sábado, 11 de maio de 2019

{clube-do-e-livro} 1º LANÇAM DO DIA : RELAÇÕES ÍNTIMAS - CARLOS AQUINO- FORMATO : PDF,EPUB, MOBI, RTF E TXT

Estas s��o as cole����es "sexy" da CEDIBRA:

OLHO MAGICO (4 s��ries)

Amarela ��� autor: Ricardo Veronese

Azul ��� autor: Bruno Altman

Verde ��� autor: Eduardo Rosso

Vermelha ��� autor: Marcelo Francis

KARINA (4 s��ries)

Amarela ��� autor: Ricardo Veronese

Azul ��� autor: Eliane Guerreiro

Verde ��� autor: Vic Lester

Vermelha ��� autor: Marcelo Francis

CORAL (4 s��ries)

Amarela ��� autor: t C��lio Santana

Azul ��� autor: Eliane Guerreiro

Verde ��� autor: Eduardo Rosso

Vermelha ��� autor: Bruno Altman





RELA����ES ��NTIMAS





Carlos Aquino


Copyright �� MCMLXXIX CEDIBRA ��� Editora Brasileira Ltda.

Rua Filomena Nunes, 162 ��� CEP 21.021

Rio de Janeiro, RJ

Direitos exclusivos para o Brasil

Composto e impresso pela Cia. Grafica Lux

Estrada do Gabinal, 1.521 ��� Rio de Janeiro, RJ

O texto deste livro n��o pode ser, no todo ou em parte, nem regis-

trado, nem retransmitido, nem reproduzido, por qualquer meio

mec��nico, sem a expressa autoriza����o do detentor do copyright





CAPITULO 1


O ��LBUM

Geraldo virou a chave e abriu a porta. Um ato simples

e que fazia todos os dias. Mas que naquele momento tinha

uma significa����o maior. Porque estava entrando no apar-

tamento que acabara de comprar, depois de enfrentar in��-

meros problemas.

At�� que enfim estava naquele apartamento que lhe

pertencia. A caminhada que o fizera chegar at�� ele havia

sido dura, cheia de atribula����es. Mas tudo aquilo final-

mente tinha um final feliz.

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Era solteiro e n��o pretendia casar-se. Casar para qu��?

Para ter problemas maiores? Para colocar no mundo outros

seres humanos para sofrer?

Sabia que isso era uma atitude derrotista, mas era

a sua verdade. E gostava de ser fiel a si mesmo.

Al��m disso, achava o casamento uma institui����o ul-

trapassada. Mesmo que seu ponto de vista fosse discut��vel,

n��o estava com disposi����o de mud��-lo. N��o queria casar-se

e pronto.

Algumas pessoas de sua fam��lia, parentes relativamen-

te pr��ximos, tios e primos ��� seus pais j�� haviam morrido

��� costumavam fazer tentativas de meterem-se em sua

vida. Viviam perguntando por que n��o casava.

Mas ficavam s�� nas tentativas. Porque ele n��o admi-

tia, mas n��o admitia mesmo, que ningu��m dissesse como

deveria viver.

Assim, permaneceria solteiro pelo resto da vida. Teria

as mulheres que quisesse, quando quisesse, sem nenhum

v��nculo a n��o ser o desejo do momento. A vida era transi-

t��ria demais, e os amores, tamb��m.

Comprara aquele apartamento de dois quartos, apenas

para seu pr��prio conforto. Um pouco grande demais para

uma pessoa s��. Antes possu��a um conjugado. Sua via-

crucis come��ara justamente quando resolvera vend��-lo e

adquirir um apartamento maior.

Nunca pensara que fosse ter tantos aborrecimentos.

Para come��ar, a fim de n��o ter muito trabalho, entregara

a responsabilidade de suas transa����es imobili��rias a um

corretor.

Mas dera um tremendo azar. O tal corretor n��o tinha

uma qualidade t��o valiosa: a honestidade. E depois de

querer pass��-lo para tr��s de diversas maneiras, Geraldo

despachara-o e decidira fazer tudo sozinho.

Marinheiro de primeira viagem, viu-se �� beira do de-

sespero. Colocara an��ncios nos jornais para vender seu

im��vel. Esteve �� disposi����o de in��meros candidatos �� com-

pra de seu conjugado. Alguns pareciam que apenas que-

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riam se divertir. Olhavam o apartamento, ficavam de apa-

recer e sumiam.

Depois de mais de um m��s, fechou neg��cio. Enquanto

isso, olhava outros an��ncios, procurando o que queria com-

prar. Desejava continuar na Zona Sul. N��o que morresse

de amores por Copacabana, Ipanema, Botafogo ou Leblon.

N��o se incomodava at�� de morar num sub��rbio distante.

Mas devido ao seu trabalho e �� vida �� qual se acostumara,

o ideal mesmo era permanecer vivendo num dos quatro

bairros, perto de tudo e com todas as facilidades de acesso.

Levara quase oito meses, desde que dera o primeiro

passo procurando o tal corretor desonesto at�� a realiza����o,

por conta pr��pria, da venda e compra dos apartamentos.

Oito meses de muito trabalho, des��nimo e chatea����o.

Por momentos, quase desistira e se conformara em con-

tinuar no seu pequeno conjugado. Depois de muitos anos

ali morando, j�� se sentia como um pequeno p��ssaro preso

a uma gaiola.

N��o suportava mais entrar em casa e n��o ter por

onde andar. Da porta at�� a janela, eram apenas alguns

passos. Por isso adiava sempre o momento de voltar para

casa e s�� chegava mesmo na hora de dormir.

Agora n��o, apesar de todos os sacrif��cios, valera a

pena. Tinha um lugar decente, de v��rios aposentos rela-

tivamente amplos, mais do que necess��rios ao conforto

a que se achava com direito.

Pagara um pre��o muito caro, em todos os sentidos.

Al��m do trabalho insano para chegar ao final dos ne-

g��cios.

Empregara todo o dinheiro adquirido com a venda do

seu conjugado, mais as suas economias da Caderneta de

Poupan��a, a venda de todas as suas a����es, o saldo que

tinha no Banco.

E ainda teria que passar dois anos pagando uma al-

t��ssima presta����o, que, no entanto, n��o o amedrontava,

pois trabalhava em dois empregos e ganhava muito bem

para uma pessoa s��.

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Valera a pena tanto sacrif��cio? No momento n��o es-

tava muito seguro disso. Mas a longo prazo, valera. Um

dia, se n��o morresse cedo, ficaria velho. Teria ent��o a se-

guran��a de possuir um bom im��vel, al��m de duas aposen-

tadorias. Seria um coroa enxuto e relativamente rico, po-

dendo ter uma velhice tranq��ila.

Par�� aquele apartamento traria as mulheres que de-

sejasse. Iria usufruir de muitos prazeres ainda durante v��-

rios anos. Aos trinta e cinco anos de idade, estava no apo-

geu de suas for��as e com muito tempo pela frente.

Poucos homens de sua idade, que tivessem vindo do

nada como ele, conseguiriam atrav��s do pr��prio esfor��o,

chegar ��quela situa����o.

No entanto, naquele momento, sentia-se apenas can-

sado. Olhou, com des��nimo, as paredes nuas, a mesa e

duas cadeiras jogadas na sala de qualquer maneira. Per-

correu os outros aposentos.

Uma cama no quarto. As roupas jogadas em cima dela.

No outro quarto, os caixotes cheios de livros. Na cozinha,

a geladeira. Mais nada.

N��o compraria outros m��veis durante algum tempo.

N��o queria mais saber de sacrif��cios. O que dispunha dava

muito bem para o gasto. Principalmente porque o apar-

tamento tinha diversos arm��rios embutidos onde arruma-

ria suas roupas, livros, etc.

Novamente sentiu-se desanimado ao pensar em ter

que arrumar aquilo tudo. Muniu-se de todo o ��nimo de

que foi capaz e voltou ao primeiro quarto, onde estavam

as roupas em cima da cama.

Come��ou a coloc��-las no arm��rio. Pelo menos isso. Os

livros que estavam nos caixotes no outro quarto ficariam

para outra ocasi��o. J�� chegava o trabalho que tivera na-

quele dia, ao providenciar a mudan��a daqueles poucos

m��veis.

Ao colocar a ��ltima roupa num dos compartimentos

do arm��rio embutido, viu no fundo, num canto, dois li-

vros, dois enormes volumes. Deveria ter sido esquecido pelo

antigo morador.

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Pegou os volumes e abriu o primeiro. Tratava-se de

um velho ��lbum de fotografias. Curioso, sentou-se na cama

ainda desforrada e come��ou a folhe��-lo.

As primeiras fotos tinham um tom amarelecido pelo

tempo. Todas estavam datadas, a tinta, embaixo. A foto

de uma garotinha iniciava o ��lbum, com os dizeres escri-

tos em letra arredondada:

"Eu, com alguns meses de vida".

A seguir, vinha uma menina j�� maiorzinha, com um

la��o de fita no cabelo:

"No dia do meu anivers��rio, quando completei dois

anos".

E assim por diante.

A garota aos quatro, seis, oito, dez anos de idade.

Acompanhada pelos pais ou sozinha ou com outras pes-

soas.

Aos quinze, j�� era um deslumbramento. Apesar da

m�� qualidade da foto, da moda antiquada, Geraldo n��o

p��de conter seu entusiasmo pela beleza da adolescente.

E reconheceu nela, a mulher que lhe vendera o apar-

tamento. Como era mesmo o nome dela? Lembrou-se: Fer-

nanda. Vira-a apenas uma vez, no cart��rio, no dia em que

assinara a escritura.

(Ela, ao contr��rio dele, tinha entregue todo o traba-

lho de venda a uma ag��ncia imobili��ria.)

Recordava perfeitamente que ficara impressionado

com sua beleza. Era uma mulher que aparentava pouco

mais de trinta anos, elegant��ssima, e muito, mas muito

bonita.

Largou o ��lbum de lado e abriu o outro livro que,

como desconfiara, tratava-se de um di��rio. Queria se cer-

tificar do nome, que n��o constava do ��lbum. E de fato,

no di��rio, verificou que ela se chamava mesmo -Fernanda.

Mas por que deixara os dois livros ali? N��o os queria'

mais? Certamente havia esquecido. Devia procur��-la para

devolv��-los? Mas ser�� que a encontraria? Talvez. Era s��

dirigir-se �� imobili��ria, que lhe daria o endere��o da cliente.

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No entanto, desejava antes ler tudo. Queria conhecer

a vida daquela mulher. Pegou de novo o ��lbum e conti-

nuou do ponto em que o deixara.

Fernanda aos dezoito anos.

Fernanda num grupo de pessoas.

Fernanda com um rapaz.

Fernanda com outro rapaz.

Fernanda em todas as fases e de todas as maneiras.

Menos nua. (Que pena!)

Na praia. (Que pernas!)

De vestido de baile.

De cal��as compridas.

Novamente de biqu��ni. (Que corpo!)

Leu atentamente as datas, as legendas escritas a m��o

embaixo de cada fotografia.

Fernanda num barco.

Fernanda na pra��a.

Fernanda s��ria, sorrindo, dando uma gargalhada.

Feliz, infeliz, alegre, triste.

Momentos de vida fixados pela c��mara fotogr��fica

para todo o sempre.

At�� que algu��m resolvesse destruir.

Sua curiosidade aumentava cada vez mais.

Chegou �� ��ltima foto.

Fechou o ��lbum.

Era um s��bado.

N��o tinha planejado nenhum programa espec��fico, de-

vido ��s atribula����es da mudan��a.

Sentia-se bastante cansado e viu que ali estava a sua

distra����o para aquela noite.

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No entanto, precisava comer alguma coisa. Estava com

fome. N��o tinha nada em casa. N��o dera tempo de com-

prar. A geladeira estava vazia.

A contragosto desceu e foi at�� o restaurante mais

pr��ximo. Comeu rapidamente e voltou para casa, ansioso.

Tinha necessidade de descobrir aquela vida. A vida de

Fernanda. Que deixara jogada num canto de um arm��rio

embutido.

Por que aquele interesse t��o grande pela vida de uma

mulher que mal conhecia? Ou melhor, nem mesmo co-

nhecia? Ele a vira apenas uma s�� vez de maneira r��pida

e muito formal.

Estaria apaixonado?

Riu do pensamento.

Saiu do restaurante.

Tomou a dire����o de casa.

Entrou de novo no apartamento, como se uma aven-

tura o esperasse ali.

Uma grande aventura.

A aventura de descobrir uma vida.

Deitou-se comodamente na cama.

Pegou primeiro no ��lbum.

Voltou a olhar as fotos.

Uma delas, parecia que falava.

Justamente, Fernanda com quinze anos.

Ficou algum tempo com aquela p��gina aberta.

Os olhos de Fernanda.

A boca.

O nariz bem-feito.

Uma flor nos cabelos.

(Seria moda na ��poca?)

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Aquela flor j�� murchara, n��o mais existia h�� muito

tempo.

Mas ali, na foto, apesar de meio esmaecida pelo tempo,

ainda estava viva. Tanto quanto Fernanda.

O ��lbum foi posto de lado.

E Geraldo finalmente come��ou a ler o di��rio ou a his-

t��ria de uma v i d a , . .

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CAPITULO 2


RETALHOS DE LEMBRAN��AS

"Como ocorre com todas as pessoas, n��o me lembra

direito quando realmente comecei a tomar conhecimento

de que existia. Nem mesmo sei com seguran��a qual a mi-

nha mais antiga recorda����o.

Como todo mundo, tinha um pai e uma m��e, Jacinto

e Lourdes. E um irm��o, Vanderlei.

Este era muito mais velho do que eu. Mais precisa-

mente onze anos. Na verdade, meus pais n��o esperavam

mais ter filhos, quando eu lhes fiz uma surpresa, vindo

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ao mundo, linda e maravilhosa. Muitas vezes, j�� grande,

�� l��gico, brincava com minha m��e a esse respeito e ela

n��o me dava colher-de-ch��.

��� Linda e maravilhosa? Pois sim. Voc�� parecia um

passarinho. Muito magrinha, a cabe��a um pouco grande,

dois olhos enormes. Para lhe dizer a verdade, voc�� dava a

impress��o de s�� ter olhos.

Assim, na verdade, eu n��o era uma bela represen-

tante do sexo feminino quando nasci. E s�� costumava fa-

zer esse tipo de coment��rio com minha m��e, quando es-

tava na casa dos vinte anos. A��, sem falsa mod��stia, j�� era

uma mo��a bonita.

Mas em pequena, n��o era nada disso. Ali��s, dizem que

as pessoas quando s��o bonitas em crian��a, ficam feias ao

tornarem-se adultas. E vice-versa. N��o sei bem onde ouvi

isso.

Mas a verdade �� que �� medida que eu crescia aumen-

tava meus atributos f��sicos. (S�� entre os doze e os qua-

torze anos me senti mais feia do aue nunca. Crescera de-

mais. Mas aos quinze j�� estava adquirindo minha melhor

forma.)

Deixando de lado as quest��es de apar��ncia, vamos aos

fatos. Eu era muito t��mida. Praticamente filha ��nica, so-

zinha, pois meu irm��o bem mais velho que eu, n��o se

preocupava em ocupar-se da irm��zinha que chegara atra-

sada.

As amigas eram poucas. Talvez devido ao meu tempe-

ramento arredio. Preferia ficar em casa, brincando com

minhas bonecas ou com minhas casinhas de armar.

Dava margens �� minha imagina����o. (Sempre fui uma

sonhadora. E o que seria da gente se n��o sonhasse? Se ti-

vesse que aguentar a realidade nua e crua, sem uma fuga?

Entre elas a fuga da imagina����o, da fantasia?)

Assim, fazia minhas casinhas de brinquedo. Vestia e

desvestia as bonecas com as roupas que minha m��e fazia

para elas, incansavelmente. Inventava que elas iam a fes-

tas maravilhosas e dan��avam, d a n �� a v a m . . .





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Apesar de ter bonecas de lou��a muito bonitas, gostava

mais das bonecas de pano, chamadas por muitos de bru-

xas de pano. Tinha uma baiana lind��ssima, de rosto, bra��os

e corpo pretos, vestida com a roupa t��pica das baianas,

cheia de colares e pulseiras de pequenas contas douradas.

Esqueci de dizer que nasci numa cidade pequena. E

peguei uma ��poca cheia de preconceitos, a d��cada de 50.

Principalmente em minha cidade.

Tive uma educa����o rigorosa e muito religiosa. Duran-

te algum tempo, estive semi-interna num col��gio de frei-

ras. Justamente quando fiz o gin��sio, quando minha curio-

sidade pelo mundo aumentava.

Passei no exame de admiss��o para o gin��sio com onze

anos. E me vi semi-interna, indo para o col��gio de manh��

cedo e s�� voltando no fim da tarde.

N��o me esque��o nunca daqueles muros altos que se-

paravam os dois mundos. O do col��gio, onde me sentia

numa esp��cie de pris��o, e o da rua, onde as coisas eram

coloridas e, no meu entender, livres.

Chorava muito certos dias para me levantar e me

arrumar para ir para as aulas. Sentia uma esp��cie de an-

gustia (naquela epoca eu n��o sabia se se dava este nome

aquela coisa meio vaga que me apertava o cora����o e me

enchia de tristeza).

Ia a pulso para o col��gio. N��o que n��o fosse uma

aluna aplicada. Muito pelo contr��rio. Tinha sempre ��timas

notas e meu comportamento era o melhor poss��vel, talvez

devido a minha timidez. N��o ousava nem de longe fazer

metade do que a maioria de minhas colegas faziam.

Sentia uma saudade imensa de casa, como se esti-

vesse condenada a nunca mais voltar. Saudade de meu

pai, de minha m��e, de minhas bonecas (sim, mesmo aos

onze anos, guardava algumas, as mais queridas, com mui-

to carinho), e at�� de meu irm��o, que quase nunca via

(por estas alturas dos acontecimentos, ele j�� tinha desco-

berto a vida pelos bares e pelas ruas escuras);

Mas o fim da tarde chegava e eu estava de volta. As

horas no col��gio no entanto custavam tanto a passar!

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(Mais tarde eu verificaria com tristeza que o tempo passa

muito mais depressa do que seria desej��vel.)

Eu era t��o ing��nua, mas t��o ing��nua mesmo, que mi-

nhas colegas ou debochavam abertamente ou ent��o n��o

acreditavam, chamando-me de sonsa. Mas realmente eu

n��o sabia nada, da vida, mas nada mesmo.

Demorei bastante para descobrir como as crian��as vi-

nham ao mundo. E quando Vera, uma colega mais sabida,

me contou, gritei irritada:

��� Mentira!

Vera deu uma gargalhada:

��� E como voc�� pensa que os meninos nascem?

��� Sei l �� . . .

��� Pois �� exatamente assim como lhe disse.

��� N��o acredito.

��� S�� existe esta maneira, Fernanda. Ainda n��o in-

ventaram o u t r a . . .

��� Quer dizer que meus pais fazem isso que voc��

contou?

Mas claro, eles n��o s��o diferentes das outras pes-

soas.

Para mim, foi uma grande decep����o. Mesmo porque,

Vera, com sua excessiva "sabedoria" em quest��es de sexo

para a idade (era apenas um ano mais velha do que e u ) ,

teve um imenso prazer em me contar com todos os deta-

lhes como se "fabricavam" os beb��s.

Achei tudo muito sujo.

Ent��o, meus pais tamb��m faziam "aquilo"?

Vera me explicou que "aquilo", desde que as pessoas

fossem casadas, n��o tinha a menor import��ncia. Era acei-

to pela sociedade, a religi��o n��o condenava.

Mesmo assim, custei a me acostumar com a id��ia.

Alguns retalhos de lembran��as surgiram na minha ca-

be��a.

Com o fato "misterioso" de uma costureira que aju-

dava minha m��e. (Minha m��e bordava para fora, era con-

ceituad��ssima em seu setor e tinha uma ajudante.)

Esta ajudante, Iracema, um dia apareceu gr��vida.

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E n��o era casada.

E a barriga come��ou a crescer,

A crescer cada vez mais, cada vez mais, at�� que n��o

p��de esconder dos outros.

Vi Iracema chorando.

Ouvi murm��rios. Conversas dela e minha m��e que

eram cortadas assim que eu me aproximava.

Recordei tamb��m uma hist��ria estranha, que n��o sa-

bia direito a origem, nem onde exatamente a tinha ouvido.

Era a hist��ria de uma mo��a que de repente aparecera

gr��vida sem ser casada (a grande vergonha da ��poca e

do lugar).

Ela se justificara, dizendo que dormira com a cal��a

do rapaz debaixo do travesseiro. Assim, "apanhara" a gra-videz.

Realmente uma hist��ria muito estranha. Fant��stica.

Uma esp��cie de lenda. Ou conto de fadas com final infe-

liz. Com uma justificativa mais estranha ainda do que o

epis��dio em si (que na verdade n��o tinha nada de es-

tranho, pois eram muitas as mo��as que de repente, sem

se casarem, "pegavam" filhos).

E agora vinha Vera e esclarecia tudo. Desvendava mis-

t��rios insond��veis, desmistificava lendas e destru��a minha

inoc��ncia.

��� E por que se faz isso?

��� Antes de mais nada porque �� gostoso.

��� Como voc�� sabe?

��� N��o sei, mas imagino ��� respondia Vera com ar

malicioso.

��� Deve doer muito.

��� Se doesse tanto, as pessoas n��o faziam.

��� Mas por que tem que ser assim?

��� Porque �� assim.

E Vera n��o disse mais nada. Cansada talvez se minha

insuport��vel ingenuidade. E eu fiquei com a cabe��a cheia

de fantasias, de inquietudes

Eu tamb��m iria fazer a mesma coisa quando cres-

cesse mais?

17

Mais tarde, vi que a vida era assim porque era assim.

A lei da natureza.

Que todos seguem.

Sem exce����o.

De uma maneira ou de outra. (As outras maneiras de

fazer amor, vim a saber mais tarde, ainda eram mais con-

den��veis e terr��veis na minha concep����o.)

Mas a vida era assim.

E pronto.

A partir da��, insidiosamente, passei a me interessar

mais pelos rapazes. Pelo que os rapazes tinham de dife-

rente da gente.

Foi por essa ��poca que uma piada corria de boca em

boca e esteve muito em moda entre minhas companheiras.

Era a hist��ria de um garoto, cujo pai perguntou se

queria um boneco ou uma boneca de chocolate. O menino

respondeu sem hesitar que preferia o boneco e disso n��o

abria m��o.

O pai perguntou interessado:

��� Mas por qu��?

Respondeu o garoto:

��� Porque o boneco tem um pedacinho a m a i s . . .

E era esse pedacinho a mais que aos poucos foi me

transformando numa grande curiosa. At�� a conversa es-

clarecedora (e ao mesmo tempo um tanto traumatizante

de Vera), nunca me ligara na tal diferen��a.

Foi ent��o que aconteceu um epis��dio que n��o gosto

muito de me lembrar, apesar de ainda hoje me deixar um

tanto excitada (talvez mais do que na ��poca em que acon-

teceu, quando fiquei mais assustada do que propriamente

excitada).

Era um m��s de janeiro.

Pleno ver��o.

(Na verdade n��o havia grandes diferen��as entre o ve-

r��o e as outras esta����es na minha terra. Sempre fazia

calor e o inverno n��o chegava nem a ser frio.)

18

O tempo estava abafado.

N��o me lembro por que motivo entrei repentinamente

no quarto do meu irm��o.

(Eu j�� estava com treze anos, ele com vinte e quatro.)

Ao entrar, deparei com Vanderlei completamente des-

pido (ele estava trocando de roupa).

Meu irm��o gritou, ao mesmo tempo que me deu as

costas:

��� Saia daqui, menina. N��o viu a porta encostada?

Voc�� est�� maluca, entrando assim sem avisar?

Apesar de sua girada r��pida, deu para eu v��-lo de

frente.

Consegui balbuciar:

��� Desculpe.

E sa�� do quarto de Vanderlei o mais rapidamente pos-

s��vel.

Mas a imagem dele completamente despido nunca me

saiu da cabe��a.

Meu irm��o eram um belo rapaz. Praticava esportes,

tinha um corpo musculoso. Mil namoradas espalhadas pela

cidade. O verdadeiro e t��pico mach��o.

E agora eu o vira na intimidade. Conhecera-o comple-

tamente.

O epis��dio, que a princ��pio me assustara, depois me

povoou os sonhos. Mas tamb��m tive pesadelos. Como por

exemplo, aquele em que ele me procurou na calada da

noite em minha cama. Acordei suada e querendo gritar.

Mas percebi que Vanderlei n��o estava ao meu lado. Tudo

n��o passara de um sonho.

Acordada ou dormindo, a imagem me perseguiu cons-

tantemente durante v��rios anos. Um misto de medo e de

desejo.





19


(E me martirizava demais com isso. Como pensar nes-

tas coisas t��o feias? Deveria ter visto qualquer outro ho-

mem nu, que n��o tivesse nenhum parentesco comigo, mas

nunca meu irm��o. Maldisse minha sorte de ter entrado

naquele quarto naquele momento.)

Mas os meses passaram.

A imagem foi esmaecendo.

Eu tinha certeza de que. aquele fato s�� seria mesmo

esquecido quando visse outro homem nu. E inevitavelmen-

te o compararia a meu irm��o.

Aquilo se transformou no meu grande segredo.

N��o contei nada a ningu��m.

N��o tive coragem."

* * *

Geraldo parou de ler.

N��o se tratava propriamente de um di��rio. E sim de

um desabafo. (O que dava no mesmo.) Fernanda contava

a hist��ria de sua vida, os epis��dios mais marcantes. Como

se quisesse botar para fora os fantasmas.

Deitado na cama, de sunga, Geraldo teve vontade de

retroagir no tempo e no espa��o.

Naquele momento desejou possuir Fernanda aos treze

anos. Com sua carne jovem, suave. Sua pureza. Torn��-la

impura. Fazer com que conhecesse logo todos os prazeres

do sexo.

Naquele tempo, ele devia ter uns quinze anos.

J�� andava ��s voltas com suas primeiras experi��ncias

sexuais.

Mas muito distante de Fernanda.

Nascera e se criara no Rio.

Tinha havido um grande desencontro entre os dois.

20

Retornou �� leitura, mais interessado do que nunca.

A hist��ria lhe prometia lances muito interessantes.

Se o in��cio daquela vida era t��o fascinante, o resto

prometia sensa����es ainda maiores.

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CAPITULO 3


A PROFESSORA DE PIANO


"N��o me lembro bem de onde partiu a decis��o.

Se foi de mim mesma, de meu pai ou de minha m��e.

Mas o fato �� que foi resolvido que eu devia estudar

piano.

Estava no ��ltimo ano ginasial e n��o mais em regime

de semi-internato. (Meus pais acharam que era uma bo-

bagem, uma despesa a mais, sem nenhuma utilidade. Eu

era uma garota acomodada, de bons princ��pios. N��o havia

22

necessidade de ficar o dia inteiro encerrada dentro de um

col��gio de freiras.)

Como ia dizendo, comecei a estudar piano, a ter aulas

particulares com D. Ros��ngela. De certo modo, fiquei sa-

tisfeita. N��o que quisesse ser pianista. Mas era uma boa

coisa aprender a tocar, ter um conhecimento mais ��ntimo

com a m��sica.

D. Ros��ngela era uma mulher alta, forte, bonita. Um

pouco grandalhona para o tipo brasileiro. Descendente de

europeus, n��o sei bem se de austr��acos, suecos ou ingle-

ses. S�� sei que foi parar naquela pequena cidade do Nor-

deste.

E que era professora de piano, casada e muito bonita

dentro do seu tipo. Enorme, de grandes quadris, coxas mui-

to grossas, peitos volumosos. Alva, cabelos louros, dentes

perfeitos.

E sempre sorrindo. Muito jovial, alegre, comunicativa.

Uma pessoa extremamente agrad��vel, de bem com a vida.

Viera morar perto de nossa casa h�� pouco tempo. Di-

ziam que antes vivia em Salvador. Muito civilizada, ves-

tia-se com requinte e maquilava-se muito, a boca extrema-

mente vermelha, r��mel nos olhos, etc.

Ah, ia me esquecendo! E se perfumava muito. Quando

passava deixava atr��s de si um aroma maravilhoso, sem

d��vida de perfume franc��s, car��ssimo.

N��o cheguei a saber sua idade exata naquela ��poca.

Devia andar pelos trinta e oito anos. (E eu achava que era

bastante velha para toda aquela pintura e toda aquela

alegria.)

(As vezes me pergunto por onde anda Ros��ngela.

Deve estar com cinq��enta e tantos anos, quase sessenta.

Envelheceu. Onde estar�� morando? Continua alegre? N��o

creio. Ainda vive? Engra��ado, como as pessoas se v��o, de-

saparecem no tempo e no espa��o! Quantos rostos que nun-

ca mais vi! Existir��o ainda?)

Mas acho melhor parar com este meu ataque de nos-

talgia e ir ao que interessa. Ou seja, dona Ros��ngela na-

quele tempo em que a conheci.





23


Era uma mulher fascinante, n��o havia d��vidas.

Tinha v��rios alunos e alunas de piano. Dava aulas

particulares, mas acho que n��o porque precisasse de di-

nheiro. Talvez para se ocupar, enquanto o marido traba-

lhava.

Este, pelo que eu sabia, ganhava muito bem. Era alto

funcion��rio de um Banco (fora transferido para a ag��ncia

de minha cidade, onde ocupava um cargo de chefia).

NO primeiro dia, me recebeu com sua amabilidade ha-

bitual:

��� V o c �� j�� tem alguma no����o de m��sica?

��� N��o, Dona Ros��ngela.

Ela deu uma gargalhada:

��� Em primeiro lugar vou "lhe pedir uma coisa. Nunca

me chame de dona Ros��ngela. Ros��ngela, simplesmente.

Afinal, n��o sou t��o velha assim.

Eu tamb��m ri, meio encabulada.

As aulas eram agrad��veis. Ros��ngela estava sempre

bem-humorada. Fazia das aulas uma esp��cie de brinca-

deira, Ao lado de li����es chatas e repetidas, aquele d��-r��-mi

sem fim, ela, para amenizar a monotonia, sentava-se ao

piano e tocava alguma m��sica. Misturava cl��ssicos com

can����es populares. Tudo se transformava ent��o numa

grande alegria.

Pensei que gostaria de ser como Ros��ngela. Uma mu-

lher cheia de vida, descontra��da. O contr��rio de mim, uma

jovem excessivamente inibida e tensa (talvez por isso que

tenha havido a tal decis��o de me fazer aprender piano,

para me desenvolver um pouco, me tornar mais. comunica-

tiva com os outros).

De fato, isso aconteceu.

Ao contr��rio do que ocorria com as aulas do col��gio,

as de piano se transformaram no meu maior divertimento.

At�� aquela data n��o tinha namorados.

(Fiz sempre as coisas bem mais tarde do que a maio-

ria das outras mo��as.)

Mas aquelas horas alegres tiveram pouca dura����o. Os

meus sonhos de, me tornar pianista foram desfeitos. Mi-

24

nh��s aulas foram cortadas antes mesmo de aprender di-

reito a tocar a m��sica mais simples.

Creio que n��o chegou a durar um ano.

Tudo por causa da maneira de ser de Ros��ngela.

Aos poucos, a cidade come��ou a falar.

Falava-se cada vez mais.

Eu ouvia os coment��rios. E desejava ardentemente que

n��o chegassem aos ouvidos de meus pais. Sabia qual seria

a rea����o.

De fato, demoraram a tomar conhecimento dos tais

coment��rios. Meu pai quase s�� fazia trabalhar, minha m��e

vivia bordando o tempo todo. N��o participavam da vida

social. E, por natureza, n��o tinham como h��bito, muito

comum entre os outros habitantes da cidade, se preocupa-

rem com a vida alheia.

Mas os coment��rios se avolumaram de tal maneira,

que n��o puderam deixar de chegar aos ouvidos deles.

Antes, por��m, eu j�� sabia de algumas coisas.

E uma vez, tive um impacto mais ou menos seme-

lhante ao que experimentara ao entrar no quarto de meu .

irm��o dois anos antes e v��-lo nu.

Foi numa tarde tranq��ila, como ali��s eram todas. as

tardes de minha cidade. Sa�� de casa para a. costumeira

aula de piano. S�� que sa�� bem mais cedo do que a hora

habitual (ao contr��rio das aulas do col��gio, ��s quais sem-

pre chegava em cima da hora ou mesmo um pouco atra-

sada, ��s de piano me esfor��ava para n��o atrasar nem.um

segundo).

Dessa maneira, cheguei �� casa de Ros��ngela quinze

minutos antes da hora. Ela veio abrir a porta. Notei que

seu sorriso n��o foi t��o natural como sempre. Mas n��o po-

dia desconfiar qual o motivo disso. Talvez fosse pura im-

press��o.

Meio sem jeito, Ros��ngela me fez entrar.

��� Acho que cheguei um pouco cedo ��� disse timida-

mente.

��� N��o tem import��ncia.

Ros��ngela j�� recobrara sua habitual desenvoltura.

25

Mandou que eu ficasse �� vontade e pediu que esperasse um

pouco, enquanto ia at�� o quarto. S�� ent��o notei que ela

estava com o robe entreaberto e sem suti��, deixando ver

um peda��o de seio e sua pele alva e macia.

Da sala, quando Ros��ngela abriu a porta do quarto,

divisei um homem l�� dentro, sem camisa, com o peito ca-

beludo. Mas foi uma quest��o de segundos, porque logo

ap��s a porta foi fechada por Ros��ngela. Ouvi vozes que

falavam baixinho.

O homem que estava l�� dentro, eu tinha certeza, n��o

era seu marido. Eu o conhecia. Aquele que vira sem camisa

no quarto era outro. Compreendi ent��o que tudo que se

falava sobre Ros��ngela era verdade.

Senti-me envergonhada de ter chegado cedo demais

para a aula e t��-la surpreendido. Ros��ngela simplesmente

acabara de ir para a cama com um de seus amantes.

O fasc��nio que sentia por ela, em vez de diminuir,

aumentou. A contragosto, vi que eu a invejava, que queria

ser assim tamb��m. Me torturei com este pensamento e

tamb��m com o fato de ter criado uma situa����o embara��osa

para minha professora de piano.

Alguns minutos depois ela voltou. O homem devia ter

acabado de se vestir e ter sa��do por outra porta. (Era uma

casa grande, o quarto onde ele se encontrava dava para

um p��tio, de onde podia alcan��ar a rua, sem ter que pas-

sar obrigatoriamente pela sala. Assim, n��o o vi mais. Mas

seu rosto e seu peito cabeludo, apesar de ter vislumbrado

t��o rapidamente, ficaram na minha mem��ria.)

Ros��ngela aproximou-se de mim, sorridente. Parecia

n��o ligar para o contratempo. Eu, no entanto, estava em-

bara��ada.

Depois, em conversa com Vera, que continuava minha

amiga e estava a par de todos os acontecimentos consi-

derados escabrosos, me disse:

��� Sua professora de piano �� fogo.

��� O que est�� querendo dizer?

��� N��o se fa��a de mais inocente do que ��, Fernanda.

Ent��o n��o sabe do que falam?

26

��� Mais ou menos.

��� Todo mundo sabe. A cidade inteira sabe. Ela faz

tudo na vista de todo mundo. Dizem at�� que o marido

tamb��m sabe de tudo e n��o se importa. Acho que isso j��

�� exagero. A vizinhan��a toda v�� os homens que entram e

saem da casa de Ros��ngela. E diz que ela varia mais de

homem do que de vestido. E olhe que �� uma mulher que

tem muitos vestidos. Voc�� nunca a viu com algu��m quan-

do vai estudar piano?

Eu menti:

��� N��o, nunca.

��� N��o �� que eu seja moralista. Voc�� sabe disso. Mas

n��o posso conceber que sua m��e deixe voc�� estudar com

aquela mulher. Voc�� pode receber p��ssimas influ��ncias.

(Olhei para Vera. Talvez as "p��ssimas influ��ncias" de

que estava falando eu as recebesse dela.)

Vera continuou:

��� De certa forma, para ser mesmo sincera, eu a in-

vejo. Deve ser uma vida deslumbrante, ter os homens que

quer e n��o ter aborrecimentos com isso, uma vez que o

marido �� t��o "compreensivo". Nem todo mundo tem sorte.

Claro que poucos dias depois, minhas aulas de piano

acabaram. Os coment��rios chegaram finalmente aos ouvi-

dos de meus pais e a primeira provid��ncia foi me afastar

da professora.

Ros��ngela sabia o motivo por que eu n��o continuaria

a estudar com ela. Talvez tenha pensado at�� que fora eu

mesma quem contara que vira um homem em sua casa.

Eu quis desfazer esta impress��o:

��� Eu gostaria de continuar com as aulas.

��� Mas seus pais n��o querem, n��o ��?

��� ��.

��� Esta resolu����o deles foi porque voc�� contou alguma

coisa a meu respeito?

��� N��o, juro que n��o. Jamais falaria algo que pu-

desse interromper estas aulas de que gosto tanto.

27

Eu estava sendo absolutamente sincera. E Ros��ngela

compreendia que eu n��o estava fingindo.

��� Eu sabia que n��o tinha sido voc��. Desculpe. Tenho

plena consci��ncia do motivo por que seus pais n��o querem

que venha mais a minha casa. Esta cidade �� pequena de-

mais para mim. E muito mesquinha. Ningu��m tem nada

para fazer a n��o ser falar mal dos outros. Talvez porque

tenham vontade de fazer tudo o que eu fa��o e n��o t��m

coragem. Ou fazem, mas escondido. Detesto hipocrisia. Mas

n��o tem import��ncia.

Algumas semanas depois, estava em casa sozinha, len-

do um livro, quando Vanderlei chegou da rua. Vendo que

n��o tinha mais ningu��m em casa a n��o ser a empregada

que estava l�� na cozinha e sem, portanto, poder nos ouvir,

ele.me fez uma revela����o surpreendente:

Felizmente voc�� n��o est�� mais estudando piano.

��� Por que? O que voc�� tem com isso?

��� Aquela mulher �� o pr��prio dem��nio. Sabe que at��

eu estive l�� esta semana?

��� Voc�� adora contar vantagem.

Ele nem ligou para o que eu disse e continuou:

��� Ros��ngela h�� muito tempo que vivia me olhando

com interesse. Eu ainda n��o tinha ido at�� sua casa, por-

que voc�� estudava com ela. Mas agora, vendo que nada

me impedia, me aproximei e foi exatamente como eu espe-

rava. . .

Vanderlei concluiu, c��nico:

��� Que mulher! Um neg��cio, de louco. A melhor que

eu j�� tive na cama. Acho que vou ficar " f r e g u �� s " . . .

Tive raiva de meu irm��o. Voltei a ler meu livro e n��o

lhe dei aten����o.

Ele n��o voltou a me falar no assunto.

Poucos meses depois, Ros��ngela mudou-se da cidade.





28


Soube que o marido fora de novo transferido para

outro lugar (talvez influenciado por ela que n��o suportava

mais viver ali).

"Nunca mais tive not��cias de Ros��ngela."





29


C A P �� T U L O 4

EXPERI��NCIA DESASTROSA

"Quase sempre, �� quase uma regra, as pessoas t��m

uma lembran��a muito agrad��vel do primeiro namorado e

o relembram com saudade. Comigo n��o posso dizer a mes-

ma coisa.

Todas as vezes que me lembro de Jair, procuro esque-

cer o mais depressa poss��vel, pensando imediatamente nas

mais variadas coisas, a fim de que sua figura saia de minha

mente.

30

N��o tenho a m��nima id��ia porque comecei a namo-

r��-lo. Talvez pelo fato de nunca ter tido nenhum antes

e ele ter sido um tanto ou quanto insistente.

Jair era o tipo do homem de que eu n��o gostava.

Em todos os sentidos.

Baixinho.

Magro.

Rosto encovado.

Um bigode para afirmar a masculinidade.

(Tamb��m acho que ele insistiu tanto comigo, porque

as outras garotas da cidade n��o o queriam.)

Tornava-se absolutamente imposs��vel am��-lo.

N��o era apenas seu aspecto f��sico que desagradava.

A sua personalidade era negativa.

Achava-se bonito. (Por incr��vel que pare��a.)

Tinha um car��ter bastante duvidoso.

Tomava pileques hom��ricos.

Estava sempre no cabar�� freq��entado por meu irm��o.

S�� que Jair era um freq��entador bem mais ass��duo. (Eu

achava que era sua ��nica sa��da, porque somente sendo

paga uma mulher poderia entregar-se a ele.)

Provavelmente devia estar sempre com doen��as ven��-

reas (naquela ��poca eu n��o sabia exatamente o que era

isso. Mas ouvia falar).

De prostituta em prostituta, de pileque em pileque,

estudava (fizera vestibular para a Faculdade de Direito,

e passara, claro, porque sempre fora conhecido como o rei -

da "cola"). Nos intervalos procurava arranjar uma namo-

rada, sendo desprezado sempre. Mas uma ou outra ca��a

em sua armadilha e eu fui uma delas.

Dizem que todos n��s temos alguma mancha negra em

nossa vida. Negra e quase, sempre secreta. Pelo menos fa-

zemos o poss��vel para esconder de todos. A mancha negra

de minha vida, que at�� hoje me envergonha, foi ter namo-

rado Jair.

Vendo-me num baile, na casa de uma amiga) convi-

dou-me para dan��ar. N��o pude recusar. (Minha timidez

sempre me levava ��s piores situa����es.)

31

Tamb��m por timidez n��o soube desvencilhar-me dele

e Jair passou o baile inteiro dan��ando comigo, apesar de

meus fracos protestos de cansa��o.

Enquanto dan����vamos e dan����vamos, ele me "cantou"

de todas as maneiras. (Isso at�� que ele sabia fazer bem,

uma de suas poucas qualidades.) Disse que eu era linda,

a mo��a mais bonita da festa, talvez at�� da cidade.

No seu entusiasmo crescente, afirmou que n��o havia

concorrentes para. mim. Confessou-se terrivelmente apaixo-

nado h�� bastante, tempo, apenas n��o tivera ainda, at��

aquele momento, oportunidade de se declarar.

Ap��s a declara����o, me vi envolvida como numa es-

p��cie de torvelinho. Era como se tivesse ca��do numa ca-

choeira e n��o pudesse me salvar.

Envolvida por sua l��bia, sem a desinibi����o necess��ria

para cortar suas inten����es, deixei que marcasse um en-

contro comigo para o dia seguinte.

E Jair n��o me largou mais.

Claro que fui objeto de goza����o da parte de Vera e

algumas outras colegas.

��� Lamento o seu gosto ��� disse Vera com grande

franqueza.

��� Mas eu n��o gosto dele.

��� E por que est�� namorando?

��� �� ele que insiste.

��� Bem, pelo menos Jair �� um bocado homem.

��� Como assim?

��� Ora, Fernanda, l�� vem voc�� com sua doce e eterna

inoc��ncia. Todo mundo sabe que ele vive no cabar�� todas

as noites e j�� foi para a cama com todas as mulheres de

l��. Inclusive, a gente nota, mesmo vendo-o vestido, que ele

�� muito bem dotado.

��� Bem dotado?!

��� N��o me fa��a perder a paci��ncia, Fernanda. Voc��

sabe muito bem o que quero dizer.

Quase cortei rela����es com Vera. Mas n��o o fiz, tam-

b��m por timidez e medo. Se Vera era t��o terr��vel como

amiga, quanto mais como inimiga.

32

Pensei em acabar imediatamente meu nascente namo-

ro com Jair. Mas n��o consegui. Novamente a minha falta

de coragem estava me levando por caminhos que n��o que-

ria trilhar.

E assim, come��amos a ir ao cinema juntos.

A passear �� beira-mar.

A andar pela pra��a da Matriz.

A conversar na porta de minha casa.

Verdade seja dita: ele procurava agradar-me de todas

as maneiras poss��veis.

Deu-me o primeiro beijo na boca, n u m vesp��ral no

Cinema Vit��ria. Reagi, n��o correspondi direito. Mas ele

continuou com seus l��bios colados aos meus durante al-

gum tempo.

Aquilo estragou o filme. Voltei para casa chateada e

muda. Jair compreendeu meu aborrecimento.

E s�� ousou dar o segundo beijo uma semana depois.

De alguma maneira, ele me fascinava, n��o posso negar,

Suas aventuras amorosas com as "mulheres da vida'',

sua grande experi��ncia sexual, as coisas que Vera falou

a seu respeito, tudo isso, mesmo que eu lutasse contra, me

atra��am.

Nos filmes que assist��amos, aproveitando o escuro da

sala de proje����o, ele colocava o bra��o por cima de meus

ombros, me abra��ava, roubava-me beijos.

Aos poucos foi aumentando sua ousadia.

Pegava-me na coxa, como se fosse por acaso.

Acariciava-me os bra��os, o p e s c o �� o . . .

Abra��ava-me cada vez mais forte.

Uma noite, no port��o de minha casa, na hora de des-

pedir-se, ele me agarrou de repente, me beijou com for��a,

encostando seu corpo em mim.

Quase tive uma vertigem.

Uma sensa����o desagrad��vel e ao mesmo tempo agra-

d��vel.

Empurrei-o de leve.

Ele foi embora.

Mas tinha conseguido seu objetivo.

33

Fez a c e n d e r e m mim uma chama, ainda pequena ��

verdade, mas que n��o deixava de ser uma chama de de-

sejo.

Passei ent��o, pela primeira vez, a querer ter um ho-

mem (n��o propriamente Jair). Um homem que me pos-

su��sse e a quem eu pudesse me entregar.

Mas isso, de acordo com minha, educa����o, s�� com o

casamento.

Ent��o, pensei que urgia me casar. Quanto antes, me-

lhor.

N��o com Jair.

Com outro homem qualquer.

Mas quem?

Havia alguns rapazes que me interessavam.

Mas como aproximar-me deles? N��o cabia a mim to-

m a r a iniciativa. Naquela ��poca as mulheres deixavam

que os homens a conquistassem, nunca o contr��rio. No

meu caso, ent��o, com minha inibi����o, n��o havia outro

jeito a n��o ser esperar que os rapazes me porcurassem.

E agora que estava namorando o Jair, mais dif��cil se

tornava arrumar outro namorado.

Ent��o, resolvi que romperia com ele na primeira opor-

tunidade. Precisava no entanto, de um motivo.

Este apareceu.

Foi numa noite, em que mais uma vez, est��vamos na

porta de minha casa, conversando.

Ele me abra��ou.

Procurei afast��-lo delicadamente.

Ele for��ou o abra��o mais ainda:

- Voc�� me deixa louco.

��� S e continuar, vou ficar aborrecida.

��� Que �� isso, meu bem? Estou apaixonado. Vivo mor-

rendo de desejo por voc��.

Ent��o, ele me beijou, colocou a m��o por dentro do

meu vestido e pegou no meu seio.

De s��bito, tomei consci��ncia da situa����o. Revoltei-me





34


comigo mesma e com meu parceiro. Empurrei-o com for��a,-

quase chorando e disse:

��� Suma da minha frente. N��o sou uma daquelas mu-

lheres com as quais est�� acostumado. Sou uma mo��a de

fam��lia. O que est�� pretendendo fazer comigo?

E entrei em casa aos prantos.

Minha m��e viu o meu estado:

��� O que aconteceu?

��� Briguei com Jair.

��� Foi uma briga s��ria?

��� Ser��ssima.

��� B e m . . . todos os namoros terminam, quando n��o.

d��o em casamento. Para dizer a verdade, n��o sei o que

voc�� viu neste rapaz. Talvez at�� tenha sido bom.

Tranquei-me em meu quarto, chorando.

Ouvi meu pai, que n��o me vira entrar, perguntar a

minha m��e:

��� O que houve com ela?

��� Terminou com o namorado.

Chorei bastante. Muito mesmo. N��o por ter terminado

com Jair. Aquela fora uma oportunidade ��nica de me ver

livre dele. Mas por estar me acabando de desejo de entre-

gar-me ao primeiro homem que aparecesse e saber que n��o

tinha coragem para tanto. Antes precisava casar.

Jair procurou uma reaproxima����o, recome��ar o na-

moro.

Mas n��o deixei.

Demonstrei-lhe que ficara profundamente ofendida;.

Ao mesmo tempo morria de medo que ele espalhasse

o epis��dio vergonhoso e que este chegasse ao conhecimento

de meu irm��o (mais tarde, racio��inando melhor, compreendi

que todos sem d��vida n��o acreditariam se ele contasse.

Pensariam que eu acabara o namoro justamente por Jair

ter querido avan��ar o sinal).

Esta foi minha primeira experi��ncia em mat��ria de

amor (se �� que se pode chamar assim o tal epis��dio). De-

sastrosa. Talvez at�� repugnante.

E passei um longo per��odo sem outro namorado.

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Eu j�� n��o me achava t��o feia como quando mais nova.

Mesmo assim, n��o gozava de muita popularidade entre os

rapazes. Talvez eu os afastasse inconscientemente, devido

�� minha falta total de comunicabilidade.

Jair, depois de muitas tentativas, tamb��m desistiu de

me reconquistar.

(E sua namorada seguinte, para meu espanto, foi jus-

tamente Vera. Imagino o que n��o f i z e r a m . . . )





36


C A P I T U L O 5

UM HOMEM CASADO

"Um encontro inesperado numa rua qualquer, num

dia qualquer, me fez o cora����o pulsar com mais for��a.

Caminhava distra��da, quando senti dois olhos pregados

em mim.

N��o era nenhum dos rapazes de minha idade.

Um homem de mais de quarenta anos, sem d��vida.

Olhei-o tamb��m.

O rosto n��o me era totalmente estranho.

Achei-o inclusive bonito. Muito bonito.

37

Moreno. Queimado de praia.

Talvez nem morasse naquela cidade.

Mas eu j�� o vira.

Isso tinha certeza.

Em que lugar?

Me esforcei para descobrir.

Nada.

Ele parou mais adiante e ficou me olhando.

Continuei andando, devagar, trocando as pernas, en-

cabulada.

Tive vontade de voltar, passar novamente por ele. Mas

n��o tive a aud��cia: apenas olhei para tr��s. (Foi quando

descobri que tinha parado.)

Foi a conta.

O estranho me acompanhou.

Andei mais duas quadras.

Sentia que estava sendo seguida.

Finalmente ele se acercou de mim.

(Descobri de onde o conhecia. Como n��o me lembrara

logo? Da casa de Ros��ngela, alguns anos antes. Ele tinha

sido justamente o homem que eu vislumbrara no quarto,

sem camisa, com o peito cabeludo. Vira?o por um segundo.

Por mais talvez. Mas n��o o esquecera.)

O homem me abordou.

Falou qualquer coisa que n��o me lembro direito, a

fim de puxar conversa.

Respondi tamb��m qualquer coisa.

Mas n��o prestava muita aten����o �� conversa e, sim,

em analisar seu aspecto f��sico nos m��nimos detalhes.

A pele bem morena. Os poros um pouco dilatados. Al-

gumas rugas um tanto profundas.

Dentes alv��ssimos. Nariz afilado. Boca bonita.

Olhos castanho-esverdeados, penetrantes, emoldurados

por pestanas espessas.

Vestia uma camisa branca (lembro-me muito bem). A

cal��a era azul-marinho.

O branco lhe acentuava a pele bronzeada.

38

Os pelos do t��rax apareciam por entre a camisa en-

treaberta.

Os cabelos nas t��mporas estavam brancos. (Creio que

quando o vi pela primeira vez no quarto de Ros��ngela, ain-

da n��o tinha os cabelos grisalhos.)

Aquilo dava-lhe um charme ainda maior.

A vontade de conhec��-lo melhor fez com que minha

timidez diminu��sse bastante.

Minutos depois, est��vamos conversando como se j�� nos

conhec��ssemos h�� muito tempo (e na verdade eu j�� o co-

nhecia).

Arrisquei:

��� Eu j�� lhe c o n h e �� o . . .

��� De onde?

��� Posso mesmo dizer?

��� Claro que pode.

��� Eu o vi uma ��nica vez.

��� Quando?

��� H�� mais de dois anos.

��� Onde?

��� Em casa de minha professora de piano.

��� A Ros��ngela?

��� Ela mesmo. Eu cheguei na aula um pouco antes

da h o r a . . .

��� Ah, j�� me l e m b r o . . . Ent��o voc�� era aquela ga-

rota?

Sorri e afirmei com a cabe��a.

��� Voc�� cresceu muito.

Continuei sorrindo.

��� O tempo passa ��� disse ele. ��� Onde anda Ros��n-

gela?

��� Foi embora daqui.

��� Era uma mulher extraordin��ria.

��� Voc�� tamb��m n��o mora aqui, n��o ��?

��� Como sabe?

��� Nunca mais o vi. - Esta cidade �� muito pequena

para a gente ficar sem ver uma pessoa durante muito-

tempo.

39

��� Realmente n��o vivo aqui. Venho de vez em quando,

de f��rias.

��� De onde voc�� ��?

��� De Recife.

��� E deixa uma cidade t��o bonita para vir passar as

f��rias neste lugarzinho?

��� Gosto daqui. �� mais calmo. E tem garotas lindas!

Como voc��!

Ele sorriu. Eu me encabulei.

��� Ainda n��o lhe disse meu nome?

��� N��o.

��� Edmundo.

��� Fernanda.

Ambos rimos.

��� Voc�� �� casado?

��� Por que quer saber?

��� Pela sua resposta, sei que ��.

��� Tem alguma import��ncia?

��� Claro que tem.

(Estava decepcionada. O romance que poderia ter com

Edmundo j�� morrera antes mesmo de come��ar. O que era

uma pena.)

��� Mas podemos nos encontrar.

��� Para qu��?

��� Para conversarmos. Afinal, o fato de ser casado n��o

quer dizer que tenha alguma doen��a contagiosa.

��� �� que n��o fica bem uma mo��a de fam��lia se encon-

trar com homens casados.

��� Mas ningu��m aqui sabe disso. Se �� dos outros que

tem medo, pode ficar descansada.

(Mas n��o era dos outros que eu tinha receio. Tinha

medo de mim mesma, de Edmundo, de n��o resistir aos seus

encantos.)

��� Vamos �� praia amanh��?

��� N��o posso.

��� Por qu��?

��� Eu estudo.

��� Quando pode?

40

��� No s��bado.

��� S��bado est�� muito longe.

��� O que se h�� de fazer?

��� Podemos nos encontrar amanh�� depois de sua aula

em algum lugar qualquer?

��� N��o s e i . . .

��� Por que a d��vida?

��� Voc�� sabe.

��� Porque sou casado?

��� Isso mesmo.

��� Bobagem sua. Prometo que n��o vou lhe fazer ne-

nhum mal.

Novamente me encabulei.

Nos encontramos dois dias depois.

Fomos ao cinema juntos.

Sess��o das quatro da tarde (eu estudava pela manh��).

N��o me lembro mais qual era o filme (afinal, j�� faz

tanto tempo!).

Ele aconchegou-se na cadeira, encostou a perna na

minha no decorrer da proje����o.

Deixei. O contato me era profundamente agrad��vel.

Mais tarde, passou os bra��os pelos meus ombros.

Senti-me protegida (apesar de saber que devia me

sentir justamente o contr��rio).

Sua m��o acariciou-me o bra��o.

Depois, tocou-me levemente o seio.

Tive vontade de abandonar-me em seus bra��os e dei-

xar que fizesse de mim o que quisesse.

Ele parecia compreender o que se passava pela minha

cabe��a e beijou-me na face.

Antes do filme terminar, beijou-me na boca.

Correspondi com entusiasmo (o que nunca fizera com

Jair).

Sa��mos do cinema.

��� Aonde vamos?

��� N��o tenho a menor id��ia.

Fomos a uma confeitaria que ficava numa esquina da

41

pra��a principal da cidade. Tomamos sorvete. De morango.

Repetimos.

Ele apontou para o outro lado da pra��a.

��� Estou hospedado naquele hotel.

Estremeci (estaria Edmundo fazendo um convite? N��o

sabia que era um convite inaceit��vel? Que eu n��o poderia

entrar naquele hotel junto com ele? Muito menos em seu

quarto? Mesmo que fosse um homem solteiro? Quanto mais

sendo casado? Tive inveja de sua mulher, tive raiva de

minha vida, tive vontade de me l i b e r t a r . . . ) .

��� Voc�� ficou -t��o s �� r i a . . .

��� Foi?

��� Foi. Porque eu falei no hotel. J�� sei. Pensou que

era um convite. E �� realmente um convite. Gostaria muito

que fosse l��. Mas n��o vou insistir. Sei que n��o pode ir. Ou

n��o quer. O que d�� quase no mesmo. Afinal (e ele sorriu,

um tanto c��nico), eu sou um homem casado.

Me fale de sua mulher.

��� Para qu��?

��� Tenho curiosidade em saber como ��.

��� Estou casado h�� tantos a n o s . . . tenho a impress��o

de que j�� nasci casado. Fiz esta bobagem muito cedo. Te-

nho filhos grandes. Voc�� me pede que lhe diga como ��

Nilza. Sabe que n��o sei? Me acostumei tanto com seu rosto

que n��o consigo descrev��-lo. Mesmo me esfor��ando. �� uma

mulher comum. Um pouco mais jovem do que eu. Mas

talvez pare��a mais velha. Sabe como ��, as mulheres cuidam

da casa, dos filhos, esquecem de si mesmas. �� como um

m��vel qualquer que eu tenho em casa. Se me perguntar

como �� -a mesa de minha sala de jantar, n��o sei lhe dizer.

O mesmo acontece com Nilza.

��� Ent��o ela se chama Nilza. O nome �� bonito.

Durante aquelas f��rias de Edmundo, tornei a v��-lo v��-

rias vezes. Mas n��o fui ao seu quarto de hotel. Me mantive

firme, sabe Deus como! Foi preciso muita for��a de von-

tade.

Nessa mesma ocasi��o, Vanderlei estava noivo e com o

casamento marcado. Eu sentia um certo ci��me de sua

42

noiva, Fab��ola, tamb��m inveja (o que demonstrava que

eu tinha um certo desejo incestuoso, desde que vira meu

irm��o despido por acaso).

Infelizmente, chegava o momento de Edmundo ir em-

bora. Nossa despedida foi um tanto ou quanto melanc��lica.

Eu sentia uma esp��cie de saudade de uma coisa que afinal

n��o acontecera. N��o tivera coragem de ser possu��da por

Edmundo.

Mas era quase como se tivesse sido, pois vontade n��o

me faltava. Torno a repetir: o que me faltara fora co-

ragem.

��� Eu volto no ano que Vem..

��� O que adianta?

��� N��o quer me ver de novo?

��� Voc�� vai continuar casado.

��� O que eu posso fazer?

Ele deu adeus, de longe, j�� perto do hotel para onde

se dirigia a fim de pegar as malas. Eu fiquei do outro lado

da pra��a, louca para correr e cair em seus bra��os, entre-

gar-me a ele, aproveitar os ��ltimos minutos de sua perma-

n��ncia na cidade.

Respondi ao aceno.

Edmundo entrou no hotel. Fiquei feito uma pateta,

parada na esquina, sufocando os solu��os. Tinha uma vaga

impress��o de que n��o mais o veria.,

(E por que queria tanto v��-lo no ano seguinte, se eu

mesma afirmava que de nada adiantava?)

* * *

Chegou o dia do casamento de Vanderlei. Acordei

agressiva, com raiva de tudo e de todos. Fab��ola, sua noiva,

era uma mo��a de sorte e. eu a invejava.

Assisti ao casamento com um ar indiferente, mal po-

dendo disfar��ar minha raiva. A festa que se seguiu me foi

mais penosa ainda. E �� noite, quando me. deitei para dor-

mir, n��o pude afastar o pensamento que me dominava, e

imaginava meu irm��o na cama com Fab��ola.

43

Os meses passaram.

Eu n��o conseguia esquecer Edmundo.

Ent��o aconteceu uma coisa que viria transformar ra-

dicalmente minha vida."

44

C A P �� T U L O 6

A MUDAN��A

"Meu tio Otac��lio, que morava no Rio de Janeiro, con-

seguiu que meu pai, que era funcion��rio p��blico federal,

fosse transferido para a Cidade Maravilhosa.

Era a realiza����o de um sonho que chegava um pouco

atrasado. Mas "antes tarde do que nunca". E, afinal de

contas, meu pai ainda era relativamente jovem (casara-se

muito cedo e mal entrara na casa dos quarenta).

Houve uma forte press��o para que n��o viaj��ssemos.

Minha m��e e todos os outros parentes acharam a mudan��a

45

uma loucura. Mas o fato �� que pouco tempo depois me vi

subindo a escadinha do avi��o com meus pais rumo �� gran-

de cidade.

Vanderlei, que j�� estava casado, permaneceu na nossa

terra.

Para mim, aquilo significava uma altera����o total em

minha vida. Apesar de n��o morrer de amores pela minha

cidade, senti o cora����o apertado quando entrei no avi��o.

Tive vontade de chorar, e at�� de Vera, que eu detestava,

passei a ter saudades.

Como viveria no Rio de Janeiro sem conhecer nin-

gu��m? T��o t��mida, quanto tempo levaria para fazer novas

amizades?

Minha m��e, ao contr��rio de mim, exteriorizava seu

desgosto pela mudan��a. Tamb��m achava, e com maiores

raz��es do que eu, que n��o conseguiria se adaptar �� nova

vida. J�� n��o era mais jovem. Ia se sentir mais desambien-

-tada ainda.

Havia tamb��m, no meu ��ntimo, uma outra saudade.

Era irremedi��vel.

Edmundo.

Nunca mais o veria.

Havia perdido de vista para sempre o homem que ama-

va (ou pensava amar).

Talvez aauela fosse a ��nica maneira de n��o me tornar

sua amante, pois sabia que no ano seguinte, quando ele

me procurasse, eu n��o resistiria mais.

Arrependi-me ent��o amargamente de n��o ter ido para

seu quarto de hotel. De n��o ter aproveitado com todas as

for��as aquele m��s de f��rias que ele passou l��.

Por outro lado, tamb��m achava que se o tivesse feito,

estaria agora mais triste do que nunca em n��o tornar a

v��-lo.

Edmundo, como Ros��ngela minha professora de pia-

no, tamb��m se perderia no tempo e no espa��o. Nunca mais

teria not��cias dele, nunca mais veria o rosto (e o corpo)

t��o querido e desejado.

46

Afundei-me na poltrona do avi��o e tamb��m na minha

ang��stia. Recordei detalhadamente cada momento que pas-

sara ao seu lado. As pequenas concess��es que fizera em

nossos encontros.

Os beijos e abra��os.

A m��o de Edmundo acariciando meus seios.

Pouco mais do que isso.

O que me esperava no Rio?

Encontraria algu��m que me fizesse vibrar de novo com.

tanta intensidade?

Como eu era ing��nua naquela �� p o c a . . .

N��o tinha consci��ncia de que o tempo vai apagando

indistintamente tudo. As imagens que ficam para tr��s v��o

se esvaindo. De vez em quando a gente as recorda. Depois

outras imagens mais recentes e talvez mais fortes tomam-

lhe o lugar.

A vida �� uma bobagem t��o g r a n d e ! . . .

Coisas ��s quais damos tanta import��ncia no momento

em que acontecem, passam a n��o ter valor nenhum, pouco

depois. Claro que Edmundo teve import��ncia em minha

vida, mas n��o havia necessidade de tanto sofrimento de

minha parte, ao ter certeza de que nunca mais o veria.

Quantos sofrimentos a gente podia evitar se conse-

guisse ver as coisas com um certo distanciamento. Afinal,

Edmundo n��o representava quase nada para mim. Nem

f��sica, nem espiritualmente.

Eu n��o estava apaixonada por ele, vim a compreender

mais tarde. E muito menos o amava. Se o amasse, teria

me entregado, por mais medo que tivesse. O amor faz a

mais covarde das criaturas demonstrar uma coragem nun-

ca antes imaginada.

O que sentia por Edmundo era um fasc��nio decorren-

te do fato de saber que fora amante de minha professora

de piano, para mim uma personalidade incr��vel, com a qual

gostaria de me parecer.

E tamb��m tratava-se, �� l��gico, de uni homem bonito,

que me atra��a sem d��vida. Mas o que tem isso a ver com

amor?





47


Nada.

N��o tive medo da viagem de avi��o (a primeira que

fazia). Pelo contr��rio. Achei ��tima. Almocei, tomei refri-

gerantes, li revistas, olhei as paisagens pela janelinha. No

meio da viagem j�� estava menos angustiada e quase alegre.

Todo jovem gosta de aventura.

E eu estava come��ando a viver a minha.

Iria conhecer novos rostos.

Encontraria o homem (ou os homens) de minha vida.

Finalmente, chegamos ao Rio.

Otac��lio, meu tio, nos esperava no Aeroporto. Conhe-

cia-o s�� de fotografias. Era simp��tico, extrovertido. E me

agradou imediatamente com seu primeiro coment��rio:

��� Nunca pensei que voc�� pudesse ser t��o bonita!

Sorri imensamente feliz. E esta frase me deu uma se-

guran��a enorme. Ele parecia absolutamente sincero. Me

achava mesmo muito bonita. Minhas inseguran��as come-

��avam a diminuir.

Mas os primeiros tempos na nova cidade n��o foram

particularmente divertidos.

Desambientada, custei a me adaptar com a sua imen-

sid��o. Tinha medo de andar sozinha. Demorei a aprender

a conhecer as ruas. Fomos morar em Copacabana, "a praia

mais linda do mundo".

Nos primeiros meses, mantive correspond��ncia com al-

gumas pessoas de minha terra. Depois, as cartas foram

rareando, �� medida que eu fazia novas amizades aqui.

J�� conclu��ra o gin��sio.

No Rio comecei a fazer o segundo grau. Nem sei mes-

mo por qu��, uma vez que na verdade n��o tinha uma voca-

����o determinada para nada.

Os estudos ajudaram a ampliar o c��rculo de meus rela-

cionamentos. (No edif��cio em que morava, quase n��o v��a-

mos os vizinhos, a n��o ser uma vez ou outra no elevador.

Ou na portaria. Foi uma das coisas que mais estranhei,

pois em minha cidade todo mundo se conhecia, se visitava.)

No entanto, entre os jovens colegas, a camaradagem

se tornava mais f��cil.





48


Ouvia as conversas das outras mo��as. Passei a parti-

cipar delas. Nunca revelei meu grande segredo, ou seja,

que permanecia virgem. No meio que freq��entava agora

isso era uma vergonha. Justamente o contr��rio do que

acontecia na minha terra.

Tinha um medo pavoroso que descobrissem isso. Seria

motivo de deboche por parte de todos."

* * *

A campainha da porta tocou e Geraldo teve raiva.

N��o queria interromper a leitura que tanto o interessava.

O barulho irritante da campainha continuava sem parar.

N��o teve outro jeito sen��o deixar o di��rio de Fernanda

de lado e ir atender, apesar de ter quase a certeza de que

estavam tocando por engano. Afinal, mudara-se naquele

dia, n��o dera ainda seu novo endere��o para ningu��m.

Depois que se levantou para ir at�� a porta, arrepen-

deu-se de ter deixado sua leitura. Que tocassem, at�� de-

sistir. N��o estava esperando ningu��m.

Mas agora que j�� estava de p��, quase junto �� porta,

resolveu abrir para ver quem era o importuno.

Era uma importuna. Uma garota de menos de vinte

anos. Bonitinha.

Teve uma surpresa e pensou divertido: "Quem me

mandou este presente?"

A jovem perguntou:

��� Orlando est��?

��� Orlando? Aqui n��o mora ningu��m com este nome.

��� N��o?!

��� N��o.

��� Tem certeza?

��� Tenho.

Ele olhou-a de cima a baixo.

A garota fez o mesmo.

Geraldo lembrou-se de que estava seminu.

Ela falou:

��� Mas n��o �� poss��vel! O endere��o �� este.





49


��� Voc�� est�� enganada. S�� se era o antigo morador,

uma vez que me mudei hoje.

��� Ou ent��o eu anotei o endere��o errado. Desculpe.

��� N��o tem import��ncia.

A jovem afastou-se em dire����o ao elevador.

Geraldo permaneceu na porta, olhando-a.

At�� que era uma boa perguntar se em vez do Orlando

que ela procurava, ele n��o serviria como substituto. Sor-

riu com a id��ia. Mas o elevador chegou. A garota entrou

sem olhar de novo para ele.

O rapaz fechou a porta.

Perdera uma oportunidade.

Mas n��o perdeu tempo se lastimando.

Voltou para a cama e retomou a leitura do di��rio.





50


C A P �� T U L O 7

O MEDO

Logo que comecei a estudar no Rio de Janeiro, um

rapaz chamado Maur��cio me chamou a aten����o. Ele. na-

morava uma colega, Elba. Mas assim que me Viu pela pri-

meira vez, me olhou com insist��ncia.

Fiquei amiga de Elba, que foi quem me apresentou

ao Maur��cio.

Com o tempo fiz amizade com o rapaz, que dava sem-

pre um jeito de me encontrar no col��gio longe da vista de

Elba.

51

Foi assim que come��amos a namorar, apesar do meu

sentimento de culpa, por estar traindo minha nova amiga.

Uma noite sa�� com Maur��cio. Ele quis levar-me logo

ao seu apartamento. Sabia o que me esperava. Relutei.

��� Por que n��o vamos ao cinema?

��� N��o est�� passando nenhum filme bom.

��� Est�� sim ��� e indiquei um que estava sendo exi-

bido no Cinema Art-Pal��cio.

��� L�� em casa a gente pode se divertir muito mais.

��� Mas eu estou louca para ver este filme.

��� Est�� bem. Vamos. Depois a gente vai l�� para casa.

Fomos ao cinema.

Maur��cio colocou logo o bra��o por cima de minhas

costas. Beijou-me na boca v��rias vezes. Colocou a l��ngua

entre meus l��bios. Tudo sem a menor cerim��nia, como

se fossem as coisas mais naturais do mundo.

Vi que n��o tinha sa��da.

E sabia exatamente o que me aguardava no aparta-

mento, quando cheg��ssemos l��.

Desejei que o filme n��o acabasse nunca.

Mas duas horas depois terminou.

E n��o tive outro jeito a n��o ser acompanh��-lo.

Entramos no apartamento.

Maur��cio foi logo dizendo:

��� Pode ficar �� vontade.

Permaneci em p��, ereta, sem saber o que fazer.

Ele riu:

��� O que est�� fazendo a�� no meio da sala?

Eu me sentei no sof��.

Ele come��ou imediatamente a p��r-se �� vontade.

Tirou a camisa. Jogou-a em cima de uma cadeira.

Depois o sapato. -

Em seguida a cal��a, que tamb��m foi atirada sobre a

cadeira, de qualquer maneira.

Olhei-o de cueca.

��� Vai ficar a�� assim?

��� Assim como?

��� N��o vai tirar a roupa?





52


Para meu pr��prio espanto me vi respondendo?

��� N��o.

��� N��o?!

Maur��cio estava verdadeiramente espantado. Logo em

seguida recobrou o bom humor:

��� Como voc�� consegue fazer toda vestida? Alguma

coisa tem que tirar.

��� Fazer o qu��?

Ele arregalou os olhos.

E tirou a sunga.

��� Est�� querendo fazer hora comigo? ��� perguntou-me

s��rio.

��� N��o.

��� Ent��o?

Fiquei calada.

Ele aproximou-se:

��� J�� sei. �� t��mida. Nem havia me lembrado disso.

Vou ajudar a perder esta timidez.

E come��ou a tirar meu vestido.

Eu parecia uma coisa morta, deixando que ele me

despisse sem fazer qualquer movimento.

Me vi s�� de calcinhas e cruzei os bra��os, na tentativa

de cobrir meus seios. Morria de vergonha.

Ele me beijou.

Depois falou:

��� Voc�� �� t��mida demais.

Consegui dizer:

��� Eu n��o quero.

��� N��o quer?

��� N��o.

��� Por qu��?

��� Porque n��o estou com vontade.

��� Quer dizer que me fez assistir ��quele filme chato,

esperar esse tempo todo e depois resolve me dizer sim-

plesmente que n��o quer nada comigo?

Ele agarrou-me, deitou-me �� for��a no sof�� e ficou por

cima de mim.

��� O que h�� com voc��?

53

Ele puxou a calcinha e eu fiquei completamente nua.

Aquele contato era agrad��vel.

Por um momento, vi que ia ceder.

Mas me deu um p��nico terr��vel.

Empurrei-o, dizendo:

��� N��o.

��� O que �� que est�� havendo, Fernanda?

Lembrei-me, n��o ser como, de uma boa desculpa:

��� N��o quero fazer isso. Sou amiga de Elba. E voc��

gosta dela.

��� E da��?- Desde o in��cio que voc�� sabe disso.

��� Mas agora vi que n��o devo agir deste modo.

Ele come��ou a impacientar-se:

��� Logo agora, que eu estou e x c i t a d o . . .

Ent��o veio por cima de mim.

��� N��o, Maur��cio, saia de cima de mim!

��� Deixa, Fernanda. Que bobagem!

Foi quando deixei escapar o meu segredo, como ��l-

timo recurso:

��� Eu sou virgem.

Maur��cio me olhou incr��dulo:

��� N��o acredito.

��� �� verdade.

��� E n��o est�� querendo mesmo?

��� N��o.

Ele se levantou:

��� Ent��o, est�� bem. N��o vou for��ar.

Comecei a me vestir, envergonhad��ssima. De tudo, de

minha virgindade, do papel��o que estava fazendo. Nunca

mais Maur��cio iria querer saber de mim.

. Ele continuou nu, andando de um lado para outro.

Pegou um cigarro, acendeu. Abriu a geladeira. Tirou um

refrigerante.

��� �� o fim da picada.

��� O qu��?

��� Voc�� me fazer uma dessa.

��� N��o tenho culpa.

54

��� Tem sim. �� virgem porque quer. N��o quer mesmo

que eu seja o primeiro?

��� N��o.

(Na verdade eu estava com uma vontade enorme de

deixar que me possu��sse, mas o medo era maior do que

tudo.)

Acabei de me vestir.

Ia saindo, quando Maur��cio falou:

��� Quando resolver fazer, pode me procurar. Mas c o -

mente se estiver a fim mesmo. N��o gosto de perder tempo.

��� Desculpe ter estragado sua noite.

Ele n��o respondeu.

��� Tchau!

Abri a porta e sa��.

Voltei para casa me sentindo uma pessoa completa-

mente in��til. Tinha que me decidir um dia. Por que n��o

realizara logo o que mais cedo ou mais tarde, fatalmente,

teria que fazer?

E por que n��o com Maur��cio? Um rapaz bonito, sau-

d��vel? Por causa de Elba? Isso n��o era bem a verdade.

S�� pode ter sido Maur��cio quem espalhou.

Mas o fato �� que todo mundo no col��gio ficou sabendo

que eu era virgem.

Fui alvo de muitas goza����es.

Muitos rapazes se dirigiam a mim para anunciar:

��� Quando quiser perder a virgindade �� s�� me avisar.

E me davam seus telefones.

Nunca vi tanto homem sol��cito.

Todos estavam prestimosos, querendo me prestar este

favor.

Mas ainda demorei algum tempo at�� decidir p��r um

fim ��quela minha condi����o.

Elba n��o tinha ido �� aula.

Maur��cio chegou perto de mim, na hora de sairmos.

��� Ent��o, continua intacta?

N��o respondi.

��� Vamos l�� para o apartamento?

55

��� Vamos.

Ele" sorriu vitorioso.

Est��vamos despidos sobre a cama. Maur��cio me bei-

java inteirinha, da cabe��a aos p��s.

��� Como conseguiu se manter virgem at�� esta idade?

Voc�� j�� est�� com dezenove anos, n��o ��?

��� ��. - -

��� Como aguentou? Sabe que faz mal �� sa��de?

Depois destes breves coment��rios, ele n��o falou mais.

Apenas agiu.

E como agiu!

Excitou-me e provocou-me de todas as maneiras.

Eu estava louca de desejo. Ansiava para que chegasse

logo o momento em que ele me possu��sse.

Mas ainda demorou alguns minutos.

Fez-me ficar de bru��os.

Deitou-se por cima de mim.

Ele beijou minha orelha.

Eu estava quase desesperada.

N��o suportei e disse:

��� Vamos logo. N��o ag��ento mais.

Senti uma dor excitante e um sentimento de prazer

profundo.

Uma vertigem.

Agarrei-o com ps bra��os.

N��o demorou muito e chegamos ao mesmo tempo ao

cl��max das sensa����es.





56


Passaram-se alguns segundos antes que ele falasse al-

guma coisa:

��� Viu como foi bom?

Permaneci em sil��ncio.

��� N��o v�� me dizer que n��o gostou.

��� Gostei.

��� Pronto. Tudo t��o simples! E voc�� adiando tanto.

N��o sabe que na vida n��o se pode perder tempo? Nunca

mais vai recuperar o tempo que passou evitando esses

prazeres.

��� Voc�� mora aqui? ��� perguntei querendo desviar o

assunto.

��� N��o, este apartamento �� somente para fazer pro-

grama.

Despedi-me de Maur��cio sentindo-me liberta de um

grande peso. N��o estava com remorsos nem com nenhuma

esp��cie de arrependimento.

Fora realmente muito bom.

Nos encontramos muitas outras vezes.

Ele deixava de ver Elba para ficar comigo.

Claro que ela terminou descobrindo.

N��o foi t��o agressiva quanto eu esperava:

��� Quer dizer que est�� querendo tomar o Maur��cio

de m i m . . .

��� Quem lhe falou isso?

��� Eu sei de tudo, Fernanda. N��o precisa negar.

N��o tive o que dizer. Abaixei a cabe��a.

57

Ela continuou:

��� Mas Maur��cio vai continuar comigo. Ele �� gamado

por mim. Voe�� �� apenas uma aventura passageira.

No entanto, n��o foi Maur��cio quem resolveu terminar

comigo.

Fui eu.

58

C A P �� T U L O 8

O SUBSTITUTO

"Algumas semanas depois, arranjei um substituto.

Desta vez um homem casado, Arnaldo, com dois filhos.

(Foi uma esp��cie de proje����o e compensa����o pelo

Edmundo que eu n��o tivera. Se n��o havia mais nenhuma

possibilidade de voltar a encontr��-lo, a solu����o mais l��gica

seria conseguir algu��m que se assemelhasse a ele.)

Mas Arnaldo s�� se parecia com Edmundo neste sen-

tido, de ser casado e com dois filhos. No aspecto f��sico e

no car��ter era completamente diferente. Inclusive, logo





59


que o vi, n��o sabia de seu estado civil. Quando soube, a

atra����o aumentou.

Foi numa festa.

Arnaldo estava perto de mim. Come��amos a conver-

sar. Sa��mos da festa antes que acabasse.

Ainda l��, ele me disse:

��� Eu sou casado.

��� N��o faz muita diferen��a ��� respondi, lembrando-me

de Edmundo e num certo sentido achando que a aventura

seria mais excitante.

��� E tenho dois filhos.

Deixei escapar sem querer:

��� Edmundo tamb��m.

��� Quem �� Edmundo?

��� Deixa pra l��.

��� Quero saber. Estou curioso.

��� Um cara que conheci h�� muito tempo.

��� Continua encontrando-se com ele?

��� N��o.

��� Mas n��o o esqueceu.

��� De certa forma.

A mulher de Arnaldo n��o estava no Rio. Passava as

f��rias com as crian��as em Petr��polis. Fomos para sua casa.

Arnaldo n��o tinha chegado ainda aos quarenta anos.

Era um homem tamb��m bonito, mas n��o t��o fascinante

quanto Edmundo. Ao contr��rio deste, n��o parecia um

aventureiro, um conquistador.

Era mesmo o tipo cl��ssico do homem casado, com seus

trinta e oito anos, nem alto, nem baixo, magro, alvo, e

cabelos castanhos claros.

Tinha uma pele bonita e sem rugas.

Gostei de Arnaldo. Ele me inspirava uma ternura que

n��o experimentara com nenhum outro. Era realmente o

homem ideal para o casamento. Sexualmente tamb��m n��o

me trouxe nenhuma novidade. Um cara certinho, que fa-

zia as coisas como mandava o figurino.

Mas nem por isso era mon��tono. Talvez porque deixa-

va transparecer uma delicadeza, uma esp��cie de respeito

60

por mim. Tratou-me sempre como um ser humano, n��o

como um objeto.

Sua finalidade n��o era fazer com que ele e eu sent��s-

semos os mesmos prazeres na cama.

N��o.

Tratava-me com um carinho especial (que talvez n��o

tivesse com a esposa).

Durante um m��s fomos felizes.

Felizes mesmo.

A mulher longe. A empregada viajara com ela. O apar-

tamento livre.

Todas as noites eu ia para l��. Fazia o jantar (muito

mal, pois quase n��o sabia cozinhar). Divertia-me com isso.

Arnaldo achava ��timas as comidas que eu fazia.

Dava-me presentes.

N��o coisas caras.

Uma bijuteria.

Um isqueiro.

Um chaveiro.

Um vidro de perfume.

Uma caixa de bombons.

Foi uma verdadeira lua-de-mel sem casamento.

A ��nica coisa que me chateava era que eu n��o podia

dormir em seu apartamento. (E como gostaria de t��-lo

feito. De passar a noite toda abra��ados, enquanto dormia.

Como ele me dava uma sensa����o de tranq��ilidade!...)

Mas n��o podia passar a noite fora. Assim, chegava na

casa dele ��s sete horas da noite e ficava at�� meia-noite no

m��ximo. Precisava voltar para" casa, sen��o meus pais acha-

riam ruim e n��o me dariam sossego.

Ali��s, o fato de ter passado quase um m��s saindo dia-

riamente e voltando depois da meia-noite, j�� dera alguns

problemas. Mas eu arranjara uma boa desculpa. Um curso

de f��rias que inventara.

Aos s��bados e domingos dizia que ia para a casa de

alguma colega, ou a um cinema, ou a uma festinha.

Aqueles quase trinta dias passaram muito r��pidos..

O que escrever sobre um per��odo feliz?

61

N��o existe muito o que se dizer,

A gente esquece, com o tempo (a desgra��a, as coisas

ruins, n��o se esquece nunca).

Quase n��o me lembro de detalhes de Arnaldo comigo

na cama. A recorda����o que tenho dele �� como um todo.

Um todo harmonioso- que me proporcionou uma das me-

lhores fases (talvez a melhor) de minha vida.

Isso no que diz respeito ��quele m��s.

Porque depois, as coisas n��o correram t��o bem assim.

A mulher de Arnaldo voltou das f��rias com os filhos.

Na v��spera dela chegar, notei alguma tristeza na voz

de Arnaldo:

��� Amanh�� ela vai chegar,

��� Eu sei. -

��� E tudo muda; com rela����o a n��s dois.

��� Sei disso tamb��m.

��� N��o a enganei desde o primeiro instante.

��� Voc�� n��o tem o que justificar.

��� Mas sinto uma esp��cie de obriga����o de faz��-lo.

��� Por qu��?

��� N��o tenho nenhum sentimento de culpa diante de

minha mulher, apesar de n��o lhe ser sistematicamente in-

fiel. Posso mesmo dizer que quase nunca a tra��. Talvez

esta minha maneira de ser n��o seja bem uma virtude,

mas apenas comodismo. Acho que a infidelidade d�� muito

trabalho. E aborrecimentos. Contigo foi diferente. Vi que

n��o teria aborrecimentos. No entanto, agora me sinto um

pouco culpado em rela����o a voc��.

��� N��o h�� nenhuma raz��o para isso.

��� Talvez seja porque n��o gostaria que a gente se se-

parasse ou que ficasse se encontrando apenas uma vez ou

outra, ��s carreiras, com hora marcada.

(Mais um presente que Arnaldo me dava. A sua ma-

neira de me dizer que me amava. E realmente tenho cer-

teza de que me amou. Talvez mais do que eu a ele. O que

aconteceu comigo foi apenas um apego acima do normal,

pelo. fato de que, com ele, sentia seguran��a).

Ent��o Arnaldo me abra��ou. Era como se fosse nossa





62


��ltima noite. (O que na realidade n��o foi.) Mas parecia

uma despedida.

Eu acariciava seu corpo como se quisesse dizer que era

s�� meu, de mais ningu��m. Ele me penetrou eom mais do-

��ura do que das outras vezes.

Enquanto fazia movimentos dentro de mim, com seu

rosto colado ao meu, observei seus olhos transparentes, de

uma pureza quase infantil. Tinham uma express��o de

amor t��o grande, como nunca mais encontrei; E ao mesmo

tempo estavam tristes. -

(O amor �� uma coisa triste? Creio que sim. A gente

se apega demais ao ser amado, n��o se sente, completa, sem

ele. Teme perder, teme que �� tempo passe, teme a morte.

Uma sucess��o de temores. Peio menos este �� meu ponto

de vista.)

Atingimos o auge das sensa����es em tempo simultaneo.

Depois, encolhi-me de encontro ao seu corpo e ador-

meci. Arnaldo acariciava-me os cabelos, o que fez com que

dormisse logo. Acordei quase ��s duas horas da madrugada.

Assustei-me. O que iriam dizer meus pais?

Nossos corpos estavam entrela��ados. Eu parecia n��o

querer larg��-lo. Talvez porque no dia seguinte ele j�� n��o

fosse exclusivamente meu.

Ao me levantar da cama, me lembrei de um fato es-

tranho: por que Arnaldo n��o ia ao encontro da mulher

nos fins de semana? Era estranho.

Perguntei-lhe.

Ele esclareceu:

��� N��o me dou bem com meus sogros. E ela est�� na

casa dos pais.

N��o pedi mais esclarecimentos.

Eu tinha que me levantar e me vestir o mais depressa

poss��vel. Urgia chegar em casa.

Arnaldo me olhava, deitado na cama, triste.

��� Voc�� tamb��m dormiu?

��� N��o. N��o queria perder nem um minuto desta

noite.

��� E por que n��o me acordou mais cedo?





63


��� Quis prolongar a felicidade que sentia em ter voc��

junto de mim. Amanh�� n��o vou ter mais.

Chegou a nora de despedir-me.

Beijei-o na boca.

Telefone para o meu trabalho.

��� Est�� bem.

��� Todos os dias.

��� Prometo.

Mais um beijo e eu sa�� correndo para casa.

Claro que, como eu esperava, encontrei meus pais acor-

dados.

��� Estava quase' louca ��� foi logo dizendo minha m��e.

��� Por qu��?

��� Mais de duas da madrugada.

��� J�� cheguei outras vezes esta hora.

��� Mas s�� aos s��bados. E sempre me avisa quando

vai a alguma festa. Hoje, dia de semana, o que estava

fazendo na rua?

��� Depois do curso, fiquei conversando com algumas

colegas, num bar. Esqueci da hora,

��� E eu que j�� estava pensando nas piores coisas. Por

que n��o telefonou?

��� N��o esperei que fosse demorar tanto.

Fui dormir sem ligar muito para as reclama����es. Ju-

rei que n��o faria mais aquilo. (Ali��s, no dia seguinte nem

iria mais ao tal "curso". S�� na cama me lembrei que de-

veria ter dito que o "curso de f��rias" terminara.)

O que' me preocupava mesmo era que n��o veria mais

Arnalda diariamente.

E nos dias subseq��entes sofri mais do que esperava.

Tinha uma saudade enorme dele.

��s vezes pensava em ir at�� sua casa, peg��-lo por um

bra��o, dizer �� mulher dele que Arnaldo era meu, s�� meu.

Mas claro que nunca faria isso.

Telefonava-lhe diariamente, como prometera.

E passamos a nos encontrar uma vez por semana.

Num motel.

Com hora marcada para sair.





64


Ele n��o podia demorar muito.

Tinha vontade de ter Arnaldo s�� para mim. E sentia

um ci��me terr��vel de sua mulher. Enquanto ele estava na

cama com ela, eu, sozinha em meu quarto, passava muito

tempo para conseguir adormecer.

Ao mesmo tempo, n��o queria lhe pedir o imposs��vel.

Que largasse a esposa e ficasse comigo. Mesmo porque, se

ele assim agisse, eu ficaria com um drama de consci��ncia.

Seus filhos ainda eram pequenos (oito e cinco anos). N��o

me via como uma "destruidora de lares". Sentiria remor-

sos pelo resto de minha vida.

Era uma situa����o insustent��vel.

��� Tenho sofrido muito.

��� N��o me fale nisso.

��� N��o tenho com quem falar.

��� Eu nunca lhe enganei.

��� N��o estou lhe culpando.

��� Mas me sinto culpado.

��� Talvez fosse melhor a gente n��o se encontrar mais.

��� T a l v e z . . .

��� Mas vai ser t��o d i f �� c i l . . .

��� V a i . . .

A decis��o de terminar com aquela situa����o demorou

a chegar. Nem eu nem Arnaldo t��nhamos coragem de nos

separar. E sofr��amos.

Eu raciocinava: �� melhor acabar tudo, sofrer bastante

de uma vez, mas com o tempo esquecer. Melhor do que

continuar sofrendo eternamente 'dentro de uma. situa����o

insol��vel.

Foi por esta ��poca que conheci Djalma,

Apeguei-me a ele como a uma t��bua de salva����o.

Djalma iria fazer com que eu tivesse coragem de ter-

minar com Arnaldo.

Antes mesmo de ir para a cama com Djalma, anunciei

minha resolu����o a Arnaldo.

��� Hoje �� o ��ltimo dia que o encontro.

��� Voc�� �� mais corajosa do que eu.

��� Pode ser.





65


��� Arranjou outro?

��� Arranjei. Mas n��o tive nada com ele ainda. S�� sei

que pode fazer com que eu o esque��a.

��� Solteiro?

��� Sim.

��� Jovem?

��� ��.

��� Fico feliz em saber que encontrou algu��m que pos-

sa lhe dar o que n��o posso.

Nos beijamos.

Fizemos amor duas vezes seguidas.

Arnaldo passou da hora de ir para casa. (Exatamente

como eu, quando cheguei mais de duas horas da madru-

gada e encontrei meus pais aflitos.)

Avisei:

Temos que ir. N��o por mim. Por voc��,

��� �� . . . est�� tarde.

��� Sua mulher vai brigar.

��� N��o. N��o costuma fazer isso.

��� Ent��o, est�� preocupada.

��� Ela �� uma pessoa muito esportiva. Encara tudo

com otimismo. N��o se preocupa por bobagem. Vai pensar

que tive algum problema para resolver e por isso cheguei

com duas horas de atraso.

��� Uma mulher ideal.

��� N��o tenho queixas.

Tomamos o carro. Arnaldo deixou-me na porta do meu

edif��cio. Fiquei olhando seu autom��vel desaparecer na dis-

t��ncia.

S�� ent��o entrei no meu pr��dio.

Mais um cap��tulo de minha vida estava encerrado.

66

(Estaria mesmo? Eu n��o voltaria para os bra��os de

Arnaldo? N��o podia prever o futuro. E achei melhor n��o

pensar nisso e concentrar-me em Djalma. Afinal, tinha ter-

minado o romance com Arnaldo. Tinha de esquec��-lo. N��o

podia ficar enchendo a cabe��a de suposi����es sobre uma

poss��vel volta.)"





67


C A P I T U L O 9

UM FIO SOLTO NO AR

"Djalma era um rapaz de vinte e poucos anos. Quei-

mado de praia, vivendo o dia-a-dia, sem planos para o

futuro. Tamb��m sem ambi����es. Portava-se como se ainda

fosse um adolescente e n��o queria saber o que podia acon-

tecer amanh��.

O que lhe importava era o hoje.

68

Ele n��o me deu aborrecimentos.

Viv��amos despreocupados, como se o tempo n��o esti-

vesse passando e como se n��s nunca f��ssemos nos encon-

trar numa encruzilhada, tendo que optar por algum ca-

minho.

Na cama, era excelente.

N��o era propriamente um sujeito er��tico. (No meu

entender as pessoas muito er��ticas, sensuais, t��m qualquer

coisa de doentias, de neur��ticas.)

Gostei: er��tico-neur��tico.

As duas palavras, com as mesmas cinco letras finai*

designam duas coisas que est��o interligadas.

Observei que as pessoas muito saud��veis, n��o t��m uma

carga muito grande de erotismo. Gastam suas energias em

esportes e mil outras coisas que lhes despertam o mesmo

interesse.

Tamb��m quem leva o sexo muito a s��rio, n��o �� legal.

E muito menos quem faz do sexo uma coisa proibida.

O ideal, como. todos sabem, �� o equil��brio: sexo com

amor, em por����es iguais. Dif��cil de encontrar. Um estado

de plenitude que nem todos experimentam, ou quando ex-

perimentam n��o t��m a no����o disso, a n��o ser depois.

(Creio que tive isso com Arnaldo. Mas foi t��o r��pi-

d o ! . . . )

Mas, como estava falando, com Djalma o neg��cio era





69


muito n�� base d�� esportividade, sem ser nada programado.

Acontecia quando tinha que acontecer.

E sempre com a maior alegria.

Brinc��vamos na cama, como duas crian��as.

O apartamento que utiliz��vamos era emprestado.

Tratava-se na verdade da "gar��onni��re" do seu pai,

que lhe dava a chave freq��entemente para utiliz��-la (nun-

ca conheci o pai de Djalma, mas pelo que ele me contava,

devia ser uma edi����o mais velha do filho, em todos os sen-

tidos) .

Ele me dava belisc��es (de leve, n��o chegava a doer),

fazia-me c��cegas, eu ria sem parar, embol��vamos pelo ta-

pete.

At�� nossas brigas eram engra��adas.

Uma vez discutimos num bar.

Ele pegou o a��ucareiro e come��ou a jogar a����car em

mim. Paguei na mesma moeda: peguei outro a��ucareiro e

fiz o mesmo com ele.

Claro que chamamos a aten����o de todo mundo. Sa��-

mos de l��, debaixo de piadas (alguns rapazes se oferece-

ram para me limparem com a l��ngua, disseram que eu era

doce e gostosa). Djalma ouviu as piadas sem demonstrar

o menor aborrecimento.

Felizmente est��vamos perto da "gar��onni��re" de seu

70

pai e t��nhamos a chave. Fomos para l��. Ao entrarmos,

ca��mos na gargalhada.

E pusemos em pr��tica a sugest��o de um dos "piadis-

tas". Come��amos a nos lamber mutuamente, a fim de lim-

parmos nossos respectivos corpos do a����car. Ficamos mais

pegajosos ainda.

Nunca fiz um amor t��o doce no sentido literal do ter-

mo. (Que n��o tinha nada a ver com a do��ura espiritual

de Djalma.) ��ramos praticamente dois biscoitos confei-

tados.

Depois de fazermos os "exerc��cios" do amor tomamos

um bom banho.

E durante muito tempo comentamos esta nossa aven-

tura.

De tudo que me aconteceu neste per��odo em que es-

tive com o Djalma, este foi o epis��dio mais marcante, no

que diz respeito ao nosso romance propriamente dito."

* * *

"Uma trag��dia me aguardava numa esquina pr��xima.

N��o tive antes a menor intui����o de que estava a beira

de um abismo, que algo de terr��vel iria me acontecer. Jus-

tamente na ��poca dourada de um amor t��o inconseq��ente

e alegre.

Meus pais resolveram passar o fim de semana em um

s��tio perto de Teres��polis, pertencente a uns amigos. Eu

me recusei a ir.

71

��� O que vai ficar fazendo no Rio? ��� perguntou mi-

nha m��e depois de tentar me convencer de todas as ma-

neiras.

��� O que vou fazer l��? ��� respondi com outra per-

gunta.

��� N��o vou deixar voc�� aqui sozinha.

��� Por que n��o?

��� Era s�� o-que f a l t a v a . . .

��� Mas mam��e, eu fui uma vez com voc��s e fiquei o

tempo todo chatead��ssima. N��o tinha ningu��m l�� da mi-

nha idade com quem pudesse me distrair. Passei o tempo

todo lendo. Assim, �� muito melhor ler aqui no Rio mesmo,

sem ter que viajar. Pelo menos poderei pegar uma praia.

No fim, terminei ficando, apesar dos protestos veemen-

tes de meus pais.

O s��bado e o domingo, Djalma passou comigo. Dormiu

l�� em casa. Fomos �� praia, onde ficamos o dia inteiro

(nem almo��amos). A noite, comemos sandu��ches na rua.

Fomos ao cinema. Voltamos para casa com algumas gar-

rafas de cerveja.

Entrei primeiro no edif��cio, sozinha, ele entrou de-

pois. Para despistar o porteiro. Deixei a porta do aparta-

mento s�� encostada e pedi a Djalma que tomasse cuidado

para os vizinhos n��o o surpreenderem entrando.

N��o queria que meus pais soubessem de nossa farra.

72

E como nos divertimos! (Tivemos o cuidado de n��o fa-

zer muito barulho.)

Ele passou a noite comigo. -

No dia seguinte, o domingo, praia outra vez.

L�� pelas sete horas da noite, ele se mandou. Meus

pais tinham ficado de chegar ��s oito."

Eram nove e meia e nada.

Dez horas.

Onze.

Meia-noite.

E eles n��o chegavam.

Vi televis��o, ouvi discos, me deitei.

Apesar de preocupada, adormeci, cansada pelo excesso

de sol e mar.

Acordei no meio da noite. Tive a curiosidade de olhar

as horas.

Tr��s da madrugada.

Pelo jeito, meus pais ainda n��o haviam chegado.

Resolvi me levantar e verificar. Eu poderia estar no

mais profundo sono e n��o ter ouvido a chegada deles. Tal-

vez estivessem j�� dormindo no outro quarto.

Fui at�� l�� e n��o os vi.

Preocupada, voltei a me deitar.





73


Pensei em telefonar para o s��tio, mas desisti. ��quela

hora, eu iria assustar todo mundo.

Teriam deixado para vir na segunda-feira?

Mas meu pai teria que ir para o trabalho.

E eles n��o haviam dito que chegariam no domingo de

noite, por volta das oito horas?

Passei muito tempo acordada. Pensei em v��rias hip��-

teses. Inclusive nas piores.

Mas afastei os maus pensamentos. N��o queria atrair

desgra��as. E vencida pelo cansa��o adormeci de novo, acor-

dando ��s dez horas da manh��.

Eles ainda n��o tinham voltado.

Telefonei ent��o para o s��tio.

Me informaram que haviam sa��do de l�� no fim da

tarde de domingo.

Aflita, compreendi que alguma trag��dia tinha acon-

tecido.

E de fato acontecera.

Eles haviam sofrido um desastre.

O carro em que vinham dera uma batida num ��nibus.

E eles tinham morrido.

Este meu encontro com a morte, o primeiro, n��o po-

deria ter sido mais terr��vel. Por todos os motivos: pelo





74


inesperado, pela viol��ncia e por ter perdido de uma s�� vez

meu pai e minha m��e.

Fiquei num estado lastim��vel.

Me senti como um fio solto no ar.

Um vazio enorme.

Desamparada.

Meu tio foi quem tomou todas as provid��ncias (logo

depois que eu ligara para o s��tio, telefonara para ele).

Procurou tamb��m me dar todo o apoio poss��vel.

N��o quis ir para sua casa, preferi ficar onde estava,

at�� decidir o que fazer.

��� Voc�� n��o quer voltar para nossa terra? ��� pergun-

tou tio Otac��lio.

��� N��o s e i . . . ainda n��o pensei nisso.

(Pesei os pr��s e os contras e vi que n��o queria voltar.

Para qu��? Estava acostumada com o Rio. J�� tinha meu

ambiente formado. Teria que passar por todo um processo

de readapta����o, numa fase t��o dif��cil. N��o, n��o queria

voltar.)

Al��m de tudo isso, que tipo de vida poderia levar l��?

Tinha meu irm��o casado, e s��. Minhas amigas. tamb��m

j�� deviam estar casadas, uma vez que l�� �� esta a ��nica

coisa que se tem para fazer. Casar e ter filhos. Me sentiria

completamente desambientada.

Aqui eu tinha meu tio, que de certa forma represen-





75


tava uma seguran��a, um elo familiar. N��o estava t��o so-

zinha assim. Depois, n��o poderia levar esse mesmo tipo de

vida na minha terra. Seria vista com maus olhos.

Financeiramente, minha situa����o n��o era ruim. Havia

a pens��o de meu pai. Tinha aquele apartamento. Dentro

de dois meses terminaria o segundo grau. N��o pretendia

continuar estudando.

Arranjaria um emprego, o que n��o seria dif��cil. Meu

tio Otac��lio tinha conhecimentos e bastante prest��gio para

me arrumar um ��timo trabalho.

Durante este per��odo, Djalma afastou-se de mim.

Sei que n��o foi por maldade.

�� que a morte n��o tinha nada a ver com ele.

Djalma n��o sabia o que fazer nem o que me dizer. E

eu n��o servia para sua companhia naqueles primeiros me-

ses depois da trag��dia.

Como poderia brincar com ele, despreocupada, na

cama?

Foi um per��odo dif��cil. E tamb��m muito triste.

Quinze dias depois do que tinha acontecido, lembrei-me

de ligar para Arnaldo. Era uma pessoa com quem gostaria

de conversar. Disse-lhe por telefone o que ocorrera e que

precisava de algu��m com quem desabafar.

Ele se mostrou o mesmo de sempre.

N��o reatamos o romance.





76


Mas me encontrou, ofereceu-se para me ajudar n o .

que lhe fosse poss��vel. Chorei muito em seu ombro.

Nos encontramos muitas vezes.

Mas n��o fizemos amor.

Ele me respeitava demais. Por isso nem de longe su-

geriu. Mas eu sabia que poder��amos ir para a cama, se eu

quisesse.

Dois meses depois, conclu�� meus estudos.

J�� estava com um excelente emprego garantido, que

meu tio arranjara.

Foi quando comecei a trabalhar.

E o trabalho para mim, na ��poca, foi uma ��tima te-

rapia.

Passei seis meses sem ter um namorado.

Concentrei-me no servi��o.

Fiz novas amizades no emprego, com mulheres e com

homens, mas apenas amizades. N��o estava apta ainda a

ter um novo romance.

Meu irm��o me escreveu v��rias vezes, pedindo para que

voltasse. De todas as vezes, respondi dizendo que agradecia

muito seu convite, mas que n��o aceitaria.

Aos poucos fui me recuperando do golpe.

E comecei a procurar refazer minha vida.

Foi quando iniciei a minha busca: encontrar algu��m





7 7


que fosse s�� meu. Algu��m com quem pudesse passar o resto

de minha vida. (A gente sempre continua com os valores

que adquire na inf��ncia, mesmo que tenha passado por

muitos descaminhos.)

Passei a querer casar e ter filhos.

Achava que isso era um processo de amadurecimento."





78


C A P I T U L O 1 0

A BUSCA

"Durante dez anos tive in��meros casos.

Mas sempre com os homens errados.

Talvez porque queria com uma ansiedade muito gran-

de encontrar o certo. -

Por isso metia os p��s pelas m��os e escolhia exatamen-

te o oposto.

Ou talvez por falta de sorte mesmo: s�� me deparava

com quem n��o devia.





7 9


Conheci os mais variados tipos de homens.

Num certo sentido, n��o lastimo.

Deu-me experi��ncia, muita experi��ncia mesmo.

Aprendi muito, talvez at�� demais.

Mas nunca �� demais o que se aprende.

Sofri, tive decep����es.

Como todo mundo.

N��o sou uma exce����o.

O encontro definitivo, aquele que eu tanto procurava

n��o vinha.

J�� estava at�� desistindo.

Com trinta anos, era uma mulher bonita, mas com

uma vida, digamos, descosida.

N��o havia nenhuma coer��ncia em minha vida no sen-

tido amoroso e at�� em qualquer outro sentido. O que vim

fazer no Rio de Janeiro? Nasci num lugar pequeno, tive

uma forma����o puritana, era terrivelmente t��mida e nunca

sonhei com a cidade grande, como a maioria das pessoas.

Minha vinda para o Rio foi uma coisa absurda. Uma

mudan��a total de ambiente.

A morte de meus pais, brutal, repentina.

Outra guinada de cento e oitenta graus.

Nunca consegui me equilibrar direito. Quando estava

me adaptando a uma situa����o, vinha um novo golpe.

Os homens de minha vida tamb��m foram absoluta-

mente incoerentes. Desde Jair e Edmundo at�� os ��ltimos.

Depois de dez anos da morte de meus pais, me trans-

formara numa mulher amarga, c��nica e, por que n��o di-

zer, desbochada. Antes, nunca falara um palavr��o. Nada

mais restava daquela mocinha t �� m i d a . . .

Quanto ao meu aspecto f��sico, este melhorava a cada

80

dia. �� falta de um amor verdadeiro, de alguma coisa mais

espiritual, me apeguei a tudo que fosse material: Al��m .de

querer possuir bens, melhorar financeiramente,, tamb��m

cuidava do meu f��sico o mais que podia.

Andava sempre muito bem vestida e maquilada, pois

sabia que isso me abria todas as portas. Alem disso, tive

sorte, neste sentido. Meus tra��os, antes um pouco indefi-

nidos, ganharam for��a com o tempo. Me tornei realmente

uma mulher de chamar aten����o em qualquer lugar por

onde passasse.

N��o podia (e isso continua acontecendo) andar, um

quarteir��o sem que v��rios homens me olhassem.

A tal ponto me acostumei com este fato, que passei

a temer a velhice.

O que ser�� de mim quando n��o for mais t��o bonita?

��� pensava aterrorizada.

Sem ter ningu��m, pensava numa velhice solit��ria. E

cada vez mais voltava para aquele velho sonho de toda

provinciana: casar e ter filhos.

N��o queria atingir a velhice sozinha.

E continuava a minha busca.

Confesso que j�� andava um tanto cansada.

Quase dez anos procurando.

Encontrei ent��o um sujeito, Adriano, quando estava

perto de completar trinta e dois anos.. Ele devia andar pe-

los cinq��enta.

Ainda bonito, esportivo, corado, cabelos grisalhos. Ti-

nha um andar engra��ado, com um balan��o que lembrava

algu��m que estivesse sempre dentro de um navio.

Pensei imediatamente: deve ter sido marinheiro.

E aquilo me fascinou muito.

81

Vinha preencher alguns dos meus sonhos de inf��ncia.

Lera v��rios livros sobre piratas e achava a vida deles um

neg��cio sensacional. Adriano me lembrava um pirata apo-

sentado (apesar de ainda estar em plena forma).

Uma outra coisa, n��o t��o sonhadora nem ut��pica,

tamb��m me impressionava muito a respeito dos marinhei-

ros. N��o podia v��-los na rua, quando algum navio estran-

geiro aportava. Eles andavam pela cidade, sempre em du-

pla ou em grupos, e tamb��m quase sempre acompanhados

de prostitutas.

Invejava-as. Queria ser uma delas. Pegar um mari-

nheiro daqueles na Pra��a Mau��, lev��-lo para um hotel s��r-

dido, receber o pagamento em d��lar. ��s vezes pensava em

me fazer de prostituta e ter uma aventura destas. Mas mi-

nha desinibi����o n��o chegara ainda a tanto.

Assim, contentei-me com Adriano, que parecia apenas

um homem do mar.

Em nosso primeiro encontro tive tamb��m a primeira

decep����o.

Jant��vamos num restaurante qualquer.

Ele se mostrava extremamente agrad��vel, risonho,

contando piadas. N��o parecia ser encucado de modo algum.

No meio da conversa quis saber de seu passado.

Ele me contou, sem rodeios.

A medida que desfiava sua biografia, absolutamente

comum, minha decep����o aumentava. Alto funcion��rio p��-

blico, prestes a pedir aposentadoria (come��ara a traba-

lhar muito cedo), de fam��lia relativamente rica, desqui-

tado, sem filhos, morava em Copacabana. Adorava ir a

boates, bebia muita cerveja. S��. N��o me falou nada mais

do que isso.

82

Perguntei, ainda com esperan��a de que estivesse me

escondendo alguma coisa:

��� Voc�� nunca foi marinheiro?

Ele deu uma gargalhada:

��� N��o. Por que perguntou isso?

��� Pensei que tivesse sido.

Ele continuou rindo, como se eu tivesse contado al-

guma piada:

��� Na verdade, nunca viajei num navio. Onde e como

voc�� teve esta id��ia?

Procurei me mostrar tamb��m divertida:

��� Por causa do seu andar. Esse balan��o que voc�� tem

no corpo.

Adriano achou engra��ad��ssimo. Mas, n��o, nunca tinha

sido marinheiro. Ainda assim, com esta primeira decep����o,

resolvi levar o caso adiante. Naquela noite fui para seu

apartamento.

Ele possu��a um f��sico avantajado, musculoso, os p��los

do corpo tamb��m grisalhos. Era um belo exemplar de ho-

mem, apesar de cinq��ent��o.

Apesar de seu passado sem grandes aventuras, pen-

sei que afinal encontrara algu��m com quem pudesse me

estabilizar emocionalmente.

Era bom de cama. O mesmo fogo de qualquer homem

que tivesse apenas trinta anos. E parecia gostar de mim.

Estava livre sentimentalmente. N��o tinha outras

amantes. Pelo menos foi o que me disse. E acho que era

verdade.

Naquela primeira noite me fez vibrar. At�� esqueci que

nunca havia sido marinheiro.

Ele sabia como satisfazer a uma mulher na cama. Co-





83.


nhecia todas as t��cnicas, todas as posi����es. Era um aut��n-

tico professor na arte de fazer erotismo.

Me fizera ter sensa����es nunca experimentadas antes.

O ��xito e o del��rio fizeram parte dos exerc��cios finais.

Eu parecia que ia desmaiar.

O cl��max chegou."

* * *

"Sa�� do apartamento de meu novo amante, pressen-

tindo que Adriano seria mais do que um caso passageiro.

Passamos a nos encontrar com assiduidade,

��amos a bares, boates, restaurantes, praia, cinemas,

teatros.

Apesar de seu g��nio alegre, gostava muito de ouvir

m��sicas de fossa. Dan����vamos colados, de rostos encosta-

dos, como se fazia antigamente. No melhor estilo da d��-

cada de 50.

Tamb��m gostava daquilo. Fazia um pouco o meu g��-

nero.

At�� que um dia ele prop��s:

��� Por que n��o moramos juntos?

Fiquei contente:

��� Voc�� quer?

��� Claro.

Comecei a p��r obje����es:

��� Ser�� que vai dar certo?

��� Creio que sim.

��� N��o acha que dev��amos esperar mais um pouco?

��� Para qu��?

��� Para nos conhecermos melhor.

84

��� Podemos nos conhecer melhor e mais depressa, mo-

rando juntos.

Apesar de estar desejando mesmo viver com Adriano

ainda quis colocar empecilhos:

��� E se n��o der certo?

��� A gente se separa.

��� Voc�� v�� solu����o para tudo.

��� Por isso que me conservo t��o bem.

Realmente ele era uma prova viva de sua maneira de

encarar a vida. Pelo menos julguei assim.

Mas, na verdade, eu n��o conhecia direito Adriano.

Aquela velha hist��ria de dormir juntos, acordar jun-

tos, ver-se todos os dias, usar o mesmo banheiro. As coisas

s��o completamente diferentes.

E comigo e Adriano aconteceu o que geralmente ocor-

re com quase todos os casais.

Fomos mesmo morar juntos na semana seguinte (nos

conhec��amos apenas h�� um m��s e meio). Ou melhor, fui

viver em seu apartamento. Combinamos que eu alugaria

o meu por uma temporada e iria para o dele.

(De qualquer modo, pensei em sair lucrando. Mais

uma fonte de renda. Um dinheirinho extra de vez em quan-

do, mesmo quando n��o se. precisa, n��o faz. mal a nin-

gu��m.)

Levei apenas minhas roupas e objetos pessoais, in-

clusive, �� claro, este di��rio (meu apartamento foi alugado

mobiliado, portanto, um pouco mais caro).

Aos poucos, no entanto, sem que eu sentisse, nosso

relacionamento foi se alterando. Pequenos detalhes, coisas,

m��nimas, discuss��ezinhas, bobagens. Mas que ia deterio-

rando nossa liga����o.





85


Senti que n��o era a mesma coisa ser amante de um

homem, cada qual na sua casa, e viver junto com ele.

Certa noite ��amos a um jantar.

��� Voc�� ainda n��o est�� pronta?

��� N��o.

��� N��o sabia que demorava tanto a se vestir.

��� Pois agora ficou sabendo.

��� Eu j�� estou pronto.

��� Eu ainda vou me maquilar.

E levei mais de quarenta minutos no espelho (a base,

o batom, os c��lios posti��os, a sombra nos olhos, enfim todos

"os mil detalhes que me transformavam numa mulher-

espet��culo).

Ele, sentado numa poltrona da sala, lia um jornal.

��� Estamos com. quase uma hora de atraso.

��� N��o tem import��ncia.

��� N��o gosto de chegar tarde a esses lugares.

��� Todos v��o chegar. Chato �� a gente aparecer cedo

demais.

��� N��o acho..

��� Eu acho.

��� Nisso, temos opini��es diferentes.

��� Gostaria que concord��ssemos em tudo?

Para minha surpresa, ele respondeu:

��� Gostaria.

��� Eu n��o.

��� Por qu��? N��o gosta de viver em paz?

��� Seria mon��tono.

��� Voc�� pensa assim?

��� Se continuar falando o tempo todo, Adriano, vou

atrasar mais ainda. Acabei de colocar um c��lio de maneira





86


diferente do outro. N��o sei fazer duas coisas ao mesmo

tempo. Fazer a maquilagem e conversar paralelamente ��

como cantar e assobiar de uma s�� vez.

Ele calou-se.

Finalmente fiquei pronta.

E vi Adriano mal-humorado pela primeira vez em

minha vida.

O jantar foi chat��ssimo (ou pelo menos n��s o acha-

mos). E voltamos para casa amolados. Em vez de diver-

timento, tivemos aborrecimento.

Em casa, deitamo-nos na mesma cama, como sempre,

mas cada um virou-se para seu lado. Como dois inimigos.

A cama, naquela noite, n��o parecia o lugar de fazermos

amor, mas um campo de batalha.

E muitas outras noites parecidas se sucederiam.

Cheguei em casa com um enorme embrulho. F u i para

o quarto, vesti o novo vestido que comprara e que achara

uma maravilha.

Com ele, voltei para a sala e perguntei a Adriano:

��� Gostou?

Ele falou sem o menor entusiasmo:

��� �� bonito.

��� S�� isso? �� lind��ssimo!

��� Quanto custou?

Eu disse o pre��o. Adriano respondeu:

��� Como tem coragem de comprar um tro��o desses

t��o caro?

Me queimei:

��� N��o �� caro. Al��m disso, paguei com meu dinheiro.

��� N��o gostei da resposta.

��� Disse a verdade.

87

E come��amos mais uma discuss��o.

Quando ele queria dormir tarde, eu queria dormir cedo.

Quando Adriano resolvia acordar cedo, eu preferia ficar

a cama at�� o meio-dia.

No fim de quatro meses, n��o concord��vamos com qua-

se nada.

At�� que o vi com outra na rua. Em casa comentei:

��� Quem era aquela mulher que estava contigo?

��� Onde?

��� Na Rua Almirante Barroso.

��� Uma conhecida.

��� S�� isso?

��� Est�� com ci��mes?

��� Voc�� tamb��m n��o tem ci��mes de mim?

(Esqueci de dizer que Adriano era ciument��ssimo. Pi-

cava uma fera porque todos os homens me olhavam. Dizia

que eu me vestia e me pintava tanto, porque era ninfo-

man��aca e queria dormir com todos os homens do mundo.)

��� Voc�� vive dizendo que sou ninfoman��aca, mas acho

que o termo seria mais apropriado a voc��. N��o pode ver

mulher.

��� Queria que eu gostasse de homem?

��� Queria que gostasse de mim.

Como estivesse com culpa no cart��rio, Adriano aproxi-

mou-se e me abra��ou. Come��ou a me beijar. N��o continuei

a discuss��o. Talvez porque j�� estivesse cansada de tudo

aquilo. Era mais. f��cil, e mais c��modo, fazer as pazes.

Depois o vi com uma outra mulher. Chegou at�� a pas-

sar muitas noites fora. Eu j�� tinha compreendido que n��o

dava certo morarmos juntos. Faltava uma coisa essencial

entre n��s dois: amor.

88



Havia apenas sexo, mais nada.

Desde o princ��pio.

Arrependi-me de ter ido morar com ele. A ��nica coisa

que me confortava era que meu apartamento tinha sido

alugado apenas por seis meses. Mais um pouco e o teria

de volta. N��o continuaria com Adriano.

Mas n��o lhe disse nada.

Estava disposta a me vingar. N��o arranjando um

outro, sendo-lhe infiel. Com isso, estava apenas me igua-

lando a ele. N��o. Iria somente lhe fazer uma surpresa.

E fiz.

S�� na v��spera do meu inquilino me entregar a chave,

anunciei minha inten����o:

��� Amanh�� vou embora.

��� Para onde?

��� Para meu apartamento.

��� E o inquilino?

��� O contrato acaba amanh��.

��� Vai me deixar?

��� Vou.

��� Por qu��?

��� Porque n��o d�� certo.

��� O que n��o d�� certo?

��� Vivermos juntos.

��� N��o gosta de mim?

��� Acho que pelo menos numa coisa combinamos:

gosto tanto quanto voc�� de mim.

Adriano tentou me possuir naquela noite, quando fo-

mos para a cama:

��� N��o acredito que v�� me deixar.

Me abra��ou e come��ou a me acariciar. Eu estava mais

fria do que um "iceberg". N��o sentia a menor sensa����o.

��� Por que n��o quer?

��� N��o estou com vontade.

��� Mas eu estou.

��� A�� �� que est�� o problema. Cada um tem vontade

de fazer as coisas em ocasi��es diferentes.

Ele ainda tentou me excitar. N��o o empurrei. Deixei

que me tirasse a calcinha, que me beijasse as partes er��-

genas, que me devorasse com a l��ngua, que me beijasse os

seios, e pesco��o, a boca.

Continuei como uma est��tua.

De pedra.

Ele me olhou nos olhos.

N��o desviei a vista.

Encarei-o.

��� N��o significo nada para voc��?

��� N��o- vamos continuar representando a com��dia,

Adriano. �� melhor terminarmos antes que vire trag��dia.

E ele desistiu.

Virou-se para o outro lado.

Acendeu um cigarro.

Custou a adormecer.

Eu tamb��m.

No dia seguinte, fui ver o estado do apartamento. O

inquilino deixara tudo em ordem. N��o havia o que recla-

mar. Nem precisava de limpeza. Peguei meu carro e trouxe

minhas malas com as roupas, durante o dia (pedira no

trabalho p��ra faltar).

Quando Adriano voltou para seu apartamento, n��o

me encontrou mais.

90

Nunca tive um rompimento t��o frio.

Fiquei satisfeita comigo mesma e com minha atitude.

N��o gostava quando perdia a calma. Me envergonhava,

sempre que fazia cenas. Era muito melhor assim. N��o deu

certo, n��o deu. Cada um para seu lado. Sem maiores dra-

mas.

Em meu apartamento, senti-me outra vez livre.

Livre para dormir a hora que quisesse, para fazer o

que bem entendesse. Apesar de cansada, depois de j�� estar

na cama, olhei as horas. Faltavam trinta minutos para as

dez. Peguei o jornal e verifiquei os filmes que estavam pas-

sando. Me arrumei correndo (o que nunca conseguia fa-

zer) e fui ao cinema mais pr��ximo.

O filme era bom.

Voltei para casa satisfeita.

Estava livre de Adriano e novamente em disponibili-

dade.

Quem viria a seguir?"

91

C A P I T U L O 1 1

DI��RIO INTIMO

23 de fevereiro.

"Hoje sa�� do trabalho um pouco mais cansada do que

de costume. Andei alguns passos em dire����o ao local onde

deixara meu carro. No caminho meu olhar cruzou com o

de um rapaz.

Parei e olhei para tr��s.

Ele tamb��m tinha parado e olhado.

Sorriu. .





92


Virei-me e estava disposta a seguir em frente. Por que

desviar meu caminho por causa de um desconhecido?

Mas n��o se tratava de um desconhecido qualquer.

N��o fora apenas uma troca de olhares.

Tive certeza de que aquele era o encontro definitivo,

com o qual tanto sonhava.

Virei-me de novo para tr��s e vi que o rapaz tinha tor-

nado a andar.

Irritei-me comigo mesma. Por que n��o esperara que

viesse ao meu encontro? Agora, ele desistira.

Mas n��o me dei por vencida.

Acompanhei-o. Fiz exatamente o contr��rio do que sem-

pre acontece. (No meu caso, a mulher �� que seguia o ho-

mem, embora isso seja comum nos dias atuais.)

Ele virou-se outra vez e viu que eu o acompanhava.

Sorriu de novo.

Parou e me esperou.

Quando passei ao seu lado, ele disse:

��� Oi!

Respondi:

��� Oi!

Foi assim que tudo come��ou comigo e Francisco. Com

um simples "oi!".

Ele ia tamb��m para Copacabana. Estava de carro.

Convidou-me para irmos juntos.

��� N��o posso.

��� Por qu��?

��� Porque tamb��m tenho meu carro. Est�� logo ali,

mais adiante.

��� Por que n��o seguimos em nossos respectivos auto-

m��veis, lado a lado?





93


E assim fizemos.

Fui buscar meu carro. Francisco pegou o dele.

No meio do tr��nsito louco do Rio, tentamos fazer o

percurso at�� a Zona Sul como hav��amos combinado. Olh��-

vamos quase o tempo inteiro um para o outro, sorridentes,

durante todo o caminho. N��o sei como n��o provocamos um

desastre.

��� Onde voc�� mora? ��� ele perguntou l�� do seu auto-

m��vel.

Gritei para me fazer ouvir:

��� Na Rua Joaquim Nabuco.

��� E eu na S�� Ferreira.

��� Somos quase vizinhos.

��� Vamos pela Avenida Atl��ntica? Assim paramos

n u m daqueles bares do cal��ad��o e tomamos um chope.

��� N��o gosto de chope.

��� A gente toma outra coisa qualquer.

Alcan��amos a Avenida Atl��ntica e cumprimos o que

combinamos.

No bar eu tomei chope para acompanh��-lo. Agora eu

fazia quest��o de fazer isso (engra��ado, com Adriano n��o

agia desta maneira. O que �� o amor! Faz a gente fazer o

que o outro quer sem se sentir obrigada).

��� Tome outra coisa. Voc�� mesma disse que n��o gosta

de chope.

��� Me deu vontade agora.

E realmente me dera vontade. N��o estava mentindo.

Conversamos durante horas. Esquecemos do tempo. De

tudo..

Quantos chopes tomei, n��o me lembro. Seria dif��cil

94

contar. Amanh�� talvez eu pergunte a Francisco. Foi ele

quem pagou a conta. Deve saber.

Nos despedimos, mais ou menos ��s onze da noite.

Ele seguiu para sua casa e eu vim para a minha.

Estou agora aqui sentada, diante deste di��rio, escre-

vendo. Num estado de plenitude. Com um sorriso de Gio-

conda nos l��bios.

Foi ��timo ele n��o ter me proposto dormirmos juntos

logo hoje.

�� melhor aguardar. Nem sempre �� bom fazermos hoje

o que podemos fazer amanh��. Afinal, esta expectativa,

esta vontade, tudo vai aumentar. E amanh��, ou daqui a

alguns dias, quando finalmente acontecer, vou achar mui-

to melhor.

Acho que encontrei o que queria.

Gostaria de todos os dias me sentar diante deste di��-

rio e escrever tudo de significativo; No entanto, nunca con-

segui faz��-lo. Hoje �� a primeira vez.

Em geral escrevo as coisas muito depois que aconte-

ceram. Hoje foi a ��nica vez que tive a disposi����o de me.

sentar e contar exatamente o que aconteceu nas ��ltimas

horas.

Talvez para nunca me esquecer da data.

E se eu n��o me encontrar de novo com Francisco?

Mas claro que vou encontr��-lo.

Muitas e muitas vezes."

* * *

"Naquela noite de 23 de fevereiro, depois que larguei

o di��rio, me deitei logo a seguir. Comecei a me acariciar,





95


a alisar minha pr��pria pele, meus seios. Coisa que n��o

fazia desde a ��poca de adolescente.

Fechei os olhos e deixei minha m��o percorrer todos

os recantos do meu corpo, indiscriminadamente. Como se

fosse a m��o de Francisco.

Estava excitad��ssima.

Imaginei Francisco por cima de mim.

* * *

"Claro que o encontrei muitas e muitas outras vezes.

N��o pod��amos viver um sem o outro.

Ainda n��o o descrevi. Pois bem: Francisco estava com

trinta e quatro anos (mais ou menos da minha idade, por-

tanto) . Olhos pretos, pele clara, barba cerrada. Um ar ho-

nesto e um sorriso meio c��nico (talvez por causa de seu

bigode).

Sempre tive uma queda por homens de bigode (e no

entanto foram poucos assim que me levaram para a cama).

Achava atraente e na minha opini��o d�� um ar meio sem-

vergonha ao homem. Isso me atrai mesmo.

No entanto, Francisco era um rapaz muito s��rio.

At�� um tanto t��mido.

Bem situado na vida. Uma vida normal. Alguns ca-

sos. Algumas mulheres. Nenhuma que o prendesse defini-

tivamente. Tinha apartamento pr��prio. Um s��tio, autom��-

vel, um excelente emprego.

Antes mesmo de irmos para a cama (e j�� nos conhe-

c��amos h�� tr��s semanas), ele me perguntou:

��� Quer casar comigo?

Eu n��o queria outra coisa:

��� Mas, cl��ro, Francisco.





96


��� Eu a amo, Fernanda.

��� Eu tamb��m o amo.

N��o achei precipitado o pedido de casamento. Desde

o in��cio, desde o momento em que nossos olhares se cruza-

ram na Avenida Rio Branco, na cidade, naquele dia 23 de

fevereiro, que eu vi que hav��amos nascido um para o. outro.-

Exatamente como nos romances.

N��s est��vamos vivendo na vida real o nosso romance.

Naquela noite fui para seu apartamento.

Como tinha come��ado a gostar de chope, bebemos v��-

rios antes num barzinho modesto.

Ele comentou:

��� E voc�� dizia que n��o gostava de chope. Estava me

enganando?

��� N��o. Passei a gostar a partir do nosso primeiro en-

contro.

E era a pura verdade. Estava adorando tudo que Fran-

cisco gostava. -

Entramos no seu apartamento.

��� Aqui n��o tem chope.

��� O que tem?

��� U��sque.

��� Vamos tomar.

��� N��o tem medo de misturar bebida?

��� N��o.

��� E se ficar de pileque?

��� A seu lado n��o tem import��ncia.

��� Amanh�� vai acordar com dor de cabe��a.

��� N��o vou.

��� Como pode saber?

��� Tenho certeza.

97

��� E se estiver enganada?

��� N��o faz mal. N��o �� uma dorzinha de cabe��a �� toa

que vai me impedir de hoje tomar u��sque contigo at�� n��o

ag��entar mais.

Come��amos a beber.

Na eletrola tocava uma m��sica de Judy Garland.

��� Voc�� gosta de discos antigos?

��� Muito.

E ele come��ou a me mostrar sua cole����o. Havia ver-

dadeiras raridades. M��sicas de todos os g��neros. Tamb��m

coisas novas. Sucessos recentes.

��� Puxa! Por que nunca me convidou para ouvir seus

discos?

��� Porque n��o queria usar nenhum pretexto para voc��

vir aqui.

��� Usou ��m.

��� Qual?

��� O pedido de casamento.

��� Isso n��o foi um pretexto. �� o que eu realmente

quero.

��� Eu sei. Estou brincando.

E me beijei com Francisco. Um beijo muito longo.

Fomos para seu quarto. Agora era uma m��sica de

Elvis Presley que tocava na eletrola.

Deitamos na cama. A m��o de Francisco come��ou a

percorrer meu corpo por todos os recantos (parecia at��

que estava fazendo o mesmo roteiro que eu mesma fizera

com minha pr��pria m��o, sozinha em meu quarto. O amor

tem coincid��ncias t��o estranhas!...)

Francisco acariciou-me nas partes excitantes, enquan-





98


to me beijava. Senti c��cegas, principalmente por causa, do

contato do seu bigode.

Todo o meu lado rom��ntico estava em plena ebuli����o.

Tanto quanto o er��tico. Parecia que no teto do quarto es-

tava vendo uma lua imensa, cercada de milhares de es-

trelas. N��o temi ficar rid��cula ao dizer:

��� Estou t��o feliz, que o teto est�� me parecendo um

c��u estrelado com uma lua i m e n s a . . .

Ele perguntou:

��� Quer ver a lua de verdade?

E levantou-se, como num sonho. Seu apartamento fi-

cava no ��ltimo andar. Abriu a janela. Da cama pude avis-

tar realmente a lua. As estrelas piscavam em sua volta.

Admirei o corpo de Francisco, nu, voltando ao meu en-

contro na cama. Como o amei naquela noite! (E continuo

amando-o muito.)

Deitou-se de novo ao meu lado.

Olh��vamos a lua, enquanto nos beij��vamos, nos abra-

����vamos, nos acarici��vamos, num longo pre��mbulo antes

de consumarmos o ato.

E tudo transcorreu naturalmente.

Francisco se enfiou em mim e assim ficou, por um

instante, parado, ampliando ao m��ximo aquele momento.

O primeiro momento em que estava dentro do meu corpo.

* * *

"Nosso casamento aconteceu tr��s meses depois.

N��o tive receio da conviv��ncia di��ria, apesar de mi-

nha experi��ncia anterior com Adriano. Tamb��m conhecia

Francisco h�� pouco tempo. Mas tinha certeza de que com

ele tudo daria certo.





99


Havia realmente encontrado o homem definitivo. Ti-

nha bastante experi��ncia para saber distinguir. N��o foram

poucos os que me levaram para a cama.

Fui absolutamente sincera com Francisco desde o

in��cio. Sobre meus casos anteriores falei por alto, porque

ele mesmo n��o queria tomar conhecimento deles. Apenas

quis ser franca, apesar de um certo pudor (afinal n��o te-

ria coragem de contar tudo em detalhes, mas desejava ser

honesta).

��� Sua vida come��ou no dia em que me conheceu

ele me disse. ��� S�� daquela data em diante �� que me inte-

ressa. O resto �� o passado. �� o caminho que voc�� percor-

reu at�� me achar.

Nunca ouvi coisa t��o maravilhosa em minha vida (n��o

restava d��vidas, apesar de todo o cinismo e desinibi����o

adquiridos, eu permanecia com a mesma ess��ncia dos meus

verdes- anos).

Foi um casamento simples, com uma festa discreta.

Apenas os pais e parentes mais pr��ximos de Francisco, meu

tio Otac��lio, algumas colegas de trabalho mais ��ntimas.

Passamos a lua-de-mel em Bariloche. Nunca antes ti-

nha visto neve em toda a minha vida e achei tudo um

barato. Levei alguns tombos aprendendo a esquiar (ter-

minei n��o aprendendo).

Atir��vamos neve um no outro e nunca sent��amos frio

(o calor do nosso amor e de nossos corpos era suficiente,

mesmo que n��o estiv��ssemos devidamente agasalhados).

Finalmente, voltamos para o Rio.

Eu continuei a escrever esta esp��cie de di��rio.

Mas agora sinto que ele n��o tem mais raz��o de ser.

N��o existe mais motivo para manter este apartamen-





100


to. Discuti com Francisco se devia alug��-lo ou vend��-lo.

Terminei chegando �� conclus��o de que devia vender. A f i -

nal, n��o desejo mais lembrar nada do passado.

Levei diversos homens para o apartamento. Ele foi

palco de muitos sofrimentos meus.

Era melhor me desfazer de tudo. Agora era. uma pes-

soa nova, com uma nova vida, um novo futuro.

Meu tio interessou-se por alguns m��veis. Dei-os de

presente a ele. O que sobrou vendi. Entreguei ent��o a

transa����o da venda do apartamento a uma imobili��ria.

Pensei em destruir este di��rio. Afinal, estava acaban-

do com todo o passado. N��o havia mais raz��o da exist��ncia

dele. Mas quando peguei para destru��-lo, tive pena.

Fiquei com o di��rio nas m��os durante algum tempo,

sem saber o que fazer. Cheguei a acender um f��sforo, a

fim de queim��-lo.

Foi quando tive a id��ia de deix��-lo "esquecido" den-

tro de um dos arm��rios. Por que n��o?

Achei a id��ia divertida.

Afinal, o di��rio tinha sido muito bom. Desabafei. Tive

nele um companheiro nas horas de. solid��o. Fiz minha an��-

lise, sem precisar pagar a um psicanalista.

Agora estou escrevendo nele pela ��ltima vez. Quem o

encontrar, talvez o jogue na lixeira. Se algu��m tiver curio-

sidade de ler, n��o me importa muito. N��o h�� nada de que

possa me envergonhar. Afinal, �� a minha vida. N��o tenho

vergonha dela.

Poderia entregar a Francisco, mas ele n��o quer saber

nada sobre meu passado amoroso. E acho que tem raz��o..

Quanto ao ��lbum de fotografias, tamb��m n��o me in-

teressa. Tenho um outro, que pertencia a meus pais, onde

101

est��o todos os meus retratos da inf��ncia e adolesc��ncia.

Neste, existem fotos minhas com alguns dos "namorados"

que n��o quero mais lembrar.

Deixo-o tamb��m esquecido no arm��rio."





102


C A P I T U L O 1 2

PRESEN��A DE FERNANDA

Geraldo terminou de ler o di��rio de Fernanda incri-

velmente fascinado. Se n��o fosse exagero dizer, qualquer

pessoa poderia afirmar que ele estava apaixonado por ela.

Nem se lembrou de olhar as horas. Estava quase ama-

nhecendo. Pegou no ��lbum de fotografias e come��ou a

olh��-las de novo. Procurou unir cada foto que via, com al-

gum trecho do que lera.

103

Sentiu-se como se tivesse tido rela����es ��ntimas com

Fernanda. Afinal, a conhecia melhor do que Francisco,

seu pr��prio marido, o homem que ela amava.

O desejo de encontr��-la era imperioso.

Se pudesse, naquele mesmo dia.

Mas isso era imposs��vel.

Apagou a luz e procurou dormir.

No domingo, acordou bem tarde.

A lembran��a de Fernanda ressurgiu n��tida. Tinha at��

a impress��o de que ao abrir a porta de um aposento qual-

quer do apartamento, a encontraria.

Decidiu que no dia seguinte, iria at�� a imobili��ria

que tratara da venda do apartamento para Fernanda. Sem

d��vida, sabiam o endere��o dela. Procuraria Fernanda a

pretexto de entregar-lhe o ��lbum e o di��rio.

De fato, na segunda-feira, no intervalo do almo��o,

foi �� procura do endere��o em que estava t��o interessado.

Disse que fora a pessoa que comprara o apartamento. En-

c o n t r a r a um objeto de valor num dos arm��rios e preten-

dia devolver a quem pertencia.

Deram-lhe o endere��o.

Geraldo pensou qual a melhor hora para ir at�� l��.

N��o queria encontrar-se c o m o marido de Fernanda. N��o

sabia tamb��m se ela continuava trabalhando ou estaria

em casa.

Depois concluiu que o melhor seria telefonar.

E assim fez, no fim daquela tarde. Fernanda estava

em casa e veio atender.

��� Al��! Eu quero falar com D. Fernanda.

��� �� ela quem est�� falando.

104

��� Aqui �� Geraldo, o rapaz que lhe comprou o apar-

tamento.

��� O que aconteceu? Algum problema?

��� N��o.

��� Como soube do meu telefone?

��� Estive na imobili��ria. �� o seguinte: encontrei um

��lbum e um di��rio em um dos arm��rios e, como acho que

a senhora os esqueceu, queria devolv��-los.

Fernanda demorou algum tempo para responder:

��� N��o tenho nenhum interesse em t��-los de volta.

Devo t��-los esquecido porque n��o tem nenhuma impor-

t��ncia para mim.

��� O que devo fazer ent��o?

��� Pode jogar fora.

��� Tem certeza de que n��o os quer de volta? N��o- me

custa nada levar at�� a�� ��� insistiu Geraldo.

��� N��o, n��o os quero mais. Muito obrigada por sua

gentileza. At�� logo.

��� At�� logo.

Fernanda desligou, impedindo Geraldo de continuar

insistindo. -

Como fazer para conseguir uma aproxima����o daquela

mulher que tanto o impressionara? O pretexto de entre-

gar-lhe de volta os dois volumes falhara. Geraldo sabia, que

ela n��o os havia esquecido. Estava escrito no di��rio. Sem

d��vida, Fernanda pensara que ele n��o o tivesse lido.

Depois que desligou o telefone, Fernanda ficou amo-

lada. Deveria ter destru��do tudo. Fora uma bobagem ter-

tido pena de faze-lo. E agora aquele desconhecido a quem

vendera o apartamento tomava conhecimento do fiel tes-

105

temunho do seu passado. Havia o perigo de ele ser um

chato e ficar a perturb��-la.

N��o se lembrara de que a imobili��ria tinha seu en-

dere��o.

Enfim, o que estava feito estava feito. N��o iria pre-

ocupar-se por bobagem. Se o tal sujeito ficasse sabendo

de sua vida, pouco importava. N��o mais o encontraria. Se

fosse um mau-car��ter, que resolvesse ler tudo que estava

escrito e procurasse Francisco pensando que com isso po-

deria prejudic��-la, tamb��m perderia o tempo.

N��o havia maiores raz��es para continuar pensando no

tal telefonema.

* * *

A tentativa frustrada de aproxima����o a Fernanda

fez com que aumentasse o desejo de Geraldo pela mulher.

Naquela mesma noite tornou a abrir o di��rio, folhe��-lo,

ler novamente alguns trechos.

Virou tamb��m as p��ginas do ��lbum. Tornou a v��-la

em suas diferentes fases da vida. As fotos dela com alguns

de seus c a s o s . . .

Teve ci��mes. E ficou surpreso consigo mesmo pelo

absurdo do sentimento. Que direito tinha de ter ci��mes?

De Francisco, ent��o, nem se fala. Este agora era o dono

de Fernanda, devia estar possuindo-a naquele mesmo mo-

mento em que ele, no apartamento quase sem m��veis,

olhava aquelas fotografias.

Haveria uma maneira de possuir Fernanda.

Nada no mundo era imposs��vel.

E Geraldo dava tratos �� cabe��a para ver se descobria

106

um modo de conquist��-la. Por que desejar tanto aquela

mulher? Um desejo insensato. Praticamente n��o a conhe-

cia. Suas "rela����es ��ntimas" com ela tinham sido apenas

atrav��s do que lera sobre sua vida.

Com o passar dos dias, a vontade de Geraldo n��o di-

minuiu de intensidade. Como encontr��-la? Por "acaso"?

For��ar um encontro? Rondar seu edif��cio? Descobrir a que

horas sa��a e voltava para casa?

E para que tanto trabalho, se a pr��pria Fernanda con-

fessava em seu di��rio que encontrara finalmente o "gran-

de amor de sua vida"?

Geraldo riu. Era vivido o bastante para n��o acreditar

naquele excesso de romantismo.

Fernanda, apesar de se confessar uma pessoa expe-

riente, permanecia uma rom��ntica incur��vel. Geraldo, pelo

contr��rio, aprendera que nenhum amor era eterno, que as

coisas s��o mut��veis, que o ser humano era sujeito a todos

os tipos de fraquezas.

Fernanda seria dele um dia. Disso n��o abria m��o.

De fato, rondou o pr��dio onde ela morava algumas

vezes.

Mas nunca a viu.

A vida continuava. O trabalho, outras garotas que j��

conhecia e que iam a seu apartamento, algumas novas que

viera a conhecer. Tudo isso fez com que a fixa����o em Fer-

nanda fosse diminuindo.

O ��lbum e o di��rio, no entanto, n��o foram jogados

fora. Deixou-os no mesmo canto do arm��rio. De vez em

quando os pegava, folheava-os e guardava-os de novo.

Na ��poca de suas f��rias, andava pela Avenida Copa-

cabana, distra��do. A presen��a de Fernanda j�� n��o era t��o





107


forte. Haviam passado muitos meses. Na verdade quase n��o

se lembrava mais dela. Arquivara-a em algum canto de

seu subconsciente.

Mas, de repente, a viu.

Fernanda passou ao seu lado. Nem o olhou. Claro que

n��o o reconhecera. Vira-o apenas uma vez, no dia da assi-

natura da escritura do apartamento. Mas j�� se passara

bastante tempo.

Geraldo, no entanto, a reconheceu imediatamente, cla-

ro. Afinal, ela representava muito para ele, desde que lera

seu di��rio.

Decidiu acompanh��-la.

Viu quando Fernanda entrou numa loja para fazer

compras.

Entrou atr��s.

A oportunidade chegara quando n��o mais esperava.

Pensou num monte de c o i s a . Ela continuaria ainda

t��o apaixonada pelo marido? Seria fiel a ele? Mesmo que

fosse, n��o poderia deixar de ser?

Por sorte, era uma loja de artigos masculinos.

Enquanto Fernanda pedia para ver algumas camisas,

Geraldo fez o mesmo.

Sem d��vida, ela ia comprar para dar de presente ao

marido, pensou. Mas tamb��m havia a possibilidade de ser

para um amante.

Geraldo escolheu tamb��m uma camisa igual �� que

Fernanda resolvera comprar. Ela notou o fato e o olhou.

Ele a fixou. Fernanda dirigiu-se �� Caixa para pagar. Ge-

raldo tamb��m.

Pouco depois, a mulher saiu da loja com seu embru-

lho, sendo seguida por Geraldo.

108

Ela entrou na Rua Bar��o de Ipanema e encaminhou-se

para a Avenida Atl��ntica. Geraldo acompanhou-a. Mais

adiante, Fernanda olhou para ver se o importuno conti-

nuava seguindo-a. Ao verificar que sim, apressou o passo.

Geraldo tamb��m.

Estavam pr��ximos j�� da Rua S�� Ferreira, onde ela.

morava. Geraldo compreendeu que n��o podia demorar mais

para alcan����-la e abord��-la.

Quando estava quase ao seu lado, Fernanda virou-se

e perguntou, de maneira um tanto agressiva:

��� Pode me dizer por que est�� me seguindo?

��� Por que quer saber?

��� Tenho este direito.

��� Como notou que eu a estava seguindo?

��� N��o era para notar? Entrou na mesma loja que

e u . . .

Geraldo cortou:

��� Mera coincid��ncia.

Fernanda fez uma express��o de aborrecimento:

��� Comprou uma camisa exatamente igual �� que eu

comprei.

��� Uma prova de que temos o mesmo bom gosto.

��� N��o costumo conversar, com desconhecidos, n��o es-

tou gostando de sua atitude e fa��a o favor de n��o me se-

guir mais. Sou uma mulher casada....

��� Eu sei disso.

��� Ent��o? O que est�� pensando?

��� N��o tenho muito o que pensar a seu respeito, uma

vez que sei de tudo. N��o est�� lembrada de mim?

��� Este papo �� muito antigo. N��o o conhe��o, nunca

o vi na minha vida.





109


��� Tem uma mem��ria fraca. Eu comprei seu aparta-

mento. Quis devolver seu d i �� r i o . . .

Desta vez foi Fernanda quem cortou a frase:

��� Ent��o foi o senhor?! O que est�� querendo agora?

Ele come��ou a falar depressa, a fim de n��o ser in-

terrompido :

��� Conversar contigo. A respeito de sua vida: Li seu

di��rio. Confesso que fiquei muito impressionado. Posso

mesmo dizer que tenho intimidade c o n t i g o . . .

Por mais que ela quisesse disfar��ar, n��o conseguiu.

Estava realmente perturbada:

��� Isso j�� faz bastante tempo.

��� Nem tanto.

��� N��o jogou o di��rio fora?

��� N��o.

��� Por qu��?

��� Guardei de recorda����o.

Ela notou o tom c��nico e resolveu acabar com a con-

versa :

��� O senhor est�� me importunando. Desista de qual-

quer aproxima����o. Se leu realmente meu di��rio, deve estar

sabendo que amo meu marido, que n��o estou querendo

aventuras com ningu��m. E n��o me acompanhe mais.

Fernanda seguiu em dire����o ao pr��dio em que mo-

rava e n��o se virou para ver se Geraldo a seguia.

Este ficou parado, olhando-a.

Apesar de tudo, tinha sido um come��o.

Levaria Fernanda de qualquer jeito para a cama, qual-

quer dia.





110


A obsess��o voltou maior do que antes.

�� noite, Isaura, uma garota com quem marcara um

programa, chegou em sua casa, exatamente na hora com-

binada.

��� Voc�� �� pontual!

��� Nem sempre. Vamos a algum lugar?

��� N��o estou a fim.

��� Est�� a fim de qu��, ent��o?

��� De t r a n s a r . . .

Ela riu:

��� Que ��timo! Eu tamb��m.

��� Mas n��o contigo.

Isaura surpreendeu-se:

��� Est�� maluco?

��� N��o.

��� Se n��o quer transar comigo, por que me chamou

para vir at�� aqui?

��� Mudei de opini��o depois.

A jovem demonstrou claramente que estava chateada

com aquilo e disposta a dizer alguns desaforos a Geraldo,

mas este lembrou-se imediatamente que poderia tornar' a

noite divertida, mesmo com Isaura, e disse:

��� Estou brincando contigo.

Ela sorriu meio sem gra��a:

���- Que brincadeira mais besta.

��� Posso lhe revelar uma coisa, desta vez a s��rio?

��� O que ��?

��� Eu estou apaixonado.

��� N��o por mim, certamente.

��� Infelizmente, n��o.

��� Por que infelizmente?





111


��� Por que se fosse por voc��, estava tudo bem. Voc��

est�� junto de mim, �� minha disposi����o.

��� E a outra?

��� N��o sei como fazer para traze-la at�� aqui.

��� �� t��o simples! �� s�� convidar. Ela n��o �� diferente

das outras.

��� Ela �� casada.

��� E da��?

��� Gosta do marido.

��� E da��?

��� �� fiel.

��� Ningu��m �� fiel.

��� Tamb��m tenho a mesma opini��o. Mas acho que

ela ��.

��� N��o venha com este papo de amor imposs��vel, Ge-

raldo. Isso n��o existe mais.

���- Eu tamb��m julgava assim.

Isaura j�� passara at�� a se interessar pelo problema de

Geraldo. Afinal, n��o estava apaixonada por ele, tanto fa-

zia que gostasse de outra ou n��o. Viera fazer um programa

com o rapaz, como-fazia com tantos outros.

��� Voc�� tentou convenc��-la?

��� Tentei.

��� Quando?

��� H�� alguns meses atr��s procurei uma aproxima����o

e n��o deu.

��� E voc�� desistiu?

��� Hoje a encontrei por acaso e tamb��m n��o deu em

nada;

��� Fa��a mais algumas tentativas cara, se est�� t��o a

fim. Ela vai terminar aceitando.

112



��� Voc�� acha mesmo?

��� Mas claro.

Geraldo abra��ou Isaura:

��� Voc�� �� uma garota muito legal.

Ela se abra��ou a ele:

��� Enquanto sua "doce amada" n��o se decide, vamos

aproveitar a noite?

E foram para a cama.

Quando Geraldo penetrou em Isaura, esta comentou:

��� Como �� o nome da tal mulher?

��� Que mulher?

��� A tal por quem est�� gamado.

��� Fernanda.

��� Ela n��o sabe o que est�� perdendo...

Geraldo riu orgulhoso:

��� Quer prestar aten����o no que est�� fazendo?

* * *

Enquanto isso, em casa, Fernanda assistia �� televis��o.

Francisco n��o estava no Rio. Viajara a neg��cios. Devia vol-

tar dentro de uma semana.

Pouco depois que se casara, o marido convencera-a a

deixar de trabalhar. Naquela tarde, sem ter o que fazer,

fora comprar uma camisa para dar-lhe de presente; De

vez em quando, gostava de adquirir alguma coisa para

ele. Adorava ver sua express��o de garoto curioso, quando

abria o embrulho.

Enquanto via o programa na tev��, pensava no encon-

tro que tivera com o tal sujeito que lhe comprara p apar-

tamento. J�� tinha at�� esquecido que ele uma vez lhe tele-

fonara falando sobre o ��lbum e o di��rio. Afinal fazia quase

um ano.

N��o mais pensara no assunto e ele desaparecera. N��o

esperava que ele ficasse interessado em conquist��-la.

No entanto, a contragosto, reconheceu que ele era um

homem bonito. E que a atra��a. Quis afastar o pensamento.

Amava Francisco, era absolutamente fiel ao marido, con-

seguira estabilidade emocional. N��o era mais uma garota

sem ju��zo, e sim uma mulher de mais de trinta anos, feliz

e realizada.

Mas por que raz��o o rosto do desconhecido n��o lhe

sa��a da cabe��a?

* * *

��� Se eu fosse voc��, continuava insistindo.

��� Com que?

��� Com a tal mulher.

Geraldo riu e olhou para sua companheira de cama:

��� Est�� mais interessada do que eu, em resolver meu

problema.

��� Gosto de ajudar os amigos, dar apoio moral.

��� N��o fica com ci��mes?

Isaura acendeu um cigarro:

��� N��o. Por que teria ci��mes de voc��? A gente apenas

transa de vez em quando, numa boa, e s��. Nada mais do

que isso.

��� Quer dizer que devo insistir.

��� Claro. Depois me conta, t�� legal?

��� ��� ���





114


De f��rias e morando perto de Fernanda, Geraldo se-

guiu os conselhos de Isaura. Passou a rondar novamente

seu edif��cio, diversas vezes por dia, em horas diferentes.

Uma manh�� a viu saindo para a praia. Correu at�� em casa,

vestiu um cal����o de banho e rumou tamb��m para a praia.

Avistou-a de longe e aproximou-se, "por acaso".

��� Oi!

Fernanda levantou a vista e n��o respondeu.

Geraldo sentou-se ao seu lado, na areia, sem a menor

cerim��nia. Afinal, a praia era p��blica. O m��ximo que po-

dia acontecer era Fernanda levantar-se e ir para outro

lugar. Mas ela n��o o fez.

Ele puxou conversa. Fernanda n��o lhe respondia. Per-

manecia com os olhos cerrados e o rosto voltado para o

sol, ignorando-o completamente.

Enquanto falava, ele observava-lhe melhor o corpo, a

pele dourada. Teve uma vontade irrefre��vel de come��ar a

pegar-lhe, apalpar-lhe os seios, abra����-la...

Continuou seu mon��logo, falando tudo o que lhe vi-

nha �� cabe��a. Teve uma certa consci��ncia de que estava

mais ou menos bancando o palha��o. Contou piadas e ele

mesmo riu sozinho.

Discorreu sobre o tempo, o mar, as pessoas que pas-

savam, cinema, m��sica, literatura; Disse alguns palavr��es,

tentou enfim tudo para ver se conseguia alguma rea����o da

mulher.

Mas ela continuava impass��vel. Finalmente, Fernanda

levantou-se e foi em dire����o �� ��gua. Geraldo fez o mesmo.

Ela saiu do mar, depois de alguns mergulhos. E ele

tamb��m saiu, sentando-se na areia, ao seu lado.

Fernanda n��o se conteve e falou pela primeira vez:

115

��� Sabe a quantas horas est�� falando sem parar?

Geraldo olhou o rel��gio:

��� Exatamente uma hora e vinte e cinco minutos.

��� N��o est�� cansado?

��� N��o.

��� O que pretende de mim?

��� Voc�� sabe.

Ela o olhou. Viu o corpo do rapaz, a sunga diminuta,

a masculinidade se destacando. (N��o, n��o podia sentir de-

sejo por outro homem. Amava Francisco. Odiou aquele su-

jeito que teimava em conquist��-la.)

��� Me deixe em paz.

��� N��o acha que j�� abusou demais de minha pa-

ci��ncia?

��� Para dizer a verdade, acho, sim. Mas quando quero

uma coisa n��o sossego enquanto n��o consigo.

Fernanda levantou-se.

��� J�� vai embora?

��� J��. E n��o me acompanhe. Nunca lhe ensinaram que

a liberdade de cada um termina onde come��a a do outro?

��� Ensinaram, mas eu n��o aprendi.

Ela andou em dire����o ao cal��ad��o. Geraldo n��o a se-

guiu. Sentiu-se rid��culo e recordou o monte de besteiras que

havia dito.

* * *

Eram dez horas da noite.

Geraldo estava pronto para sair e dar uma volta pelos

bares.

Quando se dirigia para a porta do apartamento, olhou

para o telefone e teve uma id��ia.





116


Procurou o n��mero no caderninho de endere��os.

Talvez aquilo n��o adiantasse nada. Provavelmente o

marido de Fernanda estava em casa. Mesmo assim, discou.

Uma voz feminina atendeu. A pr��pria Fernanda.

��� Al��! Aqui quem est�� falando �� Geraldo.

��� N��o conhe��o nenhum Geraldo.

��� Devia conhecer pela voz. Passei muito tempo hoje

de manh��, ao seu lado, falando sem parar.

Ao contr��rio do que Geraldo esperava, Fernanda n��o

desligou o telefone imediatamente:

��� Voc�� n��o �� f��cil!

Ele notou que pela primeira vez ela o tratava de "vo-

c��". Conseguira marcar um ponto.

Deduziu tamb��m outra coisa: talvez o marido de Fer-

nanda n��o estivesse em casa. Resolveu prolongar o papo:

��� O que vai fazer esta noite?

��� Voc�� n��o desistiu ainda?

��� N��o. Nem vou desistir. Seu marido n��o est�� a��?

��� Vou desligar o telefone e, por favor, n��o ligue de

novo.

Ele ouviu o barulho do fone no gancho. Ainda n��o

tinha sido daquela vez. Fernanda era dura na queda. Mas

ele tamb��m n��o desistiria com facilidade.

Continuou o cerco ininterrupto por mais tr��s dias..

Viu-a outra vez na praia. Novamente se aproximou. Fer-

nanda dignou-se a lhe responder e ele n��o ficou quase o

tempo todo falando sozinho como da outra vez. Sem que-

rer, ela deu a entender que Francisco n��o estava no Rio.

Ele aproveitou a deixa:

��� Como foi mesmo que voc�� disse? Que seu marido

chega segunda-feira? Ent��o ele n��o est�� aqui?

117

A mulher viu que cometera um erro. Mas agora era

tarde:

��� N��o.

��� E como voc�� preenche o tempo sozinha?

��� Tenho v��rias coisas em que me ocupar.

��� A solid��o �� uma coisa triste.

��� Mas n��o estou solit��ria. Trata-se apenas de uma

viagem r��pida.

Ela deu-se conta de que estava dando satisfa����es a

Geraldo. Cada vez se tornaria mais dif��cil ver-se livre dele.

Chegou a hora de voltar para casa. Geraldo acompa-

nhou-a at�� a porta do seu edif��cio.

��� Amanh�� lhe espero na praia ��� disse o rapaz.

Fernanda n��o respondeu, resolvida que estava de n��o

ir �� praia durante muitos dias.

N��o poderia voltar a encontrar aquele homem. Sentia

a aproxima����o do perigo. E precisava escapar de qualquer

jeito.

Geraldo foi para casa satisfeito. Compreendera que era

apenas uma quest��o de tempo. Fernanda seria dele. Mas

logo raciocinou que n��o podia esperar muito.

J�� era sexta-feira. Francisco voltaria na segunda. Ti-

nha apenas dois dias para conseguir seu objetivo. Depois,

seria muito mais dif��cil.

Assim, naquela noite, logo cedo, por volta das sete

horas, telefonou:

��� Al��! Como vai?

��� Voc�� de novo?

��� Eu mesmo.

��� Por f a v o r . . .

��� Vamos nos encontrar logo mais?

118

��� N��o posso.

��� Pode sim. Prefere ficar sozinha em vez de aprovei-

tar o tempo comigo?

��� Prefiro.

��� N��o sabe que se vive uma s�� vez?

��� Sei.

��� Ent��o? Precisa aproveitar todas as oportunidades.

��� Penso de outra forma. Como s�� se vive uma vez,

n��o vou estragar minha vida sem nenhum motivo.

��� Vamos a um cinema.

��� N��o.

��� Ao teatro.

��� Tamb��m n��o.

��� A uma boate.

��� Muito menos.

��� O que devo fazer?

��� Nada. Ficar em casa. Em paz.

E de novo Fernanda desligou o telefone.

Geraldo saiu de casa e foi a um restaurante qualquer.

Jantou sozinho, coisa que odiava fazer. Numa noite de s e x :

ta-feira, podia estar muito bem acompanhado. Mulher era

o que n��o lhe faltava. Mas ele estava ocupando todo o seu

tempo atr��s de uma coisa imposs��vel.

Comeu sem apetite. Colocava o garfo na boca, masti-

gava a comida, mas n��o sentia gosto de nada.

Tinha que conseguir uma maneira de dobrar Fer-

nanda.

Olhava as coisas e pessoas a seu redor.

Um casal jantava numa mesa pr��xima. Os dois n��o

se falavam. Pareciam ilustres desconhecidos. Mas as alian-





119


��as nas respectivas m��os esquerdas denunciavam que eram

casados. Por isso que n��o tinham assunto.

Tr��s rapazes, numa outra mesa, comiam e bebiam. Es-

tavam alegres. Falavam muito.

Um outro casal, mais adiante, desta vez de namora-

dos, sem d��vida, sorriam. Olhavam-se apaixonados e co-

miam com prazer, enquanto conversavam animadamente.

Mais adiante ainda, um senhor idoso comia sozinho.

Triste. Como ele. Geraldo viu no velho sua pr��pria ima-

gem dentro de uns trinta anos. Era assim que provavel-

mente terminaria: vagando pelos restaurantes e ruas da

cidade, sozinho, carregando o peso dos anos e da solid��o.

Nunca se preocupara com a solid��o. Por que estes pen-

samentos agora? Estaria come��ando a envelhecer?

Ou era tudo por causa de Fernanda? Por n��o conse-

guir satisfazer seu desejo?

Terminou de jantar. Pagou a conta e saiu.

De barriga cheia, sentiu-se mais deprimido ainda.

O que fazer?

Olhou as horas.

Oito e pouco.

Ainda estava cedo.

E se fosse at�� a casa de Fernanda? Ela estava sozi-

n h a . . .

Mas podia ter visitas.

N��o custava arriscar.

Precisava dar o golpe definitivo.

Teria que usar toda a sua ousadia.

E para isso, precisava de ajuda.

Foi at�� um bar e pediu uma dose de u��sque.

120

Dentro de meia hora, no m��ximo, a bebida, teria lhe

dado a disposi����o necess��ria para fazer o que pretendia.

"Esta noite ou nunca", pensou.

Teria que possuir Fernanda naquela noite de qualquer

jeito.

Estava bebendo sua segunda dose de u��sque, quando..

L��cio, um colega de trabalho, passou pela cal��ada e o avis-

tou. Entrou no bar e sentou-se ao seu lado:

��� Na boa-vida, hem?!

��� Por favor, n��o me venha falar de servi��o. Estou de

f��rias.

Geraldo ficara amolado com a s��bita presen��a do co-.

lega. Estava planejando detalhadamente como agiria quan-

do chegasse ao apartamento de Fernanda. Queria ficar so-

zinho para melhor pensar.

��� Bebendo sozinho? N��o tem companhia? Onde est��o

as garotas? N��o faz mais o mesmo sucesso de antigamente?

Ele respondia ao amigo com monoss��labos. L��cio era

o tipo do cara chato, que quando grudava n��o tinha como

se desvencilhar dele. Sorriu ao pensar que Fernanda devia

pensar a mesma coisa a seu respeito.

Geraldo demorou-se mais tempo do que o necess��rio

no bar. E tamb��m bebera mais do que pretendia. Tudo

por causa de L��cio e sua conversa idiota. Resolveu ent��o .

chamar o gar��om e pagar a conta.

Despediu-se do amigo:

��� Agora vou me mandar. Tenho um encontro ��s nove

e meia.

O outro tamb��m saiu do bar, mas cada um tomou uma.

dire����o diferente.

121

Geraldo se encaminhou resoluto para o edif��cio onde

Fernanda morava. Passos r��pidos, decididos.

A medida que se aproximava, no entanto, os passos

tornaram-se menos r��pidos e ele menos seguro.

Como terminaria aquilo tudo?

Viu-se em frente ao pr��dio.

Entrou na portaria.

Esperou o elevador.

Apertou o bot��o que indicava o oitavo andar.

Desceu do elevador e tocou a campainha do aparta-

mento 801.

Demoraram a atender.

Tocou de novo. Lembrou-se de ficar numa posi����o que

n��o dava para Fernanda v��-lo atrav��s do olho-m��gico. Sa-

bendo quem era, n��o abriria a porta.

Finalmente a porta foi aberta.

Mas n��o era Fernanda.

Uma garota ainda jovem o atendeu.

Ele compreendeu que se tratava da empregada e per-

guntou:

��� Dona Fernanda est��?

��� Quem quer falar com ela?

��� Diga que �� o Geraldo.

��� Um momento.

A empregada foi at�� o interior do apartamento, vol-

tando pouco depois:

��� Fa��a o favor de entrar.

Geraldo viu-se logo depois no enorme "living" do apar-

tamento. Sentou-se no sof��. A empregada disse:

��� Dona Fernanda j�� vem.

E retirou-se.

122

Sozinho, Geraldo observou o ambiente. As poltronas,

o sof��, as paredes e o tapete, tudo branco. Alguns quadros

abstratos, uma escultura, tamb��m de estilo moderno, num

canto.

Teve receio que a cinza de seu cigarro ca��sse sobre o

tapete muito alvo. Procurou apressado um cinzeiro. Fer-

nanda entrou naquele momento.

Olhou-o s��ria:

��� Boa noite.

��� Tudo bem?

��� Estava, at�� h�� poucos instantes, antes de voc��

chegar.

��� �� assim que me recebe?

��� Como queria que fosse? Deixei que entrasse, por-

que n��o sabia qual seria sua rea����o se me negasse a re-

ceb��-lo e n��o estou querendo esc��ndalos.

��� Pensa que eu seria capaz disso?

��� Penso. Quando Francisco chegar segunda-feira vou

p��-lo a par do que est�� acontecendo. Foi tamb��m por isso

que deixei que entrasse. Para ficar sabendo que estou dis-

posta a acabar com esta sua atitude absolutamente incon-

veniente.

Sob o efeito da bebida, Geraldo era capaz realmente

de tudo. Viu que palavras de nada adiantavam com Fer-

nanda. Assim, levantou-se e abra��ou-a, tentando beij��-la!

Tudo com a rapidez de um gato, sem dar tempo da mu-

lher preparar nenhuma defesa.

Colou os l��bios nos dela, que o empurrou com for��a,

conseguindo afast��-lo:

��� N��o estou sozinha aqui. Lembre-se da empregada.

��� Por que n��o vamos at�� l�� em casa? Afinal, o apar-

123

tamento j�� foi seu. Pode recordar os velhos tempos em

que morou l��.-

Ele tentou apr��ximar-se de novo e ela amea��ou:

��� Vou .terminar sendo for��ada a chamar a pol��cia.

��� N��o precisa chegar a esse extremo. N��o quero lhe

comprometer. Vou embora numa boa. Mas fico l�� em casa

-lhe aguardando. N��o se esque��a. Vou estar lhe esperando.

A qualquer hora da noite que decidir pode ir me encon-

trar. L�� n��o tem porteiro �� noite, como voc�� sabe. Tome

a chave da portaria.

E Geraldo jogou-a sobre a mesinha.

Sorriu e retirou-se.

Fernanda fechou a porta do apartamento.

Voltou para o "living" e olhou a chave.

* * *

Ao passar pela banca de jornais, Geraldo lembrou-se

de comprar algumas revistas. Teria uma longa noite de

espera. Comprou cigarros tamb��m. Bebida tinha o sufi-

ciente.

Entrou em casa, com disposi����o para aguard��-la. Para

que n��o sentisse ansiedade demais e para que o tempo pas-

sasse mais depressa, ligou a televis��o. Colocou v��rios discos

na eletrola. Pegou uma garrafa de cerveja, um copo e sen-

tou-se numa poltrona onde come��ou a folhear as revistas

coloridas, com fotos de mulheres nuas.

Assistia �� televis��o, ouvia discos, via revistas e bebia,

tudo ao mesmo tempo.

Os minutos passaram at�� completarem uma hora de

espera.





124


Nada de Fernanda.

��� Deve estar indecisa ��� pensou. ��� Coloquei-lhe um

problema na consci��ncia. Sei que est�� tentando desespe-

radamente resistir �� tenta����o. Ela est�� louquinha para vir

tenho certeza. Talvez apenas demore um pouco.

No fim da segunda hora de espera, esta certeza n��o

era t��o grande. Pelo contr��rio. J�� estava cheio do barulho

da televis��o e da eletrola. N��o ag��entava mais folhear as

mesmas revistas (sim, porque ler mesmo ele n��o conse-

guia, n��o podia concentrar-se em nada).

Sempre que uma garrafa esvaziava, ia buscar outra.

Sa��ra do apartamento de Fernanda, mais ou menos ��s

dez horas. J�� era meia-noite.

E nada de Fernanda aparecer.

Resolveu telefonar.

Tinha que ser naquela noite.

Ou nunca mais.

Ouviu o telefone tocar uma, duas, quatro, oito, quin-

ze, vinte vezes. Ningu��m atendeu. Desistiu.

Fernanda devia estar dormindo. Mas como conseguira

adormecer, sabendo que havia um homem �� sua espera?

Certamente estava acordada, mas recusava-se a atender.

Parecia estar vendo-a, ao lado do telefone, ouvindo-o tocar

incessantemente.

Talvez Fernanda fosse muito mais forte do que ima-

ginava.

Foi a�� que ouviu a campainha de seu apartamento

tocar, misturada com o barulho da televis��o e da eletrola

que continuavam ligadas.

Deu um salto da poltrona.

Era Fernanda.





125


Tinha vencido.

Ninguem mais o procuraria ��quela hora. Ningu��m

mais a n��o ser os moradores do pr��dio.

Vizinho nenhum o visitaria quase de madrugada.

S�� podia ser Fernanda. Ela tinha a chave da portaria

que ��quela hora j�� estava fechada.

Estava de sunga e teve uma id��ia diab��lica. Tirou-a

rapidamente e foi abrir a porta completamente nu. Queria

provocar impacto.

Era mesmo Fernanda.

Ela entrou sem dizer nada e sem demonstrar que no-

tara que ele estava sem roupa.

��� At�� que enfim! ��� exclamou Geraldo.

Abra��ou Fernanda, que n��o ofereceu a m��nima resis-

t��ncia.

Ela tamb��m havia bebido.

Os h��litos se encontraram.

Ele come��ou a despi-la.

Fernanda n��o sabia se aquilo estava realmente acon-

tecendo. Sentia-se confusa, sob o efeito do u��sque puro

que tomara em grandes doses. Estava em seu antigo apar-

tamento, junto com um homem que n��o era seu marido.

Teve peha de Francisco e um pouco de nojo de si mesma.

Mas o desejo era mais forte.

Foram para a cama.

Geraldo beijou-lhe o corpo ainda magn��fico.

Fernanda pensava que tinha realmente voltado ao

passado. N��o era a Fernanda de agora, bem comportada,

com um marido a quem amava. Era a Fernanda de alguns

anos atr��s em busca de um amor definitivo. �� procura

126

de um homem certo e entregando-se a todos que apa-

reciam.

Os dois corpos estremeceram, para depois se Separa-

rem para lados diferentes da cama.

Uma l��grima escorreu-lhe pela face. Procurou enxu-

g��-la rapidamente, envergonhada n��o do que fizera, m��s

do seu remorso e sentimentalismo.

Geraldo n��o notou, n��o a estava olhando naquele mo-

mento.

Ela levantou-se, vestiu-se, meio cambaleante.

Ele continuou deitado.

J�� pronta, Fernanda olhou o homem despido.

Saiu do apartamento, deixando a chave da portaria

em cima de um m��vel qualquer (por dentro podia-se abrir

a porta sem precisar da chave).

Caminhou em dire����o de sua casa.

N��o queria mais pensar no motivo por que fizera

aquilo.

Para que arranjar desculpas, justificativas?

Tinha feito. S�� isso.

N��o fora forte o suficiente.

Tinha certeza de que amava Francisco.

E por que fora at�� o apartamento encontrar Geraldo?

Lembrou-se do ��lbum e do di��rio.

Eles eram os culpados?

Haveria algum culpado?

N��o, n��o voltaria outra vez a fazer o que fizera.

Preferia morrer a ir novamente ��quele apartamento.

Preferia tudo, menos trair Francisco de novo.

Mas ser�� que pensaria sempre do mesmo modo?





127


Ou apenas naquele momento?

Chegou ao seu edif��cio.

Entrou.

* * *

Geraldo permanecia deitado nu em sua cama.

Adormecera.

A televis��o continuava ligada.

FIM

128







---------- Forwarded message ---------
De: Bons Amigos lançamentos




O Grupo Bons Amigos em parceria  com o grupo  Solivros com sinopses  tem a satisfação de lançar hoje mais um livro digital para atender aos deficientes visuais.


Relações ìntimas - Carlos Aquino

Livro doado por Leandro e digitalizado por Fernando José

Sinopse:

Geraldo é um rapaz de trinta anos que depois de muitos anos economizando consegue comprar seu apartamento num bairro classe média alta do Rio de Janeiro.

Sobre o autor:     



Escritor, jornalista e ator, Carlos Aquino nasceu em Sergipe, mas foi para o Rio de Janeiro ainda adolescente.Trabalhou em filmes e peças de teatro, mas finalmente descobriu que sua verdadeira vocação era escrever, passando a dedicar-se à literatura. Sua estréia foi com o romance: Verão no Rio em 1973. Com seu.estilo vigoroso e moderno, colocando sempre uma dose de verdade em seus personagens, ele  foi no século passado na década de 70 e 80  um dos escritores de mais prestigio junto ao público.  Detalhes sobre sua morte leia em : https://www.terra.com.br/istoegente/79/tributo/index.htm

 Lançamento  :

a)https://groups.google.com/forum/?hl=pt-BR#!forum/solivroscomsinopses

b)http://groups.google.com.br/group/bons_amigos?hl=pt-br

Este e-book representa uma contribuição do grupo Bons Amigos  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais e como forma de acesso e divulgação para todos. 

É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras .

 

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Livros:

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