domingo, 23 de janeiro de 2022

{clube-do-e-livro} Lançamento: Cristianismo e Espiritismo - Léon Denis - Formatos : Epub, mobi, pdf e txt

L�ON DENIS

Cristianismo e Espiritismo


Provas Experimentais da
Sobreviv�ncia


RELA��ES COM OS ESP�RITOS DOS MORTOS
A DOUTRINA SECRETA � A NOVA
REVELA��O


Vitam impender� vero.


FEDERA��O ESP�RITA BRASILEIRA

DEPARTAMENTO EDITORIAL

Rua Souza Valente, 17
20941 � Rio-RJ � Brasil

e

Av. L-2 Norte � Q. 603 -Conjunto F
70830 � Bras�lia-DF - Brasil


8� Edi��o

Do 41� ao 50� milheiro

Tradu��o de
LEOPOLDO CIRNE

Capa de CECCONI

N.R.B.N.
601-AA; 000.01-O; 10/1987
Copyright 1919 by

FEDERA��O ESP�RITA BRASILEIRA

(Casa-M�ter do Espiritismo)

Av. L-2 Norte - Q. 603 - Conjunto F
70830 - Bras�lia-DF - Brasil

Composi��o, fotolitos e impress�o offset das
Oficinas do Departamento Gr�fico da FEB
Rua Souza Valente, 17
20941 Rio-
RJ Brasil
C.G.C. n� 33.644.85 710002-84 I.E. n� 81.600.503

Impresso no Brasil

PRESITA EN BRAZILO



�ndice

Introdu��o

7

Pref�cio da
nova edi��o francesa

17

I. Origem
dos Evangelhos

25

II. Autenticidade dos Evangelhos

29

III. Sentido oculto dos Evangelhos

35

IV. A Doutrina Secreta

42

V. Rela��es com os Esp�ritos dos mortos

51

VI. Altera��o do Cristianismo. Os dogmas

68

VII.
Os dogmas (continua��o). Os sacramentos, o
culto


80

VIII. Decad�ncia do Cristianismo

106

IX. A Nova Revela��o. O Espiritismo e a Ci�ncia 152

X. A Nova Revela��o. A Doutrina dos Esp�ritos 208

XI. Renova��o

235

Conclus�o

259

Notas complementares

N.
1. Sobre a autoridade da B�blia e as origens do
Antigo Testamento

263

N. 2. Sobre a origem dos Evangelhos

268

N. 3. Sobre a autenticidade dos Evangelhos

271

N. 4. Sobre o sentido oculto dos Evangelhos

272

N. 5. Sobre a Reencarna��o

273

N.
6. Sobre as rela��es dos primeiros crist�os com
os Esp�ritos

276


6
INDICE

N. 7. Os
fen�menos esp�ritas na B�blia

285

N.
8. Sobre o sentido atribu�do �s express�es deuses
e dem�nios

291

N.
9. Sobre o perisp�rito ou corpo sutil; opini�o dos
padres da Igreja

293

N. 10. Galileu e a Congrega��o do Index

296

N. 11. Pio
X e o Modernismo

299

N.
12. Os fen�menos esp�ritas contempor�neos; provas
da identidade dos Esp�ritos

301

N. 13. Sobre a telepatia

305

N.
14. Sobre a sugest�o ou a transmiss�o do pensamento


306


INTRODU��O

N�o foi um sentimento de hostilidade ou de malevol�ncia
que ditou estas p�ginas. Malevol�ncia n�o a
temos por nenhuma ideia, por pessoa alguma. Quaisquer
que sejam os erros ou as faltas dos que se acobertam
com o nome de Jesus e sua doutrina, o pensamento do
Cristo em n�s n�o desperta sen�o um sentimento de profundo
respeito e de sincera admira��o. Educado na religi�o
crist�, conhecemos tudo o que ela encerra de poesia
e de grandeza. Se abandon�mos o dom�nio da f� cat�lica
pelo da filosofia esp�rita, n�o esquecemos por isso
as recorda��es da nossa inf�ncia, o altar ornado de
flores diante do qual se inclinava a nossa fronte juvenil,
a grande harmonia dos �rg�os, sucedendo aos cantos
graves e profundos, e a luz coada atrav�s dos vitrais
coloridos, a brincar no ladrilhado solo, entre os fi�is
prosternados. N�o esquecemos que a austera cruz estende
os seus bra�os por sobre o t�mulo dos que mais
am�mos neste mundo. Se h� para n�s uma imagem,
entre todas vener�vel e sagrada, � a do supliciado do
Calv�rio, do m�rtir pregado ao madeiro infamante, ferido,
coroado de espinhos e que, ao expirar, perdoa aos
seus algozes.

Ainda hoje � com viva emo��o que escutamos os
long�nquos convites dos sinos, as vozes de bronze que
v�o acordar os sonoros ecos dos bosques e dos vales.
E, nas horas de tristeza, praz-nos meditar na igreja silenciosa
e solit�ria, sob a penetrante influ�ncia que nela
acumularam as preces, as aspira��es, as l�grimas de
tantas gera��es.


L�ON DENIS

Uma quest�o, por�m, se imp�e, quest�o que muitos
resolveram mediante o estudo e a reflex�o. Todo esse
aparato que impressiona os sentidos e move o cora��o,
todas essas manifesta��es art�sticas, pompa do ritual
romano e o esplendor das cerim�nias n�o s�o como um
brilhante v�u que oculta a pobreza da ideia e a insufici�ncia
do ensino f N�o foi a convic��o da sua impot�ncia
para satisfazer as elevadas faculdades da alma,
a intelig�ncia, o discernimento e a raz�o, o que impeliu
a Igreja para o caminho das manifesta��es exteriores e
materiais?

O protestantismo, ao menos, � mais s�brio. Se desdenha
as formas, a decora��o, � para melhor fazer sobressair
a grandeza da ideia. Estabelece a autoridade
exclusiva da consci�ncia e o culto do pensamento e de
grau em grau, de conseq��ncia em consequ�ncia, conduz
logicamente ao livre exame, isto �, � filosofia.

Conhecemos tudo o que a doutrina do Cristo encerra
de sublime; sabemos que ela � por excel�ncia, a doutrina
do amor, a religi�o da piedade, da miseric�rdia, da
fraternidade entre os homens. Mas a doutrina de Jesus
� a que ensina a Igreja Romana? A palavra do Nazareno
nos foi transmitida pura e sem mescla, e a interpreta��o
que dela nos d� a Igreja � isenta de todo elemento
estranho ou parasita?

N�o h� quest�o mais grave, mais digna' da medita��o
dos pensadores, como da aten��o de todos os que
amam e procuram a verdade. E o que nos propomos examinar
na primeira parte desta obra, com o aux�lio e a
inspira��o dos nossos guias do espa�o, afastando tudo

o que poderia perturbar as consci�ncias, excitar as m�s
paix�es, fomentar a divis�o entre os homens.
� verdade que esse trabalho foi, antes de n�s, empreendido
por outros. Mas o objetivo destes, seus meios
de investiga��o e de cr�tica eram diferentes dos nossos.
Procuram menos edificar que destruir, ao passo que,
antes de tudo, quisemos fazer obra de reconstitui��o e
de s�ntese. Consagr�mo-nos � tarefa de destacar da
sombra das idades, da confus�o dos textos e dos fatos,


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

o pensamento b�sico, pensamento de vida, que � a fonte
pura, o foco intenso e radioso do Cristianismo, ao mesmo
tempo que a explica��o dos estranhos fen�menos
que caracterizam as suas origens, fen�menos renov�veis
sempre, que efetivamente se renovam todos os dias sob
os nossos olhos e podem ser explicados mediante leis
naturais. Nesse pensamento oculto, nesses fen�menos
at� agora inexplicados, mas que uma nova ci�ncia
observa e regista, encontramos a solu��o desses problemas
que h� tantos s�culos pairam sobre a raz�o humana:
o conhecimento da nossa verdadeira natureza e
a lei dos nossos destinos progressivos.
Uma das mais serias obje��es lan�adas ao Cristianismo
pela cr�tica moderna � que a sua moral e a sua
doutrina da imortalidade repousam sobre um conjunto
de fatos ditos �miraculosos�, que o homem esclarecido
relativamente � a��o das leis da natureza n�o poderia
hoje admitir.

Se milagres, acrescentam, puderam ser outrora necess�rios
para fundar a cren�a na outra vida, s�-lo-�o
menos em nossa �poca de d�vida e de incredulidade?
E, al�m disso, a que causa atribuir esses milagres? N�o
�, como alguns o pretenderam, � natureza divina do
Cristo, porquanto seus disc�pulos igualmente os obtinham.


A quest�o, por�m, ficar� esclarecida por uma luz
intensa, e as afirma��es do Cristianismo relativamente
� imortalidade adquirir�o mais for�a e autoridade, se
for poss�vel estabelecer que esses fatos, ditos �.miraculosos
�, se produziram em todos os tempos, particularmente
em nossos dias; que eles s�o o resultado de
causas livres, invis�veis, que perpetuamente atuam,
submetidas, por�m, a imut�veis leis, se neles, em uma
palavra, j� n�o vemos milagres, mas fen�menos naturais,
uma forma da evolu��o e da supervivencia do ser.

� precisamente esta uma das consequ�ncias do Espiritismo.
Por um aprofundado estudo das manifesta��es
do al�m-t�mulo, ele demonstra que esses fatos


10 L�ON DENIS

ocorreram em todas as �pocas, quando as persegui��es
n�o lhes opunham obst�culos; que quase todos os grandes
mission�rios, os fundadores de seitas e de religi�es
foram m�diuns inspirados; que uma perp�tua comunh�o
une duas humanidades, ligando aos do mundo terrestre
os habitantes do espa�o.

Esses fatos se reproduzem em torno de n�s com
renovada intensidade. Desde h� cinquenta anos aparecem
formas, fazem-se ouvir vozes, chegam-nos comunica��es
por via tiptol�gica ou de incorpora��o, assim
como pela escrita autom�tica. Provas de identidade, em
profus�o, v�m revelar-nos a presen�a de nossos parentes,
dos que na terra am�mos, que foram a nossa carne
e o nosso sangue, e dos quais nos havia momentaneamente
a morte separado. Em suas pr�ticas, em seus ensinos,
aprendemos a conhecer esse Alem misterioso,
objeto de tantos sonhos, debates e contradi��es. Em
nosso entendimento se acentuam e definem as condi��es
da vida ulterior. Dissipa-se a obscuridade que reinava
sobre tais quest�es. O passado e o futuro se esclarecem
at� o mais �ntimo de suas profundezas.

Assim o Espiritismo nos oferece as provas naturais,
tang�veis, da imortalidade e por esse meio nos
conduz �s puras doutrinas crist�s, ao pr�prio �mago do
Evangelho, que a obra do Catolicismo e a lenta edifica��o
dos dogmas mal cobriram de tantos elementos
incongruentes e estranhos. Gra�as ao seu estudo escrupuloso
do corpo flu�dico, ou perisp�rito, ele torna mais
compreens�veis, mais aceit�veis, os fen�menos de apari��es
e materializa��es, sobre as quais o Cristianismo
repousa integralmente.

Estas considera��es melhor far�o sobressair a import�ncia
dos problemas suscitados no curso desta obra
e cuja solu��o oferecemos, apoiando-nos ao mesmo tempo
nos testemunhos de s�bios imparciais e esclarecidos,



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 11

e nos resultados de experi�ncias pessoais, realizadas
consecutivamente h� mais de trinta anos.

Sob esse ponto de vista, a oportunidade do presente
trabalho a ningu�m de certo escapar�. Nunca a necessidade
de esclarecimento das quest�es vitais, a que se acha
indissoluvelmente ligada a sorte das sociedades, se f�z
sentir de modo mais imperioso.

Cansado de dogmas obscuros, de interesseiras teorias,
de afirma��es sem provas, o pensamento humano
h� muito se deixou empolgar pela d�vida. Uma cr�tica
inexor�vel joeirou rigorosamente todos os sistemas. A f�
se extinguiu em sua pr�pria fonte; o ideal religioso desapareceu.
Concomitantemente com os dogmas, perderam

o seu prest�gio as elevadas doutrinas filos�ficas. O homem
esqueceu ao mesmo tempo o caminho dos templos
e dos p�rticos da sabedoria.
Para quem quer que observe atentamente as coisas,
os tempos que vivemos est�o carregados de amea�as.
Parece brilhante a nossa civiliza��o, e, todavia, quantas
manchas lhe obscurecem o esplendor! O bem-estar e a
riqueza se t�m espalhado, mas � acaso por suas riquezas
que uma sociedade se engrandece? O objetivo do homem
na terra �, porventura, levar uma vida faustosa e sensual?
N�o! Um povo n�o � grande, um povo n�o se
eleva sen�o pelo trabalho, pelo culto da justi�a e da
verdade.

Em que se tornaram as civiliza��es do passado,
aquelas em que o indiv�duo n�o se preocupava sen�o com

o corpo, com as suas necessidades e as suas fantasias?
Acham-se em ru�nas; est�o mortas.
Voltamos a encontrar, precisamente em nossa �poca,
as mesmas tend�ncias perigosas que as perderam:
s�o as que consistem em tornar tudo adstrito � vida material,
em constituir objeto e fim da exist�ncia a conquista
dos prazeres f�sicos. A cr�tica e a consci�ncia
materialistas restringiram os horizontes da vida. As
tristezas da hora presente acrescentaram a nega��o sistem�tica,
a acabrunhadora ideia do nada. E por esse


L�ON DENIS

modo agravaram todas as mis�rias humanas; arrebataram
ao homem, com as mais seguras armas morais
de que dispunha, o sentimento de suas responsabilidades;
abalaram at� �s suas profundezas o pr�prio foro
�ntimo do eu.

Assim, gradualmente, os caracteres se v�o abatendo,
a venalidade cresce, a imoralidade se alastra como
imensa chaga. O que era sofrimento se converteu em
desespero. Os casos de suic�dio se t�m multiplicado em
propor��es at� aqui desconhecidas. � Coisa monstruosa
e que em nenhuma outra �poca se viu: este flagelo do
s�culo at� as pr�prias crian�as tem contaminado.

Contra essas doutrinas de nega��o e morte falam
hoje os fatos. Uma experimenta��o met�dica, prolongada,
nos conduz a esta certeza: o ser humano sobrevive
� morte e o seu destino � obra sua.

Fatos in�meros se t�m multiplicado, oferecendo
novos subsidios acerca da natureza, da vida e da ininterrupta
evolu��o dos seres. Esses fatos foram pela
ci�ncia devidamente autenticados. Importa agora interpret�-
los, p�-los em evid�ncia e, sobretudo, deduzir-lhes
a lei, as consequ�ncias e tudo o que deles pode resultar
para a exist�ncia individual e social.

Esses fatos v�o despertar no �ntimo das consci�ncias
as verdades a� adormecidas. Eles restituir�o ao homem
a esperan�a, com o elevado ideal que esclarece e
fortifica. Provando que n�o morremos inteiramente, encaminhar�o
os pensamentos e os cora��es para essas
vidas ulteriores em que a justi�a encontra a sua aplica��o.


Todos, por esse meio, compreender�o que a vida tem
um objetivo, que a lei moral tem uma realidade e unia
san��o; que n�o h� sofrimentos in�teis, trabalho sem
proveito, nem provas sem compensa��o, que tudo � pesado
na balan�a do divino Justiceiro.

Em lugar desse campo cerrado da vida em que os
fracos sucumbem fatalmente, em lugar dessa gigantesca
e cega m�quina do mundo que tritura as exist�ncias


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 13

e de que nos falam as filosofias negativas, o Novo Espiritualismo
far� surgir, aos olhos dos que pesquisam e
dos que sofrem, a portentosa vis�o de um mundo de equidade,
de amor e de justi�a, onde tudo � regulado com.
ordem, sabedoria, harmonicamente.

E dessa forma ser� atenuado o sofrimento, assegurado
o progresso do homem, santificado o seu trabalho;
a vida se revestir� de maior dignidade e enobrecimento.
Porque o homem tem tanta necessidade de uma
cren�a como de uma p�tria, como de um lar. � o que
explica que formas religiosas, envelhecidas e caducas,
conservem ainda os seus adeptos. H� no cora��o humano
tend�ncias e necessidades que nenhum sistema
negativo poder� jamais satisfazer. Mau grado � d�vida
que a oprime, desde que a alma sofre, instintivamente
se volta para o c�u. Fa�a o que fizer, o homem torna a
encontrar o pensamento de Deus nas cantilenas que no
ber�o o embalaram, MOS sonhos da sua inf�ncia, como
nas silenciosas medita��es da idade adulta.

A certas horas, n�o pode o c�ptico mais endurecido
contemplar o infinito constelado, o curso dos milh�es
ds s�is que na imensidade se efetua, nem passar
diante da morte, sem perturba��o e sem respeito.

Sobranceira �s v�s pol�micas, �s discuss�es est�reis,
h� uma coisa que escapa a todas as cr�ticas: � essa
aspira��o da alma humana a um ideal eterno, que a sustenta
em suas lutas, consola nas prova��es, e nas horas
das grandes resolu��es � a sua inspiradora; � essa intui��o
do que, por tr�s da cena em que se desenrolam
os dramas da vida e o grandioso espet�culo da natureza,
oculta-se um poder, uma causa suprema, que lhes regulou
as fases sucessivas e tra�ou as linhas de sua evolu��o.


Onde, por�m, encontrar� o homem a segura rota
que o conduza a Deus? Onde haurir a inabal�vel convic��o
que, de est�dio em est�dio, o guiar� atrav�s dos
tempos e do espa�o, para o supremo fim das exist�ncias?
Qual ser�, numa palavra, a cren�a do futuro?


14 LEON DENIS

As formas materiais e transit�rias da religi�o passam,
mas a vida religiosa, a cren�a pura, desembara�ada
de todas as formas inferiores �, em sua ess�ncia,
indestrut�vel. O ideal religioso evolver�, como todas as
manifesta��es do pensamento. Ele n�o poderia escapar
� lei do progresso que rege os seres e as coisas.

A fatura f� que j� emerge dentre as sombras n�o
ser�, nem cat�lica nem protestante; ser� a cren�a universal
das almas, a que reina em todas as sociedades
adiantadas do espa�o, e mediante a qual cessar� o antagonismo
que separa a ci�ncia, atual da religi�o. Porque,
com ela, a ci�ncia tornar-se-� religiosa, e a religi�o
se h�-de tomar cient�fica.

Ela se apoiar� na observa��o, na experi�ncia imparcial,
nos fatos milhares de vezes repetidos.

Mostrando-nos as realidades objetivas do mundo
dos esp�ritos, dissipar� todas as d�vidas, destruir� as
incertezas; a todos franquear� infinitas perspectivas do
futuro.

Em certas �pocas da Hist�ria, passam sobre o
mundo correntes de ideias que v�m arrancar a Humanidade
ao seu torpor. Sopros vindos do alto encrespam a
imensa vaga humana, e, gra�as a eles, brotam da sombra
as verdades esquecidas na caligem dos s�culos. Elas
surgem das mudas profundezas em que dormem os tesouros
das for�as ocultas, onde se combinam os elementos
renovadores, onde se elabora a obra misteriosa e divina.
Manifestam-se, ent�o, sob inesperadas formas;
reaparecem e revivem.

Em come�o repudiadas, escarnecidas pela multid�o,
prosseguem, todavia, impass�veis, serenas, o seu caminho.
E chega um dia em que se � for�ado a reconhecer
que essas verdades repelidas vinham oferecer o p�o da
vida, o c�lice da esperan�a a todas as almas sofredoras
e dilaceradas; que nos traziam nova base de ensinamento
e, porventura tamb�m, um meio de reabilita��o
moral.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

Tal a situa��o do moderno Espiritualismo, em que
renascem tantas verdades h� s�culos ocultas. Em seu
contexto ele resume as cren�as dos s�bios e dos antigos
celtas, nossos pais; ressurge sob mais imponentes formas,
para encaminhar a um novo ciclo ascensional a
Humanidade em marcha.


Pref�cio da Nova Edi��o Francesa

Dez anos sucederam � publica��o desta obra. A Hist�ria
desdobrou sua trama e consider�veis acontecimentos se
realizaram em nosso pais. A Concordata foi denunciada.
O Estado cortou o la�o que o prendia � Igreja Romana.
Ressalvados alguns pontos, foi com uma esp�cie de indiferen�a
que a opini�o p�blica recebeu as medidas de rigor tomadas
pelo poder civil contra as institui��es cat�licas.

De que procede esse estado de esp�rito, essa desafel��o
n�o apenas local, mas quase generalizada, dos franceses pela
Igreja? � De n�o ter esta realizado esperan�a alguma das
que havia suscitado. Nem soube compreender, nem desempenhar
o seu papel e os deveres de guia e educadora de almas,
que assumira.

H� um s�culo, vinha a Igreja Cat�lica atravessando uma
das mais formid�veis crises que regista a sua hist�ria. Na
Fran�a, a Separa��o veio acentuar esse estado de coisas e
agrav�-lo ainda mais.

Repudiada pela sociedade moderna, abandonada pelo escol
intelectual do mundo, em perp�tuo conflito com o direito
novo, que jamais aceitou; em contradi��o, portanto, quase
em todos os pontos essenciais, com as leis civis de todos os
pa�ses, repelida e detestada pelo povo e, principalmente, pelo
operariado, j� n�o resta � Igreja mais que um punhado de
adeptos entre as mulheres, os velhos e as crian�as. O futuro
cessou de lhe pertencer, pois que a educa��o da mocidade
acaba de lhe ser arrebatada, n�o sem alguma viol�ncia,
pelas recentes leis da Rep�blica francesa.

Ai est� no limiar do s�culo XX , o balan�o atual da Igreja
romana. Desejar�amos, num estudo imparcial, mesmo respeitoso,
investigar as causas profundas desse eclipse do poder
eclesi�stico, eclipse parcial ainda, mas que, em futuro
n�o remoto, amea�a converter-se em total e definitivo.

A Igreja � atualmente impopular. Ora, n�s vivemos �poca
em que a popularidade, sagra��o dos novos tempos, �


18 L�ON DENIS

indispens�vel � durabilidade das institui��es. Quem lhe n�o
possuir o cunho, arrisca-se a perecer em pouco tempo no in


sulamento e no olvido.

Como chegou a Igreja Cat�lica a esse ponto? � Pela
excessiva neglig�ncia que a causa do povo mereceu de sua
parte. A Igreja s� foi verdadeiramente popular e democr�tica
em suas origens, durante os tempos apost�licos, per�odos
de persegui��o e de mart�rio; e � o que ent�o justificava
a sua capacidade de proselitismo, a rapidez de suas conquistas,
o seu poder de persuas�o e de irradia��o. No dia
em que foi oficialmente reconhecida pelo Imp�rio, a partir
da convers�o de Constantino, tornou-se a amiga dos C�sares,
a aliada e, algumas vezes, a c�mplice dos grandes e
dos poderosos. Entrou na era infecunda das arg�cias teol�gicas,
das querelas bizantinas e, desse momento em diante,
tomou sempre ou quase sempre o partido do mais forte.
Feudal na Idade M�dia, essencialmente aristocr�tica no reinado
de Luiz XIV, s� f�z � Revolu��o tardias e for�adas
concess�es.

Todas as emancipa��es intelectuais e sociais se efetuaram
contra a sua vontade. Era l�gico, fatal, que se voltassem
contra ela: � o que na hora atual se verifica.

Adstrita, na Fran�a, por muito tempo � Concordata, incessantemente
se manteve em conflito sistem�tico e latente
com o Estado. Essa uni�o for�ada, que durava de um s�culo
para c�, devia necessariamente terminar pelo div�rcio. A lei
da Separa��o acaba de o pronunciar. O primeiro uso que de
sua liberdade, ostensivamente reconquistada, f�z a Igreja
foi lan�ar-se nos bra�os dos partidos reacion�rios, com esse
gesto provando que nada, h� um s�culo, aprendeu nem esqueceu
.

Empenhando solidariedade com os partidos pol�ticos que
j� fizeram seu tempo, a Igreja Cat�lica, sobretudo a de
Fran�a, por isso mesmo se condena a morrer no mesmo
dia, do mesmo g�nero de morte deles: a impopularidade.
Um papa genial, Le�o XIII tentou por momentos deslig�-la
de todo compromisso direto ou indireto com o elemento
reacion�rio; mas n�o foi escutado nem obedecido.

O novo pont�fice, Pio X, reatando a tradi��o de Pio IX,
seu antepredecessor, nada julgou melhor fazer que aplicar
as doutrinas do S�labo e da infalibilidade. Sob a vaga denomina��o
de modernismo, acaba ele de anatematizar a sociedade
moderna e combater qualquer tentativa de reconci



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 19

lia��o, ou de concilia��o com ela. (*) A guerra religiosa
amea�a atear-se nos quatro �ngulos do pa�s. O prest�gio de
grandeza que, a poder do g�nio diplom�tico, Le�o XIII havia
assegurado � Igreja, desvaneceu-se em poucos anos. O
Catolicismo, restringido ao dom�nio da consci�ncia privada
e individual, nunca mais desfrutar� a vida oficial e p�blica.

Qual � � inda uma vez o inquiriremos � a causa profunda
desse enfraquecimento da institui��o mais poderosa
do Universo ?

Em nossa opini�o, h� unicamente uma causa profunda
capaz de explicar esse fen�meno. Acreditar�o os pol�ticos,
os fil�sofos, os s�bios encontr�-la nas circunst�ncias exteriores,
em raz�o de ordem sociol�gica. Por nossa parte, iremos
procur�-Ia no pr�prio cora��o da Igreja. De um mal
org�nico � que ela deperece, atingida como nela se acha a
sede vital.

A vida da Igreja era o esp�rito de Jesus que a animava.
O sopro do Cristo, esse divino sopro de f�, caridade e
fraternidade universal era, de fato, o motor desse vasto organismo,
a pe�a motriz de suas fun��es vitais. Ora, h�
muito tempo o esp�rito de Jesus parece ter abandonado a
Igreja. N�o � mais a chama do Pentecostes que irradia
nela e em torno dela; essa generosa labareda se extinguiu
e nenhum Cristo h� que a reacenda.

Grande e bela, entretanto, sen�o ben�fica, foi outrora
a Igreja de Fran�a, asilo dos mais elevados esp�ritos, das
mais nobre intelig�ncias. Nos tempos b�rbaros, era ao mesmo
tempo a ci�ncia e a filosofia, a arte e a beleza, a ora��o
e a f�. Os grandes mosteiros, as abadias c�lebres tornaram-
se os ref�gios do pensamento. Ali se conservaram
os tesouros intelectuais, as rel�quias do g�nio antigo. No
s�culo Xlll ela inspirou uma bela parte do que o esp�rito
humano produziu de mais brilhante. Subjugava todos aqueles
indiv�duos rudes, aqueles b�rbaros mal polidos, e com
um gesto os prosternava na atitude da ora��o.

E agora j� n�o vive, j� n�o brilha sen�o do reflexo
de sua passada grandeza. Onde est�o hoje, na Igreja, os
pensadores e os artistas, os verdade�ros sacerdotes e os santos?
Os pesquisadores de verdades divinas, os grandes m�sticos
adoradores do belo, os sonhadores do infinito cederam
lugar aos pol�ticos combativos e negocistas.

(*) Ver, no fim do volume, nota complementar n� 11.


20 L�ON DENIS

A casa do Senhor se transformou em casa banc�ria
e em tribuna. A Igreja tem um reino que � deste mundo
e nada mais que deste mundo. J� n�o � o sonho divino o
que alimenta, n�o mais que ambi��es terrestres e uma
arrogante pretens�o de tudo dominar e dirigir.

As enc�clicas e os c�nones substitu�ram o serm�o da
montanha e os filhos do povo, as gera��es que se sucedem,
apenas t�m por guia um catecismo esdr�xulo, recheado
de no��es incompreens�veis, em que se fala de hip�stase,
de transubstancia��o; um catecismo incapaz de valer por
eficaz socorro nos momentos angustiosos da exist�ncia.
Disso procede a irreligi�o do maior n�mero. O culto de uma
determinada "Nossa Senhora" chegou a render at� dois milh�es
por ano, mas n�o h� uma �nica edi��o popular do
Evangelho entre os cat�licos.

Todas as tentativas de fazer penetrar na Igreja um
pouco de ar e luz e como um sopro dos novos tempos, t�m
sido sufocadas, reprimidas. Lamennais, H. Loyson, Didon,
foram obrigados a se retratar ou abandonar o "gr�mio". O
abade Loisy foi expulso de sua c�tedra.

Curvada, h� s�culos, ao jugo de Roma, a Igreja perdeu
toda iniciativa, toda a energia viril, toda veleidade de independ�ncia.
E' tal a organiza��o do Catolicismo que nenhuma
decis�o pode ser tomada, nenhum ato consumado, sem

o consentimento e o sinal do poder romano. E Roma est�
petrificada em sua hier�tica atitude qual est�tua do Passado.
O cardeal Meignan, falando do Sacro Col�gio, dizia um
dia a um seu amigo: "L� est�o eles, os setenta anci�os,
vergados ao peso, n�o dos anos, mas das responsabilidades,
vigilantes para que nem um til seja tirado, nem um til acrescentado
ao dep�sito sagrado." Em tais condi��es a Igreja
Cat�lica j� n�o � moralmente uma institui��o viva, n�o �
mais um corpo em que circule a vida, sen�o um t�mulo
em que jaz, como amortalhado, o pensamento humano.

H� longos s�culos, n�o era a Igreja mais que um poder
pol�tico, admiravelmente organizado, hierarquizado; enchia
a Hist�ria com o fragor de suas lutas ruidosas, em
companhia dos reis e imperadores, com os quais partilhava
a hegemonia do mundo. Havia concebido um gigantesco
plano:, a cristandade, isto �, o conjunto dos povos cat�licos
arregimentados, unidos como um ex�rcito formid�vel
em torno do papa romano, soberano senhor e ponto cul



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 21

minante da feudalidade. Era grandioso, mas puramente humano.


Ao Imp�rio Romano, solapado pelos b�rbaros, tinha a
Igreja substitu�do o Imperio do Ocidente, vasta e poderosa
institui��o em torno da qual toda a Idade M�dia gravitou.
Nessa confedera��o pol�tica e religiosa tudo desaparecia,
e dela unicamente duas cabe�as emergiam: o papa e o imperador,
"essas duas metades de Deus".

Jesus n�o havia fundado a religi�o do Calv�rio para
dominar os povos e os reis, mas para libertar as almas do
jugo da mat�ria e pregar, pela palavra e pelo exemplo, o
�nico dogma de reden��o: o Amor.

Silenciemos sobre os despotismos solid�rios dos reis e
da Igreja; esque�amos a Inquisi��o e suas v�timas e voltemos
aos tempos atuais.

Um dos maiores erros da Igreja, no s�culo dezenove, foi
a defini��o do dogma da infalibilidade pessoal do pont�fice
romano. Semelhante dogma, imposto como artigo de f�, foi
um desafio lan�ado � sociedade moderna e ao esp�rito humano.


Proclamar, no s�culo vinte, em face de uma gera��o febricitante,
atormentada da �nsia de infinito, perante homens
e povos que aspiram � verdade sem a poder atingir,
que procuram a justi�a, a liberdade, como o veado sequioso
procura e aspira a �gua da fonte, o manancial do rio,
proclamar � dizemos � num mundo assim, em adiantada
gesta��o, que um �nico homem na Terra possui toda a verdade,
toda a luz, toda a ci�ncia, n�o ser� � repetimos �
lan�ar um desafio a toda a Humanidade, a essa Humanidade
condenada, na Terra, ao supl�cio de T�ntalo, �s dilacera��es
de Prometeu?

Dificilmente se reabilitar� dessa grav�ssima falta a
Igreja Cat�lica. No dia em que divinizou um homem, tornou-
se ela merecedora da increpa��o de idolatria, que Montalembert
lhe dirigiu quando, ao lhe ser comunicada, no
leito de morte, a defini��o da infalibilidade pontif�cia, exclamou:
"Nunca hei-de adorar o �dolo do Vaticano!" Ser� exagerado
o termo "�dolo" ? � Como os C�sares romanos, a
quem era oferecido um culto, o papa faz quest�o de ser chamado
pont�fice e rei. Que � ele sen�o o sucessor dos imperadores
de Roma e de Biz�ncio? Seu pr�prio vestu�rio,
seus gestos e atitudes, o obsoleto cerimonial e o fausto da
sua c�ria, tudo recorda as pompas cesareanas dos piores


22 L�ON DENIS

dias, e foi o eloquente orador espanhol, o religioso Emilio
Castelar que exclamou um dia, vendo Pio IX carregado na
s�dia, procissionalmente, a caminho de S. Pedro: "Aquele
n�o � o pescador da Galileia, � um s�trapa do Oriente!"

A causa �ntima da decad�ncia e impopularidade da
Igreja Romana reside em ter colocado o papa no lugar de
Deus. O esp�rito do Cristo retirou-se dela! Perdendo a virtude
do Alto, que a sustentava, a Igreja caiu nas m�os da
politica humana. J� n�o � uma institui��o de ordem divina;

o pensamento de Jesus n�o mais a inspira e os maravilhosos
dons que o Esp�rito de Pentecostes lhe comunicava desapareceram
.
Ainda mais: atacada de cegueira, como os padres da
antiga Sinagoga, ao advento de Jesus, a Igreja esqueceu

o sentido profundo da sua liturgia e dos seus mist�rios. Os
padres j� n�o conhecem a oculta significa��o das coisas;
perderam o segredo da inicia��o. Seus gestos se tornaram
est�reis, suas b�n��os n�o mais aben�oam, seus an�temas
j� n�o amaldi�oam. Foram apeados at� ao n�vel comum,
e o povo, compreendendo que � nulo o seu poder e ilus�rio
o seu mist�rio, encaminhou-se a outras influ�ncias e foi a
outros deuses que passou a incensar.
Na Igreja a teologia aniquilou o Evangelho, como na
velha Sinagoga o Talmude havia desnaturado a Lei. E s�o
os cultores da letra que atualmente a dirigem. Uma coletividade
de fan�ticos mesquinhos e violentos acabar� por
tirar � Igreja os �ltimos vest�gios da sua grandeza e consumar-
lhe a impopularidade. Assistiremos provavelmente
� ru�na progressiva dessa institui��o que foi durante vinte
s�culos a educadora do mundo, mas que parece haver falido
� sua verdadeira voca��o.

Da� se deve concluir que o futuro religioso da Humanidade
esteja comprometido irrevogavelmente, e que o mundo
inteiro deva so�obrar no materialismo como num oceano de
lama? Longe disso. O reinado da letra acaba, o do esp�rito
come�a. A chama de Pentecostes, que abandona o candelabro
de ouro da Igreja, vem acender outros archotes. A
verdadeira revela��o se inaugura no mundo pela virtude
do invis�vel. Quando em um ponto o fogo sagrado se extingue,
� para se atear noutro lugar. Jamais a noite completa
envolve em treva o mundo. Sempre no firmamento
cintila alguma estrela.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 23

A alma humana, mediante suas profundas ramifica��es,
mergulha no infinito. O homem n�o � um �tomo isolado
no imenso turbilh�o vital. Seu esp�rito sempre est�, por
algum lado, em comunh�o com a Causa eterna; seu destino
faz parte integrante das harmonias divinas e da vida
universal. Pela for�a das coisas h�-de o homem se aproximar
de Deus. A morte das Igrejas, a decad�ncia das religi�es
formalistas, n�o constituem sintoma de crep�sculo,
mas, ao contr�rio, a aurora inicial de um astro que desponta.
Nesta hora de perturba��o em que nos encontramos,
grande combate se trava entre a luz e as caligens, como
sucede quando uma tempestade se forma sobre o vale; mas
as culmin�ncias do pensamento continuam sempre imersas
no azul e na serenidade.

Sursum. corda! � de fato a vida eterna que ante n�s
se descerra ilimitada e radiosa! Assim como no infinito
milhares de mundos s�o arrebatados por seus s�is, rumo do
incomensur�vel, num giro harmonioso, ritmado qual dan�a
antiga e nem astro nem terra alguma torna a passar jamais
pelo mesmo ponto, as almas por seu turno, arrastadas
pela atra��o magn�tica do seu invis�vel centro, prosseguem
evolvendo no espa�o, atra�das incessantemente por
um Deus, de quem sempre se aproximam sem jamais o
alcan�ar.

For�a � reconhecer que esta doutrina � bem mais ampla
que os dogmas exclusivos das Igrejas agonizantes e
que, se o futuro pertence a algu�m ou alguma coisa, h�-de

o ser indubitavelmente ao espiritualismo universal, a esse
Evangelho
da eternidade e do infinito!
Fevereiro, 1910.


I � Origem dos Evangelhos

H� cerca de um s�culo, consider�veis trabalhos
empreendidos nos diversos pa�ses crist�os, por homens
de elevada posi��o nas igrejas e nas universidades, permitiram
reconstituir as verdadeiras origens e as fases
sucessivas da tradi��o evang�lica.

Foi, sobretudo, nos centros de religi�o protestante
que se elaboraram esses trabalhos, notabil�ssimos por
sua erudi��o e seu car�ter minucioso, e que t�o vivas
claridades projetaram sobre os primeiros tempos do
Cristianismo, sobre o fundo, a forma, o alcance social
das doutrinas do Evangelho (1).

S�o os resultados desses trabalhos o que exporemos
resumidamente aqui, sob uma forma que esfor�aremos
por tornar mais simples que a dos exegetas
protestantes.

O Cristo nada escreveu. Suas palavras, disseminadas
ao longo dos caminhos, foram transmitidas de boca
em boca e, posteriormente, transcritas em diferentes
�pocas, muito tempo depois da sua morte. Uma tradi��o
religiosa popular formou-se pouco a pouco, tradi��o que
sofreu constante evolu��o at� o s�culo IV.

Durante esse per�odo de trezentos anos, a tradi��o
crist� jamais permaneceu estacion�ria, nem a si mesma

(1) Esses trabalhos acham-se resumidos na "Eneliclop�dia
das Ci�ncias Religiosas", de F. Lichtenberger, decano da Faculdade
de teologia protestante de Paris, a qual pode ser proveitosamente
consultada por quantos se interessam pelos estudos
de exegese e de critica sagrada. Al�m dessa obra, pode-se-lhe
recomendar a "Hist�ria da Teologia Crist� no s�culo Apost�lico",
por Eduardo Reuss, professor de teologia em Estrasburgo
(Paris, Treuttel e W�rtz, 1852). � Harnack, "A Ess�ncia do
Cristianismo", tradu��o de A. Bertrand (Paris, Fischbacher).

26 L�ON DENIS

semelhante. Afastando-se do seu ponto de partida, atrav�s
dos tempos e lugares, ela se enriqueceu e diversificou.
Efetuou-se poderoso trabalho de imagina��o; e,
acompanhando as formas que revestiram as diversas
narrativas evang�licas, segundo a sua origem, hebraica
ou grega, foi poss�vel determinar com seguran�a a
ordem em que essa tradi��o se desenvolveu e fixar a
data e o valor dos documentos que a representam.

Durante perto de meio s�culo depois da morte de
Jesus, a tradi��o crist�, oral e viva, � qual �gua corrente
em que qualquer se pode saciar. Sua propaganda
se f�z por meio da pr�dica, pelo ensino dos ap�stolos,
homens simples, iletrados (2), mas iluminados pelo
pensamento do Mestre.

N�o � sen�o do ano 60 ao 80 que aparecem as primeiras
narra��es escritas, a de Marcos a princ�pio, que
� a mais antiga, depois as primeiras narrativas atribu�das
a Mateus e Lucas, todas, escritos fragment�rios e
que se v�o acrescentar de sucessivas adi��es, como todas
as obras populares (3).

Foi somente no fim do s�culo I, de 80 a 98, que
surgiu o evangelho de Lucas, assim como o de Mateus,

o primitivo, atualmente perdido; finalmente, de 98 a
110, apareceu, em �feso, o evangelho de Jo�o.
Ao lado desses evangelhos, �nicos depois reconhecidos
pela Igreja, grande n�mero de outros vinha � luz.
Desses, s�o conhecidos atualmente uns vinte; mas, no
s�culo III, Or�genes os citava em maior n�mero. Lucas
faz alus�o a isso no primeiro vers�culo da obra que traz

o seu nome.
Por que raz�o foram esses numerosos documentos
declarados ap�crifos e rejeitados? Muito provavelmente
porque se haviam constitu�do num embara�o aos que, nos

(2) Excetuado Paulo, versado nas letras.
(3) A. Sabatier, diretor da se��o dos Estudos superiores,
na Sorbona, "Os Evangelhos Can�nicos", p�g. 5. A Igreja
sentiu a dificuldade em encontrar novamente os verdadeiros
autores dos Evangelhos. Da� a f�rmula por ela adotada: Evangelho
segundo...

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 27

s�culos II e III, imprimiram ao Cristianismo uma dire��o
que o devia afastar, cada vez mais, das suas formas
primitivas e, depois de haver repelido mil sistemas religiosos,
qualificados de heresias, devia ter como resultado
a cria��o de tr�s grandes religi�es, nas quais o
pensamento do Cristo jaz oculto, sepultado sob os
dogmas e pr�ticas devocionais como em um t�mulo (4).

Os primeiros ap�stolos limitavam-se a ensinar a
paternidade de Deus e a fraternidade humana. Demonstravam
a necessidade da penit�ncia, isto �, da repara��o
das nossas faltas. Essa purifica��o era simbolizada no
batismo, pr�tica adotada pelos ess�nios, dos quais os
ap�stolos assimilavam ainda a cren�a na imortalidade
e na ressurrei��o, isto �, na volta da alma � vida espiritual,
� vida do espa�o.

Dai a moral e o ensino que atra�am numerosos pros�litos
em torno dos disc�pulos do Cristo, porque nada
continham que se n�o pudesse aliar a certas doutrinas
pregadas no Templo e nas sinagogas.

Com Paulo e depois dele, novas correntes se formam
e surgem doutrinas confusas no seio das comunidades
crist�s. Sucessivamente, a predestina��o e a
gra�a, a divindade do Cristo, a queda e a reden��o, a
cren�a em Satan�s e no inferno, ser�o lan�ados nos esp�ritos
e vir�o alterar a pureza e a simplicidade ao
ensinamento do filho de Maria.

Esse estado de coisas vai continuar e se agravar,
ao mesmo tempo que convuls�es pol�ticas e sociais
h�o-de agitar a inf�ncia do mundo crist�o.

Os primeiros Evangelhos nos transportam � �poca
perturbada em que a Judeia, sublevada contra os romanos,
assiste � ru�na de Jerusal�m e � dispers�o do
povo judeu (ano 70). Foi no meio do sangue e das l�grimas
que eles foram escritos, e as esperan�as que
traduzem parece irromperem de um abismo de dores,
enquanto nas almas contristadas desperta o ideal novo,

(4) Ver notas complementares ns. 2, 3 e 4 no fim do
volume.


28 L�ON DENIS

a aspira��o de um mundo melhor, denominado �reino
dos c�us�, em que ser�o reparadas todas as injusti�as
do presente.

Nessa �poca, todos os ap�stolos haviam morrido,
com exce��o de Jo�o e Filipe; o v�nculo que unia os
crist�os era bem fraco ainda. Formavam grupos isolados
entre si e que tomavam o nome de igrejas (ecclesia,
assembleia), cada qual dirigido por um bispo ou vigilante
escolhido eletivamente.

Cada igreja estava entregue �s pr�prias inspira��es;
apenas tinha para se dirigir uma tradi��o incerta,
fixada em alguns manuscritos, que resumiam mais ou
menos fielmente os atos e as palavras de Jesus, e que
cada bispo interpretava a seu talante.

Acrescentemos a estas t�o grandes dificuldades as
que provinham da fragilidade dos pergaminhos, numa
�poca em que a imprensa era desconhecida; a falta de
intelig�ncia de certos copistas, todos os males que podem
fazer nascer a aus�ncia de dire��o e de cr�tica, e facilmente
compreenderemos que a unidade de cren�a e de
doutrina n�o tenha podido manter-se em tempos assim
tormentosos.

Os tr�s Evangelhos sin�ticos (5) acham-se fortemente
impregnados do pensamento judeu-crist�o, dos
ap�stolos, mas j� o evangelho de Jo�o se inspira em
influ�ncia diferente. Nele se encontra um reflexo da
filosofia grega, rejuvenescida pelas doutrinas da escola
de Alexandria.

Em fins do s�culo I, os disc�pulos dos grandes fil�sofos
gregos tinham aberto escolas em todas as cidades
importantes do Oriente. Os crist�os estavam em contato
com eles, e frequentes discuss�es se travavam entre
os partid�rios das diversas doutrinas. Os crist�os, arrebanhados
nas classes inferiores da popula��o, pouco letrados
em sua maior parte, estavam mal preparados
para essas lutas do pensamento. Por outro lado, os teo


(5) S�o assim designados os de Marcos, Lucas e Mateus.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 29

ristes gregos sentiram-se impressionados pela grandeza
e eleva��o moral do Cristianismo. Da� uma aproxima��o,
uma penetra��o das doutrinas, que se produziu em
certos pontos. O Cristianismo nascente sofria pouco a
pouco a influ�ncia grega, que o levava a fazer do Cristo

o verbo, o Logos de Plat�o.
II � Autenticidade dos Evangelhos

Nos tempos afastados, muito antes da vinda de
Jesus a palavra dos profetas, qual raio velado da verdade,
preparava os homens para os ensinos mais profundos
do Evangelho.

Mas, j� desvirtuado pela vers�o dos Setenta, o Antigo
Testamento n�o refletia, nos �ltimos s�culos antes
do Cristo, mais que uma intui��o das verdades superiores
(6).

�As eternas verdades, que s�o os pensamentos de
Deus � diz eminente individualidade do espa�o � foram
comunicadas ao mundo em todas as �pocas, levadas
a todos os meios, postas ao alcance das intelig�ncias,
com paternal bondade. O homem, por�m, as tem desconhecido
muitas vezes. Desdenhoso dos princ�pios ensinados,
arrastado por suas paix�es, em todos os tempos
passou ele ao p� de grandes coisas sem as ver. Essa neglig�ncia
do belo moral, causa de decad�ncia e corrup��o,
impeliria as na��es � pr�pria perda, se o guante
da adversidade e as grandes como��es da Hist�ria, abalando
profundamente as almas, n�o as reconduzissem
a essas verdades.�

Veio Jesus, esp�rito poderoso, divino mission�rio,
m�dium inspirado. Veio, encarnando-se entre os humildes,
a fim de dar a todos o exemplo de uma vida simples
e, entretanto, cheia de grandeza � vida de abnega��o
e sacrif�cio, que devia deixar na Terra inapag�veis
tra�os.

(6) Ver nota complementar n� 1, no fim do volume.

30 L�ON DENIS

A grande figura de Jesus ultrapassa todas as concep��es
do pensamento. Eis por que n�o pode ela ter sido
criada pela imagina��o. Nessa alma, de uma serenidade
celeste, n�o se nota m�cula nenhuma, nenhuma sombra.
Todas as perfei��es nela se fundem, com uma harmonia
t�o perfeita que se nos afigura o ideal realizado.

Sua doutrina, toda luz e amor, dirige-se sobretudo
aos humildes e aos pobres, a essas mulheres, a esses
homens do povo curvados sobre a terra, a essas intelig�ncias
esmagadas ao peso da mat�ria e que aguardam,
na prova��o e no sofrimento, a palavra de vida que as
deve reanimar e consolar.

E essa palavra lhes � prodigalizada com t�o penetrante
do�ura, exprime uma f� t�o comunicativa, que
lhes dissipa todas as d�vidas e os arrasta a seguir as
pegadas do Cristo.

O que Jesus chamava pregar aos simples �o evangelho
do reino dos c�us�, era p�r ao alcance de todos

o conhecimento da imortalidade e do Pai comum, do Pai
cuja voz se faz ouvir na serenidade da consci�ncia e na
paz do cora��o.
Pouco a pouco essa doutrina, transmitida verbalmente
nos primeiros tempos do Cristianismo, se altera
e complica sob a influ�ncia das correntes opostas, que
agitam a sociedade crist�.

Os ap�stolos, escolhidos por Jesus para lhe continuarem
a miss�o, muito bem o tinham sabido compreender;
haviam recebido o impulso da sua vontade e
da sua f�. Mas os seus conhecimentos eram restritos e
eles n�o puderam sen�o conservar piedosamente, pela
mem�ria do cora��o, as tradi��es, os pensamentos morais
e o desejo de regenera��o que lhes havia ele depositado
no �ntimo.

Em sua jornada paio mundo os ap�stolos se limitam,
pois, a formar, de cidade em cidade, grupos de
crist�os, aos quais revelam os princ�pios essenciais;
depois, v�o intrepidamente levar a �boa nova� a outras
regi�es.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 31

Os Evangelhos, escritos em meio das convuls�es que
assinalam a agonia do mundo judaico, depois sob a influ�ncia
das discuss�es que caracterizam os primeiros
tempos do Cristianismo, se ressentem das paix�es, dos
preconceitos da �poca e da perturba��o dos esp�ritos.
Cada grupo de fi�is, cada comunidade, tem seus evangelhos,
que diferem mais ou menos dos outros (7).
Grandes querelas dogm�ticas agitam o mundo crist�o
e provocam sanguinolentas perturba��es no Imp�rio, at�
que Teod�sio, conferindo a supremacia ao papado, imp�e
a opini�o do bispo de Roma � cristandade. A partir da�,

o pensamento, criador demasiado fecundo de sistemas
diferentes, h�-de ser reprimido.
A fim de p�r termo a essas diverg�ncias de opini�o,
no pr�prio momento em que v�rios conc�lios acabam de
discutir acerca da natureza de Jesus, uns admitindo,
outros rejeitando a sua divindade, o papa D�maso confia
a S�o Jer�nimo, em 384, a miss�o de redigir uma tradu��o
latina do Antigo e do Novo Testamento. Essa
tradu��o dever� ser, da� por diante, a �nica reputada
ortodoxa e tornar-se-� a norma das doutrinas da Igreja:
foi o que se denominou a �Vulgata�.

Esse trabalho oferecia enormes dificuldades. S�o
Jer�nimo achava-se, como ele pr�prio o disse, em presen�a
de tantos exemplares quantas c�pias. Essa variedade
infinita dos textos o obrigava a uma escolha e
a retoques profundos. � o que, assustado com as responsabilidades
incorridas, ele exp�e nos pref�cios da
sua obra, pref�cios reunidos em um livro c�lebre. Eis
aqui, por exemplo, o que ele dirigiu ao papa D�maso,
encabe�ando a sua tradu��o latina dos Evangelhos:

"De velha obra me obrigais a fazer obra nova. Quereis
que, de alguma sorte, me coloque como �rbitro entre os
exemplares das Escrituras que est�o dispersos por todo

o mundo, e, como diferem entre si, que eu distinga os que
est�o de acordo com o verdadeiro texto grego. E' um piedoso
trabalho, mas � tamb�m um perigoso arrojo, da parte
(7) Ver nota complementar n� 3.

L�ON DENIS

de quem deve ser por todos julgado, julgar ele mesmo os
outros, querer mudar a l�ngua de um velho e conduzir �
inf�ncia o mundo j� envelhecido.

"Qual, de fato, o s�bio e mesmo o ignorante que, desde
que tiver nas m�os um exemplar (novo), depois de o haver
percorrido apenas uma vez, vendo que se acha em desacordo
com o que est� habituado a ler, n�o se ponha imediatamente
a clamar que eu sou um sacr�lego, um fals�rio,
porque terei tido a aud�cia de acrescentar, substituir, corrigir
alguma coisa nos antigos livros? (Meclamitans esse
sacrilegum qui audeam aliquid in veteribus libris addere,
mutare, corrigere.) (8).

"Um duplo motivo me consola desta acusa��o. O primeiro
� que v�s, que sois o soberano pont�fice, me ordenais
que o fa�a; o segundo � que a verdade n�o poderia existir
em coisas que divergem, mesmo quando tivessem elas por
si a aprova��o dos maus."

S�o Jer�nimo assim termina:

"Este curto pref�cio t�o somente se aplica aos quatro
Evangelhos, cuja ordem � a seguinte: Mateus, Marcos, Lucas,
Jo�o. Depois de haver comparado certo n�mero de
exemplares gregos, mas dos antigos, que se n�o afastam
muito da vers�o it�lica, combin�mo-los de tal modo (tia
calamo temperavimus) que, corrigindo unicamente o que
nos parecia alterar o sentido, conservamos o resto tal qual
estava." (Obras de S�o Jer�nimo, edi��o dos Beneditinos,
1693, t. I, col. 1425).

Assim, � conforme uma primeira tradu��o do hebraico
para o grego, por c�pias com os nomes de Marcos
e Mateus; �, num ponto de vista mais geral, conforme
numerosos textos, cada um dos quais difere dos
outros (tot sunt enim exemplaria quot c�dices) que se
constitui a Vulgata, tradu��o corrigida, aumentada, modificada,
como o confessa o autor, de antigos manuscritos.


(8) A obra de S. Jer�nimo foi, efetivamente, mesmo em
sua vida, objeto das mais vivas criticas; pol�micas injuriosas
se travaram entre ele e seus detratores.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 33

Essa tradu��o oficial, que devia ser definitiva segundo
o pensamento de quem ordenara a sua execu��o,
foi, entretanto, retocada em diferentes �pocas, por
ordem dos pont�fices romanos. O que havia parecido
bom, do ano 386 ao de 1586, o que fora aprovado em
1546 pelo conc�lio ecum�nico de Trento, foi declarado
insuficiente e err�neo por Sixto V, em 1590. F�z-se nova
revis�o por sua ordem; mas a pr�pria edi��o que da�
resultou, e que trazia o seu nome, foi modificada por
Clemente VIII em uma nova edi��o, que � a que hoje
est� em uso e pela qual t�m sido feitas as tradu��es
francesas dos livros can�nicos, submetidos a tantas retifica��es
atrav�s dos s�culos.

Entretanto, a despeito de todas essas vicissitudes,
n�o hesitamos em admitir a autenticidade dos Evangelhos
em seus primitivos textos. A palavra do Cristo a�
se ostenta poderosa; toda d�vida se desvanece � fulgura��o
da sua personalidade sublime. Sob o sentido
adulterado, ou oculto, sente-se palpitar a for�a da primitiva
ideia. A� se revela a m�o do grande semeador.
Na profundeza desses ensinos, unidos � beleza moral e
ao amor, sente-se a obra de um enviado celeste.

Ao lado, por�m, dessa potente destra, a fr�gil m�o
do homem se introduziu nessas p�ginas, nelas enxertando
d�beis concep��es, ligadas bem mal aos primeiros
pensamentos e que, a par dos arroubos dalma, provocam
a. incredulidade.

Se os Evangelhos s�o aceit�veis em muitos pontos,
�, todavia, necess�rio submeter o seu conjunto � inspe��o
do racioc�nio. Todas as palavras, todos os fatos que
neles est�o consignados n�o poderiam ser atribu�dos
ao Cristo.

Atrav�s dos tempos que separam a morte de Jesus
da reda��o definitiva dos Evangelhos, muitos pensamentos
sublimes foram esquecidos, muitos fatos contest�veis
aceitos como reais, muitos preceitos mal interpretados
desnaturaram o ensino primitivo. Para servir
�s conveni�ncias de uma causa, foram decotados os


34 L�ON DENIS

mais belos, os mais opulentos ramos dessa �rvore de
vida. Sufocaram, antes do seu desabrochar, os fortalecedores
princ�pios que teriam conduzido os povos � verdadeira
cren�a, � que eles hoje em dia ainda procuram.

O pensamento do Cristo subsiste no ensino da
Igreja e nos sagrados textos, mesclado, por�m, de v�rios
elementos, de opini�es ulteriores, introduzidos pelos papas
e conc�lios, cujo intuito era assegurar, fortalecer,
tornar inabal�vel a autoridade da Igreja. Tal foi o objetivo
colimado atrav�s dos s�culos, o pensamento que
inspirou todos os retoques feitos nos primitivos documentos.
A despeito de tudo o que na Igreja resta de
esp�rito evang�lico, verdadeiramente crist�o, foi o suficiente
para produzir admir�veis obras, obras de caridade
que fizeram a gl�ria das igrejas cristas e que protestam
contra o fato de se acharem associadas a tantos
ambiciosos empreendimentos, inspirados no apego ao
dom�nio e aos bens materiais.

Seria preciso grande trabalho para destacar o verdadeiro
pensamento do Cristo do conjunto dos Evangelhos,
trabalho poss�vel, posto que �rduo para os inspirados,
dirigidos por segura intui��o, mas labor imposs�vel
para os que s� por suas pr�prias faculdades se
dirigem nesse d�dalo em que com as realidades se misturam
as fic��es, com o sagrado o profano, com a verdade
o erro.

Em todos os s�culos, impelidos por uma for�a superior,
certos homens se aplicaram a essa tarefa, procurando
desembara�ar o supremo pensamento das sombras
em torno dele acumuladas.

Amparados, esclarecidos por essa divina centelha
que para os homens apenas brilha de um modo intermitente,
mas cujo foco jamais se extingue, eles afrontaram
todas as acusa��es, todos os supl�cios, para afirmar
o que acreditavam ser a verdade. Tais foram os
ap�stolos da Reforma.

Eles foram, em sua tarefa, interrompidos pela
morte; mas do seio do espa�o ainda sustentam e inspi



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 35

ram os que se batem por essa grande causa. Gra�as aos
seus esfor�os, a noite que pesa sobre as almas come�a
a dissipar-se; raiou a aurora de uma revela��o muito
mais vasta.

� com o aux�lio dos esclarecimentos trazidos por
essa nova revela��o, cient�fica e, ao mesmo tempo, filos�fica,
j� espalhada em todo o mundo sob o nome de
Espiritismo, ou moderno Espiritualismo, que procuraremos
escoimar a doutrina de Jesus das obscuridades
em que o trabalho dos s�culos a envolveu. Chegaremos,
assim, � conclus�o de que essa doutrina � simplesmente
a volta ao Cristianismo primitivo, sob mais precisas
formas, com um imponente cortejo de provas experimentais,
que tornar� imposs�vel todo monop�lio, toda
reincid�ncia nas causas que desnaturaram o pensamento
de Jesus.

III � Sentido oculto dos Evangelhos

Uma certa escola atribui ao Cristianismo em geral,
e aos Evangelhos em particular, um sentido oculto e
aleg�rico. Alguns pensadores e fil�sofos chegaram mesmo
a negar a exist�ncia de Jesus, vendo nele, nas suas
palavras, nos fatos da sua vida, uma ideia filos�fica,
uma abstra��o a que foi dado um corpo, para satisfazer
a tradi��o que ao povo judeu anunciava um salvador, um
Messias.

Na sua opini�o, n�o passaria a hist�ria de Jesus
de um drama po�tico, representando o nascimento, a
morte, a ressurrei��o da ideia libertadora no seio do
povo hebreu escravizado, ou ainda uma s�rie de figuras
imaginadas para tornar percept�vel �s massas o lado
pr�tico e social do Cristianismo, a associa��o dos tipos
divino e humano em um modelo de perfei��o, oferecido
� admira��o dos homens.

Aceita semelhante tese, os Evangelhos deveriam
ser considerados f�bulas, inven��es. O poderoso movimento
do Cristianismo teria tido como ponto de partida
uma impostura. H� nisso uma evidente exagera��o. Se


L�ON DENIS

a vida de Jesus n�o � mais que uma fic��o, como p�de
ser acolhida por seus contempor�neos, a princ�pio, e
depois por uma longa s�rie de gera��es?

Quais seriam, pois, os verdadeiros fundadores do
Cristianismo? Os ap�stolos? Eram incapazes de tais
concep��es. Com exce��o de Paulo, que encontrou uma
doutrina j� constitu�da, a incapacidade deles � evidente.
A personalidade eminente de Jesus se destaca, vigorosamente,
do fundo de mediocridade dos seus disc�pulos.
A menor compara��o faz sobressair a impossibilidade
de semelhante hip�tese.

N�o foi dif�cil, nos Evangelhos, distinguir as adi��es
dos crist�os-judeus, as quais denunciam claramente
a sua origem, e formam contraste flagrante com
as palavras e a doutrina de Jesus (9). Da� resulta um
fato evidente, e � que autores imbu�dos, a esse respeito,
de ideias supersticiosas e acanhadas, eram incapazes de
inventar uma personalidade, uma doutrina, uma vida,
uma morte como as de Jesus.

Nesse mundo judaico, sombrio e exclusivista, em
que reinavam o �dio e o ego�smo, a doutrina do amor
e da fraternidade s� podia emanar de uma intelig�ncia
sobre-humana.

Se as Escrituras n�o fossem, em seu conjunto, sen�o
um amontoado de alegorias, uma obra de imagina��o,
a doutrina de Jesus n�o teria podido manter-se
atrav�s dos s�culos, em meio das correntes opostas que
agitaram a sociedade crist�. Constru��o sem alicerce,
ter-se-ia desagregado, desmoronado, batida pelo furac�o
dos tempos. Entretanto, ela ficou de p� e domina os s�culos,
a despeito das altera��es sofridas, a despeito de
tudo o que os homens fizeram para desfigur�-la, para
submergi-la nas vagas de uma interpreta��o err�nea.

A cren�a num mito n�o teria sido suficiente para
inspirar aos primeiros crist�os o esp�rito de sacrif�cio,

o hero�smo em face da morte; n�o lhes teria proporcio(
9) Ver notas complementares n�s. 2 e 3.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 37

nado os meios de fundar uma religi�o que dura h� vinte
s�culos. S� a verdade pode desafiar a a��o do tempo e
conservar a sua for�a, a sua moral, a sua grandeza, n�o
obstante os esfor�os de sapa que procuram arruin�-la.
Jesus �, positivamente, a pedra angular do Cristianismo,
a alma da nova revela��o. Ele constitui toda a sua
originalidade.

Al�m disso, n�o faltam testemunhos hist�ricos da
exist�ncia de Jesus, posto que em reduzido n�mero.

Suet�nio, na hist�ria dos primeiros C�sares, fala
do supl�cio de �Christus�. T�cito e ele mencionam a
exist�ncia da seita crist� entre os judeus, antes da tomada
de Jerusal�m por Tito.

O Talmude fala da morte de Jesus na cruz, e todos
os rabinos israelitas reconhecem o alto valor desse testemunho
(10).

Em caso de necessidade, o pr�prio Evangelho, s�
por si, bastaria para fornecer a prova moral da exist�ncia
e da elevada miss�o do Cristo. Se numerosos fatos
ap�crifos nele foram mais tarde introduzidos, se as supersti��es
judaicas ali se encontram sob a forma de
narrativas fantasistas e obsoletas teorias, duas coisas
nele subsistem, que poderiam ser inventadas e apresentam
um car�ter de autenticidade que se imp�e: � o
drama sublime do Calv�rio e a doce e profunda doutrina
de Jesus.

Essa doutrina era simples e clara em seus princ�pios
essenciais; dirigia-se � multid�o, sobretudo aos
deserdados e aos humildes. Tudo nela era feito para
mover os cora��es, para arrebatar as almas at� ao entusiasmo,
iluminando, fortalecendo as consci�ncias. Todavia,
ela manifesta os sinais de um ensino oculto. Jesus
fala muitas vezes por par�bolas. Seu pensamento, de
ordin�rio t�o luminoso, mergulha por vezes em meia
obscuridade. N�o se percebem, ent�o, mais que os vagos
contornos de uma grande ideia dissimulada sob o s�mbolo.


(10) Ver "Os delcidas", por Cahen, membro do Consist�rio
israelita.

38 L�ON DENIS

� o que ele pr�prio explica por estas palavras,
quando, citando Isa�as (cap. VI, 9), acrescenta:

"Eu lhes falo por par�bolas, porque a v�s outros vos
� dado conhecer os mist�rios do reino dos c�us, mas a eles
n�o lhes � concedido." (Mateus, XIII, 10 e 11).

Evidente que havia duas doutrinas no Cristianismo
primitivo: a destinada ao vulgo, apresentada sob formas
acess�veis a todos, e outra oculta, reservada aos disc�pulos
e iniciados. � o que, de resto, existia em todas
as filosofias e religi�es da antiguidade (11).

A prova da exist�ncia desse ensino secreto se encontra
nas palavras j� citadas e nas que mencionamos
a seguir. Logo depois da par�bola do semeador, que se
acha nos tr�s evangelhos sin�ticos, os disc�pulos perguntam
a Jesus o sentido dessa par�bola e ele lhes
responde:

"A v�s outros � concedido saber o mist�rio do reino de
Deus; mas, aos que s�o de fora, tudo se lhes prop�e em
par�bolas;

Para que, vendo, vejam e n�o vejam e ouvindo, ou�am
e n�o entendam." (Marcos, IV, 11 e 12; Lucas, VIII, 10).

S�o Paulo o confirma em sua primeira Ep�stola
aos Cor�ntios, cap�tulo III, quando distingue a linguagem
a usar com homens carnais ou com homens espirituais,
isto �, com profanos ou com iniciados.

A inicia��o era indubitavelmente gradual. Os que
a recebiam eram ungidos e, depois de haverem recebido
a un��o, entravam na comunh�o dos santos. � o que
torna compreens�veis estas palavras de Jo�o:

"V�s outros tendes a un��o do Santo e sabeis todas
as coisas. Eu n�o vos escrevi como se ignor�sseis a verdade,
mas como a quem a conhece." (1' Ep�stola de S�o Jo�o,
cap. II, 20, 21 e 27) (12).

(11) Ver minha obra "Depois da Morte", p�gs. 9 a 100.
(12) Ver tamb�m nota complementar n� 4.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 39

Ao tempo de sua controv�rsia com Celso, Or�genes
defendeu energicamente o Cristianismo. Em sua vigorosa
apologia, fala muitas vezes dos ensinos secretos
da nova religi�o. Tendo-a Celso arguido de possuir um
cunho misterioso, refuta Or�genes essas cr�ticas, provando
que, se em certos assuntos especiais s� os iniciados
recebiam um ensino completo, a doutrina crist�,
por outro lado, em seu sentido geral era acess�vel a
todos. E a prova � disse ele � � que o mundo inteiro
(ou pouco falta) est� mais familiarizado com essa doutrina
que com as opini�es prediletas dos fil�sofos.

Esse duplo m�todo de ensino � prossegue ele, em
s�ntese � �, ao demais, adotado em todas as escolas.
Por que fazer por isso uma censura unicamente � doutrina
crist�? Os numerosos Mist�rios, por toda parte
celebrados na Gr�cia e noutros pa�ses, n�o s�o por todos
geralmente admitidos?

O fundador do Cristianismo n�o separava a ideia
religiosa da sua aplica��o social. O �reino dos c�us�
era, para ele, essa perfeita sociedade dos esp�ritos, cuja
imagem desejaria realizar na Terra. Mas ele devia ir de
encontro aos interesses estabelecidos e suscitar em
torno de si mil obst�culos, mil perigos. Da�, um novo
motivo para ocultar no mito, no milagre, na par�bola,

o que em sua doutrina ia ferir as ideias dominantes e
amea�ar as institui��es pol�ticas ou religiosas.
As obscuridades do Evangelho s�o, pois, calculadas,
intencionais. As verdades superiores nele se ocultam
sob v�us simb�licos. A� se ensina ao homem o que lhe
� necess�rio para se conduzir moralmente na pr�tica
da vida; mas o sentido profundo, o sentido filos�fico
da doutrina, esse � reservado � minoria.

Nisso consistia a �comunh�o dos santos�, a comunh�o
dos pensamentos elevados, das altas e puras aspira��es.
Essa comunh�o pouco durou. As paix�es terrenas,
as ambi��es, o ego�smo, bem cedo a destru�ram.
A pol�tica se introduziu no sacerd�cio. Os bispos, de
humildes adeptos, de modestos �vigilantes� que eram


40 L�ON DENIS

a princ�pio, tornaram-se poderosos e autorit�rios. Constituiu-
se a teocracia; a esta, pareceu de interesse colocar
a luz debaixo do alqueire e a luz se extinguiu.
O pensamento profundo desapareceu. S� ficaram os s�mbolos
materiais. Essa obscuridade tornava mais f�cil
governar as multid�es. Preferiram deixar as massas
mergulhadas na ignor�ncia, a elev�-las �s emin�ncias
intelectuais. Os mist�rios crist�os cessaram de ser
explicados aos membros da Igreja. Foram mesmo perseguidos
como hereges os pensadores, os investigadores
sinceros, que se esfor�avam por adquirir novamente as
verdades perdidas. F�z-se a noite cada vez mais espessa
sobre o mundo, depois da dissolu��o do Imp�rio Romano.
A cren�a em Satan�s e no inferno adquiriu lugar
preponderante na f� crist�. Em vez da religi�o de amor
pregada por Jesus, o que prevaleceu foi a religi�o do
terror.

A invas�o dos b�rbaros havia poderosamente contribu�do
para fazer surgir esse estado de coisas. Ele f�z
voltar a sociedade ao estado de inf�ncia, porque os b�rbaros
invasores, no ponto de vista da raz�o, n�o passavam
de crian�as. Do seio das vastas estepes e das
extensas florestas, o mundo b�rbaro se arremessava
sobre a Civiliza��o. Todas essas multid�es, ignorantes
e grosseiras, que o Cristianismo aliciou, produziram no
mundo pag�o em decad�ncia e no meio novo, em que
penetravam, uma depress�o intelectual.

O Cristianismo conseguiu domin�-las, submet�-las,
mas em seu pr�prio detrimento. Velou-se o ideal divino;

o culto se tornou material. Para impressionar a imagina��o
das multid�es, voltou-se �s pr�ticas id�latras,
pr�prias das primeiras �pocas da Humanidade. A fim
de dominar essas almas e as dirigir pelo temor ou pela
esperan�a, estranhos dogmas foram combinados. N�o se
tratou mais de realizar no mundo o reino de Deus e de
sua justi�a, que fora o ideal dos primeiros crist�os.
Depois, a profecia do fim do mundo e do ju�zo final, tomada
ao p� da letra, as preocupa��es da salva��o individual,
exploradas pelos padres, mil causas em suma,

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 41

desviaram o Cristianismo da sua verdadeira rota e
submergiram o pensamento de Jesus numa torrente de
supersti��es.

Ao lado, todavia, desses males, � justo recordar os
servi�os prestados pela Igreja � causa da Humanidade.
Sem a sua hierarquia e s�lida organiza��o, sem o papado,
que op�s o poder da ideia, posto que obscurecida
e deturpada, ao poderio do gl�dio, tem-se o direito de
perguntar o que se teria tornado a vida moral, a consci�ncia
da Humanidade. No meio desses s�culos de viol�ncia
e trevas, a f� crist� animou de novo ardor os
povos b�rbaros, ardor que os impeliu a obras gigantescas
como as Cruzadas, � funda��o da Cavalaria, �
cria��o das artes na Idade M�dia. No sil�ncio e na
obscuridade dos claustros o pensamento encontrou um
ref�gio. A vida moral, gra�as �s institui��es crist�s,
n�o se extinguiu, a despeito dos costumes brutais da
�poca. A� est�o servi�os que � preciso agradecer �
Igreja, n�o obstante os meios de que ela se utilizou para
a si mesma assegurar o dom�nio das almas.

Em resumo, a doutrina do grande crucificado, em
suas formas populares, queria a obten��o da vida eterna
mediante o sacrif�cio do presente. Religi�o de salva��o,
de eleva��o da alma pela subjuga��o da mat�ria, o
Cristianismo constitu�a uma rea��o necess�ria contra o
polite�smo grego e romano, cheio de vida, de poesia e
de luz, mas n�o passando de foco de sensualismo e corrup��o.
O Cristianismo tornava-se um est�gio indispens�vel
na marcha da Humanidade, cujo destino � elevar-
se incessantemente de cren�a em cren�a, de concep��o
em concep��o, a s�nteses sempre e cada vez mais
amplas e fecundas.

O Cristianismo, com os seus doze s�culos de dores
e trevas, n�o foi uma era de felicidade para a ra�a
humana; mas o fim da vida terrestre n�o � a felicidade,
� a eleva��o pelo trabalho, pelo estudo e pelo sofrimento
; �, numa palavra, a educa��o da alma; e a via
dolorosa conduz com muito mais seguran�a � perfei��o,
que a dos prazeres.


42 L�ON DENIS

O Cristianismo representa, pois, uma fase da hist�ria
da Humanidade, a qual lhe foi incontestavelmente
proveitosa; ela, a Humanidade, n�o teria sido capaz de
realizar as obras sociais que asseguram o seu futuro,
se n�o se tivesse impregnado do pensamento e da moral
evang�licos.

A Igreja, entretanto, delinquiu, trabalhando por
prolongar indefinidamente o estado de ignor�ncia da
sociedade. Depois de haver nutrido e amparado a crian�a,
tem querido mant�-la em estado de submiss�o e servilismo
intelectual. N�o libertou a consci�ncia sen�o
para melhor a oprimir.

A Igreja de Roma n�o soube conservar o farol divino
de que era portadora, e, por um castigo do c�u, ou
antes, por uma justa retroa��o das coisas, a noite que
ela queria para os outros f�z-se nela pr�pria. N�o cessou
de opor obst�culos ao desenvolvimento das ci�ncias e
da filosofia, ao ponto de proscrever, do alto da cadeira
de S�o Pedro, (o progresso � essa lei eterna � o liberalismo
e a civiliza��o moderna) (artigo 80 do S�labus).

Foi, por isso, fora dela e mesmo contra ela, a partir
de um certo momento da Hist�ria, que se operou todo

o movimento, toda a evolu��o do esp�rito humano. Foram
necess�rios s�culos de esfor�os para dissipar a
obscuridade que pesava sobre o mundo, ao sair da Idade
M�dia. Fizeram-se precisas a Renascen�a das letras, a
Reforma religiosa do s�culo XVI, a filosofia, todas as
conquistas da Ci�ncia, para preparar o terreno destinado
� nova revela��o, a essas vozes de al�m-t�mulo
que v�m aos milhares e em todas as regi�es da Terra,
atrair os homens aos puros ensinamentos do Cristo,
restabelecer sua doutrina, tornar compreens�veis, a
todos, as verdades superiores amortalhadas na sombra
das idades.
IV � A Doutrina Secreta

Qual a verdadeira doutrina do Cristo? Os seus
princ�pios essenciais acham-se claramente enunciados no


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 43

Evangelho. � a paternidade universal de Deus e a fraternidade
dos homens, com as consequ�ncias morais que
da� resultam; � a vida imortal a todos franqueada e que
a cada um permite em si pr�prio realizar �o reino de
Deus�, isto �, a perfei��o, pelo desprendimento dos bens
materiais, pelo perd�o das inj�rias e o amor ao pr�ximo.

Para Jesus, numa s� palavra, toda a religi�o, toda
a filosofia consiste no amor:

"Amai os vossos inimigos; fazei o bem aos que vos
odeiam e orai pelos que vos perseguem e caluniam; para
serdes filhos de vosso Pai que est� nos c�us, o qual faz
erguer-se o seu sol sobre bons e maus, e faz chover sobre
justos e injustos. Porque, se n�o amais sen�o os que
vos amam, que iecompensa deveis ter por isso?" (Mateus,
V, 44 e segs.) .

Desse amor o pr�prio Deus nos d� o exemplo,
porque seus bra�os est�o sempre abertos para o pecador:

"Assim, vosso Pai que est� nos c�us n�o quer que pere�a
um s� desses pequeninos."

O serm�o da montanha resume, em tra�os indel�veis,
o ensino popular de Jesus. Nele � expressa a lei
moral sob uma forma que jamais foi igualada. , .

Os homens a� aprendem que n�o h� mais seguros
meios de eleva��o que as virtudes humildes e escondidas.


"Bem-aventurados os pobres de esp�rito (isto �, os esp�ritas
simples e retos), porque deles � o reino dos c�us.

� Bem-aventurados os que choram, porque ser�o consolados.
� Bem-aventurados os que t�m fome e sede de justi�a,
porque ser�o saciados. � Bem-aventurados os que s�o misericordiosos,
porque alcan�ar�o miseric�rdia. � Bem-aventurados
os limpos de cora��o, porque esses ver�o a Deus."
(Mateus, V, 1 a 12; Lucas, VI, 20 a 25).
O que Jesus quer n�o � um culto faustoso, n�o �
uma religi�o sacerdotal, opulenta de cerim�nias e pr�ticas
que sufocam o pensamento, n�o; � um culto sim



44 L�ON DENIS

pies e puro, todo de sentimento, consistindo na rela��o
direta, sem intermedi�rio, da consci�ncia humana com
Deus, que � seu Pai:

"� chegado o tempo em que os verdadeiros adoradores
h�o-de adorar o Pai em esp�rito e verdade, porque tais
quer, tamb�m, sejam os que o adorem. Deus � esp�rito,
e em esp�rito e verdade � que devem adorar os que o adoram."


O ascetismo � coisa v�. Jesus limita-se a orar e a
meditar, nos s�tios solit�rios, nos templos naturais que
t�m por colunas as montanhas, por c�pula a ab�bada
dos c�us, e de onde o pensamento mais livremente se
eleva ao Criador.

Aos que imaginam salvar-se por meio do jejum e
da abstin�ncia, diz:

"N�o � o que entra pela boca o que macula o homem,
mas o que por ela sai."

Aos rezadores de longas ora��es:

"Vosso Pai sabe do que careceis, antes de lho pedirdes."

Ele n�o exige sen�o a caridade, a bondade, a simplicidade
:

"N�o julgeis e n�o sereis julgados. Perdoai e sereis
perdoados. Sede misericordiosos como vosso Pai celeste �
misericordioso. Dar � mais doce do que receber.

"Aquele que se humilha ser� exaltado; o que se exalta
ser� humilhado.

"Que a tua m�o esquerda ignore o que faz a direita,
a fim de que tua esmola fique em segredo; e ent�o teu
Pai, que v� no segredo, te retribuir�."

E tudo se resume nestas palavras de eloquente
concis�o :


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

"Amai o vosso pr�ximo como a v�s mesmos e sede perfeitos
como vosso Pai celeste � perfeito. Nisso se encerram
toda a lei e os profetas."

Sob a suave e meiga palavra de Jesus, toda impregnada
do sentimento da natureza, essa doutrina se
reveste de um encanto irresist�vel, penetrante. Ela �
saturada de terna solicitude pelos fracos e pelos deserdados.
� a glorifica��o, a exalta��o da pobreza e da
simplicidade. Os bens materiais nos tornam escravos;
agrilhoam o homem � Terra. A riqueza � um estorvo;
impede os voos da alma e a ret�m longe do �reino de

Deus�. A ren�ncia, a humildade, desatam esses la�os
e facilitam a ascens�o para a luz.
Por isso � que a doutrina evang�lica permaneceu

atrav�s dos s�culos como a express�o m�xima do espiritualismo,
o supremo rem�dio aos males terrestres, a
consola��o das almas aflitas nesta travessia da vida,
semeada de tantas l�grimas e ang�stias. � ainda ela
que faz, a despeito dos elementos estranhos que lhe
vieram misturar, toda a grandeza, todo o poder moral
do Cristianismo.

*

A doutrina secreta ia mais longe. Sob o v�u das
par�bolas e das fic��es, ocultava concep��es profundas.
No que se refere a essa imortalidade prometida a todos,
definia-lhe as formas afirmando a sucess�o das exist�ncias
terrestres, nas quais a alma, reencarnada em
novos corpos, sofreria as consequ�ncias de suas vidas
anteriores e prepararia as condi��es do seu destino futuro.
Ensinava a pluralidade dos mundos habitados, as
alterna��es de vida de cada ser: no mundo terrestre,
em que ele reaparece pelo nascimento, no mundo espiritual,
a que regressa pela morte, colhendo em um e
outro desses meios os frutos bons ou maus do seu passado.
Ensinava a �ntima liga��o e a solidariedade desses
dois mundos e, por conseguinte, a comunica��o poss�vel


46
L�ON DENIS

do homem com os esp�ritos dos mortos que povoam o
espa�o ilimitado.

Da� o amor ativo, n�o somente pelos que sofrem na
esfera da exist�ncia terrestre, mas tamb�m pelas almas
que em torno de n�s vagueiam atormentadas por dolorosas
recorda��es. Da� a dedica��o que se devem as
duas humanidades, vis�vel e invis�vel, a lei de fraternidade
na vida e na morte, e a celebra��o do que chamavam
�os mist�rios�, a comunh�o pelo pensamento e
pelo cora��o com os que, Esp�ritos bons ou med�ocres,
inferiores ou elevados, comp�em esse mundo invis�vel
que nos rodeia, e sobre o qual se abrem esses dois p�rticos
por onde todos os seres alternativamente passam:

o
ber�o e o t�mulo.
A lei da reencarna��o acha-se indicada em muitas
passagens do Evangelho e deve ser considerada sob dois
aspectos diferentes: a volta � carne, para os Esp�ritos
em via de aperfei�oamento; a reencarna��o dos Esp�ritos
enviados em miss�o � Terra.
Em sua conversa��o com Nicodemos, Jesus assim
se exprime:

"Em verdade te digo que, se algu�m n�o renascer de
novo, n�o poder� ver o reino de Deus." Objeta-lhe Nicodemos:
"Como pode um homem nascer, sendo j� velho?" Jesus
responde: Em verdade te digo que, se um homem n�o
renasce da �gua e do esp�rito, n�o pode entrar no reino
de Deus. O que � nascido da carne � carne, e o que �
nascido do esp�rito � esp�rito. N�o te maravilhes de te
dizer: importa-vos nascer outra vez. O vento sopra onde
quer e tu ouves a sua voz. mas n�o sabes de onde vem
nem para onde vai. Assim � todo aquele que � nascido do esp�rito."
(Jo�o, III, 3 a 8).

Jesus acrescenta estas palavras significativas:

"Tu
�s mestre em Israel e n�o sabes estas coisas?"

O que demonstra que n�o se tratava do batismo,
que era. conhecido pelos judeus e por Nicodemos, mas
precisamente da reencarna��o j� ensinada no �Zohar�,
livro sagrado dos hebreus (13).

(13) Ver nota complementar n� 5.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 47

Esse vento, ou esse esp�rito que sopra onde lhe
apraz, � a alma que escolhe novo corpo, nova morada,
sem que os homens saibam de onde vem, nem para onde
vai. � a �nica explica��o satisfat�ria.

Na Cabala hebraica, o �gua era a mat�ria primordial,
o elemento frutificador. Quanto � express�o Espirito
Santo, que se acha no texto e que o torna incompreens�vel,
� preciso notar que a palavra santo nele n�o
se encontra em sua origem e que foi a� introduzida
muito tempo depois, como se deu em v�rios outros
casos (14). � preciso, por conseguinte, ler: renascer
da mat�ria e do esp�rito.

Noutra ocasi�o, a prop�sito de um cego de nascen�a,
encontrado de passagem, os disc�pulos perguntam
a Jesus:

"Mestre, quem foi que pecou? Foi este homem, ou seu
pai, ou sua m�e, para que ele tenha nascido cego?" (Jo�o.
IX, 1 e 2).

A pergunta indica, antes de tudo, que os disc�pulos
atribu�am a enfermidade do cego a uma expia��o. Em
seu pensamento, a falta precedera a puni��o; tinha sido
a sua causa primordial. � a lei da consequ�ncia dos
atos, fixando as condi��es do destino. Trata-se a� de um
cego de nascen�a; a falta n�o se pode explicar sen�o
por uma exist�ncia anterior.

Da� essa id�ia da penit�ncia, que reaparece a cada
momento nas Escrituras: �Fazei penit�ncia�, dizem elas
constantemente, isto �, praticai a repara��o, que � o fim
da vossa nova exist�ncia; retificai vosso passado, espiritualizai-
vos, porque n�o saireis do dom�nio terrestre,
do c�rculo das prova��es, sen�o depois de �haverdes
pago at� o �ltimo ceitil.� (Mateus, V, 26).

Em v�o t�m procurado os te�logos explicar doutro
modo, que n�o pela reencarna��o, essa passagem do
Evangelho. Chegaram a racioc�nios, pelo menos, estra


(14) Ver Bellemare, "Esp�rita e Crist�o", p�gs. 351 e seguintes.

48
L�ON DENIS

nhos. Assim foi que o s�nodo de Amsterdam n�o p�de
sair-se da dificuldade sen�o com esta declara��o: �o
cego de nascen�a havia pecado no seio de sua m�e� (15).

Era tamb�m opini�o corrente, nessa �poca, que
Esp�ritos eminentes vinham, em novas encarna��es, continuar,
concluir miss�es interrompidas pela morte. Elias,
por exemplo, voltara � Terra na pessoa de Jo�o Batista.
Jesus o afirma nestes termos, dirigindo-se �
multid�o:

"Que sa�ste a ver? Um profeta? Sim, eu vo-lo declaro,
e mais que um profeta. E, se o quereis compreender, ele
� o pr�prio Elias que devia vir. � O que tem ouvidos para
ouvir, ou�a." {Mateus, XI, 9, 14 e 15.)

Mais tarde, depois da decapita��o de Jo�o Batista,
ele o repete aos disc�pulos:

"E seus disc�pulos o interrogam, dizendo: Porque, pois.
dizem os escribas que importa vir primeiramente Elias?


Ele, respondendo, lhes disse:
"Elias, certamente, devia vir e restabelecer todas as
coisas. Mas eu vo-lo digo: Elias j� veio e eles n�o o conheceram,
antes lhe fizeram quanto quiseram. � Ent�o,
conheceram seus disc�pulos que de Jo�o Batista � que �le
lhes falara." (Mateus. XVII, 10, 11, 12 e 15).

Assim, para Jesus, como para os disc�pulos, Elias
e Jo�o Batista eram a mesma e �nica individualidade.
Ora, tendo essa individualidade revestido sucessivamente
dois corpos, semelhante fato n�o se pode explicar

sen�o pela lei da reencarna��o.
Numa circunst�ncia memor�vel, Jesus pergunta a
seus disc�pulos: Que dizem do filho do homem?
E eles lhe respondem:

"Uns dizem: � Jo�o Batista; outros, Elias; outros, Jeremias
ou um dos profetas." (Mateus, XVI, 13, 14; Marcos,
VIII. 28).

(15) Ver nota complementar n� 5.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 4 9

Jesus n�o protesta contra essa opini�o como doutrina,
do mesmo modo que n�o protestara no caso do
cego de nascenqa. Ao demais, a id�ia da pluralidade das
vidas, dos sucessivos graus a percorrer para se elevar
� perfei��o, n�o se acha implicitamente contida nestas
palavras memor�veis: �Sede perfeitos como vosso Pai
celeste � perfeito� ? Como poderia a alma humana alcan�ar
esse estado de perfei��o em uma �nica exist�ncia?


De novo encontramos a doutrina secreta, dissimulada
sob v�us mais ou menos transparentes, nas obras
dos ap�stolos e dos padres da Igreja dos primeiros s�culos.
N�o podiam estes dela falar abertamente. Da� as
obscuridades da sua linguagem.

Aos primeiros fi�is escrevia Barnab�:

"Tanto quanto pude, acredito ter-me explicado com
simplicidade e nada haver omitido do que pode contribuir
para vossa instru��o e salva��o, no que se refere �s coisas
presentes, porque, se vos escrevesse relativamente �s coisas
futuras, n�o compreender�eis, porque elas se acham expostas
em par�bolas." (Ep�stola cat�lica de S�o Barnab�,
XVII, 1, 5).

Em observ�ncia a esta regra � que um disc�pulo
de S�o Paulo, Hermas, descreve a lei das reencarna��es
sob a figura de �pedras brancas, quadradas e lapidadas
�, tiradas da �gua para servirem na constru��o de
um edif�cio espiritual. (Livro do Pastor, III, XVI, 3, 5).

"Porque foram essas pedras tiradas de um lugar profundo
e em seguida empregadas na estrutura dessa torre,
pois que j� estavam animadas pelo esp�rito ? � Era necess�rio,
diz-ine o senhor, que, antes de serem admitidas
no edif�cio, fossem trabalhadas por meio da �gua. N�o
poderiam entrar no reino de Deus por outro modo que n�o
fosse despojando-se da imperfei��o da sua primeira vida."

Evidentemente essas pedras s�o as almas dos homens;
as �guas (16) s�o as regi�es obscuras, inferiores,

(16) Essa par�bola adquire maior relevo pelo fato cie ser
a �gua, para os judeus cabalistas, a representa��o da mat�ria,
o elemento primitivo, o que chamar�amos hoje o �ter c�smico.

50 L�ON DENIS

as vidas materiais, vidas de dor e prova��o, durante as
quais as almas s�o lapidadas, polidas, lentamente preparadas,
a fim de tomarem lugar um dia no edif�cio da
vida superior, da vida celeste. H� nisso um s�mbolo
perfeito da reencarna��o, cuja ideia era ainda admitida
no s�culo III e divulgada entre os crist�os.

Dentre os padres da Igreja, Or�genes � um dos que
mais eloquentemente se pronunciaram a favor da pluralidade
das exist�ncias. Respeit�vel a sua autoridade.
S�o Jer�nimo o considera, �depois dos ap�stolos, o
grande mestre da Igreja, verdade, diz ele, que s� a ignor�ncia
poderia negar�. S. Jer�nimo vota tal admira��o
a Or�genes que assumiria, escreve, todas as cal�nias de
que ele foi alvo, uma vez que, por esse pre�o, ele, Jer�nimo,
pudesse ter a sua profunda ci�ncia das Escrituras.

Em seu livro c�lebre, �Dos Princ�pios�, Or�genes
desenvolve os mais vigorosos argumentos que mostram,
na preexist�ncia e sobreviv�ncia das almas noutros corpos,
em uma palavra, na sucess�o das vidas, o corretivo
necess�rio � aparente desigualdade das condi��es humanas,
uma compensa��o ao mal f�sico, como ao sofrimento
moral que parece reinarem no mundo, se n�o se
admite mais que uma �nica exist�ncia terrestre para
cada alma. Or�genes erra, todavia, num ponto. E' quando
sup�e que a uni�o do esp�rito ao corpo � sempre uma
puni��o. Ele perde de vista a necessidade da educa��o
das almas e a laboriosa realiza��o do progresso.

Err�nea opini�o se introduziu em muitos centros,
a respeito das doutrinas de Or�genes, em geral, e da
pluralidade das exist�ncias em particular, que pretendem
ter sido condenadas, primeiro pelo conc�lio de Calced�nia,
e mais tarde pelo quinto conc�lio de Constantinopla.
Ora, se remontamos �s fontes (17), reconhe


(17) Ver Pezzani, "A pluralidade das exist�ncias", p�ginas
187 e 190.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 51

cemos que esses conc�lios repeliram, n�o a cren�a na
pluralidade das exist�ncias, mas simplesmente a preexist�ncia
da alma, tal como a ensinava Or�genes, sob
esta fei��o particular: que os homens eram anjos deca�dos
e que o ponto de partida tinha sido para todos
a natureza ang�lica.

Na realidade, a quest�o da pluralidade das exist�ncias
da alma jamais foi resolvida pelos conc�lios. Permaneceu
aberta �s resolu��es da Igreja no futuro, e �
esse um ponto que se faz preciso estabelecer.

Como a lei dos renascimentos, a pluralidade dos
mundos acha-se indicada no Evangelho, em forma de
par�bola:

"H� muitas moradas na casa de meu Pai. Eu vou a
preparar-vos o lugar, e, depois que tiver ido e vos tiver preparado
o lugar, voltarei e vos levarei comigo, a fim de que
onde eu estiver, v�s estejais tamb�m." (Jo�o, XIV, 2 e 3).

A casa do Pai � o infinito c�u; as moradas prometidas
s�o os mundos que percorrem o espa�o, esferas de
luz ao p� das quais a nossa pobre Terra n�o � mais que
mesquinho e obscuro planeta. � para esses mundos que
Jesus guiar� as almas que se ligarem a ele e � sua doutrina,
mundos que lhe s�o familiares e onde nos saber�
preparar um lugar, conforme os nossos m�ritos.

Or�genes comenta essas palavras em termos positivos
:

"O Senhor faz alus�o �s diferentes esta��es que devem
as almas ocupar, depois que se houverem despojado
dos seus corpos atuais e se tiverem revestido de outros
novos."

V � Rela��es com os Esp�ritos dos mortos

Os primeiros crist�os comunicavam-se com os Esp�ritos
dos mortos e deles recebiam ensinamentos. Nenhuma
d�vida � poss�vel sobre esse ponto, porque s�o


52 L�ON DENIS

abundantes os testemunhos. Resultam dos pr�prios
textos dos livros can�nicos, textos que conseguiram escapar
�s vicissitudes dos tempos e cuja autenticidade
� indubit�vel (18).

O Cristianismo repousa inteiramente em fatos de
apari��o e manifesta��o dos mortos e fornece in�meras
provas da exist�ncia do mundo invis�vel e das almas
que o povoam.

Essas provas s�o igualmente abundantes no Antigo
e Novo Testamento. Num como noutro, encontram-se
apari��es de anjos (19), dos Esp�ritos dos justos, avisos
e revela��es feitos pelas almas dos mortos, o dom de
profecia (20) e o dom de curar (21). Em o Novo Testamento
s�o referidas as apari��es do pr�prio Jesus, depois
do seu supl�cio e sepultura.

A exist�ncia do Cristo havia sido uma constante
comunh�o com o mundo invis�vel. O filho de Maria era
dotado de faculdades que lhe permitiam conversar com
os Esp�ritos. Estes, muitas vezes, tornavam-se vis�veis
ao seu lado. Seus disc�pulos o viram, assombrados, conversar
um dia no Tabor com Elias e Mois�s (22).

Nos momentos cr�ticos, quando uma quest�o o embara�a,
como no caso da mulher ad�ltera, ele evoca as
almas superiores e com o dedo tra�a na areia a resposta
a dar, do mesmo modo que em nossos dias o m�dium,
movido por for�a estranha, tra�a caracteres na ard�sia.

(18) Ver nota 6, no fim do volume.
(19) Em hebraico, o verdadeiro sentido da palavra anjo,
melach, � mensageiro.
(20) O dom de profecia n�o consistia simplesmente em
predizer o futuro, mas, de um modo mais extenso, em falar e
transmitir ensinos sob a influ�ncia dos Espiritos.
(21) Ver, quanto ao conjunto desses fen�menos, a nota
complementar n� 7, sobre "Os fatos esp�ritas na B�blia", no
fim do volume.
(22) Jesus tinha escolhido disc�pulos, n�o entre homens
instru�dos, mas entre sensitivos e videntes, dotados de faculdades
medi�nicas,

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 53

Esses fatos s�o conhecidos, relatados, mas outros
muitos, relacionados com essa permuta ass�dua com o
invis�vel, permaneceram ignorados dos homens, mesmo
daqueles que o cercavam.

As rela��es do Cristo com o mundo dos Esp�ritos
se afirmam pelo constante amparo que do Al�m recebia

o divino mensageiro.
Por vezes, apesar da sua coragem, da abnega��o
que inspira todos os seus atos, perturbado pela grandeza
da tarefa, ele eleva a alma a Deus; ora, implora
novas for�as e � atendido. Grandioso sopro lhe bafeja
a mente. Sob um impulso irresist�vel, ele reproduz os
pensamentos sugeridos; sente-se reconfortado, socorrido.

Nas horas solit�rias, seus olhos distinguem letras
de fogo que exprimem as vontades do c�u (23); soam
vozes aos seus ouvidos, trazendo-lhe resposta �s suas
ardentes preces. � a transmiss�o direta dos ensinos que
deve divulgar, s�o preceitos regeneradores para cuja
propaga��o baixara � Terra. As vibra��es do supremo
pensamento que anima o Universo lhe s�o percept�veis
e lhe incutem esses eternos princ�pios que espalhar� e
que jamais se h�o-de apagar da mem�ria dos homens.
Ele percebe celestes melodias e seus l�bios repetem as
palavras escutadas, sublime revela��o, mist�rio ainda
para muitos seres humanos, mas para ele confirma��o
absoluta dessa constante prote��o e das intui��es que
lhe prov�m dos mundos superiores.

E quando essa grande vida terminou, quando se
consumou o sacrif�cio, depois que Jesus foi pregado �
cruz e baixou ao t�mulo, seu Esp�rito continuou a afirmar-
se por novas manifesta��es. Essa alma poderosa,
que em nenhum t�mulo poderia ser aprisionada, aparece
aos que na Terra havia deixado tristes, desanimados
e abatidos. Vem dizer-lhes que a morte nada �. Com

(23) Estes pormenores, que talvez surpreendam o leitor,
n�o s�o um produto de nossa imagina��o. Foram-nos comunicados
por alto Esp�rito, cuja vida esteve envolvida com a do
Cristo. O mesmo se d� em muitas passagens deste livro.

54 L�ON DENIS

a sua presen�a lhes restitui a energia, a for�a moral
necess�ria para cumprirem a miss�o que lhes fora
confiada.

As apari��es do Cristo s�o conhecidas e tiveram
numerosos testemunhos. Apresentam flagrantes analogias
com as que em nossos dias s�o observadas em diversos
graus, desde a forma et�rea, sem consist�ncia,
com que aparece � Maria Madalena e que n�o suportaria
o m�nimo contacto, at� a completa materializa��o,
tal como a p�de verificar Tom�, que tocou com a pr�pria
m�o as chagas do Cristo (24). Da� esse contraste
nas palavras de Jesus: �N�o me toques� � diz ele �
Madalena � ao passo que convida Tom� a p�r o dedo
nos sinais dos cravos: �Chega tamb�m a tua m�o e
mete-a no meu lado�.

Jesus aparece e desaparece instantaneamente. Penetra
numa casa a porta fechadas. Em Ema�s conversa
com dois dos disc�pulos que o n�o reconhecem, e
desaparece repentinamente. Acha-se de posse desse
corpo flu�dico, et�reo, que h� em todos n�s, corpo sutil
que � o inv�lucro insepar�vel de toda alma e que um
alto Esp�rito como o seu sabe dirigir, modificar, condensar,
rarefazer � vontade (25). E a tal ponto o condensa,
que se torna vis�vel e tang�vel aos assistentes.

As apari��es de Jesus depois da morte s�o mesmo
a base, o ponto capital da doutrina crist� e foi por isso
que S�o Paulo disse: �Se o Cristo n�o ressuscitou, � v�
a vossa f�.� No Cristianismo n�o � uma esperan�a, � um
fato natural, um fato apoiado no testemunho dos sentidos.
Os ap�stolos n�o acreditavam somente na ressurrei��o;
estavam dela convencidos.

E � por essa raz�o que a sua pr�dica adquiria aquele
tom veemente e penetrante, que incutia uma convic��o
robusta. Com o supl�cio de Jesus o Cristianismo era ferido
em pleno cora��o. Os disc�pulos, consternados, estavam
prestes a se dispersarem.

(24) Jo�o, XX, 15-17 e 24-28.
(25) Ver nota n� 9, sobro "O per�splrlto, ou corpo flu�dico".

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 55

O Cristo, por�m, lhes apareceu e a sua f� se tornou
t�o profunda que, para a confessar, arrostaram todos
os supl�cios. As apari��es do Cristo depois da morte
asseguraram a persist�ncia da ideia crist�, oferecendo-
lhe como base todo um conjunto de fatos.

Verdade � que os homens lan�aram a confus�o
sobre esses fen�menos, atribuindo-lhes um car�ter miraculoso.
O milagre � uma posterga��o das leis eternas fixadas
por Deus, obras que s�o da sua vontade, e seria
pouco digno da suprema Pot�ncia exorbitar da sua pr�pria
natureza e variar em seus decretos.

Jesus, conforme a Igreja, teria ressuscitado com o
seu corpo carnal. Isso � contr�rio ao primitivo texto do
Evangelho. Apari��es repentinas, com mudan�as de
forma, que se produzem em lugares fechados, n�o podem
ser sen�o manifesta��es esp�ritas, flu�dicas e naturais.
Jesus ressuscitou, como ressuscitaremos todos,
quando nosso esp�rito abandonar a pris�o de carne.

Em Marcos e Mateus, e na descri��o de Paulo (1�
Cor�nt., XV), essas apari��es s�o narradas do modo
mais conciso. Segundo Paulo, o corpo do Cristo � incorrupt�vel;
n�o tem carne nem sangue. Essa opini�o procede
da mais antiga tradi��o. A materialidade s� veio
mais tarde, com Lucas. A narrativa se complica ent�o e
� enfeitada com particularidades maravilhosas, no intuito
evidente de impressionar o leitor (26).

Esse modo de ver, como em geral toda teoria do
milagre, resulta de uma falsa interpreta��o das leis do
Universo. O mesmo sucede com a ideia do sobrenatural,
que corresponde a uma concep��o deficiente da ordem
do mundo e das normas da vida. Na realidade, nada
existe fora da Natureza, que � a obra divina em sua
majestos�ssima expans�o. O erro do homem prov�m da

(26) Clemente de Alexandria refere uma tradi��o que circulava
ainda no seu tempo, segundo a qual Jo�o enterrara a
m�o no corpo de Jesus e o atravessara sem encontrar resist�ncia.
("Jesus de Nazareth", por Albert R�ville, 2� vol., nota �
p�g. 470).

L�ON DENIS

acanhada ideia que ele faz da Natureza e das formas
da vida, limitadas para ele � esfera tra�ada pelos seus
sentidos. Ora, nossos sentidos apenas abrangem por��o
muit�ssimo restrita do dom�nio das coisas. Al�m desses
limites que eles nos imp�em, a vida se desdobra sob
aspectos ricos e variados, sob formas sutis, quintessenciadas,
que se graduam, se multiplicam e renovam at�
ao infinito.

A esse dom�nio do invis�vel pertence o mundo flu�dico,
povoado pelos Esp�ritos dos homens que viveram
na Terra e se despojaram do seu grosseiro inv�lucro.
Subsistem eles, sob essa forma sutil de que acabamos
de falar, forma ainda material posto que et�rea, porque
a mat�ria afeta muitos estados que n�o nos s�o familiares.
Essa forma � a imagem, ou antes, o esbo�o dos
corpos carnais que esses Esp�ritos animaram em suas
vidas sucessivas. Passam eles, mas a forma permanece,
como a alma, de que � o organismo indestrut�vel.

Os Esp�ritos ocupam diferentes posi��es em harmonia
com a sua eleva��o moral. Sua irradia��o, brilho,
poder, s�o tanto maiores quanto mais alto houverem
subido na escala das virtudes, das perfei��es, e quanto
maior tiver sido a sua dedica��o em servir a causa do
bem e da Humanidade. S�o esses seres, ou Esp�ritos,
que se manifestam em todas as �pocas da Hist�ria e em
todos os meios, tendo como intermedi�rios sensitivos
especialmente dotados, e que, conforme os tempos, se
denominam adivinhos, sibilas, profetas ou m�diuns.

As apari��es que assinalam os primeiros tempos
do Cristianismo, como as b�blicas �pocas mais long�nquas,
n�o s�o fen�menos isolados mas a manifesta��o
de uma lei universal, eterna, que sempre presidiu �s rela��es
entre os habitantes dos dois mundos, o mundo
da mat�ria grosseira, a que pertencemos, e o mundo
flu�dico invis�vel, povoado pelos Esp�ritos dos que denominamos
t�o impropriamente os mortos (27).

(27) Ver minhas outras obras, especialmente "Depois da
Morte" e "No Invis�vel" � "Espiritismo e MediunIdade".

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 57

Apenas em �poca recente foi que essa ordem de
manifesta��es p�de ser estudada pela Ci�ncia. Gra�as
�s observa��es de numerosos s�bios, a exist�ncia do
mundo dos Esp�ritos foi positivamente estabelecida e as
leis que o regem foram determinadas com certa precis�o.

Conseguiu-se reconhecer a presen�a em cada ser
humano, de um duplo flu�dico que sobrevive � morte,
no qual foi reconhecido o envolt�rio imperec�vel do Esp�rito.
Esse duplo, que j� se desprende durante o �xtases
e o sono, que se transporta e opera � dist�ncia durante
a vida, torna-se, depois da separa��o definitiva
do corpo carnal, e de um modo mais completo, o instrumento
fiel e o centro das energias ativas do Esp�rito.

Mediante esse inv�lucro flu�dico � que o Esp�rito
preside a tais manifesta��es de al�m-t�mulo, que j� n�o
s�o segredo para ningu�m, desde que comiss�es cient�ficas
lhe estudaram os m�ltiplos aspectos, chegando a
pesar e fotografar os Esp�ritos, como o fizeram W.
Crookes com o Esp�rito de Katie King, Russell Wallace
e Aksakof com os de Abdullah e John King (28).

� prov�vel que o dom das l�nguas, conferido aos
ap�stolos, oferecesse analogias com o fen�meno que,
sob o nome de xenoglossia, atualmente conhecemos.
A luz �dica de Reichenbach e a mat�ria radiante explicam
a aur�ola dos santos; as chamas ou �l�nguas de
fogo�, que apareceram no dia de Pentecostes, reproduzem-
se hoje em dia nos fatos comunicados ao Congresso
Espiritualista de 1900 pelo Dr. Bayol, senador pelo Distrito
das Bocas do R�damo (29), e finalmente as vis�es
dos m�rtires s�o fen�menos da mesma ordem que os em
nosso tempo observados no momento da morte de certas

(28) W. Crookes � "Pesquisas sobre os fen�menos espiritas";
Russell Wallace � "O moderno espiritualismo": Aksakof �
"Animismo e Espiritismo". Relativamente a uma serie de fen�menos
an�logos e mais recentes, ver tamb�m Le�n Denis � "No
Invis�vel" � "Espiritismo e Mediunidade", cap. XX.
(29) Ver "No Invis�vel" � "Espiritismo e Mediunidade",
p�g. 332.

58 L�ON DENTS

pessoas (30). Assim, tamb�m, o desaparecimento do
corpo de Jesus do sepulcro em que fora depositado, pode
explicar-se pela desagrega��o da mat�ria, observada h�
alguns anos em sess�es de experimenta��o ps�quica (31).

Durante muito tempo n�o viram nisso os homens
sen�o fatos miraculosos, provocados pelo pr�prio Deus
ou por seus anjos, opini�o cuidadosamente alimentada
pelos padres, a fim de impressionar a imagina��o das
massas e torn�-las mais submissas ao seu poder.

Nas Escrituras encontramos frequentes exemplos
dos erros de que foram objeto esses fen�menos. Em
Patmos, Jo�o v� aparecer um g�nio que, a princ�pio,
ele quer adorar, mas que lhe afirma ser o Esp�rito de
um dos profetas seus irm�os (32). Nesse caso, foi dissipado
o erro: o Esp�rito deu a conhecer a sua personalidade;
em quantos outros casos, por�m, n�o foi ele
mantido? � o mesmo que se d� com a interven��o, t�o
frequente, dos anjos da B�blia. � preciso nos pormos em
guarda contra as tend�ncias dos judeus e dos crist�os
no sentido de atribuir a Deus e aos seus anjos fen�menos
produzidos pelos Esp�ritos dos mortos, e a cujo
respeito competia � nossa �poca fazer a luz, restabelecendo-
os em sua verdadeira categoria.

Na �poca de Jesus, a cren�a na imortalidade estava
enfraquecida. Os judeus achavam-se divididos a respeito
da vida futura. Os c�pticos saduceus aumentavam
em n�mero e influ�ncia. Vem Jesus. Torna mais amplas
as vias de comunica��o entre o mundo terrestre e o
mundo espiritual. Aproxima a tal ponto os invis�veis
dos humanos, que eles se podem novamente corresponder.
Com m�o possante levanta o v�u da morte e surgem
vis�es do �mago da sombra; no meio do sil�ncio
fazem-se ouvir vozes; e essas vis�es e essas vozes v�m
afirmar ao homem a imortalidade da vida.

(30) Ver a morte de Est�v�o: Atos, VII, 55 e 56.
(31) Ver "No Invis�vel", p�g. 34G.
(32) Apocalipse, XIX, 10.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 59

O Cristianismo primitivo afeta, pois, esse car�ter
particular de ter aproximado as duas humanidades, terrestre
e celeste; tornou mais intensas as rela��es entre

o mundo vis�vel e o mundo invis�vel. Efetivamente, em
cada grupo esp�rita, as pessoas se entregavam a evoca��es;
havia m�diuns falantes, inspirados, de efeitos f�sicos,
como est� escrito no cap�tulo XII da primeira ep�stola
de S�o Paulo aos Cor�ntios. Ent�o, como hoje, certos
sensitivos possu�am o dom da profecia, o dom de curar,
o de expelir os maus Esp�ritos (33).
Na Ep�stola citada, S. Paulo fala tamb�m do corpo
espiritual, imponder�vel, incorrupt�vel:

"O homem � colocado na terra como um corpo animal,
e ressuscitar� como um corpo espiritual; do mesmo modo que
h� um corpo animal, h� um corpo espiritual." (I� Cor�ntios
XV, 44) .

Fora um fen�meno esp�rita, a apari��o de Jesus no
caminho de Damasco, o que havia feito de S. Paulo um
crist�o (34); Paulo n�o conhecera o Cristo e, no momento
dessa vis�o, que decidiu do seu destino, bem
longe estava de achar-se preparado para a sua ulterior
tarefa. �Respirando sempre amea�as de morte contra
os disc�pulos do Senhor�, munido contra eles de ordens
de pris�o, seguira para Damasco a fim de os perseguir.
Nesse caso, n�o cabe invocar, como a respeito dos ap�stolos
se poderia fazer, um fen�meno de alucina��o, provocado
pela constante recorda��o do Mestre. Essa vis�o,
ao demais, n�o foi isolada; em todo o subsequente curso
de sua vida, Paulo entreteve ass�duas rela��es com o
invis�vel, particularmente com o Cristo, de quem recebia
as instru��es indispens�veis � sua miss�o. Ele mesmo
declara que haure inspira��es nos col�quios secretos
com o filho de Maria.

(33) Atos, XXI, 11; XXVII, 22-24; III, 3-8; V, 12-16; VIII.
7; IX, 33 e 34; XIV, 8 e segs.; XIX, 11, 12, etc.
(34) Atos, IX, 1-18.

L�ON DENIS

S. Paulo n�o foi apenas assistido por Esp�ritos de
luz, de que se fazia o porta-voz e o int�rprete (35):
Esp�ritos inferiores por vezes o atormentavam, e era-lhe
necess�rio resistir � sua influ�ncia (36). � assim que,
em todos os meios, para educa��o do homem e desenvolvimento
da sua raz�o, a luz e a sombra, a verdade
e o erro se misturam. O mesmo se d� no dom�nio do
moderno Espiritualismo, em que se encontram todas as
ordens de manifesta��es, desde as comunica��es do mais
elevado car�ter at� os grosseiros fen�menos produzidos
por Esp�ritos atrasados. Mas esses tamb�m t�m a
sua utilidade, do ponto de vista dos elementos de observa��o
e dos casos de identidade que fornecem � Ci�ncia.
S. Paulo conhecia estas coisas. Lecionado pela
experi�ncia, ele advertia os profetas (37), seus irm�os,
a fim de se conservarem em guarda contra tais ciladas.
E acrescentava em consequ�ncia: �Os esp�ritos dos profetas
est�o sujeitos aos profetas� (I Cor�nt., XIV, 32),
isto �, � preciso n�o aceitar cegamente as instru��es
dos Esp�ritos, mas submet�-las ao exame da raz�o.
No mesmo sentido, dizia S. Jo�o:

"Car�ssimos, n�o creais a todo esp�rito, mas provai se
os esp�ritos s�o de Deus." (I� Ep�st., IV, 1).

Os �Atos dos Ap�stolos� fornecem numerosas indica��es
acerca das rela��es dos disc�pulos de Jesus com

o mundo invis�vel. A� se v� como, observando as instru��es
dos Esp�ritos (38), os ap�stolos adquirem maior
amplitude de vis�o das coisas; chegaram a n�o fazer
mais distin��es entre as carnes, a suprimir a barreira
(35) II Cor�nt., XII, 2-4.
(36) Ibid., XII, 7-9; Ef�s., VI. 2.
(37i Denominavam-se ent�o os m�diuns profetas.
(38) Na vers�o grega dos Evangelhos e dos Atos, a palavra
espirito est� muitas vezes isolada. S. Jer�nimo acresrenta-
lhe � de santo, e foram os tradutores franceses da Vulgata
que da� fizeram o Espirito-Manto. (Ver Bellemare � "Espirita e
Crist�o", p�gs. 270 e segs.).

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 61

que separava dos gentios os judeus, a substituir a circuncis�o
pelo batismo (39).

As comunica��es dos crist�os com os Esp�ritos dos
mortos eram t�o frequentes nos primeiros s�culos, que
instru��es positivas circulavam entre eles a esse respeito.


Hermas, disc�pulo dos ap�stolos, o mesmo que S�o
Paulo manda saudar de sua parte em sua Ep�stola aos
Romanos (XVI, 14), indica, em seu �Livro do Pastor�
(40), os meios de distinguir os bons dos maus Esp�ritos.

Nas linhas seguintes, escritas h� mil e oitocentos
anos, julgar-se-ia ter a descri��o fiel das sess�es de
evoca��es, tais como, em muitos centros, se praticam
em nossos dias:

"O esp�rito que vem da parte de Deus � pac�fico e humilde;
afasta-se de toda mal�cia e de todo v�o desejo deste
mundo e paira acima de todos os homens N�o responde
a todos os que o interrogam, nem �s pessoas em particular,
porque o esp�rito que vem de Deus n�o fala -ao homem
quando o homem quer, mas quando Deus o permite.
Quando, pois, um homem que tem um esp�rito de Deus vem
� assembleia dos fi�is, desde que se f�z a prece, o esp�rito
toma lugar nesse homem, que fala na assembl�ia como Deus

o quer." � o m�dium falante).
"Reconhece-se, ao contr�rio, o esp�rito terrestre, fr�volo,
sem sabedoria e sem for�a, no que se agita, se levanta
e toma o primeiro lugar. � importuno, tagarela e n�o profetiza
sem remunera��o. Um profeta de Deus n�o procede
assim."

Os Esp�ritos manifestavam, ent�o, sua presen�a de
mil modos, quer tornando-se vis�veis (41), ou produ


(39) Atos dos Ap�stolos. X. 10-16, 28, 29, 44-48; XVI,
6-10; XXI, 4; Ep. Romano� � XIV, 14; I Cor. � XII e XIV. �
Ver tamb�m nota n� 6.
(40) Esse "Livro do Pastor" era lido nas Igrejas, como
o s�o atualmente os Evangelhos e as Ep�stolas, at� o s�culo V.
S�o Clemente de Alexandria e Orlgenes a ele se referem com
respeito. Figura no mais antigo cat�logo dos livros can�nicos
recebidos pela Igreja Romana e foi publicado por Caio em 220.
(41) Atos, XII, 55, 56; IX, 10, 12; XVI, 9 etc.

62 L�ON DENIS

zindo a desagrega��o da mat�ria, como o fizeram para
libertar Pedro das cadeias que o prendiam e retir�-lo
da pris�o (42), quer ainda provocando casos de levitac�o
(43). Esses fen�menos eram, �s vezes, t�o impressionantes
que at� m�gicos sentiam-se abalados, ao
ponto de se converterem (44).

Penetrados desse espirito de caridade e abnega��o,
que lhes transfundia o Cristo, os primeiros crist�os
viviam na mais �ntima solidariedade. �Tudo possu�am
em comum� e �eram queridos de todo o povo� (45).

A revela��o dos Esp�ritos continua muito tempo
al�m do per�odo apost�lico. Durante os s�culos II e III,
OS crist�os se dirigiam diretamente �s almas dos mortos
para decidir pontos de doutrina.

S. Greg�rio, o taumaturgo, bispo de Neo-Cesareia,
declara �ter recebido de Jo�o Evangelista, em uma
vis�o, o s�mbolo da f� pregado por ele na sua igreja
� (46).
Or�genes, esse s�bio que S. Jer�nimo considerava

o grande mestre da Igreja, depois dos ap�stolos, fala
muitas vezes, em suas obras, da manifesta��o dos
mortos.
Em sua controv�rsia com Celso, diz ele:

"N�o duvido de que Celso escarne�a de mim; as zombarias,
por�m, n�o me impedir�o de dizer que muitas pessoas
t�m abra�ado o Cristianismo a seu pesar tendo sido
de tal modo seu cora��o repentinamente transformado por
algum espirito, quer numa apari��o, quer em sonho, que,
em lugar da avers�o que nutriam pela nossa f�, adotaram-na
com amor at� ao ponto de morrer por ela. Tomo Deus
por testemunha da verdade do que digo; Ele sabe que eu
nao pretendo recomendar a doutrina de Jesus-Cristo por

(42) Ato�, XII, 7-10. Ver tamb�m v. 19 e XVI, 26.
(43) Ibld-, VIII, 39, 40.
(44) Ato�, VIII, 9-13.
(45) Ibld,, II, 44-47; IV, 32-36.
(46) "Resumo da hist�ria eclesi�stica", pelo abade Racine.
S&o Greg�rio de Nissa, em sua "Vida de S. Greg�rio o taumaturgo",
refere essa vis�o. Ver "Obras de S. Greg�rio de
Nlssa", edi��o de 1638, t. III, pags. 545 e 546.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 63

meio de hist�rias fabulosas, mas com a verdade de fatos
incontest�veis" (47).

O imperador Constantino era pessoalmente dotado
de faculdades medi�nicas e sujeito � influ�ncia dos Esp�ritos.
Os principais sucessos de sua vida � sua convers�o
ao Cristianismo, a funda��o de Biz�ncio, etc. �
assinalam-se por interven��es ocultas, do que se pode
ter a prova nos seguintes fatos que vamos buscar �
narrativa do Sr. Alberto de Broglie, imparcial e severo
historiador, pouco inclinado ao misticismo (48):

"Quando planejava apoderar-se de Roma, um impulso interior
o induziu a se recomendar a algum poder sobrenatural
e invocar a prote��o divina, com apoio das for�as humanas.
Grande era, por�m, o embara�o para um piedoso romano dessa
�poca. . . A si mesmo ansiosamente perguntava de que
Deus iria implorar a assist�ncia. Caiu, ent�o, em absorta
medita��o das vicissitudes pol�ticas de que fora testemunha."

Reconhece que depositar confian�a na multid�o dos
deuses traz infelicidade, ao passo que seu pai Const�ncio,
secreto adorador do Deus �nico, terminara seus
dias em paz.

"Constantino decidiu-se a suplicar ao Deus de seu pai
que prestasse m�o forte � sua empresa.

"A resposta a essa prece foi uma vis�o maravilhosa,
que ele pr�prio referia, muitos anos depois, ao historiador
Eus�bio, afirmando-a sob juramento e com as seguintes
particularidades: Uma tarde, marchando � frente das tropas,
divisou no c�u, acima do sol que j� declinava para o
ocaso, uma cruz luminosa com esta inscri��o: Com este sinal
vencer�s. Todo o seu ex�rcito e muitos espectadores,
que o rodeavam viram como ele, estupefactos, esse prod�gio.
Ficou intrigado com o que poderia significar essa
apari��o. A noite o surpreendeu ainda na mesma perplexidade.
Durante o sono, por�m, o pr�prio Cristo lhe apa


(47) "Origenes", edi��o beneditina de 1733, t. I, p�gs. 361
e 362.
(48) Alb. de Broglie, "A Igreja e o Imp�rio romano no
s�culo quarto", t. I, p�gs. 214 e segs.

64 L�ON DENIS

receu com a cruz com que fora visto no c�u e lhe ordenou
que mandasse fazer, por aquele modelo, um estandarte de
guerra que lhe serviria de prote��o nos combates. Ao alvorecer,
Constantino levantou-se e transmitiu aos confidentes
a revela��o. Logo foram chamados ourives e o Imperador
lhes deu instru��es para que a cruz misteriosa
fosse reproduzida em ouro e pedras preciosas."

Mais adiante, acerca da escolha de Biz�ncio para
capital do Imp�rio, refere o mesmo autor: Quando os
olhos de Constantino se detiveram em Biz�ncio, n�o
apresentava ela mais que os destro�os de uma grande
cidade. Na escolha que fez, acreditava ele n�o estar
desamparado da interven��o divina. Dizia-se que, por
uma confid�ncia miraculosa, fora informado de que em
Roma n�o estaria em seguran�a o Imp�rio. Relativamente
a essa escolha, falava-se tamb�m de um sonho,
etc. Filost�rgio refere que:

".. . na ocasi�o em que ele (Constantino) tra�ava com
a espada em punho o novo recinto da cidade, os que o
acompanhavam vendo que ele se adiantava sempre, de modo
a abranger uma �rea imensa, perguntaram-lhe respeitosamente
at� onde pretendia ir. � At� o lugar em que pare
quem vai adiante de mim � respondeu" (49) .

� prov�vel que, sem o saber, padecesse Constantino
a influ�ncia dos invisiveis, em tudo o que devia
favorecer o estabelecimento da nova religi�o, em detrimento
muitas vezes do bem do Estado e de seus pr�prios
interesses. Seu car�ter, sua vida �ntima, n�o sofreram
com isso modifica��o alguma. Constantino se
manteve sempre cruel e astucioso, refrat�rio � moral
evang�lica, o que demonstra ter sido, em tudo mais, um
instrumento nas m�os das eminentes Entidades cuja
miss�o era fazer triunfar o Cristianismo.

Sobre a quest�o que nos ocupa, o c�lebre bispo de
Hipona, Santo Agostinho, n�o � menos afirmativo. Em

(49) Filost�rgio, II, 9. Ver "A Igreja e o Imp�rio Romano
no s�culo quarto", por Alb de Broglle, t. II, p�g. 153.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 65

suas �Confiss�es� (50) alude ele aos infrut�feros esfor�os
empenhados por deixar a desregrada vida que levava.
Um dia em que rogava com fervor a Deus que o
iluminasse, ouviu subitamente uma voz que repetidas
vezes lhe dizia: �Tolle, lege; toma, l��. Tendo-se certificado
de que essas palavras n�o provinham de um ser
vivo, ficou convencido de ser uma ordem divina, que
lhe determinava abrisse as santas Escrituras e lesse a
primeira passagem que sob os olhos lhe ca�sse. Foram
exorta��es de S. Paulo sobre a pureza dos costumes, o
que leu.

Em suas cartas menciona o mesmo autor �apari��es
de mortos, indo e vindo em sua morada habitual

� fazendo predi��es que os acontecimentos v�m mais
tarde confirmar� (51).
Seu tratado �De cura pro mortuis� fala das manifesta��es
dos mortos, nestes termos:

"Os esp�ritos dos mortos podem ser enviados aos vivos,
podem desvendar-lhes o futuro, cujo conhecimento adquiriram,
quer por outros esp�ritos, quer pelos anjos, quer por
uma revela��o divina" (52).

Em sua �Cidade de Deus�, a prop�sito do corpo
l�cido, et�reo, aromai, que � o perisp�rito dos esp�ritas,
trata das opera��es te�rgicas, que o tornam apropriado
a comunicar com os Esp�ritos e os anjos, e obter vis�es.

S. Clemente de Alexandria, S. Greg�rio de Nissa
em seu �Discurso catequ�tico�, o pr�prio S. Jer�nimo
em sua famosa controv�rsia com Vigilantius, o gaul�s,
pronunciam-se no mesmo sentido.
S. Tom�s de Aquino, o anjo da escola, no-lo diz o
abade Poussin, professor no Semin�rio de Nice, em sua
obra �O Espiritismo perante a Igreja� (1866), �comunicava-
se com os habitantes do outro mundo, com mor(
50) Confiss�es, livr. VIII, cap. XII.
(51) Carta a Evodius, Ep. CLIX, edi��o dos Beneditinos,
t. II, col. 562, e "De cura pro mortuis", t. VI, col. 523.
(52)
De cura pro mortuis, edi��o beneditina, t. VI, col. 527.
3

L�ON DENIS

tos que o informavam do estado das almas pelas quais

se interessava ele, com santos que o confortavam e lhe

patenteavam os tesouros da ci�ncia divina� (53).

A Igreja, pelo �rg�o dos conc�lios, entendeu dever
condenar as pr�ticas esp�ritas, quando, de democr�tica
e popular que era em sua origem, se tornou desp�tica
e autorit�ria. Quis ser a �nica a possuir o privil�gio das
comunica��es ocultas e o direito de as interpretar.
Todos os leigos, provado que mantinham rela��es com
os mortos, foram perseguidos como feiticeiros e queimados.


Mas esse monop�lio das rela��es com o mundo invis�vel,
apesar dos seus julgamentos e condena��es,
apesar das execu��es em massa, a Igreja nunca o p�de
obter. Ao contr�rio, a partir desse momento, as mais
brilhantes manifesta��es se produzem fora dela. A fonte
das superiores inspira��es, fechada para os eclesi�sticos,
permanece aberta para os hereges. A Hist�ria o
atesta. A� est�o as vozes de Joana d'Arc, os g�nios familiares
de Tasso e de Jer�nimo Cardan, os fen�menos
macabros da Idade M�dia, produzidos por Esp�ritos de
categoria inferior; os convulsionarios de S. Medard,
depois os pequenos profetas inspirados de Cavennes,
Swedenborg e sua escola. Mil outros fatos ainda formam
uma ininterrupta cadeia, que, desde as manifesta��es
na mais remota antiguidade, nos conduz ao moderno
Espiritualismo.

Entretanto, numa �poca recente, no seio da Igreja,
alguns raros pensadores investigavam ainda o problema
do invis�vel. Sob o t�tulo �Da distin��o dos Esp�ritos�,

o cardeal Bona, esse Fenelon da It�lia, consagrava uma
obra ao estudo das diversas categorias de Esp�ritos que
podem manifestar-se aos homens.
"Motivo de estranheza, diz ele, � que se pudessem encontrar
homens de bom senso que tenham ousado negar

(53) L�-se na Suma (I, qu. 89, 8 2.m): "o espirito (anima
separata) pode aparecer aos vivos".

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 67

em absoluto as apari��es e comunica��es das almas com
os vivos, ou atribu�-las a extravio da imagina��o, ou ainda
a artif�cio dos dem�nios."

Esse cardeal n�o previa os an�temas dos padres
cat�licos contra o Espiritismo (54).

For�oso �, portanto, reconhec�-lo: os dignit�rios da
Igreja que, do alto de sua c�tedra, t�m anatematizado
as pr�ticas esp�ritas, desnortearam completamente. N�o
compreendem que as manifesta��es das almas s�o uma
das bases do Cristianismo, que o movimento esp�rita �
a reprodu��o do movimento crist�o em sua origem. N�o
se lembram de que negar a comunica��o com os mortos,
ou mesmo atribu�-la � interven��o dos dem�nios, �
p�r-se em contradi��o com os padres da Igreja e com
os pr�prios ap�stolos. J� os sacerdotes de Jerusal�m
acusavam Jesus de agir sob a influ�ncia de Belzebu.
A teoria do dem�nio fez sua �poca; agora j� n�o �
admiss�vel.

A verdade � que o Espiritismo se encontra hoje
por toda parte, n�o como supersti��o, mas como lei
fundamental da Natureza.

Sempre existiram rela��es entre homens e Esp�ritos,
com maior ou menor intensidade. Por esse meio,
cont�nua revela��o se propagou no mundo. Flui, atrav�s
dos tempos, uma grande corrente de energia espiritual,
cuja fonte � o mundo invis�vel. Por vezes, essa corrente
se oculta na penumbra; vai-se encontrar dissimulada
sob a ab�bada dos templos da �ndia e do Egito, nos
misteriosos santu�rios da G�lia e da Gr�cia; s� dos
iniciados e dos s�bios � conhecida. Mas, tamb�m �s
vezes, em �pocas determinadas pela vontade de Deus,
surge dos lugares ocultos, reaparece em pleno dia, �
vista de todos; vem oferecer � Humanidade esses tesouros,
essas magnific�ncias esquecidas, que a v�m embelezar,
enriquecer, regenerar.

(54) Ver nota complementar n� 6, no fim do volume.

68 L�ON DENIS

� assim que as verdades superiores se revelam
atrav�s dos s�culos, para facilitar, estimular a evolu��o
dos seres. Com o concurso de poderosos m�diuns se
patenteiam, entre n�s, pela interven��o dos Esp�ritos
geniais, que viveram na Terra e que nela sofreram pela
Justi�a e pelo Bem. Esses Esp�ritos de escol foram restitu�dos
� vida do espa�o, mas n�o cessaram de velar
pela Humanidade e com ela corresponder-se.

Em certos momentos da Hist�ria, um sopro do Alto
perpassa pelo mundo; as brumas que envolviam o pensamento
humano se dissipam; as supersti��es, as d�vidas,
as quimeras se desvanecem; as grandes leis do
destino se revelam e a verdade reaparece.

Felizes, ent�o, os que a sabem reconhecer e agasalhar!


VI � Altera��o do Cristianismo. Os dogmas

Como palhetas de ouro nas ondas turvas de um
rio, a Igreja mescla, em seu ensino, a pura moral evang�lica
� vacuidade das pr�prias concep��es.

Acabamos de ver que, depois da morte do Mestre,
os primeiros crist�os possu�am, em sua correspond�ncia
com o mundo invis�vel, abundante fonte de inspira��es.
Utilizavam-na abertamente. Mas as instru��es
dos Esp�ritos nem sempre estavam em harmonia com
as opini�es do sacerd�cio nascente, que, se nessas rela��es
achava um amparo, nelas muitas vezes encontrava
tamb�m uma cr�tica severa e, �s vezes, mesmo uma
condena��o.

Pode ver-se no livro do padre de Longueval (55)
como, � medida que se constitui a obra dogm�tica da
Igreja, nos primeiros s�culos, os Esp�ritos afastam-se
pouco a pouco dos crist�os ortodoxos, para inspirar os
que eram ent�o designados sob o nome de heresiarcas.

Mont�nus, diz tamb�m o abade Fleury (56), tinha
duas profetisas, duas senhoras nobres e ricas, chama


(55) Hist�ria da igreja galicana, t. I, p�g. 84.
(56) Hist. ecles., liv. IV, 6.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 69

das Priscila e Maximila. Cerinthe tamb�m obtinha revela��es
(57). Apol�nio de Tiana contava-se entre esses
homens favorecidos pelo c�u, que s�o assistidos por um
�esp�rito sobrenatural� (58). Quase todos os mestres
da escola de Alexandria eram inspirados por g�nios
superiores.

Todos esses Esp�ritos, apoiando-se na opini�o de

S. Paulo: �o que por ora possu�mos em conhecimento
e profecia � muito imperfeito� (I Cor�ntios, XIII, 9) �
traziam, diziam eles, uma revela��o que vinha confirmar
e completar a de Jesus.
Desde o s�culo III, afirmavam que os dogmas impostos
pela Igreja, como um desafio � raz�o, n�o eram
mais que um obscurecimento do pensamento do Cristo.
Combatiam o fausto j� excessivo e escandaloso dos
bispos, insurgindo-se energicamente contra o que a seus
olhos era uma corrup��o da moral (59).

Essa oposi��o crescente tornava-se intoler�vel aos
olhos da Igreja. Os �heresiarcas�, aconselhados e dirigidos
pelos Esp�ritos, entravam em luta aberta contra
ela. Interpretavam o Evangelho com amplitude de vistas
que a Igreja n�o podia admitir, sem cavar a ru�na dos
seus interesses materiais. Quase todos se tornavam
neo-plat�nicos, aceitando a sucess�o das vidas do homem
e o que Or�genes denominava �os castigos medicinais
�, isto �, puni��es proporcionais �s faltas da alma,
reencarnada em novos corpos para resgatar o passado
e purificar-se pela dor. Essa doutrina, ensinada pelos
Esp�ritos, e cuja san��o Or�genes e muitos padres da
Igreja, como vimos, encontravam nas Escrituras, era
mais conforme com a justi�a e miseric�rdia divinas.
Deus n�o pode condenar as almas a supl�cios eternos,
depois de uma vida �nica, mas deve-lhes fornecer os
meios de se elevarem mediante exist�ncias laboriosas

(57) Hist. ecles., liv. II, 3.
(58) Ibid., liv. I, 9.
(59) Padre de Longueval, "Hist�ria da igreja galicana",
I, 84.

L�ON DENIS

e provas aceitas com resigna��o e suportadas com
coragem.

Essa doutrina de esperan�a e de progresso n�o
inspirava, aos olhos dos chefes da Igreja, o suficiente
terror da morte e do pecado. N�o permitia firmar sobre
bases convenientemente s�lidas a autoridade do sacerd�cio.
O homem, podendo resgatar-se a si pr�prio das
suas faltas, n�o necessitava do padre. O dom de profecia,
a comunica��o constante com os Esp�ritos, eram
for�as que, sem cessar, minavam o poder da Igreja.
Esta, assustada, resolveu p�r termo � luta, sufocando

o profetismo. Imp�s sil�ncio a todos os que, invis�veis
ou humanos, no intuito de espiritualizar o Cristianismo,
afirmavam ideias cuja eleva��o a amedrontava.
Depois de ter, durante tr�s s�culos, reconhecido no
dom de profecia, ou de mediunidade acess�vel a todos,
conforme a promessa dos ap�stolos, um soberano meio
de elucidar os problemas religiosos e fortificar a f�, a
Igreja chegou a declarar que tudo o que provinha dessa
fonte n�o era mais que pura ilus�o ou obra do dem�nio.
Ela se declarou, do alto da sua autoridade, a �nica
profecia viva, a �nica revela��o perp�tua e permanente.
Tudo o que dela n�o provinha foi condenado, amaldi�oado.
Todo esse lado grandioso do Evangelho, de que
temos falado; toda a obra dos profetas que o completava
e esclarecia, foi recalcado para a sombra. N�o se
tratou mais dos Esp�ritos nem da eleva��o dos seres
na escala das exist�ncias e dos mundos, nem do resgate
das faltas cometidas, nem de progressos efetuados e
trabalhos realizados atrav�s do infinito dos espa�os e
do tempo.

Perderam-se de vista todos os ensinos; a tal ponto
se esqueceu a verdadeira natureza dos dons de profecia
que os modernos comentadores das Escrituras dizem que
�a profecia era o dom de explicar aos fi�is os mist�rios
da religi�o� (60). Os profetas eram, a seu ver, �o bispo

(60) De Maistre de Sacy, "Coment�rios sobre S�o Paulo",
I, 3, 22, 29.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

e o padre que julgavam, pelo dom do discernimento e as
regras da Escritura, se o que fora dito provinha do
esp�rito de Deus ou do esp�rito do dem�nio�: � contradi��o
absoluta com a opini�o dos primeiros crist�os,
que nos profetas viam inspirados, n�o de Deus mas dos
Esp�ritos, como o diz S. Jo�o, na passagem de sua primeira
Ep�stola (D7, I), j� citada.

Um momento, ter-se-ia podido acreditar que, aliada
aos descortinos profundos dos fil�sofos de Alexandria,
a doutrina de Jesus ia prevalecer sobre as tend�ncias
do misticismo judeu-crist�o e lan�ar a Humanidade na
ampla via do progresso, � fonte das altas inspira��es
espirituais. Mas os homens desinteressados, que amavam
a verdade pela verdade, n�o eram bastante numerosos
nos conc�lios. Doutrinas que melhor se adaptavam
aos interesses terrenos da Igreja, foram elaboradas por
essas c�lebres assembleias, que n�o cessaram de imobilizar
e materializar a Religi�o. Gra�as a elas e sob a
soberana influ�ncia dos pont�fices romanos � que se
elevou, atrav�s dos s�culos, esse am�lgama de dogmas
estranhos, que nada t�m de comum com o Evangelho
e lhe s�o muit�ssimo posteriores � sombrio edif�cio
em que o pensamento humano, semelhante a uma �guia
engaiolada, impotente para desdobrar as asas e n�o
vendo mais que uma nesga do c�u,, foi encerrado durante
tanto tempo como em uma catacumba.

Essa pesada constru��o, que obstrui o caminho �
Humanidade, surgiu na Terra em 325 com o conc�lio de
Niceia, e foi conclu�da em 1870 com o �ltimo conc�lio
de Roma. Tem por alicerce o pecado original e por coroamento
a imaculada concei��o e a infalibilidade papal.

� por essa obra monstruosa que o homem aprende
a conhecer esse Deus implac�vel e vingativo, esse inferno
sempre hiante, esse para�so fechado a tantas
almas valorosas, a tantas generosas intelig�ncias, e facilmente
alcan�ado por uma vida de alguns dias, terminada
ap�s o batismo � concep��es que t�m impelido
tantos seres humanos ao ate�smo e ao desespero.



72 L�ON DENIS

Examinemos os principais dogmas e mist�rios, cujo
conjunto constitui o ensino das igrejas crist�s. Encontramos
a sua exposi��o em todos os catecismos ortodoxos.


Come�a com essa estranha concep��o do Ser divino,
que se resolve no mist�rio da Trindade, um s� Deus
em tr�s pessoas, o Pai, o Filho e o Esp�rito-Santo.

Jesus trouxera ao mundo uma no��o da divindade,
desconhecida ao Juda�smo. O Deus de Jesus j� n�o � o
d�spota zeloso e parcial que protege Israel contra os
outros povos; � o Deus Pai da Humanidade. Todas as
na��es, todos os homens, s�o seus filhos. � o Deus em
quem tudo vive, move-se e respira, imanente em a
Natureza e na consci�ncia humana.

Para o mundo pag�o, como para os judeus, essa
no��o de Deus encerrava toda uma revolu��o moral.
A homens que tudo haviam chegado a divinizar e a
temer tudo o que haviam divinizado, a doutrina de Jesus
revelava a exist�ncia de um s� Deus, Criador e Pai, por
quem todos os homens s�o irm�os e em cujo nome eles
se devem afei��o e assist�ncia. Ela tornava poss�vel a
comunh�o com esse Pai, pela uni�o fraternal dos membros
da fam�lia humana. Franqueava a todos o caminho
da perfei��o pelo amor ao pr�ximo e pela dedica��o
� Humanidade.

Essa doutrina, simples e grande ao mesmo tempo,
devia elevar o esp�rito humano a alturas admir�veis,
at� ao Foco divino, cuja irradia��o todo homem pode
sentir dentro em si mesmo. Como foi essa ideia simples
e pura, que podia regenerar o mundo, transformada ao
ponto de se tornar irreconhec�vel?

� o resultado das paix�es e dos interesses materiais
que entraram em jogo no mundo crist�o, depois
da morte de Jesus.

A no��o da Trindade, colhida numa lenda hindu que
era a express�o de um s�mbolo, veio obscurecer e desnaturar
essa alta ideia de Deus. A intelig�ncia humana
podia elevar-se a essa concep��o do Ser eterno, que


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

abrange o Universo e d� a vida a todas as criaturas:
n�o pode a si mesma explicar como tr�s pessoas se
unem para constituir um s� Deus. A quest�o da consubstancialidade
em nada elucida o problema. Em v�o
nos advertiriam que o homem n�o pode conhecer a natureza
de Deus. Neste caso, n�o se trata dos atributos
divinos mas da lei dos n�meros e medidas, lei que tudo
regula no Universo, mesmo as rela��es que ligam a
raz�o humana � raz�o suprema das coisas.

Essa concep��o trinit�ria, t�o obscura, t�o incompreens�vel,
oferecia, entretanto, grande vantagem �s
pretens�es da Igreja. Permitia-lhe fazer de Jesus-Cristo
um Deus. Conferia ao poderoso Esp�rito, a que ela
chama seu fundador, um prest�gio, uma autoridade, cujo
esplendor sobre ela reca�a e assegurava o seu poder.
Nisso est� o segredo da sua ado��o pelo conc�lio de
Niceia. As discuss�es e perturba��es que suscitou essa
quest�o, agitaram os esp�ritos durante tr�s s�culos e s�
vieram a cessar com a proscri��o dos bispos arianos,
ordenada pelo imperador Const�ncio, e o banimento do
papa Libero que recusava sancionar a decis�o do Conc�lio
(61).

A divindade de Jesus, rejeitada por tr�s conc�lios,

o mais importante dos quais foi o de Antioquia (269),
foi, em 325, proclamada pelo de Niceia, nestes termos:
"A Igreja de Deus, cat�lica e apost�lica, anatematiza
os que dizem que houve um tempo em que o Filho n�o existia,
ou que n�o existia antes de haver sido gerado."

Essa declara��o est� em contradi��o formal com as
opini�es dos ap�stolos. Ao passo que todos acreditavam

o Filho criado pelo Pai, os bispos do s�culo IV proclamavam
o Filho igual ao Pai, �eterno como ele, gerado e
n�o criado�, opondo assim um desmentido ao pr�prio
Cristo, que dizia e repetia: �meu Pai � maior do que eu�.
(61) Ver, quanto �s particularidades desses fatos, E. Bellemare,
"Esp�rita e Crist�o", p�g. 212.

74 L�ON DENIS

Para justificar essa afirma��o, ap�ia-se a Igreja
em certas palavras do Cristo, que, se exatas, foram mal
compreendidas, mal interpretadas. Em Jo�o (X, 33),
por exemplo, se diz: �N�s te apedrejamos porque, sendo
homem, te fazes Deus a ti mesmo�.

A resposta de Jesus destr�i essa acusa��o e revela

o seu pensamento �ntimo: �N�o est� escrito na vossa
lei: � Eu disse: v�s sois deuses?� (Jo�o, X, 34) (62).
"Se ela chamou deuses �queles a quem a palavra de
Deus foi dirigida..." (Jo�o, X, 35).

Todos sabem que os antigos, latinos e orientais,
chamavam deuses a todos quantos, por qualquer motivo,
se tornavam superiores ao comum dos homens (63).
O Cristo preferia a essa qualifica��o abusiva, a de filho
de Deus para designar os que investigavam e observavam
os divinos ensinamentos. � o que ele exp�e no
vers�culo seguinte:

"Bem-aventurados os pac�ficos, porque ser�o chamados
filhos de Deus." (Mat., V, 9).

Os ap�stolos atribu�am o mesmo sentido a essa
express�o:

"Todos os que s�o levados pelo Esp�rito de Deus, esses
tais s�o filhos de Deus." (S. Paulo, Ep�stola aos Romanos,

VIII, 14) .

Jesus o confirma em muitas circunst�ncias:

"A mim, a quem o Pai santificou e enviou ao mundo,
porque dizeis v�s "Tu blasfemas", por eu ter dito que sou
Filho de Deus?" (Jo�o, X, 36) (64).

(62) �ssas palavras se relerem � seguinte passagem do
Salmo LXXXI, v. 6: "Eu disse: v�s sois deuses e todos filhos
do Excelso".
(63) Ver nota complementar n� 8.
(64) Se, em sua linguagem parab�lica, Jesus algumas
vezes se denomina filho de Deus, com muito mais frequ�ncia
se designa filho do homem. Esta express�o se encontra setenta
o seis vezes nos Evangelhos.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 75

"A um israelita redargui: "Porque me chamais bom?
Ningu�m � bom sen�o Deus, unicamente." (Lucas, XVIII,
19). � "Eu n�o posso de mim mesmo fazer coisa alguma.
N�o busco a minha vontade, mas a vontade d'Aquele que
me enviou." (Jo�o, V, 30).

As seguintes palavras s�o ainda mais expl�citas:

"Procurais tirar-me a vida, a mim que sou um homem,
que vos tenho dito a verdade que de Deus ouvi." (Jo�o,
VIII, 40) .

"Se me am�sseis, certamente hav�eis de folgar que eu
v� para o Pai, porque o Pai � maior do que eu." (Jo�o,
XIV, 28).

"Jesus diz � Madalena: Vai a meus irm�os e dize-
lhes que eu vou para meu Pai e vosso Pai, para meu Deus
e vosso Deus." (Jo�o, XX, 17).

Assim, longe de externar a ideia sacr�lega de que
era Deus, em todas as circunst�ncias Jesus fala do Ser
infinito como a criatura deve falar do Criador, ou ainda
como um subordinado fala do seu senhor.

Nem mesmo sua m�e acreditava na sua divindade,
e todavia quem mais autorizado que ela a admiti-la?
N�o recebera a visita do anjo que lhe anunciava a vinda
do Menino, aben�oado pelo Alt�ssimo e por sua gra�a
concebido? (65). Porque tenta, pois, embara�ar-lhe a
obra, imaginando que ele perdera o ju�zo? (66) H� a�
contradi��o patente.

Os ap�stolos, por sua vez, n�o viam em Jesus sen�o
um mission�rio, um enviado do C�u, um Esp�rito, sem
d�vida superior por suas luzes e virtudes, mas humano.
Sua atitude para com ele, sua linguagem, o provam
claramente.

Se o tivessem considerado um Deus, n�o se teriam
prosternado diante dele, n�o seria genuflexos que lhe
teriam falado? � ao passo que a sua defer�ncia e res


(65) Lucas, I, 26-28.
(66) Marcos, III, 21.

76 L�ON DENIS

peito n�o ultrapassavam o devido a um mestre, a um
homem eminente. �, ao demais, esse t�tulo de mestre
(em hebreu rabi) que lhe dispensavam habitualmente.
Os Evangelhos d�o testemunho disso. Quando lhe chamam
Cristo, n�o v�em nesse qualificativo sen�o o sin�nimo
de enviado de Deus.

"Respondeu Pedro, Tu �s o Cristo!" (Marcos, VIII, 29).

O pensamento dos ap�stolos acha-se explicado, esclarecido
por certas passagens dos Atos (II, 22). Pedro
dirige-se � multid�o:

"Var�es israelitas, ouvi minhas palavras. Jesus Nazareno
foi um var�o (virum), aprovado por Deus entre v�s,
com virtudes e prod�gios, e sinais que Deus obrou por ele
no meio de v�s."

Encontra-se o mesmo pensamento expresso em
Lucas, XXIV, 19:

"Jesus de Nazar� foi um profeta, poderoso em obras
e palavras diante de Deus e de todo o povo."

Se os primeiros crist�os tivessem acreditado na divindade
de Jesus, se dele houvessem feito um deus, sua
religi�o ter-se-ia provavelmente submergido na multid�o
das que o Imp�rio Romano admitia, cada qual exaltando
divindades particulares. Os arroubos de entusiasmo
dos ap�stolos, a indom�vel energia dos m�rtires,
tinham sua origem na ressurrei��o do Cristo. Considerando-
o um homem semelhante a eles, viam nessa ressurrei��o
a prova manifesta da sua pr�pria imortalidade.
S. Paulo confirma com absoluta clareza essa opini�o,
quando diz:

"Pois se n�o h� ressurrei��o de mortos, nem Cristo ressuscitou.
E se Cristo n�o ressuscitou, � logo v� a nossa
prega��o, � tamb�m v� a nossa f�. E somos assim mesmo
convencidos por falsos testemunhos de Deus, dizendo que


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 77

ressuscitou a Cristo, ao qual n�o ressuscitou, se os mortos
n�o ressuscitam" (67) .

Assim, para os disc�pulos de Jesus, como para todos
os que atentamente, e sem paix�o, estudam o problema
dessa exist�ncia admir�vel, o Cristo, segundo a express�o
que a si pr�prio aplica, n�o � mais que o �profeta�
de Deus, isto �, um int�rprete, um porta-voz de Deus,
um Esp�rito dotado de faculdades especiais, de poderes
excepcionais, mas n�o superiores � natureza humana.
Sua clarivid�ncia, suas inspira��es, o dom de curar que
possu�a em t�o elevado grau, encontram-se em �pocas
diversas e em diferentes graus, em outros homens.

Pode comprovar-se a exist�ncia dessas faculdades
nos m�diuns de nossos dias, n�o agrupadas, reunidas
de modo a constitu�rem uma poderosa personalidade
como a do Cristo, mas dispersas, distribu�das por grande
n�mero de indiv�duos. As curas de Jesus n�o s�o milagres
(68), mas a aplica��o de um poder flu�dico e
magn�tico, que novamente se encontra mais ou menos
desenvolvido, em certos curadores da nossa �poca. Essas
faculdades est�o sujeitas a varia��es, a intermitencias
que no pr�prio Cristo se observam, como o provam os
vers�culos do Evangelho de Marcos (VI, 4, 5):

"Mas Jesus lhes dizia: Um profeta s� deixa de ser
honrado em sua p�tria, em sua casa e entre seus parentes.
E n�o podia ali fazer milagre algum."

Todos os que t�m de perto observado os fen�menos
do Espiritismo, do magnetismo e da sugest�o, e remon


(67) I Cor., XV, 13-15.
(68) O que se denomina milagres s�o fen�menos produzidos
pela a��o de forcas desconhecidas, que a ci�ncia descobre
cedo ou tarde. N�o pode existir milagre no sentido de posterga��o
das leis naturais. Com a viola��o dessas leis, a desordem
e a confus�o penetrariam no mundo. Deus n�o pode ter estabelecido
leis para, em seguida, as violar. Ele nos daria, assim,
o mais pernicioso exemplo; porque, se violamos a lei, poderemos
ser punidos, ao passo que Deus, fonte da lei, ter� atentado
contra ela?

78 L�ON DENIS

tado dos efeitos � causa que os produz, sabem que existe
uma grande analogia entre as curas operadas pelo
Cristo e as obtidas pelos que exercem modernamente
essas fun��es. Como ele, mas com menos for�a e �xito,
os curadores esp�ritas tratam dos casos de obsess�o e
possess�o e, com o aux�lio de passes, tocando os indiv�duos
pela imposi��o das m�os, libertam os doentes
dos males produzidos pela influ�ncia dos Esp�ritos impuros,
daqueles que a Escritura designa sob o nome de
dem�nios:

"� tarde, por�m, apresentaram-lhe muitos endemoninhados,
dos quais ele expelia os maus esp�ritos com a sua palavra;
e curou todos os enfermos." (Mateus, VIII, 16).

A maior parte das mol�stias nervosas prov�m das
perturba��es causadas por estranhas influ�ncias em
nosso organismo flu�dico, ou perisp�rito. A Medicina,
que estuda simplesmente o corpo material, n�o p�de
descobrir a causa desses males e os rem�dios a eles
aplic�veis. Por isso � quase sempre impotente para os
curar. A a��o flu�dica de certos homens, firmados na
vontade, na prece e na assist�ncia dos Esp�ritos elevados,
pode fazer cessarem essas perturba��es, restituir
ao inv�lucro flu�dico dos doentes as suas vibra��es normais
e for�ar a se retirarem os maus Esp�ritos. Era o
que Jesus obtinha f�cilmente, como o obtinham, depois
dele, os ap�stolos e os santos.

*

Os conhecimentos difundidos entre os homens pelo
moderno Espiritualismo, permitem melhor compreender
e definir a alta personalidade do Cristo. Jesus era um
divino mission�rio, dotado de poderosas faculdades, um
m�dium incompar�vel. Ele pr�prio o afirma:

"Eu n�o falei de mim mesmo, mas o Pai que me enviou
� o mesmo que me prescreveu o que devo dizer e o
que devo falar." (Jo�o, XII 49).

A todas as ra�as humanas, em todas as �pocas da
Hist�ria, enviou Deus mission�rios, Esp�ritos superio



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 79

res, chegados, por seus esfor�os e merecimentos, ao
mais alto grau da hierarquia espiritual. Podem acompanhar-
se, atrav�s dos tempos, os sulcos dos seus passos.
Suas frontes dominam, sobranceiras, a multid�o dos
humanos que eles t�m o encargo de dirigir para as altitudes
intelectuais.

O c�u os apercebeu para as lutas do pensamento;
dele receberam o poder e a intrepidez.
Jesus � um desses divinos mission�rios e � de todos

o maior. Destitu�do da falsa aur�ola da divindade, mais
imponente nos parece ele. Seus sofrimentos, seus desfalecimentos,
sua resigna��o, deixam-nos quase insens�veis,
se oriundos de um Deus, mas tocam-nos, comovem-
nos profundamente em um irm�o. Jesus �, de todos
os filhos dos homens, o mais digno de admira��o.
� extraordin�rio no serm�o da montanha, em meio �
turba dos humildes. � maior ainda no Calv�rio, quando
a sombra da cruz se estende sobre o mundo, na tarde
do suplicio.
Nele vemos o homem que ascendeu � emin�ncia
final da evolu��o, e neste sentido � que se lhe pode
chamar deus, assim conciliando os apologistas da sua
divindade com os que a negam. A humanidade e a divindade
do Cristo representam os extremos de sua individualidade,
como o s�o para todo ser humano. Ao
termo de nossa evolu��o, cada qual se tornar� um
�Cristo�, ser� um com o Pai e ter� alcan�ado a condi��o
divina.

A passagem de Jesus pela Terra, seus ensinamentos
e exemplos, deixaram tra�os indel�veis; sua influ�ncia
se estender� pelos s�culos vindouros. Ainda hoje, ele
preside aos destinos do globo em que viveu, amou, sofreu.
Governador espiritual deste planeta, veio, com seu
sacrif�cio, encarreir�-lo para a senda do bem, e � sob
a sua dire��o oculta e com o seu apoio que se opera essa
nova revela��o, que, sob o nome de moderno espiritualismo,
vem restabelecer sua doutrina, restituir aos homens
o sentimento dos pr�prios deveres, o conhecimento
de sua natureza e dos seus destinos.


80 L�ON DENIS

VII � Os dogmas (continua��o). Os sacramentos,

o culto
O pecado original � o dogma fundamental em que
repousa todo o edif�cio dos dogmas crist�os � ideia
verdadeira, no fundo, mas falsa em sua forma e desnaturada
pela Igreja � verdadeira, no sentido de que o
homem sofre com a intui��o que conserva das faltas
cometidas em suas vidas anteriores, e pelas consequ�ncias
que acarretam para ele. Esse sofrimento, por�m, �
pessoal e merecido. Ningu�m � respons�vel pelas faltas
de outrem, se nelas n�o tomou alguma parte. Apresentado
em seu aspecto dogm�tico, o pecado original, que
pune toda a posteridade de Ad�o, isto �, a Humanidade
inteira, pela desobedi�ncia do primeiro par, para depois
salv�-la por meio de uma iniquidade inda maior � a
imola��o de um justo � � um ultraje � raz�o e � moral,
consideradas em seus princ�pios essenciais � a bondade
e a justi�a. Mais contribuiu para afastar o homem da
cren�a em Deus, que todas as agress�es e todas as cr�ticas
da Filosofia.

N�o �, com efeito, impunemente que se tenta separar,
no pensamento e na consci�ncia, a ideia de Deus da
de justi�a. Com isso, o que se logra � lan�ar a perturba��o
nas almas e provocar um trabalho mental que
conduz, for�osamente, � exclus�o de uma dessas duas
ideias. Ora, foi a ideia de Deus que esteve quase a perecer,
porque o homem n�o pode ver em Deus sen�o a
mais alta personifica��o da justi�a, do amor e da sabedoria.
Todas as perfei��es devem encontrar-se reunidas
no Ser eterno.

Do seu passado criminoso perdeu o homem a recorda��o
precisa, mas conservou um vago sentimento.
Da� proveio essa concep��o do pecado original, que se
encontra em muitas religi�es, e da expia��o que ele
requer. Dessa concep��o err�nea derivam as da queda,
do resgate e da reden��o pelo sangue do Cristo, os mist�rios
da encarna��o, da virgem-m�e, da imaculada con



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

cei��o, numa palavra, todo o amontoado do Catolicismo
(69).

Todos esses dogmas constituem verdadeira nega��o
da raz�o e da justi�a divinas, desde que tomados
ao p� da letra, como o quer a Igreja, e em seu sentido
material.

N�o � admiss�vel houvesse Deus criado o homem
e a mulher com a condi��o de n�o se instru�rem. Menos
admiss�vel, ainda, � que ele tenha, por uma �nica desobedi�ncia,
condenado a sua posteridade e a Humanidade
inteira � morte e ao inferno.

�Que pensar, diz com raz�o E. Bellemare, de um
juiz que condenasse um homem sob o pretexto de que,
h� milhares de anos, um seu antepassado cometera um
crime ?� �, entretanto, esse odioso papel que o Catolicismo
atribui ao juiz supremo � Deus!

� por motivos tais que se justificou o afastamento
e a ojeriza que certos pensadores conceberam pela ideia
de Deus. � o que explica, sem a desculpar, a veemente
acusa��o de um c�lebre escritor: Deus � o mal!

Se considerarmos o dogma do pecado original e da
queda qual o �, realmente, isto �, como um mito, uma
lenda oriental, exatamente como se depara em todas as
cosmogonias antigas; se destruirmos com um sopro tais
quimeras, todo o edif�cio dos dogmas e mist�rios imediatamente
se desmorona. Que restar�, ent�o, do Cristianismo
? pode-se-me perguntar. Restar� o que ele em
si cont�m de verdadeiramente grande, de vivo e racional,
isto �, tudo o que � suscet�vel de elevar e fortalecer
a Humanidade.


(69) "A queda da humanidade em Ad�o � diz o abade de
Noirl�eu em seu "Catecismo filos�fico para uso dos seculares" �
e a sua repara��o em Jesus-Cristo, s�o os dois grandes fatos
sobre que repousa o Cristianismo. Sem o dogma do pecado original
n�o mais se concebe a necessidade do Redentor. Por isso,
nada � ensinado mais explicitamente pela Igreja do que a queda
de Ad�o e as suas funestas consequ�ncias, para todos os seus
descendentes".

82 L�ON DENIS

Prossigamos em nosso exame. A soberania de Deus,
dizem os te�logos, manifesta-se pela predestina��o e
pela reden��o. Sendo Deus absoluto soberano, sua vontade
� a causa final e decisiva de tudo quanto ocorre no
Universo. Agostinho � o autor desse dogma, que ele institui
em sua luta com os maniqueus, partid�rios de dois
princ�pios opostos: o bem e o mal, e contra Pel�gio, que
reivindicava os direitos da liberdade humana. Todavia,
Agostinho louva-se, para defender o seu dogma, na autoridade
de S. Paulo, verdadeiro criador da doutrina da
predestina��o, cujo enunciado, pouco concludente ao
nosso ver, est� no cap�tulo IX da Ep�stola aos Romanos.

Segundo S. Paulo, cuja teoria foi adotada sucessivamente
por Agostinho, pelos reformadores do s�culo
XVI e, mais tarde, por Jansen, Pascal, etc, o homem
n�o pode obter a salva��o por suas pr�prias obras,
arrastando-o sua natureza, como invencivelmente o
arrasta, ao mal.

Essa inclina��o funesta � o resultado da queda do
primeiro homem e da corrup��o que dela deriva para
toda a Humanidade, tendo-se tornado a heran�a de
todos os filhos de Ad�o. � pela concep��o que aos filhos
se transmite o pecado dos pais. Esse dogma denomina-
se traducianismo e as igrejas crist�s parece n�o perceberem
que, com essa afirma��o monstruosa, se fazem
aliadas do materialismo, que proclama a mesma teoria
sob o nome de lei da hereditariedade.

Todos os homens, perdidos pelo pecado de Ad�o,
seriam votados � condena��o eterna, se Deus, em sua
miseric�rdia, n�o tivesse encontrado um meio de os
salvar. Esse meio � a reden��o. O filho de Deus se faz
homem. Em sua vida terrestre, cumpriu a vontade do
Pai e satisfez sua justi�a, oferecendo-se em holocausto
para salva��o de todos os que se ligam � sua igreja.

Desse dogma resulta que os fi�is n�o s�o salvos
por um exerc�cio da sua livre vontade, nem por seus
pr�prios merecimentos, porque n�o h� livre arb�trio em
face da soberania de Deus, mas por efeito de uma gra�a
que Deus concede a seus eleitos. Levando esse argu



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 83

mento a todas as suas consequ�ncias l�gicas, poder-se-ia
dizer: � Deus quem atrai os escolhidos e quem endurece
os pecadores. Tudo se faz pela predestina��o divina.
Ad�o, por conseguinte, n�o pecou por seu livre
arb�trio. Foi Deus, absoluto soberano, que o predestinou
� queda.

Esse dogma conduz a t�o deplor�veis resultados,
que o pr�prio Calvino, que o afirmou com todas as suas
consequ�ncias, o denomina, falando dos homens predestinados
� condena��o eterna, um �horr�vel decreto�
(decretum horribile). �Mas Deus falou, acrescenta, e a
raz�o deve submeter-se�.

Deus falou! Onde e por quem falou ele ? Em
obscuros textos, obra de uma imagina��o perturbada.

E para impor tais opini�es, para as incutir nos esp�ritos,
Calvino n�o recuou nem ante o emprego da viol�ncia!
A fogueira de Servet no-lo atesta.

L�gica terr�vel que, procedendo de verdades mal
compreendidas, como dissemos mais acima, confunde-se
em seus pr�prios sofismas e recorre ao ferro e ao fogo,
com o fim de se impor e resolver quest�es inextric�veis,
com o fim de elucidar um imbr�glio criado pelas paix�es
e pela ignor�ncia.

�Como � redarguia Pel�gio a Agostinho � nos
perdoa Deus nossos pecados e imputar-nos-ia os de
outrem ?�

*

�S� h� um Deus � diz S. Paulo (70) � e um s�
mediador (71) entre Deus e os homens, que � Jesus-
Cristo, homem.�

Mediador, isto �, intermedi�rio, m�dium incompar�vel,
tra�o de uni�o que liga a Humanidade a Deus,
eis o que � Jesus! Mediador e n�o redentor, porque a

(70) I Ep. a Tim�teo, cap. II. 5.
(71) Essa express�o "mediador" �, al�m disso, aplicada
tr�s vezes a Jesus pelo autor da "Epistola aos Hebreus".

84 L�ON DENIS

ideia de reden��o n�o suporta exame. � contr�ria � justi�a
divina; � contr�ria � ordem majestosa do Universo.
Entre os mundos que rolam no espa�o, a Terra n�o � o
�nico lugar de dor. Outras est�ncias h� de sofrimento,
em que as almas, cativas na mat�ria, aprendem, como
aqui, a dominar seus v�cios e adquirir qualidades que
lhes permitir�o o acesso a mundos mais felizes.

Se o sacrif�cio de Jesus fosse necess�rio para salvar
a Humanidade terrestre, Deus deveria o mesmo socorro
a outras Humanidades desgra�adas. Sendo, por�m, ilimitado
o n�mero dos mundos inferiores em que dominam
as paix�es materiais, o filho de Deus seria, por
isso mesmo, condenado a sofrimentos e sacrif�cios infinitos.
� inadmiss�vel semelhante hip�tese.

Com o seu sacrif�cio, dizem outros te�logos, Jesus
�venceu o pecado e a morte, porque a morte � o sal�rio
do pecado e uma tremenda desordem na Cria��o� (72).

Entretanto, morre-se depois da vinda de Jesus, como
antes dele se morria. A morte, considerada por certos
crist�os como consequ�ncia do pecado e puni��o do ser,
�, todavia, uma lei natural e uma transforma��o necess�ria
ao progresso e eleva��o da alma. N�o pode ser
elemento de desordem no Universo. Julg�-la por esse
modo, n�o � insurgir-se contra a divina sabedoria?
� assim que, partindo de um ponto de vista err�neo, os
homens da Igreja chegam �s mais estranhas concep��es.

Quando afirmam que, por sua morte, Jesus se ofereceu
a Deus em holocausto, para o resgate da Humanidade,
n�o equivale isso a dizer, na opini�o dos que
cr�em na divindade do Cristo, que se ofereceu a si mesmo?
E do que ter� ele resgatado os homens? N�o � das
penas do inferno, pois que todos os dias nos repetem
que os indiv�duos que morrem em estado de pecado
mortal s�o condenados �s penas eternas.

(72) De Pressens�, "Jesus Cristo, seu tempo, sua vida, sua
obra", p�g. 654. Encontra-se essa opini�o em muitos autores
cat�licos.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 85

A palavra pecado n�o exprime, em si mesma, sen�o
uma ideia confusa. A viola��o da lei acarreta a cada
ser um amesquinhamento moral, uma rea��o da consci�ncia,
que � uma causa de sofrimento �ntimo e uma
diminui��o das percep��es animais. Assim, o ser pune-se
a si mesmo. Deus n�o interv�m, porque Deus � infinito;
nenhum ser seria capaz de lhe produzir o menor mal.

Se o sacrif�cio de Jesus resgatou os homens do pecado,
porque, ent�o, inda os batizam? Essa reden��o,
em todo caso, n�o se pode estender sen�o unicamente
aos crist�os, aos que t�m conhecido e aceitado a doutrina
do Nazareno. Teria ela, pois, exclu�do da sua esfera
de a��o a maior parte da Humanidade? Existem
ainda hoje na Terra milhares, milh�es de homens que
vivem fora das igrejas crist�s, na ignor�ncia das suas
leis, privados desse ensino, sem cuja observ�ncia, dizem,
�n�o h� salva��o�. Que pensar de opini�es t�o opostas
aos verdadeiros princ�pios de amor e justi�a que regem
os mundos?

N�o, a miss�o do Cristo n�o era resgatar com o seu
sangue os crimes da Humanidade. O sangue, mesmo de
um Deus, n�o seria capaz de resgatar ningu�m. Cada
qual deve resgatar-se a si mesmo, resgatar-se da ignor�ncia
e do mal. Nada de exterior a n�s poderia faz�-lo.
� o que os Esp�ritos, aos milhares, afirmam em todos
os pontos do mundo. Das esferas de luz, onde tudo �
serenidade e paz, desceu o Cristo �s nossas obscuras
e tormentosas regi�es, para mostrar-nos o caminho que
conduz a Deus: tal o seu sacrif�cio. A efus�o de amor
em que envolve os homens, sua identifica��o com eles,
nas alegrias como nos sofrimentos, constituem a reden��o
que nos oferece e que somos livres de aceitar.
Outros, antes dele, haviam induzido os povos ao caminho
do bem e da verdade. Nenhum o fizera com a singular
do�ura, com a ternura penetrante que caracteriza

o ensino de Jesus. Nenhum soube, como ele, ensinar a
amar as virtudes modestas e escondidas. Nisso reside o
poder, a grandeza moral do Evangelho, o elemento vital

86
L�ON DENIS

do Cristianismo, que sucumbe ao peso dos estranhos
dogmas de que o cumularam.

*

O dogma das penas eternas deve prender-nos a
aten��o. Arma tem�vel nas m�os do padre, nas �pocas
de f�, amea�a suspensa sobre a cabe�a do homem, ele
foi para a Igreja um instrumento incompar�vel de
dominio.

Donde procede essa concep��o de Satan�s e do inferno?
Unicamente das no��es falsas que o passado nos
legou a respeito de Deus. Toda a Humanidade primitiva
acreditou nos deuses do mal, nas pot�ncias das trevas,
e essa cren�a traduziu-se em lendas de terror, em imagens
pavorosas, que se transmitiram de gera��o a gera��o,
e inspirando grande n�mero de mitos religiosos.
As for�as misteriosas da Natureza, em suas manifesta��es,
lan�avam o terror no esp�rito dos homens primitivos.


Em torno de si, na sombra, em toda a parte, julgavam
ver formas amea�adoras, prontas a agarr�-los, a
se apoderar deles.

Essas pot�ncias malignas foram personificadas, individualizadas
pelo homem. Desse modo, criou ele os
deuses do mal. E essas remotas tradi��es, legado das
ra�as desaparecidas, perpetuadas de idade em idade,
encontram-se ainda nas atuais religi�es.

Da� Satan�s, o eterno revoltado, o inimigo eterno
do bem, mais poderoso que o pr�prio Deus, pois que
reina como senhor no mundo, e as almas criadas para
a felicidade caem, na maior parte, debaixo do seu jugo;

� Satan�s, a ast�cia, a perf�dia personificadas; depois,
o inferno e suas torturas requintadas, cuja descri��o faz
desvairarem
as imagina��es simples.
Assim que, em todos os dom�nios do pensamento,

o homem terrestre substituiu as claras luzes da raz�o,
que Deus lhe deu como seguro guia, pelas quimeras da
sua imagina��o desnorteada.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 87

� verdade que nossa �poca, motejadora e c�ptica,
j� n�o acredita absolutamente no diabo; mas os padres
n�o continuam menos, por esse motivo, a ensinar a sua
exist�ncia e a do inferno. De tempos a tempos, pode
ouvir-se, do alto do p�lpito, a descri��o dos castigos reservados
aos condenados, ou das fa�anhas de Satan�s.
E n�o se trata j� de modestas c�tedras de aldeia: era
sob as ab�badas de Nossa Senhora de Paris, que o padre
Janvier, na quaresma de 1907, pronunciava estas palavras
:

"Imagina muita gente que o dem�nio n�o � mais que
um s�mbolo, uma figura liter�ria que n�o corresponde a
coisa alguma na Cria��o, uma fic��o po�tica, uma palavra
que serve para designar o mal e as paix�es: � um erro. O dem�nio,
na doutrina cat�lica � um ser perfeitamente real,
uma personalidade distinta do resto da Natureza, tendo vida,
a��o e dom�nio pr�prios. O que, por�m, � infinitamente mais
tem�vel � a a��o ordin�ria, cont�nua, exercida por Satan�s
na Cria��o, a interven��o real e oculta que tem no curso
dos sucessos e das esta��es, na germina��o das plantas,
no desencadear dos ventos e das tempestades" (73) .

Assim se atasca a Igreja nas doutrinas do passado.
Continua a proscrever a ci�ncia e o conhecimento, a introduzir
em todas as coisas o dem�nio, at� mesmo no
dom�nio da moderna Psicologia. Amea�a com as chamas
eternas todo individuo que procura emancipar-se de um
Credo que a sua raz�o e consci�ncia repudiam. Em suas
m�os, o Evangelho do amor se converteu num instrumento
de terror. �

Justo �, sem d�vida, que a Igreja recomende prud�ncia
aos seus fi�is; errada, por�m, em lhes proibir
as pr�ticas esp�ritas, a pretexto de que emanam do dem�nio.
�, porventura, dem�nio o Esp�rito que se confessa
arrependido e pede preces ? Dem�nio o que nos
exorta � caridade e ao perd�o? Na maioria dos casos,

(73) P. Janvier, "Explica��o da moral cat�lica". "O vicio
e o pecado". � Ver tamb�m "La Libre Parole", 3 de novembro
de 1907.

88 L�ON DENIS

em lugar de ser essa personagem astuciosa e maligna
descrita pela Igreja, Satan�s seria completamente destitu�do
de bom senso, n�o percebendo que trabalha
contra si.

Se h� maus espiritos, aos quais se poderia com
raz�o aplicar esse qualificativo, � preciso tamb�m n�o
esquecer que esses dem�nios s�o perfect�veis. S�o, por
exemplo, os criminosos que a pena de morte faz passar
para a outra vida, com a blasf�mia nos l�bios e o �dio
no cora��o. Esses n�o cessam de dirigir contra os homens
sua mal�fica influ�ncia, que, com mais forte raz�o,
se h�-de fazer sentir quando se apresentem nas sess�es
esp�ritas em que n�o haja, para os afastar, um conjunto
de vontades suficientemente en�rgicas.

Mas n�o basta refletir um momento na obra divina,
para repelir toda cren�a no dem�nio? Como admitir
que o supremo foco do Bem e do Belo, a inesgot�vel
fonte de miseric�rdia e bondade, tenha podido criar esse
ser hediondo e malfazejo? Como acreditar que Deus lhe
tenha podido conceder, com a consci�ncia do mal, todo

o poder sobre o mundo, e lhe tenha abandonado, como
presa f�cil, toda a fam�lia humana? N�o, Deus n�o podia
criar a imensa maioria de seus filhos para os perder,
para fazer a sua desgra�a eterna; Deus n�o outorgou
o poder a quem mais dele abusaria, ao mais in�quo, ao
mais perverso. Isso � inadmiss�vel, indigno de uma alma
que cr� na justi�a e na bondade do Criador. Admitir
Satan�s e o inferno eterno � insultar a Divindade. De
duas uma: ou Deus possui a presci�ncia e soube, de
antem�o, quais os resultados da sua obra, e, neste caso,
executando-a, fez-se o carrasco de suas criaturas; ou
n�o previu esse resultado, n�o possui a presci�ncia,
� fal�vel como a sua pr�pria obra, e ent�o, proclamando
a infalibilidade do papa, a Igreja o colocou superior
a Deus. � com semelhantes concep��es que se induzem
os povos ao cepticismo, ao materialismo. A Igreja
Romana com um tal princ�pio incorre nas mais graves
responsabilidades.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

Quanto aos castigos reservados aos culpados, como
san��o penal e para assegurar a execu��o da lei de justi�a,
n�o h� necessidade de os criar imagin�rios.

Se repararmos em torno de n�s, veremos que por
toda parte, na Terra, a dor nos espreita. N�o � necess�rio
sair deste mundo para encontrar sofrimentos proporcionais
a todas as faltas, condi��es expiat�rias para
todos os culpados. Porque buscar o inferno em regi�es
quim�ricas ? O inferno est� em torno de n�s. Qual o
verdadeiro sentido da palavra inferno? Lugar inferior!
Ora, a Terra � um dos mundos inferiores do Universo.
O destino do homem aqui � muitas vezes cruel, muito
grande a soma dos seus males, para que se devam tornar
sombrias, por concep��es fant�sticas, as perspectivas
do futuro. Semelhantes ideias s�o um ultraje lan�ado
a Deus. N�o pode haver eternos sofrimentos, mas unicamente
sofrimentos tempor�rios, apropriados �s necessidades
da lei de evolu��o e de progresso. O princ�pio
das reencarna��es sucessivas � mais equitativo que a
no��o do inferno eterno; torna efetiva a justi�a e a
harmonia do Universo. � no decurso de novas e penosas
exist�ncias terrestres que o culpado resgata os seus
passados crimes. A lei do destino � tecida individualmente
por n�s, na trama das a��es boas e m�s, que
todas em n�s se refletem atrav�s dos tempos, com suas
consequ�ncias felizes ou funestas. � assim que cada
qual prepara o seu c�u ou o seu inferno.

A alma, no per�odo inferior de sua evolu��o, encerrada
no c�rculo das vidas terrestres, hesitante, incerta,
oscilante entre diversas atra��es, ignorante dos grandiosos
destinos que a esperam e do fim da Cria��o, erra,
fraqueja, abandona-se �s paix�es, �s correntes materiais
que a arrebatam. Mas, pouco a pouco, pelo desenvolvimento
de suas for�as ps�quicas, de seus conhecimentos,
de sua vontade, a alma se eleva, liberta-se das
influ�ncias inferiores e paira nas regi�es divinas.

Tempo vir� em que o mal j� n�o ser� a condi��o
desta exist�ncia; em que os seres, purificados pelo sofrimento,
depois de haverem recebido a longa educa��o


90 L�ON DENIS

dos s�culos, deixar�o a senda obscura para se encaminharem
� luz eterna. As Humanidades, vinculadas pelos
elos de uma �ntima solidariedade e de uma afei��o profunda,
caminhar�o de progresso em progresso, de perfei��o
em perfei��o, para o grande foco, para o alvo
supremo que � Deus, assim realizando essa obra do Pai,
que n�o quer a perdi��o mas a felicidade e a eleva��o
de todos os filhos.

*

O argumento principal dos defensores da teoria do

inferno � que a ofensa feita pelo homem, ser finito, a

Deus, ser infinito, �, por consequ�ncia, infinita e me


rece pena eterna. Ora, qualquer matem�tico dir� que a

rela��o de uma quantidade finita ao infinito � nula.

Poder-se-ia inverter o argumento e dizer que o homem,

finito e ignorante, n�o seria capaz de ofender o infinito,

e que a sua ofensa � nula em rela��o a este. Ele n�o

pode fazer mal sen�o a si mesmo, retardando a sua ele


va��o e atraindo os sofrimentos que toda a��o culposa

engendra.

Estar�o os chefes da Igreja realmente convencidos
da exist�ncia do inferno eterno, n�o ver�o nele, de prefer�ncia,
um ilus�rio espantalho, necess�rio, por�m, �
conduta da Humanidade? � o que se poderia crer, comentando
as seguintes palavras de S. Jer�nimo, o tradutor
da Vulgata:

".. . Tais s�o os motivos em que se apoiam os que querem
fazer compreender, que, depois dos supl�cios e tormentos,
haver� consola��o, o que presentemente se deve ocultar �queles
a quem � �til o temor, a fim de que, receando os supl�cios,
se abstenham de pecar. (Quae nunc abscondenda sunt
ab his quibus timor est utilis, ut, dum suplicia reformidant,
peccare desistant)" (74) .

(74) S. Jer�nimo, Obras, edi��o beneditina de 1704, t. III,
col. 514, S. Jer�nimo cita os seguintes textos: Rum., XI, 25, 26,
32; Mich., VII, 9, 19, etc.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 91

� verdade que S. Jer�nimo n�o hesitou em fazer
figurar, no texto do Evangelho, segundo S�o Mateus,
estas express�es: �o fogo eterno, o supl�cio eterno�.
Mas as palavras hebraicas que assim foram traduzidas
�n�o parece, de modo algum, terem o sentido que os latinos
lhes atribu�ram� (75).

N�o pode ser esse o pensamento daquele que disse:
�Deus n�o quer que pere�a um s� desses pequeninos.�
Estas palavras s�o confirmadas pelos ap�stolos:

"Deus quer que todos os homens se salvem e cheguem
a ter o conhecimento da verdade." (S. Paulo, I,
Tim�t, II, 4) .

"Deus � o salvador de todos os homens." (S. Paulo, I,
Tim�t., IV, 10).

"Deus n�o quer que homem algum pere�a, mas que todos
se convertam � penit�ncia." (S. Pedro, II, Ep�st., III, 9).

(75) A palavra eterno, que t�o frequentes vezes se encontra
nas Escrituras, parece n�o dever ser tomada ao p� da letra,
mas como uma dessas express�es enf�ticas, hiperb�licas, familiares
aos orientais. � um erro esquecer que tudo s�o s�mbolos
e imagens em seus escritos. Quantas promessas, pretensamente
eternas, feitas ao povo hebreu ou a seus chefes, n�o tiveram
realiza��o! Onde est� essa terra que os israelitas deviam possuir
eternamente � in aeternum � (Pentateuco, passim). Onde
essas pedras do Jord�o, que Deus anunciava deverem ser, para
o seu povo, um monumento eterno (Josu�. VI, 7)? Onde essa
descend�ncia de Salom�o, que devia reinar eternamente em
Israel (I Faralipom., XXII, 10), e tantas outras, id�nticas promessas?
Em todos esses casos, a palavra eterno parece simplesmente
significar: longa dura��o. O termo hebraico �lam, traduzido
por eterno, tem como raiz o verbo alam, ocultar. Exprime
um per�odo cujo fim se desconhece. O mesmo acontece �
palavra grega aion e � latina aeternitas. Tem esta como raiz
aetas, idade. Eternidade, no sentido em que o entendemos hoje,
dir-se-ia em grego aidios e em latim sempiternus, de semper,
sempre. (Ver abade J. Petit, B�surrection, de abril 1903). As
penas eternas significam ent�o: sem dura��o limitada. Para
quem n�o lhes v� o termo, s�o eternas. As mesmas formas de
linguagem eram empregadas pelos poetas latinos Hor�cio, Virgilio,
Est�cio e outros. Todos os monumentos imperiais de que
falam devem ser, diziam eles, de eterna dura��o.

92 L�ON DENIS

Muitos, entre os padres da Igreja, opinam no mesmo
sentido. Primeiro � o mestre de Or�genes, S. Clemente
de Alexandria, que diz:

"O Cristo Salvador opera finalmente a salva��o de todos,
e n�o apenas a de alguns privilegiados. O soberano
Mestre tudo disp�s, quer em seu conjunto, quer em seus
pormenores, para que fosse atingido esse fim definitivo."

Em seguida, � S. Greg�rio de Nissa que do modo
mais formal se pronuncia contra a eternidade das penas.
A seu ver:

"H� necessidade de que a alma imortal seja purificada
das suas m�culas e curada de todas as suas enfermidades.
As prova��es terrestres t�m por objetivo operar essa cura,
que depois da morte se completa, quando n�o p�de ser conclu�da
nesta vida. Quando Deus faz sofrer o pecador, n�o
� por esp�rito de �dio ou de vingan�a; quer reconduzir a
alma a ele, que � a fonte de toda felicidade. O fogo da purifica��o
dura mais que um tempo conveniente, e o �nico
fim de Deus � fazer definitivamente participar todos os
homens dos bens que constituem a sua ess�ncia" (76).

Em nossos dias � monsenhor M�ric, diretor do Semin�rio
de S. Sulp�cio, que longamente exp�e em suas
obras a teoria da mitiga��o dos sofrimentos (77). E a
Igreja, sentindo talvez que a ideia de um inferno eterno
fez sua �poca, n�o se op�s � divulga��o dessa tese.

Radica nas mesmas preocupa��es a no��o do purgat�rio,
termo m�dio adotado pela Igreja, que recuou
ante a enormidade das penas eternas aplicadas a ligeiras
faltas. A quest�o do purgat�rio � da mais alta import�ncia,
podendo constituir um v�nculo, um tra�o de
uni�o entre as doutrinas cat�licas e as do moderno Espiritualismo.
No pensamento da Igreja Romana o purgat�rio
� um lugar n�o definido, indeterminado. Nada

(76) Extra�do do "Exame critico das doutrinas da religi�o
crist�", de Patr�cio Laroque. As palavras s�o citadas em
grego.
(77) Mr. M�ric, "A outra vida", t. II, ap�ndice.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 93

impede o cat�lico de conceber os sofrimentos purificadores
da alma sob a forma de vidas planet�rias ulteriores,
ao passo que o protestante ortodoxo, para adotar
a no��o das vidas sucessivas, � obrigado a abrir m�o de
suas convic��es, em que o purgat�rio n�o � admitido.

Na maioria dos casos, o purgat�rio � a vida terrestre
com as prova��es que a acidentam. Os primeiros
crist�os n�o o ignoravam. A Igreja da Idade M�dia repeliu
essa explica��o, que teria acarretado a afirma��o
da pluralidade das exist�ncias da alma e a ru�na da
institui��o das indulg�ncias � fonte de grandes proventos
para os pont�fices romanos. Sabe-se quantos
abusos da� se originaram.

*


Realmente, Satan�s n�o passa de alegoria. Satan�s
� o s�mbolo do mal. O mal, por�m, n�o � um princ�pio
eterno, coexistente com o bem. H� de passar. O mal �

o
estado transit�rio dos seres em via de evolu��o.
N�o h� nem lacuna nem imperfei��o no Universo.
A obra divina � harm�nica e perfeita. Dessa obra o homem
n�o v� sen�o um fragmento e, todavia, pretende
julg�-la atrav�s de suas acanhadas percep��es. O homem,
na vida presente, n�o � mais que um ponto no
tempo e no espa�o. Para julgar a Cria��o, ser-lhe-ia preciso
abrang�-la inteiramente, medir a escala dos mundos
que � chamado a percorrer, e a sucess�o das exist�ncias
que o aguardam no seio dos s�culos por vir. Esse
vasto conjunto escapa �s suas concep��es; da� os seus
erros; da� a defici�ncia de suas aprecia��es.

Quase sempre o que chamamos o mal � apenas o
sofrimento; mas este � necess�rio, porque s� ele conduz
� compreens�o. Por ele aprende o homem a diferen�ar, a
analisar suas sensa��es.

A alma � uma centelha projetada do eterno foco
criador. � pelo sofrimento que ela atinge a plenitude
do seu brilho, a plena consci�ncia de si mesma. A dor
� como a sombra que faz sobressair e apreciar a luz.


94 L�ON DENIS

Sem a noite, acaso contemplar�amos as estrelas? A dor
quebra as algemas das fatalidades materiais e franqueia
� alma evas�es para a vida superior.

No ponto de vista f�sico, o mal, o sofrimento, s�o
muitas vezes coisas relativas e de pura conven��o. As
sensa��es variam ao infinito, conforme as pessoas;
agrad�veis para uns, dolorosas para outros. H� mundos
muito diferentes do meio terrestre, nos quais tudo seria
penoso para n�s, ao passo que outros homens podem
neles viver comodamente.

Se fizermos abstra��o do acanhado meio em que
vivemos, o mal j� nos n�o aparecer� como causa fixa,
princ�pio imut�vel, mas como efeitos passageiros variando
com os indiv�duos, transformando-se e atenuando-
se com o seu aperfei�oamento.

O homem, ignorante no come�o de sua jornada, tem
que desenvolver a intelig�ncia e a vontade por meio de
constantes esfor�os. Na luta que empenha contra a Natureza,
a energia se lhe retempera, o ser moral se afirma
e engrandece. Gra�as a essa luta � que se realiza o
progresso e se efetua a ascens�o da Humanidade subindo,
de est�ncia em est�ncia, de degrau em degrau para

o bem e o melhor, conquistando ela pr�pria a sua preponder�ncia
sobre o mundo material.
Criado feliz e perfeito, o homem teria ficado confundido
na perfei��o divina; n�o teria podido individualizar
o princ�pio espiritual nele existente. N�o teria
havido no Universo nem trabalho, nem esfor�os, nem
progresso; nada, a n�o ser a imobilidade, a in�rcia.
A evolu��o dos seres seria substitu�da por triste e mon�tona
perfei��o. Seria o para�so cat�lico.

Sob o l�tego da necessidade, sob o aguilh�o da dor,

o homem caminha, avan�a, eleva-se e, de exist�ncia em
exist�ncia, de progresso em progresso, chega a imprimir
ao mundo o cunho do seu dom�nio e intelig�ncia.
O mesmo acontece com o mal moral. Como o mal
f�sico, este n�o � mais que um aspecto passageiro, uma
forma transit�ria da vida universal. O homem pratica


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 95

o mal por ignor�ncia, por fraqueza, e os seus atos reagem
contra ele. O mal � a luta que se trava entre as
pot�ncias inferiores da mat�ria e as pot�ncias superiores
que constituem o ser pensante, o seu verdadeiro
�eu�. Do mal, por�m, e do sofrimento nascer�o, um
dia, a felicidade e a virtude. Quando a alma tiver suplantado
as influ�ncias materiais, ser� como se para ela
o
mal nunca houvesse existido.
N�o �, pois, o inferno que luta contra Deus; n�o �
Satan�s que arma as ciladas pelo mundo, n�o; � a alma
humana que procura, na sombra, o seu roteiro; ela que
envida esfor�os por afirmar sua personalidade progressiva
e, depois de muitos desfalecimentos, quedas e reerguimentos,
domina os v�cios, conquista a for�a moral
e a verdadeira luz. � assim que, lentamente, de idade
em idade, atrav�s do fluxo e refluxo das paix�es, o progresso
se acentua, o bem se realiza.
O imp�rio do mal s�o os mundos inferiores, tenebrosos;
� a multid�o das almas retardat�rias que se
agitam nas veredas do erro e do crime, torvelinhando
no c�rculo das exist�ncias materiais, e que, ao atrito
das prova��es, sob o l�tego da dor, emergem lentamente
desse p�lago de sombra, de ego�smo e de mis�ria,
para se iluminarem aos raios da caridade e da ci�ncia.
Satan�s � a ignor�ncia, a mat�ria e suas grosseiras influ�ncias;
Deus � o conhecimento, a sublime claridade,
um raio da qual ilumina toda consci�ncia humana.
A marcha da Humanidade se efetuar� em demanda
dos elevados cimos. O esp�rito moderno se libertar�,
cada vez mais, dos preconceitos do passado. A vida perder�
o aspecto cruel dos s�culos ferrenhos, para tornar-
se o campo fecundo e pac�fico, no qual o homem
trabalhar� no desenvolvimento de suas faculdades e
qualidades morais.
L� n�o cheg�mos certamente, ainda; o mal na
Terra n�o est� extinto; a luta n�o terminou. Os v�cios,
as paix�es fermentam no fundo da alma humana. H�
que temer ainda conflitos terr�veis e tempestades so



96
L�ON DENIS

ciais. Por toda parte, surdos ru�dos, veementes reivindica��es
se fazem ouvir.

A luta � necess�ria nos mundos da mat�ria, para
arrancar o homem ao seu torpor, aos seus grosseiros
apetites, para preparar o advento de uma nova sociedade.
Como a centelha brota do atrito das pedras de
fuzil, assim, ao choque das paix�es pode surgir um ideal
novo, uma forma superior da justi�a, pela qual a Humanidade
modelar� as suas institui��es.

O homem moderno j� sente aumentar em si a consci�ncia
do seu papel e do seu valor. Em breve ele se
sentir� vinculado ao Universo, participando da sua vida
imensa; reconhecer-se-� para sempre cidad�o do c�u.
Por sua intelig�ncia, por sua alma, o homem saber� intervir,
colaborar na obra universal; tornar-se-� criador
por sua vez; far-se-� oper�rio de Deus.

A nova revela��o ter-lhe-� ensinado a conhecer-se,
a conhecer a natureza da alma, o seu mister e os seus
destinos. Ela lhe atestar� o duplo poder que possui sobre

o
mundo da mat�ria e o do esp�rito.
Todas as incoer�ncias, todas as aparentes contradi��es
da obra divina ser-lhe-�o esclarecidas. O que denominava
mal f�sico e mal moral, tudo o que se lhe
figurava nega��o do bem, do belo, do justo, se unificar�
nos contornos de uma obra majestosa e s�lida, na harmonia
de s�bias e profundas leis.
O homem ver� desvanecer-se o sonho aterrador, o
pesadelo da condena��o; elevar� a alma at� ao espa�o
em que se expande o divino pensamento, at� ao espa�o
de onde desce o perd�o de todas as faltas, o resgate de
todos os crimes, a consola��o para todas as dores, at�
ao espa�o radiante em que a miseric�rdia eterna assenta
o seu imp�rio.
As pot�ncias do inferno se dissipar�o para sempre;

o reino de Satan�s ter� findado; a alma, liberta dos
seus terrores, rir-se-� dos fantasmas que tanto tempo
a amedrontaram.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 97

*

Deveremos falar da ressurrei��o da carne, dogma
segundo o qual os �tomos do nosso corpo carnal, disseminados,
dispersos por mil novos corpos, devem reunir-
se um dia, reconstituir nosso inv�lucro e figurar no
juizo final ?

As leis da evolu��o material, a circula��o inces


sante da vida, o jogo das mol�culas que, em in�meras

correntes, passam de forma em forma, de organismo em

organismo, tornam inadmiss�vel essa teoria.

O corpo humano constantemente se modifica; os
elementos que o comp�em renovam-se completamente em
alguns anos. Nenhum dos �tomos atuais da nossa carne
se tornar� a achar na ocasi�o da morte, por pouco que
se prolongue nossa vida, e os que ent�o constitu�rem o
nosso inv�lucro, ser�o dispersos aos quatro ventos do
infinito.

A maior parte dos padres da Igreja o entendiam
doutro modo. Conheciam eles a exist�ncia do perisp�rito,
desse corpo flu�dico, sutil, imponder�vel, que � o inv�lucro
permanente da alma, antes, durante e depois da
vida terrestre; denominavam-no corpo espiritual. S�o
Paulo, Or�genes e os sacerdotes de Alexandria afirmavam
a sua exist�ncia. Na sua opini�o, os corpos dos
anjos e dos escolhidos, formados com esse elemento
sutil, eram �incorrupt�veis, delgados, t�nues e soberanamente
�geis (78).

Por isso n�o atribu�am eles a ressurrei��o sen�o
a esse corpo espiritual, o qual resume, em sua subst�ncia
quintessenciada, todos os inv�lucros grosseiros, todos
os revestimentos perec�veis que a alma tomou, depois
abandonou, em suas peregrina��es atrav�s dos mundos.

O perisp�rito, penetrando com a sua energia todas
as mat�rias passageiras da vida terrestre, � de fato o
corpo essencial.

A quest�o achava-se, por esse modo, simplificada.
Essa cren�a dos primeiros padres no corpo espiritual

(78)
Ver nota complementar n� 9.
4

98 L�ON DENIS

lan�ava, al�m disso, luz viv�ssima sobre o problema das
manifesta��es ocultas.
Tertuliano diz (D e carne Christi�, cap. VI):

"Os anjos t�m um corpo que lhes � pr�prio e que se
pode transfigurar em carne humana; eles podem, por certo
tempo, tornar-se percept�veis aos homens e com eles comunicar
visivelmente."

Torne-se extensivo aos esp�ritos dos mortos o poder
que Tertuliano atribui aos anjos, e a� teremos explicado
o fen�meno das materializa��es e das apari��es!

Por outro lado, se consultarmos com aten��o as Escrituras,
notaremos que o sentido grosseiro atribuido �
ressurrei��o, em nossos dias, pela Igreja, n�o se justifica
absolutamente. A� n�o encontraremos a express�o:
ressurrei��o da carne, mas antes: ressuscitar dentre os
mortos (a mortuis resurgere), e, num sentido mais
geral: a ressurrei��o dos mortos (resurrectio mortuorum).
� grande a diferen�a.

Segundo os textos, a ressurrei��o tomada no sentido
espiritual � o renascimento na vida de al�m-t�mulo,
a espiritualiza��o da forma humana para os que dela
s�o dignos, e n�o a opera��o qu�mica que reconstitu�sse
elementos materiais; � a purifica��o da alma e do seu
perisp�rito, esbo�o flu�dico que conforma o corpo material
para o tempo de vida terrestre.

� o que o ap�stolo se esfor�ava por fazer compreender
(79) :

"Semeia-se o corpo em corrup��o, ressuscitar� em incorrup��o;
semeia-se em vileza, ressuscitar� em gl�ria; semeia-
se em fraqueza, ressuscitar� em vigor. E semeado o
corpo animal, ressuscitar� o corpo espiritual. Eu vo-lo digo,
meus irm�os, a carne e o sangue n�o podem possuir o reino
de Deus, nem a corrup��o possuir� a incorruptibilidade."

(79) I Epist. aos Cor�ntios, XV, 4-50 (traduzido do texto
grego); ver tamb�m XV, 52-56; Epist. aos Filip., III, 21; depois
S. Jo�o, V, 28 e 29; S. In�cio, Ep�st. aos Tra�llanos, IX, 1.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 99

Muitos te�logos adotam essa interpreta��o, dando

aos corpos ressuscitados propriedades desconhecidas da

mat�ria carnal, fazendo-os luminosos, �geis como Es


p�ritos, sutis como o �ter, e impass�veis� (80).

Tal o verdadeiro sentido da ressurrei��o dos mortos,
como os primeiros crist�os a entendiam. Se vemos,
em uma �poca posterior, aparecer em certos documentos,
e em particular no s�mbolo ap�crifo dos ap�stolos,
a express�o �ressurrei��o da carne�, � isso sempre no
sentido da reencarna��o (81)�isto �, de volta � vida
material � ato pelo qual a alma reveste uma nova carne
para percorrer o campo de suas exist�ncias terrestres.

*

O Cristianismo sob o tr�plice aspecto que revestiu
em nossos dias: catolicismo romano, protestantismo ortodoxo,
ou religi�o grega, n�o se constituiu integralmente
em um s� momento, como acreditam muitos, mas
lentamente, atrav�s dos s�culos, no meio de hesita��es,
de lutas encarni�adas e de profundas como��es pol�tico-
sociais. Cada dogma que se edificava sobre outro, vinha
afirmar o que os anteriores tempos haviam repelido.
O pr�prio s�culo XIX viu promulgados dois dogmas dos
mais contestados e controvertidos: � Os da imaculada
concei��o e da infalibilidade papal, dos quais disse um
padre cat�lico de grande merecimento: �inspiram muito
pouca venera��o, quando se viu como s�o feitos� (82).

Entretanto, essa obra dos s�culos, de que a tradi��o
eclesi�stica f�z uma doutrina inintelig�vel, teria podido
tornar-se o implemento de uma religi�o racional, de
conformidade com os dados da Ci�ncia e as exig�ncias
do senso comum, se, em lugar de tomar cada dogma ao
p� da letra, tivessem querido ver uma imagem, um s�mbolo
transparente.

(80) Abade Petit, A renova��o religiosa, p�gs. 48-53. Ver
tamb�m nota n� 9, no fim deste volume.
(81) Abade Petit, obra citada, p�g. 53.
(82) Padre Marchal, O Espirito Consolador, p�g. 24.

100 L�ON DENIS

Despojando o dogma crist�o do seu car�ter sobrenatural,
poder-se-ia quase sempre encontrar nele uma
ideia filos�fica, um ensinamento substancial.

A Trindade, por exemplo, definida pela Igreja �um
s� Deus em tr�s pessoas�, n�o seria, daquele ponto de
vista, sen�o um conceito do esp�rito representando a
Divindade sob tr�s aspectos essenciais: a Lei viva e
imut�vel � o Pai; a Raz�o ou sabedoria eterna � o Filho;

o Amor pot�ncia criadora e fecundante � o Espirito-
Santo.
A encarna��o do Cristo � a divina sabedoria descendo
do c�u � Humanidade, nela tomando corpo para
constituir um tipo de perfei��o moral, oferecido como
exemplo aos homens, que ele iniciou na grande lei do
sacrif�cio.

O pecado original, a culpa de que o homem tem a
responsabilidade, � a de suas anteriores exist�ncias que
lhe cumpre extinguir por seus m�ritos, resigna��o e intrepidez
nas prova��es.

Assim se poderiam explicar de modo simples, claro,
racional, todos os antigos dogmas do Cristianismo, os
que procedem da doutrina secreta ensinada nos primeiros
s�culos, cuja chave se perdeu e cujo sentido ficou
desconhecido.

Quanto aos dogmas modernos, neles n�o se pode
ver mais que um produto da ambi��o sacerdotal. N�o
foram promulgados sen�o para tornar mais completa a
escraviza��o das almas.

Por profundo, por�m, que seja o pensamento filos�fico,
oculto sob o s�mbolo, ele n�o bastaria doravante
para uma restaura��o das cren�as humanas. As leis superiores
e os destinos da alma nos s�o revelados por
vozes muito mais autorizadas que as dos antigos pensadores:
s�o as dos seres que habitam o espa�o e vivem
dessa vida flu�dica, que h�-de um dia ser a nossa.

Essa revela��o h�-de servir de base �s cren�as do
futuro, porque oferece brilhante demonstra��o dessa
outra vida de que a alma tem sede, desse mundo espi



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 101

ritual a que ela aspira, e que at� agora as religi�es lhe
apresentaram sob formas t�o incompletas ou quim�ricas.

*

A explica��o racional dos dogmas pode ser estendida
aos sacramentos, institui��es respeit�veis, consideradas
como figuras simb�licas, como meios de adestramento
moral e disciplina religiosa, mas que se n�o poderiam
tomar ao p� da letra, no sentido imposto pela
Igreja.

O que dissemos do pecado original nos conduz a
considerar o batismo como simples cerim�nia inici�tica,
ou de consagra��o, porque a �gua � impotente para
limpar de suas m�culas a alma.

A confirma��o, ou imposi��o das m�os � o ato de
transmiss�o dos dons flu�dicos, do poder do ap�stolo a
outra pessoa, que ele assim colocava em rela��o com o
invis�vel (83). Esse poder n�o se justifica sen�o por
merecimentos adquiridos no decurso de anteriores exist�ncias.


A penit�ncia e a remiss�o dos pecados deram origem
� confiss�o, p�blica a princ�pio e feita a outros
crist�os, ou diretamente a Deus; depois auricular, na
Igreja Cat�lica, e dirigida ao padre. Este, constitu�do
�rbitro exclusivo, julgou indispens�vel esse meio para
se esclarecerem e discernirem os casos em que era merecida
a absolvi��o. Pode, ele, por�m, pronunciar-se
jamais com seguran�a? A contri��o do penitente, diz
a Igreja, � necess�ria. Mas, como assegurar seja suficiente
e verdadeira essa contri��o? A decis�o do padre
decorre da confiss�o das faltas; � sempre certo que essa
confiss�o seja completa?

Se consultarmos todos os textos em que se funda
a institui��o da confiss�o (84), neles s� encontramos

(83) Atos, VIII, 17; XIX, 6, etc.
(84) Mat., III, 6; Lucas, XVIII, 13; Tiago, Epist., V, 16;
Jo�o, I Epist., I, 9; etc.

102 L�ON DENIS

uma coisa: � que o homem deve reconhecer as ofensas
cometidas contra o pr�ximo; � que ele deve confessar
diante de Deus as suas faltas. Desses textos antes resulta
esta considera��o: a consci�ncia individual � sagrada;
s� depende de Deus diretamente. Nada a� autoriza
a pretens�o do padre, de se erigir em julgador.

Que diz S. Paulo, falando da comunh�o e dos que
dela s�o dignos?

"Examine-se, pois, a si mesmo o homem." (1 Ep�stola
aos Cor�ntios, XI, 28)

Ele guarda sil�ncio no que respeita � confiss�o, em
nossos dias considerada indispens�vel em circunst�ncia
equivalente.

S. Jo�o Cris�stomo, em um caso semelhante, diz:
"Revelai a Deus vossa vida; confessai vossos pecados a
Deus; confessai-os ao vosso juiz, suplicando-lhe, sen�o com
a voz, ao menos mentalmente, e suplicai-lhe de tal sorte
que ele vos perdoe." (Hom�lia, XXXI , sobre a Ep�stola aos
Hebreus).

A confiss�o auricular nunca foi praticada nos primeiros
tempos do Cristianismo; n�o foi institu�da por
Jesus, mas pelos homens.

Quanto � remiss�o dos pecados, deduzida destas
palavras do Cristo: �O que for ligado na terra ser� ligado
nos c�us�, parece que este modo de exprimir se
aplica, de prefer�ncia, aos h�bitos, aos apetites materiais
contra�dos pelo Esp�rito durante a vida terrestre,
e que o prendem, fluldicamente � Terra depois da morte.

Vem depois a Eucaristia, ou presen�a real do corpo
e do sangue de Jesus-Cristo, a h�stia consagrada, o sacrif�cio
da cruz todos os dias renovado sobre os milhares
de altares da catolicidade, � voz do padre, e com absor��o
pelos fi�is, do corpo vivo e sangrento do Cristo,
segundo a f�rmula do catecismo do conc�lio de Trento:


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 103

"N�o � somente o corpo de Jesus-Cristo que se cont�m
na Eucaristia, com tudo o que constitui um verdadeiro corpo,
como os ossos e os nervos; � inteiramente o pr�prio
Jesus-Cristo."

Donde prov�m esse mist�rio afirmado pela Igreja?
De palavras de Jesus, tomadas ao p� da letra, e que tinham
car�ter puramente simb�lico. Esse car�ter, ao
demais, � claramente indicado na frase por ele acrescentada:
�Fazei isto, em mem�ria de mim� (85). Com isso
afasta o Cristo qualquer ideia de presen�a real. N�o
pretendeu, evidentemente, falar sen�o do seu corpo espiritual,
personificando o homem regenerado pelo esp�rito
de amor e caridade. A comunh�o entre o ser humano
e a natureza divina se opera pela uni�o moral
com Deus; ela se realiza por en�rgicos surtos da alma
para seu Pai, por aspira��es constantes ao divino foco.
Toda cerim�nia material � v�, se n�o corresponde a um
estado elevado do cora��o e do pensamento. Preenchidas
essas condi��es, estabelece ao contr�rio, como ao
come�o acontecia, uma rela��o misteriosa entre o homem
fervoroso e o mundo invis�vel. Influ�ncias magn�ticas
baixam a esse homem e � assembleia de que ele
faz parte, e muitos experimentam seus benef�cios.

O culto religioso � uma leg�tima homenagem prestada
� Onipot�ncia; � a eleva��o da alma para o seu
Criador, a rela��o natural e essencial do homem com
Deus. As pr�ticas desses cultos s�o de utilidade; as aspira��es
que despertam, a poesia consoladora que da�
deriva, s�o um sustent�culo para o homem, uma prote��o
contra as suas pr�prias paix�es. Para falar, por�m,
ao esp�rito e ao cora��o do crente, deve o culto ser s�brio
em suas manifesta��es; deve renunciar a qualquer
ostenta��o de riqueza material, sempre prejudicial ao
recolhimento e � ora��o; n�o deve ceder o menor lugar
�s supersti��es pueris. Simples e grande em suas formas,
deve dar a impress�o da divina majestade.

(85) Lucas, XXII, 19; I Cor., XI, 23-25.

104 L�ON DENIS

Nas �pocas remotas, o culto exterior quase sempre
ultrapassou os limites que lhe assina uma f� pura e elevada.
Induzido pelo fanatismo religioso resultante da
sua inferioridade moral e da sua ignor�ncia, o homem
ofereceu � Divindade sanguinolentos sacrif�cios; o padre
encerrou o esp�rito das gera��es em trama de terrificantes
cerim�nias.

Mudaram-se os tempos; a intelig�ncia se desenvolveu;
suavizaram-se os costumes; mas a opress�o sacerdotal
manifesta-se ainda em nossos dias, nesses ritos
sob os quais a ideia de Deus se oculta e obscurece, nesse
cerimonial cujo esplendor e luxo subjugam os sentidos
e desviam o pensamento do elevado fim a que devera
encaminhar-se. N�o h�, sob esse fausto, nessas brilhantes
pompas do Catolicismo, um esp�rito de dom�nio que
tudo procura invadir, enla�ar, e que, sob essas diferentes
formas, com tais pr�ticas exteriores se afasta, cada
vez mais, do verdadeiro ideal crist�o?

� necess�rio, � urgente que o culto rendido a Deus
volte a ser simples e austero em seu princ�pio, como em
suas manifesta��es. Quantos progressos se realizariam
se o culto, praticado na fam�lia, permitisse a todos os
seus membros, reunidos e em recolhimento, elevar, num
mesmo impulso de f�, pensamentos e cora��es para o
Eterno; se, em determinadas �pocas, todos os crentes
se reunissem para ouvir, de uma voz autorizada, a palavra
da verdade! Ent�o, a doutrina de Jesus, melhor
compreendida, seria amada e praticada; o culto, restitu�do
ao seu car�ter simples e sincero, exerceria a��o
eficac�ssima nas almas.

A despeito de tudo, o culto romano se obstina em
conservar formas adotadas das antigas religi�es orientais,
formas que nada mais dizem ao cora��o e s�o para
os fi�is um h�bito rotineiro, sem influ�ncia em sua vida
moral. Persiste em dirigir-se a Deus, h� dois mil anos,
em l�ngua que n�o mais se compreende, com palavras
que os l�bios murmuram, mas cujo sentido j� se n�o
percebe.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 105

Todas essas manifesta��es tendem a desviar o homem
do estudo aprofundado e da reflex�o que nele desenvolvessem
a vida contemplativa. As longas ora��es,

o cerimonial pomposo, absorvem os sentidos, mant�m a
ilus�o e habituam o pensamento a funcionar mecanicamente,
sem o concurso da raz�o.
Todas as formas do culto romano s�o uma heran�a
do passado. Suas cerim�nias, seus vasos de ouro e prata,
os c�nticos, a �gua lustral, s�o legados do Paganismo.
Do Bramanismo tomaram o altar, o fogo sagrado que
nele arde, o p�o e o licor de soma consagrados � Divindade.
Do Budismo copiaram o celibato dos padres e a
hierarquia sacerdotal.

Uma lenta substitui��o se produziu, na qual se encontram
os vest�gios das cren�as desaparecidas. Os deuses
pag�os tornaram-se dem�nios. As divindades dos
fen�cios e dos ass�rios: Baal-Zebud (Belzebu), Astarot,
L�cifer, foram transformados em pot�ncias infernais.
Os dem�nios do Platonismo, que eram Esp�ritos familiares,
tornaram-se diabos. Dos her�is, das personagens
veneradas na G�lia, na Gr�cia, na It�lia, fizeram santos.
Conservaram as festas religiosas dos antigos povos,
dando-lhes apenas formas diferentes, como a dos Mortos.
Por toda a parte, enxertaram no antigo culto um
culto novo, que era a sua reprodu��o sob outros nomes.
Os pr�prios dogmas crist�os se encontram na �ndia e
na P�rsia.

O Zendavest� (86), como a doutrina crist�, cont�m
as teorias da queda e da reden��o, a dos anjos bons e
maus, a desobedi�ncia inicial do homem e a necessidade
da salva��o mediante a gra�a.

Sob esse amontoado de formas materiais e concep��es
envelhecidas, no meio desse inc�modo legado
de religi�es extintas, que constitui o Cristianismo moderno,
tem-se dificuldade em reconhecer o pensamento
do seu fundador. Os autores do Evangelho n�o previ


(86) Emilio Burnouf, A ci�ncia das religi�es, p�g. 222.

L�ON DENIS

ram, de certo, nem os dogmas, nem o culto, nem o sacerd�cio.
Nada de semelhante se encontra no pensamento
evang�lico. Ningu�m foi menos imbu�do do esp�rito
sacerdotal do que Jesus; ningu�m foi menos afei�oado
�s formas, �s pr�ticas exteriores. Tudo nele �
sentimento, eleva��o do pensamento, pureza do cora��o,
simplicidade.

Nesse ponto, seus sucessores desvirtuaram completamente
as suas inten��es. Induzidos pelos instintos materiais
que na Humanidade predominam, sobrecarregaram
a religi�o crist� de um pomposo aparato, sob o
qual foi sufocada a ideia m�ter.

�Mas v�s n�o queirais ser chamados mestres� (87),
dissera Jesus, e os papas se fazem chamar Santidade
e consentem em ser incensados. Esqueceram o exemplo
do ap�stolo Pedro, quando ao centuri�o Corn�lio, prosternado
a seus p�s, advertia: �Levanta-te, que eu tamb�m
sou homem!� (88). J� n�o consideram que, � semelhan�a
do Mestre, deveriam ter permanecido mansos e
humildes de cora��o; o orgulho os avassalou. Na Igreja
se constituiu uma imponente hierarquia, fundada n�o j�
nos dons espirituais, como nos primeiros tempos, mas
numa autoridade puramente humana. A influ�ncia do
Alto, �nica que dirigia a primitiva Igreja, foi sendo
pouco a pouco substitu�da pelo princ�pio de obedi�ncia
passiva �s regras fixadas. Cedo ou tarde, por�m, o pensamento
do Mestre, restitu�do � sua pureza primitiva,
fulgir� com um brilho novo. As formas religiosas passar�o;
as institui��es humanas se h�o-de desmoronar;
a palavra do Cristo viver� eternamente para fortalecer
as almas e regenerar as sociedades.

VIII � Decad�ncia do Cristianismo

Dezenove s�culos decorreram desde os tempos do
Cristo, dezenove s�culos de autoridade para a Igreja,

(87) Mateus XXIII, 8.
(88) Atos, X, 26.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 107

dos quais doze de poder absoluto. Quais, na hora presente,
as consequ�ncias do seu ensino?

O Cristianismo tinha por miss�o recolher, explicar,
difundir a doutrina de Jesus, dela fazendo o estatuto
de uma sociedade melhor e mais feliz. Soube ela desempenhar
essa grande tarefa? �Julga-se a �rvore pelos
frutos�, diz a Escritura. Reparai na �rvore do Cristianismo.
Verga ela ao peso de frutos de amor e de esperan�a?


A �rvore, indubitavelmente, conserva-se sempre gigantesca,
mas, na ramaria, quantos galhos n�o foram
decepados, mutilados; quantos outros n�o secaram, n�o
ficaram infecundos! O peregrino da vida se det�m,
exausto, � sua sombra, mas � em v�o que a� procura o
repouso da alma, a confian�a, a for�a moral necess�ria
para continuar o caminho. Ele aspira a sombras mais
prop�cias; apetecem-lhe mais saborosos alimentos; instintivamente
o seu olhar explora o horizonte.

Na hora atual, neste s�culo de progresso, o homem
ainda nada sabe do futuro, da sorte que o aguarda no
fim da sua est�ncia neste mundo. A f� na imortalidade
� fraqu�ssima em muitos dos que se inculcam disc�pulos
do Cristo; por vezes, as suas esperan�as vacilam ao
sopro glacial do cepticismo. Os fi�is lan�am no t�mulo
os seus mortos e, com as marteladas a pregar o esquife,
a d�vida sombria lhes pesa na alma e a confrange.

O padre conhece a sua fraqueza; ele sente-se fr�gil,
sujeito ao erro como os que tem a pretens�o de dirigir,
e, se n�o estivessem em causa a sua dignidade e situa��o
material, reconheceria a sua incapacidade, deixaria
de ser um cego condutor de cegos. Porque aquele que
nada sabendo da vida futura e das suas verdadeiras
leis, erige-se em diretor dos outros, torna-se aquele homem
de que fala o Evangelho:

"Se um cego guia outro, v�m ambos a cair no barranco"
(Mateus., XV, 14).


108 L�ON DENIS

F�z-se a obscuridade no santu�rio. N�o h� um �nico
bispo que pare�a conhecer, acerca das condi��es da vida
de al�m-t�mulo, o que sabia o menor iniciado dos antigos
tempos, o di�cono mais humilde da primitiva Igreja.

Fora, imperam a d�vida, a indiferen�a, o ate�smo.
O ideal crist�o perdeu a sua influ�ncia sobre o povo;
a vida moral se enfraqueceu. A sociedade, ignorante do
elevado objetivo da exist�ncia, atira-se com frenesi �
frui��o dos gozos materiais. Um per�odo de perturba��o
e decomposi��o se iniciou, per�odo que conduziria ao
abismo e � ru�na se, j� agora, confusamente, n�o come�asse
um novo ideal a assomar e esclarecer as intelig�ncias.


De que procede o atual estado de coisas?
Durante doze s�culos a Igreja dominou, formou a
seu talante a alma humana e toda a sociedade. Em sua
m�o se concentravam todos os poderes. Todas as autoridades
residiam nela, ou dela procediam. Ela imperava
sobre os esp�ritos como sobre os corpos; imperava pela
palavra, e pelo livro, pelo ferro e pelo fogo. Era senhora
absoluta do mundo crist�o; nenhum freio, nenhum marco
limitava a sua a��o. Que f�z ela dessa sociedade ?
Queixa-se da sua corrup��o, do seu cepticismo, dos seus
v�cios. Esquece-se de que, acusando-a, acusa-se a si
mesma? Essa sociedade � obra sua; a verdade � que ela
foi impotente para a dirigir e melhorar. A sociedade corrompida
e c�ptica do s�culo XVIII saiu de suas m�os.
Foram os abusos, os excessos, os erros do sacerd�cio
que determinaram o seu estado de esp�rito. Foi a impossibilidade
de crer nos dogmas da Igreja, o que impeliu
a Humanidade para a d�vida e para a nega��o.

O materialismo penetrou at� � medula, no corpo
social. Mas de quem � a culpa? Se as almas tivessem
encontrado na religi�o, tal como lhes era ensinada, a
for�a moral, as consola��es, a dire��o espiritual de que
necessitavam, ter-se-iam afastado dessas igrejas que em
seus poderosos bra�os embalaram tantas gera��es? Teriam
elas deixado de crer, de amar e de esperar?


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 109

A verdade � que o ensino da Igreja n�o conseguiu
satisfazer as intelig�ncias e as consci�ncias. N�o p�de
dominar os costumes; por toda parte lan�ou a incerteza,
a perturba��o do pensamento, de que proveio a hesita��o
no cumprimento do dever e, para muitos, o aniquilamento
de toda esperan�a.

Se, no auge do seu poderio, a Igreja n�o conseguiu
regenerar a Humanidade, como o poderia hoje fazer?
Ah! talvez, se abandonasse os seus pal�cios, as suas riquezas,
o seu culto faustoso e teatral, o ouro e a p�rpura;
se, cobertos de burel, com o crucifixo na m�o, os
bispos, os pr�ncipes da Igreja, renunciando aos bens materiais
e tornando-se como o Cristo, sublimes vagabundos,
fossem pregar �s multid�es o verdadeiro evangelho
da paz e do amor, ent�o talvez a Humanidade acreditasse
neles. N�o se mostra disposta a Igreja Romana a
desempenhar esse papel; o esp�rito do Cristo parece cada
vez mais abandon�-la. Nela quase n�o resta sen�o uma
forma exterior, uma apar�ncia, sob a qual j� n�o existe
mais que o cad�ver de uma grande ideia.

As igrejas crist�s, em seu conjunto, n�o subsistem
sen�o pelo que nelas resta de moral evang�lica; sua
concep��o do mundo, da vida, do destino, � simplesmente
letra morta. Que pensar, com efeito, e que dizer de um
ensino que for�ou os homens a crer, a afirmar, durante
s�culos, a imobilidade da Terra e a cria��o do mundo
em seis dias? Que pensar de uma doutrina que v� na
ressurrei��o da carne o �nico meio de restituir � vida
os mortos? Que dizer dessa cren�a que pretende deverem
os �tomos do nosso corpo, h� tanto tempo dispersos,
reunir-se um dia? Em presen�a dos novos dados que
todo dia v�m esclarecer o problema da sobreviv�ncia,
tudo isso n�o � mais que um sonho de crian�a.

O mesmo acontece com a ideia de Deus. A mais
grave censura que se pode irrogar ao ensino das igrejas,
incide no fato de haver falseado, desnaturado a ideia
de Deus, tornando-a por isso odiosa a muit�ssimos esp�ritos.
A Igreja Romana sempre imp�s o temor de Deus
�s multid�es. Havia nisso um sentimento necess�rio para


L�ON DENIS

realizar o seu plano de dom�nio, para submeter a Humanidade
semib�rbara ao princ�pio da autoridade, mas
um sentimento perigoso, porque, depois de haver feito
muito tempo escravos, acabou por suscitar os revoltados,
� sentimento nocivo, esse do medo, que, depois
de ter levado o homem a temer, o levou a odiar; que

o ensinou a n�o ver no poder supremo sen�o o Deus das
puni��es terr�veis e das eternas penas, o Deus em cujo
nome se levantaram os cadafalsos e as fogueiras, em
cujo nome correu o sangue nas salas de tortura. Da� se
originou essa rea��o violenta, essa furiosa nega��o, esse
�dio � ideia de Deus, do Deus carrasco e d�spota, �dio
que se traduz por esse grito que hoje em dia ressoa em
toda parte, em nossos lares, em nossas pra�as, em nossas
folhas p�blicas: nem Deus, nem Senhor!
E, se a isso acrescentarmos a terr�vel disciplina
imposta aos fi�is pela Igreja da Idade M�dia, os jejuns,
as macera��es, o temor perp�tuo da condena��o, os exagerados
escr�pulos, sendo um olhar, um pensamento,
uma palavra delituosa, pass�veis das penas do inferno,
compreendereis que ideal sombrio, que regime de terror
f�z a Igreja pesar durante s�culos sobre o mundo, com-
pelindo-o a renunciar a tudo o que constitui a civiliza��o,
a vida social, para n�o cuidar sen�o da salva��o
pessoal, com desprezo das leis naturais, que s�o as leis
divinas.

Ah! N�o era isso o que ensinava Jesus, quando
falava do Pai, quando afirmava este �nico, este verdadadeiro
princ�pio do Cristianismo � o amor, sentimento
que fecunda a alma, que a reergue de todo o abatimento,
franqueia os umbrais �s pot�ncias afetivas que
ela encerra, sentimento de que ainda pode surgir a renova��o,
a regenera��o da Humanidade.

Porque n�s n�o podemos conhecer Deus e dele aproximar-
nos sen�o pelo amor; s� o amor atrai e vivifica.
Deus � todo amor e para o compreender � necess�rio
desenvolver em n�s esse princ�pio divino. � preciso
cessar de viver na esfera do �eu� para viver na esfera
do divino, que abrange todas as cria��es. Deus est� em


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

todo homem que sabe amar. Em amar e cultivar o que
h� de divino em n�s e na Humanidade, � que consiste

o segredo de todo progresso, de toda eleva��o. Escrito
est�: �Amar�s a Deus sobre todas as coisas e ao pr�ximo
como a ti mesmo�.
Foi assim que as grandes almas crist�s se elevaram
a sublimes emin�ncias. Foi assim que os Vicentes
de Paulo, os Franciscos de Assis e alguns outros, puderam
realizar obras que fazem a admira��o dos s�culos.
Sua acrisolada caridade n�o era inspirada pelo dogma
cat�lico: no Evangelho � que esses insignes Esp�ritos
hauriram a f� no amor que os animavam.

Se tivessem prevalecido os preceitos evang�licos, o
Cristianismo estaria no apogeu do seu poder e da sua
gl�ria. Eis porque ser� preciso voltar aos puros ensinamentos
de Jesus, se quiserem reerguer e salvar a religi�o;
porque, se a religi�o do poder tem sua grandeza,
maior � a do amor; se a religi�o da justi�a � grande,
maior � a do perd�o e da miseric�rdia. A� est�o os verdadeiros
princ�pios e a base real do Cristianismo.

Com a concep��o do mundo e da vida sucedeu o
mesmo que com a ideia de Deus. Por muito tempo a
Igreja imp�s �s intelig�ncias essa velha teoria que fazia
da Terra o corpo central mais importante do Universo;
do Sol e dos astros, tribut�rios que em torno dela se
moviam. Os c�us eram qual s�lida ab�bada; por cima se
entronava o Eterno, cercado dos ex�rcitos celestes; sob
a Terra, os lugares profundos, inferiores, os infernos.

O mundo, criado h� seis mil anos, devia ter pr�ximo
fim; da�, uma amea�a permanente pairando sobre
a Humanidade. Com o fim do mundo coincidir� o julgamento
terr�vel, definitivo, universal, em virtude do
qual todos os mortos sair�o dos t�mulos, revestidos do
seu corpo carnal, para comparecer perante o tribunal
de Deus.

A Astronomia moderna destruiu essas concep��es.
Ela demonstra que o nosso globo � um simples membro
da grande fam�lia dos corpos celestes, que as profun



L�ON DENIS

dezas do c�u est�o povoadas de astros em n�mero infinito.
Por toda a parte s�is, terras, esferas em via de
forma��o, de desenvolvimento ou decad�ncia, referem-nos
as maravilhas de uma cria��o incessante, eterna, em que
as formas da vida se multiplicam, se sucedem, se renovam
como produ��es de um pensamento soberano.

Entre esses mundos que rolam na imensidade dos
espa�os, nossa Terra � um gr�o de areia, um �tomo
perdido no infinito. Esse �tomo, a Igreja persiste em
acreditar o �nico habitado. Mas a Ci�ncia, a Filosofia,
a revela��o dos Esp�ritos nos mostram a vida a se expandir
na superf�cie desses mundos, a se elevar, de
degrau em degrau, atrav�s de lentas transforma��es,
para um ideal de beleza e perfei��o. Por toda a parte
povos, ra�as, humanidades sem n�mero, seguem os seus
destinos no seio da harmonia universal.

A Igreja ensina que um primeiro homem apareceu
na Terra, h� seis mil anos, em estado de felicidade de
que decaiu em consequ�ncia do pecado.

A Antropologia pr�-hist�rica faz recuar a exist�ncia
da Humanidade a muito mais remotas �pocas. Mostra-
nos o homem, a princ�pio no estado selvagem, de que
pouco a pouco saiu, para elevar-se em constante progress�o,
at� � civiliza��o atual.

O globo terrestre n�o foi criado em seis dias; � um
organismo que se desenvolve atrav�s das idades. Nas
camadas superpostas que se acumulam em sua superf�cie,
a Geologia indica as sucessivas fases da sua forma��o.
A observa��o cient�fica, o estudo perseverante
e paciente das leis da vida, fizeram reconhecer a a��o
de uma vontade que disp�s todas as coisas num determinado
plano. Em virtude desse plano, os seres possuem
em si o princ�pio de exist�ncia e se elevam, por calculadas
grada��es, de forma em forma, de esp�cie em esp�cie,
no sentido de tipos sempre mais perfeitos. Em
parte alguma se descobrem os tra�os de uma cria��o
arbitr�ria ou milagrosa, mas, ao contr�rio, o trabalho
lento de uma cria��o que se efetua gra�as aos esfor�os
de cada um e em proveito de todos. Por toda parte se


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

revela a a��o de leis s�bias e profundas, a manifesta��o
de uma ordem universal, de um pensamento divino que
deixou ao ser a liberdade e os meios de a si pr�prio se
desenvolver, � custa de tempo, prova��es, trabalho.

A Igreja que, durante tantos s�culos, ensinou, regeu,
dirigiu o mundo, sempre ignorou, na realidade, as
verdadeiras leis da vida e do Universo. Entretanto, a�
est�o as obras d'Aquele que ela diz representar, em cujo
nome pretende falar e ensinar. Essas obras, desconheceu-
as ela e as desconhece ainda. Suas explica��es acerca
da ordem e da estrutura do Universo, relativamente
� vida da alma e ao seu futuro sobre os poderes ps�quicos
do ser, foram sempre err�neas.

Foram precisos os repetidos esfor�os do livre pensamento
e da Ci�ncia para sondar esse imenso dom�nio
da Natureza, de que dizia a Igreja ser a zeladora e cuja
interpreta��o dizia possuir. S� a Ci�ncia foi que a
obrigou a se retificar a si pr�pria, em numerosos pontos
e a distinguir no Cristianismo as verdades essenciais,
das fic��es ou alegorias.

A Igreja por muito tempo considerou hereges os
s�bios que afirmavam o movimento da Terra. Galileu
foi condenado ao c�rcere por ter ensinado que o Globo
se movia (89). O frade irland�s Virg�lio foi excomungado
pelo papa Zacarias, por haver afirmado a exist�ncia
dos ant�podas.

Tomando ao p� da letra o que n�o passava de figuras,
a Igreja n�o podia crer na esfericidade do Globo,
desde que muitas passagens das Escrituras parece imporem-
lhe quatro cantos. Agora declara ela que, falando
da imobilidade da Terra no centro do mundo, as Escrituras
se colocam no ponto de vista da ignor�ncia antiga,
e, em certos casos, se amoldou ao sistema de Galileu
e de Descartes. N�o o f�z, por�m, sem longas hesita��es,
porque as obras de Galileu e de Cop�rnico n�o
foram eliminadas do Index sen�o em 1835. Chegou assim

(89) Ver, na nota n. 10, o texto de condena��o de Gali
leu em 1615.

L�ON DENIS

a Igreja, insensivelmente, a considerar uma simples
fic��o o que outrora para ela constitu�a um dogma.
Nesse ponto foi, pois, a Ci�ncia que a auxiliou a compreender
a B�blia.

O mesmo aconteceu com as suas opini�es acerca
da Cria��o. A extrema antiguidade do nosso planeta e
a sua lenta forma��o, estabelecidas pela Ci�ncia, foram
condenadas muito tempo pela Igreja, como opostas �
narrativa do G�nesis. Hoje ela cede � press�o dos estudos
geol�gicos e j� n�o v� na descri��o b�blica sen�o
um quadro simb�lico da obra da Natureza, desenvolvendo-
se atrav�s dos tempos, de conformidade com um
plano divino.

Deter-se-� a�? N�o ser� obrigada a inclinar-se diante
da Hist�ria e da exegese, como o f�z diante da Astronomia
e da Geologia? N�o vir� a desvencilhar a personalidade
do Cristo e sua elevada miss�o de ordem moral,
de todas as hip�teses formuladas sobre a sua origem e
natureza divinas? (90).

A Igreja, depois de haver combatido e anatematizado
a Ci�ncia, dever� for�osamente acompanh�-la e
assimilar todas as suas descobertas, se quiser viver.
E nem por isso ficar�o menos os seus erros seculares a
atestar sua impot�ncia, no sentido de se elevar por si
mesma ao conhecimento das leis universais. E ser� o
caso de perguntar � tendo assim a Igreja se enganado
acerca de coisas f�sicas, sujeitas sempre � verifica��o �
que cr�dito se lhe pode dar no concernente �s doutrinas
m�sticas, exclu�das at� hoje da cr�tica e do exame?

Tudo nos demonstra que n�o � menos defeituosa
essa parte do seu ensino. J� as manifesta��es dos Esp�ritos
dos mortos, que se multiplicam, nos proporcionam
sobre a vida de al�m-t�mulo uma fonte de esclarecimentos,
de novas aprecia��es que v�m fazer ru�rem as
afirma��es do dogma.

(90) Quase nada parece ela disposta a evolver em tal sentido,
e ainda em 1908 excomungou o abade Lolsy por haver
articulado em suas obras que a divindade do Cristo n�o �,
historicamente, demonstr�vel. (Nota da segunda edi��o).

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 115

N�o pod�amos mais crer em um mundo, em um
Universo oriundo do nada, que Deus governa por meio
da gra�a e do milagre. Menos, ainda, podemos crer que
a vida seja obra de salva��o pessoal, o trabalho uma
ignom�nia, um castigo, com o inferno eterno por perspectiva;
ou, ent�o, um purgat�rio de onde se n�o sai
sen�o mediante ora��es pagas, ou ainda um para�so melanc�lico
e mon�tono, em que ser�amos condenados a
viver inativos, sem alvo, separados para sempre dos que
amamos. N�o podemos mais crer no pecado de Ad�o
recaindo sobre toda a Humanidade, nem no resgate
mediante a imola��o de um Deus na cruz.

O pensamento moderno liberta-se cada vez mais de
semelhantes mitos, de tais espantalhos pueris; despeda�a
essas teias de aranha que pretenderam correr entre
ele e a verdade; eleva-se todos os dias e, no espet�culo
dos mundos, no grande livro da Natureza cujas p�ginas
em torno dele se desdobram, no maravilhoso mapa da
vida em suas perp�tuas evolu��es, nessa lei de progresso
inscrita no c�u, como na Terra, nessa lei de liberdade e
de amor gravada no cora��o do homem, ele v� a obra
de um Ser que n�o � o Deus quim�rico da B�blia, mas
a Soberana Majestade � princ�pio eterno de justi�a, lei
viva do bem, do belo e do verdadeiro, que enche o Infinito
e paira sobranceiro aos tempos.

Chega-se a perguntar como o alimento dogm�tico
da Igreja p�de ser administrado �s intelig�ncias populares
durante tantos s�culos, uma vez que o menor estudo
do Universo, o menor olhar lan�ado ao espa�o nos
podem dar da vida, sempre renascente, da suprema
causa e de suas leis uma ideia t�o imponente, t�o fecunda
em grandes ensinamentos, em poderosas inspira��es.


A essa ideia vem juntar-se a no��o clara e positiva
do objeto da exist�ncia, do objetivo que todos os seres
visam em sua jornada, resgatando-se a si mesmos desse
fundo de ego�smo e barbaria, que � o �nico pecado original
e adquirindo, passo a passo, essa perfei��o cujo


116 L�ON DENIS

germe Deus neles colocou e eles devem, pelo regresso
� carne, desenvolver na sucess�o das exist�ncias porvindouras.


Assim se revela o pensamento de Deus. Porque Deus,
que � a Justi�a absoluta, n�o poderia querer a condena��o,
nem mesmo a salva��o mediante a gra�a ou os
merecimentos de um salvador, mas a salva��o do homem
por suas pr�prias obras e a satisfa��o, para n�s,
de obtermos n�s mesmos, com a sua assist�ncia, a nossa
eleva��o e a nossa felicidade.

Infelizmente, esta concep��o do mundo e da vida,
indispens�vel ao desenvolvimento das sociedades humanas,
n�o � ainda a partilha sen�o de um reduzido n�mero.
A grande massa erra nas veredas da exist�ncia,
ignorante das leis da Natureza, n�o tendo por nutri��o
moral sen�o esse catecismo ensinado �s crian�as em
todos os pa�ses crist�os, incompreens�vel, inintelig�vel
para a maior parte e que bem poucos vest�gios deixa
no esp�rito.

�, todavia, uma imperiosa necessidade que todos
os homens possuam uma no��o precisa do objetivo da
exist�ncia, que todos saibam o que s�o, donde v�m, para
onde v�o, como e por que devem agir.

Essa no��o, esse conhecimento, quando � seguro
e elevado, pode gui�-los, ampar�-los nas horas dif�ceis,
prepar�-los para as inevit�veis lutas. Sem o conhecimento
do objetivo da exist�ncia, n�o h� fortaleza dalma,
nem solidariedade duradoura entre os membros de qualquer
sociedade. � a �nica ideia que faz a coes�o dos
homens; � a base comum dos princ�pios e das cren�as,
que promove a uni�o moral na sociedade, em a na��o,
na Humanidade.

Dessa concep��o do mundo, da vida e do seu objetivo,
manteve a Igreja, at� agora, o monop�lio. A todos
ensina ela por meio do catecismo. Por insuficientes,
obscuros e obsoletos que sejam os princ�pios desse ensino
popular, em que � moral crist� se mesclam dogmas
caducos, eles constituem, ainda hoje, a for�a da Igreja


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 117

e a sua superioridade sobre a sociedade leiga, porque
esta ainda nada soube colocar em substitui��o do catecismo,
e, em sua hesita��o ou impot�ncia para oferecer
� crian�a, ao homem, uma s�ntese, uma ideia exata das
suas rela��es com o Universo, consigo mesmo, com os
seus semelhantes e com Deus, abandona a dire��o moral
do povo a uma institui��o que apenas representa um
ideal agonizante, incapaz de regenerar as na��es. Nos
novos manuais de ensino leigo, sem d�vida se encontram
muitas p�ginas consagradas �s quest�es morais,
a Deus, � imortalidade da alma; essas no��es, por�m,
s�o muito pouco cultivadas na pr�tica. O preceptor,
quase sempre impossibilitado de satisfazer as exig�ncias
de um programa complexo, baldo ele pr�prio de convic��o
na maioria dos casos, menospreza ou desdenha
esse lado essencial do ensino.

Da� resulta, como �amos dizendo, que o catecismo
permanece o �nico meio de educa��o moral ao alcance
de todos. Foi por ele, pelas no��es de conjunto que oferece,
que a sociedade crist� se constituiu e se mant�m;
� por meio dele que se perpetua o poder da Igreja. Este
ensino, por�m, � todo superficial e de mem�ria; as
no��es incompletas que incute na crian�a s�o aprendidas
de cor; n�o s�o sentidas; n�o lhe penetram na alma;
n�o resistem muito �s influ�ncias exteriores que o menino
sofre, nem ao desenvolvimento da sua pr�pria
raz�o. Quando o filho do pobre, obrigado bem cedo a se
entregar ao trabalho, n�o tendo para se guiar sen�o os
ensinos do catecismo, chega a neles n�o crer mais, � o
desmoronamento, � o v�cuo que se produz no seu pensamento
e na sua consci�ncia. Incapaz de, por si mesmo,
elevar-se a uma concep��o mais alta da exist�ncia, dos
seus direitos e deveres, tendo repelido com a cren�a nos
dogmas tudo o que possu�a de no��es morais, fica abandonado
a todas as correntes do materialismo e da nega��o,
sem preservativo contra os grosseiros apetites,
sem defesa, nos dias de mis�ria, contra as sugest�es do
suic�dio ou da deprava��o.


L�ON DENIS

*

Desde as idades da f� cega, a sociedade crist� est�,
por conseguinte, reduzida a viver de um retr�grado
ideal, de uma concep��o do Universo e da vida, inconcili�vel
em muitos pontos com as descobertas da Ci�ncia
e as aspira��es da Humanidade. Da� uma intensa perturba��o
nos esp�ritos e nas consci�ncias; da� a altera��o
de todas as condi��es necess�rias � harmonia social.

H� muito um sopro de liberdade agita o mundo; o
pensamento vai-se desembara�ando dos empecilhos que

o prendiam; a f� se amesquinhou. Mas os povos latinos
conservam o cunho indel�vel do ensino cat�lico que, durante
doze s�culos, os afei�oou a seu talante e neles
cultivou as qualidades e os defeitos que os caracterizam,
e esses defeitos precipitam a sua decad�ncia.
A doutrina cat�lica, ministrando ao homem uma
ideia err�nea do seu papel, contribuiu para obscurecer
a raz�o, para falsear o crit�rio �s gera��es. N�o se p�de
manter sen�o recorrendo a argumentos capciosos e sutis,
cujo emprego repetido faz perder o h�bito de racioc�nio
e de julgar com retid�o as coisas. Pouco a pouco chegou-
se a aceitar, a considerar infal�veis sistemas fict�cios,
em oposi��o com as leis naturais e as superiores
faculdades da alma.

Essa maneira de ver e de julgar devia for�osamente
refletir-se nos atos da vida social e nas conquistas da
Civiliza��o. Viram-se, por isso, muitas vezes os povos
cat�licos, pelo excesso de confian�a neles pr�prios, perder
o senso pr�tico e se apaixonar por empreendimentos
sem utilidade e sem alcance.

� o que se evidencia em todas as obras pol�ticas,
financeiras e de coloniza��o, nas quais os povos cat�licos
se revelam sensivelmente inferiores �s na��es protestantes,
mais bem preparadas, por sua educa��o religiosa
e pelo esp�rito de livre exame, para tudo o que
exige a ordem, a previd�ncia, o discernimento, a perseveran�a
no trabalho. Em compensa��o, os cat�licos se
avantajam nas artes e nas letras; mas � uma insuficiente
compensa��o.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 119

Os povos latinos, nos quais a educa��o cat�lica desenvolveu
o sentimento e a imagina��o em detrimento
da raz�o, se entusiasmam facilmente, adotam, sem as
amadurecer, certas ideias em cuja execu��o prosseguem
com um ardor e um exagero que conduzem muitas vezes
� perda e � ru�na. As paix�es sempre muito vivas, que tido
a raz�o n�o as vem refrear, levam esses povos �
instabilidade: as modas, as ideias, os gostos neles variam
muitas vezes, em detrimento das obras s�lidas e
duradouras.

Por isso se v�em as na��es anglo-sax�nias e de religi�o
protestante serem bem sucedidas onde os povos latinos
fracassam. Cada vez mais a iniciativa nas obras
de progresso, a conquista e a coloniza��o do globo
passam para as m�os dos povos do Norte, que crescem
e se fortificam sem cessar, em preju�zo das na��es latinas
e cat�licas.

A influ�ncia nos costumes n�o � menos prejudicial.
O car�ter latino, o esp�rito franc�s em particular, durante
s�culos afei�oado pelo Catolicismo, tornou-se pouco
afeito �s coisas s�rias e profundas. Na Fran�a, as conversa��es
s�o de ordin�rio fr�volas; fala-se preferentemente
de prazeres, de coisas f�teis; a maledic�ncia, a
cr�tica maliciosa, o h�bito da difama��o, ocupam nas
conversa��es um largo trecho. Destroem, pouco a pouco,

o esp�rito de benevol�ncia e toler�ncia que liga os membros
de uma mesma sociedade; fomentam entre os homens
o esp�rito de mal�cia, a inveja e o rancor.
Esses defeitos n�o se encontram no mesmo grau
nas sociedades protestantes. Nelas a instru��o � mais
desenvolvida, as conversa��es s�o em geral mais s�rias
e a maledic�ncia mais atenuada. As pessoas acham-se
mais ligadas � religi�o e a praticam com maior escr�pulo.
Na maioria dos povos cat�licos, ao contr�rio, a
religi�o tornou-se uma quest�o de forma, um partido
pol�tico, antes que uma convic��o; a moral evang�lica
� por eles cada vez menos observada. Os gestos s�rios
rareiam; cada qual quer satisfazer suas inclina��es,
sobressair e gozar.


120 L�ON DENIS

Parece que a Igreja Romana, em seus ensinos, se
aplica a ocupar o esp�rito, a desvi�-lo para as vias do
sentimento, no intuito de lhe fazer esquecer o verdadeiro
fim do estudo, que � a posse da verdade. Ela n�o
oferece �s intelig�ncias sen�o uma ilus�ria nutri��o,
uma quim�rica doutrina, perfeitamente adaptada, por�m,
aos seus interesses materiais.

As pompas do culto, as festas numerosas, as cerim�nias
prolongadas, desviam os fi�is das �rduas investiga��es,
do frut�fero labor, e os induzem � ociosidade.
Todo trabalho � antes um constrangimento que ben�fica
necessidade. Suportam-no sem o amar. Por isso, encontra-
se mais ignor�ncia e maior mis�ria nas na��es latinas
do que nos povos do Norte.

Seria, sem d�vida, injusto atribuir � Igreja todos
os defeitos da nossa ra�a; o car�ter franc�s �, por natureza,
vol�vel, impression�vel, pouco refletido; mas o
Catolicismo agravou esses defeitos aniquilando, com a
sua doutrina, o emprego da raz�o e o esp�rito de observa��o,
exigindo dos seus fi�is uma credulidade cega, a
respeito de afirma��es destitu�das de provas.

N�o � impunemente que se calca aos p�s, durante
s�culos, a raz�o, essa faculdade m�ter, dada por Deus
ao homem para gui�-lo nas sendas do destino. Desse
modo se prepara, fatalmente, o rebaixamento das na��es.

Em muitos casos, n�o se nos apresenta o Catolicismo
apenas como doutrina religiosa, mas tamb�m como
poder temporal, envolvido em todas as contendas deste
mundo, animado do desejo de adquirir uma autoridade
absoluta e de pretenso direito divino. Esse duplo aspecto
contribuiu largamente para subtrair ao Catolicismo essa
dignidade serena, esse desprendimento das coisas materiais
que deveriam fazer o prest�gio das religi�es. Parece
n�o ser a ele que se aplica o que disse Jesus: �Meu
reino n�o � deste mundo�.

Em todos os tempos o Catolicismo se duplicou de
um partido pol�tico, pronto a secundar os esfor�os da
rea��o contra a corrente das ideias modernas. Sob esse
ponto de vista, pode dizer-se que a educa��o cat�lica


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 121

desenvolve o esp�rito de intoler�ncia e estimula a resist�ncia
ao progresso; alimenta no seio das na��es um
instinto de luta, um estado de antagonismo e de disc�rdia,
mediante o qual se despendem e anulam muitas
reservas morais e intelectuais.

A sociedade acha-se por esse motivo dividida em
dois campos inimigos; a oposi��o se perpetua em duas
metades nacionais, uma querendo avan�ar para o futuro
e outra a retrogradar para o passado. Esgotam, assim,
as suas for�as vivas em detrimento da paz e da prosperidade
gerais.

A Igreja Romana que, durante quinze s�culos, sufocou
o pensamento e oprimiu a consci�ncia em nome da
unidade da f�; que se associou a todos os despotismos,
sempre que tinha interesse em faz�-lo, arroga-se hoje

o princ�pio de liberdade. Seria uma reivindica��o muito
leg�tima, se, por liberdade, n�o entendesse ela o privil�gio.
Necess�rio �, por�m, observar que jamais p�de
o Catolicismo conciliar-se com o esp�rito de liberdade.
Este n�o p�de manifestar-se no mundo sen�o no dia em
que o poderio da Igreja decresceu. Os progressos de um
estiveram sempre em propor��o exata com a diminui��o
do outro, enquanto que os modernos protestantes,
habituados pela sua religi�o a usar da liberdade, t�m
sabido aplic�-la � vida pol�tica e civil.
Agora mesmo, n�o condena a Igreja o livre pensamento,
como condenou outrora o livre exame aplicado
� interpreta��o das Escrituras? N�o pro�be a todos os
seus raciocinar e discutir a religi�o? E � ainda isso o
que nos demonstra como as opini�es da Igreja Romana
se afastaram dos princ�pios do verdadeiro Cristianismo.

Aqui est� o que dizia S. Paulo:

"Examinai tudo: abra�ai o que � bom." (I Tessalonicenses,
V, 21) .

"Onde h� o esp�rito do Senhor, a� h� liberdade."(//
Ep�st. aos Cor�ntios, III, 17).


122 L�ON DENIS

A doutrina de Jesus, tal como se expressa nos
Evangelhos e nas Ep�stolas, � doutrina de liberdade.
A afirma��o dessa liberdade moral e da supremacia da
consci�ncia � repetida em quase todas as p�ginas do
Novo Testamento.

Foi por terem desconhecido esse fato que os chefes
da Igreja fizeram desorientar o Cristianismo e oprimiram
as consci�ncias. Impuseram a f� em vez de a solicitar
� vontade livre e esclarecida do homem, e assim
fizeram da hist�ria do Catolicismo o calv�rio da Humanidade.


Outro tanto se pode dizer da raz�o, t�o ultrajada
pelos sacerdotes d'Aquele que foi a Raz�o personificada,

o Verbo, a Palavra.
Esqueceram que a raz�o, �essa luz, diz S. Jo�o, com
que todo homem vem a este mundo, � una; que a raz�o
humana, centelha desprendida da raz�o divina, dela n�o
difere sen�o em poder e extens�o e que, obedecer �s suas
leis, � obedecer a Deus.

�O' Raz�o! � dizia Fenelon em momento de profunda
intui��o � n�o �s tu o Deus que procuro?�.

Se a Igreja tivesse compreendido a ess�ncia mesma
do Cristianismo, ter-se-ia abstido de lan�ar o an�tema
ao racioc�nio e de imolar a liberdade e a Ci�ncia no altar
das supersti��es humanas.

O direito de pensar � o que de mais nobre e de
maior existe em n�s. Ora, a Igreja sempre se esfor�ou
por impedir o homem de usar desse direito. E lhe disse:
�Cr� e n�o raciocines; ignora e submete-te; fecha os
olhos e aceita o jugo.�. N�o � isso ordenar que renunciemos
ao divino privil�gio?

Porque a raz�o, desdenhada pela Igreja, � de fato

o instrumento mais seguro que o homem recebeu de
Deus para descobrir a verdade. Desconhec�-la � desconhecer
o pr�prio Deus, que � a sua fonte. N�o � por meio
dela que o homem esclarece e resolve todos os problemas
da vida social, pol�tica e dom�stica? E pretenderiam que
a repudiasse quando se trata de verdades religiosas que
ele n�o pode penetrar sem o seu concurso?

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 123

Relativa e fal�vel em si mesma, a raz�o humana se
retifica e se completa remontando � divina fonte, comunicando
com essa raz�o absoluta que a si mesma se conhece,
reflete e possui, e que � Deus.

Podem ser necess�rias faculdades assaz elevadas
para inventar e corporificar sistemas err�neos, para os
defender e propagar. A verdade, simples e clara, � apresentada
e compreendida pelos esp�ritos mais humildes,
quando sabem utilizar-se da raz�o, ao passo que os sofistas
que a excluem, afastam-se cada vez mais da verdade,
para se emaranharem num d�dalo de teorias, de
dogmas, de afirma��es, em que se perdem. Para tornarem
a encontrar a vereda segura, ser-lhes-� preciso destruir
o que penosamente edificaram e voltar a essa raz�o
menosprezada, �nica que lhes d� o sentido real da vida
e o conhecimento das leis divinas.

Assim se confirmam estas palavras das Escrituras:
�Ocultou-se aos s�bios o que foi revelado aos pequeninos
�.

Acabamos de p�r em evid�ncia as consequ�ncias da
educa��o religiosa em nosso pa�s. Sua influ�ncia, por
vezes t�o nociva na pr�tica da vida, persiste depois da
morte e reserva �s almas cr�dulas profundas e cru�is
decep��es. Quantos cat�licos nos t�m descrito, em numerosas
comunica��es medi�nicas, as suas ang�stias,
quando, confiantes nas prometidas recompensas, imbu�dos
das ideias de para�so e reden��o, se viram no espa�o
vazio, imenso e melanc�lico, errantes, anos inteiros em
busca de uma quim�rica felicidade e nada compreendendo
desse novo meio, t�o diferente do que lhes fora tantas
vezes exaltado! Suas acanhadas percep��es, a compreens�o
velada por doutrinas e pr�ticas abusivas, n�o lhes
permitiam apreender as belezas do universo flu�dico.

E quando, em pesquisas e peregrina��es extraterrestres,
encontram esses padres, seus educadores religiosos,
restitu�dos como eles ao estado de Esp�rito, as
queixas e exprobra��es n�o encontram, de sua parte
sen�o a perturba��o e a ansiedade que a eles pr�prios
atribulam.


124 L�ON DENIS

Triste efeito de um ensino falso, t�o ineficiente para
aparelhar as almas aos combates e realidades do destino.

*

No desenvolvimento deste estudo, aconteceu-nos
muitas vezes confrontar as doutrinas da Igreja Romana
com as do Protestantismo e fazer sobressair, em certos
pontos, a superioridade destas �ltimas. Da�, segue-se
que consideremos o Protestantismo a mais perfeita das
religi�es? Tal n�o � o nosso pensamento.

O Protestantismo, em seu culto e pr�dicas, aproxima-
se vantajosamente, � certo, da simplicidade e das
concep��es dos primeiros crist�os. N�o despreza a raz�o,
como faz o Catolicismo, mas, ao contr�rio, respeita-a,
apoia-se nela. Sua moral � mais pura e a sua organiza��o
sem fausto e aparato. Suprime a hierarquia sacerdotal,
o culto � Virgem e aos santos, as pr�ticas fastidiosas,
as longas ora��es, os ros�rios, os bentinhos, todo

o arsenal pueril da devo��o cat�lica. O pastor n�o � mais
que um professor de moral, encarregado de presidir �s
cerim�nias religiosas, reduzidas ao batismo, � comunh�o
e � pr�dica, a aben�oar os casamentos, assistir os pobres,
os enfermos e os moribundos.
O Protestantismo estabelece o livre exame, a livre
interpreta��o das Escrituras. Com isso desenvolve o entendimento
e favorece a instru��o, em todos os tempos
considerada perigosa pela Igreja Romana. O protestante
se mant�m, portanto, livre e aprende a dirigir-se por si
mesmo, ao passo que o cat�lico abdica sua raz�o e sua
liberdade nas m�os do sacerdote.

Entretanto, por maior que seja a obra da reforma
do s�culo XVI, ela n�o poderia satisfazer as necessidades
atuais do pensamento. O Protestantismo conservou,
da bagagem dogm�tica da Idade M�dia, muitas coisas
inaceit�veis. � autoridade do papa, substituiu a do livro;
mas a B�blia, interpretada mediante o livre exame, n�o


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 125

pode ser considerada produto da inspira��o divina (91).
As consci�ncias que conseguiram subtrair-se ao jugo de
Roma, n�o se poderiam colocar sob o de uma obra, sem
d�vida respeit�vel e que � preciso tomar em considera��o,
mas de origem puramente humana, semeada de
fic��es e alegorias, sob as quais o pensamento filos�fico
se dissimula e desaparece o mais das vezes.

Lutero proclamava a divindade de Jesus, o seu miraculoso
nascimento e a sua ressurrei��o; Calvino imp�e
os dogmas da trindade e da predestina��o. Os artigos
da �Confiss�o de Augsburgo� e da �Declara��o de la
Rochelle� afirmam o pecado original, o resgate pelo
sangue do Cristo, as penas eternas, a condena��o das
crian�as mortas sem batismo.

Entre os protestantes, mesmo ortodoxos, quantos
haver� hoje que subscrevam essas afirma��es e aceitem
em seu conjunto o s�mbolo dos ap�stolos, lido em todos
os templos e que os ap�stolos jamais conheceram?

Ao lado da ortodoxia protestante um grande partido
se formou sob a designa��o de protestantismo liberal.
Repudia os dogmas que acab�mos de enumerar e
limita-se a reconhecer a grandeza moral de Jesus e de
seus ensinamentos. Esse partido conta em suas fileiras
esp�ritos muito esclarecidos, animados de louv�vel sentimento
de toler�ncia e grande amor ao progresso �
homens dignos de admira��o e simpatia.

Mas os protestantes liberais colocam-se em situa��o
falsa e delicada. Persistem em se conservar na igreja
reformada, depois de haverem rejeitado, um a um, quase
todos os pontos de doutrina. Tomaram larga parte nos
consider�veis trabalhos de que fal�mos no come�o desta
obra, trabalhos empreendidos acerca das origens do
Cristianismo e da autenticidade dos sagrados livros.
Submeteram ao crivo de uma cr�tica rigorosa todos os
documentos em que repousa a tradi��o crist�. A aplica��o
do livre exame os impeliu a constantes investiga��es,
em consequ�ncia das quais os dogmas, os milagres
e grande n�mero de fatos hist�ricos perderam todo

(91) Ver nota complementar n. 1, no fim do volume.

126 L�ON DENIS

o cr�dito aos seus olhos. Desse exame, s� uma coisa
ficou de p� � a moral evang�lica.
Os protestantes liberais foram levados a colocar o
princ�pio da liberdade e da supremacia da consci�ncia
acima da unidade da f�; agindo desse modo, destru�ram
os la�os religiosos que os vinculavam � Igreja reformada.
N�o s�o mais, realmente, protestantes; s�o antes
crist�os livres-pensadores.

�, portanto, uma anomalia praticarem, em todas
as suas formas, um culto que t�o escassamente corresponde
�s suas pr�prias aspira��es. Parece-nos que
melhor coisa se poderia fazer, nas assembleias religiosas
dos �protestantes liberais�, que ler e comentar unicamente
a B�blia, cantar salmos calcados sobre velhas
�rias, falar de um �Deus zeloso e forte�, ou recomendar
aos habitantes de Paris, como todos, os domingos fazem
no templo do Orat�rio, que n�o cobicem �nem o boi nem

o asno do seu pr�ximo�. Semelhante culto e tais exorta��es
poderiam convir aos povos pastores da antiguidade;
j� n�o correspondem �s necessidades, �s ideias,
�s esperan�as dos crist�os contempor�neos.
As aspira��es modernas s�o necess�rias outras
express�es, outras formas, outras manifesta��es religiosas.
S�o precisos uma linguagem e c�nticos que
falem � alma, que a atraiam, emocionem e fa�am vibrar
�ntimas cordas. Permanecendo s�brio e inteiramente
simples, o culto deve inspirar-se na arte musical contempor�nea
e esfor�ar-se por elevar o pensamento �s
divinas esferas, �s regi�es im�culas do ideal.

Em resumo, o Protestantismo pode ser considerado,
em seu conjunto, superior ao Catolicismo, no sentido
de que mais se aproxima do pensamento do Cristo. Demasiadamente
adstrito, por�m, � forma e � letra, n�o
poderia bastar �s solicita��es do esp�rito moderno.

Faria obra de utilidade se abandonasse o legado da
Reforma para, exclusivamente, inspirar-se no esp�rito
evang�lico. O esp�rito da Reforma tinha sua raz�o de
ser no s�culo XVI, ao termo de um longo per�odo de
treva e despotismo; ao mundo moderno j� n�o pode


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 127

oferecer sen�o fantasias teol�gicas e motivos de divis�o
entre os membros da grande fam�lia crist�.

O que � presentemente necess�ria � Humanidade,
n�o � mais uma cren�a, uma f� decorrente de um
sistema ou de uma religi�o particular, inspirada em
textos respeit�veis, mas de autenticidade duvidosa, em
que a verdade e o erro se mesclam e se confundem.
O que se imp�e � uma cren�a baseada em provas e em
fatos; uma certeza fundada no estudo e na experi�ncia,
de que se destacam um ideal de justi�a, uma no��o positiva
do destino, um est�mulo de aperfei�oamento, suscet�veis
de regenerar os povos e ligar os homens de todas
as ra�as e de todas as religi�es.

Muitos la�os hist�ricos e religiosos prendem, incontestavelmente,
a alma moderna � ideia crist�, para que
possa deixar de por ela interessar-se. H� no Cristianismo
elementos de progresso, germes de vida moral e
social, que, desenvolvendo-se, grandes coisas podem produzir.
A doutrina do Cristo cont�m muitos ensinos que
ficaram incompreendidos e os quais, sob mais esclarecidas
influ�ncias, podem produzir frutos de amor e sabedoria,
resultados eficazes a favor do bem geral. Sejamos
crist�os, mas, elevando-nos acima das diversas
confiss�es, at� � fonte pura de que brotou o Evangelho.
Amemos o Cristo, mas coloquemo-lo superior �s seitas
intolerantes, �s igrejas que se excluem mutuamente e se
anatematizam. O Cristo n�o pode ser jesu�ta, nem jansenista,
nem huguenote; seus bra�os est�o amplamente
abertos a toda a Humanidade.

*

Vimos acima quais as consequ�ncias da educa��o
religiosa em nosso pa�s. Se a educa��o cat�lica, em particular,
� incompleta e semeada de ilus�es, deve, o ensino
leigo, por isso, ser-lhe preferido?

O ensino leigo produz efeitos opostos aos que havemos
indicado. Confere aos homens o esp�rito de independ�ncia;
exime-os da tutela governamental e religiosa,


L�ON DENIS

mas ao mesmo tempo enfraquece a disciplina moral, sem
a qual n�o se pode manter coesa a sociedade.

Esse ensino n�o �, como pretendem seus detratores,
inteiramente destitu�do de princ�pios; entretanto, n�o
tem sabido oferecer � vida um elevado objetivo; nada
p�de colocar no lugar do ideal crist�o; afrouxou os
la�os de solidariedade que devem unir os homens e conduzi-
los para um fim comum.

Por isso � que em nosso pa�s o esp�rito familiar e a
autoridade paterna se t�m enfraquecido. Os pais parecem
subordinados dos pr�prios filhos, nos quais j� se
n�o encontram os sentimentos respeitosos que constituem
a for�a da fam�lia e asseguram � velhice a necess�ria
autoridade. Essas causas de enfraquecimento parecem,
pouco a pouco, invadir todo o organismo social.
Quase por toda parte se contraem novos h�bitos e maneiras
de viver, de que s�o exclu�das as coisas s�rias,
�nicas capazes de fortalecer o esp�rito e orient�-lo no
sentido da pr�tica incessante do dever.

O ensino prim�rio n�o proporciona mais que uma
instru��o apenas esbo�ada e cedo posta � margem, uma
instru��o prematura, destitu�da de v�nculo, de encadeamento
e, sobretudo, de remate. Ela n�o � completada
por esse elemento indispens�vel do ensino moral. Deixa
a crian�a e, por conseguinte, o homem, na ignor�ncia
das coisas mais essenciais: as grandes leis da vida.

Quando, dos doze aos catorze anos, o aluno das escolas
prim�rias, munido do seu certificado de exames,
� lan�ado ao combate dos interesses, � grande batalha
social, falta-lhe esse fundo s�lido, esse conhecimento
da verdade e do dever, que � o sustent�culo supremo,
a mais necess�ria arma para as lutas da exist�ncia.

Tudo o que lhe disseram sobre os deveres do homem
� e se reduz a muito pouca coisa � disseram-lho
numa idade em que ele n�o podia dar valor a isso.
E tudo se vai esmigalhar, dissipar, sem deixar vest�gios.

Dir-se-ia, por�m, que, se a instru��o prim�ria �
insuficiente, mal exposta, mal digerida, um pouco mais


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 129

alto, no ensino cl�ssico e superior deve encontrar o rapaz
ampla messe de princ�pios, no��es essenciais � consecu��o
de um elevado fim? Pois bem! ainda nisso h�
ilus�o. Reporto-me, nesse ponto, � opini�o de um escritor
competente. Francisque Sarcey declarava em uma
das suas cr�nicas no �Petit Journal� (7 de mar�o 1894) :

"Dos meus estudos cl�ssicos, da minha passagem pelas
classes de Filosofia, n�o colhi no��o alguma positiva acerca
dos destinos da alma humana."

Isso nos faz recordar a conhecida aprecia��o de um
bom juiz em tal mat�ria: �a Filosofia cl�ssica n�o �
mais que a hist�ria das contradi��es do esp�rito humano.


O materialismo e o Positivismo reinam quase exclusivamente
nas altas esferas pol�ticas, povoadas de intelig�ncias
buriladas pelo ensino superior. A influ�ncia
dessas teorias se reflete sobre toda a vida pol�tica e
social e, concorrentemente com as doutrinas do Catolicismo,
contribui para deprimir os caracteres e as vontades.


Quando penetramos at� ao fundo das coisas, a despeito
de algumas ligeiras apar�ncias de espiritualismo,
somos obrigados a reconhecer que o ensino leigo encontra-
se, em todos os graus, impregnado de cepticismo,
inspirado pelas filosofias negativas. Da� a sua impot�ncia
para incutir na crian�a no��es profundas de
moralidade.

Porque � em v�o que se preconiza a moral, independente
de qualquer cren�a e de qualquer religi�o; a
experi�ncia demonstra que, quanto mais se espalham as
concep��es materialistas e ate�stas, mais se subtraem
as consci�ncias aos princ�pios de moralidade e, por consequ�ncia,
aos deveres que eles imp�em. A desmoraliza��o
coincide com a subvers�o das cren�as (92).

(92) Um escritor materialista de nomeada, o Sr. Emilio
Ferri�re,
confessa em sua obra "A causa prim�ria", (Alcan,
5


L�ON DENIS

� verdade que nos falam muito de altru�smo; mas

o altru�smo n�o passa de palavra v�, teoria destitu�da
de base e san��o. � semente lan�ada � rocha e condenada
a perecer; porque n�o basta semear, � necess�rio
ainda preparar o terreno. As s�bias no��es do altru�smo
n�o seriam capazes de comover e moralizar indiv�duos
saturados da ideia de que a luta das necessidades e dos
interesses � a lei suprema da exist�ncia, convencidos de
que todas as esperan�as, todos os impulsos generosos
v�o terminar em nada.
O materialismo, rea��o vigorosa e inevit�vel contra

o dogma e a supersti��o, penetrou em todas as camadas
da sociedade francesa. Nos esp�ritos cultos ele se adorna
com o nome de Positivismo. Quaisquer que sejam, entretanto,
os nomes com que se decorem as filosofias
negativas e as diferen�as que caracterizem os seus m�todos,
as suas investiga��es, limitando-se �s coisas concretas,
ao dom�nio da mat�ria e das for�as elementares,
conduzem aos mesmos resultados. Pode-se, por esse motivo,
reuni-las em uma aprecia��o comum.
O materialismo teve a sua hora de triunfo. Em
dado momento, suas teorias predominaram na Ci�ncia.
Em suas lutas contra uma opress�o secular, em seus
esfor�os por libertar a consci�ncia e permitir livre surto
ao pensamento, ele bem o mereceu da Humanidade. Poderoso,
por�m, para destruir, nada p�de edificar. Se
liberta a alma humana da rede de supersti��es em que
ela se debate, � para em seguida a deixar vagando ao
acaso, sem guia e sem apoio. Ignora, ou pretende ignorar
a verdadeira natureza do homem, as suas necessidades
e aspira��es, porque se sente incapaz de as satisfazer.
Destr�i o edif�cio das velhas cren�as � acanhado
edif�cio que j� n�o era suficiente para abrigar o pensa


1897) que a ci�ncia materialista � incapaz de organizar um

plano l�gico de moral.

"Quanto �s conclus�es morais, diz ele, as trevas s�o de tal
modo espessas e t�o violentas as contradi��es, que ficamos reduzido
ao �nico partido filos�fico prudente, a saber: resignar-se
� ignor�ncia".


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 131

mento e a consci�ncia � e, em lugar de uma constru��o
mais espa�osa, melhor esclarecida, � o v�cuo o que lhes
oferece, � um abismo de mis�ria moral e desesperan�a.
Por isso, todas as almas sofredoras, todas as intelig�ncias
apaixonadas de ideal, que cederam �s suas sugest�es
acabam, cedo ou tarde, por abandon�-lo.

Se as correntes de ideias materialistas penetraram

das altas regi�es pol�ticas at� �s mais profundas cama


das sociais, em compensa��o, no dom�nio da Ci�ncia,

perderam em grande parte a influ�ncia. As experi�ncias

da moderna Psicologia t�m sobejamente demonstrado

que tudo n�o � exclusivamente mat�ria ou for�a, qual

afirmavam B�chner, Carl Vogt, J�lio Soury e outros;

provaram que a vida n�o � uma propriedade dos corpos,

que se esvai com eles (93). Depois das experi�ncias do

Dr. Luys, de Baraduc, de Rochas, Myers, Richet, etc,

n�o se ousaria mais dizer com Carl Vogt que o c�rebro

segrega o pensamento como o f�gado segrega a b�lis.
Pesam-se as secre��es do corpo humano, mas quem,
porventura, pesou o pensamento? A pr�pria teoria atom�stica
desacreditou-se. O �tomo, base essencial do Universo,
no dizer dos materialistas, � agora reputado pelos
qu�micos uma pura abstra��o. � o que diz Berthelot em
suas �Origens da Qu�mica�, p�gs. 320:

"O �ter dos f�sicos e o �tomo dos qu�micos se desvanecem
para ceder o lugar a concep��es mais elevadas, que
tudo tende a explicar pelos exclusivos fen�menos do movimento."


W. Ostwald, professor de F�sica na Universidade
de Leipzig, em seu estudo intitulado �A derrota do
atomismo� (�Revista Geral das Ci�ncias�, de novembro
1895), exprime-se nestes termos a respeito do �tomo
e da teoria mec�nica do Universo, a qual abrange ao
mesmo tempo a mec�nica celeste e os fen�menos da
vida org�nica:
(93) Ver "Depois da Morte", cap. VIII.

132
L�ON DENIS

"� uma inven��o muito imperfeita. A tentativa nem
mesmo tem o valor de uma hip�tese subsidi�ria. � um
puro e simples erro."

O Sr. Ostwald acredita, como Newton, que devem
existir princ�pios mais elevados que os atualmente conhecidos.


Dessas aprecia��es dos homens mais competentes
resulta que os materialistas constru�ram o edif�cio da
Ci�ncia sobre a base mais fr�gil que se possa imaginar.

O materialismo v� apenas o primeiro plano das
coisas; n�o abrange sen�o um �nico aspecto da realidade.
A mat�ria �, incontestavelmente, um mundo magn�fico
quando a consideramos na majestosa unidade das
suas leis. Mas a mat�ria, mesmo que pud�ssemos conhec�-
la em ess�ncia, n�o � tudo. N�o representa mais que

o
aspecto inferior do mundo e da vida.
A filosofia sobre tais no��es arquitetada, baseia
suas conclus�es no testemunho exclusivo dos sentidos;
ora, os nossos sentidos s�o limitados e insuficientes;
muitas vezes nos enganam. N�o � com os sentidos f�sicos,
nem com os instrumentos de precis�o, ou com retortas,
que se descobrem as causas e as leis superiores.
S� a raz�o pode conhecer a raz�o suprema das coisas.
Com o seu acurado estudo das formas f�sicas, os
materialistas acreditaram penetrar todos os segredos da
Natureza. Dela n�o consideravam, realmente, sen�o o
aspecto menos sutil; faziam abstra��o de todo um conjunto
de for�as e de causas, sem o conhecimento das
quais toda explica��o do Universo � imposs�vel.

Os materialistas fizeram como o mineiro que sob
a terra cava o aur�fero fil�o. A cada passo descobre ele
novos tesouros, novas riquezas, e o mesmo aconteceu
� ci�ncia positiva � justi�a se lhe fa�a � mas, � medida
que prossegue na tarefa, o mineiro perde de vista
a luz do dia, o dom�nio espl�ndido da vida, para engolfar-
se nas regi�es da noite, da morte e do sil�ncio.
Assim procedeu o materialismo.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 133

Nas altas esferas intelectuais, a derrota do materialismo
esteve a pique de arrastar consigo a da Ci�ncia.
Lan�aram a esta a pedra, como se pudesse ela ser responsabilizada
pelas teorias formuladas em seu nome.
Em vibrantes artigos, foi acusada de n�o haver dado

o que o esp�rito humano tinha o direito de esperar.
O Sr. S�ailles diz, em seu discurso proferido por
ocasi�o da abertura da Faculdade de Letras, em 1894:

"A ci�ncia moderna conduz � confus�o do pensamento,
que se perde no mundo que ela descerra, e sepulta-se em
sua vit�ria."

Outros asseguravam, com o Sr. Bruneti�re, que a
Ci�ncia havia feito bancarrota. Evidentemente, isto �
excessivo e inexato. O que f�z bancarrota, realmente,
n�o foi a Ci�ncia em seu conjunto, foram certas teorias
baseadas no Materialismo e no Positivismo.

Se atiram a luva � Ci�ncia, n�o � que desconhe�am
os servi�os que prestou e presta, todos os dias, � Humanidade.
Ningu�m pode dizer que a Ci�ncia n�o contribuiu,
em larga escala, para o desenvolvimento do
progresso material e da civiliza��o. Vimos acima que
foi gra�as a ela, �s suas descobertas, que se retificaram
as concep��es err�neas da Teologia.

Raz�o de estranheza h�, todavia, ao considerarmos
a sua impot�ncia para fornecer ao homem o verdadeiro
conhecimento de si mesmo e das leis que regem o seu
destino. Ora, sente-se vagamente que a Ci�ncia teria
podido conduzir a esses resultados se, em lugar de encerrar-
se no estudo da mat�ria, tivesse querido explorar
sinceramente, com perseveran�a, todos os dom�nios da
vida. Sob a press�o das doutrinas negativas, a Ci�ncia
perdeu-se na an�lise, no estudo fragment�rio da natureza
f�sica. Mas a poeira da Ci�ncia n�o � a Ci�ncia; a
poeira da Verdade n�o � a Verdade.

A Humanidade, fatigada das concep��es metaf�sicas
e das solu��es teol�gicas, tinha voltado o olhar e as
esperan�as para a Ci�ncia. Pedia-lhe o segredo da exis



L�ON DENIS

t�ncia, uma cren�a, uma nova f� para substituir a dos

templos, que se abate. Pedia-lhe a solu��o desses pro


blemas da vida, que a dominam, assediam, envolvem

nas suas profundezas.

Diante desses reclamos reiterados, a Ci�ncia permaneceu
muda, ou antes, se em certos casos formulou
uma solu��o, a ideia dominante que dela se destacava
era a ideia do nada. Da� a decep��o, a irrita��o de certos
pensadores; da� as acusa��es que se levantaram. Essas
acusa��es, por�m, devem recair exclusivamente sobre as
escolas materialistas. A Ci�ncia, em seu conjunto, desde
que se tiver desembara�ado desses empecilhos, saber�
completar-se mediante concep��es mais esclarecidas e
elevadas, que j� come�a a entrever. Sociedades oficialmente
constitu�das, como o Instituto Geral Psicol�gico,
sob a sucessiva dire��o do Dr. Duclaux e do Prof. d'Arsonval,
empreenderam pesquisas em um novo dom�nio
� o do Psiquismo. E se a conclus�o do relat�rio publicado
em 1909, por aquele Instituto, n�o � ainda afirmativa,
nem por isso a aten��o dos seus membros, voltada
agora para essas quest�es essenciais, poder� delas
jamais se desviar. Suas experi�ncias, prosseguidas em
condi��es mais favor�veis, h�o-de provar-lhes a exist�ncia
de um mundo exclu�do at� agora de suas investiga��es,
mas cuja realidade cedo ou tarde se lhes h�-de
impor.

*

Uma coisa sempre nos surpreendeu profundamente:
� que, entre os homens de esp�rito liberal que dirigem
os destinos da Rep�blica, muitos se acreditam e se confessam
materialistas e ateus. Como n�o compreenderam
que o materialismo, baseando-se na fatalidade cega e
consagrando o direito da for�a, n�o pode produzir homens
livres? Os democratas de 89 e de 48 tinham outras
concep��es.

Segundo as teorias materialistas, o homem n�o
passa de m�quina governada por instintos. Ora, para
uma m�quina n�o pode haver liberdade, nem responsabi



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 135

lidade, nem leis morais, porque a moral � lei do esp�rito.
E sem lei moral, em que se torna a ideia do dever?
Subverte-se, e com ela toda a ordem estabelecida. Uma
sociedade n�o pode viver, desenvolver-se e progredir
sen�o firmada na ideia do dever, ou, por dizer diversamente,
na virtude e na justi�a. Estas as bases �nicas,
poss�veis, da ordem social. Por isso � que esta jamais
p�de conciliar-se com o ate�smo e o materialismo; porque,
do mesmo modo que a supersti��o e a idolatria
levam ao arb�trio e ao despotismo, o materialismo e o
ate�smo conduzem logicamente � depress�o das for�as
sociais, muitas vezes at� � anarquia e ao niilismo.

O materialismo, com a no��o puramente mec�nica
do Universo e da vida, lan�ou no dom�nio do pensamento
uma no��o acabrunhadora do futuro. A seu ver, o
homem n�o � mais que joguete do acaso, simples rodeta
da grande e cega m�quina do mundo. A exist�ncia n�o
passa de luta �spera, feroz, em que domina a for�a, em
que os fracos sucumbem fatalmente. Quem n�o conhece
a doutrina do struggle for life, gra�as � qual a vida se
torna um sinistro campo cerrado, onde os seres passam,
se sucedem, se impelem, para acabar submersos nas
profundezas do nada?

� com semelhantes teorias difundidas nas massas,
que o materialismo se constituiu um verdadeiro perigo
social. Desse modo, tornou mais pesado ao homem o
fardo das mis�rias e mais sombrias as perspectivas da
exist�ncia; diminuiu a energia humana, compeliu o desgra�ado
� tristeza, ao desespero, ou � revolta.

Como, pois, estranharmos que os casamentos se
tornem cada vez mais raros e os infantic�dios, suic�dios,
aliena��es mentais se multipliquem? Em nossos dias,
como sinal dos tempos v�em-se, muitas vezes, jovens de
ambos os sexos, crian�as quase, recorrer ao suic�dio por
motivos f�teis (94). O ex�rcito do v�cio e do assass�nio
engrossa em propor��es assustadoras.

(94) Segundo as estat�sticas, o n�mero dos mortos voluntariamente
se elevou de trezentos per cento, de cinquenta anos
para c�.

136 L�ON DENIS

Com as teorias da escola materialista a responsabilidade
moral desaparece. O homem n�o � livre, dizem-
nos B�chner e seus disc�pulos; � escravo do meio.
O crime se explica pelo atavismo e pela hereditariedade.
� um fen�meno natural; � o efeito necess�rio de uma
causa, a consequ�ncia de uma fatalidade oculta. N�o h�,
em definitivo, nem bem nem mal! E por esse modo se
justificam as mais graves faltas, anestesia-se a consci�ncia,
destr�i-se toda ideia de san��o moral e de justi�a.
Se, com efeito, o crime � fatal, � involunt�rio, n�o
� imput�vel nem infamante. Se a paix�o � irresist�vel,
porque se h�-de tentar combat�-la? Semelhantes opini�es,
propagadas em todas as camadas, t�m tido como
consequ�ncia sobreexcitar ao mais alto grau os apetites,
desenvolvendo o sensualismo e os instintos ego�stas.
Nas classes abastadas, muitos n�o t�m sen�o um objetivo
: suprimir os deveres e as lutas austeras da vida,
fazer da exist�ncia uma perp�tua bacanal, uma esp�cie
de embriaguez, mas embriaguez cujo despertar poderia
ser terr�vel.

Negam o livre arb�trio e a sobreviv�ncia do ser;
negam Deus, o dever, a justi�a, todos os princ�pios sobre
que repousam as sociedades humanas, sem se preocuparem
com o que pode resultar de semelhantes nega��es.
N�o reparam na deplor�vel influ�ncia que elas exercem
sobre as multid�es, que s�o, desse modo, impelidas aos
excessos. Assim que, pouco a pouco, os caracteres se
enfraquecem, a dignidade humana se amesquinha, as
sociedades perdem a virilidade e a grandeza.

Uma literatura inspirada pelo t�dio da vida, surgiu
e se espalhou por toda a parte � uma literatura cuja
onda sobe, alastra-se, amea�a extinguir toda chama, sufocar
no seio da alma humana as esperan�as generosas,
os santos entusiasmos, submergir o pensamento nas
ondas do mais negro pessimismo.

Lede, por exemplo, �O Combate Social� do Sr. Clemenceau.
Prestai aten��o ao pref�cio dessa obra, de que
se exala a triste poesia do nada, em que tudo fala de
invasora decrepitude, de morte do pensamento e da


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

consci�ncia, do nada sobretudo, para o qual acredita o
autor que todas as coisas rolam ou se arrastam.
O Sr. Clemenceau descreve as �ltimas fases da
exist�ncia na Terra:

"As nossas cidades derrocadas no meio de informes
vest�gios humanos, as �ltimas ru�nas tombadas sobre a vida
expirante, todo o pensamento, toda a arte tragados pela
grande morte avassaladora. Toda a obra humana sob a
derradeira viscosidade da vida."

"E depois, a derradeira manifesta��o de vida terrestre
ser�, a seu turno, destru�da. Inutilmente, passear� o globo
frio e nu a sua indiferen�a pelos est�reis caminhos do espa�o.
Encerrar-se-�, ent�o, o ciclo dos �ltimos planetas
irm�os, mortos alguns talvez j�, desde agora. E o Sol extinto,
seguido do seu f�nebre cortejo, precipitar� na noite
a sua desordenada carreira para o desconhecido."

Ignora o autor, ent�o, que a vida � eterna? Se no
fundo dos c�us se extinguem universos, outros se acendem
e resplandecem; se h� t�mulos no espa�o, tamb�m
existem ber�os. Nada pode ser destru�do, uma s� mol�cula,
nem um princ�pio de vida; para cada ser, como
para cada mundo, a morte n�o � mais que transi��o, o
crep�sculo que precede a aurora de um eterno recome�o.
O Universo � o campo de educa��o do esp�rito imortal,
a vida o seu conduto de ascens�o para um ideal mais
belo, iluminado pelos raios do amor e da justi�a.

Em definitivo, de tantas lutas, de tantos males e
vicissitudes, o que resulta � o bem final dos seres. Desgra�ado
de quem o n�o sabe ver e compreender!

Ou�amos ainda o Sr. J�lio Soury, num artigo da
�Justi�a�, de 10 de maio de 1895, no qual analisa a obra
que citamos:

"Que v�m a ser o belo, o bem, o verdadeiro, sen�o meros
conceitos, abstra��es de abstra��es? Ora, um conceito
n�o corresponde a coisa alguma de objetivo. Na Natureza
n�o h� bem nem mal, nem verdade nem erro, nem beleza
nem fealdade. Esses fantasmas n�o surgem sen�o em nosso


138 L�ON DENIS

esp�rito: h�o-de se desvanecer com o derradeiro homem.

"N�s ignoraremos sempre de que subst�ncia � feito este
mundo. Nunca chegaremos a saber se no Universo h� outra
coisa al�m de mecanismos. E l�, onde imperam as leis da
mec�nica, n�o h� Deus, alma, religi�o, nem metaf�sica."

� o mesmo autor que nos dizia (95):

"A vida � um sonho sinistro, uma dolorosa alucina��o,
por cujo pre�o seria um bem o nada."

Outros v�o mais longe ainda. Um jornalista muito
conhecido, Edmundo Lepelletier, escrevia a respeito do
naufr�gio da Utopia:

"Todas as vantagens na exist�ncia pertencem aos que
se acham mais bem armados para triunfar na concorr�ncia
vital; e o mais bem armado � o mais implac�vel, o mais
ego�sta, o menos acess�vel aos sentimentos de dor, de
humanidade e tamb�m de justi�a."

"� essa necessidade de luta e essa fatalidade da vit�ria
da for�a, com desprezo do direito, da justi�a, da humanidade,
o que faz todo o vigor das sociedades e a salva��o
das civiliza��es."

"Que � o bom? � diz Frederico Nietsche (96).
O poder! Que � o mau? � A fraqueza! Que � a felicidade?

� O sentimento de que o poder se engrandece, de que foi
superada uma resist�ncia. Comedimento, n�o; por�m mais
poder; n�o a paz antes de tudo, mas a guerra; n�o a virtude,
mas o valor!"
"Pere�am os fracos e os estropiados. E que ainda os
ajudemos a desaparecer. Que pode haver de mais pernicioso
do que n�o importa que v�cio? � A piedade pelos
fracos e desclassificados!"

Eis a� o que os escritores e fil�sofos materialistas
difundem nas folhas p�blicas. T�m eles verdadeiramente
consci�ncia da responsabilidade que contraem? Consideram
a messe que tal sementeira produzir�? Sabem que,

(95) "Filosofia natural", p�g. 210.
(9G) "O Anti-Cr�sto", por Frederico Nietsche.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 139

vulgarizando essas doutrinas desesperadoras e in�quas,

metem na m�o dos deserdados o facho dos inc�ndios e

os instrumentos de morte ?

Ah! Essas doutrinas parecem an�dinas, inofensivas

aos felizes, aos satisfeitos, aos c�pticos que gozam, que

possuem com o necess�rio o sup�rfluo, e com as quais

justificam todos os seus apetites, desculpam todos os

seus v�cios; mas os que a sorte fere, os que padecem

e sofrem, que uso, que aplica��o far�o de tais doutrinas?

O exemplo de Vaillant e de Em�lio Henry no-lo
demonstra.

Vaillant o declarou perante o Tribunal do Sena, em
janeiro de 1894. Foi na leitura de obras materialistas
que hauriu a ideia do seu crime.

Emilio Henry usava da mesma linguagem: �Estudos
cient�ficos iniciaram-me no jogo das for�as naturais;
eu sou materialista e ateu.�

E quantos outros, depois, afirmaram as mesmas
teorias perante seus ju�zes!

O' ci�ncia da mat�ria! Com as tuas implac�veis
afirma��es, com as tuas inexor�veis leis do atavismo e
da hereditariedade, quando ensinas que a fatalidade e a
for�a regem o mundo, tu aniquilas todo impulso, toda
energia moral nos fracos e nos deserdados da exist�ncia;
fazes penetrar o desespero no lar de in�meras fam�lias;
instilas o teu veneno at� o �mago das sociedades!

O' materialistas! Apagastes o nome de Deus no cora��o
do povo: dissestes-lhe que tudo se resumia nos
prazeres da Terra; que todos os apetites eram leg�timos,
que a vida era uma sombra ef�mera.

E o povo acreditou; calaram-se as vozes �ntimas
que lhe falavam de esperan�a e de justi�a. As almas
fecharam-se � f�, para se abrirem �s m�s paix�es.
O ego�smo expulsou a piedade, o desinteresse, a fraternidade.


Sem ideal em sua triste vida, sem f� no futuro, sem
luz moral, o homem retrogradou ao estado bestial; sentiu
o despertar dos ferozes instintos, entregou-se � co



140 L�ON DENIS

bica, � inveja, aos arrastamentos desordenados. E agora,
as feras rugem na sombra, tendo no cora��o o �dio e a
raiva, prontas a despeda�ar, a destruir, a amontoar
ru�nas sobre ru�nas.

A sociedade est� afetada de profundos males. O espet�culo
das corrup��es, do impudor, que em torno de
n�s se ostentam, a febre das riquezas, o luxo insolente,

o frenesi da especula��o que, em sua avidez, chega a
esgotar, a estancar as fontes naturais da produ��o, tudo
isso enche de tristeza o pensador.
E, como na ordem das coisas tudo se encadeia, tudo
produz os seus frutos, o mal profusamente semeado parece
atrair a dor e a tempestade. Esse o aspecto formid�vel
da situa��o. Parece que atingimos uma hora
sombria da Hist�ria.

Desgra�ados dos que sufocaram as vozes da consci�ncia,
que assassinaram o ideal puro e desinteressado,
que ensinaram ao povo que tudo era mat�ria e a morte

o nada! Desgra�ados dos que n�o quiseram compreender
que todo ser humano tem direito � exist�ncia, � luz e,
mais ainda, � vida espiritual; que deram o exemplo do
ego�smo, do sensualismo e da imoralidade!
Contra essa sociedade que n�o oferece ao homem
nem amparo, nem consola��o, nem apoio moral, uma
tempestade furiosa se prepara. Fuzilam, por vezes, raios
do seio das multid�es; a hora da c�lera se avizinha.
Porque n�o � sem perigo que se comprime a alma humana,
que se impede a evolu��o moral do mundo, que
se encerra o pensamento no c�rculo de ferro do cepticismo
e do negativismo. Chega um dia em que esse pensamento
retrocede violentamente, em que as camadas
sociais s�o abaladas por terr�veis convuls�es.

Ergue, por�m, a tua fronte, � homem! e recobra
a esperan�a. Um novo clar�o vai descer dos espa�os e
iluminar o teu caminho. Tudo o que at� agora te ensinaram
era est�ril e incompleto. Os materialistas n�o
perceberam das coisas mais que a apar�ncia e a super



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 141

f�cie. Eles n�o conhecem da vida infinita sen�o os aspectos
inferiores. O sonho deles � um pesadelo.

Sem d�vida, se considerarmos o espet�culo da vida
na Terra, for�oso � reconhecer que o que nela predomina,
nas inferiores regi�es da Natureza, � a luta ardente,
o combate sem tr�guas, a perp�tua guerra com
que cada ser procura conquistar um lugar ao Sol. Sim,
os seres se engalfinham e as for�as universais se chocam
em luta gigantesca; mas, em definitivo, o que dessa
luta resulta n�o � o caos, a confus�o, como se poderia
esperar de for�as cegas; � o equil�brio e a harmonia.
Por toda a parte a destrui��o dos seres e das coisas n�o
� sen�o o prel�dio de reconstru��es, de novos nascimentos.


E que importa a morte aparente, se a vida � imortal,
se o ser �, em sua ess�ncia, imperec�vel; se mesmo
essa morte � uma das condi��es, uma das fases da sua
eleva��o ?

� preciso n�o enxergar somente a evolu��o material.
Essa n�o � mais que uma face das coisas. A destrui��o
dos organismos nada prova. S�o passageiras
constru��es; o corpo � apenas uma veste. A realidade
viva reside no ser ps�quico, no esp�rito. � ele quem
anima essas formas materiais. O esp�rito torna a encontrar-
se integral no al�m-t�mulo, com as qualidades
adquiridas e os merecimentos acumulados, pronto para
novas ascens�es. Torna a encontrar-se revestido desse
inv�lucro sutil, desse corpo flu�dico que lhe � insepar�vel,
que existia antes do nascimento, subsiste atualmente
em cada um de n�s e sobreviver� � morte; a exist�ncia
desse corpo sutil est� demonstrada por experi�ncias
cotidianas de desdobramento, de exterioriza��o
da sensibilidade, pela apari��o, a dist�ncia, dos fantasmas
de vivos durante o sono, assim como pela de pessoas
falecidas (97).

(97) Ver No Invis�vel � "Espiritismo e Mediunidade",
cap. XX.

L�ON DENIS

Acerca de outros pontos, n�o s�o mais felizes as
teorias materialistas. Dizem que tudo o que caracteriza

o esp�rito humano: aptid�es, faculdades, v�cios e virtudes,
tudo se explica pela lei de hereditariedade e pela
influ�ncia do meio. Reparai em torno de v�s; vereis um
desmentido a esta asser��o, nos pr�prios fatos. Certo,
� consider�vel a influ�ncia das condi��es materiais;
obriga �s vezes ao seu jugo, alguns esp�ritos. Quantos
outros, por�m, gra�as � vontade, � coragem, � perseveran�a,
t�m sabido elevar-se da mais obscura posi��o, das
classes mais inferiores, at� �s alturas em que brilha o
g�nio! Quantos pensadores, s�bios, fil�sofos, nascidos
na pobreza, t�m sabido, por seus esfor�os, atingir as
maiores culmin�ncias! � necess�rio mencion�-los? Recordemos
apenas que Cop�rnico era filho de um padeiro;
K�pler, filho de um taverneiro, foi tamb�m, por sua
vez, caixeiro de taverna, em mo�o; d'Alembert, enjeitado,
apanhado em noite invernosa, � porta de uma
igreja, foi educado pela mulher de um vidraceiro; Newton
e Laplace eram filhos de pobres camponeses; Huraphry
Davy, criado de um farmac�utico; Faraday, oper�rio
encadernador; Franklin, aprendiz de impressor.
Todos esses e milhares de outros souberam reagir contra
as mais desfavor�veis condi��es, triunfar dos maiores
obst�culos, adquirir uma reputa��o indestrut�vel.
N�o s�o, pois, a condi��o nem a origem que d�o o
talento. Um pai ilustrado pode ter uma descend�ncia
med�ocre. Dois irm�os podem parecer-se fisicamente,
nutrir-se com os mesmos alimentos, receber a mesma
educa��o, sem ter por isso as mesmas aptid�es, as mesmas
faculdades.

Em desmentido �s teorias negativas, tudo, ao contr�rio,
demonstra que a intelig�ncia, o g�nio, a virtude,
n�o s�o o resultado das condi��es materiais, mas que,
longe disso, se afirmam como um poder superior a essas
condi��es e muitas vezes as dominam e governam.

Sim, inegavelmente, de um modo geral, a mat�ria
pesa grosseiramente sobre o esp�rito e lhe estorva os
surtos; mas tamb�m, muitas vezes, a vontade se ergue


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 143

e subjuga as resist�ncias da carne, at� no meio das torturas
mais cru�is. N�o o vemos em todos os que sofreram
e morreram por uma grande causa, em todos os
m�rtires que deram pela verdade a pr�pria vida?
� Giordano Bruno preferindo o supl�cio � retrata��o;
Campanella que sofre sete vezes a tortura e sete vezes
recome�a as suas s�tiras mordazes contra os inquisidores;
Joana d'Arc, que morre na fogueira; S�crates, que
prefere beber a cicuta a renegar suas doutrinas. E' Pedro
Ramus, Arnaldo de Brescia, Jo�o Huss, Jer�nimo
de Praga, Savonarola.

Em todos esses grandes supliciados vemos afirmar-
se a cintilante superioridade do esp�rito sobre a
mat�ria. O corpo, atormentado pelo sofrimento, se estorce
e geme, mas l� est� a alma que se imp�e e domina
as revoltas da carne.

Tudo isso nos demonstra que imenso tesouro � a
vontade, faculdade m�ter, cuja utiliza��o constante e
esclarecida t�o alto pode elevar o homem. A vontade �
a arma por excel�ncia que ele precisa aprender a utilizar
e incessantemente exercitar. Os que, com os seus
sofismas, a procuram deprimir e entorpecer, cometem
a mais funesta a��o.

N�o �, realmente, bem amargo assinalarmos que as
doutrinas mais difundidas entre n�s, o Catolicismo de
um lado, o Materialismo do outro, concorrem ambas para
aniquilar ou, pelo menos, dificultar o exerc�cio das pot�ncias
ocultas no ser humano � raz�o, vontade, liberdade
� pot�ncias mediante as quais poderia o homem
realizar t�o grandes coisas e criar para si um espl�ndido
futuro ?

Como, depois disso, nos admirarmos de que a nossa
civiliza��o ainda apresente tantas chagas repugnantes,
desde que o homem a si mesmo se ignora, ignorando a
extens�o das riquezas que nele a m�o divina colocou
para sua felicidade e eleva��o?


144 L�ON DENIS

A Humanidade, no c�rculo da vida, debate-se entre
dois erros: um que afirma e outro que nega; um que
diz ao homem: cr� sem compreender; outro que lhe
grita: morre sem esperar!

De um lado a idolatria, porque � um �dolo esse Deus
que ainda parece desejar o sangue em seu nome outrora
derramado, que se ergue como obst�culo entre o homem
e a Ci�ncia, que combate o progresso e a liberdade

� sombria divindade de que se n�o pode fazer objeto
de ensino, sem velar a face do Cristo, sem calcar aos
p�s a raz�o e a consci�ncia.
Do outro lado o nada, o aniquilamento de toda esperan�a,
de toda aspira��o a outra vida, a destrui��o
de toda ideia de solidariedade, de fraternidade entre os
homens; se eles podem sentir-se ligados por uma cren�a,
mesmo cega, n�o o podem ser por nega��es.

A Fran�a, em particular, acha-se presa, como em
um torniquete, entre essas duas concep��es opostas,
ambas dogm�ticas a seu modo, ambas procurando impor-
se a todo o pa�s para nele fundar o reino da teocracia
ou do ate�smo.

Se o materialismo e o negativismo tivessem apenas
sido os inimigos da supersti��o e da idolatria, ter-se-ia
podido neles ver os agentes de uma transforma��o necess�ria.
Mas, n�o se limitaram a dar combate aos
dogmas religiosos, condenaram tudo o que constitui a
grandeza da alma, aniquilaram as suas energias morais,
destru�ram a sua confian�a em si mesma e em Deus,
preconizaram esse abandono � fatalidade, esse apego
exclusivo �s coisas materiais, que lentamente nos desarma,
enfraquece e prepara para a queda e para o
desbarato.

A alma humana recuou diante desse abismo. Os
progressos do materialismo, as suas consequ�ncias sociais,
lan�aram o terror em grande n�mero de esp�ritos.
Diante da obra de destrui��o realizada pela cr�tica materialista
e da aus�ncia de todo ensino suscet�vel de
elevar e fortalecer a alma das democracias, ocorreu-lhes


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 145

o poder da ideia religiosa; voltaram-se para a Igreja
como �nico ref�gio, �nica autoridade s�lida e eficaz.
Da�, um recobro de vitalidade, um retorno de prestigio
para o Catolicismo. Este, prevalecendo-se dos erros dos
advers�rios, emprega vigorosos esfor�os por disputar
aos livres pensadores a dire��o das massas e readquirir
a perdida influ�ncia.
Como vimos, por�m, n�o seria capaz a Igreja Romana
de satisfazer a necessidade de luz e de ideal que
para ela conduz certos esp�ritos. Suas for�as n�o s�o
for�as vivas; o que ela traz no seio n�o � o futuro, � o
passado com as suas sombras, a sua intoler�ncia, os seus
�dios, os seus motivos de divis�o e perp�tua disc�rdia
entre os homens. Essa retroa��o das coisas que vem
favorec�-la n�o pode deixar de ser ef�mera. Cedo a incapacidade
da Igreja se patentear� aos olhos de uma
gera��o esclarecida, �vida de fatos e realidades.

A pr�pria Igreja se encarregou de desiludir os que
nela depositavam algumas esperan�as de progresso e
renova��o.

Com sua enc�clica �Satis cognitum�, publicada em
agosto de 1896, Le�o XIII reincidiu cegamente nas doutrinas
do passado, nas mais intransigentes afirma��es.

� na Igreja Romana que se perpetua � diz ele �
�a miss�o constante e imut�vel de ensinar tudo o que

o pr�prio Jesus-Cristo ensinou.� Para todos subsiste �
obriga��o constante e imut�vel de aceitar e professar
toda a doutrina assim ensinada.�
�A Igreja c os Santos Padres viram sempre como
exclu�do da comunh�o cat�lica, e fora da Igreja, quem
quer que se separe, pouqu�ssimo que seja, da doutrina
ensinada pelo magist�rio aut�ntico.�

�Toda vez, pois, que a palavra desse magist�rio,
institu�do na Igreja por Jesus-Cristo, declara que tal ou
tal verdade faz parte do conjunto da doutrina divinamente
revelada, deve cada um crer com certeza que isso
� verdade.�


L�ON DENIS

Depois, ainda Pio X, em suas instru��es sobre o
modernismo, acentuou esse estado de esp�rito.

Assim, mais que nunca, pretendem os papas decidir
do destino das almas. Suas enc�clicas n�o s�o mais
que reedi��es, noutros termos, da famosa express�o:
�Fora da Igreja n�o h� salva��o!� Eles condenam todas
as doutrinas que n�o aceitam a sua supremacia. Cavam
mais profundamente o fosso que separa o pensamento
moderno, o livre e claro espiritualismo, do dogmatismo
romano. Aniquilam as ilus�es dos que haviam acreditado
num poss�vel retorno do Catolicismo na dire��o
de mais largos e iluminados horizontes, na concilia��o
entre os crentes de todas as ordens, unindo seus esfor�os
comuns para combater o ate�smo e a desmoraliza��o.

*


A despeito das investidas que sofreu nos �ltimos
s�culos, a Igreja p�de resistir e manter-se. Sua for�a,
recordemo-lo, residia no fato de possuir uma concep��o
geral do mundo e da vida, embora falsa, para opor ao
v�cuo e � esterilidade das doutrinas materialistas. O que
nela resta de moral evang�lica, junto � sua poderosa
organiza��o hier�rquica, � sua rigorosa disciplina, �s
obras de benefic�ncia e �s virtudes de um certo n�mero
dos sacerdotes, bastou para favorecer a resist�ncia, para
assegurar-lhe a vida no seio de um mundo que se esfor�ava
por escapar � sua constri��o.

Pueril seria, por�m, acreditar que a f� do passado
pode renascer; para sempre se afrouxou o la�o religioso
que prendia os homens � Igreja Romana. O Catolicismo,
dissemos, j� n�o est� em condi��es de fornecer �s sociedades
modernas o alimento necess�rio � sua vida espiritual,
� sua eleva��o moral. N�o o vemos em torno
de n�s? Os crentes atuais, tomados de conjunto, n�o
s�o nem menos materiais, nem menos aferrados � fortuna,
aos prazeres, aos gozos, do que os livres pensadores.



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 147

Entre eles, quantos indiferentes, que praticam a
meio, sem crer, sem jamais refletir nos problemas religiosos
relativos ao Universo, ao homem e � vida! Todos
os erros do passado, todos os v�cios do velho mundo, o
farisa�smo judaico, as supersti��es e a idolatria pag�s,
reapareceram na sociedade dita crist�, a tal ponto que
se tem o direito de perguntar se a civiliza��o que se
adorna com esse nome � superior � que adotam outros.

O Cristianismo era uma f� viva e radiante; o Catolicismo
� apenas uma doutrina �spera e sombria, irreconcili�vel
com os preceitos do Evangelho, n�o tendo
para opor aos argumentos da cr�tica racionalista sen�o
as afirma��es de um dogma impotente para provar e
convencer.

Todas as declara��es, todas as enc�clicas pontificais
nada podem a esse respeito. Ser� preciso mudar ou morrer.
A Igreja Romana n�o reassumir� o governo do
mundo.

Na hora atual n�o h� renova��o moral poss�vel
sen�o fora do dogmatismo das igrejas. O que reclamam
as nossas sociedades � uma concep��o religiosa em harmonia
com o Universo e a Ci�ncia e que satisfa�a a
raz�o. Toda restaura��o dogm�tica seria est�ril. Os povos
j� se n�o enganariam com isso. O dogma, para eles, � a
Igreja. E a Igreja, aliando-se a todas as opress�es, tornou-
se, na frase de J. Jaur�s, �uma das formas da explora��o
humana�. Suas afirma��es perderam todo o cr�dito
no esp�rito das massas. O povo, hoje, quer a verdade,
toda a verdade.

� certo que a sociedade moderna ainda se prende,
sen�o � Igreja, pelo menos ao Cristianismo, por certos
la�os que s�o os de todo um passado, lentamente formados,
atrav�s dos s�culos. Continua ligada � ideia
crist�, porque os princ�pios Jo Evangelho penetraram,
sem que talvez o percebesse e sob novos nomes, em seu
cora��o e pensamento.

H�, no Evangelho, princ�pios, germes, longo tempo
ocultos e incompreendidos, como a semente sob a terra,


L�ON DENIS

e que, depois de muitos sofrimentos lenta e dolorosa


mente fermentados, n�o reclamam sen�o aparecer, de


sabrochar, produzir frutos. Para isso � necess�rio um

novo impulso, uma diferente orienta��o do pensamento

neo-crist�o, promovida por esp�ritos sinceros e desin


teressados.

O Cristianismo trouxera ao mundo, mais que todas

as outras religi�es, o amor ativo por todo o que sofre,

a dedica��o � Humanidade levada at� ao sacrif�cio, a

ideia de fraternidade na vida e na morte, aparecendo

pela primeira vez na Hist�ria sob a figura do Crucifi


cado, do Cristo morrendo por todos.

Foi esse grande pensamento que, n�o obstante as
manobras da Igreja e o falseamento das doutrinas primitivas,
penetrou nas sociedades ocidentais e impeliu
as ra�as brancas, de est�dio em est�dio, para formas
sociais mais conformes ao esp�rito de justi�a e fraternidade,
incitando-as a assegurar aos humildes um lugar
cada vez mais amplo � plena luz da vida. � preciso que
um novo movimento de ideias, partido, n�o do santu�rio,
mas de fora, venha completar e p�r em evid�ncia
esses preceitos, essas verdades ocultas, mostrar nelas o
princ�pio das leis que regem os seres nesta, como na
outra vida. Ser� essa a miss�o do moderno Espiritualismo.


A nova revela��o, os ensinos dos Esp�ritos, as
provas que fornecem da sobreviv�ncia, da imortalidade
do ser e da justi�a eterna, habilitam a distinguir o que
h� de vivo ou morto no Cristianismo. Se os homens de
f� quiserem convencer-se do poder desses ensinos e
colher os seus frutos, poder�o neles encontrar novamente
a vida esgotada, o ideal atualmente agonizante.

Esse ideal, que as vozes do mundo invis�vel proclamam,
n�o � diferente do dos fundadores do Cristianismo.
Trata-se sempre de realizar na Terra �o reino de
Deus e sua justi�a�, de purificar a alma humana dos
seus v�cios, dos seus erros, de a reerguer de suas quedas
e, ministrando-lhe o conhecimento das leis superiores e
dos seus verdadeiros destinos, nela desenvolver esse es



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 149

p�rito de amor e de sabedoria sem o qual n�o h� enobrecimento
nem paz social. O Cristianismo, para renascer
e resplandecer, dever� vivificar-se nessa fonte em
que se desalteravam os primeiros crist�os. Ter� que se
transformar, libertar-se de todo car�ter miraculoso e
sobrenatural, voltar a ser simples, claro, racional, sem
deixar de ser um la�o, uma rela��o entre o homem, o
mundo invis�vel e Deus. Sem essa rela��o, n�o h� cren�a
forte, nem filosofia elevada, nem religi�o viva.

Desembara�ando-se das formas obsoletas, deve a
Religi�o inspirar-se nas modernas descobertas, nas leis
da Natureza e nas prescri��es da raz�o. Deve familiarizar
o esp�rito com essa lei do destino que multiplica
as exist�ncias e o coloca alternativamente nos dois mundos,
material e flu�dico, permitindo-lhe assim completar,
desenvolver, conquistar a pr�pria felicidade. Deve fazer-
lhe compreender que uma estreita solidariedade liga
os membros das duas humanidades, a da Terra e a do
espa�o, os que vivem na carne e os que nela aspiram
renascer para trabalhar no progresso dos seus semelhantes
e no seu pr�prio. Deve mostrar-lhe, acima de
tudo, essa regra de soberana justi�a, em virtude da qual
cada um colhe, atrav�s dos tempos, tudo o que semeou
de bem e de mal, como germes de felicidade ou sofri


mento.

Essas no��es, essas leis, mais bem compreendidas,
fornecer�o nova base de educa��o, um princ�pio de reconstitui��o,
um la�o religioso entre os homens. Porque

o v�nculo da solidariedade que os re�ne estende-se ao
passado e ao futuro, abrange todos os s�culos, liga-os a
todos os mundos. Membros de uma s� fam�lia imensa,
solid�rios atrav�s das suas exist�ncias no vast�ssimo
campo de seus destinos, partidos do mesmo ponto para
atingir as mesmas emin�ncias, todos os homens s�o
irm�os e se devem mutuamente auxiliar, amparar em
sua marcha atrav�s das idades, para um ideal de ci�ncia,
sabedoria e virtude.

L�ON DENIS

O Cristo disse: �a letra mata e o esp�rito vivifica�.
Mas sempre os homens da letra procuraram avassalar

o esp�rito. Emaranharam o pensamento em uma rede de
dogmas de que este n�o pode sair sen�o mediante um
espeda�amento. A for�a de comprimir a verdade, as
igrejas terminaram por desconhecer o seu poder. Chega,
por�m, o dia, cedo ou tarde, em que ela explode com
for�a incoerc�vel, abalando, at� aos seus fundamentos,
as institui��es que por muito tempo a escravizaram.
� do que est�o amea�adas as igrejas. As advert�ncias,
todavia, n�o lhes t�m faltado. Mesmo dentre os
mais sinceros crist�os, vozes prof�ticas se t�m feito
ouvir. Que dizia de Maistre desde a primeira metade do
s�culo dezenove?

"Igreja crist�, imaginas que possa tal estado de coisas
ser duradouro e que essa extensa apostasia n�o seja ao
mesmo tempo a causa e o press�gio de memor�vel julgamento?
V� se os iluminados erraram encarando como mais
ou menos pr�xima uma terceira explos�o da onipotente bondade
de Deus para com os homens. Eu n�o acabaria mais,
se me propusesse acumular todas as provas que se re�nem
para justificar essa longa expectativa. For�a � que nos
preparemos para um grande acontecimento na ordem divina.
Na Terra n�o h� mais religi�o. Formid�veis or�culos,
al�m disso, anunciam que os tempos s�o chegados."

Realizam-se as previs�es desse escritor. A Humanidade
atravessa, do ponto de vista filos�fico, religioso
e social, profunda crise. As pot�ncias invis�veis est�o
em atividade. Todos quantos, no sil�ncio, quando emudecem
os ru�dos da Terra t�m escutado as suas vozes,
todos os que estudam as correntes, os sopros misteriosos
que passam pelo mundo, sabem que um trabalho
de fermenta��o se opera nas profundezas do pensamento
e na pr�pria Ci�ncia. Uma renova��o se est� preparando.
Nosso s�culo assistir� ao desabrochar de uma
grande ideia.

Por isso � que dizemos aos sacerdotes de todos os
cultos e de todas as religi�es: Se quereis que vivam as


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 151

vossas igrejas, volvei a aten��o para a nova luz que
Deus envia � Humanidade. Deixai que ela penetre no
sombrio edif�cio das vossas concep��es; deixai-a entrar
a flux nas intelig�ncias, a fim de que os homens, esclarecendo-
se, corrjam-se; a fim de que o ideal religioso
renas�a, aque�a os cora��es e vivifique as sociedades.

Dilatai vossos horizontes; procurai o que aproxima
as almas e n�o o que as divide. N�o lanceis o an�tema
aos que n�o pensam como v�s, porque para v�s mesmos
preparareis cru�is decep��es na outra vida. Que a vossa
f� n�o seja exclusivista, nem intolerante.

Aprendei a discernir, a separar as coisas imagin�rias
das reais. Abstende-vos de combater a Ci�ncia e
renegar a raz�o, porque a raz�o � Deus dentro de n�s,
e o seu santu�rio � a nossa consci�ncia.

Objetareis, por�m: j� a� n�o estar� a nossa religi�o
?

Sem d�vida, o novo espiritualismo n�o � uma religi�o;
mas aparece no mundo, tendo na m�o um facho
cuja proje��o vai iluminar, a dist�ncia, e fecundar todas
as religi�es. O moderno espiritualismo � uma cren�a
baseada em fatos, em realidades palp�veis, uma cren�a
que se desenvolve, progride com a Humanidade e pode
unir todos os seres, elevando-os a uma concep��o sempre
mais alta de Deus, do destino e do dever. Gra�as a
ele, cada um de n�s aprender� a comunicar-se com o
supremo Autor das coisas, com esse Pai de todos, que
� o vosso e o nosso Deus, e que todo c�rebro que pensa,
e todos os cora��es que adoram, procuram desde a origem
das idades.

Cessai de atribuir a capacidade de estabelecer o
v�nculo moral e religioso a uma doutrina de opress�o
e de terror. Deixai ao esp�rito humano o livre surto para
a luz e para a imensidade. Toda fulgura��o do alto �
uma emana��o de Deus, que � o sol eterno das almas.

Quando a Humanidade se houver libertado das supersti��es
e dos fantasmas do passado, nela ent�o vereis
desabrochar os germes de amor e de bem que a m�o


152 L�ON DENIS

divina lhe dep�s no �ntimo, e conhecereis a verdadeira
religi�o, a que paira acima das diversas cren�as e n�o
maldiz nenhuma.

IX � A Nova Revela��o. O Espiritismo e a Ci�ncia

A nova revela��o se efetua sob inesperadas formas,
ou, antes, sob formas esquecidas, id�nticas, contudo,
�s que revestiram as primeiras manifesta��es do
Cristianismo.

Este, havia come�ado pelo milagre. Foi com a prova
material e a sobreviv�ncia que a religi�o do Cristo se
fundou (98). O moderno espiritualismo se revela com

o concurso do fen�meno. Ora, milagre e fen�meno s�o
duas palavras para exprimir um s� e mesmo fato.
O sentido diferente que se lhe atribui, d� a medida do
caminho percorrido pelo esp�rito humano em dezenove s�culos.
O milagre � superior � lei natural; o fen�meno
submete-se a ela. N�o h� mais que o efeito de uma causa,
a resultante de uma lei. A experi�ncia e a raz�o t�m
demonstrado que o milagre � imposs�vel. As leis da Natureza,
que s�o as leis divinas, n�o poderiam ser violadas,
porque s�o elas que regulam e mant�m a harmonia
do Universo. Deus n�o pode a si mesmo desmentir-se.
Os fen�menos de al�m-t�mulo s�o encontrados na
base de todas as grandes doutrinas do passado. Em
todos os tempos, constantes rela��es mantinham unidos

o mundo invis�vel e o vis�vel. Na �ndia, na Gr�cia e no
Egito, esse estudo era privil�gio de reduzido n�mero de
investigadores e iniciados; os resultados obtidos se conservavam
cuidadosamente ocultos.
Para tornar esses estudos acess�veis a todos, para
fazer conhecer as verdadeiras leis que regem o mundo
invis�vel, para ensinar os homens a ver nesses fen�menos
n�o mais uma ordem de coisas sobrenatural, mas
um ignorado aspecto da Natureza e da vida, eram necess�rios
o imenso trabalho dos s�culos, todas as desco


(98) Ver capitulo V.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

bertas da Ci�ncia, todas as conquistas do esp�rito humano
em tal mat�ria. Era preciso que o homem conhecesse

o seu verdadeiro lugar no Universo, aprendesse a ponderar
a fraqueza dos seus sentidos, a impot�ncia destes
para explorar, por si e sem auxilio, todos os dom�nios
da Natureza viva.
A Ci�ncia, com as suas inven��es, atenuou essa imperfei��o
dos nossos �rg�os. O telesc�pio descerrou ao
nosso olhar os abismos do espa�o; o microsc�pio revelou

o infinitamente pequeno. A vida apareceu por toda a
parte, no mundo dos infus�rios como na superf�cie dos
globos gigantescos, que rolam na profundeza dos c�us.
A F�sica descobriu a transforma��o das for�as, a radioatividade
dos corpos e as leis que mant�m o equil�brio
universal; a Qu�mica deu a conhecer as combina��es da
subst�ncia. O vapor e a eletricidade vieram revolucionar
a face do globo, facilitar as rela��es dos povos e as manifesta��es
do pensamento, a fim de que a ideia irradie
e se propague na esfera terrestre, por todos os seus
pontos.
O esp�rito humano p�de mergulhar os olhos nessa
grande B�blia da Natureza, nesse livro divino que ultrapassa,
em toda a sua majestade, as b�blias humanas.
A� leu ele, correntemente, as f�rmulas e as leis que presidem
�s evolu��es da vida, � marcha do Universo.

Agora vem o estudo do mundo invis�vel completar
essa magn�fica ascens�o do pensamento e da Ci�ncia.
O problema da outra vida ergue-se diante do esp�rito
humano com um poder, uma autoridade, uma insist�ncia,
como nada, talvez, de semelhante se produziu jamais
na Hist�ria. Porque nunca se tinha visto, assim, um
conjunto de fatos, de fen�menos a princ�pio considerados
imposs�veis, que n�o despertavam, no conceito da
maioria dos nossos contempor�neos, sen�o a antipatia
e o sarcasmo, acabar impondo-se � aten��o e ao exame
dos mais competentes e autorizados.

Em meados do s�culo transato, o homem, iludido
por todas as teorias contradit�rias, por todos os siste



154 L�ON DENIS

mas deficientes com que pretenderam nutrir-lhe o pensamento,
deixava-se embalar pela d�vida; perdia cada
vez mais a no��o da vida futura. Foi, ent�o, que o
mundo invis�vel veio ter com ele e o perseguiu at� em
sua pr�pria casa. Por diversos meios, os mortos manifestaram-
se aos vivos. As vozes de al�m-t�mulo falaram.
Os mist�rios dos santu�rios orientais, os fen�menos
ocultos da Idade M�dia, depois de longo sil�ncio,
se renovaram e nasceu o Espiritismo.

Foi al�m-mar, num mundo novo e rico de energia
vital, de ardente expans�o, menos escravizado que a
velha Europa ao esp�rito de rotina e aos preconceitos
do passado � foi na Am�rica do Norte que se produziram
as primeiras manifesta��es do moderno Espiritualismo.
De l� se espalharam por todo o globo. Essa
escolha era profundamente judiciosa. A livre Am�rica
era, justamente, o meio prop�cio para a obra de difus�o
e renova��o. Por isso, nela se contam hoje vinte milh�es
de �neo-espiritualistas�.

De um lado, por�m, como do outro do Atl�ntico,
foram id�nticas as fases de progress�o da ideia esp�rita.

Nos dois continentes, o estudo do magnetismo e dos
fluidos havia preparado certos esp�ritos para a observa��o
do mundo invis�vel.

A princ�pio, fatos estranhos se produziram de todos
os lados, fatos de que se n�o atreviam as pessoas a falar
sen�o � meia voz, na intimidade. Depois, pouco a pouco,
elevou-se o diapas�o. Homens de talento, s�bios cujos
nomes s�o outras tantas garantias de honorabilidade e
sinceridade, ousaram falar bem alto de tais fatos e afirm�-
los. Tratou-se de hipnotismo, de sugest�o; vieram
depois a telepatia, os casos de levita��o e todos os fen�menos
do Espiritismo.

Mesas giravam num doido rodopio; objetos se deslocavam
sem contacto, ressoavam pancadas nas paredes
e nos m�veis. Todo um conjunto de manifesta��es se
produzia, vulgares na apar�ncia, mas perfeitamente
adaptadas �s exig�ncias do meio terrestre, ao estado de
esp�rito positivo e c�ptico das sociedades modernas.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 155

O fen�meno falava aos sentidos, porque os sentidos
s�o como as brechas por onde o fato penetrar� at� ao
entendimento. As impress�es produzidas no organismo
despertam a surpresa, provocam a investiga��o, levam �
convic��o.

Depois da primeira fase, material e grosseira, as
manifesta��es revestiram novo aspecto. As pancadas vibradas
se regularizaram e tornaram um modo de comunica��o
inteligente e consciente. A possibilidade de rela��es
entre o mundo vis�vel e o invis�vel surgiu como
fato extraordin�rio, subvertendo as ideias estabelecidas,
abalando os ensinos habituais, mas franqueando sobre a
vida futura umbrais que o homem hesitava ainda em
transpor, deslumbrado como estava com as perspectivas
que se lhe antolhavam.

� medida que se ia propagando, via o Espiritismo
levantarem-se contra ele numerosas oposi��es. Como
todas as concep��es novas, teve que afrontar o desprezo,
a cal�nia, a persegui��o moral. Do mesmo modo que a
ideia crist� em seu come�o, foi cumulado de animosidade
e de inj�rias. � sempre assim. Quando novos aspectos
da verdade se apresentam aos homens, � sempre
a desconfian�a e a hostilidade o que provocam.

E isso � f�cil de compreender. A Humanidade esgotou
as velhas formas do pensamento e da cren�a; e,
quando as novas, inesperadas formas da verdade se revelam,
parece corresponderem mui pouco ao ideal antigo,
que est� enfraquecido, mas n�o morto. Por isso, �
necess�rio um per�odo assaz longo de exame, de reflex�o,
de incuba��o, para que a ideia nova abra caminho
nos esp�ritos. Da� as incertezas e sofrimentos da primeira
hora.

Muito se tem ridiculizado as formas que o novo
espiritualismo revestia. Mas as pot�ncias invis�veis que
velam pela Humanidade s�o melhores ju�zes que n�s, dos
meios de a��o e de atra��o que conv�m adotar, conforme
os tempos e os lugares, para conduzir o homem � no��o
do seu papel e dos seus destinos, sem lhe estorvar o livre


156 L�ON DENIS

arb�trio. Porque est� nisso o essencial: � preciso que a
liberdade do homem seja integralmente respeitada.

A vontade superior sabe apropriar �s necessidades
de uma �poca e de uma ra�a as novas formas da revela��o
eterna. � ela que suscita no seio das sociedades
os pensadores, os experimentadores, os s�bios que indicar�o
o caminho a seguir e colocar�o os primeiros marcos.
Sua obra desenvolve-se lentamente. Fracos e insens�veis,
a princ�pio, os resultados, mas a ideia penetra
pouco a pouco nas intelig�ncias. O movimento, embora
impercept�vel, n�o deixa, por isso mesmo, de ser �s
vezes mais seguro e mais profundo.

Em nossa �poca, a Ci�ncia veio a ser a soberana
mestra, a diretora do movimento intelectual. Fatigada
das especula��es metaf�sicas e dos dogmas religiosos, a
Humanidade reclamava provas palp�veis, s�lidas bases
em que pudesse repousar as suas convic��es. Apegava-se
ao estudo experimental, � observa��o dos fatos como a
uma t�bua de salva��o. Da�, o grande cr�dito dos homens
de ci�ncia no momento que atravessamos. Por isso
� que a revela��o tomou um car�ter cient�fico. Foi por
meio de fatos materiais que se atraiu a aten��o dos homens,
tornados eles pr�prios materiais.

Os misteriosos fen�menos que se encontram disseminados
na hist�ria do passado, renovaram-se e multiplicaram-
se ao redor de n�s; sucederam-se em ordem
progressiva, que parece indicar um plano preconcebido,
decorrente de um pensamento, de uma vontade.

Efetivamente, � propor��o que o novo espiritualismo
ganhava terreno, transformavam-se os fen�menos.
As manifesta��es grosseiras do princ�pio se modificavam,
revestiam car�ter mais elevado. M�diuns recebiam,
por meio da escrita, de um modo mec�nico ou intuitivo,
comunica��es, inspira��es de estranha fonte. Instrumentos
de m�sica tocavam sem contacto. Escutavam-se vozes
e cantos; melodias penetrantes parecia descerem do c�u
e perturbaram os mais incr�dulos. A escrita direta produzia-
se do lado interior de ard�sias justapostas e lacradas.
Fen�menos de incorpora��o permitiam aos fale



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 157

cidos tomar posse do organismo de um sensitivo adormecido.
Gradualmente, e como que em consequ�ncia de
um desdobramento calculado, apareciam os m�diuns videntes,
falantes, curadores.

Finalmente, os habitantes do espa�o, revestindo
tempor�rios inv�lucros, vinham misturar-se com os humanos,
vivendo um instante da sua vida material e terrestre,
deixando-se ver, palpar, fotografar, dando impress�es
de m�os, de rostos, esvaecendo-se em seguida
para retomar o seu estado et�reo.

Assim que, h� cerca de meio s�culo, todo um encadeamento
de fatos se produziu, desde os mais inferiores
e vulgares, at� os mais transcendentes, conforme o grau
de eleva��o das intelig�ncias que intervinham. Toda
uma ordem de manifesta��es se desdobrou sob as vistas
de observadores atentos.

Por isso, a despeito das dificuldades de experimenta��o,
a despeito dos casos de impostura e das formas
de explora��o a que esses fen�menos algumas vezes serviram
de pretexto, a apreens�o e a desconfian�a diminu�ram
pouco a pouco; o n�mero dos verificadores foi
crescendo sempre.

De cinquenta anos para c�, em todos os pa�ses o
fen�meno esp�rita tem sido objeto de frequentes investiga��es,
empreendidas e dirigidas por comiss�es cient�ficas.
C�pticos s�bios, professores c�lebres, de todas as
universidades do mundo, t�m submetido esses fatos a
um exame profundado e rigoroso. Sua inten��o era, a
princ�pio, fazer luz sobre o que acreditavam resultado
de fraudes ou alucina��es. Todos, por�m, incr�dulos
como eram, ap�s anos de consciencioso estudo e repetidas
experimenta��es, abriram m�o das suas preven��es
e se inclinaram perante a realidade dos fatos.

Quanto mais se tem examinado e escrutado o problema,
tanto mais numerosos e expressivos se t�m revelado
os casos de identidade, as provas da persist�ncia
da personalidade humana no al�m-t�mulo. As manifesta��es
esp�ritas, verificadas aos milhares em todos os


158 L�ON DENIS

pontos do globo, demonstraram que um mundo invis�vel
se agita em torno de n�s, ao nosso alcance, um mundo
em que vivem em estado flu�dico todos os que nos precederam
na Terra, que aqui lutaram e sofreram, e constituem,
para al�m da morte, uma segunda humanidade.

O novo espiritualismo apresenta-se hoje com um
cortejo de provas, com um conjunto de testemunhos, t�o
imponente, que j� n�o � poss�vel a d�vida para os investigadores
de boa f�. Era o que, nestes termos, externava
o professor Challis, da Universidade de Cambridge:

"Os atestados t�m sido t�o abundantes e completos,
os testemunhos t�m vindo de tantas fontes independentes
entre si, e de um n�mero t�o consider�vel de assistentes
que � for�oso, ou admitir as manifesta��es tais como no-las
representam, ou renunciar � possibilidade de certificar um
fato, qualquer que seja, mediante um depoimento humano"
(99) .

Por isso o movimento de propaga��o se acentuou
cada vez mais. Na hora atual, assistimos a uma verdadeira
expans�o da ideia esp�rita. A cren�a no mundo
invis�vel se espalhou por toda a superf�cie da Terra. Em
toda parte o Espiritismo possui as suas sociedades de
experimenta��o, os seus vulgarizadores, os seus jornais.

*


Insistamos num ponto essencial. O erro ou o cepticismo
do homem, relativamente � exist�ncia do mundo
invis�vel, era devido a uma causa �nica: a incapacidade
da sua organiza��o para lhe fornecer uma ideia completa
das formas e possibilidades da vida.

Perdemos de vista que os nossos sentidos, posto
que se tenham desenvolvido e apurado, desde a origem
da Humanidade, ainda n�o percebem sen�o as mais
rudimentares formas da mat�ria; seus estados sutis lhes

(99) Russell Wallace � "O moderno espiritualismo", p�gina
139.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 159

escapam absolutamente. Da� a opini�o, geralmente divulgada,
de que a vida n�o era poss�vel sen�o sob formas
e com organismos semelhantes aos que nos afetam
a vista. Da� a ideia falsa de que a vida n�o era, por toda
parte, mais que uma imita��o, uma reprodu��o do que
vemos ao redor de n�s.

No dia em que, com o aux�lio de poderosos instrumentos
de �ptica, o infinitamente grande e o infinitamente
pequeno se patentearam, foi realmente necess�rio
reconhecer que os nossos sentidos, reduzidos a si mesmos,
n�o abrangiam sen�o um c�rculo muito restrito do
dom�nio das coisas, um limitad�ssimo campo da Natureza
; que, em definitivo, quase nada sab�amos da vida
universal.

Em �poca muito mais recente, ainda n�o conhec�amos
da mat�ria sen�o os seus tr�s modos mais elementares:
os s�lidos, os l�quidos e os gases. Nada sab�amos
das in�meras transforma��es de que � suscet�vel.

Foi somente h� uns trinta anos que o quarto estado
da mat�ria, o estado radiante se tornou conhecido dos
s�bios. W. Crookes, o acad�mico ingl�s, foi o primeiro
que verificou a sua exist�ncia e as suas experi�ncias
esp�ritas, continuadas por espa�o de tr�s anos, n�o foram
estranhas a essa descoberta. Ele conseguiu demonstrar
que a mat�ria, tornada invis�vel, reduzida a quantidades
infinitesimais, adquire energias, potencialidades
incalcul�veis, e que essas energias aumentam sem cessar,
� medida que a mat�ria se rarefaz.

Mais recentemente, investiga��es de numerosos s�bios
vieram confirmar essas descobertas. Pouco a pouco
a Ci�ncia abordou o dom�nio do invis�vel, do intang�vel,
do imponder�vel. For�oso foi reconhecer que o estado
radiante n�o � o �ltimo que a mat�ria possa revestir;
al�m desse, ela se apresentou sob aspectos cada vez mais
sutis e quintessenciados, rarefazendo-se quase ao infinito,
sem deixar de ser a forma poss�vel, a forma necess�ria
da vida.


160 L�ON DENIS

O que a Ci�ncia come�a apenas a entrever, os espiritas
sabiam-no h� muito pela revela��o dos Espiritos.
Eles tinham vindo assim a saber que o mundo visivel
n�o � mais que �nfima por��o do Universo; que fora do
que incide sob os nossos sentidos, a mat�ria, a for�a, a
vida se apresentam sob formas variadas, sob in�meros
aspectos; que n�s estamos rodeados, envolvidos de radia��es
invis�veis para n�s, em raz�o da grosseria dos
nossos �rg�os.

As experi�ncias cient�ficas v�m hoje demonstrar
todas essas no��es. A comprova��o desses modos de
energia, a exist�ncia dessas formas sutis da mat�ria
fornecem, ao mesmo tempo, a explica��o racional dos
fen�menos esp�ritas. � a� que os invis�veis haurem as
for�as de que se servem em suas manifesta��es f�sicas;
� com elementos da mat�ria imponder�vel que s�o formados
os seus inv�lucros, os seus organismos.

Os investigadores de boa f� n�o tardaram a reconhec�-
lo. Depois da descoberta da mat�ria radiante, a
Ci�ncia avan�ou passo a passo nesse vasto imp�rio do
desconhecido. Todos os dias vem ela confirmar, mediante
novas experi�ncias, o que o esp�rito humano, mais
clarividente que os nossos sentidos, h� muito pressentira.


A Ci�ncia havia come�ado por fotografar os raios
invis�veis do espectro solar, os raios ultra-violetas e infra-
vermelhos, que n�o nos impressionam a retina.
Obteve, depois, a reprodu��o na placa sens�vel de grande
n�mero de mundos estelares, de estrelas long�nquas, de
astros perdidos nas profundezas do espa�o, a uma dist�ncia
tal que as suas irradia��es luminosas escapam,
n�o s� � nossa vista, mas, �s vezes, mesmo ao telesc�pio.

Sabe-se que as sensa��es de luz, como as de som,
calor, etc, s�o produzidas por determinada quantidade
de vibra��es do �ter.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 161

A retina, �rg�o da vista, percebe, em certos limites,
as ondas luminosas (100). Al�m desses limites, escapa-
lhe grande n�mero de vibra��es. Ora, essas vibra��es,
inapreci�veis para n�s, podem ser percebidas pela
placa fotogr�fica, que � mais sens�vel que a vista humana,
o que permite dizer que a objetiva fotogr�fica
� como um olhar projetado ao invis�vel.

Temos disso ainda uma prova na aplica��o dos
raios X, dos raios obscuros de Roentgen, � fotografia.
Esses raios, posto que invis�veis, t�m o poder de atravessar
certos corpos opacos, tais como o tecido, a carne,
a madeira, e permitem reproduzir objetos ocultos a todos
os olhos, como o conte�do de uma bolsa, de uma carta,
etc. Penetram nas profundezas do organismo humano,
e as m�nimas particularidades da nossa anatomia n�o
s�o mais segredo para eles.

A utiliza��o dos raios X tende a generalizar-se cada
vez mais e nos mostra que consider�vel partido a Ci�ncia
do futuro poder� tirar das formas sutis da mat�ria,
quando as souber acumular e dirigir.

A descoberta da mat�ria luminosa e de suas aplica��es
� de um alcance incalcul�vel. N�o somente prova
que al�m dos nossos sentidos se desdobram, gradual


(100) A retina, que � o mais perfeito dos nossos �rg�os,
percebe as ondula��es et�reas desde 400 trilh�es por segundo
at� 790 trilh�es, isto �, tudo o que constitui a gama das cores,
do vermelho, numa das extremidades do espectro solar, ao violeta,
na outra extremidade. Fora da�, a sensa��o � nula. O professor
Stokes conseguiu, entretanto, tornar vis�veis os raios
ultra-violetas, fazendo-os atravessar um papel embebido em
solu��o de sulfato de quinina, que reduz o n�mero das vibra��es.
Do mesmo modo, o professor Tyndall tornou vis�veis, por
meio do calor, os raios infra-vermelhos, inapreci�veis � vista
no estado normal.
Partindo desses dados, podemos cientificamente admitir
uma sequ�ncia ininterrupta de vibra��es invis�veis, e da� deduzir
que, se os nossos �rg�os fossem suscet�veis de receber a sua
impress�o, poder�amos distinguir uma variedade inimagin�vel
de cores ignoradas, e tamb�m in�meras formas, subst�ncias,
organismos, que presentemente n�o se nos revelam, em consequ�ncia
da imperfei��o dos nossos sentidos.

6


L�ON DENIS

mente, formas da mat�ria, unicamente percept�veis mediante
aparelhos que as registam, mas, tamb�m, que
essas formas e radia��es, � medida que aumentam de
sutileza, adquirem mais for�a e maior penetra��o. Habituamo-
nos, assim, a estudar a Natureza sob os seus rec�nditos
aspectos, que s�o os do seu maior poder.

Nessas manifesta��es ainda mal definidas da energia,
encontramos a explica��o cient�fica de in�meros
fen�menos como as apari��es, a passagem dos Esp�ritos
atrav�s dos corpos s�lidos, etc. A aplica��o dos raios
Roentgen � fotografia nos faz compreender o fen�meno
da vista dupla dos m�diuns e o da fotografia esp�rita.
Efetivamente, se placas podem ser influenciadas por
invis�veis raios, por irradia��es da mat�ria imponder�vel,
que penetram os corpos, com mais forte raz�o os
fluidos quintessenciados, de que se comp�e o inv�lucro
invis�vel dos Esp�ritos, podem, em certas condi��es, impressionar
a retina dos m�diuns, aparelho delicado e
complexo como n�o o � a placa de vidro.

Assim que, cada dia, mais se fortifica o Espiritismo
pelo acr�scimo de argumentos tirados das descobertas
da Ci�ncia e que terminar�o por abalar os mais
obstinados c�pticos.

A fotografia das irradia��es do pensamento v�m
descerrar novo campo aos investigadores.

Numerosos experimentadores (101) conseguiram
fixar na placa sens�vel as radia��es do pensamento e as
vibra��es da vontade. Suas experi�ncias demonstraram
que existe em cada ser humano um centro de radia��es
invis�veis, um foco de luzes que escapam � vista, mas
podem impressionar as placas fotogr�ficas.

Quer apoiando os dedos na face que tem a gelatina,
quer aplicando no alto do c�rebro e na obscuridade, a
face v�trea da placa, nesta se obt�m ondas, vibra��es
que variam de aspecto e intensidade sob a influ�ncia das

(101) Ver, entre outras, a obra do Dr. Baraduc, "A alma
humana, seus movimentos, suas luzes".

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 163

disposi��es mentais do operador. Uniformes, regulares

no estado normal, essas ondas se formam em turbilh�es,

em espirais, sob o influxo da c�lera; estendem-se em

len��is, em largos efl�vios no �xtase, e se elevam em

colunas majestosas durante a prece, como vapores de

incenso.

Conseguiu-se, mesmo, reproduzir nas placas o duplo
flu�dico do homem, centro de tais radia��es. O coronel
de Rochas e o Dr. Barlemont obtiveram, na oficina fotogr�fica
de Nadar, a fotografia simult�nea do corpo de
um m�dium e do seu duplo, momentaneamente separados
(102).

Como prel�dio de tantas outras provas objetivas,
que adiante assinalaremos, a fotografia vem, portanto,
revelar a exist�ncia desse corpo flu�dico que duplica e
mant�m o nosso corpo f�sico, desse inv�lucro sutil que
� a forma radiante do Esp�rito, dele insepar�vel durante
a vida, como depois da morte.

As placas fotogr�ficas n�o s�o unicamente impressionadas
pelas vibra��es flu�dicas do ser humano; igualmente
o s�o por formas pertencentes ao mundo invis�vel,
seres que existem, vivem e se movem em torno de n�s,
presidindo a todo um conjunto de manifesta��es que
vamos passar em revista, e que se n�o podem explicar
de outro modo, que n�o pela sua presen�a e a��o.

Tais seres, pela morte libertados das necessidades
e mis�rias da natureza humana, continuam a agir, gra�as
a esse corpo flu�dico imperec�vel, formado de elementos
muit�ssimo sutis da mat�ria, de que acab�mos
de falar e que at� agora escapavam aos nossos sentidos,
em seu estado normal.

(102) Ver "Revista Esp�rita", novembro de 1894, com o
fac-simile e as obras do coronel de Rochas, "Exterioriza��o da
sensibilidade" e "Exterioriza��o da motricidade".
An�logos resultados se encontram no caso do m�dium
Herrod, e no caso afirmado pelo Juiz Carter (Aksakof, "Animismo
e Espiritismo", p�gs. 78 e 79) assim como nos testemunhos
do Sr. Glendinning (Borderland de julho 1896).

Ver tamb�m G. Delanne, "As apari��es materializadas dos
Vivos e dos Mortos", e H. Durville, "O fantasma dos Vivos".


L�ON DENIS

A quest�o do corpo flu�dico, ou perisp�rito, posto
que j� por n�s tratada em outras p�ginas (103), necessita
de novas explica��es, porque nos faz melhor
compreender a vida no espa�o e o modo de a��o dos
Esp�ritos sobre a mat�ria.

� sabido que as mol�culas do nosso corpo f�sico
est�o submetidas a constantes muta��es. Todos os dias

o nosso inv�lucro carnal elimina e assimila um certo
n�mero de elementos. O corpo, desde as partes moles do
c�rebro at� as mais duras parcelas da carca�a �ssea,
renova-se integralmente dentro de certo n�mero de anos.
Em meio dessas correntes incessantes, subsiste em n�s
uma forma flu�dica original, compress�vel e expans�vel,
que se mant�m e perpetua. � nela, no desenho invis�vel
que apresenta, que se v�m incorporar, fixar, as mol�culas
da mat�ria grosseira. O perisp�rito � como o molde,
o esbo�o flu�dico do ser humano. � por isso que, quando
com a morte se efetua a separa��o, o corpo material
tomba imediatamente e se desorganiza e decomp�e.
O perisp�rito � o inv�lucro permanente do Esp�rito,
ao passo que o corpo f�sico n�o passa de inv�lucro tempor�rio,
veste emprestada, que tomamos para realizar
a peregrina��o terrestre. O perisp�rito existia antes do
nascimento e sobrevive � morte. Ele constitui, em sua
�ntima liga��o com o Esp�rito, o elemento essencial e
persistente da nossa individualidade, atrav�s das m�ltiplas
exist�ncias que nos � dado percorrer (104).

(103) Ver caps. V, VIII; � "Depois da Morte", cap. XXI e
"No Invis�vel", caps. III e XII.
(104) Segundo o Sr. Gabriel Delanne, que se aplicou a um
estudo consciencioso e aprofundado do corpo flu�dico, o perisp�rito
� um verdadeiro organismo flu�dico, um modelo em que
se concreta a mat�ria e se organiza o corpo f�sico. � ele que
dirige automaticamente todos os atos que concorrem para a

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

� pela exist�ncia desse corpo flu�dico, pelo seu desprendimento
durante o sono, quer natural, quer provocado,
que se explicam as apari��es dos fantasmas dos
vivos e, por extens�o, as dos Esp�ritos dos mortos.

Havia-se j� podido verificar, em muitos casos, que

o duplo flu�dico de pessoas vivas se afastava, em certas
condi��es, do corpo material para aparecer e manifestar-
se a dist�ncia. Esses fen�menos s�o conhecidos sob
a denomina��o de fatos telep�ticos (105).
Desde ent�o, tornava-se evidente que, se durante a
vida a forma flu�dica pode agir fora e sem o concurso
do corpo, j� n�o podia a morte ser o termo da sua atividade.


No estudo especial dos fen�menos de exterioriza��o
da sensibilidade e da motricidade, o coronel de Rochas
e, com ele, os professores Richet e Sabatier, o Dr. Dariex,
os Srs. de Grammont e de Watterville, haviam
abordado o dom�nio das provas experimentais, donde
resultou a certeza da a��o do duplo flu�dico, a dist�ncia.
Os s�bios ingleses, por sua vez, averiguaram, em nume


manuten��o da vida. Sob o influxo da for�a vital, disp�e as
mol�culas materiais de conformidade com um desenho, um
plano determinado, que representa todos os grandes aparelhos
do organismo: respira��o, circula��o, sistema nervoso, etc, que
s�o as linhas de for�a.

� esse modelo, esse "invis�vel desenho ideal pressentido
por Claude Bernard", que mant�m a estabilidade do ser no meio
da renova��o integral da mat�ria organizada; sem ele, a a��o
vital poderia tomar todas as formas, o que n�o se verifica.

� igualmente de acordo com esse plano flu�dico perispiritual
que � regulada a evolu��o embriog�nica do ser, at� �
organiza��o completa.

Ver G. Delanne, "A evolu��o an�mica" e "As apari��es
materializadas dos vivos e dos mortos".

(105) Ver nota complementar n. 13.

L�ON DENIS

rosos casos, que formas fluidicas de Esp�ritos desencarnados
se tornavam vis�veis por via de condensa��o,
ou, antes, de materializa��o, como o vapor d�gua espalhado,
em estado invis�vel, na atmosfera pode, mediante
sucessivas transforma��es, tornar-se vis�vel e tang�vel,
no estado de congela��o.

O perisp�rito � para n�s invis�vel no seu estado
ordin�rio; sua ess�ncia sutil produz um n�mero de vibra��es
que ultrapassa o nosso campo de percep��o
visual. Nos casos de materializa��o, o Esp�rito � obrigado
a absorver dos m�diuns, ou de outras pessoas presentes,
fluidos mais "grosseiros, que assimila aos seus,
a fim de adaptar o n�mero de vibra��es do seu inv�lucro
� nossa capacidade visual. A opera��o � delicada,
in�ada de dificuldades. Entretanto, os casos de apari��o
de Esp�ritos s�o numerosos e se apoiam em respeit�veis
testemunhos.

O mais c�lebre � o do Esp�rito Katie King que, durante
tr�s anos. se manifestou em casa de W. Crookes,

o acad�mico ingl�s, com o concurso da m�dium Florence
Cook. O pr�prio W. Crookes descreveu essas experi�ncias
em uma obra muito vulgarizada (106). Katie King
e Florence Cook foram vistas lado a lado. Eram de estatura
e fisionomia diferentes e distinguiam-se entre si
por muitas particularidades.
O testemunho de W. Crookes � confirmado pelos
Drs. Gully e Sexton, pr�ncipe de Sayn-Wittgensteim, de
Harrison, B. C�leman, Sergeant Cox, Varley, engenheiro
eletricista, Sra. Florence Maryat, etc; que assistiram,
em diferentes lugares, �s apari��es de Katie.

Em v�o procuraram, muitas vezes, insinuar que o
Sr. Crookes se havia retratado de suas afirma��es. Em
7 de fevereiro de 1909, W. Stead, diretor da �Review of
Reviews�, escrevia ao �New York American�: �Estive
com o Sr. Ch. W. Crookes no Ghost Club, onde fora jantar,
e ele me autoriza a declarar o seguinte: �Depois

(106) "Investiga��es sobre os fen�menos do espiritualismo",
Leymarie, editor.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 167

das experi�ncias que, em mat�ria de espiritualismo, h�
trinta anos comecei, n�o vejo motivo algum para modificar
minha precedente opini�o.�

Outro caso c�lebre � o do Esp�rito Abdullah, relatado
por Aksakof, conselheiro de Estado russo, em sua
obra �Animismo e Espiritismo�. O Esp�rito era de tipo
oriental e a sua forma tinha mais de l,80m. de altura,
ao passo que o m�dium Eglinton era de pequena estatura
e de tipo anglo-sax�nio muito acentuado.

Um s�bio americano, Roberto Dale Owen, antigo
embaixador dos Estados Unidos em N�poles, consagrou
seis anos �s experi�ncias de materializa��o. Declarou
ter visto centenas de formas de Esp�ritos. Em sess�o
promovida pela Sociedade de Investiga��es Ps�quicas
dos Estados Unidos, � qual assistia o Reverendo Savage,
c�lebre pregador, trinta Esp�ritos materializados
apareceram � vista dos assistentes, que neles reconheceram
parentes e amigos falecidos. Essas manifesta��es
s�o frequentes na Am�rica (107).

O professor Lombroso, de Turim, conhecido em todo

o mundo por seus trabalhos de Fisiologia criminalista,
fala tamb�m de v�rias apari��es que se produziram em
sua presen�a, com a m�dium Eus�pia Paladino. Nestes
termos refere ele, em seu livro p�stumo �Richerche sui
fenomeni ipnotici e spiritici�, a primeira apari��o de
sua genitora:
"Em G�nova (1902), estava a m�dium em estado de
semi-inconsci�ncia e eu n�o esperava obter fen�meno de import�ncia.
Antes da sess�o, havia-lhe pedido que deslocasse,
em plena luz, um pesado tinteiro de vidro. Em tom de
voz muito comum, respondeu-me ela: � "Porque te ocupas
com essas ninharias? Eu sou capaz de coisa bem diferente:
sou capaz de te fazer ver tua m�e. Nisso � que deverias
pensar!"

"Impressionado com semelhante promessa, ao fim de
meia hora de sess�o assaltou-me o mais intenso desejo de

(107) Ver "O psiquismo experimental", por A. Erny, p�gina
184. � Ver tamb�m minha obra "No Invis�vel", cap. XX.

168 L�ON DENIS

v�-la realizada e ao meu pensamento a mesa respondeu
com tr�s pancadas. De repente (est�vamos em meia-obscuridade,
com a luz vermelha), vi sair do gabinete uma forma
pequenina, como era a de minha m�e. (Conv�m notar que
a estatura de Eus�pia � superior, pelo menos dez cent�metros,
� de minha m�e). O fantasma estava envolto num
v�u; f�z o giro completo em torno da mesa at� chegar ao
p� de mim, murmurando palavras que muitos ouviram, mas
que minha semi-surdez impediu-me de perceber. Ao tempo
em que, tomado de como��o, lhe suplicava m'as repetisse,
diz-me ela: Cesare, mio fio! � o que, devo confessar, n�o
era h�bito seu. Ela era, com efeito, veneziana e tinha o
h�bito regional de me dizer: mio fiol! Pouco depois, a meu
pedido, afastou um momento o v�u e me deu um beijo."

A p�ginas 93 da mencionada obra l�-se que a m�e

do autor lhe reapareceu umas vinte vezes ainda, no curso

das sess�es de Eus�pia (108).

A obje��o favorita dos incr�dulos, relativamente a

esse g�nero de fen�menos, � que eles se produzem na

escuridade, t�o prop�cia a fraudes.

H� nessa obje��o uma parte de verdade e, por

nossa vez, n�o temos vacilado em denunciar escanda


losas fraudes; mas � preciso notar que a escuridade �

indispens�vel �s apari��es luminosas, que s�o as mais

comuns. A luz exerce a��o dissolvente sobre os fluidos,

e in�meras manifesta��es n�o podem ter bom �xito

sen�o com a sua exclus�o. H�, entretanto, casos em que

certos Esp�ritos puderam aparecer � luz fosf�rea. Outros

se desmaterializam � plena luz. Sob as irradia��es de

tr�s bicos de g�s, viram Katie King fundir-se pouco a

pouco, dissolver-se e desaparecer (109).

A esses testemunhos temos o dever de acrescentar

o nosso, relatando um fato de nosso conhecimento
pessoal.
Durante dez anos praticamos essa ordem de estudos,
com o concurso de um m�dico de Tours, o Dr. A. e

(108) "Revue Scientifique et Morale du Spiritisme", dezembro
1909 e Janeiro 1910.
(109) Ver "O psiquismo experimental", por Erny. � pagina
145.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 169

de um capit�o arquivista do 9.� Corpo. Por interm�dio
de um deles, mergulhado em sono magn�tico, os invis�veis
nos prometiam, havia muito tempo, uma materializa��o,
quando, uma tarde, achando-nos os tr�s reunidos
no consult�rio do amigo, portas cuidadosamente
fechadas e penetrando ainda suficiente claridade pela
ampla janela, de modo que nos permitia ver distintamente
os menores objetos, ouvimos tr�s pancadas em
dado ponto da parede. Era o sinal convencionado.

Tendo-se os olhos voltados para esse lado, vimos
surgir do meio da parede, sem qualquer solu��o de continuidade,
uma forma humana, de estatura m�dia. Aparecia
de perfil, mostrando a princ�pio os ombros e a
cabe�a. Gradualmente, foi-se apresentando todo o corpo.
A parte superior desenhava-se perfeitamente; os contornos
eram n�tidos e precisos. A parte inferior era
mais vaporosa e formava apenas uma confusa massa.
A apari��o n�o caminhava, deslizava. Depois de atravessar
lentamente a sala, a dois passos de n�s, foi entranhar-
se e desaparecer na parede oposta, num ponto
que n�o apresentava abertura alguma. Pudemos contempl�-
la durante cerca de tr�s minutos e as nossas
impress�es, confrontadas logo ap�s, acusavam perfeita
identidade.

As materializa��es e apari��es de Esp�ritos encontram,
como vimos, obst�culos que, for�osamente, lhes
limitam o n�mero. O contr�rio se d� com certos fen�menos
de ordem f�sica e de variad�ssima natureza, os
quais se propagam e multiplicam, cada vez mais, em
torno de n�s.

Vamos examinar sucintamente esses fatos em sua
escala progressiva, no ponto de vista do interesse que
oferecem e da certeza que deles resulta, relativamente
� vida livre do Esp�rito.

Em primeira linha vem o fen�meno hoje t�o comum,
das casas mal-assombradas. S�o habita��es frequentadas
por Esp�ritos de ordem inferior, nas quais se
entregam eles a ruidosas manifesta��es. Pancadas, sons
de toda a ordem, desde os mais fracos at� os mais re



L�ON DENIS

tumbantes, fazem vibrar os soalhos, m�veis, paredes, o
pr�prio ar. A lou�a � mudada e quebrada; pedras s�o
atiradas de fora para dentro dos aposentos.

Os jornais trazem, frequentemente, narrativas de
fen�menos desse g�nero. Mal cessam num ponto, reproduzem-
se noutros, quer na Fran�a, quer no estrangeiro,
despertando a aten��o p�blica. Em certos lugares, como
em Valence-en-Brie, em Yzeures (Indre-e-Loire), em Ath
(Brabant), em Agen, em Turim, etc, etc, duraram
meses inteiros, sem que os mais h�beis policiais tivessem
conseguido descobrir uma causa humana para tais
manifesta��es.

� o seguinte, sobre o assunto, o testemunho de
Lombroso, que escrevia na �Lettura�:

"Os casos de casas mal-assombradas, em que durante
anos se reproduzem apari��es ou ru�dos, em concord�ncia
com a narra��o de mortes tr�gicas, observados sem a presen�a
dos m�diuns, militam a favor da a��o dos falecidos."

� "Trata-se muitas vezes de casas desabitadas, onde n�o
raro se observam tais fen�menos durante v�rias gera��es e
mesmo at� durante s�culos" (110).
"O Dr. Maxwell, Procurador Geral da Corte de Apela��o
de Bord�us, encontrou ac�rd�os de diversos tribunais
superiores, no s�culo dezoito, anulando arrendamentos por
motivo de serem mal-assombrados os lugares" (111).

Esses fatos se explicam pela a��o malfazeja de
seres invis�veis que desabafam, �post mortem�, �dios
nascidos, no mundo, de m�s rela��es anteriores, de preju�zos
causados por certas fam�lias ou indiv�duos, que
por esse motivo se tornam v�timas da perniciosa influ�ncia
desses desencarnados. Assim, no plano geral de evolu��o,
a pr�pria liberdade do mal, o exerc�cio das paix�es
inferiores atraindo, com a produ��o desses fen�menos,
a aten��o p�blica para um mundo ignorado, concorrem
para a instru��o e o progresso de todos.

(110) Ver "Annales des Sciences Psychiques", fevereiro
1908.
(111) J. Maxwell, "Ph�nom�nes Psychiques", p�g. 260.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 171

Mau grado � repugn�ncia da Ci�ncia em geral, para
ocupar-se de tais fatos, cada dia vemos crescer o n�mero
dos investigadores conscienciosos que, afastando-
se das trilhas seguidas, se entregam � paciente observa��o
do mundo invis�vel. N�o h� m�s, semana, que n�o
se registe um novo fato no dom�nio experimental.

Os fen�menos de ordem f�sica, a levita��o de corpos
pesados e o seu transporte a dist�ncia, sem contacto,
provocam mui especialmente a observa��o de alguns
s�bios.

Fal�mos em outro lugar (112) das experi�ncias
realizadas em 1892, em N�poles e Mil�o, sob a dire��o
de homens de ci�ncia de v�rias na��es. Processos verbais,
por eles redigidos, reconhecem a interven��o de
for�as e vontades desconhecidas, na produ��o desses
fen�menos.

An�logas experi�ncias foram depois efetuadas em

Roma. em Vars�via, em casa do Dr. Ochorowicz, na ilha

de Roubaud, em casa do Sr. Richet, professor da Aca


demia de Medicina de Paris, em Bord�us, em Agnelas,

perto de Voiron (Is�re), em casa do coronel de Rochas.

Citemos ainda as do professor Bot�zzi, diretor do Insti


tuto de Fisiologia na Universidade de N�poles, em maio

de 1907, com a assist�ncia do professor Cardar�lli, se


nador, de Gale�tti, Pass�ni, Scarpa, de Am�cis, etc.

Essas experi�ncias foram dirigidas com m�todo rigorosamente
cient�fico. Como, evidentemente, os sentidos
podem enganar, empregaram-se aparelhos registradores
que permitiram estabelecer, n�o somente a realidade,
a objetividade do fen�meno, mas ainda a grafia
da for�a f�sica em a��o.

As cautelas adotadas pelo grupo de s�bios acima
indicados, sendo m�dium Eus�pia Paladino, foram as
seguintes:

Na extremidade da sala, por tr�s de uma cortina, foi
previamente colocada uma mesa com duas prateleiras pe


(112) "Depois da Morte" e "No Invis�vel".

L�ON DENIS

sando. 21 quilos, e ocupando todo o espa�o do gabinete �

dist�ncia de 20 cent�metros da cortina, mais ou menos.

Sobre essa mesa foram dispostos:

1� Um cilindro coberto de papel enfuma�ado, movedi�o,
em torno de um eixo ao qual fora fixada uma esp�cie de
caneta cuja ponta atingia a superficie do cilindro. Imprimindo
movimento de rota��o ao cilindro, a� a caneta registava
uma linha horizontal;

2� Uma balan�a de pesar cartas;
3� Um metr�nomo el�trico de Zimmermann (o contacto
� estabelecido por uma ponta de platina que, a cada oscila��o
dupla da haste, mergulha em pequeno tubo de merc�rio),
posto em comunica��o com um aparelho-avisador Desprez,
situado num compartimento ao lado;
4� Um teclado telegr�fico, ligado a um outro avisador
Desprez;
5"� Uma pera de cauchu, ligada, p�r comprido tubo
tamb�m de cauchu, atrav�s da parede, a um man�metro de
merc�rio de Fran�ois Frank, situado no compartimento
cont�guo.

Nessas condi��es, todos os aparelhos descritos foram
impressionados, a dist�ncia, estando as m�os de
Eus�pia seguras por dois experimentadores e formando
c�rculo em torno dela todos os assistentes.

Por toda a parte foi verificado o deslocamento de
m�veis, sons de instrumentos, sem contacto, levita��o
de corpos humanos, levantamento de cadeiras com as
pessoas que as ocupavam. O professor Lombroso fala
de um guarda-lou�a �que avan�ava como um paquiderme
�.

Todas essas manifesta��es se poderiam explicar,
indiferentemente, por causas exclusivamente materiais,
pela a��o de for�as inconscientes. A for�a ps�quica,
exteriorizada pela criatura humana, bastaria, por exemplo,
para explicar o movimento de mesas e outros objetos
a dist�ncia e, por extens�o, todos os fen�menos que
n�o acusam a a��o de uma intelig�ncia estranha � dos
assistentes.

Mas o que complica o fen�meno e torna insuficiente
essa explica��o � que, na maior parte das sess�es de que


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 173

falamos, de par com o movimento de objetos e levita��o
de pessoas, produzem-se tateamentos, apari��o de m�os
luminosas e de formas humanas, que n�o s�o dos experimentadores.


Os �Annales des Sciences Psychiques� de 1.� de fevereiro
1903 relatam os seguintes fatos observados pelo
Dr. Venzano:

"Numa sess�o em Mil�o, quando Eus�pia se achava no
m�ximo grau do transe, vimos, eu e as pessoas que me
ficavam pr�ximas, aparecer do lado direito uma forma de
mulher, sumamente cara, que me disse uma palavra confusa:
tesouro � ao que me pareceu. Ao centro achava-se
Eus�pia adormecida, ao p� de mim, e por cima a cortina se
intumesceu diversas vezes; ao mesmo tempo, � esquerda,
a mesa movia-se no gabinete e um pequeno objeto era de
l� transportado para a mesa do centro."

"Em G�nova, o Dr. Imoda observou que, enquanto o
fantasma tirava da m�o do Sr. Becker uma pena e lha
restitu�a, outro fantasma se inclinava sobre Imoda." Outra
feita � diz o narrador � ao mesmo tempo que eu era
acariciado por um fantasma, a princesa Ruspoli sentia que
uma m�o lhe tocava a cabe�a e Imoda sentia, a seu turno,
que outra m�o lhe apertava a sua, com for�a." � "Ora,
como explicar que a for�a f�sica de um m�dium operasse
ao mesmo tempo em tr�s dire��es e com tr�s diferentes
objetivos? � poss�vel concentrar a aten��o assaz fortemente
para obter fen�menos pl�sticos em tr�s diversas dire��es?"


Algumas vezes �rias t�m sido executadas em pianos
fechados; vozes e cantos se fazem ouvir e, como em
Roma, nas experi�ncias do Dr. Sant'�ngelo, penetrantes
melodias, que nada t�m de terrestres, mergulham
os assistentes num enlevo que quase toca ao �xtase.

Todos esses fen�menos t�m sido obtidos com a presen�a
de m�diuns c�lebres, entre outros Jess� Stephard
e Eus�pia Paladino. Agora, algumas explica��es sobre
a natureza e o verdadeiro papel da mediunidade, nos
parecem indispens�veis.

*


L�ON DENIS

Nossos sentidos, dissemo-lo acima, n�o nos permitem
conhecer mais que restrito setor do Universo. Entretanto,
o c�rculo dos nossos conhecimentos pouco a
pouco se ampliou, e crescer� ainda, � propor��o que se
aperfei�oarem os nossos sentidos.

Bastar-nos-ia possuir mais um sentido, uma nova

faculdade ps�quica, para ver descerrarem-se ante n�s

alguns dom�nios ignorados da vida, para ver ostenta


rem-se ao nosso alcance as maravilhas do mundo invi


s�vel.

Ora, esses novos sentidos, essas faculdades que no

futuro ser�o propriedades de todos, j� o s�o de certas

pessoas, em diferentes graus. S�o essas pessoas que

designamos sob o nome de m�diuns.

� preciso, al�m disso, notar que em todos os tempos
existiram indiv�duos dotados de faculdades especiais,
que lhes permitiam comunicar com o invis�vel.
A Hist�ria, os livros sagrados de todos os povos, deles
fazem men��o quase a cada p�gina. Os videntes da
G�lia, os or�culos e pitonisas da Gr�cia, as sibilas do
mundo pag�o, os grandes e pequenos profetas da Judeia,
outra coisa n�o eram sen�o os m�diuns de nossos dias.
As pot�ncias superiores sempre se utilizaram desses
intermedi�rios para fazer ouvir seus ensinos, suas exorta��es
� Humanidade. S� os nomes mudam; os fatos
permanecem os mesmos, com a �nica diferen�a de que
esses fatos se produzem em maior n�mero, sob mais
variadas formas, quando chega para a Humanidade a
hora de come�ar um ciclo, uma nova ascens�o para essas
culmin�ncias do pensamento, que s�o o objetivo da sua
trajet�ria.

Conv�m acrescentar que os Esp�ritos elevados n�o
s�o os �nicos a se manifestar; Esp�ritos de todas as
categorias gostam de entrar em rela��o com os homens,
desde que encontrem para isso os meios. Da�, a necessidade
de distinguir, nas comunica��es, o que procede de
cima e o que vem de baixo; o que emana dos Esp�ritos
de luz e o que prov�m dos atrasados. H� Esp�ritos de
todos os caracteres e de todas as eleva��es; h� mesmo,


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 175

ao redor de n�s, muito maior n�mero de inferiores que
de adiantados. S�o aqueles que produzem os fen�menos
f�sicos, as manifesta��es estrondosas, tudo que � de �ndole
vulgar, manifesta��es todavia �teis, como demonstr�mos,
pois que nos facultam o conhecimento de todo
um mundo ignorado ou esquecido.

Nesses fen�menos os m�diuns desempenham um
papel passivo, � semelhan�a do das pilhas, na eletricidade.
S�o produtores, acumuladores de fluidos e � neles
que os Esp�ritos haurem as for�as necess�rias para atuar
sobre a mat�ria. Encontra-se essa categoria de m�diuns
um pouco por toda parte, at� nos meios pouco esclarecidos.
Seu concurso � puramente material; suas aptid�es
s�o antes um predicado f�sico que ind�cio de eleva��o.
Muito diferente � a parte dos m�diuns nos
fen�menos intelectuais, de todos os mais interessantes
e nos quais melhor se revela a personalidade das intelig�ncias
invis�veis. � por eles que nos v�m os ensinos,
as revela��es que fazem do Espiritismo n�o somente um
campo de explora��es cient�ficas, mas ainda, conforme
a express�o de Russel Wallace, �um verbo, uma palavra
�.

Passemos em revista alguns desses fen�menos:

O da escrita direta deve, em primeiro lugar, atrair
nossa aten��o. Em certas circunst�ncias, v�-se aparecerem
folhas de papel cobertas de escrita de origem n�o
humana (113). N�s mesmos assistimos � produ��o de
muitos fatos dessa natureza. Um dia entre outros, em
Orange, no correr de uma sess�o de Espiritismo, vimos
descer pelo espa�o, por cima de nossa cabe�a, um peda�o
de papel que parecia sair do teto e que veio, lentamente,
cair no chap�u colocado em cima da mesa, ao
p� de n�s. Duas linhas com uma letra fina, dois versos
estavam nele escritos. Exprimiam um aviso, uma predi��o
que nos dizia respeito e que mais tarde se realizou.

A maior parte das vezes esse fen�meno se produz
em ard�sias duplas, fechadas, seladas, carimbadas, no

(113) Ver "No Invis�vel", cap. XVIII.

L�ON DENIS

interior das quais se coloca um fragmento de l�pis.

A comunica��o � redigida em presen�a dos assistentes,

�s vezes em l�ngua estrangeira, desconhecida do m�dium

e das pessoas presentes, e responde a perguntas por

estas formuladas.

O Dr. Gibier estudou esse g�nero de manifesta��es

durante trinta e tr�s sess�es, com o concurso do m�dium

Slade (114).

Censuraram este �ltimo por experimentar fora das
vistas dos assistentes, colocando as ard�sias debaixo da
mesa. Citaremos, portanto, de prefer�ncia o caso do m�dium
Eglinton, relatado na obra do professor Stainton
Moses, da Universidade de Oxford, intitulada �Psycography
�. A� o fen�meno se produzia em plena luz, �
vista de todos.

Nessa obra ele fala de uma sess�o a que assistia

o Sr. Gladstone. O grande estadista ingl�s escreve uma
pergunta na ard�sia e volta-a imediatamente, adaptando-
a a uma outra; um peda�o de l�pis � colocado no
intervalo. Amarram-se as duas ard�sias, sobre as quais
o m�dium coloca a extremidade dos dedos para estabelecer
a comunica��o flu�dica. Pouco depois, ouve-se o
ranger do l�pis. O olhar penetrante do Sr. Gladstone n�o
se desviava do m�dium. Nessas condi��es de rigorosa
verifica��o, foram obtidas respostas em v�rias l�nguas,
algumas das quais ignoradas do m�dium, respostas em
perfeita concord�ncia com as perguntas formuladas.
A �Revue Spirite� de abril 1907 relata as experi�ncias
de escrita direta efetuadas pelo Dr. Roman Uricz,
chefe de cl�nica do hospital de Bialy-Kamien, na Gal�cia.
Assim se exprime ele:

"Muito tempo me ocupei de Espiritismo. Tenho agora
um m�dium com quem durante tr�s meses realizei experi�ncias,
duas vezes por semana, e obtive fen�menos verdadeiramente
interessantes.

(114) Ver "Espiritismo ou Faquirismo ocidental", pelo
Dr. Gibier.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 177

Esse m�dium � uma camponesa absolutamente ignorante.
Frequentou a escola de sua aldeia dois anos apenas,
l� com dificuldade e escreve mal. Est� empregada
como criada de uma Sra. R., em Bialy-Kamien. �s sess�es,
efetuadas em minha casa, assistem, al�m de mim e do m�dium,
essa Sra. R. e um amigo, o Dr. W. Obtivemos a
escrita, direta. O que � not�vel e, que o saiba, inteiramente
novo, � o modo por que a obtivemos. Tenho visto muitas
vezes a escrita produzida entre duas ard�sias ou no papel,
com um l�pis, num quarto em condi��es de escuridade; mas
as precau��es que tom�mos foram de tal ordem que excluem
absolutamente qualquer possibilidade de fraude, n�o
s� da parte do m�dium, como de qualquer outra pessoa.
Quis ver, sem resqu�cio de d�vida, como se produzia a
escrita. Fiz, por conseguinte, construir, com o consentimento
da Intelig�ncia diretora, o seguinte aparelho:


Uma caixinha de madeira, A B C D, munida, em lugar
da t�bua dianteira B D, de um saco em forma de funil
S S, feito de um tecido de seda escura, flex�vel mas encorpado,
de 50 cent�metros de comprimento.

Na extremidade desse saco foi adaptado um pequeno
tubo H, com um l�pis, M N, introduzido de tal sorte que
a parte posterior do l�pis e, mesmo o l�pis quase todo,
fica dentro da caixa, ficando a ponta agu�ada N saliente
do tubo H e apoiada numa folha de papel P. O interior
da caixa � inteiramente escuro e o saco em nada impede
os movimentos do l�pis. Com essa disposi��o logr�mos
obter, � plena luz, com extrema rapidez e absoluta seguran�a,
comunica��es escritas por um processo vis�vel aos
olhos de todos. O m�dium coloca as m�os no tampo superior
C D e, ao fim de alguns minutos, come�a a escrita, enquanto
a parte inferior do saco se intumesce, como se m�o
oculta se houvesse introduzido no interior.


178 L�ON DENIS

� em tais condi��es e por esse �nico meio que atualmente
comunicamos com a Intelig�ncia invis�vel. Quanto ao
conte�do das mensagens, �s vezes muito longas, � consideravelmente
superior � intelig�ncia do m�dium e excede n�o
raro a capacidade dos outros assistentes, pois que frequentemente
recebemos comunica��es em alem�o e em franc�s �

o m�dium n�o fala sen�o o dialeto eslavo; � e um dia recebemos
uma mensagem de cinco p�ginas, em ingl�s, l�ngua
que nenhum de n�s conhece. As mensagens s�o, �s
vezes, muito engenhosas e sugestivas. Assim, uma noite,
perguntei se os Esp�ritos eram imateriais. � "Sim, em
certo sentido", foi-me respondido. � "Ent�o, repliquei, estais
fora do tempo e do espa�o." � "N�o. . ." � "Como?"
� "Um ponto geom�trico � tamb�m imaterial, pois que
n�o t�m dimens�es, e entretanto est� no espa�o. O que
acabo de dizer n�o constitui mais que uma compara��o,
porque n�s outros, Esp�ritos, temos dimens�es, mas n�o como
v�s." Uma camponesa ignorante, de catorze anos, seria capaz
de dar semelhantes respostas?
Outro dia, recebemos uma prova de identidade indubit�vel.
Durante a sess�o o l�pis escreveu, em caracteres inteiramente
novos para n�s: "Agrade�o-lhe a inje��o que
me f�z, quando estava em meu leito de morte. O senhor
me aliviou. � Carolina C... " Perguntei a quem eram dirigidas
essas palavras. "Ao senhor", respondeu a Intelig�ncia.
� "Quando se deu esse fato e quem sois?", perguntei.
O l�pis escreveu: "No dia 18 de setembro 1900,
no hospital de Lemberg." Nesse ano era eu ainda estudante
e trabalhava nesse estabelecimento como auxiliar de cl�nica.
Era tudo de que me recordava a tal respeito.

Dias depois da sess�o, tive ensejo de ir a Lemberg.
Dirigi-me ao hospital e encontrei, no registo de 1900, o
nome em quest�o. Era de uma mulher de 56 anos, doente
de c�ncer do est�mago e que l� morrera. Fui ent�o ao
escrit�rio dos assentamentos da Pol�cia e perguntei se havia
em Lemberg algu�m com o nome de C. Informaram-me
que havia uma professora com esse nome. Fui nesse mesmo
dia procur�-la e como me dissesse ela haver perdido
a m�e em 1900, mostrei-lhe a comunica��o recebida por
escrita direta. Com grande espanto, reconheceu a senhora,
imediatamente, a letra e a assinatura de sua falecida m�e,
exibindo cartas por esta escritas, que provavam, sem d�vida
poss�vel, a identidade da comunicante. Deu-me de bom gra



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 179

do uma dessas cartas. Entretanto, n�o me lembro de ter
dado inje��o de morfina em Carolina C."

Muito mais comum que o precedente, � o fen�meno
da escrita medi�nica. O sensitivo, sob um impulso
oculto, tra�a no papel comunica��es, mensagens em cuja
reda��o o seu pensamento e vontade apenas tiveram
parte m�nima. Essa faculdade apresenta aspectos muito
variados. Puramente mec�nica em certos m�diuns, que
ignoram, no momento em que escrevem, a natureza e
sentido das comunica��es obtidas � a ponto de poderem
alguns falar enquanto escrevem, desviar a aten��o
e trabalhar na escuridade � no maior n�mero � ela
semimec�nica; neste caso o bra�o e o c�rebro s�o igualmente
influenciados; as palavras surgem ao pensamento
do m�dium no pr�prio momento em que as tra�a o l�pis.
As vezes, � puramente intuitiva e, por conseguinte, de
natureza menos convincente e mais dif�cil de verificar.

As comunica��es obtidas por esses diferentes processos
apresentam grande variedade de estilo e s�o de
valor muito desigual. Na maior parte, n�o cont�m sen�o
banalidades, mas h� tamb�m algumas not�veis pela beleza
da forma e eleva��o do pensamento.

Damos, a seguir, alguns exemplos, obtidos por diferentes
m�diuns.

A PRECE

M�dium, Sra. F.

� chegado o momento de poder a intelig�ncia, suficientemente
desenvolvida no homem, compreender a a��o,
significa��o e alcance da prece. Certo de ser compreendido,
posso, pois, dizer: N�o mais incredulidade, nem fanatismo!
antes a completa seguran�a da for�a que Deus concede a
todos os seres, quando a Ele se eleva o pensamento.

Na prece, na lembran�a volvida a esse Pai, fonte inexaur�vel
de bondade e caridade, longe de v�s essas palavras
aprendidas, que os l�bios pronunciam num h�bito adquirido,
mas deixam frio o cora��o em seus impulsos. Reanimados
e atra�dos para Ele pelo conhecimento da verdade, pela f�


L�ON DENIS

profunda e a verdadeira luz, enviai ao Eterno os vossos co


ra��es num pensamento de amor, de respeito, de confian�a

e abandono; em um transporte, enfim, de todo o ser, esse

veemente impulso interior, �nico a que se pode chamar

prece!

Desde a aurora, a alma que se eleva, pela prece, ao

infinito, experimenta uma como primavera de pensamento

que, nas circunst�ncias diversas da exist�ncia, a conduz ao

fim preciso, que lhe � designado.

A prece conserva � inf�ncia essa inoc�ncia em que sentis
ainda a pureza, reflexo do repouso que a alma fruiu
no espa�o. Para o adolescente � o freio repressor da impetuosidade,
que nele brota como vigoroso fluxo; seiva geratriz,
se � seguida, perda certa em caso de desfalecimento,
mas resgate, se a alma pode e sabe retemperar-se na
prece.

Depois, na idade em que, na plenitude de sua for�a e
faculdade, o homem sente em si a energia que, muitas vezes,
o deve conduzir �s grandes coisas, a concentra��o em
que se firma o pensamento, esse grito da consci�ncia que
lhe dirige os atos n�o � ainda a prece?

E do fraco, poderoso amparo, n�o � a prece o consolo,
a luz que o auxilia a dirigir-se, como o prisma do
farol que indica ao n�ufrago a praia salvadora?

No perigo, mediante estas duas palavras proferidas com
f� "meu Deus!" � envia o homem toda uma prece ao Criador.
Esse brado, essa depreca��o ao Todo-Poderoso n�o
exprime, como recorda��o, o instinto do socorro que ele
espera receber?

O marinheiro exposto aos perigos, � m�ngua de todo
socorro em meio dos elementos desencadeados, formula em
sua f� profunda um voto: � prece cuja sinceridade sobe radiosa
Aquele que o pode salvar!

E quando ruge na Terra a tempestade, grandes e pequenos
tremem ao considerar a pr�pria impot�ncia e, a essa
voz poderosa que repercute nas profundezas da terra, oram
e confiantes dizem estas palavras: Deus! preserva-nos de
todo perigo! � Abandono completo, na prece, Aquele que,
por sua vontade, tudo pode.

Quando chega a idade em que nos desaparece a for�a,
em que os anos fazem sentir todo o seu peso, em que a
alma ensombrada pelos sofrimentos, pela fraqueza que a
invade se sente incapaz de reagir; quando, finalmente, o ser


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

se v� acabrunhado pela ina��o, a prece, caudal refrigerante,
lhe vem acalmar e fortalecer as derradeiras horas que deve
permanecer na Terra.

Em qualquer idade, quando vos assediam as provas,

quando sofre o corpo e, sobretudo, o cora��o amargurado

j� n�o deixa repousar feliz o pensamento no que consola

e atrai, � prece, unicamente � prece, reclamam a alma, o

pensamento, o cora��o, a calma que j� n�o possuem.

Quando o encarnado, na plenitude de suas energias, inspirado
pelo desejo do belo e do grande, refere suas aspira��es
a tudo que o rodeia, pratica o bem, torna-se �til, auxilia
os desgra�ados e, celeste prece, for�a do pensamento,
em seus atos � amparado pelo fluido poderoso que do Al�m
se lhe associa, constante e invis�vel cadeia do encarnado
com os desencarnados e, para mim, prece!

Direi, pois, a todos que a bondade inspira, aos que,
neste s�culo em que o pensamento inquieto investiga sem
firmeza, sentem a necessidade de uma f� profunda e regeneradora:
� Ensinai a prece � crian�a, desde o ber�o!
Todo ser, mesmo no extravio das paix�es, conserva a lembran�a
da impress�o recebida no limiar da vida e torna a
encontrar como consola��o, no crep�sculo da exist�ncia percorrida,
o encanto ainda presente dos anos aben�oados em
que a crian�a, iniciando-se na vida, respira sem temor, vive
sem inquieta��o, proferindo nos bra�os de sua m�e este
nome t�o grande e t�o doce � "Deus!" que ela lhe ensina
a murmurar.

Haurindo for�a e convic��o nessa piedosa lembran�a,
ele repetir� com toda a confian�a, no �ltimo adeus � Terra,
a prece aprendida no primeiro sorriso.

JER�NIMO DE PRAGA.

O C�U ESTRELADO. OS MUNDOS

M�dium, Srta. M. L.

Claridades siderais, vias do c�u! V�s, que indicais �s
almas as linhas ideais de sua evolu��o; v�s, que vos estendeis
pelas profundezas dos espa�os! Planetas, donde as almas
vos contemplam, n�o sois mais que poeiras douro, luminosos
tra�os no escuro c�u de estio. Para aqueles que,
por�m, j� n�o aprisiona o t�mulo da carne, planetas, estrelas,
sois os verdadeiros mensageiros do divino pensamen



182 L�ON DENIS

to; escreveis no misterioso e divino livro da Cria��o os gloriosos
salmos com que Deus quis assinalar a sua obra. Sois

o perp�tuo assombro das criaturas e vosso esplendor lhes
h�-de sempre dar as sensa��es vertiginosas do infinito! O'
nebulosas, vias-l�cteas, constela��es inumer�veis, sois como
bacantes pelo pensamento de deus embriagadas! Projetais
vossos eternos giros ao redor dos s�is, como as antigas sacerdotistas
em torno ao carro do deus. Sacudis nos espa�os
as luminosas cabeleiras e assim lan�ais, atrav�s dos tempos,
um testemunho fulgurante de vossas exist�ncias. Vossos
cingulos se desenrolam, nas noites de ver�o em feixes
�gneos; os b�lidos, os globos abrasados se vos desprenderam
dos flancos e cingis assim o mundo, nos sulcos luminosos
por eles dourados no seio dos espa�os.
Vossas vibra��es harm�nicas fazem acompanhamento
ao hino sagrado das almas, e nunca a vossa melodiosa trajet�ria
parece mais bela aos nossos olhos do que � hora
em que terminado, finalmente, o percurso que Deus vos
assinou, ou acabada a vossa tarefa de p�tria de alma em
evolu��o, ides despeda�ar-vos contra o obst�culo por Deus
indicado, projetando atrav�s dos espa�os, assombrados com

o vosso desaparecimento, as part�culas dessa mat�ria de
que �reis formados e que vai regressar ao seio de Deus,
para reconstituir outros universos.
Passai, estrelas e planetas; seguis r�pidos e v�rios e
vosso giro, vossas �rbitas imensas, parecem o s�mbolo da
eternidade; sois belos e deslumbrais os humanos olhares;
mas que sois para a alma? Lugares de passagem, o caro
albergue em que nos demoramos uma noite, a escutar os
sons melodiosos que desferem as �rvores ao vento. Mas o
viajante partiu, a casa com as paredes fendidas se desmoronou;
s� restam as velhas pedras, douradas pelo Sol de estio,
a meio cobertas pelas desordenadas ervas invasoras.

Assim vos haveis de destruir, estrelas e planetas; n�o
sereis mais que uma poeira de astro, planetas vagabundos
pelo c�u. Mas a alma permanecer� fiel � vossa lembran�a,
e, quando perto lhe passar um desses b�lidos, h�-de ela
reconhecer algo da antiga morada que Deus lhe destinara.

Terra, tu que me viste passar, que em teu seio recolheste
as l�grimas que vertia o homem pela dor acabrunhado,
vais desmoronar-te perante o teu Senhor. J� a alma prev�

o tempo em que h�s-de ser apenas um planeta sem vida,
e receamos o teu desaparecimento. Assim � a lei. O' Terra,
� minha m�e! tu morrer�s; mas os milh�es de almas em

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 183

brion�rias que constitu�am tua mat�ria, ser�o ent�o libertados
e prosseguir�o noutro lugar a sua evolu��o. N�o deploremos,
pois, a tua sorte; ela � grande, � nobre, est� em
harmonia com a lei de Deus. E quando, atingidas outras
altitudes morais meus olhos contemplarem extasiados as
fulgurantes constela��es na profundeza dos espa�os, procurarei
o lugar em que, radiante dos pensamentos que teu
divino vestu�rio agita, deverias passar.

Nada mais verei que uma lembran�a; encontrarei outras
estrelas em forma��o, o espa�o ser� ainda imut�vel,
outros planetas ser�o outras tantas terras, portadoras de
almas como as que hoje trazes. Mas o que foram tuas
montanhas, teus vales benditos em que ressoa a voz da Humanidade,
j� nem mesmo ser� uma poeira no seio dos firmamentos.
Nada mais restar� de tua antiga forma. Ufana-
te, por�m, � Terra! ter�s cumprido o teu dever. As almas,
gra�as a ti, se ter�o transportado a outros lugares,
aos espa�os em que circulam constantemente os pensamentos
do amor impenetr�vel, que s�o a vida e a exist�ncia
das almas deslumbradas por esse foco incessantemente renovado.


A Deus, Terra, ao teu Senhor deves o amor e o reconhecimento,
e eu sei que lhe rendes homenagem, porque
ou�o extasiado os melodiosos cantos que tua atmosfera, ao
passar no eterno �ter, entoa como as almas conscientes da
verdade.

Estrelas, inclinai-vos em vossas �rbitas radiosas: lan�ai
eternamente ao firmamento os feixes de luz que vos revelam.
Estais no seio d'Aquele que �!

R.
RECORDA��ES TERRESTRES. O DESERTO

M�dium, Srta. M. L.

O deserto profundo e avermelhado se estende qual mar
long�nquo, ao p� das colinas, donde mergulho a vista nessas
extens�es misteriosas e sem vida. O Sol se esconde, a noite
cai e ao t�rrido calor do dia vai suceder a sombra glacial.
O deserto adormece, a vira��o caiu. Aqui, ali, mal se destacam
alguns espinhosos e raqu�ticos arbustos. S�o manchas
pardas nessa toalha luminosa e informe, que as �ltimas
claridades do Sol fazem brilhar ainda. Morrem as horas ao
Sol do deserto; parece j� n�o existir o tempo na face dessa
terra �rida e triste. A alma tamb�m fica absorta e n�o v�


184 L�ON DENIS

passar diante de si mais que os grupos de estrelas no sombrio
fundo azul. Envolvi os ombros no albornoz que mal me
protejer� do frio, e talvez esse gesto revele tamb�m minha
inquieta��o e susto em presen�a desse horizonte imenso que
guarda o segredo de tantos mortos!. . . Recolho-me tamb�m;
quero esquivar-me a esse mist�rio, ao enigma dessas terras
desoladas. Escuto: nenhum rumor de vida; apenas alguns
murm�rios do vento, algumas long�nquas sonoridades que
dificilmente o ouvido apreende. A sombria e silenciosa majestade
do deserto me comove e oprime.

Procuro dar um pouco de vida �quela solid�o; volto-me
para o meu �rabe e lhe pergunto onde faremos a sesta.
Sei bem que n�o compreenderei sen�o a meio sua resposta;
mas ao menos ouvirei uma voz humana. Esfor�o in�ltil; o
murm�rio de minhas palavras parece o grito do inseto. Somos
ridiculamente humildes em presen�a do deserto. N�o
� a voz de um homem que o pode comover; � preciso a do
vento e da tempestade. A extens�o n�o vibrou de humanos
sons; desprezou meu esfor�o, do mesmo modo que o pr�ximo
vento apagar� os vest�gios de meus passos.

Os cimos das colinas se abaixam no horizonte, semelhantes
a le�es que talvez durmam nos seus antros.
Dir-se-iam esfinges agachadas, cochilando. Elas guardam os
mist�rios do deserto. Escuto; o sil�ncio � sempre o deus do
espa�o, e s� a noite indica que h� um poder do tempo. Mas,
a Humanidade n�o respeita essa grandeza. Vamos violar a
poderosa e formid�vel solid�o, e nossos filhos buscar�o nela
instalar os seus �dios.

O deserto � poderoso; lutar� contra a invas�o e por muito
tempo as suas estradas de rutilante esplendor conservar�o

o reflexo do sangue dos audaciosos viajores que lhe quiseram
arrancar o segredo.
UM DESCONHECIDO

A REENCARNA��O

M�dium, J. D.

A grande ideia da reencarna��o � a �nica, meus irm�os,
capaz de restaurar a nossa decadente sociedade. Somente
ela pode reprimir esse ego�smo avassalador que desagrega
fam�lia, p�tria, sociedade, e que substitui a generosa ideia
do dever por essa feroz concep��o de uma individualidade
que se deve afirmar a todo custo.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 185

O materialismo que destro�ou a cren�a na vida futura,

e os dogmas incompletos, que desnaturam o princ�pio subli


me das religi�es, fizeram murchar na alma humana essas

admir�veis flores de um ideal superior �s subalternas con


ting�ncias da vida material e � brutalidade impulsiva dos

instintos.

� preciso, meus irm�os, que alguma coisa venha des


pertar nas almas o sentido da vida espiritual.

Por mais que a Ci�ncia multiplique as suas maravilhas,

por mais que o homem despenda as admir�veis faculdades

da sua intelig�ncia e do seu g�nio, permanecem est�reis to


dos os seus esfor�os, se em si mesmo n�o possui as fontes

vivas da vida espiritual; se n�o sente palpitar em si essa

vida imperec�vel, que lhe assegura a imortalidade e torna-o

consciente desse Universo eterno, de que � uma das vivas e

eternas part�culas.

N�o, n�o, irm�os, o homem n�o � esse ef�mero e an�nimo
ser; poeira transit�ria de vida, que dura apenas um instante
para sofrer e morrer. O homem � a vida, a vida eterna,
individualizada na subst�ncia para adquirir consci�ncia de
si mesmo e constituir a plenitude da felicidade pela plenitude
do conhecimento.

Sim, o homem � grande: grande porque � o art�fice da
sua pr�pria grandeza; grande porque, com o pr�prio esfor�o,
cria sua futura personalidade; porque todas as aquisi��es da
sua intelig�ncia, da sua raz�o e do seu cora��o, as deve ele
ao seu trabalho e experi�ncia.

O' divina reencarna��o! Por ti, o bruto inconsciente se
converte em g�nio; por ti, o mau adquire a bondade suprema
e o ignorante o conhecimento de todas as coisas. Por ti,

o homem toma gradualmente consci�ncia de si mesmo; cada
vida lhe traz uma experi�ncia, cada exist�ncia uma for�a e
um poder novos; por ti, n�o h� dor nem prova que n�o tenha
objetivo; toda alegria � uma recompensa. Por ti, a mais
�ntima solidariedade vincula todas as criaturas, e o progresso,
a forma��o de uma sociedade melhor, � a obra comum
e secular.
Quando a ideia da reencarna��o se houver novamente
senhoreado da mentalidade humana, o progresso social dar�
um passo imenso. As mis�rias e prova��es do homem lhe
parecer�o menos dolorosas, porque ter�o para ele um sentido
positivo. Com mais seguran�a h�-de ele saborear as suas
alegrias, porque sentir� que a vida se lhe tornou est�vel com
a imortalidade.


186 L�ON DENIS

O Universo j� se lhe n�o figurar� implac�vel m�quina,
cujas engrenagens trituravam desapiedadamente as criaturas,
sem se preocupar com os seus gritos e estertores.

O homem compreender�, ent�o, que existe um foco
imenso, do qual � ele chamado a se tornar uma centelha
consciente e fecunda, depois de haver aprendido, na s�rie
de suas vidas sucessivas, o segredo da eterna vida, isto �: a
intelig�ncia que sabe, a consci�ncia que age, e o amor que
ama.

PASTOR B.

A NATUREZA

M�dium, Srta. M. L.

Visitei muitas vezes o vosso belo pa�s, quando meu marido
residia �s margens do Loire e conhe�o todo o encanto
da Primavera entre v�s. Vi o p�ssaro responder � sua
ninhada, quando o seu primeiro pipilar reclamava imperiosamente
mais abundante nutri��o. N�o tendes os c�lidos ardores
meridionais, mas o vosso c�u � mais suave: a luz de
vossos s�is no ocaso se diversifica e multiplica de nuvem
em nuvem, e prolonga o crep�sculo.

Muitas vezes escutei, como o podereis fazer por vossa
parte, a queda abafada dos brancos e veludosos flocos de
neve. Os ninhos balou�am, esquecidos e vazios, nas extremidades
dos galhos despojados da folhagem. A Natureza parece
morta, mas, como toda verdadeira obra de Deus, encerra
a esperan�a das vindouras primaveras. Minha alma �
irm� do Inverno: nela dorme as suas recorda��es. Sei, por�m,
que minha vontade pode ressuscitar esse passado de
ontem e dar-me, com a permiss�o de Deus, a ilus�o das
vidas transcorridas e a certeza de um melhoramento sempre
desejado. A Natureza � a nossa grande educadora; com
ela aprendemos a balbuciar o nome divino e � ela que canta,
�s noites, o hino universal que a Humanidade escuta emocionada;
transfunde a alegria em nossos cora��es e nos faz
ver a verdade, porque � a grande mediadora. Se soub�ssemos
escutar a sua voz, ser�amos mais que homens: ter�amos
adivinhado a palavra divina.

MME. MlCHELET.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 187

INVOCA��ES

M�dium, Srta. B. R.

O' Deus, tu que infundes, ao mesmo tempo, nobre terror
e soberana admira��o aos que teu nome pronunciam,
digna-te inundar com tua luz resplandecente os fracos que
a ti se dirigem num grito de ang�stia e de amor!

A ti, meu Deus, se eleva lentamente meu pensamento.
Em ti, foco de amor, procura minha alma se abrasar. Faze
baixar � tua humana criatura teu ardente sopro; faze cair

o v�u de cegueira que me cobre os olhos e me oculta os teus
imensos horizontes; revela a meu ser teus infinitos esplendores;
murmura ao meu cora��o palavras de vida; fala-me,
� tu, que em todo o meu ser sinto vibrar!
Deus! Ser majestoso de grandeza e de simplicidade, foco
sempre ardente de vida, amor e luz! Tu que numa eternidade
sabes conter o infinito! Tu, receptor ao mesmo tempo de
meus queixumes e de minhas jubilosas expans�es, tu, ainda,
que me guias com teus radiosos meteoros, cuja r�pida passagem
ilumina meu sombrio asilo, ampara-me, consola-me!
Tu finalmente, cujo sopro abrasador me reanima a expirante
chama, pousa um instante sobre mim tua piedade;
faze renascer em mim a centelha desprendida do teu braseiro
de amor. Ouve minha prece! Envia, como resposta, um
raio da tua pura claridade e faze que, ao teu nome, todo o
meu ser, num sublime transporte, a ti se arroje.

I. IRIAC.
Imaginaram recentemente os s�bios experimentadores
ingleses, sob o nome de �cross-correspondence�, um
novo processo de comunica��o com o invis�vel, que seria
bem pr�prio a atestar a identidade dos Esp�ritos cujas
manifesta��es se produzem mediante a escrita medi�nica.
Oliver Lodge o descreveu numa reuni�o efetuada em
30 de janeiro de 1908, pela Sociedade de Investiga��es
Ps�quicas, de Londres.

"A "cross-correspondence" � diz ele � isto �, o recebimento
por um m�dium, de uma parte de comunica��o, e
de outra parte por outro m�dium, n�o podendo cada uma
dessas partes ser compreendida sem a adjun��o da outra, �


188 L�ON DENIS

boa prova de que uma �nica Intelig�ncia opera sobre os dois

automatistas.

Se, al�m disso, a mensagem apresenta os caracter�sticos
de um finado e � recebida a esse t�tulo por pessoas que

o n�o conheciam intimamente, pode ver-se nisso a prova da
persist�ncia da atividade intelectual do desaparecido. E se
do mesmo modo obtemos um trecho de cr�tica liter�ria, inteiramente
conforme ao seu modo de pensar e que n�o poderia
ser imaginado por terceira pessoa, digo que a prova �
convincente. Tais as esp�cies de provas que a Sociedade pode
comunicar sobre esse ponto."
Depois de referir-se aos esfor�os em tal sentido
empregados pelos Esp�ritos de Gumey, Hodgson e Myers
em particular, acrescenta o orador:

"Achamos que suas respostas a perguntas especiais s�o
formuladas de um modo que caracteriza sua personalidade e
revela conhecimentos que eram de sua compet�ncia."

"A parede que separa os encarnados dos desencarnados

� diz ele ao terminar � ainda se mant�m de p�, mas
acha-se adelga�ada em muitos lugares. A semelhan�a dos
escavadores de um t�nel, ouvimos, em meio do ru�do das
�guas e dos outros rumores, as pancadas de picareta dos
nossos camaradas do outro lado."
A isso n�o se limitaram os ingleses. Fundaram um
escrit�rio de comunica��es regulares com o outro mundo.
Foi o intr�pido escritor W. Stead que o organizou
em Londres, a inst�ncias de uma amiga desaparecida,
Srta. J�lia Ames; e da� a sua denomina��o: �Escrit�rio
de J�lia�. Esse Esp�rito se prop�e vir em aux�lio, assim
de todos os desencarnados que procuram entrar em rela��o
com os vivos que atr�s de si deixaram, como dos
encarnados acabrunhados com a perda de um ente caro.
Para ser admitido a solicitar uma comunica��o, J�lia,
que dirige pessoalmente as sess�es, n�o requer sen�o
duas coisas: uma afei��o l�cita e sincera, e um estudo
pr�vio do problema esp�rita. N�o tolera retribui��o alguma.
O impetrante, uma vez tomado em considera��o o
pedido, � levado � presen�a de tr�s m�diuns diferentes
e todos os resultados s�o registrados.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 189

Esse escrit�rio j� conseguiu, desde a sua funda��o,
estabelecer numerosas comunica��es com o invis�vel.
�Lan�ou uma ponte de uma a outra margem do t�mulo�,
com alguma raz�o o disse W. Stead.

Durante o primeiro trimestre de sua exist�ncia, centenas
de pedidos lhe foram endere�ados, na maior parte
aceitos por J�lia. Calcula W. Stead que, pelo menos, 75
por 100 dos que passaram pela tr�plice prova dos m�diuns
receberam respostas concludentes, em metade dos
casos afirmando os impetrantes, de modo absoluto, que
obtiveram por um ou outro m�dium, sen�o por todos
eles, provas estremes de toda contradi��o (115).

A clientela do escrit�rio J�lia �, sobretudo, arrebanhada
entre pessoas cultas e instru�das: doutores, advogados,
professores, etc. Um rep�rter do �Daily News�
refere que um dia acompanhou um autor bem conhecido,
cujo nome causaria admira��o por imiscuir-se em semelhante
assunto. Esse autor desejava obter a manifesta��o
de um amigo falecido. Obtido o consentimento de
J�lia, foi, como de costume, posto sucessivamente em
rela��o com tr�s m�diuns, assistidos por um esten�grafo,
sendo redigido de cada sess�o um detalhado termo.
Numa das sess�es, sua casa foi exatamente descrita com
os arredores; numa outra recebeu uma mensagem que
julgou provir, com certeza, do amigo falecido.

*

Sendo o mundo dos Esp�ritos, em grande parte,
constitu�do pelas almas que viveram na Terra, e sendo
as Intelig�ncias de escol, em um meio como no outro,
em diminuto n�mero, facilmente compreenderemos que
na sua maior parte as comunica��es de al�m-t�mulo
sejam destitu�das de grandeza e originalidade. Quase
todas, entretanto, t�m um car�ter moral incontest�vel
e denotam louv�veis inten��es. Quantas pessoas desoladas
t�m podido, por esse meio, receber dos que amaram
e julgavam perdidos, palavras de anima��o e conforto!

(115) Ver a "International Review", setembro 1909.

190 L�ON DENIS

Quantas almas hesitantes na obscura trilha do dever

t�m sido animadas, desviadas do suicidio, fortalecidas

contra as paix�es, mediante exorta��es vindas do outro

mundo!

Acima ainda dessas manifesta��es, cuja utilidade

� t�o evidente e cujo efeito moral � t�o intenso, � pre


ciso colocar certas comunica��es extraordin�rias, subs


critas por modestos nomes ou termos aleg�ricos, mas

animadas de um sopro vigoroso e que trazem, em sua

forma e ensinos, o cunho de Esp�ritos verdadeiramente

superiores. Foi com documentos dessa natureza que se

constituiu a doutrina do Espiritismo. Allan Kardec re


colheu grande n�mero deles. Mesmo depois, n�o se es


tancaram essas fontes do pensamento sobre-humano;

elas t�m continuado a fluir para a Humanidade.

Os fen�menos de escrita direta ou autom�tica s�o
completados e confirmados pelos fatos de incorpora��o
(116). Nestes, os Esp�ritos j� se n�o contentam com
tidade dos Esp�ritos se verifica pela forma dos caracte�rg�os
de um m�dium adormecido. Este por eles mergulhado
em sono magn�tico, abandona o seu inv�lucro a
personalidades invis�veis, que dele se apoderam para
conversar com os assistentes. Por esse meio, sugestivas
conversa��es s�o entabuladas entre os habitantes do espa�o
e os parentes e amigos que deixaram na Terra.

Nas manifesta��es da escrita mec�nica, j� a identidade
dos Esp�ritos se verifica pela forma dos caracteres
tra�ados, pela analogia das assinaturas, pelo estilo
e at� pelos erros de grafia habituais a esses Esp�ritos,
e que reaparecem nas suas comunica��es. Nos fen�menos
de incorpora��o, essa identidade ainda se torna mais
evidente. Pelas suas atitudes, gestos e dizeres, o Esp�rito
se revela tal qual era na Terra. Os que o conheceram
em sua precedente encarna��o, reconheceram-no
integralmente o mesmo; a sua individualidade reaparece
em locu��es caracter�sticas, em express�es que lhe eram
familiares, em mil particularidades psicol�gicas que es


(116) Ver "No Invis�vel", cap. XIX.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 191

capam � an�lise e s� podem ser apreciadas pelos que

estudaram de perto esse fen�meno.

Nada mais emocionante, por exemplo, que ouvir u'a
m�e, vinda do al�m-t�mulo, exortar e reanimar os filhos
que deixou neste mundo. Nada mais curioso que ver Esp�ritos
das mais diversas categorias animar sucessivamente
o inv�lucro de um m�dium e manifestar-se aos
assistentes, pela palavra e pelo gesto. A cada um deles
a fisionomia do sensitivo se transforma, a voz muda, a
express�o fision�mica se modifica. Pela linguagem e atitudes
a personalidade do Esp�rito se revela, antes mesmo
que d� o nome.

Tivemos, por muito tempo, em um c�rculo de experimenta��o
a cujos trabalhos presidiamos, dois m�diuns
de incorpora��o. Um servia de �rg�o aos Esp�ritos protetores
do grupo. Quando um destes o animava, as linhas
do seu rosto adquiriam express�o ang�lica, a voz se suavizava,
tornava-se melodiosa. A linguagem revestia formas
de pureza, poesia, eleva��o muito acima das faculdades
pessoais do sensitivo. Sua vista parecia penetrar fundo

o cora��o dos assistentes. Lia-lhes os pensamentos; dirigia,
nominalmente a cada um, avisos, advert�ncias relativamente
ao seu estado moral e � sua vida privada,
o que denotava, logo � primeira vista, conhecimento perfeito
do car�ter e do estado de consci�ncia de todos.
Palestrava sobre coisas �ntimas, s� deles conhecidas.
Impunha-se a todos pelo seu ar majestoso, do mesmo modo
que pela sabedoria e do�ura das express�es. A impress�o
produzida era profunda. Tudo parecia vibrar e iluminar-
se, em torno desse Esp�rito. Ao retirar-se, sent�amos
que alguma coisa de grande passara entre n�s.
Quase sempre um segundo Esp�rito, de certa eleva��o
mas de car�ter muito diferente, lhe sucedia no
corpo do m�dium. Esse Esp�rito tinha a palavra r�pida
e forte, o gesto en�rgico e dominador. Sua ci�ncia era
vasta. Aceitara o encargo de dirigir os estudos morais
e filos�ficos do grupo e sabia resolver os mais dif�ceis
problemas. N�s o t�nhamos em grande considera��o e
nos compraz�amos em lhe obedecer. Para qualquer re



192 L�ON DENIS

c�m-chegado, por�m, era um espet�culo estranho ver sucederem,
no fr�gil inv�lucro de uma senhora de maneiras
t�midas e modestos conhecimentos, dois Esp�ritos de
car�ter t�o elevado e t�o dissemelhantes.

O segundo m�dium n�o oferecia, nas manifesta��es
de que era agente, menor interesse. Era uma senhora
elegante e instru�da, esposa de um oficial superior e que
parecia, � primeira vista, reunir as melhores condi��es
para fen�menos de car�ter transcendente. Ora, na pr�tica,
era exatamente o contr�rio que se verificava. Essa
senhora servia habitualmente de instrumento a Esp�ritos
pouco adiantados, que haviam ocupado na Terra diversas
posi��es. Interessante ouvir, por exemplo, uma
ex-vendedora de legumes de Amiens exprimir-se em
algaravia picarda, pela voz de uma pessoa de maneiras
distintas e que nunca estivera na Picardia. A linguagem
da m�dium, correta e escolhida quando desperta,
tornava-se confusa, arrastada, semeada de lapsos e de
express�es regionais durante o sono magn�tico, quando

o Esp�rito de Sofia intervinha em nossas sess�es. Desde
que este se afastava, outros Esp�ritos o vinham substituir
desfilando, por assim dizer, no inv�lucro da sensitiva
e apresentando-nos sucessivamente os tipos mais
disparatados: um antigo sacrist�o de voz untuosa e arrastada,
emitida em tom baixo, como se estivesse na
igreja; um ex-procurador de gesto imperioso e ares escarninhos,
palavra r�spida e decisiva, etc.
Outras vezes, eram cenas tocantes, de arrancar l�grimas
aos assistentes. Amigos de al�m-t�mulo vinham
lembrar recorda��es da inf�ncia, servi�os prestados,
erros cometidos; expor seu modo de vida no espa�o,
falar das alegrias ou dos sofrimentos morais colhidos
depois da morte, conforme a sua norma de vida na Terra.
Assist�amos a animadas conversa��es entre Esp�ritos,
comovedoras disserta��es sobre os mist�rios da vida e
da morte, sobre todos os grandes problemas do Universo,
e, de cada vez, sentimo-nos emocionados e fortalecidos.
Essa �ntima comunh�o com o mundo invis�vel
descerrava infinitas perspectivas ao nosso pensamento;


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 193

influ�a em todos os nossos atos, esclarecia-nos com uma
luz intensa a trilha da exist�ncia ainda t�o obscura e
tortuosa para a multid�o dos que a percorrem. Dia vir�
em que a Humanidade conhecer� o valor desses ensinos
e deles participar�. Nesse dia, ter-se-� renovado a face
do mundo.

Depois de haver passado em revista os principais
fen�menos que servem de base ao moderno Espiritualismo,
ficaria incompleto o nosso resumo se n�o diss�ssemos
algumas palavras acerca das obje��es apresentadas
e das teorias adversas, com que se tem procurado
explic�-los.

H�, em primeiro lugar, a nega��o absoluta. O Espiritismo,
t�m dito, n�o � mais que conjunto de fraudes
e de embustes. Todos os fatos extraordin�rios em que
se baseia s�o simulados.

� verdade que alguns impostores t�m procurado
imitar esses fen�menos; mas os art�fices t�m sido facilmente
descobertos e os esp�ritas foram os primeiros a
indic�-los. Em quase todos os casos mencionados acima:
levita��o, apari��es, materializa��o de Esp�ritos, os m�diuns
foram ligados, amarrados � pr�pria cadeira; freq�entemente,
os experimentadores lhes seguravam os
p�s e as m�os. �s vezes, foram mesmo colocados em casinhotas
fechadas, especialmente preparadas para esse
fim, e cuja chave ficava em poder dos operadores, enfileirados
ao redor do m�dium. Foi em tais condi��es que
numerosos casos de materializa��o de fantasmas se
produziram.

Em suma, as imposturas foram quase sempre desmascaradas
e muitos fen�menos jamais foram imitados,
pela simples raz�o de que escapam a toda imita��o.

Os fen�menos esp�ritas t�m sido observados, verificados,
inspecionados por s�bios c�pticos, que passaram
por todos os graus da incredulidade e cuja convic��o
n�o se formou sen�o pouco a pouco, sob a press�o
dos fatos.

Esses s�bios eram homens de laborat�rio, f�sicos e
qu�micos experimentados, m�dicos e magistrados. Pos



194 L�ON DENIS

su�am todos os requisitos necess�rios, toda a compet�ncia
para desmascarar as mais h�beis fraudes, para frustrar
as mais bem urdidas tramas. Seus nomes pertencem
ao n�mero dos que s�o para toda a Humanidade objeto
de respeito e venera��o. Ao lado desses homens ilustres,
todos os que se t�m entregue a um estudo paciente,
consciencioso e perseverante desses fen�menos, v�m afirmar
a sua realidade; ao passo que a cr�tica e a nega��o
emanam de pessoas cujo pronunciamento, baseado em
insuficientes no��es, s� pode ser superficial.

Aconteceu a alguns deles o que muitas vezes acon


tece aos observadores inconstantes. N�o obtiveram mais

que med�ocres resultados, �s vezes mesmo negativos, e

se tornaram mais c�pticos que dantes. N�o quiseram

tomar em considera��o uma coisa essencial: que o fe


n�meno esp�rita � regido por leis, submetido a condi��es

que importa conhecer e observar (117). Sua paci�ncia

cansou muito depressa. As provas que exigem n�o se

obt�m em poucos dias. W. Crookes, Russell Wallace,

Z�llner, Aksakof, Dale Owen, Robert Hare, Myers, Lom


broso, Oliver Lodge e outros muitos s�bios estudaram

a quest�o longos anos. N�o se contentaram com assistir

a algumas sess�es mais ou menos bem dirigidas e em

que bons m�diuns funcionassem. Deram-se, eles pr�


prios, ao trabalho de investigar os fatos, de os acumular

e analisar; penetraram at� ao fundo das coisas. Por

isso, foi a sua perseveran�a coroada de �xito e o seu

m�todo de investiga��o pode ser oferecido como exem


plo a todo pesquisador severo.

Entre as teorias lan�adas � circula��o para explicar
os fen�menos esp�ritas, a da alucina��o ocupa sempre
o maior lugar. Perdeu, entretanto, toda a raz�o de
ser, � vista das fotografias de Esp�ritos obtidas por
Aksakof, Crookes, Volpi, Ochorowicz, W. Stead e tantos
outros. N�o se fotografam alucina��es.

Os invis�veis n�o somente impressionaram as placas

fotogr�ficas, como tamb�m instrumentos de precis�o,

(117) Ver "No Invis�vel", caps. IX e X.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 195

como os aparelhos Marey (118); levantam objetos materiais
e os decomp�em e recomp�em; deixam impress�es
na parafina derretida. Est�o a� outras tantas provas
contra a teoria da alucina��o, quer individual, quer
coletiva.

Certos cr�ticos acusam os fen�menos esp�ritas de
vulgaridade, grosseria, trivialidade; consideram-nos rid�culos.
Essas aprecia��es provam incompet�ncia. As manifesta��es
n�o podem ser diferentes do que teriam sido,
provindas do mesmo Esp�rito, quando na Terra. A morte
n�o nos muda e n�s somos, na outra vida, exclusivamente
o que n�s fizemos aqui na Terra. Da� a inferioridade
de tantos seres desencarnados.

Por outro lado, essas manifesta��es grosseiras e
triviais t�m sua utilidade, porque s�o o que melhor nos
revela a identidade do Esp�rito. Elas t�m convencido
in�meros experimentadores da realidade da sobreviv�ncia;
pouco a pouco os levaram a observar, a estudar fen�menos
de ordem mais elevada. Porque, como vimos,
os fatos se encadeiam e ligam em ordem gradual, em
virtude de um plano que parece indicar a a��o de um
poder, de uma vontade superior, que procura arrancar
a Humanidade � sua indiferen�a e impeli-la para o estudo
e a investiga��o dos seus destinos. Os fen�menos
f�sicos, mesas falantes, casas mal-assombradas, eram
necess�rios para atrair a aten��o dos homens, mas nisso
� necess�rio apenas ver meios preliminares, um encaminhamento
para mais elevados dom�nios do conhecimento.


Por muito tempo foi o Espiritismo considerado coisa
rid�cula: por muito tempo foram os esp�ritas achincalhados,
escarnecidos, acusados de loucura. Mas, em todos
os que se fizeram portadores de uma ideia, de uma for�a,
de uma verdade nova n�o aconteceu a mesma coisa?
Louco! disseram de Galileu; loucos Giordano Bruno,
Galvani, Watt, Palissy, Salom�o de Caus!

(118) Ver "Annales des Sciences Psychiques", agosto, setembro
e novembro 1907 e fevereiro 1909.

196 L�ON DENIS

A senda do progresso �, muitas vezes, ingrata aos
inovadores. Tem sido regada por muitas l�grimas e por
muito sangue. Aqueles, cujos nomes acab�mos de citar,
tiveram de abrir caminho atrav�s da conspira��o dos
interesses. Eram desprezados por uns, detestados e perseguidos
por outros. Lutaram e sofreram; comparativamente
com eles, os que s�o hoje apenas ridiculizados
devem considerar sumamente benigna a sua sorte. Foi
inspirando-se nesses grandes exemplos que os esp�ritas
aprenderam a suportar com paci�ncia os sofrimentos.
Uma coisa os tem consolado de todos os sarcasmos: � a
certeza de que tamb�m s�o portadores de um benef�cio,
de uma for�a, de uma luz � Humanidade.

Em cada s�culo a Humanidade retifica suas aprecia��es.
O que parecia grande torna-se pequeno, o que
se figurava pequeno se agiganta. Hoje mesmo, j� se come�a
a compreender que o Espiritismo � um dos mais
consider�veis acontecimentos dos modernos tempos, uma
das mais not�veis formas da evolu��o do pensamento, o
germe de uma das maiores revolu��es morais que o
mundo ter�, porventura, conhecido.

Quaisquer que sejam os motejos de que � objeto, �
preciso reconhecer que ao Espiritismo � que a nova
ci�ncia ps�quica deve o nascimento, porque sem ele, sem

o impulso que lhe deu, todas as descobertas que se vinculam
a essa ci�ncia n�o teriam surgido.
No que concerne ao estudo das manifesta��es dos
Esp�ritos, sentem-se os esp�ritas em muito boa companhia.
Os nomes ilustres de Russell Wallace, de Crookes,
Robert Hare, Mapes, Z�llner, Aksakof, Butlerof, Wagner,
Flammarion, Myers, Lombroso, t�m sido repetidamente
citados. V�em-se tamb�m s�bios como os professores
Barrett, Hyslop, Morselli, Bottazzi, William James, da
Universidade de Harvard, Lodge, reitor da Universidade
de Birmingham, o professor Richet, o coronel de Rochas,
etc., que n�o consideram indignos deles tais estudos.
Que pensar, depois disso, das acusa��es de rid�culo e
loucura? Que provam elas sen�o esta coisa contristadora:
que o imp�rio da rotina subsiste em certos meios?


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

O homem se inclina, muit�ssimas vezes, a julgar os fatos
no limite do acanhado horizonte dos seus preconceitos
e dos seus conhecimentos. � preciso elevar mais alto,
projetar mais longe o olhar e medir a sua fraqueza em
face do Universo. Assim se aprender� a ser modesto, a
nada rejeitar nem condenar sem pr�vio exame.

Tem-se procurado explicar todos os fen�menos do
Espiritismo pela sugest�o e pela dupla personalidade.
Nas experi�ncias, dizem, o m�dium se sugestiona a si
mesmo, ou, ainda, padece a influ�ncia dos assistentes.

A sugest�o mental, que outra coisa n�o � sen�o a
transmiss�o do pensamento, n�o obstante as dificuldades
que apresenta, pode compreender-se e estabelecer-se
entre dois c�rebros organizados, por exemplo entre o
magnetizador e o sensitivo. Pode-se, por�m, acreditar
que a sugest�o opere sobre mesas? Pode admitir-se que
objetos inanimados sejam aptos a receber e reproduzir
as impress�es dos assistentes?

Com essa teoria n�o se poderiam explicar os casos
de identidade, as revela��es de fatos, de datas, ignorados
do m�dium e dos circunstantes, as quais se produzem
muit�ssimas vezes nas experi�ncias, tanto como as
manifesta��es contr�rias � vontade de todos os espectadores.
Algumas vezes, particularidades absolutamente
ignoradas de toda criatura na Terra, t�m sido reveladas
por m�diuns, e depois averiguadas e reconhecidas exatas.
Disso h� exemplos not�veis na obra de Aksakof,
�Animismo e Espiritismo� e na de Russell Wallace,
�O Moderno Espiritualismo�, assim como casos de mediunidade
verificados em crian�as de tenra idade, os
quais, do mesmo modo que os precedentes, n�o poderiam
ser explicados pela sugest�o (119).

Segundo os Srs. Pierre Janet e Ferre (120) � e a�
est� uma explica��o de que frequentemente se servem
os advers�rios do Espiritismo � deve comparar-se um

(119) Ver, nota complementar n� 13, o caso do professor
Hare.
(120) P. Janet, "O automatismo psicol�gico".

L�ON DENIS

m�dium escrevente a um sensitivo hipnotizado, ao qual
se sugere uma personalidade durante o sono, e que, ao
despertar, tem perdido a lembran�a dessa sugest�o.
O sensitivo escreve inconscientemente uma carta, uma
narrativa referente a essa pessoa imagin�ria. A� est�,
dizem, a origem de todas as comunica��es esp�ritas.

Todos os que possuem alguma experi�ncia do Espiritismo
sabem que essa explica��o � inadmiss�vel. Os
m�diuns, escrevendo de um modo autom�tico, n�o s�o
previamente mergulhados em sono hipn�tico. � no estado
de vig�lia, na plenitude de suas faculdades e do seu
�eu� consciente que os m�diuns escrevem, sob o impulso
dos Esp�ritos. Nas experi�ncias do Sr. Janet, h� sempre
um hipnotizador em liga��o magn�tica com o sensitivo.
N�o � isso o que se d� nas sess�es esp�ritas; nem o evocador,
nem os assistentes atuam sobre o m�dium; este
ignora absolutamente o car�ter do Esp�rito que vai intervir.
Muitas vezes mesmo, as perguntas s�o dirigidas
aos Esp�ritos por incr�dulos, mais dispostos a combater
a manifesta��o do que a facilit�-la.

O fen�meno da comunica��o gr�fica n�o consiste
�nicamente no car�ter autom�tico do escrito, mas, sobretudo,
nas provas inteligentes, nas identidades que
testifica. Ora, as experi�ncias do Sr. Janet nada de semelhante
fornecem, absolutamente. As comunica��es
sugeridas aos sensitivos hipnotizados s�o sempre de acabrunhadora
banalidade, ao passo que as mensagens dos
Esp�ritos cont�m, muitas vezes, indica��es, revela��es
que se relacionam com a vida presente e passada de
seres que na Terra conhecemos, que foram nossos amigos
ou parentes, particularidades ignoradas do m�dium
e que revestem cunho de certeza que os distingue, absolutamente,
das experi�ncias de hipnotismo.

N�o se conseguiria, mediante a sugest�o, fazer escreverem
analfabetos, obter, por meio de um velador,
poesias como as que recolheu o Sr. Jaubert, presidente
do Tribunal de Carcassone e que obtiveram pr�mios nos
jogos florais de Tolosa. Nem por esse meio se poderia,
igualmente, provocar a apari��o de m�os, de formas


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 199

humanas, nem ainda a escrita em ard�sias trazidas por
observadores que n�o as largaram um momento.

� preciso recordar que a doutrina dos Esp�ritos
foi constituida mediante numerosas comunica��es, obtidas
por m�diuns escreventes, aos quais eram absolutamente
estranhos tais ensinos. Quase todos haviam sido
embalados em sua inf�ncia pelos ensinos das igrejas,
pelas ideias de inferno e para�so. Suas convic��es religiosas,
as no��es que sobre a vida futura possu�am, estavam
em flagrante oposi��o com as opini�es expostas
pelos Esp�ritos. Neles n�o havia ideia alguma preconcebida
da reencarna��o, nem das vidas sucessivas da
alma, nem da verdadeira situa��o do Esp�rito depois da
morte, coisas essas expostas nas comunica��es obtidas.
H� nisso uma obje��o irrefut�vel � teoria da sugest�o;
a realidade objetiva das comunica��es ressalta com
tanto mais vigor, quanto os m�diuns n�o se achavam
de modo algum preparados, pela sua educa��o e por suas
opini�es pessoais, para as concep��es transmitidas pelos
Esp�ritos.

� evidente que, no meio da enorme quantidade de
fatos esp�ritas atualmente registados, muitos h� med�ocres
e pouco concludentes, outros que podem ser explicados
pela sugest�o ou pela exterioriza��o do sensitivo.
Em certos grupos esp�ritas, s�o as pessoas levadas a
tudo aceitar como procedente dos Esp�ritos, e n�o p�em
convenientemente de parte os fen�menos duvidosos. Por
muito ampla, por�m, que seja a parte atribu�da a estes,
resta um imponente conjunto de manifesta��es inexplic�veis
pela sugest�o, pelo inconsciente, pela alucina��o
e por outras an�logas teorias.

Os cr�ticos procedem sempre de modo uniforme a
respeito do Espiritismo. N�o se ocupam sen�o de um
g�nero especial de fen�menos e afastam propositadamente
da discuss�o tudo o que n�o podem compreender
nem refutar. Desde que acreditam haver encontrado a
explica��o de alguns fatos insulados, apressam-se a
concluir pelo absurdo do conjunto. Ora, quase sempre
a sua explica��o � inexata e deixa na penumbra as


L�ON DENIS

provas mais flagrantes da exist�ncia dos Esp�ritos e da
sua interven��o nas coisas humanas.

Outra teoria, muitas vezes invocada pelos contraditores
da ideia esp�rita, � a do inconsciente, ou do ego
inconsciente. A ela se reportam numerosos sistemas,
obscuros e complicados.

Segundo essa teoria, dois seres co-existiriam em
n�s: um consciente, que se conhece e se possui; outro
inconsciente, que a si pr�prio se ignora, como � por n�s
ignorado e que, todavia, possui faculdades superiores
�s nossas, pois que lhe s�o atribu�dos todos os fen�menos
do magnetismo e do Espiritismo; e n�o somente
haveria um segundo �n�s mesmos�, mas um terceiro, um
quarto e mais at�, porque certos te�ricos admitem no
homem a exist�ncia de grande n�mero de personalidades,
de consci�ncias diferentes. Esse sistema � conhecido
sob o nome de policonsci�ncia.

Conforme demonstrou o Sr. Ch. Richet no seu livro
�O homem e a intelig�ncia, o sonambulismo provocado�,

o que se denomina a dupla personalidade representa,
simplesmente, os diversos estados de uma �nica e mesma
personalidade. Assim tamb�m o inconsciente n�o �
mais que uma forma da mem�ria, o despertar em n�s de
lembran�as, de faculdades, de capacidades adormecidas
(121). Os teoristas do inconsciente pretendem, por
esse meio, combater o maravilhoso e inventam um sistema
ainda mais fant�stico e complicado do que tudo o
que colimam. N�o s� a sua teoria � inintelig�vel, mas
n�o explica absolutamente os fen�menos esp�ritas, porque
n�o se pode compreender como o inconsciente produziria
formas de finados, comunica��es inteligentes
por meio de sons ou de pancadas, e todos os fatos outros
atestados por experimentadores de todos os pa�ses.
Tamb�m se pretendeu atribuir as mensagens ditadas
em sess�o a uma esp�cie de consci�ncia coletiva,
que se desprendesse do conjunto dos assistentes. Concep��o
il�gica, se assim fosse. Um fato o vai demonstrar.

(121) Ver "O Problema do Ser e do Destino", cap. IV.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 201

No dia 25 de outubro de 1908, foi realizada uma
sess�o, de manh�, em Paris, no escrit�rio do Sr. H. Rousseau,
16 Boulevard Beaumarchais. Durante a sequente
refei��o, no domic�lio da fam�lia, em Vincennes, um batimento
de pancadas chamou a aten��o. Algu�m desejava
ser atendido e o m�dium, uma filha da fam�lia, foi
solicitado por esse invis�vel a retificar certos erros de
particularidades cometidos, de manh�, em Paris. Seria
preciso, pois, admitir que esse hipot�tico ser, esse subconsciente,
emana��o de todo um grupo, persistisse
depois da partida do maior n�mero e pudesse vir, noutro
meio, impressionar o m�dium para fazer corrigir, com
intelig�ncia e precis�o, as indica��es err�neas, registadas
de manh�.

Quase sempre se confunde o subconsciente, quer
com o duplo flu�dico, que n�o � um ser mas um organismo,
quer com o Esp�rito familiar, preposto � guarda
de toda alma encarnada neste mundo.

Pode-se perguntar em virtude de que acordo universal
esses inconscientes ocultos no homem, que se
ignoram entre si e a si pr�prios se ignoram, s�o un�nimes,
no curso das manifesta��es ocultas, em se dizerem
Esp�ritos de mortos.

Pelo menos, � o que temos podido verificar nas
in�meras experi�ncias em que temos tomado parte durante
mais de trinta anos, em t�o diversos pontos, na
Fran�a e no estrangeiro. Em parte alguma se apresentaram
os seres invis�veis como inconscientes, ou �egos�
superiores dos m�diuns e de outras pessoas presentes,
mas sempre como personalidades diferentes, na plenitude
de sua consci�ncia, como individualidades livres,
tendo vivido na Terra, conhecidos dos assistentes, na
maioria dos casos com todos os caracteres do ser humano,
suas qualidades e defeitos, suas fraquezas e virtudes,
e dando frequentes provas de identidade (122).

O que h� de mais not�vel nisso, convenhamos, � a
arg�cia, a fecundidade de certos pensadores, sua habili


(122) Ver nota complementar n. 12 e No Invis�vel, "Identidade
dos Esp�ritos", cap. XXI.

L�ON DENIS

dade em arquitetar teorias fantasistas, no intuito de se
esquivarem a realidades que lhes desagradam e os incomodam.


Indubitavelmente, n�o previram todas as consequ�ncias
dos seus sistemas; fecharam os olhos aos resultados
que deles se podem deduzir. N�o ponderando
que essas doutrinas funestas aniquilam a consci�ncia e
a personalidade, dividindo-as, s�o conduzidos, fatal e
logicamente, � nega��o da liberdade, da responsabilidade
e, por conseguinte, � destrui��o de toda a lei moral.

Com essa hip�tese, efetivamente, o homem seria
uma dualidade, ou uma pluralidade mal equilibrada, em
que cada consci�ncia agiria � vontade, sem preocupa��o
das outras. S�o tais no��es que, penetrando nas almas,
tornando-se para elas uma convic��o, um argumento, as
impelem a todos os excessos.

Resumamos. Tudo, na Natureza e no homem, �
simples, claro, harm�nico. O esp�rito de sistema � que
complica e obscurece tudo.

Do exame atento, do estudo constante e aprofundado
do ser humano, resulta uma coisa: a exist�ncia em
n�s de tr�s elementos: o corpo f�sico, o corpo flu�dico
ou perisp�rito, e, finalmente, a alma ou esp�rito. O que
se chama o inconsciente, a segunda pessoa, o eu superior,
a policonsci�ncia, etc., � simplesmente o esp�rito
que, em certas condi��es de desprendimento e de clarivid�ncia,
sente em si mesmo produzir-se uma como manifesta��o
de pot�ncias ocultas, um conjunto de elementos
que estavam momentaneamente escondidos sob o
v�u da carne.

N�o, certamente; o homem n�o possui muitas consci�ncias.
A unidade ps�quica do ser � a condi��o essencial
da sua liberdade e da sua responsabilidade. Nele,
por�m, h� muitos estados de consci�ncia. � propor��o
que o Esp�rito se desprende da mat�ria e se emancipa
do seu inv�lucro carnal, suas faculdades, suas percep��es
se ampliam, despertam as recorda��es, dilata-se a irradia��o
da personalidade. � o que, algumas vezes, se
produz no estado de �transe�, de sono magn�tico. Nesse


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 203

estado, o v�u espesso da mat�ria se levanta e as capacidades
latentes reaparecerem. Da�, certas manifesta��es
de uma mesma Intelig�ncia, que t�m podido fazer crer
numa dupla personalidade, numa pluralidade de consci�ncias.


Isso n�o basta, entretanto, para explicar os fen�menos
esp�ritas: na maioria dos casos, a interven��o de
Intelig�ncias estranhas, de vontades livres e aut�nomas,
imp�e-se como a �nica explica��o racional.

N�o citaremos sen�o incidentemente a teoria que
atribui aos dem�nios essas manifesta��es. � argumento
bem s�di�o, porque dele se tem feito uso em todos os
tempos e contra quase todas as inova��es. �Deve julgar-
se a �rvore pelos frutos� � diz a Escritura. Ora,
se ponderarmos todo o bem moral que j� realizou no
mundo o Espiritismo, se considerarmos quantos c�pticos,
indiferentes, sensuais, t�m sido por ele encaminhados
para uma concep��o mais alta e salutar da vida, da justi�a
e do dever; quantos ateus reconduzidos ao pensamento
de Deus, teremos de concluir que o dem�nio, se
autor dos fen�menos de al�m-t�mulo, trabalha contra
si, em detrimento dos pr�prios interesses. O que noutro
lugar (123) dissemos do inferno e dos dem�nios, nos
dispensa de insistir neste ponto. Satan�s n�o passa de
um mito. N�o h� ser votado eternamente ao mal.

Se na maior parte as cr�ticas formuladas contra o
Espiritismo s�o injustas e err�neas, for�a � reconhecer
que, entre elas, algumas h� fundadas. Muitos abusos se
op�em � marcha e desenvolvimento do moderno espiritualismo.
Esses abusos n�o devem ser atribu�dos � ideia,
em si mesma, sen�o � m� aplica��o que dela � feita em
certos meios. N�o se d� isso com todas as coisas humanas?
N�o h� ideia alguma, por mais santa e respeit�vel,
que n�o tenha ocasionado abusos: � a inevit�vel
consequ�ncia da inferioridade do nosso mundo. No que
respeita ao Espiritismo, cumpre assinalar, antes de tudo,
a mediunidade venal, que induz muitos sensitivos � si


123 Ver "Depois da Morte", cap. XXXVII.


204 L�ON DENIS

mula��o dos fen�menos e, em segundo lugar, as nocivas
pr�ticas adotadas em alguns grupos baldos de saber, de
preparo e dire��o. Muitas pessoas fazem do Espiritismo
fr�vola divers�o e, por meio do que se denomina �dan�a
das mesas�, atraem Esp�ritos inferiores e levianos;
estes, n�o t�m escr�pulo em mistific�-las e travar com
elas rela��es que podem conduzir at� � obsess�o.

Outras se aplicam, sem fiscaliza��o, � escrita medi�nica
e obt�m copiosas comunica��es, subscritas por
nomes c�lebres e que n�o passam de med�ocres, sem
estilo nem originalidade.

H�, assim, um Espiritismo de baixa esfera, dom�nio
exclusivo dos Esp�ritos inferiores, n�o raro viciado de
fraude, mentira, embuste, e contra o qual nunca seria
demais nos precatarmos.

S�o essas pr�ticas que t�m feito acreditar na interven��o
de dem�nios, quando n�o se trata sen�o de Esp�ritos
vulgares e atrasados. Basta adquirir alguma
experi�ncia dessas coisas, para distinguir a natureza dos
seres invis�veis e eximir-se �s ciladas dos Esp�ritos
inferiores.

Estes abusos t�m sido assinalados muitas vezes, e
mesmo exagerados � vontade. Deles t�m lan�ado m�o
para combater o moderno espiritualismo. Grave erro,
por�m, seria n�o ver na pr�tica do Espiritismo sen�o
esses inconvenientes e, a pretexto de os evitar, querer
privar a Humanidade das vantagens reais, consider�veis,
que pode auferir de um estudo s�rio, de uma prudente
e refletida pr�tica da mediunidade.

Quanto aos perigos que apresenta o Espiritismo,
facilmente podem ser conjurados, abstendo-se as pessoas,
nas sess�es, de todo pensamento fr�volo, de todo
objetivo interesseiro, procedendo �s evoca��es com piedoso
e elevado sentimento. �Os semelhantes se atraem�,
diz o prov�rbio. Nada mais verdadeiro no dom�nio dos
estudos ocultos. As perguntas banais e fr�volos gracejos,
usuais em certos meios, atraem os Esp�ritos mistificadores.
As disposi��es s�rias, ao contr�rio, os pen



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 205

samentos graves e recolhidos, agradam �s Intelig�ncias
superiores.

� perigoso trabalhar sozinho, sem inspe��o, sem
prote��o eficaz; � perigoso entregar-se insuladamente
�s evoca��es esp�ritas. Para evitar as m�s influ�ncias
e manifesta��es grosseiras, deve-se procurar o concurso
de pequeno n�mero de pessoas esclarecidas, votadas ao
bem, sob a dire��o de um crente experimentado. Nessas
condi��es, pedi a Deus, com cora��o sincero, permita a
um Esp�rito elevado prestar-vos seu amparo, afastar os
n�mades da sombra, facilitar o acesso em vosso grupo
aos que amais e cuja aus�ncia vos aflige; pedi �s Intelig�ncias
superiores vos ministrem seus ensinos e vos
guiem os passos nesse fecundo campo da comunh�o espiritual.
Se os vossos sentimentos forem desinteressados,
se n�o procurardes nesse estudo sen�o um meio de
purifica��o, eles ser�o felizes em acudir ao vosso chamado
e o Espiritismo se tornar� fonte de esclarecimento
e de inspira��es elevadas.

*

De nossa explana��o resulta que atingimos uma
hora decisiva na hist�ria da Ci�ncia.

A ci�ncia experimental franqueou o limite que separa
dois mundos, o vis�vel e o invis�vel. Ela se encontra
em presen�a de um infinito vivo. Era o que dizia

o professor Ch. Richet, da Academia de Medicina de
Paris, em seu relat�rio sobre as sess�es esp�ritas de
Mil�o: �E' um mundo novo que se nos descerra.� De
meio s�culo para c�, lentamente, mas com seguran�a,
encaminha-se a Ci�ncia, de descoberta em descoberta,
para o conhecimento da vida flu�dica, invis�vel, de perfeita
conformidade com o ensino do moderno espiritualismo.
Dessa concord�ncia vai resultar a mais firme
certeza, que jamais o homem possuiu, da sobreviv�ncia
da alma e da sua indestrutibilidade.
Atualmente, essa quest�o, acompanhada de perto
durante anos, resolvida por grande n�mero de s�bios


206 L�ON DENIS

que a t�m estudado, ainda o n�o foi pela ci�ncia oficial,
que hesita ainda: mas seu veredicto n�o pode tardar.
Acima das quest�es de interesse, das rivalidades, superior
aos sofismas, �s sutilezas, �s contradi��es, o problema
se apresenta imperativo ao tribunal do pensamento.
Em presen�a dos fatos esp�ritas, da sua persist�ncia,
da sua incessante renova��o e prodigiosa variedade,
� for�oso pronunciar-se e dizer se a morte � o
nada, ou se h�, de fato, um destino para o homem.

Este um debate verdadeiramente grave e solene.
Todas as nega��es e todas as esperan�as est�o em causa.
Todas as escolas t�m interesse na solu��o do problema,
em saber se h�, como o estabelecemos, uma prova objetiva
da sobreviv�ncia do ser, escoimada de todo car�ter
m�stico.

As escolas materialistas de um lado, as igrejas do
outro, se inquietam e se agitam, porque nisso descobrem
um motivo de decad�ncia e enfraquecimento para elas,
ao passo que seria, realmente, essa comprova��o da sobreviv�ncia,
um meio de aproxima��o e concilia��o. Da�,
tamb�m, todas as objurgat�rias, todos os protestos que
se levantam. Quaisquer que sejam, por�m, a indecis�o
da Ci�ncia, a oposi��o das escolas, a obstina��o com que
s�o combatidas a nova ideia e as descobertas que a originaram,
as pot�ncias invis�veis que operam no mundo
n�o empregar�o menos tenacidade e energia em as defender
e propagar, porque, mais alto que o interesse
das escolas, que as teorias e sistemas, h� uma coisa que
deve triunfar e impor-se: � a verdade.

H� muito recalcado em suas profundezas, quer pelo
materialismo que lhe negava a exist�ncia, quer pela
Igreja que, a pretexto de feiti�aria, lhe condenava as
manifesta��es, o mundo invis�vel se retrair�. Agora,
entra novamente em a��o. As manifesta��es ocultas se
produzem sob todas as formas, desde as mais banais �s
mais transcendentes, conforme o grau de eleva��o das
Intelig�ncias que interv�m. Elas se desdobram de conformidade
com um plano majestoso, cujo intuito claramente
se revela, e outro n�o � sen�o mostrar ao homem


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 207

que ele n�o � apenas mat�ria perec�vel, mas que tem
dentro de si uma ess�ncia que sobrevive ao corpo e pode
entrar em comunica��o com outros seres humanos, depois
da morte, uma individualidade chamada a desenvolver-
se livremente atrav�s do infinito do tempo e da
imensidade dos espa�os.

O invis�vel faz, pouco a pouco, irrup��o no mundo
vis�vel e, a despeito dos sarcasmos, hostilidades e resist�ncias,
� evidente que a sua a��o se vai estender e
multiplicar, cada vez mais, at� que o homem chegue,
finalmente, a melhor conhecer-se, a discernir a lei da
vida e dos seus destinos.

H�, pois, na observa��o desses fatos o germe de
uma revolu��o que abranger� progressivamente todo o
dom�nio dos conhecimentos humanos.

Antes de tudo, no ponto de vista cient�fico, esses
fatos nos descerram todo um mundo de for�as, de influ�ncias,
de formas de vida em que est�vamos mergulhados
sem lhe suspeitar a exist�ncia; um mundo cuja
grandeza, tesouros e energias em dep�sito desafiam todo

o c�lculo e previs�o. Eles ensinam tamb�m a ver no
homem a sede de faculdades, de capacidades ocultas,
cuja utiliza��o e desenvolvimento podem conduzir-nos a
alturas grandiosas.
A vida aparece-nos agora sob um duplo aspecto:
simultaneamente corporal e flu�dica. A exist�ncia do
homem � alternativamente terrestre e extra-terrestre e
se efetua ora na carne, sobre a Terra, ora na atmosfera
ou no espa�o, sempre sob a forma humana, mas imponder�vel
e impalp�vel. Esses dois modos de vida se revezam
e se sucedem num ritmo harm�nico, como o dia sucede
� noite, a vig�lia ao sono, ao Ver�o o Inverno.

No ponto de vista moral e filos�fico, as consequ�ncias
do fen�meno esp�rita n�o s�o menos importantes.

H� mais de cinquenta anos t�m sido os fatos comprovados;
quando, desses fatos quiseram remontar �s
causas que os produzem; quando, do conjunto dos fen�menos
quiseram deduzir a lei que os rege, foi reco



L�ON DENIS

nhecida a evid�ncia de uma ordem de coisas que implica
for�osamente uma nova concep��o da vida e do Universo.
N�o somente foram obrigados a reconhecer a
exist�ncia de seres invis�veis, que s�o os esp�ritos dos
mortos, mas tamb�m que esses seres se acham ligados
pelos v�nculos de estreita solidariedade e evolvem para
um objetivo comum, para estados sempre e cada vez
mais elevados.

Com essa concep��o, todas as ideias de lei, todas
as no��es de progresso, justi�a e dever, iluminam-se de
uma nova claridade. Aumenta o sentimento das responsabilidades
morais. A� se entrev� o esperado rem�dio, o
rem�dio poss�vel para os males, os desfalecimentos e as
mis�rias que afligem e debilitam a Humanidade.

Porque, coisa not�vel, essa revela��o chega na hora
precisa em que todas as doutrinas desmoronam ao peso
do tempo, � hora em que se esboroam os sistemas religiosos,
em que o homem parecia reduzido a procurar o
rumo no meio das trevas. Chega na hora em que a sociedade
se v� trabalhada por imensas for�as destruidoras,
em que, da profundeza das massas se eleva ao c�u
um grito de sofrimento e desespero. � nessa hora que
nos chegam as mensagens de paz, amor e esperan�a, que
as pot�ncias do espa�o, os Esp�ritos de luz v�m trazer
� pobre Humanidade conturbada.

X � A Nova Revela��o. A Doutrina

dos Esp�ritos

O moderno espiritualismo, dissemo-lo, � uma nova
forma da revela��o eterna.
Para n�s, revela��o significa simplesmente a��o de
levantar um v�u e descobrir coisas ocultas.

Neste ponto de vista, todas as ci�ncias s�o revela��es;
h�, por�m, uma ainda mais alta � a das verdades
morais que nos vem por interm�dio dos celestes mission�rios,
e, mais frequentemente, pelas aspira��es da
consci�ncia.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 209

Todos os tempos e todos os povos tiveram sua parcela
de revela��o. Esta n�o �, como alguns acreditam,
um fato realizado em dada �poca, em determinado meio
e para sempre. � perp�tua, incessante; � obra do esp�rito
humano em seus esfor�os para elevar-se, sob a influ�ncia
do esp�rito divino ao conhecimento integral das
coisas e das leis. Essa influ�ncia muitas vezes se produz
sem que a perceba o homem. � mediante interven��es
humanas que Deus age sobre a Humanidade, tanto no
dom�nio dos fatos hist�ricos, como no do pensamento e
da Ci�ncia.

� medida que se desenvolve a Hist�ria, � medida
que se estende atrav�s dos s�culos a imensa caravana
da Humanidade, uma luz mais viva se faz em n�s e ao
redor de n�s. A Pot�ncia invis�vel que do seio dos espa�os
acompanha essa marcha, conforme o nosso grau de
evolu��o e compreens�o, oferece-nos novos dados sobre

o
problema da vida e do Universo.
As revela��es dos s�culos passados fizeram a sua
obra. Todas realizaram um progresso, uma sobre as
outras, assim assinalando per�odos sucessivos da Humanidade;
mas j� n�o correspondem �s necessidades da
hora presente, porque a lei do progresso opera sem
cessar, e, � medida que o homem avan�a e se eleva, seus
horizontes devem dilatar-se. Por isso uma dispensa��o
mais completa do que as outras se efetua agora no
mundo.
� necess�rio tamb�m recordar uma coisa, a saber:
se cada �poca not�vel teve os seus reveladores; se esp�ritos
eminentes vieram trazer aos homens, conforme os
tempos e lugares, elementos de verdade e progresso, os
germes por eles semeados ficaram est�reis, muitas vezes.
Suas doutrinas, mal compreendidas, deram origem a religi�es
que se excluem e se condenam injustamente,
porque todas s�o irm�s e repousam sobre duas bases
comuns: Deus e a imortalidade. Cedo ou tarde, elas se
fundir�o em vasta unidade, quando as n�voas que envolvem
o pensamento humano se houverem dissipado
ao sol brilhante da verdade.


L�ON DENIS

Ao lado desses divinos mensageiros, muitos falsos
profetas t�m surgido. Pretensos reveladores t�m querido
impor-se �s multid�es; doutrinas confusas e contradit�rias
se t�m divulgado em proveito aparente de
alguns, mas realmente em preju�zo de todos.

� por isso, para evitar abusos tais, que a nova revela��o
reveste um car�ter inteiramente diferente. N�o
� mais uma obra individual, nem se produz num meio
circunscrito. � dada em todos os pontos do globo, aos
que a procuram, por interm�dio de pessoas de todas as
idades, condi��es e nacionalidades, mediante in�meras
comunica��es, cujo valor tem sido submetido � mais
rigorosa verifica��o.

Obra dos grandes Esp�ritos do espa�o, que v�m aos
milhares instruir e moralizar a Humanidade, apresenta
um cunho impessoal e universal. Sua miss�o � esclarecer,
coordenar todas as revela��es do passado, contidas
nos livros sagrados das diversas ra�as humanas e veladas
sob a par�bola e o s�mbolo. A nova revela��o, livre
de qualquer forma material, manifesta-se diretamente �
Humanidade, cuja evolu��o intelectual tornou-se apta
para abordar os altos problemas do destino. Preparada
pelo trabalho das ci�ncias naturais, sobre as quais se
apoia, e pelos conhecimentos lentamente adquiridos pelo
esp�rito humano, fecunda esses trabalhos e conhecimentos
e os liga por forte v�nculo, formando um todo s�lido.

A revela��o crist� havia sucedido � revela��o moisaica;
a revela��o dos Esp�ritos vem complet�-la. O Cristo
a anunciou (124), e pode acrescentar-se que ele
pr�prio preside a esse novo surto do pensamento.

Como essa revela��o n�o se efetua pelo ve�culo da
ortodoxia, vemos combaterem-na as igrejas estabelecidas;
o mesmo, por�m, se deu com a revela��o crist�,
relativamente ao sacerd�cio judaico. O clero se encontra

(124) "E eu rogarei ao Pai, e ele vos dar� outro Consolador,
para que fique eternamente convosco o Esp�rito de verdade,
que o mundo n�o pode receber, porque o n�o v� nem o
conhece". (Jo�o, XVI, 16, 17).

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 211

hoje na mesma posi��o dos sacerdotes de Israel, h� dois
mil anos, a respeito do Cristianismo. Essa aproxima��o
hist�rica deve faz�-lo refletir.

A nova revela��o manifesta-se fora e acima das
igrejas. Seu ensino dirige-se a todas as ra�as da Terra.
Por toda parte os Esp�ritos proclamam os princ�pios em
que ela se apoia. Por sobre todas as regi�es do globo
perpassa a grande voz que convida o homem a meditar
em Deus e na vida futura. Acima das est�reis agita��es
e das discuss�es f�teis dos partidos, acima das lutas de
interesse e do conflito das paix�es, a voz profunda desce
do espa�o e vem oferecer a todos, com o ensinamento da
Palavra, a divina esperan�a e a paz do cora��o.

� a revela��o dos tempos preditos. Todos os ensinos
do passado, parciais, restritos, limitados na a��o
que exerciam, s�o por ela ultrapassados, envolvidos. Ela
utiliza os materiais acumulados; re�ne-os, solidifica-os
para formar um vasto edif�cio em que o pensamento, �
vontade, possa expandir-se. Abre uma fase nova e decisiva
� ascens�o da Humanidade.

N�o podemos, todavia, calar as in�meras obje��es
que se levantaram contra a doutrina dos Esp�ritos. Mau
grado ao car�ter imponente da nova revela��o, muitos
nela n�o viram mais que um sistema, uma teoria especulativa.
Mesmo entre os que admitiam a realidade dos
fen�menos, houve quem acusasse os esp�ritas de haver
edificado sobre tais fatos uma doutrina prematura,
assim restringindo o car�ter positivo do moderno espiritualismo.


Os que empregam essa linguagem, n�o compreenderam
a verdadeira natureza do Espiritismo. Este n�o �,
como pretendem, uma doutrina previamente elaborada e
menos ainda uma teoria preconcebida; � apenas a consequ�ncia
l�gica dos fatos, o seu complemento necess�rio.

H� meio s�culo, as comunica��es estabelecidas com

o mundo invis�vel n�o t�m cessado de nos fornecer indi

L�ON DENIS

ca��es, t�o numerosas qu�o positivas, sobre as condi��es
da vida nesse mundo. Os Esp�ritos, nas mensagens
que nos d�o em abund�ncia, mediante, quer a escrita
autom�tica, quer os ditados tiptol�gicos, ou, ainda, no
curso de palestras entretidas por via de incorpora��o;
por todos os meios enfim ao seu alcance; os Esp�ritos,
repetimo-lo, de todas as categorias, fazem descri��es
muito circunstanciadas do seu modo de exist�ncia depois
da morte. Descrevem as impress�es ou alegrias que experimentaram,
conforme a sua norma de vida na Terra.
De todas essas descri��es, comparadas, cotejadas entre
si, resulta um conhecimento muito claro da vida futura
e das leis que a regem.

As Intelig�ncias superiores, em suas rela��es medi�nicas
com os homens, v�m completar essas indica��es.
Confirmam os ensinos ministrados pelos Esp�ritos
menos adiantados; elevando-se a maior altura, exp�em

o seu modo de ver, as suas opini�es sobre todos os grandes
problemas da vida e da morte, a evolu��o geral dos
seres, as leis superiores do Universo. Todas essas revela��es
concordam e se unem para constituir uma filosofia
admir�vel.
Acreditaram descobrir certas diverg�ncias de opini�es
no ensino dos Esp�ritos; mas essas diverg�ncias
s�o muito mais aparentes que reais. Consistem, as mais
das vezes, na forma, na express�o das ideias e n�o afetam
a pr�pria ess�ncia do assunto. Elas se dissipam �
luz de um amadurecido exame. Disso temos um exemplo
no que se refere � doutrina das sucessivas reencarna��es
da alma.

Tem-se feito dessa quest�o uma arma contra o Espiritismo,
porque certos Esp�ritos, em pa�ses anglo-sax�nios,
parecem negar a reencarna��o das almas na
Terra. Notaremos que, em toda parte, os Esp�ritos afirmam
o princ�pio das exist�ncias sucessivas, com esta
�nica reserva, no meio muito circunscrito, de que falamos,
de que a reencarna��o se efetuaria, n�o na Terra,
mas noutros mundos. N�o h� nisso, pois, sen�o uma
diferen�a de lugar; o princ�pio permanece intacto.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

Se os Esp�ritos, em alguns pa�ses eivados de tenazes
preconceitos, entenderam dever passar em sil�ncio,
ao come�o, alguns pontos do seu ensino, n�o era isso,
como eles mesmos o reconheceram, para contemporizar
com certos preconceitos de ra�a ou de cor? O que bastaria
para o provar � o n�mero dos espiritualistas anti-
reencarnacionistas, na Am�rica como na Inglaterra, a
diminuir dia a dia, ao passo que o dos partid�rios da
reencarna��o n�o tem cessado de aumentar.

Os Esp�ritos que se manifestam, objeta-se ainda,
n�o s�o todos de ordem elevada. Alguns patenteiam opini�es
muito restritas, conhecimentos muito imperfeitos
acerca de todas as coisas. Outros se mostram ainda imbu�dos
dos preconceitos terrestres, suas concep��es apresentam
o reflexo dos meios em que viveram aqui na Terra.

A morte n�o nos muda em quase nada, como dissemos
(125). N�o se opera, em nossa infinita trajet�ria,
transforma��o alguma brusca. � lentamente, na sequ�ncia
de numerosas exist�ncias, que o Esp�rito se liberta
de suas paix�es, de seus erros e fraquezas, e ascende
para a sabedoria e para a luz.

Desse estado de coisas resulta, necessariamente,
uma grande variedade, uma extrema diversidade de situa��es
entre os invis�veis. As comunica��es dos habitantes
do espa�o, como os seus autores, s�o de valor
muito desigual e sujeitas � verifica��o. Devem ser joeiradas
pela raz�o e pelo bom senso.

Por isso, o moderno espiritualismo n�o dogmatiza
nem se imobiliza. N�o alimenta pretens�o alguma � infalibilidade.
Posto que superior aos que o precederam, o
ensino esp�rita � progressivo como os pr�prios Esp�ritos.
Ele se desenvolve e completa � medida que, com a
experi�ncia, se efetua o progresso nas duas humanidades,
a da Terra e a do espa�o � humanidades que se penetram
mutuamente e das quais cada um de v�s deve,
alternativamente, fazer parte.

(125> Ver cap. IX.


214 L�ON DENIS

Os princ�pios do moderno espiritualismo foram expostos,
estabelecidos, fixados por numerosos documentos,
que emanavam das mais diversas fontes medi�nicas
e apresentavam entre si perfeita concord�ncia. Allan
Kardec e, depois dele, todos os escritores esp�ritas, aplicaram-
se a um longo e minucioso exame das comunica��es
de al�m-t�mulo. Foi reunindo, coordenando o que
estes tinham de comum, que eles acumularam os elementos
de um ensino racional, que fornece satisfat�ria explica��o
de todos os problemas insol�veis antes dele. Esse
ensino, al�m de tudo, � sempre verific�vel, pois que a
fonte donde emana � inesgot�vel. A comunica��o estabelecida
entre os homens e os Esp�ritos � permanente e
universal; ela se acentuar� cada vez mais com os progressos
da Humanidade.

Se � verdade que s�o numerosos, em torno de n�s,
os Esp�ritos tenebrosos e atrasados, � preciso n�o esquecer
que as almas elevadas, descidas das esferas de
luz, tamb�m v�m trazer � Terra esses sublimes ensinamentos,
que, uma vez ouvidos, nunca mais esquecemos.
Ningu�m se poderia eximir � sua influ�ncia. Todos os
que t�m tido a fortuna de ouvir as suas instru��es, conservam
por muito tempo a sua lembran�a e impress�o.
� f�cil compreender que a sua linguagem n�o � deste
mundo, vem de regi�es mais altas.

A esses radiantes Esp�ritos se associam, �s vezes,
as almas dos nossos parentes, dos que am�mos neste
mundo e a cuja sorte n�o podemos ficar indiferentes.
Desde que aos nossos olhos se evidencia a identidade
desses seres, t�o caros para n�s; desde que a sua personalidade
se afirma por mil modos, n�o se nos desperta
uma necessidade imperiosa de conhecer as condi��es
de sua nova vida?

Como permanecer indiferentes, insens�veis � voz dos
que nos embalaram, dos que, em seus bra�os nos acalentaram,
foram a nossa carne e o nosso sangue? Esse
afeto que nos une aos nossos mortos, esse sentimento
que nos eleva acima da poeira terrestre e nos distingue
do animal, n�o nos imp�e o dever de piedosamente re



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 215

colher, examinar e propagar tudo o que eles nos revelam
relativamente a esses graves problemas do destino,
suspensos h� tantos s�culos por sobre o pensamento
humano ?

Os que n�o querem ver no moderno espiritualismo
sen�o o lado experimental, o fato f�sico, que desdenham
as suas consequ�ncias, n�o preferem a casca � polpa da
noz, a encaderna��o ao conte�do do livro? N�o desprezam
o s�bio conselho de Rabelais: �Parti o osso e sugai
a medula� ? � realmente uma subst�ncia fortificante
esse ensino; cura-nos do terror da morte, apercebe-nos
para as lutas fecundas, para a conquista das elevadas
culmin�ncias intelectuais.

O Espiritismo tem um lado inteiramente cient�fico;
repousa sobre provas palp�veis, sobre fatos incontest�veis,
mas s�o principalmente as suas consequ�ncias morais
que interessam � grande maioria dos homens.
A experimenta��o, a minuciosa an�lise dos fatos, n�o
est� ao alcance de todos. Quando mesmo n�o faltasse o
tempo, seriam precisos os agentes, os meios de a��o e de
verifica��o. Os pequeninos, os humildes, os que constituem
a massa popular, nem sempre disp�em do necess�rio
para o estudo dos fen�menos, e s�o precisamente
esses os que t�m maior necessidade de conhecer todos
os seus resultados, todo o seu alcance.

*


A doutrina dos Esp�ritos pode resumir-se em tr�s
pontos essenciais: a natureza do ser, os seus destinos,
as leis superiores do Universo. Abord�-los-emos sucessivamente.


O estudo mais necess�rio, para n�s, � o de n�s
mesmos. O que, antes de tudo, nos importa saber, � o
que somos. Ora, de todos era esse o problema que mais
obscuro permanecia at� agora. Hoje, o conhecimento da
natureza �ntima do homem se destaca t�o perfeitamente
das comunica��es ditadas pelos Esp�ritos, como da


L�ON DENIS

observa��o direta dos fen�menos do Espiritismo, e do
sonambulismo.

O homem possui dois corpos: um de mat�ria grosseira,
que o p�e em rela��o com o mundo f�sico; outro
flu�dico, por meio do qual entra em rela��o com o mundo
invis�vel.

O corpo f�sico � perec�vel e se desagrega na morte;
� um trajo vestido para a dura��o da viagem terrestre.
O corpo flu�dico � indestrut�vel, mas purifica-se e se
eteriza com os progressos da alma, de que � inv�lucro
insepar�vel, permanente. Deve ser considerado o verdadeiro
corpo, o tipo da cria��o corporal, o esbo�o em que
se desenvolve o plano da vida f�sica. � nele que se modelam
os �rg�os, que as c�lulas se agrupam; � ele que
lhes assegura o mecanismo funcional. O perisp�rito, ou
corpo flu�dico, � o agente de todas as manifesta��es da
vida, tanto na Terra, para o homem, como no espa�o,
para o Esp�rito. Ele cont�m a soma de vitalidade necess�ria
ao indiv�duo para renascer e desenvolver-se.

Os conhecimentos acumulados no decurso das encarna��es
anteriores, as recorda��es das passadas exist�ncias
se capitalizam e registam no perisp�rito. Isento
das constantes muta��es padecidas pelo corpo material,
� ele a sede imperec�vel da mem�ria e assegura a sua
conserva��o.

O admir�vel plano da vida revela-se na constitui��o
�ntima do ser humano. Destinado a habitar, alternativamente,
dois mundos diferentes, devia o seu organismo
conter todos os elementos suscet�veis de o p�r em
rela��o com esses mundos e neles facilitar a obra do
seu progresso. N�o somente os nossos sentidos atuais
s�o chamados a desenvolver-se, mas ainda o perisp�rito
encerra, al�m disso, os germes de novos sentidos que
h�o-de desabrochar e se manifestar no decurso das futuras
exist�ncias, dilatando cada vez mais o campo das
nossas sensa��es.

Nossos modos de percep��o acham-se em correla��o
com o grau do nosso adiantamento e em rela��o direta


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 217

com o meio em que habitamos. Tudo se encadeia e se
harmoniza na natureza f�sica, como na ordem moral das
coisas. Um organismo superior ao nosso, n�o teria raz�o
de ser no ambiente em que o homem vem ensaiar os
primeiros passos, percorrer os primeiros est�dios do seu
infinito itiner�rio. Nossos sentidos s�o, por�m, suscet�veis
de aperfei�oamento ilimitado. O homem atual possui
todos os elementos da sua grandeza futura; em progress�o
crescente ver� ele manifestarem-se, em torno de si,
em todas as coisas, propriedades, qualidades que ainda
lhe s�o desconhecidas. Aprender� a conhecer pot�ncias,
for�as, cuja exist�ncia nem sequer suspeita, porque n�o
h� possibilidade de rela��es entre elas e o organismo
imperfeito de que disp�e atualmente.

O estudo do perisp�rito nos revela, desde j�, como
pode o homem viver simultaneamente da vida f�sica e
da vida livre do espa�o. Os fen�menos do sonambulismo,
do desdobramento, da vis�o, da a��o a dist�ncia, constituem
outros tantos modos dessa vida exterior, de que
n�o temos consci�ncia alguma durante a vig�lia. O Esp�rito,
na carne, � qual prisioneiro no c�rcere; o estado
de sonambulismo e de mediunidade o faz sair dela e lhe
permite, mais ou menos, dilatar o c�rculo de suas percep��es,
conservando-o preso por um la�o ao seu inv�lucro.
A morte � a liberta��o integral.

A essas diversas formas da vida, correspondem diversos
graus de consci�ncia e conhecimento, tanto mais
elevados quanto mais livre e adiantado o Esp�rito na
escala das perfei��es.

� observando assiduamente esses v�rios aspectos
da exist�ncia que se chegar� ao perfeito conhecimento
do ser. O homem deixar� de ser para si mesmo um mist�rio
vivo, j� n�o ser�, como hoje, privado de no��es
exatas sobre a sua natureza �ntima e o seu futuro.

A ci�ncia oficial tem o dever de estudar as fontes
profundas da vida; enquanto limitar suas observa��es
ao corpo f�sico, que � simplesmente a sua manifesta��o
exterior, superficial, a Fisiologia e a Medicina permanecer�o,
at� certo ponto, impotentes e est�reis.


L�ON DENIS

Vimos, por certas experi�ncias de fotografias e de
materializa��o, como o corpo flu�dico emite vibra��es,
radia��es variantes de forma e intensidade, conforme o
estado mental do operador. � a demonstra��o positiva
deste fato, afirmado pelas mensagens de al�m-t�mulo:

o poder de irradia��o do Esp�rito e a extens�o de suas
percep��es, s�o sempre proporcionais ao grau de sua
eleva��o. A pureza, a transpar�ncia do inv�lucro flu�dico
s�o, no espa�o, o irrefrag�vel testemunho do valor
da alma; a rarefa��o dos seus elementos constitutivos,
a amplitude das suas vibra��es aumentam com essa purifica��o.
� medida que a moralidade se desenvolve,
novas condi��es f�sicas se produzem no corpo flu�dico.
Os pensamentos, os atos do indiv�duo, reagem constantemente
sobre o seu inv�lucro e, conforme a sua natureza,
o tornam mais denso ou mais sutil. O estudo
perseverante, a pr�tica do bem, o cumprimento do dever
em todas as condi��es sociais, s�o outros tantos fatores
que facilitam a ascens�o da alma e aumentam o campo
das sensa��es e a soma dos gozos. Mediante prolongado
adestramento moral e intelectual, mediante exist�ncias
merit�rias, aspira��es generosas e grandes sacrif�cios,
a irradia��o do Esp�rito se dilata gradualmente; ativam-
se as vibra��es perispirituais; seu brilho se torna
mais vivo, ao mesmo tempo que diminui a densidade do
inv�lucro.

Esses fen�menos se produzem em sentido inverso
nos seres inclinados �s paix�es violentas ou aos prazeres
sensuais; seu modo de vida determina no corpo flu�dico
um aumento de densidade, uma redu��o das velocidades
vibrat�rias, donde resultam o obscurecimento dos sentidos
e a diminui��o das percep��es na vida do espa�o.
Persistindo no mal, pode assim o Esp�rito vicioso fazer
do seu organismo um verdadeiro t�mulo, em que se encontre
como que sepultado depois da morte, at� nova
encarna��o.

Dependendo o poder, a felicidade, a irradia��o do
Esp�rito da purifica��o do seu inv�lucro, a qual �, de si
mesma, a consequ�ncia do seu adiantamento moral,


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 219

compreender-se-� ent�o como o ser � o art�fice da sua
pr�pria desgra�a ou felicidade, do seu rebaixamento ou
eleva��o. O homem prepara, com os seus atos, o pr�prio
destino; a distribui��o das faculdades e virtudes n�o �
mais que o resultado matem�tico dos merecimentos, dos
esfor�os e longos trabalhos de cada um de n�s.

O homem possui dois corpos � diz�amos �; mas
esses corpos n�o s�o mais que inv�lucros, revestimentos,
um persistente e sutil, outro grosseiro e de ef�mera
dura��o. A alma do homem � que � o seu �eu� pensante
e consciente.

Chamamos Esp�rito � alma revestida do seu corpo
flu�dico. A alma � o centro de vida do perisp�rito, como
este � o centro de vida do organismo f�sico. Ela que
sente, pensa e quer; o corpo f�sico constitui, com o corpo
flu�dico, o duplo organismo por cujo interm�dio ela atua
no mundo da mat�ria.

A morte � a opera��o mediante a qual esses elementos
se separam. O corpo f�sico se desagrega e volta
� terra. A alma, revestida de sua forma flu�dica, encontra-
se novamente livre, independente, tal como a si
mesma se fez, moral e intelectualmente, no decurso das
exist�ncias percorridas. A morte n�o a modifica, apenas
lhe restitui, com a liberdade, a plenitude de suas faculdades,
de seus conhecimentos, e a lembran�a das encarna��es
anteriores. Franqueia-lhe os dom�nios do espa�o.
O Esp�rito nele se precipita e se eleva, tanto mais
alto quanto mais sutilizada � a sua ess�ncia, menos sobrecarregada
dos impuros elementos que nela acumulam
as paix�es terrestres e os h�bitos materiais.

H�, conseguintemente, para o Esp�rito humano,
tr�s estados de vida: a vida na carne; o estado de desprendimento
ou desencarna��o parcial durante o sono;
a vida livre do espa�o. Esses estados correspondem aos
meios em que a alma deve trabalhar, na sua constante
progress�o: o mundo material e o mundo flu�dico, ou
mundo superior. � percorrendo-os, atrav�s dos s�culos
sem fim, que ela chega � realiza��o, em si e em torno


220 L�ON DENIS

de si, do belo, do bem, do verdadeiro, adquirindo o amor
que a faz aproximar-se de Deus.


A lei do destino � as precedentes considera��es
no-la fazem compreender � consiste no desenvolvimento
progressivo da alma, que edifica a sua personalidade
moral e prepara, ela pr�pria, o seu futuro; � a evolu��o
racional de todos os seres partidos do mesmo ponto para
atingirem as mesmas emin�ncias, as mesmas perfei��es.
Essa evolu��o se efetua, alternadamente, no espa�o e
na superf�cie dos mundos, atrav�s de in�meras etapas,
ligadas entre si pela lei de causa e efeito. A vida presente
�, para cada qual, a heran�a do passado e a gesta��o
do futuro. � uma escola e um campo de trabalho;
a vida do espa�o, que lhe sucede, � a sua resultante.
O Esp�rito a� colhe, na luz, o que semeou na sombra e,
muitas vezes, na dor.

O Esp�rito encontra-se no outro mundo com suas
aquisi��es morais e intelectuais, seus predicados e defeitos,
tend�ncias, inclina��es e afei��es. O que somos
moralmente neste mundo, ainda o somos no outro; disso
procede a nossa felicidade ou sofrimento. Nossos gozos
s�o tanto mais intensos, quanto melhor nos prepar�mos
para essa vida do espa�o, onde o esp�rito � tudo e a mat�ria
� nada, quase; onde j� n�o h� necessidades f�sicas
a satisfazer, nem outras alegrias sen�o as do cora��o e
da intelig�ncia.

Para as almas inclinadas � materialidade, a vida do
espa�o � uma vida de priva��es e mis�rias; � a aus�ncia
de tudo o que lhes pode ser agrad�vel. Os Esp�ritos que
souberam emancipar-se dos h�bitos materiais e viver
pelas altas faculdades da alma, nele acham, ao contr�rio,
um meio de acordo com as suas predile��es, um vasto
campo oferecido � sua atividade. N�o h� nisso, realmente,
sen�o uma aplica��o lata da lei das atra��es e afinidades,
nada sen�o as consequ�ncias naturais dos nossos
atos, que sobre n�s recaem.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 221

O desenvolvimento gradual do ser lhe engendra
fontes cada vez mais abundantes de sensa��es e impress�es.
A cada triunfo sobre o mal, a cada novo progresso,
estende-se o seu c�rculo de a��o, o horizonte da vida se
dilata. Depois das sombrias regi�es terrestres em que
imperam os v�cios, as paix�es, as viol�ncias, descerram-
se para ele as profundezas estreladas, os mundos
de luz com os seus deslumbramentos, os seus esplendores,
as suas inebriantes harmonias. Ap�s as vidas de
prova��es, sacrif�cios e l�grimas, a vida feliz, a alegria
das divinas afei��es, as miss�es aben�oadas ao servi�o
do eterno Criador.

Ao contr�rio, o mau uso das faculdades, a reiterada
frui��o dos prazeres f�sicos, as satisfa��es ego�sticas,
nos restringem os horizontes, acumulam a sombra
em n�s e em torno de n�s. Em tais condi��es, a vida no
espa�o n�o nos oferece mais que trevas, inquieta��es,
torturas, com a vis�o confusa e vaga das almas felizes,

o espet�culo de uma felicidade que n�o soubemos merecer.
A alma, depois de um est�gio de repouso no espa�o,
renasce na condi��o humana; para ela traz as reservas
e aquisi��es das vidas pregressas. Desse modo se explicam
as desigualdades morais e intelectuais que diferenciam
os habitantes do nosso mundo. A superioridade
inata de certos homens procede de suas obras no passado.
N�s somos Esp�ritos mais jovens, ou mais velhos;
mais ou menos trabalh�mos, mais ou menos adquirimos
virtudes e saber. Assim, a infinita variedade dos caracteres,
das aptid�es e das tend�ncias, deixa de ser um
enigma.

Entretanto, a alma reencarnada nem sempre consegue
utilizar, em toda a plenitude, os seus dons e faculdades.
Disp�e aqui de um organismo imperfeit�ssimo,
de um c�rebro que nenhuma das recorda��es de outrora
registou. Neles n�o pode encontrar todos os recursos
necess�rios � manifesta��o de suas ocultas energias.
Mas o passado permanece nela; suas intui��es e tend�ncias
s�o disso uma revela��o patente.


222 L�ON DENIS

As faculdades inatas em certas crian�as, os meninos
prod�gios: artistas, m�sicos, pintores, s�bios, s�o
luminosos testemunhos da evid�ncia dessa lei. Tamb�m,
�s vezes, almas geniais e orgulhosas renascem em corpos
enfermi�os, sofredores, para humilhar-se e adquirir as
virtudes que lhes faltavam: paci�ncia, resigna��o, submiss�o.


Todas as exist�ncias penosas, as vidas de luta e
sofrimento explicam-se pelas mesmas raz�es. S�o formas
transit�rias, mas necess�rias, da vida imortal; cada
alma as conhecer� por sua vez. A prova��o e o sofrimento
s�o outros tantos meios de repara��o, de educa��o,
de eleva��o, � assim que o ser apaga um passado
culposo e readquire o tempo perdido. � desse modo que
os caracteres se retemperam, que se ganha experi�ncia
e o homem se prepara para novas ascens�es. A alma que
sofre procura Deus, lembra-se de o invocar e, por isso
mesmo, aproxima-se d'Ele.

Cada ser humano, regressando a este mundo, perde
a lembran�a do passado; este, fixado no perisp�rito,
desaparece momentaneamente sob o inv�lucro carnal.
H� nisso uma necessidade f�sica, h� tamb�m uma das
condi��es morais da prova��o terrestre, que o Esp�rito
vem novamente afrontar; restitu�do ao estado livre,
desprendido da mat�ria, ele readquire a mem�ria dos
numerosos ciclos percorridos.

Esse olvido tempor�rio de nossas anteriores exist�ncias,
essas alternativas de luz e obscuridade que em
n�s se produzem, por estranhos que � primeira vista se
afigurem, facilmente se explicam. Se a mem�ria atual
n�o nos permite recordar os nossos verdes anos, n�o �
mais de admirar que tenhamos esquecido vidas separadas
entre si por uma longa perman�ncia no espa�o. Os
estados de vig�lia e sono por que passamos, todos os
dias, do mesmo modo que as experi�ncias do sonambulismo
e hipnotismo, provam que se pode momentaneamente
esquecer a exist�ncia normal, sem perder com
isso a personalidade. Eclipses da mesma natureza, relativamente
�s nossas passadas exist�ncias, nada t�m de


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 223

inveross�meis. Nossa mem�ria se perde e readquire atrav�s
do encadeamento das nossas vidas, como durante a
sucess�o dos dias e das noites que preenchem a exist�ncia
atual.

Do ponto de vista moral, a recorda��o das vidas
precedentes causaria, neste mundo, as mais graves perturba��es.
Todos os criminosos, renascidos para se resgatarem,
seriam reconhecidos, repudiados, desprezados;
eles pr�prios ficariam aterrados e como hipnotizados por
suas recorda��es. A repara��o do passado tomar-se-ia
imposs�vel e a exist�ncia insuport�vel. O mesmo se daria
em diferentes graus, com todos os que tivessem manchas
no passado. As recorda��es anteriores introduziriam
na vida social motivos de �dio, elementos de disc�rdia,
que agravariam a situa��o da Humanidade e
impediriam, por irrealiz�vel, qualquer melhoramento.
O pesado fardo dos erros e dos crimes, a vista dos atos
vergonhosos inscritos nas p�ginas da sua hist�ria, acabrunhariam
a alma e lhe paralisariam a iniciativa. Nos
do seu conv�vio poderia reconhecer inimigos, rivais, perseguidores;
sentiria despertar e acenderem-se as m�s
paix�es que a sua nova vida tem por objetivo destruir
ou, pelo menos, atenuar.

O conhecimento das passadas exist�ncias perpetuaria
em n�s, n�o somente a sucess�o dos fatos que a
comp�em, como ainda os h�bitos rotineiros, as opini�es
acanhadas, as manias pueris, obstinadas, peculiares �s
diversas �pocas, e que op�em grande obst�culo ao surto
da Humanidade. Disso ainda se encontram ind�cios em
muitos encarnados. Que ser�amos sem o olvido que nos
liberta momentaneamente desses estorvos e permite que
uma nova educa��o nos reforme, nos prepare para tarefas
mais elevadas?

Quando consideramos maduramente todas essas
coisas, reconhecemos que o obumbramento tempor�rio
do passado � indispens�vel � obra de repara��o, e que
a Provid�ncia, privando-nos, neste mundo, das nossas
long�nquas reminisc�ncias, disp�s tudo com profunda
sabedoria.


L�ON DENIS

As almas se atraem em raz�o de suas afinidades,
constituem grupos ou fam�lias cujos membros se acompanham
e mutuamente se auxiliam atrav�s de sucessivas
encarna��es. La�os potentes as vinculam; in�meras
vidas transcorridas em comum lhes proporcionam essas
similitudes de opini�es e de car�ter, que em tantas fam�lias
se observam. H� exce��es. Certos Esp�ritos mudam
�s vezes de meio, para mais rapidamente progredir.
Nisso, como em todos os atos importantes da vida, h�
uma parte reservada � vontade livre do indiv�duo, que
pode, numa certa medida e conforme o grau de eleva��o,
escolher a condi��o em que renascer�; mas h� tamb�m
a parte do destino, ou da lei divina que, l� em cima,
fixa a ordem dos renascimentos.


A pluralidade das exist�ncias da alma e sua ascens�o
na escala dos mundos constituem o ponto essencial
dos ensinos do moderno espiritualismo. N�s vivemos
antes do nascimento e reviveremos depois da morte.
Nossas vidas s�o paradas sucessivas da grande viagem
que empreendemos em nosso itiner�rio para o bem, para
a verdade, para a beleza eterna.

Com a doutrina das preexist�ncias e das reencarna��es,
tudo se liga, se esclarece e compreende; a justi�a
divina se patenteia; a harmonia se estabelece no Universo
e no destino.

A alma j� n�o � formada com todas as pe�as por
um Deus caprichoso, que distribui, ao acaso e belprazer,

o v�cio ou a virtude, a imbecilidade ou o g�nio. Criada
simples e ignorante, ela se eleva pelas pr�prias obras,
a si mesma se enriquece, colhendo no presente o que em
vidas anteriores semeou. E continua semeando para as
futuras encarna��es.
A alma, por conseguinte, constr�i o pr�prio destino;
degrau a degrau, sobe do estado rudimentar e inferior
� mais alta personalidade; da inconsci�ncia do selvagem
ao estado desses sublimes seres que iluminam a


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 225

rota da Hist�ria e passam pela Terra como lampejo
divino.

Assim considerada, a reencarna��o torna-se consoladora
e fortificante verdade, um s�mbolo de paz entre
os homens; a todos indica a senda do progresso, a grande
equidade de um Deus que n�o pune eternamente, mas
permite ao culpado resgatar-se pela dor. Posto que inflex�vel,
essa lei sabe proporcionar a repara��o � falta
e, depois do resgate, faculta a reabilita��o. Fortalece a
fraternidade humana, ensinando aqueles a quem pudessem
causar estranheza as desigualdades sociais e as diferen�as
de condi��o, que os homens todos t�m, realmente,
a mesma origem e o mesmo futuro. N�o h�
deserdados nem privilegiados, pois o resultado final ser�

o
mesmo para todos, desde que o saibam conquistar.
A lei de reencarna��o p�e um freio �s paix�es, mostrando
as consequ�ncias dos nossos atos, das nossas
palavras, dos nossos pensamentos a reca�rem sobre a
nossa vida atual e sobre as futuras vidas, nelas semeando
germens de felicidade ou de infort�nio. Gra�as a ela,
cada qual aprende a vigiar-se a si mesmo, a acautelar-se,
a preparar cuidadoso o seu futuro.
O homem que uma vez compreendeu toda a grandeza
dessa doutrina, n�o mais poder� acusar Deus de
injusti�a e parcialidade. Saber� que cada qual, no mundo,
ocupa o seu lugar, que toda alma est� sujeita �s prova��es
que mereceu ou desejou. Agradecer� ao Eterno

o lhe proporcionar, com os renascimentos, o meio de reparar
as faltas e adquirir, mediante trabalho constante,
uma parcela do seu poder, um reflexo da sua sabedoria,
uma centelha do seu amor.
Tal o destino da alma humana, nascida na fraqueza,
na pen�ria das faculdades e dos meios de a��o, mas
chamada, elevando-se, a realizar a vida em si mesma,
em toda a plenitude; a alcan�ar todas as riquezas da
intelig�ncia, todas as delicadezas do sentimento, tornando-
se um dia colaboradora de Deus.

Essa a miss�o do ser e o seu grandioso objetivo:
colaborador de Deus, isto �, destinado a realizar em

8


226 L�ON DENIS

torno de si, em miss�es cada vez mais grandiosas, a
ordem, a justi�a, a harmonia; a atrair seus irm�os inferiores,
a conduzi-los �s divinas emin�ncias; a subir com
eles, de esfera em esfera, para o supremo objetivo, para
Deus � o Ser perfeito, lei viva e consciente do Universo,
eterno foco de vida e de amor.

Essa participa��o na obra infinita �, de come�o,
assaz inconsciente; o ser colabora sem o saber e, �s
vezes, at� sem o querer, na ordem universal; depois, �
medida que percorre a rota, essa colabora��o se torna
cada vez mais consciente. Pouco a pouco a raz�o se lhe
esclarece; a alma apreende a profunda harmonia das
coisas, penetra as suas leis, a elas se associa intimamente
por seus atos. Quanto mais se desenvolvem as
suas faculdades e aumentam as suas qualidades afetivas,
tanto mais se afirma e acentua a sua participa��o
no divino concerto dos seres e dos mundos.

Essa ascens�o da alma, edificando ela pr�pria o seu

futuro e conquistando os seus postos, esse espet�culo da

vida individual e coletiva, prosseguindo de est�dio em

est�dio, na superf�cie das terras do espa�o, progredindo

e aperfei�oando-se sempre, a elevar-se para Deus, melhor

nos faz compreender a utilidade da luta, a necessidade

da dor para a educa��o e purifica��o dos seres.

Todas as almas que vivem nas regi�es materiais

acham-se imersas numa esp�cie de letargia. A inteli


g�ncia dormita entorpecida, ou, indiferente, flutua ao

sabor de todos os ventos da paix�o. Muito poucas di


visam a sua finalidade. � preciso, entretanto, que essas

intelig�ncias se descerrem �s sensa��es do bem e do

belo. Devem todas atingir as mesmas culmin�ncias, de


sabrochar e expandir-se aos raios do sol divino. Ora,

que seria uma exist�ncia �nica, isolada, para a reali


za��o de semelhante labor? Da� a necessidade das es


t�ncias numerosas, das vidas de prova��es e dificulda


des, a fim de que essas almas se acrisolem e as pot�n


cias nelas adormecidas acordem e entrem em a��o.

� com o aguilh�o da luta e das necessidades, mediante
as alternativas de dor e alegria, mediante os


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 227

cuidados, pesares, remorsos de que se tece a vida humana;
� atrav�s das quedas e reabilita��es, recuos e
ascens�es, adejos em pleno azul e resvalamentos bruscos
no abismo; � por todas essas formas que a alma
se desenvolve, que as humanidades emergem da sua
ganga de bestialidade e ignor�ncia. Com o sofrimento
as almas se apuram, se nobilitam e elevam � alta concep��o
das coisas e das leis, abrindo-se � piedade e �
bondade.

Assim se resolve o problema do mal. O mal n�o �
mais que um efeito de contraste; n�o tem exist�ncia
pr�pria. O mal �, para o bem, o que a sombra � para a
luz. N�o apreciamos esta sen�o depois de havermos dela
sido privados; do mesmo modo, sem o sofrimento, n�o
poder�amos conhecer a alegria; sem a priva��o n�o poder�amos
verdadeiramente saborear o bem adquirido, as
satisfa��es obtidas.

Tudo se explica e se esclarece na obra divina, quando
a contemplamos do alto. A lei do progresso rege a
vida infinita e faz o esplendor do Universo. As lutas do
Esp�rito contra a mat�ria, sua ascens�o pela dor, tal a
grandiosa epopeia que os c�us contam � Terra e que a
voz dos invis�veis repete a todos os que t�m sede de
verdade. � o ensino que � preciso difundir, a fim de
que o encadeamento dos efeitos e das causas a todos
se patenteie, e, com ele, a solidariedade dos seres e o
amor divino que envolve toda a Cria��o.

Assim encarado, n�o � o problema do destino mais
que a aplica��o l�gica e a consagra��o dessa lei de evolu��o,
cuja intui��o confusa ou vis�o clara, conforme o
seu estado de esp�rito, t�m tido, em nossa �poca, tantos
pensadores. E' a lei superior que rege todas as coisas.

*

O plano geral do Universo ficou manifesto na precedente
exposi��o. N�o temos mais que precisar-lhe os
pontos essenciais.


L�ON DENIS

O ensino dos Esp�ritos, por toda parte, nos mostra
a unidade de lei e subst�ncia. Em virtude dessa unidade,
reinam na obra eterna a ordem e a harmonia.

O mundo invis�vel n�o se distingue do mundo vis�vel,
sen�o relativamente aos nossos sentidos. O invis�vel
� a continua��o, o prolongamento natural do vis�vel.
Em sua unidade, formam um todo insepar�vel; mas �
no invis�vel que importa procurar o mundo das causas,

o foco de todas as atividades, de todas as for�as sutil�ssimas
do Cosmos.
A for�a ou energia, diz a Ci�ncia, aciona a mat�ria
e dirige os astros em seu curso. Que � a for�a? Segundo
a nova revela��o, � apenas o agente, o modo de a��o
de uma vontade superior. � o pensamento de Deus que
imprime o movimento e a vida ao Universo.

Todos os que se t�m desalterado na fonte do moderno
espiritualismo sabem que os grandes Esp�ritos do
espa�o s�o un�nimes em proclamar, em reconhecer a
Suprema Intelig�ncia que governa os mundos. Acrescentam
eles que essa Intelig�ncia se revela mais deslumbrante,
� medida que galgam os degraus da vida
espiritual.

Se emitem concep��es diversas, mais ou menos desenvolvidas,
sobre o Ser divino, � porque os Esp�ritos,
como os homens, n�o est�o no mesmo grau de desenvolvimento,
nem podem todos ter a mesma capacidade de
aprecia��o.

Todos os escritores e fil�sofos esp�ritas, desde Allan

Kardec at� os nossos dias, afirmam a exist�ncia de uma

Causa imanente no Universo.

�N�o h� efeito sem causa � disse Allan Kardec �

e todo efeito inteligente tem for�osamente uma causa

inteligente.�

� o axioma sobre que repousa integralmente o Espiritismo.
Aplicado �s manifesta��es de al�m-t�mulo,
esse axioma demonstra a exist�ncia dos Esp�ritos. Do
mesmo modo, se o aplicarmos ao estudo do mundo e das
leis universais, ele demonstrar� a necessidade de uma


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 229

causa inteligente. Eis porque a exist�ncia de Deus constitui
um dos pontos essenciais do ensino esp�rita.

Basta comprovar que h� intelig�ncia e consci�ncia
nos seres criados, para ficarmos certos de as encontrar
na fonte criadora, nessa Unidade suprema que n�o � a
causa prim�ria, como dizem uns, nem uma causa final,
como pensam outros, mas a Causa eternamente ativa,
donde emana toda a vida.

A solidariedade que liga todos os seres n�o tem
outro centro sen�o essa Unidade divina e universal;
todas as rela��es v�m ter a ela, para nela fundir-se e
harmonizar-se. S� por ela podemos conhecer o objetivo
da vida e suas leis, pois que ela � a raz�o de ser e a lei
viva do Universo. �, ao mesmo tempo, a base e san��o
de toda a moral. Desde que estudamos o problema da
outra vida, a situa��o do Esp�rito depois da morte, encontramo-
nos em face de um estado de coisas regulado
por uma lei de justi�a, que por si mesma se aplica, sem
tribunal nem julgamento, mas � qual n�o escapa um s�
dos nossos pensamentos, nenhum dos nossos atos. E essa
lei, que revela uma Intelig�ncia diretora do mundo
moral, � ao mesmo tempo a fonte de toda a vida, de
toda a luz, de toda a perfei��o.

A ideia de lei � insepar�vel da ideia de intelig�ncia.
Sem essa no��o, seriam destitu�das de apoio as leis
universais.

Falam-nos muitas vezes das leis cegas da Natureza.
Que significa essa express�o? Leis cegas s� poderiam
agir ao acaso. O acaso � a aus�ncia de plano, de dire��o
inteligente, � a pr�pria nega��o de toda lei. O acaso n�o
pode produzir a unidade e a harmonia, mas unicamente
a incoer�ncia e a confus�o. Uma lei s� pode ser, portanto,
a manifesta��o de uma soberana intelig�ncia,
obra de um pensamento superior. S� o pensamento p�de
coordenar, dispor, combinar todas as coisas no Universo.
E o pensamento exige a exist�ncia de um ser que
fosse o seu autor.


L�ON DENIS

As leis universais n�o poderiam repousar sobre
uma coisa t�o m�vel e inconstante como o acaso. Devem
necessariamente apoiar-se num princ�pio imut�vel organizador
e regulador. Privadas do concurso de uma vontade
diretora, essas leis seriam cegas, como dizem os
materialistas; andariam � matroca, j� n�o seriam leis.

Tudo, as for�as e os seres, as humanidades e os
mundos, tudo � governado pela intelig�ncia. A ordem e
a majestade do Universo, a justi�a, o amor, a liberdade,
tudo repousa em leis eternas, e n�o h� leis eternas sem
uma raz�o superior, fonte de toda a lei. Por isso � que
nenhum ser, nenhuma sociedade pode desenvolver-se e
progredir sem a ideia de Deus, isto �, sem justi�a nem
amor, sem liberdade nem raz�o, porque Deus, representando
a eternidade e a perfei��o, � a base essencial
de tudo o que faz a beleza, a grandeza da vida, a magnific�ncia
do Universo.

Muitos equ�vocos t�m dividido o mundo a respeito

de tais quest�es; o moderno espiritualismo os vem dis


sipar. At� agora procuravam os materialistas o segredo

da vida universal onde ele n�o se encontra: nos efeitos;

os crist�os, por seu lado, o procuravam fora da Natu


reza. Hoje compreendemos que a causa eterna do mundo

n�o � exterior ao mundo, mas est� dentro dele; ela lhe

� a alma, o foco, como a nossa alma � em n�s o foco

da vida.

A ignor�ncia destas coisas � a causa principal de

nossos desacertos; � o que compele o homem e a socie


dade � pr�tica de atos cujas consequ�ncias acumuladas

os esmagam.

Muit�ssimo tempo se considerou a obra divina e as

leis superiores sob o acanhado ponto de vista da vida

presente e do mesquinho plano da Terra, sem compreen


der que � no encadeamento das vidas sucessivas e na

coletividade dos mundos que se revelam a harmonia uni


versal, a justi�a absoluta e a grande lei da evolu��o dos

seres para o Bem perfeito, que � Deus.

N�o pode a obra divina ser medida, nem em rela��o
ao tempo, nem � extens�o. Ela se expande nos c�us em


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 231

feixes de s�is, e se revela, na Terra, t�o admir�vel na
hum�lima florinha, como nos gigantes das florestas.
Deus � infinito; a Cria��o � eterna. N�o se pode conceber
a Cria��o oriunda do nada, porque o nada n�o
existe. Deus nada poderia tirar de um nada imposs�vel,
nem criar coisa alguma fora da sua infinidade. A Cria��o
� incessante; o Universo, imut�vel no seu todo,
acha-se em via de transforma��o constante em suas
partes.

Com todos os seus mundos vis�veis e invis�veis, seus
espa�os celestes, suas popula��es planet�rias e siderais,

o Universo representa uma oficina imensa em que tudo
o que se agita e respira, trabalha na produ��o, na manuten��o
e no desenvolvimento da vida. Cada globo que
rola na imensidade � a morada de uma sociedade humana.
A Terra n�o passa de planeta dos mais mesquinhos
da grande hierarquia dos mundos, e a sociedade
terrestre � das mais inferiores. Mas tamb�m ela se aperfei�oar�,
nossa esfera se h�-de tornar em venturosa
est�ncia. Aspira��es mais nobres encaminhar�o a Humanidade
para a senda da renova��o gradual e do progresso
moral.
Tudo se transforma e se renova mediante o ritmo
incessante da vida e da morte. Ao passo que se extinguem
uns astros, outros surgem e brilham no �mbito
dos espa�os. Foi o que fez dizer ao poeta que h� ber�os
e t�mulos no c�u. Como o homem, os mundos nascem,
vivem e morrem; os universos se dissolvem, todas as
formas passam e se dissipam, mas a vida infinita subsiste
em seu eterno esplendor.

Assim, tamb�m a cadeia de nossas exist�ncias desdobra,
na continuidade dos s�culos, os seus elos opacos
ou brilhantes. Sucedem-se os acontecimentos sem liga��o
aparente, e contudo a indefect�vel justi�a lhes determina
o curso de conformidade com regras imut�veis.
Tudo se liga, no dom�nio moral como na ordem material.

Um plano admir�vel se executa; s� Deus lhe conhece
o conjunto. Dele n�o divisamos mais que algumas
linhas, e j� essa percep��o � um deslumbramento. Nossa


L�ON DENIS

compreens�o das coisas divinas crescer� com os nossos
progressos, � propor��o que as nossas faculdades e os
nossos sentidos, avultando, nos descerrarem novas perspectivas
para os mundos superiores.

Confrontai as concep��es do passado: a Terra, centro
do Universo, �nico planeta habitado; a �nica e breve
exist�ncia do homem perdida no infinito dos tempos, e
de acordo com o que tiver sido, � ele julgado e fixada
a sua sorte por toda a eternidade; comparai-as com essa
revela��o dos espa�os, com esse universo sem limites,
povoado de s�is, com os seus cortejos de mundos secund�rios,
as cidades, os povos, as in�meras humanidades
que os opulentam com as v�rias civiliza��es e as
obras maravilhosas que o esp�rito a� cria! Considerai
esse futuro da alma destinada a renascer, de vida em
vida, nesses mundos, a galg�-los um a um, como degraus,
em ascens�o colossal, participando de estados sociais de
tal modo superiores aos nossos que nada, em nossas
d�beis concep��es terrestres, deles nos pode dar ideia!
E a alma, em suas infinitas peregrina��es, adquire sempre
novas qualidades, capacidades crescentes, que a tornar�o
apta a desempenhar uma tarefa cada vez mais
elevada.

Assim, nem eleitos, nem r�probos. A Humanidade
n�o se divide em duas partes: os que se salvam e os
que se perdem. O caminho da salva��o pelo progresso
� franqueado a todos. Todos o percorrem de est�ncia em
est�ncia, de vida em vida; todos ascendem para a paz
e a felicidade, mediante a prova��o e o trabalho. Todas
as almas s�o perfect�veis e suscet�veis de educa��o;
devem percorrer os mesmos caminhos e chegar da vida
inferior � plenitude do conhecimento, da sabedoria e da
virtude. N�o s�o todas igualmente adiantadas, mas
todas h�o-de subir, cedo ou tarde, as �rduas encostas
que levam �s radiosas emin�ncias banhadas da eterna
luz.

O pensamento divino preside a essa obra majestosa;
vela pela execu��o de suas leis, pela eleva��o da
vida renascente. Acima de tudo, reina o Poder infinito,


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 233

que anima com seu sopro e aquece em seu amor o
Universo.

*

Muitos homens cerram a alma � concep��o de Deus;
recusam-se a ver, a admirar o eterno Poder que irradia
atrav�s de toda a Natureza.

O Sol brilha � flor das �guas, seus tr�mulos raios
acariciam a vaga adormecida. Do c�u ilumina ele o mar
tranquilo, projeta milh�es de centelhas na coroa das
vagas inquietas. Todo ser que se move no seio das �guas

o pode perceber. Basta-lhe fazer esfor�o para abandonar
as profundezas e banhar-se nos seus raios. Se se
recusa, por�m, a deixar o sombrio domic�lio, se se compraz
em suas trevas, deixar� por isso o raio de existir?
O mesmo sucede com o grande Foco divino. Sem o
pensamento de Deus que ilumina as profundezas do
Cosmos, sem essa luz imorredoura, tudo permaneceria
imerso em trevas. Esse pensamento, por�m, n�o aparece
em todo o seu esplendor sen�o aos seres que se tornaram
dignos de o compreender, �queles cujo senso
�ntimo se descerrou � grande voz do infinito, a esse
eterno sopro que perpassa nos mundos e fecunda as
almas e os universos.

Deus, em sua pura ess�ncia, dizem os Esp�ritos, �
qual oceano de chamas. Deus n�o tem forma, mas pode
revestir uma para aparecer �s almas elevadas. � a recompensa
concedida �s grandes dedica��es, �s exist�ncias
de sacrif�cio e de ren�ncia. H� nisso uma esp�cie
de materializa��o, bem diferente de tudo o que podemos
imaginar. Mesmo sob esse aspecto sens�vel, a majestade
de Deus � de tal ordem, que os Esp�ritos mais
puros mal lhe podem suportar o brilho. T�m eles o privil�gio
de contemplar, sem v�u, a Divindade, e declaram
que a linguagem humana � paup�rrima para permitir
uma descri��o, p�lida que seja, do divino Foco.

Deus tudo v�, e tudo conhece, at� os mais secretos
pensamentos. Como o Esp�rito est� em todo o corpo,
Deus est� em todo o Universo, em rela��o com todos os


234 L�ON DENIS

elementos da Cria��o. Seu amor abranje e enla�a todos
os seres, dos quais ele fez, chamando-os � vida, art�fices
da sua obra eterna. Sua solicitude se estende at� os
mais humildes e obscuros, porque todos s�o oriundos
d'Ele. Por isso todos, em falta de uma intelig�ncia superior
e de uma raz�o exercitada, podem sentir e conhecer
Deus pelas pot�ncias do cora��o.

O que acima de tudo caracteriza a alma humana �

o sentimento. � por ele que o homem se prende ao que
� bom, belo e grande; ao que ser� o seu amparo na d�vida,
a sua for�a na luta, a sua consola��o na prova.
E tudo isso revela Deus. O belo e o bom n�o se encontram
em n�s sen�o em grau limitado e parcial. N�o
podem existir sen�o sob a condi��o de volver a encontrar
sua fonte, seu princ�pio, sua plenitude em um Ser
que os possua no grau superior e infinito. Foi o que
instintivamente sentiram todas as gera��es, todas as
multid�es que repousam sob a poeira dos s�culos, e foi
por isso que os surtos dos seus pensamentos subiram,
em todos os tempos, para esse Esp�rito divino que paira
acima de todas as religi�es e de todos os sistemas, para
essa Alma do mundo, venerada sob t�o diversos nomes.
Causa �nica, de que tudo emana, para a qual tudo volta,
eternamente.
Deus � a grande alma universal, de que toda alma
humana � uma centelha, uma irradia��o. Cada um de
n�s possui, em estado latente, for�as emanadas do divino
Foco e pode desenvolv�-las, unindo-se estreitamente
� Causa de que � efeito. Mediante a eleva��o dos
pensamentos para Deus, por meio da prece que brota
das profundezas do ser e liga a Criatura ao Criador,
produz-se uma penetra��o cont�nua, uma fecunda��o
moral, uma expans�o das riquezas que em n�s jazem
ocultas. Mas a alma humana ignora-se a si mesma; por
falta de conhecimento e de vontade, deixa as suas capacidades
interiores em letargo. Em lugar de dominar a
mat�ria, deixa-se por ela frequentemente dominar; eis
a fonte dos seus males, das suas fraquezas, das suas
prova��es.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 235

� por isso que o moderno espiritualismo vem dizer
a todos: Homens, elevai-vos pelo pensamento acima das
mundanas coisas; elevai-vos bastante alto para compreenderdes
que sois filhos de Deus; bastante alto para
sentirdes que estais ligados a Ele, � sua obra imensa,
fadados a um destino em face do qual tudo mais � secund�rio.
E esse destino � o ingresso na grande comunh�o,
na harmonia santa dos seres e dos mundos, a
qual n�o se realiza sen�o em Deus, e por Deus unicamente
!

XI � Renova��o

Como julgamos haver estabelecido nas precedentes
p�ginas, o moderno espiritualismo assenta em testemunhos
universais; apoia-se em fatos de experi�ncia, observados
em todos os pontos do globo por homens de todas
as condi��es, entre os quais se contam s�bios pertencentes
a todas as grandes Universidades e a muitas
Academias c�lebres. � gra�as a eles, aos seus esfor�os,
que a Ci�ncia contempor�nea, a despeito das suas repugnancias
e hesita��es, tem sido levada pouco a pouco
a interessar-se pelo estudo do mundo invis�vel.

De ano para ano cresceu o n�mero dos experimentadores.
As investiga��es t�m sucedido �s investiga��es,
e sempre os resultados t�m vindo corroborar as afirma��es
anteriores. Dessas observa��es, multiplicadas ao
infinito, resultou uma certeza: a da sobreviv�ncia do ser
humano e, com ela, no��es mais positivas das condi��es
da vida futura.

Pelo acurado estudo dos fen�menos, pela comunica��o
permanente, estabelecida com o outro mundo, o
Espiritismo veio confirmar as grandes tradi��es do passado,
os ensinos de todas as religi�es, de todas as filosofias
elevadas, no tocante � imortalidade do ser e �
exist�ncia de uma Causa organizadora do Universo, e
lhes deu uma san��o definitiva. O que at� ent�o n�o
passava de hip�tese e especula��o do pensamento, tornou-
se um fato demonstrado. A vida futura se patenteou
em sua surpreendente realidade; a morte perdeu o
seu aspecto aterrador; o c�u aproximou-se da Terra.


236 L�ON DENIS

O espiritualismo fez mais. Com esse conjunto de
estudos e comprova��es, com essa pesquisa empreendida
h� meio s�culo, com todas as revela��es que deles resultam,
constituiu um novo ensino liberto de toda forma
simb�lica ou obscura, facilmente acess�vel, mesmo aos
mais humildes, e que aos pensadores e eruditos descerra
vast�ssimas perspectivas dos elevados dom�nios do conhecimento,
na concep��o de um ideal superior.

Esse ensino pode satisfazer a todos, aos mais aprimorados
esp�ritos, como aos mais modestos, mas dirige-
se principalmente aos que sofrem, aos que vergam
ao peso de rude labor ou de dolorosas prova��es; a todos
os que t�m necessidade de uma f� viril que os ampare
em suas lides, em seus trabalhos e afli��es. Ele dirige-se
� grande massa humana, a essa multid�o que se tornou
incr�dula, desconfiada, a respeito de todo dogma, de toda
cren�a religiosa, porque reconhece que foi iludida durante
s�culos. Nela, todavia, ainda subsistem aspira��es
confusas para o bem, uma necessidade inata de progresso,
de luz, de liberdade, que facilitar� a irrup��o da
nova ideia e a sua a��o regeneradora.

O espiritualismo experimental corresponde a essas
necessidades inatas da alma humana, que nenhuma outra
doutrina havia podido satisfazer completamente. Com a
lei das vidas sucessivas mostra-nos a justi�a regulando

o destino de todos os seres. Com ela, j� n�o h� gra�as
particulares, nem privil�gios, nem reden��o pelo sangue
de um justo, nem deserdados, nem favoritos. Todos os
Esp�ritos que povoam a imensidade, disseminados pelo
espa�o ou nos mundos materiais, s�o filhos de suas pr�prias
obras; todas as almas que animam corpos de carne,
ou que aguardam novas encarna��es, s�o da mesma
origem e t�m igual destino. S� os merecimentos, as virtudes
adquiridas as distinguem; todas, por�m, podem
elevar-se por seus esfor�os e percorrer a senda dos
aperfei�oamentos infinitos. A caminho para um objetivo
comum, os Esp�ritos constituem uma s� fam�lia, subdividida
em numerosos agrupamentos simp�ticos, em associa��es
espirituais, das quais a fam�lia humana � apenas

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 237

um reflexo, uma abreviatura atrav�s de m�ltiplas encarna��es,
vivendo alternativamente da vida terrestre ou
da vida livre dos espa�os, cedo ou tarde, por�m, tornando
a reunir-se.

A morte perde, assim, o car�ter l�gubre, aterrador
que at� agora lhe emprestavam. N�o � mais o �rei dos
assombros�, mas um renascimento, uma das condi��es
do aumento e desenvolvimento da vida. Todas as nossas
exist�ncias se ligam e formam um conjunto. A morte
n�o � mais que a passagem de uma a outra; para o
s�bio, para o homem de bem, � a �urea porta que se
abre para mais belos horizontes.

Quando se tiverem dissipado os preconceitos que lhe
atormentam o c�rebro, h�-de o homem compreender a
serena beleza e majestade a que chama � a morte. � um
erro acreditar que ela nos separa dos que nos s�o caros.
Gra�as ao Espiritismo, temos a consola��o de saber que
os seres amados, que nos precederam no Al�m, velam por
n�s e nos guiam na senda escura da exist�ncia. Muitas
vezes, est�o ao nosso lado, invis�veis, prontos a nos
assistir na afli��o, a nos socorrer no infort�nio; e esta
certeza nos infunde a serenidade de esp�rito, a for�a
moral na prova��o. Suas comunica��es, seus ditados nos
suavizam as amarguras do presente, as tristezas de uma
separa��o que � apenas aparente. Os ensinos dos Esp�ritos
nos desenvolvem os conhecimentos e os elevados
sentimentos; contribuem para nos tornar melhores, mais
confiantes na bondade de Deus e no futuro.

Assim se realiza e se revela aos nossos olhos a lei
da fraternidade e solidariedade, que liga todos os seres,
e da qual a Humanidade sempre teve a intui��o. Nada
mais de salva��o pessoal, nem de inexor�vel julgamento
que fixe para sempre a alma longe dos que lhe s�o
caros, mas a repara��o sempre poss�vel, com a assist�ncia
dos nossos irm�os do espa�o, a uni�o dos seres em
sua ascens�o eterna e coletiva.

Essa revela��o nos infunde uma for�a nova contra
os desfalecimentos, as tenta��es, os pensamentos maus
que nos poderiam assaltar, e dos quais nos absteremos


238 L�ON DENIS

com tanto maior cuidado quanto seriam um motivo de
afli��o para os membros da nossa fam�lia espiritual,
para os nossos amigos invis�veis.

Com o materialismo, a fraternidade n�o era mais
que uma palavra, o altru�smo uma teoria sem fundamento
nem alcance. Sem f� no futuro, o homem concentraria
for�osamente toda a aten��o no presente e nos
gozos que ele pode comportar. A despeito de todas as
solicita��es de te�ricos e sofistas, ele se sentia pouco
disposto a sacrificar sua personalidade, seus gostos ou
interesses, em proveito de uma ef�mera coletividade, �
qual o prendiam la�os ontem formados e que amanh�
se h�o-de desatar. � Se a morte � o fim de tudo, pensava
ele, porque impor-se priva��es que nada vir� compensar?
Que utilidade t�m a virtude e o sacrif�cio, se
tudo deve acabar em nada?

O resultado inevit�vel de semelhantes doutrinas era

o desenvolvimento do ego�smo, a febricitante ca�ada �s
riquezas, a exclusiva preocupa��o dos gozos materiais;
era o desencadeamento das paix�es, dos apetites furiosos,
das cobi�as veementes. E da�, conforme o grau de
educa��o, negocistas ou celerados. Sob o influxo desses
sopros destruidores, a sociedade oscila em seus alicerces
e, com ela, todas as no��es de moralidade, de fraternidade,
que o novo espiritualismo chega a tempo de
restaurar e consolidar.
�A cren�a na imortalidade, disse Plat�o, � o la�o
de toda a sociedade; despeda�ai esse la�o e a sociedade
se dissolver�.�

Nossa �poca, arrastada � d�vida e � nega��o por

exageros teol�gicos, perdia de vista essa ideia salutar.

O espiritualismo experimental lhe restitui a f� perdida,

apoiando-a em bases novas e indestrut�veis.

A superioridade moral da doutrina dos Esp�ritos se
afirma em todos os pontos. Com ela se dissipa a ideia
in�qua do pecado de um s� homem, recaindo sobre todos.
N�o h� mais proscri��o nem queda coletiva; as responsabilidades
s�o pessoais. Qualquer que seja sua condi



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 239

��o neste mundo, tenha nascido no sofrimento e na mis�ria,
ou seja destitu�do de predicados f�sicos, ou de
brilhantes faculdades, o homem sabe que n�o padece
um fado imerecido, mas simplesmente as consequ�ncias
do seu procedimento anterior. As vezes, tamb�m, os sofrimentos
que o torturam s�o o resultado da sua livre
escolha, desde que os aceitou como fator mais r�pido de
adiantamento (126).

Em tal caso, a sabedoria consiste em aceitarmos,
sem murmurar, a pr�pria sorte; em desempenharmos
fielmente a tarefa, em nos prepararmos, assim, para situa��es
que se ir�o melhorando � propor��o que, pelos
nossos progressos, obtivermos acesso a melhores sociedades,
livres dos jugos que pesam sobre os mundos
inferiores.

Gra�as � doutrina dos Esp�ritos, o homem compreende,
finalmente, o objetivo da exist�ncia; nela v�
um meio de educa��o e repara��o; cessa de maldizer o
destino e acusar Deus. Sente-se livre, ao mesmo tempo,
dos pesadelos do nada e do inferno, e das ilus�es de um
ocioso para�so, porque a vida futura n�o � mais uma
beat�fica, in�til contempla��o, a eterna imobilidade dos
eleitos ou o supl�cio sem fim dos condenados; � a evolu��o
gradual; �, depois do c�rculo das provas e transmigra��es,
o c�rculo da felicidade e sempre a vida ativa
e progressiva, a aquisi��o, pelo trabalho, de uma soma
crescente de ci�ncia, poder, moralidade; � participa��o
cada vez mais extensa na obra divina, sob a forma de
miss�es diversas � miss�es de dedica��o e de ensinamentos,
ao servi�o da Humanidade.

*

Toda a gente reconhece hoje a necessidade de uma
educa��o moral, suscet�vel de regenerar a sociedade e
de arrancar a Fran�a a um estado de decad�ncia que,
acentuando-se todos os dias, amea�a lev�-la � queda e
� ru�na.

(126) Ver "O Problema do Ser e do Destino".

L�ON DENIS

Acreditou-se por muito tempo ter feito bastante,
difundindo a instru��o; mas a instru��o sem o ensino
moral � impotente e est�ril. � preciso, antes de tudo,
fazer da crian�a um homem � um homem que compreenda
os seus deveres e conhe�a os seus direitos. N�o
basta desenvolver as intelig�ncias, � necess�rio formar
caracteres, fortalecer as almas e as consci�ncias. Os
conhecimentos devem ser completados por no��es que
esclare�am o futuro e indiquem o destino do ser. Para
renovar uma sociedade, s�o necess�rios homens novos
e melhores. Sem isso, todas as reformas econ�micas,
todas as combina��es pol�ticas, todos os progressos
intelectuais ser�o insuficientes. A ordem social nunca
valer� mais que o que n�s pr�prios valemos.

Essa educa��o necess�ria, por�m, em que se firmar�?
N�o ser�, decerto, em teorias negativas, pois
foram elas que, em parte, originaram os males do presente.
Menos ainda o ser� em dogmas caducos, doutrinas
mortas, cren�as todas superficiais e aparentes, que
j� n�o t�m raiz nas almas.

N�o! A Humanidade n�o quer mais s�mbolos, nem

lendas, nem mist�rios, nem verdades veladas. Faz-se-lhe

necess�ria a grande luz, a espl�ndida irrup��o do ver


dadeiro, que s� o novo espiritualismo lhe pode fornecer.

S� ele pode oferecer � moral uma base definitiva

e dar ao homem moderno as necess�rias for�as para

suportar dignamente as suas prova��es, discernir-lhes

as causas, reagir contra elas, cumprir em tudo o seu

dever.

Com essa doutrina o homem sabe a que destino vai;

seu
caminhar torna-se mais firme e mais seguro. Ele

sabe que a justi�a governa o mundo, que tudo se enca


deia, que cada um dos seus atos, mau ou bom, recairia

sobre ele, atrav�s dos tempos. Nesse pensamento encon


tra
um freio para o mal e um poderoso est�mulo para

o
bem.
As comunica��es dos Esp�ritos, a comunh�o dos
vivos e dos mortos lhe patentearam, em sua realidade
palpitante, o futuro de al�m-t�mulo; ele sabe qual a


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

sorte que lhe est� reservada, quais as responsabilidades
em que incorre, que predicados lhe cumpre adquirir para
ser feliz.

Efetivamente, desde que s�o conhecidas as condi��es
da vida futura, o objetivo da exist�ncia se define,
a norma da vida presente se estabelece, de modo imperioso,
para todo esp�rito zeloso do pr�prio futuro. Ele
compreende que n�o veio a este mundo para desfrutar
prazeres fr�volos, para satisfazer pueris e f�teis ambi��es,
mas para desenvolver as suas faculdades superiores,
corrigir defeitos, p�r em pr�tica tudo o que pode
contribuir para a sua eleva��o.

O estudo do Espiritismo ensina que a vida � combate
pela luz; a luta e as provas s� h�o-de cessar com
a conquista do bem moral. Esse pensamento retempera
as almas; prepara-as para as a��es nobres e para os
grandes empreendimentos. Com o senso do verdadeiro,
desperta em n�s a confian�a. Identificados com tais preceitos,
n�o mais temeremos a adversidade nem a morte.
Com �nimo intr�pido, atrav�s dos golpes vibrados pela
sorte, avan�aremos na senda que nos � tra�ada, sem
fraqueza nem pesar abordaremos a outra margem, quando
tiver soado a nossa hora.

Por isso a influ�ncia moralizadora do Espiritismo
penetra pouco a pouco nos mais diversos meios, dos
mais cultos aos mais degradados e obscuros.

Temos disso uma prova no seguinte fato: em 1888,
os for�ados do pres�dio de Tarragona (Espanha) enviavam
ao Congresso Esp�rita Internacional de Barcelona
um tocante memorial, em que faziam conhecer toda a
extens�o do conforto moral que lhes havia proporcionado
o conhecimento do Espiritismo (127).

Pode-se tamb�m verificar, nos centros oper�rios
onde se tem divulgado o Espiritismo, uma sens�vel modifica��o
dos costumes, uma resist�ncia mais en�rgica
a todos os excessos em geral, e �s teorias anarquistas

(127) Ver a resenha do Congresso Espirita de Barcelona,
1888. Livraria das Ci�ncias Ps�quicas, Paris.

242 L�ON DENIS

em particular. Gra�as aos conselhos dos Esp�ritos, muitos
h�bitos viciosos t�m sido coibidos e a paz se restabeleceu
em muitos lares perturbados. Com a cren�a
perdida, esses ensinos, em tais meios, t�m feito renascer
virtudes hoje em dia raras.

Era edificante espet�culo ver, por exemplo, todos
os domingos aflu�rem a Jumet (B�lgica), de todos os
pontos da bacia de Charleroi, in�meras fam�lias de mineiros
esp�ritas. Reuniam-se numa ampla sala, onde,
depois das preliminares usuais, escutavam, com recolhimento,
as instru��es que seus guias invis�veis lhes transmitiam
pela boca dos m�diuns manifestados. Era por
interm�dio de um deles, simples trabalhador mineiro,
pouco letrado, a exprimir-se habitualmente em dialeto
wal�o, que se manifestava o Esp�rito do c�nego Xavier
Mouls, sacerdote de grande valor e acrisoladas virtudes,
a quem se deve a vulgariza��o do magnetismo e do Espiritismo
nos �corons� (128) do vale. Mouls, depois de
rudes provas e cru�is persegui��es, deixara a Terra, mas
seu Esp�rito continuou sempre a velar pelos queridos
mineiros. Todos os domingos, tomava posse dos �rg�os
do seu m�dium favorito e, ap�s uma cita��o dos sagrados
textos, com eloqu�ncia verdadeiramente sacerdotal
desenvolvia, em presen�a de todos, em franc�s, durante
uma hora, o tema escolhido, falando ao cora��o e � intelig�ncia
dos seus ouvintes, exortando-os ao cumprimento
do dever, � submiss�o �s leis divinas. Por isso, a impress�o
produzida naquela honrada gente era bem profunda.
O mesmo se d� em todos os meios em que o
Espiritismo � praticado com seriedade, pelos humildes

deste mundo.

�s vezes, Esp�ritos de mineiros, conhecidos dos
assistentes e que com eles partilharam a mesma laboriosa
exist�ncia, se lhes manifestavam. Eram facilmente
reconhecidos por sua linguagem, por suas express�es
familiares, por mil particularidades psicol�gicas que s�o
outras tantas provas de identidade. Descreviam a vida

(128) Habita��es dos mineiros belgas.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 243

no espa�o, as sensa��es experimentadas na ocasi�o da
morte, os sofrimentos morais resultantes de um passado
culposo, de perniciosos h�bitos contra�dos, de pendores
para a maledic�ncia ou para o alcoolismo, e essas comovedoras
descri��es, cheias de anima��o e de originalidade,
exerciam no audit�rio um grande efeito moral,
uma impress�o profunda e salutar. Da� uma sens�vel
transforma��o nas ideias e nos costumes.

Considerando esses fatos, bem numerosos j� e que
se multiplicam dia a dia, pode-se desde logo calcular o
n�mero consider�vel de pobres almas que o Espiritismo
fortaleceu e consolou. Ele preservou do suic�dio grande
n�mero de desesperados. Demonstrando-lhes a realidade
da sobreviv�ncia, restituiu-lhes a coragem e o apre�o
� vida.

N�o cometeremos exagero dizendo que milhares de
seres humanos, pertencentes a diversas confiss�es religiosas,
protestantes e cat�licas � e mesmo representantes
oficiais dessas religi�es a quem a morte de parentes
e as prova��es haviam acabrunhado � encontraram
na comunh�o dos mortos, em lugar de uma indecisa
f�, uma convic��o positiva, uma inabal�vel confian�a na
imortalidade.

Eis aqui o que um pastor protestante escrevia a
Russell Wallace, acad�mico ingl�s, depois de haver comprovado
a realidade dos fen�menos esp�ritas:

"A morte � agora para mim uma coisa muito diferente
do que foi outrora; depois de ter experimentado enorme acabrunhamento
consequente � morte de meus filhos, sinto-me
atualmente cheio de esperan�a e de alegria; sou outro
homem" (129).

A esses testemunhos, t�o eloquentes de simplicidade,
poder-se-iam opor, � certo, as fraudes, os h�bitos
de embuste, o charlatanismo e a mediunidade venal, em
uma palavra: todos os abusos originados, em certos

(129) Russell Wallace, "O moderno espiritualismo", p�gina
295.

L�ON DENIS

casos, de uma p�ssima pr�tica experimental do Espiritismo,
e aos quais j� nos referimos.

Mas os que se entregam a semelhantes exerc�cios
provam, por isso mesmo, a sua ignor�ncia do Espiritismo.
Se lhe compreendessem as leis e os preceitos,
saberiam o que lhes reservam atos que s�o outras tantas
profana��es. Saberiam ao que se exp�em os que fazem
de uma coisa respeit�vel e sagrada, em que se n�o deve
tocar sen�o com recolhimento e piedade, meio vulgar
de explora��o, um com�rcio vergonhoso.

Lembrar-nos-�o, tamb�m, a influ�ncia dos maus
Esp�ritos, as comunica��es ap�crifas, subscritas por
nomes c�lebres, os casos de obsess�o e possess�o. Mas
essas influ�ncias foram exercidas, esses fatos se produziram
em todos os tempos; sempre os homens estiveram
expostos � muitas vezes sem lhes conhecerem as
causas � �s m�s a��es dos invis�veis de ordem inferior,
e o estudo do Espiritismo vem precisamente fornecer os
meios de afastar essas influ�ncias, de agir sobre os Esp�ritos
malfazejos, de os encaminhar ao bem pela evoca��o
e pela prece.

A a��o salutar do Espiritismo n�o se exerce, com
efeito, unicamente sobre os homens; estende-se tamb�m
aos habitantes do espa�o. Mediante rela��es estabelecidas
entre os dois mundos, os adeptos esclarecidos podem
agir sobre os Esp�ritos inferiores e, com palavras de
piedade e consola��o, s�bios conselhos, arranc�-los ao
mal, ao �dio, ao desespero.

E nisso h� um dever imperioso, o dever de todo ser
superior para com os seus irm�os retardat�rios, de um
ou de outro mundo. � o dever do homem de bem, que

o Espiritismo eleva � dignidade de educador e guia dos
Esp�ritos ignorantes ou perversos, a ele enviados para
serem instru�dos, esclarecidos, melhorados. �, ao mesmo
tempo, o mais seguro meio de sanear fluidicamente
a atmosfera da Terra, o ambiente em que se agita e
vive a Humanidade.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 245

� nesse intuito que todo c�rculo esp�rita de alguma
import�ncia consagra parte das suas sess�es � instru��o
e moraliza��o das almas culpadas. Gra�as � solicitude
que lhes � testemunhada, �s caritativas advert�ncias
e, sobretudo, �s preces fervorosas que recaem sobre
eles em magn�ticos efl�vios, n�o � raro ver os mais
endurecidos Esp�ritos reconciliados com melhores sentimentos,
porem por si mesmos um termo �s dolorosas
obsess�es com que perseguiam suas v�timas.

Com suas err�neas concep��es da vida de al�m-t�mulo,
com sua doutrina da condena��o eterna, obstou
por muito tempo a Igreja o cumprimento desse dever.
Ela havia interdito toda rela��o entre os Esp�ritos e os
homens, cavando entre eles fundo abismo. Todos os que,
ao deixarem a Terra, eram considerados condenados por
seus crimes, viam interceptar-se, do lado dos homens,
toda comunica��o, dissipar-se toda possibilidade de
aproxima��o e, consequentemente, toda esperan�a de
socorro moral e de consola��o.

O mesmo acontecia do lado do c�u, porque os Esp�ritos
elevados, em virtude da natureza sutil do seu
inv�lucro, dos seus fluidos et�reos pouco em harmonia
com os dos Esp�ritos inferiores, encontram muito mais
dificuldade do que os homens em comunicar com eles,
em raz�o da diferen�a de afinidade. Todas as pobres
almas errantes, torturadas pela ang�stia, assaltadas
pelas recorda��es pungentes do passado, achavam-se
abandonadas a si pr�prias, sem que um pensamento
amigo, como um raio de sol, pudesse iluminar as suas
trevas. Imbu�das, na maior parte, de inveterados preju�zos;
convencidas muitas vezes, por falsa educa��o,
da realidade das penas eternas que supunham estar sofrendo,
a situa��o se lhe tornava horr�vel e suscitava,
muitas vezes, pensamentos de raiva e de furor, uma necessidade
de vingan�a que procuravam saciar nos homens
fracos ou propensos ao mal.

A a��o mal�fica desses Esp�ritos aumentava por
esse mesmo fato ao abandono em que jaziam.


246 L�ON DENIS

Retidos por seus fluidos grosseiros, na atmosfera
terrestre, em permanente contacto com os homens acess�veis
� sua influ�ncia e podendo fazer-lhes sentir a sua
pr�pria, eles n�o visavam sen�o um fim: fazer os homens
compartilharem das torturas que acreditavam
sofrer.

Foi por isso que, durante toda a Idade M�dia, �poca
em que foram interditas as rela��es com o mundo invis�vel,
consideradas criminosas e pass�veis da pena do
fogo, viram-se multiplicar, durante longos s�culos, os
casos de obsess�o, de possess�o, e dilatar-se a perniciosa
influ�ncia dos Esp�ritos do mal. Em lugar de procurar
congra��-los por meio de preces e ben�volas exorta��es,
a Igreja n�o teve para eles sen�o an�temas e maldi��es;
ela n�o procede sen�o por exorcismos, recurso al�m do
mais impotente, cujo �nico resultado � irritar os maus
Esp�ritos, provocar-lhes r�plicas �mpias ou c�nicas, e os
atos indecentes ou odiosos, que sugerem �s suas v�timas.

Perdendo de vista as puras tradi��es crist�s, sufocando
as vozes do mundo invis�vel com a amea�a da
fogueira e das torturas, a Igreja repudiou a grande lei
de solidariedade que une todas as criaturas de Deus
em sua ascens�o comum, impondo �s mais adiantadas
a obriga��o de trabalhar por instruir e regenerar suas
irm�s inferiores. Durante s�culos, privou ela o homem
dos socorros, dos esclarecimentos, dos inestim�veis recursos
que proporciona a comunh�o dos Esp�ritos elevados.
Privou as gera��es dessas permutas de ternura
com os amados entes que nos antecederam na outra vida,
permutas que s�o a alegria, a consola��o suprema dos
aflitos, dos isolados na Terra, de todos os que padecem
as ang�stias da separa��o. Privou a Humanidade desse
fluxo de vida espiritual que desce dos espa�os, retempera
as almas e reanima os tristes cora��es desfalecidos.

Assim se fez, pouco a pouco, a obscuridade nas
doutrinas e nos c�rebros, velaram-se as mais cintilantes
verdades, surgiram pueris ou odiosas concep��es, � m�ngua
de toda cr�tica e exame. E a d�vida se espalhou, o


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 247

esp�rito de cepticismo e nega��o invadiu o mundo (130).
O Espiritismo vem restabelecer essa comunh�o das
almas, que � fonte de energia e luz. Fazendo-nos conhecer
a vida futura sob aspectos verdadeiros, nos liga a
todas as pot�ncias do infinito e nos torna aptos para
receber as suas inspira��es. Os ensinos dos Esp�ritos
superiores, os conselhos de nossos amigos do al�m-t�mulo,
exercem em n�s mais profunda impress�o do que
todas as exorta��es lan�adas do p�lpito, ou as li��es da
mais elevada filosofia.

Fazendo-nos ver nos maus Esp�ritos almas extraviadas,
suscet�veis de retorno ao bem, fornecendo-nos os
meios de sobre eles agir, de suavizar-lhes a sorte, de
preparar-lhes a reabilita��o, o Espiritismo estanca um
antagonismo deplor�vel; torna imposs�vel a reprodu��o
das cenas de possess�o de que o passado est� repleto.
Inspira ao homem a �nica atitude conveniente para com
os Esp�ritos elevados, que s�o seus mestres e guias e
para com os Esp�ritos inferiores, que s�o seus irm�os.

(130) A Igreja, pelo �rg�o dos seus mais autorizados te�logos,
julgou ter o direito de afirmar que nenhum sentimento
de piedade e caridade subsistia no cora��o dos crentes e dos
bem-aventurados a respeito dos que tivessem, porventura, sido
seus pais, parentes, companheiros de exist�ncia neste mundo:
"Os eleitos, no c�u, n�o conservam sentimento algum de
amor e amizade pelos r�probos; n�o sentem por eles compaix�o
alguma e at� gozam do supl�cio de seus amigos e parentes."

"Os eleitos o gozam no sentido de que se sentem isentos
de torturas, e que, por outro lado, neles ter� expirado toda
compaix�o, porque admirar�o a justi�a divina". (Summa Theolo�
ia, de S. Tom�s de Aquino; suplemento da parte III, quest. 95,
arts. 1, 2 e 3, edi��o de Li�o, 1685, t. II, p�g. 425).

� tamb�m essa a opini�o de S. Bernardo (Tratado De diligendo
Deu, cap. XV, 40; edi��o Mabillon, t. I, col. 601).

Dai a consequ�ncia tirada por certos autores m�sticos: "Para
chegar, desde este mundo, � vida perfeita, � preciso n�o conservar
liga��o alguma culposa; se, pois, um pai, m�e, marido
ou esposa, etc, morreram como criminosos, ostensivamente e
em estado de pecado mortal, conv�m arrancar do cora��o toda
a lembran�a deles, pois que s�o perpetuamente odiados por
Deus e ningu�m os poderia amar sem impiedade".

Doutrina monstruosa, destruidora de toda a ideia familiar e
bem diferente dos ensinos do Espiritismo, que fortificam o es



L�ON DENIS

Prepara-o para preencher dignamente a tarefa que lhe
imp�e a lei de solidariedade e caridade que liga todos
os seres.

O Espiritismo, como se v�, exerce em todos os meios
ben�fica influ�ncia.

No espa�o, melhora o estado dos Esp�ritos inferiores,
permitindo aos homens esclarecidos colaborar em
sua reabilita��o. Na Terra introduz, na ordem social,
poderosos elementos de moraliza��o, concilia��o e progresso.
Esclarecendo os obscuros problemas da exist�ncia,
oferece rem�dio eficaz contra as utopias perigosas,
contra as imoderadas ambi��es e as teorias dissolventes.
Aplaca os �dios, acalma as paix�es violentas e restabelece
a disciplina moral, sem a qual n�o pode haver
entre os homens nem paz, nem harmonia.

Aos brados amea�adores, �s reivindica��es tumultuosas,
que das turbas �s vezes se levantam, aos preg�es
� viol�ncia, �s impreca��es contra a sorte, v�m responder
a voz dos Esp�ritos: Homens, recolhei-vos em vosso
�ntimo, aprendei a conhecer-vos, conhecendo as leis que
regem as sociedades e os mundos. Falais constantemente
dos vossos direitos; aprendei que possu�s unicamente os
que vos conferem o vosso valor moral, o vosso grau de
adiantamento. N�o invejeis a riqueza: ela imp�e grandes
deveres e onerosas responsabilidades. N�o aspireis � vida
de ociosidade e luxo; o trabalho e a simplicidade s�o os
melhores instrumentos do vosso progresso e felicidade
porvindoura. Sabei que tudo � regulado com equidade, que
nada � entregue �s conting�ncias do acaso. A situa��o do
homem, neste mundo, � a que para si pr�prio preparou.
Suportai, pois, com paci�ncia os sofrimentos necess�rios,
escolhidos por v�s mesmos. A dor � um meio de eleva��o;

o sofrimento do presente repara os erros de outrora e
engendra as felicidades do futuro.
p�rito da fam�lia, mostrando-nos os v�nculos que ligam seus
membros, preexistentes e persistentes na vida do espa�o. Nenhuma
alma � odiada por Deus. O Amor infinito n�o pode odiar.
A alma criminosa expia, redime-se, cedo ou tarde se reabilita
com o aux�lio de suas irm�s mais adiantadas.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 249

A exist�ncia terrestre n�o � mais que uma p�gina do
grande livro da vida, uma breve passagem que liga duas
imensidades � a do passado e a do futuro. O globo que
habitais � apenas um ponto no espa�o, uma est�ncia inferior,
um lugar de educa��o, de prepara��o para mais
altos destinos. N�o julgueis, pois; n�o me�ais a obra
divina com o ex�guo estal�o e no c�rculo restrito do presente.
Compreendei que a Justi�a eterna n�o � a justi�a
dos homens; ela n�o pode ser apreciada sen�o em suas
rela��es no conjunto das nossas exist�ncias e a universalidade
dos mundos. Confiai-vos � Suprema Sabedoria;
desempenhai a tarefa que ela vos distribui e que, livremente,
antes de nascerdes, haveis aceitado. Trabalhai
com intrepidez e consci�ncia em melhorar a vossa sorte
e a dos vossos semelhantes; esclarecei a intelig�ncia, desenvolvei
a raz�o. Quanto mais �rdua vos for a tarefa,
mais r�pido ser� o vosso adiantamento. A fortuna e o
prazer n�o s�o mais que embara�os para quem deseja
elevar-se. Deste mundo n�o se levam bens nem honras,
mas, unicamente, as aptid�es adquiridas e os aperfei�oamentos
realizados; nisso consistem as riquezas imperec�veis
contra as quais a morte nada pode.

Erguei o olhar acima da Terra. Com a prote��o dos
invis�veis, dos vossos guias espirituais cujos socorros
n�o vos faltar�o se os invocardes com fervor, avan�ai
resolutamente no caminho da vida. Amai vossos irm�os;
praticai com todos a caridade e a justi�a. Lembrai-vos
de que constitu�s, todos, uma grande fam�lia oriunda de
Deus, e que sonegar-vos a vossos irm�os � sonegar a
eterna bondade de Deus, que � pai comum; � vos sonegardes
a v�s mesmos, que n�o fazeis com eles mais que
um s�, no pensamento criador d'Aquele a quem tudo
devemos.

Porque a �nica felicidade, a �nica harmonia poss�vel
neste mundo n�o � realiz�vel sen�o pela uni�o com
os nossos semelhantes, uni�o pelo pensamento e pelo
cora��o, enquanto da divis�o procedem todos os males:
a desordem, a confus�o, a perda de tudo o que constitui
a for�a e a grandeza das sociedades.


250 L�ON DENIS

Suscita-se frequentemente esta quest�o: o moderno
espiritualismo � uma ci�ncia, ou uma religi�o?

At� agora esses dois sulcos tra�ados pelo esp�rito
humano em sua secular pesquisa da verdade conduziram
a opostos resultados, ind�cio manifesto do estado de inferioridade
do pensamento, comprimido, escravizado, limitado
em seu campo de a��o. Prosseguindo, por�m, a
sua marcha, um dia for�osamente chegar� � e esse dia
vem pr�ximo � em que o esp�rito humano atingir� um
dom�nio comum a essas duas formas da ideia; a� se
h�o-de elas fusionar, unificar-se em uma s�ntese, em
uma concep��o da vida e do Universo, que h�-de abranger
o presente e o futuro e fixar as leis eternas do
destino.

O moderno espiritualismo, ou espiritualismo inte


gral, ser� o terreno em que se h�-de efetuar essa apro


xima��o. Nenhuma outra doutrina pode fornecer � Hu


manidade essa concep��o geral que, do mais �ntimo da

vida inferior, eleva o pensamento �s culmin�ncias da

Cria��o, at� Deus, e liga todos os seres numa int�rmina

cadeia.

Quando essa concep��o tiver penetrado nas almas,

quando se houver constitu�do o princ�pio de educa��o,

o alimento intelectual, o p�o de vida de todos os filhos
dos homens, j� n�o haver� possibilidade de separar a
Ci�ncia da Religi�o, e ainda menos de combater uma em
nome da outra, porque a Ci�ncia, at� agora encerrada
no c�rculo da vida terrestre e do mundo material, ter�
reconhecido o invis�vel e levantado o v�u que oculta a
vida flu�dica; ter� sondado o Al�m, para lhe determinar
as formas e precisar as leis. E a exist�ncia futura, a
ascens�o da alma em seus inumer�veis domic�lios, j� n�o
ser� uma hip�tese, uma especula��o destitu�da de provas,
sen�o a realidade viva e palpitante.
N�o ser� poss�vel combater a Religi�o em nome da
Ci�ncia, porque a Religi�o n�o ser� mais o dogma acanhado
e exclusivo, o culto material que houvermos conhecido;
ser� o remate triunfal de todas as conquistas,
de todas as aspira��es do esp�rito humano; ser� o surto


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 251

do pensamento que se apoia na certeza experimental, na
comprovada evid�ncia do mundo invis�vel, na cognitiva
apreens�o de suas leis, e, firme nessa base s�lida, se
eleva para a Causa das causas, para a soberana Intelig�ncia
que preside � ordem do Universo, para aben�o�-
la, por lhe haver concedido a possibilidade de penetrar
suas obras e associar-se a elas.

Ent�o, cada qual compreender� que ci�ncia e religi�o
n�o eram mais que palavras, necess�rias para designar
as flutua��es do pensamento em seus primeiros
ensaios infantis, estado transit�rio do Esp�rito em sua
evolu��o para a verdade. E esse estado ter� desaparecido
com as sombras da ignor�ncia e da supersti��o,
para ceder o lugar ao Conhecimento, ao conhecimento
real da alma e do seu futuro, do Universo e de suas leis;
com esse conhecimento, vir�o a luz e as energias que
permitir�o, finalmente, � alma humana ocupar o lugar
que lhe pertence e desempenhar o seu verdadeiro papel
na obra da Cria��o.

Sempre a Ci�ncia se desvaneceu com as suas conquistas,
e o seu orgulho � bem leg�timo. Incompleta e
vari�vel, entretanto, a Ci�ncia n�o � mais que o conjunto
das concep��es de um s�culo, que a Ci�ncia do s�culo
seguinte ultrapassa e submerge. A despeito das suas
cegas nega��es e acanhada obstina��o, dia a dia s�o as
opini�es dos s�bios desmentidas nalgum ponto. Desmoronam-
se teorias penosamente arquitetadas, para cederem
o lugar a outras teorias. Atrav�s da sucess�o dos
tempos, o pensamento se desdobra e avan�a, mas, em
sua marcha, quantas hesita��es, quantos per�odos de
eclipse e mesmo de recuo!

Considerando os preconceitos e a rotina da Ci�ncia,
foi que se levantaram veementes, contra ela, certos escritores
e a acusaram de incapacidade e de fal�ncia. Era
uma acusa��o injusta. Como o demonstr�mos, a �bancarrota
� n�o atingiu sen�o os sistemas materialistas e
positivistas. No sentido oposto, a teologia e a escol�stica,
impelindo os esp�ritos para o misticismo, haviam
provocado inevit�vel rea��o.


L�ON DENIS

O misticismo e o materialismo fizeram sua �poca.
O futuro pertence � nova ci�ncia, � ci�ncia ps�quica, que
estuda todos os fen�menos e lhes pesquisa as causas,
reconhece a exist�ncia de um mundo invis�vel e, com
todas as an�lises que possui, formular� uma s�ntese
magn�fica da vida e do Universo, para difundir o seu
conhecimento por toda a Humanidade.

Ela destruir� a no��o do sobrenatural, mas franquear�
�s investiga��es humanas ignorados dominios da
Natureza, que encerram inesgot�veis riquezas.

� sob a influencia do Espiritismo experimental que
essa evolu��o cient�fica j� se vai efetuando. � a ele,
digam o que disserem, que a nova ci�ncia deve a vida,
porque, sem o impulso que ele imprimiu ao pensamento,
essa ci�ncia estaria ainda por nascer.

O Espiritismo traz a cada ci�ncia os elementos de
uma verdadeira renova��o. Pela comprova��o dos fen�menos,
conduz a F�sica � descoberta das formas sutil�ssimas
da Mat�ria. Esclarece todos os problemas da Fisiologia
pelo conhecimento do corpo flu�dico. Sem a
exist�ncia deste, seria imposs�vel explicar a aglomera��o,
na forma org�nica e sobre um plano determinado,
das in�meras mol�culas que constituem o nosso inv�lucro
terrestre, do mesmo modo que a conserva��o da
individualidade e da mem�ria, atrav�s das constantes
muta��es do corpo humano.

Gra�as ao Espiritismo, a Psicologia j� se n�o sente
embara�ada por tantas quest�es obscuras e, particularmente,
pela das personalidades m�ltiplas, que se sucedem
sem se conhecerem, no mesmo indiv�duo. As experi�ncias
esp�ritas fornecem � Patologia os meios de curar
a obsess�o e os in�meros casos de loucura e alucina��o
que com ela se relacionam. A pr�tica do magnetismo, a
utiliza��o dos fluidos curativos, revolucionam e transformam
a Terap�utica.

O espiritualismo integral nos faz melhor compreender
a evolu��o da vida, mostrando-nos o seu princ�pio
nos progressos ps�quicos do ser, que constr�i e aperfei�oa,
por si mesmo, as suas formas atrav�s dos tempos.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 253

Essa evolu��o, em que as nossas vidas terrestres
n�o representam mais que uma fase transit�ria, simples
paradas em nossa grande jornada ascensional atrav�s
dos mundos, vem confirmar os testemunhos da Astronomia,
que mostra a ex�gua import�ncia do nosso planeta
no conjunto do Universo, e conclui pela habitabilidade
das outras terras do espa�o.

� assim que o Espiritismo vem enriquecer e fecundar
os mais diversos dom�nios do pensamento e da
Ci�ncia. Esta se havia limitado ao estudo do mundo
sens�vel, do mundo inferior da mat�ria. O Espiritismo,
demonstrando a exist�ncia de um mundo flu�dico que
� o complemento, o prolongamento daquele, lhe descerra
ilimitados horizontes, facultando-lhe maior impulso e
desenvolvimento. E, como esses dois mundos se ligam
e reagem constantemente um sobre o outro, sendo incompleto
o conhecimento de um sem o conhecimento do
outro, o Espiritismo, aproximando-os, unindo-os, vem
tornar poss�veis a explica��o dos fen�menos da vida e
a solu��o dos m�ltiplos problemas em cuja presen�a
permanecera a Ci�ncia impotente e muda at� agora. Vem
finalmente libertar a Humanidade dos sistemas restritivos,
da rotina obstinada, para faz�-la participar da
vida ampla, infinita.

A obra � imponente e grandiosa. O novo espiritualismo
convida a se lhe associarem todas as intelig�ncias,
todas as almas generosas, todos os esp�ritos �vidos de
luz e de ideal. O campo de a��o que lhes faculta, as riquezas
que lhes oferece, n�o t�m limites. S�bios, poetas,
pensadores e artistas, todos quantos se sentem apaixonados
de ci�ncia profunda, beleza ideal, harmonia divina,
h�o-de nele encontrar uma fonte inesgot�vel de
inspira��es.

A doutrina das transmigra��es, a magn�fica epopeia
da vida imortal que se desdobra na superf�cie dos
mundos, oferecer� tema � produ��o de obras-primas, que
exceder�o em magnitude as geniais concep��es de
outrora.


L�ON DENIS

Essa a��o renovadora far-se-� igualmente sentir nas
religi�es, posto que muito mais lenta e dificilmente.
Dentre todas as institui��es humanas, s�o estas, com
efeito, as mais refrat�rias a qualquer reforma, a qualquer
impulso para a frente; todavia, est�o, como todas
as coisas, sujeitas � lei divina do progresso.

No plano superior de evolu��o, cada s�mbolo, cada
forma religiosa deve ceder o lugar a concep��es mais
altas e mais puras. O Cristianismo n�o pode desaparecer,
porque os seus princ�pios cont�m o germe de renascimentos
infinitos; deve, por�m, despir as diferentes
formas revestidas no curso das idades, regenerar-se nas
fontes da nova revela��o, apoiar-se na ci�ncia dos fatos
e voltar a ser um manancial de f� viva.

Nenhuma concep��o religiosa, nenhuma forma cultural
� imut�vel. Dia vir� em que os dogmas e cultos atuais
ir�o reunir-se aos destro�os dos antigos cultos; o ideal
religioso, por�m, n�o h�-de perecer; os preceitos do
Evangelho dominar�o sempre as consci�ncias, como a
grande figura do Crucificado dominar� o fluxo dos s�culos.


As cren�as, as diferentes religi�es, tomadas em sua
ordem sucessiva, poderiam, numa certa medida, ser consideradas
os degraus que o pensamento galga em ascens�o
para concep��es cada vez mais vastas da vida futura
e do ideal divino. Sob este prisma, t�m sua raz�o de
ser; mas chega sempre um tempo em que as mais perfeitas
se tornam insuficientes, um momento em que o
esp�rito humano, em suas aspira��es e impulsos, eleva-se
acima do c�rculo das cren�as usuais, para buscar mais
completa forma do conhecimento.

Ent�o ele percebe o encadeamento que prende todas
essas religi�es. Compreende que todas se ligam por uma
base de princ�pios comuns, que s�o as imperec�veis verdades,
ao passo que todo o resto � formas, ritos e s�mbolos,
s�o coisas transit�rias, passageiros acidentes da
hist�ria humana.

Sua aten��o desviando-se dessas formas, dessas ex


press�es religiosas, volta-se para o futuro. A� v� ele



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 255

var-se acima de todos os templos, de todas as religi�es
exclusivistas, uma religi�o mais vasta que a todos abranger�,
que j� n�o ter� ritos nem dogmas, nem barreiras,
mas dar� testemunho dos fatos e das verdades universais
� uma Igreja que, por sobre todas as seitas e todas
as igrejas, estender� as vigorosas m�os para proteger
e aben�oar. V� erigir-se um templo em que toda a Humanidade,
recolhida e prosternada, unir� os pensamentos
e as cren�as numa id�ntica comunh�o de f�, que se
resumir� nestas palavras: Pai nosso que estais nos c�us!

Tal ser� a religi�o do futuro, a religi�o universal.
N�o ser� uma institui��o fechada, uma ortodoxia regida
por estreitas normas, sen�o uma fus�o dos cora��es e
dos esp�ritos.

O moderno espiritualismo, com o movimento de
ideias que provoca, prepara o seu advento. Sua a��o
crescente arrancar� as atuais igrejas � imobilidade que
as det�m, e as obrigar� a voltarem-se para a luz que se
espraia no horizonte.

� verdade que, em presen�a dessa luz, � vista das
profundezas que vem iluminar, muitas almas aferradas
ao passado tremem ainda e sentem-se tomadas de vertigem.
Temem pela sua f�, pelo seu ideal envelhecido
e vacilante; deslumbra-as essa luz demasiado viva. N�o
� Satan�s, dizem elas, quem faz brilhar aos olhos dos
homens uma enganadora miragem? N�o ser� isso obra
do Esp�rito do mal?

Tranquilizai-vos, pobres almas, n�o h� outro Esp�rito
do mal sen�o a ignor�ncia. Essa radia��o � o chamamento
de Deus que quer dele vos aproximeis, que
abandoneis as obscuras regi�es, a fim de pairardes nas
esferas luminosas.

As igrejas crist�s n�o t�m raz�o de se alarmarem
com esse movimento. A nova revela��o n�o as vem destruir,
mas esclarec�-las, regener�-las, fecund�-las. Se a
souberem compreender e aceitar, nela encontrar�o inesperado
aux�lio contra o materialismo que incessantemente
lhes a�oita as bases com suas ondas rugidoras;
nela h�o-de encontrar um novo potencial de vida.


L�ON DENIS

J� reparastes nessas grutas guarnecidas de estalactites
e de alv�ssimos cristais e nas galerias subterr�neas
das minas de diamantes? Todas as suas riquezas
se acham imersas na sombra. Nada revela o esplendor
que ali se oculta. Penetre, por�m, a luz no seu interior,
tudo imediatamente se ilumina; cintilam os cristais e o
precioso mineral; as ab�badas, as paredes, tudo, em
chispas deslumbrantes, resplandece.

Essa luz � a que o novo espiritualismo traz �s igrejas.
Sob os seus raios, todas as riquezas ocultas do
Evangelho, todas as gemas da doutrina secreta do Cristianismo,
sepultadas sob a densidade do dogma, todas
as verdades veladas saem da noite dos s�culos e reaparecem
com todo o esplendor. Eis o que a nova revela��o
vem oferecer �s religi�es. � um socorro do c�u, uma
ressurrei��o das coisas mortas e esquecidas, que elas
encerram em seu seio. � uma nova flora��o do pensamento
do Mestre, aformoseada, enriquecida, restitu�da
� plena luz pelos cuidados dos Esp�ritos celestes.

Compreend�-lo-�o as igrejas? Sentir�o elas o poder
da verdade que se manifesta e a grandeza do papel que
lhes cumpre desempenhar ainda, se o souberem reconhecer
e assimilar? N�o o sabemos. Mas o que � certo
� que em v�o tentariam combat�-la, embara�ar-lhe a
marcha ou lhe deter o surto: �Nisso est� a vontade de
Deus � dizem as vozes do espa�o! � os que contra ela
se levantarem ser�o despeda�ados e dispersos. Nenhuma
for�a humana, nenhum dogma, nenhuma persegui��o
seria capaz de impedir a nova doa��o, complemento necess�rio
do ensino do Cristo, por ele anunciada e dirigida.


Dito foi: �Quando chegarem os tempos, eu derramarei
o meu esp�rito sobre toda a carne; vossos filhos
e vossas filhas profetizar�o; os mancebos ter�o vis�es e
os velhos sonhar�o sonhos.�

� chegada essa �poca. A evolu��o f�sica e o desenvolvimento
intelectual da Humanidade fornecem aos Esp�ritos
superiores bem. destros instrumentos, organismos
bem aperfei�oados para lhes permitirem que manifestem


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 257

sua presen�a e espalhem suas instru��es. Tal o sentido
dessas palavras.

As pot�ncias do espa�o est�o em atividade, por toda
parte sua a��o se faz sentir. Mas, perguntar-nos-�o, quais
s�o essas pot�ncias?

Membros e representantes das igrejas do mundo,
ouvi e gravai em vossa mem�ria:

L�, muito acima da Terra, nos campos vast�ssimos
do espa�o vive, pensa, trabalha uma Igreja invis�v�l, que
vela pela Humanidade.

Ela se comp�e dos ap�stolos, dos disc�pulos do Cristo
e de todos os g�nios dos tempos crist�os. Perto deles encontrareis
tamb�m os elevados Esp�ritos de todas as
ra�as que viveram neste mundo em conformidade com a
lei de amor e caridade.

Porque os julgamentos do c�u n�o s�o os julgamentos
da Terra. Nos et�reos espa�os n�o se pedem contas
�s almas dos homens, nem de sua ra�a, nem de sua religi�o,
mas de suas obras e do bem que praticaram.

� a Igreja universal; n�o � restrita como as igrejas
convencionais da Terra; abrange os Esp�ritos de todos
os que sofreram pela verdade.

S�o as suas decis�es, inspiradas por Deus, que regem
o mundo; � a sua vontade que subleva, nos momentos
escolhidos, as grandes vagas da ideia e impele
a Humanidade para o abrigado porto, atrav�s dos temporais
e dos escolhos. � ela que dirige a marcha do
moderno espiritualismo e patrocina o seu desenvolvimento.
Por ela combatem os Esp�ritos que a constituem:
uns, do seio dos espa�os, influindo sobre os seus defensores
� porque n�o h� dist�ncias para o Esp�rito cujo
pensamento vibra atrav�s do infinito; � outros, baixando
� Terra, onde, �s vezes revestidos, eles pr�prios,
de um corpo de carne, renascem entre os homens para
desempenhar ainda o papel de mission�rios divinos.

Deus guarda em reserva outras for�as ocultas,
outras almas de escol para a hora da renova��o. Essa
hora ser� anunciada por grandes crises e sucessos do


9


258 L�ON DENIS

lorosos. � necess�rio que as sociedades sofram; � preciso
que o homem seja ferido para cair em si, para
sentir o pouco que � e abrir o cora��o �s influ�ncias
do Alto.

A Terra h�-de presenciar dias tenebrosos, dias de
luto; tempestades se h�o-de desencadear. Para que germine
o gr�o, s�o necess�rias as nevadas e a triste incuba��o
do Inverno. Violentos sopros vir�o dissipar as
n�veoas da ignor�ncia e os miasmas da corrup��o.

Mas passar�o as tempestades; o c�u reaparecer� em
sua limpidez. A obra divina se expandir� em um novo
surto. A f� renascer� nas almas e novamente irradiar�,
mais fulgurante, sobre o mundo regenerado, o pensamento
de Jesus.


CONCLUS�O

A observa��o dos fen�menos esp�ritas por um lado,
os ensinos dos Esp�ritos por outro, nos patentearam as
profundas verdades que constituem a base do Cristianismo
primitivo e de todas as grandes religi�es do passado.
Fez-se a luz sobre atos da vida do Cristo at�
agora envoltos em mist�rio. Ao mesmo tempo, revelou-
se integralmente o pensamento de Jesus, a grandeza
de sua obra foi posta em evid�ncia.

Jesus n�o � um instituidor de dogmas, um criador
de s�mbolos; � o iniciador do mundo no culto do sentimento,
na religi�o do amor. Outros assentaram a cren�a
sobre a ideia da justi�a. A justi�a n�o basta; s�o precisos
o amor dos homens, a caridade, a paci�ncia, a simplicidade
e a mansid�o. � por essas coisas que o Cristianismo
� superior e imperec�vel, e que todos os que
amam a Humanidade podem dizer-se crist�os, mesmo
quando se achem divorciados da tradi��o de todas as
igrejas.

A religi�o de Jesus n�o � exclusivista: une todas
as almas crentes num v�nculo comum; prende todos os
seres que pensam, sentem, amam e sofrem, num mesmo
amplexo e uma s� comunh�o de amor. � a forma simples
e sublime que vai direta ao cora��o, comove e engrandece
o homem, franqueia-lhe as infinitas sendas do
ideal. Esse ideal de amor e de fraternidade, foram precisos
dezenove s�culos para ser compreendido, para que
pudesse penetrar na consci�ncia da Humanidade. A�
entrou ele pouco a pouco, sob os germes de todas as
transforma��es sociais.

Assegurando a todos o direito de participar do
�reino de Deus�, isto �, da luz e da verdade, Jesus pre



260 L�ON DENIS

parou a regenera��o da Humanidade; colocou os marcos
da revela��o futura. Fez entrever ao homem a extens�o
dos seus destinos, a possibilidade de se elevar at� �s
esferas divinas, pelos caminhos da prova��o e da dor,
pelas vias da f� e do trabalho.

F�z mais ainda, o Cristo. Pelas manifesta��es de
que era o centro e que continuaram depois de sua morte,
ele havia aproximado as duas humanidades, a invis�vel
e a vis�vel, humanidades que se penetram, se vivificam,
se completam mutuamente. A Igreja novamente
as separou; despeda�ou o v�nculo que prendia os mortos
aos vivos. Reduzida �s suas pr�prias inspira��es, abandonada
a correntes de opini�es opostas, a todos os
sopros das paix�es, n�o mais soube discernir e interpretar
a verdade. O pensamento de Jesus ficou velado;
as trevas envolveram o mundo, trevas espessas como
as da Idade M�dia, cuja influ�ncia ainda pesa sobre n�s.

Mas, depois de s�culos de sil�ncio, o mundo invis�vel
se descerra; ilumina-se, agita-se at� �s suas maiores
profundezas. As legi�es do Cristo e o pr�prio Cristo
est�o em atividade. Soou a hora da nova dispensa��o.

Essa dispensa��o � o moderno espiritualismo. Ei-lo
que se levanta com o feixe de suas descobertas, com a
multid�o dos seus testemunhos, com o ensino dos Esp�ritos.
As colunas do templo que erige ao pensamento,
sobem pouco a pouco e erguem-se alterosas. H� trinta
anos n�o passava de bem mesquinha constru��o. E �
vede! � j� � um edif�cio moral, sob cujas ab�badas
milh�es de almas t�m encontrado asilo, no meio das
procelas da exist�ncia. A multid�o dos que gemem e
sofrem volta para ele os seus olhares. Todos aqueles
para quem a vida se tornou molesta, todos os que s�o
assediados por sombrios desassossegos ou presas da
desesperan�a, nele h�o-de encontrar consola��o e amparo;
aprender�o a lutar com bravura, a desdenhar a
morte, a conquistar melhor futuro.

Os pensadores, os generosos Esp�ritos que trabalham
pela Humanidade, nele encontrar�o os meios de
realizar o seu ideal de paz e de harmonia. Porque s�


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 261

uma f� viva, uma cren�a forte, consorciadora das almas,
ser� capaz de preparar a harmonia universal. Pode j�
prever-se que � o moderno espiritualismo que h�-de realiz�-
la. Ele fez mais para isso em cinquenta anos do que

o Catolicismo em muitos s�culos. Na hora atual, acha-se
ele disseminado por todos os pontos do globo. Seus
adeptos, cujo n�mero se tornou incalcul�vel, sa�dam-se
todos pelo nome de irm�os. Uma literatura consider�vel,
centenas de jornais, federa��es, sociedades, s�o manifesta��es
de sua crescente vitalidade.
S�lido por seu passado remot�ssimo, que � o da
Humanidade, certo do seu futuro, o Espiritismo se ergue
em face das doutrinas sem bases e do cepticismo vacilante.
Avan�a resolutamente pela estrada aberta, a despeito
dos obst�culos e das oposi��es interesseiras, seguro
da vit�ria final, porque tem por si a Ci�ncia e a
Verdade!

*

� um ato solene do drama da evolu��o humana
que come�a; � uma revela��o que ilumina ao mesmo
tempo as profundezas do passado e as do futuro; que
faz surgirem da poeira dos s�culos as cren�as em letargo,
anima-as com uma nova chama e as faz, completando-
as, reviver.

� um sopro vigoroso que desce dos espa�os e corre
sobre o mundo; ao seu influxo todas as grandes verdades
se restabelecem. Majestosas, emergem da obscuridade
dos tempos, para desempenhar a tarefa que o pensamento
divino lhes assina. As grandes coisas se fortalecem
no recolhimento e no sil�ncio: no olvido aparente
dos s�culos haurem elas novas energias. Recolhem-
se em si mesmas e se preparam para as tarefas
do futuro.

Por sobre as ru�nas dos templos, das civiliza��es
extintas e dos imp�rios derrocados; por sobre o fluxo
e refluxo das mar�s humanas, uma grande voz se eleva;
e essa voz conclama: S�o vindos os tempos; os tempos
s�o chegados!


262 L�ON DENIS

Das profundezas estreladas baixam � Terra legi�es
de Esp�ritos, para empenhar o combate da luz contra
as trevas. J� n�o s�o os homens, j� n�o s�o os s�bios,
os fil�sofos que lan�am uma nova doutrina. S�o os
g�nios do espa�o que v�m at� n�s e nos sopram ao pensamento
os ensinos destinados a regenerar o mundo.
S�o os Esp�ritos de Deus! Todos os que possuem o dom
da clarivid�ncia os percebem pairando sobre n�s, associando-
se aos nossos trabalhos, lutando ao nosso lado
pelo resgate e ascens�o da alma humana.

Grandes coisas se preparam. Que os trabalhadores
do pensamento estejam a postos, se querem tomar parte
na miss�o que Deus oferece a todos os que amam e
servem a Verdade.


NOTAS COMPLEMENTARES

N.
1 � Sobre a autoridade da B�blia e as
origens do Antigo Testamento
Para a maior parte das igrejas crist�s s B�blia � a suprema
autoridade, sendo os sessenta e seis livros que comp�em
o Antigo e o Novo Testamento a express�o da "palavra
de Deus".

N�s, filhos curiosos do s�culo XX, perguntamos: porque
precisamente sessenta e seis livros? Porque nem mais, nem
menos ?

Os livros do Antigo Testamento foram escolhidos, entre
muitos outros, por desconhecidos rabinos judeus. O valor
desses livros �, de resto, muito desigual. O segundo livro dos
Macabeus, por exemplo, � muit�ssimo superior ao de Ester;

o livro da sabedoria excede em valor o Eclesiastes.
O mesmo aconteceu com o Novo Testamento, composto
de conformidade com uma norma que os crist�os do primeiro
s�culo n�o conheciam. O Apocalipse foi escrito no ano
68 depois de Jesus-Cristo. O quarto Evangelho s� apareceu
em fins do s�culo I � alguns dizem no ano 140; � um
e outro trazem o nome de S. Jo�o; mas esses dois livros s�o
animados de um esp�rito bem diferente. O primeiro � obra
de um crist�o judeu; o outro � escrito por um crist�o da
escola filos�fica de Alexandria, que n�o s� havia rompido com
a dogm�tica judaica, mas se propunha mesmo combat�-la.

Compreende-se facilmente que os reformadores protestantes,
baseando-se no princ�pio de que a B�blia constitui a
"palavra de Deus" tenham trope�ado em insuper�veis dificuldades.
Foram eles sobretudo que emprestaram � B�blia
essa autoridade absoluta que tantos abusos devia ocasionar:
� necess�rio, por�m, n�o os julgar unicamente conforme os
resultados da teologia que institu�ram. As necessidades do
tempo os coagiram a opor � autoridade da Igreja Romana.


264 L�ON DENIS

ao abuso das indulgencias, ao culto dos santos, as obras
mortas de uma religi�o em que as frivolas pr�ticas haviam
substituido a f� vivificadora, a soberania de Deus e a autoridade
da sua palavra, expressa na Biblia.

N�o obstante a disparidade dos elementos que comp�em
essa obra, n�o se lhe poderia contestar a alta import�ncia
e a inspira��o por vezes elevada. Um r�pido exame nos provar�,
todavia, que ela n�o pode ter a origem que lhe � atribu�da.


G�nesis. � Se lermos com aten��o os primeiros cap�tulos
do G�nesis verificaremos que encerram duas narrativas
distintas da Cria��o. Os cap�tulos I e II, w. 1 a 3, cont�m
uma primeira exposi��o, mas, no cap�tulo II, 4, come�a uma
outra narra��o; essas duas narrativas nos revelam o pensamento
de dois autores diferentes. Um, falando de Deus, o
chama Eloim, isto �, "os deuses". Na opini�o de certos comentadores,
esse termo designaria as for�as, os seres divinos,
os Esp�ritos colaboradores do �nico. Esse parecer � confirmado
por muitas passagens do sagrado livro.

"Eis a� est� feito Ad�o como um de n�s", l�-se por.
exemplo, no G�nesis (131). "Eu sou o Jahveh de vossos deuses",
diz o Levitico (132). No livro de Daniel, falando desse
profeta, a mulher de Baltazar afirma que ele possui o esp�rito
dos deuses santos (133). Com o plural Eloim, exprimindo
a coletividade, o verbo deve ser empregado no singular:
os deuses "criou", ao passo que, falando essas for�as
de si mesmo, o verbo est� no plural: "Disse Eloim: Fa�amos
o homem � nossa imagem".

O outro autor do G�nesis emprega o termo Jeov� �
Jahveh, segundo os modernos orientalistas � nome particular
do Deus de Israel. Essa diferen�a � constante e se encontra
em toda a obra, a tal ponto que os exegetas chegaram
a distinguir esses dois autores, designando-os pelos nomes
de autor Elo�sta e autor Jeovista.

Cada um deles tem suas opini�es particulares. O primeiro,
por exemplo, se esfor�ou por dar uma san��o divina
� institui��o do s�bado, alegando que Deus havia, ao s�timo
dia, repousado. O segundo explica o problema do sofrimento
humano. Prov�m, diz ele, do pecado, e o pecado
decorre da queda de Ad�o. Terr�vel encadeamento de con


(131) Cap. III, 22.
(132) XIX, 3.
(133) "Daniel", V, 11.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 265

sequ�ncias dogm�ticas, que devia pesar aflitivamente sobre
o pensamento humano e lhe deter o surto. Renan proclama
esse autor o maior dos fil�sofos. Ai est� uma aprecia��o
bem singular. N�o se pode, inquestionavelmente, negar
que as suas opini�es tivessem inspirado S�o Paulo,
Santo Agostinho, Lutero, Calvino, Pascal; mas em que terr�veis
d�dalos n�o emaranharam elas a raz�o humana!

No cap�tulo IV do G�nesis uma estranha contradi��o
se patenteia. Depois de haver morto Abel, Caim se retira
para um pa�s distante, no qual encontra homens, casa-
se e funda uma cidade. Coisa � essa que gravemente
afeta a narrativa da Cria��o e a teoria da unidade de
origem das ra�as humanas.

Deuteron�mio. � Tomemos agora em considera��o este
quinto livro do Antigo Testamento. Diz o cap. I, v. 1, que
� ele obra de Mois�s. Nisso h� um primeiro exemplo dessas
piedosas fraudes que consistiam em publicar um escrito
sob o nome de um autor respeit�vel para lhe dar maior autoridade.
Somos informados da origem desse livro pela narrativa
dos Reis, II, XXII, vv. 8 e 10. Foi achado no templo,
sob o reinado de Josias, um dos �ltimos reis de Jud�, cinco
s�culos depois de Mois�s, numa �poca em que o astro da
dinastia de Jud� j� se inclinava para o ocaso. O verdadeiro
autor o tinha evidentemente colocado no templo, a fim
de que fosse descoberto e apresentado ao rei, piedoso homem,
que tomou o livro a s�rio, acreditou que provinha
de Mois�s e empregou toda a sua autoridade no sentido de
aplicar as reformas nele reclamadas. Os judeus achavam-se
ent�o engolfados na idolatria; os preceitos do Dec�logo de
tal modo estavam esquecidos que o autor do Deuteron�mio,
um reformador bem intencionado, tendo-se proposto record�-
los, provocou um verdadeiro temor nos esp�ritos e conseguiu
fazer aceitar o seu livro como uma nova revela��o.

Observemos, a esse respeito, no Deuteron�mio, cap.
XXVIII, que as sedutoras promessas e as aterradoras amea�as
com que se esfor�a o autor pelo restabelecimento do
culto a Jeov� se referem exclusivamente � vida terrestre,
parecendo n�o possuir no��o alguma da imortalidade.

A mesma coisa se d� com o Pentateuco, conjunto de
obras atribuidas a Mois�s. Em lugar algum o grande legislador
judeu, ou os que falam em seu nome, faz men��o
da alma como entidade sobrevivente ao corpo. Na sua opini�o,
a vida do homem, criatura ef�mera, se desdobra no


266
L�ON DENIS

acanhado c�rculo da Terra, sem perspectiva aberta para

o
c�u, sem esperan�a e sem futuro.
Na maior parte, os outros livros do Antigo Testamento
n�o falam do futuro do homem sen�o com a mesma
d�vida, com o mesmo sentimento de desesperadora tristeza.
Diz Salom�o (Eccles., III, vv. 17 e seguintes) :
"Quem sabe se o esp�rito do homem sobe �s alturas?

Meditando sobre a condi��o dos homens, tenho visto que
� ela a mesma que a dos animais. Seu fim � o mesmo; o
homem perece como o animal; o que resta de um n�o �
mais do que o que resta do outro; tudo � vaidade" (134).

� ent�o isso a "palavra de Deus" ? Pode admitir-se que
ele tenha deixado ao seu povo predileto ignorar os destinos
da alma e a vida futura, quando esse princ�pio essencial
de toda doutrina espiritualista era, havia muito tempo,
familiar na �ndia, no Egito, na Gr�cia, na G�lia?

A B�blia estabelece como princ�pio o mais absoluto
monote�smo. Nela n�o se trata da Trindade. Jahveh reina
sozinho no c�u, zeloso e solit�rio. Mas Jahveh primitivamente
n�o � mais que um deus nacional, oposto �s divindades
cultuadas pelos outros povos. S� mais tarde os hebreus se
elevam � concep��o desse Poder �nico, supremo, que rege

o Universo. Os anjos n�o se mostram sen�o de longe em
longe, como mensageiros do Eterno. N�o h� lugar algum
para as almas dos homens nos c�us tristes e vazios. No
ponto de vista moral, Deus � apresentado na B�blia sob aspectos
m�ltiplos e contradit�rios. Dizem-no o melhor dos
pais e fazem-no desapiedado para com os filhos culpados.
Atribuem-lhe a onipot�ncia, a infinita bondade, a soberana
justi�a, e rebaixam-no at� ao n�vel das paix�es humanas,
mostrando-o terr�vel, parcial e implac�vel. Fazem-no criador
de tudo o que existe, d�o-lhe a presci�ncia, e, depois,
apresentam-no como arrependido da sua obra:
G�nesis, cap. VI, w. 6 e 7: "Ele se arrependeu de ter
feito o homem na terra e teve por isso um grande desgosto
em seu cora��o."

E diz o Eterno: "Eu exterminarei da face da terra os
seres que criei, desde os homens at� os animais, at� tudo

o que se roja pelo ch�o, e at� os p�ssaros dos c�us, porque
me arrependo de os haver criado."
(134) "Tudo � nada" diz o texto hebraico.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

S� No� e sua fam�lia encontraram gra�a diante do
Eterno. Em que se tornam, depois dessa narrativa, a previd�ncia
e o poder divino?

Assinalemos entretanto: a no��o da Divindade se vai
depurando � medida que evolve o povo. Os profetas, indiv�duos
inspirados, reprovam, em nome do Senhor, os sacrif�cios
cruentos, primeiras homenagens dos hebreus a
Jahveh; condenam o jejum e os sinais exteriores de humilha��o,
nos quais o pensamento n�o tem a menor interven��o.

"Quando me ofereceis os holocaustos de vossas rezes
pingues, n�o me dais prazer algum", exclama o Eterno
pela boca de Am�s. "O que exijo � que a retid�o seja como
uma �gua que transborda, e a justi�a como uma torrente
impetuosa" (135).

"N�o jejuais como conv�m � escreve Isa�as, � Curvar
a cabe�a como um junco e fazer cama de saco e
de cinza, chamar�s tu a isso o jejum agrad�vel ao Senhor?
Mas o jejum que me agrada � antes este: Rompe
as ligaduras da maldade; desata os la�os da servid�o, deixa
ir livres os oprimidos; reparte o teu p�o com o que tem
fome e introduze em tua casa os infelizes e os peregrinos;
d� de vestir aos nus e n�o desprezes os teus semelhantes,
e ent�o romper� como a aurora tua luz, a justi�a ir� diante
de tua face e a gl�ria do Eterno te acompanhar�" (136).

"O que o Senhor requer de ti � diz Miqueias � � que
pratiques a justi�a, que ames a miseric�rdia e que andes
humildemente com o teu Deus" (137).

Em sua obra intitulada Em torno de um livrinho, respondendo
�s cr�ticas suscitadas pelo seu trabalho sobre
O Evangelho e a Igreja, externa o abade Loisy a opini�o
de que, em seu conjunto, n�o t�m os livros do Antigo Testamento
outro objetivo al�m da instru��o religiosa e edifica��o
moral do povo. "Nele se desconhece a exatid�o bibliogr�fica
� acrescenta; � a preocupa��o do fato material
e da hist�ria objetiva brilha pela aus�ncia."

� tamb�m essa a minha opini�o. Da� segue que n�o
poderia a B�blia ser considerada "a palavra de Deus" nem
uma revela��o sobrenatural. O que se deve nela ver �
uma compila��o de narrativas hist�ricas ou lengend�rias,
de ensinamentos sublimes, de par com pormenores �s vezes
triviais.

(135) "Am�s", V, 22, 24.
(13G) "Isa�as", LVIII, 4-8,
(137) "Miqueias", VI, 8.

268 L�ON DENIS

Parece, em certos casos, se inspirarem os autores do Pentateuco
em revela��es mais antigas, como o faz notar
Swedenborg, com provas em apoio. Os iniciados encaram o
Antigo Testamento como puramente simb�lico e nele pensam
descobrir todas as verdades por meio da Cabala. Somos
tamb�m de opini�o que pode ele revestir a forma de
um s�mbolo. Do mesmo modo que a� vemos a prepara��o
do povo hebreu para o advento do Cristianismo, sob a dire��o
de Mois�s e dos profetas, aos quais se mostra ele �s
vezes t�o rebelde, pode igualmente esse livro representar-nos
a marcha ascensional do esp�rito humano para a perfei��o,
a que o conduzem os Esp�ritos superiores de um e do outro
mundo.

O Antigo Testamento parece destinado a servir de la�o
entre a ra�a sem�tica e a ariana. Jesus, com efeito, n�o parece
mais ariano que judeu? Sua infinita mansid�o, a serena
claridade de seu pensamento n�o est�o em oposi��o
com os r�gidos, com os sombrios aspectos do Juda�smo ?

Essa obra n�o remonta a t�o antiga data como se tem
de bom grado feito crer. Foi em todo caso retocada mais
ou menos tempo depois da volta da Babil�nia, porque nela
a espa�os se encontram alus�es ao cativeiro dos judeus nesse
pa�s (138). � bem a obra dos homens, o testemunho da
sua f�, das suas aspira��es, do seu saber, e tamb�m dos
seus erros e supersti��es. Os profetas nela consignaram a
palavra vibrante que lhes era inspirada; videntes, descreveram
as imagens das realidades invis�veis que lhes apareciam;
escritores, delinearam as cenas da vida social e os
costumes da �poca.

Foi com o intuito de dar a esses ensinos t�o diversos
maior peso e autoridade, que foram eles apresentados
como emanados da soberana Pot�ncia que rege os mundos.

N. 2 � Sobre a origem dos Evangelhos
O Antigo Testamento � o livro sagrado de um povo -


o povo hebreu; o Evangelho � o livro sagrado da Humanidade.
As verdades essenciais que ele cont�m acham-se ligadas
�s tradi��es de todos os povos e de todas as idades.
A essas verdades, por�m, muitos elementos inferiores vieram
associar-se.
(138) Cerca do ano 700 antes da nossa era.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 269

Nesse ponto de vista o Evangelho pode ser comparado
a um vaso precioso em que, no meio da poeira e das cinzas,
se encontram p�rolas e diamantes. A reuni�o dessas gemas
constitui a pura doutrina crist�.

Quanto � sua verdadeira origem, admitindo que os
Evangelhos can�nicos sejam obra dos autores de que trazem
os nomes, � preciso notar que dois dentre eles, Marcos
e Lucas, se limitaram a transcrever o que lhes fora dito
pelos disc�pulos. Os outros dois, Mateus e Jo�o, conviveram
com Jesus e recolheram os seus ensinos. Os seus evangelhos,
por�m, n�o foram escritos sen�o quarenta e sessenta anos
depois da morte do mestre.

A seguinte passagem de Mateus (XXIII, 35) � a menos
que se trate de uma interpola��o bem veross�mil � prova
que essa obra � posterior � tomada de Jerusal�m

(ano 70). Jesus dirige esta veemente ap�strofe aos fariseus:

"Para que venha sobre v�s todo o sangue inocente que
se tem derramado sobre a terra, desde o sangue de Abel
"at� o sangue de Zacarias, filho de Baraquias, que v�s matastes
entre o templo e o altar".

Ora, segundo todos os historiadores e, em particular,
segundo Fl�vius Josefo (139), esse assass�nio foi praticado
no ano 67, ou sejam trinta e quatro anos depois da morte
de Jesus.

Se atribuem ao Cristo a men��o de um fato que ele
n�o pudera conhecer, ao que se n�o ter�o animado acerca
de outros pontos ?!

Os Evangelhos n�o est�o concordes sobre os fatos mais
not�veis atribu�dos a Jesus. Assim, cada um deles refere
de modo diferente as suas derradeiras palavras. Segundo Mateus
e Marcos, teriam sido: "Deus meu, Deus meu, porque
me desamparaste?" (140). Conforme Lucas, o Cristo, ao expirar,
teria dito: "Pai, nas tuas m�os encomendo o meu esp�rito"
(141), expressivo testemunho do amor filial que o
unia a Deus. Jo�o, finalmente, p�e na sua boca estas palavras:
"Tudo est� cumprido" (142).

O mesmo se verifica relativamente � primeira apari��o
de Jesus: ainda nisso os evangelistas n�o est�o de acordo.

(139) F. Josef, "Guerra dos Judeus contra os romanos".
Trad. de Arnald d'Andilly, edi��o de 1838, de Buchon, livro IV,
cap. XIX, p�g. 704.
(140) "Mateus", XXVII, 46. � Marcos, XV, 34.
(141) "Lucas", XXIII. 46.
(142) "Jo�o", XIX, 30.

L�ON DENIS

Mateus fala de duas mulheres que, juntas, o teriam visto.
No dizer de Lucas, foi aos dois disc�pulos que se dirigiam
para Ema�s que em primeiro lugar o Cristo se mostrou.
Marcos e Jo�o assinalam unicamente Maria Madalena como
testemunha de sua primeira apari��o (143).

Notemos ainda uma diverg�ncia acerca da Ascens�o:
Mateus e Jo�o, os �nicos companheiros de Jesus que escreveram
sobre a sua vida, dela n�o falam. Marcos a indica
em Jerusal�m (XVI, 14, 19), e Lucas declara que ela teve
lugar na Bet�nia (XXIV, 50, 51), no pr�prio dia da ressurei��o,
ao passo que os Atos dos Ap�stolos dizem ter sido
quarenta dias depois (Atos, I, 3).

Por outro lado, � evidente que o �ltimo cap�tulo do
evangelho de Jo�o n�o � do mesmo autor do resto da obra.
Este terminava primitivamente no versiculo 31 do cap. XX,
e o primeiro vers�culo que se lhe segue indica um acr�scimo.

Jo�o teria ousado dizer-se "o disc�pulo que Jesus amava?"
Teria ele podido pretender que no mundo inteiro n�o
caberiam os livros em que se descrevessem os fatos e os
gestos de Jesus? (XXI, 25). Se reconhecemos que foi acrescentado
um cap�tulo inteiro a esse evangelho, seremos levados
a concluir que numerosas interpola��es poderiam
ter sido feitas igualmente.

Fal�mos do grande n�mero de Evangelhos ap�crifos.
Deles contava Fabr�cius trinta e cinco. Esses evangelhos,
hoje desprezados, n�o eram, entretanto, destitu�dos de valor
aos olhos da Igreja, pois que num deles diz Nicodemos
que ela vai buscar a cren�a na descida de Jesus aos infernos,
cren�a imposta a toda a cristandade pelo s�mbolo
do conc�lio de Niceia, e de que n�o fala nenhum dos Evangelhos
can�nicos.

Em resumo, segundo A. Sabatier, decano da Faculdade
de Teologia Protestante de Paris (144), os manuscritos originais
dos Evangelhos desapareceram, sem deixar nenhum
vest�gio certo na Hist�ria. Foram provavelmente destru�dos
por ocasi�o da proscri��o geral dos livros crist�os, ordena


(143) "Mateus", XXVIII, 9. "Marcos", XVI, 9. "Lucas".
XXIV, 15. � "Jo�o", XX, 14.
(144) "Enciclop�dia das ci�ncias religiosas", de F. Lichtenberger.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

da pelo imperador Deocleciano (edito imperial de 303). Os
escritos sagrados que escaparam � destrui��o n�o s�o, por
conseguinte, sen�o c�pias.

Primitivamente, n�o tinham pontua��o esses escritos,
mas, em tempo, foram divididos em per�copes, para comodidade
da leitura em p�blico � divis�es �s vezes arbitr�rias
e diferentes entre si. A divis�o atual apareceu pela primeira
vez na edi��o de 1551.

Apesar de todos os seus esfor�os, o que a cr�tica p�de
cientificamente estabelecer de mais antigo foram os textos
dos s�culos V e IV. N�o p�de remontar mais longe sen�o
por conjeturas sempre sujeitas � discuss�o.

Or�genes j� se queixava amargamente do estado dos
manuscritos no seu tempo. Irineu refere que popula��es inteiras
acreditavam em Jesus sem a interven��o do papel e
da tinta. N�o se escreveu imediatamente, porque era esperada
a volta do Cristo.

N. 3 � Sobre a autenticidade dos Evangelhos
Um atento exame dos textos demonstra que, em meio
das discuss�es e das perturba��es que agitaram, nos primeiros
s�culos, o mundo crist�o, n�o se hesitou, para aduzir
argumentos, em desvirtuar os fatos, em falsear o verdadeiro
sentido do Evangelho. Celso, desde o s�culo II, no Discurso
verdadeiro, lan�ava aos crist�os a acusa��o de retocarem
constantemente os Evangelhos e eliminarem no dia seguinte

o
que havia sido inserido na v�spera.
Muitos fatos parecem imagin�rios e acrescentados posteriormente.
Tais, por exemplo, o nascimento em Bel�m, de
Jesus de Nazar�, a degola��o dos inocentes, de que a Hist�ria
n�o faz men��o alguma, a fuga para o Egito, a dupla
genealogia, contradit�ria em tantos pontos, de Lucas e Mateus.
Como, tamb�m, acreditar na tenta��o de Jesus, que a
Igreja admite nesse mesmo livro em que acredita encontrar
as provas da sua divindade? Satan�s leva Jesus ao monte
e lhe oferece o imp�rio do mundo, se ele lhe quiser prestar
obedi�ncia. Se Jesus � Deus, poderia Satan�s ignor�-lo? E,
se conhecia sua natureza divina, como esperava exercer influ�ncia
sobre ele?
A ressurrei��o de L�zaro, o maior dos milagres de Jesus,
� unicamente mencionada no quarto Evangelho, mais
de 60 anos depois da morte do Cristo, ao passo que as suas
menores curas s�o citadas nos tr�s primeiros.


L�ON DENIS

Com o quarto Evangelho e Justino M�rtir, a cren�a crist�
efetua a evolu��o que consiste em substituir � ideia de
um homem honrado, tornado divino, a de um ser divino que
se tornou homem.

Depois da proclama��o da divindade do Cristo, no s�culo
IV, depois da introdu��o, no sistema eclesi�stico, do
dogma da Trindade, no s�culo VII, muitas passagens do
Novo Testamento foram modificadas, a fim de que exprimissem
as novas doutrinas (Ver Jo�o, I, 5, 7). "Vimos, diz
Leblois (145), na Biblioteca Nacional, na de Santa Genoveva,
na do mosteiro de Saint-Gall, manuscritos em que o
dogma da Trindade est� apenas acrescentado � margem.
Mais tarde foi intercalado no texto, onde se encontra ainda."

N. 4 � Sobre o sentido oculto dos Evangelhos
Muitos dentre os padres da Igreja afirmam que os
Evangelhos encerram um sentido oculto.

Or�genes diz:

"As Escrituras s�o de pouca utilidade para os que as
tomem como foram escritas. A origem de muitos desacertos
reside no fato de se apegarem � sua parte carnal e
exterior."

"Procuremos, pois, o esp�rito e os frutos substanciais
da Palavra que s�o ocultos e misteriosos."

O mesmo diz ainda:

"H� coisas que s�o referidas como hist�rias, que nunca
se passaram e que eram imposs�veis como fatos materiais,
e outras que eram poss�veis, mas que n�o se passaram."

Tertuliano e Denis, o Areopagita, falam tamb�m de um
esoterismo crist�o.

Santo Hil�rio declara repetidas vezes que � necess�rio,
para intelig�ncia dos Evangelhos, supor-lhes um sentido
oculto, uma interpreta��o espiritual (146).

(145) "As b�blias e os iniciadores religiosos da humanidade",
por Leblois, pastor em Strasburgo.
(146) Ver a esse respeito o pref�cio dos Beneditinos ao coment�rio
do Evangelho segundo S. Mateus. "Obras de S. Hil�rio",
cols. 599-600.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 273

No mesmo sentido se externa Santo Agostinho:

"Nas obras e nos milagres de Nosso Salvador h� ocultos
mist�rios que se n�o podem levianamente, e segundo a
letra, interpretar sem cair em erro e incorrer em graves
faltas."

S�o Jer�nimo, em sua Epistola a Paulino, declara com
insist�ncia:

"Toma cuidado, meu irm�o, no rumo que seguires na
Escritura Santa. Tudo o que lemos na Palavra santa � luminoso
e por isso irradia exteriormente, mas a parte interior
ainda � mais doce. Aquele que deseja comer o miolo
deve quebrar a casca."

Sobre esse mesmo assunto, animada controv�rsia teol�gica
se travou entre Bossuet e Fenelon. Afirmava este haver
um sentido secreto das Escrituras, transmitido unicamente
a iniciados, uma gnose cat�lica vedada �s pessoas
vulgares (147).

De todas essas ocultas significa��es a primitiva Igreja
possu�a o sentido, mas dissimulava-o cuidadosamente; pouco
a pouco veio ele a se perder.

N. 5 � Sobre a Reencarna��o
Em suas obras faz o historiador judaico Josefo profiss�o
de sua f� na reencarna��o; refere ele que era essa a cren�a
dos fariseus. O padre Didon o confirma nestes termos, em
sua Vida de Jesus: "Entre o povo judeu e mesmo nas escolas
acreditava-se na volta da alma dos mortos na pessoa
dos vivos".

� o que explica, em muitos casos, as perguntas feitas
a Jesus por seus disc�pulos.
A prop�sito do cego de nascen�a, o Cristo respondeu
a uma dessas interroga��es:

"N�o � que ele tenha pecado, nem seus pais, mas �
para que nele se manifestem as obras de Deus."

Os disc�pulos acreditavam que se podia ter pecado antes
de nascer, isto �, numa exist�ncia anterior. Jesus com


(147) Ver J�lio Blois, "O mundo invis�vel", p�g. 62.

L�ON DENIS

partilha da cren�a deles, pois que, vindo para ensinar a
verdade, n�o teria deixado de retificar essa opini�o, se err�nea
fosse. Ao contr�rio, a ela responde, explicando o
caso que os preocupa.

O s�bio beneditino Dom Calmet se exprime do seguinte
modo em seu Coment�rio sobre essa passagem das Escrituras
:

"Muitos doutores judeus acreditam que as almas de
Ad�o, de Abra�o, Fineias, animaram sucessivamente v�rios
homens da sua na��o. N�o �, pois, de modo algum para
estranhar que os ap�stolos tenham raciocinado como parece
raciocinarem aqui sobre a enfermidade desse cego, e que
tenham acreditado que fora ele pr�prio quem, por algum
pecado oculto, cometido antes de nascer, tivesse atra�do sobre
si mesmo semelhante desgra�a."

A respeito da conversa��o de Jesus com Nicod�mus,
um pastor da igreja holandesa nos escreve nestes termos:

"� claro que a reencarna��o � o verdadeiro nascimento
em uma vida melhor. � um ato volunt�rio do Esp�rito,
e n�o o exclusivo resultado do contacto carnal dos pais;
decorre da dupla resolu��o da alma de tomar um corpo
material e tornar-se um homem melhor."

"Repare-se como S. Jo�o (I, 13) nega abertamente a
interven��o dos pais no nascimento da alma, quando diz:
Que n�o s�o nascidos do sangue, nem da carne, nem da
vontade do homem, mas de Deus."

"Todos esse s pontos obscuros se iluminam de uma viva
claridade, quando os consideramos no ponto de vista esp�rita."

Na conversa��o de Jesus e Nicod�mus, este, ouvindo

o Cristo falar de renascimento, n�o compreende como possa
ele ter lugar. Diante dessa estreiteza de esp�rito, Jesus fica
perplexo. N�o lhe � poss�vel dar ao seu pensamento a extens�o
e o arrojo pr�prios. Para ele a reencarna��o representa
o primeiro elo de uma s�rie de mais transcendentes
verdades. Era j� conhecida dos homens desse tempo. E
eis que um doutor em Israel nada percebe a tal respeito!
Da� a ap�strofe de Jesus: Como! Se n�o compreendeis as
coisas terrestres, poderei eu explicar-vos as coisas celestes,
as que se referem particularmente � minha miss�o!

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 275

De todos os padres da Igreja, foi Or�genes quem afirmou,
do modo mais positivo, em numerosas passagens dos seus
Princ�pios (livro 1�), a reencarna��o ou renascimento das
almas. � esta a sua tese: "A justi�a do Criador deve patentear-
se em todas as coisas." Eis em que termos o abade
B�rau�t-Bercastel resume a sua opini�o:

"Segundo este doutor da Igreja, a desigualdade das
criaturas humanas n�o representa sen�o o efeito do seu
pr�prio merecimento, porque todas as almas foram criadas
simples, livres, ing�nuas e inocentes por sua pr�pria ignor�ncia,
e todas, tamb�m por isso, absolutamente iguais. O
maior n�mero incorreu em pecado e, na conformidade de
suas faltas, foram elas encerradas em corpos mais ou menos
grosseiros, expressamente criados para lhes servir de
pris�o. Da� os procedimentos diversos da fam�lia humana.
Por mais grave, por�m, que seja a queda, jamais acarreta
para o Esp�rito culpado a retrocess�o � condi��o de bruto;
apenas o obriga a recome�ar novas exist�ncias, quer neste,
quer em outros mundos, at� que, exausto de sofrer, se
submeta � lei do progresso e se modifique para melhor.
Todos os Esp�ritos est�o sujeitos a passar do bem ao mal
e do mal ao bem. Os sofrimentos impostos pelo Bom Deus
s�o apenas medicinais, e "os pr�prios dem�nios cessar�o um
dia de ser os inimigos do bem e o objeto dos rigores do
Eterno." (Hist�ria da Igreja, pelo abade B�rault-Bercastel).

Lemos na Apolog�tica de Tertuliano:

"Declare um crist�o acreditar poss�vel que um homem
renas�a noutro homem, e o povo reclamar� em grandes
brados que seja lapidado. Entretanto, se foi poss�vel crer-se
na metempsicose grosseira, a qual afirmava que as almas
humanas voltam em diversos corpos de animais, n�o ser�
mais digno admitir-se que um homem possa ter sido anteriormente
um homem, conservando sua alma as qualidades
e faculdades precedentes?"

S. Jer�nimo por sua vez afirma que a transmigra��o das
almas fazia parte dos ensinos revelados a um certo n�mero
de iniciados.
Em suas Confiss�es (148) diz Santo Agostinho:

(148) T. I, p�g. 28.

L�ON DENIS

"N�o teria minha inf�ncia atual sucedido a uma outra
idade antes dela extinta ?. .. Antes mesmo desse tempo,
teria eu estado em algum lugar? Seria algu�m?"

Firmando este princ�pio moral: "Conforme a justi�a
divina, aqui neste mundo n�o pode existir um desgra�ado
que n�o haja merecido o seu infort�nio", esse padre da
Igreja faz pressentir a raz�o dos sofrimentos das crian�as,
a causa geral das prova��es que padece a Humanidade,
assim como a das deformidades nativas. A preexist�ncia
das almas � dos corpos em uma ou v�rias exist�ncias anteriores
� vida terrestre explica essas aparentes anomalias,
de tal sorte, repitamos, que os sofrimentos, segundo
Origenes � que adotara a tal respeito a opini�o de Plat�o

� seriam curativos da alma, correspondendo � necessidade
simult�nea da justi�a e do amor, n�o nos sendo imposto
o sofrimento sen�o para nos melhorarmos.
N.
6 � Sobre as rela��es dos primeiros crist�os
com os Esp�ritos
Na linguagem filos�fica da Gr�cia, a palavra dem�nio
(daimon) era sin�nimo de g�nio ou de Esp�rito. Tal, por
exemplo, o dem�nio de S�crates. Fazia-se distin��o entre os
bons e os maus dem�nios. Plat�o d� mesmo a Deus o nome
de dem�nio onipotente. O Cristianismo adotou em parte esses
termos, mas modificou-lhes o sentido (149). Aos bons dem�nios
deu ele o nome de anjos, e os maus se tornaram os
dem�nios, sem adjetiva��o. A palavra esp�rito (pneuma)
ficou sendo a express�o usada para designar uma intelig�ncia
privada de corpo carnal.

Essa palavra pneuma, traduziu-a S. Jer�nimo como
spiritus, reconhecendo, com os evangelistas, que h� bons e
maus Esp�ritos. A ideia de divinizar o Esp�rito n�o surgiu
sen�o no s�culo II. Foi somente depois da Vulgata que a
palavra sanctus foi constantemente ligada a palavra spiritus,
n�o conseguindo essa jun��o, na maioria dos casos, sen�o
tornar o sentido mais obscuro e mesmo, �s vezes, inintelig�vel.
Os tradutores franceses dos livros can�nicos foram
ainda mais longe a esse respeito e contribu�ram para des


(149) Ver, a esse respeito, S. Justino, "Apolog�tica", I, 18.
passagem adiante citada em a nota 8.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

naturar o sentido primitivo. Eis aqui um exemplo, entre
outros muitos: l�-se em Lucas (cap. XI, texto grego):

10. "Aquele que pede, recebe; o que procura acha; ao
que bate se abrir�." � 13. "Portanto, se bem que sejais
maus, sabeis dar boas coisas a vossos filhos, com muito
mais forte raz�o vosso Pai enviar� do c�u "um bom esp�rito"
�queles que lho pedirem."
As tradu��es francesas trazem o Esp�rito Santo. �
um contra-senso. Na Vulgata, tradu��o latina do grego, est�
escrito Spiritum bonum, palavra por palavra, esp�rito bom.
A Vulgata n�o fala absolutamente do Esp�rito Santo. O
primitivo texto grego ainda � mais frisante, e nem doutro
modo poderia ser, pois que o Esp�rito Santo, como terceira
pessoa da Trindade, n�o foi imaginado sen�o no fim do
s�culo II.

Conv�m todavia, notar que a B�blia, em certos casos,
fala do Esp�rito Santo, mas sempre no sentido de Esp�rito
familiar, de Esp�rito ligado a uma pessoa. Assim, no
Antigo Testamento [Daniel, XIII, 45) (150) se l�: "O Senhor
suscitou o esp�rito santo de um mo�o chamado Daniel".


Relativamente ao com�rcio dos primeiros crist�os com
os Esp�ritos, as seguintes passagens das Escrituras nos devem
chamar particularmente a aten��o:

Atos, XXI, 4:

"E disseram eles a Paulo, "sob a influ�ncia do esp�rito",
que n�o subisse para Jerusal�m."

Certas tradu��es francesas rezam Espirito Santo.

I Cor. XIV, 30, 31. Trata-se da ordem a estabelecer
nas reuni�es dos fi�is:

"Desde que um dos que est�o sentados (no templo) recebe
uma revela��o, cale-se o que primeiro falava. Porque
todos podeis profetizar, um depois do outro, a fim de que
todos aprendam e sejam todos exortados."

Dessa instru��o ressalta que profetizar n�o era outra

coisa sen�o transmitir um ensino; � ainda a fun��o do m�


dium falante ou de incorpora��es.

(150) Em certas B�blias esse capitulo figura � parte, sob o
t�tulo "Hist�ria de Susana".

278 L�ON DENIS

Atos, XXIII, 6-9. Paulo, dirigindo-se a uma assembleia,
dizia:

"� por causa da esperan�a de uma outra vida e da ressurrei��o
dos mortos que me querem condenar..."

Produziu-se um grande ru�do, e alguns dos fariseus contestavam,
dizendo:
"Nenhum mal encontramos neste homem. Quem sabe
se lhe falou algum esp�rito ou anjo?"

Atos XVI, 16, 17. Paulo fora avisado em sonho de que
passasse por Maced�nia, com Tim�teo:

"Encontram eles uma serva mo�a que, tendo um espirito
de Piton, auferia, em benef�cio de seus amos, grandes
lucros, adivinhando. Ela se p�s a segui-los durante
muitos dias, clamando: Esses homens s�o servos do Alt�ssimo,
que nos anunciam o caminho da salva��o."

A express�o "esp�rito de Piton" designava, na linguagem
daquele tempo, um mau Esp�rito. Era empregada pelos
judeus ortodoxos, que s� admitiam o profetismo oficial,
reconhecido pela autoridade sacerdotal, desde que os seus
ensinos eram conformes com os deles; pelo contr�rio, condenavam
o profetismo popular, praticado sobretudo por mulheres,
que dele tiravam partido, como em nossos dias
ainda o fazem alguns m�diuns mercen�rios. Essa qualifica��o,
por�m, de "esp�rito de Piton" era muitas vezes arbitr�ria.
Disso vamos encontrar a prova no fato de a vidente
ou "pitoniza" de �ndor, que serviu de intermedi�ria
a Saul para comunicar com o Esp�rito de Samuel, possuir
tamb�m, segundo a express�o b�blica, um "esp�rito de Piton".
Entretanto, n�o � poss�vel confudir o Esp�rito do profeta
Samuel com Esp�ritos de ordem inferior. A cena descrita
pela B�blia � de uma impon�ncia grandiosa; oferece
todos os caracteres de uma elevada manifesta��o (151).

No caso da jovem serva, citado acima a prop�sito de
Paulo, a admitir-se que os maus Esp�ritos podiam pregar

o Evangelho, acompanhando os ap�stolos, dif�cil se tornaria
distinguir a fonte das inspira��es. Era o que fazia objeto
de aten��o especial em todas as circunst�ncias, nas as(
151) Ver I Reis, XXVII, 6 e segs.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 279

sembleia dos fi�is. Disso encontramos a afirma��o num
documento c�lebre, cuja an�lise damos a seguir:

A Didaqu�, pequeno tratado descoberto em 1873, na
biblioteca do patriarcado de Jerusal�m, em Constantinopla,
composto provavelmente no Egito, entre os anos 120 e 160,
projeta uma nova luz sobre a organiza��o da igreja crist�
no come�o do s�culo II, sobre o seu culto e a sua f�. Compreende
v�rias partes: a primeira, essencialmente moral,
abrange seis cap�tulos destinados a instru��es dos catec�menos.
O que sobretudo � digno de nota nesse catecismo �
a completa ausencia de todo elemento dogm�tico. A segunda
parte trata do culto, isto �, do batismo, da prece e
da comunh�o; a terceira cont�m uma liturgia e uma disciplina.
Recomenda a observ�ncia do domingo; estabelece
regras para discernir dos falsos os verdadeiros profetas

(leia-se m�diuns); assinala as condi��es requeridas para
ser bispo ou di�cono, e termina com um cap�tulo sobre as
coisas finais e a Parusia ou volta do Cristo.

Essa obra apresenta um quadro da igreja primitiva,
muito diferente do que comumente se imagina (152). Os
crist�os desse tempo conheciam perfeitamente as pr�ticas
necess�rias para se entrar em comunica��o com os Esp�ritos,
e n�o perdiam ocasi�o de a cultivar. Aqui est�o dois
exemplos positivamente not�veis:

O papa S�o Le�o havia escrito a Flaviano, bispo de
Constantinopla, uma carta c�lebre sobre a heresia de Eut�quio
e de Nest�rio. Antes, por�m, de a expedir, colocou-a
no t�mulo de S. Pedro, que fizera previamente abrir e ao
p� do qual se conservou em jejum e ora��o durante quatro
dias, conjurando o pr�ncipe dos ap�stolos a corrigir pessoalmente
o que � sua fraqueza e prud�ncia tivesse escapado
em contr�rio � f� e aos interesses de sua Igreja. Ao fim
dos quatros dias lhe apareceu o principe dos ap�stolos e lhe
disse: "Li e corrigi". O papa fez de novo abrir o t�mulo e
encontrou o escrito efetivamente corrigido (153).

Aqui est�, por�m, melhor ainda. Segundo refere Greg�rio
de Cesar�ia (154) e depois dele Nic�foro (155), todo
um conc�lio teria evocado os Esp�ritos:

(152) Tradu��o francesa do Paul Sabatier, doutor em teologia,
Paris, Fischbacher. 18K5.
(153) "Sofr�nius", cap. CXLVII.
(154) Em Lipoman, t. VI. Discurso acerca do s�nodo de
Niceia.
(155) Livro VIII, cap. XXIII.

L�ON DENIS

"Ao tempo em que o conc�lio ainda efetuava suas sess�es,
e antes que os Padres tivessem podido assinar as
decis�es, dois piedosos bispos, Cris�ntus e Mis�nius, faleceram.
O conc�lio, depois de haver lavrado o termo, lastimando
vivamente n�o ter podido juntar seu voto aos de
todos os outros, compareceu incorporado ao t�mulo dos dois
bispos e um dos padres, tomando a palavra, disse: "Sant�ssimos
pastores, termin�mos juntos nossa tarefa e combatemos
os combates do Senhor. Se a obra lhe agrada, dignai-vos
no-lo fazer saber, apondo-lhe vossa assinatura."

Em seguida foi a decis�o lacrada e deposta no t�mulo,
sobre o qual foi tamb�m aposto o selo do conc�lio. Depois
de terem passado toda a noite em ora��o, no dia seguinte,
ao amanhecer, quebraram os mesmos selos e encontraram,
por baixo do manuscrito, as seguintes linhas autenticadas
com as rubricas e assinaturas dos defuntos consultados:
"N�s, Cris�ntus e Mis�nius, que havemos assentido, com
todos os Padres, ao primeiro e santo Conc�lio Ecum�nico, posto
que presentemente despojados de nossos corpos, subscrevemos,
entretanto, do nosso pr�prio punho a sua decis�o."
A Igreja � acrecenta Nic�foro � considerou essa manifesta��o
como um not�vel e positivo triunfo sobre seus
inimigos" (156).

A� est�o dois fatos de escrita direta, fen�meno comprovado
tamb�m atualmente (157).

Do mesmo modo que os fariseus acusavam certos profetas
de serem animados do "esp�rito de Piton", assim tamb�m,
entre, os padres cat�licos dos nossos dias, muitos atribuem
as manifesta��es esp�ritas aos dem�nios ou esp�ritos
infernais: "S�o os dem�nios, diz o arcebispo de Tolosa, em
sua pastoral, pela quaresma de 1875, pois que n�o � permitido
consultar os mortos. Deus lhes recusa a faculdade de
satisfazer as nossas v�s curiosidades."

Ele n�o recusou, entretanto, a Samuel, no caso antes
ahudido, que satifizesse a curiosidade de Saul em �ndor.

Mas nem todos os padres cat�licos s�o dessa opini�o.
No seio do clero, muitos esp�ritos argutos t�m compreendido
a import�ncia das manifesta��es esp�ritas e o seu verdadeiro
car�ter.

(156) Ver "Revue Scientifique et Morale du Spiritisme",
fevereiro 1900.
(157) Ver L�on Denis, No Invis�vel � "Espiritismo e Mediunidade",
cap. XVIII.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 281

Escrevia � Sra. Svetchine, em 20 de junho de 1853,

o padre Lacordaire, a prop�sito das mesas girat�rias:
"Tamb�m, mediante essa divulga��o, Deus quer talvez
proporcionar o desenvolvimento das for�as espirituais ao
desenvolvimento das for�as materias, a fim de que o homem
n�o esque�a, ante as maravilhas da mec�nica, que
h� dois mundos contidos um no outro, o mundo dos corpos
e o mundo dos Esp�ritos."

O Padre P. Le Blun, do Orat�rio, em sua obra intitulada
Hist�ria das Pr�ticas Supersticiosas, tomo VI, p�gina
358, se exprime deste modo:

"As almas que desfrutam a bem-aventuran�a eterna,
abismadas na contempla��o da gl�ria de Deus, n�o deixam
de se interessar ainda pelo que respeita aos homens,
cujas mis�rias suportaram, e, como chegamos � felicidade
dos anjos, "todos os escritores sacros" lhes atribuem o privil�gio
de poder, sob corpos et�reos, tornar-se vis�vel aos
seus irm�os que ainda se acham na Terra, para os consolar
e lhes transmitir as divinas vontades."

Escrevia o abade Marouzeau a Allan Kardec:

"Mostrai ao homem que ele � imortal. Nada vos pode
melhor secundar nessa nobre tarefa do que a comprova��o
dos Esp�ritos de al�m-t�mulo e suas manifesta��es. S� com
isso vireis em aux�lio da Religi�o, empenhando ao seu lado
os combates de Deus."

O abade Le�anu, em sua Hist�ria de Satan�s, aprecia
nestes termos o alcance moral do Espiritismo:

"Observando-se as m�ximas de O Livro dos Esp�ritos,
de Allan Kardec, faz-se o bastante para se tornar santo na
Terra."

Em suas Cartas � Srta. Th. V., escreve o padre Didon
estas palavras, a respeito de uma pessoa recentemente falecida
: ".. . eu, que acredito na a��o constante dos Esp�ritos e
dos mortos sobre n�s, creio bem que esse desaparecido vos
guarda e assiste invistvelmente" (158).

E noutro lugar lemos ainda:

(158) 4 de outubro de 1875.

282 L�ON DENIS

"Creio na influ�ncia divina que sobre n�s misteriosamente
exercem os mortos e os santos. Vivo em profunda
comunh�o com esses invis�veis e � delicioso para mim experimentar
os beneficios de sua secreta aproxima��o" (159).

O Dr. Jos� Lapp�ni, m�dico de dois papas � Le�o XIII
e Pio X � relata em sua obra Hipnotismo e Espiritismo
numerosos fen�menos esp�ritas, cuja autenticidade admite.

Assim, de um lado, na Igreja Cat�lica, condenam o
Espiritismo como contr�rio �s leis de Deus e da Igreja, e
do outro o consideram como um auxiliar da Religi�o e o
qualificam de "combate de Deus". Diante de tais contradi��es,
grande deve ser a perplexidade dos crentes.

O mesmo acontece no seio das igrejas protestantes.
Muitos pastores, e n�o dos menos eminentes, v�o-se chegando
sem rodeio ao Espiritismo. O pastor Benezech, de
Montauban, nos escrevia, em fevereiro de 1905, a respeito
de fen�menos por ele mesmo observados:

"Prevejo que o Espiritismo bem pode vir a tornar-se
uma religi�o positiva, n�o � maneira das religi�es reveladas,
mas com o car�ter de religi�o estabelecida sobre fatos
de experi�ncia e plenamente de acordo com a Ci�ncia
e o racionalismo. Estranha coisa! � em nossa �poca de
materialismo, em que as igrejas parecem na imin�ncia de
se desorganizar e dissolver-se, o pensamento religioso nos
� restitu�do por s�bios, acompanhado pelo maravilhoso dos
antigos tempos. Esse maravilhoso, por�m, que eu distingo
do milagre, pois que n�o � mais que um natural superior
e raro, j� n�o estar� ao servi�o de uma igreja particularmente
distinguida com os favores da divindade; ser� a propriedade
da Humanidade, sem distin��o de cultos. Como
isso � mais grandioso e tamb�m moral!"

Em Londres, o reverendo Hawis pregava recentemente
a "doutrina dos mortos", na igreja de Marylebone, e convidava
os seus ouvintes a passar pela sacristia depois do
serm�o, para examinar fotografias de Esp�ritos.

Mais recentemente ainda, na igreja de S. Jaques, o
mesmo orador pregava sobre "as tend�ncias do moderno espiritualismo",
e conclu�a dizendo que "os fatos esp�ritas oferecem
perfeita concord�ncia com o mecanismo geral e as
teorias da religi�o crist�". (Traduzido da revista Light,
de Londres, 7 de agosto 1897).

(159) 4 de agosto de 1876.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 283

Um certo n�mero de pastores americanos entrou nessa
ordem de ideias.

As Neue spiritualistische Blatter, de 16 de mar�o 1893,
publicam a tradu��o de um artigo do Sr. Savage, pastor da
Igreja Unit�ria de Boston, no qual esse pensador, esse em�rito
escritor, bem conhecido nos Estados Unidos, narra as
suas investiga��es no dom�nio ps�quico e conta de que modo
foi levado a acreditar nos fatos esp�ritas.

Reproduzimos em seguida esse artigo:
"A respeito dessas quest�es, eu me encontrava como
outrora os homens sisudos de Jerusal�m, de Corinto e de
Roma, relativamente ao Cristianismo: parecia-me que era
uma pest�fera supersti��o. Uma vez, fundado na minha invenc�vel
ignor�ncia, pronunciei contra essas ideias um discurso
em quatro lugares, depois do qual muito me admirei
de que ainda houvesse, entre as pessoas de meu conhecimento,
indiv�duos que continuassem a acreditar nisso do
mesmo modo.

"H� dezessete anos, um membro da minha igreja perdeu
o pai. Pouco tempo depois veio ele confiar-me que, tendo
ido, com um amigo, procurar um m�dium, este lhe disse
certas coisas convincentes, e pediu-me que lhe desse um
conselho. Reconheci ent�o que me n�o competia d�-lo acerca
de uma coisa que eu n�o conhecia e da qual toda a minha
ci�ncia consistia em preconceitos. A r�pida propaga��o
do Espiritismo, nas classes ilustradas de Boston, me fez
compreender que era necess�rio submeter a s�rio exame
os fen�menos em quest�o, porquanto era poss�vel, ou antes
prov�vel que ainda outros membros da minha igreja me
pedissem explica��es sobre isso.

"Disse, pois, comigo mesmo: quer sejam falsas, quer

verdadeiras, � preciso, em todo caso, que eu estude a fundo

essas coisas, para ser bom conselheiro. Reconheci que se


ria uma vergonha para mim n�o ter opini�o alguma sobre

as refer�ncias do Antigo e do Novo Testamento �s apari


��es e �s influ�ncias demon�acas. Por que motivo ser in


flex�vel na minha ignor�ncia a respeito de coisas que ti


nham uma certa import�ncia para os membros da minha

igreja? Convenci-me de que era meu dever estudar cons


cienciosamente esses fen�menos, at� formar uma opini�o in


teligente quanto ao valor deles. Tais foram os principais

motivos que me conduziram a estas longas investiga��es.

"Nelas observei o m�todo cientifico, �nico que, a meu

ver, conduz ao conhecimento. Mediante uma observa��o


L�ON DENIS

minuciosa, procurei sempre certificar-me de me haver ou
n�o com um fato real e n�o prestei aten��o a nenhuma das
manifesta��es que se produzem �s escuras, ou em condi��es
em que eu n�o podia estar seguro da minha pesquisa.

"Sem pretender que as manifesta��es obtidas em semelhantes
condi��es sejam for�osamente devidas � fraude,
n�o lhes atribui valor algum; al�m disso, posto que reconhecesse
muito bem que uma coisa reproduzida em outras
condi��es n�o � uma simples imita��o, aprendi a fundo
a arte dos escamoteadores, que se me tornou assaz familiar.
Na sua maior parte, as manifesta��es que fui obrigado
a reconhecer como reais e que produziram o resultado
de me convencer, tiveram lugar em presen�a de alguns
amigos de confian�a e sem o concurso de m�dium de
profiss�o.

"Uma vez, certo de que tinha de haver-me com um
fato, lancei m�o de todas as teorias poss�veis para o explicar,
sem recorrer � dos Esp�ritos. Eu n�o digo "sem recorrer
a uma explica��o sobrenatural": digo "sem recorrer
� teoria dos Esp�ritos", porque n�o acredito em nada
sobrenatural. Se h� Esp�ritos, a nossa incapacidade de os
ver n�o os torna mais sobrenaturais do que o �tomo, para
a Ci�ncia, o qual do mesmo modo n�o vemos.

"Ora, "eu descobri fatos que provam que o eu n�o morre
e que, depois do que chamamos morte, ainda � capaz, em
certas condi��es, de entrar em comunica��o conosco".

"O reverendo J. Page Hopps, numa reuni�o de pastores,
em Manchester, afirmava "a comunh�o dos Esp�ritos
no vis�vel e no invis�vel" e propunha a funda��o de uma
igreja, cujas pr�dicas seriam "as mensagens l� do alto".

(Aurore, julho de 1893).

Em um artigo do Pontefract Express de 20 de janeiro
de 1898, o reverendo C. Ware, ministro da Igreja Metodista,
fala muito longamente dos Atos dos Ap�stolos. Exorta
ele os crist�os "a fazer um estudo aprofundado desse livro,
no ponto de vista dos in�meros e maravilhosos fatos que
ele relata e que outra coisa n�o s�o sen�o fen�menos espiritas.
� preciso notar que, no come�o do estabelecimento
do Cristianismo, duas classes de cooperadores se acham
constantemente em contacto: os Espiritos desencarnados
e os encarnados." O reverendo Ware menciona os fen�menos
extraordin�rios que acompanharam a pr�dica dos disc�pulos.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

depois que sobre suas cabe�as se derramaram as l�nguas
de fogo, e o ardente fervor comunicado aos primeiros crist�os
por esses fen�menos todos, os quais se reproduzem
atualmente nas sess�es espiritas.

O pastor holand�s Beversluis pronunciava estas palavras,
no Congresso Esp�rita realizado, em 1900, em Paris:

"Adquiri a certeza de que o Espiritismo � real. ..
Essa luz celeste faz dissipar-se o medo do inferno, de
Satan�s e desse Deus terr�vel do calvinismo, que odeia as
suas criaturas e as condena a eterna puni��o. Em lugar desse
terror, o Espiritismo faz nascer uma confian�a de filho
e uma dedica��o enternecida ao Deus de amor."

Finalmente, o vener�vel arcediago Colley, numa carta
publicada no Daily Mail de 1� de fevereiro 1906, assim
se exprime:

"Sou esp�rita h� mais de trinta e tr�s anos e posso
dizer que jamais, ou s� muito raramente, vi que o Espiritismo
outra coisa produzisse a n�o ser o bem, mostrando
ser um estimulo para a eleva��o moral e intelectual de
quem o professa, para o aperfei�oamento humano, um al�vio
na desgra�a, um motivo de satisfa��o na exist�ncia...
O Espiritismo �, al�m disso, um meio de cura para a falta
de f�, sobretudo porque fornece uma prova cient�fica da
continua��o da vida al�m do t�mulo."

E prossegue dizendo que, em sua opini�o, o Espiritismo
� como o coroamento de tudo o que de mais precioso
h� em cada religi�o (160).

N. 7 � Os fen�menos espiritas na B�blia
Muito se tem insistido sobre as proibi��es de Mois�s,
contidas no �xodo, no Lev�tico e no Deuteron�mio. � inspirados
em tais proibi��es que certos te�logos condenam o
estudo e a pr�tica dos fatos esp�ritas. Mas o que Mois�s
condena s�o os m�gicos, os adivinhos, os augures, numa
palavra, tudo o que constitui a magia, e � o que o pr�prio
espiritualismo moderno tamb�m condena. Essas pr�ticas corrompiam
a consci�ncia do povo e lhe paralisavam a iniciativa;
obscureciam nele a ideia divina, enfraquecendo a f�
nesse Ente supremo e onipotente que o povo hebreu tinha

(160) Ver "Annales des Sciences Psychiques", fevereiro de
1906, p�g. 120.

L�ON DENIS

a miss�o de proclamar. Por isso n�o cessavam os profetas
de o advertir contra os encantamentos e sortil�gios" que o
perdiam (161).

As proibi��es de Mois�s e dos profetas tinham apenas
um fim: preservar os hebreus da idolatria dos povos vizinhos.
� poss�vel tamb�m que n�o visassem sen�o o abuso,

o mau uso das evoca��es, porque, apesar dessas proibi��es,
s�o abundantes na B�blia os fen�menos esp�ritas. O papel
dos videntes, dos or�culos, das pitonisas, dos inspirados de
toda ordem � ali consider�vel. L� n�o vemos Daniel, por
exemplo, provocar, por meio da prece, fatos medi�nicos?
(Daniel, IX, 21). O livro que traz o seu nome �, entretanto,
reputado inspirado.
Como poderiam as proibi��es de Mois�s servir de argumento
aos crentes dos nossos dias, quando, nos tr�s primeiros
s�culos da nossa era, nisso n�o viam os crist�os o
menor obst�culo �s suas rela��es com o mundo invis�vel?

Dizia S. Jo�o: "N�o acrediteis em todo esp�rito, mas
provai se os esp�ritos s�o de Deus." (1 Jo�o, IV, 1). N�o h�
a� uma proibi��o; ao contr�rio.

Os hebreus, cuja cren�a geral era que a alma do homem,
depois da morte, era restitu�da ao scheol, para dele
jamais sair (Job. X, 21, 22), n�o hesitavam em atribuir ao
pr�prio Deus todas essas manifesta��es. Deus interv�m a
cada passo, na B�blia, e �s vezes mesmo em circunt�ncias
bem pouco dignas dele.

Era costume consultar os videntes sobre todos os fatos
da vida �ntima, sobre os objetos perdidos, as alian�as, os
empreendimentos de toda ordem. L�-se em Samuel I, cap.
IX, v. 9:

"Dantes, quando se ia consultar a Deus, dizia-se: Vinde,
vamos ao vidente. � Porque os que hoje se chamam
profetas, chamavam-se videntes."

O sumo sacerdote mesmo proferia julgamentos ou or�culos
mediante um objeto de natureza desconhecida, chamado
urim, que colocava sobre o peito. (�xodo, XXVIII, 30.

� N�meros, XXVII, 21).
Por uma singular contradi��o nos que negavam as manifesta��es
das almas, ia-se muitas vezes evocar os mortos,
admitindo desse modo os fatos, depois de haver negado a
causa que os produzia. � assim que Saul faz evocar o

(161) Ver, por exemplo, "Isaias", XLVII, 12-15.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 287

Esp�rito de Samuel pela pitonisa de �ndor I Samuel,
XXVIII, 7-14) (162).

De tais narrativas resulta que, n�o obstante a aus�ncia
de toda no��o sobre a alma e a vida futura, a despeito das
proibi��es de Mois�s, entre os hebreus alguns acreditavam
na sobreviv�ncia e na possibilidade de comunicar com os
mortos. Da� a explicar a desigualdade de inspira��o dos profetas
e seus frequentes erros, pela inspira��o dos Esp�ritos
mais ou menos esclarecidos, n�o h� mais que um passo.
Como o n�o deram os autores judaicos? E, entretanto, n�o
havia outra explica��o. Sendo Deus a infinita sabedoria,
n�o � poss�vel considerar proveniente dele uma doutrina que
descura de fixar o homem sobre um ponto t�o essencial
como o dos seus destinos al�m-t�mulo; ao passo que os Esp�ritos
n�o s�o sen�o as almas dos homens desencarnados, mais
ou menos puras e esclarecidas, n�o possuindo sobre as coisas
sen�o limitado saber. Sua inspira��o, projetando-se nos
profetas, devia necessariamente traduzir-se por ensinos, ora
opulentos e elevados, ora vulgares e eivados de erros.

Em muitos casos mesmo deveram eles ter em conta,
em suas revela��es, as necessidades do tempo e o estado
de atraso do povo a que eram dirigidos.

Pouco a pouco as cren�as dos judeus se ampliaram e
se completaram ao contacto de outros povos mais adiantados
em civiliza��o. A ideia da sobreviv�ncia e das exist�ncias
sucessivas da alma, vinda do Egito e da �ndia, penetrou
na Judeia. Os saduceus increpavam os fariseus de
terem assimilado dos orientais a cren�a nas vidas renascentes
da alma. Esse fato � afirmado pelo historiador Josefo
(Antig. Jud., I, XVIII). Os ess�nios e os terapeutas
professavam a mesma doutrina. Talvez existisse mesmo,
desde essa �poca na Judeia, como se provou mais tarde,
ao lado da doutrina oficial, uma doutrina secreta, mais
completa, reservada �s intelig�ncias de escol (163).

Como quer que seja, voltemos aos fatos esp�ritas mencionados
na Bliblia, os quais estabelecem as rela��es dos
hebreus com os Esp�ritos dos mortos, em condi��es an�logas
�s que s�o hoje observadas.

Do mesmo modo que em nossos dias, os seus m�diuns,
a que eles chamavam profetas, eram como tais reconhecidos
em raz�o de uma faculdade especial (N�meros, XII, 6),

(162) Ver tamb�m o fantasma do "Livro de J�", IV, 13-16.
(163) Ver "Depois da morte", cap. 1�.

L�ON DENIS

�s vezes latente e que exigia um desenvolvimento particular
semelhante ao ainda hoje praticado nos grupos esp�ritas,
como o vemos a respeito de Josu�, que Mois�s "instrui" pela
imposi��o das m�os (N�meros, XXVII, 15-23). Esse fato se
reproduz muitas vezes na hist�ria dos ap�stolos.

Semelhante � dos m�diuns, a lucidez dos profetas era
intermitente. "Os mais esclarecidos profetas � diz Le Maistre
de Sacy. em seu coment�rio do livro I dos Reis � nem
sempre possuem a faculdade de arroubo na profecia." (Ver
tamb�m Isa�as, XXIX, 10).

Tal qual como hoje, as rela��es medi�nicas custavam
por vezes a se estabelecer: Jeremias espera dez dias uma
resposta � sua s�plica. (Jer., XLII, 7).

Outros exploravam sua pretensa lucidez, dela fazendo
tr�fico e of�cio. L�-se em Ezequiel, cap�tulo XIII, 2, 3 e 6:

"Filho do homem, dirige as tuas profecias aos profetas
de Israel que se metem a profetizar, e dir�s a estes que
profetizam por sua cabe�a: Ai dos profetas insensatos que
seguem o seu pr�prio esp�rito e n�o v�em nada!

". . Eles v�em coisas v�s e adivinham a mentira, dizendo:
o Senhor assim o disse, sendo que o Senhor os n�o
enviou: e eles perseveram em afirmar o que uma vez disseram."
(Ver tamb�m Miqu�ias, III, 11 e Jeremias, V, 31)

Na antiguidade judaica, muitas vezes se recorria �

m�sica para facilitar a pr�tica da mediunidade. Eliseu re


clama um tocador de harpa para poder profetizar (II Reis,

III, 15). e a obscuridade era considerada prop�cia a essa

ordem de fen�menos.

"O eterno quer assistir na obscuridade", diz Salom�o,

falando do lugar santo, por ocasi�o da consagra��o do Tem


plo (Cr�n., II, VI, 1), e �, com efeito, no santu�rio que se

d�o muitas vezes as manifesta��es: a� se mostra a "nuvem"

(II, Paralip., v, 13, 14), e nele v� Zacarias o anjo que lhe

prediz o nascimento de seu filho (Lucas, I, 10 e seguintes).

A m�sica era igualmente empregada para acalmar as

pessoas atuadas por algum mau Espirito, como o vemos

com Saul, que a harpa do jovem David aliviava (I, Reis,

XVI, 14-23).

Apreciando em seu valor o dom da mediunidade, apli


cavam-se ent�o, como ainda hoje, a desenvolv�-la, com a

diferen�a apenas de que o que hoje se faz limitadamente

entre os esp�ritas, se praticava outrora em maior escala.


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 289

J� no deserto, Mois�s, aquele grande iniciado, havia comunicado
o dom da profecia a setenta anci�os de Israel (N�meros,
XI) , e mais tarde, na Judeia, se contavam diversas escolas
de profetas, ou, por dizer diversamente, de m�diuns em
Betei. Jeric�, Gargala. etc.

A vida que a� se levava, toda de recolhimento, de medita��o
e prece, predispunha para as influ�ncias espirituais.
Certos profetas prediziam o futuro: outros falando ao povo
por inspira��o, lhe excitavam o zelo religioso e o exortavam
a uma vida moralizada.

As express�es de que se serviam para indicar que se
achavam possu�dos pelo Espirito fazem lembrar o modo por
que esses fen�menos continuam a produzir-se em nossos dias.
"O peso, ou o Verbo do Senhor est� sobre mim. O Esp�rito
do Senhor entrou em mim. Eu vi, e eis o que diz o Senhor."
Recordemos que, nessa �poca, toda inspira��o era
considerada diretamente proveniente da Divindade. "O espirito
caiu sobre ele", diz ainda a Escritura a respeito de
Sans�o, cuja mediunidade tinha o caracter�stico da impetuosidade.
(Ju�zes. XV, 14).

Quanto aos fen�menos em si mesmo, um exame, por
pouco demorado que seja, das narrativas b�blicas, nos provar�
que eram id�nticos aos que hoje se obt�m.

Passemo-los rapidamente em revista, come�ando pelos
que, tendo primeiro chamado a aten��o em nossos dias sobre
o mundo invis�vel, simbolizam ainda, aos olhos de certos
observadores muito superficiais ou pouco iniciados, o
fato esp�rita em si mesmo ; queremos falar dos movimentos
de objetos sem contacto. A Biblia (IV Reis, VI, 6). nos
refere que Eliseu faz vir � superf�cie, lan�ando um peda�o
de madeira � �gua, o ferro de um machado que nela havia
ca�do.

Da levita��o, esse mesmo Eliseu transportado "para

o meio dos cativos que viviam junto do rio Chobar" (Ez.,
III, 14, 15), e Filipe que subitamente desaparece aos olhos
do eunuco e se encontra novamente em Azot (Aros, VIII,
39, 40), s�o exemplos not�veis. A prop�sito de escrita medi�nica,
pode citar-se a das t�buas da lei (�xodo, XXXII, 15,
16; XXXIV, 28). Todas as circunst�ncias em que essas t�buas
foram obtidas provam exuberantemente a interven��o
do mundo invis�vel.
N�o menos comprobativa � a inscri��o tra�ada, por u'a
m�o materializada, em uma das paredes do pal�cio durante
um festim que dava o rei Baltasar. (Daniel, cap�tulo V) .

10


L�ON DENIS

Poder-se-ia considerar como fen�menos de transporte o
man� de que se alimentam os israelitas em sua jornada
para Cana�, o p�o e vaso d'�gua, colocados ao p� de Elias,
quando despertou, por ocasi�o de sua fuga pelo deserto
(I Reis, XIX, 5 e 6) etc.

Todos os fen�menos luminosos hoje observados t�m
igualmente seus paralelos na B�blia; desde a simples irradia��o
perispiritica notada em Mois�s (�x., XXXIV, 29. 30),
e no Cristo (transfigura��o), e a produ��o de luzes (Atos,
II, 3, e IX, 3), at� as apari��es completas que n�o se contam
na B�blia, t�o frequentes s�o (164).

A mediunidade auditiva tem numerosos representantes
na jud�ia: os repetidos chamados dirigidos ao jovem Samuel
(I Reis, III), a voz que fala a Mois�s (�xodo, XIX, 19) a
que se faz ouvir na ocasi�o do batismo do Cristo (Lucas,
III, 22), como a que o glorifica pouco antes da sua morte
(Jo�o, XII, 28). s�o outros tantos fatos esp�ritas.

As curas magn�ticas s�o in�meras. Ora a prece e a f�
refor�am a a��o flu�dica, como no caso da filha de Jairo
(Lucas, VIII, 41. 42. 49-56), ora a for�a magn�tica interv�m
s� por si, sem participa��o da vontade (Marcos, V, 25-34),
ou ainda se obt�m a cura por imposi��o das m�os, ou por
meio de objetos magnetizados (Atos, XIX, 11-12).

A mediunidade com o copo d'�gua igualmente se encontra
nessas antigas narrativas. Que �, de fato, a ta�a de
que Jos� se servia (G�nesis, XLIV. 5) "para adivinhar",
sen�o o vulgar copo d'�gua, ou a esfera de cristal, ou qualquer
outro objeto que apresente uma superf�cie polida em
que os m�diums atuais v�em desenhar-se quadros que s�o
os �nicos a perceber?

Na B�blia podem-se ainda notar casos de clarivid�ncia,
compreendendo, ent�o, como hoje, sonhos, intui��es, pressentimentos,
formas ou derivados da mediunidade que, em todos
os tempos, foram grandemente numerosos e se reproduzem
agora �s nossas vistas.

Digamos ainda uma palavra da inspira��o, esse afluxo
de elevados pensamentos que vem do alto e imprime �s
nossas palavras algo de sobre-humano. Mois�s, que apresentava
todos os g�neros de mediunidade, profere, em diferentes
lugares, c�nticos inspirados ao Eterno, como por exemplo,

o do cap�tulo XXXII do Deuteron�mio.
(164) Ver, entre outros fatos, no livro II dos Macabeus a
apari��o do profeta Jeremias e do sumo sacerdote Onias a Judas
Macabeu.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 291

Um caso not�vel, assinalado nas Escrituras, � o de Bala�o.
Esse mago caldeu cede �s reiteradas solicita��es do
rei de Moab, Balac, e vem dos confins da Mesopot�mia para
amaldi�oar os israelitas. Sob a influ�ncia de Jeov� � obrigado,
repetidas vezes, a elogiar e aben�oar esse povo, com
decep��o cada vez maior de Balac (165).

Os homens da Judeia, esses profetas de �nimo impetuoso,
experimentaram tamb�m os benef�cios da inspiri��o,
e gra�as a esse dom. a esse sopro que anima os seus discursos,
� que a antiga B�blia hebraica deve ter sido muito tempo
considerada o produto de uma revela��o divina. Pretendeu-se
desconhecer as numerosas falhas que nela se patenteiam aos
olhos de um observador sem preconceitos, a insufici�ncia,
a puerilidade dos conselhos, ou dos ensinos implorados a
Deus (G�n., XXV. 22; I Reis, IX, 6; IV Reis, I, 1-4; I Reis.
XXX , 1-8), quando nos censurariam, com raz�o, de tratar dessas
coisas nos grupos esp�ritas. Esquecem-se as crueldades
aprovadas, mesmo quase recomendadas por Jeov�, os escabrosos
detalhes, finalmente tudo o que, nesse livro, nos revolta ou
provoca a nossa reprova��o, para n�o ver sen�o as belezas
morais que nele se cont�m e sobretudo a express�o de uma
f� viva e passional, que espera o reino da justi�a, sen�o
para a gera��o contempor�nea, que s� a esperan�a ampara e
fortifica, ao menos para as gera��es futuras.

N.
8 � Sobre o sentido atribu�do �s express�es
deuses e dem�nios
Toda a antiguidade admitiu a exist�ncia dos deuses,
express�o por que se designavam os Esp�ritos puros e elevados,
e dos semi-deuses ou her�is, como pelas palavras
dem�nios ou g�nios entendia os Esp�ritos em geral.

Os crist�os mesmos se serviam dessas designa��es.

Diz S. Pedro
(I Cor�ntios, VIII, v. 5, 6):

"Porque, ainda que haja alguns que se chamem deuses,
ou no c�u, ou na terra, n�o temos, entretanto, sen�o um
�nico Deus, o Pai. de quem tiveram o ser todas as coisas."

Em seus Coment�rios sobre S. Jo�o (liv. II n. 2), diz
Or�genes:

(165) "N�meros" XXII, XXIII, XXIV.

292 L�ON DENIS

"O Deus eterno tem direito a maiores homenagens;
somente ele tem direito � verdadeira adora��o e n�o os outros
deuses que com ele vivem e s�o seus ministros e subordinados,
sendo ele pr�prio seu Deus e seu criador."

Santo Agostinho diz (De civitate Dei), I, VIII, cap�tulo
XXIV:

"Os dem�nios (maus Esp�ritos) n�o podem ser amigos
dos deuses cheios de bondade, a que n�s chamamos santos
anjos."

� no mesmo sentido que S. Justino, em seu Discurso
aos gregos, n. 5, assim se exprime:

"Cultivando bem a f�, n�s podemos "nos tornar deuses",
e S. Irineu (Contra hocreses. I, IV, cap�tulo XXXVIII)
diz: "N�s ainda n�o somos mais que homens, mas um dia
seremos deuses."

O mesmo S. Justino, Apolog�tica, I, 18 (edi��o dos Beneditinos
de 1742, p�g. 54), escreve o seguinte a respeito
das manifesta��es dos mortos:

"A necromancia, as evoca��es das almas humanas. . .
vos demonstrar�o que as almas, mesmo depois da morte,
s�o dotadas de sentimento; os que se acham possessos dos
esp�ritos dos mortos s�o por todos chamados demoniacos
e furiosos (et qui ab animabus mortuorum correpti projiciuntur
daemoniaci et furiosi ab �mnibus appellati)."

Eis aqui de que modo, no s�culo XVII, P. Fondet, com
a aprova��o dos mais eminentes doutores eclesi�sticos da
Sorbona, traduzia, ou antes, desnaturava esta mesma passagem
: ". . . e esses pobres desgra�ados, que os esp�ritos dos
mortos agarram, lan�am por terra e atormentam, como o
sabeis, de muitos modos e que s�o comumente denominados
furiosos, man�acos, e agitados pelos dem�nios." � verdade
que, em seu pref�cio, o citado tradutor havia tido o cuidado
de prevenir os leitores de que em S. Justino "se encontra
em certos trechos muitas coisas obscuras, particularmente
no tocante aos dem�nios, sobre os quais o autor escreve
segundo as opini�es do seu tempo, que n�o tiveram continuidade
na Igreja, e que n�o fariam agora sen�o embara�ar
os esp�ritos. Poder-se-�o mesmo notar nessa apologia
alguns ligeiros vest�gios, que todavia se teve o cuidado de


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 293

suavisar
quanto poss�vel, sem violar a fidelidade da vers�o

(?) " (P. Fondet, Segunda Apologia de S. Justino, p�g. 48

e pref�cio; Paris, Savreux, 1670).

Indicaremos tamb�m Tertuliano, Apolog�tica, cap�tulo

XXIII.
N.
9 � Sobre o perisp�rito ou corpo sutil; opini�o
dos padres da Igreja
�s cita��es contidas em nosso estudo sobre a ressurrei��o
dos mortos (cap^ VII) acrescentaremos as opini�es de
alguns padres da Igreja.

Tertuliano declara que a corporeidade da alma � afirmada
pelos Evangelhos: "Corporalitas animae in ipso
Evang�lico relucescit", porque � acrescenta ele � se a
alma nao tivesse um corpo, "a imagem da alma n�o teria
a imagem dos corpos". (Tratado De anima, caps. VII, VIII
e IX, edi��o de 1657, p�g. 8).

S. Bas�lio fala do corpo espiritual, como Tertuliano o
havia feito. Em seu tratado do Esp�rito Santo assegura ele
que os anjos se tornam vis�veis pelas esp�cies de seu pr�prio
corpo, aparecendo aos que s�o dignos disso. (S. Bas�lio,
Liber de Spiritu Sancto, cap�tulo XVI, edi��o benedict. de
1730, t. IH, p�g. 32).
Essa doutrina era tamb�m a de S. Greg�rio, de S. Cirilo
de Alexandria e de Santo Ambr�sio. Assim se exprime este
�ltimo:

"N�o se suponha que ser algum seja isento de mat�ria
em sua composi��o, excetuada unicamente a subst�ncia da
ador�vel Trindade." (Abraham, liv. II, $ 58, ed. benedic. de
1686, t. I, col. 338).

S. Cirilo de Jerusal�m escreve:
"O nome "esp�rito" � um nome gen�rico e comum:
tudo o que n�o possui um corpo pesado e denso � de um
modo geral denominado esp�rito." (Catechesis, XVI, ed. benedic.
de 1720, p�gs. 251, 252).

"Em outras passagens atribui S. Cirilo, quer aos anjos,
quer aos dem�nios, quer �s almas dos mortos, corpos mais
sutis que o corpo terrestre: Cat. XII, � 14; Cat. XVm,
� 19." (Obra' citada, p�g. 252. Nota do beneditino Dom

A. Tout�e).

294 L�ON DENIS

Ev�dio, bispo de Uzala, escreve em 414 a Santo Agostinho,
inquirindo-o acerca � da natureza e causa de apari��es
de que lhe d� muitos exemplos, e para lhe perguntar se depois
da morte:

"Quando a alma abandonou este corpo grosseiro e terrestre,
n�o permanece a subst�ncia incorp�rea unida a algum
outro corpo, n�o composto dos quatro elementos como
este, por�m, mais sutil, e que participa da natureza do ar
ou do �ter ?"

E assim termina a sua carta:

"Acredito, portanto, que a alma n�o poderia existir sem
corpo algum." (Obra de Santo Agostinho, edi��o benedict.
de 1679, t. II, carta 3 58, col. 560 e seguintes).

Ver tamb�m a carta de Santo Agostinho a Nebrido,
escrita em 390, em que o bispo de Hipona assim se exprime
:

"Necess�rio � te recordares de que agit�mos muitas vezes,
em discuss�es que nos punham excitados e sem f�lego,
essa quest�o de saber se a alma n�o tem por morada
alguma esp�cie de corpo, ou alguma coisa an�loga a um
corpo, que certas pessoas, como sabes, denominam o seu
"ve�culo". (Santo Agostinho, op. cit., t. II, carta 14, cols.
16 e 17).

Diz S. Bernardo:

"Atribuiremos, pois. com toda a seguran�a unicamente
a Deus a verdadeira incorporeidade, assim como a verdadeira
imortalidade; porque, �nico entre os esp�ritos, ultrapassa
toda a natureza corporal, o suficiente para n�o
ter necessidade do concurso de corpo algum para qualquer
trabalho, pois que s� a sua vontade espiritual, quando a
exerce, tudo lhe permite fazer." (Serm�o VI in Cantica,
ed. Mabillon, t. I, col. 1277).

Finalmente, S. Jo�o de Tessalonica resume nestes termos
a quest�o, em sua declara��o ao segundo conc�lio de
Nic�ia (787), o qual adotou as suas opini�es:

"Sobre os anjos, os arcanjos e as pot�ncias, � acrescentarei
tamb�m � sobre as almas, a Igreja decide que
esses seres s�o na verdade espirituais, mas n�o completamente
privados de corpo, ao contr�rio, dotados de um
corpo "t�nue, a�reo ou �gneo". Sabemos que assim t�m


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

entendido muitos santos padres, entre os quais Basilio, cognominado
o grande, o bem-aventurado Atan�sio e Met�dio e
os que ao lado deles s�o colocados. N�o h� sen�o Deus, unicamente,
que seja incorp�reo e sem forma. Quanto �s criaturas
espirituais, n�o s�o de modo algum incorp�reas." (Hist�ria
Universal da Igreja Cat�lica, pelo abade Rohrbacher,
doutor em Teologia, tomo,. XI, p�gs. 209, 210).

Um conc�lio, realizado no Delfinado, na cidade de Viena,
em 3 de abril de 1312, sob Clemente V, declarou her�ticos
os que n�o admitissem a materialidade da alma. (O
Espiritualismo na Hist�ria, de Rossi de Giustiniani).

Acreditamos dever lembrar essas opini�es, porque constituem
outras tantas afirma��es em favor da exist�ncia
do perisp�rito. Este n�o � realmente outra coisa sen�o esse
corpo sutil, inv�lucro insepar�vel da alma, indestrut�vel,
quanto ela, entrevisto pelas autoridades eclesi�sticas de
todos os tempos.

Essas afirma��es s�o completadas pelos testemunhos da
ci�ncia atual. As sucessivas pesquisas da Sociedade de
investiga��es Ps�quicas, de Londres, evidenciaram mil e
seiscentos casos de apari��es de "fantasmas" de vivos e de
mortos. A exist�ncia do perisp�rito �, al�m disso, demonstrada
por in�meras moldagens de m�os e de rostos flu�dicos
materializados, pelos fen�menos de exterioriza��es e desdobramentos
de vivos, pela vis�o dos m�diuns e son�mbulos,
por fotografias de falecidos, numa palavra, por um imponente
conjunto de fatos devidamente comprovados" (166).

(Ver nota n�mero 12).

Certos escritores cat�licos confundem voluntariamente

a. a��o do perisp�rito e suas manifesta��es depois da separa��o
do corpo humano com a ideia da "ressurrei��o da
carne". J� fizemos notar que essa express�o raramente se
encontra nas Escrituras. A� de prefer�ncia se encontra a
de "ressurrei��o dos mortos". (Ver, por exemplo, I Cor�ntios,
XV, 15 e seguintes).
A ressurrei��o da carne se torna imposs�vel pelo fato
de que as mol�culas componentes do nosso corpo atual pertenceram
no passado a milhares de corpos humanos, como
pertencer�o a milhares de outros corpos no futuro. No dia

(166) Ver A. de Rochas, "Exterioriza��o da sensibilidade"
e "Exterioriza��o da motricidade"; � G. Delanne, "Apari��es
materializadas dos vivos e dos mortos"; � H. Durville, "O Fantasma
dos vivos".

L�ON DENIS

do ju�zo, qual deste poderia reivindicar a posse dessas mo


l�culas errantes?

A ressurrei��o � um fato esp�rita, que s� o Espiritismo
torna compreens�vel. Para o explicar, s�o os cat�licos obrigados
a recorrer ao milagre, isto �, � viola��o, por Deus,
das leis naturais por ele pr�prio estatuidas.

Como, sem a exist�ncia do perisp�rito, sem a dupla
corporeidade do homem, poder-se-iam explicar os numerosos
casos de biloca��o relatados nos anais do Catolicismo ?

Afonso de Ligu�ri foi canonizado por se haver mostrado
simultaneamente em dois lugares diferentes.

Santo Ant�nio defende seu pai de uma acusa��o de
assass�nio perante o Tribunal de P�dua, e denuncia o verdadeiro
culpado, no momento mesmo em que pregava na
Espanha, em presen�a de grande n�mero de fi�is.

S. Francisco Xavier se mostra v�rias vezes � mesma
hora em lugares muito distantes entre si.
� poss�vel deixar de ver nesses fatos casos de desdobramento
do ser humano, e a a��o, a dist�ncia, do seu
inv�lucro flu�dico?

O mesmo sucede com os numerosos casos de apari��es
de mortos, mencionados nas Escrituras. Eles n�o s�o explic�veis
sen�o pela exist�ncia de uma forma semelhante a
outra que na Terra o Esp�rito possu�a, mais sutil, por�m,
e mais t�nue, e que sobrevive � destrui��o do corpo carnal.
Sem perisp�rito, sem forma, como poderiam os Esp�ritos
fazer-se reconhecer pelos homens? Como se poderiam eles,
no espa�o, entre si reconhecer ?

N. 10 � Galileu e a Congrega��o do Index
Eis aqui um extrato do texto da condena��o de Galileu
em 1633, fotografado nos arquivos do Vaticano por um fervoroso
cat�lico, o conde Henrique de 1'�pinois:

"Foste denunciado em 1615 ao Santo Of�cio:

Porque sustentavas como verdadeira uma doutrina falsa,
que muitos propagavam, a saber: "que o Sol � im�vel
no centro do mundo e a Terra tem um movimento diurno";

Porque ensinavas essa doutrina aos teus disc�pulos;
porque entretinhas a esse respeito correspond�ncia com matem�ticos
da Germ�nia; porque publicavas cartas sobre as
manchas solares, nas quais apresentavas como verdade essa
doutrina; porque as obje��es que te eram dirigidas res



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 297

pondias explicando a Santa Escritura segundo a tua ideia... .
O tribunal quis p�r um paradeiro aos inconvenientes e
aos danos que dai provinham e se agravavam em detrimento
da f�.
Conforme a ordem do papa e dos cardeais, os te�logos
encarregados dessa miss�o assim qualificaram as duas proposi��es
:
"O Sol est� no centro do mundo e � im�vel". Proposi��o
absurda, falsa em filosofia e her�tica em sua express�o,
porque � contr�ria � Santa Escritura.
"A Terra n�o � o centro do mundo; n�o � im�vel, mas
obedece a um movimento diurno". Proposi��o igualmente
absurda, falsa em filosofia e. considerada no ponto de vista
teol�gico, err�nea na f�.. .

Declaramos que te tornaste profundamente suspeito de
heresia:

Porque acreditaste e sustentaste uma doutrina falsa e
contr�ria �s santas e divinas Escrituras, a saber: "que o
Sol � o centro do Universo e n�o se move de modo algum
do Oriente para o Ocidente; que a Terra se move e n�o �

o centro do mundo."
Porque acreditaste poder sustentar, como prov�vel, uma
opini�o que foi declarada contr�ria � Santa Escritura.

Em consequ�ncia declaramos que incorreste em todas
as censuras e penas cominadas pelos sagrados c�nones e
outras constitui��es gerais e particulares contra aqueles
que desobedecem aos estatutos e outros decretos promulgados.


Das quais censuras nos praz absolver-te uma vez que
previamente, de animo sincero e f� verdadeira, abjures
diante de n�s, maldigas e detestes, segundo a f�rmula
que te apresentamos, os ditos erros e heresias, e qualquer
outro erro e heresia contr�ria � Igreja Cat�lica, Apost�lica,
Romana.

E, a fim de que o teu erro pernicioso e grave e a tua
desobedi�ncia n�o fiquem impunes;
A fim de que, para o futuro, sejas mais cauteloso e
sirvas de exemplo aos outros para que evitem esses delitos:
Declaramos que. por �dito p�blico, o livro dos Di�logos,
de Galileu, � proibido.
Condenamos-te � pris�o ordin�ria deste Santo Oficio
por um tempo que ser� limitado a arb�trio nosso.


298 L�ON DENIS

A t�tulo de penitencia salutar, ordenamos-te que recites
durante tr�s anos, urna vez por semana, os sete salmos
da Penitencia.

Reservamo-nos o poder de moderar, alterar e relevar
no todo ou em parte as penas e penit�ncias acima."

Ditou um te�logo, h� quinze anos, ao Sr. Henri Lasserre
as seguintes linhas, que o autor de Nossa Senhora de
Lourdes e da Nova tradu��o dos Evangelhos (esta �ltima
obra condenada tamb�m pelo Index), reproduz em suas Mem�rias
� Sua Santidade.

"Esse decreto, que anatematizou a admir�vel descoberta
do grande astr�nomo e que o puniu com pris�o, foi
um duplo e completo erro.

Foi um erro incidente e secund�rio sobre a Astronomia;
foi, antes de tudo, um erro principal sobre a doutrina.

Coisa not�vel: por todos os termos do decreto, a Sagrada
Congrega��o havia-se condenado a si mesma.

Qualificando de absurdo, isto �, de contr�rio � raz�o

o que lhe � conforme, a Sagrada Congrega��o estava convencida
de se achar fora da raz�o e oposta � raz�o.
Qualificando de falso, isto �, de contr�rio � verdade o
que lhe � conforme, ela estava convencida de achar-se fora
da verdade e oposta � verdade.

Qualificando de heresia, isto �, de contr�rio � ortodoxia

o que � uma lei divina do Universo vis�vel, estava convencida
de achar-se fora da ortodoxia e oposta � ortodoxia,
porque, se � uma heresia subtrair-se � cren�a em um
dogma da Igreja, n�o � menor heresia querer impor como
dogma o que n�o o �, e particularmente o erro, o qual �, em
si mesmo, como a antinomia de todos os dogmas.
Qualificando de contr�rio �s Escrituras um admir�vel
decreto do Criador, a Sagrada Congrega��o estava convencida
de achar-se fora da ci�ncia das Escrituras e oposta �
sua verdadeira interpreta��o.

Cada qual em Roma, individualmente, n�o tardou, na

intimidade da palestra, a confessar e deplorar o erro co


metido pelos eminentissimos ju�zes.

O que, todavia, houve de mais deplor�vel ainda, foi que,
apesar das queixas e reclama��es, apesar das provas e evid�ncias,
das ordens de Bento XIV e de uma senten�a de
trancamento que esse pont�fice fez baixar em 10 de maio
de 1754, apesar de um segundo decreto da mesma natureza,
lan�ado por Pio VII em 25 de setembro de 1822, a repug



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

n�ncia em se retratar ela mesma, ou ser pelo Papa retratada,
foi t�o tenaz na congrega��o romana que, durante
mais de dois s�culos e em oposi��o � verdade conhecida, esse
tribunal manteve o seu decreto sobre o cat�logo do Index

librorum prohibitorum.

As obras que cont�m as descobertas de Galileu e de
Cop�rnico, condenadas em 23 de agosto de 1634 com os qualificativo
de absurdas, de falsas, de her�ticas, de contr�rias
�s santas e divinas Escrituras, n�o foram exclu�das do
Index sen�o na edi��o de 1832. A� permaneceram 201 anos."

N. 11 � P�o X e o Modernismo
O decreto Lamentabili sane exitu (3 de julho de 1907)
alcan�a objetivamente:

"Os escritores que, ultrapassando os limites fixados pelos
Padres e a mesma santa Igreja, pretendem um progresso
dos dogmas a pretexto de melhor os compreender e em
nome de pesquisas hist�ricas, mas que na realidade os corrompem."


Entre as proposi��es condenadas figuram as que sustentam
que:

"11* A inspira��o divina n�o se estende a tal ponto a
toda a santa Escritura que a preserve de qualquer erro em
todas e cada uma de suas partes."

Assim a ideia da estabilidade da Terra e todos os erros
cient�ficos da B�blia seriam inspirados, e � proibido dizer

o contr�rio.
"22.* Os dogmas que a Igreja apresenta como revelados,
n�o s�o verdades baixadas do c�u, mas uma certa interpreta��o
dos fatos religiosos que o esp�rito humano chegou
a adquirir com laborioso esfor�o."

Da condena��o nessa proposi��o resulta que o esp�rito
humano � impotente para descobrir a menor verdade na ordem
religiosa e por si mesmo se elevar � concep��o da exist�ncia
de Deus e da imortalidade da alma.

"53* A constitui��o org�nica da Igreja n�o � imut�vel,
mas permanece a sociedade crist� submetida, como toda sociedade
humana, a uma perp�tua evolu��o."


L�ON DENIS

Enleada assim pelos seus pr�prios ensinos, a Igreja
nada pode modificar, mesmo em "sua constitui��o org�nica".
Ora, resulta de fatos patentes que ela tem muitas
vezes e consideravelmente mudado. Explique quem puder semelhante
anomalia. N�o se pode formular condena��o mais
temer�ria.

"56.* A Igreja Romana se tornou a cabe�a de todas as
igrejas, n�o por uma disposi��o da divina Provid�ncia, mas
pelo fato de circunst�ncias puramente pol�ticas."

Os fatos atestam a verdade dessa proposi��o condenada.
Nos primeiros tempos as igrejas particulares eram independentes
de Roma.

� preciso n�o esquecer que a Igreja Romana s� de
muito longe se prende, com o seu catolicismo, � Igreja
crist�, que tira seu nome da estada de S. Barnab� o de

S. Paulo em Antioquia. Eis o que a esse prop�sito dizem
os Atos dos Ap�stolos: "E dali partiu Barnab� para Tarso,
em busca de Paulo (S. Paulo); e, tendo-o achado, o levou
a Antioquia. E aqui nesta igreja passaram eles todo um ano
e instru�ram uma grande multid�o de gente, de maneira
que foi em Antioquia que come�aram os disc�pulos a ser
chamados crist�os." (Cap. XI, 25 e 26).
"57.* A Igreja se mostra inimiga do progresso das ci�ncias
naturais e teol�gicas."

A� est�, por exemplo, uma proposi��o que merecia bem
ser condenada. A Igreja � inimiga do progresso, mas tal
n�o se mostra ela jamais. Nesse ponto de vista Pio X tem
raz�o. (Ver nota n. 10).

Epistola apost�lica para a ere��o de um Instituto B�blico
em Roma, 7 de maio 1909:

"Tem por fim este Instituto defender, promulgar, esclarecer
a s� doutrina dos Livros santos, interpretados
de conformidade com as regras estabelecidas ou a estabelecer
pela Santa S� apost�lica, contra as opini�es falsas,
err�neas, temer�rias e her�ticas, sobretudo as mais recentes".


CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 301

In�til � fazer notar que esses diversos regulamentos nos
retrotraem aos tempos da Inquisi��o, pelo fato de se imporem
�s consci�ncias em virtude de um pretenso poder divino.

N.
12 � Os fen�menos esp�ritas contempor�neos;
provas da identidade dos Esp�ritos
Gra�as ao espiritualismo experimental, o problema da
sobreviv�ncia, cujas consequ�ncias morais e filos�ficas s�o
incalcul�veis, recebeu uma solu��o definitiva. A alma se
tornou objetiva, por vezes tang�vel; a sua exist�ncia se revelou,
depois da morte como durante a vida, mediante manifesta��es
de toda ordem.

Ao come�o n�o ofereciam os fen�menos f�sicos mais
que uma insuficiente base de argumenta��o; mas depois os
fatos revestiram um car�ter inteligente e se acentuaram ao
ponto de tornar-se imposs�vel qualquer contesta��o.

Foi mediante provas positivas que a quest�o da exist�ncia
da alma e sua imortalidade ficou resolvida. Fotografaram-
se as radia��es do pensamento; o Esp�rito, revestido
de seu corpo flu�dico, do seu inv�lucro imperec�vel, aparece
na placa sens�vel. A sua exist�ncia se tornou t�o evidente
como a do corpo f�sico.

A identidade dos Esp�ritos acha-se estabelecida por
in�meros fatos. Acreditamos dever mencionar alguns deles:

O Sr. Oxon (ali�s Stainton Moses), professor da Universidade
de Oxford, em seu livro Spirit Identity, refere

o caso em que a mesa faz uma longa e circunstanciada narrativa
da morte, com a men��o da idade, at� ao n�mero
de meses, e os nomes familiares (quatro quanto a um deles
e tr�s quanto a outro), de tr�s criancinhas, filhas de um
mesmo pai, que haviam sido subitamente arrebatadas pela
morte. "Nenhum de n�s tinha conhecimento desses nomes
pouco comuns. Elas tinham morrido na �ndia, e quando nos
foi ditada a comunica��o, n�o disp�nhamos de meio algum
aparente de verifica��o." Essa revela��o foi. todavia, verificada
e, mais tarde, reconhecida exata pelo testemunho da
m�e dessas crian�as, que o Sr. Oxon veio a conhecer ulteriormente.
O mesmo autor cita o caso de um certo Abra�o Florentino,
falecido nos Estados Unidos, inteiramente desconhecido
dos experimentadores e cuja identidade foi rigorosamente
comprovada.


302 L�ON DENIS

A hist�ria de Siegwart Lekebusch, jovem alfaiate que
morreu esmagado por um trem de ferro, prova ainda que
� contr�rio � verdade afirmar que as personalidades que se
manifestam pela mesa s�o sempre conhecidas dos assistentes.

De acordo com Animismo e Espiritismo, de Aksakof,
a identidade p�stuma dos Esp�ritos se prova:

1.* Por comunica��es da personalidade na l�ngua vern�cula,
desconhecida do m�dium (ver, p�gina 538, o caso
de Miss Edmonds, do Sr. Turner, de Miss Scongall e da senhora
Corvin. que conversa com um assistente por meio de gestos
conforme ao alfabeto dos surdo-mudos que no estado de
vig�lia lhe era desconhecido ).

2.* Por meio de comunica��es dadas no estilo caracter�stico
do defunto, ou com express�es que lhe eram familiares,
recebidas na aus�ncia de pessoas que o tivessem conhecido
(p�g. 5431: � termina��o de um romance de Dickens,
Edicin Drood, por um jovem oper�rio iletrado, sem que seja
poss�vel reconhecer onde termina o manuscrito original e
onde come�a a comunica��o medi�nica.

Ver tamb�m a hist�ria de Luiz XI, escrita pela senhorita
Hermance Dufaux, aos catorze anos de idade (Revue
Spirite, 1858). Essa hist�ria, muito documentada, cont�m
ensinos at� ent�o in�ditos.

3.* Por fen�menos de escrita em que se reconhece a do
defunto (p�g. 345): � carta da Sra. Livermore, por ela
mesma escrita depois de sua morte. Esse Esp�rito estabeleceu
a sua identidade, mostrando-se, escrevendo e conversando
como quando na Terra. Fato not�vel: o Esp�rito escreveu
mesmo em franc�s, l�ngua ignorada da m�dium,
Kate Fox; � o caso em que o Sr. Owen obt�m uma assinatura
de Esp�rito que foi reconhecida id�ntica por um banqueiro
(ver Guldenstubbe, A Realidade dos Esp�ritos); �
escrita direta de uma parenta do autor, reconhecida id�ntica
� sua ortografia durante a vida. (Esses fatos foram muitas
vezes obtidos em nosso pr�prio c�rculo de experi�ncias).

4.* Por comunica��es que encerram um conjunto de
particularidades relativas � vida do defunto e recebidas na
aus�ncia de qualquer pessoa que a tivesse conhecido (Ver
p�g. 436). Com o concurso medi�nico da Sra. Conant, muitos
Esp�ritos desconhecidos do m�dium foram identificados com
pessoas que tinham vivido em diferentes pa�ses (p�gs. 559
e seguintes) : o caso do velho Chamberlain, o de Violette,

o de Robert Dale Owen, etc.

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO

5.* Pela comunica��o de fatos conhecidos unicamente
pelo desencarnado e que s� ele possa comunicar (ver p�g.
466): o caso do filho do Dr. Davey. envenenado e roubado
em pleno mar, fato em seguida reconhecido exato; � descoberta
do testemunho do bar�o Korff; o Espirito Jack. que
indica o que deve e o que lhe � devido, etc.

6.* Por comunica��es que n�o s�o espont�neas, como
as que precedem, mas provocadas por chamados diretos
ao falecido e recebidas na aus�ncia de pessoas que o tenham
conhecido (ver p�g. 585); resposta, por Esp�ritos,

a cartas fechadas (m�dium Mansfield); � escrita direta
dando resposta a uma pergunta ignorada pelo m�dium,
Sr. Watkins.

7.* Por comunica��es recebidas na aus�ncia de qualquer
pessoa que houvesse conhecido o desencarnado, revelando
certos estados ps�quicos, ou provocando sensa��es f�sicas
que lhe eram peculiares (p�g. 097); � o Esp�rito de uma
louca ainda perturbado, no espa�o; o caso do Sr. Elias
Pond, de Woonsoket, etc.

(Esses fen�menos se produziram em n�mero consider�vel
de vezes nas sess�es por n�s mesmo dirigidas).
8.* Pela apari��o da forma terrestre do desencarnado
(p�g. 605).

Os Esp�ritos se t�m, �s vezes, servido dos defeitos naturais
de seu organismo material para fazerem-se reconhecer
depois da desencarna��o, reproduzindo, por meio de materializa��o,
esses acidentes. Ora � a m�o com dois dedos
recurvados para a palma, em consequ�ncia de uma queimadura,
ora o indicador dobrado na segunda falange, etc.

Poder�amos alongar indefinidamente esta lista de identidade
de Esp�ritos, de que um certo n�mero de casos figura
tamb�m em nosso livro No Invis�vel, capitulo XXI.

Julgamos dever acrescentar os tr�s seguintes, que nos
parecem caracter�sticos e s�o firmados em testemunhos importantes.


O primeiro, relatado por Myers em sua obra sobre a
Consci�ncia Subliminal, � concernente a uma pessoa muito
conhecida do autor, o Sr. Brown, cuja perfeita sinceridade
ele garante. Um dia esse senhor encontra um negro em
quem reconhece um cafre; fala-lhe na l�ngua do seu pa�s e

o convida a visit�-lo. Na ocasi�o em que esse preto africano
se apresenta em sua casa, a fam�lia do Sr. Brown fazia
experi�ncias esp�ritas. Introduzido o visitante, indagam
se haveria amigos seus presentes � sess�o. Imediatamente

304 L�ON DENIS

a filha da fam�lia, que de cafre n�o conhecia nem uma
palavra, escreve diversos nomes nessa l�ngua. Lidos ao
preto, provocam neste um vivo espanto. Vem depois uma
mensagem escrita em l�ngua cafre, cuja leitura ele compreende
perfeitamente, com exce��o de uma palavra desconhecida
para o Sr. Brown. Em v�o a pronuncia este de
v�rios modos: o visitante n�o lhe percebe o sentido. De
repente escreve o m�dium: "D� um estalo com a l�ngua".
Ent�o se recorda prontamente o Sr. Brown do estalo caracter�stico
de l�ngua que acompanha o som da letra t no alfabeto
cafre. Pronuncia desse modo e logo se faz compreender.

Ignorando os cafres a arte de escrever, o Sr. Brown
se admira de receber uma mensagem escrita. Foi-lhe respondido
que essa mensagem fora ditada, a pedido dos amigos
do cafre, por um amigo dele que falava correntemente
essa l�ngua. O negro parecia aterrado com o pensamento
de que ali estivessem mortos, invis�veis.

O segundo caso � relativo � apari��o de um Esp�rito,
chamado Nefentes. na sess�o realizada em Cristi�nia na
casa do professor E., servindo de m�dium a Sra. d'Esp�rance.
O Esp�rito deu o molde da pr�pria m�o em parafina.
Levando esse modelo oco a um profissional, para o reproduzir
em relevo, causou a sua e a estupefa��o dos seus oper�rios:
bem compreendiam eles que m�o humana o n�o pudera
produzir, porque o teria quebrado ao ser retirada, e declararam
que era coisa de feiti�aria.

Noutra ocasi�o escreveu Nefentes no canhenho do professor
E. uns caracteres gregos. Traduzidos, no dia seguinte,
do grego antigo para linguagem moderna, diziam essas
palavras : "Eu sou Nefentes, tua amiga. Quando tua alma
se sentir opressa por intensa dor, invoca-me, a mim Nefentes,
e eu acudirei prontamente a aliviar-te os sofrimentos."

O terceiro caso, finalmente, � atestado como aut�ntico
pelo Sr. Chedo Mijatovitch, ministro plenipotenci�rio
da S�rvia em Londres, e de nenhum modo esp�rita em 1908,
data de sua comunica��o ao Light. Solicitado por esp�ritas
h�ngaros a entrar em rela��o com um m�dium, a fim de
resolver certa quest�o relativa a um antigo soberano s�rvio,
morto em 1350, dirigiu-se �le � resid�ncia do Sr. Vango, de
quem muito se falava nessa �poca e que ele jamais vira
precedentemente. Adormecido, o m�dium anunciou a presen�a
de um mo�o que muito desejava fazer-se ouvir, mas
cuja l�ngua n�o entendia. Acabou, todavia, reproduzindo
algumas palavras, com a curiosa particularidade de come



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 305

�ar cada uma delas pela �ltima s�laba, para em segnida,
a repetir na ordem requerida, voltando � primeira, assim:
"lim, molim; te, shite, pishile; liyi, taliyi Nataliyi, etc." Era
s�rvio, sendo esta a tradu��o:

"Pe�o-te que escrevas a minha m�e Nat�lia e lhe digas
que suplico o seu perd�o." O Esp�rito era o do jovem rei
Alexandre. O Sr. Chedo Mijatovitch o p�s tanto menos em
d�vida quanto n�o tardaram novas provas de identidade
em vir juntar-se � primeira: descri��o de sua apar�ncia,
pelo m�dium, e o seu pesar de n�o ter atendido a um conselho
confidencial que, dois anos antes de seu assass�nio,
lhe havia dado o diplomata consultante. (Ver, em rela��o
a estes tr�s casos, os Annnles des Sciences Psychiques, 1�
e 16 janeiro 1910, p�gs. 7 e seguintesl.

N. 13 � Sobre a telepatia
A Sociedade de Investiga��es Ps�quicas de Londres tomou
a iniciativa de numerosas inquiri��es sobre os fen�menos
de telepatia, de apari��es e outras manifesta��es da mesma
ordem.

A primeira dessas inquiri��es permitiu registar na Inglaterra
cerca de oitocentos casos de apari��es, relatados na
obra de Myers, Podmore e Gurney, intitulada Phantasms
of the Living ("Fantasmas dos Vivos").

Uma segunda inquiri��o, mais recente, revelou mais

1.652 casos. Todos esses fatos foram consignados e publicados
em dois volumes de processos verbais: Proceedings
of the Society for Psychical Researches. Os relat�rios e
outros documentos que os acompanham est�o assinados por
homens de ci�ncia que ocupam eminentes posi��es nas academias
e outras corpora��es doutas: astr�nomos, matem�ticos,
f�sicos, qu�micos, etc. Entre as assinaturas encontram-se
nomes como os dos Srs. Gladstone, Balfour, etc.
Essas apari��es ocorrem quase sempre no momento
da morte, ou depois da morte da pessoa cuja imagem reproduzem.
H� tamb�m casos em que um homem vivo aparece
a outro sem o saber. Pretenderam atribuir a esses fen�menos
um car�ter exclusivamente subjetivo; procuraram
explic�-los pela alucina��o, mas do exame atento dos processos
verbais resulta que esses fatos t�m car�ter objetivo
e real, pois que n�o impressionam somente criaturas humanas,
tanto assim que, segundo p�de ser verificado por


306
L�ON DENIS

movimento de terror inexplicado, animais tamb�m os percebiam.


Em certos casos as mesmas apari��es foram vistas
sucessivamente, em diversos pavimentos de uma casa, por
diferentes pessoas. Outros fen�menos da mesma natureza
s�o acompanhados de manifesta��es f�sicas: ru�dos, pancadas
que ressoam, vozes que se ouvem, portas que se abrem,
objetos deslocados por fantasmas.

Myers, autor da obra precedentemente citada, muito
tempo hesitou em concluir pela exist�ncia dos Esp�ritos;
mas, na impossibilidade de encontrar alhures a causa inteligente
desses fen�menos, chegou a dizer isto (Annales des
Sciences Psychiques, agosto de 1892, p�g. 246) : "O m�todo
esp�rita �, de si mesmo, necess�rio e verdadeiro".

Essas investiga��es, feitas na Inglaterra e publicadas
com o testemunho de pessoas cuja honorabilidade est� acima
de toda suspeita, foram prosseguidas na Fran�a pelo
Dr. Dariex, pelo professor Richet, da Academia de Medicina
de Paris, e pelo coronel de Rochas. Os resultados, verdadeiramente
not�veis e id�nticos aos obtidos do outro lado
da Mancha, acham-se consignados nos Annales des Sciences
Psychiques, citados acima.

O Sr. C. Flammarion tamb�m relata grande n�mero
desses fatos em sua obra L'Inconnu et les Probl�mes Psychiques.


N.
14 � Sobre a sugest�o ou a transmiss�o do
pensamento
No que se refere �s teorias da telepatia, da transmiss�o
do pensamento ou da sugest�o, o Dr. Roman Uricz,
chefe da clinica do Hospital de Bialy-Kamien, na Gal�cia,
relata a seguinte experi�ncia feita com uma rapariguinha
de catorze anos, muito pouco instru�da:

"Tomei cem pequenos cart�es brancos e neles escrevi
os algarismos de 0 a 9; dez cart�es com 0, dez com algarismo
1, outros dez com 2 e assim sucessivamente. Depois de
bem misturados, apagou-se a luz e eu tirei do ma�o alguns
cart�es, colocando-os enfileirados, da esquerda para a direita,
sobre a mesa. Pedi ent�o � Intelig�ncia que escrevesse

o n�mero assim formado. Obtida a resposta por escrito, acendia-
se de novo a l�mpada e lia-se o n�mero: a resposta sempre
foi correta. N�o podia ser isso leitura de pensamento,
pois que nenhum de n�s conhecia o n�mero em quest�o...

CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 307

"Os conhecimentos da m�dium em aritm�tica s�o muito
escassos, n�o tendo ela aprendido na escola de sua aldeia
mais que as quatro principais opera��es. Poder-se-ia suspeit�-
la de ser clarividente.

"Para garantir-me contra essa possibilidade, combinei
a seguinte experi�ncia: na mais completa obscuridade, coloquei
vinte cart�es ao lado um do outro e pedi � Intelig�ncia
que me desse a raiz quadrada do n�mero assim formado.
A resposta foi dada em alguns minutos; 7.501.273.011.
Estava certa, porque o n�mero formado pelos cart�es era:

56.269.096.785.557.006.121

"Repeti doze vezes essa experi�ncia. De tr�s n�o obtive
resposta; uma vez a resposta veio errada, mas oito vezes
foi exata.

"Semelhantes opera��es de aritm�tica est�o absolutamente
fora da capacidade do m�dium. Os resultados de minhas
experi�ncias n�o podem ser, portanto, atribu�dos nem
� transmiss�o de pensamento, nem � clarivid�ncia," (Ver
Revue Spirite, abril, 19071.

Por outro lado, a Sra. Britten, escritora espiritualista
de nomeada, na Inglaterra, cita uma experi�ncia decisiva
de Robert Hare, professor na Universidade de Pensylv�nia,
que foi muitas vezes referida, mas que ela narra como
tendo-a ouvido pessoalmente do s�bio professor. Experimentava
ele, como tantos outros, com o �nico fim de descobrir
o que a priori havia decidido n�o passar de abomin�vel
farsa. Depois de investiga��es prosseguidas durante
longos meses, veio ele por fim a concluir que os fen�menos
revelavam a exist�ncia de uma for�a at� ent�o desconhecida,
e que os ensinos transmitidos emanavam todos
da intelig�ncia, ou, por dizer diversamente, da transmiss�o
de pensamento; � o que, contemporaneamente, foi apresentado
como uma nova descoberta, a que deram o nome de
telepatia.

Para neutralizar essa for�a, o professor inventou uma
esp�cie de quadrante percussor cujos movimentos eram influenciados
por m�diuns de efeitos f�sicos, enquanto uma
agulha, acionada pelo poder medi�nico, indicava as letras
do alfabeto colocado do lado da mesa, oposto ao m�dium,
de modo que lhe fosse absolutamente imposs�vel dirigir a
agulha e n�o pudesse ver nem conhecer as comunica��es
ditadas. O quadrante era ent�o influenciado pelo poder do
m�dium, mas sem que este pudesse verificar a palavra so



L�ON DENIS

letrada, ficando tamb�m os assistentes na impossibilidade
de dirigir a for�a que fazia mover o quadrante.

Foi no curso de uma s�rie de experi�ncias feitas por
esse meio que um Esp�rito, que se dizia o primog�nito do
professor � um pequenino falecido aos dois anos de idade �
vinha constantemente comunicar-se.

Posto que afirmasse haver-se tornado um homem, ele
designava-se habitualmente pelo nome de Pequeno Tarley,
pretendendo pronunciar Tarley em lugar de Charley, para
dar, com essa designa��o infantil, uma prova da sua identidade.


Um dia em que o quadrante desempenhava lentamente
a sua tarefa sob a m�o de um poderoso m�dium,
e o Pequeno Tarley se tinha anunciado, "pois bem, Pequeno
Tarley, diz-lhe o professor, se �s verdadeiramente tu
que est�s a�, pois que parece saberes tanta coisa, dize o
que tenho eu em um pacote que est� no bolso do meu
casaco.

� Tens, pai � soletrou o Esp�rito �, em um peda�o
de papel amarelo desbotado, um retalho do v�u de renda
amarela, ainda mais desbotado, que me foi retirado do rosto
quando me achava deitado no pequenino ata�de.
� Pequeno Tarley � respondeu em tom de motejo o
professor � vejo que muito pouco sabes, pois que nada de
semelhante tenho no bolso.
Depois, voltando-se para as pessoas que formavam o
c�rculo, disse-lhes gravemente:

� Vede, amigos, o que s�o as pretensas comunica��es
dos Esp�ritos, quando n�o h� c�rebro em que possam ler.
� um sapatinho o que tenho no bolso; retirei-o, antes de
fecharem o esquife, de um p� de meu filho morto e conservei-
o cuidadosamente em uma gaveta durante um quarto
de s�culo, em mem�ria do meu primog�nito, com os seus
brinquedos e outras lembran�as do meu caro desaparecido.
Confessai agora que esse Esp�rito se diverte conosco.
Dizendo essas palavras, tira do bolso um embrulho e
desdobra, um ap�s outro, um certo n�mero de velhos peda�os
de papel amarelo; chega finalmente ao �ltimo que
continha... um v�u de renda amarela; no envolt�rio, a falecida
m�e escrevera que havia sido retirado de sobre o
rosto do seu pequenino morto. ..

O professor errara, mas o Espirito n�o se tinha enganado.



CRISTIANISMO E ESPIRITISMO 309


� Diversas passagens, interpretativas
desta obra, nas quais Leon Denis alude � autenticidade dos
Evangelhos e � presen�a do Cristo na Terra, encerram opini�o
pessoal do Autor, contagiado pelo esp�rito da �poca
em que foram escritas e que, de certa forma, ainda hoje
S�o objeto de controv�rsia.

ESTUDANDO A
MEDIUNIDADE


MARTINS PERALVA

Tomando por base a obra �Nos Dom�nios da Mediunidade
�, de Francisco C�ndido Xavier, e firmado
em outros livros doutrin�rios, o Autor adentrou-se
pelo estudo da mediunidade em suas variadas formas,
numa exposi��o simples, sint�tica e acess�vel
a todos.

ESTUDANDO 0
EVANGELHO

MARTINS PERALVA

Pequenos conceitos e frases do Novo Testamento

� dos Evangelhos em sua maioria � recebem luminosos
coment�rios e racionais interpreta��es �
luz da Doutrina Esp�rita. � obra que segue a melhor
tradi��o da literatura evang�lica esp�rita.

DO CALVARIO AO
INFINITO
DO CALVARIO AO
INFINITO
H�, em toda a obra, um sopro de eternidade, um
b�lsamo e um perfume de esperan�a. Em expia��es
redentoras, por doloroso calv�rio, quatro almas
ascendem � gl�ria da imortalidade. P�ginas de profunda
emotividade, devidas � mediunidade de Zilda
Gama.

AMOR E ODIO

YVONNE A. PEREIRA

Romance em torno de um ex-disc�pulo de Kardec
e que deste recebeu um exemplar de "O Livro dos
Esp�ritos", na �poca em que surgiu essa obra.
Ditado pelo Esp�rito Charles.



O EVANGELHO

SEGUNDO O ESPIRITISMO

ALLAN KARDEC

Abordagem franca e surpreendente dos enfoques
da Moral do Cristo, chamada a analisar os problemas
do mundo. Estudo exeg�tico das m�ximas
evang�licas, com demonstra��o de sua plena concord�ncia
com o Espiritismo. Linguagem clara,
expendendo interpreta��es com a flu�ncia natural
da "f� raciocinada". Precede-o valioso "�ndice de
refer�ncias b�blicas", organizado pela FEB.

O C�U E O
INFERNO

ALLAN KARDEC

Obra geralmente esquecida da Codifica��o, "O C�u
e o Inferno" � um ensaio sobre o comportamento
do Esp�rito face �s doutrinas punitivas obscurantistas,
e face � realidade espiritual do Universo,
que instala no tribunal da consci�ncia a suprema
inst�ncia de nosso trajeto. Vivificam ainda mais o
livro disserta��es medi�nicas de entidades em in�meros
graus de compreens�o da exist�ncia.



O LIVRO DOS

s

M�DIUNS


ALLAN KARDEC

Constituindo-se em seq��ncia natural de "O Livro
dos Esp�ritos", o "Guia dos Evocadores..." n�o �,
ao contr�rio do que se possa pensar, um manual
de evoca��es, mas um tratado de psiquismo experimental,
de cunho l�gico-dissertativo, vez por outra
entremeado de perguntas e respostas, arrazoados
e sadios debates em torno de assuntos-chave.
Freq�entemente apontado como obra ma�uda, vem
a constituir-se � com o n�o aer ma�udo � a exposi��o
clara, longa, precisa e s�ria, respons�vel
pelas bases ultra-s�lidas do Espiritismo.

0 LIVRO DOS
ESP�RITOS

ALLAN KARDEC

Inicialmente com 501 perguntas tomou � em sua
2* edi��o definitiva � o aspecto com que atualmente
o vemos. A rigor, a obra � sabiamente dividida
em tr�s partes: uma cient�fica; outra essencialmente
filos�fica, e, finalmente, uma terceira,
filos�fico-moral-religiosa. � obra para ser lida n�o
de um s� f�lego, mas com esp�rito de indaga��o e
racioc�nio.



ALLAN KARDEC

ZEUS WANTUIL
FRANCISCO THIESEN

Publicada em 1979 e 1980, essa obra "veio enriquecer, sobremaneira,
as letras esp�ritas e deu ao Codificador da Doutrina
Esp�rita a sua real dimens�o na hist�ria da Humanidade.

S�o tr�s volumes, num total de 896 p�ginas, dezenas de
ilustra��es e numerosas e preciosas informa��es sobre a vida
de Kardec e daqueles que constitu�ram o seu pequeno e valoroso
contingente de colaboradores diretos no plano f�sico.

O volume I apresenta uma vis�o muito n�tida da forma��o
moral e intelectual de Hippolyte Leon Denizard Rivail, do Instituto
Yverdon, do m�todo pestalozziano e da obra de Rivail como educador
em�rito. Ao final h� um ap�ndice que elucida a respeito do
nome civil de Kardec, sobre a data de seu nascimento e sobre a
controvertida quest�o de ele ter sido ou n�o formado em Medicina.

O volume II trata da miss�o de Kardec, tra�ando um panorama
que se inicia em Hydesviile at� as primeiras persegui��es
contra o Movimento esp�rita nascente.

O volume III abrange as obras esp�ritas de Allan Kardec, os
peri�dicos do seu tempo, a sua desencarna��o, a continuidade
do Movimento, as lutas e a abnega��o dos seus continuadores, o
Movimento esp�rita brasileiro e a destina��o do nosso pa�s como
P�tria do Evangelho. O ap�ndice final traz uma s�rie de elucida��es
sobre v�rios pontos importantes.

A perfeita concatena��o dos fatos, a forma como s�o apresentados
num estilo claro e objetivo tornam a leitura dos tr�s
volumes muito agrad�vel, facilitando ao leitor a assimila��o de
um t�o grande n�mero de informa��es. A figura de Allan Kardec
ressalta dessa magistral obra na grandiosidade de sua miss�o,

o que sensibiliza e emociona a quem l�.
Com este alentado trabalho (...) temos agora nova e completa
vis�o do Codificador (...). Todos os esp�ritas devem ler
essa obra."

(Transcrito de "O M�dium", de Juiz de
Fora (MG), Ano 49 � N.� 486 � fevereiro
de 1981.)




---------- Forwarded message ---------
De: Reginaldo Mendes 



Olá, pessoal:

                   Este é mais um livro de nossa campanha de doação  e digitalização de livros para atender aos deficientes visuais.

                   Agradecemos ao irmão Fernando  pela digitalização e pela  doação.

                    Pedimos que não divulguem em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais em canais específicos.


Cristianismo e Espiritismo - Léon Denis

Sinopse:

Nesta obra, Léon Denis faz uma comparação entre o Cristianismo e o Espiritismo. Por meio do relato histórico da trajetória do Cristianismo, explica a maneira pela qual a simplicidade e os ensinamentos do Cristo foram esquecidos, como a prática mediúnica e a tese reencarnacionista foram abolidas e como os rituais estabeleceram-se no culto cristão.

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