A dinastia de Jesus
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Com base em uma análise cuidadosa dos documentos do cristianismo primitivo e de recentes descobertas arqueológicas, James Tabor nos dá uma nova e ousada interpretação da vida de Jesus e das origens do cristianismo. A história é surpreendente, controvertida e emocionante, como só uma história há muito perdida pode ser.
Jesus, como sabemos, era o filho de Maria, uma jovem que engravidou antes de seu casamento com um homem chamado José. Os evangelhos nos dizem que Jesus tinha quatro irmãos e duas irmãs, todas, provavelmente, de um pai diferente do seu. Ele se juntou a um movimento messiânico iniciado por um parente – João Batista, visto por ele como um professor e grande profeta. João e Jesus preencheram os papéis dos Dois Messias, aguardados naquele tempo: João, como um sacerdote descendente de Aarão; Jesus, como um descendente real de Davi. Juntos, pregaram a vinda do Reino de Deus. O movimento apocalíptico liderado por eles esperava que Deus estabelecesse Seu reino na Terra, tal como descrito pelos profetas. Os dois messias viveram em uma época de turbulência, período em que a Terra histórica de Israel estava sob o domínio do poderoso Império Romano. Violentas rebeliões judaicas contra Roma ocorreram durante a vida de Jesus.
João e Jesus pregaram obediência à tora, ou lei judaica, mas essa missão mudou drasticamente com a prisão e morte de João. Após um período de incerteza, Jesus voltou a pregar na galileia, desfiando as autoridades romanas e seus colaboradores judeus em Jerusalém. Designou um conselho dos doze para governar as doze tribos de Israel, incluindo, entre seus membros, seus quatro irmãos. Depois da crucificação de Jesus pelos romanos, seu irmão Tiago – o "discípulo amdo" – assumiu a liderança da Dinastia de Jesus.
Tiago, assim como João e Jesus antes dele, se considerava um judeu devotado. Nenhum deles acreditou que seu movimento fosse uma nova religião, foi Paulo que transformou Jesus e Sua mensagem, por meio de seu ministério junto aos gentios, rompendo em Tiago e seu seguidores em Jerusalém. Paulo pregou uma mensagem baseada em suas próprias revelações, mensagem esta que veio a se tornar o Cristianismo. Jesus passou a ser uma figura cuja humanidade ficou obscurecida; João passou a ser um mero precursor de Jesus e Tiago e os demais ficaram completamente esquecidos.
James tabor estuda, há mais de 30 anos, o que restou dos documentos mais antigos do Cristianismo, tendo participado de importantes escavações arqueológicas em Israel. Valendo-se desse conhecimento, tabor reconstrói o movimento que buscou a redenção espiritual, social e política dos judeus, um movimento conduzido por uma família. A Dinastia de Jesus oferece uma versão alternativa das origens do Cristianismo, uma versão que nos leva para mais perto do que nunca de Jesus, Sua família e Seus seguidores.
Este é um livro que mudará nossa compreensão de um djos momentos mais cruciais da história.
James D. tabor é professor do Departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte. Possui doutorado em estudos bíblicos, conferido pela Universidade de Chicago e é especialista nos manuscritos do Mar Morto e nas origens do Cristianismo.
Muitos pesquisadores empreenderam estudos sobre Jesus e seu legado; nenhum deles ousou apresentar as teses corajosamente provocadoras de A Dinastia de Jesus. Pela total amplitude de visão e reconstrução imaginativa, profundamente enraizada nas ciÊncias históricas, este promete ser um livro diferente de tudo que o público já conheceu.
Bart Ehrman, autor de Misquating Jesus, é professor do departamento de Estudos Religiosos da Universidade da Carolina do Norte, em Chapel Hill.
"James tabor apresenta o que talvez seja a reconstrução mais corajosa, até hoje, da sua vida e do tempo de Jesus de Nazaré. Trabalhando com as provas remanescentes como um detetive. Tabor consegue reinscrever o que tinha sido perdido (e, em alguns casos, apagado) nos registros históricos. Ao mesmo tempo erudito e acessível, o livro de Tabor pode muito bem inaugurar uma nova frase na busca do Jesus histórico."
Arthur J. Droger, professor de Novo Testamento e de Literatura Cristã primitiva e diretor do programa de estudos religiosos da Universidade da Califórnia, em São Diego.
A dinastia de Jesus
A história secreta das origens do cristianismo
Título original The Jesus Dynasty
Copyright © 2006 by James D. Tabor
Copyright da tradução @ Ediouro Publicações S.A., 2006
Capa Plano B
TraduçãoGanesha Consultoria Editorial
Revisão
Maryanne B. Linz
Maria Helena Torres
Produção editorial Felipe Schuery
Todas as fotos sem crédito pertencem ao autor.
CIP-BRASIL. CATALOGAÇÃO-NA-FONTE
SINDICATO NACIONAL DOS EDITORES DE LIVROS, RJ.
T118d
Tabor, James D., 1946-
A dinastia de Jesus: a história secreta das origens do cristianismo / James D. Tabor; tradução Ganesha Consultoria. - Rio de Janeiro: Ediouro, 2006.
il., mapas;
Tradução de: The Jesus dynasty
ISBN 85-00-02030-X
1. Jesus Cristo. 2. Jesus Cristo - Genealogia. 4. Judeus - Reis e governantes. 5. Cristianismo - Origem. I. Título.
06-2830 CDD 232.9 CDU 232.9
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Ad memoriam Alberto Schweitzer (1875-1965). Missionário, filósofo, grande historiador. À sua sombra permanecemos.
Mapa: Palestina no tempo de Jesus
Fortaleza de Herodes
Mapa: O mundo romano no tempo de Jesus
Mapa: Jerusalém no tempo de Jesus
PREFÁCIO
Descobrindo a dinastia de Jesus
É raro um livro levar quarenta anos para ser escrito. Mas, de algum modo, esse é o caso de A dinastia de Jesus. Há cerca de quarenta anos, ainda adolescente, fiz minha primeira visita à Terra Santa, em companhia de meus pais e minha irmã. Essa experiência lançou-me em uma busca pessoal por toda a vida, uma "busca do Jesus histórico" — frase habitualmente usada pelos eruditos para descrever a pesquisa histórica relacionada a Jesus e às origens do cristianismo primitivo feita ao longo dos últimos duzentos anos.
O que sabemos, na verdade, sobre Jesus e como foi obtido tal conhecimento? Há quarenta anos, eu nem sequer tinha formulado essa pergunta com um mínimo grau de sofisticação. Não sabia nada de arqueologia, desconhecia os Manuscritos do Mar Morto e outros textos antigos, e até mesmo a pesquisa histórica feita sobre o assunto. Mas tinha começado a ler a Bíblia, particularmente o Novo Testamento, e a figura de Jesus tinha-me fascinado. Nessa viagem à Terra Santa, esse interesse começou a se transformar em um desejo mais intenso de conhecer tudo o que se pudesse saber sobre ele e de entrar, de alguma forma, em contato com esse passado.
Lembro-me como se fosse hoje de meu percurso ao longo da Cidade Velha de Jerusalém. Estava cheia de turistas, todos cristãos; não havia judeus nem israelenses. Isso foi antes da Guerra dos Seis Dias, em 1967, quando a parte da Cidade Velha situada ao leste de Jerusalém ainda era governada pelos jordanianos. Centenas de aspirantes a guias locais podiam ser recrutados no lugar e se atiravam sobre qualquer um que se assemelhasse de perto ou de longe a um turista: um deles nos fez visitar os arredores. Vimos todos os lugares tipicamente mostrados aos peregrinos cristãos — a Igreja do Santo Sepulcro, o Monte das Oliveiras, o Jardim de Getsêmani, a Sala do Andar Superior da Última Ceia e a Cúpula do Rochedo, onde antes existira o antigo templo judeu. Nesse tipo de itinerário, entra-se em dezenas de igrejas, todasconstruídas séculos depois da época de Jesus, supostamente erigidas nos lugares onde se passou este ou aquele acontecimento.
Durante os três dias em que ficamos lá, comecei a experimentar uma sensação crescente de desapontamento. Mesmo em imaginação, tinha dificuldade em estabelecer uma ligação entre a Jerusalém do século XX e a cidade da época de Jesus, tal como fora descrita no Novo Testamento. Os nomes e os lugares eram os mesmos, podia-se identificá-los corretamente, mas o que tinha diante de meus olhos eram vestígios dos turcos, dos cruzados ou dos bizantinos, muito pouca coisa do século I d.C. Até mesmo o nível moderno das ruas se situava entre três e cinco metros acima do que era no tempo dos romanos. Eu comprara um guia turístico chamado Seguindo os passos de Jesus e, de alguma forma, na minha ingenuidade, era exatamente isso o que desejava fazer.
Estávamos hospedados em um pequeno hotel no topo do Monte das Oliveiras, a leste da Cidade Velha. Por volta da meia-noite, irrequieto, me levantei e, com a Bíblia na mão, decidi caminhar até o Jardim de Getsêmani, no sopé da montanha. A íngreme descida está atualmente pavimentada, mas podia-se ver o leito rochoso talhado ou desgastado nos dois lados do caminho, indicando a estreita estrada de tempos remotos. Imaginei Jesus montado no jumento e descendo esse mesmo caminho em direção à Cidade Velha, aclamado pelas multidões como o Messias, apenas uma semana antes de ser crucificado. Naqueles dias, à diferença dos dias de hoje, podia-se entrar no Jardim de Getsêmani a qualquer hora do dia ou da noite, pois seus portões estavam sempre abertos, e os visitantes podiam caminhar por entre as oliveiras centenárias. Naquela noite, eu era o único a estar ali naquela hora. Minhas leituras tinham me convencido de que Jesus passara a última noite da sua vida naquele lugar, a rezar. Pela primeira vez depois de nossa visita àquele caminho e ao jardim, fui capaz de voltar atrás e estabelecer a relação que estava buscando com o passado. Permaneci ali durante longo tempo, tentando imaginar tudo o que tinha acontecido. Pensava comigo mesmo — este é o lugar, foi aqui que tudo aconteceu. Era o "historiador" que estava despertando em mim — e acho que também um pouco do "arqueólogo". De algum modo, tinha dado a partida ao que se tornaria a busca de toda a minha vida para descobrir e entender a vida de Jesus, tal como ele a viveu.
Todos nós ficamos emocionados diante da experiência de entrar em contato com o passado, seja por meio de uma velha carta, de um registro genealógico, de um campo de batalha, de um cemitério ou do fragmento de um texto antigo. Hoje emdia, pode-se visitar o Santuário do Livro no Museu de Israel e ver os Manuscritos do Mar Morto, que datam do tempo de Jesus.
Imagino que muitos visitantes experimentam a mesma sensação que eu tive quando vi essas mostras pela primeira vez. Lá, protegidos por um vidro, a apenas alguns centímetros de distância, estavam verdadeiros documentos antigos, escritos há dois mil anos. Lembro-me de ter ficado longo tempo diante de cada peça, tentando absorver a realidade do que estava vendo. Estava olhando para o próprio pergaminho ou papiro escrito naquela época remota, cujas palavras em hebreu e aramaico poderiam ter sido lidas por Jesus ou seus discípulos.
Muitos outros lugares em Jerusalém já estão escavados hoje em dia. Pode-se andar ou sentar nos próprios degraus que conduziam ao templo judeu, construído na época de Herodes, o Grande. Quando visitei Jerusalém pela primeira vez, em 1962, esses degraus estavam cerca de sete metros abaixo da superfície atual, invisíveis aos olhos modernos. Em vários lugares, foram expostas as pedras que calçavam as ruas da cidade romana. Três a quatro metros abaixo do nível atual das ruas, no Bairro Judeu, pode-se percorrer as ruínas de uma rica mansão, que provavelmente pertenceu à família dos sumos sacerdotes que presidiram ao julgamento de Jesus. No verão de 2004, desenterraram finalmente a piscina de Siloé, mencionada no Novo Testamento, que ficou esquecida e escondida de nossos olhos por séculos a fio. Por todo o país, a pá do arqueólogo e os textos antigos decifrados pelos historiadores expõem o passado aos olhos do presente.
Desde essa época, voltei a Israel e à Jordânia dezenas de vezes, como pesquisador e como erudito. Quando estou escavando um sítio arqueológico, pesquisando em uma biblioteca ou estudando pela primeira vez uma região ou um local determinados, meu objetivo é sempre o mesmo — recriar o passado, cuja importância é fundamental para nosso presente. A dinastia de Jesus é uma nova pesquisa histórica sobre Jesus, sua família real e o nascimento do cristianismo. Este livro é, ao mesmo tempo, um reflexo de minha busca pessoal, integrando os resultados de minhas descobertas e percepções aos rumos de minha carreira profissional.
* Ala do Museu de Israel, situado a oeste de Jerusalém, onde estão depositados manuscritos antigos excepcionais, como os do Mar Morto (N. do T.)
A dinastia de Jesus apresenta a história de Jesus sob uma luz inteiramente nova. É história, e não ficção. Apesar disso, este livro diverge de forma considerável, até mesmo radicalmente, do retrato comum de Jesus informado pelo dogma teológico. A dinastia de Jesus propõe uma versão original do cristianismo que há muito tinha se perdido na poeira dos tempos, mas que pode ser retraçada de maneira confiável até seu fundador, o próprio Jesus. Este livro tem um impacto de longo alcance e implicações potencialmente revolucionárias. Nesse sentido, podemos dizer que esta é "a maior história jamais contada". Muitos de nós ficaremos emocionados e empolgados, outros, perturbados e cheios de cólera. Mas sejam quais forem suas convicções, os leitores se verão colocados diante do desafio de ter que pesar honestamente as informações dadas e considerar novas possibilidades.
A dinastia de Jesus não tem qualquer conexão com as recentes noções popularizadas de que Jesus se casou e teve filhos com Maria Madalena. Embora seja uma ficção fascinante, tal ideia se funda mais em especulações do que em fatos. Mas, como acontece freqüentemente, a verdade é ainda mais estranha do que a ficção — e bem mais intrigante.
Em A dinastia de Jesus, descobriremos que Jesus era o primogênito de uma família real — um descendente do rei Davi da antiga Israel. Ele foi realmente proclamado "Rei dos Judeus", e foi devido a essa reivindicação que os romanos o executaram. Em vez de uma Igreja ou de uma nova religião, como se diz correntemente, ele estabeleceu uma dinastia real iniciada por seus próprios irmãos e sua família imediata. Em vez de ser o fundador de uma Igreja, Jesus era o pretendente a um trono. De acordo com os profetas hebreus, o Messias, o descendente de Davi, que deveria dirigir a nação de Israel nos últimos dias, deveria provir daquela linhagem específica. Partes recentemente divulgadas dos Manuscritos do Mar Morto lançaram uma nova luz sobre a natureza concreta dessa expectativa. Esta cobiçada linhagem real, a família de Davi, com seu potencial revolucionário, era bem conhecida da família de Herodes, os governantes nativos da Palestina naquela época, mas também dos oficiais romanos que dirigiam o país, e até dos próprios imperadores. Esses "membros da realeza" eram não apenas vigiados, mas, em épocas críticas, podiam ser perseguidos e executados.
Pouco antes de morrer, Jesus tinha estabelecido um governo provisório composto de 12 oficiais regionais, cada um deles responsável por cada uma das 12 tribos ou distritos de Israel, e deixou seu irmão Tiago à cabeça desse recém-criado governo. Tiago tornou-se o líder incontestável do movimento dos primeiros cristãos. Esse significativo fato histórico foi amplamente esquecido, provavelmente ocultado.Sua compreensão adequada muda tudo o que sabemos sobre Jesus, sua missão e sua mensagem. Todo mundo já ouviu falar de Pedro, Paulo e João — mas o lugar crucial de Tiago, discípulo amado e irmão mais novo de Jesus, foi efetivamente apagado da memória dos cristãos.
A dinastia de Jesus explora como e por que os cristãos deixaram gradualmente de reconhecer que Jesus fazia parte de uma grande família, cujos membros exerceram liderança dinástica sobre seus discípulos. Essa história crítica, alternativa, que sobrevive mesmo nos registros do Novo Testamento e em fragmentos da tradição cristã recente, pode ser efetivamente recuperada. A combinação de novas descobertas arqueológicas com o aparecimento de textos há muito esquecidos abre uma nova perspectiva pela qual encarar as origens do cristianismo. Entender as origens da maior religião global não fornece apenas intuições sobre o passado, como abre também maneiras inteiramente novas de encarar o cristianismo atual. Temos agora uma compreensão bem mais profunda e historicamente confiável de quem foi Jesus em seu próprio tempo e espaço.
Hotel da Colônia Americana, Jerusalém 7 de junho de 2005
INTRODUÇÃO
O conto das duas tumbas
Grande parte das descobertas arqueológicas de nossa época se fez por acaso. É como se algum axioma oculto e misterioso estivesse operando — o que mais esperamos descobrir, raramente encontramos; o que menos esperamos pode aparecer de repente. Isso parece ser verdade especialmente no que se refere ao estudo histórico de Jesus e do movimento que ele fundou, conhecido subseqüentemente como cristianismo. Tomemos como exemplo o aparecimento dos Manuscritos do Mar Morto, em 1947, encontrados em cavernas do deserto da Judeia, ou a descoberta de um esqueleto de um homem crucificado, do século I d.C., por uma equipe de obras de estradas em Jerusalém, em 1968, ou ainda a descoberta ocasional, em 2000, do túmulo do sumo sacerdote Caifás, que presidiu ao julgamento de Jesus.' Parece que, em matéria de arqueologia, o tempo e o acaso rivalizam em pé de igualdade com um planejamento e uma metodologia cuidadosos.
Uma descoberta no meio da noite, em Jerusalém
Aprendi isso à minha própria custa, no fim da tarde da quarta-feira, 14 de junho de 2000, quando eu e cinco estudantes estávamos percorrendo o Vale do Hinom, ao sul da Cidade Velha de Jerusalém, uma região conhecida como Aceldama.2 Estávamos em Israel há duas semanas, fazendo escavações em uma caverna recentemente descoberta, situada algumas milhas a oeste de Jerusalém, em um lugar chamado Suba — onde se encontram os desenhos mais antigos relacionados a João Batista.* A Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte, do qual sou professor, erapatrocinadora acadêmica da escavação; o dr. Shimon Gibson e eu, seus co-diretores. Nossa segunda temporada na "Caverna de João Batista", como viemos a chamá-la, tinha sido emocionante. Para descansar de um pesado dia de trabalho no ápice do verão, decidimos fazer um pouco de turismo arqueológico. O Vale do Hinom é uma área cheia de túmulos antigos talhados na rocha, a apenas alguns passos da aldeia árabe de Siloé. Vários desses túmulos estão abertos, porque foram pilhados e esvaziados séculos atrás. Mas um grande número deles ainda estava selado e intacto, coberto com terra arável, e tinha sido preservado durante os últimos dois mil anos. Naquele fim de tarde, Gibson, arqueólogo israelense, ofereceu-se para nos levar a alguns dos túmulos abertos, a fim de termos uma ideia de como se fazia um enterro judeu na época de Jesus.
* No original, há duas formas distintas: John the Baptist. Traduzimos ambas por João Batista, nome com que é conhecido em português. (N. do T.).
Nenhum de nós teve a menor intuição a respeito da excitante descoberta que se prenunciava, ou da operação furtiva que apenas começava. Eu certamente não tinha a menor ideia de que íamos tropeçar em algo relacionado à minha eterna busca do Jesus histórico, mais especificamente, da própria dinastia de Jesus. Terminamos nosso itinerário de uma meia dúzia de túmulos por volta das 19h. A noite começava a cair e precisávamos voltar a Jerusalém, à Escola Britânica de Arqueologia, onde estávamos hospedados, para desfrutar de um merecido repouso. Só que nenhum de nós conseguiria pregar os olhos naquela noite...
Na volta para os carros, um de meus alunos, Jeff Poplin, apontou para a encosta abaixo de onde estávamos estacionados. Via-se, ao pôr-do-sol, a entrada recentemente aberta de um túmulo. Terra úmida estava amontoada à sua porta e podíamos ver fragmentos de ossuários quebrados espalhados em toda a volta, essas caixas de ossos feitas de pedra utilizadas pelos judeus do século I d.C. para guardar os ossos das pessoas mortas. Quando nos aproximamos, a entrada retangular do túmulo, de aproximadamente um metro quadrado, estava claramente exposta. Metemos nossas cabeças para dentro dela. Estava escuro como breu, e nossas narinas se encheram do cheiro de mofo úmido desse espaço protegido do ar exterior por milhares de anos. Esse odor não é desagradável, mas é extremamente particular; quem o sentiu jamais o esquece.
São extremamente raras as pilhagens de túmulos nessa área — talvez tenha havido duas ou três durante uma década. Os israelenses possuem uma unidade armada especial encarregada de proteger as antigüidades, e a violação de tumbas antigas constitui um crime grave. A julgar pelos ossuários quebrados na entrada epela terra fresca acumulada em volta, o túmulo diante de nossos olhos teria sido pilhado na noite anterior.
Gibson usou o celular para alertar as autoridades israelenses e, com sua permissão, ele, seu assistente Rafi Lewis e dois de meus alunos penetraram a tumba para verificar os danos, enquanto os esperávamos. Eu e os demais ficamos do lado de fora, mantendo a vigilância. Escurecia rapidamente. Como a tumba tinha mais de um nível, ou câmara, o grupo que tinha entrado desapareceu e, depois de um certo tempo, já não podíamos ouvir seus passos. Os israelenses levaram muito mais tempo para chegar do que havíamos suposto. Os minutos se escoavam. Vinte minutos mais tarde, sem ver nem escutar coisa alguma, começamos a nos perguntar se não devíamos entrar em busca dos demais.
De repente ouvimos o grito excitado de Lee Hutchinson, outro de meus alunos, abafado no início e a seguir mais claro, quando ele começou a escalar a câmara superior. Chegou gritando: "Dr. Tabor! Dr. Tabor! O dr. Gibson encontrou algo extremamente importante!" De tão excitado, nem conseguia falar direito. Seu corpo ainda estava dentro da tumba, apenas a cabeça emergia, quando ele começou a nos contar que o túmulo tinha três câmaras e que, na câmara inferior, em um nicho mortuário escavado na parede, havia restos de um esqueleto com fragmentos de seu sudário ainda intactos.
Gibson acabou aparecendo e nos explicou as implicações extraordinárias da descoberta. O enterro judeu na época de Jesus era feito em duas etapas distintas — um "enterro" primário e um "enterro" secundário. Primeiro, o corpo era lavado e ungido com óleos e especiarias, e envolvido em um sudário. Ele era então colocado em uma prateleira de pedra ou em um nicho, conhecido como um loculus, escavado na parede de pedra da tumba. O corpo podia então decompor-se e dessecar durante cerca de um ano. Quando ficavam apenas os ossos, os restos eram reunidos e colocados em um ossuário, ou"caixa de ossos", geralmente escavado em rochas calcáreas. (3) Com freqüência, o nome do morto era gravado ou arranhado do lado, na própria pedra. Alguns ossuários continham ossos de mais de um indivíduo, outros tinham mais de um nome gravado. Essas caixas cobertas retangulares eram de vários tamanhos, mas em geral possuíam cerca de 60 x 26 x 31 centímetros, suficientemente longas para conter o fêmur, ou osso da coxa, e largas o bastante para abrigar o crânio.
Foto com desenho do corte da Tumba de Sudário
Os ossuários foram comumente usados nos enterros judeus em Jerusalém e seus arredores a partir de 30 a.C. até 70 d.C., período de cem anos no qual se passaa vida de Jesus. Eles aparecem regularmente mediante pilhagens mal-sucedidas de tumbas ou acidentalmente, como resultado de projetos de obras. Quando um túmulo é violado dessa maneira, os arqueólogos são chamados em emergência para salvá-los, para registrar tudo o que puderem. Todos os objetos, incluídos os ossuários, são catalogados e estocados, e os ossos são entregues à comunidade judaica ortodoxa, o mais rapidamente possível, para serem enterrados de novo.
Milhares de ossuários foram encontrados em Israel, particularmente em tumbas talhadas na rocha fora de Jerusalém. Aquela, porém, era a primeira vez que se encontrava um esqueleto ainda deitado em um loculus e envolvido em seu sudário. Por algum motivo, a família do morto não tinha regressado depois do primeiro enterro para depositar seu ente querido de maneira mais permanente em um ossuário.
Materiais orgânicos, como o tecido, normalmente não podem resistir fora de uma área desértica, e, como Jerusalém é construída sobre montanhas, com seus invernos úmidos e seu alto teor de precipitação pluvial, um tal achado parecia inacreditável.A tumba tinha provavelmente permanecido intocada desde o século I d.C. A maior parte dos túmulos na região de Aceldama datam do tempo de Jesus, apenas alguns poucos foram abertos e pilhados no decorrer dos séculos. Não havia nenhuma prova de que esse fosse diferente dos outros. Gibson deixou aberta a possibilidade de que talvez esse esqueleto particular, ainda envolvido em seu sudário, tivesse sido ali colocado em um período mais recente — talvez na época das Cruzadas — o que justificaria seu grau de preservação. Havia casos em que as antigas tumbas eram reutilizadas em períodos posteriores. Mas Gibson pensava que era bem possível que tivéssemos nos deparado com o único exemplar, jamais encontrado, de um sudário do século I d.C., o que só poderia ser provado por testes de carbono-14 sobre o tecido. Esse cenário me recordava o exame inicial dos Manuscritos do Mar Morto, quando os eruditos tinham dificuldade em acreditar que tais documentos tinham sobrevivido por cerca de dois mil anos. Os Manuscritos tinham sido preservados no calor seco do deserto da Judeia, mas nós nos encontrávamos nas montanhas de Jerusalém, onde o tempo invernal é chuvoso e úmido. Assim, estávamos preparados para aceitar uma tardia data medieval ou das Cruzadas para aquele tecido.
Os israelenses chegaram com o supervisor Boaz Zissu, da Autoridade de Antigüidades de Israel (IAA), e passamos o resto da noite removendo e etiquetando cada pedaço do frágil tecido ainda existente. Boaz nos contou que alguns ladrões tinham inicialmente aberto essa tumba em 1998, mas que ele e Amir Ganor, encarregado da proteção dos túmulos nessa área, tinham podido bloqueá-los, impedindo sua pilhagem total.' Nessa época, ninguém tinha notado os vestígios do esqueleto envolvido em seu sudário, na câmara inferior.
Como meus alunos eram formados em arqueologia, eles foram autorizados a participar dos trabalhos. Gibson gastou várias horas, de quatro e espremido no estreito loculus. Os estudantes fotografaram, etiquetaram e registraram cada etapa da descoberta. O dia já quase raiava quando terminamos, e nossa carga cuidadosamente empacotada foi levada para o laboratório da Autoridade de Antigüidades de Israel, no Museu Rockefeller, ao norte da Cidade Velha.
Nossa equipe voltou para os Estados Unidos alguns dias depois e, com uma permissão dada apressadamente para sua exportação com fins científicos, pôde levar uma amostra do precioso tecido para o Laboratório de Espectrometria e Acelerador de Massa da Universidade do Arizona, em Tucson, para datação pelo carbono-14. Fora esse mesmo laboratório que, em 1988, datara o "Sudário de Turim",de 1300 d.C., revelando-o uma falsificação da época medieval. O destino tinha escrito que a pessoa que contatei em Tucson, o dr. Douglas Donahue, era a mesma que supervisionara os testes de C-14 no Sudário de Turim. Decidi não dizer nada a Donahue sobre a proveniência de nossa amostra — apenas que sabíamos que não era moderna e que gostaríamos de ter os resultados o mais rapidamente possível. Com o passar do tempo, era cada vez mais difícil pensar em qualquer outra coisa ou mesmo me concentrar em meu trabalho.
Na tarde do dia 9 de agosto, Donahue telefonou para meu escritório na universidade, com os resultados dos testes. Com uma voz prosaica e doce, ele me perguntou se eu estava sentado e, quando começou a ler o relatório, senti em sua voz uma ponta de excitação: o sudário de Aceldama tinha sido cientificamente datado da primeira metade do século I d.C. — precisamente da época de Jesus! Donahue me enviou por fax uma cópia de seu relatório, enviada imediatamente para Gibson, em Jerusalém. Ele encerrava sua carta de acompanhamento com essa observação interessante: "."Nossos amigos do tempo do Sudário de Turim certamente teriam apreciado uma resposta igualmente positiva. Gostaria de saberas ramificações deste resultado". Nessa época, tínhamos apenas começado a estudar a tumba e os vestígios que ela continha. Nenhum de nós poderia ter imaginado as conseqüências desse achado. A própria tumba estava juncada de centenas de fragmentos de ossuários quebrados e ossos espalhados. Apenas um único grande ossuário estava intacto, mas ele não possuía nenhuma inscrição. Os violadores de túmulos removem em geral apenas os melhores ossuários, de preferência os que possuem inscrições claras ou interessantes, para não inundar o mercado de antigüidades, onde eles esperam vender esses objetos clandestina e ilegalmente aos colecionadores. Eles quebram propositalmente o resto, levando apenas as peças que possuem inscrições, uma vez que podem ser vendidas mais facilmente, sem chamar muita atenção.
Gibson reuniu uma equipe impressionante de especialistas para começar a análise científica dos restos da Tumba do Sudário, inclusive antropólogos especializado em medicina legal, especialistas em tecidos e em DNA, paleobiólogos e especialista em epígrafes. Os ossuários fragmentados tinham de ser reconstituídos, o tecido sudário, analisado, e os restos do esqueleto, submetidos a testes biológicos DNA e muitos outros. Ao final, vinte ossuários foram restaurados, dos quais três possuíam inscrições que os ladrões não tinham notado. A mais clara delas tinha nome "Maria", escrito em aramaico, outra, possivelmente o nome "Salomé".
Os testes de DNA realizados em várias amostras de ossos foram extremamente bem-sucedidos, apesar dos dois mil anos passados. Fomos capazes de estabelecer uma rede de parentesco e laços maternos entre os indivíduos enterrados nesse túmulo. Em geral, as famílias, especialmente as famílias extensas, usavam o mesmo túmulo cavado na rocha durante várias gerações. Fomos capazes de determinar que nosso indivíduo envolto no sudário era de fato um adulto do sexo masculino, provavelmente de origem aristocrática; que tinha lepra (doença de Hanson) e provavelmente morrera de tuberculose, segundo os testes micro-biológicos.
Gibson e eu começamos a repassar a literatura antiga buscando fatos relacionados com a utilização de sudários e ossuários no período romano. Nesse processo, as referências ao uso de um sudário no enterro de Jesus feitas pelo Novo Testamento nos forneceram algumas de nossas provas mais valiosas no que se refere aos costumes judaicos no início do século I d.C., em Jerusalém — exatamente a época do nosso homem do sudário. Finalmente, o corpo de Jesus foi lavado e envolto emum sudário de duas peças de linho, e posto com especiarias em uma plataforma ou placa de pedra, dentro de uma tumba familiar cavada na rocha, logo fora das muralhas da Cidade Velha de Jerusalém. Nosso homem do sudário deveria ter sido preparado da mesma maneira para ser enterrado. Não tínhamos nenhuma razão para especular se nossa tumba tinha alguma espécie de relação com aquela para onde Jesus tinha sido inicialmente levado; mas como Gibson observou certa vez, nosso "homem do sudário" viveu e morreu em Jerusalém na mesma época que Jesus e, como um membro das classes superiores, muito provavelmente poderia ter observado os acontecimentos decisivos do fim de semana da Páscoa, quando Jesus foi crucificado.
Foto: Ossuários restaurados da Tumba do Sudário
Foto: O nome "Maria" inscrito em um fragmento da Tumba do Sudário
No ano seguinte, no verão de 2001, quando voltei a Israel para continuar nosso trabalho na caverna de "João Batista", a Tumba do Sudário ainda ocupava boa parte de meu pensamento. Comecei a fazer discretas investigações na Cidade Velha de Jerusalém, a partir de contatos fidedignos no comércio de antigüidades. Fui capaz de determinar que os fragmentos de inscrição que faltavam em nossos ossuários tinham chegado ao mercado ilegal e, portanto, havia boas possibilidades de ser recuperados. Em certo momento, a principal pessoa com quem estava negociando me perguntou se haveria um "bônus", caso todas as inscrições que faltavam fossem encontradas. Fiquei muito excitado, só de pensar que o material roubado de nossa tumba ainda poderia ser recuperado, mas tentei me acalmar e comportar-me de maneira pragmática diante dessa sugestão. Mas eu sabia que não podíamos pagar por bens roubados. Retorqui simplesmente que o assunto poderia ser rediscutido quando eu visse os fragmentos. Achei que era importante enfatizar os aspectos científicos de nossa busca. Afinal de contas, minha universidade seria agora responsável pela publicação do estudo acadêmico sobre a Tumba do Sudário, e não éramos colecionadores querendo pôr a mão em algumas novas peças. Tive a impressão bastante nítida de que, se ninguém fosse processado, poder-se-ia fazer algum tipo de "troca". Recuperar esses fragmentos de inscrições seria extremamente valioso para nosso estudo sobre a Tumba do Sudário, na medida em que seríamos capazes de reunir os nomes dos mortos e compará-los, por meio do DNA, com o leve resíduo de restos humanos que ainda perdurava na parte interna de nossos ossuários restaurados. Gibson e eu estávamos verificando como isso poderia ser legalmente feito quando a Intifada, ou o levante palestino, atingiu um tal nível, que sentimos que seria extremamenteperigoso continuar com o plano. Em certo momento desse verão, depois de uma série de três bombardeios em um único fim de semana, fomos prevenidos paranem mesmo tentar entrar na cidade de Jerusalém, de maneira nenhuma. Nossasescavações na caverna de "João Batista" tinham sido organizadas perto do sitio, no Kibutz Suba, longe das áreas perigosas.
Em minha viagem seguinte a Jerusalém, limitei meus esforços de investigação a tentar recuperar os fragmentos de ossuários que faltavam, por intermédio meus contatos no mercado de antigüidades. Descobri rapidamente que tudo tinha mudado. Mesmo as pessoas com quem já havia conversado agiam como se nunca tivéssemos falado sobre isso. O que fez tudo mudar foi o dramático anúncio, em outubro de 2002, do surgimento súbito de um ossuário com a inscrição "Tiago; filho de José, irmão de Jesus". Seu aparecimento e a controvérsia resultante desse fato fez com que todo mundo que lidava com com antigüidades na Cidade Velha calasse a boca.
A caixa funerária de Tiago, irmão de Jesus?
Ao meio-dia da segunda-feira, 21 de outubro de 2002, Hershel Shanks, editor da Biblical Archaeology Review, anunciou em uma entrevista coletiva em Washington, D.C., que um ossuário de rocha calcárea ou "caixa de ossos", com uma inscrição em aramaico antigo com a frase "Tiago, filho de José, irmão de Jesus" tinha aparecido em Jerusalém. A Associated Press divulgou a história pelo mundo inteiro naquela mesma tarde, e, na manhã seguinte, as manchetes do New York Times, do Washington Post e de praticamente todos os jornais do mundo só falavam sobre oossuário de Tiago. Todas as televisões do mundo divulgaram a notícia naquela mesma tarde. O Time, o Newsweek e o U.S. News & World Report apresentaram, a seguir, reportagem especiais. Embora o ossuário tivesse contido apenas os ossos de Tiago, e não os de Jesus, a maior parte das matérias enfatizava que a inscrição era o único artefato físico do primeiro século d.C., jamais encontrado, que fazia menção ao nome de Jesus. Os redatores tiveram que trabalhar um pouco para poder lidar com o lado da história que se referia a "Tiago", pois rapidamente tornou-se óbvio que pouca gente, na mídia ou entre o público em geral, tinha conhecimento de que Jesus tinha um irmão chamado Tiago.
Foto: O ossuário de Tiago em exibição no Museu Real de Ontário
Soubemos que um anônimo colecionador particular, que se revelou mais tarde ser um israelense chamado Oded Golan, tinha comprado o ossuário quinze anos antes, das mãos de um antiquário de Jerusalém, que disse que o mesmo provinha da área de Siloé, ao sul da Cidade Velha. Golan não tinha prestado muita atenção à inscrição nem se dado conta de sua importância. Em abril de 2002, ele mostrou uma fotografia desse ossuário a André Lemaire, professor de Línguas Semíticas na Sorbonne, em visita a Jerusalém. Lemaire ficou imediatamente intrigado, ao reconhecer que a combinação de nomes e as relações mencionadas indicavam não qualquer Tiago, mas aquele "Tiago", irmão de Jesus segundo a tradição cristã. Ele não conseguia acreditar no que estava vendo. Pouco tempo depois, Golan lhe permitiu estudar o ossuário. Depois de um exame cuidadoso, baseado em seu conhecimento de escritos antigos, Lemaire convenceu-se de que a inscrição era autêntica. Mais tarde, no decorrer de entrevistas, perguntaram a Golan como elenão tinha reconhecido a relevância potencial desse objeto logo que o comprou. Ele explicou que, sendo judeu, tinha familiaridade com os ensinamentos cristãos sobre a virgindade de Maria e nunca imaginara que Jesus, o "filho de Deus", pudesse ter tido um irmão. É óbvio que ele não era o único a pensar assim.
Lemaire falou com Shanks sobre o ossuário quando este visitou Jerusalém, em maio de 2002. Shanks foi extremamente cauteloso, uma vez que esse ossuário especial não tinha sido revelado por nenhuma escavação arqueológica autorizada, o que poderia colocar sua autenticidade em questão. Ele pediu que Lemaire preparasse um artigo detalhado sobre essa nova descoberta para ser publicado no número seguinte da Biblical Archaeology Review, e insistiu para que o ossuário fosse cientificamente testado. Golan concordou e providências foram tomadas para que o ossuário fosse examinado pelos especialistas do Serviço Geológico de Israel, em Jerusalém.
Inscrições em ossuários podem, evidentemente, ser forjadas, mas os cortes modernos em rochas calcáreas antigas não conteriam a pátina envelhecida que naturalmente cobre, com o tempo, a superfície da pedra. Nesse meio tempo, Shankstrouxe vários outros paleógrafos especialistas para que dessem sua opinião sobrea autenticidade da escrita em si. O ossuário passou brilhantemente por todos os testes de autenticidade. Os cientistas concluíram que a pátina dentro das letras era antiga, aderindo firmemente à pedra, apesar do fato de alguém ter limpado um pouco a inscrição. Não havia nenhum sinal de uso de instrumentos modernos. Os paleógrafos concordaram com a análise de Lemaire, de que a escrita era autêntica e globalmente consistente com o século I d.C. Parecia haver pouca dúvida de que o ossuário tivesse alguma vez contido os ossos de "um certo" Tiago, filho de "um certo" José, com um irmão chamado "Jesus", que tinha morrido e sido enterrado no século I d.C.
Shanks estava pronto para publicar e começou a trabalhar com grande energia. Ele sabia que, além da descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, essa talvez fosse a descoberta arqueológica mais sensacional dos tempos modernos. Recrutou os serviços de Simcha Jacobovici, um produtor que ganhara o Emmy Award, para produzir um documentário para o Discovery Channel sobre o Ossuário de Tiago, a ser veiculado no Domingo de Páscoa de 2003. Também fez um acordo para um livro, em co-autoria com o erudito bíblico Ben Witherington, cuja publicação coincidisse com o lançamento do filme.' Tanto no livro quanto no filme, a descoberta era saudadacomo "o primeiro laço arqueológico estabelecido com Jesus e sua família". Com a permissão de Golan, Shanks conseguiu que o ossuário fosse objeto de uma exposição especial no Museu Real de Ontário, em Toronto, a ser aberta em final de novembro de 2002. A cidade de Toronto e o mês de novembro não tinham sido escolhidos por acaso: Toronto fora destinada a acolher, no fim de semana anterior ao Dia de Ação de Graças, o encontro anual de milhares de eruditos bíblicos, arqueólogos e professores especialistas no estudo das religiões. A Sociedade de Literatura Bíblica organizou rapidamente uma sessão especial destinada à discussão da autenticidade e da significação potencial do Ossuário de Tiago.
Desenho de Shimon Gibson da inscrição do Ossuário de Tiago
A Autoridade de Antigüidades de Israel (IAA) precisava dar uma permissão de exportação temporária, mas, até essa data, ninguém tinha se dado conta da atenção potencialmente explosiva que o ossuário ia suscitar. Quando, após a entrevista coletiva de Shanks em 21 de outubro, em Washington, D.C., ele começou de repente a ocupar todas as manchetes mundiais, as autoridades israelenses foram tomadas inteiramente de surpresa e se viram bem embaraçadas. Mas todas as providências para a exposição de Toronto já tinham sido tomadas. Os israelenses começaram imediatamente a investigar em que circunstâncias Golan tinha adquirido o ossuário, cuja saída do país, entretanto, autorizaram. De acordo com a lei israelense, caso Golan o tivesse adquirido depois de 1978, o ossuário teria sido vendido ilegalmente e poderia ser confiscado pelo Estado.
Quando o ossuário chegou a Toronto, devido a uma rachadura durante a viagem, a equipe científica do Museu Real de Ontário teve que empreender sua reparação para que ele pudesse ser exposto. Uma das rachaduras tinha atingido parcialmentea inscrição, permitindo que a equipe científica do Museu examinasse mais minuciosamente a maneira pela qual as letras tinham sido talhadas na rocha calcárea. Eles chegaram às mesmas conclusões que a equipe de cientistas israelenses, de que havia uma pátina antiga nas letras, que aderia com firmeza à pedra e era consistente com o resto do ossuário.
Mesmo antes das reuniões de Toronto, as conclusões de Lemaire e Shanks já tinham sido colocadas em questão. Ninguém questionou propriamente a autenticidade do ossuário — ele foi claramente reconhecido como uma peça autêntica da época de Jesus. Alguns levantaram a objeção de que não se devia discutir de forma alguma aquele ossuário, pois tinha sido comprado no "mercado negro", sem contexto arqueológico. Outros argumentaram que a frase "irmão de Jesus" parecia ter sido escrita por uma mão diferente da que escrevera "Tiago, filho de José", e poderia ter sido acrescentada por um falsário. Outros ainda mantiveram que, mesmo que ele fosse genuíno, sua simples existência jamais poderia provar que o "Tiago, filho de José" citado no ossuário era o irmão de Jesus de Nazaré, uma vez que esses três nomes eram muito comuns naquela época.
Vi pela primeira vez o ossuário na reunião de novembro, em Toronto, em um encontro privado organizado para os eruditos, fora do expediente, no Museu Real de Ontário. Foram convidados cerca de 25 colegas — historiadores, arqueólogos, especialistas em epígrafes e estudiosos do Novo Testamento. Ao lado de Shanks, escutei pessoalmente quando três dos maiores especialistas em documentos antigos do mundo concordaram que a inscrição era autêntica. A sala foi invadida por um sentimento contagiante e eletrizante, embora estranhamente sóbrio e contido. Acho que a maioria de nós estava convencida de estar diante da verdadeira caixa de pedra velha de dois mil anos que há algum tempo contivera os ossos de Tiago, irmão de Jesus de Nazaré.
Quando o Ossuário de Tiago foi devolvido a Israel, em fevereiro de 2003, a Autoridade de Antigüidades de Israel confiscou-o e nomeou uma equipe de 15 especialistas para se pronunciar quanto à autenticidade da inscrição, no todo ou em parte. O comitê se dividiu entre especialistas em epígrafes de escritas antigas e cientistas físicos encarregados de testar os aspectos geoquímicos do objeto. Em junho de 2003, o comitê do IAA declarou que o ossuário era genuíno, mas que a inscrição era parcialmente falsa. Um mês mais tarde, Golan foi preso sob a acusação de falsificar antigüidades. Depois dessa data, ele foi formalmente indiciado e acusado de ter acrescentado a frase "irmão de Jesus" sobre um ossuário absolutamente genuíno, onde havia anteriormente a inscrição "Tiago, filho de José"; de ter tentado recobrir as letras com uma falsa pátina cozida, e ainda de ter mentido quanto à data na qual ele adquirira o ossuário — tudo isso com o objetivo de gerar uma publicidade internacional e aumentar seu ganho financeiro. A mídia divulgou amplamente tanto as conclusões do comitê do IAA quanto o indiciamento de Oded Golan, dando ao público a impressão de que os especialistas consideravam agora o Ossuário de Tiago uma falsificação' — o que não é verdade, pois a questão de sua autenticidade ainda está longe de ser resolvida. (7)
André Lemaire, o especialista em epígrafes da Sorbonne, continua a defender firmemente a autenticidade da inscrição e tem dado respostas detalhadas aos que tentam denegrir o ossuário. Ada Yardeni, que não estava no comitê do IAA, mas que é uma das maiores especialistas de Israel em escrita antiga, concorda com ele. Ela aponta traços característicos do fraseado aramaico na inscrição que nenhum falsário seria capaz de conhecer. Seu último comentário é mesmo bastante drástico: "Se for uma falsificação, eu me demito" (8) Até os dias de hoje, nenhum especialista em epígrafes qualificado conseguiu apontar qualquer prova de falsificação. Na verdade, um membro do comitê do IAA que, um pouco contra suas convicções, acompanhou o sentido do voto majoritário, diz hoje em dia que ele pensa que a inscrição é autêntica. Outros especialistas qualificados colocaram em questão os testes geoquímicos do IAA feitos sobre a pátina. Os geólogos do IAA tiveram que voltar atrás em suas teorias originais sobre como se teria produzido uma pátina supostamente falsa. Um membro do comitê do IAA disse ter visto pátina antiga nas duas últimas letras da inscrição — a parte mesma que é acusada de ter sido falsificada. Os geólogos do Serviço Geológico de Israel, que inicialmente reconheceram a inscrição como autêntica, não mudaram sua posição, da mesma forma que a equipe científica do Museu Real de Ontário, que examinou o ossuário depois que ele foi rachado. (9)
A inscrição do Ossuário de Tiago é provavelmente autêntica. Um conjunto de provas circunstanciais bastante confiáveis parece mesmo indicar que ele deve ter sido roubado de nossa Tumba do Sudário, seja quando ela foi pilhada pela primeira vez, em 1998, ou talvez justo antes de nós a descobrirmos, em junho de 2000, quando ela foi pilhada pela segunda vez. Seria possível quenos tivéssemos deparado, sem o saber, com a tumba da família de Jesus?
O ossuário para Toronto, Oded Golan limpou esses fragmentos e, em certo momento, mostrou a um repórter da revista Time um recipiente Tupperware que ele disse estar cheio desses ossos. Presumivelmente, os israelenses que invadiram seu apartamento estão atualmente em posse desses restos. Como tínhamos feito extensivos testes de DNA nos restos dos esqueletos dos habitantes de nossa Tumba do Sudário, por que não testar os ossos do Ossuário de Tiago para ver se encontrávamos um objeto comparável em termos de DNA mitocondrial? Isso nos diria se os mortos do Ossuário de Tiago teriam alguma relação de parentesco entre si ou talvez que uma das mulheres fosse sua mãe. Mas é bem possível que não consigamos encontrar nenhuma comparação possível. Em qualquer caso, seria extremamente interessante dar uma olhada na seqüência de DNA dos restos do Ossuário de Tiago e dos de nossa "Maria", a Maria da Tumba do Sudário.
Em 17 de novembro de 2003, Gibson e eu fizemos um pedido formal, por carta, a Shuka Dorfman, diretor da Autoridade de Antigüidades de Israel, para que nos fosse permitido proceder a testes de DNA nos fragmentos dos esqueletos do Ossuário de Tiago. Pensávamos que, fosse autêntica ou falsa a inscrição do ossuário— e Dorfman está convencido de que ela é falsificada — de qualquer modo, seria cientificamente válido determinar onde o próprio ossuário se originou. Dada a prova circunstancial de que ele pode ter vindo da Tumba do Sudário, uma seqüência comparável de DNA ou sua ausência poderia fazer avançar o conhecimento, seja qual for a posição que se tenha sobre a própria inscrição. Nosso pedido foi imediatamente negado, com o argumento de que os ossos do ossuário tinham sido agregados por Golan para camuflar a falsificação e não tinham nenhuma ligação com o original, o que tornava desnecessários quaisquer testes. Sabemos que esse não é o caso. Mas fazer testes nos ossos de um certo "Tiago" e de uma certa "Maria", especialmente se esse Tiago tinha um irmão chamado Jesus, significa que estamos saindo do reino da ciência para entrar no da teologia. Nossa esperança é que, uma vez concluído o processo de Golan, e acalmadas algumas das emoções, nós ainda possamos empreender esses testes científicos. No entanto, essa história inacabada tem ainda outro lado extremamente intrigante.
O mistério da Tumba de Talpiot
A história do "Ossuário de Tiago" não foi a primeira a gerar manchetes mundiais sobre antigos ossuários e sua possível relação com Jesus. Um pouco antes da Páscoa de 1996, foi revelada outra história dramática: "Descoberta a tumba da família de Jesus". Dizia-se que uma tumba descoberta em 1980, e que nunca fora dada a conhecer ao público, continha um conjunto significativo de nomes associados à família de Jesus, inclusive uma Maria, um José, uma segunda Maria, um Judas filho de Jesus, um Mateus, e, ainda mais significativo, um Jesus, filho de José. O Sunday Times de Londres de 31 de março expôs a história em um artigo especial de primeira página inteira intitulado "A tumba que não ousa dizer o seu nome". Na manhã de Páscoa, a BBC divulgou um documentário especial sobre essa tumba, intitulado O corpo em questão. A Associated Press, a Reuters e a Gannett rapidamente montaram histórias a partir desse tratamento inicial em profundidade, completando-as com seus próprios relatórios enviados por correspondentes que baixavam em massa sobre inocentes funcionários do IAA, na Cidade Velha de Jerusalém, exigindo mais informações. Como tinha acontecido com o Ossuário de Tiago, os israelenses se viram apanhados no meio das coisas.
depois de ser crucificado ficava fora das muralhas, logo ao norte da Cidade Velha, no lugar conhecido hoje em dia como a Igreja do Santo Sepulcro. Um simpatizante aristocrático e influente, José de Arimateia, tinha rapidamente colocado o corpo de Jesus em uma tumba perto do lugar da crucifixão, e não na tumba de sua própria família. Até mesmo os evangelhos comentam que ele foi colocado ali apenas temporariamente, devido à correria dos feriados da Páscoa dos hebreus. Embora sua família fosse originária de Nazaré, uma cidade do norte da Galileia, o Novo Testamento indica que tanto Maria quanto os irmãos e irmãs de Jesus tinham estabelecido residência em Jerusalém. Segundo a tradição, Maria, mãe de Jesus, na verdade morreu e foi enterrada em Jerusalém, e não na Galileia: hoje em dia, pelo menos dois dos lugares mostrados aos turistas reivindicam o fato de ser o lugar onde ela foi enterrada. Não é preciso dizer que a tumba de Talpiot não figura em nenhum mapa turístico.
Seria possível que os restos mortais de Jesus tivessem finalmente sido sepultados ao lado dos de seu pai e de sua mãe? Talvez a outra Maria pudesse ser uma irmã ou sua companheira de sempre, Maria Madalena? Seria o tal "Judas, filho de Jesus" seu filho biológico? As possibilidades eram certamente intrigantes, mas, mais do que isso, eram escandalosas e até mesmo heréticas.
Um ossuário de Tapiot inscrito "Jesus, filho de José"
Os produtores entrevistaram vários arqueólogos e historiadores judeus e cristãos familiarizados com essa tumba. Todos eles pareciam estar de acordo com o fato de que, ainda que os nomes fossem extremamente sugestivos, eles eram tão comuns naquele período, que mesmo um tal agrupamento estava longe de ser conclusivo.Muitos deles observaram que o nome Maria era o nome de mulher mais comum naquela época, e que o nome José era o segundo nome mais comum para o sexo masculino, logo após o de Simão. Amos Kloner, que mais tarde publicou o relatório oficial sobre a escavação de Talpiot, afirmou que "a possibilidade de que essa fosse a família de Jesus [era] próxima de zero" (17) Motti Neiger, porta-voz da Autoridade de Antigüidades de Israel, concordou "que as possibilidades de que essa tumba contivesse os restos da sagrada família eram quase nulas". (18)
Mas foi justamente esse "quase" que interessou os produtores. Todos pareciam reconhecer que esse agrupamento particular de nomes, entre as centenas de ossuários catalogados, não tinha precedente, por mais comuns que esses nomes pudessem ser individualmente. Joe Zias, curador do Museu Rockefeller e talvez tão familiarizado com as tumbas judaicas nessa área quanto qualquer outro, parecia ser o único especialista a pensar que esse agrupamento poderia ser estatisticamente significativo a ponto de merecer investigações mais aprofundadas. Ele comentou: "Se não tivessem sido encontrados dentro de uma tumba, eu diria que a totalidade do que estamos vendo são falsificações. Mas este material veio de um excelente contexto arqueológico, inviolado. Não é coisa que tenha sido inventada" (I9)
A única maneira de provar qualquer coisa cientificamente seria proceder a testes de DNA mitocondrial em amostras de ossos, pelo menos para verificar como os indivíduos ali enterrados se relacionavam, em função de sua linhagem materna. Fosse qual fosse seu resultado, tais testes não chegariam a provar que esse "Jesus" em particular era o que se tornou conhecido como o Cristo, mas poderiam mostrar se qualquer um desses indivíduos era descendente de alguma das duas Marias, ou se havia relação de parentesco entre eles.
Se nenhuma das Marias fosse a mãe desse "Jesus", isso eliminaria ao menos a possibilidade de que eles fossem a mãe e o filho celebrados pela fé cristã. Mas uma das Marias bem poderia ser sua irmã. Na medida em que José era um nome masculino muito comum, não podíamos afirmar que o ossuário com o nome "José" pertencia necessariamente ao pai do morto que se intitulava "Jesus, filho de José". Eles poderiam ter qualquer outro tipo de relação ou simplesmente não ser aparentados. Por exemplo, Jesus de Nazaré tinha também um irmão chamado José.
Neil Silberman citou, certa vez, o que David Flusser, o falecido grande professor de judaísmo antigo e de cristianismo primitivo na universidade hebraica, dizia sobre esse mesmo assunto:
Há muitos anos, alguém da BBC veio me ver e me perguntou se eu achava que os Manuscritos do Mar Morto iam prejudicar o cristianismo. Respondi que nada faria o cristianismo correr perigo, exceto se fosse encontrada uma tumba contendo o sarcófago ou o ossuário de Jesus — com seus ossos ainda lá dentro. Acrescentei que eu certamente esperava que isso não se desse no território do Estado de Israel. (20)
É dessa matéria que são feitos os romances, incluídos os muitos que foram publicadas sobre "a descobertados ossos de Jesus", mas no mundo real da arqueologia, tais coisas cheiram a sensacionalismo. O erudito bíblico padre Jerome Murphy O'Connor, da École Biblique de Jerusalém, comentou que, embora não haja como demonstrar se o ossuário com a inscrição "Jesus, filho de José" conteve algum dia os ossos de Cristo, se tal prova pudesse ser fornecida, "as conseqüências para a fé poderiam ser desastrosas". (21)
Os israelenses são extremamente sensíveis a tudo o que se refere ao mundo cristão e mantêm relações diplomáticas oficiais com o Vaticano. Eles têm grande prazer em exercer o papel de guardiães acolhedores do turismo cristão na Terra Santa, e a última coisa que desejariam seria se envolver em alguma querela arqueológica que espalharia a cizânia ou provocaria debates teológicos entre os cristãos. Uma "tumba familiar" de Jesus seria um grande problema, mas uma contendo um ossuário marcado "Jesus, filho de José" os colocaria em situação extremamente delicada.
Embora seja impossível provar que essa tumba em particular tenha alguma relação com Jesus de Nazaré, o que a tornou significativa aos olhos de todos foi não apenas o agrupamento de nomes, mas o fato de esses ossuários serem originários de um contexto arqueológico documentado e controlado. A tumba e seus restos poderiam ser estudados cientificamente. Talvez haja muito mais a aprender de um reexame cuidadoso de todas as provas relacionadas com essa tumba ou de uma investigação mais aprofundada desse próprio sítio. Afinal de contas, Joseph Gath, o seu primeiro escavador, morreu sem que o relatório oficial sobre a tumba tivesse sido publicado.
A mídia observou, no entanto, que logo após a escavação, em 1980, construíram um edifício sobre o sítio da tumba, condenando-o e impedindo qualquer possibilidade de mais investigações diretas: Até que o relatório oficial sobre a tumba fosse publicado, parecia haver pouca coisa nova a tirar dali.
Até 1996, eu não tinha a menor ideia de que essa tumba de Talpiot se tornaria parte de minha própria investigação pessoal nos anos subseqüentes nem de que maneira ela se iria relacionar à minha pesquisa sobre a dinastia de Jesus. Shimon Gibson e eu ainda não tínhamos sequer nos encontrado. Aproximadamente uma década mais tarde, no início de 2004, soube que Gibson, como assistente de Gath na escavação dessa tumba, em 1980, tinha feito os desenhos oficiais para a publicação. Várias vezes Shimon Gibson pareceu ser para mim o homem certo no momento certo, estabelecendo conexões felizes entre descobertas que ninguém suspeitaria de que pudessem estar ligadas.
Foto: A fachada misteriosa da entrada da tumba de Talpiot
Ray Bruce e sua equipe souberam que os ossuários estavam "vazios" de ossos, o que indicava que a tumba já fora pilhada e que os ossos se tinham perdido ou espalhado. Sabemos hoje em dia que as coisas não se passaram dessa maneira. Segundoo relatório oficial sobre a tumba de Talpiot, publicado por Amos Kloner em 1996, esses ossuários tinham certamente contido ossos." Pela lei israelense, qualquer resto humano existente dentro de uma tumba deve ser entregue às autoridades ortodoxas judaicas para ser reenterrado, o que aparentemente impediria a realização de testes de DNA ou outros tipos de testes científicos. Digo "aparentemente" porque a maior parte dos ossuários, mesmo aqueles que se encontram no arquivo da coleção do Estado de Israel, ainda contém leves resíduos de restos humanos e fragmentos de ossos. A menos que os ossuários sejam esfregados e limpos, o que não é prática corrente, os sofisticados testes de DNA modernos podem arrancar provas de amostras minúsculas.
Em uma visita que fiz a Israel em 2004, interroguei Gibson sobre a tumba de Talpiot, e ele se lembrou de duas coisas inusitadas sobre essa tumba específica, além do interessante conjunto de nomes de família. O frontispício da tumba tinha uma decoração estranha esculpida na fachada sobre a entrada — um círculo comuma pirâmide invertida colocada sobre ele — símbolos de que ninguém parecia conhecer o significado ou a correspondência. Três crânios estavam também colocados de maneira curiosa no chão da tumba, cada um deles diretamente em frente de um loculus, ou seja, de um nicho contendo ossuários. Gibson desencavou de seus arquivos uma velha fotografia da entrada da tumba e desenrolou diante de mim o desenho original detalhado do plano da tumba. Os crânios estavam incluídos no plano e claramente visíveis, exatamente como ele os tinha visto.
Desenho original de Shimon Gibson da tumba de Talpiot, com os crânios
Curiosamente, o relatório oficial sobre essa tumba, publicado por Amos Kloner em 1996, mostra o desenho da tumba, mas os crânios foram cuidadosamente apagados com um vaporizador. Gibson e eu decidimos brincar um pouco de detetives. Acho que fomos talvez os primeiros arqueólogos da história a sair procurando uma tumba antiga batendo de porta em porta. Voltamos à vizinhança, à própria rua onde a tumba fora visível 25 anos atrás. Um conjunto de apartamentos havia de fato sido construído no local. Começamos a perguntar em volta e, para nossasurpresa, pessoas que residiam no local há muitos anos conheciam a localização de um "apartamento da tumba". Muitos deles pensavam que o apartamento era amaldiçoado, e ele era o centro das histórias de fantasmas locais. Batemos na porta, e o atual proprietário nos confirmou que havia uma tumba sob o chão de seu apartamento, exatamente ao lado da cozinha, onde havia uma área aberta. O sítio era marcado por duas válvulas de ventilação, instaladas pelos construtores de modo que a tumba fosse preservada. O proprietário nos contou que ele tinha comprado o apartamento a um bom preço, apesar das histórias, pois não acreditava em tais superstições.
Foto: James Tabor sobre os tubos de ventilação da tumba de Talpiot
Durante todo o ano seguinte, Gibson e eu recolhemos todas as informações publicadas sobre a tumba de Talpiot. Em 2005, nos arquivos israelenses, pudemos examinar a documentação da escavação original, já que Gibson tinha sido o supervisor da equipe original, e ler as notas manuscritas não publicadas de Gath, o escavador já falecido. À luz de nossas consultas aos arquivos de Talpiot, soubemos que duas tumbas haviam sido descobertas naquela área, uma ao lado da outra. Uma tinha sido selada e não fora escavada. A outra era a tumba desenhada por Gibson — a que continha aquele conjunto pouco usual de nomes. Não tínhamos ideia se havia uma relação entre as duas, mas pensamos que existia de fato essa possibilidade. Não tínhamos certeza de qual delas se situava sob o apartamento. A única maneira de sabê-lo seria tentar deixar cair uma câmara-robô pelas válvulas de ventilação para verificar se a tumba havia ou não sido escavada. Nada nos dizia se íamos encontrar algo importante, se voltássemos à tumba que já fora escavada, mas nosso interesse havia sido despertado. A estranha insígnia no frontispício da tumba, os crânios colocados de forma cerimonial em frente aos ossuários e o interessante agrupamento de nomes exigiam uma explicação.
Decidimos ir até Bet Shemesh, um subúrbio próximo de Jerusalém, para dar pessoalmente uma olhada nos ossuários de Talpiot, que se encontram estocados, junto com centenas de outros artefatos arqueológicos, no novo depósito construído pela Autoridade de Antigüidades de Israel. Lá, podem-se ver prateleiras e prateleiras cheias até o teto de materiais perfeitamente estocados, todos cuidadosamente catalogados e etiquetados. A maioria dos ossuários pertencentes à coleção do Estado de Israel está abrigada ali. Mas uma grande surpresa nos esperava.
O ossuário desaparecido
O desenho original de Shimon Gibson da escavação feita na Tumba de Talpiot mostra claramente um total de dez ossuários. Na publicação oficial da escavação, Amos Kloner também confirma que dez ossuários foram recuperados e apropriados pela Autoridade de Antigüidades de Israel. Em seu relatório, Kloner os estuda cuidadosamente, um por um, descrevendo-os em detalhe quanto ao tamanho, à decoração e às suas inscrições. Ao chegar ao último, o décimo, sua descrição comporta uma única palavra: simples. Mais nada. Aparentemente, não existia nada em seus arquivos referente a esse décimo ossuário, exceto suas dimensões: 60 x 26 x 30 centímetros. Todas as demais descrições são acompanhadas de uma fotografia — todas, menos a do décimo ossuário. Uma vez que Kloner não era o escavador original, ele tentava apenas escrever seu relatório baseando-se nas notas do atualmente falecido Gath. No entanto, o catálogo oficial dos ossuários da coleção do Estado de Israel, publicado por Rahmani, em 1994, atribui apenas nove ossuários aessa tumba, embora saibamos que o IAA concedeu ao décimo ossuário um número de catálogo: 80.509.
Quando chegamos ao depósito de Bet Shemesh, antes mesmo de sermos levados à área em que os ossuários de Talpiot estavam estocados, o curador nos falou que havia um pequenoproblema — estava faltando um ossuário. O ossuário cujo número no IAA era 80.509, o número dez do relatório de Kloner, não podia ser encontrado. Ele tinha desaparecido.
Fiquei sem saber o que fazer dessa informação. Na vasta coleção de antigüidades detida pelo Estado de Israel, acontece o fato de certas coisas serem guardadas no lugar errado. Mas ninguém parecia poder explicar esse caso particular e, até onde sei, fomos os primeiros a reconhecer o problema e a exigir uma resposta. Já que a Tumba de Talpiot continha dez ossuários, três sem inscrições, mas seis com um agrupamento de nomes tão extraordinário, queríamos de algum modo confirmar que aquela única palavra usada para descrever o décimo ossuário desaparecido — simples — era mesmo tudo o que se poderia dizer a seu respeito. Se ele pudesse ser localizado e tivesse um nome inscrito, esse nome já seria um dado extremamente interessante.
Apenas recentemente reparei que as dimensões do décimo ossuário desaparecido eram, centímetro por centímetro, precisamente iguais às do Ossuário de Tiago. Seria remotamente possível que Oded Golan tivesse de fato adquirido seu ossuário há alguns anos — talvez não em "meados dos anos 1970", como ele diz agora, mas não há tanto tempo —, talvez por volta de 1980, quando a Tumba de Talpiot foi descoberta?
Teria sido o décimo ossuário roubado depois de ser catalogado, mas antes que a escavação da tumba chegasse ao fim? Gibson se lembra, com efeito, de que quando ele chegou para fazer seus desenhos, alguns dias depois do início da escavação, nem todos os ossuários estavam no lugar. Vários deles tinham sido deslocados para facilitar o trabalho de escavação, e foi ele quem os recolocou em seus lugares originais, segundo as indicações de Joseph Gath, que estava dirigindo a escavação. Gibson me disse não ter certeza de que estivessem todos os dez ossuários no sítio, nessa época.
Por enquanto, na ausência de melhores provas, seja por testes de DNA ou pela recuperação do ossuário perdido, nosso conto das duas tumbas deve terminar aqui. Mas é também aqui que começa nossa história sobre a dinastia de Jesus. Essas duastumbas familiares, cavadas na pedra e localizadas nos limites da Cidade Velha de Jerusalém, revelam, de maneira mais pertinente do que qualquer fonte escritural, como se faziam os enterros familiares na época de Jesus. É aqui que começamos a aprender sobre a vida de Jesus e sobre a dinastia que ele fundou antes de sua morte, pois essa certamente não significou o fim de sua missão ou de seu legado. A fascinante história da dinastia de Jesus que vocês lerão a seguir não depende de maneira nenhuma da autenticidade da inscrição do Ossuário de Tiago, nem do fato de que alguma dessas outras duas tumbas seja, na verdade, a tumba da família de Jesus. O que podemos dizer a esse respeito é que Maria, a mãe de Jesus, foi provavelmente enterrada com sua família em uma tumba próxima à Cidade Velha de Jerusalém, uma tumba bastante parecida com uma dessas duas. Há algo em uma tumba desse tipo, com os ossuários, os ossos preservados e os nomes inscritos que nos são tão familiares dois mil anos depois, que nos faz sentir um arrepio na espinha quando tentamos imaginar o passado e nos conectar a ele. O mais excitante é que nunca sabemos quais novas provas podem emergir, em um dado momento, para nos permitir juntar mais pedaços dessa história. Afinal, como vimos, as coisas que menos esperamos costumam aparecer, com freqüência, para nossa imensa surpresa.
PRIMEIRA PARTE
No início era a família
CAPÍTULO UM
Uma virgem conceberá...
Pensar em Maria, mãe de Jesus, sempre me leva a lembrar a cidade esquecida de Séforis. Segundo a tradição, Maria era a filha primogênita de Joaquim e Ana, um velho casal que vivia naquela cidade.' Hoje em dia, pouca gente ouviu falar em Séforis, cidade que não é mencionada no Novo Testamento. Até bem pouco tempo, ela não estava nem mesmo incluída nesses mapas da Terra Santa que se encontram na parte de trás de muitas Bíblias. Tinha-se tornado uma cidade perdida para nós — até data bem recente. A primeira vez que levei meus alunos para fazer escavações em Séforis foi no verão de 1996. Voltamos em 1999 e 2000 para participar de duas outras campanhas de escavações, quando trabalhamos com a equipe dirigida pelo Professor James Strange, da Universidade da Flórida do Sul, que tinha começado a cavar nessa região em 1983.
Mais de duas décadas de escavações por várias equipes de arqueólogos não chegaram ainda a descobrir nem mesmo um décimo da antiga cidade romana. No entanto, havia-se feito o bastante para nos dar uma ideia do esplendor desse lugar na época de Maria e de seu filho Jesus.
Enquanto Jesus crescia em Nazaré, Séforis era a cidade dominante de toda aquela região. Construída sobre uma montanha, 122 metros acima de uma planície, podia ser vista a quilômetros de distância. A bem conhecida frase de Jesus, que diz que "não se pode esconder uma cidade construída sobre uma montanha", seguramente foi-lhe inspirada quando ele crescia em Nazaré e olhava para o norte, para a magnífica cidade de Séforis, a cerca de seis quilômetros de distância. Impossível ignorá-la. Nazaré não era quase nada. Abrigada nas montanhas, ao sudeste, perto de uma fonte, sua população total provavelmente não passava de 200 habitantes. Ela era apenas uma das dezenas de pequenas aldeias espalhadas pela planície, ao redor da imensa e impressionante capital regional.
Hoje em dia, as coisas são bem diferentes. Nazaré é a maior cidade árabe de Israel, com uma população de mais de 60.000 pessoas, metade cristã, metade muçulmana. Subúrbios impressionantes e igrejas magníficas invadem as colinas e os vales ao redor de seu centro. Os roteiros turísticos a incluem invariavelmente como um ponto importante. Séforis, ao contrário, é apenas uma montanha nua, a distância, salpicada de antigas ruínas. Todos os dias, durante nossas escavações, nos sentávamos nas encostas ao sul das ruínas de Séforis para almoçar, admirando a ativa cidade de Nazaré resplandecendo do outro lado do vale, sob o sol do fim da manhã. Tentávamos imaginar como as coisas tinham sido diferentes na época de Jesus, com a alteração da importância das duas localidades. Embora vivendo em uma pequena aldeia, Jesus cresceu nas imediações da capital urbana da Galileia. As implicações desse fato geográfico são enormes, para quem deseja recapturar historicamente os aspectos ocultos ou esquecidos da vida de Jesus quando jovem.
Foto: As ruínas de Séfonis, vistas de Nazaré, hoje
Quando Maria nasceu, por volta de 18 a.C., os romanos ocupavam a região do norte da Palestina chamada Galileia. Séforis era uma cidade judaica, mas os romanos a transformaram no centro administrativo de toda a região. Quem dirigia o país era Herodes, o Grande, amigo íntimo de Antônio e Cleópatra, que tinha sido confirmado como "Rei dos Judeus" pelo general romano Otávio, que mais tarde assumiriao poder sob o nome de César Augusto. E, no entanto, Herodes não possuía a vital linhagem de Davi que lhe daria direito ao trono.' Herodes era filho de mãe judia, mas seu pai vinha da Idumeia. Ele era extremamente suscetível quanto a suas origens meio-judaicas, pois muitos judeus viam nisso um empecilho para que ele pudesse dirigir legitimamente Israel. Movido pela inveja e pelo medo, ele ordenou a destruição dos registros genealógicos públicos das principais famílias israelitas e se casou c.om Mariane, uma princesa da casta dos sacerdotes asmonianos, em vã tentativa de reduzir a oposição judaica às suas origens humildes. A linhagem dos asmonianos tinha produzido os macabeus, que governaram o país durante um século, antes que os romanos invadissem a Palestina. Em uma crise de ódio, Herodes matou mais tarde sua mulher e os dois filhos. Josefo, o historiador judeu do século I, relata que Herodes chegou mesmo a preparar Massada, uma fortaleza do deserto, como um possível refúgio, caso a população viesse a depô-lo para repor um governante da linhagem real de Davi.' Os imperadores romanos Vespasiano e Domiciano perseguiriam e executariam os membros da "casa real de Davi" nas últimas décadas do século I.4 Naqueles tempos, deter o poder era uma coisa, mas a linhagem — sobretudo em se tratando da família real nativa — era outra bem diferente. É justamente essa questão linhagem que vai nos levar de volta a Nazaré.
Foto: Maria, quando criança, com Joaquim e Ana, por Strozzy
No ano 4 a.C., quando Maria tinha cerca de 14 anos, Herodes, o Grande morreu. Quase imediatamente depois de sua morte, um certo Judas, filho de Ezequias, invadiu o palácio real de Séforis e, depois de apossar-se de todas as armas ali estocadas, ele e seus seguidores começaram a saquear a Galileia. Bolsões de revolta e de oposição a Roma estouraram por todo o país. (5) Josefo relata que, naquela época, "qualquer cabeça de um bando de rebeldes podia proclamar-se rei", é cita vários outros indivíduos que efetivamente tentaram fazê-lo. (6) Os romanos reagiram rapidamente e com extrema violência. O governador romano da Síria, o infame Públio Quintílio Varo, trouxe três legiões desde esse país, com o objetivo de esmagar brutalmente a oposição contra o domínio romano. (7) Incluindo as forças auxiliares, mais de vinte mil homens armados vindos do norte invadiram o país, incendiaram e arrasaram inteiramente Séforis, reduzindo seus habitantes à escravidão como castigo por sua participação nos motins. Varo arrebanhou os rebeldes de todo o país e crucificou duzentos deles. (8) A Galileia deve ter sofrido um terrível trauma, ao ver esses homens agonizantes pregados em cruzes, a intervalos regulares, ao longo de suas principais estradas e colinas, expostos aos olhares de todos os passantes.
Logo após a revolta, os romanos dividiram a Palestina em três distritos, cada um deles governado por um filho de Herodes, o Grande. Arquelau recebeu a Judeia, situada no sul do país, que incluía a Samaria, um território montanhoso ao norte. Felipe foi encarregado da região a leste do Jordão, perto do Mar da Galileia. Herodes Antipas recebeu os territórios do norte da Galileia, ao norte da Judeia, assim como a Pereia, a leste do Rio Jordão. Herodes Antipas é o mesmo Herodes que, mais tarde, vai decapitar João Batista e participar do julgamento de Jesus. Ele decidiu reconstruir e fortificar a cidade de Séforis, que ocupava uma posição estratégica sobre o Vale de Bet-Netoia, na interseção de grandes estradas, fazendo dela sua capital palaciana, em alto estilo greco-romano. Embora permanecesse urna cidade judaica, Séforis tinha um teatro de 4.000 lugares (tão impressionante quanto o que o pai de Herodes havia construído na Cesareia, na costa mediterrânea), ruas e mercados dotados de colunas, sofisticados edifícios municipais, um elaborado sistema hidráulico e banhos públicos. Testemunha ocular desse esplendor, Josefo descreveu Séforis como o "ornamento de toda a Galileia". (9) Mas a legitimidade de Herodes Antipas ao trono não era evidente, já que ele foi obrigado a consolidar seu poder sobre os territórios que lhe foram atribuídos. Quem seria, então, o legítimo Rei de Israel?
Desenho de Séforis, vista de Nazaré, no tempo de Jesus
Algum tempo antes do violento incêndio de Séforis, Maria e sua família tinham se mudado para a pequena aldeia de Nazaré, a apenas seis quilômetros e meio em direção ao sudeste. Não há registro sobre o que aconteceu a seus pais, Joaquim e Ana, se eles ainda estariam vivos nessa época, mas sabe-se o que aconteceu à sua filha. (10)
Na época da revolta e de seu brutal esmagamento, Maria — que aos 14 ou 15 anos já era considerada uma mulher — foi dada em casamento a um artesão local chamado José. Foi nessa época, em Nazaré, que seus problemas começaram: ela ficou grávida antes do casamento e José não era o pai. Lucas relata que, quando o casal foi para Belém, para o nascimento de Jesus, Maria era apenas sua "noiva" (Lucas 2:5). Ele usa uma palavra grega que não deixa lugar a dúvidas, (11) segundo a qual eles eram apenas noivos e, no entanto, ela estava a ponto de dar à luz uma criança. Depois do nascimento, em Belém, o casal voltou a Nazaré, logo após o desastre, quando a fumaça de Séforis ainda mal se tinha inteiramente dissipado. (12)
Essa visão da história de Séforis acrescenta um novo conjunto de imagens à "história do Natal": cadáveres crucificados apodrecendo nas cruzes, a capitalregional em chamas, concidadãos assassinados ou exilados como escravos. O futuro dessa família e de seu filho era extremamente incerto.
As fontes do Evangelho
Para reconstruir o nascimento, a vida e os ensinamentos de Jesus, nossa primeira e melhor fonte são os quatro Evangelhos, Mateus, Marcos, Lucas e João, contidos no Novo Testamento. Durante os últimos duzentos anos, os eruditos analisaram e compararam esses textos e sua relação mútua. Os resultados dessa pesquisa escrupulosa nos permitiram uma leitura mais cuidadosa deles, assim como uma utilização mais responsável, da mesma forma com que usamos as demais fontes históricas, ainda que estejam incluídos no cânone do Novo Testamento como textos da Sagrada Escritura. Todos os quatro Evangelhos do Novo Testamento foram escritos em grego, embora uma antiga tradição diga que o Evangelho de Mateus foi originalmente composto em hebraico ou aramaico. Os nomes associados a esses Evangelhos são tradicionais, e seus autores, sejam eles quem forem, nunca se identificam pelo nome. O primeiro Evangelho é o de Marcos, embora seja colocado em segundo lugar no Novo Testamento. Ele foi escrito por volta de 70 d.C., e nos fornece a estrutura narrativa básica da trajetória de Jesus. O de Mateus foi redigido a seguir, provavelmente por volta de 80 d.C.; o autor usa Marcos como sua fonte principal, embora tome amplas liberdades para com o texto, como veremos. Como explicarei adiante em mais detalhe, quem escreveu o Evangelho de Mateus teve acesso a um conjunto dos ensinamentos de Jesus, que chamamos Q,* do qual Marcos não se beneficiou, e incorporou esse material a seu trabalho. O Evangelho de Lucas foi escrito por volta de 90 d.C., e seu autor utilizou tanto Mateus como a fonte chamada Q; no entanto, ele enriquece sua história com grande quantidade de material pessoal. Estes três Evangelhos — Marcos, Mateus e Lucas — são ditos Sinóticos devido à estreita relação literária que guardam entre si. De maneira mais linear, pode-se dizer que Marcos fornece a linha básica da história, e tanto Mateus quanto Lucas usam Marcos, mas incorporam também a fonte chamadaQ e outras fontes pessoais. João é nosso último Evangelho, redigido quase no fim do século I, sem conexão literária com os Evangelhos Sinóticos. O redator do Evangelho de João fornece uma tradição inteiramente independente, encarando Jesus como o divino e louvado Filho de Deus. Nesse sentido, o Evangelho de João é mais orientado teologicamente, o que não quer dizer que não disponha de valiosas informações históricas. Como veremos, sem o registro independente do Evangelho de João perderíamos muitos detalhes geográficos e cronológicos importantes.
"Esse manuscrito, contendo vários aforismo de Jesus, tira a inicial de seu nome de Quelle, que significa "fonte" em alemão. (N. do T.)
Existem ainda outros Evangelhos, além desses quatro: o Evangelho de Tomé, escrito em copta e descoberto em 1945, no Egito; uma versão hebraica de Mateus, que circula nos meios rabínicos; e meia dúzia de evangelhos chamados "apócrifos", compostos nos séculos II e III d.C. — que serão progressivamente introduzidos e discutidos conforme forem sendo encontrados em nossa pesquisa. No entanto, a verdade é que as fontes mais confiáveis para reconstruir o conhecimento sobre Jesus continuam sendo os próprios evangelhos do Novo Testamento. Como veremos, sua leitura cuidadosa e crítica pode fazer emergirem percepções novas e fascinantes. Começaremos nossa pesquisa pelo que sabemos da gravidez de Maria e do nascimento de seu filho primogênito, Jesus.
Problemas em Nazaré
Pode-se imaginar a confusão que a gravidez de Maria deve ter causado em uma aldeia do tamanho de Nazaré. Dizer que as más línguas se agitaram ficaria aquém da realidade. As duas famílias eram bastante conhecidas (13) Suas casas eram próximas, os filhos casados viviam com freqüência em extensões da casa principal de seus pais e partilhavam um pátio comum. A vida da aldeia era bastante interdependente do ponto de vista econômico e social — coisa de que me dei conta em minha primeira visita à "aldeia de Nazaré", uma versão autêntica de uma aldeia judaica do século I, (14) reconstruída por arqueólogos no local da moderna cidade de Nazaré, onde se pode entrar nos pequenos cômodos das casas, caminhar nos pátios comuns e nas estreitas ruas e sentir o inevitável entrelaçamento de cada aspecto da vida cotidiana. Não havia lugar para muitos segredos em Nazaré.
José tinha um sério problema, que nenhum noivo gostaria de ter que enfrentar. Ele estava comprometido com Maria, suas famílias tinham concordado com ocasamento, e, de repente, "descobriu-se" que sua noiva "carregava um filho" antes do casamento (Mateus 1:18). Segundo o Evangelho de Mateus, foi José quem descobriu a gravidez, decidindo romper os planos de casamento sem, no entanto, fazer um escândalo, de modo a não a cobrir de vergonha. É possível que planejasse ajudá-la a deixar a cidade e dar à luz secretamente, não temos como sabê-lo. Mas uma coisa ele sabia com certeza: não era o pai daquela criança em gestação. Com seu auxílio ou não, Maria efetivamente deixou a cidade às pressas e, segundo a tradição, dirigiu-se para o sul, para a pequena cidade de Ein Kerem, a seis quilômetros e meio a oeste de Jerusalém, na região montanhosa da Judeia, onde permaneceu por três meses, hospedada na casa de parentes próximos, um casal mais velho, Isabel e Zacarias (Lucas 1:39). Isabel estava também grávida nessa época, de seis meses, e o filho que ela então carregava seria conhecido como João Batista ou, literalmente, João, o Batizador. Não sabemos o grau de parentesco entre Maria e Isabel, talvez fossem primas ou talvez tia e sobrinha. Mas, dadas as circunstâncias, as duas famílias deveriam ser muito íntimas, o que significa que Jesus e João Batista eram também parentes.
Segundo Lucas, a criança nasceu em Belém devido a um censo fiscal romano. A cidade de Belém fica próxima a Jerusalém, na Judeia, no sul do país, enquanto Nazaré se situa no norte da Galileia, a três dias de distância. Lucas relata que, ao encontrar a cidade cheia de gente, com as hospedarias repletas, o casal se refugiou em um estábulo, onde Jesus nasceu. Naquela época, era comum as casas terem a seu lado estruturas parecidas com grutas, cavadas na rocha, usadas para abrigar animais domésticos. Segundo Lucas, José e sua noiva ainda não eram casados; não sabemos quando eles efetivamente se casaram, mas teria que ser após o nascimento da criança (Lucas 2:5). Mais tarde, Lucas se refere a Jesus como "o filho de José", mas é claro que ele não acredita que José possa mesmo ser seu pai. Essas palavras indicam antes que os dois se casaram e que, assim, José se tornou o pai adotivo legal de Jesus (Lucas 4:22). Mateus diz que José "tomou sua mulher", mas não diz quando, e acrescenta um detalhe fascinante — o casal só teve relações sexuais depois do nascimento da criança (Mateus 1:25)." Isso concorda com a dedução de Lucas de que o casamento aconteceu depois do nascimento, já que, na cultura judaica, o casamento só era considerado consumado depois do ato de "conhecer" sexualmente a mulher."
Esse é o esboço apresentado nos primeiros capítulos dos Evangelhos de Mateus e Lucas." Os outros dois Evangelhos, Marcos e João, começam quando Jesus já eraadulto e não dizem nada sobre seu nascimento. (18) Mateus e Lucas estão de acordo sobre a origem da gravidez de Maria. No relato de Mateus, logo após descobrir a gravidez de Maria, José tem um sonho no qual um anjo lhe diz que ela teria "concebido de um espírito santo", que ele deveria casar-se com ela apesar de tudo, (19) e que seu filho deveria chamar-se Jesus. Ao casar-se com uma mulher grávida de um filho que não era seu, e ao dar-lhe um nome, ele estava na verdade "adotando" legalmente Jesus como seu filho. A frase "concebido por um espírito santo" implica que a gravidez se fez pela ação do espírito de Deus sem, no entanto, dizer claramente que Deus era o pai de Jesus — no sentido em que, digamos, Zeus era pai de Hércules quando seduziu sua mãe, Alcmena. Nesse sentido, o relato difere das histórias de nascimentos miraculosos comuns à antiga mitologia greco-romana.
Foto: A sedução de Alcmene por Zeus, em um vaso grego antigo
Mateus faz também referência a um antigo adágio do profeta hebreu Isaías: "eis que uma virgem conceberá, e dará à luz um filho, e será o seu nome Emanuel" — como se dissesse que a gravidez de Maria era a realização dessa profecia (Isaías 7:14)." Mas Isaías faz referência a uma criança que deveria nascer na sua própria época, no século VIII a.C., cujo nascimento seria um sinal para o rei Ahaz, que então governava. A palavra hebraica (almah) que Mateus traduz por "virgem", em sua versão grega, significa "jovem mulher" ou "donzela", sem introduzir qualquer implicação miraculosa.21 A criança receberia o nome pouco comum de Emanuel, que significa "Deus conosco", e Isaías garante ao rei Ahaz que, antes que essa criança tenha idade suficiente para distinguir "o bem do mal", os assírios que ameaçavam Jerusalém e a Judeia seriam removidos da face da terra. Ahaz não teria que esperar muito tempo. Mateus infere que a profecia de Isaías foi "realizada" pelo miraculoso nascimento virgem de Jesus — o que claramente não é o sentido do texto original.
No relato de Lucas, quem tem o sonho é Maria. O anjo Gabriel lhe diz que ela ficaria grávida, teria um filho e lhe daria o nome de Jesus. O nome Jesus, em hebraico, é o mesmo que Josué, bastante comum entre os judeus naquela época. Esse filho "será grande e será chamado filho do Altíssimo; e o Senhor Deus lhe dará o trono de Davi, seu pai", para que ele reine para sempre sobre a nação de Israel. Maria respondeu: "Como pode ser isso possível, se não conheço nenhum homem?" Essa expressão bíblica significa, sem deixar lugar a dúvidas, ter relações sexuais com alguém. O anjo replicou: "Descerá sobre ti o Espírito Santo e a virtude do Altíssimo te cobrirá com sua sombra; pelo que também o Santo que de ti há de nascer será chamado filho de Deus" (Lucas 1:35).
Os credos cristãos primitivos afirmam, com base nesses textos, que Jesus foi "concebido do Espírito Santo, nasceu de Maria virgem"." É fácil confundir a "imaculada conceição" com o "nascimento virgem". Segundo os ensinamentos da Igreja Católica Romana, a Imaculada Conceição se refere à concepção de Maria por sua mãe Ana, não à concepção de Jesus. Esse ensinamento garante que Maria nasceu sem o "pecado original" herdado por todo ser humano desde Adão, o que lhe permitiu dar à luz Jesus em um estado especial de pureza moral. O "nascimento virgem" é um ensinamento diferente. Ao dizer que Maria, sem conhecer homem, ficou grávida pela intervenção do Espírito Santo, ele se refere mais à origem da gravidez do que ao próprio "nascimento".23 Podemos também nos referir a essa ideia como a "concepção virginal", uma vez que é a causa de sua gravidez que está em questão.
Outro dogma católico afirma que Maria permaneceu virgem durante toda a sua vida (semper virgine, "sempre virgem")" — percepção partilhada até mesmo por inúmeros líderes protestantes, como Lutero, Calvino, Zwingli e John Wesley, embora seja pouco corrente hoje em dia entre os protestantes." Maria foi idealizada em todos os tempos como a divina e santa "Mãe de Deus". Ela estava tão afastada de sua cultura e de sua época, que a mera ideia de que poderia ter tido relações sexuais, gerado outros filhos e vivido a vida normal de uma mulher judia casada foi impensável durante séculos. Ela foi "louvada até os céus" de maneira bastante literal, e sua verdadeira humanidade se perdeu, assim como se perdeu a importância de seus ancestrais.
A Assunção de Meda, por Poussin
CAPÍTULO DOIS
Filho de Davi?
Na primeira linha de seu Evangelho, Mateus chama Jesus de "filho de Davi". Em Lucas, o anjo anuncia a Maria que seu filho Jesus iria sentar-se "no trono de Davi, seu pai" (Lucas 1:32).' Esses dois conceitos estão interligados: nem todos os descendentes de Davi iriam ocupar seu trono, mas tampouco ninguém ocupou esse trono sem ser descendente de Davi.
O rei Davi, célebre autor de muitos salmos e pai do rei Salomão, foi o mais renomado dos antigos reis de Israel. Pouco antes de sua morte, Deus lhe fez a promessa de que seu "trono" duraria para sempre e que apenas aqueles gerados por sua "semente" o ocupariam como governantes da nação de Israel (2 Samuel 7:12-16). Os profetas hebreus aceitaram essa promessa transformando-a na base de sua predição de que, nos "últimos dias", o Cristo, ou o Messias, se sentaria no trono de Davi como governante ideal de Israel. Para isso, ele teria necessariamente que ter a linhagem adequada.
Essa promessa foi encarada como um contrato inabalável. No livro de Jeremias, Deus declara que, "se o meu concerto do dia e da noite não permanecer, e eu não puser as ordenanças dos céus e da terra, também rejeitarei a descendência de Jacó e de Davi, meu servo, de modo quenão tome da sua semente quem domine sobre a semente de Abraão, Isaac, e Jacó" (Jeremias 33:25-26). Essa promessa feita a Davi, de que seus descendentes reais reinariam sobre Israel, era equiparada a uma lei fixa da natureza.
Outros, gregos ou romanos, poderiam até mesmo reinar sobre Israel, mas seriam sempre percebidos como estrangeiros e ocupantes ilegítimos, que Deus varreria da face da terra quando chegasse o verdadeiro Messias. Os judeus foram independentes durante um breve período — de 165 a 63 a.C. — antes que os romanos conquistassem o país. Uma família judia local, os macabeus ou asmonianos, governaram o país, estabelecendo uma dinastia de sacerdotes, mas foram incapazes de se proclamarda linhagem de Davi. (2) Como já notamos, Herodes, o Grande, apesar de seu título de "Rei dos Judeus", temia que um verdadeiro descendente da linhagem de Davi pudesse vir ameaçar seu poder.
Assim, a questão óbvia a ser colocada é de que maneira Jesus era um "filho de Davi?" Que conhecemos sobre sua linhagem que possa apoiar a reivindicação de que fazia parte da família real de Davi? Lucas e Mateus não atribuem nenhum pai humano a Jesus; no entanto, fornecem diferentes relatos genealógicos de seus ancestrais. As genealogias, ou o que muitos leitores da Bíblia se lembram como a lista dos "gerados", não são certamente uma leitura muito fascinante, mas as genealogias de Jesus estão cheias de surpresas.
A linhagem legal de Jesus e uma antiga maldição
Mateus começa seu livro com esta genealogia: "Abraão gerou Isaac, e Isaac gerou Jacó, e Jacó gerou Judá", e assim por diante. Como Mateus é o primeiro livro do Novo Testamento, alguns leitores da Bíblia, impacientes, acabam se assustando com esse início técnico, apesar de suas boas intenções. Mas vamos olhar de novo. Mateus alista quarenta nomes de homens que remontam a Abraão, mil anos antes de Davi, passando por Davi até chegar a José, casado com Maria.
Qualquer genealogia banal naquela época se baseava apenas na linhagem masculina, que tinha uma importância fundamental O pai de uma pessoa era o fator significativo na cultura do mundo em que Jesus nasceu. No entanto, Mateus menciona quatro mulheres, ligadas a quatro dos quarenta nomes de homens listados, o que é inteiramente irregular e inesperado. Mateus registra:
Judá gerou Peres e Zerá por meio de Tamar (v. 3)
Salomão gerou Boaz por meio de Raabe (v. 5)
Boazgerou Obede por meio de Rute (v. 5)
Davi gerou Salomão por meio da esposa de Urias (v. 5)
Esses nomes são todos de mulheres ou, no caso da esposa de Urias, há menção a uma mulher desconhecida. Mas, ainda mais surpreendente, todas essas quatro mulheres eram estrangeiras de reputação sexual escandalosa no Antigotestamento. (3) A primeira delas, Tamar, uma viúva desesperada para ter um filho, deixou engravidar de propósito ao se vestir como uma prostituta e seduzir o próprio sogro. Raabe era empregada de uma taverna ou "prostituta". Rute era uma mulher moabita, o que já era ruim em si, na medida em que os israelitas eram proibidos de se acercar das moabitas devido à sua reputação de tentadoras sexuais. Mas Rute esgueirou-se para a cama de Boaz, seu futuro marido, depois de embebedá-lo uma noite, de modo a obrigá-lo a se casar com ela. A mulher de Urias — seu nome não é nem citado, por ter caído em desgraça — era a infame Betsabá, que teve uma relação adulterina com o rei Davi e acabou grávida, enlameando sua reputação a partir dessa data. E, no entanto, Mateus está nos fornecendo a reverenciada linhagem real do próprio rei Davi! Aqui se passa algo muito importante. O padrão cadenciado dessa lista de nomes de homens choca-se com a menção dessas mulheres, todas bem conhecidas dos leitores judeus. Elas não têm nada a ver com a genealogia formal da família real. As histórias dessas mulheres na Bíblia chamam atenção pelos sórdidos detalhes sexuais. Parece claro que Mateus está tentando colocar o nascimento de Jesus, potencialmente escandaloso, no contexto de seus ancestrais — homens e mulheres. Na verdade, ele está preparando o leitor para o que vai se passar.
No final da lista, o último nome da última linha, dá lugar ao choque. Mateus está seguramente tentando sacudir, tomar o leitor de surpresa, quando escreve:
Jacó gerou José, marido de Maria;dela foi gerado Jesus, que se chama o Crista.
O que seria de esperar, em qualquer genealogia comum masculina, era:
Jacó gerou José;
José gerou Jesus, que se chama o Cristo.
Mateus emprega o verbo "gerar" (do grego gennao) 39 vezes na voz ativa, com um sujeito masculino. Mas quando chega a José, o desvio é importante: ele usa o mesmo verbo na voz passiva com um objeto feminino: dela foi gerado Jesus. Dessa forma, uma quinta mulher se infiltra inesperadamente nessa lista: a própria Maria.
E, certamente, essa não é a linhagem de Maria, mas a genealogia de José. Por que, então, ela é incluída? Mateus está preparando o leitor para a história que virá, na qual Maria, noiva, fica grávida de um homem que não é seu futuro marido. É como se ele estivesse prevenindo, de maneira implícita, os leitores sentenciosos ou extremamente religiosos para que não tirem conclusões precipitadas.
Na genealogia mais reverenciada dessa cultura, a linhagem real do próprio rei Davi, há histórias de imoralidade sexual envolvendo homens e mulheres, cuja memória é, no entanto, reverenciada. Mas nessa linhagem de José, vital para nossa história, há outra característica fundamental que não deve passar despercebida. O ramo de José da família de Davi, ainda que tivesse fornecido todos os antigos reis de Judá, tinha sido proscrito ou maldito pelo profeta Jeremias. Naqueles últimos dias negros, pouco antes que os babilônios destruíssem Jerusalém, em 586 d.C., Jeremias tinha feito uma chocante declaração sobre Jeconias, o último rei da linhagem de Davi: "Escrevei que este homem está privado de filhos... pois ninguém da sua geração se assentará no trono de Davi e reinará mais em Judá" (Jeremias 22:30).4 José era um descendente direto desse mal-afamado Jeconias (Mateus 1:11-12). (5)
Na verdade, era como se Jeremias estivesse declarando que o contrato entre Deus e Davi estava nulo e vazio. Pelo menos, essa é a impressão que ele dá. O Salmo 89, escrito logo após esses acontecimentos, lamenta: "Renunciaste ao pacto com teu servo; profanaste a sua coroa, lançando-a por terra" (Salmos 89:39), ou assim pareceu. Apesar de tudo, Jeconias foi o último rei judeu da família real de Davi a ocupar o trono na terra de Israel. José descendia dessa mesma linhagem, mas, como era apenas o pai legal de Jesus, não seu pai biológico, os ancestrais de José não desqualificavam a reivindicação potencial de Jesus ao trono na medida em que ele pudesse se dizer descendente de Davi por outro ramo dessa linhagem. Mas quantos "ramos" da família de Davi existiam?
Um ramo oculto da família real
A genealogia de Lucas fornece a chave que faltava para compreender como Jesus podia reivindicar a descendência de Davi, mesmo sem conexão biológica com seu pai adotivo, José. Lucas registra a genealogia de Jesus em seu terceiro capítulo. Jesus tinha então trinta anos e acabara de ser batizado por João. Enquanto Mateus começa por Abraão e segue a linhagem até José, pai adotivo de Jesus, Lucas começa com Jesus e vai de trás para a frente — até Adão! Em vez de quarenta nomes, como em Mateus, temos aqui 76. Essa genealogia apresenta três características impressionantes.
Em primeiro lugar, ela começa com uma qualificação surpreendente. Uma tradução literal diria: "E Jesus tinha por volta de trinta anos [de idade] quando começou, sendo, como se supunha, filho de José, de Eli" (Lucas 3:23). A língua grega é bastante lacônica, mas o que ressalta dessa página é a expressão "como se supunha".' Lucas está dizendo duas coisas ao leitor: que José era apenas o pai "suposto" ou "legal" de Jesus e que Jesus tinha um avô chamado Eli. Mas, segundo Mateus, o pai de José se chamava Jacó. Quem era, então, Eli?
A solução mais óbvia seria dizer que ele era o pai de Maria.' Diz-se muito pouca coisa dos avós de Jesus, mas é certo que Jesus tinha dois avós, um do lado de José, outro do lado de Maria. Ter dois avós significa ter duas árvores genealógicas separadas. O que Lucas nos fornece em seu capítulo 3:23-38 é o outro lado da família de Jesus, retraçada ao longo de sua verdadeira linhagem, a partir de sua mãe, Maria. Maria só não é citada porque Lucas adere à convenção e inclui apenas os homens em sua lista. Uma vez que Lucas não reconhece nenhum pai biológico para Jesus, ele começa com José como um "substituto", mas qualifica as coisas com a expressão "como se supunha". Uma tradução mais livre daria o seguinte: "E Jesus tinha cerca de trinta anos quando começou seu trabalho, sendo supostamente filho de José, mas, na verdade, sendo da linhagem de Eli". Se os pais de Maria se chamavam na verdade Joaquim e Ana, como afirma a tradição cristã primitiva, é bem possível que Eli seja uma abreviação de Eliaquim, uma forma do nome tradicional Joaquim.
Não parece possível que Lucas tenha simplesmente inventado um registro tão detalhado. As famílias judias tinham um extremo cuidado com seus registros genealógicos — principalmente quando descendiam da linhagem de Davi. Josefo, o historiador judeu desse período, retraça sua própria genealogia sacerdotal com evidente orgulho e menciona os registros de arquivo que consultou.' Júlio Africano, um escritor judeu-cristão do início do século III, que viveu na Palestina, relata que as principais famílias judias mantinham registros genealógicos privados desde que Herodes e seus sucessores tentaram destruir os arquivos públicos. Africano nota particularmente que os descendentes de Jesus se caracterizavam pela prática de manter genealogias familiares clandestinas.' Na medida em que o pertencimentode Jesus à linhagem de Davi era tão importante para os primeiros cristãos, é bem provável que Lucas tivesse tido acesso a um desses registros.
A genealogia de Lucas também revela outra peça importante de informação. Maria, como seu marido José, pertencia à linhagem do rei Davi — mas com uma diferença vital: sua ligação com Davi não passava pela linhagem maldita que ligava Jeconias ao filho de Davi, Salomão. Ela podia retraçar sua linhagem por intermédio de outro dos filhos de Davi, Natã, irmão de Salomão (Lucas 3:31).
Como Salomão, Natã era filho da esposa favorita de Davi, Betsabá, mas nunca ocupou o trono, e, desse modo, sua genealogia se tornou obscura. Ele está citado no registro bíblico, mas nenhum de seus descendentes é mencionado, contrariamente a seu irmão Salomão (1 Crônicas 3:5- 10).Assim, segundo Lucas, Jesus também podia reivindicar ancestrais diretos com o rei Davi, por intermédio de sua mãe, Maria. Ele não dependia apenas da reivindicação de sua linha "adotiva", pelo pai legal, José, mas podia também prevaler-se da verdadeira linhagem de David.
Os dois ramos da família real de Davi
A linhagem da esquerda é dada por Mateus como sendo a linhagem de José, o pai legal de Jesus. Ela é mais curta e abreviada depois de Jeconias. Os nomes em itálico correspondem aos reis que reinaram em Israel e Judá. A linhagem da direita é fornecida por Lucas como sendo a linhagem biológica da mãe de Jesus, Maria.
Davi
Salomão - Natã
Roboão - Matatá
Abias - Mená
Asafe - Meleá
Josafá - Eliaquim
Jorão - Jonã
Ozias - José
Joatão - Judá
Acaz - Simeão
Ezequias - Levi
Manassés - Matate
Amom - Jorim
Josias - Eliézer
Jeconias - Josué
Er
Elmodã
Cosão
Adi
Melqui
Neri
Salatiel
Zerobabel
Resa
Joanã
Jodá
Joseque
Semei
Matatias
Maate
Salatiel - Nagai
Zerobabel - Esli
Abiúde - Naum
Eliaquim - Amós
Azor - Matatias
Sadoque - José
Aquim - Janai
Eliúde - Melqui
Eleazar - Levi
Matã - Matate
Jacó - Eli (Eliaquim)
José – Maria
O nome Nazaré, cidade onde vivia Maria, vem da palavra hebraica netzer, que significa "ramo" ou "broto".'' Nazaré pode ser traduzido aproximadamente como "cidade do ramo". Mas por que dar um nome tão estranho a uma cidade? Como vimos, no tempo de Jesus, ela era apenas uma pequena aldeia. Sua reputação não se baseava no tamanho ou na proeminência econômica, mas em algo potencialmente ainda mais significativo. Nos Manuscritos do Mar Morto, escritos antes da época de Jesus, encontramos regularmente menções ao futuro Messias ou Rei de Israel como sendo do "ramo de Davi"," termo derivado do capítulo 11 de Isaías, no qual o Messias da linhagem de Davi é chamado o "Ramo". O termo permaneceu e os discípulos de Jesus eram chamados de nazarenos ou "ramitas".12 A pequena aldeia de Nazaré aparentemente tirou seu nome ou apelido do fato de que era conhecida como o lugar onde os membros da família real tinham se estabelecido e se concentrado. Não é surpreendente que Maria e José lá vivessem, pois cada um deles representava um "ramo" diferente do "Ramo de Davi". Os Evangelhos mencionam outros "parentes" da família que lá viviam (Marcos 6:4). É bem possível que a maior parte dos habitantes da "Cidade do Ramo" fosse de membros da mesma família extensa do "Ramo". A afinidade familiar nessa região da Galileia continuou durante séculos. Ao norte de Séforis, a cerca de vinte quilômetros de Nazaré, havia uma cidade chamada Cosiba ou "Cidade da Estrela". Da mesma forma que "Ramo'; "Estrela" é um código para o Messias, também encontrado nos Manuscritos do Mar Morto." Tanto Nazaré quanto Cosiba eram assinaladas, já em meados do século II d.C., como cidades onde se concentravam as famílias relacionadas com Jesus, portanto, parte da "família real". (14)
Finalmente, os nomes citados em Lucas, que vão do rei Davi até Eli, pai de Maria, fornecem pistas muito interessantes que permitem explicar por que essa linhagem particular de Davi tinha importância singular. O nome que conhecemos como Mateus aparece não menos de seis vezes e sob formas diferentes: Matate (duas vezes), Matatias (duas vezes), Maate e Matatá. Chama atenção o fato de que o nome Mateus é invariavelmente associado a uma linhagem sacerdotal, não a linhagens reais, ou ligadas a um rei. Um dos 12 apóstolos de Jesus se chamava Mateus, mas também era conhecido como Levi. (15) Dois dos seis "Mateus" na linhagem de Jesus são filhos de pais chamados "Levi". Os registros de Josefo mencionam que seu pai, avô e bisavô se chamavam Matias e eram todos sacerdotes da tribo de Levi, pertencentes à eminente família sacerdotal dos asmonianos ou macabeus. A Antiga Israel era divididaem 12 tribos, descendentes dos 12 filhos de Jacó, neto de Abraão. Os sacerdotes de Israel tinham que ser descendentes de Aarão, irmãos de Moisés da tribo de Levi. Os reis deviam ser da linhagem real do rei Davi, da tribo de Judá. Estas posições, rei e sacerdote, davam às tribos de Judá e Levi proeminência especial. Mas por que haveria tantos nomes de sacerdotes em uma dinastia de Davi?
Lembrem-se de que, quando Maria, grávida, saiu de Nazaré para ficar com Isabel, mãe de João Batista, Lucas observa que elas eram parentes, embora não diga exatamente quais eram seus laços de parentesco (Lucas 1:36). Mas também assinala que Isabel e seu marido Zacarias pertenciam a uma linhagem sacerdotal (Lucas 1:5) - confirmação adicional do laço entre a família da linhagem de Davi, de Maria, e a tribo sacerdotal de Levi. É impossível que uma ocorrência tão importante de nomes levitas ou sacerdotais fizesse parte da genealogia de Maria, a menos que houvesse uma influência significativa da tribo de Levi sobre essa linhagem real particular da tribo de Judá. Isso parece indicar que Maria pertencia a uma linhagem mista.
O nome "Mateus", em um dos ossários de Taipiot
Lucas cita apenas a linhagem masculina de Davi até Maria. Mas o grande número de nomes sacerdotais indica que uma quantidade notável de mulheres levitas se casou dentro dessa linhagem de Davi no decorrer dos tempos. Esse padrão se mantém estável desde Aarão, irmão de Moisés, o primeiro sacerdote israelita. Aarão, da tribo de Levi, se casou com uma princesa da tribo de Judá chamada Eliseba ouIsabel (Êxodo 6:23). O que é ainda mais impressionante é que a mistura dessas duas tribos em uma mesma família foi verificada na tumba de Talpiot, que mencionei na Introdução. Ela continha cinco nomes comuns à família de Jesus — duas Marias, um José, um Jesus e um Judas — e também um Matya ou Mateus — todos sepultados na mesma tumba familiar. O "Judas" que aí estava sepultado pertencia certamente à tribo de Judá, e o Mateus era, sem dúvida, da tribo de Levi — no entanto, eles tinham permanecido lado a lado por dois mil anos, esperando para nos comunicar algo importante. Seja essa ou não a tumba de Jesus, a combinação desses nomes demonstra que, na genealogia de Lucas, a mistura dessas duas tribos é historicamente plausível dentro de uma única família judia daquela época.
Quando pude examinar esses ossuários de Talpiot recentemente, no depósito de Antigüidades de Israel, em Bet Shemesh, alegrei-me ao ver nosso Matya, ou Mateus, guardado ao lado dos outros membros de sua família, como em um mudo testemunho da genealogia de Lucas. Passei delicadamente minha mão enluvada sobre a inscrição "Mateus" e sobre as demais, tentando de alguma forma tocar e me conectar com o passado que esses nomes representavam. Mas será que essa ascendência mista das linhagens de Davi e de Levi tem alguma significação especial? Os Manuscritos do Mar Morto fornecem uma resposta surpreendente.
Um, dois ou três messias: uma nova revelação
Cristãos e Judeus vieram posteriormente a se centrar no Messias — uma única figura da linhagem de Davi que deveria governar como rei nos últimos dias. E, no entanto, nos Manuscritos do Mar Morto encontramos uma comunidade religiosa extremamente devota, habitualmente identificada com os essênios, que esperavam a vinda de três personagens — um profeta, como Moisés, e os messias de Aarão e de Israel.' O "Messias de Israel" éclaramente o rei da linhagem de Davi, mas o "Messias de Aarão" se refere a uma figura sacerdotal — também chamada de messias. Essa percepção preenche uma falha em nossa compreensão da dinastia de Jesus. Vários textos começam a fazer mais sentido e se encaixam de uma maneira que tinha sido precedentemente omitida.
A palavra "messias" vem do termo hebraico moshiach, que significa simplesmente "pessoa ungida". O termo grego equivalente, christos, também significa "ungido", e foi a partir dele que se derivou o termo que nos é mais familiar de "Cristo", em a significação de Messias. O termo se refere ao ritual sagrado no qual se derrama óleo sobre a cabeça de um indivíduo escolhido, para confirmá-lo oficialmente como sacerdote ou rei. A sagração daquele que era escolhido por Deus se fazia em geral por intermédio de um profeta. Mas, fosse ele rei ou sacerdote, o candidato teria de possuir a linhagem apropriada. Muita gente se surpreende ao saber que o primeiro Messias na Bíblia foi Aarão,"ungido" como sacerdote por seu irmão Moisés e citado o texto hebreu como um "moshiach"ou "messias" (Êxodo 40:12-15), centenas de os antes que o profeta Samuel tivesse ungido Davi como rei de Israel (1 Samuel 16:13). Todo sacerdote ungido teria de ser descendente de Aarão, e todo rei ungido teria de ser descendente de Davi. Maria, mãe de Jesus, era descendente direta do rei Davi, mas tinha também laços de sangue com a linhagem levita, de sacerdotes, descendentes de Aarão, o que é provado tanto por sua genealogia quanto por seu parentesco com a família de Isabel, mãe de João Batista. Séculos mais tarde, depois da era bíblica, o pai determinava a filiação tribal dos filhos, enquanto a mãe dava a garantia de seu filho ser realmente "judeu". As coisas não eram tão claramente definidas na época bíblica. Na Bíblia, fala-se das mulheres como portando a "semente", e a mesma palavra hebraica zara (literalmente "semente") é usada como referência tanto aos filhos dos homens quanto das mulheres." Assim, Jesus podia perfeitamente reivindicar o fato de ser da "semente de Davi" pela linhagem de sua mãe.'8 Mas o que sabemos sobre o pai de Jesus? Se José era apenas o pai adotivo, quem seria então o pai biológico? Para aqueles que aceitam como artigo de fé os relatos do "nascimento virgem" em Mateus e Lucas, a questão é irrelevante — Jesus não tinha um pai humano. Mas será que, em nossos registros, existe alguma prova que possa fornecer uma alternativa mais historicamente fundada?
CAPÍTULO TRÊS
Teria Jesus um pai desconhecido?
Embora apenas Mateus e Lucas afirmem o "nascimento virgem" de Jesus, e esse ensinamento não seja encontrado em nenhuma outra parte do Novo Testamento, a crença de que a gravidez de Maria resultou da intervenção de Deus sem qualquer envolvimento masculino tornou-se um dogma teológico fundamental do cristianismo primitivo. Para milhões de cristãos, a mera sugestão de que Jesus teria sido concebido por um processo normal de reprodução sexual humana, mesmo que fosse de alguma forma santificado por Deus, é vista como um escândalo, até como uma completa heresia. Mas, por sua própria natureza, a história é um processo aberto de investigação, que não pode ser constrangido por dogmas de fé. Os historiadores são obrigados a examinar todas as provas existentes, mesmo que tais descobertas possam ser consideradas chocantes ou sacrílegas por algumas pessoas. O historiador afirma que todos os seres humanos têm um pai e uma mãe biológicos e que Jesus não constitui uma exceção. Isso abre duas possibilidades — o pai de Jesus seria José ou outro homem desconhecido. Poderia uma leitura mais histórica desses dois relatos de nascimento, à luz de todas as provas que sobreviveram, revelar o Jesus profundamente humano que a fé dogmática ocultou? Poderia uma tal revelação terminar sendo tão significativa espiritualmente quanto a crença no "nascimento virgem" — ensinamento que muitos cristãos sinceros têm certa dificuldade em aceitar literalmente?'
Os eruditos que colocam em questão a verdade literal dos relatos de nascimento feitos por Mateus e Lucas sugerem que o fato de dar a Jesus um extraordinário nascimento sobrenatural é uma maneira de afirmar a natureza divina de Jesus como "Filho de Deus". Essa ideia de seres humanos procriados por deuses é extremamente comum na cultura greco-romana.' Há uma legião de heróis citados como sendo o produto de uma união entre sua mãe e um deus — Platão, Empédocles, Hércules, Pitágoras, Alexandre, o Grande e mesmo César Augusto.
A ideia do homem divino (theios aner) cujo nascimento sobrenatural, capacidade de fazer milagres e morte extraordinária o separam do mundo comum dos mortais é encontrada em vários textos. Esses heróis não são deuses "eternos", como Zeus ou Júpiter, mas seres humanos que foram elevados a um estado celeste de vida imortal. Seus templos e santuários povoavam cada cidade e cada província do Império Romano,' na época de Jesus. É fácil imaginar que os cristãos primitivos que acreditavam em Jesus o queriam tão louvado e celestial quanto qualquer dos heróis e deuses gregos e romanos, e se apropriaram dessa maneira de contar a história de seu nascimento como uma maneira de afirmar que Jesus era ao mesmo tempo humano e divino. Os intérpretes modernos, que adotam essa abordagem para as histórias, afirmam habitualmente que José era provavelmente o pai, e que esses relatos sobrenaturais eram inventados pelos discípulos de Jesus para atribuir-lhe honras e promover seu status elevado de uma maneira comum a essa cultura.
Mas há outra possibilidade, uma explicação alternativa ao que poderia estar por trás desses relatos sobre o "nascimento virgem", que apresenta alguns fatos extremamente sugestivos a seu favor. Quando lemos os relatos sobre a gravidez desconhecida de Maria, o que impressiona em ambos os textos é o tom subjacente de realismo que percorre as narrativas. Elas colocam em cena personagens reais, vivendo em um tempo e um espaço reais. Ao contrário, as histórias de nascimento comuns à literatura greco-romana têm seguramente um sabor legendário. Por exemplo, na narrativa de Plutarco sobre o nascimento de Alexandre, o Grande, sua mãe, Olímpia, ficou grávida de uma cobra; esse acontecimento foi anunciado por um trovão que selou seu ventre, de maneira a que seu marido, Felipe, não pudesse mais ter relações sexuais com ela.' Sem dúvida, tanto Mateus quanto Lucas incluem sonhos e visões de anjos em seus relatos, mas o centro mesmo da história — em que um homem descobre que sua noiva está grávida e sabe que não é o pai — tem uma qualidade realista e profundamente humana. Apesar dos elementos miraculosos, a narrativa "tem um tom verdadeiro".
E se essas histórias do nascimento virgem tivessem sido criadas não tanto para apresentar Jesus como um herói divino, no estilo greco-romano, mas para tratar de uma situação realmente chocante — a gravidez de Maria antes de seu casamento com José? Todas as quatro mulheres mencionadas por Mateus em sua genealogia tiveram relações sexuais fora do casamento, e pelo menos duas delas,ficaram grávidas. Ao nomear essas mulheres especiais, Mateus parece estar tratando implicitamente da situação de Maria.
Nossos Evangelhos dão algumas indicações de que boatos sobre a ilegitimidade já estavam circulando à boca pequena. Marcos, nosso primeiro Evangelho, escrito por volta de 70 d.C., inclui uma cena importante em que Jesus volta à sua casa em Nazaré, já adulto, suscitando rumores entre seus concidadãos. Notem com cuidado como eles falam:
Não é este o carpinteiro, filho de Maria e irmão de Tiago, e de José, e de Judas, e de Simão? E não estão aqui conosco suas irmãs? (Marcos 6:3)
Mateus usa Marcos como fonte e inclui a mesma história, mas notem como, sabiamente, ele diz as coisas de outra maneira:
Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria, e seus irmãos Tiago, e José, e Simão, e Judas? E não estão todas suas irmãs conosco? (Mateus 13:55).
Esta mudança sutil, mas crítica, na maneira de se exprimir é absolutamente reveladora:
Não é este o carpinteiro, o filho de Maria? (Marcos)
Não é este o filho do carpinteiro? E não se chama sua mãe Maria? (Mateus)
Chamar Jesus de "o filho de Maria" indica que seu pai era desconhecido. No judaísmo, refere-se invariavelmente às crianças como filhos ou filhas de seu pai — não de sua mãe. Marcos nunca se refere a José, seja pelo nome ou de outra maneira qualquer. Ele evita inteiramente a questão da paternidade. Deve haver uma boa razão para este silêncio. Ao contrário, Mateus rapidamente refaz o fraseado de Marcos, de modo a que a questão da ilegitimidade não seja sequer evocada. Vemos mesmo que os manuscritos gregos posteriores do Evangelho de Marcos tentam "resolver" o escândalo, alterando o texto, de forma a falar do "filho de Maria e José".
Há alguns manuscritos cristãos perdidos redescobertos nos últimos dois mil anos, pois contém 114 ditos de Jesus. Alguns o consideram um "quinto evangelho", na medida em que fornece tantas peças que faltavam do ensinamento de Jesus — que de outra maneira se :criam perdido e seriam esquecidas. Mais para o fim da coletânea, na Máxima 105, —2SUS diz a seus discípulos:
Alguém que conhece seu pai e sua mãe será chamado de filho de uma prostituta. (5)
Muitos eruditos pensam que esse dito críptico é um eco do triste rótulo que Jesus teve de enfrentar durante toda sua vida — ou seja, de que sua mãe, Maria, tinha ficado grávida fora do casamento. O Evangelho de Tomás não contém histórias sobre o nascimento ou referências a José ou ao nascimento virgem, mas parece conter uma certa reflexão sobre a história da ilegitimidade. A dedução é que a acusação era injusta, que Jesus conhecia perfeitamente as circunstâncias de seu nascimento, assim como a identidade do pai desconhecido e ausente. Assim, se o pai de Jesus não era José, quem poderia ter sido ele? E em que circunstâncias Maria foi acusada de fornicação e rotulada de "prostituta"? Provavelmente nunca o saberemos, em termos de certeza histórica. Se fôssemos preencher o certificado de nascimento de -Jesus, teríamos de colocar"pai desconhecido". Mas essa questão não está inteiramente resolvida. Histórias e rumores circularam bastante cedo e um nome — Pantera — aparece inesperadamente aqui e ali com alguma coerência.
Solucionado o mistério de Pantera
A primeira versão da história de Pantera vem de um filósofo grego chamado Celso. Em um trabalho anticristão intitulado Sobre a verdadeira doutrina, escrito por volta de 178 d.C., ele relata um conto em que Maria "estava grávida de um soldado romano chamado Pantera" e foi expulsa por seu marido como adúltera.' É pouco provável que Celso tenha inventado esse nome ou a ocupação do homem que ele dá como sendo o pai fisiológico de Jesus. Ele não faz mais do que repetir o que se falava nos círculos judeus.
Esse mesmo nome aparece ainda mais cedo. O proeminente rabino Eliezer ben Hircano, que viveu por volta do fim do século I d.C., relata um ensinamento que recebeu de um seguidor de Jesus, oriundo da Galileia, chamado Jacó de Sikhnin, na cidade de Séforis. Algumas pessoas identificaram esse Jacó como o neto do irmão mais novo de Jesus, Judas. Jacó transmitia seu ensinamento "em nome de Jesus, filho de Panteri". (8) Há mesmo uma disputa entre os primeiros rabinos que envolve o mesmo seguidor de Jesus, chamado Jacó, sobre se se pode ou não curar uma mordida de serpente "em nome de Jesus, filho de Panter". (9) Essas fontes primitivas não informam por que Jesus seria chamado "filho de Pantera" e tampouco identificam Pantera como um soldado romano, mas mostram que Jesus era identificado assim bastante cedo na Galileia, e que esse nome poderia ser usado sem necessidade de explicação ou qualificação." Inúmeros eruditos cristãos sugeriram que Pantera fosse um termo ofensivo de gíria, um jogo com a palavra grega parthenos, que significa "virgem", mas as duas palavras não combinam tanto assim. Outros sugeriram que Jesus estivesse sendo caluniosamente chamado de "filho de uma pantera", com referência à natureza selvagem e lúbrica de seu verdadeiro pai. O problema que essas sugestões apresentam é que as primeiras referências a Jesus como "filho de Pantera" não são polêmicas. No judaísmo, quando se quer identificar uma pessoa, deve-se ligá-la ao nome de seu pai. Tal é o sentido claro dessas primeiras referências. Elas se destinam a identificar, não a difamar.
As provas mostram que os cristãos primitivos levavam essa tradição muito a sério e não foram capazes de desmenti-la como um rumor difamatório. Epifânio, cristão ortodoxo do século IV, afirma que há um certo grau de autenticidade na tradição de "Jesus filho de Pantera", mas a explica pelo fato de que o pai de José era conhecido como Jacó Pantera — razão pela qual esse nome fazia parte da família. (11) Significativamente, em uma época tão tardia quanto o século VIII d.C., apareceram tentativas similares para "domesticar" a tradição de Pantera. João de Damasco transmite a tradição de que o bisavô de Maria era chamado Pantera. Essas tentativas pouco plausíveis para legitimar o nome de "Pantera" como parte dos ancestrais de Jesus mostra que a designação "Jesus, filho de Pantera" não poderia ser simplesmente desmentida como uma invenção maliciosa dos oponentes judeus.0 Sabemos que Pantera/Panthera era um nome grego que aparece em inúmeras inscrições latinas desse período, especialmente como um nome familiar de soldados romanos. De uma coisa podemos estar certos — Pantera é um nome real, não é nenhum termo inventado para difamar.
Em 1906, o grande historiador alemão Adolf Deissmann publicou um curto artigo intitulado "O nome Pantera", em que detalha as várias inscrições antigas que utilizaram esse nome no século I e suas imediações." Ele conseguiu demonstrar de maneira conclusiva que o nome era usado durante essa época e que era especialmente apreciado por soldados romanos. Um dos exemplos citados por ele se destaca: foi encontrado na inscrição da pedra tumbal de um certo Tibério Júlio 4_bdes Pantera, descoberta em um cemitério romano, em 1859, em Bingerbrück, a cerca de vinte quilômetros ao norte de Bad Kreuznach, na confluência entre os rios Nahe e Reno. Deissmann inclui uma fotografia mostrando a imagem esculpida de um soldado romano com o pescoço e a cabeça cortados e uma inscrição latina claramente preservada sob seus pés, que dizia:
Tibério Júlio Abdes Pantera, de Sidônia, 62 anos,soldado com 40 anos de serviço da 1ª. coorte de arqueirosaqui jaz. (14)
A inscrição de Tibério Júlio Abdes Pantera
Deissmann observa que esse "Pantera" específico morreu em meados do séculoI d.C., tendo vindo para a Alemanha proveniente da Palestina. Essa convergênciaimprovável do nome, da data e do lugar me intrigaram. Decidi perseguir essa pedratumbal, para descobrir os detalhes de sua descoberta e qualquer outra informaçãopossível. Eu já tinha encontrado referências esparsas a essa tumba específica deera em vários livros mas, até onde eu sabia, ninguém ainda a tinha realmenteestudado, e todo mundo estava simplesmente citando o artigo original de Deissmann, de 1906. Sem dúvida alguma, ela ainda teria muita coisa a nos ensinar. Claro que eu não tinha nenhuma prova de que essa pedra tumbal pudesse ser pelo menos localizada. Tinha ainda que imaginar quais eram as probabilidades de que ela tivesse resistido a duas guerras mundiais e de que o museu mencionado por Deissmann, em 1906, em Bad Kreuznach, ainda existisse em 2005. Localizei um site mantido pela cidade de Bad Kreuznach e me enchi de esperanças quando descobri que a cidade se vangloriava de ter um museu de antigüidades romanas chamado Rõmerhalle. Meu coração quase falhou quando li que, entre seus tesouros, encontrava-se uma coleção de pedras tumbais de soldados, descobertas na cidade vizinha de Bingerbrück. Certamente a de Tibério Júlio Abdes Pantera estaria entre elas.
Contactei a curadora do museu e fiquei satisfeito em saber que a pedra tumbal de Tibério Júlio Abdes Pantera estava a salvo e em exposição. Soube ainda que eles possuíam toda uma coleção de nove pedras tumbais de soldados romanos que tinhamsido preservadas, descobertas quase por acaso no mesmo lugar, durante a construção da estação ferroviária de Bingerbrück, entre 1859 e 1861. Originalmente reunidas pela Sociedade Histórica local, foram expostas em 1933, no velho museu da cidade, sendo mais tarde transferidas para o recém-construído Rõmerhalle. Felizmente, Bad Kreuznach não fora bombardeada durante a Segunda Guerra Mundial. A curadora disse também possuir um espesso dossiê nos arquivos detalhando a descoberta original, que incluía urnas funerárias e moedas, a meu dispor para consulta. Em seguida, incitada por minhas questões, ela me falou de outra descoberta que ninguém conhecia no museu. Escondida em uma reserva na parte de trás do museu, em meio a um monte de velhas telas, encontrava-se a cópia de uma pintura a óleo original, feita em 1860, que mostrava em detalhe a descoberta do cemitério romano. Decidi viajar para a Alemanha a fim de examinar pessoalmente esse material.
Há algo extremamente empolgante em uma tumba antiga, um ossuário ou uma inscrição sobre um túmulo do tempo de Jesus, e, sem dúvida, eu vira um monte deles em Israel. Mas jamais poderia imaginar que, de todos os lugares do mundo, minha busca do Jesus histórico acabasse me levando à Alemanha. Haveria uma remota possibilidade de que eu logo me visse diante do que poderia ser uma autêntica relíquia da família de Jesus? Na verdade, isso parecia fruto de uma especulação inacreditável, mas coisas mais estranhas e inesperadas já aconteceram no mundo da arqueologia. Valia a pena investigar aquele Pantera, tivesse ele ou não algo a ver com a tradição que dizia que Jesus era o "filho de Pantera".
Essas eram as perguntas que enchiam minha mente no verão de 2005, quando voei para Frankfurt, na Alemanha, e tomei um trem matutino para a pequena cidade Bad Kreuznach, a uma hora ao sudoeste do rio Nahe. Bad Kreuznach era um importante postos avançado na época romana, e a região que o rodeava estava povoada de antigas ruínas romanas. (15) Não é difícil esquecer como essa fronteira alemã era importante para os romanos na época de Jesus. Era como o Vietnã ou o Iraque daqueles dias. Inúmeros soldados romanos eram transferidos para esses postos avançados na Alemanha, e milhares deles morreram e foram enterrados ali. Mas o que teria isso a ver com o pai de Jesus?
No museu Rõmerhalle, eu tive bastante tempo de fotografar, medir e examinar atentamente essas pedras tumbais, especialmente a de Tibério Júlio Abdes Pantera. Comecei também a ler os relatórios originais de sua descoberta, desde 1859. Lentamenente, iniciei a montagem das provas, e uma imagem extraordinária começou aemergir. Convenci-me de que não se devia logo rejeitar inteiramente uma possível associação entre esse soldado romano em particular e a tradição relacionada ao pai de Jesus, apenas porque soava ofensiva à piedade e à fé. Todos os fatos relevantes deveriam ser propostos e cuidadosamente considerados.
James Tabor examinando a sepultura de Pantera na Alemanha
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Soube que três pedras tumbais, incluída a de Pantera, tinham sido inicialmente descobertas nos dias 19 e 20 de outubro de 1859, a cerca de trinta quilômetros do rio Nahe. A inscrição portava formalmente o nome completo de Pantera, Tibério Júlio Abdes Pantera, sendo este último seu sobrenome. Os nomes Tibério Júlio são cognomes ou nomes adquiridos, que indicam que Pantera não era um romano nato, mas um antigo escravo libertado, que recebeu os direitos de cidadania de Tibério César, por seus serviços no exército. Normalmente, os indivíduos se alistavam por 25 anos, mas Pantera fez carreira no exército, servindo durante quarenta anos até sua morte, aos 62 anos. Como o Imperador Tibério assumiu o poder em 14 d.C., pode-se pressupor que a morte de Pantera, aos 62 anos, ocorreu alguns anos depois, provavelmente por causas naturais, pois ele se alistara no exército aos 22 anos.
Abdes é o primeiro nome de Pantera, coisa extremamente interessante. Esse nome é a versão latinizada do nome aramaico ebed, que significa "servo de Deus", o que indica que Pantera era de origem semítica, ou mesmo judaica, fosse ele nativo, convertido ou de uma família simpática ao judaísmo. Pode até mesmo ter sidojudeu. Pantera é um nome grego, embora apareça aqui em uma inscrição latina.Em 1891, o arqueólogo francês Charles Clermont-Ganneau fez uma descobertasurpreendente. Em uma tumba judaica do século I, na Estrada de Nablus, ao norteda Cidade Velha de Jerusalém, havia um ossuário com o nome Pentheros, em grego,junto com o de um certo Josepos ou José, filho desse Pantera. Os enterros indicamque ambos eram judeus, o que nos dá uma prova definitiva de que o nome Panteraera usado na época de Jesus tanto por judeus quanto por romanos. (16)
Abdes Pantera era originário de Sidônia, uma cidade costeira da Síria-Palestina, ao norte de Tiro, a menos de sessenta quilômetros de Séforis. Sabe-se que essa coorte específica de guerreiros tinha vindo da Palestina para a Dalmácia (Croácia), no ano 6 d.C., tendo sido depois transferida para a região dos rios Reno/Nahe em 9 d.C. Não provoca surpresa o fato de que Pantera tenha morrido e sido sepultado na Alemanha, como tantos outros soldados romanos que lutavam nessas terríveis guerras de fronteira na época de Jesus. Augusto chegou mesmo a transferir Varo, o legado da Síria, para o comando das legiões romanas ao norte dessa área da Alemanha. Os romanos ocuparam postos avançados na Alemanha, e o cemitério de Bingerbrück fornece provas de que alguns veteranos passaram suas vidas inteiras nessa fronteira. As nove outras pedras tumbais parecem datar do mesmo período — meados ao fim do século I d.C. — se nos baseamos nas provas fornecidas pelasmoedas, pelo estilo das pedras tumbais e pelo conteúdo de suas inscrições. O quadro de 1860 retratando a descoberta do cemitério de Bingerbrück mostra claramente que também foram descobertas urnas funerárias contendo as cinzas e os ossos dos falecidos. Os documentos mais antigos indicam que a maior parte dessas urnas foi destruída no processo de escavação, mas uma delas foi conservada. Não se sabe exatamente onde ela se encontra, embora haja algumas pistas. Não pude deixar de me indagar se o destino fora o responsável pela preservação dos restos de Tibério Júlio Abdes Pantera. Só o tempo poderá dizer.
Assim, o que se pode concluir com relação a Abdes Pantera? Haverá uma remota esperança de que, entre as milhares de inscrições funerárias desse período, essa possa ser a pedra tumbal do pai de Jesus — ainda por cima, na Alemanha? As possibilidades parecem ser mínimas, mas essas provas não devem ser imediatamente abandonadas. Pantera era um soldado romano, provavelmente um judeu; ele era nativo da Síria-Palestina, ao norte da Galileia e contemporâneo de Maria, mãe de Jesus. Temos assim o nome, a profissão, o lugar e o tempo corretos. Não há maneira de estabelecer uma ligação com esse tipo de prova — a não ser por testes de DNA de restos identificáveis.
É também importante não pensar que ser filho de um soldado romano tem forçosamente uma conotação negativa. João Batista tinha relações harmoniosas com os soldados romanos que vinham ouvi-lo: uma das primeiras descrições que se tem indica que João chegou mesmo a batizar alguns soldados romanos, que fizeram parte do movimento messiânico iniciado por João e seu parente Jesus (Lucas 3:14). Vários oficiais romanos foram elogiados por sua espiritualidade e sua piedade no Novo Testamento, e alguns deles fizeram parte dos primeiros discípulos de Jesus. (7) Na verdade, Jesus elogiou um centurião romano em Cafarnaum, uma cidade do Mar da Galileia, por ter mais fé do que qualquer pessoa que ele jamais tivesse encontrado — incluindo seus colegas judeus (Lucas 7:9). Outro centurião romano declarou, no momento da morte de Jesus,"Verdadeiramente, esse homem era o Filho de Deus" (Marcos 15:39).
Certas pessoas que dão peso histórico à tradição de "Jesus filho de Pantera" sugerem que talvez Maria tenha sido violada por um soldado romano. Tal possibilidade existe, se levarmos em conta os tempos e as circunstâncias turbulentas envolvendo o nascimento de Jesus. Por chocante que tal ideia possa parecer no início, alguns fizeram desse cenário uma prova indiscutível de aceitação e amor incondicionais, certamente por parte de Maria, como mãe, mas também por parte de José, comoo marido que aceitou adotar a criança como sua. Maria pode também ter ficadográvida numa relação que ela tivesse escolhido, o que seria uma alternativa. Como nada se sabe das possíveis circunstâncias da gravidez de Maria e de sua relação com o pai de Jesus, fosse ele ou não um soldado romano, não há nenhuma razão para postular algo feio ou sinistro. Não possuímos nenhum detalhe sobre as circunstâncias que levaram Maria a ficar noiva de José. Teria ela participado voluntariamente de um casamento arranjado com um homem mais velho? Teria ela mantido uma relação anterior com outro homem? Estaria ela já grávida, mesmo antes de seu noivado com José? Talvez o responsável tivesse deixado a região desconhecendo aquela gravidez. Nosso Pantera enterrado na Alemanha deveria ser um homem mais jovem, aproximadamente da idade de Maria na época do nascimento de Jesus. Do ponto devista do historiador, essa questão específica deveria ser deixada em aberto. Embora Mateus e Lucas representem Maria como tendo ficado grávida depois de seu noivado, como nenhum deles acredita que Jesus tenha tido um pai humano, essa representação não deve ser tomada como a última palavra. Maria pode perfeitamente ter ficado grávida antes de seu noivado, que foi então arranjado pela família e aceito por José com conhecimento de causa. Minha hipótese é que simplesmente não sabemos — e assim, não devemos emitir julgamentos ou afirmações negativas ao ouvir a expressão "soldado romano". Provavelmente os inimigos de Jesus a transformaram na pior coisa do mundo, usando livremente os rótulos de "fornicação" e "prostituta". Não há nenhuma razão para que endossemos suas afirmações. Quando se trata de escândalos familiares, gravidezes antes do casamento ou noivados rompidos, os boatos de rua de uma aldeia rural da Galileia são a última coisa para a qual devemos nos voltar, quando buscamos a objetividade.
Outra peça que pode ser significativa nesse quebra-cabeça 'e uma dashistórias mais curiosas escritas por Marcos, nosso primeiro evangelista. Lembrem-se de que foi Marcos quem chamou Jesus de "filho de Maria", e nunca mencionou José ou o nascimento de Jesus. É ele quem, de repente, relata uma viagem misteriosa de Jesus quando pregava às margens do Mar da Galileia:
E levantando-se dali, foi para as regiões de Tiro e Sidônia. E entrando numa casa, queria que ninguém o soubesse, mas não pôde esconder-se (Marcos 7:24).
Sabe-se também que, ao voltar, retornou ao Mar da Galileia pela Sidônia, o que não é o caminho mais direto (Marcos 7:31). Isso nunca foi verdadeiramente explicado por ninguém. Não tendo a menor ideia do que fazer com essa história, Lucas simplesmente a deixa cair. Mateus a inclui, mas apaga cuidadosamente a parte em que Jesus entra em uma casa particular onde é conhecido, e elimina os detalhes referentes ao caminho de volta ao longo da Sidônia (Mateus 15:21, 29). Talvez ele julgasse que essa informação não fosse significativa, ou talvez quisesse evitar que seus leitores colocassem a pergunta óbvia — por que Jesus deixaria abruptamente o território de Herodes Antipas, na Galileia, e viajaria para a Síria, para as regiões costeiras de Tiro e Sidônia? E que casa é essa, que ele conhece e onde entra tão secretamente? Lembrem-se, essas cidades não são judaicas.
É também digno de nota que Jesus sempre elogie as cidades de Tiro e Sidônia como sendo potencialmente mais abertas à sua mensagem do que as cidades da Galileia, onde pregava com mais freqüência (Lucas 10:14). Tiro e Sidônia não são regiões tão distantes assim da Galileia, e sabemos que multidões dessas duas cidades vinham para a margem norte do Mar da Galileia ouvir a pregação de Jesus (Lucas 6:17). Da mesma maneira que os soldados romanos recebem um tratamento favorável nos Evangelhos, há também uma percepção bastante favorável dessas duas cidades costeiras gentias. Será possível, ou até mesmo provável, que exista uma relação?
Parece que a natureza brusca da história que Marcos recebeu por vias estranhas sugere algo mais.
Estou convencido de que nossa melhor prova indica que José, que se casou com Maria já grávida, não era o pai de Jesus. O pai de Jesus permanece desconhecido, mas chama-se possivelmente Pantera e, nesse caso, é bastante provável que seja um soldado romano. A pedra tumbal da Alemanha, seja ela do pai de Jesus ou não, tal como as tumbas e os ossuários que estudamos em Jerusalém, nos recordam que esses nomes associados com a família de Jesus estão baseados nas provas materiais que a arqueologia continua a descobrir. Esses personagens eram seres humanos reais que viveram e morreram em um passado que se torna cada dia mais accessível para nós. Jesus não era o filho de José, mas Maria estava casada com ele e teve outros filhos depois de Jesus. Assim, poder-se-ia pensar que José era o pai do resto da família — mas como acontece freqüentemente, quando se trata de assuntos familiares, especialmente de uma família real, as coisas não são tão simples assim.
CAPÍTULO QUATRO
Filhos de outro pai
Marcos, nosso primeiro registro evangélico, informa que Jesus tinha quatro irmãos e, pelo menos, duas irmãs. Ele dá o nome dos irmãos com muita naturalidade: Tiago, José, Judas e Simão. Marcos não fornece os nomes das irmãs, mas a tradição cristã primitiva diz que eram duas — Maria e Salomé (Marcos 6:3).' Mateus, cuja fonte é Marcos, inclui a mesma lista, embora, em vez de José, ele escreva "Joses", um apelido semelhante a "Josy", em inglês, que corresponde a "José" na versão integral. Ele também coloca Simão antes de Judas (Mateus 13:55). Lucas, ao contrário, desenrola inteiramente a lista de nomes. Como declarado defensor do apóstolo Paulo, ele inaugura um longo processo de relegação dos irmãos de Jesus à obscuridade na qual hoje se encontram. Com muita freqüência, quando falo ou ensinosobre os irmãos de Jesus, sobre a posição importante ocupada por Tiago, o mais velho deles, a quem Jesus confiou o encargo de seus discípulos, uma mão se levanta na sala, e o comentário é sempre o mesmo: "Nunca soube que Jesus tivesse tido algum irmão".
Há um certo número de fatores por trás dessa falha em nosso conhecimentosobre o cristianismo primitivo. O centro dessa questão é o posterior dogma cristão de que Maria foi uma virgem perpétua, que nunca teve outros filhos além de Jesus e jamais teve relações sexuais com qualquer homem. Na Igreja primitiva, ninguém poderia nem sequer imaginar isso, pois a família de Jesus exercia um papel muito central e visível em sua vida e na dos primeiros discípulos. Tudo isso tem a ver com o fato de Maria ter sido totalmente isolada da cultura e do contexto judaicos do século I, em função do interesse de uma visão emergente na época de que a sexualidade humana era, na pior das hipóteses, degradante e perversa, e, na melhor delas, um mal necessário que tinha de alguma forma que ser combatido. O mundo material e tudo o que se relacionasse com o corpo eram vistos como baixos e de menor valor do que o mundo celeste e espiritual.
Os eruditos se referem a essa visão, bastante comum na cultura greco-romana, como dualismo ascético. Os seres humanos estavam presos entre dois mundos —material e o espiritual —, com duas maneiras de ser — a do corpo e a da alma (dualismo). Os que recusavam o corpo e viviam uma vida de celibato, enfatizando as coisas espirituais mais elevadas,"superiores", eram vistos como santos e livres da contaminação do mundo material inferior (ascetismo). De maneira geral, esse ponto de vista não encontrou abrigo favorável no judaísmo devido à ênfase da Bíblia no valor positivo dado à criação material de Deus (Gênesis I). Mas há exceções. Filo de Alexandria, o filósofo judeu do século I a.C., considera Platão, o grande advogado do dualismo ascético, quase no mesmo nível que Moisés. A influência de Filo, para não falar na de Platão, era enorme entre os pensadores,tanto judeus quanto cristãos.
Como veremos, o apóstolo Paulo construiu sua teologia em torno dessa visão essencialmente dualista do cosmo, na qual o terrestre era denegrido em favor c as coisas celestes. Ele pregava o celibato como sendo uma via espiritual superior, embora não proibisse de maneira alguma as relações sexuais. Segundo Paulo, o casamento era um antídoto para os espiritualmente débeis, que poderiam ser tentados a cair na imoralidade sexual. (2) É fácil ver como essas tendências de igualar avida espiritualà vida sem sexo foram transferidas para Maria e sua família.
Já que se insiste em que "a abençoada Virgem Maria" foi "sempre virgem", sem nunca ter tido qualquer experiência sexual, os irmãos e irmãs de Jesus precisam ser explicados. Digo isso sem qualquer desrespeito para com os que sustentam tais percepções de Maria. No entanto, é importante compreender quando, como e por que tais ideias foram desenvolvidas. A história bem feita não precisa ser contrária à fé consagrada. O conflito aparece quando formas posteriores de piedade ascética e afirmações sobre a "santidade" são impostas a uma cultura por razões dogmáticas ou políticas. O que se perde então é a realidade histórica de quem foi Maria de verdade, enquanto mulher judia, casada, de seu tempo. O que se perde é a própria Maria! O ensinamento sobre a "virgindade perpétua" simplesmente não é encontrado no Novo Testamento e não faz parte dos primeiros credos cristãos. A primeira menção oficial a essa ideia só vem a partir de 374 d.C., com o teólogo cristão Epifânio.3 A maior parte dos escritos cristãos primitivos anteriores ao século IV d.C. aceita naturalmente que os irmãos e as irmãs de Jesus sejam filhos nascidos de José e Maria. (4)
Por volta do fim do século IV d.C., a igreja começa a lidar com o problema da vida sexual de Maria, oferecendo duas explicações alternativas. Uma delas diz que irmãos não significa literalmente "irmãos" — nascidos da mesma mãe —, mas é um termo geral que se refere a "primos". Essa explicação, defendida pelos católicos romanos,' tornou-se a mais comum no Ocidente. No Oriente, os cristãos que conheciam o grego preferiram adotar um ponto de vista diferente — os irmãos eram filhos de um casamento anterior de José, sem laços de sangue com Jesus ou sua mãe.' Para os teólogos ocidentais, a visão oriental era claramente conflitante com a tendência emergente no Ocidente, proveniente do ascetismo, que queria transformar também José em um eterno virgem. Dessa maneira, a Sagrada Família, incluindo Jesus, podia ser integral e convenientemente "santa". Com a passagem dos séculos, ficou cada vez mais difícil para os cristãos, especialmente para os do Ocidente,poder imaginar Maria e José como seres humanos sexuados, ou mesmo vivendo uma forma qualquer de vida "corporal". Já que tinham se tornado "santos" no céu, ficou problemático evocar esse passado terrestre potencialmente degradante.
Se buscarmos restaurar o nome judeu de Maria — Miriam ou Maria, o nomefeminino judeu mais comum naqueles tempos — e a inserirmos de volta na aldeia judaica do século I, chamada Nazaré, como uma mulher judia normalmente casada, as preocupações teologicamente levantadas parecem se esvanecer. Ficamos livres para recuperar uma história credível, muito mais fascinante e rica do que qualquer dogma teológico. Os textos dos registros do Novo Testamento começam a se tornar vivos para nós. Um dos professores de minha universidade tinha o hábito de dizer, sobre a pesquisa histórica: "Quando nos aproximamos da verdade, tudo começa a se encaixar".
Então, quem eram os irmãos e as irmãs de Jesus? A resposta mais óbvia é que eram filhos e filhas de Maria e José, nascidos depois que se casaram. Maria engravidou quando estava noiva, de pai desconhecido; José casou-se com ela de qualquer maneira, adotou Jesus como seu próprio filho; e o casal empreendeu uma vida normal de pessoas casadas, produzindo
quatro filhos e duas filhas. As coisas bem podem ter-se passado assim, mas há um problema que não devemos esquecer. Mais uma vez, ele está relacionado com a compreensão do contexto cultural e religioso judaico daquela época, que se perdeu.
Há boas razões para se supor que José morreu cedo, seja porque era muito mais o do que Maria ou por outra causa qualquer desconhecida. Depois dos relatossobre o nascimento, ele parece desaparecer: Jesus é chamado "filho de José", ou as pessoas se referem às vezes a ele como "o filho do carpinteiro", mas o próprio José não mais aparece nas narrativas, nada mais se conta sobre ele. Jesus fez "sua mãe e seus irmãos" se mudarem para Cafarnaum em certo momento — mas não há qualquer menção a José (João 2:12). Em outro relato, sua "mãe e irmãos" vieram procurá-lo — e de novo não há a menor menção a José (Marcos 3:31). Mesmo na hora da crucifixão de Jesus, menciona-se Maria e provavelmente uma de suas irmãs, mas José está de novo estranhamente ausente. Depois da morte de Jesus, seus discípulos se reúnem em Jerusalém, e "Maria, a mãe de Jesus, com seus irmãos" faziam parte do grupo — mas não José (Atos dos Apóstolos 1:14). O silêncio parece indicar que alguma coisa acontecera a José.
Se José morreu cedo e Jesus e seus irmãos e irmãs cresceram "sem pai", certa mente isso deve ter tido uma repercussão psicológica e sociológica importante na família. Mas se José morreu sem ter tido filhos, as conseqüências para os tradicionais dogmas teológicos sobre Maria são outras. Segundo a Torá, ou Lei de Moisés, o mais velho dos irmãos sobreviventes era obrigado a se casar com a viúva do seu falecido irmão, de forma a que o "nome" ou a linhagem do irmão morto não se extinguisse. Isto é chamado um "levirato" ou yibbum, em hebraico, e é uma exigência da Torá (Deuteronômio 25:5-10),' um dos mandamentos que Deus deu a Israel e que os judeus praticantes levam muito a sério. Em um dos Evangelhos, o levirato é discutido quando perguntam a Jesus qual era sua opinião em um caso em que uma mulher, viúva sete vezes, se casou sucessivamente a cada vez com um dos irmãos de seu primeiro marido (Marcos 12:19-22).
De repente, a questão de quem era o pai de Jesus toma uma dimensão inteiramente nova. Se José não era o pai de Jesus e morreu sem descendência, Maria, a viúva, não estaria obrigada a se casar com o irmão de José? E o que se sabe do irmão de José? Curiosamente, sim, sabemos alguma coisa. Ele é mencionado no Novo Testamento, embora raramente reconhecido.
Queremos seguir as provas lá onde elas nos conduzem, mas as implicações d que Maria fosse mãe de sete filhos com três homens diferentes parecem soar indecentes hoje em dia. Mas, e se essa prática fosse não apenas normal, mas na verdade exigida e honrosa dentro da cultura judaica daquela época? Era esse, certamente, o caso. Honrar assim um homem que tinha morrido sem herdeiros, assegurando sua posteridade, era uma das coisas mais sagradas e honrosas que uma família podia fazer.
Lembram-se das quatro mulheres que Mateus menciona em sua genealogia? Duas elas, Tatuar e Rute, eram viúvas envolvidas em leviratos. Talvez Mateus saiba mais do que explicita. Seria um erro julgar qualquer fato referente a Maria e aos pais de seus filhos segundo nossos padrões teológicos e culturais. O que devemos fazer é buscar as provas — nesse caso, um conjunto de pistas escritas, complexas, mas reveladoras, deixadas, de maneira não deliberada, dentro do próprio Novo Testamento.
O Ministério da "outra Maria"
Todos os quatro Evangelhos assinalam que as mulheres da Galileia que seguiram Jesus estavam presentes à sua crucifixão e compareceram ao enterro. Marcos lista os nomes de três delas:
1. Maria Madalena
2. Maria, mãe de Tiago, o jovem, e de Joses
3. Salomé (Marcos 15:40)
Mateus, cuja fonte é Marcos, apresenta a mesma lista, com ligeiras mudanças:
1. Maria Madalena
2. Maria, mãe de Tiago e José
3. A mãe dos filhos de Zebedeu (Mateus 27:56)
Maria Madalena era a bem conhecida companheira de Jesus, sobre quem me estenderei nos capítulos seguintes. Salomé, mencionada apenas por Marcos, é possivelmente a irmã de Jesus, ou talvez, segundo Mateus, a mãe dos dois pescadores, Tiago e João, que faziam parte dos 12 apóstolos (Lucas 5:10). Em seu relato, Lucas abandona os nomes e reconhece simplesmente que "as mulheres" estavam presentes, como havia feito antes com os nomes dos irmãos de Jesus (Lucas 23:49, 55). Como veremos a seguir, Lucas não deseja colocar muita ênfase sobre a família de Jesus.
Note-se que duas mulheres chamadas Maria estão presentes. Mais tarde, ao falar sobre o enterro de Jesus, Mateus relata que Maria Madalena e "a outra Maria" estavam presentes (Mateus 27:61). Quando as mulheres voltaram à tumba, nasprimeiras horas da manhã de domingo, e a encontraram vazia, Mateus diz de novo que elas eram "Maria Madalena e a outra Maria''(Mateus 28:1). Assim, a pergunta óbvia é: quem é, afinal, essa misteriosa "outra Maria"?
Marcos a identifica especificamente mais duas vezes — uma, no enterro, como "Maria, mãe de Toses" e, mais tarde, quando elas encontram a tumba vazia, como "Maria, mãe de Tiago" (Marcos 15:47;16.1). Ele observa que Salomé também estava presente. Assim sabemos que essa segunda Maria era a mãe de "Tiago e Joses". Mas não haverá uma maneira de identificá-la melhor? Conhecemos uma "outra Maria" que tem dois filhos chamados "Tiago e Joses" — que não é outra senão Maria, a mãe de Jesus. Esses nomes, inclusive o apelido "Joses" (que Mateus corta sistematicamente), correspondem aos nomes de seus dois primeiros filhos nascidos depois de Jesus (Marcos 6:3). Será possível ou mesmo provável que essa misteriosa "outra Maria" seja Maria, mãe de Jesus? Não seria de espantar que a própria mãe de Jesus estivesse presente na hora de sua morte e participasse das cerimônias fúnebres comuns às famílias judias. E sendo assim, por que será que Marcos não a identifica abertamente como tal?
Além desse registro primário de Marcos, no qual Lucas e Mateus se inspiram amplamente apesar de alguns cortes, temos outro relato independente quanto à identidade dessas mulheres — o Evangelho de João. Observem com cuidado sua lista das três mulheres presentes na hora da crucificação:
1. A mãe de Jesus, Maria
2. A irmã de sua mãe, Maria, mulher de Cléofas
3. Maria Madalena (João 19:25)
Vejam que ainda temos três mulheres, mas Salomé foi eliminada, e agora as três se chamam Maria! Ainda que o nome Maria fosse extremamente comum naquela época, essa presença de três Marias deveria fazer-nos parar um pouco. Há alguma coisa aí. João sabe algo que ele, ou as pessoas que mais tarde vão publicar seu Evangelho, preferiram ocultar.
A inclusão de Maria Madalena não nos surpreende, porque ela está presente em todas as listas. Mas João reconhece explicitamente a presença de Maria, mãe de Jesus, o que nos permite identificar, com uma boa margem de segurança, a mulher a quem Marcos se refere como "Maria, mãe de Tiago e Joses" como sendo Maria, mãe de Jesus. Quem é então a "nova" terceira Maria — mulher de Cléofas? Quem é Cléofas? Essa Maria é identificada como a "irmã" de Maria, mãe de Jesus — mas qual é a probabilidade de que duas irmãs, da mesma família, tenham o mesmo nome?
Comecemos por Cléofas, já que sabemos alguma coisa sobre ele. Como explicaremos em detalhe mais tarde, quando Jesus morreu, deixou a seu irmão Tiago o encargo de seus discípulos. Tiago foi assassinado em 62 d.C., e nossos primeiros registros falam que ele foi sucedido por um homem idoso, conhecido como "Simão, filho de Cléofas" Sabe-se ainda que esse Cléofas era irmão de José, marido de Maria. (9) Nesse caso, é inteiramente possível que nossa misteriosa Maria mulher de Cléofas, mãe de "Tiago e Joses", fosse a cunhada de Maria, casada com o irmão de seu marido José. Essa foi a solução adotada pela Igreja há alguns séculos. Mas reparem, nesse caso, há alguma coisa bastante estranha:
COMPARAÇÃO ENTRE AS DUAS «MARIAS"
Maria casada com José Maria casada com Cléofas, irmão de José
Tiago-Joses-Simão Tiago-Joses-Simão
Quais são as probabilidades reais de que essas duas mulheres, ambas chamadas Marias fossem elas irmãs ou cunhadas, casadas com irmãos, tivessem filhos com os mesmos nomes, nascidos na mesma ordem: Tiago, Joses e Simão?
O que parece mais plausível é que a "Maria, mãe de Tiago e loses", de Marcos, fosse a mesma Maria que era mãe de Jesus, e que o evangelho de João (ou quem o editou) tenha criado uma terceira Maria, mulher de Cléofas, na verdade, a mesma mulher — para ocultar o fato de que a mãe de Jesus, Maria, depois da morte de José se casou com Cléofas, o irmão dele. Uma versão de João escrita claramente diria
Ao pé da cruz, havia sua mãe, Maria, mulher de Cléofas, e Maria Madalena.
Isso estaria perfeitamente de acordo com Marcos e não criaria esse absurdo de cunhadas com o mesmo nome, tendo filhos c nomes idênticos e até com o mesmo apelido,"Joses", nascidos na mesma ordem. Segundo essa reconstrução, a três mulheres ao pé da cruz seriam provavelmente:
1. Maria Madalena
2. Maria, a viúva de José, que se casou com Cléofas, seu irmão
3. Salomé, que pode ser tanto a irmã de Jesus quanto a mãe dos filhos de Zebedeu
Um detalhe sobre Cléofas apóia essa interpretação. Seu nome vem da raiz hebraica chalaph, que significa "mudar" ou "substituir". Ela está na origem do termo "califado", que se refere a uma sucessão dinástica de governantes. Provavelmente, esse não é seu primeiro nome, mas uma espécie de apelido. Ele é quem deveria substituir seu irmão José, que morreu sem filhos. Cléofas é ainda mencionado em outra parte, sob a forma grega de seu nome — Alfeu. Seu primogênito é comumenteconhecido como "Tiago, filho de Alfeu" ou Tiago o jovem para diferenciá-lo do Tiago, filho de Zebedeu, o pescador, irmão do apóstolo João. (10)
A partir dessa informação, começa a emergir uma imagem inteiramente diferente, mas historicamente coerente. Jesus nasceu de um pai desconhecido, mas não era filho de José. José morreu sem filhos, de modo que, segundo as leis judaicas, "Cléofas" ou "Alfeu" se tornou seu "substituto" e se casou com sua viúva, Maria, mãe de Jesus. Seu filho primogênito, Tiago, o irmão que sucedeu a Jesus, tornou-se legalmente conhecido como "filho de José", tendo adotado o nome de seu falecido irmão, de maneira a perpetuá-lo. Isso significa que Jesus tinha quatro meio-irmãos e pelo menos duas meio-irmãs, todos nascidos de sua mãe Maria, mas de outro pai.
Essa é uma maneira plausível de reconstruir os fatos. Há certas coisas que jamais conheceremos com certeza absoluta. Cléofas é mencionado uma só vez em todo o Novo Testamento (João 19:25)." Se ele e seu irmão José eram muito mais velhos do que Maria, é bem provável que nenhum deles estivesse vivo quando Jesus se tornou adulto. Isso pode ainda ser constatado no evangelho de João quando Jesus, o filho mais velho da família, pouco antes de sua morte, entrega a mãe aos cuidados de um misterioso "discípulo a quem ele amava", cujo nome João prefere calar (João 19:26). Mais adiante, darei provas de que essa pessoa é provavelmente Tiago, seu irmão, o mais velho da família depois de Jesus. Seja ele que Jesus entregou sua mãe aos cuidados de outra pessoa significa que ela era viúva. Temos de lembrar que os evangelhos são, antes de tudo, relatos teológicos da história de Jesus, escritos uma geração ou mais depois de sua morte. Quando se trata da família de Jesus, há coisas que eles não explicitam e outras que parecem suprimir deliberadamente. Vimos que Marcos conserva material que é editado ou cortado de Mateus e Lucas. João sabe mais do que parece querer dizer explicitamente. As causas dessas tendências irão ficando mais claras segundo o desenrolamento de nossa história até o fim. Trata-se, na verdade, de um conto envolvendo intriga politica e dramas de poder religioso, cujas coisas que estão em jogo se destinam a modelar o futuro da maior religião do mundo.
O que podemos afirmar com algum grau de certeza é o seguinte: José não é o pai de Jesus, e a gravidez de Maria por um homem desconhecido foi "ilegítima", segundo as leis sociais. Jesus tinha quatro meio-irmãos e duas meio-irmãs, todos filhos de Maria, mas de outro pai — fosse ele José ou seu irmão Cléofas. Aos trinta anos, Jesus exerce o papel de chefe da família e forja um papel vital para seus irmãos, que o sucedem no estabelecimento de uma Dinastia Messiânica destinada a mudar a face do mundo. Essa família extensa de Jesus é a pedra fundamental de sua dinastia, extremamente esquecida e marginalizada, e que deve ter uma bem merecida ressurreição.
Ao restaurar as várias possibilidades históricas relacionadas com a família, estamos preparados para ganhar um entendimento mais profundo de Jesus. Veremos também como ele entendeu o que acreditou ser a missão que Deus lhe destinara como o Messias e o Rei da nação reconstruída de Israel. Voltar-nos-emos agora para a própria vida de Jesus e os chamados "anos perdidos".
SEGUNDA PARTE
Crescendo como judeu na Galileia
CAPÍTULO CINCO
Os anos perdidos
É impossível escrever uma biografia completa de Jesus. Segundo a reconstruçãocronológica mais plausível, Jesus morreu aos 33 anos de idade. (1) Falta-nos qualquerregistro histórico dos primeiros trinta anos de sua vida. Se isso acontecesse comqualquer outra figura histórica, certamente ninguém tentaria realizar a tarefa. Por que será, então, que mais livros foram escritos sobre Jesus do que sobre qualquer outro personagem da história da humanidade? Claramente, no caso de Jesus, há um desejo sem precedente de penetrar o véu e, de algum modo, dissipar o mistério. Sua influência foi tão profunda, e o mistério que cerca o que conhecemos de sua história tão intrigante, que simplesmente não o podemos relegar a um passado obscuro. Para milhões de pessoas, a pergunta infinitamente fascinante permanece em aberto — o que podemos realmente saber sobre Jesus de Nazaré?
Muitos têm a impressão equivocada de que os nossos evangelhos do Novo Testamento oferecem quatro biografias bastante completas de sua vida. A verdade é outra. Marcos começa a sua história quando Jesus tinha trinta anos. No Capítulo 8, na metade dos seus 16 capítulos, ele já chega às semanas finais da vida de Jesus. Mateus e Lucas acrescentam histórias de seu nascimento e incluem mais alguns dos ensinamentos de Jesus, mas basicamente seguem o mesmo caminho de Marcos - dedicando mais da metade de seus relatos à viagem final de Jesus para Jerusalém, onde é crucificado. João começa com Jesus aos trinta anos e também dedica metade de seu livro a seus dias finais em Jerusalém.
Os estudiosos referem-se, apropriadamente, aos primeiros trinta anos da vida de Jesus como os"anos perdidos". Temos, de fato, outros escritos que sobreviveram fora do Novo Testamento, muitas vezes chamados "Evangelhos da Infância", assim como alguns pedacinhos avulsos de tradição que nos oferecem algumas histórias sobre sua infância. Mas são tardias e lendárias (séculos II ao IV d.C.), servindo mais como mito ou distração do que como informação para um leitor crítico.
Por exemplo, no Evangelho de Infância de Tomé, que não é o mesmo que o mais autêntico Evangelho de Tomé, que já citei, lemos que quando Jesus tinha cinco anos de idade ele modelou 12 pardais de lama num dia de sabbath. Seu pai, José, repreendeu-o por "brincar" dessa maneira no dia sagrado do descanso, e Jesus bateu palmas, e seus pássaros de argila criaram vida e voaram — maravilhando todos que ouviram a história. Em outra ocasião, quando Jesus percorria as ruas apinhadas de sua aldeia, outra criança esbarrou em seu ombro, e Jesus, exasperado, declarou "Tu não prosseguirás". A criança ofensora imediatamente caiu morta. Uma vez, quando uma criança caiu de um telhado e morreu, Jesus foi acusado de empurrá-la, então ele imediatamente aproximou-se e ressuscitou-a. Ao crescer, Jesus trabalhou com José como carpinteiro e, se um pedaço de madeira por acaso ficasse curto demais, com um toque de sua mão ele o esticava para o tamanho certo.
A ideia de que, quando jovem, Jesus viajou ao Egito para adquirir poderes mágicos é tema recorrente em posteriores discussões judaicas contra os cristãos. Na verdade, essa lenda é mencionada pelo filósofo grego Celso, relator da história que apresenta o soldado romano Pantera como pai biológico de Jesus. (2)
Há lendas de que Jesus foi à índia quando criança para estudar com mestres hindus,surpreendendo-os com sua sabedoria precoce. (3) Talvez as histórias mais fantásticas sejam as de Jesus viajando quando menino para a Grã-Bretanha com José de Arimateia. Segundo essas lendas, José, tido como tio de Maria, era um mercador de estanho, e fazia viagens de negócios regularmente para a Cornualha. A cidade de Glastonbury, no sudoeste da Inglaterra, na antiga ilha de Avalon, onde o rei Artur está sepultado, até hoje ainda comemora essa tradição e até se tornou um centro de peregrinação popular. (4)
Os historiadores dão bem pouco crédito a tais lendas. Precisamos aceitar o fato de que simplesmente faltam trinta anos na vida de Jesus, e as tentativas de preenchê-los com lendas e fábulas nada contribuem para a nossa busca do Jesus histórico. Surpreendentemente, porém, há muito que podemos determinar com responsabilidade sobre esses "anos perdidos". Em um caso como esse, nosso trabalho se assemelha ao de um detetive. Combinando habilmente a prova arqueológica com o que conhecemos a partir de registros históricos contemporâneos, e guiados por algumas dicas tantalizantes nos próprios evangelhos, podemos começar a preencher algumas lacunas.
Dois pombinhos
Sabemos que Jesus e sua família eram pobres. Lucas nos dá um indício chocante de como eram pobres. Segundo a lei judaica, como era ordenado na Torá ou Lei Mosaica, todo primogênito masculino era ritualmente aceito na comunidade judaica por uma cerimônia antiga chamada "Redenção do Filho" (pidyon ha-ben). Deus havia declarado,"todo primogênito dos israelitas, seja homem ou animal, é meu" (Números 8:17). Em vez de sacrificar a criança à divindade, como se fazia em algumas culturas antigas, os pais pagavam aos sacerdotes cinco siclos de prata como parte de uma cerimônia que "libertava" a criança da morte. Essa cerimônia era realizada trinta dias após o nascimento da criança. No quadragésimo dia, havia outra obrigação para a mãe de qualquer filho homem, primogênito ou não. A criança era trazida para o santuário do Templo e a mãe era obrigada a dar aos sacerdotes oficiantes um cordeiro em holocausto e um pombo como oferenda pelos pecados. No caso de miséria absoluta, a Torá estipulava o seguinte: "Se ela não tiver dinheiro para um carneiro, ela trará duas rolas ou dois pombos, um para ser queimado em holocausto e o outro para a oferenda do pecado" (Levítico 12:8). É Lucas quem nos conta que Maria e José, como judeus praticantes, levaram Jesus para o Templo de Jerusalém para cumprir essas obrigações rituais. Lá, ela ofereceu o sacrifício "de acordo com o que era estabelecido pela Lei do Senhor — um par de rolas ou dois pombinhos" (Lucas 2:24). Não há menção de um carneiro. Evidentemente, não tinham condições de oferecer nem mesmo tão modesta dádiva.
Mateus, por outro lado, conta uma história bem diferente. Ele apresenta Maria e José morando em uma casa em Belém, visitados pelos Magos vindos do Oriente, que cobriram de presentes caros o recém-nascido e renderam-lhe homenagem como o "Rei dos Judeus". Maria e José têm meios para viajar ao Egito, onde permanecem por algum tempo, fugindo da ira de Herodes, o Grande, que assassinou todas as crianças da Judeia, de idade inferior a dois anos. Somente depois da morte de Herodes, voltam à Galileia e se estabelecem em uma cidade chamada Nazaré. Mateus nem parece saber que o casal é originário de Nazaré. Temos registros históricos excepcionalmente bons sobre o reinado de Herodes, o Grande. É inconcebível que tal "matança de crianças" não fosse registrada pelo historiador judeu Josefo ou por outros historiadores romanos contemporâneos. O relato de Mateus é claramenteteológico, escrito para justificar opiniões posteriores sobre o status elevado de Jesus. Mas ele certamente tem razão quanto a um ponto — Herodes realmente temia o nascimento de uma criança que poderia crescer e tornar-se pretendente ao trono real de Davi como um legítimo "Rei dos Judeus".
A história de Lucas, despojada de seus elementos evidentemente teológicos, soa verdadeira. Maria era uma adolescente solteira, grávida de uma criança ilegítima. O parto aconteceu em um estábulo cavernoso, ligado a uma hospedaria, onde os animais eram abrigados e alimentados. O recém-nascido foi enfaixado e colocado em uma manjedoura. José, noivo de Maria, estava com ela, e, aparentemente, oito dias após o nascimento, na circuncisão, a criança recebeu o nome legal de "Yeshua bar Yosef', ou Jesus filho de José, mas o casamento só foi consumado após voltarem a Nazaré. Nada indica que o casal tivesse amigos ou recursos de qualquer tipo. Segundo a lei judaica, eram obrigados a permanecer na área de Belém-Jerusalém por um período de quarenta dias, a fim de cumprir os rituais judaicos relativos ao nascimento de um primogênito masculino. É possível que o estábulo cavernoso tenha sido sua moradia durante todo esse período. Comprar um carneiro para a oferenda final não era tão caro assim, e certamente, se pudessem, teriam comprado um.
A oferenda dos dois pombos nos diz algo de importância vital sobre o início da dinastia de Jesus. O imperador romano Augusto concedera oficialmente o cobiçado título de "Rei dos Judeus" a Herodes, o Grande. Ele era o mais rico e mais influente rei-cliente do Império Mediterrâneo oriental. Seus pródigos programas de construção, tanto dentro como fora do país, eram ímpares, mesmo em Roma. Quando Maria e José se encaminhavam para o Templo, teriam visto o palácio esplendoroso de Herodes ao longo do muro ocidental da cidade, com suas torres impressionantes, cujas fundações ainda hoje são visíveis. Herodes havia iniciado a remodelação do próprio Templo em 20 a.C., com a intenção de torná-lo uma maravilha do mundo antigo. Isso oferece um forte exemplo de contrastes. Jesus nasceu pobre e praticamente sem teto, apesar da linhagem real de Davi que herdou da mãe. E, no entanto, era essa mesma linhagem dinástica que Herodes e seus filhos tão desesperadamente cobiçavam e temiam, apesar de sua riqueza e seu poder extraordinários.
Teria sido Jesus um carpinteiro?
No terreno das trivialidades, uma boa pergunta seria "Qual era a vocação de Jesus?" Todos sabem que ele era carpinteiro ou pelo menos filho de um carpinteiro. Seria de presumir que houvesse dezenas de versículos nos evangelhos do Novo Testamento afirmando esse fato tão conhecido. Essa ideia tão difundida baseia-se em uma única frase, em um único versículo de Marcos, em que os cidadãos de Nazaré perguntam a Jesus "Não é esse o carpinteiro?" (Marcos 6:13). Mateus modifica para "Não é esse o filho do carpinteiro?" (Mateus 13:55). A tradicional tradução inglesa carpenter (carpinteiro), que remonta à edição de 1526 de William Tyndale do Novo Testamento, é enganosa.
A palavra grega tekton é um termo mais genérico referente a "construtor". Pode incluir quem trabalha com madeira, mas em seu contexto galileu do século I é mais provável que se refira a um pedreiro. O Proto-evangelho de Tiago, do século II, se refere a José como um "construtor de edifícios" Casas e edifícios eram feitos de pedras. A madeira era usada com parcimônia, geralmente para vigas de telhado e portas, já que era um material de construção escasso no terreno rochoso da Palestina. Jesus freqüentemente recorria a imagens de construção com pedras para ilustrar seus ensinamentos. Em uma de suas histórias bem conhecidas, menciona o homem sábio que, ao construir uma casa, cava uma fundação bem profunda e coloca a base de pedra sólida do edifício sobre um leito de rocha (Lucas 6:48). Ele parece ter sido exposto aos ofícios da construção, e provavelmente tinha como profissão algum tipo de trabalho de pedreiro.
A imagem pitoresca de Jesus trabalhando alegremente ao lado do pai na "carpintaria" da família tornou-se conhecida ao longo de séculos de pinturas reverentes. Isso é bem diferente da cruel e opressiva realidade social que sabemos fazer parte da vida cotidiana na Galileia, onde os ricos eram cada vez mais ricos e as crescentes massas de pobres, evidentes. Um tekton, nesse contexto, era algo semelhante a um operário diarista. Não existiam sindicatos nem salários mensais. Ser um tekton significava, em primeiro lugar, que a pessoa não possuía terras e aceitava o trabalho que encontrasse, sem garantias nem segurança. Esses camponeses itinerantes subsistiam com dois ou três sestércios por dia — nem o suficiente para sustentar um escravo.' Mas a vida de um operário diarista "livre" era por certo mais dura que a de um escravo urbano, que era provido de alimento e abrigo. Na cultura romana, osofícios artesanais eram considerados semelhantes ao trabalho escravo. Eram vistos como trabalho penoso, opressivo, das classes inferiores. Sófocles, o poeta grego, contestou enfaticamente alguém que escreveu que seu pai era um tekton, como se isso rebaixasse sua classe social. Escreveu que talvez seu pai tivesse tais trabalhadores como escravos, mas que ele próprio certamente não tinha tal ofício. (7)
Esse constrangimento quanto ao status social de Jesus pode bem se refletir na referência de Marcos ao que diziam os conterrâneos de Jesus que o viram crescer: "Não é esse o operário diarista que todos conhecemos bem — sabe, aquele filho ilegítimo de Maria?" Mateus reage a isso com uma alteração sutil: "Não é esse o filho do tekton? Sua mãe não se chama Maria?" Para Mateus, ser "filho" de um tekton implica um estigma menor. No retrato de Mateus, Jesus é "Rei" desde o nascimento, a despeito do ofício do pai. Marcos reconhece uma tradição mais original. Novamente verificamos como Mateus constantemente edita Marcos, sua principal fonte, de um modo que reflete as posteriores opiniões teológicas do status elevado de Jesus.
Um pai sem pai
Já comentei que José, marido de Maria, sai de cena misteriosamente em todos os nossos registros. Segundo a tradição, ele era bem mais velho que Maria e muito provavelmente morreu quando Jesus era adolescente. É possível que fosse o pai dos quatro meninos e duas meninas que Maria teve ao longo dos anos, após o nascimento de seu primogênito, Jesus. Também é possível que tivesse morrido sem filhos, e que seu irmão Cléofas fosse o pai dessas seis crianças. Se tal fosse o caso — e Cléofas também era muito mais velho que Maria —, ele também poderia ter morrido quando os filhos estavam crescendo. Simplesmente não existe maneira de conhecer detalhes a esse respeito.
O que parece claro em todos os nossos registros, como já observei, é que quando Jesus inicia sua carreira como pregador e curador, aos trinta anos de idade, vemos constantemente menção a "sua mãe e irmãos", mas nunca a um pai. Ele levou "sua mãe e irmãos" a Cafarnaum, pouco depois de seu batismo (João 2:12). Mais tarde, "sua mãe e irmãos" vieram à procura dele quando estava na estrada (Marcos 3:32). Em uma ocasião, quando voltou a Nazaré, como já vimos, os cidadãos falaram de sua mãe, Maria, e de seus irmãos e irmãs, mas, novamente, sem mencionar um pai (Marcos 6:3). Um pouco antes de sua morte, Jesus entregou a mãe aos cuidados de um misterioso "discípulo amado", que identifico como Tiago, o irmão logo abaixo dele em idade (João 19:26-27). Depois de sua morte,"Maria, a mãe de Jesus, e seus irmãos" se reuniram atrás de portas fechadas com o resto de seus seguidores, escondendo-se para salvar suas vidas (Atos 1:14).
Diante desse silêncio, podemos seguramente presumir que o próprio Jesus assumiu o papel de "pai sem pai" dessas seis crianças mais moças. Precisar exatamente quando assumiu essa responsabilidade é impossível. Mas se quisermos adivinhar em que se ocupava Jesus quando na casa dos vinte, antes de começar sua vida pública, podemos imaginá-lo agindo como pai e responsável por sua mãe e irmãos mais moços.
Isso certamente não era uma tarefa simples. A família não tinha terras herdadas nem fortuna. Celso, escritor romano do século II d.C., transmite uma tradição segundo a qual Maria ganhava dinheiro como fiandeira. Se isso é verdade ou não, é impossível saber, mas certamente seria obrigação de Jesus, como filho mais velho dessa família judia sem pai, agir como o provedor principal. Sustentar-se como camponês artesão em uma pequena aldeia na Galileia ocupada pelos romanos já era uma carga pesada, mas sustentar uma família grande, com pagamento diário, era uma tarefa quase impossível. Jesus, mais tarde, conta uma história sobre esses operários diaristas, contratados para trabalhar no vinhedo de um proprietário de terras por um denário (quatro sestércios) por dia. Os operários se reuniam de madrugada na praça do mercado de uma aldeia e eram contratados na hora para trabalhar até o anoitecer. Recebiam o pagamento combinado à noite. Jesus menciona especificamente "a sobrecarga do dia e o calor ardente" (Mateus 20:12). Ele parece conhecer intimamente a sina dos trabalhadores pobres, e dá a impressão de que fala mais por experiência do que por observação impessoal.
Herodes Antipas, filho de Herodes, o Grande, usou essa mão-de-obra camponesa para reconstruir Séforis como sua cintilante capital, após tê-la destruído selvagemente em 4 a.C., a fim de castigar aqueles que participaram das revoltas que se seguiam à morte de seu pai, Herodes, o Grande. Era uma cidade judaica, mas no decorrer das décadas seguintes foi totalmente remodelada no estilo romano, tornando-se o "ornamento de toda a Galileia". Os negócios de construção estavam em plena expansão. Séforis logo se tornou o centro econômico de dezenas de aldeias camponesas que se amontoavam no Vale de Bet Netofa, na baixa Galileia— entre elas Nazaré. Na verdade, a Galileia era uma das regiões mais densamente povoadas de todo o Império Romano. Era recortada por estradas importantes e caracterizada por uma economia em grande expansão. Jesus passou seus "anos perdidos" crescendo nos arredores dessa capital romana urbana da Galileia, que ficava logo além dos morros baixos que cercavam a pequena aldeia de Nazaré. A aldeia em si aglomerava-se em volta de uma fonte natural na base desses morros, hoje chamada "Poço de Maria".
Certamente é razoável supor que José tivesse sido atraído pelos maciços projetos de construção em Séforis, onde poderia exercer seu ofício de pedreiro, e que Jesus tivesse aprendido o mesmo ofício ao se tornar adulto. Inspirados por essa ideia, certa tarde, alguns de nós resolvemos tentar caminhar de nosso local de escavação em Séforis até Nazaré. Levamos cerca de uma hora e meia, andando a passo moderado, no calor do dia. Não conhecemos a cronologia exata da reconstrução de Séforis, mas podemos presumir que um projeto dessa magnitude pode bem ter levado dez ou 15 anos. Se Jesus nasceu em 5 a.C., o que parece provável, ele teria idade bastante para trabalhar com José nos anos de maior atividade. E tudo leva a supor que os projetos de construção na cidade continuaram depois disso. Não sabemos quando José morreu, mas podemos imaginar que Jesus bem poderia ter trabalhado como pedreiro em Séforis quando na casa dos vinte — especialmente se fosse responsável por cuidar de sua família.
Desenho de Séforis reconstruída por Herodes Antipas
Escavações em Séforis com Nazaré ao fundo
Na segunda temporada em que escavei em Séforis, nossa equipe desceu a cerca de dois metros abaixo da atual superfície do terreno, e começamos a descobrir uma parede e um piso de pedra que pudemos datar do começo do século I d.C. A principal atração para meus alunos escavarem em Séforis era sua grande proximidade de Nazaré e a possibilidade de Jesus ter trabalhado lá no final de sua adolescência e na casa dos vinte. Ao ouvir que as pedras que havíamos descoberto eram daquele período, um de meus alunos perguntou, meio de brincadeira,"Dr. Tabor, o senhor acha possível que Jesus tenha colocado essas pedras aqui?" Todos demos uma boa risada pela pouca probabilidade de tal coisa, diante da vasta área ocupada pela cidade antiga. No entanto, sem dúvida alguma, ao descobrirmos camadas de restos do tempo de Jesus e tentarmos imaginar a vida penosa de um pobre operário diarista da Galileia, pudemos valorizar mais os "anos perdidos" de Jesus. Era difícil não imaginar o que se teria passado pela cabeça daquele destinado a declarar-se "Rei dos Judeus", ao cortar e colocar pedras na magnífica capital de Herodes. E isso nosleva à pergunta — o que sabemos sobre as atitudes de Jesus em relação à ocupação militar dos romanos em seu país e à poderosa dinastia de Herodes, o Grande, e sua família? Seria ele um militante, um pacifista, ou se mostraria indiferente a essas questões mundanas? Até que ponto começou a ver sua pretensão a ser Rei de Israel como uma ameaça real aos poderes de Roma?
CAPÍTULO SEIS
Um reino deste mundo
Os romanos ocuparam o país que os judeus chamavam de "a Terra de Israel" em 63 a.C. O grande general Pompeu, antigo aliado de Júlio César, levou seus exércitos para o Mediterrâneo oriental, conquistando a Ásia Menor, a Síria e a Palestina. Ocupou Jerusalém após três meses de sítio, massacrando 12 mil judeus.' Aproveitou-se do dia sagrado do Sabbath, atacando ferozmente, quando sabia que os judeus praticantes estariam menos propensos a lutar. O general e seu estado-maior ousaram penetrar o santuário secreto do Templo judaico — o "Santíssimo", uma pequena câmara acortinada que abrigava a Arca da Aliança nos tempos antigos. Segundo a Torá, apenas o sumo sacerdote tinha permissão para entrar nesse recinto, e apenas uma vez por ano, no Dia do Perdão (Yom Kippur). Por uma ironia da História, Josefo diz que a violação do Templo por Pompeu aconteceu no "dia do jejum", ou Yom Kippur. Talvez mais do que qualquer outro, esse único ato foi o ápice da arrogância e do poder dos romanos. Como era possível que o Deus de Israel, adorado diariamente pelos judeus como "Senhor do Mundo", não fosse capaz de proteger seu próprio santuário no dia mais sagrado do ano judaico? O poder político e militar é uma coisa, mas a humilhação religiosa é bem outra. A visão profética judaica de um Rei Messias que reinaria na Terra de Israel e, finalmente, em todos os países do mundo, nunca pareceu mais impossível.
A conquista do Oriente por Pompeu trouxe riquezas incalculáveis para Roma, sob a forma de frutos de pilhagens e novos impostos. A Síria foi anexada e transformada em uma província romana, e seu governador dividiu a Palestina em vários distritos autônomos, com soberanos locais, sob o controle militar romano. O mais ambicioso desses soberanos-clientes foi Antipater, pai de Herodes, o Grande. Era um período de instabilidade e guerra civil em Roma. Nas duas décadas seguintes Júlio César derrotou Pompeu, que se tornara seu inimigo, mas depois foi assassinado por Brutus e Cássio, que, por sua vez, foram derrotados porMarco Antônio. Otaviano, sobrinho de César, que seria conhecido como Augusto, o primeiro dos imperadores romanos, foi subseqüentemente subjugado por seus rivais Antônio e Cleópatra em 31 a.C. Augusto precisava desesperadamente de uma fronteira oriental estável e constatou que o único capaz de conseguir isso era Herodes.
O homem que queria ser rei
Herodes mostrou-se mais impiedoso que o pai. É conhecido como Herodes, o Grande, porque foi o primeiro de urna dinastia de descendentes que reinou na Palestina romana até 100 d.C. Também poderia ser chamado de Herodes, o Horrendo, em vista da crueldade e opressão que caracterizaram seu longo reinado.
Herodes estava decidido a ser Rei dos Judeus e único soberano da terra de Israel. Em 40 a.C. tinha viajado para Roma e conseguido convencer Antônio e Otaviano, ainda aliados na época, a declará-lo "Rei da Judeia". Reconheceram que Herodes era o único capaz de consolidar o regime na Palestina e apoiá-los contra os pártios, que tinham invadido pelo leste. Em sua coroação, Herodes ofereceu sacrifício a Júpiter na Colina Capitolina, ladeado por Otaviano e Antônio. Voltou à Palestina e começou a subjugar a Galileia no norte, passou para Samaria no sul e, finalmente, apoiado por legionários romanos, sitiou Jerusalém. Massacrou impiedosamente todos que se opunham a ele, e, no verão de 37 a.C., Herodes finalmente consolidou seu regime e ocupou oficialmente seu trono ensangüentado corno "Rei dos Judeus». A mãe de Herodes era judia, mas seu pai, Antipater, era um estrangeiro da Idumeia, a leste. Herodes casou-se com Mariane, descendente da família de sacerdotes conhecida como os asmonianos ou macabeus. Embora sua família não pudesse reivindicar descendência de Davi, eles haviam, de fato, reinado sobre o país durante um curtíssimo período de independência entre cerca de 165 a.C. e a chegada dos romanos em 63 a.C. Constituíram uma dinastia real e cunhavam o título de "rei" em suas moedas. Havia um certo ar de mistério ligado a essa família sacerdotal que havia expulsado os sírios da Terra de Israel cem anos antes. Herodes, meio judeu, achou que, com a bela Mariane ao seu lado, alcançaria um pouco mais de legitimidade para o título que cobiçava.
Ruínas de Massada, fortaleza de Herodes no deserto
Em 31 a.C. houve um terremoto devastador na Judeia que causou trinta mil mortes. As pessoas que desprezavam Herodes e tudo que ele representava viram isso como o começo do castigo de Deus aos judeus por se acomodarem ao regime romano. Otaviano derrotou Antônio naquele mesmo ano, e um de seus primeiros atos como o novo Imperador Augusto foi confirmar o título de Herodes como"Rei dos Judeus". Ele o coroou em uma cerimônia formal em Rodes, para onde Herodes havia navegado para encontrá-lo e cumprimentá-lo.
Um dos primeiros atos de Herodes foi executar 45 dos setenta membros do Sinédrio judaico, o conselho encarregado dos assuntos legais judaicos. No princípio de seu reinado, aumentou e fortificou as várias fortalezas no deserto fundadas pelos asmonianos, inclusive Massada, o Alexandrium, Maqueronte e Hircânia. Proveu-as de armas, alimentos, e água, como potenciais refúgios para a sua familia em tempos de crise. O que mais temia era uma revolta nativa que talvez tivesse apoio popular daqueles que buscavam um soberano legítimo da casa de Davi.
Herodes, o Grande, é lembrado por sua cruel sede de poder e seus maciços programas de construção. Na Samaria, construiu Sebastes como urna cidadeladefensiva, incluindo um templo ao Imperador Augusto. Apesar de suas pretensijudaicas e da exigência de que se acomodasse de alguma forma à sensibilidade religiosa judaica, no fundo Herodes era romano. Em um esforço para promover a cultura grega adotada pelos romanos, até construiu um teatro e um anfiteatro em Jerusalém, além de seu próprio extravagante palácio na parte superior da cidade. Herodes não limitou sua liberalidade ao próprio território. Financiou projetos públicos de construção em cidades espalhadas por todo o Império oriental. Os filhos de Herodes, Antipas e Arquelau, cresceram e foram educados em Roma, sob a orientação do próprio imperador. Não havia família mais poderosa no Mediterrâneo oriental.
Em 22 a.C., Herodes iniciou a construção da nova cidade portuária de Cesareia, assim chamada em honra do Imperador Augusto. Era um projeto de 12 anos, vasto e dispendioso, que incluía um belo porto artificial, um teatro com vista para o mar Mediterrâneo, um grande anfiteatro hipódromo e seu próprio palácio real. Um templo maciço, dedicado à deusa Roma e à honra do Imperador Augusto, dava para o porto. Era a janela de Herodes para o mundo romano, e ele se orgulhava de receber visitantes de Roma e das províncias em um estilo tão opulento quanto o de qualquer outro lugar do Império.
O maior projeto de Herodes, iniciado mais ou menos na mesma época, em 20 a.C., envolvia uma remodelação completa do Templo em Jerusalém e uma extensa expansão de seus pátios. Segundo Josefo, empregou dez mil operários para realizar a obra. Não viveu o bastante para vê-la completada, mas não mediu despesas para assegurar que sua extravagante beleza, realçada com mármore, ouro, tapeçarias, e colunas coríntias, rivalizasse com qualquer templo do mundo romano. Acima de tudo, porém, Herodes queria ser lembrado como um segundo "Rei Salomão", o filho de Davi, que, de acordo com a Bíblia, havia construído o primeiro Templo no século X a.C., em um estilo invejado por toda a região.
Os turistas ainda se maravilham com a beleza e magnificência das pedras que delineiam as bordas do que foi o Monte do Templo, uma imensa plataforma cercada, aumentada para 144 mil metros quadrados. As pedras foram cortadas do calcário local com precisão e colocadas sem argamassa. Depois da Guerra dos Seis Dias entre israelenses e árabes, em 1967, arqueólogos expuseram completamente os muros sul e leste dessa imensa área. As fileiras inferiores de pedras, por muito tempo cobertas por terra e entulho, permanecem firmes até hoje. A maior pedra já descoberta tem 12 metros de comprimento por três metros de altura, e pesa de toneladas.
Desenho de Cesareia e seu porto
A Jerusalém com o complexo do Monte do Templo
Pedras fundamentais maciças ainda hoje vistas no Monte do Templo
Mas de onde saía todo esse dinheiro? Como Herodes, o Grande conseguia financiar todos esses projetos? Terra e agricultura eram a única base significativa da economia palestina. A riqueza de Herodes vinha essencialmente da mão-de-obra camponesa, sob a forma de impostos, aumentada por uma mudança econômica que transformou fazendas familiares em propriedades maiores. Havia também um "imposto de mercado" arrecadado sobre tudo que fosse comprado e vendido no comércio. Era um padrão repetido ao longo de todo o Império, à medida que os ricos urbanos acumulavam riquezas e o campo empobrecia cada vez mais.
Herodes tinha nove esposas e dúzias de filhos. Ciúmes, brigas domésticas e assassinatos caracterizaram seu reinado. Em 7 a.C., mandou estrangular os dois filhos mais velhos e matar trezentos de seus partidários por temer complôs contra ele. Os filhos eram herdeiros reais, filhos de sua amada Mariane. Algum tempo depois, mandou executar Mariamne, acusada de cometer adultério com o marido da irmã dele. Apenas cinco dias antes de morrer, ordenou a morte de outro filho, Antipater. Em Roma, no tempo de Herodes, circulava uma piada grega que dizia que era melhor ser porco (hus) de Herodes do que seu filho (huios). Em um último ato de loucura, mandou aprisionar centenas de autoridades importantes e suas famílias no hipódromo, com ordens de que fossem mortos quando ele morresse, para que cada família em Jerusalém tivesse algo a lamentar quando ele falecesse. (2) Essas ordens jamais foram cumpridas, mas demonstram seu grau de insanidade no final da vida.
Herodes bebia muito e contraiu muitas doenças — segundo Josefo, essas incluíam dores e tumores intestinais, asma, "gangrena" genital e "vermes". (3) No final, mal se sustentava de pé e permanecia em seu palácio, perto do Mar Morto, em Jericó. Em Jerusalém irrompeu uma sublevação, e dois sacerdotes-rabinos muito populares, chamados Judas e Matias, incitaram seus seguidores a derrubar a Águia Dourada que Herodes mandara colocar sobre o Portal do Templo, como símbolo do regime romano. Foram aprisionados, juntamente com quarenta seguidores, e levados a Jericó, onde Herodes mandou que fossem queimados vivos após um julgamento simulado, presidido por ele de uma cama. (4)
Pouco antes de morrer, viajou para as fontes termais de Calíore, na margem jordaniana do Mar Morto, em busca de tratamento. Essas fontes ainda existem,com água quente borbulhando em poças entre as rochas desgastadas. Faz algunsanos, levei meus alunos a esse exato lugar, e alguns de nós entramos na água. Nosdespenhadeiros acima, podíamos ver as ruínas de Maqueronte, a fortaleza ondeAntipas, filho de Herodes, decapitou João Batista. De alguma forma, as duas histórias pareciam sair do papel e criar vida, como se o tempo tivesse parado em um tal deserto que pouco muda em dois mil anos.
Quando Herodes morreu em março de 4 a.C., Jesus era um bebê de seis meses,morando na Galileia. O testamento de Herodes dividia seu reino entre três de seus filhos. Herodes Antipas tornou-se soberano da Galileia e de Pereia, a região do outro lado do Jordão. Seu irmão mais velho, Arquelau, tornou-se "etnarca" da Judeia, termo que significa "soberano da nação". Felipe, um terceiro filho, de outra esposa, recebeu territórios a nordeste do Mar da Galileia. O Imperador Augusto ratificou o testamento, e os três filhos foram a Roma nessa ocasião. Augusto favoreceu Arquelau e prometeu-lhe que seria sagrado rei caso se provasse digno. Arquelau deu ao pai um enterro pomposo, colocando seu corpo em uma câmara secreta dentro do o Heródio, uma grande fortaleza-palácio, pouco menos de cem quilômetros ao sul de Jerusalém, construída por Herodes para ser seu mausoléu. Até hoje a sepultura não foi descoberta, embora a fortaleza tenha sido escavada.
Houve revoltas em Jerusalém nessa ocasião, e a Páscoa dos hebreus se aproximava. Arquelau reagiu com violência, e seus exércitos massacraram mais de três mil pessoas. Em breve o país inteiro insurgiu-se; foi então que Varo e suas legiões invadiram a Galileia, vindos da Síria, destruíram Séforis e marcharam sobre Jerusalém, queimando cidades e aldeias em seu caminho e crucificando aqueles que resistiam ao regime romano, pouco depois do nascimento de Jesus. Na Galileia, um homem chamado Judas, filho de Ezequias, havia iniciado a insurreição, arrombando o arsenal real em Séforis e apoderando-se das armas. Diz Josefo que esse Judas aspirava a ser honrado como rei. Ao sul, um certo Simão, escravo de Herodes, reuniu um grupo de seguidores, fez-se proclamar rei e queimou e saqueou o palácio real em Jericó. Os romanos o alcançaram e decapitaram. Um camponês chamado Atronges, apoiado por quatro irmãos, proclamou-se rei e reuniu um grande bando armado, assolando a zona rural durante meses. Segundo Josefo, os três líderes usavam o diadema que significava suas pretensões a ser homenageados, como reis.' Na tradição judaica, um rei é um "messias", ou ungido como tal, então não seria errado considerar esses líderes aspirantes a messias de algum tipo.
Arquelau mostrou-se mais arrogante e cruel que seu pai. Tornou-se tão impopular na Judeia, que Augusto tirou-lhe o poder em 6 d.C. e baniu-o para a Gália. Roma anexou a Judeia à capital, Jerusalém, e colocou o distrito sob regime militar romano direto, administrado por um procurador ou governador. Augusto mandou o importante senador Quirínio para cuidar da Síria. Acompanhou-o um cavaleiro romano chamado Copônio, para ser o procurador na Judeia. Copônio foi especificamente autorizado a impor a pena capital quando necessária. Quirínio foi encarregado de avaliar o imenso patrimônio de Arquelau e administrar um censo da população para fins de taxação.
A Judeia mostrava-se longe de estar pacificada. Uma figura fogosa conhecida como Judas, o Galileu, instigou uma revolta em grande escala, aproveitando-se da mudança de administração. Ele instou seus conterrâneos a se recusar a pagar os impostos romanos que resultariam da anexação. Judas pregava que Deus era o único senhor e que deveriam se livrar do jugo romano. Segundo Josefo, Judas foi o fundador do partido dos judeus que tomou o nome de zelote. Se Judas vinha da linhagem de Davi ou se se acreditava um messias ou rei, simplesmente não sabemos. Josefo não relata seu fim, mas Lucas, nosso evangelista, diz no segundo volume de seu Atos dos Apóstolos que "Judas pereceu, e seus seguidores foram dispersados" (Atos 5:37). Provavelmente voltaram para a Galileia, onde tinham simpatizantes que poderiam escondê-los.
Essa revolta de Judas, o Galileu foi mais significativa do que os outros atentados que se seguiram à morte de Herodes, por ter meta política e religiosa maior. Por pior que tivesse sido Herodes, ele era, pelo menos nominalmente, "judeu" e, assim, um rei nativo; ao morrer, seu território passou para os filhos. Augusto tencionava anexar a Judeia e colocá-la diretamente sob administração e taxação romanas. Judas não buscava apenas poder pessoal, mas foi o iniciador de um movimento — dos zelotes — com vistas à independência do Estado judaico. Seu objetivo não era apenas político, mas também religioso. Os zelotes afirmavam que os dois não podiam ser separados. Israel era o povo escolhido por Deus vivendo na Terra Prometida e governado pela Lei Mosaica ou Tora. Que os romanos administrassem a Terra de Israel era uma deformação e uma afronta a Deus.
Judas, de fato, parece se ajustar a um certo molde "dinástico", visto que seus filhos, Tiago e Simão, seguiram seus passos e foram julgados e crucificados pelo procurador romano, cerca de uma década depois da morte de Jesus. (6)
Os nomes são interessantes — um Judas com filhos chamados Tiago e Simão. São nomes comuns entre os judeus da época, mas especialmente populares na Galileia, em famílias que se identificavam com esforços para declarar a independência judaica do regime estrangeiro. Esses nomes eram provenientes da família dos macabeus, que conseguira expulsar os gregos no século II a.C. Certamente não foi por acaso que Maria, mãe de Jesus, escolheu três desses nomes — Tiago, Simão e Judas — para seus próprios filhos, ou que Simão recebeu o cognome de "o Zelote". Jesus tinha dez anos de idade na época da revolta de Judas, e só podemos presumir que o populacho galileu local acompanhou com avidez os acontecimentos. Parece provável que Maria tenha escolhido esses nomes para homenagear e solidarizar-se com a causa defendida por Judas, o Galileu — a causa pela qual três de seus cinco filhos sofreriam mortes brutais: Jesus e Simão, crucificados, e Tiago, apedrejado.
O homem com quem Jesus se recusou a falar
Herodes Antipas, soberano da Galileia, tinha apenas 16 anos quando assumiu o poder, após a morte do pai. Foi esse o Herodes que mandou executar João Batista e diante de quem Jesus apareceu na manhã de sua crucificação. Assim como o pai, sempre desejou ser o Rei dos Judeus. Enquanto ainda em Roma, apelara para que o Imperador Augusto o fizesse o herdeiro principal, acima de seus irmãos, e lhe desse o título de "Rei". Era o mais ambicioso dos três, e receber a Galileia, em vez da Judeia, com sua capital Jerusalém, foi uma decepção.
Herodes, o Grande, havia negligenciado a Galileia, concentrando seus vastos projetos de construção em Jerusalém, no litoral de Cesareia, e na Samaria. A Galileia era constituída principalmente por uma rede de centenas de cidades pequenas e aldeias no alto das colinas, tais como Nazaré, Caná e Nain, todas mencionadas nos nossos evangelhos do Novo Testamento. A base da economia era a agricultura, com uma próspera indústria de pesca no Mar da Galileia. Os galileus eram considerados atrasados pelos padrões romanos e eram conhecidos por seu feroz espírito de independência. Herodes Antipas crescera em Roma, como o proverbiarprincipe mimado", e possivelmente nunca tinha visitado a Galileia antes de assumir o poder.
O primeiro interesse de Herodes Antipas foi a construção de sua magnífica capital, em Séforis. Seu sonho era a construção de um centro romano urbanomoderno, com fórum, mercados, teatro, edifícios públicos, arsenal e, naturalmente, seu próprio palácio, no centro da Galileia rural, que jamais vira tal esplendor. Funcionaria como o centro governamental, comercial e militar de seu reino. Ele estava de olho em duas coisas — comércio e impostos. Segundo Josefo, pôde extrair o valor equivalente a duzentos talentos de ouro (nove toneladas) anualmente de seus súditos.' E isso no começo de seu longo reinado de 42 anos. Os historiadores calculam que Herodes extraiu cerca de um terço do produto de seu território. Não admira que os evangelhos do Novo Testamento mencionem com tanta freqüência e tanta crítica a coleta e os coletores de impostos.
Em 14 d.C. o imperador romano Augusto morreu e foi sucedido pelo filho adotivo Tibério. Jesus teria na época vinte anos. Herodes viu a oportunidade de consolidar e aumentar seu poder. Começou a cunhar suas próprias moedas, com uma folha de palmeira de um lado e uma coroa de louros romana do outro. Por volta de 19 d.C., ele iniciou a construção de uma nova capital, em estilo romano, no litoral oeste do Mar da Galileia, declarando o ano de sua fundação como o começo de uma nova era. Apropriadamente, chamou a cidade de Tiberíades, em honra ao novo imperador. Seguia os passos do pai. Ao localizar a capital no meio do comércio intenso, em torno do Mar da Galileia, e ao forjar elos mais próximos com o território oriental de Pereia, esperava aumentar seu prestígio e influência.
Tiberíades é hoje uma cidade judaica próspera, em Israel, mas partes da antiga capital só foram escavadas recentemente. O que está surgindo é verdadeiramente assombroso. Um portão monumental foi descoberto na extremidade sul da cidade. Os restos de um teatro, tão impressionante quanto os de Cesareia e Séforis, também foram encontrados. Vestígios de ruas e mercados estão sendo revelados. Sabemos que havia um grande palácio assentado em uma colina a oeste, com vista para o lindo Mar da Galileia. A cidade dominava de tal maneira a área, que era comum referir-se ao Mar da Galileia como "Mar de Tiberíades". (8) Na verdade, Herodes Antipas queria que sua capital perto do mar fosse uma "mini" Cesareia. O que filiava tanto a Séforis quanto à nova Tiberíades, devido à susceptibilidade judaica que Antipas respeitava, eram templos ou santuários para os deuses romanos ou para o imperador. Afinal de contas, Herodes Antipas tinha aspirações messiânicas - queria ser o Rei dos Judeus.
A antiga Tiberíades no templo de Jesus
Como seu pai, Herodes Antipas desejava casar-se com uma princesa da linhagem dos macabeus, em tentativa de granjear favor entre o povo por ter algum tipo deconexão "real". Sua mãe, Maltace, era samaritana. Com a Judeia agora sob o regime militar romano e seu meio-irmão Felipe claramente mais fraco quanto a território e aspirações, ele resolveu agir. Herodíades, esposa de Felipe, era da linhagem real asmoniana. Herodes, audaciosamente, propôs-lhe casamento no palácio em Cesareia, ao iniciar uma viagem a Roma para visitar o Imperador Tibério. Herodíades aceitou imediatamente, vendo uma oportunidade de se livrar do filho mais fraco de Herodes e aliar-se com Antipas. No seu retorno de Roma, casaram-se. Não sabemos em que ano exatamente isso ocorreu, mas esse relacionamento adúltero deve ter dado o que falar em toda a Galileia. O casamento estava destinado a desempenhar um papel crítico nas carreiras tanto de João Batista como de seu parente, Jesus.
O impacto econômico da mudança de Herodes para Tiberíades deve ter sido considerável. O Mar da Galileia já era um próspero centro comercial. A cidade litorânea de Mágdala, logo ao norte, lar de Maria Madalena ("Maria de Mágdala"), exportava seu famoso "peixe salgado" para todo o mundo romano. Mais ao norte, ficava a cidade de Cafarnaum, que mais tarde se tornou o centro de operações de Jesus.
Jesus viu Séforis atingir seu esplendor quando era adolescente e presenciou a fundação da grande cidade de Tiberíades quando estava na casa dos vinte. Cresceu à sombra de uma cidade e estabeleceu seu centro de operações algumas milhas ao norte da outra. Nenhuma das duas cidades é mencionada nos nossos evangelhos do Novo Testamento — nem uma palavra sequer sobre o que Jesus fez lá. Em relação aos registros do Novo Testamento, é como se essas cidades não tivessem existido. Como interpretar esse silêncio?
Como veremos, Jesus sentia desprezo absoluto por Herodes Antipas e tudo que ele representava. Falava com sarcasmo daqueles que vestem belos mantos macios e vivem no luxo em palácios reais. Uma vez referiu-se diretamente a Herodes como "aquela raposa", e quando Herodes interrogou-o, na manhã mesma em que Jesus foi condenado à crucificação, recusou-se até a abrir a boca para responder. Foi Herodes quem assassinara brutalmente seu parente e mestre João Batista, e Jesus tinha observado como o desejo de Herodes por poder e riqueza oprimiu injustamente as vidas de seus conterrâneos.
Não creio que haja muita dúvida de que Jesus freqüentemente percorreu as ruas e mercados tanto de Séforis quanto de Tiberíades. Foi completamente exposto à cultura urbana romana que Herodes importou para a Galileia. Ele certamente viu tudo. Ao chegar aos trinta anos, começara a formular um plano que acreditava levar à destruição completa de tudo que Roma e seus simpatizantes e partidários judeus representavam, incluindo o estabelecimento religioso corrupto que dirigia o Templo em Jerusalém. O que visionava, encontrou escrito nos textos sagrados dos profetas hebreus. O tempo era chegado — os reinos do mundo estavam para se tornar o Reino de Deus e de seus Messias.
CAPÍTULO SETE
A religião de Jesus, o judeu
Jesus era judeu, não cristão. Esse singular fato histórico abre a porta para a compreensão de Jesus como realmente era em seu próprio lugar e tempo; é uma porta que muitos nunca pensaram em ultrapassar. Jesus foi circuncidado, observava a Páscoa dos hebreus, lia a Bíblia hebraica e observava o sabbath como dia de descanso. Dois mil anos de separação e alienaçãorelativamente hostis entre o judaísmo e o cristianismo tenderam a obscurecer o fato de que Jesus cresceu em um mundo religioso e cultural que foi quase totalmente perdido nos subseqüentes desenvolvimentos do cristianismo.
Para compreender Jesus em seu próprio tempo e lugar, precisamos compreender sua profunda dedicação à fé ancestral de seus antepassados. Via-se apenas cumprindo as palavras de Moisés e dos profetas, e a esperança messiânica que orientou sua vida e levou à sua morte era o âmago do mais profundo de seu ser.
Em certo sentido, este livro é sobre a religião de Jesus, o judeu — aquilo em que acreditava, como vivia, sua visão da vontade de Deus no mundo e o que levou à sua execução pelos romanos. Mas neste capítulo quero esclarecer o que podemos saber sobre Jesus enquanto ele crescia, como judeu, na Galileia do século I.
Surge, então, a pergunta — até que ponto Jesus era judeu, e, dadas as variedades de judaísmo existentes em sua época, que tipo de judeu era ele? Uma tendência entre os estudiosos do século passado, hoje praticamente descartada, era a tentativa de despojá-lo, e a sua mensagem, de seus contextos judaicos. A ideia era a de que Jesus, embora nascido judeu, reconheceu as deficiências de sua fé ancestral obsoleta e dela se afastou em direção a um tipo de "universalismo". Jesus, segundo essa teoria, proclamou a Paternidade de Deus e a fraternidade da humanidade, com um conjunto de éticas universais que suplantava os legalismos do judaísmo. O judaísmo era visto como um precursor fossilizado da revelação final que Jesus trouxe ao mundo. Agora compreendemos que tais teorias não têm bases históricas e são, naverdade, manifestações sutis de anti-semitismo cristão. No entanto, gravaram-se profundamente em nossa consciência cultural ocidental.
Ser judeu, na Palestina do século I ocupada pelos romanos, tinha tanto a ver com identidade nacional e étnica como com crenças religiosas abstratas. Assim, para muitos judeus era impossível separar as realidades sociais e políticas da ocupação militar e opressão econômica da devoção e fé judaicas.Era fundamental a crença judaica de que o povo de Israel tinha sido escolhido por Deus para se tornar uma "nação modelo", que seria um exemplo de justiça e religiosidade para o mundo inteiro. Os profetas hebreus haviam predito que nos últimos dias todas as nações iriam a Jerusalém para se instruir sobre o único verdadeiro Deus Criador, irresistivelmente atraídas pelo exemplo moral de paz e justiça de Israel. Nem todos os judeus aceitavam essa visão tão idealista, mas os que a aceitavam eram em número suficiente para que João Batista, Jesus e seu irmão Tiago pudessem atiçar um movimento que ameaçou os mais altos níveis do estabelecimento político e religioso.
A família de Jesus, como todos os judeus da Galileia, deve ter feito peregrinações para Jerusalém três vezes por ano, como exigia a Torá, todos os anos, na primavera, por ocasião da Páscoa dos hebreus, no princípio do verão, para a celebração de Pentecostes, e no outono, para a celebração dos Tabernáculos. Na Páscoa dos hebreus, principalmente, Josefo afirma que dois milhões e meio de judeus, da Palestina e do mundo inteiro, reuniam-se em Jerusalém.' Era lá que Jesus regularmente se deparava com os símbolos mais pungentes do poder romano, fundidos com o que ele considerava o epítome da corrupção religiosa judaica. A Jerusalém de Herodes, com seus palácios, teatro, hipódromo, mansões luxuosas e Templo magnífico, poderia ser considerada por muitos uma maravilha do mundo, mas para Jesus e milhares de outros era um "covil de ladrões", a ser brevemente condenada por Deus. Não foi por acaso que Jesus, aos 33 anos, deliberadamente escolheu Jerusalém, na Páscoa dos hebreus, como o cenário de seu mais dramático confronto com o que ele chamava de "poderes das trevas". Precisamos imaginar que suas percepções estão profundamente enraizadas em suas experiências ao crescer. Séforis e Jerusalém — as duas principais representantes da opressão romana e da corrupção religiosa — foram absolutamente fundamentais para o modo como ele via sua vocação e seu destino.
Crescendo como judeu na aldeia de Nazaré
Jesus cresceu pobre, em uma cidadezinha rural da Galileia. A região era pontilhada de centenas dessas cidades e aldeias povoadas por clãs e extensos grupos familiares que cultivavam as terras adjacentes. A arqueologia mostrou que as casas eram modestas, feitas de pedras compactadas com barro e palha. Os pisos eram de terra batida, as janelas eram poucas, os telhados eram de juncos deitados sobre vigas de madeira cobertas de barro, para formar uma superfície utilizada o ano inteiro para dormir, comer e fazer tarefas domésticas. As casas freqüentemente tinham aposentos subterrâneos usados para armazenagem. A mobília era pouca, e as louças de barro, locais e práticas, quase sempre lisas, sem enfeites. Não havia mosaicos, cerâmicas importadas, objetos finos de vidro, moedas de ouro e prata, cosméticos, jóias e vasos de bronze — comuns nas áreas urbanas de Séforis e Jerusalém. As casas maiores poderiam ter um pátio, vários aposentos e famílias extensas morando juntas; essas casas, muitas vezes, se expandiam em uma rede desconexa de estruturas compartilhadas. Os animais viviam em cercados ligados às casas, ou em escavações ou cavernas, e pequenos jardins eram cultivados sempre que houvesse espaço. A alimentação básica fazia-se de azeitonas, pão e lentilhas. Ovos, leite, queijo, peixe salgado, carne, frutas e legumes eram acréscimos bem-vindos. Restos de esqueletos evidenciam deficiências alimentares, e mortes por doença antes dos quarenta anos de idade eram comuns.
Podemos ter uma noção de como eram as coisas naquela época visitando o projeto arqueológico da Aldeia de Nazaré, na cidade moderna de Nazaré. É como uma Williamsburg Colonial da vida de aldeia judaica no tempo de Jesus. Arqueólogos e historiadores estão reconstruindo de modo meticuloso uma réplica da Nazaré do século I, feita inteiramente com os métodos e materiais usados naquele tempo. Também tentam reproduzir, da maneira mais autêntica possível, os antigos métodos de cultivo, criação de animais e ofícios domésticos. Ao visitar Nazaré, não podemos deixar de nos impressionar com a perícia empregada na tentativa. Mas falta muito- o barulho, o mau cheiro, a aglomeração, a sujeira da vida camponesa diária, a sensação de viver sob ocupação militar e, naturalmente, o exército virtual de Herodes, constituído de inspetores, agentes e coletores de impostos, sempre vigilantes.
Todos os indícios arqueológicos da Galileia rural apontam para uma vida camponesa geral — mas era uma vida camponesa judaica. Foram encontradas vasilhasde pedra, necessárias para fins de pureza ritual, assim como piscinas emboçadas ou mikvahs, usadas para imersão ritual. Os ossos que aparecem são de cabras, carneiros, galinhas e algum gado, mas não de porcos. Os túmulos ficavam fora da área de moradia, em cavernas naturais aumentadas ou cortadas no leito de rocha. Como descrito na introdução, o corpo era colocado em uma escavação vertical, ou loculus, para se decompor, e depois de um ano os ossos eram recolhidos e colocados em um ossuário ou nicho separado. A preferência romana pela cremação era evitada, provavelmente devido à crença na ressurreição dos mortos.
A sinagoga era o centro cívico e religioso de uma aldeia judaica. Já foram encontradas pelo menos duas sinagogas do século I — uma em Gamla, no lado leste do Mar da Galileia, a outra na fortaleza de Massada, no deserto. Temos, portanto, alguma noção de como eram. As reuniões eram no sabbath, quando o trabalho normal da cidade inteira parava abruptamente desde o pôr-do-sol de sexta-feira até o crepúsculo de sábado. Preciosas cópias manuscritas da Torá, ou Lei Judaica, e dos livros dos profetas eram lidas em voz alta e discutidas. A língua falada era o aramaico, mas a julgar pelos Manuscritos do Mar Morto, os livros sagrados eram escritos em hebraico antigo. Lucas conta que Jesus, aos trinta anos, voltou à sua cidade de Nazaré, entrou na sinagoga,"como era seu costume", e levantou-se para ler em voz alta um pergaminho de Isaías (Lucas 4:16). Depois sentou-se e começou a dirigir-se aos que estavam reunidos, oferecendo sua interpretação sobre o texto que acabara de ler. Presume-se que havia orações, cânticos e cerimônias ligadas a ocasiões especiais, mas a atividade central parece ter sido a leitura e discussão das Escrituras.
Entre os Manuscritos do Mar Morto havia uma cópia completa do livro de Isaías, que os estudiosos dataram de 100 a.C.; dessa forma, sabemos precisamente como era um pergaminho bíblico no tempo de Jesus. Permanecera escondido durante dois mil anos, lacrado em um vaso de barro, em uma caverna perto do assentamento de Qumrã. O pergaminho de Isaías tem 54 colunas de texto hebraico. Tem mais de sete metros de comprimento e consiste de 17 painéis de pele de cabra de cerca de 27,5 centímetros, costurados uns aos outros. Era enrolado da direita para a esquerda, e seria preciso colocá-lo sobre uma mesa ou um atril para mantê-lo firme, ao desenrolá-lo ou lê-lo. O Grande Pergaminho de Isaías, como é chamado, talvez seja, sem dúvida, a descoberta mais assombrosa na história da arqueologia bíblica. Quando foi encontrado, todos, os estudiososincluídos, custaram a acreditar que pudesse ser tão antigo. Antes dos Manuscritos do Mar Morto, as cópias mais antigas de livros da Bíblia Hebraica datavam do século IX d.C.
A aldeia de Nazaré no tempo de Jesus
James Tabor diante de uma caverna dos Manuscritos do mar Morto
A cópia de Isaías no Manuscrito do Mar Morto, aberto no capítulo 40.
Não temos como saber o quanto Jesus falou e o quanto escutou nessas reuniões adultas enquanto crescia, mas desde muito jovem ele deve ter começado a assimilar a variedade de ideias e opiniões conflitantes que eram expressas. A julgar pela tradição oral judaica, que acabou sendo escrita no Mishná, bem como por textos dos Manuscritos do Mar Morto e indícios nos evangelhos, a abrangência dos tópicos era infinita.' Quais as atividades proibidas e permitidas no sabbath? As pessoas deviam pagar impostos? Como seria determinado o calendário judaico — pelos ciclos da lua, do sol ou de ambos? A quem seriam pagos os dízimos? Seriam todos, alguns, ou nenhum dos mortos ressuscitados no fim dos tempos? Que causa permitiria a alguém se divorciar da esposa? Como era transmitida a impureza ritual, e o que era exigido para a purificação? Como e quando apareceriam as várias figuras messiânicas? Era permitido casar-se com uma sobrinha? Quais as transações permitidas com não judeus? Era permitido cobrar juros sobre empréstimos? O reino de Deus se manifestaria literalmente na Terra, ou apenas após a morte, em um mundo celestial? As "tribos perdidas" ou dispersas de Israel retornariam à Terra nos dias dos messias? E depois havia as histórias, as histórias infindáveis de Abraão, Isaac, Jacó, José, Moisés, rei Davi, e de todos os profetas, contadas e recontadas a partir da Escritura e de lendas, para entreter, advertir e educar.
A julgar pelas nossas fontes, não havia um tratamento sistemático desses e de cem outros assuntos relacionados com as crenças centrais do judaísmo. O que caracterizava a vida judaica, até mesmo a vida judaica camponesa, era essa discussão e esse debate contínuos e intermináveis sobre o sentido e as implicações de histórias, mandamentos, e ensinamentos da Torá e dos profetas. Podemos supor um nível de alfabetização e interesse intelectual que talvez normalmente não existisse entre as classes inferiores e os pobres. Os judeus eram um povo "do Livro", e, como os romanos viriam a aprender, isso os tornava diferentes de todos os outros povos dominados por eles.
O judaísmo pode ser resumido sob quatro rubricas: Deus, Torá, Terra e Povo Escolhido. Como judeu, Jesus teria afirmado sua crença no único Deus Criador Yahweh sobre todos os deuses ou entes espirituais; na divina revelação da Torá, como um plano para a vida social, moral e religiosa; na santidade da Terra de Israel como um perpétuo direito inato da nação; e na noção de que o povo de Israel, descendente de Abraão, Isaac e Jacó, tinha sido escolhido por Deus para esclarecer todas as nações. A missão histórica desse povo seria atrair a humanidade para o Deus único e sua revelação na Torá. Como judeu, Jesus foi circuncidado no Templo judaico, em Jerusalém, aos oito dias de idade, observava o sabbath como o dia de descanso semanal, evitava comer certos animais proibidos ou consumir sangue, cumpria as comemorações de peregrinação exigidas e praticava a pureza ritual, conforme ordenado pela Torá. Como homem judeu, Jesus usava borlas franjadas (tzitzit) em sua vestimenta externa, o que indica sua observância rigorosa dos mitzvoth ou mandamentos da Torá ou Lei Judaica. (3) Nesse sentido, ele não era "liberal" quanto às observâncias judaicas, segundo qualquer significado moderno do termo. O que não aceitava, como veremos, eram certas tradições e interpretações orais que alguns mestres rabínicos haviam acrescentado aos mandamentos bíblicos.
Segundo percepção corrente, o judaísmo é ao mesmo tempo exclusivo e universal. Essas "marcas" de ser judeu podem ser vistas como "separadores" sociais, e eram muito conhecidas na sociedade romana. Encontramos escritores romanos que atacam os judeus e os desprezam, mas também outros que os admiram e até adotam alguns de seus costumes' Há fortes indícios de que uma quantidade significativa de não judeus foi atraída para o judaísmo e até freqüentava sinagogas por todo o mundo romano. Para tanto, não era necessário converter-se formalmente e tornar-se judeu, embora isso também pudesse ser feito. Não judeus que abandonavam os "ídolos" pelo "Deus verdadeiro e vivo" e observavam as proibições de roubar, matar e praticar imoralidade sexual eram considerados "gentios íntegros" ou "tementes a Deus". Vários grupos judaicos divergiam radicalmente em atitudes relativas a não judeus, indo desde a exclusão e separação até o acolhimento cordial.
Acho seguro presumir que a minúscula aldeia de Nazaré tivesse poucos, ou nenhum, residentes não judeus, embora na vizinha Séforis o contato com não judeus fosse diário. Jesus parece ter sido afável com os estrangeiros, e podemos presumir que isso resultou de suas experiências ao crescer. Ele não era nem provinciano, nem separatista em suas atitudes. Parecia detestar o estabelecimento romano e seus colaboradores judeus, embora ao mesmo tempo aceitando indivíduos que considerava espiritualmente dignos. Se seu pai biológico fosse romano, ou tivesse se tornado romano, isso talvez explicasse melhor sua receptividade.
Se, realmente, Nazaré era uma aldeia que recebeu seu nome por concentrar clãs ou famílias que podiam reivindicar descendência da linhagem real do rei Davi, temos de imaginar o que isso implicaria quanto ao fato de Jesus ter crescido lá. Quando voltou para casa como adulto, tendo alcançado alguma reputação devido a suas atividades como pregador e curador, seus conterrâneos, de modo geral, parecem ter zombado da ideia de que Jesus tinha algum papel profético especial. Seu famoso gracejo de que "os profetas só não são honrados em sua cidade natal, entre seus parentes e em sua própria casa" pode bem indicar um certo isolamento social que sofreu, mesmo ao crescer. Sua honrosa descendência de Davi, por parte de mãe, provavelmente era menosprezada pelos habitantes locais, que conheciam a história de seu nascimento ilegítimo, para não falar de sua falta de status econômico, por ser um tekton. Mesmo em sua "própria casa" parece que Jesus foi alvo de uma reação cética quando veio a acreditar que era o eleito de Deus e destinado ao trono de Israel.
Pertencer à linhagem de Davi era uma coisa, mas iniciar um programa específico de implementação era outra bem diferente. Era tão tolo quanto perigoso.
Além dessas observações gerais quanto à vida de aldeia em uma cidade pequena, como Nazaré, haveria mais alguma coisa a dizer ao tentarmos resolver a questão de que tipo de judeu Jesus era? Seria ele um membro "de carteirinha" de algum dos grupos judaicos de seu tempo?
Classificando Jesus
Josefo, nossa testemunha judaica contemporânea do século I, conta que havia três seitas ou "filosofias" principais do judaísmo: fariseus, saduceus e essênios. (5)
Em um determinado ponto, explica que havia uma "quarta filosofia" fundada por Judas, o Galileu, seguida pelos assim chamados zelotes, mas diz que suas ideias religiosas eram muito semelhantes às dos fariseus. Ele diz que pertence aos fariseus, embora quando mais moço talvez tivesse passado um tempo com os essênios.
Josefo escrevia para um público romano sofisticado e pretende apresentar seus compatriotas sob o melhor aspecto possível. Quando estourou a grande Revolta Judaica contra os romanos, em 66 d.C., Josefo, que só tinha cerca de trinta anos, serviu como líder militar das forças judaicas na Galileia. Logo percebeu a impossibilidade da luta e rendeu-se aos romanos. O general romano Vespasiano e seu filho, Tito, que conduziam a campanha na Palestina, favoreceram-no. Vespasiano sagrou-se imperador em 69 d.C. Josefo acabou morando em Roma, tornou-se cidadão romano, recebeu uma pensão imperial e escreveu suas memórias no antigo palácio de Vespasiano. A essa altura, Jerusalém estava em ruínas, e as forças judaicas tinham sido totalmente dizimadas. Josefo queria reabilitar a reputação de seu povo. Apresentou os judeus como uma nação antiga, com tradições e leis honrosas. Culpou pela revolta o fanatismo mal orientado e os ciúmes fratricidas entre uma minoria do povo. Quando descreveu as quatro seitas religiosas do judaísmo, propositadamente chamou-as de "filosofias". As "seitas" judaicas de Josefo muito se assemelham às "escolas" filosóficas do mundo grego, quer platônica, estóica, pitagórica ou epicurista. A impressão que Josefo queria dar era de que o povo judeu, longe de ser um elemento atrasado e rebelde da sociedade romana, era uma raça antiga, com tradições veneráveis e respeitáveis escolas de pensamento religioso.
Chegou mesmo a descrever as crenças das três escolas principais de tal maneira que seus leitores cultos igualariam os saduceus aos epicuristas, os fariseus aos estóicos, e os essênios aos platônicos ou, talvez, aos pitagóricos. Considerando seus fins apologéticos, temos de usar o que diz com muita parcimônia.
Ele caracterizou os fariseus e saduceus em poucas linhas, principalmente contrastando suas ideias sobre "destino" e "vida após a morte". Disse que os fariseus enfatizavam que Deus controlava tudo e que eles acreditavam na vida após a morte e na sentença eterna das almas dos mortos. Os saduceus, por outro lado, negavam uma "vida após a morte" e enfatizavam a vida neste mundo. Não acreditavam que Deus controla tudo, mas que os seres humanos escolhem livremente entre o bem e o mal e são adequadamente recompensados. Josefo afirmava que os fariseus eram muito mais populares entre o povo e se integravam nas comunidades locais, enquanto os saduceus eram elitistas e aristocráticos.
A descrição básica de Josefo combina com o que sabemos a partir do Novo Testamento e de fontes judaicas posteriores. Os saduceus vinham sobretudo das classes sacerdotais. O sumo sacerdote, endossado politicamente pelos romanos, era escolhido de suas fileiras. Por conseqüência, detinham o controle principal do Templo de Jerusalém, que era o ponto de foco do judaísmo do mundo inteiro, e dominavam o Sinédrio, um tipo de "conselho" ou "senado" judaico ao qual os romanos permitiam alguma autoridade limitada. A interpretação saduceísta da Lei Judaica tendia a ser mais severa e mais rígida do que a dos fariseus, e sua concentração "neste mundo" em vez de "no mundo por vir" tornava-os céticos quanto a assuntos relativos ao mundo celestial, quer se tratasse de anjos, demônios, ressurreição dos mortos ou eventos associados ao fim dos tempos. Os fariseus, por outro lado, especulavam livremente sobre tais questões. Sua interpretação da Lei Judaica era mais liberal e aberta a mudanças. Embora houvesse uma ala mais rigidamente conservadora dos fariseus, liderada pelo rabino Shammai, do século I, seu rival, rabino Hillel, parecia ter mais influência. Costuma-se pensar em Jesus como inimigo ferrenho de todos os fariseus, quando, na verdade, muitas de suas opiniões sobre a Lei Judaica refletem as posições mais transigentes do rabino HilleL Tanto Hillel quanto Jesus enfatizavam o "amor ao próximo" como fundamental e citavam a "Regra de Ouro" como um breve resumo da Torá e dos profetas. Mas, no final, foi uma coalizão de sacerdotes saduceus e seus partidários entre os fariseus que entregou Jesus ao governador romano Pôncio Pilatos.
Em contraste com seu breve esboço de fariseus e saduceus, Josefo dedicou muitas páginas a uma descrição detalhada e esmerada dos essênios, dos quais era evidentemente simpatizante. Contudo, parece que omitiu de propósito qualquer menção às expectativas apocalípticas radicais deles, que certamente não seriam apreciadas pelos romanos depois da Revolta Judaica. Como já vimos, os essênios que escreveram os Manuscritos do Mar Morto esperavam o fim do mundo e aguardavam a chegada de dois messias — uma figura sacerdotal e um rei descendente de Davi. Eram intensamente anti-romanos e detestavam o estabelecimento religioso jiKlaico de Jerusalém, fosse fariseu ou saduceu, como comprometido e corrupto por completo. Os essênios intitulavam-se o povo da "Nova Aliança", acreditando que fossem representantes de uma Israel novamente purificada no fim dos tempos. Praticavam a vida em comunidade, ritos de iniciação que envolviam imersão ou batismo, e refeições sagradas. Curiosamente, os essênios nunca são mencionados no Novo Testamento, enquanto os fariseus e saduceus aparecem sempre em oposição a Jesus. Jesus compartilhava de algumas importantes crenças e práticas dos essênios, mas, a julgar pelos Manuscritos do Mar Morto, teria sido condenado e desprezado pelo núcleo de liderança dos essênios, devido à sua atitude aberta em relação aos gentios e às mulheres, e sua atitude em relação à observância do sabbath e à pureza ritual, bem menos rigorosa que a deles. Mas o que não devemos presumir é que todos os essênios, ou mesmo aqueles mais vagamente filiados à sua maneira de pensar, teriam compartilhado daquela rígida interpretação da Lei Judaica.
O judaísmo na Palestina romana do século I era incrivelmente diversificado. O problema das categorias de Josefo é que dão a impressão de que a maioria dos judeus era formalmente filiada a um desses grupos principais. É fácil pensarmos neles como semelhantes às modernas denominações religiosas, como batista, católico ou judeu reformado. Sabemos que não é esse o caso. Estimativas da população judaica da Palestina variam muito entre os especialistas, mas ficam entre um e três milhões. Josefo diz que havia apenas 6.000 fariseus e mais de 4.000 essênios. Filo, outro escritor judeu do século I, também calcula 4.000 essênios. Representam categorias gerais de filosofia ou pensamento religioso que apenas um punhado da elite ou dos eruditos poderia adotar como rótulos formais. E cada grupo, como seria de esperar, tinha uma história complexa e uma gama de opiniões que iam de liberais até conservadoras. Embora muitos tenham tentado situar Jesus em uma ou outra dessas "escolas" de judaísmo, tal categorização é questionável. Jesus teria crescidoconhecendo cada uma delas. Não é provável que houvesse muitos saduceus em Nazaré, mas provavelmente havia fariseus e essênios. Josefo diz que os essênios se estabeleceram em todas as cidades, e que os fariseus eram os mais influentes sobre as populações locais. Os evangelhos parecem indicar que os fariseus que moravam na Galileia eram amplamente dispersos, e Jesus os encontra com freqüência.
O movimento finalmente formado por Jesus tinha atrativos para aqueles que se identificavam com qualquer uma dessas filosofias de judaísmo. O irmão mais moço de Jesus era conhecido como Simão, o Zelote. Tornou-se parte do Conselho dos Doze Apóstolos. E, no final, os romanos crucificaram Jesus por sedição — sua alegação de que era o legítimo Rei dos Judeus. Como tal, ele se junta a um elenco de tipos zelotes, desde Judas, o Galileu, até Bar Kochba, um "messias" afinal esmagado pelos romanos em 135 d.C. Jesus teve sua parte de simpatizantes mesmo entre os fariseus. Na verdade, dois membros daquele conselho tiveram influência bastante sobre Pôncio Pilatos, o governador romano da Judeia, para que o corpo de Jesus fosse entregue a seus cuidados para ser enterrado. Finalmente, sob os 33 anos do reinado dinástico de Tiago, irmão de Jesus, grandes quantidades de fariseus se identificaram com o movimento iniciado por João Batista e Jesus.6Por surpreendente que pareça a ouvidos modernos, havia, de fato, fariseus nazarenos ou "cristãos" — e muitos. Também ouvimos de Lucas que "numerosos" sacerdotes saduceus em Jerusalém aderiram ao movimento, embora Jesus pareça ter muito pouco em comum com os saduceus (Atos 6:7). E Tiago, irmão de Jesus, começa a exercer certas funções sacerdotais messiânicas com permissão e apoio deles. Embora os essênios tivessem interpretação muito mais rígida da Torá que Jesus, certamente haveria alguns que se identificavam com a excitação apocalíptica que João Batista e Jesus começaram a provocar no país todo.
Em termos gerais, Jesus se identifica mais com o que se descreveria como o movimento messiânico da Palestina do século I. Esse movimento era intensamente apocalíptico, e embora compartilhasse certas ideias com os essênios, tinha um apelo mais amplo para a plebe judaica de todas as seitas, unida na esperança da libertação por Deus. Quando compreendermos a história, os valores centrais e o mundo mitológico desse movimento, seremos capazes de situar Jesus adequadamente dentro dessa diversidade incrível do judaísmo palestino do século I. Havia judeus que se sentiam à vontade em seu mundo social e político, aceitando o status quo, mesmo se ditado por Roma, vivendo da melhor forma possível. Mas haviaoutros, fossem fariseus, saduceus ou essênios, ou mesmo sem filiação alguma, que esperavam uma mudança radical baseada nas previsões messiânicas dos profetas hebreus. O importante não são os rótulos, mas uma certa visão da realidade — uma crença de que Deus interviria para cumprir essas previsões messiânicas. Jesus não originou esse movimento; na verdade, ele começou a se formar duzentos anos antes do nascimento de Jesus. Mas foi Jesus, seu parente João Batista, e seu irmão Tiago que deram a ele a forma definitiva que mudou o curso da história. Em algum momento, antes de completar trinta anos, Jesus começou a formular seu plano. Sem dúvida, houve etapas no caminho. Mas no outono do ano 26 d.C., ele está pronto para tornar públicas suas ideias, e a dinastia de Jesus começa a surgir.
TERCEIRA PARTE
Um grande despertar e oanúncio de uma tempestade
Em Branco
CAPÍTULO OITO
Ouvindo a voz
Em alguma altura da primavera ou início do verão do ano 26 d.C, João Batista atendeu à"Voz". Acabara de fazer trinta anos.' Era sacerdote, descendente de Aarão, irmão de Moisés da tribo de Levi. Segundo a Torá, os sacerdotes deviam servir no Templo dos trinta aos cinqüenta anos (Números 4:3). Não havia carreira mais honrosa para um israelita. João deu as costas a tudo isso e, que se saiba, diferentemente de seu pai, Zacarias, nunca dedicou um dia sequer ao serviço do Templo. Em vez disso, aos trinta anos, retirou-se para o deserto da Judeia, a leste de Jerusalém, para a região onde o Rio Jordão desemboca no Mar Morto. Fica a 396 metros abaixo do nível do mar, o ponto mais baixo da Terra.
João ficou fascinado por um texto do profeta Isaías: uma voz clama "Preparai o caminho de Yahweh no deserto" (Isaías 40:3). João associou isso a outro texto, as últimas palavras do último profeta hebreu, Malaquias, que escreveu: "Estou enviando meu mensageiro para preparar o caminho adiante de mim" (Malaquias 3:1). Em algum momento de sua vida João começou a entender seu próprio papel como esse mensageiro, isto é, aquele que atenderia à "voz" e literalmente iria para o deserto da Judeia a fim de preparar o Caminho. De fato, uma das palavras hebraicas que Isaías empregou para "deserto" foi Aravah — um termo geográfico, ainda usado em Israel, para a região próxima do Mar Morto no Vale do Rio Jordão. Seria esse o local para a preparação do Apocalipse, e João, propositadamente, se colocou naquela região específica para iniciar o que acreditava ser seu papel e sua tarefa a mando de Deus.
Os cristãos, mais tarde, interpretaram isso como a preparação do caminho para Cristo, mas os textos não mencionam um Messias. João, como outros judeus do seu tempo, entendeu isso como um chamado para preparar o povo de Israel, afastando-os de seus pecados e aproximando-os do caminho justo de Deus. Os primeirosseguidores de João e Jesus referiam-se a si mesmos como o "povo do Caminho", antes mesmo de serem usados termos como "Nazareno" ou "Cristão". (2)
Antiga estrada romana no deserto da Judeia em direção ao Mar Morto
João proclamava para as multidões que vinham escutá-lo que "o machado já estava à raiz da árvore", sugerindo a iminência da condenação apocalíptica de Deus de todos os injustos, do mais alto ao mais baixo nível da sociedade. Pregava que as pessoas deveriam se arrepender de seus pecados e ser "batizadas", ou imersas em água, pela remissão de seus pecados. Com essa atitude se tornariam o "povo do Caminho".
Josefo trata de "João, cognominado Batista", de maneira breve, mas significativa. (3) Escreve que João instava as pessoas a levar uma vida justa e a praticar justiça com seus semelhantes e devoção a Deus, atestando isso pela imersão ou batismo em água. Diz que as multidões ficavam "arrebatadas" quando João aparecia, e que seu efeito sobre o populacho era tal, que as multidões maciças, atraídas por ele, começaram a pedir sua orientação e estavam prontas a fazer tudo que dissesse.
Vista aérea das ruínas escavadas do assentamento de Qumrã
João não foi o primeiro a ouvir essa Voz e a atendê-la desse modo. Cem anos antes, os judeus que conhecemos pelo nome de essênios leram aquele mesmoversículo em Isaías e, literalmente, se mudaram para o deserto da Judeia, perto do Mar Morto, a fim de viver em um pequeno assentamento chamado Qumrã, onde escreveram os Manuscritos do Mar Morto. Em seu documento de fundação, chamado a Regra da Comunidade, registram que haviam "se separado da habitação de homens injustos" e ido para o deserto para lá preparar o Caminho do Senhor, pois está escrito "Preparai, no deserto, o Caminho". E disseram mais, "É este o tempo para a preparação do Caminho no deserto".' Também se referiam a si mesmos como o "povo do Caminho".
Em 26 d.C., quando João iniciou sua pregação pública, esse assentamento de Qumrã ainda prosperava, e é bem possível que ele tenha passado algum tempo ali. João e os essênios tinham muito em comum. Mas havia uma diferença fundamental entre o movimento deles e o que João procurava iniciar. Eles se viam como um grupo segregado que alcançaria a integridade por meio de sua rigorosa separação da sociedade. João, pelo contrário, em vez de se separar da sociedade, dirigia-se a toda a nação de Israel com uma convocação urgente para que se arrependessem, e um aviso apocalíptico, do iminente julgamento de Deus. João começou a se ver nopapel do antigo profeta Elias, que havia repreendido até o rei e a rainha de Israel — Ahab e Jezebel — pessoalmente.
Herodes Antipas ficou muito assustado com o potencial revolucionário que João representava. É difícil superestimar o impacto dramático criado por João com a sua pregação. A princípio localizou-se no sul, no deserto, ao longo do Jordão, logo ao norte do Mar Morto. Marcos conta que toda a Judeia e todo o povo de Jerusalém afluíam ao deserto para ouvir sua pregação. Josefo diz que era popular, audacioso e eloqüente. Era por tudo isso que tantos haviam esperado. A mensagem de João era radical, semelhante à de outros que haviam tentado inspirar uma revolta entre a população judaica, mas havia algo diferente nele, algo que ultrapassava a política. João tinha a aparência e o estilo de um antigo profeta bíblico. As massas se sentiam eletrizadas com a possibilidade — teria Deus finalmente enviado um mensageiro verdadeiro que iniciaria a Nova Era do Reino de Israel?
Com o passar do verão e a chegada do outono, João seguiu o Jordão para o norte, e finalmente localizou-se logo ao sul do Mar da Galileia, em um lugar chamado Enom, perto do assentamento de Salim. Essa relevante informação só é encontrada no evangelho de João, que muitas vezes registra detalhes cronológicos e geográficos que se tornam peças vitais que faltavam na nossa história.' Essa era uma localização estratégica por dois motivos. Primeiro, essa região era associada ao profeta Elias. O lugar onde Elias nasceu, Tisbe, ficava a poucos quilômetros, do outro lado do Jordão para o leste, perto do "riacho Querite". Esse é o famoso Ribeiro de Querite (hoje chamado Ribeiro el-Yabis) onde Elias se escondeu de Ahab e Jezebel e foi alimentado pelos corvos. Mas, igualmente importante, o ponto escolhido por João ficava na interseção do Vale de Jezreel com o Rio Jordão. Era essa a rota percorrida pela Galileia inteira ao viajar em direção ao sul para a Judeia nos próximos dias santos de outono — Rosh Hashaná, Yom Kippur, e a festa de Sukkoth ou Tabernáculos. João situou-se, literalmente, na encruzilhada de uma via pública nacional.
Pouco antes de completar trinta anos, Jesus juntou-se às multidões que afluíam para ouvir João. Jesus viajou de Nazaré, seguindo o Jordão, por essa mesma rota, para ser batizado por João no Rio Jordão (Marcos 1:9). Fazendo isso, estava publicamente aderindo e endossando o movimento do despertar desencadeado por João. Ao emergir da água, ele ouviu a Voz também vinda de Isaías, mas com um texto diferente, sobre uma figura diferente: "Olhai! Meu servo que apóio, meu escolhido que alegra a minha alma!" (Isaías 42:1). Mateus transformou essa "voz" em umaproclamação pública do céu — "Este é meu filho amado em quem me regozijo", enquanto para Marcos, conservando uma tradição anterior, provavelmente mais autêntica, isso foi uma voz que Jesus ouviu — não uma que as multidões ouviram (Mateus 3:17; Marcos 1:11). É significativo que a versão em siríaco antigo, de Mateus, ainda conserve a leitura original: "Vós sois meu filho bem-amado em quem me regozijo", atestando assim a autenticidade de Marcos.'Não podemos ter certeza da natureza exata dessa revelação nem se foi algo que surgiu de repente em Jesus naquele instante, ou algo para o qual se preparara ao longo do caminho. O que podemos dizer é que a partir de seu batismo, Jesus estava pronto para tomar o lugar que lhe fora destinado ao lado de João, como pleno parceiro no movimento do batismo. Juntos estavam preparados para enfrentar o que viesse, nos papéis proféticos para os quais ambos se acreditavam chamados.
Os "anos perdidos" de João
João conhecia bem a solidão. Nasceu em 5 a.C. na pequena aldeia de Ein Kerem, a alguns quilômetros a oeste de Jerusalém. Lucas resume em uma frase os primeiros trinta anos de João: "A criança cresceu e tornou-se forte de espírito, e ficou em lugares do deserto até o dia em que apareceu publicamente para Israel" (Lucas 1:80). Lucas se refere a essa região como a "região de colinas", na Judeia. Ela é acidentada, montanhosa e desolada, com aldeias dispersas e um terreno áspero. Ainda hoje, as estradas modernas a oeste de Jerusalém têm curvas fechadas capazes de deixar qualquer um tonto.
Como mencionei na Introdução, em dezembro de 1999, o arqueólogo Shimon Gibson descobriu uma caverna a alguns quilômetros a oeste de Ein Kerem, em um lugar chamado Suba, que tinha desenhos primitivos de João Batista gravados em suas paredes.' Verificou-se ser um enorme reservatório de água emboçado, escavado no sólido leito de rocha, no tempo de Isaías (século VIII a.C.). Tem cerca de 24 metros de comprimento por quatro de largura e cinco de profundidade, com uma entrada e 12 degraus emboçados levando ao interior. Estava quase completamente cheia de terra e pedras quando foi descoberta. Era preciso engatinhar para entrar ou se mover por lá. Os degraus estavam completamente escondidos. Mal se viam os desenhos próximos do teto nas laterais de duas das paredes, parcialmente cobertas pelos escombros.
ACIMA: O desenho de João Batista entalhado na parede da caverna de Suba
AO LADO: A entrada escavada da caverna de Suba
Gibson convidou-me para acompanhá-lo na escavação do local em março de 2000. Já levamos quase cinco anos para completar o trabalho inicial. Ficamos muito empolgados com o que poderíamos encontrar, já que sabíamos ser essa a região do deserto em que João crescera. Até onde tínhamos conhecimento, esses desenhos provavelmente seriam a mais antiga expressão artística jamais encontrada relativa à sua vida. Um desenho mostrava uma figura de pé vestida em peles, com a mão direita erguida em proclamação e a mão esquerda segurando um cajado. Outro mostrava um corpo sem cabeça. Um terceiro, uma bandeja tendo sobre ela uma espada. Finalmente, havia três cruzes. Mesmo antes da escavação, estávamos convencidos de que antigos peregrinos cristãos tinham vindo a essa caverna para, de alguma forma, relembrar e comemorar a vida e morte de João e de Jesus. Os desenhos pareciam sugerir a narração de uma história. Nada igual havia sido descoberto antes em qualquer parte do mundo — e ficava justamente na região em que João cresceu.
Começamos a escavar o terço da frente da caverna, camada por camada, e, para nossa grande surpresa, descobrimos que não estávamos cavando em escombrosacumulados por acaso, mas camadas arqueológicas cuidadosamente construídas, uma após a outra. Parecia um bolo de camadas, voltando no tempo ao longo dos períodos islâmico, das cruzadas, bizantino e romano. Descobrimos que a frente dessa caverna deixará de ser usada como reservatório de água no início do período romano (século I d.C.). Pisos foram se erguendo com o passar dos séculos. Pessoas entravam pela frente da caverna em solo seco, e então usavam os fundos, em declive, e ainda cheios de água provinda de uma passagem no teto, presumivelmente para imersão ritual. As camadas do período romano eram as mais profundas, chegando a dois metros, enquanto as camadas posteriores eram relativamente rasas. Isso indicava que a atividade principal na caverna responsável pela construção desses pisos acontecera nos séculos I e II d.C.
Nunca me esquecerei da empolgação no dia em que chegamos às camadas do início do período romano — o período de João e Jesus. Encontramos milhares de fragmentos de pequenas vasilhas para água que se haviam acumulado no chão. Tinham sido quebradas de propósito. Confesso que isso parece estranho, e freqüentemente encontramos em um sítio vasilhas inteiras ou parcialmente inteiras. Foi possível dizer a partir do acúmulo de fraturas nessas jarras e do modo como foram espatifadas que isso não pode ter-se dado de forma normal.
Também achamos uma rocha com uma depressão talhada na forma perfeita de um pé direito, com uma pequena vala e bacia acima dela — claramente para despejar algum líquido que ungisse o pé. Ninguém morara nessa caverna. Não havia nenhum indício de locais para cozinhar, caroços de azeitona, ossos ou vasilhas de barro domésticas. As pessoas vinham aqui, realizavam cerimônias que envolviam o despejo de água, a unção dos pés, e a imersão na piscina nos fundos da caverna. E isso acontecia, com base na datação das cerâmicas, nos primeiros anos do século I d.C. Os desenhos foram feitos mais tarde — provavelmente no século V d.C. A essa altura, cristãos faziam peregrinações à caverna para relembrar João. Na época das cruzadas, a caverna já estava esquecida, e o entulho indiferenciado começou a se acumular.
Cena reconstituída do ritual de unção na caverna de Suba
A pergunta que nos intrigava era: o que se passava lá no início do século I d.C.? Teríamos por acaso encontrado a "Caverna de João Batista"? Ele cresceu nessa região e perambulou pelas colinas desoladas que nos cercavam justamente na época que combinava com nossos indícios. E tudo apontava para rituais e cerimônias que envolviam a purificação pela água. A água é muito escassa nessa região,restrita principalmente a fontes naturais. Não há rios nem lagos, e essa caverna era claramente o maior reservatório de água em toda a região. Teria nossa caverna de Suba servido como um centro ritualístico para grupos de judeus, tais como os essênios, que praticavam ritos de iniciação e purificação espiritual que envolviam a imersão em água?
Desde a descoberta desse maravilhoso local, naturalmente fiquei imaginando se o próprio João Batista não teria vindo a essa caverna. Claramente, em falta de uma inscrição, não encontrada por nós, isso jamais poderá ser provado. Contudo, isso não é de todo improvável, e talvez seja mesmo provável. Como já vimos, João cresceu justamente nessa região. Levou uma vida solitária e reclusa em "lugares desolados". João acabou iniciando sua convocação pública à nação de Israel para que "se arrependesse e fosse imersa" no Rio Jordão. Porém, faz sentido pensar que, durante os primeiros trinta anos de sua vida, vivendo nessa mesma região, tivesse tido discípulos e praticado cerimônias envolvendo a purificação pela água. É pouco provável que o trabalho de toda a sua vida tivesse começado sem nenhum contexto nem experiência anterior. Josefo diz que os essênios praticavam a imersão em água diariamente. Também imergiam em água aspirantes ao grupo como uma cerimônia de iniciação. Suas piscinas comunais, com degraus, são uma das características mais óbvias do assentamento em Qumrã. Estou convencido de que a caverna de Suba é nosso indício arqueológico mais antigo relacionado com João Batista — e muito possivelmente com o próprio Jesus, como veremos.'
Nada indica que João tenha se casado ou seguido um ofício. Era um nazareu — um "ser segregado" que deixava o cabelo e a barba crescerem, nunca bebia vinho e usava uma vestimenta tosca de pêlo de camelo com um cinto de couro. Esse estilo de vida se baseava em instruções da Torá que envolviam um voto especial de segregação da sociedade (Números 6). O termo nazareu é muitas vezes confundido com uma palavra parecida — nazareno. São diferentes em hebraico, embora sejam semelhantes em inglês e português. O primeiro, se refere a esse voto de separação a que a pessoa se submetia com fins espirituais. O segundo, se refere à cidade de Nazaré, e significa a cidade do "ramo", um termo, como já vimos, referente à linhagem real do Rei Davi. O movimento de Jesus foi inicialmente dito o dos "nazarenos", que, numa tradução grosseira, seriam "os messianistas" ou o povo do "Ramo". O termo veio de Isaías II, em que o Messias de Davi é mencionado como um "ramo" da linhagem de Davi que floresce.
Os evangelhos do Novo Testamento, em grego, dizem que a dieta de João consistia de "gafanhotos e mel silvestre", mas uma antiga versão hebraica, de Mateus, insiste que "gafanhotos" é uma tradução grega errada para uma palavra hebraica que significa bolo de algum tipo, feito de uma planta do deserto, semelhante ao "maná" que os antigos israelitas comiam no deserto, nos dias de Moisés. "Jesus descreve João "nemcomendo nem bebendo" ou "nem comendo pão nem bebendo vinho". Tais frases indicam o estilo de vida de um vegetariano rigoroso, que evita até o pão, pois tem de ser processado do trigo, e evita qualquer tipo de álcoo1. (10) A ideia seria só comer o que cresce naturalmente," como um modo de evitar todos os refinamentos da civilização. Em vista da aparência, dieta e vida solitária ascética de João, não se pode imaginar uma figura mais contracultural. O oposto cultural de João era Herodes Antipas, que finalmente mandou prendê-lo e decapitá-lo. Jesus havia contrastado o estilo de vida de João com o dos que vestiam mantos macios e viviam luxuosamente nos palácios reais (Lucas 7:25). A referência a Herodes e sua laia é indiscutível.
Ninguém maior que João
Como chefe de uma família grande, Jesus levava uma vida menos isolada, mas já que ele e João eram aparentados por parte de suas mães e tinham apenas seis meses de diferença em idade, é razoável presumir que se conheceram durante a juventude. As duas famílias teriam estado juntas em Jerusalém várias vezes por ano para as principais festas judaicas e, é inteiramente possível, que Jesus tenha visitado João na Judeia, ou João tenha visitado Jesus enquanto ele crescia na Galileia. Jesus e João não eram estranhos um ao outro. Na verdade, há indícios de que, juntos, começaram a formular um plano — uma estratégia dramática e ousada que, acreditavam eles, provocaria a queda do regime romano na Palestina e levaria à instituição mundial do Reino de Deus.
Quando se trata de entender João Batista e Jesus, da forma como eles se entendiam, e da forma como teriam sido vistos pela sociedade judaica de seu tempo, os evangelhos do Novo Testamento são tanto nossa melhor fonte quanto nosso maior obstáculo. Quando os evangelhos de Marcos, Mateus, Lucas e João foram escritos (70-100 d.C.), havia uma tentativa evidente dos cristãos de minimizar e marginalizar João Batista, enquanto exaltavam exageradamente o papel singular de Jesus. Não havia espaço para dois Messias. E, por essa mesma razão, Tiago, o irmão de Jesus que o sucedeu, foi praticamente eliminado da história. Os cristãos começaram a ver Jesus como o único Senhor e Cristo, com os papéis combinados de profeta, sacerdote e rei. João era visto de forma positiva, mas apenas como um precursor que apresentou Jesus ao mundo e depois rapidamente sumiu de cena.
O grande obstáculo enfrentado pelos cristãos era o fato de todos saberem que João havia batizado Jesus — não o contrário! Jesus havia procurado João e aderido ao seu movimento —, o que, no contexto do judaísmo antigo, significava que Jesus era um discípulo de João, e João era o rabino ou mestre de Jesus. Para cristãos posteriores, que haviam exaltado Jesus, essa ideia era inconcebível. Podemos comprovar nos quatro evangelhos do Novo Testamento uma tendência progressiva a lidar com esse fato histórico renitente e suas implicações minimizando a importância de João sem negar seu papel de precursor de Jesus.
Em Marcos, nosso primeiro relato, Jesus vai ao Jordão para ser batizado por João, mas João diz ao povo que vem alguém mais poderoso do que ele, cujas sandálias não é digno de desatar (Marcos 1:7). Em Mateus, João tenta impedir que Jesus seja batizado, insistindo que Jesus é quem o deveria estar batizando (Mateus 3:13). Lucas menciona que Herodes mandara calar e aprisionar João, e depois, no versículo seguinte, escreve "Agora quando todos foram batizados e quando Jesus foi batizado..." como a insinuar que talvez nem tenha sido João que batizou Jesus — visto que ele já estava preso (Lucas 3:19-21). Finalmente, no evangelho de João, o último relato, João Batista sequer batiza Jesus — o fato pode ser sugerido, mas não é declarado. Em vez disso, João vê Jesus e declara: "Eis o cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo" (João 1:29). Mais tarde, falando aos discípulos sobre Jesus, João diz: "ele deve crescer, e eu devo diminuir" (João 3:30). Embora esses relatos sejam muito influenciados pela teologia cristã posterior, oferecem um testemunho básico do fato de que Jesus foi batizado por João. Felizmente, outras fontes sobreviveram que nos permitem regredir por essas camadas de dogma e recuperar uma perspectiva perdida. É uma empreitada realmente empolgante.
Há mais de cento e cinqüenta anos, estudiosos na Alemanha identificaram o evangelho perdido Q. (12) Sua descoberta resultou de um maravilhoso trabalho de investigação de texto. Esse "evangelho" é chamado Q da palavra alemã Quelle ou `fonte". Não foi encontrado em uma caverna nem enterrado no chão, mas embutido nos evangelhos do Novo Testamento de Mateus e Lucas. Sempre estivera lá, escondido durante séculos, mas ninguém havia reparado nisso. Marcos escreveu primeiro, e Mateus e Lucas usaram Marcos como a fonte básica de suas narrativas. Mas ambos usaram também uma outra fonte, um documento que chamamos de Q e que já não temos mais. Extraindo de Mateus e Lucas o material que ambos têm em comum, mas que não está em Marcos, podemos reconstruir essa fonte perdida. (13)Vema ser uma coleção de coisas ditas e feitas por Jesus que antecede mesmo a Marcos Permitiu-nos ir além dos evangelhos como hoje se encontram, e perscrutar uma época anterior.
Como seria de esperar, a fonte Q tem muito material sobre João Batista. Jesus pergunta às multidões em relação a João,"0 que fostes ao deserto ver?" E ele mesmo responde: "Um profeta? Sim, digo-vos mais que um profeta" (Lucas 7:26). Faz então uma declaração surpreendente: "Digo-vos que entre os nascidos de mulheres, nenhum é maior que João" (Lucas 7:28). Já que Jesus é evidentemente "nascido de mulher", fica claro na fonte Q que Jesus está declarando que João é maior que ele. Essa declaração era um tal problema para os cristãos posteriores, que foi acrescentada uma frase definidora: "Entretanto, o menor do reino é maior que ele", em referência a João — mas esse acréscimo é claramente uma interpolação. Como se costuma dizer,"protesta demais". Isso agora é confirmado pela publicação de uma versão hebraica de Mateus que oferece uma versão desse Q atestando que não foi tocada por copistas e editoresgregos."Lá, o testemunho assombroso de Jesus quanto à grandeza de João aparece sem revisão nem definição: "Entre aqueles nascidos de mulheres não há nenhum maior que João". Já que Mateus foi escrito originalmente em hebraico, é possível que esse importante manuscrito esteja mais próximo, de certa forma, do texto original. Nesse texto de Mateus em hebraico, Jesus também diz sobre João: "Pois todos os profetas e a Lei falaram a respeito dele" (Mateus 11:13). Isso aparece na tradução grega como: "Todos os profetas e a Lei falaram até ele". É uma pequena mudança, mas com uma enorme diferença. Os cristãos mais tarde viram Jesus como aquele de quem todas as Escrituras falavam, e não João. Mas a expressão de Mateus em hebraico parece ser mais original, isto é, todos os profetas falaram da vinda de João, que é um testemunho importante de seu status. Finalmente, nesse texto de Mateus em hebraico, Jesus diz que João foi enviado para "salvar o mundo", enquanto nosso Mateus grego diz "restaurar todas as coisas" (Mateus 17:11). Os cristãos posteriores ficariam incomodados com qualquer palavra de Jesus que insinuasse que João era o "salvador", e não Jesus.
A fonte Q reconstruída também preserva para nós uma breve mas significativa amostra da pregação de João, em que ele diz ao povo: "Aquele que tem dois casacos, que os compartilhe com quem não tem nenhum; aquele que tem alimento, que faça o mesmo" (Lucas 3:11). Esse dito se tornou tão caracteristicamente associado ao ensinamento de Jesus, que poucos parecem notar que se origina de João. Nafonte Q, os seguidores de Jesus uma vez lhe pediram para "ensinar-nos a orar como João ensinou seus discípulos" e Jesus repete para eles a oração que aprendera de seu mestre João:
Pai, santificado seja vosso nome,
Venha a nós o vosso reino!
O pão nosso de cada dia nos daí hoje
E perdoai nossos pecados
Assim como nós perdoamos aqueles que têm dívidas para conosco.
E não nos levai à hora do julgamento. (Lucas 11: 1-4)
Os cristãos naturalmente sabem de cor a "Oração do Senhor", em uma versão expandida, dada por Mateus. Mas essa, vinda da fonte Q de Lucas, é a versão mais curta, mais original, que provavelmente chegou a Jesus por intermédio de seu mestre João.
A mensagem de Jesus, tão conhecida pelos cristãos no Sermão da Montanha, demonstra indícios de ser parte de uma mensagem que Jesus e João compartilhavam e pregavam. Jesus e João tornaram-se parceiros integrais no trabalho para o qual acreditavam ter sido chamados conjuntamente, mas a deferência de Jesus em relação a João é indiscutível em nossas fontes, uma vez removido o véu da teologia cristã. Segundo Jesus, João é "mais que um profeta","não há ninguém maior nascido de mulher" e, é ele "de quem toda a Torá e os profetas falaram", que veio para "salvar o mundo". Não foi por acaso que o ano seguinte, 27 d.C., é quase um espaço em branco em nossos registros. Foi esse o ano do trabalho conjunto dos Dois Messias — agora perdido para a história e memória cristãs.
CAPÍTULO NOVE
Um ano crucial perdido
João batizou Jesus no outono de 26 d.C. Nos evangelhos de Marcos, Mateus e Lucas, o ano seguinte, 27 d.C., está completamente ausente, o que, com certeza, não foi por acaso. O simples fato de João ter batizado Jesus era um problema para os cristãos posteriores, já que isso daria a Jesus um papel secundário em relação a João, seu mestre, de quem ele fala com tanta exaltação. O batismo de Jesus foi um fato histórico inegável, que não poderia ser apagado do registro. Mas o que se seguiu tornou-se um problema ainda maior.
Marcos registra o fato de que depois de seu batismo, Jesus retirou-se durante quarenta dias para o deserto, onde foi "tentado por Satanás" (Marcos 1:12-13). Mateus e Lucas acrescentam que jejuou durante esse tempo e dão detalhes sobre suas tentações. Marcos, então, diz, no versículo seguinte: "Aí, depois de João ser preso, Jesus veio para a Galileia proclamando a boa nova do Reino de Deus" (Marcos 1:14). Marcos dá a impressão de que muito pouco tempo havia se passado — Jesus é batizado, retira-se para o deserto durante quarenta dias, João é preso, e Jesus inicia seu trabalho público. De um só golpe, tirou João de cena, para só mencioná-lo novamente quando relata a sua morte. Ele pode agora dedicar toda a atenção a Jesus — no centro do palco, deixando João para trás, como um mero precursor da atração principal. Mateus e Lucas seguem seu exemplo. Se isso era só o que sabiam ou só o que resolveram contar, não podemos saber. Mas sabemos que essa não é a história completa. O que falta aqui é o que nenhum filme sobre Jesus jamais mostra e nenhum sermão cristão jamais menciona. É o evangelho de João que nos fornece indícios.
Jesus, o batista
João é o nosso último evangelho do Novo Testamento e contém uma visãomais exaltada de Jesus do que a dada por Marcos, Mateus ou Lucas. O Jesus de João é o Filho de Deus preexistente, glorificado, enviado do céu como Salvador da humanidade. João não relata uma história de nascimento, nem de tentação, nem de agonia no Jardim de Getsêmani, nem do grito final perguntando por que Deus o abandonou. Em João, Jesus é inteiramente vitorioso e parece mal "tocar a terra" antes de falar em sua volta ao céu, para se unir ao Pai. Como já vimos, o evangelhode João sequer relata o batismo de Jesus por João Batista. Em vez disso, assim que Jesus chega ao Rio Jordão, João Batista clama "Eis o Cordeiro de Deus que tira os pecados do mundo", declarando que Jesus era o Filho de Deus (João 1:29, 33). O evangelho de João é o evangelho de teologia cristã par excellence. Na verdade, o evangelho de João minimiza a importância de João Batista, a fim de exaltar Jesus,mais do que os outros três evangelhos do Novo Testamento. Assim, é ainda mais surpreendente que nos voltemos justamente para o evangelho de João em busca dessa informação histórica que falta. Mas é isso que acontece. Ao tentar demonstrar que Jesus foi muito mais importante que João Batista, o escritor nos conta o bastante para nos permitir uma reconstituição histórica plausível de um período que, de outra forma, estaria totalmente perdido para nós.
O rio Jordão perto de Salim, onde Jesus foi batizado
A despeito de sua exaltação de Jesus, o evangelho de João se desenvolve em uma estrutura narrativa, dando atenção a detalhes geográficos e cronológicos que faltam em Marcos, Mateus e Lucas. Cem anos atrás, era moda descartar inteiramente o evangelho de João quando se tratava de nos oferecer qualquer coisa relativa à "busca de um Jesus histórico". Isso agora mudou. Muitos estudiosos acham que João nos oferece peças importantes que faltavam à história.1De fato, é possível que, sustentando o evangelho de João, esteja o testemunho de um "discípulo" anônimo que podemos acreditar ter sido testemunha ocular dos acontecimentos da vida de Jesus, e que isso explique alguns dos detalhes que faltavam. Isso é, na verdade, a alegação feita no final do livro (João 21:24). Se temos, de fato, embutido em João tal depoimento de uma testemunha ocular, somos realmente afortunados.
Lucas afirma ter consultado testemunhas oculares ao escrever sua obra de dois tomos, o evangelho de Lucas e os Atos dos Apóstolos, mas ele próprio não presenciou nada da vida de Jesus em primeira mão (Lucas 1:2). Ele usa Marcos e Q como suas fontes principais, e colheu algum material próprio. Embora o evangelho de Mateus leve o nome do apóstolo Mateus, um dos 12, a obra em si nunca faz tal alegação. A associação com o nome de Mateus é urna tradição posterior. A verdade é que não sabemos quem escreveu Mateus, mas temos uma certeza razoável de que o autor não foi testemunha ocular, e de que sua obra é uma versão revisada de Marcos e da fonte Q, com um pouco de material próprio. Marcos é o nosso evangelho mais antigo, mas, da mesma forma, sua associação com Marcos, que, segundo dizem, foi companheiro de Paulo e, mais tarde, de Pedro, é também uma tradição posterior. Não temos a menor ideia de quem escreveu Marcos. E o mesmo podemos dizer do evangelho de João. Todos esses nomes se baseiam em tradição cristã posterior, e, embora nossos evangelhos do Novo Testamento contenham material histórico, a revisão teológica é fato que um leitor perspicaz deve ter sempre em mente.
Se deixarmos de lado a visão teológica de João, que apresenta Jesus como "Deus em carne e osso", e nos concentrarmos em seus detalhes narrativos, um quadronegligenciado começa a surgir. Quando Jesus, pela primeira vez, encontrou João Batista no Rio Jordão, conforme nos conta o evangelho de João, quatro indivíduos que farão parte do Conselho dos Doze de Jesus — a saber, Simão Pedro, seu irmão André, Felipe e Natanael — já eram discípulos de João Batista (João 1:35-49). A seguir, somos informados:
Depois dessas coisas, Jesus e seus discípulos foram para o país da Judeia, e lá Jesus permaneceu com eles e batizou. E João também estava batizando em Enom, perto de Salim, porque lá havia poças d'água, e o povo continuava vindo e era batizado. João, é claro, ainda não havia sido atirado na prisão. (João 3:22-24)
Note-se que é Jesus quem está batizando aqui; João também está operando livremente, e isso se passa um ano inteiro antes de Marcos retomar sua história após João ser capturado por Herodes Antipas e ser atirado na prisão. Acho que nunca houve um livro, um filme ou uma peça de teatro apresentando Jesus, o Batista. No entanto, aqui o temos como tal.
Isso era nada menos que uma campanha de batismo conjunta por João e Jesus, com João permanecendo no norte, na encruzilhada estratégica dos territórios de Galileia, Pereia e Decápolis, e Jesus indo para o sul, na zona rural da Judeia. No entanto, ainda há muito mais.
Antes de iniciar essa campanha no sul, Jesus voltou a casa, na Galileia, para participar de um casamento na pequena aldeia de Caná, logo ao norte de Séforis. Já que sua mãe parece estar encarregada da organização social, podemos supor que um dos irmãos dele, talvez Tiago, o segundo mais velho, estivesse se casando, possivelmente com uma moça daquela aldeia. Mais tarde, o evangelho de João menciona brevemente que Natanael é dessa mesma aldeia de Caná (João 21:2). Jesus, então, levou a família inteira — a mãe e os irmãos — de Nazaré para a cidade de Cafarnaum, ao norte de Tiberíades, na margem noroeste do Mar da Galileia (João 21:2). Era a primavera de 27 d.C., e a Páscoa dos hebreus se aproximava. A conexão com Cafarnaum é importante aqui. Jesus, com certeza, tinha algo estratégico em mente.
O evangelho de João diz que os irmãos pescadores Pedro (Simão Pedro) e André, bem como Felipe, eram de Betsaida, outra aldeia no Mar da Galileia, logoa leste. Tinham ido juntar-se a João Batista, perto de Salim, no Rio Jordão, algum tempo antes do batismo de Jesus, no outono de 26 d.C. O ano de 26-27 d.C., indo de outono a outono, era um ano sabático. De acordo com a Torá, a cada sete anos toda atividade agrícola cessava e o solo "descansava". O início do ano sabático oferecia uma oportunidade crucial para o desenvolvimento de seu plano. Milhares de camponeses e aldeões, cuja vida normal era presa aos ciclos agrícolas das estações, ficavam em grande parte livres de seu trabalho normal. Era a hora certa de atiçar um movimento entre as massas.
Os três, agora, se haviam juntado a Jesus. Havia outra família — Zebedeu, sua esposa Salomé, e os filhos, Tiago e João, que viviam em Cafarnaum. Pedro e André os conheciam e haviam trabalhado com eles no negócio de pesca. Não sabemos se Maria Madalena fazia parte do grupo nessa época, mas ela era do centro de pesca de Mágdala, logo ao sul de Cafarnaum. A essa altura, Jesus já havia reunido pelo menos dez discípulos homens — Pedro, André, Tiago, João, Natanael, Felipe, e provavelmente seus irmãos Tiago, José, Simão e Judas — que vieram de Nazaré com sua mãe e irmãs. Muito antes de Marcos retomar a história, Jesus já tem os constituintes de seus "Doze" apóstolos alinhados.
Tudo isso podemos depreender do evangelho de João. Nada disso é mencionado em Marcos, Mateus e Lucas. O que Jesus estava fazendo na primavera de 27 d.C., em Cafarnaum, era consolidar um grupo central de seguidores para a campanha vindoura no sul, na Judeia. Em vez de supor um afastamento ou ruptura entre Jesus e João Batista, com Jesus "roubando" alguns dos seguidores de João, o mais provável é que isso fosse um plano orquestrado. Jesus tornara-se parceiro total de João Batista, e o plano deles era incitar o país inteiro e abalar o sistema, tanto político quanto religioso, durante os meses do verão e do outono de 27 d.C. O timing dessa campanha era significativo, e não apenas em nível estratégico.
Cumpriu-se o tempo
O ano 26-27 d.C. não foi apenas mais um ano sabático. Havia um interesseintenso entre os judeus devotos, que compartilhavam uma visão apocalíptica do futuro, em calcular o que chamavam o "tempo do fim". O Novo Testamento está repleto desse tipo de linguagem. João Batista dizia às multidões que o machadodo juízo estava "agora à raiz das árvores" (Lucas 3:9). Jesus dizia que sabia como "interpretar os tempos" (Lucas 12:56). Ele se referia à sua própria geração como a geração final, que viveria para ver o Apocalipse (Marcos 13:30). Disse a seus discípulos que alguns deles não morreriam antes de ver o "Reino de Deus assumir o poder" (Marcos 9:1). Prometeu a seu Conselho dos Doze que se sentariam ao lado dele como príncipes "em 12 tronos, reinando sobre as 12 tribos de Israel" (Lucas 22:30). Paulo escreveu, nos anos 50 d.C.,"o tempo indicado se tornou muito curto (1 Coríntios 7:29). Pedro escreveu que "o fim de tudo está próximo" (1 Pedro 4:7). Tiago declarou, "O Juiz está à porta" (Tiago 5:9).
Sabemos agora, especialmente pela descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, que tal linguagem estava ligada a esquemas cronológicos e cálculos reais de exatamente quando o fim chegaria. Quando Jesus declarou que "cumpriu-se o tempo" e que "o Reino de Deus está próximo", não estava generalizando, mas referia-se especificamente a eventos que se desenrolariam de acordo com um cronograma profético.
Eram vários os esquemas, mas o que chamava mais atenção era a profecia de "Setenta Semanas" de Daniel. O livro de Daniel contém várias visões proféticas quanto ao "tempo do fim", mas uma, em particular, oferece uma contagem regressiva calculada de anos. Segundo essa profecia, a partir de um certo decreto para "restaurar e reconstruir" Jerusalém, após sua destruição pelos babilônios no século VI, decorreria um período de "setenta semanas de anos". Cada ano sabático marcava uma "semana" ou sete anos. Então, o período total de 70 x 7 era igual a 490 anos. Esse período, como um todo, é chamado o "tempo indicado para o fim". Lembrem-se de que a comunidade de Qumrã, que escreveu os Manuscritos do Mar Morto, havia declarado: "Este é o tempo de preparação do Caminho no deserto". Baseavam seus cálculos nessa profecia encontrada em Daniel. Josefo escreveu que o maior ímpeto inspirador da Revolta Judaica contra a autoridade romana foi um "oráculo" encontrado nas "sagradas escrituras", dizendo que "naquele tempo um de seu próprio país se tornaria o soberano do mundo".2 Ele se referia claramente à profecia das "Setenta Semanas" do livro de Daniel, e o soberano a quem se refere não é outro senão o Messias ou Rei judeu. Os essênios, que escreveram os Manuscritos do Mar Morto, correlacionaram esse período de 490 anos com o período dos dez Jubileus finais, cada qual durando 49 anos.' Cada Jubileu foi então dividido em "semanas" de sete anos cada. Quando o tempo do décimo Jubileu chegasse, faltariam apenas49 anos até o fim. Este Jubileu final marcaria a geração terminal que "só passaria quando todas as coisas fossem cumpridas".
Não sabemos qual o esquema cronológico exato endossado por João Batista e Jesus. Sua maneira de contar os anos era diferente da nossa, e certamente não tinham nosso calendário gregoriano. Contudo, vale notar que, se começarmos pelo ano 457 a.C., quando Ezra voltou para Jerusalém e começou a restaurá-la após o cativeiro na Babilônia, e contarmos 69 dessas "semanas" proféticas (483 anos), chegamos ao ano 26-27 d.C. — faltando uma "semana" de anos para chegar ao número mágico de 490. Pode bem ser que João Batista e Jesus tivessem algo semelhante a esse tipo de cálculo em mente. Talvez acreditassem que o ano sabático de 26-27 d.C. tivesse introduzido um período final de sete anos antes do Apocalipse. Qualquer que fosse o esquema, não há dúvida de que se convenceram de que o tempo estava próximo, e com Deus de seu lado estavam preparados para introduzir os acontecimentos profetizados dos últimos dias. Devido à profecia crítica de Daniel, uma tempestade apocalíptica se aproximava da Palestina romana do século I. Nunca houve antes uma época semelhante a essa, e nem depois. Mas só o timing não é suficiente. O outro componente da equação, absolutamente essencial para a mistura, foi o aparecimento de Dois. Messias.
Os dois ramos de oliveira
Cristãos e judeus acabaram focalizando o aparecimento de um único Messias. Isso certamente não era o caso no tempo de Jesus, como já vimos nos Manuscritos do Mar Morto. Em texto após texto, lemos sobre não um, mas dois Messias que introduziriam o Reino de Deus. Um será uma figura régia da linhagem real de Davi, mas, a seu lado, estará uma figura sacerdotal, também um Messias, da linhagem de Aarão, da tribo de Levi.
Zacarias, o profeta hebreu do século VI a.C., previu um homem, chamado "o Ramo", que seria honrado como rei e sentaria em seu trono, mas, Zacarias acrescenta: "Haverá um sacerdote ao lado do trono, com um entendimento pacífico entre os dois" (Zacarias 6:13). Eis aí um quadro claro de um Rei da linhagem de Davi e seu conselheiro, o Sacerdote ungido. Zacarias se refere, em uma outra visão, a "dois filhos de unção recente" (i.e.,"seres ungidos" ou "messias"), que "ficam diantedo Senhor do mundo inteiro". Em sua visão, compara-os a dois "ramos de oliveira" diante do Menorá, a lamparina a óleo de sete braços, que simbolizava o espírito e a presença de Deus.
Essa visão ideal de dois Messias tornou-se um modelo para muitos grupos judaicos orientados para o pensamento apocalíptico nos séculos II e I a.C. O Testamento dos Doze Patriarcas, que data do século II a.C., é sucinto: "Pois o Senhor elevará alguém de Levi a sumo sacerdote, e alguém de Judá a rei"' Ao longo de toda essa obra influente, há uma ênfase em que a salvação de Israel virá conjuntamente da tribo de Levi e da tribo de Judá, a tribo do Rei Davi. O Messias Sacerdote recebe mais atenção que o Messias Rei, e, de muitas maneiras, aparece com superioridade sobre a figura da linhagem de Davi. Na verdade, o próprio patriarca Judá declara, "Pois a mim o Senhor deu a realeza, e a ele o sacerdócio, e colocou a realeza abaixo do sacerdócio" O livro de Jubileus, vindo aproximadamente do mesmo período, pronuncia uma bênção perpétua sobre Levi, como o progenitor do sacerdote, e Judá, como o pai do "príncipe" que reinará sobre Israel e as nações' Tomando por base esses textos, parece que a noção de Dois Messias era a estrutura ideal de liderança judaica. É por essa razão que, nos séculos II e I a.C., os macabeus ou asmonianos, que podiam apenas reivindicar a linhagem sacerdotal levítica, nunca puderam realmente se estabelecer aos olhos do populacho como "reis", a despeito de grande poder político e militar. Entranhado na imaginação judaica estava o futuro ideal de que tanto um Sacerdote quanto um Rei regeriam juntos.
João Batista identificou-se como o "mensageiro" que prepararia o Caminho baseado em uma profecia do livro de Malaquias. A versão que lemos nas nossas bíblias modernas, hoje, é a seguinte:
Eis que envio meu mensageiro para preparar o caminho adiante de mim, e o Senhor que vós procurais repentinamente virá ao seu templo. O mensageiro da aliança em quem vos regozijais — na verdade ele está vindo, diz Yahweh, dos exércitos, mas quem pode suportar o dia da chegada dele, e quem pode ficar de pé quando ele aparecer? (Malaquias 3:1-2)
Essa tradução é baseada no texto padrão hebraico (Masorético), cuja cópia mais antiga data do século IX d.C. Agora temos uma versão desse mesmo trecho de Malaquias, encontrada entre os Manuscritos do Mar Morto. Esse manuscritodata do século I a.C., e, portanto, é mil anos mais antigo que nosso texto hebraico padrão. Notem com atenção as diferenças nos pronomes:
Portanto, eis que envio meu mensageiro e ele preparará o caminho adiante de mim. E eles repentinamente virão ao templo dele, o Senhor que vós procurais e o mensageiro da aliança, que vós desejais; eis que ele mesmo vem, diz Yahweh dos exércitos, mas quem poderá suportá-los quando eles vierem? (7)
Essa antiga versão de Malaquias tem duas figuras que virão juntas — um mensageiro da aliança, que prepara o Caminho, mas também um chamado "o Senhor que vós procurais".A palavra traduzida "Senhor" (adon) não é o nome hebraico para Deus, Yahweh, mas uma palavra que significa um "amo" ou regente de algum tipo. Pode bem ser que Jesus e João Batista tenham conhecido essa versão de Malaquias com os pronomes plurais, tendo se identificado de acordo. Era isso certamente o que entendiam os essênios que escreveram os Manuscritos do Mar Morto.
Em um dos mais antigos documentos de fundação dos Manuscritos do Mar Morto, a Regra da Comunidade, os essênios esperavam a vinda de um profeta que chamavam o Mestre, mas também os "Messias de Aarão e Israel". Eles imaginavam um futuro em que o Messias Sacerdote presidiria sobre um "banquete messiânico" com o Messias Rei de Israel, que eles chamam o "Príncipe da congregação", ou o -Ramo de Davi", como seu companheiro. Há muitas referências nos Manuscritos do Mar Morto à sua fervorosa expectativa de que esses dois Messias apareceriam. Por mais importante que fosse o "Ramo de Davi", eles, entretanto, tinham as esperanças mais extravagantes quanto ao sacerdote vindouro. Em um texto denominado o Testamento de Levi, lemos o seguinte:
Ele remirá os filhos de sua geração e será enviado a todos os filhos de seu povo. Sua palavra é como uma palavra do céu, e seu ensinamento está de acordo com a vontade de Deus. Seu eterno sol brilhará, e seu fogo arderá em todos os cantos do mundo. Então, a escuridão desaparecerá da terra, e a escuridão profunda, do solo ressecado. (8)
Esse texto surpreendente parece combinar com o alto conceito que Jesus tinha de seu mestre João Batista — pelo menos segundo a fonte Q. É exatamente o oposto da camada teológica que nossos evangelhos do Novo Testamento projetam em suas formas finais, revisadas no esforço de tornar Jesus maior que João. Certamente apóia a probabilidade histórica de que Jesus realmente visse João como seu mestre, bem como o sacerdotal Messias de Aarão de quem os profetas haviam falado. Por essas razões, Jesus se teria submetido à liderança e orientação de João, uma noção inteiramente perdida nos nossos evangelhos, exceto na fonte Q.
A comunidade dos Manuscritos do Mar Morto esperou muito tempo pelo cumprimento dessas importantes expectativas. Haviam-se retirado para o deserto da Judeia em algum ponto do século II a.C., atendendo à Voz que ouviram por meio das profecias de Isaías, Daniel e Malaquias. Convenceram-se, como já vimos, de que "este era o tempo" da preparação "do Caminho". Em algum momento do século I a.C., uma figura influente, que possuía grandes dons espirituais e interpretativos, surgiu entre eles. Nos Manuscritos, é chamado de "Mestre da Integridade". Não sabemos seu nome, mas muitos acontecimentos de sua vida e até alguns de seus escritos estão preservados nos Manuscritos. A comunidade via-o como um tipo de "Profeta como Moisés", que os convocara para uma "nova aliança". Eles se consideravam um grupo remanescente de israelitas fiéis que haviam renegado seus pecados e se separado da sociedade ímpia que os cercava. Consideravam o sistema religioso de seu tempo, fosse fariseu ou saduceu, irrevogavelmente corrupto e comprometido. Comportavam-se sob a interpretação mais rigorosa das leis da Torá e acreditavam firmemente que estavam vivendo os "últimos dias". Acreditavam que seu Mestre lhes havia fornecido a interpretação inspirada definitiva de todos os segredos dos seus escritos proféticos.
Quando seu Mestre foi morto, provavelmente em meados do século I a.C., convenceram-se de que a contagem regressiva final havia começado, e que os Dois Messias em breve apareceriam. Há alguns textos que mencionam um período final de "quarenta anos" após a morte do Mestre. Os quarenta anos se passaram, mas não há nenhum registro em qualquer dos Manuscritos do Mar Morto de que os Dois Messias tenham aparecido. Foi como se todas as suas esperanças e expectativas tivessem parado no tempo e sido postas à espera. Um pequeno grupo de sua comunidade ainda vivia no assentamento que conhecemos como Qumrã, no século I d.C., e se são de fato o povo que conhecemos como os essênios, estavam espalhados em comunidades ao longo de toda a Palestina. Eles não se extinguiram, a despeito do fracasso de suas expectativas originais. É provável que fossem, em parte, responsáveis por manter viva a esperança na vinda dos Dois Messias.
Em vista dessas esperanças e expectativas profundamente enraizadas entre esses judeus messiânicos, é difícil imaginar o grau de emoção e fervor que João Batista e Jesus teriam provocado ao preparar seus próximos passos na primavera de 27 d.C. João, como um sacerdote da tribo de Levi, e Jesus, como um descendente de Davi da tribo de Judá, devem ter incitado as esperanças de milhares que aguardavam a chegada dos Dois Messias como um sinal certo do fim. Até mesmo Herodes Antipas logo sentiu o ferrão da mensagem abrasadora de João Batista clamando por arrependimento. Os cristãos tendem a imaginar um Jesus "brando e humilde" que raramente elevava a voz, mas os indícios mostrarão que ele aprendeu bem com seu mestre e que, assim como João Batista, a mensagem radical de Jesus dividia famílias e aldeias e abalava o sistema político e religioso.
Jesus na Judeia
Com base nas indicações obtidas no evangelho de João, a campanha de batismo de Jesus e seus discípulos na zona rural da Judeia deve ter durado o verão e o outono inteiros e chegado ao inverno de 27 d.C.9A campanha foi muito bem-sucedida, com Jesus recebendo e batizando até mais discípulos que João Batista, que estava trabalhando no norte. Embora o evangelho de João pareça satisfeito em relatar esse êxito como uma forma de insinuar que Jesus é maior que João, não há motivo para pressupor algum tipo de rivalidade. A campanha no sul, evidentemente, ia muito bem. O fato de Jesus ter estado batizando foi, é claro, um problema para os cristãos posteriores. Ele não está administrando um "batismo cristão" em nome do "Pai, do Filho e do Espírito Santo". Um posterior revisor de João até acrescentou uma qualificação colocada entre parênteses: "embora não fosse o próprio Jesus que batizava, mas seus discípulos" (João 4:12). Esse tipo de interpolação é como uma bandeira vermelha, dizendo-nos que alguém se sente muito pouco à vontade aqui, embora o texto diga claramente que Jesus estava batizando e ganhando discípulos!
Os fatos históricos são claros: Jesus aderiu ao movimento de João Batista e foi batizado por ele com um "batismo de arrependimento pela remissão de pecados". Então, uniu-se a João em um passo estratégico para alcançar o país todo, de uma só vez. Jesus estava pregando e praticando o mesmo batismo — o batismo de João.Eram aliados e não há motivo para achar que sua mensagem ou seu modo de operar fossem diferentes.
Parece certo que a mãe, os irmãos, e as irmãs de Jesus reagiram ao batismo de João, bem como todos que trabalhavam com ele como "discípulos", incluindo Pedro e André, os pescadores Tiago e João, Felipe, Natanael e todos os outros. Não temos registro de que qualquer um dos discípulos ou apóstolos de Jesus tenha sido rebatizado após se tornar "cristão": Em outras palavras, sua fidelidade a Jesus, como o Messias de Davi, de forma alguma envolvia uma atitude religiosa diferente da experimentada com João Batista. A verdade chocante é que nenhum dos apóstolos ou discípulos de Jesus jamais teve um "batismo cristão" de acordo com o que veio a ser definido no dogma cristão — isso é, "em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo". Eram batizados por João e era só isso. Segundo a fonte Q, nosso mais autêntico documento cristão antigo, aqueles que rejeitavam o batismo de João haviam "rejeitado o desígnio de Deus" (Lucas 7:29-30). Na última semana da vida de Cristo, ele, na verdade, havia levantado essa questão com seus opositores religiosos, desafiando-os a dizer publicamente que João era um falso profeta, já que haviam rejeitado seu batismo. Eles não ousaram fazer isso, sabendo que o populacho como um todo venerava João e o considerava um grande profeta. Mais tarde, depois da morte de Jesus, quando foi escolhido um substituto no Conselho dos Doze para Judas Iscariotes, que havia traído Jesus e se suicidara, foi especificado que apenas candidatos que haviam estado com Jesus e o grupo "a partir do batismo de João" seriam levados em consideração para essa importante posição (Atos 1:22). Os cristãos, mais tarde, tenderam a separar os dois movimentos — o de João Batista e o de Jesus, como se um fosse "judaico" e o outro "cristão". Durante a vida de Jesus e entre seus seguidores imediatos, havia um só movimento unificado e um só batismo.
No final de 27 d.C., do ponto de vista desse movimento messiânico, havia apenas dois tipos de judeus na Palestina — os que responderam positivamente à pregação de João e de Jesus e tinham sido batizados, e os que não fizeram isso. Não existia meio-termo. O "trigo" havia sido separado do "joio". O machado estava suspenso sobre a raiz da árvore.
Contam que Jesus desenvolveu sua campanha de batismo na "zona rural da Judeia". Isso sugere que foi fora da cidade de Jerusalém, provavelmente a oeste, no que era chamado a "região montanhosa" da Judeia. A leste ficava o árido deserto daJudeia. Ao norte ficava o território estrangeiro da Samaria. Qual teria sido então o lugar exato onde Jesus realizou seus esforços de batismo em massa?
A região montanhosa da Judeia, perto de Suba, onde Jesus batizou multidões
Como já vimos, uma das perguntas com que nos defrontamos desde 2001, quando começamos a remover a imensa quantidade de louças de barro da caverna de Suba, era como tudo aquilo fora parar lá — e por quê? Os indícios ali indicam um nível excepcionalmente alto de atividade nessa caverna no princípio do século I d.C. — muitíssimo mais do que seria de esperar de atividades de coleta de água normais na área local. Shimon Gibson e eu havíamos postulado que grandes multidões de pessoas vinham a essa caverna, que água era despejada de pequenos jarros ritualmente sobre as cabeças como parte de uma cerimônia de imersão, e que os jarros eram quebrados para impedir seu uso subseqüente para fins normais. Havíamos explicado essa atividade inusitada como estando possivelmente associada às atividades iniciais de João Batista.
Voltei a Suba recentemente, enquanto escrevia este livro. Uma nova ideia me ocorreu. Perguntei-me: o que sabemos a respeito de quem está batizando essasgrandes multidões na zona rural da Judeia? Comecei a perguntar-me por que presumir que fosse João, quando temos uma tradição confiável de que o próprio Jesus pregou e batizou na zona rural da Judeia, e batizou grandes multidões? Lembrei que Maria, sua mãe, havia fugido para essa mesma região quando grávida de Jesus, a fim de morar com os pais de João, Isabel e Zacarias. Podemos presumir que, durante os anos em que Jesus crescia, sua mãe e família teriam visitado Isabel, já que viajavam à Judeia várias vezes por ano para as festas judaicas. Não há dúvida de que Jesus tinha um relacionamento com João anterior aos trinta anos, quando o encontrou para o batismo no Rio Jordão na Galileia. João passara seus anos de solidão perambulando por essas mesmas colinas e vales. Não é nenhum exagero imaginar que tanto João como Jesus teriam conhecimento de um reservatório de água tão impressionante na região, datando desde o tempo do Profeta Isaías. É de presumir que toda a população local soubesse de sua existência.
Lembro-me de estar sentado do lado de fora da caverna à tarde, ao pôr-do-sol, tentando imaginar o que poderia ter ocorrido. Seria possível que Pedro, Tiago, João e os outros apóstolos, e talvez até a mãe e os irmãos de Jesus, tivessem pisado esse mesmo solo e entrado nessa mesma caverna? Teria Jesus, talvez, pregado a grandes multidões que se juntavam nesse amplo e plano vale que se descortinava diante de mim? Teriam ele e sua entourage morado e acampado nessa linda região, usando algumas das cavernas naturais que havíamos descoberto nas cercanias? E, se não aqui, onde então? Não há rios, nem poças, nem fontes significativas na região que se comparem em tamanho àquela. Logo do lado de fora da caverna fica um amplo vale que teria acomodado as grandes multidões que talvez tivessem se juntado. Nossa caverna de Suba bem pode ter sido uma área central de concentração para a campanha de pregação e batismo de Jesus no final de 27 d.C. Naquela tarde, achei fácil imaginar Jesus e seus seguidores na caverna de Suba.
A campanha de batismo de Jesus, por mais vitoriosa que tivesse sido, sofreu uma interrupção abrupta em algum momento no princípio de 28 d.C. Uma notícia chocante chegou ao norte, vinda da Galileia, Herodes Antipas aprisionara João Batista. Segundo o evangelho de João, Jesus então soube que alguns dos fariseus em Jerusalém, que se opunham a João, estavam assustados com o sucesso de Jesus com as multidões, e, por isso, estavam tomando medidas ameaçadoras contra suas atividades (João 4:1-3). Era hora de ir para a clandestinidade.
CAPÍTULO DEZ
Introduzindo o reino
Foi um golpe chocante e terrível para o movimento messiânico. Seu fundador e líder, João Batista, havia sido atirado à prisão por Herodes Antipas, soberano de Galileia e Pereia. Segundo o evangelho de Marcos, João Batista havia denunciado publicamente Herodes por ter tomado a linda Herodíades, esposa de seu irmão Felipe, que participou por vontade própria no adultério. Josefo não menciona especificamente esse incidente, mas diz que Herodes se assustou com a influência extraordinária de João sobre o povo, temendo que incitasse uma "revolta". João localizara-se estrategicamente no limite do território de Herodes, na Galileia oriental, para que pudesse, se necessário, fugir, atravessando o Rio Jordão, para a região chamada Decápolis, fora de sua jurisdição. As tropas de Herodes conseguiram pegá-lo de surpresa, e ele foi levado para Maqueronte, uma das fortalezas de Herodes no deserto, no lado leste do Mar Morto. A intenção era colocá-lo em uma das regiões mais remotas de seu reino, para diminuir as possibilidades de sublevação popular.
No sul, Jesus sabia que seus próprios dias de batismo estavam contados. Um novo procurador romano chamado Pôncio Pilatos, nomeado pessoalmente pelo imperador Tibério, assumira a autoridade militar da província da Judeia, em 26 d.C. Mostrara-se imediatamente um chefe brutal, sem qualquer preocupação com a sensibilidade religiosa judaica. Trouxera os símbolos militares romanos, com seus bustos de César, para dentro da cidade santa de Jerusalém. Pouco depois, tirara dinheiro do tesouro do Templo sagrado para cobrir os custos de finalização de um aqueduto para Jerusalém. As multidões judaicas estavam alvoroçadas, e ambos os incidentes provocaram tumultos aos quais Pilatos reagiu com violência, matando um grande número de judeus. (1) A estabilidade na Judeia era a grande preocupação dos romanos, e a última coisa que desejavam era um profeta judeu, da linhagem de Davi, atraindo grandes multidões e falando sobre o advento do Reino de Deus.
Jesus tinha de encontrar um jeito de voltar com segurança à Galileia, onde poderia se esconder por uns tempos, até que ele e seu grupo resolvessem o que fariam em seguida. Sabia que não poderia passar por Jerusalém e descer para Jericó, pela estrada principal ao longo do Rio Jordão, ao norte, passando exatamente pelo lugar onde João havia sido capturado. Decidiu ir diretamente para o norte, ao longo do território montanhoso e difícil da Samaria, que os judeus devotos normalmente evitavam, já que consideravam os samaritanos inferiores em religião e cultura, e a região, em geral, "pagã". Herodes, o Grande, havia construído sua capital lá, em Sebastes, e coroado a fortaleza da cidade com um templo ao Imperador Augusto. Jesus não retornou à sua cidade de Nazaré, temendo, talvez, que Herodes o estivesse procurando também. Em vez disso, foi para a cidadezinha de Caná, ao norte de Séforis, onde se realizara o casamento, no ano anterior. Se foi um de seus irmãos que se casara com uma moça de Caná, talvez a família da noiva tenha dado a Jesus e seus seguidores um abrigo seguro temporário. Foi ali, provavelmente, que, na primavera de 28 d.C., Jesus traçou seu plano.
A criação de um Messias
Não podemos ter certeza de como e quando Jesus desenvolveu sua própria compreensão de seu papel e missão no que acreditava ser o plano divino para introduzir o Reino de Deus. Certamente, cresceu sabendo que ele e os irmãos eram herdeiros masculinos da linhagem real do Rei Davi, e teria plena consciência das significativas implicações messiânicas dessa herança. As Escrituras hebraicas estavam cheias de promessas de que Deus, nos "últimos dias", ergueria um Rei da linhagem de Davi que seria atuante na derrubada do jugo estrangeiro e no estabelecimento de um Reino de Israel independente, iniciando assim a Nova Era de paz e justiça para o mundo inteiro. A profecia de Jeremias descreve isso sucintamente:
Os dias certamente estão chegando, diz Yahweh, quando erguerei para Davi um Ramo honrado, e ele reinará como rei e agirá com prudência, e exercerá a justiça e a integridade na terra. Em seus dias, Judá será salva e Israel viverá com segurança. (Jeremias 23:5-6)
Isaías usou linguagem semelhante: "O aumento de seu governo e a paz não terão fim, sobre o trono de Davi e sobre seu reino para estabelecê-lo e mantê-lo com justiça e integridade para todo o sempre" (Isaías 9:7). Miqueias havia previsto que esse "seria grande até os fins do mundo" (Miqueias 5:4). Amós havia prometido que Deus "levantaria a tenda de Davi que havia caído" e reconstruiria sua casa como nos dias passados (Amós 9:11). Esse Messias, o "Ramo de Davi", encheria a terra com o conhecimento de Yahweh, como as águas cobrem o mar, e faria com que o lobo vivesse com o cordeiro, e o leão comesse palha como o boi (Isaías 11:6-9). O quadro completo desse novo Rei dos Judeus foi bem apresentado em um texto popular do século I a.C., conhecido como os Salmos de Salomão:
Vede, Senhor, e erguei-lhes o rei deles, o filho de Davi,
No tempo em que achardes, oh, Deus,
Que ele poderá reinar sobre Israel, vossa serva.
Dotai-o de força para que possa destruir os governantes injustos,
E purgue Jerusalém
Das nações que a pisaram até sua destruição.
Com sabedoria e justiça, expulsará os pecadores da herança...
Destruirá as nações ímpias com a palavra de sua boca.
A uma censura sua, as nações se ajoelharão diantedele...
E ele reunirá um povo santo,
Que conduzirá em justiça.
E ele julgará as tribos do povo
Santificado pelo Senhor, seu Deus. (2)
Jesus tem um programa de "seis pontos": reinar sobre Israel no trono de Davi; purgar Jerusalém e a terra de Israel de soberanos estrangeiros; estabelecer um regime de justiça; separar os pecadores do povo de Israel; estender seu governo a todas as nações ímpias do mundo; reunir todas as tribos dispersas de Israel.
Essa é a agenda ambiciosamente extravagante exigida de qualquer candidato da linhagem de Davi que, porventura, sentisse inclinações messiânicas para esse tipo de vocação. Para os romanos, tais ideias devem ter parecido totalmente ilusórias, e os judeus pragmáticos sempre poderiam interpretar a linguagem de seus profetas menos literalmente, ou ignorá-la de todo. Mas milhares de judeus acreditavam queesse rei ideal da linhagem de Davi apareceria e, com os poderes sobrenaturais de Deus, realizaria tudo isso. Todos os indícios indicam que Jesus era esse judeu.
O reino de Deus nesses textos não é um sentimento ou um conceito etéreo. A linguagem é concreta e particular. A palavra "reino", tanto em hebraico como em grego, significa "governo" ou "autoridade", assim como se poderia falar do "reino" de Herodes ou da "autoridade" romana. A oração ensinada por João e Jesus definia o reino de Deus como a "vontade de Deus feita na terra" como já era feita no céu. Esse não era um reino "no" céu, mas a ideia da autoridade "do" céu, penetrando a história da humanidade e manifestando-se na terra. Isso era entendido literalmente como nada menos do que uma revolução, uma derrubada completa do status quo político, social e econômico.
Como vimos no capítulo anterior, o timing era tudo. Daniel tivera uma visão-sonho em que quatro grandes "bestas" surgiam do mar e reinavam sobre a terra. Foi-lhe dito que cada uma representava um"reino mundial" que surgiria. No tempo de Jesus, esses eram tidos como sendo Babilônia, Pérsia, Grécia e Roma.' Além disso, Daniel soube que "nos dias desses reis", falando dos soberanos desse quarto reino, "o Deus do céu estabeleceria um reino que jamais seria destruído", despedaçando todos os outros reinos do mundo (Daniel 2:44). Uma vez que Roma havia entrado no Mediterrâneo oriental, ocupando a Palestina, como fizeram Alexandre Magno, Ciro e Nabucodonosor em séculos passados, o tempo do "quarto" reino havia chegado. Isso, aliado ao período de contagem regressiva final de Daniel, de 490 anos ou dez ciclos de Jubileus, havia convencido as pessoas na Palestina romana do século I que levavam os profetas hebreus a sério de que elas estavam vivendo nos "últimos dias" ou no "final dos tempos". É extremamente importante notar que não esperavam o "fim do mundo"; essa expressão jamais ocorre. É sempre o fim dos "tempos", ou o período de tempo em que reinos gentios prevalecem antes da chegada da Nova Era — o Reino de Deus. Nos Manuscritos do Mar Morto chama-se "os tempos finais da perversidade".
Jesus compartilhava essa compreensão do tempo e da história. Sua mensagem depois da prisão de João, quando começou a pregar, era: "Cumpriu-se o tempo, o Reino de Deus está próximo". Ele talvez tenha crescido com esse ponto de vista apocalíptico, que certamente se intensificou quando se tornou adulto e começou a cogitar sobre o que acreditava ser seu próprio destino e sua vocação. Era a pessoa certa no momento certo — mas havia um outro componente vital.
Estou convencido de que Jesus provavelmente começou a ler certas passagens das Escrituras hebraicas e a aplicá-las a si mesmo. (4) Em minha opinião, esse fator é absolutamente vital para compreendermos o desenvolvimento de sua noção de auto-identidade messiânica. Há vários textos da Escritura que apresentam a agenda geral do Rei descendente de Davi, como observei acima. Mas há outros textos messiânicos, especialmente na metade final do livro de Isaías e nos Salmos, que têm uma qualidade muito mais pessoal — alguns deles são até escritos na primeira pessoa. Por exemplo, Isaías 61 começa: "O espírito do Senhor Yahweh está em mim porque Yahweh me ungiu; ele me enviou para trazer a boa nova aos oprimidos, para juntar os de coração partido, para proclamar a liberdade aos cativos, e soltar os prisioneiros; para proclamar o ano do favor de Yahweh, e o dia de vingança de nosso Deus". Se alguém que está convencido de um destino messiânico pessoal lê esse texto e "ouve" sua própria voz, uma dinâmica poderosa entra em ação. O texto serve para confirmar e reforçar a identidade dessa pessoa, enquanto a identidade encontra expressão e direção específicas ao longo do texto.
Em alguns desses textos, Deus fala ao eleito diretamente. Muitas vezes estabelece-se o diálogo entre Deus e o indivíduo, aquele se dirigindo a este, que lhe responde. Notem com atenção a mudança de pronomes nesta passagem singular:
Eu, até eu, falei com ele e o chamei, eu o trouxe e ele prosperará em seu caminho [Deus falando].
Aproximai-vos de mim e escutai! Desde o começo eu não tenho falado em segredo, desde o tempo em que veio a ser eu estou aqui, e agora o Senhor Yahweh me enviou e seu espírito [indivíduo respondendo]. (5)
Há passagens em que uma "conversa" de fato ocorre entre o eleito e Deus, com Deus oferecendo tanto direção quanto correção relacionadas à missão divina. Isaías 49 é um dos melhores exemplos disso. O eleito declara: "Yahweh me chamou antes de eu nascer, enquanto estava no ventre de minha mãe ele me nomeou" (Isaías 49:1). Mais tarde, quando o eleito fica desanimado, Deus o repreende: "Não basta que sejas meu servo para levantar as tribos de Jacó e restaurar os sobreviventes de Israel; destinei-te a seres a luz das nações, para que minha salvação atinja os confins do mundo" (Isaías 49:6). Algumas dessas passagens exibem um grau surpreendente de intimidade e emoção pessoal: "O Senhor Yahweh me deu a língua de um mestrepara que eu possa saber como confortar os fatigados com uma palavra. Manhã após manhã ele desperta, ele desperta meu ouvido para escutar como aqueles que são ensinados" (Isaías 50:4).
Dúzias dos salmos funcionam da mesma maneira, especialmente os que parecem ter conteúdo messiânico. O Salmo 40 é bem surpreendente quanto a isso. Alega ter sido escrito pelo Rei Davi, mas por certo um descendente de Davi facilmente reconheceria nele sua própria voz: "Sacrifício e oferta não desejas, mas abriste-me os ouvidos... Então disse eu: 'Aqui estou; no rolo do livro está escrito a meu respeito. Deleito-me em fazer a tua vontade, ó Deus meu; sim, a tua Lei está dentro do meu coração" (versos 6-8). Aqui temos uma declaração explícita de que aquele de quem se fala também é aquele a respeito de quem se escreve nos pergaminhos da Escritura. E a noção do "ouvido aberto" liga-se bem à passagem acima de Isaías 50.
Se Jesus, de fato, começou a se apropriar desses textos da Escritura e neles encontrou a sua voz, não foi o primeiro a fazê-lo. Nos Manuscritos do Mar Morto há um texto extraordinário chamado Hinos de Ação de Graças, partes do qual estudiosos acreditam terem sido escritas pelo próprio Mestre da Integridade. O Mestre, líder da comunidade dos Manuscritos do Mar Morto, definitivamente via-se nesse papel de eleito, e aplicava regularmente a sua vida e a seu tempo alguns desses mesmos textos. Esse texto fascinante, que em alguns trechos assume aspecto de autobiografia, nos dá um vislumbre da consciência interior do Mestre e de como ele formou sua própria auto-identifidade messiânica como profeta para sua comunidade. Com esse modelo fica mais fácil imaginar alguém como Jesus, por causa de sua linhagem de Davi, aliada a seu tempo e suas circunstâncias, sofrendo processo semelhante.
Acredito que em algum ponto da vida de Jesus, talvez mesmo antes de se unir a João no batismo e vir a público com sua missão, Jesus tenha encontrado sua própria voz em textos da Escritura como esses. Eles não lhe deram apenas confiança interna e força de convicção, mas também lhe ofereceram um tipo de mapa do que aconteceria. Existe uma linha tênue entre acreditar que a profecia prevê um certo desenrolar de eventos e procurar, até certo ponto, orquestrar esses eventos porque são previstos em profecia. Estudiosos e historiadores têm travado um debate prolongado, do tipo ovo ou galinha, sobre se Jesus foi movido por textos de Escritura ou se textos de Escritura foram imputados a sua vida depois do fato, em um esforço para demonstrar que ele cumpriu a Escritura. Exceto em alguns casos, acho muito mais provável que ele tenha sido movido pelas Escrituras. (6)
Embora tenhamos muito menos material sobre João Batista, nos textos que temos, perguntam-lhe constantemente: És o Messias? És Elias? És o Profeta? Cada unia dessas designações reflete uma certa leitura dos textos da Bíblia hebraica que tratam da chegada prevista de figuras-chave, e de seus papéis esperados na introdução do Reino. Quando João responde, é significativo que responda textualmente — não por uma visão ou revelação pessoal que pudesse ter alegado. Cita Isaías 40 e Malaquias 3 e diz que é o Mensageiro de que se fala nesses textos. Quando Jesus é batizado, a "Voz" que escuta é o eco de um texto de Isaías. Mais tarde, quando se identifica de modo público aos habitantes de Nazaré, o faz textualmente, lendo Isaías 61 com sua voz na primeira pessoa e concluindo: "Neste diaesta escritura foi cumprida em seus ouvidos" (Lucas 4:21). Parece-me provável que tanto Jesus como João tenham formado suas próprias auto-identidades e a visão de sua missão conjunta como sacerdote e rei, a partir de textos específicos tirados da Bíblia hebraica, bem como de tradições de interpretação populares entre os judeus de orientação apocalíptica de seu tempo. Os Manuscritos do Mar Morto são nossa melhor janela sobre como se visualiza o futuro por meio do texto.
O Reino de Deus está próximo
A prisão de João Batista por Herodes Antipas deve ter sido choque e surpresa terríveis para todos — Jesus incluído. Ele se retirou para a Galileia a fim de considerar seu próximo passo. E é nesse ponto que Marcos retoma a história:
Então, depois que João foi preso, Jesus veio à Galileia, proclamando a boa nova do reino de Deus e dizendo: "Cumpriu-se o tempo, e o reino de Deus está próximo, arrependei-vos e crede na boa nova" (Marcos 1:14).
Simão Pedro, seu irmão André, e os "filhos de Zebedeu", Tiago e João, haviam voltado a Cafarnaum para continuar seu negócio de pesca enquanto aguardavam informações do que Jesus faria a seguir. Pedro havia estabelecido suas operações em uma casa e levara sua família para lá. Jesus deixou a pequena aldeia de Caná, onde ele e a família provavelmente ficaram escondidos, e dirigiu-se para Cafarnaum a fim de informar aos discípulos sua decisão de pegar a estrada novamente. Foi um passo ousado, um passo que, sabia, poderia levá-lo à prisão também.
Quando lhes disse "Abandonemos as redes e vamos pescar pessoas", não largaram tudo cegamente, em algum estado de devoção hipnotizada diante de seu convite irresistível, como é tantas vezes descrito. Esses discípulos haviam trabalhado e vivido com ele durante meses, no ano anterior, na Judeia, quando estavam batizando enormes multidões de pessoas. O mesmo, provavelmente, se aplica a Levi ou Mateus, que tinha ido trabalhar na estação de pedágio em Cafarnaum. Essa ocupação não significa que ele seja um colaborador pró-romano, mas apenas que encontrara trabalho na complexa rede financeira criada pela indústria da pesca naquela região. Jesus estabeleceu um quartel-general do movimento na casa de Pedro, e a notícia de que algo grande estava em andamento espalhou-se rapidamente entre os seguidores que estavam com ele desde o princípio. Todos se reuniram em Cafarnaum.
Do quartel-general em Cafarnaum, Jesus e sua entourage começaram a viajar por todas as cidades e aldeias da Galileia, pregando a todos que vinham escutá-los. Periodicamente, retornavam a Cafarnaum para se reagrupar e, então, sair novamente. Não sabemos quantos discípulos seguiam Jesus nessa época, mas devemos imaginar um núcleo ativo e treinado de partidários, talvez várias dúzias, incluindo muitas mulheres que acompanhavam o grupo e davam apoio logístico (Lucas 8:1-3). Iam de aldeia em aldeia, lidando com enormes multidões que acorriam a eles durante o dia e acampavam à noite.
A mensagem era simples: "Afastai-vos de vossos pecados, pois o Reino de Deus está próximo — o juízo está próximo". Em cada local, Jesus impunha as mãos sobre os doentes ou fisicamente deficientes e expulsava espíritos maus ou demônios. Pensava-se que doenças eram causadas por demônios "que cerceavam" as pessoas, então suas atividades de cura e de exorcismo eram coerentes.' Jesus era um revolucionário político que esperava nada menos que a derrubada violenta dos reinos do mundo, mas não achava que isso se daria pela reunião de armas e de tropas rebeldes, como foi tentado por alguns de seus contemporâneos. O primeiro passo era derrotar Satanás e seus poderes. Do ponto de vista de Jesus, para que o Reino de Deus chegasse, não só Herodes, Pôncio Pilatos e as legiões romanas teriam de ser depostos, mas sobretudo o próprio Satanás, que era considerado o "soberano dos tempos" por trás dos bastidores. Jesus ligava diretamente seu poder de expulsardemônios a "atar Satanás" e destruir seu reino. Em uma passagem da fonte Q, faz um pronunciamento decisivo: "Se eu, pelo dedo de Deus, expulso demônios, então o Reino de Deus chegou a vós" (Lucas 11:20). Um era sinal certo do outro.
As campanhas de pregação continuaram nos primeiros meses de 29 d.C. O efeito era imenso. Multidões enormes se reuniam para ouvi-lo pregar e para presenciar os exorcismos e curas propalados. Segundo Marcos, as pessoas afluíam para a Galileia, da Judeia e de Jerusalém, do lado leste do Jordão e até de Tiro e Sidônia, ao norte. João havia causado bastante agitação na Galileia, mas não era nem curador, nem exorcista, e agora parecia impotente, aprisionado em Maqueronte. Essas novas atividades de Jesus e o poder resultante que começava a perceber em si mesmo energizaram o movimento messiânico, tornando-o o centro das atenções. Esses acontecimentos naturalmente não agradavam a todos. Havia grupos de opositores fariseus, na região, cuja base de poder estava sendo ameaçada. Provavelmente, temiam que tanto sua influência quanto sua base econômica fossem desafiadas pelo amplo apoio, entre o populacho, a um carismático pregador do Reino de Deus. Agentes de Herodes, a quem o Novo Testamento se refere como "herodianos",começaram a conspirar para impedi-lo de continuar (Marcos 3:6). Jesus estava bem consciente do perigo, mas resolveu levar a situação ao limite. Tomou uma decisão grave, repleta de implicações tanto políticas quanto espirituais.
Um plano estratégico
Como futuro Rei de Israel, Jesus tomou medidas para estabelecer um "governo" provisório, constituído de um gabinete interno ou Conselho dos Doze. Dentre seus seguidores, escolheu 12 homens que nomeou "delegados" ou enviados. É esse o significado da palavra grega traduzida como "apóstolo". Sua intenção fundamental era que, quando seu governo estivesse em plena operação, cada um deles se sentasse em um "trono", um para cada uma das 12 tribos de Israel (Lucas 22:30). O cristianismo, mais tarde, poderia considerar a escolha dos "12 apóstolos" como um passo na organização espiritual — e certamente era isso. A comunidade dos Manuscritos do Mar Morto se havia estruturado em torno de um "Conselho dos Doze" fechado, e é inteiramente possível que esse modelo tenha influenciado Jesus.' Mas não devemos omitir as implicações revolucionárias das ações de Jesus.
Uma das principais tarefas do Messias descendente de Davi era reunir as tribos de Israel, incluindo as ditas Tribos Perdidas, que se haviam exilado durante a invasão assíria de Israel, no século VIII a.C. Segundo Josefo, apenas duas das tribos de Israel estavam sob o domínio dos romanos — Judá e Benjamim, com um pouco de Levi — enquanto o grosso das outras dez tribos havia migrado para o noroeste e se concentrava na região do Mar Negro.(9) O termo "judeu" se refere a alguém da tribo de "Judá", mas viera a ser usado livremente para qualquer pessoa de descendência israelita. A visão de Jesus do futuro, como veremos, envolvia convocar todos os israelitas espalhados pelo mundo inteiro a voltar à Terra. Era isso que todos os profetas haviam predito que aconteceria nos "últimos dias". Na verdade, Jeremias até disse que o "novo Êxodo" de israelitas de todas as terras de sua "dispersão" ou espalhamento rivalizaria em tamanho com o Êxodo original do Egito, no tempo de Moisés (Jeremias 16:14-15).
Um exame cuidadoso da composição desse Conselho dos Doze é muito revelador. Cada vez que seus componentes são arrolados em Mateus, Marcos e Lucas, são sempre agrupados em três linhas, de quatro nomes cada:
1. Simão Pedro, André, Tiago e João
2. Felipe, Bartolomeu,1° Mateus" e Tomé
3. Tiago, Judas,12 Simão e Judas Iscariotes.
Os oito primeiros são bem conhecidos, mas os quatro últimos constituem um mistério intrigante. São sempre arrolados por último em todas as nossas fontes.'3 Seria de esperar que Judas Iscariotes fosse colocado bem no fim da lista, já que foi o traidor de Jesus, mas quem são os outros três — Tiago, Judas e Simão? Em comparação com os outros, nada é dito sobre eles em qualquer dos evangelhos do Novo Testamento. Esse estranho silêncio certamente é proposital, e o seqüenciamento das listas é intencional. O que temos aqui é um exemplo clássico de os "últimos" serem os "primeiros".
Na época de nossos evangelhos do Novo Testamento, o papel vital que esses três iam desempenhar, bem como a própria existência da dinastia de Jesus, estava em vias de ser eliminado do quadro, mas seus nomes como parte dos Doze não podiam ser cortados. Tiago, Judas e Simão são claramente os irmãos de Jesus. Na verdade, Judas é chamado "Judas de Tiago", em Lucas 6:16, uma expressão que provavelmente significa "irmão", e ele se refere a si mesmo como "irmão de Tiago", em sua carta de uma página ao final do Novo Testamento, um documento que quase foi excluído do cânone. Tiago é chamado o "filho de Alfeu" (Lucas 6:15), e, como já vimos, "Alfeu" é uma outra forma do nome "Cléofas", o irmão de José e, provavelmente, o segundo marido de Maria. Simão, "filho de Cléofas", é quem assume a liderança do movimento de Jesus após Tiago ser morto — então, também ele é um irmão. Estou convencido de que esses são os três irmãos de Jesus.
E quanto ao irmão chamado José? Não há nenhum José arrolado aqui como parte dos Doze. Seria provável que Jesus escolhesse três de seus irmãos e deixasse um de fora? José vinha, em idade, logo abaixo de Tiago. Algo de muito curioso está acontecendo aqui. O que se chama Mateus é descrito como "Levi, filho de Alfeu" em Marcos 2:14. Então, temos outro filho de nosso misterioso "Alfeu" ou Cléofas. Isso faz dele irmão de Tiago, Judas e Simão. Mas por que seria ele chamado de Mateus ou Levi, em vez de José? É inteiramente possível que ele fosse conhecido por ambos os nomes. Um era "dele", e o outro, dado em homenagem a José, o falecido esposo de Maria e irmão de Cléofas. Essa combinação de nomes era bastante comum na época, especialmente entre os ligados a uma linhagem sacerdotal, como era Maria,mãe de Jesus. Lembrem-se de que só na linhagem dela está arrolada meia dúzia de "Mateus". Na verdade, era o nome mais comum na linhagem de Jesus pelo lado da mãe. O bisavô de Jesus se chamava Mateus, e seu trisavô era Levi. Vale notar que o historiador judeu do século I, que conhecemos como "Josefo", se chamava "José", e tinha o pai e um irmão chamados Mateus e um avô chamado José. Sua família era daquela mesma linhagem "sacerdotal", descendente dos macabeus ou asmonianos. É inteiramente possível que a linhagem de Maria tivesse laços com essa mesma família, o que lhe dava um tanto de realeza "sacerdotal", assim como sua descendência direta de Davi. Lembrem-se de que a tumba de Talpiot tinha os nomes José, Maria, Judas e Jesus — mas também um Mateus. Não é um nome estranho para uma família como a de Maria, que dava preferência a nomes revolucionários.
É este, talvez, o segredo mais bem guardado de todo o Novo Testamento: os próprios irmãos de Jesus estavam entre os 12 apóstolos. Isso significa que eram eles os participantes apagados em todas as muitas referências aos "Doze". Estavam com Jesus na "Última Ceia" e, quando ele morreu, entregou seu movimento ao irmão Tiago, o mais velho, a quem também encarregou de cuidar de sua mãe. Tiago não é outro senão o misterioso "discípulo amado" do evangelho de João.
Parece que a única coisa que as pessoas pensam saber sobre os irmãos de Jesus é que não acreditavam nele. Essa opinião espúria baseia-se em uma única frase, em João 7:5, que muitos estudiosos consideram uma interpolação posterior. As traduções modernas até a colocam entre parênteses. Do momento em que constatamos que os irmãos fazem parte dos Doze, e que Tiago é o "discípulo amado", muitas coisas, então, começam a fazer novo sentido. Há duas passagens em Marcos que alguns tomam como minimizando a importância da família de Jesus, mas foram mal-interpretadas, com base no falso pressuposto de que os irmãos não acreditavam em Jesus." É impressionante o fato de que opiniões firmes tenham sido construídas sobre fundações tão inseguras.
Em algum momento da primavera de 29 d.C., antes da Páscoa dos hebreus, Jesus dividiu os Doze em seis grupos de dois homens cada. Isso foi um passo estratégico e as intenções dele eram tão grandiosas quanto perigosas. A missão deles era espalharem-se pelo país inteiro. Deveriam viajar desacompanhados, nada levando consigo — nenhum dinheiro, nenhuma provisão, nenhuma bagagem, nem mesmo uma muda de roupa, levando apenas um cajado, um par de sandálias e uma túnica. Instruiu-os: "Não vos dirijais a lugar algum entre os gentios e não entreis emnenhuma cidade dos samaritanos, mas, em vez disso, procurai as ovelhas perdidas da casa de Israel" (Mateus 10:5-6). Deviam aproximar-se de cada cidade ou aldeia e declarar: "Arrependei-vos, pois o Reino de Deus está próximo", e então imporiam as mãos sobre os doentes e exorcizariam demônios. Não deveriam demorar-se, ficando apenas uma noite em cada lugar, com qualquer família que os abrigasse.
O que Jesus iniciou era simplesmente uma ofensiva espiritual que introduziria a chegada do Reino de Deus. Com base em Isaías 61:1-2, que considerou falando de seu próprio papel como o ungido de Yahweh ou Messias, ele proclamara "o ano aceitável de Yahweh". Esse período crítico de tempo, da primavera de 28 d.C. à primavera de 29 d.C., estava quase acabando — o julgamento de Deus estava prestes a se manifestar. Audaciosamente, disse aos Doze: "Não tereis passado por todas as cidades de Israel antes que chegue o Filho do Homem'. Essa chegada do "Filho do Homem", que os cristãos mais tarde tomaram como uma referência à Segunda Vinda de Jesus, era linguagem cifrada do livro de Daniel. Não se refere à chegada de Jesus, pois estava bem ali com eles quando disse isso, prevendo o efeito da missão vital deles. Daniel sonhara com"alguém como um filho do homem aparecendo nas nuvens do céu", e isso foi interpretado simbolicamente no livro de Daniel como significando que o povo de Deus tomaria os reinos do mundo (Daniel 7:13-14). O termo em si, em aramaico (bar 'enosh), significa simplesmente um ser humano.15 A expressão é até usada nesse mesmo livro para se dirigir ao profeta Daniel (8:17). A expressão "filho do homem", na visão-sonho de Daniel 7, significa coletivamente o povo fiel de Israel que seria governado por seu Messias. Em nossa mais antiga coleção de ditos, tais como os da fonte Q, Jesus fala do "Filho do Homem" na terceira pessoa. A vinda do "Filho do Homem" é um acontecimento, e não uma figura singular aparecendo subitamente por entre as nuvens. O "sinal" da chegada do Filho do Homem seria astronômico — o sol e a lua escurecidos por um eclipse, e as estrelas "caindo do céu" (Mateus 24:29). Isso assinalaria a derrubada decisiva de Satanás e seu reino nos céus. Terremotos e outros sinais celestes se seguiriam e toda a sociedade seria abalada por esses acontecimentos cósmicos. Isso, então, prepararia o caminho para o Rei Messias reunir seus eleitos, tirar João, seu sacerdote messias co-soberano, da prisão, e então João viajaria a Jerusalém para declarar a inauguração do novo reino.
Jesus parece esperar que a missão dos Doze leve diretamente ao clímax desses acontecimentos. Sua leitura dos Profetas dizia-lhe que o "ano aceitável de Yahweh"estava por terminar, e a missão dos Doze daria a toda Israel uma oportunidade de ou se arrepender, ou perecer. A expressão referia-se ao período experimental de um ano em que cada pessoa ficaria na balança. A isso se seguiria o "ano de vingança", em que Deus derrubaria os reinos do mundo por meio de uma série de manifestações cósmicas (Isaías 61:2).
Como quase sempre acontece com previsões apocalípticas, o que mais se esperava não ocorreu, e o que menos se esperava aconteceu. Herodes resolveu agir, e o movimento inteiro cambaleou com o choque.
QUARTA PARTE
Entrando na cova do Leão
CAPÍTULO ONZE
Herodes ataca
Herodes Antipas autorizara a visita dos discípulos de João à fortaleza do deserto de Maqueronte, onde ele estava preso. Assim, mantinha-se a par da extraordinária agitação que a campanha de pregação de Jesus vinha provocando em todo o país. E deve ter ficado enlevado ao saber que Jesus, no início de sua missão, declarara claramente ser aquele "ungido pelo Espírito" que iria cumprir a fundamental profecia de Isaías 61. Essa figura deveria "levar a boa nova aos oprimidos, curar os desesperados, proclamar a libertação aos cativos, e a liberdade aos prisioneiros", declarando o "ano da boa graça de Yahweh". A versão de Lucas da fonte Q preserva tuna amostra da mensagem de Jesus:
Felizes os pobres, porque vosso é o Reino de Deus.
Felizes os que agora tendes fome, porque sereis saciados.
Felizes os que agora chorais, porque havereis de rir.
Felizes sereis quando os homens vos odiarem, pois vossa recompensa será grande.
Essas declarações positivas foram seguidas por quatro ameaças afins:
Mas ai de vós, os ricos, porque recebestes a vossa consolação.
Ai de vós, os que estais fartos, porque havereis de ter fome.
Ai de vós, os que agora rides, porque gemereis e chorareis.
Ai de vós quando todos disserem bem de vós, como faziam com os seus pais e com os falsos profetas (Lucas 6:20-25)
Essa mensagem revolucionária, a "boa nova do Reino de Deus", preconizava a mudança radical e apocalíptica da sociedade de cima para baixo. Aqueles no podercairiam, e os oprimidos seriam levantados. O exorcizar dos demônios era visto como parte da tarefa do Messias ao "proclamar a liberdade aos cativos", mas João Batista, literalmente confinado a uma cela em Maqueronte, com certeza pensou que a "libertação dos prisioneiros" acabaria também com seu próprio encarceramento. Os Profetas tinham afinal vaticinado que os Dois Messias, o Rei da linhagem de Davi e o Sacerdote Ungido, governariam lado a lado em Jerusalém.
A comunidade do Mar Morto tinha centrado suas expectativas messiânicas nesse preciso texto de Isaías 61. Um precioso fragmento da Gruta 4, a que os estudiosos chamam de Apocalipse Messiânico, profetizava que o Messias iria "curar os doentes, ressuscitar os mortos, e trazer a boa nova aos pobres".' Jesus e João Batista conheciam esse texto do Qumrã ou outro semelhante. João enviou da prisão uma mensagem a Jesus, perguntando: "És aquele, ou devemos aguardar outro?" Ele queria de Jesus a confirmação de que teria realmente iniciado o programa messiânico. Jesus respondeu não com a citação de Isaías 61, mas com as próprias palavras preservadas no Manuscrito do Mar Morto: ide e dizei a João o que ouviste e viste: os doentes estão curados, os mortos ressuscitados, os pobres receberam a boa nova (Lucas 7:22) É importante assinalar que Isaías 61 não especifica que o Messias irá "ressuscitar os mortos", mas Jesus inclui essa frase em sua resposta, como "um sinal do Messias", sabendo que João Batista estaria familiarizado com ela, possivelmente por esse mesmo manuscrito. Tanto o manuscrito como a resposta de Jesus indicam a importância da realização da profecia de Isaías 61 para o movimento messiânico.
Mas, e o "ressuscitar dos mortos"? Circulava um extraordinário relato atestando que Jesus ressuscitara de fato um jovem do seu esquife funerário na pequena vila de Naim, ao sul de Nazaré (Lucas 7:11-15). Logo a seguir a esta troca de mensagens com João, quando da volta de Jesus para Cafarnaum, e antes de enviar os Doze, ele tinha ressuscitado uma jovem de 12 anos dentre os mortos (Marcos 5:42), a filha do líder da sinagoga local.
As expectativas quanto às ocorrências dramáticas e extraordinárias que estavam por vir não poderiam ser maiores. Não encontro qualquer indicação de que Jesus tivesse planos para reunir armas e levar grupos armados para Maqueronte, a fim de forçar a libertação de João; mas, certamente, esperava que se dessem ocorrências cósmicas, terremotos ou sinais celestiais, que resultassem na rápida libertação deJoão. As forças para curar e exorcizar os demônios, tão evidentemente manifestas, não deixavam dúvidas de que Deus estava pronto para agir decisivamente e para derrubar os reinos deste mundo em favor do Reino de Deus.
A grande desilusão
Herodes Antipas defrontava-se com seus próprios problemas nos primeiros meses de 29 d.C. Transferira sua capital para Tiberíades, uma ofuscante cidade greco-romana na costa oeste do Mar da Galileia (a 12 quilômetros ao sul de Cafarnaum), construída em honra do imperador que, em 14 a.C., sucedera a Augusto. Muitos anos antes, ele se casara com a princesa Fasális, filha do Rei Aretas IV, de Nabateia. Fora uma aliança puramente política, cuja finalidade era reforçar a fronteira oriental do território de Pereia, na outra margem do Jordão. Quando ele tomou a mulher de seu irmão Felipe, Herodíades, uma princesa asmoniana, sentiu-se na obrigação de se divorciar de Fasális, envergonhando e enfurecendo o Rei Aretas, que ordenou ao seu exército que atacasse as forças de Herodes, em Pereia. As tropas de Herodes foram dizimadas. Felipe tinha-se aliado ao rei da Arábia. O Imperador Tibério fora obrigado a mandar legiões da Síria em auxílio às forças de Herodes para derrotar Aretas.
Josefo nos diz que Herodes mandara prender João Batista, temendo que sua popularidade provocasse uma rebelião, mas, segundo Marcos, Herodes mandara matar João por causa das críticas frontais que ele proferira contra seu casamento adúltero. Em uma festa regada a álcool, realizada na fortaleza de Maqueronte, para comemorar seu quadragésimo oitavo aniversário, Herodes ficara tão embevecido com a dança erótica de Salomé, filha de Herodíades, que, precipitadamente, lhe prometera o mundo. Incitada por sua mãe, que detestava João Batista pelas mesmas críticas ao seu casamento, Salomé pediu que a cabeça de João fosse trazida ao banquete numa bandeja. Esse seu horrível pedido foi cumprido nessa mesma noite.
Os discípulos de João obtiveram autorização para levar o corpo, e Marcos registrou que ele foi enterrado em uma tumba, sem localização conhecida (Marcos 6:29). Josefo escreveu que muitas pessoas acreditavam que o exército de Herodes fora derrotado como justa retribuição ao assassinato de João Batista.2 Esse comentário é, sem dúvida, indicativo da consideração votada a João.
Ruínas do palácio de Herodes, acima de Maqueronte, onde Salomé dançou
Alguns anos atrás, visitei a parcialmente escavada fortaleza de Maqueronte, construída em um planalto natural que se ergue a cerca de 700 metros acima doMar Morto. Tal como em Massada, Herodes, o Grande tinha mandado fortificá-lapara agüentar um cerco de cinco anos, caso ele e sua família precisassem fugir de uma revolta local. Maqueronte significa "espada". Não deixa de ser irônico que oindivíduo que Herodes Antipas mais temia, como eventual líder de uma revoltalocal, morresse nessa mesma fortaleza, decapitado por uma espada. Fiquei surpreso ao ver o chão de mosaicos do salão principal ainda intacto — o mesmo cenário da infame dança de Salomé naquela noite. Podia-se descer aos andares inferiores da fortaleza onde havia muitos quartos ou celas, alguns dos quais pareciam ter sido fortificados para abrigar prisioneiros. Eu sabia que, de qualquer forma, estava bem perto do lugar onde João passara os últimos momentos da sua vida.
Com a inesperada e brutalmente chocante morte de João, todas as esperanças e os sonhos do movimento messiânico pareciam esmagados. Ninguém havia até então associado sofrimento e morte ao Messias. A celebração do sucesso que poderia ter acompanhado o retorno dos Doze de sua campanha de pregação transformou-seem desespero. A situação era igualmente muito perigosa. Herodes ouvira falar dos extraordinários efeitos que as últimas atividades de Jesus tinham causado e, segundo Marcos, supersticiosamente, supusera que, de alguma forma, "João Batista tinha sido ressuscitado dentre os mortos" (Marcos 6:14). Não conseguia imaginar outra forma para explicar como o movimento que ele julgava ter esmagado parecia agora liderado por alguém cujo sucesso era tão extraordinário como fora o de João.
O evangelho registra que Jesus "se retirara para uma cidade afastada chamada Betsaida" (Lucas 9:10). Localizada na extremidade norte do Mar da Galileia, ficava muito próximo da fronteira do território de Herodes, mas fora do seu alcance. Pedro e André tinham crescido ali, tal como Felipe. Em Betsaida, pretendia encontrar um refúgio seguro e, de alguma forma, lidar com a dor e o choque que todo o grupo sentia. Em retrospecto, é fácil imaginar um Jesus invencível, com conhecimento do que estaria por acontecer, mesmo antes que disso houvesse indícios. Acho pouco provável. A morte de João deve ter sido, sem dúvida, uma grande desilusão e o acontecimento mais chocante na vida de Jesus. Seu adorado companheiro, o homem que ele tinha declarado ser "mais do que um Profeta" e "maior do que qualquer um nascido de mulher" estava morto. Como poderia ser verdade? Qual o significado de tudo isso? Não estaria o Reino de Deus próximo? Não era tarefa fácil contemporizar. A exaltação que Jesus provocava nas multidões, nas imediações do Mar da Galileia, aumentava. A notícia da presença de Jesus e de seu grupo mais chegado espalhara-se rapidamente, atraindo milhares. Houve um período em que ele e seu grupo tentavam escapar da multidão em um barco, velejando a perder de vista, até uma das muitas baías ou ancoradouros ao redor do lago, simplesmente para ser de novo avistados por habitantes locais.
Esse quadro tornou-se mais fácil de imaginar com a casual descoberta, em 1986, do casco parcialmente preservado de um antigo barcos de pescadores da Galileia. A seca baixara o nível do lago de tal maneira, que o barco de carvalho e cedro, de 8 x 26, ficara exposto na lama, não longe do porto de Mágdala, onde Maria Madalena crescera. Foi cientificamente datado como do século I. Pelo tamanho da embarcação, pode-se depreender que o número dos seguidores mais chegados de Jesus seria de 15 a vinte pessoas. Todas as referências da época mencionam que o grupo entrava e saía "do barco", fazendo pensar tratar-se de uma única embarcação. Os Doze estavam certamente com ele, e, possivelmente, também sua mãe, suas irmãs, Maria Madalena e talvez alguns seletos seguidores.
Passando à clandestinidade
Aparentemente, Jesus não julgava seu refúgio temporário em Betsaida seguro o suficiente, dada a impossibilidade de evitar a atenção da população local. Ele e seu grupo de seguidores fizeram, então, uma mudança inesperada. Encaminharam-se para o norte, para as vilas de Cesareia de Felipe, uma viagem de cerca de cinqüenta quilômetros pelo território agreste e montanhoso da Alta Galileia, mas, ainda assim, além da fronteira dos domínios de Herodes. Ali, nas cabeceiras do Jordão, no sopé do nevado Monte Hermon, ficava Banias ou Panias, assim chamada em homenagem ao deus Pan. É uma região linda e exuberante, de aspecto tropical, com profundos penhascos e grutas naturais, de onde brotam nascentes que alimentam o Rio Jordão.
Os romanos consideravam-na zona sagrada, um santuário natural. Herodes, o Grande mandara construir ali um altar ao Imperador Augusto, cujas fundações são ainda hoje visíveis. Em todo o espaço, colocadas em nichos cavados nas rochas, havia estátuas de divindades greco-romanas. Felipe, irmão de Antipas, havia construído, pouco mais ao sul, sua capital de nome Cesareia de Felipe. Escavações mostram que devotos vinham de todo o território siro-fenício para comer, beber e pedir o favor dos deuses.
As intenções de Jesus seguramente espantaram seus seguidores. Por que escolher essa entre tantas regiões? Essa sua escolha provavelmente baseou-se em vários fatores. Em primeiro lugar, havia a questão da segurança. Aquele seria, decerto, o último lugar onde alguém pensaria em procurá-lo. Era considerada pelos judeus devotos região de culto pagão e estava bem longe das fronteiras de Herodes. Jesus tinha um plano, mas estavam ainda no final do outono de 29 d.C., e ele não pensava implementá-lo antes da Páscoa dos hebreus, na primavera seguinte. Durante os meses de inverno, o grupo deveria passar à clandestinidade. Em segundo lugar, Jesus queria um espaço recluso e remoto, um retiro onde pudesse começar a instruir seus seguidores sobre suas considerações íntimas quanto ao futuro. Tinha plena consciência de que as decisões em relação ao futuro envolviam ações que poderiam chocar e até acarretar objeções e oposições.
Modelo de barco de pescadores da Galileia, século I, baseado no casco original
Área do altar, na nascente do Rio Jordão, nas proximidades de Cesareia de Felipe
Jesus encontrara uma justificativa para a brutal remoção de João Batista de seu convívio. Se minha interpretação de que Jesus recorreu aos textos proféticos da Bíblia hebraica como orientação está correta, pode bem ter procurado nela a resposta. SeDeuspermitiraque tal coisa acontecesse, era porque fazia parte de um Plano divino e seria preciso buscar essas provas nos Profetas hebreus. Os dois textos que o próprio João utilizara em sua missão foram Isaías 40 e Malaquias 3. Ele era o "mensageiro de Yahweh", aquele que deveria "preparar o Caminho no deserto". Mas nada nesses textos fazia supor que essa figura tão semelhante a Elias seria morta. No entanto, nos últimos capítulos do livro do Profeta Zacarias, havia algo que todos parecem ter ignorado. Zacarias criara um cenário seqüencial que culminaria com a luta por Jerusalém, quando o próprio Yahweh interviria e estabeleceria o Reino de Deus (Zacarias 14). Pouco antes da descrição dessa grande vitória, encontram-se algumas palavras apavorantes sobre as quais Jesus começou a ponderar:
"Levanta-te, espada, contra o meu pastor, e contra o homem que está unido a mim", diz Yahweh dos exércitos. "Fere o pastor, para que se dispersem as ovelhas; e Eu levantarei minha mão contra os fracos" (Zacarias 13:7).
Quem poderia ser esse, senão João Batista? Tinha sido ele que começara a "reunir as ovelhas", como um pastor. Quando Jesus enviara os Doze, dissera-lhes que deviam pregar àqueles que ele chamava "as ovelhas perdidas da Casa de Israel". Segundo Zacarias, o pastor de Yahweh, um dos Dois Messias postados ao lado do Senhor do Universo, como seu "associado", devia ser abatido com a espada! Estava escrito para quem quisesse ler. E essa "matança do pastor" aconteceria pouco antes do fim da era, para que não pudesse servir como referência a alguma figura do passado.
Mas não era tudo. No capítulo anterior, Zacarias 12, alguém da "casa de Davi" ia ser ferido ou "trespassado" e pranteado pelos parentes. Mas os parentes desse ferido estão descritos — eles pertencem à casa de Davi, mais precisamente à linhagem de Natã — o obscuro irmão de Salomão, o segundo filho de Betsabá, que nunca se sentara no trono. E ainda havia menção a outro grupo — aquele da "casa de Levi". Era como se o próprio nome de Jesus estivesse escrito ao longo daquela página. Não era sua mãe uma descendente de Davi, mas através de Natã, e não tinha ela essa rara mistura de sangue levítico em sua estirpe? Se o pastor deveria ser abatido pela espada, então o Messias da linhagem de Davi seria também trespassado. Tudo isso deveria acontecer antes da chegada do Reino de Deus.
Segundo um dos Manuscritos do Mar Morto, o Documento de Damasco, outros acontecimentos semelhantes e misteriosos tinham transpirado cem anos antes. Essedocumento menciona o "recolhimento" ou a morte daquele a quem chamavam "o Verdadeiro Mestre", também conhecido como o Mestre da Integridade. Sua morte se deu de forma inesperada, e o grupo do Qumrã voltara-se para os Profetas para neles encontrar um sentido para seu trágico fim. Descobriram a explicação na mesma passagem de Zacarias, sobre a qual Jesus começara a refletir — "Fere o pastor e as ovelhas se dispersarão:'
Jesus começou a conversar com seus seguidores a respeito de João Batista. Eles sabiam que essa figura tão semelhante à de "Elias" devia "vir primeiro para restabelecer todas as coisas", mas nunca sonharam que ela seria morta. Jesus lhes disse francamente: "Eu vos digo que Elias veio, e eles fizeram com ele o que quiseram, como estava escrito" (Marcos 9:13). Marcos nada acrescenta, mas só ele preserva esse precioso pedaço de tradição. Há uma clara declaração no evangelho de Marcos, segundo a qual Jesus teria interpretado a morte de João Batista à luz do que fora escrito sobre ele". A frase era técnica e se referia a algo profetizado ou escrito nas Escrituras hebraicas. A passagem de Zacariasl3 sobre o ataque ao pastor com a espada se encaixa no que fora profetizado, podendo, portanto, ser um dos textos sobre os quais Jesus começara a refletir. Os cristãos se acostumaram a pensar no sofrimento e na morte de Jesus como vaticinada pelos Profetas, mas a declaração de Jesus, de que também a morte de João tinha sido anunciada, nos foi felizmente preservada nessa única frase de Marcos. Tanto Mateus como Lucas a eliminaram. Esse é mais um exemplo de sua tendência a minimizar o papel de João Batista.
Ao começar a conviver com a inesperada e trágica perda de seu próprio mestre, João Batista, Jesus pode perfeitamente ter começado a acreditar que ele próprio encontraria destino semelhante. Dada a atitude romana em relação aos que pretendessem incitar a revolução messiânica, essa possibilidade não andava longe, mas pode ter sido reforçada no pensamento de Jesus pelos vários textos proféticos que estava lendo. Marcos escreve que foi em Cesareia de Felipe, onde o grupo se escondera, que Jesus começou a falar a seus discípulos sobre o sofrimento que estaria prestes a acontecer.
Confirmou-lhes que alguns viveriam para ver que o "Reino de Deus viria com força" (Marcos 9:1). No entanto, alertou-os de que, para segui-lo, teriam também de "carregar uma cruz" (Marcos 8:34).
Jesus sabia muito bem como os romanos tratavam os líderes rebeldes. Herodes podia usar a espada, mas o método romano, aperfeiçoado ao longo de duzentosanos de história, era a crucificação. Chegava-se a demorar três dias para morrer, a agonia era insuportável, e as vítimas nuas serviam como exemplos infames e aterradores para o populacho. Pôncio Pilatos era o governador romano na Judeia, e era em Jerusalém que Jesus tencionava se estabelecer. Zacarias falara em "trespasse". Jesus começou a prevenir abertamente seu grupo sobre as provações e sofrimentos que os aguardavam, caso decidissem permanecer com ele. Marcos diz que Pedro "repreendera" Jesus por pensar assim — como o rei Messias, que iria governar todas as nações e conduziria ao Reino de Deus, poderia ter um destino tão infame? E não tinha ele prometido ao Conselho dos Doze seus próprios tronos e determinações? Jesus respondeu asperamente a Pedro, repreendendo-o, por sua vez: "Vai-te da minha frente, Satanás, porque teus pensamentos não são os de Deus, mas os dos homens" (Marcos 8:33). Marcos mostra que embora Jesus abordasse esse tema muitas vezes, o grupo como um todo não se sentia inclinado a aceitá-lo. Era como se não pudessem ouvir o que se recusavam a imaginar.
O texto de Zacarias não teria sido o único a ser considerado por Jesus. Uma vez encarada a possibilidade de seu próprio sofrimento, muitos eram os textos da escritura a ser considerados. Muitos dos Salmos mencionavam o sofrimento dos justos. Havia mesmo uma passagem que falava em alguém, predestinado a governar todas as nações, sendo rodeado por um bando de malfeitores que "trespassava suas mãos e pés" (Salmos 22:16). A pedra angular do Templo espiritual de Deus estava para ser "rejeitada pelos construtores" (Salmos 118:22). Ao longo dos últimos capítulos de Isaías, existem algumas passagens que se encaixam nesse mesmo padrão, algumas delas na primeira pessoa, tratamento que Jesus podia muito bem ter identificado como seu. A figura do "servo" responsável por reunir as tribos de Israel e tornar-se a luz da nação é também "profundamente desprezada e abandonada pelas gentes" (Isaías 49:7) Ele diz a Deus, "Aos que me batiam dei as costas, e a face aos que me arrancavam a barba. Não desviei o meu rosto dos que me ultrajavam e cuspiam" (Isaías 50:6).
Mas será que Jesus acreditava que iria morrer? Temos de levar em conta que todos os evangelhos de nosso Novo Testamento foram escritos após o fato, podendo, portanto, nos apresentar os acontecimentos com pleno conhecimento de como iriam transcorrer. Segundo Marcos, que nos proporcionou a essência da narrativa da revelação de Cesareia de Felipe, Jesus falou aos discípulos sobre cada detalhe do que estava por vir — incluindo sua morte e ressurreição dentre os mortos no terceiro dia:
tanto dele como de seus seguidores — para que o Reino de Deus pudesse aparecer no seu todo. Como disse aos Doze, na última noite da sua vida — "Vós sois os que permaneceram sempre junto de mim nas minhas provações. E eu disponho do Reino a vosso favor, como meu pai dispôs dele a meu favor... e haveis de sentar-vos, em tronos, para julgar as 12 tribos de Israel" (Lucas 22:28-30). O sofrimento devia vir antes da exaltação e da glória. Era uma lição difícil de aceitar.
Obviamente, desconhecemos os pensamentos recônditos e os conflitos de Jesus. O que tentei fazer aqui foi imaginar o que ele teria pensado com base nos indícios encontrados nos evangelhos. Está claro que Cesareia de Felipe foi um momento de virada. A partir de então, como diz Lucas, "Jesus decidiu-se por Jerusalém" (Lucas 9:51).
A campanha final
Não sabemos durante quanto tempo o grupo permaneceu no norte, mas finalmente retornou à casa, em Cafarnaum (Marcos 9:33). Como nos mostra a discussão surgida na viagem de volta — quem seria o maior com a chegada do Reino —, não muito do que Jesus ensinara sobre o sofrimento que estava por vir tinha sido assimilado. De fato, dois dos Doze, os pescadores Tiago e João, perguntaram se lhes caberia a primazia dos dois lugares — um, à direita, e outro, à esquerda de Jesus, quando este fosse coroado Rei (Marcos 10:37). Jesus respondeu que essa decisão cabia a Deus, mas que primeiro todos eles deveriam beber do "cálice" do sofrimento.
Tão logo se espalhou a notícia de que ele e seus mais chegados estavam de volta a Cafarnaum, um grupo mais amplo de seguidores começou a aparecer, indagando-se o que iria acontecer a seguir. Há indícios de que, desde então, Jesus tinha uma estratégia minuciosa e definitiva. Ele havia tomado uma monumental decisão: levar as coisas até seu limite, dando início a um processo que, acreditava, resultaria no dramático e decisivo colapso de Satã e seu reinado.
De seu círculo mais amplo de seguidores, ele escolheu setenta delegados, dividindo-os, como havia feito com os Doze, em grupos de dois, que o deveriam preceder em cada cidade e local aonde pretendia ir. Suas tarefas básicas consistiam em curar os doentes, exorcizar os demônios e proclamar, em cada lugar, que "O Reino de Deus está próximo de vós" (Lucas 10). Jesus via isso como a mensagem final, o finalizar do trabalho que ele e João tinham começado três anos antes. Ele disse aos grupos que qualquer cidade que os rejeitasse deveria ser marcada para destruição no julgamento que estava por vir.
Não sabemos até onde esses grupos chegaram, mas devem ter com certeza percorrido a região da Galileia e seus arredores e, possivelmente, chegado até a Judeia. Foi-nos dito que eles "retornaram com alegria", enlevados com o poder que tinham conseguido exercer sobre o mundo demoníaco, utilizando o nome de Jesus para curar e exorcizar os espíritos do mal. Jesus lhes disse: Eu vi Satanás cair do céu como o raio de um relâmpago" (Lucas 10:18). Jesus tinha certas visões ou sonhos nos quais via a iminente queda dos reinos de Satã — talvez ao mesmo tempo em que os grupos realizavam seus trabalhos. Para ele não havia dúvidas de que o Reino de Deus logo se manifestaria, e todo o país veria o "sinal do Filho do Homem vindo nas nuvens do céu".
Nessa altura, Jesus tinha um núcleo de seguidores de cerca de cem ou mais, que começou a se deslocar para várias cidades e vilas, seguindo para o sul em direção à Jerusalém e à Judeia.8 Segundo Lucas, as multidões reuniam-se não às centenas, mas aos milhares, a ponto de se atropelar (Lucas 12:1). Herodes Antipas mostrou-se bastante alarmado com essas atividades e ordenou a prisão de Jesus. Essa decisão chegou aos ouvidos de alguns fariseus, que alertaram Jesus para a necessidade de deixar a Galileia, uma vez que Herodes pretendia matá-lo. Jesus lhes disse: "Ide dizer a essa raposa por mim: 'Ouça, agora estou exorcizando demônios e, hoje e amanhã realizando curas, mas no terceiro dia, terminarei' (Lucas 13:32). A referência ao terceiro dia é profética. É uma alusão críptica, mas direta às palavras do profeta Oseias:
Vinde, voltemos para Yahweh:
Ele feriu-nos, Ele nos curará;
Ele causou a ferida, Ele fará o curativo;
Dar-nos-á de novo a vida em dois dias;
No terceiro dia nos ressuscitará,
Para que possamos viver na sua presença (Oseias 6:1-2).
Neste texto, o povo de Israel que fora abatido será curado "ao fim de dois dias" e ressuscitado "no terceiro dia". Oseias se refere à condição de Israel no exílio, sujeito a leis estrangeiras, o que Deus tinha consentido pelos seus pecados. Nos textos proféticos, um "dia" é muitas vezes usado simbolicamente como um "ano".9 Jesus tinha começado a"cura" de Israel, em cumprimento da profecia de Isaías 61, na primavera de 28 d.C., e continuado por quase dois anos. Planejava terminar seu trabalho "no terceiro dia", na primavera seguinte, em 30 d.C. Segundo Oseias, seria então que Deus "soergueria" Israel de sua opressão. Se essa mensagem alguma vez chegou até Herodes, seu conteúdo codificado possivelmente passou despercebido. Mas, para Jesus, cada um desses textos proféticos fazia parte de um quebra-cabeças. Dadas essa leitura do texto e a própria visão de Jesus sobre a queda de Satã, os "dois dias" de Oseias estavam chegando ao fim, e o "soerguimento" de Israel estava próximo.
A referência de Jesus ao soerguimento de Israel no "terceiro dia" foi subseqüentemente confundida com ideias sobre o próprio Jesus vir a ser ressuscitado dentre os mortos "no terceiro dia". Mas o texto de Oseias fala claramente da nação, e não do Messias. E nem Oseias nem Jesus tinham em mente a ideia literal de um dia de 24 horas. Jesus usou a frase como um "código apocalíptico", como sua interpretação pessoal do período final até a redenção de Israel.
Elias se escondera quando o infame Rei Ahab e a Rainha Jezebel estavam tentando matá-lo. Ali, Elias foi alimentado pelos corvos (1 Reis 17). Faz sentido que Jesus escolhesse um local com tais associações bíblicas se estivesse se escondendo de seus inimigos da Galileia e da Judeia que queriam matá-lo.
Então, percebi outra coisa. O Ribeiro de Querite situa-se apenas a alguns quilômetros ao sul da cidade de Péla, em Decápolis. Sabia, por minhas leituras, que osseguidores de Jesus tinham fugido para a região de Péla, no ano 68 d.C., bem antes do cerco dos romanos a Jerusalém, na grande Revolta Judaica. Tiago, irmão de Jesus, já tinha sido morto, e seu irmão, Simão, era o chefe da comunidade dos nazarenos. O livro das Revelações nos dá um relato pouco claro dessa fuga. A comunidade, simbolicamente referida como "a mulher", foge da boca do"dragão, "um simbolismo para Satã", "para o deserto, para o seu lugar, onde é alimentada" (Revelações12:14)... Diz a tradição que aí permaneceram durante três anos, só retornando após a destruição de Jerusalém, em 70 d.C. Ocorreu-me que a escolha da região de Péla não tinha sido feita ao acaso. Se minha teoria sobre o "esconderijo de Jesus" estava certa, então o grupo de Jesus teria visto o Ribeiro de Querite como um lugar seguro não' só porque Elias tinha ali sido alimentado e protegido, mas porque alguns deles já tinham estado ali com Jesus. Na realidade, é totalmente possível que Simão tenha escolhido esse lugar como destino, na fuga de Jerusalém, pelo tempo que ali passou com seu irmão Jesus, no inverno de 29 d.C.
Pouco tempo depois de ter estabelecido essas conexões, decidi visitar o Ribeiro de Querite. Fiquei estupefato com minha descoberta. À medida que nos deslocávamos para leste, o caminho ia-se tornando quase inacessível, permeado por cascatas e rochas; mas, percorrida uma pequena distância, abria-se em uma área de profundos penhascos e muitas grutas — totalmente protegida do exterior. No interior das grutas havia fragmentos de cerâmica datados do período romano do século I. Tentei imaginar Jesus e seu pequeno grupo vivendo ali, durante aqueles cruciais derradeiros meses de sua vida, muito provavelmente em companhia de sua mãe, seus irmãos e irmãs. Nessa época, não conseguimos obter mais do que uma visão geral, devido às tensões causadas pela Guerra do Golfo. Talvez futuros trabalhos arqueológicos na área nos proporcionem elos mais definitivos entre essa região e os últimos dias de Jesus — e também a comunidade de nazarenos que, mais tarde, ali viveria.
Nos meados de dezembro de 29 d.C., Jesus jogou uma ousada cartada. Temos conhecimento dessa data porque o evangelho de João nos diz que o festival judaico de Hanuká2 se realizava no inverno. Nessa altura, Jesus viajara clandestinamente para Jerusalém, onde por pouco não morrera. Ele entrara no Templo de Herodes, e estava no chamado Pórtico de Salomão quando foi abordado por autoridades judaicas que lhe perguntaram, à queima-roupa, se ele era o Messias ou não. Tratava-se literalmente de uma conspiração para matá-lo. Essa afirmação equivaleria a proclamar-se Rei, uma posição política que os romanos não iriam tolerar, mesmode alguém que aparentemente não tinha exército ou qualquer intenção de incitar uma revolta. A tolerância em relação ao Messias era nula. Não eram considerados como fanáticos religiosos inofensivos, mas como potenciais inimigos de Roma. A resposta de Jesus,"Não acreditais porque não pertenceis ao meu rebanho", enfureceu de tal forma seus inimigos, que começaram a apedrejá-lo. João conta que tentaram prendê-lo, mas ele fugiu, voltando a seu esconderijo na outra margem do Jordão.
Os ásperos penhascos e grutas que conduzem ao Ribeiro el-Yabis
Desenho do esconderijo de Jesus no Ribeiro el-Yabis
Até então, Jesus nunca declarara publicamente ser o verdadeiro rei de Israel. Em privado, em Cesareia de Felipe, aceitara tacitamente a afirmação de Simão Pedro "És o Messias", quando estava lhes falando sobre as provações que o esperavam. Mas "ordenou-lhes com severidade que nada dissessem a ninguém" (Marcos 8:30). Nos primeiros dias de sua campanha de pregação, invariavelmente mandava calar quem tentasse torná-lo conhecido. Os rumores voavam, e a multidão estava pronta para quem quisesse incitá-la contra os romanos e seus aliados, mas não temos sequer um registro de que Jesus tenha mencionado sua linhagem de Davi, menos aindadeclarado seu direito ao trono, como rei de Israel. No início daquele ano, depois da morte de João, uma de suas razões para evitar as multidões era a existência de um movimento que queria forçá-lo a se tornar Rei (João 6:15).
A julgar por suas ações, ele era um profeta apocalíptico, um exorcista e um curador. Sua mensagem não era sobre ele, mas sobre a chegada do Reino de Deus. Mas tinha inequivocamente ligado suas atividades à chegada do Reino de Deus: "Se eu exorcizo os demônios pela mão de Deus, então o Reino de Deus já chegou até vós' (Lucas 11:20). E tinha associado seu papel ao cumprimento da profecia de Isaías 61, um texto de conteúdo patentemente messiânico. Para Jesus, timing era tudo."Ele concebera um plano específico e, no momento certo, o poria em prática".
A confrontação decisiva
Esse momento chegou em meados de março de 30 d.C. Jesus e sua entourage dirigiram-se para Jerusalém pelo Vale do Rio Jordão. Era uma viagem de três dias, e eles acampariam ao longo do caminho. A Páscoa dos hebreus estava próxima, caindo na primeira semana de abril. Toda a Galileia estava na estrada, a caminho de Jerusalém, para a Páscoa. O grupo ao redor de Jesus, emboraj á fosse grande a essa altura, começou a crescer, juntando seguidores e curiosos. Havia um sentimento de grande exaltação no ar. Todos se perguntavam o que aconteceria a seguir. Provavelmente, estavam um pouco espantados diante da decisão de Jesus de viajar apesar dos planos de Herodes e das autoridades de Jerusalém para assassiná-lo.
Uma das paradas dos peregrinos mencionada por Josefo — e ainda visível, no sopé das montanhas samaritanas, ao longo de um trajeto de grutas e nascentes naturais — deveria ser alcançada na primeira noite. É preciso imaginar um grupo de diferentes idades, homens e mulheres, com bagagens e mantimentos, e animais de carga. Seu perfil social era totalmente diverso. A maioria provinha da Galileia, embora Jesus tivesse seus simpatizantes também na Judeia e em Jerusalém, como veremos. No centro, estavam os Doze e seus irmãos, depois, sua mãe e irmãs, Maria Madalena e Salomé, a mãe dos pescadores Tiago e João. Lucas também menciona Joana, casada com um oficial da casa de Herodes chamado Chuza; e Susana — mulher de posses, que financiava a operação. Lucas acrescenta que havia "muitas outras mulheres" no grupo (Lucas 8:1-3).
Lugar de descanso para os peregrinos, com grutas, a caminho de Jericó
Na segunda noite chegaram a Jericó, bem ao norte do Mar Morto e cerca de 24 quilômetros a leste de Jerusalém. O acampamento de Qumrã, o centro administrativo dos essênios em que foram encontrados os Manuscritos do Mar Morto, ficava a apenas alguns quilômetros ao sul. À medida que o grupo se aproximava de Jericó, ia-se formando uma imensa multidão, e um homem cego começou a gritar:"Jesus de Nazaré, filho de Davi, tenha piedade de mim!" Essas eram palavras revolucionárias. Equivaliam à proclamação pública do Messias ou Rei de Israel. Alguns dos seguidores de Jesus tentaram fazê-lo calar-se, sabendo que Jesus, no passado, proibira semelhantes declarações. Mas, Jesus parou, chamou o cego, e tocando seus olhos disse: "Recebe a tua visão, a tua fé te curou". Segundo os evangelhos, ele ficou imediatamente curado, juntou-se ao grupo de seguidores, e a multidão ao redor de Jesus ficou extática. Jesus estava finalmente pronto para permitir a proclamação inequívoca de seu Reinado — desse no que desse.
O grupo passou o Sabbath, o sábado judeu, em Jericó. O domingo iria revelar-se tão atarefado quanto profético. Estávamos no nosso 31 de março, mas no 10 de Nisan, segundo o calendário judaico;' a Páscoa dos hebreus começaria emuma quinta-feira, quatro dias depois, ao entardecer do 14 de Nisan. A contagem regressiva começara.
Chegava-se a Jerusalém, então, pelo leste, pela íngreme estrada de Jericó. O grupo de Jesus deve ter chamado muita atenção e juntado ainda mais gente ao chegar ao Monte das Oliveiras, no final da tarde. Quando o grupo atingiu o topo oriental, na pequena vila de Betânia, Jesus parou a procissão. Enviou dois de seus discípulos à vila para que trouxessem um jumento. Jesus montou-o e vagarosamente percorreu o íngreme caminho que descia pela encosta ocidental do Monte das Oliveiras, com vista para o Templo de Herodes e o coração da cidade. Seus seguidores começaram a estender panos no caminho a percorrer e, em um crescendo de excitação, formavam com ramos cortados de árvores um "tapete real" para o Rei. O salmo 118 celebra o desfile de alguém "vindo em nome do Yahweh" em uma procissão festiva, celebrada com ramos de folhagens (Salmos 118:27). A intenção de Jesus era tão óbvia quanto deliberada. O profeta Zacarias tinha escrito:
Exulta de alegria, filha de Sião; Solta gritos de júbilo, filha de Jerusalém: Eis que teu Rei vem a ti; Ele é justo e vitorioso; vem humilde, montado em um jumento, cria de um jumento, filho de uma jumenta (Zacarias 9:9).
Tinha chegado a hora. Os dados estavam lançados. O profético cenário de Zacarias para o "fim dos dias" iria agora desenrolar-se. Com esse ato provocador de pantomima profética, Jesus estava declarando abertamente sua reivindicação ao trono de Israel. Ninguém conhecedor dos Profetas hebreus poderia não ter percebido isso. A exaltação e o burburinho provocados por esse extraordinário acontecimento propagaram-se como fagulhas na palha. A multidão começou a entoar as frases: "Hosana para o filho de Davi" e "Bendito seja o Reino do nosso pai Davi que está chegando". Alguns fariseus, em meio à multidão, alarmados com as implicações revolucionárias dessa cena, disseram a Jesus: "Mestre, repreende os teus discípulos". Jesus respondeu: "Digo-vos, se eles se calarem, gritarão as pedras" (Lucas 19:33-40).
Ao chegar à cidade, Jesus misturou-se à multidão. Tinha cumprido a primeira parte de seu plano. Sua intenção não era a de chefiar uma multidão revoltosa, mas cumprir certas profecias bíblicas. Isso ele fizera. Como Rei, viera a "Sião" ou Jerusalém, montado na cria de um jumento, provocando a alegria do povo. Naquele dia, as palavras do profeta Zacarias tinham sido cumpridas.
Fotografia do século XIX mostra a chegada ao Monte das Oliveiras pelo deserto da Judeia
Jesus entrou na cidade já ao entardecer, e Marcos diz que "ele examinava tudo a seu redor" (Marcos 11:11). Provavelmente, entrou no recinto do Templo pelas portas do sul, elaborando mentalmente os planos para o dia seguinte. Ao anoitecer, retornou a Betânia, no Monte das Oliveiras, onde ele, seu Conselho dos Doze e as mulheres iam alojar-se na casa de duas irmãs, Maria e Marta, que apoiavam o movimento.
Na manhã de segunda-feira, Jesus e um grupo seleto de seguidores percorreramde novo as encostas do Monte das Oliveiras e entraram no Templo. Na face suldesse imenso recinto, ficava uma área onde os trocadores de dinheiro operavame onde os animais que tinham sido aceitos para o sacrifício ritual eram vendidos. Sob o ponto de vista judaico, nada havia de errado com essas atividades. A ideia disseminada, segundo a qual Jesus tinha objeções quanto à troca de dinheiro no Templo, é incorreta. Judeus de todas as partes do mundo traziam moedas de todos os tipos como oferendas ao Templo, e era preciso que houvesse alguma forma de avaliação e conversão. Também era preciso que as pessoas pudessem comprar os animais para sacrifício ali mesmo, no Templo, em vez de tentar trazê-los de longe - especialmente na Páscoa, quando centenas de milhares de peregrinos compravam um carneiro por família. Algumas pessoas supuseram que a troca de dinheiro estava associada à conversão de moedas com imagens e ditos "pagãos" em moedas judaicas consideradas aceitáveis do ponto de vista religioso. Era exatamente o contrário. As únicas moedas aceitas no Templo de Jerusalém eram os siclos tirianos de prata e os meio-siclos, com a imagem de Hércules, em uma face, e uma águia empoleirada na proa de um navio, na outra! O problema não estava nas imagens pagãs, mas na estabilidade do valor. Os siclos tirianos tinham a garantia de ser feitos com 95% de prata pura." Os sacerdotes saduceus encarregados do Templo argumentavam convenientemente que a "pureza" de uma oferenda a Deus ultrapassava qualquer aviltamento que as imagens pudessem trazer.
Siclos tirianos de prata – moedas exigidas no Templo de Herodes
Na Páscoa, a operação de troca de dinheiro aumentava muito, desde que Moisés ordenara que cada judeu do sexo masculino, com mais de vinte anos, doasse ao Santuário meio-siclo, uma vez por ano (Êxodo 30:13). Essa oferenda devida na Páscoa exigia que três semanas antes fossem colocadas no Templo mesas especiais, cuja finalidade era atender convenientemente as grandes multidões que vinham para afestividade. (5) Josefo estima que dois milhões e meio de judeus de todas as partes do mundo reuniam-se em Jerusalém, na Páscoa. Ele se baseava nos 225.600 carneiros sacrificados no próprio dia da Páscoa. (6) Os estudiosos consideram esse número provavelmente inflacionado, mas, mesmo tendo isso em consideração, a tarefa de lidar com um número assombroso de peregrinos, na Páscoa, deve ter sido extenuante.
O lucro dessas atividades era imenso. O Templo de Jerusalém tinha o sistema comercial mais lucrativo entre os templos de todo o Império Romano. Como se pode imaginar, havia remunerações e taxas acrescidas a esses serviços. Esses fundos destinavam-se à classe abastada dos sacerdotes caduceus, cujas casas luxuosas casas ficavam bem a oeste do recinto do Templo, no chamado "Bairro Judeu", hoje Cidade Velha. Esses sacerdotes, por sua vez, trabalhavam estreitamente com os patrocinadores romanos. Para entender a economia de Jerusalém, que era um "Estado Templo", era preciso tão só "seguir o dinheiro".
E quanto aos pobres ou aqueles que quase não podiam pagar a viagem a Jerusalém e, menos ainda, os custos inflacionados exigidos pelos sacrifícios? Talvez Jesus tivesse crescido ouvindo a história da impossibilidade de sua mãe, Maria, e seu pai adotivo, José, arcarem com as despesas da compra de um carneiro como oferenda pelo seu nascimento. Eles tinham conseguido comprar duas pombas. E tinham também de comparecer com cinco siclos tirianos de prata para cumprir o mandamento da "redenção do primogênito". A família de Jesus era igual a milhares de outras — grandes, pobres, mas ainda assim devotadas ao cumprimento dos mandamentos de Deus.
Jesus chegou, naquela segunda-feira, quando os negócios estavam no auge. Ele tinha três palavras em mente: Zacarias, Isaías e Jeremias. Bem no final da previsão seqüencial de Zacarias sobre "o fim dos tempos", ele declarava: "E naquele dia, já não haverá negociadores no templo do Yahweh dos exércitos". (Zacarias 14:21). Jeremias tinha, em sua época, freqüentado o Templo, o primeiro construído pelo Rei Salomão, e falado em nome de Yahweh: "Terá, porventura, esta casa, onde meu nome é invocado, se transformado, diante de vossos olhos, num covil de ladrões?" (Jeremias 7:11). E Isaías tinha sonhado com uma época em que o Templo de Deus em Jerusalém seria "uma casa de oração para todas as nações", um centro espiritual para a humanidade (Isaías 56:7).
O propósito de Jesus com as atividades desse dia não era o de mudar as coisas ou acender o pavio da revolução. Da mesma forma, sua intenção de chegar ao Monte das Oliveiras, no lombo da cria de um jumento, era chamar a atenção — mais precisamente para a iminente queda do corrupto sistema do Templo e para o cumprimento da visão dos Profetas. Começou por virar as mesas dos trocadores de dinheiro e derrubar as caixas dos responsáveis pela venda dos animais. E explicou seus atos, usando as palavras de Jeremias e Isaías. Marcos acrescenta ainda que ele "não permitira que se transportasse qualquer tipo de mercadoria através do Templo" (Marcos 11.16). Havia uns portões estreitos por onde passavam os víveres que sustentavam as trocas e vendas; Jesus postou ali alguns de seus rudes homens da Galileia e fez saber que os negócios nesse dia estavam encerrados.
Os chefes religiosos souberam do distúrbio. Estavam mesmo procurando uma forma de prender e matar Jesus. Estavam mais determinados do que nunca a detê-lo, mas temiam o povo. A multidão devia ser imensa, naquela manhã de segunda-feira, e o povo aglomerado dava vivas a Jesus. Não era ainda um tumulto que lhes permitisse chamar os romanos, atitude que hesitavam em tomar, pois era conhecida a brutalidade com que Pôncio Pilatos tratava as multidões, e o desprezo que votava aos judeus. As ações de Jesus eram um simbólico "protesto profético" e tinham o apoio do povo, provavelmente cansado de pagar os preços cobrados para o cumprimento dos rituais. Marcos conta que o "cerco" durou todo o dia e, só depois de anoitecer, Jesus e seus homens deixaram a cidade e voltaram a Betânia, onde passaram a noite.
A terça-feira foi um dia importante para Jesus e seu Conselho dos Doze. Nessa manhã, eles se dirigiram abertamente ao Templo, e Jesus passou todo o dia discutindo com os vários segmentos da instituição, incluindo os sacerdotes saduceus, os chefes fariseus e os herodianos — que apoiavam a dinastia de Herodes. Os sacerdotes perguntaram-lhe "com que autoridade estás assim procedendo?" Aparentemente, referiam-se a suas duas atividades proféticas do domingo e da segunda-feira. Ele falou que lhes diria, se eles dissessem perante a multidão, atenta a esse diálogo, se João Batista fora um profeta de Deus ou um charlatão. Embora os sacerdotes não tivessem respondido positivamente ao apelo de João, para que se arrependessem e se batizassem, o povo tinha acudido em massa, e eles temiam responder, conhecendo a grande popularidade de João. Os fariseus e os herodianos perguntaram a Jesus se ele concordava com os impostos romanos — talvez a mais sensível questão política e religiosa do dia. Segurando uma moeda romana, ele respondeu com suajá conhecida, mas ambígua réplica: "Dai a César o que é de César e a Deus o que é de Deus". (Marcos 12:17).
Nesse dia, Jesus disse duas coisas que parecem resumir toda a sua visão sobre a "verdadeira religião", especialmente diante do que se passava no Templo de Herodes. Um homem perguntou a Jesus qual era o maior de todos os mandamentos da Tora. Jesus citou o Shemá — essa grande confissão da fé judaica-. "Escuta, O Israel, Yahweh, nosso Deus é único. E amarás Yahweh teu Deus, com todo teu coração, com toda tua alma, com toda tua mente, e com toda tua força". Acrescentou que o "segundo" maior mandamento era "amarás o teu próximo como a ti mesmo". O homem concordou e observou que amarmos Deus e amarmos o próximo como a nós mesmos era "muito mais que todas as queimas de oferendas e sacrifício". Jesus fez, então, uma surpreendente declaração: "Não estás longe do Reino de Deus" (Marcos 12:28-34). Isso indica que a visão de Jesus do Reino de Deus envolvia não apenas a derrota revolucionária dos reinos deste mundo, mas também uma compreensão íntima daquilo que Deus desejava dos seres humanos. Uma não estaria completa sem a outra.
Lá para o final do dia, enquanto as pessoas enfileiravam-se para entregar suas contribuições monetárias à tesouraria do Templo, Jesus observou uma pobre viúva, que tinha trazido duas moedas de cobre. Era tudo o que ela possuía. Ele disse à multidão, "Esta pobre viúva está contribuindo com mais do que todos os outros" (Marcos12:43). A moeda era chamada lepta, e eram necessárias cem delas para fazer um denário — o pagamento médio diário de um trabalhador.
Durante todo o dia, as multidões mantiveram-se espantadas e encantadas com tudo o que Jesus dizia, e maravilhadas com a forma como ele lidava com seus oponentes, não importa qual a patente ou poder. Os evangelhos dizem-nos repetidamente que os inimigos de Jesus queriam prendê-lo, mas temiam as multidões. Lucas nos diz que, à medida que a notícia se propagava, as pessoas se precipitavam ao Templo para escutá-lo (Lucas 21:38). Os administradores do Templo sabiam que se agissem às claras provocariam um tumulto popular, com a conseqüente intervenção dos romanos e, provavelmente, ainda seriam responsabilizados pelo distúrbio. Sua única esperança estava em prender Jesus, talvez à noite, quando estivesse a sós com um pequeno número de seguidores. A Páscoa dos hebreus era dali a dois dias, e não tinham ideia das intenções de Jesus ou do que ele seria capaz. Decidiram agir prontamente.
A última refeição da noite
Na quarta-feira, Jesus começou a fazer planos para a Páscoa. Enviou dois de seus discípulos à cidade, a fim de preparar uma sala no segundo andar de uma hospedaria onde pudesse se reunir em segurança e secretamente com seu grupo íntimo. Ele tinha conhecimento de um espaço disponível nessas condições, e tinha tratado previamente sua utilização. Hoje em dia, peregrinos cristãos visitam o lugar das Cruzadas conhecido como Cenáculo ou "Sala do Andar Superior", na colina ocidental de Jerusalém a que os Cruzados chamavam erroneamente de "Monte Sião". Essa área fazia parte da "Cidade AlU, onde Herodes construíra seu palácio. Topograficamente é mais alta do que o próprio Monte do Templo. Tratava-se da área mais opulenta da Jerusalém antiga, com ruas largas, praças e casas palacianas pertencentes aos ricos. É pouco provável que esse fosse o lugar. (7)
A "Sala do Andar Superior" ficava mais provavelmente na cidade baixa, no "Monte Sião" original, onde moravam os pobres, bem ao norte da piscina de Siloé. Jesus orienta seus dois discípulos para "seguir um homem, portador de um cântaro de água, que entrará na cidade e, depois, em uma certa casa". A única fonte de água existente ficava ao sul da cidade baixa de Jerusalém. Na realidade, o sítio verdadeiro da piscina de Siloé foi descoberto por acaso em 2004. Agora já é possível indicar o local exato mencionado nos evangelhos.
Mais tarde, a tradição cristã coloca a última refeição de Jesus na noite de quinta-feira, e sua crucificação, na sexta-feira. Sabemos, hoje, que havia uma defasagem de um dia. A última ceia de Jesus se deu na noite de quarta-feira, e ele foi crucificado na quinta-feira, no 14° dia do mês judaico de Nisan. A ceia da Páscoa, propriamente dita, deu-se na quinta-feira à noite, ao pôr-do-sol, no início do dia 15 de Nisan. Jesus não chegou a fazer essa refeição pascal, pois morrera às três da tarde desse dia.
O equívoco foi gerado porque todos os evangelhos relatam que seu corpo foi retirado da cruz para ser sepultado antes do pôr-do-sol, porque o Sabbath estava próximo. Presumiu-se que essa referência ao Sabbath indicava o sábado — e, portanto, a crucificação teria sido na sexta-feira. No entanto, como bem sabem os judeus, o dia da Páscoa dos hebreus também é "Sabbath", ou dia de descanso — não importa em que dia da semana caia. No ano 30 d.C. a sexta-feira 15 de Nisan também foi "Sabbath" — portanto houve dois "sabbaths" consecutivos — sexta-feira e sábado. Mateus parece saber disso quando escreve que as mulheres que visitaram Jesus natumba vieram no domingo de manhã, "depois dos Sabbaths" — o original grego está no plural (Mateus 28:1).
OS ACONTECIMENTOS EM TORNO DA CRUCIFICAÇÃO DE JESUS
Data 3 de abril/Nisan 13 - 4 de abril/Nissan 14 - 5 de abril/Nissan 15 - 6 de abril/Nissan 16 - 7 de abril/Nissan 17
Dia - quarta-feira - quinta-feira - sexta-feira (Sabbath) – sábado (Sabbath) -domingo
Acontecimentos - Última Ceia de Jesus & prisão em Getsêmani - Crucificação às nove da manhã Morte às três da tarde Refeição pascal após o pôr-do-sol - Dia da Páscoa Jesus na tumba – Descoberta da tumba vazia
Como acontece muitas vezes, o evangelho de João preserva uma cronologia mais rigorosa do que a que se passou. (8) João especifica que a "última ceia" da noite de quarta-feira se deu "antes das festividades da Páscoa". Ele sabia que os Judeus estariam comendo sua tradicional refeição de Páscoa ou Seder, na quinta-feira à noite, e por isso assinala que os acusadores não entraram no pátio de Pilatos quando levaram Jesus para ser crucificado durante a manhã, evitando, assim, ficar impuros e impedidos de celebrar a Páscoa naquela noite (João 18:28).
Lendo Marcos, Mateus e Lucas, pode-se ficar com a impressão de que a "última ceia"seria a refeição da Páscoa. Alguns argumentam mesmo que Jesus teria comido a refeição da Páscoa um dia antes — por saber que então já estaria morto. Mas a verdade é que Jesus não comeu a refeição da Páscoa em 30 d.C. Quando a refeição da Páscoa começou ao pôr-do-sol da quinta-feira, Jesus estava morto. Fora colocado apressadamente em uma tumba, até que um funeral adequado pudesse ser realizado, depois das festividades.
Algumas pistas, encontradas fora do evangelho de João, fazem pensar que assim foi. Em Lucas, por exemplo, Jesus diz a seus seguidores durante aquela última ceia: "Quisera sinceramente fazer a refeição da Páscoa convosco, antes de padecer, pois digo-vos que já não voltarei a fazê-la até que ela se cumpra plenamente no Reino de Deus" (Lucas 22:14-16). Mais tarde, um copista tardio do manuscrito inseriu a expressão "de novo" para significar "não voltarei a fazê-la", uma vez que a tradição faz crer que, naquela noite, Jesus observara a Páscoa judaica e a transformara na Eucaristia Cristã ou Missa. Outra indicação de que não se tratou da refeição da Páscoa é que todos os nossos registros dizem que Jesus dividiu "um pão" com seus discípulos, usando a palavra grega (artos), que se refere ao pão comum — não ao pão ázimo, ou matzos, que os judeus comem em suas refeições pascais. Também, quando Paulo se refere à "última ceia", é significativo que não diga "na noite da Páscoa", mas sim"na noite em que Jesus foi traído", e mencione também o "pão" (1 Coríntios 11:23). Paulo teria, sem dúvida, confirmado se essa tivesse sido a refeição da Páscoa, mas não o fez.
Até a manhã de quarta-feira, Jesus pretendia fazer a refeição da Páscoa na quinta-feira à noite. Quando enviou dois de seus discípulos à cidade, deu-lhes instruções para que iniciassem os preparativos. Seus inimigos tinham decidido não prendê-lo durante a festa,"não fosse haver uma revolta do povo" (Marcos 14:2). Isso significava que ele estaria mais ou menos "em segurança" durante a semana seguinte, uma vez que o "banquete" incluía os sete dias de pão ázimo que se seguem à refeição pascal. A Páscoa é a mais familiar das festividades na tradição judaica. Como chefe de família, Jesus teria reunido sua mãe, irmãs, as mulheres que o acompanharam desde a Galileia, talvez alguns de seus adeptos mais chegados de Jerusalém, e seu Conselho dos Doze. É inconcebível que um chefe de família judaico comemorasse a Páscoa longe de sua família, com 12 discípulos de sexo masculino. Essa não poderia ser uma refeição de Páscoa. Alguma coisa errada tinha acontecido, obrigando-o a mudar seus planos para a Páscoa.
Jesus tinha planejado uma refeição especial na noite de quarta-feira, sozinho com seu Conselho dos Doze, na Sala do Andar Superior da hospedaria na cidade baixa. Os acontecimentos dos últimos dias tinham gerado uma crise, e ele sabia que a confrontação com as autoridades era inevitável. Esperava ser preso nos próximos dias, entregue aos romanos e, possivelmente, crucificado. Tinha intencionalmenteescolhido hora e lugar — a Páscoa em Jerusalém — para confrontar quaisquer autoridades. Havia muito de natureza particular para ser discutido com aqueles de quem mais dependeria nos dias críticos que se seguiriam. Acreditava convictamente que se ele e seus seguidores se entregassem, colocando seus destinos nas mãos de Deus, o Reino de Deus se manifestaria. Ele tinha intencionalmente cumprido duas das profecias de Zacarias — entrar na cidade como Rei, montado na cria de um jumento, e simbolicamente removido os "comerciantes" da "Casa de Deus".
Em alguma hora nesse dia, Jesus soubera que Judas Iscariotes, um dos conselheiros de sua total confiança, fizera um trato com seus inimigos, para que Jesus fosse preso tão logo houvesse a oportunidade de surpreendê-lo sozinho, longe das multidões. Não sabemos como Jesus soube da conspiração, mas durante a refeição ele disse abertamente: "Um de vós há de me trair, um que come comigo" (Marcos 14:18). Sua vida parecia desenrolar-se conforme algum plano bíblico. Não tivesse Davi escrito nos Salmos: "Mesmo o meu amigo mais íntimo, em quem eu confiava e que comia do meu pão, se levantou contra mim" (Salmos 41:9). A história tem uma forma estranha de se repetir. Mais de cem anos antes, o Mestre da Integridade que conduzira a comunidade dos Manuscritos do Mar Morto citara esse mesmo salmo quando um de seus mais chegados "conselheiros" o traíra. (9)
Quando Judas Iscariotes se deu conta de que o plano para aquela noite incluía um retiro para oração no Jardim de Getsêmani, após a refeição, ele bruscamente abandonou o grupo. Esse local protegido, no sopé do Monte das Oliveiras, bem em frente ao Vale do Cedron, a partir da Cidade Velha, oferecia o cenário que ele prometera entregar. Algumas pessoas tentaram interpretar os motivos de Judas sob uma luz positiva. Talvez ele sinceramente quisesse que Jesus se declarasse Rei e tomasse o poder, pensando que uma ameaça de prisão pudesse ajudá-lo a se decidir. Simplesmente, não sabemos o que se teria passado em sua cabeça. Os evangelhos contentam-se apenas em chamá-lo de "o Traidor", e seu nome é raramente mencionado sem essa descrição.
Ironicamente, os mais antigos relatos da última refeição na quarta-feira à noite vêm de Paulo, e não de qualquer dos evangelhos. Em uma carta a seus seguidores na cidade grega de Corinto, escrita por volta de 54 d.C., Paulo passa adiante a tradição que dizia ter "recebido" de Jesus: "Jesus, na noite em que foi traído, tomou um pão, e tendo dado graças, partiu-o e disse: 'Isto é o meu corpo, que é para vós; fazei isso em memória de mim. Do mesmo modo, depois da ceia, tomou o cálice edisse: <Este cálice é a nova Aliança no meu sangue; fazei isto sempre que o beberdes, em memória de mini"(1 Coríntios 11:23-25).
Essas palavras, tão familiares aos cristãos como parte da Eucaristia da Missa, são repetidas com ligeiras variantes em Marcos, Mateus e Lucas. Representam a síntese da fé cristã, o pilar do evangelho cristão: a humanidade está salva dos pecados pelo sacrifício do corpo e do sangue de Jesus. Qual é a probabilidade histórica de que essa tradição baseada naquilo que Paulo disse ter "recebido" de Jesus represente o que Jesus disse durante a última ceia? Tão surpreendente quanto possa parecer, existem alguns problemas autênticos a considerar.
Em cada refeição judaica, o pão é partido, o vinho partilhado, e a bênção dada — mas a ideia de comermos carne humana e bebermos sangue, mesmo que simbolicamente, é de todo alheia ao judaísmo. A Torá proíbe especificamente a ingestão de sangue, não só para os israelitas, mas para todos. A Noé e a seus descendentes, como representantes de toda a humanidade, já tinha sido proibido "ingerir sangue (Gênesis 9:4). Moisés tinha prevenido, "se qualquer homem da Casa de Israel ou gentio, residente no meio deles, ingerir qualquer espécie de sangue, eu me voltarei: contra esse que ingere sangue e eliminá-lo-ei de seu povo" (Levítico 17:10). Em outra ocasião, Tiago, o irmão de Jesus, refere-se a isto como uma "exigência", para que os não judeus pudessem juntar-se à comunidade nazarena — não ingerirão sangue (Atos 15:20). Essas restrições dizem respeito ao sangue de animais. Ingerir carne e sangue humanos não era proibido, era simplesmente inconcebível. Essa sensibilidade generalizada em relação à mera ideia de "beber sangue" mostra a improbabilidade de Jesus ter usado tais símbolos.
Como dissemos, a comunidade essênica, em Qumrã, descreveu, em um de seus manuscritos, um futuro "banquete messiânico", no qual o Messias Sacerdotal e o Messias da linhagem de Davi sentar-se-iam com os membros da comunidade crente e abençoariam a sagrada refeição de pão e vinho como a celebração do Reino de Deus. Teriam certamente ficado espantados com qualquer simbolismo sugestivo de que o pão fosse a carne humana, e o vinho, o sangue." Tal ideia simplesmente não poderia ter partido de Jesus como judeu.
Portanto, qual a origem dessa linguagem? Se aparece primeiramente com Paulo, e ele não a recebeu de Jesus, então qual seria sua fonte? As maiores semelhanças encontram-se em alguns ritos mágicos greco-romanos. Existe um papiro grego que registra um encantamento amoroso, no qual um macho pronuncia certos feitiços sobre um cálice de vinho, que representa o sangue que o deus egípcio Osíris tinha dado à sua consorte Isis para que ela o amasse. Quando sua amante bebe o vinho, ela simbolicamente se une a seu amado pelo seu sangue." Em outro texto, o vinho é transformado na carne de Osíris." Simbolicamente, comer a "carne" e beber o "vinho" era parte de um rito mágico de união na cultura greco-romana.
Devemos considerar que Paulo cresceu imbuído da cultura greco-romana, na cidade de Tarso, na Ásia Menor, fora da terra de Israel. Ele nunca conheceu ou falou com Jesus. A relação que ele pretendeu com Jesus é "visionária", e não com um Jesus de carne e osso, caminhando na terra.
Quando os Doze se reuniram para substituir Judas, depois da morte de Jesus, colocaram como condição para fazer parte do grupo ter estado com Jesus desde o tempo de João Batista até a crucificação (Atos 1:21-22).Ter visões e ouvir vozes não eram qualificações suficientes para um apóstolo.
Em segundo lugar, e de forma ainda mais reveladora, o evangelho de João narra os acontecimentos daquela última refeição na noite de quarta-feira, mas nunca se refere às palavras de Jesus instituindo essa nova cerimônia da Eucaristia. Se Jesus, na realidade, iniciou a prática de comer o pão como sendo seu corpo, e beber o vinho como sendo seu sangue na sua "última ceia", como poderia João tê-la omitido? O que João escreve, segundo todas as indicações, é que Jesus sentou-se para participar de uma refeição judaica comum. Após a ceia, ele se levantou, pegou uma bacia de água e um pano, e começou a lavar os pés de seus discípulos, mostrando como o professor e mestre deveria agir como criado — mesmo para seus discípulos. Jesus começou, então, a descrever como iria ser traído, e João nos diz que Judas abruptamente abandonou a ceia.
O evangelho de Marcos está muito próximo, em suas ideias teológicas, àquele de Paulo. Parece possível que, em sua descrição da última ceia, feita uma década depois da de Paulo, Marcos tenha inserido o tradicional "coma o meu corpo" e "beba o meu sangue" em seu evangelho, influenciado pelo que Paulo afirma ter recebido. Tanto Mateus como Lucas baseiam inteiramente suas narrativas em Marcos, e Lucas é também um convicto defensor de Paulo. Tudo parece levar a Paulo. Como veremos, não há qualquer prova de que os primeiros seguidores judeus de Jesus, conduzidos ao quartel-general em Jerusalém por Tiago, o irmão de Jesus, tenham alguma vez praticado qualquer rito dessa natureza. Como todos os judeus, eles santificavam o vinho e o pão como parte de uma refeição sagrada, eprovavelmente tinham presente a noite em que ele havia sido traído, lembrando-se da última refeição com Jesus.
Na realidade, para resolver essa questão, precisamos de uma fonte independente, cristã, que não tenha sido influenciada por Paulo, que possa esclarecer a prática original dos seguidoresde Jesus. Felizmente, em 1873, esse texto foi encontrado em uma biblioteca em Constantinopla. É intitulado Didache, e data do início do século II d.C." Fora mencionado pelos primeiros autores da igreja, mas desaparecera até ser descoberto acidentalmente por um sacerdote grego, o Padre Bryennios, em um arquivo de manuscritos antigos. Didache significa "Ensinamentos", em grego, e seu título completo é "Os Ensinamentos dos Doze Apóstolos". Trata-se de um antigo "manual de instruções", provavelmente escrito para ser utilizado por aspirantes ao batismo cristão. Contém muitas instruções e exortações éticas, mas também capítulos sobre o batismo e a Eucaristia — a sagrada refeição do pão e vinho. É aí que entra a surpresa. Ele oferece as seguintes bênçãos para o pão e o vinho:
No que se refere à Eucaristia, darás graças da seguinte forma.
Em primeiro lugar, quanto ao cálice: "Damos-vos graças, Pai nosso, pela santa vinha de Davi, vosso filho, que nos destes a conhecer através de Jesus, vosso filho. Para vós a glória eterna". E quanto ao pão: Damos-vos graças, Pai nosso, pela vida e sabedoria que nos comunicastes através de Jesus, vosso filho. Para vós, glória eterna."
Notem que não há menção ao vinho, representando o sangue, ou ao pão, representando a carne. E, no entanto, é um registro da primeira refeição da Eucaristia cristã! Este texto nos faz lembrar muito das descrições da sagrada refeição messiânica nos Manuscritos do Mar Morto. O que temos aqui é a celebração messiânica de Jesus como o Messias da linhagem de Davi, e a vida e a sabedoria que ele trouxe à comunidade. Evidentemente, essa comunidade de seguidores de Jesus nada sabia da cerimônia proposta por Paulo. Se a prática de Paulo viera realmente de Jesus, seguramente esse texto tê-la-ia incluído.
Existe mais um ponto importante a esse respeito. Na tradição judaica, é o cálice de vinho que, primeiramente, é abençoado, depois o pão. Essa é a ordem que encontramos na Didache. Mas no relato de Paulo da "Ceia do Senhor", Jesus abençoa primeiro o pão, depois o cálice de vinho — justamente o oposto. Pode parecer umdetalhe insignificante até examinarmos o relato de Lucas sobre as palavras de Jesus, durante a refeição. Embora ele siga basicamente a tradição de Paulo, ao contrário deste, Lucas fala primeiro no cálice de vinho, depois no pão e, em seguida, em outro cálice de vinho! O pão e o segundo cálice de vinho ele interpreta como o "corpo" e o "sangue" de Jesus. Mas quanto ao primeiro cálice — na ordem que se esperaria da tradição judaica — nada é dito que represente "sangue". Ao contrário, Jesus diz, `Eu vos digo, doravante não beberei da fruta da videira até a chegada do Reino de Deus" (Lucas 22:18). Essa tradição do primeiro cálice, só encontrada em Lucas, é uma pista do que deveria ter sido a tradição original antes de a versão Paulina ter sido inserida, agora confirmada pela Didache.
Vista sob essa luz, essa última refeição tem sentido histórico. Jesus disse a seus seguidores mais próximos, reunidos secretamente na Sala do Andar Superior, que ele não partilharia com eles outra refeição até a chegada do Reino de Deus. Ele sabe que Judas iniciará, naquela noite, os procedimentos que culminarão com sua prisão. Suas esperança e prece são de que, da próxima vez em que estiverem sentados juntos para comer, dando a tradicional bênção judaica do vinho e do pão — o Reino de Deus já tenha chegado.
Uma vez que Jesus se reuniu só com seu Conselho dos Doze, nessa última refeição privada, Tiago e os três outros irmãos de Jesus teriam estado presentes. Isso foi confirmado em um texto perdido chamado Evangelho dos Hebreus, que era usado por judeus-cristãos que rejeitavam os ensinamentos e a autoridade de Paulo. Sobrevive apenas em algumas citações, preservadas por autores cristãos, como Jerônimo. Uma das passagens nos diz que Tiago, o irmão de Jesus, depois de ter bebido do cálice que Jesus fizera circular, afiançou que também ele não comeria ou beberia até ver o Reino chegar. (15) Portanto, temos aqui a prova textual de uma tradição que recorda a presença de Tiago na última refeição.
No evangelho de João, existem referências veladas a Tiago. João menciona, uma meia dúzia de vezes, uma figura misteriosa, sem nome, a quem ele chama "o discípulo que Jesus amava". Os dois eram muito chegados; na realidade, esse discípulo não nomeado está sentado ao lado de Jesus, à sua direita ou à sua esquerda. Ele se reclina e encosta sua cabeça no peito de Jesus, durante a refeição (João 13:23). É para ele que Jesus murmura que Judas é o traidor. Mesmo que a tradição aponte tratar-se de João, o pescador, um dos filhos de Zebedeu, faz mais sentido que tal intimidade fosse compartilhada por Jesus e seu irmão mais novo, Tiago. Afinal, naspoucas histórias que sabemos a respeito de João, filho de Zebedeu, ele tinha uma personalidade inflamada e ambiciosa — Jesus lhe dera, e a seu irmão, o apelido de "os filhos do trovão". Eles eram aqueles dois que tinham tentado obter os dois lugares principais no Conselho dos Doze, um pedindo o lugar à direita, e o outro, à esquerda. Em outra ocasião, haviam pedido permissão a Jesus para fazer descer o fogo do céu para queimar uma aldeia que não tinha aceitado sua pregação (Lucas 9:54). Em ambas as ocasiões foram censurados por Jesus. A imagem que temos de João, filho de Zebedeu, é bem contrária à da terna intimidade do "discípulo amado por Jesus". Por mais que essa imagem esteja imbuída na imaginação cristã, não faz sentido imaginar João, filho de Zebedeu, sentado ao lado de Jesus, reclinando-se sobre seu peito.
Parece-me que os indícios apontam para Tiago, o irmão de Jesus, como o mais provável candidato a ser esse misterioso discípulo sem nome. Mais tarde, pouco antes da morte de Jesus, o evangelho de João nos diz que Jesus confiara o bem-estar de sua mãe a esse "discípulo que amava" (João 19:26-27). Como poderia não ser Tiago, seu irmão, o chefe da família a quem caberia cuidar de seu bem-estar?
Mais tarde naquela noite, depois da refeição e da conversa, Jesus conduziu seu grupo de 11 discípulos ao longo do Vale de Cedron, para fora da cidade baixa, até um isolado olival chamado Getsêmani, no sopé do Monte das Oliveiras. Judas conhecia bem o lugar porque Jesus se reunia ali freqüentemente com seus discípulos (João 18:2). Judas fora à cidade alertar as autoridades sobre a rara oportunidade de Jesus ser confrontado ali, durante a noite, e longe das multidões.
Estava ficando tarde, e os discípulos de Jesus estavam cansados e sonolentos. Dormir era a última das preocupações de Jesus, e não voltaria, mesmo, a fazê-lo. Sua provação, ao longo de toda a noite, estava por começar. Começou a se sentir muito aflito, temeroso e profundamente magoado. Queria rezar a fim de obter forças para as provações que, ele sabia, estavam prestes a começar. Marcos diz que ele rezou para que, se possível, Deus "afastasse dele esse cálice" (Marcos 14:36). Jesus instou seus discípulos a rezar com ele, mas a refeição, o vinho, e o avançado das horas os tinham cansado. Todos adormeceram.
Foto: O Jardim de Getsêmani
CAPÍTULO TREZE
O rei está morto
Não foi pequena a operação montada naquela noite, no Jardim de Getsêmani, para prender Jesus. O evangelho de João diz que Judas chegou ao local acompanhado pelos principais sacerdotes, um destacamento da polícia do Templo judaico e parte de uma legião de soldados romanos — uma força de 600 homens. (1) Embora instada pelas acusações dos principais sacerdotes, tratava-se de uma operação romana. Pôncio Pilatos, o governador romano, autorizara a prisão. É óbvio que a visita surpresa dos acusadores judeus mais tarde, já pela manhã, depois do "julgamento" e diante de Pôncio Pilatos, não foi ocasional. Temos de admitir que eles foram até Pilatos, denunciaram as potenciais atividades sediciosas de Jesus, no início daquela semana, e puseram-no a par do plano para prendê-lo sem alarido e sem distúrbios durante a Páscoa dos hebreus. Pilatos tinha, evidentemente, autorizado o plano e assegurado a retaguarda, com unidades romanas em número suficiente para evitar qualquer erro. O Imperador Tibério já havia advertido Pilatos pela forma pesada com que este lidava com multidões revoltadas. A Páscoa dos hebreus fora sempre uma época propensa aos agitadores. As multidões que se reuniam em Jerusalém, vindas de todas as partes do mundo, eram imensas, proporcionando uma audiência pronta a aceitar qualquer Messias ou causa especial. Josefo refere-se regularmente aos tumultos ocorridos nesse festival. Pilatos estava ansioso para que tudo transcorresse adequadamente — uma prisão sem alarido, um julgamento pelos representantes do Sinédrio judaico — quando então ele próprio interrogaria o prisioneiro e determinaria o que se passaria depois.
Embora não tenhamos provas de que Jesus tivesse resistido à prisão, todos os quatro evangelhos falam em brigas, armas, e em Simão Pedro brandindo uma espada na cabeça de um dos servos do sumo sacerdote, arrancando-lhe uma orelha. A resistência teria sido em vão, e Jesus estava aparentemente convicto de que sua prisão fazia parte do plano de Deus. Ordenou aos discípulos que baixassem as armas.Não sabemos se a intenção das autoridades era prender todo o grupo ou apenas Jesus, mas, na escuridão todos fugiram para o olival enquanto Jesus, manietado, era levado embora. Segundo o evangelho de João, Simão Pedro e um "outro discípulo; que acredito ter sido Tiago, o irmão de Jesus, como explicarei adiante, seguiram de longe para ver o que iria acontecer com Jesus.
Quem matou Jesus?
Mais tarde, os cristãos mostraram-se muito ansiosos em culpar os judeus pela prisão e crucificação de Jesus. Embora Jesus tivesse inimigos judeus, esses eram na sua maioria sacerdotes aristocratas saduceus que administravam o Templo com apoio de alguns fariseus. Josefo escreveu que os saduceus eram "mais cruéis que quaisquer outros judeus" quando se sentavam para julgar. (2) Entre o povo judeu, em geral, Jesus era muito popular. E tinha também amigos em postos importantes, incluindo o próprio Sinédrio — uma espécie de senado judaico. Essa foi a razão das atividades clandestinas noite adentro até o amanhecer. Todos estavam ocupados com as preparações da Páscoa dos hebreus, e, se tudo fosse feito com rapidez, Jesus estaria numa cruz romana pela manhã, antes que alguém desse por isso. Os inimigos judeus de Jesus foram certamente os catalisadores do golpe, mas a conclusão foi romana em toda a linha.
O "julgamento" de Jesus teve três fases. Primeiramente, foi levado, no meio da noite, para uma casa particular, possivelmente pertencente ao sumo sacerdote Anás. O cargo de sumo sacerdote era politicamente designado pelos romanos. Esse cargo, em 30 d.C., era ocupado oficialmente por José Caifás, mas era seu sogro,Anás, quem detinha o poder. Anás ocupara oficialmente o cargo de sumo sacerdote de 6 a 15 d.C., quando foi removido pelos romanos, mas nunca perdera influência. Cinco dos seus filhos ocuparam subseqüentemente esse posto, em sucessão praticamente contínua. Os romanos não faziam essas escolhas de modo leviano, e devemos presumir a existência de uma grande mistura de influência política e corrupção para que uma única pessoa assegurasse esse lugar por tanto tempo. Além de Herodes Antipas, José Anás foi o mais rico e poderoso líder judeu de seu tempo. Pertencia a uma dinastia sacerdotal, e seu controle dos negócios judaicos era quase absoluto. Essa não foi a última vez que a dinastia de Anás atacaria a dinastia de Jesus ameaçada por seu potencial controle das pessoas como a legítima autoridade da linhagem de Davi. Como veremos, o quinto filho de Anás, seu homônimo Anás II, fora o sacerdote que mandara matar, de forma brutal, Tiago, o irmão de Jesus, em 62 d.C. A dinastia de Jesus e a dinastia de Anás eram como água e azeite. Tanto Jesus como Tiago lamentaram a sorte dos ricos quanto ao iminente julgamento de Deus. E, parte da agenda messiânica consistia na profética esperança de ver essa família sacerdotal corrupta substituída por uma linhagem de sacerdotes que ensinariam e praticariam a justiça até o fim dos tempos (Malaquias 3).
Caifás casara-se com uma das filhas de Anás e viveu à sombra do sogro, como um sacerdote fantoche, durante seu longo reinado de 18 a 36 d.C. Lucas fala do "sumo pontificado de Anás e Caifás" como se o cargo pertencesse aos dois — mostrando o grande controle exercido pelo sogro (Lucas 3:2). A família sacerdotal de Anás controlava uma riqueza inimaginável e vivia com pompa. Conseguiam exercer o monopólio de todo o comércio associado aos serviços do Templo. O povo desprezava-os. Há um espantoso texto rabínico lamentando os abusos dessas mesmas famílias sacerdotais no tempo de Jesus: "Ai de mim, por causa da casa de Anás, ai de mim, pelas suas calúnias... Ai de mim, por causa da casa de Caifás. Ai de mim, por causa dos seus cêntimos... Pois eles são os Sumos Sacerdotes, os seus filhos são tesoureiros, e os seus genros são conselheiros, e os seus servos surram as pessoas com bastões": Ao acertar no coração da operação de Anás — o comércio do Templo —, Jesus atingira o nervo central de seu poder.
Uma vez que Jesus entrara abertamente na cidade na tarde do domingo precedente, permitindo que as multidões o aclamassem "Rei", era relativamente fácil formular uma acusação capital contra ele. A pergunta sobre o pagamento dos impostos romanos tinha sido lançada para reforçar a prova. Durante uma reunião no início da semana, Caifás já teria determinado que Jesus deveria morrer e já contava, então, com o apoio do poderoso sogro. Segundo o evangelho de João, estes sumos sacerdotes temiam que, se deixassem Jesus continuar, "todos acreditarão nele, e os romanos virão e destruirão nosso local sagrado e nossa nação" (João 11:48). A decisão de eliminá-lo estava tomada. A única questão era quando.
Não sabemos quantas pessoas se reuniram na mansão do sumo sacerdote, naquela noite, mas não se tratava, seguramente, de uma reunião oficial de todo o Sinédrio judaico. Jesus foi levado para dentro da casa. Fora, no pátio, um contingente da guarda do Templo judaico tinha-se reunido e acendido um braseiro decarvão para cortar o frio da noite. Servos e mensageiros andavam por ali. Segundo o evangelho de João, o misterioso "outro discípulo", que penso ter sido Tiago, conseguira entrar no pátio e fazer com que Pedro também entrasse, porque a criada da casa que guardava a entrada era sua conhecida (João 18:15-18). Alguém lá dentro reconheceu o sotaque galileu de Pedro e acusou-o de estar com Jesus. Pedro negou veementemente sequer conhecê-lo.
A natureza clandestina e ilegal desse "julgamento" está comprovada pela hora e pelo lugar escolhidos. Todos os setenta veneráveis membros do Sinédrio reuniam-se numa sala especial no recinto do Templo, durante o dia, não em uma casa particular, perto da meia-noite. E teria sido inconcebível convocar uma reunião oficial do Sinédrio no dia dos preparativos da Páscoa. Essa foi uma manobra clandestina da parte do clã dos sumos sacerdotes para remover um inimigo, e não uma audição oficial e um julgamento. A intenção era conseguir que Jesus fizesse declarações que pudessem ser transmitidas a Pôncio Pilatos como insidiosas. Várias acusações foram levantadas, mas Jesus permaneceu totalmente silencioso durante o interrogatório. Sua recusa em falar enfureceu os acusadores. Finalmente, ao lhe ser perguntado à queima-roupa "És tu o Messias?", ele respondeu: "Eu sou, e vereis o Filho do Homem sentado à direita do Poder, vir sobre as nuvens do céu". (Marcos 14:62). Como já discutido, essa referência ao "Filho do Homem" não diz respeito a ele, e sim à profecia de Daniel 7:13, que se refere de modo simbólico ao povo de Deus, coletivamente considerado, como "a vinda do Filho do Homem" ante o trono de Deus, onde lhe é concedido o poder sobre todas as nações" (Daniel 7:27). O que Jesus estava dizendo era: "Sim, sou o Rei de Israel e vereis a manifestação do Reino de Deus".
A admissão de Jesus de ser o Rei descendente de Davi era tudo de que precisavam. Alguns cuspiram-lhe no rosto e entregaram-no aos guardas, no pátio, que dele zombaram e o maltrataram com socos. Vedaram seus olhos, bateram-lhe no rosto e diziam-lhe com escárnio: "Adivinhe quem acabou de atacá-lo". Ao nascer do dia, outros membros do círculo íntimo dos sacerdotes reuniram-se, quantos não sabemos, mas Marcos afirma ser improvável que "todo o Conselho" se tivesse reunido ao alvorecer da Páscoa. Tratava-se claramente de uma operação interna. Quem fosse contra a decisão não seria, com certeza, convidado, em particular os membros do Sinédrio que apoiavam Jesus ou eram, pelo menos, simpatizantes de sua causa. Houve uma tendência, na tradição cristã posterior, de responsabilizar os "judeus", como um todo, pela morte de Jesus, e a ideia de que Jesus foi condenado à morte por meio da convocação oficial de todo o Sinédrio foi uma forma de sustentar essa alegação. O evangelho de João nunca faz essa alegação, e mesmo Mateus, que usa Marcos como fonte, muda as palavras "todo o Conselho" para a frase "eles aconselharam a favor da pena de morte".
Recentemente, duas espantosas descobertas arqueológicas trouxeram novos esclarecimentos sobre a primeira fase do "julgamento" de Jesus naquela noite. Quando da reconstrução do Bairro Judeu, após a Guerra dos Seis Dias, em 1967, os israelitas iniciaram extensas escavações que revelaram a cidade herodiana tal como era antes de ser destruída pelos romanos em 70 d.C. Era nessa área que os ricos sumos sacerdotes tinham suas casas, bem a oeste do enorme complexo do Templo herodiano. Foi por puro acaso que os arqueólogos descobriram as ruínas de uma mansão palaciana que, muito possivelmente, pertencera a Anás.' Estende-se por uma área de aproximadamente setecentos metros quadrados, com três andares e urna vista magnífica sobre a face oriental do Templo. No andar térreo, a oeste, é ainda visível um pátio murado. As paredes internas têm afrescos coloridos e motivos florais em mármore. O chão de mosaicos estende-se por toda a área. De particular interesse é o átrio de entrada, medindo cerca de 14 x 8 metros. Outras casas igualmente opulentas encontravam-se ao lado dessa e, nas ruínas de uma delas, ao norte, foi encontrado um peso de pedra com a inscrição aramaica "Bar Katros", que significa "pertencente à casa de Caifás". É muito possível que a casa palaciana pertencesse a Anás, e fosse aquela em que Jesus fora condenado à morte. A sala maior teria servido como "sala de julgamento", tendo vista para o pátio, como descrito no evangelho. (9)
Em novembro de 1990, deu-se uma descoberta ainda mais arrepiante. Algumas equipes de construção, trabalhando num parque bem ao sul da Cidade Velha, encontraram acidentalmente uma gruta funerária selada e intocada desde o século I, com ossos e ossuários intatos. Tão inacreditável quanto possa parecer, ela veio a demonstrar-se o túmulo do sacerdote Caifás. De fato, um dos ossuários em que estava inscrito "Yehosef bar Qafa", (José, filho de Caifás) continha os ossos do homem que presidira oficialmente o "julgamento" de Jesus.
Cedo, naquela manhã de quinta-feira, Jesus fora amarrado e levado sob escolta por seus acusadores ao governador romano Pôncio Pilatos. Pilatos encontrava-se no complexo do palácio real que Herodes, o Grande tinha construído no extremo oeste da cidade. Fora dos muros de Jerusalém, ainda hoje visíveis, havia um acessoe uma escadaria de pedra que davam em uma plataforma elevada, em frente ao Pretório ou quartel-general oficial do governador, do lado de dentro do muro, nos terrenos do palácio real. Como os sumos sacerdotes e sua corte tinham-se purificado ritualmente para a refeição da Páscoa, ao pôr-do-sol daquela noite, eles não entraram na área do Pretório, considerada impura.
Jesus sendo julgado diante de Pilatos, em Gabatá
O ossuário de Caifás, com a inscrição no lado
Em vez disso, ficaram nos degraus exteriores, e Pilatos viera a seu encontro. Sentou-se em um banco destinado ao juiz na plataforma de pedra elevada. Essa área, onde eram realizados os julgamentos oficiais romanos, chamava-se, em hebraico, Gabbatha — literalmente "o Pavimento de Pedra. As acusações registradas contra Jesus eram puramente políticas, não religiosas: que ele era uma ameaça à estabilidade da nação; que ele se opunha ao pagamento dos impostos romanos decretados por César; e que ele próprio clamava ser o verdadeiro Rei, como Messias de Israel (Lucas 23:2). Qualquer uma dessas acusações era suficiente aos olhos dos romanos para merecer a crucificação.
Pilatos levou Jesus ao quartel-general, dentro dos muros do palácio, para interrogá-lo. Todos os quatro evangelhos do Novo Testamento nos dão descrições elaboradas de como Pôncio Pilatos considerava Jesus inocente dessas acusações e de como fora extraordinariamente longe na tentativa de inocentá-lo, mas sentira-se intimidado pelas autoridades judaicas e seus defensores, que esperavam lá fora, e exigiam sua crucificação. Chegou mesmo a sugerir que Jesus fosse libertado, conforme o costume romano de libertar um prisioneiro judeu durante o festival judaico. O bando de acusadores de Jesus recusou a sugestão e exigiu então que outro prisioneiro, chamado Barrabás, preso por insurreição, fosse contemplado com a anistia. Finalmente, Pilatos, temendo a multidão de judeus que gritava, "deixem-no ser crucificado", concordou, e, mandando vir uma bacia de água, lavou as mãos, e novamente declarou a inocência de Jesus. Em seguida, entregou-o para ser crucificado. Mateus acrescenta mesmo que "todas as pessoas" responderam à atitude relutante de Pilatos com a fatídica resposta: "Que o seu sangue caia sobre nós e sobre nossos filhos" (Mateus 27:25).
A escavada na pedra, na plataforma do julgamento de Pilatos, hoje em dia
Jesus diante de Caifás no pátio da sala de julgamento
Os estudiosos concordam que muito pouco dos relatos do julgamento de Jesus diante de Pilatos tem valor histórico. Eles foram inteiramente moldados por uma posterior tradição teológica cristã, que procurou colocar a culpa pela morte de Jesus inteiramente sobre o povo judeu, exonerando os romanos como simpatizantes de Jesus, com Pilatos fazendo o possível para lhe salvar a vida. Nossos quatroevangelhos do Novo Testamento foram escritos depois da grande Revolta Judaica contra Roma (66-73 d.C.) Os sentimentos anti-semitas prevaleceram no reinado de Tibério (14-37 d.C.), estimulados pelo notório prefeito Sejanus, o mais influente dos cidadãos romanos de seu tempo. Após a custosa e sangrenta Revolta Judaica, esses sentimentos antijudaicos foram minimizados pelos romanos, e qualquer associação de Jesus com a sedição judaica e com a falta de lealdade para com Roma deveria ser evitada, para não prejudicar a propagação do novo movimento cristão entre os romanos. Que Jesus morrera pela crucificação romana era fato inegável e terrivelmente embaraçoso. Mas se sua crucificação pudesse ser atribuída à obstinação dos judeus, então talvez o movimento cristão pudesse explicar suas origens judaicas e a vergonhosa morte de seu chefe sob uma luz mais favorável, ou seja, menos judaica. Isso permitiria à nascente tradição cristã uma oportunidade maior de ganhar convertidos e aceitação em todo o Império Romano, no qual se disseminava.
O que na realidade sabemos é que Pilatos era conhecido por sua brutalidade, ma crueldade e sua temerária desconsideração e desprezo pelos cidadãos judeus. Desde sua chegada à Judeia, em 26 d.C., seus atos de arrogância e violência tinham-se tornado lendários. Contava, indubitavelmente, com o apoio de Sejanus, que após a retirada de Tibério para a ilha de Capri, em 27 d.C., virtualmente administrara o Império em nome do Imperador. Filo de Alexandria, um filósofo e historiador judeu contemporâneo, descreveu Pilatos como sendo "naturalmente inflexível, uma mistura de obstinação e implacabilidade, um homem conhecido por suas vinganças e seu furioso temperamento. (6)
Pilatos tinha a reputação de fazer prisões sem julgamento e de ignorar os procedimentos legais. Mesmo que Pilatos achasse Jesus um inofensivo e iludido idiota, ele o teria alegremente condenado, sem a menor hesitação. O retrato que os evangelhos do Novo Testamento fazem de Pilatos é historicamente incorreto.
Deixando de lado a teologia, e concentrando-nos em fatos históricos mais prováveis, podemos dizer o seguinte: os sumos sacerdotes, Anás e Caifás, e seus adeptos entregaram Jesus a Pilatos, acusando-o de sedição. Pilatos interrogou Jesus em privado sobre tais acusações. Quando soube que Jesus era da Galileia, decidiu mandá-lo para Herodes Antipas, que se encontrava hospedado em um palácio próximo. Herodes procurava um modo de matar Jesus há algum tempo, e ficou satisfeito por finalmente tê-lo sob sua custódia. Herodes interrogou-oprolongadamente, mas Jesus recusou-se a responder. Os acusadores de Jesus estavam presentes e repetiram as acusações contra ele. Herodes e seus soldados decidiram brincar um pouco com Jesus. Vestiram-no com um manto real e começaram a tratá-lo com menosprezo, chamando-o de "o tal de Rei". Herodes, então, mandou Jesus de volta para Pilatos, tendo endossado a decisão de que Jesus fosse executado por crucificação. Em Jerusalém, era Pilatos quem tinha a jurisdição para executar as decisões tomadas.
Pilatos ordenou que Jesus fosse entregue à guarda pretoriana, tropa romana de elite e da maior confiança, em Jerusalém. Jesus foi levado para o pátio do palácio e açoitado. A palavra grega utilizada significa uma grande chibatada: prática romana habitual, um tipo de castigo preliminar para escravos ou sentenciados à morte crucificação. Esse flagelo era considerado tão duro, que a lei romana proibia que fosse praticado no cidadão romano. Fazia parte do método que os romanos usavam para intimidar e aterrorizar aqueles que se opunham às suas regras. Os soldados não recebiam com muita freqüência um "Messias" como prisioneiro, e tiraram todoo partido da situação, colocando uma falsa coroa de espinhos em sua cabeça, uma cana em sua mão, reverenciando-o e aclamando-o sarcasticamente como "Rei dos Judeus': Pilatos ordenou que fosse feito um cartaz, ou titulus, escrito em latim, grego e hebraico, com os dizeres "Este é Jesus, o Rei dos Judeus". Jesus provavelmente usou-o ao redor do pescoço enquanto era levado embora, carregando o patibulum ou traves da cruz para o lugar da execução. Um cartaz foi então fixado na cruz, por cima da cabeça da vítima, para publicamente anunciar o crime cometido. Esse é um elemento muito importante da história, uma vez que testemunha o fato de os romanos terem crucificado Jesus por sedição, isto é, por reivindicar ser rei.
Pilatos aproveitou a ocasião para crucificar dois outros prisioneiros judeus como lestai. Esse termo, tradicionalmente traduzido por "ladrão", é usado regularmente por Josefo para descrever os salteadores zelotes que agiram contra Roma. Essa é a palavra exata usada para descrever o prisioneiro Barrabás, preso e destinado à crucificação por liderar uma insurreição violenta. É provável que os dois homens crucificados junto com Jesus fizessem parte dessa recente insurreição. O tópico principal é que, do ponto de vista de Pilatos, os três, Jesus incluído, eram culpados do mesmo crime — sedição contra Roma.
Jesus e as outras duas vítimas foram levados para fora da cidade, para um local chamado Gólgota ("Lugar da Caveira"), que os romanos usavam regularmente, para as crucificações. Josefo diz que escolhiam propositadamente lugares ao longo das estradas ou no topo das colinas, facilmente visíveis por pessoas de passagem.
A mais desprezível das mortes
Josefo descreve a crucificação romana como a "mais desprezível das mortes"! Quem quer que tivesse crescido no século I da Palestina romana conhecia o horror dessa forma de terror, fosse por experiência ou observação. As infelizes vítimas de crucificação, deixadas nas cruzes ao longo de dias, eram uma visão comum para a população judaica. Josefo relatou que durante o cerco romano de Jerusalém, no verão de 70 d.C., o número de prisioneiros crucificados chegava a quinhentos por dia — tantos, que não restavam árvores na região.
Sabemos bastante sobre os métodos usados pelos romanos na crucificação das vítimas. Além das fontes literárias de que dispomos, foram descobertos, em 1968, os restos de um esqueleto de uma vítima judaica, do sexo masculino, bem ao norte de Jerusalém, perto da estrada de Nablus. Tinha cerca de vinte anos e seu nome, Jehohanan, estava inscrito no ossuário. Seus restos mortais proporcionaram um vislumbre dos detalhes que envolviam a crucificação romana, tal como era praticada no século I da Jerusalém romana.
Sabemos que os pregos eram colocados através dos antebraços e não das mãos, entre os ossos radial e cúbito. Dessa forma, os braços ficavam presos com segurança ao patibulum. Os ossos radiais de Jehohanan estavam cortados pela fricção entre o prego e o osso. Sabemos pelos fisiologistas que os pregos nas mãos não são suficientes para manter o peso do corpo, e os pregos através dos pulsos teriam cortado as artérias. A "ciência" da crucificação requeria que os pregos fossem fixados de forma a minimizar o sangramento, de outra forma a vítima desmaiaria rapidamente e morreria em questão de minutos. As referências nos evangelhos à perfuração das "mãos" de Jesus usam a palavra grega que pode ser entendida como incluindo os antebraços. Os pés eram pregados através do osso do calcanhar. É o maior osso do pé e, assim como o do antebraço, sua perfuração não causa sangramento abundante. O prego que atravessava o osso do calcanhar de Jehohanan, estava ainda intacto. Quando foi removido da cruz, o prego tinha encravado na madeira, e, quem o removeu, simplesmente recortou a madeira, deixando-a presa ao pé.
Osso do calcanhar, com prego de crucificação, e modelo reconstruído
A morte por crucificação era um processo lento. Podia demorar dois ou três dias. As vítimas eram despidas, expostas ao abrasador sol mediterrâneo. A morte sobrevinha de uma combinação de choque, exaustão, cãibras dos músculos, desidratação, perda de sangue e, finalmente, sufocação ou parada cardíaca. Dependendo do ângulo em que os braços e as pernas fossem pregados, a morte poderia acontecer mais depressa ou prolongar-se. As nádegas eram sustentadas por um pedaço de madeira chamado sedecula, que dava algum suporte ao corpo. Com o passar do tempo, o cansaço fazia com que a respiração se tornasse muito difícil. Se houvesse algum motivo para apressar a morte, as pernas da vítima podiam ser quebradas, relaxando o corpo e tornando a respiração impossível em pouco tempo.
A cena da crucificação vista do Monte das Oliveiras
Josefo conta ter visto, entre os muitos prisioneiros crucificados durante a Revolta Judaica, três conhecidos seus, em uma pequena vila perto de Jerusalém. Ele implorou ao general romano, Tito, que autorizasse que eles fossem retirados da cruz e deixados a seu cuidado. Foi chamado um médico e, apesar de seus esforços, dois deles morreram, mas o outro foi cuidado e se recuperou. Os romanos, com freqüência, deixavam os cadáveres apodrecer nas cruzes, mas os judeus tinham uma lei exigindo que aqueles que eram "enforcados em uma árvore" fossem enterrados no mesmo dia em que foram crucificados. (8) Quando permitido, os judeus removiam os corpos antes do pôr-do-sol e enterravam-nos. Uma vez que as pernas de Jehohanan estavam quebradas, sua morte foi provavelmente apressada para permitir o enterro no mesmo dia da crucificação.
Abandonado por Deus
Jesus e as duas outras vítimas foram colocados na cruz por volta das nove horas da manhã de quinta-feira. Se Jesus esperava ser resgatado por Deus antes que as coisas fossem tão longe, é impossível dizer. Se ele se tivesse identificado com a figura da linhagem de Davi que deveria ser "perfurada" em Zacarias 12, é muitopossível que pensasse estar destinado a ser pregado na cruz — mas, então, salvo da própria morte antes que fosse tarde.
A provável expectativa de Jesus era uma inesperada, dramática e catastrófica manifestação do Reino de Deus — talvez um grande terremoto que destruísse o Templo de Herodes, com o escurecer do sol, a lua se tornando vermelho-sangue, os mortos sendo ressuscitados, e a aparição de legiões de exércitos celestiais no céu. Durante a semana precedente, quando seus discípulos admiravam a beleza da construção em pedra do Templo de Herodes, ele lhes tinha dito que viria o dia em que não ficaria dela pedra sobre pedra (Marcos 13:2). Em seu julgamento, uma das acusações tinha sido "Ouvimo-lo dizer: "Demolirei este templo construído pelas mãos dos homens e, em três dias, construirei outro que não será feito pelas mãos dos homens" (Marcos 14:58). Como Jesus dissera a seus discípulos na noite anterior, antes da última refeição,"Agora é o julgamento deste mundo, agora é que o dominador deste mundo vai ser afastado" (João 12:31). Os Profetas hebreus tinham escrito vivamente sobre "O dia do Senhor", quando as pessoas jogarão seus ouros e pratas nas ruas e refugiar-se-ão nas cavernas das rochas para escapar à vista terrível do Senhor, ao esplendor da sua majestade, quando ele se levantar para abalar a terra" (Isaías 2:21). Os reis da terra serão amontoados, e os exércitos de Satã presos em uma cova (Isaías 24:22). Para Jesus, o profético "terceiro dia" tinha chegado, e a vinda do "Filho do Homem nas nuvens do céu" era iminente.
Os evangelhos dizem que os sumos sacerdotes e seus aliados tratavam com sarcasmo as vítimas, usando de particular desprezo para com Jesus: "Deixai o Rei de Israel descer da cruz para que possamos crer"! A poucos metros estava Maria, a mãe de Jesus, bem como Maria Madalena e as outras mulheres que o tinham acompanhado desde a Galileia, em sua última viagem a Jerusalém. Segundo o evangelho de João, o "discípulo que Jesus amava" também estava presente, com a mãe de Jesus. Mais tarde, quando Jesus começava a pensar que, apesar de tudo, poderia morrer, ele formalmente colocou o bem-estar de sua mãe aos cuidados deste discípulo, que eu identifiquei como sendo seu irmão Tiago — que, agora, viria a ser o "mais velho" da família.
De acordo com Marcos, Jesus esteve na cruz da terceira à nona hora, ou seja, das nove da manhã às três da tarde (Marcos 25:33). Próximo ao fim, ele começou a sentir a vida esvair-se. Gritou com voz forte, em sua língua nativa, o aramaico: Eloi, Eloi, Lama sabachtani? Essas são as palavras iniciais do Salmo 22 — Meu Deus,Meu Deus, por que me abandonastes? Nessa altura, inclinou a cabeça e respirou pela última vez. Além das palavras do Salmo que ele citou, nunca saberemos quais teriam sido seus últimos pensamentos. Pode bem ser que, à medida que fosse ficando fraco, recitasse esse mesmo Salmo. É a prece de um moribundo, atribuída ao Rei Davi, que, no final, é salvo de agonizante sofrimento e morte. De fato, esse é o Salmo que se refere especificamente à "perfuração das mãos e dos pés" (verso 16). O Salmo termina com uma declaração de esperança: "Deus não escondeu de mim sua face, mas ouviu quando lhe implorei". Até, talvez, os últimos minutos, Jesus acreditou que Deus interviria, salvaria sua vida, e abertamente manifestaria o seu Reino.
Uma vez que a refeição da Páscoa dos hebreus, ou Seder, devia ser feita logo após o pôr-do-sol dessa noite, os sumos sacerdotes tinham pedido aos romanos para quebrarem as pernas das vítimas, de modo a apressar a morte. O evangelho de João comenta: "Queriam evitar que no Sabbath ficassem os corpos na cruz, porque aquele Sabbath era um dia muito solene" (João 19:31). Quando chegaram até Jesus, ele parecia completamente sem vida. Um dos soldados espetou uma lança em seu flanco, só para ter a certeza. Ele não pestanejou. O Rei estava morto.
CAPÍTULO QUATORZE
Morto, mas sepultado duas vezes
Jesus estava morto por volta das três da tarde de quinta-feira. Sua família e seguidores estavam em estado de choque. Nenhum deles podia acreditar que Deus tivesse permitido que Jesus, o Messias descendente de Davi e legítimo Rei de Israel, morresse. Não houve preparações para seu enterro. A família de Jesus era da Galileia e não possuía uma gruta funerária em Jerusalém. O sol começava a declinar, e a refeição da Páscoa teria início ao anoitecer. Alguma coisa tinha de ser feita rapidamente com o corpo de Jesus, antes que afamília passasse pela vergonha de ter de deixá-lo na cruz até o dia seguinte.
Uma sepultura temporária
Os evangelhos relatam que José de Arimateia, um rico e influente membro do Sinédrio judaico, ofereceu-se para ajudar. José dirigiu-se ao governador romano, Pôncio Pilatos, e, usando sua influência e posição como membro do Sinédrio, obteve autorização para remover o corpo de Jesus da cruz e sepultá-lo em caráter temporário. Presumivelmente, José não tinha sido chamado, na noite anterior, para o "julgamento" convocado, às pressas, na casa de Anás e Caifás. Arimateia pertencia a uma minoria de influentes líderes judaicos que apoiava Jesus. Ele recrutara a ajuda de um homem chamado Nicodemos, também membro do Sinédrio, que compartilhava sua simpatia pelo movimento messiânico. A questão que se punha era onde enterrar Jesus, temporariamente, em circunstâncias tão difíceis.
É crença generalizada que o túmulo em que Jesus foi posto naquele fim de tarde pertencia a José de Arimateia. Não é o caso. Esse erro se deve a uma breve glosa editorial do evangelho de Mateus, e nenhuma outra fonte que conhecemos sustenta essa teoria (Mateus 27:60). (1) Os evangelhos de Marcos e Lucas dizem apenas que"levaram o corpo e o colocaram em uma tumba talhada na rocha". O evangelho de João nos fornece um importante detalhe adicional: "No local em que Jesus fora crucificado havia um jardim, e no jardim havia uma tumba, onde ninguém ainda tinha sido sepultado" (João 19:41). É improvável que uma tumba recém-talhada, convenientemente localizada perto do local onde Jesus tinha sido crucificado, por casualidade pertencesse a José de Arimateia. Fato é que não temos a menor ideia de quem era o dono dessa tumba. Tinha sido recentemente talhada na rocha e ainda não fora usada, resolvendo, portanto, a situação de emergência que José e Nicodemos enfrentavam. Podiam colocar, temporariamente, o corpo de Jesus nessa tumba, até depois da Páscoa dos hebreus e dos feriados do Sabbath, quando a família voltaria e daria a Jesus um enterro de acordo com os costumes judaicos.
A mãe de Jesus, Maria, e sua companheira, Maria Madalena, seguiram José e Nicodemos à tumba, fixando sua exata localização. Já não havia tempo para preparar o corpo de acordo com os costumes judaicos, que incluíam lavá-lo e ungi-lo, e passar vários tipos de especiarias e perfumes para controlar o cheiro da decomposição. José e Nicodemos simplesmente enrolaram o corpo em um pano de linho, e o colocaram em uma laje de pedra, que serviria como local de descanso temporário, entre o fim da tarde de quinta-feira, a Páscoa, na sexta, e o semanal Sabbath, no sábado. Fecharam a pequena entrada do túmulo com uma pedra, cortada à medida, para afastar os animais ou os desconhecidos que pudessem passar por ali.
A Igreja do Santo Sepulcro engloba, atualmente, o tradicional local do Gólgota e a tumba onde o corpo de Jesus foi colocado. No tempo de Jesus, essa área era uma escavação rochosa, quase fora dos muros do setor nordeste da cidade herodiana. Tornou-se o lugar mais sagrado da Cristandade. Fica no Bairro Cristão, dentro dos atuais muros da Cidade Velha de Jerusalém. É um lugar reverenciado desde o século IV d.C., quando Helena, a devota mãe cristã do recém-convertido imperador romano Constantino, afirmou ser esse o lugar. Esse local é venerado igualmente por católicos romanos, ortodoxos do Leste, armênios, e cristãos coptas. Os protestantes preferem, em geral, um lugar fora dos muros da Cidade Velha, bem ao norte da Porta de Damasco, conhecido por "Calvário de Gordon" ou "Tumba do Jardim", ao lado da moderna estação de ônibus da cidade no setor oriental de Jerusalém. Lá, os turistas encontram um afloramento elevado de rochas cuja superfície se assemelha a uma "caveira", e como Gólgota significa "Lugar da Caveira", muita gente se convenceu de que esse é o lugar certo. Há ali um jardim, com uma tumba, que dizem ser a tumba de José de Arimateia.
A Igreja do Santo Sepulcro, hoje
Provar a autenticidade de qualquer desses locais é problemático. A tumba, no sítio protestante, foi datada como sendo da Idade do Ferro (século V a.C.), muito anterior à"tumba recém-talhada". O sítio católico baseia-se em tradições que datam do século IV, praticamente trezentos anos após a crucificação de Jesus. A tumba fica perto do antigo muro norte da antiga cidade, perto de uma escavação na rocha, uma área pouco propícia a novas tumbas e jardins. Sua autenticidade tem por base as relíquias que a imperatriz Helena alega ter achado — como a verdadeira cruz de Jesus, enterrada ali perto — apoiada por visões e relatos de milagres. A tumba escolhida por Helena é, muito provavelmente, a de João Hircano, o governador macabeu do século II a.C.,' mencionada algumas vezes por Josefo, e precisamente nesse local que, simplesmente, não corresponde aos registros bíblicos ou históricos.
O Calvário de Gordon
Um local mais provável para a crucificação de Jesus é o Monte das Oliveiras, a leste da cidade,com vista para o complexo do Templo. Uma de nossas fontesmais antigas lembra que a crucificação de Jesus se deu "fora do acampamento" (Hebreus 13:12-13). A expressão técnica "fora do acampamento" foi interpretada como a uma distância de, pelo menos, dois mil cúbitos (cerca de oitocentos metros) a leste do santuário do Templo.' Ficava ali, na direção do cume do Monte das Oliveiras, onde eram praticados certos ritos purificadores e infligidos castigos aos culpados.' No século I d.C., houve também uma tentativa para localizartumbas fora desse perímetro, para evitar a contaminação ritual do Templo. (5) Issosatisfazia os propósitos romanos, que preferiam encenar as crucificações nas colinas, ao longo das estradas principais, para que as populações pudessem ver os castigos infligidos e ficar de sobreaviso. O Monte das Oliveiras era visível para quem entrasse na cidade pela estrada principal, e era suficientemente distante do santuário do Templo para que os corpos não causassem contaminação ritual. Um texto cristão do século II, intitulado Atos de Pilatos, atesta que Jesus fora crucificado perto do lugar onde tinha sido preso, ou seja, no Jardim de Getsêmani, no Monte das Oliveiras. A versão Shem-Tob, no Mateus hebraico, que mencionei no Capítulo 8, refere-se ao Gólgota como uma "montanha" ou "colina". Ao norte da cidade, não existe nada a que se pudesse referir dessa maneira, mas a descrição se adapta ao Monte das Oliveiras. No cume deste Monte encontra-se um pequeno morro arredondado, ou cúpula, que pode ter dado origem ao nome "Lugar da Caveira".' Toda a encosta ocidental do Monte das Oliveiras, em frente a Jerusalém, era uma área de jardins e tumbas. Se essa localização está correta, Jesus passou as últimas horas agonizantes de sua vida em frente ao Templo de Jerusalém, com vista total dos pátios.
O Monte das Oliveiras visto à leste da Cidade Velha
Não há registros de onde a família de Jesus e seu grupo íntimo de seguidores comeram a refeição da Páscoa, na noite da morte de Jesus, mas é fácil imaginar quão triste e solene essa ocasião deve ter sido. Eles provavelmente se reuniram na casa de Maria e Marta, em Betânia, no Monte das Oliveiras, onde Jesus e seus seguidores se haviam hospedado durante toda a semana. Deviam estar aterrorizados com a possibilidade de que outros companheiros fossem presos. Mas talvez não houvesse lugar em seus pensamentos, senão para a morte de Jesus.
Uma tumba vazia
Tentar determinar o que se passou depois é, provavelmente, o tema mais difícil e controvertido, no estudo das origens cristãs. Aqui, entramos em uma área em que a fé e o dogma teológico estão interligados com prováveis fatos históricos, em meada que parece quase impossível desenrolar. Existem algumas poucas coisas que temos como certas, e muitas que nunca saberemos. Essa é a natureza de nossas fontes e provas. A doutrina cristã usual é bastante conhecida: que Jesus foi ressuscitado dos mortos, foi visto por muitas testemunhas, e ascendeu aos céus, onde se sentou à direita de Deus, como o glorioso Cristo, e de onde regressará no fim dos tempos, para julgar os vivos e os mortos. Mas essa conhecida mensagem, assim apresentada, estava ainda longe.
Três fatos parecem indisputáveis: primeiro, que Jesus estava realmente morto; segundo, que ele fora rápida e temporariamente sepultado em uma tumba desconhecida; e, terceiro, que o movimento iniciado por Jesus não terminou com sua morte, mas reviveu e encontrou nova vida sob a liderança de seu irmão Tiago.
Todos os quatro evangelhos do Novo Testamento dizem que a tumba em que Jesus foi colocado temporariamente foi encontrada vazia na manhã do domingo. Mas não se entenderam sobre quem teria chegado primeiro a ela e o que teria acontecido depois. O evangelho de João diz que Maria Madalena foi sozinha, sem ninguém, mesmo antes de o sol nascer, quando estava ainda escuro, encontrara removida a pedra que fechava a entrada, e o corpo ausente da laje em que fora colocado ao entardecer da quinta-feira. Ela correu de volta à cidade para procurar Simão Pedro e o "discípulo que Jesus amava", exclamando: "O Mestre foi levado da tumba e não sabemos onde o puseram" (João 20:2). Simão e o discípulo não nomeado correram até a tumba. Tudo o que encontraram foram os panos de linho em que Jesus tinha sido enrolado — o corpo sumira. Ninguém aventou, então, a hipótese de que Jesus tivesse sido ressuscitado dos mortos. A essa altura, a questão cingia-se ao desaparecimento do corpo.
Olhando para fora de uma tumba vazia, do século I, no Monte das Oliveiras
Marcos diz que a mãe de Jesus, Maria, Salomé e Maria Madalena foram juntas à tumba, e, em vez de Jesus encontraram um "jovem" que lhes disse: "Não vos assusteis! Buscai a Jesus de Nazaré, o crucificado. Ressuscitou; não está aqui; vede o lugar onde o tinham colocado". Elas fugiram do local, assustadas, e nada contaram...' Mateus relata que a mãe de Jesus e Maria Madalena foram juntas à tumba, quando houve um grande terremoto e um anjo do Senhor desceu do céu e removeu a pedra, dizendo-lhes: "Jesus não está aqui. Ressuscitou" (Mateus 28:1-7). Lucas diz que encontraram a pedra removida, entraram na tumba, não viram o corpo e ficaram perplexas. Subitamente, apareceram-lhes dois homens em trajes resplandecentes e lhes disseram: "Por que procurais o vivo entre os mortos?" (Lucas 24:2-5).
Algumas pessoas aventaram a hipótese de que Jesus pudesse não estar clinicamente morto, mas em um estado comatoso do qual, subseqüentemente, se recuperou. (7) Essa teoria, referida como a "teoria do desmaio", tem muitas variações, incluindo a ideia de que poderia ter-se tratado de um plano de Jesus — ele se drogara para poder sofrer como o Messias de Israel, mas escapar à morte. (8) Várias teorias fantasiosas apareceram baseadas nessa premissa. Uma delas é a de que Jesus teria viajado para o leste, para a Índia, à procura das "tribos perdidas", onde ele por fim morrera, estando sua campa, agora, localizada na cidade de Srinagar, na Caxemira. (9) Outra, surgida recentemente em vários livros populares, é a de que Jesusteria-se casado com Maria Madalena e, após ter sobrevivido à cruz, mudara-se com ela e uma criança para o sul da França. (10) Um autor moderno chegou a argumentar que Jesus teria viajado para o leste, mas retornado à Palestina para se juntar à Revolta Judaica, tendo, posteriormente, morrido em Massada, em 73 d.C." Nenhuma dessas teorias parece ter como base qualquer fonte histórica. Penso que não devemos duvidar de que, dada a execução de Jesus pela crucificação romana, ele estivesse mesmo morto, e que sua tumba temporária tenha sido encontrada vazia pouco tempo depois.
As aparições de Jesus
Três dos quatro evangelhos do Novo Testamento mencionam as "aparições" de Jesus, como sustentáculo da ideia da ressurreição — Mateus, Lucas e João. Mas, e Marcos? Aqui, chegamos a um dos fatos mais ignorados e minimizados de nossa história. Tão chocante quanto possa parecer, o manuscrito original do evangelho de Marcos não faz qualquer menção à ressurreição de Jesus! Nossa mais antiga fonte evangélica termina a história de Jesus com uma tumba vazia. Ponto. O último versículo do evangelho de Marcos, originalmente, registrava: "E elas [as duas Marias e Salomé] saíram, fugindo da tumba; pois estavam tremendo e fora de si; e não disseram nada a ninguém, porque tinham medo" (Marcos 16:8). Digo, "originalmente registrava porque, por razões óbvias, esse final, chocantemente abrupto e "incompleto", não poderia ser admitido. Deve ter sido profundamente incômodo para os primeiros cristãos. O cristianismo foi construído sobre a ideia de que Jesus aparecera depois da sua morte a vários indivíduos e grupos. Como poderia Marcos ter excluído isso?
O que se passou foi que os devotos escribas, que copiavam Marcos, criaram e acrescentaram um fim a seu texto, por volta do século IV d.C. — mais de trezentos anos depois de o texto original ter sido escrito! Esse final forjado foi transformado nos versículos 16:9-20, mas não é encontrado em nenhuma das mais antigas e confiáveis cópias de Marcos. (12) Trata-se, na realidade, de uma combinação canhestra das aparições de Jesus narradas por Marcos, Lucas e João. Não contém qualquer informação independente que possa ser atribuída especificamente a Marcos, e o estilo grego da escritura decididamente não é o dele. Clemente de Alexandria e Orígenes, dois de nossos mais antigos estudiosos cristãos, que viveram no século III d.C., desconheciam a existência desse final mais longo que, naquele tempo, não tinha ainda surgido. Eusébio e Jerônimo, autores cristãos do começo e do final do século IV d.C., sabiam de sua existência, mas assinalam estar ausente de quase todos os manuscritos gregos que conheciam. Dois outros finais "fabricados" foram, mais tarde, postos em circulação, como alternativas mais curtas a esse final tradicional mais longo. Claramente, ninguém poderia aceitar que Marcos terminasse seu livro da forma escolhida — era por demais chocante e problemático para a fé cristã.
Versões inglesas modernas de traduções do Novo Testamento têm lidado com esse problema de formas diversas." A maioria continua a incluir esse final, mas acrescido de uma nota de rodapé, explicando que Marcos finaliza com o 16:8 na maior parte dos mais confiáveis antigos manuscritos. Duvido que o leitor médio repare muito nessa nota, de forma que o chocante final original de Marcos tem sido largamente ignorado. Outros escrevem 16:9-20 com aspas duplas e notas. A revised standard version (versão revista padronizada) original, publicada em 1946, causou um certo tumulto, ao imprimir o final não original como nota de rodapé — separado do texto original. Isso causou tamanha tempestade que, nas edições posteriores da RSV, foi recolocado no texto com uma nota de rodapé.
O que o texto original de Marcos nos diz é que as narrativas sobre as aparições de Jesus a vários indivíduos e grupos, depois da ressurreição, não eram consideradas uma parte necessária da história do "evangelho", por volta de 70 d.C., quando o de Marcos foi escrito. Portanto, como se desenvolveram essas narrativas?
Na realidade, nossos primeiros registros das "aparições" de Jesus não estão no evangelho do Novo Testamento, mas em uma carta de Paulo, a que chamamos Primeiros Coríntios, escrita por volta de 54 d.C. Ao defender sua própria visãode Jesus, Paulo diz ter recebido e transmitido a seus convertidos a tradição de que Jesus morre, é sepultado e ressuscita no "terceiro dia". Segundo Paulo, Jesus apareceu primeiramente para Cefas ou Pedro, então para os Doze, depois para quinhentos discípulos, em seguida, para Tiago, seu irmão, para todos os apóstolos, e, finalmente, "por último, ele apareceu para mim". Paulo transmite uma tradição diferente, uma vez que sua lista das "aparições" não condiz com as relatadas no evangelho do Novo Testamento. Paulo também equipara sua própria lista das "aparições", claramente "visionária", com aquela dos fundadores originais — possivelmente dando a entender que as experiências desses tinham sido muito parecidas Com as suas. No judaísmo, alegar que alguém foi "ressuscitado dos mortos" não é o mesmo que reivindicar que alguém morreu e existe como espírito ou alma no mundo celestial. O que o evangelho alega é que a sepultura estava vazia, e que ao corpo morto de Jesus foi devolvida a vida — ferimentos e tudo mais. Ele não era um fantasma ou um espectro, embora parecesse "materializar-se" abruptamente, não sendo por vezes reconhecido, para, então, de repente, ser reconhecido por aqueles que o viam. Mas Paulo parece disposto a usar o termo "ressurreição" para se referir a algo semelhante a uma aparição ou visão. E quando se refere ao corpo de Jesus, refere-se a um corpo "espiritual". Mas, um "corpo espiritual" e um "espírito encarnado" podem ser vistos como um só fenômeno.
As narrativas de Mateus, Lucas e João sobre as "aparições" posteriores à descoberta da tumba vazia tornaram-se um padrão para as alegações de que Jesus tinha sido "ressuscitado dos mortos". As datas, em geral atribuídas a essas narrativas, são os anos 80 d.C., para Mateus; os anos 90 d.C. para Lucas, e a virada do século I, para João.
O evangelho de João diz que Maria Madalena vira Jesus na tumba naquela mesma manhã e dele ouvira: "Subo para meu Pai, que é teu Pai, para o meu Deus, que é teu Deus". Mateus narra que a mãe de Jesus, Maria, e Maria Madalena fugiram da tumba ao ver um anjo descendo do céu, para contar aos outros seguidores o que tinha acontecido. No caminho, encontraram Jesus, que lhes disse: "Não vos assusteis. Ide dizer a meus irmãos para irem à Galileia, e lá me verão. "Mateus não se refere a nenhuma outra aparição em Jerusalém. Diz que os 11 apóstolos partiram logo para a Galileia, para uma certa montanha, onde Jesus lhes dissera para fazerem discípulos entre todos os povos, "batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo" (Mateus 28:16-19).
Alguns historiadores podem se referir ao que foi dito por Paulo ou aos relatórios sobre as aparições que circulavam na altura em que os evangelhos foram escritos, mas esses escritos, feitos décadas depois do acontecimento, testemunham mais o desenvolvimento das crenças teológicas do que o que teria acontecido. Alguns estudiosos questionaram a veracidade histórica da própria história da tumba vazia, argumentando ter sido desenvolvida para sustentar a alegação teológica de que Jesus tinha sido ressuscitado dos mortos. Mas dada a natureza apressada e temporária do sepultamento de Jesus, era de esperar que a tumba estivesse vazia. Nunca houve a intenção de que Jesus permanecesse naquela tumba. A questão que se põe é: o que aconteceu com seu corpo? Onde e por quem poderia ter sido sepultado permanentemente? A resposta mais curta é que não sabemos, e qualquer sugestão é especulativa. Mas temos, ainda assim, algumas pistas em nossas fontes que nos permitem reconstruir algumas possibilidades plausíveis.
Existem algumas histórias alternativas aos evangelhos do nosso Novo Testamento. Tertuliano, um autor cristão do século III, nos fala de uma polêmica em voga nessa época: o corpo de Jesus fora removido pelo jardineiro do cemitério, que temia ver suas plantas pisoteadas pelas multidões em visita à tumba." Em um antigo texto medieval chamado Toledot Yeshu, o jardineiro leva o corpo e o sepulta em um riacho próximo, temendo que os discípulos se antecipassem e levassem o corpo, alegando que ele havia sido ressuscitado dos mortos. Há um texto copta do século VI d.C. que até nos diz o nome do jardineiro, Filógenes. Nessa versão, o jardineiro planeja levar o corpo para sepultá-lo condignamente, mas, à meia-noite, quando fora buscá-lo, a tumba estava rodeada de anjos e ele testemunhara Jesus ressuscitando dos mortos. (5) Todas essas histórias sobre um jardineiro parecem serembelezamentos ao evangelho de João, em que Maria Madalena, confundindo Jesus com o jardineiro, ao encontrá-lo na tumba, pergunta-lhe: "Se foste tu que o tiraste, dize-me onde o puseste" (João 20:15).
Pode ser que, no relato de João, esteja a melhor pista sobre o que poderia ter acontecido ao corpo de Jesus. Se Maria Madalena, na realidade, foi sozinha, muito cedo, à tumba, e esta já estava vazia, outra pessoa deve ter ido antes dela e removido o corpo. Existem várias hipóteses, sendo a mais plausível a de ter sido sua mãe, Maria, e sua irmã, Salomé, possivelmente ajudadas por algumas das outras mulheres que os acompanharam desde a Galileia, e talvez as irmãs, Marta e Maria, com quem se hospedavam.
Marcos nos diz que, depois do pôr-do-sol, no sábado, quando o Sabbath tinha terminado, elas "compraram especiarias para que pudessem ungi-lo" (Marcos 16:1). Uma vez que o corpo de Jesus tinha sido apressadamente colocado em uma tumba temporária por causa do feriado da Páscoa, faz sentido que a família quisesse dar seguimento ao sepultamento logo que possível. Na tradição judaica, os corpos devem ser sepultados nas 24 horas seguintes à morte. Lavar e ungir o corpo nu de um ser amado era um ato de devoção íntimo. Elas podiam tê-lo removido, ao crepúsculo da noite de sábado, levando-o para uma tumba permanente, em algum outro lugar, em Jerusalém, e preparado o corpo para ser sepultado de acordo com o costume judaico. As tumbas são escuras, e as lâmpadas a óleo, comumente encontradas em seu interior, teriam facilitado a remoção após o pôr-do-sol, no sábado. Se confiarmos no relato de João, Maria Madalena, por alguma razão, estava ausente, tendo chegado no domingo de manhã e encontrado a tumba vazia.
É pouco provável que Maria e seus filhos tivessem uma tumba familiar em Jerusalém, mas tinham amigos íntimos, como Marta e Maria, que poderiam ter-lhes facultado uma. Toda a área ao redor de Jerusalém, nesse período, era uma vasta necrópole de tumbas talhadas na rocha. Algumas são grandes e monumentais; outras são pequenas, com espaço para uma meia dúzia de sepultamentos. Centenas de tumbas familiares do século I foram encontradas no Monte das Oliveiras, onde Marta e Maria moravam. E, se Jesus foi mesmo crucificado e temporariamente sepultado no Monte das Oliveiras, a tumba em que foi sepultado em caráter permanente poderia estar próximo dali.
Foto: Fragmento do ossuário com a inscrição
"Simão bar Jonas"
Nesse caso, temos alguma prova arqueológica. Um agrupamento de tumbas do século com algum indício de terem pertencido aos seguidores de Jesus, foidescoberto no Monte das Oliveiras, bem ao sul do Monte da Ofensa, e mais ao sul, na área de Talpiot." No solo do santuário franciscano Dominus Flevit, no Monte das Oliveiras, foram encontrados mais de quarenta ossuários, com inscrições de nomes como Lázaro, João, José, Judas, Marta, Miriam, Mateus, Salomé, Simão, Jesus, e, mais significativamente, um "Simão bar Jonas", o exato nome aramaico de Pedro, discípulo de Jesus. Os nomes são comuns, mas esse particular agrupamento, perto da vila onde Maria e Marta moravam com o irmão Lázaro e, talvez, perto do lugar onde Jesus fora crucificado, parece significativo. Maria e Marta estavam juntas em um único ossuário, possivelmente uma forma indicativa de que eram irmãs. Existem outros grupos semelhantes de nomes em cemitérios próximos, mas mais ao sul, no Monte da Ofensa e em Talpiot. Essas tumbas, porém, contêm mais provas da ligação cristã-judaica do que a simples configuração de nomes. Em alguns deles existem marcas de cruzes, talvez acrescentadas posteriormente pelos peregrinos, e grafites como "aflição de Jesus!", "gemido de Jesus!", bem como as letras gregas Chi e Rho, possíveis abreviações para Chr (istos) ou "Cristo" em grego. (17)
A Tumba do Sudário, descoberta em junho de 2000, fica também muito próximo dessa área, como a tumba de Talpiot, descoberta em 1980, sobre a qual falei na Introdução. Se Jesus foi removido para outra tumba, na área de Jerusalém, pode bem ter sido para um desses locais.
Evangelho de Pedro, do século II, também conhece essa tradição. Relata que, ao fim dos oito dias do feriado da Páscoa, os discípulos "choraram e lamentaram, e cada um deles, muito magoado com o que se passara, voltou para sua própria casa", na Galileia, incluindo Pedro e André, que reassumiram seu negócio de pesca. Essa tradição não se adapta ao evangelho de João, que relata a aparição de Jesus aos discípulos em Jerusalém, mas contribui para a potencial veracidade da história da Galileia. Parece ser uma tradição alternativa, acrescentada ao final do evangelho de João e baseada, diz ele, no relato ocular do "discípulo amado".
E é aqui que Marcos se torna muito importante. Lembremo-nos de que Marcos, nosso mais antigo evangelho, não menciona quaisquer "aparições" de Jesus. Mas ele conhece uma tradição segundo a qual Jesus diz aos Doze, durante a última refeição antes de sua prisão, que ele "os precederá na chegada à Galileia" (Marcos 14:28). Isso condiz com sua observação velada sobre ser "ressuscitado no terceiro dia" que, como vimos, refere-se à ressurreição de Israel como povo, e não à ressurreição individual de Jesus. Talvez tivesse sido na Galileia que os seguidores de Jesus renovaram sua fé quanto à proximidade do Reino de Deus.
Mateus elabora em cima dessa tradição galileana. Ele relata que os 11 apóstolos "vêem" Jesus em um específico monte na Galileia.
Surpreendentemente, Mateus assinala que, mesmo entre os membros desse círculo íntimo, havia dúvidas de que tivesse sido Jesus que tinham visto, e Mateus não assinala qualquer outra aparição de Jesus ao grupo (Mateus 28:17). Perguntamo-nos por que a Galileia e por que exatamente esse monte. Seria possível que estivessem visitando a sepultura de Jesus na Galileia, e que a história de Mateus seja a reforma teológica de uma antiga tradição que liga os seguidores de Jesus a um "monte" na Galileia, em que teriam vivenciado a presença de Jesus?
Surpreendentemente, existe uma tumba de Jesus na Galileia, quase desconhecida e pouco visitada. O respeitado rabino cabalístico do século XVI, Isaac ben Luria (conhecido como "o Ari") transmitiu uma tradição na qual a sepultura de Jesus de Nazaré ("Yeshu ha-Notzri") está localizada no norte, nos arredores da cidade de Tsfat (Safed), na Galileia. Essa tradição, conhecida nos círculos místicos judaicos, é raramente mencionada fora deles, uma vez que o rabino ben Luria incluiu a tumba de Jesus em uma lista de tumbas de vários sábios judeus e de santos que ele denomina o "lugar de sepultamento dos íntegros". Jesus é um tema muito sensível ao judaísmo. Se um dos maiores chefes espirituais da história judaica, o rabino Isaac ben Luria, incluiu Jesus entre os "íntegros", mas também alegou conhecer o lugar onde ele estaria sepultado, as repercussões disso poderiam ser preocupantes. Sob o ponto de vista cristão, Jesus ressuscitou dos mortos, de modo que qualquer alegação sobre o lugar onde ele estaria sepultado seria vista como uma expressão da descrença judaica, além de caluniosa. Mas se, sob o ponto de vista judaico ortodoxo, Jesus tem sido tradicionalmente visto como o "falso Messias" e uma figura negativa, como poderia, então, alguém da estatura de ben Luria reverenciá-lo dessa forma?
O local da tumba, bem ao norte de Tsfat, é explícito de tal modo, que, há alguns anos, decidi ir à Galileia ver se conseguia localizá-lo. O lugar era facilmente reconhecível, em cima de um cume voltado para a estrada principal. A tumba não está em uma gruta cavada na rocha, mas no nível do chão, coberta de pedras e orientada para o sul de Jerusalém. Seu aspecto lembrou-me muito as sepulturas dos essênios encontradas no cemitério de Qumrã, onde vivia a comunidade do Mar Morto.
James Tabor, ajoelhado sobre a sepultura em Tsfat, na Galileia
Mesmo que nossa primeira referência a essa tumba seja tardia, de uma fonte rabínica do século XVI, nessa área estão enterrados o Rabino Shimon bar Yochai e outros rabinos, igualmente famosos, do período romano. Tsfat tornara-se, no século II d.C., ou até antes, um centro de ensinamentos místicos judaicos. Será mesmo remotamente possível que a família de Jesus o tivesse levado de volta à Galileia para ser sepultado? Tsfat está localizada em uma área de baixas montanhas, ao norte de Cafarnaum. Jesus usara essa área como quartel-general durante três anos. Os evangelhos relatam que, muitas vezes ele se embrenhava nessas montanhas, para rezar longe das multidões. Poderiam eles ter escolhido esse local protegido para que seu corpo não fosse perturbado, distante dos perigos políticos ainda fermentando em Jerusalém? Seria possível que a memória da localização da tumba tenha sido transmitida, durante séculos, aos círculos judaicos, pela tradição oral?
A tradição da Galileia, encontrada em Mateus e em Lucas, parece merecer alguma consideração, não importa qual o valor histórico da tradição rabínica quanto à tumba de Jesus. Essas histórias evangélicas, envolvendo a Galileia, parecem preservar um pouco da dúvida e do desapontamento que devem ter caracterizado os dias negros que se seguiram à morte de seu amado Mestre. Embora os seguidores de Jesus se tivessem reorganizado sob a nova chefia de Tiago e afinal retornado a Jerusalém, pode, perfeitamente, ter havido um período em que se reuniram na Galileia para repensar a situação; é isso que as tradições evangélicas parecem transmitir. Se assim foi, então o relato mais idealizado do movimento de Jesus nos capítulos iniciais do livro de Atos é a tentativa de Lucas de remodelar as coisas de forma mais triunfal.
A morte de Jesus deve ter sido tão devastadora para o grupo quanto fora a mortede João Batista, no ano anterior. Como se explica que os Dois Messias estivessem mortos? Estaria mesmo próximo o Reino de Deus? A promessa dos tronos e da liderança sobre toda Israel devia parecer remota. Foi Tiago, irmão de Jesus, o discípulo que Jesus amava, que começou a modificar as coisas. Jesus estava morto, mas sua dinastia tinha sobrevivido, e a causa pela qual ele tinha vivido e morrido estava ainda por se realizar.
QUINTA PARTE
Esperando o Filho do Homem
CAPÍTULO QUINZE
Ide a Tiago, o Justo
A expectativa diante da morte violenta do líder de um movimento é de caos, confusão e subseqüente desintegração. Josefo mencionou pelo menos uma dúzia de outros aspirantes messiânicos e líderes de rebelião executados pelos romanos ao longo do primeiro século d.C. Em todos os casos, os movimentos iniciados por eles foram esmagados ou desapareceram. Foi nitidamente diferente com o movimento de Jesus. Afinal, seus membros tinham perdido os dois líderes, primeiro João e depois Jesus — os dois Messias em quem depositavam tanta esperança. No entanto, o movimento não se extinguiu; na verdade, começou a crescer e a se espalhar.
A visão tradicional é a de que Jesus apareceu ressuscitado em glória no domingo seguinte à sexta-feira de sua crucificação, transformando sua morte em celebração e triunfo. É isso que os cristãos celebram por ocasião da Páscoa. Mas se Jesus realmente morreu, foi enterrado, e sua família e seguidores já não o tinham fisicamente presente — o que os levou a atravessar um período de terrível luto e perda, conforme sugere uma leitura mais histórica das provas —, como se explica que o movimento tenha sobrevivido? Vimos que no evangelho segundo São João, bem no último capítulo, como se tivesse sido acrescentada, foi preservada a tradição de que Pedro e vários dos Doze retornaram às suas redes de pescar, na Galileia, tendo reassumido uma vida normal. O Evangelho de Pedro também reconhece essa tradição, mais de acordo com o que se poderia esperar. A que atribuir, então, a transformação do desespero em esperança e renovação da fé?
Eu atribuiria a sobrevivência e a renovação do movimento de Jesus a três fatores: em primeiro lugar, ao próprio Tiago, assim como à mãe e aos irmãos de Jesus. Este se fora, mas Tiago, como veremos, tornou-se uma imponente figura de força e fé para os seguidores de Jesus. Ter o irmão de Jesus com eles, alguém de sua própria carne e sangue, e que também pertencia à real linhagem de Davi, deve ter sido umpoderoso reforço. Provavelmente foi o que aconteceu com a família de Jesus como um todo, que se tornou a âncora do movimento. Maria foi reverenciada por seu papel como "Mãe de Deus", durante séculos, mas historicamente falando, seu papel como mãe muito humana dessa extraordinária família de seis filhos e duas filhas parece ter-se perdido. Infelizmente, não dispomos de muitos detalhes de como Tiago conseguiu fazer o que fez enquanto líder do movimento, pois, como veremos, sua participação foi quase totalmente marginalizada nos registros de nosso Novo Testamento; os resultados, porém, são evidentes. Era muito moço quando assumiu esse papel e deve ter-se desenvolvido com o tempo, à medida que foi amadurecendo até se tornar o homem que mereceu o respeito de seus contemporâneos. O segundo fator foi a mensagem que tanto João quanto Jesus pregaram, as "boas novas do Reino de Deus" e tudo que isso implicava. Por mais reverenciados que tenham sido os mensageiros, o que eles advogavam e proclamavam subsistiu, sem ter sido, de modo algum, destruído ou perdido com suas mortes. Clamaram contra a injustiça e a opressão, incitaram ao arrependimento e proclamaram o perdão dos pecados e encarnaram a esperança e a fé messiânicas enraizadas nos Profetas hebreus. A causa dos Dois Messias permaneceu e sobreviveu. Finalmente, tanto Jesus quanto João tinham proclamado que o "fim dos tempos" se aproximava. A perspectiva apocalíptica por eles incorporada foi reforçada, como veremos, pelos acontecimentos sociais e políticos da época. Era como se tudo que os Profetas hebreus tinham previsto estivesse em vias de se realizar diante de seus olhos. A instabilidade de Roma, a ameaça de guerras e rebeliões, e até a oposição das autoridades por eles enfrentada, tudo era visto como sinais de que o "tempo indicado" estava ficando muito curto — assim como proclamado por Jesus. Eles constituíam uma comunidade intensamente apocalíptica que esperava ver a manifestação do Reino de Deus em sua plenitude. Afinal, Jesus esperara a chegada do "Filho do Homem" antes mesmo de sua morte. Ao enviar os Doze, dissera-lhes que não "chegariam a percorrer todas as cidades de Israel antes da vinda do Filho do Homem". No sonho de Daniel, a "vinda do Filho do Homem nas nuvens do céu" era um símbolo para o tempo em que ao povo de Deus seria dado o governo de todas as nações (Daniel 7:13-14, 27). Jesus declarara que sua expulsão dos demônios era um sinal certo de que o "reino de Deus tinha chegado"; comparou esse trabalho ao ataque violento à fortaleza de um "homem forte", a saber, Satã, para subjugá-lo (Lucas 11:20-22). A morte de Jesus foi certamente um terrível choque para todos que o amavam e seguiam, mas eles continuaram a crer fervorosamente na mensagem central que tanto Jesus quanto João Batista, antes dele, proclamaram: "Arrependei-vos, porque o Reino de Deus está próximo".
O corpo principal do núcleo dos seguidores de Jesus, incluindo os que participavam do movimento messiânico desde o início da obra de João Batista, reuniu-se em Jerusalém no final da primavera, quase no começo do verão. O festival de Pentecostes ou Shavuot, naquele ano, caiu na última semana de maio. Não restavam muitos, apenas pouco mais de cem, que permaneceram fiéis ao longo dos dias sombrios e penosos da Páscoa dos hebreus (Atos 1:15). Agruparam-se na área da baixa Jerusalém, na cidade de Davi. A hospedaria com a "Sala do Andar Superior" (Cenáculo), onde Jesus fizera a última refeição, virou seu centro de operações. A escolha do local pode representar mais do que uma questão de conveniência, pois Jesus deliberadamente escolhera aquela área da cidade para sua reunião final com os Doze. O rei Davi tinha escrito um Salmo em que Deus declarava "Estabelecerei meu rei em Sião, meu monte sagrado", referindo-se ao "Monte Sião", na cidade de Davi (Salmos 2:6). Já que muitos provinham da Galileia e outras regiões do país, a comunidade juntou seus recursos e passou a viver uma vida comunitária livre, partilhando as refeições, os de fora da cidade ficando nas casas dos que moravam em Jerusalém (Atos 2:46). Deve ter havido alguma sensação de perigo, mas também de nervosa expectativa — já que certamente Deus não permitiria que a morte de seus Justos, Jesus e João, ficasse impune. Pouco depois do dia de Pentecostes, o grupo se reuniu para deliberar sobre sua situação. Precisavam de um novo líder e tinham de substituir Judas Iscariotes, que cometera suicídio, no Conselho dos Doze.
O que aconteceu depois disso é uma das maiores histórias "não contadas" dos dois últimos milênios. A tradição mais lembrada pela maioria das pessoas é a de que o apóstolo Pedro assumiu a liderança do movimento como chefe dos Doze. Não muito depois, o apóstolo Paulo, recém-convertido ao cristianismo, deixara o judaísmo para unir-se a Pedro. Juntos, os apóstolos Pedro e Paulo se tornaram os "pilares" gêmeos da emergente fé cristã, pregando o evangelho em todo o mundo romano e vindo a morrer gloriosamente, como mártires, em Roma — por designação divina, a nova sede da Igreja. Essa visão das coisas vem sendo entronizada na arte cristã ao longo dos tempos, tendo sido popularizada em livros e filmes. Na verdade, a primazia de Pedro como primeiro papa tornou-se mesmo a pedraangular do ensino dogmático do catolicismo romano. Hoje sabemos que as coisas não se passaram dessa maneira.
Pedro e Paulo, por El Greco
Pedro tornou-se figura de proa no grupo dos Doze, como veremos, mas Tiago, o irmão de Jesus, quem se tornou o sucessor de Jesus e o líder inconteste movimento cristão. Jesus, o regente que descendia de Davi, tinha sido levado deconvívio. Tiago era o próximo nessa linhagem real. A morte de Jesus não significou o fim do movimento, nem política, nem espiritualmente. A dinastia de Jesus continuaria por mais de um século após sua morte. Mas, se é assim, como é que Tiago, o herdeiro dessa dinastia, tem sido quase inteiramente deixado de fora da história das origens cristãs — e, mais importante, — por quê? Tiago mal aparece na arte e iconografia cristãs. É como se sua própria existência tivesse sido completamente esquecida. No entanto, ele surge em uma história oculta, história surpreendente e inspiradora essa, com importantes implicações para o entendimento de Jesus e da causa pela qual ele viveu e morreu.
Devemos começar nossa procura de Tiago por um exame das fontes do Novo Testamento — já que foi a partir daí que sua memória foi extensamente apagada. Temos apenas um relato substancial da história dos primórdios do movimento cristão que se seguiu à morte de Jesus — o livro do Novo Testamento conhecido como Atos dos Apóstolos. O mesmo autor do evangelho de Lucas escreveu os Atos como um segundo volume de seu trabalho literário. O livro dos Atos é amplamente responsável pelo retrato oficial dos primórdios do cristianismo, em que Pedro e Paulo assumem papel tão destacado, e Tiago é amplamente deixado de fora. A apresentação dos Atos tornou-se a história, embora a versão de Lucas seja, é lamentável, unilateral e historicamente questionável. Lucas com certeza sabia, mas não estava disposto a afirmar que Tiago assumira a liderança do movimento após a morte de Jesus. Em seus capítulos iniciais, nunca sequer menciona o nome de Tiago e escala Pedro como o líder inconteste dos seguidores de Jesus. Mas seu maior objetivo no livro como um todo é promover a centralidade da missão e mensagem do apóstolo Paulo. Embora os Atos tenham 24 capítulos, uma vez introduzido o nome de Paulo no nono capítulo, o resto do relato de Lucas é inteiramente sobre ele — até Pedro começa a sair de cena. Mais do que Atos dos Apóstolos, o livro deveria se chamar A Missão e Carreira de Paulo.
Isso não quer dizer que falte aos Atos valor histórico. Sem eles, teríamos uma compreensão bem inferior do desenvolvimento inicial do movimento cristão. Além disso, ironicamente, Lucas deixou de forma involuntária no livro dos Atos pistas que nos permitem verificar o que sabemos por meio de outras fontes — que Tiago, e não Pedro, tornou-se o legítimo sucessor de Jesus e líder do movimento. Precisamos aprender a ler o livro dos Atos cuidadosamente, conscientes durante todo o tempo do mal velado "viés" dado por Lucas à história.
Lucas, mais do qualquer um dos outros evangelistas, marginaliza a família de Jesus. Lembrem-se, é de Lucas o evangelho que deliberadamente evitou até mesmo mencionar os irmãos de Jesus, muito menos dar nome a eles, embora sua fonte, Marcos, os tenha relacionado naturalmente como Tiago, José, Judas e Simão (Marcos 6:3). Só em Lucas, quando uma mulher na multidão que seguia Jesus gritou "Abençoado é o ventre que o carregou e os seios que o amamentaram", Jesus replica "Não, abençoados antes os que ouvem a palavra de Deus e a guardam" (Lucas 11:27-28). Até na cruz, quando Marcos diz simplesmente que "Maria, a mãe de Tiago e Jose assim como Salomé, a irmã de Jesus, estavam presentes, Lucas muda isso para "as mulheres (não nomeadas) que o seguiram desde a Galileia" (Lucas 23:49). Na cena do enterro fez a mesma coisa. Em vez de nomear "Maria Madalena e Maria, a mãe de Tiago", como tendo ido à sepultura, conforme fizera Marcos, sua fonte, mudou o relato para "as mulheres (novamente não nomeadas) que vieram com ele da Galileia foram atrás e viram a sepultura" (Lucas 23: 55). Na maior parte das vezes, Lucas seguiu Marcos bem de perto, como sua fonte, muito mais do que Mateus, que constantemente acrescentou suas próprias revisões editoriais. No entanto, Lucas se afastou de Marcos quando se tratava da mãe e dos irmãos de Jesus. Acho que ele fez isso para evitar que fossem suscitadas questões sobre a liderança de Pedro sobre os Doze ou a superioridade da missão de Paulo junto aos gentios. Uma edição tão ousada não poderia ser acidental; há algo muito importante em jogo aqui. Faz parte da intenção de Lucas reconfigurar a história do início do movimento de forma a dar a Paulo a primazia sobre outros rivais, incluindo Tiago. Mas que rivalidade era essa?
Lucas era um gentio. Na realidade, era o único autor não judeu em todo o Novo Testamento. Ele enfatiza a versão gentia do cristianismo esposada por Paulo. Não pode negar que Jesus era judeu, ou que todos os seguidores originais de Jesus eram judeus, ou que o movimento cristão inicial, como um todo, era um movimento apocalíptico dentro do judaísmo, mas escreveu em uma época, duas décadas após a rebelião judaico-romana, quando essas origens judaicas do movimento estavam ficando marginalizadas e sem ênfase, e a iminente esperança apocalíptica enfraquecera.
Felipe e Tomás, Bartolomeu e Mateus
Tiago filho de Alfeu, e Simão o Zelote, e Judas irmão de Tiago
Acrescenta, então, cuidadosamente, uma definidora frase fatídica que serviu para marginalizar a família de Jesus por dois mil anos:
"Todos esses [os 11] devotavam-se constantemente à oração, junto com certas mulheres, incluindo Maria, a mãe de Jesus, assim como seus irmãos." (Atos 1:13-14)
Ao separar os 11 de "Maria, mãe de Jesus, bem como de seus irmãos", Lucas conseguiu efetivamente recolocar as coisas de forma que Tiago e os outros irmãos de Jesus não desempenhassem um papel de liderança nessa conjuntura crucial do movimento. São mencionados apenas de passagem, como que dizendo "Ah sim, por falar nisso, eles estavam presentes, mas na verdade não eram significativos".
Mas é claro que Lucas se sentiu obrigado a registrar suas presenças. Ele não ousou bani-los completamente do relato sabendo, como sabia, do papel absolutamente crucial desempenhado por eles. É mais do que irônico que, ao listar os 11, ele mencione os nomes de Tiago, Simão, e até mesmo observe que Judas é o irmão de Tiago. Como veremos, o livro dos Atos foi escrito em torno de um inegável fato básico — Tiago assumira a liderança do movimento, e Simão, seu irmão, o substituiu após a morte de Tiago em 62 d.C. Lucas escreveu os Atos nos anos 90 d.C., pelo menos trinta anos depois da morte de Tiago, e sabia, seguramente, que Simão, também de linhagem real, tinha sucedido Tiago, e era chefe da igreja de Jerusalém, no momento mesmo em que Lucas escrevia. Lucas termina propositalmente seu relato no livro dos Atos com a prisão de Paulo em Roma, por volta de 60 d.C. Para ele, a história acaba aí — Paulo em Roma, pregando seu evangelho ao mundo gentio. Ao escolher essa data de corte, isenta-se da obrigação de registrar tanto a morte de Tiago quanto a sucessão de Simão, irmão de Jesus. A história de Lucas, nos Atos, tornou-se a história do cristianismo primitivo para as gerações subseqüentes. O que ele escolheu não contar ficou esquecido.
Não deixa de ser irônico que a primeira prova referente ao papel de liderança exercido por Tiago e os irmãos de Jesus, após sua morte, nos chegue diretamente de Paulo. Jesus foi crucificado no ano 30 d.C., e as cartas de Paulo datam dos anos 50 d.C. Não dispomos de registro para essa lacuna de vinte anos. Estes são os anos de silêncio na história do cristianismo primitivo. O que podemos saber precisa ser lido de trás para diante, a partir dos registros que sobreviveram. Felizmente, na carta de Paulo aos gálatas, escrita por volta de 50 d.C., ele retrocede há pelo menos 14 anos, ao recontar sua biografia. (1) Isso nos fornece uma fonte pessoal primária original, a mais valiosa ferramenta com que um historiador pode trabalhar, cujo alcance chega à década de 30 d.C.
Na carta aos gálatas, Paulo relata que, três anos após se juntar ao movimento, ele fez sua primeira viagem à Jerusalém, onde viu Pedro, por ele chamado de Cefas, seu apelido aramaico. Paulo ficou com ele durante 15 dias. Nessa ocasião, escreveu: "mas não vi nenhum dos outros apóstolos, com exceção de Tiago, irmão do Senhor" (Gálatas1:19). Não só chamou Tiago de apóstolo, como claramente o identificou como o irmão de Jesus. Os nazarenos, de forma compreensível, desconfiavam de Paulo, já que este, há tão pouco tempo, estivera à frente daqueles que os perseguiam, aliado dos próprios líderes que mandaram matar Jesus. Paulo viu Pedro, mas sabia que era essencial encontrar-se com Tiago, que estava no comando. Que Paulo tenha mencionado isso de passagem é ainda mais significativo, pois não precisa explicar a quem quer que seja as razões pelas quais teria se encontrado com Tiago.
Paulo, a seguir, contou que 14 anos após essa conversa, muito perto dos anos 50 d.C., viajou de volta a Jerusalém para obter autorização para sua missão junto aos gentios daqueles que designou como os três "pilares" do movimento — a saber, Tiago, Pedro e João, o pescador (Gálatas 2:9). A simples menção do nome de Tiago é significativa, mas que Paulo o tenha nomeado primeiro, antes de Pedro e João, é absolutamente crítico para nossa compreensão. A ordem dos nomes indica uma ordem estabelecida de autoridade. O Conselho dos Doze, com Tiago à frente, governa os nazarenos, mas dos Doze, três exercem a liderança principal — Tiago, Pedro e João. Tiago, o irmão de Jesus, partilhando a linhagem real de Davi, ocupa a posição central, mas um à direita, e outro à esquerda, o flanqueiam como "pilares".
A Jesus, que anteriormente ocupara a posição central, os Doze perguntaram quem entre eles teria o privilégio de "se sentar à sua direita e à sua esquerda" quando o Reino chegasse (Marcos 10:37). Jesus morreu sem ter designado qualquer um deles para essas duas posições. Agora, com Tiago ao centro, Pedro e João preencheram esses papéis como parte do corpo de governo messiânico inaugurado por Jesus. Conhecemos esse padrão pela comunidade de Qumrã, nos Manuscritos do Mar Morto. A Regra Comunitária estipulara: "No conselho da Comunidade deve haver 12 homens e três sacerdotes, perfeitamente versados em tudo que é revelado da Torá". (2)
Ainda que Lucas nada tenha revelado nos Atos sobre o fato de Tiago ser um dos apóstolos, muito menos que tivesse sucedido Jesus como líder do grupo, ao relatar esse encontro de Paulo com os apóstolos de Jerusalém em 50 d.C., nos Atos 15, ele também se sentiu obrigado a contar que Tiago era o encarregado dos procedimentos. Nos capítulos iniciais dos Atos, Lucas mencionara Pedro e João repetidas vezes, como um par, indicando que ambos ocupavam posições de liderança no movimento nazareno. (3) Situara esses dois em primeiro lugar da lista dos Doze — indicando que tinham sido escolhidos para as posições "à direita e à esquerda" (Atos 1:13). Isso foi uma mudança em relação à primeira lista dos Doze de seu evangelho, em que os quatro primeiros apareciam em ordem diferente: Pedro, André, Tiago e João (Lucas 6:14). Que ele tenha trocado a ordem nos Atos, pondo Pedro e João em primeiro e segundo lugares, combina com o que sabemos por Paulo sobre os "pilares" da igreja, a saber, Tiago, Pedro e João. Antes desse encontro com o Conselho de Jerusalém em 50 d.C., Lucas só identifica Tiago, o irmão de Jesus, pelo nome quando Pedro é solto da prisão e orienta um grupo de seguidores de Jesus reunido em uma casa particular para "dizer a Tiago e irmãos" que ele fora posto em liberdade (Atos 12:17). Temos aqui uma deixa de que Pedro tende a relatar as coisas a Tiago e aos irmãos de Jesus, mas nada mais é dito e nenhuma explicação maior é dada. Essa informação parece provir do nada.
Assim, no relato de Lucas nos Atos, quando Tiago repentinamente aparece, não se sabe de onde, como líder do movimento nazareno no Conselho de Jerusalém, podemos ver que Lucas está bem ciente da posição de Tiago. Nessa conjuntura crítica, ele não ousou excluir Tiago da história. Ligando isso às referências, feitas de passagem, de Paulo em Gálatas com relação a Tiago como o "pilar" central do movimento, podemos começar a juntar nossas provas. Não foram poucos os leitoresdos Atos que ficaram intrigados com essa anomalia. Quem é esse misterioso"Tiago", que surge no Capítulo 15 sem explicação, mas com tanto poder e autoridade?
O Conselho de Jerusalém foi convocado para tratar de uma questão crítica e controvertida que ameaçara dividir o movimento messiânico. Em que bases os gentios podiam ser aceitos no grupo? Tanto João Batista quanto Jesus tinham proclamado a chegada iminente do Reino de Deus. Segundo os Profetas, o julgamento de Deus recairia não apenas sobre Israel, mas sobre toda a humanidade. Em conformidade com isso, judeus e não judeus foram conclamados a se arrepender dos pecados e voltar-se para Deus, a fim de ser salvos da "ira vindoura". Jeová era o Criador, o único "Deus vivo e verdadeiro," e a adoração de qualquer outra divindade era chamada de idolatria. Mas o que se esperava desses não judeus que responderam a essa proclamação — a "boa nova" da iminente chegada do Reino de Deus? Uma ala conservadora do movimento nazareno sustentava que esses gentios deveriam começar a viver plenamente como judeus — o que incluiria a circuncisão dos homens e a observância de todas as leis da Torá. Paulo resistiu firmemente a essa decisão, e nisso teve o apoio de Pedro que, depois de Tiago, era o mais influente dos líderes nazarenos. Após muita discussão e disputa, Lucas registrou que foi Tiago, o irmão de Jesus, que se ergueu e deu sua decisão:
Portanto, formulei o juízo de que não devemos perturbar esses gentios que estão se voltando para Deus, mas que devemos escrever-lhes para que se abstenham da poluição de ídolos e da fornicação, e de tudo que é estrangulado, e do sangue, pois em cada cidade, ao longo das gerações passadas, Moisés aceitou os que o proclamavam, e ele era lido em voz alta todos os sabás nas sinagogas. (Atos 15:19-21)
Aqui Lucas se vê compelido a dar a Tiago o lugar que lhe é de direito, com total autoridade — embora sem oferecer qualquer explicação sobre como isso chegou a acontecer. A decisão fundamental decretada por Tiago era a de manutenção da prática usual dos grupos judeus em todo o mundo romano. Se não judeus eram atraídos à sinagoga, eram recebidos como "tementes a Deus", ou "gentios íntegros", e deles não se esperava que se circuncidassem ou guardassem toda a Torá, como se exigia dos judeus. Deviam, no entanto, seguir a ética da Torá, que se aplicava a todos os seres humanos. A idolatria, bem como as diversas formas de imoralidadesexual, amplamente toleradas na sociedade romana, eram estritamente condenadas. A ingestão de carne que ainda contivesse o sangue de animais abatidos fora universalmente proibida para todos os seres humanos desde os tempos de Noé (Gênesis 9:4) Além dessas áreas mais específicas de conduta que separavam os judeus dos não judeus, esperava-se que levassem uma vida de justiça e retidão. A decisão de Tiago estava em harmonia com a abordagem judaica usual em relação aos gentios, conhecida a partir de outras fontes.' Não é, porém, tanto a decisão em si quanto a indubitável autoridade de Tiago sobre o movimento nazareno que torna esse relato nos Atos tão significativo. Tomando isso como ponto de partida, as provas acumuladas fora do Novo Testamento de que Tiago tomou o manto de Jesus e ocupou seu "assento" ou "trono" são absolutamente notáveis. Algumas dessas provas estão enterradas em textos antigos de que dispomos há séculos, enquanto outras surgiram apenas há algumas décadas.
Tiago, o Justo
Como já expliquei, o Evangelho de Tomé foi descoberto no alto Egito, em 1945, nas cercanias da cidadezinha de Nag Hammadi. Embora o texto em si date do terceiro século, estudiosos demonstraram que ele preserva, a despeito de acréscimos teológicos posteriores, um documento original em aramaico que remonta aos primeiros dias da igreja de Jerusalém. (5) Graças a ele, podemos ter um raro vislumbre do que os estudiosos chamaram de "cristianismo judaico", isto é, os primeiros seguidores de Jesus conduzidos por Tiago. Como vocês vão se recordar, o Evangelho de Tomé não é uma narrativa da vida de Jesus, mas antes uma lista de 114 de seus "ditos" ou ensinamentos. O de número 12 diz o seguinte:
Os discípulos disseram a Jesus "Sabemos que vai nos deixar. Quem, então, será nosso líder?" Jesus lhes disse "Onde quer que ides, deveis ir a Tiago, o Justo, por quem o céu e a Terra passaram a existir."
Evangelho de Tomé
Temos aqui uma declaração direta do próprio Jesus de que estava entregando a liderança e a direção espiritual do movimento a Tiago. A extravagante e categórica afirmação nos faz lembrar da homenagem conferida a seu parente João Batista, ao chamá-lo de "mais que um Profeta" e o maior "de todos os nascidos de mulheres" de sua geração. Devemos ter em mente que o Evangelho de Tomé, em sua forma atual, vem de um período mais recente, quando a questão "quem será nosso líder" tornara-se crítica para os seguidores de Jesus. A frase "onde quer que ides" implica que a autoridade e liderança de Tiago não se restringem à Igreja de Jerusalém ou mesmo à Palestina romana. De acordo com esse texto, Tiago, o irmão de Jesus, ficara responsável por todos os seguidores de Jesus. A frase "por quem o céu e a terra passaram a existir" reflete a noção judaica de que o mundo existe e se mantém por causa das extraordinárias virtudes de um punhado de indivíduos retos ou "justos". (6) Tiago, o irmão de Jesus, foi designado "Tiago, o Justo", tanto para distingui-lo dos outros de mesmo nome quanto para homenageá-lo por sua posição preeminente. O Evangelho de Tomé nos fornece a prova declarada mais antiga e clara de que Tiago foi o sucessor de Jesus como líder do movimento, mas é confirmada por muitas outras fontes.
Clemente de Alexandria, que escreveu no final do segundo século II d.C., é outra fonte primitiva que confirma essa sucessão. Em dado momento, escreveu: "Pedro, Tiago e João, após a ascensão do Salvador, não lutaram pela glória, porque tinham sido previamente homenageados pelo Salvador, mas escolheram Tiago, o Justo, para supervisor de Jerusalém'. (7) Em passagem subseqüente, Clemente acrescenta: "Após a ressurreição, o Senhor [Jesus] concedeu a tradição do conhecimento a Tiago, o Justo, a João e a Pedro, que a deram aos outros apóstolos, e estes aos Setenta". (8) Esta passagem conserva para nós a estrutura hierárquica do governo provisório deixado por Jesus: Tiago, o Justo, como sucessor; João e Pedro como seus conselheiros à esquerda e à direita; o restante dos Doze; depois, os Setenta.
Eusébio, historiador cristão do início do quarto século, escreveu, comentando essa passagem: "Tiago, a quem os mais velhos tinham apelidado de 'Justo' pela excelência de sua virtude, é lembrado como tendo sido o primeiro eleito para o trono de Supervisor da igreja em Jerusalém".' O termo grego thronos se refere a "assento" ou "cadeira" da autoridade, e é o mesmo termo usado para um rei ou governante.
Eusébio também preserva o testemunho de Hegésipo, um judeu cristão do começo do século II, que ele afirma ser da "geração posterior aos apóstolos":
A sucessão da igreja foi passada para Tiago, o irmão do Senhor, juntamente com os Apóstolos. Era chamado de "Justo" por todos os homens desde otempo do Senhor até o nosso, já que muitos são chamados Tiago, mas ele foi santo desde o ventre da mãe. (10)
A palavra grega empregada aqui por Hegésipo, diadexomat ("suceder"), é normalmente usada para a transmissão de uma herança genética, por exemplo, quando Felipe da Macedônia transmitiu seu reinado a Alexandre, o Grande. (11)
Temos também uma fonte siríaca, recentemente descoberta, The Ascents of James, que tem suas raízes em um corpus posterior conhecido como as Pseudo-Clementine Recognitions, que refletem algumas das mais primitivas tradições relacionadas à igreja de Jerusalém sob a liderança de Tiago, o Justo. (12) Temos aí o registro dos acontecimentos em Jerusalém nos sete anos que se seguiram à morte de Jesus, quando Tiago está claramente na liderança: "A igreja em Jerusalém, que foi estabelecida por nosso Senhor, crescia em número, sendo governada de forma firme e reta por Tiago, designado pelo Senhor como seu Supervisor". (13) A versão latina das Recognitions passou adiante a seguinte advertência: "Observem, portanto, a maior cautela, e não acreditem em nenhum professor, a menos que ele traga de Jerusalém o testemunho de Tiago, o irmão do Senhor, ou de quem quer que venha a sucedê-lo" (4:35). O Segundo Apocalipse de Tiago, um dos textos encontrados junto com o Evangelho de Tomé, em Nag Hammadi, sublinhou o íntimo laço entre Jesus e Tiago, mantendo a ideia de que ele era o "discípulo amado". Neste texto, Jesus e Tiago aparecem como tendo sido "nutridos com o mesmo leite", e Jesus beija o irmão Tiago e lhe diz: "Eis que vou lhe revelar tudo, meu amado" (50.15-22). Já observei, no Capítulo 12, que o Evangelho dos Hebreus põe Tiago na Última Ceia, com isso implicando que ele fosse um dos Doze, e tornando cada vez mais provável que fosse ele o "discípulo que Jesus amava". Embora sem dispor do texto inteiro, que só nos foi preservado em citações pelo escritor Jerônimo, por volta do quarto século, esse evangelho foi originalmente escrito em hebraico. Alguns estudiosos sustentam que ele pode ser anterior até mesmo a nossos evangelhos do Novo Testamento.
O que impressiona com relação a essas fontes é o modo como elas falam com uma só voz, embora procedentes de autores e períodos diversos. Os elementos básicos do quadro que preservam para nós são surpreendentemente consistentes: Jesus transmite a Tiago, seu sucessor, o governo da Igreja; Tiago é amplamente conhecido, até por Josefo, um estranho, devido a sua reputação de retidão tantoem sua comunidade quanto entre o povo; Pedro, João e o restante dos Doze consideram Tiago seu líder.
Por causa do que hoje sabemos, temos condições de investigar o tipo de cristianismo que Tiago, o Justo, herdou de seu irmão, Jesus, e passou adiante, e o que a existência dessadinastia de Jesus nos revela sobre a causa oculta e esquecida pela qual Jesus viveu e morreu. Mas antes de me dedicar a isso, precisamos olhar para Paulo. Sua influência dominante no Novo Testamento representa o maior desafio a qualquer tentativa de recuperar o legado da dinastia de Jesus.
CAPÍTULO DEZESSEIS
O desafio de Paulo
Saulo de Tarso, mais conhecido por seu nome romano de Paulo, era ainda jovem quando Jesus morreu, provavelmente, como ele, na casa dos trinta. (1) O nome Saulo é hebreu, homenageando o primeiro rei de Israel que, como Paulo, era da tribo israelita de Benjamim. Paulo (Paulus), seu nome romano, significa "pouco, pequeno". Segundo Lucas, Paulo nasceu e cresceu na cidade de Tarso, na província romana da Cilicia, na Ásia Menor (Atos 22). Seus pais eram judeus, mas tinham obtido a cidadania romana, que ele herdou por direito de nascimento. Jerônimo, o escritor cristão do século IV, conhecia uma tradição diferente. Segundo escreveu, os pais de Paulo eram de Giscala, na Galileia, uma cidade judaica cerca de quarenta quilômetros ao norte de Séforis, e foi lá que Paulo nasceu. Ao estourarem as rebeliões após a morte de Herodes, o Grande, em 4 a.C., nos conta Jerônimo, Paulo e seus pais foram capturados, e como parte do exílio em grande escala dos habitantes da Galileia da Palestina, foram mandados para Tarso, na Cilicia. (2) Inclino-me a valorizar o relato de Jerônimo, pois ele deve ter acreditado que se baseava em sólidas provas, a ponto de querer contradizer o livro dos Atos, que afirma que Paulo nasceu em Tarso.
Se Jerônimo está certo, e Paulo nasceu pouco antes de 4 a.C., ele teria idade próxima à de Jesus. É interessante pensar que tanto a família de Paulo como a de Jesus, vivendo a apenas alguns quilômetros de distância, foram afetados pelas rebeliões na Galileia de modos diversos. Maria e José se mudaram para Nazaré, ou talvez tivessem sido exilados com o restante dos habitantes de Séforis, enquanto Paulo e seus pais foram, ao que parece, forçados a sair do país. É possível que essa origem galileia de sua família possa lançar alguma luz sobre as ulteriores motivações de Paulo. Após testemunhar tamanha devastação e destruição desencadeadas por aqueles que, na Galileia e na Judeia, procuravam se opor à Roma, talvez Paulo e família tenham aprendido a ficar bem mais complacentes com as realidades sociaise políticas de seu mundo romano. Na epístola de Paulo aos cristãos, em Roma, escrita por volta de 56 d.C., quando Nero era imperador, Paulo os instruiu a pagar impostos e honrar todos os funcionários romanos, incluindo o imperador, que, segundo ele, é o agente de Deus para sempre (Romanos 13:6). Isso é seguramente o oposto da mensagem pregada por Jesus. Como veremos, o "Reino de Deus" para Paulo era um reino espiritual, não na terra, mas no céu. Embora esperasse um juízo apocalíptico no futuro, aconselhava seus seguidores a se adaptar à sociedade, a ser bons cidadãos, e a esperar pacientemente até que Jesus aparecesse entre as nuvens do céu para levar seus seguidores para longe.
De alguma forma, os pais de Paulo tinham obtido a cidadania romana, possivelmente por algum tipo de serviço leal a Roma, ou talvez por um acúmulo de riqueza e influência em sua nova província da Cilicia. Lucas diz que Paulo era um "fabricante de tenda", ofício que teria aprendido com o pai. A palavra grega pode se referir àquele que trabalha com produtos de couro em geral, incluindo o ato de tecer o áspero pêlo de cabra, transformando-o nos famosos tecidos da Cilicia, usados para tendas e louvados por soldados e marinheiros pela quentura que proporcionavam (Atos 18:3). Lucas também afirma que o pai de Paulo era uni fariseu (Atos 23:6). Aparentemente, a família possuía os meios, a determinação e a influência para enviar seu filho a Jerusalém a fim de estudar com Gamaliel, fariseu importante e famoso rabino.
Paulo tinha relações com a família do sumo sacerdote Anás, e cooperou com os esforços para eliminar e até prender os seguidores de Jesus logo após sua crucificação. Como é que Paulo obteve ou manteve altos contatos desse tipo com a sociedade aristocrática judaica nós não sabemos. Paulo menciona um parente chamado Herodião, que vivia em Roma (Romanos 16:11). Isso pode ter-lhe propiciado algum contato possível com a família de Herodes, tão proeminente em Roma naquela época. A irmã dele também vivia em Jerusalém, e a família parece ter tido acesso às autoridades romanas dali (Atos 23:16). Mais tarde em sua vida, Paulo teve meios de apelar ao imperador Nero para uma audiência legal relativa a acusações feitas contra ele, e sua cidadania romana lhe garantiu passe livre e proteção, mesmo quando preso (Atos 25:11; 23:23-24). Quando em Roma, em "prisão domiciliar", Paulo tinha contatos com gente da casa de Nero, e também com membros da poderosa guarda pretoriana, que acabou forçando Nero ao suicídio (Filipenses 1:13; 4:15-18). Ele menciona nesse contexto especificamente Epafrodito, possivelmente referindo-se ao secretário da corte com esse nome sob o domínio de Nero e Domiciano.
Em torno do ano 36 d.C., Paulo teve uma experiência de "conversão" em que clama ter "visto" Jesus após sua ascensão. Disse ter recebido tanto uma revelação quanto um missão — que Jesus era o "Cristo" celestialmente exaltado e que ele, Paulo, deveria pregar as boas novas da salvação pela fé em Jesus ao mundo dos gentios. Começou a se ver, finalmente, como o décimo terceiro apóstolo, e se referia a si mesmo como o "Apóstolo dos gentios". Assim como Jesus escolhera seu Conselho dos Doze para chefiar o povo de Israel, Paulo reivindicava ter recebido a autoridade sobre o mundo dos não judeus ou gentios, para prepará-los para uma "Segunda Vinda" de Jesus como Messias, dessa vez, do céu.
Há dois "cristianismos" inteiramente separados e distintos enraizados no Novo Testamento. Um deles é bem familiar e se tornou a versão da fé cristã conhecida por bilhões de pessoas ao longo dos dois últimos milênios. Seu principal proponente foi o apóstolo Paulo. Outro foi amplamente esquecido e, por volta da virada do primeiro século d.C., tinha sido efetivamente marginalizado e eliminado pelo outro. Até dentro dos documentos do Novo Testamento é preciso olhar cuidadosamente para detectar sua presença. Seu paladino não era outro senão Tiago, irmão de Jesus, líder desse movimento de 30 d.C. até sua morte violenta em 62 d.C. As duas versões da "fé" são marcadamente diferentes, tanto no que diz respeito aos valores quanto à prática. O conceito por trás da dinastia de Jesus, qual seja, o de que Jesus foi sucedido por uma série de líderes que eram seus irmãos, não diz respeito apenas à linhagem real e à genealogia, mas também a que versão da fé cristã melhor representa as crenças e ensinamentos originais de Jesus de Nazaré e João Batista — os fundadores do movimento messiânico.
Não há muita dúvida de que o apóstolo Paulo foi aceito nos círculos mais íntimos dos seguidores de Jesus. De fato, no ano 58 d.C., ele foi preso e levado à presença do sumo sacerdote judeu Ananias, acusado de ser um "cabeça da seita dos nazarenos" (Atos 24:5) Segundo os relatos de Paulo, e também de Lucas, Tiago, o Justo, Pedro e João — os três "pilares" da igreja — conferiram a ele o "o lado direito da parceria" e publicamente endossaram sua pregação missionária aos gentios do mundo romano (Gálatas 2:9). Foi aquilo que pregou e ensinou que começou a criar problemas.
Um Cristo celestial
Paulo era judeu e, efetivamente, conforme seu próprio testemunho, na condição de fariseu que estudou em Jerusalém, "avançara no judaísmo" além de muitos de seus contemporâneos (Gálatas 1:14) Não há provas de que tenha chegado a conhecer ou ouvir Jesus. Se testemunhou os eventos que cercaram a crucificação de Jesus por ocasião da páscoa dos hebreus, em 30 d.C., jamais mencionou isso. Sua ligação com Jesus se baseava em suas próprias experiências visionárias, nas quais reivindicava ter "visto" Jesus vários anos após sua crucificação. (3) Paulo acreditava que seu "chamado" foi pré-ordenado: "Ele me pôs de lado antes que eu nascesse e me chamou por meio de sua graça... para que eu pregasse o evangelho entre os gentios" (Gálatas 1:15-16). Alegava também ouvir uma "voz" desencarnada, por ele identificada como "palavras" de Jesus.' Na verdade, orgulhava-se de sua pretensão — ao contrário de Tiago e o restante dos Doze, que conheceram Jesus segundo a carne — de ter recebido sua autoridade e missão diretamente do Cristo celestial, dispensando, assim, toda e qualquer aprovação ou autorização humana terrena.' Como escreveu para seus seguidores gregos em Corinto: "De agora em diante, não conhecemos nenhum homem segundo a carne; mesmo tendo um dia conhecido Cristo segundo a carne, agora não o conhecemos mais assim" (2 Coríntios 5:16).
Paulo ensinou que Jesus era um ser celestial divino preexistente, criado como o "primogênito" de toda a criação de Deus.' Existia sob a "forma de Deus" e era "igual a Deus" (Filipenses 2:6). Foi por intermédio de Cristo que Deus fizera o mundo existir. (7) Em sua glória celestial, Cristo existiu antes de todas as coisas e foi glorificado e adorado pelas hostes celestes. Subseqüentemente, "esvaziou-se" e assumiu a forma humana, tendo "nascido de uma mulher" e sendo enviado ao mundo desde o céu.' Seu propósito era viver sem pecado e morrer na cruz como redenção dos pecados do mundo. Segundo Paulo:"Para nosso bem [Deus] fez dele uma oferenda pelos pecados, ele que não conhecia pecado, de modo que por ele pudéssemos nos tornar a retidão de Deus" (2 Coríntios 5:21). Deus então ergueu Cristo dentre os mortos e tornou a transformá-lo em seu glorioso corpo celestial. Cristo ascendeu ao Céu e se sentou, em poder e glória, à direita de Deus. (9)
dele (Gálatas 1: 6-9). Chamava seu "evangelho" de "revelação de um segredo" há séculos escondido, e agora revelado a ele pelo Cristo celestial como o apóstolo dos gentios. (15) Tendo percebido que não poderia efetivamente provar que Jesus "em carne" lhe ensinara o que pregava, sua única defesa possível era afirmar que o Cristo celestial tinha agora revelado essas coisas a ele como uma "palavra final". Paulo raramente mencionou alguma coisa ensinada por Jesus e, a não ser por sua morte na cruz, falou pouco sobre sua vida. (16) A mensagem pregada por Jesus foi transformada, para Paulo, em Jesus como a mensagem.
Os aspectos mais inquietantes do "evangelho" místico de Paulo, para os membros do movimento messiânico inaugurado por João Batista e Jesus, eram sua concepção da natureza temporal da Torá ou Lei Judaica e uma redefinição "espiritual" de quem constituía o povo de Israel. O judaísmo no mundo romano era bem diferente, mas em todas as suas formas sempre houve dois elementos comuns: o lugar centralocupado pela Torá e a crença de que o povo de Israel era a nação eleita de Deus. A Torá foi revelada por Deus a Moisés e, como tal, representava uma eterna aliança que unia o povo de Israel, ou seja, os descendentes de Abraão, Isaac e Jacó. O último dos Profetas hebreus, Malaquias, fechara seu livro com as palavras "Lembrem-se da Torá de meu servo Moisés", seguidas da promessa de enviar "Elias"com sua mensagem de arrependimento antes do grande dia do Juízo. A observância da Torá e a expectativa do fim dos dias estavam intrinsecamente ligadas.
No começo dos anos 50 d.C., Paulo começara a propor uma versão de sua nova "fé em Cristo" que requeria a ab-rogação essencial da fé judaica, repudiando a validade da revelação divina da Torá e redefinindo "Israel" como todos os que tinham fé em Cristo. A Israel"segundo a carne", como diz Paulo, já não era verdadeiramente "Israel". Jesus e João Batista tinham vivido e morrido como judeus fiéis à visão do destino histórico de Israel, tal como declarado por todos os Profetas hebreus. O movimento nazareno, conduzido por Tiago, Pedro e João era, por qualquer definição histórica, um movimento messiânico dentro do judaísmo. Até a expressão "cristianismo judaico", embora talvez útil como descrição dos seguidores originais de Jesus, é, de fato, uma denominação equivocada, já que eles nunca se consideraram outra coisa que não judeus fiéis. Nesse sentido, o cristianismo primitivo é judaico.
Os gentios tinham sido aceitos pelo movimento por conta da mensagem ética universal do judaísmo para toda a humanidade, mas ninguém, nem remotamente, imaginou que João Batista ou Jesus tinham anulado a aliança de Deus com o povo de Israel ou a eterna Torá, na qual se baseava. Ninguém no movimento de Jesus pensava em uma "nova religião; mas antes em uma restauração e cumprimento das antigas promessas feitas por Deus a Israel. Isso incluía a promessa de uma Nova Aliança, profetizada por Jeremias — mas tratava-se de uma aliança renovada com a "casa de Israel e a casa de Judá," como declarado pelo Profeta Jeremias, e como esperara Jesus, ao escolher seus Doze Apóstolos, um para cada uma das 12 tribos de uma Israel reunida (Jeremias 31:31; Lucas 22:30).
Paulo começou a ver as coisas de modo diferente. Não sabemos dizer se ele foi desenvolvendo suas ideias com o tempo ou se as tinha desde o início. Como veremos, Paulo desejava trabalhar dentro de um sistema do qual discordava para promover a mudança. O fato de ter sido aceito e apoiado por Tiago no Conselho de Jerusalém de 50 d.C. indica que ele não revelou publicamente tudo aquilo em que acreditava. A carta aos Gálatas mostra claramente as implicações radicais de suas ideias, e foi escrita pouco depois do Conselho de Jerusalém.
A carta começava com a insistência de que recebera sua autoridade diretamente das revelações de "Cristo", e não de outro ser humano, enfatizando que seu contato, mesmo com Pedro e Tiago, tinha sido mínimo. Contou, então, que estivera presente ao Conselho de Jerusalém, mas que essencialmente recebera um endosso para a pregação de "seu evangelho" aos gentios. Referiu-se aos líderesde Jerusalém, a saber, Tiago, Pedro e João como os "reputados" pilares da igreja, acrescentando que "o que eles eram nada significa para mim" (Gálatas 2:6,9). Toda a abertura da carta tinha a intenção de dizer, com efeito, que o que quer que os líderes de Jerusalém decidissem ou deixassem de decidir era irrelevante, pois sua autoridade vinha de Cristo, não dos homens.
Paulo, então, prosseguiu argumentando, na epístola aos gálatas, que a Torá ou a Lei dada a Israel no tempo de Moisés era apenas uma revelação provisória, que agora ficava anulada com a vinda de Cristo. Escreveu: "A Torá exercia sobre nós sua custódia, até a vinda de Cristo, garantindo-nos uma justificativa pela fé. Agora, porém, que essa fé chegou, já não estamos sob custódia" (Gálatas 3:24-25). O uso da primeira pessoa aqui indica que mesmo ele, na condição de judeu, já não estava "submetido à Lei". Mais tarde, afirmou que, em primeiro lugar, a Torá nem sequer tinha sido dada diretamente por Deus, mas entregue a Moisés por um mediador angélico como uma medida provisória. (17) Alertou os seguidores gentios de que se eles começassem a observar os dias santos judaicos estariam correndo o risco de se tornar escravos de "espíritos" hierarquicamente inferiores a Deus." Posteriormente, Paulo manteve que a aliança feita com Israel no Monte Sinai sob Moisés era um sistema de escravidão, e que o povo judeu, como "crianças nascidas segundo a carne", estavam agora banidas, a menos que aceitassem Cristo como Salvador." Aqueles com fé em Cristo faziam parte de uma "nova criação", na qual as distinções entre ser "judeu" ou "gentio" não valiam mais." As implicações de Paulo são claras. A aliança de Deus com Israel tinha sido anulada pela"fé em Cristo", de forma que "ser judeu" e obedecer aos mandamentos de Deus anunciados na Torá eram coisas obsoletas.
Paulo, de forma firme e inflexível, insistiu em dizer que os gentios convertidos não precisavam ser circuncidados nem viver como judeus submetidos à Torá. Tiago e o Conselho de Jerusalém tinham concordado plenamente com isso. Tiago determinara que não judeus que se juntassem aos nazarenos só teriam de observar as exigências éticas universais que a Torá prescreveu para toda a humanidade. Contudo, isso não queria dizer que os gentios estavam proibidos de seguir a Torá. A porta estava sempre aberta, e os judeus efetivamente aceitaram gentios que quiseram se sujeitar à circuncisão (no caso dos homens), e adotar plenamente todos os mandamentos de Israel. Tiago decidira isso no Conselho de Jerusalém, ao dizer: "Pois desde as gerações passadas Moisés tem tido, em cada cidade, os que o pregam, e ele é lido todos os Sabbaths nas sinagogas" (Atos 15:21). Os gentios eram livres para se associar ou filiar ao povo judeu com a proximidade que quisessem e para seguir as partes da Lei Judaica que achassem espiritualmente atraentes.
Paulo insistia em outro sentido. Às vezes ficava bem furioso por causa desse ponto, como quando escreveu a seus seguidores em Filipo:
Cuidado com os cães! Cuidado com os malfeitores! Cuidado com os que dilaceram a carne! Porque somos a verdadeira circuncisão, nós que adoramos Deus em espírito e glória em Cristo Jesus e não confiamos na carne (Filipenses 3:2-3).
Alertou duramente os gálatas de que se algum deles se submetesse à circuncisão seria "separado de Cristo" e "cairia em desgraça" (Gaiatas 5:4). Disse que gostariaque os que fizeram a circuncisão passassem a faca e "se cortassem a si mesmos» (Gálatas 5:12). Seu tom era assim tão estridente e amargo porque alguns judeus do movimento nazareno visitaram as congregações de Paulo e encorajaram os que assim desejassem a prosseguir com a plena observância da Torá. Paulo os caracterizava como "falsos irmãos que se infiltravam para espionar nossa liberdade" (Gálatas 2:4). O uso da primeira pessoa "nossa" parece indicar sua plena identificação com o modo de vida dos gentios, mesmo como judeu. É pouco provável que esses nazarenos estivessem exigindo que os gentios adotassem um estilo de vida judaico, já que o Conselho de Jerusalém decidira de outro modo, mas podem ter encorajado esse tipo de escolha como mais agradável a Deus.
Para Tiago e os líderes de Jerusalém, o status dos gentios não estava realmente em questão. Eles os tinham acolhido e aceitado inteiramente no movimento nazareno. Em conformidade com isso, a pregação de Paulo aos não judeus não sofria objeções enquanto tal. O que passou a preocupar Tiago e os líderes de Jerusalém é se Paulo estava ensinando aos judeus que eles podiam esquecer a Torá e viver como gentios, não mais observando os mandamentos dados ao povo de Israel.
O livro dos Atos registra uma visita subseqüente de Paulo a Jerusalém, em 58 d.C., quando a questão foi levantada diretamente. Paulo apareceu diante de Tiago, que claramente ainda estava no comando, assim como dos "anciãos" da comunidade. Foi confrontado com um relatório recebido de que ele estava ensinando "os judeus que viviam entre os gentios a esquecer Moisés, dizendo-lhes para não circuncidar seus filhos nem observar as tradições do judaísmo" (Atos 21:21). Lucas, na verdade, nunca registrou a resposta de Paulo, mas presume-se que ele não tenha detalhado as concepções que vinha expondo para os convertidos. De acordo com os Atos, Paulo tacitamente permitiu que Tiago e os outros presumissem que ele, como judeu, fosse dedicado à observância da Torá. Ele até mesmo se juntou a um grupo de nazarenos que cumpriam um ritual exigido pela Torá no templo para mostrar sua adesão ao judaísmo. Pelo que lemos em suas epístolas, entretanto, somos levados a perguntar se era esse o caso. Paulo escrevera a seus seguidores de Corinto, explicando as complexidades de seu modus operandi entre os vários grupos, fossem eles de judeus ou gentios.
Para os judeus, tornei-me um judeu, para conquistá-los; para os que seguiam a Torá, tornei-me alguém que segue a Torá — embora sem estar, naverdade, seguindo a Torá — para que pudesse conquistá-los; para os que não observavam a Torá [gentios], tornei-me alguém que não observava a Torá — não vivendo sem lei, mas sob a Torá de Cristo — para conquistá-los. (1 Coríntios 9:20-21)
Paulo via-se como que submetido a uma "Torá superior", a de Cristo, disposto a se adaptar a qualquer circunstância em que se encontrasse. Presumivelmente, entre os gentios dispunha-se a "viver como um gentio", o que certamente nenhum judeu cumpridor da Lei poderia fazer.
Paulo estava disposto a sofrer perseguição física por conta do que pregava e acreditava, e contava a seus seguidores a lista de coisas que tinha suportado — surras, naufrágios, fome, prisões e quase morte por lapidação (2 Coríntios 11:20-29). Não há dúvidas com relação à sinceridade de Paulo e sua paixão por aquilo em que acreditava. Foi tomado pelas visões que tivera e uma convicção inabalável de que ele, como "último" dos apóstolos, não era, sob nenhum aspecto, inferior a qualquer dos Doze. De fato, como ele mesmo diz, "Trabalhei mais arduamente que todos eles" (1 Coríntios 15:10). Paulo freqüentemente se comparava a Cristo e acreditava que, como Cristo, estava destinado a sofrer e oferecer sua vida em sacrifício por seus seguidores (Filipenses 2:17). Via seu próprio sofrimento como "preenchendo as lacunas do sofrimento de Cristo" (Colossenses 1:24). Segundo a tradição cristã posterior, Paulo foi decapitado em Roma, durante o reinado de Nero, o que deve ter ocorrido um pouco antes de 68 d.C.21
Não sabemos, realmente, se chegou a haver um rompimento decisivo de Paulo com Tiago e os líderes de Jerusalém ou destes com ele. Mais uma vez, tudo que temos é o relato no livro dos Atos e o que Paulo nos conta em suas cartas. Nos Atos, a história de Paulo termina abruptamente em 58 d.C., e Lucas deseja projetar um quadro de reconciliação e harmonia na cena final entre Tiago e Paulo.
Lucas também apresenta um quadro de harmonia entre Paulo e Pedro (Atos 15), o que parece bastante improvável. Paulo, na carta aos gálatas, recorda uma ocasião em que, segundo disse, ele se "opôs a Pedro cara a cara, porque ele se tornara passível de repreensão" por conta de uma disputa que envolvia a presença de judeus e gentios em uma mesa de refeições (Gálatas 2:11). Paulo rotula Pedro de hipócrita e acusa Tiago e seus associados de o terem influenciado. Ficamos sem saber se essa é a história toda, pois o tom de Paulo em Gálatas é muito cáustico. Podemos suporcom segurança que Pedro, assim como João, na condição de íntimos associados de Tiago — reconhecidos até mesmo por Paulo como os "pilares" do movimento —, trabalhavam em harmonia e partilhavam uma visão comum da fé recebida diretamente de Jesus em vida.
O legado de Paulo é formidável, já que sua versão do evangelho foi sendo gradualmente aceita por um número cada vez maior de cristãos espalhados pelo mundo romano. Após 70 d.C., como veremos, com a destruição do centro do movimento em Jerusalém e a morte ou dispersão de seus líderes, a influência da mensagem dos Doze Apóstolos originais começou a arrefecer. Por volta de 150 d.C., líderes cristãos intelectualmente astutos, como Justino, o Mártir, que vivia em Roma, defenderam as ideias de Paulo e começaram a desenvolver um metódico sistema teológico, construído em torno de suas ideias básicas. O triunfo de Paulo, até certo ponto, foi de caráter literário — isto é, suas epístolas e a influência de suas ideias, encaixadas nos escritos do Novo Testamento, incluindo os evangelhos, tornaram-se tão persuasivas, que passaram a constituir o que foi visto como o único cristianismo autêntico. Se os escritos dos seguidores de Jesus originais de Jerusalém tivessem subsistido, não teríamos perdido com tanta facilidade a visão que Pedro, João e o resto dos Doze perpetuaram. Até as duas cartas no Novo Testamento atribuídas a Pedro soam tanto a Paulo, que muitos estudiosos as consideram interpoladas ou mesmo compostas pelos seguidores de Paulo.
Afortunadamente, temos algumas fontes, poucas e preciosas, a partir das quais podemos recuperar a mensagem original de Tiago e dos Doze. Mediante uma pesquisa diligente e cuidadosa, e a bênção de algumas novas descobertas, somos capazes de reconstruir razoavelmente o legado da dinastia de Jesus.
CAPÍTULO DEZESSETE
O legado da dinastia de Jesus
Embora Tiago tenha sido inteiramente banido dos registros do Novo Testamento, mesmo assim ele permanece como nossa melhor e mais direta ligação com o Jesus histórico. Seja como for que avaliemos o "evangelho" de Paulo, ainda assim é fato que o que Paulo pregava era inteiramente baseado em suas próprias experiências místicas. Paulo nunca conheceu Jesus. Era, provavelmente, um desses fariseus que rejeitaram a pregação e o batismo de João. Tiago era o irmão amado de Jesus. Cresceram literalmente juntos na mesma casa e na mesma família, e Tiago era, por conseguinte, uma testemunha de tudo que aconteceu, do começo ao fim. Isso é um fato histórico, reconhecido até por Josefo, o historiador judeu, que conheceu Tiago como o irmão de Jesus. O que resultaria, portanto, se encampássemos a advertência do Evangelho de Tomé — "Vá a Tiago, o Justo, por quem o céu e a terra passaram a existir"? Qual foi o último "evangelho" proclamado por Tiago e pela igreja original de Jerusalém, independentemente do que quer que Paulo tenha afirmado? Será que ele pode ser recuperado?
A dificuldade com que nos defrontamos é a onipresente influência de Paulo nos cânones de documentos do Novo Testamento. Diria mesmo que o próprio Novo Testamento é, fundamentalmente, um legado literário do apóstolo Paulo, citado como autor de 13 dos 27 "livros" do Novo Testamento. O livro dos Atos é, na quase-totalidade, uma defesa de seu lugar central como o "décimo terceiro" apóstolo. O de Marcos foi escrito por volta de 70 d.C., após a morte de Paulo, e é um primeiro transmissor da mensagem pregada por Paulo, projetada retroativamente sobre a vida de Jesus. Então, tanto Mateus quanto Lucas, que usaram Marcos como sua principal fonte narrativa, passaram adiante o núcleo da mensagem de Marcos. O evangelho de João, pelo menos em teologia, também reflete a essência da concepção que Paulo tinha de Jesus: Cristo como o divino e preexistente Filhode Deus, que assumiu a forma humana, morreu na cruz pelos pecados do mundo e ressuscitou para a glória celestial à direita de Deus, tornou-se a mensagem cristã. Lendo o Novo Testamento, pode-se supor que essa foi a única mensagem pregada e que não houve outro evangelho. Contudo, não foi esse o caso. Se prestarmos atenção, ainda podemos ouvir uma voz original abafada — tão "cristã" em cada uma de suas fibras quanto a de Paulo. É a voz de Tiago, fazendo ecoar o que recebeu de seu irmão Jesus.
O documento mais negligenciado de todo o Novo Testamento é a carta escrita por Tiago. Tornou-se tão marginalizada, que muitos cristãos nem se dão conta de sua existência. E, no entanto, faz parte de qualquer Bíblia cristã, agora encontrada como o vigésimo livro do Novo Testamento, bem no final da coleção. Foi quase inteiramente deixada de fora. Quando os cristãos começaram a canonizar o Novo Testamento, no século IV — isto é, a determinar autoritariamente os livros que seriam e os que não seriam incluídos — o status da carta de Tiago foi questionado. Ele não foi incluído no Fragmento Muratório, nossa lista mais antiga dos livros do Novo Testamento aceitos como Escritura em Roma, ao final do século II. (1) Orígenes e Eusébio, estudiosos cristãos do século III, o listaram entre os livros controvertidos. (2) Mesmo Jerônimo e Agostinho, os grandes estudiosos cristãos ocidentais, só aceitaram a carta com relutância. Felizmente, acabou sendo incluída no cânone da Sagrada Escritura do Novo Testamento.
Houve duas razões importantes para que alguns cristãos posteriores questionassem a carta de Tiago. A primeira diz respeito ao que Tiago falou ou não falou sobre seu irmão Jesus. Mencionou o nome de Jesus apenas duas vezes, de passagem, e cada uma das referências podia ser facilmente eliminada sem afetar o conteúdo da carta ou as posições defendidas por Tiago (Tiago LI; 2:1). Além disso, a carta não fazia qualquer menção à concepção que Paulo tinha de Jesus como o divino Filho de Deus, sua morte redentora na cruz ou sua glorificada ressurreição. Como é que um documento do Novo Testamento a que faltassem esses ensinamentos poderia ser realmente considerado "cristão"? O segundo fator a fazer com que a carta merecesse a desaprovação de alguns foi que Tiago contestou o ensinamento de Paulo de "salvação pela fé" sem cumprir as prescrições da Lei, enquanto sustentava firmemente a natureza positiva da Torá, assim como sua permanente validade:
De que serve, meus irmãos, um homem dizer que tem fé, mas não ter obras? Pode sua fé salvá-lo?... Então, a fé, por si só, se não vem acompanhada de obras, está morta. (Tiago 2:14, 17)
Pois quem quer que se aprofunde na perfeita Torá [Lei], a Torá da liberdade, e persevere não como um ouvinte que esquece, mas como um praticante que age, será abençoado em suas ações. (Tiago 1:25)
Pois quem quer que observe toda a Torá, mas falhe em um dos pontos, se torna culpado de todo o resto. (Tiago 2:10)
Tiago endereçou sua carta às "Doze Tribos da Dispersão" (1:1). Essa é uma referência direta às dispersas "Doze Tribos" de Israel, que, conforme prometido por Jesus, seriam governadas pelos Doze Apóstolos. A carta reflete um contexto cultural judaico-palestino primitivo. Por exemplo, Tiago se referiu à reunião local ou assembleia de cristãos como sinagoga, o que reflete sua concepção do movimento como parte integral do judaísmo (Tiago 2:2). Embora a carta esteja escrita em grego, pelo menos sob a forma como hoje a conhecemos, ela reflete, do ponto de vista lingüístico, numerosas expressões aramaicas e hebraicas, tendo sido revelada pelas pesquisas recentes como oriunda de um meio judaico-palestino. (3)
O mais impressionante nessa carta de Tiago é que o conteúdo ético de seus ensinamentos é diretamente paralelo aos de Jesus, chegados a nosso conhecimento pela fonte Q. A fonte Q é a mais antiga coleção dos ensinamentos e ditos de Jesus que os estudiosos datam como sendo das proximidades do ano 50 d.C. Como já visto, não sobreviveu como documento intacto, mas tanto Mateus quanto Lucas o empregam extensivamente. Comparando Mateus e Lucas, e extraindo o material que usaram em comum, sem ter sido derivado de Marcos, podemos chegar a uma construção razoável desse perdido "evangelho de Q". Ele consiste em cerca de 235 versículos, que são, em sua maioria, mas não totalmente, os "ditos" de Jesus. A fonte Q nos leva de volta aos ensinamentos originais de Jesus, sem muito do arcabouço teológico acrescentado posteriormente pelos evangelhos. (4) Talvez a mais impressionante característica da fonte Q, em termos de reconstrução das origens cristãs, seja o fato de não incluir coisa alguma da teologia de Paulo, especialmente sua cristologia ou concepção de Cristo.
As partes mais familiares de Q para a maioria dos leitores da Bíblia estão no Sermão da Montanha de Mateus (Mateus 5-7) e no Sermão da Planície de Lucas (Lucas 6). O surpreendente é que a carta de Tiago, curta como é, contenha nada menos do que trinta referências, repetições e alusões diretas aos ensinamentos de Jesus encontrados na fonte Q! Alguns dos mais notáveis paralelos são os seguintes:
ENSINAMENTOS DE JESUS NA FONTE.
Abençoados os pobres, pois deles é oreino de Deus (Lucas 6:20)
Quem negligenciar mesmo um dessesmandamentos...Será [considerado]menor no reino (Mateus 5:19)
Nem todos que dizem "Senhor, Oh,Senhor" entrarão no reino... masaquele que cumpre a vontade do meuPai (Mateus 7: 21)
Tanto mais dará vosso Pai... boasdádivas para aqueles que lhe pedem(Mateus 7: 11)
Amaldiçoados os ricos, porque receberam sua consolação (Lucas 6:24)
Não jureis, nem pelo céu, que é o reino de Deus, nem pela terra, que é seu escabelo... mais deixai o que dizeis ser simplesmente "Sim" ou "Não" (Mateus 5: 34, 37)
ENSINAMENTOS DE TIAGO
E Deus não escolheu os pobres serem ricos em fé e herdeiros do reino? (2:5)
Quem observa toda a Torá, mas falha nem que seja em um ponto, torna-se culpado de tudo (2:10)
Sede agentes da palavra, e não apenas ouvintes (1:22)
Toda boa dádiva...que vem do Pai (1:17)
Vinde, ricos, chorai e uivai pelas misérias que se abaterão sobre vós (5:1)
Não jureis, nem pelo céu nem pela terra nem de qualquer outra maneira, mas deixai vosso sim ser sim e vosso não ser não (5:12)
Todos ficariam surpresos ao saber que temos, de fato, no próprio Novo Testamento, cartas não apenas de um, mas de dois irmãos de Jesus. O reformador protestante Martinho Lutero, um grande paladino do apóstolo Paulo, moveu as cartas de Tiago e Judas bem para o fim de sua edição de 1522 do NovoTestamento, afirmando que eram de qualidade inferior aos "verdadeiros e certos livros do Novo Testamento". (5) Comentou que Tiago, particularmente, era uma "epístola isolada", indicando sua opinião de que ela fornecia pouco alimento espiritual.
A carta de Judas data, provavelmente, das últimas décadas do século I d.C. Ele alertou seus leitores quanto a alguns "intrusos" que tinham entrado furtivamente, no movimento, conclamando-os a "lutar fervorosamente pela fé transmitida, de uma vez por todas", aos crentes originais (Judas 3). O verbo grego empregado por Judas (paradidomai) se refere à transmissão formal de uma tradição autorizada. A expressão "uma vez por todas" implica que nenhuma tradição subseqüente deve substituir a original. Judas anteviu uma luta a caminho e receou que seus leitores pudessem perder de vista a mensagem original de Jesus. Ele não identifica no nominalmente aqueles que tem em mente, mas afirma que esses professores transformaram a noção de "graça" em licença para um comportamento sem lei.
Tanto Tiago quanto Judas partilhavam a visão apocalíptica proclamada por Jesus e João Batista. Tiago escrevera que "a vinda do Senhor está próxima" e que "o juiz está de pé às portas" (Tiago 5:8-9). Judas citou o livro de Enoch, que sobrevive em etíope, e também em fragmentos aramaicos entre os Manuscritos do Mar Morto. Enoch era da sétima geração a partir de Adão e, segundo essa obra apócrifa, ele profetizara: "O Senhor vem com dez mil dos seus santos para executar o julgamento de todos, e para condenar cada um por todos os atos de infidelidade que cometeram". A referência "à vinda do Senhor" era ao "único Deus, nosso Salvador", como Judas a coloca, não à Segunda Vinda de Jesus (Judas 25). O que esses primeiros cristãos esperavam foi extraído dos Profetas hebreus, que tinham predito a vinda do Senhor Deus, isto é, Jeová, e não a "Segunda Vinda" do Messias. Observem cuidadosamente a linguagem nos textos que se seguem:
Então o SENHOR [Jeová] nosso Deus virá e todos os santos com Ele. (Zacarias 14:5)
Eis que o SENHOR [Jeová] Deus vem com poder e seu braço governa por ele; eis que seu prêmio está com ele, e sua recompensa diante dele (Isaías 40:10)
Pois vede que o SENHOR [Jeová] virá em fogo, e sua carruagem como o vento da tempestade, para trazer sua raiva em fúria, e sua censura com as chamas do fogo. (Isaías 66:15)
Tiago e Judas se referem a seu irmão Jesus como "Senhor", mas não usam o termo para se referir ao "Senhor Deus", e sim a Jesus como seu respeitado "Mestre", que dera a vida pela causa do Reino de Deus.
A palavra grega para "Senhor" é kurios, que é um termo de respeito, algo semelhante a "Sir" ou "Mister" no uso do inglês antigo.
Uma das manobras fundamentais de Paulo foi igualar Jesus, como "Senhor", a passagens da Bíblia hebraica que se referiam exclusivamente ao "Senhor Deus" de Israel — desse modo, efetivamente, tornando Jesus igual a Jeová.' Por exemplo, por intermédio do Profeta Isaías, Deus declarara:
Vinde a mim, e sejam salvos todos os confins da terra! Porque eu sou Deus, e não existe outro. Jurei por mim... diante de mim todos os joelhos devem se dobrar e todas as línguas jurar fidelidade (Isaías 45:22-23)
Paulo cita esse mesmo verso, mas muda sua referência para o "Senhor" Jesus como Cristo: "de forma que diante do nome de Jesus todos os joelhos devem se dobrar... todas as línguas devem confessar que Jesus Cristo é o Senhor" (Filipenses 2:10-11). Trata-se de uma enorme mudança que veio a se tornar comum entre oscristãos ortodoxos, que facilmente passaram a igualar Jesus de Nazaré, o homem, com o Senhor Deus de Israel. Jesus era "Deus segundo a carne" e, de acordo com isso, sua mãe, Maria, se tornou a "santa mãe de Deus". Como os cristãos sustentassem que apesar disso eram monoteístas, isto é, aderiam ao Shemá — a grande confissão do judaísmo "Ouça, ó Israel, o Senhor nosso Deus, o Senhor é um" —, a conclusão se tornou inevitável. Se Jesus era verdadeiramente "Deus", um Deus e não dois, então ele é nada menos que a encarnação do Senhor Deus de Israel. Para falar sem rodeios, Deus se tornou homem.
Paulo usa regularmente as expressões "Jesus Cristo" e "o Senhor Jesus Cristo", como se o termo "Cristo", palavra grega para o Messias ou rei ungido da linhagem de Davi, fosse um nome próprio, e não um título. Ele está bem consciente da reivindicação de Jesus à linhagem de Davi, mas menospreza este aspecto de sua ascendência "humana". Escreveu à igreja de Roma que Jesus Cristo, nosso Senhor, "tinha nascido da semente de Davi, segundo a carne", mas foi declarado o Filho de Deus com poder"pela ressurreição dentre os mortos" (Romanos 1:2-4). Para Paulo, qualquer coisa"segundo a carne" é "terrestre" e, portanto, sem importância, de forma que a reivindicação de Jesus de ser o Messias da linhagem de Davi é essencialmente marginalizada, com o objetivo de afirmar seu status de divino "Filho de Deus" e Cristo celestial. Se o fato de Jesus descender da linhagem de Davi significa tão pouco para Paulo, a reivindicação de Tiago à mesma genealogia significaria ainda menos.
Isso é algo que poucos judeus podiam aceitar, e nunca passou pelas cabeças de Tiago, Judas e dos seguidores originais de Jesus uma ideia dessas. Para eles, Jesus era o venerado "Mestre" e o ungido Messias ou Cristo, mas, como um judeu devotado, o próprio Jesus confessou o Shemá, realçando-o como o "grande mandamento" (Marcos 12:29). O evangelho de Marcos preserva um dito de Jesus a respeito disso, em que um homem chega perto de Jesus e se dirige a ele como "bom mestre" ao que Jesus replica: "Por que me chamas de bom, existe apenas Um que é bom, só Deus", (Marcos 10:18). Jesus foi anunciado como Deus de Israel e foi de fato executado por essa reivindicação antes que pudesse assumir formalmente o trono de Davi. Segundo todos os Profetas hebreus, o Messias da linhagem de Davi deveria governar a partir da cidade de Jerusalém, e não no céu; deveria reunir e conduzir à Terra Santa as Doze Tribos de Israel, de onde quer que tivessem se dispersado; e deveria anunciar uma era universal de paz e justiça para o mundo todo. A expressão"reino do céu" não se refere a um reino no céu, como a oração ensinada tanto por João Batista quanto por Jesus deixa claro: "Venha a nós o vosso reino; seja feita a vossa vontade, assim na terra assim como no céu". Contrastando com isso, Paulo ensinou que a "Jerusalém terrestre já não era relevante, e que uma nova "Jerusalém acima", espiritual, era onde Cristo agora reinava (Gálatas 4:26). Para Paulo, o povo de Israel, a cidade de Jerusalém e o Messias da linhagem de Davi foram todos transferidos do literal para o simbólico, da terra para o céu. Tiago, Judas e a fonte Q permanecem como testemunhas de uma versão original da fé cristã que nos remete ao próprio Jesus, com firmes elos históricos que remontam a João Batista.
Felizmente, há outros testemunhos, vindos à tona recentemente, que nos permitem traçar com maior clareza essa trajetória esquecida do cristianismo primitivo. Talvez o mais importante deles seja a fonte perdida chamada Didache, descoberta quase por acidente em 1873, como previamente explicado no Capítulo 12.7 Esse documento data do começo do século II d.C., ou até mesmo antes, o que o torna tão antigo como alguns dos livros incluídos no cânone do Novo Testamento. Na verdade, entre certos círculos do cristianismo primitivo chegara a adquirir um status quase canônico.
A Didache é dividida em 16 capítulos, e pretendia ser um "manual" para os cristãos convertidos. Os primeiros seis capítulos dão um resumo da ética cristã baseada nos ensinamentos de Jesus, divididos em duas partes: o modo de vida e o modo de morte. Muito do conteúdo é similar ao que temos no Sermão da Montanha e no Sermão da Planície, ou seja, os ensinamentos éticos básicos de Jesus extraídos da fonte Q e hoje encontrados em Mateus e Lucas. Começa com os dois "grandes mandamentos", amar a Deus e amar ao próximo como a si mesmo, e também com uma versão da Regra de Ouro: "E não faças aos outros o que não queres que aconteça a ti". Contém muitas injunções e exortações familiares, mas freqüentemente com acréscimos não encontrados em nossos Evangelhos:
Abençoai aqueles que vos amaldiçoam, rezai por vossos inimigos, e jejuai por aqueles que vos perseguem. (1.3)
Se alguém vos esbofetear a face direita, oferecei-lhe também a outra, e sereis perfeitos. (1.4)
Dai a todos que pedem, e não peçais nada em troca, porque o Pai quer que cada um receba alguma coisa das dádivas benevolentes proporcionadas por ele mesmo. (1.5)
Muitos dos ditos e ensinamentos não se encontram nos evangelhos do Novo Testamento, mas são, mesmo assim, consistentes com a tradição conhecida a partir de Jesus e de seu irmão Tiago:
Deixai vossa dádiva à caridade suar em vossas mãos até que saibais a quem destiná-la. (1.6)
Não tenhais duas cabeças, nem faleis pelos dois lados de vossa boca, pois falar pelos dois lados da boca é uma armadilha mortal. (2.4)
Não sejais um daqueles que estendem as mãos para receber, mas as recolhem na hora de dar. (4.5)
Não eviteis uma pessoa necessitada, mas divide tudo com vosso irmão e não digais que coisa alguma vos pertence. (4.8)
Em seguida às exortações éticas, há quatro capítulos referentes ao batismo, jejum, oração, eucaristia e à unção com óleo. A eucaristia, na Didache, como vimos no Capítulo 12, é uma simples refeição de ação de graças que consiste em pão e vinho, com referências a Jesus como a santa "vinha de Davi". Termina com uma oração: "Hosana ao Deus de Davi". O pertencímento de Jesus à linhagem de Davi é assim enfatizado. Há capítulos finais sobre profetas ainda em fase de teste, e a indicação de líderes respeitados. O último capítulo contém avisos sobre os "últimos dias", a vinda de um falso e enganador Profeta e a ressurreição dos justos que morreram. Termina com linguagem similar à usada por Judas, mas tomada de Zacarias e Daniel: "O Senhor virá e todos os seus santos com ele" e "então o mundo verá a vinda do Senhor nas nuvens do céu". Ambas as referências aqui ao "Senhor" são a Jeová, o Deus de Israel.
Todo o conteúdo e o tom da Didache lembram fortemente a fé e piedade que encontramos na carta de Tiago e nos ensinamentos de Jesus, na fonte Q. O maisnotável com relação à Didache, em termos dos dois tipos de ensinamentos cristãos — o de Paulo e o da dinastia de Jesus —, é que não há coisa alguma nesse documento que corresponda ao "evangelho" de Paulo — nenhuma divindade de Jesus, nenhuma redenção por meio de seu corpo e sangue e nenhuma menção à ressurreição de Jesus dentre os mortos. Na Didache, Jesus é aquele que trouxe o conhecimento da vida e da fé, mas não há qualquer ênfase na figura de Jesus separadamente de sua mensagem. O sacrifício e perdão dos pecados, na Didache, vêm pelas boas ações e por uma vida consagrada (4.6).
A Didache é um testemunho permanente de uma forma de fé cristã que remonta diretamente a Jesus e foi transmitida e perpetuada por Tiago, Judas e o resto dos Doze Apóstolos.
Tiago e Jesus
Não há provas de que Tiago adorasse seu irmão ou o considerasse divino. A ênfase de sua carta não estava na pessoa de Jesus, mas naquilo que Jesus ensinava. Podemos, portanto, perguntar qual era, então, a concepção de Tiago sobre seu irmão. Tiago acreditava que Deus ungira Jesus como Messias da linhagem de Davi, mas também compreendeu, assim como Jesus, que o sofrimento dos justos, até mesmo o sofrimento e morte de um Messias podia ser nosso quinhão. João fora decapitado. Jesus fora crucificado. Muitos líderes de Israel em tempos idos tiveram mortes violentas nas mãos de inimigos perversos. Em certa passagem de sua carta, Tiago castiga os poderosos e ricos que oprimem o pobre e faz uma acusação muito específica ao sistema de governo de seu tempo: "Condenastes, matastes o justo, e ele não vos oferece resistência" (Tiago 5:6). O emprego por Tiago do termo específico "o justo", é significativo. No pensamento bíblico existe o conceito de Zaddik, isto é, "o reto" ou "o justo". Esse pode ser um judeu ou um gentio, um rei ou um camponês, um profeta ou um messias. O judaísmo tem uma expressão "os justos das nações" que se refere a todo e qualquer ser humano que aspire aos caminhos de justiça, amor e retidão de Deus. Os contemporâneos de Tiago, como vimos, o designaram assim — Tiago, o Justo. Quando Tiago se referiu aqui às autoridades que condenaram e mataram "o justo", que não lhes resistiu, acredito que tivesse seu irmão Jesus em mente, mas não apenas seu irmão. Jesus era um Zaddik, mas também o era JoãoBatista. Jesus dissera aos Doze, a caminho de Jerusalém, que todos eles, paraseguilo, deveriam "carregar uma cruz" e cumprir o mesmo papel que ele — o de sofrer pelo bem da integridade. Tiago terminou a própria vida dando o testemunho da mesma ideia — falando abertamente e se opondo a todo mal, enfrentando, assim, todo tipo de perseguição ou sofrimento que a mensagem acarretasse. Tiago viu Jesus como um modelo a seguir. Como sucessor de Jesus, procurou emular sua fé, seus ensinamentos éticos e sua coragem diante do mal.
Cristãos e judeus, mais tarde, debateram se a profecia do Servo Sofredor de Isaías 53 se referia a Jesus ou ao povo de Israel. A resposta que Tiago daria, creio eu, teria sido a mesma dada por Jesus — o caminho está aberto para todos que desejam segui-lo. Jesus, por seu desejo de "ir para a cruz", tornou-se esse servo sofredor, mas foi um entre muitos. Incontáveis "justos", ao longo dos séculos, deram corajosamente suas vidas pela causa da retidão. Tiago, certa vez, citou uma passagem dos Profetas hebreus que significava que a "reconstrução das tendas de Davi", é, o restabelecimento da linhagem messiânica de Davi, que agora ele e seus irmãos representavam, era que "desse modo, todos os outros povos possam buscar Jeová, mesmo todos os gentios diante dos quais meu nome foi invocado" (Atos 15:16-17). Esse foi o duradouro legado da dinastia de Jesus.
CAPÍTULO DEZOITO
O fim da era
Tiago assumiu a liderança dos seguidores de Jesus, após sua morte em 30 d.C., e governou a partir da cidade de Davi, em Jerusalém, pelas três décadas seguintes. Não deve constituir surpresa que seus principais inimigos fossem os mesmos que mandaram executar seu irmão — a saber, as famílias dos sumos sacerdotes saduceus encarregadas do Templo. Ë seguramente uma ironia da história que o sumo sacerdote Anás, filho do Anás que presidira o julgamento de Jesus, estivesse por trás da morte de Tiago, também na época da Páscoa dos hebreus, no ano 62 d.C. O registro do que aconteceu é um dos mais intrigantes do período.
Josefo é nossa melhor fonte histórica da morte de Tiago, e seu testemunho é de imenso valor, considerando-se que era contemporâneo de Tiago e que chegara a desfrutar de proeminência na sociedade judaica. Segundo Josefo, o jovem Anás tinha um temperamento impetuoso e incomumente temerário, sendo cruel no julgamento de quem se opusesse a ele. A Judeia, naquele tempo, ainda era comandada diretamente por um governador romano, mas o imperador Cláudio pusera o resto do país sob as ordens do último governante da dinastia de Herodes, Herodes Agripa II, bisneto de Herodes, o Grande. Quando Festo, o governador romano, morreu, e Albino, seu substituto, estava a caminho, vindo de Roma, Anás aproveitou a oportunidade para prender Tiago e trazê-lo diante do Sinédrio, controlado por ele e seus sequazes. Acusou Tiago e alguns outros, presumivelmente nazarenos, de transgressão da Lei judaica, e os entregou ao apedrejamento. Vale a pena citar as próprias palavras de Josefo:
Ele [Anás] convocou os juízes do Sinédrio e trouxe diante deles Tiago, o irmão de Jesus (chamado de Cristo), e alguns outros, sob a acusação de infringirem a lei, e os entregou ao apedrejamento. E os habitantes da cidadeconsiderados mais equilibrados e que eram estritos observadores da lei ficaram desgostosos com isso. (1)
É, por certo, significativo que Josefo, um fariseu, e não um membro do movimento nazareno, não apenas tenha registrado a execução de Tiago, mas também soubesse que Tiago era o irmão de Jesus. Uma delegação de cidadãos judeus importantes viajou para Cesareia, onde Agripa II mantinha a corte, e se queixou da morte de Tiago. Alguns deles chegaram até a ir ao encontro de Albino, que vinha voltando de Alexandria. Albino ficou furioso e escreveu para Anás, ameaçando puni-lo. Nesse meio tempo, Agripa despojou-o do sacerdócio que só ocupara por três meses. Tudo isso por causa do que fizera contra Tiago.
Eusébio, o historiador cristão do começo do século IV, que viveu na Palestina, alega que Josefo tornou a mencionar Tiago em uma passagem posterior, assim citada por ele: "E essas coisas aconteceram aos judeus para vingar Tiago, o justo, irmão de Jesus [chamado de Cristo], porque os judeus o mataram apesar de sua grande retidão". (2) Embora essa passagem não seja encontrada em nossas cópias de Josefo do final do século XIV, ela é possivelmente autêntica, já que também era conhecida por Orígenes, um estudioso cristão do século III: As "coisas" às quais se refere Josefo, nesse contexto, são os eventos em torno da Rebelião Judaica e da destruição romana de Jerusalém, em 70 d.C.
Temos ainda um relato mais detalhado da morte de Tiago, a partir de Hegésipo, um judeu cristão do século II, que escreveu que "ele [Tiago] era tido por todos os homens como muito integro", sendo, por isso, chamado de "Justo" por todos, desde o tempo de Jesus (4) Hegésipo acrescentou outros detalhes que podem muito bem ser historicamente verdadeiros. Escreveu que Tiago era "santo desde o ventre de sua mãe", e que, como seu parente João Batista, não tomava vinho nem comia qualquer tipo de carne. Hegésipo também contou que Tiago usava a roupa branca de um sacerdote e orava constantemente no Templo, permanecendo ajoelhado durante tanto tempo, que seus joelhos endureceram como os de um camelo. Segundo Hegésipo, Tiago rezava continuamente pelo perdão do povo. Epifânio, escritor cristão do século IV, afirmou que Tiago, como um descendente de Davi, também exercia o "sacerdócio" em nome de sua comunidade, entrando nas áreas sagradas do Templo às quais só os sacerdotes tinham acesso, e desempenhando as funções de "sumo sacerdote" para seus seguidores. Vimos, no Capítulo 2, que Maria, mãe de Jesus e Tiago, representava tanto a família real de Davi quanto a linhagem sacerdotal de Aarão. Existe uma tradição muito antiga na Bíblia hebraica de que "os filhos de Davi eram sacerdotes"(2 Samuel 8:18). Essas antigas tradições podem indicar que os seguidores de Tiago o viam desempenhando tanto um papel sacerdotal, representando a comunidade de nazarenos no Templo, quanto um da linhagem real de Davi.
A morte de Tiago, por Luiken
Hegésipo, assim como Epifânio, oferece mais detalhes das circunstâncias que cercaram a morte de Tiago. Ambos relataram que antes de Tiago ser lapidado, ele fora empurrado por sobre a muralha a sudeste do complexo do Templo, indo cair no Vale do Cedron. Quase morto, foi então apedrejado e golpeado com um porrete até a morte. Epifânio registrou que "Simão, filho de Cléofas", o irmão de Tiago e meio-irmão de Jesus, presente ao assassínio, tentou intervir. Observam que Tiago foi enterrado naquela área, não muito distante do próprio Templo, e Hegésipo alegaque a localização da sepultura já era desde então conhecida. As sólidas pedras herodianas, do canto a sudeste da área do Templo, ainda estão, hoje, no mesmo lugar encimando o Vale do Cedron. Um pouco a leste, está o Monte das Oliveiras, com seus muitos túmulos antigos, e, pouco mais ao sul, encontra-se nossa Tumba do Sudário, onde o Kidron se transforma no Vale do Hinom. Se estou certo ao pensar que Jesus foi crucificado do lado de fora da muralha a leste de Jerusalém, ele e seu irmão Tiago morreram em lugares muito próximos um do outro, ambos na Páscoa dos hebreus, e ambos pelas mãos da família de sacerdotes de Anás.
Lado sudeste do Templo do Monte, hoje
Hegésipo acreditava que a morte de Tiago, como a de Jesus, era o cumprimento da profecia. Essa era uma ideia comum entre os primeiros cristãos. Com freqüência, referiam-se à tradução grega de Isaías 3:10, que dizia: "Vamos deter o Justo, pois ele é um fardo para nós". É desanimador observar que o próprio Tiago, provavelmente com a morte brutal do irmão em mente, escreve em sua cariz "Condenastes e assassinastes o Justo, e ele não vos oferece resistência"(Tiago 5:6). Provavelmente não tinha ideia de como essas palavras se provariam proféticas com relação à sua própria morte.
Um elemento importante, embora enigmático, no relato de Hegésipo é a afirmação de que as autoridades que condenaram Tiago, pediram-lhe, primeiramente, que ele lhes contasse "O que era a Porta de Jesus". A expressão tem feito pouco sentido para os estudiosos, mas acho que pode representar uma má tradução de um relato mais antigo em aramaico ou hebraico. O nome "Jesus", em hebraico, é Yeshua', e a palavra "salvação" é yeshuah — ambas são pronunciadas da mesma maneira e soletradas de forma quase idêntica. Se as autoridades estivessem perguntando a Tiago "O que é o portão da salvação", a troca começa a fazer sentido. Segundo Hegésipo, queriam que ele dissesse ao povo, que em número crescente passava a acreditar em Jesus, que "não se enganasse em relação a Jesus". Ora, se Tiago vinha há mais de trinta anos proclamando o irmão como a porta da salvação, o pedido para que ele respondesse à pergunta deles, assim dissuadindo as multidões de acreditar em Jesus, então faz pouco sentido. Sua resposta é reveladora. De acordo com Hegésipo, Tiago replicou: "Por que me perguntam sobre o Filho do Homem? Ele virá nas nuvens do céu". Hegésipo, é claro, está bem convencido de que Tiago se refere aqui a Jesus como "Filho do Homem", mas este não é necessariamente o caso. Se esta foi, de fato, a resposta de Tiago acerca da "Porta da salvação", e ele indicou o "Filho do Homem vindo nas nuvens do céu", ele estava repetindo precisamente o que Jesus disse a Caifás quando questionado em seu próprio julgamento — "Vereis o Filho do Homem vir com as nuvens do céu" (Marcos 14:62). Como já discutido com base em Daniel 7:13-14, essa "vinda do Filho do Homem nas nuvens do céu" representava, para os primeiros cristãos, não a vinda de Jesus, mas o triunfo do povo de Deus — tal como interpretara Daniel.
Simão assume: a dinastia continua
Em seguida à morte de Tiago, em 62 d.C., Eusébio registrou que os apóstolos restantes se reuniram com os remanescentes da família do Senhor e deliberaram em conjunto sobre quem seria o sucessor de Tiago. Escreveu que "todos eles, unanimemente, decidiram que Simão, o filho de Cléofas, era digno do trono".6 Eusébio observa que esse Cléofas, mencionado no evangelho de João, era o irmão de José, marido de Maria, portanto, também da linhagem de Davi. Como argumentei no Capítulo 4, há sólidas provas de que Cléofas, legalmente, o tio de Jesus, fosse osegundo marido de Maria, sua mãe, com base na lei do Levirato. Eusébio escreveu no século IV d.C., mas fundamentou sua informação nos escritos de Hegésipo, levando-nos de volta ao século II d.C. — muito mais próximo da época em que se deu a sucessão de Simão.
Podemos supor que Pedro ainda estivesse vivo por ocasião da morte de Tiago. Como membro do círculo íntimo de Jesus, e tendo sido o "homem à direita" de Tiago, como um dos "pilares" do movimento por mais de trinta anos, era de esperar que fosse ele a assumir a liderança do grupo. Que os apóstolos tenham escolhi& Simão nos mostra a importância que atribuíam à dinastia de Jesus. Mas e quanto a Pedro? O que sabemos a respeito dele?
Infelizmente, dispomos de muito pouca história confiável em relação a Pedro, desde a morte de Jesus até a morte de Tiago. Existem alguns relatos antigos ne livro dos Atos, assim como duas cartas no Novo Testamento atribuídas a Pedro, mas essas fontes estão de tal forma influenciadas pela teologia de Paulo, que a vai autêntica de Pedro se perdeu. No livro dos Atos, Pedro, além de falar e agir como Paulo, tem as mesmas ideias que ele; até seus "sermões" caminham em paralelo aos de Paulo, pensamento por pensamento. É possível simplesmente extrair os elementos paulinos das cartas de Pedro, particularmente em 1 Pedro, e achar um núcleo que possa ser original, mas o processo é altamente subjetivo. O melhor que podemos fazer é pegar Paulo pela palavra — que Pedro era aliado de Tiago, e assim podemos supor que ele partilhava o legado da dinastia de Jesus e endossava e pregava sua mensagem — a mensagem que, também ele, recebera de Jesus.
No evangelho de Mateus, Jesus diz a Pedro que a ele serão dadas as "chaves do reino", o que os católicos romanos tomam como indicação de que ele ficara encarregado do movimento de Jesus, mas não dispomos de qualquer indício de que tenha sido esse o caso (Mateus 16:19).A transição de Jesus para Tiago e para Simão parece bem documentada. Então, onde estavam as chaves do reino? A imagem é bíblica, tirada do livro de Isaías, em que a Eliaquim, filho de Hilquias, é prometido: "Porei em seus ombros a chave da casa de Davi; o que ela abrir, ninguém deve fechar; o que ela fechar, ninguém deve abrir" (Isaías 22:21-22). Eliaquim não é um rei, mas um funcionário da casa do rei Ezequias, que governou no século VIII a.C (2 Reis 18:18). Ezequias era da linhagem de Davi. Ter a "chave de Davi"é como ser um "chefe de pessoal" em uma casa ou administração real. O que Jesus estava prometendo a Pedro era que ele ocuparia a posição de responsabilidade "à direita" — o que ele fez, servindo a Tiago, que era da casa de Davi. Segundo Paulo, Tiago determinara que Pedro funcionaria basicamente como um professor, levando a mensagem de Jesus a grupos de judeus dispersos ao longo do mundo romano (Gálatas 2:7). Aparentemente, Pedro e os irmãos de Jesus viajavam regularmente, acompanhados de suas esposas, para várias regiões do Império (1 Coríntios 9:5). A carta de 1 Pedro é dirigida aos judeus exilados da "Diáspora" (judeus que viviam fora da Terra de Israel), nas províncias da Ásia Menor, isto é, Ponto, Gálacia, Capadócia, Ásia e Bitínia. Supõe-se que essas sejam algumas das regiões para as quais Pedro viajara.
Existe uma tradição de que Pedro morreu lado a lado de Paulo, em Roma, durante o reinado de Nero. Eusébio diz que Pedro foi crucificado, mas lendas posteriores circularam de que ele insistiu em ser pregado de cabeça para baixo na cruz, já que não era digno de morrer do modo como Jesus morrera.' É difícil saber que peso atribuir a essa tradição de que Pedro teria morrido em Roma, uma vez que a Igreja Católica Romana, subseqüentemente, reivindicou ter sido ele seu primeiro bispo ou papa. Devemos nos perguntar se histórias sobre o martírio de Pedro em Roma não são mais teológicas do que históricas. Já mencionei o ossuário encontrado no Monte das Oliveiras com a inscrição do nome completo de Pedro em aramaico: Simão bar Jonas. Não há qualquer outro registro judaico desse nome. Seja ou não de Pedro esse nome, Jerusalém parece um lugar de descanso mais provável para Pedro, na área em que Jesus, Tiago e toda a família de Jesus foram enterrados.
Vale a pena notar que Eusébio e Epifânio nos oferecem listas independentes dos sucessores de Tiago, o Justo, (8) e ambos registram Simão como segundo, e alguém chamado Jude, ou Judas, como o terceiro. A partir daí, seguem com uma relação de 12 homens, que, segundo eles, governaram sucessivamente a igreja de Jerusalém até o reino do imperador Adriano (135 d.C.). O problema é que sabemos que Simão continuou a governar pelo menos até 106 d.C., quando foi crucificado como um descendente de Davi pelo imperador Trajano. É quase impossível que 13 diferentes homens tenham assumido sucessivamente o comando nos 25 anos seguintes. O mais provável é que essa lista dos 12 represente o "Conselho dos Doze", que ocupou o cargo como um grupo, obedecendo o modelo estabelecido por Jesus. (9)
Os nomes desses 12 homens são muito interessantes. Depois de Tiago, Simão e Judas, temos Zacarias, Tobias, Benjamim, João, Mateus, Felipe, Sêneca, Justo, Levi, Efraim, Jose e Judas. É bem possível que o penúltimo seja José, o irmão remanescente de Jesus, ainda lembrado pelo apelido pouco comum — Jose ou Joses,preservado por Marcos. Também é possível que João, Mateus e Felipe sejam os membros originais, embora com idade avançada, dos Doze escolhidos por Jesus. Temos, efetivamente, tradições confiáveis de que João, particularmente, viveu bem mais de cem anos. (10)
As Constituições Apostólicas, relacionadas a nossa Didache, mas compiladas muito tempo depois, no século IV d.C., dizem que o terceiro na linha sucessória, o Judas que se seguiu a Simão, era um terceiro irmão de Jesus. A possibilidade é bem significativa, por traçar a dinastia de Jesus por intermédio de quatro irmãos sucessivos: Jesus, Tiago, Simão e Judas! Contudo, devemos nos questionar quanto às possibilidades cronológicas de que isso tenha ocorrido. Se Simão foi crucificado sob Trajano, por volta de 106 d.C., e, segundo Epifânio, tinha mais de cem anos na ocasião, é viável que um irmão mais moço, Judas, tenha podido assumir? Não estaria velho demais?
O que desconhecemos é a data de nascimento dos irmãos de Jesus. É possível que após o nascimento de Jesus, em 5 a.C, um bom número de anos tenha se passado até o nascimento de Tiago e dos demais. Maria deveria ter apenas 15 ou 16 anos quando teve Jesus. Na realidade, se os outros eram filhos de Cléofas, e não de José, seria preciso admitir um lapso de tempo entre o casamento de José com Maria e sua morte. José parece desaparecer do cenário quando Jesus se torna adulto, com trinta anos de idade. Na medida em que Tiago é tido como "o mais moço" (literalmente,"o pequenino"; Marcos 15:40), ele é um adulto, mas talvez na casa dos vinte, o que significa que Maria teve os irmãos e as duas irmãs de Jesus durante seus vinte anos, o que certamente faz sentido. Isso poria o nascimento de Tiago em torno de 5 d.C., seguindo-se os demais. Ele teria seus cinqüenta e muitos anos quando morreu, em 62 d.C., e Simão poderia ter perto de cem anos quando o imperador Trajano o crucificou, tal como alegado por Epifânio. Portanto é concebível, apesar dessas incertezas cronológicas, que Judas, o terceiro irmão de Jesus, embora já na casa dos noventa, tenha sido escolhido para levar adiante a dinastia de Jesus após a morte de Simão, tal a grande honra e respeito que esses primeiros cristãos tinham pela família real. O irmão Joses, ou José, o segundo na linha sucessória após Tiago, muito possivelmente já tinha morrido quando Simão assumiu a liderança.
Simplesmente não podemos saber, mas o que sabemos, com alguma certeza, é que a família real de Jesus, incluindo os filhos e netos de seus irmãos e irmãs,foram honrados pelos primeiros cristãos até o século II d.C., enquanto, ao mesmo tempo, eram vigiados e caçados pelos mais altos escalões do governo romano na Palestina.
A outra dinastia
As décadas de 40, 50 e 60 d.C., tanto na Palestina quanto no restante do Império Romano, foram anos de caos e instabilidade, com agitação política, violência, rebeliões e guerras. Isso providenciou um pano de fundo, particularmente na Palestina, para um fervor messiânico jamais visto. Parecia óbvio, para todos os simpatizantes das previsões dos Profetas hebreus, que os "últimos dias" estavam chegando céleres ao fim, e que o longamente antecipado Reino de Deus se aproximava.
Roma era governada pela dinastia Julio-Claudiana, uma sucessão dos primeiros cinco imperadores, que se iniciou com Augusto e terminou com Nero, estendendo-se, portanto, de 27 a.C. a 68 d.C. Apesar de todas as tentativas de estabelecer uma legítima sucessão por consangüinidade, nenhum par desses cinco imperadores era de fato de pai e filho. Augusto (27 a.C. a 14 d.C.) era o filho adotivo de seu tio-avô, Júlio César, assassinado em 44 a.C. Tibério (14-37 d.C.), que veio depois de Augusto, era o filho de Lívia, segunda esposa de Augusto, mas de um casamento anterior, portanto, sem laços de sangue entre eles. Foi apenas pouco antes de sua morte que Augusto passou o reinado para Tibério, que adotara como filho. Os reinados de Augusto e Tibério foram comparativamente longos e pacíficos, com um bom grau de prosperidade e expansão do Império. Ambos morreram com idade avançada, de causas naturais. Tudo isso, no entanto, logo mudaria.
Calígula (37-41 d.C.) era neto de Augusto, e foi adotado como filho por Tibério. Calígula era um megalomaníaco ensandecido que se declarou "deus", casou com a irmã Drusila e matou incontáveis senadores e membros da aristocracia romana. Em 41 d.C., ordenou que uma estátua sua fosse posta no Templo de Jerusalém. O governador sírio, Petrônio, encarregado de garantir a ordem, propositalmente atrasou a operação, consciente de seu potencial para deflagrar uma rebelião judaica de grandes proporções. Nesse meio tempo, a própria guarda palaciana de Caligula o assassinou. Cláudio (41-54 d.C), tio de Calígula e filho adotivo de Tibério, tornou-se imperador, de certo modo, empossado por aqueles que mataram Caligula.
Seu reinado foi relativamente longo e estável, se comparado ao anterior, mas ele ordenou que todos os judeus deixassem a cidade de Roma, em resposta à agitação e o fervor messiânico crescentes entre vários grupos judeus. A quarta esposa de Cláudio, Agripina, matou-o por envenenamento, para colocar no poder o filho Nero, que Cláudio adotara. Agripina controlava Nero com rédeas curtas (54-68 d.C.), até que ele mandou matá-la a pauladas, pressionado pela amante Popeia, que passou a reinar nos bastidores. Os primeiros anos de seu reinado foram, em certo grau, calmos, mas os últimos anos se caracterizaram por orgias e dissipação. Quando um incêndio irrompeu em Roma, em 64 d.C., destruindo três quartos da cidade, Nero culpou os cristãos, e mandou prender e matar muitos deles em Roma. Tácito, historiador romano, oferece-nos os horríveis detalhes. Os capturados foram estraçalhados por cães até a morte, crucificados e incendiados nos terrenos do palácio imperial, enquanto Nero convidava o populacho para a exibição e dava voltas em sua carruagem. (11)
Uma rebelião judaica em ampla escala irrompeu na Palestina em 66 d.C., à época do governador romano Géssio Floro, e Jerusalém ficou sob o controle de várias facções rebeldes. Nero designara um general espanhol, Vespasiano, para esmagar a revolta, e várias legiões acorreram ao país. Josefo ficou responsável pelas forças judaicas na Galileia, mas, por volta de 68 d.C., Vespasiano tinha esmagado toda a oposição e rumado para o sul, na Judeia, a fim de fazer o cerco de Jerusalém. Josefo rendeu-se e acabou estabelecendo boas relações com Vespasiano, até mesmo aconselhando-o no esforço de guerra, tendo se convencido de que a oposição judaica era fútil e desastrosa. Quando Nero cometeu suicídio, em 68 d.C., três generais romanos, sucessivamente, fizeram tentativas para se tornar imperador. O general Galba veio da Espanha, e o Senado o aceitou como imperador, mas Oto, senador influente, mandou a guarda palaciana assassiná-lo e se declarou imperador. O general Vitélio, reconhecendo a oportunidade, imediatamente veio da Alemanha, para Roma com suas legiões, forçando Oto a cometer suicídio, e se tornando, ele mesmo, imperador. Nesse meio tempo, Vespasiano decidiu agir. Deixou a guerra na Judeia e o cerco de Jerusalém nas mãos do filho, Tito, e viajou para Roma a fim de desafiar Vitélio. Vitélio tentou escapar, mas foi morto por tropas leais a Vespasiano, que o Senado declarou imperador. No verão de 69 d.C, o novo imperador Vespasiano voltou a Jerusalém, reencontrando o filho, Tito, para conduzir pessoalmente as etapas finais do cerco.
O fim da era
Jerusalém foi cercada por quatro legiões romanas — a décima quinta, que Tito trouxera do Egito, e a quinta, a décima e a décima segunda, trazidas por Vespasiano da Síria. Se incluirmos as tropas auxiliares, as forças romanas chegavam a um contingente superior a 50.000 homens. A cidade ficou sem acesso a suprimentos e, por volta da primavera de 70 d.C., instalou-se uma fome de grandes proporções. Josefo relata que houve até quem recorresse ao canibalismo, e o caos reinava no interior da cidade sitiada. Os que tentaram escapar foram capturados e crucificados. Ainda segundo Josefo, que então se juntara a Vespasiano, acampado no Monte das Oliveiras, antes da entrada da cidade, cerca de quinhentos por dia eram capturados e crucificados para aterrorizar os que estavam do lado de dentro e forçá-los a se render. As tropas vespasianas tinham despido de árvores as terras em torno de Jerusalém para obter madeira suficiente para a confecção de todas as cruzes. Os zelotes, que controlavam a população local, presos do lado de dentro, recusaram todas as ofertas. Quando o verão chegou, os romanos tinham construído rampas e conseguiam abrir brechas nos muros e entrar na cidade em etapas. Atearam fogo à cidade e puseram abaixo os muros. Finalmente, o próprio Templo, com seu vasto complexo de edificações e pátios, foi incendiado e posteriormente demolido.
Os turistas podem ver as ruínas escavadas da destruição de Jerusalém na Cidade Velha. Os arqueólogos deixaram muito dos escombros da destruição — incluindo as enormes pedras herodianas que, em tempos idos, constituíram os muros da vasta área do Templo — que permaneciam no lugar, firmes, após quase dois mil anos. Os degraus que levavam ao Templo foram descobertos sob cerca de trinta ou quarenta pés de escombros acumulados. O moderno Bairro Judeu está construído sobre as camadas de destruição escavadas, mas em quase todos os porões de todas as casas, assim como nos museus da região, as ruínas contam a história de forma mais vívida do que as páginas de Josefo. Este escreveu que Vespasiano destruiu a cidade inteira para servir de exemplo aos judeus que ousaram se opor a Roma. Deixou de pé apenas três torres, cujas bases ainda são visíveis perto da Porta de Jafa, como um testemunho, disse ele, do antigo esplendor da cidade que conquistara.
A destruição romana de Jerusalém por David Roberts
Pedras herodianas remanescentes da destruição romana
Moeda romana "Judaea Capta", celebrando a vitória dos romanos
A guerra judaico-romana foi uma tragédia além da conta para a religião judaica e para a nação. A destruição de Jerusalém e do Templo deixou o povo judeu semum centro nacional e religioso. Milhares foram feitos prisioneiros, e centenas de milhares morreram, de um jeito ou de outro. Houve uma grande marcha triunfal, em Roma, para celebrar a vitória de Vespasiano, com prisioneiros judeus e pilhagem do Templo, incluindo seus vasos sagrados, exibidos pelas ruas. Os romanos cunharam um moeda de prata especial, com a inscrição IUDAE CAPTA ("A Judeia foi derrotada"). A cena está preservada para nós, hoje, no Arco de Tito, em Roma, erguido pelo Senado romano em 81 d.C., em seguida à morte e deificação de Tito. Contém painéis que descrevem a vitória de Vespasiano e Tito, com a inscrição: "O Senado Romano e o Povo para Tito deificado, Vespasiano Augusto, filho do deificado Vespasiano". O arco foi construído logo após o término do famoso Coliseu Romano, e novas provas provenientes de inscrições indicam que o Coliseu fora, em grande parte, edificado com trabalho escravo judeu e fundos extraídos da Judeia. (12)
O muro ocidental esquerdo que resistiu à destruição romana
As causas da guerra foram, é claro, complexas, mas Josefo, que vivenciou tudo aquilo, esboçouuma conclusão das mais surpreendentes, ao escrever:
Mais do que tudo, o que os incitou à guerra foi um oráculo ambíguo, também achado em suas escrituras sagradas, que dizia que por volta daquela época, alguém do país deles governaria o mundo. Isto foi entendido por eles como sendo alguém de sua própria raça, e muitos de seus sábios se extraviaram na interpretação disso. O oráculo, contudo, significava na realidade a soberania de Vespasiano, proclamado imperador em solo judeu. (13)
O Arco deito e o Coliseu, em Roma
O que Josefo afirma aqui é que a principal causa da guerra era de natureza religiosa, envolvendo a expectativa da vinda do Messias judeu da linhagem de Davi Segundo Josefo, foi um fervor messiânico que deu combustível aos fogos da rebelião. A população estava convencida de que Deus interviria, e não apenas expulsaria os romanos da Palestina, mas, como os Profetas hebreus haviam predito, estabeleceria o rei por ele eleito como regente de todas as nações. O "oráculo" específico que Josefo tinha em mente era evidentemente a profecia das "Setenta Semanas" do livro de Daniel, que assinalara um período final apocalíptico de 490 anos, incluindo a vinda de um "príncipe ungido" ou figura do Messias (Daniel 9:25). Em retrospecto, no entanto, após o desastre da guerra e a destruição da cidade de Jerusalém, Josefo acusou seus devotos conterrâneos de terem mal interpretado ou negligenciado unia parte central da profecia de Daniel, a saber, sua surpreendente conclusão:
Após as 62 semanas (i.e., 483 anos), o ungido deverá ser eliminado e ficar sem nada, e as tropas do príncipe que está para chegar deverão destruir a cidade e o santuário. (Daniel 9:26)
O "rei do mundo" que chega não é outro senão o imperador Vespasiano, que, de fato,"destrói a cidade e o santuário" — e não o esperado Messias judeu. Quem, então, seria "o ungido" ou "messias" que é "eliminado"? Josefo não nos diz coisa alguma sobre isso, mas os seguidores de Jesus leram a profecia de Daniel de modo similar — mesmo antes do desastre da guerra romana. Essa interpretação provavelmente foi acelerada pelo trágico e inesperado assassinato de seu líder Tiago, o Justo, em 62 d.C.
Tiago, descendente da linhagem real de Davi e, por conseguinte, adequadamente chamado de "messias" ou"ungido", fora de fato morto precisamente sete anos antes do cerco dos romanos a Jerusalém, no verão de 69 d.C. Isso aconteceu sete anos antes de se completar o prazo de 490 anos — exatamente como Daniel profetizara. O "fim da era" não poderia estar muito distante.
Eusébio e Epifânio preservaram a tradição de que os seguidores de Jesus de Jerusalém, então conduzidos por Simão, filho de Cléofas, fugiram da cidade de Jerusalém pouco antes do cerco, reagindo a um "oráculo obtido por revelação antes da guerra". (14) Eles contam que os seguidores se estabeleceram na região de Decápolis, na cidade de Péla — do outro lado do Jordão, nas montanhas de Gileade. Embora alguns estudiosos tenham questionado a confiabilidade histórica dessa tradição, há fortes provas a seu favor. Como vimos, o livro das Revelações, que data do tempo de Nero e da Rebelião Judaica, retrata a igreja como uma "mulher" que foge para o ermo, "para seu lugar", onde é alimentada por três anos e meio (Revelações 12:14). No livro das Revelações, Nero é a "Besta" com o misterioso número 666, e foi Nero, efetivamente, que perseguiu os cristãos após o incêndio de Roma e mandou Vespasiano para subjugar a Rebelião Judaica em 66 d.C.15 Quando Tiago foi morto em 62 d.C., baseados nas predições de Daniel, os seguidores de Jesus tinham calculado um período final de sete anos. Há evidências de que deixaram a cidade a meio caminho desse período, ou no ano 66 d.C., calculando que o "fim" viria três anos e meio mais tarde — em 69 d.C.
O evangelho de Marcos preserva um longo discurso de Jesus, chamado pelos estudiosos de "Pequeno Apocalipse" que, basicamente, oferece uma interpretaçãocorrente da profecia das Setenta Semanas de Daniel. Ela gira em torno da expectativa de que Jerusalém e o Templo um dia seriam cercados por exércitos e destruídos, pouco antes da "vinda do Filho do Homem nas nuvens com poder e glória" (Marcos 13:26). Aos seguidores de Jesus é dito que os que estão na Judeia devem "fugir para as montanhas" antes do cerco, pois depois disso viria um longo período de atribulações. Se Jesus predisse essas coisas ou não — e a maioria dos estudiosos concluiu que elas provavelmente foram postas em sua boca logo após a destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C. —, não há dúvida de que elas oferecem uma sólida sustentação à tradição da fuga de Jerusalém. Não é provável que Marcos, tendo escrito pouco depois da Revolta Judaica, tivesse retratado Jesus dizendo a seus seguidores para fazer alguma coisa que eles, de fato, nunca fizeram. Marcos pode ser lido de trás para a frente, como "história" atribuída a Jesus após o fato.
Além disso, como vimos no Capítulo 12, Péla, a região para a qual, segundo dizem, eles fugiram, fica apenas alguns quilômetros ao norte da bíblica "Ribeiro de Querite", o lugar tradicional em que Elias se escondeu do perigo e, muito provavelmente, a área em que Jesus passara o último inverno de sua vida, escondendo-se de Herodes Antipas — o "esconderijo de Jesus" na Jordânia. Se Simão, líder do grupo nessa época, era de fato o irmão de Jesus, como argumentei, a fuga em 66 d.C. seria, para ele, uma visita de retorno, após quarenta anos.
Não podemos afirmar quantos desses cristãos de Jerusalém teriam seguido Simão na travessia do Jordão, em sentido nordeste, até a região de Decápolis. É comovente imaginar esse bando de leais seguidores da dinastia de Jesus abrindo caminho para "seu lugar", morando naquelas cavernas cercadas por penhascos, e aguardando a esperança acendida por João Batista quarenta anos atrás. Josefo nos conta que, à medida que os exércitos romanos avançavam, refugiados fugiam em todas as direções. Esse foi o período em que se abandonou o povoamento essênio em Qumrã e em que os Manuscritos do Mar Morto foram escondidos nas cavernas das cercanias. Sabemos que 960 refugiados judeus acabaram ao sul do deserto da Judeia, na fortaleza de Massada. Foi lá que cometeram suicídio, na primavera de 73 d.C., após um prolongado cerco romano. Massada se tornou o "último bastião" da resistência de Jesus. É possível, até mesmo provável, que os seguidores de Jesus estivessem incluídos nesse grupo. Algumas provas arqueológicas apontam nessa direção. Em novembro de 1963, durante a primeira etapa das escavações em Massada, foram encontrados, em uma remota caverna a sudoeste do final da fortaleza,os esqueletos de 24 homens, mulheres e crianças — ao que tudo indica removidos do corpo principal dos rebeldes zelotes que ocuparam a região norte. Parecem ter constituído um grupo sectário, possivelmente de essênios ou nazarenos que se juntaram aos outros em fuga. (16)
Podemos estar razoavelmente seguros de que não apenas os seguidores de Jesus, Tiago e Simão, mas muitos outros judeus que entenderam as profecias de Daniel, estavam convencidos de que o "fim da era" se aproximava, e de que o"Filho do Homem" estava na iminência de aparecer.A destruição da cidade e do Templo de Jerusalém, e a resultante ocupação romana daquele local sagrado, desse momento em diante dedicado ao deus romano Júpiter, foi tida pelos judeus devotos como o "sacrilégio devastador" a que se referira Daniel (Marcos 13:14), e interpretada como o sinal do fim.
A dinastia de Jesus perdida e esquecida
Não dispomos de bons registros históricos desses primitivos cristãos palestinos no período compreendido entre a fuga de Péla, em 66 d.C., e a execução de Simão, já idoso, durante o reinado de Trajano, provavelmente em torno de 106 d.C. É como se uma cortina tivesse descido sobre a história dos seguidores originais de João Batista, Jesus, Tiago e Simão, por quarenta anos. Há registros do que transpirava nessas áreas do cristianismo para os lados do oeste, sob a influência de Paulo — mas detalhes do que transpirava entre os que seguiram o Ensinamento representado pela dinastia de Jesus não foram preservados. Podemos supor que alguns tenham voltado para Jerusalém e tentado recuperar o que puderam de uma normalidade, mas muitos outros devem ter-se dispersado, mais provavelmente para áreas a leste do Rio Jordão. Aqueles não eram tempos normais, e os perigos eram grandes para quem quer que ainda mantivesse algum tipo de esperança messiânica.
Eusébio relatou que, após a revolta, o imperador Vespasiano "ordenou que se fizesse uma busca de todos que fossem da família de Davi, que não se deixasse entre os judeus ninguém da família real, e por isso uma grande perseguição foi novamente infligida aos judeus"' Simão e outros parentes da família de Jesus provavelmente ficaram escondidos ou, pelo menos, mantiveram-se em atitude discreta. A Vespasiano sucederam seus filhos naturais Tito (79-81 d.C.) e Domiciano (81-96 d.C), constituindo a breve dinastia "Flaviana". Domiciano seguiu os passos do paie deu ordens diretas de que fosse executado qualquer membro da linhagem de Davi. Hegésipo contou uma história fascinante, preservada por Eusébio, na qual dois netos de Judas, irmão de Jesus, foram presos, interrogados e soltos, durante o reinado de Domiciano." Hegésipo escreveu que eles foram levados à presença do imperador Domiciano, o que parece improvável, embora possível, dadas a importância da família de Davi e as tensões desse período na Palestina. Perguntaram a eles se eram da linhagem de Davi, o que eles admitiram, mas insistindo em que não tinham aspirações políticas e eram homens de meios modestos, que ganhavam a vida como fazendeiros. O relato de Hegésipo sobrevive em outras poucas fontes, nas quais esses dois descendentes de Judas são tidos como filhos, e não netos. Em grego, as palavras "filho"e "neto" (huioi e huionoi) podem ser facilmente confundidas, diferindo apenas em duas letras. Seus nomes são dados como Zoker, uma forma abreviada de Zacarias, e Tiago. Mais tarde, Hegésipo escreveu que eles eram "líderes nas igrejas" por causa de seu "testemunho" das origens do movimento e sua "relação com o Senhor" Eram chamados de desposyunoi, o que significa "pertencentes ao mestre", ou seja, membros da dinastia de Jesus." A crucificação de Simão foi parte de uma batida em busca de qualquer um que fosse da "casa real dos judeus"." Não temos registro de como Judas morreu, mas sabemos que, pelo menos durante as primeiras décadas do século II d.C., na Palestina, ser identificado com a família de Davi e suas expectativas messiânicas podia acarretar sérias conseqüências.
O simples fato de ser judeu estava se tornando cada vez mais impopular no mundo romano. Durante os anos 132-35 d.C., uma segunda e mais sangrenta Revolta Judaica irrompeu na Palestina, no reinado do imperador Adriano. Foi liderada por Simão bar Cosiba, posteriormente conhecido ao longo da história como Bar Kochba, aceito por muitos judeus como o Messias de Davi. Como castigo, os romanos proibiram a entrada dos judeus na cidade de Jerusalém, que foi inteiramente reconstruída por Adriano e transformada em uma colônia romana, renomeada Adia Capitolina, em honra a Júpiter Capitolinus, divindade padroeira de Roma. Um templo dedicado a Júpiter foi erguido sobre o local das ruínas do templo judeu. (22) Qualquer esperança de que o Reino de Deus se concretizasse na terra começara a desaparecer, e o fervor messiânico judeu esmoreceu. O "evangelho" de Paulo, que rejeitava a "Israel segundo a carne" e enfatizava a salvação e o Reino de Deus "não na terra, mas no céu", passou a ter um apelo crescente para muitos.
Sabemos que esses cristãos originais sobreviveram, sobretudo nas áreas a leste da Palestina, até o século IV d.C., mas estavam dispersos, sem poder ou influência, e tiveram pouco ou nada a ver com o que entrou no Novo Testamento, que se tornou a história oficial do cristianismo primitivo.
Passaram, mais tarde, a ser conhecidos como os "ebionitas", que em hebraico significa "os pobres". Eusébio sabe da existência deles, embora os considere hereges em contraste com a ortodoxia cristã por ele encampada. Entre suas acusações, estava a de que os ebionitas transformaram Jesus em um "homem simples e comum", nascido naturalmente de "Maria e seu esposo". Além disso, Eusébio declarou que os ebionitas insistiram na observância da Lei Judaica ou Torá, e sustentaram que a salvação se daria pelas "obras", assim como pela fé, conforme afirma a carta de Tiago. Os ebionitas rejeitaram as cartas do apóstolo Paulo e o consideraram um apóstata da fé original. Só usavam uma versão em hebraico do evangelho de Mateus — que só chegou a nós sob a forma de fragmentos. Eusébio, aliado ao imperador Constantino, que se convertera ao cristianismo por volta de 325 d.C., classificou cada uma das concepções desses ebionitas como herética. No entanto, ironicamente, suas concepções se baseiam nos ensinamentos do próprio Jesus e na tradição transmitida por seus irmãos. (23)
Uma visão muito mais positiva do "evangelho" ebionita está hoje enraizada nos documentos do século IV chamados Pseudo-Clementines. Um documento conhecido como Kerygmata Petrou, ou a Pregação de Pedro, particularmente valioso com relação a esse ponto, afirma ser uma carta escrita por Pedro a Tiago, irmão de Jesus, em que Pedro se queixa de que suas cartas foram interpoladas e corrompidas por pessoas influenciadas por Paulo, por isso tendo ficado sem valor. Recomenda insistentemente a Tiago que não transmita qualquer de seus ensinamentos aos gentios, mas apenas aos membros do Conselho dos Setenta, indicados por Jesus. Paulo é agudamente censurado como alguém que põe seu próprio testemunho, baseado em visões, acima da certeza dos ensinamentos recebidos pelos apóstolos originais diretamente de Jesus." Os estudiosos não consideram esse material autênticos documentos do século I, mas eles parecem refletir posteriores versões lendárias das disputas que efetivamente ocorreram durante a vida de Paulo, Pedro e Tiago, preservando, portanto, para nós, alguma lembrança dos conflitos que o Novo Testamento, Lucas em particular, tende a suavizar.
Só agora, pela descoberta de documentos perdidos, pelos insights obtidos por novos achados arqueológicos e por uma leitura crítica do Novo Testamento e outrosregistros históricos, estamos em condições de começar a juntar muitas das peças do quebra-cabeça. O legado da dinastia de Jesus está finalmente vindo à luz, com empolgantes resultados para aqueles que desejam ouvir de novo os ensinamentos originais de Jesus.
Comecei a história da dinastia de Jesus com um conto das duas tumbas e sua possível relação com o antigo ossuário, que trazia a seguinte inscrição em aramaico: "Tiago, filho de José, irmão de Jesus'; que veio a público em 2002. Quando a história do ossuário de Tiago ficou mundialmente conhecida, tanto os repórteres quanto o público começaram a se perguntar: quem exatamente seria esse Tiago? E como é que Jesus tinha um irmão? É como se o aparecimento do ossuário de Tiago e a descoberta dos dois túmulos, independentemente do que possa vir a ser sua disposição final, tivessem, de algum modo, sinalizado para nós a realidade material de uma história da maior importância, até então oculta e esquecida.
Uma compreensão da dinastia de Jesus nos oferece muito mais do que uma alternativa interessante à maneira usual com que a história cristã tem sido apresentada. Ela abre novos caminhos para a interpretação da importância de Jesus de Nazaré e aquilo que sua vida e seus ensinamentos podem significar para nós. Jesus foi a figura mais influente da história humana, e quem ele foi e como ele élembrado é de grande relevância para todos nós, quer sejamos seculares ou religiosos, judeus, cristãos ou muçulmanos.
CONCLUSÃO
Recuperando tesouros perdidos
A história não é apenas um conjunto de fatos construídos, ela envolve também uma tentativa para recuperar e imaginar um passado não mais ao alcance dos olhos ou das mãos. Na medida em que a história toca tanto a cabeça quanto o coração, é extremamente importante dispor de provas materiais. Os objetos históricos, autenticamente ligados às pessoas e aos lugares estudados nos textos, abrem um caminho ao mesmo tempo emocionante e significativo para a imaginação atenta. Esse foi meu sentimento profundo quando vi, pela primeira vez, o Ossuário de Tiago, em Toronto, em novembro de 2002; e sei que outros historiadores e professores que estavam naquela sala sentiram a mesma coisa. O toque tangível do passado move o coração humano, por sábio ou reservado que seja. É por isso que este livro começa com o "Conto das duas tumbas", que descreve as descobertas da Tumba do Sudário e da Tumba de Talpiot, com sua reunião pouco habitual de seis inscrições correspondendo aos nomes da família de Jesus.
Até agora, não há nenhuma prova de que o Ossuário de Tiago, ainda que seja autêntico, provenha de uma dessas duas tumbas, embora possamos obter mais provas por testes de DNA. A importância dessas tumbas consiste em que elas representam para nós o enterro de uma família do século I, feito em uma gruta; e, mesmo que não seja a família de Jesus que esteja enterrada ali, elas refletem práticas e costumes similares de celebração dos mortos. Penetrar uma dessas tumbas, como eu fiz, é uma maneira de se conectar com o passado que nos afeta bem mais do que um simples exercício intelectual.
É uma maneira de tocar a realidade da antiga história judaica na época das origens do cristianismo. O homem aristocrático, cujos restos ainda envolvidos em seu sudário foram encontrados na Tumba de Hinom, pode ter sido testemunha dos últimos dias de Jesus. Em outras palavras, esse homem viveu e morreu naquela mesma época, naquele mesmo lugar. O ossuário de Caifás abriga osossos do homem que presidiu ao julgamento de Jesus. Um simples olhar para aquele osso do calcanhar atravessado por um cravo evoca a imagem aterradora dos horrores da crucificação romana. E se realmente a Tumba de Tiago provier da tumba da "família de Jesus" — então o estudo desses restos poderá ser muito mais importante. Embora os objetos inanimados não se exprimam por palavras eles nos ligam poderosamente a um passado que continua a ter um sentido profundo para nosso presente. No final deste livro, gostaria de explorar ainda alguns dos tesouros perdidos desse passado, e sua importância para nosso presente e nosso futuro.
A história de Jesus, de sua família real e das origens do cristianismo, tais como foram apresentadas neste livro, foi ocultada em parte por manobras intencionais de alguns segmentos do movimento cristão primitivo, e em parte pela perda de documentos e registros, que estão agora sendo expostos à luz. A versão das origens do cristianismo que se tornou dominante reduz o importante papel exercido por João Batista ao de um simples precursor de Jesus, enquanto cala, e até mesmo nega, a existência e o papel de Tiago, o irmão de Jesus, que assumiu a liderança do movimento depois de sua morte. O próprio Jesus, como "Deus encarnado, foi transformado em um personagem pouco humano, que fez uma rápida aparição entre a humanidade, morreu, ressuscitou e voltou aos Céus em toda a sua glória. A mensagem que Jesus pregava foi transformada na pessoa de Jesus como mensagem — a proclamação de que Cristo tinha descido à Terra e morrido pelos pecados do mundo. Em meados do século III d.C., nascera uma nova religião modelada por essas percepções teológicas e inteiramente afastada de todas as formas de judaísmo. O cristianismo como tal tornou-se a mais extensa religião do mundo, e sua mensagem teve um profundo impacto sobre bilhões de vidas, nos últimos dois milênios da civilização ocidental. Entretanto, os ensinamentos de Jesus estão no centro de todas as formas de cristianismo e, mais do que qualquer outro fator, é o retrato persuasivo de Jesus que atrai tantas pessoas para essa fé.
Isso torna ainda mais trágico o fato de que a história original, a própria história de Jesus, tenha se perdido, sido esquecida ou até mesmo marginalizada — o que ele era de fato em seu próprio tempo e espaço enquanto um messias judeu do século I, que reivindicou o trono de Davi e inaugurou um movimento messiânico com potencial para mudar o mundo. Apenas por meio dessa compreensão de Jesus, o cristianismo — e os cristãos — poderão recapturar a paixão e o fervorda mensagem revolucionária proclamada por Jesus e viver segundo seus ensinamentos radicais.
Felizmente, essa história original e a mensagem original de Jesus podem ser recuperadas. Seus elementos essenciais permanecem enraizados nos documentos do Novo Testamento, particularmente na fonte Q. Uma vez reconhecidos e correlacionados com outros textos antigos e com o rico estoque de dados arqueológicos que começa atualmente a emergir, eles podem nosforneceruma voz autêntica, há muito calada, mas que ainda possui o poder de transformar vidas e até mesmo de desafiar a cultura e a sociedade modernas, como Jesus o fez em sua época.
Pode ser que uma descoberta desse porte ameace muitos dogmas sagrados da ortodoxia cristã, mas, como vimos, a história cristã dominante acabou, na verdade, baseando-se muito mais nas revelações de Paulo do que nos ensinamentos de Jesus. O processo de redescoberta pela leitura crítica de fatos antigos que empreendi neste livro é essencialmente uma tentativa de encontrar a história cristã que represente Jesus o mais fielmente possível. Esse é o desejo de milhões de fiéis cristãos, e de inúmeras pessoas que admiram Jesus como um personagem histórico. Muitos deles estão preparados para escutar a voz de Jesus, mas resistem em equiparar a vida e a mensagem de Jesus à teologia cristã ortodoxa.
Do meu ponto de vista, esse processo de descoberta é antes uma construção do que uma destruição. Ele envolve um processo de reabilitação — de João Batista, de Tiago, de Jesus e de toda sua família. Esses resultados, bem mais positivos do que negativos, construtivos mais do que destrutivos, nos conduzem de volta ao próprio Jesus, ao povo que ele mais amava e à causa pela qual morreu. É uma história extremamente tocante e inspiradora, de todos os pontos de vista, que abre também caminho a percepções sobre o que o personagem histórico de Jesus tem de permanente e provocador.
A teologia cristã santificou de tal maneira Jesus, sua mãe Maria e, em grau menor, todos os apóstolos, que sua existência como personagens históricos reais se dissolveu. Suas vidas enquanto seres humanos, que viveram e respiraram sobre o planeta Terra, dentro de contextos sociais, culturais e políticos muito particulares, acabaram tornando-se esfumadas e ilusórias. Ao longo dos séculos, os seres humanos partilham algo comum que os liga pelo tempo e pelo espaço: nossas esperanças e sonhos, nossas alegrias e desapontamentos, nossos sofrimentos e tragédias nos ligam uns aos outros. Se nossa compreensão de Jesus se desenvolver a partir dessahumanidade comum, estaremos em posição de compreendê-lo melhor, e a seus seguidores, poderemos nos identificar com ele em níveis que, de outra maneira, poderíamos não alcançar. Finalmente, a história de Jesus é uma história profundamente humana, mas uma história cheia de potencial e de orientação espirituais, mesmo no início do terceiro milênio.
A história de Jesus recuperada
Em A dinastia de Jesus, procurei apresentar ao leitor as provas significativas com relação à nossa recuperação do Jesus histórico. Há muita coisa que jamais saberemos, em função da natureza e raridade das fontes. Com relação a algumas áreas, seremos forçados a adivinhar ou especular com base nas provas disponíveis. Abordei assuntos tão delicados quanto controversos — a paternidade de Jesus, a possibilidade de que Maria tivesse se casado de novo depois da morte de José, o novo enterro de Jesus em uma tumba — assuntos em que o encontro entre fé e história se dá de maneira tensa. Busquei apresentar uma cronologia que me pareceu razoável e localizar os lugares onde as coisas que lemos em nossos textos possam ter acontecido. Em cada um desses pontos, procurei apresentar o lado humano da história de Jesus, colocada em seu contexto histórico real e livre de qualquer agenda teológica.
Os resultados objetivos são os seguintes. Jesus tinha um pai e uma mãe humanos. É provável que Maria, sua mãe, depois que sua família já a prometera em casamento a um homem mais velho, José, tenha ficado grávida de outro homem antes de se casar. Mais tarde, Maria teria tido seis outros filhos, quatro meninos e duas meninas, de José ou de seu irmão Cléofas. Foi João Batista quem iniciou o movimento messiânico que se tornou mais tarde o cristianismo, não Jesus. Jesus valorizava imensamente seu parente João — como profeta, professor e introdutor do Reino de Deus.
Jesus aderiu ao movimento iniciado por João, foi batizado e trabalhou junto com ele para fazer avançar o movimento messiânico. João e Jesus preencheram as expectativas, correntes em sua época, da vinda de Dois Messias — um como descendente sacerdotal de Aarão, outro como descendente real de Davi. Sua mensagem conjunta era bastante simples: eles conclamavam as pessoas a se arrepender de seus pecados, devido à chegada iminente do Reino de Deus. Quem respondeu positivamente foi batizado na água, em sinal de sua participação no movimento e em sua mensagem.
O movimento deles tinha um caráter apocalíptico e esperava que Deus interviesse omais cedo possível na história para fundar o Reino de Deus, como todos os profetasdescreveram detalhadamente. Haveria então uma nova era de justiça, integridadee paz para toda a humanidade, centrada na nação reconstruída de Israel, sendo Jerusalém a nova capital do mundo, a partir da qual se irradiaria o conhecimento de Deus e a ética universal da Torá a todas as nações do mundo.
João e Jesus pregaram a justiça para os pobres e oprimidos e preveniram que quem se recusasse a abandonar suas maneiras corrompidas seria julgado. Eles nos ensinaram a intimidade com Deus, nosso Pai celestial, sua preocupação comtodas as criaturas e o perdão dos pecados, a exemplo da oração que começaram adifundir entre seus seguidores. Nem João nem Jesus tinham a pretensão de estarfundando uma nova religião; ambos viveram como judeus, segundo a Torá e asleis judaicas, e conclamaram judeus e não judeus a se voltarem para a revelação daTorá de Moisés e dos profetas hebreus.
A pregação de João e de Jesus, assim como a prática do batismo, levou o primeiro a ser preso por Herodes Antipas, governador da Galileia. Depois que Joãofoi preso, Jesus continuou o trabalho que ambos tinham encetado. Ele formou ofechado Conselho dos Doze, que incluía quatro de seus irmãos, e lhes prometeuo governo das Doze Tribos de Israel, que, ele esperava, voltariam a se reunir na Terra de Israel. Na campanha que iniciou ao longo da Galileia e da maior partedas regiões da Palestina Romana, Jesus ficou conhecido como uma pessoa quecurava e como exorcista, mas também como alguém que pregava o Reino deDeus e ensinava a ética da Torá. Jesus estava convencido de que a queda de Satã,o invisível governante do mundo, era iminente. Suas atividades levantaram umaforte oposição entre certos líderes partidários de Herodes, os fariseus e os saduceus — especialmente entre os que detinham algum poder político outorgado pelos romanos em Jerusalém.
Quando Herodes Antipas assassinou João de maneira brutal e inesperada,Jesus pensou que seu destino era ir para Jerusalém, entrar no Templo, e afrontardiretamente as autoridades políticas e religiosas com sua mensagem de reformaradical. Ele provavelmente se deu conta de que esse encontro poderia levar à suaprópria prisão, talvez mesmo à sua execução. Não temos como saber os pensamentos íntimos e as motivações de Jesus quanto a esse ponto, mas estou convencido,baseado em algumas passagens bíblicas que aparentemente o orientaram, que eleesperava que Deus interviesse no último momento para salvá-lo de seus inimigos e introduzir o Reino de Deus. À diferença de outros de sua geração, que tinham asseclas armados para resistir à ocupação militar dos romanos, Jesus estava convencido da intervenção divina, se ele agisse com fé.
Como seu parente João, Jesus morreu acreditando que sua causa seria realizada. Seus seguidores ficaram arrasados e, durante um certo tempo, retornaram à Galileia, temerosos e desapontados. Sua fé tinha sido severamente posta à prova — os Dois Messias tinham morrido. Foi sob a liderança de Tiago, associado a Pedro e João, que a comunidade recuperou sua fé. Eles acreditavam que, apesar de morto, Jesus tinha triunfado em sua causa e, no fim, ele seria inocentado, assim como todos os justos mártires do Reino de Deus. Tiago, que também pertencia à linhagem de Davi, deveria ser o sucessor de Jesus, dirigindo o nascente "governo" messiânico que Jesus tinha fundado com o Conselho dos Doze.
A mensagem e os ensinamentos de Tiago, Pedro, João e dos Doze retomavam os de João Batista e de Jesus. Eles esperavam uma manifestação iminente do Reino de Deus e pregavam uma mensagem de arrependimento dos pecados, batizando seus seguidores no que eles acreditavam ser o centro da recém-construída e reformada nação de Israel. Os não judeus eram convidados a aderir à causa, à condição que deixassem de adorar os ídolos e seguissem a ética mínima prescrita pela Torá para os gentios.
A mensagem que Paulo começou a pregar nos anos 40 e 50 d.C., como ele mesmo reiterou de maneira inflexível, não dependia de maneira alguma nem era derivada do grupo original dos apóstolos de Jesus dirigido por Tiago, em Jerusalém. Baseava-se antes em sua própria experiência visionária de um Cristo celestial.
Foi esta mensagem de Paulo que se tornou a pedra fundamental da ortodoxia teológica cristã. Ao contrário, a mensagem de Tiago e dos apóstolos originais de Jerusalém não derivava das revelações que Paulo dizia receber, mas se fundava no que o grupo tinha aprendido diretamente de João Batista e de Jesus, durante o tempo em que viveram. Assim, Tiago e seus sucessores são nosso melhor laço histórico com Jesus e seus ensinamentos originais. Não é de espantar que não encontremos nenhum traço do evangelho ou da teologia de Paulo na fonte Q, na carta de Tiago ou no Didache. Tiago e seus sucessores representam a versão original do cristianismo, diretamente vinculada ao Jesus histórico, com todas as reivindicações à autenticidade. É isso que representa a dinastia de Jesus. Ela é mais do que umavirada alternativa interessante na história cristã, que nos permite completar uma pequena parte que faltava na história. A compreensão da dinastia de Jesus abrirá o caminho para que possamos recuperar, para nossa própria época, o cristianismo original e sua poderosa mensagem.
Para que foi que ele viveu e morreu?
Dado o que apresentei em A dinastia de Jesus, poderíamos ficar tentados a classificar Jesus ao lado de outros "messias fracassados", cujas esperanças e sonhos jamais chegaram a ser realizados como eles esperavam. Mas a causa é sempre maior do que a pessoa. A causa de Jesus era o Reino de Deus, que ele definiu de maneira elegante: "Que teu Reino venha a nós, que seja feita tua vontade assim na terra como nos céus". A segunda frase explica a primeira. O Reino viria quando a vontade de Deus fosse realizada, não nos céus, mas na terra. O Reino que Jesus esperava não era um Reino terrestre, e sim um Reino na terra. Envolveria povos e nações, política e poder, governos e estruturas de autoridade. Isso está de acordo com todos os profetas hebreus, pioneiros da visão do Reino de Deus — que a terra se impregnaria da sabedoria de Deus, assim como as águas formam o mar. Em frente à sede das Nações Unidas, do outro lado da rua, há um imponente monumento esculpido na pedra com as palavras de Isaías: "E estes converterão suas espadas em enxadões, e suas lanças em foices; não levantará espada nação contra nação nem eles aprenderão mais a guerrear". A citação é tomada do Capítulo 2 de Isaías, uma das principais passagens da Bíblia hebraica que esboça a visão do Reino de Deus. A dinastia de Jesus nos recorda um cristianismo que nunca foge deste mundo e que retém uma mensagem cortante contra todas as formas de injustiça, iniqüidade e opressão, ao mesmo tempo que exprime o ideal do Reino de Deus sobre a terra.
Mas Jesus não apenas proclamou a vinda do Reino de Deus; ele identificou um conjunto de valores éticos e espirituais centrais, baseados na mensagem dos Profetas hebreus, que ainda encontram um poderoso eco entre cristãos e não cristãos. Textos como a fonte Q, a carta de Tiago, o Didache e o Evangelho de Tomé nos permitem recapturar e enfatizar essas percepções e dar-nos conta de seu poder potencial e de seu apelo desafiador.
Ama a Deus sobre todas as coisas, e a teu próximo como a ti mesmo. Não faças aos outros o que não gostarias que te fizessem a ti, mas faz aos outros o que gostarias que te fizessem a ti. Eis a essência da Torá e dos profetas. Não pensem que vim para destruir a Torá e os profetas, vim para cumprir. Se não cumprires o menor dos mandamentos, serás considerado "menor" pelos que estão no Reino de Deus. Pratica a Torá, nãotelimites a ouvi-la, porque a fé sem obras é coisa morta.
Quando fizeres a caridade, que tua mão esquerda não saiba o que faz a direita. Deixa que teu dom caridoso conserve o calor de tuas mãos até que saibas com certeza a quem o farás. Quando rezares, vai para teu aposento e, fechando a porta, ora a teu Pai, que vê o que fazes ocultamente. Os primeiros serão os últimos e os últimos serão os primeiros. Pois tudo o que fizeres ocultamente será revelado.
Não sejas indeciso nem exprimas opiniões contraditórias, porque dizer coisas contraditórias é uma armadilha mortal. E, sobretudo, age como se estivesses sempre sob juramento. Que o teu "sim" seja "sim", que o teu "não" seja "não".
Dá a quem pede, e não vires as costas a quem pede algo emprestado. Se tens dois casacos, deves partilhar com quem não tem nenhum, se tens comida, age da mesma forma. Empresta sem esperar nada em retorno. Não tomes juros.
Perdoa e serás perdoado, dá e te será dado, pois com a mesma medida com que medires, serás medido. Confessai mutuamente vossos pecados e rezai um pelo outro. Cuida de quem se opõe a ti, ora para quem te maltrata, faz o bem a quem te odeia, abençoa quem te amaldiçoa. Remove primeiro a trave que está no teu olho, de modo a que possas remover o argueiro do olho de teu irmão. Da maneira pela qual julgares, assim serás julgado, pois quem não tiver mostrado compaixão, será julgado sem compaixão.
Acerca-te a Deus e Deus se acercará de ti. Limpa tuas mãos, pecador, e purifica teu coração, tu que és indeciso. Lamenta-te, cobre-te de luto e chora. Humilha-te diante de Deus e Ele te exaltará.
Não se pode montar dois cavalos ou retesar dois arcos ao mesmo tempo — não se pode servir a dois senhores, Deus e o sistema desse mundo.
O caminho da integridade conduz à cruz. Desconfia quando todos falarem bem de ti. Ninguém é profeta em seu próprio círculo. Quem não está comigo, está contra mim.
Para Jesus e seus primeiros seguidores, esses e muitos outros ensinamentos centrais representavam muito mais do que um conjunto de banalidades pias. Para eles, isso representava um programa político e social a ser posto em prática, de forma a que o Reino de Deus pudesse ser realizado assim na terra como nos céus. Aquela geração compreendia perfeitamente seus desafios e seus perigos, em um sistema mundial baseado em princípios opostos. João foi decapitado. Jesus e Simão foram crucificados. Tiago foi apedrejado até a morte. Ouvir a Voz e buscar segui-la tinha um custo bastante alto.
A fé de Abraão
Compreender a dinastia de Jesus abre também novos caminhos de entendimento entre judeus, cristãos e muçulmanos. É compreensível que a perseguição dos judeus feita pelos cristãos tenha contribuído bastante para marginalizar Jesus dentro da história judaica. Ao longo dos séculos, os judeus acharam difícil pensar em Jesus, sem o associar à má conduta dos que agiam em seu nome. No último século, até nosso próprio tempo, a redescoberta da condição judaica de Jesus e a tentativa frutífera dos historiadores de colocar Jesus em seu contexto histórico apropriado fizeram com que muitas coisas mudassem. Como disse Martin Buber, o grande filósofo judeu do século XX, "Eu não creio em Jesus, mas creio com ele. Acredito firmemente que, no curso do seu renascimento, a comunidade judaica reconhecerá Jesus não apenas como um grande personagem no contexto de sua história religiosa, mas também no contexto orgânico de uma evolução messiânica que se estenderá por milênios, cujo objetivo final é a Redenção de Israel e do mundo inteiro". Não foi tanto Jesus que os judeus rejeitaram, mas os sistemas da teologia cristã que o identificaram a Deus, que anularam a Torá e que alijaram o povo judeu e sua aliança. Os judeus estão profundamente conscientes de que o mundo, por sua natureza, não pode ser resgatado. Se, para os judeus, Jesus nunca poderá ser o Messias, ele certamente permanece, segundo os critérios históricos, um messias, emsua qualidade de um descendente de Davi que lançou um programa messiânico ainda inacabado. Essa parece ter sido a grande percepção de Buber. Recuperar as perspectivas dos outros seguidores originais de Tiago e Jesus, que continuaram a esperar e a lutar pela redenção messiânica e que adotaram um conjunto de princípios éticos da Bíblia baseados nos profetas hebreus, mesmo depois da morte de Jesus, oferece um ponto de união e de compreensão entre judeus e cristãos, que foi até hoje negligenciado.
Para os cristãos, compreender a dinastia de Jesus abre o caminho para recuperar e apreciar as raízes judaicas de Jesus. Um amplo espectro de grupos cristãos — sejam eles tradicionalmente "liberais" ou "conservadores" — fez avanços significativos nesse sentido, durante os últimos anos. O esforço para compreender melhor Jesus como um judeu de sua época fez com que cada vez mais cristãos se familiarizassem com os costumes judaicos de base e com seus feriados. Não é raro que na época da Páscoa, algumas igrejas convidem rabinos para ensinar e dirigir os ritos, em um esforço para melhor entender Jesus em seu próprio tempo e espaço. Os estudos acadêmicos sobre as origens cristãs, conduzidos em qualquer universidade ou faculdade importante, consideram como um dado as características judaicas de Jesus; e os cursos sobre o Novo Testamento e o cristianismo primitivo encaram Jesus e seu movimento como fazendo parte integral da história das variedades de judaísmo na Palestina romana. Outras portas de compreensão entre cristãos e judeus poderão abrir-se se os cristãos derem a Tiago seu verdadeiro lugar como sucessor no movimento de Jesus, e começarem a se dar conta de que sua versão da fé representa um cristianismo cujas demandas de autenticidade ultrapassam as de Paulo. Mas também, igualmente importante em termos de missão e objetivo cristãos no mundo, isso pode fazer com que a agenda inacabada de João, Jesus e Tiago reviva e encontre uma nova relevância nos tempos modernos.
Os muçulmanos não adoram Jesus, conhecido como Isa na língua árabe, nem o consideramdivino, mas acreditam que ele foi um profeta ou mensageiro de Deus; o Alcorão o chama de Messias. No entanto, essa afirmação de Jesus como um Messias atesta sua mensagem messiânica, não sua missão como um Cristo celestial. Há algumas conexões bastante óbvias entre a pesquisa que apresentei em A dinastia de Jesus e as crenças tradicionais do Islã. A ênfase que os muçulmanos colocam em Jesus como um profeta e professor messiânico é bastante paralela à que encontramos na fonte Q, no livro de Tiago e no Didache. Ser o Messias significa proclamaruma mensagem, mas essa mensagem é a mesma que foi proclamada por Abraão, Moisés e todos os profetas. O Islã insiste em que nem Jesus nem Maomé trouxeram uma nova religião. Ambos buscaram chamar o povo de volta ao que pode ser denominado "a fé de Abraão". É exatamente isso que o livro de Tiago enfatiza. Da mesma forma que o Islã, o livro de Tiago e os ensinamentos de Jesus na fonte Q colocam a ênfase em realizar a vontade de Deus como uma demonstração de nossa própria fé. Também as leis alimentares do Islã, como citadas no Alcorão, refletem quase palavra por palavra os ensinamentos de Tiago no capítulo 15 dos Atos dos Apóstolos: "Abster-vos-ei da carne de porco, do sangue, de oferendas aos ídolos e da carniça" (Alcorão, 2: 172).
Já que os muçulmanos rejeitam todas as afirmações de Paulo sobre Jesus, rejeitando assim as reivindicações centrais do cristianismo ortodoxo, o abismo entre o Islã e o cristianismo, no que se refere a Jesus, é imenso. No entanto, pouca coisa apresentada neste livro entra em conflito com a percepção básica do Islã. O profeta Maomé mantinha contatos com grupos cristãos na Arábia, e há provas que permitem supor que os cristãos que ele encontrou devem ter sido mais próximos das crenças dos ebionitas do que da Igreja Ocidental. Nesse caso, uma das mais fascinantes reviravoltas da história seria que a percepção de Jesus representada pela dinastia de Jesus tenha sobrevivido, ironicamente, também em alguns aspectos da tradição islâmica.
O cristianismo que conhecemos a partir da fonte Q, da carta de Tiago, do Didache, e de outras fontes judaico-cristãs sobreviventes, representa uma versão da fé de Jesus que pode, na verdade, unificar cristãos, judeus e muçulmanos, em vez de dividi-los. Na pior das hipóteses, as percepções reveladas pela compreensão da dinastia de Jesus podem abrir amplamente novas e frutíferas portas de diálogo e compreensão entre essas três grandes tradições, cujas visões de Jesus foram consideradas, no passado, tão profundamente contraditórias, que impediam qualquer discussão.
Uma palavra final
Naquele passeio pelo Jardim de Getsêmani, naquela noite da minha juventude, jamais poderia imaginar o itinerário de quatro décadas que eu estava começando. Para mim pessoalmente, enquanto historiador, foi uma jornada de pesquisa fascinante, cheia de resultados inesperados e desfechos significativos.
Em cada volta desse caminho, meu objetivo tem sido chegar o mais perto possível do Jesus histórico, dadas as provas que possuímos, e ver até que ponto ele pode ser recuperado em nosso próprio tempo. Os historiadores modernos estão profundamente conscientes de que nossas fontes, assim como nossas tentativas para dar-lhes um sentido, não são janelas transparentes. Assim, nossa visão do passado nunca será inteiramente clara. É impossível observar os "fatos" sem os interpretar. Todos os historiadores abordam suas pesquisas com critérios seletivos de julgamento forjados por interesses prévios e afirmações culturais, conscientes e inconscientes. Não há um só lugar objetivo de onde se observar. Enquanto reconhecermos nossas limitações metodológicas e resistirmos a equacionar nossas reconstruções com a verdade absoluta, podemos pelo menos buscar nos aproximar do padrão que apresente a melhor prova. A necessidade de estar consciente de nossos próprios preconceitos parece particularmente aguda no que se refere à busca do Jesus histórico. Nenhum outro personagem histórico suscita reações tão apaixonadas nem engendra conclusões tão opostas. É absolutamente necessário adotar uma humildade consciente diante das provas de que dispomos. Tentei incorporar esses altos padrões neste estudo e considero-me satisfeito por tê-lo conseguido até certo grau, mas, como todo bom historiador, permaneço aberto à crítica e à revisão.
Durante os últimos quarenta anos, descobri que inúmeras outras pessoas partilham comigo essa busca do Jesus histórico e querem saber a verdade, leve ela aonde levar. Nossas conclusões podem diferir, mas espero que minha trajetória as ajude a perceber melhor como era Jesus em seu próprio tempo e espaço. Estou absolutamente convencido de que a compreensão de Jesus e de sua família, assim como da dinastia que perpetuou suas mensagens, é uma das chaves mais importantes para finalizar nossa busca em prol do conhecimento do Jesus histórico e das origens do cristianismo.
Cronologia de acontecimentos epersonalidades mais importantes
167-64 a.C.Revolta dos macabeus contra o governador sírio Antióquio IV
63 a.C.Conquista romana da Palestina por Pompeu; Judeia transformada em província romana
31 a.C.-14 d.C. Reinado de Augusto, primeiro imperador de Roma
37-4 a.C.Reinado de Herodes, o Grande, rei dos judeus, sobre a Palestina
4 a.C. Morte de Herodes, o Grande, e levantes na Galileia e Judeia
4 a.C.-6 d.C.Reinado de Arquelau, filho de Herodes, sobre a Judeia
4 a.C.-39 d.C.Reinado de Herodes Antipas, filho de Herodes, sobre a Galileia e Pereia
4 a.C.-34 d.C.Reinado de Felipe, filho de Herodes, sobre os territórios do leste
5 a.C.Nascimento de João Batista e Jesus
6 d.C. Revolta de Judas, o Galileu, em seguida à destituição de Arquelau
14-37 d.C.Reinado de Tibério, segundo imperador de Roma
26-36 d.C.Reinado de Pôncio Pilatos, procurador na Judeia
26 d.C.Pregação de João Batista e batismo de Jesus
29 d.C.João Batista decapitado por Herodes Antipas
30 d.C.Crucificação de Jesus
37-41 d.C.Reinado de Calígula, terceiro imperador de Roma
41-54 d.C.Reinado de Cláudio, quarto imperador de Roma
54-68 d.C.Reinado de Nero, quinto imperador de Roma
50sCarreira e pregação de Paulo
62 d.C.Morte de Tiago, o irmão de Jesus
63 d.C.Data tradicional da morte de Pedro
64 d.C.Data tradicional da morte de Paulo
68-69 d.C.Tentativas dos generais Galba, Oto e Vitélio de se tornar imperador
69-79 d.C.Reinado de Vespasiano, sexto imperador de Roma
66-70 d.C.Primeira Revolta Judaica, destruição de Jerusalém pelos romanos em 70 d.C.
73 d.C.Queda de Massada, resistência final judaica
79-81 d.C.Reinado de Tito, filho de Vespasiano, sétimo imperador de Roma
81-96 d.C.Reinado de Domiciano, filho de Vespasiano, oitavo imperador de Roma
96-98 d.C.Reinado de Nerva, nono imperador de Roma
98-117 d.C.Reinado de Trajano, décimo imperador de Roma
106 d.C.Crucificação de Simão, sucessor de Tiago, o irmão de Jesus
117-38 d.C.Reinado de Adriano, décimo primeiro imperador de Roma
132-35 d.C.Segunda Revolta Judaica, liderada pelo judeu Messias Bar Kochba
Notas
Introdução
1 Para mais informações sobre esses e outros sites interessantes úteis ao estudo bíblico, consulte http://www.tfba.org.
2 Os alunos em minha companhia naquela tarde eram Kaitlyn Cotanch, Lee Hutchinson, Vicki Powell, Jeff Poplin e Mark Williams.
3 Na Bíblia, a frase "ajuntando os ossos" dos mortos refere-se provavelmente à prática do segundo enterro. A prática judaica é resumida no Mishná, m. Sinédrio 6:6:"Quando a carne está decomposta, eles recolhem os ossos e enterram-nos no seu devido lugar."
4 B. Zissu, S. Gibson, Y.Tabor,"Jerusalém — Ben H in nom Val ley," em HadashotArkheologiyot (Jerusalém: Israel Exploration Society, 2000), vol. 111, pp. 70-72, Figs. 138-39.
5 Hershel Shanks e Ben Witherington III, The Brother of Jesus:The DramaticStory & Meaning of the First Archaeological Link to Jesus & His Family (Nova York: HarperSanFrancisco, 2003).
6 O artigo"Written in Stone'; de David Samuel (New Yorker, 12 de abril de 2004), deixou muitos com a impressão errônea de que o caso estava encerrado.
7 Um arquivo constantemente atualizado de materiais tanto pró como contra a autenticidade da inscrição do ossuário de Tiago pode ser encontrado em http://www.bib-arch.org.
8 Sua carta oficial está em http://bib-arch.org/bswbOOossuary_yardeni.asp.
9 Seu press release oficial está arquivado em: http://www.rom.on.ca/news/releases/public.php?media key=vhggdo3048.
10 Consulte o relatório publicado de Gibson com essa informação, baseado no depoimento por escritode Rafi Lewis, em "A Lost Cause," Biblical Archaeology Review (novembro/dezembro 2004): 55-58.
11 Samuels,"Written in Stone," 51.
12 É interessante como a manchete inicial da AR Caixão de "Jesus" encontrado em Israel, foi em poucas horas suavizada por precaução para Caixões com inscrições de Jesus, Maria e José são provavelmente coincidência. Quando a história levantada pelo repórter veterano do Jerusalem Post, Abraham Rabinovich, apareceu no USA Today, em 3 de abril, lia-se no cabeçalho da Gannett Especialistas dizem que caixão em Israel não é o da família de Jesus. A história murchou como um pneu furado.
13 L.Y.Rahmani, A Catalogue of Jewish Ossuaries in the Collections of the State of Israel (Jerusalém: Israel Antiquities e Israel Academy of Sciences and Humanities, 1994). O ossuário com a inscrição "Jesus, filho de José" está sob o número de catálogo 80.503, no armazém israelense, e é listado como no. 704, na publicação de Rahmani.
14 O ossuário está catalogado como S 767, no armazém, e aparece como no. 9/Chapa 2, em Rachmani. Foi "descoberto" por Eleazar Sukenik, da Hebrew University, o primeiro israelense a identificar os Manuscritos do Mar Morto. Ele o encontrou em uma área de armazenamento de um porão no Museu Arqueológico Palestino (atual Rockefeller) de Jerusalém, em 1926. Infelizmente, ele não possuía contexto arqueológico. Quando Sukenik publicou um relatório sobre o ossuário, em janeiro de 1931, a notícia de que existia tal inscrição, sendo a única jamais encontrada até aqueles dias, criou umenorme alvoroço na imprensa mundial, especialmente na Europa (consulte L H.Vincent, "Épitaphe prétendue de N.S. Jésus-Christ", Atti della pontificia: academia romana di archaeologie: Rendiconti 7 [1929-301: 213-39).
15 Por algum motivo, Baruk parece ter identificado o primeiro incorretamente. Em vez desse, ele mostrou um fragmento inscrito partido que mal chegava a 15cm de diâmetro e não poderia conter as palavras "Jesus, filho de José". Este fragmento inscrito não existe. O verdadeiro ossuário de 1926, com essa inscrição, está completo e intacto e é mostrado claramente no catálogo de Rachmani. Se a equipe tivesse visto esse, teria satisfeito plenamente seus propósitos de filmagem, e duvido que sequer tivesse pedido para olhar o segundo. Então, Baruk exibiu o segundo, descoberto em 1980.
16 O ossuário de Talpiot, com a inscrição Judas, filho de Jesus", está em exibição permanente no Museu de Israel para apreciação do público, como parte de uma exposição que demonstra o uso comum desses diversos nomes judeus em ossuários de funerais da época.
17 London Sunday Times, 31 de março de 1996.
18 Reuters, 2 de abril de 1996.
19 London Sunday Times, 31 de março de 1996. Os comentários de Zias são ainda mais interessantes, levando-se em conta seu ceticismo posterior quanto à autenticidade e importância do chamado "ossuário de Tiago", revelado publicamente em 2002.
20 Neil Silberman, The Hidden Scrolls: Christianity, Judaism, and the War for the Dead Sea Scrolls (Nova York: Putnam, 1994), p. 129.
21 Associated Press, 2 de abril de 1996.
22 Amos Kloner, "A Tomb with lnscribed Ossuaries in the East Talpiot", Atiqot 29 (1996): 15-22. Kloner escreveu, "Os ossos dentro desses ossuários estavam em um estágio avançado de desintegração" (p. 16). Ele nada diz sobre as caveiras humanas que Gibson viu e pôs em seu desenho. Em uma observação final ao seu artigo, ele diz:"Concluída a escavação, os ossos foram enterrados novamente" (p. 22). Note-se que Kloner não publicou seu relatório oficial até 1996, 16 anos após a escavação e mesmo ano em que toda a publicidade estourou. Aparentemente, ele não participou da escavação e escreveu seu relatório com base na informação compilada pelo escavador, o falecido Joseph Gath.
PRIMEIRA PARTE: NO PRINCÍPIO ERA A FAMÍLIA
Capítulo um
1 Os pais de Maria, Joaquim e Ana, não são nomeados no Novo Testamento. Nossa fonte mais antiga é o evangelho do século II d.C., chamado de Proto-evangelho de Tiago. Uma cópia confiável em grego do século III, o papiro de Bodmer, foi descoberta recentemente. Joaquim e Ana tornaram-se figuras populares na tradição católica, e sua história era um dos temas favoritos entre os artistas do Renascimento. Já havia igrejas sendo dedicadas à Sant'Ana desde o século V, e são comuns em todo o mundo até hoje. A tradição de Maria ter nascido em Séforis é bem mais tardia e menos confiável, tendo sido mencionada pela primeira vez pelo "Peregrino de Placência", em 570 d.C. Ele relata que lhe foi mostrada a casa de Maria. Uma igreja foi construída por Cruzados para celebrar o local, mas existem alguns indícios de ruínas bizantinas no solo, inclusive um mosaico do século III. Atualmente, as irmãs de Sant'Ana mantêm um convento e a tradição da família de Maria no local.
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2 Josefo, Jewish War, Livro 1, trad. de H. St. J. Thackeray, Loeb Classical Library (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1927), 386-97 e Jewish Antiquities, Livro 15, trad. de Al len Wikgren, LoebClassical Library (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1943), 194-201. As referências posteriores a Josefo são a partir das edições da Loeb Classical Library, começando pelo número do livro.
3 Josefo,Jewish War 7.300. A destruição das genealogias é contada porJúlio Africano. Consulte Eusébio, Church History, trad. de Kirsopp Lake, Loeb Classical Library (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1984), 1.7.11-13.
4 Consulte Eusébio, Church History3.12,19. Esses textos serão analisados extensivamente nos capítulos seguintes.
5 Alguns referem a morte de Herodes ligeiramente posterior, mas a data mais aceita é a de 4 d.C.
6 Josefo, Jewish Antiquities 17.271-85.
7 O domínio de Varo, na Síria, caracterizou-se pela crueldade e arrogância com a população. Esse Varo é o mesmo responsável pela devastadora derrota infligida aos romanos na Floresta de Teutoburgo, a leste do Reno, em 9 a.C., pelo alemão Armínio, mudando o curso da história. Os romanos perderam três legiões no que se tornou conhecido como o"Desastre de Varo"(Clades Variana).
Varo era casado com a sobrinha-neta do imperador Augusto e tinha boas conexões nos círculos da aristocracia romana. De acordo com o historiador romano Suetônio, quando Augusto ouviu a notícia da derrota, bateu a cabeça contra o batente da porta gritando "Oh, Quintílio Varo! Devolva-me minhaslegiões!:
8 Josefo, Jewish Antiquities 17:285-98, e Jewish War 2.66-75.
9 Josefo, Jewish Antiquities 18.27. A palavra grega utilizada por ele, proschema, poderia ser traduzida nesse contexto como "local de exibições".
10 Em Jerusalém, logo ao sair do Jardim de Getsêmani, no Vale do Cedron, está a Igreja da Tumba da Virgem, chamada às vezes de Igreja da Assunção. A Rainha Helena, mãe do imperador Constantino, construiu-a em 326 d.C. Supostamente, ela contém as tumbas de Maria, José e dos pais de Maria, Joaquim e Ana. Não possuímos comprovação independente das mortes de José e dos pais de Maria em Jerusalém.
11 O verbo grego mnesteuo significa estar legalmente comprometido a se casar. É o mesmo verbo utilizado para Maria em Lucas 1:27 e Mateus 1:18. Na tradução judaica,"noivado" é um tipo de "casamento" prévio, mas sem consumação plena, e a infidelidade sexual é considerada adultério (Sinédrio 57b).
12 O retorno a Nazaré é de acordo com Lucas 1:26. Aparentemente, Mateus não estava a par dessa tradição. Ele diz que o casal acabou por se estabelecer em Nazaré, mas somente após o nascimento de Jesus (Mateus 2:23).
13 Quando Jesus voltou para o lar de Nazaré, como adulto, ele foi convidado a falar na sinagoga, e sua família era conhecida pelo nome (Lucas 4:16; Mateus 13:55).
14 "Nazareth Village," http://www.nazarethvillage.com.
15 Alguns estudiosos católicos romanos sustentaram que as palavras de Mateus — "Ele recebeu sua mulher, e não a conheceu até que deu à luz seu filho"— não implica necessariamente que o casal tenha tido relações sexuais daí em diante.
Eles frisam que a palavra "até" nem sempre indica mudança subseqüente. Por exemplo, porque uma pessoa disse a outra "Fique sóbrio até eu chegar" não significa que ela ficará bêbada depois disso. O argumento parece forçado e a serviço da teologia dogmática, ou seja, a doutrina da Virgindade Perpétua de Maria. A leitura natural tanto da versão grega, como da inglesa, parece clara — o casal iniciou um relacionamento sexual normal após o nascimento de Jesus.
16 Consulte o Talmude Babilônico Sinédrio 57b. O reverenciado teólogo católico Jerônimo, que viveu no século IV d.C., insistia tanto que Maria nunca teria tido relações sexuais que estava disposto a afirmar que ela nunca se casou, sabendo que o casamento no judaísmo exigia a consumaçãosexual. Ele escreveu: "Mas assim como não negamos o que está escrito, também rejeitamos o que não está escrito. Cremos que Deus nasceu da Virgem, porque assim o lemos. Que Maria se casou após a concepção, não cremos, pois não o lemosf (Against Helvidius 21) em The Nicene and Post-Nicene Fathers, vol. 6, ed. W. H. Freemantle, G. Lewis, e W. G. Martley (Grand Rapids: Wm. B. Eerdmans, 1983), 335.
17 Existem estudiosos do Novo Testamento que duvidam da validade histórica até mesmo desse arcabouço básico, especialmente da história do nascimento de Jesus em Belém. Sustentam que a história de Belém foi provavelmente acrescentada para dar crédito a Jesus como Messias descendente de Davi, já que Belém era a cidade de Davi. Existem certos indícios de que a questão do local do nascimento de Jesus, na Galileia ou na Judeia, tornou-se uma questão de controvérsia e discussão dentro de grupos judeus (consulte João 7:40-44).
18 Vou me referir aos quatro evangelhos do Novo Testamento simplesmente por seus nomes tradicionais: Mateus, Marcos, Lucas e João, embora a maioria dos estudiosos sustente que seus verdadeiros autores nos são desconhecidos. Da mesma forma, caso eu escreva que Mateus ou Marcos "dizem" algo, quis dizer o livro, não a pessoa. Uma boa introduçãoescritaa essas questõesencontra-se em Bart Ehrman, The New Testament: A Historical Introduction to the Early Christian Writings (Nova York Oxford University Press, 2004).
19 Essa é uma tradução literal do grego, em vez das palavras imponentes tradicionais"do Espírito Santo", com o artigo definido e as letras maiúsculas. No Novo Testamento, a expressão "espírito santo" é mencionada 28 vezes com o artigo definido, e 44 vezes sem. Embora o sentido seja essencialmente o mesmo, ou seja, uma referência ao"espírito santo" de Deus, a utilização do artigo, como no inglês, acrescenta especificidade ou ênfase à expressão. Dessa forma, esperar-se-ia encontrar na passagem que trata da fonte da gravidez de Maria a utilização do artigo, mas não há artigo (compare com Mateus 12:32, em que se encontra o artigo). A prática de capitalização do "Espírito Santo", seguida na maior parte das traduções da Bíblia, é uma tentativa de base teológica de personificar o Espírito Santo como parte da Trindade.
20 Todas as traduções da Bíblia foram feitas por mim, exceto se indicado de outra forma. Empreguei itálico para enfatizar determinadas partes.
21 A tradução grega da Bíblia hebraica, conhecida como Septuaginta ou LXX, usou a palavra parthenos em Isaías 7:14. Significa 'virgem", porém o sentido evidente do contexto não é o de uma mulher que engravida sem nenhum homem, mas de uma menina virgem que nunca fez sexo ficando grávida. Este bebê singular não nasceria de uma mulher que já teve filhos, mas de uma que era virgem quando ficou grávida. Como Mateus escreveu em grego e está citando Isaías, ele também usa a palavra parthenos. Quando a Versão Revisada do Antigo Testamento foi publicada, em 1952, os tradutores empregaram corretamente o termolovem", em vez do tradicionarvirgem", em Isaías 7:14. A tradução foi denunciada por muitos cristãos fundamentalistas como uma tentativa comunista diabólica de solapar a fé no "nascimento virgem de Cristo".
22 Um dos mais antigos, o"Credo Apostólico", diz o seguinte:"Creio em Deus Pai, todo-poderoso, criador do céu e da terra, e em Jesus Cristo, Seu único Filho, nosso Senhor; que foi concebido pelo poder do Espírito Santo; nasceu da Virgem Maria; padeceu sob Pôncio Pilatos; foi crucificado, morto e sepultado; desceu à mansão dos mortos; ressuscitou ao terceiro dia; subiu aos céus; está sentado à direita de Deus Pai, todo-poderoso, de onde há de vir a julgar os vivos e os mortos. Creio no Espírito Santo, na santa Igreja Católica, na comunhão dos santos, na remissão dos pecados, na ressurreição da carne, na vida eterna. Amém". (A tradução foi tirada do livro Terço da Libertação, de Regis Castro e Máisa Castro, da Raboni Editora Ltda., 26ª. Edição, 1994, embora o original reproduza o texto da tradução inglesa do Book of Common Prayer.)
23 Alguns cristãos primitivos discutiam se Maria permaneceu virgem (virginitas in partu), com o hímen ainda intacto, mesmo tendo concebido um bebê. O Proto-evangelho de Tiago (capítulo 20) é nossa fonte mais antiga desta ideia. O texto conta como uma parteira, ao examinar Maria após o nascimento de Jesus, descobriu que ela permanecera fisicamente intacta através do poder miraculoso de Deus. Esta ideia nunca se tornou dogma oficial, e a opinião da maior parte dos antigos teólogos cristãos era que Maria era"virgem em termos de homem, não virgem em termos de concepção" (Tertul ia no, De carne Christi 23) em The Ante-Nicene Fathers, vol. 3, ed. Alexander Roberts e James Donaldson (Grand Rapids:Wm. B. Eerdmans, 1986), 536.
24 Os ensinamentos católicos romanos falam de quatro dogmas marianos: a Imaculada Conceição, o Nascimento Virgem (no sentido de Concepção), a Virgindade Perpétua e a Assunção corpórea de Maria aos céus. Este último só foi oficializado no século XX, quando foi declarado um dogma infalível pelo Papa Pio XII, em 1950. Consulte Catholic Encyclopedia, 2, ed., s.v. "The Blessed Virgin Mary" e "Feast of the Assumption".
25 Em 1523, Lutero escreveu em seu tratado"That Jesus Christ Was Bom a Jew":"Quando Mateus diz que José não conheceu Maria carnalmente até que ela tivesse tido seu filho, não se depreende que ele a tenha conhecido posteriormente; pelo contrário, significa que ele nunca a conheceu': em Jaroslav Pelikan e Helmut T. Lehmann, eds., Luther's Works, vol. 45 (Filadélfia: Fortress Press, 1955), p. 212. Em sua "Letter to a Roma n Catholic", Wesley escreveu: "Creio que ele nasceu da abençoada Virgem, que, bem como depois que o concebeu, permaneceu uma pura e imaculada virgem:: em A. C. Coulter, John Wesley (Nova York: Oxford University Press, 1964), p. 495.
Capítulo dois
1 Embora alguns estudiosos modernos tenham expressado dúvidas sobre a historicidade tanto da alegação de Jesus de ser um"messias" como de ser descendente de Davi, a tradição é antiga e ampla em todos os nossos documentos, sem que ninguém tenha sequer sugerido o contrário. Os textos mais antigos são Romanos 1:3; Marcos 10:47; Atos 2:30, 13:23, 15:16; 2 Timóteo 2:8; Apocalipse 5:5, 22:16; Didache 10:6; Inácio, Ephesians 18:2.
2 Josefo diz que João Hircano (reinou em 135-104 a.C.), embora não descendesse de Davi, declarou-se rei e sumo-sacerdote da nação — posições reservadas idealmente a dois"messias", um sacerdotal e um descendente de Davi. (Jewish Antiquities 14.14; Jewish War 1.120-23).
3 As referências podem ser localizadas em Gênesis 38, Josué 2, Rute 3, e 2 Samuel 11, respectivamente.
4 Jeconias ou "Conias" é conhecido nas histórias bíblicas como Jeoaquim (consulte 2 Reis 24:8-15; 2 Crônicas 36:9-10). Subiu ao trono com 18 anos e reinou por apenas três meses. Nabucodonosor o levou cativo para a Babilônia. Ele era neto do famoso rei Josias.
5 Judeus e cristãos dessa época tinham muita consciência do problema que a declaração de Jeremias criava para esse determinado ramo da família real. Hipólito, um cristão do século III, chegou a negar que o Jeconias condenado por Jeremias fosse o mesmo registrado na genealogia de Mateus. Os rabinos, percebendo o problema, mas reverenciando essa linhagem real, especularam que Deus, posteriormente, desistiu do castigo porque Jeconias tinha se arrependido de sua perversidade notória durante o exílio — uma opinião não expressada pelos escritores bíblicos (consulte o Talmude Babilônico, Sinédrio 37b). Eusébio de Cesáreia, o historiador da Igreja do século IV, percebendo o sério potencial para objeções às qualificações de Jesus como Messias se ele tivesse vindo dessa ascendência, sugere que a genealogia de Lucas rastreia sua verdadeira linhagem (Quaestiones Evangelicae ad Stephanum 3.2).
6 O verbo grego é nomizo, referindo-se ao que se"pensa" ou mesmo "presume".
7 Existe de fato uma"Mariam, filha de Eli", mencionada de forma depreciativa no Talm ude de Jerusalém (y.Yerushalmi Hagigah 2:2). A tradução do seu nome é controvertida, e muitos estudiosos concordam que essa Maria, que é castigada na Geena sendo pendurada pelos mamilos, não tem qualquer ligação com a mãe de Jesus.
8 Josefo, Life 1.6:"Assim eu estipulei a genealogia de minha família, conforme a encontrei nos registros públicos, e assim dei adeus aos que me caluniavam".
9 Citado em Eusébio, Church History 1.7.13-14. Africano frisa especificamente que os membros do clã de Jesus concentravam-se em Nazaré e na vizinha Cosiba. Existe outra Cosiba, a leste do Rio Jordão, que alguns identificaram com a declaração de Africano, mas parece bem mais provável, já que também menciona Nazaré, que falasse da cidade ao norte de Séforis (Eusébio, Church History 1.7.14).
10 A ortografia do nome da cidade de Nazaré, a partir do hebraico netzer, foi confirmada por uma inscrição em mármore partido encontrada em Cesáreia, em 1962, em hebraico e listando as cidades onde famílias de sacerdotes tinham se estabelecido no século IV d.C. Consulte M. Avi-Yonah,"A List of Priestly Courses from Caesarea", Israel Exploration Journal 12 (1962): 137-39.
11 Os Manuscritos do Mar Morto, descobertos em 1947 em cavernas ao longo do Mar Morto, preservam a biblioteca de uma antiga seita judaica chamada essênios. Eles serão discutidos detalhadamente adiante. Por exemplo, 4Q 174, um fragmento da Caverna 4, cita 2 Samuel 7:14, a promessa feita a Davi, e diz do futuro rei, "Ele é o Ramo de Davi... que chegará no final dos tempos:'
Exceto quando indicado de outra forma, as traduções dos Manuscritos do Mar Morto são tiradas de Geza Vermes, The Complete Dead Sea Scrolls in English (Nova York: Penguin, 1997).
12 Consulte Atos 24:5, onde o termo ocorre pela primeira vez.
13 Consulte os Manuscritos do Mar Morto, Documento de Damasco 7:18-21; War Rule (1 QM) 11:6-7. Essa designação para o Messias baseava-se em uma profecia em Números 24:17 sobre uma "estrela" e um "cetro" su rgindo em Israel. Revelações 22:16 designa Jesus como a "Geração de Davi, a resplandecente Estrela da Manhã", ligando claramente as duas expressões.
14 Esses orgulhosos familiares denominavam-se desposynoi, que significa "pertencentes ao Mestre".
15 Compare Marcos 2:14 com Mateus 9:9. Mateus e Levi são a mesma pessoa.
16 A afirmativa mais clara está na Regra Comunitária (IQS) 9:10-11 dos Manuscritos do Mar Morto:"M as serão governados pelos conceitos primitivos nos quais os homens da Comunidade foram inicialmente instruídos até que venha o Profeta e os Messias de Arão e de Israel." Consulte também o Documento de Damasco B20.
17 Logo em Gênesis 3:15 lemos sobre a "semente" da mulher Eva. Levítico 12:2 fala de uma mulher "semeando", (RSV "concebeu") com o verbo no gênero feminino.
18 Compare Gálatas 4:4, em que Paulo descreve Jesus como "nascido de mulher," com Romanos 1:3, onde afirma que ele é "a semente de Davi" segundo a carne.
Capítulo três
1 O grau em que se poderia aceitar uma interpretação literal é mais bem ilustrado pela alegação do falecido arqueólogo amador Ron Wyatt de ter encontrado o verdadeiro sítio da crucificação, de ter recuperado uma porção do sangue seco de Jesus e de ter demonstrado, por um teste de laboratório, que Jesus não tinha pai. Segundo Wyatt, as células continham apenas 24 cromossomos — 22 cromossomos autossômicos, um X, e um Y — em vez dos 46 normais (http://www.wyattarchaeology.com/ark. htm). Um colega meu antropólogo assinalou que, embora essa ideia seja um absurdo biológico, se ainda quiséssemos imaginá-la possível, o indivíduo seria a criatura mais deformada fisicamente na história do planeta — por possuir apenas metade dos cromossomos normais necessários a um desenvolvimento normal.
2 Para exemplos textuais com observações curtas, consulte meu website acadêmico: http//www. religiousstudies.uncc.edu/jdtabor/divine.html.
3 Os judeus não eram imunes a essas ideias, embora os textos judeus que as relatam invariavelmente afirmem que a criança, embora concebida de forma sobrenatural, ou anunciada por Deus, era fruto do marido. O mais comum era uma mulher que não era capaz de ter filhos ser avisada de que teria e seu marido ter algum tipo de sonho confirmando. Por exemplo, há um texto nos Manuscritos do Mar Morto em que Lameque, o pai de Noé, suspeitava que sua esposa tinha engravidado por intermédio de um anjo, mas foi então convencido por ela de que ele era mesmo o pai (Genesis Apocryphon 3).
4 Plutarco, Life of Alexander, 2-3, Loeb Classical Library, vol. 7, trad. de Bernadette Perrin (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1919, reimpressão de 1999).
5 A tradução é minha. O termo"prostituta"(porne) nesse contexto é difamatório para alguém acusado de imoralidade sexual ou infidelidade.
6 Orígenes, Against Celsus 1.69. Em Celsus on the True Doctrine, trad. de R. Joseph Hoffmann (Oxford: Oxford University Press, 1987). O filósofo cristão Orígenes escreveu uma refutação à obra de Celso intitulada Against Celsus no ano aproximado de 248 d.C. Ao tratar das acusações feitas por Celso, Orígenes cita longos trechos da obra anterior, preservando-os assim para nós.
7 Sikhnin fica a poucos quilômetros de Cosiba, um dos principais centros onde viviam membros da família real. É possível que a tumba de Jacó tenha sido encontrada na Sakhnin moderna, e existe também uma tradição de que ele teria sido martirizado em Nazaré.
8 Existem muitas ortografias do mesmo nome: Pantira, Pandera, Pantiri, Panteri. A história ocorre três vezes na literatura rabínica, mas o relato mais antigo se encontra no Tosefta Palestino, t. Hullin 2.24. As demais versões estão no Talmude Babilônico (b. Avodah Zarah 16b-17a) e o Midrash (Ecclesiastes Rabba 1:8:3).
9 Tosefta Palestino t. Hullin 2.22-23.Também se encontra uma versão no Talmude Babilônico b.Avodah Zarah 27b. Uma história de cura semelhante encontra-se no Talmude de Jerusalém, y. Shabbat 14d.
10 Os textos sobre o"filho de Pantera/Pandera"tornam-se um tanto confusos e deturpados em materiais judeus polêmicos mais recentes. Jesus é confundido com outra figura conhecida como"ben Stada que viveu no século anterior. Orígenes responde a Celso alegando que Jesus tinha um avô chamado "Pantera". O lendário texto medieval conhecido como Toledot Yeshu, do qual existem muitas versões, vira completamente o jogo. Começa com uma história em que Miriam, mãe de Jesus, está noiva de um homem da casa de David chamado Yohanan ou João. Em frente à sua casa morava um belo soldado romano chamado Yosef/José, filho de Pandera, que a seduziu. De forma que José se torna o amante e não o noivo.
11 Epifânio, Panarion (Adv. Haer.) 78.7.5 (PG 42:708D).
12 João de Damasco, On the Orthodox Faith 4.14 (PG 94:1156-57).
13 Adolf Deissmann, "Der Name Panthera", Orientalische Studien Theodor Nõldeke gewidmet (Giessen, Alemanha: A.Tópelmann, 1906), pp. 871-75.
14 O texto em latim diz:"Tib. lul. Abdes. Pantera. Sidonia. ann. LXII stipen. )00«. miles. exs. coh I. sagitarriorum. h.s.e."(Corpus Inscriptionum Latinarum XIII 7514).
15 Até pouco tempo, Bad Kreuznach era o quartel-general da 1, Divisão Blindada do Exército dos Estados Unidos. Essa importante base foi fechada em dezembro de 2001.
16 A ligeira diferença de ortografia é insignificante e comum em nomes gregos adotados por semitas. Sobre essa descoberta, consulte o Corpus Inscriptionum Judaicarum 1211.
17 Cornélio é um ótimo exemplo. Consulte Atos 10:1-2, em que ele é descrito como "devoto e temente a Deus, com toda sua família, o qual fazia caridade ao povo e orava continuamente a Deus".
Capítulo quatro
1 Epifânio, Panarion 78.8-9, e compare o Evangelho de Felipe 59:6-11 com o Proto-evangelho de Tiago 19-20.
2 Consulte suas instruções em 1 Coríntios 7.
3 A ideia da virgindade perpétua de Maria foi afirmada no 2º. Concílio de Constantinopla, em 553 d.C., e no Concílio de Latrão, em 649. Embora seja uma parte do dogma católico solidamente estabelecida, nunca foi, no entanto, objeto de uma declaração de infalibilidade pela Igreja Católica Romana.
4 Essa é a chamada visão elvídica, em homenagem a Elvídio, um escritor cristão do século IV, que Jerônimo procura refutar. Eusébio, o historiador da igreja do século IV, cita regularmente fontes antigas e refere-se a irmãos de Jesus "segundo a carne", certamente concebendo-os como filhos de Maria e José. Consulte Eusébio, Church History 2.23; 3.19.
5 Essa é a chamada visão jerônimiana, em homenagem a Jerônimo (Eusébio Jerônimo, não confundir com Eusébio de Cesareia), o teólogo cristão do século V que a advogava.
6 Essa é a chamada visão epifânica, em homenagem a Epifânio. Há ocorrências desde o século II, no Proto-evangelho de Tiago.
7 Lucas tem uma história posterior com José, quando Jesus tinha 12 anos e ficou para trás após uma festa de Páscoa no templo. Esse relato menciona seu pai e sua mãe, mas a maior parte dos historiadores questiona sua validade histórica. Parece ter sido modelada à imagem de histórias típicas da época sobre uma criança precoce que impressiona os sábios de sua sociedade. (Consulte Lucas 2:41-51; compare com Josefo, Life 7-8.)
8 O termo Levirato provém do latim levir ("irmão do marido"). As autoridades judaicas discordam quanto a se a Torá dispunha sobre um irmão falecido que não teve filhos ou alguém que especificamente não teve um herdeiro do sexo masculino (Jewish Encyclopedia, s.v. "Levirate Marriage"). A aplicação prática dessa lei no Judaísmo, em diversos pontos da história, é longa e complexa (Encyclopaedia Judaica, s.v."Levirate Marriage and Halizah").
9 Isso é do escritor do século II Hegésipo, que preserva para nós algumas das mais valiosas tradições primitivas sobre a família de Jesus (Eusébio, Church History 3.11).
10 Consulte Marcos 3:18 e 15:40.
11 Um Cléopas é mencionado em Lucas 24:18, mas ele não parece ser a mesma pessoa, e os nomes em grego são diferentes.
SEGUNDA PARTE: CRESCENDO COMO JUDEU NA GALILEIA
Capítulo cinco
1 Estipular as datas básicas ligadas a uma cronologia de nascimento, vida e morte de Jesus édifícil, e os historiadores continuam a debater diversos esquemas. Consulte a Cronologia na página 331. Um grande avanço moderno tem sido o emprego de programas de computador para reconstruir instantaneamente qualquer data na história com base em calendários antigos e dados astronômicos.
Utilizei, extensivamente, um programa do gênero, de modo especial para recontar a cronologia, dia a dia, da última semana de vida de Jesus. Coloquei o nascimento de Jesus no outono de 5 a.C., e sua morte aos 33 anos em abril de 30, d.C. Acompanhando o evangelho de João, presumo uma carreira de pregação de três anos e meio para Jesus, desde seu batismo por João no outono de 26 d.C., quando ele tinha "cerca de trinta anos", até sua morte, aos 33 anos, em abril de 30 d.C. Existem dificuldades e objeções com a maioria dos esquemas que foram propostos, mas creio que esse é o mais convincente. Para um tratamento detalhado das diversas propostas, consulte Jack Finegan, Handbook of Biblical Chronology, ed. Ver. (Peabody, Mass.: Hendrickson, 1998), e para minha própria proposta, em geral, consulte John A.T. Robinson, The Priority of John (London: SCM Press, 1985), 123- 57, em "Chronology of the Ministry."
2 Orígenes, Against Celsus 1.69.
3 Consulte: http://www.salagram.net/JesusLivedlnlndia.html e Maury Lee, Jesus of India (Filadélfia: Xlibris, 2000). Consulte também Paul Perry, Jesus in India: Discovering the Secrets of Jesus' Childhood Years (Nova York: Ballantine Books, 2003).
4 Consulte http://www.whyprophets.com/prophets/arimthea.htm e E. Raymond Capt, Traditions of Glastonbury (Thousand Oaks, Ca lif.:Artisa n, 1983). Os famosos versos de William Blake talvez se refiram a essa lenda popular:
And did those feet in ancient time
Walk upon England's mountains green?
And was the Holy Lamb of God
On England's pleasant pastures seen?
[E andaram esses pés em tempos idos
Sobre o verde das montanhas inglesas?
E foi visto o Santo Cordeiro de Deus
Pelos pastos ingleses de grande beleza?]
"Jerusalém", 1804
5 Proto-evangelho de Tiago 9:3.
6 É difícil traduzir antigos valores monetários em equivalentes modernos, devido às diferenças entre as economias e os preços modernos e antigos. Quatro sestércios romanos equivaliam a um denário romano ou dracma grega. Isso era um quarto de shekel judeu. O estipêndio por um escravo liberto era de 1.000 sestércios por ano. Um soldado romano comum ganhava aproximadamente o mesmo, mas as despesas de subsistência também eram pagas pelo serviço prestado ao exército. Para ser membro do Senado romano era necessário ter capital mínimo de 1.000.000 de sestércios. Esse também era o salário anual de um governador romano de uma província importante. Consulte Richard Duncan-Jones, The Economy of the Roman Empire: Quantitative Studies, 2, ed. (Cambridge, Inglaterra: Cambridge University Press, 1982).
7 Vita Sophocles 1.
Capítulo seis
1 Josefo, Jewish War 1.148-53; Antiquities 14.66.
2 Josefo, Jewish War 1.659-63; Antiquities 17.174, 179.
3 Josefo, Jewish War 1.656.
4 Josefo, Jewish War 1.649-50.
5 Josefo, Jewish War 2.55-65; Antiquities 17.271-85.
6 Josefo, Antiquities 20.102.
7 Josefo, Antiquities 17.319.
8 Consulte João 6:1; 21:1.
Capítulo sete
1 Josefo, Jewish War 6.423-26.
2 O Mishná é a compilação mais antiga de discussão judaica das leis da Torá agrupadas pelo Rabino Judá, o Príncipe, em aproximadamente 200 d.C., em Séforis. Até serem escritas, as tradições e ditos circulavam oralmente. Embora escrito no século III d.C., parte do material remonta aos tempos de Jesus.
3 Isso foi ordenado em Números 15:37-40. Compare com Mateus 23:5.
4 Essas complexas questões são examinadas extensivamente na obra primorosa de Louis H. Feldman, Jew and Gentile in the Ancient World (Princeton: Princeton University Press, 1993).
5 Sua principal descrição está em Jewish War 2.119-66; ele faz uma recapitulação em sua obra posterior Antiquities 18.11-25.
6 Consulte Atos 15:5; 21:20.
TERCEIRA PARTE: UM GRANDE DESPERTAR E O ANÚNCIO DE UMA TEMPESTADE
Capítulo oito
1 Conforme já explicado na minha reconstituição dos acontecimentos, estou empregando uma cronologia que data o nascimento de Jesus do outono de 5 a.C, e sua morte, aos 33 anos, em abril, 30 d.C. Acompanhando o evangelho de João, aceito uma carreira de pregação de três anos e meio para Jesus, desde seu batismo por João, no outono de 26 d.C., quando ele tinha "cerca de trinta anos", até sua morte aos 33 anos, em abril de 30 d.C. A posição precisa dos acontecimentos relatados, tanto nos evangelhos Sinóticos, quanto no de João, dentro dessa faixa de três anos e meio, traduz minha melhor suposição baseada em vários marcos cronológicos, tais como a idade de Jesus quando foi batizado, a prisão de João, os festivais judaicos que João assinala e outros indicadores. Segundo Lucas 1:36, João nasceu seis meses antes de Jesus. Pouco antes da gravidez de Isabel, o pai de João, Zacarias, servia como sacerdote em Jerusalém. Os sacerdotes viviam em todo o país, mas eram divididos em 24 divisões ou ordens, conforme suas famílias ancestrais. Cada divisão servia por uma semana, duas vezes ao ano, em um ciclo de serviço rotativo que se iniciava a cada primavera. Zacarias pertencia à "ordem de Abias", a oitava divisão, o que colocaria sua semana de trabalho em meados de maio do ano de 6 a.C. (Lucas 1:5). Se Isabel engravidou em junho desse ano, então João teria nascido no final de fevereiro ou início de março de 5 a.C. Então, Maria teria engravidado seis meses depois, provavelmente em dezembro do ano 6 a.C., e Jesus teria nascido no final de agosto ou início de setembro de 5 a.C.
2 Atos 9:2; 19:9, 23; 22:4; 24:14, 22; Tiago 5:20; 2 Pedro 2:15.
3 Josefo, Antiquities 18.116-19.
4 Manuscritos do Mar Morto, Regra Comunitária (1 QS) 8.13-14 e 9.19-20.
5 João 3:23-24.
6 F. C. Burkitt publicou uma tradução para o inglês desse antigo texto siríaco de Mateus em 1904, que está esgotada, mas é de domínio público e está disponível na Web (http://www.trends.ca/–yuku/ bbl/aramat1.htm).
7 Consulte Shimon Gibson, The Cave of John the Baptist (Nova York: Doubleday, 2004).
8 Shimon Gibson e James D. Tabor, "John the Baptist's Cave: The Case in Favor," Biblical Archaeology Review (maio/junho de 2005): 36-41, 58. Existe uma palestra disponível em um DVD intitulado "Just Dug Up", de James D. Tabor, "The 'John the Baptist Cave' at Suba: What Are the Facts?" pela Biblical Archaeology Society (www.bib-arch.org)
9 O Evangelho dos Ebionitas, conforme citado por Epifânio, escritor cristão do século IV. A palavra grega para "lagostas" (akris) é muito semelhante à palavra grega para "bolos de mel" (egkris), usada para o "maná': que os israelitas comiam no deserto, na época de Moisés (Êxodo 16:31).
10 Compare Mateus 11:18-19 com Lucas 7:33-34. Consulte também Romanos 14:1-4, 21, em que Paulo caracteriza quem segue tal dieta ascética como "fraco na fé".
11 Existe uma versão das Antiquities de Josefo, em russo antigo (eslavo), que descreve João Batista como sobrevivendo de "raízes e frutos de árvore" e insiste em que ele nunca come pão, nem mesmo na Páscoa dos hebreus.
12 A hipótese Q freqüentemente chamada de hipótese das "duas fontes" (sendo Marcos e Q as duas fontes), foi exposta pela primeira vez em 1838, por C. H. Weisse.
13 Para uma reconstrução de Q consulte www.religiousstudies.uncc.edu/jdtabor/Qluke.html.
14 George Howard, Hebrew Gospel of Matthew (Macon, Ga.: Mercer University Press, 1995). O texto de Mateus em hebraico está incluído em um tratado judeu do século XIV intitulado Even Bohan, escrito por Shem-Tob Ibn Shaprut de Aragão. Howard demonstrou persuasivamente que essa versão de Mateus, conservada em círculos rabínicos judeus, não é uma tradução do Mateus em grego presente em nossos Novos Testamentos. Preserva uma leitura independente e, eu acrescentaria, mais autêntica, em uma série de pontos cruciais.
Capítulo nove
1 Consulte John A.T. Robinson, The Priority of John (Londres: SCM Press, 1985)-
2 Josefo, Jewish War 6.312.
3 Manuscritos do Mar Morto, 11 QMelch (11 Q 13).
4 Testamento dos Doze Patriarcas, Testament of Simon 7.2.
5 Testamento dos Doze Patriarcas, Testament of Judah 21:1-2.
6 Jubileus 31.
7 Consulte Martin Abegg Jr., Peter Flint, e Eugene Ulrich, The Dead Sea Scrolls Bible (Nova York: HarperSanFrancisco, 1999), p. 477.
8 Manuscritos do Mar Morto, Testament of Levi ( 4Q 541).
9 Quando Jesus julga necessário recuar à Galileia, faltam "quatro meses até que venha a colheita". Isso seria por volta de fevereiro de 28 a.C., já que a colheita começaria em junho, com o festival de Pentecostes ou Shavuot.
Capítulo dez
1 Josefo, Jewish War 2.170-77.
2 Psalms of Solomon 17, em R. H. Charles, ed., The Apocrypha and Pseudepigrapha of the Old Testament, vol. 2 (Oxford: Clarendon Press, 1913), pp. 647-48.
3 Daniel 7.
4 Elaborei mais essa ideia em um artigo publicado, atualmente disponível na Web: httpí/www. religiousstudies.0 ncc.ed u/jdtabor/RUthet.html.
5 Isaías 48:15-16.
6 Consulte a impressionante documentação em Michael Wise, The First Messiah:Investigating the Savior Before Christ (Nova York: Ha rperSa nFra ncisco, 1999).
7 Consulte Lucas 13:16 and 8:2.
8 Manuscritos do Mar Morto, Regra Comunitária (1 Q5) 8.1.
9 Josefo,Antiquities, 11.131-33.
10 Possivelmente o Natanael de João 1:45.
11 Também chamado de Levi em Marcos 2:14.
12 Ele também era conhecido pelo apelido "Tadeu" ou "Lebeu", que significava "de grande coração".
13 Há quatro listas dos Doze no Novo Testamento: Marcos 3:16-19; Mateus 10:2-4; Lucas 6:14-16; e Atos 1:13, 26.
14 Em Marcos 3:31-35, quando ouve que sua mãe e irmãos estão fora da casa de Pedro em Cafarnaum, e não podem entrar por causa da multidão, Jesus diz, "Quem é minha mãe e meus irmãos? —qualquer que fizer a vontade de Deus". O que ele diz não implica rejeição de sua família de sangue, mas sim a inclusão de todos os outros que seguem a vontade de Deus. O incidente acontece em Cafamaum. Eles moram na casa com ele como parte do seu círculo íntimo. Ao dizer às multidões que impediam a entrada de sua própria família na casa, que elas também eram parte da família, ele não está desonrando Maria ou seus irmãos. A outra passagem, citada de forma semelhante, é Marcos 3:21, quando seus "parentes" tentam afastá-lo da multidão, muito provavelmente para protegê-lo.
15 A expressão em hebraico ocorre muitas vezes na Bíblia, em que se refere simplesmente a um ser "mortal" ou "humano" (por exemplo, Jeremias 49:18; Ezequiel 2:1).
QUARTA PARTE: ENTRANDO NA COVA DO LEÃO
Capítulo onze
1 Manuscritos do Mar Morto, 4Q 521.
2 Josefo,Antiquities 18.119.
3 http://www.jewishvi rtua I I ibrary.org/jsource/Archaeology/boat.htm I.
4 Manuscritos do Mar Morto, Documento de Damasco (CD) col. 19. Essa cópia "B" foi encontrada no Egito, em 1897, entre alguns antigos manuscritos descartados. Agora foi vinculada aos Manuscritos do Mar Morto encontrados em Qumrã, com cópias do mesmo texto encontradas na Caverna 4.
5 A palavra hebraica Sheol refere-se à cova ou reino os mortos. É semelhante ao termo grego Hades. Metaforicamente, era imaginada com portões ou grades.
6 Salmos 118:10,17-18, 22.
7 Manuscritos do Mar Morto, Hinos de Ação de Graças 2.21-24.
8 Baseio essa estimativa imprecisa no círculo íntimo do grupo dos Doze e associados, provavelmente cerca de vinte, e outros setenta ou mais que também se tinham tornado seus representantes oficiais. Lucas confirma esse número por alto, ao afirmar que os seguidores de Jesus que se reuniram em Jerusalém depois de sua morte eram cerca de 120 (Atos 1:15).
9 Consulte Ezequiel 4:5-6.
Capítulo doze
1 Marcos conhece uma tradição sobre Jesus ter ido"além do Jordão", mas aparentemente não sabe mais detalhes, e a menciona de passagem, como parte de sua narrativa de Jesus "andando em direção a Jerusalém" (Marcos 10:1, 32).
2 João 10:22. Empregando um programa de computador astronômico, podemos determinar qualquer data na história escrita, com taxa de precisão de segundos, utilizando qualquer número de antigos sistemas de calendário — egípcio, judaico, olímpico, romano e outros. No ano 29 d.C., o festival de Hanucá começou no pôr-do-sol, em 16 de dezembro, um domingo, e continuou por oito dias.
3 As datas precisas, tanto no calendário judaico quanto no gregoriano, foram obtidas por cálculos no computador.
4 Mishná, Bekhoroth 8.7.
5 Mishná, Shekalim 1.3.
6 Josefo, Jewish War 6.423-27.
7 A teoria de que essa área era um "bairro essênio"de Jerusalém parece improvável. Existe uma "Porta dos Essênios", mencionada por Josefo, na face sul dessa montanha, a oeste, mas o nome não indica que essênios entravam na cidade nesse local. Essa opulenta área, próxima ao palácio de Herodes, seria o último lugar a desejarem ir. Os antigos nomes das portas deJerusalém sempre indicam o que está fora, não dentro. Por exemplo, a "Porta de Damasco"é a porta pela qual se sai para ir a Damasco, a "Porta de Jafa", da mesma forma, leva a Jafa. Assim, a" Porta dos Essênios indicaria que grupos de essênios estariam acampados fora dessa área, na ponta oeste do Vale do Hinom.
8 Consulte John A. T. Robinson, The Priority of John (Londres: SCM Press, 1985): pp. 147-56.
9 Manuscritos do Mar Morto, Hinos de Ação de Graças 9.23-24.
10 Manuscritos do Mar Morto, The Messianic Rule (1 Q Sa) 2.11-25.
11 The Demotic Magicai Papyrus of London and Leiden 15.1-6, em The GreekMagical Papyri in Translation, Including the Demotic Spells, ed. Hans Dieter Betz (Chicago: University of Chicago Press, 1968).
12 Papyri graecae magicae 7.643ff.
13 Didache é pronunciado como did-a-quei.
14 Didache 9:1-3, em Bart Ehrman, trad., TheApostolic Fathers, Loeb Classical Library 24, vol. 1 (Cam bridge, Mass.: Harva rd University Press, 2003), p. 431.
15 Citado por Jerôn imo, On Famous Men 2.
Capítulo treze
1 O termo utilizado em grego (speiran) refere-se em geral a uma coorte que, integralmente, tinha 600 homens. A palavra poderia ser empregada para um "destacamento" menor, mas de qualquer modo ficaria, pelo menos, em 200.
2 Josefo, Antiquities 20.199. Isso é confirmado ainda em Atos 5:17.
3 Talmude Babilônico, Pesahim 57a; Tosefta Menahot 13:21.
4 Essa magnífica descoberta faz parte do Wohl Archaeological Museum. É descrita com muitos diagramas e fotos no livro de N. Avigad, The Herodian Quarter in Jerusalem (Jerusalém: Keter, 1989).
5 Os peregrinos cristãos veneram tradicionalmente dois sítios como o lugar da "casa de Caifás". O mais popular é a igreja católica romana de São Pedro em Gallicantu (São Pedro no Canto do Galo) na face leste do Monte Sião. Os armênios possuem um local alternativo no topo do Monte Sião, próximo à Abadia da Dormicion.
6 Filo, Embassy to Gaius 37.301-03, em Philo, vol. 10, trad. de F. H. Colson, Loeb Classical Library (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 1962).
7 Josefo, Jewish War 7.203.
8 Deuteronômio 21:22-23.
Capítulo quatorze
1 A afirmação de Mateus, de que José de Arimateia depositou Jesus em "sua tumba nova, que havia aberto em rocha", é um acréscimo editorial aparentemente sem qualquer base histórica. Sabemos que a única fonte de Mateus sobre a morte e o sepultamento de Jesus foi o evangelho de Marcos. Como Marcos nada diz sobre José ser dono da tumba, e Lucas, que também usa Marcos como fonte, não possui essa alegação, fica claro que Mateus acrescentou essa ligação, provavelmente por razões teológicas. Décadas após a morte de Jesus, quando Mateus escreveu seu evangelho, os cristãos estavam dispostos a provar que Jesus era a figura do "servo sofredor"de Isaías 53. Uma das coisas que diz Isaías sobre essa figura é que"puseram sua sepultura com os ímpios e com o rico na sua morte" (Isaías 53:9). Aparentemente, Mateus embarcou na ideia de um "homem rico" e queria atribuí-la a José de Arimateia, como forma de demonstrar que Jesus cumpria a profecia. Mateus tinha como característica editar suas fontes, na tentativa de inserir cumprimentos de profecias na vida de Jesus. Ele o faz dezenas de vezes. Mateus parece estar tão sequioso para extrair essa citação de Isaías 53:9, que parece ignorar o fato de que esse texto, caso aplicado a José de Arimateia, iria caracterizá-lo não só como "rico", como também "ímpio".
2 Josefo menciona freqüentemente essa tumba, logo ao norte da antiga muralha da cidade, como uma atração turística (Jewish War 5.259, 304, 356; 6.169). Adriano construiu, posteriormente, um templo dedicado a Vênus, no local.
3 Isso se baseava, originalmente, em Josué 3:4-6, que avisava às pessoas para ficar a pelo menos dois mil cúbitos da Arca da Aliança, para não desrespeitar sua santidade. Nos dias em que havia Templo permanente, a mesma distância básica aplicava-se à área do Templo.
4 As fontes rabínicas interpretam unanimemente essa expressão da Torá,"fora do campo", como uma referência técnica a uma distância de pelo menos dois mil cúbitos a leste do Templo (consulte o Talmude Babilônico, Yoma 68a; Mishná, Sinédrio 6:1).
5 Tosefta, Baba Bathra 1:2 diz que, à volta de Jerusalém, somente as tumbas de Davi e de alguns dos antigos foram deixadas, por respeito, porém os ossos de outros foram transportados e sepultados novamente fora da área santa. Algumas das tumbas mais espetaculares do século I, como as da rainha Helena e do sumo sacerdote Anás, localizam-se muito além desse perímetro. As "tumbas do Sinédrio" do século I também ficam a mais de um quilômetro a norte da cidade.
6 O Peregrino de Bordeaux, que visitou a Terra Santa em 333 d.C., escreveu sobre o monticulus ou "montículo" feito de pedras no alto do Monte das Oliveiras (Bordeaux Pilgrim 595.4-596.1). Consulte www.christusrex.org para um itinerário desse remoto visitante da Terra Santa.
7 No século XX, essa teoria recrudesceu em diversos livros populares, incluindo Michael Baigent, Richa rd Leigh, e Henry Lincoln, Holy Blood, HolyGrail (Nova York: Dell, 1982).
8 Hugh Schonfield, The Passover Plot (Nova York: Bernard Geis, 1965).
9 O Movimento Islâmico Ahmadiyya foi quem promoveu essa teoria mais recentemente. Seu fundador, Ghulam Ahmad, que faleceu em 1908, escreveu o livro Jesus in India, agora disponível em inglês (Islam International Publications, 1989). Há um website: (http•?/www.geocities.com/Athens/Delphi/1340/ jesus_in_india.htm) que oferece um sumário dessa concepção.
10 A ideia popularizou-se, inicialmente, por intermédio de Baigent, et ai., em Holy Blood, HolyGrail, mas recebeu nova atenção mundial como assunto do romance best-seller de Dan Brown, The Da Vinci Code (Nova York: Doubleday, 2003), traduzido em português como O Código Da Vinci, pela Sextante.
11 Donovan Joyce, The Jesus Scroll (Nova York: Dial Press, 1972).
12 Esse final acrescentado não aparece em nossos dois manuscritos mais antigos, Sinaiticus e Vaticanus, datados do início do século IV d.C. Também não consta de cerca de cem manuscritos armênios, da versão em latim antigo, nem do Sináitico siríaco. Até mesmo as cópias de Marcos, contendo o final, costumam incluir notas do tradutor, explicando que ele não estava presente nos manuscritos mais antigos.
13 A versão do Rei Tiago, traduzida em 1611, antes que alguns dos manuscritos mais antigos viessem à tona, incluía o trecho final, e foi assim que se tornou tão conhecida e admirada no mundo anglófono. A tradução moderna mais popular hoje em dia, a Nova Versão Internacional, inclui o trecho final, porém com uma linha divisória após Marcos 16:8 e uma observação ao leitor:"Os manuscritos primitivos mais confiáveis e outras testemunhas antigas não possuem Marcos 169-20". Essa prática é imitada pela maioria das outras traduções. O trecho final é impresso, mas com uma nota indicando que pode não ser legítimo.
14 Tertulia no, De Spectaculis 30.
15 Book of the Resurrection of Christ by Bartholomew the Apostle 1.6-7.
16 Todos esses locais são avaliados e debatidos em Jack Finegan, The Archaeology of the New Testament The Life of Jesus and the Beginning of the Early Church, rev. ed. (Princeton: Princeton University Press, 1992), pp. 335-89.
17 Alguns estudiosos identificam esses símbolos como cristãos, enquanto outros negam-lhes qualquer significado religioso. Consulte o debate em Finegan, Archaeology of the New Testament, pp. 359-75.
QUINTA PARTE: ESPERANDO O FILHO DO HOMEM
Capítulo quinze
1 Aceito aqui a chamada teoria "Gálata do Sul", que data a carta de Paulo aos Gálatas de aproximadamente 50 d.C. Sua experiência de conversão teria sido, dessa forma, por volta do ano 36 d.C. (os "14 anos" mencionados anteriormente em Gálatas 2:1), que bate com os indícios que temos dos Ascents of James, que data a conversão de Paulo cerca de sete anos após a crucificação de Jesus.
2 Manuscritos do Mar Morto, Regra Comunitária Col. 8.
3 Consulte Atos 3:1-11; 4:13-19; 8:14.
4 O livro dos Jubileus 7:20-33, do século II a.C., enumera uma série de requisitos éticos para não judeus, muito semelhante à de Tiago. Os rabinos resumem posteriormente o que chamam de"Leis de Noé", sob sete títulos, proibindo a idolatria, a imoralidade sexual, a ingestão de sangue, a injustiça, o roubo, o homicídio e a blasfêmia (Tosefta, Avoda Zara 8.4).
5 Consulte a obra inovadora e inspirada de April D. DeConick em Thomasine Traditions in Antiquity: The Social and Cultural World of the Gospel ofThomas, editada por April D. DeConick, Jon Asgeirsson, e Risto Uro, Nag Hammadi e Manichaean Studies Series (Leiden: E. J. Brill, 2005); Recovering the Original Gospel of Thomas: A History of the Gospel and lts Growth, Suplementos ao Joumal of the Study of the New Testament 286 (Londres: T. &T. Clark, 2005); e The Original Gospel of Thomas in Translation: A Commentary and New English Translation of the Complete Gospel, Suplementos ao Joumal of the Study of the New Testament (Londres:T. &T. Clark, 2006).
6 Essa ideia é encontrada freqüentemente em antigas fontes hebraicas (por exemplo, 2 Baruque 15:7).
7 Citado em Eusébio, Church History 2.1.3.
8 Citado em Eusébio, Church History 2.1.4.
9 Eusébio, Church History 2.1.2.
10. Eusébio, Church History 2.23.4.
11 "Diadexomai", em A Greek-English Lexicon of the New Testament and Other Early Christian Literature, 3, edição-BDAG, ed. por Frederick W. Danker (Chicago: University of Chicago Press, 1979), p. 227.
12 Robert E. Va n Voorst, The Ascents of James: History and Theology of a Jewish-Christian Community, SBL Dissertation Series 112 (Atlanta: Scholars Press, 1989). Van Voorst isolou esta fonte de Recognitions 133-71 e demonstrou sua antigüidade.
13 Recognitions em sírio, 1.43.3.
Capítulo dezesseis
1 O termo grego neaneas ou "jovem", usado em Atos 7:58 para descrever Paulo, por volta do ano 35 d.C., costuma se referir a alguém com, no máximo, quarenta anos.
2 Jerônimo, De Virus Illustribus (PL 23, 646).
3 1 Coríntios 9:1; 15:8.
4 2 Coríntios 12:9; 1 Tessalonicenses 4:15; 1 Coríntios 11:23.
5 Gálatas 1:16.
6 Colossenses 1:15.
7 Colossenses 1:16.
8 Filipenses 2:7-8; Gálatas 4:4.
9 Romanos 4:24-25; Romanos 8:31-34; Filipenses 3:20-21.
10 Romanos 3:23-25.
11 1 Coríntios 11:23-30. Paulo diz ter recebido essa cerimônia "do Senhor".
12 1 Coríntios 15:51-54; 1 Tessalonicenses 4:13-18.
13 1 Coríntios 6:2-3.
14 Há uma vasta coleção desses textos, alguns dos quais imitam Paulo, que os estudiosos chamam, de maneira geral, Pseudo-epígrafes (consulte James H. Charlesworth, The Old Testament Pseudepigrapha, 2 vols. [Nova York: Doubleday, 1983-85]). Os escritos de Filo, o filósofo judeu do século I, têm mais em comum com Platão do que com o domínio mental da Bíblia hebraica, embora Filo alegue estar explanando fielmente o "Judaísmo': Os Manuscritos do Mar Morto refletem um interesse extraordinário no mundo celestial.
15 Romanos 16:25.
16 Ele faz menção a ditos de Jesus somente duas vezes em todas as suas cartas (1 Coríntios 7:10-11, 9:14).
17 Gálatas 3:19-20.
18 Gálatas 4:8-11; compare com Colossenses 2:16-23.
19 Gálatas 4:24-31.
20 Gálatas 3:28; 2 Coríntios 5:17.
21 Eusébio, Church History 2.25.5.
Capítulo dezessete
1 Consulte Bruce Metzger, The Text of the New Testament (Oxford: Clarendon Press, 1987), pp. 191201.
2 Eusébio, Church History 2.23.24-25.
3 Consulte Peter H. Davids,"PalestinianTraditions in the Epistle ofJames", em James theJust and Christian Origins, ed. Bruce Chílton e Craig A. Evans (Leiden: E. J. Brill, 1999), pp. 33-57.
4 Para uma cópia restaurada da fonte Q consulte http://www.religiousstudies.uncc.edu/jdtabor/Qluke. html.
5 Consulte Alan Wikgren,"Luther And'New Testament Apocrypha:"em ATributetoArthurViiiibus:Studies in Early Christian Literature, ed. R. H. Fisher (Chicago: University of Chicago Press, 1977), 379-90.
6 Consulte David Capes, Old Testament Yahweh Texts in Pau!'s Christology, Wissenschaftliche Untersuchungen zum Neuen Testament 2, 47 (Tübingen: J. C. B.Mohr/Paul Siebeck, 1992).
7 Diversas traduções para o inglês são de domínio público e estão disponíveis na Web em http://www.
earlychristianwritings.com/didache.html. Usei aqui a nova tradução de Bart Ehrman, The Apostolic
Fathers, Loeb Classical Library 24, vol. 1 (Cambridge, Mass.: Harvard University Press, 2003), pp. 417-
43. A edição da Loeb possui um texto crítico grego lado a lado com a tradução inglesa.
Capítulo dezoito
1 Josefo, Antiquities 20.200-1. O acréscimo entre parênteses, "chamado de Cristo", é uma provável interpolação cristã mais recente.
2 Eusébio, Church History 2.23.20.
3 Orígenes escreveu:"Ora, esse escritor [Josefo], embora não tendo acreditado em Jesus como o Cristo, ao investigar a causa da queda de Jerusalém e da destruição do Templo— diz que esses desastres aconteceram aos judeus como castigo pela morte de Tiago, o Justo, que era um irmão de Jesus chamado de Cristo, tendo os judeus o condenado à morte, embora ele fosse um homem que se distinguisse por sua justiça" (Against Celsus 1.47). É improvável que Orígenes tivesse criado essa passagem ao discutir com seu educado e espirituoso crítico Celso. É mais provável que o relato de Josefo tenha sido retirado, em algum momento, dos manuscritos mais recentes de Josefo que sobreviveram.
4 Eusébio, Church History 2.23.
5 Epifânio, Panarion 29.4.1-4.
6 Eusébio, Church History 3.11.1.
7 Eusébio, Church History 2.25.5.
8 Eusébio, Church History 4.5.3-4; Epifânio, Panarion 66.21-22.
9 A primeira proposta dessa interpretação foi de Richard Bauckham em seu estudo brilhante e inovador Jude and the Relatives of Jesus in the Early Church (Edimburgo: T. &T. Clark, 1990), pp. 71-78.
10 Eusébio, Church History 3.31.2-3 dá as fontes.
11 Tácito, Annales 15.4.
12 Louis Feldman, "Financing the Colosseum,"Biblical Archaeology Review 27 (julho/agosto 2001).
13 Josefo, Jewish War 6.312-13.
14 Eusébio, Church History 3.5.3; Epifânio, Panarion 29.7; 30.2.
15 Isso obedece a um antigo sistema judeu chamado Gematria, em que as palavras recebem números codificados com base no valor numérico de suas letras. Em hebraico e grego, cada letra do alfabeto tem um número (Alef/Alfa=1; Bet/Beta=2; Gimel/Ga ma=3 etc.), daí qualquer palavra é representada pelo seu total. Em hebraico, Nero César se escreve NRONQSR (Neron Qasar) e as letras têm os seguintes valores: N=50; R=200; 0=6; N=50; Q=100; S=60; R=200. O total é 666, o"número do nome" da "Besta" que representa Roma (Apocalipse 13:18).
16 Consulte minha discussão sobre as provas na Web em www.religiousstudies.uncc.edu/JDTABOR/masada.html.
17 Eusébio, Church History 3.12.1.
18 Eusébio, Church History 3.19-20.
19 Consulte Eusébio, Church History 3.20.6.
20 Consulte Eusébio, Church History 1.7.14.
21 Consulte Eusébio, Church History 3.32.3-7.
22 O nome completo em latim era Colonia Aelia Capitolina. Aelia veio do nome de Adriano, Aélio.
23 Eusébio, Church History 3.27.
24 Consulte Hans-Joachim Schoeps, Jewish Christianity, trad. de Douglas R. A. Hare (Filadélfia: Fortress Press, 1969), para um sumário das fontes ebionitas básicas que sobreviveram e um debate sobre seus conteúdos.
Agradecimentos
Dediquei este livro à memória de Albert Schweitzer (1875-1965). A publicação de seu magnífico estudo, em 1906, intitulado lhe Quest of the Historical Jesus, continua a ser um divisor de águas no estudo das origens cristãs. Ele tinha apenas 31 anos, na época, e acabou por seguir carreiras notáveis em música e medicina, assim como em filosofia humanística. Passou os últimos cinqüenta anos de sua vida como missionário médico na África e defensor ardoroso e influente de sua filosofia de "reverência à vida". Nesse aniversário de 100 anos de publicação de sua obra sobre Jesus, sou extremamente grato a ele por seus ensinamentos e continuo a considerar suas interpretações básicas admiráveis e relevantes para nosso tempo.
Sou profundamente agradecido a um grupo de colegas cujas contribuições para o estudo do Jesus histórico trouxeram importantes informações e influenciaram, de diversas maneiras, minha própria pesquisa. Agradeço, em especial, a Robert Eisenman, que fez mais para reabilitar a memória de Tiago, o "amado discípulo" e irmão de Jesus, do que qualquer outro estudioso de nossa geração. Sou também grato a Richard Bauckham, que fez tanto para nos lembrar da vital importância da família de Jesus, e a John Painter, cujo trabalho criterioso sobre Tiago tornou-se um modelo para todos nós. Penhorado, agradeço as contribuições de Bruce Chilton, John Dominic Crossan, Bart Ehrman, Paula Fredriksen e Tom Wright. Mesmo com todas as nossas diferenças, há um elo comum de devoção à importância do nosso trabalho — a busca do Jesus histórico.
Agradeço a meus colaboradores arqueólogos, em especial a Shimon Gibson, Jim Strange, Joe Zias e Sheila Bishop, aos cineastas Ray Bruce e Simcha Jacobovici, assim como a meus muitos alunos dedicados que trabalharam arduamente nos muitos projetos arqueológicos destacados neste livro. Sou profundamente grato a meus dois estimados orientadores da Universidade de Chicago, Robert M. Grant e Jonathan Z. Smith, que chamaram minha atenção para o vasto mundo greco-romano como mais do que um mero pano de fundo para o estudo do início do cristianismo.
Agradeço especialmente a meus colegas Arthur Droge e Eugene Gallagher, por suas informações e avaliações deste trabalho, antes de sua publicação, e também a vários amigos e colaboradores que leram os primeiros rascunhos, a saber, Rebecca Christenbury, Chad Day, Joy Beth Holley, Simcha Jacobovici, Ross Nichols e Lori Woodall. Meu amigo querido de toda a vida, Olof Ribb, leu os manuscritos durante todo o processo, dando-me feedbacks proveitosos e informativos. Infelizmente, ele perdeu sua batalha contra um câncer antes que este livro fosse publicado, mas, felizmente, pude ainda mostrar a ele o texto já montado para impressão, poucos dias antes de sua morte.
Agradeço a Doug Abrams, da Idea Architects, que tão habilmente não só trabalhou como meu agente, mas também como um parceiro constante para diálogos sobre o conteúdo do livro em seu desenvolvimento. Ninguém poderia desejar ter um editor melhor e mais competente do que o perspicaz e paciente Bob Bender, da Simon & Schuster. Também agradeço a sua eficiente assistente Johana Li, por seu trabalho incansável, e a Tom Pitoniak e Gypsy da Silva, por seu cuidadoso copidesque, e a toda competente equipe de produção da Simon & Schuster. Meus agradecimentos a Balage Balogh, cujos 11 quadros usados neste livro ajudam-nos a imaginar a história para além das palavras e das fotografias. Seu empenho em retratar com precisão detalhes arqueológicos e históricos, em suas ilustrações, o fez, hoje, o melhor nesse nosso campo de estudo.
Por fim, agradeço a Lori Woodall e nossos filhos, Eve Ashley e Seth Alexander, que, com entusiamo e incentivo, suportaram minha ausência, por conta das freqüentes viagens para o exterior e das muitas noites em isolamento, enquanto escrevia este livro.
Charlotte, Carolina do Norte 20 de janeiro de 2006
Índice
Observação: os números em itálico se referem às legendas das ilustrações
Aarão, 71-7300, 141, 161, 301
Messias de, ver Messias Sacerdote Abraão, 48-49, 67, 71, 131, 281, 327 Adão, 60, 67, 292
Adriano, 305, 316, 346n2
Africano, Júlio, 67, 338n9
Agripina, 308
Ahab, 144, 201
Ahmad, Ghulam, 347n9
Ahmadiyya, Movimento de, 347n9
Albino, 299-300
Alcorão, 328, 329
Alexandre, o Grande, 75-76, 172, 273
Alexandrium, 113
Alfeu, ver Cléofas
Amós, o Profeta, 171
Ana, 51, 53, 55, 60, 67, 334n1, 335n10
Ananias, 277
Anás, 224, 225, 227, 231, 239, 276, 299, 302, 346n5
AnásII, 225, 299-300, 302
André, o Apóstolo, 158, 159, 166, 175, 179, 189, 254, 266, 268
Anos sabáticos, 159, 160, 161
Antigo Testamento, 64-65, 336n21ver também Bíblia hebraica
Antipas, ver Herodes Antipas
Antipater, 111, 112, 117
Anti-semitismo, cristão, 126, 231
Apocalipse, 141, 160, 161"Pequeno», 313
Apocalipse messiânico, 186
Apostólicas, Constituições, 306
Apóstolos, ver Doze Apóstolos
Arca da Aliança, 111, 346n3
Aretas IV, rei de Nabateia, 187
Arizona, universidade do, Acelerador de Massa do Laboratório de Espectrometria, 23
Armênios cristãos, 240, 346n5, 347n12 Armínio, 335n7
Arquelau, 54, 114, 118-119
Artur, rei, 102
Ascents of James, lhe, 273, 347n1
Asmonianos, 53, 112113, 122, 162, 18,187
Assírios, 60, 178
Associated Press, 28, 36
Atos de Pilotos, 78, 242
Atos dos Apóstolos, 136, 157, 166, 216, 283, 298, 329, 340n17, 345n8, 348n1
história do início do cristianismo em, 253, 256, 261, 263, 265-270
irmãos de Jesus em, 92, 107
Judas, o Galileu, 119
Paulo como figura preponderante em, 263-265, 266, 275-277, 284, 286, 287 Pedro em, 304
Atronges, 118
Augusto, César, 53, 75,104, 112-114, 118121, 170, 187, 190, 307, 335n7
B
Babilônia, cativeiro da, 166
Babilônios, 66, 160
Bad Kreuznach, 81-83
Bar Kochba, Simão, 136, 316, 332
Barco de pesca galileu, 191
Barrabás, 229, 232
Bartolomeu, o Apóstolo, 179, 266
"Batismo cristão", 165, 166, 218
Batismo, 142, 158, 165-168práticas essênicas do, 148de Jesus, 66, 144, 151, 155, 156, 159, 165,174, 322, 340n1, 342n1 Belém, 55, 58, 103, 104, 336
Benjamim (líder do movimento de Jesus), 305
Benjamim, tribo de, 178, 275
Betsabá, 65, 68, 192
Bíblia, 13, 14, 64, 73,114, 336n19cristã, ver Novo Testamentojudaica, ver Bíblia hebraicatraduções em inglês da, 162
Biblical Archaeology Review, 28, 30
Bíblia do Rei Tiago, 374n13
Bíblia hebraica, 126, 130, 162, 173, 193, 293, 301
Dois Messias na, 175
perdão dos pecados na, 291
profecias dos últimos dias na, 170
Reino de Deus na, 325
tradução grega da, 336n21
ver também livros específicos; nomes de profetas específicos
Bizantinos, 147
Blake, William, 341n4
Boaz, 65
Brendel, Baruk, 37-38
British Broadcasting Company (BBC), 36, 37
Bruce, Ray, 37-38, 41
Brutus, 111
Bryennios, Padre, 218
Buber, Martin, 327-328
C
Cabalistas, 254
Cafarnaum, 86, 92,106, 122, 158, 159, 175, 176, 177, 186 187,196 197, 256
Caifás, 19, 224, 225, 227, 230, 231, 239, 303, 346n5
Ossuário de, 227, 228
Caligula, 307
Calvário de Gordon, 240, 242
Calvino, 61
Cana, 120, 158, 170, 175
Casamento levirático, 92, 93, 304, 340n8
Cássio, 111
Caverna de João Batista, 20, 27, 145-149, 167, 168
Caverna de Suba, 19, 28, 145, 146, 148, 149, 167, 168
Cefas, ver Pedro, o Apóstolo
Celso, 80, 102, 107, 339n6, 339n10, 349n3
Cesareia, 114, 115, 120-122, 338n10
Cesareia de Felipe, 190-191, 193, 194, 196, 201, 203
Área do altar, 191
Ciro, 172
Chuza, 204
Circuncisão, ritual judaico da, 104, 125, 131, 269,283-284
Cláudio, 299, 307-308
Clemente de Alexandria, 247, 272
Cléofas, 95-97, 106, 179, 303, 306, 322
Cléopas, 340n11
Cleópatra, 52, 112
Clermont-Ganneau, Charles, 85
Coliseu, 311, 312
Colossenses, 285
Comunidade de Qumrã, 143, 160, 164, 186, 205, 216, 268, 314, 344n4
ruínas escavadas da, 143
Concílio de Latrão, 340n3 Coniah, ver Jeconiaco
Conselho dos Doze, ver Doze Apóstolos
Conselho de Jerusalém, 268, 269, 282-284
Constantino, imperador, 240, 317, 335
Constantinopla, Concílio de, 340n3
Copônio, 119
Corintios, 160, 214, 216, 247, 278, 280, 285, 305
Cornélio, 340n17
Cosiba, 70, 338n9, 339n7
Cotanch, Kaitlyn, 333n2
Credo Apóstolico, 336n22
Cristãos
anti-semitismo dos, 126
judeus-, 219, 270, 272, 281
judeus culpados pela crucificação pelos, 224, 229, 231
"Oração do Senhor", 153
peregrinações à gruta(caverna) de Suba pelos, 147
perseguição dos judeus pelos, 327
perseguição romana dos, 308
polêmicas judaicas contra os, 102
ver também Cristianismo
Cristãos coptas, 240, 250
Cristãos judeus, 329
Cristianismo, 15, 72, 161, 178, 320, 321
alienação entre judaísmo e, 125
arte e iconografia do, 261, 334n1
"brando e humilde" Jesus no, 165
conversão dos romanos ao, 240 (veja também missão de Paulo junto aos gentios de Paulo)
e cumprimento das profecias, 302
e descoberta dos Manuscritos do Mar Morto, 40
divindade de Jesus, 57, 150, 156, 157, 278-281
dogma da virgindade no, 75, 89-91, 60- 61,335n15,335n16,337n24
dualismo ascético no, 90
ebionitas, 317
eucaristia no, 214, 216-218, 296
Islã e, 329
legado da dinastia de Jesus para, 287-298, 304,315,325,328
marginalização de João Batista no, 150153, 155, 156, 166, 193, 320
de Paulo, 261, 265, 276-281, 283-290, 293, 294, 315, 321
ressurreição de Cristo no, 37, 244, 246249, 253, 255, 260
e textos dos Profetas hebreus, 141 Crônicas, 68
Crucificação, 194, 233-236, 242 de Jesus, 16, 27, 92, 101, 120, 123, 136, 224, 231-233, 235-237, 242, 246, 250, 265, 267 Cruzadas, 147, 212,334n1
CTVC, 37
Cúpula do Rochedo, 13
D
Daniel, 160, 161, 164, 172, 181, 226, 260, 296, 303,312-315
profecia das "Setenta Semanas", 160, 312, 314
Davi, Rei, 16, 63, 73, 114, 131, 215, 237, 261, 346n5
e Betsabá, 65, 68
Trono de, 60, 63
Deissmann, Adolf, 81, 82
Deuteronômio, 92
Dia do Perdão, 111
Diáspora, 305
Didache, 218-219, 295-297, 324, 325, 328, 329
Dinastia Flaviana, 315
Dinastia Júlio-claudiana, 307
ver também imperadores específicos Direção das Antigüidades de Israel (AAI) Discovery Channel, 30
Dois Messias, 72, 135, 150, 161-164, 175, 186, 192, 196, 256, 259, 26, 322, 324, 337n2
Domiciano, 53, 315, 316
Donahue, Douglas, 24
Dorfman, Shuka, 35, 36
Doze Apóstolos, 136, 168, 178-181, 189, 204, 207, 259, 264, 266-268, 272, 286, 297, 298, 324, 345n8
aparições de Jesus pelos, 248
campanha de pregação dos, 159, 186, 188, 192, 260
e as Doze Tribos de Israel, 282, 289 ensinamentos dos, 218
Paulo e, 268, 277
santificação na teologia cristã dos, 321 substituição de Judas Iscariotes escolhida por, 166, 217, 266
no Templo, 210
na última ceia, 180, 212-220, 236, 254, 373
ver também nomes dos apóstolos específicos Doze Tribos de Israel, 71, 160, 289, 294, 323
carta de Tiago às, 289
Drusila, 307
Dualismo, 90, 280
Dualismo ascético, 90
E
Ebionitas, 317, 329
École Biblique (Jerusalém), 40
Efraim, 305
Egito, 103
Êxodo do, 178
Deuses do, 317
Jesus no, 102
El Greco, 262
Eliaquim, 304
Elias, 144, 175, 192, 193, 201, 202, 281, 314
Eliezer ben Hircano, 80
Emanuel, 60
Empédodes, 75
Enoch (Enoque), 292
Enom, 19, 20, 34, 144, 158, 201, 253, 302, 319
Epafrodito, 276
Epicuristas, 133, 134
Epifânio, 80, 90, 300, 301, 305, 306, 313,340n6
Escola Britânica de Arqueologia, 20
Essênios, 133-137, 148-149, 160, 205, 256,315, 338n11, 345n7
Dois Messias dos, 72, 135, 163-164, 216
João Batista e, 143
ver também Comunidade de Qumrã
Estóicos, 133, 134
Eucaristia, 214, 216-218, 296
Ensinamentos de Paulo sobre, 280
Eusébio de Cesareia, 247, 272, 288, 300, 303-305,313,315,316,317,336n5,340n4
Eusébio Jerônimo, ver Jerônimo
Eva, 338n17
Evangelho de Infância de Tomé, 102
Evangelho de Pedro, 249, 254, 259
Evangelho de Tomé, 57, 79, 102, 270, 271, 272,273, 287, 325
Evangelho dos Hebreus, 219, 273
Evangelhos, 38, 101, 105, 120, 121, 123, 130,179, 194, 212, 215, 250, 273, 295, 296
aparições de Jesus nos, 246-248
casamento levirático nos, 92
coletores de impostos nos, 121
como biografias de Jesus, 101
fariseus nos, 136
gregos, 149 -150
ilegitimidade de Jesus nos, 78
julgamento de Jesus nos, 229, 230
milagres nos 205
Sinóticos, 56, 57, 342n1
Ver também João; Lucas; Marcos; Mateus
Evangelhos "Apócrifós", 57
Evangelhos Sinóticos, 56, 57, 342n1
Even Bohan, 342n14
Êxodo, 72, 73, 178
Ezequiel, Rei, 60, 304
Ezra, 161
F
Fariseus, 133-137, 168, 177, 197, 206, 210, 224, 287, 323
Cristãos, 136
Jesus avisado quanto ao perigo por, 197 Paulo e, 276, 278, 288
Fasális, 187
Felipe (filho de Herodes), 54, 118, 122, 169, 187, 190
Felipe de Macedônia, 76, 273
Felipe, o Apóstolo, 158, 166, 179, 189, 266, 306
Festo, 299
Filipenses, 276, 278, 283, 285, 293.
Filo de Alexandria, 90, 135, 231
Filógenes, 250
Flusser David, 40
Fonte Q, 56, 57, 151, 153, 157, 289, 290, 291, 295, 296, 321, 324, 325, 328, 329, 343n12
Filógenes, 250
Flusser, David, 40
Fonte Q, 56, 57, 151-153, 157, 289, 290, 291, 295, 296, 321, 324, 325, 328, 329, 343n12
Derrocada de Satã na. 181
Descoberta da, 152
Ensinamento de Jesus na. 185, 289-291, 296
João Batista na, 152, 163
Fragmento Muratório, 288
Franciscanos, 252
G
Gabriel, 60
Gálatas, 267, 268, 278, 281 – 285, 295, 305, 338n18, 347n1
Pág. 357
Galba, 308
Gamaliel, 276
Gannett (jornais), 36, 333n12
Ganor, Amir, 23
Gath, Joseph, 38, 41, 44-46, 334n22
Gematria, 350n15
Gênesis, 90, 216, 270, 338n17
Gentios, 195, 297
íntegros, 132
missão de Paulo junto aos, 264-267, 277- 278, 283-285
no Movimento Messiânico, 269, 281-284
Géssio Floro, 308
Getsêmani, Jardim de, 13, 14, 156, 213, 215, 220, 221, 223, 242, 329, 335
Gibson, Shimon, 20, 21, 23, 24, 27, 31, 34, 35, 41-45, 145, 146, 167,
Golan, Oded, 29-36, 46
Gólgota, 232, 240, 243
Grande Pergaminho de Isaías, 128
Gregos, 63, 76, 77, 120
Guarda do Templo, prisão de Jesus pela, 225
Guarda Pretoriana, 232, 365, 276
Guerra do Golfo, 202
Guerra dos Seis Dias, 114, 227
H
Hanuká, 202
Hegésipo, 272, 273, 300-304, 316, 340n9
Helena, Rainha, 240, 241, 346n5
Helvidius, 331n16
Hércules, 59, 75
Herodes Agripa II, 299, 300
Herodes Antipas, 54, 88, 119-123, 144, 170, 172, 176, 182, 188-190, 197, 198, 204, 224, 276, 314
e crucificação, 120-121, 231-232
intrigas contra Jesus de, 197, 204
João Batista preso e assassinado por, 54, 118, 120, 123, 150, 151, 158, 165, 169, 175,
projetos de construção de, 107-110 em Roma, 113-114, 120, 185, 187-188, 193-194, 323
Herodes, o Grande, 67, 107, 110,111-120, 127, 188, 300
casamentos de, 112, 117
falta de linhagem de Davi de, 53, 64,104, 112-113,
morte de, 54,118-119, 275
projetos de construção de, 15, 103, 104,113, 114, 120, 170, 190, 227
Herodiades, 122, 169, 187
Herodião, 276
Heródio, 118
Hillel, rabino, 134
Hílquias, 304
Hinduísmo, 102
Hipólito, 337n5
Hircânia, fortaleza de, 113
Howard, George, 343n14
Hutchinson, Lee, 22, 333n2
Idade do Ferro, 241
Idumeia, 53, 112
Igreja Católica Romana, 95, 240, 334n1, 340n3, 346n5
dogmas marianos da, 60, 91, 335n15, 335n16, 337n4
Pedro como primeiro papa da, 264, 304
Igreja da Tumba da Virgem (Igreja da Assunção),
Igreja do Santo Sepulcro, 13, 38, 240, 241
Igreja Ortodoxa Oriental, 240
Imaculada Conceição, 60
índia, Jesus na, 102 Inglaterra, Jesus na, 102
Irmãs de Sant'Ana, 334n1
Isaac, 63, 64, 131, 281 Isabel, 56, 58, 71, 73,168,
Isaías, 60, 171, 173, 174, 175, 192, 210, 302, 304, 325
Grande Pergaminho de, 128 interpretação de Paulo de, 293
Jesus como cumprimento de, 198, 204
linguagem apocalíptica de, 236, 293
e nascimento virgem de Jesus, 60, 336n21
profecia do Messias de Davi de, 70, 171, 181
profecia do Servo Sofredor, 298, 346n1 voz ouvida por, 141, 144, 164
Pág. 358
Isis, 217
Islã, ver muçulmanos
J
Jacó, 64, 71,131, 173, 281
Jacó de Sikhnin, 80, 339n7
Jacobovici, Simcha, 30, 35
Jeconias, 66, 68, 69, 337nn4, 5
Jehohanan, 233, 235
Jeremias, 63, 66, 170, 178, 209, 210, 282,337n5 Nova Aliança prevista por, 282
Jericó, 205
Jerônimo, 219, 247, 273, 275, 288, 335, 340nn4, 5
Jerusalém, 13, 114, 115, 194, 249, 261, 267, 276, 299
Bairro Cristão de, 240
cerco de, 308
destruição babilônica de, 66, 160 destruição romana de, 133, 300, 309-311, 313-315
levante em, 118
portas de, 345n7
Pretório, 227, 229
reconstruída por Adriano, 316
símbolos da opressão romana em, 126 Templo de, ver Templo
tumbas em, 251-252, 346n5
últimos dias de Jesus em, 102, 201-220 Jerusalem Post, 333n12
Jesus
aparições de, 246-249
batismo de, 67, 145, 151, 155-156, 159, 165, 175, 323
campanha de pregação de, 172, 175-177, 185-186
campanha do batismo de, 158, 165-169 campanha final de, 196-199
chaves do reino prometidas a Pedro por, 304
como Messias da linhagem de Davi (Rei), 66-67, 132, 165, 170, 173, 174, 203, 205, 259, 263, 294, 297, 338n11
como porta da salvação, 303
corpo dirigente estabelecido por, 178
cronologia de, 101
crucificação de, 16, 27, 92, 101, 120, 123, 136, 224, 231-233, 235-237, 242, 246, 250, 265, 267
cura e exorcismos por, 176,197
no deserto, 155
"discípulo amado» de, 17, 107, 180, 219, 220, 236, 273,
discípulos de (ver também Doze Apóstolos) divindade de, na teologia cristã, 57, 151, 156-158, 277-281, 288, 294, 320, 327-328
ensinamentos de, 56, 101, 290, 295, 296, 318, 320, 329
entrada em Jerusalém, 204-208
esconderijo em Ribeiro de Querite de, 201-202,314
estudo histórico de, 19, 322, 327
genealogia de, 63-73, 105, 132-133
irmãos e irmãs de, 29, 38, 77, 88, 89, 91-97,106, 179, 202, 266, 305, 306, 322, 339n4
judaísmo de, 125-127
julgamento de, 54, 119, 122, 224, 232, 240, 299, 303
missão inaugurada por, 181, 185, 260-261
e morte de João Batista, 189, 190-193
nascimento de, 55-61, 75-77,95, 101,103
parente de João Batista e, 71,73, 150, 270
paternidade de, 75-81, 86-88, 97,104,132, 250
pensamento apocalíptico de, 160, 198, 292, 314
e povo do Caminho, 142-143
primeiros anos da vida de, 51, 52, 101- 105, 118-120, 122, 123
prisão de, 223
relações entre João Batista e, 152, 159, 163
remoção do corpo de, 250-256
ressurreição de, crença cristã, 244, 246- 249253, 255, 259, 280
ressuscitando os mortos, 186, 196
retirada de Cesareia de Felipe, 190-191, 193, 194, 196, 201, 203
retorno a Nazaré de, 77, 106, 128, 171
revelações de Paulo em, 216, 248, 277, 278, 282, 284, 287, 321, 324
Pág. 359
na Samaria, 170
santificação na teoria cristã de, 321
Segunda Vinda de, 181, 277, 293
sepultamento de, 25, 27, 93, 239-243, 255
em Sidônia, 87-88
status social de, 105-110, 132
textos proféticos interpretados por, 190- 196, 198
trocadores de dinheiro confrontados por, 207-211, 225
tumba vazia de, 94, 240, 244, 246, 251 última refeição de, 13, 180, 212- 217, 273 Voz ouvida por, 144
Jezebel, 144, 201
Joana, 204
João Batista, 126, 136, 141-161, 165-168, 210, 268, 282, 288, 291, 314, 324
apóstolos e, 159, 217
assassinato de, 54, 118, 120, 123, 150, 187, 188, 193, 196, 297, 323
batismo de Jesus por, 66, 144,151, 155, 156, 158, 168, 170, 174,322-323, 340n1,342n1
caverna de, 20, 28, 145-148, 167, 168
detenção e aprisionamento de, 156, 158, 168-169, 175, 185, 186
dieta de, 149-150, 300, 343n11
discípulos de, 158, 165
marginalização pelos cristãos de, 151, 156, 166, 320
mensagem de arrependimento de, 261, 291
Movimento Messiânico fundado por Jesus e, 86, 277, 281, 320-322
nascimento de, 145, 340n1
oração ensinada por, 153, 172, 295
parente de Jesus e, 71, 73, 150, 270
práticas dos nazareus, 149
e a profecia dos Dois Messias, 150, 153, 161, 163, 175, 186, 259
e soldados romanos, 86
visão apocalíptica de, 159
Voz ouvida por, 141, 142, 143
João de Damasco, 81
João, Evangelho de, 56, 58, 150, 198, 254, 260, 265, 288, 336n18
acusações ilegítimas em, 78
"amado discípulo" em, 96, 107, 180, 219, 254, 273
aparições de Jesus em, 246-251, 254
campanha de pregação de Jesus em, 165, 168, 340n1, 342m1
crucificação em, 94, 237
detalhes cronológicos e geográficos em, 144, 157
irmãos e irmãs de Jesus em, 92, 107
João Batista em, 144, 151, 155-157
prisão e julgamento de Jesus em, 223, 224, 225, 226
sepultamento de Jesus em, 239, 244 teologia do, 156-158, 288
última ceia em, 214
últimos dias de Jesus em, 201, 202
João Hircano, 241
João, o Apóstolo (filho de Zebedeu e Salomé), 17, 93, 96,168, 179, 196, 204, 219, 266, 267, 306
batismo de, 166
negócios pesqueiros de, 158, 159, 175,254 Paulo e, 289, 282, 286,
Sucessão de Tiago apoiada por, 272, 277 Joaquim (Eli), 52, 53, 67, 70, 334n1, 335n10 Joel, 291
José, 80, 95, 102, 179, 209, 275, 303, 337n25 como judeu praticante, 103, 104
filhos de Maria e, 91, 106
genealogia de, 63-68, 70
e a gravidez de Maria, 55-59, 75-77, 79, 87, 89, 339n10
morte de, 92, 95, 106, 306, 322
vocação de, 105
José de Arimateia, 38, 102, 240, 241, 346n1
José (Joses; irmão de Jesus), 38, 40, 77, 89, 92-95, 107, 159, 179, 264
batismo de, 166
e liderança do movimento de Jesus, 306
na última ceia, 219
Josefo, 54, 103, 119, 223, 241, 259, 337n2, 345n6
cidadania romana de, 133
sobre as crucificações, 233, 234
sobre as filosofias do judaísmo, 134-136
Pág. 360
genealogia de, 60, 70
sobre Herodes Antipas, 120
sobre Herodes, o Grande, 52, 114, 117
sobre João Batista genealogia de, 142, 143, 169, 187, 188
sobre a morte de Tiago, 299-300
sobre a peregrinação a Jerusalém pela Páscoa dos hebreus, 126, 209
sobre a Revolta Judaica, 133, 160, 234, 309, 312, 314, 348n7
sobre a violação do Templo por Pompeu, 111
sobre as tribos de Israel, 178
Tiago e, 273, 286
Josué, 346n3
Jubileus, 160, 161, 162, 172
Judá, 64, 71, 162
tribo de, 178
(ver também linhagem de Davi)
Judá, o Príncipe, Rabino, 342n2
Judaísmo, 320
alienação entre cristãos e, 125
casamento levirático no, 92
confissão do Shemá, 211, 294
dualismo ascético, 90
de Jesus, 125, 126, 294
de João Batista, 142
os justos das nações, 297
místico, 245-255
oferendas no, 103
paternidade no, 77
repúdio de Paulo ao, 261, 277, 280-285
romanos simpatizantes do, 68, 132
seitas do, ver essênios; fariseus;
saduceus ver também Páscoa dos hebreus;
Sabbath; Tora
Judas (irmão de Jesus), ver Judas, o Apóstolo)
Judas (filho de Ezequias), 54, 118
Judas Iscariotes, 166, 179, 215, 261
Judas, o Apóstolo (Judas, o irmão de Jesus), 38, 77, 8089, 106, 120, 159, 168, 179, 180, 264, 266, 295
batismo de, 166
carta de, 292, 293, 297
liderança do movimento de Jesus por, 306
morte de, 316
Judas, o Galileu, 119-120, 133, 136
Judeia, estrada romana na, 146
Judeus,
aristocratas, Jesus como ameaça ao poder dos, 198, 224
casamento dos, 58, 61, 90-93, 335nn1 1, 16
conquista romana de, 111
crucificação, culpa atribuída aos, 224, 229, 299
da Diáspora, 305
e gentios íntegros, 132, 269
governantes asmonianos dos, 63
ilegitimidade do governo Herodiano sobre os, 53, 54, 63-64,104, 112, 121-122
Messias dos, 72, 161-165, 294 (ver também Messias da linhagem de Davi;
Messias Sacerdotal)
nomes comuns de, 120
opressão de Pôncio Pilatos sobre os, 169, 210, 231
perseguição dos, 315, 316, 327
polêmicas contra os cristãos dos, 102
práticas de sepultamento, 20-22, 25, 26, 27, 127, 128, 234- 235, 240, 334
revoltas contra os romanos dos, 54, 118119, 133-135, 160, 202, 231, 234, 246, 264, 300
separatistas, 132, 149
troca de dinheiro dos, 207, 208
vida de aldeia dos, 127, 128, 132
ver também judaísmo
Judeus ortodoxos, israelenses, 22, 42
Júlio César, 11, 307
Justino, o Mártir, 286
Justo, 300
K
Kerygmata Petrou, 317
Kioner, Amos, 39, 42, 43, 45, 46, 334n22
L
Lameque, 339n3
Lázaro, 252
Lemaire, André, 29, 30, 32, 33
Pág. 361
Levi (líder do movimento de Jesus), 305
Levi, tribo de, 70, 71, 72, 141, 161, 162, 165
Levítico, livro do, 103, 216
Lewis, Rafi, 21, 34
Linhagem de Davi, 63-78, 119, 149, 205, 226, 304, 315
falta herodiana de, 53, 63-64,104, 112, 224-225
de Jesus, 66-67, 132, 165, 170, 173, 174, 203, 205, 259, 263, 294, 297, 338n11
de José, 63-70
de Maria, 67-71,180, 301
de Simão, 305,
de Tiago, 259, 267, 294, 313, 324, Lívia, 307
livro dos Hebreus, 242
Lucas, Evangelho de, 56, 88, 105, 150, 155, 156, 157, 206, 225, 256, 287-289, 317, 336n18
aparições de Jesus no, 246-249
apóstolos no, 178, 179, 196, 220, 268, 282
campanha de pregação de Jesus no, 176
e irmãos e irmãs de Jesus, 89, 93, 97, 264
ensinamentos éticos de Jesus no, 290, 295
estabelecimento da Igreja no, 253
genealogia no, 64, 66-68
história do nascimento no, 55, 58-60, 7376, 78, 87, 101
Jesus e os trocadores de dinheiro no, 211
João Batista no versão gentílica do cristianismo no, 145, 151-153, 159, 160, 189, 193, 342n1
julgamento de Jesus no, 229
linguagem apocalíptica no, 186
mulheres seguidoras de Jesus no, 204
pobreza de Maria e José no, 103 Reino de Deus, 196, 197, 204, 260
ressuscitação dos mortos no, 186 retorno de Jesus a Nazaré no, 128, 175
saduceus se juntam ao Movimento Messiânico no, 136
soldados romanos no, 86
tumba de Jesus no, 239-240, 245 última ceia no, 214, 217, 219
ver também Atos dos Apóstolos Luiken, Jon, 301
Luria, Rabino Isaac Ben ("o Ari"), 254, 255
Lutero, Martinho, 61, 292, 337n25
M
Macabeus, 53, 63, 70, 112, 120, 121, 162, 180, 241
Magos, 103
Malaquias, 141, 162, 163, 164, 175, 192, 225, 281
Maltace, 122
Manuscritos do Mar Morto, 13, 15, 16, 40, 70, 72, 117, 128, 130, 135, 143, 160-164, 174, 175, 178, 215, 314
caverna (gruta) dos, 129 descoberta do, 19, 23, 30,160, 205, 333n14, 338n11
Documento de Damasco,192, 344n4
Dois Messias nos, 72
tempos finais da perversidade, 172
Hinos de Ação de Graças, 174
Isaías nos, 128
línguas dos, 128, 292
Regra da Comunidade, 143, 163
Testamento de Levi, 163
ver também Mestre da Integridade
Maomé, 329
Maqueronte, fortaleza de, 113, 118, 169, 177, 185-188
ruínas da, 187-188 Mariane, 53, 112, 117
Marco Antônio, 52, 112, 113
Marcos, Evangelho de, 56, 58, 101, 149, 152, 156, 301, 207, 291
aparições de Jesus acrescentadas ao, 347, 249
apóstolos no, 178, 179, 180, 195, 268
batismo de Jesus no, 145, 155
campanha de pregação de Jesus no, 176
história do carpinteiro no, 105
ilegitimidade implícita no, 77, 106
irmãos e irmãs de Jesus no, 77, 89, 92-97, 106, 180, 264, 306
Jesus e os trocadores de dinheiro no, 209-211
Judaísmo de Jesus no, 294
Pág. 362
julgamento de Jesus no, 226, 227, 236, 264 linguagem apocalíptica no, 160
revelação do Filho do Homem no, 195, 203, 303, 313-315
soldados romanos no, 86
tumba de Jesus no, 240, 244, 246, 251 última ceia no, 214-216217, 220
viagem a Sidônia no, 87-88
Maria (irmã de Jesus), 38, 77, 89, 106, 159, 165, 204
Maria (irmã de Marta), 207, 243, 252
Maria Madalena, 16, 38, 122, 159, 189, 204, 236, 246
e aparições de Jesus, 248 na crucificação, 93-96, 236
na tumba de Jesus, 240, 244, 264
Maria (mãe de Jesus), 38, 51, 102, 159, 168, 189, 204, 260, 266, 294, 334n1, 335n11, 338n7
e aparições de Jesus, 248 assunção aos Céus de, 61 batismo de, 165
como judia praticante, 103 concepção de, 60, 337n4 crenças ebionitas sobre, 317
na crucificação, 93-95, 236, 264
filhos de, 91-96, 106, 120, 306, 322 genealogia de, 66-71, 73, 81,180, 301 gravidez de, 55-60, 75-77, 79, 86-88, 97, 104, 168, 336n19,
nascimento de, 53
novo casamento levirático de, 92, 179, 304 pobreza de, 103, 209 santificação na teologia cristã de, 321
e sepultamento de Jesus, 240, 244-245, 246, 251, 264
Tiago e, 180
tumba de, 38, 47, 252
virgindade de, 30, 60, 89-91, 335nn15, 16 Marta, 207, 243, 251, 252
Massada, fortaleza de, 53, 113, 128, 188, 246, 314 Mateus, Evangelho de, 56- 59, 97, 103, 106, 145, 149, 151, 152, 157, 239, 248, 254, 290, 304, 317
aparições de Jesus no, 246-249, 254 apóstolos no, 178, 179, 180
batismo de Jesus no, 151, 135 ensinamentos éticos de Jesus no, 291, 296 genealogia no, 63-68, 77
história do nascimento no, 58-60, 75-76, 78, 87, 101, 102, 103
irmãos e irmãs de Jesus no, 76-77, 89, 93, 94, 97
João Batista no, 152
julgamento de Jesus no, 227, 229
status social de Jesus no, 105-107
tumba de Jesus no, 94, 245,
última ceia no, 213, 216, 217
versão hebraica do, 317
viagem a Sidônia no, 88
vinda do "Filho do Homem" no, 181
Mateus, o Apóstolo, 70157, 176, 179, 265, 305
Matias, 117
Menorá, 162
Messias da linhagem de Davi (ou Rei) Messias Sacerdote, 162, 163
Mestre da Integridade, 164, 174, 193, 215 Miqueias, 171
Mishná, 130, 333
Missa, 214, 216
Mitologia greco-romana, 59
Moabitas, 65
Moisés, 71, 72, 73, 90, 92,125, 131, 141, 149, 164, 178, 208, 216, 269, 281, 282, 283, 284 Aarão e, 71, 72, 73, 141
Êxodo conduzido por, 178, 343n9 ingestão de sangue proibida por, 216, 269 Lei de, ver Tora
repudiado por Paulo, 282
Monte da Ofensa, 252
Monte das Oliveiras, 13, 14, 206, 207, 210, 215, 220, 235, 241, 242, 243, 245, 249, 251, 252, 253, 302, 305, 309
crucificação no, 251, 242, 243
relato da ascensão de Jesus ao céu a Partir do, 249
Movimento Messiânico, 86, 136, 166, 169, 177, 186, 188, 239, 261, 269, 277, 281, 320, 322
aceitação dos gentios no, 269,
assassinato de João Batista no, 169, 188
Pág. 363
cumprimento das profecias de Isaías por, 186
fundação por João Batista e Jesus no, 86,169,277,281,322
membros do Sinédrio simpáticos ao, 239
oposição farisaica a, 137, 169-170
ver também nazarenos
Muçulmanos, 147, 318, 327, 328, 329
Museu Arqueológico da Palestina, ver Museu Rockefeller
Museu de Israel, 15
Museu Real de Ontário, 29, 31, 32, 33
Museu Rockefeller, 23, 39
N
Nabateia, 187
Nabucodonosor, 172
Nain, 120
Natã, 68, 192
Natanael, o Apóstolo, 158, 159, 166, 254 Nazaré, 91, 103, 108, 120, 127, 132, 144, 158, 170, 275, 335n13, 338nn9, 10, 339n7
escândalo da gravidez de Maria em, 57-58, 77
fariseus e essênios em, 136
infância de Jesus em, 51
linhagem de Davi em, 70, 132
projetos arqueológicos em, 127
retorno de Jesus a, 77, 106, 128, 171
Nazarenos, 70, 136, 149, 202, 267, 269, 283, 284, 299, 315
liderança dos, 202, 269, 270, 283
requisitos de adesão exigidos dos não-judeus, 216,284
Nazareus, 149
Neiger, Motti, 39
Nero, imperador, 276, 277, 285, 305, 307, 308, 313, 331
New York Times, The, 28 New Yorker, 35
Newsweek, 28
Nicodemos, 239, 240
Noé, 216, 270, 339n3
Leis de, 347n4
Nova Versão Internacional, 347
Novo Testamento, 13, 14, 15, 32, 38, 86, 101, 180, 264, 270, 292, 295, 317-318, 321, 328, 334n1, 336n17
"espírito santo" no, 336n19
fariseus no, 134
genealogia no, 64
herodianos no, 178
linguagem apocalíptica no, 159-160
marginalização de Tiago no, 260, 263
saduceus no, 134
sepultamento de Jesus em um sudário no, 25, 27
traduções em inglês do, 105, 247
versões do cristianismo de Paulo comparadas às de Tiago no, 277, 285-288
virgindade de Maria no, 75, 90
ver também Evangelhos, livros específicos Números, livro dos, 103, 141, 149, 338n13
O
O'Connor, Jerome Murphy, 40
Oferendas, 103
Oferendas pelos pecados, 103
Olímpia, 76
"Oração do Senhor", 153
Oseias, 197, 198
Ossuário de Tiago, 28, 29, 30-36, 46, 47, 253, 318
Otaviano, ver Augusto César
Orígenes, 247, 288, 300, 339nn6, 10, 349n3
Osíris, 217
Oto, 308
P
Pantera, 79-88, 102
pedra tumbal de, 81-82, 86, 88
Panthera, Jacó, 81
Papiro de Bodmer, 334n1
Parmigianino, 279
Pártios, 112
Páscoa, 259
Páscoa dos hebreus, 27, 118, 125, 126, 158,80, 190,204,208, 209,211-215,223,224,226,229,237,239,240,241,251,254,259,261,278,299,302
Pág. 364
assassinato de Tiago na, 299, 302
e crucificação, 224, 237, 278
peregrinação a Jerusalém para a, 126, 204, 208
sepultamento de Jesus anterior a, 213, 240, 243, 251
Paulo (Saulo de Tarso), 7, 89, 157, 160, 275286, 328, 338n18, 348nnl, 14
antecedentes farisaicos de, 276, 278, 288
aparições de Jesus relatadas por, 247-250
cartas de, 267, 282-284, 317
conversão de, 261,277
decapitação de, 285
missão junto aos gentios, 264-267, 277, 282, 284
nascimento e primeiros anos da vida de, 275 Pedro e, 246, 263, 266-269, 282, 285, 286, 305
rejeição ebionita a, 317
relato da última ceia de, 213, 215-220
repúdio à Torá do, 269, 281-285
revelações de, 216, 248, 277, 278, 282, 284, 287, 321, 324
teologia de, 90, 280, 278, 286, 287-289, 291, 294, 297, 304, 316
Tiago e, 266,-269, 285
Pedro, o Apóstolo (Simão Pedro), 17, 157, 160, 168, 175, 176, 179, 194, 244, 266, 324 aparições de Jesus por, 254
como primeiro papa da Igreja Católica Romana, 261, 305
Jesus proclamado Messias por, 203 João Batista e, 158-159, 166, 189
negócios pesqueiros de, 149, 175, 249, 254 Paulo e, 246, 263, 266-269, 282, 285, 286, 305 pregação de, 317
prisão e julgamento de Jesus testemunhado por, 223,226
sucessão de Tiago apoiada por, 273, 274, 278
Péla, 201, 202, 313, 314, 315
"Pequeno Apocalipse", 313
Pentecostes, festa de, 261,
Peregrino de Bordeaux, 346n6
Peregrino de Placência, 334n1
Petrônio, 307
Pio XII, Papa, 337n24
Pitágoras, 75
Pitagóricos, 133, 134
Platão, 75, 90,348n14
Platônicos, 133, 134
Plutarco, 76
Poço de Maria, 108
Pompeu, 111
Pôncio Pilatos, 134, 136, 169, 176, 194, 210, 213, 239, 265
julgamento de Jesus perante, 223, 228, 229-231,232-239
Popeia, 308
Poplin, Jeff, 20, 333n2
Povo do Caminho, 142, 143
Poussin, Nicolas, 61
Powell, Vicki, 333n2
Primeira Guerra Mundial, 82
Profecia das "Setenta Semanas", 160, 312, 314
Profecia do Servo Sofredor, 194, 298, 346n1
Profetas hebreus, 123, 126, 137, 172, 192,206, 236, 260, 281, 293, 294, 298, 307, 312, 323, 325, 328
no Islã, 328-329
previsões messiânicas dos, 16, 63,137, 172, 260, 293, 298, 312
e Regra de Ouro, 134
Reino de Deus, visão do, 181, 192, 322-325,
últimos dias previstos por, 126, 172, 307
ver também nomes de profetas específicos
Profetas, ver Profetas hebreus; nomes de
profetas específicos
Protestantes, 61, 240, 292
Proto-evangelho de Tiago, 105, 334n1, 337n23, 340n6
Pseudo- epígrafes, 348n14
Pseudo-Clementines, 273, 317
Q
Queima das oferendas, 103
Quirínio, 119
R
Rabinovich, Abraham, 333n12
Raabe, 64-65
Pág. 365
Ramani, L.H., 37, 45
Ramitas, 70
"Redenção do Filho", cerimônia da, 103
Regra de Ouro, 134, 295
Reis, livro dos, 201, 304
Ressurreição, 37
Revelação, 202, 313,338n13
Revised Standard Version (Versão revista padronizada), 247
Revista Time, 28, 35
Ribeiro de Querite (Wadi el-Yabis), 144, 201, 202, 314
Roberts, David, 310
Roma, 117, 310
familia de Herodes em, 111, 114,
incêndio de, 308
instabilidade em, 111
Josefo em, 133
Pedro em, 305
Romanos, 14, 63, 125, 147, 150, 171, 176, 194, 202-203, 259, 269, 299, 305, 320, 324, atitudes em relação ao judaísmo dos, 132 comércio artesanal sob os, 107
comércio no Templo sob os, 209-211
conversão ao cristianismo dos (ver também gentios, missão de Paulo junto aos) cremação praticada por, 128
crenças e práticas religiosas dos, 75, 190
crucificação de Jesus pelos, 16, 125, 136, 314, 223-227, 229-233, 237, 239, 241, 250 destruição de Jerusalém pelos, 309, 314 Dinastia Júlio-Claudiana dos, 307, 308 estilo arquitetônico dos, 107
execução dos membros da linhagem de Davi pelos, 53
Herodes Antipas e, 120, 121, 123
Herodes, o Grande e, 112, 113 Historiadores, 103
Josefo e, 133-135
Judeia sob o governo militar dos, 169-170
lideres messiânicos executados pelos, 259
moedas dos, 208
ocupação da terra de Israel pelos, 111, 112 Paulo e, 261, 266, 275, 278, 280
Revoltas judaicas contra os, 54, 118-119, 133-135, 160, 202, 231, 234, 246, 264, 300, 307-309, 311-314, 316
soldados, e história de Pantera, 80-88, 102
Romanos, livro dos, 276, 294, 338n18
Rosh Hashaná, 144
Reuters, 36
Rute, 64, 65, 93
S
Sabbath, judaico, 111, 125, 130, 205, 212, 213, 237, 240, 251, 283
Saduceus, 133-137, 164, 208-210, 224, 299, 323 Salmos de Salomão, 171
Salmos, livro dos, 63, 66, 173, 174, 194, 195, 206, 215, 237, 261, 291
Salomão, Rei, 63, 64, 68, 114, 209
Salmos de, 171
Templo de, 209
Salomé (filha de Herodíades), 187
Salomé (irmã de Jesus), 24, 93, 84, 96, 106, 159, 166, 189, 204, 244, 246, 251, 264
Salomé (mãe de Tiago e João, o pescador), 96, 204
Salvação pela fé, ensinamentos de Paulo sobre, 283, 288
Samaritanos, 122, 170, 181
Samuel, 63, 73, 301, 338n11
Samuel, David, 333n6
Santuário de Dominus Flevit, 252
Satã, 195, 197, 198, 202, 236, 260, 323
Saulo de Tarso, ver Paulo
Sebastes, 170
Seder, 213, 237
Séforis, 51, 52, 54, 55, 70, 80, 85, 107, 108, 109, 118, 120, 121, 123, 126, 127, 132, 158, 170, 275
escavação arqueológica em, 108
incêndio de, 54-56, 118
reconstrução de, 107, 121, 123
Segunda Guerra Mundial, 82, 83
Segunda Vinda de Jesus, 181, 277, 293
Segundo Apocalipse de Tiago, O, 273
Sejanus, 231
Sêneca, 305
Sermão da Montanha, 153, 290, 295
Sermão da Planície, 290, 295
Pág. 366
Serviço Geológico de Israel, 30, 33
Setenta, Conselho dos, 317
Shammai, rabino, 134
Shanks, Hershel, 28, 30- 35
Shaprut, Shem-Tob Ibn, 343n14
Shavuot, 261
Shemá, 211, 294
Shem-Tob, 242
Sheol (morada dos mortos), 344n5
Siclos, tirianos, 208, 209
Silberman, Neil, 40
Siloé, 15, 20, 29, 34, 212
Simão (escravo de Herodes), 118
Simão (filho de Judas), 120
Simão, o Apóstolo (irmão de Jesus; o Zelote), 77, 90, 119, 120, 136, 179, 264, 266, 267, 301, batismo de, 166
crucificação de, 120, 327
liderança do movimento de Jesus por, 95, 303-306, 313
na última ceia, 220
Simão Pedro (Simão bar Jonas), 158, 175, 179, 203, 223, 224, 244, 252, 254, 305
ossuário de, 252
ver também Pedro, o Apóstolo
Sináiticos, 347n12
Sinédrio, 113, 134, 223, 224, 225, 226, 226, 227, 239, 299
Sociedade de Literatura Bíblica, 31
Sófocles, 106
Sorbonne, 29, 33
Sudário de Turim, 23-24
Suetônio, 335n7
Sukenik, Eleazar, 333n14
Sukkoth, festa do, 144
Sunday Times de Londres, 36
Susana, 204
T
Tabernáculos, festa dos, 126, 144
Tácito, 308
Talmude de Jerusalém, 338n7
Tamar, 64, 65, 93
Tarso, 275
Templo, 14, 15, 104, 123, 170, 198, 207242, 299, 307, 315, 301, 346n3
controle saduceu do, 209, 210, 299
destruição do, 309, 314, 315, 349n3
família de sacerdotes de Anás e, 224, 227
Herodiano, 114, 126, 227
Jesus no, 207-211
oferendas no, 104, 208, 291
Paulo no, 284
de Salomão, 209
Santuário secreto, 111
templo romano no lugar do, 316
Tiago no, 300
Templo do Monte, 302
Tertuliano, 250
Testamento dos Doze Patriarcas, 162
Testes de DNA, 24, 25, 27, 3536, 40, 42, 46, 86, 319
Texto masorético, 162
Tiago (descendente de Judas), 316
Tiago (filho de Judas), 119
Tiago, o Apóstolo (filho de Zebedeu e Salomé), 159, 166, 175, 179, 204, 254, 266
Tiago, o Apóstolo (irmão de Jesus; o Justo), 38, 77, 90, 92-96, 120, 168, 179, 216, 248, 321, 324,
carta de, 287-292, 296-298, 302, 317, 325, 329
carta de Pedro para, 317
casamento de, 158
como "discípulo amado", 17, 107, 180, 219, 220, 236, 273
João Batista e, 126, 159
liderança do movimento de Jesus por, 16, 95, 136, 180, 217, 244, 236, 256, 260, 263, 265-274, 300, 320, 324, 328
marginalização pelos cristãos de, 151, 249, 260, 263
Maria, entregue aos cuidados de, 180, 219, 236
morte por apedrejamentode, 95, 119, 202, 225, 302, 299-307, 313, 327,343n3
nascimento de, 306
Paulo e, 277, 282-288, 295
Pág. 367
prisão e julgamento de Jesus testemunhado por, 224, 226
Simão, como sucessor de, 95, 303-305 na última Ceia, 219
Tiberíades, 121, 122, 123, 158, 187
Tibério César, 85, 121, 122, 169, 187, 223, 231, 307, 331
Tito, 133, 234, 308, 309, 310, 311
Tobias, 305
Toledot Yeshu, 250
Tomé, o Apóstolo, 179, 254, 266
Torá, 111, 128, 131, 153, 211, 269, 288-289, 323, 324, 326, 342n2, 346n4
anos sabáticos na, 159
casamento levirático na, 92, 340n8
na comunidade de Qumrã, 164, 268
consumo de sangue proibido pela, 216
interpretação essênica da, 136
observância ebionita da, 317
peregrinação a Jerusalém requerida pela, 126
Regra de Ouro e, 134
redenção do Filho na, 103
repúdio de Paulo a, 269, 281-284
Santíssimo na, 111
serviço sacerdotal especificado pela, 142
voto de separação dos nazareus na, 149
Trajano, 305, 306, 315
Tribos perdidas de Israel
Tsfat, sepultura em, 254- 256
Tumba de Hinom, 319
Tumba do Jardim, 240
Tumba do Sudário, 22, 24-27, 33-36, 252, 253, 302, 319
Tumba de Talpiot, 36, 38, 39, 41-46, 71, 72, 180, 252, 253, 319
Tyndale, William, 105
U
Última Ceia, 13,180, 212- 217, 273
Sala do Andar Superior, 212, 214, 219, 261, 266
Últimos dias, 63, 126, 164, 307
Universidade da Carolina do Norte, em Charlotte, 19
Universidade hebraica, 40
Urias, 64, 65
U.S. News & World Report, 28
USA Today, 333n12
V
Varo, Públio Quintllio, legado da Síria, 54, 85,118
Vaticano, 41
Vaticanus, 347n12
Vespasiano, 53, 133, 308, 309, 310, 311, 313, 315
Vitélio, 308
Voz, escuta da, 141, 142, 144, 164, 175, 327
W
Washington Post, lhe, 28
Weisse, C.H., 343n12
Wesley, John, 61, 337n25
Williams, Mark, 333n2
Witherington, Ben, 30
Wyatt, Ron, 338n1
Y
Yardeni, Ada, 33
Yochai, Rabino Shimon bar, 256
Yom Kippur, 111, 144
Z
Zacarias, 305
Zacarias (pai de João Batista), 58, 71,142, 168, 342n1
Zaddik (o íntegro ou o justo), 297
Zebedeu, 93, 96, 159, 175, 219, 220, 254
filhos de, ver Tiago, o Apóstolo; João, o Apóstolo
Zelotes, 119, 120, 133 136, 232, 266, 309, 315 Zias, Joe, 39
Zissu, Boaz, 23
Zoker, 316
Zwingli, Huldrych, 61
Abraços fraternos!
Bezerra
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