Versos
de Augusto Gil
1898
�NDICE
Dedicat�ria
Pref�cio
� LUZ DO AMOR
Introdu��o
As tricanas de Coimbra
Trova de saudade Cantigas
?!
Art.o 1056� do C�digo Civil
Marta e Maria
Carta a des'oras
Balada outonal
Conselhos
Words, Words
Nunca!
� LUZ DA VIDA
Amor desfeito
Primavera
O Edital
Amor sadio
Hora mortis
Tarde aziaga
Carta a Diogo Peres
Um fragmento das Fen�cias, de Eur�pedes
Ao Alberto da Silva
Alberto
Que, muito breve, os claros olhos de mulher que te iluminam a vida poisem, junto dos teus, nas p�ginas que te ofere�o. Como �s bondoso, e meu amigo, h�s-de julgar que as est� lendo... Nem que lhe fosse poss�vel, sentindo-te a boca, ali, t�o perto, preocupar-se com palavras de outrem! E como o que a tua voz proferir, ter� para a seu cora��o de noiva, sabor mais doce que todos os versos do mundo, podes dizer-lhe - mentido - que este livro tem algum valor.
Abril de 1898.
Augusto
PREF�CIO
Naquele tempo, em Coimbra, havia a mais perturbadora barafunda no tocante a literatura. Eu chamo-lhe assim, agora, para engalan�-la um pouco, � nossa balbuciante literatice...
�ramos, em arte, babosamente l�ricos. Em pol�tica, �ramos, quando menos, furiosamente republicanos.
Como concili�vamos a derrancada sanha de iconoclastas do trono e do altar com o d�lcido misticismo das nossas ora��es de amor em que abrang�amos, � S�o Francisco de Assis, numa piedosa universalidade, tudo e todos - desde as tricaninhas do chafariz da Feira, �s quais emprest�vamos a inoc�ncia das virgens de Fra Ang�lico, at� �s brutas feras de goela hiante que, para n�s, � falta de outros aut�nticos exemplares, eram os lentes? N�o me lembro e, se me recordasse, com certeza que n�o perceberia!
O que nunca me esqueceu, foi uma noite de conjura (ouviam-se trov�es reboantes e rasgavam-se rel�mpagos sinistros para as bandas de Montemor) em que Bas�lio Teles nos convocou para darmos a um plano revolucion�rio, que estava na forja, o concurso her�ico da academia. Dissemos-lhe que sim, mas impusemos condi��es tremendas. Quer�amos uma Rep�blica jacobin�ssima, que irrompesse, com a tr�gica beleza duma V�nus vermelha, de entre iracundos vagalh�es de sangue, ao rugido repercutente do canh�o e ao crepitante estralejar de inumer�veis, de infinitas balas...
Decret�mos tamb�m que a academia marchasse, em armas, sobre o Bu�aco. Para qu�? Porque motivos de arguta e subtil estrat�gia? Provavelmente por acharmos que a avan�ada para o Bu�aco marcava tom, dava sainete. O Bu�aco. al�m de hist�rico, � lend�rio. Consequentemente, o nosso lugar, de espingarda � cara e de soneto engatilhado, era l�!...
Assentes nisto, e quando os conspirantes �amos saindo, cada um � sua toca, ocorreu-me que estava a servir a monarquia, como administrador de concelho, o coitado dum amigo meu. E logo, pressuroso, arrepiei caminho para expor, alvoro�adamente, a Bas�lio Teles o �bice complicado que surgira. E o grande pensador, j� em ceroulas e prestes a recolher-se ao leito, poisando em mim o seu penetrante e l�mpido olhar, onde uma chispa de bondosa ironia fulgiu, assegurou-me perempt�rio:
- O homem fica. Boa noite.
Harmonizara-se tudo. Um dil�vio de fogo e de morte arrasaria, de l�s a l�s, a carcomida estrutura da pol�tica portuguesa; era por�m poupada, qual monte Ararat, a administra��o do concelho da Guarda. Bas�lio, nosso ap�stolo, assim o prometera. Que saudade!...
E ora aqui t�m como sab�amos tecer, numa parodoxal conjun��o, o arreganho de implac�veis revolucion�rios com a columbina ternura de poetastros compassivos...
A esta disparidade, entre a nossa grita enrouquecente, quando se tratava da Coisa P�blica, e o nosso mavioso choradinho, em r� menor, quando ascend�amos � regi�o do sentimento estreme, outra e mais contrastante sobrevinha: a atmosfera liter�ria era agitada por opostos, desvairados ventos e, nos v�rtices de encontro, n�s remoinh�vamos, incertos, em sarabanda de folhas secas.
Ainda sopravam as lufadas da velha escola rom�ntica, que o pulm�o portugu�s aspira sempre com vol�pia. Musset entontecia-nos.
Floresciam ainda, como cris�ntemos nas despedidas do Outono, uns restos de parnasianismo... Gautier encantava-nos.
Nas recentes p�ginas do S�, n�o se aquietara de todo o latejar da gesta��o ansiosa, nem secara inteiramente o febril suor de tuberculose que as orvalhara. Ant�nio Nobre atra�a-nos, em vertigem, como uma cova funda, negra e funda, onde .a morte cantasse de sereia, angelical e mal�vola, inimiga e maternal...
Da fonte umbrosa da tradi��o, manava, perpetuamente dessedentadora e cantante, a doce linfa da poesia nacional... Jo�o de Deus era adorado.
Rez�vamos de. cor, por noites de lua plena, os poemas inapag�veis dos Simples. Junqueiro maravilhava-nos; e ante os sonetos de Antero, t�o profundos e solenes, curv�vamos a fronte, meditativos e tristes.
Na sua torre de marfim, Eug�nio de Castro, em dalm�tica de brocado, desferia na teorba de oiro, com dedos p�lidos e �geis, trechos de suprema virtuosidade. Ouv�amo-lo, enlevados... Mas quando entrava, como qualquer, de redingote, na Havaneza, eu fingia ignor�-lo inteiramente, conquanto nunca o largasse de olho, para dele n�o perder nem a vaga sombra dum gesto...
Juntem agora um rol int�rmino de novidades abstrusas e transit�rias que vinham de Fran�a, em caixotes, mensalmente: instrumentismo, simbolismo, decadentismo, neo-religiosismo... Com todos aqueles diabos de exporta��o, como foi, Virgem Santissima, que a gente n�o endoideceu?
N�s �ramos, portanto, um bando de falenas atra�das por lumes v�rios. N�s �ramos, por consequ�ncia, uma aula de aprendizes de rabeca...
Todavia, num misto de rid�cula petul�ncia e de confiante impetuosidade, cada lib�lula se julgava uma �guia e cada violinista um Sarasate. Certa madrugada, no Lobo, que era um caf� da. rua da Sofia com excelente cerveja a copo e p�ssima literatura a granel, pusemo-nos a desancar, de l�ngua, todas as celebridades do oassado e do presente, desde o hipot�tico Homero at� ao professor Bernardo de Albuquerque do Amaral Cardoso a quem atribu�mos, caluniosamente, a autoria das Pandectas... Pelos s�culos fora, pela velha �sia adiante, pela Europa abaixo, pela Am�rica acima, por onde quer que nome fulgente ou obra radiosa tivesse logrado perpetua��o, houve um descalabro geral! Nenhum �dolo ficou sem grossa esmurradela e se, no fim, concedemos, por m�tuo consenso, que nalguns de n�s borbotava talento a rodos, foi por pensarmos, cada qual, que seria aborrecido estar sozinho na imortalidade, sem ningu�m para a palestra. Tais improp�rios e tais dislates berr�mos, que o Dr. Quim Martins, um doutor a valer, dos de capelo e borla, que nos dava a honra e o proveito da sua prestigiosa camaradagem, exclamou, l� do fundo da sala, sacudido por uma destas gargalhadas absolutas em que tudo ri, todas as faculdades da alma e todas as c�lulas do corpo:
- Oh filhos, mas voc�s est�o escandalosamente idiotas...
O que n�s est�vamos, com perd�o de vossel�ncias, era muit�ssimo b�bedos. Quando aquilo nos passava, logo sacud�amos, das sand�lias, a poeirada vil da prosa e nos al��vamos para os espa�os inter-astrais do lirismo, em atitude santan�ria, de m�os postas e olhos em alvo...
Claro � que o meu pobre livro se ressente de quanto vim apontando, ao descoordenado acaso da mem�ria. Est� cheio de hesita��es, de influ�ncias, de artificialidades, de exageros, de f�teis brilhos de alquime que eu tomava por oiro de lei. Mas est� nele, tamb�m, a minha melhor desculpa: a idade soalheira e azul em que s� tinha dois cabelos brancos. E, por sinal, que os aproveitei, contente, para um triste soneto com pretens�es a haml�tico.
De qualquer coisa que houvesse nestas p�ginas de menos mau, os vinte anos que decorreram desde o seu aparecimento desgastaram e ressequiram a melhor parte. E se me retorquirem que, na poesia, a beleza perfeita nunca descora, nem engelha, nem se deforma, concorde afirmo que � assim. Eu sei! Com que irrepar�vel e desalentada m�goa o sei...
Lisboa, 1919.
A.G.
� Luz do Amor
INTRODU��O
Suspiros, cuidados
Paix�es de querer.
Se tomam dobrados
Meu bem, sem vos ver.
GARCIA DE RESENDE
Versos meus, alado bando
De trigueiras andorinhas,
Ide onde ela, de meu mando,
A dizer-lhe como eu ando,
A dar-lhe visitas minhas...
Oh minha a�rea embaixada
Adeus, adeus, parti breve
N�o dilateis a jornada.
Seja a hora da chegada
Antes do tempo da neve...
L� tereis, � sua beira,
Luz e sol como em Agosto.
O seu olhar � fogueira
Que at� a torna trigueira
E queima-lhe a pel' do rosto...
Quando a sede vos tomar,
Dizei-lhe da minha m�goa,
Contai-lhe do meu penar,
Que ela ent�o p�e-se a chorar
E bebereis essa �gua...
Os beijos que ela vos der
Servir-vos-�o de sustento.
Que inveja me fazeis ter...
Ai quem pudera viver
Viver do mesmo alimento!
J� bailam ao vento norte
As folhas pelos caminhos.
O frio d�-vos a morte...
Erguei-vos num voo forte,
Guie-vos Deus, passarinhos!...
Coimbra
�S TRICANAS DE COIMBRA
Raparigas: n�o vos fieis nestes versas escritos numa hora de crep�sculo, espiritual e casta. Amai, amai estouvadamente. Que as vossas bocas se esvaziem de beijos, que os vossos peitos entumes�am de leite, que os vossos ventres frutifiquem...
Tricaninhas de olhar opalescente,
De riso claro, e soronal aspeito,
Quando, por noites de luar dormente,
Capas ao ombro, bandolins ao peito,
Vos passarem � porta os estudantes,
Que o vosso cora��o n�o bata mais
Rapidamente que batia dantes;
Que o vosso cora��o de cera branda,
Ganhe a tenacidade dos metais,
Quando o trinar dolente da ciranda,
Passar na rua aonde v�s morais.
Considerai nas vossas companheiras
Que tantos sonhos atearam quando
Bailavam invioladas nas fogueiras:
Olhai a Elvira, de olhos cor de mel,
De tran�a farta e de sorriso brando,
Vede como o setim da sua pele,
- T�o lindo que era, agora vai murchando...
E aquela, meio ing�nua, meio louca,
A Assun��ozita de perfil hebreu
Que j� tem rugas a afeiar-lhe a boca.
E diz que a sua boca envelheceu
Na lide, na fadiga permanente
Dos beijos que emprestou e recebeu
Com largos juros, usurariamente...
E a Isabelinha, essa de olhar de anidro,
Que p�s nas almas dos que a viram perto
Os sulcos que o diamante faz no vidro...
E a J�lia, macerada como as santas,
Esbelta e leve como um l�rio aberto,
E tantas outras tricaninhas, tantas...
- Foi a ciranda que as perdeu, de certo.
Tiveram, como v�s, um rosto lindo,
Bocas em flor, o colo ondeando esp'ran�a,
E olhos que as vissem, iam-nas seguindo,
Seguindo at� ao mais que a vista alcan�a...
Ergueram-lhes os poetas, em louvor,
Como trof�us na ponta duma lan�a,
Sonetos, madrigais, odes de amor...
Guitarras fl�beis e viol�es chorosos
Passavam, alta noite, �s suas portas,
Pedindo beijos, insinuando gozos...
E escutavam ext�ticas, absortas,
- Os olhos incendidos como brasas -
Vozes cantando-as, pelas horas mortas,
Numa car�cia de ruflantes asas...
E deixou-se embalar naquelas trovas
Ligeiras, fementidas, perturbantes,
O seu amor de raparigas novas...
As capas negras desses estudantes,
Capas escuras como po�os fundos,
Fizeram-lhe sonhar ideais distantes,
Outros c�us, outros astros, novos mundos...
Depois... depois, entre saudades e ais
(Que isto de amores, pouca dura tem)
Foram-se embora, n�o voltaram mais!
Igual destino hemos de ter, tamb�m...
Coimbra
TROVA DE SAUDADE
Cora��o que palpitas, calmo e certo,
Num alto monte da sagrada Beira,
Perto do c�u (que Deus quer t�-lo perto)
Longe de mim, para que eu mais lhe queira;
Bondoso cora��o de rapariga
Que o ritmo indicaste � minha trova,
E que eu n�o lembro sem que te bem-diga
Que eu n�o bem-digo sem que me comova;
Cora��o que por mim pulsas distante
E essa dist�ncia ligas na saudade
Que embala as minhas noites de estudante
E ampara a minha triste mocidade;
Que estes versos te v�o dizer de rastros
A �nsia, a viva f� com que os compus:
Ergue-os um pouco - e chegar�o aos astros,
Contempla-os bem - e ench�-los-�s de luz.
Que te poisem depois sobre a mem�ria
E fiquem l� dormindo morte quieta...
Ser� ent�o a minha hora de gl�ria
E a vaidade dir-me-� que sou poeta.
E que um dia, na paz do nosso lar,
Nalguma tarde morna de Ver�o,
Os oi�a despertar, ressuscitar
Na tua linda voz, meu cora��o!
Recostada a cabe�a ao gr�cil busto,
Ao colo aben�oado que te encerra,
Eu pensarei ent�o que Deus � justo
- E que h� felicidade sobre a terra...
Coimbra
?!
Ao Teixeira de Pascoaes
Na ronda das quimeras � meu par
Algu�m que se parece intensamente
Na maneira de olhar, ao teu olhar.
� no resto, por�m, t�o diferente
Como a luz das estrelas o � do luar,
Ou como o luar, do sol resplandecente.
A �guia, contam, p'ra poder ganhar
A enorme altura a que s� �guias v�o,
Procura uma emin�ncia em que agitar
As asas que a sustentam na amplid�o:
Sucede assim tamb�m ao pensamento,
Sucede assim tamb�m ao cora��o...
Se reparando em mim, te d� contento
Ver, nos teus olhos sempre, os meus pregados,
N�o fica l� pregado o sentimento...
Esse anda por espa�os constelados
Seguindo a vaga forma, o rosto brando
Da que h� de redimir os meus cuidados,
Esse anda, l� por longe entre-sonhando
A alma a quem est'alma corresponde
E que hei-de achar na vida, n�o sei quando,
- Na vida, n�o sei quando, nem sei onde...
CANTIGAS
Ao Jo�o Palma
Cordas de prata, subi...
T�o alto cantarei eu
Que me oi�am pedir por ti
Os anjos que est�o no c�u.
Teus olhos, contas escuras,
S�o duas av�-marias
Dum ros�rio de amarguras
Que eu rezo todos os dias.
Se queres que eu te n�o queira,
Pede a Deus p'ra que me chame;
Pois nem Deus, de outra maneira,
Consegue que te n�o ame.
Que mata o sonho do amor
Diz uma trova p'ra a�
Eu passo muito melhor
Desde que gosto de ti...
Amas a Nosso Senhor
Que morreu por toda a gente,
E a mim n�o me tens amor
Que morro por ti somente!
O teu olhar desleal
Cora��es queima por gosto.
Vou cham�-lo ao tribunal
Por crime de fogo posto...
Cantai mais devagarinho,
Rapazes, ao seu postigo.
N�o sei porqu�, adivinho
Que est� sonhando comigo...
O tempo corre de leve
E fogem leves as penas,
Tendo as tuas m�os de neve
Entre as minhas m�os morenas.
Dizes que � desigual
Este amor. Nunca o supus!
Mas olha: a sombra, afinal,
� um efeito da luz...
Raparigas tomai tento,
Cachopas, n�o vos fieis.
Cantigas leva-as o vento
Cartas de amor, s�o pap�is
As tuas m�os, que ser�?
� milagre, ou anemia?
Sempre o luar nelas d�,
Mesmo que seja meio dia!
Amor! Amor! Longo estudo,
E uma lei, s�, desvendada:
Em quem ama, � mais que tudo
Em quem amou, quase nada...
De certo os anjos do c�u
N�o t�m asas de plumas.
Que os teus ombros vi-os eu
N�o havia l� nenhumas.
Resume-se a coisa pouca
Toda a minha aspira��o:
Poder dar � tua boca
Os meus beijos e o meu p�o...
Mais alta a voz se me afoite,
A m�goa dos dias meus,
Oi�am-na os astros da noite,
Suba aos ouvidos de Deus!
ART.o 1056� DO C�DIGO CIVIL
Ao Chico Patr�cio
Oi�a, vizinha: o melhor
� combinarmos o modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.
Passo os meus dias a v�-la
Bordar ao p� da sacada.
N�o me tiro da janela
N�o leio, n�o fa�o nada...
O seu trabalho � mais brando,
N�o lhe prende o pensamento,
Vai conversando, bordando
E acirrando o meu tormento...
O meu, n�o: abro um artigo
De lei, mas nunca o acabo,
Pois dou de cara consigo
E mando as leis ao diabo.
Ao diabo mando as leis
Com excep��o dum artigo:
O mil e cinquenta e seis...
Quer conhec�-lo? Eu lho digo:
"Casamento � um contrato
Perp�tuo". Este adjectivo
Transmuda o mais lindo pacto
Num trambolho repulsivo.
"Perp�tuo!" Repare bem
Que artigo cheio de puas.
Ainda se n�o fosse al�m
Duma semana, ou de duas...
Olhe: tivesse eu mandato
De legislar e poria:
Casamento � um contrato
Duma hora - at� um dia...
Mas n�o tenho. � pois melhor
Combinarmos algum modo
De acabar com este amor
Que me toma o tempo todo.
MARTA E MARIA
Anda t�o preso o nosso amor a aquela
Doce morena e devotada amiga,
Que ao lembrar-me. de ti, lembro-me dela,
E nunca o meu afecto vos desliga.
A simboliza��o do ideal engaste
Das vossas almas, logra a mente dar-ma
Imaginando, a abrir, numa s� haste,
Uma violeta roxa, outra de Parma,
A roxa � ela, modestinha e santa,
Tu, a violeta de nevada alvura.
A jarra adonde ess'haste se levanta
Que � o meu cora��o se me figura...
Nem desligar-vos eu pudera, embora
O pretendesse. A tua boa irm�
� neste amor, nesta ansiada aurora,
O que � na aurora, a estrela da manh�...
Nem vos pudera desunir. Se a vejo
Aparecer, quando um de n�s a invoca,
Pacificante como um longo beijo
Que unisse a tua boca � minha boca...
Se nas horas amargas e desertas
De f'lecidade, vem o seu carinho,
Como um anjo lirial de asas abertas,
A aplanar-nos a agrura do caminho...
Se a face dela, miudinha e doente,
Reflecte quanto ao nosso amor assiste:
Somos felizes, mostra-se contente,
E vendo-nos sofrer, sente-se triste...
Por isso a minha alma vos alia
Num s� amor, que em tr�s destinos �
O que as duas irm�s Marta e Maria
Foram para Jesus de Nazar�.
CARTA A DES'ORAS
Senhora Viscondessa.
O seu decote
Excedeu tanto o que rezava a fama,
Que mal a vi surgir no camarote
Perdi o fio, a tessitura ao drama...
E a impress�o no resto da plateia,
Pode a Senhora crer, n�o foi mais fraca.
O seu busto gentil de Galatea.
Gerou pecados rubros como a laca.
Contou-me at� um musculoso mo�o
Audaz e rude e leal, tipo da Beira,
Que tinha uma dor forte no pesco�o
De se voltar p'ra v�-la na cadeira...
Frases licenciosas e brutais
Trocavam-se baixinho. E olhares torvos
Binoculavam os seus ombros reais,
Famintos e vorazes como corvos.
Registo uma excep��o aos meus assombros
Que n�o foram, assim, concupiscentes.
Os meus olhos poisaram nos seus ombros
como em um casal de rolas inocentes...
A mim o que me enleou de todo a vista
Foi um doce atractivo espiritual.
Isso que abrasa os nervos dum artista:
- O ineditismo, o novo, o original...
Isso... as ignotas, as estranhas normas
Que as almas tomam, do alto c�u, vizinhas,
Originando a orquestra��o das formas
E a melodia s�mplice das linhas...
Isso que a alma sempre adora e quer,
A aspira��o que nela ascende e medra:
O novo - seja um verso, uma mulher,
Ou o friso delicado duma pedra...
Como os artistas nunca se d�o bem,
Vivi sempre com Deus muito de esguelha.
Mas vi-a e reconhe�o que Deus tem
A espa�os, um bocado de centelha...
A espa�os digo, que ordinariamente
� duma inestesia lament�vel.
O luar de agosto � lindo realmente.
Um joanete, por�m, � detest�vel...
Eu, sem vaidade afirmo e sem despeito,
Com a franqueza altiva que me impele:
Fazia um mundo muito mais perfeito
- Se tivesse algum fiat dos d'Ele...
Ia dizendo... ah!... que a sua entrada
No benef�cio donde vim agora
Deixou-me uma impress�o acentuada
Intensa, el�ctrica, dominadora.
Vaidosa, como �, vai j� supor
Que esteja por a� apaixonado.
Engano... Um claro e firme e brando amor
Me traz, desde crian�a, aprisionado...
Gerou-se-me num monte alto e distante,
Causou-mo algu�m de olhar alacre e mo�o
Que � nesta obscuridade de estudante
A luz do sol iluminando um po�o...
Mas para que me escreve, ent�o? Dir�.
A falar-lhe a verdade, nem eu sei;
Talvez por ser o melhor modo que h�
De lhe dizer que a vi - e que gostei...
BALADA OUTONAL
Palidazinha de olhos magoados
E rosto exangue, cor de marfim,
Que estranhos dores, que ideais tombados,
Palidazinha de olhos magoados,
Te envelheceram t�o cedo assim?
Palidazinha de olhos magoados
Que conjecturas teu rosto d�...
Tiveste amores mal compensados,
Palidazinha de olhos magoados,
Morreu-te o noivo? Quem sabe l�?...
Palidazinha de olhos magoados
E olheiras roxas como violetas
Onde os tu poisas, poisam cuidados,
Palidazinha de olhos magoados.
Se encaras homens, ficam poetas...
Palidazinha de olhos magoados
A morte aumenta a f�nebre escolha
De corpos n�beis e inviolados,
Palidazinha de olhos magoados,
No fim do outono, ao cair da folha...
Palidazinha de olhos magoados
E de vinte anos, que n�o tens mais,
Conta-te a morte entre os convidados,
Palidazinha de olhos magoados,
Nos pa�os dela que s�o covais...
Palidazinha de olhos magoados
Fica no mundo, n�o queiras ir...
Secam os l�rios pelos eirados,
Palidazinha de olhos magoados,
E a primavera torna-os a abrir...
Palidazinha de olhos magoados
Sacode as m�goas do cora��o.
Esquece os dias atormentados,
Palidazinha de olhos magoados,
Que atr�s de tempos, tempos vir�o...
Palidazinha de olhos magoados
A vida � bela. Linda �s tamb�m.
E se morreres, anos passados,
Palidazinha de olhos magoados,
- H�-de esquecer-te a tua pr�pria m�e...
CONSELHOS...
Cora��o ambicioso,
Deixa-a l�! Anda comigo...
Por um amor duvidoso,
N�o deixes um bom amigo.
V� que n�o vale a mudan�a
E repara que � loucura
Teres ainda esperan�a
Depois de tanta amargura...
E j� � tempo de emenda,
De saberes ante-m�o
Que � cada nova contenda
Mais outra desilus�o.
O tempo da "Minha Dama"
Desfez-se com o passado.
Agora j� se n�o ama
Sen�o com bom ordenado...
Deixa-te de experi�ncias,
Nenhuma lei o amor guia...
A mais banal das ci�ncias
� a tal psicologia.
Para qu� armares em s�bio
De ar cansado e grave modo,
Se a simples curva dum l�bio
Te p�e doidinho de todo?...
Reflecte que � menos s�rio,
Menos pr�prio dessa idade
Embrenhar's-te no mist�rio
� procura da verdade...
Eu sei que n�o �s atreito
� solid�o, sei-o bem;
Mas indo para o seu peito
- Ficas sozinho tamb�m...
WORDS, WORDS...
Ao Guedes Teixeira
Contam que em pequenino costumava,
Ao ver-me num cristal reproduzido,
Beijar a pr�pria boca, em que julgava
Ver a boca de algu�m desconhecido
Cresci. Amei-a. E t�o alheio andava,
No sonho por seus olhos promovido,
Que em vez de cartas que ela me enviava,
Eu lia o que trazia no sentido...
Rodou o tempo. Estou doente e velho...
Agora, se me acerco dum espelho...
Oh meus cabelos, noto que alvejais...
E as cartas dela, se as releio agora,
S� vejo por aquelas linhas fora
Palavras e palavras... Nada mais!
NUNCA!
Sugerido pelo bronze Di�genes
da Senhora duquesa de Palrnela.
Erguei at� � fronte em noite escura,
Duma l�mpada acesa, a luz arfante.
Em tomo a v�s, baila uma sombra escura
E a luz vai projectar-se para avante.
Sustendo a l�mpada a igual altura,
Correi depois para essa luz brilhante;
A treva, aos vossos p�s corre segura,
E a luz sempre a fugir, sempre distante...
Poetas! Eis aqui simbolizada
Na sombra, a nossa m�goa inominada,
Na luz, o al�m, como um clar�o no mar...
Na sombra, a permanente, a eterna dor,
Na luz, a aspira��o dum grande amor
Que nunca, nunca havemos de alcan�ar...
� Luz da Vida
Ao Dr. Lopo de Carvalho
AMOR DESFEITO
"Se um cora��o de mulher te faz sofrer, procura o amor de outra mulher."
BEL.
Ao Afonso Lopes Vieira
Comp�e-te um pouco. Baixa mais o rosto
Para que possa v�-lo sem me erguer.
(Se uma alma da mulher nos d� desgosto
Procura-se a afei��o de outra mulher...)
N�o estou bem ainda... (� que no amor,
A vontade n�o basta para t�-lo)
Olha: talvez assim fique melhor
Passa os teus dedos pelo meu cabelo...
� agrad�vel... (mas, se a outra fosse
Quem me fizesse este dormente afago,
Sentiria fugir num sonho doce
A dor amarga, o fundo mal que trago).
Adoro a m�sica. Desce-me � alma
Profundamente, e todo me quebranta.
Ergue a voz de oiro, na amplitude calma,
Ergue a voz de oiro, minha amiga. Canta...
Canta o Pieta Signori, de Stradella,
M�sica ungida dum amor de eleito,
Como � dolente! (Se lha ouvisse a ela
Perdoava-lhe quanto me tem feito...)
Que azul o das tuas veias! � a cor
De que eu mais gosto essa do azul delido.
(Quando uma noite me falou de amor
Era dum tom igual o seu vestido...)
Repara numa estrela, al�m, que est�
Junto da lua... a outra... p'ra direita...
Leva dez anos a chegar-nos c�
A branda luz que a sua face deita.
Pode bem suceder que esteja morto,
Escuro e frio, aquele sol distante.
No entretanto, o teu olhar absorto
V�-lhe um brilho silente e palpitante.
Tive tamb�m no �ntimo do peito
Um astro a arder que se apagou depois
- As saudades dum amor desfeito
- S�o luz que fica de apagados s�is...
E, agora, em v�o procura o meu desejo
Ver um sol novo em cristalinos c�us...
S� a luz vaga das saudades vejo!
Estou com febre. Boa noite. Adeus!
PRIMAVERA
Ao Alexandre Braga
Faz hoje um lindo sol peninsular.
� o dia mais bonito dos deste ano.
Encanta a vista a transpar�ncia do ar
E o c�u � dum azul napolitano.
Um galho de roseira florescente
Que a aragem faz bater-me na janela
Parece mesmo estar chamando a gente
E oferecer o aroma, os bot�es dela...
Ergo a vidra�a � luz fulgente e amiga,
Colho uma rosa meia aberta e branca.
Coloco-a em �gua numa jarra antiga
E ponho a jarra sobre a minha banca;
Mal na mesa a coloco, d�-se um caso
Que � de gerar o mais estranho enlevo:
A rosa, debru�ada sobre o vaso,
Vai perfumando e lendo o que eu escrevo...
Do canto onde trabalho, v�-se o rio,
Atrav�s dos chor�es curvos das margens,
Seguir pausada, como um rei sombrio
Por dupla fila de inclinados pagens...
E aquela massa de �guas alterosa
�, na doce paisagem, destoante
Como, numa boceta leve e airosa,
Um verso austero do divino Dante,
Porque � um terno id�lio tudo o mais,
Porque � tudo o restante ing�nuo e ledo:
A virginal brancura dos casais,
O verde tenro e novo do arvoredo.
Nas hortas e valados, nos caminhos,
Cruzam-se vozes l�mpidas cantando,
Vozes de melros no himeneu dos ninhos,
Notas alegres como um vinho brando...
E a ondula��o das cearas onde os meus
Olhos alongo, num degrau da serra,
Lembra-me as invis�veis m�os de Deus
Acariciando as produ��es da terra...
O EDITAL
A Jo�o de Deus Ramos
(versos escritos para uma festa escolar.)
Manuel era um petiz de palmo e meio
(Ou pouco mais teria, na verdade)
De rosto moreninho e olhar cheio
De inteligente e en�rgica bondade.
Orgulhava-se dele o professor...
No porte e no saber era o primeiro.
Lia nos livros que nem um doutor,
Fazia contas que nem um banqueiro...
Ora uma vez ia o Manuel passando
Junto ao adro da igreja. Aproximou-se
E viu � porta principal um bando
De homens a olhar o quer que fosse.
Empurravam-se todos em tropel
Ansiosos por saberem, cada qual,
O que vinha a dizer certo papel
Pregado com obreias no portal...
Mais contribui��es! Supunha um.
� pr'�s sortes, talvez.., outro volvia.
Quantas suposi��es! Por�m nenhum
Sabia ao certo o que o papel dizia.
Nenhum (e eram vinte os assistentes)
Sabia ler aqueles riscos pretos.
Vinte homens e talvez inteligentes
Mas todos, que tristeza - analfabetos!...
Furou Manuel por entre aquela gente
Ansiosa, comprimida, amalgamada,
Como uma formiguinha diligente
Por um massi�o de erva emaranhada.
Furou e conseguiu chegar adiante.
Ergueu-se nos pezitos para ver,
Mas o edital estava t�o distante,
L� tanto em cima, que o n�o p�de ler.
Um dos do bando agarrou-o ent�o
E levantou-o com as m�os possantes
E calejadas de cavarem p�o...
Houve um sil�ncio entre os circunstantes.
E numa clara voz melodiosa
A alegre e insinuante criancinha
P�s-se a dizer, �quela gente ansiosa,
Correntemente o que o edital continha
Regressava o abade do passal
A caminho da sua moradia.
Como era j� idoso e via mal,
Acercou-se para ver o que haveria...
E deparou com esse quadro lindo
Duma crian�a a ler a homens feitos,
Dum pequenino c�rebro espargindo
Luz naqueles c�rebros imperfeitos...
Transpareceu no rosto ao bom abade
Um doce e espiritual contentamento
E a sua boca, fonte de verdade,
Disse estas frases com um brando acento:
Olhai, amigos, quanto pode o ensino...
Sois homens; alguns, pais, e at� av�s,
Pois s� por saber ler, este menino
- � j� maior do que nenhum de v�s!
AMOR SADIO
A Silva Pinto
Sem adjectivos, que a luz do sol n�o precisa de candeias.
Versos, v�o l� faz�-los sem cabala,
Pegar-se numa pena e escrever de
Maneira igual a aquela em que se fala...
- Dizem que � imitar Ces�rio Verde!
V� a gente largar a todo o pano
No luminoso mar do natural,
Ser simples, ser sincero, ser humano...
- � d'el-rei que n�o � original!
Mas sendo eu homem para n�o magoar-me
Da mofa iconoclasta do caf�,
Por que motivo � que hei-de contrariar-me.
Cantando o nosso amor como n�o �?
Para que urdir est�ncias em balata
E atribuir-te uma nobreza antiga,
Se os teus vestidos s�o de l� barata
E se �s uma saud�vel rapariga?!
Para que hei-de esconder os meus desejos,
Falsificar um grande amor perfeito.
Se gosto imensamente dos teus beijos
E � minha uma metade do teu leito?!
Para que hei-de chamar inviolado
E dizer fino um ventre que o � grosso,
Se ele anda h� sete meses fecundado
E se vive, l� dentro, um filho nosso?!
Por que invocar, como descanso e abrigo,
A morte negra contra tanta dor...
Se a vida � boa quando estou contigo,
Se � junto a mim que tu est�s melhor?!
Por que n�o p�r num verso claro e presto,
T�o simplesmente como � boca vem,
(E diz mais isto do que tudo o resto)
Que te amo muito, que te quero bem?!
Eu sei! Tomando assim ares banais,
Coloco entraves � celebridade...
- Mas nem que a gl�ria n�o tivesse mais
Que aturar poetas com a minha idade!
HORA MORTIS
� mem�ria de Ant�nio Proen�a
de Oliveira, que morreu mo�o.
O meio dia da vida!
A sombra diminu�da
Quanto a sombra o pode ser...
Tudo � luz e esp'ran�a ainda...
Dizei se h� hora mais linda
Para parar - e morrer?...
Quando o sol mais alto vai.
Faz-se a treva, a noite cai
- E o que foi... j� n�o existe;
Acaso h� morte melhor
Que a sem tarde e sem sol-p�r
- E sem crep�sculo triste?...
Viveu-se pouco? Que importa!
Para se fechar a porta
� vida, o momento � esse;
Quem morre na mocidade
Deixa mais longa saudade,
S� muito mais tarde esquece...
Morte amiga a que ele teve!
Caminhou tanto ao de leve,
Chegou-se t�o devagar,
Feriu-o t�o de repente,
T�o subtil, t�o docemente,
Que o matou sem o magoar...
TARDE AZIAGA
Ao Mariano Font�o
Como nuvem de l�grimas, pairando
Sobre os tectos esguios da cidade,
Vai-se morosamente desdobrando
Um grande v�u de sombra e de humidade.
Alteio os olhos para o c�u nevoento
E um s�mil triste, uma impress�o me acode,
Trazendo-me � ideia o sofrimento
De algu�m que quer chorar - mas que n�o pode.
A n�voa faz-me mal, p�e-me doente,
Torna-me os nervos moles, anormais,
E estes sinos dobrando lentamente,
Ainda me abatem e entristecem mais.
Sigo, rua fora, a ver se me distraio.
Entro para um caf�. Jogo o bilhar.
Trazem-me um boque. � detest�vel. Saio.
E os sinos que n�o deixam de tocar!
Inquiro duns amigos que est�o juntos
(Amigos?! A amizade o que ser�?)
Por quem dobram os sinos a defuntos.
Penaliza-me a nova que um me d�.
Morreu a filha a um vendedor de panos
Que empresta a juros de cinquenta ao m�s.
E o pai h�-de viver por largos anos...
Oh justi�a de Deus, como tu �s!
Not�cias que se prendem com a morte
Causam maior pavor num dia assim.
Para reagir, para fazer de forte,
Ponho-me a gracejar de mim pr'a mim:
� costume na noite de finados.
Iluminar a cova em que se reza.
Eu, desde j�, dispenso tais cuidados,
Nunca pude dormir de vela acesa.
E a quem � minha breve morte assista
Na aldeia sertaneja, onde hei-de ser
O melhor poeta e pior legista,
Com antecipa��o dou a saber
Que n�o quero flores no coval
Onde estes ossos forem residir.
A medicina prova que faz mal
T�-las a gente em quartos de dormir...
*
* *
Estaco � porta duma mercearia.
Chamo um garoto e compro uma gazeta.
Deito os olhos � folha. Que arrelia!
Toda a p�gina vem de tarja preta.
Um trunfo dominante, do governo,
Passa de trem, numa andadura lesta.
Que triste coisa andar a p� no inverno...
Mal empregado trem p'ra aquela besta!
Com modos de palerma que me irritam
P�ra um rapaz e diz-me: - Ol�! doutor!
Coitado, � um dos raros que acreditam
Que eu tenha um poucochinho de valor...
Tomando um ar cansado e presumido
Digo-lhe coisas para me entreter
E dou-lhe como pronto, conclu�do,
Um livro que ainda tenho por fazer.
Despe�o-me. "S�o horas de abalar,
Que a li��o � dif�cil e comprida".
Para que diabo � que eu me hei-de formar,
Se nunca hei-de ser gente nesta vida?
Caminho para casa a passo lento;
Talvez que lendo um pouco fique bem...
Antes eu n�o tivesse algum talento
E fosse o parvo alegre que al�m vem.
Sobem-me ideias negras � mem�ria.
Evocando saudades do passado,
Lembra-me, de repente, certa hist�ria
Que prova o meu destino malfadado:
O santo velho que � meu pai, plantou
Um abrunheiro e disse � teu, Augusto.
Pois nem uma s� vez frutificou
O pobrezinho, desgra�ado arbusto!
Mais sinos! E a dobrarem! Fico pior:
Um mau pressentimento me atordoa:
- Que a minha noiva me n�o tem amor -
Oh meu fiel, meu doce amor... perdoa.
Entro no quarto e vejo um sobrescrito.
Curvo-me a ler. Carta de minha m�e.
Louvado seja Deus, que este maldito,
Este agoirento dia - findou bem...
CARTA A DIOGO PERES
Noite de c�es. Dezembro. No braseiro
S� restam, do carv�o, cinzas agora.
Rufa nos vidros, como num pandeiro,
A neve. E o vento, pelas frinchas fora,
Zumbe sinistro, estr�dulo, agoureiro...
Para escrever a carta que te envio,
Desentorpe�o as m�os � luz da vela
Mal fabricada, com que me alumio.
O inverno, aqui, neste degrau da Estrela
Nem tu calculas como � triste e frio!
Pedes-me que te conte com vagar
O que � feito de mim, que rumo sigo.
S� novidades m�s te posso dar,
Que a boa-sorte p�s-se a mal comigo
E n�o h� modo de a reconquistar.
Sinto-me, dia a dia, mais doente.
Perdi de todo o esp�rito, a fa�sca.
Tornei-me bronco, in�til, indif'rente
E gasto as tardes a jogar a bisca
Num clube reles e de reles gente!
Lembras-te dos meus planos de estudante
Da envaidecida e da segura f�
Que eu tinha de romper, futuro adiante,
O caminho da vida - a ponta-p� -
Numa altivez honesta e confortante?...
Essa quimera triunfal de mo�o
Ai meu amigo que diversa foi
Da negra realidade em que me estro�o!
Pretendia lutar como um her�i
E agora quero andar e mal o posso...
O m�dico, entre os �ntimos, confessa
Que a minha vida a pouco meses deita.
Espero em Deus por�m que me aconte�a
Seguindo � risca o que ele me receita,
Que a morte venha muito mais depressa...
Queimei em �lcool todo o meu vigor,
Gastei em beijos toda a mocidade;
E como f�cil era de supor,
Nem no �lcool achei felicidade
Nem nesses beijos encontrei o amor...
Da bo�mia noct�mbula e mesquinha,
O resultado estou agora a v�-lo
Na tortura sem par que me definha:
Tenho cheio de brancas o cabelo
E uma mielite a apodrecer-me a espinha...
Pois apesar do p�vido estendal
Que nestes versos arripiantes deixo
- Ang�stias de amansarem um chacal,
M�goa capaz de amolecer um seixo -
H� gente por a� que me quer mal!
Com alguns, n�o obstante, reparti
Metade da minh'alma e do meu ......
Nas lutas que tiveram combati
Com um ardor, com uma exalta��o,
Que nunca em pugnas minhas consegui...
Quando lhes veio o dia da vit�ria
E do prest�gio que o dinheiro alcan�a
Entre gente venal e transit�ria,
Lan�aram-me cal�nias por lembran�a
E rudes vitup�rios por mem�ria...
*
* *
Quanto �s rimas de amor para a morena
Por quem eu tinha um t�o subido int'resse
Ainda n�o tive uma �poca serena
Na qual placidamente as compusesse.
Nem as farei, talvez. N�o vale a pena...
Seis horas da manh�. Escrevo a custo.
Sinto gelar-me a carne e o pensamento.
A neve n�o cessou e infunde susto
O f�nebre clamor que faz o vento.
Adeus, Diogo. Vou deitar-me.
Augusto.
UM FRAGMENTO
DAS FEN�CIAS, DE EUR�PEDES
Segundo a par�frase de Rivollet
Pra�a da Acr�pole, em Atenas. Ao fundo, ergue-se o pal�cio real, encimado por um terra�o para onde d� acesso exterior uma escadaria de cedro. � direita, um caminho para as muralhas e para a plan�cie. � esquerda, uma vereda que sobe para um horizonte de colinas arborizadas. P�r do sol.
CENA I
Coro das fen�cias - Coro dos velhos tebanos - Coro das tebanas
AS FEN�CIAS:
Findou, enfim, a extenuante rota!...
Para servir o claro Deus Apolo,
Venho da �sia c�lida e remota...
Deixei as margens pl�cidas de Tiro,
Com brandas curvas como as do meu colo
E grutas, cada qual � um retiro
Mais calmo que os meus bra�os embalantes...
Nelas se v�o repercutir e ecoar
Os saudosos, l�nguidos descantes
Dos marinheiros que de pandas velas
Largam do porto para o inquieto mar,
Olhando os olhos de oiro das estrelas...
E quantos deles, nessa incerta viagem
Em que somente os encaminham astros,
N�o ficam submergidos na voragem!
Quantos, soltando impreca��es e ais,
J� sem leme e sem velas e sem mastros
Partiram, mas n�o voltam nunca mais...
Eu sou a virgem de cabelos flavos
E de altos seios de alabastro quente
Que o ilustre Endor, bravo dos bravos,
Oferta ao vosso Deus omnipotente...
Endor governa junto ao mar divino
Que numa onda milagrosa e albente
Gerou, certa manh� de efl�vios cheia,
O puro corpo deslumbrante e fino
Da m�e do Amor, a esbelta Citereia,
Mandou Endor aos meus cansados passos
Que viessem at� v�s, gentis tebanos...
De tanto andar trazia os membros lassos,
Que at� num homem para a guerra feito
A for�a � pouca nestes poucos anos...
Mas o meu corpo n�bil e perfeito
Banhei-o, quando a casta luz do dia
Escureceu a derradeira estrela,
E voltou-me o vigor, esta alegria
De me sentir purificada e bela...
O sol desceu num glorioso ocaso
E estou ansiosa de pisar, de v�-la
A sagrada montanha do Parnaso,
Onde perpetuamente o gelo alveja,
E cujo cimo altivo � sempre raso
De nuvens, coroando-o como a um rei...
Guiai-me at� l� e consenti que o veja
Que para isso tanto caminhei...
Conduzi-me ao local das profecias
Aonde P�tia sacrifica e ora...
Cantemos todos as rituais teorias,
Levai-me a ver a desnastrada tran�a
De Moenada. � chegada enfim a hora!
Mas nem um s� de tantos v�s avan�a?
Olhai o poente de oiro de rubis.
Dentro de pouco a noite vai descer
- E v�s tebanos nem sequer me ouvis!
Assim � que tratais uma mulher?
OS VELHOS:
Virgem de Tiro, oh linda imagem de Afrodita
Regressa ao teu pa�s: deixa a p�tria maldita
De Tebas. O que soa nesta nossa terra
N�o s�o hinos de paz, � o clamor da guerra;
E este ocaso, a fulgir de rubras claridades,
� um clar�o de morte, o inc�ndio das cidades...
AS FEN�CIAS:
Que fado esquivo e incerto, que destino inf'liz
�dipo, oh grande rei, paira no teu pa�s?...
OS VELHOS:
Por Zeus! A tua boca de estrangeira amiga
Esse nome execrando nunca mais o diga!...
O solo onde tal homem haja posto os p�s,
Silvas e urtigas cubram-no, de l�s a l�s!
E que o imundo colear de todos os r�pteis
Suma todo o vest�gio dos seus passos vis! ...
AS FEN�CIAS:
O que fez ele ent�o?
AS TEBANAS:
O incesto e o parric�dio.
Largo tempo reinou, potente e venerado,
- Assassino do pai e com a m�e casado!
Mas um deus tutelar de tudo nos advertiu
E ao vento da revolta, o rei tremeu - caiu!
AS FEN�CIAS:
Se ele culposo est�, ou inocente,
T�o s� aos deuses discerni-lo � dado.
Por isso eu o sa�do reverente:
P'ra mim � mais que um rei - � desgra�ado...
OS VELHOS:
Mulher, em vez do nome que lhe deste,
Chama-lhe antes maldito e fel da terra.
Por ele s�, nos assolou a peste,
Por ele s�, est� bramindo a guerra!...
AS TEBANAS:
Desesperado por sofrer o mal
Que, a si pr�prio, se deu em puni��o,
Excomungou os filhos, e a final
Rompeu a guerra entre um e outro irm�o...
OS VELHOS:
Tremendo ambos que esse voto odiento
O ouvisse alguma potestade
Fizeram ante Apolo o juramento
De n�o viverem juntos na cidade;
E combinaram alternar o mando
Da nossa gente respeitosa e forte
Ora um, ora o outro, governando
At� que um deles o chamasse a morte...
Polin�cio afastou-se por um ano
Ao fim do qual, conforme combinara,
Quis o s�lio ocupar de rei tebano
Por tempo igual a aquele em que o deixara.
Conquanto, da palavra permutada,
A testemunha fosse todo o c�u,
Eteoclo quebrou a f� jurada
E se rei era, rei permaneceu...
E Polin�cio, com os mais amargos
Despeitos a roer-lhe o cora��o,
Parte, pede socorro � gente de Argos
E arrasta uma incont�vel multid�o...
E agora as sete portas desta linda
E leal cidade, inveja das demais,
V�o ser fechadas com fragor, � vinda
Das hordas inimigas e brutais!
AS TEBANAS:
Roubando a paz que � bem melhor que a vida
Ai de n�s! sanguin�rias turbas multas
Convergem para a guerra fratricida
Com setas, lan�as, gl�dios, catapultas!...
OS VELHOS:
Felizes tempos os da mocidade!
J� se extinguiu em n�s toda a bravura
E, como aves a fugir da tempestade
Para os ninhos ocultos na verdura,
Viemos para a frente destes pa�os
Onde cuidam do velho - e com que amor! ...
Jocasta a esposa de enrugados tra�os
E a filha, Ant�gona - a bondade em flor.
Velha rainha dos cabelos alvos
Ante o nosso clamor, porque n�o vens?
Que ela intervenha e ficaremos salvos.
N�o h� pedir, como o pedir das m�es...
Que alcance a paz com os seus bons conselhos
Que ela erga, bem alto, a triste voz,
Que ela rogue aos dois filhos, de joelhos,
Piedade de si pr�prios e de n�s!
CENA II
Os mesmos e Jocasta, � entrada do Pal�cio
JOCASTA:
Porque � que eu vivo ainda oh anci�os tebanos?
Pois n�o bastava j� aos deuses desumanos
O que vivi, e o que sofri, e o que chorei?
Pois � preciso ainda que outra e negra lei
Do meu destino ensanguentado e triste
Me chegue a este horror de m�e que assiste
A uma luta de abutres, derimida entre
Dois filhos que eu gerei, que trouxe no meu ventre!
Oh ceptro de raia, emblema naufragado
Num crime que por mim n�o foi, sequer, sonhado!
Oh sorte miseranda, oh infortunada vida
De v�tima inocente, e, para sempre, unida
� dura expia��o de atroz pecado alheio!
Est'alma j� morrera (a tumba era o meu seio...)
Faltava s� a morte � carne que a reveste
E junto ao velho rei eu aguardava-a neste
Pal�cio que o remorso ocupa do alto ao fundo...
E o rei, como eu, tamb�m j� morto para o mundo,
Ansiava a toda a hora, a hora demorada
De n�o lembrar, de n�o sofrer - do nada...
Farrapo de mulher amarfanhado e vil,
Comparava-me � fera entrada no covil
Para poder, l� dentro, agonizar em paz...
Mas toda a minha dor ainda n�o foi bastante,
E brada-me o destino: Adiante! Adiante! Adiante!
A lei da vida humana, a lei mais firme e forte
� sofrer sempre - sempre e mais! - at� � morte...
AS FEN�CIAS, curvando-se:
Minh'alma te venera, oh m�e, e te deplora...
Ela � como a folhagem duma �rvore sonora
Que geme e que se estorce com sinais de dor
Quando a rajada agita as outras em redor.
Se estivesses contente, alegre estava j�.
Assim, como est�s triste, triste contigo esta...
OS VELHOS:
Liberta a nossa terra! E dize tu, que �s m�e,
Qual �, dos filhos teus, o rei que nos conv�m...
JOCASTA:
Seja! Vou ressurgir da morte em que vivia.
A noite vai impor-se ao tempestuoso dia.
Reis v�os, com tronos de vaidade e de utopia
Eu rainha e eu m�e - a dupla majestade,
Cit�-los-ei perante mim...
A um velho:
Oh velho escuta:
O sofrimento � como a �guia que perscruta
Das alturas do c�u o fervilhar da Terra.
Adivinhei-te, anci�o. Quero evitar a guerra...
Mal que uma vaga luz floriu sobre o nascente
- Seja de bom agoiro o rir dum inocente! -
Mandei por emiss�rio �s hostes dos argianos
Um jovem cujo ardor se contrap�e aos anos...
� Menoceu, filho de Cr�on meu irm�o;
Da minha ra�a pois, e de alta condi��o.
De certo j� chegou �s tendas flamulantes
Que se erguem da planura. E Polin�cio, antes
Que outra manh� � de hoje lhe suceda,
Vir� ocultamente e por oculta v'reda
At� � porta que abre para a cidadela.
E prestes se h�-de abrir. Comprei a sentinela...
E envolvido na treva e abafando os passos
Cair� na terna claridade dos meus bra�os...
E a paz h�-de surgir nessa bendita hora!
O que � que um filho nega - � m�e, quando ela chora?
Mas fecha ao meu segredo, a tua fala, amigo,
E encosta-te ao bord�o e vem pedir comigo
Que piedosamente abram os seus ouvidos
Os deuses para n�s h� tanto ensurdecidos...
(Entra no pal�cio seguida pelos velhos e pelas tebanas)
CENA III
As Fen�cias, em dois meios coros
1� MEIO CORO:
Deus da Ira e do Furor
Escuta o nosso clamor
E suspende o gesto forte;
Afasta destas muralhas
O furac�o das batalhas,
O torvo abutre da morte...
Revibra o ar, treme a terra
Ao som dos carros de guerra...
Fulge um gl�dio em cada m�o.
E de tanto mo�o altivo
Que nesta p�tria est� vivo,
Amanh� quantos o est�o?...
Corpos belos como Apoio
Tombar�o, mordendo o solo
Entre improp�rios e insultos,
E as pobres m�es desgrenhadas
Vir�o chorar, debru�adas
Sobre os filhos insepultos...
2� MEIO CORO:
Ainda � tempo! � tempo ainda!
V� como a terra est� linda,
E como a amar tudo nos chama.
Olha as �rvores noivando,
Olha as fontes conversando,
Tudo vive e estua - e ama!...
Deixa a terra, sobe ao c�u,
Ou se a terra mereceu
Ter um deus na Primavera,
Atravessa o manso mar
E volta de novo a amar
Para a ilha de Citera...
Que te importa a humana vasa
Quando Afrodite se abrasa
Na �nsia com que te quer?
Tapa, num beijo, o seu riso...
Do seu ventre claro e liso
Outro Amor volte a nascer...
(Saem pela vereda da esquerda)
CENA IV
O Pedagogo, depois Ant�gona e Menoceu
O PEDAGOGO:
A pra�a est� deserta...
A Menoceu:
Antes que venha algu�m,
Segue a formosa Ant�gona, oh Menoceu, e vem
ANT�GONA, ao mesmo:
Filho de Cr�on, meu ousado e doce amigo,
Que vontade de ver-te e de falar contigo!
Pedi consentimento a minha m�e. Subamos.
E que ambos, finalmente, � tua boca ou�amos
A viva descri��o do ex�rcito que avan�a
Em coleios de serpe que se estira e lan�a
Esfuziante contra a presa...
Quantos s�o
Os chefes? Tu contaste-os?
Ao Pedagogo:
D�-me a tua m�o...
A Menoceu:
H� gente? V�...
Tebas escusa de saber que eu,
Menina e mo�a, abandonei o gineceu...
MENOCEU:
Ningu�m...
ANT�GONA:
Vamos ent�o ao alto do terra�o
Abrange-se de l� um dilatado espa�o
E todo o acampamento...
(Sobem os tr�s)
Oh natureza,
Que semeador sombrio e cheio de fereza
Andou no plaino inteiro e em todo o cerro,
Em vez do p�o que nutre a semear o ferro?...
Quem foi? Quem foi que nessas veigas usurpadas
Searas fez brotar de r�tilas espadas?
Que deus de alto 'poder, e g�nio torvo e escuro,
Dum jacto, fez florir jardins de bronze duro?...
O que � feito de v�s oh pl�cidas clareiras
Do bosque, aonde eu ia, e mais as companheiras,
A cantar e bailar? Oh entusiasmos ledos
Dos nossos juvenis e c�ndidos folguedos!
Fontes onde eu bebi, espelhos de �gua pura,
Calmais presentemente a �vida secura
De estrangeiros hostis, dos seus corc�is de guerra...
M�sera P�tria! Infanda Tebas! Pobre terra!
Rodas rolando e o rijo p� de homens brutais
Dizimaram, num dia, hortas, verg�is, trigais!...
E calcam impiamente os t�mulos sagrados
De mortos que ainda em n�s est�o ressuscitados!
E quanto mais se estende o meu nublado olhar
Mais tendas v� surgir, mais armas v� brilhar...
E, ante esta invas�o da terra que amo tanto,
O que mais cresce em mim, n�o � rancor - � espanto!
O PEDAGOGO:
V�s um gigante al�m? Esse brutal colosso
Venceu, como se fora um estreito fosso
Do est�dio, as duas margens do Dirceu num salto!
E aquela turba que em clamor t�o alto
O segue e aplaude s�o os miceanos
Coura�ados de puas. Menos que medianos,
Parecem vis pigmeus � volta dum Tit�.
MENOCEU:
� Hipom�don, rei de Lena e alma v�...
Traz o nome no escudo e leio-lhe daqui...
ANT�GONA:
Arrogante Hipom�don! Caia sobre ti
Esmagadoramente - a pior das maldi��es!
Jurou que levaria, escrava e com grilh�es.
Para um pa�s estranho a minha ilustre m�e;
E �s filhas da cidade amea�a-nos tamb�m
Da escravid�o... Oh claro Apolo, antes decidas,
Reproduzir em n�s a sorte das niobidas.
Aponta as tuas setas para o nosso peito...
Ver�s em cada boca um riso satisfeito.
A P�tria � para a alma o mesmo encantamento
Que � para o nosso olhar o azul do firmamento.
Repara noutro chefe, alambicado, terno
Como Ad�nis. Vota ao fundo inferno
A sorte nossa. Tem gesto de mulher
E a sua voz � de �guia esgani�ada. Quer
Aos muros da cidade rui-los e arras�-los
E seme�-la de aveia para os seus cavalos...
Ouvis-lhe o insultuoso desafio? Olhai:
Enquanto nos amea�a e vocifera, vai
Tangendo sobre o escudo a espada rutilante
Num ritmo guerreiro.
MENOCEU:
� filho de Atalante
E um dos reis da Arg�lida. � Partenopeu!...
ANT�GONA:
Atalante, a formosa ninfa que abateu
Dum s� e rijo golpe o cerdo apavorante
Que em Calidon deixou mem�ria sempre viva,
A ninfa musculosa e de alma compassiva
Que a Eros n�o reagiu e que Eros tornou m�e
Dum rei afeminado e insultador. Pois bem!
Que o monstro de Calidon ressuscite e lute
Com enraivada f�ria, assoladora e treda;
Que avance e cres�a e dobre e nunca retroceda,
Abrindo nos sitiantes h�rrida matan�a
E assim, no filho vil, a m�e sinta a vingan�a...
O PEDAGOGO:
In�til velho! A voz do medo ou�o-a a dizer-me
Que os deuses v�o deixar, o nosso povo, inerme...
ANT�GONA, a Menoceu:
Indica a este olhar e a este cora��o
A tenda pertencente ao meu amado irm�o...
MENOCEU:
Olha-o. Est� sentado, pensativo e s�,
Junto � campa de Zetos, nosso her�ico av�.
ANT�GONA:
Vejo-te agora... �s tu!... Ou antes � algu�m
Que tem, do que tu foste, a luz que a sombra tem...
Pois � aquele rosto angustiado, oh Zeus,
O que a sorrir, quando partiu, me disse adeus?...
Fosse eu a nuvem alta que al�m vem do mar,
Fosse eu a aragem que a transporta no ar,
Fosse eu o esbelto cisne em que encarnou outrora
Um deus, e erguer-me-ia j�, espa�o em fora,
E voaria e voaria direitinha
A reunir num beijo a tua boca e a minha...
E s� de te beijar se acalmaria logo
A febre que em teus l�bios arde - como um fogo...
Quem pudera cingir o teu pesco�o, irm�o,
E aconchegar-te a mim, ao peito, ao cora��o!
Ou abra�ar-me aos teus joelhos e, chorando,
Ungir a tua dor num choro longo e brando!...
A Menoceu:
Repara: p�s-se em p�, como se nos notasse...
Que belo que ele est�, assim, visto de face!
Dir-se-ia que nos fita... e o brilho que fulgura
No capacete de oiro e no oiro da armadura
D�o-lhe um aspecto, mais que her�ico: - ingente.
N�o � t�o lindo o sol � hora do nascente...
MENOCEU:
O la�o que at� hoje uniu nossos destinos
Desde o tempo inocente em que �ramos meninos
Que nunca se desate pela vida adiante...
Que esta nossa amizade l�mpida e constante
Seja o seguro arn�s, impenetr�vel, forte,
(abra�ando-a)
Que nos guarde na vida, assim, at� � morte...
ANT�GONA:
Oh Menoceu onde est�o eles, os distantes dias
Em que, ao meu lado, rindo, as margens percorrias
Do sempre verde e sempre id�lico Dirceu?...
Como v�o longe as tardes em que tu e eu
V�amos reflectir-se, olhando a �gua pura,
Os teus cabelos de oiro e a minha tran�a escura!...
MENOCEU:
Dias sem uma sombra de cuidado, ou mal,
Dias que tinham sempre um amanh� igual...
�ramos como um par -, alado par bem-dito
De andorinhas alegres voando no infinito!
Colheu-nos o tuf�o no di�fano caminho...
Onde encontrar ref�gio, onde encontrar um ninho
Sen�o nesta afei��o que h� tanto nos prendeu?
Estreitemo-nos bem! Abracemo-nos mais!
O sol volta a brilhar depois dos vendavais...
Principia a anoitecer
O PEDAGOGO:
Como um le�o que desce, vagaroso e nobre
Dos altos da montanha, cai a noite sobre
Os campos, sacudindo e espalhando em torno
A sua juba escura, no ar silente e morno...
Descem do terra�o
ANT�GONA, ao Pedagogo:
Ele vir�? Dize-mo tu, oh venerando velho
Que juntas, ao saber, o bem do bom conselho...
MENOCEU:
Quando a mensagem leu - e leu-a, mal lha dei, -
Poisou a m�o no altar e respondeu: irei.
ANT�GONA:
Ah Menoceu que dia incerto surgir�
Das trevas que do c�u v�m baixinho j�! ...
Um susto igual descora as nossas frontes p�lidas
E s�o, as nossas almas, t�midas cris�lidas
Em que um receio igual se gera e nutre e aumenta...
Sacode-nos aos dois a f�ria da tormenta;
Raminhos fr�geis de �rvore abalada e alta
Que sofrem juntamente o mal da alheia falta...
Id�ntico destino a ambos nos prendeu:
Sorris quando eu sorrio - e choras a quando eu!...
O PEDAGOGO:
Oh Inoc�ncia - estrela da manh� da vida -
Que sempre, em ambos eles, a tua luz incida!...
ANT�GONA:
Regressa ao teu pal�cio, Menoceu.
� tarde... E pede ao deus do gl�dio de ouro que nos guarde
E nos defenda e nos reanime e nos afoite...
Como n�o ter piedade ouvindo soar na noite
Um aflitivo choro de crian�a?!...
Adeus...
MENOCEU:
Adeus irm� - astro do c�u... beijo de Zeus...
Ant�gona volta para o pal�cio. Menoceu afasta-se pelo caminho � D.
O PEDAGOGO:
H�men, oh pequenino deus gracioso e lesto
Que para sempre enleias, num furtivo gesto,
Os cora��es humanos em grilh�es floreais;
H�men, oh irm�o de Eros, se causais
Menos cru�is amor's que os desse irm�o cruel
Que encobre a dor e a morte em seu falar de mel;
De nenhum deles, nunca, o teu olhar desvies,
Guia-os perpetuamente e docemente os guies
A esse mo�o esbelto e a aquela eb�rnea flor,
Que se amam - n�o sonhando ainda o que � o amor...
51
De: gisele sobreira
--
Abraços fraternos!
Bezerra
Blog de livros
https://bezerralivroseoutros.blogspot.com/
Blog de vídeos
https://bezerravideoseaudios.blogspot.com/
Meu canal:
--
Seja bem vindo ao Clube do e-livro
Não esqueça de mandar seus links para lista .
Boas Leituras e obrigado por participar do nosso grupo.
==========================================================
Conheça nosso grupo Cotidiano:
http://groups.google.com.br/group/cotidiano
Muitos arquivos e filmes.
==========================================================
Você recebeu esta mensagem porque está inscrito no Grupo "clube do e-livro" em Grupos do Google.
Para postar neste grupo, envie um e-mail para clube-do-e-livro@googlegroups.com
Para cancelar a sua inscrição neste grupo, envie um e-mail para clube-do-e-livro-unsubscribe@googlegroups.com
Para ver mais opções, visite este grupo em http://groups.google.com.br/group/clube-do-e-
---
Você recebeu essa mensagem porque está inscrito no grupo "clube do e-livro" dos Grupos do Google.
Para cancelar inscrição nesse grupo e parar de receber e-mails dele, envie um e-mail para clube-do-e-livro+unsubscribe@googlegroups.com.
Para ver essa discussão na Web, acesse https://groups.google.com/d/msgid/clube-do-e-livro/CAB5YKhn3OnVuK7X97UXkgyjhL8f2VomZ7QqTr%2BVnAgohr7U4fA%40mail.gmail.com.
Nenhum comentário:
Postar um comentário