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PAIXÕES HUMANAS
Carlos Aquino
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Capitulo 1
A missão
Horácio desceu do trem e reconheceu a velha
estação tão familiar nos seus tempos de infância.
Costumava brincar ali, há duas dezenas de
anos, com outros garotos. O Fábio, o Lauro,
o Roberto, o filho do Dr. Rodrigo (como era
mesmo o nome dele?) e alguns outros amigos.
Como estariam eles? Morariam ainda ali? Será
que o reconheceriam? Horácio preferia que não.
Ou melhor, era absolutamente necessário que
não os encontrasse nesta sua volta. E, caso isso PAG 5
acontecesse, o melhor seria que não o reconhecessem.
Tinha uma grande esperança de que realmente
ninguém, ao vê-lo agora, mesmo tendo
o conhecido em criança, não o reconhecesse.
Isso era fundamental para sua missão.
E haveria de cumpri-la, custasse o que custasse
Por que este temor agora de que os velhos
conhecidos ainda se lembrassem dele? Ou mesmo
que lembrassem, era muito difícil saber quem
ele realmente era.
Fora um menino raquítico e pálido. Agora, aos
vinte e oito anos, tinha quase um metro e oitenta
de altura, era muito forte e possuía uma
aparência saudável.
Para acentuar mais ainda a diferença dos
seus tempos de garoto, deixara crescer um bigode.
Depois de vinte anos de ausência, com aquela
nova aparência, era quase impossível que alguém
o reconhecesse.
Colocou logo os temores de lado, por julgá-
los absurdos. Nem mesmo o nome, pensava
em mudar. No hotel em que se hospedasse colocaria
na ficha: Horácio, mesmo. Em criança,
ninguém o conhecia por este nome, e sim pelo
apelido, Maneco. PÁG 6
Na verdade, Horácio não sabia porque o chamavam
de Maneco, naquela época. Não tinha
nada a ver, e não se lembrava quando nem de
onde surgira o apelido. Só sabia que desde bem
pequeno todos o chamavam de Maneco.
Isso, agora que queria passar com sua identidade
despercebida na cidade, tornava-se uma
grande vantagem.
Ninguém ia ligar a figura da criança magra
e pálida que se chamava Maneco, ao rapaz
alto, forte e bonito que atendia pelo nome de
Horácio.
Talvez a professora da escola onde estudara,
pensou. Lá, como não podia deixar de ser, se
matriculara com seu verdadeiro nome. E apesar
deste constar das listas de chamada, a própria
professora também o chamava de Maneco.
Não, não havia motivos para maiores preocupação
quanto ao fato de descobrirem quem
ele era na verdade.
E poderia cumprir sua missão sem muitas
dificuldades.
Andou pelas ruas, reconhecendo-as.
Mas a cidade mudara muito naqueles últimos
vinte anos. Tinha até arranha-céu, ruas asfaltadas,
um comércio multo maior. A chamada civilização
finalmente chegara lá.
A medida que andava, Horácio tinha uma
nova surpresa. Realmente, parecia até outra
—7
cidade. A velha estação de trem onde desembarcara
continuava praticamente a mesma. Mas
era um dos poucos lugares que não se modificara.
Esse desenvolvimento só seria favorável à
sua missão. O fato da cidade ter crescido tanto
fazia com que se tornasse bem mais difícil encontrar
algum dos velhos conhecidos.
Passar completamente despercebido entre os
outros habitantes do lugar, mesmo porque havia
muita gente de fora morando lá.
Horácio surpreendeu-se também com a grande
quantidade de carros. No seu tempo de infância,
podia-se até atravessar as ruas de olhos
fechado Um ou outro automóvel passava...
Tudo indicava que sua missão seria coroada
de êxito. As circunstâncias, à primeira vista,
lhe pareciam bastante favoráveis.
Além de sua própria determinação. Mesmo
que t.udo lhe fosse contra, sabia que teria êxito,
pois suas vontade era de ferro, nada o demoveria
de fazer o que se tinha proposto.
Chegou ao centro da cidade, procurou um
hotel para se instalar, e assim que entrou no
quarto resolveu descansar um pouco.
Quando tinha apenas oito anos, seu pai tinha
sido assassinado e ele fora com sua mãe
morar em outro lugar.
Durante todo o período de crescimento, enquanto
se transformava de menino em adoles- PÁG 8
cente e depois num adulto, dia após dia sua
mãe lhe incutira o desejo de vingança.
Praticamente o criara com este único objetivo.
O Dr. Conrado, na época um dos homens
mais poderosos do lugar, resolvera tomar o sítio
onde seus pais moravam. Ilegalmente, claro.
E como seu pai fora pessoalmente tomar sa-.
tisfações, o Dr. Conrado não teve dúvidas. Puxou
um revólver e o matou. Depois, mandou um
dos capangas atirá-lo num local deserto.
Não houve como provar sua culpa, mas a
mãe de Horácio sabia o que tinha acontecido.
O marido saíra de casa direto para o escritório
do Dr. Conrado e não voltara. Aparecera depois
morto. Ele não tinha Inimigos. O assassino
não podia ser outro.
Mas como não tinha provas concretas, nada
aconteceu com o Dr. Conrado, que, diante, da
mulher Indefesa, se apossou definitivamente do
sítio. E para ela não houve outra solução a não
ser sair daquela cidade que odiava, em companhia
do filho.
Sem recursos, trabalhou para educá-lo, enquanto
lhe colocava na cabeça a obsessão da
vingança.
E agora, ali estava Horácio, disposto à fazer
com Conrado o mesmo que este fizera a seu pai.
Iria pôr em prática seu plano friamente, calculadamente.
Segundo sua mãe, o Dr. ConradoPÁG 9
tinha uma filha que atualmente deveria estar
com pouco mais de vinte anos.
Era através dela que Horácio pretendia chegar
à consumação de sua vingança.
* * *
No dia seguinte pela manhã, bem disposto de
pois de uma noite tranquila (Horácio não sentia
culpa antecipada pelo que pretendia fazer, pelo
contrário, sentir-se-ia culpado se não realizasse
sua missão, ele saiu do hotel.
. Dirigiu-se para a rua onde morava o assassino
de seu pai. Reconheceu logo a casa, ou melhor,
. a mansão.
Apesar do progresso, dos novos edifícios, a
velha e magnífica mansão continuava ali, intata.
- Ou melhor, reformada.
Ele ficou do outro lado da rua, cirando-a.
durante muito tempo. Depois, para não dar na
vista, resolveu ir embora.
Teria que ter paciência...
E muito cuidado.
Nada poderia falhar em seu plano.
Mas a sua segurança e determinação já lhe
asseguravam o êxito de sua missão.PÁG 10
Capitulo 2
uma jovem bonita
Assim como quem não queria nada, dia após
dia, Horácio passava pela rua onde o Dr. Con
rado morava. Não se detinha diante da mansão
para não chamar a atenção de ninguém. Apenas
andava mais devagar, olhando-a com naturalidade.
Sua finalidade era conhecer a jovem filha
do homem que pretendia matar. E esperava que,
mima das vezes em que passasse diante da residência,
a avistasse.
Não sabia como era seu rosto. Mas não seria
difícil reconhecê-la. O Dr. Conrado só tinha uma P11
filha. Quando visse alguma jovem bem vestida
saindo da casa, certamente seria ela.
Haveria a possibilidade de ser uma amiga
ou parenta, mas isso seria fácil de descobrir.
Finalmente, numa das vezes em que Horácio
passava em frente à mansão, do outro lado
da rua, viu uma jovem abrindo o portão e
saindo.
Seu coração pulou.
Devia ser ela.
Deixou que a moça andasse um pouco. Compreendeu
que ela não o vira. Mais adiante,
então, abordou-a. Como motivo para abordála
mencionou o fato de que não era daquela
cidade e que estava melo perdido, sem saber
como voltar para o hotel onde estava hospeda
do.
do.
r
Sueli explicou-lhe o melhor que pôde, solícita,
a maneira como encontraria o caminho do
seu hotel. Chegou mesmo a acrescentar que
ia na mesma direção.
Seguiram andando juntos.
A jovem mostrava-se descontraída e conversava
naturalmente, como se fossem conhecidos.
Ele perguntou-lhe onde morava, e falou que
gostaria de vê-la de novo.
A moça disse que era melhor deixar tudo
por conta do acaso.
12—
Finalmente, ela chegou ao seu destino, despediu-
se, sorridente, e Horácio voltou para seu
hotel.
Havia dado o primeiro passo.
Sentia-se satisfeito com sua própria habilidade
e simpatia. Havia em pouco minutos ad-.
quirido uma certa confiança da moça. Para
um primeiro encontro não poderia ser melhor.
O segundo encontro também foi forçado por
Horácio. Só que desta vez ele não, precisava disfarçar
muito.
Postou-se certa tarde diante .da residência
de Sueli e esperou pacientemente que ela saísse
de casa.
Em vez disso, viu-a chegando.
Sueli o avistou, sorriu e cumprimentou-o.
Ele aproximou-se também, sorridente.
— Estava me esperando?
Horácio não mentiu:
— Sim.
— Há muito tempo?
— Mais de uma hora.
— Você tem multa paciência.
— É uma de minhas qualidades.
-13
— Tinha tanta vontade de me ver assim?
— Confesso que tinha.
— Não quis deixar ao acaso, como eu propus
naquele dia.
— Não. O acaso quem faz é a gente. Não
acredito que as coisas cheguem as nossas mãos
sem que se faça força para que Isso aconteça.
— Não acredita em destino, então.
— Claro que não. Meu destino sou eu. Eu
sou responsável por ele.
— Você parace muito seguro de si.
— Ê outra
de minhas qualidades.
Ela disse em tom de brincadeira:
— Mas tem um defeito que está na cara.
— Qual é?
— O convencimento.
— Acha que isso é um defeito?
— Claro que é.
— Eu não concordo. Sou convencido apenas
das qualidades que sei que tenho. Isso não é
defeito e não adianta querer provar o contrário
— ele falou, com um leve tom irônico
na voz e acrescentou: — E quanto a você, quais
suas principais qualidades?
— Não tenho muitas.
— Não acredito. Pelo menos uma você não
pode esconder. PÁG 14
— Qual?
— A beleza.
— Vamos mudar de assunto e falar de outras
coisas? O que está achando da cidade?
— Estou gostando.
— Val passar muito tempo aqui?
— Um mês.
— Só?
— Gostaria que eu ficasse mais tempo?
Sueli não respondeu. O rapaz continuou:
— Estou de férias. Férias acumulada. Na
verdade, posso ficar aqui até dois meses Tudo
depende...
— De quê?
— De que aconteça alguma coisa que me
prenda mais tempo na cidade.
* * *
A partir deste dia passaram a se encontrar
assiduamente. Horácio procurava envolver cada
vez mais a moça. Esta, por sua vez, sentia-se
cada vez mais atraída por ele.
— É difícil acreditar què uma jovem bonita
como você não tenha namorado.
— Pra você ver como são as coisas. .
— Talvez seja muito exigente... PÁG 15
— Nem tanto. Apenas ainda não tinha aparecido
ninguém por que eu me sentisse... até
que...
— Por que tantas reticências?
Ela olhou-o nos olhos.
Não precisava mais falar.
Horácio beijou-a nos lábios.
— È uma pena que você só fique aqui tão
pouco tempo.
— Já estou decidido a passar os dois meses
com você.
Ainda assim, é muito pouco.
Estavam numa praça e era noite.
Horácio resolveu ser ousado:
Se eu lhe fizesse uma proposta, você aceitaria?
— Quem sabe?
Ele, em vez de falar, segurou a mão da
jovem. Beijou-a mais uma vez na boca. E en¬
caminhou-se para o hotel onde estava hospe¬
dado, Sueli o seguiu.
Ainda era cedo. Oito horas mais ou menos
Portanto, a entrada de Sueli no hotel não
chamou muito atenção'. Tiveram o cuidado a.
16—
ao entrarem na portaria, fazerem de conta que
não estavam juntos.
Tomaram o elevador, como se não se conhecessem.
Mas desceram no mesmo andar.
O corredor estava deserto. Não havia, portanto,
nenhum risco de Sueli ser vista entrando
no quarto do rapaz.
Assim que ficaram a sós, ela atirou-se em.
seus braços. Parecia profundamente comovida.
Entre um beijo e outro, murmurava:
— Eu o amo... eu o amo...
Horácio afagou-lhe a cabeça, como se consolasse
uma criança. Sueli gostou do gesto. Tudo
em Horácio lhe agradava. Tão diferente de Estêvão.
Como pudera amá-la durante tanto tem
po? E como pudera ter-se deixado possuir por
ele? Tinha sido uma loucura. Desde o início
fora uma loucura. Estêvão era casado. E ela sa
bia. Cometera o erro consciente do que estava
fazendo...
Agora Sueli sentia que encontrara finalmente
o grande amor de sua vida. Tinha certeza de
que Horácio não iria decepcioná-la. Mesmo assim
perguntou:
— Você é casado?
— Eu?! — perguntou Horácio, surpreso. —
Por que pensou nisso?
— Não está me enganando?
—17
— Claro que não. Sou absolutamente livre.
Quer ver meus documentos? Posso provar que
sou solteiro.
— Não precisa. Acredito em você.
Ele começou a acariciar-lhe os seios.
Delicadamente levou-a para a cama. Teve o
suidado antes de apagar a luz. No quarto entrava
apenas a claridade da rua.
Despiram-se na semi-escuridão.
Deitaram-se e abraçaram-se.
Horácio procurou ser o mais carinhoso pos
sível enquanto possuía a jovem...
18-
capítulo 3
O Convite
— Gostaria de apresentá-lo a meus pais.
— Quando?
— Hoje, se quiser — respondeu Sueli.
E Horácio dirigiu-se para a mansão onde Sue-
li vivia com a família. Sentia-se particularmente
alegre, apesar de saber que teria "que se controlar,
para não demonstrar seus verdadeiros
sentimentos.
Teve um certo remorso por estar alegre por
conhecer o assassino de seu pai. Mas sua alegria
era decorrente do fato de que as coisas
—19
estavam caminhando de acordo com seus planos,
E muito mais facilmente do que poderia supor.
Ao apertar a mão do Dr. Conrado, sentiu
uma espécie de náusea. Mas soube dissimular
muito bem.
Conversou sobre os mais variados assuntos,
procurando mostrar-se o mais agradável possível.
D. Evangelina, a mãe de Sueli, mostrava-se
encantada com o rapaz e convidou-o a aparecer
quantos vezes quisesse.
* * *
— Você não gostaria de viver definitivamente
aqui?
— perguntou Sueli, de repente.
Os dois estavam no quarto do hotel:
— Quer saber a verdade?
— Claro.
— Gostaria, sim. Mas...
— Mas, o quê?
—
Tenho que voltar para a minha cidade,
o
meu emprego...
— Papai poderia lhe arranjar um emprego
aqui.
Horácio olhou-a fixamente:
— Eu a amo, Sueli. E acho que sou correspondido.
Qüe tal se a gente se casasse?
— Está falando sério?
20—
— Sei que é um tanto repentino... Mas estas
coisas acontecem.
— Quer mesmo casar comigo? — perguntou
Sueli, no auge da fecilidade.
* * *
Durante todo este tempo em que seu projeto
avançava, Horácio não deixava de escrever
à mãe, contando as novidades.
E ela sempre respondia, encoraj ando-o, dando-
lhe estímulo e dizendo que confiava cegamente
no êxito do rapaz em sua missão.
Com Sueli, Horácio mostravam-se cada vez mais
amoroso. E mentiu a respeito de sua vida. Disse
que vivia com os pais, que nascera na cidade
onde morava, mas que nada o prendia lá. Na
verdade, disse, nem mesmo vivia com os pais,
que tinham outros filhas. Não havia, portanto,
maiores motivos para que ele não se estabelecesse
em outra cidade.
Sueli parecia viver um sonho.
Tudo se encaixava de maneira perfeita.
Apenas seu pai advertiu-o:
— Você não acha precipitado casar com
este rapaz? Afinal só o conhece há pouco mais
de um mês.
— Bem... podemos casar mais tarde... mas
gostaria que o senhor lhe arranjasse um emprego,
—21
para. que ele ficasse morando na cidade. O casamento
pode ficar para daqui a alguns meses.
O Dr. Conrado ficou satisfeito com o bom
senso da filha. Afinal, não lhe custava usar
suas influências para conseguir uma colocação
para o rapaz. Se depois de algum tempo ficasse
provado que o interesse de Horacio por
Sueli não era apenas por causa de sua fortu
na, então consentiria no casamento.
Na realidade, havia mesmo interesse financeira
da parte de Horácio. Ele pretendia casar
com Sueli, matar o velho e ficar com parte da
fortuna dele, uma vez que esta também lhe
pertencia, de certo modo, pois o Dr. Conrado
apoderara-se dos bens de seu pai, vinte anos
antes.
Horacio passou a exercer uma importante
função na firma de um amigo do Dr. Conrado,
noivou oficialmente com Sueli e tudo indicava
que seu plano sinistro seria coroado de êxito.
No entanto, o rapaz sentia-se cada vez mais
inquieto. Sabia que só sossegaria depois que fizesse
justiça com as próprias mãos.
Para ele, o sacrificio de fingir amizade pelo
Dr. Conrado, a quem odiava, era quase superior
às suas forças.
Assim, esperava que chegasse logo a oportunidade
de eliminar o velho sem se comprometer.
22—
Capítulo 4
O dia ideal
— Sexta-feira vai ter uma grande festa no
clube. Vamos?
Sueli acabou de fazer a pergunta e beijou
o noivo. Na mente deste, rápido como um raio,
veio a idéia de que seria o dia ideal de fazer
o que tanto esperava.
Teria o álibi perfeito.
Combinou então com Sueli de irem ao baile
juntos. PÁG 23
* * «
No dia da festa, às oito horas da noite, vestido
a rigor, Horácio saiu do hotel.
Mas não se dirigiu diretamente à mansão da
noiva.
Em vez disso, foi até o escritório do Dr.
Conrado. Sabendo dos hábitos deste, tinha certeza
de que iria encontrá-lo lá, uma vez que
o Dr. Conrado sempre permanecia até tarde
em seu escritório, no último dia útil da semana,
depois que os empregados iam embora.
Entrou no edifício aparentando uma calma
absoluta. Na verdade, Horácio não estava nervoso.
Há duas dezenas de anos que havia sido
preparado para aquele momento.
Tomou o elevador e apertou o botão que indicava
o andar do escritório do Dr. Conrado.
Diante da porta tocou a campainha.
O Dr. Conrado veio atender e mostrou-se surpreso
com a visita do futuro genro.
Convidou-o a entrar:
— O que aconteceu?
— Gostaria de conversar com o senhor.
— Sobre?
O velho dirigiu-se a uma poltrona, sentou-se
e apontou uma outra para que Horácio se sentasse
também. Mas o rapaz continuou de pé.
E não respondeu à pergunta do Dr. Conrado.
Este insistiu:
24—
— É a respeito de Sueli?
— Não.
A resposta veio seca, numa voz firme e impessoal.
O Dr. Conrado olhou o jovem com
curiosidade.
E quase não podia acreditar no que viu a
seguir. Horácio puxou um revólver e aponto para
o velho:
— Sabe quem eu sou?
O Dr. Conrado esperava por tudo, menos por
isso. Que Horácio fosse caçador .de dotes, que
estivesse querendo dar o golpe do baú, casando
com sua filha, tudo isso passara por sua cabeça,
Mas nunca que fosse um criminoso.
Horácio sorriu maquiavelicamente:
— Vou refrescar sua memória, seu velho nojento.
Lembra que há vinte anos o senhor matou
um homem?
O Dr. Conrado olhava o rapaz cada vez mais
apavorado. Claro que lembrava. Mas julgara
que ninguém mais recordava aquele fato. Como
Horácio sabia daquilo? Naquela época devia ser
uma criança.
O velho conseguiu forças para balbuciar:
— Não ficou nada provado.
— Claro. Nem poderia ser de outra forma.
Seu trabalho foi perfeito. Assim como o meu...
— O que você tem com um fato que aconteceu
há tantos anos?
— Eu sou o filho do homem que o senhor
matou. Eu voltei a esta cidade apenas para
me vingar...
— E por que iludiu minha filha? Ela não
tem nada com isso.
— Era a maneira mais prática de fazer o
serviço bem feito. Vou matá-lo, e ninguém vai
saber que fui eu. Daqui vou direto para uma
festa, com sua filha. Ela mesmo vai ser testemunha
de que eu estava a seu lado na hora em
que o senhor foi assassinado. Nunca vão descobrir
que fui eu.
Mal acabou de falar. Horácio puxou o gatilho
e acertou no peito do Dr. Conrado. Àquela
hora, todos os outros escritórios do edifício estavam
fechados, e ninguém ouviria os tiros. Ati~
rou de novo e foi verificar se o homem estava
realmente morto.
Depois guardou a arma calmamente e começou
a desarrumar a sala, de modo a parecer
que havia sido um assalto.
Logo em seguida saiu do escritório.
Na porta do edifício cruzou com uma mulher
desconhecida, mas não lhe prestou maior atenção.
Assim, não notou que ela o observara com
curiosidade. PÁG 26
Na rua, Horácio apressou os passos. Teria que
passar ainda no hotel pra deixar a arma e as
luvas que colocara para não deixar impressões
digitais.
Depois dirigiu-se para a residência de Sueli,
calmo e alegre, como se não tivesse, acabado
de matar uma pessoa, como se nada de anormal
tivesse acontecido.
A jovem já estava pronta, à sua espera, e
recebeu-o com um sorriso.
Seguiram para o baile, no carro de Sueli.
Se esta tivesse reparado bem, teria notado
que o rapaz talvez estivesse mais alegre do que
o
costume. Mas, mesmo que notasse isso, atribuir
à bebida e à animação da festa.
Nem de longe Sueli poderia Imaginar a tempestade
que estava prestes a lhe cair sobre a
rabeca.
Dançava animadamente com Horácio, quando
alguém lhe tocou no ombro. Virou-se e viu
um homem desconhecido, que falou com polidez:
— Desculpe interromper, mas o diretor do
clube precisa falar com a senhorita.
— Comigo?
— Sim.
— Tem certeza de que não está enganado?
— Absoluta.
—27
Junto com Horácio, Sueli acompanhou o desconhecido
até o escritório do diretor do clube.
Este os recebeu com um ar muito contrito, que
prenunciava tragédia.
No íntimo, Horácio divertia-se com a situarão,
uma vez que sabia do que se tratava. Mas
Sueli não conseguia entender nada:
— O senhor está querendo falar comigo? —
perguntou ao homem sentado diante de uma
mesa.
— Infelizmente... Tenho uma notícia para
dar à senhorita... uma notícia ruim... Não sei
como começar...
— O que houve?
- Acabei de receber um telefonema...
— E...
O homem não sabia como dizer. Vacilava, não
encontrava as palavras apropriadas. Sueli esperava
já um pouco angustiada. Finalmente, o diretor
do clube concluiu:
— Acabou de acontecer uma tragédia.
— Uma tragédia?! — perguntou a jovem.
cada vez mais confusa.
— Sim... o seu pai...
— O que houve com ele?
— Foi assassinado.
De repente, Sueli começou a rir. Um riso
histérico. E falou, com impaciência:
28—
— Não é verdade.
— Pois o que acabaram de me comunicar.
— O senhor deve estar enganado.
— Não estou não.
— Meu pai está no escritório... ainda deve
estar trabalhando. Às sextas-feiras fica lá até
tarde...
— Justamente. Ele foi assaltado no escritório.
Apesar de não querer, Sueli teve que acreditar
na verdade. E então começou a chorar.
Os soluços aumentavam, e ela procurou consolo
no ombro de Horácio, justamente no ombro do
responsável por todo aquele drama.
O rapaz procurou consolá-la como pôde.
Pouco depois saíam do clube, a jovem ampara
da por Horácio. Tomaram o automóvel e seguiram
para a casa dela. Desta vez era Horácio
quem ia ao volante, pois a moça não estava
em condições de dirigir.
No caminho, ela virou o rosto para Horácio
e perguntou:
— Deve ter sido engano, você não. acha?;
— Não sei, Sueli. Acalme-se...
Ele não falou mais.
Alguns minutos depois desceram em frente
à residência.
Abriram o portão que dava para o jardim,
e alguns passos depois entravam na casa.
—29
Depararam então com D. Evangelina, em
prantos, acompanhada de uma mulher, que Horácio
não conhecia.
Mãe e filha abraçaram-se, soluçando.
— Que tragédia, minha filha! Que tragédia!
Até então Horácio estava apenas prestando
atenção às duas. Mas sentiu que alguém o
olhava fixamente. Olhou para a mulher desconhecida.
Aquele rosto não lhe era estranho. Onde
o tinha visto antes? Por mais que se esforçasse
não conseguia descobrir. Não conhecia ninguém
naquela cidade.
A mulher mantinha o olhar fixo nele, acusadora.
Quem seria? — perguntou Horácio a si mesmo.
Aquele rosto...
De repente, sentiu um calafrio.
Aquele rosto era de alguém que tinha visto
poucas horas antes. E subitamente tudo se tornou
claro: era a mulher que cruzara com ele,
quando descera do elevador, logo depois de ter
matado o Dr. Conrado. Vira-a apenas de relance,
mas tinha certeza que era ele. Seu olhar
incomodava-o. E sentiu-se perdido...
Mas quem seria aquela mulher?
30—
E o que estaria fazendo ali?
Ela como que adivinhava-lhe os pensamentos.
Por isso, aproximou-se e falou:
— Permita-me que eu me apresente. D. Evangelina
e Sueli não estão em condições de se
preocuparem com isso agora. Eu me chamo Liza.
Era a secretária do Dr. Conrado — e estendeu
a mão para Horácio, que não teve outra
saída, senão estender também a sua, enquanto
dizia:
— Muito prazer, Horácio.
— Já o conheço de nome. O Dr. Conrado
falava multo em você. Sei que está noivo de
Sueli...
O rapaz procurou manter o sangue-frio. Liza
procurou esclarecer:
— Fui eu quem descobriu o corpo do Dr.
Conrado. Como tinha esquecido meu talão de
cheques no escritório, voltei para apanhá-lo. E
encontrei o Dr. Conrado morto. O escritório
estava completamente revirado. Telefonei imediatamente
para a polícia. Mas uma coisa me
deixou profundamente intrigada...
— O que foi? — conseguiu perguntar Horácio,
temendo pela resposta.
— Meu talão de cheques, que eu deixara
bem à vista, em cima da mesa, junto com algum
dinheiro, estava intato. Ninguém mexeu
nele. Se foi algum assaltante como julga a PAG 31
polícia, teria evidentemente levado o dinheiro...
Mas este detalhe eu não contei a polícia...
— Por quê?
— Fiquei em dúvida. Também estava muito
abalada ao ver meu patrão morto. Só pensava
em como contar o fato à D. Evangelina, a maneira
de lhe revelar o acontecido. Realmente
não sabia o que fazer. E terminei me esquecendo
de falar à polícia sobre o meu dinheiro.
Mas tem tempo. Amanhã, mais calma, eu falo
a respeito disso.
E olhou significativamente para Horácio. Este
disfarçou, afastando-se de Liza e aproximando-
se de Sueli e sua mãe, procurando consolálas.
Durante toda a noite, Horácio deu assistência
à noiva e à futura sogra. Liza. No entanto,
ele procurava evitá-la, sem no entanto demonstrar
o fato.
* * *
Depois do enterro, literalmente exausto, voltou
para o quarto do hotel, a fim de descansar.
Estava dormindo, quando o telefone tocou insistente.
A princípio, pensou em não atender. Mas poderia
ser Sueli. Aliás, só poderia ser ela, racio
32~
sinou, enquanto pegava o fone, ainda tonto de
sono:
— Alô!
— Quer falar com quem?
— Com Horácio.
— É ele mesmo. Quem está falando?
— Liza...
— Liza?!
— Sim. A secretária do Dr. Conrado...
— Ah, sim, como vai? Aconteceu alguma coisa?
— Preciso falar com você, com urgência.
— Comigo?!
— Sim. Gostaria que fosse até minha casa
togo mais.
— Talvez não possa. Fiquei de passar na
casa de Sueli às oito da noite.
— Depois que sair de lá...
— Pode ser muito tarde.
— Não tem importância. Eu fico esperando.
Por favor, tome nota do meu endereço...
E Horácio não teve outra saída a não ser
anotar o endereço de Liza e garantir que pas
saria na casa dela, assim que pudesse, naquela
mesma noite.
Depois do telefonema, apesar do cansaço, não
conseguiu mais dormir.
Aquela mulher não estava nos seus planos.
Sabia que ia ser difícil se livrar de Liza. Tudo
indicava que ela iria fazer chantagem, e que
tinha certeza de que ele era o criminoso.
Talvez devido ao fato de quase não ter dormido
e de todas as emoções por que tinha passado,
além daquela situação inesperada de haver
uma quase testemunha do crime, Horácio
sentia que perdia cada vez mais a segurança
anterior.
Não conseguia encontrar um meio de afastar
o perigo que Liza representava.
Acendeu um cigarro.
E outro.
E mais outro.
A dor de cabeça aumentava e tinha a impressão
de que ia enlouquecer.
E se fugisse? Se fosse embora daquela terra
maldita?
Bem, isso seria quase como confessar o crime.
Não, não podia fazer uma coisas destas.
34—
Tinha que enfrentar Liza. E vencê-la. Acabaria
arranjando um meio de fazê-lo.
Vendo que de jeito nenhum conseguiria adormecer
de novo, levantou-se tomou um banho
vestiu-se e saiu.
Ainda não estava na hora que combinara para
ir à casa de Sueli. Passeou um pouco pelas
ruas. Entrou em um bar.
Pediu um uísque.
Começou a beber. Talvez aquilo fizesse com
que se sentisse melhor.
Pouco depois saiu do bar e encaminhou-se para
a residência da noiva.
Chegando mais cedo sairia também mais cedo.
E iria à casa de Liza. Estava ansioso para
saber o que ela queria. A bebida fizera com
que se sentisse mais corajoso.
Não havia achado ainda a maneira como
se livrar da mulher mas já não temia tanto
ter que enfrentá-la.
* * *
Horácio tocou a campanhia do apartamento
de Liza às onze da noite.
Ela veio atender.
—35
Ao contrário da outra vez em que a vira, não
estava tão séria nem ameaçadora. Pelo contrário,
tinha até um sorriso nos lábios:
— Oi, como vai? Faça o favor de entrar.
Quando estavam na sala Liza perguntou:
— Quer beber alguma coisa?
— Aceito.
— O quê?
— Uísque.
Ela preparou duas doses. Uma para Horácio
e outra para si própria.
— Bem, acho que devo ir direto ao assunto.
— Que assunto? — perguntou Horácio, como
se não soubesse.
— Você sabe do que se trata. A morte do
Dr. Conrado.
— Foi um golpe terrível.
Liza encarou-o:
— Eu passei por você, quando saía do elevador
do edifício onde meu patrão tinha o escritório.
E o encontrei morto. Tinham acabado de
assassiná-lo...
36—
— Como todo mundo sabe, foi um assalto.
— Você sabe tão bem quando eu, que não
foi.
— Não?!
— Claro que não. Já lhe falei a respeito. Se
tosse um assaltante comum, tendo revirado toda
sala, não deixaria meu dinheiro que estava em
minha mesa, bem à vista. E você estava saindo
do edifício justamente naquele momento. O que
foi fazer lá?
Horácio fez menção de falar, mas Liza não
deixou:
— Não precisa mentir. Não vai me convencer.
Você está aqui na cidade há pouco tempo.
Tenho certeza de que não conhece ninguém
naquele prédio. A não ser o Dr. Conrado. Você
tinha ido^o seu escritório. E foi você quem o
matou.
— Está me acusando?
— Estou, sim.
— Isso é grave.
— Eu sei. Mas se você fosse inocente...
— Eu sou inocente.
— Não é, Horácio. Prove?
Ele tomou mais um gole de uísque. Acendeu
um cigarro.
—37
Liza continuou:
— Eu não falei nada à polícia a respeito
do detalhe do meu dinheiro que ficou intato
na mesinha. Nem que o vi saindo do elevador.
Ainda está em tempo de fazermos um acordo.
O rapaz viu que não havia saída alguma, a
aão ser entrar num acordo com a mulher:
— O que você está querendo? Quanto?
— Não quero dinheiro.
— Não?
— Não.
— Quer me dizer então o que deseja?
Foi a vez de Lisa beber mais um gole de
uísque e acender outro cigarro:
— Eu já o conheço de vista há bastante tempo.
— Desde quando?
— Desde que começou a namorar Sueli
- Não sabia que estava sendo observado.
— Eu o via acompanhando Sueli na rua, na
praça, se beijando. Sei até que ela freqüentava
seu quarto no hotel.
38—
— Pelo visto, você se preocupa demais com
a vida dos outrcs
— Não seja Insolente. Você não está em posição
de fazer isso. Eu não me preocupo com
a vida dos outros, mas sim daqueles por quem
tenho interesse.
— Estou deduzindo que o seu interesse era
por mim...
— Claro.
— E em troca do seu silêncio,,você quer...
— Acho que está mais do que evidente.
Isso mesmo. Quero -ocè.
A mulher aproximou-se de Horácio, que continuava
sentado na poltrona. Ele levantou-se e
ficaram bem juntos, frente a frente.
Liza arquejava.
O rapaz agarrou-a e beijou-a na boca.
Depois, falou com certo cinismo:
— £ isso que você está querendo? Pois muito
bem, sua vontade será satisfeita.
Ele tornou a abraçá-la e abriu o fecho do
vestido de Liza. Começou a puxá-lo e viu os
seis nus. Aproximou os lábios e começou a beijá-
los.
A mulher levou-o para a cama.
—39
Liza sabia que não era espontâneo. Horácio
não a amava, e talvez também não a desejasse,
nem mesmo porque ela o tinha nas mãos. Mas
Liza não se importava com isso. Não tinha
muitas ilusões a respeito da vida, principalmente
da sua ida.
Já passara dos trinta anos. Não era bonita
nem rica. Também possuía poucos parentes.
Apenas uma irmão casada e dois sobrinhos.
Tinha plena consciência de que era apenas
uma tia solteirona que caminhava inexoravelmente
para uma velhice solitária e infeliz.
Sempre invejara Sueli, e de um modo geral
todas as pessoas bem mais aquinhoadas pela
sorte.
Sueli principalmente, pois tinha tudo.
Era jovem, bonita e rica.
Poderia conquistar qualquer homem que quisesse.
Ela não. Mas Liza não se conformava com
sua própria sorte. E desde que vira Sueli com
Horácio, começou a desejá-lo. Achara-o incrivelmente
atraente, mas sabia que nunca o teria.
No entanto, desta vez, o acaso lhe fora favorável.
No dia do crime, ficara multo aborrecida
ao chegar em casa e verificar que deixara
40—
o talão de cheques e o dinheiro no escritório.
Contrariada, voltara para apanhá-lo.
E fora justamente este o seu golpe de sorte.
Vira Horácio saindo do prédio e encontrara
o Dr. Conrado morto.
Apesar do choque (na verdade Liza não morria
de amores pelo patrão), descobriu que ali
estava sua oportunidade. Uma oportunidade única
de ter Horácio.
O meio que utilizou para tê-lo em suas
mãos não era nada louvável. Mas não lhe importava
o meio e sim o fim.
Contando que Horácio fosse dela, o resto não
tinha nenhuma importância.
Amarga, há muito tempo aprendera que o
amor era uma questão de conveniência. Quem
lhe garantia que Horácio gostava de Sueli, apesar
desta ser bonita? Pelo contrário, os fatos
provavam que ele estava apenas interessado no
dinheiro dela. Se a amasse, jamais mataria o
pai da jovem.
E agora, Liza estava, despida, na cama com
o rapaz. Procurou esquecer tudo e se concentrar
apenas naquele momento.
Não foi difícil para Horácio fazer sexo com
Liza. Se o preço a pagar era apenas este, tudo
bem. Ele tinha vigor suficiente para satisfazê
—41
-la na cama tantas vezes quantas a mulher
quisesse. Poderia satisfazer plenamente tanto ela
quanto Sueli...
Possuiu finalmente o corpo de Liza...
* * *
Horácio saiu da casa de Liza à uma hora
da madrugada, prometendo-lhe voltar na noite
seguinte, assim que saísse da casa da noiva.
Para ele, aquilo não constituía propriamente
um sacrifício. Liza não era uma mulher bonita,
mas também não era de se jogar fora.
Procuraria satisfazê-la da melhor maneira
possível, para ganhar tempo. Depois então, encontraria
uma solução para livrar-se dela.
Por isso, seguiu para seu hotel, mais calmo,
certo de que no fim tudo se arranjaria.
* * *
Mas os planos de Liza eram mais altos do
ele pensava. A mulher desejava-o só para si.
Não queria que continuasse com Sueli. Por
que dividir uma coisa que poderia ser somente
sua?
No entanto não falou logo na sua ambição.
Também resolveu dar tempo ao tempo.
42—
Uma noite tinham acabado de se amar, guando
Liza voltou ao assunto do crime:
— Por que você matou o Dr. Conrado?
Horácio não gostou da pergunta:
— Não acha melhor mudar o rumo da conversa?
— Não.
— Não está satisfeita comigo?
— Mais ou menos.
— Mais ou menos?
— Sim.
— O que está querendo mais?
— Depois eu lhe digo. Vamos voltar à pergunta
anterior. Por que matou o Dr. Conrado?
— Ficou provado que foi algum aasaltante
que o matou para roubar.
— Mas eu sei tão bem quando você que não
loi nenhum assaltante. Você matou o Dr. Conrado.
E deve ter tido seus motivos.
— Não matei...
Matou sim, sim. Não vamos discutir isso,
Horácio. Tenho provas. Inclusive o fato de você
ter-se tornado meu amante. Por que se sujei
—43
taria a mim? Se tosse inocente, por que me temeria
— Você hoje está particularmente desagradável.
— Vamos, fale... por que o matou?
O rapaz deduziu que não tinha nada a perder,
revelando a verdade a Liza. Contou então
o que o Dr. Conrado havia feito com seu pai,
e que voltara à cidade para liquidá-lo.
— Então, você não ama Sueli...
— Claro que não. Eu a usei.
Liza sorriu.
— Mas continua com ela.
Horácio achou melhor não falar de seu plano
de casar com a jovem.
— Daria na vista se eu acabasse com ela
de repente e fosse embora da cidade. Todos
pensariam que eu estava fugindo. Era quase como
editar a confissão de minha culpa.
Liza resolveu dar o assunto por encerrado
naquele dia. Já avançara o suficiente...
* * *
Era mais ou menos sete horas da noite,
quando Sueli entrou no quarto do hotel onde
Horácio estava hospedado.
44—
— Oi!
— Tudo bem?
Tudo legal.
A jovem parecia estar um pouco triste.
Horácio perguntou:
— Por que está assim?
— Assim, como?
— Triste.
— Não é nada... Tem dias que fico assim
Deve ser por causa da morte de meu pai.
— Ele gostaria de vê-la alegre. Lembre.
se disso.
E Horácio beijou a noiva com ternura.
* * *
Ele tornou a possuí-la com força, e Sueli gemeu.
Horácio não podia negar a si mesmo que
era muito melhor transar com a noiva do que
eom Liza. As coxas, os selos, a carne jovem de
Sueli o levavam a um prazer quase infinito.
Continuou movimentando-se sobre o corpo
da jovem, até que finalmente atingiram o clímax.
-45
Minutos depois Sueli levantou-se e foi até
o banheiro. Horácio permaneceu na cama, sentindo-
se mais tranqüilo do que nunca.
A jovem voltou do banheiro, e seu rosto tinha
adquirido de novo a tristeza inicial, de
quando chegara ao quarto do hotel.
Horácio falou:
— Já lhe disse que não a quero ver triste
Parece até que não me ama...
— Talvez esteja assim por amar você demais.
Ele não entendeu:
— Por quê? Eu fiz alguma coisa que a magoasse?
— Eu soube...
O rapaz pôs-se de guarda. O que Sueli teria
sabido? Será que Liza o traíra e contara alguma
coisa, levantando suspeitas sobre ele?
Adquiriu coragem e perguntou:
— O que você soube?
— Falaram-me que você tem outra...
Horácio respirou aliviado:
— Eu?! Outra?! Você está maluca, Sueli
— Bem... essa gente fala demais...
— Concordo com você. Eu posso saber o
que foi que lhe disseram?
46—
— Que você é amante de Liza,
E Horácio assumiu o ar mais inocente do .
mundo, como se realmente não soubesse de quem
se tratava.
— A ex-secretária de meu pai.
— Aquela mulher que estava em sua casa,
no dia em que ele morreu?
— Ela mesmo.
O rapaz segurou a noiva pelos ombros, carinhosamente,
e disse, com voz suave:
— Apele para o bom-senso, Sueli. Por que
eu haveria de ser amante dela? Qual o motivo?
Liza não é jovem, nem bonita. Por que teria
um caso com ela, se tenho você?
Sueli não podia duvidar do argumento. Realmente
não havia razão alguma para o noivo ser
amante de Liza.
— Eu não acreditei quando me contaram.
Mas é que, quando a gente ama, e ouve um comentário
destes, sempre fica um pouco desconfiada...
— Promete que de hoje em diante confia
em mim acima de tudo?
— Prometo.
Ele segurou-lhe o rosto e beijou-a docemente.
—47
capitulo 5
Feitos um para o outro
Apesar de acreditar ter convencido Sueli de
sua fidelidade, Horácio achou que Já era tempo
de terminar aquele jogo periguoO em que
estava envolvido.
Precistava dar um jeito naquela situação,
mas por mais que se esforçasse não conseguia
encontrá-lo.
Liza tornara-se uma pedra irremovível em seu
sapato. Já fazia três meses que mantinha o
relacionamento com aquela mulher a quem detestava
cada vez mais.
48—
Resolveu então precipitar os acontecimentos.
No encontro seguinte que teve com Sueli, perguntou:
— Você não acha que devíamos marcar nosso
casamento logo? Afinal, o que estamos esperando?
— Você está certo... Mas faz tão pouco tempo
que meu pai morreu...
— Mas não existe nada demais, Sueli. A
gente não precisa festejar. Podemos fazer uma
cerimônia intima e depois viajamos. Talvez seja
até bom para você se distrair um pouco e esquecer
toda esta tragédia.
A jovem encostou o rosto em seu ombro:
— Não sei o que seria de mim sem você,
Horácio.
* * *
Sueli falou com a mãe a respeito da conversa
que tinha tido com o noivo, e, Evangelina
ficou de pleno acordo. Só fez uma objeção: iria
sentir-se muito solitária, durante o tempo em
que a filha estivesse fora, em lua-de-mel.
Contando o fato a Horácio, este logo resolveu
o problema:
— E por que ela não viaja conosco? Seria
também uma maneira de se distrair.
-49
— Você é genial, Horácio. Não sei como
pude viver antes de conhecê-lo».
A jovem sentia-se tão feliz, que chegou a
ter um mau pressentimento. E se tudo de repente
desmoronasse? E se um dia Horácio pa
rasse de amá-la?
— Você me promete uma coisa, Horácio?
— O que?
— Nunca me deixar?
— Ora, Sueli, como pode pensar que eu vá
fazer uma destas algum dia?
— Sei lá... eu o amo tanto! Talvez seja
por isso que tenho tanto medo de perdê-io.
— E vou ser sempre seu.
Ela sorriu e o olhou.
Beijaram-se.
Liza deixou-se possuir por Horácio.
Este agia maquinalmente.
Um certo enfado transpareceu em seu rosto.
Era como se estivesse possuindo um objeto
inanimado, e não um ser humano.
50—
Seus movimentos eram monótonos, sem o mais
leve traço de paixão.
Era como se, em vez de estar tendo relações
sexuais, estivesse fazendo um trabalho mecânico,
como se datilografasse.
Liza era perspicaz o suficiente para entender.
No início, oompletamente absorvida pela sua paixão
pelo rapaz, e também pelo fato de tê-lo conseguido
para si, não tivera essa Impressão que
estava tendo agora.
Talvez, mesmo porque, nos pimeiros dias, Horácio
não praticasse o ato sexual com tanta
frieza.
A mulher observou que o rapaz não escondia
o tédio, e mesmo a má-vontade de estar transando
com ela.
Por isso demorou a atingir o clímax.
Ele também.
Exaustos, suados, finalmente entregaram-se
ao prazer.
Ele logo levantou-se para acender o indefectível
cigarro.
— O que está havendo com você?
Horácio fez que não ouviu, e dirigiu-se para
a janela entreaberta, de onde podia ver uma PÁG 51
nesga da rua. Procurou prestar atenção nas poucas
pessoas que passavam, na casa em frente,
totalmente às escuras (àquela hora a maioria
das pessoas já dormiam, só ele tinha que executar
seu penoso "trabalho"), o poste de luz
um pouco mais adiante...
— Não me escutou falar?
Horácio continuou absorto na rua e em seus
pensamentos.
Liza insistiu:
— O que está havendo com você?
Mais uma vez teve ò silêncio como resposta.
Ela não se conteve, e quase gritou:
— Estou falando com você, Horácio. Quer
me responder? Quer prestar atenção ao que estou
dizendo?
O rapaz virou-se, com o ar mais tranqüilo
do mundo!
— O que foi que você disse?
Aquela calma aparente de Horácio era capaz
de fazer com que Liza ficasse histérica. E
ela já estava quase ficando.
— Eu perguntei o que está havendo com
você.
Ele soltou uma baforada do cigarro:
52—
— Nada.
— Está, sim. Você não me engana. Pensa
que
sou tão burra quanto Sueli? Posso não ser
bonita como ela, mas sou mais inteligente.
— Bem, você teria que ter alguma qualidade.
Como se a tivessem espetado, Liza deu um
pulo da cama e aproximou-se:
— Veja como fala. Não estou a fim de ouvir
desaforos.
Horácio procurou acalmar os ânimos:
— Mas por que esta briga tola, Liza?
— Você está mudado.
— Continua o mesmo.
— Não. Pensa que não noto sua maneira de
transar comigo. Você faz tudo como se não passasse
de uma obrigação.
— Você está tendo o que quer. Não era sexo
o que queria?
— Isso que você faz comigo não chega a
ser propriamente sexo. É apenas ura trabalho
mal executado.
— Está querendo que haja amor entre nós
dois?
-53
— E por que não? Fomos feitos um para o
outro. Temos em comum dois defeitos, ou melhor
duas qualidades essenciais: o cinismo e a
maldade.
— Talvez por isso que o nosso relacionamento
não pode durar.
— Vai durar enquanto eu quiser. Você sabe
que está em minhas mãos.
Horácio apagou a ponta do cigarro no isqueiro:
— E até quando pretende me prender?
— Ainda não sei... Mas até lá, faça o favor
de cumprir sua obrigação como deve.
De repente, Liza teve vontade de chorar.
Mas não podia fazê-lo na vista de Horário.
Então, num rompante, pediu:
— Vá embora. Deixe-me sozinha.
Ele ficou um pouco assustado. Será que Liza
sabia que estava com casamento marcado com
Sueli? Será que havia descoberto tudo,
— Quer mesmo que eu vá embora agora?
— Quero.
— Ele procurou agradá-la:
— Desculpe se fui grosseiro. É que ando
muito cansado.
54—
— Claro... tem que transar com duas mulheres
todos os dias... Aposto que Sueli esteve
em seu quarto hoje.
Realmente, a noiva de Horácio estivera lá,
e ele tivera relações sexuais com ela antes de
vir encontrar Liza. Mas mentiu:
— Não Sueli não esteve no meu quarto hoje.
— Seja como fôr, pode ir embora. Amanhã
a gente se vê.
Ele vestiu-se e saiu.
—55
capitulo 6
Liza
Assim que compreendeu que o rapaz tinha
tomado o elevador, Liza prorrompeu em prantos.
Correu até a porta para fechá-la à chave,
com receio que ele retornasse e a visse naquele
estado.
Depois atirou-se na cama e abafou os soluços
no travesseiro.
Liza comprendeu que não era tão forte emocionalmente
como julgara. Durante anos, de
pois de sua primeira desilusão amorosa, jurara
jamais se apaixonar. E quando fizera aquele
"arranjo" com Horácio estava segura de si, pen
56—
sando que poderia usá-lo apenas como uma máquina
de prazer.
Tinha-se educado a não ter mais ilusões.
Na verdade, gostaria de ser uma espécie de robô,
uma pessoa sem sentimentos...
E na verdade, sua vida era quase a de um
robô. Organizadíssima e eficientíssima, cumpria
todas as suas obrigações e mantinha-se sempre >.
ocupada para não pensar em coisas nas quais
há muito deixara de acreditar como o amor, por
exemplo.
Já tinha esquecido praticamente o que era um
homem, até o dia em que vira Horácio pela
primeira vez. Desejara-o logo, mas abafara o
sentimentos, uma vez que sabia que ele estava
fora do seu alcance.
Até que surgira aquela oportunidade de têlo
nas mãos. E resolvera aproveitar.
No início julgara que se contentaria apenas
com o prazer físico que ele lhe pudesse proporcionar.
Mas agora via que desejava alguma coisa maia
do que um corpo.
Compreendia mais do que nunca que também
era um ser humano.
Precisava de amor, como todo mundo.
Já não lhe bastava mais o sexo pelo sexo.
Recomeçou a chorar.
* * *
—57
Edmundo.
A figura de Edmundo, o primeiro e talvez
único homem que amara antes de Horácio, apareceu-
lhe nítida.
Ainda podia sentir cheiro de sua. barba (Edmundo
usava uma barba bem cuidada).
Parecia estar vendo seus olhos azuis que tinham
uma pureza de criança (aparentemente, viria
a saber depois).
Ela já estava com vinte e cinco anos quando
o
conhecera mais intimamente.
Já o conhecia de vista. A aproximação começou
quando Edmundo fora trabalhar para o
Dr. Conrado.
Fizeram amizade.
A princípio apenas uma camaradagem entre
colegas.
Pelo menos da parte de Edmundo.
Acostumada a ser rejeitada desde os tempos
de adolescência, por não ser bonita, Liza não
ousava pensar que um rapaz com a beleza de
Edmundo pudesse se interessar por ele.
Na verdade, pensava que nenhum homem
pudesse desejá-la. Por esta razão continuava
virgem aos vinte e cinco anos de idade.
O que era motivo de comentários entre as
pessoas de sua família.
58—
— Você precisa casar — dizia-lhe a irmã,
que já tinha dois filhos naquela ocasião, e era
mais jovem do que elaL
Idza procurava mundar de assunto. E a irmã,
para não magoá-la, não insistia.
Mas, de vez em quando, alguém falava que
ela deveria casar.
E Liza tinha quase certeza de que ficaria solteirona.
E o pior de tudo, virgem.
Até que apareceu Edmundo.
Uma noite ficaram no escritório até mais
tarde, por obrigação de serviço. Todos os outros
empregados já tinham ido embora, inclusive o
Dr. Conrado, que também costumava permanecer
até tarde no escritório.
— Que trabalho chato! — comentou Edmundo.
— Daqui a pouco a gente termina.
— Espero que o Dr. Conrado não esqueça de
pagar as horas extras.
Finalmente, perto das nove e meia da noite,
terminaram suas tarefas, Edmundo um pouco
antes de Liza.
Apesar de já estar livre, ele disse:
— Vou esperar você terminar.
— Não precisa. Antes de você vir trabalhar
aqui, fiquei muitas vezes sozinha no escritório.
-59
— E não tem medo?
— De quê?
Edmundo sorriu misteriosamente.
— De um ladrão.
— Eu não deixava a porta aberta.
— Mas na hora de sair, poderia ser assaltado
no corredor. Além de assaltada, poderia
ser também...
— Também o quê?
— Violentada — disse Edmundo, com voz cínica.
Ela baixou o rosto, encabulada.
E se concentrou no trabalho.
A presença do rapaz no escritório, em vez de
fazer com que se sentisse segura, tinha exatamente
o efeito contrário.
Edmundo, que andava de um lado para o outro,
fumando, comentou:
— Já pensou se, numa destas vezes em que
ficou sozinha, fosse abordada por um tarado?
Ela não respondeu, e finalmente concluiu
seu serviço.
Estava absorta, arrumando os papéis, quando
sentiu a respiração de Edmundo atrás de si, bem
junto ao seu poscoço.
Liza ficou aterrorizada. Seria o que estava
pensando. Ao mesmo tempo teve vontade que
60—
fosse. Desejou ardentemente que Edmundo a
agarrasse, a beijasse, a dilacerasse
Ele a abraçou pelas costas.
Liza sentiu o corpo excitado do rapaz de
encontro às suas nádegas.
— Que brincadeira é esta, Edmundo?
— Não está gostando?
— Não.
Ela tentou, débilmente, desvencilhar-se de
seus braços.
— Está gostando, sim. Por que não confessa?
Liza virou-se de frente para ele, repentinamente,
e o beijou na boca.
Depois, horrorizada consigo mesma, com vergonha
do que fizera afastou-se e disse:
— Vamos embora.
— Logo agora?
— Principalmente agora?
— Você não quer ir.
— Quem lhe disse isso
— Vê-se na sua cara. Está louca pra ficar
comigo
— Não.
Edmundo deu um passo em sua direção:
— Por que tem tanto medo?
Em seguida, chegou para bem junto de Liza
e a abraçou, beljando-a na boca e segurandolhe
os seios.
— Temos que parar com Isso...
— Deixe de tolice.
E Edmundo meteu a mão por dentro do seu
decote.
— Estamos no escritório.
— Quer lugar melhor? Tem um solá logo
ali.
E puxou-a para o sofá.
Levantou-lhe a saia e começou a allsar-lhe
as coxas.
— Não, Edmundo, não...
Mas Liza queria que ele fosse até o fim.
Sentia-se feliz por saber que era desejada. E
também pensou que talvez não tivesse outra
oportunidade. Quem sabe Edmundo não a amava?
Agora estava disposta a tudo. Não tinha mais
forças para recuar.
Ele fez com que ela se acomodasse no sofá.
Finalmente conseguiu possuí-la.
Liza alcançou a plenitude.
Agora podia dizer que era uma mulher de
verdade, não apenas um ser inútil que vestia
saias e que não fazia outra coisa a não ser
ir e voltar para o trabalho.
62—
— Como você é gostosa...
— Eu o amo...
Depois de atingirem o clímax, Edmundo se
recompôs e Liza fez o mesmo.
Ele comentou.:
— Nunca podia imaginar que você ainda
fosse virgem.
Saíram do escritório sem dizer mais nada um
ao outro.
E, em sua casa, Liza não conseguiu dormir.
Atormentava-se, pensando se devia ou não ter
sedido.
Fora uma louca ou agira certo?
Edmundo gostaria dela? Ou tudo não passara
de um momento de desejo?
Preferiu, para se acalmar, optar pela primeira
hipótese.
* * *
No outro dia, no escritório, Edmundo tratoua
como se nada tivesse acontecido entre os
dois.
Liza ansiava por uma oportunidade de conseguir
falar-lhe a sós, mas não conseguiu.
Pensou que na hora do almoço isso fosse
possível. Mas Edmundo saiu junto com um colega.
—63
Liza não sabia se aquilo era apenas para não
comprometê-la, ou se era porque Edmundo não
queria mesmo mais nada com ela.
Novamente, para sua própria tranqüilidade,
resolveu optar pela primeira hipótese.
Na parte na tarde, Edmundo manteve a mesma
atitude, ou seja, era como se ela não existisse,
como se fosse um dos móveis do escritório.
E na hora da saída, procurou ir embora mais
aedo.
A angústia se apossou de Liza, e aquela noite
foi pior do que a anterior.
Por que ele não tivera nenhum gesto que
demonstrasse que gostava dela? Aquela atitude
seria mesmo para não comprometê-la?
Liza teve um sono cheio de pesadelos.
Acordou no meio da noite várias vezes, agitada.
E no dia seguinte estava em péssimo estado,
não conseguindo disfarçar seu nervosismo. Até
sua eficiência no trabalho foi prejudicada, a
, ponto do Dr. Conrado chegar a perguntar:
— Você está doente, Liza?
— Na verdade, não estou me sentindo multo
bem.
— Se quiser ir para casa, pode ir.
— Não é preciso. Deve ser uma ligeira lndisposição.
64—
O Dr. Conrado não fez mais nenhum comentário,
além de reafirmar que, se quisesse ir
embora, não haveria nenhum problema.
Enquanto isso, Edmundo mantinha-se como
se nunca a tivesse visto antes. Sua atitude era
bem mais fria do que antes de tê-la possuído.
Não resistindo mais, Liza bateu à máquina
um bilhete, dizendo que o esperaria depois do
expediente, num determinado local.
E, terminado o expediente, dirigiu-se para
o lugar onde marcara o encontro.
Ansiosa, esperou Edmundo, em vão.
Meia, hora depois, desistiu.
Ele realmente não aparecera.
Suas dúvidas não era mais dúvidas.
Edmundo não estava fingindo ser-lhe indiferente,
para que ninguém desconfiasse do que
havia acontecido entre os dois.
A indiferença total era a pura realidade. Ele
simplesmente não queria mais nada com ela.
Esta terceira noite foi ainda mais terrível
para Liza.
Todas as suas esperanças haviam caído por
terra.
Estava pagando muito caro por um momento
de prazer.
-65
Jurou que também seria completamente indiferente
a Edmundo, e que não se humilharia
mais.
Na manhã seguinte, no entanto, ao olhá-lo,
e ver seus belos olhos azuis, Liza chegou à con
clusão de que não poderia mais trabalhar ali, ao
lado do rapaz, se ele permanecesse naquela ati
tude de indeferença total.
Uma vez que ele não lhe atendera ao bilhete,
resolveu ir esperá-lo perto de sua casa, depois de
terminado o expediente.
Saiu do escritório apressada e postou-se na
esquina perto da casa onde Edmundo morava.
Alguns minutos depois avistou-o. Dirigiu-se ao
rapaz. Este mostrou-se surpreso:
— O que está fazendo aqui?
— Esperando você.
— Pra quê?
— Precisava falar com você de qualquer maneira.
Por que não foi ao encontro de ontem?
Não leu o bilhete?
— Li.
— E por que não foi?
— Porque achei melhor não ir.
— Mas por quê, Edmundo? Já esqueceu o
que houve entre nós dois lá no escritório, naquela
noite?
66—
— Esquece Isso, Liza.
— Como vou esquecer? Você bem sabe que
foi o meu primeiro homem.
— Como podia adivinhar que na sua idade
ainda fosse virgem.
— Não quer mais nada comigo?
— Naquela noite tive vontade de ter relações
com você. Só isso. Há muitos dias que não
/***
tinha nada com nenhuma mulher. Precisava descarregar.
..
— Só isso?
— Só.
— E nunca mais nós vemos...
— Não posso adivinhar o futuro. Se pudesse
adivinhar, acertava na loteria, e não estava
trabalhando oito horas por dia. Pode ser que
surja outra oportunidade, não posso jurar que
não vou pra cama com você outra vez. Mas
Isso é uma possibilidade mais ou menos remota.
— Não gostou de mim?
— Eu não gosto de ninguém. Andei com você,
como teria andado com outra mulher qualquer.
Liza estava prestes a chorar:
— E eu que pensei...
— Deve ter pensado tudo errado. Por favor,
Liza, não venha com choro pra cima de mim.
-67
Detesto ver mulher chorando. Não alimente romance
comigo. Nunca vai ter. Estou senão sincero.
Se o seu caso é homem, tem muitos por
aí...
E Edmundo deixou Liza no meio da calçada,
dirigindo-se para sua casa, sem ao menos se
virar para olhá-la.
Completamente desiludida, Liza voltou para
seu apartamento.
E teve uma noite pior do que as outras.
Fora rejeitada de uma maneira abominável.
Nem por um minuto conseguiu dormir.
E pela primeira vez, em vários anos de trabalho,
deixou de ir trabalhar no dia seguinte,
alegando estar doente.
E de fato estava.
Passou o dia inteiro dentro de casa, trancada,
sem ver ninguém, e quase sem se alimentar.
No final do dia, tinha tomado uma resolução:
nunca mais iria se interessar por homem
algum.
Viveria sua vida sem precisar deles.
Haveria de se controlar, de dominar seus
desejos...
68—
capítulo 7
dolorosa aventura
Durante muito meses, Liza teve que suportar
o inferno de ter que trabalhar ao lado de Edmundo.
Mas nem por um momento deixou transparecer
que ainda o queria. E também que sofria.
Para sua sorte, um belo dia Edmundo pediu
demissão e foi embora da cidade.
Então, seu sofrimento tornou-se menor.
Mas, lembrava-se agora, deitada na cama,
chorando por causa de Horácio, que aquela não
tinha sido a única experiência amarga que tivera
com um homem.
—69
Amar, só amara Edmundo, e agora Horá
cio.
Mas acontecera outro homem em sua vida.
Só que não o amara.
Mas a experiência tinha sido ainda mais
traumatizante...
Tudo acontecera numa noite de sábado.
Como era uma pessoa pouco sociável, Liza,
além de não ter namorados, também não possuía
amigas.
Sua vida social limitava-se a visitas à irmã
è a um ou outro parente.
Tinha como única distração ia ao cinema nos
fins de semana. Sempre sozinha. Apesar de não
ser costume na cidade, uma moça ir ao cinema
só, à noite.
Mas Liza não se importava multo com isso.
Uma vez que não tinha com quem ir, ia sozinha.
As vezes ia à tarde, mas também costumava ir
à noite. Não via nenhum mal nisso. O que poderia
lhe acontecer pior do que já acontecera?
Na sala escura do cinema, deixava-se envolver
pelo mundo colorido da tela, e durante duas
horas esquecia da própria vida.
Tinha seus ídolos.
Marlon Brando, Elizabeth Taylor, Paul New-
man...
70
Pelo menos três vezes por semana freqüentava
as salas de projeção.
Mergulhava naquele mundo de ficção para
fugir de sua dura realidade.
Durante duas horas sentia-se feliz e relaxava.
Era um dia de semana.
Uma quarta-feira.
Depois de ter voltado do escritório, preparou
seu jantar, comeu e depois saiu para ver
um filme.
Ao sair do cinema, como era dia de semana,'
as ruas estavam meio desertas.
Mas já estava acostumada. Não era uma mulher
medrosa. Só temia a si mesma, voltar a ter
sentimentos, apaixonar-se por alguém e se decepcionar.
..
Os medos comuns, de assalto, de andar sozinha
à noite, essas coisas, ela não os tinha.
Já se afastara bastante do cinema, dobrou
uma rua, e estava mais ou menos perto de casa,
quando escutou uns passos que a acompanhavam
.
Não olhou para trás.
Devia ser um transeunte qualquer que, como
ela, também devia estar voltando pra casa.
Os passos se aproximaram.
—71
Ela sentiu um forte cheiro de bebida no ar.
Inesperadamente, o homem encostou-se nela.
Olhou e viu que se tratava de um sujeito sujo,
mais parecendo um mendigo do que um marginal.
Quis recuar, mas ele segurou-a por um braço.
Liza estava diposta a gritar por socorro, quando
viu que ele tinha um canivete na outra
mão:
— Se gritar, eu enfio isso em você.
Ela entregou-lhe a bolsa:
— É isso que você quer? Tome.
O desconhecido recusou a bolsa:
— Faça o que eu mandar. Senão, eu enfio a
faca, já disse.
Não havia outro remédio senão obedecer.
E o homem a levou para uma rua escura.
Não havia outra solução: ou obedecia ou morria.
Dobraram numa esquina mais escura ainda.
Havia uma velha casa que estava sendo demolida.
O homem obrigou-a a entrar.
— -Por que está fazendo isso?
— Você Já sabe...
Claro que Liza já tinha compreendido, mas
não podia acreditar.
72—
O cheiro de cachaça que se desprendia do
hálito do sujeito era insuportável.
No meio dos escombros da velha casa, ele
empurrou-a contra uma pedra.
Liza viu, horrorizada, o homem tirar a roupa
a aproximar-se.
— Não. Você não pode fazer isso comigo.
Ele riu. Havia várias falhas de dentes.
E o hálito de cachaça mais forte do que nun-
Liza fechou os olhos.
Sabia que não tinha saída.
Sentiu o corpo imundo de encontro ao seu.
Permaneceu de olhos fechados.
O homem rasgou-lhe o vestido e puxou-lhe
a calcinha. Liza não esboçou o menor gesto.
Sentiu uma dor forte quando ele a possuiu.
Depois, com náuseas, sentiu os lábios fedo
rentos de encontro aos seus.
Pensou que ia vomitar.
E o homem soltou alguns gemidos, enquanto
atingia o climax.
Liza só sentia dor. Nada mais. .
Ele se levantou e saiu da casa demolida.
Liza permaneceu ainda muito tempo de olhos
fechados. PÁGINA 73
Quando os abriu não o viu mais.
Trêmula, levantou-se.
Sacudiu a sujeira do vestido, recolocou a calcinha.
Trôpega, conseguiu sair das ruínas.
E andou, quase como uma sonâmbula, em
direção ao edifício onde morava.
. * * *
Apesar de tudo, esta experiência não foi para
Liza tão terrível quanto a que tivera com Edmundo,
O sofrimento fora mais físico.
O desconhecido era um pobre coitado, um
mendigo ou um marginal. Não sabia nem seu
nome. Na verdade, não vira direito nem sua
cara. Se o visse outra vez, talvez não o reconhecesse.
Estas haviam sido as suas experiências sexuais
antes de conhecer Horácio.
Seu ódio pelos homens, sua amargura, sua
desilusão pela vida, tinham uma razão de ser.
Por isso não esperava amor de ninguém,
muito menos felicidade. E por isso também não
hesitaria em comprar Horácio com o seu silên
cio, em fazer chantagem com ele.
Mas julgava-se mais forte. Julgava também
que não restava mais em seu íntimo o desejo
de um amor verdadeiro.
74—
Enganara-se redondamente.
Agora, chorando, abraçada com o travesseiro,
sentia que a coisa que mais queria no mundo
era que Horácio a amasse.
Não queria apenas seu corpo, repetiu para
si mesma.
E se tivesse que ter apenas seu corpo, queria
então que fosse só seu, não desejava mais ter
que dividi-lo com Sueli.
Enxugou as lágrimas.
Decidiu que não poderia ser fraca.
No próximo encontro encostaria Horácio na
parede. Ele teria que terminar logo aquele maldito
noivado com Sueli... PÁGINA 75
Capítulo 8
i
A decisão
Horácio chegou e falou, sorridente:
— Oi, como vai?
Liza respondeu também com um sorriso!
— Tudo bem.
Ele foi logo tirando a camisa.
— Está com pressa?
— Por que pergunta?
— Mal entrou e já está tirando a roupa...
— É que está fazendo calor.
— Eu estive pensando muito em nós dois,
Horácio.
76—
— Pensando em nós dois?
— Sim.
— O que quer dizer com isso?
Isso mesmo. Acho que chegou a hora de
você deixar de ver Sueli.
Ele respirou fundo. Sabia que vinha tempestade.
E estava disposto a enfrentar. Era o cúmulo
permitir que aquela mulher quisesse manobrá-
lo completamente:
— Eu não penso do mesmo modo.
— Na sua situação, meu caro voce não tem
escolha.
Ele procurou ainda manter-e calmo:
— Por favor, Liza, não vamos brigar.
— Não estou querendo brigar. Quero apenas
que acabe este noivado idiota. Você não vai
mesmo casar com ela...
O rapaz riu:
- Não vou o quê?
— Não vai casar com aquela idiota!
Liza queria briga, não era? — pensou Horácio.
Então ia ter o que queria. Talvez fosse melhor
resolver logo aquela situação. Por que temêla
tanto? Afinal já passara vários meses desde a
morte do Dr. Conrado. Se Liza tinha silenciado
até agora, ninguém iria lhe dar crédito .E depois
era a palavra dela contra a dele. Que provas
concretas ela tinha ? Se tivesse falado logo no
—77
inicio teria sido perigoso. Mas agora, decorrido
tanto tempo que matara o Dr. Conrado, não
havia mais tanto risco. Ele poderia dizer muito
bem que Liza estava agindo assim, inventando"
a história do cheque e do dinheiro que
ficara sobre a mesa, procurando incriminá-lo,
porque estava apaixonada por ele. Quanto a
Sueli, esta confiava cegamente nele e jamais
acreditaria que fosse o assassino de seu pai.
— Quem disse que não vou casar com Sueli?
__ Eu.
Horácio deu uma gargalhada:
— Você deve estar maluca.
— E você mais ainda, para me falar deste
jeito.
O rapaz, então, resolveu pôr um fim à discussão:
— Pois bem, Liza, de vez por todas é bom
esclarecer: eu não tenho mais medo de você.
Já marquei a data do casamento com Sueli.
— Eu já desconfiava que você estava pretendendo
me enganar.
— Dentro de um mês, eu caso com ela. E
logo em seguida viajamos.
— Sem essa, Horácio! Você não acha que não
é hora de piada?
— Acho que, no caso, o palhaço não sou
eu. Você é quem está fazendo papel ridículo,
78—
Liza. Eu não gosto de você. Fui pra cama com
você todos estes meses, apenas para ganhar
tempo. Se você não contou logo à polícia, agora
ninguém mais vai acreditar. E quer saber de
mais um detalhe: eu odiava ter que ir pra cama
com você...
Liza gritou:
— Não fale mais nada, Horácio! Vá embora.
Saia da minha casa, já, agora, neste momento!
Ele pegou a camisa. Ela arrebatou-a,de sua
mão e começou a rasgá-la.
Horácio sorriu, cinicamente e saiu calmamentete,
dizendo:
— Fique com seu histerismo, sua loucura...
Liza murmurou baixinho:
— Você não sabe do que é capaz uma mulher
rejeitada...
Continuou falando para as paredes:
— Você assinou a sua sentença, Horácio. Desta
vez eu perdi a batalha, mas não perdi a
guerra. Desta vez não. Desta vez eu posso me
vingar. Você vai ter uma grande surpresa...
Andando pela rua, sem camisa, Horácio sentia
uma brisa leve acariciando-lhe o tórax.
Sentia-se leve e livre como um pássaro. PÁG 79
Estava livre de Liza.
Finalmente se libertara daquela mulher louca.
E se julgou um homem completamente realizado.
Cumprira sua missão, vingando a morte do
pai.
Dentro de um mês casaria com Sueli e ficaria
de posse -de uma imensa fortuna.
Viajaria para a Europa,, em lua-de-mel.
O mundo era seu.
Estava até agradecido a Liza por ter tomado
decisão de encosta-lo na parede naquela noi
* * *
Sentados diante da piscina, tomando banho
de sol, Horácio e Sueli faziam planos.
— Quantos filhos você quer?
— Quantos você desejar, meu bem.
— Acho que um casal é o ideal: um menino
e uma menina. A propósito, sua mãe não vem
para o nosso casamento?
— Não sei. acho que não. Ela está muito
velhinha e detesta viajar.
— Que pena! Gostaria tanto de conhecê-la.
— Quando a gente voltar da Europa, vai até
minha cidade.
80—
— Ela bem que poderia vir morar aqui-...
— A gente discute isso mais tarde, minha
querida.
Horácio sabia que a mãe jamais viria morar
na mesma residência onde vivera o assassino de
seu pai. E também sabia que seu casamento
com Sueli só duraria o tempo suficiente para
poder apoderar-se da fortuna do Dr. Conrado
e passar grande maioria dos bens para o seu
nome... .
A jovem o beijou:
— Tenho até remorso por me .sentir tão feliz
— Remorso por quê?
— Porque não tenho este direito. Afinal, não
faz uma ano que meu pai morreu.
— Mas você não tem culpa disso, Sueli.
Tem que continuar vivendo. Já lhe disse mais
de mil vezes que ele ficaria feliz em saber que
você está feliz.
Eles estavam sozinhos, D. Evangelina havia
saído, e não havia nenhum criado por perto.
Horácio alisou a pele da coxa de Sueli, dourada
pelo sol.
Ela acariciou-lhe o tórax.
Pouco depois, via-se através do calção do
rapaz que este estava excitado. '
Horácio falou, rindo:
81
— Acho melhor a gente dar um mergulho
na piscina, para esfriar um pouco.
E pularam na água.
Estavam brincando como duas crianças na piscina,
quando Laura, uma das empregadas da
casa apareceu, correndo:
— D. Sueli, D. Sueli...
— O que houve, Laura? Parece até que viu
fantasma
— D. Liza está ai, acompanhada de um homem,
um advogado. Eles estão atrás do Sr.
Horácio.
Neste momento, o rapaz quase perdeu o controle.
Ficou pálido, mas Sueli não notou, porque
estava olhando a criada:
— Diga que Horácio não está aqui.
— Sim, senhora — falou a empregada.
E saiu para cumprir a ordem.
Sueli comentou:
— Era só o que faltava. O que é que Liza
veio fazer aqui, com um advogado? Não admito
que perturbem a gente...
E saiu da piscina, no que foi acompanhada
por Horácio. Na beira da piscina, se beijaram
.
Foram Interrompidos pela voz de Liza, que
sem dar atenção à criada, dirigira-se até a piscina:
82—
Os dois interromperam o beijo e olharam
para a mulher. Liza parecia uma estátua. Seu
rosto não transparecia nenhuma emoção, apesar
de não ter gostado de ver os dois se beijando.
— Boa-tarde — respondeu Sueli, mau-humorada.
Um homem acompanhava Liza, e permaneceu
um pouco atrás dela.
— Como vai, Horacio? Há quanto tempo que
não o vejo...
Ele não respondeu. Sueli sentiu que havia
alguma coisa no ar: '
— Por que esta visita repentina?
— Desculpe ter praticamente invadido sua
casa, Sueli. Mas acho que tenho intimidade suficiente
para isso. Fui secretária de seu pai durante
muitos anos. O motivo da minha visita
não é dos mais agradáveis.
Horácio não podia acreditar na ousadia da
mulher.
— E que motivo é este? — quis saber Sueli.
— E que acabamos de descobrir o assassino
de seu pai.
Para disfarçar, Horácio dirigiu-se a uma mesinha,
onde havia uísque e gelo. Preparou um
Liza aproximou-se dele:
— Não me oferece? PÁG 83
O rapaz entregou-lhe o copo. Na verdade
gostaria de jogá-lo na cara de Liza. Mas não
podia fazer isso. Tinha que se dominar.
Enquanto Liza levava o copo aos lábios, Horácio
preparou outro drinque para ele.
Sueli perguntou, curiosa:
— Descobriram o assassino de meu pai?
- Isso mesmo,
— E quem é ele?
— Horácio.
Sueli franziu a testa, enquanto o noivo quase
deixou sair o copo que tinha nas mãos. A ousadia
de Liza não tinha limites.
— Que Horácio? Não estou entendendo nada
- disse Sueli.
— O seu noivo.
— Você, por acaso, enlouqueceu, Liza?
— Não. Desculpe lhe dar este golpe, Sueli,
mas a verdade tinha que aparecer algum dia.
Horácio se manifestou:
— Esta mulher é louca.
- Bem, vim aqui com o Dr. Reynaldo, um
advogado: Ele tem as provas...
— Que provas? — perguntou Horácio.
Porém, antes que Liza pudesse responder, o
rapaz virou-se para a noiva e falou:
84—
— Eu não lhe tinha contado, Sueli, para evitar
aborrecimentos. Você já tinha motivos suficientes
para sofrer com a morte de seu pai
Mas a verdade é que Liza apaixonou-se por mim,
e durante todo este tempo tem me perseguido...
O rapaz fez uma pausa, tomou outro gole
de uísque. Estava trêmulo. Pensou que Liza fosse
dizer alguma coisa. Mas esta permanecia
calada. Deixou que ele terminasse sua explicação:
— Perseguiu-me de todas as maneiras possíveis
e imagináveis. Mandava bilhetes lá- pro hotel,
fez tudo. Terminou ameaçando de me acusar,
caso eu não a quisesse.
Calmamente, depois que viu que Horácio acabara
sua versão dos fatos, Liza falou:
— Eu só vim avisar. As provas estão na
polícia e o processo vai ser reaberto. Dificilmente
Horácio vai conseguir provar sua inocência,
mesmo porque ele é culpado.
Sueli avançou para Liza, com ódio:
— Ninguém vai acreditar nesta novela. Você
me dá pena, Liza. Não sabia que a falta de homem
levaria uma mulher a este extremo.
— E que provas são essas? — perguntou Horácio.
— Você vai saber quando for intimado a depor.
—85
Dizendo Isso, Liza saiu em companhia do advogado.
Sozinhos, Horácio e Sueli ficaram alguns segundos
em silêncio.
Horácio argumentou:
— Ninguém pode ver a felicidade dos outros.
Esta mulher é capaz de tudo.
— Eu acredito em você, Horácio. Vou estar
do seu lado, haja o que houver.
* * *
Assim que saiu da casa de Sueli, Horácio
pensou em ir até o apartamento de Liza, mas
desistiu. Achou melhor telefonar do hotel.
Estava visivelmente preocupado. Aquilo pode
ria colocar por terra todos os seus planos.
Uma coisa não lhe saía da cabeça:
Quais as provas que Liza dizia ter?
Discou o telefone.
Liza atendeu:
—Alô!
— Aqui quem está falando é Horácio.
— Eu sabia que você ia me procurar. Mas
agora é muito tarde.
— Quais são as tais provas de que você falou?
— Tudo está contra você, Horácio.
— Por que não me diz quais são as provas?
86—
— Espere e verá.
E Liza desligou o telefone.
Horácio ficou sem saber o que fazer.
E se fugisse da cidade? Talvez fosse a melhor
solução.
Mas pensou melhor e viu que não podia fazer
isso. Seria a confissão de sua culpa. E não
era agora, que estava na última etapa para
conseguir realizar seus objetivos, que desistiria.
Chegou a aproximar-se de novo do telefone,
pensando em discar outra vez para Liza. Mas
não o fez. Seria uma demonstração de que
estava apavorado. E mais do que nunca não poderia
mostrar-se fraco.
Sueli veio vê-lo depois do jantar.
Ele procurou ser o mais carinhoso possível
com a noiva.
Despiram-se e foram para a cama.
E então aconteceu um fato inesperado para
Sueli. Por mais que se esforçasse, não conseguia
excitar o rapaz.
— O que há com você?
— Devo estar muito chateado. Aquela mulher,
inventar uma calúnia destas...
Sueli mostrou-se compreensiva. Realmente
Horácio tinha motivos suficientes para se aborrecer.
Nada pior do que, sendo inocente, ser
acusado de um crime tão terrível.
—87
Beijou-o por todo o corpo. Esforçou-se ao
máximo para fazer com que Horácio tivesse alguma
reação. Mas seus esforços foram vãos.
Ela resignou-se:
— Não faz mal
* * *
Assim que Sueli foi embora, Horácio vestiu
se, deu um tempo e também saiu do quarto.
Dirigiu-se ao apartamento de Liza.
Tocou a campainha e esperou.
Ela abriu a porta:
— O que vejo fazer aqui?
— Não posso entrar?
— Claro.
E Liza deixou que o rapaz entrasse em seu
apartamento. Falou com ironia:
— Pelo visto, você está multo abalado.
— Você tem que me dizer que provas são
estas.
__Nunca!
Você não tem prova nenhuma. A não ser
a tal história do cheque e do dinheiro, e que
me viu saindo do elevador do edifício do escritório.
Mas é minha palavra contra a sua. Já
lhe disse isso.
— Então, por que está tão nervoso?
Ele não respondeu.
88—
Liza ficou observando-o, divertida.
Horácio voltou a falar:
— Não ficou satisfeita em me ter durante
tantos meses?
— Não. Nunca mais vou ficar satisfeita com
sobras. Eu queria você só pra mim. Quis fazer
um acordo. Você que não aceitou...
— Você não tem prova nenhuma. Duvido que
consiga provar que sou culpado.
E saiu intempestivamente do apartamento.
Depois que ele foi embora, Liza comentou
para si mesma:
— Tudo poderia ter sido tão diferente
E foi até a janela.
Avistou Horácio andando pela rua.
Ele olhou para cima e Liza afastou-se da
janela.
Depois, enxugou uma lágrima.
* * *
Horácio passou por uma prostituta, que lhe
sorriu: ,
— Oi, amor! Não está a fim de transar?
Ele seguiu seu caminho sem lhe dar atenção.
Mas, alguns passos adiante, virou-se. A mulher
estava parada, como se o esperasse. Então,
o rapaz resolveu levá-la para uma hotel
de segunda classe. Talvez com ela conseguisse
—89
fazer o que não conseguira com Sueli naquela
noite.
Pelo menos, aliviaria a tensão em que se
encontrava.
Carmem (era este o nome da prostituta),
era bonita. Quase mulata, o corpo perfeito.
Horácio viu com uma certa surpresa que estava
excitado.
Jogou a mulher na cama e descarregou nela
toda a sua fúria, espancando-a, enquanto procurava
possuí-la. 1
Para seu espanto, Carmem não gritou nem
reagiu. Talvez estivesse acostumada com estas
coisas.
Depois de alcançar o clímax, vestiu-se rapidamente,
tirou a carteira do bolso e pagou à
mulher com generosidade.
Ao ver a quantia que ele lhe oferecera, muito
acima do que costumava receber, Carmem
sorriu e agradeceu.
* * *
O fato de ter transado com' Carmem não melhorou
o estado de espírito de Horácio. O desespero
cedera lugar à depressão. PÁG 90
Liza havia gravado todas as conversas comprometedoras
que tivera com Horácio. Em várias
das conversas ele confessava o crime e contara
o
motivo que o levara a cometê-lo.
As fitas haviam sido entregues à policia.
Foi verificado então que, realmente, vinte anos
antes, o Dr. Conrado se apossara das terras
de um homem que havia morrido misteriosamente.
E que este homem tinha um filho chamado
Horácio.
A culpa deste ficou provada.
E ele foi condenado.
O amor de Sueli transformou-se em ódio
e não se cansava de perguntar a si mesma
como conseguira amar aquele homem.
* * *
Liza foi visitá-lo na prisão algum tempo depois.
Horácio perguntou:
— Por que fez isso comigo?
— Porque você não me quis. Mas foi melhor
assim.
— E por que veio me ver aqui na prisão?
Pra se divertir mais ainda?
— Não. Porque eu o amo, Horácio.
* * *
—91
Depois, ela não o visitou mais.
E continuou sua vida de sempre.
Trabalhando, visitando a irmã e um ou outro
parente. E indo ao cinema pelo menos três
vezes por semana.
Numa destas vezes, na sala escura, enquanto
assistia a um filme, um homem sentou-se ao
seu lado.
Pouco depois, encostou a perna na dela.
Liza deixou.
No meio do filme, já estavam abraçados.
Apesar de querer transformar-se num robô,
Liza sabia que isso era impossível. Ela era um
ser humano, uma mulher de carne e osso. Que
precisava de um homem. Continuaria fazendo
tentativas, apesar de tudo.
Talvez um dia não fosse mais rejeitada. PÁG 92
Fim
No mundo complicado de hoje, ser
DETETIVE
seguramente "é uma boa"...
Sob a direção competente de BECHAR A JALKH você pode apren-..
der tudo quanto há de mais moderno na.fascinante carreira de
DETETIVE, desde a metodização do raciocínio, cias observações,
das pesquisas, das provas colhidas, até o uso e a interpretação da
mais sofisticada técnica eletrônica. • •
Ser DETETIVE CRIMINAL, DETETIVE PROFISS.iqjjÉAt ou pen.ro
em SEGURANÇA FÍSICA DE EMPRESAS e assegurar uma pio*
fissão onde o prazer da realização pessoal ejdo sucesso financei
ro caminham juntos. >
São profissões regulamentadas em -todo o território nacional, de
acordo com a Lei 3.099,-de 24.02.195.7, e do.Decreto Federal
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Horácio é um rapaz de vinte e oito anos. Ele saiu de sua cidade do interior aos oito anos, quando foi expulso juntamente com sua mãe após o assassinato de seu pai.
Vinte anos depois ele volta a cidade onde nasceu.Quais seriam as intenções de Horácio com este ato ?
SOBRE O AUTOR:
Escritor, jornalista e ator, Carlos Aquino nasceu em Sergipe, mas foi para o Rio de Janeiro ainda adolescente.Trabalhou em filmes e peças de teatro, mas finalmente descobriu que sua verdadeira vocação era escrever, passando a dedicar-se à literatura. Sua estréia foi com o romance: Verão no Rio" em 1973. Com seu.estilo vigoroso e moderno, colocando sempre uma dose de verdade em seus personagens, ele foi no século passado na década de 70 e 80 um dos escritores de mais prestigio junto ao público. Detalhes sobre sua morte leia em : https://www.terra.com.br/ist
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