segunda-feira, 1 de março de 2021

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO: UMA VEZ SÓ É POUCO -JACQUELINE SUSANN - FORMATO: PDF, TXT E PDF

Uma vez s�� �� pouco

Jacqueline Susann

A autora vitoriosa de Vale das

Bonecas encara de novo os pro-

blemas do destino humano e os

obscuros impulsos psicol��gicos que

fazem mover-se as criaturas para

nos dar talvez o seu livro mais

profundo e mais sentido.

O tema do romance �� audacio-

so, pungente e sens��vel, pois re-

trata um caso curios��ssimo de in-

cesto mental. January Wayne, a

hero��na, foi criada em m��tua ado-

ra����o por um pai, que era um fa-

moso produtor de teatro e de ci-

nema, um homem de muitas mu-

lheres e, principalmente, um gran-

de jogador. A m��e de January

morreu quando ela estava apenas

com sete anos. Foi ent��o levada

para um internato, de onde sa��a

para passar os fins de semana com

o pai e sonhar com o tempo em

que entraria no mundo fascinante

dele e assumiria o seu lugar para

sempre ao seu lado.

U M A V E Z S��

�� P O U C O

Da mesma autora, editado pela

Record:

V A L E DAS B O N E C A S





J A C Q U E L I N E


SUSANN


UMA VEZ S��

�� POUCO

Tradu����o de

PINHEIRO DE L E M O S

2 . �� E D I �� �� O

DISTRIBUIDORA RECORD

RIO DE JANEIRO ��� SAO PAULO



T��tulo original norte-americano:

ONCE IS NOT ENOUGH

Copyright �� 1973 by Jacqueline Susann

Publicado mediante acordo com Bantam Books,

Inc. e Sujac Productions, Ltd.

Direitos de publica����o exclusiva em l��ngua portuguesa

no Brasil adquiridos pela

D I S T R I B U I D O B A R E C O R D DE SERVI��OS DE IMPRENSA S.A.

Av. Erasmo Braga, 255 ��� 8.�� andar ��� Rio de Janeiro, GB

que se reserva a propriedade liter��ria desta tradu����o.

Impresso no Brasil

A Robert Susann, meu pai,

que compreenderia...

... e a Irving,

que compreende

Pr��logo





E L E


Estourou no cen��rio teatral em 1945. Chamava-se Mike Wayne

e era um homem que nascera para jogar e ganhar. Tinha fama de

ser o melhor jogador de dados na For��a A��rea e os treze mil d��la-

res que levava escondidos sob o cinto provavam que a fama era

justificada.

Antes dos vinte anos, j�� havia percebido que a Bolsa e o teatro

eram os dois maiores jogos de azar do mundo. Tinha 27 anos quando

saiu da For��a A��rea e, como era louco por mulheres, escolheu p tea-

tro. Multiplicou os seus treze mil d��lares em sessenta mil no de-

curso de cinco dias bem sucedidos no Aqueduct.

Investiu esse dinheiro num espet��culo da Broadway, de que foi

co-produtor. A pe��a foi um sucesso e ele se casou com Vicki Hill, a

mais bela das coristas.

Vicki queria ser estrela e Mike lhe deu essa oportunidade.

Montou em 1948 o seu primeiro grande musical e escolheu a mu-

lher como a estrela. Foi um sucesso apesar dela. Os cr��ticos elo-

giaram a compet��ncia teatral de Mike que a cercara de atores de

talento, de um libreto excepcional e de uma partitura de sucesso.

Mas foram un��nimes em achar que Vicki n��o estava �� altura de

nada disso.

Quando a pe��a terminou a sua carreira, ele a "aposentou".

��� Menina, �� preciso saber afastar-se da mesa quando os dados

n��o querem. J�� lhe dei a sua chance. Agora, voc�� tem de me dar

um filho.

No dia de Ano Novo de 1950, Vicki lhe deu uma filha de pre-

sente. Ele lhe deu prontamente o nome de January (janeiro) e,

quando a enfermeira lhe p��s a menina nos bra��os, jurou em sil��n-

cio que lhe daria o mundo inteiro.

Quando a crian��a tinha dois anos, Mike ia falar com ela antes

de falar com a mulher.

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Quando ela tinha quatro anos, Mike foi para a Calif��rnia e pro-

duziu o seu primeiro filme.

Aos cinco anos da filha, produziu dois filmes de sucesso num

ano e foi indicado para um Oscar.

Quando ela completou seis anos, ele ganhou o Oscar e teve o

nome mencionado em rela����o a v��rias belas estrelas. ( F o i nessa

��poca que a mulher come��ou a beber e teve um amante.)

Quando January tinha sete anos, o pai deu o nome dela ao seu

avi��o particular e a mulher morreu ao tentar um aborto.

Restaram ent��o apenas os dois.

Mike tentou explicar as coisas �� filha no dia em que a levou

de carro para o internato em Connecticut.

��� Agora que Mam��e n��o est�� mais aqui, essa escola de luxo vai

ensinar voc�� a ser uma mocinha bem-educada.

��� Por que voc�� n��o me pode ensinar, Papai?

��� Porque vivo viajando. E, al��m disso, as senhoras �� que devem

ensinar as meninas.

��� Por que foi que Mam��e morreu, Papai?

��� N��o sei, meu b e m . . . Talvez porque quisesse ser algu��m.

��� E isso �� mau?

��� S�� quando n��o se �� ningu��m e isso r��i a gente por dentro.

��� Voc�� �� algu��m, Papai?

��� Eu? Bem, acho que sou um superalgu��m ��� disse ele, rindo.

��� Ent��o vou ser algu��m ��� disse ela.

��� Est�� bem. Mas, antes de ser algu��m, voc�� tem de ser uma

mocinha educada.

Ela aceitara assim a escola de Miss Haddon. E, sempre que ele

estava em Nova York, os dois passavam os fins-de-semana juntos.

A fama de Mike cresceu e, como todos os bons jogadores, ele sa-

bia quando devia insistir na sua sorte e quando era melhor desis-

tir. Muitas vezes tinha modificado os rateios no prado com uma

s�� aposta. Em certa ocasi��o, perdera o avi��o num jogo de dados,

mas sa��ra com um sorriso porque sabia que teria outra chance.

Mas, se lhe perguntassem quando a sorte dele acabara, poderia

dizer o dia exato.

Roma, 20 de junho de 1967.

Foi o dia em que soube da f i l h a . . .

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E L A


Se perguntassem a ela quando a sua sorte acabara, ela n��o o po-

deria dizer porque sempre pensara em si mesma como filha dele.

E ser filha dele era a coisa mais maravilhosa do mundo.

Desde o in��cio, aceitara a escola de Miss Haddon como simples-

mente uma coisa que era preciso levar at�� ao fim. As colegas eram

todas simp��ticas e se dividiam em duas categorias. As mais velhas

adoravam ��lvis Presley e as mais mo��as eram "partid��rias de Lin-

da". Linda era Linda Riggs, uma aluna. Tinha dezesseis anos. Sabia

cantar e dan��ar e seu superentusiasmo era barulhento mas infeccioso.

(Anos depois, quando January encontrou algumas das primeiras fo-

tografias da escola, ficou surpresa com a semelhan��a entre Linda e

Ringo Starr.) Mas naquele tempo, quando Linda era a estrela in-

discut��vel na escola de Miss Haddon, ningu��m parecia notar-lhe

os ralos cabelos crespos, o nariz largo e o grosso aparelho de prata

nos dentes. Era um fato reconhecido que, quando Linda terminasse

o curso, iria ser uma destacada estrela de com��dia musical na

Broadway.

No ��ltimo ano de Linda, ela estrelou na escola uma vers��o ate-

nuada de Annie Get Your Gun. Quando se iniciaram os ensaios, Lin-

da escolheu a pequena January, de oito anos, para ser sua "ami-

guinha especial". Isso queria dizer que January teria o privil��gio

de prestar-lhe pequenos servi��os e dar-lhe as deixas de suas falas

e das letras das m��sicas. January nunca tinha sido uma "partid��ria

de Linda", mas ficou satisfeita com a combina����o porque quase

todas as conversas de Linda se concentravam em Mike Wayne. Lin-

da era uma grande admiradora da obra dele. January o convidara

para ir ver a pe��a da escola? Ele viria? Tinha de vir! Afinal de con-

tas, Linda n��o inclu��ra January no coro?

Mike tinha ido e depois do espet��culo January viu a estrela de

Annie Get Your Gun dissolver-se numa ginasiana balbuciante e ver-

melha quando Mike Wayne lhe apertou a m��o.

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��� N��o a achou formid��vel? ��� perguntou January, quando se

afastou em companhia do pai.

��� Achei horr��vel. Voc�� esteve melhor no coro do que ela em todos

os seus n��meros.

��� Mas ela tem muito talento.

��� Tem nada. �� gorda e feia.

��� Acha mesmo?

��� Acho.

Mas, quando Linda concluiu o curso, a escola de Miss Haddon

pareceu subitamente vazia. Uma bela mo��a chamada Angela estre-

ou a pe��a da escola na temporada seguinte, mas todos reconhece-

ram que "n��o era Linda".

Dois anos depois, Linda voltou a ser not��cia quando uma das

pequenas apareceu gritando pelo corredor com um n��mero da re-

vista Gloss na m��o. No expediente, em letras muito mi��das, aparecia

entre os redatores o nome de Linda Riggs. Todos na escola de Miss

Haddon ficaram muito impressionados, mas January se sentiu inti-

mamente decepcionada. Que �� que tinha havido com a Broadway?

Quando conversou com o pai sobre o assunto, ele n��o se mostrou

surpreso.

��� Acho at�� not��vel que ela tenha conseguido entrar para uma

revista de modas.

��� Mas ela tinha tanto talento ��� insistiu January.

��� Talento para a escola de Miss Haddon. Mas estamos em 1960

e h�� pequenas t��o bonitas quanto Liz Taylor e Marilyn Monroe ba-

tendo as cal��adas �� procura de uma oportunidade qualquer. N��o

acho que a beleza seja t u d o . . . mas ajuda muito.

��� Acha que eu vou ter beleza?

Ele sorriu ao mesmo tempo que lhe afagava os cabelos castanhos.

��� Voc�� vai ter mais do que beleza. Voc�� tem os olhos castanhos

de sua m��e, olhos de v e l u d o . . . Foi a primeira coisa que me atraiu

nela.

January n��o lhe disse que teria preferido ter os olhos dele, que

eram incrivelmente azuis contra a pele perpetuamente queimada e

os cabelos pretos. Ela nunca pudera aceitar calmamente a extra-

ordin��ria boa apar��ncia do pai. O mesmo acontecia com suas cole-

gas que viam os pais como homens acossados que ��s vezes deixa-

vam de fazer a barba, viviam preocupados com a perda dos cabelos

ou dos empregos e constantemente discutiam com as m��es ou com

um irm��o menor.

Mas durante os fins-de-semana que January passava com o pai

em Nova York via apenas um "homem bonito que vivia para lhe ser

agrad��vel.

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Era em vista desses fins-de-semana que January sempre fugira

das tentativas de muita intimidade das outras colegas da escola.

Uma amiga ��ntima significaria jantares e festas na casa delas e fins-

de-semana em Nova York numa base de reciprocidade. E January

n��o tinha a inten����o de dividir com ningu��m os fins-de-semana que

passava com o pai. �� claro que havia ocasi��es em que ele estava

na Europa ou na Calif��rnia, mas os fins-de-semana que passavam

juntos compensavam de sobra os solit��rios.

Eram maravilhosas as manh��s de s��bado em que a limusina che-

gava a fim de lev��-la para Nova Y o r k . . . para a grande suite de

canto no Plaza que ficava permanentemente �� disposi����o do pai.

Ele estava fazendo invariavelmente o breakfast quando ela chegava.

Uma secret��ria podia estar tomando notas; um assistente de produ-

����o podia estar passando em revista as receitas da semana ou um

homem de publicidade estar apresentando algum an��ncio; os tele-

fones podiam estar tocando, ��s vezes tr��s ao mesmo tempo. Mas,

quando ela entrava na sala, era como se um despertador tivesse to-

cado. Toda a atividade cessava e ele a tomava nos bra��os. O cheiro

de sua lo����o de barba era de p i n h o . . . e o contato de seus bra��os

em torno dela lhe davam um sentimento de completa seguran��a.

Ela comia alguma coisa enquanto ele resolvia rapidamente os

neg��cios �� sua frente. Isso nunca deixava de fascin��-la. O seu dina-

mismo, as suas decis��es sincopadas pelo telefone... Comia e olha-

va-o, procurando gravar no esp��rito a maneira pela qual prendia o

fone entre o ombro e o ouvido, ao mesmo tempo que tomava n o t a s . . .

e a sensa����o de calor que a invadia quando ele olhava para ela no

meio de tudo aquilo e lhe piscava o olho, como se dissesse: "Seja

l�� o que, eu estiver fazendo, n��o deixo de pensar em voc��".

Depois do almo��o, n��o havia mais telefones, nem interrup����es.

O resto do dia pertencia a ela. ��s vezes, ele a levava ao Saks e lhe

comprava tudo �� vista. Em outras ocasi��es, levava-a para patinar

no gelo no Rockefeller Plaza (ele ficava sentado do lado de dentro

e tomava um drinque enquanto o professor de patina����o sa��a com

e l a ) . Se ele estava montando uma nova pe��a, paravam a fim de ver

os ensaios. Viam todos os espet��culos da Broadway, indo ��s vezes

a um espet��culo �� tarde e a outro �� noite. Iam sempre acabar no

Sardi's e se sentavam �� mesa da frente sob a caricatura dele.

Mas ela n��o gostava dos domingos. Por mais que se divertisse no

domingo, havia sempre a sombra da grande limusina preta que

estava �� espera para lev��-la de volta para a escola de Miss Haddon.

E ela sabia que tinha de voltar, do mesmo modo que ele tinha de

voltar aos seus telefones e produ����es.

Mas as "produ����es" favoritas dele eram os anivers��rios de J a -

nuary. Quando ela fizera cinco anos, ele contratara um pequeno

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circo e convidara toda a sua turma do jardim de inf��ncia. A m��e

dela ainda estava viva, uma vaga senhora de grandes olhos casta-

nhos que olhava tudo dos bastidores sem muito interesse. Aos seis

anos, tinha havido um passeio de tren�� at�� a Taverna Verde do Cen-

tral Park, onde Papai Noel estava �� espera com um saco de brin-

quedos. De outra vez, tinha havido um m��gico e um teatrinho de

fantoches.

Mas, no oitavo anivers��rio dela, os dois tinham estado sozinhos.

Era o primeiro anivers��rio dela depois da morte da m��e. O carro

havia ido busc��-la na escola de Miss Haddon e a levara para o Plaza.

Ela ficara solenemente de p�� enquanto ele abria a garrafa de cam-

panha e lhe servia um quarto de ta��a.

��� Este �� o melhor que h��, menina ��� disse ele, erguendo a sua

ta��a. ��� �� minha p e q u e n a . . . a ��nica que eu jamais amarei.

Foi assim que ele lhe deu a conhecer Dom Perignon e caviar.

Depois, ele a tinha levado at�� a janela e lhe apontara o blimp da

Goodyear que ia passando. Mas, em vez de Goodyear, as grandes

letras vermelhas diziam: "Feliz Anivers��rio, January!" Desse tempo

em diante, Dom Perignon e caviar se tornaram um ritual para todas

as ocasi��es importantes.

No seu d��cimo terceiro anivers��rio, o pai a levou ao Madison

Square Garden. A entrada estava ��s escuras quando chegaram e ela

presumiu que tivessem chegado muito tarde. Ele lhe tomou a m��o

e levou-a para dentro. Era estranho que n��o houvesse porteiros

para atend��-los. N��o havia empregados. .. nem p �� b l i c o . . . nem

l u z e s . . . O pai desceu com ela por uma rampa, dentro da cavernosa

escurid��o da arena vazia. Era fant��stico irem assim de m��os da-

das . . . descendo... descendo... para o interior do Garden. Para-

ram ent��o e o pai disse com voz calma:

��� Deseje uma coisa, querida, uma coisa muito boa porque neste

momento voc�� est�� no lugar exato onde estiveram alguns dos maio-

res campe��es, Joe Louis, Sugar Ray, Marciano. ��� Levantou a m��o

dela na pose cl��ssica dos lutadores e, imitando, o tom nasal de um

��rbitro, gritou: ��� E agora, senhoras e senhores, apresento a maior

de t o d a s . . . January W a y n e . . . que entra hoje na sua adolesc��ncia!

��� E acrescentou: ��� Isso quer dizer que voc�� est�� agora na divis��o

dos pesos-pesados, querida!

Ela estendeu os bra��os em torno dele e o pai se inclinou para bei-

jar-lh�� o rosto mas, na escurid��o, os l��bios se encontraram e per-

maneceram . . . De repente, todos os placares do est��dio se acende-

ram e as luzes cintilantes diziam: " F E L I Z ANIVERS��RIO JANUA-

R Y " . Havia uma mesa posta com caviar e champanha. Um gar��om

esperava para servi-los, enquanto uma orquestra tocava e cantava

"Parab��ns Para Voc��".

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Depois do canto, a orquestra iniciou um pot-pourri das m��sicas

prediletas dela. Provaram o champanha e ent��o Mike estendeu os

bra��os e convidou-a a dan��ar. A princ��pio, ela ficou nervosa mas,

depois dos primeiros passos incertos, aconchegou-se a ele e teve de

s��bito a impress��o de que passara a vida toda a dan��ar com ele.

Enquanto se moviam ao compasso da m��sica, ele lhe disse em voz

baixa:

��� Voc�� j�� est�� quase uma senhora. Qualquer dia destes, aparece-

r�� um rapaz que ser�� para voc�� mais que tudo no m u n d o . . . E l e

a tomar�� assim nos bra��os e voc�� saber�� o que �� o amor.

Ela nada dissera porque sabia que j�� estava nos bra��os do ��nico

homem a quem poderia amar.

Ele estava produzindo um filme em Roma quando ela se diplomou

na escola de Miss Haddon. January n��o se importou de que ele fosse

faltar �� formatura. Ela mesma teria preferido livrar-se disso, mas

tinha dado uma audi����o e fora escolhida como oradora oficial. De-

pois disso, n��o havia jeito de desistir, mas iria passar o ver��o com

ele em Roma.

E ganhara a discuss��o sobre a matr��cula numa universidade.

��� Mas, Papai, tenho levado toda a minha vida na escola.

��� �� importante estudar numa universidade, querida.

��� Por qu��?

��� Ora essa, para aprender coisas, para fazer boas amizades, para

preparar v o c �� . . . Bem, n��o sei ao certo. S�� sei �� que �� o que se deve

fazer. Por que �� que as outras mo��as v��o para a universidade?

��� Porque n��o t��m um pai como voc��.

��� Est�� bem. Que �� que voc�� quer ser?

��� Talvez uma atriz.

��� Bem, se voc�� quiser ser atriz, ter�� de estudar tamb��m.

E assim ficara combinado. Logo que ele acabasse de fazer o filme

em Roma, teria de ir fazer outro em Londres. Em vista disso, tomou

provid��ncias para matricul��-la na Real Academia de Arte Dram��-

tica no per��odo letivo do outono. Ela n��o estava muito entusias-

mada com a id��ia da Real Academia. N��o tinha nem certeza de que

quisesse ser uma a t r i z . . .

Mas ia para Roma! Tinha apenas de passar pelas cerim��nias da

formatura. Sob a capa e o gorro de formatura tinha um vestido de

linho azul. A passagem de avi��o e o passaporte j�� estavam na bolsa.

E a bagagem j�� estava na mala da limusina �� espera diante da esco-

la. Tinha apenas de fazer aquele discurso, receber o diploma e sair

correndo!

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Por fim, tudo acabou e ela estava saindo do audit��rio. Os pais das

colegas lhe davam parab��ns. Era preciso romper uma barreira de

adeuses chorosos e tinha de prometer que escreveria. Adeus! Adeus!

Tirou a capa. Jogou o gorro para Miss Hicks, do Departamento Dra-

m��tico. Adeus! Adeus! Agora, a limusina e vamos correr para o Aero-

porto Kennedy.

V��o 7 0 4 . . . primeira classe meio v a z i a . . . muito agitada para con-

centrar-se na comida ou no filme. Horas e horas de revistas, de-

vaneios e c o c a s . . . afinal a d e s c i d a . . . sete horas da manh��, hora de

Roma. E ali estava e l e . . . em companhia de algumas autoridades

que pareciam importantes... bem ali �� beira da pista com um carro

particular. Descer do a v i �� o . . . para os bra��os d e l e . . . para os bra��os

do homem mais fabuloso do m u n d o . . . que era dela!

O grande carro preto levou-os para os homens da alf��ndega... o

passaporte foi carimbado... Entraram na esta����o terminal, onde dois

simp��ticos italianos jovens de terno preto estavam �� espera para

cuidar da bagagem dela.

��� N��o falam ingl��s, mas s��o bons rapazes ��� disse Mike, entre-

gando algumas notas aos dois. ��� V��o tratar de sua bagagem e lev��-

la para o hotel.

Levou-a ent��o para um longo Jaguar vermelho que estava do lado

de fora com a capota levantada. Mike sorriu diante do manifesto

prazer dela.

��� Achei que seria mais divertido n��s mesmos guiarmos. Entre,

Cle��patra. Voc�� vai fazer agora a sua entrada em Roma.

E foi assim que ela viu Roma naquela cintilante manh�� de julho.

O vento era suave e o sol matinal lhe aquecia o rosto. Algumas lojas

abriam as portas. Rapazes de avental come��avam a lavar as ruas ��

frente dos caf��s nas cal��adas. De vez em quando, uma buzina t��mi-

da gritava a dist��ncia, uma buzina que se juntaria a um grupo com-

pacto para fazer uma tremenda algazarra quando o tr��nsito chegasse

ao auge.

Mike parou o carro diante de um pequeno restaurante. O proprie-

t��rio correu ao seu encontro, abra��ou-o e fez quest��o de preparar

pessoalmente os ovos com salsichas e os p��es quentes que a mulher

dele tinha acabado de tirar do forno.

A cidade estava crepitante de barulho quando afinal chegaram ��

quadra da Via Veneto onde ficava o Hotel Excelsior. January cor-

reu os olhos para a pequena expans��o ��� os caf��s na cal��ada dos

dois lados da rua, turistas que liam o New York Times e a edi����o

de Paris do Tribune enquanto tentavam beber o forte caf�� expresso.

��� �� esta a Via Veneto? ��� perguntou January.

Mike sorriu.

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��� ��, sim. Desculpe que eu n��o pudesse arranjar Sofia Loren para

passar neste momento. A verdade �� que voc�� poderia ficar sentada

aqui um ano e nunca ver Sofia Loren passar pela Via Veneto. Mas,

dentro de uma hora, voc�� poder�� ver todos os americanos que est��o

na cidade.

Ela ficou at��nita com o enorme apartamento no Excelsior. As

lareiras de m��rmore esculpido, o sal��o de jantar, os dois quartos

enormes ��� era quase um pal��cio.

��� Deixei o quarto de frente para a Embaixada Americana para

voc�� ��� disse Mike. ��� Calculei que o barulho da rua seria menor

aqui. Agora, tire as roupas das malas, tome um banho e v�� dormir.

Mandarei um carro busc��-la ��s quatro horas da tarde. Voc�� poder��

ir at�� ao est��dio e n��s voltaremos juntos.

��� N��o posso ir com voc�� para o est��dio agora?

��� Escute. N��o quero que esteja cansada na sua primeira noite em

Roma. Por falar nisso, aqui n��o se janta antes de nove ou dez horas

da noite.

Encaminhou-se para a porta e parou. Olhou para ela durante v��-

rios segundos e exclamou:

��� Quer saber de uma coisa? Voc�� �� tremendamente bonita!

Ainda estavam filmando quando ela chegou ao est��dio. Ficou de

longe e olhou para o escuro. Reconheceu Mitch Nelson, o ator ame-

ricano a quem a publicidade dos est��dios estava apresentando como

um novo Gary Cooper. Com um queixo gran��tico e olhos aparente-

mente im��veis, estava representando uma cena de amor com Melba

Delitto. January s�� vira Melba em filmes estrangeiros. Era muito

bela, mas seu sotaque era muito carregado e v��rias vezes ela se

atrapalhava nas falas. De cada vez, Mike sorria, aproximava-se dela,

tranq��ilizava-a e recome��ava a cena. Depois do d��cimo quinto take,

Mike gritou: "Imprimam!" e as luzes se acenderam.

Quando ele viu January, teve aquele sorriso especial que era ex-

clusivamente dela e atravessou o palco de som. Passou o bra��o pelo

dela.

��� H�� quanto tempo est�� aqui?

��� H�� cerca de doze takes. N��o sabia que voc�� tamb��m era di-

retor.

��� Bem, este vai ser o primeiro filme de Melba falado em ingl��s

e nos primeiros dias houve at�� pistolas fora. Ela se atrapalhava...

o diretor gritava para ela em i t a l i a n o . . . ela respondia no mesmo

t o m . . . ele gritava mais a l t o . . . e ela sa��a do set banhada de l��gri-

mas. Com isso, perdia-se uma hora para fazer nova maquilagem e

meia hora para ela aceitar os pedidos de desculpas do diretor. Por

isso, aprendi que, se eu me aproximar dela, acalm��-la e disser que

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ela est�� indo muito bem, pouparei muito tempo e dinheiro e conse-

guirei finalmente um take que preste.

Um homem se aproximou ansiosamente.

��� Sr. Mike, j�� acabei meu trabalho h�� mais de duas horas, mas

esperei porque tinha muita vontade de conhecer sua filha.

��� January, este �� Franco Mellini ��� disse Mike.

O jovem tinha pouco mais de vinte anos. O sotaque era carrega-

do, mas ele era alto e inegavelmente bonito.

��� Est�� bem, Franco. J�� foi apresentado. Agora, pode dar o fora ���

disse Mike com voz r��spida, mas com um sorriso no rosto enquanto

o rapaz fazia uma rever��ncia e se afastava. ��� O papel desse cama-

rada �� bem pequeno, mas ele tem um jeito de quem vai tomar conta

de tudo. Encontrei-o em Mil��o quando estava preparando loca����es.

Ele era barman e cantor nas horas vagas num caf��. �� um ator natu-

ral. �� incr��vel ver como ele encantou todas as mulheres do set, at��

Melba. Qual! Quando um italiano tem charme, tudo �� poss��vel.

Caminharam de bra��o dado. O est��dio estava quase vazio e ela

sentia que todas as suas preces secretas tinham sido atendidas. Aque-

le era o momento que ela desejara, o momento com que tinha so-

nhado. Caminhar ao lado d e l e . . . fazer parte da vida d e l e . . . saber

dos seus problemas.

De repente, ele disse:

��� Escute, arranjei uma ponta no filme para voc��. Apenas algumas

palavras. ��� Tentou desvencilhar-se do abra��o dela. ��� Eh! Voc�� me

est�� estrangulando!

Mais tarde, enquanto avan��avam vagarosamente dentro do incr��-

vel tr��fego, Mike falou dos seus problemas com o filme. Havia a

ansiedade de Melba com seu i n g l �� s . . . a antipatia dela por Mitch

Nelson... a barreira da linguagem entre ele e alguns elementos do

pessoal. Mas reclamava principalmente do tr��fego. Ela escutava e

dizia a si mesma que aquilo n��o era um s o n h o . . . que estava real-

mente a l i . . . que aquilo n��o era um s��bado e que n��o haveria uma

limusina para lev��-la para longe dele no dia seguinte... que ela

ficaria assim com ele todos os d i a s . . . que ela pouco se importava

de que aquela viagem de autom��vel durasse a vida t o d a . . . que ela

estava com ele em Roma, s�� eles dois!

Quando afinal chegaram ao hotel, outro homem, jovem, esbelto

e bonito, esperava-os no vest��bulo com v��rias caixas. January n��o

compreendia como era que todos os homens conseguiam ser t��o

magros. Os italianos n��o comiam as suas pr��prias comidas?

��� Este aqui �� Bruno ��� disse Mike, enquanto o homem sorridente

os acompanhava at�� a suite. ��� Calculei que voc�� n��o tivesse trazido

roupas suficientes e mandei-o entrar em a����o h�� alguns dias. E l e

16

faz compras para uma por����o de pessoas importantes. Escolha o que

quiser ou fique com tudo. Vou tomar um banho e fazer alguns te-

lefonemas para os Estados Unidos, isto ��, se conseguir romper a

barreira da linguagem com as telefonistas daqui. Quase sempre n��o

conseguimos passar da palavra Pronto. ��� Beijou-lhe o rosto e disse:

��� At�� as nove horas.

Ele estava a esper��-la, quando ela chegou �� sala ��s nove horas.

Ele deu um assobio e exclamou:

��� Menina, voc�� e s t �� . . . ��� Parou de repente e sorriu. ��� B e m . . .

acho que voc�� est�� melhor do que qualquer modelo famoso.

��� Isso quer dizer que realmente n��o me posso comparar com

eles ��� disse ela, rindo. ��� �� por isso que adoro este Pucci. Adere ao

corpo e me faz p a r e c e r . . .

��� Fant��stica! ��� disse ele.

��� Fiquei com isto, algumas saias e um terno.

��� S��? Bem, talvez voc�� ache mais divertido procurar por si mes-

ma nessas pequenas lojas de que todas as mulheres falam. Vou pe-

dir a Melba que lhe d�� alguma orienta����o e lhe diga aonde voc��

deve ir.

��� N��o estou aqui para comprar uma cole����o de vestidos, Papai.

O que eu quero �� ver voc�� fazer o filme.

��� Est�� brincando? Afinal de contas, voc�� tem dezessete anos.

Est�� em Roma! N��o vai querer ficar metida dentro de um set aba-

fado e quente!

��� �� exatamente o que eu quero. E quero tamb��m aquela ponta

que voc�� me prometeu.

Ele riu.

��� Talvez voc�� acabe mesmo sendo uma atriz. Pelo menos, j�� est��

come��ando a falar como se fosse. Agora, vamos indo que j�� estou

morto de fome.

Foram a um restaurante no velho bairro do gueto de Roma. Ja-

nuary adorou os pr��dios antigos e as ruas sossegadas. O restaurante

se chamava Angelino. O jantar foi servido �� luz das velas numa

pra��a da Renascen��a. Havia at�� m��sicos ambulantes. Tudo tinha

um ar de bela irrealidade. January recostou-se na cadeira e ficou

vendo Mike servir-lhe um pouco de vinho. Compreendeu que estava

vivendo outra de suas fantasias prediletas... Estava sozinha com

Mike num cen��rio de romance e ele lhe servia v i n h o . . . As mulhe-

res o olhavam cheias de admira����o, mas era a ela que ele pertencia.

Nem os telefones podiam afast��-lo, nem a limusina preta podia lev��-

la. Ela o viu acender um cigarro. O gar��om lhes estava servindo o

caf�� quando Franco e Melba entraram no restaurante. Mike cha-

mou-os para a mesa e pediu outra garrafa de vinho. Melba come��ou

17

a falar de uma de suas cenas no filme. Quando o seu ingl��s falhava,

o que acontecia com freq����ncia, ela se fazia entender por meio de

gestos. Franco voltou-se para January, rindo, e disse:

��� Falo ingl��s muito mal. Quer-me ajudar?

��� Bem, e u . . .

��� Seu pai falava sempre em voc��. Contava as horas at�� sua che-

gada.

��� S��rio?

��� �� claro. Tamb��m fiquei contando as horas at�� o momento de

ver voc�� esta noite.

Estendeu a m��o e tocou na m��o dela. January tirou a m��o e vol-

tou-se para o pai, mas este estava dizendo alguma coisa ao ouvido

de Melba. A atriz na e esfregava o rosto contra o dele.

January olhou para o lado, mas Franco sorriu.

��� Talvez o amor n��o precise saber l��nguas, n��o �� mesmo?

��� Acho excelente o seu ingl��s ��� disse January secamente, pro-

curando n��o olhar para a m��o de Melba, que estava sobre a coxa

do pai dela.

��� Aprendi ingl��s com meus tios, que eram pracinhas americanos

��� continuou o sorridente Franco. ��� Minha m��e era uma vi��va da

g u e r r a . . . Era muito mo��a e muito bonita. N��o falava ingl��s na-

quele tempo, mas aprendeu e me ensinou. Os tios pracinhas foram

muito bons para minha m��e. Mas ela agora est�� gorda e eu mando

dinheiro para ela porque n��o h�� mais pracinhas para ajud��-la. S��

Franco.

January sentiu um al��vio quando Mike pediu a conta. Deixou

uma pilha de notas em cima da mesa e todos se levantaram. Mike

se voltou ent��o para ela com um sorriso.

��� Bem, acho que j�� a monopolizei mais do que devia, menina.

Al��m disso, uma mo��a bonita deve passar a sua primeira noite em

Roma com um italiano jovem e bonito. Ao menos, �� o que consta

do script de todos os filmes que eu j�� fiz.

Piscou o olho para Franco. Em seguida, passou o bra��o pelas

costas de Melba enquanto sa��am do restaurante.

Por um momento, ficaram todos parados na estreita rua cal��ada

de pedras. Afinal, Mike disse:

��� OK, Franco. Pode mostrar a minha filha um pouco da vida no-

turna da cidade. Mas tenha calma. Afinal de contas, ainda vamos

passar dois meses aqui.

Depois, pegou Melba pelo bra��o e dirigiu-se para o carro dele.

January viu os dois afastarem-se. Tudo havia acontecido t��o de-

pressa que ela quase n��o podia acreditar. O pai dela se fora e ela

18

estava sozinha numa rua estranha de Roma em companhia de um

italiano jovem e bonito, cortesia de Mike Wayne.

Franco tomou-a pelo bra��o e levou-a para um pequeno carro es-

tacionado mais abaixo na rua. Apertaram-se dentro dele e Franco,

gra��as a h��beis manobras, conseguiu avan��ar dentro do tr��nsito di-

f��cil. January ficou em sil��ncio durante a viagem. O seu primeiro

impulso tinha sido pedir-lhe que a levasse para o hotel. Mas que

iria fazer ali? Ficar sentada pensando no que eles estariam fazendo?

N��o! Ele que ficasse sentado a pensar no que ela estaria fazendo.

Ele a havia a b a n d o n a d o . . . . e a deixara com aquele rapaz. Muito

bem. Ela ia mostrar quais eram seus sentimentos.

��� Um carro pequeno �� o que se deve usar em Roma ��� disse ele.

Passaram por muitas ruas tortuosas e pararam diante de uma sor-

veteria. ��� Vamos descer ��� disse Franco, saindo com ela do carro

e levando-a para uma escada estreita e escura que descia. ��� Voc��

vai gostar... �� a melhor discoteca de Roma.

Todo o pr��dio parecia �� espera de uma turma de demoli����o, mas

entraram num cavernoso sal��o cheio de pares que se agitavam a

uma m��sica ruidosa e sob uma ilumina����o psicod��lica. Franco pa-

recia conhecer todo o mundo, inclusive um gar��om, que os levou

para uma mesa privilegiada num recesso. Pediu vinho e levou-a

ent��o para o centro do sal��o sem que ela quisesse. January estava

confusa porque n��o conhecia as novas dan��as. Olhou em torno. As

outras mo��as pareciam estar ondulando, esquecidas de seus pares.

Todo o sal��o parecia um amontoado de v e r m e s . . . que se contor-

ciam . . . viravam e enroscavam. Ela nunca havia tentado aquelas

dan��as novas e isso a confundia. O seu ��ltimo ano na escola de Miss

Haddon tinha sido deliberadamente livre de qualquer contato com

rapazes ou festas porque Mike tinha estado em Nova York e ela

passara todos os fins-de-semana com ele.

Mas Franco lhe dissipou as d��vidas com risos. O compasso da

m��sica era bem marcado e, sob a orienta����o do rapaz, ela come��ou

a mover-se lentamente... experimentando. Franco a incentivava e

aprovava movendo a cabe��a. O sorriso dele irradiava confian��a e

aprova����o. Ela viu que estava come��ando a imitar as outras mo��as

que dan��avam. Franco aprovava... batia os bra��os no a r . . . ba-

lan��ava os quadris... ela procurou acompanh��-lo. O ritmo da m��-

sica ficou mais forte e dentro em breve ela estava dan��ando com

inteiro abandono. Quando a m��sica parou, ca��ram nos bra��os um

do outro de pura exaust��o. Franco levou-a para a mesa e ela bebeu

um copo de vinho de um s�� gole. Franco pediu outra garrafa e

tornou a encher-lhe o copo. V��rios amigos dele foram at�� a mesa e,

dentro em pouco, havia ali um grande grupo de jovens. Poucos fa-

lavam ingl��s, mas todos dan��aram com ela, sorriram sem parar e at��

19

as mo��as pareciam simp��ticas e amistosas. Na verdade, ela poderia

divertir-se muito se n��o fosse a lembran��a persistente do pai em

companhia de Melba. Ela tinha visto a maneira pela qual o pai

olhara para M e l b a . . . e o olhar em que ela o envolvera. Tomou

outro copo de vinho. Melba nada significava para o pai dela, Era

apenas a estrela do filme e ele queria que ela se sentisse feliz. N��o

era por isso que ele ia falar com ela entre os takes? Mas que era

que ele dizia nessas ocasi��es? Tomou outro gole grande de vinho e

aceitou com um gesto outro italiano jovem e bonito que foi convi-

d��-la para dan��ar. .A m��sica era estrondosa, mas ela j�� se estava

movendo com a precis��o exata das outras mo��as. Melba e o pai es-

tariam em algum lugar ouvindo boa m��sica ��� m��sica para amantes

��� sentados em algum lugar sossegado onde houvesse violinos? Parou

de repente de dan��ar e saiu do sal��o. O rapaz veio atr��s dela apres-

sadamente a dizer coisas em italiano e a gesticular perdidamente.

��� Diga a ele que estou cansada. Apenas ��� disse ela a Franco.

Sentou-se e ficou escutando o animado di��logo em italiano. O rapaz

desfranziu o rosto, sorriu, deu de ombros e pegou outra mo��a p a r a -

dan��ar. �� uma hora da manh��, o grupo come��ou a dispersar-se. Gos-

taria de saber se Mike j�� estava em casa. Estaria preocupado com

o fato de que ela ainda n��o tivesse chegado? Talvez ele ainda n��o

estivesse em casa. Ela acabou de beber o copo de vinho e estendeu

a m��o para a garrafa. Estava vazia e Franco pediu imediatamente

outra garrafa, mas o gar��om sacudiu a cabe��a. Come��ou ent��o uma

discuss��o muito viva. Por fim, Franco se levantou e jogou algum

dinheiro em cima da mesa.

��� V��o fechar. Venha. Vamos para outro lugar.

Ela subiu a escada com ele.

��� Para onde vai todo mundo agora? ��� perguntou ela. ��� Estou

falando das pessoas que se querem divertir at�� mais tarde. H�� lu-

gares aqui como em Nova York?

��� Ah, n��o. S�� os americanos ficam acordados at�� mais tarde. Os

italianos v��o dormir cedo e n��o freq��entam clubes. T��m uma vida

social de tipo mais familiar.

��� M a s . . .

Parou quando chegaram �� rua. Isso significava que Mike poderia

estar chegando em casa ��quela hora.

��� Sabe o que �� que podemos fazer? ��� disse Franco. ��� Vamos

para minha casa. Tenho o mesmo vinho l��. ��� Voltou-se para outro

casal que estava ao lado deles na rua. ��� Querem vir tamb��m, Vin-

cenzo e Maria?

Vincenzo abanou a cabe��a com um piscar de olhos e se afastou

com o bra��o passado pelos ombros da mo��a. Franco levou January

para o carro. De repente, ela disse:

20

��� Acho que vou para casa tamb��m. Gostei muito, Franco. Foi

realmente muito agrad��vel.

��� N��o. Temos ainda de beber alguma coisa antes de dormir. Seu

pai vai pensar que sou muito mau acompanhante se eu levar voc��

para casa t��o cedo.

Ela riu.

��� �� isso que voc�� ��? Um simples acompanhante? Cortesia de

meu pai?

O rosto de Franco se fechou. Pisou no acelerador do pequeno carro

e este come��ou a correr pelas ruas, inclinando-se para o lado e fa-

zendo curvas numa velocidade enervante.

��� Assim acabaremos morrendo, Franco. Que foi que houve? Eu

o insultei?

��� Sim, chamou-me de gigol��.

��� N��o, F r a n c o . . . Eu estava apenas brincando.

Ele parou o carro numa pequena rua transversal.

��� Escute, uma coisa precisa ficar bem entendida. Seu pai �� um

homem importante. Mas eu sou um bom ator. Estou soberbo nesse

filme. J�� vi os copi��es e sei. Zeffirelli quer que eu fa��a um papel no

seu pr��ximo filme. E eu vou aceitar. Compreende? O meu trabalho

no filme de seu pai j�� est�� quase terminado, de modo que n��o estou

tentando ser pol��tico, nem conseguir vantagens. Sa�� com voc�� esta

noite porque voc�� �� bela, porque eu gosto de ver voc��. Seu pai fa-

lava muito em voc��, mas eu n��o acreditava. Mas depois que vi voc��

esta t a r d e . . . ah! passei a acreditar!

��� Est�� bem, Franco ��� disse ela, rindo. ��� Mas fique sabendo que

essa hist��ria de gigol�� n��o existe mais. E voc�� tem de aprender a

n��o ser t��o sens��vel.

��� Como �� que se chama um homem que �� comprado por uma

mulher?

��� N��o acredito que um homem de verdade possa ser comprado

ou sustentado por uma m u l h e r . . . Quando isso acontece, o homem

pode ser chamado de prostitu��do.

��� N��o sou um prostitu��do!

��� Ningu��m disse que voc�� era.

Ele saiu com o carro, mas passou a dirigir devagar.

��� Em N��poles, onde eu nasci, n��s aprendemos a lutar por aquilo

que queremos. Mulheres, dinheiro... at�� a oportunidade de estar

vivo. Mas n��o podemos ser comprados por mulheres. Somos maschi.

��� Sorriu ent��o. ��� Est�� b e m . . . Perd��o voc�� se for tomar um pouco

de vinho c o m i g o . . .

��� M a s . . .

21

��� Ou ent��o vou pensar que voc�� s�� est�� comigo para fazer a von-

tade de seu pai. S�� n��o pensarei assim se tomarmos um copo de

vinho juntos.

��� Est�� bem. Um copo de vinho.

Franco dirigiu o carro atrav��s de ruas tortuosas cal��adas de pe-

dras, passando por grandes pr��dios sombrios com p��tios. Por fim,

parou diante de uma casa velha e imponente.

��� Dantes, isto aqui era o pal��cio particular de uma senhora muito

rica. Mussolini uma vez esteve aqui com a amante. Agora, tudo est��

arruinado e dividido em apartamentos.

Ela o seguiu por um p��tio ��s escuras onde havia bancos de m��r-

more rachados e uma fonte de m��rmore seca. Franco meteu a chave

numa porta compacta de carvalho.

��� Entre. �� aqui que eu moro. N��o est�� muito arrumado, mas ��

um bom l u g a r . . .

A sala era um desabalado contraste entre uma desordem moderna

e uma antig��idade secular. Teto muito alto, pavimento gasto de

m��rmore, um sof�� cheio de jornais, cinzeiros de metal transbordan-

tes de pontas de cigarros, uma pequena cozinha com uma por����o

de pratos sujos e o quarto com a porta entreaberta e a cama por

fazer. Vivia ali numa confus��o t��pica de homem solteiro.

Franco parecia indiferente �� m�� apar��ncia do apartamento. Ligou

a hi-fi e de repente a m��sica pareceu vir de toda a parte. O que lhe

faltava em m��veis sobrava em alto-falantes. Ela estudou a antiga

decora����o e os m��rmores trabalhados enquanto ele abria uma gar-

rafa de vinho.

��� �� do mesmo que est��vamos tomando ��� disse ele, aproximando-

se dela com os copos. Levou-a ent��o para o sof��, jogou os jornais no

ch��o e convidou-a a sentar-se. O estofamento e algumas molas es-

tavam saindo, mas havia orgulho na voz dele quando disse: ��� Todos

os meus m��veis me foram dados por amigos.

��� Este sof�� �� muito bonito ��� disse ela. ��� Se voc�� o mandasse

reformar...

��� Quando eu for um grande ator, vou mobiliar minha casa como

eu quero. T a l v e z . . .

��� Talvez?

��� Bem, se eu for um grande ator mesmo, acabarei indo para os

Estados Unidos. �� l�� que est�� o dinheiro, n��o acha?

��� Melba Delifto �� uma grande estrela e continua aqui.

E l e riu.

��� Melba j�� �� muito rica. Al��m disso, j�� tem trinta e um a n o s . . .

Est�� velha demais para ir.

22

��� Mas ganhou todo o dinheiro aqui.

��� Com o cinema, n��o. Com os amantes. Tem tido muitos aman-

t e s . . . muitos brilhantes. Ganha muito dinheiro com os filmes, mas

ganha muito mais com os amantes. Compreenda, com as mulheres,

a coisa �� diferente. Seu pai deu a ela um grande broche de brilhantes.

Ela se levantou.

��� Creio que �� melhor eu ir para casa.

��� Voc�� mal acaba de chegar. Nem tomou o vinho ainda. Temos

de acabar essa garrafa que eu abri.

��� Est�� ficando tarde, Franco, e . . . .

E l e a puxou de novo para o sof��.

��� Primeiro, beba seu vinho.

Entregou-lhe o copo e ela provou lentamente o vinho. Franco dei-

xou deslizar a m��o das costas do sof�� para os ombros dela. Ela fin-

giu que n��o havia notado, mas a m��o estava pesada como se fosse

dotada de vida pr��pria. Os dedos come��aram a acariciar-lhe a nuca.

Ela fez um esfor��o, engoliu um pouco de vinho e levantou-se.

��� Franco, eu gostaria de ir-me embora agora.

E l e se levantou, mas estendeu os bra��os.

��� Venha. Vamos dan��ar. �� moda antiga.

��� N��o q u e r o . . .

Mas os bra��os dele a cingiram e ele a manteve bem colada ao

corpo numa dan��a lenta. Ela sentiu a rigidez do corpo dele, o volume

nas c a l �� a s . . . Ele a estava apertando, ao mesmo tempo que se movia

ao compasso da m��sica. O seu vestido fino lhe parecia feito de papel.

De repente, ele a beijou, abrindo-lhe os l��bios com a l��ngua. Ela

tentou afastar-se, mas ele lhe prendia a cabe��a com uma das m��os

e com a outra come��ou a acariciar-lhe os seios. Ela continuou a for-

cejar para afastar-se dele, mas ele ria de seus esfor��os. Em seguida,

num movimento r��pido, levantou-a nos bra��os, carregou-a para o

quarto e depositou-a na cama em desordem. Antes que ela se pu-

desse mover, ele lhe levantou o vestido e estava tentando tirar-lhe

as cal��as. Ela deu um grito quando lhe sentiu as m��os nas n��degas

nuas.

Ele a olhou surpreso.

��� Que ��? Alguma coisa errada?

Ela deu um pulo da cama, baixando o vestido. Estava t��o indig-

nada que nem chorar podia.

��� Atrevido! Atrevido!

23

Correu para a sala, apanhou a bolsa e, no mesmo ��mpeto, se en-

caminhou para a porta. E l e saltou �� frente dela e lhe impediu a

passagem.

��� Houve alguma coisa, January?

��� E ainda me pergunta se houve alguma coisa? Convidou-me

para tomar um copo de vinho e ent��o tentou estuprar-me!

��� Estuprar? Quis apenas fazer amor com voc��.

��� Para voc�� �� evidentemente a mesma coisa.

��� A mesma coisa como? O estupro �� um crime. Fazer amor ��

apenas unir dois corpos que se desejam. Voc�� concordou em vir at��

aqui, n��o concordou?

��� Para um copo de v i n h o . . . e tamb��m porque pensei que tinha

ofendido os seus sentimentos.

��� Reconhe��o que talvez seja arrebatado. Mas voc�� est�� agindo

como uma mo��a americana mimada.

��� Bem, eu sou uma mo��a americana!

��� Sei disso. Mas voc�� �� filha de um maschio. Essa �� que �� a gran-

de diferen��a. Ouvi dizer que as mo��as americanas t��m certas regras.

Primeiro encontro, talvez um beijo de despedida. Segundo encontro,

talvez algumas apalpadelas. Terceiro encontro, contatos maiores.

Mas nada que se pare��a com amor antes do quarto ou quinto encon-

tro. E os homens americanos obedecem a essas regras. Mas Mike

Wayne tem regras pr��prias para tudo e eu pensei que a filha dele

podia ser assim tamb��m.

��� Quer d i z e r . . . que voc�� pensou que assim sem mais nem menos

eu iria para a cama com voc��?

Ele riu.

��� Sim, por que n��o? Voc�� saiu comigo, tomou vinho comigo,

dan��ou c o m i g o . . . Tudo muito natural e muito bom. Fazer amor ��

uma seq����ncia normal. ��� Curvou-se para ela e afagou-lhe os seios.

��� V��? Os bicos est��o duros. Mesmo por baixo do vestido. Seus lin-

dos peitinhos querem F r a n c o . . . ainda que voc�� n��o queira. Por

que n��o me deixa fazer amor a eles?

Ela lhe empurrou as m��os e disse:

��� Leve-me para casa, Franco.

Ele a beijou, comprimindo-a contra a porta. Ela resistiu violenta-

mente, dando pontap��s, puxando os cabelos dele, enquanto Franco

ria, como se tudo fizesse parte de um jogo. Com uma das m��os, pe-

gou os bra��os dela e prendeu-os nas costas dela. Com a outra, ten-

tou descer o fecho nas costas do vestido. No meio do seu p��nico,

ela se lembrou com satisfa����o de que o fecho n��o era muito grande.

Ent��o, ele se abaixou um pouco e tirou-lhe o vestido rapidamente

24

pela cabe��a. Prendeu-lhe os bra��os com a cabe��a e abafou-lhe os

gritos. Ela n��o estava usando soutien e, de repente, sentiu os l��bios

dele colados aos seus seios e, apesar do seu furor, sentiu uma es-

tranha sensa����o na virilha. Ele fez a m��o escorregar por sob as

cal��as dela e tocou-a por entre as pernas.

��� Est�� vendo, minha pequena January? Voc�� est�� toda ��mida de

a m o r . . . �� minha espera.

Com um repel��o desesperado, ela se desvencilhou dele e pegou

cegamente o vestido. Enfiou-o e murmurou entre solu��os:

��� Por f a v o r . . . deixe-me sair.

��� Por que est�� chorando? ��� perguntou ele com sincero assom-

bro. Tentou tom��-la de novo nos bra��os e ela deu um grito.

��� Que �� que h��, January? Serei um bom amante. Tire a roupa e

venha para a cama comigo. ��� Estava desapertando a fivela do cinto

e tirou as cal��as. Tinha um sorriso juvenil como se estivesse tentando

uma crian��a teimosa. ��� Venha. Veja como eu quero voc��. Olhe.

Estava diante dela vestido apenas de cuecas bem sum��rias.

Ela tentou n��o olhar, mas sentia-se hipnotizada. Ele sorriu modes-

tamente.

��� Sim, Franco �� como um garanh��o. Voc�� vai ficar satisfeita. Ve-

nha . . . ��� Abriu os bra��os. ��� Vamo-nos amar. O seu corpo est��

louco de desejo pelo meu. Por que negar essa felicidade a n��s dois?

Pegou as m��os dela e as fez passar por dentro das cuecas.

��� Est�� vendo como eu quero voc��? N��o v�� o que tem de ser?

��� N �� o . . . ��� murmurou ela numa s��plica que era um gemido.

��� Assim, n �� o . . .

Ele parecia at��nito. Olhou ent��o para o quarto.

��� Ah! �� por causa da cama. N��o fiz nada com ningu��m naqueles

len����is. Dormi apenas neles.

��� Por favor! Deixe-me sair!

As l��grimas lhe toldavam a vis��o. Ela cruzou os bra��os proteto-

ramente diante do corpo e tentou n��o olhar para ele.. De s��bito,

ele a olhou atentamente, estendeu a m��o e tocou-lhe o rosto como

se n��o pudesse acreditar nas suas l��grimas. Uma express��o curiosa

se lhe desenhou no rosto.

��� J a n u a r y . . . voc�� j�� vez amor alguma vez em sua vida?

Ela sacudiu a cabe��a.

Por um momento, ele ficou em sil��ncio. Em seguida, se aproxi-

mou, ajeitou-lhe o vestido e procurou enxugar-lhe as l��grimas.

��� Desculpe ��� murmurou ele. ��� N��o fazia a menor id��ia. Que

idade voc�� tem? Vinte e um? Vinte e dois?

25

��� Dezessete e meio.

��� Mama mia! ��� exclamou ele, dando uma palmada na testa. ���

Voc�� parece t��o s a b i d a . . . t��o fria. Nunca pensei que a filha de

Mike Wayne fosse virgem!

��� Fa��a o favor de me levar para casa.

��� Neste momento.

Vestiu as cal��as, pegou a camisa e o palet�� e abriu a porta. Pe-

gou-a pelo bra��o e levou-a atrav��s do p��tio at�� ao seu carro. Se-

guiram em sil��ncio pelas ruas desertas. Ele n��o abriu a boca at��

chegarem �� Via Veneto, quando ent��o perguntou:

��� H�� algu��m de quem voc�� goste nos Estados Unidos?

��� N��o.

��� Ent��o deixe-me... Oh, hoje n �� o . . . nem a m a n h �� . . . s�� quan-

do voc�� me quiser. N��o tocarei em voc�� enquanto n��o me pedir.

Prometo. ��� Ela nada disse e ele perguntou: ��� Voc�� n��o confia em

mim?

��� N��o.

Ele riu

��� Escute, minha bela virgem americana. Em Roma, h�� muitas

pequenas italianas bonitas. Atrizes, modelos, mulheres casadas. T o -

das elas querem Franco. Fazem at�� minha cama, cozinham para

mim, levam-me vinho. Sabe por qu��? Porque Franco sabe fazer o

amor. Por isso, quando Franco diz que quer voc�� e nada vai acon-

tecer, voc�� tem de acreditar. A verdade �� que eu n��o preciso lutar

para ter amor. Est�� sempre �� minha disposi����o. Mas quero pedir

desculpas. Vamos come��ar de novo como se nada tivesse acontecido.

Ela continuou calada. N��o queria dizer alguma coisa, pois po-

deria ofend��-lo. Estavam perto do hotel e a ��nica coisa que ela

queria era sair daquele carro e afastar-se dele.

��� �� uma pena que voc�� n��o me queira ��� disse ele tranq��ilamen-

te. ��� Especialmente sendo voc�� uma virgem. Compreenda, minha

pequena January, a primeira vez que uma mo��a se d�� a um homem

nem sempre �� agrad��vel... nem para ela, nem para ele. A n��o ser

que o homem seja muito experiente e muito gentil. Eu seria muito

delicado, muito cuidadoso com voc��. Faria voc�� muito feliz. At�� lhe

daria a p��lula.

E l e falava t��o a s��rio que o medo dela come��ou a se dissolver. O

pior de tudo �� que ele realmente achava que nada tinha feito de

errado.

��� Estraguei tudo esta noite ��� continuou ele. ��� Lutei com voc��

porque pensei que isso talvez fizesse parte de seu jogo. Conheci

uma vez uma americana que me fez correr atr��s dela na su��te que

26

tinha no Hotel Hassler e que acabou trancando-se no quarto. Eu j��

ia saindo quando ela gritou: "N��o, Franco! Voc�� tem de arrombar

a porta e me rasgar a roupa". ��� Tornou a dar uma palmada na

testa, mas estava rindo. ��� Algum dia j�� tentou arrombar uma porta

num hotel italiano? Parece feita de ferro. Ela acabou abrindo a

porta e eu corri de novo atr��s dela. Agarrei-a e rasguei t u d o . . .

Despedacei s e d a s . . . r e n d a s . . . meias-cal��as... Foi uma loucura!

Fizemos amor a noite inteira. �� casada com um grande astro do

cinema americano. Por isso �� que eu n��o lhe digo o nome dela.

Mas ela se acostumou com ele, que tamb��m gosta a s s i m . . . De qual-

quer maneira, eu n��o lhe diria o nome porque sou um cavalheiro...

Nunca revelo o nome das mulheres com quem d u r m o . . . N��o acha

que estou certo?

January n��o p��de deixar de sorrir. Parou de s��bito e olhou para

a frente. Aquilo era uma verdadeira loucura. Aquele homem lhe ti-

rara as roupas e tentara estupr��-la. Agora, estava pedindo a aprova-

����o dela para as suas fa��anhas amorosas. Evidentemente, ele pres-

sentiu o que ela estava pensando porque lhe bateu na m��o quase

com condescend��ncia e disse:

��� Voc�� ainda me vai pedir que fa��a amor com voc��. Tenho cer-

teza. Agora mesmo, estou vendo os bicos de seus seios durinhos por

baixo do vestido. Voc�� tem muito desejo sexual.

Ela cruzou os bra��os sobre o peito. Devia ter usado soutien. Nun-

ca lhe passara pela cabe��a que o vestido fosse t��o fino.

��� Voc�� n��o tem um busto muito grande ��� disse ele jovialmente.

��� �� uma coisa de que eu gosto.

��� Pare com isso, Franco!

Mais uma vez, ele deu uma palmada na testa.

��� Epa! Como �� que uma filha de Mike Wayne pode ser t��o cheia

de pudores?

��� N��o sou cheia de pudores.

Ela se sentia afinal em seguran��a. Franco estava parando o carro

diante do Excelsior.

��� N��o tenho compromissos para amanh�� ��� disse ele, saltando

do carro, indo abrir-lhe a porta e ajudando-a a descer. ��� Vamo-nos

encontrar amanh��, certo?

��� N��o.

��� Por qu��? Ficou zangada comigo?

��� Se fiquei zangada com voc��? Franco, voc�� me tratou c o m o . . .

c o m o . . .

��� Tratei-a como uma mulher bonita ��� disse ele com um sorriso.

��� E s c u t e . . . Suba, durma bem e amanh�� eu lhe telefono para pas-

27

sarmos o dia juntos. Juro que n��o tocarei em voc��. Daremos um

passeio na minha motocicleta para voc�� ficar conhecendo Roma.

��� N��o.

��� Vou telefonar. Ciao.

Ela se virou e entrou no vest��bulo deserto. Eram quase tr��s horas.

Mike Wayne devia estar furioso... Estava com certeza �� espera

dela, batendo o p�� de tanto nervosismo. Bem, n��o iria dizer a ver-

dade. Diria apenas que n��o queria mais sair com Franco, pois ele

fora um pouco atrevido com ela. Pensou nisso enquanto subia o ele-

vador com o ascensorista sonolento.

Meteu na porta a chave avantajada. Ele estava acordado. Perce-

bia-se luz pela fresta entre a porta e o ch��o. Entrou murmurando:

��� M i k e . . .

Olhou ent��o em torno. A porta do quarto dele estava fechada. Na

mesa dela, havia uma pilha de dinheiro e um bilhete de p�� junto

ao abajur aceso. Dizia:

"Esperei at�� as duas horas, Princesa. Desejo que se tenha diver-

tido muito. Durma at�� bem tarde. Lembre-se de que todas as lojas

se fecham entre uma hora e quatro da tarde. D�� alguns passeios

no come��o da tarde. V�� ver a Escadaria Espanhola. Um camarada

chamado ��xel Munthe recolhia, em outros tempos, numa casinha

l��, animais vadios. Outro camarada chamado Keats viveu l�� tam-

b��m. Pode fazer uma visita ao apartamento dele. Depois das quatro,

v�� at�� a Via Sistina. Melba diz que h�� algumas lojas ��timas por l��.

Se o dinheiro acabar, pode mandar as coisas para o hotel a cobrar.

Durma bem, meu anjo. Beijos, Papai".

January olhou para o b i l h e t e . . . e depois para a porta fechada.

Estava dormindo! N��o se preocupava com ela nem um pouco! Tal-

vez nunca pensasse que Franco se atreveria a tanto.

Foi para o quarto dela. Um pouco de sua raiva se evaporou. Se

ele tinha esperado at�� as duas, devia ter chegado por volta de uma

hora ou atlvez mais cedo. Assim sendo, ele apenas tomara um drin-

que de despedida com Melba. Nada mais. O grande caso de amor

era pura imagina����o de Franco. Melba era velha, isto ��, velha para

uma estrela de cinema, e precisava de dormir muito. N��o se podia

arriscar a ficar at�� tarde da noite com Mike. Devia dar import��ncia

demais �� sua carreira. Foi at�� o banheiro e abriu as torneiras da ba-

nheira. E o broche de brilhantes? Que era que tinha isso? Mike sem-

pre dava bons presentes ��s estrelas de suas produ����es. �� c l a r o . . .

Tudo mais era inven����o de Franco. Toda aquela noite era como se

tivesse sido um sonho. Tirou as roupas e olhou para os seios. N��o,

aquela noite havia realmente acontecido. Franco lhe havia tocado

28

os seios e os beijara avidamente. Pusera os dedos entre as pernas

dela. Entrou no banho e esfregou-se violentamente.

Mais tarde, deitada naquele quarto estranho, sentiu-se sem sono.

Olhou para os contornos da porta no escuro. L�� fora, estava a s a l a . . .

e depois a porta do quarto dele. Mike estava dormindo l��. Ah, se

ela pudesse ir para l�� e aninhar-se nos bra��os dele como fazia quan-

do era pequena e tinha tido um pesadelo! Por que n��o podia ir para

l�� do mesmo jeito e contar-lhe todas as coisas horr��veis que lhe ha-

viam acontecido naquela noite? Ele a abra��aria e lhe diria que tudo

estava bem. Ainda era o pai dela. Que mal haveria nisso? M a s . . .

ela sabia muito bem que isso era imposs��vel. Era porque ela queria

sentir o corpo de Mike encostado ao dela? Era, sim, mas da maneira

mais gentil poss��vel. Desejava a for��a tranquilizadora dos bra��os

dele. Queria que ele lhe beijasse o rosto, especialmente do lado onde

havia o come��o de uma covinha e lhe dissesse: "Est�� tudo bem, me-

nina".

N��o havia mal algum nisso. Levantou-se e abriu a porta. Atraves-

sou a sala e torceu a ma��aneta da porta dele, a qual se abriu com

facilidade. A princ��pio, viu apenas a escurid��o. Mas distinguiu den-

tro em pouco a cama do outro lado do quarto. Aproximou-se na

ponta dos p��s, apoiada com a m��o na parede. Chegou �� cama, le-

vantou os cobertores e se deitou. O seu lado da cama estava frio

e com os len����is limpos. Estendeu a m��o para ele. Mas s�� encontrou

outro travesseiro frio e limpo. A cama estava vazia!

Sentou-se na cama e acendeu o abajur da mesinha de cabeceira.

Os len����is estavam esticados. Ele n��o estava ali! Saiu da cama e

voltou �� sala. Olhou para o bilhete e para o dinheiro.

Tudo o que Franco dissera era verdade. Ele estava com M e l b a . . .

Mas por que ele n��o dissera a ela, por que mentira dizendo que

a havia esperado at�� as duas horas? Com certeza, esperara em com-

panhia de Melba e ent��o sa��ra com ela. Deviam estar fazendo amor

��quela hora.

Voltou para o seu quarto. Ele tinha todo o direito a estar com

Melba. Por que estava t��o abalada? Ele sempre tivera mulheres.

Mas ela era a ��nica a quem ele realmente amava. O amor deles es-

tava acima do sexo. Era poss��vel ter sexo sem amor. Os animais ti-

nham sexo e n��o se amavam. Juntavam-se apenas. Lembrou-se da

cadelinha poodle que tivera aos cinco anos. Levaram para casa um

cachorro e ela nem olhara para ele depois de tudo acabado. Quando

os filhotes nasceram, a cadelinha adorou todos eles at�� que sua m��e

lhe dissera que tinham de dar os filhotes machos porque para a ca-

delinha j�� estavam crescidos e n��o eram mais como se fossem filhos.

Eram machos como os outros. E Melba n��o era outra coisa para o

p a i . . . apenas uma fonte de sexo.

29

Deitou-se e procurou dormir. Pegou o travesseiro entre os bra��os

como tinha feito tantas vezes na escola quando se sentia sozinha.

Mas de repente jogou-o para o lado. O travesseiro sempre fora um

s��mbolo de Mike, de conforto. Mas naquele momento Mike estava

com Melba nos b r a �� o s . . . N��o! Ela tinha que deixar de pensar assim!

Afinal de contas, que sabia ela de tudo o que ele tinha feito nos

muitos anos passados desde a morte da m��o? Mas ela n��o estava

presente... agora estava e tinha de habitu��-lo �� id��ia de que era

uma mulher adulta, que poderia ser uma grande companheira e uma

ajuda para ele. Mike tinha vivido por demais sozinho e se ligava

a qualquer pessoa.

Quando conciliou o sono, os seus sonhos foram estranhos e des-

conexos. Sonhou que estava no parque de divers��es de Coney Island

aonde o pai a levara quando ela era pequena. S�� que a m��sica que

ouvia era a m��sica estrondosa da discoteca. Olhou-se aos espelhos

deformantes e riu. Primeiro, foi alta e m a g r a . . . depois, baixa e atar-

racada. Viu Melba por tr��s dela. Mas o rosto de Melba n��o estava

deformado... Estava muito bonita e ria. O rosto dela foi crescendo,

crescendo at�� tomar todo o espelho. Ouviu ent��o o riso de Franco e

ele apareceu ao lado de Melba. Ambos apontavam para a sua fi-

gura grotesca e davam gargalhadas. Por que o espelho do parque

de divers��es fazia dela uma figura c��mica e deixava Melba e Franco

parecerem t��o belos? Olhou em volta �� procura de Mike. Ele estava

na galeria de tiro. Melba foi para junto dele e botou a m��o na coxa

de Mike. "Papai! Venha tirar-me da frente deste espelho!" gritou

January. Mas ele riu e disse: "Pe��a a Franco que ele dar�� um jeito.

Estou muito ocupado acertando pratos e cachimbos para ganhar

pr��mios para voc��. Tudo vai ser seu, menina!" Continuou a atirar

e de cada vez que atirava acertava no alvo e uma campainha tocava

estridentemente.

Ela abriu os olhos. Coney Island e o espelho tinham desaparecido.

Um c��rculo de sol tinha chegado ao tapete por entre as cortinas. Ao

acordar de todo, tomou conhecimento da terr��vel cacofonia do fa-

moso tr��nsito de Roma. Buzinas de todos os tons e em m��ltiplos es-

tilos vociferavam as suas exig��ncias. Havia buzinas soprano... bu-

zinas esgani��adas... buzinas em tom de baixo profundo... E, no

meio de tudo isso, havia ainda uma campainha que tocava. Era o

telefone na sala. Levantou-se ainda meio tonta. O rel��gio no consolo

da lareira batia onze horas. Pegou o telefone.

��� �� Franco quem fala ��� disse uma voz jovial.

Ela desligou imediatamente.

Ligou ent��o para a portaria e pediu caf��. A porta do quarto de

seu pai estava entreaberta. O abajur da mesinha de cabeceira ainda

estava aceso, como ela o deixara. Foi apag��-lo e, tomada de um s��-

30

bito impulso, revolveu os len����is e os cobertores. N��o queria que

a camareira do hotel soubesse que ele n��o tinha dormido em casa.

Achou rid��culo o que estava fazendo. N��o devia ter sido aquela a

primeira noite em que ele n��o fora dormir no hotel. Ou talvez Melba

tivesse dormido ali com ele.

O telefone tornou a tocar. Esperava que fosse Mike. Devia pro-

ceder como se nada tivesse acontecido. Tinha de mostrar-se alegre.

Ou sonolenta. Sim, era melhor parecer sonolenta, como se tivesse

tido realmente uma noite maravilhosa. Pegou o telefone.

��� �� Franco quem fala. Cortaram a liga����o.

��� O h . . .

Ela nem tentou dissimular a sua decep����o.

��� Essas telefonistas s��o horr��veis.

��� N��o. Quem desligou fui eu.

��� Por qu��?

��� Porque ainda nem tomei caf�� e . . . ��� Fez uma pausa e pergun-

tou: ��� H�� algum motivo que me impedisse de desligar o telefone?

��� H��, sim. Est�� um dia lindo, primeiro. Segundo, vou peg��-la e

n��s iremos almo��ar num dos lugares mais simp��ticos que voc�� pode

imaginar!

��� Escute, F r a n c o . . . O que voc�� fez comigo ontem �� n o i t e . . .

bem, foi terr��vel e eu n��o quero nunca mais v��-lo!

��� Mas ontem �� noite eu n��o sabia que voc�� era uma menina. Hoje,

vou tratar voc�� como uma menina. Est�� bem?

��� N��o.

��� Mas voc�� vai ficar zangada se eu a tratar como uma bela mu-

lher. Escute, h�� duas horas que estou limpando e polindo minha

Honda. Est�� uma b e l e z a ! . . . Escute. N��o iremos at�� o lugar sim-

p��tico de que lhe falei. Iremos ao Doney's como turistas. Ficaremos

sentados ao ar livre. Eu lhe pagarei o caf�� e ent��o iremos dar nosso

passeio. Ciao.

Desligou antes que ela pudesse responder.

O caf�� que ela pedira no hotel nunca que chegava e, quando

Franco telefonou da portaria, ela chegou �� conclus��o de que bem

poderia ir tomar caf�� no Doney's. Afinal de contas, n��o podia deixar

de tomar caf��. Pegou o dinheiro que Mike tinha deixado. Mas largou-

o impulsivamente no mesmo l u g a r . . . junto com o bilhete. Chamou

a camareira e disse-lhe que arrumasse o quarto dela imediatamente.

Seria muito bom que Mike voltasse e ficasse sem saber onde ela

passara a noite!

Era imposs��vel aborrecer-se com Franco. Pediu para ela caf�� e

croissants. Mcstrou-se muito simp��tico e jovial. E parecia que me-

31

tade da popula����o de Roma parava junto �� mesa para falar com

ele. O ilimitado entusiasmo dele dissolveu pouco a pouco as reser-

vas de January e ela acabou rindo e apreciando o seu caf��. Aquele

Franco descontra��do e agrad��vel quase a fazia esquecer o Franco

daquela noite. Compreendeu que ele estava procurando desculpar-se

e ser agrad��vel e que seria muito divertido conhecer Roma em com-

panhia dele. Ela vestira cal��as e compreendeu que no seu subcons-

ciente pretendia mesmo sair de motocicleta com ele.

A Honda era de um vermelho vistoso. Ele lhe deu um par de

��culos enormes e disse a ela que se sentasse atr��s dele.

��� Desta vez, quem me vai abra��ar �� voc�� ��� disse ele, rindo.

Saiu com ela cautelosamente pelo meio do tr��nsito e come��ou a

apontar-lhe igrejas e edif��cios importantes.

��� Na semana que vem, iremos ao Vaticano. Vou tamb��m lev��-la

a algumas igrejas. Voc�� n��o pode deixar de ver os trabalhos em

m��rmore de Miguel Angelo.

Ao fim de pouco tempo, deixaram a cidade e se dirigiram para

a Via ��pia. E l e n��o correu. Deixava-a sentir a moto, o vento a le-

vantar-lhe os cabelos e acariciar-lhe o rosto. Mostrava-lhe vilas, ru��-

nas, a casa de uma estrela de cinema. Entraram por uma sinuosa

estrada rural. Pararam num pequeno restaurante servido por uma

fam��lia de poucas pessoas. Todos, inclusive um cachorro que latia

e pulava, receberam Franco alegremente. Tratavam-no pelo primeiro

nome, olhavam encantados para January e foram buscar p��o, queijo

e vinho tinto.

��� A Via ��pia �� o caminho para N��poles. Temos de ir at�� l�� um

dia. E a Capri tamb��m ��� disse ele, beijando os dedos e levantan-

do-os para o c��u. ��� Amanh��, eu tenho filmagem, mas vou lev��-la

at�� Capri no domingo. Voc�� vai ver a Grotta Azzurra... Oh! Vai

ter muito que ver!

Depois, voltaram para a Honda e ele passou o bra��o fraternal-

mente pelos ombros dela. Quando j�� iam chegando �� motocicleta,

ela se voltou de repente para ele.

��� Franco, quero que voc�� saiba que achei este passeio fabuloso.

De verdade. Muito obrigada.

��� Esta noite vou levar voc�� para jantar num lugar formid��vel.

J�� comeu mariscos Psilipo?

��� N �� o . . . mas n��o posso jantar com voc��.

��� Por qu��? J�� prometi que n��o vou tocar em voc��.

��� N��o �� i s s o . . . �� que eu tenho de ficar com meu pai.

��� Com quem?

��� Com meu pai. Ainda n��o estive com ele desde ontem �� noite.

32

��� Est�� bem. Voc�� poder�� v��-lo quando chegar em casa agora.

Depois, ��s nove horas, voc�� ir�� jantar comigo.

��� Quero jantar com meu pai.

��� Talvez seu pai tenha outros plano ��� disse ele, subindo �� mo-

tocicleta.

��� N��o. Tenho certeza de que ele pretende jantar comigo.

��� Antes de voc�� c h e g a r . . . ele jantava com Melba todas as noites.

��� Mas agora eu estou aqui.

��� E voc�� espera jantar todas as noites com seu pai? ��� perguntou

ele, j�� sem sorrir.

��� Talvez.

Ele come��ou a acionar o motor.

��� Vamos. Estou vendo tudo agora.

��� Que �� que voc�� est�� vendo?

��� N��o h�� mo��a que queira jantar com o pai. Voc�� deve ter outro

rapaz com quem vai sair.

��� Deixe disso, Franco. N��o h�� outro rapaz.

Ele lhe agarrou o pulso.

��� Ent��o jante hoje �� noite comigo, como eu disse.

��� N��o.

��� Est�� bem ��� disse ele, soltando-lhe o pulso. ��� Vou lev��-la para

sua casa. E eu acreditei na hist��ria da virgem. Agora eu sei. A Fran-

co ningu��m engana.

Sa��ram pela estrada rural. Ele corria um pouco, pulando por bu-

racos e pedras. Por v��rias vezes, January quase foi lan��ada fora da

moto. Agarrou-se mais a ele quando chegaram �� Via ��pia. Um ��ni-

bus passou cheio de turistas japoneses. Franco passou por ele, ti-

rando quase um fino. O motorista lhe gritou alguns improp��rios...

Franco sacudiu para o motorista o punho fechado e correu ainda

mais. Ela gritou para ele, pedindo-lhe que tivesse cuidado. Mas sua

voz se perdeu ao vento e no barulho do motor. January estava j��

ent��o com medo. Ele estava guiando a moto com raiva e viol��ncia.

Ela pediu-lhe que fosse mais devagar at�� ficar rouca. Por fim, nada

mais p��de fazer sen��o agarrar-se a ele e rezar. Quando chegaram

a uma curva, ela viu um carro que tentava ultrapassar outro. Franco

o viu tamb��m e tentou desviar a moto da estrada. A m��quina pa-

receu levantar-se nas patas traseiras como um c a v a l o . . . January

sentiu-se voar pelos a r e s . . . e na fra����o de segundo que passou antes

de perder a consci��ncia, sentiu apenas espanto de que n��o houvesse

dor quando o seu corpo foi atirado de encontro ao muro de pedra.

33

Quando abriu os olhos, viu o pai. Eram d o i s . . . ou t r �� s . . . F e -

chou os olhos porque tudo parecia turvo. Tentou estender a m��o

para ele, mas o bra��o parecia feito de chumbo. Tornou a abrir os

olhos. Atrav��s da n��voa que lhe cobria a vista percebeu a perna toda

enfaixada e levantada em tra����o. Lembrou-se ent��o do desastre. A

carreira desesperada... o muro branco de p e d r a . . . e agora ela

estava no hospital com a perna quebrada. Isso arruinaria todo o

ver��o, mas ela devia sentir-se muito feliz de estar viva. Mas atual-

mente os m��dicos davam um jeito de se poder at�� andar com uma

perna engessada. Tentou mover-se, mas teve a impress��o de que o

corpo todo era de cimento. For��ou os olhos a abrirem-se, mas a luz

encheu-os de l��grimas. Por que sentia o corpo t��o r��gido? Por que

n��o podia sentir coisa alguma no bra��o direito? Meu Deus! Talvez

fosse alguma coisa mais que uma perna quebrada.

Mike estava no outro lado do quarto falando com v��rios m��dicos.

Uma enfermeira estava andando de um lado para outro. Todos fa-

lavam em voz baixa. Ela queria que eles soubessem que estava

acordada.

Chamou:

��� Papai!

Tentou de novo. Pareceu-lhe que estava gritando. Mas ele n��o

se moveu. Ningu��m se moveu. Ela gritava, mas as palavras n��o

sa��am. Gritava, mas a boca n��o se movia. Estava gritando para den-

tro! Tentou mover o bra��o esquerdo... moveu os dedos e tudo en-

t��o se confundiu num indistinto sono cinzento.

Quando tornou a abrir os olhos, havia apenas uma luz fraca acesa

no canto extremo do quarto. Um enfermeira estava lendo uma re-

vista. Era noite. A porta se abriu. O pai dela e a enfermeira con-

versaram em voz baixa.

Ele dispensou a enfermeira. Puxou uma cadeira para junto da

cama. Bateu-lhe carinhosamente na m��o e disse:

��� N��o se preocupe, menina. Tudo vai dar certo.

Ela tentou mover a boca. For��ou todos os m��sculos, mas n��o emi-

tiu o menor som. E l e continuou a falar.

��� Est��o dizendo que, mesmo quando voc�� abre os olhos, n��o me

v��. Mas n��o sabem de nada. Voc�� tem de salvar-se... por mim!

"Salvar-se?" De que era que ele estava falando? Ela tinha de

dizer-lhe que uma perna quebrada se cura com facilidade. S�� se

sentia mal pelo fato de lhe estar dando tanta preocupa����o. Com

certeza, estava fazendo com que ele perdesse um dia de filmagem

s�� porque Franco perdera a calma naquela tarde. Mas era rid��culo

que ele estivesse t��o preocupado. Agora, por que era que ela n��o

podia falar? Moveu os dedos da m��o esquerda... Conseguiu. Ten-

34

tou levantar a m��o. Conseguiu tamb��m. Ele estava olhando para o

espa��o. Ela estendeu o bra��o e tocou o ombro dele. Ele quase deu

um salto da cadeira.

��� January! Enfermeira! Oh, minha f i l h a . . . voc�� se moveu! Voc��

moveu o bra��o! Enfermeira!

Ela tentou dizer que estava bem, mas se sentiu de repente cair

atrav��s do e s p a �� o . . . e o espesso sono cinzento come��ou a envol-

v��-la. Ela n��o queria dormir! Resistiu ao m��ximo. O quarto ficou

de repente cheio de gente. Viu dois homens de casaco branco apro-

marem-se dela. Um dos homens levantou-lhe o bra��o direito e dei-

xou-o cair. O outro espetou uma agulha no bra��o. Ela viu o gesto,

mas n��o sentiu a a g u l h a . . . Era estranho n��o sentir n a d a . . . Outro

m��dico lhe espetou uma agulha no tornozelo esquerdo. Ah! Isso

ela sentiu! Em seguida, o sono cinzento a envolveu.

Quando abriu os olhos, viu um grande vidro com um l��quido sus-

penso acima do seu tornozelo. Os m��dicos tinham todos sa��do, mas

o pai estava curvado sobre ela.

��� Mova a cabe��a se me est�� compreendendo, minha filha.

Ela tentou. Meu Deus! Ser�� que me amarraram a cabe��a? Parecia

um pedra.

��� Bata as p��lpebras, January. Pisque os olhos se est�� compreen-

dendo.

Ela bateu as p��lpebras.

��� Oh, filhinha... ��� murmurou ele, escondendo a cabe��a no

ombro dela. ��� Prometo a voc�� que tudo vai dar certo.

Ela sentiu ent��o o pesco��o molhado. L��grimas. L��grimas do pai.

Nunca vira Mike Wayne derramar uma l��grima em toda a sua vida.

E ele estava chorando por ela. Por um instante sentiu-se mais feliz

do que nunca. Ela n��o estava mais preocupada com a perna ou com

o bra��o. Ele lhe queria b e m . . . ele se interessava tanto assim por

e l a . . . Ficaria b o a . . . iria sarar depressa... e eles passariam o ve-

r��o j u n t o s . . . ainda que ela estivesse de muletas ou com a perna en-

gessada . . .

Estendeu a m��o para tocar a cabe��a d e l e . . . para fazer-lhe um

c a r i n h o . . . mas sua avalia����o das dist��ncias foi t��o errada que ela

tocou foi a pr��pria cabe��a. Parecia uma pedra. Mike se levantou.

Tinha o rosto calmo e viu-a levar o bra��o esquerdo �� cabe��a.

Sua cabe��a! Que era que havia com sua cabe��a? Talvez o rosto

tivesse sido tamb��m atingido. Sentiu-se tomada de p��nico e uma

s��bita convuls��o de n��usea lhe torceu o est��mago. Mas ela se do-

minou e teve a coragem de tocar o rosto.

O pai compreendeu imediatamente o seu gesto desesperado.

35

��� N��o h�� nada no rosto, minha filha. Tiveram de raspar-lhe a

cabe��a, mas seus cabelos tornar��o a crescer.

Tinham-lhe raspado a cabe��a!

Mike leu o p��nico nos olhos dela e apertou-lhe a m��o nas suas.

��� Escute, vou-lhe dizer tudo, porque voc�� ter�� de lutar muito

por si mesma. Lutaremos juntos. Voc�� teve uma fratura do cr��nio

e uma concuss��o cerebral. Tiveram de operar para deixar sair algum

sangue. Estavam com receio de algum co��gulo. Mas est�� tudo bem

agora. A opera����o foi um sucesso absoluto. Voc�� fraturou tamb��m

duas v��rtebras, mas elas v��o soldar-se. Tem tamb��m o que eles cha-

mam de fraturas m��ltiplas na perna. Est�� toda engessada e �� por

isso que n��o se pode mover. N��o pode mover o bra��o direito devido

�� concuss��o cerebral. Mas os m��dicos dizem que tudo isso vai ser

curado. ��� Tentou sorrir. ��� Afora isso, voc�� est�� em grande forma.

��� Curvou-se para ela e beijou-a. ��� Voc�� n��o sabe como �� maravi-

lhoso ver voc�� olhar para mim. �� a primeira vez que voc�� realmente

olha para mim em dez d i a s . . .

Dez dias! J�� fazia dez dias desde que ela ca��ra da motocicleta!

Franco tinha ficado muito ferido? Quanto tempo ela teria de ficar

ali? Mais uma vez tentou falar, mas as palavras n��o sa��ram. O pai

continuou a segurar-lhe a m��o e disse:

��� Isso tudo faz parte da concuss��o, minha filha. O lado da cabe��a

atingido pela pancada afeta os centros da linguagem falada. Mas

n��o tenha receio que tudo se vai normalizar.

Ela queria dizer que n��o teria receio. Enquanto ele estivesse ao

lado dela, tudo estaria bem. Queria dizer-lhe que voltasse para o

est��dio porque ele tinha um filme para f a z e r . . . Queria dizer-lhe

que enquanto estivessem juntos, enquanto ela soubesse que iria v��-lo

ao fim de cada dia e que ele a amava e pensava nela, nada poderia

abat��-la. Moveu furiosamente a m��o esquerda. Queria um l��pis

para poder escrever-lhe todas essas coisas. L��grimas de frustra����o

chegaram-lhe aos olhos. Queria um l��pis. Mas ele n��o compreendeu.

��� Enfermeira! ��� gritou ele. ��� Venha depressa! Parece que ela

est�� sentindo alguma dor muito forte!

(N��o estou sentindo dor alguma, P a p a i . . . Quero apenas um

l��pis!)

A enfermeira era toda efici��ncia bem engomada. January sentiu

a agulha espetada no b r a �� o . . . O torpor come��ou a invadi-la e ela

ouviu bem de longe a voz do pai que dizia:

��� Descanse, filhinha... Tudo vai dar c e r t o . . .

36

U M





S E T E M B R O D E 1970


Quando Mike Wayne entrou na sala das pessoas importantes do

Aeroporto Kennedy, a aeromo��a teve certeza de que ele era um ar-

tista de cinema. Tinha o jeito de uma pessoa a quem j�� se viu muitas

vezes mas nunca frente a frente.

��� O V��o Sete da Swissair ainda est�� marcado para chegar ��s

cinco horas? ��� perguntou ele, assinando o livro dos visitantes.

��� Vou verificar ��� disse ela com um dos seus sorrisos mais cor-

diais.

Ele sorriu em retribui����o, mas a experi��ncia disse �� aeromo��a que

era o sorriso de um homem que j�� tinha uma pequena. Devia vir

no V��o Sete. Era com certeza uma daquelas belezas su����o-alem��s

que estavam abarrotando ultimamente o mercado, a tal ponto que

uma aeromo��a nacional n��o tenha mais chances.

��� Est�� com meia hora de atraso. Dever�� chegar ��s cinco e meia

��� disse ela com um sorriso em que parecia pedir desculpas.

Ele fez um sinal de assentimento e se encaminhou para uma das

poltronas de couro ao lado da janela. Ela olhou a assinatura no livro.

Michael Wayne. O nome n��o lhe era desconhecido e aquela cara

ela j�� tinha visto, mas n��o sabia exatamente quem era. Talvez es-

tivesse numa das s��ries de. televis��o... como o que ela via em Man-

nix sempre que ficava em casa sem ter com quem sair aos s��bados.

Era bem mais velho do que os homens com quem costumava sair.

Tinha no m��nimo quarenta anos. Mas para o Sr. Michael Wayne

com aqueles olhos azuis de Paul Newman podia facilmente esque-

cer a diferen��a de idade. Num esfor��o para chamar a aten����o, apro-

ximou-se com algumas revistas, mas ele recusou com um gesto e

continuou a olhar os avi��es que estavam sendo abastecidos. Ela sus-

pirou e voltou para o seu balc��o. N��o adiantava! Aquele estava pen-

sando em outra coisa.

37

Mike Wayne tinha de fato muito em que pensar. Ela estava de

volta! Depois de tr��s anos e tr��s meses de hospitais �� de m �� d i c o s . . .

ela estava de volta.

Quando ela sofrera o desastre na motocicleta, o desastre dele ha-

via come��ado. O in��cio tinha sido o fracasso do filme de Melba. O

culpado de tudo fora ele mesmo. Quando a filha ��nica da gente est��

toda arrebentada, �� muito dif��cil dar alguma aten����o a um western

tipo espaguete. E o progn��stico de January tinha sido muito sombrio.

No come��o, eram poucos os m��dicos que tinham alguma esperan��a

de que ela viesse a andar um dia.

A paralisia era resultado da concuss��o e reclamava a fisioterapia

imediata. Estudou semanas a fio radiografias que n��o compreen-

d i a . . . eletroencefalogramas... e imagens espinhais.

Mandou buscar de avi��o dois cirurgi��es em Londres e um desta-

cado neurologista alem��o. Concordaram com os especialistas de

Roma. A demora na aplica����o da fisioterapia diminu��a as chances

de recupera����o da paralisia. Entretanto, nada se poderia fazer en-

quanto os ossos n��o sarassem.

'Mike passava a maior parte do tempo no hospital. Foi ao est��dio

para ordenar que quase todas as cenas de Franco fossem cortadas

do filme. N��o aceitara a hist��ria de Franco, segundo o qual January

�� que lhe pedira insistentemente para correr mais. Quando pergun-

tara a January, ela n��o tinha querido negar, nem confirmar o que

Franco dizia. Mas exclu��ra Franco do elenco e incumbira o diretor

de cortar e arrumar o filme. Queria sair quanto antes de Roma e

levar January consigo.

Mas tr��s meses depois ela ainda estava parcialmente engessada

e n��o podia falar. O filme foi estreado em Roma, recebendo cr��ticas

impiedosas e tendo bilheterias muito fracas.

Em Nova York, fora retirado ao fim de uma semana de um ci-

nema de primeiras exibi����es, passando diretamente para um progra-

ma duplo num cinema da Rua 42. Na Europa, a imprensa tinha

acusado Mike Wayne de ser o ��nico homem que conseguira fazer

Melba Delitto parecer assexuada.

Tentou encarar as coisas filosoficamente. N��o havia em cinema

quem n��o amargasse um fracasso. E ele havia muito tempo estava

devendo o seu. Desde 1947, s�� tivera sucessos. Convenceu-se disso.

N��o se cansou de dizer isso aos jornais. Entretanto, quando se sen-

tava ao lado da cama da filha, o pensamento lhe do��a como um

nervo exposto. Tinha sido apenas um insucesso ou sua sorte se havia

acabado?

Tinha mais dois filmes a distribuir pela Century e poderia amor-

tizar os preju��zos daquele filme com os lucros dos outros. N��o era

poss��vel fracassar no pr��ximo filme. Era uma hist��ria de espiona-

38

gem baseada num best-seller. Come��ara a fazer as principais fotogra-

fias em Londres, em outubro. Nos fins-de-semana, voltava de avi��o

a Roma. Fazia for��a para entrar naquele quarto de hospital com

um sorriso que correspondesse ��quele com que ela sempre o recebia.

Procurava n��o se mostrar desanimado com a falta de progressos

dela. Ela ia vencer. Tinha de vencer! No dia de seu d��cimo oitavo

anivers��rio, ela lhe fez a surpresa de dar alguns passos laboriosos

ajudada por muletas e pelo fisioterapeuta. O bra��o direito havia

melhorado, mas ela ainda arrastava a perna direita. A fala estava

voltando. Havia ocasi��es em que ela trope��ava ou gaguejava

numa palavra. Ele sabia que era tudo apenas uma quest��o de tempo.

Mas que diabo! Se ela podia falar e usar o bra��o direito, o que era

que estava impedindo a melhora da perna? N��o podia ser mais a

concuss��o. Mas o sorriso dela era alegre e vitorioso. Os cabelos dela

estavam nascendo curtos e crespos, fazendo-a parecer um fr��gil

garotinho. Sentiu um aperto na garganta ao for��ar um sorriso. De-

zoito anos e tantos meses perdidos.

Depois do anivers��rio dela, ele teve de ir aos Estados Unidos para

filmar algumas cenas em Nova York e San Francisco. Depois, houve

o corte e a prepara����o final em Los Angeles. Tinha grandes espe-

ran��as no filme, no qual pressentia todos os elementos de um grande

sucesso. Relacionou de algum modo as esperan��as de sucesso do fil-

me com a recupera����o de January. Era como uma aposta. Se o filme

fosse um grande sucesso, a recupera����o da filha seria r��pida.

A estr��ia do filme se realizou com uma grande premi��re de cari-

dade em Nova York. A entrada sob a luz dos refletores. Muitas ce-

lebridades presentes, entrevistadas por Barry Gray. O p��blico aplau-

diu e riu nos momentos certos. Os diretores da Century sa��ram com

ele, dando-lhe palmadinhas no ombro e sorrindo. Foram ent��o para

a festa na Americana, onde souberam que as primeiras cr��ticas pela

televis��o tinham sido desfavor��veis. Mas todos disseram que isso

n��o tinha a menor import��ncia. O que valia era a opini��o do New

York Times. �� meia-noite, souberam que o Times atacara violenta-

mente o filme. (Foi nessa ocasi��o que os diretores do est��dio se

retiraram). O chefe de publicidade da Century, um homem trans-

bordante de otimismo chamado Sid Goff, exclamou:

��� Quem �� que l�� o Times? Em mat��ria de cinema, o que conta �� o

Daily News.

Vinte minutos depois, souberam que o Daily News dera apenas

duas estrelas ao filme, mas Sid Goff n��o se deixou abater.

��� Disseram-me que o camarada do Post gostou. Ali��s, quem faz

o sucesso de um filme assim �� o p��blico.

Mas nem o Post, nem o p��blico deram resultado. A bilheteria foi

muito fraca, mas Sid Goff ainda estava animado.

39

��� Espere at�� o filme ser exibido nas outras cidades. O p��blico

vai gostar e isso �� que interessa.

O filme foi recebido sem entusiasmo no Chinese de Los Angeles.

Em Detroit, as receitas foram med��ocres. Em Chicago, o insucesso

foi completo. Filad��lfia e outras cidades importantes se negaram a

exibir o filme em cinemas de primeira linha.

Mike n��o podia compreender. Tivera tanta confian��a no filme.

Dois fracassos seguidos. Tinha de enfrentar agora a velha supersti-

����o do mundo dos espet��culos. Tudo o que �� ruim vem em t r i n c a . . .

M o r t e s . . . desastres de avi��o.. . terremotos... e maus filmes. Era

evidente que os diretores da Century pensavam da mesma forma.

Quando ele telefonava, estavam sempre em confer��ncia ou tinham

sa��do "naquele momento". E o golpe final foi a comunica����o re-

cebida do escrit��rio de Nova York de que s�� lhe dariam uma verba

de dois milh��es de d��lares, inclusive publicidade, para o seu tercei-

ro filme.

N��o era poss��vel fazer um filme com um or��amento desses a n��o

ser que ele se contentasse com um elenco inferior e com um diretor

novo ou com um velho que carregasse uma longa lista de insucessos.

Mas n��o tinha outro rem��dio. Era obrigado a fazer o filme, pois

isso fazia parte de seu contrato de realizar tr��s filmes para a Centu-

ry. Muito bem, se era assim que as cartas estavam marcadas, ele se

livraria do terceiro insucesso, deixando-o por enquanto de lado e

voltaria para Nova York, a fim de alcan��ar um sucesso estrondoso

na Broadway. Quanto mais pensava nisso, mais confiante se sentia.

A sua volta �� Broadway seria um acontecimento. O dinheiro n��o

seria problema. Ele mesmo financiaria a pe��a. Possu��a v��rios mi-

lh��es. Que import��ncia tinham algumas centenas de milhares de

d��lares? Precisava apenas era de um grande script.

Eram essas as suas emo����es naquele ver��o de 1968 quando ini-

ciou o seu terceiro filme. Estava muito animado quando tomou o

avi��o para Roma a fim de ver January, mas quando a viu encami-

nhar-se tropegamente para ele ainda arrastando a perna, ocorreu-lhe

pela primeira vez a id��ia de que ela pudesse ficar assim pelo resto

da vida. O sorriso alegre e o entusiasmo dela contribu��ram para o

sentimento de desespero de Mike. Ela queria saber tudo sobre o

novo filme. Por que tinha ele escolhido nomes desconhecidos? Quem

ia ser o principal ator? Quando era que ela podia ler o script final?

Come��ou a inventar hist��rias com um entusiasmo que muito lhe

custava. Conteve o seu p��nico at�� ficar sozinho com os m��dicos.

Ent��o, a sua c��lera e o seu medo explodiram. Que conversa fiada

era aquela sobre os progressos constantes dela? Por que lhe haviam

mandado comunicados t��o otimistas naqueles ��ltimos meses? Ela

n��o tinha melhorado uma s�� polegada.

40

Os m��dicos reconheceram que ela n��o havia reagido com tanta

rapidez quanto eles haviam esperado. Mas ele devia compreender...

N��o tinham podido iniciar a fisioterapia t��o cedo quanto era de

desejar. Disseram-lhe ent��o a verdade. Ela puxaria sempre da perna

e talvez tivesse de usar uma bengala.

Naquela noite, bebeu sem conta em companhia de Melba Delitto.

E, quando foram para o apartamento dela, ele andou nervosamente

de um lado para outro, deblaterando contra os m��dicos, contra o

hospital, contra a mis��ria que representava tudo aquilo.

Melba tentou acalm��-lo.

��� Mike, eu adoro voc��. Nem o considero culpado do ��nico fra-

casso de toda a minha carreira. Mas voc�� teve outro filme que n��o

fez sucesso. N��o pode deixar que o infort��nio de sua filha destrua

sua vida. Seu pr��ximo filme tem de ser muito bom.

��� Que �� que voc�� quer que eu fa��a? Que v�� trabalhar e me es-

que��a dela?

��� Esquecer n��o. Mas voc�� tem a sua vida para viver. Deixe de

lutar com o imposs��vel.

A raiva restituiu-lhe de repente a lucidez. Toda a sua vida tinha

sido uma luta com o imposs��vel. A m��e o abandonara quando ele

tinha tr��s anos. O pai era um pugilista irland��s que morrera de um

soco de sorte de um advers��rio de terceira classe. Criara-se sozinho

no setor sul de Filad��lfia. Alistara-se na For��a A��rea aos dezessete

anos porque qualquer coisa lhe parecia melhor do que o mundo que

ele conhecia. Depois a g u e r r a . . . Vira rapazes que viviam e dor-

miam ao lado dele atingidos pelas balas, sem saber por que isso

acontecia aos outros e n��o a ele. Os outros tinham fam��lias que es-

peravam por eles. Tinham noivas que lhes escreviam longas cartas

e lhes mandavam pacotes de c o m i d a . . . Pouco a pouco, foi-se con-

vencendo de que as balas n��o tinham o seu endere��o porque havia

alguma coisa �� e s p e r a . . . para ser feita por ele. E ele tinha a obri-

ga����o de voltar e fazer isso. Sentia que lhe fora concedida a sorte

para realizar o imposs��vel. E ele tinha de ser bom para que os com-

panheiros que tinham morrido no lugar dele compreendessem. N��o

era religioso, mas acreditava no pagamento de suas d��vidas. Tinha

sido sempre essa a sua filosofia.

��� Minha filha vai voltar a andar ��� disse ele.

��� Por que n��o tenta Lourdes? ��� perguntou Melba. ��� Ou, se

realmente quer gastar dinheiro, leve-a �� Clinique des Miracles.

��� O que �� isso?

��� Fica na Su����a, num canto remoto dos Alpes. �� muito dispen-

dioso, mas dizem que t��m conseguido l�� curas maravilhosas. Co-

nhe��o um automobilista que sofreu um desastre, em Monte. Disse-

41

ram que ficaria paral��tico pelo resto da vida. Foi para a Clinique

des Miracles e l�� fizeram-no caminhar.

No dia seguinte, M��ke tomou o avi��o para Zurique e seguiu de

l�� de autom��vel para um vasto castelo escondido entre as monta-

nhas e falou com o Dr. Peterson, um homem de aspecto fr��gil que

parecia incapaz at�� do mais insignificante milagre.

Era outra tentativa falha. Mas, j�� que estava ali, correu a cl��nica

em companhia do Dr. Peterson. Viu velhos que tinham sofrido der-

rames acenarem alegremente para o m��dico enquanto lutavam com

muletas e aparelhos ortop��dicos. Entrou com o m��dico numa sala

onde havia crian��as que cantavam. A princ��pio, tudo lhe tinha pa-

recido uma festa de canto comum at�� que notou que cada crian��a

procurava lutar contra alguma dificuldade. Algumas tinham bei��o

de lebre, outras levavam fones nos ouvidos e ainda outras sofriam

de paralisia facial. Mas todas elas sorriam e esfor��avam-se. por emi-

tir sons. Em outra ala, havia crian��as cujas m��es tinham tomado

talidomida no per��odo da gravidez e que se moviam com membros

artificiais, sorrindo de satisfa����o ante qualquer movimento que fa-

ziam com um novo e inc��modo aparelho ortop��dico. Mike sentiu-se

mudar de opini��o. No come��o, n��o compreendeu bem por qu��. De

repente, viu. Por toda a parte na cl��nica, havia aus��ncia de deses-

pero e um empenho alegre de realiza����o. Era a sua luta, a luta para

conseguir o imposs��vel.

��� Como v��, ��� disse-lhe o Dr. Peterson, ��� todos os minutos em

que est��o acordados s��o gastos num esfor��o terap��utico, na vontade

de conquistar uma vida normal. Temos aqui um rapaz que perdeu

os dois bra��os num acidente com um trator numa fazenda. Com os

seus bra��os artificiais, j�� aprendeu a tocar viol��o. Organizamos es-

pet��culos aqui, com m��sica e canto todas as noites. ��s vezes, h��

teatro e bal��. Tudo tem seu valor terap��utico. Mas n��o h�� nem te-

levis��o, nem r��dio.

��� Por que o mundo exterior �� assim totalmente exclu��do? ��� per-

guntou Mike. ��� J�� n��o est��o todos suficientemente segregados pela

doen��a?

O Dr. Peterson sorriu.

��� A cl��nica �� um mundo �� parte, um mundo onde cada um dos

pacientes ajuda todos os outros. As not��cias que v��m do exterior se

referem a guerras, greves, polui����o e desordens de r u a . . . Desde

que n��o �� um mundo agrad��vel para as pessoas s��s, por que iriam

os nossos pacientes lutar contra obst��culos quase insuper��veis na

esperan��a de voltar ao mesmo? Uma crian��a que nasce com as per-

nas paral��ticas e que leva seis meses para dar dois passos pode per-

der o ��nimo se tomar conhecimento da viol��ncia ou da apatia de

42

pessoas que nasceram em condi����es mais prop��cias. A Cl��nica dos

Milagres �� um mundo onde s�� deve reinar a esperan��a e a vontade

de sobreviver.

Mike pensou um pouco e disse:

��� Mas n��o h�� aqui ningu��m com quem minha filha possa rela-

cionar-se. Todos aqui ou s��o muito velhos ou mo��os demais.

��� Com quem ela se est�� relacionando no seu quarto de hospital

em Roma?

��� Com ningu��m. Mas tamb��m n��o se v�� cercada de doen��a e

mutila����o.

O Dr. Peterson murmurou pensativamente:

��� ��s vezes, ver outros menos felizes ajuda a cura. Um rapaz

chega aqui com um bra��o s�� e v�� outro a quem faltam os dois bra-

��os. Ter um bra��o apenas deixa de ser para ele o fim de tudo. E o

rapaz sem os dois bra��os tem grande orgulho em ajudar outro sem

as duas pernas. �� assim que as coisas se passam aqui.

��� Uma pergunta, Dr. Peterson... Acha mesmo que pode fazer

alguma coisa por minha filha?

��� Antes, tenho de estudar os exames, as radiografias e os rela-

t��rios dos m��dicos assistentes. N��o podemos aceitar pessoa alguma

a quem n��o possamos ajudar e, ainda assim, nem sempre podemos

prometer uma cura completa.

Tr��s semanas depois, Mike fretou um avi��o e levou January para

a Cl��nica dos Milagres. N��o havia procurado dourar a p��lula. Dis-

sera francamente o que ela iria encontrar e qual era o estado de

alguns doentes. Mas, ao menos, teria ali uma possibilidade de re-

cupera����o, sem lhe dizer, por��m, que o Dr. Peterson tinha algu-

mas d��vidas sobre as chances dela.

A aldeia mais pr��xima ficava a oito quil��metros da cl��nica. Mike

hospedou-se no pequeno hotel e passou ali uma semana para ver

como ela reagiria. Se January sentiu alguma repulsa, n��o o demons-

trou. O seu sorriso era sempre alegre e ela falava bem de todos na

cl��nica.

Mike voltou �� Calif��rnia e tratou das provid��ncias para o ��ltimo

filme. Mas era um abacaxi e nada poderia salv��-lo. Deu in��cio ent��o

�� publicidade relativa �� sua volta �� Broadway. Agentes, atores e di-

retores come��aram a telefonar-lhe. Todas as noites, trancava-se no

seu bangal�� no hotel em Beverly Hills e lia scripts n��o s�� de tea-

tr��logos consagrados, mas tamb��m de novos e de amadores. Lia

tudo, inclusive as provas de romances in��ditos. Levou uma pasta

cheia quando tomou o avi��o para a Su����a. January tinha j�� dois

meses de interna����o na cl��nica. Estava falando perfeitamente bem.

O bra��o direito estava t��o forte quanto dantes. Mas a perna ainda

43

apresentava um problema. Ela estava andando melhor, mas conti-

nuava a mancar.

O filme foi terminado em dezembro. Deixou-o com o diretor para

corte e montagem e n��o pensou mais nele. Teve uma longa confe-

r��ncia com o procurador de seus neg��cios. Vendeu o avi��o e al-

gumas a����es, mas n��o quis desistir de sua su��te no Plaza

Na v��spera de Natal, tomou o avi��o para a Su����a com quinhentos

d��lares de excesso de bagagem em tr��s maletas cheias de brinque-

dos para as crian��as. Levou para January um toca-discos e ��lbuns

com todas as m��sicas de sucesso no teatro nos ��ltimos dez anos.

Festejaram o d��cimo nono anivers��rio dela na pequena sala de

jantar do hotel. Ela falou sobre os ��lbuns de discos, dizendo como

gostava deles e como sentia ter perdido os espet��culos do ano que

passara. Ficou s��ria ent��o e estendeu a m��o para ele.

��� Sabe de uma coisa? Na primeira vez em que vier agora, vcu

poder dan��ar com voc��. �� uma promessa que lhe fa��o.

��� Vamos com calma ��� disse ele, rindo. ��� Faz muito tempo que

eu n��o dan��o.

��� Ent��o, �� melhor ir treinando porque eu estarei aqui �� espera.

Mas nada de m��sicas modernas, sabe? Talvez uma valsa bem lenta.

Ao menos, �� para isso que vou lutar.

Mike assentiu e conseguiu sorrir. Naquele mesmo dia, teve uma

longa conversa com o Dr. Peterson, que estava tamb��m preocupado

com a falta de melhoras na perna de January. O Dr. Peterson aca-

bou sugerindo que mandassem buscar para uma consulta o mais

famosos cirurgi��o ortop��dico de Londres.

Poucos dias depois, Mike se reuniu com o Dr. Peterson e com

Sir Arthur Rylander, o cirurgi��o ingl��s. Este havia estudado as ra-

diografias e era de opini��o que a fratura se havia consolidado in-

corretamente. Na sua opini��o, a ��nica probabilidade de cura era

quebrar de novo o osso para encan��-lo de novo.

Quando Mike falou com January, esta n��o hesitou.

��� Vamos ent��o quebrar outra vez o osso. Sempre achei que era

um pouco elegante usar um aparelho de gesso nos Alpes. Fica pare-

cendo que foi um acidente de esqui. Voc�� j�� n��o fez um filme assim?

��� Um, n��o. Tr��s. E todas as minhas hero��nas sempre se recupe-

raram. N��o se esque��a disso.

A opera����o foi feita num hospital de Zurique. Duas semanas de-

pois, ela estava de volta �� Cl��nica dos Milagres. Os que puderam

deixaram a sua assinatura no gesso, e a incr��vel anima����o de January

fez Mike Wayne voltar para os Estados Unidos com nova determi-

na����o. Uma pessoa como Januarv merecia ter um reino �� sua dis-

posi����o quando voltasse. Nada poderia mais faz��-lo parar.

44

Foi �� Calif��rnia, tirou tudo o que lhe pertencia de sua sala nos

est��dios da Century e foi ��s corridas em Santa Anita. Apostou num

cavalo que tinha pouca chance de ganhar, mas pegou a ponta. Re-

cebeu cinco mil d��lares. N��o se surpreendeu muito, pois sabia que

sua sorte havia voltado. Naquela mesma noite, leu um script de um

autor novo e compreendeu que tinha encontrado o que procurava.

Decidiu financiar pessoalmente a pe��a. Foi para Nova York, man-

dou instalar telefones a mais na sua suite do Plaza, alugou um es-

crit��rio caro no Edif��cio Getty e convocou os rep��rteres para uma

entrevista coletiva. Michael Wayne estava de volta �� Broadway!

Nos meses seguintes, ele foi uma explos��o de fren��tica energia.

Havia discuss��es com cen��grafos, diretores e atores, entrevistas, pro-

gramas de r��dio, jantares r��pidos. A sua volta gerou a agita����o que

se faz em torno de um superastro. A imprensa simpatizava com ele.

O seu entusiasmo e o seu encanto um pouco ��spero contagiavam

todos os que entravam em contato com ele. Quando os ensaios co-

me��aram, escreveu cartas di��rias a January. Mandou-lhe o script

e os recortes de jornais para que ela ficasse bem informada de tudo

o que acontecia com o projeto "deles". S�� n��o disse foi que a in-

g��nua tinha ido morar com ele logo depois da primeira semana de

ensaios.

A pe��a estreou em outubro em Filad��lfia e as cr��ticas foram mis-

turadas, boas e m��s. Foram feitas algumas revis��es. A ing��nua per-

deu duas de suas melhores cenas e deixou de falar com ele. A pe��a

foi levada para Boston, onde recebeu cr��ticas excelentes. Tr��s se-

manas depois, foi estreada em Nova York com aplausos entusi��sticos

do p��blico e cr��ticas desfavor��veis. O autor do script foi entrevistado

pelo r��dio e disse que Mike alterara por completo a sua concep����o

original e despojara a pe��a de toda a sua qualidade m��stica. A in-

g��nua falou tamb��m pelo r��dio e disse que o autor do script era um

g��nio e que Mike arruinara a sua obra. (Nesse ��nterim, ela se havia

mudado do Plaza e estava vivendo com o autor do script).

Mike se recusou a tirar a pe��a do cartaz. Fez cortes no elenco e

passou a pagar-lhe o m��nimo poss��vel. Gastou mais duzentos mil

d��lares em publicidade nos ��nibus e no metr��, em an��ncios de p��-

gina inteira no New York Times, nos jornais especializados e no se-

man��rio Variety. al��m de muitos an��ncios no r��dio e na televis��o.

As cr��ticas favor��veis de Boston foram reproduzidas nos jornais das

cidades vizinhas. Distribuiu muitas entradas de favor, como sempre

tinha feito com os seus maiores sucessos. Tomou o avi��o para a

Su����a e disse a January que a pe��a era um estrondoso sucesso. Ia

permanecer indefinidamente em cartaz e seria levada em tourn��es

pelo interior por duas ou tr��s companhias.

45

Dois meses depois, ao fim de uma longa conversa com o seu

contador, foi for��ado a encerrar os espet��culos. O mercado estava

em baixa, mas ele vendeu mais a����es e chegou �� Su����a para o vi-

g��simo anivers��rio de January com ar vitorioso e levando o habitual

excesso de bagagem de presentes.

E, quando January entrou na sala de recep����o sem muletas e sem

o menor tra��o de um defeito na perna, ele se sentiu o maior con-

quistador de todos os tempos. Os passos dela eram lentos e caute-

losos, mas ela estava andando. Mike sentiu um aperto na garganta.

Como a filha era bela com aqueles grandes olhos castanhos e os

cabelos ca��dos at�� os ombros!

Ela lhe caiu ent��o nos bra��os e ambos come��aram a falar e a rir

ao mesmo tempo. Mais tarde, quando jantavam no hotel, ela per-

guntou:

��� Por que voc�� me disse que a pe��a foi um sucesso?

��� Para m i m . . . foi. Tinha era classe demais para o p��blico.

��� Mas voc�� empregou seu dinheiro nela.

��� E da��?

��� Bem, voc�� teve tr��s filmes que fracassaram...

��� Quem foi que disse isso?

��� Um n��mero de Variety.

��� E como voc�� conseguiu esse n��mero de Variety?

��� Voc�� o esqueceu na ��ltima vez em que esteve aqui. O Dr. Pe-

terson me entregou, pensando que voc�� ainda o ia querer. Devorei-o

do princ��pio ao fim. Mas por que me disse que a pe��a foi um sucesso?

��� F o i . . . em Boston. Mas vamos deixar a pe��a de lado. O Dr.

Peterson me disse que, se tudo continuar como vai, voc�� poder�� ter

alta dentro de seis meses.

��� P a p a i . . . Lembra-se de quando eu fiz treze anos? Voc�� disse

que eu tinha entrado na adolesc��ncia e que aquela noite era espe-

cial por isso. A noite de hoje tamb��m �� especial. Fa��o vinte anos

e posso dizer que deixei a adolesc��ncia e sou hoje uma pessoa gran-

de. Passei a entender as coisas. Sei que a cl��nica lhe custa mais de

tr��s mil d��lares por m��s. Erik, o rapaz que me ensinou a tocar vio-

l��o, teve de sair porque era caro demais para a fam��lia d e l e . . .

Por isso, estive pensando...

��� Voc�� s�� tem de pensar �� em ficar boa.

��� E o dinheiro?

��� Ora, ganhei bom dinheiro com os filmes que fracassaram. O

meu contrato foi de uma percentagem da receita b r u t a . . . N��o en-

trei nos preju��zos.

��� Palavra?

46

��� Palavra.

Tinha voltado no avi��o disposto a arremeter contra moinhos de

vento. A sua conversa com o Dr. Peterson tinha sido um pouco

assustadora. ("Sr. Wayne, deve pensar com muito cuidado no futuro

de January. Ela �� muito bela, mas tamb��m muito inocente. Fala

muito em ser atriz, o que �� natural desde que �� essa a profiss��o do

senhor. Mas deve compreender como ela tem vivido protegida den-

tro de nossa cl��nica. Ela tem de ser levada para o mundo exterior

com muita cautela e n��o atirada no mesmo").

Pensou muito em tudo isso durante a viagem. Teria de preparar

um mundo maravilhoso para ela. Quando encontravam alguma tur-

bul��ncia no ar, ocorria-lhe a id��ia de que uma queda do avi��o po-

deria ser a solu����o de tudo. Mas compreendia ent��o que j�� sacara

muito sobre o seu seguro de vida.

Um filme de sucesso era a ��nica solu����o. Talvez com os seus tr��s

insucessos, o azar se tivesse esgotado. Voltou para Los Angeles e se

trancou de novo no hotel de Beverly Hills lendo roteiros e tratamen-

tos. Curiosamente, encontrou um logo de sa��da. Era de um escritor

que havia dez anos n��o conseguia um sucesso. Mas na d��cada de 50

tivera verdadeiras bombas de arrasar quarteir��o. Cal��ava as portas

com estatuetas de Oscar. E como aquele roteiro ia ganhar outra.

Tinha de tudo. Um grande interesse rom��ntico, muita a����o, tudo.

Procurou o autor e pagou-lhe mil d��lares por um m��s de op����o.

Foi ent��o procurar os chefes dos grandes est��dios.

Surpreendentemente, n��o conseguiu nem dinheiro nem interesse

pelo script. A resposta era a mesma em toda a parte. A ind��stria es-

tava em decl��nio. Um roteiro de um escritor n��o queria dizer nada.

Se ele tivesse um romance que fosse um best-seller. .. talvez. Os

est��dios estavam inundados de roteiros. E todo o mundo parecia em

estado contido de p��nico. Ocorriam mudan��as por toda a parte.

Chefes de est��dios tinham aparecido e sumido. Em alguns est��-

dios, Mike nunca ouvira falar no nome novo que estava �� frente de

tudo. Os fabricantes independentes de filmes recusaram-se tam-

b��m a financi��-lo. Julgavam-no um mau risco e quase uma rel��quia

do passado. Ao fim de um m��s, foi for��ado a desistir dos seus direi-

tos de op����o. Tr��s dias depois, um grupo de garotos de pouco mais

de vinte anos que conseguira um sucesso inesperado no ano anterior

apoderou-se do roteiro e conseguiu fazer neg��cio imediatamente

com um grande est��dio.

Voltou para Nova York desesperadamente �� procura de alguma

a����o. Investiu cem mil d��lares numa pe��a que um produtor de re-

nome estava ensaiando. Os problemas come��aram quando o ator

principal se retirou na segunda semana de ensaios. A tourn��e expe-

rimental pelo interior foi um verdadeiro pesadelo ��� oito semanas de

47

nervosismo, lutas, substitui����es no elenco e, por fim, a decis��o de

Mike de encerrar os espet��culos sem lev��-los a Nova York.

Depois disso, passou dois meses derramando dinheiro numa id��ia

para um seriado de televis��o. Trabalhou com os escritores, pagou

�� parte o filme-piloto de propaganda, gastou mais de trezentos mil

d��lares. As redes de televis��o viram o filme, mas n��o o quiseram.

A ��nica chance de recuperar parte do preju��zo seria exibir o seriado

de uma vez s�� durante o ver��o.

Algumas semana depois, foi ver uma exibi����o particular do filme

que tinha perdido. A sala de proje����o estava cheia de jovens bar-

budos, com camisas de peito aberto e cabelos ca��dos at�� os sovacos.

As mo��as n��o usavam soutien e tinham cabelos �� africana, todos

emaranhados e crespos. Ficou nauseado ao ver o filme. Tinham ar-

ruinado um grande scritp. Colocaram o fim no princ��pio e tinham

enchido tudo de flashbaks e tomadas de c��mara desfocadas, trans-

formando a cena de amor numa seq����ncia de sonho psicod��lico

filmada com c��maras port��teis, dentro da bossa louca do cin��ma-

v��rit��. Sem d��vida, tinham de filmar assim com os imbecis que

passavam naqueles dias por artistas. N��o havia mais rostos como

os de Greta Garbo e Joan Crawford, nem artistas como Clark Gable

e Cary G r a n t . . . O mundo de hoje era o mundo do Horroroso. Tudo

tinha passado a ser horr��vel para ele, incompreens��vel.

Uma semana depois, foi ver uma preview num cinema da Rua 86.

Havia a mesma turma presente, juntamente com alguns estudantes

e jovens homens de publicidade com as mulheres. A assist��ncia

aplaudiu entusiasticamente.

Tr��s semanas depois, o filme foi estreado e come��ou a bater re-

cordes de bilheteria por todo o pa��s. Isso o abalou realmente. Sig-

nificava que ele n��o sabia mais o que era bom e o que era mau no

mundo corrente. Ainda tr��s anos antes, ele comandava o jogo. Os

est��dios acreditavam nele e, ainda mais importante, ele acreditava

em si mesmo.

Estava na hora de levantar-se da mesa. Mike Wayne estava es-

gotado. Como as coisas tinham mudado tanto em t��o pouco tempo?

Ele parecia o mesmo, pensava da mesma forma. Talvez fosse isso.

N��o havia acompanhado as transforma����es, a nudez, as pe��as e os

filmes sem enredo, a nova tend��ncia do unissex, da indistin����o dos

sexos. Tinha cinq��enta e dois anos. Vivera em grandes tempos. T i -

nha sabido o que era caminhar pela Broadway sem receio de ser

assaltado. Tinha conhecido Nova York quando a cidade tinha clubes

noturnos e filas de mulheres bonitas, n��o apenas filmes pornogr��-

ficos e salas de massagens. Mas o que sentia principalmente era

tristeza ��� pois aquele era o mundo para o qual ela ia voltar.

48

Sentado na sala do aeroporto, olhava o c��u cinzento. Ela estava

voltando por dentro daquela n��voa cor de chumbo. Tinha-lhe pro-

metido sempre um mundo luminoso e claro. E, fosse como fosse,

ia cumprir essa promessa.

A aeromo��a sorridente reapareceu. Comunicou-lhe que o V��o Sete

estava chegando. Ele tinha tomado provid��ncias para que o de-

sembarque de January fosse feito com um m��nimo de formalidades.

Um funcion��rio estava a postos para faze-la passar pela alf��ndega.

Que poderia ter a declarar uma garota que passara tr��s anos em

hospitais? Saiu da sala sem notar que a aeromo��a se alvoro��ara

toda para despedir-se dele. Em ocasi��es normais, ele teria voltado

o seu charme para ela, pois se tratava de uma pequena bonita. Mas,

pela primeira vez em sua vida, Mike Wayne estava com medo.

Avistou-a no momento em que ela entrou no aeroporto. Ora! N��o

era poss��vel deixar de not��-la. Alta, queimada de sol, os longos ca-

belos balan��ando-se... N��o deixaria de olh��-la, ainda que ela n��o

fosse sua filha. Parecia indiferente aos homens que se voltavam para

olh��-la. Um homem baixo a acompanhava, esfor��ando-se por se-

guir-lhe os passos largos, enquanto January percorria com os olhos

todos os cantos do aeroporto. Viu ent��o Mike e de repente ele se

viu envolto em abra��os e beijos, enquanto ela ria e chorava ao mes-

mo tempo.

��� Voc�� est�� formid��vel, Papai! Sabe que n��o nos vemos desde

junho? Oh! Como �� bom estar aqui de novo e junto de voc��!

��� Voc�� est�� muito bem, menina!

��� Voc�� tamb��m! A h . . . este aqui �� o Sr. Higgens ��� disse ela,

apresentando o homem que a acompanhava. ��� Ele foi muito bonzi-

nho para mim. N��o tive nem de abrir a m a l a . . .

Mike apertou a m��o do funcion��rio da alf��ndega, que estava

carregando a maleta dela.

��� Muito obrigado, Sr. Higgens ��� disse ele, pegando a maleta. ���

Agora, se me disser onde est�� o resto da bagagem de minha filha,

tomarei provid��ncias para que tudo seja levado para o carro.

��� �� s�� isso, Sr. Wayne. E foi tudo um prazer. Muita satisfa����o

em conhec��-la, Srta. Wayne.

Apertou a m��o dos dois e desapareceu na multid��o.

Mike suspendeu a maleta.

��� S�� isso?

��� Claro! Estou usando o que tenho de m e l h o r . . . Gosta? Comprei

em Zurique. Disseram-me que todo o mundo estava usando conjun-

tos com cal��as. Este aqui de suede me custou trezentos d��lares.

��� �� bonito, sim. Mas voc�� n��o trouxe outras roupas?

Ela riu.

49

��� Oh, a maleta est�� cheia de roupas. Tr��s jeans, duas camisas

desbotadas, alguns su��teres, sapatos esporte e . . . oh! uma camisola

curta maravilhosa que comprei em Zurique. O dinheiro acabou, se-

n��o eu teria comprado tamb��m um robe para combinar. Mas, tirando

essa pequena omiss��o, estou praticamente preparada para qualquer

emerg��ncia.

��� Trataremos amanh�� dessa quest��o de roupas.

Ela passou o bra��o pelo dele e os dois se encaminharam para a

sa��da.

��� Mike, vi no avi��o saias de todos os comprimentos. Que �� que

as mulheres est��o usando?

��� Voc�� me chamou de Mike? Que fim levou Papai?

��� Ora, voc�� est�� bonit��o demais para ser chamado de Papai!

Est�� maravilhoso, sabe disso? Gosto de suas costeletas... com esse

toque grisalho.

��� J�� est��o inteiramente brancas e eu n��o passo de um senhor de

certa idade.

��� Isso ainda vai demorar. . . Escute, aquela mo��a est�� vestida de

��ndia. Ser�� que vai fazer algum n��mero de teatro com aquela tira

de couro na testa, as tran��as e tudo mais?

��� Ora, voc�� bem sabe de que maneira maluca todo o mundo se

est�� vestindo hoje em d i a . . .

��� Como �� que eu vou saber? Todas as minhas amigas na cl��nica

usavam roup��es de banho.

��� �� verdade. Nem T V . . . nem cinema?

��� Nada.

Ele a levou para o carro.

��� Bem, quase todo o mundo se veste agora como se fosse a um

baile a fantasia. Isto ��, as pessoas de sua idade.

Mas ela n��o o escutava. Estava olhando para o carro. Deu por

fim um assobio e disse:

��� Palavra que estou impressionada.

��� Ora, n��o �� a primeira vez que voc�� anda numa limusina.

��� A bem dizer, passei grande parte de minha vida nelas. Mas

essa n��o �� uma Limusina igual ��s outras. �� excepcional. Um Rolls-

Royce prateado! S�� num carro assim �� que se devia andar. ��� Em-

barcou no carro e disse: ��� Magn��fico! O uniforme do chofer com-

bina com o estofamento... um telefone... um b a r . . . todas as ne-

cessidades da v i d a . . . quando se �� Mike Wayne! Oh, Papai! Estou

t��o contente por sua causa! ��� Abra��ou-o e, depois, recostou-se no

banco enquanto o carro sa��a do aeroporto. Deu um suspiro. ��� ��

50

t��o bem estar de volta! N��o queira saber quantas vezes eu sonhei

com este momento. Mesmo quando eu pensava que isso talvez nunca

fosse acontecer, vivia sonhando com a felicidade de caminhar ao seu

lado, aqui em Nova York! E tudo tudo est�� acontecendo como eu

sonhei. Nada mudou.

��� �� a�� que voc�� se engana, menina. Muita coisa mudou, espe-

cialmente em Nova York.

Ela apontou o movimento de carros enquanto entravam na pista

de alta velocidade.

��� Isto n��o mudou! E eu adoro tudo isso ��� os engarrafamentos,

o barulho, a multid��o, at�� o smog. Tudo �� t��o admir��vel depois da-

quela neve sanit��ria da Su����a. Estou ansiosa para ir ao teatro. Que-

ro caminhar por Shubert A l l e y . . . Quero ver os caminh��es saindo

do edif��cio do Times... Quero encher os pulm��es de ar polu��do...

��� Voc�� vai fazer tudo isso. Mas primeiro vamos ter muito que

conversar.

Ela se aconchegou a ele.

��� Claro que sim. Quero sentar-me �� sua mesa no S a r d ' s . . . E

estou ansiosa para ver Hair... Quero passear pela Quinta Aveni-

d a . . . ver as m o d a s . . . Mas esta noite quero apenas ficar em casa

e festejar tudo com caviar e champanha. Sei que n��o �� anivers��rio,

mas voc�� tem de reconhecer que �� um dia que merece uma come-

mora����o especial. Mas quero principalmente que voc�� me fale sobre

o seu filme de sucesso.

��� Meu filme de sucesso? Quem foi que lhe disse isso?

��� Ningu��m. Mas eu sei como voc�� faz as coisas. Quando recebi

aqueles seus postais misteriosos da Espanha no ver��o com alus��es

veladas a um grande projeto n o v o . . . compreendi que s�� podia ser

um filme e que voc�� estava com medo de que desse azar se me con-

tasse tudo. Mas agora que estou vendo tudo isso, quero saber de

tudo.

Ele olhou para ela e dessa vez n��o sorriu.

��� Voc�� me surpreende. E quero saber de uma coisa. Voc�� ainda

�� a mesma pessoa animosa que sempre foi? A verdade �� que voc��

vai encontrar muitas coisas mudadas...

��� Estamos juntos, Papai. E enquanto estivermos assim, nada est��

mudado e nada mais importa. Agora, me diga. �� um filme ou uma

pe��a? E eu posso trabalhar com voc��, seja l�� como for, numa ponta,

como script girl, como secret��ria?...

��� January, nunca pensou que h�� melhores coisas na vida do que

teatro ou cinema ou do que andar atr��s de mim?

��� Se souber de alguma coisa melhor, pode dizer.

51

��� Por exemplo, encontrar um bom r a p a z . . . casar-se... e fazer

de mim um av�� todo orgulhoso...

Ela riu.

��� Isso tem tempo, muito tempo. Escute uma coisa. Aqui ao seu

lado, est�� uma pessoa que passou tr��s anos sonhando com a possi-

bilidade de voltar a andar e falar.. . Oh, Mike! Quero fazer as coisas

que sempre pensamos em fazer juntos!

��� ��s vezes temos de mudar de sonhos... ou de troc��-los por

outros.

��� Muito bem. Que �� que voc�� tem em vista?

��� Estive na Espanha, como voc�� sabe. Mas n��o foi fazendo um

filme.

��� Que foi ent��o? Um seriado de televis��o? Acertei?

Ele desviou os olhos para a janela e come��ou a falar com pala-

vras medidas.

��� Tenho passado por algumas grandes transforma����es em minha

vida e a de agora �� talvez a melhor de todas. Tenho muitas surpre-

sas para voc��. Hoje �� noite, voc�� v a i . . .

��� N��o, Mike! N��o quero surpresas esta noite. S�� n��s dois e o

champanha. Se soubesse quantas noites sonhei com a nossa suite no

Plaza, aberta para o morro do parque, desejando as coisas e brin-

dando a . . .

��� O Pierre n��o serve?

��� Que foi que houve com o Plaza?

��� O Prefeito requisitou-o para o pombos.

Ela sorriu, mas a sua decep����o era vis��vel.

��� A vista �� quase a mesma, ��� apressou-se em dizer Mike. ���

Quanto ao morro do parque, �� melhor n��o pensar mais nele. B��ba-

dos e viciados em drogas tomaram posse dele. E tamb��m alguns

cachorros enormes que o usam como privada. Todo o mundo agora

anda com cachorros enormes, n��o por prazer, mas como prote����o.

Compreendeu que estava falando demais e ficou calado. Olhou

para a silhueta dos edif��cios contra o c��u, a beleza irregular dos ar-

ranha-c��us envoltos no smog. As luzes come��avam a se acender nas

janelas quadradas... entardecer em Nova York.

A linha dos edif��cios desapareceu e eles entraram no tr��nsito de

Nova York. Quando desciam a Rua 60, Mike disse ao chofer:

��� Quer parar ali naquela charutaria da esquina, defronte de

Bloomingdale's? Estou sem cigarros. ��� Saltou antes que o carro

parasse de todo e disse ao chofer: ��� Voc�� n��o pode estacionar aqui.

D�� a volta pelo quarteir��o. Quando passar por aqui de novo, j�� es-

tarei esperando.

52

Estava de fato na esquina quando o carro completou a volta.

Acendeu um cigarro ao embarcar de novo. De repente, estendeu o

ma��o para ela.

��� J�� fuma?

��� N��o. E voc��? Fez o que queria?

��� O qu��? Comprar os cigarros?

��� N��o. Dar o telefonema.

��� Que telefonema?

Ela riu.

��� Ora, Mike! H�� um pacote de cigarros ali ao lado do bar. ��

imposs��vel que voc�� n��o tenha visto.

��� Est�� b e m . . . para quem foi que eu telefonei?

Ela passou o bra��o pelo dele.

��� Foi encomendar o caviar e o champanha de que se tinha es-

quecido.

Ele deu um suspiro.

��� Talvez eu tenha esquecido uma por����o de coisas.

��� S�� quero que me diga uma coisa. Acertei a respeito de seu te-

lefonema?

��� Acertou, sim.

��� Ent��o, voc�� n��o esqueceu nada, Mike ��� disse ela com voz suave.

Quando January abriu os olhos, pensou que ainda estivesse na

cl��nica. Mas a escurid��o do quarto lhe era estranha. As formas dos

m��veis eram diferentes. Ent��o, tomou consci��ncia das coisas e com-

preendeu que estava no seu novo quarto no Pierre. Acendeu o aba-

jur na mesa de cabeceira. Meia-noite. Isso queria dizer que s�� dor-

mira duas horas. Espregui��ou-se e correu os olhos pelo quarto. E r a

realmente uma beleza. N��o parecia de modo algum um quarto de

hotel. Toda a suite era luxuosa e grande. Maior do que qualquer

lugar onde Mike j�� vivera. Ele tinha explicado que o hotel era de

propriedade de um condom��nio e que muitos cond��minos haviam

alugado as suas suites. Bem, a pessoa que possu��a aquela suite ti-

nha certamente muito gosto. Ao chegar, tinha achado a sala bel��ssi-

ma. Velas acesas, caviar, champanha gelada e a escurid��o veludosa

do parque muitos andares abaixo. Tinham brindado um ao outro,

comeram o c a v i a r . . . De repente, depois de um copo de campanha

apenas, sentiu-se sonolenta. Ele notou imediatamente.

��� Escute, menina. Aqui s��o apenas nove horas da noite. Mas na

hora da Su����a s��o duas ou tr��s horas da madrugada. V�� diretamente

para a cama. Vou descer, para comprar os jornais. Depois, vou ver

um pouco de televis��o e dormir cedo tamb��m.

53

��� Mas ainda n��o conversamos... nem mesmo sobre o que voc��

est�� fazendo...

��� Amanh�� ��� disse ele com firmeza. ��� ��s nove horas, teremos

breakfast juntos e conversaremos sobre t u d o . . .

��� Mas M i k e . . .

��� Amanh��.

De novo aquele tom estranho na voz dele. Quase como uma gros-

seria. Era uma rispidez nova que ela n��o conhecia. Tinha tratado

assim o rep��rter que havia batido uma fotografia deles na portaria.

Parecia um rapaz muito simp��tico. Seguira-os at�� o elevador e per-

guntara:

��� Escute, Sr. Wayne, como �� que sua filha se sente de s e r . . .

Mas o homem n��o chegara a terminar a pergunta. Mike Wayne

fizera January entrar no elevador e dissera:

��� N��o! V�� saindo! N��o �� este o momento para entrevistas, ouviu?

Ela pensava naquele momento no caso. Aquilo era quase incom-

preens��vel em rela����o a Mike. A publicidade sempre fora parte in-

tegrante da vida dele. Ela aparecera aos nove anos na capa de uma

revista de circula����o nacional ao lado dele. E tivera tanta pena do

rep��rter na portaria! Quando falara no assunto ao pai, ele encolhera

os ombros.

��� Talvez eu tivesse ficado assim depois de minha estada em

Roma. N��o tolero mais esses rep��rteres que se julgam donos do

mundo, n��o nos d��o um momento de descanso e depois publicam

o que bem querem em qualquer jornalzinho clandestino. N��o digo

nada quando se trata de uma entrevista autorizada, controlada e

s��ria. Mas, assim n��o. N��o gosto de ser assaltado.

��� Mas ele n��o o estava assaltando. Pareceu-me at�� muito deli-

cado e respeitoso.

��� N��o pense mais nisso ��� disse ele d�� novo com aquele tom frio

e determinado, abrindo a garrafa de champanha. Quando fez o

brinde, disse: ��� A n �� s . . . N��o. A voc��. �� sua hora agora e eu estou

aqui pronto a lutar para que voc�� tenha tudo o que merece.

January estava deitada na escurid��o do quarto. Tinha a noite in-

teira pela frente. Tentaria dormir de novo. Mas perdera o sono e

estava com sede. Ficava sempre com sede depois de comer caviar.

Levantou-se da cama e foi ao banheiro. A ��gua da torneira estava

morna. Desistiu da ��gua e voltou para a cama. Ligou o r��dio ao

lado da cama. J�� estava adormecendo quando um locutor entusi��s-

tico principiou a apregoar as qualidades de um novo refrigerante,

especialmente destinado ��s pessoas que estavam fazendo regime.

54

Diante dessa sugest��o, era imposs��vel deixar de beber um copo de

��gua!

Levantou-se de novo. Havia uma grande cozinha na suite. Podia

conseguir g e l o . . . encaminhou-se para a porta e parou. N��o tinha

robe! E estava com a camisola curta e transparente. Abriu a porta

do quarto cautelosamente e murmurou:

��� Papai?

A sala estava vazia. Atravessou-a na ponta dos p��s. Olhou para

a grande sala de jantar ��s escuras... para o escrit��rio... para um

longo corredor que devia levar �� cozinha. Mike tinha dito que havia

depend��ncias para empregados. Mas o apartamento estava vazio.

Foi at�� a porta do quarto do pai e bateu. Depois, abriu a porta. Nin-

gu��m. Lembrou-se por um momento de Roma e de Melba. Mas ele

n��o iria fazer isso na primeira noite que ela passava em casa. Sa��ra

provavelmente para dar um passeio e encontrara alguns amigos.

Entrou na cozinha. A geladeira estava bem abastecida de refrige-

rantes. Tirou uma coca e serviu-a num copo. Levou o copo para a

sala e ficou olhando para o parque. As luzinhas esparsas davam a

tudo um jeito de ��rvore de Natal. Era imposs��vel acreditar que hou-

vesse alguma coisa para temer naquela branda escurid��o.

Ouviu ent��o o barulho. O pai estava metendo a chave na fecha-

dura. A vontade que teve foi correr ao encontro dele para abra����-lo.

Olhou ent��o para a camisola. Era rid��culo ter comprado uma coisa

t��o curta e t��o fina. Mas, depois de tr��s anos de pijamas de flanela

na cl��nica., a camisola fora um s��mbolo de liberta����o, de cura e de

partida. O melhor seria pedir ao pai que fechasse os olhos e lhe em-

prestasse um dos robes dele.

A porta foi aberta e ela ouviu uma voz de mulher. Deus do c��u!

Ele tinha companhia! Olhou desesperadamente para a comprida

sala-de-estar. Se tentasse ir correndo para o quarto, teria de passar

pelo hall e iria esbarrar nos dois. A porta mais pr��xima era a do

quarto de Mike. Entrou por ele no momento em que os dois chega-

vam �� sala. O quarto estava ��s escuras. Onde estava a luz? Tateou

pela parede �� procura do comutador.

��� Ora, Mike! �� absolutamente rid��culo entrar furtivamente aqui

��� disse a mulher com uma ponta de irrita����o na voz. ��� Afinal de

contas, ela n��o �� mais uma crian��a.

��� Voc�� tem de compreender, Dee ��� disse ele com voz firme mas

complacente. ��� H�� tr��s anos que ela sonha com a maneira por que

iria passar a sua primeira noite aqui quando voltasse.

A mulher deu um suspiro.

��� Est�� bem, mas que �� que voc�� acha que eu senti quando voc��

telefonou e me pediu que sa��sse do apartamento, depois que eu tive

55

tanto trabalho escolhendo o melhor caviar e a marca exata do cham-

panha? Eu estava tamb��m ansiosa por conhecer January. Mas fui

posta de lado como qualquer corista. Gra��as a Deus, consegui pegar

David. Passamos horas sentados no bar do Sherry. Tenho certeza de

que o tirei dos bra��os de alguma coisinha l i n d a . . .

��� Venha c�� ��� disse Mike ternamente.

Houve sil��ncio e January compreendeu que ele estava beijando

a mulher. Estava sem saber o que devia fazer. Era errado ficar ali

no escuro a escutar. Se, ao menos, tivesse um robe.

O pai disse ent��o delicadamente:

��� January e eu vamos tomar caf�� juntos amanh�� de manh��. Que-

ro ter uma longa conversa com ela antes que voc��s duas se conhe��am.

Mas pode crer que eu tive raz��o de sobra de agir como agi esta

noite.

��� Mas M i k e . . .

��� N��o discuta. Vamos dormir que j�� perdemos muito tempo.

A mulher riu.

��� Oh, Mike, cuidado com meu cabelo! Agora, seja um amor e

v�� pegar minha bolsa que eu deixei na mesinha do hall.

January estava parada. Iam entrar no quarto! A porta se abriu e

o quarto ficou subitamente inundado de luz quando a mulher ligou

o comutador na parede.

Durante uma fra����o de segundo, as duas mulheres arregalaram

os olhos de espanto uma para a outra. January teve a estranha im-

press��o de que j�� a conhecia. Era alta e esbelta, com os cabelos le-

vemente tocados de branco e uma pele incrivelmente bela. A mu-

lher foi quem primeiro se recuperou e disse em voz alta:

��� Mike, venha c��. Parece que temos companhia.

January n��o se moveu. N��o lhe agradava o leve sorriso calmo da

mulher, como se ela tivesse tudo planejado e soubesse exatamente

o que ia fazer.

A primeira rea����o de Mike foi de surpresa. Surgiu-lhe ent��o nos

olhos uma express��o que ela nunca vira antes. Aborrecimento. Falou

ent��o com uma voz muito fria:

��� January, que �� que voc�� est�� fazendo aqui pela casa?

��� E u . . . estava tomando uma c o c a . . . ��� murmurou ela, apon-

tando para a sala onde deixara o copo.

��� Mas que �� que est�� fazendo aqui d e n t r o . . . no e s c u r o . . . e sem

um copo? ��� perguntou a mulher.

January olhou para o pai, na esperan��a de que ele desse fim ��quela

cena horrorosa. Mas ele continuou calado junto da mulher, esperan-

do a resposta dela.

56

��� Ouvi barulho na p o r t a . . . v o z e s . . . ��� disse ela, falando com

dificuldade, pois sentia a garganta seca. ��� Como eu n��o tinha um

robe, corri para a primeira porta que encontrei e que foi a deste

quarto.

Pela primeira vez, prestaram aten����o �� camisola transparente dela.

O pai foi rapidamente ao banheiro e voltou com um dos seus robes.

Jogou-o para January sem olhar para ela. Depois de vesti-lo, January

se encaminhou para a porta. A voz da mulher a fez parar.

��� Espere um pouco, January. Mike, voc�� n��o pode deixar sua fi-

lha sair sem nos apresentar.

January tinha parado de costas para eles, �� espera do momento

em que a deixassem sair e livrar-se de tudo aquilo.

��� January, ��� disse Mike com voz muito cansada, ��� esta �� Dee.

January virou-se e dirigiu um breve cumprimento �� mulher.

��� Ora, Mike, ��� disse a mulher, passando o bra��o pelo dele, ���

voc�� n��o est�� fazendo corretamente a apresenta����o.

Mike olhou para a filha e disse:

��� January, Dee �� minha esposa. Casamo-nos na semana passada.

January murmurou alguma coisa que soou como parab��ns. Sentia

as pernas pesadas como se fossem de chumbo, mas conseguiu sair

do q u a r t o . . . Atravessou a sala e chegou �� seguran��a do seu quarto.

S�� ent��o os joelhos come��aram a t r e m e r . . . e ela correu para o ba-

nheiro, tomada de v��mitos violentos.

57

DOIS

Passou o resto da noite sentada �� janela. N��o era de admirar que

tivesse tido a impress��o de conhecer a mulher. Dee n��o era apenas

Dee. Era Deirdre Milford Granger, muitas vezes apontada nos jor-

nais e nas revistas como a sexta mulher em riqueza do mundo! Nin-

gu��m sabia ao certo se ela era a sexta ou a sexag��sima. Era eviden-

temente um r��tulo inventado por algum rep��rter, mas tinha pegado.

As mo��as na escola de Miss Haddon faziam coment��rios sobre o t��-

tulo sempre que a fotografia dela aparecia nos jornais ou nas re-

vistas. Naquele tempo, os casamentos de Deirdre lhe asseguravam

uma publicidade constante. Primeiro, tinha sido um tenor de ��pera.

Depois, um escritor, seguido de um grande projetista. Esse casamen-

to fora noticiado por Vogue no tempo de January. O marido morrera

havia quatro anos num desastre de carro em Monte Carlo. Deirdre

tinha aparecido nos jornais cinematogr��ficos de luto fechado no en-

terro, a dizer entre l��grimas que o morto era o ��nico homem que

ela havia amado e que nunca mais se casaria. Infelizmente mudara

de id��ia.

Ou Mike a fizera mudar de id��ia! Sem d��vida! Ela tinha sido o

seu grande projeto novo. Todos aqueles postais da Espanha mos-

travam isso. Dee tinha uma casa em Marbella ��� January tinha visto

as fotografias em Vogue. Dee tinha tamb��m uma casa em Palm Beach

com uma criadagem permanente de quarenta pessoas, como dizia o

Ladies Home Journal. E havia um iate em Cannes, do qual se fa-

lara muito quando Karla tinha sido convidada de Dee a bordo. Karla

havia abandonado o cinema em 1960 e vivia mais reclusa do que

Greta Garbo ou Howard Hughes, tanto assim que o aparecimento

dela como h��spede no iate de algu��m era not��cia para a revista Time.

Todas as suas colegas na escola de Miss Haddon tinham sido f��s

da atriz polonesa. Em 1963, January esteve bem perto de ficar famo-

sa quando o pai ofereceu �� grande Karla um milh��o de d��lares para

sair do seu afastamento. Ela n��o aceitara, nem recusara, mas o fato

fizera Mike ganhar muito boa publicidade. Mais tarde, o pai lhe dis-

58

ser�� que um dos grandes sonhos da vida dele era conhecer pessoal-

mente a grande Karla.

Bem, ia com certeza conhec��-la agora. Talvez at�� j�� a conhecesse.

O grande projeto novo tinha sido ent��o Deirdre Granger! No seu

jeito de figurinha de porcelana, Deirdre era bela. Mas parecia fr��gil

e sem sangue. Poderia Mike realmente am��-la? Dava a impress��o

de que era t��o fria, t��o incapaz de demonstrar a f e t o . . . Mas talvez

fosse essa a fascina����o, pois Mike sempre gostara de enfrentar um

desafio.

Ficou sentada �� janela at�� que os primeiros raios de luz se coaram

atrav��s da escurid��o. Viu o c��u acinzentar-se pouco a pouco. Sabia

que a luz do sol estava come��ando a surgir por tr��s dos grandes edi-

f��cios de apartamentos do in��cio da Quinta Avenida. Tudo era si-

l��ncio naquela hora de transi����o entre a noite e a manh��.

P��s umas cal��as compridas, um su��ter, sapatos de t��nis e saiu

do apartamento. O cumprimento do ascensorista foi entremeado de

um bocejo. O homem da portaria olhou-a com cansado desinteresse.

Um homem de macac��o estava lavando o ch��o da entrada e parou

a fim de deix��-la passar.

Nova York ainda estava escura, vazia e desolada, como uma cidade

abandonada. �� luz l��vida da manh��, as ruas pareciam curiosamente

limpas. Caminhou at�� o Plaza e ficou por um momento a olhar para

a suite do canto. Atravessou ent��o a rua e entrou no parque. Uma

mulher andrajosa, vestida com um velho sobretudo de homem, estava

remexendo numa lata de lixo. As pernas incrivelmente inchadas es-

tavam envoltas em trapos. B��bados dormiam nos bancos, com gar-

rafas quebradas jogadas no ch��o perto deles. Outros dormiam em

cima da grama em posi����es fetais. Ela seguiu rapidamente na dire-

����o do Zoo, de volta para o Carrossel. O sol lutava para romper o

smog e clarear o c��u. Dois rapazes de su��teres passaram. Os pombos

come��avam a agrupar-se na grama, procurando comida. Um esquilo

se levantou diante dela, com as patinhas estendidas e os olhinhos bri-

lhantes a pedir uma noz. Ela encolheu os ombros, abriu os bra��os

e o animalzinho saiu correndo. Tr��s mo��as pretas de bicicleta pas-

saram e levantaram os dedos no sinal de Paz. January continuou a

caminhar. Os b��bados que dormiam come��aram a mover-se. Uma

mulher entrou no parque levando nos bra��os um velho dachshund.

Depositou-o cuidadosamente no ch��o e disse: "Vamos, B a b y . . .

fa��a as suas necessidade". Nem a mulher, nem o cachorro olharam

para January. Afinal, o cachorro fez o que lhe era pedido e a mulher

elogiou-o, tornou a peg��-lo nos bra��os e saiu do parque com ele.

Os b��bados j�� estavam ficando de p��. Os que tinham as pernas

fracas eram amparados pelos outros. De repente, o parque ficou

cheio de cachorros. Um homem, que devia ser um profissional, levava

59

seis cachorros de ra��as diferentes. Havia um homem com um schnau-

zer e uma mulher com hobs nos cabelos e um cocker gordo pela

corrente. O parque, que parecera aveludado na escurid��o da noite,

se mostrava naquele momento hostil e sujo. A luz do sol parecia dar

realce ��s latas de cerveja, ��s garrafas quebradas e aos pap��is de san-

du��ches. O vento agitava as ��rvores e as folhas que ca��am lenta-

mente pareciam tristes e gentis por entre o resfolegar dos ��nibus

que passavam. Haviam barulhos de buzinas, marteletes, rebitadores

��� o monstro monol��tico tinha acordado.

As crian��as estavam chegando ao parque. Vinham em carrinhos

empurrados pelas jovens m��es, que pareciam p��lidas e cansadas.

��s vezes, um velho cachorro seguia pacientemente o carro, preso

por uma corrente, pensando talvez nos tempos felizes em que todo

o interesse da fam��lia se concentrava nele. Havia outros carrinhos

em que um beb�� dormia enquanto um garoto de dois anos se sen-

tava na beira de uma cadeirinha e a m��e empurrava os dois.

Depois, entrou a brigada da Quinta Avenida. Uma torrente de

carrinhos de luxo com mantas de pura seda com monograma a

cobrir as beb��s. Bab��s de uniformes engomados levavam esses cin-

tilantes carrinhos para os bancos mais pr��ximos e se sentavam para

conversar enquanto os beb��s dormiam.

January olhou para eles com inveja. Eram uns pedacinhos de

g e n t e . . . mas cada um estava �� vontade naquele parque. Pertenciam

��quela cidade. Cada um tinha uma identidade, um nome, um lar.

Andou a esmo e de repente viu que estava junto do morro diante

do Plaza. Era um pequeno morro, mas tinha parecido uma monta-

nha quando ela era pequena. Aos cinco anos, tinha ido vitoriosa-

mente at�� o alto e o pai lhe dissera:

��� Agora, este morro �� seu. Feche os olhos e fa��a um p e d i d o . . .

que ele ser�� atendido.

Ela em sil��ncio tinha desejado uma boneca. O pai a levara ent��o

para Rumpelmayer a fim de tomar chocolate quente e, na sa��da,

comprara a maior boneca que havia ali. Desde ent��o, o morro se

tornara para ela um lugar encantado.

Mas naquele momento estava triste e feio. Pisou sobre folhas mor-

tas no caminho para o alto. Chegando l��, sentou-se, com os joelhos

�� altura do queixo, e fechou os olhos. Estranhamente, teve a im-

press��o de que os rumores da vida em torno dela se haviam inten-

sificado ��� o barulho do tr��nsito l�� embaixo, os latidos de cachorros

a dist��ncia... Ouviu ent��o as folhas secas estalarem e compreendeu

que algu��m se estava aproximando. Todas as hist��rias de viol��ncia

de que tinha sabido lhe fizeram o sangue correr mais depressa. Tal-

fosse um homem com uma faca. Continuou de olhos fechados. Tal-

vez, se ficasse assim im��vel, tudo acontecesse com rapidez e sem

muito sofrimento.

60

��� J a n u a r y . . .

Era o pai que estava ao lado dela. Estendeu-lhe a m��o e ela se

levantou com algum esfor��o.

��� J�� �� a terceira vez em meia hora que venho a este morro ���

disse ele. ��� Calculei que voc�� viria at�� aqui. ��� Deu-lhe o bra��o e

saiu com ela do parque. Atravessaram a rua e ele parou diante da

Essex House. ��� Vamos entrar? O caf�� daqui �� muito bom.

Sentaram-se �� mesa sem falar. Os ovos ficaram intactos diante

deles. De repente, ele disse:

��� Est�� bem! Zangue-se, mas diga alguma coisa!

Ela fez men����o de falar, mas nesse momento o maitre apareceu

para saber se tinham notado alguma coisa nos ovos.

��� N��o ��� disse Mike. ��� N��o estamos com fome. Pode lev��-los,

mas deixe o bule de caf��. ��� Depois que o homem se afastou, Mike

voltou-se para ela. ��� Por que foi para o parque? Foi um perigo.

Voc�� poderia ter sido atacada!

��� N��o pude dormir ��� disse ela.

��� Nem eu. At�� Dee teve de tomar um comprimido extra para

dormir. Mas ningu��m sai a p�� por Nova York ao amanhecer. Passei

a noite acordado. Fumei dois ma��os de cigarros...

��� N��o devia ter feito isso. Os cigarros lhe fazem mal.

��� Escute, n��o se preocupe com a minha sa��de agora. Quando vi

que seu quarto estava vazio, fiquei como louco! Dee acordou quando

eu estava telefonando para a pol��cia. Ela me acalmou, dizendo que

voc�� devia estar dando um passeio para pensar nas coisas. Foi quan-

do me ocorreu a id��ia de que voc�� iria para o seu morro.

Ela nada disse e ele lhe segurou a m��o.

��� January, vamos conversar.

��� Eu n��o estava espionando, nem querendo ouvir as conversas

ontem �� noite, Papai.

��� Eu sei disso. Fui colhido desprevenido. Fiquei zangado comigo

mesmo, n��o com voc��. ��� Acendeu um cigarro. ��� Tive muita vontade

de lhe escrever falando de D e e . . .

��� Por que n��o escreveu, Papai?

��� Porque at�� o ��ltimo momento n��o tive certeza de que me ca-

saria com ela. E, quando os jornais come��aram a divulgar boatos

a respeito de n��s dois, tive receio de que isso chegasse aos seus ou-

-vidos. Tenho de agradecer ao Dr. Peterson e ��s suas regras de im-

pedir todos os contatos com o mundo exterior. Isso tudo porque eu

achava que era uma coisa que eu tinha de lhe dizer pessoalmente.

Pretendia dizer-lhe tudo no autom��vel de volta do aeroporto. Mas,

quando voc�� me disse como tinha esperado, que queria ficar sozi-

61

nha comigo, achei que voc�� tinha direito a que sua primeira noite

aqui fosse exatamente como voc�� havia planejado. Telefonei ent��o

para Dee e pedi-lhe que sa��sse de casa. Deixaria para contar tudo

a voc�� hoje de manh��.

��� Quando foi que voc�� come��ou a am��-la, Papai?

��� Quem �� que est�� falando em amor? Escute, aqui entre n��s,

a ��nica mulher que j�� amei ou amarei em toda a minha vida �� voc��.

��� Por que ent��o? Por qu��?

��� Porque eu estava acabado, liquidado.

��� Como assim?

��� Depois de tr��s anos de repetidos insucessos, eu n��o conseguia

levantar nem um d��lar, fosse para que fosse. Na Calif��rnia, trata-

vam-me como se eu estivesse atacado de uma doen��a contagiosa.

Foi ent��o que a cl��nica me deu a grande not��cia. Voc�� ia ter alta

em setembro. Meu Deus! Era o momento que n��s tanto hav��amos

esperado e eu estava fracassado e sem dinheiro. Sabe onde era que

eu estava quando recebi a not��cia? Morando com Tina St. Claire

na Calif��rnia.

��� Voc�� fez um filme uma vez com ela.

��� Sim, usei-a quando ela tinha dezessete anos. Nenhum talento,

mas muita beleza. Continua sem talento, mas est�� fazendo um se-

riado de televis��o que est�� entre os dez primeiros de maior audi��n-

cia no pa��s e promete n��o sair do ar t��o cedo. Ela tem uma grande

casa com muitos empregados e v��rios aderentes. Passei a ser ent��o

o aderente n��mero um. Por que n��o? A casa era boa, o bar bem

abastecido e eu tinha tudo o que era preciso para contentar Tina.

��� Fez uma pausa. ��� Sei muito bem que essa �� uma maneira horr��-

vel de um pai falar com uma filha, mas n��o tive tempo de fazer

um ensaio geral. Estou lendo o script para v o c �� . . . nu e cru. ��� Apa-

gou o cigarro. ��� Muito bem, estava eu �� beira da piscina tomando

banho de sol ao lado de Tina. Um criado chin��s me levava os drin-

ques e havia na casa uma sauna para relaxar os nervos. Eu tinha

tudo o que um homem pode querer menos dinheiro. Era em julho

e eu recebo a not��cia de que voc�� ia ter alta em setembro. Fiquei

sem saber. Mas, naquela mesma noite, Tina me deu a id��ia. T��nha-

mos ido a uma estr��ia. Aquilo tudo ��� os refletores, a multid��o, o

tapete vermelho ��� n��o significava mais nada para mim, mas acom-

panhei-a e, quando ela se sentou na plat��ia ao meu lado, disse toda

terna que iria ficar toda desorientada se eu a deixasse. Continuou

a falar, dizendo como era dif��cil encontrar homens de verdade e

que, antes de eu aparecer, ela passara mais de um m��s sem saber

o que era sexo. De repente, disse: "N��s parecemos t��o bem juntos

e eu tenho dinheiro de sobra para n��s dois. Por que n��o nos casamos

62

ent��o? Assim, terei sempre certeza de que n��o me faltar�� um ho-

mem para sair".

Olhou al��m da filha e continuou:

��� Compreendi nesse momento que tinha chegado ao fim da

picada. Ela ainda n��o tinha trinta anos e j�� estava disposta a me

sustentar. Comecei a sentir que estava vivendo o filme Sunset Bou-

levard ��s avessas. No dia seguinte, fui como de costume para a beira

da piscina e tentei chegar a uma solu����o. Cheguei �� conclus��o de

que, se ia ser sustentado por uma mulher n��o seria apenas por co-

mida, uma piscina e Tina St. Claire. Se eu tinha de ir a pique, s��

podia ser como passageiro de primeira classe. Comecei ent��o a pen-

sar. Barbara Hutton estava casada. Doris Duke era quase uma des-

conhecida. A Baronesa de Fallon era gross��ssima... Pensei ent��o

em Deirdre Milford Granger. T��nhamo-nos visto uma vez quando

eu estava no alto e ela me parecera bonita de um jeito meio fanado.

��� Fez uma pausa. ��� Bela hist��ria, hem? Mas eu lhe estou dizendo

toda a verdade. Poderia dizer-lhe que me apaixonei loucamente por

ela e que resolvi abandonar a minha carreira para dedicar-me ��

felicidade dela. Mas n��o foi nada disso. Transformei-a num proje-

to. Soube que estava em Marbella. Vendi tudo o que tinha: meu

carro, os rel��gios Patek Philippe, as ��ltimas a����es da I B M . Apurei

quarenta e tr��s mil d��lares. Ia arriscar tudo naquela parada. Fui

ent��o para Marbella a fim de assedi��-la.

Franziu a testa ante a lembran��a.

��� N��o sabia que, depois de nosso primeiro encontro, ela mandou

fazer minha ficha financeira. Agia com a maior frieza enquanto eu

dava gorjetas de vinte d��lares e pagava contas de oitocentos d��la-

res nas boates para grupos de amigos dela. Levei tr��s semanas assim

sem ao menos ter oportunidade de um beijo de despedida ou de

jantar a s��s com ela �� luz das velas. N��o, viv��amos em grupo. Du-

rante o dia, eu preparava drinques para todo o mundo e via Dee

jogar gam��o. Um dia, quando eu j�� estava pensando em desistir e

aumentar a minha lista de fracassos, cheguei �� vila dela �� hora dos

coquet��is, esperando encontrar a turma de sempre, mas ela estava

sozinha. Entregou-me um drinque e disse: "Mike, se voc�� tem algu-

ma inten����o de se casar comigo, est�� na hora de tratar disso, pois

s�� lhe restam 2.600 d��lares no banco".

Sorriu ao ver a cara de January.

��� Sim, ela sabia at�� qual era meu saldo no banco. Disse em se-

guida: "Antes, de mais nada, quero que saiba que nunca financiarei

qualquer de seus projetos ��� filmes ou pe��as. Depois de saber disso,

ainda quer casar-se comigo?"

Acendeu outro cigarro.

63

��� Bem, a�� a coisa melhorou muito ��� disse ele com uma tentativa

frustrada de sorrir. ��� Depois que ela me disse como detestava o

mundo dos espet��culos e tudo o que ele representava, eu disse na-

turalmente o que era de esperar. "Escute, Dee, talvez no princ��pio

a inten����o fosse essa, mas agora estou gostando mesmo de voc��

e seria bom que eu tivesse tr��s sucessos na Broadway porque assim

poderia pedir-lhe que se casasse comigo sem o menor constrangi-

mento". ��� Fez uma pausa. ��� Est�� sentindo n��useas de ouvir isso?

Eu e s t o u . . . s�� de repetir.

��� Continue ��� disse January. ��� Ela acreditou em voc��?

��� Bem, ela n��o seguiu o script sentindo-se emocionada ou t��mida.

Afinal de contas, ela �� original. Sorriu e disse: "Ora, Mike Wayne,

se voc�� tivesse esses tr��s sucessos na Broadway, nem se aproxima-

ria de mim". N��o sei por que ela tem essa raiva do teatro e do ci-

nema. Talvez fosse rejeitada por algum ator, talvez seja puro esno-

bismo, mas eu tive de prometer que n��o pensaria mais em shows

se ela se casasse comigo. Como v��, ela �� que mandava. Mas, antes

que eu concordasse, falei em voc��. �� claro que ela j�� sabia tamb��m

de tudo a seu respeito. Expliquei que o seu futuro era o que havia

de mais importante para mim. Quando ela concordou, n��o houve

mais nada para discutir.

��� Onde foi o casamento?

��� Casamo-nos no fim de agosto em Londres com simplicidade,

quase em segredo. Mas a not��cia se espalhou e come��aram a ofere-

cer-nos festas. Subitamente, Sunset Boulevard se transformou num

filme de Fellini. Condessas, modelos internacionais, algumas prin-

cesas e figuras quase, da realeza. �� um mundo onde as mulheres s��o

todas magras, maravilhosas e sem seios, os homens n��o t��m trasei-

ros e o ingl��s �� a segunda l��ngua de todo o mundo. Ela anda com

essa turma em Nova York tamb��m. Ningu��m joga golfe. O t��nis �� o

esporte elegante. Canastra �� para cafonas. O jogo deles �� gam��o.

��� Deu um suspiro. ��� Pronto! J�� lhe contei tudo. Alguma pergunta?

��� Apenas uma. Temos de ficar em fila todas as sextas-feiras para

receber nossas mesadas?

��� Onde foi que aprendeu a ferir t��o fundo, January?

Ela conteve as l��grimas e sustentou o olhar dele.

��� Bem, isso �� verdade, n��o ��? Dee sustenta voc��, como voc��

diz, com estilo?

��� Sem d��vida alguma. Ela tem classe. Fez-me diretor de uma

das companhias dela. �� claro que �� apenas uma formalidade. Que

�� que entendo de im��veis ou de petroleiros? Mas assino coisas uma

vez por semana e todos no escrit��rio agem como se minha presen��a

fosse necess��ria. Al��m disso, todo homem precisa de ter um escri-

64

t��rio para onde ir. Voc�� n��o calcula como isso divide bem o dia.

Chego l�� e fecho a porta para que minha secret��ria pense que eu

estou muito ocupado. Leio ent��o os jornais especializados. Quarta-

feira �� o grande dia, quando Variety sai e eu tenho leitura para

toda a manh��. Des��o depois para um escrit��rio de corretagem no

mesmo edif��cio. Lustro os sapatos e vou para o Friars Club almo��ar

e jogar um pouco de canastra. Recebo tamb��m um sal��rio ��� mil

d��lares por semana. Dantes, eu gastava mais que isso em gorjetas,

mas, apesar de tudo, �� uma boa vida. Tenho o apartamento de Nova

York, as casas, um c h o f e r . . . Tenho tudo o que um homem poderia

querer.

��� Pare com isso! ��� exclamou ela. ��� Sei que fez tudo isso por

minha causa, mas pare com isso. ��� Sentiu um aperto na garganta,

mas esfor��ou-se por continuar. ��� N��o poder��amos ter ido morar

num apartamento pequeno? Talvez eu pudesse trabalhar.

��� Fazendo o que?

��� Representando, talvez, ou trabalhando para um produtor...

lendo scripts.

Ele sacudiu a cabe��a.

��� As coisas mudaram muito. Alguns autores importantes n��o

querem mais escrever para o teatro. E fazem muito bem! Torcem

a cuca durante dois anos e ent��o um sujeitinho qualquer no Times

destr��i tudo numa noite. �� verdade que h�� um Neil Simon que ra-

ramente deixa de ter ��xito, mas at�� as grandes estrelas fazem fila

para entrar numa das pe��as dele. H�� tamb��m a zona longe da Broad-

way e outra zona ainda mais longe da Broadway. Mas isso �� outra

civiliza����o que eu n��o conhe��o. E n��o �� isso o que eu quero para

voc��.

��� Que �� que voc�� quer para mim?

��� Quero dar-lhe o mundo.

��� E acha que, gra��as ao seu casamento com Deirdre Granger,

me est�� dando isso?

��� Pelo menos, estou-lhe dando um mundo diferente, um mundo

onde as pessoas n��o conversam sobre teatro e sobre a bilheteria

desta ou daquela pe��a. Escute, para voc��, o teatro deve ser como

uma boa sobremesa, uma coisa que se saboreia algumas noites por

semana. Mas n��o deve ser toda a sua vida. Al��m disso, voc�� viu o

teatro como a filha de Mike Wayne. Quando voc�� ia �� caixa do tea-

tro, era sempre para visitar o camarim da estrela. Voc�� n��o conhece

os camarins desabrigados do terceiro andar em Baltimore ou Fila-

d��lfia. Voc�� viu o sucesso, minha filha, o lado iluminado da lua.

�� natural que voc�� pense que esse �� o seu mundo. Que outro mundo

j�� lhe dei eu?

65

��� Mas por que �� que eu vou querer outro mundo? Voc�� adorava

o teatro. Tenho certeza disso.

��� N��o. Adorei os cavalos do mesmo jeito. Gostava do jogo que

representava encenar uma pe��a ou fazer um filme. Gostava do di-

nheiro, da fama, das mulheres. Escute, est�� pensando por acaso que

eu levava voc�� ao teatro todos os s��bados por que gostava? Nada

disso, eu a levava porque n��o sabia o que ia fazer com voc��. N��o

se zangue, ��� disse ele ao v��-la ficar vermelha, ��� mas o que �� que

um homem pode fazer com uma menina todo fim-de-semana? Eu

n��o tinha verdadeira vida social. S�� me dava com as mulheres com

que acontecia ter alguma liga����o. Algumas eram divorciadas com

filhas de sua idade que me chamavam de tio ou de pai. Acha que

isso serviria para voc��? Palavra que me espanta que voc�� tenha sa��do

t��o perfeita como saiu. A verdade �� que eu nada lhe dei. Mas tudo

isso mudou. Ao menos, posso dar-lhe a chance de outra esp��cie de

vida. S�� lhe pe��o �� que fa��a um esfor��o nesse sentido.

��� E qual deve ser esse esfor��o?

��� Ver como as outras pessoas vivem. Conhecer as amizades de

Dee. D�� uma chance a tudo isso. Se voc�� n��o der, ent��o me enga-

nei redondamente.

Ela conseguiu sorrir.

��� �� claro que eu vou tentar.

��� E procure dar uma chance a Dee tamb��m. �� uma grande mu-

lher. Ainda n��o sei o que foi que ela viu em mim.

��� A mesma coisa que Tina St. Claire via e queria. Melba Delitto

t a m b �� m . . . e provavelmente todas as mulheres que voc�� j�� conheceu.

Mike sacudiu a cabe��a.

��� N��o, o sexo n��o tem tanta import��ncia assim para Dee. Tenho

a impress��o de que ela quer alguma coisa mais de mim. Talvez a

companhia... a assist��ncia s o c i a l . . . como parte de uma equipe.

N��o entendo muito essa esp��cie de vida. Mas, por favor, d�� uma

chance a Dee. Voc�� n��o sabe todo o trabalho que ela est�� tendo

para organizar o jantar desta noite. Convidou o primo dela, David

Milford, para ser seu par.

��� David Milford �� tamb��m uma das seis pessoas mais ricas do

mundo?

��� N��o. O pai de Dee �� que era o homem do dinheiro.

��� E morreu quando Dee tinha dez anos ��� murmurou January.

��� Seis meses depois, a bela e jovem m��e de Dee suicidou-se, incon-

sol��vel com a morte do marido. Ora, Papai, na escola de Miss Had-

don, todas n��s l��amos tudo sobre a vida de Dee sempre que ela se

casava outra vez. As revistas chamavam-lhe "A Princesinha Soli-

66

t��ria �� Procura da Felicidade". Pode parecer cruel, mas n��o �� essa

a minha inten����o. Acontece que eu posso ter vivido durante tr��s

anos fora de qualquer contato com o mundo, mas na escola de Miss

Haddon, Deirdre Milford Granger era uma verdadeira institui����o.

Algumas de minhas colegas tinham m��es que conheciam algu��m

que a conhecia. Desde aquele tempo, sei tudo a respeito dela. S��

n��o podia saber era que um dia ela se casaria com meu p a i . . .

Ele ficou em sil��ncio e fez sinal ao gar��om pedindo a conta. J a -

nuary tentou sorrir.

��� Desculpe, Mike. Diga-me alguma coisa sobre David. J�� o co-

nhece?

��� Claro, j�� me encontrei v��rias vezes com ele. Tem boa apar��n-

cia. Ainda n��o fez trinta anos. Dee nunca teve filhos. A m��e dela e

o pai de David eram irm��os. Os Milfords n��o t��m muito dinheiro,

embora vivam bem, muito bem, ali��s. Trabalha num escrit��rio de

corretagem. Encarrega-se das contas de Dee. O pai dele �� advogado

conceituado. David �� o herdeiro principal de Dee e . . .

��� Epa! ��� exclamou January. ��� Voc�� fez realmente um neg��cio

completo... Uma pequena para voc��, um rapaz para m i m . . .

��� N��o �� �� toa que voc�� �� minha f i l h a . . . Diz sempre diretamen-

te as coisas. Mas quero que saiba que n��o escolhi David para voc��.

Creio que David tem id��ias pr��prias a respeito do casamento. Mas

eu seria um mentiroso se n��o confessasse que tenho a esperan��a de

que, por interm��dio de Dee, voc�� venha a conhecer algu��m que te-

nha classe. David deve ter uma por����o de amigos, que lhe ser��o

apresentados. Assim, pode ser que voc�� conhe��a algu��m de quem

realmente goste, algu��m com quem acabe por casar-se. Eu gostaria

de ter um n e t o . . . talvez dois ou tr��s. Gostaria disso e muito. Mas

vou-lhe dizer de que eu n��o gostaria... seria de ver voc�� como

uma vers��o feminina de Mike Wayne.

��� �� uma pena ��� disse ela calmamente. ��� Na verdade, �� isso exa-

tamente que eu sou. Mais ainda, planejei tudo para que fosse assim.

��� Por qu��? ��� perguntou ele, quase irritado. ��� Que esp��cie de

modelo sou eu? Nunca procedi corretamente com mulher alguma.

Mas vou proceder com Dee. J�� est�� em tempo de eu come��ar a

pagar o que devo. E acontece que eu devo muito.

January ficou durante alguns momentos em sil��ncio. Quando falou,

foi com os olhos voltados para o espa��o.

��� Mas todas as minhas d��vidas est��o pagas. Isso nos poderia ter

dado sorte. Poder��amos ter tentado juntos. ��� Sorriu ent��o. ��� Mas

isso pertence ao passado. Tenho certeza de que vou gostar de D a -

vid e faz��-lo simpatizar comigo de modo que ele me apresente a

todos os seus amigos formid��veis. Assim sendo, a primeira coisa que

67

tenho para fazer �� comprar alguma coisa bem bonita para usar esta

noite.

��� N��o se preocupe ��� disse Mike, tirando um cart��o do bolso. ���

Tudo est�� providenciado. V�� a este banco e procure uma funcion��-

ria chamada Anna Cole. Ter�� de assinar alguns pap��is. �� um fundo

em dinheiro para voc��. Se quiser, poder�� abrir uma conta imedia-

tamente.

��� Escute, Mike, eu n �� o . . .

��� Isso n��o �� dinheiro de Dee. Quando sua m��e morreu,, deixou

uma pequena ap��lice de seguro ��� quinze mil d��lares. Com esse di-

nheiro, institu�� um fundo para voc��. Foi muito bom eu ter feito

i s s o . . . sen��o gastaria esse dinheiro tamb��m. Com os juros, deve

haver vinte e dois ou vinte e tr��s mil d��lares �� sua espera. Pode

comprar o que quiser.

Desceram a rua e pararam diante do Pierre. Subconscientemente

olharam ambos para cima, esperando ver Dee �� janela. Mike riu.

��� Ela tomou outro comprimido para dormir na hora em que eu

sa��. Al��m disso, �� muito raro que ela se levante antes do meio-dia.

Ah! Aqui est�� uma chave da suite para voc��. J�� est�� registrada, de

modo que pode procurar na portaria algum recado para voc��.

Ela riu.

��� Mike, a ��nica pessoa que eu conhe��o em Nova York �� voc��.

Por isso, talvez queira me deixar algum r e c a d o . . .

��� N��o �� preciso. O recado que eu tinha para dar j�� lhe dei.

68

T R �� S

Ela estava exausta quando voltou ao Pierre. Eram quase quatro

horas e ela carregava apenas uma grande caixa. E n��o tinha sido

f��cil chegar a uma decis��o no caso! Ela n��o sabia que devia usar

num jantar com Dee. Em Bergdorf's, uma vendedora lhe dissera

que as minissaias estavam decididamente fora de moda. Mas ao

meio-dia, quando as mo��as sa��ram dos escrit��rios para o almo��o, a

Quinta Avenida ficou inundada de minissaias e microminis. Na Ave-

nida Lexington, viu faixas de ��ndio nas cabe��as, blue jeans, bermu-

das e saias compridas. Decidiu-se afinal pela saia comprida de mui-

tas cores e pela blusa de j��rsei vermelho que vira num manequim

na vitrina de Bloomingdale's. A vendedora lhe assegurou que servia

para qualquer ocasi��o.

Quando entrou no hotel, resolveu de simples curiosidade pergun-

tar na portaria se havia algum recado para ela. Ficou surpresa quan-

do o porteiro lhe entregou duas papeletas. Equilibrando a caixa sob

o queixo e um bra��o, examinou as papeletas enquanto esperava o

elevador. Uma tinha chegado ��s tr��s horas e outra ��s tr��s e meia.

Ambas pediam que ela telefonasse para o mesmo n��mero do Plaza

e pedisse o ramal 36. Olhou o nome da papeleta. Era o dela, sem

d��vida. Sorriu de r e p e n t e . . . o n��mero do Plaza devia ser o escri-

t��rio de Mike.

Quando chegou ao apartamento, uma empregada estava espa-

nando alguns pequenos elefantes de jade no consolo da lareira. ��

luz do dia, o apartamento parecia ainda mais belo. O sol se refletia

nas molduras de prata dos retratos em cima do piano. Havia mui-

tos retratos. Ela reconheceu um senador federal, Nureyev, um em-

baixador e o rosto not��vel de Karla. Aproximou-se e leu a dedicat��-

ria com letra infantil e tinta desbotada: "A Deirdre, Karla". J a -

nuary olhou para os malares altos, para os olhos fant��sticos. A em-

pregada aproximou-se:

��� H�� tr��s pr��ncipes do outro lado. E um raj��.

January assentiu.

69

��� Eu estava olhando para Karla.

��� �� muito bonita ��� disse a empregada. ��� Por falar nisso, meu

nome �� Sadie. Muito prazer em conhec��-la, Miss January.

January sorriu. A empregada devia ter perto de sessenta anos e

parecia escandinava. Os cabelos claros descorados estavam amar-

rados num pequeno coque e o rosto era limpo e luz��dio. Tinha um

aspecto firme, ossudo e forte.

��� Miss Deirdre me recomendou que arrumasse suas roupas no

arm��rio. Tomei a liberdade de arrumar as gavetas. Quando �� que

v��o chegar suas malas?

��� N��o v��o chegar, Sadie. Tenho apenas o que voc�� viu. E agora

este conjunto de Bloomingdale's.

��� Vou passar a ferro. Miss Deirdre n��o est�� em casa, mas, se qui-

ser alguma coisa, h�� um bot��o de campainha ao lado de sua cama.

Est�� ligado com a cozinha e com meu quarto. Ouvirei a campainha

onde eu estiver. N��o sabia se fumava ou n��o, mas coloquei cigarros

em todas as caixas de seu quarto. Se preferir de outra marca, �� s��

me dizer.

��� Muito obrigada. Acho que vou tomar um banho e descansar

um pouco.

��� Toque a campainha se precisar de alguma coisa. Levei tam-

b��m para seu quarto as ��ltimas revistas de modas. Miss Deirdre

achou que ia gostar de v��-las, pois tinha de esfor��ar-se muito para

ficar em dia. ��� Sadie pegou ent��o a caixa com o vestido e saiu da

sala. Quase no mesmo instante, voltou. ��� E Ernest vai chegar ��s

seis horas, se precisar dele.

��� Ernest?

��� O cabeleireiro de Miss D e i r d r e . . . Vem todas as noites ��s seis

horas.

January se lembrou de repente dos recados telef��nicos que rece-

bera na portaria. Foi para o quarto, deixou-se cair na cama e deu o

n��mero �� telefonista do hotel. Depois de tr��s chamadas, uma tele-

fonista atendeu. January pediu o ramal 36.

Houve uma p a u s a . . . um estalo e outra voz.

��� Escrit��rio de Miss Riggs.

��� De quem? ��� perguntou January, sentando-se na cama.

��� Quem est�� falando? ��� perguntou com uma ponta de aborre-

cimento a voz do outro lado do fio.

��� Sou January Wayne. Quem �� Miss Riggs?

��� Oh, sou a secret��ria de Miss Riggs. Um momento, Miss Wayne.

Vou fazer a liga����o.

Houve mais um estalo e algu��m disse:

70

��� �� voc�� mesmo, January?

Era uma voz aristocr��tica, firme e fria.

January n��o conseguiu identific��-la e perguntou:

��� Quem ��?

��� Meu Deus, January! Sou eu, L i n d a . . . Linda Riggs!

��� Linda? Minha colega da escola de Miss Haddon?

��� �� claro! Pode haver outra?

��� Oh! H�� quanto tempo, Linda! Como vai? Como foi que me des-

cobriu? Que �� que tem feito?

Linda riu.

��� Eu �� que lhe devia fazer a pergunta. Mas, antes, quero saber

por que seu pai se zangou tanto com Kaith Winters?

��� Quem �� Kaith Winters?

��� O fot��grafo...

��� Ah, ontem �� n o i t e . . . (Deus do c��u, tinha sido apenas na noite

passada!...)

��� Sim, mandei-o bater uma fotografia sua para nossa revista.

��� Que revista?

Houve uma pequena pausa. Em seguida, numa voz em que havia

um toque de impaci��ncia, Linda disse:

��� Bem, eu sou redatora-chefe de Gloss e . . .

��� Redatora-chefe?

��� Onde �� que voc�� tem estado, January? Fiz uma reportagem

de estouro sobre o show de Mike Douglas no m��s passado. E j�� me

pediram que fizesse o show de Mefv Griffin na primeira vez em que

fosse �� Calif��rnia e . . .

��� Bem, estive na Europa e . . .

��� Mas todo o mundo sabe o que eu tenho feito para a revista

Gloss. Sou uma das mais famosas e jovens redatoras-chefes do mun-

do. �� claro que eu n��o sou Helen Gurley Brown. Mas tamb��m Gloss

n��o �� a Cosmopolitan. Mas eu chego l��. Vou fazer desta revista a

maior coisa que j�� se viu.

��� Maravilhoso, Linda. Lembro-me de quando voc�� saiu da escola

de Miss Haddon. Eu devia ter dez anos. Todas n��s ficamos deliran-

tes quando seu nome apareceu numa revista...

��� Ah, j�� sei! Voc��s na escola podiam ficar impressionadas, mas

aquilo era quase escravid��o. Meu Deus, eu trabalhava dezesseis

horas por dia! Procurava os joalheiros para fazer layouts de novos

modelos de j �� i a s . . . ia buscar caf�� para fot��grafos e modelos...

fazia recados para o pessoal do departamento de desenho... devol-

71

via um brinco esquecido pela redatora de m o d a s . . . tudo isso para

ganhar 75 d��lares por semana. Mas aos dezoito anos isso me pare-

cia o para��so. N��o dormia mais de quatro horas por noite, mas ainda

conseguia ir todas as noites dan��ar em Le Club. Fico exausta s��

de pensar nisso agora. Escute a q u i . . . qual �� sua idade?

��� Vou fazer vinte e um anos em janeiro.

��� �� isso mesmo. Eu tenho vinte e oito. �� engra��ado como ao fim

de certo tempo essa coisa de idade perde a import��ncia. Quando eu

tinha dezesseis anos e voc�� andava pelos oito anos, voc�� para mim

n��o era nem humana. Voc�� devia ser uma das pirralhas que me se-

guiam por toda parte, n��o era?

��� Creio que sim ��� murmurou January, que n��o viu raz��o alguma

para esclarecer que n��o tinha sido uma das "partid��rias de Linda".

��� Foi por isso que mandei Kaith Winters ao Pierre. O Servi��o de

Celebridades comunicou que voc�� ia chegar da Europa e eu pensei

em publicar uma fotografia com uma hist��ria sobre as suas impres-

s��es de Deirdre. Seu pai foi terr��vel com Kaith, mas a fotografia

saiu ��tima. Ou voc�� �� muito fotog��nica ou se tornou uma verdadeira

beleza. Escute, por que n��o aparece aqui amanh��? Combinaremos

uma boa reportagem e mandarei tirar uma s��rie de boas fotografias.

��� Gostaria muito de fazer-lhe uma visita, Linda, mas quanto a

uma reportagem, n��o s e i . . .

��� Falaremos sobre isso amanh��. Sabe onde �� o Edif��cio Mosler,

n��o sabe? Rua 52, perto da Avenida Madison. Estamos nos tr��s ��l-

timos andares. Meu gabinete fica na cobertura e voc�� pode subir

diretamente. At�� l��. Ciao.

January abriu as torneiras e entrou na banheira, fechando os

olhos. N��o sabia que estivesse t��o cansada. Pensou em Linda ��� t��o

feia, t��o irrequieta, t��o en��rgica... E agora e r a . . . ou parecia im-

portante. January se sentia muito cansada. Sabia que estava ador-

mecendo. Pareceu que apenas alguns segundos haviam passado quan-

do ouviu a voz de Sadie:

��� Acorde, Miss January.

Sentou-se na banheira. A ��gua estava morna. Ih! J�� eram seis

horas!

��� Miss Deirdre diz que est�� na hora de se vestir para o jantar.

Passei seu vestido. Est�� pendurado no arm��rio.

J�� estava vestida quando Dee bateu na porta e irrompeu pelo

quarto. Por um momento, ambas se olharam. Por fim, January es-

tendeu instintivamente a m��o e disse:

��� Parab��ns. Creio que me esqueci de dizer isso ontem �� noite.

Dee encostou o rosto no rosto de January.

72

��� Parece que nenhuma de n��s disse muita coisa ontem �� noite.

N��o foi exatamente a melhor maneira de nos conhecermos.

��� Oh, meu Deus!

��� Que foi? ��� perguntou Dee.

��� Esqueci-me de comprar um robe!

Dee riu.

��� Fique com o de Mike. Assentou maravilhosamente em voc��.

H�� mulheres que ficam fabulosas com robes de homens. Eu n��o sou

assim.

January chegou �� conclus��o de que Dee era mais bonita do que

ela havia pensado. Naquela noite, os cabelos levemente grisalhos

estavam arrumados num penteado �� "Gibson Girl". January sabia

que os brilhantes dos brincos de Dee eram aut��nticos. Tinha um

aspecto muito feminino com cal��as pretas de har��m de seda e Ja-

nuary teve de repente d��vidas de que o seu conjunto fosse acertado.

Dee recuou um pouco e olhou-a.

��� Estou gostando.. . mas acho que voc�� precisa de algumas j��ias.

��� Tocou a campainha e Sadie apareceu no mesmo instante. ��� V��

buscar minha caixa de j��ias, Sadie.

Sadie voltou com uma grande caixa de couro e Dee come��ou a

experimentar correntes de ouro em torno do pesco��o de January.

Insistiu em que ela usasse brincos de ouro em feitio de argolas.

��� Com essa sua pele queimada, querida, o efeito ser�� not��vel!

Um toque de cigana!

January se sentiu carregada de quatro correntes, uma figa de jade

e um dente de le��o encastoado em ouro. (Dee explicou que ela

mesma �� que ca��ara o le��o num safari).

��� Gosto de sua maquilagem ��� disse Dee, examinando-a de perto.

��� Os c��lios s��o mesmo seus. Fant��stico! Gosto desse jeito das mo��as

de agora de parecer que n��o est��o usando batom. E seu c a b e l o . . .

maravilhoso! Hoje em dia, voc��s o usam longo e corrido. Quando

eu tinha sua idade, o cabelo era cortado e feito em permanente, no

horr��vel penteado italiano. Era a grande moda por volta de 1950.

Sempre disse a Gina que tinha vontade de mat��-la por ter lan��ado

esse estilo. Meu cabelo �� naturalmente liso e parece que eu tenho

levado metade de minha vida com bobs ou com a cabe��a metida den-

tro de secadores. E agora que os cabelos compridos e lisos est��o de

novo na moda, n��o posso us��-los... N��o �� poss��vel usar cabelos

ca��dos nos ombros depois dos trinta e cinco anos. Ao menos, eu

penso assim, embora ache que Karla desde os dezoito anos n��o muda

de penteado.

73

��� Que tal �� ela?

Dee encolheu os ombros.

��� Karla �� uma de minhas mais velhas e mais caras a m i g a s . . .

embora eu tenha de fechar os olhos para algumas excentricidades

dela.

��� Na escola de Miss Haddon ��� disse January, ��� todas n��s v��a-

mos os filmes dela pela televis��o. Para mim, ela �� maior do que Greta

Garbo ou Marlene Dietrich porque se move como se fosse uma

dan��arina. Imagine s�� a coragem que ela teve de abandonar o ci-

nema aos quarenta e dois anos e nunca mais voltar.

Dee acendeu um cigarro.

��� Ela nunca deu muita import��ncia ao seu trabalho no cinema.

Sempre disse que logo que ganhasse dinheiro suficiente se afasta-

ria. E guardou o primeiro d��lar que ganhou!

��� Onde est�� ela agora?

��� Acho que est�� de volta a Nova York. N��o tarda a aparecer por

aqui. Tem um apartamento no East River View. O edif��cio �� maravi-

lhoso, mas al��m de alguns bons quadros que ela ganhou de presen-

te e de alguns tapetes, tamb��m presentes, o apartamento �� pobre-

mente decorado. Karla tem verdadeira alergia a gastar dinheiro. Eu

a estava esperando em Marbella, mas ela n��o apareceu. Foi uma

decep����o para seu p a i . . . Sei que ele queria conhec��-la pessoal-

mente. Mas, antes do ver��o, ela andava sempre por aqui. Na prima-

vera passada, o pobre David n��o teve descanso servindo de cava-

lheiro a n��s duas. N��o �� que ela goste de sair muito, mas adora os

espet��culos de bal��. Afora isso, Karla ainda segue os seus velhos

hor��rios do tempo em que fazia cinema. Acorda ��s sete horas, faz

quatro horas de exerc��cios de bal��, d�� longas caminhadas e vai para

a cama ��s dez horas. Mas pode sempre ir jantar com uma amiga ��n-

tima e adora ver televis��o. Na realidade, �� um pouco cansativa de-

pois que se conhece. Al��m disso, tem o h��bito de desaparecer sem

dar satisfa����es. Ainda no m��s de junho, deixou de me procurar de

repente sem qualquer explica����o... ��� Dee baixou um pouco a voz.

��� Tenho a impress��o pessoal de que ela foi fazer uma opera����o

pl��stica no rosto. Estava come��ando a quebrar um pouco e era pre-

ciso fazer alguma coisa para conservar aquela estrutura ��ssea polo-

nesa que se tornou imortal.

January riu.

��� Agora, estou realmente nervosa pensando em David.

74

��� Por que, pelo amor de Deus?

��� Ora, se David s�� saiu com Karla para lhe fazer um favor, sair

comigo ser�� um favor ainda maior.

Dee sorriu.

��� Olhe para o espelho, minha querida. Karla tem mais de cin-

q��enta anos e David tem vinte e oito. Bem, agora �� tempo de ir ver

seu pai. Se o conhe��o bem, est�� neste momento vendo o notici��rio

na televis��o e ainda n��o fez a barba. Por que �� que os homens n��o

gostam de fazer a barba duas vezes por dia? N��s, mulheres, estamos

sempre dispostas a fazer maquilagem. Ah, j�� me ia esquecendo...

Disse a todo o mundo, inclusive a David, que voc�� passou tr��s anos

na escola na Su����a, precisamente no Institut International, que ��

uma excelente universidade.

��� Mas por qu��?

��� Voc�� fala franc��s, n��o fala?

��� Falo, m a s . . .

��� Confie em mim, querida. N��o adianta, absolutamente nada, fa-

lar no acidente. Por que deixar algu��m pensar que voc�� pode ter

tido o c��rebro afetado? H�� gente que fica toda nervosa quando sabe

que outra pessoa esteve num sanat��rio. Queremos que voc�� conhe��a

as pessoas certas e tenha uma vida maravilhosa... de modo que

voc�� n��o deve carregar o peso-morto de uma doen��a da qual est��

completamente curada.

��� Mas uma concuss��o cerebral e algumas fraturas n��o chegam a

ser uma doen��a.

��� Minha filha, qualquer coisa relacionada com o c��rebro afasta

as pessoas. Ainda me lembro de K u r t . . . Estava quase para me casar

com ele quando ele me disse que tinha uma chapa de a��o na cabe��a,

depois de ter sido operado em conseq����ncia de um acidente de

esqui. ��� Estremeceu. ��� Eu n��o podia tolerar a id��ia de tocar a ca-

be��a de um homem em que havia uma chapa de a��o. Havia alguma

coisa de Frankenstein em todo o caso. Al��m do mais, se uma pessoa

tem um peda��o de metal em contato com o c��rebro, �� mais do que

l��gico que deve haver alguma press��o. E a s s i m . . . Por isso, fa��a o

que lhe estou sugerindo, querida. Agora, vamos v e r . . . Pedi a David

que chegasse vinte minutos antes dos outros. Fique em seu quarto

at�� ele chegar. Eu lhe darei o sinal quando estiver na hora de voc��

sair. Deve-se sempre fazer uma entrada em grande estilo. ��� Enca-

minhou-se para a porta e parou. ��� Voc�� vai-se apaixonar por David.

Todas as mulheres se apaixonam. At�� Karla sentiu uma ponta de in-

teresse por ele e Karla n��o �� mulher para se apaixonar por qual-

quer pessoa. Portanto, n��o se deixe abalar pela boa apar��ncia dele.

75

Mostre-se fria e ponha em a����o o seu charme. �� uma coisa que voc��

n��o pode deixar de ter. Seu pai tem at�� demais. ��� Abriu a porta e

tornou a parar, ao ver que January ia sentar-se na cama. ��� N��o! N��o

se sente! Vai amarrotar a saia. Deve-se estar perfeita para fazer

uma boa entrada. Agora, tenho de correr. Ernest est�� esperando

para o toque final em meu cabelo. Fique a q u i . . . at�� chegar a hora

do encontro com David.

76





Q U A T R O


��s seis e meia, David Milford chegou apressadamente ao seu

apartamento para trocar de roupa. Meteu na tomada o seu barbea-

dor el��trico. Meu Deus, como ele odiava Dee! Mas tudo o que a

prima Deirdre queria, conseguia. A aceita����o da autonomia dela se

articulava plenamente com a sua promo����o a uma vice-presid��ncia

de Herbert, Chasin & Arthur. Num mercado em baixa constante,

quando quase todas as firmas de corretores estavam reduzindo as

despesas, ele fora promovido. E o seu futuro na firma estava asse-

gurado, enquanto ele fosse o encarregado dos neg��cios de Dee.

Maldita Dee! E maldito o pai dele por n��o ter fortuna pessoal. N��o,

pensara isso sem querer. Afinal de contas, o velho trabalhava ar-

duamente e fazia perto de 150 mil d��lares por ano. Como, por��m,

a m��e dele insistia em morar num apartamento de dez pe��as na

Quinta Avenida, em manter tr��s empregadas e ainda a casa em

Southampton, certamente n��o sobraria coisa alguma para ele herdar.

Mas, por outro lado, n��o era preciso ningu��m cuidar de fazer for-

tuna porque o dinheiro da prima Deirdre dava para todos de sobra.

O casamento dela com Mike Wayne tinha sido um choque para

todos eles. A m��e sofrera um dos seus grandes per��odos de trauma-

tismo ��� tr��s dias de Librium e de l��grimas. Os outros maridos de

Dee nunca tinham constitu��do uma amea��a. Eram todos do mesmo

tempo, encantadores, inconseq��entes, pesos-leves. Mas Mike Wayne

n��o era um peso-leve. E seu passado mostrava que suas liga����es

rom��nticas tinham sido sempre com mulheres com a metade da ida-

de de Dee. Mas a maior preocupa����o da fam��lia tinha sido a au-

s��ncia do "ritual do testamento". O pai dele se encarregava dessa

parte. Dee tinha um testamento que a fam��lia chamava de "testa-

mento de folha solta". Antes de cada casamento, ela e o futuro

marido compareciam ao escrit��rio de advocacia do pai e Dee ditava

um novo testamento com um generoso legado para o noivo. Este

recebia uma c��pia assinada no dia do casamento. No dia seguinte,

Dee voltava ao escrit��rio sozinha e era redigido um novo testamento,

77

no qual se concedia uma soma irris��ria ao novo marido, se ainda

estivesse casado com ela na ocasi��o em que Dee morresse.

Ela estava casada com Mike havia quase um m��s. E o nome de

Mike n��o tinha entrado no testamento de folha solta. De acordo

com o testamento em vigor, ele, David, seu pai e Cliff (irm��o mais

mo��o de sua m��e e que tamb��m trabalhava no escrit��rio de advo-

cacia) seriam os testamenteiros. S�� por isso, cada um deles recebe-

ria alguns milh��es. O grosso do esp��lio passaria para a Funda����o

Granger, para a qual ele seria nomeado presidente com um sal��rio

anual de 100 mil d��lares.

Sem d��vida, Dee estava ainda bem viva e n��o se podia conside-

rar cinq��enta anos como velhice. Mas as perspectivas de uma idade

avan��ada para Dee n��o eram muito favor��veis. Havia anos que os

jornais dedicavam amplo notici��rio ��s suas constantes doen��as. Pri-

meiro, havia os desmaios que os m��dicos diagnosticavam como re-

sultantes de um murm��rio card��aco org��nico e de uma hipertens��o

cr��nica. Mas Dee se recusava a desistir dos violentos rem��dios que

tomava para emagrecer e se rejubilava com a sua elegante magre-

z a . . . Tinha havido v��rias opera����es, todas elas relacionadas com

dist��rbios femininos. Um forte acesso de gripe quase a matara al-

guns anos antes. (Tinha sido na realidade uma dose exagerada de

barbit��ricos em conseq����ncia de um caso de amor misterioso). E s -

tranho, mas ele nunca havia julgado Dee capaz de sentir qualquer

emo����o desesperada. Mas, por que n��o? Ele tamb��m n��o se julgara

incapaz de sentir qualquer emo����o?

Tirou o barbeador da tomada e passou no rosto um pouco de

lo����o. Talvez fosse melhor olhar as coisas pelo lado mais favor��vel.

No que dizia respeito ao testamento, era bem poss��vel que Mike

n��o estivesse agindo com segundas inten����es e gostasse realmente

de Dee. Talvez n��o ligasse muito a dinheiro. De qualquer maneira,

o que havia dava para todos desde que Mike n��o fosse ambicioso

demais. Mas, por que tinha ele de aparecer com uma filha para

complicar as coisas? Ningu��m sabia sequer da exist��ncia dela at��

uma semana antes, quando Dee tinha telefonado. "David, meu

querido, Mike tem uma filha divina, que dever�� chegar qualquer

dia destes. Voc�� tem de me ajudar e sair um pouco com ela. Ficaria

muito satisfeita se soubesse que uma pessoa que est�� no meu cora-

����o iria tomar conta dela. Eu consideraria isso um grande favor'".

Favor? Era uma ordem!

Mais uma vez, murmurou um nome feio. Como detestava Dee!

Mas a verdade era que naquele tempo ele detestava a tudo e a todos

que pudessem afast��-lo de Karla.

Karla! Parou por um momento e olhou-se ao espelho. N��o pare-

cia poss��vel, mas ele, David Milford, era amante de Karla. Queria

78

gritar o fato ao mundo inteiro, fazer as pessoas pararem na rua

para contar-lhes tudo. Mas sabia que o sil��ncio absoluto era a regra

fundamental no seu relacionamento com Karla.

Karla! Aos quatorze anos, tinha-se masturbado diante da fotogra-

fia dela. Os seus amigos guardavam nos arm��rios fotografias de

D��ris Day, Marilyn Monroe, Ava Gardner e outras estrelas da d��-

cada de 50. Mas, para ele, nunca existira sen��o Karla. Aos dezessete

anos, a primeira mulher que fora para a cama com ele fora uma

debutante de rosto de cavalo cujos cabelos se pareciam com os de

Karla. Nos anos seguintes, sempre achava algu��m que de algum

modo lhe lembrava Karla. Mas, com a maturidade, aceitou cada

mulher pelo seu encanto pr��prio e individual e a imagem de Karla

se refugiou numa esp��cie de sonho m��stico.

E ent��o, oito anos antes, tinha visto uma fotografia de Karla no

iate de Dee. Escrevera imediatamente uma carta apaixonada a Dee

pedindo uma apresenta����o. N��o recebera resposta. Mas nunca dei-

xara de renovar o pedido sempre que via Dee. E ent��o, na ��ltima

primavera, quando j�� havia quase perdido as esperan��as, Dee dis-

sera displicentemente: "Escute, David, Karla est�� na cidade. Voc��

se incomodaria de ir conosco ao b a l �� ? "

Naquela primeira noite, tinha procedido como um verdadeiro

idiota. Passara quase todo o dia no escrit��rio sem poder trabalhar.

Correra para casa e trocara de roupa tr��s vezes antes de decidir

como iria vestido. E depois... a apresenta����o indiferente de Dee,

o firme aperto de m��o de K a r l a . . . Tinha ficado ali parado a olhar

para aquele rosto admir��vel, a escutar aquela voz que conhecia t��o

bem do cinema. Tinha-se movido naquela noite num estado cata-

t��nico, incapaz de compreender que estava realmente sentado ao

lado dela, incapaz de concentrar-se no bal�� no palco, incapaz de

acreditar na maneira displicente pela qual Dee procedia na pre-

sen��a daquela mulher magn��fica. Mas, talvez, quando se tinha o di-

nheiro que Dee tinha, fosse dif��cil ter interesse por alguma coisa.

Para Dee, at�� Karla era outra pessoa "engra��ada", um nome e um

rosto para colocar numa moldura de prata e ir aumentar a galeria

seleta do piano.

No dia seguinte depois do bal��, mandara a Karla tr��s d��zias de

rosas. Constava do cart��o o n��mero do telefone de seu escrit��rio,

mas ele acrescentou o telefone de seu apartamento que n��o cons-

tava da lista. Ela telefonou no momento em que ele estava saindo

do escrit��rio. A voz fria e baixa agradeceu as rosas, mas lhe disse

que nunca mais devia fazer aquilo, pois ela era al��rgica a flores.

J�� tinha mandado a empregada lev��-las. Quando ele come��ou a

gaguejar, ela riu e disse:

79

��� Mas, em compensa����o, vou oferecer-lhe um drinque. Venha ao

meu apartamento hoje ��s cinco horas da tarde.

Tremia como um colegial quando tocou a campainha do aparta-

mento dela.

Ela mesma abriu a porta e recebeu-o com as m��os estendidas.

��� Meu jovem admirador! Entre, entre! E, por favor, n��o fique t��o

nervoso assim, pois eu quero fazer amor com voc��.

Ela o fez entrar no apartamento enquanto falava. David n��o

afastava os olhos do rosto dela. Mas teve consci��ncia de uma vas-

tid��o vazia na sala. Alguns quadros, um aparelho de televis��o, um

grande sof��, uma lareira de lenha qua perecia nunca ter sido usada,

uma escadaria que levava evidentemente ao segundo andar ��� mas,

principalmente, n��o havia no apartamento o menor reflexo da per-

sonalidade de Karla. Era quase como se ela o tivesse tomado por

"empr��stimo". Por um momento, os dois se olharam. Ent��o, ela

abriu cs bra��os e o colegial desapareceu. E, quando os seus corpos

se uniram, David compreendeu de repente a diferen��a entre sexo

e amor. Naquele fim de tarde de primavera, seu ��nico desejo foi

agradar a K a r l a . . . e, quando isso acontecia, o seu prazer parecia

estranhamente maior.

Foi mais tarde, quando estavam deitados juntos, que ela estabe-

leceu as regras.

��� Dee nunca deve saber. Se voc�� quer continuar a me ver, nin-

gu��m deve saber.

Ele concordou. Abra��ou-a e derramou-se em devo����o e promessas.

��� Ser�� tudo como voc�� quiser, Karla. O que tenho por voc�� ��

amor.

Ela teve um suspiro tr��mulo.

��� Tenho cinq��enta e dois anos. Estou muito velha para o a m o r . . .

e velha demais para voc��.

��� Tenho vinte e oito anos. N��o sou exatamente um garoto.

Ela riu.

��� Vinte e oito anos e t��o belo ��� disse ela, acariciando-lhe o rosto.

��� Um homem muito jovem de vinte e oito anos. M a s . . . talvez pos-

samos ser felizes durante algum t e m p o . . . desde que voc�� saiba com-

portar-se.

��� E como quer que eu me comporte?

��� J�� lhe disse. E mais uma coisa: tem de prometer que nunca

tentar�� procurar-me. N��o lhe vou dar meu telefone e voc�� nunca

dever�� vir aqui a n��o ser a convite meu.

��� Como poderei v��-la ent��o?

80

��� Eu lhe telefonarei quando quiser voc��. E n��o deve falar em

amor. N��o se imagine apaixonado por mim, sen��o ser�� muito infeliz.

Ele sorriu.

��� Isso aconteceu h�� muito tempo. Desde que eu tinha quatorze

a n o s . . .

Calou-se de s��bito, sabendo que tinha errado em aludir �� dife-

ren��a de idade. Mas ela tinha sorrido.

��� Voc�� ama a Karla que via no cinema. N��o conhece a verda-

deira Karla.

Ele a abra��ara com uma estranha excita����o ao sentir-lhe os seios

pequenos e sumidos contra o corpo. Gostava de seios, mas, curio-

samente, pouco lhe importava que ela quase n��o os tivesse. O corpo

era forte e firme, um corpo de dan��arina. Tinha lido uma reporta-

gem sobre os estudos de bal�� que ela fizera na Pol��nia e sabia que

fora for��ada a fugir para Londres durante a guerra e come��ara a

trabalhar diretamente no cinema como atriz. Sabia que ela ainda

trabalhava na barra quatro horas por dia. Tinha mudado de est��-

dios v��rias vezes porque os fot��grafos obtinham o seu endere��o e

esperavam para surpreend��-la. Diziam tamb��m que tinha sido l��s-

bica durante os seus primeiros tempos de Hollywood. Todos esses

pensamentos lhe ocorriam enquanto a tinha nos bra��os. Mas tudo

isso fazia parte da lenda, da aur��ola de mist��rio que cercava uma

mulher a quem os fot��grafos ainda perseguiam por toda a parte.

Mas, naquele momento, ela parecia pertencer-lhe completamente.

O ardor e a paix��o dela eram jovens e ela se abra��ava delirante-

mente a ele no ato do amor. Entretanto, quando tudo acabava, o

pano parecia descer e Karla, a misteriosa, reaparecia.

Isso acontecera na primavera passada. Tinham passado juntos

um m��s fant��stico. David vivera durante esse m��s sentindo que

tudo era irreal salvo os seus encontros com Karla. Acordava todos

os dias sem acreditar ao certo que aquele milagre lhe estivesse

acontecendo. Mas havia sempre a frustra����o de n��o poder telefonar,

de mandar buscar um sandu��che para comer na hora do almo��o com

receio de n��o estar presente quando ela telefonasse, de proceder

como um son��mbulo trabalhando ou conversando at�� que finalmente

o telefone tocava.

Houve ent��o um dia em que o telefone n��o tocou. Tentou n��o

ficar alarmado. Talvez ela n��o estivesse passando bem. Talvez es-

tivesse incomodada. Oh, seria que mulheres de cinq��enta e dois

anos ainda ficavam incomodadas?

No dia seguinte, houve as habituais fotografias nos jornais. Karla

a fugir das objetivas no Aeroporto Kennedy. Tinha partido para a

Europa, com destino desconhecido. Tentou descobrir alguma coisa

81

pelas reservas de passagens, mas era evidente que ela dera outro

nome. Um rep��rter mais ativo recolhera de um agente de turismo

a hip��tese de que ela tinha viajado para a Am��rica do Sul. Mas

tudo era pura especula����o. De certo s�� havia o terr��vel fato da au-

s��ncia dela.

Procurara parecer desinteressado ao telefonar para Dee naquela

noite. Falou de a����es, do tempo, dos planos da prima para Mar-

b e l l a . . . Quando conseguiu afinal aludir ao desaparecimento de

Karla, Dee tinha rido.

��� Ora, ela sempre faz isso. Karla n��o quer absolutamente ter

ra��zes. �� por isso que o apartamento dela quase n��o tem mob��lia.

Se tudo fosse muito confort��vel, ela poderia ter a impress��o de que

mora l��.

��� E ela sempre foi assim?

��� Sempre. Conheci Karla na Calif��rnia, no apogeu de sua fama.

Eu estava casada com Emery naquele tempo e o livro de Emery

tinha sido comprado pelo est��dio de Karla. Naturalmente, Emery

estava ansioso por conhec��-la ��� isso acontece ainda hoje a algu-

mas pessoas ��� mas voc�� bem pode imaginar como ela era dif��cil

naquele tempo. Bem, Emery conhecia um diretor que conhecia Kar-

la e um belo dia ��� para Emery naturalmente ��� Karla realmente

apareceu para almo��ar, num domingo. Deve ter sido em 1954. Karla

estava no auge de sua fama e beleza. Devo dizer que ela gerou um

certo magnetismo quando entrou na sala. Era penosamente t �� m i d a . . .

Mas gravitou para mim naquele dia, porque sabia, com uma esp��cie

de instinto animal, que eu era a ��nica pessoa naquela sala que n��o

se deixara impressionar e isso lhe interessou. Fui gentil com ela para

ser agrad��vel a Emery. Ela acabou por convidar-nos para um drin-

que na casa dela na semana seguinte. ��� Dee deu um suspiro. ���

Ninho do Falc��o. �� o que aquilo era. N��o ficava na parte elegante

de Beverly Hills. Era uma casa perdida nas montanhas e cercada

por muros de quatro metros de altura que ela mandara construir.

Quase n��o havia m��veis. Parecia que ela havia acabado de se mudar.

Juro que ainda havia caix��es de embalagem pelos corredores e j��

fazia cinco anos que ela morava l��. N��o sei de ningu��m que tivesse

visto o resto da casa, mas creio que, al��m da sala-de-estar e do

quarto, tudo mais fosse vazio. Ela n��o fez o filme baseado no livro

de Emery. Anos depois, quando eu j�� me havia divorciado de Emery

e Karla abandonara o cinema, n��s duas nos encontramos e ficamos

amigas. Mas �� preciso aceitar Karla como ela ��. Os tr��s esses s��o

a chave da personalidade dela: secreta, sovina e semi-inteligente.

Quem compreende isso compreende Karla.

Dee tinha partido para Marbella e ele procurou tirar Karla do

esp��rito. Tinha voltado aos modelos com quem costumava encontrar-

82

se. Teve um interesse mais pronunciado por Kim Voren, belo mo-

delo holand��s, que o adorava, mas acabou por dizer-lhe que ele

era um amante insatisfat��rio e ego��sta. Isso de certo modo o aba-

lou. Era a primeira queixa que recebia nesse sentido das mulheres.

Com Karla no pensamento, era evidente que alguma coisa lhe es-

tava faltando. Como se isso n��o bastasse, houve a explosiva not��cia

do casamento de Dee, que lan��ou toda a fam��lia em verdadeiro p��-

nico e com um choque o fez voltar �� realidade. Dee era a sua se-

guran��a. Karla desaparecera e ele tinha de voltar �� vida de todos

os dias.

Dedicou toda a aten����o ao seu trabalho. Voltou o seu charme

para Kim e um pouco depois ela se retratou da opini��o que tivera

a respeito dele. E, ao acomodar-se �� sua rotina normal, sentiu-se

quase feliz com a seguran��a de saber o que lhe traria cada dia. Nem

exalta����es desvairadas... nem depress��es angustiosas. N��o tinha

mais de ficar �� espera de que o telefone tocasse.

Mas, oito dias antes, o telefone tinha tocado numa hora em que

ele estava particularmente atarefado. A voz b a i x a . . . o sotaque car-

regado. Ela estava de volta! Dez minutos depois, estava tocando

a campainha do apartamento de Karla. Quando ela lhe abriu a porta,

n��o p��de dissimular o seu espanto. Era como se ela tivesse sa��do

de um dos seus velhos filmes. N��o parecia ter nem trinta anos. O

rosto magn��fico perdera as rugas e a pele estava bem esticada sobre

os malares salientes. Ela riu ao tomar-lhe as m��os e disse:

��� N��o lhe vou dizer que tive um longo per��odo de repouso. Vou

contar-lhe a verdade. Estava j�� cansada de que meu rosto n��o cor-

respondesse �� firmeza de meu corpo. Tomei ent��o uma provid��ncia e

fui procurar um homem maravilhoso que h�� no B r a s i l . . .

Ela n��o havia telefonado para Dee e pediu a ele que guardasse

segredo sobre a sua chegada.

��� N��o estou disposta a tolerar as perguntas de Dee sobre meu

rosto, nem os coment��rios dela com as amigas.

Passou a ser ent��o como se ela nunca tivesse estado ausente.

Viam-se todos os dias. Ele ia ao apartamento dela ��s cinco horas ou

ent��o se encontravam e iam assistir a um espet��culo de bal�� ou a

um filme estrangeiro. Voltavam ent��o ao apartamento dela e se

amavam. Depois, iam para a cozinha e viam televis��o comendo

os bifes que haviam preparado. Karla n��o tinha empregadas. De-

testava pessoas estranhas em torno dela. Uma faxineira vinha em al-

guns dias da semana ��s nove horas e sa��a ao meio-dia.

Karla adorava a televis��o. Tinha um aparelho em cada pe��a do

apartamento. N��o se interessava pelas not��cias, por��m. Tinha ver-

dadeiro horror �� guerra e os filmes de guerra faziam-na tremer. Da-

vid sabia que ela vivera durante a Segunda Guerra Mundial num

83

pa��s ocupado. Negava-se a falar sobre isso e ele nunca fazia press��o

nesse sentido. N��o havia interesse algum em lembrar a Karla que

em 1939, quando a Pol��nia fora ocupada, ele ainda n��o era nascido.

Acabou de vestir-se e olhou para o rel��gio. Seis e quarenta e cinco.

Foi at�� a sala e preparou um martini. Em menos de uma hora, ti-

nha de estar em casa de Dee para conhecer a enteada que ela ga-

nhara. S�� na v��spera, Dee lhe havia aparecido com aquele compro-

misso para jantar. Quando ele falara sobre isso com Karla na noite

passada, ela tinha sorrido e dissera que compreendia. "N��o se abor-

re��a com isso. Vou convidar uma velha amiga para vir comer seu

bife amanh��".

N��o telefonara naquele dia. N��o tinha motivo algum para telefo-

nar. Dissera que fosse �� hora de costume no dia seguinte. Se, ao

menos, pudesse telefonar-lhe naquele momento. Era a parte mais

desagrad��vel de seu relacionamento com ela. Como poderia consi-

derar-se um homem se tinha de ficar como qualquer mocinha apai-

xonada e esperar que ela telefonasse e resolvesse tudo a seu modo?

Sentou-se e tomou o martini. Sentia-se estranhamente vacilante. N��o

sabia ao certo o que era que mais o alarmava ��� se a id��ia de que

n��o ia v��-la naquela noite, se a convic����o de que ela n��o estava

absolutamente preocupada com isso. Foi assaltado por uma esp��cie

de fren��tico desespero, uma sensa����o que nunca experimentara antes

de conhecer Karla. Se, ao menos, pudesse telefonar-lhe e dizer a

falta que ela lhe fazia, talvez pudesse sair cedo e ainda encontrar-se

com ela. Acabou de tomar o drinque. Era horr��vel n��o poder tele-

fonar para ela. Karla tivera at�� o cuidado de tirar o n��mero do disco

de seu telefone. Isso roubava o caso deles de qualquer intimidade.

Que intimidade? Ele fazia amor com ela e ela gostava. S�� da parte

dele �� que havia sentimento. Ela pouco se interessava sentimental-

mente. Mas pouco importava. Ele s�� vivia para estar com ela e na-

quela noite seria privado disso por artes de Dee. A prima n��o fazia

a menor id��ia de como ele se sentia. Como ele odiava Dee!

Ainda estava tremendamente mal-humorado quando tocou a cam-

painha do apartamento de Dee. M��rio, que acumulava as fun����es

de motorista com as de mordomo quando Dee estava em Nova

York, lhe abriu a porta. Mike cumprimentou-o e M��rio tratou de ir

preparar-lhe um martini.

��� Dee est�� fazendo o penteado ��� disse Mike. ��� �� um desses ca-

maradas de cal��as justas que aparece por aqui todas as noites.

A porta se abriu ent��o e Dee entrou na sala. Estendeu o rosto

para Mike, que o beijou devidamente, e flutuou para David dizendo

84

que ele estava com uma apar��ncia maravilhosa e ele, por sua vez,

beijou-lhe o rosto e disse que ela estava um sonho. David sentou-se

ent��o na beira do sof��, conversou inconseq��entemente com Mike

e estranhou que a filha dele ainda n��o tivesse aparecido.

Tinha quase acabado o martini quando ela entrou na sala. Quase

mecanicamente, viu-se apresentado a ela e come��ou a fazer as per-

guntas de costume... Fizera boa viagem? Sentira a rea����o da via-

gem num jato de que todo o mundo falava? E sentia que durante

todo o tempo estava a olh��-la como um idiota. Santo Deus! Ela era

um verdadeiro estouro!

Prometeu lev��-la a Le Club, ao Maxwell's Plum, ao Daly's Dan-

delion ��� a todos os lugares que ela n��o conhecia. Chegou a dizer

que conseguiria entradas para ela ir ver Hair. Acendeu um cigarro

e ficou pensando como iria livrar-se de todos os compromissos que

assumira impulsivamente. Tinha falado de puro nervosismo. E es-

tava mesmo nervoso. Nunca tinha esperado nada que se comparasse

��quilo. Sentou-se e tentou pensar racionalmente. Muito bem, Janua-

ry era uma mo��a excepcionalmente bela. Mas n��o era Karla. Est��

bem, um dia, Karla arrumaria as malas e desapareceria de novo.

Tinha de compreender isso. Karla era apenas uma coisa louca e ma-

ravilhosa que lhe estava acontecendo na vida.

Compreendeu de repente que se estava limitando a olhar para

ela. Tinha de dizer alguma coisa.

��� Sabe jogar gam��o? ��� perguntou ele.

��� N��o, mas gostaria de aprender ��� respondeu January.

��� ��timo! Ser�� para mim um prazer ensinar-lhe.

Acabou o drinque. (��timo! Agora, ia tamb��m ensin��-la a jogar

gam��o!) O melhor seria calar a boca e controlar-se nos martinis.

Decidiu dar �� conversa um tom impessoal e come��ou a falar dos

torneios de gam��o em Las Vegas, Londres e Los Angeles. Dee era

a campe�� da fam��lia. Jogava muito bem. Come��ou a explicar como

se organizavam os torneios, como se faziam as apostas... De re-

pente, parou. Tinha a impress��o de que ela n��o se interessava nem

um pouco pelo gam��o e s�� estava escutando para lhe ser agrad��vel.

Aquilo n��o podia estar acontecendo! Ele era amante de Karla. E

aquela mo��a o estava fazendo tremer nas bases. A culpa era da in-

cr��vel frieza dela, daquele sorriso leve que o fazia falar sem parar

como um verdadeiro idiota.

A campainha tocou e M��rio abriu a porta para dois casais que

tinham chegado juntos. David aceitou, sem querer, outro martini.

Sabia que n��o devia, mas aquela pequena tinha um efeito descon-

certante sobre ele. Observou a displic��ncia com que ela se deixava

ser apresentada. E sempre aquele sorriso f �� c i l . . .

85

Notou tamb��m que o seu ponto focal era constantemente o pai.

Seguia-o com os olhos para onde quer que ele fosse. De vez em

quando, piscavam o olho um para o outro como se houvesse entre

eles uma pilh��ria particular.

Os convidados de Dee estavam fazendo a January desmedidos

elogios. Ela os recebia calmamente e era evidente que n��o estava

impressionada. David pensou ent��o que nem com ele January devia

estar impressionada. Esse desinteresse de uma pequena era quase

uma coisa in��dita em sua vida. J�� acontecera quando a holandesa

fizera restri����es ao seu comportamento na cama. Quem sabe se isso

n��o queria dizer que ele estava permitindo que Karla o devorasse,

despojando-o de toda a sua personalidade? Fez ent��o pelo resto

da noite um esfor��o concentrado para esquecer-se de Karla e s��

pensar em January. Mas, �� medida que o tempo passava, tinha a im-

press��o desagrad��vel de que n��o se estava absolutamente aproxi-

mando dela.

Na realidade, ele estava tendo um efeito extremamente descon-

certante sobre January. Depois do trabalho de propaganda de Dee,

ela se havia preparado para antipatizar de sa��da com ele. Mas de-

parara com aquele rapaz maravilhoso que n��o parecia de modo al-

gum pretensioso. Era muito alto. Em geral, n��o gostava de homens

louros, mas os cabelos de David eram castanho-escuros com algumas

mechas mais claras. A pele era queimada de sol e os olhos eram

castanhos.

Ela simpatizava com ele. De verdade. O sorriso que tanto o in-

trigara tinha sido a melhor aproxima����o de uma m��scara que ela

pudera arranjar. Os m��sculos de seu rosto chegavam a doer para

manter aquele sorriso enquanto observava Mike a desempenhar o

papel de "marido de D e e " . A julgar pela atitude de todos ��� dos

amigos de Dee e at�� dos gar��ons e do ma��tre no restaurante ��� ela

era ainda Deirdre Milford Granger e Mike n��o passava de seu mais

novo marido.

Tinham ido jantar no Raffles, um restaurante com discoteca ao

lado do Pierre. Dee determinou os lugares na grande mesa redonda.

Mike ficou entre duas mulheres: uma tal Rosa Contalba, espanhola

de meia-idade acompanhada por um jovem artista iugoslavo a quem

estava patrocinando; a outra era feia e um pouco puxada para o

avantajado. Assim eram tamb��m os brilhantes que usava. O marido

dela era positivamente enorme. Estava sentado �� esquerda de J a -

nuary e achou que era de seu dever manter conversa. Deu in��cio

ent��o a uma intermin��vel hist��ria a respeito do rancho que tinha em

Montana. A princ��pio, ela procurou mostrar-se interessada, mas

logo compreendeu que ele n��o precisava sen��o de que ela dissesse

de vez em quando: " F o i mesmo?" e "Muito curioso!" As conversas

86

se tran��avam em torno da mesa ��� f��rias de ver��o e planos para o

inverno. Rosa iria at�� a ��frica num safari fotogr��fico. A mulher

grande cheia de brilhantes disse que estava cansada demais da tem-

porada em East Hampton para sequer pensar desde j�� no inverno.

Todos queriam saber quando Dee ia abrir o Pal��cio de Inverno em

Palm Beach.

��� Em novembro. Mas n��o poderei dar toda a aten����o aos convi-

dados. Eles ter��o de compreender que eu n��o posso deixar de com-

parecer a todos os torneios de gam��o. �� claro que estaremos pre-

sentes sempre nos dias de festa. January dever�� aparecer no Dia de

Gra��as e no Natal, mas creio que vai passar o tempo quase todo

em Nova York, trabalhando...

��� N��o, Dee! ��� exclamou o homem enorme. ��� N��o me diga que

esta criaturinha maravilhosa vai trabalhar...

Dee sorriu.

��� Voc�� n��o compreende, Stanford. Hoje em dia, os mo��os que-

rem fazer c o i s a s . . .

��� Oh, n��o! N��o me diga que ela �� um desses tipos que procuram

salvar o mundo e fazem manifesta����es exigindo que se devolvam as

terras aos ��ndios e reclamando igualdade de direitos para os pretos

e as mulheres.

��� E esses man��acos religiosos que pintam a cara e raspam a ca-

be��a? ��� perguntou a mulher dos brilhantes. ��� Vi hoje um grupo

passar pela Quinta Avenida batendo tambores e cantando coisas.

Bem em frente a Doubleday's.

��� S��o iguais aos tipos estranhos que vemos nos campus univer-

sit��rios, nos jornais cinematogr��ficos ��� disse Rosa. ��� E fazem mar-

chas tamb��m de bra��os d a d o s . . . rapazes com m o �� a s . . . rapazes

com rapazes... s�� se pode dizer a diferen��a quando um deles ��

b a r b a d o . . .

��� Ah, isso me faz l e m b r a r . . . ��� disse a mulher dos brilhantes,

inclinando-se sobre a mesa, e todos ficaram sabendo que ela ia falar

mal de algu��m. ��� Press Mathews n��o est�� fazendo esta����o de ��guas,

como disse. Est�� vendo se cura um colapso nervoso completo num

sanat��rio em Connecticut. Parece que a filha dela fugiu com um

rapaz judeu neste ver��o. Os dois compraram um caminh��o em se-

gunda m��o, encheram-no de v��veres e um cachorro vira-lata e sa��ram

pelas estradas. O psiquiatra de Pressy aconselhou-a a fechar os olhos,

dizendo que a menina se livraria de seu complexo de rebeli��o. Mas

n��o �� prov��vel que a pequena Pressy volte para casa. Est�� esperando

um filho do rapaz judeu e diz que s�� se casar�� depois que a crian��a

nascer, pois quer que o filho esteja presente ao casamento. J�� viram

que coisa mais incr��vel? Pressy n��o resistiu... Est��o guardando se-

87

gredo sobre tudo, inclusive sobre o sanat��rio... de modo que isso

deve ficar entre n��s.

Ent��o o homem enorme murmurou:

��� Enfim, n��o se pode desesperar da mocidade. Vejam s�� January.

Todos concordaram em que January era de fato uma beleza, mas,

como Dee salientou, January tinha estudado no estrangeiro. Rosa

quis saber o curso que ela havia feito e Dee disse prontamente:

��� L��nguas. January fala franc��s fluentemente.

Lan��ou-se ent��o numa hist��ria sobre um jardim de inf��ncia onde

se ensinavam l��nguas diretamente ��s crian��as. January viu o pai

aparecer sempre com o seu isqueiro de ouro Dunhill toda vez que

qualquer das mulheres que o ladeavam pegava um cigarro. Chegava

a sorrir e fazer sinais de assentimento a uma hist��ria que o artista

iugoslavo estava contando. Sem d��vida alguma, ele estava pagando

o tributo. Notou a maneira pela qual inclinava a bela cabe��a para

ouvir o que lhe dizia a mulher dos brilhantes. Em dado momento,

lan��ou os olhos para ela e sorriu. Logo depois, voltou ao trabalho

dele. De repente, Januarv ouviu Dee dizer:

��� Tenho certeza de que January vai adorar.

Que era que ela ia adorar? N��o se podia deixar de prestar aten-

����o �� conversa nem por um instante.

Dee estava sorrindo e explicando o conceito do jardim de in-

f��ncia.

��� A id��ia �� de ensinar as crian��as desde cedo. Para que sejam bi-

l��ng��es, compreendem? Por isso �� que Mary Ann Stokes teve tanto

sucesso com La P��tite ��cole. Mary Ann e eu fomos colegas no

Smith. No segundo ano, ela foi atacada de paralisia infantil. Depois,

a fam��lia dela perdeu tudo o que t i n h a . . . Sem dinheiro e com o

bra��o aleijado, a pobre Mary Ann n��o teve mais nenhuma chance de

se casar. Por isso, quando ela resolveu fundar essa escola h�� alguns

anos, eu concordei em financi��-la. Atualmente, a escola quase se

basta a si m e s m a . . .

��� Oh, minha querida Dee, ��� disse a mulher dos brilhantes, ���

voc�� �� modesta d e m a i s . . . Todos esses anos e eu nunca soube que

voc�� �� que tinha ajudado Mary Ann. Mas a escola dela �� genial.

Tenho uma sobrinha que estuda l��.

��� �� claro ��� continuou Dee ��� que no momento em que eu disse

a ela que o franc��s era a segunda l��ngua de January, ela quis logo

contrat��-la. Afinal de contas, faz parte do programa dela ter belas

mo��as de sociedade como professoras. V��o adorar January.

��� Ensinar? Eu? ��� murmurou January, sabendo que sua voz tremia.

David a olhava atentamente e perguntou:

88

��� Quando �� que ela come��a?

��� Bem, ��� disse Dee, ��� como eu disse a Mary Ann, January vai

precisar de quinze dias no m��nimo para p��r o guarda-roupa em

condi����es. Acho que ela s�� dever�� come��ar em outubro. Mary Ann

vir�� tomar ch�� comigo amanh�� e n��s acertaremos tudo.

A m��sica mudou de rock para a comum. January olhou para Mike.

Os seus olhos se encontraram. Ele fez um breve sinal de aquiesc��ncia

e levantou-se. Mas, no mesmo instante, Dee levantou-se tamb��m.

��� Oh, M i k e . . . e eu que estava com medo de que voc�� n��o se

lembrasse. �� a nossa m��sica.

Mike pareceu ligeiramente surpreso, mas conseguiu sorrir. Dee

voltou-se para a mesa e explicou antes de encaminhar-se para o local

das dan��as:

��� "Tr��s Moedas na Fonte". Era o que estavam tocando no pe-

queno restaurante em Marbella onde nos conhecemos.

Todos ficaram a olh��-los. De repente, David levantou-se e bateu

no ombro de January.

��� Eh! Sabe que eu sou seu par?

Levou-a para o local das dan��as. Havia tanta gente que era quase

imposs��vel dan��ar. Moveram-se entre os outros pares. David murmu-

rou com o corpo colado ao dela:

��� Daqui a pouco, isso estar�� terminado e n��s iremos para outro

lugar.

��� N��o sei se posso ��� disse ela, olhando para o pai que murmu-

rava alguma coisa ao ouvido de Dee.

��� Ser�� melhor poder ��� disse ele calmamente.

Levou-a de volta �� mesa quando a m��sica acabou. Houve caf��

expresso, drinques ap��s o jantar, mais conversa e, em dado momen-

to, a noite chegou ao fim e todos se levantaram e despediram, di-

zendo a Dee que tudo tinha sido maravilhoso.

��� Vou levar January para dar uma volta ��� disse David.

Agradeceu em seguida a noite a Dee e a Mike e, antes que J a -

nuary pudesse fazer qualquer obje����o, os dois estavam num t��xi

a caminho de Le Club.

O local estava repleto e a m��sica era muito alta. David conhecia

quase todo o mundo que estava l��. V��rios casais conhecidos dele

estavam de p�� diante do bar. David sugeriu que fossem ficar com

eles.

��� N��o vamos demorar muito. Por isso, n��o precisamos de uma

mesa.

Houve apresenta����es e ela dan��ou com alguns amigos dele. As

correntes de Dee pesavam como uma ��ncora, mas parecia que to-

89

das as mo��as presentes as usavam. Algumas usavam at�� o duplo das

dela, mas n��o pareciam ter com isso qualquer dificuldade de movi-

mentos. Os cabelos compridos esvoa��avam enquanto elas dan��avam

e os colares tilintavam ao compasso da m��sica. Ela estava no meio

de uma dan��a com um rapaz de jeito efeminado que dan��ava muito

colado com ela e insistia em marcar um encontro para a noite se-

guinte. Ela procurava ser polidamente evasiva quando David os

separou.

��� Tinha de salv��-la de Ned ��� disse ele. ��� Ele �� de fato uma bi-

cha, mas procura marcar encontro com todas as mulheres para pro-

var que n��o ��.

A m��sica mudou miraculosamente e come��aram a tocar algumas

can����es de Bacharach-David. Dan��aram mais juntos. E l e a sentiu

sem d��vida relaxar porque murmurou:

��� Tamb��m gosto desse tipo de m��sica. Tenho em casa quase

todos os discos.

Ela respondeu com um gesto de assentimento e sentiu a m��o dele

acariciar-lhe a nuca.

��� Gostaria de dormir com voc�� ��� disse ele.

Continuaram a dan��ar. January quase n��o podia compreender o

tom calmo com que ele havia dito isso. Nada de ardentes solicita-

����es como Franco. Nada de promessas. Apenas uma afirma����o. Uma

mo��a n��o se devia sentir insultada quando um homem dizia isso

logo no primeiro encontro? Era o que todas diziam na escola de Miss

Haddon. Mas aquilo n��o era a escola de Miss Haddon. Era Le Club

e David era um homem sofisticado e procurado pelas mulheres.

Al��m disso, a maneira pela qual ele falara fazia das palavras dele

n��o um convite, mas quase um elogio. Chegou �� conclus��o de que

o melhor era n��o dar qualquer esp��cie de resposta.

Quando ele a levou de novo para o bar, entrou logo na conversa-

����o geral e tudo pareceu impessoal e casual. Os rapazes falavam

sobre o pr��ximo campeonato de basebol. As mo��as discutiam as f��-

rias de ver��o, o que estava acontecendo na temporada e quanto

iriam gastar em mandar encompridar os casacos de peles, pois

Women's Wear estava afirmando que os dias da minissaia estavam

positivamente contados...

January sorria e procurava parecer interessada, mas se sentia tre-

mendamente cansada. Ficou satisfeita quando David acabou o seu

drinque e sugeriu que sa��ssem. Logo que embarcaram no t��xi, ela

manteve um fogo cerrado de conversa sobre o clube, sobre os amigos

dele, sobre a m��sica que n��o precisava ser t��o a l t a . . . S�� parou

quando viu a porta do Pierre. David disse ao chofer que n��o desli-

gasse o rel��gio e levou-a at�� a porta.

90

��� Foi uma noite maravilhosa ��� disse ela.

��� A primeira de muitas ��� respondeu David.

Em seguida, inesperadamente, passou o bra��o pelos ombros dela

e deu-lhe um demorado beijo. Ela sentiu que ele lhe separava os

l��bios com a ponta da l��ngua. Sabia que o porteiro estava discreta-

mente olhando para o outro lado. E ficou at��nita de sentir a mesma

repulsa que sempre sentira quando um homem tentava beij��-la.

Ao se afastar, ele sorriu e disse:

��� Tenho certeza de que nos iremos dar muito bem.

Virou-se ent��o e voltou para o t��xi.

Mike e Dee estavam curvados sobre o tabuleiro de gam��o quando

ela entrou.

��� Ganhei! ��� exclamou ele. ��� Pela primeira vez, Dee perdeu para

mim!

��� Ora essa! Voc�� quebrou todas as regras! ��� replicou Dee. ���

Nunca vi ningu��m ter tanta sorte com os dados!

��� Durante toda a minha vida, nunca fiz outra coisa sen��o quebrai

regras ��� disse Mike, rindo.

Dee voltou a aten����o para January.

��� N��o achou David genial?

Mike levantou-se.

��� Enquanto voc��s duas comentam a noite, vou pegar uma cer-

veja. Querem alguma coisa? Uma coca, January?

��� N��o, muito obrigada ��� disse ela, come��ando a tirar as j��ias

de Dee.

No momento em que Mike saiu da sala, Dee disse:

��� Eu n��o tinha raz��o a respeito de David? Ele �� uma beleza,

n��o ��? Quando �� que voc��s v��o-se ver de novo?

January percebeu de repente que David n��o marcara de fato

novo encontro. Entregou os brincos a Dee e come��ou a tirar as cor-

rentes.

��� Quero agradecer-lhe as j �� i a s . . .

��� Depois. Fale-me sobre David. Aonde �� que foram?

��� Le Club.

��� Ah, �� um lugar interessante. De que foi que voc��s dois falaram?

January riu.

��� Ningu��m fala em Le Club, Dee. A n��o ser por m��mica. Dan-

��amos e eu fiquei conhecendo uma por����o de amigos dele.

��� ��timo! David s�� conhece gente bem e . . .

91

��� Dee, tenho de conversar com voc�� sobre as crian��as.

Mike voltou �� sala nesse momento e perguntou:

��� Que crian��as?

Dee voltou para o tabuleiro de gam��o.

��� Oh, �� um projeto meu e de January. Arrume as pedras, Mike.

Vou dar-lhe uma surra antes de irmos dormir para voc�� se conven-

cer de que n��o entende nada deste jogo. V�� dormir, January. Temos

muito que conversar amanh��.

Ela jogou um beijo para o pai e entrou no quarto. Por um mo-

mento, ficou a olhar para a porta fechada. Mike Wayne jogando

g a m �� o . . . Pensou em D a v i d . . . Talvez ele s�� tivesse dito que gos-

taria de dormir com ela para fazer-lhe um elogio. E ela havia en-

tendido as palavras literalmente. Afinal de contas, ele n��o tentara

agarr��-la e n��o tinha havido nada de equ��voco no procedimento

dele.

Apesar de tudo, n��o era direito!

Ou era?

As coisas tinham mudado desde o tempo em que ela estudava na

escola de Miss Haddon. Mike tinha mudado, o mundo inteiro tinha

mudado. Talvez estivesse na hora de que ela mudasse tamb��m.

E David era t��o gentil! E t��o bonito! Talvez ela o tivesse repelido.

Talvez ele tivesse sentido o recuo instintivo do corpo dela quando

ele dissera aquilo. Mas, depois disso, ele lhe havia dado um beijo

de despedida. �� verdade que ela n��o correspondera ao beijo com

muito calor. Mas talvez ele n��o tivesse notado isso.

Ou notara?

N��o marcara outro encontro. Podia ser que tivesse apenas esque-

cido. Ela mesma n��o conscientizar�� o fato sen��o depois de Dee ha-

ver falado.

O telefone tocou. Correu para atender t��o pressurosamente que

quase derrubou o abajur.

��� Ol��, menina! ��� Era a voz de Mike, bem baixa.

��� Ol��, Papai.

��� Dee est�� no banheiro. Calculo que temos uma por����o de coisas

para conversar. Vamo-nos encontrar na sala-de-estar para tomar

caf�� amanh�� ��s nove horas?

��� Est�� bem.

��� E n��o fique t��o deprimida. Eu lhe prometo que voc�� n��o vai

ensinar crian��a alguma.

��� Oh! ��� exclamou ela e riu brevemente.

��� N��o se esque��a. Eu estou sempre aqui para resolver tudo. Certo?

92

��� Certo.

��� Boa noite, menina.

��� Boa noite, Papai.

Na manh�� seguinte, quando ela chegou �� sala-de-estar, Mike es-

tava sentado no sof��, tomando caf�� e lendo o Times. Sem dizer uma

palavra, ele serviu uma x��cara e passou-a ��s m��os dela.

��� Sadie arruma isso antes de ir para a cama. Dee em geral dorme

at�� o meio-dia, de modo que n��o h�� muito movimento de breakfast

por aqui.

��� E voc�� sempre se levanta t��o cedo assim?

��� S�� depois que voc�� chegou.

Ela se sentou e tomou um gole de caf��.

��� Temos de conversar, Mike.

��� Que �� que voc�� acha que eu estou fazendo aqui?

��� M i k e . . . e u . . .

��� Voc�� n��o quer ensinar na Petite ��cole.

��� Como �� que sabe?

��� Era f��cil de ver. E j�� resolvi tudo com Dee ontem �� noite mes-

mo. A Petite ��cole est�� riscada. Qual �� o assunto seguinte?

��� N��o posso morar aqui.

��� Quer-me dizer por qu��?

Ela se levantou e foi at�� a janela.

��� Sabe que posso ver meu morro daqui? H�� um cachorro l�� agora.

Ele foi para junto dela.

��� Mas por que voc�� n��o pode morar aqui?

��� Talvez seja porque n��o posso dividir voc�� com ningu��m...

��� Deixe disso. Voc�� sabe muito bem que n��o me vai dividir com

ningu��m. O que temos em comum �� exclusivamente nosso.

��� N��o, Papai. N��o vai dar certo. N��o posso v e r . . . Bem n��o

falemos mais nisso.

��� Que �� que voc�� n��o pode ver?

��� B e m . . . n��o posso ver voc�� jogando gam��o!

Por um momento, nenhum deles falou. Por fim, Mike for��ou um

sorriso e tomou as m��os dela.

��� Ora, o jogo n��o �� t��o ruim a s s i m . . . Agora, escute, January.

Ela mandou arrumar aquele quarto para voc��. Mudou o papel das

paredes, colocou cabides novos especiais no arm��rio e tudo mais.

Ser�� para ela uma m��goa muito grande se voc�� nem sequer tentar

93

morar aqui. Escute, devemos ir para Palm Beach no come��o de no-

vembro. Daqui a seis semanas, voc�� vai ficar sozinha aqui. Tenha

um pouco de paci��ncia. Se, depois disso, ainda quiser sair daqui,

est�� bem. Mas, ao menos, fa��a um esfor��o. Ent��o?

��� Est�� bem, Mike.

Ele foi servir-se de outra x��cara de caf��.

��� Que foi que achou de David?

��� B e m . . . eu o a c h e i . . . um bocado convencional. ��� Notou o

ar de surpresa dele e acrescentou: ��� Voc�� queria que eu gostasse

dele, n��o queria?

��� Claro. Nisso eu sou como todos os pais. Sei que um dia voc��

vai gostar de algu��m e quero mesmo que isso a c o n t e �� a . . . Isso n��o

me impede de abominar essa id��ia. ��� Riu. ��� N��o ligue ao que eu

estou dizendo. Nunca raciocinei muito bem de manh��. Agora, qual

�� o seu programa para hoje? Quer almo��ar comigo?

��� Gostaria muito de almo��ar com v o c �� . . . mas hoje n��o. Tenho

de comprar algumas roupas. David me disse que o melhor lugar

para isso �� a Terceira Avenida. �� para l�� que eu vou. E tenho um

encontro marcado ��s tr��s horas com Linda Biggs.

��� Quem �� Linda Riggs?

��� A mo��a da escola de Miss Haddon, que todas n��s pens��vamos

que ia ser uma grande atriz. Isto ��, todos pensavam, menos voc��.

Ela �� agora redatora-chefe de uma revista chamada Gloss.

��� Est�� certo. Isso preenche seu dia. Hoje �� noite, Dee vai receber

algumas pessoas para o coquetel ��s sete horas. Depois, iremos todos

para o 2 1 . Quer ir conosco ou j�� tem alguma coisa combinada com

David?

Ela riu.

��� Ontem �� noite, fomos a Le Club. Estava l o t a d o . . . Era im-

poss��vel conversar. E por isso m e s m o . . . nos esquecemos de marcar

um encontro. Engra��ado, n��o ��?

Mike acendeu um cigarro.

��� N��o. S��o coisas que acontecem... Agora, escute, January. N��o

se deixe dominar muito por ele. Proceda com muita calma em tudo

isso, est�� bem?

��� Voc�� queria que eu gostasse de David, Mike. Mas alguma coisa

o est�� preocupando. Que ��?

��� Bem, posso ver agora que voc�� est�� numa posi����o muito vul-

ner��vel. Voc�� v o l t a . . . Nova York est�� uma cidade muito estranha

e eu estou casado com uma nova m u l h e r . . . Voc�� volta e �� um alvo

f��cil para o primeiro rapaz simp��tico que aparecer. N��o me desagra-

94

da a id��ia de voc�� gostar dele, mas acontece que h�� muitas mulhe-

res bonitas nesta cidade e ele �� um camarada de muito boa presen��a.

��� E da��?

��� Da��, pode ser que ele n��o se tenha esquecido de marcar um en-

contro. Talvez esteja com a lota����o esgotada no momento.

��� Sabe de alguma coisa, Mike?

��� N��o sei de nada. Mas, na semana passada, vi-o "sair com Karla

de um cinema de arte. Confesso que fiquei impressionado porque

eu mesmo tinha muita vontade de conhec��-la, mas n��o dei maior

import��ncia ao caso. Mas, dois dias depois, vi David na Rua 57, ��

porta do Carnegie Hall. Sabia por Dee que Karla tem uma sala

alugada ali. De fato, ela desceu, dentro em pouco e os dois sa��ram

juntos. Ele n��o me viu e eu nada disse a Dee.

��� Est�� procurando dizer-me que ele tem um caso com Karla?

��� Estou procurando dizer-lhe que h�� tamb��m um belo modelo

holand��s que se chama Kim Voren. Est�� na capa do Vogue deste m��s.

Talvez eu lhe tenha dado a id��ia de que lhe estava servindo David

numa bandeja de prata. Dee gostaria tamb��m de que fosse assim.

Mas David age por conta pr��pria e eu n��o quero que voc�� fique

magoada. Gostaria de p��r o mundo a seus p��s. Pensei .muito esta

noite, talvez porque a tenha visto pela primeira vez como uma bela

mo��a em companhia de um rapaz. Uma mo��a bela e vulner��vel. E

eu n��o quero que voc�� fique ansiosamente �� espera de que aquele

camarada telefone.

��� N��o �� essa a minha inten����o. Quero trabalhar.

��� Que �� que pretende fazer?

��� At�� agora, sempre tive a id��ia de fazer teatro por sua causa.

De qualquer maneira, sinto que isso est�� no meu sangue e sei que

sou capaz de representar. Mas n��o tenho experi��ncia e sei que as

oportunidades atualmente n��o s��o muitas. Mas podia come��ar fora

da Broadway e sem representar, em algum lugar de auxiliar ou de

assistente. Dee tem raz��o num ponto. Quero fazer alguma coisa.

��� Bem, quase todos os produtores e diretores que eu conhe��o

est��o na Calif��rnia. O pessoal fora da Broadway �� uma ra��a intei-

ramente nova. Ah! J�� sei o que �� que eu vou fazer. Sammy Tebet,

da Ag��ncia Johnson Harris, �� muito meu amigo e me deve muitos

favores. Poder�� encaminh��-la. Vou telefonar para l�� dentro de uma

hora.

��� ��timo! Talvez eu possa ir falar com ele amanh��. Hoje, vou

sair e comprar Nova York. Como voc�� me recomendou ontem.

��� �� verdade. E hoje parece mesmo disposta a isso.

��� Isso mostra a diferen��a que faz uma boa noite de sono.

95





C I N C O


A Terceira Avenida foi todo um mundo novo. Ela foi deixar as

caixas no Pierre, cheias de cal��as, saias longas, camisas, ternos ���

tudo isso em quantidade suficiente para encher os cabides novos que

Dee mandara colocar no arm��rio do quarto. O seu guarda-roupa

tinha passado a ser t��o variado e atualizado quanto o de qualquer

outra mo��a em Nova York.

Gloss era uma f��brica de modas e de atividade fren��tica. A re-

cepcionista anunciou January e indicou-lhe o caminho atrav��s de

extenso corredor. Havia grupos reunidos em torno de layouts. Ho-

mens mo��os passavam com pastas cheias de ilustra����es. Mo��as cor-

riam de um lado para outro com desenhos. Uma profus��o de luzes

iluminava os escrit��rios sem janelas. Tudo tinha um ar muito atual,

desde as mo��as magras de cabelos compridos e ��culos escuros aos

homens de barba bem aparada. January se sentiu feliz de estar

usando um de seus novos conjuntos.

Parou no fim do corredor diante de uma grande porta branca la-

queada, na qual se via em grandes letras de madeira o nome de

Linda Riggs. A secret��ria, sentada na saleta de entrada, levou J a -

nuary para um magn��fico escrit��rio no canto do edif��cio com janelas

que se abriam do ch��o ao teto. Uma mulher bela e jovem estava

sentada �� grande mesa, com o telefone equilibrado entre o ombro

e o queixo, tomando notas num bloco ao mesmo tempo que escutava.

O secret��rio era pitorescamente moderno. Paredes brancas, tape-

tes alaranjados sob um soalho preto, quadros que pareciam testes

de Rorschach coloridos, poltronas de couro branco, um sof�� de ve-

ludo preto, mesas de vidro e n��meros de Gloss por toda parte. Ape-

sar da decora����o, a sala dava a impress��o de ser um lugar muito

usado e onde se trabalhava muito.

January sentou-se e ficou esperando que a mulher acabasse de

falar ao telefone. Era dif��cil imaginar a Linda dos cabelos crespos e

da cara esquisita naquele cen��rio sofisticado. A mulher do telefone

96

sorriu para ela e fez sinal de que estava tentando abreviar a con-

versa. January retribuiu com um sorriso compreensivo e olhou para

os originais empilhados num peitoril de janela. Numa mesa, havia

muitos exemplares do Ladies' Home Journal, do Cosmopolitan, do

Vogue e de outras revistas concorrentes.

A mulher desligou o telefone.

��� Desculpe. Pensei que a pessoa n��o ia acabar mais. ��� Olhou en-

t��o para January e sorriu. ��� Mas voc�� �� mesmo uma beleza. N��o

�� de admirar... tendo um pai como Mike Wayne.

January sorriu polidamente sem fazer a menor id��ia de onde po-

deria estar Linda. A mulher bem vestida e bela olhava para ela como

se fosse alguma esp��cie de animal raro. January levantou-se e disse:

��� Tenho hora marcada com a Srta. Riggs ��s tr��s e . . .

A mulher riu.

��� Quem voc�� pensa que eu sou, January?

January pareceu aturdida. Mas a outra riu apenas.

��� E s q u e c i . . . Quanto tempo faz que n��o nos vemos?

��� Mais ou menos dez anos ��� murmurou January.

��� Pois ��, minha querida! Pensou que eu ia ficar com aquela cara

pelo resto da vida? Tirei o aparelho dos dentes, fiz mais algumas

corre����es, fiz cirurgia pl��stica no nariz ��� foi o meu presente de for-

matura ��� e perdi mais de dez quilos de p e s o . . .

��� �� incr��vel! ��� exclamou January. ��� Voc�� est�� muito bonita!

Quer d i z e r . . . voc�� sempre teve tanta personalidade de que todos

a julgavam bonita, m a s . . .

��� Bem, eu tinha cabelos crespos antes que fosse moda ter cabelos

crespos. Agora que passei por tudo isso, a regra �� ser feia. Juro que

��s vezes me arrependo de n��o ter deixado meu nariz como era. Por

falar nisso, Keith nada sabe da opera����o no nariz, do aparelho nos

dentes, nem de nada disso. ��� Apertou um bot��o e a voz da recep-

cionista se fez ouvir na caixa em cima da mesa. ��� Norma, quando

Keith Winters chegar, mande-o falar comigo. ��� Voltou-se ent��o para

January. ��� Seria bom que voc�� estivesse usando alguma coisa com

mais cor. Gosto muito dessas cal��as e o casaquinho �� divino... mas

�� tudo muito bege e Keith vem a�� com toneladas de filme colorido.

��� N��o vim aqui para ser fotografada, Linda. Vim ver voc��. Que-

ro saber de tudo sobre voc�� e a revista. Acho tudo verdadeiramente

fabuloso.

Linda se levantou da cadeira da mesa e foi sentar-se no sof��. E s -

tendeu a m��o para um ma��o de cigarros dentro de um vaso de vidro

e disse:

��� Pode servir-se. Temos todas as m a r c a s . . . menos maconha.

97

��� N��o fumo.

��� Era o que eu tamb��m gostaria de f a z e r . . . Como �� que voc��

consegue ser t��o magra sem fumar? ��s vezes, fico preocupada com

a amea��a de c��ncer, mas h�� quem diga que at�� �� menopausa as mu-

lheres t��m algum ingrediente secreto que as protege. Por falar em

menopausa, diga-me alguma coisa sobre Deirdre Milford Granger.

��� Ela �� agora a Sra. Michael Wayne.

��� �� claro ��� disse Linda, sorrindo. ��� Eu gostaria de ter uma re-

portagem sobre ela e seu pai. Nosso p��blico �� moderadamente bem,

mas n��o h�� quem n��o goste de saber coisas sobre os que s��o real-

mente podres de ricos. J�� tentamos in��meras vezes, mas ela sempre

se esquivou. �� por isso que estou a fim de fazer uma reportagem

completa sobre voc��. Ser�� uma coisa de grande interesse para os

nossos leitores. Estou admirada de que nem Helen Gurley Brown,

nem Lenore Hershey a tenham procurado ainda. �� verdade que isso

�� assunto mais para o Cosmopolitan do que para o Ladies' Home

Journal. Juro que essa Helen Gurley Brown ainda me far�� voltar

ao psicanalista.

��� Por qu��?

��� Ela faz um sucesso louco. E tudo come��ou quando ela escre-

veu sobre uma mo��a solteira que conseguiu um marido divino. E

o mais curioso de tudo �� que ningu��m pensa mais em se c a s a r . . .

exceto as pessoas mais velhas. De qualquer maneira, esse �� que vai

ser meu ��ngulo. Os assuntos n��o caem do c��u, de m��o beijada. ��

preciso procur��-los... e ser a primeira pessoa a encontr��-los. �� por

isso que eu fico aqui neste escrit��rio de oito horas da manh�� ��s oito

da noite. N��o �� f��cil, mas �� o ��nico jeito. Quero fazer Gloss maior

que o Cosmopolitan, a maior de todas as revistas um dia.

��� Voc�� n��o acredita em casamento? ��� perguntou January.

��� Claro que n��o! Vivo com Keith e somos divinamente felizes.

Vivemos para o dia de hoje. Porque nada �� permanente... nem

mesmo a vida.

��� E l e �� o fot��grafo?

Linda sorriu.

��� Na realidade, Keith �� um ator. A fotografia �� apenas uma pro-

fiss��o de emerg��ncia para ele. Dou-lhe todo o servi��o que posso e

ele �� muito bom, embora sem ser excepcional. Poderia ser se quises-

se, mas a esperan��a secreta dele �� vir a ser Marlon Brando da d��-

cada de 70. �� verdadeiramente maravilhoso. Vi-o fazer Um Bonde

Chamado Desejo numa representa����o de amadores. Mas acontece

que n��o h�� empregos e ele nunca teve sequer a promessa de uma

oportunidade na Broadway.

98

��� Sempre achei que voc�� seria uma grande estrela ��� disse J a -

nuary. ��� Era o que todas n��s esper��vamos na escola de Miss Haddon.

��� Eu tentei, sabe, January? Mas, mesmo depois da opera����o no

nariz, nada aconteceu. Foi horr��vel... Havia muitas que trabalha-

vam �� noite como gar��onetes para poderem estudar e procurar em-

prego no teatro durante o dia. Eu mesma fui uma delas. Cheguei

a trabalhar como gar��onete num caf��. Um belo dia, conheci uma

mulher que estava querendo trabalhar no caf�� e era tamb��m uma

atriz, s�� que j�� passava dos trinta anos. Foi a�� que eu desisti... e

vim trabalhar em Gloss. A revista estava ��s portas da fal��ncia e eu

tinha uma por����o de id��ias que poderiam salv��-la. Mas ningu��m

quis ouvir-me. Passei cerca de dois anos num trabalho insignificante.

Ent��o, algu��m no departamento de publicidade me disse que John

Hamer ia fechar Gloss. John Hamer era um dos diretores da em-

presa que possu��a Gloss e v��rias outras publica����es. O resto do pes-

soal j�� estava procurando outros empregos. Diante disso, fui im-

pulsivamente procurar John Hamer e lhe expus as minhas id��ias.

Disse-lhe que poder��amos competir com Vogue em mat��ria de mo-

das, encaminhando a mat��ria para agradar ��s jovens, ��s mulheres

que trabalham ou ��s donas-de-casa. Poder��amos procurar an��ncios

de soutiens novos e comprar contos que n��o tivessem todos um final

feliz. Ter��amos de fazer artigos sobre casamentos que n��o pudessem

ser salvos por um pastor ou um conselheiro conjugal e contos sobre

a "outra mulher" que sofria enquanto a mulher leg��tima, que pouco

se incomodava, se divertia nas festas. Ele se arriscou e me fez en-

carregada de assuntos especiais. Um ano depois, t��nhamos dobrado

a nossa circula����o. No fim desse ano, passei a ser redatora-chefe

e diretora executiva da revista. Fomos os primeiros a publicar fo-

tografias de uma praia na Riviera quando surgiram os topless. Pu-

bliquei tamb��m artigos pr�� e contra os filhos naturais, pr�� e contra

a maternidade... Temos tido muito sucesso e a circula����o continua

a subir de n��mero para n��mero. Mas eu quero passar Cosmopolitan

e Ladies' Home Journal. Tenho de continuar a publicar assuntos

palpitantes. E, se eu n��o posso conseguir Deirdre Milford Granger

Wayne, quero ent��o January Wayne. Quero publicar em nosso n��-

mero de janeiro uma reportagem fotogr��fica a seu respeito com o

t��tulo: "January (Janeiro) n��o �� um m��s. �� uma mo��a que tem

tudo".

��� Linda, n��o quero uma reportagem a meu respeito.

��� Por que foi ent��o que veio falar comigo?

��� P o r q u e . . . b e m . . . eu tinha esperado que pud��ssemos ser ami-

gas. N��o conhe��o ningu��m em Nova York.

��� A princesinha solit��ria? Ora, est�� nas m��os de sua madrasta

dar um jeito nisso. Ou, pelo menos, estava at�� que ela se casasse

99

com seu pai. Ele deve ser um homem formid��vel. Sabe que eu sem-

pre tive uma fraqueza por ele?

January levantou-se, mas Linda segurou-lhe o bra��o.

��� Que �� isso, January? Que rea����o �� essa? Sei que voc�� se sente

sozinha... Est�� bem, quem �� que n��o se sente? A ��nica maneira

de se livrar da solid��o �� levar para a cama um homem que n��o lhe

seja indiferente... e acordar no dia seguinte sentindo-o ainda nos

bra��os. �� o que Keith me d�� e �� por isso que eu quero que ele fa��a

essa reportagem. Se ele tiver uma boa remunera����o por ela e, prin-

cipalmente, sucesso profissional com as suas fotografias, poder�� de-

sistir de vez de fazer teatro.

A intensidade dos sentimentos de Linda transfigurou-a por com-

pleto e January viu de novo subitamente a Linda da escola de Miss

Haddon, a Linda rouca, a Linda de Annie Get Your Gun.

Ficaram ambas em sil��ncio e, por fim, January perguntou:

��� Se voc�� se interessa tanto por Keith, por que n��o se casa com

ele?

��� Porque, como j�� lhe disse, n��o acreditamos nisso ��� disse Linda

Riggs, voltando a ser a diretora de Gloss. ��� �� meu companheiro e

vivemos bem a s s i m . . .

As duas se voltaram quando a porta se abriu e Keith Winters

entrou na sala. January reconheceu-o no mesmo instante como o fo-

t��grafo a quem vira no hall do Pierre. Tinha cabelos compridos e

crespos, casquete, um casaco de excedentes do Ex��rcito, camisa de

meia, macac��o e sand��lias.

��� Sinto muito, Keith ��� disse Linda. ��� N��o vai ter trabalho. A

mo��a n��o quer.

O fot��grafo encolheu os ombros. Tirou a m��quina que levava pas-

sada pelo ombro por uma correia. Tinha outra pendente do pesco��o.

January come��ou a sentir-se levemente culpada.

Keith apanhou no vaso um ma��o de cigarros. Voltou-se ent��o para

Linda e disse:

��� Escute, �� melhor n��o contar comigo para o jantar esta noite.

��� Mas hoje �� dia de Evie e eu disse a ela que fizesse um p��o

recheado de carne, como voc�� gosta.

Ele sacudiu a cabe��a.

��� Tenho hora marcada com Milos Doklov. Preciso de estar no

centro da cidade ��s cinco e meia.

��� Quem �� ele? ��� perguntou Linda.

��� �� um dos melhores diretores de fora da Broadway. Foi desig-

nado duas vezes para um Obie. ��� Olhou para January e explicou:

��� �� o Tony, o pr��mio de teatro de fora da Broadway.

100

��� Oh, eu n��o sabia!

��� N��o se entriste��a com isso. Linda tamb��m n��o sabia.

��� Escute, Keith, n��o tenho nada contra o teatro de fora da

Broadway.

��� E n��o pode ter porque nunca viu pe��a alguma por l��.

��� Mas irei ver essa pe��a em que voc�� vai trabalhar.

��� N��o tenha tanta certeza assim, porque a pe��a deve ser levada

para ainda mais longe da Broadway. Mas, se �� boa para Milos, ��

boa demais para mim.

��� Mas isso �� maravilhoso! ��� disse Linda, com um entusiasmo

for��ado. ��� Qual vai ser seu papel? Quando vai ser a estr��ia da pe��a?

��� A pe��a j�� estreou e est�� fazendo sucesso pelos padr��es de um

circuito t��o longe da Broadway. O ator principal vai fazer outra

p e �� a . . . e eu vou substitu��-lo.

��� B e m . . . �� maravilhoso. Vou guardar o jantar na geladeira e es-

perar por voc��. Teremos pat�� e vinho para comemorar.

��� N��o gosto de pat��. ��� Olhou para January. ��� Sinto muito a sua

decis��o. Eu gostaria de comer esse p��o recheado e Linda precisa

de uma boa reportagem. Passa as noites sem dormir quando a cir-

cula����o fica parada.

January sentiu que havia uma corrente subterr��nea de hostilidade

entre os dois. O sorriso de Linda era for��ado e as m��os dela estavam

tr��mulas quando procurou acender um cigarro. De repente, January

sentiu que Linda precisava desesperadamente daquela reportagem

��� e n��o s�� pelo bem da revista.

��� Linda, quem sabe se eu telefonasse para meu pai e pergun-

tasse a e l e . . .

��� Perguntasse a ele o qu��?

��� Sobre a reportagem... Sobre o que voc�� pensou em fazer co-

migo . . .

��� Ah, January! Fa��a isso! Telefone para ele agora. Fale por aque-

le telefone em minha mesa.

January se lembrou de que n��o sabia o telefone do escrit��rio do

pai. Mas Sadie talvez soubesse. Ligou para o Pierre. Sadie sabia o

n��mero e disse a ela que lhe haviam mandado duas d��zias de ro-

sas. January esperou enquanto Sadie procurava o cart��o.

��� �� do Sr. Milford. Est�� num cart��o comercial dele e diz o se-

guinte: "Muito obrigado por uma bela noite. Telefonarei dentro

de alguns dias. D"

Ela agradeceu a Sadie e telefonou para o escrit��rio do pai. A se-

cret��ria dele lhe disse que tentasse o Friars Club. Pensou nas flores

enquanto esperava que fossem chamar Mike no Friars Club. " T e -

101

lefonarei dentro de alguns dias". Ora, como dizia Mike, ele n��o

tinha vivido parado �� espera da chegada dela. Com toda a certeza,

tinha j�� uma por����o de encontros marcados. As flores serviam ape-

nas para mostrar que ele estava pensando nela.

Quando o pai chegou ao telefone, parecia ofegante.

��� Que �� que h��, menina?

��� Interrompi alguma coisa importante?

��� Claro! Um jogo de canastra e um Schneider d u p l o . . .

��� Oh, desculpe...

��� Escute, meu bem. De onde eu estou, posso ver o camarada com

quem estou jogando tentando dar uma espiada no baralho. Quer

alguma coisa especial ou s�� telefonou para saber de mim?

��� Estou na revista Gloss e Linda quer fazer uma reportagem a

meu respeito.

��� E da��?

��� Posso deixar?

��� C l a r o . . . Isto ��, se a reportagem for sobre voc��. N��o quero

refer��ncias ao nome de Dee. Escute, �� melhor voc�� exigir por escrito

uma declara����o de que nada ser�� publicado sem a sua pr��via e

expressa aprova����o.

��� Est�� bem.

��� E e s c u t e . . . j�� marquei hora para voc�� com Sammy T��bet

amanh�� ��s dez horas no escrit��rio da Johnson Harris.

��� Obrigada, Mike!

��� At�� logo, menina!

Ela desligou e deu parte das exig��ncias de Mike. Linda concordou.

��� Vou mandar redigir imediatamente uma carta. Vou designar

Sara Kurtz para escrever o texto. Keith, voc�� j�� pode ir come��ando

com as fotografias. ��� Tocou um bot��o do interfone. ��� Mande Ruth

aqui para tomar algumas notas. ��� Apertou outro bot��o. ��� Janie,

suspenda todos os telefonemas, a n��o ser que Wilhelmina ligue.

Quero aquele novo modelo alem��o que ela tem para a capa de fe-

vereiro . . . Shotzie alguma coisa. Voc�� bem sabe que eu n��o tenho

boa mem��ria para nomes. O qu��? N��o. E diga a Leon para me mos-

trar as ilustra����es para a nova novela. Quero v��-las ainda hoje antes

de ir-me embora. Mais ou menos isso.

January viu uma mo��a feia com cara de passarinho que entrou ti-

midamente na sala com um bloco nas m��os. Linda fez-lhe um breve

cumprimento e logo depois desligou.

��� Sente-se, Ruth. Esta �� January Wayne. Ruth �� maravilhosa em

mat��ria de taquigrafia. Vou fazer as perguntas porque sei como a

102

reportagem deve ser encaminhada. Daqui a poucos dias, marcare-

mos uma data para voc�� e Sara entrarem em contato.

Keith tinha acabado de carregar as c��maras. Tirou o seu medidor

de luz, mudou uma l��mpada, bateu uma tomada com uma Polaroid

para verificar a composi����o. Olhou para ela, teve um gesto de apro-

va����o e come��ou a trabalhar com outra c��mara.

O sorriso de Linda era todo funcional.

��� Muito bem, January. Depois de Miss Haddon, onde foi conti-

nuar os seus estudos?

��� Na Su����a.

��� Como era o nome da escola?

January viu Ruth fazendo lacinhos e rodinhas no bloco. Hesitou.

N��o conseguia lembrar-se do nome que Dee tinha dito. O que Dee

dizia ��s suas amizades era uma coisa. Mas ela n��o queria mentir

nas p��ginas de uma revista. Al��m disso, uma mentira poderia criar

problemas a Linda. E para aumentar a sua confus��o pessoal, Keith

andava de um lado para outro por toda a sala, batendo flagrantes

dela nos ��ngulos mais imprevistos e absurdos.

��� Escute, Linda, vamos concentrar-nos no presente. N��o quero

qualquer refer��ncia a Miss Haddon, a Dee ou �� Su����a. Vou come��ar

a procurar trabalho a m a n h �� . . . Vamos partir da��.

��� Procurar trabalho? ��� perguntou Linda, rindo. ��� Voc��?l

Keith chegou bem perto dela e bateu uma fotografia. January

teve um sobressalto.

��� N��o tome conhecimento de minha presen��a ��� disse ele. ��� Con-

tinue a conversar com Linda como se eu n��o estivesse aqui. Tra-

balho melhor assim.

��� Se quer um emprego, venha trabalhar comigo ��� disse Linda.

��� Aqui? ��� perguntou January, que estava ficando nervosa. Os

estalos da m��quina de Keith eram exasperantes.

��� Claro. Eu gostaria de ter um nome como o seu na nossa p��gina

de expediente. E n��o pense que eu lhe pagaria um sal��rio s�� por

isso, nem que a faria trabalhar demais. Eu lhe daria 120 d��lares por

semana e deixaria voc�� fazer algumas coisas.

��� Mas eu n��o sei escrever!

��� Eu tamb��m n��o sabia quando comecei. Mas aprendi. E agora

n��o preciso mais escrever. Tenho quem escreva para mim. Tudo

o que voc�� tem de fazer �� conseguir as entrevistas e tomar notas

ou usar um gravador de fita. Depois, designarei algu��m para es-

crever sua mat��ria.

��� Mas por que voc�� me quer?

103

��� Pelo seu prest��gio, January. Escute, ainda no ano passado, Sam-

my Davis J��nior esteve aqui na cidade e n��o houve jeito de conse-

guir uma entrevista com ele. Se voc�� j�� estivesse trabalhando co-

nosco, bastaria um telefonema de seu pai para Sammy Davis. Mike

Wayne pode estar afastado dos meios art��sticos, mas ainda tem aces-

so a gente de quem n��o podemos nem aproximar-nos. Agora mesmo,

estamos tentando conquistar o p��blico de sociedade. Voc�� poderia

escrever uma coluna mensal sobre o que essa gente est�� fazendo,

para onde viaja e assim por d i a n t e . . . Por exemplo, sua madrasta

�� muito amiga da grande Karla. Imagine se voc�� pudesse conseguir

uma entrevista com ela!

��� Karla nunca deu uma entrevista em toda a sua vida ��� disse

Keith.

��� �� claro que n��o ��� disse Linda. ��� Mas quem est�� falando em

entrevista? Se January se encontrar com Karla num dos jantares de

Dee e tomar nota das coisas que saem daquela bela e herm��tica

boca polonesa...

��� January, j�� tenho seis flagrantes seus de testa franzida ��� disse

Keith. ��� Quero uma atitude diferente.

January levantou-se e saiu do alcance da m��quina.

��� O que voc��s est��o fazendo comigo �� intoler��vel! Venho aqui

para ver uma velha amiga e acabo dando uma entrevista. Digo que

quero trabalhar e voc�� me pede que seja uma Mata-Hari. Como voc��

diria, Linda, nada feito!

��� Que esp��cie de trabalho voc�� quer fazer? ��� perguntou Linda.

��� Representar.

��� Meu Deus! ��� exclamou Linda.

��� Tem alguma experi��ncia? perguntou Keith.

��� Direta, n��o. Mas passei a vida observando e escutando. E quan-

do e s t a v a . . . na Su����a, costumava ler muito. Duas horas por dia.

Shakespeare, Marlowe, Shaw, Ibsen.

Keith bateu mais uma fotografia enquanto ela falava.

��� Venha comigo hoje �� tarde. Apresentarei voc�� a Milos Doklov.

Ele tem sempre algum projeto em andamento e pode conhecer al-

gu��m que esteja precisando de uma pessoa como voc��. Sabe cantar?

Dan��ar?

��� N��o. E u . . .

��� Acho uma grande id��ia ��� disse Linda. ��� Keith, veja se pode

bater algumas fotografias dela com esse Milos. Bata tamb��m algu-

mas fotos com fundo da V i l l a g e . . . ��� Quando Keith come��ou a ar-

rumar o seu material, Linda disse: ��� Procurarei comunicar-me com

voc�� dentro de dois ou tr��s dias, January. J�� terei pronta a carta que

104

seu pai quer e marcarei um encontro entre voc�� e Sara Kurtz. Keith,

vou ficar eom o p��o quente at�� as oito horas. Procure chegar antes

disso.

��� Vou fazer o poss��vel, mas n��o conte muito com isso. Vamos,

atriz ��� disse Keith, tomando o bra��o de January. ��� Voc�� est�� a

caminho!

Quando chegaram �� rua, ele disse:

��� Bem, menina rica, voc�� vai viajar agora no jeito de um artista

desempregado.

��� Como assim?

��� Vamos pelo metr��. Cada um paga a sua. Tem 30 cents trocados?

��� Claro que tenho. E quer saber de uma coisa? Nunca andei de

metr��.

Ele riu enquanto descia as escadas com ela.

��� Continue a falar, menina. Voc�� me areja o esp��rito.

January se sentou ao lado de Keith, dominando a sua repulsa

enquanto o trem corria para o centro da cidade. Chegou �� conclu-

s��o de que nada havia de admir��vel ou de pitoresco na pobreza.

O homem que se sentava perto dela cheirava mal. Uma mulher ��

frente dela tinha uma grande saca de compras entre as pernas e

estava trabalhando interessadamente com o dedo no nariz. Havia

uma atmosfera opressiva dentro do carro e as paredes estavam co-

bertas de nomes e palavr��es. Ela se sentava muito empertigada e

procurava dissimular a sua repulsa enquanto Keith conversava acima

do barulho do carro. Houve um momento em que ele ficou de p��

no banco do outro lado a fim de bater mais uma foto dela. O trem

deu um solavanco e ele foi ao ch��o. A m��quina lhe caiu das m��os

e escorregou pelo ch��o para o outro lado do carro. January se le-

vantou para ajud��-lo. Admirou-se de que mais ningu��m procurasse

ajudar ou parecesse sequer notar. Ficou muito satisfeita quando de-

sembarcaram.

Caminharam duas quadras at�� um pr��dio sujo e desleixado. Su-

biram cinco lances de escadas.

��� O escrit��rio de Milos fica num s��t��o ��� explicou Keith.

Pararam v��rias vezes a fim de tomar f��lego at�� chegarem a uma

porta de a��o que parecia molhada. Keith tocou a campainha e uma

voz forte ressoou l�� dentro:

��� A porta n��o est�� trancada. Entre.

A voz era s�� o que Milos Doklov tinha de forte. Era um homem

magro e de aspecto sujo com longos cabelos que s�� parcialmente

cobriam um cr��nio reluzente. As unhas eram longas e negras de su-

jeira e o seu sorriso revelava dentes estragados.

105

��� Ol��, rapaz! Quem �� a pequena?

��� January Wayne. January, este �� Milos Doklov.

��� Voltou ent��o para o Papai? ��� disse Milos, sem dar mais aten-

����o a January.

Keith pegou a m��quina e bateu alguns flagrantes de January, que

estava francamente olhando a sala com espanto.

��� N��o consegui o lugar com Prince, se �� isso que voc�� quer dizer

��� respondeu Keith, abrindo com os dentes novo rolo de filme.

��� Ora, m e n i n o . . . ��� murmurou Milos, que se levantou com mo-

vimentos felinos. ��� Essa mania da Broadway vai acabar matando

todo o seu potencial c��nico. Depois que voc�� se fizer aqui e desco-

brir tudo o que isso significa, poder�� ent��o fazer alguma excurs��o

�� Broadway para ganhar o p��o de cada dia. Mas nunca" se esque��a

de que �� aqui que est�� o verdadeiro teatro.

��� N��o h�� necessidade da conversa de vendedor, M i l o s . . . Estou

disposto a aceitar o lugar.

Milos sorriu tristemente.

��� Voc�� poderia ter tido o papel desde o princ��pio... e receber

todas as cr��ticas favor��veis. Veja o que aconteceu com B a s t e r . . .

Vai trabalhar em Ashes and Jazz.

��� Ainda est�� fora da Broadway.

��� Sim, mas est�� indicado para um Obie.

��� Escute, j�� disse que vou fazer o papel.

��� Brigou com a gr��-fina das modas?

��� N��o.

��� Por que mudou ent��o de id��ia? Parece-me que foi por isso

que n��o quis o papel antes.

Keith come��ou a recarregar a segunda m��quina. Conferiu a luz

com o metro.

��� Eu ainda estava esperando chegar a acordo com Hel Prince.

Pare com isso. Quando �� que v��o come��ar os ensaios?

��� Teremos apenas dois dias. Talvez segunda e ter��a da semana

que vem. Assista ao espet��culo todas as n o i t e s . . . Aprenda o papel

e as marca����es. Com calma.

��� OK, Milos ��� disse ele, tirando o ��ltimo flagrante de January.

��� Por que est�� fazendo as fotos? ��� pergunta Milos.

��� Estou fazendo uma reportagem sobre ela.

��� Voc�� �� modelo? ��� perguntou Milos.

��� N��o ��� disse Keith, guardando a m��quina na caixa. ��� Ela ��

atriz. Sabe de algu��m que precise de uma pequena como ela?

106

��� �� boa num palco? ��� perguntou Milos a January.

��� Sou, sim. Isto ��, acho que sou.

Milos esfregou o queixo.

��� Escute, uma das Musas vai sair junto com Baxter. Eu ia tele-

fonar para Liza Kilandos. S��o apenas dez f a l a s . . . e a paga �� . . .

Escute, voc�� �� do sindicato?

��� Ainda n��o.

��� ��timo. V�� ver o espet��culo esta noite com Keith. Pode fazer o

papel de Irma Davidson. ��� Jogou o script para Keith. ��� Estude bem

isso, rapaz. Voc��, January, volte amanh�� ��s quatro horas para ler

o papel.

Quando chegaram �� rua, ela agarrou Keith pelo bra��o.

��� �� verdade mesmo? Ele me pode conseguir um papel assim sem

mais nem menos? Seria fabuloso!

O tempo havia mudado. Houve um ronco s��bito de trovoada.

Keith olhou para o c��u.

��� Vai chover canivetes. Mas vai ser apenas uma pancada r��pida.

Vamos entrar num caf��. ��� Levou-a para um pequeno por��o. ��� Po-

demos comer um sandu��che e matar o tempo at�� chegar a hora de

irmos para o teatro. N��o adianta gastar dinheiro de condu����o. Voc��

tem de telefonar para algu��m e avisar que n��o vai jantar?

January telefonou para o Pierre. O pai n��o estava em casa e Dee

estava descansando.

��� Diga-lhes que eu n��o posso jantar em casa ��� disse ela a Sadie.

��� E u . . . eu tenho um compromisso com um rapaz.

N��o era exatamente a verdade. Mas era melhor do que uma longa

explica����o.

Voltou �� mesa. A chuva batia na cal��ada. Ficaram ambos sentados

no pequeno reservado e olharam para a rua molhada e cinzenta.

Pediram hamburgers e Keith tirou mais algumas fotografias dela

no caf��.

��� Linda diz que voc�� �� um bom fot��grafo.

��� Bom n��o sou, mas dou um jeito.

��� Ela diz que voc�� poderia ser um dos melhores, se quisesse.

��� Escute, prefiro ser um p��ssimo ator a ser o melhor fot��grafo

do mundo.

Ela ficou em sil��ncio e Keith disse:

��� Escute. Linda ganha trinta mil d��lares por ano. N��o quero mais

servi��os de caridade!

��� Mas ela diz que voc�� �� bom.

107

��� E sou de fato, mas n��o �� com uma m��quina.

January compreendeu que tinha ficado vermelha e procurou dis-

far��ar servindo mais mostarda no seu hamburger. Keith come��ou a

falar sobre sua vida ��� os raros papeis decentes que conseguia na

temporada de v e r �� o . . . os pap��is fora da B r o a d w a y . . . o comercial

da TV que lhe dera o bastante para viver durante um a n o . . .

��� Mas isso acabou, meu seguro de desemprego tamb��m se aca-

bou . . . e eu n��o tenho a menor vontade de ser o melhor fot��grafo

de Nova York.

��� Mas podia esfor��ar-se por isso, ��� disse January.

��� Para qu��?

��� Para qu��? Ora essa!

��� Escute aqui, para que vou-me matar tentando aprender algu-

ma coisa que n��o tenho prazer algum em fazer? �� claro que o tea-

tro n��o �� f��cil. Mas �� como se uma pequena que se tem uma vontade

louca de levar para a cama nos repelisse Ao menos, continua-se

a tentar, pois pode haver a chance de que ela um dia nos abra os

bra��os. Por outro lado, ningu��m vai perder seu tempo com uma

pequena que n��o lhe diz nada. Compreendeu?

��� Mas voc�� estaria com Linda.

��� N��o h�� nenhuma lei que me pro��ba de estar com ela sendo

ator.

��� Mas �� . . . que como ator, voc�� passaria muito tempo longe dela

em ensaios e excurs��es.

��� J�� ouviu falar numa coisa que se chama amor-pr��prio? Antes

que se possa dormir com uma pessoa todas as noites, �� preciso que

essa pessoa nos respeite. E, para se ser respeitado, �� preciso dar-se

ao respeito. Conhe��o muitos atores que se venderam, que se tor-

naram bichas ou consentiram em ser sustentados por uma mulher

para que pudessem trabalhar no teatro e sabe o que foi o que acon-

teceu? Nunca chegaram a ser bons atores porque perderam o res-

peito pr��prio e alguma coisa dentro deles morreu irremediavelmente.

Ela ficou calada. Ao fim de algum tempo, ele perguntou:

��� E voc��? Qual �� seu esquema?

��� Esquema como?

��� Gosta de algu��m?

��� Gosto. Isto ��, n �� o . . .

��� Resolva-se. Gosta ou n��o gosta?

��� Bem, gosto de meu pai. Disso eu tenho certeza. Mas isso n��o

�� propriamente gostar, n��o ��?

��� Espero que n��o.

108

��� Depois, conheci algu��m. Mas quando penso em a m o r . . . Bem,

n��o sei se sinto o que se deve sentir quando se ama. Gosto dele,

m a s . . .

��� Voc�� n��o ama ent��o. �� essa a hist��ria de minha vida. Nunca

a m e i . . .

��� Nunca?

Ele sacudiu a cabe��a.

��� N��o! Creio que s�� saberei o que �� amor quando entrar num

palco e souber que todo o p��blico s�� est�� ali para me ver. Esse ��

que �� o verdadeiro orgasmo. O que eu sinto por uma p e q u e n a . . .

�� como o apetite por um bom jantar. Gosto de pratos bem feitos,

gosto da vida, gosto de provar boas coisas e de ter novas sensa����es.

Escute, n��o fique t��o escandalizada. Linda sabe muito bem em que

p�� est��o as coisas. H�� muito tempo que ela �� minha pequena, mas

sabe muito bem que eu posso deix��-la a qualquer instante. Mas,

se isso acontecer, n��o ser�� porque me apaixonei por outra. Ser�� em

busca de outra experi��ncia. Compreendeu?

��� N��o.

��� Voc�� �� muito quadrada, sabe? Ningu��m na sua idade pode ser

assim. Escute, sou um pouco extravagante. Quero apenas espremer

a vida at�� a ��ltima gota. Linda diz que ela �� assim tamb��m. Mas

n��o ��. Ela vive exclusivamente para aquela revista. Sem d��vida, n��s

nos damos bem. Mas eu n��o sou o primeiro homem na vida dela.

Creio que ela prefere perder um homem a perder um bom artigo.

Compreendeu?

��� A chuva j�� passou ��� disse January.

Keith se levantou.

��� Sua parte �� 90 cents. Isso quer dizer que vamos deixar uma

gorjeta de 30 cents, 15 para cada um. OK?

��� OK.

As ruas estavam encharcadas e de vez em quando uma gota ca��a

das ��rvores. Andaram em sil��ncio as poucas quadras. January pro-

curou em v��o alguma coisa para dizer que fizesse Keith ter dispo-

si����es mais rom��nticas em rela����o a Linda. Parecia t��o desligado

d e l a . . . Talvez estivesse falando por falar, porque estava nervoso.

Afinal de contas, muita gente diz coisas sem pensar quando tem

os nervos atacados. Keith era materialmente bonito e Linda estava

de fato apaixonada por ele. Talvez, se ele come��asse a trabalhar na

pe��a, as coisas fossem mudar. Mike sempre dizia que s�� ficava real-

mente satisfeito quando as coisas corriam bem na sua vida pro-

fissional.

109

De repente, recome��ou a chover. Keith agarrou-a pela m��o e fi-

zeram correndo o resto do caminho, abrigando-se sob toldos e ��r-

vores. Estavam ofegantes quando Keith parou diante de uma loja.

��� Pronto. Chegamos!

��� E o teatro?

��� Venha comigo.

Atravessou com ela a loja, que estava vazia, embora com algumas

mesas nas quais se viam garrafas de limonada e pacotes de biscoitos

para o intervalo. Nos fundos, uma mo��a aparecia numa esp��cie de

bilheteria improvisada. Fez sinal para que passassem quando viu

Keith. Este passou por ela e levou January para uma sala comprida

e estreita. Havia filas e mais filas de cadeiras de dobrar. No fundo,

havia um palco sem pano de boca. Keith levou January para a ter-

ceira fila.

��� S��o as cadeiras da casa ��� disse ele com um sorriso.

��� �� este o teatro?

��� Era uma velha loja, que foi transformada numa casa de espe-

t��culos. No andar de cima est��o os camarins e Milos ainda tem um

dormit��rio no terceiro andar para atores desempregados.

��s oito horas, a sala estava repleta e come��aram a colocar mais

cadeiras em todos os cantos poss��veis.

��� Parece que a pe��a est�� mesmo fazendo sucesso ��� murmurou

January.

��� Claro. E principalmente por propaganda oral. Estou vendo

muita gente importante e talvez haja dois ou tr��s produtores por

aqui.

As luzes da plat��ia diminu��ram e todo o elenco apareceu no palco.

Cumprimentaram o p��blico, apresentaram-se e sa��ram. Ficaram

apenas tr��s mo��as.

��� �� a da esquerda que voc�� vai substituir ��� disse Keith. ��� Re-

presentam o coro grego e ficam o tempo todo no palco.

As tr��s mo��as estavam vestidas de macac��es cinzentos. Decla-

maram algumas linhas e ent��o o homem de quem estavam falando

apareceu. Era parecido com Keith. Teve uma longa fala que January

quase n��o entendeu. Quando ele parava a fim de tomar f��lego, o

coro grego dizia:

��� Am��m, irm��o.

Entrou ent��o uma pequena em cena. Travou-se uma violenta dis-

cuss��o. Sentaram-se todos no ch��o e iniciaram os movimentos de

quem fuma maconha. O palco se encheu de fuma��a artificial.

110

��� Essa �� a seq����ncia do sonho do haxixe ��� disse Keith. ��� Est��o

usando agora uma cortina de fuma��a. �� essa a cena que mais est��

atraindo o p��blico.

Quando a fuma��a se dissipou, os dois atores principais estavam

inteiramente nus. O coro grego tamb��m. O ato do amor come��ou

realmente em cena entre o rapaz e a mo��a. A princ��pio, tudo foi

lento, quase como uma d a n �� a . . . O coro grego trauteava acompa-

nhando a m��sica de um alto-falante nos bastidores. A m��sica se

tornou mais alta, o coro cantou mais depressa... tudo ficou mais

r��pido... a dan��a se transformou num frenesi e o ator principal

come��ou a cantar ao mesmo tempo que acariciava os seios das tr��s

mo��as do coro grego e da atriz principal, a qual, por sua vez, aca-

riciava a todos. Ent��o, as mo��as do coro grego come��aram a aca-

riciar-se umas ��s outras at�� que todos se entrela��aram numa can-

����o chamada "Mover-se, Tocar, S e n t i r . . . Isso �� que �� Amor".

Por fim, a cena ficou ��s escuras, as luzes da plat��ia se acende-

ram e chegou a hora do intervalo.

De repente, January levantou-se e disse:

��� Vou-me embora.

��� Mas ainda h�� outro ato. Nele �� que voc�� tem a sua grande

cena. Declama dez versos sozinha.

��� Com roupa ou sem roupa?

��� E s c u t e . . . voc�� tem preconceitos contra a nudez total? ��� per-

guntou Keith, tomando-lhe o bra��o e levando-a por entre as cadeiras.

��� O que eu acho �� que a nudez �� uma coisa natural. Esconder o

corpo com roupas �� uma coisa que nos �� plantada na cabe��a desde

que nascemos. Talvez a coisa tenha come��ado quando Eva comeu

a ma����. Entretanto, a crian��a tem ��rg��os genitais e n��o h�� quem

n��o goste de ver um beb�� nuzinho. Nosso corpo faz parte da ex-

press��o do amor. Cobrimos por acaso o rosto quando os nossos olhos

lan��am chispas de amor ou nossa boca profere palavras apaixonadas?

Acariciamos com a l��ngua os l��bios de uma pessoa a quem ama-

mos . . . Acha que a l��ngua �� obscena?

��� Nossos olhos s��o para ver e nossa l��ngua para falar ��� disse

January.

��� C l a r o . . . e nossos ��rg��os genitais s��o para fazer pipi e tamb��m

para fazer o amor.

Ela se separou dele e correu para fora. Havia muita gente amon-

toada na frente, esperando a oportunidade de pagar um d��lar por

um copo de limonada. Havia limusinas paradas do lado de fora.

Keith chegou �� rua e segurou-a pelo bra��o.

111

��� Est�� bem! Talvez eu n��o tenha muita vontade de fazer um

n��mero de sexo como esse em cena aberta. Por que acha que n��o

peguei o papel logo que a pe��a estreou? Eu sabia que Linda iria

ficar indignada. Mas a situa����o hoje em dia �� essa. N��o devo ter

preconceitos sobre a nudez, j�� que n��o tenho preconceitos em rela-

����o ao ato sexual. Trata-se de uma fun����o perfeitamente normal.

��� Vomitar tamb��m ��, mas ningu��m paga para ver uma pessoa

vomitar!

��� Escute, January, a pe��a est�� fazendo sucesso. �� uma grande

oportunidade para mim. Al��m disso, �� uma coisa que todo o mundo

est�� fazendo agora. Grandes nomes do cinema est��o fazendo cenas

de nudez. �� apenas uma quest��o de tempo para que astros e estre-

las apare��am nus em p��lo nos filmes ou no palco. E n��o ser��

a Keith, o homem, que olhar��o naquele palco. Ser�� a Keith, o ator.

E s�� isso �� que me interessa. Prefiro viver no s��t��o de Milos e fazer

n��meros verdadeiramente pornogr��ficos a viver num apartamento

de cobertura de Park Avenue com uma m��quina na m��o.

J�� estavam bem no meio da quadra. Estava caindo uma chuva

mi��da. As ��rvores da rua protegiam-nos parcialmente. Keith tentou

sorrir.

��� Vamos. O segundo ato j�� deve estar come��ando. Vamos voltar.

January continuou a caminhar na dire����o oposta ao teatro. Keith

hesitou um momento e ent��o exclamou:

��� V��! Corra para casa. Volte para o Pierre onde seu pai vive ��

custa de uma mulher. Eu, pelo menos, estou lutando! Se sujeitos

como seu pai n��o tivessem jogado a toalha, n��o ter��amos de fazer

essas porcarias. Mas foram sujeitos como ele que s�� quiseram jogar

na certa e se negaram a fazer experi��ncias. Eles que se estrepem! E

voc�� que se estrepe! E Linda tamb��m!

Deu as costas para ela e voltou para o teatro. Por um momento,

January ficou parada no meio da cal��ada. Tinha havido l��grimas

na sua raiva. Queria dizer a Keith que compreendia... e que n��o

estava zangada. Mas ele a havia deixado. Havia gente de volta ao

teatro. O segundo ato estava come��ando. De repente, ela se viu

sozinha na rua deserta. N��o havia sinal de um t��xi. Voltou at�� a

frente do teatro e olhou para as placas das limusinas. Algumas ti-

nham o X que indicava que eram de aluguel. Falou com um dos

motoristas.

��� A pe��a ainda vai levar uma hora. Ser�� que p o d i a . . .

��� V�� saindo, hippie! ��� disse rispidamente o homem, ligando o

r��dio do carro.

Sentiu o rosto quente de vergonha. Tirou da bolsa uma nota de

dez d��lares e aproximou-se do outro carro.

112

��� Pode levar-me para casa? A pe��a s�� vai acabar daqui a uma

hora.

��� Onde �� sua casa? ��� perguntou o motorista, olhando para a

nota.

��� No Pierre.

Ele fez um sinal afirmativo, pegou a nota e abriu a porta.

��� Entre.

Mais adiante, perguntou:

��� Que foi que houve? Brigou com o namorado ou teve nojo da

pe��a?

��� As duas coisas.

��� Todo o mundo est�� indo a esse teatro. Para ver mulheres nuas.

N��o �� isso que mostram?

��� Isso e muito mais ��� disse January.

��� S��rio? Quer saber de uma coisa? Sou um homem casado e

tenho tr��s garotos. Mas houve um tempo em que quis trabalhar no

teatro. Ainda canto de vez em quando nas festas de casamento de

meus amigos no Bronx. Canto baladas irlandesas. Sou bom tamb��m

em can����es de Rodgers e Hammerstein. Mas nem fazem mais m��-

sicas assim. N��o aparece mais um Sinatra, nem um Perry Como.

Aquilo �� que era m��sica e estes �� que eram cantores... Como ��

diferente o que minha filha gosta agora de ouvir no seu toca-discos!

Pararam finalmente �� porta do Pierre. O motorista esperou que

ela entrasse e ent��o afastou-se com o carro pelo tr��nsito.

January ficou satisfeita de encontrar o apartamento vazio. Foi

para seu quarto e ficou ali no escuro, pensando. No escuro, as coisas

n��o pareciam t��o nitidamente reais. Pensou em Linda, que transfe-

ria os seus desejos pessoais de sucesso para a revista e fazia desta

o seu s��mbolo da vida. Pensou tamb��m em Keith, que ia trabalhar

naquele espet��culo horr��vel, no chofer da limusina, que tinha que-

rido ser cantor, em seu pai, que devia estar naquele momento num

restaurante em companhia de Dee e das amigas dela.

Ficou durante muito tempo assim parada. Tudo era ent��o aquilo?

Onde estavam a alegria e a felicidade com que ela havia sonhado?

Que tinham adiantado todos aqueles dias cobertos de neve em que

ela se esfor��ara tanto para voltar a andar?

Acendeu a luz. O quarto lhe apareceu tristemente vazio. Todo o

apartamento estava desoladamente vazio. Viu ent��o as rosas em

cima de sua mesa.

Pensou em David e, no mesmo instante, o sujo teatro e toda aque-

la noite lhe pareceram muito distantes. Ainda havia um mundo

113

com pessoas limpas e belas. E ainda havia teatros na Broadway

com belos cen��rios e atores de talento.

Ingressaria naquele mundo e faria Mike ter orgulho d e l a . . . e

David teria tanto orgulho de estar com ela como tinha de Karla

ou do modelo holand��s. Da�� por diante, n��o seria mais apenas a

nova enteada de Dee e nem mesmo a filha de Mike Wayne. Da�� por

diante, seria January Wayne.

Uma mulher e uma pessoa por direito pr��prio.

114

SEIS

A acolhida de Sammy Tebet foi cordial e expansiva. Perguntou

por Mike e disse que ele era um sujeito feliz por estar afinal livre

daquela luta ingl��ria. Acrescentou que uma mo��a bonita como J a -

nuary devia era encontrar um bom rapaz, casar-se e esquecer-se

de teatro, mas se ela insistia, ele faria o que fosse poss��vel.

Levou-a ent��o pelo corredor para outra sala e apresentou-a a um

homem din��mico e t��o mo��o que parecia at�� n��o ter ainda barba

no rosto. Estava sentado a uma mesa enorme onde havia um tele-

fone com cinco bot��es. Cada vez que um dos bot��es se acendia, uma

secret��ria nervosa que parecia ter idade para ser av�� dele metia a

cabe��a na porta e dizia: "Por favor, Sr. Copeland... O bot��o dois.

�� da Calif��rnia". Ele lhe jogava um sorriso e dizia: "Calma, Rho-

da". Em seguida, com um olhar aborrecido e de desculpas na dire-

����o de January, atendida o telefone e com uma voz cheia de ani-

ma����o se lan��ava numa conversa de neg��cios pontilhada de quan-

tias em d��lares.

Entre os telefonemas, conseguiu marcar alguns encontros para

ela. Havia duas pe��as para as quais estavam organizando o elenco.

Ela era muito alta para fazer a ing��nua, mas podia fazer outro pa-

pel. N��o custava nada ir at�� l�� e fazer uma prova. Havia tamb��m

um musical. Ela sabia cantar? N��o? Em todo caso, devia ir tam-

b��m . . . ��s vezes, pegavam uma pequena bonita mesmo sem voz,

desde que tivessem vozes fortes para dar-lhe cobertura. De qualquer

maneira, nada estaria perdido. Ao menos, ela ficaria conhecendo

Merrick e Merrick poderia lembrar-se dela quando fosse fazer outra

coisa. Deu-lhe uma lista de produtores para procurar "s�� para conta-

tos". Estariam em atividade depois na temporada. Marcou tamb��m

encontro para ela numa ag��ncia de publicidade para fazer um co-

mercial na TV. Comerciais n��o eram a sua especialidade. Mas al-

mo��ara com um dos diretores da ag��ncia que lhe dissera que esta-

vam �� procura de pequenas com cabelos bonitos. Quando ela lhe

agradeceu, ele levantou a m��o magn��nimamente.

115

��� Nada disso, meu bem. Sammy Tebet me pediu que fizesse

isso. Sam �� que �� o homem! Agrade��a a ele! Goste dele! ��tima pes-

soa! Disse-me que seu pai j�� esteve bem no alto com David Mer-

rick. Muito bem! Vamos esperar que possa dar orgulho ao velho!

Isso faz parte da coisa. Dar aos mais velhos um motivo para viver.

Fale comigo uma vez por semana e deixe o n��mero de seu telefone

com Rhoda.

Tratou ent��o de atender de novo o telefone e ela deu o seu tele-

fone �� nervosa Rhoda.

Seguiu todas as indica����es que ele lhe tinha dado. Fez uma prova

para uma pe��a. N��o se saiu bem e teve plena consci��ncia disso.

"Muito obrigado" disseram-lhe numa formal despedida. Foi at�� a

Avenida Madison, onde ficava a ag��ncia de publicidade. Passou uma

hora numa sala em companhia de mais de trinta mo��as cujos cabelos

davam na cintura. Quando falou finalmente com o diretor, soube

que se tratava de um an��ncio de cigarros. Os cabelos bonitos eram

essenciais e era importante incutir a imagem de que pessoas jovens

e sadias fumavam. Gostaram dos cabelos dela, disseram-lhe que

aprendesse a tragar e voltasse da�� a dois dias. Comprou um ma��o de

cigarros, voltou para o Pierre, trancou-se no quarto e come��ou a

praticar. Depois de algumas baforadas, o quarto come��ou a rodar.

Ela ficou muito parada sabendo que ia vomitar. Mas, algum tempo

depois, passou e ela tornou a fumar. Dessa vez, correu para o banhei-

ro e vomitou de fato. Depois, atirou-se na cama, sem saber por que

era que havia gente que gostava de fumar.

Dee e Mike convidaram-na para jantar. Ela pediu desculpas di-

zendo que tinha uma audi����o na manh�� seguinte e precisava de es-

tudar o script que lhe haviam dado. Passou o resto da noite entre

tragadas de fumo e a luta contra os acessos de n��usea.

��s onze horas da noite, conseguiu afinal aspirar a fuma��a e n��o

se sentir tonta. Como para acentuar a sua vitoria, o telefone tocou!

Era David.

��� Ia deixar um recado. N��o esperava encontr��-la em casa.

��� Estou praticando.

��� Praticando o qu��?

��� Fumar cigarros.

��� Que esp��cie de cigarros?

Ela olhou para o ma��o.

��� True.

��� O h . . . por qu��?

��� Por nada. Gostei do nome.

��� Mas por que quer fumar?

116

David escutou atentamente enquanto ela explicava tudo sobre

o comercial de televis��o. Disse ent��o:

��� N��o deixe o fumo passar de sua garganta. O efeito ser�� o mes-

mo. N��o adianta prejudicar seus pulm��es. E, depois que pegar e

fazer o comercial, jogue fora os cigarros.

Ela riu.

��� Aposto que voc�� me julga alguma maluca e acha que eu estou

aqui pondo em risco a sa��de s�� para poder trabalhar num comercial.

��� Nada disso. Acho apenas que voc�� �� uma pessoa de muita de-

termina����o e isso �� uma coisa que eu admiro.

��� A h . . . s i m . . .

Sabia que tinha dado a impress��o de estar perturbada.

��� Tem algum compromisso para amanh�� �� noite?

��� N��o.

��� Quer jantar comigo? Completarei a sua aprendizagem com

o cigarro. Poderei at�� ensinar-lhe a fazer an��is de fuma��a.

��� ��timo! A que horas?

��� Deixarei um recado para voc�� durante o dia.

��� Est�� b e m . . . At�� amanh��, David.

Levantou-se bem cedo na manh�� seguinte. Rhoda lhe telefonou

para dizer que ela devia estar no escrit��rio de um produtor ��s onze

horas para uma audi����o. Ficou realmente alvoro��ada. Segundo Rho-

da, o Sr. Copeland achava que ela estava na medida para o papel.

Talvez fosse aquele o seu dia. Tinha de pensar positivamente e con-

vencer-se de que o papel seria dela. Afinal de contas, tinha de ser

de algu��m. Por que n��o dela? E naquela noite ia ver David.

Enquanto se vestia, pensou no que iria usar naquela noite. J��

usara com David o conjunto cigano. Que deveria usar naquela noite?

A saia longa de suede com botas? Ou seria melhor usar o conjunto

de cal��as e casaco preto que aparecia no Vogue? O homem da Ter-

ceira Avenida lhe dissera que era um verdadeiro "estouro". Bem,

tinha o dia inteiro para pensar nisso.

O seu sentimento de bem-estar persistiu at�� quando se viu na sala

superlotada �� espera do momento de ver o produtor. Mas Keith ti-

nha raz��o. Havia t��o pouca p r o c u r a . . . e tantos atores e todos cheios

de experi��ncia. Enquanto esperava, ouvia trechos de conversas. F a -

lavam sobre royalties de comerciais da TV e sobre seguro de de-

semprego. E havia at�� quem fizesse pilh��rias sobre o seu trabalho

como modelo para artistas. Tudo servia, contanto que desse para

pagar um quarto e continuar a estudar e a procurar emprego no

teatro. Apesar de tudo, nenhuma das mulheres ali presentes parecia

deprimida. Eram artistas e todos os contratempos e dissabores fa-

117

ziam parte da vida de teatro. Podiam ��s vezes n��o ter dinheiro para

a comida, mas nunca deixavam de freq��entar as aulas de arte dra-

m��tica. Todas elas tinham fotografias com os seus t��tulos em xerox

nas costas. Outra coisa que nunca faltava era o caderninho em que

tomavam nota de oportunidades, audi����es e li����es.

January esperou duas horas e afinal foi levada �� presen��a de um

homem cansado que olhou para ela e deu um suspiro.

��� Quem foi que a mandou aqui?

��� O Sr. Copeland.

Outro suspiro.

��� Por que �� que Sheldon faz isso comigo? Ainda ontem, disse a

ele que est��vamos precisando de uma loura de aspecto cansado de

quase trinta anos. N��o �� justo fazer isso com v o c �� . . . e n��o �� justo

fazer isso comigo. Ele julga que pode manter suas esperan��as fa-

zendo voc�� andar de um lado para outro, mas est�� fazendo voc��

perder t e m p o . . . e a mim tamb��m. OK, meu bem, mais sorte da

pr��xima vez. ��� Voltou-se para a sua secret��ria. ��� Quantas ainda

faltam?

January saiu enquanto uma ruiva bem alta entrava. Teria sido

mandada tamb��m por Sheldon? Julgaria ele que ver um produtor

cansado ao fim de seu dia poderia causar alguma "impress��o" nele

em outra ocasi��o? Talvez ela ainda dissesse tudo isso a "Sheldon".

Quando chegou �� rua, um redemoinho de vento jogou-lhe um

pouco de p�� nos olhos. Correu um pouco de r��mel quando ela pas-

sou o len��o. Chamou um t��xi, mas o chofer n��o parou. O mesmo

aconteceu com v��rios outros t��xis. Come��ou a seguir para o Pierre

a p��.

Mike tinha raz��o. Aquele n��o era o mundo brilhante que ela ti-

nha visto quando sa��a nos fins-de-semana da escola de Miss Had-

don. A tarde estava chegando ao fim. Subiu a Broadway. As pros-

titutas com perucas enormes come��avam a tomar posi����o nas es-

quinas. Um cego passou guiado por um cachorro de cara triste. Um

grupo de jovens japoneses de m��quinas em punho estava tirando

fotografias da rua. Sentia vontade de gritar: "Nem sempre foi as-

sim!" Mas talvez fosse, talvez as coisas s�� parecessem diferentes de

dentro da limusina de Mike. De repente, depois daqueles dois dias

de procura de emprego, compreendeu que realmente n��o se inte-

ressava pelo t e a t r o . . . ao menos pelo teatro sem Mike.

Eram quatro- e meia quando chegou ao Pierre. Tomaria um bom

banho e se limparia de todas as decep����es e de toda a sujeira do

dia. Naquela noite, estaria repousada e renovada para o seu jantar

com David. Sentia-se melhor s�� de pensar nisso. Queria ir para

algum lugar sossegado, iluminado a velas e falar. Queria saber mais

118

coisas a respeito dele. Sentia que ele iria compreender perfeitamente

a confus��o em que ela estava. Mike diria apenas: "N��o lhe disse?"

Tinha tido raz��o.

Havia um recado para ela na portaria. Leu-o, at��nita. Era de Da-

vid. Viria busc��-la ��s cinco e meia. Cinco e meia! Por qu��? Talvez

fosse lev��-la primeiro a um coquetel. Devia ser isso. Correu para

o apartamento, tomou um banho de chuveiro r��pido e vestiu o longo.

Estava passando batom nos l��bios quando ele telefonou da portaria.

��� Suba ��� disse ela. ��� N��o sei faze um martini. Mas M��rio est��

aqui e Mike deve chegai a qualquer momento.

��� N��o, n��o h�� tempo. Temos de correr. Des��a logo.

Ela pegou um xale de l�� e desceu ao encontro dele. David olhou

para ela e franziu a testa.

��� Que esquecimento o meu! Devia ter dito a voc�� que se vestisse

mais �� vontade, de cal��as.

Ela notou que ele estava usando cal��as de veludo e palet�� esporte.

Tomou-lhe o bra��o.

��� Est��o levando um bom filme de espionagem no Baronet. Nunca

vejo os filmes que eu quero, pois a fila �� sempre muito grande. Cal-

culei que poder��amos entrar com facilidade na sess��o das seis horas.

Iremos comer depois.

A noite tinha sido um desastre completo, pensou ela estendida na

banheira. David tinha adorado o filme. Quando sa��ram do cinema,

foram a p�� at�� um restaurante chamado Maxwell's Plum. Estava

repleto, mas David conhecia o gar��om e eles foram levados para

uma pequena mesa encostada �� parede. David conhecia tamb��m

as pessoas da mesa vizinha. F e z as apresenta����es, pediu hamburgers

para ela e conversou com os amigos durante todo o jantar. ��s dez

horas, sa��ram do restaurante.

��� Quer ir para minha casa comigo? ��� perguntou ele.

��� O qu��?

��� Vamos para minha casa ��� disse ele, segurando-lhe a m��o, ao

mesmo tempo que chamava um t��xi.

��� Por que n��o volta comigo para o Pierre? ��� perguntou ela.

��� Dee e Mike podem estar l��. Al��m disso, seria desagrad��vel

dormirmos juntos sabendo que eles est��o no mesmo apartamento.

O t��xi parou antes que ela pudesse responder e ele a ajudou a

embarcar. Deu ent��o ao chofer um endere��o nas ruas Setenta Leste,

��� N��o vou para a cama com voc��, David! ��� disse ela, quase gri-

tando. Acrescentou ent��o, baixando a voz: ��� Fa��a o favor de me

levar para casa.

119

��� Mudan��a de planos ��� disse ele ao chofer. ��� Vamos para o

Hotel Pierre. ��� Voltou-se ent��o para ela com um sorriso. ��� Falemos

de coisas mais importantes. Como se foi com o an��ncio da T V ?

��� Amanh�� �� que eu vou saber. Escute, David, n��o se zangue,

m a s . . . mas n��o posso ir para a cama com um homem a quem mal

conhe��o.

��� N��o pense mais nisso ��� disse ele, calmamente. ��� Foi apenas

uma sugest��o.

��� Gosto de voc��, David. (Ora, estava pedindo desculpas! Era

quase como se ela se tivesse negado a dan��ar com e l e . . . )

��� Compreendo muito bem, January ��� disse ele com voz fria. ���

Ah! J�� chegamos.

Quando a levou at�� a porta e beijou-a na testa, ela teve a im-

press��o de ter sido esbofeteada.

Deitou-se e ligou o r��dio para um programa de discos. Gostava

de David. Ou, melhor, poderia gostar de David se ele lhe desse

uma chance de aprender a gostar dele. Precisava de gostar dele,

queria gostar dele porque se sentia de repente muito sozinha.

Parecia que tinha acabado de pegar no sono quando o telefone

tocou.

��� Acordei voc��? ��� perguntou Linda, jovialmente.

��� Que horas s��o?

��� Sete e meia da m a n h �� . . . Vinte g r a u s . . . O dia est�� aceit��vel.

Estou sentada �� minha mesa e j�� fiz a minha hora de ioga habitual.

January acendeu o abajur.

��� Minhas cortinas est��o fechadas. Aqui em meu quarto parece

que ainda �� meia-noite.

��� January, preciso muito de falar com voc�� ��� disse Linda, ainda

com jovialidade, mas com uma nota de urg��ncia na voz. ��� N��o se

pode vestir de qualquer maneira e vir tomar caf�� comigo? Mandarei

busc��-la.

��� N��o posso, Linda. Tenho de estar ��s nove horas na Ag��ncia

Landis. Por falar nisso, d��-me os parab��ns. Aprendi a fumar.

��� Deixe antes que o cigarro tome conta de voc��.

��� S�� estou fumando para poder fazer o an��ncio. Mas confesso

que o cigarro me ajudou muito esta noite. Quando se est�� olhando

para o espa��o e nosso cavalheiro est�� conversando muito animada-

mente com o pessoal da mesa vizinha, o cigarro pode ser uma boa

companhia.

��� Tenho de falar com voc��, January!

��� �� sobre a reportagem a meu respeito?

120

Houve um segundo de sil��ncio antes que Linda respondesse:

��� �� claro! Escute, voc�� tem algum compromisso para o jantar?

��� Nenhum mesmo.

��� ��timo! Apare��a ent��o por aqui ��s cinco e meia. Discutiremos

juntas a reportagem com Sara Kurtz. Depois, iremos ao Louise's. ��

um bom restaurante italiano onde duas mo��as podem ir sem que

ningu��m pense que elas querem alguma coisa al��m de comer bem.

At�� a t a r d e . . .

Linda estava concluindo uma reuni��o editorial quando January

chegou. Fez sinal a January para sentar-se no sof�� no fundo da sala.

Linda estava sentada �� sua mesa e os redatores se agrupavam em

semic��rculo diante dela.

��� Creio que j�� tratamos de todos os planos para nosso n��mero

de fevereiro ��� disse ela. Houve um arrastar de cadeiras enquanto

todos se levantavam. ��� Ah, sim, Carol. Procure falar com John

Weitz. Parece que ele est�� projetando uma festa no Colony no dia

de S. Valentim. Apure isso. Poder��amos simular algumas fotografias

da decora����o para o n��mero de favereiro. E saiba qual �� a lista de

convidados. N��o deve estar completa ainda, mas ele j�� deve ter

alguns nomes.

Levantou-se, querendo dizer com isso que a reuni��o tinha termi-

nado. A sua sugest��o de um sorriso cansado mostrava que um sor-

riso sincero exigiria muito dela.

��� Onde est�� Sara Kurtz? ��� perguntou ela enquanto o grupo de-

bandava apressadamente.

��� Est�� falando com Londres pelo telefone ��� respondeu um ho-

mem mo��o. ��� Est�� investigando a id��ia que tem de que os Bow

Bell Boys n��o s��o realmente ingleses.

��� Isso �� um absurdo! ��� exclamou Linda. ��� Esse grupo �� a maior

sensa����o musical que j�� chegou aos Estados Unidos desde os Boiling

Stones.

O homem replicou.

��� Eu sei disso, mas Sara jura que conheceu o principal cantor

quando era disc jockey em Cleveland em 1965. Afirma que ele ��

natural de Shaker Heights. E sabe como �� S a r a . . . nunca se esquece

de uma cara.

��� Bem, diga-lhe que estou chamando. Preciso dela agora.

Todos sa��ram em pequenos grupos. Linda foi para onde estava

January e deixou-se cair no sof��.

121

��� E o dia de hoje foi relativamente calmo ��� disse ela. Viu J a -

nuary acender um cigarro. ��� Ah! Pelo que vejo, vai mesmo fazer

o comercial.

��� Errou. Estava entre as tr��s ��ltimas que foram eliminadas. Pa-

rece que aspiro a fuma��a com muita classe, mas na hora de expeli-la

sou ainda muito imperfeita.

Linda riu, levantou-se, foi at�� a mesa e apertou um bot��o do in-

terfone.

��� Diga a Sara Kurtz que venha imediatamente aqui. N��o posso

ficar esperando a noite toda enquanto ela d�� vaz��o a uma de suas

neuroses.

��� Acha que o rapaz �� mesmo de Cleveland?

��� N��o s e i . . . Sara tem uma fraqueza por disc jockeys. O rapaz

de Cleveland certamente lhe deu o fora. E ela n��o descansar�� en-

quanto n��o se vingar. Deus proteja o rapaz se ele for realmente um

dos Bow Bell Boys.

��� �� t��o terr��vel assim?

��� Voc�� n��o conhece Sara. Mas vamos acabar com isso para de-

pois conversarmos.

Instantes depois, uma mo��a muito alta entrou na sala. Linda apre-

sentou Sara Kurtz e ela teve de curvar o corpo para falar com J a -

nuary. Tirou ent��o um bloco de papel de uma bolsa de lonita e co-

me��ou a fazer perguntas e a escrever. Ao fim de algum tempo, de-

senroscou o corpo, levantou-se e saiu.

��� Ela �� horr��vel, n��o ��? ��� disse Linda. ��� Keith acha que ela com

essa altura s�� pode servir para jogar basquete, mas o pai dela era

um grande jornalista e parece que ela herdou o estilo dele. O forte

dela �� a s��tira. Quanto mais ferina, melhor �� o que ela escreve. Pa-

rece que assim �� que ela consegue os seus orgasmos. Ficou muito

infeliz quando soube que n��o devia atacar voc�� na reportagem.

��� Por que ela gosta de atacar os outros? ��� perguntou January.

��� Assim, vai acabar sem poder encarar ningu��m.

��� Se voc�� tivesse um f��sico igual ao de Sara, odiaria tamb��m o

mundo.

��� Mas eu pensei que, na sua opini��o, as pessoas feias tivessem

vez.

��� E t��m mesmo. Mas h�� uma fei��ra que passa dos limites. A

de Sara �� assim e �� natural que ela seja uma revoltada. Mas fique

descansada que nada ser�� publicado sem a sua aprova����o. Aqui

est�� a carta devidamente assinada. Diga a seu pai que ele n��o tem

motivo algum para ficar preocupado.

January guardou a carta na bolsa. Linda olhou-a atentamente e

perguntou:

122

��� Ficou mesmo aborrecida por n��o ter sido escolhida para fazer

o an��ncio dos cigarros, n��o foi?

��� Claro que n��o. Por qu��?

��� Est�� com uma cara de quem acha que isso foi o fim do mundo.

January for��ou um sorriso.

��� O que voc�� est�� dizendo �� um absurdo... Tenho todos os mo-

tivos para estar inteiramente feliz. Estou em Nova York, meu pai

est�� casado com uma mulher maravilhosa e eu tenho um belo quarto

no Pierre que foi todo decorado de novo especialmente para mim.

��� Conversa fiada!

��� O qu��?

��� Eu disse conversa fiada. Est�� tentando enganar a quem, J a -

nuary? Voc�� detesta morar l�� e n��o tolera ver seu pai em compa-

nhia de Deirdre Milford Granger.

��� N��o �� verdade. S�� muito raramente os vejo. Mas, de fato, mo-

rar l�� n��o �� das coisas mais agrad��veis. Afinal de contas, o aparta-

mento �� dela e eu me sinto como uma intrusa.

��� Mude-se ent��o.

��� Meu pai n��o quer que eu fa��a isso.

��� Escute, quando se tenta agradar a todo o mundo, acaba-se

n��o agradando a ningu��m.

January apagou o cigarro.

��� O pior de tudo �� que eu n��o sei realmente o que quero. Acho

que isso acontece porque em toda a minha vida eu nunca pensei

realmente em coisa alguma sen��o em ficar na companhia de meu

pai. E agora, quando saio com um rapaz, fico toda desarvorada, sem

saber o que devo fazer, nem como devo agir.

Linda deu um assobio.

��� Menina, voc�� est��: precisando mesmo de um psiquiatra!

��� N��o! J�� tive isso de sobra na cl��nica!

��� Onde?

��� Oh, isso �� uma hist��ria muito comprida... Mas veja! Quando

uma menina cresce sem m��e, �� natural que fa��a do pai a coisa maior

de sua vida. E quando se tem um pai como M i k e . . . isso acontece

ainda com maior facilidade.

��� Compreendo ��� disse Linda. ��� Seu pai �� tremendamente atraen-

te. Mas David Milford tamb��m ��. Ronnie Wolf disse na sua coluna

que voc�� estava no Raffles uma destas noites em companhia dele.

N��o dou valor a essa tolice de vida em sociedade, mas se voc�� tem

de levar essa vida, dificilmente poderia escolher melhor companhia

que David Milford.

123

��� A festa no Raffles foi organizada por Dee. Mas n��s dois tive-

mos um encontro ontem �� noite. Ele me convidou para ir ao apar-

tamento dele, mas eu n��o fui. Quando ele me levou para casa, n��o

tentou nem dar-me um beijo de despedida.

Linda levantou-se.

��� Vamos ao Louise. Estamos ambas precisando de um bom

drinque.

January gostou do restaurante. Louise era uma senhora cordial

que lhes levou um prato do seu f��gado de galinha especial. Deu as

boas-vindas a January a Nova York e disse que ela parecia uma es-

trela de cinema. A atmosfera era dom��stica e acolhedora e January

come��ou a sentir-se mais �� vontade. Pediu um copo de vinho branco

e Linda pediu um martini Tanqueray duplo com gelo. Durante al-

guns momentos, as duas ficaram em sil��ncio.

Linda tomou um grande gole do seu drinque, rodou o copo com

o gelo e perguntou:

��� Que foi que achou de Keith?

��� Muito simp��tico.

��� J�� o viu depois?

��� Eu? Por que iria eu v��-lo depois?

��� Bem, estou perguntando porque n��o o vi mais. Agora, escute.

Diga-me a verdade, por favor. Ele se chegou para voc��?

��� Chegou como?

��� Deu em cima de voc��?

��� Claro que n��o! Fomos ver o espet��culo e . . .

��� E o qu��?

��� Em dado momento, abandonei o espet��culo... e a ele tam-

b��m, sem d��vida. Escute, Linda. Talvez eu seja antiquada, mas a

verdade �� que fiquei escandalizada...

��� Bem, nada tenho contra a nudez ��� disse Linda. ��� M a s . . .

Que �� que eu lhe estou dizendo? Pare��o t��o emancipada quanto

Keith. Somos a grande gera����o libertada... O corpo �� belo. Deve,

portanto, ser mostrado. Bem, eu estive l�� no tal teatro ontem �� noite.

Keith estava na plat��ia, mas n��o me viu. O que eu quero �� que voc��

me diga o que pode haver de belo num grupo de pessoas horrendas

que esfregam os corpos umas contra as outras num teatro imundo

em cima de um palco imundo. Os p��s de todos estavam pretos de

tanta sujeira... �� revoltante demais! E n��o pense que aquela gente

das limusinas vai ali para ver arte ou receber qualquer mensagem.

Todos s�� v��o ver �� a desmoraliza����o de artistas mortos �� fome. Meu

Deus, um ator tem de sofrer muitas rejei����es na v i d a . . . mas ao me-

nos devia ter alguma dignidade pessoal. Mas dignidade pessoal ��

124

coisa que n��o existe mais ou s�� existe para os quadrados... N��s

somos a nova gera����o, a gera����o libertada. O casamento �� coisa

b��rbara, a falta de vergonha �� que �� m o d e r n a . . .

��� Mas voc�� n��o me disse que n��o acreditava no casamento?

Linda sacudiu a cabe��a.

��� N��o sei mais em que acredito ou n��o acredito. Escute minha

m��e j�� teve quatro maridos e creio que est�� a caminho do quinto.

Meu pai teve tr��s esposas. Os dois me deram, cada um de seu lado,

ao todo sete irm��os, que eu mal conhe��o. Est��o todos em alguma

vers��o da escola de Miss Haddon. Mas nasceram todos de um ma-

trim��nio legal, de modo que �� tudo perfeitamente correto. Ao me-

nos, �� essa a convic����o de minha m��e, pois foi isso que lhe ensina-

ram. E nossa gera����o �� contra o casamento porque assim lhe foi

ensinado.

��� Por quem?

��� Pelas pessoas a quem conhecemos e a quem damos aten����o.

��� Voc�� quer-se casar com Keith, n��o quer, Linda?

��� Talvez. Mas, se ele soubesse de meus sentimentos, eu o perde-

ria, se j�� n��o o p e r d i . . .

��� Mas, que foi que aconteceu?

��� Ele n��o me apareceu naquela noite. Telefonou-me e disse que

resolvera ir viver no s��rdido s��t��o por cima do teatro durante al-

gum tempo, enquanto resolve o que vai fazer da vida. Ele sabe que

eu sou contra ele trabalhar naquela pe��a. Naquele dia, no escrit��-

rio, n��o me disse como era a pe��a. Escute, se a nudez �� de fato

importante num enredo, trata-se de realismo e n��o se tem nada o

que dizer. Mas do jeito pelo qual a coisa �� feita naquela p e �� a . . .

Na verdade, eu sei o que �� que est�� atormentado Keith. �� o fato

de que eu ganho trinta e cinco mil d��lares por ano e mais uma gra-

tifica����o de Natal, ao passo que ele ganha tr��s mil e quinhentos d��-

lares por ano, incluindo o seu seguro de desemprego. Para ele, eu

sou o Estabelecimento, o inimigo. Isso tudo me faz t��o confusa!

Tentei fazer as coisas �� maneira dele, sabe? Sentei-me junto com os

amigos dele e tomei cerveja em lugar de martinis. Usei macac��es

em vez de roupas decentes. Mas n��o h�� leis que me obriguem a

viver como um porco num chiqueiro. Pago quatrocentos d��lares por

m��s pelo meu apartamento. Fica num bairro decente, num bom

edif��cio, com porteiro e ascensorista. Chego ao meu escrit��rio todos

os dias antes das oito horas da manh�� e ��s vezes s�� saio �� meia-noite.

Ganhei o direito de ter um lugar decente e bem preparado para me

servir de casa. Por que �� que devo desistir de tudo isso e ir traba-

lhar em algum jornal clandestino que me pagar�� �� raz��o de cin-

q��enta d��lares por artigo?

125

��� �� isso que ele quer que voc�� fa��a?

��� Exatamente n��o. Mas vive depreciando Gloss e tudo o que eu

fa��o na revista, ao passo que exalta um camarada que ele conhece

e que vende poemas sujos a jornais que publicam na capa ilustra-

����es que mostram um p��nis de homem. Diz ele que o sujeito escreve

porque tem o que dizer e n��o vive �� procura de uma gl��ria de ma-

t��ria pl��stica. Oh, estou farta de todas essas frases. Mas gosto dele

e quero que seja meu. N��o o quero for��ar a viver como e u . . . mas

poder��amos chegar a um acordo e viver maravilhosamente juntos.

�� isso que eu quero e como quero!

��� Deve ser admir��vel a pessoa saber realmente o que quer ��� disse

January.

��� E voc�� n��o sabe? N��o lhe deram qualquer orienta����o nessa

universidade su����a onde estudou? Por falar nisso, como �� o nome

da universidade? Sara quer pelo menos mencionar os seus t��tulos

estudantis.

��� Eu lhe contarei tudo depois do jantar, Linda.

Continuaram sentadas depois do caf�� e Linda escutou em sil��ncio

enquanto January lhe falava da cl��nica. Tomou alguns goles de co-

nhaque e as l��grimas lhe vieram aos olhos quando January terminou.

��� Meu Deus! ��� exclamou ela. ��� Foi realmente horr��vel! Perder

assim tr��s anos de sua vida, esperando voltar para o pai de seus so-

nhos. E, quando voltou, encontrou-o c a s a d o . . .

January conseguiu sorrir.

��� Escute, ele n��o me abandonou. Ele n��o �� meu amante.

��� N��o �� mesmo?

��� Linda!

��� Ora, January! Voc�� n��o quis dormir com aquele italiano divino

que fez voc�� quebrar a cabe��a. Aqui, voc�� repeliu David Milford.

Qualquer psic��logo lhe poder�� dizer que no seu segundo encontro

com David voc�� fez tudo o que era poss��vel para esfriar o seu re-

lacionamento com ele. Isso tudo porque gosta demais dele e tem

um sentimento de culpa. N��o quer ser infiel ao pai.

��� N��o �� verdade. Preste aten����o a como ele" arrumou nosso en-

contro. Era a primeira vez que sa��amos juntos e ele n��o providenciou

nem velas, nem vinho, nem conversas suaves... Chegou ��s cinco e

meia e me telefonou da portaria. N��o foi nem capaz de subir para

tomar um drinque. Andamos ent��o quase correndo cinco quadras

at�� ao cinema. Depois, levou-me para o Maxwell's Plum. N��o �� um

mau restaurante, mas n��o �� o lugar mais indicado para se levar uma

126

mo��a com quem se quer conversar e ter mais intimidade. De repen-

te, -ele me convida para ir ao apartamento dele.

Linda pensou um pouco e disse:

��� Concordo com voc��. N��o se pode ir assim sem mais nem menos

para a cama com um homem. E, quando um homem convida uma

mulher para o seu apartamento, a inten����o �� uma s��. Seria diferente

se voc�� o convidasse para seu apartamento. Voc�� �� que estaria con-

trolando a situa����o e tudo o que acontecesse pareceria natural e

n��o planejado. Mas voc�� n��o pode de fato convid��-lo para o Pierre.

Francamente, January, a primeira coisa que voc�� tem de fazer ��

ir morar num apartamento seu.

��� Eu bem que gostaria, m a s . . .

��� Mas o qu��? Escute, consciente ou inconscientemente, voc�� se

r��i toda por dentro quando v�� seu pai em companhia de Dee. N��o

�� justo para v o c �� . . . nem para eles. Ou��a o que eu lhe estou dizendo.

Voc�� nunca vai ter um caso com um homem enquanto n��o se mudar

de junto de seu pai. Quanto �� sua carreira no teatro, eu sou a pes-

soa menos indicada para lhe dar qualquer conselho nesse sentido...

��� N��o sou Keith, Linda. N��o levo muito a s��rio a minha paix��o

pelo teatro. Mas quero fazer alguma coisa, participar. N��o quero

ser como minha m��e.

��� Por qu��? Que foi que ela fez al��m de morrer quando voc�� era

menina?

��� Ah! E l a . . . se limitava a ficar em segundo plano contemplando

a vida com seus grandes olhos castanhos, enquanto meu pai fazia

as coisas. Eu quero fazer tamb��m alguma coisa e n��o ficar parada

como ela!

��� Bem, como lhe disse, h�� sempre um lugar em Gloss �� sua es-

pera.

��� N��o quero uma fun����o nominal, Linda. Quero trabalhar mesmo.

��� N��o seria uma fun����o nominal. Eu a faria trabalhar de verdade.

��� Est�� falando a s��rio?

��� Claro que estou. Poderia pedir-lhe que usasse o seu prest��gio

para que nos aproxim��ssemos de certas pessoas ou que nos fizesse

alguma reportagem ou entrevista. At�� eu fa��o isso de vez em quan-

do. Tenho uma tia, irm�� de minha m��e, que �� casada com um pro-

fissional do golfe. Consegui dela autoriza����o para que eu acompa-

nhasse um grande torneio. Foi assim que eu fiz uma reportagem

de grande sucesso sobre a vida particular das mulheres dos golfistas,

Agora, o seu ordenado inicial n��o poderia ser muito alto..

��� Isso n��o tem import��ncia. Tenho mais de quinze mil d��lares

de meu dinheiro ��� disse January. ��� E lhe dou toda a r a z �� o . . . T e -

nho de sair do Pierre.

127

��� Escute ��� disse Linda, dando um estalo com os dedos. ��� No

meu edif��cio mora um solteir��o chamado Edgar Bailey. Creio que

�� um invertido disfar��ado. De qualquer maneira, ensina na Univer-

sidade de Columbia e vai passar um ano na Europa em licen��a.

Perguntou-me um dia destes se eu sabia de algu��m que pudesse fi-

car com o apartamento dele por esse prazo. �� um conjugado. Creio

que ele n��o paga nada por ele. Parece que possu��a parte do terreno

e ficou com o apartamento. Quer que eu saiba do pre��o?

January olhou para o rel��gio.

��� S��o nove horas ainda. Telefone para ele agora. Quem sabe

se n��o podemos ir at�� l��?

Edgar Bailey ficou encantado com January e com o nome dela.

Mostrou-lhe o grande arm��rio embutido, o quarto de vestir min��s-

culo, o maravilhoso sof��-cama e a cozinha com janela. Disse que

pagava 169 d��lares por m��s mas, em vista dos m��veis, era for��ado

a pedir 275.

��� Espere um pouco, Sr. Bailey ��� disse Linda. ��� O senhor s��

paga o condom��nio, como me disse o encarregado, que gostaria de

v��-lo fora daqui. January vai pagar-lhe 225 d��lares por m��s. N��o

vale mais do que isso. N��o h�� uma s�� pe��a de mob��lia que preste,

inclusive o sof��-cama, que tem mais de dez anos.

Ele franziu por um momento os l��bios. Depois, foi buscar uma

garrafa de xerez e tr��s c��lices.

��� �� minha nova inquilina. Sei que poderia conseguir muito mais,

mas fico mais descansado sabendo que uma pessoa t��o bela tomar��

conta de minha casinha.

Linda levantou o c��lice.

��� Sabe tamb��m que devo partir dentro de dez dias e estava com

receio de deixar o apartamento por alugar.

January ergueu o c��lice e sorriu.

��� Muito boa viagem, Sr. Bailey. �� sua sa��de, Linda.

Linda abanou a cabe��a.

��� �� sua sa��de, January. �� sua independ��ncial

128





S E T E


January, sentada no sof��-cama, apoiando-se em almofadas, estava

cercada por uma pilha de n��meros atrasados de Gloss. Estava tra-

balhando na sua primeira reportagem, intitulada "O Breakfast das

M. E. M.". M. E. M. queria dizer "Mulheres Elegantes e Magras".

N��o tinha conseguido aproximar-se de Babe Paley ou de Lee Rad-

ziwill. Mas Dee a havia autorizado a citar a seguinte declara����o

dela: "Quem �� que pode levantar-se antes do almo��o? S�� as crian��as

�� que comem breakfast". Tinha tamb��m declara����es de uma poeti-

sa esquel��tica, de uma starlet do cinema magr��ssima e de uma es-

critora que era militante do Movimento de Liberta����o das Mulheres.

Ainda estava tentando entrar em contato com Bess Meyerson e

Barbara Walters. Era importante saber se Barbara Walters fazia o

breakfast antes ou depois do seu programa "Hoje". A simples ten-

tativa de falar com essa gente era uma tarefa que tomava o tempo

todo.

Tinha feito um estudo cuidadoso de toda a mat��ria publicada nas

revistas em voga e chegara �� conclus��o de que os artigos e reporta-

gens que mais lhe atra��am a aten����o vinham precedidos sempre de

uma introdu����o que prendia o leitor. Ela havia tentado dez vezes

escrever uma introdu����o diferente sem nunca ficar satisfeita. �� claro

que Linda esperava confiar a reportagem a uma pessoa experimen-

tada para reescrev��-la, mas January pretendia surpreend��-la, apre-

sentando um trabalho que de poucos retoques iria precisar. O tra-

balho na revista lhe dera pela primeira vez na vida o sentimento de

identidade. O cub��culo sem janelas onde ficava a sua mesa na re-

vista era o seu escrit��rio, o conjugado do Sr. Bailey era o seu apar-

tamento. Ia pagar o aluguel com o dinheiro que ela mesma ganhava.

As tr��s semanas anteriores tinham sido febris. Mas tinham sido

semanas de viver por conta pr��pria e de tomar decis��es pessoais.

A primeira semana havia sido a mais dif��cil, principalmente em vista

da necessidade de dizer a Mike e a Dee que se ia mudar. Dee aper-

tara os olhos zangadamente, mas antes que ela pudesse exprimir

qualquer obje����o, Mike exclamou:

129

��� Eu sabia que voc�� ia querer um cantinho seu. Quase todas as

mo��as querem. E, se �� esse realmente o seu desejo, creio que �� um

direito seu.

Dee insistiu em vir ver o apartamento antes que January assinasse

o contrato. Edgar Bailey ficou inteiramente atordoado quando a

viu entrar.

��� Oh, Srta. G r a n g e r . . . quero dizer, Sra. W a y n e . . . N��o fazia a

menor id��ia de que January fosse sua filha.

January sabia que ele estava pronto a ter um colapso de arre-

pendimento por haver-se contentado com 225 d��lares.

��� Quer dizer que �� s�� esta pe��a? ��� perguntou Dee.

��� Sim, mas �� muito espa��osa ��� afirmou Edgar Bailey. ��� E estou

muito feliz de deixar January aqui no meu pequeno ref��gio.

Dee passou por ele, abriu as cortinas e exclamou:

��� Meu Deus! J�� viu isso, January? A janela d�� para um p��tio!

��� Um j a r d i m . . . ��� murmurou Bailey timidamente.

��� Pouca luz e falta de espa��o. Mas deve ser disso que a nova ge-

ra����o gosta ��� disse Dee com um suspiro. ��� Trocar um apartamento

de luxo por um pardieiro!

Edgar Bailey levantou a cabe��a.

��� Este edif��cio n��o �� propriamente um pardieiro, Sra. Wayne.

Dee n��o lhe deu aten����o.

��� Creio que podemos dar um pouco mais de vida a isso. Podemos

mudar essas cortinas horr��veis... colocar um tapete novo e algumas

almofadas mais a l e g r e s . . .

��� Sra. Wayne! ��� exclamou Bailey, alarmado. ��� Nada pode ser

modificado aqui. Sabe quem fez essas cortinas para mim?

Mas Dee tinha j�� desaparecido na cozinha e January a seguiu de-

pois de assegurar ao aflito Bailey que tudo ficaria intacto e que ela

adorava aquelas cortinas com desenhos de flores.

Assinou o contrato e se mudou no dia 1.�� de outubro. David man-

dou-lhe um vaso de dracenas. Edgar Bailey lhe deixara um apanha-

do de bot��es de rosas (que n��o chegaram a se abrir), juntamente

com um cart��o em que lhe desejava felicidade. Linda lhe mandara

alguns blocos de papel com o nome e o endere��o dela impressos.

E ��s cinco horas, Mike apareceu com uma garrafa de champanha.

Beberam-na depois de gelar e Mike correu os olhos pelo aparta-

mento com um sorriso.

��� Quer saber de uma coisa? Acho isto formid��vel. Voc�� sempre

viveu com os outros. Na escola, no hospital. J�� estava em tempo de

voc�� viver consigo mesma.

130

Dee chegou ��s sete a fim de apanh��-lo. Iam �� inaugura����o de

uma exposi����o de pintura, mas ela levava uma cesta cheia de latas

de conservas.

��� Nunca se sabe quando se vai precisar dessas c o i s a s . . . H��

v��rias latas de ostras defumadas e,... Fa��a o favor de n��o fazer essa

cara, porque David adora ostras defumadas. Por falar nisso, David

adora tamb��m este queijo aqui que eu chamo queijo de rato. Voc��

corta o queijo em pequenos cubos, coloca num prato com alguns

palitos e ele ficar�� feliz como um raj��. Escute aqui, como �� que

andam as coisas entre voc��s dois?

��� Ele me mandou aquele vaso de planta.

Dee sorriu complacentemente.

��� Mike e eu vamos fazer uma viagem r��pida �� Europa. Vai haver

um torneio de gam��o em Londres, no qual estou inscrita. Mas vol-

taremos logo. �� horr��vel deixar voc�� aqui neste apartamento horro-

roso e insistindo em trabalhar. Antes de minha partida, posso fa-

zer alguma coisa por voc��, al��m de revelar-lhe que n��o como

breakfast?

January hesitou.

��� E s c u t e . . . Karla est�� em Nova York?

��� Por qu��?

��� Eu gostaria de fazer uma entrevista com ela.

Dee riu friamente.

��� Ela nunca d�� entrevistas. N��o �� porque esteja imitando Greta

Garbo ou Howard Hughes. O que acontece �� que ela �� uma polonesa

meio sem intelig��ncia. Pare com esse sorriso, January. N��o me ve-

nha dizer que todo o mundo �� mais ou menos assim. Conhe��o Karla

e sei que ela vive alheada sem tomar conhecimento de nada. N��o

l�� um s�� livro. Nunca votou numa elei����o. N��o se interessa por coisa

alguma sen��o pelos seus pequenos confortos pessoais. Ela est�� em

Nova York, sim. Telefonou-me ainda outro dia. Mas, para lhe dizer

a verdade, tenho estado t��o ocupada que n��o lhe posso dar qual-

quer aten����o. Depois, ver um pouco de Karla �� uma coisa que chega

e sobra por muito tempo. Em primeiro lugar, ela �� incapaz de al-

mo��ar em algum lugar civilizado. Para que ela venha jantar, �� pre-

ciso mostrar-lhe previamente a lista dos convidados. �� rid��culo. Nem

que ela fosse Nureyev ou a Princesa Grace. N��o passa de uma ex-

atriz que por algum motivo inexplic��vel e louco ainda consegue

incr��vel publicidade.

Isso encerrava a quest��o de uma entrevista com Karla.

Tinha escrito a David agradecendo-lhe a planta. Ele telefonara

e dissera que ia ausentar-se da cidade a neg��cios, mas telefonaria

para ela logo que voltasse. Isso tinha acontecido dez dias antes.

131

Ela ia jantar com Linda ou alguma das outras mo��as da revista.

Mas se sentia muito feliz quando voltava para casa e tratava de tra-

balhar ou de ler. Comprara uma m��quina de escrever port��til e

aprendera a bater com dois dedos.

Linda via Keith de vez em quando, mas n��o tinham voltado a

"viver juntos" oficialmente. Ele passava no apartamento dela a

maior parte do tempo, mas insistia em continuar com os seus obje-

tos de uso pessoal na "comuna" do s��t��o.

��� A minha impress��o ��� dissera Linda ��� �� que ele s�� continua

a vir ao apartamento porque gosta de tomar banho no meu chuvei-

ro. Ficamos j u n t o s . . . mas n��o �� mais a mesma coisa.

Ela se recusava a ir ver Keith na pe��a, mas adotou o novo regime

que Keith estava seguindo. Alimentos org��nicos, vinte vitaminas

diferentes por dia e inje����es maci��as de vitaminas duas vezes por

semana por um novo m��dico a quem Keith considerava genial. Dava

evidentemente resultado porque Linda, que sempre fora entusias-

ticamente en��rgica, passara a andar com carga dupla. Parecia que

nunca dormia. Telefonava ��s vezes para January ��s tr��s horas da

madrugada e exclamava:

��� N��o me diga que j�� est�� dormindo! Est��o levando um filme

divino de Humphrey Bogart no Canal Nove!

Mike mandara um cart��o postal dizendo que Dee tinha chegado

��s finais do torneio de gam��o. De algum modo, isso parecia errado.

Mike, que sempre fora um grande jogador, limitava-se agora a ver

a mulher rolar os dados.

Sentada naquele momento no sof��-cama, tentando escrever a in-

trodu����o, pensava que talvez n��o fosse poss��vel escrever alguma

coisa interessante sem ser um pouco ferina. Releu a declara����o do

modelo de rosto vulgar que se tornara atriz e fizera o seu primeiro

e ��nico filme. O seu papel fora muito cortado em vista de sua in-

flex��o mon��tona, mas ela n��o parecia ter-se importado muito com

isso. "Foram muito gentis comigo. Comia sempre f��gado de vitela

no breakfast e nunca meu peso foi melhor". Ora, como Sara Kurtz

saberia explorar e criticar aquela frase!

Suspirou e foi para a m��quina. At�� a declara����o de Dee parecia

falsa. Entretanto, quando ela a fizera no seu jeito displicente, jul-

gara-a muito interessante.

Colocou uma folha de papel na m��quina e tentou pensar numa

nova introdu����o. Talvez se ela dissesse que o modelo era an��mico

e precisava de f �� g a d o . . . N��o. Talvez pudesse come��ar assim: "O

motivo pelo qual Deirdre Wayne �� t��o b e l a . . . " n��o. Tinha de en-

contrar um maneira melhor de come��ar.

132

Estava pensando de novo quando o telefone tocou. O som da

campainha vibrou atrav��s da sala. Tinha-se esquecido de deslig��-la.

Devia ser Linda para recomendar-lhe algum filme pela televis��o.

Quase n��o p��de acreditar quando ouviu a voz t��o sua conhecida:

��� Al��, menina!

��� Papai! Onde �� que voc�� est��?

��� No P. J. Clarke.

��� Como assim?

��� Saltamos do avi��o e eu tive de repente uma vontade incontida

por um prato de chili. Viemos diretamente para aqui do aeroporto.

Por que n��o vem para c��? Vou mandar o carro busc��-la.

��� Adoraria ir. Mas n��o estou vestida e estou escrevendo um tra-

balho que tenho de entregar at�� o fim da semana.

��� Est�� escrevendo mesmo?

��� Estou. E acho que vai ficar bom.

��� Magn��fico! Bem, vou voltar para Nick, o Grego. �� assim que

eu estou chamando Dee agora. Chegou em terceiro lugar no tor-

neio e ganhou quinze mil d��lares. Quer almo��ar comigo amanh��?

S�� n��s dois.

Estava gritando acima do barulho do restaurante.

��� Ser�� ��timo, Mike!

��� Bem, escolha o restaurante �� sua vontade. Telefonarei para

voc�� na revista ao meio-dia. Ah, espere um pouco. Dee vem para

c��. Acho que quer falar com voc��.

��� J a n u a r y . . . ��� Era a voz rouca de Dee.

��� Parab��ns. Gostei muito de saber o resultado.

��� Ah, divertimo-nos muito. Voc�� vem at�� aqui?

��� N��o, j�� disse a Mike que n��o p o s s o . . . Estou cheia de trabalho.

Dee riu.

��� A grande trabalhadora... Oh, M i k e . . . �� melhor voc�� voltar

para nossa mesa, sen��o algu��m pode tomar conta dela. Pe��a o seu

chili e uma salada de espinafre para mim. Al��, January?

��� Al��. Sabe que me est�� fazendo ficar com fome.

��� H�� muita gente aqui esta noite. N��o sei por que todos est��o

de repente olhando para a porta. �� algu��m importante que deve

estar chegando. Deve ser Onassis com Jackie. Escute, January. Est��-

se divertindo muito com o seu trabalho?

��� Muito, Dee. Descobri que sou capaz at�� de escrever.

��� Bem, acho isso maravilhoso e . . .

Dee deixou subitamente de falar. Ao mesmo tempo, January

ouviu uma grande algazarra no restaurante.

133

��� D e e . . . voc�� ainda est�� ao telefone?

��� Estou ��� disse ela com alguma tens��o na voz.

��� Voc�� est�� bem?

��� Estou, s i m . . . Escute aqui, quando foi que voc�� viu David pela

��ltima vez?

��� Bem, e u . . .

��� H�� quase um tumulto a q u i . . . Ele acaba de chegar em com-

panhia de minha velha amiga Karla.

��� Karla no P. J.?

��� Ela faz isso de vez em quando. Aparece onde menos se espera.

Mas n��o se incomode, minha filha. Karla n��o �� p��reo para voc��.

��� N��o estou preocupada, Dee. Estou �� impressionada com David.

��� Volte para o que voc�� estava fazendo, meu anjo. Deixe o resto

comigo. Vou precisar de alguns dias para me organizar agora que

voltei. V�� almo��ar comigo no domingo... assim por volta de uma

hora.

January desligou. N��o estava aborrecida com o fato de David

estar em companhia de Karla. Mas era intoler��vel que ele tivesse

voltado �� cidade e n��o se lembrasse de telefonar. Voltou para a m��-

quina, mas n��o se p��de concentrar na reportagem. Levantou-se e

foi pegar uma coca na cozinha. Viu ent��o a nova lata que tinha

comprado para regar a dracena de David. Havia regado a planta

na v��spera. O florista dissera que a planta s�� precisava de ��gua

duas vezes por semana. Encheu a lata de ��gua, foi para a sala e

derramou tudo na planta, murmurando:

��� Afogue-se, peste! Afogue-se!

Quando Dee deixou o telefone, tratou de colidir acidentalmente

com David e Karla, que se estavam dirigindo para uma pequena

mesa nos fundos do restaurante.

��� N��o posso nem acreditar, Karla! Voc�� no P. J.! ��� exclamou Dee.

Karla sorriu.

��� Est��o exibindo Sapatinhos Vermelhos num pequeno cinema

perto daqui. J�� vi o filme muitas vezes e ainda me emociono. De-

pois, a noite estava t��o bonita que me deu vontade de caminhar

um pouco. ��� Olhou para Mike, que tinha sa��do da mesa e estava

ao lado de Dee. ��� �� este seu belo novo marido?

��� Sou, ��� disse Mike, ��� e sempre tive muita vontade de conhe-

c��-la.

Karla estendeu a m��o.

��� E agora veja a facilidade com que isso aconteceu.

134

��� Quanto tempo voc�� vai ficar em Nova York, Karla? ��� pergun-

tou Dee.

Karla encolheu os ombros largos.

��� �� o que tem de bom n��o trabalhar. Fico onde me agrada pelo

tempo que me agrada.

��� Vamos abrir a casa de Palm Beach daqui a dez dias. Se quiser

ir, eu lhe darei a mesma ala que voc�� j�� ocupou.

��� Muito gentil ��� disse Karla, sorrindo. ��� Talvez eu v �� . . . e

talvez v�� esquiar em Gstaad. Quem sabe? At�� dez dias s��o um prazo

muito longo para se pensar nisso. No momento, s�� estou pensando

em jantar. Estou morta de fome. ��� Olhou para Mike. ��� Foi real-

mente um prazer conhec��-lo.

Encaminhou-se ent��o para a sua mesa, seguida por David.

Dee sentou-se com Mike e remexeu a bolsa �� procura dos cigarros.

��� Escute, Mike. N��o gosto de me meter na vida dos outros, mas

voc�� acha que January repeliu David?

��� Karla �� uma concorr��ncia muito forte ��� disse Mike, sorrindo.

��� Absurdo! Karla tem idade bastante para ser a m��e de David.

A h . . . Sempre pensei que David ficaria louco por January. Pare-

cem feitos um para o outro.

��� Escute, Dee. H�� muito que aprendi que parecer feito para

um papel nem sempre indica que a pessoa �� capaz de represent��-lo

bem.

��� Mas January podia muito bem anim��-lo um pouco. Afinal de

contas, ela n��o �� mais uma menina. Vai fazer vinte e um anos daqui

a poucos meses.

��� Bem, isso n��o �� propriamente velhice. Al��m disso, as mo��as

de hoje n��o acreditam em se casar muito cedo. A metade n��o acre-

dita nem no casamento.

��� January n��o �� uma mo��a de hoje. Est�� tolhida entre dois mun-

dos: o mundo isolado do qual acabou de sair e o mundo novo no

qual sabe como pode entrar. Se ela se apaixonasse por algu��m e

n��o desse certo, ela seria capaz de ficar inteiramente desorientada.

��� N��o creio que v�� ficar desorientada. Ao contr��rio, parece-me

perfeitamente ajustada. Tem um emprego e mora em seu aparta-

mento. Que mais voc�� quer? Est�� levando essa vida h�� pouco mais

de um m��s. Escute, Dee, ningu��m pode dar as pessoas umas ��s

outras, como se fossem presentes de Natal. Depois, Karla �� uma mu-

lher tremendamente interessante...

��� Nada disso. �� uma camponesa sem intelig��ncia e sem educa����o.

Mike sacudiu a cabe��a.

135

��� Palavra que n��o posso compreender a voc��s, mulheres. Ela j��

foi h��spede sua em Marbella, j�� viajou no seu iate e voc�� acaba

de convid��-la para Palm B e a c h . . .

��� Sempre tive convidados, querido. E �� sempre bom ter uma

pessoa famosa. Al��m disso, tenho pena de Karla. �� na verdade uma

pobre alma solit��ria e perdida.

Mike come��ou a rir.

��� Que �� que est�� achando t��o engra��ado? ��� perguntou Dee.

��� Da maneira pela qual as mulheres desperdi��am a sua pena.

Voc�� se preocupa com o futuro de January e com a vida perdida

e solit��ria de Karla. Escute, Dee. Minha filha vai encontrar o seu

caminho e, quanto a Karla, est�� bem longe de ser uma mulher so-

lit��ria. �� f��cil ver por que David se interessa por e l a . . .

��� S��rio? ��� disse ela com voz fria. ��� E voc��? Por que foi que se

interessou por mim, velha e feia como eu sou?

Ele lhe bateu carinhosamente na m��o.

��� Querida, os dentes me nasceram na companhia das maiores be-

lezas de Hollywood. E voc�� �� uma coisa toda especial. O que �� pre

ciso s a b e r . . . �� por que voc�� me quis.

��� Porque s i m . . . ��� murmurou ela e os seus olhos se alongaram.

��� Porque sim o qu��?

��� Porque amava voc�� ��� disse ela. ��� Sei muito bem que pode-

r��amos estar juntos sem casamento. Mas eu acho essa maneira de

proceder indigna. N��o sou antiquada, mas hoje em dia basta a pes-

soa ter quaisquer princ��pios para ser rotulada de arcaica. Quem

tem dinheiro est�� na obriga����o de desprez��-lo. Quem tem uma casa

luxuosa est�� cometendo uma esp��cie de crime. Mas que �� que h��

de errado em ter muitas propriedades? Mantendo nas minhas casas

uma por����o de empregados durante o ano todo. Estou dando trabalho

a toda essa gente. Os pilotos de meu avi��o tem fam��lias. �� gra��as a

mim que os filhos deles poder��o estudar na universidade. O co-

mandante de meu iate recebe o seu ordenado durante cinq��enta

e duas semanas por ano e a tripula����o tamb��m. Quando dou gran-

des festas em Palm Beach, fa��o muita gente ganhar dinheiro, m��-

sicos, fornecedores, costureiros... Gosto de usar belos vestidos e

de ver outras mulheres us��-los. Gosto de bons jantares e de ver

gente elegante e bela. Detesto lugares como este e como outros que

de repente ficam na moda. E quando vejo Karla aqui, sei que n��o

se trata de um simples jantar fora com David. At�� uma mulher como

Karla pode sentir-se s��. Viver s�� n��o �� f��cil. David pode dar a

Karla uma vida movimentada, sexo e boa companhia ��� todas as

coisas que eu quero para sua filha.

136

Mike olhou para Karla e viu que David estava dizendo alguma

coisa ao ouvido dela.

��� Bem, David parece ter id��ias pr��prias a esse respeito.

��� Bem, compete a January faz��-lo mudar de id��ias.

��� �� mesmo?

��� Ora, Mike, ent��o n��o sabe que uma mulher pode fazer o ho-

mem acreditar que a id��ia dela �� realmente dele?

��� Pode realmente?

��� Ora, aposto que voc�� pensa que foi voc�� que lan��ou os olhos

para mim e acabou me conquistando...

��� Bem, se n��o foi, joguei um bocado de dinheiro fora em Mar-

bella.

��� Pois vou-lhe dizer um segredo. Besolvi casar-me com voc�� na

segunda noite em que nos vimos. Mas deixei voc�� continuar na ilu-

s��o de que estava tomando a iniciativa de tudo.

E l e riu e fez sinal ao gar��om pedindo a conta.

��� Ainda n��o sei por que tive tanta sorte. ��� Estendeu as m��os

por cima da mesa e segurou as m��os de Dee. ��� Por qu��? Por que

foi que me escolheu?

��� Porque eu queria voc�� ��� respondeu ela, olhando-o nos olhos.

��� E sempre consigo aquilo que eu quero.

David chegou ao C��te Basque ��s treze horas no dia seguinte. O

telefonema de Dee tinha chegado ��s dez horas da manh��.

��� Meu querido David, estou louca para ver voc��. Quer almo��ar

comigo hoje?

Durante o resto da manh��, ele teve sintomas bem claros de um

ataque de ��lcera.

Depois que se sentaram �� mesa, ele fez todas as perguntas indi-

cadas: sobre o torneio de gam��o, sobre Londres, sobre as pe��as que

ela fora ver no West End. Durante todo o tempo, ficou ali com um

sorriso for��ado, esperando a primeira chicotada. Mas, quando aca-

baram o almo��o e a conversa girou sobre a situa����o do mercado na

Bolsa, ele acendeu um cigarro e come��ou a sentir-se mais tranq��i-

lo. Talvez ela n��o tivesse mesmo com quem almo��ar e se tivesse

lembrado dele. Talvez fosse apenas o seu sentimento de culpa que

o tornava t��o nervoso. F e z um sinal pedindo a conta. Dentro de mais

alguns minutos, tudo estaria acabado. Sairia por aquela porta para

a luz do sol.

Ela atacou no momento exato em que ele ia assinar o cheque.

��� D a v i d . . . que �� que h�� entre voc�� e Karla?

A m��o ficou firme enquanto ele continuava a escrever. (Mais dois

d��lares para o maitre, quatro d��lares para o g a r �� o m . . . ) Uma veia

137

come��ou a latejar-lhe no pesco��o e ele teve receio de que ela visse.

Levou mais tempo do que era necess��rio para guardar a caneta e,

quando falou, teve a esperan��a de que sua voz parecesse despreo-

cupada e firme.

��� Acho a companhia dela muito divertida... N��s nos rimos muito

quando nos encontramos.

��� Ora, meu querido, pare com isso. Karla pode ser tudo o que

voc�� quiser, menos uma pessoa divertida. Ao contr��rio, h�� ocasi��es

em que dificilmente pode haver uma pessoa mais chata. ��� Sacudiu

a cabe��a. ��� Posso compreender o caso que voc�� teve com aquela

divina holandezinha ��� Kim n��o sei mais o qu�� ��� ainda que ela ti-

vesse a coragem de aparecer no Raffles com uma blusa transparente.

Ao menos, ela tem o que mostrar. Mas quando um rapaz mo��o

como voc�� come��a a sair com um mulher mais velha, os outros n��o

podem deixar de falar.

��� E . . . que �� que dizem?

��� Que ela est�� dando dinheiro ao homem, que ele �� impotente

e lhe serve apenas de cavalheiro... ou ent��o que �� bicha. ��� O sor-

riso de Dee era quase melanc��li��o. ��� N��o �� preciso que eu lhe diga

essas coisas, pois todos n��s j�� dissemos o mesmo sobre outras pessoas.

��� �� absurdo! ��� disse ele.

��� Voc�� sabe que �� absurdo e eu sei tamb��m. Mas isso n��o im-

pede que as pessoas falem.

��� N��s nos divertimos juntos. Nada mais que isso. Ela gosta de

minha companhia ��� disse ele obstinadamente.

O riso de Dee era alegre, mas havia frieza em seu olhar.

��� N��o seja rid��culo! Ela �� incapaz de gostar da companhia de

seja l�� quem for. Mas pode ser que esteja interessada num mo��o

que julga que pode receber uma grande heran��a. ��� Tirou os ci-

garros da bolsa e esperou enquanto David riscava atabalhoadamen-

te um f��sforo. ��� Na verdade, essas coisas n��o me interessam...

Soube que Nina Creopopolis est�� com enfisema... A prop��sito, que

�� que voc�� pensa de Becker, Neiman e Boyd?

��� �� um bom escrit��rio de advocacia. Por qu��?

��� Estou pensando em ir procur��-los. Preciso de fazer um novo

testamento.

��� Por qu��? Quero dizer, meu pai sempre tratou dessas coisas para

voc�� a contento. N��o �� porque ele seja meu p a i . . . mas n��o se pode

comparar Becker, Neiman e Boyd com o escrit��rio de Papai.

��� Voc�� �� suspeito para falar, querido. Mas eu gosto disso. Nin-

gu��m tem mais sentimento de fam��lia do que eu. Mas preciso de

uma opini��o de fora. Essa altera����o em meu testamento n��o vai

138

ser como as outras. Preciso de uma opini��o imparcial e segura. Afi-

nal de contas, tenho um marido e uma enteada. Quero muito bem

a eles, David, e tenho de tomar provid��ncias para que fiquem bem

protegidos.

��� Sem d��vida. { O h , diabo! A voz dele tinha tremido. Agora, ela

sabia que ele estava assustado. Virou-se para ela com o seu melhor

sorriso). ��� Dee, voc�� bem sabe que seria um golpe para Papai voc��

procurar outro escrit��rio.

��� E seria um golpe muito fundo para voc�� eu procurar outro

corretor para meus t��tulos?

Ele nem tentou responder. Acendeu um cigarro com as m��os a

tremerem violentamente. Aquilo n��o era mais um jogo. O gato ha-

via apanhado o rato e o estava provocando antes de mat��-lo.

Ela se curvou para ele e beijou-lhe o rosto.

��� Por enquanto, estou apenas pensando. Nada mais que isso.

E l e a levou at�� o carro que esperava e ela fingiu n��o ver o fot��-

grafo de Women's Wear que bateu um flagrante dela. Estendeu o

rosto para ele beijar e disse:

��� Adorei o almo��o, David. �� muito bom continuarmos em conta-

to assim. Eu gostaria de manter minha fam��lia f e l i z . . . e unida.

Ele ficou olhando o carro at�� v��-lo desaparecer no tr��nsito. Di-

rigiu-se ent��o para o telefone p��blico mais pr��ximo e ligou para

January.

139





O I T O


Mike estava preparando Bloody Marys quando January chegou

ao Pierre para o almo��o do domingo. J�� tinha visto Mike, mas era

a primeira vez que via Dee depois que ela voltara de Londres. Dee

largou o problema de palavras cruzadas do Times e estendeu o rosto

para January beijar.

��� N��o sei por que perco meu tempo com essa bobagem ��� disse

ela. ��� Comecei ontem �� noite e cheguei a perder o sono por causa

disso. E, quando se consegue, n��o quer dizer nada. Sei de pessoas

inteiramente cretinas que fazem isso de olhos fechados. �� verdade

que muitas usam um dicion��rio. Isso para mim �� trapa��a. Agora,

sente-se, meu bem, e fale de seu emprego. �� divertido?

��� ��, sim. Aceitaram meu trabalho. �� claro que precisa de algu-

mas corre����es, pois eu n��o pontuo muito bem. Mas Linda achou

��timo. Espero que voc��s" dois gostem tamb��m.

��� Espero que n��o esteja levando o seu trabalho t��o a s��rio que

chegue a se descuidar de sua vida social ��� disse Dee, sorrindo.

��� Bem, acordo todos os dias ��s sete horas. E raramente saio do

escrit��rio antes das sete da noite.

��� Mas isso �� trabalho escravo! ��� exclamou Dee.

��� E estou achando voc�� muito magra ��� disse Mike, entregando-

lhe um copo de bebida. ��� Aposto que de vez em quando se esquece

de comer.

��� Nada disso. Como at�� demais. Ainda esta noite tive um jantar

maravilhoso. Estava com David.

A rea����o de Dee n��o passou de um polido interesse.

��� E como est�� o meu jovem e belo primo?

��� Muito bem. Fomos ao St. R��gis para ver Veronique.

��� Veronique? N��o sabia que ela ainda andava por a�� fazendo a

sua imita����o de terceira classe de Edith Piaf ��� disse Dee.

��� Foi a primeira vez que a vi ��� disse January. ��� E achei que

ela faz uma apresenta����o excelente. Tem com ela tr��s dan��arinos

140

russos. Todos jovens. Um deles fez a opera����o de mudan��a de

s e x o . . . ��s avessas. Era mulher e agora virou homem.

��� Ora, J a n u a r y . . . ��� disse Dee num tom de branda reprimenda.

��� N��o se deve acreditar muito nesses rumores absurdos. Eu sei que

hist��rias assim interessam �� sua revista, m a s . . .

��� Tem raz��o. Eu bem que gostaria de fazer uma reportagem

sobre Nina que virou Nicholas. Bem que eu tentei ontem �� noite!

��� N��o me diga que chegou a falar com essa pessoa.

��� �� claro que falei. Quando fomos para a suite de Veronique.

��� Mas que �� que voc�� foi fazer na suite de Veronique? E l a ��

amiga de David?

��� De David n �� o . . . de Karla.

��� De Karla! ��� exclamou Dee, com a voz uma oitava acima.

��� Exatamente. O que aconteceu foi que David tinha reservado

uma mesa com dois lugares e a mesa que nos deram ficava atr��s

de uma coluna. Foi ent��o que nos apareceu um jovem grego e se

apresentou. Disse que estava com um amigo na mesa de Karla e

que Karla mandara convidar-nos para a mesa dela. A mesa era ��ti-

ma, colocada numa esp��cie de recesso, mas com uma vis��o perfeita

de toda a sala. E Karla �� t��o bonita! Olhei tanto para ela que quase

deixei de ver Nina-Nicholas. E l a . . . ou e l e . . . fala sobre o caso

abertamente. Sei que Linda aumentaria o meu sal��rio se eu conse-

guisse uma entrevista. Mas Nina-Nicholas se recusou. Disse que j��

se negou a falar a v��rias revistas, algumas das quais lhe ofereceram

at�� dinheiro.

��� Quem sabe se a vaidade n��o resolver�� o caso? ��� disse Mike.

��� Diga-lhe que mandar�� fazer fotografias a cores dele ou dela e

que lhe dar�� as fotografias e os clich��s. Pode sugerir tamb��m um

guarda-roupa de C a r d i n . . . H�� v��rias maneiras de explorar a vai-

dade e convencer uma pessoa.

January deu um suspiro.

��� O problema �� justamente esse. Nosso or��amento n��o compor-

ta despesas assim.

��� Que foi que aconteceu depois do show, January? ��� perguntou

nesse momento Dee.

��� B e m . . . tomamos um drinque na suite de Veronique e . . .

Sadie apareceu na sala e anunciou que o almo��o estava na mesa.

Encaminharam-se para a sala de jantar. M��rio serviu o almo��o e

Mike insistiu com January para que repetisse os pratos.

��� S�� lhe pode fazer bem, menina. N��o gosto de voc�� magra assim.

Dee sorria. Disse por fim:

141

��� Voc�� nos estava falando do que aconteceu na suite de Vero-

n i q u e . . .

��� �� verdade ��� disse January. ��� Tive de repente a impress��o de

ter sido transportada para um pa��s estrangeiro. Cada qual falava

com um sotaque diferente. Veronique �� francesa. Karla fala com um

sotaque da Europa Central, os outros dois homens eram gregos e

Nina-Nicholas �� russo. Assim, todos usavam o franc��s como um de-

nominador comum, o que foi ��timo para mim. S�� que o pobre David

n��o compreendia quase nada.

��� Para onde foram depois disso? ��� perguntou Dee.

��� Para lugar nenhum. Karla saiu com os dois gregos e David me

levou para casa porque tinha de jogar squash hoje ��s nove horas

da manh��.

Dee ficou em sil��ncio por um momento. Depois, largou o garfo

no prato.

��� Estou t��o furiosa que at�� perdi o apetite! ��� exclamou ela.

��� Que foi que houve? ��� perguntou Mike.

��� David se descartou de sua filha antes da meia-noite para que

ele pudesse ir para Westport com Karla.

��� Como �� que sabe disso? ��� perguntou Mike.

��� Falei com Karla pelo telefone ontem. Disse-me que ia para

Westport ontem �� noite para um ��ltimo fim-de-semana no campo

antes que fique frio demais. Est�� claro que tudo isso foi planejado.

Karla nunca vai a um clube. Nunca vai a lugar algum. �� claro que

ela conhece V e r o n i q u e . . . mas acontece que ela n��o quis ir a uma

festa em honra de Nureyev, a quem realmente admira, porque tem

verdadeiro horror ��s aglomera����es de gente. Mas como David sentiu

evidentemente que n��o podia deixar de ver January, os dois com-

binaram toda essa farsa, como uma boa maneira de matar dois coe-

lhos com uma s�� cajadada. Karla iria ver Veronique para matar sau-

dades dos velhos tempos e, ao mesmo tempo, David sairia com J a -

nuary. Depois, dariam um jeito de se livrarem de J a n u a r y . . . e os

dois poderiam ir para Westport.

Mike franziu a testa, mas continuou a comer.

��� Se David quer passar um fim-de-semana fora, isso �� um caso

dele.

��� Deixa de ser quando ele trata sua filha com desprezo por uma

mulher duas vezes mais velha do que ela.

Mike parou de comer e empurrou o prato. Disse ent��o com voz

calma e firme:

��� Dee, acho que voc�� devia deixar as pessoas tomarem as de-

cis��es que quiserem e viverem a sua vida.

142

January teve vontade desaparecer de repente. Dee estava real-

mente zangada e o queixo de Mike estava cerrado naquele jeito

que ela conhecia t��o bem. Disse ent��o para atenuar a tens��o:

��� Escutem, voc��s d o i s . . . Achei a noite de ontem maravilhosa...

e eu e David realmente nos demos muito b e m . . .

��� Por que foi ent��o que voc�� deixou aquela polonesa carreg��-lo?

��� perguntou Dee.

January agarrou com as m��os a borda da mesa at�� que os n��s

dos dedos ficaram brancos. Adorara a noite em companhia de David,

que se mostrara muito simp��tico e sol��cito. Agora, Dee estava es-

tragando tudo. Nunca lhe passara pela cabe��a que o encontro com

Karla tivesse sido premeditado. David tinha parecido genuinamente

surpreso e Karla abandonara toda a sua reserva para ser gentil com

ela. Karla se interessara pelo trabalho dela na revista e at�� lhe dera

permiss��o para dizer que ela comia mingau de aveia todas as ma-

nh��s na hora do breakfast.

Agora, de repente, tinha d��vidas. Tudo teria sido combinado?

David estaria realmente apaixonado pela outra? Tudo isso lhe pas-

sou pela cabe��a enquanto via a tens��o crescer entre Dee e Mike.

Compreendeu de repente que tinha de sair dali. J�� era horr��vel saber

que David a convidara para sair de pura compaix��o. Pior ainda era

ver Mike e Dee brigando por causa dela e falando sobre o caso como

se ela n��o estivesse presente! E qual era a impress��o que Mike devia

ter dela? De que era uma verdadeira nulidade!

A c��lera de Mike fez Dee de repente recuar. Os l��bios lhe tre-

meram e ela tentou mostrar um sorriso. Um tom de s��plica se lhe

insinuou na voz.

��� M i k e . . . se eu estou tentando fazer alguma coisa �� em benef��-

cio de January. N��o era ela a sua maior preocupa����o quando n��s

nos casamos? N��o me disse que queria que January tivesse tudo para

compensar as coisas por que havia passado, tudo de bom que ela

perdera?

��� Isso n��o quer dizer que voc�� tenha o direito de interferir na

vida dela a ponto de for����-la a sair com um homem que evidente-

mente tem outras inclina����es.

��� Deus do c��u! David me disse que January era uma das mo��as

mais bonitas que ele j�� tinha visto na vida! ��� Deu um suspiro. ���

Talvez eu me tenha esfor��ado demais porque nada deu certo. Pla-

nejei aquele belo quarto para January e ela n��o o quis. Planejei pas-

sarmos todos juntos as festas em Palm Beach. Mandaria o avi��o bus-

car January e David e ter��amos uma reuni��o de fam��lia ali no Dia

de Gra��as. Depois, no Natal, eu daria um grande baile como dei

h�� alguns anos. Mandaria buscar algu��m como Peter Duchin. Con-

143

vidaria o Prefeito Lindsay, Lenny, R e x . . . toda a gente importante

e amiga. E tinha esperan��a de que nessa ocasi��o January e David

anunciassem o seu noivado...

��� Tudo isso �� muito interessante ��� disse Mike. ��� Mas talvez

n��o seja exatamente o que January d e s e j a . . .

��� Como �� que ela pode saber o que deseja? ��� disse Dee, fria-

mente. ��� �� preciso ensinar-lhe a querer as coisas certas.

��� Durante tr��s anos, foi preciso ensinar-lhe a andar e a falar!

��� gritou Mike. ��� De agora em diante, �� ela quem sabe o que vai

querer I

Os olhos de Dee se apertaram.

��� Est�� muito bem! Ela pode trabalhar �� vontade naquela revis-

tazinha! Pode morar naquele apartamento de terceira classe! N��o

vou tentar mais nada. Por que �� que vou ter tanto trabalho com

dois ingratos? Nenhum de voc��s sabe gozar as boas coisas da vida.

Ela que morra de frio em Nova York neste inverno. N��o vou pedir

a ela que v�� para Palm Beach.

��� Talvez eu n��o v�� para Palm Beach, tamb��m ��� disse Mike.

��� S��rio? Escute, Mike, que �� que voc�� vai fazer? Mudar-se da-

qui? Muito bem! Encontre um apartamento bem grande para voc��

e sua filha. Produza um espet��culo de sucesso na Broadway! Junte

uma fortuna para deixar a ela com todos os seus sucessos! V�� em

frente! Por que devo eu ter a preocupa����o de v��-la casada? Voc��

pode dar o mundo para ela. Continue! Produza uma p e �� a . . . um

f i l m e . . . realize todos os sonhos dela!

January viu a cor desaparecer do rosto do pai. Levantou-se ent��o.

��� Mike, voc�� realizou todos os meus sonhos. N��o �� preciso fazer

mais nada. J�� sou adulta. Gosto de meu trabalho na revista. E de

agora em diante �� .a mim que cabe realizar meus sonhos. Gostaria

muito de ir a Palm Beach no Dia de Gra��as. Na verdade, h�� muito

sonho com isso. E, Dee, quero que saiba que dou muito valor a tudo

o que tem feito por mim. Adorei o quarto que preparou para mim.

Mas acontece que eu quero viver por minha conta. David �� muito

gentil. Posso dizer at�� que �� uma das melhores pessoas que eu co-

nhe��o . . . Voc��s dois n��o devem brigar por minha causa.

Calou-se. Os dois continuavam sentados numa imobilidade r��gida,

olhando um para o outro. Afastou-se da mesa.

��� Agora, d��em-me licen��a que j�� estou atrasada. Prometi a Linda

que iria discutir com ela o planejamento de alguns artigos novos

para a revista.

Beijou o rosto do pai e teve a impress��o de que o mesmo era de

pedra. Saiu correndo do apartamento.

144

Mike nem olhou para ela. Continuava a olhar para Dee, paralisa-

do pela raiva. Mas, quando falou, sua voz era baixa e controlada.

��� Voc�� me castrou diante de minha filha.

Dee riu nervosamente.

��� Pare com isso, Mike! N��o vamos b r i g a r . . . �� a primeira vez

que nos acontece uma coisa dessas.

��� Foi a primeira e vai ser a ��ltima!

Ela foi para onde ele estava e passou os bra��os em torno do corpo

dele. A voz dela era suave, mas os olhos estavam cheios de medo.

��� Mike, voc�� sabe o amor que eu lhe t e n h o . . .

Ele se desvencilhou dela e saiu da mesa. Dee correu atr��s dele

enquanto ele se dirigia para o quarto.

��� Estarei com minhas malas feitas e fora desta casa dentro de

uma hora!

��� N��o, Mike! ��� exclamou ela, segurando-lhe o bra��o enquanto

ele tirava uma maleta do arm��rio embutido. Mas Mike lhe sacudiu

o bra��o. ��� N��o, Mike! Perdoe-me... Perdoe-me! Por favor, n��o me

deixe!

Ele parou e olhou para ela.

��� Escute, D e e . . . Quer fazer o favor de dizer por que se casou

comigo?

��� Porque amo voc��. ��� Passou os bra��os pelo pesco��o dele. ���

Oh, Mike, nossa primeira briga e a culpada sou eu. Perd��o! Por fa-

vor, meu anjo! N��o �� direito n��s brigarmos. Tudo por causa de sua

filha. ��� Ele a tirou de sua frente, mas ela continuou a segui-lo. ���

Nunca tive um filho, Mike. Sei que sa�� dos limites, mas foi pela

minha ansiedade de tratar January como se fosse minha filha. Sei

que procedi mal tentando controlar a vida dela e proteg��-la demais,

como fa��o com David. Nunca tive irm��os e ele tem sido para mim

como um filho. E agora com J a n u a r y . . . Sei que me excedi, mas

foi tudo pela vontade que tenho de v��-la f e l i z . . . E �� rid��culo n��s

brigarmos. Dizemos um ao outro o, que n��o sentimos. Estou zangada

com David e com K a r l a . . . n��o com voc��. ��� Sentiu o p��nico aumen-

tar ao ver que Mike continuava a arrumar as malas. ��� N��o me deixe,

Mike! Eu amo voc��! Como �� que eu posso provar isso? Quer que

eu telefone para January e pe��a desculpas? Farei tudo o que voc��

quiser!

Ele parou e olhou para ela.

��� Tudo o que eu quiser?

��� Tudo!

��� Nunca lhe pedi nada, n��o foi? Assinei at�� um acordo antes do

casamento, segundo o qual, se me divorciar de voc��, n��o receberei

um centavo. Certo?

145

��� Vou rasgar esse acordo!

��� Nada disso. Continue com ele. N��o quero nada. Mas, de hoje

em diante, pare com essa conversa de dizer que gosta de January

e que vive preocupada com o futuro dela. Em vez de falar, aja!

��� Como assim?

��� Quero ter certeza de que, se um dia eu cair morto enquanto

estiver vendo voc�� jogar gam��o, minha filha ser�� uma mulher rica.

��� Prometo que vou fazer isso. Amanh�� mesmo, abrirei para ela

um fundo fiduci��rio de um milh��o de d��lares.

E l e olhou para ela com toda a aspereza.

��� Isso �� porcaria.

��� Que �� que voc�� quer?

��� Dez milh��es.

Ela hesitou um instante e ent��o fez um lento sinal de assenti-

mento.

��� Est�� b e m . . . Prometo. Dez milh��es.

Mike teve um breve sorriso.

��� E, de agora em diante, deixe David de lado. �� uma ordem de

seu marido. Se ele sente alguma coisa em rela����o a Karla, tem de

superar isso por conta pr��pria e n��o porque voc�� o exige. Mas, seja

como for, n��o quero que January seja empurrada para ele. N��o se

esque��a!

��� Prometo.

��� E n��o quero mais piadinhas sobre o trabalho dela. Que diabo,

ela est�� tentando. Tem ambi����o e quando se perde isso, menina,

n��o h�� mais fichas para se jogar.

��� Prometo, Mike ��� disse ela, abra��ando-o e beijando-lhe o pes-

co��o. ��� Agora, vamos, sorria... N��o fique mais zangado.

��� N��o se vai mais meter na vida dela?

��� Nunca mais falarei a David no nome dela.

��� E o fundo de dez milh��es em favor dela est�� certo tamb��m?

Ela fez um sinal de assentimento.

Ele a olhou por um momento, tomou-a ent��o nos bra��os e carre-

gou-a para a cama.

��� Est�� certo. Agora que tivemos a nossa primeira b r i g a . . . va-

mos fazer as pazes na cama!

David chegou ao Racquet Club cinco minutos antes da hora

combinada. Tinha havido urg��ncia na voz do pai. Isso implicava

a exist��ncia de algum problema. Justamente quando tudo ia t��o

bem. Em geral, ele detestava as segundas-feiras, mas tinha acorda-

146

do naquela manh��, sentindo que era dono do mundo. O seu encon-

tro com January no St. R��gis tinha decorrido sem o menor contra-

tempo. Ela aceitara a id��ia de que a presen��a de Karla tinha sido

um simples acidente. Ela ficara at�� muito contente com i s s o . . .

como uma f��. E certamente n��o fazia a menor id��ia de que �� meia-

noite ele e Karla tivessem partido de carro para Westport. Ainda

naquele momento, sentia-se feliz de pensar nisso. Era a primeira

vez que tinha passado toda uma noite com ela. Nunca se esqueceria

do incr��vel espet��culo de Karla na cozinha na manh�� seguinte pre-

parando bacon com ovos para ele. Tinham sido as vinte e quatro

horas mais felizes de sua vida. A casa tinha-lhe sido emprestada por

um amigo e permitia uma reclus��o perfeita. Ficava no centro de

um terreno de dois hectares e meio. At�� o tempo tinha cooperado.

O domingo tinha sido um desses raros dias em que o outono se mos-

tra �� altura das suas descri����es po��ticas. Para ele, o outono nunca

tinha sido sen��o o come��o do inverno. Crep��sculo precoce; um dia

cinzento de chuva em Wall Street; um vento cheio de p�� e falta

de t��xis. Mas o outono numa estrada rural de Westport era uma

explos��o de folhas coloridas que estalavam sob os p��s, o ar claro e o

sentimento de completo isolamento do mundo.

Tinha sido uma boa segunda-feira. O bom tempo os tinha acom-

panhado at�� a cidade. O pr��prio ar pesado de Nova York parecia

mais limpo. A Bolsa se fechara em alta para variar e, ��s tr��s horas,

Karla tinha telefonado para dizer-lhe que ele podia acompanh��-la

at�� a casa de B��ris Grostoff. Isso significava que ele realmente en-

trara para o c��rculo ��ntimo dela. B��ris tinha sido o diretor predi-

leto dela e os seus pequenos jantares ��ntimos estavam entre as raras

festas a que Karla comparecia.

Viu o pai entrar e levantou-se para cumpriment��-lo. O velho es-

perou que os drinques chegassem e entrou diretamente no assunto.

��� Como �� a apar��ncia de January Wayne?

David ficou surpreso com a pergunta.

��� Quem, January? �� muito bonita.

��� �� mesmo? ��� murmurou o pai dele, tomando pensativamente

mais um gole de u��sque. ��� Ent��o por que Dee est�� t��o inquieta

a respeito dela?

��� Sinceramente que n��o compreendo.

��� Ela foi ao meu escrit��rio hoje de manh�� para modificar o seu

testamento. Parece que a maior preocupa����o dela �� ver a enteada

casada. Pensei que a mo��a fosse desajeitada ou feia.

David sacudiu a cabe��a.

��� Ao contr��rio. �� uma das mo��as mais bonitas que eu conhe��o.

O pai tirou do bolso um caderninho de capa de couro.

147

��� Tomei nota de algumas das altera����es que ela deseja que sejam

feitas no testamento. J�� est��o em andamento.

��� Essas altera����es me dizem respeito?

��� E muito. Voc�� n��o �� mais o testamenteiro.

David sentiu o sangue subir-lhe ao rosto.

��� Ela me excluiu!

��� Eu tamb��m fui atingido. Nosso escrit��rio divide agora os po-

deres de execu����o testament��ria com Yale Becker, de Becker, Nei-

man e Boyd. Mas a porta ainda est�� aberta para voc��, David. H��

uma disposi����o segundo a qual se, antes da morte de Dee, David

Milford se casar com algu��m que tenha a aprova����o dela, ser�� ent��o

o testamenteiro e presidente da funda����o.

��� Que ordin��ria! murmurou David.

��� Mas n��o �� s�� isso, David. A enteada, January Wayne, receber��

um milh��o de d��lares quando se casar. Ao mesmo tempo, ser�� es-

tabelecido para ela um fundo fiduci��rio de dez milh��es de d��lares,

que ser�� pago por ocasi��o da morte do pai dela ou da morte de Dee,

se esta morrer antes dele.

��� N��o posso acreditar ��� disse David.

��� Nem eu. �� claro que nada disso �� irrevog��vel. Dee pode a

qualquer momento modificar essas disposi����es. O que parece es-

tranho �� que Mike Wayne n��o tenha pensado nisso. �� evidente que

a sofistica����o do homem n��o se estende ao ponto de exigir um novo

testamento. Julgo a f�� que ele tem um pouco infantil, principal-

mente conhecendo Dee como eu conhe��o. Mas, por enquanto, tudo

ficar�� nesse p��, pois a impress��o que ela d�� �� de que realmente

tem amor por esse homem. Essa espantosa generosidade para com

a filha dele �� uma boa seguran��a de que ele n��o a deixar��. Uma

coisa �� certa. �� Mike Wayne quem dirige a vida do casal. E �� muito

curioso que ele nada queira para si mesmo, al��m dessa inacredit��-

vel heran��a para a filha. Foi isso que me fez pensar que a mo��a

era totalmente desfavorecida e que essa era a ��nica maneira pos-

s��vel de comprar-lhe um marido.

��� Ela procurou empurrar-me January desde o primeiro momen-

to. Ela quer ver a mo��a casada e fora do caminho dela. Creio que

pela primeira vez em sua vida, Dee est�� realmente amando um ho-

mem. Ao mesmo tempo, ela gosta de controlar as coisas e de sentir

o seu poder. Mas com Mike Wayne ela n��o tem poder sen��o por

interm��dio da filha.

��� E ela pensou em cas��-la com voc�� para ser agrad��vel ao ma-

rido?

��� N��o. Na minha opini��o, ela quer ver January casada porque

a v�� como uma rival na afei����o de Mike.

148

��� Que �� que voc�� est�� insinuando, David?

��� N��o s e i . . . N��o compreendo bem. Mas naquela primeira noite

vi January e o pai se olharem muito. E havia nos olhos deles uma

intimidade maior do que �� normal haver entre pai e filha. January

era minha companhia, mas eu de certo modo sentia o pai dela como

meu competidor. Dee devia ter sentido isso tamb��m.

��� Mas por que ela o excluiu de sua posi����o de testamenteiro?

David sorriu.

��� �� evidente que ela quer que seja eu quem afaste a sua com-

petidora. A isca est�� vis��vel demais... em preto no branco.

��� Meu Deus! E voc�� tem alguma chance? Quer dizer, a mo��a tem

algum interesse por voc��?

��� N��o sei. Tenho sa��do com ela, m a s . . .

��� Escute, voc�� gostaria de lev��-la para jantar em nossa casa?

��� N��o. Deixe-me fazer as coisas ao meu jeito. Acho que muitos

homens j�� desistiram de mais por dez milh��es de d��lares.

��� De que �� que voc�� vai desistir?

��� De Karla.

��� De Karla? Estive apaixonado por ela quando tinha a sua idade.

N��o perdia um filme dela. H�� vinte e cinco anos, pensava cons-

tantemente nela. Mas a g o r a . . . Ela deve ter a idade de sua m��e.

��� Karla tem apenas cinq��enta e dois anos.

��� Sua m��e s�� vai fazer cinq��enta em fevereiro.

��� N��o penso em idade quando estou com Karla. E n��o pretendo

casar-me com ela. Escute, P a p a i . . . Eu sei que isso tem de termi-

nar. Sei que um belo dia acordarei farto de repente de comer bifes

na cozinha dela e de ir ver filmes que detesto. Nesse dia, quebra-

rei todos os recordes numa corrida para January Wayne.

��� E acha que ir�� encontr��-la �� sua espera?

��� Tento manter essa possibilidade e n��o espero outra coisa. Mas

no momento n��o posso abrir m��o de Karla. Ainda n �� o . . .

��� H�� muita gente que saiba do seu caso com Karla?

��� Muita gente, n��o. Ela nunca vai a reuni��es sociais, salvo em

raras ocasi��es, como hoje. Eu a vou levar para jantar em casa de

um ex-diretor de cinema.

��� �� exatamente assim que o seu caso ser�� conhecido ��� voc��

servindo de cavalheiro a uma ex-estrela de cinema. Agora, escute.

Imagine que n��o seja bastante voc�� manter a possibilidade em re-

la����o a January. Enquanto voc�� continua a dar aten����o a Karla,

pode acontecer que January conhe��a outro homem e que esse ho-

mem tenha a aprova����o de Dee. Pode ser at�� que se trate de um

149

corretor de outro escrit��rio de corretagem. E essa mulher, Karla,

lhe confia o dinheiro dela e lhe permite administrar os seus fundos?

David sacudiu a cabe��a.

��� Ela �� conhecida como a mulher de m��o mais fechada do mundo.

��� �� claro ent��o que ela n��o representa exatamente uma vanta-

gem para voc�� no escrit��rio de corretagem onde voc�� trabalha.

��� Sem d��vida alguma. E tenho a impress��o de que, se eu n��o

come��ar a fazer um pouco de romance de verdade com a pequena

January, a prima Dee tratar�� agora de mudar de escrit��rio de cor-

retagem.

��� Tome provid��ncias ent��o, meu filho. Tome provid��ncias.

150





N O V E


O local das dan��as em Le Club estava repleto. David dan��ava

muito colado a January e se movia lentamente. Tinha-a levado para

jantar em Le Mistral. V��rias vezes lhe apertara a m��o e ficara agra-

davelmente surpreso com a rea����o dela. Dee e Mike iam partir para

Palm Beach dentro de menos de uma semana e ele estava decidido

a levar January a comunicar o admir��vel rumo que o relacionamen-

to deles havia tomado. E, depois que Dee partisse, seria mais dif��-

cil para ela tomar nota de quantas noites divertidas os dois sa��am

juntos. E ele estaria sempre ali em a����o.

�� claro que muita coisa dependia das rea����es de January. Tinha

de fazer que ela se apaixonasse mesmo por ele. Ela n��o era Kim

Voren. Para Kim, ele representava, al��m do homem que a satisfazia

de sobra, seguran��a e posi����o social. January n��o precisava de nada

disso. N��o, ele tinha de mostrar a sua ascend��ncia sobre e l a . . . na

cama. Uma vez que as mulheres fossem fisgadas assim, o resto era

f��cil. E l e podia esquecer Kim durante mais de dez dias, mas ela

estava pronta sempre que ele telefonava.

Precisava apenas de tempo. Tinha dito a Karla que Dee o estava

for��ando a sair de vez em quando com January e Karla se mostrara

compreensiva. Passara por um mau momento quando havia sugerido

que talvez fosse passar o Dia de Gra��as em Palm Beach. E Karla

tinha dito: " E u sei. Dee me convidou tamb��m".

Por um momento, ficou alarmado. Nunca poderia sair-se bem de

uma situa����o assim. Na presen��a de Karla, ele procedia como se

n��o estivesse no seu ju��zo perfeito. Dee e January perceberiam tudo

imediatamente.

��� E voc�� vai, n��o �� mesmo? ��� disse ele, tentando dar �� sua voz

o tom entusi��stico de sempre.

��� N��o. O Dia de Gra��as me deixa indiferente. Embora esteja

naturalizada, foi uma coisa a que eu nunca me habituei. �� um fe-

riado exclusivamente americano, como o Quatro de Julho.

151

Mas dera para sentir uma ponta de inquieta����o na atitude de

Karla. Quando ela falava da Europa, o que tinha passado a ser

muito freq��ente, David sentia uma aflita premoni����o. Sabia, por��m,

que a sua ��nica chance de salva����o seria ela desaparecer de repen-

te da face da terra. Compreendia agora que aquele caso nunca iria

morrer por si m e s m o . . . do lado dele. ��s vezes, tinha at�� fantasias

em que figurava a morte dela. Se ela se fosse para sempre, ele po-

deria dedicar-se �� tarefa de cuidar de sua vida.

E ainda naquele momento em que tinha nos bra��os, no local de

dan��as superlotado, aquela bela mo��a, era em Karla que ele pensava.

Era uma coisa errada, anormal at��. Sempre exercera um controle

completo sobre os seus casos. Nenhuma mulher jamais o dominara.

At�� nas suas liga����es mais impetuosas, ele poderia ser arrastado

durante algumas semanas... Isso fazia parte da gra��a e do entusias-

mo de um novo romance, mas ele sempre acabava em posi����o su-

perior e a mulher passava a desej��-lo mais do que ele a desejava,

at�� que ele ia esfriando... Mas isso n��o havia acontecido com

Karla e ele sabia que nunca ia acontecer.

De qualquer maneira, tinha de se tornar absolutamente impor-

tante para January. Tinha de fazer aquela pequena desej��-lo, pre-

cisar dele, esper��-lo. Precisava apenas de um pouco mais de tempo.

Olhou para ela e sorriu. Ela era realmente bela, ainda mais bela

que Kim. Se ele tentasse alguma coisa mais positiva naquela noite,

estaria precipitando as coisas? Precipitando as coisas? Estavam em

novembro. Ele j�� a conhecia havia quase dois meses. Kim tinha ido

para a cama com ele na primeira noite. Karla, na tarde seguinte.

Tinha planejado tudo para aquela noite. Tinha at�� comprado os

��lbuns de discos de que ela gostava.

De repente, sentiu-se um pouco nervoso. Havia s��culos que n��o

dava em cima de uma pequena. Elas sempre �� que davam em cima

dele! Na verdade, n��o sabia como devia agir. Talvez fosse falta de

pr��tica. Ou talvez January estivesse alguns furos acima das peque-

nas a quem conhecia na cidade, as quais o apalpavam por baixo da

mesa ou diziam: "Vamos para casa fazer amor".

Prestou subitamente aten����o. Ela lhe estava pedindo alguma coisa.

��� Todos dizem que as lota����es est��o esgotadas por v��rios meses,

mas se voc�� tiver algum problema, Keith Winters, que �� um amigo

de Linda, conhece um camarada que trabalha em Hair e pode con-

seguir-nos entradas de favor.

Hair! Ele havia prometido lev��-la para ver a pe��a logo que ela

chegara a Nova York. Sorriu.

��� Vou conseguir as entradas na semana que vem. Nosso escri-

t��rio tem um bom agente de entradas. N��o se preocupe.

152

Tinha de resolver tudo com e l a . . . naquela noite. Quando fossem

para Palm Beach, tudo teria de estar certo entre eles. O pai lhe ti-

nha dito que o novo testamento de Dee j�� estava assinado por ela

e devidamente testemunhado. J�� estava em pleno vigor. �� claro

que, se ele se casasse com January, tudo seria novamente modifi-

c a d o . . . ou at�� se ficassem noivos. Foi dominado por um s��bito

sentimento de urg��ncia. Tomou-lhe o bra��o e saiu com ela do local

das dan��as.

��� �� imposs��vel conversar aqui ��� disse ele. ��� Seja como for, nunca

podemos conversar. H�� sempre muita gente.

Ele lhe ajeitou a cadeira e ent��o ela disse:

��� Poder��amos ir para o Louise's.

Ele riu.

��� Nunca! Carmen, a mo��a do bar, e eu somos man��acos por fu-

tebol americano e ficar��amos o tempo todo discutindo sobre o jogo

de domingo. Escute, uma boa pedida, �� irmos para o meu aparta-

mento. Tenho todos os discos de que voc�� diz que gosta. Quase tudo

de Sinatra e de Ella. Poderemos tomar champanha e conversar ��

vontade.

Ficou at��nito de v��-la aceitar sem qualquer press��o. Pagou a

conta e saiu com ela. V��rios conhecidos olharam para ela e mani-

festaram a sua aprova����o. Por que n��o? Ela era tremendamente

bela! Alta, aerodin��mica e j o v e m . . . jovem! Tinha de parar de pen-

sar em Karla. Do contr��rio, as coisas n��o seriam naquela noite como

deveriam ser. Afinal de contas, ele teria de enfrentar unia compe-

ti����o muito dura. Ela devia ter tido muitos amantes europeus quan-

do estudara na tal universidade su����a. E, antes mesmo de ir para

l��, devia ser bem experimentada. Qualquer mo��a criada ao lado de

Mike Wayne n��o podia deixar de ser escolada. Uma prova era a

rapidez com que ela conseguira um apartamento para viver sozi-

nha . . . E trabalhando com aquela turma da revista ainda por cima!

Ali devia reinar a mais terr��vel promiscuidade...

Bem, ele iria fisg��-la naquela noite. E talvez pudessem acertar

tudo para se encontrarem duas ou tr��s noites por semana. Com cer-

teza, pela primavera estariam noivos extra-oficialmente. Mas tinha

de espa��ar os seus encontros para n��o perder o contato com Karla.

Mas, espa��ar por qu��? Karla na realidade pouco se interessava pelo

seu futuro. January �� que era seu futuro! Muito bem. Come��aria

naquela noite. E ainda teria Karla. Precisava apenas era de ter ca-

be��a.

January sentou-se ao lado dele no t��xi enquanto subiam Park

Avenue. Ela sabia que ele ia tentar fazer amor com ela. E ela ia

deixar. Estava cheia de curiosidade sobre todo o caso. Tinha cer-

153

teza de que quando ele a tomasse nos bra��os aconteceria alguma

coisa maravilhosa. Eles se inflamariam... e talvez ela acabasse

realmente amando-o. Sentia uma certa atra����o por ele e Linda lhe

tinha assegurado que, desde que ele fizesse amor com ela, tudo

passaria a ser diferente. Linda ficara espantada de saber que ela

ainda era virgem. E, da atitude de todas as outras pequenas da re-

vista, ela chegara �� conclus��o de que a virgindade n��o era uma coisa

de que se tivesse de ter particularmente orgulho. Era quase como

se n��o se fosse tirada para dan��ar por ningu��m. Ela fizera o seu

inqu��rito particular. N��o havia ningu��m em Gloss que fosse virgem.

Fazia-se uma exce����o para o cr��tico de teatro, que tinha trinta e um

anos e um sotaque alem��o. Andava sempre de bra��o dado com

uma pequena de dezoito anos, mas Linda dizia que o caso dele era

de "auto-satisfa����o".

Linda passara a dormir com o diretor do departamento de arte.

Keith nem telefonava havia j�� uma semana e, como ela dizia, n��o

podia deixar de sentir algu��m ao lado dela na cama.

O t��xi parou na Rua 73. Quando chegaram ao apartamento, David

pareceu nervoso ao tentar abrir a porta, sem acertar com a chave

na fechadura. Por fim, f��-la entrar e acendeu as luzes. Ela tirou o

casaco e correu os olhos em torno. A sala-de-estar era bem inte-

ressante com a lareira falsa e muitos alto-falantes. A porta do quar-

to estava a b e r t a . . . Que coisa! Cama redonda e paredes vermelhas!

Teve vontade de rir. Era a id��ia de um bordel de- um ing��nuo.

David ligou o hi-fi e a voz veludosa de Nat " K i n g " Cole se es-

palhou pela sala. Foi at�� o bar e pegou triunfantemente uma garra-

fa de Dom Perignon.

��� Quando ouvi voc�� dizer que gostava disto, comprei uma garra-

fa logo no dia seguinte. Tenho esperado desde ent��o por voc��. ���

Come��ou a abrir a garrafa. ��� N��o a esperava1 esta noite e por isso

n��o est�� gelada. Teremos de tom��-la com gelo. ��� Aproximou-se com

as ta��as. ��� Ent��o? Que �� que acha do apartamento? N��o, n��o diga.

Eu sei. A sala �� uma vers��o barata de um apartamento de Park

Avenue e o quarto �� o sonho de um rapaz socialmente correto. ���

Calou-se ao compreender que Karla nunca estivera em seu aparta-

mento e que os maiores sonhos de sua vida se tinham realizado no

quarto severo de Karla e em sua estreita cama de beliche. Tirou tudo

isso de seus pensamentos e conseguiu esbo��ar um sorriso. ��� Voc��

sabe que eu, quando cresci, tive um quarto t��pico de rapaz, deco-

rado por minha m��e. Fl��mulas nas paredes e cama dupla de beliche

at�� aos meus doze anos, embora eu fosse filho ��nico e s�� uma noite

um primo meu tivesse dormido na outra cama.

Levou-a para o sof�� e sentou-se com ela. Nat " K i n g " Cole can-

tava com voz suave e envolvente Darling, Je Vous Aime Beaucoup.

154

January olhou para o champanha. Dom Perignon era para ocasi��es

especiais... Tomou um grande gole. Bem, a ocasi��o era tremenda-

mente especial, n��o era? Ela ia deitar-se com um homem!

Tomou outro gole da grande ta��a antiquada em que ele a tinha

servido. A ta��a dele era bem menor. Sentiu uma pontada de decep-

����o. N��o esperava que ele fosse t��o ��bvio no seu desejo de embria-

g��-la. N��o, n��o devia pensar assim. Queria ati��ar a leve chama de

atra����o que sentia por David e n��o apag��-la. Mas Mike nunca tra-

taria uma mulher de maneira t��o crua e direta. Oh, n��o! N��o estava

na hora de pensar nele. Assim, iria estragar tudo. Podia ver Mike

franzindo a testa e dizendo: "Queria que voc�� gostasse do homem,

January, mas n��o a s s i m . . . " Teve ��mpetos de fugir. Franco tinha

sido mais simp��tico do que David, mas, quando ele tocara nela,

fora tomada de verdadeiro p��nico. Que estava ela fazendo ali? Po-

dia ainda s a i r . . . E depois? Iria ficar virgem a vida inteira? Pode-

ria dizer a Linda que dera as costas e fugira de David, de Nat

"King" Cole, de Dom Perignon, de uma cama redonda e de pare-

des vermelhas? Tomou o resto do champanha. David apressou-se

em tornar a encher-lhe a ta��a. Aquilo era uma loucura. Tinha de ir

para a cama com David apenas porque Linda pensava que era isso

que ela devia fazer? Ou para mostrar a David que ela valia tanto

quanto Karla? Por que era mesmo que ela estava fazendo aquilo?

N��o era decerto porque sentisse amor por ele. Mas, que sabia ela de

amor? Quais eram os seus padr��es de compara����o? Linda dizia que

a esp��cie de amor com que January sonhava s�� se encontrava ainda

entre Ingrid Bergman e Humphrey Bogart no ��ltimo filme dos ca-

nais de televis��o. Essa esp��cie de amor n��o existia mais. At�� o pai

dela dizia que nunca tinha amado ��� que o que amava era o sexo.

E era s�� isso o que havia. E ela era filha dele.

Aceitou a ta��a que David lhe entregava e bebeu lentamente. D a -

vid era um homem bonito. E depois que come��asse... ela iria gos-

t a r . . . a m �� - l o . . . e . . . Sorriu e entregou a sua ta��a de novo vazia.

Ele queria que ela ficasse alta, n��o queria? Ele parecia satisfeito

ao servir-lhe campanha de novo, embora ainda um pouco nervoso.

Tinha acabado a sua ta��a e naquele momento pegou uma ta��a maior

e encheu-a.

A garrafa estava vazia quando Nat acabou e Dionne Warwick co-

me��ou a modular as can����es de Bacharach-David. January descan-

sou a cabe��a no encosto do sof�� e fechou os olhos. Sentiu David

beijar-lhe o pesco��o. Dionne cantava " F a �� a uma Prece Por Mim".

Sim, D i o n n e . . . Fa��a uma prece por m i m . . . por J a n u a r y . . . Sou

aquela menina que voc�� conheceu quando eu estava com meu pai

em 1965. Eu tinha apenas quinze anos e voc�� disse a meu pai que

eu era muito bonita. Escute, D i o n n e . . . voc�� sentia amor na pri-

155

meira vez em que fez isso? Tinha de sentir, sen��o n��o cantaria

a s s i m . . .

David estava inclinado sobre ela. Tinha acabado de beijar-lhe o

pesco��o. Agora, estava a morder-lhe a orelha. Oh! A l��ngua dele

estava em seu ouvido. Tinha de gostar daquilo? Tinha apenas uma

sensa����o de frio e umidade. Ele passou ent��o para a boca, for��ando

com a l��ngua os l��bios a abrirem-se. Come��ou a ficar assustada quan-

do compreendeu que a sensa����o n��o lhe era agrad��vel. A l��ngua

dele era ��spera. As m��os lhe tateavam os seios �� procura dos bot��es

de sua blusa. Esperava que ele n��o os quebrasse... aquela era a

sua nova blusa Valentino. Mas como uma mulher pode dizer a um

homem que ela mesma vai desabotoar a blusa? Ela deve estar t��o

envolvida pela paix��o numa ocasi��o dessas que n��o devia nem saber

o que ele estava fazendo.

Quando �� que ela ia sentir alguma coisa? Tentou mostrar alguma

r e a �� �� o . . . Acariciou-lhe os c a b e l o s . . . estavam duros... Ele devia

usar uma esp��cie de l a q u �� . . . N��o devia pensar em coisas assim

naquele momento. Abriu os olhos para v��-lo. Afinal de contas, en

um homem bonito. Mas parecia rid��culo, com os olhos fechados e

o corpo estendido sobre o sof��. Por que n��o podiam proceder logi-

camente e ir para aquele horr��vel quarto, tirar a r o u p a . . . e depois?

N��o devia ele tom��-la nos bra��os e dizer que a amava em vez de

morder-lhe os l��bios e tentar rasgar a sua melhor blusa? Notou que

o friso dourado dos sapatos Gucci dele tinha arranhado a seda do

forro do sof��. Sem saber por qu��, ficou satisfeita com isso. Bem, o

que ela tinha de fazer era colaborar para acabar logo com a q u i l o . . .

Fechou os o l h o s . . . queria ser rom��ntica... queria sentir alguma

c o i s a . . . Oh! Ele conseguira afinal desabotoar-lhe a blusa sem que-

brar os bot��es. Agora, estava tentando abrir-lhe o soutien. Nesse

ponto, era realmente p e r i t o . . . mas o soutien ficara de algum modo

preso na altura da nuca. Devia esbo��ar algum protesto ou colaborar

e ajud��-lo? Resolveu abster-se.

��� Calma, querida ��� sussurrou ele, baixando a cabe��a para os

seios dela. Come��ou a passar a l��ngua por eles docemente e ela sen-

tiu os bicos se endurecerem... ao mesmo tempo que experimentava

uma estranha sensa����o na regi��o p��lvica. Ele a fez levantar-se, tirou-

lhe a blusa com uma das m��os e correu o fecho da saia com a outra.

Era perito nisso t a m b �� m . . . a saia caiu ao ch��o. Tirou-lhe o soutien.

Ela estava agora apenas com as botas e as meias-cal��as. Ele a le-

vantou nos bra��os e carregou-a para o quarto. Ela preferia ter ido

com os seus p��s. Pesava pouco de acordo com a moda. Mas com as

botas pesadas devia parecer uma tonelada para um homem que

estava querendo ser um Romeu. Tentou n��o pensar na saia longa

que ficara no ch��o. Ou no soutien ao lado dela. Ou na sua blusa

156

de seda que ficara toda amarrotada em cima do sof��. Que iria fazer

ela depois? Voltar para a sala nua e come��ar a apanhar o que era

dela? Ele a depositou na cama. Tirou-lhe ent��o as botas e as cal-

��as-meias.

Ficou ent��o ali deitada completamente nua e ele lhe estava di-

zendo que ela era muito bela. Ele come��ou ent��o a despir-se. Ela

o viu tirar as c a l �� a s . . . e viu o grande volume sob a sua sunga. Qua-

se se estrangulou querendo tirar nervosamente a gravata. Tirou a

camisa e, ent��o, triunfalmente, a sunga. Ele sorriu todo orgulhoso

e se aproximou da cama. Ela olhou para o grande p��nis erecto con-

tra o est��mago dele.

��� �� uma beleza, n��o ��? ��� perguntou ele.

Ela nada p��de dizer. Era a coisa mais feia que j�� tinha visto.

Toda vermelha... com todas aquelas v e i a s . . . parecia que ia es-

tourar.

��� Beije-o ��� disse ele, aproximando o p��nis do rosto dela. Ela

recuou e ele riu. ��� Est�� b e m . . . Voc�� vai querer beij��-lo antes de

acabarmos.. .

Ela teve de resistir a um sentimento de revolta. Onde estava o

encantamento rom��ntico que ela devia sentir? Por que n��o sentia

sen��o repulsa e p��nico?

Ele estava por cima dela apoiado nos cotovelos e lhe tomou os

seios na boca. Come��ou ent��o a subir com as m��os entre as pernas

dela. Ela as fechou involuntariamente. Ele a olhou com surpresa.

��� H�� alguma coisa?

��� N �� o . . . Mas aqui est�� t��o c l a r o . . .

Ele riu.

��� N��o gosta de fazer amor com a luz acesa?

��� N��o.

��� Voc�� manda, eu obede��o.

Foi at�� o interruptor e apagou a luz. Ela o olhou enquanto ele

voltava. Aquilo n��o estava realmente acontecendo. N��o podia estar

deitada naquela cama, �� espera de ser possu��da por a q u e l e . . . por

aquele estranho. Lembrou-se de repente de que n��o tinha ido ao

m��dico indicado por Linda para tomar p��lulas.

��� D a v i d . . . ��� murmurou ela.

Mas, de repente, ele estava com aquela coisa palpitante entre

as pernas dela. Empurrando... empurrando... Sentia os dedos dele

por toda a p a r t e . . . nos s e i o s . . . entre as p e r n a s . . . abrindo-lhe as

pernas... entrando n e l a . . .

��� N��o tomei a p��lula, David ��� disse ela com a voz abafada, en-

quanto ele tentava beij��-la.

157

��� Est�� bem. Vou tirar antes ��� murmurou ele.

Estava respirando penosamente. A transpira����o lhe molhava o pei-

to. E durante todo o tempo ele tentava empurrar aquela coisa enor-

me dentro dela. Sentia as repetidas investidas, repelidas sempre

pelo impacto contra uma s��lida muralha de m��sculos e tecidos den-

tro dela. N��o estava ele vendo que era imposs��vel? Mas a coisa se

tornava mais insistente... de novo, de novo. Aquilo a estava ras-

gando. Oh, ele a estava matando! Mordeu os l��bios para n��o gritar

c cravou as unhas nas costas dele. Ouviu-o murmurar: "Oh, meni-

na! Venha! Venha para mim!" Houve ent��o uma dor ofuscante e ele

passou finalmente atrav��s dela. Era uma dor insuport��vel como se

ele lhe estivesse despeda��ando os ossos e os m��sculos. De repente,

ele se afastou dela e ela sentiu na barriga projetar-se um l��quido

quente e viscoso. Ele caiu ent��o de costas na cama, com as m��os no

peito e ofegante. A coisa entre as pernas dele estava encolhida e

inerte como um p��ssaro morto.

Pouco a pouco, a respira����o dele se normalizou. Virou-se para

ela e lhe passou a m��o pelos cabelos.

��� Foi grande, n��o foi, querida?

Pegou um len��o de papel na mesa de cabeceira e colocou-o na

barriga dela.

Ela estava com medo at�� de se mover. A dor era t��o intensa que

chegava a amedront��-la. Talvez ele a tivesse dilacerado. Linda lhe

dissera que no come��o do��a um pouco. Mas n��o dissera que seria

aquela agonia. Limpou maquinalmente a barriga. Era pegajoso. A

vontade dela era tomar um banho quente. Mais que tudo, queria

era ir-se embora. Ele lhe acariciou os cabelos.

��� Quer-me fazer um carinho, meu bem? Podemos ent��o fazer

isso outra vez.

��� Carinho?

��� S i m . . . ��� disse ele, puxando a cabe��a dela para a coisa inerte

que lhe descansava sobre a perna.

Ela se levantou de um salto da cama.

��� Vou para casa!

Parou ent��o ao ver o sangue. Havia uma violenta mancha nos len-

����is e o sangue escorria pelas pernas dela.

��� Oh, January, por que voc�� n��o me disse que estava incomo-

dada? ��� Saltou da cama e puxou o len��ol. ��� Que coisa! Passou para

o colch��o!

Ela estava parada com a m��o presa entre as pernas. Tinha a im-

press��o de que, se se movesse, todos os ��rg��os dela cairiam. E l e

olhou para ela.

158

��� N��o fique a�� assim, que voc�� pode pingar sangue no tapete.

H�� tamp��es de papel no arm��rio do banheiro.

Ela correu para o banheiro e fechou a porta. Tirou a m��o e nada

do que esperava aconteceu. O sangue havia parado. Pegou uma

toalha e limpou o sangue das pernas. Sentia-se dolorida e despe-

da��ada por dentro. A luz forte sobre o arm��rio dos rem��dios lhe

dava ao rosto um tom amarelo. Olhou-se ao espelho. A maquilagem

dos olhos estava destro��ada e os cabelos, em desordem. Tinha de

vestir-se e sair. Tirou a maquilagem dos olhos. Cobrindo-se ent��o

com outra toalha, abriu a porta do banheiro e passou para a sala.

Ele nem levantou a vista. Estava ainda nu, mas tinha tirado o len-

��ol da cama e passava furiosamente um l��quido de limpeza no col-

ch��o.

January apanhou as roupas na sala, pegou as botas e as meias-

cal��as no quarto e voltou para o banheiro. Quando saiu, a cama

estava desfeita, mas David estava vestido.

��� Tenho de esperar que seque para saber como vai ficar, ���

disse ele. ��� Talvez tenha de chamar um servi��o de limpeza. Vamos.

Vou lev��-la para casa.

N��o falou at�� entrarem no t��xi. Passou ent��o o bra��o pelo ombro

dela. January recuou involuntariamente. Ele segurou-lhe a m��o.

��� Escute, sinto muito ter ficado nervoso por causa dos len����is.

Mas acontece que o colch��o �� Porthault e voc�� me devia ter dito

que estava incomodada. Eu sei que voc�� viveu na Europa e alguns

estrangeiros gostam disso. Mas eu n��o. Voc�� achou o tamp��o?

��� N��o estou incomodada ��� disse ela.

Ele n��o compreendeu logo. Mas isso afinal aconteceu e ele teve

um sobressalto.

��� N��o, January, voc�� n��o �� . . . n��o pode s e r . . . Quem foi que

j�� ouviu falar de uma pequena de vinte anos virgem, principalmen-

te sendo bonita como voc��? �� verdade que senti um pouco de di-

ficuldade, mas calculei que voc�� fosse assim mesmo, sendo esbelta

como �� . . . Oh!

Terminou com um gemido. Percorreram algumas quadras enquan-

to ele se sentava, carrancudo e em sil��ncio.

��� Por que est�� t��o aborrecido?

��� N��o tenho o costume de estar com virgens.

��� Infelizmente, algu��m tem de fazer isso ��� disse January. ��� Foi

um rapaz italiano quem me disse isso.

Quando chegaram �� esquina de January, David disse ao chofer

que parasse.

159

��� Vamos entrar nesse bar e tomar alguma coisa de despedida.

Quero conversar com voc��.

Pediram ambos um scotch. Ela n��o tolerava o gosto do u��sque,

mas esperava que a bebida lhe desse sono. E ela queria um sono

bem profundo naquela noite.

David fez c��rculos com o copo na toalha da mesa.

��� Ainda n��o voltei a mim do choque, mas fique sabendo Janua-

ry, que estou realmente orgulhoso de que voc�� me tivesse escolhido

para ser o primeiro. N��o se vai arrepender. Da pr��xima vez, eu a

farei muito feliz. J a n u a r y . . . e u . . . eu me interesso por voc��.

��� �� s��rio?

��� �� , sim.

��� Muito bem. Quer dizer, fico muito satisfeita com isso.

Ele lhe pegou a m��o.

��� �� s�� isso que voc�� sente?

��� Ora, David, e u . . . ��� Parou. Ia quase dizer "N��o o conhe��o

muito bem". Mas seria muito rude. Tinha ido pouco antes para

a cama com ele.

��� J a n u a r y . . . quero casar-me com voc��. Sabe disso, n��o sabe?

��� N��o.

��� N��o o qu��?

��� N��o, eu n��o sabia que voc�� queria casar-se comigo. Sei que

Dee quer que voc�� se case comigo, mas n��o sabia que voc�� queria.

�� que eu quero dizer �� que tudo isso �� rid��culo, n��o acha, David?

Somes dois estranhos. Fomos para a cama juntos, mas somos estra-

nhos. Estamos aqui sentados �� procura do que devemos dizer um

ao outro e n��o devia ser assim. N��o se tem vontade de gritar, de

cantar quando se tem o primeiro caso de amor? Quando se ama,

n��o �� maravilhoso tudo o que acontece?

Ele olhou al��m dela e perguntou calmamente:

��� Na sua opini��o, que �� que se deve sentir quando se ama?

��� N��o sei. Mas n��o �� o que estamos sentindo a g o r a . . .

��� �� desejar que a noite nunca mais termine?

��� Acho que s i m . . .

��� �� ter receio de sair porque tudo �� t��o maravilhoso que se quer

possuir a pessoa a m a d a . . . e ficar todos os segundos ao lado dela?

Ela sorriu.

��� Parece que ambos estamos vendo os mesmos filmes no final

da noite, na televis��o.

��� Quer-se casar comigo, Januarv?

160

Ela olhou para o u��sque, tomou um grande gole e ent��o sacudiu

desconsoladamente a cabe��a.

��� N��o sei, David. Nada sinto por voc�� e . . .

��� Escute, essas coisas de que estamos falando realmente n��o

acontecem. Talvez aconte��am de vez em quando entre gente mo��a

dopada ou entre pessoas emaranhadas num amor clandestino o u . . .

��� Ou?

��� Bem, quando uma adolescente encontra o seu her��i, algu��m

a quem ela sempre adorou. Creio que toda mo��a tem um homem

de seus sonhos... do mesmo modo que muitos homens t��m uma

mulher de seus sonhos. Quase todos n��s passamos pela vida sem

nunca encontrarmos ou realizarmos o nosso sonho.

��� E acha que est�� certo? ��� perguntou ela.

��� Talvez seja melhor assim. Se encontr��ssemos o nosso sonho,

talvez n��o o pud��ssemos mais largar. E n��o se pode viver com um

sonho para sempre. Ningu��m pode casar-se com um sonho. O ca-

samento �� diferente... H�� necessidade apenas de duas pessoas que

queiram as mesmas coisas, que gostem uma da outra. ��� Houve uma

pausa de sil��ncio e ele acrescentou: ��� Amo voc��, January. Pron-

t o . . . J �� disse.

Ela sorriu.

��� Dizer e sentir s��o coisas bem diferentes.

��� N��o acredita em mim?

��� Acredito que voc�� est�� fazendo o que �� poss��vel tanto para

ser aceito como para aceitar-me.

��� Voc�� me ama, January?

��� N��o.

��� Por que ent��o foi at�� minha casa esta noite?

��� Estava querendo gostar de voc��, David. Pensei que isso re-

solvesse o caso. Mas n��o resolveu...

��� Escute, fui eu o culpado. N��o sabia que voc�� era v i r g e m . . .

Da pr��xima vez, ser�� diferente, eu lhe juro.

��� N��o vai haver pr��xima vez, David.

Por um momento, ele pareceu aborrecido.

��� N��o quer ent��o nunca mais me ver?

��� Posso v e r . . . mas n��o irei mais para a cama com voc��.

E l e chamou o gar��om e pagou a despesa.

��� Bem, a sua rea����o �� normal depois do que aconteceu.

Ela se levantou e ele a ajudou a vestir o casaco. Segurou-lhe o

bra��o enquanto se encaminhavam para a rua.

161

��� January, n��o vou ser importuno. N��o lhe pedirei mais que v��

para a cama comigo. N��o me importo de esperar meses. Talvez voc��

tenha r a z �� o . . . temos de nos conhecer melhor. Mas uma coisa eu

lhe prcmeto: voc�� vai-se casar comigo. Vai-me amar e d e s e j a r . . .

mas iremos passo a passo. Passaremos o Dia de Gra��as juntos em

Palm Beach. Teremos quatro dias e quatro noites da presen��a um

do outro. Ao menos, ser�� um bom ponto de partida. E eu prometo

que n��o lhe pedirei que v�� para a cama comigo. Isso s�� acontecer��

quando voc�� mesma q u i s e r . . . E, quando se deitar para dormir

esta noite, lembre-se do amor que eu lhe tenho.

Quando chegou ao apartamento, abriu a torneira da banheira e

tirou a roupa. Entrou na ��gua q u e n t e . . . e tentou pensar em todas

as coisas que David tinha dito.

S�� mais tarde, quando j�� estava deitada e tentava dormir, foi

que se lembrou de que ele nem se dera ao trabalho de dar-lhe um

beijo de despedida.

Quando acordou na manh�� seguinte, verificou que tivera uma

hemorragia durante a noite. A sua primeira id��ia foi telefonar para

Linda. Mas compreendeu que n��o era de Linda que precisava na-

quele momento. Podia at�� ver a express��o de Linda quando ela

contasse o que acontecera. Procurou no caderno de telefones e en-

controu o n��mero do Dr. Davis, o ginecologista de que Linda lhe

falara. Quando ela explicou que estava com uma hemorragia, o m��-

dico lhe disse que fosse imediatamente ao consult��rio.

Por mais estranho que fosse, o pr��prio exame foi mais f��cil do

que ficar sentada diante do m��dico toda vestida e contar-lhe a causa

de seu estado. Ficou tranq��ilizada quando ele lhe disse que, embora

aquela esp��cie de hemorragia fosse rara, nada tinha de anormal.

Deu-lhe uma receita para a p��lula e outra para um sedativo. Ela

devia ir para casa e passar o resto do dia em repouso, na cama.

Quando ela voltou ao apartamento, encontrou um mensageiro a

tocar a campainha de sua porta. Levava para ela um pequeno em-

brulho da joalheria de Cartier. Assinou o recibo e entrou. Era uma

rosa de marfim e ouro presa a uma grossa corrente de ouro. O car-

t��o dizia o seguinte: "As verdadeiras murcham. Esta n��o vai mur-

char para lembrar-lhe que cs meus sentimentos s��o tamb��m per-

manentes. David".

Ela guardou a rosa na gaveta. Era uma pe��a bem bonita, mas na-

quele momento ela n��o sentia a menor vontade de pensar em Da-

vid. No caminho, tinha passado pela farm��cia. Do jeito que se sen-

tia, n��o tinha qualquer vontade de come��ar a tomar as p��lulas.

Guardou-as ao lado do estojo de Cartier. Mas tomou um dos seda-

162

tivos. Telefonou ent��o para Linda, e disse que tinha passado a ma-

nh�� no dentista e que n��o iria trabalhar.

Deitou-se e tentou ler alguma c o i s a . . . mas o comprimido fez

efeito. Estava mergulhada num sono profundo quando o telefone

tocou ��s cinco horas. Era David. Ela agradeceu o presente.

��� Podemos tomar um drinque r��pido ainda esta tarde?

��� Infelizmente n �� o . . . Tenho muito que fazer.

��� Escute, vai haver uma confer��ncia de corretores de t��tulos da-

qui a algumas semanas na Calif��rnia e v��rios diretores de compa-

nhias est��o agora na cidade. Acho que nestes pr��ximos dias vou

ficar ocupado at�� tarde da noite.

��� Est�� muito bem, David.

��� Mas vou telefonar-lhe todos os dias. E, na minha primeira noite

livre, jantaremos juntos. As entradas para Hair estar��o prontas na

semana que vem.

��� ��timo, David.

Ela desligou e se deitou na penumbra do quarto. Era um senti-

mento de calma em que nem estava acordada, nem dormia. Mas

��s nove horas, o efeito do sedativo passou e ela se levantou e acen-

deu a luz. A noite inteira se estendia diante dela. Pensou em comer,

mas n��o estava particularmente com fome.

Tinha feito uma lista de assuntos que poderiam dar artigos inte-

ressantes e pretendera apresent��-la naquele dia a Linda. Examinou

a lista. Seria bom tentar desenvolver um daqueles assuntos. Havia

um que achava especialmente interessante: " H �� Vida Para a Mu-

lher Depois dos Trinta?"

O tema lhe ocorrera ao ver Linda recusar uma secret��ria que ti-

nha refer��ncias excepcionais e aceitar uma mocinha de dezenove

anos que muito mal sabia taquigrafia.

��� January, n��o quero uma mulher de quarenta e tr��s anos como

secret��ria em Gloss. N��o me interessa que ela tenha sido durante

vinte anos secret��ria do presidente de uma companhia de petr��leo.

Gloss �� uma revista jovem e pra frente. Quero aqui dentro gente

jovem e bela.

January tinha notado, quando procurava ser contratada para o

comercial, que quase todas as mo��as que trabalhavam como secre-

tarias e recepcionistas na ag��ncia de publicidade estavam na faixa

de idade entre dezenove e vinte e nove anos. �� claro que isso n��o se

aplicava ao pessoal executivo, nem ��s redatoras. Linda j�� andava

beirando a casa dos trinta, mas era jovem para o trabalho que fazia.

Ela gostava de Linda. Mas, al��m de seu entusiasmo comum pela

revista, viviam em mundos �� parte. Em Gloss, Linda significava

163

'Poder". Quando ela passava pelos corredores, todos ficavam aten-

tos. Nas reuni��es editoriais semanais, Linda assumia o comando

total e era fria e bela. Todos lhe admiravam a eleg��ncia quase cl��s-

sica de apar��ncia e de estilo. Entretanto, fora do escrit��rio e em

companhia de um homem, de qualquer homem, ela n��o tinha mais

qualquer personalidade. N��o podia compreender a necessidade que

Linda tinha de um homem. Como se podia gostar do sexo com um

homem que n��o se amava? A noite passada com David tinha sido

terr��vel... antes mesmo da dor. N��o sentira qualquer desejo pelo

corpo de David. Haveria alguma coisa errada com ela?

Tinha de falar com algu��m. Linda n��o! Linda sugeriria imediata-

mente vitaminas ou um psiquiatra.

De repente, ela sentiu que tinha de ver Mike. Talvez pudessem

almo��ar no dia seguinte. �� claro que n��o podia contar a ele o que

havia realmente acontecido. Mas talvez melhorasse se pudesse con-

versar com ele. Eram apenas nove e meia. N��o devia estar em casa,

mas ela deixaria um recado.

Ficou surpresa quando ele atendeu o telefone. (Oh! Talvez o

tivesse interrompido com D e e . . . ) Tentou parecer displicente.

��� Posso telefonar depois se voc�� est�� jogando g a m �� o . . .

��� N��o. A verdade �� que voc�� me acordou.

��� O h . . . desculpe. Pe��a desculpas por mim a Dee.

��� N��o, espere um pouco. Que horas s��o?

��� Nove e meia.

��� Estou bem acordado agora e com muita fome. Sabe o que ��

que eu vou fazer? Vou j�� para a�� e pegarei voc�� para comermos uns

hamburgers.

��� E Dee?

��� Matei-a. O corpo est�� escondido dentro do arm��rio.

��� MIKE!

Ele riu.

��� Des��a e me espere diante de seu edif��cio. Estarei a�� dentro de

quinze minutos. Contar-lhe-ei ent��o os detalhes macabros.

Foram para o caf�� da esquina e January evitou cuidadosamente a

mesa �� qual se sentara com David na noite anterior.

��� Seu pai n��o �� mais o mesmo ��� disse Mike. ��� Fui jogar golfe

hoje �� tarde e voltei para casa ��s cinco horas. Estava muito cansado

e ferrei no sono. Dee queria sair para jantar e ir ao cinema, mas

n��o teve jeito de me tirar da cama, segundo penso. Deixou-me um

bilhete dizendo que ia jogar gam��o em casa de uma amiga. Pensou

com certeza que eu iria dormir a noite inteira.

��� E eu fui acordar voc��. Desculpe.

164

��� N��o, foi muito bom! ��� O gar��om chegou com os hamburgers.

Ele come��ou a comer avidamente. ��� Estava com f o m e . . . como

est�� vendo. A fome me faria acordar l�� para a meia-noite, mas eu

teria deixado de ver voc��. E voc��? Como �� que est�� esta noite em

casa?

��� O h . . . sa�� com David ontem �� noite. Ele diz que hoje tem

uma esp��cie de reuni��o.

��� Trocado em mi��dos, as coisas n��o v��o b e m . . .

��� Bem, ele me deu um colar de C a r t i e r . . .

E l e empurrou o copo de cerveja e acendeu um cigarro.

��� Um pouco cedo para o Natal, n��o acha?

��� Ele quer-se casar comigo.

A express��o do rosto dele se descontraiu e ele sorriu.

��� Ora, isso �� muito diferente. Por que n��o me disse logo?

��� N��o gosto dele.

��� Tem certeza disso? Quer d i z e r . . . voc�� s�� o conhece h�� muito

pouco t e m p o . . . Acha mesmo que n��o h�� jeito?

��� Acho.

Ela estendeu a m��o e pegou um dos cigarros dele. Mike levantou

as sobrancelhas.

��� Desde quando fuma?

��� Desde que procurei fazer um an��ncio de televis��o. Tenho pena

de David.

E l e riu.

��� Diga isso a e l e . . . n��o a mim. Mas isso n��o tem a menor im-

port��ncia. Voc�� saiu com ele e ele falou em casamento. Devolva-lhe

o colar e n��o se fala mais nisso.

January compreendeu de s��bito que o pai n��o queria acreditar

que tivesse havido qualquer intimidade entre ela e David. Interpre-

tava o colar apenas como um "presente de namorado". Mike, o so-

fisticado Mike, era inteiramente antiquado em rela����o a ela.

��� Voc�� acha que eu tenho sex appeal, Mike?

��� Que pergunta mais boba!

��� Tenho ou n��o tenho?

��� Como �� que eu posso saber? Sei que voc�� �� b o n i t a . . . �� bem

feita de c o r p o . . . mas o sex appeal �� uma rela����o muito pessoal.

Uma mulher pode ter sex appeal para mim e n��o ter para os outros.

��� Voc�� tem sex appeal para mim ��� disse ela.

Ele arregalou os olhos e depois sacudiu a cabe��a.

��� E David n��o tem?

165

��� N��o, David n��o tem.

��� Ora, muito bem! David �� um homem que todas as mulheres

de Nova York desejariam, inclusive as mais faladas estrelas de ci-

nema. Mas n��o tem sex appeal para voc��. E eu tenho.

Ela tentou pilheriar.

��� Neste caso, creio que terei de procurar algu��m que se pare��a

com v o c �� . . .

��� N��o fale assim, January! Afinal, voc�� procedeu como se gostasse

de David.

��� E gostava! Ainda gosto. Mas quando se trata de a m o r . . . n��o

consigo sintonizar com ele. Talvez sejam os cabelos l o u r o s . . .

��� Essa �� muito boa! Voc�� vai ent��o fugir de todo camarada que

aparecer... por minha causa?

��� Escute, n��o tem raz��o alguma de ficar preocupado s�� porque

eu mudei de id��ia em rela����o a David.

��� Se n��o resolvermos isso logo, voc�� ficar�� a vida toda mudando

de id��ia. Voc�� poder�� mudar de id��ia at�� ao p�� do altar. Isso tem

acontecido, sabe? E isso pode terminar em desastre. E s c u t e . . . N��o

construa imagens falsas de minha pessoa. S��o imagens que n��o po-

dem ser aceitas pelos outros. Eu n��o sou l�� essas coisas. Voc�� me

conhece apenas como seu pai e os pais costumam ser os homens dos

sonhos das filhas. Mas fique sabendo que n��o h�� homem de sonho.

A mulher �� que cria essa imagem de sonho. J�� �� tempo de voc�� sa-

ber que Papai Mike �� um bocado diferente do homem chamado

Mike Wayne.

��� Vejo o homem chamado Mike Wayne e o amo.

��� Voc�� s�� v�� o que eu deixo voc�� ver. Mas agora voc�� vai saber

a verdade. Fui um mau pai e um marido ainda pior. Nunca fiz mu-

lher alguma realmente feliz. Sempre amei o sexo, mas nunca amei.

Nem mesmo agora.

��� Voc�� me a m a . . . sempre me amou.

-- �� verdade. Mas nem quando voc�� era pequena, ia ajeitar voc��

no seu ber��o. Vivia a minha vida. Foi o que eu sempre fiz.

��� Foi por isso que Mam��e morreu.

��� Ela n��o morreu. Matou-se!

January sacudiu a c a b e �� a . . . mas de algum modo sabia que o pai

estava dizendo a verdade. E l e continuou:

��� S i m . . . Ela estava gr��vida e eu continuava a levar a minha vida.

Uma noite, ela se embriagou e me deixou uma carta dizendo que

era aquela a maneira que tinha de acertar as contas comigo. Encon-

trei-a ca��da no ch��o do banheiro com uma faca de cozinha que me-

tera dentro dela para tirar o filho. Ele estava numa po��a de sangue.

166

Tinha talvez cinco m e s e s . . . Gastei muito dinheiro para abafar o

caso e para que o mesmo fosse registrado como morte em conse-

q����ncia de um aborto natural... Agora, voc�� sabe.

��� Por que me contou isso?

��� Porque quero dar-lhe mais um pouco de fibra. Quero que

aprenda a controlar a sua vida. Seja minha filha. Se voc�� me ama

tanto como diz, ame-me pelo que eu sou. E se voc�� me aceitar como

eu realmente sou em vez de sonhar com uma pessoa que n��o existe,

poder�� um dia encontrar o homem que lhe sirva e am��-lo. Poder��

amar uma dezena de vezes. Mas s�� se aprender a enfrentar a reali-

dade. Conquiste o que voc�� quer. N��o viva num mundo de sonhos.

N��o seja uma fracassada como foi sua m��e. Ela me rondava com

aqueles grandes olhos castanhos sem nunca me acusar abertamente,

mas sempre me atribuindo a culpa de tudo com aqueles longos olha-

res silenciosos. Palavra que eu quase a respeitei quando soube que

ela tinha outro homem. Cheguei a ter um pouco de ci��me e a pensar

em reconquist��-la quando soube que ela n��o conseguira prender o

outro. Embebedava-se sempre que estava com ele e s�� sabia abrir

a boca para se queixar de mim. E, toda vez que eu olhava para ela,

come��ava a suspirar. Nunca suspire, January. �� o que pode haver

de pior. H�� agora mesmo momentos em que me d�� vontade de sus-

pirar. .. Mas ent��o me lembro de que s�� cheguei a esta situa����o

por nossa causa.

��� Por nossa causa? Voc�� me disse no princ��pio que tinha sido

apenas por minha cusa.

��� Est�� bem, est�� b e m . . . Talvez fosse a ��nica solu����o para mim

tamb��m. Mas eu tentei dar-lhe tudo. Um grande apartamento, uma

empregada, um c a r r o . . . Voc�� abriu m��o de tudo isso, mas sabe que

tudo estar�� �� sua disposi����o no momento em que voc�� quiser. Assim,

voc�� n��o est�� jogando com dinheiro dif��cil. Dee tentou dar-lhe um

homem, mas voc�� n��o gosta da cor dos cabelos dele. Muito bem,

ele disse que quer casar-se com voc��. Mas n��s ambos sabemos que

isso n��o quer dizer que ele esteja apaixonado por voc��. Aposto que

ele n��o est�� ansioso por ver voc��. N��o aceito essa conversa de reu-

ni��es de neg��cios �� noite. Eu mesmo j�� usei essa desculpa uma in-

finidade de vezes.

��� Acha que ele est�� com Karla?

��� Se �� um homem de s o r t e . . . talvez esteja. Na minha opini��o,

qualquer homem que consiga a aten����o de Karla, tem de dedicar-se

a ela por completo. Eu sei disso, porque seria capaz de entregar-me

de corpo e alma a ela. ��� Fez uma pausa, olhou para ela pensativa-

mente e disse: ��� Escute, talvez voc�� n��o tenha amor por David por-

que ele n��o quer quer voc�� t e n h a . . . por enquanto. Vamos encarar

as coisas de frente. Talvez ele n��o queira voc�� toda interessada por

167

ele enquanto ele ainda est�� em pleno caso com Karla. J�� pensou nis-

so? Talvez ele esteja guardando voc�� a dist��ncia. Afinal de contas,

se um homem n��o se mostra rom��ntico em rela����o a uma mulher,

como ela poder�� am��-lo? ��� Parecia muito satisfeito com a sua nova

an��lise. ��� Espere at�� que ele ligue a alta voltagem para voc��. Tudo

ser�� inteiramente diferente.

��� Voc�� seria capaz de se dedicar por completo a Karla?

��� Como?

��� Seria capaz de se dedicar por completo a Karla?

��� N��o ouviu o que eu disse?

��� Ouvi, sim, mas lhe estou fazendo uma pergunta.

��� Seria, sim.

��� E acha realmente que ela �� uma s��ria competidora para mim?

��� Ora, minha filha, voc�� �� uma mo��a e Karla �� uma mulher. Mas

n��o se p r e o c u p e . . . David perguntou se voc�� queria casar-se com

ele. Isso significa que �� a voc�� que ele realmente q u e r . . . quando

ele q u i s e r . . .

��� Oh, M i k e . . . Voc�� acha mesmo que David n��o me quer como

mulher?

Ele deu um soco na mesa.

��� Que �� que voc�� quer dizer com isso? Ser�� que aquele patife

j�� tentou alguma coisa? J�� tentou alguma intimidade com voc��?

Mato aquele cachorro!

Era inacredit��vel! Mike, o homem que tivera todas as mulheres,

que contara tudo a ela sobre Melba e Tina St. Claire, se transforma-

va de repente no pai insultado que procurava defender a filha ino-

cente. Era uma verdadeira loucura, mas o melhor seria n��o lhe di-

zer a verdade.

��� David tem sido um cavalheiro em todos os sentidos ��� disse

ela. ��� Mas eu sei que posso t��-lo da maneira que eu quiser.

��� Qualquer mulher poder�� ter qualquer homem no momento

em que abrir as pernas ��� disse ele, friamente. ��� Mas voc�� �� dife-

rente e David sabe disso muito bem.

��� D a v i d . . . ��� disse ela com infinito desprezo. ��� Dee me apare-

ce com um primo altamente simp��tico e eu tenho de agir como

uma bonequinha de mola, apaixonando-me por ele e sendo feliz

para sempre. Quer saber de uma coisa? Eu t e n t e i . . . e quase perdi

minha personalidade tentando. �� isso ent��o o que voc�� queria para

mim? Amar um belo homem feito de pl��stico, usar um vestido de

noiva, acomodar-me e talvez criar uma filha para se casar com

outro David? �� isso tudo e s�� isso que voc�� me deseja?

168

Ele pediu a conta. Levantou-se e deixou o dinheiro na mesa. Sa��-

ram para a rua. Dois rapazes de cabelos compridos e com borbole-

tas vermelhas cosidas nas costas dos blus��es passaram. Pararam sob

a luz de um lampi��o e come��aram a se beijar.

��� Ao que parece, o amor est�� em toda a parte agora ��� murmu-

rou Mike.

��� Esses a�� s��o Borboletas Vermelhas ��� disse January.

��� Que quer dizer isso?

��� �� um grupo comunista de liberta����o dos homossexuais que

funciona no Canad��. H�� alguns aqui na cidade �� procura de recru-

tas. Linda pensou em fazer uma reportagem sobre eles, mas achou

que n��o era assunto para Gloss.

Mike sacudiu a cabe��a.

��� Sabe de uma coisa? Quando voc�� me perguntou l�� dentro se

era isso que eu desejava para voc��, nada lhe respondi. N��o lhe res-

pondi porque n��o sabia. N��o sei de mais nada. Na vida, no teatro,

em coisa alguma. O mundo inteiro mudou. Nos meus filmes e em

todos os filmes de meu tempo, o vil��o tinha de morrer. O her��i

sempre ganhava o duelo a pistola e, h�� dez anos, se eu tivesse uma

filha de vinte anos que estivesse saindo com David, eu lhe diria:

"Que pressa �� essa? O mundo inteiro �� seu e eu o darei para voc��".

Mas n��o sou mais o que era e o mundo tamb��m n��o �� mais o que

foi. Talvez seja por isso que estou procurando um terreno s��lido

que lhe sirva de base. Olho este mundo movimentado de hoje no

qual tudo �� permitido e o acho nojento. Posso dar-lhe as costas por-

que j�� tenho cinq��enta e dois anos. Vivi uma boa por����o de minha

vida. Mas voc�� n��o pode fazer isso porque este mundo �� s�� o que

voc�� tem. E eu n��o posso transform��-lo no que ele era. A suite do

canto do Plaza est�� agora ocupada por outra pessoa. O Capitol dei-

xou de ser teatro e passou a ser um edif��cio de apartamentos. O

Stork Club virou Paley Park. O meu mundo desapareceu. S�� �� pos-

s��vel v��-lo agora nos filmes do fim da noite da televis��o. Infeliz-

mente, voc�� tem de enfrentar o mundo como ele �� agora e gostar

dele. Do contr��rio, acordar�� um dia e descobrir�� que tudo est��

acabado. Isso acontece da noite para o dia, January. Agarre-se, por-

tanto, a tudo o que puder, pois vai descobrir que a viagem foi muito

curta. ��� Passou o bra��o pelos ombros dela. ��� Olhe! Uma estrela

correu no c��u. Deseje alguma coisa, menina.

Estava diante do edif��cio dela. January fechou os olhos, mas n��o

p��de pensar em nada que realmente desejasse. Quando abriu os

olhos, o pai n��o estava mais ao lado dela. Viu-o descer a rua. Ainda

caminhava como um vitorioso.

169

Mais tarde, deitada e com a luz apagada, pensou nas coisas que

seu pai dissera. Ele tinha medo do mundo atual ��� medo por e l a . . .

e medo por si mesmo. Bem, como ele dizia, era o mundo dela agora,

o ��nico que lhe era poss��vel ter ��� e lhe cabia sair em campo, lutar

e domin��-lo. Iria vencer e mostrar a ele que isso era poss��vel.

Ela sorriu, espregui��ou-se na escurid��o e murmurou:

��� Papai, quando Dee chegar hoje do seu jogo de gam��o, n��o ��

preciso voc��s dois ficarem pensando em mim, preocupados com o

meu futuro. Veja, Papai, estou sorrindo e n��o suspirando...

170





D E Z


Mas Dee n��o estava em casa esperando para discutir com Mike

os problemas de January. Quando ela viu que Mike tinha mergulha-

do num sono profundo depois do seu jogo de golfe, foi at�� ao es-

crit��rio e fez um breve telefonema. Depois, escreveu um bilhete e

deixou-o junto ao telefone ao lado da cama de Mike, explicando que

tentara acord��-lo, mas que ele estava dormindo t��o tranq��ilamente

que ela o deixara e sa��ra para ir disputar umas partidas de gam��o.

Tomou o carro e disse a M��rio que a levasse ao Waldorf.

��� Vou visitar uma amiga e com certeza vou-me demorar algumas

horas. V��-me esperar ��s onze horas na entrada de Park Avenue.

Entrou ent��o no Waldorf, atravessou o vest��bulo e foi sair pela

porta que dava para a Avenida Lexington. Tomou um t��xi. Eram

apenas algumas quadras e ela poderia ir facilmente a p��, mas estava

ansiosa para chegar l��. Eram apenas seis horas. Ela tinha dito que

chegaria ��s seis e meia. Ora, teriam meia hora a mais.

Quando chegou ao grande edif��cio, o porteiro estava arrumando

malas num t��xi para um inquilino. Dee passou por ele e entrou no

elevador. O ascensorista era novo e ela nunca o vira, mas limitou-se

a um gesto discreto de assentimento quando ela disse o andar. Havia

seguran��a atualmente naqueles edif��cios de luxo!

Saiu do elevador, foi at�� o fim do corredor e tocou a campainha.

O ascensorista nem se dera ao trabalho de ver a que apartamento

ela ia. Tornou a tocar a campainha. Olho o rel��gio. Seis e quinze.

Era estranho que n��o lhe tivessem aberto a porta. Abriu a bolsa e

tirou uma chave. Entrou no apartamento e acendeu as l��mpadas da

sala. Acendeu ent��o um cigarro e preparou um drinque.

Foi ent��o at�� ao espelho e penteou os cabelos. Felizmente, man-

dara Ernest fazer um penteado de pajem naquele dia. O estilo Gib-

son-Girl se desfazia todo na cama. Como ela invejava as mo��as da-

quele tempo com os seus cabelos compridos pendentes. Olhou para

os novos c��lios posti��os que Elizabeth Arden tinha aplicado. Eram

171

realmente maravilhosos. Desligou uma das l��mpadas e voltou para

o espelho. Sim, assim era m e l h o r . . .

Sentou-se numa poltrona e come��ou a beber o u��sque. O cora����o

batia aceleradamente. Por mais vezes que ali fosse, sentia sempre a

antecipa����o emocionada de uma colegial.

J�� passavam cinco minutos das sete horas quando ela ouviu afinal

a chave na fechadura. Apagou o cigarro que acaba de acender e

levantou-se.

��� Onde era que voc�� estava? ��� perguntou.

Karla deixou cair a bolsa que levava ao ombro e tirou a capa.

��� Estou atrasada? ��� perguntou displicentemente.

��� Sabe muito bem que est�� atrasada. Onde era que estava?

Karla sorriu.

��� Passeando. Gosto muito de caminhar ao escurecer. Al��m disso,

s�� fiz duas horas na barra hoje e estava precisando do exerc��cio.

��� Voc�� n��o precisava de caminhar! Fez isso de prop��sito... s��

para me deixar aqui esperando! ��� F e z uma pausa porque com-

preendeu que tinha elevado a voz. Oh, Karla! Por que voc�� faz tudo

para provocar em mim o que eu tenho de pior?

Com um lento sorriso, Karla abriu os bra��os. Dee hesitou um se-

gundo e ent��o correu para ela. O beijo de Karla fez calar quaisquer

novos protestos.

Mais tarde, quando estavam nos bra��os uma da outra na escuri-

d��o fresca do quarto, D e e aconchegou-se a Karla e disse:

��� Como seria bom se pud��ssemos ficar para sempre juntas!

��� S�� a morte �� para sempre ��� disse Karla. Afastou-se um pouco e

estendeu a m��o para os cigarros de Dee. Abriu a cigarreira de ouro,

olhou-a e disse: ��� Muito bonita!

��� S�� n��o lhe dou porque foi um presente de Mike. Mas j�� lhe

dei tr��s, cigarreiras. E voc�� perdeu todas.

Karla encolheu os ombros enquanto tirava a primeira baforada.

��� Talvez seja porque algum instinto vive a me dizer que eu devo

deixar de fumar. S�� estou fumando agora dez cigarros por d i a . . .

��� Essa quest��o de sa��de j�� �� uma mania com voc��. Esses passeios

a p��, esses exerc��cios de bal��... ��� murmurou Dee, acendendo um

cigarro. ��� Por falar nisso, fiz um novo testamento.

Karla riu.

��� Ora, Dee, voc�� n��o vai morrer nunca. Vaso ruim n��o quebra.

��� Depositei tamb��m hoje dez mil d��lares na sua conta de pou-

pan��a.

172

��� Ha-ha! A conta de poupan��a conjunta de Connie e Ronnie

Smith. Connie faz os dep��sitos... Ronnie faz as retiradas. Tenho

certeza de que todo o mundo no banco j�� percebeu.

��� N��o me reconhecem ��� disse prontamente Dee.

Karla deu um pulo da cama e fez uma pose.

��� N��o tenho culpa de ser t��o maravilhosa que todos logo me re-

conhecem ��� disse ela, zombando da pr��pria fama.

��� Maluca! ��� disse Dee, rindo. ��� Venha c��.

Karla vestiu um robe e ligou a televis��o. Foi sentar-se na cama

com as pernas cruzadas e come��ou a manobrar o controle remoto,

mudando de canal at�� chegar a um filme. Este era Grande Hotel

com Greta Garbo, John Barrymore e Joan Crawford.

��� A que horas voc�� tem de estar em casa, Dee?

��� Nenhuma hora especial. E l e passou a tarde jogando golfe e

com toda a certeza dormir�� a noite toda. Para prevenir qualquer

surpresa, deixei um bilhete dizendo que ia jogar gam��o com Joyce.

��� Quem �� Joyce?

��� Ningu��m. Inventei o nome. Assim, ele nunca poder�� verificar.

��� Mike Wayne �� um homem muito bonito ��� disse lentamente

Karla.

��� S�� me casei com ele por sua causa.

Karla levantou a cabe��a e riu.

��� Ora, Dee, eu sei que a imprensa acha que eu n��o sou muito in-

teligente porque n��o gosto de dar entrevistas. Mas voc�� me conhe-

ce um pouco melhor e sabe que eu realmente n��o posso acreditar

nisso.

��� Mas �� verdade! Eu lhe disse antes que me casar com Mike,

antes mesmo de conhec��-lo, que tinha de me casar. Na primavera do

ano passado, quando eu fazia David nos levar para todos os cantos,

as pessoas estavam come��ando a estranhar n��o voc��, mas a mim.

Por que era que eu estava sozinha? Voc�� �� famosa por viver �� sua

maneira e por defender com unhas e dentes a sua solid��o. Mas

est��o habituados a ver meu nome no notici��rio de todos os jornais

��� na abertura das temporadas de ��pera e de bal��, nas estr��ias das

pe��as da Broadway, especialmente quando o espet��culo �� benefi-

cente. Depois, h�� os b a i l e s . . . Fa��o parte da diretoria de tr��s gran-

des organiza����es de caridade. E ainda h�� as minhas liga����es co-

merciais. Sou diretora de duas grandes empresas e h�� jantares a que

n��o posso deixar de comparecer. Preciso de um cavalheiro apresen-

t��vel. Tenho de estar presente em todos os lugares necess��rios em

companhia de um homem. Um hospital doado por mim vai ser inau-

173

gurado na Espanha, com a presen��a do Bispo e de outras autori-

dades. Compreenda que n��o me posso arriscar a qualquer esc��ndalo.

��� Por que n��o se limita a dar o dinheiro e n��o se afasta de todas

essas fun����es p��blicas?

��� Afastar-me do mundo para viver como voc�� vive? E s c u t e . . .

se eu fizesse isso, voc�� viria morar comigo e ficar para sempre?

��� Infelizmente, a ��nica pessoa com quem posso viver para sem-

pre sou eu mesma.

��� Mas voc�� n��o se incomoda de ficar sozinha. A mim isso me

aterra. Sempre odiei a solid��o. Mas esta s�� se tornou um verdadeiro

terror depois que voc�� apareceu em minha vida. Na primeira vez

em que voc�� desapareceu, tomei quase um vidro todo de Seconal.

Ainda sofro quando voc�� est�� a u s e n t e . . . mas ao menos n��o estou

sozinha.

��� �� uma esp��cie de medo que eu n��o posso compreender ��� disse

Karla sem tirar os olhos da televis��o.

��� Talvez seja porque a solid��o foi uma coisa que me acompanhou

desde o in��cio da vida. Meus pais morreram muito cedo e eu me

criei entendendo de bancos e de fundos, com o conhecimento de

que n��o era bonita mas tinha tanto dinheiro que isso deixava de ter

qualquer import��ncia. Voc�� sabe o que �� isso? Sabe-se que todo

rapaz que se conhece s�� se mostra interessado porque se tem di-

nheiro.

��� Isso �� um absurdo, Dee. Voc�� �� muito bonita.

Dee teve um sorriso triste.

��� Devo a beleza que porventura tenha ao meu dinheiro, ao tra-

tamento constante e a uma alimenta����o controlada. N��o nasci bo-

nita como Jackie Onassis ou Babe Paley.

��� Eu acho voc�� bonita ��� disse Karla, olhando para um primeiro

plano de Joan Crawford.

Dee olhou tamb��m para a televis��o e murmurou:

��� Ela �� bela. E a beleza lhe trouxe dinheiro e homens que a ama-

vam. Enquanto que meu dinheiro me trouxe beleza e homens que di-

ziam amar-me. Mas eu sempre soube d i s s o . . . e na verdade nunca

me deixei sentir coisa alguma por qualquer homem. Odeio basica-

mente os homens. As mulheres s��o diferentes. E sempre escolhi mu-

lheres que tivessem muito dinheiro para ter certeza de que me

queriam por mim mesma. Isso aconteceu com todas elas, mas nunca

amei de verdade a nenhuma. Creio que nunca fui capaz de amar

at�� o dia em que a conheci. Sabe, Karla, que voc�� foi a ��nica pessoa

que j�� amei em toda a minha vida?

174

��� Sabe que este filme ainda tem seu valor? ��� perguntou Karla.

��� Quer desligar isso?

Karla baixou o som da televis��o e sorriu para Dee.

��� Ponto! Est�� mais feliz agora?

��� Quer saber de uma coisa, Karla? N��o creio que tenha sido feliz

um s�� dia desde que nos conhecemos.

��� Mas voc�� n��o disse que me amava? ��� perguntou Karla, olhan-

do para a televis��o sem som.

��� �� justamente por isso que sou t��o infeliz! N��o pode compreen-

der, Karla? Juntas como estamos neste momento... ��� Estendeu a

m��o por sob o robe de Karla e acariciou-lhe o corpo. ��� Agora mesmo,

tocando voc�� onde estou tocando a g o r a . . . n��o sinto que voc�� real-

mente seja minha ou que eu a alcance em qualquer coisa que eu

d i g a . . . ou fa��a.

��� Voc�� me est�� fazendo sentir muito sexy a g o r a . . . e eu vou tirar

meu robe para nos amarmos.

E mais uma vez, Dee sentiu a indescrit��vel perfei����o da intimi-

dade f��sica delas. Quando tudo acabou, abra��ou-se �� outra e disse:

��� Karla, Karla, adoro voc��. Por favor, n��o me fa��a infeliz.

��� Pensei que tinha acabado de fazer voc�� muito feliz.

��� N��o estou falando de sexo. Ser�� que n��o compreende o que

representa para mim? Quando voc�� desaparece. ..

��� Mas agora voc�� sabe que eu sempre volto ��� disse Karla.

��� Como �� que posso saber com c e r t e z a . . . principalmente se n��o

posso prever em que momento voc�� vai partir e desaparecer sem

me dizer nada? Karla, compreende que amo voc�� h�� quase nove

anos e, entretanto, se juntarmos todas as ocasi��es em que estivemos

juntas, n��o passar�� de alguns meses?

Karla aumentou o volume da televis��o. Greta estava fazendo a

sua cena de amor com John Barrymore.

��� Voc�� se cansaria de mim se eu me demorasse demais ��� disse

Karla.

��� Nunca!

Karla murmurou sem deixar de olhar para a televis��o:

��� Minha doce Dee, do mesmo modo que voc�� n��o pode ficar

sozinha, h�� ocasi��es em que Karla n��o pode deixar de ficar inteira-

mente afastada de qualquer outra pessoa.

Dee estendeu a m��o para o controle remoto e desligou a televis��o.

��� K a r l a . . . voc�� sabe dos barbit��ricos que eu tomei da primeira

vez. Jurei que isso nunca mais aconteceria. Sofria cada vez que voc��

se ausentava, mas sempre me convencia de que estava ficando mais

175

forte e de que voc�� ia v o l t a r . . . Mas, no ano passado, quando voc��

tornou a desaparecer, cortei os pulsos. Quase ningu��m soube. Eu

estava em Marbella e tenho v��rios amigos m �� d i c o s . . . Foi ent��o

que compreendi que tinha de me casar para n��o perder o j u �� z o . . .

Os grandes olhos cinzentos de Karla se voltaram para ela cheios

de compaix��o.

��� N��o deve dizer coisas assim, que me enchem de tristeza. Tal-

vez o melhor para voc�� fosse eu desaparecer de sua vida para

sempre.

��� Oh n��o! ��� exclamou Dee, abra��ando-a. ��� N��o compreende?

N��o posso viver sem voc��! Mas sei tamb��m que, se fizer muitas

cenas como esta, voc�� me abandonar��. Foi outra raz��o para que eu

me casasse com Mike Wayne. Ele n��o �� como os outros. N��o posso

domin��-lo, nem intimid��-lo. Tenho de fazer o jogo de ser mulher

dele. Tenho de atend��-lo. E essa disciplina me impede de perder

de todo a cabe��a por sua causa. E eu sei que, enquanto agir como

uma esposa para com ele, Mike n��o me deixar�� porque n��o tem

dinheiro e porque acabei de estabelecer um fundo de dez milh��es

de d��lares para a filha dele.

��� Estou desconhecendo voc��! ��� exclamou Karla. ��� Voc�� em ge-

ral usa o dinheiro para manobrar as pessoas.

Dee sorriu.

��� Bem, o fundo n��o �� irrevog��vel. Posso cancel��-lo a qualquer

momento. Agora, escute, Karla. Voc�� n��o pode deixar de ir para

Palm Beach. Mike passar�� o dia inteiro jogando g o l f e . . . Podemos

ficar juntas e at�� durante as noites, pois a casa �� t��o erande que ele

nunca nos encontrar��...

Karla riu.

��� E voc�� ainda me fala em manter as apar��ncias. Se eu fosse

h��spede de uma casa em companhia de um casal, isso daria o que

f a l a r . . .

��� N��o, se voc�� for durante os feriados. Todo o mundo tem h��s-

pedes ent��o e se voc�� ficasse ningu��m falaria.

��� Vamos ver ��� disse Karla, tirando o controle remoto das m��os

de Dee e ligando a televis��o. Mudou ent��o de canal e pegou no

meio um filme de Cary Grant. Reclinou-se na cama com um sorriso.

��� Um homem admir��vel! Quase fiz um filme com ele. N��o pu-

demos chegar a acordo quanto ao contrato.

Dee observou o perfil perfeito de Karla. Viu as cicatrizes recen-

tes por tr��s das orelhas dela e ficou pensando nos motivos que Karla

tivera para fazer isso. Dee tinha feito uma opera����o pl��stica no rosto

sete anos antes. Mas s�� fizera isso para continuar bela para Karla.

Repetira a opera����o havia apenas um ano. De novo, o motivo fora

176

apenas Karla. E, no ano anterior, quando vira as pequenas rugas

em torno dos olhos de Karla e a leve flacidez sob o queixo, desejara

do fundo do cora����o que o processo fosse r��pido, que o rosto mag-

n��fico declinasse para que ningu��m mais a quisesse. E, por ocasi��o

de sua ��ltima aus��ncia, Karla fizera a opera����o pl��stica.

Por qu��? N��o estava interessada em voltar a trabalhar no cinema.

Sempre que algu��m aparecia com uma proposta para um filme,

ela a recusava. Por que ent��o fizera ela a opera����o? Sentiu-se ent��o

dominada por um des��nimo total. Poderia Karla sentir realmente

alguma coisa por David? At�� ��quele momento, ela pensara que

Karla se sentia apenas lisonjeada na sua vaidade pelas aten����es de

David. O medo a empolgou, pois compreendeu de repente que era

bem poss��vel que e l a . . . Karla era bissexual... ela mesma dissera

isso a Dee. Compreendera que era homossexual desde muito cedo,

talvez quando estava na escola de bal��. Mas Karla tivera tamb��m

alguns casos amorosos bem conhecidos com homens. E Karla tinha

confessado que sentia uma sincera atra����o por alguns homens. Dee

fechou os olhos, invadida por uma onde de desespero.

Vinte anos antes, em Hollywood, Christopher Kelly, o ator com

quem Karla quase se casara, era muito parecido com David. Talvez

houvesse um certo tipo de homem que afetava Karla. Olhou para

ela. Karla lhe deu um sorriso e voltou a sua aten����o para a televi-

s��o. Tinha vontade de gritar. Ali estavam elas deitadas juntas, mas

ela n��o se atrevia a indagar ou saber das emo����es pessoais de Karla.

Aprendera que, por maior que fosse a intimidade f��sica, isso n��o

lhe dava direito a invadir a vida particular de Karla. A parte da

outra que era mantida em sigilo n��o podia ser penetrada por l��gri-

mas, amea��as e at�� dinheiro. Descobrira havia muito a avareza pa-

tol��gica de Karla. Era milion��ria... mas o que mais se aproximava

de uma demonstra����o de afeto da parte de Karla sobrevinha quan-

do ela recebia uma quantia consider��vel. Mas naquela noite os dez

mil d��lares n��o tinham produzido sen��o um sorriso polido. Parecia

preocupada. Talvez estivesse mesmo amando David. O medo fez

Dee infringir subitamente todas as regras e perguntar, embora com

voz contida:

��� Tem visto muito David ultimamente, Karla?

��� Tenho ��� respondeu ela sem desviar os olhos da televis��o.

��� Creio que ele gosta de minha enteada.

Karla sorriu.

��� Parece que voc�� gostaria de que ele gostasse de sua enteada.

��� De qualquer maneira, ele nada significa para voc��, n��o ��

mesmo?

��� Claro que significa! Do contr��rio, por que iria eu v��-lo?

177

��� Cadela! ��� exclamou Dee, levantando-se da cama num pulo.

Karla continuou deitada e sorriu.

��� Voc�� vai ficar resfriada assim nua no meio do quarto. E outra

coisa, Dee. Voc�� precisa fazer exerc��cios de bal��. Est�� com

muita gordura sup��rflua, principalmente nas coxas.

Dee foi correndo para o banheiro e Karla aumentou o som da

televis��o. Parecia completamente empolgada pelo filme quando D e e

saiu do banheiro. Dee vestiu-se em sil��ncio. Depois, aproximou-se

da cama.

��� Por que voc�� faz essas coisas para atormentar-me, Karla?

��� Como �� que eu atormento voc��? Voc�� tem um m a r i d o . . . e mui-

to dinheiro. Gosta de controlar a vida das pessoas e de amedront��-

las com o seu dinheiro. Mas a Karla voc�� n��o pode nem controlar,

nem amedrontar.

Dee deixou-se cair sentada na cama.

��� Voc�� sabe por acaso que desgra��a �� ter o dinheiro que eu

tenho?

Karla deu um suspiro.

��� Minha pobre D e e . . . Voc�� sofre por n��o saber se as pessoas

se interessam por voc�� e n��o pelo seu dinheiro. Voc�� diz que isso

lhe deixa cicatrizes profundas na alma. Mas n��o h�� quem n��o te-

nha cicatrizes. Infelizmente, ou talvez felizmente, voc�� nunca sentiu

as cicatrizes de trabalhar para vencer no cinema e o trabalho ainda

mais pesado de continuar como e s t r e l a . . . sem esquecer um s�� mo-

mento como era a vida no tempo em que n��o se tinha dinheiro...

��� Mas voc�� estava lutando e isso era interessante...

��� Interessante?

��� Voc�� n��o gosta de falar sobre o in��cio de sua vida. Mas eu j��

li tudo o que se escreveu a seu respeito. Sem d��vida, voc�� se criou

na Europa durante a guerra. Deve ter sido terr��vel. Eu tinha cerca

de vinte anos por ocasi��o de Pearl Harbor. Entrei para comit��s e

tricotei para os ingleses, para os russos ��� eles eram nossos aliados

naquele tempo ��� mas n��s sab��amos da luta pelos jornais. N��o havia

televis��o que trouxesse tudo para dentro de nossa casa. �� horr��vel.

��� Voc�� acha horr��vel a televis��o dentro de casa? Mas na Pol��nia

n��s t��nhamos era a pr��pria guerra dentro de casa.

��� De sua casa?

��� Eu tinha vinte anos quando a Alemanha e a R��ssia eram alia-

das. Em 1939, Hitler invadiu a Pol��nia e dividiu-a com os russos.

��� Foi ent��o que voc�� foi para Londres?

��� N��o. Primeiro, a Su��cia, depois L o n d r e s . . . Mas isso n��o �� con-

versa para a cama e eu me sinto de repente muito cansada.

178

Dee sabia que tinha de sair. Karla a estava mandando embora.

Hesitou. Podia amea��ar de nunca mais voltar e sair. Mas voltaria

abjetamente. Ambas sabiam disso.

��� Karla, vamos partir para Palm Beach na semana que vem. Fi-

carei �� sua espera, sim?

��� Talvez.

��� Quer que mande o avi��o apanh��-la?

��� Isso eu lhe direi depois ��� disse Karla, espregui��ando-se e Dee

compreendeu que ela estava realmente adormecendo.

��� Est�� bem. Vou telefonar-lhe amanh��. E n��o se esque��a de que

eu a amo, Karla.

Quando Dee chegou ao Pierre, Mike tinha acabado de entrar.

Passou o bra��o pelos ombros dela.

��� Sa�� para comer um hamburger. Como se foi de gam��o?

Tirou o casaco dela e jogou-o em cima do sof��. Depois, abra��ou-a.

��� Desculpe que seu velho estivesse dormindo. Mas agora estou

bem acordado... em todos os sentidos.

Ela se afastou dele.

��� N��o, M i k e . . . Esta noite, n �� o . . . Est�� bem?

Ele ficou desconcertado por um momento. For��ou ent��o um sor-

riso.

��� Que foi que houve? Perdeu no gam��o?

��� Um pouco ��� disse ela com um sorriso contrafeito. ��� Mas vou

�� forra. Compreenda, �� uma quest��o de amor-pr��prio...

179

ONZE

�� meia-noite na quarta-feira, v��spera do Dia de Gra��as, Linda es-

tava sentada na cama (January era a sua assist��ncia cativa) a debla-

terar contra a hipocrisia e o absurdo daquele feriado.

��� Que �� exatamente que estamos festejando? ��� dizia ela. ��� Ape-

nas o fato de que alguns homens emocionalmente confusos, que se

chamavam "colonos", chegaram aqui, encontraram alguns ��ndios

amigos e trataram imediatamente de tomar todo o pa��s das m��os

deles.

��� Mas eles fizeram amizade com os ��ndios, Linda. As lutas vieram

depois. Na verdade, o Dia de Gra��as se destinava a comemorar as

primeiras colheitas boas e a amizade com os ��ndios.

��� Conversa fiada! E, al��m disso, que colono genial foi que se

lembrou de fazer a festa numa quinta-feira e estragar sem rem��dio

toda uma semana de trabalho? Seria diferente se fosse no ver��o e

se pudesse dar um bom passeio, indo para fora. Mas que �� que eu

vou fazer com um longo fim-de-semana em novembro?

��� Por que n��o vai fazer uma visita �� sua fam��lia, Linda?

��� Que fam��lia? A nova mulher de meu pai tem vinte e cinco

anos, acaba de ter um filho e meu pai n��o tem a menor vontade de

ver dentro de casa uma filha mais velha do que a esposa dele. Lem-

bra-lhe-ia muito penosamente a idade que tem. E minha m��e est��

tentando separar-se de seu atual marido. Surpreendeu-o num coquetel

agarrando a melhor amiga dela no toalete das senhoras... Como

v��, ela n��o est�� exatamente disposta a assar um peru para botar na

mesa. Voc�� �� que �� f e l i z . . . Vai passar quatro dias maravilhosos

num pal��cio �� beira da praia em Palm Beach. Vai num jato parti-

cular e ter�� dois cavalheiros para atend��-la enquanto tomar banho

de s o l . . . Papai e David. Ou �� ainda s�� Papai que interessa e David

s�� servir�� para atrapalhar?

January foi at�� a janela. J�� estava pronta para ir para a cama

quando Linda telefonara e insistira para que ela fosse at�� ao seu

apartamento. Dissera que era urgente, mas j�� estava ali havia vinte

minutos e ela n��o fizera sen��o atacar o Dia de Gra��as.

180

Na verdade, January aguardava ansiosamente a viagem. Havia

dez dias que Mike partira. David tinha sa��do com ela duas vezes

depois daquela terr��vel noite. Tinham ido ver Hair, que ele detes-

tara e ela adorara. Na outra vez, tinham seguido a rotina de ir ao

cinema cedo e de jantar depois no Maxwell's Plum. Nas duas vezes,

ele a levara para casa, deixara o t��xi esperando e se despedira com

o sorriso de quem vai esperar outro convite.

Compreendeu que a alus��o a David e ao pai fora um produto da

solid��o de Linda. Estava usando um velho palet�� de pijama de

Keith. Viu que January estava olhando para o palet�� de pijama e

sorriu.

��� N��o h�� mulher que n��o tenha um palet�� de pijama de um ex-

amante para usar em ocasi��es especiais... e faz��-la lembrar-se de

que, no fundo, todo o homem �� uma porcaria.

��� Ora, L i n d a . . . Voc�� bem sabe que tudo com Keith �� uma ques-

t��o profissional.

��� N��o �� de Keith que estou falando ��� disse Linda. ��� �� de Leon,

campe��o absoluto dos sujos. Exatamente ��s cinco horas da tarde

de hoje, ele me comunicou que vai voltar para junto da mulher.

Disse que me ama, mas que o psicanalista acha que eu o estou sub-

metendo a um processo de castra����o. Por outro lado, os jantares que

paga de vez em quando para mim parece que est��o desfalcando o

dinheiro da pens��o que ele tem de pagar �� mulher. E ele ainda tem

de pagar a consulta do analista tr��s vezes por semana. N��o faz

m a l . . . Afinal de contas, eu n��o era mesmo vidrada nele.

��� Por que ent��o dormiu com ele?

��� Querida, Leon �� um diretor de arte brilhante. Poderia ganhar

muito mais em outra revista...

��� Quer dizer que ele vai continuar?

��� �� claro. Continuaremos bons amigos. Pode ser at�� que de vez

em quando a gente durma juntos. A verdade �� que uma das princi-

pais raz��es que me fizeram entrar nesse relacionamento com ele

foi a continua����o dele na revista. Ele me deu o fora para voltar

para a mulher. E eu tive bastante jeito para manobr��-lo... Chorei,

disse que o amava de verdade, fi-lo prometer que festejaria o Dia

de Gra��as em companhia da mulher e do filho e que eu compreendia

t u d o . . . Em resumo, apliquei-lhe tamanha carga de culpa que ele

nem pensar�� em sair da revista.

��� �� s�� a revista que lhe interessa?

Linda acendeu um cigarro.

��� Escute aqui, quando eu estava na escola de Miss Haddon, todas

voc��s me adoravam porque eu estava sempre �� frente de tudo, sem-

pre em movimento, certo? E os rapazes que sa��am comigo s�� se in-

181

teressavam por mim porque comigo n��o havia limite, compreende?

Mas, mesmo .sem limito, eu nunca tinha certeza de que iriam sair

de novo comigo nem por quanto tempo eu poderia prend��-los. Eu

.sabia que eles sempre encontravam algu��m que tamb��m n��o tinha

limite o de maneira ainda melhor do que eu. Quando sa�� da escola

do Miss Haddon, fiz a pl��stica no nariz e tentei ser atriz, vi como

as mulheres se humilhavam para conseguir um lugar numa pe��a.

Eu era uma delas e me esfalfava de cantar num palco vazio e es-

curo para depois ouvir apenas uma voz sem corpo que dizia: "Mui-

to obrigado". E, mesmo quando se tinha sorte e se conseguia um

lugar, na temporada seguinte era preciso voltar, humilhar-se, supli-

car, r e z a r . . . por outra oportunidade de cantar de novo num palco

vazio e tornar a ouvir "Muito obrigado". Mas, ao ser contratada

para trabalha em Gloss, compreendi que s�� teria de suplicar e hu-

milhar-me uma vez na minha marcha para o alto e que, quando

eu l�� chegasse, Gloss estaria sempre �� minha espera. N��o era como

uma pe��a que sai do cartaz depois de uma temporada, nem como

um amante que se levanta de nossa cama e nunca mais volta. Hoje,

eu sei que haver�� outros Leons e talvez mais alguns Keiths.

��� Mas Keith n��o foi seu grande amor?

��� Ora, J a n u a r y . . . Pensa ent��o que ele foi o primeiro homem por

quem me apaixonei? Eu apenas me interessava por ele de uma ma-

neira diferente pela qual me interessava por Leon.

��� Mas voc�� me disse que queria casar-se com ele e que Keith

e r a . . .

��� Bem, quando eu lhe disse isso, ele era importante. Escute, vou

fazer vinte e nove anos na semana que vem. �� uma idade ingrata

porque, quando a gente diz que a tem, ningu��m acredita. Quando

a gente diz que tem vinte e sete anos, todo o mundo acredita. Mas

vinte e oito ou vinte e nove anos parecem idades falsas. E vinte e

nove anos �� uma idade bem avan��ada para ainda n��o se ter con-

seguido um casamento ainda que infeliz. Mas �� uma idade perfeita

para ser redatora-chefe de uma grande revista. Faz de mim a mais

jovem redatora-chefe de uma revista em Nova York. Foi por isso

que n��o me desmanchei em pranto quando compreendi que tinha

perdido Keith para sempre.

��� Para sempre? Como pode ter tanta certeza?

��� Ele est�� vivendo com uma mulher mais velha, sabe? Com uma

mulher muito mais velha. J�� ouviu falar em Christina Spencer? N��o?

�� muito rica. Claro que n��o chega aos p��s de Dee. N��o merece p��-

ginas inteiras do Vogue como Dee. Mas consegue uma pequena fo-

tografia entre muitas outras na p��gina do centro de Women's Wear

quando sai do restaurante ou da estr��ia de alguma pe��a. Ela possui

alguns milh��es e �� uma dessas mulheres que compram amantes mais

182

m o �� o s . . . H�� poucos dias, vi uma fotografia de Keith com um pale-

t�� de Cardin, acompanhando Christina a um baile de caridade no

Plaza. Apareciam na p��gina do centro de Women's Wear, mas de

Keith s�� se via a metade do corpo e a legenda o chamava de cava-

lheiro "n��o-identificado".

��� Mas por que ele se sujeita a isso?

��� Christina Spencer h�� muitos anos financia pe��as na Broadway.

Ainda hoje de manh��, li no Times que ela est�� entre os financiado-

res de um musical de rock chamado Caterpillar e vi que no elenco

escolhido figura o nome de Keith Winters.

��� Ficou abatida com isso, Linda?

��� Claro que n��o. O ��nico homem que conseguiu abater-me de

verdade foi Tony.

��� Tony?

��� Sim, foi o homem de minha vida. Quando ele me deixou, tomei

cinco bonecas vermelhas e dois casacos amarelos. Eu tinha vinte

anos e pensava que nosso amor fosse imortal. Mas sobrevivi tanto

a Tony quanto aos barbit��ricos. Houve ent��o uma penca de ef��me-

ros. Sabe como ��, pega-se quem aparece, porque est�� ao alcance

da m��o, porque �� preciso mostrar a Tony que ele n��o era t��o im-

portante assim e porque se adquiriu o h��bito de ter um homem

que nos d�� confian��a. Mas o relacionamento nunca durava porque,

por mais atraente que o outro fosse, n��o era Tony. Isso durou v��rios

meses, um ano at��, se n��o estou enganada. Mas havia algo funda-

mentalmente errado em tudo isso. Talvez eu gerasse uma rea����o

negativa, mas a verdade �� que eles de repente deixavam de telefonar.

Alguns se esqueciam at�� de ir buscar camisas que tinham vindo do

tintureiro e que eu pagara. Foi ent��o que eu comecei a escolher

quem pudesse ajudar a revista. E, muitas vezes, n��o h�� nem sexo na

hist��ria. Agora mesmo, uma grande ag��ncia de publicidade compra

na revista an��ncios de p��gina inteira a cores para seus clientes. O

presidente da ag��ncia, Jerry Moss, mora em Darien, tem uma bela

mulher e dois filhos, mas tem sido toda a sua vida uma bicha secre-

ta. H�� um ano, ele se apaixonou por Ted Grant, um modelo masculi-

no que eu conhe��o. Passei a servir-lhes de disfarce. Saio ��s vezes

com os dois e a mulher de Jerry pensa naturalmente que estamos

tratando de neg��cios. Cheguei a ir uma vez a um jantar em casa de

Jerry em Darien, levando Ted como meu cavalheiro. Enquanto fi-

quei na sala batendo papo com a esposa, os dois subiram sob um

pretexto qualquer e deram o seu recado. Conhe��o tamb��m um pro-

jetista e a mulher dele. Ambos s��o homossexuais. Ela tem sua pe-

quena, ele tem seu rapaz e eu quase sempre fa��o um grupo de cinco,

que confunde todo o mundo, menos as figuras principais envolvidas.

O projetista tem-me ajudado muito e a mulher dele d�� jantares ex-

183

celentes, aos quais eu compare��o e me encontro com gente de alto

gabarito. S i m . . . gosto muito de meu trabalho em Ghss. Tem sido

uma coisa muito boa para mim. Posso manter alta a circula����o da

revista bem melhor do que posso manter um p��nis que fica fl��cido

dentro de mim. Sim, �� uma coisa que pode acontecer. O camarada

olha ent��o para a gente como a culpar-nos de sua impot��ncia. De-

safia ent��o a gente a dar um jeito. E isso �� mais freq��ente do que

se poderia pensar. Mas ent��o aparece um Keith, com quem uma

coisa dessas �� imposs��vel, e a gente come��a a pensar que talvez seja

para sempre. Mas n��o �� e, quando vem a separa����o, nem se chega

a chorar.

��� Bem, L i n d a . . . sinto muito ��� disse January, encaminhando-se

para a porta.

��� Sente-se, sua boba. N��o chamei voc�� aqui para falar sobre mi-

nha vida sexual. Ou para chorar a perda de Keith. Sou um bocado

resistente e tenho uma enorme capacidade de recupera����o. Al��m

disso, botei as cartas outro dia e fiquei sabendo que uma coisa mui-

to importante me vai acontecer em 1971. Por isso, quando Leon me

deu a not��cia, vim para casa esta noite, tirei um lombo de carneiro

da geladeira e, enquanto o mesmo degelava, comecei a ler as provas

do novo romance de Tom Colt.

��� �� t��o bom como alguns dos outros dele?

��� Melhor ainda. Mais comercial. Os ��ltimos romances dele foram

muito bons, mas do ponto de vista liter��rio. S�� os cr��ticos falaram

bem deles. As vendas foram muito fracas. Mas este de agora vai

subir como um foguete. �� por isso que eu sou fatalista. Se Leon es-

tivesse aqui, ter��amos tido sexo e eu n��o leria as provas.

��� Que �� que voc�� vai fazer? ��� perguntou January. ��� Vai fazer

alguma proposta para publicar o romance em s��rie na revista?

��� Est�� brincando? Soube que Ladies' Home Journal j�� ofereceu

vinte e cinco mil d��lares apenas para publicar dois excertos. O livro

n��o podemos conseguir, mas podemos conseguir o autor. Compre-

ende?

��� Estou muito cansada, Linda, e ainda n��o arrumei as malas.

N��o estou com cabe��a para enigmas. N��o, n��o compreendo.

��� January, voc�� anda meio a��rea ultimamente. Ou��a o que eu

lhe digo e v�� para a cama quanto antes com algu��m, sen��o sua pele

ficar�� em peti����o de mis��ria.

��� Isso n��o passa de uma crendice e depois...

��� Depois o qu��? Oh, voc�� ficou vermelha! J�� sei! Foi para a

cama com David! Felizmente! Est�� tomando a p��lula? Como ��? Foi

tudo divino? N��o admira que esteja t��o ansiosa para ir para Palm

Beach. V��o ser quatro dias e quatro noites de sol, de areia e d e . . .

184

��� Linda! S�� fizemos isso uma vez e foi horr��vel!

��� Como assim? Ele n��o conseguiu ficar em condi����es?

��� N��o foi isso. Creio que ele se saiu muito bem. Foi horr��vel

para mim.

Linda riu.

��� Na primeira vez, sempre ��. Isto ��, para a mulher. Para o ho-

mem, n��o. Segundo sei, os patifes parecem uns loucos logo da pri-

meira vez, ainda que estejam num beco escuro com a "leviana" do

lugar. A mulher pode n��o sentir nada, mas os cachorros sentem

sempre e muitas vezes sentem o orgasmo at�� antes! �� uma coisa

que nenhum Movimento de Liberta����o da Mulher vai mudar nunca!

Uma virgem �� toda obstru��da por dentro, ainda que tenha sido ex-

plorada com o dedo. Sente dor quando o glorioso ��rg��o entra e s��

sente o orgasmo depois de ter sido convenientemente alargada e

lubrificada com paix��o. Felizmente, voc�� n��o �� mais v i r g e m . . .

Mas �� uma pena que o primeiro tenha sido David.

��� �� o que eu acho t a m b �� m . . . Devia ter esperado mais um

pouco.

��� Claro! Eu lhe poderia ter arranjado algu��m mais convenien-

t e . . . talvez at�� Leon.

��� Voc�� �� louca!

��� Nunca se deve fazer isso pela primeira vez com algu��m por

quem se tem alguma simpatia. Como eu disse, a primeira vez �� qua-

se sempre desagrad��vel e pode-se perder o homem. Voc�� se afastou

de David?

��� N �� o . . . Ele continua a dizer que me ama e quer casar-se co-

migo.

��� Por que �� ent��o que est�� sentada a�� chorando o h��men perdido?

Parab��ns e tudo isso. Vamos falar agora de Tom C o l t Segundo ouvi

dizer, ele anda precisando muito de dinheiro.

��� Mas ele �� muito rico ��� afirmou January. ��� Conheci-o quando

era pequena.. Ele tinha uma bela casa aqui em Nova York com uma

de suas espofeas e meu pai queria comprar um livro dele para fazer

um filme. Ele escreveu cerca de quinze romances de sucesso e tem

muito dinheiro.

��� Tinha. Como seu pai j�� teve. Talvez a sorte tivesse falhado a

Tom Colt tamb��m. Paga pens��o a tr��s de suas mulheres e estabele-

ceu um fundo bem elevado para a quarta. A nova esposa dele acaba

de dar-lhe um filho. Imagine! Na idade dele e nunca tivera um fi-

lho at�� agora. Mas, como lhe disse, os ��ltimos livros dele n��o se

venderam bem. E quando se vive numa grande casa em Beverly

Hills, com um Rolls Royce, muitos empregados, cabina de proje����o

e o mais que se segue, n��o se pode publicar tr��s livros que n �� o fa-

185

zem sucesso e estar em boas condi����es financeiras, tendo as despe-

sas que ele tem. Por outro lado, n��o vendeu um s�� livro para o ci-

nema desde 1964 e �� da�� que vem o dinheiro. Do cinema e das edi-

����es de pocket book. Talvez por isso ele esteja voltando nesse novo

livro ao seu velho estilo incisivo e forte. Diz que vai deixar de es-

crever para os cr��ticos e se voltar de novo para o povo. Foi o que

ele disse numa entrevista publicada h�� alguns meses na Paris Re-

view. Diz que pouco se importa de que os intelectuais o julguem

decadente, desde que ele consiga vender para o cinema e volte a

ser o romancista mais popular do pa��s. E a s s i m . . .

��� E assim?

��� Ele vai precisar de toda a publicidade que puder conseguir.

E talvez pe��a muito dinheiro por um excerto do seu livro. Mas po-

der�� cede-lo inteiramente de gra��a se lhe propusermos uma repor-

tagem sobre ele com retrato na capa.

��� E que �� que impede Helen Gurley Brown de ter a mesma id��ia,

se �� que j�� n��o a teve?

��� Bem, ela j�� deve ter tratado disso, mas acontece que n��o temos

voc��.

��� E u ?

��� Voc�� conhece Tom Colt.

��� Oh, L i n d a i . . . Eu me encontrei com ele quando tinha cinco

anos. Que �� que eu posso fazer? Mandar-lhe a minha fotografia do

tempo de menina, deixar que ele adivinhe de quem se trata e pedir-

lhe que consinta em me receber em aten����o aos velhos tempos?

Al��m disso, como voc�� disse, ele mora em Beverly Hills.

Se for preciso, mandarei lev��-la l��. Avi��o, primeira classe. O li-

vro s�� dever�� aparecer l�� para fevereiro ou mar��o. Basta voc�� pe-

dir-lhe uma entrevista... em nome de seu pai.

January levantou-se.

��� Estou muito cansada, Linda. E ainda tenho de arrumar as

m a l a s . . .

��� Muito bem. Divirta-se. E, enquanto estiver tomando banho de

sol e amando, veja se pode escrever uma boa carta a Tom Colt. Tal-

vez voc�� possa at�� conseguir que seu pai acrescente algumas

l i n h a s . . .

186





D O Z E


Mike estava esperando no aeroporto quando o jato Grumman pou-

sou. Viu January descer a escada ao lado de David. Ela ainda n��o

o vira e, por um momento, ele se abandonou ao prazer de v��-la sem

ser observado. De cada vez que a via, havia alguma mudan��a quase

impercept��vel. Uma nova faceta de beleza parecia ter emergido.

Agradava-lhe o ar displicente e atual dela. As cal��as amplas, o cha-

p��u breve e os cabelos longos e lisos. Parecia um modelo de modas

da nova safra.

De repente, ela o viu e correu para ele, gritando:

��� Papai! Papai! Que alegria v��-lo!

Ele sorriu contente ao perceber que ela voltara num momento de

emo����o a cham��-lo de "Papai" em vez de " M i k e " .

��� Deixei M��rio fazendo drinques. Eu �� que vou ser o chofer ���

disse ele, enquanto David se sentava no banco de tr��s, apertado

entre as malas.

��� Quantos h��spedes h�� desta vez? ��� perguntou David.

��� Uns oito ou dez. Mas perde-se a conta porque Dee sempre tem

trinta ou quarenta pessoas para almo��ar todos os dias. Saio para

jogar golfe ��s nove horas e quando volto, ��s quatro horas, quase

metade ainda est�� por l��. Depois, ��s sete, chega a turma dos coque-

t��is. Mas Dee resolveu que o jantar do Dia de Gra��as ser�� ��ntimo.

Apenas duas mesas de doze pessoas. Enquanto isso, vamos esperar

que o sol continue firme. Voc��s dois est��o precisando de um pouco

de cor.

O bom tempo se estendeu por todo o fim-de-semana. Havia sem-

pre dois ou tr��s tabuleiros de gam��o em a����o em volta da piscina.

Pratos frios e quentes eram trazidos em carrinhos por uma intermi-

n��vel fila de criados. Mike e January sentavam-se juntos. Tomavam

banho de sol e, depois, iam at�� a praia e ca��am na ��gua. Quando

ela jogava t��nis com David, Mike ficava olhando e se admirava de

v��-la superar o homem a cada volteio. Onde ela tinha aprendido a

jogar t��o bem? Lembrou-se ent��o, em r��pidos lampejos de todos

187

os torneios de t��nis de que ela participara e a que ele nunca havia

comparecido. Recordou os bilhetes que havia recebido em Los An-

geles, Madri ou Londres. "Estou disputando a Ta��a J��nior. Gosta-

ria de que voc�� estivesse presente". "Vou representar a escola de

Miss Haddon no Torenio de Leste. Seria muito bom que voc�� pu-

desse ir". "Ganhei". "Mandei a ta��a para o Plaza". "Ganhei".

"A ta��a foi remetida para o Plaza". "Cheguei em segundo lugar".

" V e n c i " . "Gostou do trof��u? �� prata de lei". " V e n c i " . "Venci!"

Meu Deus, como ele dera pouco de si mesmo �� filha! Onde esta-

riam todas as ta��as e os trof��us? Ela nunca lhe perguntara. Deviam

estar em algum dep��sito juntamente com as m��quinas de escrever,

o piano, os arquivos e os m��veis que ele havia reunido em todas as

suas idas e vindas. E n��o sabia nem por onde andavam os recibos

dos dep��sitos.

Quanto da inf��ncia dela ele havia perdido! E quanto ela mesma

perdera de sua adolesc��ncia! E agora ela estava atravessando os

melhores anos da vida e ele tinha de perd��-los t a m b �� m . . . Estava

c a s a d o . . . S�� que dessa vez era um fracasso diante do qual ele n��o

podia apenas fechar o escrit��rio e tomar outro rumo.

De repente, enquanto olhava a filha jogar t��nis, foi tomado de

p��nico ante a id��ia que lhe passara pelo subconsciente. Inclu��ra o

seu casamento com Dee entre os seus fracassos. Entretanto, na ver-

dade, nada havia mudado. Dee ainda sorria para ele todas as noites

do outro lado da mesa. Ainda passava o bra��o pelo dele quando re-

cebiam os convidados. Ainda ia para a cama com ela duas vezes por

s e m a n a . . . Pronto! Era isso! Havia tocado justamente o nervo ex-

posto. Ele ia apenas para a cama com ela. Tinha ultimamente a im-

press��o de que ela estava apenas procurando fazer-lhe a vontade,

apazigu��-lo. N��o tentava mais "representar". Qual fora a ��ltima

vez em que ela gemera, se abra��ara a ele e dissera que tudo era

maravilhoso? Mas talvez a culpa fosse dele. Talvez ela sentisse que

ele �� que estava fazendo a vontade d e l a . . . Essas coisas se perce-

bem. Talvez a culpa fosse mesmo dele. A pobre criatura se aborre-

cia de que ele passasse muito tempo no clube. Na verdade, n��o es-

tava dando muita aten����o a ele. Golfe a manh�� toda, canastra ��

tarde, pois encontrara alguns parceiros f �� c e i s . . . Sem d��vida, vol-

tava para casa a tempo de participar do ritual dos martinis. E sem-

pre �� noite havia os jantares.

Bem, dali por diante. Desde o momento em que January partisse,

ele iria submeter Dee a um verdadeiro fogo de barragem. Cortaria

os jogos de canastra. N��o haveria mal algum em passar algumas

tardes com ela. O pior �� que n��o estaria com ela. Ficaria depois do

almo��o em conversa com as amigas dela e vendo os jogos de gam��o.

N��o. continuaria no clube de golfe. Afinal de contas, tinha ganho j��

188

cinco mil d��lares na canastra. Tinha aberto at�� uma caderneta de

poupan��a com esse dinheiro. Cinco mil d��lares n��o significavam

coisa alguma evidentemente. Mas era dinheiro seu, que ganhara

com o seu esfor��o, pouco importando a natureza desse esfor��o.

De qualquer maneira, tinha de dar mais aten����o a Dee. Estava

sendo muito displicente nesse particular. Bem, no domingo, depois

que January e todos os outros h��spedes partissem, iniciaria a sua

nova ofensiva rom��ntica. Sentiu-se melhor depois dessa decis��o.

Era necess��rio de vez em quando dar esses balan��os na vida. Tinha

pensado que havia alguma falha na vida deles dois quando era ele

exclusivamente o culpado. Ela tamb��m vivera cercada de gente em

Marbella e depois em agosto na Gr��cia e aonde quer que ela deci-

disse ir. Em Londres, nunca tinham tido menos de vinte pessoas

na hora dos coquet��is no Dorchester, onde se haviam hospedado

Era essa a maneira de viver de Dee e ele sabia disso desde que a

conhecera. Ele �� que era o encarregado de concorrer com a parte

rom��ntica. Era o que ele tinha feito quando a conhecera ��� e por

isso a havia conquistado ��� e era o que ia voltar a fazer de domingo

em diante.

Mas, naqueles dias, ele se dedicou a apreciar a filha. Viu a pele

dela bronzear-se, observou o seu corpo maravilhoso num biqu��ni

( D e e era t��o terrivelmente branca), notou que os cabelos dela dan-

��avam a cada movimento, ao passo que os de Dee nunca sa��am

do lugar. Usava cal����es de linho verdadeiramente loucos, em con-

traste com as cal��as perfeitas de couro de tubar��o de Dee. Levava

nos dedos pequenos an��is de prata em compara����o com as pesadas

j��ias de Dee. Estavam em p��los opostos. Dee era uma beleza. E n -

tretanto, ele estava contente de que a filha fosse como era.

Havia uma atmosfera l��mpida e cintilante em torno dela. Mike

gostava do interesse que ela tomava por tudo. Interesse vital pela

revista na qual trabalhava, um interesse meio vago por David e um

interesse for��ado e bem-educado sobre a conversa de Dee a respeito

das inclina����es rom��nticas de algumas figuras da sociedade. Quase

todos os nomes deviam, ser-lhe desconhecidos, mas ela escutava

sempre atentamente.

Era dif��cil para ele avaliar David. Estava sempre atencioso e sor-

ridente como um verdadeiro cavalheiro. Era claro que ele e Dee

eram primos-irm��os. Eram cortados do mesmo pano. Toda a aris-

tocracia estava neles. Tinha excelentes maneiras, jogava gam��o in-

cessantemente com os convidados de Dee e usava sempre as roupas

indicadas para cada ocasi��o. At�� nos seus cal����es de t��nis se notava

o talho do bom alfaiate e os seus su��teres lhe ca��am no corpo com

displic��ncia e eleg��ncia. At�� a sua transpira����o tinha classe e apa-

recia apenas um pouco na fronte para fazer a pele queimada de sol

189

brilhar. N��o era ele tudo o que ele tinha querido para January?

Muito antes de conhecer Dee, sabia que n��o queria uma vida no tea-

tro para January. Fora por isso que escolhera a escola de luxo no

Connecticut. Fora aconselhado nisso pelo seu gerente de neg��cios,

que lhe dissera: " E l a tem de conhecer pequenas de classe, sendo

apresentada aos irm��os d e l a s . . . �� assim que essas coisas come��am

e �� para isso que existem as boas escolas".

Ora, a ��nica coisa que ela ganhara naquela escola fora uma co-

le����o de trof��us de t��nis e um emprego numa revista. Entre todas

as colegas que conhecera l��, tinha de ligar-se justamente a Linda,

que era uma verdadeira vassoura, com um homem diferente todas

as noites na cama. Mas isso n��o era muito natural em vista dos cos-

tumes livres da ��poca? Olhou para ela na quadra de t��nis. Teria ela?

N��o! N��o era que ele esperasse que ela ficasse virgem para sempre.

Mas era do tipo que s�� devia chegar a maiores intimidades com um

homem depois de estar noiva dele. Ou talvez um pouco a n t e s . . .

para ter certeza. No momento, por��m, ela estava inteiramente dedi-

cada �� revista. Segundo achava Dee, ela se divertiria em trabalhar

durante algum tempo e depois se casaria com David.

N��o sabia por que se sentia deprimido com isso. N��o era o que

ele sempre tinha querido para January? Mas queria porventura que

ela se tornasse uma jovem Dee? Ora, por que n��o? Seria bem me-

lhor do que seguir o caminho de tantas outras e ir morar com algum

sujeito, virando hippie, no East Village. Ou podia ser mais parecida

com ele, disposta a tudo para tornar-se uma estrela. E depois? Ainda

que ela chegasse a conhecer alguns anos de esplendor, teria de co-

nhecer o fim de todo grande nome no teatro, inclusive ele, e que

era solid��o e derrota. Quando um homem tinha dinheiro, durava

um pouco mais. Mas para uma mulher, mesmo com dinheiro, a so-

lid��o chegava mais depressa. A idade derrotava as mulheres. Mesmo

uma estrela lend��ria como Karla, que esp��cie de vida levava? Ainda

fazia exerc��cios de bal��! Mas, se n��o fosse isso, que iria ela fazer o

dia todo? E nem todas as estrelas tinham a felicidade de ser pouco

inteligentes como Karla para contentarem-se com passeios a p�� e

exerc��cios de bal��. As mais emotivas sofriam mais e viviam tran-

cadas numa mans��o em Beverly Hills encharcando-se de barbit��-

ricos e de bebida. Tinham de fazer tudo para libertarem-se da noite

e poderem acordar com um dia intermin��vel pela frente que passa-

riam sozinhas, comendo o almo��o nas bandejas e assistindo ��s no-

velas da televis��o. N��o, as coisas estavam correndo bem para J a -

nuary. Ela havia aprendido todas as coisas b��sicas na escola de Miss

Haddon e ele estava contribuindo com o resto, um lugar como aque-

le, sol no inverno, neve no ver��o, o que ela quisesse.

190

Viu-a sair da quadra de t��nis em companhia de David. Derrota-

ra-o de novo. Sua filha era uma campe��. Mas David tamb��m era

um campe��o. Saber perder com gra��a era uma arte dif��cil. E David

a dominava. A maneira pela qual ele pulara por cima da rede para

felicit��-la, passando depois o bra��o pelos ombros dela enquanto os

espectadores aplaudiam, tinha sido perfeita. Mas Mike admirava

principalmente o encanto e o entusiasmo que ele irradiava nas in-

termin��veis reuni��es a que compareciam todas as noites.

E January parecia tamb��m muito contente com tudo. Era bem

poss��vel que ele tivesse feito o que devia e que tudo fosse sair como

ele queria. Era bem poss��vel que quando voltassem a Palm Beach

pelo Natal j�� houvesse alguma coisa mais s��ria entre os dois. Dee

gostaria disso. Mas n �� o . . . ainda n��o. January iria fazer vinte e um

anos em janeiro. Merecia ainda um pouco mais de liberdade.

Liberdade para qu��? Ela era uma m o �� a . . . e ele estava pensando

nela subjetivamente... As mo��as n��o precisavam de experi��ncia.

Contentavam-se em dedicar-se a um homem por toda a vida. E l a

n��o era uma daquelas participantes meio malucas do Movimento de

Liberta����o das Mulheres. De qualquer maneira n��o acreditava nelas.

Sempre que via alguma falando na televis��o, murmurava: "Sei, mi-

nha f i l h a . . . Se voc�� arranjasse um bom homem, sua cantiga seria

d i f e r e n t e . . . " Era o que todas eram, mulheres sem homem. E, fe-

lizmente, sua filha nunca teria de preocupar-se com isso.

Levantou-se cedo no domingo. Tinha prometido fazer a primeira

refei����o com January �� beira da piscina. Ela ia partir ��s quatro

horas e ent��o ele e Dee ficariam sozinhos. E ele estava empenhado

em cumprir o seu programa. Havia uma semana que n��o ia para a

cama com Dee. Teria ela notado isso? Tinham quartos separados

ali. Quartos era uma maneira de d i z e r . . . O dele tinha doze metros

por dez de frente para o mar. Dispunha tamb��m de uma sauna, de

um chuveiro e de um banheiro de m��rmore preto com a banheira

embutida no ch��o. O quarto dele era pegado ao dela, mas havia

necessidade de uma verdadeira viagem para chegar l��. Primeiro,

tinha de atravessar o quarto de vestir dela e o banheiro ��� uma

grande composi����o de m��rmore branco e ouro, onde crescia uma

��rvore verdadeira e toda uma parede era tomada por um aqu��rio

cheio de peixes tropicais. O aqu��rio era tamb��m uma parede do

quarto de Dee, o qual era um pouco menor do que o dele mas, em

compensa����o, tinha um terra��o que parecia um sal��o de baile. De

vez em quando, era ali que faziam a primeira refei����o sob um guar-

da-sol.

Come��ara naquele dia o seu treinamento, sem Bloody Marys ao

almo��o, nem martinis na hora dos coquet��is... Am��-la-ia naquela

noite com toda a sua velha paix��o.

191

Passou a manh�� em companhia de January. Ela leu a revista do

Times e ele se engolfou na p��gina de esportes. E r a outra grande

coisa que tinham em comum: n��o julgavam que a conversa fosse

necess��ria para a comunica����o. S�� depois que ele acabou a p��gina

de esportes e passou para a se����o de teatro, foi que viu que ela

estava lendo as provas de um livro.

��� Bom? ��� perguntou ele.

��� Muito bom ��� disse ela, levantando para a testa os ��culos es-

curos. ��� �� de Tom Colt. Lembra-se dele?

��� Como �� que me posso esquecer? Ganhei tr��s milh��es de d��-

lares l��quidos com o filme que fiz baseado num livro dele.

��� Mas ser�� que se lembra da ocasi��o em que me levou �� casa

dele?

��� Levei mesmo? Uma casa de pedra numa das ruas 60 Leste,

n��o foi?

��� Gloss pode fazer uma reportagem sobre ele. Como �� que ele ��?

��� Naquele tempo, ele estava metido num grande caso de amor

com sua pr��pria pessoa. Tinha ganho o Pr��mio Pulitzer com seu

primeiro romance, mas, em lugar de ficar impressionado com isso,

me disse a s��rio que estava atr��s de coisa melhor, o Pr��mio Nobel.

Tinha escrito seis livros quando me disse isso e acreditava que mais

dez anos prol��ficos resolveriam o caso. Mas creio que muitos casa-

mentos e muitas lutas mataram esse sonho. Soube que os ��ltimos

livros dele n��o se venderam bem. Mas n��o creio que ele esteja t��o

alarmado que chegue ao ponto de conceder uma entrevista a Gloss.

��� Por acaso voc�� j�� pegou em Gloss para ler, Mike?

��� De ponta a ponta, quando voc�� me disse que ia trabalhar l��.

N��o �� o que interessa a Tom Colt. Olhe, h�� cerca de seis anos, todos

os jornais publicaram a hist��ria da luta dele com um tubar��o.

Quando o barco de pesca em que ele ia virou no meio do mar, ele

mergulhou e deu socos no focinho do tubar��o at�� chegar socorro

para ele e para os outros.

��� Foi mesmo?

��� Lutou tamb��m com um touro na Espanha. P��s a nocaute num

bar um pugilista profissional. Uma vez, quando o avi��o em que

viajava caiu, caminhou dois quil��metros at�� a cidade mais pr��xima

com uma perna quebrada. �� capaz de beber mais que qualquer

homem e nocautear Muhammad Ali com uma das m��os amarrada.

��� E �� mesmo capaz dessas coisas?

��� Claro que n��o ��� disse Mike, rindo. ��� Mas esse �� o tipo de pu-

blicidade de que ele gosta. Abateu muitos homens em brigas nos

bares, mas ningu��m sabe se um deles era um pugilista profissional.

192

A hist��ria do tubar��o talvez seja verdadeira. A do touro �� verdadei-

ra. Todos dizem que o touro era velho e cansado, mas o fato �� que

ele entrou na arena e tentou. O que eu quero dizer �� que �� essa

a esp��cie de publicidade que ele deseja e, por isso, n��o creio que ele

conceda uma entrevista a Gloss.

��� Pois n��s estamos esperando que ele a conceda.

��� Quer dizer que nem falaram ainda com ele?

��� Bem, vou escrever-lhe uma c a r t a . . .

��� E dizer incidentalmente que eu sou seu pai?

��� Muito incidentalmente. Quase como uma esp��cie de p��s-escrito.

��� Nada feito, January. Isso n��o quer dizer que eu n��o a autorize

a fazer isso e ainda mais. Voc�� bem sabe que eu sou capaz de andar

de rastro para ajudar voc�� de qualquer maneira. Mas a verdade

�� que a melhor maneira de voc�� conseguir uma entrevista dele ��

n��o dizer que eu sou seu pai.

��� Por qu��?

��� Como eu lhe disse, quando o conheci ele estava sonhando com

o Pr��mio Nobel. Para fazer do filme baseado no livro dele um su-

cesso de bilheteria, tive de cortar muitas cenas e at�� alguns perso-

nagens. Do contr��rio, o filme teria seis horas de dura����o. Tom Colt

nunca me perdoou isso.

��� Mas, se o filme deu dinheiro...

��� Deu, sim, mas para mim e para o est��dio. Para ele, coube ape-

nas a quantia de duzentos mil d��lares, mas sem percentagem sobre

as receitas. Por isso, ele s�� poderia julgar o filme do ponto de vista

art��stico e negativamente, sem d��vida. Na verdade, n��o somos ini-

migos, mas tamb��m n��o somos amigos do peito.

��� Que idade tem ele?

��� Deixe v e r . . . Deve ser cinco ou seis anos mais velho do que

eu. Cinq��enta e sete ou cinq��enta e oito anos. Mas, do que tenho

sabido, ainda bebe como uma esponja e circula em companhia de

mocinhas. Quer saber de uma coisa? N��o h�� nada pior do que um

conquistador idoso. �� como uma mulher quarentona que tenta pa-

recer uma menina de quinze anos.

��� Que �� que sugere para eu conseguir a entrevista?

��� O melhor ser�� n��o pensar mais n i s s o . . .

Nesse momento, o mordomo anunciou o almo��o e os h��spedes

come��aram a chegar �� piscina. Dee apareceu num vasto pijama e

um grande chap��u, dando in��cio oficialmente ao almo��o.

Depois disso, ele n��o teve muita oportunidade de falar com J a -

nuary. Havia no m��nimo cinq��enta pessoas presentes e v��rios ra-

pazes come��aram a competir com David pelas aten����es dela. Mike

193

percebeu isso e notou ainda a atitude confiante de David. Por que

n��o? O sujeito ia ficar com ela durante toda a viagem de volta no

avi��o. Mas Mike estava come��ando a simpatizar com ele. Nas poucas

vezes em que tinha conversado com ele durante o fim-de-semana,

notara um calor que at�� ent��o n��o havia nele. Era provavelmente

uma conseq����ncia do seu interesse por January, que o fizera tornar-

se mais humano. Ou talvez tivesse come��ado s simpatizar com ele

porque sentira que David ia ficar permanentemente ligado �� vida

dele. Ou podia ser que, por isso mesmo, quisesse simpatizar com

ele. De qualquer maneira, n��o estava com disposi����o de analisar os

seus sentimentos. January iria partir dentro em pouco, toda aquela

turma se iria e m b o r a . . . e ele ficaria sozinho com Dee naquela noi-

te. No dia seguinte, os almo��os recome��ariam.. . E haveria a habi-

tual sucess��o de festas at�� o rush final do Natal. Dee tinha falado

em irem passar uma semana em Palm Springs, onde ia haver um

torneio de gam��o, hospedados em casa de um amigo. Talvez pu-

dessem voltar para Nova York depois disso. Gostava de sol e de

golfe, mas s�� at�� certo ponto. Embora em Nova York ele se limitasse

a jogar canastra, a vida l�� era diferente. Havia alguma coisa revi-

gorante ali, ainda quando fazia frio. Era a sua cidade. Podia sempre

passear pela Quinta Avenida, encontrar algum conhecido, falar so-

bre neg��cios no Friars Club, ver as estr��ias na Broadway e jantar

com January em Danny's Hide-a-Way enquanto Dee jogava gam��o.

Tinha havido UM tempo em que o restaurante de Danny fora o seu

segundo lar. Sentava-se a uma das mesas da frente com a pequena

do momento e quase sempre conhecia todas as pessoas que estavam

na sala. Mas ultimamente n��o via mais as caras que conhecia t��o

bem. Para onde teriam ido? No " 2 1 " e no Danny eram caras novas

que se sentavam ��s mesas da frente ��� artistas de televis��o, cantores

que gravavam discos, sujeitos da sociedade. Apesar disso, queria

voltar para Nova York. Naquela noite, estaria com Dee, dar-lhe-ia

alguns momentos de felicidade e ent��o sugeriria algumas semanas

em Nova York depois de Palm Springs.

Levou January e David ao aeroporto e viu-os embarcar no avi��o.

Voltou para o seu carro. Os dois pareciam muito jovens e belos.

Quando tinha ele ficado t��o velho? Olhou-se no espelho do carro

enquanto guiava. Ia fazer cinq��enta e tr��s. Que diabo! N��o estava

t��o velho assim... Podia-se dizer quase que estava na flor da idade.

Sentia-se muito bem, n��o tinha um quilo de gordura a mais no cor-

po e as mulheres ainda olhavam para ele. �� claro que eram as ami-

gas de Dee, todas quarentonas, mas no clube algumas mulheres mais

mo��as que jogavam golfe olhavam significativamente para ele. Mas

ele sempre reagia com um sorriso franco e simp��tico, sem passar da��,

embora houvesse algumas que ele gostaria d e . . . Por exemplo, Mo-

nica, filha daquele banqueiro que era amigo de Dee. Sim, Monica

194

tinha trinta e dois anos e era divorciada. Estava tomando li����es de

golfe todos os dias. Um dos seus parceiros de canastra tinha dito

que era por causa dele. Bem, Monica seria realmente interessante,

mas nada feito. Tinha assumido um compromisso consigo mesmo.

Se ele se casasse com Dee e ela desse algum dinheiro a January,

ele procederia corretamente. Al��m disso, n��o havia o que censurar

na apar��ncia de Dee. Era bonita e esbelta. Talvez um pouco fl��cida

em alguns pontos, mas bonita. Muitos homens dariam tudo para

poder t��-la na hora que quisessem... Entretanto, ele s�� a tinha que-

rido ultimamente duas vezes por semana. A verdade era que ela

n��o podia aproximar-se dele e pedir-lhe deslavadamente que fosse

para a cama com ela, como fazia Tina St. Claire. N��o. As mulheres

como Dee esperavam que os homens as solicitassem. O amor para

elas era amor e n��o um palavr��o. Tinham de ser namoradas. E l e

deixara tudo aquilo esfriar um pouco, mas ia mudar de rumo. Se

era a sua vida que estava empenhada em tudo aquilo, podia ao

menos torn��-la interessante.

Eram quase seis horas quando voltou para casa. Todo o mundo

tinha sa��do. O mordomo estava reabastecendo o bar do terra��o.

��� Onde est�� a Sra. Wayne? ��� perguntou ele.

O mordomo olhou para ele como se n��o tivesse compreendido.

Mike praguejou intimamente. O cachorro ainda pensava em Dee

como "Srta. Granger". Mas n��o lhe ia dar esse gostinho. O velho

mordomo franziu a testa e, por fim, um sorriso se lhe espalhou pelo.

rosto, como se se tivesse lembrado.

��� Madame est�� l�� em cima descansando, se n��o estou enganado.

Mike agradeceu e se dirigiu para a escada. Mas, antes de subir,

virou-se para o lado e tomou o elevador para a adega. Escolheu uma

garrafa de champanha, levou-a para a cozinha e esperou enquanto

uma empregada a punha numa bandeja com copos e um prato com

caviar e gelo.

Ela estava deitada na chaise longue quando ele chegou com a ban-

deja. Tinha o caderno de endere��os no colo e ele compreendeu que

ela estava tomando conhecimento dos compromissos para aquela

semana. Colocou a bandeja numa mesa e aproximou-se.

��� Est�� comemorando o qu��? ��� perguntou ela.

��� N��s d o i s . . . Estamos sozinhos e eu gosto de voc��. ��� Tirou-lhe

o caderno do colo e sentou-se na borda da cadeira. ��� N��o temos

nenhum compromisso para esta noite, n��o �� mesmo?

��� Compromissos, n��o. Mas h�� v��rias reuni��es que podemos can-

celar, se voc�� quiser. Vera est�� na cidade e os Arnold Ardens v��o

dar uma festa em honra dela. Depois, h �� . . .

Inclinou-se sobre ela e beijou-a.

195

��� Vamos deixar tudo isso de lado?

Colocou a m��o por baixo do robe dela. Mas Dee o afastou.

��� S��o seis horas ainda, M i k e . . .

Ele riu.

��� H�� alguma lei que estabele��a horas espec��ficas para o amor?

Vamos beber um pouco.. . e depois fazer amor ali naquela grande

cama de onde se pode ver o m a r . . . Se tivermos sorte, vamos acabar

com a lua no c �� u . . . �� maravilhoso trepar ao escurecer, Dee!

��� Mike! ��� exclamou ela, ao mesmo tempo que se levantava e

ia para o outro lado do quarto. ��� Com quem �� que voc�� pensa que

est�� falando? Com uma das coristas com quem sa��a antigamente?

��� Ora, Dee ��� disse ele, aproximando-se dela. ��� Isso faz parte

da linguagem do amor. N��o tive absolutamente a inten����o de ofen-

d��-la.

��� Bem, disse uma coisa muito vulgar.

��� Ora essa, Dee! J�� disse isso muitas vezes quando est��vamos

juntos na cama.

��� �� muito diferente! Quando estamos realmente juntos, n��o pos-

so impedir que voc�� use esses termos, embora n��o goste deles. Sei

que alguns homens gostam de dizer essas c o i s a s . . . s�� n��o com-

preendo por que. Essas palavras excitam ou fazem o homem se sen-

tir mais homem? Um de meus maridos chegava ao ponto de s�� ter

uma erec����o quando me obrigava a dizer essa mesma palavra, pe-

dindo a ele q u e . . . voc�� sabe o q u e . . . comigo.

Ele conseguiu esbo��ar um sorriso.

��� Est�� bem. Vou procurar policiar minha linguagem... ��� Apro-

ximou-se de Dee, mas ela se afastou. ��� Que �� agora?

��� Ora, Mike, n��o seja rid��culo. N��o �� hora para essas c o i s a s . . .

Ele olhou para ela por um momento e ent��o pegou a garrafa de

champanha e se encaminhou para a porta.

��� N��o se zangue, M i k e . . . ��� murmurou ela. ��� O que acontece

�� que n��o estou com disposi����o agora.

��� Compreendo perfeitamente. Bem, vou beber o champanha

sozinho. Afinal, tenho uma coisa para comemorar. �� a primeira vez

em minha vida que uma mulher me r e c u s a . . . Mas, como dizem,

uma vez �� a primeira...

Saiu e fechou a porta.

Dee ficou parada no mesmo lugar depois que ele saiu do quarto.

Tinha sido um gesto errado. Devia ter c e d i d o . . . mas era simples-

mente imposs��vel. Estava exausta. Exausta de sorrir, de conversar,

de ir de grupo em grupo, de festa em festa, desempenhando o papel

196

da bela e fria Dee Milford Granger Wayne, da feliz Dee Milford

Granger Wayne casada com um homem t��o atraente. Pobre, pobre

Dee Milford Granger Wayne, com o cora����o despeda��ado porque

aquela terr��vel polonesa n��o tinha aparecido! Karla tinha quase pro-

metido que viria. E ela queria tanto que Karla tivesse v i n d o . . .

Queria especialmente que ela visse January e David juntos, nadando

juntos, dan��ando juntos, jogando t��nis j u n t o s . . . que ela visse que

eles eram jovens e pertenciam um ao outro. Quando falara com

Karla na ter��a-feira, ela tinha dito "talvez". Tinha at�� prometido

que, se resolvesse vir, estaria no aeroporto ��s quatro horas. Dee ha-

via recomendado ao piloto que esperasse at�� as quatro e meia.

Tinha dissimulado a sua decep����o quando vira David e January

chegarem sem ela. Depois, ficara encantada de ver os dois entende-

rem-se t��o bem. Tinha sido a ��nica coisa realmente agrad��vel de

todo o fim-de-semana. David parecia gostar mesmo de January.

Se, ao menos, Karla estivesse ali para ver! Por que n��o tinha ela

vindo? Pura perversidade, �� claro. Afinal de contas, todo o mundo

tinha sa��do de Nova York. Que teria Karla feito durante o longo

fim-de-semana?

David tinha pensado tamb��m em Karla. Pensara nela durante

todo o fim-de-semana. E estava pensando nela naquele momento

em que o avi��o se aproximava de Butler Jetport, a pista particular

do La Guardia. Percebeu de repente que quase n��o falara com Ja-

nuary durante a viagem. Mas ela tinha lido algumas provas de um

livro e, quando interrompera a leitura, fora para ficar olhando pela

janela. Em que estaria ela pensando? Mas isso realmente n��o lhe

interessava.

Na realidade, January estava pensando em David. Tinha acabado

o livro e resolvera escrever uma carta a Tom Colt na qualidade de

redatora de Gloss. N��o ia dizer a Linda que Mike n��o poderia aju-

d��-las. Viu o rosto queimado de David que olhava pela sua janela

para as luzes da cidade l�� embaixo. Ele tinha sido muito gentil du-

rante o fim-de-semana. Estava pronto sempre a jogar t��nis ou nadar

com ela. O leve brilho de alguma coisa que ela come��ara a sentir

por ele se apagara depois daquela terr��vel noite no apartamento

dele. Talvez pudesse reacender-se se tomassem um drinque juntos,

conversassem um pouco ou at�� fossem para a cama outra vez. Po-

dia ser que daquela vez tudo desse certo. O que ela n��o podia nun-

ca mais era enfrentar aquele horr��vel quarto vermelho dele.

David tinha pedido um carro. Estava �� espera deles no aeroporto.

Guardaram a bagagem na mala do carro e se encaminharam para

o edif��cio onde January morava. David ajudou o chofer a entregar

as malas ao porteiro.

197

��� Gostei dos quatro dias que passamos juntos ��� disse January,

sorrindo. ��� Gostei mesmo.

��� Tenho d e . . .

Ela olhou para o rel��gio.

��� S��o nove horas ainda. N��o quer subir para tomar um drinque?

Voc�� ainda n��o conhece meu apartamento...

��� Promete-me uma coisa? ��� perguntou ele, sorrindo. ��� Quer adiar

o convite para a pr��xima vez? Tenho uma por����o de telefonemas

de neg��cios para dar quando chegar a c a s a . . . e sei que a telefo-

nista deve ter recebido uma por����o de chamados para mim. Eu lhe

telefonarei amanh�� bem cedo.

Ela ficou a olh��-lo enquanto ele voltava para o carro. Agora sabia

o que era que Linda sentia quando os homens a recusavam...

David n��o fazia a menor id��ia de que a estivesse recusando. Jul-

gava que ela s�� tivesse feito o convite por gentileza. E n��o lhe seria

agrad��vel perder uma hora apenas para tomar um drinque com ela.

Chegou a casa, despachou o carro e falou imediatamente com a

telefonista. Havia alguns recados. Kim ia a uma festa em casa de

Monique e estava esperando por ele. A Princesa Delmanio tinha te-

lefonado a fim de convid��-lo para um torneio de gam��o. A empre-

gada telefonara para dizer que n��o poderia ir na segunda-feira, mas

iria sem falta na t e r �� a . . . Havia mais alguns recados, mas nenhum

que interessasse. Nenhum era de Karla. E n��o podia mesmo ser. Ela

sabia que ele s�� ia chegar naquela noite. Na certa, telefonaria no

dia seguinte para o seu escrit��rio.

De repente, deu um pontap�� na cesta de pap��is ao lado dele. E r a

rid��culo tudo aquilo. Karla era a mulher que ele amava. Tinha a

noite inteira livre. Podiam pass��-la juntos. Entretanto, n��o podia te-

lefonar para ela. Isso n��o podia continuar assim. N��o era justo que

ele ficasse ansioso como uma colegial, �� espera de receber um tele-

fonema. Pegou o sobretudo, saiu correndo de casa e pegou um t��xi.

Iria ao apartamento dela, bateria na porta e exigiria que ela lhe dis-

sesse o n��mero de seu telefone. Pouco importava que ela j�� esti-

vesse dormindo. Ia reclamar os seus direitos. Se ele queria que ela

o tratassse como um homem, tinha de come��ar a agir como homem.

Afirmaria a sua posi����o naquela noite, ainda que isso implicasse uma

briga com ela, a primeira briga deles. Mas, mais do que qualquer

outra coisa, queria tom��-la nos bra��os, olh��-la nos olhos, sentir-se

fortemente abra��ado por ela, escutar-lhe o riso rouco.

O t��xi parou. David pagou e saltou. Ernest, o porteiro jovial e

polido, estava no seu lugar. Fez-lhe o habitual cumprimento amis-

toso, mas em lugar de dizer "Boa-noite, Sr. Milford", disse:

198

��� Desculpe, mas aonde �� que vai, Sr. Milford?

��� Vou ver a Srta. Karla.

��� Ela partiu na manh�� de sexta-feira.

��� Partiu?

��� Sim, s e n h o r . . . Com duas maletas.

��� Para onde? Quer d i z e r . . . ela n��o se mudou o u . . .

O porteiro viu o p��nico estampado no rosto de David.

��� Ora, meu amigo, n��o h�� motivo para ficar t��o aflito. �� claro

que ela n��o se mudou. Mas, sabe como �� a Srta. Karla. Ela sempre

viaja de um momento para o outro. Ningu��m aqui sabia que ela

pretendia viajar. Mas ��s nove horas, na sexta-feira, ela desceu com

aquele grande casaco de peles e de ��culos escuros, mas em vez de

ir a p�� como de costume para o est��dio de bal�� pediu que cham��s-

semos um t��xi e estava com as maletas, como eu j�� disse. Disse-me

que tinha dado ordem para guardarem a sua correspond��ncia no

correio e para que deixassem de lhe mandar o Wall Street Journal,

que �� o ��nico jornal que ela l��. Pediu-me que falasse com o jornal

para confirmar a suspens��o da remessa. Depois, ouvi-a dizer ao mo-

torista que a levasse ao Aeroporto Kennedy. �� s�� o que eu sei.

��� E u . . . eu estava fora ��� disse David numa .tentativa de rea����o

e sem poder tolerar o ar de compaix��o na cara do porteiro. ��� Estava

em Palm Beach e ainda n��o falei com a minha telefonista. Sa�� daqui

sem dizer nada �� Srta. Karla e, logo que cheguei, telefonei do aero-

porto para pedir-lhe desculpas. Como ningu��m atendeu no telefone

dela, vim at�� aqui para saber se havia alguma coisa. Mas, com toda

a certeza, vou encontrar um recado dela com minha telefonista.

��� Sem d��vida alguma, meu amigo.

David virou-se e saiu. Ela havia desaparecido. Tinham-se acaba-

do aqueles boas-noites cordiais do porteiro. E como tinham sido

realmente boas aquelas noites em que ele chegava ali, sorridente e

feliz, sorrindo para o porteiro que sabia que ele era esperado, cum-

primentando o ascensorista que sabia tamb��m que ele era esperado!

E agora ela desaparecera de novo. Por quanto tempo? E por qu��?

As luzes da rua estavam ficando turvas diante de seus olhos e ele

come��ou a c o r r e r . . . Ela desaparecera sem ao menos se despedir.

Continuou a c o r r e r . . . Era a ��nica maneira que tinha de n��o estou-

rar. Correu at�� chegar ao seu apartamento. E quando entrou, gritou

desesperadamente para as paredes vazias:

��� OH, KARLA! POR Q U �� ?

Come��ou ent��o a solu��ar com grandes solu��os secos, a primeira

vez em que tinha solu��ado assim desde o dia em que fora cortado

da equipe de futebol americano de Andover.

199





T R E Z E


Karla estava sentada num dos lugares da frente do jato. Depois

de telefonar para todas as companhias, tinha escolhido o v��o das

onze horas da TWA para Londres, depois de lhe assegurarem que

ningu��m iria sentado ao lado dela.

Usava ainda os seus grandes ��culos escuros. At�� ent��o, a jovem

aeromo��a n��o a havia reconhecido. Algumas das aeromo��as eram

crian��as quando ela tinha deixado de trabalhar no cinema. Mas essas

mesmas crian��as faziam parte do novo culto que a havia descoberto

nos filmes do fim da noite da televis��o. Olhou as aeromo��as que

conversavam e riam enquanto preparavam "hors d'oeuvres" e drin-

ques para os passageiros. Iam de um lado para outro servindo, sem-

pre sorridentes. T��o felizes que eram! Fora algum dia t��o jovem e

sorridente assim? N��o. Isso n��o era poss��vel quando se crescia numa

cidade chamada Vilna.

VILNA. Um erro de migra����o do pai dela.. , um erro cometido

por muitos poloneses. Em 1920, a Pol��nia tinha desfechado um ata-

que vitorioso �� R��ssia e tomara Vilna, capital da Litu��nia. E para

o novo estado acorreram muitos lavradores ansiosos por terras. Em

1921, ali chegaram Andrzej Karlowski, com a mulher, uma filha pe-

quena e dois filhos meninos. Ele viera de uma aldeia perto de Bialys-

tok e esperava fazer fortuna em Vilna e mandar os filhos para a uni-

versidade quando fossem crescidos. Mas o que havia encontrado fora

uma terra devastada. Os seus vizinhos eram ucranianos e ruterianos

que mantinham as suas caracter��sticas nacionais. Havia uma igreja

cat��lica na aldeia mais pr��xima, uma escola oficial onde as freiras

ensinavam e Andrzej e sua mulher n��o tinham outro rem��dio sen��o

trabalhar quinze horas por dia na terra s��fara. N��o havia tempo

nem de ter saudade da velha vida ou dos antigos amigos. A terra

os roubava de toda a energia e acabava com todos os sonhos de man-

dar os filhos para a universidade. Nessa atmosfera de desola����o ��

que Nat��lia Maria Karlowski se havia criado.

200

Fora uma inf��ncia pl��cida e sem emo����es. Crescera sem risos,

sem imagina����o, sem sonhos e sem outras ambi����es sen��o a de ca-

sar-se com um homem que tivesse um bom peda��o de terra.

Os Karlowskis eram bons cat��licos e o ��nico dia em que se podia

lembrar de n��o ter visto a m��e sentada sem descascar batatas era

o domingo, quando ela ia �� missa. Nesse dia, a m��e trocava a b a-

bushka por um chap��u preto com um grande grampo, o avental

pelo vestido preto lustroso e o ros��rio substitu��a a faca de descascar

batatas nas suas rudes m��os calosas. O pai vestia o seu ��nico terno

preto, com o qual ia �� igreja, aos casamentos e aos enterros.

Ela freq��entava a escola oficial e os seus primeiros anos ali foram

t��o vazios e sem emo����o quanto a sua vida na fazenda. Tinha nove

anos quando a Irm�� Th��r��se chegou, levando o primeiro raio de

beleza e de interesse para a vida mon��tona das pequenas alunas.

A Irm�� Th��r��se era de Vars��via. Tinha vivido em Moscou e em

Paris. Estava estudando bal�� e um belo dia sentira a voca����o reli-

giosa. Abandonara tudo e entrara para um convento. A pequena es-

cola tinha sido o primeiro lugar para onde fora designada. Dissera

essas coisas a suas alunas fascinadas da maneira mais direta pos-

s��vel. As meninas a olhavam, at��nitas. Era a primeira vez que qual-

quer delas tinha visto uma mulher bela, uma mulher sem a pele

marcada pelas intemp��ries e sem as m��os vermelhas do trabalho

bra��al. O duro inverno polon��s roubava as jovens mulheres de sua

beleza antes mesmo que esta chegasse a florescer.

Todas as meninas adoravam a Irm�� Th��r��se. Mas a pequena Na-

t��lia ficou positivamente enfeiti��ada. E quando a Irm�� Th��r��se se

ofereceu para ensinar alguns exerc��cios de bal�� na aula de gin��stica,

Nat��lia trabalhou com demon��aca energia. Em casa, passava horas

em seu pequeno quarto praticando os exerc��cios porque notava a sa-

tisfa����o que a Irm�� Th��r��se sentia quando alguma das meninas de-

mostrava algum sinal de gra��a nos seus passos. E uma palavra de

elogio da Irm�� Th��r��se fazia-a voltar para casa com vagos sonhos

inquietantes, mas maravilhosos. Ent��o, um dia, a Irm�� Th��r��se lhe

pedira que a esperasse depois da aula. Sentiu as m��os ��midas e o

cora����o parecia querer saltar-lhe do peito enquanto ela esperava.

A Irm�� Th��r��se se aproximou dela com um sorriso.

��� Nat��lia, acho que voc�� tem qualidades para ser uma verdadei-

ra dan��arina. J�� conversei com a Madre Superiora e, se sua fam��lia

estiver de acordo, gostaria de conseguir-lhe uma bolsa para a Es-

cola de Bal�� Prasinski. Ter�� de viver l�� e continuar os seus estudos

l��, mas ser�� preciso estudar cinco horas de bal�� por dia.

A m��e e o pai concordaram imediatamente. Nada sabiam de bal��,

mas se a sugest��o partia de uma freira, n��o podia deixar de ser boa.

Nat��lia �� que ficou indecisa. Sabia que era uma grande oportuni-

201

dade, mas n��o queria separar-se da Irm�� Th��r��se. Entretanto, quan-

do esta lhe disse que visitaria freq��entemente a escola para acompa-

nhar-lhe os progressos, Nat��lia se sentiu melhor. Todas as alunas es-

colhiam pseud��nimos para usar quando dan��avam nos recitais da

escola. Nat��lia n��o tinha imagina����o. Foi matriculada como Nat��lia'

Karlowski e era esse o seu verdadeiro nome.

Nos sete anos seguintes, toda a sua vida se concentrou em torno

do bal�� e da Irm�� Th��r��se. Todos os s��bados �� tarde, as alunas exe-

cutavam um bal�� no pequeno teatro da escola. O dinheiro das en-

tradas ajudava a manter os espet��culos. Durante os primeiros anos,

Nat��lia ajudou a fazer os cen��rios, a maquilagem e os costumes das

alunas que dan��avam. Aos doze anos, entrou a fazer parte do corpo

de bal��. Todas as semanas, a Irm�� Th��r��se se sentava na plat��ia e

Nat��lia dan��ava para ela com toda a sua alma.

O pai e a m��e tinham ido assistir ao primeiro recital com as suas

roupas da missa e se tinham sentado, desajeitados e calorentos, na

plat��ia. O pai pegou no sono no segundo ato e a m��e teve de dar-

lhe belisc��es para impedi-lo de roncar. Foi a ��nica vez que compa-

receram. A viagem era muito longa e tinham muito o que fazer em

c a s a . . .

Quando Nat��lia fez o seu primeiro solo, todas as colegas insisti-

ram para que ela escolhesse um nome. Foi a Irm�� Th��r��se que

sugeriu Karla". E, depois do espet��culo, quando ela se jogou nos

bra��os da freira e esta lhe disse " P a r a b �� n s . . . Karla", ela nunca

mais pensou em si mesma sen��o como Karla. Nascera de novo e

fora de novo batizada.

Um dia, depois de um recital, a Irm�� Th��r��se disse que queria

fazer uma visita aos pais dela.

��� Voc�� j�� tem dezenove anos. �� tempo de pensar no seu futuro.

Posso ir no domingo que vem, depois da missa?

Ela nunca esqueceria aquele domingo. Tinha partido da escola

de bal�� num dos primeiros trens. Quando chegou a casa, os pais

estavam ainda na igreja, mas ela sentiu o cheiro do pato assado e

da torta de ma����. Esperou na pequena sala. Aquilo lhe pareceu

t��o triste! Tudo estava limpo e bem arrumado, mas era muito po-

bre. Era em junho e ela saiu correndo para colher algumas flores

da primavera. Espalhou-as pela sala e tentou cobrir os lugares gas-

tos das cadeiras com os panos bordados. Mas quando a Irm�� Th��-

r��se chegou, pareceu n��o dar a menor aten����o �� pobreza da sala.

Elogiou os ati��adores trabalhados da lareira, os canec��es de esta-

nho, movendo-se por ali como uma bela deusa de porcelana. A

Irm�� Th��r��se disse depois que o pato estava muito gostoso. O rosto

da m��e se abriu numa express��o de felicidade e Karla percebeu pela

primeira vez que ela tinha covinhas no rosto. Espantou-se tamb��m

202

de que os olhos cinzentos do pai pudessem ser t��o belos quando ele

sorria. Ficou em sil��ncio enquanto a Irm�� Th��r��se explicava a sua

fam��lia que ela gostaria de mandar Nat��lia para Vars��via.

��� Minha fam��lia �� muito rica ��� disse a Irm�� Th��r��se. ��� E o

irm��o de minha m��e, o Tio Otto, mora em Londres. Far��o por Na-

t��lia o que esperavam fazer por mim. Ela podia ficar com minha fa-

m��lia em Vars��via enquanto se preparasse ali para o bal��. Depois,

poder�� ficar com o Tio Otto se tentar o Sadlers Wells de L o n d r e s . . .

Mas para tudo isso preciso de que me autorizem.

Os pais dela responderam ao mesmo tempo. Aquilo era muito

complicado para que entendessem b e m . . . Vars��via... L o n d r e s . . .

Aceitariam tudo o que a Irm�� quisesse, mas eles nunca poderiam

pagar-lhe.

Mais tarde, Nat��lia e a Irm�� Th��r��se sa��ram para dar um pas-

seio pelos arredores. No momento em que sa��ram da casa, Nat��lia

disse:

��� N��o quero ir para Vars��via. N��o posso deix��-la.

A Irm�� Th��r��se tinha rido.

��� Com o tempo, voc�� ser�� muito feliz l��. Dentro em pouco, o

nosso pequeno Bal�� Prasinski n��o ter�� mais nada para lhe ensinar.

Voc�� est�� quase pronta. ��� Apontou ent��o para uma ��rvore. ��� Que

�� aquilo ali?

Karla ficou vermelha.

��� Foi para a Irm�� que fiz aquilo quando eu tinha nove anos.

A Irm�� Th��r��se se aproximou. Algumas t��buas tinham sido dis-

postas em torno da ��rvore para formar um banco com uma cerca

tosca na frente. Karla riu com embara��o.

��� Trouxe n��o apenas a dan��a, mas tamb��m poesia para minha

vida, Irm��. Um dia, na escola, falou sobre um belo caramanch��o

com tanto entusiasmo e tanta verdade que eu pude quase v��-la

sentada nele. Quando voltei para casa, fiz isso a��. Costumava sonhar

que um dia iria mostrar-lhe e s�� hoje vejo como tudo �� t��o feio.

A Irm�� Th��r��se entrou pelo port��ozinho da cerca e se sentou no

banco.

��� Pois eu acho muito bonito, minha pequena Karla. Venha sen-

tar-se junto de mim.

A Irm�� Th��r��se cheirava a sabonete e violetas. De repente, Karla

enla��ou a freira nos bra��os e disse:

��� Eu a amo! Sempre a amei desde o dia em que a vi!

A Irm�� Th��r��se se afastou cautelosamente e disse:

��� Amo voc�� tamb��m, Karla.

203

��� �� mesmo? Deixe-me ent��o beij��-la e abra����-la...

Aproximou-se da freira, tocou-lhe o rosto e segurou-lhe a m��o.

Mas, de novo, a Irm�� Th��r��se afastou-se calmamente da mo��a.

��� N��o deve tocar em mim, Karla. �� errado.

��� �� errado ent��o amar?

��� O amor nunca �� errado ��� disse a Irm�� Th��r��se. ��� Mas o amor

f��sico entre n��s �� errado. Voc�� n��o pode beijar-me, nem tocar em

mim.

��� Mas �� o que quero. N��o pode compreender? Oh, Irm��, nada

sei sobre a maneira de amar. Falo muito pouco com as outras na

escola. Mas, ��s vezes, �� noite, quando estou deitada no meu cub��-

culo, ou��o uma ir para a cama da outra e sei que as duas se est��o

fazendo carinho. Algumas se t��m aproximado de m i m . . . mas eu

me afasto. S�� voc�� me interessa. Fico ali deitada e sonho que voc��

se aproxima, de camisola, toma-me nos bra��os e e n t �� o . . .

��� E ent��o? ��� perguntou a Irm�� Th��r��se.

��� Ent��o eu a abra��o e beijo muito.. . Toco em seu c o r p o . . . ���

Fez uma pausa. ��� Oh, Irm��, quero-a junto de mim. �� errado mesmo?

A Irm�� Th��r��se passou os dedos pelo ros��rio que lhe pendia do

h��bito.

��� Sim, Karla, �� muito errado. Quando eu estudava bal�� em Var-

s��via, gostava tamb��m �� noite da companhia de outras mo��as. ��

alguma coisa que acontece. . . quando as mo��as chegam �� puber-

dade e vivem umas com as outras, sem oportunidade de conhecer

rapazes. Elas ent��o se amam entre si. Fiz isso, mas sabia que estava

errado e vivia atormentada. Sabia tamb��m que n��o era t��o boa

dan��arina quanto algumas das outras e que s�� fora aceita em vista

do dinheiro e do prest��gio de minha fam��lia. E um dia, depois que

me deram um papel para o qual outra mo��a se havia preparado,

ouvi algu��m murmurar: "Deram-lhe o papel pelo rosto e n��o pelos

p��s dela". E a mo��a que eu suplantara saiu chorando e dizendo que

minha beleza era um mal, pois me dava coisas que eu n��o merecia.

Naquela noite, fiquei de joelhos e pedi ajuda. De repente, foi como

se eu tivesse sido libertada de uma pris��o. Compreendi que n��o

queria ser uma grande dan��arina. Queria apenas era amar e servir

o doce J e s u s . . . Passei dias em medita����o. Li as vidas dos santos,

fiquei sabendo como eles tinham descoberto a sua voca����o e, um

belo dia, quando li a vida de Santa Teresinha, que queria apenas

fazer "pequenas coisas", compreendi que tinha de ser freira. Sabia

que nunca poderia fazer milagres, mas podia fazer outras pessoas

felizes com "pequenas coisas". E a primeira pequena coisa acon-

teceu quando eu deixei o bal��. A mo��a que sa��ra chorando tomou

o meu lugar. Creia, Karla, que essa foi a primeira felicidade genu��na

204

que eu tive na vida. Quando cheguei aqui e vi as carinhas s��rias

de minhas alunas, fiquei sabendo que os meus anos de estudos n��o

tinham sido em v��o, pois eu podia dar um pouco de felicidade ��s

meninas de Vilna e a voc��, minha pequena Karla. E voc�� deve tra-

balhar com vontade para melhorar a sua dan��a, sem se esquecer

nunca de que Ele a est�� observando e que �� um pecado mortal

amar fisicamente uma mulher. Um dia, voc�� conhecer�� um homem

e saber�� ent��o o que �� o verdadeiro amor.

��� Por que esse homem n��o chegou para voc��?

��� Chegou, sim. Chama-se Jesus.

Sa��ram ent��o da ��rvore e nunca mais falaram em amor. Quando

o ver��o terminou, Irm�� Th��r��se mudou de planos a respeito da via-

gem a Vars��via.

��� Vamos tomar provid��ncias para que voc�� v�� para a Ingla-

terra . . .

��� Quando?

��� Imediatamente. J�� escrevi para o Tio Otto em Londres falando

em voc��. Ele e a Tia Bosha ter��o muito prazer em hosped��-la en-

quanto voc�� se preparar para o Sadlers Wells.

Karla tentou esquivar-se.

��� J��, n��o. Vamos esperar at�� o ano que vem.

Mas a Irm�� Th��r��se insistiu.

��� Tem de fazer os seus planos para viajar dentro de dez dias.

Aqui est�� a sua passagem de avi��o para Londres.

Karla olhou para a passagem de avi��o e sacudiu a cabe��a.

��� N �� o . . . N��o quero i r . . .

��� Escute o que lhe vou dizer, Karla. A guerra n��o demora a che-

gar. A Alemanha assinou um pacto de n��o-agress��o com a R��ssia.

Von Robbentrop viajou para Moscou na semana passada. Por que

foi que resolvi que voc�� n��o ir�� mais para Vars��via? Voc�� s�� estar��

em seguran��a em Londres.

��� E a Irm��? Se �� t��o perigoso, por que vai ficar?

��� Estou protegida. Fa��o parte da Igreja. Mesmo nas guerras, a

Igreja n��o �� molestada. Deus me proteger��. Jesus vela sobre todos

n��s.

��� Valer�� ent��o por mim tamb��m.

��� N��o. Voc�� tem de seguir a sua voca����o.

No dia seguinte, n��o houve aulas, pois todas as alunas e profes-

soras se agruparam em torno do r��dio e ouviram a not��cia de que

Hitler havia notificado a Inglaterra e a Fran��a de que a Alemanha

queria Dantzig e o Corredor Polon��s. Houve coment��rios entre os

205

grupos que se reuniam por toda a parte. Como iria a guerra afetar o

bal��? Mas a realidade e o medo atingiram o Bal�� Prasinsk a 31 de

agosto, quando Hitler apresentou �� Pol��nia dezesseis pontos de paz

e a Pol��nia rejeitou essas condi����es.

Houve de repente uma atividade febril no Prasinski. As aulas ter-

minaram. Arrumaram-se as malas. Tomaram-se provid��ncias para

conseguir passagem nos trens a fim de voltarem todos para suas

casas. Alunas que tinham de separar-se para voltar para casa em

cidades diferentes e distantes sentavam-se juntas e abra��adas, ma-

nifestando abertamente o seu amor. Karla estava sozinha e pensava

na Irm�� Th��r��se. Que estaria ela fazendo? Rezando com as outras

freiras? Teria pensado nela?

Na manh�� seguinte, sem qualquer declara����o de guerra formal,

a Alemanha invadiu a Pol��nia. Na sua maioria, as alunas do bal��

n��o esperaram mais o trem. Partiram para casa a p��. Outras se sen-

taram nas esta����es esperando a chegada de qualquer trem. Karla foi

feliz. Conseguiu passagem no carro de um fazendeiro de leite que

morava perto dos pais dela.

Quando chegou afinal a casa, encontrou os pais sentados diante

do r��dio num torpor de son��mbulos. Os irm��os de Karla tinham

deixado a universidade para alistarem-se no ex��rcito. Tudo para

que a fam��lia tanto tinha trabalhado estava perdido. Karla nunca

lera jornais, mas foi at�� a aldeia mais pr��xima para comprar um.

Leu ent��o coisas que n��o podia compreender. Percebeu de repente

que sabia de muito poucas coisas que n��o fossem o bal��. Sabia tudo

sobre Nijinsky ��� quem fora sua mulher, seu agente, seus professo-

res. Mas nada sabia do mundo em que vivia. Tinha tido consci��n-

cia do perigo que Hitler representava... mas o pleno impacto da

guerra nunca se infiltrara no Bal�� Prasinski.

Os momentos mais importantes tinham passado a ser as trans-

miss��es da r��dio de Vars��via, que come��avam com as primeiras no-

tas da Polonaise em L�� Maior de Chopin. Quando soube que as

unidades mecanizadas alem��s tinham atingido os arredores da ca-

pital abrindo fogo contra Vars��via, compreendeu que estava na hora

de partir. Tinha de ir para Londres e para o Tio Otto. Arrumou

a mala, beijou os pais em despedida e fez a p�� os tr��s quil��metros

at�� ao convento da Irm�� Th��r��se.

Encontrou-a sentada diante do r��dio, a desfiar as contas do ros��-

rio e com os olhos voltados para o espa��o. Durante toda a noite ti-

nha tentado falar pelo telefone com os pais em Vars��via, mas as

linhas estavam interrompidas. Quando viu a mala de Karla e soube

que ela pretendia ir para Londres, abanou a cabe��a com um sorriso

triste.

206

��� Agora �� tarde. N��o h�� trens, n��o h�� avi��es, n��o h�� mais b a l �� . . .

O sonho terminou.

Karla ficou secretamente satisfeita de que n��o tivesse de deixar

Vilna e a Irm�� Th��r��se. Na semana seguinte, passou o tempo entre

as visitas ao convento e a perman��ncia em casa para ouvir o r��dio

em companhia dos pais. O r��dio se tornou parte integrante da vida.

A fam��lia n��o podia ir procurar os outros parentes em Bialystok,

pois evidentemente tinham fugido de l��. A rota de fuga era atrav��s

da Rom��nia. Um ��xodo em massa tinha come��ado. Era um constan-

te fluxo de gente que levava trouxas, pe��as valiosas de mob��lia e

at�� alguns animais, tudo a caminho da Rom��nia. O ex��rcito polo-

n��s estava lutando bravamente, mas a 17 de setembro os russos co-

me��aram a sua invas��o do leste. Andrzej disse �� mulher e �� filha

que se refugiassem no convento. Maria, a quem o medo vidrava os

olhos azuis no rosto redondo e batido pelas intemp��ries, disse que

n��o abandonaria seu marido e sua terra. Mas insistiu para que Karla

fosse. Olhou para a filha como se a visse pela primeira vez.

��� Voc�� est�� a l t a . . . Ser�� uma mulher forte e bonita. V�� para o

convento. Nem os russos ter��o coragem de atacar a igreja.

Karla ficou sabendo que aquele era o fim da ��nica vida que ti-

nha conhecido. Aqueles dois estranhos eram seus p a i s . . . mas ela

n��o os conhecia. Abra��ou-os, mas eles mal retribu��ram o gesto de

afei����o. Eram como se fossem est��tuas petrificadas. N��o sabiam de-

monstrar c a r i n h o . . . nem receb��-lo. Criavam os filhos porque ti-

nham chegado. Lavravam a terra s��fara porque estava diante deles.

Agora, os dois filhos tinham sa��do da universidade e com eles se

fora qualquer esperan��a que porventura tivessem. Nada mais res-

tava sen��o a terra.

A Irm�� Th��r��se acolheu Karla no convento. As pessoas que fu-

giam deixavam cachorros, gatos e at�� cordeiros no meio da rua.

Todos os dias, Karla sa��a, recolhia os animais abandonados e leva-

va-os para o convento. Mas, com a passagem dos dias e os russos

cada vez mais perto, a Madre Superiora disse que n��o podiam ficar

com os animais. As provis��es do convento j�� estavam bem baixas.

Disse que os animais eram criaturas de Deus e o Senhor cuidaria

deles. Karla suplicou para que isso n��o fosse feito, pois passara a

gostar dos gatos e dos cachorros. Pediu ao menos permiss��o para

ficar com o menor, mas a Madre Superiora foi intransigente. Outra

freira colheu os animais e levou-os para fora do convento. Quando

a Irm�� Th��r��se chegou ao quarto dela, encontrou Karla em pran-

tos. Levantou a cabe��a e exclamou:

��� Nunca mais vou amar ningu��m... nem mesmo um animal. So-

fre-se muito quando se perde aquilo de que se gosta.

A Irm�� Th��r��se lhe afagou os cabelos.

207

��� Ame o Senhor. Ele nunca a abandonar�� nem lhe ser�� tirado.

Estar�� com voc�� por toda a eternidade.

��� Nunca me deixar��?

��� Nunca. A vida �� apenas um per��odo que se deve atravessar

da melhor maneira que nos for poss��vel. Mas ela �� apenas a pre-

para����o para a verdadeira vida que nos espera depois da morte,

quando iremos para Ele.

��� Quem sabe se eu n��o posso tamb��m ser freira? ��� murmurou

Karla.

A Irm�� Th��r��se olhou gravemente para ela.

��� �� uma decis��o muito importante e n��o pode ser tomada em

t��o pouco tempo. E eu acho que voc�� n��o tem voca����o. Est�� che-

gando a essa decis��o levada pelo medo. Mas r e z e . . . reze para que

lhe seja mostrado o caminho.

E assim Karla passou os longos dias com as irm��s, comendo com

elas, indo �� missa todas as manh��s e rezando na capela todas as

noites com elas, enquanto o ex��rcito polon��s lutava. Depois de de-

zenove dias de incr��vel resist��ncia ao bombardeio das for��as alem��s

superiores, os defensores massacrados e her��icos de Vars��via se ren-

deram aos alem��es. At�� a ��ltima hora, a r��dio de Vars��via continuou

a identificar-se pelas primeiras notas da Polonaise.

Poucos dias depois, v��rios oficiais russos chegaram ao convento

e informaram ��s freiras que elas estavam vivendo em territ��rio sob

ocupa����o russa. As escolas foram fechadas e os cidad��os restantes

foram notificados de que ia come��ar imediatamente a sovietiza����o

das ��reas ocupadas pelos russos. Come��aram a chegar ao convento

not��cias de pris��es efetuadas �� meia-noite pelos oficiais sovi��ticos.

A princ��pio, essas pris��es eram feitas sob a acusa����o de subvers��o

contra o novo governo. A 30 de setembro, o Presidente Moxcicki ti-

nha atravessado a fronteira com a Rom��nia juntamente com todo o

seu governo e os exilados tinham ido instalar um governo provis��-

rio no ex��lio em Paris.

O General Sikorsky, tamb��m no ex��lio, agia por interm��dio de

alguns oficiais de alta patente que tinham ficado no pa��s e, pouco

a pouco, a Resist��ncia Polonesa come��ou. Era um movimento que

cada vez crescia mais, apesar da repress��o b��rbara e cruel. Passou

a ser chamado o ex��rcito interno polon��s ��� Armia Krajows ��� do

qual se falava como o AK.

Ningu��m tinha interferido com as freiras, mas, por motivos de

seguran��a, depois de repetidas not��cias de viola����o de mo��as por

soldados b��bados, a Madre Superiora permitiu que Karla usasse um

h��bito. Em todos os fins-de-semana, Karla ia no velho carro do con-

vento at�� a fazenda dos pais e lhes dava as not��cias que tinha

208

ouvido. Voltava com ovos frescos, que os pais insistiam em mandar

para as irm��s. Os sovi��ticos tinham reaberto as escolas prim��rias e

secund��rias. As freiras n��o podiam mais ensinar e as universidades

de Lvov e de Vilna tinham sido transformadas em centro para con-

verter a popula����o �� ordem sovi��tica. Embora os conventos e as

igrejas n��o tivessem sido profanados, a religi��o n��o era vista com

simpatia.

Num fim-de-semana, pouco antes do Natal, ela chegou �� fazenda

com o velho carro justamente no momento em que seu pai e sua

m��e eram levados para um jipe por dois oficiais russos. Karla estava

com o seu h��bito de freira e ia correr para eles, mas a m��e se limi-

tou a cumpriment��-la e disse distintamente:

��� Como vai, Irm��? Leve os ovos para o convento. Est��o na co-

zinha.

Deu alguns passos na dire����o deles, mas o medo nos olhos de seu

pai transmitiu tamb��m uma nota de advert��ncia para que ela n��o

falasse. Os russos n��o se importaram com ela, fizeram algumas pi-

lh��rias sobre a fei��ra do h��bito e sa��ram no jipe com os pais dela.

Ela sentia nada poder fazer. Mas que aconteceria se corresse atr��s

deles e declarasse que aqueles eram seus pais? Com toda certeza,

seria levada com eles para um campo de trabalho.

Voltou para o convento e, ao descer do carro, notou que um oficial

russo jovem e simp��tico se voltava na rua a fim de olhar para ela.

Correu para dentro, passou o ferrolho na porta e naquela noite,

quando se olhou no pequeno espelho do banheiro, compreendeu

que, apesar de ter os cabelos escondidos pela coifa e pelo v��u, isso

ainda mais lhe real��ava as ma����s do rosto e os grandes olhos. Olhou-

se de v��rios ��ngulos. Sim, era bela, embora n��o de uma beleza de-

licada como a da Irm�� Th��r��se. Da maneira pela qual o oficial rus-

so a olhara, sabia que um homem podia ach��-la desej��vel. Mas es-

tava seriamente empenhada em se tornar uma freira e rezava ao

Senhor para que a fizesse am��-lo mais e a Irm�� Th��r��se menos. Mas

as pris��es se tornaram mais freq��entes e os dias dela eram ocupa-

dos demais para que ela pudesse pensar na Irm�� Th��r��se. Metade

da capela passara a ser ocupada com espa��o para as camas das

crian��as abandonadas nas ruas, crian��as cujos pais tinham sido leva-

dos pelos russos durante a noite. A biblioteca, que tinha sido o ga-

binete da Madre Superiora, tinha agora cinco ber��os com beb��s. As

m��es que sabiam que iam ser levadas escondiam os filhos nos ar-

m��rios, avisando que n��o deviam chorar. Muitas embrulhavam os

filhos em len����is e os escondiam no quintal rezando para que al-

guma vizinha mais feliz cuidasse deles. As vizinhas levavam inva-

riavelmente as crian��as para o convento.

209

�� medida que os dias passavam, mais crian��as enchiam os con-

ventos. As pessoas eram a princ��pio levadas como "prisioneiros pol��-

ticos". Depois, o simples fato de serem poloneses bastava para que

fossem mandados para os campos de trabalho escravo.

As hist��rias de casos de viola����o aumentavam e as mulheres co-

me��aram a usar grossos ��culos escuros para que os soldados russos

n��o se sentissem atra��dos por elas. Algumas levavam um len��o e um

pequeno canivete. Quando um soldado se aproximava, cortavam o

dedo e deixavam que o sangue fresco empapasse o len��o. Se o sol-

dado estendia a m��o para elas, tossiam, levavam o len��o �� boca,

mostravam o sangue e diziam: "Tuberculose". Era um truque efi-

ciente e fez muitos soldados mudarem de id��ia.

Tanto a Irm�� Th��r��se quanto Karla tinham conseguido ��culos

escuros que tinham sido levados pelas crian��as. Estas chegavam ao

convento com os pobres bens que lhes restavam ��� um cacho dos

cabelos da m��e, os ��culos do pai, a B��blia da fam��lia.

O inverno chegou cedo em 1939. Em outubro, o ch��o j�� estava

coberto de neve e, quando a .noite ca��a, ouviam-se os soldados a

cantar coisas de sua terra. Mas, quando estavam b��bados, o canto

era rouco e muitas vezes eles rondavam pelas imedia����es do con-

vento. Muitas freiras ficavam amedrontadas, mas a Irm�� Th��r��se

lhes dizia constantemente:

��� Eles s��o filhos de Deus tamb��m. Essa guerra �� entre na����es,

n��o entre pessoas. N��o se esque��am de que eles est��o numa terra

estranha, longe das pessoas a quem amam. Os conquistadores po-

dem ser as pessoas mais solit��rias do mundo.

Algumas semanas depois, Karla estava no dormit��rio das crian��as,

ouvindo-lhes as preces. J�� ia apagar as luzes quando ouviu um ba-

rulho ensurdecedor embaixo, na porta da frente do convento. As

crian��as come��aram a gritar quando ouviram o som das vozes rus-

sas e o tropel das pesadas botas. Karla botou mais que depressa os

��culos e pediu sil��ncio ��s crian��as. Saiu do dormit��rio e desceu as

escadas na ponta dos p��s. O que viu na sala de recep����o a fez ficar

r��gida de terror. Um acesso de n��usea a sacudiu e ela teve de levar

a m��o �� boca para abafar o grito de terror que lhe subia da gar-

ganta. Quis correr, mas sentiu-se paralisada ao encostar-se �� parede,

protegida pela escurid��o. Quis cobrir os olhos, mas o pavor a man-

tinha siderada.

A Madre Superiora estava nua. Tinha sempre parecido uma fi-

gura poderosa e imponente quando entrava na capela, envolta no

espesso h��bito preto, com a grande cruz de prata a pender-lhe do

pesco��o. Mas, despojada do h��bito, tinha minguado para ser uma

velha magra, com longos peitos murchos pendentes, pernas sulcadas

210

de veias azuis, transformada num tr��mulo objeto de rid��culo para os

soldados b��bados que riam sempre que olhavam para ela. Estava

encolhida num canto, rezando, enquanto os soldados russos ruido-

sa e metodicamente violavam todas as outras freiras que estavam es-

tendidas nuas no ch��o, a bater desesperadamente os bra��os e as

pernas sob o peso de seus cru��is captores.

E ent��o Karla viu a Irm�� Th��r��se. Havia sangue entre as suas

coxas quando um soldado russo saiu de cima dela. Outro agarrou-a

pelo pesco��o e beijou-a brutalmente. Depois, come��ou a massacrar-

lhe o corpo com a boca, a come��ar pelos seios cada um dos quais

foi mordido, ao mesmo tempo que insinuava os dedos sujos por

entre as pernas dela. Enquanto ele se espraiava babando-lhe o cor-

po, outro soldado aproximou-se dela pelas costas, abriu-lhe as n��-

degas e entrou nela. No mesmo momento, o soldado da frente abriu

as cal��as e entrou nela tamb��m. Karla n��o podia acreditar no que

viu ��� dois homens despeda��ando o corpo d e l a . . . um pela f r e n t e . . .

outro por tr��s! Misericordiosamente, a Irm�� Th��r��se perdeu os sen-

tidos.

Karla ficou escondida na escurid��o durante meia hora. Contou

dez homens que tinham atacado s�� a Irm�� Th��r��se. De repente,

ouviu passos atr��s dela. Era Eva, a menina de treze anos que a aju-

dava a cuidar das crian��as. Karla tentou faz��-la ir-se embora, mas

era tarde. A menina tinha visto os corpos nus no ch��o e deu um

grito. Os soldados olharam para o corredor escuro.

��� Corra, Eva! ��� disse-lhe Karla. ��� Corra e meta-se na cama!

Mas a menina ficou transida de medo enquanto o soldado se apro-

ximava.

Agarrou Karla e Eva pelos bra��os e empurrou-as para a sala. Um

soldado olhou para Karla, viu os ��culos escuros e fez uma careta

de desgosto. Mas puxou-lhe o peitilho engomado e lhe rasgou o h��-

bito. Olhou para o busto sumido, para os ��culos e estendeu a m��o

para Eva, que gritava. Karla avan��ou para proteger a menina, mas

levou um empurr��o que a fez escorregar pela sala e ir cair aos p��s

da Madre Superiora, que, nua e tr��mula, murmurava as suas ora-

����es. Karla ajustou o h��bito e ficou �� frente da velha freira, ran-

gendo os dentes, enquanto os gritos da atormentada Eva enchiam

a sala. A Irm�� Th��r��se ainda estava misericordiosamente incons-

ciente.

A confus��o come��ou a diminuir da�� a mais meia hora. Os soldados

estavam satisfeitos. Ajeitaram os cintos e as cal��as e olharam para

os corpos inertes estendidos no ch��o como homens que, depois de se

fartarem num banquete, ainda relutam em deixar comida na mesa.

Um deles que estava evidentemente comandando apontou para a

Irm�� Th��r��se, para Eva e para mais tr��s freiras e deu uma ordem.

211

Elas foram embrulhadas em len����is e os soldados as puseram nos

ombros como sacos de batatas e as levaram para fora. Karla se des-

vencilhou da m��o gelada da Madre Superiora.

��� Para onde v��o lev��-las?

Um soldado que falava polon��s respondeu:

��� Para nosso acampamento. N��o se preocupe, feiosa. S�� quere-

mos as bonitas. Voc�� e as outras podem ficar e tomar conta das

crian��as.

Ela ficou �� porta sem nada poder fazer enquanto os jipes se afas-

tavam dentro da noite fria. Quando os ��ltimos risos roucos morre-

ram ao longe, a Madre Superiora come��ou a mover-se como uma

son��mbula. Tateou com as m��os pelo ch��o �� procura de peda��os do

seu h��bito, enquanto as outras freiras recolhiam as contas de ros��-

rio espalhadas pelo ch��o e os livros de ora����es que tinham sido ar-

rebatados das m��os das freiras e estavam espalhados por toda a

parte. Karla viu o livro de ora����es da Irm�� Th��r��se e o seu ros��rio

perto do lugar onde ela estivera estendida. Ajoelhou-se e tocou os

dedos no sangue, levando-os depois aos l��bios. Apertou de encon-

tro ao rosto o livro de ora����es. Tratou ent��o de ajudar as outras

freiras violadas. Preparou banhos para elas, p��s gelo nos l��bios in-

flamados e rezou com elas e por elas. Ao amanhecer, uma apar��ncia

de ordem fora restabelecida. Vestida com um h��bito novo, a Madre

Superiora parecia ter recuperado ao menos uma sombra de sua ve-

lha energia.

Uma semana depois, os mesmos soldados voltaram. Estavam mais

b��bados e roucos que da outra vez. E nessa noite Karla n��o esca-

pou. Tiraram-lhe os ��culos e as roupas. Foi jogada no ch��o e bateu

com a cabe��a numa cadeira. Rezou pela inconsci��ncia, mas foi ar-

remessada em plena consci��ncia pela dor lacerante que sentiu quan-

do teve as pernas abertas �� for��a e o soldado a estuprou. Ritmica-

mente, rudemente, os soldados a violentaram, um atr��s do outro ���

cinco, seis, sete, o i t o . . . misturando o sangue dela com os seus or-

gasmos e com as bocas ��midas a morderem-lhe os l��bios e os seios.

E ent��o ela viu o maior deles aproximar-se dela. Parecia um gi-

gante. Caiu em cima d e l a . . . Tinha mau h��lito e lhe babujou beijos

imundos nos l �� b i o s . . . Rezou pedindo a morte. Ouviu ent��o a porta

abrir-se e outras vozes. Oh! Mais soldados! Mas de repente o homem

foi arrastado de cima dela. Houve vozes zangadas... e os soldados

trataram de levantar-se.

Em seguida, quase delicadamente, um oficial ajudou-a a levan-

tar-se. Era o mesmo jovem capit��o russo que a olhara na rua. Louro

e de olhos castanhos, parecia cheio de tristeza quando lhe entregou

parte de seu h��bito despeda��ado para que ela se cobrisse. Deu en-

212

t��o ordens r��spidas aos soldados e outro oficial saiu com eles. Disse

ent��o em polon��s a Karla:

��� Sinto muito o que esses homens fizeram. Ser��o castigados.

Somos soldados e n��o animais. Voltarei amanh�� para saber que re-

para����o podemos fazer.

Quando ele saiu, Karla e as freiras come��aram pouco a pouco a

mover-se, lentas, silenciosas e desamparadas. Algumas foram para

uma pequena capela que tinham improvisado numa das celas e re-

zaram. Karla foi para sua cama e ficou ali deitada, muito quieta.

Pensou em matar-se, mas refletiu que iria passar a eternidade no

Purgat��rio. Pensou na Irm�� Th��r��se. E pela primeira vez, do fundo

de seu medo e de sua solid��o, pensou na m��e. Ouvia os solu��os aba-

fados que sa��am das outras celas. . . Compreendia que as freiras

chamavam por Jesus e ela n��o tinha ningu��m.

Na manh�� seguinte, o jovem capit��o louro apareceu, tornou a

pedir desculpas e assegurou que da�� por diante o convento teria

inteira prote����o. Chamava-se Greg��rio Sokoyen. Era filho do Gene-

ral Al��xis Sokoyen e tinha-se casado pouco antes com uma bela

mo��a filha de um alto funcion��rio do governo. Sentia saudades de

sua jovem mulher e come��ou a fazer visitas a Karla v��rias noites

por semana. Ficava sentado na sala de recep����o enquanto ela cos-

turava e falava de sua inf��ncia e dos filhos que ele e sua jovem

mulher esperavam ter.

Ela escutava com toda a gentileza. Era um homem bonito e o

primeiro mo��o com quem ela tinha contato. Nunca dizia coisas im-

pr��prias e sempre levava mantimentos para as freiras e bombons

para as crian��as.

Foi no fim de novembro que Karla notou que sua cintura estava

mais grossa. Os seus inc��modos nunca tinham sido regulares, mas ela

compreendeu que daquela vez estava atrasada demais. Ficou apa-

vorada, mas continuou a trabalhar metodicamente. Quando as crian-

��as iam brincar do lado de fora e ela via alguns soldados olharem

com interesse para as meninas de dez e onze anos, tratava imedia-

tamente de cortar os cabelos delas, de enfaixar-lhes os bustos e de

vesti-las como meninos. E todas as noites, no segredo de seu quarto,

fazia os mais exaustivos exerc��cios de bal�� na esperan��a de desalo-

jar a crian��a que se estava formando dentro dela. Ao fim de algum

tempo, compreendeu que n��o adiantava. A cintura estava grossa e

a barriga esticada.

Uma manh��, o jovem capit��o chegou inesperadamente com al-

guns mantimentos. Levava tamb��m mantas quentes e v��rios quilos

de cereais. Ela o ajudou a desembara��ar-se da carga que levava e

foi de repente atacada por um acesso de n��usea. Correu para a pia

e ele lhe sustentou a cabe��a enquanto ela vomitava.

213

��� Voc�� est�� doente ��� disse ele. ��� Deve ir deitar-se.

��� N��o, estou bem. J�� passou.

��� Qual �� a causa de sua doen��a?

��� Os soldados russos.

Ele olhou para a barriga dela oculta pelas dobras do h��bito e

perguntou:

��� Est�� gr��vida? Quer a crian��a?

��� Como �� que posso querer sabendo que vem de um daqueles

animais?

��� Mas o filho �� seu tamb��m. �� seu corpo que o est�� formando...

seu s a n g u e . . . Pode ser que nas��a uma meninazinha parecida com

v o c �� . . .

��� E que poderia eu fazer por ela? Como iria cri��-la? E, depois,

como �� que posso saber se n��o vem a�� um menino parecido com

Rodolfo, Leopoldo, Nicolau, Igor ou S v e r s k y . . .

��� Sabe o nome de todos eles?

��� Quando se est�� estendida no ch��o e eles est��o chamando uns

aos outros, a gente se lembra de tudo. Do mau h��lito, dos cabelos

no nariz, dos dentes estragados e dos nomes. Oh, Deus ��� se h�� Deus

��� como posso livrar-me dessa coisa que cresce dentro de mim?

��� Sei uma maneira que pode dar resultado ��� disse ele, ficando

levemente vermelho. ��� Vi isso acontecer na semana passada. Alguns

soldados estavam revistando as casas �� procura de prisioneiros que

tinham fugido dos campos de trabalho. De repente, ouvi um grito.

Entrei numa casa e subi. Um dos soldados estava violentando uma

mulher. ��� Deu um suspiro. ��� Deve compreender. Alguns desses ho-

mens s��o camponeses ignorantes e sentem-se solit��rios. Nunca sa��-

ram das terras onde trabalham e nunca tiveram muito o que be-

ber . . . De repente, encontram vodca polonesa e belas mulheres...

e o resultado �� que cometem viol��ncias contra as mulheres. Aque-

le homem estava violando uma mulher no estado em que voc��

e s t �� . . . A diferen��a era que ela queria a crian��a, que era filho do

m a r i d o . . . Ela pediu ao soldado que a poupasse, que ela estava

gr��vida de tr��s meses e poderia perder a crian��a. Ouvi as s��plicas

dela, mas quando cheguei ao quarto, era tarde. Ela perdeu a crian��a

ou o que j�� estava come��ando a ser a crian��a. Matei o soldado com

um tiro. ��� Levantou-se. ��� Pense n i s s o . . . Virei esta noite ��s onze

horas. Poder�� ent��o dizer-me qual �� sua decis��o.

Quando ele chegou, o convento estava ��s escuras, mas ela o es-

perava �� porta. Levou-o em sil��ncio para o seu pequeno quarto.

Com um sentido de urg��ncia e sem qualquer vergonha, ela tirou o

robe. E l e se despiu rapidamente. �� luz fraca, ela viu o corpo jovem

e ele disse:

214

��� Quer isso mesmo, Irm�� Karla? Pode ser um garotinho com

olhos cinzentos como os seus.

��� Vamos logo ��� disse ela.

E l e se deitou ao lado dela na cama e lhe acariciou o corpo. Ela

estava r��gida. Quando os l��bios dele lhe chegaram aos seios, ela o

afastou.

��� Fa��a o que tem de fazer e pronto!

��� N �� o . . . Primeiro, tenho de mostrar-lhe amor.

E, contra a vontade dela, ele a acariciou delicadamente, beijan-

do-lhe os l��bios, o pesco��o, os s e i o s . . . Dentro em breve, ela viu

que se estava descontraindo. E, quando ele ficou por cima dela e

a penetrou macia, r��tmica e vigorosamente, ela experimentou de re-

pente uma estranha sensa����o. Abra��ou-o estreitamente e, quando a

incr��vel explos��o se espalhou por dentro dela, gritou num agoniado

prazer porque sabia que havia perdido a crian��a. Quando ele saiu

de cima dela, Karla pulou da cama e se escondeu num canto, fe-

chando os olhos.

��� N��o me diga n a d a . . . Pegue-a e leve-a antes que eu a veja.

��� N��o h�� n a d a . . . Venha ver.

��� N �� o . . . se tiver alguma semelhan��a humana, eu sentirei que

cometi um assassinato.

��� Venha ver, I r m �� . . . Evidentemente, Deus quer que voc�� fique

com a crian��a porque n��o h�� nada aqui.

��� Mas eu s e n t i . . . tudo revolvido dentro de mim!

Ele sorriu.

��� Voc�� teve foi um orgasmo, minha doce Karla.

Mais tarde, deitados um ao lado do outro, ele disse:

��� Voc�� tem de pensar agora no futuro... seu e da crian��a.

��� Deve haver outras como eu. Que est��o elas fazendo?

��� As m��es s��o mandadas para campos de trabalho russos. T��m

assist��ncia m��dica e os filhos s��o mandados para um orfanato. As

crian��as ser��o criadas pelo Estado. A Sib��ria precisa de jovens co-

lonos e �� para l�� que as crian��as ir��o quando estiverem na idade.

��� E as crian��as refugiadas aqui no convento?

��� Bem, enquanto eu estiver aqui, estar��o em seguran��a. Mas a

qualquer hora posso receber ordem de transfer��ncia. Ningu��m pode

saber quanto tempo durar�� ainda a nossa paz com a Alemanha. H��

at�� rumores...

��� Neste caso, tenho de procurar entrar em contato com o AK.

Ele levou a m��o aos l��bios dela.

215

��� N��o quero saber de nada a esse respeito. Vou-lhe trazer algum

dinheiro, mas voc�� n��o me deve dizer nada do que pretende fazer.

��� Primeiro, tenho de tirar as crian��as daqui.

��� Por favor, Karla! N��o me diga nada.

Todos os dias, ele chegava com dinheiro. Ela nunca lhe pergun-

tou de onde vinha aquele dinheiro e ele nunca procurou saber o

que ela fazia com ele. Se ele notava que de dia para dia havia me-

nos crian��as no convento, nunca fez qualquer observa����o a esse res-

peito. At�� que chegou uma noite e a encontrou sozinha. Tinha velas

acesas na mesa e um jantar que ela mesma havia preparado. Tinha

tirado o h��bito e estava usando um vestido. Ele a olhou at��nito en-

quanto ela lhe servia um copo de vinho.

��� Pode deixar de usar o h��bito?

��� Posso, porque n��o sou freira. Sente-se, Greg��rio. H�� muitas

coisas que eu lhe quero dizer.

Durante o jantar, ela relatou os fatos que haviam determinado

a sua ida para o convento. Parecia uma vida t��o simples em que

muito pouco havia acontecido e, entretanto, ali estava ela sozinha

no convento com um belo e jovem oficial russo, levando um filho

no ventre.

��� E seu filho? ��� perguntou ele.

��� O AK tomar�� conta de tudo. Espero poder ir para a Su��cia, ter

o filho l�� e entreg��-lo a alguma fam��lia para criar.

��� E depois?

��� Depois, irei para Londres. A Irm�� Th��r��se tem l�� um tio, o Tio

Otto, cujo endere��o tenho comigo.

��� E deixar�� a crian��a?

��� Claro. Ficar�� com uma fam��lia. Conseguirei, seja l�� como for,

mandar dinheiro para sustent��-la.

��� Mas por que vai ter tanto trabalho com um filho ileg��timo que

n��o deseja? Se o tiver aqui, poder�� ser colocado num orfanato.

��� N��o! De qualquer maneira, o filho ser�� meu tamb��m. E esse

mundo �� t��o cruel que eu devo dar-lhe alguma esp��cie de chance.

E ele a ter�� se for criado por uma fam��lia sueca que possa afei��oar-se

a ele. Mas n��o quero que saiba nunca que a m��e sou eu. Mandarei

apenas dinheiro para o seu sustento.

��� E n��o vai acabar mandando buscar a crian��a?

��� Nunca. Vou ser uma dan��arina. Ser�� uma vida muito dura. Da-

rei �� crian��a dinheiro, mas n��o amor. Dessa maneira, nunca poder��

sentir falta do que nunca teve. N��o �� bom uma pessoa crescer sa-

bendo que algu��m n��o a quer. �� melhor que pense que seus pais

est��o mortos.

216

Ele a abra��ou muito naquela noite. E ela o olhou atentamente,

como se quisesse guardar no esp��rito a imagem dele.

��� Nunca mais a esquecerei, Karla ��� disse ele.

Ela o estreitou carinhosamente porque, embora soubesse que nun-

ca podia realmente amar um homem, era grata a tudo o que ele fi-

zera por ela e o corpo dele era jovem e forte.

Karla fechou os olhos quando o avi��o come��ou a descida para o

aeroporto de Hearthrow, em Londres. Tinha mandado um telegra-

ma a Jeremy. Mas ele estaria �� sua espera? Estava ficando t��o ve-

lho. .. Sempre que o via, ele parecia estar um pouco mais encolhi-

do. Que faria ela no dia em que Jeremy n��o estivesse mais presente?

O avi��o pousou... Havia fot��grafos na pista. Karla cobriu o rosto

e seguiu o funcion��rio da companhia de avia����o que a esperava e

levou-a at�� a limusina. Jeremy Haskins a esperava dentro do carro.

Ela se sentou ao lado dele e apertou-lhe a m��o.

��� Muita gentileza sua ter vindo esperar-me.

O velho sorriu.

��� Vou fazer oitenta anos no m��s que vem, Karla. Enquanto tiver

um sopro de vida dentro de mim, ser�� uma honra para mim esperar

qualquer avi��o, vapor ou trem que voc�� queira tomar.

Ela se recostou no carro, fechou os olhos e murmurou:

��� Percorremos juntos uma longa estrada, Jeremy.

��� Desde o momento em que a vi pela primeira vez, fiquei saben-

do que seria assim...

Tinham-se conhecido num abrigo antia��reo. Ela havia chegado

a Londres naquele dia e fora recebida pelo sorridente Tio Otto, que

a acolhera em casa. Deram-lhe um ��timo quarto. Tia Bosha era cor-

dial e alegre e, durante toda a manh��, tinham conversado sobre a

Pol��nia e sobre as perip��cias da fuga de Karla. Ela n��o se estendeu

demais, embora eles estivessem ansiosos por detalhes. Omitiu as

partes mais desagrad��veis ��� o estupro, os soldados russos, a gravi-

dez. Falou muito por alto do AK. O Tio Otto n��o tinha desde muito

not��cias da Irm�� Th��r��se ou de sua fam��lia e Karla insinuou, sem

dizer abertamente, que a Irm�� Th��r��se, as outras freiras e as crian-

��as estavam em seguran��a.

Ao anoitecer, ela havia sa��do para dar um passeio. O Tio Otto

lhe recomendara que n��o fosse para muito longe. Um ataque a��reo

poderia come��ar a qualquer momento. Londres estava sob plena

blitz a��rea alem�� e o povo ingl��s se estava habituando a passar qua-

se todas as noites nos abrigos antia��reos. Os nazistas tinham desis-

tido dos ataques a��reos �� luz do dia desde outubro, quando a R A F

217

num maci��o contra-ataque castigara duramente os invasores da

Luftwaffe. Mas continuavam a atacar Londres �� noite, o que espa-

lhava p��nico e destrui����o, mas tinha pouco valor militar.

Ela tinha andado talvez dez quadras quando ouviu a primeira si-

rena. Ficou paralisada enquanto as pessoas sa��am correndo das ca-

sas �� procura do abrigo mais pr��ximo. Come��ou a voltar na dire����o

da casa do Tio Otto, mas n��o tardou que compreendesse que nunca

chegaria l�� a tempo. O Tio Otto e a Tia Bosha j�� deviam ter ido

para algum abrigo. Seguiu ent��o um grupo de pessoas. Encontrou

um lugar para sentar-se no abrigo e ali ficou com as m��os nos ouvi-

dos para n��o escutar os estrondos da destrui����o l�� fora.

��� Mo��a, voc�� est�� agindo como se este fosse o seu primeiro ata-

que a��reo.

Ela levantou a vista e deu com o homem sorridente. N��o p��de

deixar de sorrir tamb��m.

��� De certo modo, ��.

��� De onde �� que voc�� vem?

��� Vilna, na Pol��nia. Meu ingl��s �� t��o ruim assim?

��� Terr��vel. Mas eu tamb��m n��o falo uma palavra de polon��s, de

modo que voc�� sabe mais do que eu. Como �� seu nome? O meu ��

Jeremy Haskins.

Ele a for��ou a conversar enquanto as bombas ca��am e ela falou

do Tio Otto e da Tia Bosha, bem como da vontade que tinha de

tentar o Bal�� do Sadlers Wells. �� claro que isso teria de demorar

um p o u c o . . . Fazia muito tempo que ela n��o praticava... Teria

de conseguir um emprego numa f��brica ou coisa que o valha e trei-

nar em casa para readquirir a forma.

��� Est�� um pouco escuro e eu n��o posso v��-la bem ��� disse o ho-

mem. ��� Voc�� �� bonita?

��� Sou uma boa dan��arina.

Quando as sirenas voltaram a soar para anunciar a conclus��o do

raid, sa��ram do abrigo. Ele a levou para casa e falou de si. Traba-

lhava na publicidade da empresa de cinema J. Arthur Rank. A mu-

lher dele era inv��lida e a filha do casal morrera vitimada por um

ataque a��reo. Chegaram �� quadra da casa de Tio Otto e ela pen-

sou que tivessem errado o caminho. A rua cheia de casas se trans-

formara uma hora depois num mont��o de ru��nas fumegantes. Carros

de bombeiros estavam ainda assestando as suas mangueiras sobre

alguns esqueletos enegrecidos de pr��dios. Havia gemidos de pessoas

que eram levadas em macas para as ambul��ncias, choro de crian��as

e os solu��os abafados de mulheres que procuravam entre as ru��nas

de suas casas para ver se ainda encontravam alguma coisa de esti-

ma����o entre os destro��os.

218

De repente, ela viu o Tio Otto de m��os dadas com a Tia Bosha.

Correu para eles. As l��grimas corriam pelo rosto de Tio Otto.

��� Nosso dinheiro... todo e l e . . . estava l�� dentro. Tudo queima-

d o . . . perdido... as p��rolas de B o s h a . . . Tantas coisas bonitas que

n��s t��nhamos... Esper��vamos vender tudo e mandar para nossos

parentes na Pol��nia quando houvesse uma chance. Tape��arias, ren-

das finas, quadros... Um Goya! N��o h�� dinheiro que possa subs-

tituir isso. ��� Olhou para o c��u. ��� E por qu��? Isto aqui n��o �� um

objetivo m i l i t a r . . . Puro vandalismo... destrui����o sem m o t i v o . . .

��� De repente, pareceu lembrar-se de Karla. ��� Suas roupas foram

todas destru��das... Amanh��, vou tirar algum dinheiro do b a n c o . . .

Vamos passar esta noite em casa de uma fam��lia na rua ao l a d o . . .

Infelizmente, n��o h�� um quarto l�� para v o c �� . . . Mas vou pedir a

a l g u �� m . . .

��� Ela pode ficar conosco, no quarto de minha filha ��� disse J e -

remy Haskins.

O Tio Otto fechou a cara. Olhou para Jeremy Haskins como se

s�� ent��o o tivesse visto. Olhou ent��o para as ru��nas enegrecidas de

sua casa e deu um prolongado suspiro, como se quisesse com isso

indicar que estava muito velho, muito cansado e muito abatido para

ainda assumir a responsabilidade pela moral de uma jovem polo-

nesa estranha. Concordou com um vago al��vio e Karla se viu se-

guindo docilmente Jeremy Haskins para a esta����o do metr��. Em-

barcaram num trem lotado e fizeram a viagem em sil��ncio. Ao fim

de algum tempo, ela sentiu que ele a estava olhando. Ficou verme-

lha e baixou o olhar para as m��os.

Jeremy bateu de leve nelas.

��� Talvez esteja precisando de ir �� manicura. Mas, na verdade,

voc�� �� muito bonita.

Ela continuou a olhar para as m��os. Quem era realmente aquele

homem que lhe tinha dado apio moral durante o raid e que conven-

cera o Tio Otto de sua sinceridade? Para onde estariam indo? Com

certeza, nunca tinha havido uma filha que morrera durante um

bombardeio, nem uma mulher inv��lida. Era muito prov��vel que ele

a estivesse levando para algum terr��vel quarto e . . . Mas isso podia

ter realmente alguma import��ncia? Depois do que acontecera com

os russos, que poderia aquele pobre ingl��s fazer? Pedir-lhe que

abrisse as pernas? E da��?

��� Escute, menina, ��� disse ele de repente, ��� h�� um papel num

filme que um amigo meu est�� produzindo. N��o �� um grande papel,

mas lhe daria uma entrada. �� uma espi�� nazista e eu acho que com

o seu sotaque ser�� perfeito. Ser�� capaz de representar?

��� N��o sei. Meu ingl��s �� muito ruim.

219

��� �� claro. Mas, por isso mesmo, voc�� ser�� perfeita para o papel.

Vamos ver. E de qualquer maneira, minha filha, talvez n��o seja Sa-

dlers Wells, mas �� bem melhor que uma f��brica.

A casa dele era pequena e muito simp��tica e a mulher inv��lida,

uma figura transparente chamada Helen, olhou para o marido en-

quanto ele fazia o ch�� com os olhos cheios de gratid��o e de tristeza.

Disse que tinha muito prazer em hospedar Karla e em dar-lhe o

quarto da filha que morrera. Karla nunca dormir�� num quarto me-

lhor e foi deitar-se, sentindo-se segura e certa de que mais uma vez

encontrara quem pensasse nela.

Conseguiu o p a p e l . . . e de repente a acelera����o do ritmo de sua

vida foi como a de um filme rodado em tempo r��pido. Testes de

maquilagem, provas dos costumes, noites de trabalho para desbas-

tar o seu pesado s o t a q u e . . . e ent��o a discuss��o final sobre o nome

dela. Insistiu em ser chamada apenas de Karla, sem qualquer sobre-

nome. Arnold Malcolm, o produtor, acabou concordando. Achava

tamb��m que a obstinada polonesa tinha alguma coisa em sua per-

sonalidade que se registraria bem na tela. E, como Arnold Malcolm

previu, assim aconteceu. Todos os jornais destacaram a nova desco-

berta estrangeira. Ela causou uma pequena sensa����o quando o filme

come��ou a ser exibido e a ��nica coisa que entristeceu Karla foi a

morte de Helen, que ocorreu uma semana antes de estar completa-

do o filme. Mais uma vez, Karla percebeu o perigo de prender-se a

algu��m. Ela havia cuidado da fr��gil mulher, que suportava os seus

sofrimentos com tanta coragem, ao mesmo tempo que a ajudava

em seu ingl��s e tratava de anim��-la.

Enterraram-na em sil��ncio e sem l��grimas. No mesmo dia, Karla

tomou o metr�� para voltar ao seu trabalho no est��dio. Ao saltar,

disse:

��� Detesto o cinema. Detesto o ingl��s, que nunca chegarei a apren-

der. Detesto a espera, as l u z e s . . . E detesto principalmente esse

trem.

��� Um dia, voc�� falar�� ingl��s com a maior facilidade e s�� andar��

numa limusina ��� disse Jeremy.

Jeremy vendeu a casa e alugou um apartamento onde foi morar

com Karla, em Kensington. Deixou o lugar que tinha com J. Arthur

Rank e passou a ser o agente de Karla. Os jornais todos sugeriam

que eram amantes, mas, na verdade, tinham ido para a cama apenas

uma vez. Karla tinha feito isso somente por gratid��o e ele tinha com-

preendido isso.

��� Foi de fato um sonho v �� o . . . Sou velho demais para voc�� ���

disse ele.

220

��� N��o �� nada disso ��� disse ela, olhando diretamente para ele.

��� Voc�� n��o tem culpa nenhuma. O que acontece �� que eu sou l��s-

bica.

O tom dela foi t��o calmo e sincero que ele aceitou isso como ou-

tro fragmento de informa����o sobre a vida dela. E ent��o, enquanto

os dois estavam deitados no escuro de m��os dadas como dois bons

amigos, ela contou tudo sobre sua vida. Falou dos homens que a

haviam estuprado, de Greg��rio, da crian��a que deixara com uma

fam��lia sueca. Ela passara a mandar dinheiro para a fam��lia todos

os meses. Quando ele perguntou por que ela fazia quest��o de que

a crian��a nunca soubesse que ela era sua m��e, Karla respondeu:

��� O que n��o se tem n��o se pode perder. Era ainda um beb��

quando o deixei. N��o me conheceu e eu n��o cheguei a conhec��-la.

Dessa maneira, nenhum de n��s sofrer�� ou se sentir�� decepcionado.

Por que deve minha filha querer saber qual o patife que foi pai dela

ou sentir-se desprezada pelo fato de eu n��o ter presen��a na vida

dela?

Quando ele tentou sond��-la a respeito de Greg��rio ou for����-la a

reconhecer que realmente se interessara por ele, ela encolheu os

ombros.

��� �� bem poss��vel. Mas nunca terei certeza. Estava t��o cheia de

��dio por tudo o que os russos tinham feito �� Irm�� Th��r��se e ��s ou-

tras freiras, que nunca me deixei sentir coisa alguma por ele.

Falou ent��o de um breve mas terno caso de amor que tivera com

uma mulher que trabalhava para a resist��ncia no AK. A mulher era

bela, gentil e bondosa e a ajudara a fugir com a filha para a Su��cia.

Era a ternura de uma mulher que ela amava. Nunca seria capaz de

amar um homem.

Assim, foram bons amigos. Trabalhavam juntos no ingl��s e nos

pap��is dela. No seu quarto filme, Karla recebeu tratamento de es-

trela. Sentava-se todos os dias com Jeremy na cabina de proje����o do

est��dio e assistia �� exibi����o dos copi��es. Karla tinha dificuldade em

acreditar que ela fosse aquela mulher vibrante que aparecia na tela.

Foi Jeremy que se mostrou contr��rio ��s entrevistas.

��� Nada de entrevistas. Seu ingl��s ainda n��o �� muito bom e voc��

pode n��o compreender algumas das perguntas. Seria, portanto, mal

interpretada e . . .

��� Sou ent��o ignorante e sem intelig��ncia?

��� N��o �� nada disso. Voc�� ainda �� muito jovem. Na tela, voc�� pa-

rece uma mulher experimentada e misteriosa. Mas conhec��-la �� o

mesmo que conhecer uma crian��a.

��� N��o, Jeremy, sou ignorante e sem intelig��ncia. Eu sei e voc��

n��o precisa fingir. Ou��o as conversas das outras atrizes. Falam de

221

Shakespeare e podem citar extensos trechos dele. Conversam sobre

livros escritos por Somerset Caugham, Colette e Hemingway. Al-

gumas me fazem perguntas sobre escritores poloneses. N��o conhe��o

nenhum, mas elas conhecem. Falam de a r t e . . . e eu nada sei disso.

��� Voc�� pode n��o ter instru����o, Karla, mas n��o �� sem intelig��ncia.

Compreender que h�� coisas que voc�� desconhece prova apenas que

voc�� �� muito inteligente. Se quiser, poderei ajud��-la a aprender essas

coisas.

��� Isso me dar�� mais dinheiro?

��� N��o, m a s . . .

��� N��o pense mais nisso ��� disse ela.

Karla teve verdadeiro pavor de ir para a Calif��rnia, mas Jeremy

a fez assinar o contrato com a Century. E ent��o, no dia em que ela

devia partir para Hollywood, havia chegado o telegrama do casal

sueco que n��o queria continuar a tomar conta da menina. Jeremy

mandou-a para a Calif��rnia sozinha apesar de seus protestos, e ficou

para resolver o caso da menina e lev��-la para Londres. N��o lhe

agradava nada deixar Karla sozinha durante seis semanas, enquanto

ele tomava as provid��ncias a respeito da crian��a. Quando chegou ��

Calif��rnia, soube que as suas apreens��es n��o eram infundadas. Ela

estava morando numa grande casa parcialmente mobiliada que lhe

fora fornecida pelo est��dio e estava enredada num delirante caso

de amor com Heidi Lanz.

��� Karla, tudo isso �� muito ruim para voc�� e pode arruin��-la. Hel-

di �� uma grande estrela com um marido e tr��s filhos. O p��blico

nunca ir�� acreditar numa coisa assim a respeito dela.

��� Fale de minha filha.

��� Tudo resolvido. Encontrei um casal maravilhoso, John e Mary.

Pensam que a menina �� uma parenta afastada minha e que o seu

interesse �� devido ao nosso relacionamento. A menina ��, infelizmen-

te, um pouco retardada. Os m��dicos dizem que foi porque n��o teve

bastante oxig��nio por ocasi��o do nascimento, mas eu acho que a

culpa �� do casal sueco. Era uma gente que quase n��o falava. Mas

John Mary s��o maravilhosos. Tudo ser�� ��timo. Eles acham natural-

mente que n��s somos amantes.

��� Espere at�� voc�� conhecer H e l d i . . .

��� Voc�� deve ser mais discreta, K a r l a . . .

��� Serei uma estrela depois desse filme nos Estados Unidos, uma

estrela internacional. J�� me est��o comparando a Greta Garbo e Mar-

lene Dietrich. Dizem que estou devolvendo ao cinema o glamour

que se tinha perdido. Veja estas revistas. Publicam fotografias mi-

nhas e reportagens sobre a grande K a r l a . . . Photoplay, Modern

222

Screen, Movie Mirror, todas elas. N��o se preocupe que a minha pu-

blicidade tem sido excelente. Tenho seguido as suas instru����es ��

risca. Nada de entrevistas, set fechado, almo��o sozinha no meu ca-

marim. Ningu��m me pode ver exceto Heldi.

��� Escute, Karla. J�� em Londres havia fotografias de voc��s duas

de cal��as procurando fugir aos fot��grafos.

��� Que �� que tem isso? Todo o mundo aqui usa cal��as e muita

gente evita os fot��grafos.

��� Est�� fazendo economia para sua filha? Voc�� quer para ela as

melhores escolas, tudo o que voc�� n��o t e v e . . .

��� Se eu estou economizando? ��� Jogou a cabe��a para tr��s e o seu

riso gutural encheu a sala. ��� Estou aqui h�� quase sete semanas e

s�� descontei at�� agora um cheque de pagamento. Heldi paga tudo.

O romance entre Karla e a estrela alem�� n��o durou muito. Mas

Jeremy ficou espantado de ver como as maiores l��sbicas da col��nia

cinematogr��fica a perseguiam. Pensou que talvez houvesse entre elas

uma esp��cie de radar, um cartaz a g��s neon aceso na testa que s��

elas pudessem ver. Mas Karla se recusava a qualquer contato com

elas.

Byron Masters contracenou com ela no seu terceiro filme. Era im-

petuoso, belo, fazia pessoalmente os lances arriscados de seus fil-

mes, fora casado tr��s vezes e era bissexual. Para Karla, a semelhan��a

dele com Greg��rio era espantosa. Ela de repente se tornou t��mida

e, quando soube que ele estava morando no momento na compa-

nhia de outro artista, aceitou o desafio e desejou ter de novo nos

bra��os o corpo forte de um homem jovem.

Come��aram a filmar e, ao fim da primeira semana, Byron brigou

com o seu companheiro de casa e se apaixonou loucamente por ela,

a ponto de deix��-la dominar inteiramente o filme. Com isso, ela se

tornou uma estrela absoluta e hist��rias sobre o romance entre os

dois encheram todas as revistas de cinema.

Durante alguns meses, ela se abandonou ao seu caso de amor

com Byron. Levou-o para jantar na sua casa escassamente mobilia-

da. Faziam bifes e os comiam na cozinha. Jeremy se mudara discre-

tamente para um apartamento e come��ou a interessar-se por uma

divorciada de muitos im��veis.

Mas Byron amava a movimenta����o de' Hollywood ��� as grandes

festas, as estr��ias com os refletores acesos. Karla se negava a com-

parecer. Na casa dela, quando ela comia os bifes com as m��os, ele

ria. Era como se fossem dois garotos num pequenique. Mas ela sa-

bia que n��o tinha boas maneiras �� mesa (Jeremy j�� se havia can-

sado de chamar-lhe a aten����o para o barulho que ela fazia ao tomar

ch�� ou sopa), tinha horror ��s multid��es e ��s conversas inconseq��en-

223

tes das festas. Tinha receio de que fizessem tro��a de seu sotaque.

Por tudo isso, o seu caso com Byron foi esfriando e ele acabou apai-

xonado pela atriz principal de seu novo filme.

Karla aceitou o fato filosoficamente. Havia sempre uma ing��nua

que ca��a em ��xtase ante a id��ia de ir �� casa da grande Karla. No

set, Karla nem tomava conhecimento da pequena, de modo que, se

ela falasse do seu "romance" com a grande Karla, ningu��m lhe daria

cr��dito. E, de vez em quando, havia um homem jovem que lhe lem-

brava Greg��rio e que ela permitia que fosse �� sua casa, fizesse amor

com ela e comesse bifes na cozinha. A imprensa se atirava sempre

a esses romances e os ati��ava. As revistas viviam ansiosas por his-

t��rias sobre K a r l a . . . mas os romances em geral terminavam antes

que as hist��rias fossem publicadas.

Ent��o, em 1952, Karla tinha co-estrelado um filme com Christo-

pher Kelly. E l e era de origem holandesa e francesa e tinha a com-

bina����o de cabelos louros e olhos castanhos que sempre atra��a Kar-

la. A popularidade de Christopher estava ent��o no auge. Foi comer

bifes na cozinha dela na primeira semana em que trabalharam jun-

tos. Atrav��s dos tr��s meses da filmagem o romance cresceu de in-

tensidade.

Ela soube que estava gr��vida na ��ltima semana de filmagem.

Pensou no caso friamente e sem emo����es. Em teoria, o mais pr��tico

seria livrar-se daquilo e de Christopher. Mas, pela primeira vez,

descobriu que n��o podia afastar-se. Foi uma surpresa para ela. Nun-

ca se envolvera com um homem ao ponto de n��o querer que ele a

deixasse. Era estranho que ela tivesse muito mais facilidade em ma-

nobrar os seus casos com as mulheres. Podia ditar todas as regras.

N��o tinha receio de sofrer com as mulheres. Elas a amavam. Com

as mulheres, o problema dela era afast��-las de sua vida causando

t��o pouco sofrimento quanto poss��vel �� mulher que estava rejeitan-

do. E eram muitos os homens que entravam na mesma linha e se

tornavam quase efeminados no seu desejo de agradar, de concordar,

de prend��-la.

Mas Christopher era diferente. Chegara a arrast��-la para a sua

mans��o principesca cheia de criados e a ensinara a nadar. Tentara

tamb��m ensinar-lhe t��nis, mas o m��ximo que ela conseguiu foi dar

um volteio com a bola por cima da rede.

As filmagens estavam quase no fim. Da�� a seis semanas, Karla

iria iniciar outro filme. Poderia t��-lo como seu leading man, se qui-

sesse. A Century j�� havia contratado outro ator ��� um novato. N��o

viam a necessidade de pagar dois sal��rios de astro. Karla podia sus-

tentar um filme sozinha. Mas, se ela exigisse Christopher, ele seria

contratado.

224

Christopher n��o tinha interesse direto no caso. Era um dos novos

astros que trabalhavam sem contrato com qualquer est��dio. Cobra-

va duzentos mil d��lares por filme e trabalharia indiferentemente para

a Twentieth, a Metro, a Century ou qualquer est��dio que pagasse

o seu pre��o e lhe desse tratamento de artista principal.

Ela esperou at�� que o filme terminasse. Uma noite, quando ia de

autom��vel com ele, disse-lhe que estava gr��vida. E l e quase saiu

com o carro da estrada.

��� Mas isso �� fabuloso, Karla! Vamos agora mesmo para Tia Jua-

na. Casar-nos-emos l�� em segredo e daqui a uma semana diremos

a todo o mundo que nos casamos antes do filme. Seu amigo Jeremy

pode arrumar tudo.

Ela concordou e viu-o fazer manobra no carro e come��ar a des-

cer as montanhas.

��� Ser�� magn��fico! Deixaremos as nossas casas e nos mudaremos

para outra, que podemos at�� mandar construir. H�� um grande ter-

reno em boas condi����es no Crescent. Tenho duas pens��es para pa-

gar ��s minhas ex-mulheres, mas isso n��o quer dizer nada. Ganho

duzentos mil d��lares por filme e com o que voc�� ganha poderemos

viver como pr��ncipes. Chamaremos nossa casa L a r l - K e l . . . Seremos

como a dupla Pickfair dos velhos tempos, o novo casal real do ci-

nema. Viveremos �� grande!

Viver �� grande!

��� Volte ��� disse ela rispidamente.

��� Por qu��? Que �� que h��?

��� Volte. N��o vou para o M��xico. Se se atrever a levar-me para

l��, eu o acusarei de rapto!

Voltaram para a casa dela em sil��ncio. Viver �� grande! T e r outro

filho! Como ela se havia deixado levar por aqueles pensamentos?

Tinha j�� uma filha para sustentar... e era uma obriga����o bem pe-

sada. Nunca lhe seria poss��vel viver assim ��� sentar-se e ver a sua

casa cheia de gente que ia beber as suas bebidas e comer a sua co-

mida. Seria o mesmo que tirarem o seu dinheiro, o dinheiro que lhe

custara tanto ganhar!

No dia seguinte, Jeremy tomou provid��ncias para um aborto e

ela mudou o seu n��mero de telefone. Uma semana depois, Chris-

topher Kelly tentou o suic��dio. Recuperou-se, mas nem esse gesto

dram��tico fez Karla responder aos seus telegramas.

Gastou muito dinheiro tentando descobrir a Irm�� Th��r��se. Mas

n��o havia sinal dela nem de sua fam��lia. Por fim, desistiu e concen-

trou-se exclusivamente no seu trabalho.

Em meados da d��cada de 50, ela estava firmemente estabelecida

como "a lend��ria Karla". Mas o sal��rio que ganhava n��o lhe cor-

225

respondia de maneira alguma �� fama. O contrato dela com a Cen-

tury tinha come��ado a quinhentos d��lares por semana. Com au-

mentos e reformas de contrato, tinha chegado a tr��s mil por semana

nos ��ltimos dois anos. Ainda assim, ela sabia que n��o ganhava o

que devia. Mas o contrato iria terminar em 1960 e Jeremy disse que

depois disso come��ariam a ganhar dinheiro de verdade.

Jeremy estava rico. Investira na Bolsa e multiplicara v��rias vezes

o seu dinheiro. Tinha insistido com Karla para investir tamb��m o

dinheiro dela ou faz��-la ouvir um consultor de investimentos. Mas

ela se apegava ao dinheiro e o depositava em contas de poupan��a,

que nunca deixava ultrapassar de dez mil d��lares em qualquer banco.

Ela entrou num ciclo mau de filmes em 1957 e 1958. Mas a sua

publicidade pessoal sustentou-a. A lenda se desenvolveu e o isola-

mento em que ela vivia dos chefes do est��dio a deixava em comple-

to desconhecimento das bilheterias de seus filmes. Jeremy, por sua

vez, tomou medidas para que o p��blico n��o soubesse de qualquer

decl��nio da popularidade de Karla. A not��cia de seu afastamento em

1960 causou manchetes e ondas -de choque atrav��s da ind��stria ci-

nematogr��fica e atrav��s do mundo. Nem Karla, nem Jeremy tinham

pretendido que o afastamento fosse permanente. Tudo come��ou

quando Jeremy foi discutir um novo contrato com o presidente da

Century.

��� Soube que Elizabeth Taylor vai ganhar um milh��o de d��lares

para fazer Cle��patra, ��� disse Karla a Jeremy. ��� Quero agora um mi-

lh��o e cem mil d��lares por filme. Diga ao Presidente que assinarei

com ele um contrato para tr��s filmes por tr��s milh��es e trezentos

mil d��lares.

Enquanto Jeremy estava em negocia����es com o est��dio, negocia-

����es essas que se estenderam por v��rias semanas, ela passou o tem-

po mandando instalar uma barra de bal�� numa das salas vazias de

sua casa, fazendo quatro horas de exerc��cios na barra por dia e

longos passeios a p��.

Por fim, Jeremy foi jantar com ela uma noite. Disse-lhe que ti-

nha um acordo em vista, mas que discutiriam isso depois do jantar.

Ela concordou com a sua habitual displic��ncia. Sentaram-se na co-

zinha e ele a viu comer um bife com a m��o, enquanto o molho es-

corria por aquele queixo magn��fico e adorado por tantas pessoas.

��� Voc�� conhece um livro chamado O Imperador, Karla? ��� per-

guntou Jeremy e deu um suspiro. Sabia muito bem que Karla ja-

mais pegava num livro. ��� Est�� em primeiro lugar em todas as listas

de b est-sellers. O Presidente est�� tentando conseguir Marlon Brando

ou Anthony Quinn para fazer o papel de Imperador.

��� E da��?

226

��� Querem que voc�� fa��a o papel de Imperatriz.

��� Acha que �� um papel �� altura de Karla?

��� Maravilhoso.

��� E o dinheiro?

��� Muito pouco.

Ela parou de comer.

��� Pensei que ��amos receber no m��nimo um milh��o.

Foi ent��o que na cozinha profusamente iluminada ele explicou

os fatos, dizendo que os ��ltimos filmes dela tinham tido p��ssimas

bilheterias. Mas a lenda criada em torno dela era t��o forte que s��

os maiorais da ind��stria sabiam disso. Ela receberia cem mil d��lares

pelo filme e depois, quando todas as despesas estivessem cobertas,

2 1/2% dos lucros, o que s�� poderia significar alguma coisa se o fil-

me tivesse uma receita bruta de mais de dez milh��es de d��lares.

Ela nada disse. E Jeremy murmurou:

��� N��o temos outro recurso.

��� N��o! Se eu aceitar t��o pouco dinheiro, todo o mundo saber��

que eu deca��. Mas, se eu me afastar, ningu��m ficar�� sabendo.

��� Mas voc�� tem apenas quarenta e dois a n o s . . . e est�� no ��pice

de sua carreira.

��� Ora, s�� me afastarei por um ano. Depois disso, eles vir��o im-

plorar-me, voc�� vai ver. E cada proposta ser�� maior do que a outra.

Jeremy olhou para ela. Era uma boa m a n o b r a . . . mas poderia ela

manter-se financeiramente?

��� Voc�� s�� tem duzentos e cinq��enta mil d��lares ��� disse ele.

��� Empregue isso em t��tulos a 6%. N��o tocarei nesse dinheiro.

��� E de que �� que voc�� vai viver?

Karla atravessou a cozinha e olhou pela janela para o muro de

pedra que mandara construir em torno da casa.

��� A noite est�� um pouco chuvosa ��� disse ela. ��� Mas acho que

vou dar um passeio.

Vestiu um casaco e saiu.

Jeremy estava na sala ouvindo o notici��rio da televis��o quando

ela voltou. Ele desligou o aparelho.

��� J�� chegou a uma decis��o?

��� Cheguei, sim. J�� ouviu falar numa mulher chamada Blinky

Giles?

��� �� uma milion��ria do Texas, n��o ��?

��� Sim. E �� tamb��m uma grande l��sbica. H�� um ano que ela vem

espalhando que seria capaz de jogar cem mil d��lares aos meus p��s

227

se eu a deixasse passar um noite comigo. Vou falar com Sonya Ki-

nella, que organiza umas reuni��es de domingo freq��entadas por

todo o pessoal homossexual. Vou dizer a Sonya que consentirei em

que Blinky venha passar este fim-de-semana comigo.

Blinky Giles... a l��sbica gorda e de respira����o dif��cil. Mas en-

trara na casa e lhe jogara o dinheiro aos p��s. Cem mil d��lares livres

de impostos. Tinha sido incr��vel. Pensam em tudo naquele memen-

to, ali sentada ao lado de Jeremy. E, depois de Blinky, tinha sido a

Condessa...

�� medida que o seu afastamento se estendeu, a lenda cresceu. E

as propostas cresceram tamb��m at�� que um dia, tr��s anos depois do

seu afastamento, Jeremy apareceu-lhe com um contrato.. . um mi-

lh��o de d��lares por um filme com 10% da receita bruta.

Com espanto para ele, Karla recusou. Confessou francamente que

estava com medo de voltar para o cinema. Conhecera pouco antes

Dee Milford Granger, a mulher que tinha "a sexta fortuna do mun-

do". Dee amava Karla, a lenda. Que aconteceria se o seu filme fosse

um insucesso? A lenda ficaria em peda��os! Por que se ia arriscar

a isso, voltando ao cinema? Se continuasse a ser uma lenda, haveria

sempre mulheres como Dee que lhe ofereceriam o que ela quisesse

para estar com ela. Naqueles ��ltimos tr��s anos, ela conseguira eco-

nomizar quase meio milh��o de d��lares sem trabalhar. Dee tinha

avi��o, iate e um marido homossexual que pouco se importava com

o que ela fizesse. Dee n��o era t��o generosa quanto as outras. Tinha

aquela atitude de querer que os outros provassem que n��o era pelo

dinheiro que se interessava por ela, t��o comum nas pessoas ricas.

Mas, pelo menos, Dee era bela e representava seguran��a. Por isso,

recusou a proposta de um milh��o de d��lares e as que se lhe segui-

ram. O fato era que ela se sentia segura no conhecimento de que

dominava Dee e poderia t��-la enquanto quisesse e como quisesse.

Tudo tinha corrido como ela planejara.. . at�� que o marido inver-

tido de Dee morrera durante uma corrida de autom��veis, o que

for��ou Dee a levar David para acompanh��-las.

D a v i d . . . Ela tinha pensado que j�� estava muito velha para tudo

isso. Mas David tinha cabelos louros e olhos castanhos e era t��o jo-

vem como Greg��rio... enquanto ela era t��o velha. Mas uma mu-

lher nunca envelhece. Apenas os anos se v��o acumulando sobre ela.

Mas, no seu ��ntimo, tem sempre dezoito anos e ela se sentia jovem,

estouvada e feliz quando estava com David.

O carro se aproximava de Park Lane. Jeremy falava sobre a ��l-

tima proposta. Ainda apareciam, n��o mais de um milh��o de d��lares,

228

mas de bom dinheiro para um papel de estrela num filme em minia-

tura. A ��ltima era de meio milh��o, com duas semanas de trabalho e

mil d��lares por dia para as despesas. Ela sorriu ao sacudir a cabe��a.

Para que se dar a esse trabalho? Que estava ela tentando provar?

Nunca de fato acreditara em si mesma como atriz... Nunca nem

mesmo acreditara em si como uma dan��arina. S�� fizera isso para

agradar �� Irm�� Th��r��se. Talvez fosse por isso que ela continuava a

fazer os exerc��cios de bal��. Julgava que assim estava de certo modo

pagando uma d��vida. N��o era religiosa e nunca ia �� missa. Mas todas

as noites se ajoelhava e dizia uma prece em polon��s que aprendera

desde quando tinha come��ado a falar. E muitas vezes, na escurid��o,

sentia a presen��a de Deus... Escondia ent��o a cabe��a no traves-

seiro e dizia a Ele que estava fazendo tudo o que lhe era poss��vel.

Entrou no Hotel Dorchester escondendo o rosto na capa de peles

preta que Dee lhe havia dado. Sabia que o seu futuro estava com

Dee e que o caso com David j�� havia passado da conta. Estava na

hora de deixar aquilo, de resolver alguns neg��cios e de agradecer a

Deus a exist��ncia de Jeremy.

Mas naquela noite, muito depois de Jeremy ter sa��do, ficou ��

janela olhando para o Hyde Park. Sabia que Jeremy tinha notado

o seu rosto sem rugas. Quando ela havia sa��do de Nova York para

fazer a opera����o pl��stica no rosto, tinha rezado para que David

ficasse �� sua espera. Pela primeira vez, tinha sabido que n��o era

realmente l��sbica. Nos bra��os de David, sentia-se segura e feliz.

Cada vez que estavam juntos, achava mais dif��cil depois estar com.

Dee. Um corpo macio de mulher depois do corpo forte de David

j�� lhe estava come��ando a parecer repulsivo. E quando se ajoelhou

para fazer sua prece, pediu tamb��m que David estivesse de novo

a esper��-la...

229





Q U A T O R Z E


January estava sentada no gabinete de Linda e tomava caf�� mor-

no de uma garrafa t��rmica de pl��stico. Linda estava de mau humor.

Era uma coisa que sempre lhe acontecia ��s segundas-feiras. Mas

uma segunda-feira chuvosa de fevereiro era, como ela dizia, "uma

calamidade de pai e m��e". January estava alegre a despeito do

tempo. Afinal de contas, fevereiro tinha apenas vinte e oito dias. E

j�� no dia 21 de mar��o come��ava oficialmente a primavera. Desse

modo, quando se dobrava o m��s de fevereiro, o inverno estava pra-

ticamente acabado.

Sempre detestara o inverno. O inverno significava a escola. O ve-

r��o e os feriados significavam Mike. Mas agora os feriados signifi-

cavam Palm Beach. Tinha ido para l�� na v��spera de Natal e ficara

at�� o Ano Novo. Mas, antes de Palm Beach, tinha h a v i d o . . .

A SEMANA DE NATAL EM NOVA YORK!

Azevinho e falsas ��rvores de Natal no escrit��rio, embora todo o

mundo estivesse trabalhando no Jayout do n��mero de abril.

A s��bita mudan��a em todos os empregados no edif��cio de aparta-

mentos. O porteiro sempre corria para abrir a porta. O ascensorista

adquirira uma per��cia nova em nivelar a porta do elevador com o

piso do andar. Quinze nomes de empregados at�� ent��o desconheci-

dos tinham aparecido numa "lista de Natal" que ela encontrara

debaixo da porta.

Chapinhar nas ruas sob a chuva. Em todas as esquinas, havia gen-

te com pesados sacos de compras, fazendo inutilmente sinal para

os t��xis que passavam. Homens tristes vestidos de Papai Noel a do-

brar os bra��os com um reflexo nervoso para tocar os seus sinos. " F e -

liz Natal. Ajudem os necessitados".

Lutando passo a passo para avan��ar na loja de departamentos

de Saks ��� uma casa de loucos repleta de decora����es prateadas. Um

cachecol de casimira para David. Uma subida apertada at�� o ter-

230

ceiro andar para comprar uma bolsa Pucci, para Linda, que pron-

tamente a devolveu. ("Quantas vezes quer que lhe diga, January?

O que est�� na moda �� Gucci e n��o Pucci!")

Para Mike, tinha sido f��cil. Duas d��zias de bolas de golfe com o

nome dele gravado. Mas D e e . . . Que podia ela comprar para Dee?

(Foi antes que ela soubesse que os flocos de neve de cristal da ��r-

vore de Natal de Dee eram comprados em Steuben). N��o era pos-

s��vel comprar perfume para Dee, que tinha um arm��rio cheio em

Palm Beach e no Pierre. Com toda certeza, em Marbella tamb��m. A

vendedora do Bonwit's sugeriu um presente "engra��ado" como bo-

tas de flanela vermelha. Decidiu-se finalmente por alguns len��os de

linho importados de uma loja da Avenida Madison. Dee podia sem-

pre d��-los de presente a outra pessoa.

NATAL EM PALM BEACH!

A ��rvore de Natal de quatro metros de altura! Enorme e cintilante

com suas bolas de prata e seus flocos de cristal. Um gigante deslo-

cado numa sala de paredes de vidro sobre a piscina. Estava ali como

uma sentinela zangada, desorientada e desenraizada, protestando

no seu frio sil��ncio prateado contra a atmosfera tropical.

E ali estava Mike, queimado de sol e belo; Dee branca e bela.

F e s t a s . . . gam��o.. . fofocas. Uma extens��o de dez dias do feriado

do Dia de Gra��as. Ia ao prado com Mike e sentia vontade de chorar

diante da indiferen��a com que ele se encaminhava para o guich�� das

pules de dez d��lares para apostar. Ainda se lembrava do tempo

cm que ele pegava o telefone e apostava cinco mil d��lares num s��

p��reo. Ela se lembrava e sabia que ele se lembrava tamb��m.

Depois da primeira festa, todas as outras pareciam uma repeti����o.

Houve ent��o a festa de surpresa que Dee deu no seu vig��simo pri-

meiro anivers��rio. Cinco mil d��lares gastos no arranjo floral. O sa-

l��o para as dan��as foi armado sobre a piscina de dimens��es ol��mpi-

cas. Duas orquestras ��� uma na casa, outra ao ar livre. David com-

parecera para comemorar. Dan��aram juntos, enquanto a orquestra

tocava "Jovens Namorados" para Dee. Os convidados eram as mes-

mas pessoas que ela tinha visto durante a semana. Havia algumas

caras novas. Ningu��m deixou de levar "uma pequena lembran��a",

sobra dos estoques de Natal. (January estava agora abastecida de

len��os de seda pelo resto da vida). Algumas mulheres chegavam le-

vando filhas de queixo comprido ou filhos insoci��veis. E os fot��-

grafos onipresentes a baterem flagrantes das mesmas pessoas das

festas anteriores... e que seriam as mesmas das festas futuras...

231

DEPOIS DO NATAL EM NOVA YORK!

A primeira barata na pia. Sem d��vida, estava morta. E as irm��s

dela? N��o podia ser uma barata solteira e isolada.

Um telefonema nervoso para Linda.

��� Calma, January. N��o h�� um lugar em Nova York onde n��o

haja baratas. Chame o encarregado, d��-lhe um bom presente de

Natal e pe��a-lhe que consiga o dedetizador.

O encarregado agradeceu os vinte d��lares, mas explicou que o de-

detizador tinha ido passar o Natal e o Ano Novo em Porto Rico e

s�� chegaria da�� a dez dias.

David saiu v��rias vezes com ela. Uniam-se sempre a outro casal

ou a um grupo no Raffles ou em Le Club, onde a m��sica era t��o

alta que impedia qualquer conversa����o prolongada, de modo que

todo o mundo dan��ava, sorria e fazia acenos de cumprimento a quem

estava do outro lado do sal��o.

Uma noite, ele a levou para casa e despachou o t��xi. Por um mo-

mento, os dois ficaram parados diante do edif��cio. Depois de um

sil��ncio constrangido, David disse:

��� N��o me vai convidar para ver a planta que eu lhe dei?

��� Oh, a planta vai muito bem! Aconselharam-me a pod��-la na

primavera.

O h��lito dela fumegava no ar frio. Houve outro sil��ncio desagra-

d��vel. January disse ent��o:

��� Ou��a, David, eu gosto de voc��. Gosto mesmo. Mas o que acon-

teceu entre n��s naquela noite foi um erro. Contudo, como dizem

nos filmes, podemos ser amigos.

Ele sorriu.

��� N��o vou violent��-la. Gosto tamb��m de voc��. O que sinto por

voc�� �� at�� um pouco mais do que gostar. E u . . . eu no momento es-

tou enregelado e n��s n��o tivemos uma chance de conversar durante

toda a noite.

January n��o sabia por que aquela noite era diferente das outras.

��� Est�� bem. Mas o apartamento �� apenas uma sala grande.

Mais uma vez, houve um sil��ncio constrangido entre eles enquan-

to subiam o elevador. January compreendeu de repente que nada

tinham para dizer um ao outro. Absolutamente nada. E, por algum

motivo absurdo, ela se sentiu desorientada e come��ou a falar nervo-

samente enquanto abria a porta.

��� Est�� tudo desarrumado. N��o repare. Linda e eu temos uma

arrumadeira que tem uma violenta vida amorosa. Quase sempre,

chega aqui chorosa e com um olho roxo. Isso s�� acontece quando as

232

coisas v��o bem. Quando n��o v��o, ela nem aparece. Linda acha que

nessas ocasi��es o homem desaparece e ela fica em casa bebendo e

�� espera dele. ��� January sabia que ele pouco se interessava pela ar-

rumadeira. ��� B e m . . . �� isso. L�� est�� sua planta. Cresceu cinco cen-

t��metros e tem tr��s galhos novos.

��� Por que n��o se livra dela? ��� perguntou David, rigidamente

plantado no centro da sala.

��� Livrar-me de qu��?

��� Da arrumadeira ��� disse David, tirando o sobretudo e o cache-

col que ela lhe havia dado.

��� Ora, Linda sempre tem simpatia por quem sai perdendo no

jogo do amor. E eu sinto simpatia por quem �� capaz de sobreviver

a tantos olhos roxos.

Sentou-se no sof��. E l e se sentou na poltrona ao lado, com os olhos

voltados para o ch��o e as m��os juntas entre os joelhos.

��� J a n u a r y . . . quero lhe falar s o b r e . . . ��� Olhou para cima. ��� ��

preciso mesmo ligar isso?

��� Est�� falando em meu abajur?

��� Sinto-me como se estivesse num boliche com todas essas luzes.

Ela se levantou e apagou o abajur.

��� Quer um pouco de vinho? Ou prefere uma coca? �� s�� o que eu

tenho.

��� Sente-se, January. N��o quero coisa alguma. Quero �� conversar

com voc�� a nosso respeito.

��� Est�� bem, David ��� disse ela, sentando-se e esperando.

��� Voc�� deve estar estranhando o que acontece c o m i g o . . . e en-

tre n �� s . . . A verdade �� que tenho tido alguns problemas pessoais

e . . .

��� David, ��� disse ela, sorrindo, ��� j�� lhe disse antes que somos

apenas amigos. N��o me deve qualquer explica����o.

Ele se levantou e pescou um cigarro dentro do bolso. Voltou-se

ent��o e falou veemente com ela.

��� N��o somos amigos. N��o �� amizade que tenho por voc��. �� amor.

Fui sincero em tudo o que disse naquela noite. Vamo-nos casar, mas

n��o j��. Tenho ainda uma coisa que resolver.. . em mat��ria de ne-

g��cios. Gostaria de que n��o mencionasse isso a Dee. Ela fica preo-

cupada quando sabe que eu tenho problemas com meu trabalho. ���

Tentou sorrir. ��� Tenta zelar maternalmente por mim. Fico-lhe muito

grato por isso, mas acho que ela devia mais gozar a vida com seu

pai. Ele �� realmente muito boa pra��a e eu sou capaz de resolver

meus problemas. Portanto, confie em mim, January. Confie em mim

233

e tenha paci��ncia. Vamos acabar casados! Quer lembrar-se disso

ainda que eu ��s vezes deixe de telefonar-lhe?

Ela olhou para ele e sacudiu a cabe��a.

��� Ih! Como voc�� �� insistente! Quantas vezes quer que lhe diga

que n��o pretendo casar-me com voc��? Mas, se isso lhe convier, po-

derei deixar Dee e meu pai presumirem que nos estamos vendo com

muita freq����ncia.

David perguntou ent��o, zangado:

��� Por que �� que acha que a opini��o deles me interessa?

��� Porque lhe interessa mesmo. E acontece que assim seria mais

f��cil para mim tamb��m. Enquanto nos encontramos s�� de vez em

quando e eles pensarem que estamos de namoro f i r m e . . . por que

n��o?

Ele se deixou cair na poltrona e olhou para o espa��o. Parecia um

gigantesco boneco de borracha que de repente estivesse perdendo

o ar por um furo. Podia quase ver-se o corpo murchando.

��� Tudo isso porque n��o nos conhecemos na ��poca certa ��� disse

ele com um suspiro. ��� Do contr��rio, tudo poderia correr muito bem

entre n��s. Sabe de uma coisa? Voc�� �� uma boa menina, January.

Muito bem. Vamos deixar que pensem que n��s nos estamos vendo

muito, se isso for bom para voc��. Quando voc�� crescer mais um pou-

co, creio que nos entenderemos muito bem. Voc�� vai ver!

Telefonou-lhe no fim da semana para dizer que ia �� Calif��rnia a

fim de participar da reuni��o de que lhe falara. January n��o tinha

muita certeza de que houvesse tal reuni��o na Calif��rnia. Sabia, po-

r��m, que Karla tinha chegado a Los Angeles da Europa, pela rota

polar. Os jornais tinham publicado as fotografias de costume dela,

com uma revista �� frente do rosto para evitar os fot��grafos. Um

dos colunistas dizia que ela fora fazer uma visita a Sonya Kinella,

figura da sociedade e poetisa milion��ria. As duas eram velhas amigas

desde os tempos em que Karla trabalhava no cinema.

Mas January n��o tinha tempo de pensar em David ou em Karla.

Thomas Colt devia chegar �� cidade no dia 5 de fevereiro a fim de

participar de uma grande festa de lan��amento que os seus editores

haviam preparado. Faltava menos de uma semana e, enquanto J a -

nuary tomava o caf�� morno na segunda-feira chuvosa de fevereiro,

Linda se mostrava furiosa com a impertin��ncia de uma tal Rita

Lewis, que n��o respondera a qualquer de seus telefonemas.

��� J�� liguei cinco vezes nestes ��ltimos tr��s dias ��� disse ela, des-

ligando o telefone. ��� Falei at�� com a secret��ria de Lawrence.

��� Quem �� Lawrence?

��� O editor. Disse a ela que Gloss n��o tinha recebido um convite

para a festa do St. R��gis e que eu queria saber se tinha sido esque-

234

cimento. Ela adotou uma voz de "secret��ria particular do Presiden-

t e " e me disse: "Muito bem, Srta. Riggs, a verdade �� que n��o se

trata de uma festa para a imprensa. Sem d��vida, alguns elementos

da imprensa estar��o presentes, mas �� mais para documentar a aco-

lhida de Nova York ao Sr. Colt. O Prefeito estar�� presente... e

muitas outras celebridades". Ela me deu a impress��o de que Gloss

n��o tinha classe bastante para comparecer e eu desliguei com a pro-

messa dela de dar meu recado a Rita.

��� Bem, ainda temos quatro dias ��� disse January com otimismo.

��� Talvez ela telefone.

Quatro dias passaram e nada. January estava na sala de Linda

tentando anim��-la.

��� Calma, Linda. Ele ainda vai passar algum tempo em Nova

York. Deve haver outro jeito de chegar a ele.

Linda deu um suspiro e olhou para a janela cinzenta.

��� Ainda est�� chovendo?

��� N��o. Est�� nevando ��� disse January.

��� ��timo! ��� exclamou Linda, satisfeita. ��� Espero que caia uma

nevasca. Ent��o, metade das pessoas n��o comparecer�� e a outra me-

tade estar�� encharcada e mal-humarada. Sinceramente, January,

todo o mundo que conheceu seu pai diz que ele era um homem di-

vino com quem se trabalhar... Todos o adoravam, exceto Tom

Colt!

��� Talvez os dois fossem da mesma for��a. Ou talvez Tom Colt

exagerasse o fato de ser Tom Colt. Veja, botei em campo o meu pri-

meiro time. Mandei-lhe uma carta em novembro. N��o lhe disse que

era filha de Mike, pois isso estragaria todas as nossas chances. Assi-

nei a carta apenas como " J . Wayne". Quinze dias depois, mandei

outra carta. N��o tendo resposta, telefonei para Jay Allen, agente de

publicidade dele em Los Angeles. Jay trabalhou durante algum tem-

po para meu pai e foi muito simp��tico, dando-me o endere��o par-

ticular de Tom Colt. Escrevi uma carta para esse endere��o. Nada!

Mandei ent��o um cart��o de Natal com a seguinte nota: "Espero

v��-lo quando vier a Nova York". Tr��s semanas depois, escrevi-lhe

uma carta derramada dizendo que tinha acabado de ler as provas

do livro e sabia que ele tinha escrito um grande sucesso. Escute,

L i n d a . . . vamos ser realistas. Tom Colt n��o compareceu �� entrega

dos Oscars do filme que meu pai fez do livro dele. O filme foi pre-

miado em cinco categorias. �� claro que Tom Colt n��o escreveu o

roteiro. Achava que isso estava abaixo dele. Para voc�� ver que esp��-

cie de esnobe ele ��. Mike me contou como todos lhe pediram que

comparecesse, mas ele se negou. Sabe por qu��? Porque disse que

era um escritor s��rio e n��o um artista de circo. Disse tamb��m que

235

nada tinha a ver com o grosseiro filme comercial que Hollywood fi-

zera de seu livro. Diante de tudo isso, por que sequer pensar que

ele nos daria uma entrevista?

��� Tudo o que voc�� diz �� verdade ��� disse Linda. ��� Mas quem

poderia pensar que ele concordaria em fazer uma excurs��o de pu-

blicidade? Isso �� um verdadeiro circo. Ele n��o sabe em que �� que

se est�� metendo. Quanto �� publicidade em revistas, ele nunca deve

ter pensado nisso em rela����o a um romance s��rio. Agora, tendo cer-

teza de que espera que Life fa��a uma reportagem sobre ele. E tam-

b��m Time e Newsweek. Mas Gloss? Talvez nem saiba de que se

trata e julgue que seja uma pasta de dentes. Mas n��o vou desistir,

nem que eu tenha de ser uma divis��o panzer. Fiz isso com o Dr.

Blowacek, da Iugosl��via. Persegui-o e na verdade alcancei-o antes

dos outros. Foi com essa reportagem que eu cheguei a ser promo-

vida a redatora-chefe. January, Gloss �� minha vida! Cres��o com a

revista! E tenho de conseguir Tom Colt para Gloss! ��� Estava com

uma express��o carrancuda. O sangue parecia ter-lhe fugido do rosto.

��� A reportagem do Dr. Blowacek me deu prest��gio aos olhos de

meu diretor. Desde ent��o, tenho publicado reportagens destinadas

a aumentar a circula����o e a publicidade. Est�� em tempo de publi-

car reportagens que d��em prest��gio a Gloss nos c��rculos da impren-

sa. Se eu conseguisse uma reportagem ou uma entrevista com Tom

Colt, isso faria de Gloss uma grande revista. �� por isso que n��o

posso conformar-me com uma recusa. �� claro que ele vai ficar al-

gum tempo em Nova York, mas Gloss tem de chegar a ele antes das

outras. Ir a esse coquetel nos ajudaria muito. Ele gosta de mulheres

bonitas. Foi por isso que Rita Lewis n��o me convidou. Ela n��o quer

que ele de qualquer entrevista a Gloss. Ela �� muito liter��ria. Prefe-

re um par��grafo no suplemento liter��rio do New York Times a

uma reportagem de capa em Gloss. Era por isso que eu queria ir ��

festa. Se pud��ssemos falar com ele, talvez o convenc��ssemos.

��� Vamos ent��o ��� disse January.

��� Como penetras?

��� Por que n��o?

��� N��o vai dar certo. �� uma festa muito importante e a fiscaliza-

����o na porta deve ser muito rigorosa.

��� N��o custa nada tentar. Vamo-nos vestir, alugar uma limusina

e . . .

��� Alugar uma limusina? Que id��ia mais louca, January!

��� �� o ��nico jeito. Com esse tempo, ser�� dif��cil encontrar um

t��xi. Todos v��o chegar molhados e desanimados, como voc�� previu.

Se temos de penetrar, deve ser com estilo.

Linda riu nervosamente.

236

��� Acha que uma limusina nos dar�� estilo suficiente?

��� Ernest Hemingway disse que estilo era gra��a sob press��o. E

chegar numa limusina �� certamente um passo no rumo certo.

A festa se realizava num pequeno sal��o de baile. A julgar pela

algazarra dos presentes, o mau tempo n��o havia afastado ningu��m.

Os convidados se espalhavam pelo corredor, formando pequenos

grupos barulhentos. Uma longa lista de convidados em ordem alfa-

b��tica estava esquecida numa mesa ao lado da porta. A id��ia de

chegar tarde tinha dado certo. Depois que as pessoas importantes

tinham chegado, os encarregados da porta tinham entrado para mis-

turarem-se com as celebridades e conseguir drinques de gra��a.

As duas se dirigiram para o sal��o. January reconheceu v��rios es-

critores, alguns jornalistas, v��rios artistas de renome da Broadway,

algumas figuras de Hollywood e os habituais e inveterados freq��en-

tadores de festas.

Havia um bar no fundo do sal��o. Avistaram imediatamente Tom

Colt. Era muito mais simp��tico do que parecia na fotografia da capa

de seus livros. Tinha rosto forte, cabelos, pretos, fei����es de pugilis-

ta. Era um homem que parecia ter vivido atrav��s da maior parte

da a����o e da viol��ncia que descrevia em seus livros.

��� Ele me amedronta ��� sussurrou January. ��� V�� falar com ele,

se quiser. Vou ficar de fora, observando.

��� Ele �� maravilhoso ��� murmurou Linda.

��� Sem d��vida, mas uma cascavel tamb��m �� quando se olha para

ela dentro de uma caixa de vidro. Linda, voc�� n��o pode falar em

Gloss a um homem assim.

��� Pois vou falar e voc�� vai comigo. Vamos!

Agarrou January pelo bra��o e arrastou-a para o bar por entre a

multid��o.

Tom Colt estava cercado por um grupo de admiradores que pare-

cia estar avan��ando para ele. Mas Colt estava erecto, com uma

garrafa de Jack Daniels diante dele, a servir-se dela. Tomou um

comprido gole olhando para um homem baixo e gordo que escreve-

ra um best-seller cinco anos antes. Nada mais tinha escrito depois

disso, mas estava vivendo de fazer confer��ncias e freq��entar reuni��es

de celebridades. Tornara-se tamb��m um b��bado. De repente, en-

costou a m��o gorda no bra��o de Tom Colt.

��� J�� li tudo o que saiu de sua pena ��� afirmou ele em voz esga-

ni��ada. Deu um estalo com os l��bios em ��xtase e rolou os olhos

para o c��u. ��� Adoro a sua obra. Mas tenha cuidado em n��o ser co-

lhido na enxurrada da televis��o, que fez de mim um escritor pros-

titu��do.

237

Tom Colt afastou o bra��o e olhou para o grupo que o cercava,

com os olhos cheios de evidente raiva. De repente, deu com Ja-

nuary e Linda.

��� Com licen��a, ��� disse ele ao escritor gordo, ��� mas minhas duas

primas de Iowa acabaram de chegar. E fizeram a viagem toda de

��nibus. ��� Aproximou-se das duas mo��as at��nitas e tomou-lhes os

bra��os. ��� Gra��as a Deus por voc��s duas, sejam l�� quem f o r e m . . .

Estou atracado ��quele chato j�� h�� vinte minutos e ningu��m veio

em meu socorro, pensando que eu me estava divertindo.

Linda o olhava completamente paralisada. January achava-o do-

minador e irresist��vel. Conseguiu desvencilhar um pouco o bra��o

e disse:

��� �� um prazer poder ajud��-lo e . . .

Linda recuperou de repente a vida e exclamou:

��� E agora chegou a sua vez de ajudar-nos.

Ele apertou os olhos.

��� Parece que, apesar de tudo, eu devia ter ficado no bar.

��� Sou Linda Riggs, redatora-chefe da revista Gloss, e esta �� J a -

nuary Wayne, redatora e minha assistente. Ela lhe escreveu v��rias

cartas para pedir-lhe uma entrevista.

��� N��o diga! ��� exclamou ele, olhando para January. ��� �� voc�� J.

Wayne, que me escreveu as cartas e o cart��o de Natal?

Ela fez um sinal afirmativo e, por alguma estranha raz��o, ficou ver-

melha. Ele riu, achando muita gra��a em tudo aquilo.

��� �� ent��o voc�� J. Wayne? E eu sempre pensei que as cartas fos-

sem de alguma bicha. Bem, muito prazer em conhec��-la, J. Wayne.

E maior prazer ainda de saber que voc�� n��o �� b i c h a . . . Quanto ��

entrevista, infelizmente n��o. Meu editor j�� marcou tantas que n��o

me sobra tempo para mais nenhuma. Mas escute, m e n i n a . . . Por

que se assinou J. Wayne? Ao menos, eu poderia ter respondido se

soubesse que se tratava de uma mo��a.

��� Bem, meu verdadeiro nome, January Wayne, n��o lhe teria dado

tamb��m qualquer indica����o a respeito de meu sexo.

��� De fato.. . �� um nome estranho. Espere a �� . . . ��� disse ele, es-

tendendo para ela um dedo acusador. ��� Voc�� �� por acaso filha da-

quele filho da m��e que se chama Mike Wayne?

January come��ou a afastar-se dele, mas Tom Colt a agarrou pelo

bra��o.

��� Escute, ele estragou um dos meus melhores livros!

��� Tome cuidado com o que diz quando falar de meu pai, ouviu?

Sabe quantos pr��mios da Academia ele recebeu por aquele filme?

��� January . . . ��� murmurou Linda com voz suplicante.

238

��� Deixe-a gastar a raiva ��� disse Tom Colt, rindo. ��� Tenho um

filho de seis meses. Um dia, quando algu��m puser a perder um livro

de seu velho, quem entrar�� em a����o ser�� ele. ��� Sorriu e estendeu

a m��o. ��� Pazes?

January olhou para ele e apertou-lhe a m��o. Ele passou os bra��os

pelos delas.

��� Muito bem! Agora que somos todos amigos, podemos os tr��s

dar o fora daqui. Onde podemos ir para alguns drinques tranq��ilos?

��� Elaine's ��� disse Linda. ��� �� muito freq��entado pelos escrito-

res e . . .

��� Sim, j�� me falaram nesse bar, mas hoje n��o quero ir por l��.

O chato gorducho me disse que ia para o bar de Elaine's. Vamos

para o Toots!

��� Para onde?

��� Toots Shor'. �� o ��nico lugar para onde se pode ir quando se

quer beber.

Levando-as pelo bra��o, encaminhou-se para a porta. Uma mo��a

de longos cabelos ca��dos sobre os ombros correu para ele com ar

aflito.

��� Para onde vai, Sr. Colt?

��� Para longe daqui.

��� Mas n��o pode sair. Ronnie Wolfe ainda n��o chegou e . . .

��� Calma, menina da imprensa ��� disse ele, passando a m��o pela

cabe��a dela. ��� Seu trabalho foi ��timo. A bebida est�� rolando. J��

estou aqui h�� duas horas e falei com todo o mundo que voc�� botou

�� minha frente. O compromisso que eu assumi foi comparecer a

uma recep����o �� imprensa. Ningu��m me disse o tempo que eu teria

de ficar. Outra coisa: conhece minhas primas de Lowa?

��� Conhe��o Rita Lewis ��� disse Linda, sem poder dissimular o

seu prazer. ��� Nunca fomos apresentadas, mas ela deve ter encon-

trado na mesa nesta semana v��rios dos meus recados telef��nicos.

��� Falei com minha secret��ria para mandar-lhe os convites ��� disse

Rita Lewis sem perder a linha. ��� Estou vendo que os recebeu.

��� Nada disso. Penetramos ��� disse January, sorridente.

��� Mas voc�� ter�� uma compensa����o ��� disse Linda. ��� Queremos

apenas uma boa entrevista com o Sr. Colt. Fique descansada que

o retrato dele sair�� na capa.

��� Nada feito! ��� exclamou Rita Lewis. ��� O Sr. Colt est�� com

entrevistas marcadas para toda a semana que vem. Todas as grandes

revistas e mais a AP e a U P I . . .

��� Mas nossa entrevista seria diferente ��� disse Linda.

239

��� Claro ��� acrescentou January. ��� Estar��amos presentes a algu-

mas das entrevistas dele. Ficar��amos em segundo plano e poder��a-

mos at�� acompanh��-lo quando ele fosse fazer confer��ncias em ou-

tras cidades.

��� "Nem pense nisso! N��o quero que Gloss publique nada sobre

ele. ��� Olhou para Linda. ��� E n��o adianta aborrec��-lo pelo telefone.

Tom Colt olhava para uma e para a outra durante a troca de

palavras como se estivesse assistindo a um jogo de t��nis. Nesse mo-

mento, exclamou:

��� Espere um pouco, menina! Voc�� acha que �� por acaso um ge-

neral nazista? Pode proibir algu��m de telefonar para mim?

��� Claro que n��o, Sr. Colt! N��o foi isso que eu quis dizer. Mas

sei como Linda Riggs pode ser persistente. E tenho certeza de que

treinou January muito b e m . . . O que acontece �� que estamos com

o tempo tomado e Gloss est�� fora de nossos planos. N��o me interes-

sa o que fizer na sua vida particular com qualquer d e l a s . . . mas

n��o poder�� dar entrevistas. Assumi compromissos que poderiam ser

prejudicados se fizesse uma coisa dessas.

Os olhos dele se tornaram cru��is quando ele encarou a agente de

publicidade.

��� Escute, menina. Vamos deixar uma coisa bem clara de sa��da.

Pode marcar encontros e entrevistas para m i m . . . Como um ca-

chorrinho bem ensinado, farei tudo o que voc�� quiser, pois h�� um

contrato nesse sentido e eu sempre cumpro minha palavra. Mas n��o

pense nem por sonho em me dizer o que eu n��o devo fazer! ��� Pas-

sou o bra��o protetoramente pelos ombros de January. ��� Conhe��o

esta mo��a aqui desde que era menina. O pai dela j�� foi unha e carne

comigo, ainda que tivesse feito um filme horr��vel de um de meus

livros. Quem �� voc�� para me dizer que eu n��o posso dar uma en-

trevista para a revista dela?

Rita Lewis olhou suplicantemente para Linda.

��� Est�� bem. Mas fa��a uma entrevista pequena, L i n d a . . . N��o

entre em detalhes muito ��ntimos. Do contr��rio, perderei McCall' e

Esquire. . . E nada de segui-lo.

��� Elas podem seguir-me para onde bem quiserem! ��� exclamou

Colt. ��� Por enquanto, elas v��o comigo beber um pouco.

Tomou ent��o cada uma das mo��as pelo bra��o e saiu com elas do

sal��o.

January abriu lentamente os olhos. Tinha adormecido na poltro-

na. Por que n��o tinha armado a cama? Por que estava dormindo

toda vestida? Levantou-se, mas viu o ch��o inclinar-se loucamente.

240

Jogou-se de novo na poltrona. Eram sete horas da manh��! Dormira

apenas duas horas.

Levantou-se e tentou tirar as roupas. Teve de apoiar-se v��rias ve-

zes na poltrona. Conseguiu armar a cama. Correu ent��o para o ba-

nheiro e vomitou. Voltou e caiu atravessada na cama. Os aconteci-

mentos da noite flutuaram-lhe na mem��ria. A repentina mudan��a

de opini��o de Tom Colt a respeito do pai dela. A partida dos tr��s

do St. R��gis enquanto a furiosa Rita Lewis os olhava sem nada poder

fazer. O espanto dele ao ver que elas estavam com uma limusina. Riu

muito e disse que era a primeira vez que tinha sabido de penetras

que chegavam a uma festa numa limusina. Depois, a entrada no

Toots Shor's.. . Toots abra��ando-o e sentando-se com eles na mesa

da frente. Mas ningu��m falou em comida. Foi Jack Daniels o tem-

po todo. Quando Tom Colt declarou que pessoa alguma podia ser

amiga dele sem beber Jack Daniels, ela e Linda hesitaram uma fra-

����o de segundo antes de afirmar que adoravam bourbon.

Ela tivera muita dificuldade em tomar o primeiro drinque, mas o

segundo foi muito mais f��cil. E o terceiro lhe produziu uma estra-

nha leveza na cabe��a, e um senso maravilhoso de boa vontade. E

quando Tom Colt as beijou no rosto e disse que elas pareciam Cho-

colate e Baunilha (January ainda conservava um resto da pele quei-

mada de Palm Beach e Linda tinha feito mechas no cabelo naquele

m��s), January achou que eles formavam um trio divertid��ssimo.

Muita gente passava pela mesa, para conversar e dar palmadinhas

nas costas, inclusive jornalistas esportivos que conheciam Mike. Tom

nunca deixava um copo vazio. �� meia-noite, insistiu para que fos-

sem tomar um drinque de despedida no " 2 1 " . Fecharam o " 2 1 " e

foram para o P. J. Clark. ��s quatro horas da madrugada, sa��ram aos

trope����es do P. J. ��� disso ela se lembrava. Lembrava-se tamb��m de

ter entrado no edif��cio com Linda, trocando os p��s e rindo.. . Mas

tudo o que fora feito ou dito depois do P. J. estava envolto numa

n��voa.

Foi cambaleando at�� ao banheiro e tomou uma aspirina, voltou

ent��o para a cama. Quando fechou os olhos, o quarto come��ou a

rodar. Abriu os olhos e tentou fixar a aten����o num objeto estacion��-

rio, o abajur. Devia ter adormecido, porque se viu de repente no

meio de um sonho. Sabia que estava dormindo. Estava suficiente-

mente acordada para compreender que se tratava de um sonho, mas

com tanto sono que podia deixar o sonho desenvolver-se �� vontade.

Um homem se estava deitando sobre ela e ia possu��-la. Entraria nela

a qualquer momento, mas ela n��o sentia p��nico. Queria isso, embo-

ra o rosto do homem fosse indistinto. Olhou mais atentamente...

e viu que era Mike. Mas ent��o quando os l��bios do homem a toca-

ram ela viu que era Tom Colt. S�� que os olhos n��o eram pretos

241

como os de T o m . . . mas azuis. N��o azuis como os de M i k e . . . de

um tom de ��gua-marinha. Estendeu a m��o para o homem e . . . en-

t��o acordou. Continuou reclinada contra os travesseiros, tentando

determinar se o rosto era de Mike ou de Tom, mas s�� se podia lem-

brar era da cor daqueles espantosos olhos.

Procurou dormir de novo em busca daqueles olhos. Mas foi um

sono leve e sem sonhos logo dissolvido pelo telefone. Era Linda.

��� J�� se levantou, January?

A parte posterior da cabe��a latejava fortemente, mas o est��mago

tinha melhorado.

��� Que horas s��o? ��� perguntou ela, com receio de qualquer mo-

vimento mais forte.

��� Onze horas e estou com uma ressaca-m��e.

��� Ressaca �� assim? ��� perguntou January. ��� Pensei que estivesse

morrendo.

��� Tome um pouco de leite.

��� Oh, meu Deus! ��� gemeu January, sentindo um acesso de

n��usea.

��� Escute, coma um peda��o de p��o e tome um pouco de leite.

Agora mesmo! Isso absorver�� qualquer bebida que ainda houver. V��

fazer isso e depois me telefone. Temos de fazer os nossos planos.

��� Que planos?

��� Para sair com Tom Colt.

��� O h . . . Temos mesmo de fazer isso?

��� Ontem mesmo voc�� me disse que o adorava.

��� Deve ter sido depois que conheci aquele amigo dele, Jack

Daniels.

��� Bem, n��o vamos fazer isso esta noite ��� disse Linda.

��� Fazer o qu��?

��� Beber quando sairmos com ele. Temos de fazer p�� firme. Va-

mos apenas bebericar scotch. Ele pode beber o que quiser. Mas,

para fazermos a entrevista, temos de estar em nosso ju��zo perfeito.

�� claro que n��o vamos dizer isso a ele, mas nada de querer acom-

panh��-lo, copo a copo.

��� Foi o que n��s fizemos?

��� Pelo menos, foi o que tentamos.

��� L i n d a . . . vou vomitar.

��� Coma o p��o. Vou vestir alguma coisa e descer para seu apar-

tamento para planejarmos a nossa estrat��gia.

January conseguiu beber meio copo de leite e ficou vendo Linda

fazer o caf��. Linda sentou-se afinal na poltrona e sorriu, toda feliz.

242

��� Agora, levante-se e crie coragem.. . Est�� na hora de voc�� te-

lefonar para Tom Colt.

��� Por que eu?

��� Porque, embora eu pretenda dormir com aquele homem esta

noite, tenho a impress��o de que hoje de manh�� ele nem se lembra

mais de meu nome. Mas de seu nome ele se lembrar��. Tem de ser

assim depois daquele amor todo que ele de repente descobriu por

seu pai.

��� Eu ainda acho que ele n��o estava exatamente entusiasmado por

Mike. Sentia-se era furioso com Rita Lewis, que lhe estava dando

ordens.

Linda tomou o caf�� e acendeu um cigarro.

��� January, este caf�� �� horrivel. Voc�� tem de comprar caf�� de ver-

dade.

��� Ora, eu gosto desse.

��� Mas o seu homem talvez n��o goste.

��� Que homem?

��� Qualquer homem que passar a noite aqui. �� uma coisa de que

todos eles fazem quest��o na manh�� seguinte ��� um bom caf��.

��� Quer dizer que �� preciso tamb��m fazer caf�� para eles?

��� ��s vezes, ovos tamb��m. E, quando se acerta com um man��aco

da sa��de como Keith, �� preciso ainda arranjar mel de abelha, cereais,

vitamina E e outras coisas, conforme o lado para que soprar o ven-

to. . . Gra��as a Deus, ele est�� fora de minha vida!

��� Voc�� n��o pensa mais em Keith nem sente falta dele?

��� Nem um pouco! No dia da estr��ia de Caterpillar, quase que

mando um telegrama para ele. Mas calculei que era melhor n��o to-

mar conhecimento mesmo, desde que estava tudo acabado. Contu-

do, fico muito satisfeita de que a pe��a esteja fazendo sucesso, pois

a verdade �� que o pobre Keith est�� pagando um pesado tributo, ten-

do de dormir com Christina. Mas �� preciso um homem como Tom

Colt para fazer a gente ver que Keith n��o passa de um garoto.

��� Mas, L i n d a . . . Tom �� casado e tem um filho de seis meses.

��� Eu sei, mas a mulher e o filho dele est��o na Calif��rnia e eu

estou aqui. Al��m disso, n��o pretendo separ��-lo da mulher e do filho.

��� Por que ent��o o deseja?

��� Porque ele me agrada, �� bonito e eu quero ir para a cama com

ele. �� o que voc�� quer tamb��m. Pelo menos, foi isso que demonstrou

essa noite.

��� Demonstrei mesmo?

��� January, seu signo devia ser G��meos e n��o Capric��rnio. Na rea-

lidade, voc�� �� duas. Quer dizer, quando bebe, voc�� se torna real-

243

mente outra pessoa. Ontem �� noite, Tom beijou a n��s duas no P. J . ,

ora uma, ora outra. Beijos de verdade, enquanto me chamava de

Baunilha e a voc�� de Chocolate.

��� Ele nos beijou no P. J.?

��� Claro que beijou.

��� Beijos de verdade?

��� Bem, a l��ngua dele me chegou at�� a garganta. Com voc��, n��o

sei.

��� Oh, meu Deus!

��� E quando v��nhamos para casa?

��� Que foi que houve quando v��nhamos para casa?

��� Ele meteu a m��o por baixo do alto de seu vestido e disse: "Seios

em bot��o. Mas eu gosto deles".

January escondeu o rosto no travesseiro.

��� N��o posso acreditar nisso, Linda!

��� Mas �� verdade... Depois, beijou meus peitos e disse que pa-

reciam dois animais selvagens.

��� E o motorista?

��� Devia estar olhando pelo espelho, muito interessado. Mas, se-

gundo sei, os motoristas est��o habituados a tudo, at�� a estupro.

��� Linda.. . ��� murmurou January com voz muito fraca. ��� Agora,

pouco a pouco, estou-me lembrando de tudo. Quando ele meteu a

m��o por dentro de minha blusa, lembro-me de que isso me pareceu

a coisa mais natural do mundo, mas como foi que eu pude proceder

assim?

��� Ora, voc�� s��) procedeu assim porque afinal se est�� tornando

uma mulher normal.

��� E voc�� acha normal que um homem que conheci poucas horas

antes pegue nos meus seios diante de outra mulher?

��� Ora, deixe disso. Nunca pude gostar de amor al��m de duas

pessoas. Quando estou com um homem em cima de uma cama, vale

tudo. A presen��a de qualquer outra pessoa tira a gra��a para mim.

Mas ontem �� noite, n��o houve nada demais. Foi tudo brincadeira.

January se levantou da cama e atravessou a sala para pegar um

cigarro. Acendeu-o lentamente e, em seguida, voltou-se para Linda.

��� Est�� bem. Eu sei que estive longe de tudo isso e que as coisas

mudaram muito. Por exemplo, n��o �� preciso esperar o casamento

para gostar de algu��m e ir para a cama com ele. Sei que �� assim

que todo o mundo pensa. Mas n��o h�� regra alguma que me obri-

gue a pensar dessa maneira. Pensei que era alguma esp��cie de fe-

n��meno pelo fato de ser virgem. Convenci-me de que estava apai-

244

xonada por David. E foi horr��vel... Escute, Linda, quero gostar

de algu��m e como quero! Chego at�� a aceitar que o casamento n��o

�� necess��rio... Mas quando amar algu��m e o homem que eu amar

tocar em m i m . . . quero que isso seja uma coisa admir��vel entre

n��s e n��o apenas uma brincadeira!

��� January, quando as pessoas ficam altas ��� com bourbon, com

champanha ou com a erva ��� as coisas que fazem ou sentem s��o

em geral sinceras. A bebida dissolve as inibi����es. Se voc�� deixou

Tom Colt pegar voc�� e achou no momento que aquilo era muito

natural, ent��o voc�� queria mesmo que ele lhe pegasse nos seios.

��� N��o �� verdade! Admiro a obra e o dinamismo dele, mas ���

Santo Deus! ��� que pode ele pensar de n��s? Duas penetras, que de-

pois vieram com ele num carro e deixaram que ele fizesse essas coi-

s a s . . . Oh, Linda! Que �� que ele vai pensar de n��s?

��� Ora, deixe de torturar-se com o ju��zo que ele pode fazer de

n��s. Pense um pouco na quantidade de bourbons e nos seios em que

ele j�� pegou atrav��s da vida. Com toda a certeza, nem se lembra

dessas duas j��ias suas. Bem, j�� �� quase meio-dia. Telefone para ele.

��� N��o.

��� �� um favor que voc�� me faz, sim? Deixe que ele saia conosco

e, no meio da noite, diga que n��o est�� passando bem e venha para

casa. Mas, por favor, ligue o telefone para ele. Eu o quero. N��o h��

ningu��m por aqui que se compare a ele. ��s vezes, parece at�� chato.

Mas, quando olha para a gente e sorri, d�� mesmo �� vontade de

morrer.

��� Quer dizer que voc�� �� capaz de ir para a cama com Tom Colt

sabendo que n��o h�� nenhum futuro nisso? Sabendo que ele �� bem

casado e . . .

��� Escute aqui, January! Que �� que voc�� est�� querendo meter em

minha cabe��a? Pregar-me um rabo de culpa? Se Tom me agrada e

se eu lhe agrado, que mal faz passarmos algumas noites maravilho-

sas juntos? Quem �� que vai sofrer com isso? N��o vai haver vizinhos

que riam da pobre mulher que de nada suspeita quando ela for para

o quintal estender a roupa na corda. A mulher dele �� jovem e bo-

nita e est�� vivendo confortavelmente em Malibu com uma bab�� para

o filho e algumas pessoas famosas na vizinhan��a. Que �� que estou

tirando dela? Ela n��o est�� aqui, n��o �� mesmo? E a g o r a . . . vai te-

lefonar para ele?

��� N��o. E, ainda que ele n��o fosse casado, eu n��o telefonaria para

ele.

��� Por qu��?

January foi at�� a janela e levantou as venezianas.

��� Parece que vai nevar de novo.

245

��� Por que n��o telefonaria para ele, ainda que ele n��o fosse ca-

sado?

��� O r a . . . porque as mulheres n��o devem telefonar para os ho-

mens. Eles �� que t��m de telefonar para a gente.

��� Deus do c��u! �� uma coisa de n��o se acreditar! Voc�� parece

sair de um filme pr��-hist��rico de Priscilla Lane. Como os bailes das

noites de s��bado e os buqu��s com gard��nias. Hoje em dia, as mu-

lheres n��o t��m mais de ficar sentadas �� espera de que os homens

telefonem. Al��m disso, Tom n��o �� apenas um homem. �� um super-

astro e n��s temos de fazer uma entrevista com ele. ��� Linda pegou

o telefone e discou para o Plaza. ��� Eu sei que teremos de colocar

aquela horr��vel Sara Kurtz em contato com ele para que ela lhe apre-

enda o e s t i l o . . . A l �� . . . Quero falar com o Sr. Tom Colt, sim?

��� Por que Sara Kurtz? ��� perguntou January.

��� Porque essa �� a mat��ria mais importante que temos em vista

e Sara �� a nossa melhor redatora... Al��? Como? Oh, diga que �� a

Srta. January Wayne.

��� Linda!

��� Al��, Sr. Colt! N��o, n��o �� January. �� Linda Riggs quem est��

falando. Mas January est�� aqui ao meu l a d o . . . Sim, estamos b e m . . .

Bem, um p o u c o . . . Ah, sim, n��s ambas queremos v��-lo. Quem?

Hugh Robertson? Divino! Adorar��amos... ��timo. A��, ��s sete horas?

D��cimo andar? Estaremos a��. ��� Linda desligou, toda sorridente. ���

Hugh Robertson vai tomar uns drinques com ele hoje �� tarde. De-

pois, jantaremos todos juntos. Tom vai mandar a limusina dele bus-

car-nos.

��� Por que voc�� o chamou de Sr. Colt pelo telefone?

��� Para lhe dizer a verdade, fiquei amedrontada. Ele me pareceu

a princ��pio muito frio. Mas hoje �� noite, depois de dois drinques,

ser�� de novo o nosso Tom. E imagine ter ainda a presen��a de Hugh

Robertson! Eu gostaria de saber o que se sente quando se faz amor

com um astronauta.

��� Pois parece que voc�� vai ter uma boa chance ��� disse January.

��� Ele pelo menos �� divorciado.

��� Voc�� fica com H u g h . . . Eu quero Tom.

��� Por que est�� abrindo m��o de Hugh? �� sem d��vida alguma um

superastro. O retrato dele j�� saiu na capa de Time e de Newsweek.

��� Escute, January, n��o tenho mania de celebridades... Nunca

estive com um astro, quanto mais com um superastro. Keith come-

��ou a trabalhar em Caterpillar depois que nos separamos e ainda

n��o �� um astro. Nem come��ou ainda a ser mencionado nas not��cias.

Quando eu digo que quero Tom Colt �� porque o acho excepcional

como homem. Ele me interessaria ainda que fosse um empregado

246

do com��rcio desempregado. Ele �� sempre t��o forte, t��o senhor de

si mesmo... Ainda assim, de vez em quando passa por e l e uma

nuvem de delicadeza e melancolia. N��o notou isso?

��� N��o. Infelizmente, fui for��ada a travar uma batalha com Jack

Daniels e, depois disso, n��o tive olhos para mais nada. Mas vou

prestar aten����o esta noite.

��� Nada disso! Voc�� hoje vai prestar aten����o �� a Hugh Robertson,

ouviu? Eu �� que vou ficar com T o m . . . Imagine s��! Pode muito

bem ser que amanh�� a estas horas eu esteja tomando breakfast com

ele na cama, na suite do Plaza.

247





Q U I N Z E


Chegaram ao Plaza ��s sete e cinco, parecendo duas colegiais ner-

vosas. Quando atravessavam o vest��bulo, January parou de repente,

tolhida pelas recorda����es que o lugar lhe despertava. Linda puxou-a

para o elevador.

��� Vamos, January, que j�� estamos atrasadas.

��� Linda, n��o venho aqui d e s d e . . .

��� Deixe o passado para l��, January! Vamos viver o presente! Tom

Colt e Hugh Robertson, lembra-se?

Foi Hugh Robertson quem abriu a porta. January reconheceu-o

pelas fotografias que tinha visto dele. Robertson se apresentou e

convidou-as a entrar.

��� Tom est�� no quarto falando pelo telefone com o seu agente

em Munique sobre as vendas no estrangeiro. Fui encarregado de

preparar os drinques. N��o posso perguntar o que preferem porque

parece que s�� h�� Jack Daniels.

Linda aceitou um drinque, mas January agradeceu. Foi at�� a ja-

nela. Era incr��vel que Tom Colt estivesse naquela suite, a mesma

que Mike ocupara permanentemente durante tantos anos. At�� a

mesa perto da janela era a mesma. Tocou-a de leve, quase esperando

que alguma esp��cie de vis��o se materializasse. Quantas vezes se sen-

tara ali, vendo o pai trabalhar. ��s vezes, todos os telefones tocavam

ao mesmo tempo. Parecia uma coisa sobrenatural porque, nesse mo-

mento, os telefones come��aram todos a tocar. Tom Colt apareceu na

sala e exclamou:

��� Podem tocar �� vontade! Hoje �� s��bado e eu n��o vou trabalhar!

��� Aproximou-se dela e tomou-lhe as m��os. ��� Al��, Princesa! Como

est�� passando depois da noite de ontem?

��� Bem ��� disse ela, sentindo-se de repente decepcionada ao v��-lo

atravessar a sala para cumprimentar Linda.

Foram ao " 2 1 " . Tom bebeu razoavelmente pouco. Quando notou

que January se abstinha de beber o bourbon que pedira para ela,

248

chamou o gar��om e pediu a lista dos vinhos.

��� Quer um vinho branco, n��o ��?

��� Mas voc�� n��o disse ontem �� n o i t e . . . ��� murmurou Linda.

��� Isso foi ontem ��� replicou Tom. ��� Cada noite, eu digo uma

coisa diferente.

Foi uma noite muito agrad��vel, mas January descobriu que n��o

podia dizer coisa alguma a Tom. Pesava tudo antes de falar, for-

mava ent��o mentalmente a frase e, quando ia afinal falar, a opor-

tunidade j�� havia passado. Sentia que estava parecendo uma idiota.

Linda conversava sem o menor constrangimento, dizendo como ha-

via come��ado a trabalhar em Gloss e o que conseguira dentro da

revista. Por que ela se sentia t��o t��mida e desviava os olhos sempre

que Tom olhava para ela? Talvez ela pudesse dizer que tinha gos-

tado do livro d e l e . . . Devia dizer: " E u acho, Sr. C o l t . . . N��o! Tom,

sabe que adorei seu l i v r o . . . " Seria ��ntimo demais. "Tom, aposto

que seu livro estar�� em primeiro lugar na lista dos best-sellers. . ."

Muito presun��oso... Que sabia ela das prov��veis rea����es do p��blico?

��� Oh, Tom! ��� disse Linda. ��� Voc�� tem de autografar seu livro

para mim. �� sensacional!

(Bem, isso exclu��a o livro como t��pico de c o n v e r s a . . . )

Tom disse que iria dar um exemplar a cada uma delas em Dou-

bleday's.

��� Est��o abertos �� noite. Fico muito contente de que gostem do

livro. Lawrence & Companhia s��o de opini��o que, logo na semana

que vem, o livro estar�� em sexto lugar na lista. A verdade �� que

este livro n��o �� t��o bom quanto outros livros meus que n��o fizeram

sucesso. Mas este �� comercial... e isso �� o que interessa hoje em

dia. ��� Voltou-se ent��o para Hugh Robertson e perguntou o que an-

dava ele fazendo em Westhampton. ��� Aposto que h�� mulher meti-

da no meio.

��� Uma mulher muito importante ��� disse Hugh. ��� A M��e Natu-

reza.

��� Faz ent��o estudos de ecologia? ��� perguntou Linda.

��� N��o. Estou preocupado com a superf��cie da terra. Pode apre-

sentar fendas em alguns pontos em conseq����ncia de choque. S��o

as falhas da terra que me interessam. A mais conhecida �� a de San

Andreas, que faz os m��sticos profetizarem que a Calif��rnia ser�� tra-

gada pelo mar neste ano. Creio que Los Angeles vive h�� muito sob

a amea��a de um terremoto, mas n��o acredito que os maremotos pos-

sam transform��-la em nova Atl��ntida. �� em outras falhas que estou

interessado e, infelizmente, h�� muitas na terra. Desejo especialmen-

te apurar se novas falhas se criaram. Por isso, obtive uma autoriza-

249

����o e estou tentando provar algumas teorias que poder��o fazer nosso

pequeno mundo durar alguns anos mais.

��� Bem, se n��o usarmos a bomba e se n��o poluirmos o ar, o mun-

do n��o poder�� continuar tranq��ilamente a existir? ��� perguntou

Linda.

Hugh sorriu.

��� Linda, ainda outra noite quando eu estava deitado nas dunas

em meu saco de dormir...

��� Vai deitar-se nas dunas em fevereiro? ��� perguntou Linda.

��� Bem, tenho uma cabana de uma s�� pe��a na praia. Mas n��o

pense que eu passo mais de uma hora por dia l�� dentro. Tenho rou-

pas de baixo aquecidas, meu saco de dormir e procuro sempre um

espa��o entre duas dunas para ficar protegido do vento. �� claro que

�� muito mais agrad��vel no ver��o, mas o c��u �� fascinante em qual-

quer esta����o e nos reduz ao nosso verdadeiro tamanho, especialmen-

te quando se compreende que no conjunto do universo nosso mun-

do �� apenas um punhado de cinza. Basta pensar que h�� milh��es de

s��is que talvez gerem a mesma esp��cie de vida. E, quando se olha

para o alto, compreende-se que pode haver mundos cinq��enta mi-

lh��es de anos �� nossa frente.

��� Eu estava em meu segundo ano na escola de Miss Haddon

quando me disseram pela primeira vez que as estrelas eram grandes

e que podia haver outros mundos ��� disse January. ��� At�� ent��o, eu

havia considerado as estrelas como pequenas luzes de Deus, quentes

e confortadoras. N��o me lembro de quem me disse isso, mas sei que

tive um choque ao saber da verdade. Passei a viver em constante

terror de que as estrelas ca��ssem sobre n��s e nos esmagassem. Quan-

do falei disso a meu pai, ele me disse que cada estrela tinha seu

lugar marcado e que, quando as pessoas morriam, iam viver em

outras estrelas.

��� Uma teoria gentil ��� disse Hugh. ��� Parece que seu pai �� um

bem homem, sempre com uma boa hist��ria para contar a uma me-

nina, fazendo-a acreditar na vida eterna e dissipando nela o temor

do desconhecido.

Come��ou ent��o a explicar os sistemas solares e a sua cren��a firme

de que um dia haveria comunica����o interestelar.

Tom parecia fascinado com as hip��teses de Hugh e fazia-lhe cons-

tantes perguntas. January escutava com interesse, mas Linda parecia

enfadada com a conversa. Depois de v��rias tentativas de levar tudo

para um terreno mais pessoal, Linda desistiu e recostou-se na sua

cadeira. Lan��ou um olhar cheio de rancor a January quando ela

fez uma pergunta a Hugh, que o fez enveredar por outra longa ex-

plica����o.

250

Mas January se sentia sinceramente interessada. Achava f��cil tam-

b��m falar com Hugh e tinha a impress��o de que, ao falar com Hugh,

se comunicava tamb��m com Tom. Foi capaz at�� de fazer ambos

rirem, enquanto dirigia a conversa para Hugh. Na ��nica vez em

que Tom falou diretamente com ela, sentiu-se t��mida e reservada,

come��ando a escolher palavras.

Observou Tom disfar��adamente enquanto Hugh explicava alguma

coisa a respeito da Lua e das mar��s. Parecia t��o maci��o quanto um

homem moldado em granito. Sentia, por��m, que havia nele uma vul-

nerabilidade, qualidade que nunca se manifestava em Mike, que

era sempre um vitorioso. Quando se olhava para Mike, sentia-se

que nada poderia abat��-lo. Sentia-se, por��m, que, apesar de toda

a sua resist��ncia, Tom poderia deixar-se abater. N��o era t��o forte

quanto Mike. Entretanto, talvez em alguns sentidos fosse mais for-

te. Reconhecia que alguns de seus melhores livros, os ��ltimos quatro,

haviam fracassado... Entretanto, sentara-se �� mesa e escrevera ou-

tro. Mike tinha desistido porque acreditara que os dados estavam

contra ele. Era evidente que Tom Colt n��o acreditava em dados.

��� Voc�� �� jogador? ��� perguntou ela de repente.

Os dois homens pararam de falar e olharam para ela. January

teve vontade de esconder-se em baixo da mesa. A pergunta lhe sa��ra

sem querer.

Tom olhou um segundo para ela e respondeu:

��� S�� quando as probabilidades est��o a meu favor. Por qu��?

��� Por nada. . . Lembrei-me de uma pessoa.

��� Algum amor perdido? ��� perguntou Tom.

��� Sim, o pai dela ��� murmurou Linda.

��� Bem, ��� disse Tom, rindo, ��� isso �� um safan��o em boas condi-

����es para qualquer homem. E quando o homem est�� bem para l��

dos cinq��enta e pensa que pode divertir duas mulheres jovens e bo-

nitas, deve ser chamado �� realidade.

��� N��o pode estar bem para l�� dos cinq��enta, como diz ��� disse

Linda.

��� N��o tente dourar a p��lula para mim ��� disse Tom, rindo. ��� Na

verdade, tenho cinq��enta e sete anos e sou um pouco mais velho

que Mike Wayne. Certo, January? E, Hugh, acho que j�� aborrece-

mos demais as mo��as com as nossas conversas sobre as estrelas. Os

��nicos astros em que elas devem estar interessadas s��o Paul New-

man ou Steve McQueen.

��� N��o me aborreci nada ��� afirmou Linda. ��� Achei tudo fasci-

nante.

Sa��ram do " 2 1 " ��s onze horas. O tempo estava claro e havia mui-

to pouco vento.

251

��� Vamos lev��-las at�� em casa ��� disse Tom. ��� Elas moram juntas.

��� Moramos no mesmo edif��cio, mas cada uma tem seu apartamen-

to ��� apressou-se em dizer Linda.

Tom despachou o carro e foram a p�� at�� Doubleday's. Os vende-

dores receberam-no efusivamente. Comprou livros para January e

Linda, autografando-os. Com relut��ncia, autografou mais alguns para

a loja e, em seguida, sa��ram. Linda procurou fazer January e Hugh

seguirem na frente enquanto ela se agarrava ao bra��o de Tom, mas

ele continuava a falar com Hugh e, quando era poss��vel, os quatro

marchavam lado a lado. Chegaram por fim a um passeio estreito e

foram for��ados a separarem-se em casais. Linda e Tom seguiram

�� frente e January notou que ele estava segurando a m��o de Linda.

Percebeu de repente que Hugh lhe perguntara alguma coisa.

��� Desculpe, mas eu n��o ouvi bem ��� disse ela. ��� Aquele t��xi que

passou fez muito b a r u l h o . . .

Hugh sorriu.

��� N��o deixe que sua amiga a aborre��a. Tom �� c a s a d o . . . e voc��

n��o me parece do tipo capaz de conformar-se com um caso r��pido.

��� N��o estou aborrecida. Que foi que lhe deu essa id��ia?

��� A maneira pela qual olhou para eles enquanto se davam as

m��os. Q t��xi n��o fez barulho de esp��cie alguma.

��� Na verdade... acho que me estava deixando levar pelos meus

pensamentos. �� um velho h��bito meu, mas, na verdade, Hugh, ��

um prazer estar aqui caminhando ao seu lado.

��� N��s ambos somos pesos-mortos em mat��ria de romance, Tom

e eu. Tenho as estrelas e o m a r . . . Tom tem uma nova esposa e um

filho. Nunca tinha tido um filho, sabe? Quatro casamentos e s�� vai

ter pela primeira vez um filho aos cinq��enta e sete anos. Desse

modo, se sua amiguinha tem alguma id��ia s��ria a l �� m . . .

��� Nada disso. Linda sabe a escrita.

��� N��o me parece que essa maneira de falar esteja de acordo

com voc��.

��� Como �� que pode saber como eu sou?

��� Porque sei quem voc�� �� e o que ��. Como sei o que Linda ��.

Tom sempre se entende bem com as Lindas. Casou-se at�� com

duas delas. Sabe por qu��? Porque ele n��o procura jamais mulher

alguma. �� um cachorro pregui��oso e limita-se a pegar as mulheres

que o procuram. �� mais f��cil assim. Al��m disso, n��o acredito que

ele seja capaz de amar a l g u �� m . . . salvo talvez os personagens que

cria nos seus livros. Por isso, para ele serve qualquer mulher que o

escolher. S�� que agora ele tem um f i l h o . . . e ficar�� para sempre

ligado �� m��e desse filho.

252

��� Como �� ela? ��� perguntou January.

��� Bela, de cabelos vermelhos e, durante alguns anos, tentou fazer

carreira no cinema. Nunca fez grandes pap��is, mas era bonita. At��

que conheceu Tom, conseguiu-o, abandonou o cinema e deu-lhe um

filho.

��� Como era o nome d e l a . . . no cinema?

Ele parou na rua escura e olhou para ela.

��� Quer um conselho, January? Deixe-o para as L i n d a s . . . Do

contr��rio, vai sofrer.

Antes que ela pudesse dizer alguma coisa, Tom falou da frente.

��� Escute, Hugh! Voc�� ainda quer que eu v�� passar o dia com

voc�� amanh�� na praia?

��� Claro, tudo pronto. A geladeira est�� cheia de carne.

��� Acha que podemos convidar as meninas para que elas tratem

da parte da cozinha?

��� N��s adorar��amos ��� disse prontamente Linda. ��� Nunca estive

numa praia em pleno inverno.

Tinham chegado ao edif��cio e Linda olhou para Tom.

��� Posso convid��-lo para subir e tomar um drinque de despedida?

Bourbon n��o tenho, mas voc�� pode-se arranjar com um pouco de

rye...

��� N��o, temos de sair cedo amanh��. Gosto muito da praia no in-

verno. �� s�� nossa. Em Malibu, trabalho melhor quando faz frio e

h�� nevoeiro.

O domingo foi frio e a meteorologia previu chuvas, mas todos

partiram para a praia ��s dez e meia da manh��. Todos usavam cal-

��as grossas, su��teres e casacos velhos. Tom Colt parecia pela pri-

meira vez inteiramente descontra��do.

Chovia, mas a casa era quente e a lareira ficou acesa o dia todo.

January pensava ��s vezes, enquanto se reuniam diante do fogo,

que eram as ��nicas pessoas que restavam no mundo. Era uma casa

pequena e bem constru��da. Uma sala espa��osa, uma cozinha grande,

um bom quarto no andar de cima com uma vasta varanda.

��� Perfeita para um solteiro ��� disse Hugh.

��� Perfeita para um casal apaixonado ��� murmurou Linda, olhando

para Tom. ��� Gosta de nossas praias de Nova York como gosta de

Malibu, Tommy?

E l e sorriu e puxou-lhe os cabelos.

��� Linda, pode chamar-me de patife, de canalha, de filho da m��e,

do que voc�� q u i s e r . . . mas nunca me chame de Tommy.

253

A limusina voltou ��s dez horas da noite para apanh��-los. Hugh

ia ficar. Quando iam saindo, Tom pegou uma garrafa de bourbon,

dizendo:

��� Muni����o para a estrada.

Linda passou o bra��o pelo de Tom enquanto se dirigiam da casa

para o carro. Hugh seguia um pouco atr��s com January. Uma chuva

mi��da lhes fustigava o rosto.

��� Parece que j�� se entenderam ��� disse ele. ��� Cabe agora a voc��

cuidar deles na excurs��o.

��� Que excurs��o?

��� Linda diz que voc��s duas ir��o com ele para escrever a entre-

vista. E essa excurs��o... n��o serve para Tom. Ele vai beber demais.

No fundo, �� uma pessoa muito t��mida. J�� o conhe��o h�� seis anos e

n��o sei qual �� o dem��nio particular dele. As mulheres o amam e os

homens simpatizam plenamente com ele. Mas ele �� sempre inseguro

e parece empenhado em provar alguma coisa a cada segundo. ��

por isso sem d��vida, que bebe tanto. Talvez julgue depois de cada

livro que j�� disse tudo o que tinha para dizer. Mas sabe que tem

de tentar mais uma vez. Essa excurs��o poder�� prejudic��-lo psicolo-

gicamente. �� por isso que eu acho que voc�� deve vigi��-lo. Ele pre-

cisa de algu��m que o ajude a p��r as coisas nos seus devidos lugares.

January sorriu. Linda e Tom tinham j�� entrada no carro.

��� Gosto de voc��, Hugh Robertson.

��� Gosto de voc�� tamb��m, January Wayne. Considero-a algu��m

muito especial.

��� Obrigada.

Ele lhe tomou a m��o.

��� Digo-lhe isso com a melhor das inten����es. Considere-me um

amigo.

Ela estendeu a m��o.

��� Adeus, amigo.

Ambos sorriram e ela embarcou na limusina. Tom abriu a garra-

fa e tomou um grande gole. Passou depois a garrafa a Linda, que

tomou tamb��m uma boa dose. Tom ofereceu ent��o a garrafa a J a -

nuary. Ela hesitou... Os olhos se encontraram na meia-luz do carro

e assim ficaram. Por um momento, tudo ficou parado como um fil-

me que cessasse de rodar. Ela estendeu a m��o para a garrafa com

com os olhos fitos nos dele, mas de repente, ele afastou a garrafa.

��� N��o. Mudei de id��ia. N��o se bebe mais hoje. Amanh�� �� dia de

trabalho.

O momento de enleio tinha passado. Falaram sobre as entrevistas

que ele teria de dar, no seu comparecimento a v��rios programas,

254

as viagens r��pidas que teria de fazer a Boston, Filad��lfia e Washing-

ton, antes de iniciar uma excurs��o atrav��s do pa��s.

��� Acho melhor nos afastarmos de suas entrevistas ��� disse Linda.

��� Rita faria um escarc��u se aparec��ssemos em qualquer delas. Mas

n��o faz mal estarmos presentes quando voc�� comparecer aos pro-

gramas de televis��o ou der entrevistas coletivas.

��� Est�� muito bem. S�� n��o sei �� como isso poder�� dar uma repor-

tagem interessante.

��� J�� fez alguma excurs��o dessas?

��� �� claro que n��o.

��� Espere ent��o para ver o que vai acontecer.

Quando o carro parou diante do edif��cio delas, Tom saltou e le-

vou-as at�� a porta. Beijou o rosto de ambas e voltou para o carro.

Por uma fra����o de segundo, Linda ficou at��nita, mas disse entre

os dentes:

��� Entre, January. J��!

Empurrou January pela porta e correu para a limusina no momen-

to em que Tom ia embarcar.

��� T o m . . . sei que voc�� amanh�� tem a entrevista do Life, m a s . . .

January n��o ouviu o resto. Foi diretamente para o elevador e su-

biu para o seu apartamento. As suas emo����es eram desencon-

tradas. . .

Despiu-se e foi deitar-se. Passou-lhe pela cabe��a a id��ia de que

Linda tinha ido para o Plaza, para o quarto que tinha sido de Mike,

mas tentou n��o pensar nisso.

Se Linda queria ter um caso com Tom Colt, por que n��o? Ajei-

tou os travesseiros e procurou dormir. Tudo parecia calmo demais.

Podia ouvir o tiquetaque do rel��gio, a televis��o ligada no aparta-

mento vizinho, um casal que discutia no p �� t i o . . . De repente, o te-

lefone t o c o u . . .

Foi t��o inesperado que ela teve um sobressalto. Atendeu ao se-

gundo toque.

��� Acordei voc��?

Ela olhou abstratamente para o telefone. Era Tom Colt.

��� J a n u a r y . . . �� voc��?

��� N �� o . . . quer dizer, sou e u . . . voc�� n��o me acordou...

��� ��timo! Ia telefonar para a portaria dizendo a hora em que me

devem acordar amanh��, quando me lembrei de que n��o tenho com-

promissos para amanh�� �� noite. J�� viu Gingerbread Lady?

��� N��o.

��� Pois bem, eu sou f�� de Maureen Stapleton. Vou reservar tr��s

entradas e poderemos ir amanh��. Diga a Linda.

255

��� Pode ser que ela j�� tenha visto a p e �� a . . .

��� Que �� que tem isso? N��s ainda n��o vimos. Somos dois em tr��s

e, portanto, a maioria. Assim �� que temos de resolver as coisas entre

n��s. Irei buscar voc��s duas ��s sete horas. Boa noite.

Ela conservou o fone ao ouvido at�� escutar o estalo do outro lado.

Desligou ent��o lentamente. Linda n��o estava com ele! Mas por que

ela se sentia t��o feliz com isso? Porque o queria para ela! Ficou mui-

to parada, quase em estado de choque ante a s��bita revela����o. Sim,

era verdade.. . Ela estava amando um homem mais velho que o pai

dela, um homem que tinha uma mulher e um filho! E esse homem

sentia tamb��m alguma coisa por ela!

Se n��o fosse assim, por que tinha ele telefonado para ela e n��o

para Linda a respeito de Gingerbread Lady? Seria poss��vel que ele

sentisse alguma coisa por ela? Mas n��o dissera Hugh que ele era

pregui��oso e que deixava que a mulher o procurasse em lugar de

fazer o esfor��o necess��rio para procurar a mulher? E n��o o havia

Linda procurado de maneira muito clara? Entretanto, ele havia te-

lefonado para ela!

Estendeu-se na cama e permitiu-se devanear livremente, supon-

do que a mulher o procurasse de repente e dissesse que queria o

div��rcio o u . . . ou que a mulher dele morresse de r e p e n t e . . . N��o,

isso n��o era direito... n��o podia matar assim sem mais nem menos

a pobre mulher.. . Mas podia ser que ele realmente se apaixonasse

por ela e quisesse divorciar-se da m u l h e r . . . N��o, ele n��o iria desis-

tir do f i l h o . . . Tom Colt J��nior significava muita coisa para e l e . . .

Mas era bem poss��vel que a jovem esposa o procurasse e dissesse

que o filho n��o era dele e, sim, de um rapaz da praia e que, por

isso, ela queria o div��rcio. Neste caso, ele n��o teria c u l p a . . . Pode-

ria sustentar a crian��a que tinha o nome dele e casar-se com Ja-

n u a r y . . . Seria maravilhoso! Viveriam juntos na casa da p r a i a . . .

Ela bateria �� m��quina todos os manuscritos d e l e . . . e . . . seria ma-

ravilhoso . . . N��o!

AQUILO ERA UMA LOUCURA!

Estava ficando louca. . . mas abra��ou os travesseiros e foi dormir

pensando na maneira pela qual ele a olhara quando lhe estendera

a garrafa no carro.

256





D E Z E S S E I S


N��o dormiu bem. Mas, quando o despertador tocou, levantou-se

imediatamente, ansiosa por come��ar o dia. Foi para o banheiro e co-

me��ou a cantar debaixo do chuveiro: "Estou amando, estou amando

um cara legal". Lembrou-se ent��o de outra m��sica de Rodgers e

Hammerstein e cantou: "Esse homem �� um errado e n��o �� o que

eu quero. Por que ent��o estou chorando desse jeito se ele nem meu

�� ? " Acontece que ela n��o estava chorando desse jeito. Estava era

cantando no banheiro como uma idiota velhas m��sicas esquecidas...

e nunca se sentira melhor em toda a sua vida.

Mas ele era casado. Pensou nisso enquanto se vestia. Onde era

que estava a consci��ncia dela? Lembrava-se ainda de como a m��e

dela havia sofrido quando Mike tinha casos com outras mulheres.

Mas ela n��o tinha de ir para a cama com Tom Colt. O que era admi-

r��vel era sentir alguma coisa por um homem.. . que n��o era Mike.

Desejava a companhia de outro homem, queria sentir a admira����o

dele. Que era que havia de errado nisso? Queria apenas a compa-

nhia de um homem. E ningu��m ia saber o que ela estava sentindo...

Tinha sido dif��cil o seu esfor��o para ser indiferente a respeito do

caso com Linda.

��� Que hist��ria �� essa de irmos ver Gingerbread Lady? ��� excla-

mara a outra, exaltadamente. ��� Preferia ir ver No, No, Nanette. E

que id��ia foi essa dele de telefonar para voc��?

��� N��o s e i . . . Talvez porque n��s tr��s j�� formamos um grupo e

ele achou melhor ser imparcial.

��� Bem, a partir desta noite, esse grupo de tr��s vai-se transfor-

mar num grupo de dois, ouviu?

��� Mas n��o temos de trabalhar juntas no material para a revista?

��� Nada disso. A partir de hoje, voc�� fica dispensada desse servi��o.

��� Mas, por qu��?

��� Escute, January. Sara Kurtz vai-se encarregar de todo o traba-

lho de reda����o. E, quando ele iniciar a excurs��o, iremos s�� n��s dois

257

��� Tom e eu. Nessa ocasi��o, explicarei a ele que tive de designar

voc�� para outro servi��o. Vou at�� apresent��-lo a Sara e tenho cer-

teza de que bastar�� que ele olhe para ela para n��o querer ningu��m

mais na excurs��o. Mandarei as fitas de grava����o para Sara.

January hesitou.

��� Deixe-me tentar escrever a mat��ria, Linda. Sinto que posso

fazer isso muito bem. Irei com voc��s na excurs��o, mas prometo que

n��o vou atrapalhar nada.

��� Querida, voc�� j�� est�� atrapalhando agora mesmo. Infelizmente,

nada posso fazer em rela����o a hoje �� noite. Mas s�� lhe dou um con-

selho. Aproveite ao m��ximo porque ser�� a ��ltima vez. Para falar

com franqueza, voc�� j�� est�� sobrando.

Estavam sentados no teatro. Tom havia dito que Maureen era na

opini��o dele a melhor atriz do momento. January j�� vira Maureen

em v��rias pe��as e concordava com ele. Mas aquela era a primeira

vez em sua vida em que ela n��o podia concentrar-se no que estava

acontecendo no palco. Sentia uma consci��ncia muito aguda da pre-

sen��a do homem sentado ao lado dela. Embora Tom tivesse toda a

sua aten����o voltada para a pe��a, ela tinha uma impress��o especial

de intimidade de estar assim ao lado dele na penumbra do teatro.

V��rias vezes, quando o bra��o dele ro��ava acidentalmente o dela.

January sentia uma vontade quase irresist��vel de tocar nele. As m��os

dele eram t��o fortes e limpas e os dedos tinham uma forma que lhe

agradava. Ele tinha um perfume que ela parecia reconhecer. Aspi-

rou o ar, tentando identific��-lo. Ele se voltou para ela e disse:

��� �� col��nia Chanel N��mero Cinco. Sempre a uso no rosto depois

que fa��o a barba. Algumas pessoas acham errado.

��� Eu g o s t o . . .

��� ��timo. Vou-lhe dar um vidro de presente ��� disse ele, voltando

a prestar aten����o �� pe��a.

Foram �� caixa do teatro depois do espet��culo e fizeram uma visi-

ta a Maureen Stapleton. Depois, a atriz lhes fez companhia no

Sardi's. Tom disse a ela que, se um dia lhe passasse pela cabe��a

escrever para o teatro, faria uma pe��a para ela. Come��aram ent��o

a falar sobre pe��as presentes e passadas, fazendo compara����es. J a -

nuary mencionou algumas pe��as que espantaram Tom.

��� Mas voc�� n��o podia t��-las visto. Devem ter sido encenadas

antes de voc�� ser nascida.

��� �� verdade. Mas, desde que tinha oito anos, n��o s�� via todas

as pe��as da Broadway, mas tamb��m depois ia para o restaurante

e ouvia as conversas sobre as pe��as da d��cada de 40.

258

January compreendeu que aquele era um mundo em que Linda

n��o podia entrar e procurou faz��-la participar da conversa.

��� Linda e eu estivemos juntas na escola. Ela era a nossa estrela.

Deviam t��-la visto em Annie Get Your Gun.

Linda come��ou a ficar radiante e, antes que sa��ssem, estava con-

versando com Maureen Stapleton a respeito de uma entrevista para

Gloss.

Quando Tom Colt deixou January e Linda �� porta de casa, a ��l-

tima n��o o convidou para subir e disse depois a January:

��� Resolvi adiar tudo para a excurs��o. Acho que ele pensa da

mesma maneira. Ser�� mais natural.

A campainha da porta tocou ao mesmo tempo que o despertador

na manh�� seguinte. January vestiu um robe e olhou pelo olho m��-

gico da porta. Era um mensageiro com uma encomenda. Abriu a

porta com cautela, sem tirar do lugar a corrente de seguran��a. As-

sinou o recibo, deu uma gorjeta ao mensageiro e disse-lhe que dei-

xasse o embrulho no ch��o. S�� tirou a corrente para apanhar o em-

brulho depois que o mensageiro j�� devia estar descendo o elevador.

( E r a uma regra que Mike lhe havia ensinado e fazia parte do ma-

nual de defesa de uma mo��a que vivia sozinha em Nova York). Por

fim, abriu a porta e apanhou o embrulho. Levou-o para dentro do

apartamento e abriu-o cuidadosamente. Era o maior vidro de Cha-

nel N��mero Cinco que ela j�� vira. N��o havia carta, nem cart��o. En-

costou o vidro ao rosto. Ele havia pensado n e l a . . . E onde conse-

guira um vidro daquele tamanho ��s oito e meia da manh��? Teria

mandado dois vidros? O mensageiro teria passado tamb��m pelo apar-

tamento de Linda?

Chegou �� revista toda perfumada e Linda sentiu imediatamente.

��� Que perfume �� esse? ��� perguntou ela.

��� Chanel N��mero Cinco.

Linda limitou-se a encolher os ombros.

��� Deixei um conto em cima de sua mesa. Leia e me d�� sua opi-

ni��o. Eu gostei, mas talvez eu seja suspeita para saber. �� a respeito

de uma mo��a que fez uma opera����o pl��stica no nariz para prender

o homem a quem amava. Voltou muito mais bonita, mas perdeu o

seu amor para uma mulher que tinha um aspecto semelhante ao

dela antes da opera����o. �� um conto bem feito. Veio na enxurrada.

��� Na enxurrada?

��� S i m . . . Quer dizer que n��o foi solicitado e n��o veio por inter-

m��dio de qualquer agente. Traz apenas um envelope com endere��o

para a devolu����o. O endere��o �� no Bronx. O original est�� um pouco

usado, o que significa que a Sra. Debbie Mallon j�� deve ter rece-

bido algumas notas de rejei����o. N��o �� incr��vel que ela o tivesse

259

mandado para n��s antes de tentar o Ladies' Home Journal, o Cos-

mopolitan e Redbook? Diga-me o que �� que voc�� acha.

January foi para a sua sala. Sentou-se �� mesa, acendeu um ci-

garro e come��ou a ler o original.

Ele n��o mandou um vidro de Chanel a Linda...

Releu o primeiro par��grafo do original. N��o conseguia concen-

trar-se. Voltou e recome��ou.

Mas talvez ele sentisse tamb��m que eu estou sobrando... e neste

caso trata-se de um presente de despedida.

Voltou ao princ��pio do conto. Olhou para o rel��gio. No dia ante-

rior, Tom telefonara para ela em c a s a . . . de manh��. Eram quase

dez h o r a s . . . Talvez ele tivesse telefonado tamb��m naquele dia.

Ela devia contratar um servi��o de atendimento para o seu telefone.

At�� ent��o, n��o tivera necessidade disso. Mike sabia sempre onde po-

deria encontr��-la. Em geral, telefonava depois do golfe, David tam-

b��m sabia. Assim, se Tom Colt quisesse falar com ela, poderia li-

gar para a revista. Ele tinha encontrado o n��mero da casa dela, em-

bora o mesmo ainda n��o constasse da lista. Isso queria dizer que

ele tinha ligado para Informa����es. Podia ter ligado tamb��m para

Linda e ela lhe ter dito que January estava muito ocupada com

outro servi��o e n��o poderia acompanh��-los.

Olhou para o original. "Pl��stica no Nariz" de Debbie Mallon. D e -

via ser uma hist��ria extra��da da experi��ncia da autora. Tinha de

ser.. . Pobre Debbie Mallon, que mandava originais que ningu��m

lhe pedira e que eram dados a ela para l e r . . . Sentiu um choque de

consci��ncia. Tinha de ler a hist��ria sobre o nariz de Debbie ou Deus

n��o ficaria do seu lado. N��o faria Tom telefonar. Era rid��culo pen-

sar isso. �� claro que Deus n��o estava do seu lado. Por que iria aju-

dar para que um homem casado lhe telefonasse? Mas �� apenas pela

companhia dele, no m��ximo para segurar-lhe a m��o, pensou ela,

olhando para o alto. Que podia haver nisso de errado?

Procurou ler o c o n t o . . . " E u parecia um papagaio, mas Charlie

me amava. E ele se parecia com VVarren Beatty. Isso bastava para

dar complexo a qualquer m u l h e r . . . "

Continuou a leitura. Debbie se mostrou muito t��cnica a respeito

de toda a opera����o. N��o omitiu nenhuma das agulhas que lhe es-

petaram no nariz. Estremeceu. E o q u e i x o . . . Tinham feito tamb��m

alguma coisa com o queixo dela. Coitada! Sofrer tudo isso e acabar

perdendo Charlie ao fim da p��gina 10. Parou no meio da opera����o.

Dez e quinze. Talvez ele tivesse telefonado para Linda. Mas ela

n��o poderia voltar �� sala de Linda enquanto n��o terminasse o conto

de Debbie.

260

��s dez e meia, tinha chegado ao fim. Estava indecisa. Mas por

que n��o dar uma oportunidade a Debbie? Guardou o original den-

tro de um envelope e desceu o corredor para a sala de Linda.

��� Gostei ��� disse ela a Linda, entregando o envelope.

��� Eu tamb��m. Sara tem o maior nariz da cidade, de modo que,

se isso passar por ela, publicaremos o conto no n��mero de agosto.

Poderemos usar o conto de uma desconhecida porque vai ser nesse

n��mero que publicaremos a mat��ria sobre Tom Colt. Quero con-

seguir uma por����o de fotografias dele na excurs��o... Porcaria! Se

Keith n��o estivesse em Caterpillar...

��� Voc�� seria capaz de lev��-lo na excurs��o com voc�� e Tom Colt?

��� C l a r o . . . mas s�� porque poderia pagar-lhe. Qualquer outro fo-

t��grafo vai-nos sair muito caro. Ah, j�� s e i . . . Vou falar com Jerry

Coulson. Ele �� um fot��grafo maravilhoso, mas ainda n��o sabe disso.

Acho que vou poder fazer um bom contrato com ele.

��� Tom j�� concordou com as fotografias?

��� Ainda n��o falei com ele. E n��o pretendo falar. Quando a ex-

curs��o come��ar, as coisas j�� estar��o bem quentes entre n��s. Ontem

�� noite, no teatro, ele passou o tempo todo com a perna encostada

�� minha. E fez a mesma coisa no Sardi's enquanto voc��s estavam

falando de teatro.

��� B e m . . . acho que vou voltar para minha s a l a . . .

��� Sente-se e espere um pouco. O carrinho do caf�� j�� vem a��.

��� N��o. Tenho de escrever o artigo sobre os gatos. J�� reparou como

s��o poucas as pessoas famosas que t��m gatos? Quase todas prefe-

rem cachorros.

��� Essa n��o! Pam Mason tem quase mil gatos.

��� Mas ela est�� na Calif��rnia. Escute, voc�� acha que Maureen

Stapleton cria um gato? (January sabia que estava falando depres-

sa demais).

��� N��o sei. ��� Nesse momento, o telefone tocou na mesa de Linda.

��� Talvez seja Tom. Vou perguntar a ele qual �� o telefone de Mau-

reen. Al��? Como? Claro, Sherry! Est�� brincando! Quero saber. Ve-

nha �� minha sala e me conte tudo. ��� Desligou. ��� Espere mais um

pouco, January. Vai gostar dessa fofoca. Sherry me disse que Rita

est�� furiosa. J�� liguei duas vezes para Tom, mas da suite dele n��o

respondem.

Sherry Margolis, uma mo��a bem bonita que chefiava a se����o de

Rela����es P��blicas da revista, entrou na sala. Linda convidou-a a sen-

tar-se e disse:

Voc�� disse que Rita Lewis est�� queimando os fus��veis por minha

causa?

261

��� �� verdade. Ela me perguntou se voc�� sabia de Tom Colt. Est��

aflit��ssima. Parece que chegou ao Plaza ��s sete horas para lev��-lo a

fim de fazer o programa de Today e ele ainda estava dormindo. E o

programa devia ir para o ar ��s oito horas. Ele disse que n��o sabia

que era para esta ter��a-feira. Ficou na portaria a ponto de ter um

colapso at�� que afinal ele desceu quando faltavam dez minutos para

as oito. Ela estava com um carro e conseguiu chegar com ele em

cima da hora. Depois do programa, ele come��ou a conversar com

Barbara Walters e ela achou que daria tempo de ir ao banheiro.

Quando voltou, n��o o viu mais. Algu��m disse que ele estava na sala

da reda����o. Correu para l�� e deparou com grande agita����o, Tom

estava falando ao telefone. Calculou que ele estivesse falando com

voc��. De repente, ele saiu ��s pressas. Ela correu atr��s d e l e . . . mas

quando chegou ao elevador, a porta se fechou e ele estava descen-

do. N��o se alarmou porque pensou que ele estivesse voltando para

o hotel. Sabia que ele tinha uma entrevista marcada no hotel ��s dez

horas. Mas ele n��o est�� no hotel e ela est�� l�� h�� meia hora tentando

prender um camarada de Playboy que j�� est�� no seu terceiro Bloody

Mary. Se tomasse mais um, n��o poderia mais fazer a entrevista com

Tom, ainda que ele venha a aparecer. A su��te dele n��o respondia.

Ela subiu, bateu na porta e nada. A camareira disse que tinha aca-

bado de fazer o quarto e que n��o havia ningu��m l��. Rita sabe que

voc�� esteve com ele no fim de semana e, por isso, calcula que voc��

saiba onde ele e s t �� . . .

Linda sorriu.

��� Ela tem raz��o. Mas diga a Rita que eu sa�� do Plaza esta ma-

drugada e o deixei s��o e salvo, bem acomodado na c a m a . . .

Sherry arregalou os olhos, cheia de admira����o.

��� Ora, isso �� melhor do que a Terapia de Grupo, que �� onde Rita

passa quatro noites por semana. Ser�� um prazer dar-lhe o seu re-

cado.

Quando Sherry saiu da sala, Linda piscou o olho para January.

��� Isso vai ser uma morte para Rita. Desde o come��o, ela lan��ou

os olhos para Tom. Quando ela for fazer Terapia de Grupo esta

noite, v��o dizer a ela que ela n��o �� rejeitada, que eles a amam e

que ela deve ser feliz com o amor d e l e s . . .

��� Como �� que voc�� sabe?

��� Tamb��m j�� andei metida nessa bobagem. Hoje, gra��as a Deus,

posso pagar meu analista tr��s vezes por semana.

January sacudiu a cabe��a.

��� Palavra que n��o compreendo, Linda. Por que �� que voc�� quer

que Sherry pense que voc�� esteve na cama com algu��m, quando

isso n��o �� verdade? Acha que isso lhe confere algum prest��gio?

262

��� Quando se vai para a cama com um Leon, o caso �� inteira-

mente particular. Mas, quando se trata de Tom Colt, �� caso para

manchetes!

Nesse momento, Sherry entrou ��s pressas.

��� Ligue sua televis��o, Linda! Um terremoto na Calif��rnia! Uma

verdadeira calamidade!

��� Telefonou para Rita e transmitiu a ela o que eu lhe disse?

��� Transmiti, e a rea����o dela constou de tr��s exclama����es e um

suspiro abafado.

Sherry tinha ligado a televis��o e havia muita gente que chegava

das outras salas.

Instantes depois, estavam todos agrupados diante do aparelho de

televis��o. Ouviram estupefactos o locutor anunciar que o primeiro

tremor violento ocorrera a sessenta quil��metros do centro de Los

Angeles ��s 5:59, hora da Costa do P a c �� f i c o . . . 8:59, hora de Nova

York. Tivera uma intensidade de 6,5 na escala Richter e fora sen-

tido numa ��rea de quinhentos quil��metros de Fresno at�� a frontei-

ra com o M��xico e para leste at�� Las Vegas. Calculava-se que o

choque inicial fora equivalente a uma explos��o de um milh��o de

toneladas de T N T .

Mudaram para outras esta����es. Em todas elas, os programas re-

gulares eram interrompidos por boletins de not��cias, que davam con-

ta de novos tremores e de inc��ndios. Em Nova York, o Aeroporto

Kennedy era uma casa de loucos. Um rep��rter fazia perguntas...

Um homem disse que sua casa tinha ca��do mas que, gra��as a Deus,

a mulher e os filhos estavam ilesos.

Sherry exclamou de repente:

��� L�� est�� Tom Colt!

O rep��rter o vira tamb��m e se aproximou dele por entre a multi-

d��o, colocando um microfone port��til diante do rosto de Tom.

��� Por que vai voltar para Los Angeles, Sr. Colt?

��� Para ficar ao lado de minha mulher e de meu filho.

��� Est��o bem?

��� Est��o, sim. Telefonei para minha mulher logo depois do pro-

grama de Today. O grande tremor j�� se fizera sentir e houve outro

enquanto eu estava falando com ela.

��� N��o vai ficar aqui no Leste para a publicidade de seu novo

livro?

��� Livro? Olhe aqui, h�� terremotos por l��. Tenho uma mulher e

um filho e no momento nada mais me interessa sen��o a seguran��a

deles.

263

Passou ent��o pelo rep��rter e embarcou no avi��o. Linda levantou-

se ent��o e desligou a televis��o.

��� Bem, vamos trabalhar. O pior j�� passou. Los Angeles pode ter

os seus preju��zos materiais mas, ao menos, n��o desapareceu tragada

pelo mar.

Todos se dispersaram. Quando ficou sozinha com January, Linda

exclamou:

��� �� inacredit��vel! Minha vida amorosa est�� inteiramente azara-

da! At�� a natureza est�� contra mim. J�� �� bem dif��cil pegar um ho-

mem com toda essa competi����o que anda por a��! Para mim, foi pre-

ciso ainda um terremoto! ��� Deu um suspiro. ��� Desde que eviden-

temente eu estarei livre esta noite, vamos jantar no Louise's.

��� N��o. Acho que vou ficar e trabalhar na mat��ria dos gatos.

January voltou ent��o para sua sala. Ele tinha partido. Sexta, s��-

bado, domingo e segunda. Quatro noites de sua v i d a . . . quatro noi-

tes com Tom Colt. E, ainda que nada houvesse acontecido entre

eles, tinha sido maravilhoso... E ainda mais maravilhoso era ter

em quem pensar. Mesmo que ele nunca mais voltasse...

No dia seguinte, contratou um servi��o de atendimento para o

seu telefone. Mas, quando uma semana passou sem not��cias dele,

at�� Linda ficou desanimada.

��� Acho que perdi o ��nibus mesmo. O livro dele j�� est�� em quarto

lugar na lista de best-sellers do Time. Ele far�� de l�� mesmo a publi-

cidade que tiver de fazer. Por que n��o? Ter�� bastante o que fazer

durante um m��s. Mas, no m��nimo, podia ter telefonado para dizer

isso.

January decidiu afastar Tom Coit de seus pensamentos. Conven-

ceu-se de que aquilo tinha um sinal. Talvez Deus lhe estivesse di-

zendo: "Pare antes que aconte��a alguma coisa". Era essa a Sua

maneira de dizer as coisas. Ele era contr��rio. January n��o era parti-

cularmente religiosa. Mas ��s vezes se via a falar com o Deus de sua

inf��ncia, o velho magn��fico de longas barbas brancas que governa-

va tudo dos c��us com o seu grande livro, inscrevendo as boas a����es

numa p��gina e os pecados na outra.

Mas todos os dias se comunicava com o servi��o de atendimento

e se esquivava de ir jantar com Linda. Passou outra noite chata em

Le Club com David. Todo o mundo estava falando do grande tor-

neio de gam��o em Gstaad. Ia durar tr��s dias. David n��o podia ir,

pois estava assoberbado de trabalho. Mas, como ele invejava Mike!

Gstaad era formid��vel naquela ��poca do ano. Todo o mundo se

hospedaria no Palace Hotel e frenq��entaria o Eagle Club.

David deixou-a em casa ��s onze e meia e nem sequer falou em

subir para um drinque de despedida. Mas ela estava ansiosa. Se

264

Dee e Mike iam a Gstaad, teriam de passar por Nova York. Ela ia

ver Mike. Era disso que estava precisando ��� um bom almo��o e uma

longa conversa com e l e . . . Falaria de seus sentimentos complexos

a respeito de Tom Colt. Ele compreenderia e a ajudaria a pensar

certo. Afinal de contas, estivera muitas vezes em situa����o id��ntica.

Telefonou para Palm Beach na manh�� seguinte. Quando o mor-

domo lhe disse que o Sr. e a Sra. Granger tinham partido par Gstaad

tr��s dias antes, ela desligara e ficara a olhar apaticamente o telefo-

ne. Ele tinha estado em Nova York e n��o lhe telefonara. Tinha de

haver alguma explica����o. N��o fazia muitos dias que ela falara com

M i k e . . . Come��ou ent��o a ficar alarmada. Talvez tivesse acontecido

alguma coisa. N��o, era absurdo. Se acontecesse alguma coisa, os

jornais noticiariam. A n��o ser que ele estivesse d o e n t e . . . Poderia

estar num hospital com um ataque card��aco ou alguma coisa assim.

E Dee estava jogando gam��o. Pediu liga����o para o Palace Hotel.

Vestiu-se ent��o e ficou �� espera de que a liga����o fosse completada.

Dez minutos depois, ouviu a voz de Mike como se ele estivesse no

quarto vizinho.

��� Como est��, Papai? ��� gritou ela.

��� Muito bem. Alguma novidade? Voc�� est�� bem?

��� Estou, s i m . . . Estava apavorada, Mike!

��� De qu��?

��� Ontem �� noite, David me disse onde voc�� estava. Eu sabia que

voc�� n��o podia deixar de passar por Nova York. Telefonei para

Palm Beach e soube que j�� tinham viajado... e eu pensei q u e . . .

��� Escute, menina ��� disse ele, rindo. ��� Em primeiro lugar, che-

gamos ao aeroporto de Nova York ��s cinco horas da manh��. S�� fi-

camos o tempo suficiente para o reabastecimento do avi��o. N��o quis

acordar voc��. Calculei que na volta passar��amos alguns dias em

Nova York. Ah! Tenho grandes not��cias para voc��! Descobri afinal o

segredo desse jogo idiota. J�� ganhei alguns d��lares em Palm Beach.

Ainda n��o posso participar de um torneio como o daqui, mas no

pr��ximo voc�� vai ver. �� um grande jogo, m e n i n a . . . Espere s�� at��

eu lhe ensinar o truque.

��� Sim, M i k e . . .

��� Escute, quem est�� pagando este telefonema �� voc��. Fale com

a telefonista e diga que fa��a o telefonema a cobrar.

��� N��o, Mike. Pode deixar que eu pago. Quero mesmo pagar.

��� Bem, estou com pressa. Arranjei um inocente que quer jogar

canastra comigo. Enquanto est��vamos esperando que reabastecessem

o avi��o, ganhei tr��s mil d��lares de F r e d d i e . . . em uma hora. Veio

conosco e quer jogar todos os dias.

265

��� Quem �� Freddie?

��� Oh, �� um camarada casado com uma mulher rica. Voc�� deve

t��-lo conhecido em Palm Beach.

��� Est�� bem, Mike. Felicidade com Freddie.

��� Adeus, menina. At�� �� vista.

Naquela noite, aceitou um convite para ir jantar com Linda e um

conhecido dela que ia levar um "amigo". Foram a um pequeno res-

taurante na Rua 56 e Linda a avisou para escolher o prato mais ba-

rato da lista.

��� O meu paga pens��o a duas ex-esposas e o seu paga pens��o e

um tratamento caro para um filho.

January chegou �� conclus��o de que o homem que lhe coubera

parecia um porco comprido e magro. Tirando a altura e a magreza,

n��o havia mais qualquer semelhan��a com um homem. O rosto era

cor-de-rosa e o nariz tinha uma semelhan��a absoluta com um fo-

cinho. Tinha tufos de cabelos que mal lhe cobriam o cr��nio e pe-

quenas costeletas que se recusavam a crescer. Falou sobre o jogo

de squash e a marcha atl��tica que praticava e do seu trabalho ge-

rador de ��lceras na Avenida Madison. Os dois homens trabalhavam

na mesma ag��ncia de publicidade e durante grande parte da noite

falaram sobre as suas contas e as ocorr��ncias do escrit��rio. Era evi-

dente pela conversa deles que se viam todos os dias. Por que ent��o

conversavam dessas coisas naquela ocasi��o? Mas compreendeu que

estavam nervosos e eram, como diria Mike, perdedores natos. Esta-

vam com duas pequenas a quem desejavam impressionar e achavam

que o melhor caminho para isso era falar sobre "grandes neg��cios".

Ela se admirou da irrealidade de tudo aquilo. N��o olhavam para

o espelho quando se barbeavam? Ainda que o porco (que atendia

pelo nome de Wally) possu��sse a ag��ncia de publicidade, n��o con-

seguiria impression��-la. Arrependeu-se de ter aceito o convite. Era

muito melhor que estivesse em casa comendo um jantar feito ��s

pressas para depois ler um bom livro. ��s dez e meia, acabaram fi-

nalmente de jantar. A noite estava muito fria, mas o porco disse que

n��o tinha feito a sua marcha atl��tica naquele dia e prop��s que fos-

sem a p��. Linda convidou imediatamente todos para subirem para

tomar um drique, mas January disse que estava muito cansada.

O porco insistiu em lev��-la at�� a porta do apartamento. Quando

ela colocou a chave na fechadura e se virou para dar boa noite, ele

murmurou espantado:

��� Voc�� deve estar brincando.

��� N��o estou, n��o. Boa noite e muito obrigada pelo excelente

jantar.

��� E n��s?

266

��� N��s? Que �� que h��?

��� N��o me diga que voc�� �� um desses tipos fr��gidos.

��� N �� o . . . No momento, sou apenas um tipo cansado.

��� Bem, vamos dar um jeito nisso.

Pegou-a e imediatamente tentou for��ar a l��ngua pela boca de J a -

nuary, ao mesmo tempo que passava as m��os por todo o corpo dela,

metendo-as por baixo do casaco e tentando tirar-lhe a blusa. Num

assomo de raiva, ela levantou o joelho com toda a for��a e acertou

no alvo. Ele deu um pulo para tr��s com um uivo. Por uma fra����o

de segundo, os seus olhos mi��dos de porco encheram-se com l��gri-

mas de dor. Depois, torceu a boca de raiva. January teve medo e

tentou abrir a porta e entrar. Mas ele puxou-a e esbofeteou-a.

��� Sujeitinha ��-toa! Querendo meter-se a besta, hem? Voc�� vai

ver o que �� bom!

Estendeu a m��o para ela. January estava j�� ent��o com mais raiva

do que medo. Num s��bito impulso de for��a, empurrou-o, abriu a

porta, entrou e bateu a porta bem na cara dele. Ficou por um mo-

mento ali parada, tr��mula de raiva e de choque. O miser��vel espe-

rava ir para a cama com ela por um jantar de quatro d��lares.

Despiu-se lentamente e abriu a torneira da banheira. Precisava

de muitas bolhas e de muito perfume para limpar-se daquela noite

horr��vel. J�� ia entrar no banho quando o telefone tocou. Era Linda

e falava em voz baixa.

��� J a n u a r y . . . Wally est�� a��?

��� �� claro que n��o!

��� Agora, ou��a. Steve est�� no banheiro. Acabei de falar com o

meu servi��o de atendimento. Adivinhe quem foi que me telefonou?

Tom Colt!

��� Foi mesmo?

��� Foi. E l e est�� na cidade. A telefonista diz que ele telefonou ��s

dez e meia. Ligue para ele agora. Est�� no Plaza.

��� E u ? Ele telefonou foi para voc��!

��� Mas eu n��o posso, January. Estou na cama com Steve. Isto ��,

vou estar, quando ele sair do banheiro. Diga a ele que est�� telefo-

nando em meu nome, pois eu estou muito ocupada numa confer��n-

cia muito importante... Saiba se ele pretende ver-me amanh��.

��� N��o posso fazer isso. Sinceramente, Linda.

��� Telefone. Fa��a isso por mim. Olhe, voc�� poder�� at�� ir comigo.

��� N��o.

��� Por favor! Oh, S t e v e . . . estou falando com meu servi��o de

atendimento. ��� Houve uma pausa e ent��o Linda disse numa voz

267

impessoal: ��� Muito bem, Srta. Green. Muito obrigada por tudo e

n��o se esque��a de dar esse telefonema por mim.

January sentou-se na cama. A ��gua da banheira tinha esfriado.

Vinte minutos tinham passado e ela ainda n��o telefonara. N��o po-

dia. Mas refletiu que devia isso a Linda. Estava deixando que os

seus sentimentos a dominassem. Pegou o telefone.

A telefonista da noite do Plaza disse que o Sr. Colt deixara uma

recomenda����o para que n��o fosse perturbado. Ela deixou um recado

dizendo que Linda Riggs havia telefonado para ele em resposta.

Desligou ent��o e ficou sem saber se estava decepcionada por n��o

ter falado com ele ou satisfeita de que ele n��o viesse a saber que

ela havia telefonado.

O telefonema de Linda chegou antes que o despertador tocasse.

��� Acorde, J a n u a r y . . . Tenho apenas um instante. Steve est�� no

banheiro. Quando voltar, vai querer outra v e z . . . Escute, falou com

Tom?

��� Oh, meu Deus! Que horas s��o?

��� Sete horas. Falou com ele?

��� N��o. Ele havia desligado o telefone, mas eu deixei um recado

dizendo que Linda Riggs havia telefonado.

��� ��timo! At�� mais tarde.

��s onze e meia, Linda chamou January �� sua sala.

��� Acabei de falar com ele ��� disse ela. ��� E vou cumprir minha

palavra. Hoje �� noite, vamos todos ver No, No, Nanette.

��� Oh!

��� N��o me vai agradecer?

��� Linda, n��o �� preciso que eu v��. E, na verdade, prefiro n��o ir.

��� Nada disso. Est�� tudo certo. Ele disse: " D a ��ltima vez, fui eu

que escolhi a p e �� a . . . Que �� que voc�� quer ver hoje?" E quando

eu disse que era No, No, Nanette, ele concordou imediatamente, di-

zendo que Patsy Kelly sempre foi uma favorita dele. Foi a�� que ele

disse: " V o c �� quer convidar January tamb��m?" E eu disse: "Claro,

acho que �� melhor. Afinal de contas, voc�� �� casado. Durante a ex-

curs��o, n��o faz mal porque todo o mundo vai saber que eu s�� estou

l�� para escrever a hist��ria". E assim �� que ficou combinado. S�� que

esta noite eu quero faturar. Por isso, iremos n��o para o Sardfs, mas

para algum lugar onde ele possa realmente beber. Ent��o, no mo-

mento oportuno, voc�� dar�� o fora. Ou se eu o levar ao meu aparta-

mento para tomar um drinque... voc�� n��o nos acompanhar��.

��� Talvez ele convide Patsy para o S a r d i ' s . . .

268

��� Isso ser�� uma droga. Todo o mundo falar�� de teatro e proce-

der�� corretamente como da ��ltima vez.

��� �� evidente que ele gosta de teatro.

��� Eu sei, mas vamos fazer isso. Iremos para a suite dele ��s seis

horas. Ele disse que teria alguns canap��s e drinques para manter-nos

at�� depois do espet��culo. Agora, se eu conseguir faz��-lo beber com

o est��mago vazio, sei que vou faturar...

Chegaram ao Plaza ��s seis horas. Rita estava l�� em companhia de

um homem da revista Life. Tom estava com um copo de bourbon

na m��o e fez as apresenta����es. Rita ficou em verdadeiro estado de

choque ao ver Linda e January. Tom preparou-lhes um drinque e

elas se sentaram em sil��ncio enquanto a entrevista continuava. J a -

nuary notou que Tom de vez em quando olhava para o rel��gio no

consolo da lareira. ��s seis e meia, o homem da revista estava ainda

fazendo perguntas. Quando faltava um quarto para as sete, Tom

perguntou:

��� Quanto tempo isso ainda vai durar? Temos entradas compra-

das para o teatro.

��� Sr. Colt, ��� disse Rita numa voz pr��xima da exaspera����o, ���

essa entrevista �� para a revista Life. O Sr. Harvey tem de ficar ainda

por algum tempo, o que quer dizer que n��o h�� limite de tempo. ��s

oito e meia, deve chegar um fot��grafo.

��� Parece que teremos de adiar tudo isso ��� disse Tom. Voltou-se

para o rep��rter. ��� Sinto muito, meu amigo, m a s . . .

Rita deu um pulo.

��� N��o pode fazer isso, Sr. Colt! J�� est�� com duas semanas de

atraso em todo o seu programa. Tive de transferir t u d o . . .

��� Est�� bem. Da pr��xima vez, quando me marcar uma entrevista

para as cinco horas, n��o me venha com surpresas,

��� Mas eu lhe deixei um envelope com o seu programa ontem ��

noite. Dizia claramente: "Rep��rter do Life e fotografias ��s cinco

horas ��� primeira sess��o". Todo o mundo sabe que uma sess��o dura

v��rias horas. E um fot��grafo tem seus hor��rios e ningu��m pode

apress��-lo. Conseguimos Rocco Garazzo, que �� um dos melhores.

��� Sinto muito, rapaz ��� disse Tom ao rep��rter. ��� O resto fica para

outra vez. Olhe, as bebidas est��o ali. Sirva-se �� vontade.

��� Sr. C o l t . . . ��� murmurou Rita com a voz embargada e os olhos

cheios de l��grimas. ��� O senhor vai-me fazer perder meu emprego.

V��o achar que eu falhei. E n��o conseguirei emprego em nenhum

outro lugar porque se espalhar�� a not��cia de que eu sou incompe-

tente e n��o soube dirigir a publicidade de um grande escritor. Al��m

269

disso, perderei todos os meus contatos pessoais como com a revista

Life... O que o senhor est�� fazendo �� um insulto para esse senhor,

que �� um bom profissional e est�� procurando apenas trabalhar...

��� Pode parar que j�� me convenceu ��� disse ele calmamente. ���

Escute, Linda. As entradas est��o em meu nome na bilheteria do

teatro. Voc��s duas podem ir ver a pe��a. Voltem para c�� quando o

espet��culo acabar. V��o no meu carro que est�� a�� em frente. ��� Tirou

ent��o o palet��, serviu-se de uma boa dose e disse: ��� Muito bem,

Sr. Harvey. Desculpe o mal-entendido. Vamos tomar uns drinques

juntos e eu estarei �� sua disposi����o pelo tempo que desejar.

Enquanto iam para o teatro, Linda comentou os ��ltimos aconte-

cimentos.

��� Ele est�� bebendo. E agora n��o h�� qualquer possibilidade de

irmos ao Sardi's. Mas vou voltar sozinha. Acho que �� essa a minha

oportunidade.

Depois do teatro, Linda perdeu um pouco de sua coragem.

��� Talvez Rita e o pessoal do Life ainda estejam com ele. �� me-

lhor voc�� ir tamb��m. Se ele estiver sozinho, tome um drinque e d��

o fora. Eu lhe darei a deixa. Quando eu disser: "January, acho que

aquela reportagem sua sobre os gatos vai ser not��vel", voc�� poder��

dizer: " F o i bom voc�� falar. Preciso trabalhar nela esta noite. J��

vou indo". Certo?

��� Certo. Mas, Linda, voc�� n��o acha q u e . . .

��� N��o acho o qu��?

��� Voc�� n��o acha que est�� correndo atr��s dele como um homem

corre atr��s de uma mulher?

Linda riu.

��� January, voc�� �� do tipo que, quando vai para a cama com um

homem, espera que ele lhe mande flores na manh�� seguinte.

��� B e m . . . David mandou.

��� Talvez seja por isso que David s�� aparece de dez em dez dias.

Mas eu sei que o modelo com quem ele anda n��o s�� n��o ganha flo-

res dele, mas ainda faz o breakfast para ele e leva-o para ele comer

na cama. E, levando em conta que Kim come apenas uma cenoura

por dia para manter a sua silhueta elegante de t �� s i c a . . . n��o deve

ser f��cil para ela ver um camarada empanturrar-se de ovos com

bacon.

��� Que �� que voc�� quer dizer com isso?

��� Quero dizer apenas que n��o h�� mais aquela diferen��a antiga

entre o homem e a mulher. A mulher pode ser t��o agressiva quanto

quiser. Pode telefonar para o homem e convid��-lo para ir para a

cama. As coisas hoje s��o assim. Estamos em 1970 e n��o em 1950.

270

��� H�� uma coisa que eu gostaria de saber. Se voc�� tem assim

tanto interesse por Tom Colt, por que se deitou ontem �� noite com

o tal Steve?

��� Ontem �� noite, eu s�� soube que Tom tinha voltado depois que

disse a Steve que ia ficar com ele. Acha que eu podia bot��-lo para

fora? Al��m disso, ele �� muito bom na cama e j�� fazia algum tempo

que eu n��o tinha sexo.

��� Mas n��o �� preciso sentir alguma coisa para ir para a cama com

um homem?

��� Sim, vontade de ter um homem.

��� Linda!

��� Sabe de uma coisa, January? Tom Colt tem cinq��enta e sete

anos, mas est�� atualizado. Voc��, por��m, est�� atrasada duas gera����es

pelo menos.

Rita Lewis e o rep��rter estavam saindo quando Linda e January

voltaram. Tom recebeu-as expansivamente, quis saber do espet��-

culo e insistiu para que todos, inclusive a inquieta Rita Lewis, to-

massem um drinque. Rita recusou porque tinha de sair. Mas o re-

p��rter de Life ficou para um drinque de despedida, dizendo:

��� Depois, tenho mesmo de ir. Disse a minha mulher que estaria

em casa ��s dez horas. Ela me est�� esperando para jantar.

Tom Colt sacudiu tristemente a cabe��a.

��� Por que n��o disse logo, homem? Tudo porque me esque��o de

comida quando estou bebendo. Fiz voc�� passar fome e aquela pobre

mo��a de rela����es p��blicas dos editores tamb��m. Onde �� que voc��

mora?

��� Perto de Gramercy Park.

��� Pegue o carro l�� fora. Mande-o depois de volta para que as

mo��as possam ir para casa.

��� January, sabe que estou adorando aquela sua reportagem sobre

os gatos? ��� disse Linda.

January se encaminhou para a porta.

��� Foi bom voc�� falar nisso. Tinha resolvido trabalhar nela esta

noite e j�� me ia esquecendo... Vou sair com o Sr. H a r v e y . . . Ele

poder�� deixar-me em casa.

��� O pobre homem est�� com fome - disse Tom. ��� E ter�� de dar

uma volta muito grande para deixar voc�� em casa. Tudo isso por

causa de uma reportagem sobre gatos. N��o pode deixar esse traba-

lho para amanh��?

��� Bem, a verdade �� q u e . . .

��� January trabalha melhor �� noite ��� disse prontamente Linda.

271

��� Todo o mundo �� assim. Mas hoje o talento dela vai ter de es-

perar. Pode ir, Bob.

O rep��rter hesitou.

��� Para mim, n��o tem a menor import��ncia...

��� V�� saindo, rapaz ��� disse Tom com bom humor. ��� Sua mulher

e seu jantar est��o esperando. ��� Virou-se ent��o para Linda e esten-

deu o copo. ��� Quer repetir a dose, menina? E sirva um refrigeran-

te para a mo��a dos gatos, sim?

Tom tomou dois copos de bourbon em r��pida sucess��o. Viu ent��o

um envelope em cima da mesa e apanhou-o.

��� Devem ser as instru����es para amanh�� da mo��a das rela����es

p��blicas.

��� Por que n��o l��? ��� perguntou January. ��� Pode ser que haja

alguma coisa amanh�� bem cedo.

��� J�� sei o que vai ser. Tenho de ir a Filad��lfia e, depois, a Wa-

shington.

��� Vai viajar ent��o? ��� perguntou Linda.

��� Por dois dias apenas. Depois, passarei uma semana aqui. Em

seguida, terei de ir a Chicago, Cleveland e Detroit. Mais alguns

dias aqui e, por fim, Los Angeles.

��� A que horas vai sair amanh��? ��� perguntou Linda.

��� Abra o envelope e veja.

Linda abriu o envelope.

��� Aqui diz que voc�� s�� partir�� ao meio-dia. Nessa hora �� que a

limusina vir�� peg��-lo. Mas voc�� ter�� um breakfast ��s nove horas

com Donald Zec.

��� Ah, s i m . . . �� um camarada de Londres. Vai escrever sobre

mim no Daily Mirror de Londres. Bem, acho que me vou deitar.

Quero estar em boas condi����es para falar com Donald, que �� um

velho amigo meu.

Encaminhou-se para o quarto.

��� January, acho que sua reportagem dos g a t o s . . .

��� Vou-me embora. Posso tomar um t��xi ��� disse January.

��� Voc��s duas v��o esperar para voltar no carro. Vou trocar de

roupa e, quando eu chamar, poder��o ir acomodar-me na cama e

tomar um drinque de despedida comigo.

Desapareceu no quarto. January olhou para Linda e encolheu os

ombros, querendo dizer que nada podia fazer. Linda estava furiosa.

��� Tenho de saber quando ele vai partir para a excurs��o a Chica-

go, Cleveland e Detroit. Irei com ele dessa vez. Para Filad��lfia e

Washington, n��o posso ir porque n��o d�� mais tempo de fazer re-

272

servas nos hot��is e de tomar outras provid��ncias. Al��m disso, penso

que o pessoal de Life ir�� com ele. ��� Olhou de repente para January

e disse: ��� V��-se e m b o r a . . . agora!

��� Sair assim sem mais nem menos?

��� Sim. E, quando eu for para o quarto, direi que voc�� teve mes-

mo necessidade de sair.

��� Mas, Linda, seria uma grosseria...

��� Ele na verdade n��o quer voc��. Est�� sendo apenas delicado. E

a verdade �� que voc�� nunca mostrou vontade de ir. Bob Harvey

estava disposto a dar uma volta para deixar voc�� em casa, mas voc��

certamente n��o insistiu muito.

��� Ora, Linda, n��o quero que Tom Colt pense que eu n��o sim-

patizo com ele. Se aceitei uma cadeira de teatro de presente dele,

n��o posso sair sem agradecer-lhe e despedir-me. Ele vai-me julgar

grosseira.

��� Que �� que lhe interessa a opini��o dele? Depois que ele estiver

na cama comigo, n��o pensar�� em mais nada. Vamos, January, pe-

gue o seu casaco e v�� andando.

Nesse momento, Tom gritou do quarto:

��� Meninas! Tragam uma garrafa e tr��s copos!

��� Saia! ��� disse Linda entre dentes.

��� Quer mesmo fazer o favor de dizer a ele que eu tive de traba-

lhar, Linda?

��� Est�� bem, mas v��-se embora!

De repente, ele apareceu na sala, vestido com um robe. Era evi-

dente que nada tinha por baixo.

��� Que �� que voc��s duas est��o fazendo a�� paradas? Peguem a

bebida e venham!

Linda olhou furiosamente para January e pegou a garrafa. Ambas

entraram no quarto. Tom acomodou-se na cama por cima das co-

bertas.

��� Agora, todos n��s vamos tomar um de despedida. Depois, voc��s

podem sair na ponta dos p��s e apagar as luzes. ��� Quando viu que

Linda tinha apenas dois copos na m��o, apontou para o banheiro. ���

H�� um copo l�� dentro. Quero que voc�� beba desta vez, January.

Para que eu tenha sucesso na minha excurs��o.

January foi obedientemente ao banheiro e voltou com o copo. Tom

serviu uma boa dose para cada uma delas e bem meio copo de

bourbon puro para si mesmo.

��� A g o r a . . . uma de cada lado ��� disse ele, batendo a m��o na

cama. As duas se sentaram e ele desmanchou de brincadeira os ca-

273

belos de Linda. ��� Agora, vamos beber �� sa��de do grande escritor

que vai sair e vender-se como manteiga. Aqui est�� o grande escri-

tor, senhoras e senhores... Venham v��-lo! Riam dele, vaiem-no,

fa��am o que quiserem, mas n��o deixem de comprar o livro dele!

Bebeu metade do bourbon de um gole. Linda tomou tamb��m

o dela de vez e olhou para Tom �� espera de um elogio.

Ele piscou o olho e tornou a servir uma dose no copo de Linda.

Serviu-se de mais um pouco e olhou para January. Ela havia toma-

do um g o l e . . . Nesse momento, virou o copo e bebeu o resto. Tom

sorriu e tornou a encher-lhe o copo. January sentiu a garganta quei-

mar. Ocorreu-lhe por um segundo que aquela devia ser a sensa����o

das pessoas que tomavam veneno. �� impress��o de queimadura, se-

guiu-se um leve calor no peito. Provou o segundo copo e, mais uma

vez, achou-o mais f��cil que o primeiro. Continuou a tomar peque-

nos goles. Era melhor do que queimar a garganta com um grande

gole. Com certeza, Tom n��o refletira que nem ela, nem Linda ha-

viam jantado. Sentiu-se tonta como se estivesse de parte, a obser-

var-se. Escorregou para os p��s da cama. Linda tinha pousado a ca-

be��a no peito de Tom. Quase mecanicamente, ele estava a acariciar-

lhe os cabelos. Depois, levantou-lhe o queixo. Os olhos de ambos

estavam fechados. January pensou na melhor maneira de sair dali.

Tom inclinou-se e beijou a testa de Linda, dizendo em voz pausada:

��� Voc�� �� bem bonita.

January sabia que tinha de s a i r . . . mas se sentia paralisada. Ti-

nha os olhos fitos nos olhos de Tom e parecia que ia dissolver-se.

��� Linda, ��� disse ele com a mesma voz pausada, ��� voc�� tem de

me ajudar.

Linda fez um gesto afirmativo.

��� A quest��o, L i n d a . . . �� que eu estou meio louco por January.

Que �� que eu devo fazer?

Por um momento, tudo ficou parado dentro do quarto. Era como

se o tempo tivesse c e s s a d o . . . como um museu de cera com tudo

congelado na mesma posi����o. Linda ainda estava reclinada no peito

de Tom, olhando para os olhos dele. January estava sentada nos p��s

da cama, ainda com o copo na m��o. Passaram alguns segundos. De

repente, entrou em a����o e se levantou de um pulo.

��� Tenho de ir ao banheiro! ��� exclamou ela e saiu correndo.

Caiu ao ch��o e descansou a cabe��a no bra��o apoiado no banheiro.

Tudo aquilo era fant��stico. Linda estaria ainda l�� olhando para

Tom? Como podia ele ter dito isso? Devia ser uma pilh��ria... uma

brincadeira entre os dois. Sem d��vida alguma era isso! Naquele

momento, deviam estar nos bra��os um do outro rindo da rea����o

dela. Bem, ela devia demonstrar que entendera tudo como uma pi-

274

lh��ria e que s�� fora ao banheiro porque realmente tivera necessi-

dade. Acionou v��rias vezes a descarga. Deixou a ��gua correr na

pia e levou algum tempo lavando as m��os. Depois, abriu a porta

e entrou resolutamente no quarto.

Tom estava sentado na cama apoiado nos travesseiros e olhava

para ela. N��o havia sinal de Linda. Olharam-se assim por um longo

momento e ent��o, com um sorriso quase triste, ele a chamou. Ela

se aproximou lentamente e se sentou cautelosamente na cama.

��� Onde est�� Linda?

��� Mandei-a para casa.

Ela fez men����o de levantar-se, mas ele lhe tomou gentilmente a

m��o e f��-la sentar-se novamente.

��� N��o fique t��o receosa assim. N��o vou violent��-la. Em geral,

n��o me interessam as pequenas que tenham um pai mais mo��o do

que eu. Posso ter todas as mulheres que eu quiser sem complica-

����es de esp��cie alguma e ��s vezes at�� me caso com elas. Isso me

acontece com freq����ncia... e �� o meu grande problema. Acho que

os mo��os de hoje est��o pensando certo quando falam em abolir o

casamento. Um homem e uma mulher s�� deviam viver juntos en-

quanto se interessassem um pelo outro, n��o porque h�� uma lei que

os obriga a cumprir uma senten��a de pris��o. Agora, vou dizer-lhe

os fatos. N��o, n��o estou loucamente apaixonado por minha mulher.

Nunca estive, ali��s, mas ela me deu um filho e isso era uma coisa

que eu queria. Se eu a deixasse, ela ficaria com o garoto e, portanto,

eu n��o deixarei nunca que isso aconte��a. Acho que �� uma loucura.. .

querer voc��. Linda teria sido mais f��cil. Nem perguntas, nem pro-

blemas. Apenas os dois na cama juntos. Tentei querer Linda. . .

mas voc�� atrapalhou tudo. Pensava todo o tempo em voc��. N��o ti-

nha necessidade de voltar e fazer a excurs��o pelo Leste. O livro

est�� vendendo muito bem ��� mais de cinq��enta mil exemplares at��

agora e j�� v��o fazer uma nova edi����o de vinte e cinco mil. Mas vim

para c�� e concordei em fazer essa excurs��o por sua causa. ��� Abra-

��ou-a e beijou-lhe delicadamente os l��bios. ��� Nada vai acontecer

esta noite January. Na verdade, nada vai acontecer enquanto voc��

n��o sentir por mim o mesmo que eu sinto por v o c �� . . .

��� Mas eu sinto, T o m . . . e fiquei horrorizada quando compreendi

isso porque voc�� tem uma mulher e um filho.

��� Mas o que n��s sentimos um pelo outro nada tem que ver com

meu filho. J�� lhe disse quais s��o meus sentimentos em rela����o ��

minha mulher.

��� Tom, nunca poderia aceitar alguma coisa por uma semana ape-

nas ou por um s�� momento. Ser�� que voc�� me compreende?

��� O amor nunca �� para sempre, January. Vamos agradecer ao

destino e aceit��-lo onde quer que o achemos.

275

Ela o olhou firmemente e perguntou:

��� Voc�� me ama, Tom?

Ele ficou pensativo.

��� Amor �� uma palavra muito importante e significativa. Tenho

de confessar que atrav��s da vida fiz uso dela muitas e muitas vezes

sem que correspondesse a qualquer realidade. Mas tenho a id��ia de

que, se a usar em rela����o a voc��, ser�� uma realidade.

��� Sim, �� a ��nica maneira pela qual eu poderia... ��� Ela tentava

desesperadamente encontrar as palavras exatas. ��� Eu me sentiria

culpada... isto ��, sinto-me culpada at�� de estar aqui sentada a falar

dessas coisas com voc��, sabendo que �� casado e tem um f i l h o . . .

O que estamos fazendo �� errado, completamente errado. Mas se eu

sentisse que voc�� me amava mesmo e que n��o poder��amos magoar

ningu��m sen��o n��s mesmos, seria essa a ��nica maneira de termos

alguma chance. Eu julgaria que talvez Deus n��o se zangasse muito

se n��s dois nos am��ssemos de verdade... ��� Sabia que estava com

o rosto vermelho e baixou o olhar para as m��os. ��� Sei que me deve

considerar uma idiota e . . .

Ele levantou o rosto dela com os olhos cheios de ternura.

��� January, voc�� ainda �� mais maravilhosa do que eu pensava.

Tomou-a ent��o nos bra��os e afagou-lhe os cabelos como se esti-

vesse consolando uma crian��a. Alguns momentos depois, levantou-se

da cama e levou-a para a sala. Pegou o casaco dela e de repente

January caiu-lhe nos bra��os. O casaco caiu ao ch��o ao mesmo tem-

po que ele a abra��ava e beijava. Pela primeira vez, January com-

preendeu a intimidade de um verdadeiro beijo. Os corpos estavam

unidos e ela se apegava a Tom, como se quisesse fazer parte dele.

De repente, o telefone tocou. Era o chofer anunciando que estava

de volta.

��� Est�� na hora de voc�� ir ��� disse ele, apanhando o casaco dela.

��� Oh, Tom! Gostaria tanto de que voc�� n��o tivesse de viajar!

��� Ser�� s�� por alguns dias. Talvez seja melhor a s s i m . . . Isso nos

dar�� a ambos tempo para pensar.

Beijou-a ent��o de leve e viu-a descer o corredor at�� chegar ao

elevador.

Ela se sentia exultante... receosa e feliz. N��o podia estar errado.

O destino �� que fizera Tom viver na suite que fora de Mike. Teria

o seu primeiro verdadeiro caso de amor na cama de Mike.

Embarcou na limusina e ficou pensando nisso. Recordou tudo o

que acontecera naquela noite, tudo o que ele havia dito. Mas algu-

ma coisa a inquietava. Foi a princ��pio apenas uma leve quebra da

sua felicidade. Mas, ao chegar a casa, estava quase em p��nico. Que

276

inten����o tivera ele ao dizer que ambos teriam tempo de pensar?

Seria poss��vel que ele fosse mudar de id��ia? Ou ela o teria afugen-

tado, falando em amor e culpa? Diria quando voltasse: "Pensei

muito no caso, J a n u a r y . . . E acho melhor que nada aconte��a". N��o,

ele n��o faria isso. De repente, ocorreu-lhe a id��ia de que, quando

os seus corpos se haviam enla��ado, ele n��o tivera a menor erec����o.

Absolutamente nada! Oh! Talvez ela nada despertasse n e l e . . . ou

talvez o tivesse afugentado!

277





D E Z E S S E T E


January passou a noite quase sem dormir. Foi de certo modo uma

noite mais atormentada do que a que passara logo depois de saber

que Mike estava casado. Naquela outra noite, ficara sentada diante

da janela, inteiramente atordoada, sem poder sentir mais que um

sentimento de perda irrepar��vel. Esta noite sem sono tinha sido di-

ferente. Fumara um ma��o de cigarros inteiro. O que ele dissera n��o

lhe sa��a da cabe��a. Seria apenas por alguns dias. . . Talvez fosse

melhor. . . Daria a ambos tempo para pensar. . . Mas pensar em

que? Pensar em terminar antes de come��ar. Como podia ela ter sido

t��o insensata? Perguntara se ele a a m a v a . . . Que tinha ele dito?

Afirmara que mentira muitas vezes ao falar de amor, mas que, em

rela����o a ela, a palavra era muito importante. �� claro que ela o ti-

nha assustado. N��o se pergunta logo de sa��da a um homem se ele

tem amor, quando se tem a cabe��a fria. Mas ela n��o era fria. N��o

queria fazer jogos e manobras com Tom. Se houvesse alguma coisa

entre eles, seria j�� bastante dif��cil em vista do casamento dele e n��o

haveria necessidade alguma de jogos. Queria um relacionamento

honesto com ele, queria dizer-lhe o que sentia e quanto o amava.. .

��s nove horas, dirigiu-se com muito pouca vontade ao escrit��rio.

Tinha pensado em telefonar dando parte de doente para n��o ter

de enfrentar Linda. Mas isso teria de acontecer mais cedo ou mais

tarde. Decidiu passar logo por isso e foi diretamente para a sala

de Linda.

Com espanto para ela, Linda sorriu quando a viu entrar.

��� Sente-se. Tome um pouco de caf�� e conte-me os fabulosos de-

talhes.

��� L i n d a . . . e u . . . o que aconteceu ontem �� n o i t e . . .

��� N��o estou aborrecida, January ��� disse Linda, jovialmente. ���

Ou, melhor, n��o estou mais. Devo confessar que ontem �� noite pen-

sei em v��rias formas de suic��dio. Mas esta manh�� fui ao meu analis-

ta e cheguei ao edif��cio dele ��s sete e meia e fiquei esperando por

l�� at�� que ele abrisse o consult��rio. Consegui que ele me desse vinte

278

minutos, embora houvesse uma senhora muito nervosa e j�� na me-

nopausa que tamb��m o esperava. Contei-lhe tudo. Quando acabei,

estava ainda mais nervosa e chorava mais do que a senhora na me-

nopausa. Ele ent��o me disse: "Linda, eu em geral espero que voc��

encontre as suas solu����es pessoais. Mas, desta vez, devo dizer-lhe

que Tom Colt n��o ama nem a voc��, nem a January. O fato de um

homem da idade dele ter tido tantas mulheres prova que ele tem

constantemente de provar alguma coisa a si mesmo. E se ele pre-

feriu January foi sem d��vida alguma porque a relacionou com o

pai dela". Procurou explicar-me ent��o como, ficando com voc��,

Tom Colt est�� querendo atingir seu pai.

��� Oh! ��� exclamou January. ��� Isso mostra que nunca devo pro-

curar um analista.

��� Voc�� n��o teve um na cl��nica na Su����a?

��� Tive, mas n��s nunca fal��vamos sobre assuntos pessoais. Tudo

o que ele me dizia era para me dar confian��a de que eu poderia

andar de novo e voltar para junto de meu pai. S�� isso. O que n��o

compreendo �� como algu��m pode revelar a um homem os seus

pensamentos mais secretos, ainda que se trate de um psiquiatra.

��� O Dr. Galens n��o �� para mim um homem qualquer. �� um

analista freudiano, mas acredita na terap��utica direta para certas si-

tua����es como a de eu ser expulsa da cama para dar-lhe lugar. Mais

tarde, abordar�� ainda o caso de maneira freudiana e mostrar�� como

tudo isso se relaciona com meu passado. Compreenda que, apesar

da opera����o no nariz e tudo mais, ainda tenho dentro de mim uma

meninazinha feia, ansiosa por libertar-se. �� por isso que preciso de

sexo. Tenho de provar que sou bonita. . . J�� com v o c �� . . . tudo tem

rela����o com seu pai. Por exemplo, foi voc�� que provocou o desastre

da motocicleta para punir seu pai por estar dormindo com Melba!

��� Voc�� foi ent��o contar minha vida a esse homem?

��� Claro que contei. Ele acha que voc�� tem um complexo de

Electra. �� por isso que voc�� n��o consegue gostar de David. E l e ��

muito mo��o e bonito, sendo, portanto, muito diferente de seu pai.

��� N��o, Linda! N��o �� poss��vel que voc�� tamb��m tenha contado

isso ao m��dico!

��� Contei, sim. Ele �� meu analista e tem de saber tudo a meu res-

peito e a respeito de todas as pessoas que me cercam. E, como voc��

est�� vendo, ele �� maravilhoso. Compreenda, basicamente sou uma

pessoa muito superficial... N��o, n��o fa��a essa cara, pois eu sei que

sou. Apesar disso, tenho um complexo de superestrela. Infelizmente

n��o posso cantar t��o bem quanto Barbra Streisand. Como atriz, n��o

sou exatamente Glenda Jackson. Ann-Margret n��o tem de se inco-

modar com a minha competi����o como s��mbolo do sexo. Assim sendo,

279

que �� que eu fa��o para ser uma superestrela? Tenho Gloss �� minha

disposi����o. O Dr. Galens me fez confessar que minha dedica����o ��

revista n��o decorre de eu acreditar nela, mas pura e simplesmente

do fato de que EU SOU Gloss. Mas deixemos isso de lado. Eu pago

ao Dr. Galens para p��r a minha cabe��a em ordem. Fale-me sobre

a noite passada. Foi maravilhoso tudo?

��� N��o houve n a d a . . . Conversamos apenas.

��� Fizeram o qu��?

��� Prefiro n��o falar sobre isso, Linda.

Linda fez um sinal cordial de compreens��o.

��� N��o se sinta aborrecida. Com toda a certeza, ele tinha bebido

demais. ��� De repente, mudou de voz e de assunto. ��� Escute, voc��

sabe manejar um gravador de fita?

��� Sei.

��� Est�� bem. Pegue isso ��� disse ela, passando ��s m��os de January

um pequeno gravador. ��� Parece que �� evidente quem vai fazer essa

excurs��o com Tom Colt. Portanto, todas as noites ou todas as ma-

nh��s . . . ligue o gravador e fale sobre a excurs��o. Diga tudo o que

acontece e do seu ponto de vista. Com base nas suas fitas, Sara es-

crever�� a mat��ria. Fale no gravador como se estivesse escrevendo

um di��rio. N��o omita coisa a l g u m a . . .

��� N��o posso fazer isso, Linda.

��� N��o �� da sua vida sexual que voc�� ter�� de falar. Isso voc�� con-

tar�� a mim, embora, a julgar pelo que j�� aconteceu, n��o possa dei-

xar de ser um desastre total ..

��� Que quer dizer com isso?

��� Vejo o que aconteceu com David.

��� Mas eu n��o o amava. E . . . me interesso por Tom Colt.

��� Ou��a, minha filha, amar um homem ou interessar-se por ele

n��o significa necessariamente que voc�� seja maravilhosa na cama.

Algumas das maiores cortes��s do mundo n��o amavam ningu��m, mas

viraram a cabe��a dos homens. O que �� preciso �� requinte e n��o ape-

nas amor. E, neste caso, n��o se trata de apenas um homem. Trata-se

de Tom Colt, uma lenda viva e o mais que se segue.

��� J�� vivi com uma lenda. E era bem humana.

��� Ent��o �� isso? Voc�� se interessou por Tom por isso. Seu pai

revelou as suas falhas e voc�� est�� �� procura de algu��m maior e me-

lhor, que seja o seu super-homem particular Certo?

��� Quer saber de uma coisa, Linda? Creio que voc�� est�� sendo

analisada demais.

280

��� Est�� bem. Mas leve o gravador. Talvez no fim, n��o s�� saiba-

mos como �� Tom C o l t . . . mas fiquemos conhecendo a verdadeira

January Wayne.

Ela tentou falar no gravador a respeito de Tom, com suas pri-

meiras impress��es dele no coquetel e de sua energia e gentileza. Mas,

quando ouviu a fita, tudo lhe pareceu um di��rio de colegial.

Passou um dia horr��vel. E se Tom nunca mais telefonasse? Se re-

solvesse mesmo afastar-se dela? Teria ela posto mesmo tudo a per-

der? ��s quatro horas, saiu do escrit��rio. Talvez, se ela tentasse es-

crever, pudesse diante da m��quina de escrever e de uma folha de

papel em branco descrever desapaixonadamente o seu encontro com

Tom. Depois, trataria de ler tudo no gravador. Resolveu ent��o vol-

tar a p�� para casa a fim de p��r em ordem seus pensamentos. Quis

convencer-se de que tudo acabaria bem, mas n��o podia esquecer

que ele dissera que teriam tempo para pensar.

Qual teria sido a inten����o dele ao dizer isso? S�� podia ser a de

afastar-se dela. Oh, se ao menos Mike estivesse na cidade, se hou-

vesse algu��m com quem ela pudesse f a l a r . . .

Chegou a casa e comunicou-se com o servi��o de atendimento.

Nada. De repente, a sala pareceu fechar-se em torno dela. Garrafas

de coca vazias, cinzeiros cheios de p o n t a s . . . Os vest��gios da noite

torturada se espalhavam por todo o apartamento. Resolveu fazer

uma limpeza. Mas, logo que come��ou, sentiu que tinha de sair dali.

Precisava de falar com algu��m.

Foi ao telefone e ligou para David. Ele atendeu �� segunda cha-

mada.

��� Que agrad��vel surpresa, January! Sabe que �� a primeira vez

que voc�� me telefona?

��� A h . . . b e m . . . estou escrevendo uma coisa para a revista e che-

guei a um impasse. Preciso do ponto de vista de um homem. Quer-

me convidar para jantar hoje, David? Tenho de falar com algu��m.

��� Oh, meu anjo, logo hoje! Tenho um jantar marcado ��s sete e

meia. Mas at�� l�� eu estou livre. Posso ir tomar um drinque em seu

apartamento? S��o apenas cinco e meia.

��� N��o, quero encontrar-me com voc�� em qualquer outro lugar.

Tenho de sair daqui!

��� Por qu��, January? Houve alguma coisa?

��� N��o. �� que eu j�� estou h�� muito tempo presa dentro do apar-

tamento escrevendo.

Ele riu.

��� Estou muito impressionado, sabe? Tenho de estar no East Side

��s sete e meia. Podemos encontrar-nos no Unicorn? Assim, teremos

mais tempo �� nossa disposi����o.

281

��� Est�� bem, David. Estarei l�� dentro de dez "minutos.

��� Dez n��o, quinze. Vou dar um pulo em casa e passar o barbeador

el��trico no rosto.

Sentaram-se a uma pequena mesa no Unicom. David arregalou

os olhos de espanto quando ela pediu um Jack Daniels. Ela detes-

tava o drinque, mas assim se sentia mais perto de Tom.

��� Muito bem ��� disse ele, sorrindo. ��� Agora, diga qual �� a difi-

culdade com que luta a mais nova e mais bela escritora do pa��s.

��� Acontece que estou tentando escrever um conto. Percebi de

repente que o estava escrevendo do ponto de vista da mulher e pre-

ciso tamb��m do ponto de vista do homem.

��� Boa orienta����o a sua ��� disse ele seriamente, ao mesmo tempo

que olhava para o rel��gio. ��� Pode falar.

��� Bem, a minha hero��na gosta de um homem casado, um homem

muito mais velho do que e l a . . .

��� Ele tem netos e tudo isso?

��� N �� o . . . tem um filho pequeno e uma esposa. N��o h�� netos.

��� Qual �� a idade dele?

��� Cinq��enta e muitos.

��� Ent��o, seu conto est�� errado. Um homem de bem mais de

cinq��enta anos j�� deve ter netos e n��o um filho pequeno. D��-lhe

n e t o s . . . e dar�� mais emo����o e verdade ao seu trabalho.

��� Mas n��o �� isso o mais importante. O que interessa no caso ��

o relacionamento entre o homem e a mo��a.

��� Qual �� a idade da mo��a?

Ela tomou um bom gole de bourbon e murmurou:

��� Isso eu ainda n��o resolvi...

��� Acho que ela deve andar pelos trinta e dois. Um homem de

mais de cinq��enta raramente se interessa por algu��m mais jovem.

E se ele tem um filho com a mulher l e g �� t i m a . . . esta deve ter tam-

b��m mais de trinta.

��� Por que a mo��a n��o podia ter vinte e poucos anos?

��� Pode ser, mas s�� se fizer do homem um sujeito dissoluto e des-

prez��vel. Neste caso, voc�� pode p��r em cena at�� uma menina de

quatorze anos. Mas, se ele tem mulher e um filho, tem de gostar

de outra mulher e n��o de uma mocinha.

��� Est�� bem. Vamos supor que ela tem trinta anos e os dois se

apaixonam um pelo outro. A mo��a tem um sentimento de culpa a

respeito da mulher e do filho dele e se recusa a uma liga����o passa-

282

ge��ra. �� louca por ele mas diz que, embora n��o espere que ele aban-

done a esposa por ela, s�� poder�� haver alguma coisa entre eles se

houver a m o r . . .

��� Muito bem. Qual �� o seu problema?

��� Acha que ela faria mal em dizer isso?

��� Mal por qu��? Toda mulher diz isso, ainda que saiba que a li-

ga����o ser�� passageira.

��� N��o �� isso que eu quero dizer, David. Imagine que os dois se

tenham encontrado durante v��rios dias sem sexo. Depois, separa-

ram-se. Ao fim de algum tempo, tornaram a ver-se e quando ele

disse que a queria, ela disse: " V o c �� ter�� de dizer que me a m a . . . "

��� Isso n��o! Para que revista �� que voc�� est�� escrevendo isso mes-

mo, January? Confiss��es Sentimentais? N��o h�� mulher capaz de

exigir que um homem diga que a a m a . . .

��� �� mesmo?

��� Claro. �� a maneira mais r��pida de afugentar o homem.

��� Est�� certo. A mo��a de minha hist��ria �� uma esp��cie de idiota.

E, mais ainda, diz isso quando o homem est�� ��s v��speras de fazer

uma viagem de neg��cios. Ela diz que n��o aceitar�� menos que o

amor e que sentir�� muito a falta dele durante os poucos dias de au-

s��ncia. E ele diz: "�� melhor assim. Isso nos dar�� a ambos tempo

para pensar".

David ficou calado por um segundo. Depois, sorriu e disse:

��� Lindo!

��� O qu��?

��� January, voc�� �� realmente capaz de escrever bem. Que final!

Posso ver a ��ltima linha de seu conto seguida por uma linha de pon-

tos. Voc�� deixa a solu����o �� vontade do leitor. O homem voltar�� ou

n��o voltar��?

Ela tomou outro gole de bourbon.

��� Que �� que voc�� acha, como leitor?

Ele riu ao mesmo tempo que chamava o gar��on.

��� Ela estragou tudo. Nunca mais vai ver o homem!

��� Acha que todo o mundo vai pensar assim?

Ele pagou a conta e disse:

��� N��o. E �� por isso que estou achando t��o b o m . . . As mulheres

pensar��o decerto que ele vai voltar, mas os homens compreender��o.

�� a maior evas��o do mundo aquela frase: "Isso nos dar�� a ambos

tempo para pensar".

��� Voc�� faz tudo parecer t��o definitivo.

Ele se levantou, ajudou-a a vestir o casaco e disse:

��� Quem escreveu foi voc��, meu bem.

283





D E Z O I T O


Na noite seguinte, January aceitou um convite para sair de Ned

Crane, um jovem um pouco chato mas bonito que David lhe tinha

apresentado. Telefonara v��rias vezes, mas ela sempre recusara os

convites. De repente, por��m, tudo lhe pareceu prefer��vel a outra

longa noite insone. Foram a Le Club, incorporaram-se a um grupo

de amigos dele e, por algum tempo, ela se sentiu satisfeita quase

com a algazarra e a atividade febril. Bebeu goles de vinho branco,

deixou-se levar pelo recinto das dan��as e at�� tentou participar da

conversa����o. ��s onze horas, sentiu-se de s��bito esgotada. Procurou

dissimular os bocejos e come��ou a pensar na melhor maneira de sair

dali. Foi salva ��s onze e meia quando algu��m sugeriu que fossem

todos jogar gam��o em casa de Vera. January disse que n��o conhecia

Vera e n��o sabia jogar gam��o. Conseguiu ent��o convencer Ned de

que n��o correria risco de esp��cie alguma se voltasse para casa so-

zinha num t��xi.

Caiu na cama �� meia-noite e estava t��o exausta que dormiu ime-

diatamente. Estava ainda dormindo quando o seu servi��o de aten-

dimento telef��nico ligou para ela ��s oito e meia.

��� Estou entrando de servi��o agora e noto que n��o telefonou para

saber dos seus recados desta noite, Srta. Wayne.

��� Oh! Estava t��o cansada... que nem pensei nisso. N��o liguei

nem o despertador. Muito obrigada pelo telefonema. Tinha mesmo

de me levantar.

��� N��o quer saber de seus recados?

��� Ah, s i m . . . Claro que quero.

��� Sara Kurtz telefonou e disse que esperava algumas fitas hoje.

��� Est�� bem. Muito obrigada.

��� E o Sr. Colt telefonou de Washington.

��� O qu��?

��� O Sr. Colt telefonou de Washington ��s oito e meia da noite e

de novo ��s dez horas. Queria que telefonasse para ele no Hotel

Shoreham.

284

��� Obrigada! Muito obrigada!

��� Desculpe t��-la acordado.

��� N��o! Foi maravilhoso! Eu j�� devia estar mesmo de p��. N��o

sabe quanto lhe agrade��o!

Pegou Tom no Shoreham no momento em que ele ia saindo.

��� Oh, T o m . . . Cheguei a casa �� meia-noite e me esqueci de ligar

para o meu servi��o. Desculpe.

��� Espere um pouco ��� disse ele, rindo. ��� Como est�� voc��?

��� Muito b e m . . . N��o, nada b e m . . . porque estou com saudades

de voc��. E voc�� como vai? Tem tido saudades?

��� S i m . . . Muitas.

��� Quando vai voltar?

��� Na sexta-feira �� noite. Quer jantar comigo?

��� Se eu q u e r o . . . e u . . . Oh! Vou adorar!

��� Est�� bem. Eu lhe telefonarei logo que chegar.

��� S i m . . . Escute, Tom. Talvez, fosse melhor eu telefonar para o

P l a z a . . . de vez em q u a n d o . . . pois voc�� pode n��o me encontrar

enquanto eu vier do escrit��rio para c a s a . . .

��� Encontrarei voc��, January. N��o se preocupe ��� disse ele e des-

ligou.

Passou a manh�� tentando gravar uma descri����o objetiva do co-

quetel oferecido a Tom Colt. A atitude dele, a multid��o que estava

ali, a sensa����o de ter ca��do numa armadilha que colhe um escritor

quando �� guindado �� posi����o de um convidado de honra.

Linda ouviu a grava����o e fez um sinal de aprova����o.

��� Est�� bom. Vou entregar a Sara. ��� Olhou ent��o para January.

��� Que �� que h�� com voc��? Est�� com uma cara terr��vel!

��� Linda, n��o sei o que vou f a z e r . . . Estou com tanto medo!

��� De qu��?

��� Bem, Tom vai chegar a m a n h �� . . .

��� N��o me diga que ainda vai desempenhar o papel da rainha

virgem!

��� N �� o . . . e u . . . eu quero ir para a cama com ele. Mas tenho

tanto receio de que n��o consiga dar-lhe vontade de estar comigo.

��� Um homem como Tom Colt sempre tem vontade. N��o se preo-

cupe.

Janu��ry olhou para as m��os no colo.

��� Linda, quando ele me abra��ou naquela noite no P l a z a . . .

e l e . . . n��o estava usando nada por baixo do r o b e . . . e . . .

��� E ?

285

��� N��o houve nada!

Linda assobiou.

��� Claro! Eu me esqueci! Ele tem quase sessenta anos e bebe

muito. �� uma combina����o fatal. Voc�� tem de come��ar excitando-o

de sa��da com a b o c a . . .

��� N��o sei se poderia fazer i s s o . . . N��o sei nem como �� que se

f a z . . .

��� �� como se fosse um sorvete desses que vem com um pauzi-

nho. .. V o c �� . . . Oh, �� uma coisa que exige uma certa pr��tica. Posso

dizer porque sou perita. Todos os homens dizem isso. Mas voc�� tem

de come��ar um dia. Parte voc�� aprender�� por intui����o. E um homem

como Tom lhe dar�� orienta����o...

��� E se ele chegar ao f i m . . . voc�� sabe?

��� Voc�� engole!

��� N��o!

��� Escute, January, quando se est�� fazendo amor com algu��m de

quem realmente se gosta, �� isso a maior realiza����o e express��o de

amor. O homem ejacula e voc�� recebe e engole parte do homem que

ama.

��� Linda, isso foi a coisa mais revoltante que j�� ouvi! D�� at�� von-

tade de vomitar!

Linda riu.

��� Escute, menina da idade da pedra. �� uma coisa muito boa tam-

b��m para a mulher. �� carregada de horm��nios e �� uma beleza para

a pele. Uso uma m��scara facial com isso sempre que posso.

��� M��scara facial?

��� Sim. Quando Keith estava comigo e faz��amos amor todas as

noites, eu trabalhava com a m��o duas ou tr��s vezes por semana e

antes da explos��o eu preparava um copo. Passava depois para um

vidro e guardava na geladeira. �� como clara de o v o . . . s�� que �� mui-

to melhor. Deixa-se no rosto durante dez minutos at�� endurecer e

ent��o lava-se com ��gua fria. Por que acha que fiquei com aquele

cretino da ag��ncia de publicidade? Consegui quase meio copo dele.

��� Francamente, Linda, estou horrorizada! Como tudo isso �� no-

jento! E u . . .

��� Bem, quando voc�� beijar Tom, se n��o quiser engolir, deixe que

a coisa se espalhe pelo seu rosto, esfregue-a pela p e l e . . .

January deu um pulo da cadeira.

��� N��o posso mais ouvir essas coisas, Linda!

��� Sente-se, menina! Compreendo muito bem que voc�� passou tr��s

anos na Su����a longe de tudo e de todos. E a escola de Miss Haddon

286

n��o era exatamente um lugar onde fosse poss��vel fazer pesquisas

sexuais. N��o estou mandando voc�� fazer nenhuma das coisas de

que lhe falei. Mas j�� �� tempo de voc�� aprender que as pessoas que

fazem essas coisas n��o s��o degeneradas... e que s�� pode fazer-lhe

bem saber dessas coisas.

��� Est�� bem. S�� n��o quero �� engolir ou esfregar em mim essa

coisa.

��� Certo. Mas voc�� tamb��m n��o pode apenas deitar-se e permitir

a ele o prazer de entrar em voc��. �� uma coisa que exige reciproci-

dade.

��� Que �� que devo fazer?

��� Reagir!

��� Como?

��� Oh! ��� Linda levantou-se e deu alguns passos pela sala. Depois,

inclinou-se sobre a mesa, com os olhos no mesmo n��vel dos de J a -

nuary. ��� Voc�� beijou-o tamb��m quando ele a beijou, n��o foi?

��� Foi.

��� E ent��o? Sentiu alguma coisa?

��� Senti.

��� Est�� bem! Quando voc�� estiver na cama com ele e ele lhe bei-

jar os seios, comece a fazer-lhe carinhos.

��� Onde?

��� Ora, January.. . No corpo todo. Comece acariciando a nuca,

beije o pesco��o, as orelhas, o rosto, para ao menos ele saber que

voc�� est�� viva. Mostre que voc�� gosta do que ele est�� fazendo. Agite

o corpo, gema de prazer, morda-o...

��� Morder?

��� N��o para tirar sangue, �� claro. Dentadas leves como as de um

g a t o . . . Passe as unhas pelas costas d e l e . . . Deixe as m��os passa-

rem por e l e . . . depois a l �� n g u a . . .

��� E se eu n��o puder, Linda? Se perder a vontade quando estiver

com ele na cama?

Linda olhou-a por um momento e ent��o estalou os dedos.

��� J�� sei! A que horas vai-se encontrar com ele amanh��?

��� Quando ele voltar de Washington. Vamos jantar juntos.

��� Ent��o, ��s quatro horas, voc�� deve tomar uma inje����o de vita-

mina

��� Inje����o de vitamina?

Linda consultou as suas fichas de endere��os e escreveu numa fo-

lha de bloco um nome e um endere��o.

287

��� Pronto aqui! Dr. Simon Alpert. Ele e o irm��o chamado Pres-

ton s��o fant��sticos. Keith me levou a ele algumas vezes quando es-

tava na mania de cuidar da sa��de. Deve continuar com essa mania,

do contr��rio n��o estaria ag��entando Christina Spencer.

��� Mas como as inje����es de vitamina poder��o fazer que eu me

sinta sexy em rela����o a Tom Colt?

��� Escute, s�� sei �� que, quando Keith me fazia tomar uma dessas

inje����es, o mundo todo explodia... e tudo ficava em tecnocolor.

Trabalhava vinte horas por dia. Tinha orgasmos com Keith que pa-

reciam durar uma hora. Eu era formid��vel na cama sem ser agres-

siva. Keith dizia que eu era agressiva porque estava sempre a dar-

lhe instru����es. �� o chauvinismo masculino dele. Quero dizer, quan-

do ele me estava beijando, qual era o mal de eu dizer que fosse mais

para a esquerda, com mais for��a ou mais de leve? Alguns homens

acham que quando nos lambem, s�� nos cabe uma atitude de reco-

nhecimento. Os que eu mais detesto s��o os que nos beijam simbo-

licamente. Encostam a l��ngua um instante l�� embaixo e ent��o nos

olham como se nos tivessem dado o maior brilhante do mundo. E,

em troca disso, a gente �� for��ada a beij��-los durante horas sem a

menor vontade. Mas, de qualquer maneira, quando eu tomava as

inje����es de vitamina, adorava tudo o que ele fazia sem querer di-

rigi-lo. As inje����es s��o realmente maravilhosas. S��o uma mistura de

vitaminas B com um pouco de vitamina E. O Dr. Alpert prepara a

mistura diante da gente. Procure fazer a consulta com o Dr. Simon

e n��o com o Dr. Preston. O primeiro tem mais jeito com a agulha.

Mas s��o dinamite e t��m de ser mesmo, pois cobram vinte e cinco

d��lares por inje����o. E se Keith tivesse de pagar tanto dinheiro...

sabe como ��. Bem, tomei tr��s inje����es dessas. Acho que t��m alguma

coisa que tira o apetite, pois eu nem queria ver comida. Muitas mu-

lheres gordas as tomam. Ali��s, h�� uma por����o de m��dicos que apli-

cam essas inje����es. H�� um deles que, segundo se diz, tem como

clientes estrelas do cinema, alguns figur��es de Washington, um

grande compositor e v��rios produtores de Hollywood.

��� Por que n��o continua a tomar as inje����es?

��� A vinte cinco d��lares cada uma? O efeito dura cerca de tr��s

dias. Uma mulher que eu conheci na sala de espera do consult��rio

me disse que toma quatro inje����es por semana. Mas depois briguei

com Keith e deixei de precisar de toda essa energia. �� claro que

isso n��o era necess��rio com os Leons que apareceram em minha vida.

��� Mas n��o �� perigoso?

��� Escute, January, voc�� tem vinte e um anos e teve um caso que

detestou com um p��o que n��o lhe agradou. E assim David entrou

pelo cano. Agora, voc�� tem uma oportunidade com Tom Colt e vem

me dizer que est�� com medo de falhar. Pois fique sabendo que, se

288

eu tivesse um encontro em perspectiva com ele, iria correndo para

a Avenida Madison para tomar alguma coisa divina e me preparar

para dar-lhe tudo o que ele merece. Disso eu tenho c e r t e z a . . .

January sorriu.

��� Voc�� fala como se eu fosse uma retardada sexual.

��� N��o, minha filha, n��o h�� nada com voc�� que uma boa sess��o

com um homem em cima de uma cama n��o possa curar. Agora, te-

lefone para o Dr. Alpert e marque hora para hoje �� tarde. N��o vai

mais querer sair da cama. Ah! Passe pela sala de Leon e pe��a um

cheirinho.

��� Que �� isso?

��� �� um tro��o que se coloca num inalador e se deixa na mesinha

de cabeceira. Quando se est�� na hora de gozar, d��-se uma cheirada.

�� fant��stico!

��� Posso-lhe perguntar uma coisa, Linda? Ningu��m vai mais para

a cama com algu��m de quem gosta para um bom amor sem truques

�� moda antiga?

��� Claro, querida. Foi isso que voc�� fez com David!

Ela saiu do escrit��rio ��s cinco horas e correu para casa. Enchar-

cou-se de perfume e tirou duas roupas do arm��rio. Cal��as e uma

camisa; uma saia longa e uma blusa de seda, dependendo do lugar

aonde ele quisesse ir. Vestiu o seu novo soutien Pucci. Com certeza,

Linda achava que os soutiens Pucci estavam fora da moda. Ou, me-

lhor, ela devia achar que todos os soutiens estavam fora da moda.

��s sete horas, estava ainda de soutien, sentada e �� frente do tele-

fone. Tinha fumado meio ma��o de cigarros e tomara um gole de

Jack Daniels. Comprara uma garrafa na hip��tese de que ele fosse

ao seu apartamento. Tinha comprado tamb��m caf�� e ovos. N��o sabia

o que a esperava, mas queria estar preparada.

��s oito horas, telefonou tr��s vezes para o Plaza. De cada vez, a

telefonista confirmou. Sim, tinham uma reserva para o Sr. Colt, mas

ele ainda n��o havia chegado.

Ele telefonou ��s nove horas.

��� Desculpe, January. Os avi��es n��o estavam levantando v��o por

falta de teto. Por isso, tive de vir de trem. Dev��amos chegar ��s seis

e foi por isso que eu n��o telefonei. Mas houve uma hora de demora

em Baltimore. E quer saber do melhor? Tivemos de ficar parados

meia hora em Trenton porque havia uma mulher em trabalho de

p a r t o . . .

��� N��o, Tom! ��� Estava t��o tranq��ilizada com o telefonema dele

que ria �� toa.

289

��� Ou��a! Estou arrasado... ( E l a sentiu um baque no cora����o). ���

Voc�� n��o se incomodaria de n��s jantarmos no Plaza, aqui mesmo

no quarto?

��� Se voc�� est�� t��o cansado que n��o me pode ver, eu compreen-

do, T o m . . . (Santo Deus! Que estava ela dizendo?)

��� N��o. Tenho de comer e estou com f o m e . . . a n��o ser que seja

tarde demais para voc��.

��� N��o. Vou j�� para a��.

��� ��timo. Meu carro j�� a est�� esperando �� porta de seu edif��cio.

��� V o c �� . . . sabia ent��o que eu iria?

��� �� claro. N��o foi voc�� que disse que n��o devia haver jogos en-

tre n��s?

Ele estava esperando �� porta quando ela saiu do elevador e des-

ceu o corredor. Ela se atirou nos bra��os dele e ele a beijou de leve.

��� Voc�� est�� ��tima, January! E n t r e . . . Os bifes j�� v��m a��. Calculei

que uma mo��a apaixonada n��o iria dar muita import��ncia ao que

comesse.

Estava cansado da excurs��o e a detestara do princ��pio ao fim.

Sentira-se como um macaco amestrado, especialmente quando apa-

recera na televis��o. Os atores todos lhe disseram que o admiravam,

mas foi ele que admirou a naturalidade com que eles enfrentavam

as c��maras e conversavam livremente improvisando sem script.

Quando chegou a sua vez, teve a impress��o de que era um animal

pr��-hist��rico ��� enorme, despropositado, deslocado. Mas os homens

do programa haviam-no ajudado e ele se sa��ra mais ou menos bem.

��� Passei a merecer todo livro que vendo ��� disse ele e acrescen-

tou que j�� havia passado para terceiro lugar na lista de best-sellers

do New York Times.

Jantaram e sentaram-se no sof�� para assistir ��s not��cias da televi-

s��o tomando bourbon. Ela bebia lentamente e Tom se mostrou sur-

preso de que ela tivesse querido um copo. Mas January sabia que,

se tivessem de ir para o quarto, ela n��o poderia deixar de sentir-se

descontra��da. De repente, Tom olhou para ela e disse:

��� E s c u t e . . . que era que voc�� acharia da praia?

��� Westhampton?

��� Sim, Hugh me convidou. Podemos dormir l��. Ele passa quase

a noite toda na praia. E disse que se ajeitaria no sof�� se tivesse von-

tade de entrar.

��� Quando?

��� Amanh��. Podemos sair ��s tr��s da tarde. Tenho duas entrevistas

pela manh��.

��� Ser�� ��timo ��� disse ela.

290

Ele se levantou, abra��ou-a e beijou-a delicadamente. Depois, pas-

sou as m��os por dentro da camisa e do soutien dela. January se

lembrou dos conselhos de Linda e passou as m��os pelo corpo d e l e . . .

nas c o s t a s . . . e depois na f r e n t e . . . De repente, ele se afastou.

��� Como j�� lhe disse, estou arrasado e j�� �� tarde. Vamos passar

todo o fim-de-semana juntos.

Pegou o casaco dela e levou-a at�� a porta.

��� January, sabe que n��o mencionou aquilo uma s�� vez?

��� Aquilo o qu��?

��� Amor. Ainda me ama?

��� Ora, T o m . . . Voc�� bem sabe que sim.

Ele sorriu e beijou-lhe de leve os l��bios. Ela gostaria de saber por

que ele havia falado nisso. Ergueu os olhos para ele.

��� E voc�� me ama, Tom?

��� Creio que s i m . . . Na verdade, creio que sim.

Chegou ao consult��rio do Dr. Alpert ��s nove horas da manh�� se-

guinte. Preencheu a ficha que a recepcionista lhe entregou. Estava

um pouco apreensiva. Na noite anterior, Tom tinha interrompido o

a b r a �� o . . . porque n��o tivera uma ere����o. Tinha-se afastado porque

n��o queria que ela notasse. Ela n��o conseguira despert��-lo. .O per-

fume, o soutien Pucci ��� nada disso dera resultado.

Telefonara para Linda �� meia-noite. Quando Linda gritou "Que

foi que aconteceu?" e ela disse "Nada", Linda aconselhou-a a ir

quanto antes ao Dr. Alpert, sen��o poria a perder todo o fim-de-se-

mana.

��� Mas �� poss��vel que um homem ame uma mulher e n��o tenha

uma ere����o por ela?

��� Ora, January, voc�� n��o sabe quantos homens se t��m aproxi-

mado de mim expelindo fogo das ventas mas, quando a gente vai

para a cama, o tro��o deles vira um peda��o inerte de borracha!

��� Linda!

��� Quer parar de gritar "Linda!" e ouvir o que eu estou dizendo?

Tom Colt teve todas as mulheres do mundo. Agora, tem cinq��enta

e sete anos e est�� um pouco cansado. �� a voc�� que cabe anim��-lo.

A simples vis��o de seu corpo de ninfeta n��o vai dar resultado. Voc��

ter�� de agir.

Ela se sentou no consult��rio do Dr. Alpert e preencheu todos os

claros da ficha. Em seguida, a recepcionista levou-a para um cub��-

culo particular equipado apenas com uma mesa de exame. Havia

sete cub��culos no consult��rio e estavam todos ocupados. Quando

January sa��ra de l��, a sala de espera come��ava a encher-se de gente.

291

��� Tire toda a roupa e vista este roup��o de pl��stico ��� disse a re-

cepcionista.

Foi levada ent��o para a sala dos fundos, onde uma enfermeira a

esperava com uma m��quina de tirar eletrocardiograma. F e z sinal

a January para deitar-se na mesa e prendeu os eletrodos.

Quando o eletrocardiograma terminou, a enfermeira levou-a para

outra sala.

��� E agora, Srta. Wayne, vamos tirar um pouco de sangue.

��� Mas eu s�� vim tomar uma inje����o de vitamina. Foi o que eu

disse ao Dr. Alpert hoje de manh��.

��� O Dr. Alpert sempre faz um exame completo na primeira

consulta.

January estendeu o bra��o. Contraiu o rosto quando a enfermeira

lhe tirou o sangue e mais ainda quando ela lhe deu uma espeta-

dela no dedo. Mas tudo isso lhe deu uma sensa����o de confian��a.

Era realmente um m��dico eficiente e completo. N��o era de admirar

que suas inje����es fossem t��o boas.

Foi levada por fim ao seu cub��culo. Sentou-se na mesa de exame

e esperou. O consult��rio j�� estava cheio de gente. Mas ela chegara

cedo de prop��sito, explicando, como Linda aconselhara, que tinha

de pegar um avi��o e de sair dali antes do meio-dia.

Cerca de quinze minutos depois, um homem de meia-idade com

um estetosc��pio pendente do pesco��o entrou com um sorriso cordial.

��� Sou o Dr. Simon Alpert. Qual �� seu problema? Sente-se inquie-

ta? Pela sua contagem de sangue, tem uma ponta de anemia. N��o

�� nada de grave, mas ter�� de fazer subir essa contagem.

Ela notou que o colarinho do homem estava esfiapado e as unhas

sujas. Parecia imposs��vel que aquele homem desleixado controlasse

aquele belo consult��rio em Park Avenue com a enfermeira e a re-

cepcionista t��o antiss��pticas e eficientes. Talvez fosse como Einstein,

que n��o penteava os cabelos e andava por toda a parte de chinelos.

Os dentes tinham manchas de t��rtaro e, desde que o sorriso do ho-

mem era constante, ela n��o podia deixar de examinar-lhe os dentes.

As gengivas n��o estavam tamb��m em bom estado. Era certamente

um homem que precisava de algumas vitaminas.

��� Agora, que �� exatamente que a traz aqui? Sei que foi reco-

mendada pela Srta. Riggs, antiga cliente nossa.

Ela olhou para o lado e ent��o baixou a vista para as suas unhas

imaculadas.

��� B e m . . . e u . . . h�� um homem que eu c o n h e �� o . . .

��� N��o fazemos abortos a q u i . . . e n��o receitamos a p �� l u l a . . .

292

��� N��o �� nada disso. Esse homem �� formid��vel e todas as mulhe-

res o acham fora de s��rie, m a s . . .

��� N��o �� preciso dizer mais nada ��� disse ele. ��� J�� sei de tudo.

Ele a desprezou. E voc�� est�� deprimida e preocupada. Espere aqui.

Saiu do cub��culo, mas voltou da�� a cinco minutos com uma se-

ringa de inje����o na m��o.

��� Isto far�� voc�� se sentir uma nova mulher. Ele voltar��. Eu sei.

��� Ele estava colocando a agulha na seringa. January esperou que

ele tivesse lavado as m��os. ��� As jovens como voc�� se apaixonam e

d��o muito de si mesmas. O hcmem se enfastia e ent��o voc��s come-

��am a telefonar para o h o m e m . . . certo? �� a mesma hist��ria de

s e m p r e . . . Telefonar para o h o m e m . . . suplicar... i n s t a r . . . e

afast��-lo ainda mais. �� a mesma hist��ria de sempre.

Desatou o la��o do roup��o. Este caiu at�� a cintura dela, mas ele

mal lhe notou a nudez. Colocou o estetosc��pio entre os seios dela,

escutou, pareceu satisfeito com o que ouvira e, em seguida, passou

um algod��o com desinfetante pela veia do bra��o dela.

��� Voc�� vai prometer uma coisa ao Tio Simon, sim? N��o telefone

para esse camarada.

Ela sentiu a agulha entrar-lhe na veia. Realmente, ele tinha a

m��o muito leve. Ela n��o sentira dor alguma. Olhou e viu o seu san-

gue refluir para a seringa e ent��o viu-o voltar lentamente para o seu

bra��o juntamente com o l��quido da inje����o. Ele sorriu, ao mesmo

tempo que colocava um peda��o de algod��o no lugar da inje����o.

��� Agora, feche o bra��o assim durante alguns instantes. Suas veias

s��o muito boas.

Era dif��cil de acreditar, mas ela sentiu uma rea����o instant��nea.

Era como se estivesse flutuando no ar, com a cabe��a bem leve, mas

a sensa����o n��o era desagrad��vel. De s��bito, uma admir��vel sensa-

����o de calor tomou-lhe o c o r p o . . . Era como quando lhe haviam

aplicado pentotal em Roma, a mesma espantosa fluidez que lhe

invadia o corpo todo. A diferen��a era que, em lugar do sono e do

vazio que o pentotal causava, ela se sentia estuante de vida. Tinha

uma vontade louca de passar a m��o por entre as pernas, pois era

ali que estava vibrando com uma sensa����o latejante.

O Dr. Alpert sorriu.

��� Est��-se sentindo melhor?

Apertou-lhe o bico de um dos seios e ela riu. Aquilo n��o era

um ato de um velho sujo. Era apenas um gesto de amizade de Tio

Simon.

��� Voc�� vai ficar ��tima ��� disse ele. ��� Num instante a contagem

de gl��bulos vermelhos de seu sangue vai subir. Talvez queira uma

inje����o por s e m a n a . . . ou acertar uma s��rie. Fale com a recepcio-

293

nista. Algumas pessoas gostam de tomar duas inje����es por semana

ou uma dose mais fraca todos os dias. Tenho um cliente com uma

contagem de sangue bem alta, mas que continua a tomar uma in-

je����o todos os dias. �� um famoso compositor e trabalha dezoito ho-

ras por dia. Transfere a sua energia para a sua obra e, por isso, pre-

cisa das inje����es com mais freq����ncia. E voc��s tamb��m precisam,

magrinhas assim, trabalhando o dia inteiro e fazendo amor a noite

toda.

Apertou-lhe ent��o de novo o bico do seio e saiu.

January desceu da mesa e o roup��o caiu ao ch��o. Passou as m��os

pelos seios. Os bicos se endureceram. Havia aquela sensa����o indes-

crit��vel entre as pernas. Tocou-se. Que coisa maravilhosa! Oh, aque-

le belo Dr. Alpert com as unhas sujas e as suas not��veis vitaminas!

Compreendeu que at�� ent��o s�� devia ter funcionado com metade

de seu organismo. Talvez tivesse sido an��mica toda a sua vida. Isto

��, depois do a c i d e n t e . . . Antes disso, sempre se sentira daquele jeito

quando estava ao lado de Mike. E, naquele momento, ela se sentia

de novo viva e consciente! O mundo estava �� espera dela para per-

tencer-lhe!

Vestiu-se rapidamente e fez um cheque de 120 d��lares para pagar

o eletrocardiograma, os exames de sangue e a inje����o. A recepcio-

nista explicou que da�� por diante cada inje����o custaria vinte e cinco

d��lares, a n��o ser que ela quisesse uma s��rie de vinte. Neste caso,

teria de pagar cem d��lares adiantamento. January sorriu. Tomaria

as inje����es �� medida que precisasse e pagaria os vinte e cinco d��-

lares.

Passou pelo Saks e comprou uma gravata para Tom. Foi ��s lojas

Gucci e mandou a Linda um cinto que ela havia admirado, acom-

panhado de um cart��o no qual escreveu: "Muito obrigada pelo Dr.

Alpert".

Foi ent��o para casa e arrumou as malas. Quando a campainha

tocou ��s tr��s horas e o motorista lhe disse que o carro estava espe-

rando, ela desceu o elevador como se estivesse voando, ansiosa pelo

fim-de-semana �� sua frente.

Estava louca para ver Tom! E queria ver Hugh, que tamb��m era

maravilhoso! O mundo inteiro era maravilhoso!

294





D E Z E N O V E


Tom adorou a gravata.

��� Vou us��-la sempre que tiver de aparecer na televis��o ��� disse

ele.

Ele tinha uma garrafa no carro e ofereceu-lhe um drinque. J a -

nuarv recusou, dizendo:

��� Basta voc�� para me embebedar.

Quando chegaram a Westhampton, ela se atirou nos bra��os de

Hugh Robertson. Se ele se surpreendeu com esse cumprimento exu-

berante dela, n��o o demonstrou. Mas ela havia pensado tantas vezes

no dia que todos tinham passado em Westhampton que aquilo lhe

pareceu como uma volta para casa. O grande sof�� e a lareira eram

exatamente como lhe haviam ficado na lembran��a. O barulho da ar-

rebenta����o parecia muito distante, embora ela pudesse ver o mar

pela janela panor��mica da sala. Sentaram-se diante do fogo. Tom

bebia o seu bourbon e Hugh foi para a cozinha a fim de preparar

os bifes. Ela se aconchegou a Tom no sof��, mas de vez em quando

corria para a cozinha e ia ajudar Hugh.

��s dez horas, Hugh levantou-se.

��� Bem, est�� na hora de ir deitar-me nas dunas.

��� Vai ficar gelado ��� disse January.

��� N��o me vou demorar muito esta noite. Tenho uma oficina atr��s

da cozinha com uma cama de campanha e durmo l�� muitas vezes,

achando que n��o vale a pena dar-me ao trabalho de subir a escada,

podem gozar o quarto com a consci��ncia tranq��ila.

Depois que Hugh saiu, January e Tom ficaram olhando o crepitar

do fogo na lareira e escutando o murm��rio das ondas na praia. Ja-

nuary nunca se cansava de olhar as ondas. Havia uma invenc��vel

obstina����o na maneira pela qual ganhavam for��a, dissipavam-se na

praia e ent��o se reagrupavam e voltavam a investir. Faziam-na pen-

sar em crian��as travessas, que corriam pela praia e eram constan-

temente afastadas pela m��e.

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Aconchegou-se mais a Tom e lhe tra��ou o perfil com as pontas dos

dedos. Ele se curvou para ela e beijou-a. Em seguida, apanhou a

garrafa de bourbon, tomou January pela m��o e levou-a para o andar

de cima.

O quarto era um s��t��o adaptado. Uma grande cama com colch��o

de penas dominava o centro do quarto. January jogou-se nela, ati-

rou longe os sapatos e balan��ou o corpo para cima e para baixo.

��� Venha, T o m . . . N��o h�� m o l a s . . . �� como se a gente estivesse

flutuando....

Saltou ent��o da cama e se aproximou dele.

��� Eu te amo ��� disse ela, desabotoando a blusa.

Os olhos deles se fitaram e assim continuaram at�� que ela deixou

cair as cal��as ao ch��o. Lentamente, ela tirou o soutien e saiu das cal-

��as, dizendo com voz suave:

��� Aqui estou eu.

Ele olhou para ela um momento com um lento sorriso. January

passou os bra��os pelo pesco��o dele.

��� Venha, pregui��oso ��� disse ela ao fim de algum tempo, ao mes-

mo tempo que lhe desabotoava a camisa. ��� Vamos para a cama.

Tom virou-se para a c��moda e serviu-se de mais um drinque. T o -

mou-o rapidamente e ent��o estendeu a m��o e apagou a luz. Ela se

deitou na cama e olhou-o enquanto ele se despia na escurid��o. Ha-

via um contraste entre as n��degas brancas e as costas queimadas de

sol. As coxas eram f o r t e s . . . Ele ent��o se virou e jogou-se com tal

��mpeto que a cama rangeu. Ambos riram e se abra��aram. Ele es-

tava por cima dela, apoiando nos bra��os o peso do corpo. Afagou

os cabelos dela e sussurrou na escurid��o:

��� Quero faz��-la feliz, meu bem.

��� Estou feliz, Tom.

Ela enla��ou-lhe o pesco��o e puxou-o para beij��-lo. Ele rolou o

corpo para o lado e abra��ou-a com for��a enquanto se beijavam.

Ela correu os dedos pelas costas dele. Sentia-se tranq��ila e �� vontade

como se os corpos dos dois sempre tivessem ficado assim unidos.

Mas estava ansiosa por ser tocada por e l e . . . por ser dominada e

possu��da por ele.

De repente, ele se afastou um pouco e ela sentiu a l��ngua dele

passar-lhe pelo c o r p o . . . pelos s e i o s . . . pela b a r r i g a . . . Ela lhe agar-

rou a cabe��a. A sensa����o era quente e maravilhosa. Mas ela queria

ser-lhe agrad��vel, fazer qualquer coisa que ele quisesse... A l��ngua

dele estava em sua coxa, os dedos a estavam explorando e todos os

nervos de seu corpo estavam reagindo. A l��ngua dele estava em toda

a parte e ent��o ela teve uma sensa����o verdadeiramente louca, insu-

296

portavelmente admir��vel. N��o podia acreditar que aquilo estivesse

acontecendo... Nunca sentira nada de parecido. G e m e u . . . Todo

o seu corpo se dissolvia numa explos��o de ��xtase. Ela lhe segurou

a cabe��a, estremeceu toda e, afinal, deixou-se cair exausta. Ele se

deitou ao lado dela e lhe acariciou os seios.

��� Gostou, meu bem?

��� Oh, Tom, nunca senti nada de parecido... mas n��s n �� o . . .

isto ��, v o c �� . . .

��� Queria dar-lhe prazer ��� disse ele.

��� E a g o r a . . .

As for��as lhe estavam voltando e ela esperava que ele ent��o en-

trasse nela.

��� Agora, vamos ficar nos bra��os um do outro.

Ela ficou muito parada. Alguma coisa n��o estava certa. Ele a

abra��ava com f o r �� a . . . mas ela se sentia tomada de p��nico. Ela n��o

o havia despertado. Come��ou a beijar o pesco��o dele e a acariciar-

lhe o corpo. N��o sabia muito bem o que devia fazer, mas resolveu

imit��-lo. Ficou por cima dele e come��ou a beijar-lhe o peito. Desceu

ent��o. Mas n��o encontrou uma grande coisa palpitante como a que

David tinha assestado contra e l a . . . O que havia entre as pernas de

Tom era uma, coisa inerte e insignificante do tamanho do polegar

de um homem. Era inacredit��vel. Como era poss��vel que um homem

grande como Tom Colt, viril como ele era, tivesse um p��nis t��o

pequenino? Come��ou a acarici��-lo, mas n��o houve rea����o. Tocou-o

ent��o com os l��bios. Sentiu um s��bito impulso de ternura protetora.

Tom Colt, cuja obra de fic����o era uma explos��o incontida de sexo;

Tom Colt, o homem que as mulheres adoravam e os outros homens

olhavam com inveja; Tom Colt, o s��mbolo da masculinidade, tinha

um p��nis de crian��a! Como isso o devia ter feito sofrer atrav��s da

vida! Ela tinha ficado muito aflita na escola quando viu que os seus

seios n��o se desenvolviam suficientemente. Mas, ao menos, ela tinha

alguma coisa. Mas era horr��vel para um homem n��o ter nada, quan-

do o p��nis era todo o seu atributo amoroso. Era ent��o essa a raz��o

para a viol��ncia que lhe enchia os livros ��� as lutas de boxe, os pe-

rigosos epis��dios de ca��a submarina, os campeonatos de golfe e de

t��nis, as brigas nos b a r e s . . . Sentiu ainda maior ternura no seu amor

por ele. Pobre, pobre Tom! Tinha de escrever as suas fantasias se-

xuais porque n��o podia viv��-las.

De repente, ele a puxou para junto dele.

��� N��o pense que voc�� me falhou, January. Meu prazer �� dar-lhe

prazer.

Ela ficou ali um instante, pensando nas muitas mulheres a quem

ele j�� devia ter dito a mesma coisa. Resolveu de repente faz��-lo

297

sentir como um homem. Come��ou a acarici��-lo. Depois, passava a

l��ngua pelo bra��o dele, pelos quadris, a tantaliz��-lo. Chegava bem

perto, tocava-o ligeiramente com os l��bios e passava para outra parte

do c o r p o . . . Viu ent��o o pequeno p��nis dar sinais evidentes de vida

e continuou com o seu jogo, tocando-o rapidamente e logo se afas-

tando . . . De repente, ele a fez rolar na cama e ficou por cima dela.

Come��ou a mover-se firmemente e cada vez mais depressa, at�� que

ela o ouviu gemer e sentiu o corpo dele parar. Ficou ainda alguns

segundos por cima dela. Olhou ent��o para os olhos dela e disse:

��� Muito obrigado, January.

��� Muito obrigada, Tom.

Ele se deitou ao lado dela e tomou-a nos bra��os.

��� Eu te amo, January.

��� E eu te amo, Tom.

Ele lhe afagou os cabelos.

��� Sabe o que foi que fez por mim? �� a primeira vez que consigo

isso em dez anos.

��� Fico t��o feliz com isso, Tom! ��� disse ela, beijando-lhe o rosto.

Viu que estava molhado de l��grimas e perguntou: ��� Alguma coisa

Tom?

Ele escondeu a cabe��a no ombro dela. Ela o abra��ou e confortou

como o faria com uma crian��a. Ao fim de alguns minutos, levantou-

se e foi at�� a c��moda. Tomou um grande gole de bourbon e disse de

costas para ela:

��� Desculpe, J a n u a r y . . .

Ela se levantou tamb��m e foi para junto dele.

��� Eu te amo, Tom.

��� Desculpe que eu me tenha descontrolado assim. N��o creio que

tenha derramado uma s�� l��grima em mais de vinte anos.

��� Fiz alguma coisa que causasse isso?

��� N��o, querida... ��� Levou-a de novo para a cama e os dois

se deitaram ao lado um do outro. ��� Voc�� me fez muito feliz, Janua-

ry. Creio que as l��grimas que derramei foram por n��s ambos. Por

mim, porque s�� agora encontrei algu��m como voc��. Por voc��, porque

est�� tendo apenas os restos de Tom Colt. N��o que o meu equipa-

mento fosse algum dia melhor. N��o. Um homem s�� pode usar o que

tem. Mas, ao menos, funcionava. Entretanto, nestes ��ltimos dez anos,

recorri a tudo ��� profissionais, afrodis��acos, tudo ��� sem qualquer

resultado. S�� esta n o i t e . . . com voc��.

��� Mas voc�� n��o tem um filho, Tom?

��� Quero que voc�� saiba a verdade. Bem, toda a minha vida as

mulheres se entenderam c o m i g o . . . e aceitaram o fato de eu n��o ser

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excepcionalmente bem servido. Mas queriam ser vistas comigo e,

por outro lado, eu podia satisfaz��-las de outras maneiras. Mas h��

alguns anos eu comecei a pensar em todos os meus anos de trabalho,

na minha extensa o b r a . . . Para quem estava eu deixando alguma

coisa? Quem se iria interessar? N��o tinha ningu��m. Perdi dois irm��os

na Segunda Guerra Mundial. Tenho uma irm�� mais velha que n��o

tem filhos. Foi ent��o que compreendi que queria um filho e resolvi

adotar uma crian��a. Mas a lei exige que se seja casado para adotar

uma crian��a. Comecei a observar as mulheres que conhecia, tentando

descobrir a que poderia ser melhor m��e. Nenhuma delas servia. Ou

j�� tinham filhos de um marido anterior ou declaravam francamente

que detestavam crian��as. Havia apenas nina que parecia preencher

as condi����es necess��rias. Era Nina Lou Brown, uma pequena starlet

que conheci numa festa em Malibu. J�� estava um pouco passada da

idade para ser uma starlet com os seus vinte e sete anos e come��ara

a desistir do cinema, tentando fazer alguns comerciais para a tele-

vis��o. Interessou-se por mim e come��amos a conversar. Disse-me

que era da Ge��rgia e tinha doze irm��os e s�� come��ara a usar sapa-

tos aos doze anos de idade. Gostava de crian��as e disse-me que es-

tava at�� pensando em casar-se com um cameraman seu conhecido

porque ele gostava tamb��m de crian��as e ela achava que j�� estava

passando da idade. A princ��pio, aquilo me pareceu t��o bom que n��o

podia ser verdade... e eu compreendi que ela n��o estava fingindo

porque n��o sabia que eu queria um filho. O dono da casa tinha dois

filhos menores e no fim da tarde o mais mo��o, que tinha cinco anos,

enfiou uma lasca de pau no p��, de um peda��o de madeira que as

ondas tinham jogado na praia. A lasca tinha penetrado profunda-

mente e o menino n��o deixava a m��e tocar-lhe no p��. De repente,

Nina Lou entrou em a����o. Come��ou fazendo um jogo com ele. Disse

que apostava que ele podia ajud��-la a tirar a farpa de madeira. Pe-

diu ent��o um copo de scotch. Meteu uma agulha no u��sque para

esteriliz��-la. Mas disse ao garoto que era para embebedar o p�� dele.

Ora bem, parece incr��vel, mas ele deixou que ela tirasse a danada

farpa e ela estava bem cravada no p��. Quando ela acabou, o garoto

deu-lhe um beijo. E eu n��o tive mais d��vida de que havia encon-

trado a m��e de meu filho.

"Sa��mos juntos durante um m��s. E eu nunca fui para a cama

com ela. Mas pedi-lhe que se casasse comigo e expliquei o meu pro-

blema. Foi Nina Lou que teve a id��ia. Insemina����o artificial. Isso

nunca me havia ocorrido. Casamo-nos, procuramos um m �� d i c o . . .

Foram precisos v��rios meses, mas deu resultado. E h�� seis meses ela

me deu um filho.

January tinha.ouvido tudo em sil��ncio. Tom acendeu um cigarro

e passou-o a ela.

299

��� Agora, voc�� j�� sabe a hist��ria de minha vida.

��� Oh! Voc�� deve realmente ter muito amor por essa mulher.

��� Amor, n��o. O que tenho �� gratid��o. Nunca a amei. Mas gosto

dela pelo que me deu. Em troca, dou-lhe inteira liberdade sexual.. .

contanto que ela seja discreta. H�� um jovem ator com quem ela se

encontra de vez em quando. Mas ela �� uma grande m��e para o pe-

queno Tom. E ela gosta de ser a Sra. Tom Colt ��� gosta do prest��-

gio, das festas para que �� convidada, da casa em M a l i b u . . . E o

casamento vai dando certo, se �� que se pode chamar a isso de ca-

samento . . . Mas eu n��o posso querer que uma mulher de vinte e

nove anos desista do sexo normal pelo resto da vida. Mas ela gosta

do menino e . . .

��� Tom, o que aconteceu entre n��s esta n o i t e . . . Voc�� tentou real-

mente com ela? Tive a impress��o de que voc�� n��o ia nem tentar

comigo.

��� �� claro que tentei. Ela tinha certeza de que podia conseguir

milagres. Sofri a humilha����o de deix��-la tentar todas as noites, at��

que chegamos �� conclus��o de que n��o havia possibilidade. Nunca

esperei que acontecesse alguma coisa entre n��s esta noite. Mas que-

ria que voc�� soubesse a verdade.. . January, agora voc�� j�� sabe o

que fez por mim. Ainda que isso nunca mais aconte��a, eu lhe serei

grato pelo resto da vida.

��� Vai acontecer outras vezes.

��� N��o me posso divorciar, January. Nina Lou jamais concordaria

e eu n��o posso desistir de meu filho. Quero que ele tenha tudo de

bom na vida. Foi por isso que concordei em fazer essa excurs��o. T e -

nho bastante dinheiro para viver muito bem at�� ao fim da vida.

Mas quero deixar minha mulher e meu filho em boa situa����o. ��� L e -

vantou-se da cama e voltou com a garrafa. ��� Quer mais um antes

de dormir?

��� N��o, muito obrigada. J�� estou bem feliz assim.

Ele tomou um grande gole.

��� N��o sei como posso traduzir isso em palavras, mas a verdade

�� que amo voc�� como nunca amei nenhuma mulher. Nunca disse a

verdade a meu respeito sen��o a Nina Lou e a voc��. A ela, foi por

necessidade; a voc�� foi porque eu quis. Tenho sido mesquinho e at��

canalha com quase todas as outras mulheres. Tenho dito a elas que

n��o me interessam, dando a impress��o de que, com uma boa mu-

lher, eu poderia ter uma ere����o perfeita. N��o sei por quanto tempo

voc�� me vai querer, mas, enquanto quiser, vai ser �� sua maneira,

sem enganos, nem disfarces. Amarei voc�� sem reservas e, se me qui-

ser como eu sou, perten��o inteiramente a voc��.

300

��� Oh, Tom, eu amo voc��. Quero voc�� e estarei com voc�� sempre

que me quiser e enquanto me q u i s e r . . . para sempre. Conosco, ser��

para sempre, eu juro!

Ficaram deitados juntos e, ao fim de algum tempo, ela percebeu

pela respira����o regular de Tom que ele tinha adormecido. Ela ainda

estava sem sono e queria fumar um cigarro. Queria tamb��m p��r em

ordem as suas id��ias. Ela o amava, desde que o tamanho do p��nis

de um homem n��o era um bar��metro do amor. Tinha de convenc��-lo

disso.

Saiu da cama com cuidado para n��o acord��-lo, vestiu o robe e

desceu a escada. A sala estava deserta e o fogo na lareira estava

quase apagado. Colocou alguns jornais na lareira e mais um tronco.

Dentro em pouco, o fogo estava de novo crepitante. Sentou-se no

sof��, em cima das pernas, olhou para o fogo e pensou em Tom. Ela

sempre tinha pensado que todos os homens eram mais ou menos

iguais em constitui����o. Sabia que alguns homens eram maiores que

outros... mas n��o fazia id��ia de que algu��m pudesse ser como Tom.

Pensou de repente no pai. Seria ele avantajado como David? Sem

d��vida, tinha de ser. Mas o pobre T o m . . . Suas emo����es eram con-

fusas. Pensava nele com um instinto de prote����o, mas tamb��m com

ternura e desejo. Era o desejo de estar nos bra��os dele, de sentir-lhe

o peito nu de encontro aos seus seios, de sentir a proximidade dele

e os seus l��bios nos dele. Que era isso sen��o amor?

Ouviu a porta abrir-se e compreendeu que era Hugh que estava

atr��s dela. Ele deu a volta e ficou �� frente de January, depois do

que olhou para cima.

��� Est�� dormindo ��� disse ela. ��� Acabou a garrafa de Jack Daniels.

Hugh foi at�� a mesa que lhe servia de bar e deixou cair uma dose

de scotch.

��� Quer um tamb��m, January?

��� N��o. Prefiro uma coca.

Ele entregou-lhe a garrafa e perguntou:

��� N��o quer comer alguma coisa? Deve estar com fome. Quase

n��o comeu na hora do jantar.

Ela se espregui��ou.

��� Estou-me sentindo maravilhosamente bem. N��o preciso de co-

mida.

Hugh pareceu preocupado.

��� N��o fa��o id��ia de como �� a vida conjugal dele, January, mas

sei que ele adora o filho.. .

��� Sei perfeitamente que ele nunca se casar�� comigo. N��o preo-

cupe com isso.

301

��� Voc�� o ama?

��� Amo.

��� Ele se sentou ao lado dela.

��� J�� vi algumas mulheres se apaixonarem por ele. Todas elas se

julgavam capazes de dominar a situa����o. Mas, quando ele se afas-

tou, tiveram de recorrer aos entorpecentes.

��� Hugh, at�� que ponto voc�� conhece Tom?

��� N��o sei se algu��m conhece Tom a fundo. Dou-me com ele h��

seis anos. Conhecemo-nos quando ele estava escrevendo sobre a con-

quista espacial num de seus livros. Ele foi a Houston fazer algumas

pesquisas e n��s fizemos boa amizade. Quando fui para Los Angeles,

ele acabara de divorciar-se e eu fui morar com ele. Apresentou-me

a algumas das mulheres que tinha rejeitado. Eu n��o estava em boas

rela����es com minha mulher, mas tinha a id��ia de que era preciso

esperar at�� que os filhos estivessem em idade de compreender. Hoje,

sei que jamais compreendem, mesmo quando est��o crescidos, casa-

dos e com filhos. Minha filha ��� que Deus a proteja! ��� tem um fi-

lho de tr��s anos e me disse :"Papai, por que voc�� e Mam��e se se-

pararam. . . depois de tantos anos?" Mas espere! Por que �� que estou

divagando assim? Voc�� me faz uma pergunta simples e eu come��o

a desenrolar a hist��ria de minha vida, quando voc�� quer saber ��

de Tom. At�� que ponto conhe��o Tom? N��o sei. Conhecer Tom n��o

�� f��cil. Somos bons amigos e sei perfeitamente que, se algum dia

precisasse, poderia contar com ele. Ele sabe tamb��m que pode con-

tar comigo. Somos bem parecidos em algumas coisas. Um homem

como Tom se isola na sua obra e os seus personagens se tornam ele

ou vice-versa. Eu me isolo no meu trabalho e, a bem dizer, nem

conhe��o meus filhos.. .

Come��ou ent��o a falar sobre sua fam��lia e sobre o in��cio de sua

carreira como aviador. January escutava atentamente, compreenden-

do que ele se estava descarregando de suas culpas ��� de seu casa-

mento fracassado e da falta de contato com os filhos. Ela lhe disse

que ele n��o se devia sentir culpado, pois estava apenas seguindo o

seu pr��prio destino.

��� Julga realmente que as pessoas devem fazer o que o cora����o

lhes pede? ��� perguntou ele.

Ela respondeu afirmativamente e, de repente, lhe pareceu estra-

nho que ela estivesse a dar conselho a Hugh Robertson, mas sentia

que naquele momento era capaz de resolver todos os problemas.

Falaram sobre o mist��rio da vida, sobre o sistema solar, sobre o

infinito. Hugh explicou que o conceito da exist��ncia de vida in-

teligente al��m de nosso sistema solar era um fato em geral reconhe-

cido. Estava certo de que nos s��culos vindouros haveria comunica-

302

����o entre os sistemas solares. Haveria sat��lites em cadeia que se

estenderiam pelo espa��o como uma gigantesca ponte que ligasse

os planetas e os sistemas solares.

��� Mas qual ser�� o meio de comunica����o que teremos com os

homenzinhos verdes? ��� perguntou January.

��� Por que acha que ser��o verdade? Se um planeta estiver em re-

la����o a outro sol na mesma posi����o da Terra em rela����o ao Sol, ser��

habitado necessariamente por seres parecidos conosco.

��� Acha ent��o que pode haver outra Terra? Com uma ra��a su-

perior?

��� Milh��es delas. Algumas bilh��es de anos mais adiantadas do

que n �� s . . . e, sem d��vida, outras bilh��es de anos mais atrasadas.

Ficaram em sil��ncio depois disso. Por fim, ela disse com um sor-

riso triste:

��� Isso torna muito pequeno em compara����o tudo o que fazemos

ou pensamos. Quero dizer, quando se pensa que em todos esses ou-

tros mundos h�� gente que reza a Deus como n��s, parece insignifi-

cante que eu tenha pedido a Deus que me ajudasse a a n d a r . . .

��� Andar?

Ambos se voltaram e viram Tom descer a escada. Estava vestido

com um robe e tinha na m��o uma garrafa vazia.

��� Acordei e descobri que estava sem minha pequena e sem be-

bida. ��� Desceu e se sentou ao lado de January. ��� Estavam falando

em andar? L�� fora? S��o quase duas horas da madrugada.

��� N��o ��� disse Hugh. ��� January estava dizendo como pediu a

Deus para aprender a andar.

��� N��o estava como sono ��� disse ela, aconchegando-se a Tom. ���

Hugh e eu convers��vamos sobre as estrelas.

��� E por que voc�� teve de aprender a andar? ��� perguntou Hugh.

��� �� uma hist��ria muito comprida.

��� Parece que eu lhe contei umas hist��rias bem compridas esta

noite ��� disse Hugh. ��� Agora, �� sua vez.

Ela come��ou a falar com alguma hesita����o. Depois, reviveu sem

esfor��o todos aqueles meses sem esperan��a. O fogo na lareira se apa-

gou, mas nenhum dos homens pareceu notar isso. Enquanto ela fa-

lava, Tom a contemplava com os olhos cheios de compaix��o e admi-

ra����o. Compreendeu que nunca dissera a ningu��m quanto realmente

sofrera. Tinha dito a Linda apenas os fatos. O pr��prio Mike nunca

soubera da total desola����o em que ela vivera, porque ela sempre

se mostrara muito animosa diante dele. Mas, sentada ali na escuri-

d��o, com o bra��o de Tom passado por ela, derramava todo o sofri-

303

mento e toda a solid��o por que passara. Quando ela acabou, houve

alguns minutos de sil��ncio. Por fim, Tom se levantou:

��� Acho que todos agora precisamos de um drinque.

Hugh se serviu de um scotch.

��� Quer scotch? Infelizmente, n��o h�� bourbon na casa.

��� Vim preparado ��� disse Tom. ��� Mandei o chofer levar uma

caixa para a cozinha. J�� volto.

Hugh viu-o deixar a sala. Levantou ent��o o copo para January,

que estava ainda encolhida no sof��.

��� Tenho agora um retrato inteiramente novo de voc��. E creio que

tudo vai correr bem entre voc�� e Tom. Parece que encontrei uma

mulher de verdade numa mocinha magra!

A porta da frente se abriu t��o silenciosamente que nenhum deles

ouviu os dois homens entrarem. January sentiu de repente a m��o

de um homem cobrir-lhe a boca e viu o brilho da faca que lhe era

encostada ao pesco��o. No mesmo instante, o outro homem acendeu

uma lanterna no rosto de Hugh.

��� Muito bem, meu velho! Se n��o quer ver sua pequena morta,

entregue-me as j��ias e p dinheiro. Se gritar ou pedir socorro, meu

companheiro cortar�� o pesco��o dela.

��� N��o h�� dinheiro, nem j��ia ��� disse Hugh com a voz rouca.

��� Deixe de conversa fiada, sim? ��� O homem dominava Hugh,

pois tinha quase dois metros de altura. ��� Na semana passada, as-

saltamos um casal na praia. Tivemos de amea��ar castrar o homem

para que a mulher dissesse onde estavam os an��is. Quem vem passar

o fim-de-semana na praia n��o pode deixar de ter dinheiro e j��ias.

��� Ela n��o tem an��is, nem j��ias de esp��cie alguma ��� disse o ho-

mem que estava com a faca encostada ao pesco��o de January.

Hugh esvaziou os bolsos. Alguns trocados.. . duas notas de cin-

c o . . . algumas notas de um d��lar e as chaves.

��� Isso �� titica ��� disse o gigante. Olhou ent��o para cima. ��� Fique

com ela a��. Vou subir com este camarada para ver se o conven��o

a me dizer onde �� que ele guarda as coisas.

January ficou sozinha com o homem da faca. Onde estava Tom?

A cozinha ficava um pouco afastada. Se ela n��o gritasse, ele n��o

a poderia ouvir. Olhou para o bandido que estava respirando pesa-

damente e com o rosto contra��do num esgar. Era um homem pe-

queno, que n��o devia chegar �� altura do ombro dela. Mas tinha

uma faca e esta estava encostada ao pesco��o dela.

O homem estendeu uma das m��os e desamarrou o cinto do robe

dela. Este se abriu e o homem arregalou os olhos para o corpo nu

de January. Fez uma careta maliciosa.

304

��� Ah! Voc�� e o velhote estavam prontos para um pouco de a����o,

hem?

Ela fechou os olhos e tentou n��o gritar quando as m��os ��speras

do homem lhe tocaram os seios. Ele ent��o correu o fecho das cal��as

e se mostrou.

��� Bem grande para um camarada pequeno como eu, hem? Mas

tudo tem suas compensa����es. Por exemplo, meu companheiro l�� em

cima. Grand��o como ele s��, mas s�� se interessa por neg��cios. Eu, n��o.

Gosto de combinar neg��cios com prazer. Isso quer dizer que eu e

voc�� vamos fazer um pouco de amor, ouviu? Arrancou-lhe o robe.

��� Saia da��!

��� Por f a v o r . . . ��� murmurou January.

��� Oh, talvez goste de fazer essas coisas com conforto, n��o ��?

Com certeza, quer deitar-se no sof�� comigo por c i m a . . . Uma ova!

O que voc�� quer �� uma chance de passar a m��o na faca. N��o, me-

nina! Voc�� vai ficar �� de quatro p��s. Assim, n��o ter�� condi����es de

reagir. Vamos! De quatro p��s!

��� Por f a v o r . . . N��o vou pegar sua f a c a . . .

��� Claro que n��o vai pegar porque eu n��o vou deixar. E, j�� que

est�� falando tanto, vou dar outro servi��o �� sua boca, entendeu?

Vamos!

Obrigou-a a ficar de joelhos e ent��o aproximou o p��nis do rosto

dela. A repulsa foi t��o grande que ela se esqueceu do medo. Deu

um salto e atravessou a sala correndo. Num instante, o homem agar-

rou-a pelo bra��o e come��ou a esbofete��-la. Empurrou-a para o ch��o.

��� De joelhos, sujeitinha ��-toa! Nada de truques mais, ouviu?

Vou enfiar-lhe uma coisa com tanta for��a que lhe vai sair na gar-

ganta!

Quando ele se aproximou dela, January deu um grito. Os reflexos

do bandido fizeram-no dar um pulo para tr��s. Mas logo depois Ja-

nuary sentiu a l��mina fria encostada ao pesco��o.

��� Est�� tentando acordar os vizinhos? Fique sabendo que n��o h��

ningu��m em casa, nem de um lado, nem do outro. J�� estivemos l��

e s�� encontramos alguns radinhos de pilha. Nada que valha a pena.

Mas n��o d�� mais nem um pio, est�� bem? Isso me tiraria todo o pra-

zer, pois eu teria de cortar seu pesco��o antes de andar com voc��.

Mas ela continuou a debater-se enquanto ele a fazia ajoelhar-se.

Viu ent��o a sombra de Tom �� porta. Ele tinha ouvido o grito dela!

Com um ��ltimo impulso de energia, ela torceu o corpo para des-

vencilhar-se do bandido. Mas o homem a agarrou. Estava respiran-

do ofegantemente e ela o sentiu contra o corpo quando ele fez uma

in��til tentativa de penetr��-la. Ela sabia que Tom se estava aproxi-

mando atrav��s da sala. Ela fez um esfor��o final e se livrou de novo

305

das m��os do homem. Ele lhe cravou as unhas raivosamente no peito,

puxando-a para ele. Tom estava atr��s do homem naquele momento.

Ela ouviu ent��o o baque da garrafa que atingiu a cabe��a do ho-

mem. O homem deu um gemido, largou-a e escorregou para o ch��o.

Tom tomou-a nos bra��os. Ela solu��ava nervosamente.

��� Oh, Tom! Ele estava tentando... Se voc�� n��o n��o tivesse che-

gado a t e m p o . . .

Ele pegou o robe dela e ajudou-a a vestir-se. Ela batia os dentes

e apontou para cima.

��� H�� o u t r o . . . Um gigante.. . Est�� l�� em cima com H u g h . . .

Tom olhou para o homem inconsciente no ch��o e entregou a gar-

rafa a January.

��� Preste aten����o! Se esse patife fizer qualquer movimento, d��-lhe

uma pancada na cabe��a com a garrafa. Com toda a for��a! Lembre-se

do que ele queria fazer com voc��!

Em seguida, dirigiu-se para a escada. Havia um barulho de luta

l�� em cima. Era evidente que o gigante estava come��ando a casti-

gar Hugh. Tom subiu a escada cautelosamente, um degrau de cada

vez. Um degrau estalou. January prendeu a respira����o. O homem es-

tendido no ch��o moveu-se ligeiramente. January vacilou com a gar-

rafa na m��o. Mas o homem gemeu apenas e voltou �� inconsci��ncia.

Ficou satisfeita. Sabia que n��o poderia golpe��-lo assim ca��do. Se

ele a atacasse, seria diferente. Olhou-o. Era um homem pequeno

e feio com uma barba de dois dias no rosto. Havia nele um cheiro

de sujeira e decad��ncia. Entretanto, com os olhos fechados e a boca

entreaberta, tinha um ar estranhamente pat��tico e inocente.

Tom subia a escada p�� ante p��. Houve de novo barulho de luta

no quarto. M��veis eram arrastados e parecia que o teto vinha abai-

xo. Tom come��ou a subir a escada mais depressa. No momento em

que chegou ao alto da escada, a porta se abriu e o gigante apareceu.

Ficou parado uma fra����o de segundo, at��nito ao ver outro homem.

Correu os olhos de Tom para seu c��mplice, estendido inconsciente

no ch��o. Com um palavr��o gutural, pulou sobre Tom e ambos ro-

laram pela escada. Foi Tom quem primeiro se levantou, mas o gran-

d��o se atirou sobre ele.

��� Deixei seu amigo quase morto l�� em cima ��� vociferou ele. ���

Mas com voc�� vou acabar o servi��o.

Deu um soco no est��mago de Tom, que se encurvou todo, mas se

levantou cambaleando. Dessa vez, o homem procurou atingir-lhe o

queixo. Tom se abaixou, esquivando-se. Procurava ganhar tempo

para recuperar o f��lego, mas o gigante n��o lhe deu chance. Asses-

tou-lhe outro murro arrasador no est��mago e Tom caiu.

306

January estava como que petrificada ao ver o homem aproximar-

se. Viu ent��o a faca no ch��o e apanhou-a. Correu ent��o para o outro

lado da sala. O gigante riu.

��� Quer brincar um pouco, n��o ��? Quer que Big Henry tire a fa-

quinha da m��o da menininha, n��o ��?

Marchou para ela. January saltou para tr��s do sof��. Ele foi atr��s

dela e January correu para o outro lado.

��� T O M ! HUGH! SOCORRO!

O homem riu.

��� S�� n��s dois �� que estamos acordados, m o �� a . . .

Aproximou-se e ela hesitou. Se ela tentasse feri-lo com a faca e

errasse, tudo estaria acabado para todos. Tinha de ganhar tempo.

Deu a volta para o outro lado do sof��. O gigante estava rindo.

��� Deixe disso, menina. Voc�� �� bem boa. Eu at�� que gostaria de

ter tempo para gastar com voc��.

Chegou mais perto. January recuou e quase trope��ou no homem

ca��do no ch��o. Ela ouviu Tom come��ar a mover-se. O homem ouviu

tamb��m e seu sorriso desapareceu.

��� Muito bem, cachorrinha. Acabou-se a brincadeira.

Saltou por cima do sof�� e agarrou-a. Ela tentou cort��-lo com a

faca, mas ele lhe torceu o bra��o. January deu um grito de dor e dei-

xou a faca cair ao ch��o. O gigante apanhou a faca, empurrou January

para o lado e encaminhou-se para Tom, que j�� estava de p��.

��� Muito, bem, distinto. Desta vez, voc�� vai-se arrepender de ter

acordado.

Avan��ou para Tom a fim de feri-lo na garganta com a faca, mas

Tom se abaixou e, ao mesmo tempo, deu um soco no queixo do ho-

mem. Mas o gigante mal pareceu sentir o soco. Avan��ou para Tom,

rindo. Tom recuou alguns passos e ent��o se encolheu como um gato,

esperando. O homem se aproximou, brandindo a faca. Tom n��o se

moveu. O homem chegou mais perto. De repente, Tom saltou como

uma pantera e deu uma cutilada com o lado da m��o na traqueia

do homem, ao mesmo tempo que lhe atingia o queixo com um soco.

Tudo aconteceu t��o depressa que January quase n��o p��de acre-

ditar quando viu o homem por terra como um saco de papel. Em

seguida, Tom subiu a escada para dar socorro a Hugh. January

acompanhou-o. Hugh estava no ch��o, come��ando a recuperar a cons-

ci��ncia. O queixo estava come��ando a inchar. Um olho estava fe-

chado, mas ele conseguiu for��ar um leve sorriso.

��� Estou v i v o . . . mas acho que n��o fui de grande a j u d a . . . N��o

estou mais em muito boa forma para lutar.

Desceram. O homenzinho come��ava a voltar a si. Hugs correu

para o telefone. Tom i��-lo parar.

307

��� Que �� que vai fazer?

��� Chamar a pol��cia. S��o toxic��manos. O bra��o do grand��o est��

todo picado de marcas de agulha.

��� Largue esse telefone, Hugh. Vamos pegar algumas cordas e

amarr��-los. Depois lev��-los-emos de carro para longe daqui e assim

os deixaremos. Se chamarmos a pol��cia, January ser�� envolvida no

caso. Voc�� sabe como s��o os jornais.

Hugh foi buscar as cordas, enquanto Tom procurava reanimar o

gigante com palmadas no rosto. Quando Hugh voltou, Tom ainda

estava procurando febrilmente reanimar o homem e lhe massageava

a nuca. Mas o homem estava inerte como um boneco de pano.

��� N��o podemos jog��-los na praia ��� disse Tom. Morreriam ge-

lados.

��� N��o vai acontecer nada ��� disse Hugh, que come��ava a amar-

rar os homens. ��� S��o viciados e os viciados n��o sentem o frio.

��� Hugh, tenho a impress��o de que este homem est�� morto, ���

disse Tom, levantando-se e olhando para o gigante estendido no ch��o.

Hugh curvou-se sobre o homem, tomou-lhe o pulso e encostou a

m��o ao pesco��o dele.

��� Estou sentindo uma leve pulsa����o.

��� Temos ent��o de lev��-lo para um hospital. Hugh, voc�� vai levar

January no carro para Nova York. January, v�� vestir-se imediata-

mente.

Era uma ordem e January subiu a escada sem discutir.

��� E voc�� que �� que vai fazer? ��� perguntou Hugh.

��� Logo que voc��s dois sa��rem, telefonarei para a pol��cia e pedi-

rei que venham, com uma ambul��ncia. Direi que queria escrever

alguma coisa e voc�� me emprestou a casa. Contarei ent��o que es-

tava na cozinha e eles entraram. Foi ent��o que os surpreendi...

��� Por que voc�� n��o leva January para Nova York? Eu pedirei a

ambul��ncia e contarei a mesma hist��ria �� pol��cia. Tenho certeza de

que January prefere assim.

��� Seria poss��vel ��� disse Tom. ��� Mas note uma coisa: sua altura.

Voc�� nunca poderia atingir a traqueia desse camarada, a menos

que ele se abaixasse para lhe ser agrad��vel. E eu ainda tenho a m��o

esfolada para provar que fui eu.

January desceu com a mala. Estava muito p��lida e se abra��ou com

Tom enquanto Hugh sa��a para preparar o carro.

��� Ouvi seus planos. E se os homens falarem e disserem que havia

tr��s pessoas aqui?

308

��� S��o viciados e sujeitos a alumina����es. Ser�� minha palavra con-

tra a deles. N��o se preocupe.

Ouviram a buzina do carro. Tom levou-a at�� a porta.

��� Oh, Tom! Pensei que ��amos passar todo o fim-de-semana jun-

tos e n��o apenas uma noite.

Ele sorriu.

��� �� verdade, mas voc�� tem de reconhecer que foi uma noite bem

movimentada.

309





V I N T E


January e Hugh tinham feito a viagem em sil��ncio, imersos nos

seus pensamentos. A noite fora sucedida por uma madrugada p��lida

quando chegaram a Nova York. O aquecedor do carro estava insu-

portavelmente quente, mas January estremeceu. Tudo em Nova

York parecia por demais triste e cinzento. Westhampton e toda a

viol��ncia que tinha ocorrido pareciam tremendamente irreais. Hugh

parou o carro diante do edif��cio dela. As ruas estavam desertas. Um

vento frio fazia orlarem peda��os de papel pelas cal��adas.

��� Sem porteiros, os edif��cios parecem mortos ��� murmurou ela.

Hugh sorriu e lhe bateu na m��o.

��� Suba e procure descansar, January.

Ajudou-a a sair do carro e os dois ficaram parados diante do edi-

f��cio. Os dentes de January batiam do frio matinal.

��� Voc�� deve estar cansado e entorpecido de dirigir ��� disse ela.

��� Meu caf�� n��o �� muito bom, mas se voc�� quiser um pouco.. .

��� N��o. A pol��cia de Westhampton �� muito gentil, mas tamb��m

muito exigente. Tom �� muito capaz de resolver tudo sozinho, mas

creio que se sentir�� melhor se eu estiver l��. ��� Beijou-lhe o rosto e

acrescentou: ��� Sabe de uma coisa? Quero cancelar algumas das

advert��ncias que lhe fiz t��o profusamente no princ��pio. Houve al-

guma coisa entre voc�� e Tom que nunca aconteceu com qualquer

outra. N��o estou dizendo isto apenas porque vejo que voc�� �� uma

mulher apaixonada. Estou dizendo isto porque observei Tom, vi

a maneira pela qual ele a olhava e a atitude dele.. . �� uma coisa in-

teiramente diferente. Agora, v�� descansar um pouco que n��s lhe

telefonaremos logo que tudo estiver resolvido.

Quando ela entrou no apartamento, foi como se o tempo tivesse

parado. Tudo estava em desalinho como ela deixara depois de ar-

rumar a mala. As cal��as nas costas de uma cadeira, a camisa em

cima da cama ��� sinais inertes de um passado distante. Muita coisa

tinha acontecido em vinte e quatro horas.

310

Foi at�� a geladeira e serviu-se de uma coca. Lembrou-se ent��o

de que nada tinha comido. Hugh havia brincado dizendo que ela

n��o gostara da comida dele. Pensou em preparar uns ovos. Mas, por

algum motivo, a simples id��ia de comida lhe era repulsiva. Sentia-se

cristalinamente l��cida, inteiramente desperta e vibrante de energia.

Teve vontade de sair na manh�� deserta e dar um passeio. Olhou da

janela. Uma densa n��voa cobria o ar. Ela sentia que, se pudesse

sair e estender os bra��os, poderia magicamente dissipar a n��voa

a fazer surgir o sol. Ela era mais forte do que a n��voa, mais forte

do que qualquer elemento... Como Hugh tinha dito, ela era uma

mulher apaixonada. Mas n��o podia sair. Tinha de esperar o tele-

fonema de Tom.

Fumou sem parar, tomou outra c o c a . . . Era ainda muito cedo para

telefonar para Linda e, al��m disso, n��o queria que seu telefone es-

tivesse ocupado quando Tom chamasse. Ligou a televis��o. Num dos

canais, havia um serm��o. Mudou para outro canal e encontrou um

desenho animado. Mais adiante, havia um velho filme de Van John-

son com o som t��o ruim que ela n��o podia entender quase nada.

Desligou a televis��o. Lembrou-se ent��o do servi��o de atendimento

telef��nico. Tinha-se esquecido de telefonar embora n��o esperasse

nada de importante.

A telefonista de servi��o estava aborrecida.

��� Srta. Wayne, seria bom que n��o se esquecesse de ligar para

n��s. Ou, ent��o, deixar um telefone para o qual possamos ligar se

ficar ausente por muito tempo. Seu pai ficou muito zangado. Parece

que pensava que n��s t��nhamos a culpa de sua aus��ncia. Afinal de

contas, n��s somos apenas um servi��o de atendimento telef��nico e

n �� o . . .

��� Quando foi que ele telefonou?

��� Na sexta-feira, ��s dez horas da noite. Estava hospedado no

Plaza e queria que a senhora telefonasse para l��. (��s dez horas da

noite de sexta-feira ela estava no Plaza e se esquecera de telefonar

para o servi��o...) Tornou a telefonar no s��bado ��s nove e meia da

manh��. Queria que almo��asse com ele. (Ela estava no consult��rio

do Dr. Alpert). Telefonou de novo ao meio-dia. ( Estava no Saks fa-

zendo compras). Outra vez ��s cinco, ��s sete e, por fim, ��s dez da

noite. Partiu para Palm Beach e pede que telefone para l��.

Olhou para o rel��gio. Oito e dez. Esperou at�� as nove horas e

ligou para Palm Beach.

��� Onde era que voc�� estava? ��� perguntou Mike.

January riu.

��� Voc�� n��o vai acreditar, Mike, mas eu me esqueci de telefonar

para o meu servi��o telef��nico. Sa�� de manh�� para fazer compras.

311

Sa�� de novo �� tarde e houve um desencontro com seus telefonemas.

Sa�� �� noite para j a n t a r . . . Desculpe. Como se foi em Gstaad?

��� Otimamente. Dee chegou em segundo lugar no torneio. Ela foi

diretamente de avi��o para Palm Beach, mas eu fiquei em Nova York

porque queria ver voc��. Em vez de ir para o apartamento no Pierre,

hospedei-me no Plaza, pois achei que voc�� ia gostar. Mas n��o pude

conseguir minha velha suite... Imagine s�� quem est�� com ela? Tom

Colt! Mas consegui uma id��ntica, num andar mais baixo. E fiquei

ali ��� como um noivo deixado ao p�� do altar ��� esperando minha

pequena!

��� Oh, M i k e . . .

��� N��o tem import��ncia. Mas Dee n��o sabe de nada. Disse a ela

que nos t��nhamos visto. N��o quis que ela fizesse mau ju��zo a nosso

respeito.

��� �� claro, Mike.

��� Agora ou��a. Vamos ficar aqui at�� a P��scoa. E n��s esperamos

que voc�� e David venham passar aqui o fim-de-semana. Dee vai dar

a sua ��ltima grande festa. E eu tenho uma surpresa para voc��.

��� Que ��?

��� O Festival de Cinema de Cannes.

��� O qu��?

��� Lembra-se de termos conversado sobre o Festival na Su����a e

da vontade que voc�� tinha de ir at�� l��? Pois bem, h�� um torneio de

gam��o em Monte Carlo mais ou menos na mesma ��poca e eu j�� con-

venci Dee a ir. Vamos ficar no Hotel Carlton de Cannes. Voc�� j��

tem vinte e um anos e eu posso lev��-la ao Cassino e ensinar voc�� a

jogar Chemin de Fer e bacar��. Veremos todos os f i l m e s . . . e todos

os meus velhos amigos do cinema. E pode ser que eu tenha ainda

outras surpresas para voc��.

��� Quando vai ser tudo isso, Mike?

��� Vai come��ar em maio. Mas calculo que, se chegarmos l�� por

volta do dia quinze, teremos toda a a����o que quisermos. Isso dar��

a Dee uma chance de voltar de Palm Beach a Nova York e abrir o

apartamento do Pierre. N��s dois poderemos ir ver as pe��as em car-

taz, se David deixar. Mas eu tenho de lhe ensinar a jogar gam��o.

Estou indo muito bem e vou acabar jogando forte. Por enquanto,

estou ainda jogando a cinco d��lares o ponto. Mas vai ser apenas uma

quest��o de t e m p o . . .

��� Sente-se feliz, n��o ��, Mike?

��� Estou jogando e ganhando e �� s�� isso que importa, ao menos

para mim.

��� Fico satisfeita com isso.

312

��� Como v��o as coisas entre voc�� e David?

��� Ele �� muito bom rapaz.

��� S�� isso?

��� Acho que s i m . . .

��� H�� mais algu��m em cena?

��� S i m . . . M i k e . . . ��� Ela percebeu que ia dizer-lhe. E l e com-

preenderia. ��� M i k e . . . conheci algu��m... e a c h o . . . Acho n��o, eu

sei.

��� Quem �� ele?

��� �� um homem casado, Mike.

��� Continue ��� disse ele de repente com voz ��spera.

��� N��o me diga que est�� escandalizado.

��� N��o, mas isso me desgosta. Quando eu tinha os meus casos era

com vagabundas. Era isso exatamente que eu pensava delas, ainda

que fossem estrelas, pois, todas elas sabiam que eu era casado e ti-

nha uma filha. Por isso, quando voc�� com vinte e um anos, uma

mo��a que tem tudo e �� amada por um homem como D a v i d . . .

��� O amor tem de ser rec��proco, Mike.

��� Quer dizer ent��o que, com tantos homens para escolher, s��

p��de interessar-se por um que �� casado? E, sem d��vida, com filhos.

��� Tem um.

��� Ele pode conseguir um div��rcio?

��� N��o sei. E l e . . .

��� N��o me diga mais nada. Estou vendo tudo. Um camarada de

publicidade talvez com mais de trinta anos, cansado da mulher com

que se casou e que mora em Westchester...

��� N��o �� nada disso, M i k e . . .

��� Diga-me uma coisa, January. J�� teve alguma intimidade com

esse homem?

Ela n��o podia acreditar nem na pergunta, nem na maneira pela

qual fora feita. Parecia que um pregador �� que havia falado e n��o

Mike. N��o podia dizer mesmo a ele. Ele n��o compreenderia. Era

terr��vel ter de esconder aquilo de Mike, Murmurou:

��� Ora, Mike, n��o �� nada de s��rio. Eu disse apenas que tinha co-

nhecido a l g u �� m . . .

��� J�� a orientei alguma vez erradamente, January? Agora, escute

o que lhe vou d i z e r . . . N��o veja mais esse homem. Ele n��o a pode

respeitar desde que voc�� lhe d�� aten����o sabendo que ele �� casado.

��� Mike, voc�� est�� falando como um homem de tr��s gera����es

a t r �� s . . .

313

��� Estou falando com minha filha. E pouco me interessa que as

coisas tenham mudado. �� claro que h�� mais liberdade sexual. Sem

d��vida, voc�� n��o me escandalizaria se dissesse que tinha ido para

a cama com D a v i d . . . digamos.. . alguns meses antes de casar-se

com ele. Ou que j�� foi para a cama com ele e ele n��o conseguiu

despert��-la. S��o essas as coisas de hoje. �� essa a nova liberdade, a

grande transforma����o. Mas os homens n��o mudam de emo����es com

a mesma rapidez e devo dizer-lhe que eles n��o respeitam uma mu-

lher que vai para a cama com eles, sabendo que s��o casados. N��o

importa o que digam ��� que a mulher �� apenas uma esposa nomi-

nal, que dormem em quartos separados ou qualquer outra coisa. A

verdade �� que quando est��o em casa deitam-se com as mulheres,

ainda que seja apenas por piedade. Sei disso porque j�� passei por

essa situa����o. O sentimento de culpa faz esses homens respeitarem

ainda mais as esposas, que chegam quase a parecer umas santas. Na

realidade, quanto melhor �� a outra na cama, mais culpados eles se

sentem. E quando a culpa se torna por demais pesada e a outra

quer mais do que alguns encontros por semana ou uma viagem

clandestina e se mostra muito exigente, �� abandonada e o homem vol-

ta para a esposa durante algumas semanas at�� encontrar outra pe-

quena que lhe agrade. N��o me venha com essa conversa de liber-

ta����o do sexo. Um homem casado �� um homem casado em 1950,

1960 ou 1970. As leis e a moral podem mudar, mas as emo����es e os

sentimentos continuam os mesmos.

��� Est�� bem, Mike. Acalme-se. Eu estou muito bem.

��� Ent��o est�� certo. Volte para David ou para algum camarada

como ele. D�� um pouco de felicidade a seu velho. Vou telefonar

para voc�� qualquer dia desta semana. Tenho de sair agora para meu

golfe. Estou jogando golfe por dinheiro grosso porque, quando se

est�� com sorte, �� preciso aproveitar. Foi o que eu sempre disse.

Desligou o telefone. January afastou-se, foi at�� a janela e olhou

distraidamente para o p��tio vazio. Tinha sido uma insensatez pen-

sar que Mike seria capaz de compreender. Ainda que ele n��o ti-

vesse tomado aquela atitude, ela nunca poderia ter-lhe contado tudo.

E, se ele n��o soubesse do problema ��ntimo de Tom, n��o haveria

meio de convencer Mike de que Tom realmente a amava e que o

amor deles era diferente de todos os casos que ele tinha tido. Pen-

sou em T o m . . . e no amor e na ternura que tinha dentro do cora-

����o. Conseguira dar um pouco de felicidade ��quele homem grande,

forte e extraordin��rio.

O telefone tocou. Ela quase torceu o p�� quando correu para aten-

der e j�� ia dizer "Al��, Tom", quando percebeu que n��o era ele. Era

Mike.

314

��� Escute, n��o posso ir jogar golfe deixando essa nuvem entre

n��s. Se esse camarada for realmente um bom sujeito e estiver dis-

posto a se divorciar, desde que voc�� goste realmente d e l e . . .

��� Ora, Mike, n��o �� nada disso que voc�� est�� pensando.. .

��� Neste caso, quero que me desculpe.

��� Est�� tudo certo, Mike.

��� Adoro voc��, menina. E voc�� j�� deve saber que n��o h�� nada que

n��o possa contar a seu velho. Certo?

��� Certo, Mike.

��� Voc�� gosta de mim?

��� �� claro.

��� Muito bem. Vou-Ihe telefonar qualquer destes dias.

Passou o resto do dia sentada ao lado do telefone. Tom s�� tele-

fonou ��s cinco horas da tarde.

��� Mandei o carro busc��-la. Quer vir para o Plaza?

��� Sem d��vida, Tom. Voc�� est�� bem?

��� E s t a r e i . . . logo que vir voc��.

O tr��nsito estava dif��cil e ela se sentiu nervosa durante toda a

viagem para o Plaza. Quando chegou ao hotel, correu do elevador

at�� a suite dele.

Parecia cansado e abatido, mas foi com um sorriso feliz que a to-

mou nos bra��os. Sentou-se no sof�� e tomou um copo de bourbon en-

quanto falava a ela da situa����o. O homem estava em coma, mas ele

n��o seria acusado de coisa alguma. O gigante tinha uma ficha muito

grande de pris��es na pol��cia. Ainda estavam fazendo investiga����es

sobre o c��mplice dele.

��� N��o sei como voc�� fez isso ��� disse ela. ��� J�� havia bebido muito.

��� Quando eu brigo, �� para valer ��� disse ele com um sorriso triste.

��� J�� perdeu alguma vez?

��� Perdi alguns dentes apenas. Mas h�� em mim um instinto san-

guin��rio que me faz sempre querer vencer. Isso me preocupa porque

eu posso matar algu��m. O que dei naquele sujeito foi um golpe de

carat��. Procurei n��o atingir em cheio a traqueia dele. Foi minha sor-

te. Se ele fosse atingido em cheio, estaria morto. Jurei uma vez a

mim mesmo que s�� faria isso quando minha vida estivesse em perigo.

��� E n��o estava?

��� N��o. Eu poderia t��-lo dominado com os punhos. No carat��, ���

reproduziu o movimento com a m��o, ��� quando se atinge a pessoa

no lugar certo a s s i m . . . est�� tudo acabado.

Ela passou a noite com ele e mais uma vez conseguiu despert��-lo

para terem rela����es normais. A gratid��o dele foi transbordante e,

315

quando ele a tomou nos bra��os e disse quanto a amava, January

soube que ele estava sendo sincero.

No dia seguinte, Tom foi assediado pelos rep��rteres. O caso de

Westhampton foi divulgado em todos os jornais. Era a esp��cie de

epis��dio que os jornais sempre associavam a Tom Colt. Ao meio-dia,

a pol��cia tinha identificado o homem baixo. Era procurado em Chica-

go pela viola����o e morte de tr��s mulheres. O caso passou a ter im-

port��ncia nacional. A policia de Chicago tinha chegado. Os telefo-

nes n��o paravam. A suite estava cheia de policiais e rep��rteres.

Rita Lewis dirigia o fluxo dentro de um ��xtase. January tinha sa��-

do ��s oito e meia, antes da hora marcada para a primeira entrevista

e antes que as not��cias se espalhassem. Naquela tarde, Tom telefo-

nou para o escrit��rio de January e disse:

��� Isto aqui �� um verdadeiro hosp��cio. At�� o F B I est�� metido no

caso. Eu talvez tenha de ir a Washington amanh�� para prestar de-

poimento sobre o baixote. E, para c��mulo de tudo, o c��mplice dele

se chama Henry Morse, �� casado e tem dois filhos. Pois bem, a mu-

lher dele constituiu um advogado para receber de mim uma inde-

niza����o de um milh��o de d��lares pelos danos f��sicos ao marido dela.

��� N��o vai conseguir nada, n��o ��? ��� perguntou January.

��� Claro que n��o, mas vai fazer-me perder tempo. No fim, vai

contentar-se com algumas centenas de d��lares.

��� Mas por que voc�� tem de pagar alguma coisa a ela? Aquele

homem queria matar a todos n��s.

��� �� mais f��cil pagar do que perder tempo na justi��a. O advogado

dela sabe disso. Infelizmente, as coisas s��o assim. Quem disp��e de

tempo de sobra e nada tem a perder acha que a simples amea��a de

um aborrecimento far�� os outros pagarem... e�� assim que acontece.

��� Que coisa horr��vel, Tom!

��� De qualquer maneira, �� melhor voc�� ficar um pouco afastada

durante os pr��ximos dias. O baixote ��� chama-se Buck Brown ��� j��

falou da presen��a na casa de uma mo��a de cabelos castanhos com-

pridos. Ningu��m acredita nele, mas �� bom que voc�� n��o seja vista

comigo at�� essas coisas serenarem.

��� Qual o tempo que voc�� calcula?

��� Alguns dias apenas. Meu editor est�� radiante. �� como se eu

tivesse feito tudo isso de prop��sito para promover o livro. J�� tivemos

mais de oito mil encomendas nestas ��ltimas vinte e quatro horas. J��

v��o tomar provid��ncias para outra grande reedi����o. Todos esperam

que eu passe ao primeiro lugar na lista de best-sellers ainda nesta

semana.

��� Maravilhoso, Tom!

316

��� Eu ia chegar l�� pelos meus pr��prios m��ritos. Chegaria ao ter-

ceiro lugar nesta semana. �� horr��vel pensar que um golpe de carat��

me leve ao primeiro lugar.

��� Se n��o houvesse o livro, n��o haveria golpes de carat�� que o

fizessem vender-se. Voc�� sabe muito bem disso.

��� Diga-me uma coisa, January. Como foi que consegui viver at��

hoje sem voc��?

��� E eu estou pensando �� em como vou passar estes dias sem

voc��.

��� Manterei contato com voc�� pelo telefone. E, na primeira opor-

tunidade que houver, estaremos juntos de novo.

Tom partiu para Washington naquela tarde e telefonou para ela

�� meia-noite.

��� Vou passar alguns dias aqui. Desde que tamb��m estou traba-

lhando um pouco pelo livro, tudo vai bem. E outra coisa. O tal Buck

Brown, o que a amea��ou com a faca no pesco��o, poderia ter matado

voc��. O programa dele �� esse: violar e depois matar. E l e se associou

ao gigante h�� algumas semanas porque est��o ambos envolvidos em

drogas. S��o ao mesmo tempo traficantes e usu��rios. Mas o baixinho

parece que �� paran��ico. Acredita-se que ele j�� matou seis mulheres

e a lista ainda n��o est�� encerrada. Ele mesmo confessou que, depois

de violar uma mulher, n��o pode deixar de mat��-la. Sabe de uma coi-

sa, querida, Acho que vou deixar de beber. Imagine que eu tivesse

bebido mais um pouco e ficasse o tempo todo dormindo... Que ��

que lhe poderia ter acontecido? B e m . . . estarei de volta no fim de

semana. Procure descansar. Passaremos o fim-de-semana juntos.

��� Mas n��o em Westhampton.

��� Claro que n��o. No Plaza. A�� mesmo, na velha Nova York. Ah!

E, January, pelo amor de Deus, n��o diga a Linda que voc�� estava

presente quando tudo isso aconteceu. Afinal de c o n t a s . . . eu depus

sob juramento.

N��o tinha sido f��cil. Quando se soube da hist��ria, Linda se trans-

formara num Torquemada.

��� Onde era que voc�� estava quando tudo isso aconteceu? Voc��

n��o disse que ia passar o fim-de-semana em Westhampton com ele?

��� N��o. Passei apenas o dia de s��bado. �� noitinha, ele me mandou

embora porque tinha de trabalhar.

��� E n��o aconteceu nada?

��� Bem, parece que aconteceu muita coisa depois que eu sa��.

��� N��o �� isso que eu estou perguntando. N��o aconteceu nada na

cama?

��� Tudo correu ��s mil maravilhas, Linda.

317

��� Est�� dizendo a verdade?

��� Estou, sim.

��� Mas a que horas foi isso?

��� Pelo amor de Deus, Lindai S�� sa�� de l�� ��s dez horas.

��� E foi bom?

��� F o i . . .

��� Voc�� n��o parece muito entusiasmada.

��� Estou apenas cansada... Dormi muito pouco.

��� Voc�� n��o est�� com bom aspecto, January. Est�� ficando muito

magra.

��� Eu sei. Vou jantar bem hoje e deitar-me cedo.

Mas ela n��o tinha jantado. E, depois de falar com Tom, tamb��m

n��o p��de dormir. Toda uma semana sem e l e . . . De repente, todo

o seu sentimento de bem-estar se desvaneceu.

Na manh�� seguinte, acordou cansada e com o pesco��o duro. Foi

trabalhar na revista e ��s tr��s horas n��o teve a menor d��vida de que

estava doente. Linda lhe disse que fosse para casa.

��� N��o compreendo, J a n u a r y . . . Quase tudo quanto �� mulher

vende sa��de quando ama. Voc�� parece que est�� definhando...

Meteu-se na cama. Mas sentia arrepios de frio e come��ou a tremer.

N��o conhecia nenhum m��dico e n��o queria aborrecer Linda. Pensou

ent��o no Dr. Alpert. Devia ser um bom m��dico, a julgar pelos exa-

mes todos a que a fizera submeter-se. Telefonou para o consult��rio,

mas a recepcionista lhe disse que ele n��o fazia visitas domiciliares e

que seria conveniente que ela passasse imediatamente pelo consul-

t��rio.

A sala de espera estava repleta, mas a recepcionista a levou para

uma pequena sala de exame e disse:

��� Espere a�� que ele j�� vem.

Cinco minutos depois, o Dr. Alpert apareceu. Olhou para ela, fez

um gesto com a cabe��a, saiu e voltou com uma seringa de inje����o.

��� N��o vai tomar minha temperatura? ��� perguntou ela. ��� Sei que

as vitaminas ajudam a todos. Mas eu n��o estou passando bem. Pare-

ce que vou ter alguma coisa.

O m��dico passou a m��o pela testa dela.

��� Nem sono, nem comida, excesso de energia... Quando foi

que comeu pela ��ltima vez?

Ela tentou pensar. Tom tinha falado de ter ela deixado a comida

toda no prato na noite anterior e naquela manh�� ela mal havia con-

seguido comer um peda��o de torrada.

318

��� Acho que foi na sexta-feira... Tenho beliscado alguma coisa.

Mas n��o estou com fome.

��� Est�� bem. Prometo que isto aqui vai deix��-la em ordem.

Ela estava de cal��as e camisa. Arrega��ou a manga e estendeu o

bra��o, mas ele sacudiu a cabe��a.

��� Tire as cal��as. Vou-lhe dar uma inje����o intramuscular.

Ela deixou cair as cal��as e se deitou de lado. A agulha penetrou

na n��dega com facilidade. Mas n��o houve qualquer sensa����o de

euforia. Ela se sentou e abotoou as cal��as.

��� N��o estou sentindo nada ��� disse ela.

��� N��o est�� aqui para sentir coisa alguma. Est�� aqui porque n��o

se sente bem.

��� Eu sei, mas da ��ltima vez senti-me maravilhosamente bem com

a inje����o de vitamina.

��� Quando voc�� est�� bem, a inje����o a faz sentir-se maravilhosa-

mente. Quando est�� doente, a faz sentir-se melhor.

Ela se sentou na mesa de exame e olhou para ele. Tinha de reco-

nhecer que n��o sentia mais o pesco��o duro. Mas n��o havia nem sinal

da magn��fica euforia que experimentara anteriormente. Passou pela

sala de espera e pagou vinte e cinco d��lares �� recepcionista.

Voltando a p�� para casa, notou que os tremores tinham passado.

Sentia-se mais forte e as dores no pesco��o e nas costas tinham de-

saparecido. Mas n��o se sentia mais com a capacidade de conquistar

o mundo.

Tom voltou na tarde da sexta-feira e ela correu para o Plaza a fim

de encontrar-se com ele. Ele parecia mais forte e um pouco menos

aflito. Abriu uma garrafa de Jack Daniels e insistiu para que ela o

acompanhasse.

��� Eu disse que ia deixar e, na verdade, tenho reduzido muito a

quantidade, mas temos de comemorar. Acabo de receber a not��cia

de que no pr��ximo domingo estarei em primeiro lugar na lista dos

best-sellers. E parece que vamos fazer uma grande venda para o

cinema. A Columbia, a Metro, a Century, a Twentieth e alguns bons

produtores independentes j�� fizeram propostas muito interessantes.

E a melhor not��cia de todas �� que o grand��o vai escapar. J�� saiu do

estado de coma e eu n��o terei de carregar essa culpa nas costas. ���

Em seguida, meteu a m��o no bolso e tirou uma caixa embrulhada

para presente. ��� Isto n��o �� a rigor um presente. Foi uma coisa que

vi por acaso numa vitrina e n��o pude deixar de pegar para voc��.

Ela abriu o embrulho. Era uma bela ��charpe de seda em que es-

tava escrito o nome "Capric��rnio".

��� Oh, Tom! Adorei! E, ainda mais do que o presente, adorei que

voc�� tivesse pensado nisso.

319

Mas, quando foram para a cama naquela noite, ela n��o conseguiu

despert��-lo. Ele a abra��ou e tentou n��o dar import��ncia ao caso.

��� Estou cansado demais ��� disse ele. ��� E n��o diminu�� a bebida,

como tinha prometido. Vamos ambos ter uma boa noite de sono.

Amanh��, vai ser diferente.

Na manh�� seguinte, ela disse que tinha hora marcada no dentista.

Ele a aconselhou a desmarcar, mas ela disse que estaria de volta no

come��o da tarde.

Ela correu diretamente para o consult��rio do Dr. Alpert sem te-

lefonar antes. Felizmente, havia pouca gente e o Dr. Alpert estava

sorridente como sempre. Disse que o aspecto dela estava bem melhor

e ela disse que tinha comido e dormido em horas regulares. Era qua-

se como se ela estivesse mostrando os deveres de casa a um pro-

fessor. (Veja como eu sou boazinha. Agora vai-me dar a inje����o de

vitamina de verdade?) Esperou ansiosamente enquanto ele sa��a

para ir buscar a inje����o. Sentiu o cora����o bater mais forte quando

o viu voltar com a seringa na m��o.

N��o tinha vestido o roup��o de exame, mas tirou a blusa e esten-

deu o bra��o.

��� Voc�� me promete comer.. . ainda que n��o tenha fome?

Ela fez um veemente sinal afirmativo e o m��dico lhe passou pelo

bra��o o torniquete de borracha. Viu a agulha entrar na veia. Um

pouco de sangue refluiu na seringa e foi injetado de novo no bra��o.

Mais uma vez, sentiu o fant��stico impulso el��trico de energia es-

palhar-se por toda ela. Sentiu-se renascida. Estava pela primeira

vez inteiramente v i v a . . . Os seus sentidos percebiam cores e chei-

ros in��ditos. E o melhor de tudo era aquela sensa����o de poder. Nada

havia que ela n��o pudesse conseguir. Todo o seu corpo vibrava e

ela se sentiu como se estivesse tendo um orgasmo. Estava ansiosa

para voltar para junto de Tom. Vestiu a blusa, abra��ou o m��dico,

fez um cheque para a recepcionista e correu para a rua. Estava frio,

mas ela sabia que a primavera estava a caminho. Tudo de bom es-

tava a c a m i n h o . . . O Plaza ficava a poucas quadras de dist��ncia,

mas ela tomou um t��xi. N��o podia esperar at�� ver-se nos bra��os de

Tom.

Ele estava falando ao telefone quando ela chegou. Era uma en-

trevista pelo interurbano e ela esperou pacientemente enquanto ele

responda ��s perguntas habituais. De vez em quando, olhava para

ela e sorria. Deu ent��o um suspiro. O homem estava fazendo per-

guntas a respeito da correla����o entre o enredo e a qualidade liter��-

ria do romance. Tom tentou ser polido.

��� Ou��a, n��o quero entrar nesse setor. Jamais critico a obra dos

outros escritores. Sei o trabalho que d�� escrever at�� um mau romance.

320

Mas o homem era persistente. January aproximou-se e passou os

bra��os pelo pesco��o dele. Tom ainda estava de robe. Ela come��ou

a beijar-lhe o pesco��o. Depois, deu a volta e sentou-se no colo dele

e aconchegou-se em seus bra��os abaixo do telefone. As m��os dela

se meteram por baixo do robe. Ele sorriu, mas segurou-lhe uma das

m��os e tentou continuar a entrevista. Ela come��ou a beijar-lhe o

rosto. Por fim, ele disse:

��� Ou��a, creio que j�� tratamos de tudo e eu tenho outro compro-

misso com hora marcada. Estou at�� em cima da hora, de modo que

pe��o que n��o leve a mal, mas vamos ficar por aqui. ��� Desligou,

abra��ou-a e disse rindo: ��� Voc�� acaba de destruir uma entrevista.

��� Ora, voc�� estava mesmo querendo acabar.

��� Bem, eu t e n t e i . . . mas quem acabou foi voc��.

Ela lhe abra��ou o peito nu. Em seguida, abriu a blusa e desabo-

toou o soutien, comprimindo os seios contra o corpo dele.

��� Eu te amo, Tom. De verdade.

Levantou-se e levou-o para o quarto.

Depois, quando estavam deitados juntos, ele disse:

��� Como lhe vou agradecer?

��� Agradecer o qu��, Tom?

��� N��o me ter dado uma chance de preocupar-me com o que

aconteceu ontem �� noite. Por ter-me despertado agora, a tal ponto

que foi o melhor que j�� aconteceu entre n��s.

Ela o beijou violentamente.

��� Foi maravilhoso, n��o foi?

��� Foi para voc��? Para mim foi porque procedi normalmente...

mas nada houve com voc��.

��� Houve, sim, Tom.

��� J�� se esqueceu do nosso trato, January? Completa honestidade.

Nunca minta para m i m . . .

��� Tom, uma mulher n��o �� como o homem. N��o tenho de chegar

todas as vezes ao orgasmo. Basta senti-lo nos meus bra��os e saber

que lhe estou dando prazer para ser mais mulher do que jamais o

fui.

Os olhos dele brilharam na penumbra do quarto.

��� N��o poderei mais viver sem voc��, January! Nunca mais!

��� N��o vai viver sem mim, Tom! Estarei �� sua espera sempre que

vec�� me quiser.

Ele lhe deu uma palmada.

��� Bem, vamos tomar um banho. Gosta de pedalar?

��� Se eu gosto de qu��?

321

��� De andar de bicicleta?

��� N��o s e i . . . Foi coisa que eu nunca fiz.

��� Bem, j�� est�� em tempo de aprender.

Alugaram bicicletas e passaram a tarde no Central Park. Ela apren-

deu quase imediatamente. O equil��brio dela era bom e em breve

ela o estava passando nas pistas de bicicletas. Depois, foram a um

cinema na Terceira Avenida, comeram pizza e voltaram para o Plaza.

Quando se amaram de novo, foi perfeito e Tom insistiu em satisfa-

z��-la at�� ela lhe pedir que parasse.

No dia seguinte, foram de bicicleta ao centro da cidade. Tom le-

vou-a �� Pra��a Irving e mostrou-lhe a casa onde Mark Twain vivera.

Apontou a casa de pedra onde Oscar Wilde se hospedara durante

a sua visita aos Estados Unidos. Foram a um pequeno restaurante

franc��s e ele contou hist��rias sobre Sinclair Lewis ��� era mo��o na-

quela ��poca e Lewis "Vermelho" estava na sua fase teatral. Falou

sobre os seus encontros com Hemingway e com Tom Wolfe, que en-

sinava na Universidade de Nova York. Contou o come��o de sua

vida. Nascera em St. Louis e viera para Nova York, onde conseguira

um emprego no Sun. Passara um breve tempo em Hollywood. Tinha

conhecido todos ali, num tempo em que os escritores eram olhados

com desd��m pela ind��stria cinematogr��fica.

��� Foi por isso que eu nunca fiz um roteiro cinematogr��fico de

qualquer de meus livros, sem ligar para as propostas de dinheiro

que me fazem. Escrevi muitas baboseiras adaptadas ��s estrelas na

d��cada de 40 e prometi a mim mesmo que, se algum dia chegasse a

ser um romancista, nunca mais escreveria um script de filme.

Nas duas semanas seguintes, o tempo e os dias se fundiram num

labirinto sem sentido para January. Procurava concentrar-se no seu

trabalho na revista. Mas sua vida s�� tinha conte��do quando ela es-

tava em companhia de Tom. Acordava todas as manh��s nos bra��os

dele, tomava caf�� ��s pressas com ele e sa��a antes que Rita Lewis

chegasse. Passava pelo seu apartamento para trocar de roupa, corria

para o consult��rio do Dr. Alpert para tomar uma inje����o de tr��s

em tr��s dias, ia ent��o para a revista e fazia em duas horas o traba-

lho de um dia inteiro. Gravava cinco fitas por dia depois de uma

inje����o de vitaminas e at�� Sara Kurtz tinha de reconhecer que eram

muito boas. Falava sobre a solid��o de Tom Colt, sobre as exig��ncias

formuladas em rela����o ao seu tempo e dos seus sentimentos em re-

la����o ao ambiente de circo em que se fazia a propaganda de seu

livro. Compreendia muito bem que os media de publicidade tinham

mudado ��� Nova York tinha apenas tr��s jornais. Tra��ou um exce-

lente perfil impessoal de Tom Colt, chamando-lhe o " E c o do L e �� o "

e comparando o escritor ao le��o que sa��a da selva para enfrentar a

322

civiliza����o. Ao fim de duas semanas, Sara Kurtz disse que tinha j��

o suficiente para escrever uma boa reportagem.

Mas era �� noite que ela realmente vivia. Estuante de sua nova

energia, ia para seu apartamento, tomava banho, trocava de roupa

e corria para o Plaza. ��s vezes, iam ao teatro e passavam pelo Sardi s.

Uma noite, ele a levou para jantar ao Danny's Hide-a-Way. Senta-

ram-se �� mesa da frente, a velha mesa de Mike. Outras vezes, quan-

do ele tinha tido um dia muito agitado, jantavam na suite e ela o

ouvia queixar-se das entrevistas, das apari����es na televis��o e dos

a g e n t e s . . . Depois, havia sempre a ternura dos bra��os dele quando

estavam juntos na cama.

Havia noites em que n��o faziam amor e ele dizia.

��� Sou um homem de cinq��enta e sete anos e estou cansado, mi-

nha filha. Mas quero que voc�� fique comigo.

Eram essas algumas de suas melhores noites. E, quando ela estava

com as regras e dizia a ele, perguntando se queria que ela fosse dor-

mir em casa, ele a olhava, surpreso.

��� O que eu quero �� voc�� em meus bra��os n��o porque queira fa-

zer alguma coisa, mas porque a amo. Quero acordar e encontrar

voc�� ao meu lado, estender os bra��os durante a noite e abra����-la.

N��o �� isso o que tem de fato import��ncia?

E havia noites em que ele queria apenas que ela ficasse satisfeita

e lhe fazia amor at�� que ela ficava inerte de exaust��o.

Depois, havia sempre Linda, sempre a perguntar e sempre vigi-

lante. E se mostrava levemente ressentida porque January se estava

tornando perita em esquivar-se ��s perguntas.

Em fins de mar��o, Tom teve de ausentar-se para outra excurs��o

de propaganda a Detroit, Chicago e Cleveland.

��� Acho que voc�� n��o deve ir ��� disse ele. ��� Por que dar aos ou-

tros motivos para falarem? N��o �� por mim. �� por voc�� que estou

preocupado. Ser��o apenas cinco dias.

Quando viu l��grimas nos olhos dela, abra��ou-a.

��� Est�� bem. Vou lev��-la, January. Mas, pelo amor de Deus, n��o

chore.

Ela sacudiu a cabe��a.

��� N��o �� isso. �� claro que voc�� tem raz��o. S��o apenas cinco dias

e eu sei que voc�� vai voltar. Mas pensei de s��bito que vai haver

uma vez em que voc�� ter�� de partir por muito mais de cinco dias e

em que n��o voltar��...

��� Tenho pensado tamb��m nisso, January. Muito mais do que

voc�� pode imaginar. �� uma coisa em que tenho de pensar muito en-

quanto estiver fora. J�� lhe disse uma vez que n��o posso viver sem

323

voc��. �� uma verdade. Tenho pensado tamb��m no pr��ximo livro que

quero escrever. A id��ia se cristalizou afinal em meu esp��rito. Das

outras vezes, sempre que acontecia isso, eu tinha de abandonar tudo

e tratar de escrever. Mas agora n��o est�� acontecendo assim. Penso

no livro e voc�� me aparece. Dantes, um novo livro era mais impor-

tante que tudo para mim. Eu me afastava do mundo e o livro passa-

va a ser tudo para mim. Agora, n��o �� mais assim.

��� Mas isso est�� errado, Tom. Voc�� tem de escrever.

��� Eu s e i . . . �� uma coisa em que eu tenho de pensar. Conversa-

remos de novo sobre isso quando eu voltar.

Quando ele partiu, foi como se o ar tivesse perdido todo o seu

oxig��nio. Deixou de ir no dia marcado ao consult��rio do Dr. Alpert.

Ao fim de dois dias, sentiu-se nervosa e inquieta, mas se for��ou a

ir jantar com Linda, que estava amando um tal Donald Oakland,

que era locutor do notici��rio de uma esta����o de televis��o. Foram

jantar no Louise's e January escutou enquanto Linda dava detalhes

expl��citos de sua vida sexual com Donald.

��� Ele n��o gosta de muito carinho antes com a boca, mas �� porque

ele �� judeu e os judeus acham que isso n��o �� muito correto. Mas ele

est�� aprendendo. J�� encomendei a Sara um bom artigo sobre ele.

Quando o artigo sair e ele vir o que eu posso fazer por ele, sei que

deixar�� a mulher de lado e vir�� morar comigo. N��o tolero mais essa

hist��ria de duas tardes por semana.

��� Quer-se casar?

Linda encolheu os ombros.

��� Estou quase fazendo trinta a n o s . . . Por que n��o? Ou, quando

nada, gostaria de que ele fosse morar comigo. Estou aprendendo

muita coisa com ele. O Q. I. dele �� 155. Isso �� quase g��nio. S�� ago-

ra �� que estou compreendendo que n��o entendia nada de pol��tica.

E l e me est�� explicando as coisas. Tenho at�� vergonha de dizer a ele

que nunca votei. Ele j�� me deu uma por����o de livros para ler. ��

um democrata fan��tico. Para conversar com ele e com seus amigos,

estou lendo agora The New Republic e The Nation como se fossem

Cosmopolitan e Vogue. At�� agora, sempre tratei de observar os con-

correntes para elevar o padr��o de Gloss. Mas agora compreendo

que, enquanto Gloss cresceu, eu fiquei parada. N��o sei de nada se-

n��o das coisas que interessam �� revista. Donald acha que o Movi-

mento de Liberta����o das Mulheres �� uma coisa formid��vel, de modo

que eu vou entrar para um desses grupos... Mas, quando ele passa

a noite comigo, esquece-se dessa hist��ria de liberta����o das mulheres

e espera at�� que eu lave a roupa de baixo dele.

��� E voc�� lava, Linda?

324

��� �� claro. Tenho at�� em meu banheiro uma escova de dentes

para ele e um tubo da pasta de que ele gosta. De manh��, fa��o break-

fast para Donald e ele diz que �� muito melhor do que o que a mu-

lher dele faz. Ela quer ser poetisa e passa metade da noite escre-

vendo, de modo que em geral ainda est�� dormindo quando ele sai

de manh�� de casa em Riverdale. ��s vezes, �� noite, preparo jantar

para ele, jantar quase tipo cordon bleu, porque na verdade ele n��o

tem dinheiro para me levar para jantar fora. N��o tem dinheiro, coi-

tado, porque est�� pagando a casa dele em Riverdale e a mulher dele

entendeu agora mesmo de mandar fazer uma piscina. Al��m disso,

ele est�� pagando os estudos do irm��o mais mo��o na universidade...

��� Linda, ser�� que voc�� n��o pode achar um rapaz bom e simp��-

tico, sem complica����es?

��� N��o. Voc�� pode?

325





V I N T E E UM


Tom telefonava todas as noites. Discutiam os programas de que

tinha participado, a diverg��ncia que tivera com um cr��tico, as in-

termin��veis entrevistas que concedia, as cr��ticas variadas que faziam

ao seu livro. Ainda figurava em primeiro lugar, mas estava preocupa-

do com os novos livros que seriam lan��ados na primavera. N��o dizia

uma palavra sobre os seus futuros planos.

No meio da semana, January come��ou a sentir-se abalada f��sica

e emocionalmente. Tom devia voltar na sexta-feira �� noite. Tinha

dito que n��o podia viver sem ela. Mas estava sem ela naquele mo-

mento. E tinha confessado que o seu trabalho sempre viera em pri-

meiro lugar. Aquela breve separa����o lhe teria dado tempo realmen-

te para chegar a uma decis��o?

Na manh�� seguinte, estava no consult��rio do Dr. Alpert antes que

ele tivesse chegado. A recepcionista levou-a de novo para uma sala

sem ter marcado consulta. Mais uma vez, quando o Dr. Alpert che-

gou �� sala e a agulha lhe foi espetada na veia, todas as d��vidas a

respeito de seu futuro com Tom se dissiparam e ela saiu do consul-

t��rio a flutuar num sentimento dourado de confian��a.

Ele voltou na sexta-feira �� noite e passou pelo apartamento dela,

sem ter telefonado antes. Ela deu um grito de alegria e caiu-lhe nos

bra��os. Ficaram assim abra��ados, ambos falando ao mesmo tempo

e cada qual insistindo em que sentira mais saudades que o outro.

January teve certeza nesse momento de que as suas preocupa����es

eram infundadas. Ele nunca iria deix��-la.

Quando pararam de abra��ar-se, Tom correu os olhos pelo apar-

tamento. Ele era t��o grande que a sala parecia ter diminu��do.

��� Quanto tempo voc�� ainda tem de contrato? ��� perguntou ele.

��� �� uma subloca����o. Vai at�� agosto. Mas o inquilino, Bailey, me

escreveu e disse que, se eu quiser continuar aqui mais um ano, ele

ficar�� na Europa.

��� Entregue o apartamento. Vou comprar um apartamento para

n��s. Voc�� �� que ter�� de escolh��-lo. Quero que seja perto do rio, com

326

uma lareira de lenha, um quarto, uma sala-de-estar e outra sala para

eu trabalhar. �� l�� que eu vou escrever meu novo livro.

��� E a Calif��rnia?

��� Que �� que tem a Calif��rnia?

��� N��o tem de ir at�� l��?

��� Tenho. Vamos partir na semana que vem.

��� Vamos partir?

��� Claro. N��o sei como foi para v o c �� . . . Mas para mim esses cinco

dias pareceram cinco anos. Pensei muito. Daqui a poucos anos, terei

sessenta anos. Voc�� t e r �� . . . Ora, ser�� ainda uma crian��a. Por isso,

s�� podemos contar com o momento presente. N��o sei por quanto

tempo o "momento presente" poder�� durar. Mas vamos aproveit��-lo.

Amo voc�� e quero voc�� comigo. Ainda tenho de fazer duas semanas

de propaganda no Oeste para encerrar a campanha do livro. N��o

posso ficar separado por tanto tempo de voc��. Telefonei para Nina

Lou e falei a seu respeito. N��o mencionei seu nome, mas fui muito

franco e disse como eram as coisas entre n��s. Disse que ia levar

v o c �� . . . e que enquanto voc�� me quissesse eu ficaria ao seu lado.

Disse que alugaria um bangal�� no Hotel Beverly Hills, que o editor

vai pagar. Para manter as apar��ncias, alugarei em seu nome no ho-

tel um quarto que voc�� n��o vai usar. Para todos, voc�� s�� estar�� l��

para escrever uma reportagem a meu respeito na sua revista. Irei

ver o garoto de vez em quando. S�� isso. Nina Lou est�� plenamente

de acordo. Est�� muito interessada por um ator qualquer, de modo

que, enquanto eu n��o a deixar mal perante suas amigas, ela pouco

se incomodar��.

Tudo isso era muito apressado e confuso para January. Mas s��

lhe interessava era a certeza de que n��o o havia perdido.

��� Vamos passar agora mais uma semana em Nova York ��� disse

ele. ��� Trate, portanto, de procurar o apartamento. Tome todas as

provid��ncias para que nos possamos mudar para l��, logo que vol-

tarmos. Bem sei que o tempo �� curto. Mas um bom corretor de im��-

veis pode arranjar-lhe isso com facilidade. Iremos ver todos os que

ele indicar. Quando tiver selecionado dois ou tr��s que mais lhe agra-

darem, irei v��-los e decidiremos juntos.

��� Mas, Tom, se voc�� morar em Nova York comigo, como �� que

ir�� ver o menino?

��� De quinze em quinze dias, no fim-de-semana, tomarei um

avi��o para a Calif��rnia. N��o se preocupe que vai dar certo. O que

n��o posso �� viver sem voc��.

January passou oito horas por dia �� procura do apartamento. Lin-

da ficou entusiasmada com a id��ia. Chegou ao ponto de dizer a

327

January que tomasse a viagem para a Calif��rnia como f��rias re-

muneradas.

��� �� uma gratifica����o. Voc�� bem a merece. E mais uma coisa.

N��o pense em trabalho. Trate apenas de fazer o g��nio feliz. E te-

mos de achar para voc��s o melhor apartamento de Nova York. J��

pensou numa coisa, January? Como a companheira de Tom Colt,

voc�� poder�� abrir um sal��o para receber toda a gente importante da

cidade. Ou uma coisa inteiramente nova, como almo��os aos domin-

gos. Escreverei sobre tudo em Ghss! Ser�� formid��vel, divino mesmo!

E eu ganharei mais prest��gio com Donald. Ele j�� est�� impressionado

de saber que eu conhe��o Tom Colt. Imagine s�� quando ele chegar

ao seu sal��o e encontrar as pessoas importantes que vamos reunir

l �� . . . January, n��o podia haver melhor ocasi��o do que esta. Nova

York est�� mesmo �� espera de uma coisa assim. Vamos precisar de

uma sala bem grande que se comunique com uma sala de jantar

menor e . . .

January se divertiu com o entusiasmo de Linda e deixou que ela

divagasse �� vontade. O apartamento ia ser uma fortaleza. S�� para

Tom. Nem convidados, nem festas ��� s�� eles dois. Mas deixou que

Linda a acompanhasse e visitasse alguns dos apartamentos, pois se

sentia um pouco intimidada com a corretora com quem entrara em

contato. Ao fim de quatro dias, tinha a impress��o de ter estado em

todos os grandes edif��cios de Nova York. A procura estava afinal

restrita a um apartamento na Pra��a da ONU e a um apartamento

t��rreo com terra��o para o rio na Pra��a Sutton. Linda gostou do apar-

tamento da ONU, mas Tom se entusiasmou com o da Pra��a Sutton.

O pre��o de 110 mil d��lares n��o pareceu impression��-lo. Agradou-

lhe o condom��nio mensal relativamente baixo, o prazo de noventa

anos de arrendamento do terreno e fez sinais de assentamento du-

rante todo o tempo em que a corretora discorria sobre as vantagens

do apartamento. Disse por fim:

��� Neg��cio fechado. Redija o contrato e mande-o para meu advo-

gado na Calif��rnia. Ele o mandar�� de volta assinado juntamente

com o cheque.

Deu ent��o �� corretora em ��xtase todos os endere��os e telefones.

Levou depois January para o bar mais pr��ximo. Fez um brinde ao

novo apartamento com um sorriso triste.

��� Gostei de ouvi-la falar do prazo de arrendamento de noventa

anos. January, �� uma loucura de um homem de minha idade esperar

que essa situa����o possa durar muito com uma mo��a como v o c �� . . .

Mas vamos tentar com empenho. E dure o tempo que durar, vamos

esperar que haja felicidade entre n �� s . . .

328

��� Vai durar para sempre, Tom.

Ele ergueu o copo.

��� Para sempre. Mas me contentarei com uns bons cinco anos.

Ela passou o resto do dia comprando roupas para a Calif��rnia e

e resolvendo coisas de ��ltima hora na revista... Todas as noites

corria ansiosamente para o Plaza. A sua energia era inesgot��vel.

Deviam partir para a Calif��rnia na quarta-feira �� tarde. Na ma-

nh�� desse dia, apresentou-se no consult��rio do Dr. Alpert. Ele pa-

receu surpreso.

��� Esteve aqui h�� dois dias. S�� a esperava amanh��.

��� Vou viajar para Los Angeles hoje ��� disse ela enquanto o m��-

dico preparava a seringa. ��� Vou ficar ausente uma semana no m��-

nimo, Dr. Alpert. Pode dar-me uma inje����o de efeito prolongado?

��� Onde �� que vai ficar em Los Angeles?

��� No Hotel Beverly Hills.

O m��dico sorriu.

��� S�� lhe posso dizer �� que tem muita sorte. Meu irm��o, o Dr.

Preston Alpert, tomou o avi��o para l�� h�� uma semana. Um cantor

importante vai reaparecer cantando num grande clube e deve tomar

uma inje����o de vitaminas todos os dias. Pode cham��-lo no Hotel

Beverly Hills.

Ela sentiu um r��pido assomo de medo e perguntou:

��� Essas inje����es n��o viciam, Dr. Alpert?

��� Por que iriam viciar?

��� Bem, se esse cantor tem de tom��-las todos os d i a s . . .

��� Ele bebe quase duas garrafas de conhaque por dia, n��o come

e dorme todas as noites com uma mulher... �� evidente que precisa

de vitaminas. Voc�� tem tamb��m necessidade de vitaminas. Diga-me

uma c o i s a . . . Antes de vir procurar-me, houve algum traumatismo

em sua vida?

��� Bem, um traumatismo que durou tr��s anos e depois uma esp��-

cie de choque. Mas isso foi em setembro. E tudo se resolveu muito

bem.

Ele abanou a cabe��a.

��� Rea����o retardada. Escute, minha filha. H�� m��dicos que tra-

tam da cabe��a. Por qu��? Bem, porque um fato que aconteceu h��

vinte anos vai repercutir negativamente na mente hoje. Por que

ent��o os pacientes acham que fatos que sucederam h�� alguns meses

n��o podem ter influ��ncia negativa sobre o corpo? Se voc�� est�� de-

primida, que mal faz tomar inje����es de vitaminas tr��s vezes por se-

mana se elas a deixam funcional e bem humorada? N��o manda

329

limpar os dentes de tr��s em tr��s meses, n��o os escova tr��s vezes por

dia, n��o usa um col��rio para os olhos �� noite? Por que n��o ajudar

ent��o seu jovem sangue cansado? Hoje em dia, com o que as mu-

lheres comem ou, melhor, n��o c o m e m . . .

Ele tinha raz��o. Era um bom homem, capaz de perder tempo

para explicar essas coisas a ela quando estava com o consult��rio

cheio de clientes. Concluiu com um sorriso ben��volo.

��� Divirta-se e telefone para meu irm��o. Quando voltar, n��o se

esque��a de marcar hora com anteced��ncia.

January voltou a p�� para casa. Sabia que podia arrumar as malas

num instante. Era um desses raros dias de abril em que o ar est��

frio e claro, sem sombra de nevoeiro num c��u de porcelana. Achou

que o Ano Novo n��o devia come��ar no inverno, quando tudo estava

morto, mas em abril, num dia como aquele, em que a vida nova

parecia estar come��ando. Via o renascer da vida em toda a parte ���

na senhora que passeava com um cachorrinho novo, nos brotos que

nasciam nos galhos descarnados das ��rvores novas sustentadas com

estacas e com os troncos revestidos de pano de saco para que pudes-

sem sobreviver num cantinho de terra numa rua de Nova York. Viu

ent��o uma velha com as meias a descerem-lhe pelas pernas magras

e passeando com um cachorro artr��tico. Moviam-se ambos muito len-

tamente. As l��grimas lhe chegaram aos olhos. Sentia uma pena in-

finita de quem n��o fosse jovem. No fundo, tinha pena de todo o

mundo que n��o estivesse de viagem para a Calif��rnia e n��o conhe-

cesse um homem como Tom Colt.

Com o correr do dia, o seu estado de euforia cresceu. Nunca se

sentira t��o realizado, nem t��o consciente de tudo o que a cercava.

Sentou-se ao lado de Tom no V��o 747. A viagem foi calma e o ser-

vi��o, perfeito. Tudo era maravilhoso! At�� a aeromo��a colocou pe-

quenos ovos de P��scoa com glac�� no prato da sobremesa.

Ovos de P��scoa!

J�� era quarta-feira.

A P��scoa era no domingo!

No dia seguinte, o avi��o de Dee estaria �� espera dela a fim de

lev��-la para o fim-de-semana da P��scoa em Palm Beach.

Telegrafou para o pai no momento em que chegou ao hotel dizen-

do: "Estou em Los Angeles no Hotel Beverly Hills fazendo repor-

tagem sobre Tom Colt. Infelizmente terei de perder a P��scoa. Sau-

dades".

Esperava que o tom do telegrama deixasse transparecer que se

tratava de uma decis��o de ��ltima hora e n��o de uma coisa preme-

ditada. Fora conhecer o quarto tomado em seu nome no edif��cio

330

principal do hotel, mas suas malas foram levadas para o bangal��

de Tom.

��� Virei todos os dias at�� aqui e desmacharei a cama para salvar

as apar��ncias.

Tom riu e sacudiu a cabe��a.

��� Escute aqui, numa terra onde cada qual vive como bem en-

tende e as estrelas t��m publicamente filhos de homens que n��o s��o

seus maridos, acha que algu��m vai-se incomodar em saber onde ��

que voc�� dorme?

��� Incomodo-me eu.

O editor tinha organizado um programa compacto para os dois

dias seguintes. Entrevistas na hora do breakfast, entrevistas na hora

do almo��o, um programa de televis��o, um notici��rio de r��dio e uma

apresenta����o num programa ��s sete horas da manh��. Ela o acom-

panhava por toda a parte, com um bloco de notas na m��o, como

se fosse a diligente rep��rter da revista Gloss.

No s��bado, Tom mandou-a para a piscina enquanto ele ia fazer

uma visita ao filho. Sven, o jovem simp��tico que era o gerente das

cabanas, ofereceu-lhe uma cadeira confort��vel ao sol. Levou-lhe

ainda uma lo����o para bronzear a pele e algumas revistas. Mas ela

n��o p��de ficar sossegada. Ao fim de uma hora, sentia-se extrema-

mente nervosa. Teve de dominar-se para n��o sair da beira da pis-

cina. Precisava de tomar um pouco de sol. Tom lhe admirara o tom

queimado da pele na primeira vez em que se tinham visto. Agarrou

com for��a os bra��os da cadeira. Sentia que tinha de se segurar a

alguma coisa. Era como se estivesse a desarticular-se. Quis conven-

cer-se de que estava apenas inquieta em vista da aus��ncia de Tom.

Mas em breve foi for��ada a reconhecer que as dores no pesco��o eram

tremendamente reais e que estava com o come��o de uma violenta

dor de cabe��a. Os sinais eram inconfund��veis... Tinha de telefonar

para o irm��o do Dr. Alpert.

Saiu da beira da piscina e foi para seu quarto no hotel. Era um

bom quarto, mas mesmo com o roup��o e a camisola de dormir que

ela pendurara no banheiro, era evidente que ningu��m estava moran-

do ali. Que pensaria a camareira? Acendeu um cigarro, pegou o t e -

lefone e pediu liga����o para o Dr. Preston Alpert. A telefonista lhe

disse que ele era esperado de volta ao hotel ��s seis horas. Estava

em Malibu. Ih! Todo o mundo estava em Malibu!

Eram apenas tr��s horas. Como iria ela passar o resto da tarde?

Deitou-se na cama para ver se assim atenuava as marteladas que sen-

tia dentro da cabe��a. ��s quatro horas, foi at�� a pia e deixou a ��gua

da torneira cair-lhe sobre a nuca. Faltavam ainda duas horas. Saiu

331

do quarto e foi para o bangal��. Vestiu cal��as e uma camisa. As m��os

lhe tremiam quando ela serviu um pouco de bourbon num copo.

Quase se engasgou com a bebida. Aquilo parecia fazer sempre tanto

bem a Tom! Talvez lhe melhorasse a cabe��a. Tomou outro gole.

Sentiu a garganta arder, mas teve a impress��o de que a dor j�� n��o

era t��o intensa. Guardou a garrafa na bolsa e voltou para o quarto.

Estendeu-se na cama e continuou a beber o bourbon. E r a um quarto

repousante. Era uma pena t��-lo e n��o us��-lo. "Desculpe, quarto",

murmurou ela. "N��o �� nada de pessoal... O que acontece �� que

meu homem est�� hospedado num bangal��".

Continuou a beber o bourbon. Amortecia a dor de cabe��a, mas ela

sabia que estava ficando b��bada. N��o queria que Tom chegasse e

a encontrasse assim. Talvez um banho quente desse um jeito. Ficou

na banheira at�� que a pele dos dedos come��ou a se encolher. Maqui-

lou-se ent��o de novo e olhou para o rel��gio. Cinco e quinze. Telefo-

nou de novo para o Dr. Alpert. A resposta foi a mesma. O Dr. Alpert

s�� estaria de volta ��s seis horas.

A cabe��a lhe do��a de novo e ainda mais do que dantes. O pesco��o

lhe parecia cheio de gl��ndulas intumescidas. Talvez estivesse fi-

cando realmente an��mica. N��o havia comido nada naquele dia. T o -

mara apenas caf�� pela manh�� em companhia de Tom. O Dr. Alpert

a advertira de que ela precisava de comer. E tinha emagrecido ainda

mais. At�� as suas cal��as estavam escorregando pelos quadris.

A meia hora seguinte foi intermin��vel. Sentiu calor e ligou o ar

condicionado. Sentiu ent��o frio e desligou-o. ��s 5:45, deixou outro

recado com a telefonista para o Dr. Alpert, acrescentando que era

urgente. ��s 6:15, ele ainda n��o tinha voltado. E se n��o fosse voltar?

Se resolvesse passar todo o fim-de-semana em Malibu? Os cigarros

se acabaram e ela come��ou a fumar as guimbas. Tom voltaria ��s

sete. Ela queria estar em excelentes condi����es quando o visse. Tal-

vez a mulher dele fosse muito bela. Tinha de ser, pois do contr��rio

n��o poderia ter sido uma starlet. Mas n��o havia mais starlets! Serviu-

se de outro copo. A mulher devia trabalhar em pontas! Isso, sim.

Apenas uma mo��a que envelhecera fazendo pontas e trabalhando

como extra. N��o tinha raz��o alguma de preocupar-se com ela. Mas

at�� uma pequena passada que trabalhava em pontas podia ser bo-

nita. Muitas delas se tornavam estrelas da televis��o. Tudo isso era

t o l i c e . . . Tom fora apenas ver o garoto. Mas como era que se podia

passar o dia inteiro com um beb�� de oito meses? Nessa idade, as

crian��as dormiam muito, n��o era?

Eram seis e meia e ela tinha acabado a ��ltima guimba decente.

O drugstore ficava logo no andar de baixo, mas ela tinha receio de

sair do quarto e perder o telefonema. Telefonou pedindo cigarros

e deu um d��lar de gorjeta ao boy que lhe levou o ma��o. Quando fal-

332

tava um quarto para as sete, telefonou de novo para o Dr. Alpert.

A linha estava ocupada! Esperou ao lado do telefone, tamborilando

com os dedos em cima da mesa. Por que a linha dele estava ocupa-

da? Ela n��o havia deixado recado de que o seu chamado era ur-

gente? Cinco minutos depois, tentou de novo. Uma voz calma e

meio sonolenta atendeu.

��� Al��?

��� �� o Dr. Preston Alpert?

��� Quem est�� falando?

��� January Wayne.

��� Posso saber o que deseja?

��� Pelo amor de Deus! �� o Dr. Alpert?

��� Perguntei o que deseja.

��� Sou cliente do Dr. Simon Alpert. Ele me disse que o senhor

estaria aqui e me poderia atender...

��� J�� entendi ��� disse o homem, cuja voz se tornara de repente

en��rgica e firme. ��� Que deseja?

��� Uma inje����o de vitaminas.

��� Quando foi que tomou a ��ltima?

��� Na manh�� de quarta-feira.

��� E j�� precisa de outra t��o depressa?

��� Preciso, sim, D o u t o r . . . Juro que preciso!

Ele fez uma pausa.

��� Vou-me comunicar ainda esta noite com meu irm��o. Telefone-

me amanh�� ao meio-dia.

��� Oh, n��o! Por favor! Preciso da inje����o agora. Ou��a, trabalho

para a revista Gloss e estou aqui fazendo uma reportagem sobre

Tom C o l t . . .

��� Tom Colt?

��� Sim! E tenho de prestar aten����o a tudo e de me lembrar de-

pois . . . porque n��o uso taquigrafia.

��� Compreendo... Muito b e m . . . Vou falar com meu irm��o para

saber quais s��o as vitaminas que ele lhe aplica. O Sr. Colt est�� no

Bangal�� Cinco, n��o ��?

��� ��, s i m . . . mas eu n��o estou l��. Estou no quarto 123.

��� N��o �� ent��o a mo��a que est�� com ele?

��� N��o h�� nenhuma mo��a com ele!

��� Escute, minha cara, se �� realmente rep��rter, deve saber que

ele est�� em companhia de uma mo��a bonita, jovem bastante para

ser filha d e l e . . . Todo o mundo no hotel sabe disso.

333

January ficou um instante em sil��ncio e ent��o disse:

��� Muito obrigada. Mas essa pessoa n��o ser�� mais jovem, nem

bonita se o senhor n��o chegar aqui o mais depressa poss��vel. Por

favor! J�� s��o cinco para as sete!

��� Vou j�� para a��.

Dez minutos depois, ele bateu �� porta. January o detestou �� pri-

meira vista. Era alto, com abundante cabelos avermelhados e um

nariz de gavi��o. A pele era ruim e os longos dedos magros pareciam

limpos mas sem sangue. Preferia o irm��o dele. Pelo menos, havia

algum calor no Dr. Simon Alpert. Poderia n��o ter um aspecto t��o

elegante, mas era amistoso e cordial. Aquele parecia um peixe ima-

culado e antiss��ptico. Arrega��ou a manga dela enquanto preparava

a seringa. Em seguida, sem olhar para ela, disse:

��� Deite-se de lado e tire as cal��as.

��� Costumo tomar as inje����es na veia.

Ele pareceu surpreso, mas passou o torniquete de borracha no

bra��o dela e tratou de misturar a solu����o. Teve uma contra����o quan-

do a agulha entrou. Caiu com a cabe��a no travesseiro. Nunca toma-

ra uma inje����o como aquela. Sentia-se tonta como se estivesse su-

bindo para o c��u num foguete. O cora����o lhe batia descompassada-

m e n t e . . . sentiu um aperto na garganta e continuou a subir...

a s u b i r . . . Depois, sentiu que estava caindo por um imenso po��o sem

fundo... Por um momento, teve medo. Mas ent��o tudo se normalizou

e ela nada mais sentiu sen��o um clar��o dourado de vida que lhe

corria pelo corpo todo. Desceu a manga depois que ele colocou um

bandaid no local da inje����o.

��� Quanto lhe devo? ��� perguntou ela.

��� Nada. �� um presente.

��� Presente?

��� Qualquer mulher capaz de atrair um homem como Tom Colt

merece uma inje����o de vitaminas de gra��a.

��� Obrigada ent��o. Muito obrigada.

��� Quanto tempo ainda os dois v��o ficar aqui?

��� Mais uma semana. Tem trabalhado demais. Na semana que

vem, vai dar mais algumas entrevistas. Passar�� dois dias em San

Francisco e ent��o voltar�� para Nova Y o r k . . .

��� Vai voltar para a mulher?

Estava a ponto de dizer ��quele homem terr��vel que iam assinar

o contrato do apartamento onde morariam juntos. Era o perigo da-

quelas inje����es... A gente se sentia t��o bem que queria contar

t u d o . . . confiar em todo o mundo.

��� Acho que �� melhor eu voltar para o bangal�� ��� disse ela.

334

��� Um homem como o Sr. C o l t . . . que trabalha t a n t o . . . bem que

poderia tomar uma s��rie de inje����es.

Ela teve um leve sorriso.

��� Ele n��o precisa. Tem o Jack Daniels.

��� Sabe do cantor que est�� sob os meus cuidados?

Ela se dirigiu �� penteadeira e fingiu ajeitar os cabelos. As manei-

ras untuosas do homem a inquietavam. N��o podia, por��m, trat��-lo

mal, pois talvez ainda precisasse dele.

��� Trato tamb��m de um compositor famoso. Toma uma inje����o

di��ria. E h�� v��rias personalidades da televis��o que j�� come��aram

a tomar inje����es. Um homem da idade de Tom Colt ��� embora o

aspecto dele seja muito viril ��� pode sem d��vida usar algumas vita-

minas. Isso �� necess��rio a qualquer homem que viva no ritmo em

que ele vive ��� escrevendo um livro, fazendo uma propaganda in-

tensa do mesmo e amando uma mo��a bonita.

Procurou dar aos olhos cinzentos uma express��o que sugerisse se-

xualidade.

Era tudo o que ela podia fazer Dara n��o bot��-lo pela porta a fora,

mas disse com a sombra de um sorriso:

��� Vou sugerir isso a e l e . . . Agora, se me der licen��a tenho mesmo

de me vestir.

O m��dico arrumou a sua maleta e saiu. Ela esperou alguns minu-

tos e, em seguida, correu para o bangal��. Tom ainda n��o tinha vol-

tado. Ela se sentia maravilhosamente bem. A inje����o do Dr. Preston

Alpert era muito mais vigorosa do que a de seu irm��o. Serviu-se de

outro copo de bourbon. Tom ficaria contente se visse que ela havia

bebido. Oh! A garrafa estava quase vazia. Estava tr��s quartos cheia

quando ela a levara para o quarto.

Foi at�� ao bar e abriu outra garrafa. Lembrou-se ent��o de Tom,

levou a garrafa �� boca e tomou um grande trago. Engasgou-se um

pouco, mas a bebida desceu. Tomou outro gole. De repente, tudo

come��ou a rodar e ela compreendeu que estava inteiramente b��ba-

da. Achou isso muito engra��ado. Come��ou a rir at�� que as l��grimas

lhe rolaram pelo rosto, at�� que o est��mago come��ou a doer. Quis

parar, mas n��o p��de. Sentia o corpo ligeiramente mais leve do que

o ar. Estava ainda rindo quando o telefone tocou.

Olhou para o rel��gio. Quase oito horas. Devia ser Tom para dar

alguma explica����o do seu atraso. Estendeu a m��o para atender, mas

mudou de id��ia. N��o. Ela havia esperado o dia inteiro. Tom e a te-

lefonista que tivessem agora algum trabalho para encontr��-la. E l a

sabia o que era que iam f a z e r . . . Um mensageiro correria o hotel

todo gritando o nome. d e l a . . . Est�� bem. Ia deixar que a encontras-

sem. Pegou o telefone.

335

��� Telefonista? �� January Wayne quem fala. Tem um telefonema

para mim?

Recome��ou a rir. Tudo aquilo lhe parecia terrivelmente engra��ado.

Houve uma pausa enquanto a telefonista completava a liga����o.

Ouviu ent��o a voz de Mike.

��� January?

��� Mike!

Come��ou a rir ainda mais. Era Mike e n��o Tom. Continuou a rir.

N��o era engra��ado, mas ela n��o podia deixar de rir. Queria p a r a r . . .

��� Que �� que h��, January? Em que �� que est�� achando tanta

gra��a?

��� N a d a . . . Nada. Tomei apenas uma inje����o e um pouco de

bourbon e me s i n t o . . . admiravelmente bem e . . .

��� Prorrompeu de novo em espasmos de riso.

��� Que inje����o foi que voc�� tomou?

��� Vitaminas. S��o celestiais...

Tinha deixado de rir e sentia-se flutuando numa nuvem. As vita-

minas tinham superado o bourbon. Sentia-se toda sedosa interna-

mente. .. e a cama era uma nuvem que boiava no espa��o.

��� Voc�� est�� bem, January?

��� Estou, sim, meu querido pai. Nunca me senti melhor. N u n c a . . .

n u n c a . . . n u n c a . . .

��� Quem est�� com voc�� a�� agora?

��� Ningu��m. Estou esperando Tom.

��� Diga-me uma coisa, January. Por que foi que a revista a de-

signou para essa reportagem? Desde quando voc�� �� a melhor re-

p��rter que eles t��m?

Ela recome��ou a rir. Mike estava falando de um jeito t��o s��rio,

t��o severo! Se ele soubesse como ela era f e l i z . . . como todo o mundo

devia ser f e l i z . . . Queria que ele fosse feliz e soubesse como naquele

momento ela estava flutuando...

��� Voc�� �� feliz, Mike?

��� De que �� que voc�� est�� falando?

��� De felicidade, que �� a ��nica coisa que interessa no mundo. Voc��

�� feliz com D e e ?

��� N��o se importe comigo. Que �� que voc�� est�� fazendo a��? Que

inje����es s��o essas de que me falou?

��� Vitaminas apenas. Vitaminas maravilhosas, divinas. Oh, Mike,

h�� palmeiras aqui, muito mais bonitas do que as palmeiras da F l �� -

rida. E o Bangal�� Cinco �� como se fosse minha casa particular. J��

336

se hospedou no Bangal�� Cinco quando esteve aqui? Sou capaz de

apostar que s i m . . . porque voc�� e ele s��o muito parecidos. E l e at��

alugou a sua suite no Plaza.

��� Quero que voc�� saia imediatamente de Los Angeles ��� disse

ele com voz ��spera.

��� N��o posso. E, depois de Los Angeles, tenho de ir para o meu

apartamento novo com um terra��o perto do rio e . . . ��� De repente,

ela n��o soube mais o que estava falando. ��� Que era que eu estava

dizendo?

��� Muita coisa, January. At�� a vista.

��� At�� a vista, meu pr��ncipe, meu magn��fico pai, meu s e n h o r . . .

Mas ele j�� havia desligado.

Ela estava estendida na cama inteiramente nua quando Tom che-

gou ��s nove horas. Ele a olhou por um momento e sorriu.

��� �� isso que eu chamo receber bem uma pessoa. ��� Ela estendeu

os bra��os, mas ele sacudiu a cabe��a, ao mesmo tempo que se sen-

tava na cama. ��� Estou muito cansado. Esta viagem vem sendo de

arrasar. E o dia de hoje encheu de verdade.

��� Cansou-se de brincar com seu filho?

Ele riu.

��� Na verdade, s�� estive com o garoto durante vinte minutos. E l e

ent��o vomitou e a bab�� lan��ou-me um olhar fulminante e tirou-o de

minhas m��os. S�� fui v��-lo de relance mais tarde, depois do banho.

��� Que foi ent��o que voc�� fez durante todo o tempo?

E l e se levantou e tirou o palet��.

��� January, voc�� est�� reclamando como uma esposa ciumenta e

n��o tem motivo algum para isso. Eu lhe disse que fazia parte do meu

trato com ela manter uma apar��ncia de vida conjugal. Por isso, tive

de ser gentil com uma por����o de gente que Nina Lou tinha convi-

dado para o almo��o e para os coquet��is. Foi quase uma recep����o

em grande estilo para que as amigas dela conhecessem o grande es-

critor.

��� E eu exclu��da de tudo! ��� exclamou January. ��� Foi como se voc��

tivesse uma outra vida, enquanto para mim voc�� �� toda a minha

vida.

Tom tornou a sentar-se na cama.

��� Escute, minha filha, minha vida �� escrever. Neste momento

voc�� ocupa um lugar muito grande em minha vida e pode ocup��-lo

o tempo que quiser. Amo voc��. Mas nenhuma mulher pode ser toda

a minha vida. Por enquanto, estou metido nesse circo de propagan-

337

da e voc�� �� a ��nica coisa real que h�� no meio de tudo isso. Mas,

quando eu come��ar a escrever, voc�� ter�� de aceitar o fato de que

o que h�� de mais importante em minha vida �� escrever.

��� Mas nenhuma outra mulher.

��� Nenhuma outra mulher. Isso eu juro.

Ela sorriu toda feliz e saltou da cama.

��� Aceito essas condi����es e agora voc�� tem de aceitar as m i n h a s . . .

por esta noite. ��� F��-lo levantar-se e come��ou a desabotoar-lhe a ca-

misa. ��� E agora que cumpriu os seus deveres conjugais, a gueixa

que o ama est�� �� sua espera.

Ela lhe acariciou o peito e correu os dedos pelas costas dele. Tom

lhe segurou as m��os.

��� Estou cansado demais, meu bem. Mas, se quiser, farei amor

com voc��.

��� N �� o . . . Vamos passar a noite acordados, conversando e nos

bra��os um do outro.

��� Muito bem. Mas acho bom eu pedir jantar para voc��.

��� N��o preciso de c o m i d a . . . Tenho voc��.

Tom sorriu.

��� Gostaria de saber o que voc�� anda tomando. Gostaria de tomar

um pouco tamb��m.

��� Vitaminas ��� disse ela. ��� Por que n��o experimenta?

Ele riu.

��� �� maravilhoso ser jovem. A pessoa pode carregar as baterias

�� vontade. Eu podia fazer isso tamb��m quando eu tinha a sua idade.

Envelhecer �� uma coisa muito chata. Nunca pensei que isso me

fosse acontecer. Julguei que seria sempre forte e mo��o, podendo be-

ber demais e dormir muito pouco. Sa��de e energia eram coisas nor-

mais que eu aceitava de m��o beijada. Mas, pouco a pouco, tudo vai

passando... �� horr��vel saber que j�� vou caminhando para os ses-

senta.

��� Voc�� n��o �� velho, Tom. E eu tomo vitaminas. Inje����es. Olhe a

marca aqui em meu bra��o.

Estendeu o bra��o e tirou o bandaid. Ele viu a marca da agulha e

perguntou:

��� Que �� que voc�� anda fazendo?

��� Tomei uma inje����o de vitamina.

��� �� nas n��degas que se tomam essas inje����es.

��� Tomei uma vez a s s i m . . . e o efeito n��o foi muito bom. Foi in-

tramuscular. Esta no bra��o foi endovenosa.

338

��� Muito bem, Dr. Kildare. Agora, diga-me uma coisa. Onde foi

que tomou essa inje����o?

��� Foi o Dr. Preston Alpert que me aplicou. Ele est�� aqui agora.

Em Nova York, eu sou cliente do irm��o dele.

��� E qual �� o efeito que essas inje����es t��m sobre voc��?

��� Fazem-me sentir que eu sou dona do mundo.

��� Chame esse homem, January.

Falaram com o Dr. Alpert no Sal��o de P��lo. Quinze minutos de-

pois, estava no bangal��. Ficou t��o impressionado com a presen��a de

Tom que a m��o lhe tremia enquanto ele preparava a seringa. J a -

nuary estava encolhida na cama, vestida com um dos robes de Tom.

Tom tinha tirado a camisa, mas ainda estava com as cal��as de linho.

Tinha a pele queimada pelo sol da praia. Em contraste com ele, o

Dr. Alpert parecia um grande gafanhoto verde curvado sobre a sua

seringa. Tom observava atentamente o m��dico. January olhou para

o lado quando o Dr. Preston cravou a agulha no bra��o de Tom.

Mas, ainda que tivesse sentido alguma coisa, a sua express��o n��o

se alterou. Esperou em sil��ncio at�� o Dr. Alpert acabar. Olhou para

o bandaid no bra��o e levou a m��o ao bolso.

��� Quanto �� que eu lhe devo?

��� Cem d��lares.

��� Cem d��lares! ��� gritou January. ��� �� um absurdo! Seu irm��o

s�� me cobra vinte e cinco d��lares.

��� �� o pre��o para uma aplica����o no consult��rio. Mas essa foi uma

aplica����o em casa e, ainda mais, fora de horas.

Tom meteu-lhe o dinheiro na m��o e disse:

��� Pronto. Leve seu dinheiro. E se eu ainda o vir aqui por perto,

quebrarei todos os vidros que tiver dentro dessa maleta!

O Dr. Alpert pareceu at��nito.

��� Est�� querendo dizer que n��o gostou da inje����o? N��o sentiu

nada?

��� Senti muita coisa. Demais para uma inje����o de vitamina. Essa

inje����o tem alguma subst��ncia fortemente estimulante.

O Dr. Alpert se encaminhou para a porta. Tom seguiu-o e agar-

rou-o pela gola do palet��.

��� N��o se esque��a! N��o se aproxime mais dela ou eu o botarei para

fora da cidade!

O Dr. Alpert procurou recompor-se.

��� Sr. Colt, se fizerem uma an��lise de seu sangue neste momento,

encontrar��o doses fortes de vitamina A, E e C e de todas as vita-

minas B.

339

��� E mais um poderoso estimulante, n��o tenho a menor d��vida.

Sei perfeitamente que coloca vitaminas na mistura. Mas �� o es-

timulante que faz a pessoa sentir-se t��o bem.

O Dr. Alpert trope��ou no batente da porta com a pressa em que

estava de sair do bangal��.

Tom voltou-se para January.

��� H�� quanto tempo voc�� toma essas inje����es?

��� Ora, T o m . . . S�� tomei algumas... Foi Linda que me aconse-

lhou . . .

E continuou falando em Keith e em todas as pessoas importantes

que usavam as inje����es do Dr. Alpert.

Tom abra��ou-a.

��� Escute, meu bem. Neste momento, sinto que poderia passar a

noite inteira fazendo amor com voc��. Sinto que poderia sentar-me

para escrever meu novo livro e nunca mais parar. Sinto que poderia

atirar-me do mais alto morro de Miramar em Acapulco t��o bem

quanto qualquer dos mergulhadores profissionais mexicanos. �� uma

sensa����o magn��fica e n��o �� a primeira vez que a experimento. Quan-

do eu era correspondente na Segunda Guerra Mundial, tomava ��s

vezes comprimidos de benzedrina e sentia a mesma esp��cie de exal-

ta����o. Os pilotos de bombardeiros que faziam os ataques de manh��

bem cedo comiam os comprimidos como se fossem jujubas. Talvez

n��o tivessem dormido bem, pensando que aquela seria a ��ltima noite

deles. Metiam a benzedrina na boca ��s quatro horas da manh�� e

uma hora depois, quando levantavam v��o, estavam convencidos de

que nenhuma bala poderia atingi-los. Talvez at�� pensassem que nem

precisavam do avi��o. �� exatamente assim que me estou sentindo

agora. Afinal.. . acho. . . que poder��amos aproveitar as inje����es.

Na manh�� seguinte, o efeito da inje����o parecia ter passado para

Tom. Mas January estava ainda num estado constante de entusi��s-

tica energia. Tom f��-la sentar-se e tentou explicar-lhe o perigo.

��� January, eu tenho um metro e noventa de altura e peso quase

noventa quilos. Por isso, meu organismo absorveu prontamente a

droga. Mas voc�� n��o chega a pesar cinq��enta quilos e aquela inje-

����o est�� carregada de metanfetamina, tenho quase certeza. N��o

vicia tanto quanto as outras drogas mais violentas. Mas, quando o

efeito passa, a ressaca �� tremenda.

��� Acha mesmo que as inje����es podem fazer-me mal?

��� Se as tomar firmemente, poder��o mat��-la. Aceleram o pulso,

fazem o cora����o bater tr��s vezes mais depressa... Se voc�� quer fi-

car alta, beba. Voc�� n��o poder�� beber bastante para que isso lhe

fa��a mal. Eu posso e bebo, mas eu j�� vivi minha vida. Agora, n��o

tome mais inje����es. Promete?

340

��� Prometo.

Naquela noite, pediram jantar no bangal�� e mal tinham acabado

de comer quando ele se levantou e puxou-a para o quarto. Ela o se-

guiu rindo.

��� Tom! O gar��om vai e n t r a r . . .

��� Que �� que tem? Fecharemos a porta do quarto. Talvez seja o

bourbon ativando o que resta da inje����o. Mas, seja l�� o que for, n��o

quero que se apague.

N��o ouviram a campainha. N��o ouviram sequer a porta ser aberta.

Tudo aconteceu ent��o t��o depressa que January teve muita dificul-

dade em tomar conhecimento das coisas. Teve consci��ncia das luzes

acesas. Algu��m arrancou Tom de junto dela. Viu um tremendo soco

ser desfechado contra o queixo de Tom, que cambaleou e cuspiu

sangue. Deu ent��o um grito. Era Mike! Estava ali de punhos cer-

rados olhando para eles.

��� Mike!

O grito de January morreu na garganta.

Tom se havia recuperado e avan��ou para Mike, mas este voltou a

acertar-lhe um soco no rosto. Tom revidou, mas Mike se agachou

como um lutador de rua. Tom n��o conseguia atingi-lo e Mike o

atacava com verdadeira f��ria, atingindo repetidamente o rosto de

Tom. January tentou gritar, mas nenhum som lhe saiu da garganta.

Tom se levantou enquanto Mike lhe martelava o rosto. Tentou rea-

gir, mas a sua coordena����o era fraca. Tinha o rosto ensang��entado.

Mike lhe golpeou o queixo, depois o est��mago, de novo o r o s t o . . .

Era uma a����o mais violenta do que qualquer coisa que January j��

tivesse imaginado. E ela olhava tudo atordoada, como se nada na-

quilo fosse real. Estava tudo acontecendo t��o depressa! Tom batia

os bra��os e come��ava a vacilar sob o impiedoso ataque de Mike, que

o fazia levantar-se e de novo o golpeava. O sangue escorria da boca

de Tom. Uma das sobrancelhas estava sangrando. E l a o viu encos-

tar-se vacilantemente �� parede e cuspir alguns dentes. Correu en-

t��o para o pai.

��� Deixe-o! Pare com isso! PARE COM ISSO!

Mike afastou-se e Tom escorregou de encontro �� parede at�� ao

ch��o. January ajoelhou-se ao lado dele. Levantou os olhos para o pai.

��� Fa��a alguma coisa! Socorra-o! Oh! Arrancou todos os dentes

da frente dele.

Mike se aproximou e f��-la levantar-se.

��� S��o c��psulas. E n��o deve ser a primeira vez que lhe foram

arrancadas. ��� De repente, ele pareceu perceber pela primeira vez

que ela estava nua. Olhou para o lado e disse: ��� Vista alguma coisa.

Vou esperar na sala.

341

��� �� assim, n��o ��? ��� gritou ela. Chega aqui, quase mata o homem

que eu amo e come��a a dar ordens. Por qu��? Est�� com ci��mes? ���

Pulou na frente dele. ��� �� isso? Pois eu nunca entrei em seu quarto

para bater em Dee. Fui para Palm Beach e sorri sempre como uma

menina bem comportada!

��� Esse homem �� um vagabundo!

As l��grimas rolavam pelo rosto de January.

��� Eu o amo. Ser�� que n��o compreende isso? Eu o amo e ele me

ama.

Ele passou por ela e olhou para o rel��gio.

��� V��-se vestir. O avi��o est�� esperando.

��� Que veio fazer aqui?

��� Quando falei com voc�� pelo telefone, tive a impress��o de que

estava sob a a����o de alguma droga. Vim o mais depressa poss��vel

para salv��-la, pois n��o sabia o que estava acontecendo. Agora, estou

arrependido. Mas estou aqui. Vamos acabar com tudo isso. Esque-

ceremos tudo o que aconteceu e voc�� ir�� para Palm Beach comigo.

��� Nada feito ��� disse January.

��� Vou sentar-me no sal��o durante meia hora. Se voc�� n��o me

aparecer dentro desse tempo, partirei. Mas, se voc�� tiver um pingo

de ju��zo na cabe��a, arrumar�� suas malas e dir�� a ele que telefone

para a mulher para que ela venha busc��-lo. Ficarei esperando no

sal��o do hotel exatamente meia hora.

Saiu batendo a porta do bangal��.

January ficou olhando um momento a porta por onde ele tinha

sa��do. Tom tinha ido para o banheiro. Ela correu para l��, umedeceu

uma toalha e colocou-a sobre o rosto dele. Tom vestiu um robe e

voltou para o quarto ajudado por ela.

��� T o m . . . seus d e n t e s . . .

Ele tentou sorrir e fez uma careta de dor.

��� Como disse ele, s��o c��psulas.. . Posso mandar consertar. O

maxilar �� que eu acho que est�� fraturado.

��� Ora, Tom!

��� N��o se preocupe. N��o �� a primeira vez que me acontece isso.

Seu pai tem a m��o bem pesada.

��� Desculpe.. .

��� Tenho ��dio dele, mas creio que teria feito o mesmo, se a filha

fosse minha.

��� N��o est�� com raiva?

��� N��o. Ele levou simplesmente as coisas �� sua conclus��o l��gica.

Sempre tive a impress��o de que eu era um substituto. Agora sei que

sou. �� melhor que se vista e v�� para ele.

342

��� T o m . . . amo voc��. Disse a ele que amava voc��.

��� O que voc�� disse a respeito da mulher dele esclareceu tudo,

meu bem.

��� Que foi que eu disse?

��� Deixe para l�� ��� disse ele, afastando-se.

Ela vestiu as cal��as e uma camisa. Ele olhou para ela e fez um

gesto de aquiesc��ncia.

��� Adeus.

��� Eu voltarei, Tom.

��� Voltar��?

��� Sim. Quero apenas v �� - l o . . . e dizer-lhe que vou ficar.

��� Se voc�� n��o aparecer dentro de meia hora, ele vai ficar saben-

do disso.

��� Mas eu tenho de falar com ele.

Ele lhe segurou a m��o e disse:

��� Meu bem, este �� o momento da decis��o em que voc�� tem de

escolher entre mim e seu pai. Os dois n��o �� poss��vel. Se voc�� for

falar com ele, j�� tomou a sua decis��o.

��� Mas eu s�� vou dizer a e l e . . . Compreenda, n��o posso deixar

que ele saia assim. N��o posso deix��-lo ficar l�� fora esperando.

��� Se voc�� sair daqui, n��o poder�� voltar.

��� Mas eu tenho de falar com ele, Tom. Ser�� que voc�� n��o com-

preende?

��� Voc�� me ama, certo? Muito bem! Um camarada entra aqui e

me d�� uma surra pelo simples fato de voc�� me amar. Se voc�� me

deixar, nem que seja por dez minutos, para fazer as pazes com esse

sujeito, estar�� implicitamente reconhecendo que eu sou um vaga-

bundo que n��o merece o seu amor.

��� Mas ele n��o �� um sujeito q u a l q u e r . . . �� meu pai.

��� Neste momento, ele �� apenas o sujeito que me a t a c o u . . . e

voc�� �� a mulher que eu amo. Mike conhece as regras. Se voc�� sair

daqui, seja por que motivo for, estar�� dando o ��ltimo soco em meu

queixo. Ainda lhe restam vinte minutos.

Ela hesitou. Pensou em Mike �� espera no bar. Olhou ent��o para

o homem contundido na cama. Encaminhou-se lentamente para ele.

Tom a abra��ou e os dois ficaram em sil��ncio escutando os minutos

que passavam...

Ao sair do Bangal�� Cinco, Mike foi para o lavat��rio dos homens

e deixou a ��gua fria correr-lhe pela m��o. Esta j�� come��ava a inchar.

Os n��s dos dedos estavam esfolados em v��rios pontos. A m��o parecia

343

toda arrebentada. N��o queria nem pensar em como devia estar o

queixo de Tom Colt.

Foi at�� ao bar e pediu um scotch. Olhou para o rel��gio. Dez mi-

nutos tinham passado. Ela viria. Estava com certeza tomando as ��l-

timas provid��ncias para deixar Tom Colt. N��o tinha tido a inten����o

de massacrar o homem. Mas j�� assistira a brigas de Tom Colt e sa-

bia que ningu��m tinha uma chance diante dele. Por isso �� que ata-

cara o outro t��o impetuosamente, esperando a qualquer momento um

golpe que o arrasasse. Essa expectativa �� que lhe dera for��as para

continuar atacando. Se tivesse pensado um pouco, hesitaria em ata-

car Tom Colt. Mas, ao v��-lo em cima de sua filha, ficara desorienta-

do e n��o pudera deixar de atac��-lo.

Estava surpreso de ter sa��do apenas com a m��o machucada. Mas,

quando um homem est�� dopado, n��o tem exatamente boas condi-

����es para lutar. Sentia n��useas de pensar nele em companhia de J a -

nuary. Ela era t��o bela e t��o esbelta, linda demais para um homem

como Tom Colt.

Olhou para o rel��gio. Quinze minutos. Ela devia estar arrumando

as malas. Pediu outro u��sque. Havia compaix��o por ele nos olhos do

homem do bar? N �� o . . . pura imagina����o sua. Com certeza, nem

sabiam que ela era sua filha. Um homem sentado sozinho no bar do

Beverly Hills dava a impress��o de que fora repelido. Mas ele n��o

seria repelido. A qualquer momento, ela ia aparecer.. . Ele a rece-

beria com um sorriso e n��o tocaria mais no assunto. Tinha cometido

muitos erros atrav��s da vida. Mas n��o iria cometer o de censur��-la

naquele momento.

Vinte minutos. Por que estava demorando tanto? De qualquer

maneira, o importante era que ela voltasse. E as coisas iam ser di-

ferentes da�� por diante. Lev��-la-ia para Cannes em maio. Combi-

nariam tudo na viagem de volta a Palm Beach. Falaria tamb��m a

ela da sorte dele que estava voltando.

Vinte e cinco minutos! Seria poss��vel que ela n��o fosse aparecer?

N �� o . . . Ela v i r i a . . . Era sua filha e lhe pertencia. Mas ela falara a

respeito de Dee. Ser�� que ela sentia ci��mes de Dee? Mas devia sa-

ber muito bem que ele n��o amava Dee. Ele n��o tinha ci��mes de

Tom C o l t . . . Achava apenas horr��vel que ela estivesse com um ho-

mem assim. Era velho demais, era casado e era um b �� b a d o . . . Al��m

disso, tinha levado para cama mulheres de toda esp��cie que esti-

vessem dispon��veis. N��o era digno nem de tocar em sua filha.

A meia hora tinha passado. Olhou para o seu rel��gio como se n��o

quisesse acreditar nisso. Olhou para a porta. Esperaria mais cinco

minutos. Pediu o terceiro u��sque. Que coisa! Nunca bebera tr��s

u��sques em meia hora. A m��o estava latejando, mas a dor que tinha

no cora����o era muito pior. J�� sabia que ela n��o ia aparecer. Mas

344

tomaria o u �� s q u e . . . Seria um pretexto para demorar dez minutos

mais.

Fez o u��sque render cerca de quinze minutos e pediu outro. Ia

dar uma hora a J a n u a r y . . . Diabo! Estava dando tempo era a si

mesmo. Estava muito atordoado e n��o sabia o que fazer. Tinha de

pensar bem naquilo. Era incr��vel que sua pequena January o des-

prezasse por causa de Tom Colt. E l e sempre havia pensado que ela

desprezaria o mundo inteiro por amor dele. E ele faria o mesmo

por e l a . . . Tinha sido sempre a s s i m . . . Tinha sido sempre assim!

Mas agora Tom Colt tinha a suite do canto no Plaza. Tom Colt ti-

nha o Bangal�� Cinco. O livro de Tom Colt estava em primeiro lugar

na lista dos best-sellers. Sim, Tom Colt era um vitorioso... e Mike

Wayne era apenas o marido de Dee Milford Granger!

Muito bem. Ela n��o viria. Pertencia por enquanto a Tom Colt.

Mas quando o romance perdesse o ��mpeto ��� como n��o podia deixar

de acontecer ��� como iria ele restabelecer o antigo relacionamento?

Poderia ela perdoar-lhe a atitude daquela noite? Iria respeit��-lo como

respeitava aquele vagabundo b��bado que estava l�� dentro? Para fi-

car com um sujeito que tivera os dentes arrancados a soco, ela tinha

de sentir interesse por ele. Interesse ou piedade. N��o, January n��o

ficaria com ele por piedade. Ela era sua filha e ele nunca se prende-

ra a ningu��m por piedade. Estava com Tom Colt porque respeitava

o cachorro. Por que n��o? Era um homem not��vel. E devia ser tam-

b��m um grande homem na cama. Sentiu-se indignado ao pensar nisso

em rela����o �� sua filha. Mas era preciso enfrentar os fatos. Tom Colt

sempre encantara as mulheres. N��o havia a menor d��vida sobre

i s s o . . . Ele tamb��m era grande nesse particular. E J a n u a r y . . . Ora,

ela era sua filha e devia ser tamb��m louca pelo sexo. Apertou o copo

com tanta for��a que ele se quebrou. Agora, a m��o machucada estava

tamb��m cortada por dentro. O homem do bar correu em sua ajuda,

mas Mike agradeceu... Fora apenas um acidente sem import��ncia.

Amarrou um len��o em torno da m��o, deixou uma nota de vinte d��-

lares em cima do balc��o e saiu do hotel. Tinha esperado uma hora

e quinze minutos.

Pensou no caso enquanto ia de t��xi para o aeroporto. Como pode-

ria faz��-la voltar? Nenhuma mulher o havia jamais desprezado. E

ele nunca se esqueceria da maneira pela qual ela o olhara, como

se ele fosse um estranho.

Acendeu um cigarro e continuou a pensar no caso. Em primeiro

lugar, tinha de recuperar o respeito dela. Isso era bem poss��vel. A

sorte dele tinha voltado. At�� ent��o, ganhara mais de 135 mil d��lares

no golfe, na canastra e at�� no gam��o. Se isso continuasse... Quando

a sorte estava querendo, era preciso fazer-lhe a vontade e soltar as

r��deas. Nos seus velhos tempos, ele teria insistido em aproveitar a

345

sorte e ganharia alguns milh��es. Que estava ele fazendo com uma

mentalidade de velha avarenta, entesourando os seus lucros e guar-

dando tudo num cofre de banco em nome da filha? Que adiantava

o dinheiro se ela o desprezava? E, se ele continuasse a jogar cau-

telosamente, nunca teria o dinheiro suficiente para reconquistar o

respeito de January.

Chegou ao aeroporto e foi at�� o lugar onde estava seu avi��o.

��� Vamos voltar para Palm Beach? ��� perguntou o piloto.

��� N��o. Pe��a licen��a de v��o para Las Vegas. Vamos passar uns

dias l��.

Sentou-se no avi��o, que iniciou um turbulento v��o. Lembrou-se

do tempo em que costumava tomar o avi��o da Calif��rnia para Las

Vegas em todos os fins-de-semana. Uma coisa boa era que, sendo ca-

sado com Dee, as suas paradas seriam aceitas sem discuss��o. E ele

ia jogar bem alto. Queria levar bom dinheiro para Cannes. E a sua

parada seria alta, a maior de toda a sua vida. la fazer rolarem os

dados por sua filha.

346





V I N T E E D O I S


January acordou com a chuva. Outra vez? N��o era poss��vel! N��o

podia haver nada pior do que a Calif��rnia com chuva. Os ponteiros

fosforescentes do rel��gio marcavam sete e quinze. Fechou os olhos

e tentou dormir de novo. J�� chovia havia tr��s dias. O barulho mo-

n��tono da chuva no telhado do bangal�� se tornara alguma coisa que

ela aceitava como parte integrante de seu dia, do mesmo modo que

aceitava a eterna batida da m��quina de escrever de Tom. Fazia um

m��s que estava na Calif��rnia e parecia que tinha estado sempre ali.

Talvez fosse a imutabilidade de cada dia. Quando o sol brilhava

parecia e t e r n o . . . Quando chovia, a chuva parecia eterna.

Mas, com a chuva, ela se tornava uma prisioneira do Bangal��

Cinco. Tom ainda estava dormindo. Olhou para ele �� luz incerta da

manh��. Tinha ainda uma pequena contus��o sob o olho esquerdo. A

capacidade de recupera����o dele havia espantado January. O rosto

sarara por completo em menos de duas semanas. Os dentes tinham

sido recolocados em tr��s dias. As costelas quebradas �� que o tinham

feito sofrer m a i s . . . mas ele tudo aceitara com uma boa dose de re-

signa����o. Tinha entrado em tantas brigas que as costelas quebradas

j�� eram quase um fato comum na vida dele.

��� Quando o nariz est�� quebrado e �� preciso consertar o maxilar

com um peda��o de metal, a�� sim �� que a gente pode-se queixar ���

disse ele, rindo. ��� E aquelas lutas todas ou venci.

Al��m disso, como ele dizia, a espera for��ada para descanso na

Calif��rnia iria permitir-lhe estar presente quando o seu agente con-

clu��sse as negocia����es sobre a venda de seu livro para o cinema.

Iriam ent��o para Nova York a fim de comemorar.

As negocia����es foram conclu��das e eles comemoraram. Mas ela ��

que era a culpada de estarem ainda no Bangal�� Cinco.

Tom ficara exultante no dia da assinatura do contrato. Dan��ara

com ela pela sala.

��� Quinhentos mil d��lares contra 25% dos lucros l��quidos! Com-

preende bem o que significa isso? A companhia pretende fazer um

347

filme de dois milh��es de d��lares. Isso quer dizer que depois de cinco

milh��es de lucro bruto, tudo o que entrar me dar�� dinheiro! Se o

filme fizer sucesso, poderei ganhar um milh��o!

��� E far�� decerto, se eles respeitarem o livro ��� disse ela. ��� Mas

j�� vi tantos livros alterados e arruinados!

��� Bem, vamos esperar que eles consigam um bom escritor e um

grande diretor. Enquanto isso, iremos festejar no Matteo esta noite.

Amanh��, vou visitar meu filho. E logo no dia seguinte partiremos

para Nova York. Tenho de assinar o contrato do apartamento.

��� Por que �� que n��o faz o script, Tom?

��� J�� lhe disse que n��o escrevo roteiros.

��� Por qu��?

��� O r a . . . N��o d��o prestigio.

��� Isso �� uma impress��o que lhe ficou dos seus primeiros tempos.

Muitos escritores fazem agora os roteiros de seus livros. Neil Simon

�� um deles. Nunca deixa de fazer as suas adapta����es. Por outro lado,

se voc�� tem direito a 25% dos lucros, �� de seu interesse zelar para

que o seu dinheiro seja protegido por um bom script.

��� Sabe que me deu uma boa id��ia, January? Vou pensar no caso.

Tamb��m �� a primeira vez que tenho participa����o nos lucros.

Falou ent��o pelo telefone com o seu agente e nos dias que se se-

guiram houve telefonemas de um lado para outro. No fim-de-semana,

sentaram-se numa mesa do bar em companhia de Max Chase, que

era o agente dele, e brindaram �� nova transa����o. Tom receberia

cinq��enta mil d��lares pelo tratamento. Depois que este fosse apro-

vado, receberia mais 150 mil d��lares para escrever o roteiro.

��� Com isso, o apartamento de Nova York estar�� comprado. �� sua

sa��de, Max! Trabalhou muito bem! E �� sa��de de January por ter

sugerido que eu fizesse isso.

��� Que apartamento em Nova York? ��� perguntou Max Chase.

��� Um apartamento que eu estou comprando. Meu advogado ainda

est�� estudando alguns detalhes, mas j�� est�� tudo assentado. Calculo

que l�� para junho January poder�� mobili��-lo e eu ent��o farei o tra-

tamento. Depois disso, acho que terei de vir aqui para conversar

sobre o roteiro.

Max Chase sorriu.

��� Estou muito �� sua frente. Consegui introduzir no contrato mais

algumas vantagens para voc��. O seu bangal�� vai correr agora por

conta da Century e a companhia lhe fornecer�� tamb��m um carro

enquanto estiver trabalhando no tratamento e no roteiro. Esque��a-

se, portanto, de Nova York por enquanto. Al��m disso, �� muito me-

lhor para voc�� escrever aqui. Estar�� mais em contato com as coisas

348

e saber�� imediatamente dos nomes que eles escolher��o para dirigir

o filme e para constituir o elenco. Enquanto estiver aqui, poder��

discutir sobre esses assuntos em lugar de saber deles depois do fato

consumado.

Tom voltou-se para January com um sorriso.

��� Acha que poder�� suportar o Bangal�� Cinco por mais alguns

meses?

��� Claro. Vou dizer a Linda que quero sair da revista.

��� Isso �� que n��o! Ela pode ter muito servi��o para voc�� fazer aqui.

Linda se mostrara entusi��stica.

��� ��timo. Quero um artigo sobre D��ris Day e George C. S c o t t . . .

Sobre Dean M a r t i n . . . Procure tamb��m saber a opini��o de Barbara

Stanwyk sobre a televis��o e o que ela pensa da nova Hollywood em

compara����o com a v e l h a . . . Soube que Melina Mercouri est�� a��.

Procure ouvi-la... E escreva alguma coisa sobre a elegante col��nia

de Malibu, onde seu homem tem uma c a s a . . .

Mas n��o fora f��cil. Tentara entrar em contato com as estrelas por

interm��dio de seus agentes de publicidade, mas soubera que quase

todas estavam em f��rias. Depois de algumas visitas, n��o tentou

mais nada. Uma estranha letargia ca��ra sobre ela. Quando o efeito

estimulante da inje����o terminara, ela havia passado dois dias horr��-

veis de dor de cabe��a e n��usea. Mas Tom ficara ao lado dela e a

ajudara a atravessar esse per��odo. Estava bem agora, mas se sentia

terrivelmente desorientada. Era como se lhe tivessem amputado um

bra��o ou uma perna. Sabia que isso de algum modo se relacionava

com Mike. Sabia que o seu desinteresse completo pela revista se re-

lacionava tamb��m com ele. Compreendia que o seu trabalho em

Gloss nada mais fora do que uma maneira de atrair-lhe a aten����o

e conseguir-lhe a aprova����o. Agora, nunca mais poderia conseguir-

lhe a aprova����o. Nunca mais iria esquecer a maneira pela qual ele

a olhara ao sair do bangal��. E agora n��o tinha motivo algum para

viver sen��o Tom. Mike a abandonara... Quem se interessava por

ela era Tom.

No come��o, ela se sentava �� beira da piscina e lia todos os roman-

ces novos. Tom ainda estava em primeiro lugar. Ele estava mergu-

lhado no trabalho e ela procurava afastar-se do bangal�� at�� ao fim

da tarde, tentando esquecer a arrasadora consci��ncia de que nada

mais acontecia entre eles �� noite. Sem d��vida, ele estivera muito

machucado e deprimido nas suas primeiras semanas e as suas cos-

telas, segundo ele dizia, levaram muito tempo para sarar. Mas ela

sentia que era o trabalho dele, a preocupa����o de escrever que estava

interferindo na vida deles.

349

Quando ela entrava, ele lhe fazia sinal com a m��o para ir para

a sala. N��o queria quebrar o seu ritmo nem para dizer-lhe " a l �� " .

De vez em quando, ele pedia que ela baixasse o volume da televi-

s��o. �� noite, jantavam no bangal�� e ele lia para ela o que havia es-

crito durante o dia.

Naquele momento, escutando a chuva cair, come��ou a pensar no

que a fazia sentir-se t��o deprimida. As coisas eram como deviam ser.

Ela de certo modo estava colaborando com ele com o simples fato

de sua presen��a e de seu interesse. Mas faltava alguma coisa. E s -

tendeu a m��o e tocou no ombro dele. Tom resmungou alguma coisa

e virou-se para o outro lado. At�� no sono ele a rejeitava. Fora um

excesso de vaidade julgar que ela o estava ajudando. Tudo vaidade

e imagina����o. Ela n��o o estava ajudando! N��o era nem necess��ria

na vida dele! Saiu da cama e vestiu-se em sil��ncio.

Sentou-se ao balc��o do caf�� e comeu um bolo de milho com caf��.

Todos os lugares estavam ocupados. E todos em Los Angeles pare-

ciam despertos e en��rgicos ��s oito horas da manh��. Algumas pessoas

estavam lendo os jornais. Ouviu trechos de conversas ��� despesas

de distribui����o. . . distribui����o no exterior. . . era imposs��vel jogar

t��nis na hora do almo��o com aquela maldita chuva. Pagou a conta

e subiu para a portaria, de onde pediu o carro de Tom. A chuva

ainda ca��a fortemente. Os carros chegavam por uma pista e sa��am

pela outra. Havia pilh��rias sobre o sol eterno da Calif��rnia e a ine-

vit��vel resposta: "Ora, isso �� apenas um orvalho mais p e s a d o . . . "

Viu o Dr. Preston embarcar num carro com um famoso cantor que

chegara de Londres para fazer uma audi����o especial. Estaria tam-

b��m tomando as inje����es? Por fim, o carro chegou e ela desceu o

Sunset Boulevard seguindo para Santa Monica. Parou ent��o e ficou

olhando a chuva desabar sobre a praia desolada.

Talvez Tom tivesse percebido o estado dela porque, quando ela

voltou; ele parou de escrever e insistiu em que tomassem um drinque

juntos. Ele tinha parado de beber enquanto escrevia, mas naquele

momento se serviu de uma dose dupla, quis que ela tomasse uma

tamb��m e levou-a para jantar no Bistro.

A entrada dele causou algum movimento. Parecia que ele conhecia

todas as pessoas presentes no restaurante. Antes que acabassem de

jantar, havia v��rios atores e diretores sentados �� mesa dele, todo o

mundo empenhado em conversas de cinema ��� anedotas, sugest��es

sobre elencos, etc. January sentia-se ali mais exclu��da do que nunca.

Tom estava muito animado quando voltaram para o bangal��. Fo-

ram para a cama e ele fez a tentativa... mas nada aconteceu. Por

fim, ele a fez sentir prazer e, depois que ela ficou satisfeita e ele

pensou que ela estivesse dormindo, levantou-se da cama e foi para

a sala. Ela esperou alguns minutos e foi espiar. Ele estava relendo

350

as p��ginas que escrevera naquele dia. January voltou para a cama.

N��o tinha ele dito no princ��pio que trabalharia quatro horas por

dia e passaria o resto do tempo com ela? Nos primeiros dias, apa-

recia na piscina para dar umas breves bra��adas. Mas era sempre

para a m��quina que voltava ��s pressas. Onde tinha ele errado? Que

tinha acontecido �� vibra����o que existira no relacionamento deles?

Na segunda-feira, choveu de novo. January tentou ver as novelas

da televis��o. Na ter��a-feira, chovia ainda e ela tentou ler. Na quarta-

feira, tentou escrever um artigo intitulado "O Orvalo Forte", mas

n��o saiu nada que prestasse. Na quinta-feira, quando o sol final-

mente apareceu, ela passou os bra��os pelos ombros de Tom, que es-

tava sentado diante da m��quina.

��� Venha para a piscina c o m i g o . . . Vamos dar um passeio...

Vamos fazer alguma c o i s a . . .

��� Por que n��o toma umas li����es de t��nis? ��� perguntou ele sem

tirar os olhos do papel que estava na m��quina.

��� Jogo t��nis muito bem. N��o preciso de li����es.

��� ��timo. Vou pedir ent��o a Mark Chase que a apresente a algu-

mas pessoas que saibam jogar.

��� Tom, continuei na Calif��rnia para ficar com voc�� e n��o para

jogar t��nis.

��� Voc�� est�� comigo.

��� �� verdade. Mas voc�� n��o est�� comigo.

��� Sou um escritor ��� disse ele, continuando a olhar para o papel

na m��quina.

��� Isso �� apenas um tratamento cinematogr��fico. N��o �� Guerra e

Paz.

��� Escrever �� a minha ocupa����o. Voc�� deve compreender isso,

January.

Produzir era a ocupa����o de meu pai, mas ele sempre achava tempo

para dedicar a quem lhe interessava.

��� Pelo amor de Deus, January, saia e procure divertir-se. Compre

roupas na loja do hotel. Mande cobrar aqui no bangal��.

��� N��o quero roupas. S��o apenas onze horas da manh��, Tom.

Sinto-me sozinha e perdida... Diga-me o que devo fazer.

��� Pouco me importa o que voc�� fizer, contanto que saia de mi-

nhas costas!

��� Vou voltar para Nova York, Tom.

Ele se voltou para ela com o rosto transtornado.

��� Por qu��? Vai rastejar de novo diante dele?

��� N �� o . . . Vou salvar o que nos resta. Voltarei para o meu traba-

lho. Ao menos, poderei caminhar pelas ruas de Nova York, ver gente,

351

falar com o cego que vende l��pis e �� guiado por um grande cachor-

r o . . . Ir para o parque e ser assaltada... qualquer coisa. E, ao me-

nos, n��o estarei nas suas costas!

Ele se levantou e abra��ou-a.

��� N��o falei por mal, meu bem. Por favor. Eu preciso de voc��.

Quero voc�� aqui. Voc�� nunca viveu com um escritor e n��o pode com-

preender. Nosso relacionamento �� grande. Nunca me senti mais fe-

liz e nunca escrevi melhor. Se voc�� me deixar agora, terei a impres-

s��o de que lhe falhei. N��o fa��a isso comigo agora que eu estou qua-

se chegando ao fim. Dentro em pouco, tudo isto estar�� terminado

e n��s ficaremos com uma li����o. N��o poderemos morar em Los An-

geles quando eu tiver de escrever meu pr��ximo livro. E viver juntos

�� isto ��� a gente vai sabendo o que d�� certo e o que n��o d��. Uma

coisa j�� sabemos que d�� certo ��� n��s dois. Tenho ou n��o raz��o?

��� N��o sei, Tom. N��o s e i . . . Sinto-me perdida.

��� Compreendo. �� Mike, n��o ��?

��� Tom, eu estaria mentindo se lhe dissesse que n��o penso n e l e . . .

isto ��, subconscientemente. O que eu quero d i z e r . . . �� que o ama-

va e ainda amo. Amei-o durante toda a minha vida. Desejaria que

aquela noite nunca tivesse acontecido. Mas tomei a decis��o. Fiquei

com v o c �� . . . e perdi Mike.

��� Por que pensa que o perdeu?

��� Tom, se eu partisse para Nova York amanh��, perderia voc��?

��� Sim, January, porque eu saberia o motivo de sua partida.

��� E n��o acha que Mike sabe por que eu fiquei?

Tom fez um grave sinal afirmativo.

��� Creio que tenho sido muito ego��sta. Deixe-me apenas acabar

este servi��o. Depois que eu o entregar, tomaremos um carro e iremos

passar dez dias em San Francisco. Tenho muitos amigos l�� e voc��

vai gostar de todos eles. Organizaremos um baile e eu lhe prometo

que de hoje em diante s�� trabalharei quatro horas por dia.

��� Vou esperar ent��o e poderemos ir para a piscina ��s duas. S��o

onze horas apenas.

��� N��o estou com vontade de nadar. Mas v�� voc��. Talvez eu des��a

depois.

N��o desceu. E passou o dia seguinte pregado �� m��quina de es-

crever trabalhando sem parar at�� as oito horas da noite.

No s��bado, choveu de novo. Tom saiu de casa de manh�� para ir

ver o filho em Malibu. Tinha prometido estar de volta ��s cinco ho-

ras. Iriam ent��o jantar em algum restaurante. Talvez depois pudes-

sem ir a um cinema.

352

Telefonou ��s nove horas. January ouviu m��sica, risos e conversas.

A voz dele estava meio desarticulada e isso mostrava que ele tinha

bebido.

��� Escute, meu bem, o temporal est�� feio por aqui. Acho que ��

melhor passar a noite aqui mesmo. Pe��a o seu jantar pelo telefone.

At�� amanh��.

Desligou o telefone e January ficou durante alguns minutos para-

da. Ele se estava divertindo �� grande na casa da mulher. E n��o ti-

nha pressa alguma de voltar para ela. Por que iria ter? Ela n��o fazia

outra coisa sen��o se queixar. Para onde fora a antiga vibra����o? Onde

estava a sua vitalidade, a sua anima����o?

Ela era a mesma que dantes o ajudara a proceder como um ho-

mem. De qualquer maneira, ele nem tentava mais. Dava-lhe prazer

quando sentia que ela precisava disso. Um gesto de compaix��o, como

diria Linda.

E agora ele ia passar a noite em Malibu. Voltaria no dia seguinte.

Mas, se ela mantivesse as coisas naquele p��, havia de chegar o dia

em que ele n��o voltaria. De repente, tudo lhe pareceu desolado e

perdido. N��o podia perder Tom! N��o podia! Ele. era tudo o que ela

tinha. Cabia-lhe fazer tudo brilhante e maravilhoso, como fora

dantes.

Alguns minutos depois, pegou o telefone e ligou para o Dr. Alpert.

353





V I N T E E T R E S


David estava no bar do " 2 1 " �� espera do pai, que j�� estava com

dez minutos de atraso. Era uma coisa excepcional da parte dele.

Olhou para a mesa vazia que fora reservada para ele na banqueta

encostada �� parede. O restaurante estava ficando cheio de gente.

Peter conferia a sua lista ante a chegada de algumas pessoas muito

importantes que n��o tinham feito reservas. Walter acabava de colo-

car uma mesa no arco que separava a primeira da segunda se����o.

Mario entregava cravos brancos a tr��s belas mulheres. David ter-

minou o seu drinque e chegou �� conclus��o de que seria melhor es-

perar na sua mesa. Havia muita gente em p�� na porta a olhar para

ela.

Estava no segundo martini quando o pai chegou. Pediu desculpas

profusamente, ao mesmo tempo que dizia ao gar��om que lhe levasse

um drinque.

��� Meu Deus! ��� exclamou com um suspiro. ��� Como as mulheres

podem ser intoler��veis!

David riu.

��� N��o me diga que est�� de novo com um romance!

��� David, sempre tive imenso respeito por sua m��e. Mas ela n��o

�� o que se poderia chamar d e . . . fisicamente atraente. Entretanto,

nunca tive o que voc�� chama de romance. Naturalmente, tenho tido

de quando em quando uma aventura discreta e superficial, mas nun-

ca nada de permanente.

��� E quem �� a nova aventura discreta?

��� Nada disso. A quem eu estou achando intoler��vel �� sua m��e

mesmo. Ela �� que �� culpada de meu atraso. Vamos �� Europa daqui

a tr��s semanas. �� nossa primeira sa��da do pa��s em seis anos e foi

preciso revalidar os nossos passaportes. Acredita que estamos na

Divis��o de Passaportes desde as onze horas da manh�� e que sua m��e

ainda est�� l��?

��� Havia tanta gente assim por l��?

354

��� N��o! Estava at�� relativamente vazio, pois voc�� sabe que nesta

��poca o turismo �� muito fraco. Mas sua m��e j�� tirou tr��s fotografias

para o passaporte e deixei-a em preparativos para a quarta. Diz ela

que n��o aceitar�� uma fotografia pouco lisonjeira no passaporte. Ago-

ra, eu lhe pergunto: quem �� que vai ver essa fotografia a n��o ser o

pessoal da alf��ndega, da pol��cia e dos hot��is?

David riu.

��� Se a apar��ncia tem tanta import��ncia para ela, por que ela n��o

manda fazer uma pl��stica no rosto? Poderia ficar ��tima.

��� Para qu��?

��� Quest��o de vaidade pessoal apenas.

��� Mas n��o para sua m��e. Ela tem verdadeiros acessos de p��nico

quando tem de ir ao dentista e nunca faria uma opera����o dessas.

Al��m d i s s o . . .

Calou-se ao perceber um movimento desusado no restaurante.

Todos se voltavam para uma mulher que entrava.

��� �� Heidi Lanz! ��� exclamou George Milford. ��� Por falar em

pl��sticas no rosto, ela j�� deve ter feito umas dez. Tem quase sessen-

ta anos e parece n��o ter mais de trinta!

David olhou para a atriz vienense que recebia os cumprimentos

efusivos do pessoal do restaurante. Estava acompanhada por dois

homens jovens e falou com todo o mundo ao encaminhar-se para

sua mesa. Heidi Lanz era magnificente como Karla mas, ao contr��-

rio de Karla, nunca se afastara das atividades art��sticas. Quando as

suas chances no cinema cessaram, ela apareceu num musical da

Broadway. Fazia todos os anos um Especial para a televis��o e nunca

deixava de participar de shows em Las Vegas.

��� N��o sei como ela consegue manter aquele corpo ��� disse George

Milford. ��� Voc�� a viu pela televis��o no m��s passado com aquele

vestido colante? Parecia uma mocinha de vinte anos.

��� Sim, vi o programa em companhia de Karla, que me disse que

tinha certeza de que Heidi usava um colete refor��ado para dar essa

impress��o de firmeza.

��� Bem, Karla deve saber, D a v i d . . .

��� Por qu��? O corpo de Karla �� sensacional. Mas ela faz por onde.

E l a . . .

��� Calma, meu filho. Quis dizer apenas que Karla deve saber do

corpo de Heidi, porque �� sabido que as duas foram amantes.

David ficou vermelho e tomou um gole comprido do seu martini.

��� S��o apenas fofocas de Hollywood.

��� Talvez. Nos anos 40, as duas ganharam juntas fotografias em

todos os jornais do pa��s porque apareceram em p��blico de cal��as.

355

Era naquele tempo uma coisa muito avan��ada. �� claro que sua

Karla naquele tempo n��o fugia dos fot��grafos como foge agora. Es-

tava come��ando a fazer nome e Heidi j�� era uma grande estrela.

��� Karla chegou quase a fugir para o M��xico com um dos gran-

des artistas com quem trabalhou.

��� �� verdade ��� disse George Milford. ��� Mas n��o se esque��a de

que Heidi �� casada e j�� tem netos. Mas dizem que se cerca ainda

de uma pequena corte de amiguinhas.

��� Karla s�� se interessa por homens ��� disse David.

��� Continua com ela?

��� Sim. Vejo-a quase todas as noites.

��� January ainda est�� na Calif��rnia?

��� Est��, sim. Mas n��o se preocupe. Continuo a controlar a situa-

����o. N��s nos escrevemos.

��� N��o acha que j�� �� tempo de voc�� tomar uma decis��o?

��� Sem d��vida que ��, especialmente agora que Dee est�� de novo

na cidade. Quando January voltar, teremos de anunciar nosso noi-

vado. N��o se preocupe. Farei um esfor��o intensivo para que ela

realmente se interesse. N��o creio que possa adiar a coisa por mais

tempo. Essa viagem dela �� Calif��rnia foi para mim uma verdadeira

m��o na roda. Creio que o fim est�� �� vista e �� por isso que nunca

me contento em ver Karla.

��� O casamento nem sempre �� o fim da linha ��� disse o pai.

��� Penso que seria para Karla e para mim. Para conseguir que

January concorde em casar-se comigo, terei de dedicar-me inteira-

mente a ela. E Karla n��o �� uma mulher que se possa guardar na

prateleira e dizer: "Virei aqui de quinze em quinze dias, ��s quin-

tas-feiras".

��� O casamento sempre acarreta alguma esp��cie de sacrif��cio ���

disse George Milford. ��� Vamos tomar outro drinque. �� uma coisa

que sempre clareia os horizontes.

Quando David se despediu do pai, passou pela se����o de artigos

masculinos de Bonwit's e comprou a camisa esporte Cardin que

havia admirado a semana toda. Sessenta d��lares. Mas ficava muito

bem com as suas cal��as cinza. Iria us��-la naquela noite. Havia um

"Filme da Semana" na televis��o que Karla tinha marcado no seu

Guia da TV. Ia preparar bifes para eles e era uma das raras ocasi��es

em que ela dissera que ele poderia passar a noite no apartamento.

��� O filme �� muito longo. N��s o veremos da cama e depois faremos

amor. Desde que o filme vai acabar muito tarde, vou deixar voc��

ficar.

356

N��o era a rigor necess��rio, mas ele se barbeou de novo quando

chegou �� casa. Passou ent��o dez minutos sentado sob a l��mpada so-

lar. Isso ajudava a conservar o seu bronzeado de Palm Beach. Ex-

perimentou a camisa nova com as cal��as cinza. Depois, experimen-

tou-a com as cal��as azul-marinho. Voltou ��s cal��as cinza. Amarrou

uma ��charpe por dentro da gola. Em seguida, preparou um mar-

tini. Karla s�� bebia vinho. E ele ainda precisava daquele drinque

para criar coragem para ela.

Pensou nisso enquanto bebia o martini. Era uma verdadeira lou-

cura. Dentro de alguns dias, ia fazer um ano que estavam juntos.

Entretanto, no in��cio de cada encontro com ela, ficava nervoso como

um colegial.

Que diabo! Ele era amante dela! Naquele momento, ela estava

fazendo salada para ele! Com as m��os dela! Para ele! E, depois, ela

gemeria e se abra��aria... a ele!

Quando afinal poderia ele agir com calma e confian��a em rela����o

a ela? Se, ao fim de um ano, ainda se sentia assim, como poderia

romper e come��ar de fato a namorar January?

N��o podia fazer isso! Mas n��o pensaria no caso naquele momento.

Al��m disso, a carta de January n��o sugeria a volta iminente dela.

Dizia at�� que talvez fizesse mais algumas reportagens para aprovei-

tar a sua perman��ncia por l��. Olhou para o rel��gio. Ainda tinha meia

hora. Dava tempo de tomar outro drinque. Vodca pura dessa vez.

Estava na verdade um pouco descontrolado. Bastava pensar em dei-

xar Karla para ficar assim.

Bebeu lentamente, sentindo a bebida aquec��-lo. Sabia que estava

ficando um pouco alto. Mas n��o tinha import��ncia. Gostava de estar

um pouco alto quando a via, pois ficava mais descontra��do. Sentiu-

se melhor quando acabou o drinque. Talvez seu pai tivesse raz��o.

Talvez o casamento com January n��o fosse o fim da linha. Poderia

explicar tudo a Karla, inclusive o fundo de dez milh��es de d��lares.

N��o, ela iria desprez��-lo. De que maneira ent��o iria ele explicar tudo

e pedir-lhe que esperasse? De maneira alguma. Teve um forte acesso

de depress��o. Mas era absurdo. January estava a cinco mil quil��me-

tros de dist��ncia. Podia ficar ainda por l�� um m��s ou mais. Enquanto

isso, ele teria todo esse tempo para ficar com Karla. N��o pensaria

no pr��ximo m��s e nem mesmo na pr��xima semana. Gozaria cada

dia �� medida que passasse. E naquela noite ia ver Karla.

Levou um susto quando o telefone tocou. Correu para atend��-lo

logo �� segunda chamada.

��� David, foi muito bom peg��-lo ainda em casa ��� disse a voz de

Karla, que parecia ofegante.

��� Ia sair agora mesmo ��� disse ele, todo satisfeito.

357

��� N��o. Voc�� n��o pode vir aqui esta noite.

��� Por qu��?

��� Um amigo chegou inesperadamente.

��� N��o compreendo. ��� Era a primeira vez que ele n��o aceitava

com facilidade que ela desmarcasse um encontro. ��� Estava tudo

combinado para esta noite, Karla.

��� Eu sei, D a v i d . . . ��� A voz dela era quase suplicante e terna.

��� Voc�� n��o calcula quanto me custa deixar de v��-lo esta noite. Mas

�� um velho amigo da E u r o p a . . . meu a g e n t e . . . Chegou sem me

avisar e tem assuntos urgentes para resolver. N��o posso deixar de

v��-lo.

��� �� Jeremy Haskins, o homem de quem voc�� me falou?

��� �� meu velho amigo, sim.

��� Est�� bem, mas ele n��o vai ficar a noite toda, n��o ��? Eu pode-

ria aparecer depois.

��� N��o. David. Estarei muito cansada.

��� Talvez n��o esteja. Poderei telefonar-lhe para saber. D��-me o

n��mero de seu telefone, Karla.

��� Vou desligar, David.

��� Que diabo, Karla! Diga-me qual �� o telefone!

Ela bateu o telefone. Por um momento, ele ficou alarmado. Pas-

sara dos limites e ela se zangara. Talvez n��o telefonasse no dia se-

guinte. Talvez n��o telefonasse nunca mais. Procurou acalmar-se.

N��o havia raz��o para que ele ficasse assim. Ela telefonaria no dia

seguinte e os dois achariam muita gra��a em tudo aquilo. Serviu-se

de uma grande dose de vodca e acrescentou algumas gotas de ver-

mute. Mais um drinque e ele ficaria b��bado. Por que n��o? Que mal

havia em ficar bem alto e sentir-se bem? O rosto come��ou a arder

em conseq����ncia do tratamento com a l��mpada solar. Olhou-se ao

espelho. A camisa estava maravilhosa e a l��mpada solar tinha acres-

centado um tom avermelhado �� sua pele. Nunca se sentira melhor.

E fora barrado por causa de um velho!

Acabou o drinque e preparou outro. Pensou em telefonar para

Kim. Eram apenas seis e meia. N��o, n��o estava com disposi����o para

Kim. Sabia muito bem que estava b��bado. Mas serviu-se de outro

drinque, vodca pura dessa vez. Ficou sentado no escuro e bebeu len-

ta e metodicamente. Estava com sua camisa nova, o rosto lhe ardia

e ele n��o tinha para onde ir. N��o queria ir para lugar algum a n��o

ser a casa de K a r l a . . .

Ora, tinha de ficar para o dia seguinte... Talvez fosse melhor

tirar a camisa e guard��-la para o dia seguinte. Mas n��o, seria melhor

nunca mais us��-la. Era uma camisa que n��o dava sorte.

358

Acendeu um cigarro e procurou pensar a s��rio nas coisas. Nada de

irremedi��vel havia acontecido. Muito bem, ele tinha pedido, exigido

at��, o telefone dela. Ela lhe batera o telefone na cara. Muito certo.

N��o tinha havido a bem dizer uma briga, mas apenas ��nimos exal-

tados. No dia seguinte, tudo estaria consertado. Afinal de contas, o

tal Jeremy era um velho. Ela lhe tinha contado como ele se tornara

agente dela. Tinham-se conhecido num abrigo antia��reo. Fora mes-

mo uma das poucas coisas que Karla lhe contara sobre a vida dela.

J�� naquele tempo, Jeremy era um homem de meia-idade. Era o mais

velho amigo dela e ele se lembrava de que ela lhe dissera: "Jeremy

�� um dos homens melhores que h�� no m u n d o . . . Um dia, voc��s

dois v��o-se conhecer".

Deixou o copo em cima de uma mesinha. Se ela queria que os

dois se conhecessem, por que se opusera ao encontro naquela noite?

Por que n��o podiam os tr��s jantar juntos na cozinha? Ela n��o tinha

de desmarcar nada. Podia muito bem conversar com o seu Jeremy

no dia seguinte...

A menos que n��o fosse Jeremy quem estava com ela. O pensamen-

to embrulhou-lhe o est��mago. Mas n��o havia outro homem na vida

de Karla! Ela o via quase todas as noites. E nas noites em que n��o

o via, era sempre porque estava muito cansada. Na verdade, nessas

ocasi��es telefonava para ele muitas vezes a fim de dizer qual era

o programa de televis��o a que estava assistindo. N��o, n��o havia

outro homem!

De repente, lembrou-se da entrada de Heidi Lanz no " 2 1 " . A

bela Heidi, a l��sbica! Ela tamb��m tinha acabado de chegar �� cidade!

N��o era poss��vel! Serviu-se de outro drinque. Bebeu �� sua sa��de.

David Milford, campe��o dos idiotas! Apaixonado por uma mulher

de cinq��enta e dois anos que fizera opera����o pl��stica no rosto e n��o

queria dar-lhe o n��mero de seu telefone.

S�� que ela n��o era uma mulher qualquer. Era Karla! E naquele

momento estava em companhia do velho Jeremy Haskins e ele esta-

va ali b��bado e a imaginar asneiras...

Que azar! Por que fora ele ver Heidi Lanz naquele dia no " 2 1 "

e por que o velho lhe pusera aquelas id��ias na cabe��a? Sem d��vida,

tinha ouvido rumores a respeito de Karla. Mas, afinal de contas,

ele tinha a impress��o de que quase todas as mulheres europ��ias ti-

nham conhecido essa esp��cie de coisa no passado, do mesmo modo

que tinha certeza de que todos os ingleses tinham tido experi��ncias

com um rapaz. Mas Karla n��o podia realmente amar uma mulher,

a julgar pela maneira como ela reagia quando estava nos bra��os

d e l e . . . N��o, ela devia estar mesmo com o velho Jeremy.

Sentiu de repente que n��o podia ficar nem mais um instante den-

tro do apartamento. Saiu e come��ou a descer Park Avenue. O ar

359

frio lhe desanuviou a cabe��a. Entrou pela Avenida Lexington. Con-

tinuou caminhando. Sabia que se estava dirigindo para o aparta-

mento de Karla. O r a . . . por que n��o? Entraria naturalmente no edi-

f��cio. O porteiro pensaria que ele era esperado. O ascensorista, tam-

b��m. Ele tocaria a campainha da porta. Se ela estivesse com Jeremy

e ficasse zangada, ele explicaria que era o dia de seu anivers��rio

e ele tinha de v��-la, nem que fosse por um instante. Sim, seria um

bom pretexto. E ent��o, ainda que ela dissesse que ele podia ficar,

sairia. Era isso mesmo. Ainda que ela fosse am��vel e se sentisse

culpada, ele se recusaria a ficar. Poderia, no m��ximo, beber um gole

em honra de seu anivers��rio. Depois, sairia. Ao menos quando vol-

tasse para casa, poderia dormir.

Quando chegou perto do edif��cio dela, sua coragem se evaporou.

Entrou pela Primeira Avenida e foi at�� um bar. Pediu uma dose

dupla de vodca. Sentiu-se melhor. N��o tinha motivo algum de estar

nervoso. Tudo era imagina����o dele. Ela acharia gra��a provavel-

mente, pensando que ele era jovem, encantador e impetuoso. Atra-

vessou a rua. Quando o porteiro o cumprimentou, sentiu-se tran-

q��ilizado. Sentiu-se ainda melhor quando no elevador o ascenso-

rista comentou a sorte com que andava jogando a equipe de base-

bol dos Yankees.

Saiu para o corredor e esperou que a porta do elevador se fechas-

se. Parou diante da porta dela. N��o havia som algum l�� dentro. A

televis��o n��o estava ligada. Hesitou. Pensou em dar meia-volta e

sair. Assim, ela nunca saberia. Mas que pensariam o ascensorista e

o porteiro? Eles sabiam que ela estava em casa.

Estendeu a m��o e tocou a campainha. Podia sentir o cora����o a

bater aceleradamente. Tornou a tocar. Ouviu ent��o passos. Ela abriu

a porta cautelosamente sem tirar a corrente de seguran��a. Quando o

viu, seus grandes olhos cinzentos se ensombreceram de raiva.

��� Que �� que voc�� quer? ��� perguntou ela com a voz gelada.

N��o p��de acreditar que aquilo estivesse acontecendo. N��o era

poss��vel que Karla, que sempre lhe escancarava a porta, estivesse

a espi��-lo por uma pequena fresta, como se o considerasse um in-

truso.

��� Hoje �� dia de meu anivers��rio.

As palavras lhe sa��ram chochas e n��o alegres e cordiais como ele

tinha previsto.

��� V��-se embora! ��� disse ela.

Ele meteu o p�� na fresta da porta e disse:

��� �� meu anivers��rio. Quero apenas tomar um drinque para co-

memorar com voc�� e Jeremy.

��� Eu disse que se fosse emboral

360

��� Pois n��o vou!

Tentou sorrir, mas estava amedrontado. O caso estava fugindo ao

seu controle. Ela estava realmente zangada. N��o havia mais nem

sombra de gentileza. Mas ele tinha de entrar para explicar a ela

quanto a amava e que n��o poderia continuar a viver assim, privado

de telefonar para ela.

��� Se voc�� n��o sair daqui, terei de pedir socorro!

Oh! Ele tinha estragado tudo.

��� Perd��o, Karla! Sinto m u i t o . . .

Recuou um pouco e ela se aproveitou dessa fra����o de segundo

para bater e trancar a porta.

Ficou ali parado sem poder acreditar. N��o era poss��vel que Karla

estivesse fazendo aquilo com ele. Cachorra! �� claro que n��o era J e -

remy que estava l�� dentro. Ela estava provavelmente com Heidi

Lanz. Tornou a tocar a campainha. Deu murros na porta.

��� Abra a porta! Prove que quem est�� a�� dentro �� seu velho agen-

te! Depois, sairei calmamente. S�� quero saber �� se voc�� est�� dizendo

a verdade!

Esperou alguns segundos. Percebeu que a porta de outro aparta-

mento se abrira no corredor e que havia uma pessoa a espi��-lo.

Sentiu-se envergonhado, mas a porta do outro apartamento foi fe-

chada e ele tornou a tocar a campainha.

��� Quero entrar, diabo! Abra a porta!

Deu pontap��s na porta. Depois, tirou um f��sforo do bolso e me-

teu-o no bot��o da campainha para que esta n��o parasse de tocar.

��� Vou ficar aqui e esperar! ��� gritou ele. ��� Vou ficar nem que

tenha de esperar a noite inteira! Quero ver quem �� que vai sair de

seu apartamento!

Deu outro violento pontap�� na porta. Sabia que estava inteira-

mente descontrolado, mas n��o podia mais parar. Percebeu que v��-

rias portas se abriam no corredor.

Ouviu ent��o a porta do elevador abrir-se. Sentiu-se ent��o agarra-

do por dois pares de bra��os fortes. Debateu-se desesperadamente.

O porteiro e o ascensorista estavam tentando afast��-lo da porta de

Karla. Seus velhos amigos sorridentes ��� o porteiro que recebera

todas as suas gorjetas de um d��lar e o ascensorista que discutia ba-

sebol com ele. Estavam a arrast��-lo pelo corredor.

��� Tirem as m��os de cima de mim! ��� gritou ele. ��� Ela n��o ouviu

a campainha, mas est�� �� minha espera!

��� Calma, rapaz ��� disse o porteiro. ��� Foi ela que telefonou e nos

pediu que vi��ssemos afast��-lo daqui, porque voc�� estava causando

perturba����o.

361

Era incr��vel que Karla estivesse mandando bot��-lo para fora. Deu

ent��o um derradeiro pontap�� na porta e gritou:

��� L��sbica! Machona traidora! Sei quem est�� a�� dentro com voc��!

�� Heidi e n��o Jeremy! Heidi! Heidi! Heidi Lanz!

Outras portas se abriram. Todos os inquilinos olhavam a cena,

espantados. Muitos que tinham sentido inveja dele ao v��-lo ter

acesso ao apartamento de sua famosa vizinha, viam-no ser arrastado

pelo corredor pelo porteiro e pelo ascensorista. Ele se debatia e gri-

tava. De repente, ouviu um barulho de fazenda que se rasgava e

compreendeu que era sua camisa nova. Ela o estava expulsando!

N��o podia ser verdade. Devia ser um pesadelo!

Chegou ent��o ao elevador e o porteiro diminuiu a press��o com

que o agarrava.

��� Escute, filho. Parece que voc�� esta noite bebeu mais do que

devia. Vou chamar um t��xi e voc�� ir�� direitinho para sua casa. Ama-

nh��, voc�� mandar�� umas flores para ela e tudo estar�� resolvido.

Ele se desvencilhou das m��os do homem e saiu do edif��cio.

��� Amanh�� uma ova! N��o vou mandar flores para essa l��sbica

sem-vergonha nunca mais! E n��o se d�� ao trabalho de chamar um

t��xi! N��o quero mais nada de voc��s! Nunca mais chegarei nem per-

to deste edif��cio! ��� Olhou para cima, para as janelas do d��cimo quin-

to andar e gritou: ��� Tenho raiva de voc��, cachorra!

E saiu cambaleando pela rua.

Karla ficou �� janela e olhou-o at�� que ele desaparecesse. Foi ent��o

at�� o banheiro e bateu na porta. Tinha o rosto muito abatido e p��lido.

��� Pronto, Dee. Pode sair. Creio que David n��o nos incomodar��

mais.

362





V I N T E E Q U A T R O


Dee estendeu-se na banheira cheia de espuma. O r��dio estava

tocando velhos n��meros de Frank Sinatra. Eram lindos. O mundo

inteiro era lindo. Maio era um m��s lindo em Nova York. Abril tinha

sido tamb��m um m��s lindo. Todos os meses eram lindos quando

Karla estava por perto. O inverno em Palm Beach tinha marcado a

mais longa separa����o entre elas. Cinco longos meses. Tinha sido

arrasador. Em muitas ocasi��es, tivera de recorrer a toda sua for��a

de vontade para n��o pegar o telefone e suplicar a Karla que fosse.

Mas tinha sido bom porque, na volta, encontrara Karla ansiosa por

v��-la.

Sem d��vida, tinha havido aquela terr��vel noite em que David dera

murros e pontap��s na porta do apartamento como se fosse um touro

furioso. Ela nunca havia julgado poss��vel que David se descontro-

lasse a tal ponto. Mas havia bebido. N��o ouvira muito da confus��o,

pois logo no princ��pio ficara t��o aterrada que correra para se escon-

der no banheiro. Mas o fato havia evidentemente liquidado David

aos olhos de Karla. Ele n��o era mais um dos "mo��os gentis" que

a levavam para ver bal�� e filmes de arte.

De modo bem estranho, David n��o parecia estar sofrendo muito

com isso. De acordo com as colunas sociais, sa��a de vez em quando

com o modelo holand��s e falava constantemente em January.

Ficara muito sentido de que ela n��o pudesse ter ido passar a P��s-

coa em Palm Beach. Era decerto um trabalho importante escrever

uma reportagem sobre um homem famoso como Tom Colt. J�� es-

tava havia algum tempo na Calif��rnia. Dee gostaria de saber se ha-

via alguma coisa entre eles. Absurdo! Tom Colt era casado e anti-

quado demais para January. Mike tinha mostrado estranhamente

muito pouco entusiasmo pela import��ncia da miss��o de que January

fora incumbida. Tinha insistido em tomar o avi��o para ir at�� l�� v��-la.

Tinha demorado quase uma semana e, quando voltara, tudo pare-

cia muito bem. Muito bem, ela tinha de alterar mais uma vez seu

testamento. Agora que David n��o representava mais uma amea��a

363

no que se referia a Karla, n��o tinha mais import��ncia que ele se

casasse ou n��o com January.

Logo que saiu da banheira, telefonou para George Milford. E l e

atendeu imediatamente.

��� Estava de sa��da, Dee. Mas �� com muito prazer que falo com

voc��.

��� George, quero alterar meu testamento.

��� Muito bem. �� urgente?

��� N��o, mas vamo-nos encontrar amanh�� �� tarde.

��� Foi por isso que eu lhe perguntei se era urgente. Margaret e

eu vamos partir para Paris amanh��. A filha da irm�� dela vai-se casar

e n��s dois h�� muito tempo que n��o temos umas f��rias no exterior.

Por isso, estamos aproveitando. Vamos de vapor e devemos passar

no m��nimo um m��s fora.

��� O h . . . ��� murmurou Dee, mordendo pensativamente os l��bios.

��� Mas, se �� urgente, posso esperar aqui no escrit��rio agora. S��o

cinco e meia. N��o me importo de passar mais algumas horas aqui

esta n o i t e . . . desde que voc�� esteja livre. Poderemos redigir as al-

tera����es. Deixarei tudo aqui para ser batido �� m��quina e amanh��,

digamos ��s dez horas, voc�� poder�� vir para assinar e regularizar

t u d o . . .

Karla a estava esperando ��s seis e meia. Aquilo tomaria muito

tempo.

��� N��o, George, n��o �� urgente. Pode esperar at�� a sua volta. F a �� a

boa viagem, divirta-se e d�� lembran��as minhas a Margaret.

Desligou e come��ou a vestir-se. Mike estava no Friars Club. E l a

tinha dito a ele que ia �� reuni��o de sua turma e insistiu para que

ele ficasse no clube para jantar e jogar cartas.

��� Tenho de ir. �� uma coisa que fa��o todos os anos. Somos ape-

nas vinte e ficamos horas discutindo os dias que passamos na escola

de Miss Briarly. Se chegar a casa antes de mim, n��o me espere.

A vida de casada j�� lhe estava enchendo demais a vida. Com

Karla �� disposi����o dela, era torturante a companhia de Mike. Desde

a sua volta de Palm Beach, Karla se mostrava exuberante sempre

que Dee dizia que estava livre. E n��o tinha mais havido nenhuma

de suas velhas desculpas. (Oh, Dee, convidei o Maestro para jantar

hoje comigo. H�� muito tempo que ele n��o trabalha e est�� muito

d e p r i m i d o . . . ) As raz��es de Karla eram sempre v��lidas mas t��o fre-

q��entes que deixavam Dee desorientada. Entretanto, n��o tinha ha-

vido um s�� pretexto desde a volta dela. Sempre que telefonava e

dizia: "Posso sair esta noite!", Karla demonstrava a sua alegria, di-

zendo: "��timo! Estou esperando ansiosamente..." ou ent��o " F u i

364

convidara para um jantar esta n"ite, mas vou telefonar dizendo que

n��o posso ir"

�� claro que ela poderia ver Karla durante o dia, se quisesse con-

formar-se e fazer as coisas ao jeito de Karla. Mas achava humilhante

fazer a vontade de Karla e ficar sentada numa sala vazia enquanto

a outra fazia os seus exerc��cios de barra. Tinha feito isso nos pri-

meiros anos, (juando o simples fato de ver Karla, de ser tolerada ao

lado dela lhe parecia uma inenarr��vel felicidade. Sem d��vida, era

muito estranho que, depois de tantos anos, ela ainda sentisse uma

esp��cie de deslumbramento ao ver Karla. Mas logo que as rela����es

entre elas tinham ficado firmemente estabelecidas, julgava depri-

mente para ela passar o tempo sentada a olh��-la como se fosse uma

f�� com debilidade mental. N��o sa��a tamb��m para passear a p�� sob

a neve e a chuva. O nariz e os olhos de Dee corriam quando ela

sentia frio. Ela n��o era como Karla, que ficava ainda mais bonita

com o rosto fustigado pela chuva e pela neve. Karla podia sair de

um banho de chuveiro, secar os cabelos com uma toalha e parecer

magn��fica. Dee estaria perdida sem um cabeleireiro para ajeitar-lhe

os cabelos todos os dias.

N��o, a ��nica maneira de ver Karla e de manter as rela����es entre

elas numa base de igualdade era receber Karla como h��spede numa

de suas casas ou encontrar-se com ela em Nova York �� noite. Ne-

nhuma mulher de mais de quarenta pode parecer deslumbrante ��

luz do dia. Dee j�� havia tentado tudo. Toda a maquilagem que eia

usava como base parecia muito rosada, muito alaranjada ou muito

pastosa. Mas �� noite o seu aspecto era maravilhoso, especialmente

sentada diante de uma lareira acesa ou a jantar com Karla �� luz das

velas. Recusava-se terminantemente a comer na cozinha. Nada havia

de rom��ntico nisso. Al��m disso, o seu aspecto era terr��vel com aque-

le excesso de luz. Karla parecia sempre levemente bronzeada e n��o

precisava nunca de usar base. Mas Karla era Karla e n��o havia nin-

gu��m como ela. Ainda depois de oito anos, n��o podia acreditar que

Karla realmente lhe pertencesse. N �� o . . . n��o pertencia. Karla nunca

pertenceria a ningu��m. Nem mesmo a Jeremy Haskins que, segundo

ela dizia, tinha sido seu agente e era seu grande amigo. Ela con-

fessava francamente que tinham feito uma tentativa infrut��fera de

serem amantes. Dee tinha conhecido Jeremy quando ele estivera

nos Estados Unidos em 1966 e se tranq��ilizara tanto ao ver-lhe a

cabe��a branca e os ombros encurvados que lhe oferecera um jantar

e lhe mandava todos os anos um presente de Natal.

Obedecendo a um impulso, pegou um tal��o de cheques e fez um

cheque de dez mil d��lares. Tinha desistido de tentar surpreender

Karla com presentes. Karla nunca usava j��ias. E a capa de peles que

ela lhe dera era usada como uma capa comum de borracha. Cami-

365

nhava com ela debaixo da neve e da chuva e quando ia para o es-

t��dio a fim de fazer os seus exerc��cios. Karla s�� reagia com vivo in-

teresse quando o presente era de dinheiro. Era um fen��meno que

Dee n��o podia compreender. Afinal de contas, Karla tinha dinheiro

de sobra. Fizera filmes de sucesso durante tantos anos. E as despe-

sas dela eram m��nimas al��m do condom��nio do apartamento. E r a

um apartamento fabuloso quanto �� sua disposi����o material. Um de-

corador poderia transformar aquilo num verdadeiro sonho. Mas Dee

duvidava de que os m��veis existentes no apartamento chegassem a

valer cinco mil d��lares. �� claro que a limpeza era irrepreens��vel.

Karla n��o hesitava em encerar o ch��o e limpar as vidra��as pessoal-

mente. E havia os quadros ��� um Monet, dois Raoul Dufys, um Vla-

minck e os desenhos de Daumier. Mas tudo isso lhe fora dado de

presente. E quando Dee lhe perguntava: "Por que voc�� mora num

duplex de dez pe��as quando s�� usa tr��s?", Karla encolhia os ombros

e respondia: " F o i um presente... e agora vale o dobro do que

custou". Tinha desistido de racionalizar as excentricidades de Karla.

Excentricidades coisa nenhuma! Karla era pura e simplesmente ava-

renta. At�� os presentes de Natal que dava a Dee eram lament��veis

��� um canec��o de cerveja com a inscri����o "Lembran��a de Nova

York", uma camisola de flanela vermelha, um enfeite polon��s para

a ��rvore de N a t a l . . . Dee considerava isso uma neurose herdada do

tempo da guerra. Todos os refugiados eram levemente desequili-

brados.

Dee saiu de casa ��s seis e quinze. Tinha dispensado o chofer e to-

mou um t��xi que atravessou a cidade a sacolejar-se todo, mas nada

poderia amortecer-lhe a anima����o. Era primavera, a noite era bela

e dentro de alguns minutos iria ver Karla. Se ela, ao menos, pudesse

fazer o tempo parar e tornar eterna aquela noite. Come��ou a contar

o tempo que o carro ficava parado nos sinais v e r m e l h o . . . U m . . .

d o i s . . . O n��mero a que ela chegasse at�� o sinal se abrir represen-

taria o n��mero de meses que ela e Karla passariam juntas. Chegou

a dezesseis num s i n a l . . . Mas ao chegar �� Segunda Avenida, tinha

melhorado tanto a sua t��cnica que chegou a trinta e cinco. Franziu

a testa. Seriam mais tr��s anos. N��o, n��o se conformaria com isso.

Teriam de ficar juntas para sempre. Oh, se ela pudesse realmente

acreditar nisso, se pudesse acreditar que Karla nunca mais a dei-

xaria . . . Se pudesse acreditar nisso, nunca se teria casado com

Mike. Dee sabia muito bem que Karla nunca poderia ser realmente

possu��da por ningu��m. E, se Karla soubesse que era toda a vida de

Dee, poderia desaparecer para sempre. N��o, Mike era a sua v��lvula

de seguran��a, as muletas que a ancoravam na realidade. Mas Mike

era tamb��m um problema... A que rodeios ela tinha de recorrer

para conseguir as suas "noites livres"! Em julho, insistiria com Karla

que fosse para Marbella. Mas ainda estavam no come��o de maio.

366

Isso significava que ainda teria seis semanas de preocupa����es em

Nova York. Pensou que tinha sido muito h��bil em mostrar tanto en-

tusiasmo para ir para Cannes com Mike. N��o ia haver torneio de

gam��o em Monte Carlo e ela n��o tinha a menor inten����o de ir at��

l��. Mas isso tinha de ser planejado com muito cuidado e at�� ent��o

estava tudo dando certo. A suite no Carlton estava reservada para

o dia 14 de maio. Pretendia esperar at�� a v��spera e ent��o lhe diria

que o torneio fora cancelado. Insistiria, por��m, em que ele fosse,

pois a suite j�� estava reservada e ele merecia passar duas semanas

maravilhosas com seus amigos do cinema. Ela ficaria em Nova

York tratando do seu guarda-roupa de ver��o. Sabia tudo o que tinha

de dizer. Ele iria certamente sem ela. Ela teria ent��o duas semanas

fant��sticas em companhia de Karla. Poderiam passar todas as noites

juntas!

Karla estava a esper��-la quando ela chegou. O rosto estava lavado

sem maquilagem e os cabelos penteados para tr��s e presos com uma

barrette. Abra��ou-a e levou-a para a mesa ao lado da janela. Estava

posta para o jantar e Karla apontou as velas.

��� Comprei-as hoje. N��o precisam de casti��al e se derretem por

si mesmas. Foi admir��vel! Uma lojinha maravilhosa e o homenzi-

nho que me atendeu n��o me reconheceu. Simpatizou comigo por

mim mesma. Fez-me sentir os diversos cheiros das velas. Hoje, te-

mos o perfume de gard��nia. Voc�� gosta de gard��nia, Dee? Eu ado-

r o . . . e espero que voc�� goste tamb��m.. .

��� Claro que eu g o s t o . . .

�� luz das velas, com a noite come��ando a cair sobre o East River,

Karla parecia mais bela do que nunca, enquanto as sombras lhe

ca��am sobre o rosto e sob a depress��o abaixo dos malares. De re-

pente, Dee compreendeu que estava a olhar Karla embevecida.

Abriu a bolsa e disse:

��� Trouxe-lhe um pequeno presente, Karla.

Ela nem olhou para o cheque. Sorriu e guardou-o na gaveta da

mesa.

��� Muito obrigada, Dee. Agora, sente-se. Preparei uma grande

salada de lagosta e camar��o. E v e j a . . . um jarro de sangria. Vamos

ter um verdadeiro banquete.

Naquela noite, quando se amaram, Karla se mostrou alegremente

efusiva. De fato, parecia mais bem disposta do que de costume. De-

pois, enquanto estavam ainda deitadas, cantou uma m��sica polonesa

que aprendera em crian��a. Em seguida, confusa como se tivesse re-

velado alguma faceta oculta de si mesma, saltou da cama e ligou

a televis��o.

��� Depois, vai haver um bom filme, mas eu sei que voc�� gosta

de ouvir o jornal. Vou tomar um banho e voc�� depois me dir�� se

aconteceu alguma coisa importante neste nosso triste mundo.

367

Dee ouviu o notici��rio. Ouviu Karla cantar no banheiro. Era sinal

de que se sentia feliz. Ela tamb��m estava feliz. Mas na sua felici-

dade havia uma ponta de desespero. Dali a pouco teria de sair e

voltar para junto de Mike.

Estendeu a m��o para a mesinha de cabeceira com a inten����o de

experimentar um dos cigarros ingleses fortes de Karla. Quando pe-

gou os cigarros, um envelope caiu no ch��o. Era a conta de telefone

de Karla e ela se sentiu de repente curiosa. A conta tinha de ser

m��nima. Karla quase n��o telefonava para ningu��m e, quando o fazia,

era muito lac��nica. N��o havia conversas pelo telefone com Karla.

Dee tirou a conta do envelope e arregalou os olhos quando viu o

total. Quatrocentos e trinta e um d��lares! Com podia Karla ter uma

conta daquele tamanho? Examinou-a cuidadosamente. Karla n��o

tinha ultrapassado o m��ximo permitido de chamadas locais. Mas

havia uma longa lista de telefonemas para a Inglaterra ��� Bostwick

3322. Dezesseis liga����es para esse n��mero! E todas as liga����es ti-

nham durado mais de tr��s minutos. Havia tr��s para a esta����o de

Lowick e duas para um n��mero da esta����o de Belgravia. Mas de-

zesseis para Bostwick 3322- Tomou nota num peda��o de papel que

guardou na bolsa e tornou a colocar a conta do telefone sob os ci-

garros de Karla. Mas, quando Karla saiu do banheiro e se deitou

novamente com ela, esqueceu por completo o caso. S�� foi pensar

de novo nele quando chegou a casa e encontrou o peda��o de papel

em sua bolsa. Guardou-o na sua caixa de j��ias. Com toda a certeza,

Karla tinha neg��cios em Londres. Talvez estivesse em contato cons-

tante com Jeremy. Talvez a conta de telefone dela fosse bem alta

todos os meses. As pessoas de m��o fechada tinham sempre alguma

extravag��ncia. Talvez a de Karla fossem os telefonemas interna-

cionais.

O dia seguinte foi um desses raros dias em que Dee n��o p��de li-

gar para Karla. N��o adiantava telefonar pela manh��, pois Karla

devia ter sa��do para dar as suas habituais caminhadas. E ��s treze

horas, quando ela devia estar chegando a casa, Dee estava presa

num almo��o no Plaza em benef��cio de um centro de recupera����o

para m��es solteiras viciadas em t��xicos. Dee n��o estava muito in-

teressada no caso, mas era um bom meio de figurar no notici��rio

dos jornais. Todas as pessoas importantes estavam no comit�� e isso

era muito bom para a sua imagem.

Telefonou para Karla ��s cinco horas, mas n��o a encontrou em

casa. Quando ia tentar de novo, Ernest chegou para arrumar-lhe os

cabelos. Ela e Mike tinham de ir a um horr��vel jantar no aparta-

mento de Park Avenue da Princesa Marina em honra de um senador

qualquer, o que significava que teriam de ouvir as frases espiri-

tuosas dele a respeito de Washington. Mas a Princesa dava grandes

368

festas em Marbella e, se ela insistia em ficar au courant em mat��ria

de pol��tica, Dee teria de tolerar o tal jantar.

Na manh�� seguinte, ficou na cama at�� depois de meio-dia e meia,

dando tempo a que Karla voltasse para casa depois de sua cami-

nhada. Estava tamb��m pensando num pretexto para afastar-se de

Mike naquela noite. O resto da semana estava cheio de compro-

misso, mas naquela noite estava livre. Mike tinha falado em ver

dois filmes naquela noite. Ele adorava sentar-se num daqueles ci-

nemas imundos e gostava at�� de comer pipocas. Falara a ela em

mandarem construir uma sala de proje����o no Pal��cio de Inverno

para verem os filmes que quisessem. Dee detestava cinema. Gosta-

va muito de ver os velhos filmes de Karla, mas o cinema atual pou-

co lhe interessava. Odiava aqueles filmes mon��tonos, cheios de mo-

tocicletas e de mo��os que vestiam macac��es e fumavam maconha.

Dantes, ia-se a um cinema e prestava-se aten����o aos vestidos da es-

trela para saber da moda. Mas os filmes tinham passado a ser feios

e sujos. A vida dela era muito mais excitante e bela.

Correu os olhos pelos jornais. Ganhara not��cia em Women's Wear

com o almo��o da v��spera. A fotografia dela tinha sa��do muito boa

e ela iria mostr��-la a Karla. Mas naquele momento tinha de pensar

era num plano para livrar-se da companhia de Mike naquela noite.

O gam��o n��o era mais uma sa��da. Ele j�� gostava de gam��o. Onde

ela estava com a cabe��a quando tratara de ensinar-lhe o jogo? Olhou

para o rel��gio. Talvez fosse melhor dizer a ele que fosse jogar golfe

no clube, pois ela q u e r i a . . . Queria o qu��? Era irritante ficar ali

deitada pensando num pretexto. Ela era Dee Milford Granger e es-

tava sustentando aquele homem. Por que n��o podia dizer apenas

"Quero sair sozinha esta noite" como fizera com todos os outros?

Era porque intimamente sabia que n��o podia dizer isso a Mike. E l e

lhe responderia na mesma hora: "Muito bem. Pode ficar sozinha de

vez". E ele faria assim com toda a certeza porque n��o parecia mais

t��o preocupado com a filha. Tinha deixado ultimamente de fazer re-

fer��ncia a ela. Talvez o fundo de dez milh��es de d��lares que Dee

institu��ra para ela o tivesse descontra��do. Mas, quando ela voltasse,

ele ficaria sabendo que isso n��o era uma coisa irrevog��vel. Ela al-

teraria tudo. David voltaria a ser o testamenteiro. Poderia manter

o fundo de dez milh��es para January, mas com um c o d i c i l o . . . Ela

s�� receberia os dez milh��es, no momento de sua morte, se Mike Way-

ne fosse ainda o marido de Dee Milford Granger. Come��ou a sorrir.

Depois disse, poderia sair quando bem quisesse e entendesse. Mas

tinha de pensar em alguma coisa para aquela noite. N��o poderia

mais inventar uma amiga fict��cia com quem fosse jogar gam��o. Ele

j�� conhecia todas as amigas dela. Era absurdo! Durante toda a sua

vida, fizera sempre tudo aquilo de que tinha vontade e agora, para

369

ter a noite livre com a pessoa mais importante no mundo para ela,

tinha de arquitetar planos e mentiras como se fosse uma criminosa.

Talvez Karla tivesse uma id��ia, embora n��o fosse uma pessoa de

muita imagina����o. Dee a amava com loucura, mas ela era ainda

uma polonesa apoucada. Passavam dez minutos apenas do meio-dia,

mas ligou para Karla. ��s vezes, ela voltava para casa mais cedo.

Discou o n��mero, mas ningu��m atendeu. Era natural... quinta-

feira e a arrumadeira n��o estava. Era incr��vel que Karla conseguisse

manter aquele apartamento em ordem com uma empregada que s��

aparecia tr��s vezes por semana

Pegou o Daily News e folheou-o. O jantar da Princesa ganhara

uma not��cia de apenas meia coluna. Ela e Mike eram mencionados.

Mas o Senador �� que tivera toda a publicidade. Jogou o jornal no

ch��o e o mesmo caiu com a p��gina do centro aberta. Olhou-a por

um momento e deu ent��o um salto da cama para pegar o jornal.

L�� estava Karla a esconder o rosto dos fot��grafos por ocasi��o de sua

chegada ao aeroporto de Heathrow.

Karla estava em Londres!

Amassou o jornal numa bola e jogou-o do outro lado do quarto.

Enquanto ela estava ali, tentando formular um plano para ir ao en-

contro dela, a cadela estava em Londres.

Londres!

Correu para a sua caixa de j��ias e encontrou o peda��o de papel

com o n��mero de telefone. Foi para o telefone. Meio-dia. Isso sig-

nificava que eram cinco horas da tarde em Londres. Pediu �� tele-

fonista uma liga����o para Anthony Pierson. A firma de Pierson &

Maitland se encarregava de todos os neg��cios dela em Londres. Em

menos de cinco minutos, a liga����o foi completada e Anthony Pierson

estava falando do outro lado. Mostrou-se encantado em ter not��cias

dela. Falaram sobre o bom tempo que estava fazendo, sobre a si-

tua����o de alguns t��tulos dela. Por fim, procurando n��o parecer

muito interessada, Dee disse:

��� Sei perfeitamente que isso est�� fora de seu setor, Tony, mas

eu preciso de saber alguma coisa sobre tr��s n��meros de telefone a��

em L o n d r e s . . . N��o �� para mim. O caso �� com minha e n t e a d a . . .

Ela vive conosco e eu acabo de receber a conta do telefone com esses

tr��s n��meros de Londres para os quais ela tem telefonado. Voc��

compreende, ela tem apenas vinte e um anos e eu n��o posso deixar

de me preocupar. Sabe como ��, esses cantores de rock aparecem

por aqui e as mo��as julgam que est��o apaixonadas... ��� Ela riu. ���

Sim, �� exatamente i s s o . . . N��o quero que ela crie problemas e se

envolva com gente de gabarito discut��vel... Se voc�� pudesse veri-

ficar esses n��meros... Sim, Tony, eu adoraria isso! ��� Deu-lhe os

370

n��meros e ent��o perguntou: ��� Quanto tempo demoraria i s s o ? . . .

Apenas uma hora? Tony, voc�� �� divino!

Tomou um banho sem tirar a aten����o do telefone. Precisamente

�� uma hora da tarde, Anthony Pierson estava de novo na linha.

��� J�� tenho as informa����es, Dee, mas devo dizer que elas me con-

fundem um pouco. O n��mero de Bostwick pertence a uma casa par-

ticular perto de Ascot. O n��mero de Lowick �� de Jeremy Haskins,

um agente aposentado que tem um pouco de fama porque �� fre-

q��entemente visto em companhia de Karla quando ela est�� aqui.

Por falar nisso, voc�� a conhece, n��o? Ela est�� aqui agora, hospeda-

da no Dorchester. E o telefone de Belgravia �� de um psiquiatra bem

conhecido. Sinto-me um tanto confuso porque n��o parece que uma

mo��a de vinte e um anos tenha algum interesse em ligar para qual-

quer desses telefones.

��� Quem mora na casa em Ascot?

��� Um casal de nome Harrington, com uma filha. Telefonei para

l�� dizendo que era dos correios e que queria informa����es, pois a

casa deles ia mudar de zona postal. E deu bom resultado esse meu

truque, n��o acha?

��� Que idade tem a filha?

��� N��o perguntei, mas o casal parece estar entre os cinq��enta e

os sessenta anos.

��� Tony, tenho de saber mais sobre eles todos, especialmente so

bre o psiquiatra.

��� Bem, isso �� um pouco fora de minha linha, mas conhe��o um

camarada chamado Donald Whyte. �� uma esp��cie de investigador

particular, digno de toda a confian��a.

��� Est�� bem. Providencie para que tudo seja apurado. Mas n��o

se preocupe com Jeremy Haskins. Meu marido j�� foi produtor de

cinema e �� bem poss��vel que minha enteada o conhe��a. Mas saiba

tudo sobre os Harringtons e sobre a filha deles.

Desligou e tentou dominar o medo que sentia. Talvez os Harrig-

tons fossem velhos amigos de Karla, talvez ela os tivesse conhecido

por interm��dio de Jeremy Haskins ou quando vivera muitos anos

antes em Londres. . .

Dezesseis telefonemas num m��s!

N��o havia amizade que valesse para Karla dezesseis telefonemas,

a n��o ser que ela estivesse apaixonada. Talvez a mo��a fosse rica e

estivesse telefonando tamb��m para Karla dezesseis vezes por m��s.

Podia ser que conversassem todas as noites ou duas vezes por dia.

Aquela cachorra devia ter uma dupla vida. Ascot era um lugar lindo

371

no campo. A mo��a devia ser rica. Por isso �� que Karla estava sempre

viajando secretamente para a Inglaterra.

Era poss��vel que a mo��a tivesse rompido com e l a . . . Sim, devia

ser isso. Estariam explicados assim os dezesseis telefonemas. Era

Karla pedindo �� mo��a que voltasse... Explicava tamb��m por que

Karla se mostrara de repente t��o gentil com e l a . . . Mas n��o, ela

n��o podia imaginar Karla suplicando fosse o que fosse a algu��m.

Mas dezesseis telefonemas num m��s!

Quando Mike voltou para casa naquela noite, Dee j�� fizera seus

planos. Ia saber o que Karla estava fazendo e depois lhe jogaria

tudo no rosto. Mas tinha de agir muito cautelosamente com Mike.

Foi ver os dois filmes com e l e . . . Mais tarde, quando estavam no

Sardi's, ela fez o primeiro lance. Olhou para o espa��o e deu um pro-

fundo suspiro.

Tinham pedido um bife. Ele tinha quase acabado o seu e olhou

para o prato intacto dela.

��� N��o est�� com fome?

��� N��o, M i k e . . . e me estou sentindo uma perfeita cretina.

��� Por qu��? ��� perguntou ele, passando para o seu prato um pe-

da��o do bife dela.

��� Cometi um erro tremendo!

��� Que esp��cie de erro? N��o pode ser o fim do mundo.

��� O torneio de gam��o �� em Londres, Mike!

��� Quando?

��� Bem, creio que nos dias 15, 16 e 17.

��� E que import��ncia tem isso? Iremos para Cannes alguns dias

depois. N��o vai comer o resto de seu bife?

Ela empurrou o prato para ele.

��� Estive pensando numa coisa, sabe? N��o tenho assim tanto en-

tusiasmo por C a n n e s . . . e �� a sua cidade, isto ��, a cidade onde voc��

conhece todo o m u n d o . . . onde estar�� com seus velhos a m i g o s . . .

e onde poder�� ir ao Cassino. N��o sou muito amiga de jogos de azar,

de roleta e bacar�� pelo m e n o s . . .

��� Escute aqui, Dee. Pare com isso e me diga logo aonde �� que

voc�� quer chegar.

��� Eu gostaria de ir a Londres, Mike, e . . .

��� J�� disse que n��s iremos.

��� Est�� certo, mas eu me sentirei culpada cada dia que o deixar

afastado do seu festival de cinema. Eu tenho amigas em Londres.

Gostaria de passar uma semana l��. Depois, iria a Paris fazer algu-

mas compras. Iria ent��o para Cannes para ver o fim do festival.

372

��� ��timo.

��� Que foi que voc�� disse?

��� Eu disse, ��timo. Partiremos no dia 14, deixaremos voc�� em

Londres e eu ent��o tomarei o avi��o para Nice. Mand��-lo-ei depois

de volta e voc�� poder�� ir juntar-se a mim quando quiser.

��� Mike, voc�� �� um anjo!

��� O sentimento �� rec��proco. Ningu��m diz que voc�� �� obrigada

a gostar de um festival de cinema. Divirta-se em Londres.

��� Divertido n��o sei se ser��, mas deve ser bem interessante.

373





V I N T E E C I N C O


Dee estava sentada no escrit��rio de Anthony Pierson e olhava as

fotografias. Ainda estava meio atordoada com a mudan��a da hora.

Chegara a Londres no dia anterior ��s dez horas da noite, que eram

ainda cinco da tarde, pela hora de Nova York. Telefonara para An-

thony Pierce na resid��ncia dele. Pierson lhe disse que tinha um re-

lat��rio completo sobre o caso, mas n��o acreditava que o mesmo ti-

vesse qualquer rela����o com a enteada dela. Ela disse ent��o que

estaria no escrit��rio dele ��s onze da manh�� do dia seguinte. Teve

ent��o um sono dopado depois de tomar tr��s comprimidos de seconal.

N��o poderia suportar uma noite de ins��nia sozinha em Londres.

N��o havia televis��o a noite toda e ela n��o poderia concentrar-se na

leitura. Tinha-se hospedado em Grosvenor House porque Karla es-

tava hospedada no Dorchester. N��o queria encontrar-se com Karla.

Por enquanto, pelo menos.

Sentiu o come��o de uma enxaqueca quando estava no escrit��rio

conservador e calmo de Anthony Pierson, mas conseguiu manter-se

calma.

Folheou as fotografias que Pierson lhe entregara e disse com voz

indiferente:

��� Est��o excelentes.

��� Donald Whyte, o homem que fez, vamos dizer, a investiga����o,

passou dias observando a casa, munido de uma lente telesc��pica. O

pobre homem ficou na verdade trepado numa ��rvore. O psiquiatra

est�� em f��rias. Partiu h�� dois dias e neste particular n��o nos sa��mos

muito bem. Mas os flagrantes de Karla e da mo��a s��o fant��sticos,

n��o acha? �� claro que eu tenho os negativos. Isso fez parte do acor-

do. Whyte �� um homem not��vel e de toda a confian��a, mas desde

que Karla ainda �� uma figura p��blica, isso me pareceu uma pre-

cau����o indispens��vel.

��� Espere um Pouco! ��� Disse Dee um tanto asperamente. ��� N��o

h�� nada de reprov��vel nestas fotografias! N��o �� como se elas esti-

vessem na cama juntas!

374

��� Decerto. Mas veja essa fotografia em que a mo��a est�� com

os bra��os passados pelo pesco��o de Karla e a outra em que as duas

se est��o b e i j a n d o . . . ou a que as mostra passeando de bra��os dados.

N��o foram surpreendidas na cama, mas isso seria material mais

que suficiente para as especula����es das revistas de esc��ndalo.

Dee olhou para as fotografias. Sentia a cabe��a latejar- Como po-

deria competir com uma mo��a t��o jovem e t��o bela?

��� Ela �� muito bonita ��� disse Dee com voz pausada.

��� Fabulosa, n��o ��? Whyte apurou que os Harringtons n��o s��o

pais dela. Trabalham evidentemente para ela. O nome da mo��a ��

Zinaida Jones. A casa �� alugada e muito boa. N��o �� muito grande,

mas �� bem escondida num centro do terreno. Karla tem ido l�� todos

os dias. Em tr��s ocasi��es, passou a noite na casa.

As m��os de Dee tremeram quando ela tirou um cigarro da bolsa.

Olhou para a fotografia. A mo��a n��o estava muito n��tida em con-

seq����ncia da amplia����o. Aspirou profundamente a fuma��a do ci-

garro.

��� Tem a�� algum comprimido de aspirina, Tony? Acho que ainda

estou com dor de cabe��a da viagem de avi��o.

Pierson foi at�� ao arm��rio do banheiro. Quando voltou, Dee ainda

estava examinando as fotografias.

��� Tudo isso parece muito estranho, n��o acha? Parece que a gran-

de Karla encontrou uma vida nova de jovem amor. Mas parece que

sempre houve essas suspeitas em torno dela, n��o �� mesmo?

��� J�� ouvi falar nisso ��� disse Dee. ��� Mas conhe��o Karla. E l a j��

se hospedou almas vezes em minha casa e eu nunca vi nada que

confirmasse essas suspeitas.

��� Salvo essas fotografias, n��o? ��� disse Anthony Pierson. ��� S��o

muito acusadoras. S�� gostaria de saber por que essa gente n��o li-

mita as suas inclina����es amorosas ao segredo do quarto. Por que

passeia do lado de fora abra��ada com essa gente?

��� Talvez porque n��o soubesse que havia algu��m no alto de uma

��rvore com uma m��quina telesc��pica. Diz que a casa �� escondida?

��� Fica no centro de um terreno bem grande. Desculpe, minha

cara, mas que rela����o pode ter sua enteada com tudo isso?

Dee sacudiu a cabe��a.

��� N��o s e i . . . Mas talvez ela conhe��a essa Zinaida...

��� Oh! Por um momento, Anthony Pierson ficou ligeiramente ver-

melho. ��� Compreendo... Acha que com esses telefonemas todos,

talvez sua enteada s e j a . . . muito amiga de Zinaida Jones?

Dee encolheu os ombros.

��� Quem sabe? Minha enteada estudou na Su����a e freq��entou es-

colas de mo��as. ��� Levantou-se. ��� Tem o endere��o da casa?

��� Est�� aqui. Fica a uma hora de autom��vel da cidade.

375

��� Obrigada. Veja quanto esse Donald Whyte quer pelos seus ser-

vi��os e mande-me a conta para o Grosvenor. Por motivos ��bvios,

nada disso deve ser mandado para Nova York.

Tentou formular um plano de a����o enquanto seguia de autom��-

vel para o campo. O chofer sabia o caminho e disse em dado mo-

mento que se estavam aproximando de Ascot. Que iria fazer? N��o

podia tocar a campainha e dizer �� tal Zinaida Jones: " F i q u e saben-

do que ela �� minha!" Talvez fosse melhor postar-se nos arredores

da casa e tentar avist��-las. Tudo aquilo era t��o desagrad��vel que

ela se encolheu no fundo do carro. Mas tinha de ir at�� ao fim. De-

dicara tantos anos de sua vida a Karla, dera-lhe tantos "presentes".

Teria Karla usado aquele ��ltimo cheque de dez mil d��lares para

correr para os bra��os de seu jovem amor? Pela primeira vez, sabia

o que um homem sentia ao ser corneado. Como lhe ocorrera uma

express��o como essa? Corneada! Era exatamente como ela se sentia.

Era uma grande palavra! N��o podia dizer que estava sendo enga-

nada. .. sem d��vida, Karla tinha feito sempre isso de vez em quan-

do. Nunca perguntara coisa alguma a ela, do mesmo modo que Karla

nunca lhe fizera perguntas sobre a sua vida ��ntima com Mike. Ela

tentara falar sobre isso uma vez com Karla, dizendo que na verdade

apenas fazia a vontade de Mike e que ficava tranq��ila quando ocor-

ria o contato sexual porque isso era sinal de que ele n��o a solicitaria

durante dois ou tr��s dias. Pensou nisso naquele momento e achou

que era engra��ado que naqueles ��ltimos meses se passavam at��

semanas sem que Mike se aproximasse dela. Nem o havia notado.

O pensamento perturbou-a, n��o que ela quisesse ser tocada por

ele, mas talvez porque ele n��o a estivesse achando atraente. Sabia

que havia uma certa flacidez em seu corpo, principalmente nas coxas

e na barriga. Percebia ainda mais isso quando estava deitada ao

lado de Karla, pois Karla n��o tinha sequer um grama de carne su-

p��rflua. Mas ela nunca tinha dado muita import��ncia a isso, pois

assim se sentia mais feminina com Karla. Mas por que Mike se havia

afastado? Seria golfe demais? Ultimamente, ele estava sempre jo-

gando. Quanto estaria ganhando?

Mas isso n��o lhe interessava. O que lhe interessava no momento

era K a r l a . . . e a tal mo��a. Talvez n��o fosse um caso novo e j�� es-

tivessem juntas desde algum tempo. Talvez Karla estivesse atraves-

sando um per��odo "jovem". Fora David durante algum t e m p o . . .

e agora aquela m o �� a . . .

O chofer parou ao lado de uma alta sebe.

��� A casa �� esta, Madame. A entrada �� mais adiante. Mas me disse

que queria ficar por aqui.

��� Sim, quero fazer uma surpresa a alguns velhos amigos. Se vi-

rem o carro entrar, n��o haver�� surpresa, n��o acha?

��� Claro, Madame.

376

Ela duvidou de que acreditasse nela- Os ingleses sabiam ser t��o

reservados, quando queriam! Com certeza, pensava que ela estava

surpreendendo um amante. E estava mesmo!

O pequeno port��o de ferro n��o estava trancado. Ela o abriu e se-

guiu pela entrada de carros. Come��ou a chover. Ela estava de capa e

cobriu a cabe��a com uma ��charpe. Os terrenos da casa eram modes-

tos, mas bem tratados. A casa era de estilo Tudor. Havia um peque-

no carro ingl��s parado �� frente da casa.

Dee se aproximou lentamente. Aquela tal Zinaida teria um ca-

chorro? Seria horr��vel se algum mastim ingl��s lhe pulasse �� gar-

ganta. Podia ver as manchetes: " D e e Milford Granger Atacada Por

um Cachorro Por Entrada Ilegal Numa Casa". Como iria ela expli-

car isso? Havia luzes dentro da casa. Zinaida devia estar em c a s a . . .

Ou estaria passeando pelo campo com o bra��o passado pela cintura

de Karla, como nas fotografias? Karla gostava de passear com qual-

quer esp��cie de tempo. E era capaz de apostar que Zinaida fingia

gostar disso tamb��m.

Foi na ponta dos p��s at�� a janela. Era uma sala-de-estar confor-

t��vel, mas sem nada de pretensioso. Estava, por��m vazia. Talvez

se ela fosse pelos fundos.. . Karla sempre gostara de cozinhas.. .

��� Por que n��o entra? Est�� chovendo muito.

Ela teve um sobressalto ao ouvir a voz- Voltou-se... Karla esta-

va atr��s dela. A chuva lhe ca��a pelo rosto. Estava com uma capa e

um len��o na cabe��a.

��� K a r l a . . . e u . . .

��� -Vamos entrar. Aqui fora est�� ��mido e frio.

Karla abriu a porta. Dee notou que ela tinha uma chave. Teve

vontade de sair correndo. Era o f i m . . . Nunca devia ter vindo. O

rosto de Karla era um m��scara impenetr��vel. Devia estar cheia de

raiva e provavelmente ia dizer-lhe que tudo estada acabado entre

elas. Por que fora ela fazer aquilo? Tinha visto uma vez uma pe��a

em que a amante fazia tudo para que a esposa soubesse porque

quando ela apresentasse as provas ao marido, este n��o teria outro

recurso sen��o confessar. E, se Karla confessasse, Dee n��o teria outro

recurso sen��o afastar-se. Ainda que fosse uma morte para ela, teria

de afastar-se com o seu amor-pr��prio, pois sem amor-pr��prio n��o

poderia haver relacionamento. Mas, ao mesmo tempo, sentia vontade

de cair de joelhos e pedir a Karla que se esquecesse de que ela es-

tava ali, que se esquecesse de todo o horr��vel caso.

Karla pendurou a capa num cabide perto da porta. Estava usando

cal��as de gabardine e uma camisa de homem. Os cabelos estavam

compridos e corridos. Parecia abatida mas t��o bela como sempre.

Dee estava parada. Karla voltou-se e apontou para o cabide.

��� Tire a capa, que est�� molhada.

377

Dee tirou a capa e teve consci��ncia de que a ��charpe lhe des-

manchara os cabelos. Talvez nunca o seu aspecto fosse pior. E em

algum ponto daquela casa, �� espera de Karla, estava aquela eston-

teante e jovem criatura.

��� Sente-se que eu vou buscar um pouco de conhaque ��� disse

Karla, ao mesmo tempo que se dirigia para outra sala.

Dee correu os olhos em torno. Havia um retrato de Karla numa

grande moldura. Havia tamb��m a fotografia de um grande pastor

alem��o, com certeza havia muito morto, porque se via uma menina

ao lado dele. O cachorro devia ter sido um dos animais de estima-

����o da inf��ncia de Zinaida. Onde estaria ela? Provavelmente no andar

de cima, respeitando como todos o desejo de isolamento de Karla.

Voltando com uma garrafa de conhaque, Karla serviu dois c��li-

ces. Dee viu com surpresa a maneira pela qual Karla tomou a be-

bida de um s�� gole. Em seguida, sentou-se.

��� Muito bem, D e e . . . N��o lhe vou perguntar como foi que me

descobriu aqui. Quero poupar-lhe esse embara��o.

L��grimas chegaram aos olhos de Dee. Levantou-se e foi at�� a

lareira enegrecida.

��� Daria dez anos de minha vida para suprimir o que est�� aconte-

cendo agora.

��� Significo tanto assim para voc��? ��� perguntou Karla com voz

quase gentil.

Dee voltou-se para ela, contendo as l��grimas.

��� Se voc�� significa tanto assim para mim? N��o, n��o significa

m u i t o . . . Apenas o bastante para me deixar em tempo de morrer

quando voc�� toma o avi��o, para me for��ar a ser mentirosa e furtiva

com meu marido, para mand��-lo para Cannes sozinho enquanto

e u . . . eu telefonava para um amigo e ficava sabendo de seu para-

deiro e de uma tal Zinaida. Devo ter alguma tend��ncia ao maso-

quismo. Em vez de excluir voc�� de minha vida, tive de vir at�� aqui

para certificar-me... Oh, Deus, por que me torturo dessa maneira?

Sei que ela �� muito mais mo��a do que e u . . . e muito b e l a . . . Sin-

ceramente, antes eu n��o tivesse vindo, pois neste caso ainda pode-

r��amos ficar j u n t a s . . .

��� Onde foi que voc�� a viu? ��� perguntou Karla.

Dee abriu a bolsa e entregou as fotografias a Karla. Esta as exa-

minou e disse a Dee:

��� Isso deve ser obra de algum fot��grafo de jornal.

��� N �� o . . . �� de um detetive ingl��s chamado Donald Whyte. N��o

se preocupe, que os negativos est��o comigo. Escute, Karla. Tenho

um carro l�� fora. �� melhor que eu me v�� embora. ��� Encaminhou-se

378

para a porta e pegou a capa no cabide. Voltou-se para Karla. ��� Di-

ga-me apenas uma coisa: h�� quanto tempo voc�� tem esse caso?

Karla sacudiu a cabe��a com um sorriso triste.

��� Sim, as fotografias... Que �� mais que voc�� sabe?

��� Sei que voc�� tem passado muitas noites aqui.

��� Ah, seu detetive foi completo, mas n��o de todo.

��� Est�� contente com esse jogo? ��� perguntou Dee, come��ando a

vestir a capa.

��� N��o. Estou sofrendo mais do que voc�� pode imaginar. Mas,

desde que voc�� fez uma viagem t��o longa e teve tanto trabalho, acho

que �� justo que, antes de sair, fique conhecendo Zinaida.

��� N��o! ��� exclamou Dee, acabando de vestir a capa. Karla se

aproximou dela e, num movimento brusco, f��-la sentar-se numa ca-

deira.

��� Voc�� me espionou e agora quer ir-se embora. Creio que uma

espionagem tem de ser coroada de completo ��xito. Talvez isso lhe

sirva de li����o para o futuro. ��� Foi at�� a escada e gritou: ��� Sra.

Harrigton!

Uma senhora pequena e de cabelos grisalhos apareceu no alto

da escada.

��� Diga a Zinaida para deixar um instante a televis��o e descer.

Quero que ela conhe��a uma amiga minha.

Karla serviu-se de outro c��lice de conhaque e apontou o c��lice

intacto de Dee.

��� Beba o seu. Voc�� vai precisar.

Dee tinha os olhos fixos na escada. Viu por fim a mo��a. Era mais

bela do que parecia nas fotografias. Era alta, quase t��o alta quanto

Karla. Os cabelos eram louros e lhe desciam at�� aos ombros. Pare-

cia muito mais jovem do que nas fotografias. Dee calculou que devia

ser da mesma idade de January.

O sorriso de Karla era muito gentil.

��� Venha c��, Zinaida. Temos uma visita. Esta �� a Sra Wayne.

A mo��a sorriu para Dee e ent��o voltou-se para Karla.

��� Posso comer um peda��o de bolo de chocolate? A Sra. Harrig-

ton fez o bolo hoje �� tarde e disse que eu s�� posso comer na hora

do jantar.

��� Temos de fazer o que a Sra. Harrigton diz ��� disse lentamente

Karla. ��� Talvez ela queira que o bolo seja uma surpresa.

��� Mas agora que eu j�� sei, n��o �� mais uma surpresa- Posso co-

mer? Um pedacinho s��? J�� n��o ag��ento mais os mingaus de aveia

que ela sempre faz.

��� Volte para a sua televis��o ��� disse Karla.

A mo��a fez uma cara de aborrecimento. Depois, apontou para

Dee.

��� Ela vai ficar para jantar?

379

��� Acha que devemos convid��-la?

Zinaida sorriu.

��� Est�� bem. Mas voc�� tem de me contar a hist��ria dos "Sapati-

nhos Vermelhos" antes de eu ir dormir.

Em seguida, saiu correndo da sala. Dee olhou para Karla.

��� Ela �� muito b o n i t a . . . mas h�� uma coisa que eu n��o entendi.

Ela agiu e falou como uma crian��a de doze anos. �� assim que voc��s

se tratam de brincadeira?

��� Doze anos, n��o. Dez.

��� Que �� que est�� dizendo?

��� A mentalidade dela �� de uma crian��a de dez anos.

��� E ela �� seu grande amor?

��� Ela �� minha filha.

Por um momento, Dee n��o p��de falar.

��� Tome seu conhaque ��� disse Karla.

Dessa vez, Dee tomou tamb��m o seu conhaque de um s�� gole.

Karla serviu de novo a ambas.

��� Tire sua capa e fique para jantar, caso goste de bolo de cho-

colate.

��� Quando voc�� teve essa filha, Karla?

��� H�� trinta e um anos.

��� M a s . . . ela parece t��o jovem!

Karla encolheu os ombros.

��� As pessoas retardadas sempre parecem jovens. Talvez porque

n��o tenham as preocupa����es dos adultos.

��� V o c �� . . . quer-me falar sobre isso?

��� Depois do jantar. Mas, primeiro, acho melhor dispensar o seu

carro. Vou lev��-la para a cidade.

Foi um jantar tranq��ilo. Dee ficou t��o tranq��ilizada como o novo

rumo dos acontecimentos que ficou tomada de afei����o pela mulher-

menina que brincava com a comida e falou incessantemente durante

todo o jantar. O Sr. e a Sra. Harrington eram evidentemente o casal

que tomava conta de Zinaida. Dee notou que Zinaida chamava Kar-

la de "Vov��". Quando o jantar chegou ao fim, ela deu um salto da

cadeira e disse:

��� Agora, Vov�� vai-me contar a hist��ria dos "Sapatinhos Ver-

melhos"!

Dee sentou-se embevecida enquanto Karla contava a hist��ria, fa-

lando, dan��ando e representando um pouco. Nunca vira Karla dar

tanto de si mesma. Mas o seu afeto para com Zinaida era flu��do e

f��cil. ��s nove horas, a Sra. Harrington apareceu.

380

��� Venha, Zinaida... Vov�� est�� com visita e j�� �� hora de voc��

tomar banho e se deitar.

��� Voc�� ir�� depois ouvir minhas ora����es?

��� Vou, sim ��� disse Karla, beijando a mo��a.

Karla colocou mais lenha na lareira. Sentou-se ent��o e olhou para

o fogo.

��� Ela �� linda, n��o ��?

��� �� fant��stica ��� disse Dee. ��� Parece-se muito com voc�� na es-

trutura do rosto. Mas os olhos s��o escuros. O pai dela deve ter sido

muito bonito.

��� N��o sei quem foi o pai.

Dee nada disse. Ficou im��vel, com receio de quebrar a emo����o

do momento. Karla falou com alguma hesita����o.

��� Compreenda, fui violada por uma dezena de soldados russos

numa noite. Qualquer deles pode ter sido o pai dela.

Continuou a olhar para o fogo. Falava em voz baixa e sem emo-

����o enquanto dizia a Dee de sua inf��ncia em Vilna, da Irm�� Th��-

r��se, do bal��, da guerra, da ocupa����o russa e da viol��ncia e do es-

tupro. Disse que lhe tinha sido imposs��vel sair de Vilna antes do

nascimento da crian��a. Falou tamb��m de Greg��rio Sokoyen, que

tinha ficado com ela na noite do p a r t o . . . Ela n��o podia gritar para

n��o acordar as outras crian��as que dormiam no convento- Tinham

sido dezenove horas de indiz��vel sofrimento. Greg��rio n��o sa��ra de

junto dela, at�� no ��ltimo momento, quando perceberam que havia

uma anormalidade ��� uma apresenta����o de n��degas. Tinha sido Gre-

g��rio que, dominando o pr��prio p��nico, entrara em a����o, alterara a

posi����o da crian��a e a extra��ra literalmente. Podia ainda v��-lo sob

a luz fraca a dar palmadas na crian��a ensang��entada at�� que houve

o primeiro e d��bil choro.

Karla olhou para Dee.

��� Nos filmes e at�� nos hospitais, sempre se v�� a m��e recebendo

das m��os de uma enfermeira um beb�� cheiroso envolto numa manta

imaculada. N��o houve nada disso no cub��culo que me servia de

quarto e parecia um matadouro naquela noite. O beb�� estava co-

berto com meu sangue, com o longo cord��o umbilical pendente...

Greg��rio cuidou de tudo enquanto eu tinha outra violenta contra-

����o de dor para expelir a placenta.

Teve um leve tremor.

��� Nunca mais esquecerei aquela n o i t e . . . Primeiro, foi preciso

dar banho na crian��a e depois destruir todos os len����is ensang��en-

tados. A emo����o de amamentar o beb�� pela primeira v e z . . . Nunca

pensei que fosse ter uma menina de cabecinha dourada. Acho que

381

sempre esperei uma miniatura de soldado russo com o nariz aba-

tatado e o h��lito de u��sque. E quando a tive nos bra��os, compreendi

que nunca a deixaria.

Continuou numa voz calma, falando da arriscada viagem com o

AK. Eram vinte pessoas, que se escondiam em galp��es durante o

dia,, e �� noite prosseguiam por sobre telhados e dentro de t �� n e i s , . .

Carregava a crian��a amarrada �� cintura e lhe sufocava o choro

com algumas gotas de vodca quando os russos andavam por perto.

��� Zinaida tinha tr��s meses de idade e era um beb�� sadio e nor-

mal quando aconteceu uma coisa terr��vel. Est��vamos perto do Cor-

redor e havia nazistas por todos os l a d o s . . . Uma noite, ela come��ou

a chorar. Fizemos tudo o que era poss��vel- A vodca n��o deu resul-

tado . . . nada deu resultado... nem mesmo as barras de chocolate

que guard��vamos como coisa preciosa. O choro dela se tornou es-

tridente. Levei-a ao p e i t o . . . mas tinha muito pouco leite e n��o con-

segui faz��-la calar-se. De repente, um dos homens arrancou-a de

meus bra��os e cobriu-lhe o rosto com um travesseiro, enquanto outro

me tampava a boca para que eu n��o pudesse gritar. E quando os

alem��es se f o r a m . . . Zinaida estava morta. Aquele terr��vel momen-

to nunca mais me sair�� da mem��ria! Ficamos ali parados a olhar

para o corpinho inerte. Eu solu��ava em sil��ncio... As l��grimas cor-

riam pelo rosto do homem que segurava o travesseiro. De repente,

ele agarrou a menina e come��ou a respirar-lhe na boca. Todos fica-

mos im��veis. ��ramos vinte pessoas sujas e com frio que t��nhamos

viajado juntas, dorm��amos coladas umas ��s outras para ter um pouco

de calor, cat��vamos os piolhos uma das outras. Est��vamos nisso

havia j�� tr��s semanas intermin��veis e apenas dois pensamentos nos

guiavam ��� sobreviv��ncia e fuga. Todos tinham l��grimas nos olhos

enquanto o homem procurava reanimar Zinaida. At�� as cinco ou

seis crian��as de rosto magro que iam conosco sabiam o que estava

acontecendo. E quando Zinaida mostrou um leve sinal de choro,

todo o mundo caiu de joelhos e agradeceu a Deus. Zinaida fora tra-

zida de volta �� vida. Acho que ficou morta durante alguns minutos

��� talvez cinco, talvez dez ��� mas foi o suficiente para que a falta

de oxig��nio lhe afetasse o c��rebro. Mas eu n��o sabia disso naquela

ocasi��o. E quando chegamos �� Su��cia, ela parecia igual a qualquer

outra crian��a, s�� que muito mais bonita. Deixei-a aos cuidados de

uma fam��lia chamada Oleson. Pensaram que era uma crian��a que

tinha sido abandonada no convento e que eu "adotara". Fui para

Londres prometendo remeter dinheiro para que o casal cuidasse dela

e dizendo que a mandaria buscar logo que a guerra acabasse. Eu

me ia hospedar com o Tio Otto, compreende? N��o podia sujeit��-los

a ficar com uma crian��a e esperava come��ar a trabalhar no bal��.

Poderia ent��o cuidar de minha filha.

382

"O resto voc�� j�� sabe. Jeremy me conheceu num abrigo antia��reo

e eu entrei para o cinema. Tudo agora me parece muito f��cil, mas

era um mundo inteiramente estranho para mim e eu ainda tinha de

aprender a l �� n g u a . . . Eu era muito t��mida e achava que todo o mun-

do ria do meu ingl��s. Tinha tamb��m muito pouca confian��a na mi-

nha capacidade de representar. S�� sabia era dan��ar. Mas pude man-

dar uma boa quantia todas as semanas para a Sra. Oleson. Ela foi

muito bondosa e me mandava constantemente fotografias da pe-

quena Zina. A menina tinha tr��s anos quando tomei conhecimento

de que havia algum problema. As cartas da Sra. Oleson eram bem

menos entusi��sticas. Zinaida ainda n��o aprendera a andar d i r e i t o . . .

balbuciava em vez de f a l a r . . . todas as outras crian��as estavam ��

frente dela. A princ��pio, tentei convencer-me de que muitas crian-

��as tinham um desenvolvimento lento. Dizia-se que Einstein s�� co-

me��ara a falar aos cinco a n o s . . . Acabei n��o pensando mais nisso.

A crian��a iria acabar sendo normal. Um dia, recebi uma carta em

que a Sra. Oleson me pedia autoriza����o para internar a menina

num asilo. Como ela dizia: "A menina �� uma ��rf��. Por que vai con-

tinuar a gastar dinheiro com uma menina que n��o �� sua filha?"

Karla come��ou a andar na sala de um lado para outro.

��� Pode imaginar o que eu senti? Resolvi trazer a menina para

Londres e cri��-la como minha filha. Mas Jeremy foi mais pr��tico.

J�� ent��o, eu era bem conhecida em Londres e Jeremy explicou que

a divulga����o da exist��ncia de uma filha ileg��tima e ainda mais re-

tardada poderia destruir a minha carreira. S�� agora �� que uma coisa

assim �� aceita. Mas est��vamos ent��o em 1946 e uma atriz com um

filho natural ficava desmoralizada e tinha de abandonar o cinema.

Jeremy �� que foi buscar Zinaida. Conseguiu tamb��m para ela uma

certid��o de idade inglesa e escolheu o nome de Jones. Internamos

Zinaida num hospital psiqui��trico e os neurologistas submeteram-na

a todos os exames poss��veis. As opini��es foram un��nimes. Les��o ce-

rebral. Seria poss��vel ensinar-lhe alguma coisa, mas era dif��cil pre-

ver a mentalidade que ela teria. Agora, j�� se sabe. Creio que devo

dar-me por feliz de que ela tenha a mentalidade de uma crian��a

de dez anos e n��o passe emocionalmente dos seis anos.

��� Mas uma crian��a de dez anos �� capaz de fazer muitas coisas

��� disse Dee.

��� Infelizmente, voc�� tem raz��o. Agora, por exemplo, ela est��

gr��vida. Vou subir e ouvir as preces dela.

Quando ela desceu, Dee estava de p�� junto �� escada, esperando.

��� Que �� que n��s vamos fazer, Karla?

��� N��s?

��� N��s, s i m . . . Agora, compreendo tantas coisas, K a r l a . . . Os

seus s��bitos desaparecimentos... e o fato de voc�� s e r . . .

383

��� T��o mesquinha?

��� Mesquinha, n��o, m a s . . .

��� Sim, eu sei ��� disse Karla com um sorriso triste. ��� Dee, n��o te-

nho o dinheiro que muita gente pensa que eu tenho. Deixei o cine-

ma com 250 mil d��lares de economias. Investi esse dinheiro. Vivo

dos juros e dos presentes que recebo. Jeremy est�� ficando velho.

Nem sempre pode telefonar-me quando as coisas n��o v��o b e m . . .

como agora. Por isso, vim at�� aqui e encontrei uma companheira

para Zinaida. Na realidade, �� uma enfermeira, mas n��o vestir�� uni-

forme. Viver�� com Zinaida e estar�� em constante contato comigo.

Os Harringtons s��o uma gente maravilhosa. Dirigem a casa e se es-

for��am ao m��ximo, mas n��o podem estar a cada instante com ela.

Quando a Srta- Roberts chegar, n��o sair�� de junto de Zina. Passea-

r�� a cavalo com ela, jogar�� damas com ela, ler�� para e l a . . . Vai-me

custar trezentos d��lares por semana, mas eu terei mais sossego. N��o

posso ficar aqui e tomar conta dela. A menina me adora. Quando

me demoro um pouco mais, ela fica muito presa a mim. E l a . . . ela

tentou uma noite fazer amor comigo. Por que n��o? Afinal ela tem

um corpo de mulher! Est�� sedento de sexo, onde quer que o possa

encontrar! Agora, passamos a dar-lhe tranq��ilizantes. Mas �� melhor

que eu n��o me demore muito por aqui. O psiquiatra que n��s vimos

est�� tomando provid��ncias para um aborto legal.

��� Quem foi o homem?

��� Calcula-se que tenha sido um dos caixeiros que veio fazer en-

trega das compras. Quem sabe? Os Harringtons notaram que ela

tinha come��ado a vomitar todas as manh��s e que a cintura estava

engrossando e interrogaram-na. Com a maior inoc��ncia, ela disse

que um homem tinha dito que, se ela deixasse p��r a coisa dele den-

tro dela, ela ia gostar. Mas ela n��o tinha gostado. Doera muito. Foi

aconselhada a n��o fazer mais isso e ela disse que n��o f a r �� . . . Mas

eu me sentirei melhor quando a Srta. Roberts chegar na semana que

vem.

��� Karla, eu quero ajudar.

Karla sorriu e tomou a m��o de Dee.

��� Voc�� tem ajudado. Os seus cheques t��m ajudado e muito!

��� N��o, n��o basta. Muitas pessoas, com o dinheiro que eu tenho,

deixam-no para funda����es e institui����es de caridade. Eu tenho as

minhas funda����es e os meus compromissos. Mas vou fazer tamb��m

algum bem enquanto estou viva. Quando eu v o l t a r . . . vou alterar

imediatamente meu testamento. Instituirei um fundo irrevog��vel de

dez milh��es de d��lares para voc�� e Zinaida. Procederei de maneira

que o dinheiro possa ir desde j�� ��s suas m��os e ��s de Zinaida. S�� os

juros ser��o de mais de meio milh��o de d��lares por ano. E, quando

384

voltarmos para os Estados Unidos, estabeleceremos a Funda����o Zi

naida e construiremos uma escola com o nome dela para ajudar

gente que seja como Zinaida. Trabalharemos nisso juntas. E, mais

tarde, talvez possamos levar Zinaida para os Estados Unidos. Ela e

a enfermeira poder��o morar numa das cabanas de h��spedes nos

terrenos do Pal��cio de Inverno. Mandarei fazer uma cabina de pro-

je����o para que ela possa ver c i n e m a . . . ��, ali��s, uma coisa que Mike

est�� querendo. Talvez isso seja de grande benef��cio e possa ensinar

um pouco de linguagem a Zinaida. V��o ver como pode ser bela

uma retardada. Voc�� poder�� sair do seu afastamento e dizer a todo

mundo que ela �� uma afilhada que voc�� adotou, e usar o seu tempo

e o meu em alguma coisa valiosa. Eu posso parar com todos esses

almo��os in��teis e voc�� pode parar com todos esses terr��veis exerc��cios

na barra. Voc�� tem agora algum trabalho real para preencher seus

dias. E eu tamb��m. Trabalharemos juntas, Karla.

E abriu os bra��os para Karla porque viu de repente que ela es-

tava chorando.

Naquela noite, enquanto estavam deitadas na cama juntas, Karla

murmurou:

��� Amo voc��, Dee, e nunca a deixarei, nem partirei de surpresa.

Agora, posso respirar com mais facilidade. Compreenda que Zinaida

n��o tinha ningu��m al��m de mim. Sempre vivi preocupada. Que iria

acontecer se eu ficasse doente? Foi por isso que sempre me esforcei

por estar em boas condi����es f��sicas. Com o dinheiro que tenho, po-

deria viver muito bem. Mas a velhice ou uma doen��a prolongada

poderiam levar todo o meu dinheiro e que seria ent��o de Zinaida?

N��o poderia suportar a id��ia de v��-la num asilo. Por outro lado,

devo morrer antes de Zinaida e o que eu deixarei, depois de pagos

os impostos, n��o ser�� suficiente para mant��-la pelo resto da vida.

Mas agora, gra��as a voc��, posso pela primeira vez n��o ter receio

do futuro.

Dee vivia de um lado para outro entre Grosvenor House e a casa

perto de Ascot. Esperou at�� que Zinaida fizesse o aborto e, em se-

guida, partiu para Cannes. Karla ficaria ainda uma semana com Zi-

naida. Depois, iria encontrar-se com Dee em Nova York.

Dee sentou-se no seu avi��o e pensou que talvez ningu��m tivesse

sentido a felicidade que ela sentia- Podia at�� fingir que gostava de

Cannes. Daria uma semana bastante agrad��vel a Mike. Podia muito

bem ser generosa, pois, quando voltasse para Nova York, sua vida

iria realmente c o m e �� a r . . .

385





V I N T E E SEIS


Mike rolou os dados e ganhou pela terceira vez consecutiva. Es-

tava com a mesma sorte que j�� tivera em Las Vegas. Parou ao ga-

nhar pela oitava vez. Quando trocou os seus francos, viu que tinha

ganho perto de vinte e cinco mil d��lares. Ficou com dez mil francos

de fichas e percorreu as salas do cassino.

Tinha sido uma boa noite, mas ele sentia que a mesma n��o estava

ainda acabada. Parou na mesa do Chemin de Fer e pegou a banca.

Perdeu. Esperou a vez seguinte, pegou metade da banca e ganhou.

Esperou de novo a sua vez e pegou a banca. Uma hora depois, saiu

com mais de cem mil francos. Foi at�� a mesa da roleta onde Dee

estava jogando. Ela jogou uma ficha no n��mero 36. E l e estendeu a

m��o e cercou o n��mero. Deu o 35 e Dee ficou espantada de ver o

croupier empurrar pilhas de fichas para ele. Tirou-as da mesa e

afastou-se- Foi �� caixa. Ao todo, tinha ganho perto de cinq��enta mil

d��lares. Estava na hora de sair por aquela noite.

Estava na hora de sair. Ponto final. Tinha passado uma semana no

cassino sem perder uma s�� noite. Tinha encontrado o filme que pro-

curava. Era uma hist��ria realista sobre uma pequena de quase trinta

anos que ganhava a vida participando de concursos de beleza. Nun-

ca tinha conquistado um s�� t��tulo, mas estava presente sempre entre

as finalistas, o que nunca deixava de lhe render algum dinheiro.

Vivia a viajar de ��nibus de uma cidade para outra, de um concurso

para outro. Vira o filme tr��s vezes antes de chegar a uma decis��o.

O filme fora rodado em loca����o no Texas por dois jovens produ-

tores independentes. Em dado momento, o dinheiro tinha acabado

e eles tomaram trezentos mil d��lares emprestados a um banco para

acabar o filme. Depois, tinham ido a Cannes, �� espera de um con-

trato de distribui����o. Mike conseguiu 60% do filme pagando o em-

pr��stimo do banco e assumindo a responsabilidade das despesas de

publicidade. Encontrou-se com Cyril Bean, da Century Pictures, e

convenceu-o a ir ver o filme. Antes que a proje����o terminasse, aper-

taram-se as m��os. A Century teria 35% pela distribui����o e pela par-

386

ticipa����o nas despesas de publicidade. Mike Wayne estava em a����o

de novo.

Planejava estrear o filme num cinema de arte juntamente com

uma grande campanha publicit��ria. A mo��a que fazia o papel da

beldade cansada era uma atriz dos teatros de fora da Broadway, des-

conhecida do grande p��blico. V��rios cr��ticos que tinham visto o filme

em Cannes estavam delirantes. N��o poderia perder. Ainda que o fil-

me n��o fosse um grande sucesso de bilheteria, teria extensa reper-

cuss��o e ele recuperaria o seu dinheiro. Mas o mais importante era

que ele estaria de novo em a����o. A atriz do filme ganhia na certa uma

indica����o para o pr��mio da Academia. Tudo estava assentado. T i -

nha o contrato assinado e guardado no cofre do hotel. Tinha pago

o banco e ainda estava com mais de meio milh��o de d��lares em di-

nheiro . . . e mais algumas noites no cassino. Depois, voltaria para

Nova Y o r k . . .

Telefonaria ent��o para January. Tinha ensaiado noites a fio o que

devia dizer. Sabia exatamente o que lhe cabia fazer. N��o faria a

menor men����o de Tom Colt. Diria que estava novamente em a����o

e perguntaria se ela queria trabalhar com ele. Abrira um escrit��rio

e ela poderia ajud��-lo em geral na campanha, viajando para todas

as cidades onde o filme fosse estreado. Se ela recusasse, ele tomaria

uma atitude diferente. Aceitaria friamente a decis��o dela. Alguns

dias depois, tornaria a telefonar e lhe pediria um favor. Diria que

precisava de publicidade para o filme. Poderia ela fazer alguma

coisa na revista por ele? Poderia cobrir a estr��ia e bater algumas

fotografias dele no escrit��rio ou nas outras cidades onde o filme

fosse estreado. (Nada haveria de que ele precisasse menos do que

de uma reportagem em Gloss. Tinha contratado uma das melhores

firmas de publicidade para fazer um servi��o completo, mas nada di-

ria a ela. Agiria como se realmente precisasse dela e ela n��o lhe iria

falhar.) Tinha certeza de que, depois que se vissem e passassem

algum tempo juntos, tudo voltaria a ser o que era. Seria como nos

velhos tempos, na velha agita����o. Da�� por diante, ia gerar muita

a����o e muito movimento. Tinha efetuado algumas h��beis manobras

no vest��bulo do Hotel Carlton em Cannes. Tinha tomado quase de

assalto os direitos de distribui����o nos Estados Unidos de um grande

filme italiano com um novo diretor. Conseguira tamb��m 50% dos di-

reitos americanos de um filme tcheco que n��o ia dar dinheiro mas

ganharia pr��mios em todos os festivais. E seu nome figuraria no

filme. Em 1972, estaria de novo em foco.

Ia tamb��m separar-se de Dee. Deixaria que ela requeresse o di-

v��rcio. Agradeceria a ela ter tentado e explicaria que n��o tinha dado

certo. �� claro que ela alteraria o seu testamento e January perderia

dez milh��es de d��lares. Mas o ano que passara em companhia de

387

Dee havia esclarecido muitas coisas. Ele s�� se casara "com Dee para

dar seguran��a a January. E onde estava ela? Vivendo com um con-

quistador velho e casado num bangal�� no Hotel Beverly Hills- Que

seguran��a tinha ela com Tom Colt? Ela tinha de saber que o tra-

balho dele estava em primeiro l u g a r . . . e que a mulher e o filho

dele n��o poderiam deixar de ter preced��ncia sobre ela. E l a havia

entrado naquilo sabendo que acabaria num pobre terceiro lugar. E l a

aceitara o jogo. N��o queria que as coisas lhe fossem dadas de pre-

sente numa bandeja. Nem ele. N��o poderia enfrentar outro inverno

em Palm Beach ou um ver��o em Marbella, com as conversas incon-

seq��entes nos jantares e a vazia serenidade de D e e . . . N��o era de

admirar que ela n��o tivesse rugas no rosto. Nunca sentia coisa al-

guma. Vivia num mundo de conversas f��teis, de gam��o e de com-

pras. Era um mundo trivial. Com toda a certeza, ela seria incapaz

de fazer uma cena no momento da separa����o. Sem d��vida, isso po-

deria atrapalhar alguns dos planos dela para Marbella, inclusive a

disposi����o dos lugares nos jantares, mas n��o teria qualquer pesar

sincero. E January n��o perderia realmente coisa alguma por deixar

de ser uma herdeira. Logo que voltasse, ele faria um grande seguro

de vida e em hip��tese alguma faria empr��stimos sobre ele. Retoma-

ria a sua velha suite no Plaza com dois quartos. Pediria a January

que se mudasse para l��. N��o, diria apenas que o quarto estava l��

�� disposi����o dela.

Tinha tido v��rias vezes vontade de ligar para ela no Hotel B e -

verly Hills. Mas nunca chegara a pedir a liga����o. Providenciou para

que Variety publicasse uma boa not��cia sobre a sua aquisi����o do

filme. Mandou o recorte pelo correio para ela sem qualquer comen-

t��rio.

Pretendiam partir para Nova York na sexta-feira. Dois dias antes,

Mike fez uma viagem r��pida �� Su����a e depositou meio milh��o de

d��lares em dinheiro numa conta numerada. Depois, telegrafou para

o Plaza, reservando a sua velha suite para o s��bado, 28 de maio.

Esperaria at�� chegarem ao P i e r r e . . . Romperia ent��o com Dee e

iria hospedar-se no Plaza.

Na tarde da quinta-feira, Dee correu a Rue Antibes comprando

perfumes e pequenos presentes para suas amigas. Mike encontrou-se

com um produtor de quem nunca tinha gostado. Convidou Mike para

um jogo de canastra na sua suite. Mike hesitou. O produtor era co-

nhecido como um homem de sorte. Mas aceitou. Por que n��o? Seria

um teste decisivo de sua sorte.

Saiu da su��te ao fim de tarde, com trinta mil d��lares a mais. Foi

�� joalheria de Cartier e comprou uma cigarreira de platina para

Dee. Conseguiu que fizessem um trabalho de grava����o ��s pressas.

No dia seguinte, quando iam de carro para o aeroporto, ele lhe co-

388

locou a cigarreira no colo. A inscri����o dizia: "A Dee, que fez voltar a

minha sorte, a gratid��o de Mike". Ela se inclinou para ele e beijou-

lhe o rosto. Talvez fosse melhor falar naquele momento e resolver

tudo.. . Mas resolveu em contr��rio. Seria horr��vel passar seis horas

dentro de um avi��o sem nada para fazer sen��o remoer um casamen-

to desfeito. Al��m disso, ela n��o tinha culpa. Comprara um cavalhei-

ro legal. Pois estava na hora de procurar outro. Aquele ia voltar ao

seio da ra��a humana.

Sa��ram de Cannes e embarcaram no avi��o deles em Nice. Mike

estava sentado do outro lado da passagem perto de Dee. Tinha le-

vado caviar e champanha para bordo, ��s suas custas. Tinha hesitado

um pouco, pois aquilo era um ritual que ele reservava para January.

Mas estava fazendo aquilo por January, de volta a ela e �� liberdade.

Abriram o champanha e o caviar quando j�� estavam no ar. Fo-

ram servidos pelo novo empregado, um jovem franc��s que dirigira o

carro para eles enquanto estavam em Cannes. O sonho dele era co-

nhecer os Estados Unidos. Mike tinha-lhe oferecido passagem no

avi��o e Dee tinha dito que havia sempre lugar para um jardineiro

ou um chofer no Pal��cio do Inverno. Chamava-se Jean Paul Vallon

e tinha vivido em Cannes todos os seus dezenove anos. Nunca tinha

ido nem a Paris. A m��e dele, uma tia, tr��s primos, uma irm�� e o

cunhado tinham ido despedir-se dele no aeroporto. Nenhum deles

tinha estado at�� ent��o num avi��o e a opul��ncia do jato particular de

Dee os deslumbrou.

Dee levantou o copo e sorriu para Mike.

��� A Cannes. . . e a seus amigos.

Mike levantou tamb��m o copo.

��� A M a r b e l l a . . . e �� sua vida e suas amigas.

Dee sorriu e provou o champanha. Mike levou o copo aos l��bios,

mas n��o se p��de decidir a beber. Parecia-lhe subitamente errado

beber Dom Perignon com outra pessoa que n��o fosse January. Olhou

pela janela. N��o ia ser f��cil dar a not��cia a Dee. Afinal de contas,

ela nada fizera. . . salvo ser ela mesma. E n��o servir para ele.

Dee abriu a cigarreira e tirou um cigano. Olhou pela janela para

as nuvens embaixo. A inscri����o na cigarreira era muito gentil. Mike

era muito b o m . . . muito delicado e gostava de verdade dela. Mas

ela n��o podia continuar assim- N��o tinha inten����o de passar noites

em claro procurando pretextos para estar com Karla. Mas, depois

que ela modificasse o testamento, teria de falar com ele. Diria ent��o

que pretendia levar a sua vida �� sua moda e que ele poderia fazer

o mesmo, desde que n��o se envolvesse em esc��ndalos e estivesse

sempre �� sua disposi����o quando ela precisasse dele. Se Mike aceitas-

se essas condi����es, a heran��a de January seria mantida.

389

Ela olhou para o perfil forte de Mike. Isso seria o mesmo que cas-

tr��-lo. Mas n��o havia outro jeito. Olhou para a cigarreira. Era o

primeiro presente caro que recebia de qualquer homem. Ele devia

ter gasto muito dinheiro naquilo. Talvez tudo o que ganhara no jogo.

Por que tinha de haver algu��m que ficasse magoado? Aspirou fun-

do a fuma��a do cigarro e depois apagou a ponta no pequeno cinzeiro.

Ela havia dado um bom ano a Mike, fizera o m��ximo poss��vel pela

filha dele que seria um dia uma mulher muito rica se Mike acertasse

os ponteiros com ela. Mas ainda sentia escr��pulos na consci��ncia.

Tornou a olhar a cigarreira. S�� um homem que amasse mandaria

gravar uma inscri����o como aquela. Mas n��o havia motivo para que

ela tivesse um complexo de culpa assim. Se um homem estivesse

no lugar dela, seria t��o generoso assim para com a mulher? Claro

que n��o! E n��o sentiria culpa de esp��cie alguma! Karla havia par-

tido de Londres para Nova York tr��s dias antes. Tinham-se falado

pelo telefone quase uma hora. Zinaida tinha-se afei��oado �� nova

enfermeira e Karla estava ansiosa por voltar para Nova York e ver

Dee.

Karla terminara dizendo em voz bem baixa:

��� Por favor, D e e . . . N��o demore.. .

Bastava pensar nessas coisas para se sentir inundada de felici-

dade. Fechou os olhos e recostou-se na cadeira, tentando fixar a vis��o

de Karla no esp��rito. Karla pertencia-lhe agora. Era verdadeiramen-

te dela!

O avi��o deu uma guinada, mas Dee continuou com os olhos fe-

chados. O champanha de Mike se derramou e Jean Paul correu para

enxugar. Mike enxugou a pasta que levava. Dentro dela estava o

contrato ao filme e cento e cinq��enta mil d��lares em esp��cie. Bas-

tava para abrir um escrit��rio e fazer a publicidade rolar.

Jean Paul tornou a encher o copo de Mike, embora ele fizesse

sinal que n��o queria mais. Tomou a garrafa da m��o do rapaz e tor-

nou a encher o copo de Dee.

��� Tome um pouco tamb��m, Jean Paul. Para comemorar a sua

primeira viagem para os Estados Unidos. E de agora em diante,

sempre que acontecer alguma coisa de especial em sua vida, com-

pre uma garrafa e fa��a disso um ritual de boa s o r t e . . .

O rapaz olhou atentamente enquanto Mike lhe enchia um copo.

O avi��o deu outra guinada e um pouco do vinho se lhe derramou

nas cal��as escuras novas. Mike riu.

��� Isso d�� sorte, Jean P a u l . . .

O avi��o deu nova guinada e ent��o caiu cerca de quinze metros-

Depois, pareceu balan��ar-se. Os olhos do rapaz ficaram vidrados de

medo. Mike sorriu.

390

��� Sente-se e passe o cinto, rapaz. Parece que estamos encontran-

do um peda��o de mau tempo.

Mike recostou-se na cadeira e fechou os olhos. O avi��o deu um

solavanco... e ent��o ficou de novo em posi����o correta. Estava pen-

sando em January quando ouviu um som estranho no motor do jato

��� como a acelera����o de uma motocicleta. Levantou o corpo na ca-

deira e escutou atentamente. Dee olhou para ele interrogativamente.

Mike desapertou o cinto da poltrona e foi at�� a cabina. Os dois pi-

lotos estavam manejando febrilmente os controles. Sa��a fuma��a de

um dos motores do jato. O avi��o come��ou a jogar desordenadamente.

��� Largue o motor ��� disse Mike com voz rouca. ��� Solte-o.

��� N��o posso ��� gritou o piloto. ��� H�� alguma coisa prendendo.

��� Voltou-se para o companheiro. ��� Transmita um pedido de so-

corro. Volte para o seu lugar, Sr. Wayne. Parece que vamos ter de

fazer uma descida for��ada.

Mike voltou para a sua poltrona. Dee voltou para ele os olhos

apreensivos. O jovem franc��s tinha tirado um ros��rio do bolso. E s -

tava muito p��lido e olhou para Mike, pedindo-lhe com os olhos al-

guma palavra de conforto.

Mike conseguiu sorrir.

��� Tudo vai b e m . . . Temos apenas uma dificuldade com um dos

motores. Vamos descer e consert��-lo. Tenha calma.

Ouviu-se ent��o a voz do piloto pelo alto-falante.

��� Sr. e Sra. Wayne, vamos fazer uma descida for��ada. Tenham

a bondade de desapertar os cintos. Tirem os sapatos e ajoelhem-se

no ch��o. Se est��o usando ��culos, devem tir��-los e colocar a cabe��a

entre as m��os.

Jean Paul come��ou a solu��ar.

��� Nunca chegarei aos Estados U n i d o s . . . Vamos todos m o r r e r . . .

Dee estava em sil��ncio e muito p��lida. Deus do c��u! Era uma

coisa que se sabia que acontecia a outras pessoas. Aquilo n��o podia

estar acontecendo a e l a . . . naquele momento, justamente quando

ia come��ar a v i v e r . . . quando tinha um motivo para v i v e r . . . N��o!

Agora n��o!

Mike se ajoelhou com a pasta firmemente segura. Inclinou o cor-

po e pegou a garrafa de champanha que estava no ch��o. Levou-a ��

boca e tomou um grande gole. Era uma grande ocasi��o a q u e l a . . .

talvez a maior de todas. E, pouco antes que o avi��o explodisse em

pleno ar, pensou em January. Nunca mais teria oportunidade de

pedir-lhe desculpas e dizer-lhe quanto a amava. E, quando houve

a explos��o, a ��ltima coisa em que pensou foi na conta numerada na

Su����a e que aquele era decerto um momento muito mal escolhido

para a sua sorte se a c a b a r . . .

391





V I N T E E S E T E


January fechou os olhos quando o v��o 747 iniciou a sua descida

para o Aeroporto Kennedy. N��o podia suportar a vis��o de Nova

York sabendo que Mike n��o estaria no aeroporto �� espera dela, sa-

bendo que ele nunca mais estaria em qualquer aeroporto para es-

per��-la.

Menos de uma hora depois que o avi��o explodira sobre o Atl��n-

tico, a not��cia fora transmitida pela televis��o em Nova York, in-

terrompendo todos os programas regulares. Felizmente, George Mil-

ford telefonou para January no Hotel Beverly Hills antes que ela ti-

vesse a not��cia pelo ar.

Tudo parecia completamente irreal. Quando desligou, a luz do sol

ainda estava entrando a jorros na sala. Tom ainda batia a m��quina

na sala ao lado. Mike estava m o r t o . . . e o mundo continuava.

Tinha escutado em sil��ncio enquanto George Milford lhe narrava

os detalhes. Ficou em sil��ncio quando David lhe deu as suas con-

dol��ncias pela extens��o. Deviam ir busc��-la? Deviam tomar provi-

d��ncias para as cerim��nias f��nebres? Ela desligou de repente e fi-

cou muito parada, sem saber por que os p��ssaros ainda cantavam...

por que ela continuava a respirar.

N��o sabia quando come��ara a gritar. Sabia apenas que estava

gritando e n��o conseguia parar. Tom sustinha-a nos bra��os e pedia

uma explica����o. De repente, os telefones come��aram a tocar e Tom

disse �� telefonista que interrompesse todas as chamadas. P��de ver

pela cara de Tom que ele j�� s a b i a . . . e, enquanto isso, o sol conti-

nuava a brilhar, os p��ssaros se chamavam e os boys gritavam �� beira

da piscina os nomes das pessoas.

Lembrava-se de um homem, bondoso, chamado Dr. Cutler, que

apareceu no quarto e lhe deu uma inje����o, muito diferente das do

Dr. Alpert. Foi uma inje����o suave que a fez parar de gritar. Tudo

pareceu amortecido, at�� a luz do sol, e ela se sentiu flutuar enquan-

to os p��ssaros pareciam cantar longe, muito l o n g e . . . Dormiu ent��o.

392

Quando acordou, pensou que talvez tudo tivesse sido um sonho,

um terr��vel pesadelo. Mas Tom n��o estava batendo a m��quina. E s -

tava sentado ao lado da cama e, quando ela perguntou se tudo tinha

sido um sonho, ele desviou a vista.

Tinha ficado junto dela a noite inteira. Ela n��o chorou. Tinha

medo de n��o poder mais parar se come��asse a c h o r a r . . .

Ficar assim em sil��ncio, com aquilo dentro dela, era quase negar-

se a admitir que alguma coisa tivesse acontecido.

Tom tinha desligado todos os telefones. Mas Linda tinha conse-

guido oferecer-se para ir buscar January. George e David Milford

tinham feito o mesmo oferecimento. Mas January n��o quis que nin-

gu��m fosse busc��-la. Tom tomou provid��ncias e comprou passagem

num v��o do meio-dia no dia seguinte. Telegrafou para David e

George comunicando o n��mero do v��o e a hora da chegada. Levou-a

at�� ao aeroporto e obteve permiss��o para lev��-la para o avi��o antes

da chegada dos outros passageiros. Ela se sentou numa poltrona da

frente do grande avi��o vazio e de repente teve medo.

��� Venha comigo, Tom. N��o posso enfrentar isso sozinha.

��� N��o vai enfrentar nada sozinha ��� disse ele. ��� Estou sempre

com voc��. Lembre-se disso todo o tempo. George e David Milford

estar��o �� sua espera no aeroporto.

��� Mas n��o �� assim que eu quero, Tom.

��� N��o �� o que n��s queremos, mas assim �� que tem de ser. Vamos

enfrentar a realidade, meu b e m . . . Eu sou um homem casado. David

e o pai acreditam que voc�� est�� mesmo fazendo uma reportagem

a meu respeito. Pouco me interessa o que eles pensem, mas �� por

voc�� que me estou preocupando. Haver�� muitos rep��rteres �� sua

espera no aeroporto.

��� Rep��rteres?

��� Bem, seu pai foi um homem famoso na sua ��poca e Dee Milford

Granger era uma das mulheres mais ricas do mundo. Tudo isso ��

not��cia e o p��blico �� m �� r b i d o . . .

��� Venha comigo, Tom ��� disse ela, estendendo as m��os para ele.

��� Eu bem que gostaria, meu anjo. Mas nada posso fazer. Gostaria

de ficar escondido num hotel enquanto voc�� passasse por tudo isso.

Mas isso �� tudo de que a imprensa precisaria ��� voc�� chegar em

companhia de um amante casado. Al��m disso, o meu trabalho est��

um pouco atrasado. O est��dio j�� est�� reclamando. Parece que tenho

sido muito amante e pouco escritor.

Ela o abra��ou e ele lhe assegurou que estaria sempre ali �� espera.

��� Resolva tudo e me telefone. Quando quiser. Eu estarei aqui.

O avi��o circulava sobre o Aeroporto Kennedy esperando autori-

za����o para pousar. January abriu a bolsa e tirou o recorte de Va-

393

riety para l��-lo mais uma vez. Por que ele lhe tinha mandado aquilo

sem uma s�� palavra? Seria porque ainda estava zangado? Mas, neste

caso, n��o mandaria coisa alguma. Aquela era a sua maneira de di-

zer que tudo estava b e m . . . Tinha de s e r . . . tinha de ser!

O avi��o tocou a pista num pouso suave. Todos desapertaram os

cintos de seguran��a... O sistema de alto-falante foi l i g a d o . . . Mui-

tos passageiros se levantaram, muito embora a aeromo��a pedisse que

todos ficassem sentados at�� que o avi��o parasse de fazer t��xi. As

pessoas come��aram a pegar a bagagem de m��o. Uma crian��a chorou

dentro do avi��o. A escada foi rolada para a porta de tr��s. As aero-

mo��as tinham-se colocado ao lado da porta aberta e sorriam, despe-

diam-se de todos e agradeciam a prefer��ncia. January se encami-

nhou para a porta como os outros passageiros. Era muito estranho

ver como o mundo podia acabar e a pessoa continuar viva e fazer

todas as coisas comuns, tais como ficar sentada durante quatro horas

e meia, comer alguma coisa e descer a escada como estava fazendo

naquele momento. Viu os fot��grafos, mas nunca lhe ocorreu que es-

tivessem �� espera dela at�� que os flashes come��aram a brilhar no

seu rosto. Ainda a cercavam, quando David e o pai dele aparece-

ram e a levaram para uma sala isolada no aeroporto enquanto um

chofer pegava os seus tal��es de bagagem.

Fizeram ent��o a viagem de carro para Nova York, a mesma que

ela fizera com Mike. A mesma estrada, os mesmos resqu��cios da

Feira Mundial. Tudo ainda estava a l i . . . menos Mike.

��� E isso �� o que n��s pensamos que �� melhor ��� dizia George Mil-

ford.

��� Melhor? Melhor o qu��? ��� perguntou ela, olhando para os dois

homens.

A voz de David era gentil.

��� �� melhor voc�� ir ficar no Pierre. O invent��rio levar�� algum

tempo. Eventualmente, o Pal��cio de Inverno, a casa de Marbella e

o apartamento do Pierre ser��o vendidos e o dinheiro ser�� emprega-

do na funda����o. Mas at�� ent��o voc�� poder�� morar onde quiser e

ter�� mais conforto no Pierre.

��� N �� o . . . Tenho meu apartamento-

��� Mas ter�� garantias no Pierre.

��� Garantias?

��� Sim, no Pierre voc�� n��o ser�� incomodada pelos jornalistas, que

ainda se ocupar��o do fato por muito tempo ��� disse George Milford.

��� Quando se soube da not��cia, os rep��rteres me procuraram para

saber do testamento de Dee. E eu inadvertidamente deixei escapar

que ela lhe deixara dez milh��es de d��lares.

394

��� Dez milh��es? ��� exclamou January. ��� Dee me deixou dez mi-

lh��es? Por qu��? Eu mal a conhecia.

George Milford sorriu.

��� Ela amava muito seu pai. Tenho certeza de que ela fez isso

para ser agrad��vel a ele. Ela teve ocasi��o de me dizer como gostava

de voc��. �� por isso que eu acho que voc�� deve ir para o Pierre. De-

pois, era o que seu pai queria.

��� Como �� que sabe o que meu pai queria, se n��o chegou a co-

nhec��-lo?

��� January, eu o conheci muito b e m . . . no fim ��� disse David. ���

Conversamos muito em Palm Beach naquele fim-de-semana da P��s-

coa em que voc�� n��o apareceu. E l e me falou da esperan��a que ti-

vera de que n��s dois acab��ssemos c a s a d o s . . . Disse-lhe o que sen-

tia a seu respeito e ele me aconselhou a esperar, sem for��ar voc�� a

coisa alguma. Ele nunca procurou for��ar voc�� fosse no que fosse.

N��o gostava de que voc�� morasse naquele apartamento pequeno. Mas

me afirmou que nunca lhe diria isso, do mesmo modo que n��o que-

ria que voc�� soubesse da decep����o que ele sentiu quando voc�� se

mudou do Pierre.

Ela sentiu as l��grimas descerem-lhe pelo rosto e murmurou:

��� Est�� bem, D a v i d . . . Vou ficar no Pierre-

Nos quatro dias seguintes, gra��as ao Librium e a comprimidos

para dormir, January funcionou de maneira mec��nica. O Dr. Alpert

lhe havia dado uma inje����o um dia antes do desastre do avi��o. O

efeito se dissipou enquanto ela estava em Nova York, mas a sua

ang��stia mental contrabalan��ou qualquer rea����o f��sica. Sentia quase

com satisfa����o as dores de cabe��a, o aperto na garganta, as dores

nos ossos ��� eram sofrimentos que ela j�� conhecia e sabia que iam

passar. O vazio incr��vel de um mundo sem Mike �� que era uma

coisa que ela n��o conseguia aceitar.

Sadie andava em volta de January como uma desvelada enfermei-

ra. Era uma alma perdida sem Dee. Parecia estar constantemente

escutando, como se a cada momento fosse ouvir uma das ordens secas

de Dee. Sadie servira Dee durante trinta anos. Precisava de ter al-

gu��m de que cuidasse e transferiu essa necessidade para January,

levando bandejas de comida em que January mal tocava, atendendo

os telefones, conservando todo mundo a dist��ncia exceto os Mil-

fords e montando guarda como uma sentinela magra, silenciosa,

triste e �� espera.

David estava sentado ao lado de January durante a cerim��nia

f��nebre por Dee e Mike. Ela tinha um rosto inexpressivo, quase

como se estivesse dormindo com os olhos abertos. O pai de David

395

estava sentado do outro lado dela. A m��e dele estava ao lado do

marido, tensa, apertanto um len��o na m��o e parecendo corretamente

alheia a tudo. A igreja estava repleta e a presen��a de tantas figuras

da sociedade e pessoas famosas tinha atra��do todos os meios de di-

vulga����o. O set internacional era representado por elementos da

realeza. Alguns amigos europeus de Dee tinham fretado avi��es es-

peciais para comparecer. E muitas personalidades do mundo dos

espet��culos, sabendo que os cameramen da televis��o estariam pre-

sentes, tinham sentido a necessidade de prestar as ��ltimas homena-

gens a Mike- Mas foi a presen��a de Karla que causou a maior sen-

sa����o. Os curiosos tinham quase quebrado os cord��es de isolamento

da pol��cia quando ela chegou.

David n��o a vira. Mas ouvira do lado de fora a multid��o pro-

nunciar-lhe o nome por ocasi��o de sua chegada. Sabia que ela estava

sentada atr��s e desejou de todo o cora����o n��o dar com os olhos nela.

Depois daquela noite traum��tica, procurara expurgar do esp��rito

quaisquer pensamentos a respeito dela. Tinha feito mesmo uma

esp��cie de auto-hipnose para afast��-la do esp��rito. Pensava em

"��dio" sempre que lhe ocorria o nome dela. Pensava ent��o nas coi-

sas que a palavra "��dio" evocava ��� Hitler, crian��as maltratadas,

pobreza. E a certa altura, as suas id��ias enveredavam sempre por

outro assunto. Incumbiu-se tamb��m de outras contas e de trabalho

extra. E tomava provid��ncias para que nunca ficasse sozinho �� noite.

Revezava Kim e Valerie, uma exuberante eurasi��tica. Quando soube

do desastre, abandonou tudo e dedicou-se �� urg��ncia imediata de

dar "assist��ncia e aten����o" a January.

Da�� por diante, ia ser exclusivamente de January, sua bela, esbelta

e p��lida herdeira. Os cinegrafistas tinham-na realmente assaltado

quando ela chegara �� igreja. Ela se voltara para ele, at��nita. Era

realmente bela, pequena, desamparada... e tinha dez milh��es de

d��lares. David tocou-lhe a m��o enluvada. Ela levantou os olhos para

ele e David esperou que o seu leve sorriso lhe desse seguran��a e

confian��a.

A cerim��nia se arrastou. David sabia que a igreja estava repleta.

Havia tr��s filas de pessoas em p�� perto da porta. Algu��m disse que

o governador estava presente. Onde estaria sentada Karla? Com-

preendeu com certo espanto que era aquele o primeiro momento

em que se "permitira" pensar nela. Expulsou-a do esp��rito. Mas

n��o deu resultado. De algum modo, na igreja cheia de gente, sentia

a presen��a dela. Era absurdo, mas a verdade �� que sentia. E, de re-

pente, a auto-hipnose n��o funcionava mais. Ficou ali inteiramente

indefeso e deixou que os pensamentos lhe tomassem conta da cabe-

��a. Teria vindo sozinha? Ou fora acompanhada por B��ris ou outro

dos acompanhantes em quem tinha confian��a? Ou havia algum

novo amante? Tinha de parar com aquilo! Disse a si mesmo que ti-

396

nha de pensar em January. Tinha de pensar em Dee, na fam��lia.

Era um dos parentes mais chegados dela. Mas fora exclu��do do tes-

tamento. Por que aquele avi��o fora cair? N��o poderia ter ca��do de-

pois que Dee tivesse alterado o testamento? Ela estava querendo

fazer a altera����o. Por que esperara at�� a v��spera da partida do pai

dele para a Europa? Tinha telegrafado tamb��m do Sul da Fran��a

para dizer que pretendia fazer altera����es radicais quando voltasse.

Por qu��?

Voltaria ele �� sua posi����o anterior? January deixaria de ser con-

templada? Mas todas as hip��teses poss��veis n��o valiam mais nada.

O testamento estava de p�� e January era a nova mo��a rica da cidade.

Ouviu ent��o tocar o ��rg��o e o murm��rio de todos os presentes a

rezar o Pai Nosso. Baixou a cabe��a e levantou-se automaticamente

com os outros. Segurou o bra��o de January enquanto seu pai e sua

m��e sa��am do banco. Conservou a cabe��a baixa enquanto levava

January da serena penumbra da igreja para a luz do dia que se es-

cancarava l�� fora, no meio de uma multid��o de curiosos e das c��-

maras de televis��o.

E quando passou pela terceira fila a contar da porta, viu-a. E s -

tava com a cabe��a coberta por uma ��ch arpe de seda preta e se pre-

parava tamb��m para sair. Mas naquele momento, antes que pusesse

de novo os perp��tuos ��culos pretos, os olhos de ambos tinham-se

encontrado. Em seguida, ela sa��ra, procurando ganhar uma porta

lateral. Ele continuou a segurar o bra��o de January e a seguir no

seu passo solene em dire����o �� limusina. Conseguiu assumir uma

express��o sombria enquanto as c��maras de televis��o os filmavam

para o notici��rio das seis horas.

Levou January de novo para o Pierre. Nas tr��s horas seguintes,

a sala abrigou uma avalancha de celebridades, figuras do caf�� so-

ciety, e copos que se tocavam. Homens de seguran��a montavam

guarda enquanto a apresenta����o de condol��ncias se transforma-

va num coquetel de gala. David ficou ao lado de January at�� que

ela come��ou a mostrar sinais indiscut��veis de fadiga. Sadie levou-a

para o quarto, mas a reuni��o continuou. Mais pessoas iam chegando.

A m��e dele fazia as honras da casa. At�� o pai parecia estar-se diver-

tindo muito. Havia em tudo aquilo alguma coisa de b��rbaro. David

olhou para as cintilantes molduras de prata em cima do piano.

Quase todas aquelas celebridades estavam representadas em pessoa

na grande sala do Pierre. Mas havia algu��m que n��o estava ali.

Olhou para o retrato de Karla. Os olhos pareciam remotos, com um

toque de solid��o, exatamente como ele os vira naquele dia na igreja.

Viu Sadie sair do quarto. Aproximou-se dele e disse que January

estava descansando. Tinha tomado um sedativo. Quando teve cer-

teza de que ningu��m estava observando, David saiu do apartamento.

397

Sabia para onde ia. Tinha pensado que nunca mais voltaria l�� e

que n��o lhe seria poss��vel encarar de novo o porteiro e o ascensorista.

Mas isso deixara de s��bito de ter qualquer import��ncia. Depois de

ter olhado para ela naquele dia, podia enfrent��-los todos ��� at�� um

ex��rcito deles. N��o podia deixar de v��-la!

N��o obstante, o seu al��vio foi enorme quando viu �� porta do edi-

f��cio um porteiro a quem n��o conhecia. �� claro que ele nunca tinha

aparecido ali por volta do meio-dia- O porteiro o fez parar, dizendo

secamente:

��� Todos os visitantes t��m de ser anunciados.

Hesitou por um momento. Se Karla mandasse dizer que n��o o

receberia, ele se sentiria muito embara��ado diante daquele porteiro

desconhecido.

Mas tudo continuou a parecer-lhe destitu��do de import��ncia. Deu

o nome e ficou esperando enquanto o homem se encaminhava para

o telefone interno. Aquele desconhecido de uniforme cheio de dou-

rados falava com ela todos os d i a s . . . e ele talvez n��o pudesse falar.

Acendeu um cigarro enquanto esperava. Como estava demorando!

Talvez ela n��o tivesse voltado para casa. Se o porteiro dissesse que

ela n��o estava em casa, poderia ser verdade ou n��o. Ele nunca sa-

beria.

O porteiro voltou andando devagar, como se os p��s lhe estives-

sem doendo. David jogou fora o cigarro e esperou.

��� Apartamento 15-A ��� disse o porteiro. ��� Elevador da frente.

Por um momento, David ficou im��vel. Atravessou ent��o rapida-

mente o vest��bulo. N��o era absolutamente hora de ficar nervoso.

Ficou contente de que o elevador estivesse esperando- Quando sal-

tou, ela estava esperando �� porta do apartamento.

��� Entre ��� disse ela calmamente.

David seguiu-a. A luz do sol transformava o escuro do East River

em v��rios matizes de cinza amarelado. Viu um rebocador que pas-

sava, deixando uma esteira de pequenas ondas.

��� N��o sabia que tinha uma vista t��o bonita ��� murmurou ele.

��� �� porque s�� a viu �� noite.

��� Ou talvez porque nunca tenha de fato olhado.

Ficaram calados durante alguns minutos. Por fim, ele disse:

��� K a r l a . . . n��o posso viver sem voc��.

Ela se sentou e acendeu um de seus cigarros ingleses. Em seguida,

como se s�� ent��o se lembrasse, ofereceu-lhe o ma��o. Ela recusou,

sacudindo a cabe��a.

��� N��o acredita em mim, n��o ��?

��� Acredito, sim. Acredito que esteja sendo s i n c e r o . . . agora.

398

��� Karla, sinto muito o que aconteceu naquela noite. N��o sei, mas

eu devia estar louco. N��o posso nem desculpar-me dizendo que es-

tava b��bado, porque me embebedei de prop��sito- Do contr��rio, nun-

ca teria a coragem de vir at�� aqui e fazer aquela cena. Vivia ver-

dadeiramente obcecado, preocupado com o tempo que ainda ter��a-

mos, sem saber quando voc�� ia tomar um avi��o e desaparecer de

novo. Mas quando olhei para voc�� hoje, compreendi tudo e reco-

brei o ju��zo. Amo voc�� e quero ficar com v o c �� . . . abertamente. Que-

ro casar-me com voc��, se me quiser. Ou ficarei a seu lado como seu

companheiro, se voc�� preferir assim. Passei toda a minha vida preo-

cupado em herdar o dinheiro de Dee e agora parece que terei de

passar o resto da vida com os olhos pregados no dinheiro de J a -

nuary. E era o que eu estava disposto a fazer at�� que a vi na igreja.

At�� ent��o, era o que eu tinha de melhor para fazer. Mas quando a

vi de n o v o . . .

Ela levou a m��o aos l��bios dele.

��� �� bom ver voc��, David. E sinto muito o que aconteceu naque-

la noite.

��� N��o, Karla! Quem sente sou eu! N��o falei a s��rio nenhuma das

coisas que eu disse. N��o acreditei no que disse sobre Heidi Lanz.

N��o achava realmente que ela estivesse aqui.

��� Isso n��o tem import��ncia ��� disse ela. ��� Conheci Heidi h�� mui-

to tempo, logo que vim para os Estados Unidos. Nunca mais a vi,

a n��o ser em reapresenta����es pela televis��o de velhos filmes dela.

��� �� claro. Eu a tinha visto naquele dia no " 2 1 " e o nome dela

me veio �� lembran��a...

Ela levou os dedos aos l��bios dele e sorriu.

��� Por favor, David. Nada disso tem import��ncia. Nem Heidi,

n e m . . .

��� Tem raz��o ��� disse ele. ��� Nada �� importante. Exceto n��s.

Ela se levantou e atravessou a sala. Sorriu para ele, mas havia tris-

teza nos seus olhos.

��� N��o, David, n��o somos t��o importantes assim. Tenho levado

uma vida muito ego��sta. Sempre tive vontade de fazer uma por����o

de coisas e sempre achei que tinha muito tempo para isso. A morte

de Dee me ensinou coisa diferente. Nunca sabemos exatamente

quanto tempo nos resta. Jeremy Haskins, meu velho amigo, tem

quase oitenta anos. Sempre que o telefone toca de Londres, fico

alarmada. Entretanto, quem iria pensar que Jeremy iria viver mais

do que Dee?

Ele se aproximou dela e tentou tom��-la nos bra��os, mas ela se es-

quivou ao seu abra��o. Ele a segurou pelos ombros e encarou-a nos

olhos.

399

��� �� por isso que estou aqui, Karla. Temos falado da diferen��a

de idade entre n��s. Mas agora isso parece t��o fora de prop��sito. S��

o que importa �� estarmos juntos, termos um ao outro.

��� N��o, David, n��o �� isso s�� que importa. Sente-se ali no sof��.

Quero que escute o que lhe vou dizer. Sim. Tivemos momentos ma-

ravilhosos. Mas tudo isso pertence ao passado. Vou-lhe dizer o que

�� que que importa agora. Vou-lhe falar de uma mo��a chamada Zi-

n a i d a . . .

David apertou nas m��os o ma��o de cigarros vazio. Olhou para

Karla, que estava de p�� junto �� lareira. V��rias vezes ele tinha sen-

tido l��grimas nos olhos enquanto ela contava as lutas que enfrentara

para criar a filha. A calma com que ela contou a viola����o das freiras

no convento s�� serviu para aumentar o horror da cena. Quando ter-

minou, disse:

��� V��, portanto, como carece de import��ncia qualquer coisa entre

n��s. At�� agora, tenho-me esquivado deixando outros cuidarem de

Zinaida. Mas agora tudo �� diferente.

��� Dee sabia dessa sua filha? ��� perguntou ele.

Karla hesitou e ent��o respondeu sorrindo:

��� Claro que n��o. Por que iria Dee saber? Nunca fomos t��o ��n-

timas assim. Nunca passei de uma moldura de prata sobre o piano

dela.

��� Se ela soubesse, poderia ter deixado alguma coisa em seu tes-

tamento.

Karla encolheu os ombros.

��� Tenho dinheiro suficiente. Mas �� preciso que eu mude o meu

estilo de vida. J�� pus este apartamento �� venda. Isto me deve dar

um bom dinheiro. H�� uma maravilhosa ilha grega chamada Patmos.

N��o �� muito procurada pelo turistas. �� um lugar muito sossegado e

eu vou comprar uma casa l�� e viver nela com Zinaida e os Har-

ringtons.

��� Por que n��o a traz para c��? Assim poderemos viver todos

juntos.

��� Voc�� n��o compreende, David- Ela �� muito bonita, mas �� uma

crian��a. Poderia sair aos pulos pelo meio da rua. Ou ficar em pran-

tos numa loja por eu n��o comprar todos os brinquedos que ela qui-

sesse. �� uma crian��a de trinta e um anos de idade! Eu sou uma

pessoa que gosto muito de viver na minha intimidade. E voc�� sabe

como tenho de lutar pelo pouco de vida particular que eu tenho.

N��o seria justo expor Zinaida aos fot��grafos que a perseguiriam.

A vida dela seria um inferno. Mas em Patmos poderemos tomar

banho de mar, passear e brincar juntas. Ningu��m ali me conhecer��.

400

A nossa vida ser�� completamente resguardada. Jeremy j�� mandou

um homem para tomar as primeiras provid��ncias. Eu partirei ama-

nh�� para escolher a casa.

��� Case-se comigo, Karla! Voc�� tem bastante dinheiro para sus-

tentar Zinaida. E o que eu ganho chega para vivermos b e m . . .

��� Eu sei. E n��s ter��amos um ��timo ano juntos.

��� Um ano, n��o. Muitos anos.

��� N��o, David. Um ano, no m��ximo- Depois, voc�� veria sua bela

January casar-se. Pensaria ent��o nos dez milh��es de d��lares e no

estilo de vida que poderia ter l e v a d o . . . N��o, David, isso n��o pode-

ria durar. Meu lugar �� ao lado de Zinaida. Tenho de ensinar muitas

coisas a ela, especialmente que eu sou a m��e dela. Ela �� uma alma-

zinha perdida. E o seu lugar �� com January. Vi-a hoje. Ela tamb��m

est�� perdida e precisa muito de voc��.

��� E eu preciso de voc�� ��� disse ele.

Ela abriu os bra��os e por um momento ele a abra��ou e cobriu-lhe

o rosto de beijos. Ela ent��o se afastou dele.

��� N��o, D a v i d . . .

��� Karla, se voc�� me est�� mandando embora, ao menos fiquemos

juntos pela ��ltima vez!

��� N��o. Seria mais dif��cil para n��s ambos. Adeus, David.

��� Est��-me expulsando de novo, Karla?

��� Sim, mas desta vez �� com amor.

Ele se encaminhou para a porta. De repente, ela correu para ele

e estreitou-o nos bra��os.

��� Seja feliz, David. Sou eu que lhe pe��o. Seja muito feliz.

E l e sentiu as l��grimas que corriam pelo rosto dela, mas n��o se

voltou ao sair pelo corredor porque sabia que seus olhos tamb��m

estavam cheios de l��grimas...

401





V I N T E E O I T O


January estava muito sob a a����o de sedativos para lembrar-se da

cerim��nia f��nebre. Sabia que David tinha estado ao seu lado. Mas

tudo lhe parecera um jornal cinematogr��fico sem som. O Dr. Clif-

ford, m��dico assistente da Sra. Milford, tinha-lhe receitado alguns

tranq��ilizantes e ela havia tomado o triplo da dose prescrita. Sabia

que a igreja estava repleta e se lembrava de ter pensado: "Mike

gostaria da id��ia de ter uma casa cheia". Mas se sentira estranha-

mente distante das c��maras que a tinham filmado �� sa��da da igreja

e dos curiosos que a chamavam pelo nome.

Tinha-se espantado com a quantidade de gente presente ao apar-

tamento do Pierre e, ainda mais, pelo fato de que tinha de receber

a todos como se fossem convidados. Resistira at�� quando lhe tinha

sido poss��vel. Fora ent��o para o quarto e tomara mais tranq��ili-

zantes.

E os dias seguintes tiveram a mesma qualidade irreal. Tinham

sido dias de reuni��es s��rias e de assinatura de pap��is no escrit��rio

de George Milford, com David sempre ao lado dela. Dee lhe havia

deixado dez milh��es de d��lares! A enormidade da soma n��o lhe

provocava qualquer emo����o definida. Isso poderia trazer Mike de

volta? Poderia fazer esquecer aquela noite no Bangal�� Cinco?

Os dias foram passando. David a levava para jantar na casa dos

pais todas as noites. Ela conseguia de qualquer maneira conversar

com Margaret Milford, que procurava adivinhar-lhe todos os dese-

jos. Atrav��s de tudo isso, sentia-se grata a David. Tinha ��s vezes a

impress��o de que se estava afogando ao ver-se cercada de caras es-

tranhas e dos homens da imprensa que pareciam surgir por toda

a parte. E quando ela recorria a David sentia a tranq��ilidade de

encontrar a presen��a conhecida. Al��m disso, havia sempre Sadie

�� sua espera quando ela voltava para o Pierre. Dormia no quarto

de Mike, na cama que, segundo Sadie dizia, tinha sido dele.

Sadie racionava tamb��m todas as noites os rem��dios para dormir

do Dr. Clifford. Dois comprimidos de seconal e um pouco de leite

402

quente. Ao fim de uma semana, January descobriu que um pouco

de Jack Daniels misturado com o leite produzia um sono imediato.

E, em meio a tudo isso, telefonava constantemente para Tom. Ela

nunca tinha muita certeza da hora em que telefonava ou quantas

vezes. Telefonava ao acordar, tanto de manh�� quanto no meio da

noite. Sempre que se via sozinha, estendia a m��o para o telefone

e ligava para ele. Tom sempre a consolava, embora ��s vezes pare-

cesse preocupado ou sonolento. Em algumas ocasi��es, ele a acusou

gentilmente de estar alta.

Mas o que mais lhe agradava era dormir. E isso em virtude do

sonho que tinha todas as noites. E r a a vis��o indistinta de um belo

homem com olhos cor de ��gua-marinha. J�� havia sonhado com ele

muito tempo antes, logo que conhecera Tom. Tinha sido naquele

tempo um sonho desconcertante, porque o homem de algum modo

lhe lembrava Mike. Mas, depois que ela e Tom se tinham tornado

amantes, esquecera o sonho. E enquanto tomava as inje����es do Dr.

Alpert n��o sonhava nunca porque nunca mergulhava realmente num

sono profundo. Mas o sonho tinha voltado na primeira noite em

que ela tomara o seconal e o leite com Jack Daniels.

Era um sonho estranho. Ela estava nos bra��os de Mike e ele lhe

dizia que ainda estava v i v o . . . Tinha sido um erro e o avi��o que

ca��ra fora outro. Ele estava muito bem. De repente, ele ca��a dos

bra��os dela e mergulhava no mar, afundando cada vez mais. Ela

tentava segui-lo e era contida por dois bra��os fortes. Era Tom que

a cingia nos bra��os e lhe dizia que nunca mais a deixaria. Quando

ela tamb��m o abra��ava e dizia que precisava muito dele, via que

n��o se tratava de Tom. Parecia Tom e parecia Mike, mas os olhos

eram diferentes. Eram os olhos mais belos que j�� tinha visto. E

quando acordava podia ainda v��-los...

Pediu mais comprimidos para dormir ao Dr. Clifford e ele sugeriu

que ela come��asse a tentar dormir sem eles.

��� Se voc�� fosse uma vi��va ou uma mulher de mais idade, eu

lhe poderia dar comprimidos para dormir por mais algum tempo a

fim de ajud��-la a suportar a solid��o. Mas, sendo bonita e jovem

como �� e com um noivo que a adora, deve come��ar a reagir.

Passou uma noite sem dormir e ent��o, em desespero com a cabe��a

a estalar e a garganta seca, foi ao arm��rio de rem��dios de Dee ��

procura de uma aspirina e deu com o mapa da mina. Havia uma ver-

dadeira bateria de vidros de comprimidos para dormir. Era evidente

que Dee tinha um m��dico sem as mesmas reservas do Dr. Clifford-

Havia comprimidos para emagrecer (reconheceu-os porque Linda

de vez em quando os usava), dois vidros de comprimidos amarelos

para dormir, tr��s vidros de seconal, um de tuinal e v��rias caixas de

suposit��rios franceses. Tirou tudo isso do arm��rio e escondeu.

403

O sonho vinha agora todas as noites. ��s vezes, eram apenas os

olhos. Pareciam confort��-la, dar-lhe esperan��a e dizer-lhe que havia

um mundo maravilhoso �� espera d e l a . . . Mas ao acordar s�� encon-

trava a solid��o do quarto sombrio e da cama vazia. Telefonava ent��o

para Tom e falava com ele at�� que sua voz ficava pastosa e ela vol-

tava a dormir.

Foi no meio da terceira semana que os comprimidos deixaram de

dar resultado. Ela adormecia imediatamente... e acordava poucas

horas depois. Acordou uma noite e compreendeu que n��o tivera o

sonho. O sono tinha sido apenas algumas horas de v��cuo. Foi at��

ao arm��rio onde guardava os comprimidos e tomou outro seconal,

experimentando tomar com ele um comprimido amarelo. Sentiu-se

atordoada, mas n��o p��de dormir. Telefonou para Tom. Foram neces-

s��rias v��rias chamadas para que ele atendesse. A voz parecia cheia

de sono.

��� Pelo amor de Deus, January! S��o duas horas da madrugada!

��� Pelo menos, voc�� n��o pode dizer que eu interrompi o seu tra-

balho.

��� N��o, mas me acordou. Estou atrasado, meu bem. O est��dio re-

clama agora diariamente. Tenho de acabar esse trabalho.

��� T o m . . . vou acabar tudo o que tenho de fazer por aqui dentro

de poucos dias. Voltarei ent��o para a��.

Houve uma pequena pausa.

��� �� melhor voc�� esperar mais um pouco, January.

��� Esperar o qu��?

��� Esperar que eu acabe o trabalho. Se voc�� voltar para aqui ago-

ra, n��o poder�� mais ficar comigo.

��� N��o posso por qu��?

��� N��o me diga que n��o tem lido os jornais.

��� Claro que n��o.

��� Todos eles falam em voc��. Os dez milh��es de d��lares trans-

formaram-na da noite para o dia numa celebridade.

��� Voc�� est�� igualzinho a Linda. E l a . . . vive dizendo que e u . . .

que e u . . .

A l��ngua estava ficando grossa e ela n��o se lembrava mais do que

estava querendo dizer.

��� Voc�� tomou alguma coisa, January?

��� Comprimidos para dormir.

��� Quantos?

��� Dois s��.

404

��� Bem, v�� dormir. Logo que eu acabar o trabalho, conversaremos

sobre o caso-

Ela adormeceu com o fone na m��o. E, quando Sadie no dia se-

guinte a acordou ao meio-dia, n��o p��de lembrar-se da conversa que

tivera. Mas teve a impress��o de que alguma coisa n��o tinha dado

certo.

Alguns dias depois, convidou Linda para jantar. O servi��o do hotel

foi excelente. Sadie havia gelado uma garrafa do melhor vinho de

Dee. Mas faltava alguma coisa na velha amizade delas. Linda tinha

deixado crescer os cabelos at�� abaixo dos ombros. Comeu pouco e

usava uma cinta que a fazia parecer mais magra do que de costume.

��� Quero ter a pele em cima dos ossos ��� disse ela. ��� �� a minha

nova imagem. Gosta dos meus ��culos?

��� S��o ��timos. Mas eu n��o sabia que voc�� precisava de ��culos.

��� Sempre usei lentes de contato. Mas acho que assim fico me-

lhor. Estou-me encontrando agora com Benjamin Jones. ��� Parou

um pouco �� espera da rea����o de January. Como n��o viu rea����o al-

guma, continuou: ��� Ele n��o �� exatamente um Tom Colt. querida.

Mas j�� ganhou uma por����o de pr��mios liter��rios. Na verdade, ��

considerado talentoso demais para vencer. S�� o ��ltimo livro de poe-

mas dele vendeu novecentos exemplares. H�� um grupo realmente

avan��ado que o considera um g��nio. Al��m disso, ele me �� muito

conveniente neste momento.

��� Voc�� nunca quis um homem permanente. Linda?

��� N��o, n��o quero mais. Depois de ver seu retrato nos jornais, de-

pois de ver um apartamento como este, tenho a confirma����o do meu

ponto de vista. S�� h�� duas maneiras de vencer na vida: ou dinheiro

ou fama. Quando se tem qualquer dessas coisas, pode-se conseguir

qualquer homem que se queira. E, quando eu for famosa, n��o preci-

sarei de um homem permanente.

��� Por qu��?

��� Porque, quando eu chegar l��, s�� haver�� lugar para um artista

principal, que sou eu. At�� l��, pode haver os Benjamins, que t��m a

sua utilidade. Mas, quando eu vencer, n��o quero tolerar mais cha-

tice nenhuma de qualquer homem. �� assim que eu quero viver ���

sem ser ligada a homem algum, mas sendo a ��nica e verdadeira Lin-

da Riggs! �� por isso que lavo as meias de Benjamin e cozinho para

ele. Ele �� brilhante e est�� metido com uma por����o de gente de cr��-

nio. �� por isso que preciso dele agora. Depois, darei o fora nele. E

agora, como v��o as coisas entre voc�� e Tom?

��� Bem, ele est�� acabando o seu script para o cinema.

��� Vai voltar para ele?

��� N��o.

405

��� N��o me diga que tudo est�� acabado. Mas a verdade �� que voc��

n��o precisa mais dele.

��� Nada est�� acabado. E eu preciso mais do que nunca dele. Mas

com toda a publicidade de que me est��o c e r c a n d o . . . Bem, Tom

acha que eu sou conhecida d e m a i s . . . para chegar assim sem mais

nem menos e ir morar com ele.

��� Ent��o, v�� para l�� e alugue uma grande casa, uma mans��o.

Voc�� agora pode fazer isso e muito mais. Contrate um bom agente

de publicidade e fa��a-se convidar para todas as festas importantes.

D�� tamb��m algumas festas. Agora que voc�� tem dez milh��es de d��-

lares talvez ele seja mais flex��vel em mat��ria de div��rcio.

��� Div��rcio?

��� Vamos encarar os fatos de frente, January. Voc�� nasceu para

ser uma gatinha dom��stica. Precisa de um homem, mas quer que

tudo seja correto e legal. Voc�� fez uma tentativa de viver junto. Mas

�� evidente que n��o deu muito certo. Voc�� me disse que ele estava

escrevendo esse tal script para defender a percentagem dele no fil-

me e pagar o apartamento aqui em Nova York. Em outras palavras,

o que ele quer �� o dinheiro. Agora, ele n��o tem mais de se preo-

cupar com isso. Voc�� pode comprar o apartamento para ele. E, se

quiser ser a mulher mais generosa de todos os tempos, poder�� pa-

gar �� mulher dele uma quantia t��o grande que ela lhe entregar�� ma-

rido e filho numa bandeja de prata. E, se ele gosta mesmo de ser

papai, voc�� pode oferecer-se para ter um beb�� com ele. �� isso mesmo

que voc�� quer, n��o ��?

��� Sim, tenho muita vontade de me casar. E eu poderia dar um

filho a Tom. Por que n��o? Vou falar com ele sobre isso esta noite.

Linda pegou a bolsa e olhou para as fotografias em cima do piano.

��� Dee conhecia mesmo essa gente toda?

��� Conhecia.

��� N��o �� o que eu digo? Com dinheiro ou com fama, pode-se ter

o mundo na m��o.

January sorriu.

��� N��o �� o mundo que eu quero. Quero apenas sentir que h�� uma

raz��o para viver quando se acorda cada dia.

Pensou em tudo isso depois que Linda saiu. N��o tinha dormido

bem na noite anterior. Esperara o sonho, mas este n��o viera. Acorda-

ra desolada, quase como se tivesse sofrido uma rejei����o pessoal. Os

sonhos tinham sido ultimamente mais reais do que o pensamento que

tinha quando estava acordada. O belo desconhecido de olhos azuis

era terno e compassivo. Nunca podia lembrar-se de que se tivessem

falado ou t o c a d o . . . mas ele estava presente sempre que ela ador-

406

mecia. Dera naqueles ��ltimos dias para deitar-se �� tarde e tentar

dormir. Mas o Dr- Clifford tinha raz��o. Ela tinha de enfrentar a

realidade. Tom era real. Estava trabalhando no Bangal�� Cinco, ter-

minando o script do filme para poder comprar o apartamento deles.

Ela poderia encarregar-se da decora����o, fazendo assim alguma coi-

sa. Teria, pois, um motivo para viver ao acordar todos os dias!

Pegou o telefone e come��ou a discar. Lembrou-se ent��o da dife-

ren��a de hora. Eram onze horas ��� oito horas em Los Angeles. Tom

devia estar iniciando o seu trabalho noturno. Ele sempre trabalhava

das oito at�� as onze. Isso significava tr��s horas de e s p e r a . . .

Tentou ver televis��o. Mudou de um canal para outro, mas nada

foi capaz de interessar-lhe. Despiu-se e tomou um banho. Isso levou

tempo. Depois, estendeu-se na cama. Sabia que tinha adormecido

porque percebeu que estava sonhando. Mas n��o era "o seu sonho".

Era um pesadelo. Havia ��gua e luar. Viu ent��o um avi��o que ca��a,

o avi��o de Mike. Estava descendo em c��rculos, c a i n d o . . . c a i n d o . . .

at�� desaparecer na esteira prateada que o luar deixava no mar. Teve

medo, como se estivesse caindo tamb��m. Sentiu ent��o alguma for��a

levant��-la e ela foi salva. Viu ent��o os olhos azuis. Ele vinha de longe

para onde ela estava. Tentou desesperadamente ver-lhe o rosto. Es-

tava envolto em sombras, mas ela sabia que era um rosto b e l o . . .

��� Quer mesmo vir para mim? ��� perguntou ele.

E, antes que ela pudesse responder, ele desapareceu e ela acordou.

O sonho tinha sido por demais real. Correu os olhos em torno,

na esperan��a de v��-lo ao lado da cama. Fosse quem fosse, era o

homem mais belo do mundo. Entretanto, nunca lhe vira o rosto. Era

uma coisa que sentia. Mas era absurdo. Ele n��o existia. Era um ho-

mem que havia criado nos seus sonhos. Talvez estivesse perdendo

o ju��zo. N��o era assim que essas coisas aconteciam? Come��ava-se

a ter vis��es, a ouvir sons que n��o h a v i a . . . Sentiu-se apavorada. Mas

ainda podia ouvir a voz do desconhecido... e um ru��do met��lico

dentro da escurid��o.

Levou apenas um instante para compreender que o ru��do era da

campainha do telefone. Era um som muito real e ele �� que a havia

acordado. Na escurid��o, o mostrador fosforescente do rel��gio mar-

cava uma e vinte e cinco. Quem poderia estar telefonando ��quela

hora? Ningu��m... a n��o ser Tom!

Pegou o telefone e, quando ouviu a voz dele, n��o teve surpresa.

Sentiu-se tranq��ilizada. Precisava dele mais do que nunca. Precisa-

va da seguran��a de um homem real e n��o de uma fantasia.

��� Oh, Tom, foi muito bom voc�� ligar.. . Eu ia cham��-lo logo que

voc�� terminasse o seu trabalho desta noite.

Ele riu.

407

��� Que novidade �� essa? Esse s��bito acesso de considera����o?

��� N��o estou entendendo...

��� Ora, January, nestas tr��s ��ltimas semanas voc�� me tem tele-

fonado cerca de vinte vezes por dia em horas que variam de nove

da manh��, hora da Calif��rnia, ��s cinco da madrugada. Agora, re-

solveu esperar de repente.

��� Desculpe, Tom. N��o havia pensado n i s s o . . . Mas, sempre que

me sinto desorientada ou infeliz, telefono para voc��. N��o posso

mais. Tenho de v��-lo. Vou viajar para a�� amanh��.

��� N��o ser�� preciso ter tanto trabalho, January. Bastar�� voc��

atravessar a rua.

��� N��o compreendo

��� Estou no Plaza. Acabo de chegar. 1

��� Tom! ��� exclamou January, sentando-se na cama e acendendo

a luz. ��� Vou vestir alguma coisa e ir para a��.

��� N��o, meu bem! Estou cansad��ssimo. Al��m disso, tenho uma

reuni��o marcada para as nove horas da manh�� com o meu editor.

��� Quando �� ent��o que vou ver voc��? N��o posso esperar!

��� No almo��o.

��� Almo��o? Ora, Tom, quem quer saber de almo��o? Quero �� ficar

sozinha com voc��. Q u e r o . . .

��� Escute, querida, meu advogado vai-se encontrar comigo no

escrit��rio do editor. Discutiremos o contrato de meu pr��ximo livro.

Depois disso, precisarei de um pouco de descanso e de alguns drin-

ques . . . Vamos marcar no Toots Shor's, ao meio-dia e meia. Est��

bem?

��� Quero ver voc�� agora, T o m . . . N��o posso saber que voc�� est��

t��o perto de mim sem ir v��-lo. Deixe-me ir a��, sim?

Ele deu um suspiro.

��� Compreende, menina, que est�� falando com um homem de

cinq��enta e oito anos, que est�� cansado de uma viagem a jato e pre-

cisa dormir?

��� Cinq��enta e oito, n��o. Cinq��enta e sete.

��� Cinq��enta e oito. Fiz um anivers��rio durante a sua aus��ncia.

��� Voc�� devia ter-me dito, Tom. ..

Ele riu-

��� Se h�� uma coisa de que eu n��o gosto de fazer publicidade �� de

meus anivers��rios... At�� amanh��, meu bem. Meio-dia e meia. E,

pelo amor de Deus, January, n��o me leve um bolo de anivers��rio...

Ele estava de p�� junto ao bar quando ela entrou no Toots Shors.

Tom tinha j�� encontrado alguns velhos amigos e lhes estava pagan-

do drinques. Ele abriu os bra��os para ela, que se aninhou neles.

408

Tom for��ou um lugar para ela no bar repleto. F e z as apresenta����es

e disse:

��� Muito bem, amigos. Aqui �� que saio de circula����o. ��� Beijou-a

no rosto. ��� Que �� que voc�� quer? Vinho branco?

��� N��o. O que voc�� estiver bebendo.

��� Jack Daniels para ela. Carregado na soda.

��� Tom, voc�� est�� ��timo! Queimado de s o l . . .

��� Acabei finalmente o script, isto ��, o tratamento. E passei estes

��ltimos dias junto �� piscina do meu produtor tomando conhecimen-

to de que o fim tem de ser modificado.

��� N��o, Tom! Voc�� n��o pode modificar o f i m . . .

��� Se eu n��o fizer isso, eles contratar��o algu��m que far�� exata-

mente isso.

��� Quer dizer que voc�� n��o tem controle no assunto?

��� Nenhum. Uma vez que recebi dinheiro pelo livro, este passou

a pertencer a eles. E uma vez que recebi dinheiro deles para escre-

ver um roteiro, tenho de fazer um roteiro como eles querem.

��� Que aconteceria se voc�� n��o concordasse?

��� Em primeiro lugar, n��o me pagariam. Em seguida, arranjariam

um sujeito que fizesse exatamente o que eles desejam. Mas n��o fi-

que com essa cara. Tudo isso �� perfeitamente normal e eu sabia

em que era que me estava metendo quando fiz o contrato com eles.

S�� n��o sabia e r a . . . que doesse tanto.

Fez ent��o sinal para o gar��om dizendo que j�� estavam prontos

para almo��ar. January esperou at�� que estivessem sentados �� mesa

e ele tivesse pedido outro drinque. Disse ent��o:

��� Largue tudo isso, Tom. Deixe que outro fa��a o servi��o. N��o vale

o trabalho todo que voc�� est�� tendo.

��� N��o posso, January. Ao menos, assim tenho algum controle. E

h�� alguns pontos not��veis. Se tenho de fazer um compromisso, pre-

ciso de estar presente para que o compromisso funcione.

��� Mas voc�� s�� fez o tratamento cinematogr��fico do livro porque

isso pagaria o apartamento de Nova York e . . .

��� Fiz isso porque tenho participa����o nos lucros, lembra-se? E

tenho de proteger meu livro.

��� Mas voc�� disse tamb��m que isso pagaria o apartamento. Ago-

ra, voc�� n��o tem mais de se preocupar com i s s o . . . Quero dizer..

��� January, desisti do apartamento-

��� Como?

��� Ou��a, pensei muito nas coisas durante a sua aus��ncia. Traba-

lhei muito quando fiquei sozinho e cheguei �� conclus��o de que n��o

poderia mais escrever de fato se vivesse com voc��.

409

��� N��o diga isso, Tom!

O gar��on chegou com os menus. Tom olhou o dele. Ela sentiu

vontade de gritar! Como era que ele podia pensar em comida numa

hora como aquela? Como podia pensar em alguma coisa quando es-

tava em jogo a vida em comum deles?

��� Experimente os escalopes ��� disse ele a January. ��� �� uma coisa

que eles fazem muito bem aqui. Do jeito que voc�� gosta.

��� N��o quero nada.

��� Dois hamburgers ��� disse ele ao gar��om. ��� Traga tamb��m

algum molho quente. Como �� que quer o seu, January?

��� Tanto faz.

��� Mal passado tamb��m.

No momento em que o gar��om se afastou, ela se voltou para ele.

��� Que �� que voc�� est�� querendo dizer, Tom? �� claro que voc��

poder�� escrever se eu estiver morando com voc��. Talvez isso n��o

fosse poss��vel quando est��vamos no bangal��. Mas se tivermos um

grande apartamento em Nova York, eu nunca irei atrapalh��-lo. F i -

carei sempre em segundo plano sem interferir. Prometo!

��� Infelizmente, n��o �� poss��vel, menina. Voc�� me ir�� atrapalhar.

Tenho de lhe dizer uma coisa. Tive muito amor em minha vida. E

sempre pensei que poderia continuar a amar e a beber indefinida-

mente. Mas, de ano para ano, o trabalho �� mais dif��cil e o amor pa-

rece menos importante. Tenho consci��ncia do fato de que j�� che-

guei aos cinq��enta e oito anos e n��o escrevi nem a metade dos livros

que pretendia. N��o acho que me deva mais permitir o luxo do amor.

January estava procurando conter as l��grimas. Mas o esfor��o lhe

enroqueceu a voz.

��� Voc�� n��o me a m a . . . Tom?

��� Escute, J a n u a r y . . . Sou imensamente grato a voc��. O que voc��

me deu foi simplesmente maravilhoso. Nunca me esquecerei disso.

O que houve entre n��s foi magn��fico. Mas iria terminar daqui a al-

guns meses t a l v e z . . . O melhor ser�� encerrar tudo a g o r a . . .

��� Tom, voc�� disse uma vez que n��o podia viver sem mim. F o -

ram apenas palavras?

��� Voc�� sabe muito bem que fui sincero naquela ocasi��o.

��� S�� naquela ocasi��o?

O gar��om chegou para encher-lhes os copos e eles ficaram em

sil��ncio at�� que o homem se afastasse. Em seguida, Tom tomou as

m��os de January e disse:

��� Fui sincero na ocasi��o em que disse isso. N��o foi uma simples

conversa de cama. Fui sincero- Mas as coisas m u d a m . . .

410

��� Nada mudou! ��� disse ela veementemente.

��� Vamos dizer ent��o que eu mudei. Ou que mais um ano de

idade mudou tudo para mim. Meu bem, na sua idade, voc�� tem a

vida �� sua frente e disp��e do tempo �� vontade. T e m p o . . . A�� est��

uma grande coisa. E voc�� tem t e m p o . . . Tempo para amar, para so-

nhar, para aventuras l o u c a s . . . Eu fui apenas uma delas.

��� N��o!

��� Talvez eu n��o pare��a uma aventura importante quando voc��

tiver idade bastante para olhar para tr��s. Pense s�� o seguinte...

Daqui a trinta e sete anos, no ano 2008, voc�� ter�� a idade que tenho

hoje. Parece inconceb��vel, n��o �� mesmo? Mas vou-lhe dizer mais

uma coisa inconceb��vel. Em 2008, se eu ainda estiver vivo, terei no-

venta e cinco anos!

O gar��om chegou com os hamburgers. January for��ou um sorriso

enquanto ele os servia. No momento em que ele se afastou, Tom co-

me��ou a comer. January tocou-lhe no bra��o e disse com voz baixa

e urgente:

��� Tom, voc�� disse que, se tiv��ssemos um ano, dois a n o s . . . o que

pud��ssemos conseguir, valeria a pena!

��� Foi exatamente o que eu disse.

��� Est�� bem. Vamos ent��o esgotar o prazo. N��o me exclua antes

do fim.

��� Mas j�� esgotamos o prazo, January. N��o pode mais dar certo.

N��o compreende? Tenho de voltar para o bangal�� e trabalhar. Tenho

de escrever mais alguns livros. Tenho d e . . .

��� Tom ��� murmurou ela, esfor��ando-se por falar baixo, pois tinha

a impress��o de que as pessoas da mesa vizinha estavam procurando

escutar. ��� Farei tudo o que voc�� quiser, mas n��o termine agora.

N��o posso viver sem voc��. Voc�� �� tudo o que eu tenho, tudo o que

me interessa.

Ele olhou para ela com um sorriso triste.

��� Vinte e um anos, rica, bonita e cheia de s a �� d e . . . Como pode

dizer que eu sou tudo o que voc�� tem?

��� Tudo o que eu quero ��� disse ela sem poder mais conter as

l��grimas.

Ele ficou em sil��ncio por alguns momentos. Disse por fim:

��� Est�� bem. Vamos tentar. N��o vai ser f��cil. Mas vamos tentar.

Prometi-lhe uma vez que nunca a deixaria, e que ficar��amos juntos

enquanto voc�� quisesse. Vou cumprir essa promessa.

��� Oh, T o m . . .

��� Agora, coma seu hamburger. E trate de ir para casa arrumar

as inalas. Tenho de estar em Los Angeles amanh��.

411

Ela tentou comer. Enquanto o restaurante se enchia, muitas pes-

soas passavam pela mesa a fim de cumprimentar Tom, elogiar-lhe

o livro ou lhe davam parab��ns por ainda figurar no primeiro lugar

na lista de best-sellers. Alguns perguntaram sobre o filme e queriam

saber do e l e n c o . . . E, atrav��s de tudo isso, ela conseguia sorrir en-

quanto ele fazia as apresenta����es. Alguns dos homens brincavam

e perguntavam o que era que ela via num velho feio como Tom.

Mas ela sabia que essas brincadeiras decorriam de genu��na admira-

����o e amizade por ele.

Ficaram afinal a s��s na hora do caf��.

��� Muito bem. Se acha que pode enfrentar o Bangal�� Cinco, va-

mos voltar para l��.

��� Ainda est�� chovendo por l��?

��� N��o. Ao menos, n��o estava quando eu sa�� de l�� ��� disse ele

com um suspiro.

��� Voc�� n��o est�� querendo mesmo que eu v��, Tom.

��� N��o �� isso. �� o maldito roteiro.

��� Desista dele, T o m . . .

��� Talvez voc�� n��o me tivesse escutado quando eu expliquei ainda

h�� p o u c o . . .

��� Ouvi perfeitamente tudo o que voc�� disse. Lembro-me tamb��m

de que disse que tinha cinq��enta e oito anos e que queria escrever

ainda uma por����o de livros. Por que ent��o vai-se enterrar por mais

seis meses ��s voltas com esse roteiro? Comece a fazer as coisas que

realmente quer fazer.

��� Bem, h�� no caso uma pequena quest��o de setenta e cinco mil

d��lares.

��� Tom, tenho pensado tamb��m muito durante a nossa separa����o.

Escute. Tenho dez milh��es de d��lares. Darei um milh��o de d��lares

�� sua mulher se ela se divorciar de voc��. Estabelecerei um fundo de

um milh��o de d��lares para seu filho. Isso libertar�� voc�� de todas as

culpas e responsabilidades. Podemos viver juntos, casar-nos, ter um

filho nosso, quantos filhos voc�� q u i s e r . . . E voc�� poder�� continuar

a escrever.

E l e olhou curiosamente para ela.

��� �� a primeira vez que voc�� fala como milion��ria.

��� Que quer dizer com isso?

��� Est�� colocando a tudo e a todos em leil��o. Certo? Todo mun-

do tem seu pre��o. Um milh��o, dois milh��es. Pouco importa a opi-

ni��o do pobre-diabo a quem voc�� quer comprar. Desde que voc�� d��

o pre��o, ele �� seu.

412

��� N��o �� verdade, Tom! Quero que voc�� seja meu marido. Quero

que fiquemos todo o tempo juntos. Tenho bastante dinheiro para

que voc�� n��o tenha necessidade de ficar pregado a uma m��quina

de escrever fazendo o que um produtor ou um diretor lhe mandam

fazer. Quero que voc�� escreva apenas o que quiser escrever com

inteira liberdade. Mas, principalmente, quero que vivamos juntos

e nos amemos um ao outro.

Ele abanou tristemente a cabe��a.

��� Ser�� que n��o v�� que n��o pode dar certo, January? N��o h�� mais

lugar para o que um dia houve entre n��s. Voc�� apareceu quando eu

estava em confus��o. Eu precisava de voc��. Como eu precisava de

voc��! Voc�� deu a um homem �� beira da velhice a ��ltima ilus��o da vi-

rilidade. Por isso eu lhe serei sempre grato. Encontramos ambos algu-

ma coisa de especial no momento exato. Voc�� me deu calor humano

e senso de dignidade quando eu me estava prostituindo na excurs��o

de propaganda. Em troca, eu fiz as vezes de seu pai para voc��. E s -

tamos quites, portanto. Voltarei para o meu trabalho de escrever

e voc�� voltar�� para o dinheiro que seu pai conseguiu para voc��. Vol-

te para a sua vida de jovem, que est�� toda �� sua espera.

��� N��o, Tom! Voc�� n��o pode estar falando a s��rio. Voc�� est�� ��

deprimido. N��o quero qualquer outra esp��cie de vida. Quero ape-

nas viver ao seu lado e . . .

��� Mas minha vida �� escrever! N��o pode compreender isso? E s -

crever est�� em primeiro lugar e sempre estar��!

��� Muito bem. Voc�� pode escrever. Pode escrever quanto quiser.

Quero mesmo que voc�� escreva. Comprarei para n��s uma casa no

Sul da Fran��a, onde poderemos viver longe de todos. Voc�� nunca

mais precisar�� de escrever roteiros para o cinema. Nunca ter�� de

escrever coisa alguma que n��o queira escrever. Ficarei muito quieta.

Terei empregados para atender a tudo o que voc�� quiser. Se pre-

ferir escrever em Nova York, comprarei o maior apartamento que

voc�� j�� viu e . . .

��� Pare com isso, January! Voc�� est�� falando com Tom Colt e n��o

com Mike Wayne!

Ela ficou em sil��ncio por um momento. Quando falou, tinha os

olhos voltados para a mesa e a voz tensa:

��� Que foi que voc�� quis dizer com isso?

��� Exatamente o que voc�� ouviu. N��o sou seu pai. N��o vou ser

sustentado por uma mulher rica.

Ela empurrou a mesa e levantou-se. Percebeu que tinha derrama-

do o caf�� em cima da toalha, mas nem olhou para tr��s quando saiu

em passos firmes do restaurante.

413





V I N T E E N O V E


January passou tr��s dias dormindo intermitentemente. Sadie che-

gava diligentemente com comidas e tentava adul��-la para comer.

��s vezes, January a mandava sair com um gesto ou murmurava

incoerentemente que n��o se estava sentindo bem. Quando Sadie

amea��ou chamar o Dr. Clifford, January fez um esfor��o para comer

alguma coisa e explicou que estava passando mal com as regras.

Isso tranq��ilizou Sadie, que por sua vez disse a David:

��� A mo��a est�� com um mau per��odo mensal.

Tinha chegado a um ponto em que os comprimidos n��o lhe asse-

guravam mais um sono suave e vazio. No quarto dia, ficava deitada,

t��o tonta que n��o podia ler, t��o dopada que n��o podia dormir. Sabia

que na noite seguinte teria de ir �� casa dos Milfords para jantar

com David. Ningu��m podia ter um "mau per��odo mensal" por

mais de cinco dias.

Sempre que ela tomava um comprimido, �� procura da confusa

inconsci��ncia que o mesmo lhe proporcionava, dizia a si mesma que

era apenas por aquele momento, para superar a m��goa que Tom

lhe havia causado. N��o era que ela quisesse morrer. O que n��o po-

dia era enfrentar a pesada depress��o que a atingira no momento em

que compreendera onde estava e o que havia acontecido. Mike e

Tom tinham sa��do de sua v i d a . . . e agora at�� o "sonho" a aban-

donara.

Come��ou a recordar as suas ��ltimas semanas com Tom. Em que

ponto �� que havia errado? Que tinha feito? N��o podia esquecer

a sinceridade da voz e a ternura dos olhos de Tom quando dissera

que n��o poderia mais viver sem ela. Como poderia ter dito isso em

fevereiro para dizer em junho que tudo estava acabado? Mas ela ti-

nha de prosseguir. Pensou nos dias em que havia lutado tanto para

voltar a andar ��� e ali estava estendida numa cama, tentando com-

prar todos os dias um pouco de morte com comprimidos para dor-

mir. Teve a id��ia de que Deus iria castig��-la por isso. Cobriu ent��o

a cabe��a com o travesseiro porque lhe pareceu que Deus j�� a havia

punido suficientemente em vinte e um a n o s . . .

414

Tinha s a �� d e . . . e tinha dinheiro. Mas, no momento, essas coisas

para ela n��o passavam de palavras. Ouviu o telefone da casa tocar

e esperou que Sadie atendesse, mas a compainha continuou a tocar.

Tirou o fone da extens��o no momento em que Sadie atendia. Ouviu

Sadie dizer que ela n��o podia falar ao telefone. Reconheceu de re-

pente a voz e interveio:

��� Est�� certo, Sadie. Vou falar. Hugh! Onde est�� voc��?

��� Deitado numa duna de areia com a tomada ligada numa es-

trela.

Ela riu. Hugh parecia t��o vivo e era t��o bom ouvi-lo!

��� M a l u c o . . . onde est�� voc�� mesmo?

��� Aqui na portaria de seu hotel. Passei por aqui e tive a id��ia de

que voc�� gostaria de sair para comer alguma coisa.

��� N��o, que estou de c a m a . . . Mas suba.

Hugh sentou-se numa cadeira perto da cama. A vitalidade que

dele se irradiava fazia o quarto parecer confinado e opressivo.

��� Quer alguma coisa, Hugh? Posso mandar Sadie preparar-lhe

um drinque ou at�� um bife r��pido. Ela sempre tem a geladeira bem

abastecida.

��� N��o, muito obrigado. Mas por que n��o veste alguma coisa e n��o

sai comigo �� procura de um lugar onde haja hamburgers?

Ela estendeu a m��o e pegou um cigarro.

��� N��o me estou sentindo bem. N��o �� nada de grave. Apenas

aquela doen��a mensal...

��� Conversa...

��� �� s��rio, Hugh.

��� Voc�� nunca esteve de cama durante os meses em que viveu

com Tom a n��o ser para dormir ou para estar com ele. Tomei um

drinque com Tom antes que ele voltasse para a Calif��rnia. Ele me

contou o que aconteceu no Toots Shor's. Isso tinha de acabar mesmo,

January. N��o podia dar certo. Voc�� tem de compreender que, para

Tom, escrever est�� em primeiro lugar. Sempre foi assim. Pessoal-

mente, n��o creio que ele seja capaz de amar de verdade qualquer

mulher.

��� Ele me amava ��� disse January convictamente. ��� Fez at�� que

eu brigasse com meu pai.

��� Ele me contou isso tamb��m. Disse-me que fora a pior coisa

que j�� havia feito e que se arrependeu quase no mesmo instante.

Compreendeu que daquele momento em diante assumira um com-

promisso com voc��. E Tom n��o quer compromissos sen��o com a sua

obra. Diz que, no fim, foi voc�� quem rompeu e se afastou dele.

��� Eu n��o tinha outro caminho.

415

��� Sei disso, mas voc�� o deixou em liberdade. Eximiu-o de todas

as responsabilidades quando saiu daquele restaurante.

��� Mas Tom me ama, Hugh! Eu sei! Disse uma vez que nunca

poderia viver sem mim.

��� Sei que ele disse isso. E sei que foi sincero nessa ocasi��o. Eu

j�� disse a mesma coisa a algumas mulheres e com a mesma sinceri-

dade moment��nea. Os homens sempre s��o sinceros quando dizem

tais coisas, mas s�� ent��o. Seria tudo muito melhor se as mulheres

compreendessem isso e n��o quisessem transformar uma afirma����o

ef��mera num compromisso pelo resto da vida. Entenda, January.

Tom �� um escritor... e um bebedor inveterado. Voc�� quis dar-lhe

toda a sua vida. Era uma d��diva que ele n��o podia aceitar.

��� Por que me est�� dizendo tudo isso?

��� Porque sou seu amigo e sabia que n��o ia ser f��cil para voc��.

Mas nunca esperei encontr��-la quase morta num quarto t��o cheio

de flores. Acho que a ��nica coisa que falta no quadro �� uma m��sica

solene de ��rg��o.

��� Tom voltar�� para mim!

��� N��o, January! Isso est�� acabado, encerrado. Tom s�� poder��

voltar para voc�� se voc�� for implorar-lhe de joelhos e ele ent��o ce-

der��, for��ado pelo sentimento de culpa. Se voc�� o quiser de volta

nessas condi����es, v�� em frente. Mas se fizer isso, mostrar�� que n��o

�� a mulher que eu pensei que voc�� fosse. Liberte-se disso tamb��m!

Voc�� tem tudo o que uma mo��a pode querer!

��� Tenho dez milh��es de d��lares e tenho este magn��fico aparta-

mento ��� disse ela com l��grimas nos olhos. ��� Mas n��o posso ir para

a cama com dez milh��es de d��lares, nem posso estreitar nos bra��os

este apartamento.

��� Claro que n��o. Mas pode come��ar a provar que realmente

amava seu pai.

��� Como assim?

��� Pense bem, January. Essa Dee Milford Granger era uma boa

pessoa. Mas Mike Wayne, do que eu ouvi dizer dele, sempre teve

as mulheres mais deslumbrantes do mundo. Tom Colt era apenas

um amador comparado com ele. Mas, de repente, ele se casou com

essa mulher rica e agora voc�� herdou dez milh��es de d��lares. Ago-

ra, me responda: acha que ela lhe deixou esse dinheiro porque gos-

tava de seus belos olhos castanhos?

��� N �� o . . . Na verdade, ainda n��o sei por que ela me deixou esse

dinheiro.

��� Santo Deus! Voc�� est�� a�� t��o empenhada em ter pena de si

mesma que nem se d�� ao trabalho de refletir um pouco. Ou��a, doce

criatura. Seu pai ganhou esses dez milh��es para voc��. Talvez s�� ti-

416

vesse trabalhado um ano para isso, mas posso assegurar-lhe que foi

o dinheiro mais dif��cil que ele ganhou na vida. Agora, pare de cho-

rar que isso n��o o trar�� de volta. Levante-se dessa cama, saia e trate

de gozar a vida. Se n��o fizer isso, far�� com que Mike Wayne tenha

passado �� toa o ��ltimo ano de sua vida. E ele deve estar sofrendo

mais do que voc�� ao ver a filha chorar dessa maneira por um ho-

mem que n��o a quer.

Ela estendeu as m��os para ele.

��� �� muito tarde hoje, H u g h . . . E eu tomei dois comprimidos

para dormir. Mas quer sair comigo amanh�� para jantar?

��� N��o.

Ela o olhou surpresa e Hugh disse:

��� S�� a procurei esta noite para dizer-lhe o que pensava. Mas j��

disse tudo o que tinha para dizer.

��� Isso n��o quer dizer que n��o possamos ser a m i g o s . . .

��� Amigos, sim. Sou seu amigo. Mas n��o quero ser transformado

num substituto de seu pai e de Tom.

��� Por qu�� ��� perguntou ela, sorrindo. ��� Acho voc�� um homem

muito interessante.

��� Estou ainda em muito boas condi����es. E conheci uma vi��va

de quarenta e um anos, que �� bem bonita, prepara meu jantar tr��s

vezes por semana e vai de vez em quando comigo ao teatro ou ao

cinema em Nova York. Feitas as contas, considero-me um homem

muito feliz.

��� Por que me est�� dizendo tudo isso?

��� Porque sei que voc�� ainda est�� perdida no meio do mar e ��

capaz de agarrar-se �� primeira t��bua de salva����o que a p a r e c e r . . .

e isso n��o �� bom para voc��. Se voc�� tentasse ser mais que uma sim-

ples amiga para mim, eu poderia enfraquecer e isso seria uma nova

morte para seu pai. Afinal de contas, ele n��o se sujeitou a tudo por

que passou para ver voc�� amarrada a um velho ex-astronauta.

��� Acho que ele queria que eu acabasse com David.

��� Quem �� David?

��� O homem que me mandou essas rosas.

��� Voc�� gosta dele?

��� N��o s e i . . . Nunca realmente procurei gostar, a n��o ser no

princ��pio. Mas, depois, conheci T o m . . .

��� Procure gostar agora. De David, de Peter ou de J o e . . . Saia,

encontre-se com todos e l e s . . . O mundo est�� �� sua disposi����o! Seu

pai tomou todas as provid��ncias nesse sentido. Goze sua vida para

que ele possa dormir em paz.

417

Come��ou a sair todas as noites com David. A m��e dele tinha in-

sistido em dizer que nem o pai dela nem Dee gostariam de que ela

tivesse um per��odo de luto muito prolongado. Diante disso, ela se

obrigou a tolerar a m��sica estrondosa de Le Club, a sorrir acima

do barulho no Maxwell's Plum e no Unicorn. Foi ao Gino's nas noites

de domingo e ficou conhecendo muita gente ��� mo��as que a con-

vidavam para almo��ar e rapazes que a apertavam demais quando

dan��avam com ela. Durante todo o tempo, sorria, conversava, acei-

tava convites. E durante todo o tempo sabia que estava esperando

apenas que a noite acabasse para que ela pudesse ir para casa e to-

mar dois comprimidos vermelhos para dormir.

Um dia se dissolvia no outro. Algumas das belas mulheres a

quem ficara conhecendo telefonavam, convidavam-na para almo��ar

e ela se for��ava a aceitar. Freq��entava o " 2 1 " , o Orsini, La Gre-

nouille, escutava as conversas sobre novos casos amorosos e era fre-

guesa das boutiques e das est��ncias de recreio mais elegantes. Rece-

beu convites para fins de samana em Southampton e para um cru-

zeiro pelas ilhas gregas (tr��s casais iam fretar um barco e David

afirmou que poderia tirar quatro semanas de f��rias se ela quisesse

i r ) . E havia sempre Marbella. A casa de Dee continuava com toda

a sua criadagem e estava �� disposi����o dela.

Sim, havia um mundo resplandecente e todo um ver��o cheio de

luz �� espera dela.

Era em meados de junho e ela sabia que tinha de fazer algum

plano. Todos lhe diziam que ela n��o poderia permanecer na cidade

calorenta. Ningu��m que fosse civilizado poderia ficar na cidade.

Ela escutava, concordava e sabia que David estava esperando, pa-

ciente e bom, deixando os seus planos de lado e �� espera de que

ela tomasse uma decis��o, qualquer decis��o, embora nunca se quei-

xasse. Telefonava para ela todos os dias e sa��a com ela todas as

noites.

Havia outros que telefonavam todos os dias. Um pr��ncipe, um

artista de cinema muito bonito, um jovem italiano cuja fam��lia se

destacava na sociedade e um corretor que trabalhava numa firma

rival da de David.

Telefonavam e mandavam flores. Ela escrevia agradecendo as

flores, mas sentia a mesma letargia em rela����o a todos eles. Leu nos

jornais que Tom terminara o roteiro do filme e tinha ido passar

dez dias em Big Sur. Teria levado a esposa ou haveria outra mulher?

At�� Linda estava saindo da cidade- Tinha alugado uma casa em

Quogue por todo o m��s de julho. Ela e Benjamin passariam longos

fins de samanas juntos. Benjamin passaria o m��s i n t e i r o . . . escre-

vendo.

Todos estavam indo para algum lugar. Leu nos jornais que Karla

comprara uma casa numa ilha grega chamada Patmos. Sim, todos

418

haviam sobrevivido e o mundo continuava sem Mike, sem Dee e

todo o seu dinheiro. O mesmo sol estava brilhando. E todas as pes-

soas nas molduras de prata sobre o piano de Dee continuavam a

sorrir, a viver, a s e n t i r . . .

Ela queria sentir alguma coisa. Queria acordar de manh�� e ficar

ansiosa pelo que lhe trouxesse aquele dia. ��s vezes, quando abria

os olhos, naqueles primeiros momentos antes de recobrar plena

consci��ncia, sentia-se muito bem. Mas, depois, tudo lhe voltava

atropeladamente e ela sentia todo o peso da depress��o. Mike se

f o r a . . . Tom se f o r a . . . at�� o sonho se f o r a . . . O homem dos belos

olhos tinha desaparecido juntamente com o pai e com T o m . . .

Hugh telefonou v��rias vezes, procurando anim��-la. Dizia-lhe que

o dia estava lindo e que ela devia sair e procurar ser feliz. Mas uma

coisa era t e n t a r . . . e outra conseguir.

O arm��rio estava cheio de roupas para Marbella e St. Tropez.

Tinha feito compras todos os dias com suas novas amigas, acompa-

nhando o gosto delas. Usava uma figa ao pesco��o, sapatos de Gucci,

brincos de ouro de Cartier, uma bolsa de levar ao ombro de Louis

Vuitton. Sabia que estava come��ando a parecer-se e a vestir-se como

Vera, Patty e Debbie, porque um dia Vera lhe mostrou a fotogra-

fia delas em Women's Wear e ela tivera de procurar seu nome para

distinguir-se das outras-

Espregui��ou-se na cama. Tinha dito a Sadie que ia descansar du-

rante meia hora. Mas n��o tinha conseguido dormir. N��o sabia onde

David ia querer jantar. N��o tinha usado ainda nenhum de seus

vestidos novos e talvez tivesse de vestir alguma coisa especial na-

quela noite.

Ouviu o telefone tocar. Tirou o fone no momento em que David

dizia a Sadie que n��o era preciso cham��-la se ela estava descan-

sando.

��� Diga a ela que, infelizmente, n��o poderei sair esta noite. H��

um problema aqui no escrit��rio que tem de ser resolvido. Diga que

telefonarei amanh��.

Foi at�� ao banheiro. Eram cinco horas. Poderia muito bem tomar

um banho e tentar comer alguma coisa. Abriu a torneira da banhei-

ra e jogou na ��gua um pouco de p�� de bolhas. Teria David real-

mente um problema ou estava apenas fugindo de outra noite mo-

n��tona com ela?

Era isso m e s m o . . . Outra noite mon��tona com e l a . . . At�� ent��o,

tinha sido apenas outra noite mon��tona com David, mas de repente

parecia haver penetrado nos processos mentais d e l e . . .

Sem d��vida alguma, ela era mon��tona e chata. Limitava-se a ten-

tar passar a noite com os outros sem bocejar. Porque havia ele de

419

querer sair todas as noites com ela? Por falar nisso, Patty j�� n��o

lhe telefonava desde dois dias e Vera lhe dissera naquele mesmo

dia que n��o tinha mais tempo para almo��ar com ela, pois era for-

��ada a tomar v��rias provid��ncias de ��ltima hora para a sua viagem.

Era uma chata, uma chata de bom tamanho.. . Dentro em breve,

todos a deixariam sozinha.

Foi at�� ao quarto e olhou para o parque- O mundo inteiro se es-

tendia l�� embaixo. Era um mundo que Mike lhe entregara numa

bandeja e ela n��o tinha ��nimo nem de estender a m��o. Que tinha

havido com toda aquela prodigiosa energia que tivera na revista,

com Linda e com Tom?

Claro! Por que n��o pensara nisso antes? Em lugar de tomar com-

primidos para dormir, precisava de uma inje����o. Tom tinha dito

que as inje����es de vitaminas n��o eram boas para ela. Mas n��o po-

diam ser piores do que aqueles comprimidos para dormir e aquele

sentimento de in��rcia que lhe davam. Olhou para o rel��gio. Eram

cinco meia e o Dr. Alpert ainda devia estar no consult��rio. Esgo-

tou a ��gua da banheira e apanhou umas cal��as compridas que Sadie

j�� tentara jogar fora. Vestiu-as juntamente com uma camisa de meia,

pegou um par de ��culos escuros e uma bolsa e saiu.

N��o tinha querido telefonar para o Dr. Alpert e arriscar-se a ouvir

que telefonasse no dia seguinte. Tinham de atend��-la naquela hora.

A princ��pio, ela pensou que se tivesse enganado com a sala. O

consult��rio parecia a conven����o de um clube de motociclistas. Ra-

pazes e mo��as enchiam a sala de espera, vestidos com cal��as azuis

e camisas de meias sem mangas. A sala estava impregnada do cheiro

da maconha. A recepcionista olhou espantada para January. Depois,

acendeu no rosto um sorriso derramado e estendeu a m��o-

��� Parab��ns! Quer d i z e r . . . p��sames por seu pai e parab��ns pela

fortuna. Tenho lido muita coisa a seu respeito.

��� A meu respeito?

��� �� claro. Os jornais d��o not��cia todos os dias. Vai para onde?

Marbella ou St. Tropez? Soube que est�� quase noiva de David

Milford.

January nada disse. Sabia que os jornais falavam muito nela. Mas

por qu��? O simples fato de ter ela dez milh��es de d��lares n��o podia

fazer o mundo ficar de repente interessad'0 nos lugares onde ela

almo��ava ou onde pretendia passar as f��rias.

Olhou para a sala de espera cheia e murmurou:

��� N��o marquei h o r a . . .

��� Creio que poderemos dar um jeito ��� disse a recepcionista. ���

H�� sempre muito movimento a esta hora. Temos agora como clien-

tes todos os artistas de um grande espet��culo da Broadway. V��m

sempre a esta hora. Mas abriremos uma exce����o neste caso. O Dr.

420

Preston j�� voltou da Calif��rnia. Agora, temos nossos dois m��dicos

aqui.

��� Que foi que houve com todos os grandes clientes dele por l��?

��� Bem, ele n��o tinha consult��rio l��. S�� foi porque Freddie Dillson

n��o podia cantar se o Dr- Preston n��o estivesse por perto.

��� Mas, na semana passada, vi Freddie na televis��o quando era

levado numa ambul��ncia.

��� �� verdade. Ele teve infelizmente um colapso nervoso quando

fazia um programa. E o Dr. Preston passou quase sete semanas por

l�� lutando para bot��-lo em forma. Mas n��o houve j e i t o . . . Freddie

perdeu a voz.

��� Ele era maravilhoso! ��� exclamou January. ��� Quando eu estava

na Su����a, tocava todos os discos dele.

��� Devia t��-lo visto quando ele apareceu aqui h�� dois anos. A mu-

lher havia rompido com ele, que �� um grande jogador e o homem

estava arruinado. O Dr. Preston tomou conta dele e, quando ele es-

treou no Waldorf, teve um sucesso espetacular. Foi ent��o para Las

Vegas e caiu de novo aos peda��os. O Dr. Preston foi at�� l�� para ten-

tar p��-lo em forma para a estr��ia em Los Angeles.. . e conseguiu.

Mas n��o podia ficar com ele para sempre. Afinal de contas, o Dr.

Preston n��o �� uma enfermeira.

��� Mas ele n��o precisava das inje����es?

��� Minha cara, o Dr- Preston ensinou dois dos nossos maiores se-

nadores a aplicarem em si mesmos as inje����es de vitaminas. Mas

Freddie n��o conseguiu aprender. Parece que �� diab��tico e teve re-

ceio da agulha. �� essencial n��o ter medo da agulha.

��� Se for poss��vel, prefiro o Dr. Simon ��� disse January.

��� Bem, ele est�� atendendo os artistas. Mas vamos ver o que se

pode fazer. Venha comigo e eu a colocarei numa sala reservada ��s

pessoas importantes.

Seguiu a recepcionista por um corredor no momento em que um

homem sa��a de um cub��culo descendo a manga da camisa. Parou

ao v��-la. Por um momento, ambos se olharam e ent��o o homem

abriu-lhe os bra��os.

��� Al��, herdeira! Que �� que est�� fazendo aqui?

��� Keith!

Estava mais magro e com os cabelos mais compridos. January

teve muita satisfa����o em v��-lo.

��� Eu �� que lhe pergunto, Keith. Que �� que est�� fazendo aqui?

��� Venho aqui todas as noites. Estou trabalhando em Caterpillar.

Com certeza, j�� viu a pe��a.

��� N �� o . . . Estive fora.

421

��� Li as not��cias a seu respeito. Voc�� venceu! Para que ainda pre-

cisa de inje����es?

��� Anemia, eu acho.

��� Muito bem, quando quiser ver a p e �� a . . . Espere a��! Mas sa-

cudiu a cabe��a. ��� N �� o . . .

��� N��o o qu��?

��� Vai haver uma grande festa hoje em casa de Christina Spencer.

Ela daria pulos de alegria se voc�� aparecesse por l �� . . . Mas voc��

deve estar com o tempo todo tomado.

��� N �� o . . . Estou livre.

��� A noite toda?

��� Logo que tomar a minha inje����o.

��� Quer ir ver a pe��a?

��� Gostaria.

��� ��timo! Vou esper��-la. Voc�� ficar�� numa fila de frente. S�� que

desta vez n��o poderei ficar com voc��.

��� E desta vez n��o vou correr.

��� �� bom saber que h�� alguma nudez.. .

��� Cresci muito depois daquela noite, Keith.

��� Est�� bem. V�� tomar sua inje����o que eu a esperarei l�� fora.

422





T R I N T A


Ficou sentada na plat��ia fascinada pela fren��tica atividade do

espet��culo. Keith tinha uma "can����o", que n��o era cantada, mas

declamada. Surpreendeu-se de ver que ele n��o era muito bom no

palco. N��o sabia por que, mas tinha esperado que ele fosse mais

interessante. Fosse por que fosse, n��o conseguia transmitir a sua

vitalidade pessoal.

Havia uma cena de nudez total e Keith participava dela com o

resto do elenco. Percebeu de repente que todos os p��nis mostrados

no palco eram do mesmo tamanho. Como o de David. Devia ser o

padr��o. Parecia que quase todos os homens eram assim. Menos

Tom. Pobre Tom! Sim, os sentimentos dela sobre ele eram de pena.

Seria efeito da inje����o? Ou estava come��ando a ver as coisas na sua

verdadeira perspectiva? Come��ou a rir baixinho. Com aquela por-

����o de p��nis a flutuar no palco, ela se punha a filosofar sobre a vida.

Pensou em Mike. Sabia que estava m o r t o . . . mas pela primeira

vez podia aceitar o fato. Podia de repente pensar em Mike sem sen-

tir que havia tamb��m alguma coisa morta dentro dela. Mike tinha

vivido plenamente. Como ele diria, tinha tido estilo em tudo. Goza-

ra todos os minutos da vida que a m a v a . . . salvo talvez naquele

��ltimo ano. Mas, como dissera Hugh, tinha vivido aquele ��ltimo

ano para ela, a fim de que ela pudesse ter muitos anos felizes.

Gra��as a Deus, havia Hugh. E gra��as a Deus havia o Dr. Alpert.

Talvez as inje����es fizessem mal. Tom tinha dito que faziam. Mas

n��o podiam ser piores do que a imensa quantidade de Jack Daniels

que ele tomava. Tinha cinq��enta e oito anos, mas, apesar de tanto

bourbon, ainda podia escrever e ser um astro, como dizia Linda. E,

com aquele p��nis t��o pequeno, ainda se podia dar ao luxo de deix��-

la sair da vida dele. De repente, pensou que aquilo tudo era muito

divertido. Por que se sentira t��o desolada com o fato de que tudo

tivesse acabado? Sentia-se viva e ansiosa ali na plat��ia. Marcava o

compasso da m��sica estalando os dedos. Podia pensar com muita

clareza. Estava sentada na terceira fila, assistia a Caterpillar e se

423

divertia muito. N��o estava estendida na cama no apartamento do

Pierre a tomar comprimidos. Havia um mundo diferente ali, um

mundo em que as mulheres pulavam no palco de seios nus num

desenfreado n��mero de rock e tudo aquilo lhe parecia maravilhoso.

Decidiram ir para a festa a p�� depois do espet��culo. A casa de

Christina ficava nas Ruas 60 Leste e a noite estava quente e clara.

January ia pelo bra��o de Keith. Tinha vontade de pular, de c o r r e r . . .

��� Oh, Keith, n��o �� mesmo uma del��cia a gente sentir-se bem,

como eu estou agora?

��� Decerto. O Dr. Alpert deve ter-lhe dado a dose m��xima. Esta-

va t��o alto esta noite que deve ter pensado que voc�� era tamb��m

uma artista da pe��a.

Ela riu.

��� Foi por isso que ele nem falou comigo? Fiquei at�� um tanto

aborrecida de que ele n��o me tivesse dito "O bom filho �� casa tor-

n a " ou "Prazer em v��-la de novo".

��� Est��-se sentindo muito bem, n��o ��? ��� perguntou Keith, sorrindo.

��� Tenho a impress��o de que estou ouvindo as ��rvores crescerem

e sentindo o cheiro do ver��o que se aproxima... Posso ver as folhas

crescerem! Olhe para aquela ��rvore, Keith, e me diga se n��o est��

vendo tamb��m!

��� Claro! E �� importante ver e sentir todas essas coisas. S�� haver��

esta quinta-feira de junho desta vez. Amanh��, j�� ser�� sexta-feira e

esta quinta-feira nunca mais voltar��!

��� Por que voc�� deixou Linda? ��� perguntou ela de repente.

��� Linda queria demais de mim.

Ela assentiu. Ningu��m podia querer demais de uma pessoa. Por

isso �� que Tom a afastara da vida dele. Parou e olhou para o c��u.

Naquele momento, sentia que alguma coisa era iminente, como se

ela pudesse olhar para o futuro e compreender t u d o . . . Perguntou

ent��o:

��� Essas inje����es podem viciar, Keith?

��� N��o, mas por melhor que a pessoa se tenha sentido, passa por

maus momentos quando passa o efeito. O mergulho �� bem profun-

d o . . . e todas as cores desaparecem. Compreende-se ent��o que h��

poeira no sol, fei��ra nas folhas e sujeira na rua. Ora, se voc�� quer

viver num mundo sujo e cansado, pode deixar de tomar as inje����es-

Mas todo mundo tem o direito de viver como q u i s e r . . . Cada qual

escolhe o seu jeito. O meu �� esse. Quero ver tudo verde e l a r a n j a . . .

Muito bem. Pode ser que um dia eu n��o queira mais ver o mundo

em tecnocolor e, nesse dia, vou parar. Mas por que tenho de parar

agora?

424

Estavam diante de uma casa de pedra numa rua cheia de ��rvores.

Havia muitos carros parados em frente. Keith entrou com January.

Ela viu no vest��bulo um conhecido cantor de rock. Chegaram ��

sala-de-estar. Estava repleta de caras conhecidas. Artistas pop, estre-

las de cinema clandestino, cantores de discos, v��rias atrizes jovens

do cinema. Viam-se blue jeans, roupas de veludo, blusas transparen-

tes, palet��s listrados e algumas roupas de ��ndio.

E ali estava Christina Spencer. Encaminhou-se para eles, com o

rosto t��o fotografado ainda mais simp��tico pessoalmente. O corpo

era ainda mais fant��stico do que as fotografias mostravam. Devia

ter quase sessenta anos. O rosto estava bem esticado das suas in��-

meras pl��sticas. Usava um vestido de seda estampada que lhe dei-

xava a descoberto grande parte da barriga. Os seios cheios se derra-

mavam do decote muito baixo Tinha o corpo de uma mocinha de

vinte anos.

Recebeu January com muita cordialidade.

��� Conheci muito seu pai, minha cara. Passamos uma vez algumas

noites maravilhosas em Acapulco. Foi pouco antes de eu conhecer

meu querido Geoffrey.

Keith se afastou com January.

��� Na minha opini��o, foi ela quem matou Geoffrey. Foi casada tr��s

vezes e cada marido que morreu deixou mais dinheiro para ela. E

tem uma sorte louca! Resolveu financiar Caterpillar e a pe��a vem

tendo um estrondoso sucesso!

��� Pensei que voc�� fosse amante dela ��� disse January.

��� Bem, dormi algumas vezes com ela. Mas ela n��o �� exclusivista.

Precisa todas as semanas de um novo amante jovem para provar a

si mesma que o m��dico do Brasil que lhe esticou tudo fez um bom

servi��o. Mas ela n��o �� m�� p e s s o a . . . Deixa todo mundo �� vontade.

Talvez eu seja o n��mero um, mas hoje acho que vou dormir com

v o c �� . . . e sei que ela n��o vai ficar aborrecida...

Uma mo��a se aproximou de Keith.

��� R a p a z . . . a sangria est�� a perder de vista l�� em cima no ga-

binete.

Keith levou January para uma sala ��s escuras no andar de cima.

Todos estavam sentados em almofadas. Depois de puxar January

para o ch��o, Keith tirou do bolso um cigarro fino. Acendeu-o e pas-

sou-o ��s m��os dela. Ela inalou profundamente e deixou sair a fu-

ma��a num fio delgado.

��� N��o, minha filha! Voc�� est�� fumando isso como se fosse um

Chesterfield.

��� Eu traguei ��� disse ela.

425

��� Mas quando se fuma maconha, n��o se deixa a fuma��a sair. ��

preciso aspirar tamb��m um pouco de ar.

Segurou o cigarro entre os dedos e fez uma demonstra����o da t��c-

nica. Ela tentou, mas n��o p��de reter a fuma��a. Em dado momento,

ele disse:

��� Fique parada. Vou-se dar um disparo. ��� Curvou-se sobre ela

como para beij��-la, mas soprou-lhe a fuma��a na boca, ao mesmo

tempo que lhe prendia o nariz. ��� Agora, engula.

Ela se engasgou um pouco, mas reteve quase toda a fuma��a. Keith

fez isso duas vezes e ela come��ou a sentir-se tonta e leve. Depois,

ele acendeu outro cigarro e dessa vez ela acertou a tragar. Uma bela

mo��a apareceu com um jarro de sangria.

��� Aqui est��o alguns copos de papel. Querem? Est�� not��vel hoje.

Keith recebeu os copos e disse:

��� Essa �� Arlene, January.

��� Beba o v i n h o . . . e sua cabe��a explodir��... Anita est�� esten-

dida l�� na outra sala.

January provou o vinho.

��� Est�� ��timo ��� disse ela.

��� Beba devagar ��� disse Keith. ��� A mistura est�� forte.

��� Como? ��� exclamou ela, largando o copo.

��� Calma. H�� bastante ��cido lis��rgico apenas para fazer uma boa

viagem. Confie em mim. Todos n��s temos de trabalhar no teatro

amanh��. Eu estou b e b e n d o . . . Beba bem devagar...

January olhou em torno. O cheiro adocicado da maconha se es-

tendia por toda a parte. Havia m��sica de alto-falantes em todas as

salas. Todo mundo estava bebendo a sangria. Ela encolheu os

o m b r o s . . . Por que n��o? Todos os que estavam ali j�� tinham feito

aquilo e pareciam ansiosos por fazer de novo. A sensa����o n��o podia

deixar de ser not��vel. Al��m disso, como Keith tinha dito, s�� haveria

aquela quinta-feira de junho, uma s�� vez em sua vida!

Acabou o vinho e entregou o corpo vazio a Keith. Recostou-se no

ombro dele. N��o sentia grande r e a �� �� o . . . mas estava totalmente

descontra��da. Tinha ficado tensa depois da inje����o, tensa e superati-

va. Naquele momento, tudo parecia ca'mo e tranq��ilo. Achou gra��a

na palavra... tranq��ilo... Mas o mundo inteiro parecia tranq��i-

lo. Sentia-se aquecida e viu o sol. Depois, um arco-��ris de uma in-

finidade de cores se acendeu e pairou por sobre as ��guas. Viu as

ondas e o m a r . . . e este lhe pareceu macio e azul. Soube ent��o com

estranha clareza que Mike n��o tinha sentido medo quando o avi��o

ca��ra. Tinha quase exultado com o mergulho naquele mar macio

e azul. Iria descansar como ela estava descansando com a cabe��a

426

no ombro de Keith. E Mike n��o tinha morrido... nada m o r r i a . . .

A vida existia para sempre e todas as pessoas eram b o a s . . . Os l��-

bios de Keith eram quentes. Keith a estava b e i j a n d o . . . Tinha-lhe

desabotoado a camisa e ela estava sem soutien... mas isso n��o ti-

nha import��ncia. Tudo parecia em ritmo l e n t o . . . Talvez n��o fosse

direito que ela beijasse K e i t h . . . porque Linda o tinha a m a d o . . .

tinha... tinha... tudo fora havia muito tempo e nada era para

sempre.

Reclinou-se nas almofadas. Os l��bios de Keith estavam em seus

seios. Viu uma mo��a completamente nua que dan��ava sozinha. Um

rapaz nu estava dan��ando com outro rapaz tamb��m nu. Arlene flu-

tuou atrav��s da sala e ligou um comutador... luzes psicod��licas

dan��aram nas paredes. January rolou o corpo e descansou a cabe��a

no colo de Keith. Ele olhava para o espa��o e lhe acariciava os seios.

January ergueu os olhos para Keith, mas sabia que ele n��o a estava

v e n d o . . . escutava algum som muito pessoal. Teve a impress��o de

que via os cabelos dele enegrecerem. Tudo estava t��o silencioso que,

apesar da m��sica, ela podia ouvir as batidas do pr��prio cora����o,

e sentiu de repente que podia ver o passado e o futuro. O futuro

sem Mike. Era como se Deus estivesse abrindo os c��us por um mo-

mento. Viu-o e n t �� o . . . viu os olhos azuis. Tinha voltado. Ela es-

tendeu os bra��os. Ele tinha estado tanto tempo ausente e agora ti-

nha voltado sem que ela estivesse dormindo. Os olhos eram t��o

a z u i s . . . talvez fosse Deus. Deus teria olhos azuis?

Ouviu v o z e s . . . que pareciam muito remotas. Uma das vozes era

de um homem jovem que estava de p�� perto de Keith. Norton...

s i m . . . tinha feito um grande n��mero na pe��a. Norton sorria para

e l a . . . mas ela olhava al��m d e l e . . . para o lugar onde Deus havia

desaparecido... Os olhos de Norton eram castanhos, de um casta-

nho dourado...

��� Rapaz, os seios dela s��o pequenos mas lindos e de bicos cor-

de-rosa... Adoro bicos cor-de-rosa... D�� licen��a?

E ent��o Norton come��ou a acariciar um seio enquanto Keith se

ajoelhava e acariciava o outro. Cada um deles beijou o seio de seu

lado e isso era gentil e doce. Ela pousou as m��os em ambas as ca-

be��as. Todos amavam t o d o s . . . tudo era t��o p a c �� f i c o . . . Christina

se aproximou. Tinha tirado a parte de cima do vestido e seus seios

estavam pendentes. Por qu��? Tinham parecido t��o belos e redondos

quando surgiam do decote do vestido... Christina pegou Norton

pelo bra��o.

��� Norton, venha com Arlene e comigo.

Ela fez Norton levantar-se. Outro homem se aproximou e sorriu

para Keith.

427

��� Eh, rapaz. Ela est�� a perder de v i s t a . . . Ajoelhou-se e olhou

para os olhos de January. ��� Sou R i c k y . . .

Ela sorriu e tocou nas pernas dele.

��� Voc�� fez a d a n �� a . . .

Ricky estava sem roupas e tinha usado muito pouca roupa no es-

pet��culo . . . Come��ou a mover o corpo despido fazendo a dan��a que

tinha feito no t e a t r o . . . Estendeu as m �� o s . . . querendo que ela dan-

��asse com e l e . . . Ela se levantou lentamente. Sentia que podia fazer

qualquer c o i s a . . . at�� voar atrav��s da sala, flutuando acima da ca-

be��a de todos.

��� Voc�� n��o pode dan��ar vestida ��� disse o homem.

Ela sorriu ao deixar cair as blue jeans no ch��o. Em seguida, dei-

xou cair as cal��as. Ele escorregou as m��os pelo corpo dela e January

sorriu. Sentia-se livre e se movia sensualmente, no mesmo ritmo

dos movimentos de Ricky e seguindo todos os seus giros. Estavam

a meio metro de dist��ncia com os olhos fitos um no outro. Ele che-

gou mais perto. Todos come��aram a bater palmas num ritmo dis-

tante que acompanhava os movimentos dos dois. January levantou

as m��os acima da cabe��a e come��ou a bater palmas tamb��m. Ricky

estalava os dedos no mesmo ritmo. Keith se aproximou dela por de-

tr��s e levantou-a. Ela se sentia mais leve do que o ar. Algu��m lhe

estava abrindo as p e r n a s . . . Todos batiam palmas lentamente e em

ritmo. Ela batia p a l m a s . . . Viu o p��nis jovem e forte aproximar-se

d e l a . . . P a l m a s . . . p a l m a s . . . p a l m a s . . . O p��nis de R i c k y . . . Pal-

mas . . . p a l m a s . . . p a l m a s . . . Era um compasso mon��tono... O

p��nis movia-se n e l a . . . Todos cantavam... Palmas.. . p a l m a s . . .

Keith movia o corpo dela para a frente e para t r �� s . . . Havia um

grupo que segurava o corpo de R i c k y . . . Palmas.. . p a l m a s . . . N��o

havia mal algum n i s s o . . . O jovem p��nis e n t r o u . . . Para dentro e para

f o r a . . . P a l m a s . . . p a l m a s . . . Todo mundo era amigo. P a l m a s . . . pal-

mas . . . Christina lhe beijou os s e i o s . . . um gesto gentil e a m i g o . . .

pobre Christina com os seios longos e pendentes... Em outros pon-

tos da sala viu outras mo��as tirarem as r o u p a s . . . tudo num lento

movimento r �� t m i c o . . . Outro rapaz apareceu e lhe beijou os s e i o s . . .

Todos amavam t o d o s . . . Tudo era gentil e b o m . . . P a l m a s . . . pal-

m a s . . . p a l m a s . . . Eram palmas rituais... P a l m a s . . . contatos...

b e i j o s . . . Todo mundo a estava a m a n d o . . . Era maravilhoso! Flu-

tuava no a r . . . Nunca sentira nada que se comparasse �� q u i l o . . .

O p��nis de R i c k y . . . algu��m com os l��bios nela e no p��nis de Ricky

ao mesmo tempo.. . Christina em seus s e i o s . . . Sentiu o orgasmo

aproximar-se... Viu Keith chegar-lhe alguma coisa ao n a r i z . . .

"Cheire com for��a, January!" Aspirou profundamente... Teve a

impress��o de que a cabe��a ia desprender-se.. . e de que o orgasmo

iria durar para sempre. Queria continuar... continuar.. . "Oh,

Mike, eu te amo!" gritou ela. E perdeu os sentidos.

428

Quando abriu os olhos, estava deitada num tapete peludo, abra��a-

da a Keith. A blusa e as jeans dela estavam perto, no ch��o. Sentou-

se. Tinha a cabe��a desanuviada e pensou no seu estranho sonho.

Olhou ent��o para o seu corpo. Estava nua! Ricky estava estendido

a um canto, tamb��m nu e adormecido. January se levantou e vestiu

as jeans. N��o tinha sido um sonho. Ela participara de alguma coisa

alucinante, ritual. Pegou a blusa e caminhou entre as pessoas que

dormiam. Tinha de encontrar os seus sapatos. Um rel��gio bateu ho-

ras no corredor... Encaminhou-se para l��. Duas mo��as nuas se cin-

giam num abra��o. Pararam quando a viram e sorriram. Ela sorriu

tamb��m e elas correram para ela e cada uma a beijou de leve no

rosto. Ficou encantada com esse gesto de amizade e de a m o r . . .

Sentiu um assomo de luz diante dos olhos.. . viu cores deslumbran-

tes. . . e foi invadida por um calor t o t a l . . . mas sabia que tinha de

ir para casa. Havia sand��lias por todos os c a n t o s . . . Tinha de achar

um par que lhe servisse... Encontrou sua bolsa e passou a al��a pelo

ombro.

Keith se aproximou dela.

��� Para onde vai?

Ela sorriu, vestindo a camisa.

��� Para casa.

Ele lhe entregou um cubo de a����car.

��� Coma que �� ��timo!

Depois, deixou cair um envelope na bolsa que ela levava ao

ombro.

Ela levou �� boca o cubo de a����car.

��� Que foi que voc�� botou dentro de minha bolsa?

��� Um presente ��� disse Keith e come��ou a desabotoar-lhe a blusa.

Ela sentiu que estava flutuando de novo, ao mesmo tempo que ha-

via um zumbido dentro de sua cabe��a. Mas se afastou com um

sorriso.

��� N �� o . . . Voc�� pertence a Linda.

Quando se encaminhava para o vest��bulo, as duas mo��as que es-

tavam ainda abra��adas levantaram a vista. Em seguida, puxaram

January para elas e beijaram-na. Abriram-lhe a camisa. Uma beijou

um dos seios de January. Ambas come��aram a acarici��-la. Era belo

a q u i l o . . . Aquelas duas mo��as que ela n��o conhecia queriam ser

suas amigas, queriam dar-lhe prazer. .. Sentiu que lhe abriam o

fecho das cal��as e a t o c a v a m . . . N��o! Aquilo estava errado! S�� um

homem podia fazer i s s o . . . Recuou, sorriu e sacudiu a cabe��a. As

mo��as sorriram. Uma delas lhe abotoou a blusa. A outra ajudou-a

a correr o fecho das cal��as. Deram-lhe adeus e voltaram ao seu abra-

��o, que era belo como um b a l �� . . .

429

Saiu da casa. A noite de ver��o estava fresca e l��mpida. Se isso era

poss��vel, ela se sentia ainda mais l��cida do que dantes. Podia ver

al��m do tempo e do espa��o, atrav��s dos edif��cios, atrav��s daquela

casa de pedra de onde tinha sa��do e que estava cheia de gente bela

e feliz que fazia amor.

Era um mundo maravilhoso e, no dia seguinte, contaria a Mike

tudo o que havia acontecido. N��o, n��o poderia fazer isso, pois Mike

se fora. Ora, quando voltasse a v��-lo, porque ela voltaria a v��-lo e

todos existiam para sempre e ele ia saber como ela o amava. Na

verdade, todos deviam amar todos, todos deviam amar tudo, at��

uma ��rvore, porque uma ��rvore podia retribuir o amor que se lhe

dava. Parou diante de uma ��rvore da rua e cingiu-a nos bra��os,

murmurando:

��� Voc�� �� uma arvorezinha nova e fina, mas n��o tenha medo por-

que um dia ser�� uma ��rvore bem bonita e bem grande. E fique sa-

bendo que eu amo voc��! Sabe de uma coisa? Voc�� parece uma ar-

vorezinha fraca. Esta rua est�� cheia de arvorezinhas fracas. Mas

voc��s todas ainda estar��o aqui depois que todos n��s tivermos desa-

parecido. Mas talvez sempre, de quando em quando, algu��m vir��

dizer que ama voc��. N��o tem essa esperan��a? Diga-me uma coisa,

��rvore. Se aquela ��rvore sua vizinha lhe dissesse que queria perten-

cer a voc�� para sempre, juntar os galhos com os seus, voc�� gostaria

disso? Voc��s duas juntas poderiam formar uma ��rvore grande e

forte. Mas n �� o . . . Voc�� tem de ficar aqui sozinha, magra e isola-

d a . . . Talvez algumas das folhas dela toquem nas suas, talvez falem

e se digam segredos com o v e n t o . . . pr��ximas mas separadas. ��

assim que a natureza quer que seja? Talvez seja assim que n��s,

gente, tenhamos de viver. Mas, arvorezinha, �� t��o bom pertencer

a a l g u �� m . . .

Afastou-se da ��rvore e come��ou a andar pela cal��ada em zigue-

zague. Tinha consci��ncia da maneira pela qual andava, da mesma

maneira pela qual uma crian��a tenta n��o pisar nas fendas do pas-

seio. Olhou para o c��u. As estrelas estavam separadas. Sentir-se-iam

solit��rias? Viu ent��o uma delas correr pelo c��u. Fechou os olhos e

formulou um desejo. Talvez naquele mesmo instante seu pai esti-

vesse a olhar do mar aquela estrela. Ou talvez estivesse numa da-

quelas estrelas come��ando uma vida inteiramente nova.

��� "Brilha, brilha, estrelinha" ��� murmurou ela e riu do verso in-

fantil. Era uma tolice porque as estrelas n��o eram p e q u e n a s . . .

Uma estrela era um grande s o l . . . Ela bem sabia o que era uma

estrela. Concentrou a aten����o numa que estava piscando, segundo

lhe parecia, para ela. Era muito brilhante, mas ela sabia que o ve-

ludo do c��u estava come��ando a esmaecer e que a manh�� em breve

ia chegar. Aquela quinta-feira muito especial de junho chegava ao

fim. Nunca mais voltaria. Mas uma sexta-feira muito especial come-

430

��ava. Recome��ou a caminhar, ora em ziguezague, ora deslizando. O

sinal vermelho na Avenida Madison parecia vermelho d e m a i s . . . e

o verde era t��o verde! E aqueles sinais diziam ��s pessoas e aos car-

ros o que deviam fazer, quando era hora de parar e hora de andar.

Era um mundo de luzes que mandavam parar e seguir. Mas quem

precisava de sinais? Ningu��m queria fazer mal a ningu��m. De que

era que todo mundo procurava proteg��-la? Por que as pessoas in-

sistiam em infundir medo? As pessoas eram ensinadas a temer e

obedecer. Temer desconhecidos, temer carros, obedecer a sinais!

Quem precisava de sinais? O mundo seria muito melhor sem sinais.

Todos iriam parar e seguir corretamente sem precisar desses sinais.

As pessoas cuidavam umas das outras. Foi para o meio da rua, jogou

a cabe��a para tr��s e olhou para o c��u. N��o havia sinais no c��u e

ele era t��o grande.. . O avi��o de Mike havia ca��do daquele c��u

macio para a ��gua macia e, naquele momento, Mike estava tam-

b��m olhando para o c��u e nada poderia fazer-lhe mal, do mesmo

modo que naquele instante nada poderia acontecer a ela, porque ela

fazia parte do infinito. Nada poderia jamais atingi-la, pais a pr��-

pria morte n��o era o fim e fazia parte de outra exist��ncia. Tinha

certeza disso. Olhou para o c��u �� espera de uma confirma����o...

Ouviu ent��o um ranger de freios e um t��xi parou a poucos cen-

t��metros dela. O motorista saiu do carro.

��� Est�� cega, sua b��bada?

��� N��o diga isso ��� disse ela, sorrindo e passando os bra��os pelo

pesco��o dele. ��� N��o fique zangado comigo porque eu amo voc��.

Ele se desvencilhou dela e olhou-a.

��� Voc�� podia estar morta a uma hora destas! A h ! . . . J�� sei. Est��

inteiramente dopada.

��� Amo voc�� ��� disse ela, encostando a cabe��a ao rosto do ho-

mem. ��� Todo mundo deve amar todo mundo.

��� Tenho duas filhas mais ou menos de sua idade ��� disse o ho-

mem com um suspiro. ��� Trabalho �� noite para que elas possam es-

tudar. Uma vai ser professora e a outra quer ser enfermeira. E voc��,

minha hippiezinha, para que �� que est�� estudando?

��� Para a m a r . . . Para sebar.. . Para s e n t i r . . .

��� Entre no t��xi. Vou levar voc�� para sua casa.

��� N �� o . . . Quero c a m i n h a r . . . flutuar... s e n t i r . . .

��� Entre. N��o vou cobrar a corrida.

Ela sorriu.

��� Est�� vendo? Voc�� me ama.

E l e a puxou pelo bra��o e f��-la sentar-se na frente ao lado dele.

��� N��o confio em voc�� l�� atr��s. Onde �� que voc�� mora?

431

��� Onde est�� meu cora����o.

��� Escute, acabei meu trabalho ��s quatro horas, mas tive de levar

uma pessoa ao aeroporto. J�� falta um quarto para as cinco e eu

quero ir para casa. Moro no Bronx. Minha mulher j�� est�� de p�� ��

minha espera com o caf�� pronto e inquieta, pensando que eu fui

assaltado. Portanto, vamos logo com isso. Para onde �� que voc��

quer ir?

��� Para o Plaza. �� l�� que meu pai mora.

O chofer tomou o caminho do Plaza. Algumas ruas depois, ela to-

cou no bra��o dele.

��� N �� o . . . o Plaza n �� o . . . Ele n��o est�� mais l��. O homem que

eu amava tamb��m estava no Plaza. Agora est�� no Hotel Beverly

Hills.

��� Para onde voc�� quer ir afinal?

��� Para o Pierre.

��� Que �� voc��? Que �� que faz no hotel? Diga a verdade. Para

onde quer que a leve?

Ela olhou para o cart��o de registro no carro.

��� Isadore Cohen, voc�� �� um ��timo homem. Leve-me para o

Pierre.

O t��xi come��ou a descer a Quinta Avenida.

��� Como �� seu nome, hippie?

��� January?

��� J a n e i r o . . . Era de esperar.

Estava come��ando a chover quando Isadore Cohen caminhou

com ela at�� a entrada do Pierre. January olhou para o c��u carregado

e cinzento e perguntou:

��� Onde est��o as estrelas? Para onde foi minha bela noite?

��� Virou manh�� ��� resmungou Isadore Cohen. ��� Uma manh�� chu-

vosa e f e i a . . . Agora, v�� para o seu lugar.

Ela se virou e deu adeus enquanto ele voltava para o t��xi. Ele

se recusara a aceitar qualquer dinheiro, mas ela deixara no banco

uma nota de vinte d��lares. Entrou na ponta dos p��s em seu quarto

e fechou as cortinas. Sadie ainda estava dormindo. Todo mundo

ainda dormia, salvo o querido Cohen, que estava de volta �� sua casa

no Bronx. Era um homem admir��vel. Todos eram t��o admir��veis que

se precisava de tempo para compreend��-los. Por exemplo, Keith,

agora que ela o conhecia, era admir��vel tamb��m. Despiu-se lenta-

mente e jogou a bolsa numa cadeira, mas a mesma escorregou e caiu

no ch��o. Ela se abaixou e apanhou-a.

432

��� Muito bem, Sra. D. Bolsa. Voc�� �� uma Louis Vuitton. N��o leve

a mal, mas eu a acho horrorosa. Entretanto, todo mundo diz que

voc�� �� muito anticafona.

Olhou para a bolsa, que Vera a fizera comprar no Saks. ( " E u n��o

uso marrom", dissera ela. "N��o faz mal", retrucara Vera. " E s s e

tom combina com t u d o " ) .

Bem, por cento e trinta d��lares, claro que tinha de combinar com

tudo. Teve de rir ent��o. Que eram cento e trinta d��lares para quem

tinha dez milh��es? Mas a id��ia de dez milh��es de d��lares que lhe

pertenciam n��o era f��cil de conceber. Do mesmo modo, n��o podia

sentir que aquele apartamento fosse dela. Ainda era de Dee. Teria

Mike sentido que o apartamento era dele? Mas a bolsa Louis Vuit-

ton que custava cento e trinta d��lares lhe pertencia. Representava

uma esp��cie de dinheiro que ela era capaz de compreender. Sen-

tou-se na cama e passou a m��o carinhosamente pela bolsa. Depois,

colocou-a em cima do travesseiro e se deitou na cama.

N��o estava com sono. Pensou em tomar um comprimido para

dormir. Pegou o vidro na mesinha de cabeceira e largou-o no mes-

mo instante. Para qu��? Sentia-se maravilhosamente b e m . . . E, como

Keith tinha dito, "nunca mais haveria uma quinta-feira como aque-

la". S�� que j�� era sexta-feira e nunca mais haveria aquela sexta-

feira. Ficou deitada muito quietamente .e saboreou a deliciosa sen-

sa����o de leveza que lhe percorria o corpo. Sabia que n��o ia dormir,

que n��o podia dormir... mas dormiu porque o sonho reapareceu.

Primeiro, os olhos t��o claros e azuis. O rosto era vago. Era sempre

vago, mas ela sabia que era belo. Era um desconhecido, mas ela

sabia instintivamente que era algu��m cuja companhia ela desejava.

Ele estendeu os bra��os e ela soube que tinha de ir para ele. Sentiu

que se estava levantando da cama e indo para os bra��os d e l e . . .

embora soubesse que devia estar na cama sonhando toda aquela

cena. Era de fato uma cena, porque ela se viu sair da cama e seguir

os bra��os estendidos. Mas sempre que o ia alcan��ando parecia que

n��o se tinha aproximado suficientemente. Ele continuava a esperar.

Ela o seguiu atrav��s da sala at�� a janela. Mas ele passou para o lado

de fora da janela! Ela abriu a janela. O c��u estava escuro e cheio de

estrelas. N��o teve mais d��vidas de que era tudo um sonho porque

poucos minutos antes, quando se deitara, estava amanhecendo e a

manh�� era cinzenta e chuvosa... Isso provava que ela ainda estava

na cama e n��o de p�� �� janela a olhar para as estrelas e para o ho-

mem m��stico. Mas, dessa vez, ela estava resolvida a ver-lhe o rosto.

Curvou-se sobre o peitoril e perguntou:

��� Voc�� me quer?

E l e estendeu os bra��os.

��� Ter�� de me amar se eu for para voc��. N��o poderei suportar

am��-lo e v��-lo desaparecer, ainda que voc�� seja apenas um sonho.

433

Ele n��o falou. Mas os olhos disseram que ele nunca a magoaria.

E, de s��bito, ela ficou sabendo que n��o tinha sen��o de pular da-

quela janela e flutuar para os bra��os dele. Passou uma perna pelo

peitoril. Sentiu ent��o que algu��m a puxava para tr��s, a impedi-la

de ir ter com e l e . . . D e b a t e u - s e . . . E ent��o acordou porque Sadie

a estava puxando e gritando... e procurava arrast��-la para dentro

da sala. Olhou para a rua embaixo e viu que j�� estava com metade

do corpo fora da janela!

��� Srta. January! Srta. January! Por qu��? ��� exclamou Sadie a so-

lu��ar de medo.

Ela se agarrou a Sadie por um momento. E ent��o conseguiu sorrir.

��� Est�� tudo certo, Sadie. Foi apenas um sonho.

��� Um sonho? Ia saltar daquela janela! Felizmente, eu estava na

cozinha quando ouvi a janela se abrir!

January olhou pela janela. Estava tudo escuro e havia estrelas.

��� Que horas s��o?

��� Dez horas da noite. Eu estava fazendo um pouco de ch�� para

mim e ia ouvir o notici��rio. Tentei acord��-la ao meio-dia mas voc��

me disse que tinha passado a noite inteira sem dormir. O Sr. Mil-

ford telefonou ��s sete horas e eu disse que voc�� ainda estava dor-

mindo. Ficou muito preocupado e tem telefonado de hora em hora.

��� N��o se preocupe, Sadie. Tomei alguns comprimidos para dor-

mir hoje de manh��. N��o consegui dormir durante a noite e parece

que dormi o dia inteiro.

��� Vai telefonar para o Sr. Milford? E l e est�� muito preocupado.

Ela assentiu e foi para o quarto-

��� Quer alguma coisa, srta. January?

��� N �� o . . . N��o estou com fome.

Pegou o telefone e come��ou a discar para David. De repente, o

quarto ficou ��s escuras. Luzes ofuscantes brilharam-lhe diante dos

olhos e ele o viu de novo por um instante... Os olhos azuis quase

zombavam dela, como se ela tivesse sido uma covarde.

��� Voc�� ia-me matar! ��� gritou ela. ��� Quase me matou! Era isso

o que voc�� queria?

Sadie entrou correndo. January olhou para o fone que estava dan-

do sinal de fora do gancho.

��� Estava gritando, Srta. January!

��� N��o. E u . . . estava era reclamando da telefonista porque n��o

estava conseguindo a liga����o. N��o se preocupe, S a d i e . . . Vou tele-

fonar para o Sr. Milford. V�� dormir.

Discou ent��o o n��mero. Sadie ficou por perto at�� ouvir January

dizer:

434

��� Oi, David!

Saiu ent��o discretamente do quarto.

David parecia sinceramente preocupado. Ela tentou falar des-

preocupadamente. Mas o quarto estava escurecendo de novo e a cin-

tila����o deslumbrante de cores tinha voltado.

��� Fui a uma festa ��� disse ela, piscando os olhos para fazer as

luzes desaparecerem.

��� Deve ter ficado at�� bem tarde ��� disse ele. ��� Voc�� dormiu o

dia inteiro.

Ela fechou os olhos para livrar-se das luzes.

��� Come��ou tarde. Alguns amigos de meu p a i . . . a t o r e s . . . di-

retores . . . ��� As cores desapareceram e ela voltou �� normalidade,

com a voz de novo forte. ��� A festa come��ou t a r d e . . . depois da

meia-noite. Quando voltei para casa, por alguma estranha raz��o, n��o

tive sono. Li at�� quase amanhecer, tomei ent��o dois comprimidos

para dormir e voc�� sabe do resto.

��� Como �� que vai dormir agora?

��� �� f��cil. Vou ler um livro chato e tomar alguns comprimidos.

Amanh�� de manh��, estarei com o meu hor��rio restabelecido.

��� January, n��o me agrada o fato de voc�� tomar tantos compri-

midos. Sou contra tudo isso. N��o tomo nem aspirina quando estou

com dor de cabe��a.

��� �� s�� esta noite. Depois, vou parar.

��� A culpa �� minha. Deixei voc�� sozinha. E voc�� n��o deve ficar

sozinha nunca. January, n��o vamos esperar o ver��o. Por que n��o

tratamos disso agora?

��� Disso o qu��?

��� Nosso casamento.

Ela ficou calada. Depois daquela primeira vez, ele nunca mais

lhe falara em ir para a cama com ele. Mas, depois do desastre, a

sua atitude passara a ser diferente. Era delicado, atencioso e sempre

interessado por ela.

��� Al��, January?

��� A l �� . . .

��� Quer casar-se comigo?

��� D a v i d . . . e u . . .

Por que era que estava hesitando? Que esperava ela? Outro Tom

que aparecesse para destru��-la? A continua����o das rela����es com

Keith e seus amigos? O impacto pleno daquilo por que passara es-

tava come��ando a atingi-la. At�� o sonho era perigoso. Chegara qua-

se a atirar-se da janela. Sentiu um pavor s��bito. Que estaria acon-

435

tecendo com ela? Onde estava a mo��a que ela f o r a . . . que ainda

era? Mas permitira que um estranho fizesse amor com ela numa

sala cheia de pessoas estranhas. Entretanto, no momento, tudo lhe

parecera normal e natural. Come��ou a t r e m e r . . . a sentir-se polu��-

d a . . . violada.

��� Al��, January?

��� Al��, David. Estou pensando.. .

��� Amo voc��, January, e quero cuidar de voc��.

��� D a v i d . . . preciso de voc��. Preciso muito!

��� Oh, January! Prometo que voc�� nunca se arrepender��. Olhe,

podemos comemorar isso com um jantar amanh�� �� noite. Vou convi-

dar alguns amigos. Vera e Ted, Harriet e Paul, Mauriel e Burt, Bon-

n i e . . . Onde? No Lafayette? No Sign of the Dove?

��� N��o. Vamos ao Raffles. Foi l�� nosso primeiro encontro, n��o

foi?

��� Voc�� �� sentimental, January! Nunca teria pensado nisso!

��� H�� muitas coisas que temos de descobrir um a respeito do

outro, David. Voc�� compreende que quase n��o nos conhecemos?

��� N��o tenho culpa ��� disse ele. ��� N��o a convidei para voltar ao

meu apartamento ou pedi uma oportunidade de ir �� sua casa porque

julguei que voc�� estava muito perturbada e achei.. .

��� N��o �� isso que eu quero dizer, David. Pessoas estranhas podem

ir juntas para a cama.

��� Creio que n��o sou muito demonstrativo... Isto ��, n��o sei ex-

teriorizar os meus sentimentos quando me interesso por algu��m.

Mas voc�� tamb��m �� assim, January. Sabe como �� que todos os meus

amigos j�� lhe chamam? A "Princesa Fria". Os jornalistas j�� sabem

disso e ontem uma coluna falou em voc�� assim.

��� Voc�� me acha fria?

��� Fria n��o, desinteressada. Mas por que n��o? Afinal de contas,

tudo isso lhe aconteceu em menos de um ano e voc�� ainda n��o se

ajustou.

��� Tem raz��o. Muita coisa aconteceu... ��� Lembrou-se ent��o da-

quela primeira noite no Raffles. Tudo lhe parecia i r r e a l . . . Pode-

ria ela passar mesmo o resto da vida com David, morar com ele,

dormir na mesma cama? Sentiu-se tomada de p��nico.

��� N��o, David, n��o posso! N��o �� justo com vcc��!

��� Que �� que n��o �� justo comigo?

��� Casar-me com voc��. A verdade.. . �� que eu n��o o amo-

Ele ficou em sil��ncio por um momento e disse:

��� J�� amou algu��m em sua vida, January?

436

- J �� .

��� Al��m de seu pai?

��� S i m . . .

��� E isso est�� acabado?

��� Est��.

��� Ent��o n��o me diga mais nada a esse respeito.

��� Mas, David, se eu sei que posso amar algu��m de certa forma

e se sei que n��o �� esse o sentimento que tenho por voc��, acha di-

reito proceder assim com voc��? Quer d i z e r . . . N��o sei como me

expressar...

��� Compreendo... Eu tamb��m amei algu��m. E n��o da mesma

maneira pela qual amo voc��. Mas n��o h�� dois amores iguais. Se

a gente procura sempre a mesma esp��cie de amor, nunca mais volta

a amar, porque cada novo caso n��o passar�� de uma continua����o

imperfeita daquele primeiro amor.

��� Como �� que sabe de tudo isso?

��� Estive conversando com um grande psiquiatra numa festa de

minha m��e, o Dr. Arthur Addison. Minha m��e foi procur��-lo quando

chegou �� menopausa e se sentia um pouco deprimida. N��o acredito

em psiquiatria, a n��o ser quando a pessoa �� realmente lel�� da cuca,

mas tenho de reconhecer que ele deu um jeito em minha m��e e

passou a ser desde ent��o um grande amigo da fam��lia. Mas, Janua-

ry, a esp��cie de amor de que estamos falando s�� acontece a cada

pessoa uma vez na vida. E desde que ambos j�� conhecemos esse

outro amor, o que temos agora �� uma coisa nova para n��s dois. Po-

deremos construir uma vida nova e esquecer todas as velhas recor-

da����es.

��� Acha que iremos conseguir isso?

��� �� claro. S�� uma pessoa neur��tica se apega a uma coisa que

acabou. E voc�� me d�� a impress��o de que �� uma pessoa muito equi-

librada. Agora, v�� dormir e procure sonhar comigo-

January desligou e ficou pensando na conversa que acabava de

ter com David. Ele tinha raz��o. N��o era poss��vel trazer Mike de

volta ou recuperar a vida que tivera com Tom. Essa parte de sua

v��da estava encerrada. Mas seria poss��vel apagar as recorda����es?

Talvez isso fosse poss��vel a um homem. Se ela pudesse apagar a

lembran��a da noite anterior... Todos os seus sentimentos de amor

a todos tinham desaparecido... N��o sentia sen��o ��dio e nojo de

Keith, dos amigos dele e, principalmente, de si mesma. E, para

c��mulo de tudo, ela tentara pular da janela. Se Sadie n��o tivesse che-

gado a tempo, estaria morta. Estaria mesmo? Haveria alguma coisa

l�� fora? Algu��m que a chamava? Olhou para a janela, viu as estre-

las e ent��o correu para o arm��rio e apanhou outro par de jeans.

437

Vestiu uma camisa e um su��ter, depois do que pegou a bolsa. Eram

apenas dez e meia. Iria at�� a praia e conversaria sobre tudo aquilo

com Hugh. Contar-lhe-ia tudo. As inje����es de vitaminas, a festa, a

cena da orgia, o homem de olhos azuis. Diria tamb��m que havia

quase pulado da janela.

Saiu do apartamento sem fazer barulho para n��o acordar Sadie.

Sabia que Dee guardava os seus carros numa garagem da Rua 56

Oeste. Encaminhou-se para l��.

Havia v��rias garagens na Rua 56. Acertou na primeira em que

entrou e considerou isso um sinal de boa sorte. O gerente da noite

reconheceu-a e deu-lhe o Jaguar. Saiu da garagem e se dirigiu para

o centro da cidade. Lembrava-se de que o chofer de Tom tinha to-

mado o t��nel Midtown para a expressway de Long Island. O carro

estava espl��ndido.

N��o havia tr��fego. Chegaria a Westhampton por volta de uma

hora. Devia ter telefonado para H u g h . . . Mas ele poderia ter-lhe

pedido que esperasse at�� o dia seguinte e ela tinha de falar quanto

antes sobre aquilo tudo. Saiu da expressway e parou numa garagem.

O empregado encheu o tanque e lhe ensinou o caminho para Wes-

thampton. Pagou a gasolina com todo o dinheiro que tinha na bolsa

e deu a ��ltima moeda como gorjeta. Mas o tanque estava cheio, a

estrada estava boa e dentro em breve ela veria Hugh. N��o sabia

por que, mas achava que uma conversa com ele faria tudo entrar

nos eixos.

Era uma e quinze da madrugada quando ela parou o carro diante

da casa. Tocou a campainha e achou o som estranho... um som

de casa vazia. Seria poss��vel que aquela fosse uma das noites em

que ele estava com sua vi��va? Voltou para o carro. Podia ficar es-

perando ali at�� amanhecer o dia. Olhou para as dunas. Pareciam

naquela noite distantes, altas e hostis. A hostilidade era uma toli-

c e . . . Aquilo n��o passava de mont��es de areia. Hugh dormia muitas

vezes ali. Quem sabe se n��o estaria l�� naquele momento? Saiu do

carro e tomou o caminho da praia.

N��o era f��cil na escurid��o. Havia moitas cerradas de vegeta����o

rasteira. Trope��ou v��rias vezes em peda��os de paus levados pela

mar��. A areia lhe entrava pelas sand��lias e ela prosseguia. Estava

fisicamente exausta quando chegou ��s dunas. Subiu �� mais alta e

olhou para a extens��o da praia. N��o havia sinal de vida em canto

algum. At�� o mar parecia anormalmente calmo, como se pedisse

humildemente desculpas de quebrar o sil��ncio ao desfazer as ondas

na areia. Talvez Hugh estivesse atr��s de outras dunas, mais adiante

na p r a i a . . .

Gritou-lhe o nome. N��o houve resposta... s�� o som vazio de sua

voz. Nem sequer uma gaivota se assustara. Onde ficariam as gai-

438

votas �� noite? Durante o dia, viviam voando e gritando na praia.

Deixou-se cair no ch��o e fez correr por entre os dedos a areia fria.

Para onde iam as gaivotas �� noite? Olhou para a casa escura e iso-

lada. A noite calma, as estrelas rebrilhantes e o murm��rio das ondas

pareciam muito mais amistosos do que a casa vazia-

Enrolou o su��ter e o colocou na areia como um travesseiro. Dei-

tou-se ent��o e olhou para o c��u. Parecia mais pr��ximo e a cobria

como uma manta. Pareceu-lhe de repente que o mundo era ali e

que a terra era apenas o ch��o. Que havia l�� em cima? Outros plane-

tas? Outros mundos? Olhou para a casa. Talvez Hugh estivesse pas-

sando a noite na casa de seu amor.

Podia ir para o carro e dormir at�� que ele voltasse. Mas estava

sem sono e tudo se mostrava t��o tranq��ilo ali nas dunas. Tantas es-

trelas! Os Reis Magos tinham olhado para aquelas mesmas estrelas

na noite em que Jesus nascera. Galileu tinha olhado para e l a s . . .

e Colombo se guiara por elas quando andava �� procura do caminho

das ��ndias. Quantas pessoas se haviam amado sob aquelas estrelas?

Quantas crian��as tinham formulado desejos ao olh��-las rezando a

Deus que imaginavam sentado acima delas, como ela havia ima-

ginado quando era crian��a. Os far��is de Deus! Sua m��e! At�� ��quele

momento, a m��e dela fora sempre uma lembran��a confusa. E r a

uma mulher calada que estava sempre "descansando". Era sempre

bela quando estava de p�� e se movia com os grandes olhos castanhos

voltados em adora����o para Mike, nunca para ela. De fato, s�� se

lembrava de uma vez em que aqueles belos olhos se tinham volta-

do para ela. Lembrava-se perfeitamente de tudo. Estava aconche-

gada nos bra��os de sua m��e e esta olhava com ternura para ela.

Tivera um pesadelo e acordara em prantos. A bab�� chegara ime-

diatamente. Mas, dessa vez, sua m��e aparecera tamb��m. Fora uma

das raras vezes em que a m��e e n��o a bab�� cuidara dela. E quando

ela dissera que tinha medo de ficar sozinha porque o pesadelo po-

deria voltar, a m��e a havia abra��ado e dissera que nenhum mal podia

acontecer �� noite. ��s vezes, a luz dava um aspecto mau ��s coisas,

mas a noite era doce e calma. Estavam sentadas junto �� janela,

olharam para as estrelas e sua m��e tinha dito:

��� S��o os pequenos far��is de Deus para a gente se lembrar de

que Ele est�� sempre vigilante, pronto sempre a ajudar e amar.

Pensou nisso naquele momento o olhar para as estrelas. Fora real-

mente uma boa hist��ria para contar a uma menina com medo. Como

tinha vivido sua m��e? Gostaria de ter sido mais velha para poder

servir-lhe de companhia e de conforto. A m��e dela tinha amado

M i k e . . . mas ele tinha outras mulheres. Como ela devia ter sofrido!

Lembrou-se do que sentira na noite em que Tom ficara na praia

com a mulher dele. As l��grimas lhe chegaram aos olhos. Pobre

439

m �� e . . . Amando Mike e sozinha com uma filha pequena enquanto

ele estava na Calif��rnia, decerto no Bangal�� Cinco, com uma mu-

lher qualquer. De repente, sentiu-se como que dividida em duas

pessoas. Era ao mesmo tempo a mulher do Bangal�� Cinco e sua jo-

vem m��e indefesa, sozinha e em p r a n t o s . . . Murmurou: "N��o de-

via ter feito o que fez, Mam��e. A mulher que estava com ele sofria

tamb��m. Ao menos, voc�� sabia que ele sempre voltaria para voc��.

E voc�� tinha a mim. Por que me deixou? N��o me amava?" A sua

voz repercutiu dentro da n o i t e . . . e as estrelas a olhavam. Mas, de

repente, n��o pareciam mais amigas e cordiais. Estavam cru��is e

frias, como se reagissem a essa intrus��o na sua intimidade. Mostra-

vam-se t��o isoladas e seguras, certas de que estariam sempre ali.

Riam decerto daquele pingo de humanidade ali estendido na praia.

E n��o eram os pequenos far��is de D e u s . . . Eram mundos, s��is e me-

teoritos. E agora havia at�� destro��os espaciais que flutavam naquela

escurid��o aveludada. Viu uma estrela c o r r e r . . . depois o u t r a . . .

A lua parecia t��o baixa no c �� u . . . Parecia uma vigilante m��e que

dominasse os c��us e vigiasse as estrelas, suas filhas. Era triste saber

que a Lua n��o era prateada e luminosa, mas apenas um deserto

esburacado, cheio de crateras, menor do que a Terra, um punhado

de cinza no meio do c��u. O homem tinha descido l��, despojando-a

de todo o mist��rio e de toda a poesia.

Sentia-se desperta e as luzes coloridas ainda eram fortes. O c��u

estava escuro, mas ela via listras de azul e p��rpura na sua escurid��o.

Olhou para a casa de Hugh. A luz da Lua se refletia nas suas

vidra��as escuras. Talvez ele tivesse levado a vi��va para Nova York

naquela noite.

Abriu a bolsa para tirar os cigarros. Encontrou um envelope. Era

o envelope que Keith lhe colocara na bolsa pouco antes de sua sa��-

da. Abriu-o e encontrou uma pequena caixa de pl��stico e dois cubos

de a����car dentro dela. Havia tamb��m um bilhete que ela leu acen-

dendo o isqueiro. Dizia: "Querida herdeira: Amo voc��. N��o a posso

levar para Marbella ou para o Sul da Fran��a, mas se quiser ser mi-

nha pequena eu a levarei em viagens para fora deste mundo- Aqui

est��o dois ve��culos que lhe ofere��o. Com amor, Keith".

Abriu a caixa e pegou os dois cubos. J�� ia jog��-los fora, quando

uma id��ia a deteve. Por que n��o tomar um? Se o fizesse, todas as

suas depress��es desapareceriam e ela poderia atingir as estrelas.

Tornou a guardar os cubos na caixa e colocou esta na bolsa. N��o,

tomar ��cido n��o ia ajudar a resolver as coisas. Quando a "viagem"

terminasse, o problema ainda estaria presente. Qual podia ser, por��m,

a solu����o? Tentar conformar-se? Tentar aprender a amar David?

Aprender a jogar gam��o? Almo��ar todos os dias? Comprar roupas?

N��o! Ela n��o queria uma vida sem alturas. At�� os momentos sem

440

relevo seriam suport��veis se se soubesse que haveria-alturas. E n��o

uma altura produzida pelo ��cido, mas uma altura real. Como a de

ver Mike encaminhar-se para ela naquele dia no aeroporto de Roma

ou como a de ouvir de Tom que nunca puderia viver sem e l a . . .

Mas estavam ambos fora de sua vida, Mike e T o m . . .

Tirou de novo a caixa da bolsa. Que aconteceria se ela tomasse os

dois cubos? Talvez embarcasse numa viagem que durasse para sem-

pre, uma viagem sem volta.

Tremeu. Um vento surgira de repente e a fizera sentir frio. A

areia come��ou a fustigar-lhe o rosto. Levantou-se e sacudiu a areia

das roupas. O vento estava j�� a soprar com for��a. Vestiu o su��ter.

Ent��o, repentinamente como chegara, o vento cessou. Houve tam-

b��m um curioso sil��ncio ��� um sil��ncio como o que tinha havido

uma vez na Calif��rnia pouco antes de um pequeno tremor de terra.

Os grilos tinham parado de cantar e at�� as folhas tinham ficado

im��veis. Olhou para o mar. Estava liso como um espelho e a Lua

pairava sobre ele deixando uma esteira luminosa sobre as ��guas

escuras. Mas isso era imposs��vel! Ainda um momento antes, a Lua

tinha estado sobre a casa de Hugh, atr��s dela. Voltou-se e olhou.

N��o havia d��vida. L�� estava e l a . . . Uma luz p��lida e terna sobre a

estreita faixa de casas da beira da praia. Olhou ent��o para o mar.

L�� estava ela, clara e luminosa... outra lua!

Era de alucinar! Tinha sido aquele cubo de a����car que Keith lhe

havia dado na festa. Deu um salto e voltou as costas para a "outra

lua". Come��ou a correr, mas tudo foi como num desses horr��veis

pesadelos em que, por mais que se corra, n��o se sai do lugar. Era

o que lhe estava acontecendo. Os seus p��s se moviam, a sua respi-

ra����o se acelerava, mas ela continuava no alto das dunas... presa

entre duas luas!

Voltou-se e olhou para tr��s. A outra lua tinha desaparecido. O

mar estava escuro e deserto. As estrelas pareciam mais distantes do

que nunca. Teve medo. Recome��ou a correr. Dessa vez, os p��s se

moveram. Trope��ou e escorregou na escurid��o. O ��cido era mesmo

perigoso! J�� a fizera quase pular de uma janela. Agora, fazia com

que ela visse outra lua. Devia ser uma alucina����o repetida. Ou teria

ela tomado outro cubo de a����car? Ou os dois? N��o, n��o era poss��-

vel! Olhou para tr��s. Avistou a bolsa no alto das dunas onde a havia

deixado. Podia v��-la porque estava iluminada pela luz da outra

lua! Tinha voltado!

Talvez ela tivesse mesmo tomado os cubos de a����car. Mas tinha

certeza de que os havia guardado. Ou n��o guardara? Isso n��o tinha

a menor import��ncia. Era alucinante ver duas l u a s . . . Qualquer

coisa poderia acontecer. Poderia ser arrastada para o mar. Se ela

havia tentado saltar de uma janela pensando que poderia flutuar,

441

qualquer coisa poderia acontecer. Deus do c��u! Nunca mais tomaria

coisa alguma. Iria casar-se com David e ter filhos, filhos seus que

amaria muito. Talvez nunca sentisse por David o que tinha sentido

por Mike. N �� o . . . por Tom. Mas, pelo menos, se casaria com al-

gu��m que era aprovado por Mike. E teria um filho que se pareceria

muito com Mike. E uma filha tamb��m. Amaria muito a ambos e se-

ria uma boa m��e. Seria, sim! Bastaria que Deus lhe permitisse vol-

tar para aquela c a s a . . .

Por que a casa parecia t��o longe? Tinha sa��do da duna. Estava

numa baixada, subindo outra d u n a . . .

A L u a ainda estava l��. Viu-a suspensa sobre o mar. De repente,

correu atrav��s do c��u, voltou e girou, como se estivesse executando

um bal�� fant��stico apenas para ela. Subiu pelo c��u at�� n��o parecer

maior que uma estrela e ela se convenceu de que era mesmo uma

estrela. Voltou ent��o ao seu tamanho normal e os seus reflexos se

estenderam numa esteira perfeita sobre o mar.

Olhou-a por um momento. Aquilo n��o era alucina����o. E r a real.

Quando se tinha uma alucina����o, n��o se tinha consci��ncia disso,

como quando quisera sair pela janela. Ela havia pensado que estava

sonhando. Mas talvez aquilo fosse um sonho tamb��m. Talvez ela

n��o estivesse na praia. Talvez ela estivesse em casa na cama. Talvez

nunca tivesse estado no Pierre. Talvez tudo isso fizesse tamb��m

parte do sonho. Talvez ainda estivesse com Tom, e Mike n��o esti-

vesse morto. Talvez as inje����es de vitaminas tivessem causado aque-

le longo e terr��vel pesadelo. E, quando ela acordasse, estaria no Ban-

gal�� Cinco, Tom estaria l�� e ela o deixaria para ir ao encontro de

Mike e resolver tudo. Ou talvez eles n��o tivessem brigado e a briga

fizesse parte do pesadelo e, neste caso, ela n��o teria de deixar Tom.

Mas talvez ela nunca tivesse conhecido Tom. Talvez ainda estivesse

na Su����a, estivesse ficando boa e fosse voltar para casa com Mike

e este n��o tivesse conhecido Dee e nada daquilo tivesse aconteci-

d o . . . Mas podia ser at�� que nunca tivesse havido um Franco, nem

um acidente de motocicleta. Talvez ela nunca tivesse nascido, pois

n��o podia saber ao certo quando o pesadelo havia come��ado.

Mas nem tudo tinha sido um pesadelo. Algumas coisas tinham

sido maravilhosas, como os tempos da escola de Miss Haddon, gra-

��as aos fins de semana que esperava com tanta ansiedade, aos s��-

bados em que corria para os bra��os dele. E mesmo o tempo que pas-

sara na cl��nica n��o fora de todo mau porque havia as visitas dele

e, principalmente, o sonho de ficar boa, em especial no ��ltimo m��s,

quando ela sabia que ia voltar para casa e ficar com ele.

Quando nada, tinha havido esse m��s de sonhos e ��s vezes o sonho

era melhor do que a realidade. N��o era poss��vel chamar de pesade-

lo um m��s de sonhos admir��veis. E esse m��s tinha culminado num

442

momento de fant��stica realidade naquela tarde em que o encontra-

ra no aeroporto a esper��-la. Naquele momento, ela. n��o sabia da exis-

t��ncia de Dee. Por algumas horas, ele pertencera a ela como acon-

tecera em Roma at�� Melba entrar em cena. Tinham sido momentos

felizes s�� uma vez. Sua m��e devia tamb��m ter sido feliz uma v e z

e, depois, tivera de encarar a realidade e de saber que h�� um tipo

especial de felicidade que s�� vem uma v e z . . .

��� N��o! ��� exclamou ela. ��� Uma vez s�� n��o basta! M��e, como

voc�� conseguiu viver suportando isso tanto tempo?

Ficou im��vel. Tinha gritado para a luz fant��stica. E, durante todo

o tempo, ficou parada no mesmo lugar. Olhou para a luz que pai-

rava sobre o mar. O aspecto era exatamente igual ao da outra lua,

mas n��o apresentava quaisquer ��reas de sombra.

Ocorreu-lhe ent��o um novo pensamento. Talvez houvesse uma

explica����o l��gica para tudo aquilo. Talvez fosse um dos tais discos

voadores de que de vez em quando os jornais falavam. Se era assim,

n��o poderia ser ela a ��nica pessoa em Westhampton que o estivesse

vendo. Olhou para as casas �� escuras. N��o haveria mais ningu��m

acordado por ali? Hugh, onde quer que estivesse, n��o poderia ver

aquilo? Durante todas as noites que ele passara nas dunas, nunca

lhe acontecera nada daquilo. E ela tinha de chegar justamente na-

quela n o i t e . . . E em que confus��o se estava vendo!

Continuou ali banhada por aquela estranha luz, sozinha na praia.

Tinha a impress��o de que, se ficasse absolutamente im��vel, n��o

seria vista. Mas era absurdo. Fosse o que fosse, n��o seria poss��vel

v��-la, pois a dist��ncia era de milhares de quil��metros.

Talvez fosse bom tentar guardar tudo na lembran��a. O tamanho,

a dist��ncia a que parecia estar, a dire����o em que se estava deslo-

cando. Talvez ela tivesse de comunicar a q u i l o . . . Claro, era s�� de

que ela precisava.

Mas viu de repente a luz diante dela e come��ou a gritar:

��� Acordem! Ser�� que ningu��m sabe em Westhampton que h��

duas luas no c��u!

N��o houve sen��o sil��ncio. N��o adiantava querer correr porque

ela parecia pregada no mesmo lugar. Deixou-se cair na areia macia

e fria. Sentiu sobre ela o brilho da nova Lua. Era quase como a luz

do Sol ��� quente e reconfortante. Foi ent��o que o viu dirigir-se para

ela. Vinha da beira do mar. Quando caminhava diretamente sob a

luz da Lua, o seu rosto ficava na sombra. E ela n��o ficou absoluta-

mente surpresa de ver que ele tinha aqueles fabulosos olhos azuis

que ela j�� contemplara tantas vezes.

Vendo-o aproximar-se, n��o teve medo. Lembrou-se de repente

de um poema de John Burroughs intitulado "Espera" e que ela

havia decorado na Su����a. Uma estrofe dizia:

443

"Serenamente, cruzo as m��os e espero,/ Pouco importa o vento,

a mar�� ou o mar;/ N��o me insurjo contra o tempo ou contra o des-

tino,/ Porque o que �� meu ��s minhas m��os vir��".

E ent��o pela primeira vez ela sentiu que a espera estava termi-

nada. Ele chegou mais perto e de repente ela perdeu o f��lego. Era

Mike!

Mas n��o era Mike. O sorriso era como o de Mike, o rosto era pa-

recido com o de M i k e . . . mas n��o era Mike. Parou diante dela e

estendeu os bra��os. Ela se levantou e se aproximou. Ele cerrou-a

nos bra��os.

��� Estou feliz de v��-la, January.

��� Mike ��� murmurou ela.

��� N��o sou Mike ��� disse ele, afagando-lhe os cabelos.

��� Mas voc�� se parece com Mike-

��� S�� porque voc�� quer que seja assim.

Ela se agarrou a ele.

��� Ou��a. Esta �� minha alucina����o. Vai ser, portanto, como eu

quero. Seja voc�� quem for, tenho querido voc�� toda a minha vida.

Talvez sempre soubesse que voc�� um dia viria. Talvez tivesse ama-

do Mike porque se parecia com voc��. Talvez o ame porque voc��

se parece com ele. Talvez os dois sejam a mesma pessoa. N��o im-

porta . . .

Deixou-se cair na areia e ele a tomou nos bra��os. Quando os seus

l��bios se uniram, foi tudo como ela sabia que seria. E quando ele

a possuiu, ela compreendeu que aquele fora o momento que ela

esperara toda a sua vida. As car��cias dele eram gentis mas firmes.

Ela estendeu os bra��os para ele e o cingiu at�� ficarem unidos como

a areia que a onda arrasta quando volta para o mar.

��� Nunca mais me deixe ��� sussurrou ela.

E ele a estreitou mais e prometeu que nunca mais a deixaria.

444

2 9 / 6 / 1 9 7 2

Nova York (AP)

COMPLETA-SE H O J E UM ANO DO DESAPARECIMENTO

DE JANUARY WAYNE, H E R D E I R A DOS MILH��ES DA FAM��-

LIA GRANGER. N��O F O I P O S S �� V E L E N T R E V I S T A R O NOIVO

DELA, DAVID M I L F O R D , Q U E ESTA PASSANDO AS F��RIAS

NA ILHA GREGA DE PATMOS, MAS AMIGOS D E L E AFIR-

MAM Q U E E L E AINDA T E M A ESPERAN��A DE Q U E E L A

E S T E J A VIVA. O DR. GERSON C L I F F O R D , Q U E ERA M �� D I -

CO A S S I S T E N T E DA SRTA. WAYNE, D I S S E Q U E A MESMA

SOFRIA UMA PROFUNDA DEPRESS��O EM CONSEQ����NCIA

DA M O R T E DO PAI E DA MADASTRA. O DR. C L I F F O R D ��

DE OPINI��O Q U E A SRTA. WAYNE PODE T E R ENTRADO

P E L O MAR E T E R - S E AFOGADO, D E S D E Q U E O CARRO

D E L A F O I ENCONTRADO NA PRAIA NA MANH�� S E G U I N T E

AO SEU DESAPARECIMENTO. NA MESMA MANH��, DOIS

MENINOS, E D W A R D S T E V E N S , DE 9 ANOS, E TOMMY KA-

ROL, DE 8, ENCONTRARAM NA PRAIA UMA ROLSA Q U E

F O I I D E N T I F I C A D A COMO DE P R O P R I E D A D E DA SRTA.

WAYNE. HAVIA APENAS NA BOLSA UMA CARTEIRA VAZIA

COM ALGUNS CART��ES DE C R �� D I T O E UMA CAIXA DE

PL��STICO, D E N T R O DA QUAL HAVIA DOIS CUBOS DE

A����CAR.

445



COMPOSTO E IMPRESSO POR

SEDEGRA SOCIEDADE EDITORA E GR��FICA LTDA.

RUA MATIP��, 101/115 ��� TEL.: 261-8160 ��� RIO-GB

Quando afinal entrou nesse

mundo, ele lhe pareceu muito di-

ferente daquele com que sonhara.

O ajustamento de January a essa

estranha realidade foi longo, de-

sesperado e dif��cil e ela n��o con-

tou com a ajuda nem das circuns-

t��ncias, nem das pessoas. Entre

estas, marcam a sua presen��a nas

p��ginas do livro, al��m do pai, sem-

pre a seu lado em atos ou pensa-

mentos, Deirdre Milford Granger,

uma das mulheres mais ricas do

mundo, David Milford, sobrinho

dela e aparentemente um noivo na-

tural para January, Karla, uma

ex-atriz de cinema, ainda bela e

de vida tormentosa, Linda Riggs,

uma ex-colega de January cuja ins-

tabilidade emocional estava sempre

a explodir, e Tom Colt, um velho

romancista de sucesso que a en-

cantou.

Todas essas figuras se movem

num cen��rio muito atual de vio-

l��ncia, de sexo, de anormalidade

e de t��xico para chegar a um fi-

nal dram��tico e intenso, que �� a

coroa����o deste romance trepidante.







---------- Forwarded message ---------
De: Bons Amigos lançamentos 



O Grupo Bons Amigos e o Grupo Só Livros com Sinopses têm o prazer de lançar hoje mais uma obra digital  no formato  pdf, epub e txt  para atender aos deficientes visuais.   


Uma Vez Só é Pouco - Jacqueline Susann
Livro doado e digitalizado por Fernando Santos

Sinopse:

O tema do romance é audacioso,
pungente e sensível, pois retrata
um caso curiosíssimo de incesto
mental. January Wayne, a
heroína, foi criada em mútua adoração
por um pai, que era um famoso
produtor de teatro e de cinema,
um homem de muitas mulheres
e, principalmente, um grande
jogador. A mãe de January
morreu quando ela estava apenas
com sete anos. Foi então levada
para um internato, de onde saía
para passar os fins de semana com
o pai e sonhar com o tempo em
que entraria no mundo fascinante
dele e assumiria o seu lugar para
sempre ao seu lado.

Lançamento    Só Livros com sinopses e Grupo Bons Amigos:

)https://groups.google.com/forum/#!forum/solivroscomsinopses  


2)https://groups.google.com/forum/#!forum/bons_amigos  


Blog:



Este livro representa uma contribuição do grupo Bons Amigos e Só livros com sinopses  para aqueles que necessitam de obras digitais como é o caso dos deficientes visuais 

e como forma de acesso e divulgação para todos. 
É vedado o uso deste arquivo para auferir direta ou indiretamente benefícios financeiros. 
 Lembre-se de valorizar e reconhecer o trabalho do autor adquirindo suas obras.

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