tratado por uma mulher,
com exclusividade e com satisfação de
todos os seus impulsos e desejos.

A nova modalidade de relacionamento

o priva de muitas dessas satisfações, não
será tão fácil encontrar uma mulher
disposta a servi-lo com o mesmo zelo com
que sua mãe o fez. Ele também não terá o
controle da relação, essa mulher é mais
independente e pode deixá-lo se achar
conveniente. Pode compará-lo a outros
homens, está sujeito a sofrer comparações
e ser considerado insatisfatório. Seu paraíso
sofreu sérios abalos, sem dúvida. Essa nova
mulher vai reclamar, vai cobrar uma
posição igualitária, querer que se
responsabilize pelo cuidado com os filhos e
as tarefas domésticas. Não vai mais se
submeter a uma relação sexual por dever
conjugal, vai julgar-se no direito de recusá-
lo. Caso ele a traia vai, provavelmente,
julgar-se com liberdade para fazer o
mesmo.
Não parece que eles estivessem
preparados para tantas mudanças nem que
a maioria goste delas, tentam adaptar-se.
Algumas vezes a tentativa de adaptação se
deve mais a um discurso politicamente
correto que a uma firme convicção interna.

208



Fica com a impressão de que o discurso
masculino de concordância com a
emancipação feminina é mais falso do que
eles mesmos percebem.

Também há contradições na postura
feminina, a liberação sexual não é tão
ampla quanto parece. Muitas pessoas ainda
tem severas inibições enquanto outras
parecem muito a vontade com sua vida
sexual e com a troca de parceiros, porém
num exame mais profundo confessam-se
frustradas com a falta de um vínculo
estável. As mulheres ainda alimentam
sonhos de serem felizes para sempre com
um príncipe encantado que acabará
surgindo. Várias delas admitem que a cada
relacionamento eventual, que pode ser com
alguém que há pouco conheceram e com
quem vão logo para a cama, têm a
expectativa de daí começar um lindo
romance, numa desastrada leitura da
realidade onde isso poucas vezes acontece.
Algumas nem ao menos esperam conhecer
minimamente o caráter de alguém para
elevá-lo à condição de possível par
romântico. É um exemplo de como a
pressão de um instinto pode nos levar a
desprezar o teste de realidade.

Entre as mulheres casadas podemos
identificar várias postura em relação a
sexualidade. Há aquelas que permanecem
submetendo-se aos desejos do marido,

209



encarando como uma obrigação satisfazê-
los e uma garantia de não serem trocadas.
Mas passar por cima de si própria não é tão
fácil e uma boa quantidade de
ressentimentos se acumula aí.

Há as que resolvem algum
desencontro e perda de interesse no
parceiro buscando uma relação extra
conjugal. Há as que desejam fazê-lo mas
não encontram uma brecha em sua própria
censura e permanecem na fantasia. E há
aquelas que se recusam a submeter-se a
uma relação sexual contra sua vontade e
encontram certa dificuldade em explicar
isso aos maridos que sentindo-se
desprezados podem tornar-se distantes e
até agressivos.

O que se percebe é que sexo pode ter
significados diferentes para homens e
mulheres, elas tendem a valorizar mais o
componente afetivo da relação e eles mais

o sexual direto. Talvez a mulher seja mais
dependente da fantasia romântica, é mais
importante para ela a forma como
passaram o dia para que possam ter uma
boa relação sexual à noite. Já os homens
parecem separar mais as coisas, se vai bem
na cama não importam muito os desacertos
do dia a dia.
Além de tudo isso há uma diferença
biológica que não é desprezível. A libido
feminina obedece um ciclo e qualquer

210



mulher que se conheça sabe que seu desejo
não é linear, há dias em que ela está mais
interessada em sexo e mais capaz de
desfrutá-lo. É assim na natureza, as fêmeas
tem cio e mulheres são fêmeas como as de
outras espécies. O desejo masculino, de um
ponto de vista orgânico, é mais constante
variando mais em relação a fatores como
stress e tensão.

A monogamia não pode pretender
basear-se na premissa que nosso desejo se
manterá fixo numa mesma pessoa, isso é
uma tentativa de controlar algo que é
totalmente espontâneo e livre da influência
das regras. Tesão não conhece regras e
muito menos casamento. Ele acontece, ele
mesmo escolhe seu objeto.

O que podemos fazer é a promessa
de, em nome do afeto que sentimos pelo
outro e do compromisso que assumimos,
renunciar a quaisquer interesses sexuais
que surjam por outros que não nossos
parceiros. Essa pelo menos é uma
promessa mais realista.

211



FILHOS


Ter filhos é um desejo comum, talvez
instintivo: preservação da espécie. Quase
todos quando se casam já planejam
quantos filhos desejam ter. Hoje já há um
número maior de casais dispostos a excluir
a paternidade dos objetivos de uma união
amorosa.

Ter filhos é sempre um pouco mais
difícil do que nos parece antes de tê-los. Tal
como idealizamos o casamento e as
relações de amor romântico, idealizamos a
paternidade.

Depois idealizamos os próprios filhos.
Infelizmente não é incomum depositarmos
neles nosso narcisismo, nossas vaidades e
desejos não satisfeitos, nossos objetivos
não alcançados. Eles, sendo a nossa
continuidade parecem os herdeiros naturais
e perfeitos de nossas ambições. Passamos a
viver por eles e através deles esperamos
novamente aquela satisfação que
esperamos do ser amado escolhido para
partilhar a vida conosco. Desta vez não
haverá erro: nossos filhos serão perfeitos,
talvez seja nossa última oportunidade de
realizar esse ideal de perfeição.

Como das outras vezes em que
esperamos de algo ou de alguém a
felicidade suprema, acabamos descobrindo

212



que ter filhos pode ter suas delícias e
compensações, mas às vezes é também
muito difícil. Eles não vão nos amar
incondicionalmente e é muito provável que
pensem o mesmo: que é difícil serem
nossos filhos em alguns momentos.

Na infância deles seremos idealizados
e copiados, nossa presença e atenção
intensamente desejados. Mas quando a
adolescência se aproxima, eles já não
pretendem mais ser as nossas gracinhas
nem seguir obedientemente nossos ditames
e provavelmente tampouco concordarão em
satisfazer nossas vaidades. Desejarão ter
seus próprios juízos de valor e fazer suas
escolhas. E é bom que seja assim, afinal
são individualidades a serem respeitadas.
Resolver o nosso narcisismo e frustrações é
tarefa nossa e não deles.

Se não entendemos tais coisas é
porque estamos agindo novamente daquela
forma primitiva em que não reconhecemos
o outro separado de nós, não o vemos em
sua totalidade.

Na verdade estaremos sendo pais
crianças, com expectativas infantis. E não
conhecendo esse modo amadurecido de
relacionamento como podemos ensinar a
maturidade nas relações a nossos filhos?
Provavelmente os estimularemos a terem
relações dependentes se esta é a nossa
linguagem emocional. Nem poderemos

213



ensiná-los a nos respeitar e nossos desejos,
limites e necessidades serão para eles tão
desconhecidos quanto os deles para nós.

Um relacionamento de tal ordem
tenderá a evoluir com muitos conflitos e
ressentimentos. Talvez venhamos a nos
sentir vítimas de suas incompreensões e
desconsiderações e vice versa. Em todo
caso é sempre interessante tentarmos
basear a relação no exercício de respeitar,
no que há de amoroso nela e nos limites
que são necessários. O limite é o respeito
ao outro e a si próprio, mas primeiro
precisamos aprender a agir assim, senão
soará totalmente falso. Não teremos a
credibilidade necessária se agirmos de
forma contraditória, mesmo crianças muito
pequenas percebem isso com facilidade.

A paternidade não exige, nem
poderia, que sejamos perfeitos mas ao
menos sinceros, com certa humildade para
questionar o que estamos fazendo com
nossos filhos, com maturidade para
entender que não são prolongamentos de
nós mesmos e com auto respeito suficiente
para exigir deles uma conduta respeitosa
para conosco. Respeito não é obediência
cega, é consideração. Filhos podem
considerar o que dizemos por duas razões
mais obvias: porque nos temem e de nós
dependem, ou porque acreditam em nós e
em nosso amor por eles.

214



Para que uma relação de confiança se
estabeleça, além da coerência é
fundamental a sinceridade, podemos
exprimir nossos sentimentos com clareza
mostrando o efeito que suas ações
produzem em nós. Este é um método eficaz
de educação emocional que os leva a nos
perceber e identificar o que sentimos. Não
quer dizer que devamos nos fazer de
vítimas ou usar o sentimento de culpa para
controlá-los, longe disso. Mas posso dizer
que não gostei dessa atitude determinada.

Uma das piores coisas que se pode
fazer por um filho é bancar a mãe ou pai
abnegados que nem existem e suportam
qualquer coisa que faça. Se não aprender
em casa terá poucas chances de reconhecer
o outro e respeitá-lo quando sair daí. Filhos
criados assim tenderão a construir
relacionamentos baseados naquela
linguagem mais primitiva e menos frutífera
de que falávamos antes.

A família, sendo o primeiro meio
social que freqüentamos, será onde
aprenderemos as primeiras lições de
relacionamento. Não é um território livre de
conflitos e desavenças. Muitas vezes os
interesses de um serão contrariados pelo de
outro. Um funcionará como competidor e
adversário em relação ao outro com maior
freqüência do que gostamos de admitir.
Crianças, por se regerem pelo princípio do

215



prazer, tendem a agir como exigências
consideráveis de atenção. Quando há
irmãos, há mais gente disputando o amor e
a atenção. Ensiná-los que suas demandas
de gratificação só poderão ser parcialmente
atendidas é tarefa dos pais. Se estes não
precisam continuar agindo como agentes
constantes e severos da frustração,
tampouco parece prudente passar aos filhos
a idéia de que serão suas eternas fontes de
inesgotável satisfação. Um pouco de
frustração é necessária ao correto
desenvolvimento da personalidade já que
não há como encontrar um mundo real
onde ela não exista. Se fatalmente ela
aparecerá em nossas vidas é preciso que
aprendamos a lidar com ela desde cedo.

Novamente encontramos o princípio
do equilíbrio entre experiências de
frustração e gratificação para o saudável
funcionamento mental. Nossos desejos não
são realizáveis se daí resultará prejuízo
para outro. E é em casa que devemos
aprender a respeitar o espaço e o direito
alheios, para isso temos que aprender a
conter nossas demandas. Não há problemas
nisso, desde que a criança seja também
respeitada e alguns dos seus desejos,
aqueles que são possíveis, sejam atendidos.

O perigo de agirmos de forma imatura
na educação dos nossos filhos colocando
neles toda a satisfação que não tivemos e

216



disto desfrutando, é criarmos uma pessoa
cuja análise da realidade seja insatisfatória
e a capacidade de independência fique
comprometida. Não queremos criar alguém
cujo narcisismo o faça julgar-se capaz de
realizar qualquer ato proveniente de sua
vontade sem se preocupar com os
eventuais danos que possa causar a si e aos
outros.

Nosso desejo de vê-los bem sucedidos
e vitoriosos, que pode funcionar como um
prêmio para nossas frustrações, às vezes
acaba por levar-nos a ensiná-los a se
comportar como se estivéssemos de volta à
selva. A agressão fica livre e a ética vai
para o espaço.

Num tal estado de coisas há muita
ansiedade envolvida. Se o excesso de
limites e o impedimento compulsório da
satisfação geram ansiedade, a falta de
limites e regras também gera.

É o adulto que precisa ter o comando
da situação, a ele cabe ter aprendido a lidar
com a própria angústia e saber conduzir-se
pela vida, porque os filhos vem atrás
observando tudo. Se não há regras claras,
se o comportamento dos adultos é
incoerente e a deixa confusa, a criança será
tomada pela ansiedade. Quando adulta não
saberá ao certo quais caminhos tomar e
como comportar-se. Quando tiver de
relacionar-se com mundo sozinha, não terá

217



entendido bem como funciona e quando as
exigências da realidade se apresentarem a
ela, não terá meios adequados de superá-
las e enfrentá-las.

Tanto o Ego que jamais se enfrentou
com a frustração quanto aquele que foi
demasiadamente exposto a ela, tornam-se
frágeis.

O perigo que percebemos a nossa
volta é sempre medido em relação a nossa
própria força e capacidade de enfrentá-lo. O
Ego avalia o perigo e o compara a sua
força, se sente em condições de enfrentá-lo

o faz, se vê que não há como fazê-lo recua.
E, se não se sente em condições de
enfrentá-lo nem pode fugir, entra em
desespero.
Quanto mais possamos oferecer aos
nossos filhos uma experiência balanceada
de auto-estima e reconhecimento dos
próprios limites, mais forte estará se
formando seu Ego e mais capaz será de
interagir com o mundo.

A expectativa realista e equilibrada
dos pais em relação aos filhos e renúncia
aos ideais impossíveis projetados neles é
desejável. Quando se mede com o perigo,
precisa-se fazer uma avaliação subjetiva
disto. Se nos vemos premidos a responder
a super exigências, a nós impostas
inicialmente pelos nossos pais, fica
complicado. Portanto, dizer ao seu filho que

218



ele deve ser um campeão, pode até ser um
estímulo naquela final do campeonato, mas
repetir isso obcecadamente, é um desastre.
Se você acha tão importante ser um
campeão é melhor que tente você mesmo
ao invés de transferir ao seu filho a
responsabilidade de ser o que você não
conseguiu. Responsabilize-se pelos seus
desejos e não os ponha das costas dos
outros. Ou seu filho tenderá a entender
que, satisfazer suas expectativas é a
condição para ser amado e ter valor; se não
conseguir, é provável que não consiga com
tal carga, vai sentir-se um fracasso e
passará a agir como tal. O conflito que se
instalará será contra ele mesmo, que
poderá julgar-se com severidade e criar
ansiedades e inibições.

219



UM LEÃO POR DIA


A ansiedade é uma reação de defesa

frente ao perigo. Tal perigo pode ser real
(ansiedade realística) ou irreal, presente
apenas em nosso mundo interno.

A sociedade apresenta hoje níveis
mais elevados de ansiedade. A situação de
muitos é a de Ter de "matar um leão por
dia". Ora, nem o mais treinado e destemido
guerreiro africano faz isso sozinho. Nós
criamos esse estado de coisas e agora
estamos ansiosos com ele.

Pergunto-me se não estaríamos
diante de um tipo misto de ansiedade já

que há realmente muitas ameaças no
mundo externo atualmente, mas há
também muita exigência interna.

Dentro da cultura dos super homens e
da premissa de que todos devemos ser
vencedores para que tenhamos nosso valor
reconhecido, ficamos numa situação
complicada. A realidade oferece os desafios
e perigos e o nosso mundo interno nos
ameaça com a desagradável constatação de
sermos incompetentes se não formos, a
qualquer custo, vitoriosos sobre as
circunstâncias. Temos então que nos
entender com duas fontes de ansiedade. O
mundo nos põe diante de desafios e de
super exigências e não parece disposto a

220



agir com complacência se falharmos. Nossa
consciência não nos trata com mais
bondade e espera que sejamos capazes de
matar quantos leões apareçam a nossa
frente. Parece previsível que fiquemos
ansiosos.

Se falharmos, além do julgamento
externo e das conseqüências desagradáveis,
perderemos nossa auto-estima. Seremos
considerados derrotados. Quando isso
acontece dentro de nós, perdemos algo de
valor inestimável: a boa imagem que
procuramos manter de nós mesmos.

Se não correspondermos aos nossos
ideais estaremos fadados a uma desavença
conosco, podemos até adoecer dependendo
de quão severamente nos julguemos.
Essa, no meu entendimento, é uma das
principais razões do crescimento dos níveis
de ansiedade. A competição é crescente e a

exigência aumenta. Nossa sensação de
segurança diminui.
É claro que para chegarmos a
desenvolver sintomas mais sérios de

ansiedade precisamos ter antecedentes de
situações em que tenhamos nos sentidos
muito ameaçados e tenhamos lidado mal
com isso. Mas esses antecedentes não são
difíceis de encontrar, todos nós temos
nossos registros inconscientes de
ansiedade, o primeiro deles é o nascimento.

221



As situações atuais que nos
despertem essa mesma sensação só farão
reascender as brasas, mexer no que estava
escondido.

A vida atual, embora possa oferecer
muitos prazeres e compensações, é ruidosa
e super estimulante para nossos sentidos,
deixa-nos pouca liberdade, pouco espaço e
tempo livres.

Privação de liberdade e excesso de
estímulos são situações geradoras de
ansiedade em qualquer animal, incluindo o
homem.
Resumindo: nosso ambiente social, mais as
exigências que tornamos nossas, favorecem
a ansiedade de várias formas.

Há uma explicação biológica para as
situações de ansiedade, com a descrição de
vias nervosas e mecanismos pelos quais
determinados centros são ativados em
nosso cérebro produzindo uma resposta
ansiosa. Mas isso depende de informações
que provém do córtex e ele só aciona o
alarme mediante a presença de uma
situação que seja vista como ameaça.

O nível de gás carbônico medido por
receptores periférico participa do
desencadeamento de situações de
ansiedade, como os ataques de pânico.
Uma pessoa tensa pode estar respirando
mal e por isso ter seu nível sangüíneo de
CO2 elevado. A respiração correta é uma

222



das técnicas usadas para promover o
equilíbrio mental. Então, há fatores
psíquicos envolvidos em todos os
transtornos de ansiedade que são tão
comuns atualmente. O fato de serem
descobertas as reações químicas e as
regiões do cérebro envolvidas nos sintomas,
não significa que sejam essencialmente
orgânicos. Uma reação emocional é algo
que se transmite ao soma de forma
bastante palpável.

Matar um leão por dia, não dá!
Desista antes de enlouquecer. Crie
expectativas mais realistas e aprenda a
gostar de si com menos condições impostas
para isso. Se você não pode matar o leão,
não se arrisque a ser devorado sabe-se lá
em nome de que causa. Nenhuma delas
pode ser mais válida que sua saúde.

223



HORA DO BALANÇO


Nossa visão materialista, nossa
sofisticação tecnológica e as alterações que
chegamos a empreender em nossos
comportamentos ainda não se mostraram
suficientes para levar-nos a um estado de
conforto interior. Por isso continuamos
querendo mudar.

Olhando o mundo a nossa volta, às
vezes não dá para deixar de ver sua loucura
e o dispêndio de energia que exige, como é
falho na solução dos nossos problemas.
Tendo ou não nos beneficiado das riquezas
produzidas por este mundo, em algum
momento sentimos que algo faltou e que
talvez tenhamos perdido um tempo
precioso demais empenhados em
conquistas que não mereciam tal esforço.

O mundo tantas vezes não nos trata
bem, não chega a recompensar-nos pelas
tantas renúncias que fazemos e nem nos
considera de forma alguma especiais.
Talvez outros homens possam fazê-lo, se
correspondermos ao ideal deles nos
tratarão com deferência e também se
tivermos algo de que possam se beneficiar.
Ainda assim guardaremos a secreta
sensação de que o mundo não nos conhece
realmente, conhece nosso CPF, nosso
endereço, nossa conta bancária e o trabalho

224



que nos cabe fazer. Mas não tem conosco
nenhuma intimidade, não está interessado
em nossos sentimentos e dificuldades, ao
contrário, parece esperar que não os
tenhamos.

É obrigação nossa adaptarmo-nos ao
mundo, mas ele não precisa prestar
atenção em nós. Pouco lhe importa o drama
pessoal de cada um.

Mesmo que tentemos muito acreditar
que o mundo está certo, e a prova disso são
os ricos, os famosos, os bem sucedidos,
logo ali nos deparamos com imagens e
fatos que contradizem nossa tentativa.
Descobrimos que quem parecia ajustar-se
perfeitamente ao ideal social de vitória e
sucesso é na verdade um derrotado em sua
vida pessoal, afunda em todo tipo de
conduta auto-destrutiva e não é mais que
uma imagem. Ou podemos descobrir que
aquela pessoa que enriqueceu e assim
tornou-se modelo pelos nossos códigos de
comportamento, não o fez de forma lícita e
assim não havia grande mérito em suas
conquistas. Outros, para fazê-lo
sacrificaram suas vidas pessoais e
prejudicaram pessoas a quem deveriam ter
dado outro tipo de atenção e valor, falhando
com eles em seu compromisso amoroso.
Ficamos tristes ou indignados quando o
idealista que conquistou nossa admiração,
encontrando-se em posição de desfrutar do

225



poder se transfigura e encontra uma outra
lógica para reger-se. Sentimo-nos muitas
vezes magoados com o mundo e conosco
mesmos quando descobrimos em que
fantasias tolas andamos acreditando e que
males acobertamos, contra nós e contra
outros.

Somos sufocados pela pressão da

insatisfação e da exigência que
desconsidera nossos limites e nossas
necessidades.
Durante certo tempo ficamos
encantados com essa corrida,
especialmente quando somos jovens,

acelerados e cheios de idéias de conquista.
Superestimamos nossas forças e somos
tomados por nossa vaidade que comanda
nossas ações. Depois, num dia qualquer,
vem aquela desconfiança de que não
estávamos certos, dá uma certa desilusão,
como ao descobrirmos que nossos mitos da
infância são apenas isto: mitos.

Após um período inicial de
desconforto e pesar pela constatação,
passamos a nos ver com certo orgulho de
nossa lucidez. A maturidade é crítica e
exigente, espera que agora nos tornemos
mais prudentes e mais capazes de fazer
boas escolhas. Nossa margem de erro fica
menor porque já não temos tanto tempo
pela frente, nem podemos alegar a nosso
favor a ingenuidade da infância.

226



Nesta fase da vida queremos
continuar sonhando, afinal esse parece ser

o nosso destino, mas queremos fazê-lo de
forma mais segura. Não queremos perder
tempo com ilusões infrutíferas, nem temos
como desperdiçar com enganos.
Contudo, quase todas as escolhas já
foram feitas, temos muitos elos e
compromissos. Nossas vidas já estão
estruturadas, pois decidimos por um
caminho e o seguimos. Mesmo não nos
tendo nos dado tudo o que esperávamos,
deu-nos muitas coisas que prezamos.

Então começamos o trabalho interno
de avaliação, de ver que valor tem as coisas
para nós e o que deve ser mantido ou
mudado.

Não é tão fácil mudar, somos presos a
diversos sentimentos e temores que nos
falam ao ouvido apaziguando nosso
desconforto e freando nossos anseios.
Nossa consciência nos pede cautela, nossa
libido está ligada a muitas coisas e nosso
Ego já não se considera tão poderoso
quanto antes. O teste da realidade deu-nos
uma visão de nossos limites que não
tínhamos na juventude. Mas continuamos
ansiando por vida, por satisfação, pela
sensação de estar fazendo algo que valha a
pena, algo por nós mesmos, pelo mundo
que afinal de contas não deixamos de amar.
Queremos, quando a maturidade chega,

227



nosso quinhão de satisfação e felicidade,
talvez mais do que queríamos antes. Já
esperamos muito por ele, já fizemos muito
pela vida e esperamos colher os frutos.

Quando uma geração faz seu balanço
de vida, em geral seus filhos estão na
adolescência e isso é mais uma prova de
que o tempo passa. Enquanto os pais
revisam a vida e os valores que adotaram
para si, os filhos estão questionando e
criticando. Procuram as suas respostas.
Hoje há mais espaço para que verbalizem
essas críticas, dúvidas e queixas, mas elas
sempre existiram. Uma geração sempre
mede os méritos da outra e avalia suas
ações e valores antes de sedimentar os
seus.

Podemos nos abater durante essa
avaliação, somaremos suas observações
desfavoráveis às nossas próprias e
concluiremos que fizemos muita coisa
errada.

Se ficamos muito ansiosos ou somos
vaidosos demais podemos não aceitar
nenhuma crítica, sentir-nos profundamente
ofendidos, considerá-los ingratos e entrar
numa batalha de ressentimentos que só
servirá para aumentar o distanciamento e
não nos salvará de nosso próprio
julgamento. Internamente estaremos
tocados pelo que dizem mesmo que não

228



demonstremos qualquer concordância, o
que nos pareceria uma confissão de culpa.

Ou, podemos ouvir o que tem a dizer,
exigir ainda respeito, afinal eles tampouco
conseguirão viver sem equivocar-se em
algo e aconselhá-los a fazer melhor, é dessa
forma que evolui a humanidade. Só não
podemos abrir mão dos nossos méritos,
afinal sabemos quanto nos custou a
tentativa.

Nesta fase da vida estaremos fazendo
escolhas pessoais da maior importância.
Assim como nossos filhos, também nós
viveremos esse processo. De um modo um
pouco diferente, pois no nosso caso trata-se
de rever escolhas. As angústias envolvidas
são semelhantes. Quando escolhemos, por
mais cautelosos que sejamos, estamos nos
lançando ao novo e não temos nenhuma
garantia de resultado. Há sonhos,
julgamentos sobre as possibilidades de cada
caminho, mas não há certezas.
Trabalhamos o tempo todo com o incerto
em nossas vidas.

Para os jovens é difícil escolher
porque lhes falta a experiência e o
conhecimento, mas são acalmados por uma
certa onipotência que caracteriza a
juventude, a sensação de poder pessoal, a
confiança. O adulto se beneficia da
experiência, mas tem mais limitações de

229



tempo e mais apegos e compromissos que
dificultam as novas escolhas.

Todos terão de deixar coisas para trás
quando escolhem outra situação. Mesmo
quando não façamos escolhas conscientes,
a vida se constituirá de inúmeras mudanças
e perdas inevitáveis. Perder não é fácil,
requer um processo de elaboração do luto
pelo que foi perdido antes que possamos
ver os benefícios e possibilidades do que
está pela frente.

Mas sempre e para todos há algo pela
frente.

Costumamos nos preocupar bastante
com o que virá. Algumas vezes nos
preocupamos tanto que nem chegamos a
ter consciência do momento vivido. A
preocupação com o tempo parece válida na
medida em que tenhamos projetos, todo
tipo deles, qualquer coisa que desejemos
construir externa ou internamente requer
tempo.

Nem o adolescente, nem a pessoa que
faz seu balanço de vida na meia idade, tem
muita tranqüilidade com o assunto tempo.
Todos dois tendem a ter um sentimento de
urgência. Um porque tem muito o que
fazer, seus projetos são muitos e tudo está
por ser alcançado; o outro porque já não
tem tanto tempo assim, percebe que ele
passa rápido e não quer perdê-lo. Muitas
das angústia e questões de pais e filhos se

230



assemelham nesse período. O adolescente
está tentando tornar-se independente de
forma psicológica e material.

O adulto nesta fase está também
buscando uma forma de independência. Ele
pretende independizar-se de seus ditadores
internos, de seus agentes interiores de
castração e de rigidez. Pretende revisar os
valores que trouxe até aqui, na medida em
que se tenham mostrado obsoletos
substituí-los por outros, construídos ao
longo da própria experiência. De certa
forma busca independência interna e isso
pode refletir-se numa maior liberdade
externa.

A relação amorosa com os filhos
muda. Adquire as características de uma
amizade. Éramos dominantes, responsáveis
pelo provento deles e significávamos
amparo e satisfação. Suas necessidades
serão outras, seus interesses também ,sua
libido se deslocará em direção aos seus
novos parceiros, farão uma escolha sexual
adulta.

Ficamos meio desempregados.
Estávamos tão habituados a fazer deles o
centro das nossas preocupações,
organizávamos nossas vidas em função
dessa dependência natural das nossas
crianças. E com que dificuldade deixamos
de nos referir às nossas crianças, escapa,

231



quando menos esperamos estamos falando
deles assim.

É melhor que aceitemos as mudanças
e larguemos logo do pé deles deixando que
cresçam. Melhor arranjar outro emprego,
outra situação para investirmos essa
quantidade de libido que ficará disponível.

232



OUTRA ADOLESCÊNCIA


Essa nova adolescência é uma
segunda oportunidade que a vida nos dá de
nos postarmos a favor de nós mesmos, dos
outros seres humanos, da própria
existência. Quando o vigor da juventude
ameaça nos abandonar podemos abrir
novamente os olhos para o valor da vida,
sua transitoriedade a torna inda mais
valiosa. Essa consciência nos pode ajudar
muito a respeitá-la sobre todas as coisas.

Tal como na primeira adolescência,
estaremos diante de uma contestação das
regras. Quais delas afinal são legítimas? A
regra básica não era respeito a si próprio e
ao outro? Quantos desrespeitos cometemos
ao longo da vida, em nome das regras? Elas
que se perderam de sua essência e
esqueceram-se de que foram criadas para
defender, proteger e valorizar o homem,
organizando a convivência da espécie.

As regras que temos seguido
pasmem, servem mais vezes ao ato de
desrespeitar o ser humano que de protegê-
lo.

Nossa segunda adolescência é uma
reedição de um manifesto à liberdade, só
que provavelmente, não sairemos às ruas
gritando palavras de ordem. Nosso desafio
será maior pois esse manifesto terá de ser

233



redigido, lido e entendido por nós mesmos,
no silêncio da nossa consciência. Será uma
conclusão apenas nossa. Uma avaliação
nascida de nossas vivências, da análise de
nossas atitudes e dos resultados que
colhemos.

Teremos que nos entender conosco,
dar a nós mesmos explicações pelo que
fizemos, perdoar-nos alguma ignorância e
aquilo que fizemos contra nossos sonhos.

Não poderemos esperar de outros que
nos guiem ou avaliem, nós mesmos
teremos de descobrir nosso valor e nossos
desejos, nossas insatisfações e suas causas.
Responsabilidade por si e por suas escolhas,
como convém a um adulto.

Teremos que compreender novamente

o significado da palavra liberdade. Não
poderemos mais confundi-la com
desrespeito. Liberdade não agride, respeita,
não passa por cima, considera. Liberdade
não é, em momento algum, incompatível
com a premissa básica da civilização:
respeito para permitir a associação de seres
humanos em proveito recíproco.
Não é incompatível com a ética, é
filha dela. Se agimos com ética, se
conhecemos nossos limites se fomos
também éticos conosco, será mais fácil
aceitar que o tempo passou. Não posso
conceber nada mais aproximado à
liberdade.

234



ÉTICA E LIBERDADE


Sendo assim, temos que pensar que o
aprendizado da ética seja o grande objetivo
dessa nossa aventura como espécie, que
ele acontece a nível individual antes que se
manifeste no coletivo. E que este
aprendizado é o mesmo da liberdade.
Porque ambas, ética e liberdade, talvez
tenham o mesmo significado e só a sua
existência conjunta complete o quebra
cabeças.

Se soubéssemos respeitar os outros e
fossemos respeitados o que teríamos a
temer? Que tipo de sentimentos
despertaríamos uns nos outros? Que
motivos teríamos para sofrer se nos
recusássemos a ser a fonte de sofrimento
para outra pessoa ou a servirmos de alvo às
suas agressões?

Como disse Freud, nenhum
sofrimento nos é tão penoso quanto aquele
que provém de outro ser humano. E se
finalmente pudéssemos pelo menos tentar
deixar de ser fonte desse sofrimento?

Não estou falando de idéias piedosas,
a piedade não precisa existir onde há o
respeito. Não estou falando de nenhuma
idéia religiosa sobre nos tornarmos santos
ou nos comportarmos de uma forma que
nos garanta acesso ao paraíso. Estou

235



falando de querer ser respeitado e de
enxergar que os outros tem o mesmo
direito. Simplesmente porque não há
nenhuma necessidade de vivermos no
inferno que não tenha sido inventada por
nós mesmos. Somos o inferno uns dos
outros. Estabelecemos relações parasitárias
com nossos semelhantes. Somos os
parasitas e os parasitados dependendo das
circunstâncias.

Quando estabelecemos relações de
domínio e dependência estamos sendo
imaturos e retrocedendo a um estágio
muito primitivo de desenvolvimento mental
em que precisamos controlar o outro para
termos nossas necessidades satisfeitas. Tal
comportamento é legítimo em crianças
muito pequenas, mas adultos precisam
aprender a existir por seus próprios meios,
isso inclui pensar, preservar-se de condutas
auto destrutivas e aprender que não há
realmente nenhuma necessidade de
parasitar alguém. Nem por que permitir que
alguém haja como parasita em relação a
nós.

Nós precisamos aprender a
estabelecer relações amorosas e não
parasitárias. Na relação verdadeiramente
amorosa há benefício para ambos, ela é
voluntária e nos traz bem estar.
Caracteriza-se pelos sentimentos de
consideração e respeito mútuo. Não há

236



privação de liberdade. É mais parecida com

o comensalismo.
A relação parasitária é só
aparentemente vantajosa para o parasita.
Na verdade ele é uma criatura incapaz de
vida independente, não tem meios para
prover sua subsistência senão prejudicando
alguém. Corre sério risco pois, assim que
puder, o outro se livrará dele, e sua vida
dura enquanto dure a do outro .É uma sub
vida a do parasita.

Já para o ser parasitado o prejuízo é
total. Ninguém em sã consciência pretende
estar nessa posição de tão evidente
desvantagem. O que pretende parasitar
terá de usar a força ou valer-se da
fragilidade do outro para se instalar lá. A
vítima do parasitismo, para alimentar o
parasita terá de fazer esforços redobrados e
não hesitará se puder manter com outro o
mesmo tipo de relação espoliativa a que
está sujeito.

O dominado, se puder, inverterá as
coisas de forma ninguém pode encontrar
segurança em tal situação. Por isso não é
um discurso piedoso. É uma avaliação de
que tanto como indivíduos quanto como
espécie, precisamos evoluir em nossas
relações para que o nível de bem estar
encontrado nelas seja mais satisfatório e
duradouro.

237



É, na verdade, um discurso que faz a
defesa da saúde mental como um direito de
cada um e uma grande conquista a ser
efetuada, já que é a nossa cabeça que está
movimentando o planeta.

A ciência honesta cabe comunicar
tudo o que descobre sobre a saúde e a
enfermidade, às pessoas cabe o direito de
tomar ou não em consideração o que é dito.

238



BRASIL


O Brasil é um país onde o
desequilíbrio é visível. É claro que ele existe
no mundo todo, não é privilégio nosso. Mas
basta ter acesso a um pouco de informação
prá perceber que não somos bons da
cabeça. Ainda que encontremos milhares de
justificativas conscientes para o que
acontece, e disso se encarregam
principalmente os políticos e os
economistas, não temos como deixar de
perceber que a razão mais profunda é uma
visão muito equivocada das relações
humanas e uma confusão muito grande de
valores.

De que outras forma poderíamos
explicar que permitimos que uma parcela
tão grande de nossa população viva onde só
os ratos admitem espontaneamente viver?
De que outra forma podemos entender o
nível de violência a que estamos
submetidos? Como sociedade somos vítimas
do masoquismo, do sadismo, da negação,
da submissão, do narcisismo, das
tendências suicidas e de todas as patologias
mentais que conhecemos.

Não temos um senso de identidade
adequado, auto estima e visão de que
somos um grupo. Não temos autonomia e
iniciativa de autogestão adulta e

239



responsável. Não temos responsabilidade
como nação! E não precisamos esperar que
os outros nos tratem melhor do que nos
tratamos.

Mas vamos ter de amadurecer, não há
saída e a dor extrema pode ser uma
oportunidade para o crescimento coletivo,
tanto quanto é para o individual. Para
todos, chega um dia em que o instinto de
auto preservação fala mais alto! Porque já
não é mais possível suportar a dor. E isso já
está acontecendo, muito mais vindo do
povo que do poder. Todos os dias há
pessoas se associando e tomando iniciativas
de inovação e progresso, tentando resgatar
valores, o maior deles a nossa gente que
produz toda nossa riqueza material e
cultural.

Não queremos mais ditadores e
nem esperamos mais por um salvador que
fale bonito e pretenda ser o portador da
verdade e das soluções, estamos achando
melhor fazer nós mesmos, o que já é um
sinal de que estamos amadurecendo.
Estamos além dos discursos políticos e eles
nos enervam pela repetição e falta de
criatividade. Muitos já são os que entendem
que resgatar a dignidade de cada um de
nós é o princípio de tudo.

Particularmente, tenho horror às
ideologias revolucionárias que pretendam
tomar o poder pela força, sejam elas de

240



direita ou de esquerda. Parece-me que já
partem de um princípio torto e esquizóide,
dividem o mundo em dois lados: os bons e
os maus, os certos e os errados. Sempre
tem os mais elevados propósitos e as mais
elaboradas justificativas para o uso da
força. Mas a história nos mostra com que
freqüência, ao chegarem ao poder, seguem
os passos de seus antecessores e cometem
os mesmos abusos ,com discursos
diferentes.

Um povo não precisa de salvadores
como uma pessoa não precisa de piedade,
só precisamos de uma educação que nos
ponha no caminho de podermos descobrir
uma consciência suficientemente evoluída
para viver de acordo com os princípios do
respeito e da responsabilidade por nossas
vidas.

241



PRODUTORES DE REALIDADE


Já falamos algumas coisa sobre o
funcionamento da mente humana e sobre
alguns aspecto do que acontece em nosso
mundo, o habitat da espécie.

SOMOS OS PRODUTORES DA NOSSA
REALIDADE. Nós homens somos os únicos
animais que fazem isso. Construir uma
realidade é algo bastante ambicioso e
sujeito a erros; alguém que pudesse nos
ver de fora e analisar nosso comportamento
como espécie bem poderia concluir que
somos insanos. Que construímos para nós
um imenso delírio, uma enorme fantasia da
qual todos compartilhamos e passamos a
chamar realidade.

A realidade única e definitiva, a que
existe para todos sobre o planeta, é a
natureza. Nosso mundo, nossas invenções,
valores, linguagem, criações artísticas,
dinheiro, tudo pertence primeiro ao
imaginário depois é tornada real pela
aceitação coletiva.

O que de mais real temos em nós é
nossa fome, nosso instinto de defesa,
instinto sexual, aquilo que provém da nossa
natureza biológica. Tudo o mais é acréscimo
que denominamos cultura.

A cultura nasce da interação entre
nossas vivências externas e nosso complexo

242



mundo interno. Ela está presente em
ambos, mas resulta no lançamento daquilo
que criamos internamente para o universo
que nos cerca.

Porque o homem diferenciou-se
mentalmente a ponto de fazer tudo isso?
Não sabemos responder o que houve
conosco. Temos hipóteses, mas não
certezas.

Acredito que o desenvolvimento do
cérebro, mais do que qualquer outro órgão,
só pode ter derivado de uma necessidade
de sobrevivência. Talvez fossemos uma
espécie ameaçada da extinção pela
fragilidade física e nosso caminho evolutivo
tenha então encontrado esse
desenvolvimento da inteligência como
resposta possível. Através dela pudemos
modificar o meio aumentando nossas
chances de sobrevivência. Não nos
adaptamos a ele através da aquisição de
atributos físicos conferidos por mutações.
Não desenvolvemos garras ou músculos
mais fortes. Desenvolvemos, através do
raciocínio e da criatividade, utensílios que
os substituíssem.

A indagação mais profunda
permanece: porque aconteceu desta forma?
Temos exemplos de outras espécies que
tem alguma sofisticação em sua
organização como grupos, mas não criam
como nós e tem vida efêmera.

243



Nossa vida é relativamente longa e o
período de infância é o maior do reino
animal. Os bebês homens vivem na
companhia e na dependência de seus pais
mais tempo que quaisquer outros filhotes.
Imagino se daí não poderia ter surgido o
fator que nos diferenciou.

Durante essa prolongada convivência,
com tão íntima interação entre o adulto e
sua cria, talvez possa ter nascido um tipo
especial de laço afetivo mais profundo, que
não chegue a desenvolver-se em outros
animais. Tal apego a alguém, o que
chamamos amor, pode ter sido razão
suficiente para alterar o curso de um
psiquismo primitivo que se regia apenas
pelos instintos. Tal suposição baseia-se em
que uma vez estabelecido um laço desta
natureza, perder o objeto amado, agredi-lo
ou abandoná-lo, pode ter se tornado mais
penoso para nós.

A libido, que é a energia das pulsões
amorosas, é um vínculo muito forte, pois se
associa ao prazer. A vinculação afetiva, é a
mãe do pesar. Se estamos amorosamente
ligados a alguém, qualquer mal que lhe
suceda ou que lhe causemos, despertará
sofrimento em nós. Sentiremos sua falta ou
nos colocaremos em seu lugar e haverá
sentimentos desagradáveis nisto.
Suponho que passávamos muito tempo
cuidando de nossas crias e tentando fazê


244



las sobreviver. As mães têm especial apego
aos filhos e seu instinto leva-as a protegê-
los até que possam cuidar de si mesmos. A
mulher inventou a agricultura e isto não é
difícil de entender observando de três
pontos de vista:

_ queriam um meio de alimentar suas
crias por mais tempo do que podiam fazer
pela lactação.

_por pertencer à elas a função de
cuidar dos filhotes, eram mais fixas e
provavelmente passavam mais tempo
observando a natureza ao seu redor.

_não foi difícil entender o processo de
plantio, que em tudo se assemelha a sua
própria condição feminina. Fecundação,
gestação e brotação era algo que
experimentavam nelas mesmas.

A agricultura permitiu a fixação a um
ponto geográfico, criação de uma ordem
mais estável e com maiores possibilidades
de sobrevivência. Os homens ficaram,
porque são libidinalmente ligados à mulher.
Não apenas pelo interesse sexual direto,
mas porque são seus filhos e tiveram
oportunidade de desenvolver com ela
especial vínculo.

Acredito então, que nossa trajetória
se tenha iniciado com um desenvolvimento
e fixação maior da libido a uma

245



determinada pessoa proporcionado pela
estreita e longa convivência das mães com
seus filhos.

A fixação à terra, com o advento da
agricultura, deu inicio à vida em grupos
organizados e a partir daí ao que se chama
civilização. Ligar-se à terra tem uma
analogia com ligar-se à mãe, à figura
feminina. Fecundá-la e ser alimentado por
ela.

Esta nova vida, mais fácil, deve ter
permitido que o homem tivesse tempo para
dedicar-se a outras atividades não
diretamente ligadas à sobrevivência. Novas
habilidades foram sendo adquiridas e
armazenadas na memória, chegando a
construir uma estrutura mental
progressivamente mais complexa, até a sua
forma atual, produtora da própria realidade.

246



FORMAÇÃO DO
PSIQUISMO HUMANO


As idéias expostas acima originam-se
no estudo do desenvolvimento do psiquismo
humano desde seu nascimento. Creio que
nossa história como espécie possa ser um
processo semelhante num nível mais amplo
e num ritmo mais lento.

Ao nascer somos algo indiferenciado,
sem outros registros que não os instintivos.
Nossa mente desperta para o mundo
exterior pelo interesse encontrar meios de
sobrevivência. Como nossa natureza nos fez
dependentes dos cuidados maternos, é à
mãe que primeiro dirigimos nossa atenção.
O laço afetivo que se desenvolve é um
estímulo ao mais para despertar nosso
interesse. Ela é nossa fonte de prazer e
gratificação e está do lado de fora, fato que
percebemos gradualmente e que desloca
nossa atenção para o meio externo.

Nosso cérebro vai então recebendo as
informações que provém do meio e
registrando-as em seu banco de dados
Assim vai se formando nosso psiquismo, vai
se enriquecendo, vamos aprendendo a
interagir e adquirindo capacidades.

Numa fase em que já pode
reconhecer totalmente a mãe como outra
pessoa cuja existência é independente da

247



sua, ela é vista como algo muito precioso
que a criança deseja reter perto de si. Nós
somos, como quaisquer outros animais,
constituídos de impulsos amorosos e
agressivos. Quando reconhecemos
plenamente nossa mãe e desenvolvemos
com ela uma ligação emocional, desejamos
poupá-la de qualquer agressão de que
sejamos capazes.

Ora, mas o que pode um bebê fazer
de mal a sua mãe, a não ser mordê-la?
Mesmo um bebê reconhece o que sente,
quando se vê privado de satisfação sua
agressividade é posta em marcha. Surge a
hostilidade que pode dirigir-se a mãe, já
que a privação, tanto quanto a satisfação,
provém dela. Mas o bebê não se sente
seguro diante desta hostilidade, em suas
fantasias teme perder a mãe se agredi-la.
Todos sabem como um bebê faminto fica
furioso, essa fúria é temida por ele como
algo destrutivo e perigoso.

Na fase em que começa a aprender a
lidar com seus impulsos agressivos o bebê
inicia seus maiores progressos. Renuncia a
agressão e dirige sua energia e interesse
para o mundo, com o qual é cada vez mais
capaz de interagir.

Logo, é também através da libido que
nos ligamos ao mundo. É no interesse de
preservar nossas vidas que reagimos às
fantasias destrutivas ligadas ao instinto

248



agressivo e as canalizamos para o
aprendizado. A fala, a marcha, o domínio de
seu pequeno mundo, a imitação dos adultos
e o começo do desenvolvimento do
raciocínio ocorrem.

Essa fase de aquisição do pleno
reconhecimento do outro prolonga-se pela
vida afora, até a maturidade estaremos
desenvolvendo esta percepção. Passamos
de uma simples associação para
sobrevivência a um elo amoroso complexo
que envolve a consideração.
É possível que se desenrole de forma
semelhante nossa evolução mental como
espécie.

O espírito iniciador da civilização foi o

interesse não só pela sobrevivência
individual, mas da prole e assim da
humanidade.

Estamos tentando avançar no controle
de nossas pulsões agressivas. Buscamos
transformá-las em algo à serviço da vida,
sublimá-las. Foi esta tentativa que nos deu
a base para construirmos o belo e o útil,
toda a abundância e bem estar que a
inteligência conseguiu.

Nem tudo é sucesso, avançamos aos
poucos. A agressividade sempre viverá em
nós, a natureza criou-a para servir ao
desejo de sobrevivência, um animal precisa
dela para caçar e defender-se. Não é em si,

249



má, mas algo que deveria funcionar sempre
em favor do indivíduo.

A modificação da resposta agressiva
parece ser o maior efeito colateral da
racionalidade. Modificamos nossa libido e
mudamos também os mecanismos naturais
que regem a agressão. Sabemos que na
natureza impera o princípio do prazer. Tudo

o que nela acontece é no interesse da vida.
O único prazer que um animal pode
experimentar num ato agressivo é o alívio
sentido pala garantia de sua sobrevivência.
Quer o ato agressivo constitua-se na caça
ou na defesa ou até mesmo na disputa
pelas fêmeas, o interesse pela vida o move.
A agressão visa fazer cessar algo que
ameace o indivíduo, seja a fome que pode
matar, seja um predador que pretenda
devorá-lo.
Mesmo nas disputas envolvendo o
interesse sexual o prazer não consiste na
agressão, mas no acasalamento, sendo a
agressão apenas um meio para chegar a
ele. Eliminar o adversário é uma garantia de
sobrevivência e transmissão dos genes do
mais forte.

É discutível que exista o sadismo na
natureza. O prazer não parece ser extraído
diretamente da agressão.

A agressividade humana pode ser em
princípio movida pelos mesmos princípios,
mas sujeita a erros na leitura da realidade.

250



Confusão de dados, diríamos. Podemos nos
sentir ameaçados mesmo quando nenhuma
ameaça real exista.

Aí entram em cena as fantasias, isso
que só os homens tem e que pode servir à
vida como destruí-la desnecessariamente.
Pode também gerar a aberração do sadismo
e da auto-agressão.

251



DUALIDADE


Somos constituídos de tendências
amorosas e agressivas. Em cada um de
nossos atos elas se mesclam em
quantidades variáveis. Situações de
equilíbrio e satisfação de nossas
necessidades despertam a lembrança
daquilo que se liga predominantemente à
libido e a sensação correspondente é o
prazer. Situações de privação e agressão
geram emoções opostas, mobilizam
fantasias de aniquilamento e morte e toda a
angústia que as acompanha.

Todos temos registros de ambas as
situações em nossas mentes, alguns
conscientes outros não. Tudo o que
acontece externamente tem o poder de
mobilizar nossos conteúdos internos, por
semelhança.

Da mesma forma, esses conteúdos
mobilizados tendem a produzir ações
correspondentes sobre o meio. Isso
corresponde mais ou menos aquilo que
percebemos intuitivamente como: o que é
bom chama o que é bom e inverso é
verdadeiro.

Agimos de acordo com o princípio de
realidade, mas a ele agregamos as nossas
fantasias. Como disse antes, o homem em
sua complexidade não se limita a observar

252



o que de fato ocorre à sua volta, como os
animais irracionais. Na mente humana
existe todo um mundo novo: as fantasias.
Para existir elas se valem da memória de
fatos e emoções e associam-se à
necessidades. Podemos então alucinar ou
ter devaneios sobre o que desejamos ou
tememos.
A existência da fantasia tornou por
demais complexa a compreensão da
realidade e facilmente se pode falseá-la. Se
algo no exterior suponhamos uma situação
desfavorável, mobiliza em mim fantasias de
caráter desagradável em que me sinta
ameaçada de alguma forma, tenderei a
avaliar o que ocorre naquele instante com a
mesma emoção e falsearei a realidade se
esta emoção me comandar. Assim posso ter
uma reação que seja completamente
inadequada para a ocasião.

Nisso reside à importância do
equilíbrio entre experiências de satisfação e
frustração. São elas que criam as fantasias
que armazenamos para construir nossa
estrutura mental, que constitui-se numa
dualidade. Se tivermos um predomínio de
registros desfavoráveis, haverá mais
angústia e mais agressividade em nossas
tendências. Projetaremos isso no mundo e
nos relacionaremos com ele à partir deste
ponto de vista.

253



As fantasias amorosas são o motor de
toda atitude construtiva e de todo equilíbrio
que experimentamos porque se ligam à
vivências de satisfação e se acompanham
da sensação de bem estar. Estão associadas
a cuidados recebidos e atendimento as
nossas necessidades físicas e emocionais na
tenra infância quando sentíamos nossa vida
assegurada e nenhuma ameaça ou tensão.
Sentíamos ser fonte de prazer para alguém.

Ao contrário, quando sentimos frio,
fome ou desconforto e ninguém vem em
nosso socorro, a angústia pela vida nos
invade. Somos então agressivos, gritando
para que nos atendam. Este é o primeiro
modelo psíquico de tensão e desequilíbrio
que gera as fantasias correspondentes de
destruição, perigo e medo.

Pela vida a fora sentiremos serem
mobilizadas ambas as tendências em nós,
destrutivas e amorosas. Um excesso de
sensações de insatisfação e desprazer
produzirão uma tensão mental perigosa,
uma ameaça de ruptura e a emoção da
voracidade. Estas experiência são as
responsáveis pela insanidade em nossos
atos e pensamentos.

Nós homens, criamos um mundo só
nosso, que pode ser considerado louco sob
alguns aspectos. Nossas criações refletem
nosso mundo interno e ele é dividido entre

254



situações de equilíbrio e desequilíbrio. Amor
e ódio.

Imagino que nosso destino seja
dependente de podermos fazer prevalecer o
estado de equilíbrio e bem estar
fortalecendo o que é libido.

A libido não precisa ligar-se apenas a
outro ser humano mas a tudo que para nós
represente satisfação. Podemos ligar nossa
energia amorosa àquilo que é capaz de nos
despertar sensações de prazer,
preferencialmente ao que não nos cause
dano.

Apreciar a arte e a natureza, realizar
trabalho criativo é satisfazer nossos
impulsos amorosos e encontrar uma via de
expressão construtiva para os agressivos;
um arranjo desta natureza fortalece nosso
psiquismo.

No estado normal das coisas o que
lembra vida mobiliza energia libidinal e
potência. O que lembra morte e destruição
mobiliza angústia, agressividade e
desequilíbrio.

255



SONHADORES


Toda a grande mudança ocorrida na
trajetória humana resultou em nos
tornarmos sonhadores. Sonhamos e
construímos nossos sonhos, que às vezes se
revelam pesadelos. Somos seres que
constróem no mundo ao seu redor os
desejos e fantasias que povoam seu
interior. Só quando sentimos estar no
caminho de criar aquilo que brota de nossos
mais profundos anseios nos sentimos
realmente felizes e entusiasmados,
achamos que a vida tem valor. Não
queremos apenas comida, abrigo e alívio
para a dor. Queremos nos sentir inseridos
num grupo. Queremos diversão e beleza,
arte e troca. Universo rico e louco que
somos precisamos ter a chance de
manifestar nosso atrevimento frente à vida
e tomá-la em nossas mãos. Sentirmos,
tanto quanto possível, que somos agentes
do nosso viver. Superar nosso desamparo
infantil e contar conosco, com nosso
discernimento e toda a consideração que
temos por nós mesmos e que nos leva a
buscar um estado que denominamos
felicidade.

Somos todos loucos varridos quando
atentamos contra isso qualquer que seja a

256



explicação que tenhamos para produzir
sofrimento.

Não se trata de uma frenética busca
ao prazer, de uma sociedade hedonista cuja
desenfreada busca de satisfação
desrespeita a condição humana. Saímos de
um extremo de falta de liberdade e
sacrifícios duramente impostos, para a
cultura da satisfação imediata, onde vale
tudo. O próximo passo deve ser o equilíbrio.
Este que por ora não estamos encontrando.
Precisamos continuar nos esforçando para
descobrir quem somos, como funcionamos,
qual é nossa natureza e nossas reais
necessidades.

Mais e mais pessoas começam a se
questionar sobre a forma como vivemos.
Mais e mais denúncias e protestos surgem
sobre situações falsas e danosas. Estamos
nos tornando mais conscientes do que
nunca de tudo o que nos faz mal. Em todos
os cantos do mundo pessoas buscam
alternativas para uma vida mais saudável,
cada grupo com uma visão, todos podem
ter uma contribuição importante a dar.

O grande benefício do conhecimento
dos modos de vida de todas as culturas,
proporcionado pela moderna tecnologia da
informação, é justamente mostrar-nos
quem somos, onde estão nossas falhas e
acertos.

257



Já não é possível viver no mundo
pequeno de cada comunidade. Temos uma
consciência crescente de espécie e dentro
dela uma certeza de sermos indivíduos com
direito ao respeito àquilo que em nós é
autêntico.

Nos próximos anos estaremos cada
vez mais dispostos a descobrir o que serve
e o que não serve para nossas vidas, como
afinal, queremos viver.

A força de muitos equívocos vem
caindo e a liberdade sendo conquistada,
embora não igualmente para todos. Mas a
educação se expande e ela pode ser um
meio eficaz de desenvolver o senso crítico
do indivíduo e sua capacidade de interação
positiva com o mundo.

Não queremos mais mentiras e limpá-
las tem nos custado bastante. Há feridas
expostas e isso, num primeiro momento é
doloroso e chocante. Estamos em meio a
uma descoberta de nós mesmos como
grupo e como indivíduos. Vivemos uma
situação de crise, mas elas servem ao
crescimento. Temos uma tendência a
escamotear, esconder e deixar como está,
até que todo mal estar fique muito evidente
e a crise se instale. Então, por algum
tempo, tudo será questionado e reavaliado
e nosso mundo parecerá caótico. Passada
esta fase de angústia e às vezes desespero,
caminharemos para algo mais satisfatório

258



aprendendo com nossa dor e resgatando
nossa identidade.

No futuro não concordaremos mais
em vender nossas almas a nenhum tipo de
engano e não participaremos de nenhuma
falsidade. Compreenderemos finalmente
que temos o direito básico à saúde, aquela
cujo conceito é um estado de bem estar
físico e mental na maior parte do tempo.
Então nenhum valor poderá se sobrepor a
este e compreenderemos que não é possível
ignorar partes desse todo que é a
humanidade. Enquanto não pudermos todos
desfrutar de saúde, não seremos uma
espécie saudável.

Somos um ecossistema social e este,
repito, não é um discurso ideológico ou
religioso, mas psicológico. A medida que
vamos tratando a nós mesmos com mais
respeito, estendemos isso aos demais.
Quando nos tornamos mais saudáveis há
um efeito a nosso redor. O conceito de
saúde mental passa pelo auto respeito e
pela capacidade amorosa, criativa e de
autenticidade. Este afinal era o objetivo da
civilização: a associação humana com vistas
a promover o bem estar e a libertação
sobre nossas dificuldades.

Os laços afetivos precisam também se
redesenhar nessa nova ordem. Há que
haver espaço para o espontâneo e o que é
em nós livre, mas também respeito pela

259



necessidade humana de interação com o
outro.

Até aqui as relações humanas tem
sido marcadas pelo desejo de dominação.
Contudo, a dominação não é necessária,
cria uma carga extra para ambos os lados.
Podemos começar a pensar associações
mais construtivas onde a troca esteja
presente e se estabeleça espontaneamente
entre as partes. Quanto mais rico
interiormente cada indivíduo se torna, mais
tem a oferecer e mais enriquecedor será
conviver com ele. Recebemos mais e
melhor do outro à medida que nossa
qualidade individual cresce.

Sempre precisaremos do outro, não
existimos isoladamente. O desafio é tornar
mais positivas estas interações e termos
consciência de que somos indivíduos e não
podemos nem queremos sacrificar isso em
nome do desejo infantil de dependência e
dominância.

As relações serão cada vez mais
igualitárias, com respeito às diferenças,
mas colocando todos num mesmo plano de
valor embora com papéis diferentes.

Respeito parece ser a palavra chave,
a grande questão a ser pensada e
praticada, já que decidimos abandonar as
cavernas. Respeito á diferença, respeito a
nossa natureza, ao outro, a si próprio.
Respeito ao direito que cada um tem de

260



seguir seu coração, dar vazão ao seu
potencial e de expressar-se como ser
vivente. Respeito ao direito de sonhar
também, pois somos sonhadores.

Quando esta nova forma de ver as
coisas amadurecer em nós e finalmente se
instalar, não parece que ainda teremos
tanto desejo de agredir e destruir. Nossa
potencialidade inteligente adquirida os
substitui pelo lúdico, o erótico, o desejo de
criar e a agressividade auto-defensiva. O
que há em nós de destrutivo é resíduo ou
patologia.. O homem sadio, respeitado em
suas necessidades, não é agressivo.

Não somos uma raça de decaídos,
estamos ainda submetidos à criações
culturais insatisfatórias, muitas vezes
incompatíveis com nosso bem estar e
equilíbrio. Porém, à despeito dos tropeços e
atropelos durante o período de maturação
desta idéia inicial que se expressa no ideal
civilizado, acredito que possamos chegar a
ela um dia. Aí, uma nova ética finalmente
prevalecerá, colocando em definitivo a vida
acima de tudo. A vida em todas as suas
manifestações e em todo seu potencial.

261



O FUTURO


O texto acima é uma utopia futurista
para brotar quando o homem for capaz de
descobrir uma nova lógica em sua essência:
a emoção. Assim, os profetas da nova era
já incluíram no amanhã o verbo amar. De
um jeito ou de outro intuem que ele estará
lá.

Querem mais espaço e criatividade.
Falam de uma época em que o homem terá
tempo de sobra e só lhe restará aprender a
amar e criar. Trabalho e criação são formas
de amor. São usos diferentes dessa energia
que nos distingue, vem da mesma
nascente.

Nestes novos e anunciados tempos
ficaremos mais em casa, teremos mais
liberdade para usar nossos dias de outras
formas que não com trabalho mecânico.
Precisaremos ser criativos, aprender a viver
de outra maneira. No ócio há dupla
possibilidade: prazer ou tédio, e este só se
vence incrementando a capacidade de
amar. Entraremos num jogo erótico com a
vida, com criatividade e prazer. Quem não
estiver disposto a encontrar isto se sentirá
perdido.

Por muito tempo ainda uma grande
parcela da humanidade estará totalmente

262



envolvida com a tarefa de sobreviver.
Muitos terão trabalho duro a realizar.

Os países ricos terão que se enfrentar
com questões individuais e relativas à alma
muito antes dos outros. A satisfação das
necessidades materiais leva ao próximo
patamar onde outros desejos surgem.

Aos países pobres caberá primeiro
prover as necessidades básicas de seu povo
e continuarão empenhados nisso. Talvez
agora de forma mais eficiente e com mais
ajuda dos desenvolvidos, quem sabe? Mas,
mesmo nestes países, haverá uma
população para a qual os novos tempos
estarão chegando de forma definitiva. Serão
os primeiros a serem liberados de uma
carga de trabalho que os mantinha absortos
e distantes de temas relacionados à própria
subjetividade.

Estando em casa, com mais dias de
folga na semana e menos horas diárias de
trabalho, que fazer? Você terá que se voltar
para si mesmo, sua família ou sua solidão.
Terá de recorrer ao seu potencial criativo,
talvez meio enferrujado. Será obrigado, em
primeiro lugar, a conviver consigo mesmo.
Repare que isso pode mais complicado do
que você supõe. Talvez você venha a
perceber que anda fugindo de si mesmo há
muito tempo e que a sua companhia nem é
das mais agradáveis.

263



No futuro, você terá de buscar
também outras relações, não mais aquelas
impostas pelo trabalho, serão relações
escolhidas, pessoas e situações com as
quais você precisará descobrir afinidades.
Estará forçado ao auto-conhecimento e a
desenvolver sua capacidade empática para
relacionar-se. Precisará conhecer cada
recanto de si mesmo e se abrir para a
troca. Descobrir desejos e fantasias, boas e
más. O resultado final é que terá muito
mais tempo para prestar atenção a si e
àqueles que estão ao seu redor.

Alguém poderá achar isso muito
engraçado e pensar que tempo livre é tudo
que desejamos na vida. Parar com a
correria, a falta de liberdade. Um sonho.
Realmente para muitos pode ser algo
bastante gratificante, sobretudo para
aqueles que tem suas vidas afetivas
estruturadas e não terão problemas como a
solidão. Outros tantos, porém, se
surpreenderão ao descobrir que por muito
tempo andaram tão rápido para escapar de
si mesmos. Correram tanto que se
deixaram para trás.

O tempo livre então, acabará
atraindo-nos todos para esse universo
misterioso que é nosso interior. Estaremos
em teste, nossa capacidade de nos
relacionarmos com vida será checada. Uma
vez que já não exista um padrão tão rígido

264



determinando o que deve fazer a cada
minuto de seu dia, você estará por conta
própria e tornar sua vida interessante ou
tediosa será uma escolha pessoal.

Quando as pessoas pensam em
aposentadoria elas, em geral, sentem-se
muito felizes e tem tantos planos que nem
caberia no que lhes resta de vida. Mas
freqüentemente se entalam logo ali, a idéia
tão sedutora do ócio remunerado vai
cedendo espaço a uma certa sensação de
vazio e inadequação. Falta-lhes a principal
via de acesso ao mundo que é o trabalho.
Então não é incomum vermos magníficos
planos de aposentadoria serem frustrados.
É preciso uma certa sabedoria e alguma
experiência com liberdade para que
consigamos descobrir o que fazer quando já
não formos comandados.

É um pouco a história do animal em
cativeiro, estamos tão acostumados a
seguir regras e obedecer à exigências e
ordens sem questionar que não sabemos o
que fazer quando nós estamos no comando.
Quanto a você, que poderá ter esse tempo
livre ainda jovem, ainda terá mais chances.
Talvez ainda dê tempo de conviver com
seus filhos, brincar com eles, ser criança
como eles. Você terá mais saúde e
vitalidade disponíveis para usar como quiser
e talvez também uma situação econômica
mais confortável.

265



Essa tal liberdade é algo desconhecido
para a maioria de nós. Estamos falando de
mais que um final de semana, mais do que
férias. É muito mais, é um novo modelo de
vida pelo qual você sempre ansiou mas que
não conhece, não sabe como viver.

Mantermo-nos sempre ocupados com
trabalho pode ser uma forma de estar longe
do que é complicado, doloroso, daquilo que
não queremos ver ou enfrentar. Uma forma
de nos afastarmos dos atritos familiares, de
nossas questões interiores que nem
conseguimos resolver ainda. Nossos
fantasmas se aquietam quando estamos
muito ocupados, não temos tempo para
eles. Dizem-nos o que fazer e fazemos,
ordens, regras, compromissos, tudo isso
que hoje ajuda você a ordenar seu caos
interno, se enfraquecerá. Você precisará ser
cada vez mais livre e criativo nesse mundo
novo. E aí?

Haverá um dia em que todos estarão
envolvidos com a mesma questão: melhor
qualidade de vida. Isso pressupõe lidar com
a subjetividade, o afeto. Vamos parar de
analisar apenas os aspectos materiais
quando quisermos medir a qualidade de
nossas vidas. Precisaremos considerar a
forma como nos sentimos e as nossas
relações com o mundo.

Por tudo isso nosso próximo grande
desafio somos nós mesmos, nosso mundo

266



interior. O externo, para muitos, já está
dominado. Precisamos nos voltar para esse
outro universo.

Há algum tempo isso começou a
ocorrer, no século que passou esta semente
já estava plantada e nos preocupamos
muito mais com comportamento e relações
interpessoais.

Até aqui a prioridade foi produzir para
garantir que sobreviveríamos. A fome, mais
que o amor, nos movia. Claro, ela tem
prioridade. Porém as coisas tendem a
mudar.

Talvez venhamos a viver outra
renascença, libertos do jugo da
racionalidade extrema, do produto em série
da era industrial, onde até nós fomos
ficando todos iguais.

267



AS RESPOSTAS DA HISTÓRIA


Houve certa época em que me
interessei bastante pela história antiga,
deste modo os egípcios, gregos, sumérios,
assírios, macedônios, persas, hindus e
chineses eram alvo de minha curiosidade.
Também as civilizações pré-colombianas,
Incas, Maias e Astecas. Estes últimos eram
meus favoritos por serem, com os egípcios,
aqueles que a meu ver alcançaram mais
alto nível de conhecimentos. Engenharia,
matemática, medicina, astronomia e
esoterismo.

Havia um distanciamento geográfico e
temporal entre estas culturas, porém uma
certa coincidência de princípios, práticas e
interesses. Em tempos distintos estiveram
de posse do mesmo conhecimento, ou
quase. Apesar das diferenças culturais, a
idéia do domínio da não matéria e da
transformação energética, bem como da
ordenação do universo e sua influência
sobre o homem, estão presentes em todas
elas em algum grau.

Todo o conhecimento da Antigüidade
parecia partir de uma base esotérica, de
forma que um matemático deveria ter uma
iniciação onde leis da não matéria eram
conhecidas junto às da matéria.

268



Especialmente por desenvolverem
dois níveis de conhecimento simultâneos
eram interessantes. isso acabou sendo
perdido desde então. De certa forma, foi
como se tivesse havido um retrocesso no
nível de compreensão da humanidade, à
partir daí. No norte da Europa, a cultura
celta resistiu alguns séculos e com ela
sucumbiu uma das últimas vertente
esotéricas importantes da Antigüidade.

Os romanos construíram um grande
império, mas não foram marcantes pelo
desenvolvimento do conhecimento a cerca
do universo, e sim pelo estudo das relações
humanas. Estudaram a ordem e o direito,
as artes e a língua. Com valores mais
fechados sobre si próprios, eles se
indagavam mais a cerca de seu meio
imediato, e menos sobre o universo e seus
mistérios.

Nessa Era do desenvolvimento
psíquico, o homem já perdia o acesso ao
inconsciente; deixava de ser capaz de obter
acesso à boa parte de seus processos
mentais. O conhecimento, tal como o
obtivera em eras e civilizações passadas,
mesmo antes do domínio romano, ao povo
não era concedido acesso. O conhecimento,
na verdade era um privilégio de poucos.
Não havia escolas para todos, foram elas
que, gradualmente nivelaram o

269



funcionamento psíquico e a inteligência da
espécie. São centros de treinamento

Mental, através da transmissão
cultural.

Este interesse pelo que hoje talvez
seja conhecido como ocultismo, levou os
povos antigos a um desenvolvimento
notável. Pareciam possuir habilidades
especiais, adquiridas do conhecimento de
algo semelhante ao que recém hoje
descobre a física.

Gradualmente, porém, no mundo
ocidental foram se perdendo as primeiras
formas do saber e o contato com o universo
interior, de onde provinha boa parte das
descobertas.

O contato com o interior precisou
submeter-se às normas das religiões, que
podiam ser por demais rígidas. Houve um
período de absoluto afastamento das
manifestações do inconsciente foi
decretado. Foi como uma grande repressão
atuando de forma coletiva.

Todo interesse científico voltou-se
para o material, pois a investigação do que
não pertencia ao universo da matéria era
assunto exclusivo dos religiosos. A própria
religião cristã, aos poucos, tornou-se uma
organização cujos interesses passaram a
ser temporais em grande medida.

A ciência natural acabou por chegar
de volta ao mesmo ponto, observando do

270



maior para o menor, do material para
outras formas de energia. Afinal, uma longa
trajetória cumpriu-se até que o ocidente
reencontrasse suas ligações com o que está
além do visível.

Durante muitos anos, a ciência
refutou quaisquer evidências de fenômenos
energéticos humanos. A própria
religiosidade foi classificada pela ciência
como tolice. Algumas linhas de pensamento
psicossociológico fizeram o mesmo. A
manifestação da fé poderia ser tolerada
com a benevolência que se deve à
ignorância de uma criança e suas mágicas
crenças, ou tratada com o rigor repressivo
usado contra algo pernicioso.

Havia um tanto deste pensamento no
período em que freqüentei a universidade.

Antes disso, havia passado por
leituras de Helena Blavatsky e outros textos
antigos sobre a mente e o universo. Essas
idéias ficaram sepultadas durante anos;
minha mente dirigiu-se ao rigor da ciência e
às explicações da psicanálise sobre as
razões humanas da fantasia, da fé.
Estávamos todos certos quanto à validade
das hipóteses sobre o universo revelado e
oculto.

Ainda hoje procuro manter-me
dentro dos limites do que é conhecido,
testado e considerado seguro e adequado
pela medicina, mas não me privo do direito

271



de indagar-me a cerca do que há além do
que sabemos, especialmente quando o
assunto é a mente humana.

Culturas antigas atestam que existiu
um tipo de conhecimento que passa pelo
auto domínio. A intrincada rede da
Inteligência ou Espírito é buscada como
fonte da verdadeira sabedoria e poder pelo
homem que assume o conhecimento
religioso da Antigüidade. O tempo não corre
da mesma forma para todos os povos sobre
a Terra. Assim, resíduos da Antigüidade
sobreviveram até a era moderna, nas
Américas. Somente à partir das chegada
das grandes expedições portuguesas e
espanholas, o tempo dos histórico dos
continentes europeu e americano passa a
ser o mesmo.

Ampliações da consciência e, por
conseqüência da capacidade de
compreensão, eram regularmente
praticadas por estes povos como forma de
obter conhecimento. Mas um contato prévio
consigo e as forças que atuam na mente
era necessário para que uma expansão da
consciência fosse atingida. Este tipo de
aprendizado foi sendo deixado de lado ao
longo dos séculos. O que algumas linhas de
pesquisa estão tentando resgatar hoje, é
sem dúvida um admirável mundo novo que
nunca deixou de existir! Para nós é
absolutamente surpreendente, na medida

272



em que só agora chegamos a compreendê-
lo. Estamos buscando unir conhecimentos
originários de diversos pontos de
observação e chegar a um resultado
comum.

Exatamente o que vai acontecer
quando as descobertas da ciência sobre o
funcionamento mental humano
correlacionado à ciência energética, não é
possível prever. Nos próximos cinqüenta
anos, o mundo poderá passar por uma
mudança de valores tão drástica quanto é o
ritmo com que se adquire o conhecimento.
Ele é o grande agente transformador. A
humanidade sempre andou no ritmo de
suas descobertas, e este é o período de
maior velocidade na pesquisa.

Muitos dos conceitos absolutos serão
postos por terra, através do que se virá a
conhecer sobre a estrutura disso que
chamamos universo. O surgimento de
novas necessidades e, pontos de ruptura na
estrutura social e mental da comunidade
humana, farão com que o se alterem os
pontos de vista e se amplie as áreas de
interesse. Não há absolutamente nada
capaz de deter a revolução que se
desenvolve quando o conhecimento passa a
ser tão amplo e tão largamente distribuído.

Estamos vivendo um momento de
confusão. A comparação dos homens às
ovelhas não foi feita por acaso. Sempre

273



fomos um rebanho à procura de pastores e
nosso comportamento tendeu à obediência,
homogeneidade e submissão. Este
momento acaba quando se decreta a
pluralidade de condutas e pensamentos.
Mesmo sendo integralmente verdadeiro que
esta liberdade subjetiva não existe em
todos os lugares, e ainda há rígidos
padrões e sistemas sobre a terra, as forças
despertadas quando se amplia a inteligência
são poderosas demais para que o mundo
permaneça o mesmo.

O comportamento de uns vai
influenciar o de outros, de forma que no
final, teremos uma expansão da
homogeneidade do viver humano, porém
resgatando o respeito às diferenças
culturais, onde reside a alma de um povo, o
seu senso de identidade.
Este será um dos primeiros conceitos a
mudar, a imposição de modos de vida por
povos dominantes tenderá a deixará de
existir. Todos os povos vão requerer sua
soberania e já não será possível estabelecer
domínios.

Acredito que as pessoa se recusarão
cada vez mais a assumir papéis e condições
de vida incompatíveis com sua saúde e bem
estar. O senso crítico do homem mais
esclarecido, vivendo num mundo cheio de
informação, estará aguçado e a noção de

274



auto respeito cresce. Então, o direito de
escolha deverá prevalecer.
Não haverá povos dominantes, pois cada
cultura elegerá seus próprios valores e
decisões.

A colonização contemporânea, como a
de todos os tempos, se dá em função da
riqueza. O poder desloca-se de onde há
mais para o meio mais pobre, como na
química há uma tendência em mover-se do
meio mais denso para o mais diluído.
Estes valores tão monetários possivelmente
precisarão ser revistos, pressões populares
no mundo inteiro podem levar governos e o
poder econômico a ceder espaço ao
descontentamento, que se mostra
crescente. Os modos de vida e de trabalho
serão violentamente questionados e as
relações sociais sofrerão abalos freqüentes
e intensos até um novo equilíbrio seja
estabelecido.

Dentro das nações poderá existir uma
tendência a não utilizar mais revoluções
armadas, mas algo mais individual, à nível
de consciência pessoal. Alguma parte de
cada um, começará a dar-se conta que
repudia certos aspectos do próprio viver,
que muito de fato não vale a pena. E que
outros são lesivos ao ambiente, ao
equilíbrio social e aos direitos e garantias
fundamentais dos seres humanos. Este será

275



o grande fruto colhido dos esforços
realizados pela cultura.
Assim como na vida mental dos
indivíduos, na História não há
descontinuidade. Todos os atos humanos
relacionam-se entre si numa relação de
causa e efeito desde o início dos tempos.
Desta forma as realizações de cada geração
que passou pelo planeta se somam de
forma a aumentar a inteligência e a
compreensão da espécie. Todo esforço feito
pela educação e pela ciência precisará dar
resultados. O fato de sermos
progressivamente mais esclarecidos, se
deve a estes desenvolvimentos da cultura.
Como idade mental e histórica são
comparáveis socialmente, também a saúde
de uma mente pode ser avaliada através da
idade de seu comportamento. Isso vale
para um indivíduo, povo, ou uma idade
histórica.

A educação é o meio que trata de
homogeneizar o nível de conhecimento,
inteligência e maturidade da humanidade.
Ela já existe em quantidade suficiente nas
sociedades atuais para ser uma força social
considerável.

Vivemos momentos de tanta
aceleração que se tornam confusos. Tudo
isso somado trará momentos de profundo
questionamento, introspecção e adoecer.
Não será uma transição gloriosa, mas

276



marcada por algumas angústias, e um
desejo crescente de mudanças em direção à
liberdade e a paz.

Talvez o conhecimento definitivo de
que formamos como humanidade um
campo energético único, equivalente ao
campo psíquico que se forma em qualquer
grupo menor, traga uma mudança de
comportamento. Existe uma tendência à
aglutinação da energia proveniente de cada
indivíduo com a possibilidade de
interpenetração de campos individuais. Isso
talvez leve-nos ao desvendar final da ética.
Ela não será mais um conceito vago,
passará a ser uma lei da física, o que não
deixará de ser engraçado.
Os homens não vão se transformar pela via
da piedade, da humildade e da
religiosidade, eles se transformarão pelo
conhecimento da interligação entre si e para
seu próprio bem estar.

O desconforto que o homem
contemporâneo apresenta diante de seu
viver é flagrante. Para quem o conheça
além das aparências, solidão, a insatisfação
vital, a insegurança, a desesperança na
estrutura social e, nas possibilidades reais
de satisfação dele e daqueles que o cercam,
são evidentes. Essa incomodidade e
elevação do nível de ansiedade, que se
apresenta hoje, será o motor das
mudanças.

277



Uma certa quantidade de pressão é
suportável pelo psiquismo, depois disso as
coisas começam a mudar de direção, é uma
forma de defesa.

O homem volta a desejar a magia e o
contato com a natureza. Não importa que
se trate de mais um capítulo da fantasia
humana, a racionalidade exagerada já
esgotou-se por si mesma. Ela não foi capaz
de manter satisfeitos aqueles de quem
depende para existir.

Se a magia e a relação com o
imaterial, como desejos humanos, se
expressam, não se poderá segurá-los por
mais tempo. Cada vez mais, as pessoas
procuram algo além do estreito viver
comum, da vida previsível e cansativa que
foram capazes de construir e da qual
pensam depender sua subsistência.

Tudo isto fala de uma tendência à
aproximação daquilo que tem sido
negligenciado. Se há pessoas capazes de
realizar atos inexplicáveis para as mentes
médias, este é o ponto de partida para a
investigação deste território, um domínio
mais amplo de habilidades mentais poderá
mudar completamente a história humana.

278



CONVERSANDO
COM A SENHORA "A"


Em 26 de janeiro de 2001, encontrei-
me de forma totalmente casual com a
senhora "A". Dentro de algumas horas
estabelecemos um nível de comunicação
um tanto íntimo e amigável. Começamos
por interesses comuns como artes plásticas
e decoração até que a sra. "A" contou-me
uma de suas experiências extrasensoriais
de difícil qualificação. Não tinha quaisquer
motivos para duvidar de sua sanidade
mental. Possuidora de refinada sensibilidade
artística e habilidades manuais notáveis a
Sra. A, era também dona de educação
elevada e senso prático invejável. de forma
que tomei em consideração o que dizia. Nas
horas de conversação que tivemos antes,
mostrou-se absolutamente coerente e
dentro dos limites da "normalidade", se
assim podemos chamar.

Tratava-se de uma mulher na faixa de
cinqüenta anos, casada , mãe de duas
filhas, professora aposentada e seu relato
foi o que ora transcrevo.

Contou-me que tempos atrás fora
atraída para o espiritismo participando
regularmente de "sessões de mesa",
conforme denominou. Durante um destes
encontros experimentou um estado alterado

279



de consciência que muito a impressionou e
em seu ponto de vista, claramente falava
em favor de uma regressão ao acreditava
ser uma vida passada.

Descreve a cena em que via a si
própria como uma índia, seminua, com uma
criança em seu colo, à moda de carregar
crianças que tem este povo, fazendo-a
repousar sobre sua cintura. A índia dançava
ao som de tambores e estes pareceram-lhe
tão vívidos e de som absolutamente
magnético que a experiência ficou marcada
sobretudo por esta impressão sonora.

Ora, dizia-me ela não ter dúvidas
sobre ser esta uma de suas vidas
anteriores. Embora não tenha argumentos
definitivos para excluir tal hipótese, e
tampouco esteja particularmente
interessada em negar a teoria da
reencarnação, algo chamou-me especial
atenção.

A sra. "A" tinha traços fisionômicos
muito aproximados aos da população
indígena, seus cabelos negros e lisos e a cor
da pele, em muito lembram as índias
brasileiras. Além disso, sua habilidade
manual e a alegria que lhe causava poder
ocupar-se destas artes, em tudo
semelhantes às indígenas (ocupava-se de
uma técnica de tecelagem), fizeram-me
pensar que não seria difícil localizar em sua
ascendência a índia cuja visão descrevera.

280



Quero dizer que esta pode ter sido a
vivência de uma de suas antepassadas,
registrada em sua memória genética e
recordada com caráter alucinatório durante

o estado diferenciado de consciência em
que se encontrava na ocasião.
Também me pareceu lógico que, a
formação de um campo psíquico entre os
membros do grupo de que participava, a
mesa mediúnica, deve ter sido o fator
facilitador da experiência.

Certas capacidades psíquicas parecem
realmente ampliar-se numa a reunião de
pessoas. Talvez, de alguma maneira seja
mais fácil conectar outros canais da mente
quando se está sob a influência de um
grupo.

Esta não foi a única de suas
experiências que talvez pudessem ser
denominadas extrasensoriais. Em outra
ocasião, a mesma senhora participava deste
mesmo tipo de encontro. Destinava-se a
orar por alguém que se encontrava
hospitalizado e que não era conhecido por
ela.

Nem sua patologia ou características
pessoais haviam sido informadas, segundo
relatou-me a Sra. "A". A experiência
sensorial que passa a descrever foi sentir
exatamente as sensações físicas do doente
em questão com sinais de asfixia, "pressão
na garganta", conforme suas palavras. O

281



referido paciente por quem oravam era
mudo.

Também aqui uma hipótese ocorreu-
me: a de uma intensa manifestação
telepática com a transmissão extrema das
sensações físicas e talvez das fantasias
deste paciente. Como não havia entre eles
qualquer laço afetivo e, estes fenômenos
são mais freqüentes entre pessoas ligadas

pela emoção, talvez mais uma vez o
facilitador da experiência tenha sido o
campo psíquico amplificado pelo grupo.

A Sra. "A" passou a sentir-se
incomodada e seu humor parecia rebaixado
pelas experiência extrasensoriais de forma
que desligou-se das atividades junto ao
centro espírita.

Parece-me um caso de inconsciente
permeável, uma barreira existe em quase
todas as pessoas separando os conteúdos
em inconscientes e conscientes. Uma
barreira que não existe no início da vida
humana. Em oportunidades anteriores já
ressaltei o fato de ser esta a forma original
de comunicação entre seres humanos:
diretamente de um inconsciente a outro. As
crianças tem esta forma de percepção
desde o útero materno e só mais tarde vão
sendo educadas a abandoná-la em favor da
linguagem oral, da lógica e do raciocínio.

Uma via de acesso ao inconsciente se
fecha à partir de uma idade que poderia ser

282



arbitrariamente fixada em torno dos cinco
anos mas que pode variar em cada caso.

É possível também que algo desta
ligação permaneça, dando condições de
acesso ao próprio inconsciente e ao alheio,

o que explicaria alguns fenômenos ditos
para normais.
São fora do que é tido como normal
apenas no sentido de que são raros,
eventuais, resquício desta forma de
comunicação sem palavras e à distância,
que existiu antes de qualquer outra.

Ora, os povos ditos primitivos, não
aderiram com tamanho entusiasmo à
racionalidade civilizada, sua formas de
relacionar-se com o próprio inconsciente
são totalmente diversas das nossas.

O inconsciente não é reprimido como
ocorre durante o processo educativo da
civilização, de forma que têm um acesso ao
reino dos ancestrais e da memória sensorial
destes que se encontra na parte
inconsciente de suas mentes. Parecem ser
registros genéticos completos, com todos os
componentes sensoriais presentes numa
experiência que é armazenada e transmitida
à outra geração.

Supõe-se que dentro do útero, o feto
tenha projetadas diante de si cenas que
estão contidas em seus genes e que lhe
foram transmitidas. Por não ter ainda suas
próprias lembranças e experiências, o feto

283



vê as imagens projetadas e as vivência
como se de fato participasse delas.

É o mesmo processo do sonho, ao que
parece. Ao sonhar você vê uma porção de
imagens que lhe parecem sem sentido, não
obedecem à lógica, tem um curso
independente e as sensações que as
acompanham são as mais reais possíveis;
pois bem, este parece ser o caso da vida
mental dos bebês antes de seu nascimento.

Pensando desta maneira,
explicaríamos a vivência da senhora A
vendo-se como uma indígena tendo sido
despertada na sua memória mais profunda
pelo transe e correspondendo a herança de
uma antepassada cuja existência ela
formalmente desconhece.

Ainda não podemos, contudo afirmar
que seja assim, outras possibilidades devem
ser analisadas embora esta hipótese seja
plausível. Talvez esse tipo de vivência
alucinatória seja semelhante àquelas
induzidas por drogas ou patologias do SNC.
A diferença é que não é uma experiência
total na consciência, algo de nós permanece
desperto e no controle da situação.

Mesmo buscando considerar todas as
hipóteses, fico inclinada a pensar que na
maior parte destes casos, as imagens, sons
e emoções presentes provém do próprio
inconsciente, quer ele pertença à memória
genética, quer pertença a uma parte

284



referente à vida do próprio indivíduo que foi
reprimida.

É estranho, contudo que algumas
pessoas consigam manter ou recuperar as
conexões com o seu inconsciente e outras
não.

Também é interessante analisar os
chamados estados psicóticos (a loucura),
neles há predominância da percepção do
inconsciente, rompendo-se ou tornando-se
muito escassa a ligação com a realidade
externa.

Por que razão algumas pessoas tem
acesso a este mundo interno sem adoecer e
outras desintegram-se totalmente é uma
pergunta sem resposta.

O que sabemos é que o inconsciente
de todos nós é formado por duas classes de
registros que o dividem no inconsciente
herdado e no reprimido.

Neste inconsciente estaria a
explicação para todas as vivências
alucinatórias humanas, quer elas se dêem
num sonho, num estado de transe ou no
curso de uma doença mental grave.

Neste inconsciente dado pela genética
a cada indivíduo, está a história de seus
ancestrais até os tempos mais remotos. Na
outra parte, as vivências que se
acompanham de sentimentos não aceitos
pela consciência, incômodos ou
considerados perigosos a ponto de serem

285



afastados dela e mantidos prisioneiros nos
porões da mente.

Para alguns pensadores destes
fenômenos, o sonho representa a
oportunidade que cada aparelho psíquico
tem de funcionar da forma primitiva,
recobrando seu equilíbrio e permitindo uma
descarga das energias mantidas sob
repressão. Seria como um reencontro com
uma forma menos desgastante e natural de
funcionamento, cujo efeito é reparador.

Porque algumas pessoas deixam uma
parte desta comunicação aberta ou porque
vem a resgatá-la posteriormente é algo que
desconhecemos. Pensa-se que pode haver
uma conexão com o sofrimento. Situações
limítrofes em que a vida esteja ameaçada
ou que sejam especialmente penosas,
teriam a propriedade de abrir estes canais e
restituir a permeabilidade, que talvez seja o
estado natural das coisas.

No entanto, esta não pode ser a única
forma já que, muitas seitas e religiões
praticam técnicas de acesso ao inconsciente
e à outras formas de percepção. Então,
acaba sugerindo que exista uma forma de
provocar o fenômeno ao invés de deixa-lo
simplesmente ao acaso.

Estas práticas visam um benefício
para o funcionamento mental, retirando a
tensão psíquica encontrada quando se deve
agir de forma racional por muito tempo.

286



Estaríamos forçando um modo de
funcionamento mental que não é
exatamente o natural, mas construído por
nós e tido como ideal.

Assim, as imagens, os filmes a
música, produzem em nós especiais efeitos
por serem capazes de acessar nosso
inconsciente, vemos algo dele nas imagens
do cinema, por exemplo, e isso é o que
mais nos agrada.

Na verdade, a nível inconsciente tudo
se desenrola na forma de cenas, como num
teatro (por isto o criamos). Nossos dramas,
aspirações, temores e desejos estão todos
organizados na forma de fantasias e estas
podem estar autorizadas a fazer parte da
consciência ou não. Há uma censura
separando a consciência.

Mas em nosso palco interior sempre
há cenas se desenrolando onde entram
nossas vivências atuais e herdadas. É o
teatro da nossa vida e tenderemos a recriar
no mundo exterior toda a encenação que se
desenrola internamente, mesmo que não
nos apercebamos disto

Outra indagação da Sra. A refere-se
ao fato de sentir odores que não pertencem
ao mundo concreto, nenhuma fonte poderia
existir para justificar o aroma que chega a
sua consciência. É de fato interessante, mas
também aqui podemos pensar que uma
experiência pessoal ou herdada está sendo

287



revivida, e que o elemento odor é o que
está conseguindo chegar a tornar-se
consciente. Deve haver outros componentes
na lembrança, mas não estão sendo
percebidos.

Alguma coisa externamente, que pode
ser um som, uma imagem ou qualquer
outro estímulo está despertando na
memória aquele registro de determinado
odor.

Como sabemos que não se trata de
loucura, de um quadro alucinatório
encontrado nas psicoses? A resposta parece
ser a de que num quadro psicótico, todo
funcionamento mental se altera, toda a
senso percepção fica modificada e o
paciente terá várias alucinações em
seqüência, com o predomínio quase que
absoluto das imagens do inconsciente.

Já nos casos como da Sra. "A", isso
ocorre apenas por tempo limitado e afora a
alteração de percepção relativa ao olfato,
todo o restante, inclusive a capacidade de
raciocínio estão preservados. Neste caso,
então, não poderíamos qualificar como
loucura esta classe de fenômenos e nem me
parece necessário colocá-los por conta de
influência invisíveis alheias ao sujeito, mas
vindas de seu interior.

Outra possibilidade pode ser
defendida por alguns e ser oposta ou, ao
menos diferente da anterior. Seria possível

288



captar algo, um tipo de estímulo ou imagem
que esteja sendo emitido por outra pessoa
cujo campo psíquico se entrelace conosco
produzindo um sensação que não encontra
justificativa nas circunstâncias presentes do
indivíduo?

Parece cair na hipótese telepática.

Aqui não me refiro aquilo que poderia
ser chamado um fenômeno mediúnico,
simplesmente a uma forma de telepatia.
Embora não descarte, até que possa
compreender melhor a teoria da
relatividade, que dois campos psíquicos
possam se encontrar entre dois indivíduos
que não pertençam a uma mesma época,
um mesmo nível de tempo.

289



ENERGÉTICA DA CONSCIÊNCIA


Tempo e espaço, que eram conceitos
absolutos, tornaram-se relativos pelos
cálculos de A Einstein, de forma que
precisaremos admitir tratar-se de algo
apenas parcialmente compreendido por nós.
O inconsciente, conforme se sabe,
desconhece o tempo. Este é um conceito
que não tem, para esta imensa região de
nossas mentes que está fora da
consciência, qualquer significado real.
Apenas a mente racional compreende o
tempo como algo definitivo. A pesquisa nos
dirá muito sobre ele nos próximos anos. O
tempo nem sequer é igual para as mesmas
espécies do reino animal.
Pedimos à ciência que nos explique, de
forma mais satisfatória, como as
coisasacontecem fora da densidade relativa
e, se nossa mente está integralmente
sujeita a seus princípios.

Acredito que parte dela sim, aquela
mais superficial que serve ao
relacionamento com o que é concreto, mas
não tudo que nos constitui. Há algo
atemporal em nós, que não obedece às leis
da física Newtoniana e ao reino da lógica.

Os chamados fenômenos mediúnicos
não são de investigação exclusiva do
espiritismo, muitas outras religiões ou

290



formas culturais admitem a influência ou a
possibilidade de contatos entre campos
psíquicos que não pertençam à mesma
dimensão de tempo e espaço. Isto, que só
poderá ser convenientemente estudado com
a ajuda da física, nos dará respostas mais
satisfatórias sobre o que é o universo além
do que está evidente. Até o presente
momento, só existem crenças ou hipóteses,
sem que tenhamos conseguido examiná-las
e compreendê-las à luz da ciência

Talvez seja possível para nosso
inconsciente fazer um contato com o
passado alheio a nós. Um passado herdado.
Então, as chamadas regressões à vidas
passadas poderiam ser explicadas por
revivências patrocinadas pela nossa
memória genética.

Se outras formas de contato entre
consciências for possível, ultrapassando o
conceito tempo, contatos telepáticos entre
indivíduos de dimensões temporais distintas
seriam teoricamente possíveis.

O esclarecimento destas questões
pertence sobretudo às chamadas ciências
exatas, pelas quais chegaremos a
compreender o que, exatamente, significa a
relatividade das realidades e dimensões. De
que forma nosso inconsciente se encaixa
nesses novos conceitos?

Talvez a mente transcenda as leis da
densidade relativa, essa que rege o físico,

291



aquilo que vemos, o mais concreto e
imediatamente próximo a nós.

Os achados da saúde mental até aqui,
representada sobretudo pela psicanálise
freudiana, dão conta da existência de duas
realidades com leis diversas, que compõe o
psiquismo humano. As leis da consciência
eqüivalem às da física Newtoniana,
enquanto que os preceitos aplicáveis ao
inconsciente se assemelham mais aos
descobertos no nível subatômico.

Pode ser que esse seja o significado
final da expressão "nossa vã filosofia." Vã,
porque a filosofia é uma construção que
pertence à porção racional da mente, ou
seja: uma estreita faixa onde vivemos e
que conhecemos.

Essa estreita freqüência, é aquela em
que temos nos mantido nos últimos
milhares de anos.

A grande contribuição cultural da
antigüidade está no domínio dos estados da
mente. Havia um conhecimento da
existência de diferentes canais de
percepção.

Aquele a que temos acesso
rotineiramente, no estado de vigília, é o
canal que melhor conhecemos e
dominamos.

Esse acesso aos diferentes canais de
captação é livre durante a infância, depois
se fecha gradualmente. Com a instalação

292



dos conflitos, a mente se torna dividida em
uma porção consciente, sobre a qual temos
domínio, e uma grande parte que
permanece oculta, denominada
inconsciente. Surgem ainda, três instâncias
da personalidade com pontos de vista
diversos. Essa fragmentação, que ocorre
durante o processo de desenvolvimento,
leva a uma perda energética no sistema
mental.

Freud descrevia o tempo todo os
fenômenos energéticos de uma mente
doente e fazia uma idéia aproximada que
qual seria o estado fisiológico da mente
humana. Concluiu que somos um sistema
que está raras vezes livre de tensão e, por
isso, somos obrigados a fazer uma série de
arranjos desfavoráveis ao nosso
desempenho. São fenômenos de elevado
consumo energético que tornam-se, por
isso mesmo, patológicos.

Na maior parte do tempo ficamos
fixos, em um canal que passa a ser aquele
que denominamos realidade, ali está tudo
que é tão concreto quanto nosso corpo e
suas necessidades. Foi programado para,
justamente, atentarmos para o meio, dele
extraindo nosso sustento e prazer. Mas não
precisamos usar só essa faixa de
freqüência.

293



Os estados alterados de consciência
correspondem à mudança de canais de
captação.

Nossos cérebros são poderosos
receptores e transmissores de energia. Eles
sustentam os processos somáticos; sabe-se
que a sede da consciência e o comando do
organismo pertence ao cérebro, toda a
cognição, a emoção e os mecanismos para
lidar com os conflitos internos e externos.
Isso envolve elevado consumo de energia.
A mente humana é um gigantesco sistema
mantido por uma energia constante. A
transmissão energética dentro da mente
jamais deixa de existir, o potencial oscila
mas permanece existindo, a transmissão
não se interrompe desde que nascemos até
a morte..

A movimentação da energia psíquica é
descrita por Freud. Ele trata de identificar o
fluxo de energias na mente humana, sua
direção, força, bloqueios e oscilações. Esse
conhecimento foi impulsionado pelo que lhe
foi ensinado pela neurologia,
Mais adiante se apercebe que a emoção é a
comandante do fluxo energético psíquico.

Descobre que os desarranjos no
movimento da energia mental, decorrem

substancialmente de significados
emocionais.
Levado pelos próprios pacientes,

Freud desenvolve uma técnica que dá

294



acesso ao inconsciente. Identifica a barreira
que se ergue no psiquismo da criança
quando se instala a repressão, e supõe que
é um mecanismo indesejável. Percebe que
um alto consumo energético, com fixações
da energia disponível para a consciência,
são conseqüências da divisão mental..
Sob ação da repressão, torna-se mais difícil
atingir outros canais, a ideação pode chegar

a ser obsessiva sobre um mesmo aspecto
da realidade .
Os impedimentos criados pelo

recalcamento, erguem barreiras ao fluxo
fisiológico de energia psíquica.
Todas estas descobertas parecem confluir, e
demonstrar que, um excesso de energia
investida num mesmo canal de percepção
não é saudável para o homem. Há uma
tendência à evasão da energia para outros
núcleos. Percebe-se a necessidade de uma
reordenação da energia através dos
processos do dormir e sonhar.

A grande questão do conhecimento
antigo, filosófico e religioso por excelência,
é poder conectar outras formas de
realidade. Mudar a percepção de rotina e
apreender aspectos da mente que
permanecem alijados da consciência.
Escolas tradicionais de pensamento
religioso, como o budismo, fazem isso. Há
na cultura oriental, como nas indígenas,
uma tradição sobre como manter a

295



permeabilidade e o acesso ao inconsciente.
Isso interessa a eles, pois permite outras
leituras da realidade e são escolas de
investigação. Para atingir estas percepções,
precisam passar pela repressão e encontrar
uma via para o inconsciente. Ele é a porta
de acesso, a nova compreensão da
realidade, coloca-a como um fenômeno
múltiplo.

Não por acaso, a sra. Blavatsky foi
pesquisar na Índia o conhecimento das
passagens de dimensões; esse assunto
absurdo para o ocidente faz parte da
tradição oriental.

Einstein, por sua vez, interessou-se
pelo que dizia a teosofia, nome dado a
doutrina que se formou no encontro das
culturas do oriente e ocidente.
Tendo lido sobre esses acontecimentos
estranhos relatados em "A Chave da
Teosofia", Einstein parece ter compreendido
algo sobre o universo através deles, o nível
sub atômico ficou conhecido à partir daí.

As leis que regem o inconsciente,
descobertas por Freud, são semelhantes
àquelas descobertas por essa nova física,
que relativiza tempo e espaço, coisas
inexistente para boa parte do psiquismo.

As leis Newtonianas parecem aplicar-
se ao modo de percepção consciente
imediata, apenas; à percepção daquilo que
ficaria conhecido como densidade relativa.

296



As conclusões de Freud sobre a mente
dizem que é dividida em uma porção
consciente, delimitada pelas leis da lógica, e
outra que não pertence ao estado de
consciência regularmente usado. Esse
universo inconsciente é vasto e favorece a
idéia de que mais de uma realidade pode
ser passível de apreensão pelo homem. Há
um exterior lógico e um interior que
obedece a outros princípios.

A análise das neuroses, revelou que
não é útil que, para solucionar conflitos
gerados pela educação, tão grande parte de
nós mesmos tenha seu acesso à consciência
bloqueado. Além de um desperdício
energético, as barreiras erguidas pelos
desacertos da emoção, limitam a
consciência, tornando-a de certa maneira
doente.

Uma vez que afasta-se de sua
fisiologia, a mente perde em desempenho.
A fisiologia é o estado ideal da função,
aquele modo para o qual fomos
programados. É a melhor forma encontrada
pela natureza para determinada atividade,
seja ela animal ou vegetal, física ou
psíquica. No estado fisiológico temos a
melhor opção de uso da energia e
manutenção do equilíbrio.
Portanto, é desfavorável a divisão da
consciência total em dois níveis separados
por forças psíquicas. A repressão é uma

297



aquisição humana, não foi programada pela
natureza e não é compatível com a
fisiologia.

O tesouro que se pode encontra nas
tradições do conhecimento que preservam,
ou recuperam a integridade da consciência,
é a possibilidade de elevação da potência
mental através do restabelecimento de sua
fisiologia.

A necessidade de reunificação da
consciência surge do conhecimento sobre as
realidades distintas do homem, que são
nosso objeto de estudo, assim como os
meios para manter a fisiologia mental.

298



CONTINUANDO A
CONVERSA COM A SRA. A.


Uma pergunta foi feita pela Sra. A:
qual a importância do perdão, do ponto de
vista de saúde mental. Só uma pode ser a
resposta: quanto menos desafetos menor o
desprazer que se sente e a energia que se
gasta com processos lesivos a economia da
mente.

Não há aqui uma consideração de
ordem religiosa ou filosófica. Essas é que,
justamente por perceber estes fatos da
mente, devem ter prescrito o perdão como
algo benéfico a si próprio e recomendado
aos seus discípulos e fiéis.

Quando não existia uma ciência que
se ocupasse da saúde psíquica, eram as
filosofias e doutrinas religiosas quem se
encarregava de observar o comportamento
humano e, sugerir ações no sentido do seu
bem estar. Devem ter percebido a relação

entre uma alta dose de rancores e
amarguras nascidas das relações
interpessoais, e sua repercussão na

qualidade de vida e saúde em geral

Cada emoção provoca determinadas
reações químicas no organismo. A raiva,
por exemplo, leva a um desgaste pois foi
programada pela natureza para ser sentida
brevemente, numa situação de luta pela

299



vida. O animal ameaçado reagirá
quimicamente, seus batimentos cardíacos,
sua pressão arterial, a dilatação de suas
pupilas, demonstram que todo seu corpo se
prepara para a defesa. Esses efeitos
químicos não duram mais que o tempo
necessário para aquela luta.

No homem, por existirem fantasias e
por ser capaz de armazenar lembranças
com a qualidade emocional da raiva, pode-
se manter o estado químico
correspondente. Evidentemente isso
representa um desgaste energético.

Além disso, a vida é recheada de
situações de exigência, quando as coisas se
alteram de um ponto de vista orgânico,
devido à emoções e vivências do passado,
há menos energia para corresponder ao
presente. Quando a resposta de raiva
química é mantida, mesmo que a emoção
esteja inconsciente, vários danos ocorrem
tanto no corpo quanto na mente.

Mesmo que você não esteja
consciente de suas emoções, elas podem
estar agindo especialmente sobre um
órgão, ou sobre vários deles ao mesmo
tempo.

A escolha do órgão se dá por razões
pessoais que devem ser determinadas pela
história de cada um quando se examina o
caso.

300



Se o perdão for uma ato verdadeiro e
a raiva de fato desaparecer, a saúde será
beneficiada. No entanto, mais do que
recomendações nesse sentido são
necessárias para que o perdão alcance
autenticidade. Uma situação de falsidade
não tem absolutamente nenhum efeito
positivo, podendo ao contrário, agravar a
situação por distanciar ainda mais da
consciência o sentimento. Quanto menos
acessível ele estiver, mais dificilmente
chegará a ser resolvido. Essa é a grande
falsidade da repressão, o que está oculto
para a consciência imediata reaparece para
deformar o estado fisiológico.

Existem estados emocionais
indesejáveis e danosos, tanto física como
psiquicamente, mas não tomar consciência
deles não faz com que desapareçam. Como
se livrar deles então?

A produção cultural é uma das formas
de transformar energia. A agressiva pode
ser canalizada em ação construtiva ou
neutra. Estão incluídas nisso as
manifestações artísticas, os esportes, a
produção científica , o trabalho e quaisquer
meios da cultura. São vias de descarga,
corporal e mental, para a energia
modificada.

Estas habilidades em lidar com a
própria energia psíquica, são importantes
na construção e preservação do equilíbrio

301



humano. Assim, o fluxo energético no
sistema nervoso central se beneficia dessa
possibilidade, aliviando a tensão através da
expressão ativa de seu universo interior
sobre o exterior..

Existem as formas desenvolvidas
pelos orientais para lidar com a energia
psíquica; eles têm meios especiais de lidar
com a mente que incluem concepções
religiosas e que, em muitos indivíduos,
parecem bem sucedidas. Eles são as
culturas mais antigas e então, estão na
frente em seus estudos, estão favorecidos
pela experiência. As doutrinas ocidentais
falam mais sobre como agir partindo da
observação do externo. São meios
diferentes de observar a vida.

Os ensinamentos sobre a mente e
como usá-la de forma saudável, existem há
muitos séculos formando as filosofias e
doutrinas religiosas. Algumas linhas de
pensamento pregam a opção pelo
aprendizado gradual através do auto
conhecimento; outras baseiam-se na
sugestão e prescrição de condutas, podendo
também haver um misto de ambas.

A influência externa, feita através do
discurso e da identificação, tem um
importante papel na educação humana,
mas somente até certa idade se pode
realizá-la. Ao longo da vida, um humano
deve encontrar meios próprios de continuar

302



seu processo educativo. A sugestão,
embora poderosa, não tem o efeito do
aprendizado prático pessoal.

As emoções que experimentamos,
dependem basicamente de como
percebemos os fatos à nossa volta; o que
se passa internamente determina a reação
que teremos, isso pode ser direcionado
através da disciplina.

Conhecer cada uma das suas facetas,
as emoções, impulsos, força e fragilidade,
dão ao homem mais poder sobre si próprio.
Recalcar qualquer tendência julgada
inadequada traz o risco de fazê-la crescer
no inconsciente. Essas forças podem
assumir disfarces tais que se tornem
inimigos ocultos, roubando energia preciosa
elas se impõe à percepção de forma
obsessiva.

Conhecer a si mesmo e exercer
controle sobre isso, sem reprimir, é uma
arte milenar praticada por povos antigos.
Nas Américas, os índios tratam a si próprios
como guerreiros e estão buscando controle
de si o tempo todo. Eles aprendem a
dominar cada emoção e cada ato, sem ter
que banir qualquer idéia da consciência.
A repressão é um ato de medo no qual
parte de nós é exilada por sentirmos algum
perigo nela. Mas, exilar partes de si mesmo
é empobrecer-se, deixar-se dominar pelo

303



medo é a suprema derrota que os
guerreiros buscam evitar.

Os povos americanos são
conhecedores de técnicas de controle
mental; no passado eles podiam dominar,
mais do que nós, seus destinos. Suas
ambições não eram pequenas, desejavam
nada menos que tornar-se capazes de
elevar a própria energia.

Entre os Maias existiu um lugar "onde
os homens se tornavam deuses". Eram
guerreiros, no sentido espiritual, e
aprendiam sobre a mente e seus domínios,
além disso, recebiam todo conhecimento
objetivo. Todo saber armazenado em sua
cultura era transmitido aos iniciados, os
toltecas. Ao que parece eram uma
associação para estudar e investigar o
universo e isso incluía o universo interior
Na sua tradição, um indígena sabe que não
pode deixar-se dominar por uma emoção e,
tampouco deve pretender suprimi-la,
apenas aguardar a forma correta de
expressá-la livrando-se de qualquer tensão.
É uma arte de domínio pessoal que resulta
naquilo que para eles é o céu na terra.
Neste céu a angústia foi dominada e o
homem transcendeu sua condição. Para
manter-se mentalmente saudáveis também
pregam a liberdade. Estranhamente tinham
uma concepção da mente muito semelhante
à psicanálise. Dividem-na em juíz, vítima e

304



agressor. Estas três partes formam a mente
parasitada de um ser humano doente. Ele
está fragmentado, as três porções entram
em choque e funcionam como verdadeiros
parasitas.

Os homens de todas as épocas que
seguem esses caminhos, consideram-se
seres que precisam buscar o domínio de si
como meta de vida; o aperfeiçoamento
pessoal, até chegar à liberdade e bem estar
absolutamente controláveis pelo indivíduo.
Um tal controle, se dá através do
aprendizado da unificação da mente com a
correspondente elevação energética..
Imagine a mente como um lugar onde
forças contraria acabam anulando-se. Agora
imagine que se consiga direcionar todas
elas para um mesmo objetivo. A potência
desse último sistema será maior.

O objetivo desses ensinamentos,
passa por não acumular as emoções ditas
negativas; não porque sejam proibidas,
mas porque elas distanciam do domínio
individual.

Quando renunciam à violência, o
fazem por si próprios. A agressividade
defensiva é preservada em algumas escolas
e combatida em outras.

Estas técnicas, que buscam a
manutenção de um estado de equilíbrio,
podem fazê-lo tanto quanto a natureza
biológica permita, de forma que sempre

305



haverá uma parcela de energia agressiva
que não foi transformada.

A condição de ser vivo envolve
alguma instabilidade natural, os processos
orgânicos são dinâmicos e, tensões de
necessidade sempre surgirão; então,
precisarão ser satisfeitas para que volte a
predominar um estado de equilíbrio.
Sentiremos fome e frio, necessitaremos de
abrigo, sentiremos a pressão do instinto
sexual e de sobrevivência.

A maior parte da inquietude humana,
porém, não provém do biológico, mas das
relações entre as pessoas, as dificuldades
reais e as fantasias que daí se
desenvolvem. A maior parte do desconforto
que os humanos apresentam, provém da
Emoção desequilibrada. Por tal razão este é

o território que nossos guerreiros procuram
desvendar.
Para melhor lidar com as leis da
economia psíquica, impõe-se uma disciplina
à mente. Dominar a fantasia é uma das
questões envolvidas no auto-domínio, e
chegar a fazê-lo revela grande poder. Muita
perícia é necessária para que se analise um
fato de forma pura, isenta da emoção capaz
de distorcer nossa percepção. Daí, dominar
a si mesmo é observar e controlar as
fantasias e as aparências. Olhar com os
olhos de ver o agora, objetiva e

306



profundamente quer isso diga respeito ao
externo, quer ao interno.

Tendo o controle do sentido mais
amplo, que é a emoção, é inevitável que a
percepção se amplie. Dominadas as
emoções fragmentadas e adquirido o
controle consciente sobre elas, a mente
estará mais integrada; a linha estará livre
para uma conexão mais abrangente, uma
inteligência ampliada.

O interesse destes povos esteve
sempre mais centrado no eu, no auto
conhecimento e domínio pessoal e só
parcialmente no que é externo. A
observação, neste caso, parte do individual
para o universal Nossa civilização atual é
tão próspera materialmente quanto mal
resolvida internamente. Depende de uma
melhor abordagem de aspectos internos
chegarmos realmente a ser uma cultura
desenvolvida.

Ambas as formas de poder, o material
e o mental, podem contribuir positivamente
no viver humano. Uma integração somaria
forças e tornaria mais saudável a utilização
do conhecimento, refletindo-se na ação
sobre o meio que nos cerca.
Quando nossa percepção interior vai
aumentando, os efeitos podem ser
desagradáveis num primeiro momento.
Podem levar-nos à ações confusas na
expectativa de aliviar angústias

307



emergentes. Temos sido eficientes como
espécie em criar um habitat ameaçador, ele
não pode ser outra coisa que não o reflexo
daquilo que nos ameaça por dentro.
Dominar a angústia torna-se uma questão
crucial nos tempos atuais.

308



EMOÇÃO, O PRIMEIRO SENTIDO

O sistema nervoso de qualquer ser
vivo se rege por um princípio da economia
de estímulos. O animal procura afastar-se
da estimulação, se for externa, ou fazê-la
cessar se for interna. O ruído excessivo, por
exemplo, é uma fonte de desconforto que
se origina no exterior, e que provoca no
animal o reflexo de afastar-se. O medo é
uma excitação interna, que procuraremos
fazer desaparecer, buscaremos qualquer
coisa que nos faça parar de senti-lo. Ambos
são exemplos de sensações desagradáveis,
uma objetiva, a outra subjetiva.

Nelas o psiquismo trabalha no sentido
de fazer cessar o estímulo e voltar o
equilíbrio.

Os estímulos internos, em um animal
irracional, representam as necessidades de
seu corpo traduzidas pelo cérebro como
sensações objetivas, como a fome e a sede.
É um mecanismo bem simples, em que há
poucas fontes de sensações e poucas
necessidades.

Tudo o que o animal deve fazer é
manter-se vivo, alimentar-se, escapar dos
predadores e reproduzir-se, seguindo o
comando de sua biologia, sem uma
subjetividade. O subjetivo nasce à partir de
um certo grau de percepção.

309



A emoção existe neste modelo
animal, mas é menos variada e complexa
que a humana. Não há possibilidade de
emoções conflitantes neste sistema singelo.
Assim, o nível de tensão psíquica mantém-
se baixo, elevando-se apenas em situações
de ameaça ou nas variações relativas a
atividade sexual (que neles não se dissocia
da reprodutiva).

É um sistema que mantém-se mais
facilmente em equilíbrio, salvo se algo de
fora vier a ameaçá-lo.

No homem, a capacidade de sentir
afetos, ou seja: a emoção, ampliou-se
muito. Por emoção, entende-se as
percepções mais subjetivas, que se
manifestam na consciência em forma de
sentimentos.

Esse crescimento da emoção pode ter
ocorrido graças ao prolongado e estreito
contato entre os homens e suas crias.
Humanos tem uma infância longa, que os
faz dependentes por muitos anos dos
cuidados paternos, criando um vínculo forte
entre eles. Uma capacidade acentuada de
sentir afetos desenvolve-se à partir dessas
primeiras relações e pode-se dizer que
amplia a inteligência.

Esta capacidade sensitiva, que é algo
inato, dirige-se aos outros humanos, tal
como o olfato se dirige aos odores.

310



Houve algo semelhante a uma
mutação quando a emoção agregou-se às
respostas possíveis na mente humana;
tanto que fez surgir diferenciações
fundamentais, ampliou a inteligência.
Através dela adquirimos uma percepção
diferenciada.

Este sentido subjetivo, cujos
rudimentos existem nos irracionais, mudou
a trajetória do desenvolvimento humano em
direção à evolução mental.

A subjetividade pressupõe a
propriedade de sentir algo como um afeto.
Essa é a emoção, sentido superior só
encontrado em grandes proporções no
homem, transformando-se na forma de
energia psíquica característica da espécie.
Quando algo se liga a este tipo de energia,
tem maior poder de fixação na memória Se
for acompanhada de um registro afetivo,
uma vivência estará investida de energia
psíquica latente. Sempre lembramos mais
do que é emocionalmente significativo.

Assim, a memória humana foi se
tornando um banco de dados com
dimensões crescentes, a cada geração ele
se amplia. As imagens dos fatos são
armazenadas pela memória junto com a
emoção que lhes correspondem. Cada
vivência humana vai para o abstrato reino
da memória acompanhada de uma
determinada quantidade e qualidade de

311



afeto, que tem uma qualidade energética.
Freud chamava esse processo de catexia: o
investimento da energia mental em uma
idéia, imagem ou sensação.

Todos os demais sentidos presentes
na experiência serão também registrados; é
por esta razão que uma impressão sensorial
pode despertar um correspondente afetivo.

Os estímulos encontram na memória
uma cena à qual se associam, e o
sentimento daquele instante vem para a
consciência. Um novo investimento
energético é feito naquela lembrança e ela
pode despertar. Há um banco de dados
formado pela soma das percepções
sensoriais ( que vêm dos sentidos) a cada
experiência da vida, incluindo a emoção. Ao
lembrar de algo, pode-se ter a imagem, os
sons, os odores, a sensação táctil, o
paladar, e o sentimento correspondente.

A emoção funciona como um sentido.
Ela é uma forma de percepção e registro
sensorial da energia psíquica, quer
provenha de fonte interna ou externa.

Após processar as percepções
originárias de todos os sentidos, a mente
registra sensações cujo conteúdo tem da
natureza de um afeto, e à partir disso,
fornece energia para os circuitos cerebrais.

A diferença fundamental entre a
emoção e os demais sentidos conhecidos é
que estes se dirigem à percepção de tudo o

312



que está fora de nós, aquilo que pode
estimular nosso corpo. Os cinco sentidos
conhecidos dependem de estímulos físicos
como o toque, o cheiro, a cor, a forma, a
luz, o sabor... Chegando ao cérebro
despertam sempre uma sensação objetiva.
A sensibilidade que chamamos emoção, é
totalmente voltada para o abstrato, ela não
deriva necessariamente de um estímulo
físico, embora possam participar do
processo.

No total, a emoção é a resposta
interior à interpretação das sensações
externas.

Emoções correspondem à sensações
que, na maior parte das vezes, são
despertadas através da interação entre
pessoas. É um sentido que percebe o Outro;
está também ligada à memória e através
dela percebe-se o que é interno.

Recebe estímulos desde duas fontes:

o exterior e o interior do homem. Seus
desejos, necessidades, experiências reais
ou fantasias. Como tudo que se liga a um
afeto é mais facilmente armazenado na
memória, a emoção humana mais
desenvolvida, torna-se responsável pela
ampliação da capacidade de memorizar.
Havendo mais registros na memória e
estando livres as possibilidades de conexão,
cresce a inteligência.
313



A capacidade de compreensão é
ampliada, pois recorre aos registros
internos para avaliar o momento presente e
determinar como agir. Sem o
desenvolvimento dos afetos não se
desenvolve a inteligência. A emoção é uma
capacidade sensitiva que cria afetos e
desenvolve a inteligência através da
interação com outras pessoas. Os
sentimentos vão criando o ser, a
personalidade.

Da forma como está sendo usado, o
termo emoção refere-se apenas a um
potencial de sensibilidade, os afetos e a
inteligência são as formas de energia
psíquica que esta sensibilidade pode criar.
Amor, tristeza, raiva ou quaisquer outros,
são formas assumidas por essa energia
básica, e dependem de como se
desenrolem as relações entre as pessoas.

O desconforto subjetivo não se deve à
emoção como sentido, mas ao surgimento
de formas negativas dela: os sentimentos
que trazem sensações desagradáveis, estão
programadas de tal forma que podem ser
sentidas até fisicamente.

Há quem considere a emoção algo
inferior, que deva ser superado à medida
que se evolui mas, não é o
desaparecimento dela que deve ser
desejado ou buscado. Sem a emoção não
somos humanos, apenas o que se busca é

314



manter saudáveis as percepções para
sustentar um estado de equilíbrio interno.
Se deixássemos de sentir emoção, teríamos
que abrir mão de nossa essência: somos o
que sentimos!

Este é um grande potencial, permite
ao homem realizar suas mais admiráveis
obras, possibilita criar, percebe a beleza e
reproduzi-la, compreender o universo da
matéria e traduzi-lo como ciência. A
emoção não é algo inferior, embora possa
manifestar-se de forma desorganizada e
destrutiva, o que corresponde a um uso
imaturo ou inadequado deste sentido, por
deficiência na sua educação ou doença do
sistema nervoso.

Educar a emoção tem sido difícil para
o homem. Ela se relaciona tanto com o
interno como com o externo, desta forma é
um sentido que capta realidades distintas.
Os cinco outros sentidos captam apenas a
realidade externa, objetiva. Por captar
estímulos de realidades diferentes, a
emoção pode confundir-se. Há um mundo
inteiramente subjetivo e outro
absolutamente concreto. Cada um deles
tem leis e exigências diferentes.

Além disso, se assumir duas formas
distintas e conflitantes a emoção se tornará
confusa. Por exemplo, quando temos
sentimentos de amor e ódio pela mesma
pessoa, isso gera um conflito: a mesma

315



energia está ligada de duas maneiras
opostas a um mesmo ser, ou quando
precisamos fazer algo que contraria nossos
sentimentos.

Quanto menos contradições entre as
formas como a emoção se manifesta,
melhor será o funcionamento da mente.

A emoção em si é serena, quando não
está dividida em múltiplas formas, há uma
sensação de calma. Acreditou-se então que,
neste estado, a emoção estaria suprimida,
mas está apenas integrada e saudável.

Para manter o equilíbrio e
desenvolvê-lo mais, o homem inventou a
disciplina mental.

Uma sensação de equilíbrio onde tudo
parece calmo, relaxado, nenhuma tensão
existe é um estado de plenitude, a emoção
está em sua forma pura e satisfeita.
Sensações de saciedade semelhantes
prevalecem no momento seguinte ao
orgasmo, se há entre os parceiros uma
ligação abrangente.

Como sempre surgem novas
necessidades na matéria viva, a inquietude
sempre voltará e reduzi-la tem sido
ambição humana desde o início dos tempos.

Provavelmente a emoção seja o
sentido responsável pela telepatia e pela
transmissão de pensamentos. Não uma
emoção específica, mas a energia deste
sentido. Através dele podemos sentir

316



exatamente a mesma coisa que a outra
pessoa: isto é empatia.

Ao poder sentir o mesmo que o outro,
talvez possamos estabelecer contato com o
que pensa, o que se passa em sua mente,
incluindo imagens e sensações.

Essa seria então, a forma de
sintonizarmos o mesmo canal de outra
pessoa, a via de acesso ao inconsciente
alheio.

Além de captar estímulos vindos da
realidade externa e da interna, o sentido da
emoção capta também sensações que não
pertencem originalmente à nós, mas
àqueles que nos cercam. É através dessa
energia comum que dois seres podem
comunicar-se sem o uso de qualquer
linguagem criada pelo homem. É uma
maneira espontânea de comunicação, já
nascemos com ela.

A possível explicação sobre essa
habilidade de comunicação seguramente
refere-se a que, a energia psíquica assume
sua forma mais potente na emoção. E, que
a natureza deste tipo de energia, que
compõe nosso psiquismo, não necessita de
um meio físico para propagar-se.
Voltaremos a este tema mais adiante.

Por representar uma porta aberta
para três fontes diferentes de estímulo, a
emoção é um sentido que requer especial
cuidado e atenção. É fácil gerar doença e

317



mal estar devido à excessiva quantidade de
estímulos, ou à qualidade destes.

Fazer serenar as emoções, reduzindo
os estímulos nocivos, ajuda a alcançar sua
forma mais integrada e livre de conflitos,
reduzindo a carga dentro do sistema
nervoso.

Este sistema energético, representado
fisicamente pelos neurônios, deve ser
poupado de uma exigência além do que sua
natureza aceita como agradável. Sua
desorganização deve ser evitada, por isso a
disciplina é usada.

318



FORMAS DE INTERFERIR NA EMOÇÃO

Sendo a emoção um sentido
regulador, ela age sobre a parte orgânica
do ser, determina sua conduta e sua

personalidade. Interfere nos processos
somáticos como batimentos cardíacos,
pressão arterial, processos digestivos,
imunidade, etc.
Também influi na memória,

ampliando-a ou limitando-a conforme a
qualidade do afeto despertado por uma
lembrança. Em casos graves de sofrimento,
a emoção pode decretar a amnésia total;
quando a pessoa esquece quem é, todas as
recordações e os afetos desagradáveis são
retirados da consciência. Este processo
também pode ocorrer em proporções
menores, quando bloqueamos aquilo que
nos machuca.

A emoção determina se uma ação
pode ou não ser realizada. Se houver uma
forte motivação emocional que nos impeça
de fazer algo, mesmo que a razão diga o
contrário, não conseguiremos fazer.
Surgirão as inibições e bloqueios.

Pode-se dizer que não existe um
único aspecto do ser que não seja
comandado, em alguma instância, pela
emoção. Mesmo que isto não nos soe
agradável, visto sermos uma sociedade que

319



ainda se rege predominantemente pela
primitiva lógica dos instintos, mesmo que
disfarçados.

Quando o matemático está envolvido
em seus cálculos ou o executivo está
interessado em valores bem objetivos, há
motivações emocionais para sua conduta.
Elas estão sendo racionalizadas e podem
ser totalmente desconhecidas para eles,
mas existem e, são a força psíquica que os
move.

Alguém poderia dizer que uma
imperiosa necessidade de sobrevivência se
impõe, desde a realidade externa. Mas há
muitas formas de se garantir a
sobrevivência e a razão pela qual eles
escolheram aquela tarefa específica e
dedicam-se à ela com paixão, está ligada à
fantasias formadas pela emoção.

A primeira das formas de produzir
doença na emoção, é a privação de contato
humano nos primeiros meses e anos de
vida. A energia psíquica não se desenvolve,
a inteligência não pode germinar e
desenvolvimento neuropsicomotor ficará
prejudicado.

Para os bebês e crianças pequenas a
interação com outras pessoas é a única
maneira de fazer crescer e fluir essa energia
mental. Não há nenhuma outra fonte até a
vida adulta, quando já se pode extrair
energia emocional de outras atividades

320



como a criação, a apreciação da beleza, e
todas as formas de arte.

Também na velhice, quando o contato
humano for reduzido, as conseqüências
serão a atrofia mental progressiva.

Alguém que tenha chegado à vida
adulta com sérias privações afetivas e por
isso não consiga estabelecer por si mesmo
este contato interpessoal, com a troca
energética que lhe corresponde, adoecerá
emocionalmente.

A primeira forma de interferir na
emoção, então, é a privação de um contato
humano profundo.

A segunda maneira de atingir a
emoção, é a permanência de afetos de
conteúdo negativo na mente. Um tipo de
emoção ligada à sensações desagradáveis
que permanece por muito tempo em cena.
Quando alguém sente predominantemente
medo, raiva ou insegurança, fome,
privações de quaisquer necessidades
básicas, seu psiquismo começa a falhar.
Tais reações emocionais são tóxicas.

O medo e a raiva existem na natureza
animal como defesa. Se um animal sente
que será atacado sentirá um temor, ficará
alerta. Depois, uma reação semelhante à
raiva produz uma série de alterações em
seu organismo habilitando-o para a luta.
Não chegam a exercer efeito tóxico pois
servem para defender-se naquele

321



momento, depois cessam e o equilíbrio se
restabelece.

Os sentimentos relacionados ao medo
se fixam no psiquismo humano, desde a
infância e passam a tornar-se padrão de
comportamento, por isso são mantidos.
Podem estar latentes e serem despertados
pelas circunstâncias atuais, quando estas
são especialmente adversas.

A segunda classe de interferência sobre a
emoção acontece então, quando uma
pessoa, por motivos interiores ou relativos a
um meio adverso, vê-se exposta a uma
predominância de emoções tóxicas.

A terceira forma é a administração de
substâncias capazes de alterar a química da
emoção. Estas drogas, lícitas ou ilícitas,
médicas ou não, tem o poder de transpor a
barreira que protege o cérebro e alterá-lo
em sua composição. Podem ter um efeito
terapêutico, ou ao contrário. Substâncias
estimulantes, como a cocaína e as
anfetaminas, tendem a gerar uma situação
de estresse e podem desencadear
desordens psiquiátricas graves que se
mantenham, mesmo depois de suspenso
seu uso.

Estes quadros de delírios e
alucinações ou, alterações do humor e do
comportamento, poderão desaparecer após
algum tempo, mas algumas vezes, um
potencial genético para a doença mental é

322



despertado. As alterações da química
cerebral desencadeiam, nesses casos, uma
doença mental. Há também alguns
medicamentos usados para o corpo que tem
efeitos colaterais sobre o sistema nervoso.

A Quarta forma é a influência dos
campos psíquicos, formados pela reunião de
pessoas afetivamente ligadas. Numa
família, num grupo de psicoterapia, numa
comunidade qualquer, até mesmo em uma
equipe esportiva ou de trabalho, haverá um
campo psíquico gerado pela interação dos
campos individuais de seus membros.
Se as interações entre as pessoas são
predominantemente positivas, existe a
tendência a uma sensação de satisfação e
tranqüilidade. Alguns desses encontros
podem nos fazer sentir revigorados. Ao
contrário, podemos chegar a sentir-nos
totalmente esgotados ou ansiosos pela
formação de um campo psíquico
problemático.

A Quinta forma de atingir e alterar a
emoção deriva dos cinco sentidos e é nela
que se baseiam técnicas comuns na
atualidade, ditas alternativas; alguns
hospitais e serviços médicos tradicionais
começam a testar essas influências e suas
possibilidades terapêuticas.

Através da estimulação sensorial,
determinados conteúdos inconscientes
podem ser despertados. A voz, que oferece

323



sugestões positivas penetra no sistema
auditivo, leva ao cérebro mensagens de
relaxamento, desperta lembranças
agradáveis ou estimula a visualização delas,
servindo como um tranquilizante.

Os aromas, as cores, as imagens de
beleza, o toque físico agradável, são formas
de estimular os sentidos, agindo
beneficamente sobre a emoção. Na medida
em que induzem a uma recuperação do
equilíbrio, mesmo que transitória, podem
ser usadas pelo próprio paciente como
exercícios diários.

Contudo a experiência demonstra que
tais práticas não devem ser a escolha para
quadros agudos, que exigem pronta e
profunda intervenção. São boas formas de
tentar manter um equilíbrio ou corrigir
pequenas oscilações deste. Em casos mais
graves só a medicina está habilitada a
intervir, pois os riscos são excessivamente
altos para serem corridos pelo paciente e
pelo grupo ao qual pertence.

Esse alerta é necessário para que o
tratamento de urgência fique a cargo de
quem realmente possa fazê-lo, evitando
agravamento daqueles em que medidas
mais imediatas devem ser tomadas.

324



A EMOÇÃO NO FUTURO


O futuro da espécie humana
dependerá da qualidade da emoção que
predominar entre nós. A faculdade da
razão, na qual a humanidade tanto tem
confiado nos últimos séculos, não se
mostrou livre de falhas, nem suficiente para
fazer da comunidade humana um sistema
equilibrado.

A observação e a lógica que
conhecemos, serve apenas para guiar-nos
no que tange ao mundo exterior e seu
funcionamento. Sua influência sobre nossas
ações é menor do que pensávamos. As
razões humanas são infinitamente maiores
do que a racionalidade conhecida, que é
apenas uma parte de nossa inteligência e
dirige-se ao concreto.

Ainda que seja inegável sua utilidade,
a racionalidade que conseguimos não
abrange todas as áreas da vida, nem
conhece todas as necessidades e
motivações que nos formam.

Nos países altamente civilizados, em
que a razão predomina, nada semelhante
ao paraíso se formou. Há tantos problemas
e angústias lá, que a conclusão inevitável é
que o desenvolvimento deste aspecto da
inteligência é apenas parte da resposta que
procuramos. Outras habilidades parecem

325



necessária, novas áreas da inteligência
devem ser educadas ampliando formas de
percepção e avaliação do mundo.

A maior amplitude de percepção e
controle sobre a própria conduta, só se
obtém com equilíbrio interno e, este
depende da qualidade da emoção e do uso
correto da energia psíquica. Um tal nível de
desenvolvimento parece uma distante
possibilidade para muitos. Quando se avalia
a saúde das mentes, individual e
coletivamente, precisamos ser realistas o
suficiente para evitar as previsões
catastróficas e os excessos de otimismo.
Admitir que estamos distantes desse
equilíbrio é inevitável. Enquanto a emoção
humana estiver mantida em um baixo nível
de educação e não formos capazes de lidar
com seu poder, estaremos andando em
círculos. A ampliação da inteligência da
espécie precisa ir também na direção
interna, da aquisição de poder e
conhecimento sobre nossa natureza e a
forma como nos relacionamos.

Vai ser difícil convencer uma
sociedade, convicta de seus acertos ao
ocupar-se produzindo muitos bens
materiais e que se dedica a um estilo de
vida tão pouco livre, cheio de restrições e
comandos, a encontrar outras formas de
vida. No entanto, as falhas estão cada vez
mais evidentes, mesmo aqueles que

326



recebem uma educação formal e tem suas
necessidades materiais satisfeitas cometem
atos de violência e autodestruição. Muitas
pessoas estando no topo de suas carreiras,
percebem que sua qualidade de vida não é
as melhores e se sentem angustiadas e
insatisfeitas

A vaidade humana depende muito de
desconhecermos, ou procurarmos ignorar,
certos aspectos menos favoráveis de nós
mesmos. O avanço da comunicação, porém,
não nos dá sossego. Todos os dias há
notícias de que somos um sistema perigoso,
nossas mentes são capazes de criar ou
destruir com igual força.. Os processos
mentais têm mais poder do que se supôs
até agora, não apenas sobre nosso destino,
mas sobre o de todo o planeta. Essa é uma
razão definitiva para adquirirmos o controle
da situação. E o controle está em nós, em
aplacar nossa angústia, nossas estranhas
tendências e nossas condutas pouco
inteligentes, dominadas por emoções mal
resolvidas ou mal educadas.

É preciso concordar que há razões
para temer um auto-conhecimento, o que é
parte de nós tem sido aquilo que com
menos freqüência podemos tolerar e
controlar.

O mundo precisa resolver problemas
urgentes derivados das enormes
desigualdades de desenvolvimento entre os

327



povos. As diferenças tendem a ficar
menores na medida em que a educação e a
comunicação avançam, cada parte do
mundo toma conhecimento do que ocorre e
a indignação se espalha. Nada mais pode
ficar escondido por muito tempo.

Mesmo a corrupção não poderá durar
tanto, há uma massa crítica criada dentro
de elevados padrões de educação, que já se
importa muito mais com a ética e as
relações humanas e não apenas com seu
bem estar pessoal. É uma geração
privilegiada em informações, que recebe um
mundo problemático sob vários aspectos,
mas que tem, mais do que as gerações
anteriores a exata noção do que acontece a
seu redor.

São mais agitados, mais angustiados
talvez, mas sabem o que lhes reserva o
futuro; se suas ações não tenderem numa
direção oposta a muito do que esteve
estabelecido até aqui, sabem que terão
grandes problemas.

É uma geração inteligente e que tem
melhor qualidade de emoção. Protestam,
são agressivos em suas posições, rompem
com muitos padrões de comportamento
mas estão no direito de quem tem a tarefa
de construir um mundo novo e melhor.

Cada geração sempre precisa revisar
a anterior, com olhos bem abertos para

328



observar os pontos fracos e tentar fazer
diferente, aquilo que for acerto preserva-se.

Atualmente as coisas parecem
anárquicas, talvez a ruptura esteja sendo
acelerada demais. Diferentes gerações que
convivem hoje, tem dificuldades em
suportar tão intensa diferenciação cultural.
Nossos filhos foram mais protegidos e sob
muitos aspectos receberam bem mais do
que nós, em meio à tantas dificuldades
alguns se sentirão frágeis. Essa descoberta
da fragilidade e dos limites, em meu
entendimento é algo que precisa acontecer
à humanidade. Tomar contato com nossa
realidade levando em conta como cada um
se sente sobre o planeta, possibilitará que
encontrem muitas possibilidades; terão que
buscar caminhos novos, e o que buscam
passa muito pela emoção, pela qualidade de
vida, pela liberdade, pela ecologia, pela
justiça social.

Assim, a emoção vai influenciar mais
as decisões desta nova geração que
começará a assumir o poder dentro em
breve. Cada ação será avaliada do ponto de
vista humano, de sua repercussão sobre a
vida, o bem estar e os direitos de cada
cidadão.

As próximas gerações tendem a
apresentar uma capacidade empática
bastante desenvolvida e um senso crítico
saudável; elas se sentirão livres para

329



assumir posições discordantes das gerações
anteriores e para resgatar outros valores
que eventualmente tenham sido perdidos e
façam falta.

Lamentavelmente existe uma grande
parcela desta nova geração que não recebe
cuidados e educação suficiente e será
atirada à pobreza e à falta de
oportunidades. Num mundo onde, eles
sabem que se pode viver bem melhor o vai
convencê-los a abrir mão de seu direito a
uma fatia de satisfação e respeito nesta
sociedade? Não vejo mais a submissão
nestes jovens, eles lutarão e, se a violência
lhes foi ensinada a praticarão. Se sentirem-
se roubados, roubarão. Não ficarão calados
em guetos, não há mais como isto
acontecer.

Mesmo estas emoções ligadas à
revolta e indignação serão benéficas, se
postas a serviço da construção de algo
melhor. Se simplesmente forem
direcionadas a destruir o que existe, então
não teremos avanços.
Quando se dá uma oportunidade, as
crianças que vivem na pobreza agarram-se
com unhas e dentes à ela. Existem muitos
projetos funcionando pelo mundo afora,
buscando resgatar essas pessoas de uma
vida sem oportunidade de crescimento e
aprendizado, as respostas são excelentes.
Não se deixa gente abandonada porque sua

330



emoção vai para o lado errado. Porque a
emoção correta é aquela que vê o outro,
que permite a paz. Isto as novas gerações
perceberão.

Quem chega à vida adulta neste inicio
de milênio é fruto uma trajetória de longos
esforços humanos cujos frutos começarão a
aparecer neles. Muito do passado se vai
para que se erga o novo, mas o modelo
bom será resgatado e os valores humanos
tendem a ser abrandados para os lados do
coração.

A grande esperança é que todo este
mal estar represente o início da criação de
um homem novo. Um ser que, apesar do
desenvolvimento tecnológico, não se furta à
emoção, para além das conveniências
imediatas seleciona suas ações. Homem
novo, revigorado, que pode chorar e sentir,
que se nega a concordar com o infortúnio.
Portador de emoção abrangente, ele sabe
por onde andar e sabe que não anda
sozinho.

O novo humano é livre para duvidar
do absolutismo da lógica e dos rigores da
lei, nem sempre certas nem justas, embora
úteis tentativas de acerto. Neste novo
homem a emoção tem lugar privilegiado,
será mais educada e elevada. Isso não
ocorrerá por imposições religiosas e
temores de castigos, mas por
amadurecimento e mérito de uma

331



humanidade que há tantos milênios evolui.
Confio nas próximas gerações, pois terão a
oportunidade certa de desenvolver-se em
razão e emoção, lado a lado.

332



UMA CONVERSA SOBRE COMPULSÃO

O que se chegou a concluir sobre a
compulsão, é que envolve um alto nível de
ansiedade e o ato compulsivo serve para
aliviá-la. A compulsão assemelha-se àquilo
que popularmente chamaríamos derivativo,
mas que não é usado apenas
eventualmente, torna-se uma penosa rotina
que o compulsivo não consegue
interromper. Essa é a descrição de estados
graves de compulsão, há muitos traços
compulsivos na sociedade atual, que não
são tão visíveis.

Uma pessoa, quando se vê ansiosa,
faz escolhas diversas sobre o que fazer para
baixar o nível de tensão psíquica. Na
compulsão, a resposta escolhida se torna
automática, sem que o indivíduo tenha
condições de escolher seus pensamentos e
ou atos.

Ele se verá compelido a executar uma
determinada ação, a tensão que o dirige é
constante e forte, para evitar o desprazer a
única solução é ceder. Mesmo quando
existam resistências conscientes, a força
que atua no sentido da realização daquela
ação é maior

É uma perda de liberdade de escolha,
acontece pela fixação de uma quantidade

333



de energia naquele ato, cujas razões estão
fora da consciência.

O ato compulsivo tem uma motivação
emocional encoberta. Uma parte da mente,
onde reside a crítica, é anulada ou iludida
das mais diversas formas devido à
existência de uma necessidade oculta que é
transferida para outro ato

A compulsão, em certos casos, parece
derivar de uma atividade ansiosa
relacionada à fantasia de perder algo ou
alguém. Isso a relaciona também com a
frustração: quando não nos sentimos
recompensados por experiências de nosso
cotidiano, se eleva o nível de insatisfação,
vivida como ansiedade. Uma forma de lidar

com esse excesso de frustração é a
compulsão.
Freqüentemente desejamos algo

intensamente sem que a satisfação seja
possível, seguramos nossa necessidade até
não poder mais, então o desejo pode tomar
a forma de compulsão. Assim, obteremos
uma satisfação que pretende substituir a
original.

Porque determinado ato compulsivo é
escolhido? Isto tem um significado
simbólico que será diferente para cada
paciente. A razão profunda da escolha
precisa ser desvendada caso a caso. Pode
relacionar-se aos modelos de cada um,
podemos encontrar antecedentes familiares

334



de compulsão semelhante. Pode relacionar-
se simplesmente àquilo que está mais
acessível para assumir a simbologia.

Muitas formas de compulsão tem a
ver com a sensação do vazio, a necessidade
de encher-se de algo tranquilizador, como
foi o leite materno um dia. O alcoolismo e
todas as formas orais de compulsão
relacionam-se mais claramente com esse
mecanismo, no entanto a emoção da
voracidade está presente nos valores sociais
de forma velada.

Tantas vezes trabalhamos muito,
consumimos muito e isso é bem visto pelo
meio, não identificamos nisso um traço
compulsivo.

A auto-aceitação depende do quanto
cada um sentiu-se querido e teve
experiências de amorosa relação com quem
dele se ocupou no início da vida.
O sentimento de não ser adequado leva ao
desejo da mudança e à transformação da
própria imagem em algo deformado pelo
que é interno.

A razão última disso tudo é o desejo
que move o homem através da vida: sentir-
se amado, essa necessidade que tornou-se
tão especialmente forte para nós. Quase
toda doença ou transtorno de emoções se
relaciona a isto: sentir-se ou não querido.

A compulsão nasce da ansiedade, é
uma forma de lidar com ela. A ansiedade,

335



que no caso é neurótica, relaciona-se a não
se sentir seguro de poder vir a ser e
permanecer sendo amado, aceito e
aprovado.

No caso da compulsão, a tensão
interna é gerada por insegurança, por isso a
denominamos neurótica. Se tenho dúvidas
sobre capacidade de conquistar vínculos e
situações que me farão sentir segura
quanto ao meu valor, e o meio me disser,
direta ou indiretamente, que preciso me
encaixar num determinado padrão para que
isso ocorra, ficarei inclinada a realizar todos
os esforços possíveis para corresponder à
tais condições. Mesmo que algo em mim se
revolte contra isso e apareça na forma de
uma compulsão, que é também um ato de
rebeldia.

A idéia básica é: para obter sucesso,
inclusive amoroso, precisa-se corresponder
a determinadas expectativas, se você não
corresponde sente que falhou. Para se
encaixar nisso, muitas vezes é preciso
renunciar a desejos ou forçar-se à atos que
não são realmente desejados. Um desejo
não pode ser reprimido além de certo
ponto, pois é a biologia quem comanda isto,
então a tensão psíquica se acumula e o
compulsão é o ato de rebeldia
correspondente, o momento em que o
instinto toma conta e você obedece ao
desejo.

336



A tentativa de passar por cima de si mesmo
pode se revelar frustrante na medida em
que não traz a sonhada felicidade.

Todas as formas de compulsão são
uma tentativa de se proteger de uma
emoção desagradável, uma ameaça vinda
de dentro e cujo alívio associamos a um
determinado ato.

Todo o tempo buscamos satisfação,
há algo de inquieto dentro de um ser
humano. Se está sadia a pessoa se moverá
em algum sentido buscando uma descarga
para a energia que a compõe. Nisto residem
às ações cotidianas, o trabalho, os
relacionamentos.

Continuamente buscamos uma troca
energética com algo ou alguém. Ela precisa
existir, pois somos um organismo vivo e
mais que isso, um psiquismo rico em
energia.

A interação entre pessoas é a mais
poderosa forma de receber e liberar
energia, todos estão cientes deste fato.

Um número considerável de pessoas
que atendemos em nossos consultórios
parecem ter sido sugadas ou terem um
nível energético muito baixo, como aqueles
que estão doentes ou que apresentam-se
deprimidos. Nestes estados, se pudéssemos
medir a carga energética vital, ela estaria
imensamente baixa, como um sistema
elétrico que falha porque a corrente que

337



recebe não é suficiente para movimentá-lo
adequadamente.

Se existe uma patologia física, as
coisas são mais facilmente explicáveis, algo
orgânico funciona mal e estamos
incapacitados de produzir tanta força motriz
quanto seria desejado, todo corpo e a
mente mantém-se ocupados na
recuperação do órgão ou sistema
danificado.

É interessante que nas queixas dos
pacientes hoje, existe uma perda marcante
de energia e que em sua origem
freqüentemente não há uma condição
orgânica mas uma decepção afetiva.

A impressão que fica destes
pacientes, é que retiram seu interesse do
mundo por não conseguir mais efetuar esta
troca energética vital. Geralmente se pode
localizar uma situação de dificuldades nas
relações interpessoais, uma história prévia
e atual de relações insatisfatórias.

Essa deficiência de troca afetiva pode
ocorrer desde a infância, mas é grande o
número daqueles que tiveram relações
familiares razoavelmente satisfatórias e
ainda assim adoecem. Neste caso, parecem
ter descoberto que não podem confiar nas
pessoas, que elas não lhes darão a
gratificação amorosa que desejam. Em
algum momento de suas vidas, aprendem
que não é confiável ligar-se afetivamente a

338



alguém. Não estabelecerão vínculos por
medo de repetir desastrosas experiências.
Costumam então fechar-se em casulos e
esperar que as coisas sempre dêem errado,
perdem a capacidade de realizar a troca
amorosa fundamental para que realmente
tenham vida.

Nada para o ser humano é mais
doloroso que decepcionar-se com alguém
amado. O vínculo amoroso não é uma
brincadeira, é uma fonte energética do
maior valor, tanto quanto o oxigênio. Para
muitos, tais palavras podem soar
excessivamente românticas, para todo
aquele que se ocupe de tratar a mente
humana é a mais absoluta realidade.

Dos relacionamentos nascem as
patologias, assim como a saúde; é neles
que vamos buscar nossa mais preciosa
motivação. Falham-se, ou adoecemos ou
vamos buscar em outras coisas a satisfação
que é exclusiva deste tipo de relação. Uma
das reações mais usadas é a compulsão em
seus diversos graus, que representa aqui
uma tentativa de salvar-nos desse vazio.

A relação entre pessoas fornece este
material precioso e insubstituível que
parece estar faltando em nosso tempo.
Podemos buscar substituir essa matéria
prima, se estiver escassa; podemos nos
tornar grandes estudiosos, pesquisadores,
acumular muito dinheiro. Talvez venhamos

339



a ser alucinados por vencer ou por sermos
lindos e maravilhosos. Podemos desejar
ardentemente a fama ou o poder, nos
tornar fanaticamente religiosos, drogadictos
ou alcoolistas. Podemos eleger qualquer
outra forma de obter energia e o faremos
de forma compulsiva, exatamente porque
não vamos conseguir satisfação, não por
muito tempo.

Tudo que podemos obter é uma
satisfação parcial, momentânea e ilusória. O
que realmente queríamos era sentirmo-nos
amados.

É mais difícil encontrar e manter a
satisfação da libido na relação com o outro,
porquê depende de uma segunda pessoa,
no mínimo. A relação afetiva é algo que não
está sob nosso controle total, não se pode
obrigar alguém a nos amar. Esta é a mais
desesperadora das constatações:
precisamos tanto desta troca energética
que no entanto só pode ocorrer se duas
vontades se encontram.

Tudo que o homem contemporâneo
faz tem um caráter agitado, frenético, tudo
tem um traço compulsivo. Pensem bem se
não é assim. Se for para trabalhar, vamos
trabalhar muito e ganhar muito dinheiro e
ser muito malhados, muito violentos, muito
cultos, muito viciados...

Vivemos ocupados, mesmo que seja
com bobagens. Pensemos seriamente:

340



quanto do trabalho que o homem realiza
sobre a face da terra realmente faz sentido?
Quanto desta engrenagem é realmente
necessária e inteligente? Mas nós
precisamos nos manter ocupados.
Parecemos mais interessados nisto que em
realmente produzir algo de valor.
Temos que nos mexer freneticamente
mesmo sem saber para onde estamos indo,
mesmo sabendo que não estamos indo
bem. Não conseguimos parar!
Isto não é uma compulsão? É generalizada,
então passa despercebida, mas é
compulsão.

Todas as religiões pregam o amor.
Coincidência? Ou será mais uma vez a
sabedoria antiga sobre as necessidades
humanas? Amar é gostoso e põe as coisas
nos eixos, mantém um certo nível de
satisfação que é saudável. Mas amor é uma
arte tão complicada quanto o domínio de si
próprio. Pressupõe enxergar o outro como
é, coisa que não ocorre na paixão.
Pressupõe manter a liberdade mesmo
sabendo da responsabilidade que existe em
se fazer amar. Amar é algo que andamos
fazendo muito mal. Confundimos amor com
laços legais, com sentimento de posse, com
exigências excessivas, com dependência,
com tentativas de moldar o outro às nossas
necessidades.

341



Amar implica também suportar a
solidão, reconhecer limites em si e nos
outros e, ainda assim, manter a decisão de
ver naquela pessoa que escolhemos o que
nos encantou.

A relação de amor implica em
maturidade e por isto é tão difícil. Ver o
outro e ter real consideração por ele,
preocupar-se e querer bem, dar essa
energia positiva e poderosa que é a libido,
mas de forma espontânea e livre. E não
somos livres, somos recobertos de poeira,
fantasmas do passado, dogmas, medos,
somos limitados demais para compreender
a natureza do amor e mantê-lo. Esperamos
do outro aquilo que não somos capazes de
dar a nós mesmos e esta é a maior das
impossibilidades.

Em nome do desejo de sermos
amados, muitas vezes nos tornamos
submissos e dependentes, deixamos que o
outro faça de nós o que quiser porquê
precisamos manter a relação de
dependência. Não suportamos o fracasso,
sentimos como falha nossa: não fomos
suficientemente bons para que as coisas
dessem certo. E nos entristecemos. Ou,
mudamos a toda hora de objetivo: outro
amor outros amigos, outras paixões, nem
nos passa pela cabeça que algo esteja
errado conosco, são os outros.

342



O que parece mais óbvio é que, não
importa o que desejemos, o primeiro passo
é nos tornarmos capazes de olhar para nós
mesmos com respeito e amor. Se nos
agrada a figura que somos já estaremos de
posse de nossa dignidade, e a energia
amorosa pode ser trocada.

Quando não temos tanto medo de ser
feridos, nem estamos tão necessitados de
que alguém nos dê valor, é mais provável
que um encontro proveitoso aconteça.

Quando adultos temos habilidades
que podem nos fazer independentes e
livrar-nos do sentimento de desamparo.
Não precisamos ficar tão agitados, nem
tentar substituir o contato humano pelas
coisas materiais e as compulsões, basta
admitirmos claramente que nossa
necessidade essencial é a troca afetiva.

343



A TEMÁTICA DO NÃO VISÍVEL


Devo dizer-lhes que para mim não
chega a ser fácil escrever estas páginas,
embora seu conteúdo flua com certa
facilidade. Muito pensei antes de
transcrever as idéias, análises e proposições
que aqui estão; não são simples, são
verdadeiramente inovadoras sob alguns
aspectos, em especial para minha mente
cientificamente treinada e que, a custo
recebe estas novas hipóteses como algo a
ser analisado.

Sempre pensei que é função de um
médico manter-se afastado da fantasia e
próximo à ciência em nome da segurança
do que faz. No entanto, em algum momento
estes limites precisam ampliar-se. Sempre
que nos deparamos com fatos que se
repetem à observação, estamos numa
pista, num caminho, e é preciso uma certa
coragem para admiti-lo.

Continuo procurando resguardar-me
da fantasia, mesmo quando o material
examinado seja tão dificilmente observável,
já que se liga à alma, que não tem a
densidade da matéria e, portanto, não se
submete às suas leis, nem é mensurável
pelos métodos até aqui conhecidos e usados
cientificamente.

344



Reconheço como necessárias as
habilidades para lidar com o concreto,
recomendo-as como sinal de bom senso.
Eu, contudo, admito que a temática do que
é abstrato tem para mim especial
importância e atração. Mais do que as ações
do cotidiano humano interessa-me conhecer
suas motivações, o nível de bem estar
desfrutado pela mente e a forma como
funciona. O que, afinal, é saudável ? Como
ampliar um estado de equilíbrio do qual
desfrutamos por momentos mas não se
mantém por tempo indeterminado?

Nosso estado mental sofre variações
determinadas por diversas influências.
Quais são e como lidar com elas? Cada
grupo pode construir sua versão da vida e
da realidade, com algumas coisas comuns à
toda espécie. Qual o nível de saúde mental
dentro das diversas culturas? O que cada
uma delas aprendeu sobre comportamento
e bem estar subjetivo?

Mesmo que desejemos lidar apenas
com o que é visível e palpável, há sempre
outras dimensões em nosso viver, sem que
possamos desconhecê-las

As novas descobertas da física, sobre
as quais sei na verdade muito pouco,
parecem extremamente interessantes. Elas
desafiam nossa lógica imediata e, como
disse, descobrem leis que são semelhantes
às do inconsciente. Talvez esse seja o início

345



de um caminho que nos levará à novas
conclusões à cerca do mundo que existe
dentro e fora de nós, que desconhecíamos
ou apenas visualizávamos parcialmente.
Tais descobertas servirão para acrescentar
esclarecimentos e, talvez também um
pouco mais de confusão, num primeiro
momento.

Certa vez, ouvi um físico afirmar que,
segundo a mecânica quântica, existem
inúmeros universos que se relacionam;
cada um desses universos corresponde à
densidades diferentes.

Isto resulta numa enorme incógnita.
Como conceber realidades variáveis à partir
de sua densidade? Parece um pouco com o
que o homem intui à partir da religião; toda
forma de religiosidade precisa admitir a
existência de outros níveis de realidade,
senão onde ficariam os santos, os mortos,
os espíritos ou seja qual for o nome que se
dê às figuras que as compõe? Se realmente
for assim, como estes diferentes níveis se
relacionam? Que influências podem exercer
uns nos outros?

Se a possibilidade de existirem
diferentes dimensões for confirmada,
provavelmente a conexão se dê num ponto
comum a todas, se ele existir. Parece
inevitável concluir que a conexão mais
provável se dê através da mente. Ela é a
parte de nós que pode habitar realidades

346



diferentes: a interna e a externa. Supomos
que o mundo interno seja o meio mais
abrangente que nos constitui, apesar de
passarmos a maior parte do tempo ligados
ao exterior.

O inconsciente mostra muitas
semelhanças com o universo que, apesar de
estar além do visível, teve sua existência e
suas leis descoberta pela ciência no último
século.

Uma grande parte de nós é
desconhecida. Sabemos apenas que há
forças poderosas atuando nessa zona
obscura, conhecemos parte delas e
chegamos a decifrá-las. É o suficiente para
perceber que é um reino que está fora da
lógica, desconhece o tempo, o espaço e a
palavra.

O grande desafio é lidarmos com
estas constatações mantendo-nos afastados
do terreno religioso, o único que, até aqui,
admitiu tais investigações.

Existe a hipótese da mente ser uma
forma de receber, transformar e produzir
energia, que se apresentará em diferentes
formas. Os estímulos a que estão
submetidos nossos sentidos são produzidos
na natureza e relacionam-se com formas de
energia. A luz, que provém do sol ou da
eletricidade, as cores, são o que permite a
visão e são basicamente energia. O calor
que sentimos provém de uma fonte

347



energética e o frio de sua ausência. Os sons
são produzidos pela matéria em vibração.
Assim, podemos dizer que nosso sistema
nervoso é um receptor de energia.
Também é um sistema que necessita de
uma fonte energética, como qualquer tecido
vivo. Retiramos essa energia das reações
químicas envolvidas no que denominamos
metabolismo. Somos também capazes de
produzir energia e lançá-la ao exterior.

Usamos o cérebro para produzir, em
reações que são, nada menos que a
transformação de energia através dos
processos químicos que citei, e também da
inteligência.
É ela quem conduz a transformação da
energia, que colhemos na natureza, em
tudo aquilo que sentimos e expressamos.

Na mente inteligente um tipo especial
de transformação energética ocorre pois
somos capazes de criar. Os outros animais
tem mentes que recebem e processam
energia de forma mais rudimentar, sem a
inteligência sua potência é menor.

Podemos então comparar aquilo que
denominamos inteligência com alguma
coisa capaz de ampliar a potência de um
sistema energético. Pode ser algo parecido
com um reator.

Toda a natureza funciona como um
sistema de transformação de energia.
Tomemos por exemplo o sol, que é nossa

348



maior fonte energética, aquela sem a qual
não viveríamos. O centro do sol é um reator
de fusão nuclear onde quatro núcleos de
átomos de hidrogênio se reúnem para
produzir um núcleo de átomo de hélio. Esse
átomo de hélio é mais leve que os quatro
átomos de hidrogênio que o originaram,
como? Houve uma perda de massa nesta
reação: E = mc ao quadrado, equação de
Einstein que nos diz que a massa perdida
transformou-se em energia. A perda de
massa é muito pequena em relação à
massa total do sol.

O que estou fazendo é supor que, tal
como o sol, somos sistemas produtores de
energia. Nosso sistema nervoso produz
reações de alto nível de liberação de
energia, e o motor disso é a inteligência. A
energia que utilizamos provem do exterior,
tanto na forma orgânica através do
alimento e da respiração, quanto das
estimulações dos sentidos. A energia
orgânica move a parte física, material do
que nos constitui. As sensações estimulam
a consciência, cuja base é biológica, mas
sua natureza parece compreender mais do
que isso. Envolve o que é subjetivo como os
afetos, mais a ordenação racional dos
processos cognitivos.
Se Freud estiver certo em suas teorias
sobre como a energia psíquica se liga aos
conteúdos afetivos mais que ao racional,

349



veremos que a potência do sistema
depende mais dos níveis mais subjetivos,
relacionados à emoção.
Já expressei minha opinião de que o que
nos faz inteligentes é nossa riqueza afetiva,
a propriedade da emoção que é maior em
nós que em qualquer outro animal.


Somos um reator movido pela energia
inicial dos instintos e da emoção, que se
torna capaz de alcançar a razão.

Espero ter conseguido ser
minimamente lógica e coerente na
exposição desta hipótese sobre a seqüência
de eventos energéticos que constituem
nossas mentes. Assim passamos ao
próximo passo: definir por que esse sistema
pode ter a capacidade de receber
informações através de diferentes canais.

A mente humana parece ter
diferentes níveis de percepção que se
assemelham a diferentes canais de um
receptor de TV. Em medicina, avaliamos os
níveis de consciência variando da vigília
normal ao coma profundo. Mas podem
existir gradações sutis que desconhecemos,
são os estados alterados de consciência.

Passamos a maior parte do tempo
conectados a esse canal da vigília, que se
dirige ao mundo concreto de onde
extraímos nossa sobrevivência e nos
relacionamos. Quando dormimos nossa
percepção se altera, deixamos de perceber

350



predominantemente o mundo externo para
dedicar nossa atenção ao interno. Quando
estamos acordados seguimos as leis da
lógica, precisamos ter uma orientação no
tempo e no espaço e funcionar segundo o
que denominamos processo secundário.
Isto já foi exposto anteriormente, refere-se
ao segundo processo de funcionamento
mental, adquirido através da educação.

Ao dormir e sonhar, voltamos a
funcionar pelo processo primário, aquele
que existia ao nascermos. O processo
secundário exige esforço e, de tempos em
tempos, precisamos desligar essa
programação e retornar à antiga. Esse é um
exemplo de captação de diferentes canais.

Aquele físico de quem falei
anteriormente, manifestou na mesma
oportunidade que considera a intuição e a
inspiração as formas mais primitivas de
comunicação. Para a psicanálise, a
linguagem é uma aquisição referente ao
processo secundário. Antes de aprender a
falar não éramos um sistema isolado,
usávamos outras formas de comunicação
que gradualmente vão sendo substituídas
no processo educativo, a ponto de não as
usarmos mais. Ou, não nos apercebemos ao
usá-las, não estão mais sob nosso comando
consciente.

A intuição e a telepatia são
expressões destas primeiras formas de

351



comunicação, são capacidades inatas que
parecem permanecer adormecidas sob
efeito da ação cultural.

Enquanto povos ditos primitivos
cultivam estas habilidades, nossa tendência
civilizada é suprimi-las por parecerem
formas inadequadas e imprecisas de
comunicação, sujeita a erros que seriam
patrocinados pela fantasia interna. Para a
civilização, o mundo interno não é real pois
nada de palpável existe nele.
No entanto, a comunicação entre os
homens e entre eles e o universo, pode
ocorrer, sobretudo neste nível que, para
nossa visão imediata, está oculto. Como
grande parte de nosso psiquismo funciona
segundo leis da física que só agora
começamos a descobrir, não nos damos
conta de que o processo de comunicação
mais usado é a conexão instantânea.
Patrocinada, sobretudo pela emoção, que é

o que se transmite com mais facilidade
entre pessoas, e é o fenômeno segundo o
qual as consciências se atraem.
Na conexão instantânea a energia não
necessita ser conduzida através de um
meio. Um ato mental humano gera um
efeito cuja velocidade é maior que a da luz,
tornando possível a conexão imediata com
outra mente. Não há transmissão dos
efeitos de um inconsciente para outro, há
simultaneidade deles.

352



DIFERENTES DENSIDADES


Energia e matéria são diferentes
manifestações da mesma coisa, diferindo
pela densidade que apresentam. É
conhecida a relação entre a fisiologia
feminina e as fases da lua. Todos sabem
que os bebês nascem na transição delas.
Estas mudanças de fases, parecem produzir
alterações na química corporal, que é
matéria e, cuja densidade pode ser
alterada.

Cada oscilação na densidade de um
neurotransmissor, corresponderá a uma
alteração de percepção e comportamento.
Quando há maior quantidade de um
determinado elemento a densidade é maior,
se sua quantidade se reduz, baixa a
densidade do meio em que se encontra. As
oscilações na produção de substâncias
mediadoras no sistema nervoso central é
conhecida pela medicina, e relacionada aos
diferentes quadros clínicos que produzem. A
depressão cursa com um decréscimo na
produção de algumas substâncias, enquanto
outros quadros cursam com elevação da
produção. Existe então uma relação entre
variações de densidade e variações de
percepção.

Alterando a química cerebral, fazendo
variar a densidade do meio no sistema

353



nervoso central, a emoção e todos os
demais sentidos podem ser alterados.
As alucinações induzidas por drogas são a
prova disto. Toda percepção é alterada de
forma anárquica sob efeito de um
alucinógeno, por exemplo. A ação destas
substâncias, e portanto as alterações todas,
ocorrem sobre os neurotransmissores.
Alteram sua produção para mais ou para
menos. Diminuindo ou aumentando a
concentração de neurotransmissores na
fenda sináptica, podemos dizer que
aumenta ou diminui a densidade deste
meio.

Isto eqüivale a dizer que tudo na
mente é relativo à densidade. Alterando-se
a densidade do sistema, altera-se a
percepção da realidade.

Ou, dizendo de outro modo: a
variação de densidades, dentro da mente,
pode nos fazer captar diferenças na
realidade, que correspondem à mudanças
no nível de percepção.

Talvez essa mudança não corresponda
a nada mais que a percepção do próprio
inconsciente e do alheio. Mas isto não nos
livra das indagações.

Nos surtos psicóticos a senso
percepção fica totalmente alterada, há
delírios e alucinações e não mais simples
fantasias como nas neuroses. Tudo é vivido
como real, embora as vivências não sejam

354



partilhadas pelo meio, a angústia provém
de captar um mundo interno assustador e
sem controle.

Ora, os sintomas psicóticos parecem
provir da própria fantasia, mas porque ela
se torna tão real? Todos temos fantasias,
mas sabemos voltar à realidade objetiva.
Essas percepções alucinatórias parecem
ocorrer porque a densidade cerebral muda e
percebe realidades distintas, flashs do
inconsciente pessoal e herdado e uma
pequena parte de influências externas.

A mudança de densidade no meio
cerebral, corresponde à mudança de canal.
Isto é que torna tudo tão real: não mais
uma lembrança ou devaneio, mas uma
alucinação, algo que para o doente é
palpável e assustador.

Num surto, não há mais lógica ou
orientação temporal e espacial, a mente
passa a funcionar como um sistema
receptor que está sofrendo influências
superpostas; aniquila-se o senso de
identidade e a habilidade de controle sobre

o que se pensa e sente.
O tratamento destas condições
continua sendo químico: a estabilização das
quantidades de neurotransmissores e, por
conseguinte, da densidade cerebral. Esse
procedimento impede a mudança de canal
que faz com que se sonhe acordado, como
ocorre na loucura.

355



O assunto é extenso e precisa
manter-se mais no terreno das
especulações ainda, pois não dispomos de
métodos diagnósticos mais apurados, que
funcionem in vivo, medindo as reações
químicas de um cérebro durante seu
cotidiano.

No entanto, a ciência sempre se valeu
da observação e uma vez que, depois de
minucioso exame, surja uma constatação
de que os fatos se repetem formando uma
possibilidade, deve-se trabalhar fisicamente
para demonstrá-las. Talvez o principal
ponto sejam as alterações eletromagnéticas
que acompanham nas mudanças de
densidade.

Se, há uma variação nos
neurotransmissores corresponde uma outra,
de natureza eletromagnética, é através
desta que se poderá mapear as alterações
de densidade e correlacioná-las às
mudanças do comportamento, ciclos
biológicos e influências externas.

Poderemos então entender melhor
estas mudanças de percepção, que aqui
denomino mudanças de canal.

Mesmo não havendo uma alteração
radical de percepção, outros canais além da
realidade objetiva existem para nós e
podem ser acessados durante nossa vida
normal. A telepatia é o primeiro exemplo
destes processos, é conhecida e estudada

356



há muito tempo. As influências emocionais
correlacionadas à empatia são outro
exemplo. Nada precisa ser dito, você
apenas sente, compartilha uma sensação
com outra pessoa mesmo que seu estado
emocional não esteja evidente ou o discurso
diga o contrário. Esse é um tipo de
percepção mais sutil que se vale da emoção
e ela, como disse antes, independe da
transmissão num meio físico, mas ocorre de
forma instantânea e direta: de um
inconsciente para outro.

As emoções podem ter um efeito
semelhante ao contágio. Isto se dá tanto
pela interpretação dos sinais objetivos,
quanto pela transmissão direta, que é
facilitada pelo laço afetivo.

Quanto à inspiração, não compreendo
exatamente como funciona. Talvez seja o
produto da recombinação de dados que são
armazenados na memória; como se
fossemos um computador onde são
lançados dados que combinam-se fora da
consciência e chegam a um novo resultado
e este sim, aflora como um pensamento
consciente. Freud descrevia pensamentos
latentes, que trabalham em seu pré-
consciente enquanto você se ocupa de
outras coisas. Essa cadeia de pensamentos
não é dirigida pela nossa vontade e talvez
isso seja um benefício. Depois, podemos
voltar nossa atenção para o pensamento

357



que esteve trabalhando sozinho e chegar a
compreendê-lo. É possível que este
processo envolva algo mais e ainda não
suspeitamos. Pode ser algo relacionado à
conexão instantânea.

358



INFLUÊNCIAS EXTERNAS


Restará a dificuldade seguinte: saber
se, ao mudarmos de densidade cerebral,
somos passíveis de receber influências e
estabelecer conexões com os tais universos
densamente diversos, cuja existência é
alegada por meu amigo físico.

Neste caso, seriam fenômenos
semelhantes à comunicação telepática.
Sabemos que esta se dá entre indivíduos
cuja realidade de tempo e espaço é a
mesma. E entre diferentes níveis
energéticos? Existiriam consciências
habitando diferentes realidades? Estas
seriam capazes de comunicar-se entre si
através da energia psíquica? Isto poderia
funcionar como uma interferência? Não
temos como responder por ora, mas a
existência de outros níveis energéticos é
aceita por grande número de pessoas sobre

o planeta, de maneira que não parece de
todo absurdo abordar este tema.
Supondo que, de fato, possam existir
vários níveis energéticos onde habitam
diferentes consciências, deve haver um
estado de equilíbrio exato para cada nível
de densidade. Um ponto de excelência para

o funcionamento em que todo aquele
sistema possa estar equilibrado.
Sabemos que as forças que agem
sobre o sistema psíquico humano são

359



muitas e de diversas naturezas, de sorte
que rupturas em algum grau são
inevitáveis. Elas dependem, ou assim
parece ser, da força que o Ego tenha para
manter-se perseverante na SUA REALIDADE
e, da confiança que com esta se estabeleça.
Para tentar expor esta hipótese mais
claramente: a mente humana, não está fixa
às leis da densidade relativa. Ela está em
possibilidade de conexão a toda
multiplicidade de realidades que possa
existir, mesmo que estas provenham
daquilo que denominamos fantasia. Quando
uma destas esta investida de quantidade
suficiente de energia pode ser vivida como
real.

O psiquismo, sendo uma forma de
energia, é menos denso que a matéria,
portanto não se detém nos limites dela;
sobre esta exerce influência, bem como
recebe estímulos através dela. Por ser
basicamente energia, a mente é
extremamente volátil e mutável. Seu
substrato orgânico pode sofrer alterações
de densidade representadas pelas variações
nas concentrações de substâncias químicas
que fazem o funcionamento cerebral.

Como essa densidade é alterada e
como mantê-la sob controle é algo que não
sabemos ao certo. Existem muitas
hipóteses como as que formulei acima.

360



Não sei se as pessoas que crêem na
possibilidade de sermos influenciados por
consciências cuja existência desconhecemos
estão certas. Acredito que ninguém saiba
até agora o suficiente para retirar este
assunto do contexto da fé. No entanto,
estou convencida que, as influências que
seres humanos exercem uns sobre os
outros, são maiores e mais sutis do que
tem sido dito até aqui. Que há muitas
formas de comunicação entre nós, além
daquelas que conhecemos e dominamos na
vida adulta. Isso fica evidente para quem
trabalha com a mente humana, seus limites
são de fato muito amplos e suas
possibilidades talvez infinitas, é um sistema
tão complexo quanto desconhecido.

Além disso, as descobertas da física
sobre a misteriosa natureza do tempo nos
põe frente à dificuldades de compreensão
ainda maiores, pois sendo o inconsciente
um território livre de sua influência, nele
habitam sensações atemporais ou, de todos
os tempos. Muitas delas são transmitidas
através da ligação genética: são nossos
ancestrais. Outras tantas podem
originalmente não nos pertencer, mas
apenas serem captadas por nós e vividas
como nossas, através de fenômenos de
conexão instantânea. A condução do
raciocínio parece levar-nos à conclusão de
que, necessariamente precisa haver um

361



inconsciente compartilhado. Uma dimensão,
ou nível energético onde se encontram as
fantasias humanas de todos os tempos
formando aquilo que se denominou
inconsciente coletivo e de onde podem vir
as imagens sensações e lembranças que
ocorrem durante uma sessão de regressão
por exemplo. Esta prática está conquistando
muitos adeptos e é preciso investigá-la. A
mim parecem fenômenos de conexão
instantânea, além do tempo pois, volto a
dizer, o inconsciente é atemporal.

Aqui preciso me deter, poderemos
prosseguir nesse raciocínio em outra
oportunidade, por ora, não desejo lançar
um excesso de indagações e possibilidades
que dificultem ainda mais a análise destes
novos e intrigantes fatos.

A única chave que conhecemos
cientificamente para controlar a mente, é
química. Mas existem outras, praticadas por
povos antigos, cujos vestígios sobrevivem e
mereceriam ser pesquisados. Como pode
ser controlada a dor, por exemplo? Por que
algumas pessoas conseguem isolar os
estímulos dolorosos apenas com técnicas de
controle mental?

E, caso existam universos
interpenetráveis, como os povos antigos
sabiam disso e como tinham meios de
entrar e sair de densidades diferentes? Essa
mudança de densidade é o transe? Existe

362



uma forma segura de alterar a densidade e,
portanto, a percepção? Que riscos existem
na interpenetração dos universos, se de
fato ela ocorre? Ou, ao contrário, que
benefícios poderíamos extrair disto? Se a
nossa realidade não for única, onde estará o
limite da loucura?

E mais, a mudança de nível
energético ocorrida durante o transe, pode
ser usada pela medicina? Se era usada na
antigüidade e ainda hoje pelos kereis e
pajés, onde está seu efeito? Apenas na
crença do doente? E se a crença determinar
uma alteração na realidade física? Então
estaremos sendo jogados no mais subjetivo
dos mundos. Um mundo de todas as
possibilidades, mas ainda prevalecendo
aquelas pertencentes ao nível energético
onde estamos sintonizados na maior parte
do tempo.

Se formos obrigados a constatar a
existência de um campo psíquico formado
pela soma de cada uma das mentes
humanas, e que temos acesso a ele e
recebemos suas influências diretamente,
teremos que rever nossas posições em
relação aos demais. Não há um meio de
isolar-se energeticamente do restante da
humanidade e do planeta, provavelmente
sofreremos individualmente todas as
variações do campo energético coletivo,
dependendo da suscetibilidade individual. É

363



tudo muito estranho, mas com grandes
chances de ser verdadeiro.

364



O INCONSCIENTE COLETIVO


Aquilo a que se refere Jung como
inconsciente coletivo não é a soma das
mentes humanas em todos os tempos
projetadas, sob a forma da energia,
formando um campo psíquico único? Esta
energia psíquica parece ser transformada
em fantasias e, registros de memória que
se transmitem geneticamente, adquirindo
uma forma individual. Além disso, pode
existir como energia livre em nosso meio?
Uma idéia recebe uma determinada carga
energética. Uma imagem ou qualquer outra
sensação, também. Tudo que é processado
pela mente torna-se parte dela ou seja:
energia. Se tudo o que é energia pode vir a
ser matéria, e vice versa, outros universos
podem ser formados à partir da mente?

Se ela processou o que viu, viveu,
ouviu e sentiu, transformou isto em uma
forma de energia, que é psíquica. Ela é
passível de algum tipo de materialização?

O campo psíquico denominado
inconsciente coletivo tem uma determinada
carga energética, que corresponde à mais
que a soma de todos os campos de energia
psíquica de todos os habitantes da terra em
todos os tempos. Mais porque existe o
efeito denominado sinergismo, segundo o
qual a ação simultânea de duas forças

365



resulta numa potência maior que a soma
delas

Este campo psíquico formado pela
soma de todas as individualidades pode ter
uma densidade específica ou talvez vários
níveis dela, correspondendo à variações de
caráter qualitativo nas fantasias que o
compõe.

Tudo que tenha sido registrado e faça
parte do inconsciente humano tornou-se
carregado de energia e está em algum
lugar. Se existiram na mente humana, são
formas de energia, logo existem de alguma
maneira, que pode ser a fantasia
inconsciente. Poderíamos dizer que as
fantasias tem tendência a existir. Isso
porque foram investidas de uma
determinada carga, e no nível subatômico a
matéria mostra tendência a existir à partir
da energia.

Talvez este seja também o mundo dos
ancestrais, dos mortos; afinal, talvez deles
só reste o registro energético, que pode
estar na forma de imagens, sons, fantasias
que pertenceram ao que denominamos
inconsciente e que, tal como ele, estão fora
do tempo e do espaço.

Claro que nós humanos não podemos
ser a única forma de criadores no universo.
Mas nos tornamos algum tipo de criatura
transformadora de energia, capazes de
projetá-la sob várias formas, tanto no

366



mundo concreto quanto em dimensões de
fantasia.

Até aqui, temos nos esforçado em
dominar e compreender aquilo que é
externo a nós. Parecemos nem desconfiar
do infinito universo que a nós se une pelo
dom especial que temos: nossas mentes
inteligentes e criativas.

Muitos organismos e mentes se
deterioram em situações de extrema
escassez de energia psíquica e orgânica.
Outras são perdidas pela falta de estímulos:
capacidades humanas maravilhosas são
jogadas no lixo, como imprestáveis, quando

estão em indivíduos relegados ao
abandono.
Não temos como escapar deste

exercício de domínio e poder sobre o que é
interno. Para além de quaisquer políticas, é
a emoção humana quem decide sobre o
mundo. É ela quem permite andar para
frente, em um caminho real de progresso e
saúde, ou atrasar-se em formas mais
primitivas de relação. Atentados à
dignidade humana são diariamente
cometidos. Acontecem até mais do que atos
solidários e leais, num franco indício de que
as emoções humanas encontram-se em
desordem.

As patologias que atingem adultos e
crianças cujos cérebros estão intactos, são
derivadas de alguma forma da emoção. As

367



patologias sociais também derivam do
convívio humano e das emoções que nele
se despertam.

Todas as ações, de todos os homens,
em relação a si e aos seus, são o que forma
a qualidade da emoção do mundo. Dessa

emoção, mais que da racionalidade,
iniciam-se as ações que criam nossa
realidade. Governos, exércitos,

organizações e sistemas econômicos, cada
um deles é expressão de forças emocionais
que determinam a percepção que teremos
do mundo, que passará a constituir nossa
realidade. Desta forma estaremos sendo
obrigados a admitir, tal como o próprio
Freud já o percebia, que somos um mundo
muito mais composto de fantasia do que
admitimos. A tal ponto que talvez os
orientais tenham razão em referir-se a ele
como Maia ou ilusão.

Boa parte do mundo concreto em que
vivemos foi construído por nós, expressa
algo de nosso interior que é chamado de
fantasia inconsciente, bem podendo lembrar
um pesadelo ou um lindo sonho, em
diferentes momentos.

Se tudo que nos cerca está tocado
pela qualidade de nossas fantasias, melhor
que sejam boas, amorosas e de
aproximação, porque com as outras nos
destruímos.

368



Melhor que o inconsciente coletivo esteja
povoado de fantasias prazenteiras e
amistosas se a cada um de nós caberá uma
fatia dele.

Enquanto no mundo objetivo cargas
opostas se atraem, no universo da
subjetividade, que é denominado aqui
inconsciente, as coisas se dão de outra
maneira, os conteúdos que o constituem se
atraem por semelhanças.
Esse é um princípio de funcionamento do
inconsciente, uma afirmação sobre uma lei
do universo interior que vale tanto qualquer
lei da natureza externa.

Pois bem, sendo assim, a qualidade
subjetiva de um conteúdo inconsciente é o
que atrai outro igual. Estaríamos de certa
forma sendo influenciados pela qualidade da
fantasia predominante num meio humano.
Num grupo familiar, onde a intensa ligação
afetiva permite uma melhor conexão entre
os inconscientes de seus membros, pode-se
observar isso com maior clareza. O membro
da família que adoece mentalmente é
aquele que encena e toma para si o drama
familiar. Ele é o resultado aparente de uma
conjunção de fatores de desequilíbrio
partilhados pelo grupo.

Nada pode excluir a possibilidade de
que tais fatos se repitam numa extensão
maior, envolvendo membros de uma
comunidade, de uma nação e da espécie.

369



O que talvez resulte no equivalente
psicanalítico do conceito religioso e
filosófico do Karma. Eis aí alguma coisa que
pode se distribuir igualmente a todos os
membros da espécie: o inconsciente
coletivo e a qualidade das fantasias que o
compõe.

370



ENCONTRO DE DUAS CULURAS


Existe um livro muito interessante

chamado "Emoções que Curam".
Representa a transcrição de uma
conferência realizada entre cientistas

ocidentais e a visão budista representada
pelo Dalai Lama.

Nesta obra, Cliff Saron relatava uma
pesquisa realizada sobre emoções, em que
concluíam que cada um dos lados do
cérebro se relaciona à emoções que levam à
ações de recuo ou de avanço. A pergunta
feita por um dos membros dessa
conferência foi: todas as emoções estão
assim divididas?

Pessoalmente tenho a impressão que
sim, todas as emoções são de aproximação
ou de recuo. As de recuo são todas aquelas
provocadas por uma ação agressora.
Quando as percepções são de alguma forma
ameaçadoras, há uma resposta de recuo na
emoção.

A primeira tendência é o recuo. Se
este não for mais possível, haverá a
agressão. Se a pressão agressora persiste
por tempo demais, a mente que falhou em
retirar-se do estímulo lançará mão da
agressão.

As reações de aproximação são
movidas pela percepção prazerosa. As

371



emoções que tem essa qualidade, são as
que levam a ações de aproximação, pois
criam confiança para que as ações sejam de
avanço.

Isto completa a afirmação de que a
mente humana média, na atualidade, tem
nível insatisfatório de equilíbrio. As ações de
recuo tem sido acionadas fora de seus
padrões normais. A natureza construiu
essas reações para salvar o animal,
preservar-lhe a vida em situações de
ameaça. Os transtornos de ansiedade como
a fobia social, o pânico e todos os
transtornos dessa natureza, são ordens de
recuo dadas por uma mente que registra
um perigo irreal, impalpável.

Também as reações de agressão
estão alteradas, num círculo vicioso em que
a maior parte de nós usa durante mais
tempo a parte do cérebro que se afasta,
mas eventualmente lança mão do ataque de
forma inadequada e desproporcional.

A parte que aproxima, que bem
maiores benefícios trás à mente humana
por representar menor consumo energético
e melhores sensações, tem sido menos
usada invertendo a fisiologia. A natureza
funcional da mente é de que permaneça o
máximo possível em estado de atração, que
provoca bem estar. O fato de termos um
mundo com excesso de estímulos pode ser
a causa da confusão.

372



Algumas destas reações de recuo
atingem níveis tão altos e, ocorrem com
tanta freqüência, que estão virando
epidemia. Formam síndromes que eram
raras até poucos anos, como os transtorno
de ansiedade, as reações de estresse e
depressão. A melancolia é um afastamento
de si próprio. Um rechaço de Ego a si
mesmo e ao mundo.

A correção destas condições
corresponde a induzir quimicamente uma
reação de aproximação, quer seja por
aumento das aminas neurotransmissoras,
quer seja pela potencialização do GABA ,
que tem efeito tranquilizante.

Fica a impressão de que, as mudanças
ocorridas na sociedade, com o aumento dos
estímulos, a superficialização das relações e
a ênfase na competitividade, são as
responsáveis pelo aumento das
manifestações deste estado de insegurança
e insatisfação que nos atinge.

Em seguida, o Dalai Lama questiona:
" Se as emoções são basicamente de apego
ou aversão, o que diz da EQUANIMIDADE?
Isso seria nenhuma emoção ou emoção
neutra?"

Responderia que pode ser o estado
puro da emoção, sob forma de energia
psíquica livre, não associada a nenhum
conteúdo específico. A emoção não está
presa em nenhuma vivência atual ou

373



passada, nenhuma idéia ou sensação, mas
permanece fluida para seu meio e dele para
si. Este possivelmente seria o estado
saudável em que deveriam permanecer as
mentes na maior parte do tempo, seguindo
sua programação original.

Em tal estado, as variações existem
em direção ao recuo ou avanço conforme as
circunstâncias, mas o Ego ainda está ciente
de como lidar com cada uma delas. Por isso
não há ansiedade e não há efeito de
toxicidade, já que as oscilações são breves,
logo a mente retorna a um estado de
equilíbrio ou energia não vinculada.

Sua Santidade, que permanece calado
até a metade do livro, revela sua
inteligência questionando o que é a
emoção, e como pode a ciência pretender
limitá-la a prazer e desprazer? Além disso,
um corpo totalmente incapaz de sensação
ainda terá uma mente com emoções, diz.

"As emoções são identificadas através
de sensações físicas, como o medo, por
exemplo?"

A resposta é não, na maior parte das
vezes o medo não é real, vem de dentro da
pessoa, de uma fantasia que está em seu
inconsciente.

Há dois tipos de medo: o real, vem de
fora, algo realmente nos ameaça. A outra
reação de medo vem de dentro de nós, é
totalmente subjetiva, mas tão intensa

374



quanto a real. Pode produzir as mesmas
reações químicas no organismo. Isso é o
pânico!

Sensações físicas, portanto objetivas,
aqui derivam de um plano subjetivo: a
emoção de ameaça ou medo produz as
sensações.

Por que então, determinadas
circunstâncias desencadeiam o pânico?
Porque tem uma analogia com o temor
inconsciente. Um fantasma é acordado por
algo externo.

As percepções que despertam do
inconsciente ameaçam irromper na
consciência, trazendo com elas as emoções
correspondentes. Lembram sobre o banco
de dados da memória ser formado por
todas as impressões sensoriais, mais a
emoção correspondente a cada vivência?
Caso uma experiência seja especialmente
traumática ou, por qualquer razão cause
uma grande quantidade de sensações
desagradáveis, terá que desaparecer da
consciência para que a pessoa siga vivendo.
A experiência terá elementos que precisarão
ser reprimidos, indo para o inconsciente. Há
guardas na porta do inconsciente pois estes
elementos são considerados perigosos.

As sensações do pânico assemelham-
se a uma rebelião num presídio: os presos
querem sair e há uma reação da guarda,
um alerta soa.

375



Então, Sua Santidade pergunta: "porque
ninguém da neurociência dá uma resposta
sobre a concomitância de um estado mental
positivo e a emoção de EQÜANIMIDADE.?"
E acrescenta: "O sentimento é um dos
fatores mentais onipresentes, e que é o
mais próximo de ser traduzido como
emoção."

Embora este livro me tenha chegado
às mãos depois de ter escrito sobre a
emoção como um sentido, que se expressa
na forma de sentimentos, penso que nossas
conclusões são semelhantes e coincidentes.
O sentimento é uma qualidade específica
que adquire a emoção diante de cada
experiência cognitiva. Não há cognição que
não desperte a emoção, pois ela é a energia
básica através da qual se move a mente.
A qualidade da experiência determinará a
forma a ser assumida pela energia mental
ou emoção. Mas, a emoção em si é serena,
ela não é diferente do que sua Santidade
denomina Equanimidade, que é um estado
de emoção neutra e pura, apenas energia
potencial.

O sentimento é um fator psíquico
onipresente, não há vida mental sem
emoção. E, ao que parece, nem mesmo
vida física, a menos que se use métodos
artificiais.

376



Segue "Sinto que talvez a própria
natureza da mente seja a
EQUANIMIDADE..."

Este é o estado normal da mente
humana, excetuando-se as lesões do
sistema nervoso por qualquer meio, e os
erros químicos geneticamente
determinados, a causa da mente adoecer
parece sempre conter uma perturbação da
emoção.

Por que não poderíamos inferir que,
nesse estado de quietude mental,
tranqüilidade ou EQÜANIMIDADE, está o
ponto ótimo de funcionamento para o
aparelho mental humano? Este pode ser o
ponto exato da saúde física e mental.

Toda doença, afora as ambientais,
parece surgir dos desvios excessivos deste
ponto médio onde a fisiologia está perfeita.
Perturbações mentais que só podem ocorrer
pela via da emoção transformada em
sentimentos ditos negativos, representam
um fator presente na maior parte das
nossas enfermidades, como indivíduos e
como espécie.

Em estado de EQUANIMIDADE NÃO
HÁ CONFLITO OU ESFORÇO.

SUPONHAMOS QUE OS ORIENTAIS
COM SUAS TÉCNICAS DE MEDITAÇÃO
ATINJAM ESTE PONTO. Ótimo, eles
conseguiram fazê-lo por bastante tempo,
com o controle consciente da mente. É um

377



controle que parece ser também químico,
mas determinado pela vontade do próprio
indivíduo. Sem dúvida há um estado
químico cerebral correspondente à
equanimidade.

As técnicas usadas pelos monges que

o Dalai Lama cita, visam restituir a fisiologia
da mente. Mesmo quando não está
meditando, suponho que um praticante que
tenha êxito em seus exercícios, mantenha o
controle de sua energia psíquica a ponto de
que ela fique em equilíbrio. Um controle
consciente e readquirido.
A mente serena não está inativa, ela
está apenas conforme com as leis da sua
fisiologia. Não há conflitos e portanto não
há tensão ou desprazer. É um estado de
paz, não de paralisia.

378



CONSIDERAÇÕES FINAIS
SOBRE A ENERGIA PSÍQUICA


A busca da ampliação da consciência
pretendida pelos orientais e associada ao
estado de equanimidade, em que a emoção
está em seu estado puro ou não vinculado,
com energia psíquica disponível,
representada pela meditação e pela Yoga,
parece referir-se à busca de um estado em
que a fisiologia está perfeita.

Isso nos remete ao fenômeno da
radiância, descrito em 1900 por um físico
alemão. Segundo observou, uma caixa
negra com um furo em sua superfície
depois de algum tempo de exposição à luz
começava a emitir radiação luminosa. Esse
trabalho deu-lhe um prêmio Nobel e está
expresso na fórmula

R = f . potencial energético básico

Esse é o início da física quântica, onde
R é a radiância, f é a freqüência e o
potencial energético básico foi calculado em
uma fração de ERG.

Diz a física que há uma freqüência em
que a radiância é máxima nesse sistema, o
que parece corresponder aos achados
orientais sobre uma freqüência ótima para a
mente.

379



Façamos a seguinte correlação:

RP = f . potencial energético básico (
derivado do substrato orgânico)

Onde RP é a radiância psíquica, f a
freqüência e o potencial energético básico
representa a energia biológica fornecida por
reações químicas dos processos
metabólicos.

A variável f seria provavelmente
determinada por fatores subjetivos o que,
segundo parece, corresponde à emoção, já
que toda a subjetividade está expressa sob
a forma de afetos.

E pode ser o que determina a
mudança de órbita das partículas, que
saltam de um nível a outro liberando ou
absorvendo energia para o núcleo,
conforme o modelo de Niels Bohr para o
átomo de hidrogênio. As últimas órbitas
possíveis são as de maior nível energético,

o que talvez corresponda à compreensão
intuitiva de que todos os poderes estão "no
alto".
A emoção é o único dos fatores
psíquicos sujeito à variações quantitativas
capazes de determinar a freqüência do
sistema, e já é largamente conhecido seu
papel na determinação do fluxo energético
no interior do psiquismo, bem como
sabemos que liga-se aos conteúdos mentais

380



atribuindo-lhes determinada carga ou
catexia. É também o diferencial definitivo
entre a inteligência animal e a humana. Por
todas estas razões ficamos inclinados a
inferir que é o único fator capaz de
determinar a freqüência psíquica. E tal
observação é reforçada pelo fato das
filosofias orientais centrarem seus esforços
no domínio deste fator psíquico, quando o
objetivo seja ampliar a potência do sistema.

Assim, as conclusões são que
podemos procurar conhecer o fenômeno
energético psíquico como pertencente ao
nível da luz, talvez a mais sutil das
expressões da energia. Esse fato parece ser
conhecido de forma intuitiva desde o início
dos tempos, já que a luz é sempre citada
como expressão de potência de uma
consciência, veja-se o termo iluminação,
Apolo deus da luz como patrocinador da

civilização, e as auréolas dos santos
católicos.
O fenômeno psíquico resulta num

sistema energético cuja potência total é
expressa em radiância, que se origina num
substrato orgânico e é capaz de variar de
acordo com os conteúdos afetivos presentes
num dado momento.

Isso pode explicar a perda de energia
verificada em determinadas patologias, a
desorganização do sistema em outras e a
correlação definitiva entre a qualidade do

381



subjetivo e seu representante físico. É certo
que o potencial orgânico interfere no
resultado final, sendo diretamente
proporcional à radiância, mas a variável
maior fica a cargo dos fatores psíquicos
despertados nas relações interpessoais,
distinção definitiva da espécie.

Evidentemente tais considerações
correm o risco de não serem corretamente
avaliadas e receberem um rótulo de
misticismo, dentro da caça às bruxas
promovida pelas mentes científicas. No
entanto, estou certa de que, após exame
mais profundo e isento de emoções, pode
vir a representar uma importante
constatação e um significativo passo para
que encontremos o representante objetivo
de todo esse sistema energético, talvez o
mais complexo da natureza, uma vez que
envolve os processos da inteligência e suas
amplas possibilidades.

Todo universo é um sistema,
subdividido em vários outros. Todos os
sistemas são meios de geração de energia e
seria de todo incompreensível pretender
excluir o homem dessa regra básica.

Para tornar ainda mais simples as
explicações, façamos uma comparação com
uma equipe esportiva: se duas equipes
recebem o mesmo aporte calórico, tem
condições físicas e técnicas semelhantes,
qual pode ser o diferencial a determinar a

382



vencedora? Acredito que todos já tenhamos
tido a oportunidade de observar que em tais
casos o componente afetivo motivacional
fará a diferença na radiância do sistema. O
exemplo mais recente disso é a seleção
brasileira de vôlei, cuja potência energética
foi determinada por seu preparador físico
que estimou a quantidade de lâmpadas que
cada jogador seria capaz de manter acesas,
durante um período de tempo determinado,
através da energia produzida durante uma
partida.

Espero que os senhores físicos e
engenheiros nos auxiliem com seus
conhecimentos, para que possamos
correlacionar definitivamente fatores
psíquicos e potência do sistema energético
denominado mente humana.

A definição mais aproximada de
emoção ficaria assim: "energia pertencente
a um sistema ou sentido, que abrange a
consciência total ( inconsciente, pré
consciente e consciente), e expressa-se
através de sensações objetivas no soma, e
subjetivas no psíquico.
Está latente no nascimento e desenvolve-se
à partir das relações objetais; pertence a
um nível físico que dispensa a propagação
através de um meio, produzindo efeitos
supraliminares. Como força, exerce seus
efeitos sobre aquelas outras situadas dentro
de determinado campo.

383



Sua freqüência é variável, porém
ininterrupta, age sobre o substrato biológico
produzindo efeito de radiância. O nível de
consciência é proporcional à freqüência do
sistema num dado momento.

Correlaciona-se diretamente com a
inteligência ou capacidade de compreensão,
sendo capaz de ampliar a consciência e
atingir níveis de percepção gradativamente
mais elevados quando se obtém uma
quantidade suficiente de energia livre, não
vinculada à conteúdos mentais específicos.
Seu fluxo é auto regulado pelo processo
fisiológico do sono.

Investe cada um dos atos mentais
humanos, sejam representações sensoriais
ou conteúdos ideacionais. Pode fixar-se
anormalmente a esses conteúdos,
configurando os fatores não orgânicos da
patologia mental. "

No próximo trabalho continuaremos a
investigar o sistema e as relações deste
com os objetos: falaremos de radiância
relacionada às relações objetais presentes,
pré arquetípicas e arquetípicas.

384



Referências bibliográficas
e sugestões de pesquisa

S. Freud, Obras Completas de Psicologia
Profunda, Ed. STANDAD.
C. G. Jung, Os Arquétipos e o Inconsciente
Coletivo
M. Klein, A. Aberastury, P. Heimann e S.
Isaacs, psicanálise do desenvolvimento.
Jamil Abuchaem, Sintoma e Angústia,
Vicissitudes do Psiquismo Precoce.
Goodmam e Gilman, As Bases
Farmacológicas da Terapêutica.
Revista da Associação Brasileira de
Psiquiatria.
Internet: física quântica, fenômenos
fotoelétricos, relatividade, letromagnetismo.
Kereis, medicina polinésia.
Ynaiat Khan, A Saúde e Sua Conservação
H. Blavatski, A Chave da Teosofia.
D. Miguel Ruiz, Os Quatro Compromissos.
Barbara Brennan, Mãos de Luz.
Dalai Lama, Emoções que Curam, Uma
Ética Para o Novo Milênio.
O ABC da Relatividade
Platão, O Banquete, ver Eurexímaco.
Enciclopédia Salvat do Estudante, volume I.
Mitologia, abril cultural.
Marquês de Figanière, Mundo Sub Mundo e
Supra Mundo.
Roviralta Borrel, Bhagavad-Gitã.
Niels Bohr
385




 

A Lógica da Emoção – Manoelita Dias dos Santos

A Lógica da Emoção - Manoelita Dias dos Santos

A Lógica da Emoção – Manoelita Dias dos Santos
Conhecer-nos, nossas capacidades e limitações, nossas emoções e necessidades e a forma como nos relacionamos é essencial para que tenhamos saúde. Esse estado que temos buscado desde o início dos tempos, de todas as formas, sempre procurando restaurar um equilíbrio que foi perdido quando nos tornamos racionais. Quando fomos "expulsos do paraíso" e jogados na aventura de uma amplificação da consciência que nos tornou seres especiais, capazes de criar. Habilitados, como nenhum outro ser vivo que conhecemos, a imitar a natureza neste ato fundamental que é a criação. Esta aventura chega ao momento de desenlace quando já temos poder e conhecimento para destruir tudo à nossa volta e para produzir outros seres humanos sem a ajuda dos processos naturais. Sem dúvida, chegamos muito longe! Agora é melhor olharmos para dentro e percebermos quem realmente somos e o que desejamos, o que é válido e o que é para nós perigoso equívoco.

A Lógica da Emoção, parte das descobertas da psicanálise passa pelo conhecimento das religiões antigas e chega à nova física, numa trajetória que busca explicar o funcionamento de nossas mentes, as leis que a regem e o papel da emoção. Por que nos tornamos inteligentes? O que nos torna capazes de criar? Quais são as formas de comunicação entre nós? Qual a qualidade e a realidade do mundo que construímos? Todas são perguntas que só podem ser respondidas se usarmos uma lógica mais abrangente que passa, necessariamente, por este sentido especial: a emoção, que nos distingue e eleva acima da. irracionalidade. Este é o território a ser desbravado pela humanidade nos próximos anos. Estaremos tão interessados no poder sobre nossa natureza subjetiva por descobrirmos que somente nele reside a possibilidade de êxito em alcançar um estado de bem estar que prevaleça na maior parte do tempo, obedecendo ao conceito de saúde formulado pela O.M.S.

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Feliz Natal para todos!


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