com a vida
Os direitos autorais desta obra foram cedidos gratuitamente pelo m�dium Robson
Pinheiro � Casa dos Esp�ritos Editora � empresa parceira da Sociedade Esp�rita
Everilda Batista, institui��o de a��o social e promo��o humana, sem fins lucrativos.
Robson Pinheiro pelo esp�rito Angelo In�cio
Encontro
com a vida
2a
Edi��o revista | mar�o de 2006 | 5.000 exemplares
Ia Edi��o I setembro de 2001 | 10.000 exemplares
Este livro recebeu o t�tulo O transe em sua Ia edi��o. O presente
texto � id�ntico, salvo corre��es oriundas de nova revis�o.
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Editor Leonardo M�ller
Design gr�fico (capa) Andrei Polessi
Design gr�fico (miolo) Mario Almendros
Fotografia F�bio Can�ado
Modelo fotogr�fico Ana Paula Can�ado
Revis�o Laura Martins
Pr�-impress�o U n i g ra p h
Impress�o e acabamento Gr�fica Ala�de
Dados internacionais de cataloga��o na publica��o (cip)
[C�mara Brasileira do Livro | S�o Paulo | SP | Brasil]
In�cio, �ngelo [Espirito].
Encontro com a vida / pelo esp�rito �ngelo In�cio; [psicografado por] Robson
Pinheiro � 2a ed. rev. � Contagem, MG: Casa dos Esp�ritos, 2006.
ISBN 978-85-87781-20-0
1. Espiritismo 2. Psicografia 3. Romance esp�rita I. Pinheiro, Robson II. T�tulo.
06-1397 CDD: 133.93
INDICES PARA CAT�LOGO SISTEM�TICO:
1. Romance esp�rita: Espiritismo 133.9
Ele estava o tempo todo
escondido bem dentro de mim.
Sum�rio
O encontro
Encontro com a vida 13
va eu; e os dem�nios a me atormentar...
� Em nome de Jesus, voc� n�o fala! � eu, para o esp�rito
que me acompanhava, ap�s todos os esfor�os do pastor e
do coral em expulsar o "diabo".
� Em nome de Jesus, eu j� estou falando � insistia o
esp�rito. � Vire para tr�s.
Quando ou�o a instru��o (daquele que, vim a saber mais
tarde, era o mentor Alex Zarth�, o Indiano), fico chocado
com o que presencio. Pela primeira vez, vejo o esp�rito falando
atrav�s de minha mediunidade, e eu, impotente. Tomado
de estranheza, n�o me recordo do que se passou durante
o transe, mas lembro-me perfeitamente da minha imediata
expuls�o daquela comunidade e da proposta esp�rita
apresentada por esses mesmos "dem�nios".
Ap�s longos anos de trabalho � esse epis�dio ocorreu
em 1979 �, o esp�rito �ngelo In�cio, que j� escreveu Tambores
de Angola, entre outros, traz o romance Encontro com
a vida, anteriormente editado com o t�tulo O transe.
�ngelo � um dos coordenadores do jornal Spiritus (edi��o
Casa dos Esp�ritos, fundado em 1997) no mundo extra-
f�sico. Nele apresentamos com const�ncia textos psicografados
por �ngelo, que se auto-intitula rep�rter do Al�m.
Dono de um estilo eloq�ente e vivaz, � f� de temas pol�micos
e palpitantes � como todo bom jornalista. Em Tambores
de Angola, preconceito, umbanda e espiritismo s�o o assunto
em pauta. Agora, numa narrativa ainda mais ousada
] 4
e moderna � que deixa transparecer seu vi�s liter�rio �,
drogas, juventude e prostitui��o marcam a vida da protagonista,
Joana Gomides. Juntamente com Altina, sua m�e,
mulher evang�lica e cheia de f�, Joana vive nas p�ginas a
seguir uma hist�ria de amor-a��o, de supera��o de barreiras
e limites em busca de uma vida mais plena. Mesmo tendo
chegado ao fundo do po�o, n�o lhe faltaram amparo
nem a m�o amiga.
H� momentos em que �ngelo narra a hist�ria. Em outros,
ele empresta a voz narrativa � protagonista, Joana
Gomides, a fim de transmitir a intensidade do enredo com
mais propriedade. Essa transi��o nem sempre est� objetivamente
demarcada, como no pr�logo e no ep�logo, por�m
fica patente � leitura mais atenta. � que, ao sair do convencional,
�ngelo preferiu contar com um leitor mais participativo,
disposto a perceber sutilezas �s quais nem todos
est�o habituados.
Encontro com a vida marcou minha vida profundamente,
assim como a dos companheiros de trabalho da Casa
dos Esp�ritos Editora e da Sociedade Esp�rita Everilda Batista,
casa esp�rita � qual nos vinculamos. Eles conheceram
a obra ainda no prelo, antes mesmo de nascer completamente.
As chamadas "bonecas", rascunhos do livro, s�o
como a ultra-sonografia � n�s nos esfor�ando por ver a
vida, o feto por detr�s da imagem difusa. Quero partilhar
Encontro com a vida com voc�s, no momento de dar � luz.
Cuidei do pr�-natal, em parceria com a equipe Casa dos
Encontro com a vida 15
Esp�ritos, para que mais este filho possa estar hoje repousando
sobre suas m�os, aguardando por voc�.
Robson Pinheiro
encontro
com a vida
is-me aqui novamente. Depois da repercus
s�o e da percuss�o dos tambores de Angola1,
retorno ao conv�vio de voc�s.
Sinto-me mais leve agora. � que o instrumento
medi�nico parece-me mais afinado
depois de tantos barulhos, depois do ritmo e da cad�ncia
de sons dos tambores.
Creio que jamais me esquecer�o entre os ortodoxos e os
preconceituosos. � que os tambores de Angola incomodaram
as pretens�es descabidas de muitos donos da verdade.
Retorno agora bem no in�cio de um novo s�culo, inaugurando
uma literatura que fale de espiritismo, de esp�ritos,
mas tamb�m de outros filhos de Deus que n�o s�o exatamente
os esp�ritas.
O centro das aten��es agora se transfere para as igrejas,
para aqueles que se julgam salvos.
Encontro com a vida � a reportagem sobre uma vida,
Encontro com a vida 19
v�rias vidas. Um relato que mostra o transe ao qual nos
entregamos quando nos distanciamos de Deus ou quando
adormecemos a nossa consci�ncia.
Retorno � ativa para falar de f�, de perseveran�a. Ali�s,
n�o sou t�o ortodoxo quanto a maioria dos autores
desencarnados ou encarnados que disputam um lugar
no ibope espiritualista. H� muito que aprendi a n�o me
envolver nessas disputas por um lugar especial nas prateleiras
empoeiradas das bibliotecas de centros ou fraternidades.
N�o fa�o prega��o.
Prefiro fazer literatura, o que naturalmente n�o agrada
�queles que s�o apegados aos discursos doutrin�rios.
Por isso, Encontro com a vida n�o � um livro doutrin�rio.
� um relato de vida, de experi�ncias e de valores.
Espero, meu amigo, que voc� possa apreciar esse tipo
de literatura. Talvez, nas entrelinhas, possa verificar quanto
Deus age, quanto Deus fala, quanto Deus caminha nas
pr�prias pegadas humanas.
Ou, mais ainda, quem sabe n�o descobrir� que todos
trazemos um �tomo divino pulsando em nossos cora��es.
1 O primeiro livro escrito pelo autor espiritual � Tambores de Angola,
romance medi�nico que fala das origens da umbanda e do espiritismo.
Casa dos Esp�ritos Editora, 1998; 2a edi��o revista e ampliada em
2006. [Nota do editor.]
20
N�o trabalhei com o �bvio. � preciso sensibilidade e
muita procura para transcender as apar�ncias e encontrar-
se com a vida de Joana Gomides, entrando em conex�o
com o esp�rito que se esconde atr�s das letras.
�ngelo In�cio
O livro
da vida
22
tempo escoa veloz sobre os acontecimentos
das vidas humanas. Um
minuto na eternidade, e foi-se toda
uma exist�ncia f�sica. Para os humanos
o per�odo que se mede entre
o ber�o e o t�mulo � enriquecido com o passar silencioso
dos segundos e a impress�o da sucess�o intermin�vel
dos eventos. Assim se passa a hist�ria da humanidade,
e � dessa mesma forma que ocorrem as experi�ncias
individuais.
A vida humana � um livro de hist�ria em que cada p�gina
� escrita com as emo��es da dor, do sofrimento, da alegria
e do prazer. Cada novo dia e todas as experi�ncias vividas
marcam indelevelmente as p�ginas de um novo cap�tulo
nos dramas de todos n�s. Mudam-se as p�ginas, os dramas
existenciais transformam-se ao sabor da vontade humana.
Novos cap�tulos s�o escritos diariamente mediante
acertos e desacertos que o homem imprime nas p�ginas vi
Encontro com a vida 23
vas que o tempo lhe proporciona escrever.
As ondas de luz, da luz imperec�vel, se incumbem de tornar
eternas as diversas hist�rias criadas, plasmadas e vividas
pela humanidade. Registra-se cada letra, cada s�mbolo
do alfabeto vivo de nossas exist�ncias. Nada se perde: nem
um �nico detalhe, nem um �nico pensamento. �s vezes os
pr�prios seres que pisam o solo do planeta e interagem com
o mundo onde vivem acabam se esquecendo dos detalhes
que, somados, formam suas hist�rias. Mas a luz, a luz imaterial,
astral, eterna e imut�vel, registra os fatos. Absolutamente
nada se passa sem que impressione eternamente os
registros sens�veis do mundo oculto. Tudo � luz. O homem
� luz que se manifesta no mundo de forma consciente; e a
consci�ncia � a pr�pria luz acrescida de sensibilidade, de
intelig�ncia emotiva, de emo��o inteligente ou de luminosidade
mental-emotiva. Todo ser � luz. Por isso, a hist�ria de
uma vida sempre � poss�vel de ser revivida, reavaliada e reprogramada.
Ocorre que cada um traz em si mesmo o registro de suas
experi�ncias transatas.
O tempo passa, abre-se o livro da vida, e as ondas de luz
jorram de suas p�ginas � semelhan�a de uma cascata viva
que nos obriga a nos enfrentarmos, a realizarmos a reavalia��o
de nossa conduta, de nossos valores. Somos luz; somos
luzes que orbitam em torno da luz maior, eterna, imperec�vel,
imortal.
24
Nestas p�ginas, �ngelo In�cio apresenta-nos de forma
brilhante a hist�ria de uma vida, ao levantar o v�u da ilus�o
e mostrar-nos a sensibilidade de uma estrela. A hist�ria �
verdadeira, por�m pode ser a hist�ria de qualquer um de
n�s. � a hist�ria de uma estrela cadente que deixou seu trono
de luzes e nublou-se por um momento em contato com o
p�ntano, para, logo ap�s, voltar ao constelat�rio e descobrir-
se pura luz, diamant�fera, imperec�vel, filha de Deus.
Peregrino
do tempo
Peregrino
do tempo
Fui pedra, Fui areia, talvez at� Fui uma
pedra bruta que tentava ser gente.
26
is que o meu esp�rito ouviu uma voz. N�o
sei por quanto tempo durou a impress�o.
N�o sei mesmo se foi um som ou uma proje��o
dessa luz que tudo devassa, esquadrinha,
aprofunda. N�o sei dizer ao certo. N�o
guardo a impress�o do tempo. Ouvi, eis apenas o que
posso dizer.
Alguma coisa despertou dentro de mim, e vi-me na condi��o
de uma crian�a que se deixa surpreender numa de
suas brincadeiras ou estripulias. Assim foi como o meu esp�rito
despertou com uma voz que simplesmente me acordava,
me trazia � vida, �s minhas lembran�as. Alguma for�a
irresist�vel me arrastava dos meus sonhos ou pesadelos para
encarar a realidade. N�o tenho palavras para descrever a
imensid�o daquela for�a moral que eu sentia me esmagar,
me arrastar, talvez at� me coagir a viver, reviver e tornar
p�blicos os relatos de minha vida; despir-me de minha privacidade
quanto �s desgra�as que um dia causei a mim e,
Encontro com a vida 27
com certeza, tamb�m a outros.
Senti-me viva novamente; desperta de um sono a que me
entregara por vontade pr�pria, numa fuga desenfreada que
eu pensava ser a fuga da pr�pria vida. Eu tinha vergonha da
vida. E aquela voz suave, por�m firme, arrancava-me dos
meus loucos pesadelos e trazia-me de volta � realidade.
� Joana! Joana! � falava-me a voz nas profundezas de
mim mesma. � Acorda, Joana; vem novamente reviver suas
lutas, suas emo��es. � preciso enfrentar-se, � preciso coragem
para viver.
De onde vinha aquela voz? De quem era aquela for�a
irresist�vel que me arrastava atrav�s dos por�es do tempo e
fazia-me rever cada passo de minha vida, que eu teimava em
sepultar nas trevas de minha mem�ria? N�o havia trevas,
apenas luz. Uma luz que teimava em arder e clarear por dentro
de mim mesma. E aquela voz da qual eu n�o podia fugir.
Eu n�o tinha como me esconder, tamanha a for�a moral de
que ela se revestia. N�o adiantava lutar. Era uma for�a inconceb�vel,
que eu jamais pensara existir. Talvez, essa era a
for�a do amor, que s� agora eu estava preparada para enfrentar.
Era a for�a moral de quem ama.
� Eu evoco o esp�rito de Joana Gomides, para que retorne
das profundezas do tempo e restaure as experi�ncias que
tentou sepultar dentro de si mesma. Eu sou a for�a que a
arrasta das trevas do sepulcro e lhe traz a luz da consci�ncia.
"Eu evoco o esp�rito de Joana Gomides, a ovelha desgar
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rada, a filha pr�diga, o esp�rito imortal.
"Ressurja, Joana, e venha novamente � luz trazer ao mundo
uma parcela de sua vida, um cap�tulo de sua hist�ria. Sou eu,
a luz que dilui as trevas da inconsci�ncia e torno minhas as
suas experi�ncias, pois que eu as vivo juntamente com voc�.
Eu sou a for�a viva que a sustenta para que voc� enfrente a
pr�pria hist�ria e reviva cada ato do drama de sua vida. Eu
sou aquele de quem voc� n�o pode se esconder. Sua mente �
minha mente; seus pensamentos s�o meus pensamentos. Eu
albergo seu esp�rito na irradia��o de minha alma e o conduzo
para a verdadeira ressurrei��o da vida..."
Eu ouvia tudo como algu�m que era arrancado das sombras
da inconsci�ncia, ou dos tormentos de um pesadelo. Eu
era obrigada a ouvir e ceder. Eu me deixava embriagar naquela
luz; afinal, eu era tamb�m uma luz.
� Volte, Joana, retorne a si mesma. Eu a evoco como se
evoca a maior for�a do universo, a for�a do amor. Eu a evoco,
mas evoco tamb�m as suas experi�ncias, a sua mem�ria,
o rastro de eternidade que se deixou nublar na poeira do
tempo. Eu a tomo pelas m�os e a trago em meus bra�os para
a luz da consci�ncia...
Eu acordei, despertei de um sono que n�o se mede pela
dura��o, mas pela profundidade. Em minha volta, apenas
luzes. Uma, duas, tr�s, muitas, mas muitas luzes. N�o conseguia
ver direito diante de tanta for�a que irradiava daqueles
focos de luz. Era uma constela��o. E eu me dilu�a em pranto,
Encontro com a vida 29
deixava-me inebriar nas ondas de amor, �s quais n�o podia
resistir. Senti vergonha, a princ�pio. Mas, depois, at� mesmo
a vergonha se diluiu, como eu dilu�a a minha alma.
O tempo parecia n�o existir para mim. O tempo era apenas
um �tomo que se perdia no vasto campo da eternidade.
Minha mente era plenamente aceita e despertada pelas outras
mentes que me recebiam, que me chamavam. Eu j� n�o
me sentia culpada, e o remorso pelo que fui, pelo que fiz, se
transformava em um sentimento que mesmo agora eu n�o
saberia definir. Sei apenas que eu pairava, opaca, fraca e bruxuleante,
mas eu tamb�m era uma luz, uma chama entre os
s�is. Eu era uma filha de Deus.
As imagens de minha vida foram se passando diante de
mim. Sozinha n�o teria como descrev�-las. N�o poderia, tamanha
a emo��o que dominava o meu ser. Por isso sou ajudada,
sou envolvida, sou impulsionada por uma for�a externa,
ou ser� interna?
S� sei que algo me induz a rever o passado, e a minha
mem�ria parece deslocar-se no tempo. Sinto-me diluir entre
os mundos e minha alma vagar entre as estrelas; sinto
que cada mundo � uma lembran�a, que cada estrela � uma
vida, que cada constela��o representa a experi�ncia que vivi
num mundo chamado Terra.
Fui poeira entre os caminhos. Vivi a pedra, vivi a vida.
Sonhei, aquecida no interior da Terra. Mineral entre os minerais.
Minha for�a interna, bruta e rudimentar movimen
3 0
tou os �tomos e atraiu os cristais. Eu vivia. Eu vibrava, mas
n�o sabia.
Fui algo indefin�vel, talvez apenas uma c�lula, um �tomo
de vida, e me vi entre os vegetais. Uma planta, uma folha,
talvez de trepadeira. Ou, quem sabe, eu tenha vibrado � sombra
de um penhasco, de uma ribanceira, como uma grama,
uma plantinha que se arrastou durante a sua vida inteira,
sonhando, sem saber, em um dia se transformar numa linda
estrela tremeluzindo na amplid�o. Apenas talvez...
Fui fera entre os animais. Perdi-me entre as pradarias,
nos campos, nas montanhas, nas florestas. Senti a vida vibrar,
o sangue ferver, os olhos saltarem diante das experi�ncias
de ser, mesmo sem saber. Eu era a for�a indom�vel dos
animais. Eu me transformei em mil formas e mil vidas, mas
tamb�m voei. Sim! Isso mesmo, eu voei nas asas do beija-
flor, nas asas da gaivota e aprendi a cantar, a bailar, aprendi
a viver na forma de uma mulher.
Eu precisava de colo, de aconchego e de carinho; por isso
eu me deixei atrair para um recanto de amor e aos poucos
eu me vi aquecida num corpo bem quentinho, que tamb�m
oferecia algo que antes eu n�o conhecia. Eu fui aquecida na
presen�a do amor.
Mas tamb�m conheci a dor, o pranto, o sofrer. Vivi assim,
mil dramas, mil formas, mil vidas. Enfim, eu sou a soma
de mim mesma, sou uma luz pequenina. Se a algo posso me
comparar, sou simplesmente um sapo que sonha, em seu
Encontro com a vida 31
p�ntano particular, com o brilho das estrelas.
Eu revia a minha vida, conhecia cada detalhe de minhas
experi�ncias. A for�a irresist�vel que me trazia da escurid�o
de mim mesma � a mesma que me fazia rever, relembrar, contar
novamente e chorar de saudades. Vi a Galil�ia, ouvi os
salmos de Davi, cantei entre os b�rbaros, sonhei entre os p�rias.
Eu fui a semente de mim mesma. Semeei e fui semente.
Revia a minha vida, e o que vi me assustou. Vi in�meras
realidades, reavaliei imensas possibilidades de caminhos diferentes
e ousei sonhar tamb�m. Ah! Como sonhei.
Sonhei ser uma sacerdotisa do sol, num tempo recuado e
esquecido em que o mundo tinha uma outra face e as estrelas
n�o eram as mesmas de agora. Vivi entre os filhos de
Atl�ntida. E antes disso eu vivi; e depois de tudo eu vivi; e
mais ainda eu viverei.
Vi os ex�rcitos dos sel�ucidas, vi as armas do infame Sigismundo;
fui selvagem nas Am�ricas e agora sou eu, Joana,
que retorno para reviver, para relatar, para descrever a hist�ria
de minha vida arrolada nas p�ginas do tempo. Sou
uma luz entre as luzes, sou uma filha de Deus, peregrina da
eternidade. Sou eu, Joana Gomides.
Ah! Como eu morro, ali�s, como eu vivo e sobrevivo de
saudades; de saudades de mim mesma, de quem fui, de quem
serei. Talvez, saudades das estrelas...
Novas
observa��es
34
s li��es que aprendemos na vida s�o b�n��os
do Alto para o nosso crescimento
espiritual. Desde que comecei a pesquisar
a respeito da religiosidade do homem,
deste lado da vida, cresci muito. Sempre
deparo com situa��es ou pessoas que t�m muito a me
oferecer em conhecimento. Quando fiz meus apontamentos
a respeito da umbanda, aprendi li��es de humildade
e fraternidade que at� hoje repercutem em minha alma
de maneira intensa. A simplicidade e a sabedoria dos
trabalhadores da umbanda me comovem ainda hoje.
Agora, no entanto, fui convidado a observar outros campos
de atividades.
Numa reuni�o na Casa da Verdade, conheci o instrutor
Ernesto. Os estudos se realizavam em torno da espiritualidade
do povo brasileiro e suas express�es de religiosidade.
A Casa da Verdade era uma universidade, onde estud�vamos
todo o conhecimento religioso que at� ent�o o Alto
Encontro com a v�da
enviara � Terra. Estud�vamos desde as primeiras manifesta��es
do conhecimento, nos prim�rdios da humanidade,
at� as dos dias atuais, quando as luzes do Consolador iluminavam
as vidas humanas na revela��o eterna do espiritismo.
Ernesto convidou-me a fazer algumas anota��es a fim
de, mais tarde, poder ser �til a algu�m. Afinal, atrav�s das
observa��es anteriores, algumas pessoas foram esclarecidas.
N�o poderia perder tamanha oportunidade de trabalho
e aprendizado.
Assim, eu ouvia as observa��es do instrutor espiritual,
para aquela assembl�ia de esp�ritos:
� Meus amigos � falava Ernesto � muitos de nossos
irm�os na Terra, quando encarnados, n�o t�m a m�nima
no��o da vida espiritual. Ignoram completamente a realidade
do esp�rito e permanecem presos a velhas concep��es
terrenas. Limitam-se, muitas vezes, a li��es elementares de
religi�o nos moldes ortodoxos, fechando as portas da compreens�o
para outras express�es da verdade.
Assim, encontramos companheiros que estagiam nas
chamadas religi�es crist�s engalfinhando-se, tentando provar
que a sua vis�o da vida � a mais correta. Outros, que se
dizem apologistas da f� crist�, se arvoram em carrascos da
f� alheia, julgando que possuem um lugar especial no para�so,
em detrimento dos outros que n�o pensam como eles.
Nos meios considerados mais espiritualizados presencia
36
mos a lament�vel ignor�ncia a respeito da ess�ncia dos ensinamentos
dos mestres e mentores da espiritualidade.
Muitos dos que se dizem espiritualizados ainda teimam em
manter as acanhadas posturas que geraram o pensamento
religioso ortodoxo, criando seitas de seguidores fan�ticos
ou extremistas. Ainda impera a intoler�ncia em toda parte.
Somos convidados a contribuir para a nova etapa de
conhecimento a que est� destinada a humanidade, com a
implanta��o de uma mentalidade mais ecl�tica, universal
ou hol�stica. A religi�o do futuro � a do amor. E s� podemos
entender o amor atrav�s das express�es de fraternidade.
Com o conhecimento espiritual, � imposs�vel permanecermos
ligados ao atavismo milenar das religi�es humanas.
� preciso renovar a face do planeta com o conhecimento
integral. Necessitamos de esp�ritos para servir, cuja mentalidade
esteja acima dos limites estreitos e separatistas das
religi�es criadas pelo homem. A urg�ncia da hora que se
avizinha exige de cada um de n�s uma postura diferente
daquela a que nos acostumamos ao longo dos s�culos.
A pr�pria mensagem do Consolador nos traz uma
proposta diferente, embora alguns de seus representantes
ou seguidores encarnados ainda permane�am atados
a antigos dogmas, disfar�ados de roupagens novas. �
hora de renovar. E para renovar � necess�rio conhecer.
Para conhecer � preciso pesquisar, dedicar seu precioso
tempo aos labores do conhecimento, iluminados pela luz
Encontro com a vida 37
do sentimento e do bom senso.
A Terra corre o risco de se ver levada pelo fanatismo
religioso, base de muitos abusos e crimes perpetrados no
passado como no presente. Nossos estudos visam ao esclarecimento
das consci�ncias para o despertamento da necessidade
do autoconhecimento.
Ernesto falava-nos na assembl�ia, enquanto acima e em
volta da multid�o de esp�ritos eram mostradas imagens que
ilustravam sua exposi��o. �s vezes mant�nhamos os olhos
fechados, mas perceb�amos as irradia��es mentais do nosso
instrutor, que se faziam percept�veis atrav�s da ideoplastia.
Os fluidos refletiam perfeitamente os pensamentos do
iluminado mentor.
� As imagens que voc�s v�em n�o s�o meras cria��es de
nossa mente para ilustra��o do tema de hoje. S�o reflexos
de cada um de voc�s, do sentimento religioso que cada um
experimentou ao longo dos s�culos e dos anseios de espiritualiza��o
de cada um � falou Ernesto.
Sua palavra esclarecedora continuou por algum tempo
a nos iluminar interiormente, despertando em n�s um sentimento
como eu n�o experimentava h� muito tempo e, �
claro, a minha natural curiosidade a respeito do assunto.
Terminada a exposi��o do instrutor, procurei-o para alguns
esclarecimentos a respeito do tema e fui amorosamente
recebido. Ap�s algumas respostas �s minhas d�vidas,
38
aventurei-me a perguntar:
� N�o seria interessante alguma excurs�o � Crosta para
observa��es e aprendizado?
� Certamente, meu amigo, e asseguro-lhe que em breve
estarei, eu mesmo, participando de uma caravana em dire��o
� Terra. Quem sabe voc� n�o gostaria de participar? �
falou o instrutor. � Teremos a oportunidade de estudar
alguns casos que nos requerem imediato concurso, num dos
segmentos religiosos dos nossos irm�os encarnados.
� Com certeza ser� de imenso valor, para mim, a participa��o
em tarefa semelhante � falei.
� Fiquei sabendo de suas �ltimas observa��es junto aos
companheiros umbandistas. Fiquei feliz, �ngelo, pois seus
apontamentos se mostraram valiosos para muitos companheiros.
Espero que a sua participa��o em nossa caravana
seja tamb�m proveitosa. Acredito que ter� in�meras oportunidades
e poder�, no futuro, transmitir algo para nossos
irm�os na Crosta. Portanto � acrescentou � seja bem-
vindo � nossa turma.
Para um esp�rito acostumado a pesquisas e ao estudo,
essa era uma oportunidade imperd�vel. Minha curiosidade
era imensa, e meu esp�rito de jornalista despertava. Eram
mil e uma id�ias a serem estruturadas. N�o tinha mais tempo
a perder.
A caravana
Eu o procurava. Mas n�o o
encontrando a minha volta, mais e mais
eu errava, por ruas, caminhos e atalhos.
40
ossos preparativos terminaram. Exerc�cios
de mentaliza��o e alguns estudos em
rela��o � tarefa que ter�amos pela frente
eram, na verdade, o que precis�vamos.
Uma prepara��o �ntima. N�o poderia-
mos de forma alguma deixar que nossos posicionamentos
interferissem no trabalho. Eu, particularmente, era
apenas um estudante, e n�o seria permitido que minhas
observa��es, se fossem impr�prias, interferissem. Deveria
estar preparado intimamente.
Era intensa a movimenta��o de nosso lado. Muitos esp�ritos
queriam participar da caravana, mas outras atividades
que desempenhavam os impediam no momento. Entre
as cintila��es das estrelas, partimos para o plano dos encarnados,
vencendo, aos poucos, os limites vibrat�rios.
Muitos companheiros julgam que, pelo fato de sermos
esp�ritos, � f�cil ir e vir entre os dois planos da vida. Enganam-
se. Enfrentamos dificuldades que eles est�o longe de
Encontro com a vida 41
imaginar. As cria��es mentais dos encarnados e dos desencarnados
que ainda se encontram intimamente apegados �s
quest�es grosseiras interferem de tal maneira em nossas
atividades que muitas vezes temos que realizar esfor�os imensos
para anular os resultados de seus pensamentos, antes
de realizarmos alguma a��o espiritual. Muitos esperam que
seus mortos venham ao seu encontro imediatamente ap�s
o desenlace f�sico, ignorando as dificuldades enfrentadas por
eles. N�o se preparam mentalmente, e, �s vezes, suas cria��es
mentais, seus sentimentos e emo��es descontroladas
causam barreiras dif�ceis de serem vencidas, pois, em nosso
plano de vida, a mente � a base de toda cria��o, e o sentimento
d� vida e movimento �s formas flu�dicas que porventura
venham a ser criadas.
A mente invigilante imprime nos fluidos uma esp�cie de
aura pesada, com intensifica��o de determinada carga t�xica,
causando dificuldades para os desencarnados em suas
atividades. Nesses casos, faz-se necess�ria a limpeza flu�dica
do ambiente extraf�sico, o que nem sempre � f�cil para n�s.
A imensa maioria da humanidade, desapercebida das
quest�es espirituais e n�o se importando com o controle
das fontes do pensamento, plasma constantemente formas
mentais negativas. A atmosfera ps�quica da Terra � ainda
muito pesada e pode dificultar muitas de nossas atividades.
Como lidamos com os fluidos, a mat�ria mental e a energia,
voc�s podem imaginar como �s vezes � dif�cil vencermos as
barreiras vibrat�rias que separam os dois planos da vida. �
42
preciso, de acordo com a tarefa a ser desempenhada, realizar
uma esp�cie de varredura, com a proje��o de fluidos em
alta intensidade. Para vencermos o peso vibrat�rio da mat�ria
mental criada em torno do ambiente terreno, � necess�rio
�s vezes recorrermos a outras equipes de esp�ritos.
Nem sempre se consegue vencer totalmente as dificuldades.
Nossa caravana foi aos poucos se aproximando da Crosta,
acima da capital paulistana. Baixamos nossa vibra��o perispiritual,
vencendo momentaneamente a barreira dimensional
e tornando nossa apar�ncia mais opaca, a fim de podermos
trabalhar nos fluidos pesados da atmosfera terrena.
Sob o influxo do pensamento de Ernesto, volitamos em
dire��o ao centro da capital. A impress�o que t�nhamos � a
de estar caindo, embora mais lentamente, rumo ao solo do
planeta. Pair�vamos como uma pluma, mas sentindo a for�a
da gravidade influenciar, at� certo ponto, em nossa volita��o.
Os fluidos da atmosfera pareciam carregados de uma
fuligem, de tal maneira que pareciam pesar em nossos corpos
espirituais. Quando percebi o que acontecia, o instrutor
Ernesto convidou-me:
� Observe mais detidamente, �ngelo; veja o espa�o abaixo
de n�s.
Agucei as minhas percep��es espirituais e, quando fixei
mais detidamente o olhar, vi algo que dificilmente conseguirei
descrever com perfei��o de detalhes, devido mesmo ao
Encontro com a vida 43
vocabul�rio pobre de que disponho.
Abaixo de n�s, sobre a cidade, al�m das luzes que avist�vamos,
parecia que uma teia, semelhante �s de aranha, se
espalhava por regi�es imensas, nos bairros e em determinados
pontos no centro da capital. Era como uma malha fin�ssima
de uma negritude aterradora, que se entrela�ava sobre
diversos lugares onde se aglomeravam os homens.
� Observe mais � falou o amigo espiritual.
Notei que, em alguns lugares, essa coisa semelhante a
malha estava mais intensamente envolvendo certos pr�dios,
ou at� mesmo bairros inteiros da metr�pole. Em outros
lugares, parecia desprender cargas el�tricas em variada intensidade.
Outras vezes desprendia algo parecendo algum
g�s, que era absorvido por desencarnados e mesmo pelos
encarnados.
Rel�mpagos ou cintila��es de energia se faziam perceber,
transmitindo-se atrav�s dos fios tenu�ssimos da rede flu�dica.
Em alguns lugares, parecia que a malha se entrela�ava
em constru��es tamb�m flu�dicas, naturalmente impercept�veis
para os encarnados. Essas constru��es flu�dicas se
justapunham �s constru��es do plano f�sico.
Boquiaberto, ouvi a explica��o do nosso mentor:
� Essa rede de fluidos ou de energia � o resultado da
cria��o mental de entidades trevosas, que a alimentam com
as cria��es infelizes de encarnados e desencarnados em desequil�brio.
Forma-se uma esp�cie de c�pula energ�tica so
44
bre as constru��es dos nossos irm�os encarnados, a qual
envolve, como v�, bairros inteiros. Conhecemos casos em
que toda a cidade se encontra envolvida com tais cria��es.
Homens invigilantes muitas vezes contribuem com as
mentes desequilibradas de entidades das trevas, que se utilizam
dos fluidos densos criados pelos encarnados. A malha
flu�dica, invis�vel aos olhos f�sicos, funciona como uma
esp�cie de campo ps�quico. Sugando as reservas de energias
das pessoas, essa rede faz com que sejam envolvidas nas
pr�prias cria��es mentais, como se vivessem numa estufa,
em que os clich�s criados pelos pensamentos desequilibrados
ganham vida pr�pria. Sua localiza��o corresponde �s
regi�es onde os esp�ritos comprometidos com o mal se re�nem
com mais freq��ncia; onde o v�cio e a viol�ncia dominam;
onde seus habitantes se sintonizam mais intensamente
com prop�sitos menos elevados.
� Mas os desencarnados mais esclarecidos n�o podem
retirar a tal rede de energia mental, livrando os homens de
sua influ�ncia destrutiva? � aventurei-me a perguntar.
� Como podemos interferir no livre-arb�trio dos homens?
� respondeu Ernesto. � Depende da postura mental
de cada um a esp�cie de ajuda que obter�o. Com certeza
detemos possibilidades de retirar essa energia pesada, mas
de nada adiantar�, pois ela ser� novamente criada e mantida
pelas mentes invigilantes e infelizes. Quase todas as metr�poles
da Terra s�o envolvidas em malhas como esta, pois
muitas falanges de esp�ritos do mal, obsessores, cientistas
Encontro com a vida 45
ou magos das trevas se utilizam de recursos semelhantes.
Aproveitam o alimento mental dos homens para nutrirem
suas cria��es diab�licas, tentando impedir o progresso ou
mesmo executando seus planos de vingan�a. Somente uma
a��o mais dr�stica ou intensa das for�as soberanas da vida
poder� libertar o homem da carga t�xica e negativa que o
envolve. Naturalmente que esses recursos s�o atra�dos pelo
pr�prio homem, pois os habitantes da Terra se recusam, em
sua maioria, a ouvir os apelos santificantes do Alto. Fazem
jus a processos mais intensos de aprendizado. At� que despertem
de sua letargia espiritual, continuar�o v�timas de
suas pr�prias cria��es mentais inferiores.
Silenciei qualquer coment�rio a respeito, uma vez que
precisava meditar mais sobre o assunto.
Dirigimo-nos para determinado bairro da capital, em dire��o
a uma igreja protestante. Nosso objetivo era auxiliar
uma companheira a que Ernesto havia se afei�oado em sua
�ltima exist�ncia f�sica. Agora, reencarnada, rogava por socorro.
Participava de uma igreja evang�lica e, em suas ora��es
sinceras, buscava o auxilio de Deus para suas dificuldades.
O companheiro espiritual que a orientava encaminhou
suas rogativas at� nossa col�nia, pedindo resposta imediata.
O instrutor Ernesto procurou imediatamente servir e organizou
uma caravana de aux�lio. � claro que a oportunidade
que se apresentava oferecia campo para observa��es e estudos.
Eis a raz�o de minha participa��o nesta tarefa.
46
Em nossa jornada avistamos esp�ritos que ainda se encontravam
apegados �s vibra��es f�sicas. Permaneciam
como quando encarnados. Acreditavam que ainda pertenciam
ao mundo dos chamados vivos. Eram bandos de entidades
que irradiavam, em suas auras, cores escuras; na apar�ncia,
em tudo se assemelhavam aos nossos irm�os encarnados.
Entravam nos ve�culos e promoviam uma verdadeira
confus�o no tr�nsito. Motoristas ficavam nervosos por
qualquer coisa; irritavam-se � menor contrariedade. Eram
incitados por tais esp�ritos, que se apegavam a eles, muitas
vezes influenciando-os mentalmente, sem saberem ao certo
da sua pr�pria condi��o de desencarnados. Outras vezes,
encontramos um bando de entidades que n�o se preocupavam
com sua situa��o de ociosidade. Iam e vinham, de um
lado para outro, aproximando-se de alguns homens, sugando-
lhes as energias ou absorvendo-lhes a fuma�a dos cigarros,
como tamb�m os fluidos das bebidas. Eram esp�ritos
que se aproveitavam das circunst�ncias para saciarem seus
v�cios; talvez at� conscientes, permaneciam apegados aos
habitantes da esfera f�sica.
Quem observasse como n�s veria duas popula��es: uma
de homens e outra de esp�ritos. Conviviam no mesmo espa�o,
embora em dimens�es diferentes. Era realmente estranho
observar como os encarnados n�o percebiam que eram
literalmente atravessados ou que atravessavam os desencarnados.
Duas faces de uma mesma vida.
Curioso, eu observava o fen�meno, quando nosso ins
Encontro com a v�da
47
trutor me chamou a aten��o, pois est�vamos nos aproximando
do templo para o qual nos dirig�amos.
� Preste aten��o, �ngelo; voc� n�o pode perder esta oportunidade
de observa��o. Veja o que se passa em sua volta e
anote suas impress�es.
Est�vamos nos aproximando da igreja evang�lica. Vi que
uma quantidade imensa de esp�ritos ia e vinha em dire��o
ao templo. Fixei bem a vis�o e pude notar que, da constru��o
f�sica, partiam fios prateados em dire��o � atmosfera.
Em determinado momento esses fios se cruzavam, formando
um maravilhoso espet�culo de luzes e cores, e irradia��es
cristalinas desprendiam-se da c�pula do templo, caindo
sobre os esp�ritos que se dirigiam para aquele local de
culto.
� Essas irradia��es � falou Ernesto � s�o o reflexo
das ora��es dos fi�is, que sobem at� certo ponto. Quando se
entrela�am com as cintila��es coloridas, � o momento em
que os mentores ou respons�veis por nossos irm�os que
freq�entam o culto irradiam seus pensamentos elevados,
aumentando a sintonia e elevando o padr�o vibrat�rio das
preces. � um espet�culo de rara beleza.
� Mas como os esp�ritos atuam nesses agrupamentos
evang�licos, se estes consideram o espiritismo obra do dem�nio?
Naturalmente, para eles, os esp�ritos s�o o pr�prio
diabo. Como trabalhar no meio deles, sem despertar sentimentos
contr�rios?
48
� Cada um tem o direito de pensar o que quiser � falou
o instrutor. � Mas conv�m observar que espiritismo � uma
coisa e os esp�ritos s�o outra. O primeiro � uma doutrina,
n�s somos individualidades. Caso os companheiros protestantes
nos tenham na conta de dem�nios, isso � apenas
por desconhecerem a nossa realidade. N�o o fazem por mal.
T�m as suas convic��es religiosas, que merecem respeito de
nossa parte; mas isso n�o nos impede de trabalhar pela causa
do Mestre, embora em ambiente diverso. Mas isso tudo �
apenas uma express�o da realidade com a qual convivem os
evang�licos. Entre eles, existem muitos m�diuns; por�m, os
nomes s�o outros. Denominam-se profetas e, ao fen�meno
medi�nico, chamam de dons do esp�rito, pois, dizem, est�o
batizados com o Esp�rito Santo. Quando se encontram mais
sens�veis e podem vislumbrar o plano extraf�sico, dizem que
t�m vis�es. Observam a a��o de algum desencarnado em
vibra��o elevada e acreditam ver anjos, que na verdade s�o
mensageiros da vida. Quando presenciam a a��o nefasta de
algum companheiro menos esclarecido do nosso plano, imediatamente
identificam nele o dem�nio. � apenas uma quest�o
de nome, de vocabul�rio. Para n�s, o que importa � a
tarefa a desempenhar em nome do eterno bem. Como nos
chamam ou o que pensam a nosso respeito n�o nos interessa,
devido ao trabalho que temos de realizar. S�o irm�os
nossos que, apesar de n�o pensarem como n�s, est�o a caminho
do Alto, em fase de aprendizado que merece respeito
de nossa parte.
A morte
e o morrer
Vivi, errei e amei. Morri e renasci.
50
uem est� gritando?
� � a Joana, Dr. Roberto. A mo�a
que veio do interior e parece ter entrado
em estado terminal.
Os gritos aumentaram, parecendo
associado! a outros gritos que vinham l� de fora.
A enfermeira olhou para o m�dico e acrescentou:
� Desta vez � a m�e da Joana. N�o se conforma que a
filha esteja no fim. Afinal, ela tem apenas 28 anos de idade.
Tinha uma vida toda pela frente.
� N�o me parece que tivesse um futuro promissor �
respondeu o m�dico.
� Neste estado em que se encontra n�o podemos imaginar
muita coisa boa, mas ela nem sempre foi assim, n�o
concorda? Posso falar com a m�e dela?
� Bem, voc� se sinta � vontade. De minha parte, eu apenas
cuido da paciente.
Encontro com a v�da 51
A mulher estava aflita, tresloucada. A vida da filha parecia
fugir a todo vapor, e ela n�o sabia o que fazer.
Arlinda, a enfermeira, dirigiu-se � porta � sua frente e
saiu numa ante-sala, onde a pobre mulher estava ao lado da
filha semimorta.
Sobre uma maca estava o que restava do corpo da mo�a,
coberto com um len�ol azul-claro.
A m�e, desesperada, postara-se ao lado do corpo raqu�tico,
alisando os cabelos da filha, que, ao que parecia, estava
nos �ltimos momentos de sua vida.
Mesmo com o socorro de Arlinda, a pobre mulher continuava
chorando, quando o Dr. Roberto apareceu no umbral
da porta.
� N�o adianta chorar, minha senhora. Daqui a pouco a
senhora estar� passando mal, e, a�, ser�o duas pessoas a
reclamarem cuidados.
� Por favor, doutor! � falou a m�e desesperada. � � a
minha �nica filha, ajude-a! N�o tenho ningu�m mais por
mim neste mundo! Ajude-a, por favor!
� O caso dela � dif�cil, minha senhora. Veja o seu estado.
Est� com dificuldades de respirar. Na verdade, ela s� respira
devido ao aparelho. � quest�o de horas, o seu fim. � melhor
a senhora se acalmar.
O estado da mo�a era ca�tico. Parecia estar no est�gio
final. A pobre m�e orava desesperadamente, pedindo for�as
ao Alto. Conforme sua cren�a, rogava pelo poder do "san
5 2 5 2
gue de Jesus".
� Espere � falou o m�dico. � Ela parece estar lutando
para sair deste estado. Vou chamar outros m�dicos para
ajudar.
Dr. Roberto parecia animado, de repente, por uma for�a
estranha, desconhecida. A m�e parou imediatamente sua ora��o
improvisada e, ajoelhando-se a um canto do apartamento,
p�s-se a orar com mais calma, pedindo ajuda aos c�us.
Parecia que estranha for�a se derramava sobre o ambiente.
Caso pudessem ver, perceberiam entidades luminosas que
acorriam em favor da mo�a. M�os invis�veis traziam o b�lsamo
celeste, em resposta �s rogativas da m�e aflita.
M�dicos e enfermeiros corriam de um lado para outro,
tentando, a todo custo, dar socorro � paciente. Algo acontecera
com a mo�a, que animava as expectativas dos m�dicos.
� Fique tranq�ila, minha senhora � falou um dos m�dicos.
� Nos esfor�aremos para devolver-lhe sua filha. Se
acredita em Deus, pe�a-lhe para usar nossas m�os. Tentaremos
o que for poss�vel.
A cena que se passava no ambiente era um verdadeiro
espet�culo de fraternidade e coopera��o espiritual. As m�os
invis�veis dos mensageiros celestes se justapunham �s m�os
dos m�dicos terrenos. Outros esp�ritos utilizavam-se de recursos
flu�dicos, inspirando enfermeiros e m�dicos a indicarem
medicamentos eficazes para o socorro imediato de
Encontro com a vida 53
Joana. A m�e, mais esperan�osa, orava sem cessar. Os anjos,
como acreditava, trariam o socorro celestial e salvariam
sua filhinha das garras da morte e do inferno.
Quando foi socorrida no hospital e sua vida fora salva,
j� se haviam passado 12 horas desde o momento em que ela
havia injetado uma dose mais intensa de droga. Joana havia
chegado ao fundo do po�o e n�o podia culpar ningu�m por
isso, a n�o ser a si mesma. N�o poderia lan�ar a culpa em
outra pessoa. Mesmo que houvesse dividido suas experi�ncias
com a turma da pesada, n�o poderia dizer que a culpa
n�o fosse dela.
Ant�nio, que considerava seu companheiro, lhe iniciara
nas drogas, quando era mais jovem. Certa vez ele at� tentara
recuperar Joana, mas, n�o encontrando for�as, sucumbiu
ele pr�prio. Outra companheira de drogas, Ver�nica,
estava ao lado de Joana quando ela tomou a droga. Mas
parece que fugira, escondendo-se em algum lugar distante.
Era dif�cil para ela, e para qualquer um, ser encontrada perto
de uma pessoa que morrera de overdose. Como explicar
para a pol�cia? Naturalmente, Ver�nica achou que Joana
havia morrido e ent�o abandonara o seu corpo naquele lugar
nojento e imundo.
Joana teve algumas sensa��es enquanto esteve no hospital.
Sonhos, vis�es e vozes pareciam atormentar-lhe o tempo
todo. Parecia que ela mergulhara num pesadelo de algum
louco e se debatia em meio a sombras grotescas. S�
54
n�o sabia que a louca era ela pr�pria. Parecia estar presa em
um mundo totalmente diferente. Tentara v�rias vezes abrir
os olhos; n�o conseguia. Mas ela via; via os m�dicos, enfermeiros,
sua m�e.
Ah! A pobre m�e! Como sofria por Joana. Mas o seu
racioc�nio perdia-se em meio �s imagens e aos sons estranhos,
v�tima que era de sua pr�pria insanidade.
Em determinado momento o pesadelo passava, e, em lugar
dele, mergulhava num sonho diferente. Via lugares, cenas
e paisagens que passavam diante dela. Ou ser� que estavam
dentro dela? O certo � que Joana percebia que algo
diferente acontecia. Via uma luz, a princ�pio pequena e fraca;
depois mais intensa. Resolveu, em seu sonho, seguir aquela
luz, e isso parecia ser a sua �nica esperan�a, sua �ncora de
salva��o. Esfor�ou-se por seguir o estranho foco de luminosidade.
Novas for�as pareciam animar seu ser. Firmou
aos poucos sua vontade e seguiu a luz. Encontrou sua m�e.
Abriu os olhos e a viu. Estava ajoelhada num canto, parecia
rezar. Joana tentou erguer-se do leito, mas estava muito
fraca, n�o conseguia. Via apenas, com muito esfor�o, a
figura de sua m�e; parecia chorar baixinho e orar, ao mesmo
tempo. A luz que vira irradiava-se dela.
Fechou os olhos novamente, naquele momento, pois lhe
faltavam for�as para mant�-los abertos. Quando os abriu
novamente, viu as luzes no teto; virando-se aos poucos, percebeu
em que ambiente se encontrava.
Encontro com a vida 55
Ao lado da cama, ou da maca, um pedestal mantinha
uma esp�cie de tubo que se ligava ao seu bra�o direito. Na
ponta do tubo Joana viu o recipiente cristalino, com um
l�quido dentro. Ela estava num hospital e estava sendo medicada.
Era o soro que agora entrava pelas suas veias, tentando
a recupera��o de suas for�as.
Sabia que algo grave havia acontecido com ela. Estava
internada.
� Que coisa rid�cula! � falou com voz rouca e fraca.
Esfor�ou-se para recordar os �ltimos acontecimentos de
sua vida. Estava dif�cil. Parecia que a droga tinha um efeito
prolongado sobre a sua mente. Era dif�cil at� raciocinar.
Joana sentiu falta da droga. Parecia que algo a corro�a
por dentro lentamente. Desejava drogar-se.
Pensou que com a �ltima experi�ncia morreria. Na verdade,
desejara morrer. Mas estava viva. N�o sabia como,
mas estava viva. Tentou se libertar do leito, mas n�o conseguiu.
N�o tinha muita for�a para tentar. Desejava ardentemente
uma dose de droga. Todo o seu corpo necessitava
dela. Mas n�o era a hora, e nem o lugar.
Ali tinha agulhas, mas de nada serviriam. Eram apenas
para canalizar o soro at� suas veias.
Joana mais uma vez tentou se mexer, mas o que conseguiu
foi apenas tirar a agulha, causando um pouco de estrago
em seu bra�o. O sangue gotejava da veia, molhando o
len�ol. Joana balbuciou um palavr�o.
56
Naquele momento sua velha m�e se levantou e olhou
para ela extasiada.
� Voc� est� bem, minha filha? Voc� est� bem? Ah! �
voc� mesma, minha querida. Minhas ora��es foram ouvidas.
Obrigada, meu Deus, muito obrigada.
Sua m�e a tocava, orando e agradecendo aos m�dicos,
aos anjos e a Deus, pelo retorno de Joana � vida.
Joana n�o tinha certeza se era realmente a vida, mas retornara
para prosseguir suas novas experi�ncias. O tempo
passou na lentid�o das horas dif�ceis, e transcorria tudo
conforme as escolhas de cada um. O tempo dilu�a-se nas
horas.
Alguns meses depois, j� com a sa�de relativamente recuperada,
Joana dirigiu-se a um barzinho. Parece que o ambiente
pesado daquele lugar a atra�a. O v�cio chamava-a para
os seus bra�os. E, junto com o v�cio, a prostitui��o. Sim, a
sintonia com aquele local a fazia chegar lentamente � mesma
vida de antes. Somente uma for�a maior poderia tir�-la
daquele pesadelo.
� Tem que ser algo muito forte, que supere a experi�ncia
dolorosa pela qual eu passei � pensava Joana. � Parece
que desci ao mais profundo do abismo. A morte me rejeitou,
e eu retornei para novo aprendizado. Tornei-me t�o
abjeta, t�o mesquinha comigo mesma que n�o consegui nem
morrer.
Encontro com a vida 57
Deus? N�o passava pela mente de Joana nem a leve possibilidade
de sua presen�a ou exist�ncia. Deus n�o existia
para Joana.
Ela queria mesmo era retornar para as ruas, para a vida,
para os "amigos" de antes. Desejava, ansiava, enlouquecia
de vontade. Ela n�o mudara nem um pouco.
Na CASA
de Ora��o
Fui tamb�m � igreja, mas, com uma
pedra no lugar do cora��o, n�o
me sensibilizei com as ora��es,
os c�nticos, as prega��es.
60
templo estava repleto de gente naquela
noite. Era uma casa simples,
mas a constru��o espiritual que se
justapunha � do plano f�sico era realmente
soberba, pela paz que irra
diava. Para quem olhasse, dir-se-ia que uma moderna
constru��o se erguia em nosso plano sobre a casa singela
que era a Casa de Ora��o.
Os fi�is se dirigiam todos ao seu lugar e, depois de breve
cumprimento aos irm�os de f�, ajoelhavam-se para orar.
Um sil�ncio comovedor dominava a nave da igreja. Um certo
brilho parecia refletir de m�veis e objetos, formando uma
aura magn�tica, irisando o ambiente de luzes com nuances
indescrit�veis.
Olhei para o nosso instrutor, e ele me socorreu:
� N�o, �ngelo! Voc� n�o est� numa casa esp�rita. Veja
como o clima de ora��o produz um ambiente calmo e de
energias balsamizantes. Este templo religioso � um dos de
Encontro com a vida 61
partamentos da grande escola de liberta��o das almas.
Como em todas as religi�es, estes irm�os que aqui se
re�nem trazem a sua contribui��o para o aperfei�oamento
da obras do Bem, na implanta��o do reino do amor na face
da Terra.
Apontando em dire��o ao p�lpito, local onde o pastor
realizaria sua prega��o, Ernesto indicou certa senhora, de
apar�ncia simples, que naquele momento se ajoelhava para
orar. Aproximamo-nos dela, e Ernesto deixou-se trair por
uma discreta l�grima que descia de seus olhos.
� Esta � Altina Gomides, companheira muito dileta do
meu cora��o. Estivemos juntos em v�rias encarna��es, mas
foi em nossa pen�ltima exist�ncia que estreitamos ainda
mais os la�os de afeto que unem nossas almas.
Altina foi minha m�e na exist�ncia a que me refiro. Na
�poca, t�nhamos sob nossa tutela um esp�rito, disfar�ado
sob o manto familiar como irm� nossa, bem-amada.
N�s a adotamos junto ao cora��o, mas ela conservava-
se arredia, n�o se integrando aos costumes familiares. Preferia
permanecer nas ruas, � cata de emo��es mais fortes e
experi�ncias menos dignas. Veio a desencarnar a pobrezinha,
colocando-se em situa��o dif�cil. Altina, que na �poca
chamava-se Henriqueta, desencarnou mais tarde, v�tima de
doen�a desconhecida. Eu segui anos depois, e nos reencontramos
deste lado de c� da vida.
Henriqueta assumiu novo corpo f�sico e, no tempo devi
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do, recebeu nossa querida Efig�nia, a alma que adot�ramos
como irm�, naquela exist�ncia. Agora, como Joana, escolheu
caminhos dif�ceis, e Henriqueta, reencarnada como
Altina, faz todos os esfor�os para sua recupera��o. De minha
parte, tento quanto posso auxiliar essas almas queridas,
com os recursos espirituais de que disponho.
Ernesto passou as m�os nos cabelos de Altina, e esta pareceu
arrebatada a estranho �xtase, colocando-se em prece:
� Pai amado, em nome de seu filho Jesus, da sua vida e
do seu sangue derramado, venho lhe agradecer, Senhor, por
ter libertado a minha Joana das garras da morte. Mas se
posso lhe pedir algo, meu Pai, � que o Senhor tenha miseric�rdia
de minha filha, pois, como sabe, eu s� tenho ela por
mim. Salve minha Joana, meu Deus, salve-a das m�os do
dem�nio que se utiliza das drogas e do sexo para prend�-la
em suas garras. Socorro, meu Deus!
Luz safirina envolvia Altina naquele momento sublime,
enquanto ela recebia as vibra��es de Ernesto. Era comovedora
a a��o da prece sentida. Ela parecia refazer suas energias;
sentia-se mais confortada.
Levantou-se da posi��o em que se encontrava e, assentando-
se, tomou a B�blia nas m�os, enquanto Ernesto, atrav�s
de intenso magnetismo, a conduziu na leitura do salmo
23, de Davi:
[O] Senhor � o meu pastor; nada me faltar�.
Deitar-me faz em verdes pastos, guia-me mansamente a �guas
Encontro com a vida 63
tranq�ilas,
refrigera a minha alma. Guia-me pelas veredas da justi�a, por
amor do seu nome.
Ainda que eu andasse pelo vale da sombra da morte, n�o temeria
mal algum, porque tu est�s comigo; a tua vara e o teu cajado
me consolam.
Preparas uma mesa perante mim na presen�a dos meus inimigos.
Unges a minha cabe�a com �leo; o meu c�lice transborda.
Certamente que a bondade e o amor me seguir�o todos os dias
da minha vida, e habitarei na casa do Senhor para sempre.
Com a leitura que fizera, auxiliada por Ernesto, Altina
alcan�ou maiores express�es de tranq�ilidade. Colocara-se
na posi��o de receber os recursos que a espiritualidade enviaria
naquela noite.
Olhei para a B�blia que Altina conservava nas m�os e vi
que o livro sagrado parecia diluir-se em meio a estranha
n�voa de luz. Parecia haver descido do c�u e se materializado
nas m�os da nobre senhora.
Mais uma vez Ernesto me esclareceu:
� A B�blia, para nossos irm�os evang�licos ou protestantes,
representa a �nica regra de f� e pr�tica. Para eles, a B�blia
� o livro sagrado, a pr�pria palavra de Deus, considerada
infal�vel. Deixando de lado as interpreta��es de nossos irAs
cita��es b�blicas foram extra�das da B�BLIA de refer�ncia Thompson.
Tradu��o de Jo�o Ferreira de Almeida � Edi��o contempor�nea.
S�o Paulo: Vida, 1998, 8a impress�o.
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m�os, eles impregnam sua B�blia com tanto amor e carinho
que criam essa luz que voc� v� envolvendo o livro. Ela � o
resultado das cria��es mentais superiores que nossos irm�os
realizam constantemente, ao estudarem os textos sagrados.
� Mas a B�blia tem esse significado para os esp�ritos
tamb�m? � ousei perguntar.
� Cada um tem suas pr�prias id�ias e merece nosso
carinho e respeito. No entanto, considerando a pergunta
em rela��o ao crescimento do ser espiritual e � evolu��o do
pensamento, a B�blia � vista pelos esp�ritos superiores apenas
como um livro de car�ter medi�nico, hist�rico e de grande
import�ncia para a educa��o de milhares de seres humanos.
Mas n�o podemos dizer que seja a palavra de Deus.
� Ent�o, de onde v�m essa express�o "palavra de Deus"
e a cren�a na infalibilidade da B�blia?
� Quando os irm�os chamados protestantes tiveram
que lutar, no passado, contra os abusos da Igreja, sentiram
necessidade de se apoiar em algo que lhes desse for�a moral
para realizarem a tarefa da Reforma. A Igreja romana, para
estabelecer sua doutrina, se baseava na revela��o e na tradi��o
dos pais da igreja. Os protestantes passaram, ent�o, a
considerar unicamente a B�blia como regra de f� e de sua
conduta, em oposi��o � Igreja. Como a consideravam a palavra
divina, da� nasceu a cren�a em sua infalibilidade.
Fiquei pensando um pouco a respeito do que Ernesto
Encontro com a vida 65
me falou, enquanto a Casa de Ora��o foi enchendo cada vez
mais. Tr�s homens de terno se colocaram � frente da igreja.
Um deles, de nome Augusto, convidou os fi�is a cantar hinos
de louvor e gratid�o a Deus.
� Observe agora, �ngelo! � falou Ernesto.
Coloquei todos os meus sentidos em alerta. Um velho
piano come�ou a tocar, dedilhado por um companheiro encarnado,
enquanto o povo acompanhava com um c�ntico
arrebatador.
Notei que, � medida que cantavam, muita gente era socorrida
por mensageiros do nosso plano. A m�sica fazia
vibrar os fluidos ambientes, e as energias mais densas que
porventura estivessem impregnadas nos companheiros encarnados
eram dispersas na atmosfera. A m�sica boa e elevada
funcionava como uma esp�cie de passe magn�tico, dispersando
os fluidos densos.
Uma outra coisa acontecia. Enquanto os crentes cantavam
louvores, esp�ritos luminosos aproveitavam a eleva��o
dos sentimentos e pensamentos e desligavam as entidades
infelizes do campo �urico de v�rias pessoas que ofereciam
condi��es para o socorro espiritual. Ao que me parecia,
aquela era a oportunidade de realizar uma esp�cie de limpeza
magn�tica de grande intensidade. Dependendo da m�sica
que cantavam, do hino que elevavam em agradecimento
a Deus, as vibra��es da melodia desfaziam a rede de fluidos
nocivos que ligavam as entidades perturbadas a algumas de
66
suas v�timas. Era uma varredura espiritual.
� Os nossos irm�os n�o est�o desamparados dos recursos
espirituais � falou Ernesto. � Todos eles recebem o
aux�lio de acordo com o merecimento e a necessidade. Como
v�, meu amigo, aqui tamb�m operam as for�as do bem, e
n�o s� nos centros esp�ritas.
A m�sica parou. Vinha agora o per�odo de ora��es, quando
um dos presentes levantou-se e orou com o fervor caracter�stico
de nossos irm�os evang�licos:
� Gl�ria ao nome soberano do Senhor! Oh! Gl�rias! A tua
bondade, Pai, nos permitiu aqui nos reunirmos em nome do
teu filho Jesus, a fim de adorar-te e reverenciar o teu nome...
A ora��o continuava, enquanto eu observava os presentes.
Descia do Alto uma chuva prateada de p�talas, parecendo
estruturada em pura luz. Entidades luminosas penetravam
no ambiente trazendo fluidos bals�micos e refazendo
as energias. Eu presenciava uma reuni�o esp�rita, do lado
de c� da vida, embora num templo evang�lico.
Comovia-me diante da demonstra��o de espiritualidade.
Nunca imaginaria que os esp�ritos atuassem t�o diretamente
dentro das igrejas. Era uma grata surpresa poder
presenciar o que se passava � volta.
Ernesto se dirigiu ao p�lpito quando o pastor Eduardo
come�aria sua prega��o. O nosso instrutor parou alguns
segundos junto ao mission�rio evang�lico e, colocando as
Encontro com a vida 67
m�os sobre sua cabe�a, inspirou-lhe na prega��o.
A cabe�a do pastor parecia iluminar-se. A gl�ndula pineal
emitia luzes de tonalidades variadas e mais parecia uma
chama que iluminava todo o cosmo org�nico. O c�rtex cerebral
parecia uma rede t�nue de fios luminosos. Do bulbo
raquidiano, partia um fio dourado, ligando-o ao instrutor
espiritual.
Para os nossos irm�os evang�licos o pastor recebia os
dons do Esp�rito Santo. Para os nossos irm�os esp�ritas ele
estava incorporado, utilizando-nos da express�o mais comum.
O mission�rio falava ligado diretamente � mente de
Ernesto.
Fiquei admirado. Presenciava o interc�mbio medi�nico
dentro de uma igreja evang�lica. Um pastor que falava mediunizado.
Ele era um m�dium de Jesus que recebia as intui��es
do plano maior da vida. Naturalmente, a sua prega��o,
embora intu�da, n�o contrariava os ensinamentos de sua religi�o.
Doutrinariamente, pareciam suas id�ias as mesmas de
antes, mas, no conte�do moral do que falava, percebia-se a
intensidade do pensamento do esp�rito que o auxiliava.
A mediunidade n�o encontra barreiras. Qualquer que
seja a religi�o, a mediunidade est� a�, presente nas vidas dos
homens, objetivando elevar e fazer progredir, embora muitos
a utilizem com fins diferentes daqueles para os quais foi
programada. Mediunidade funciona como uma esp�cie de
parceria entre os encarnados e desencarnados. O esp�rito
68
comunicante transmite a id�ia, o pensamento, e o m�dium,
na medida de sua capacidade, reveste a id�ia de seus pr�prios
recursos, de seu vocabul�rio. O c�rebro perispiritual ou
espiritual � repleto de conhecimentos arquivados durante
as vidas pret�ritas. No interc�mbio, o esp�rito toma das express�es
pr�prias do m�dium, de seus conhecimentos arquivados
na mem�ria espiritual e reveste o seu pensamento
com tais recursos, estabelecendo a comunica��o.
Para que o fen�meno aconte�a, n�o importa qual seja a
religi�o do medianeiro. A atua��o espiritual se faz presente.
Muitas e muitas vezes os esp�ritos se utilizam dos homens
sem que eles ao menos o suspeitem. Escritores, m�dicos, pastores,
padres e oradores s�o invariavelmente m�diuns, inconscientes
da atividade que os esp�ritos exercem sobre eles.
Muitos conceitos morais e orienta��es de ordem superior
v�m atrav�s de oradores, das prega��es de pastores e
padres, sem que eles saibam que est�o trabalhando como
m�diuns. Da mesma forma, muitos esp�ritos irrespons�veis,
sem nenhum compromisso com a verdade, se utilizam
dos seres humanos, em qualquer lugar em que se encontrem,
como m�diuns seus. Desse interc�mbio infeliz nascem
as intui��es negativas, as id�ias err�neas, os conluios tenebrosos
que d�o lugar �s obsess�es de toda esp�cie. Tudo �
quest�o de sintonia.
O audit�rio estava cheio. Havia ali algumas dezenas de
Encontro com a vida 69
pessoas. Foi quando senti que era dif�cil n�o me comover
pelo entusiasmo daqueles companheiros. O coral do templo
cantou bel�ssimos hinos, e os testemunhos que as pessoas
deram falavam de uma �nica coisa: do seu encontro
com Deus atrav�s de Jesus.
O pastor Eduardo falava de Deus, de Jesus e do compromisso
espiritual dos seguidores do Mestre. Coloquei aten��o
no que o pastor falava, intu�do por Ernesto, o companheiro
espiritual. Eram conceitos muito elevados. Nunca imaginei
que pudesse ouvir de um pastor tanta coisa bonita e de elevado
padr�o vibracional. Ernesto o envolvia completamente.
As emo��es afloravam em todos n�s, desencarnados e encarnados.
O mission�rio evang�lico transmitia, sem que o suspeitasse,
os pensamentos de Ernesto, um esp�rito.
A noite
da alma
Droguei-me, abusei do sexo
na �nsia de encontrar a plenitude.
em v�o. N�o encontrei o Deus
que eu procurava.
7 2 7 2
p�s o culto dirigimo-nos, Ernesto e eu, �
resid�ncia de Altina Gomides, acompanhando-
a. Ela morava num bairro pr�ximo
e n�o precisava tomar �nibus para
chegar at� em casa.
Antes, por�m, Altina resolvera passar na padaria para
fazer algumas compras. Assim que entrou, encontrou Anast�cio,
dono da pequena padaria, que foi logo puxando conversa:
� A senhora vem do culto, D. Altina?
� Venho sim, Seu Anast�cio. Hoje foi uma noite de muitas
b�n��os. Qualquer dia o senhor tem que nos visitar...
� Ah! Sei! Qualquer dia, D. Altina; qualquer dia. Por
acaso a senhora tem not�cias da Joana?
Altina Gomides, diante da pergunta, pareceu alertar a
mente, como se algo tivesse acontecido.
� Eu a deixei em casa e parecia-me que estava re
Encontro com a vida 73
pousando...
� � que eu a vi logo ali, na esquina, junto com aquela
amiga dela, a senhora sabem quem �...
� Ai, meu Deus! Ser� que eu n�o terei sossego com esta
menina?
Altina Gomides saiu feito louca, esquecendo-se das compras,
� procura da filha Joana. Acompanhamo-la rumo �
rua pr�xima, onde ela julgava encontrar a filha. O caso aparentava
gravidade.
Joana acabara de sair de uma situa��o dif�cil e j� voltava
�s companhias de antes. Sens�vel como era �s influ�ncias
externas, Joana acabaria por se entregar �s mesmas experi�ncias
dif�ceis de outrora.
A fam�lia era pobre, e Altina sobrevivia de uma pens�o
que lhe deixara o marido, morto havia alguns anos. Al�m
do pouco dinheiro que recebia, fazia bicos para ganhar alguns
trocados e manter o lar, bem como pagar o aluguel da
pequena casa onde morava com Joana.
Para piorar a situa��o, vivia no m�dico, com problemas
graves do cora��o, tendo sintomas de angina. Apesar de tudo
era uma mulher de fibra. N�o desistia da vida e nem de lutar
por sua Joana.
Encontramos Joana junto � amiga, j� drogada e sem for�as
para movimentar-se. Junto dela, quatro entidades pareciam
sugar-lhe as reservas vitais, imantadas ao seu corpo.
Altina, num misto de desespero e dor, envolveu Joana
74 74
nos bra�os, chorando muito.
� Ah! Senhor da Gl�ria! Socorre minha filha; n�o a deixe
nas garras do inimigo; liberte-a do dem�nio.
A pobre mulher chorava convulsivamente tendo a filha
nos bra�os, enquanto a companheira de Joana jazia deitada
num canto, com uma seringa na veia.
A um gesto de Ernesto, sa� r�pido em dire��o � padaria
onde estivemos antes. Encontrando Anast�cio, logo me coloquei
ao seu lado, envolvendo-o em meus pensamentos. Anast�cio
pareceu captar imediatamente meu apelo e foi saindo
para a rua. Algo que ele n�o sabia o que era o impulsionava a
ir na mesma dire��o em que vira antes Joana e a amiga.
Encontrou Altina com a filha nos bra�os, ambas sentadas
naquele lugar escuro e pouco freq�entado.
� Deixe-me ajud�-la, D. Altina � falou Anast�cio, j� se
achegando e procurando tirar Joana dos bra�os da m�e.
Ergueu-a com naturalidade e saiu depressa em dire��o �
casa de Altina, que, aflita, abriu a porta, ainda chorando.
Preparou a cama simples para que Anast�cio depositasse o
corpo de Joana, que parecia desfalecida.
� � dif�cil, Seu Anast�cio, mas tenho f� em Deus e no
sangue de Jesus que ele vai libertar a minha Joana.
� Eu acho que a �nica coisa que temos a fazer � rezar
por ela. Bem � falou Anast�cio � vou deix�-las aqui e voltarei
para socorrer a amiga de Joana. Nem sei ainda como
proceder.
Encontro com a vida 75
� Traga-a para minha casa tamb�m, Seu Anast�cio. Eu
cuidarei de ambas.
Anast�cio saiu, deixando Altina com Joana, quase morta,
ap�s o uso das drogas.
As companhias espirituais de Joana estavam t�o intimamente
ligadas a ela que n�o pod�amos, de imediato, separ�las,
sem que Joana sofresse abalos maiores. Precis�vamos
de tempo.
Enquanto Altina preparava um caf� forte para tentar
reanimar a filha, eu e Ernesto observ�vamos a mo�a, que
parecia desmaiada.
Notei a solicitude de Ernesto para com a pequena fam�lia
e as l�grimas pouco disfar�adas que desciam de seus olhos.
Olhei e vi que do corpo espiritual das quatro entidades
partiam fios semelhantes a teias de aranha, de uma negritude
sinistra, envolvendo o c�rtex cerebral da mo�a. Uma das
entidades parecia absorver mais os fluidos das drogas consumidas
por Joana, que parecia, � nossa vis�o espiritual,
mais alienada. N�o encontro palavras no vocabul�rio do
m�dium para descrever a cena tr�gica que eu presenciava. O
esp�rito, demente, parecia gemer ao lado do corpo estendido.
O corpo espiritual da entidade parecia pulsar, gotejando
de suor, num processo de simbiose ps�quica com a v�tima
encarnada.
� Estamos diante de um processo de obsess�o intenso
7 6 7 6
� falou Ernesto. Espero que consigamos realizar algo em
favor de Joana.
Antes que o instrutor espiritual pudesse continuar, Anast�cio
entrou com um amigo, trazendo, desfalecido, o corpo
da companheira de drogas de Joana.
A rua tinha uma linguagem toda especial, particular.
� Ei, lindona! Onde vai a esta hora?
� Na ruela. Vou ficar adoidada hoje! Numa boa!
�amos ficar as duas com a cabe�a feita. Era assim que nos
refer�amos � situa��o de drogadas. T�nhamos que conhecer
a l�ngua do povo, das gangues, dos traficantes.
Gost�vamos de nos reunir e fazer barulho. Quando dava,
utiliz�vamos a casa da fam�lia; no meu caso, s� minha m�e, eu
e meu irm�o form�vamos a fam�lia. Dan��vamos ao som de
um rock pesado ou faz�amos outras coisas menos confess�veis.
Quando chegava a hora dos pais chegarem em casa, limp�vamos
tudo, e todo mundo ia embora para suas casas. A
gente se sentia outro na hora da festa. E depois tamb�m,
quando tudo acabava, toda aquela bagun�a.
Eu tinha pouco mais de 18 anos quando fui aceita num
desses grupos de fumantes e picados, como a gente dizia na
�poca. Nosso grupo, quando se reunia, tinha a fama de ser o
grupo mais unido e tamb�m o mais doid�o.
Com o tempo eu ganhei muita fama entre os integrantes
Encontro com a vida 77
do grupo de viciados. Ganhei tanta fama que eles mesmos
ficaram com medo de mim. A�, bem, a� me expulsaram da
turma, e eu fiquei vagando sozinha at� encontrar a Joana.
Ela sim, era amiga. Dividia todos os babados comigo.
Juntas, form�vamos a dupla do terror. Ningu�m podia conosco.
Tentei mais de uma vez convencer meu irm�o a cheirar
e picar, ou talvez apenas fumar um baseado, mas ele se
recusava terminantemente. Ele era careta demais. Um amorzinho.
S� que ultrapassado. N�o dava para conviver com
ele. Caretas! Nem de longe.
Sempre que n�o est�vamos numa festa ou numa bagun�a,
est�vamos brigando ou "fazendo". �ramos viciados, embora
nos julg�ssemos donos da situa��o. A Joana ent�o,
coitada! Parecia que depois que fora internada estava um
pouco tonta. Queria desistir. Eu n�o deixaria que ela se entregasse
a essa caretisse. Desistir das drogas? Jamais!
Eu acho que a m�e de Joana � a respons�vel por ela estar
desse jeito. Com aquela mania de rezar, ir � igreja...
Joana j� n�o � mais a mesma de antes. Eu n�o sei bem o que
se passa, mas alguma coisa mudou nela. Bem, deixa pra l�.
Comecei a sentir desprezo pela minha vida. Mas tamb�m
pelas vidas de minha m�e e meu irm�o. Caret�es que eram.
Sempre me considerei uma solit�ria, mais ainda do que
os outros da nossa turma. Nunca quis me envolver com
algu�m. Embora eu n�o sonhasse mais com o vestido branco
e o casamento, considerava-me suficientemente esperta
7 8 7 8
para n�o me deixar envolver por algu�m. Esse neg�cio de
amor era caretisse. Nunca amaria. Mas o que eu n�o admitia
era o fato de que eu tamb�m n�o era amada.
Ruas cal�adas de ouro e dinheiro f�cil: era o que diziam
as cartas que eu recebia quando estava em Bauru. Meus familiares
que moravam na capital paulista sempre enfeitavam
as narrativas a respeito da facilidade de ganhar a vida
em S�o Paulo. E para l� nos mudamos, a velha, o mano e eu.
Papai j� havia abandonado a fam�lia h� tr�s anos.
Quando chegamos l� procurando os familiares, a situa��o
era outra. Foi muito dif�cil a adapta��o nos primeiros
tempos. Tivemos de ir morar com uma tia, em um apartamento
com dois quartos e, imaginem, cinco filhos do barulho,
no verdadeiro sentido da palavra. Um dos primos tinha
de dormir em cima da mesa. Era o lugar mais confort�vel.
Mas, mesmo assim, tivemos que nos acostumar, at� que
pud�ssemos alugar nosso barraco. Eram tr�s c�modos, e
n�o havia muito lugar de sobra.
Nos estudos eu sempre fui um fracasso. N�o queria nada
de s�rio na vida. Sonhava em ser famosa, sem estudo e sem
trabalho.
A �nica fama que consegui na vida toda foi ter o meu
nome estampado em manchetes de jornais. Na parte dos
crimes. "Mulher � presa roubando joalheria." Foi s�. Uma
fama muito louca.
Com o tempo conheci uma turma pesada. Vieram as dro
Encontro com a vida 79
gas, a maconha e a coca�na. A hero�na veio mais tarde e, com
ela, a prostitui��o, o prazer f�cil, vulgar. Passei a roubar
para sustentar o v�cio. Desci! Desci muito e me atolei na
lama moral. Conheci Joana e entramos por outros babados.
N�o deu certo.
Hoje estou aqui, com o resultado de meus desvarios. Estou
drogada, tonta, sem f�, sem Deus. Estou simplesmente
morta.
A droga foi fatal. N�o voltei daquele sono, que, para mim,
foi enganador. Dormi. Apenas dormi. Com direito a intensos
pesadelos e tudo o mais.
Eu morri e n�o sabia o que era a vida, nem mesmo ap�s a vida.
Minutos depois a amiga de Joana estertorava, convulsionava.
Anast�cio tentou correr em busca de ajuda. Mas de
nada adiantou. A mo�a estava nos �ltimos minutos de sua
exist�ncia.
Do nosso lado, duas entidades de apar�ncia grotesca,
animalizante, sugavam-lhe as energias e pareciam tentar
beber-lhe o sangue das veias, sem conseguir alcan�ar seu
intento. Ensaiavam rasgar as roupas da mo�a ou arrancar-
lhe os cabelos, num gesto tresloucado.
� Esperam o momento do desligamento definitivo de
sua v�tima � falou Ernesto. � Ela lhes deu o alimento durante
a vida f�sica; agora, esperam-na para continuarem se
alimentando de suas energias vitais.
80
� Procuremos libert�-la, Ernesto � falei apressado.
� Por ora n�o podemos realizar nada, �ngelo. Se alcan��ssemos
alguma melhora no quadro da mo�a, em breve ela retornaria
� presen�a de seus comparsas.
Olhando para a mo�a, vi que se esfor�ava para permanecer
ligada ao corpo f�sico, em cujas veias havia injetado violenta
dose de droga.
O corpo, por�m, parecia querer expulsar o esp�rito hospedeiro,
pois demonstrava imenso desequil�brio.
As entidades vampirizadoras pareciam se agarrar ao esp�rito
da infeliz mulher, puxando-a do corpo f�sico. Queriam arrancar
o esp�rito do corpo combalido, com muita viol�ncia.
� Venha, miser�vel! Venha, sua megera! Necessitamos de
seu corpo ou do que resta nele. Temos sede de vitalidade �
falavam, aos berros, os esp�ritos infelizes.
� N�o podemos fazer nada para auxiliar? � perguntei ao
instrutor.
� Observe, meu amigo � falou Ernesto.
Aproximando-se de Altina Gomides, o instrutor espiritual
colocou-lhe as m�os na fronte e no bulbo raquidiano, concentrando-
se um pouco.
A nobre senhora, percebendo a inspira��o moment�nea,
falou com Anast�cio.
� Seu Anast�cio, sei que o senhor tem me auxiliado muito
neste caso, mas gostaria de lhe pedir mais uma coisa, se
Encontro com a vida 81
posso me atrever a tanto.
� Fale, D. Altina! Fale!
� � que eu gostaria de fazer uma ora��o, antes que alguma
coisa mais aconte�a. O senhor me acompanha?
Hesitando um pouco, Anast�cio cedeu ao pedido.
Abrindo sua B�blia, Altina deparou com um salmo de
Davi, o qual dizia:
Aquele que habita no esconderijo do Alt�ssimo, � sombra do
Onipotente descansar�.
Direi do Senhor: Ele � o meu ref�gio e a minha fortaleza, o meu
Deus, em quem confio.
Certamente ele te livrar� do la�o do passarinheiro, e da peste
perniciosa.
Ele te cobrir� com as suas penas, e debaixo das suas asas estar�s
seguro; a sua fidelidade ser� teu escudo e broquel.
N�o temer�s o terror noturno, nem a seta que voa de dia,
nem peste que anda na escurid�o, nem a praga que destr�i ao
meio-dia [Sl 91:l-6].
O salmo tocou muito fundo no cora��o de Anast�cio, e
Altina come�ou ent�o a orar:
� Pai de infinita gra�a, em vosso nome sagrado e eterno
e no nome poderoso de Jesus, venho humildemente rogar a
vossa interfer�ncia, Senhor! N�o pe�o por mim, que n�o
mere�o as vossas b�n��os. Pe�o-lhe por estas que sofrem,
por Joana em particular. Permita, Senhor da Gl�ria, que os
teus anjos nos socorram, mas que, acima de tudo, se fa�a a
tua, e n�o a nossa vontade. Am�m.
82
A casa humilde banhou-se de safirina luz, e as entidades
perversas sentiram o choque vibrat�rio, demandando em
retirada.
A mulher infeliz, que tinha suas energias sugadas, pareceu
imediatamente aliviada.
Ernesto aproximou-se da pobre irm� e, com passes longitudinais,
desligou-a do corpo f�sico, o que n�o foi muito
f�cil. A opera��o demorou quase uma hora.
Observei atento o ocorrido, quando vi uma esp�cie de
luminosidade esvair-se do corpo da mo�a agonizante. Parecia
uma n�voa que se erguia do corpo f�sico que morria.
Com olhar mais atento, notei que a esp�cie de vapor luminoso
assumia a mesma forma do corpo f�sico, como se fosse
um duplo do organismo som�tico. Entretanto, o corpo me
parecia muito mais bonito do que a parte espiritual que se
desprendia. O esp�rito semiliberto trazia as marcas da loucura
e do terror estampadas em sua apar�ncia espiritual.
Rec�m-liberto do corpo f�sico, o esp�rito da amiga de
Joana parecia mergulhado em intenso pesadelo. Olhos arregalados
desmesuradamente olhavam-nos, sem perceber-
nos a presen�a ou entender o que se passava. Estava transtornada
diante da pr�pria realidade. N�o sabia ainda que
estava desencarnada.
� A ora��o sincera � principiou o nosso instrutor �
tem um poder que os homens est�o longe de compreender.
Encontro com a vida 83
Orando, a alma coloca-se em liga��o direta com a fonte de
todo o bem e amor. O cora��o que se eleva atrai os recursos
do Alto e entra em sintonia com o Pai.
Se todos soubessem, adquiririam o h�bito de orar e vigiar
as matrizes do pensamento. Orar � falar com Deus, que
sempre responde aos seus filhos.
A li��o era muito profunda. Fiquei por ali algum tempo,
depois me retirei para, eu mesmo, orar. Agradeci a Deus a
oportunidade que me concedia de aprendizado.
Vampirismo
Descobri que, durante todo o tempo em que
errava, em que caminhava prisioneira de
minha m�scara, apenas procurava por Deus.
86
p�s o incidente com Joana e sua amiga,
uma nova etapa come�ava em sua vida.
A amiga desencarnara por overdose. Isso,
para Joana, foi como um choque el�trico
que a fez acordar um pouco para a reali
dade. Com as ora��es da m�e e a interfer�ncia de amigos,
Ernesto e eu conseguimos inspirar os companheiros encarnados
a procurar um tratamento mais completo para
Joana. Entretanto, em mat�ria de pensamento, de transmiss�o
de nossas inspira��es, os companheiros encarnados
sentem dificuldades em captar-nos a influ�ncia.
Com muita boa-vontade conseguem refletir nossas id�ias
e intui��es, por�m, muitas vezes, a ess�ncia se perde,
em meio aos pensamentos desencontrados ou pouco
acostumados � disciplina.
Assim, nossa influ�ncia sobre Joana e sua m�e Altina foi
interpretada como a necessidade de internar Joana numa
esp�cie de cl�nica de recupera��o de viciados. Mas o que su
Encontro com a vida 87
ger�ramos n�o era bem isso. Por�m, tudo far�amos para
auxiliar. O caso merecia o nosso concurso.
Ernesto e eu dirigimo-nos a um n�cleo esp�rita pr�ximo
� casa de Joana. L� encontramos outros companheiros espirituais
que nos auxiliariam no caso. Indicamos � equipe
espiritual o local onde a infeliz enferma residia. Auxiliaram
quanto podiam, inclusive acompanhando os familiares da
amiga de Joana durante todo o tempo em que providenciavam
o sepultamento do corpo. A equipe de esp�ritos amigos
tudo fazia a fim de que as entidades vampirizadoras fossem
afastadas.
No vel�rio, todos da fam�lia procuravam evitar tocar no
assunto das drogas. Tentaram esconder o fato de que a pobre
criatura era viciada e que morrera de overdose.
� Como est� bonita, minha filhinha � dizia a m�e. � �
um anjo de Deus...
Chorava amargamente a m�e de Adriane, a garota que
desencarnara.
Do nosso lado, Adriane esp�rito parecia tresloucada, n�o
entendendo a situa��o. Tentava se apossar do corpo f�sico a
todo custo, mas este se recusava a obedecer-lhe o comando. A
cada elogio que os familiares lhe endere�avam, sentia um choque
vibrat�rio intenso. Os elogios e coment�rios eram uma
tentativa de disfar�ar a verdade, a verdadeira situa��o. N�o
significavam a realidade dos sentimentos dos familiares, que
de certa forma se sentiam aliviados com a morte da mo�a.
88
Os parentes mais pr�ximos de Adriane pensavam at� na
tranq�ilidade que teriam devido ao desencarne da criatura.
N�o imaginavam que, embora os convidados n�o pudessem
ler seus pensamentos e sentimentos, o esp�rito de Adriane
a tudo ouvia, naquele momento considerado sagrado
para todos.
Novamente vimos a turba de esp�ritos se aproximar do
corpo de Adriane. Para ela mesma, como esp�rito rec�m-
liberto, a falange de seres tenebrosos se parecia com dem�nios
que disputavam seu corpo. Desgovernada, saiu correndo
porta afora, sendo seguida por um companheiro do
nosso plano.
Ernesto mais uma vez entrou em a��o, auxiliado por oito
entidades que nos acompanhavam. Dispersou as �ltimas
reservas de fluidos vitais do antigo corpo de Adriane. Agindo
assim, os esp�ritos vampirizadores nada puderam fazer,
saindo logo em seguida atr�s da mo�a.
A cena que se desdobrou � nossa vis�o espiritual foi aterradora.
O bando de entidades obsessoras encontrou Adriane
em pleno desequil�brio, ao lado de uma sepultura, no
cemit�rio onde seu corpo estava sendo velado. O esp�rito,
rec�m-liberto da roupagem f�sica, n�o tinha no��o de seu
verdadeiro estado. Captando as influ�ncias perniciosas,
Adriane entrou em sintonia com as entidades infelizes, e o
que vimos foi uma verdadeira f�ria demon�aca.
Os esp�ritos perturbados assenhorearam-se de Adriane,
Encontro com a vida 89
que se debatia parecendo v�tima de algum pesadelo. Entre
palavr�es e algazarras, o esp�rito de Adriane foi levado pelos
malfeitores espirituais.
Ernesto indicou um esp�rito de nossa equipe para acompanhar
o caso, embora n�o pud�ssemos fazer muita coisa
em benef�cio de Adriane. Ela escolhera o seu destino. S� mais
tarde, quando a dor do arrependimento batesse em seu cora��o,
� que seria realmente liberta.
� N�o se preocupe, �ngelo � falou o instrutor Ernesto.
� O esp�rito de Adriane n�o estar� desamparado. Um abnegado
irm�o da nossa equipe estar� ao seu lado constantemente,
esperando o momento em que ela desperte da letargia
espiritual que a domina. Por agora, o que podemos
fazer � orar e esperar.
Observei o cemit�rio e vi que muitas l�pides pareciam
iluminadas por estranho brilho. Eram o resultado das ora��es
dos familiares, que ali concentravam suas energias
mentais. Endere�avam seus recursos ps�quicos e sentimentais
n�o ao morto, ou desencarnado, mas � pr�pria sepultura,
como se fosse um templo sagrado onde repousava para
sempre seu ente querido. Muita gente ignora a verdadeira
realidade espiritual.
Saindo do cemit�rio, agucei meus sentidos de rep�rter
ao ver uma estranha cena.
Uma mulher, vestida de um costume preto e vermelho,
parecia embriagar-se com estranha bebida, sentada sobre a
9 0 9 0
pr�pria sepultura. Seus p�s, entretanto, pareciam ser picados
por milhares de formigas, que lhe subiam pelo corpo
espiritual.
Pensei que poderia falar com ela, entrevist�-la, quem
sabe... Ela, por�m, n�o registrava a minha presen�a. Tentei,
em v�o, chamar-lhe a aten��o, at� que Ernesto me convidou
mais enf�tico:
� N�o perca o seu tempo, �ngelo. Temos coisa mais
importante a realizar. Voc� ficaria surpreso com tantas coisas
que veria acontecer num cemit�rio. Essas almas que aqui
permanecem ligadas aos despojos f�sicos n�o t�m ainda condi��es
de serem auxiliadas. Necessitam de tempo para que
se libertem dessa situa��o dif�cil. Trabalhemos; outros campos
de servi�o nos aguardam.
N�o foi f�cil para Joana libertar-se das drogas. Anast�cio
acabou se envolvendo tanto com o problema de Joana
que se aliou � m�e da menina na tentativa de auxili�-la.
Altina orava todos os dias sem cessar, mas n�o sabia como
poderia internar sua Joana numa cl�nica especializada. N�o
tinha recursos financeiros para isso. Dependia inteiramente
do amigo Anast�cio e dos companheiros de igreja.
Certo dia Anast�cio conversava com um cliente de sua
padaria, quando ficou sabendo que ele era esp�rita. Um tanto
quanto curioso, tentou extrair informa��es a respeito da
religi�o esp�rita.
Encontro com a vida 91
� Fale-me a respeito, Seu Paulo � pediu Anast�cio. �
Diga-me que esp�cie de trabalhos voc�s fazem l�, para ajudar
as pessoas. N�o me interprete mal, n�o, mas � que dizem
tanta coisa a respeito do espiritismo, que s� de lembrar nos
d� arrepios...
� N�o � nada disso n�o, Seu Anast�cio � falou Paulo,
sol�cito. � � pura ignor�ncia do povo, quando falam que
fazemos trabalhos para os outros. O espiritismo n�o realiza
nenhuma mandinga para ningu�m, espiritismo � ci�ncia
que estuda as leis de Deus e da vida, respondendo nossos
questionamentos de forma esclarecedora. Tamb�m conforta-
nos sobremaneira, pois, atrav�s de suas li��es morais,
nos aproxima cada vez mais de Deus e nos faz ver que Ele,
que � pai, est� aqui mesmo, dentro de n�s. S� isso.
� Mas ent�o voc�s falam de Deus tamb�m?
� Mas � claro, Seu Anast�cio. Sem que Deus queira, nada
podemos realizar... Faz o seguinte: eu lhe darei este livro
aqui � tirou O Evangelho segundo o espiritismo da bolsa e
deu-o ao padeiro � e quando o senhor tiver algum tempo,
leia-o, assim ter� uma id�ia a respeito do espiritismo. N�o
adianta eu tentar lhe dizer muita coisa agora. Leve o livro, e
em outra oportunidade falaremos.
Conversando, Anast�cio soube que Paulo trabalhava
como volunt�rio numa esp�cie de cl�nica de recupera��o de
usu�rios de drogas. Paulo lhe disse que era uma cl�nica de
92 92
seus amigos esp�ritas e que ele, a cada duas semanas, auxiliava
quanto podia.
� Mas n�o me diga... parece que o senhor caiu do c�u,
Seu Paulo � falou Anast�cio. � � que tenho uma amiga
que est� vivendo um caso muito s�rio com este neg�cio de
drogas. A filha precisa urgentemente de um tratamento.
Quem sabe o senhor n�o poderia auxiliar?
� Claro, Anast�cio, faremos o que for poss�vel...
Assim, ap�s esse contato, as coisas come�aram a se encaminhar
para Joana. Ela foi conduzida ao tratamento integral
na fazenda-cl�nica, auxiliada de perto por Paulo e por
Anast�cio. Do outro lado da vida, consci�ncias sublimadas
auxiliavam para que o caso de Joana fosse devidamente
acompanhado.
Pesadelo
Revoltei-me nessa procura e,
revoltando-me, neguei que ele exist�a.
94
oana reconhecia a necessidade de reeducar-se;
entretanto, n�o tinha for�a de vontade suficiente
para libertar-se do v�cio. Fora internada com
o aux�lio de companheiros esp�ritas, amigos de
Paulo, que tentavam ajudar quanto podiam.
Mas o caso de Joana n�o era t�o simples assim. Junto com
os traumas, v�cios e demais dificuldades org�nicas a mo�a
vivia um dif�cil estado de obsess�o. Entidades trevosas, atra�das
pelo seu v�cio, vinham ao seu encontro diariamente. O
esp�rito de Adriane, que desencarnara de overdose, atuava
como ponte entre Joana e tais entidades. Todas as noites vinham
os pesadelos, e o desespero tomava conta da mo�a.
Na cl�nica, os doentes eram tratados com passes e fluidoterapia,
al�m dos medicamentos habituais. Mas para que
tudo corresse bem era necess�rio que o paciente contribu�sse
para a pr�pria melhora. Sem coopera��o, n�o era poss�vel
alcan�ar resultados positivos.
Numa determinada noite, quando Joana dormia, seu es
Encontro com a vida 95
p�rito desprendido encontrou Adriane. Iniciava-se um intenso
pesadelo. Joana recusava-se a recorrer � ora��o; ent�o,
no momento em que mais precisava, n�o tinha como
valer-se da ajuda espiritual.
Adriane apresentava-se � vis�o espiritual de Joana muito
bonita e com um charme especial, convidando-a a dar
uma volta por a�. Nessa ocasi�o, Ernesto e eu nos aproximamos
de Joana esp�rito, tentando de alguma forma auxili�-
la, tirando-a da companhia de Adriane. Mas n�o encontr�vamos
resson�ncia alguma nas disposi��es de Joana, que
saiu de m�os dadas com Adriane, passeando por regi�es
tenebrosas do mundo espiritual. Tentamos de tudo, mas
parecia que Joana n�o queria ser ajudada. S� nos restava
esperar e observar.
A paisagem na qual se desenvolvia o pesadelo de Joana
era um misto de cria��o mental de entidades perversas e da
mente enferma de Adriane, que servia de marionete para
outros esp�ritos mais perigosos.
Desdobrada pelo sono f�sico, Joana seguia o esp�rito dementado
de Adriane para regi�es cada vez mais densas e
obscuras do mundo oculto. Segu�amos as duas, Ernesto e
eu, esperando um momento adequado para interferirmos.
Adriane seguia com a companheira em dire��o a uma
estranha constru��o em meio � paisagem flu�dica do plano
extraf�sico. Ao longe, erguia-se um estranho castelo, para
onde as duas se dirigiam. Do lado de fora, � semelhan�a de
96
antigo castelo medieval, um fosso contornava a estranha
edifica��o. Mas parecia que Joana estava hipnotizada, n�o
conseguindo libertar-se do dom�nio de Adriane, que a essa
altura j� n�o conseguia manter a aparente tranq�ilidade ou
a forma externa com a qual se apresentava para Joana durante
o sono f�sico. Intenso desespero parecia dominar o
semblante de Adriane, e ela, imantada ao esp�rito desdobrado
de Joana, entrou no castelo sombrio, que funcionava
como um laborat�rio de intelig�ncias perversas.
� Este caso, �ngelo � falou-me Ernesto � merece estudos
mais aprofundados e a��o emergencial. Como voc�
sabe, Adriane, quando encarnada, exercia uma certa influ�ncia
sobre Joana. Agora, quando se acha sob influ�ncia de
esp�ritos perversos, busca novamente a sintonia com a companheira
de vicia��o, tentando domin�-la e traz�-la definitivamente
para o desequil�brio.
� Temos que fazer algo, Ernesto; n�o podemos deixar
Joana � merc� de entidades t�o infelizes.
� Aguardemos, companheiro. O momento � muito delicado,
e temos de saber esperar com acerto. Fa�amos o seguinte:
enquanto voc� acompanha as duas ao interior da
constru��o, retornarei � procura de aux�lio. Para realizarmos
algo com proveito � preciso nos utilizarmos de fluidos
humanos, animalizados. Devo retornar e procurar ajuda.
� Que farei de minha parte?
� Continue com as duas, �ngelo, mas n�o tente nada
Encontro com a vida 97
sozinho. Ainda n�o � o momento. Espere-me, e localizarei
voc� onde estiver.
Ernesto voltou procurando recursos para libertarmos
Joana do pesadelo em que se via envolvida. Prossegui junto
das duas, adentrando o p�tio interno daquela constru��o
flu�dica.
Poucos esp�ritos pareciam ocupar o p�tio do castelo medieval
localizado nas regi�es sombrias do plano astral. Duas
entidades vestidas de forma espalhafatosa, numa mistura
de cores vivas e roupas extravagantes, vieram ao encontro
das duas. Adriane, n�o ag�entando mais a representa��o,
deixou-se cair ao lado de Joana desdobrada. As duas entidades
aproximaram-se, e vi quando um forte grito partiu
da boca de Joana, que neste momento perdeu completamente
as for�as, deixando-se vencer pelo magnetismo das
entidades diab�licas. Tudo isso se passava diante de mim
sem que pudesse fazer alguma coisa, pois aguardava o retorno
de Ernesto. A minha presen�a n�o era notada pelos
esp�ritos, devido � diferen�a de nossas vibra��es. Vibr�vamos
em dimens�es diferentes.
Joana foi conduzida para dentro do pr�dio juntamente
com Adriane, que aos poucos se transformava diante dos
olhos excessivamente abertos de sua companheira. Acompanhei-
as para dentro do novo ambiente. O que vi desafiava
minha pr�pria imagina��o.
Um sal�o circular abrigava v�rios aparelhos, compon
98
do o cen�rio de um moderno laborat�rio, contrastando com
a arquitetura medieval. Para ali foram conduzidos os esp�ritos
desdobrados de Joana e Adriane, que a essa altura parecia
totalmente demente, abatida e desfigurada. Perto de
uma maca estavam de p� quatro esp�ritos, vestidos de t�nicas
que arrastavam penosamente sobre o ch�o daquele laborat�rio
estranho. N�o conhecia nenhuma daquelas aparelhagens,
mas sabia que n�o eram utilizadas para o bem. O
ambiente era iluminado por uma luz amarelada, que formava
estranhos contrastes com as sombras dos objetos
projetadas no sal�o circular. As entidades perversas movimentavam-
se lentamente, penosamente, carregando nas
m�os algo que se assemelhava a instrumentos m�dicos. Estava
montado todo o cen�rio do pesadelo de Joana, que
neste momento era conduzida para uma das macas, onde
seria submetida a uma cirurgia em seu corpo espiritual.
Eu esperava o momento em que Joana, mesmo desdobrada,
orasse em busca de socorro superior, o que favoreceria
alguma a��o de minha parte. Ocorre que Joana, na vida
cotidiana, n�o havia desenvolvido o h�bito de orar. Agora,
vivendo o seu pesadelo, desdobrada em outra dimens�o da
vida, n�o orava, apenas se debatia entre o medo e o desespero,
naturalmente transmitindo para o corpo f�sico, que repousava
na cl�nica, as impress�es descontroladas do seu
esp�rito.
Uma das entidades aproximou-se de Joana e falou, com
express�es grotescas:
Encontro com a vida 99
� Agora � a hora do ajuste de contas com a megera.
Adriane serviu como isca a fim de que a troux�ssemos para
o nosso reduto.
� Sim � falou outro esp�rito. � � hora de substituirmos
o implante no perisp�rito de Joana. Creio que o est�gio
dela nessa tal cl�nica diminuiu a nossa a��o sobre o seu
esp�rito. Com o novo aparelho que implantaremos em seu
corpo espiritual, aumentaremos o seu desejo e a depend�ncia
pelas drogas.
� N�o tem como fugir de nossa organiza��o � falou
novamente a infeliz entidade. � No passado, ela se comprometeu
conosco e tentou fugir v�rias vezes de nossa falange.
N�o adianta se refugiar num corpo f�sico. Configuramos
o aparelho parasita de tal forma que despertar� em
sua mente imagens desesperadoras. Com certeza, ap�s causar
muitos estragos na vida de outras pessoas, ela ser� levada
ao suic�dio.
� Sim; a� ela ser� definitivamente nossa.
As entidades infelizes esbo�aram uma caricatura de riso,
mas n�o conseguiram ir al�m de uma careta. Tentariam realizar
um implante em Joana e, para isso, j� estavam tirando
o implante anterior, que deveria ser substitu�do pelo
novo aparelho parasita.
Eu n�o sabia o que fazer para deter o processo. Orei
intensamente, pedindo ajuda e tentando me comunicar
com Ernesto. Nesse momento, intenso tremor pareceu
100
abalar a estrutura do castelo do terror, exatamente quando
um dos esp�ritos retirava o estranho aparelho do psicossoma
de Joana e j� se preparava para colocar o outro.
O tremor parecia aumentar cada vez mais, abalando os
aparelhos e demais instrumentos do sinistro laborat�rio.
As entidades, apavoradas, tentavam a todo custo salvar
aquele lugar, quando Ernesto foi entrando no ambiente,
trazendo ao seu lado o pastor da comunidade evang�lica
da qual fazia parte Altina, a m�e de Joana. O pastor, desdobrado,
atuava como m�dium de Ernesto, que, retirando
o ectoplasma do evang�lico, interferia diretamente na a��o
do mal. Em meio ao tumulto, causado pelos diversos tremores
que sacudiam o local, o instrutor Ernesto parou
por um momento, concentrando-se, e se fez vis�vel por instantes,
para aquelas entidades desesperadas. Irradiando
intensa luz do seu plexo solar e do seu cora��o, Ernesto
parecia estar ligado por fios dourados ao esp�rito desdobrado
do pastor, que, levantando as m�os sobre Joana,
ministrou-lhe um passe magn�tico.
Por toda a estranha edifica��o se ouvia um coro. Era
um hino que estava sendo cantado na igreja, que neste momento
realizava um culto, uma vig�lia, para libertar Joana
das drogas e das garras do inimigo ou do dem�nio, como
acreditavam.
Castelo forte � o nosso Deus
Espada e bom escudo
E se vacila um filho seu
Encontro com a vida 101
Envia a sua ajuda.
Destr�i o perspicaz
Ardil de Satan�s
Com artimanhas tais
E ast�cias t�o cru�is
Que igual n�o h� na Terra.
Se a n�s quiserem devorar
Um tal poder com seu ardil
Jamais nos podem assombrar
O tal cruel dem�nio vil.
Sat�, o tentador e vil acusador
Jamais nos vencer�
Pois foi vencido j�,
Ali na cruz do Salvador.
Ouv�amos todos o hino cantado a plenos pulm�es pelos
evang�licos que se reuniam em ora��o, tentando a liberta��o
de Joana dos v�cios que a dominavam. Na verdade, os
companheiros evang�licos nem suspeitavam o que ocorria
naquelas regi�es do plano extraf�sico. Por�m, o magnetismo
de suas vibra��es foi t�o intenso que o mentor Ernesto
o aproveitou para interferir diretamente na situa��o, libertando
o esp�rito desdobrado de Joana da a��o das entidades
das trevas.
� Ela � protegida, ela � protegida! � gritava desesperada
uma entidade, ao avistar a presen�a luminosa de Ernesto.
� Fujamos, s�o os filhos do Cordeiro, n�o podemos
fazer nada mais...
Os esp�ritos do mal sa�ram correndo, enquanto eu
102
me dirigia � maca e retirava Joana da pris�o extraf�sica.
O pastor, embora desdobrado, parecia guardar lucidez
do que ocorria em nosso plano. Aproximou-se de
Joana e, vendo-me ao seu lado, naturalmente interpretou
a presen�a de Ernesto e a minha como sendo a interfer�ncia
de anjos de Deus, enviados para espantar a for�a
maligna. Mais tarde declararia na igreja, para a admira��o
dos crentes, que fora arrebatado pelo Esp�rito Santo
e vira coisas maravilhosas, operadas pelas m�os do Senhor
e pelos seus anjos, para a liberta��o da filha da irm�
Altina.
N�o importa, para n�s, como seja a interpreta��o da
nossa a��o. O importante � que a pequena comunidade
evang�lica auxiliou com seu magnetismo espiritual, e Ernesto,
aproveitando a oportunidade, conseguiu libertar
Joana.
Enquanto eu conduzia o esp�rito desdobrado de Joana
para o corpo f�sico, Ernesto, tomando Adriane em seus
bra�os, j� desfalecida, a conduzia para uma reuni�o esp�rita
que ocorria naquele momento. Ela necessitava de um
choque an�mico, a fim de que despertasse da hipnose e
fosse auxiliada.
Quando reconduzi o esp�rito de Joana para o corpo,
ela abriu os olhos gritando por socorro e se debatendo,
acordando do pesadelo em que se encontrava. Lembrando
os clamores de sua m�e, gritava com toda a for�a de
Encontro com a vida 103
sua alma:
� O sangue de Jesus tem poder! O sangue de Jesus
tem poder! Vade retro, Satan�s... afasta de mim...
Os companheiros da cl�nica corriam para ver o que causara
tamanho esc�ndalo. Mas, apesar de tanta trovoada, a
tempestade j� havia passado.
Terapia
Espiritual
Eu procurava Deus em
qualquer parte, em toda parte.
106
aquela noite, ap�s conduzir Joana esp�rito
para o corpo f�sico, reintegrando o
esp�rito desdobrado ao corpo que repousava,
fomos em dire��o a um agrupamento
de companheiros esp�ritas rogar au
x�lio para o caso.
Adentramos o ambiente de uma singela casa na Vila Bel�m,
onde se reuniam oito companheiros encarnados,
estudando O Evangelho segundo o espiritismo. O ambiente
familiar demonstrava a serenidade de regi�es mais elevadas.
Em nossa dimens�o, seis entidades participavam
do culto no lar, al�m dos mentores respons�veis por cada
um dos presentes.
Imediatamente Ernesto e eu fomos identificados pela vi
d�ncia de uma companheira, a dona da casa, senhora sexagen�ria
que coordenava os estudos da noite. Sentimo-nos
em casa.
Quando terminaram os coment�rios a respeito das li
Encontro com a vida 107
��es da noite, os amigos encarnados prepararam-se para a
prece final. De nossa parte, procuramos o mentor da reuni�o
e transmitimos a ele a nossa preocupa��o quanto ao
caso de Joana. Este, prestimoso, nos auxiliou junto ao grupo
familiar do Evangelho.
Eis que ficou marcado o dia e a hora em que o grupo se
reuniria novamente para atender o caso em quest�o.
� Temos que aproveitar o nosso tempo e agir com urg�ncia,
C�ssio. H� pouco, as entidades vingativas que atormentam
Joana sa�ram em disparada, ao nos perceberem a presen�a.
Libertamo-la da a��o desses infelizes companheiros, mas
creio sinceramente que devemos agir com urg�ncia.
� Creio que sim, Ernesto. Sei que voc� e �ngelo fizeram
o melhor por minha filha, mas agora j� posso auxiliar mais
diretamente. Procuremos agir sem demora.
Dirigimo-nos para o local onde Joana, desdobrada, havia
sido aprisionada pelas entidades perversas. Adentramos
o antigo castelo, que, agora, parecia desabitado, pois
n�o v�amos ali nenhum esp�rito v�ndalo. Estranhei o fato
de n�o ver nenhuma das entidades que v�ramos antes. C�ssio,
ent�o, quebrando o sil�ncio, falou:
� Foram-se todos daqui. A presen�a de voc�s espantou
os esp�ritos do mal, e eles retiraram-se para outros s�tios.
N�o podemos deixar essa constru��o do jeito que est�. Corremos
o risco de voltarem com mais entidades mal�volas e
assumirem novamente o lugar, transformando-o num re
108
duto das trevas.
� Teremos que destruir a constru��o? � perguntei.
� Talvez, talvez � falou Ernesto. � Mas bem que poder�amos
aproveitar a constru��o flu�dica de alguma forma.
O que acha, C�ssio?
� Boa id�ia, Ernesto. Sabemos que n�o � t�o f�cil erguer
e estruturar uma constru��o assim, no plano extraf�sico. �
preciso muita energia mental. Entretanto, podemos, quem
sabe, aproveitar a constru��o existente e transform�-la num
posto de socorro, que sirva a prop�sitos do infinito bem.
� Mas isto aqui n�o era um posto dos esp�ritos das
trevas? Como poder�amos aproveitar tudo isto para o bem?
� A tentativa n�o � de todo imposs�vel, �ngelo. Tamb�m
na Crosta ocorrem fatos semelhantes com muita const�ncia
� retrucou C�ssio. � Veja voc� que muitas igrejas
evang�licas alugam ou compram pr�dios onde antes funcionavam
cinemas especializados em filmes pornogr�ficos,
ou outros ambientes onde, antes, havia grave comprometimento
moral. Transformam esses ambientes em igrejas e,
conforme ensinam em suas religi�es, fazem o melhor que
podem para a transforma��o do mundo.
� Cada um faz a sua parte � falou Ernesto. � Cada um
faz o que sabe e o que pode. No fim, conforme nos diz o
ap�stolo Paulo, tudo contribui para o bem daqueles que
amam a Deus.
� Mas, no presente caso, como se dar� a transforma��o
Encontro com a vida 109
da constru��o flu�dica, que neste momento aparece � nossa
vis�o espiritual como um castelo sombrio incrustado nesta
regi�o sombria? � perguntei, curioso.
Na verdade, desde que voltei ao mundo espiritual sempre
vi soberbas constru��es nos planos superiores ou constru��es
diferentes, estruturadas tamb�m em mat�ria sutil.
Mas nunca vira como essas constru��es eram feitas. Nunca
presenciara nenhum esp�rito agindo diretamente sobre os
fluidos dispersos no ambiente extraf�sico, moldando-os de
tal maneira a formar essas constru��es que vemos do lado
de c� da vida. Minha curiosidade novamente voltava a dominar
minhas for�as. O assunto era palpitante.
� Neste caso, �ngelo � retornou Ernesto � temos de
pedir ajuda ao Alto. Como na Terra, quando se projeta um
hospital, um edif�cio qualquer, � preciso que um arquiteto
fa�a as medi��es e transforme as id�ias num desenho sobre
o papel. Aqui tamb�m n�o fugimos a essa necessidade. Existem
esp�ritos experimentados nos projetos de constru��o
flu�dica. Os engenheiros e construtores espirituais s�o esp�ritos
j� experimentados no dom�nio da mente. Atrav�s da
ideoplastia, trabalham na intimidade daquilo que chamamos
mol�culas flu�dicas, transformando a mat�ria do nosso
plano de maneira a favorecer o nosso trabalho do lado
de c� da vida.
� Ent�o, voc�s n�o poder�o modificar o ambiente por
conta pr�pria, n�o � isso?
110
� N�o, �ngelo. N�o podemos. Pelo menos, C�ssio e eu
ainda n�o possu�mos recursos para realizar tal proeza. Tamb�m,
com as atividades que nos esperam, n�o ter�amos tempo
para esse tipo de realiza��es. Nossa tarefa � outra. Ernesto
sorriu para mim, indicando-me, de leve, a dire��o em
que se encontrava C�ssio, que neste momento parecia concentrado.
� Ele j� est� passando a sugest�o para os esp�ritos de
nossa comunidade � falou Ernesto. � Em breve isto aqui
se transformar� numa esp�cie de canteiro de obras do mundo
espiritual. Voltaremos mais tarde, �ngelo, e voc�, com
certeza, ter� oportunidade de fazer suas anota��es e satisfazer
sua curiosidade de rep�rter e escritor.
Ernesto parecia adivinhar os meus pensamentos. Ser�
que eu n�o conseguiria esconder destes dois companheiros
o que pensava?
Fiquei sem resposta dessa vez, pois C�ssio veio at� n�s,
convidando-nos a partir imediatamente atr�s das entidades
infelizes. Antes, por�m, Ernesto localizou uma esp�cie
de rastro magn�tico das entidades. Segundo ele me explicou,
� aquilo que na Terra os cientistas chamariam de "radia��o
de fundo". Todo esp�rito imprime no ambiente em que
se encontra a carga magn�tica de que � portador. Os fluidos
s�o facilmente impression�veis e se moldam com extrema
plasticidade ao teor energ�tico de cada ser pensante. Neste
caso particularmente, as entidades sombrias haviam deixa
Encontro com a vida 111
do atr�s de si um rastro de energia, de magnetismo, como se
suas auras tivessem impregnado o ambiente ao redor.
Seguimos os tr�s pela regi�o in�spita e sombria do plano
extraf�sico, atravessando p�ntanos e, �s vezes, desertos
que se erguiam naquela paisagem �rida desta outra dimens�o
da vida. Est�vamos na regi�o que nossos irm�os esp�ritas
chamam de umbral. Para n�s, entretanto, n�o importam
os nomes que os encarnados possam dar a esses lugares
ou situa��es que muitas vezes defrontamos do lado de
c� da vida. Nossa tarefa � trabalhar e servir, independentemente
do vocabul�rio desta ou daquela religi�o ou das defini��es
de esp�ritos e de homens.
Transpusemos o imenso deserto, quando avistamos ao
longe uma eleva��o, para onde nos conduzia o rastro magn�tico
dos esp�ritos que perseguiam Joana. Ernesto alertou
quanto � necessidade de mantermos o pensamento elevado
em ora��o, rogando o aux�lio do Alto. N�o sab�amos o que
ir�amos encontrar. Aproximamo-nos da eleva��o, e pude
notar que naquele lugar a paisagem n�o era a mesma de
antes. �rvores ressequidas se erguiam aqui e acol�, em meio
a montes de pedras que se espalhavam pelo local, formando
um ambiente desolado e triste. Havia muitos esp�ritos reunidos,
como se estivessem recebendo ordens de seu chefe
espiritual. Aproximamo-nos lentamente, e pude ver como,
um a um, os esp�ritos foram se retirando, at� que apenas um
ficou, embora assustado e sem entender nada. Os outros o
haviam abandonado na paisagem l�gubre. Estava s�, mas
112
sabia que algo diferente estava acontecendo. Amea�ou sair
correndo, mas C�ssio interferiu, estendendo a m�o direita
em sua dire��o. Uma esp�cie de barreira magn�tica impediu
que a entidade pudesse se retirar. C�ssio ent�o falou:
� Este companheiro � o respons�vel pela persegui��o �
nossa Joana. Os outros esp�ritos s�o apenas servi�ais que
obedecem �s ordens dele. Vejamos o que podemos realizar.
O esp�rito n�o podia nos ver, mas sabia que algo diferente
estava por acontecer. Sentia com todas as for�as de sua
alma. C�ssio foi se aproximando devagar, com as m�os estendidas
em dire��o ao esp�rito.
� Quem est� a�? S�o os filhos do Cordeiro? Miser�veis!
N�o adianta interferir, ela n�o escapar� de minhas m�os.
Ela � minha, minha. N�o importa se usam a for�a de voc�s,
ela sempre me pertencer�.
� Calma, companheiro, calma! � falava C�ssio, mesmo
sabendo que a infeliz entidade n�o poderia ouvi-lo.
O �dio que a dominava colocara-a em dimens�o diferente
da nossa. Embora estiv�ssemos todos na condi��o de
desencarnados, nossa situa��o era diferente. Ele, o esp�rito
perseguidor, por seus atos e pensamentos estava vibratoriamente
distante de n�s. C�ssio poderia ter influ�ncia sobre
ele. Sua condi��o moral dava-lhe certa ascend�ncia sobre o
esp�rito infeliz. Mas s� aos poucos a entidade poderia ser
influenciada e, quem sabe, voltaria � raz�o, reconhecendo o
erro em que se encontrava. Ernesto e eu, atentos, auxiliava
Encontro com a vida 113
mos atrav�s da ora��o. A paisagem extraf�sica na qual nos
encontr�vamos parecia transformar-se lentamente. O esp�rito
perseguidor revivia seus sentimentos com intensidade,
n�o conseguindo disfar�ar seu rancor e seu �dio contra Joana.
Curioso, fiquei imaginando o que estaria por tr�s de
toda essa persegui��o. Eu n�o conseguia entender a raz�o
de tanto �dio, da persegui��o e desse processo obsessivo
t�o intenso.
� As causas se encontram no passado, �ngelo � falou
Ernesto. � Somente nas experi�ncias do passado espiritual,
arquivadas na mem�ria do esp�rito, encontraremos a
hist�ria viva de tantos desafetos e desamores. Observemos
o que acontece.
Com a aproxima��o de C�ssio, o esp�rito, que antes parecia
t�o imponente, orgulhoso e desejando vingan�a, amea�ava
ruir sobre si mesmo. Abatia-se lentamente. Eu presenciava
a transforma��o lenta da entidade e via que, do
cora��o de C�ssio, intensa luz dourada e azul�nea irradiava-
se ao encontro da entidade. O esp�rito tentava libertar-
se da influ�ncia superior, mas era impotente para isso. Aos
poucos foi assumindo uma posi��o diferente. Parecia uma
crian�a medrosa, encolhida perto de uma �rvore raqu�tica.
Sua mente parecia delirar ante a influ�ncia amiga de C�ssio.
� Ele rev� seu passado. Observemos � falou novamente
o instrutor Ernesto.
Aproximei-me de C�ssio e da entidade. Eu nunca vira
1 14
algo assim, como estava acontecendo com aquele esp�rito.
A simples presen�a de C�ssio parecia haver afetado a mem�ria
espiritual do esp�rito sofredor. O que se passava por
dentro dele naquele momento? O que estaria pensando, ou
melhor, quais as imagens e qual hist�ria se passava na intimidade
daquele ser? Como eu gostaria de saber... Quem
sabe assim n�o poderia entender melhor essa estranha persegui��o
espiritual, o envolvimento de Joana com as drogas
durante tantos anos?
Recorda��es
do passado
Mas mesmo na nega��o eu
o buscava. Eu procurava pelo Pai.
116
iser�veis, malditos filhos do Cordeiro.
Eu me vingarei, juro que me
vingarei!
Minha mente vagava pela escurid�o.
Era estranho. Enquanto aquele homem estendia a m�o
sobre mim, luz intensa vinha em minha dire��o. Eu jamais
vira algo assim. Ou ser� que apenas n�o me lembrava?
N�o sei dizer direito. Mas era estranho tudo isso.
Enquanto a luz de seu peito se refletia sobre mim, eu
mesmo, em meu interior, me sentia na escurid�o. Trevas,
somente trevas, nada mais! Aos poucos uma lenta percep��o
de algo que se definia vagamente foi se esbo�ando
em minha mente. Essa percep��o de coisas e lugares, de
vidas e experi�ncias, sensa��es e emo��es, parecia emergir
da escurid�o de minha alma.
Percebo movimentos. Movimentos incessantes. Tudo em
mim parece explodir de dentro para fora. Reconhe�o vozes,
Encontro com a vida 117
cantos, encantos... Sinto as m�os suadas e a roupa poeirenta.
Ou�o algo, como se fosse uma roda de carro�a rangendo;
algo balan�ando, sem cessar. As vozes se definem, o balan�o
torna-se real, o tempo se curva sobre si mesmo e me vejo.
Como sou bonito! Vejo aquela gente toda, as carro�as, as
crian�as, os velhos e os jovens. Todos eles eu os vejo. Tudo
se movimenta, e n�o sonho mais, eu vivo; eu revejo cada um
daqueles rostos e os reconhe�o. A poeira sobe alto, envolvendo
as carro�as e os cavalos, que, com tanta sede, parece
que a qualquer momento ir�o desmaiar.
� Jess�! Jess�! Pare a carruagem, pare imediatamente!
Eu j� sabia. Meu nome era Jess�. Assim me chamavam,
assim eu respondia. A voz que me chamava era de outro
rapaz. O nome dele? Ah! Agora sim. Agora tudo clareava
para mim.
� O que houve, David? Vamos, fale logo, homem! Por
Deus, n�o podemos parar aqui, no meio deste deserto ingrato...
Os cavalos t�m sede, as mulheres e as crian�as clamam
por �gua, e os nossos homens, todos eles j� est�o cansados e
desanimados. Temos de encontrar um lugar seguro...
� Pare, Jess�, pare todas as carro�as e animais. Precisamos
nos reunir em c�rculo imediatamente.
� O que est� acontecendo, rapaz? Parece que estamos
sob ataque?
David era um rapaz alto e magro. Meu primo. Assim
veio a lembran�a em minha mente. Ah! Como eu amava
118
David. Para mim ele era mais do que meu primo. Era o irm�o
que eu n�o tivera. Juntos, convencemos a fam�lia a sair
daquele local de intrigas, de guerras, de trai��es. Sim, isso
mesmo. Jerusal�m se transformara num monte de intrigas.
As cidades de Jud� j� n�o nos interessavam mais.
Reunimos toda a fam�lia. D�bora e sua fam�lia vinham
conosco. Eu era solteiro. Era judeu nascido na Maced�nia.
Aos 12 anos viera com a fam�lia para Jerusal�m. Mas os
tempos eram dif�ceis. Havia intrigas por toda parte. Os sacerdotes
tentavam de tudo para se manterem no poder e,
para conserv�-lo em suas m�os, n�o pensavam duas vezes.
Matavam, saqueavam e roubavam. Fam�lias inteiras eram
v�timas de suas mentiras.
Foi nesse clima que meu pai, o velho Ozias, nos trouxe de
volta a Jerusal�m. Mas a desgra�a logo se abateu sobre nossa
fam�lia. Nossa casa, localizada na parte alta da cidade,
era causa de inveja a muitos judeus e aos sacerdotes levitas.
Desejavam despojar meu pai de seus bens, mas n�o encontravam
ocasi�o prop�cia. Foi h� pouco tempo que Tito, o
general romano, havia invadido a cidade e destru�do o sagrado
templo. Tudo era tumulto. Mas, mesmo assim, meu
pai queria voltar a Jerusal�m e morar na cidade sagrada.
Agora, por�m, nem t�o sagrada assim. Degradada seria a
palavra correta. Tito passara e despeda�ara tudo. Mas justamente
a� � que os sacerdotes tentavam se aproveitar da
situa��o para se firmar no poder.
H� algum tempo, diziam, um homem estranho viera da
Encontro com a vida 119
Galil�ia. Diziam que ele era profeta e havia profetizado o
fim do templo e tamb�m havia falado do final dos tempos.
Mas ningu�m parecia se preocupar com ele; afinal, da Galil�ia
n�o vinha nada de bom. Era uma regi�o desprestigiada.
Pobres, miser�veis, mendigos, corruptos e ladr�es. Era terra
sem valor. S� que os sacerdotes n�o contaram com o fato
de que o Galileu tivesse tanto poder assim sobre o povo,
sobre a multid�o. Estranho poder, o dele. Se dizia o filho de
Deus, o rei dos judeus. Ele morreu, diziam. Mas diziam tamb�m,
os seus seguidores, que ele ressuscitara dos mortos. E
o pior de tudo � que por toda parte se viam grupos de seus
seguidores. Essa foi a nossa ru�na; foi a ru�na de nossa fam�lia.
Dizem que, na �poca da destrui��o do templo, os seguidores
do Galileu conspiraram, tirando muita gente da cidade
santa. Partiram aos montes, em caravanas. Mas depois
voltaram. Estavam por a� falando de lendas, milagres e encantos.
Parece que toda a Jerusal�m estava se rendendo �s
hist�rias dos pescadores, dos seguidores do Galileu. Minha
m�e foi uma das que se renderam � estranha influ�ncia dos
seguidores do Galileu. O velho Ozias revoltou-se. Eu me
revoltei. N�o foi somente porque minha m�e se convertera,
n�o. Era bem mais profunda a minha dor, a minha raiva. Eu
n�o sabia a quem odiar mais. Se aquela gentinha cheia de
hist�rias de milagreiros ou a Miriam. Fora ela o instrumento
da nossa desgra�a, principalmente da minha, da minha
desgra�a.
Eu conheci Miriam logo que chegamos a Jerusal�m. Ela
era bela, orgulhosa, uma menina-mulher. Eu, apenas um
garoto, mal entrando na mocidade, mas literalmente encantado
pelos trejeitos de Miriam. Com o passar dos anos,
o encanto de adolescente se transformou no desejo do jovem,
do homem. E Miriam mantinha-se distante, provo-
cando-me. Eu estava rendido pelos encantos e pelas curvas
do seu corpo de mulher. As mulheres sempre me fascinaram.
Mas Miriam guardava algo especial e tocava-me de
forma tamb�m especial.
Mas ela era como uma gazela arisca. Orgulhosa como
ela s� e desejosa de fazer fortuna, de fama.
� Ora, Jess�, voc� n�o poder� me oferecer aquilo que eu
mais desejo neste mundo.
� Fale-me, Miriam, fale-me o que deseja e lhe darei o
mundo. Qualquer coisa que desejar.
� Seu bobo, voc� n�o consegue imaginar o que se passa
na cabe�a de uma mulher como eu. Jerusal�m est� acabada,
saqueada, destru�da. N�o desejo mais nada daqui. Desejo
Roma. Isso mesmo, meu destino � a corte de C�sar...
� Mas, Miriam, por que n�o nos casamos e nos tornamos
felizes ao lado um do outro, conforme as tradi��es do
nosso povo?
� Idiota! Eu n�o nasci para isso. Quero o mundo, n�o a
tradi��o. Desejo o ouro, e n�o a Tor�. Vejo-me em Roma, e
n�o nos p�tios destru�dos do templo. Sou nascida para
mandar nos homens, e n�o para me submeter a eles.
Encontro com a vida 121
Miriam estava louca pelo poder, pelo dinheiro, pelo ouro.
E eu, pobre coitado, poderia ter aos meus p�s qualquer mulher,
qualquer uma, menos Miriam. Eu era alto, belo, com
os cabelos acobreados. Herdara de meus av�s, nascidos na
Idum�ia, os olhos azuis que fascinavam as mulheres de todo
lugar. Mas eu mesmo, miser�vel de mim... estava fascinado
pelos encantos de Miriam. Mas ela era dada �s intrigas dos
sacerdotes; queria tirar partido de tudo.
Minha velha m�e, conhecida como Adab, era nascida em
Filipos. Embora judia, n�o esperava muita coisa do povo
judeu. Era uma vision�ria. Coitada da velha Adab. Esperava
um mundo novo, um novo sistema de coisas, e foi exatamente
esse tipo de pensamento que a perdeu. Desejava um
mundo diferente; conforme ela dizia, os judeus e suas cren�as
j� n�o a satisfaziam. Queria algo novo, diferente. Foi
assim que minha m�e, a velha Adab, preparou-se intimamente
para aceitar as cren�as dos seguidores do Galileu.
Certo dia, quando ela se dirigia ao mercado da cidade, ouviu
um daqueles convertidos falar de suas cren�as. A velha
Adab, minha m�e, curiosa como todas as mulheres, se deixou
arrastar pela multid�o e foi-se entre os novos conversos.
Junto com ela se foram os nossos dias de sossego. A
velha Adab deixara-se conquistar por aquelas id�ias loucas,
absurdas, hist�rias de pescadores e pecadores.
Uma persegui��o sem igual se abateu sobre os seguidores
do Galileu. N�o sei que poder tinha aquele homem que,
mesmo depois de morto, a multid�o seguia; ali�s, seguia
122
sua id�ia, seus sonhos e suas promessas. A persegui��o aumentou,
e os sacerdotes e os pr�ncipes do povo prometiam
ouro e prata, somas principescas, para quem entregasse
os crist�os, os convertidos do Caminho. Assim eles se chamavam.
Ozias, o meu pai, tentou todos os recursos para tirar a
velha Adab daquela loucura, mas foi em v�o. Nossa fam�lia
passou a viver um pesadelo. O medo dos sacerdotes e dos
romanos agora rondava a nossa fam�lia, e tudo, tudo o que
constru�mos amea�ava ruir devido � nossa velha m�e e �s
suas cren�as absurdas.
Foi a� que Miriam entrou, sendo o piv� de toda a intriga
que destruiu nossos sonhos. Tentamos esconder minha m�e
at� mesmo de Miriam, mas ela era faceira, conhecia nossos
m�nimos pensamentos. Diziam por a� que Miriam se envolvera
com uma bruxa, uma feiticeira da �sia, que lhe ensinara
a fazer beberagens. Creio que foi uma dessas suas f�rmulas
diab�licas que ela me deu.
Eu estava louco, apaixonado por Miriam. E ela sabia
disso. Sabia e tirava o m�ximo proveito da situa��o. Assim,
ela foi se insinuando em nossa fam�lia; tentava a todo custo
obter alguma informa��o que lhe rendesse cr�dito junto aos
sacerdotes e aos espi�es de Roma. Foi a minha perdi��o. A
nossa perdi��o.
Embriagado pela vis�o da mulher de meus sonhos, troquei
o segredo de nossa fam�lia, a convers�o da velha Adab,
Encontro com a vida 123
minha m�e, por alguns momentos de amor, entre as sedas e
os perfumes de Miriam. Ela viu a� a oportunidade que tanto
desejara. N�o pensou muito e entregou a velha Adab para o
Sumo Sacerdote e os dignit�rios romanos. Foi a desgra�a.
Adab foi capturada, nossos bens confiscados, e, ap�s uma
semana de torturas intensas, a velha Adab fechou os olhos
para sempre. Vimos nossos castelos de sonhos desmoronar.
Ozias, o meu pai, parecia enlouquecer. Tanto ele como
meus tios foram presos pela guarda dos sacerdotes.
Fugi feito louco, mas n�o queria acreditar que Miriam
fosse a causa de nossa mis�ria. Ela me encontrou junto com
David, o meu primo, e mais uma vez me rendi aos seus encantos.
Prometendo ajuda, ela me fez revelar o paradeiro do
resto da fam�lia, que se escondera numa das aldeias da Samaria.
Tarde eu acordei para a desgra�a. Miriam entregou a
todos, e fui obrigado a fugir com David para terras distantes.
Foi somente gra�as � reputa��o de meu pai e a algumas
amizades que fizera que ele escapou de ser morto. Com
muito jeito ele conseguiu fugir, e nos juntamos, toda a fam�lia,
numa caravana que partia rumo a outras terras.
Dentro de mim ficou a marca registrada de meu encontro
com Miriam. A trai��o, a revolta, a paix�o, a dor e o
�dio, misturados num sentimento inomin�vel. Este sou eu,
o filho da mis�ria e da dor...
A medida que o elevado mentor estendia suas m�os so
124
bre a cabe�a da entidade revoltada e aflita, a mem�ria espiritual
parecia trazer � tona o extrato de suas experi�ncias
pret�ritas. O fen�meno era natural, e, ao que me parecia, a
presen�a de C�ssio ao lado de Jess�, o perseguidor de Joana,
ajudava a despertar as mais rec�nditas lembran�as do esp�rito
obsessor.
Eu a vi novamente, por diversas vezes nos encontramos
em outras ocasi�es. Muitas e muitas vezes cruzamos nossos
passos nas estradas da vida. Miriam retornou, e eu tamb�m.
Ela foi a cigana maldita que me conquistou o cora��o e
destruiu logo ap�s a minha vida. Sim! Isso foi depois, muito
depois, l� na Bo�mia. Mais tarde ela retornou � Terra na
pessoa de El�cides, na antiga Bretanha, e eu novamente me
vi seduzido pelos seus encantos e deixei-me arrastar pelos
olhos cor de mel daquela que tantas vezes foi a minha ru�na.
E mesmo a�, com tantas dores e sofrimentos, me vi rodeado
pelo carinho de Adab, que tamb�m me acompanhava
nesta jornada secular. Ora minha m�e, ora amiga e companheira
de tormentos, Adab era a �nica esperan�a para meu
infortunado cora��o sofredor. Mas h� muito tempo que eu
n�o via Adab. Ali�s, desde que o �dio se instalou definitivamente
dentro de mim. Desde que eu reconheci Miriam, El�cides,
Palmira e Lucr�cia, escondidas todas elas na roupa
desgra�ada de Joana. Ela pensava que iria se esconder de
Encontro com a vida 125
mim. N�o mesmo!
N�o adianta ela se disfar�ar de Joana, pois agora serei eu
o autor da desgra�a dela.
Contratei outros esp�ritos para se aliarem a mim, em
meu desejo de vingan�a. Prometi a eles a pr�pria Joana. Eu
mesmo a entregarei em suas m�os, para extra�rem dela a
�ltima gota de seus fluidos; para que suguem as �ltimas
reservas de energia que lhe restem. Eu apenas assistirei, rindo
gostosamente de sua mis�ria, e ela ver�, ela sentir� na
pele a pr�pria infelicidade da qual me viu lamentar por tanto
tempo...
C�ssio aproximava-se cada vez mais do companheiro
cego de vingan�a. Em determinado momento se deteve, retirou
suas m�os de sobre a cabe�a do esp�rito vingador, como
se interrompendo as lembran�as do passado que eclodiam
na mente da entidade perseguidora, e orou.
Neste momento presenciei algo que era um misto de divino
e maravilhoso. C�ssio transubstanciava-se ante nossa
presen�a. E mais: enquanto acontecia o fen�meno, quando
C�ssio orava, o esp�rito perseguidor de Joana ca�a ao solo,
afetado pela vis�o que se fazia presente ao seu lado.
C�ssio parecia diluir-se em n�voas luminosas e evaporar-
se em meio �s cintila��es de estrelas que provinham de
sua alma j� experimentada.
As fei��es de C�ssio foram aos poucos se modificando
126
ante a nossa vis�o espiritual. Assumia agora a forma feminina;
uma mulher que aparentava mais ou menos 50 anos
de idade, igualmente envolvida em intensa luz. As vestes lembravam
as vestimentas simples dos tempos recuados da
Jud�ia. Sobre a cabe�a, um manto cobria-lhe agora os cabelos
esbranqui�ados, e os olhos refletiam talvez a tranq�ilidade
das �guas do Jord�o. Era Adab, a velha Adab das recorda��es
do companheiro infeliz.
� Meu filho, por que tanto �dio e sentimento de vingan�a
em teu cora��o? � come�ou a falar C�ssio, sob a apar�ncia
da velha judia. � N�o posso acreditar, meu filho, que
dentro de ti possa ter se instalado tanto �dio, quando j�
vivemos juntos tantos momentos de amor...
Enquanto Adab falava, se achegando ao perseguidor de
Joana, o esp�rito revoltado perdia as for�as, vencido pela
manifesta��o de amor. Parecia-me que o obsessor deixara-
se cair nos bra�os de Adab, que agora o aconchegava ao
colo, como uma m�e prestimosa. L�grimas desciam do rosto
de Adab, que segurava o esp�rito entre seus bra�os, com
imensa demonstra��o de carinho.
Era a vit�ria do amor sobre o �dio, da luz sobre as tre
vas.
Adab prosseguiu:
� Filho amado, venho acompanhando teus passos e abri-
gando-te em meu cora��o por longo tempo. Sei que n�o
podes me ver, meu filho, mas com certeza poder�s sentir
Encontro com a vida 127
minha presen�a acariciando-te como a brisa que um dia
soprou sobre n�s nas terras aben�oadas de nosso povo.
"N�o compensa o �dio, meu filho. Quando fazes algu�m
sofrer, igualmente sofres e projetas a dor sobre outras pessoas
que s�o queridas por ti.
"V�s a Joana? A nossa Joana? Eu a abriguei em meus
bra�os como filha querida, nesta �ltima exist�ncia em que
ela sofre a tua persegui��o. Mudei apenas de corpo, meu
filho, mas continuo por dentro a mesma alma feminina que
um dia aprendeste a amar como a tua velha m�e Adab. V�s
a m�e de Joana, que sofre junto � filha perseguida pelo teu
�dio? Na certa n�o podes ainda identificar em Altina o teu
amigo David, reencarnado com a miss�o de m�e, que tenta
recuperar a nossa Joana. Det�m-te, meu filho. N�o prossigas
forjando mais dor para o teu destino. Na Terra e fora
dela somos todos inocentes perante a lei divina, e nenhum
sentimento de culpa nos � imputado pela divina bondade de
Deus.
"Somos n�s mesmos os nossos verdugos. Deus n�o nos
condena, meu filho. Tanto Joana como n�s somos ainda
crian�as espirituais, que, errando, tentamos acertar os passos
nos caminhos que nos levam ao Pai."
Adab prosseguia falando ao cora��o do esp�rito, tocando-
lhe com profundidade a alma doente. Ao nosso redor, o
ambiente espiritual parecia refletir o sentimento elevado do
momento. Presenciei um fato extraordin�rio naquele local.
128
� medida que Adab ia falando ao cora��o de seu filho, os
fluidos da paisagem espiritual na qual nos encontr�vamos
iam se modificando e transformando-se lentamente num
ambiente mais agrad�vel. Flores perfumosas surgiam aqui
e ali como fruto dos sentimentos de Adab, que se irradiavam
por toda parte.
Ernesto, observando a minha curiosidade, esclareceu-me:
� Cada esp�rito forja em torno de si o pr�prio inferno
ou cria o seu c�u de conformidade com seus sentimentos e
com a vibra��o de sua alma. Como o perseguidor de Joana
se demorava em pensamentos de vingan�a, alimentados por
sentimentos e emo��es descontroladas, os fluidos � sua volta
plasmaram o ambiente desolado que vimos anteriormente.
C�ssio, ou melhor, Adab, revivendo os pensamentos de amor
em rela��o ao filho querido, anulou a for�a mental inferior
que modelou o ambiente astralino, e, atrav�s da ideoplastia,
do magnetismo superior de seu esp�rito, presenciamos
a transforma��o lenta da paisagem espiritual � nossa volta.
� Ent�o, o companheiro C�ssio � na verdade a mesma
Adab da antiga Jud�ia, que reencarnou como o pai de
Joana?
� Sim, perfeitamente. E n�o estranhe, �ngelo, pelo fato
de um esp�rito que antes se revestiu de um corpo f�sico de
determinado sexo apresentar-se em pr�xima encarna��o em
outro corpo, com sexo diferente. A quest�o da escolha do
sexo relaciona-se �s necessidades evolutivas do esp�rito.
Encontro com a vida 129
Havendo necessidade, o esp�rito troca de sexo em reencarna��es
futuras, de acordo com as experi�ncias pelas quais
tenha de passar. Como v� neste caso, David, o companheiro
do perseguidor de Joana, da �poca recuada da Jud�ia, renasce
agora como Altina Gomides, e a velha Adab, que no passado
foi a m�e do infeliz companheiro e v�tima das intrigas
e falsidades de Miriam, retorna ao palco das experi�ncias
f�sicas como C�ssio. Juntos abrigam no cora��o o esp�rito
endividado de Miriam, que tamb�m foi, em outra encarna��o,
Efig�nia, a filha de Henriqueta, e ambos faziam parte de
minha fam�lia.
"Como pode observar, David, conforme as recorda��es
do perseguidor desencarnado, n�o assumiu o corpo feminino
apenas uma vez. Antes que ele fosse Altina Gomides, vivemos
juntos no passado, quando ele assumiu a forma de
Henriqueta. Miriam, por sua vez, foi a minha irm� querida
nessa exist�ncia a que me referi, assumindo o nome de Efig�nia."
� E voc�, ent�o, nesta hist�ria toda...
� Eu sou a reencarna��o do antigo marido de Adab, o
velho Ozias; no passado distante, tive a felicidade de ser o
pai de Jess�, o atual perseguidor de Joana. A hist�ria se fechou.
Encontramo-nos juntos novamente ap�s tantos s�culos
de lutas e sofrimentos. Entre n�s, C�ssio foi o que
mais soube aproveitar as oportunidades que a vida nos concedeu,
e hoje � o que re�ne mais condi��es de auxiliar Joana.
130
Fiquei perplexo diante de tudo o que ouvia. Imaginei
como a hist�ria de nossas vidas se interligava por fios invis�veis
que, ao longo do tempo, iriam se definindo nas experi�ncias
que dever�amos vivenciar.
O instrutor Ernesto convidou-me a silenciar e contribuir
para que o momento que viv�amos pudesse ser aproveitado
ao m�ximo.
Adab, ou C�ssio, continuou falando baixinho, enquanto
Jess�, o perseguidor de Joana, jazia abatido sobre os bra�os
da veneranda entidade. N�o havia como resistir � for�a do
amor. O �dio de Jess� contra Miriam/Joana n�o resistia tanto
assim que pudesse se opor ao magnetismo amoroso de
Adab.
Embora o esp�rito perseguidor n�o pudesse registrar a
nossa presen�a, e principalmente a presen�a de Adab, ele
registrava os sentimentos, enquanto os pensamentos de
Adab eram recebidos em forma de intui��o.
� M�e, minha m�e... Socorre-me, pelo amor de Deus...
Jess�, o perseguidor de Joana, n�o mais podia resistir. A
for�a do amor vencera suas �ltimas resist�ncias.
� Socorre-me, pelo amor de Deus...
Os gritos e solu�os do companheiro infeliz sensibilizaram
a nossa alma ao m�ximo. L�grimas desciam de nossos
olhos quando vi Ernesto se aproximar de Adab, auxiliando-
a mais intensamente na tarefa de resgate daquela alma
equivocada.
Encontro com a vida 131
Com passes magn�ticos, Ernesto fez com que o esp�rito
adormecesse nos bra�os de Adab. As l�grimas desciam dos
olhos de ambos. Para mim, que observava o desfecho daquela
hist�ria, as l�grimas daqueles esp�ritos assemelhavam-
se a orvalhos de luz que suavizavam as dores daquela
alma rebelde.
N�o tive como conter as emo��es de minha alma. A paisagem
espiritual dilu�a-se em luz enquanto Adab retomava
a forma espiritual de C�ssio, dando por encerrada aquela
etapa da hist�ria daquelas vidas.
A visita
de Paulo
Comecei a entender que,
em todo aquele tempo
aparentemente perdido,
apenas procurava pelas
pegadas de Jesus.
134
s dias passaram velozes sobre esses
acontecimentos. Encontramos novamente
a pupila de Ernesto, a m�e
de Joana, entretida entre os c�nticos
de louvor e os afazeres dom�sticos.
Altina Gomides dedicava-se �s tarefas do lar, mas conservava
a imagem da filha impressa na mem�ria. Como
m�e, n�o podia ignorar a situa��o de urg�ncia em que se
encontrava a sua Joana. Sofria calada, mas esperan�osa.
Afinal, na igreja que freq�entava, o pastor convocara uma
equipe de fi�is que se reuniam constantemente em ora��o.
Faziam uma vig�lia, uma noite toda de leituras da
B�blia, c�nticos de hinos e salmos, dedicada � recupera��o
de Joana.
Entretanto, Altina permanecia com algumas preocupa��es
pr�prias de m�e, acrescidas de algumas d�vidas a respeito
dos recursos oferecidos por amigos para a recupera��o
da filha.
Encontro com a vida 135
� Ah! Meu Pai amado, n�o sei se fiz bem em aceitar a
ajuda do Seu Paulo e do Seu Anast�cio. S�o tantas coisas na
cabe�a da gente que, confesso � pensava Altina Gomides
� n�o sei se fiz certo aceitando aux�lio de algu�m que n�o �
evang�lico. Mas tamb�m eu n�o tinha nenhuma sa�da.
Altina justificava-se intimamente pelo fato de recorrer
ao aux�lio de Anast�cio e tamb�m por saber da religi�o de
Paulo, o benfeitor de sua filha.
� Ele � esp�rita! � pensava a respeito de Paulo. � Valha-
me, Deus! O sangue de Jesus tem poder! Nem sei o que �
pior para mim, se � ver minha filha sofrer ou saber que ela
corre algum risco sendo tratada numa cl�nica esp�rita. Tomara
que o pastor n�o me pergunte nada a respeito.
Com os pensamentos conturbados, a pobre m�e continuou
seus afazeres dom�sticos, cantando hinos de louvor e
gratid�o a Deus. Ela n�o pensava assim por ser inimiga dos
esp�ritas. Ocorre que n�o tinha id�ia formada a respeito do
espiritismo, a n�o ser as informa��es que lhe eram transmitidas
pelos pastores e mission�rios de sua pequena comunidade
religiosa. Para eles, o espiritismo era obra do dem�nio,
e os esp�ritos, o pr�prio diabo disfar�ado.
Altina tentou ficar livre desses pensamentos e distrair-
se nos trabalhos que tinha a realizar.
Subitamente, sentiu que n�o estava sozinha em casa. Algo
ou algu�m a espreitava. A princ�pio julgou que era apenas
imagina��o sua, j� que antes estava pensando a respeito de
136
certas coisas estranhas, como seja o espiritismo...
Dirigiu-se ent�o para o pequeno quarto de dormir, quando
sentiu que alguma coisa a tocou no ombro direito. Seus
cabelos se eri�aram.
� O sangue de Jesus tem poder!
Come�ou a entoar hinos cada vez mais alto, tentando
disfar�ar o nervosismo. Nesse clima de mist�rio que a envolvia,
resolveu parar com os c�nticos e ler um coment�rio
b�blico, uma passagem do Livro Sagrado.
Fechou os olhos como que em ora��o e, abrindo o livro
ao acaso, deparou com o livro dos Atos dos ap�stolos, no
cap�tulo 2, quando Pedro e os demais ap�stolos recebem os
dons do esp�rito.
Se Altina pudesse dilatar a sua vis�o naquele momento e
penetrar a outra realidade da vida, veria que, ao seu lado,
um esp�rito amigo a induzia na escolha do texto sagrado.
N�o era o acaso que a levara a abrir a B�blia exatamente
naquele livro e cap�tulo.
Terminada a leitura do texto, Altina pronunciou sentida
prece, rogando a Deus a b�n��o para o seu lar.
Eis que, novamente, sentiu uma m�o tocar-lhe a face suavemente,
desta vez mais lentamente. O cora��o da mulher
disparou, a pulsa��o alcan�ou um ritmo acelerado, e ela
parecia desfalecer, sentindo as for�as a abandonarem. Continuou
a orar a Deus, entre o medo do invis�vel e a vontade
louca de sair correndo. Conteve a custo o grito que j� se
Encontro com a vida 137
esbo�ava em sua boca.
A situa��o se suavizou um pouco, e ela alcan�ou maior
equil�brio. Levantou-se e dirigiu-se � porta que levava para
a rua. Ensaiou sair de casa e, ent�o, ouviu um sussurro atr�s
de si.
� Tina, minha Tina! Sou eu, o C�ssio.
Altina p�ra como que petrificada.
N�o pode ser. C�ssio j� morreu. O seu C�ssio, o pai de
Joana e companheiro dileto do seu cora��o, agora repousava
no para�so, esperando a ressurrei��o no dia final, quando
Jesus voltasse nas nuvens do c�u.
Ela n�o conseguia movimentar-se direito. Suas pernas
recusavam-se a lhe obedecer. Sentiu o sangue congelar em
suas veias.
Como gostaria de ver o seu C�ssio. Como seria bom
abra�ar novamente aquele que fora um exemplo de crist�o,
de marido e pai.
� Mas, assim, n�o! Deus me livre. Jesus me salve!
� Tina, minha Tina, n�o tenha medo. Sou eu...
A voz teimava em lhe falar. Agora ela tinha certeza. S� o
seu C�ssio a chamava assim, de "minha Tina". Mas ele estava
morto, no para�so...
Altina tentou virar-se lentamente, e o que viu fez com
que ela sentisse a vida abandonar o seu corpo cansado. Jamais
imaginaria que algum dia veria um esp�rito. E jamais
138
pensaria que, se isso ocorresse, seria justamente o esp�rito
do seu querido C�ssio.
Suspensa a uns 30 cent�metros do ch�o, pairava a forma
de um homem de mais ou menos 50 anos de idade. Vestindo
um terno impecavelmente branco, trazia nas m�os um buqu�
de flores pequeninas e, aberto, um livro do qual irradiava
intensa luz.
� Sou o C�ssio, minha Tina, estou aqui para ampar�-la e
inspir�-la, em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo � falou o
esp�rito. E em nome de Nosso Senhor Jesus Cristo Altina
desmaiou ali mesmo, entre a manifesta��o de seu antigo companheiro
e as �ltimas palavras que conseguiu balbuciar:
� Oh! gl�rias, gl�rias, aleluia...
Havia algum tempo que Anast�cio e Paulo batiam palmas,
chamando � porta da pequena casa onde morava Altina
Gomides. Chamavam em voz alta, despertando a aten��o
de uma vizinha, que se mostrava curiosa quanto a tudo
o que acontecia na vizinhan�a.
� Mo�o, mo�o! � chamava a berros a vizinha. � Se mal
pergunto, por acaso voc�s querem saber da D. Altina?
E sem esperar a resposta dos visitantes, a mulher foi logo
acrescentando:
� Ela est� a�, sim. Agora mesmo eu a vi cantando t�o
alto que parece que queria converter o mundo inteiro. Voc�s
sabem, n�o �? Esse povinho crente chateia a gente com
Encontro com a vida 139
essa cantoria o dia todo. Ah! Voc�s sabem da �ltima? Dizem
que Joana, aquela, a filha da Altina... est� doida! Doidinha
varrida. E tamb�m que est� internada no pinei. Coitada,
a m�e nem de longe liga pra ela...
� Minha senhora, por favor! � interferiu Anast�cio. �
N�s s� queremos falar com D. Altina, s� isso.
� Ah! Eu t� reconhecendo o senhor. T� sim.
A mulher saiu correndo de casa, segurando uma vassoura
na m�o direita, e dirigiu-se a Anast�cio, falando sem parar:
� O senhor � o mo�o l� da padaria, n�o �? Aposto que
veio aqui cobrar da crente o dinheiro que ela deve ao senhor.
E, virando-se para Paulo, o amigo e benfeitor da fam�lia,
disse, sem se preocupar muito com o que falava:
� Meu Deus do c�u, que mo�o bonito � o senhor. Aposto
que � um irm�o l� da igreja de D. Altina. Acertei, n�o � mesmo?
E arrumando os cabelos, balan�ando-se toda, come�ou
a gritar para dentro da casa de Altina:
� D. Altina, D. Altina... vem logo, tem visita pra senhora!
Voltando-se para os dois visitantes, que a essa altura
estavam sem saber o que fazer com a situa��o constrangedora,
falou, modificando o tom de voz:
� Aposto como ela est� fingindo que n�o ouve. Tem gente
140
que faz de tudo pra n�o pagar o que deve. Mas deixa comigo,
eu fa�o ela vir loguinho, loguinho. Al... tinn... naaa! Altina,
minha filha, � not�cia de sua Joana, vem logo, sua boba...
Paulo e Anast�cio resolveram interferir para evitar maiores
esc�ndalos. Com muito jeito, convenceram a mulher a
se retirar. Quando pensaram que haviam conseguido solucionar
o problema da intromiss�o, a mulher retorna, apressada,
e diz para os dois, que ficaram boquiabertos:
� Ah! Eu j� ia me esquecendo de me apresentar. Prazer,
meu nome � Mariquinha. Sou a melhor amiga de D. Altina e
de Joana. Precisando de alguma coisa � falou rebolando �
� s� pedir.
Saiu a mulher toda saltitante, deixando os dois sem entender
nada.
Olhando para Paulo, meio sem gra�a, Anast�cio resolveu
dar uma olhada para dentro da casa, pois a porta da rua
parecia entreaberta. Se em meio a tanto barulho ningu�m
atendia � porta, Anast�cio julgou que algo n�o ia bem. Notou
uma sombra ou algo parecido, como se algu�m estivesse
deitado no ch�o. Falou para Paulo:
� Acho que devemos nos atrever e entrar. Parece que
tem algu�m deitado no ch�o. Isso n�o � comum.
� Vamos logo, Anast�cio, n�o nos demoremos.
Quando os dois passaram pelo port�o e se viram no umbral
da porta, entenderam o que se passava. Altina estava
estendida, desmaiada. Entraram imediatamente e socorre
Encontro com a vida 141
ram a mulher, transportando-a para um sof�.
Aos poucos Altina Gomides foi retornando � realidade,
ap�s os cuidados prestados pelos visitantes.
� Me desculpem, voc�s. N�o sei o que aconteceu. Parece
que eu vi o C�ssio, e, ent�o, apaguei. Ai, meu Jesus, o que
est� acontecendo?
Paulo e Anast�cio foram informados por Altina do que
ocorreu em sua casa, a respeito da vis�o que tivera e do
medo intenso que a dominava.
� N�o se preocupe, D. Altina � falou Paulo. � O que
lhe aconteceu � algo muito comum, s� que, n�o tendo explica��o
imediata para o fato, a senhora se assustou.
� Deus me livre disso; eu acho que a minha vida est�
dando uma reviravolta. Desde que Joana saiu do hospital,
no ano passado, t�m acontecido coisas estranhas conosco.
� Que � isso, D. Altina? � interferiu Anast�cio. � Talvez
a senhora esteja muito cansada de toda essa situa��o
com a Joana e, a�, n�o est� ag�entando a press�o. Mas, olha
bem, devemos ficar felizes, pois a Joana est� agora sendo
tratada direitinho.
� � isso mesmo, D. Altina � continuou Paulo. � Vim
aqui mais o Anast�cio para ver se est� tudo bem ou se lhe
falta alguma coisa. Temos muito ainda a fazer em benef�cio
de Joana. A senhora precisa se fortalecer.
� �, Seu Paulo, mas agora � que estou preocupada mesmo.
Depois disso que aconteceu comigo nem sei como dizer
142
ao pastor l� de minha igreja que um esp�rito apareceu para
mim. Tenho medo de que os irm�os da igreja pensem que eu
me afastei de Deus.
� N�o fique t�o apreensiva, D. Altina, tente encarar tudo
isso com mais tranq�ilidade. O fato de um esp�rito ter lhe
aparecido n�o significa que ter� de mudar de religi�o.
� Eu nem posso pensar nisso, Seu Paulo, eu nem quero
pensar nessa possibilidade. Imagina s�, eu, uma serva do
Senhor! Fui lavada e banhada no sangue de Jesus e batizada
com o fogo do Divino Esp�rito Santo. Ai, meu Jesus! Isso
n�o pode estar acontecendo comigo. Eu entreguei o meu
cora��o para Jesus...
� � claro, D. Altina, � claro. Eu acho que aqueles que
entregam a sua vida a Jesus s�o protegidos por Ele, que � o
Senhor e Mestre de todos n�s. Quem sabe o esp�rito de C�ssio
n�o voltou apenas para lhe dizer que tem a permiss�o de
Deus para lhe auxiliar no caso de Joana? Pense nisso.
� Ser� mesmo, Seu Paulo? Mas ele era crente em Jesus.
Como � que um crente, algu�m que j� morreu, pode voltar
assim, me assombrando? Ele � um finado. Defunto, que eu
saiba, n�o retorna de uma hora para outra para atormentar
os vivos.
� Ser� que a senhora n�o se lembra da B�blia, D. Altina?
� perguntou Paulo.
� Que tem isso a ver com a B�blia'?
� Se a senhora � uma crente em Jesus e acredita na B�
Encontro com a vida 143
blia, com certeza vai se lembrar que est� escrito no Novo
Testamento o encontro que Jesus teve com os esp�ritos de
Mois�s e Elias, n�o se lembra?
� Claro que me lembro. Mas Jesus � Jesus. Ele � o Senhor
da Gl�ria. Ele pode tudo.
� Mas o Mestre n�o falou que se n�s acredit�ssemos
nele poder�amos realizar as mesmas coisas que ele realizou
e muito mais? Ou a senhora n�o se lembra tamb�m desse
ensinamento?
� Ora, Seu Paulo, ent�o, sendo o senhor um esp�rita,
tamb�m l� a B�blia'? Eu pensava que o espiritismo era contra
Deus e a B�blia.
� Claro que n�o, D. Altina � interferiu Anast�cio. �
Olha que eu tenho at� lido um livro que o Paulo me deu de
presente e que fala muito mesmo de Jesus. � O Evangelho
segundo os esp�ritos.
� O Evangelho segundo o espiritismo, Anast�cio! Isso
mesmo, D. Altina. Temos no espiritismo os ensinamentos
de Jesus como sendo o que de mais importante h� para as
nossas almas. Acreditamos em Jesus e tamb�m nos entregamos
a ele para conduzir os nossos destinos. S� n�o acreditamos
naquilo que as religi�es ensinam a respeito dele.
� Ora essa, Seu Paulo. Agora eu n�o entendi nadinha de
nada.
Sorrindo, Paulo deu uma boa desculpa e ensaiou se retirar
juntamente com Anast�cio.
144
� N�o se preocupe com isso agora, D. Altina. N�o � importante
que a senhora compreenda essa quest�o agora.
Temos muito tempo para conversar. Agora, o que importa �
que a senhora...
� Al... tinn... naaa! Altina queridinha, adivinha quem
� que est� chegando...
Era a vizinha, que, n�o ag�entando de curiosidade, invadira
a casa para ouvir a conversa.
� Sou eu, Altina. Com licen�a, voc�s. Sou a sua melhor
amiga. Ma-ri-qui-nha! Vim trazer aquela x�cara de caf� que
voc� me emprestou naquele dia. Voc� se lembra, n�o �?
Os tr�s foram interrompidos abruptamente com a chegada
da vizinha, que vinha enriquecer o di�logo com suas
profundas observa��es filos�ficas.
� Voc�s sabem, n�o �? Acho que Altina j� falou pra voc�s
que n�s duas somos como irm�s. Ali�s, irm�s g�meas,
n�o �, Altina? Olha que eu n�o sou t�o crente assim, como a
Altina, mas eu a-do-ro Jesus. Fala com eles, Altina, fala,
mulher...
Conversa
�ntima
Vi-me mais sens�vel pela
experi�ncia do sofrimento.
146
tempo passou. Os dias em que fiquei
internada naquela fazenda, em
tratamento, pareciam uma eternidade
para mim. At� que o lugar era bonito.
A cl�nica funcionava tamb�m
como um retiro. Mas as coisas n�o foram t�o f�ceis e
suaves para mim. Cortar o v�cio da coca�na e da hero�na
parecia o diabo. Nunca sofri tanto assim. Eu havia perdido
a esperan�a de ser algu�m, algum dia. � poss�vel
que, se eu tivesse me esfor�ado, talvez conseguisse ser
alguma coisa na vida.
Mas eu estava ali; internada e recebendo tratamento desse
bando de gente estranha. Todo dia era rem�dio e mais rem�dio.
E aquela psic�loga? Quem ela pensava que era? A revolta
me dominara por completo. Eu precisava sair dali.
Mas para onde iria?
Resolvi ent�o colocar em evid�ncia meus pr�prios m�todos
de me livrar dessas situa��es dif�ceis. Transformei
Encontro com a vida 147
me num problema s�rio de disciplina l� na cl�nica. Passei a
brigar com os trabalhadores do local. Fazia pouco caso do
tratamento e faltava constantemente �s visitas � psic�loga.
Ningu�m conseguia entender a raz�o da minha rebeldia. Nem
mesmo eu.
Com o tempo, por�m, fui me cansando de minhas pr�prias
atitudes. Que povinho estranho! Parecia que os tais
m�dicos n�o desistiam de mim. E aquela mania de fazer ora��es,
de rezar e cantar? Isso de certa forma me lembrava
minha m�e e tamb�m meu pai.
Engra�ado � que de uns tempos para c� comecei a sonhar
com papai. Aquela voz mansa me chamando. Nem sei
por que estou falando nisso. At� ent�o eu era uma pessoa
seca. N�o me comovia com nada. Nada ma fazia chorar. Mas
em apenas dois meses ali eu abati meu orgulho. Os sonhos
com papai se tornaram cada vez mais constantes, s� que eu
n�o me lembrava direito dos detalhes.
O que mais me chateava naquele lugar eram os tratamentos
de desintoxica��o. Nunca bebi tanto l�quido em
minha vida. Tudo muito natural, para minha infelicidade.
Outras pessoas estavam tamb�m internadas ali. Eu n�o
ligava muito para elas. Que se danem, eu pensava. Mas com
o tempo fui me sentindo sozinha, e a saudade de mam�e s�
agora tocava o meu peito. Foi numa dessas noites de inverno,
quando eu estava sentada na varanda da casa de dormir,
que a saudade bateu mais forte. A� eu n�o ag�entei e chorei.
148
N�o sei quando eu havia chorado antes. Creio que aquele
choro foi uma esp�cie de v�lvula que se abriu em minha
alma. Eu n�o ag�entava mais segurar a barra. Na verdade,
eu n�o me ag�entava.
As pessoas que estavam ali comigo se reuniram num canto
do extenso sal�o para cantar e rezar. Eu me conservava
afastada. Mas, naquela noite, enquanto eu chorava, as pessoas
que participavam do programa de reabilita��o junto
comigo pareciam se comportar diferente. Eram t�o viciadas
quanto eu, mas agora pareciam diferentes. Cantavam
� e mais: queriam sair dali curadas. E quanto a mim? O que
eu queria? N�o saberia responder naquele momento.
Desejava apenas chorar. Nada mais. L�grimas, apenas l�grimas
sentidas e mornas desciam dos meus olhos naquela
noite. Eu n�o podia acreditar! Eu, a Joana, estava chorando!
Creio que nem eu mesma acreditaria que alguma for�a
superior tocara meu cora��o. Minha m�e diria que foi a
m�o de Deus. Que seja!
Eu fui por muito tempo fria e insens�vel. Quem me conhecesse
n�o compreenderia o significado das minhas l�grimas.
Mas eu tinha que mudar.
Claro que estranhei os meus pr�prios pensamentos e
sentimentos. Parece-me que depois de longo tempo eu estava
pensando em mim mesma. Era como se antes eu estivesse
hipnotizada, e, agora, liberta de alguma influ�ncia estranha
que talvez tivesse se apoderado de mim. N�o sei ao certo.
Encontro com a vida 149
Mas agora eu me sentia diferente, estranhamente bem, depois
das l�grimas derramadas.
De repente, � como se eu ouvisse a voz do meu pai ressoando
dentro dos meus pensamentos: "Louvado seja o Senhor!".
Ou seria pura imagina��o minha?
Aproximava-se o dia em que eu deveria voltar para casa
e encarar minha m�e novamente. Como seria isso para mim?
Como seria para a mam�e me rever depois de dois meses de
separa��o?
Mas eu precisava, eu desejava me modificar completamente.
Por qu�? Eu n�o sei direito, apenas sentia necessidade
de retornar para casa e rever minha m�e, tentar recuperar
o tempo perdido. Ser� que era poss�vel?
L�grimas
Por isso o procurei pelo mundo.
152
oana recebeu a visita de Paulo na cl�nica; ele viera
para busc�-la e conduzi-la para casa. Ela queria
agradecer-lhe, mas, como n�o estava acostumada
com gentilezas, tentou ensaiar algo para
dizer. Por�m, o orgulho era maior que suas for
�as. N�o conseguiu de imediato.
� Ent�o, como est� a nossa Joana, doutor?
� Gra�as a Deus, parece que a menina se recuperou muito,
Paulo.
� Menina? � perguntou Joana. � Acho que voc�s est�o
querendo � ganhar a minha confian�a. Basta olhar para
mim que qualquer um saber� a minha idade. N�o sou mais
uma menina.
� Claro que � � respondeu Paulo. � Todos n�s somos
meninos e meninas. Tanto para nossos pais, quanto para
Deus. � s� quest�o de ponto de vista, n�o �, Dr. Adalberto?
� Claro! Joana, tem dias na vida em que a gente se com
Encontro com a vida 153
porta igual a meninos travessos. Outros dias, outras vezes,
nos comportamos igual a meninos bonzinhos. Todos n�s
estamos brincando de adultos, mas, no fundo, no fundo,
somos mesmo � crian�as espirituais.
� Bem, mas quero saber mesmo, doutor, � se Joana j�
est� liberada para retornar para casa. Parece-me que ela
est� completamente renovada.
� Ah! Como eu gostaria de voltar � pensou Joana.
� O que voc� acha, Joana? � perguntou o m�dico de
plant�o, Dr. Adalberto.
� Eu? Acho que j� tenho condi��es de voltar.
� Voc� acha? � perguntou Paulo.
� �! Eu acho. Na verdade estou muito envergonhada
por tanta coisa que andei aprontando. Nem sei como encarar
minha m�e depois de tudo...
� N�o se preocupe, Joana � falou o m�dico. � Essa
coisa de vergonha n�o deve ter lugar dentro de n�s. Voc� �
muito amada e esperada. Tenho certeza de que sua m�e estar�
de bra�os abertos esperando por voc�. N�o acha?
� N�o sei, doutor. N�o sei mesmo. O senhor nem imagina
o que j� andei aprontando por a�...
� Ah! mas tenho certeza de que agora voc� � outra. Isso
� o que importa.
� Mas, ent�o, doutor, ela vai ou n�o vai para casa? �
perguntou Paulo.
154
� Claro que sim. Apenas gostaria de dar algumas recomenda��es,
que, creio, poder�o auxiliar muito a nossa Joana.
Como voc� sabe, Joana, aqui n�s s� trabalhamos com
medicamentos naturais e homeop�ticos. Portanto, o que
vamos indicar para voc� n�o � nada diferente daquilo que j�
experimentou aqui. O mais importante de tudo n�o � que
voc� tome os medicamentos, apenas. Qualquer rem�dio que
o ser humano ingerir precisa encontrar na pessoa em tratamento
uma esp�cie de resson�ncia, para que surja o efeito
desejado.
� N�o entendo, doutor.
� Por exemplo: voc� alcan�ou a sua melhora aqui, na
fazenda, em nossa cl�nica, n�o apenas pelo tratamento de
desintoxica��o ou pelos medicamentos que voc� tomou.
Com certeza voc� fez o seu pr�prio esfor�o por melhorar
intimamente.
� Se eu fiz, doutor, eu nem notei.
� Mas n�s notamos, Joana, n�s notamos. Veja como
voc� chegou aqui, h� dois meses. Estava revoltada, com raiva
e repelia a nossa ajuda. Com o tempo, voc� se integrou
com a turma da cl�nica, com os outros companheiros em
tratamento e foi se modificando pouco a pouco. Um m�s
depois, voc� j� participava do culto no lar, fazia ora��es e...
� Mas eu n�o virei esp�rita por isso. Eu apenas achei
bonito o que as pessoas faziam.
� Eu sei, eu sei, Joana. Mas, ou�a bem, voc� se modificou
Encontro com a VIDA 155
intimamente. Isso voc� n�o pode negar. Eu at� vi voc� chorando
outro dia...
� Isso foi fraqueza minha, doutor...
� Ou pode ser outra coisa tamb�m, n�o acha?
� Outra coisa? N�o entendi!
� Pode ser que voc� se libertou de algum peso que carregava
consigo. Quem sabe, Joana, suas l�grimas representavam
a sua fortaleza espiritual?
Paulo ficava calado ouvindo toda a conversa.
� Fortaleza espiritual? Qual nada, foi fraqueza minha,
mesmo.
� N�o acho que seja isso. Depois das l�grimas derramadas,
vem o al�vio do cora��o.
� Isso � verdade, doutor. At� parece que uma represa se
rompeu dentro de mim e que as l�grimas me aliviaram por
dentro.
� Ent�o? Veja s� quanto voc� se modificou. O importante
daqui para frente � que voc� continue se tratando direitinho.
N�o deixe que a depress�o tome conta de voc� de
maneira alguma. � preciso combater o pessimismo e come�ar
a fase mais dif�cil de todas, que � a aquisi��o de valores
nobres, acalentando pensamentos felizes e otimistas.
� Isso vai ser dif�cil, doutor. O senhor sabe um pouco da
hist�ria de minha vida...
� Claro que n�o � assim! Voc� vai conseguir. O passado
156
n�o importa, Joana. Agora s� depende de voc�. Olha, eu
acho at� que voc� � muito feliz. O Paulo j� me falou que sua
m�e � evang�lica, e a� voc� j� ter� elementos de sobra para
prosseguir. Com certeza sua m�e deve orar muito. � importante,
neste momento, que voc� participe das ora��es em
fam�lia. Voc� tamb�m tem o Paulo, que, com certeza, estar�
acompanhando de perto o seu caso.
� Ent�o, doutor? � perguntou Paulo. � Ela vai ou n�o
vai embora?
� Claro, claro! Pode arrumar suas coisas, Joana, estaremos
esperando aqui por voc�. Eu passarei ao Paulo as instru��es
quanto a uma dieta e ao tratamento.
Ficando a s�s, enquanto Joana saiu para buscar os seus
pertences, os dois aproveitaram o tempo para maiores entendimentos.
� Ent�o, Dr. Adalberto, o que o senhor acha do caso de
Joana?
� Bem, eu nem sei como lhe dizer, Paulo; tenho medo de
aprofundar mais no assunto...
� Fale, doutor, este � o momento em que podemos falar
mais � vontade.
� Claro, Paulo, � claro!
Hesitando um pouco, Adalberto prosseguiu:
� O caso de Joana merece maiores cuidados. Voc�, por
certo, j� sabe que ela � v�tima de um longo processo de obsess�o,
n�o �?
Encontro com a vida 157
� Sim, doutor. Inclusive j� tive a oportunidade de levar
o nome dela para as nossas reuni�es l�, no centro. Parece-
me que o caso vem de s�culos de persegui��es.
� � at� dif�cil para n�s, aqui, na cl�nica, trabalharmos
em processos como este. N�o temos ainda condi��es de reunir
m�diuns para a tarefa de desobsess�o. Embora tenhamos
uma orienta��o espiritual, ainda n�o possu�mos pessoal
suficientemente comprometido com esse tipo de tarefa.
Resumimos o nosso atendimento �s terapias alternativas,
aos passes e a orienta��es morais. Para outras coisas dependemos
inteiramente da ajuda de outros companheiros.
� N�o se preocupe, doutor, continuarei me interessando
pelo caso de Joana.
� Mas n�o � s� isso que me preocupa, Paulo, n�o � s� isso.
Como voc� sabe, a Joana abusou muito da sorte, envolvendo-
se com gente da pesada. Mais ainda, ela se exp�s demais,
usando seringas para injetar as drogas que consumiu.
� O que o senhor quer dizer, doutor? Vamos, pode falar
direto.
� Bom, eu acho que n�o tem como esconder a minha
preocupa��o, Paulo. Joana estava internada aqui, conosco;
tivemos de realizar alguns exames. Colhemos a mostra de
seu sangue e procedemos � rotina de sempre. Nada de especial.
S� que, observando os resultados, vimos que as defesas
imunol�gicas de Joana estavam muito baixas. Ali�s, baixas
demais, o que nos preocupa bastante.
158
� Mas isso n�o � normal no caso dela, doutor?
� Isso n�o � normal no caso de ningu�m, Paulo. No
entanto, refiro-me ao fato de que as c�lulas de defesa de Joana
baixaram al�m dos limites...
� O que isso quer dizer exatamente, doutor?
� Bom, Paulo, considerando que Joana j� teve um comportamento
de risco, creio que o melhor mesmo � encaminh�-
la para outro m�dico e realizar exames mais detalhados.
� Quer dizer, HIV?
� Isso mesmo, Paulo. Infelizmente mantenho a suspeita
de que Joana se infectou com as picadas, nas rodas de droga
a que se entregou no passado.
� Mas isso � s� suspeita ou tem algo mais confirmado?
� Por enquanto � s� suspeita, mas conv�m n�o brincar
com o caso.
� Por que voc�s n�o fazem aqui o exame para verificar
com mais certeza?
� N�o podemos realizar o teste anti-HIV contra a vontade
do paciente. E, no caso de Joana, creio que seria melhor outro
m�dico fazer o pedido. J� que ela volta hoje para S�o Paulo, �
melhor conduzi-la urgentemente para novos exames.
� Como devo falar nesse assunto com Joana, doutor?
N�o sei como me comportar nesse caso.
� Tenha cuidado, Paulo. Joana est� numa fase em que
necessita de muito cuidado, quando abordarmos certas
Encontro com a vida 159
quest�es delicadas. Use a intui��o. Com certeza, os amigos
espirituais o auxiliar�o no caso. Quando Joana voltar, eu
mesmo tentarei algo que a auxilie. Quem sabe n�o conseguiremos
alguma coisa dela? O importante � que ela deve
manter a serenidade e o otimismo, o que, no presente caso,
vai requerer muito de voc� e da fam�lia dela.
Mal o m�dico acabou de falar, Joana foi entrando na sala,
carregando sua mala para viagem.
� Deixe que eu a ajude � falou Paulo.
� N�o precisa, Paulo, tem pouca coisa, mesmo. Eu dou
conta de carregar.
� Creio que agora a gente j� pode ir, n�o �, doutor?
� Um momento, Paulo. Preciso passar algumas coisas
para Joana.
� Passar o que, Dr. Adalberto?
� Calma, Joana, � apenas uma prescri��o para que voc�
procure um m�dico l�, em S�o Paulo.
� Procurar um m�dico? Eu pensei que era s� seguir os
conselhos do senhor l�, em casa, mesmo...
� � claro que voc� poder� se ajudar muito, Joana, conforme
n�s j� conversamos antes. Mas tamb�m � preciso que
voc� continue com a orienta��o m�dica. Um bom m�dico
poder� lhe ajudar a se recuperar rapidamente.
� J� que n�o tem jeito, doutor...
� Bom, eu quero que voc� seja muito feliz e que em breve
160
possa vir nos visitar.
� Eu n�o sei agradecer direito, doutor...
� N�o precisa, Joana, n�o precisa. Basta tomar conta de
voc� mesma. E voc�, Paulo � falou Adalberto com um breve
piscar do olho esquerdo � procure tomar conta direitinho
da Joana.
� Tomarei conta dela pessoalmente, doutor, mas acho
que ela j� est� muito bem, mesmo.
� Cuidem-se, amigos. Cuidem-se!
A conversa terminou ali, enquanto Paulo e Joana partiam
rumo � capital. Iriam de �nibus, o que daria tempo para
continuarem a conversa. Com certeza, na viagem de volta,
ambos poderiam estreitar os la�os de amizade. At� aquele
momento, Paulo fora o benfeitor de Joana. A partir de ent�o,
eles deveriam se aproximar ainda mais. Poderiam conversar,
trocar experi�ncias.
Novo
nascimento
Todo erro, toda fuga � tamb�m
uma procura.
162
inha m�e nunca me havia parecido
t�o bonita quanto desta vez. Quando
desci do �nibus na Barra Funda,
n�o podia imaginar que seria
capaz de sentir tanta emo��o assim.
Os olhos de minha velha m�e pareciam saltar como duas
p�rolas iluminadas. L�grimas ca�am de nossos olhos. Eu
chorava. Chorava sem parar, abra�ada com minha m�e.
Ela apenas dizia, acariciando meus cabelos: "Louvado
seja o nome do Senhor Jesus!". Neste momento, deixei-
me arrastar por uma alegria indiz�vel, que me invadiu.
Eu tinha uma m�e, e ela me amava, apesar de tudo o que
eu aprontei durante a vida toda.
Paulo estava radiante, e nos abra�amos os tr�s. Apenas
dois meses haviam se passado longe de mam�e e eu j� me
sentia outra. Talvez a dist�ncia f�sica tenha servido para mim
como um choque que me despertou para aquilo que eu nunca
antes dera import�ncia. Enquanto n�s duas chor�vamos,
Encontro com a vida 163
Paulo parecia sorrir. Ele, na verdade, se rejubilava diante
das emo��es que eu conseguia extravasar pela primeira vez,
durante longos e longos anos.
Durante todo o trajeto da viagem de retorno a S�o Paulo,
eu e Paulo falamos muito. Parece que �ramos duas maritacas
falando o tempo todo. N�o consegu�amos parar de
falar. Mesmo ali, no terminal da Barra Funda, enquanto toda
emo��o reprimida em minha vida se extravasava em l�grimas,
nos fal�vamos um com o outro. Fal�vamos sem palavras,
s� com o olhar e pelas l�grimas. Isso tudo estava sendo
muito bom para mim. Creio que nesse pouco tempo que
passei l� na cl�nica muita coisa se modificou dentro de mim.
Ser� que foi s� o tratamento? N�o sei dizer direito. Sei apenas
que eu nunca me senti assim antes. Nunca senti tanto o afeto
de minha m�e e tanta felicidade em rev�-la como agora.
Tamb�m com o Paulo as coisas aconteciam de forma diferente.
Encontrei nele um bom amigo. A viagem de volta
serviu como oportunidade para que eu o conhecesse melhor
e para que pudesse me abrir pela primeira vez com
algu�m, sem medo de ser mal-interpretada. Estranho, tudo
aquilo. Mas confesso que eu gostava da nova maneira como
estava encarando a vida.
At� ent�o eu n�o conhecia minha m�e direito. Parece-me
que, naquele dia, era o in�cio de um per�odo diferente em
minha vida. Certo que eu tinha ainda muita coisa a modificar
dentro de mim, mas pela primeira vez eu desejava fortemente
ser outra mulher.
164
Chegamos em S�o Paulo um pouco antes do Natal. Faltavam
poucos dias para as comemora��es do anivers�rio
de Jesus. Creio que minha m�e, o Paulo e alguns amigos
estavam me preparando uma boa surpresa.
Era um Natal diferente para mim. Resolvemos comemorar
juntos naquele ano. Foi assim que minha m�e convidou
Paulo, Seu Anast�cio com a fam�lia e o pastor l� da igreja
que minha m�e freq�entava. Deixei-me embriagar pelo clima
de festa e at� andei ensaiando alguns agradecimentos.
Quem me conheceu antes, como o Seu Anast�cio e os vizinhos,
nem conseguia acreditar. Eu estava diferente, mais leve.
Era como se um peso tivesse sa�do de meus ombros.
Naquele Natal as pessoas que me amavam prepararam
presentes especiais para mim.
O pastor resolveu cantar um hino de louvor a Deus, que
me fez chorar. Ao terminar as ora��es de louvor e agradecimento,
vi minha m�e em �xtase de tanta alegria. Ela, coitada,
n�o podia disfar�ar tanta emo��o. Abrimos ent�o os
presentes. Eram presentes simples, mas eu nunca antes ficara
t�o alegre por ganhar presentes como naquele Natal.
Minha m�e me presenteara com um hin�rio, em que eu poderia
aprender m�sica de louvor e gratid�o a Deus. O pastor
deu-me uma B�blia Sagrada. Segundo ele, seria a certeza
de minha salva��o. E Paulo me deu de presente um livro
diferente: O Evangelho segundo o espiritismo. Voc�s nem imaginam
como o pastor olhou a minha m�e naquele instante.
Paulo disfar�ou com um sorriso, e Seu Anast�cio salvou a
Encontro com a vida 165
situa��o, pedindo para todos cantarem uma can��o de Natal.
Enquanto todos cantavam, senti-me arrebatada pela melodia
e lembrei-me dos velhos tempos de farras. Onde eu
estava no Natal passado? Talvez pelas ruas, nas rodas de
drogados ou, quem sabe, na prostitui��o. Na verdade eu
deveria estar "adoidada" por a�, conforme dizia no meu antigo
vocabul�rio.
Como o tempo muda a gente! Naquele Natal, eu estava
ali com a fam�lia, toda sensibilizada diante da manifesta��o
de carinho de tanta gente.
Resolvi me retirar da sala da pequena casa onde eu morava
com minha m�e. Entrei para o meu quarto para pensar
um pouco. O Natal parece exercer sobre a gente um estranho
dom�nio, um fasc�nio mesmo. Parece-me que algu�m l�
em cima, aqui dentro do nosso peito, seja l� onde esse algu�m
se encontre, aproveita a ocasi�o festiva das festas natalinas
e arrebenta a �ltima muralha, a barreira que por
tanto tempo teimamos em manter. O que seria isso? Ainda
n�o estava t�o modificada assim a ponto de ter as respostas
para todos os meus questionamentos. Sei simplesmente que
eu estava sens�vel, profundamente sens�vel naquele dia.
Sentei em minha cama, e de repente tudo � minha volta
parecia ganhar um novo significado para mim. Eu sentia
como se m�os invis�veis estivessem por tr�s dos acontecimentos,
trazendo-me de volta � realidade. Como estava sendo
importante para mim aquele conv�vio familiar, a casinha
166
pequena, os gritos, os esc�ndalos da vizinha, os hinos e ora��es
de minha m�e. Como estava sendo importante para
mim o apoio que Paulo estava me dando. Como o pr�prio
Paulo estava sendo importante... Sentia-me especialmente
pr�xima dele naqueles dias.
� Joana, � Joana? Que faz a� sentada, menina?
� Ah! Paulo, eu j� disse para voc� outro dia que n�o sou
nenhuma menina.
� Eu sei, Joana, mas � o meu jeito de falar. Olha, o pessoal
est� a� fora, todo mundo alegre e feliz por voc�. N�o fique
a� toda recolhida, n�o. Aproveite a festa e venha se alegrar.
� N�o estou triste n�o, Paulo, � que tudo isso est� sendo
muito novo para mim. Parece que estou mais sens�vel estes
�ltimos dias.
� � a magia do Natal. Dizem certos amigos que tenho
que nesta �poca Deus aproveita esta nostalgia que invade a
gente e toca mais fundo em nosso cora��o.
� �, esses amigos seus at� que n�o est�o errados, n�o.
Diga-me, Paulo, voc� fala tanto de amigos que dizem isso,
amigos que dizem aquilo...
� Mas � a primeira vez que lhe falo desses amigos, Joana,
� s� uma forma de express�o.
� N�o �, mesmo. E tamb�m n�o � a primeira vez que
voc� me fala assim. Olha que eu tamb�m tenho observado
voc�; mas me diga, Paulo, quem s�o esses amigos que lhe
falam tanta coisa bonita assim?
Encontro com a vida 167
� Veja bem, Joana...
� Nada disso comigo, Paulo; fale-me sem rodeios.
� J� que voc� quer mesmo saber, os meus amigos, a quem
sempre me refiro, s�o os amigos de Jesus. S� isso � falou
Paulo, dando um largo sorriso.
� Voc� n�o me engana, rapaz. N�o me engana.
Sa�mos os dois e nos integramos � turma que estava na
sala contando as alegrias do Natal.
Para muita gente era apenas mais um Natal, mas para
mim era o in�cio de uma vida nova. Era, talvez, o meu novo
nascimento.
Tamb�m foi naquele dia que tive a coragem de encarar
Paulo de uma maneira diferente. Tive a aud�cia de olhar
bem fundo nos olhos dele e notei, pela primeira vez em minha
vida, que os olhos de um homem tamb�m escondem a
beleza do luar.
Shalom
Mas por todos esses caminhos n�o
o encontrei, simplesmente porque...
170
eja, Jess�, como Minam esta modificada �
falou Adab para o antigo verdugo de Joana.
Veja, filho, Miriam agora n�o � mais a mesma.
Olhe estampadas em sua fisionomia as
marcas do sofrimento. Observe, Jess�, como
ela se modificou com o tempo. Agora ela se utiliza de um
novo corpo, meu filho. Ela nos atende com o nome de
Joana.
C�ssio, modificando a sua apar�ncia perispiritual, revestia
a forma da velha Adab, que vivera nas proximidades
de Jerusal�m, no primeiro s�culo da era crist�. O instrutor
Ernesto tamb�m vivera �quela �poca, sob a roupagem f�sica
de Ozias, o pai de Jess�, o antigo perseguidor de Joana. �quela
�poca, a nossa tutelada vivia na Judeia reencarnada como
Miriam, a mulher que infelicitara a sua vida atrav�s de cal�nias
e intrigas, arrastando por quase dois mil anos os frutos
de sua infelicidade.
Est�vamos agora na pequena casa onde se reunia a fam�
Encontro com a vida 171
lia de Joana. Ali�s, onde a resumida fam�lia encontrava o
seu aben�oado ref�gio. Era Natal, e a alegria e sensibilidade
que a comemora��o do anivers�rio de Jesus proporcionava
mostrou-se para a nossa equipe espiritual como um momento
muito f�rtil. Conduzimos para aquele ninho dom�stico
o esp�rito de Jess�, numa tentativa de reviver nele os
sentimentos de outrora, quando ele ainda n�o se deixara
macular pela id�ia de vingan�a.
Ao ver a veneranda figura de Altina, o antigo obsessor
identificou no mesmo momento o seu amigo David, com o
qual compartilhara no passado muitos momentos de grande
felicidade.
� David, ent�o � voc�? Como pode ser?
� � a lei da vida, meu filho. O seu amigo David resolveu
renascer e abra�ar Miriam como a sua filha. David assumiu
o corpo f�sico de Altina Gomides para dar oportunidade de
renascimento �quela que voc� perseguia.
� Mas, minha m�e, como isso p�de acontecer? N�o entendo...
� Temos muitas coisas a entender ainda, Jess�. Temos
muito o que aprender. Veja bem, meu filho, eu mesmo retornei
em novo corpo f�sico para auxiliar a nossa Miriam.
� Como assim, minha m�e?
� Olha para mim, meu filho, a velha Adab; olhe bem.
Concentrado-se, Adab procedeu ao mesmo fen�meno
de estrutura��o das c�lulas perispirituais, em sentido in
172
verso. A apar�ncia feminina foi cedendo aos poucos, e uma
luz intensa foi irradiando da forma perispiritual de C�ssio,
que ressurgia aos olhares atentos de Jess�.
� Sou eu mesmo, meu filho. A velha Adab que voc� ama.
Pela lei divina dos renascimentos, eu assumi ao longo dos
s�culos diversas outras personalidades. Em minha �ltima
exist�ncia f�sica, fui C�ssio, o pai de Miriam, reencarnada
como Joana.
� Ent�o todos voc�s retornaram por amor a Miriam?
S� eu permaneci por tanto tempo preso ao �dio?
� Sim, meu filho, foi o que ocorreu. Mas n�o nos detenhamos
nos fatos passados. Aproveitemos a festa em que
comemoramos o anivers�rio de Jesus e nos renovemos tamb�m.
� Mas n�o foi por causa desse Jesus que Miriam entregou
a todos n�s no passado?
� Exatamente, meu filho � respondeu C�ssio. � Mas
tamb�m foi esse Jesus que conseguiu, com seu amor, amolecer
os nossos cora��es e conquistar para sempre o cora��o
de Miriam.
� E o meu pai, onde ele est� agora? Onde est� meu pai,
Ozias?
Olhando para o instrutor Ernesto, C�ssio esbo�ou um
leve sorriso. Jess� olhou em dire��o ao nosso instrutor, seus
olhos se cruzaram, e, enquanto ouv�amos os companheiros
encarnados cantarem os hinos de Natal, do nosso lado, Er
Encontro com a vida 173
nesto e Jess� se abra�avam, pai e filho se reencontrando depois
de quase dois mil anos. Era o ano em que renasciam
para Jesus dois filhos novos, Miriam e Jess�, que reencontraram
o caminho do bem.
Eu os via agora, Ernesto, o iluminado instrutor, e Jess�,
o antigo verdugo, abra�ados na casa de Altina Gomides e
Joana, transubstanciados em luz, na luz do perd�o, na luz
das luzes daquele Natal. N�o havia como deter a avalanche
de sentimentos e emo��es que extravasavam de todos naquele
dia.
Do outro lado da margem do rio da vida, os amigos encarnados
cantavam gl�ria a Deus nas alturas e paz na Terra.
Do nosso lado, almas se reencontravam, prometendo um
futuro de paz e entendimento.
Quando vimos Joana se retirando para o seu quarto,
relembrando a vida de outrora, C�ssio convidou-nos a segui-
la.
� Veja a nossa Joana, meu filho. Veja como ela se prop�e
a modificar-se.
Neste momento, Paulo entrou em cena, conversando com
Joana e chamando-a para a sala. O instrutor Ernesto, aplicando
passes no c�rtex cerebral de Paulo, sensibilizou-o
para que ele percebesse a nossa presen�a. Paulo, com a sua
discri��o de m�dium de Jesus, anotou o pensamento de Ernesto
e comentou com Joana.
� � a magia do Natal. Dizem certos amigos que tenho
174
� falou Paulo, referindo-se aos pensamentos que captara
do instrutor espiritual � que nesta �poca Deus aproveita
esta nostalgia que invade a gente e toca fundo em nosso
cora��o.
A conversa entre Paulo e Joana continuou at� eles se reintegrarem
aos outros companheiros, que festejavam em
outras depend�ncias da pequena casa. Aqui, entre n�s, a
alegria tamb�m era indisfar��vel. A fam�lia espiritual se reunira
sob a b�n��o divina. Era Natal. Mais um ano do calend�rio
da Terra em que comemor�vamos o nascimento de
Jesus. Quase dois mil anos de aprendizado. Nascia Jess�,
nascia Miriam na pessoa de Joana, a nova filha de Jesus.
Nossa caravana partia da Crosta entre as alegrias do
Natal e as luzes que avist�vamos por toda parte, comemorando
o anivers�rio do Salvador. Retornamos a nossa comunidade
espiritual para nos reunirmos com os companheiros
espirituais numa festa de amor.
O firmamento estrelado refletia as belezas da natureza, e
a nossa col�nia espiritual estava toda enfeitada, como eu
nunca vira antes. Todos os esp�ritos que comungavam os
mesmos ideais de eleva��o espiritual nos reun�amos para
relembrar Jesus.
Trouxemos conosco Jess�, que estava radiante diante da
beleza que via refletida na cidade espiritual.
� � Jerusal�m! � ele falava a todo momento. � � Jerusal�m
renovada.
Encontro com a vida 175
� Aqui, Jess� � falou Ernesto � voc� encontra exatamente
aquilo que precisa. Com o seu cora��o renovado, voc�
se sintoniza com a cidade dos nossos amores. Jerusal�m
representa, para n�s, a cidade de Deus, a cidade de David, o
recanto da paz.
� Shalom abere! � exclamava Jess�.
� Shalom, meu filho, shalom! � respondeu C�ssio ao
filho pr�digo que retornava ao lar.
Na col�nia espiritual com a qual nos sintoniz�vamos,
comemor�vamos tamb�m o Natal. Festej�vamos com todas
as possibilidades que t�nhamos � nossa disposi��o. Mas
naquele Natal, em especial, festej�vamos a alegria do reencontro
de uma fam�lia espiritual que, depois de quase dois
mil anos, se abra�ava, entre as estrelas, para comemorar
Jesus que voltava aos cora��es.
Shalom � como disse C�ssio. Shalom aber�. A paz novamente
reina em Jerusal�m.
Dores e
paix�es
Veio o amor, o amor por algu�m
que caminhava comigo.
178
aproxima��o de Paulo com a fam�lia de
Altina n�o se deu por acaso. Seu envolvimento
com Joana denotava algo muito
mais profundo do que um acontecimento
fortuito do cotidiano.
Os gregos antigos apresentavam em sua mitologia a figura
de um deus brincando com dados, significando, esses
dados, os destinos dos homens. Mas a realidade da vida em
nada se assemelha � lenda do pa�s da H�lade. Ningu�m vive
no mundo ao sabor de for�as cegas ou � merc� de um ser
superior que brinca de dados com as vidas humanas. Ao
contr�rio, tudo se encadeia no universo. Tudo e todos est�o
ligados por fios invis�veis que se cruzam no tempo e no espa�o,
nas experi�ncias vivenciadas no passado. Ou, ent�o,
os encontros e desencontros da vida presente resultam em
futuros compromissos, em futuros v�os da alma em companhia
daqueles com os quais conviveu e interagiu em sua
passagem pelo palco do mundo. Ao encontrar um outro
Encontro com a vida 179
ser, se relacionar por alguns momentos ou por anos, ningu�m
permanece o mesmo. Em tudo no universo h� troca
incessante de energias, de experi�ncia. Sempre adquirimos
ou assimilamos algo do pr�ximo, tanto quanto influenciamos
o outro com a nossa presen�a em sua vida. Nossa presen�a
nas experi�ncias do outro pode desencadear processos
de dor ou de felicidade. A participa��o de outra pessoa
em nossas vidas tamb�m influencia de uma forma ou de
outra aquilo que somos e, muitas, vezes, desencadeia processos
c�rmicos que precisamos vivenciar.
Com Paulo e Joana n�o ocorreu diferente. Os pensamentos
do rapaz estavam povoados com a imagem de Joana. A
vida desta passou a ser preenchida com as imagens de Paulo,
com a sua presen�a, com a sua ousadia em romper o preconceito,
as dificuldades e aproximar-se, se envolvendo de tal
maneira que n�o mais poderiam viver um sem o outro.
� Meu filho, noto-lhe os pensamentos e o semblante
preocupado, ultimamente � falou C�lia, a m�e de Paulo. �
O que est� acontecendo, meu filho? Abra-se com sua m�e...
A casa em que Paulo residia era uma mans�o, comparada
� simplicidade da resid�ncia de Altina Gomides e Joana.
Ele morava no Bairro Ipiranga, junto com a m�e e mais tr�s
irm�os. A conversa dos dois ocorria no jardim da casa, onde
estavam acostumados a se reunir nas tardes de s�bado, num
bate-papo muito familiar.
� Ah! m�e, n�o � nada que mere�a incomodar voc�. Creio
180
que devo ser mais discreto em meus sentimentos e pensamentos.
� Talvez seja o contr�rio, filho � falou C�lia, aproximando-
se de Paulo e abra�ando-o. Quem sabe n�o � exatamente
o oposto e voc� esteja guardando sozinho seus pensamentos
e sentimentos e agora deva compartilhar isso com
algu�m?
� Eu n�o gostaria de incomod�-la, mam�e. Voc� sabe,
as dificuldades que voc� vem enfrentando com a sa�de, o
papai longe de casa e os meus irm�os, sempre envolvidos
com as badala��es deles...
� Ora, meu filho, o que � isso? Ser� que voc� est� usando
desculpas para fugir da sua m�e? Ou ser� que n�o o conhe�o?
� N�o � isso, D. C�lia � respondeu Paulo, sorrindo for�ado.
� Mas veja que n�s j� temos muitos problemas por
aqui, e n�o � hora de acrescentar mais fogo na fogueira...
� Sabe, Paulo, mesmo que voc� se recuse a falar sobre o
assunto eu vou insistir um pouco mais. Os problemas sempre
existem e existir�o, e um a mais em nossas vidas n�o
pesar� muito. Ali�s, Paulo, n�o � voc� mesmo que diz que a
gente tem de compartilhar os problemas a fim de vislumbrar
os resultados? Sei que � dif�cil, muitas vezes, os filhos se
abrirem para os pais. Entretanto, estamos numa situa��o
em que a nossa fam�lia se v� diante de duas �nicas sa�das: ou
somos transparentes ao ponto de confiarmos uns nos outros
ou ent�o a fam�lia ir� se diluir de tal maneira que per
Encontro com a vida 181
der� o contato entre os seus membros e se perder�. Temos
de nos envolver, filho, mesmo que eu n�o concorde com as
suas id�ias ou voc� n�o aprecie as minhas. S� n�o posso
permitir que voc� carregue o peso de suas experi�ncias sozinho.
Creio que todas as m�es fariam o mesmo com seus
filhos.
� Minha querida m�ezinha, ai de mim se n�o fosse
voc�... Abrace-me...
� Ent�o? N�o se abre com a mam�e? N�o se preocupe
quanto a mim. Estou enfrentando com muita coragem os
problemas de sa�de. Afinal, voc� n�o � o companheiro de
minha vida? N�o � o meu garot�o querido, que nunca me
abandonou? Ent�o? Vai falar ou n�o do que incomoda?
� Bem, creio que n�o h� como resistir a sua chantagem.
.. Diga-me, mam�e, ser� que todas as m�es s�o chantagistas
assim?
� Paulinho...
� Est� bem, D. C�lia, tudo bem, mas n�o me diga que
voc� n�o seja uma excelente estrategista.
� Bem, meu filho, n�o posso discordar completamente
de voc�, mas convenhamos: que funciona, funciona. S�o as
armas de todas as m�es. Usamos do cora��o para atingir os
cora��es dos filhos. Isso nunca falha.
� �, creio que n�o falha mesmo. Sabe, m�e, aquela garota
da qual lhe falei meses atr�s, a Joana?
� Sim, sim; diga, filho.
182
� Como lhe disse, eu estou muito envolvido com a fam�lia
dela. Juntos, j� fizemos de tudo a fim de auxili�-la nas
dificuldades criadas pelo seu envolvimento com as drogas.
� E ela est� correspondendo aos seus esfor�os?
� Sim, mam�e, claro. Isso � muito bom. Ela j� passou da
fase de perigo, e creio que at� mesmo j� se libertou do uso
das drogas, s� que os efeitos psicol�gicos s�o patentes. A
Joana est� em fase de readapta��o � vida social, por�m um
fato vem acontecendo e est� me preocupando muito...
� J� sei! Voc� est� apaixonado por ela.
� Mam�e, que mente suja...
� Ora, meu filho, s� quem � bobo n�o percebe...
� Voc� acha?
� Claro, est� expresso em seus olhos. Eles brilham quando
voc� fala no nome de Joana.
� Mam�e, voc� n�o presta.
� N�o, mesmo, filho, e acho que, se voc� n�o correr logo,
perder� um momento precioso em sua vida.
� Mas, m�e, n�o tenho certeza direito a respeito de meus
sentimentos. E quanto a Joana? N�o sei se ela sente alguma
coisa. Talvez seja apenas produto de minha imagina��o.
Quem sabe n�o seja apenas preocupa��o com a vida dela?
� N�o me venha com essa, meu filho. N�o fuja de sua
felicidade assim. Esses momentos em nossas vidas, Paulo,
s�o muito preciosos para que os dispensemos dessa forma.
Encontro com a vida 183
N�o h� como adiar a felicidade sem que haja s�rias conseq��ncias
para o cora��o. N�o resista, meu filho.
� � que tenho muitas apreens�es em rela��o a Joana e
n�o tive coragem ainda de falar abertamente com ela.
� Ent�o voc� n�o est� sendo amigo verdadeiro da sua
Joana. Os amigos que se prezam costumam usar de transpar�ncia
nas rela��es.
� Mas eu sou amigo, sim. E muito bom amigo.
� S� que ser amigo muito bom n�o � o que voc� deseja,
n�o �?
� Bem...
� Claro que n�o, meu filho. Eu bem conhe�o voc�s todos
e sei do jeito de cada um dos meus filhos. Voc� quer se
aproximar da Joana e t�-la como mulher. S� isso.
� Mam�e, deixe de ser...
� Franca! Franca e moderna, pode dizer, Paulo. Para
que esconder sentimentos e desejos? Eles sempre acabam
ganhando da gente. Vai por mim, filho, � a experi�ncia de
toda uma vida. Quando a gente guarda os desejos e sentimentos
por tanto tempo, tentando mascarar aquilo que sentimos,
eles acabam por irromper dentro de n�s; rompem as
nossas defesas, e a� vem o caos. No seu caso, conhe�o-lhe
muito bem os impulsos, afinal, eu estudo os meus filhos o
tempo inteiro e n�o posso enganar-me quanto �s suas tend�ncias
e emo��es.
184
� Como assim, estuda-me?
� Olhe, meu filho, n�o pense que a sua religi�o seja uma
coura�a para conter seus sentimentos e desejos. Creio que o
erro de muitos religiosos seja o fato de usarem a religi�o
para mascarar a vida �ntima e se esconder da vida atr�s de
um altar ou de muito trabalho, a fim de despistar os pr�prios
sentimentos.
� Ora, mam�e, mas voc� sabe que n�o sou assim. Eu
sou esp�rita, e o espiritismo...
� Sei que o espiritismo � muito bom, meu filho, e n�o
estou aqui discutindo a validade da proposta esp�rita. N�o �
isso. Mas essa m�scara de santidade, de evolu��o compuls�ria
me d� medo. Eu acho que voc�s n�o se permitem ser felizes
sem a presen�a do medo. T�m medo de se entregar �s rela��es
afetivas, medo de que a felicidade bata � porta e que essa felicidade
seja diferente daquela que voc�s idealizaram. Abra-se,
filho, deixe a vida conduzir voc� e n�o pretenda disfar�ar seus
sentimentos de homem com a caridade despretensiosa dos
religiosos. N�o perca a oportunidade, Paulo.
� Mas voc� ent�o me incentiva a procurar a Joana.
� Incentivar? Deixe de bobagem, meu filho. Em breve
voc� descobrir� que o estou empurrando para os bra�os da
felicidade. Incentivar � muito suave para o seu caso. V�, v�,
meu filho, n�o fique assim amuado feito animal. Levante-se
e v� procurar Joana. Diga-lhe a respeito de seus sentimentos.
N�o perca tempo.
Encontro com a vida 185
� Voc� acha, mam�e? Acha mesmo?
� Levante-se, meu filho. Honre as cal�as que voc� veste.
Assuma-se com seus sentimentos e, se voc� acredita tanto
assim em esp�ritos, incorpore, fa�a qualquer coisa, mas permita-
se ser feliz.
Paulo n�o p�de resistir ao empurr�o materno e saiu �
procura de seu destino. Com certeza, Deus n�o joga dados
com a vida humana nem manipula as experi�ncias de seus
filhos, por isso ele enviou as m�es, que s�o mestras na arte
de convencer os filhos na busca da felicidade.
Paulo saiu, enquanto C�lia esperava os outros filhos para
a conversa habitual das tardes de s�bado. Em breve tempo,
eles apareceram, e a fam�lia reuniu-se para o di�logo que
deveria unir os cora��es.
Os acontecimentos transcorriam conforme as leis da vida
determinavam. Paulo deveria reencontrar Joana na presente
exist�ncia para que pudessem se beneficiar com as experi�ncias
conjuntas.
Por detr�s desses eventos na vida de Paulo e Joana, esp�ritos
amigos tentavam a todo custo inspir�-la quanto ao
melhor caminho atrav�s do qual poderiam se conduzir.
J� havia alguns dias que Joana n�o via Paulo. Estava ansiosa
por lhe falar. O rapaz n�o ligava, e ela n�o tinha coragem
de dar-lhe um telefonema. Tinha de encontr�-lo. Esperou
por ele todos esses dias. Como gostaria de comparti
186
lhar um momento t�o importante quanto o que vivia...
Fora fazer uma consulta dias antes. Devido ao seu passado,
ao uso de drogas intravenosas, o m�dico a aconselhara
a fazer o exame de sangue que detectasse se ela era ou n�o
soropositiva. Afinal, viviam no s�culo do HIV. N�o poderia
descuidar-se. Paulo a aconselhara a fazer o exame Elisa. Ela
rejeitara a id�ia durante muito tempo, mas, agora, com os
pensamentos que abrigava em sua mente a respeito dele, ela
tinha de fazer os testes. N�o poderia sequer pensar em compartilhar
a sua vida com algu�m de forma mais intensa, �ntima,
sem se certificar de algo t�o importante.
Resolveu ent�o procurar um outro m�dico, porque ficara
com medo de que Paulo desconfiasse. O seu m�dico, que
era amigo de Paulo, poderia tamb�m falar com ele.
Joana pretendia esconder de Paulo os resultados do exame,
caso fossem positivos, e tamb�m esconder seus sentimentos.
Mas... e se n�o fossem positivos? Se ela n�o fosse
portadora do HIV? Isso abriria uma oportunidade �mpar
em sua vida.
Noites e noites de ins�nia e mais as preocupa��es e os
medos fizeram da vida de Joana um inferno.
N�o havia como adiar. Ou ela fazia o exame ou ent�o n�o
dormiria mais de tanta ang�stia.
Resolveu ent�o procurar um posto de sa�de. Entrou no
consult�rio do m�dico e relatou a verdade a respeito de suas
preocupa��es. Desejava realizar o exame.
Encontro com a vida 187
Nos dias que antecederam a resposta do m�dico, Joana
tamb�m n�o dormira. Esse per�odo coincidiu com os dias
em que n�o se encontrara com Paulo. Aumentaram, por isso,
sua ang�stia e inseguran�a. Pensou ent�o que n�o iria procurar
o m�dico para receber o resultado.
Os pensamentos desencontrados, como um vulc�o em
erup��o, pareciam querer romper o c�rebro, que explodiria.
O estresse estabelecera-se, e, durante esse dia que antecedera
os resultados, Joana teve febre, diarr�ia e v�rios outros
sintomas pr�prios de desequil�brios e abalos emocionais
mais intensos. Em sua mente, acreditava que j� estava
doente. A aids se instalara definitivamente. Nem precisava
dos resultados. Se ela fosse ao m�dico, quem sabe ele apenas
recomendaria sua interna��o em uma cl�nica ou hospital
onde pudesse esperar a morte com mais dignidade? "Desistiria",
pensou Joana.
Mas, se por um lado ela pensava em desistir, por outro
n�o poderia morrer em paz caso n�o fosse ao m�dico.
Altina, a sua velha m�e, tamb�m ficava aflita com a situa��o
da filha. Depois de muito conselho, de muito insistir,
convenceu-a a procurar o m�dico e receber os resultados.
Quando entrou no consult�rio, o suor ca�a-lhe da face
afogueada pela febre. O m�dico assustou-se com o estado
de Joana.
� O que � isso, garota? O que est� acontecendo?
� Diga, doutor, pode falar a verdade comigo, n�o escon
188
da nada. Veja como estou.
� Mas o que est� acontecendo? Deite-se aqui � apontou
a maca. � Vamos, diga-me.
� � o Hiv, doutor, a aids. J� estou no estado terminal. Eu
sei que � isso. Me diga, n�o � mesmo?
� Hiv? O que � isso, Joana? Veja o que voc� est� aprontando
para si mesma.
� N�o � o que dizem os resultados, doutor? � perguntou
Joana ofegante, ao lado da m�e aflita.
Como sofrem as m�es de todo o mundo. Como t�m de
acompanhar os filhos em suas dores; sofrem mudas, caladas,
e o seu sofrimento reprimido, para n�o exacerbar as
dores dos filhos, parece ser um sofrimento infinito.
� Por favor, espere l� fora, minha senhora, depois eu a
chamo.
� Deixe minha m�e, doutor � falou com voz entrecortada
a moribunda. � N�o quero morrer sozinha.
� Prefiro que espere l� fora, minha senhora � falou
enf�tico o m�dico.
� Sim, seu doutor, mas muito cuidado com a minha
Joana. Qualquer coisa, me chame, estarei orando para Jesus.
Altina saiu do consult�rio, mas sob protestos de Joana.
� O que � isso, Joana? Como pode submeter sua m�e a
uma situa��o dessas?
Encontro com a vida 189
� Mas, doutor, eu j� estou morrendo.
� Mas se voc� se considera nesse estado, porque se deu
o trabalho de vir aqui? Conte-me.
� Eu vim pegar o resultado do exame de aids.
� Hiv, Joana, HIV.
� Sim, doutor � Joana tossia muito. � Eu sei que vou
morrer com aids e eu tinha que vir aqui.
� Mas eu acredito que voc� deve estar enganada, Joana.
Parece que voc� veio pedir um atestado pr�vio de �bito, e
n�o buscar os resultados dos exames. Veja o estado lament�vel
em que se encontra.
� Fale, doutor, fale, por favor, estou com aids, n�o estou?
A face de Joana gotejava suor, enquanto ela tinha dificuldade
em se expressar.
Dirigindo-se � sua mesa, o m�dico pegou um envelope,
abrindo-o lentamente. Olhou para Joana e falou com voz
calma e pausada:
� Resultado do exame de Joana Gomides: HIV � negativo!
� O qu�? Ent�o n�o estou com aids? N�o estou morrendo?
Joana levantou-se imediatamente da maca, tomou os resultados
das m�os do m�dico e saiu do consult�rio correndo,
sem dar oportunidade de o m�dico falar mais nada.
190
At�nito com as rea��es da quase-morta, o m�dico ficou
parado, sem entender o comportamento de Joana.
� Meu Deus, como � desequilibrada. S� faltava abrir
uma sepultura, jogar-se dentro e pedir a algu�m para jogar
terra por cima. E nem me deu tempo de falar com ela a respeito
dos resultados...
Do lado de fora do consult�rio, a m�e aflita mantinha a
cabe�a baixa, orando a Jesus pela vida de sua Joana. Ah!
meu Deus, pensava Altina, eu estou perdendo minha filha
outra vez.
A pobre mulher chorava baixinho, enquanto orava mentalmente.
Os outros pacientes, que aguardavam o atendimento,
ficaram sensibilizados, ao verem a mulher sofrida e
angustiada, derramando suas l�grimas.
A porta do consult�rio abriu-se abruptamente, e Joana
saiu de dentro com um envelope nas m�os. Altina arregalou
os olhos sem entender nada, ou ent�o assustada com o resultado
imediato de suas ora��es. N�o deu tempo de raciocinar.
Eram apenas lampejos de pensamentos que passaram
em sua mente.
� Vamos, mam�e. Eis aqui os resultados.
� Mas, filha, voc� n�o est� doente? E a febre?
� Que febre, mam�e? Eu n�o tenho nadinha de nada.
Olha aqui os resultados. Veja em minhas m�os a resposta.
O m�dico disse que deu negativo. Negativo, mam�e.
� Filha, eu n�o entendo � balbuciou Altina.
Encontro com a vida 191
� N�o precisa entender, mam�e. Vamos embora daqui.
Joana literalmente arrastou Altina pelo corredor, n�o
lhe dando oportunidade de se esclarecer.
� E a febre, filha? E a diarr�ia?
� Ah! mam�e, e eu entendo l� dessas coisas? Passou
tudo. Eu acho que foram suas ora��es...
Altina n�o compreendeu direito como a filha melhorou
de um momento para outro. Afinal, ela n�o estava com aids?
E os sintomas que estava sentindo h� alguns dias? Ser� que
suas ora��es eram t�o poderosas assim?
� O sangue de Jesus tem poder! � falou Altina em alto
e bom tom.
� Louvado seja Deus � respondeu Joana.
A mente cria. A mente em desequil�brio passa ao corpo
as sensa��es alimentadas pela pessoa.
Emo��es fortes, quando s�o alicer�adas numa mente
cheia de pensamentos pessimistas, produzem estados de
sa�de delicados, e o corpo, reflexo da mente, expressa o teor
das emo��es, dos sentimentos e pensamentos com m�xima
fidelidade.
Joana voltou para casa, agora ansiosa para reencontrar
Paulo e mostrar-lhe os resultados de seus exames. N�o tinha
tempo a perder. Desejava a todo custo rever seu benfeitor.
Ser� que telefonaria para ele? N�o sabia ao certo o que
fazer ou como proceder. Apenas desejava v�-lo. Ansiava por
192
encontr�-lo. N�o poderia passar muito tempo longe de sua
presen�a, de sua aten��o, de seu afeto.
Todo o seu ser ansiava por ele. Paulo, Paulo, Paulo. S�
Paulo importava. Parece que estava em transe de tanto que
o chamava mentalmente. Era o transe do amor, da paix�o,
da vida que conspirava pela felicidade.
Comunidade
gospel
Sei que n�o o encontraria entre os
santos. Jamais o encontrei entre
os salvos. Tamb�m n�o o vi nos
altares das igrejas. N�o o encontrei
entre os eleitos.
194
P
P
assava das 20 horas quando Paulo chegou �
casa de Joana. No caminho ele resolveu comprar
uma lembran�a para ela e acabou demorando
mais que o previsto. Naturalmente
que fora ajudado pelo tr�nsito, que contribu�a
para que Paulo e outras milhares de pessoas pudessem
aproveitar mais o tempo dentro de autom�veis,
�nibus e outros ve�culos.
Joana estava na cozinha, ajudando a m�e em alguns afazeres
dom�sticos. Embora conservasse as m�os ocupadas
com o trabalho de casa, a mente e o cora��o estavam fixos
na pessoa de Paulo, em quem concentrava a sua aten��o. A
campainha soou tr�s vezes seguidas.
� Paulo! � gritou Joana, que saiu correndo em dire��o
� porta.
� Meu Deus, por que tanta pressa assim? � falou Altina,
olhando em dire��o � filha, que sa�a em disparada.
Abrindo a porta rapidamente, Joana n�o se conteve de
Encontro com a vida 195
alegria ao rever o rapaz e atirou-se em seus bra�os, sem
raciocinar a respeito de sua atitude.
� Joana... � balbuciou Paulo com o cora��o disparado
� que bom v�-la novamente.
Os dois permaneceram abra�ados por um pequeno espa�o
de tempo, o suficiente para que pudessem ler nos olhos
um do outro as palavras n�o escritas da alma, as p�ginas do
cora��o.
Foi Paulo que primeiro acordou daquela esp�cie de transe
que envolve os apaixonados e, desvencilhando-se dos
bra�os de Joana, foi entrando porta adentro, perguntando
por Altina.
� A mam�e est� na cozinha � respondeu Joana j� sem
gra�a, porque se revelara por inteiro, atrav�s dos gestos e de
sua atitude.
"Como est� linda" � pensou Paulo... "Ah! Meu Deus,
bons esp�ritos, ser� que n�o estou indo longe demais?"
Seus olhos se cruzaram novamente, e um clima especial
se estabeleceu entre ambos.
Em outra dimens�o da vida esses acontecimentos n�o
passaram despercebidos.
C�ssio, o pai de Joana, a tudo assistia, de maneira a interferir
nas vidas envolvidas, pois fazia parte do planejamento
do Alto que os dois se unissem.
Dirigindo-se a Paulo, sem que este percebesse, atrav�s
da intui��o, o esp�rito de C�ssio estendeu as m�os sobre o
196
plexo solar do rapaz, magnetizando-o. Depois de alguns
minutos dirigiu sua aten��o para a gl�ndula pineal, que rapidamente
se iluminou, diante da a��o magn�tica do bondoso
esp�rito.
Como resultado, o rapaz sentiu imediatamente as emo��es
irromperem de seu interior e lan�ou-se num �mpeto
em dire��o a Joana, tomando-a nos bra�os, sem saber como
dominar as emo��es e os pensamentos que lhe vinham �
mente.
� N�o posso mais viver sem voc�, Joana � falou Paulo,
segurando Joana em seus bra�os.
� Paulo, meu Paulo... � mal terminou a frase, e o rapaz
continuou.
� Eu te amo, Joana, como nunca amei uma mulher antes.
N�o sei se voc� saber� interpretar o meu gesto, mas n�o
consigo mais esconder o que sinto...
Joana deixou-se inebriar pelas palavras de Paulo, que a
beijou suavemente nos l�bios, iniciando uma nova etapa na
vida dos dois.
Com tantas emo��es contidas, Paulo e Joana deixaram-
se dominar pelo carinho. As palavras brotavam de suas
bocas com a facilidade com que desabrocha uma flor na
primavera.
N�o perceberam que estavam sendo observados por Al
tina, que assistia � cena, ao mesmo tempo em que tentava se
esconder para n�o ser flagrada.
Encontro com a vida 197
Os dois continuariam ali por muito tempo, n�o fosse a
interfer�ncia superior de uma alma boa e pura como a vizinha,
amiga de todas as horas.
� Al-tin-nnaaaa... sou eu, minha amiga. Sua vizinha
que-ri-di-nha. Est� com visitas, amiga?
A vizinha foi logo entrando, naturalmente sem ser convidada,
pois, para os amigos dessa natureza, s�o dispensados
os convites, considerados muito formais.
� Meu Deus, veja s� como adivinhei que tinha visitas.
Eu nem vi o seu carro a� em frente, Seu Paulo � falou a
vizinha, intrometendo-se na vida da fam�lia. � Veja, Altina,
como sou discreta, nem vou atrapalhar o casal de pombinhos,
que devem estar interessados em conversar...
Paulo e Joana foram surpreendidos abra�ados em meio
�s juras de amor.
Do lado de c� da vida, C�ssio, o benfeitor espiritual, desistiu
de tentar interferir. Resolveu deixar que os acontecimentos
agora transcorressem rumo �s correntezas das
�guas da vida.
Encontrei C�ssio levitando sobre a casa de Altina e Joana.
Com um sorriso, ele me recebeu de bra�os abertos, dizendo:
� Bem, meu amigo, gra�as a Deus que os dois se ajustaram.
E, olhando para baixo, em dire��o � vizinha de Altina,
que parecia estar com o chacra lar�ngeo hiperdesenvolvido
e estimulado, de tanto que falava, continuou C�ssio:
198
� Mas nem tudo � perfeito. Tenho de me acostumar
com isso
Vim ao encontro de C�ssio a seu convite, a fim de visitarmos
uma comunidade de esp�ritos cujas experi�ncias se deram,
na Terra, em sintonia com o pensamento e a filosofia
da Reforma Protestante. Eram esp�ritos que fundaram uma
col�nia no espa�o pr�ximo � Terra e que ali se reuniam,
conservando a caracter�stica de suas antigas cren�as. Nunca
imaginei que conheceria algum dia uma comunidade de
esp�ritos evang�licos. Afinal, sempre pensei que, do lado de
c� da vida, s� existiam esp�ritos esp�ritas, ou que todos, sen�o
a maior parte daqueles que desencarnaram no mundo,
se transformariam em esp�ritos esp�ritas assim que chegassem
aqui.
C�ssio me surpreendeu em meus pensamentos, enquanto
nos dirig�amos para a metr�pole espiritual.
� O que voc� pensa a respeito da express�o "esp�rito
esp�rita"?
� Bem � comecei, assustado com o fato de C�ssio haver
penetrado em meus pensamentos � n�o � que eu pense
que do lado de c� da vida os esp�ritos deveriam adotar somente
a vis�o esp�rita. Uso apenas esse termo para significar
que talvez os esp�ritos que conservem as suas cren�as
como na velha Terra fossem convencidos aqui a respeito da
realidade da reencarna��o e de outros ensinamentos pr�
Encontro com a vida 199
prios da doutrina esp�rita.
� Ah! �ngelo, n�o creio que voc� seja t�o ing�nuo assim...
� �, devo admitir que me perdi na forma de me expressar
� confessei.
Aproximamo-nos rapidamente da cidade espiritual. Na
verdade, era uma metr�pole localizada na regi�o espiritual
de uma cidade bem conhecida do sul do Brasil.
A metr�pole brilhava como uma p�rola de luz coagulada.
Parecia ser estruturada em mat�ria astralina de regi�es
superiores do planeta.
A medida que nos aproxim�vamos, pude perceber que a
arquitetura local lembrava certas cidades europ�ias, mais
precisamente algumas cidades alem�s que eu visitara quando
encarnado. C�ssio socorreu minha curiosidade:
� Essa comunidade espiritual foi fundada no ano de
1878, por esp�ritos de mission�rios alem�es e franceses que
foram atra�dos pela psicosfera do Brasil. Para aqui se dirigiram,
com o objetivo de implantar, nas terras brasileiras, a
mensagem evang�lica. Desde ent�o, a comunidade tem crescido
imensamente. Hoje, abriga uma popula��o de mais de
um milh�o e meio de esp�ritos que se afinizam com o pensamento
das diversas correntes evang�licas.
Entramos na metr�pole espiritual, e pude perceber a beleza
de sua arquitetura e a paisagem harmoniosa a nossa volta.
200
C�ssio me conduziu para um breve passeio na col�nia.
Pude observar que mesmo aqui, do lado de c� da vida, continuavam
as prefer�ncias por esta ou aquela interpreta��o
evang�lica das Escrituras.
� No princ�pio da atividade da col�nia, quando come�aram
a chegar aqui diversos esp�ritos provenientes de escolas
religiosas diferentes, esbo�ou-se o caos nas rela��es
sociais de nossa comunidade. � que os esp�ritos vindos da
Terra n�o deixaram na sepultura suas manias, suas concep��es
a respeito da vida ou suas caracter�sticas de culto ou
cren�a. Cada comunidade evang�lica aqui representada queria
advogar suas id�ias e exigia audi�ncia com o Todo-Poderoso,
acreditando que esta col�nia espiritual fosse o pr�prio
para�so e que Jesus estaria em algum lugar por aqui,
administrando os destinos do planeta.
Os orientadores da col�nia espiritual utilizaram recursos
mentais superiores, a fim de tentar apaziguar as diversas
fac��es das comunidades evang�licas representadas pelos
esp�ritos que chegavam da Terra.
Muitos pastores desencarnados faziam plebiscitos com
seus simpatizantes desencarnados, tentando dominar a col�nia
e prosseguir, do lado de c� da vida, com as mesmas
posturas que os caracterizavam na Terra. Muitos ainda n�o
se reconheciam desencarnados, e outros vinham para c� e
continuavam dormindo, aguardando o ju�zo final.
A situa��o ficou t�o dif�cil que os administradores da
Encontro com a vida 201
col�nia, como esp�ritos mais esclarecidos que eram, pediram
a interfer�ncia das entidades mais elevadas.
S� a partir do ano de 1967, portanto h� pouco tempo, a
situa��o entre os diversos agrupamentos evang�licos desencarnados
p�de ser apaziguada.
Um mensageiro de uma comunidade superior � nossa
veio nos visitar. Todos os esp�ritos da metr�pole foram avisados
do acontecimento, e, para que acalmassem os �nimos,
foi-lhes dito apenas que receber�amos um mensageiro
do Senhor, que deveria p�r fim �s disputas intermin�veis
em nossa col�nia espiritual.
A not�cia soou como uma bomba em nossa col�nia.
Logo, logo os respons�veis pelos agrupamentos evang�licos
de desencarnados organizaram-se para receber o "anjo
do Senhor", que viria trazer o decreto divino para a comunidade
de desencarnados.
A col�nia espiritual conheceu um tempo de tranq�ilidade.
Representantes de diversas comunidades religiosas organizaram
vig�lia e grupos de ora��o, esperando o dia de
receberem o representante do Senhor. Esse tempo de calmaria
propiciou a oportunidade para que os dirigentes de nossa
comunidade se reunissem com os esp�ritos que estavam
� frente de suas ovelhas desencarnadas.
Quando o mensageiro do Plano Superior nos visitou,
era tal a expectativa da multid�o de esp�ritos afinizados com
a f� evang�lica e protestante que a presen�a do emiss�rio foi
202
vista por tais esp�ritos como se fosse uma segunda vinda de
Jesus � Terra. Suas mentes, acostumadas com as imagens
fortes evocadas da B�blia, acabaram produzindo um efeito
ben�fico. Por�m, estruturaram a imagem de Jesus na fisionomia
do mensageiro espiritual. Puro fen�meno de ideoplastia,
que se realizava � vista de todos.
A partir de ent�o, os esp�ritos passaram a se comportar
de uma forma especialmente tranq�ila, embora vez ou outra
receb�ssemos pedido de audi�ncia com Jesus ou com os
ap�stolos, para discutir interesses da comunidade de esp�ritos
ou de pastores desencarnados que se sentiam humilhados
por n�o estarem sentados em tronos reinando ao
lado de Deus.
� Puxa vida! � pensei. � Como deve ser dif�cil conciliar
todas essas fac��es de esp�ritos...
� �, �ngelo, � muito dif�cil mesmo.
Aproveitando a oportunidade que se fazia presente, resolvi
abusar da bondade do benfeitor espiritual e apresentar
minhas d�vidas.
� Diga-me, C�ssio, como entender tantas religi�es na
Terra, oriundas do tronco central do cristianismo?
� � perfeitamente poss�vel imaginar a Terra como uma
grande escola, um educand�rio. Sob essa �tica, as diversas
religi�es funcionam como classes adequadas ao amadurecimento
dos diversos alunos. Naturalmente que esses alunos
rebeldes h�o de se julgar cada um superior ao outro,
Encontro com a vida 203
como se tivessem direitos a privil�gios, advogando cada classe
a aten��o plena do diretor. Entretanto, mesmo que as
diversas classes ostentem a sua cultura, a sua vis�o cient�fica
ou religiosa a respeito das diversas disciplinas ensinadas
no educand�rio, todas elas s�o gerenciadas pela mesma lei e
pelo mesmo diretor. Algum dia os alunos descobrir�o que
s�o todos irm�os de aprendizado e que as varia��es existentes
no educand�rio chamado Terra s�o necess�rias para
o crescimento de todos. Nenhuma classe tem privil�gios.
� Creio que n�o poderia ilustrar melhor a situa��o. E
quanto �quelas religi�es criadas a partir das ramifica��es
da Reforma Protestante? Como entender o fato de que h�
tantas disputas entre elas e ao mesmo tempo parecem se
unir combatendo o espiritismo? Para elas a mediunidade
parece uma praga que merece ser exterminada.
� Todas as religi�es crist�s nasceram do desejo de agradar
a Deus, e seus fundadores foram m�diuns que, num momento
ou em outro, se sintonizaram com entidades do nosso
plano. � claro que nem sempre os esp�ritos que os intu�ram
eram esp�ritos esclarecidos, imperando aqui e ali elementos
das cren�as pessoais ou interesses ego�stas. Mas,
com raras exce��es, essas religi�es nasceram do contato
medi�nico com outras dimens�es da vida.
� Mas como entender a mediunidade no meio de gente
que n�o acredita em esp�ritos?
� Veja bem, �ngelo, citarei alguns casos apenas como
204
exemplo para suas observa��es, conservando um profundo
sentimento de respeito pelos nossos irm�os evang�licos.
Como sabemos, o s�culo XIX foi um marco na hist�ria do
pensamento espiritualista. Desde o in�cio do s�culo entidades
espirituais elevadas reencarnaram no planeta para auxiliar
as falanges do Consolador na tarefa de liberta��o das
consci�ncias. O mundo experimentou momentos de grande
euforia quando chegou a �poca do advento do espiritismo.
Foram observados v�rios fen�menos em toda parte do planeta,
chamando a aten��o para o mundo dos esp�ritos. Nesse
contexto nasceram algumas religi�es da Terra.
� N�o entendo onde voc� quer chegar com essas observa��es.
� Por volta de 1843, religiosos da Am�rica do Norte,
liderados por um homem chamado Guilherme Miller, ao
estudar a B�blia chegaram � conclus�o de que algo diferente
estava para acontecer no panorama espiritual do mundo.
Por�m, deram uma interpreta��o muito pessoal aos seus
estudos e observa��es. Naturalmente, era uma �poca muito
f�rtil no terreno medi�nico, pois v�rios m�diuns despontavam
aqui e ali, estimulados pelas falanges do Consolador.
Surgiu nesse grupo uma m�dium, Eilen White, que reunia
v�rias faculdades, como a psicografia, a vid�ncia e a clariaudi�ncia.
Entretanto, devido � sua educa��o evang�lica, todos
interpretaram tais faculdades como sendo dons do Esp�rito
Santo. Ela foi instrumento nas m�os dos esp�ritos
para evitar uma cat�strofe de grandes propor��es. Muitos
Encontro com a vida 205
esperavam a volta de Jesus � Terra por desconhecerem certos
elementos que favoreciam a interpreta��o de algumas
profecias b�blicas.
� Essa m�dium era auxiliada por esp�ritos mais esclarecidos?
� Certamente, �ngelo. Por�m, encontraram alguns obst�culos
junto a ela, devido a sua educa��o protestante, como
eu disse antes. � muito comum observarmos, nos escritos
que ela deixou, a maioria psicografados, refer�ncias aos esp�ritos.
Ela descrevia seu mentor espiritual como sendo "o
meu mensageiro" ou "o mensageiro do Senhor". Entretanto,
depois de muita insist�ncia junto a essa m�dium, n�o obtendo
respostas satisfat�rias quanto � interpreta��o de suas
palavras, seus mentores resolveram deix�-la entregue �s
pr�prias cren�as. Naturalmente, a esse tempo foram considerados
pela comunidade evang�lica como dem�nios, esp�ritos
do mal. Nasceu em meio �s manifesta��es da mediunidade
uma nova religi�o, embora combatendo as verdades
eternas do espiritismo, como a imortalidade da alma, a mediunidade.
� Ent�o eles se contradiziam?
� Isso ocorria mais por uma quest�o de ponto de vista
equivocado. Mediunidade para eles era do dem�nio, mas o
mesmo fen�meno medi�nico, observado entre os seguidores
da nova religi�o, era denominado de dons espirituais ou
esp�rito da profecia.
206
� Ent�o, pelo que posso observar, v�rias religi�es que
hoje combatem as manifesta��es espirituais tiveram seu come�o
com o trabalho de m�diuns, que, mais tarde, foram
chamados de profetas?
� Isso mesmo. Tanto quanto a dos adventistas, tamb�m
a doutrina dos m�rmons teve origem em manifesta��es
de esp�ritos, mais ou menos � mesma �poca. Foi o caso
de Joseph Smith, que recebeu valiosas informa��es de seu
mentor espiritual. Dando a essas revela��es uma interpreta��o
de cunho pessoal, acabaram desvirtuando o conte�do
das comunica��es. Fundaram poderosas organiza��es
religiosas, que, at� hoje, combatem o espiritismo, sem entenderem
direito que, na g�nese de suas pr�prias religi�es,
havia fen�menos medi�nicos muito intensos.
� Mas isso tamb�m ocorreu no in�cio do movimento da
Reforma, inaugurado por Lutero no s�culo XVI?
� Claro, meu amigo. Quem conhece a hist�ria das religi�es
naturalmente sabe dos processos ocorridos com seus
fundadores, os quais foram considerados manifesta��es do
Esp�rito Santo. O pr�prio Lutero, ao subir as escadarias da
igreja onde afixaria as suas 95 teses, na Alemanha, teve sua
audi��o ampliada e ouvia vozes dos esp�ritos. Consta de
sua biografia que uma voz lhe falava que "o justo viver� pela
f�". Era um dos ap�stolos de Jesus que inspirava o reformador
quanto aos passos que daria para a liberta��o das consci�ncias.
Encontro com a vida 207
Entre uma conversa e outra, eu ia aprendendo com C�ssio
a respeito de coisas que na Terra me passaram despercebidas.
Encontrava naquela comunidade de esp�ritos diversas
motiva��es para estudos. Havia muito o que aprender.
Fiquei at�nito com as revela��es de C�ssio. Eu nunca
poderia imaginar que ocorriam tantas coisas no plano espiritual.
Aproximamo-nos de imenso pavilh�o, que se parecia com
um hospital. A arquitetura era muito simples, por�m a constru��o
espiritual parecia ter quil�metros de comprimento e
v�rios andares.
Entrei no ambiente acompanhado de C�ssio, que me
apresentou ao esp�rito que organizava os trabalhos no pavilh�o.
� Seja bem-vindo, companheiro � falou-me o esp�rito.
� Meu nome � Matias, e sou respons�vel por essa se��o do
Pavilh�o dos Silenciosos.
Ao olhar dentro do pavilh�o notei que havia muitos leitos,
a perder de vista, com esp�ritos que pareciam dormir.
Acima deles, parece que havia imagens mentais se confundindo,
se misturando, se formando e se diluindo imediatamente,
uma ap�s outra.
Achei estranho o nome de Pavilh�o dos Silenciosos. Na
verdade, achei tudo muito estranho. Nunca vira tantos esp�ritos
dormindo desde que cheguei ao plano espiritual.
C�ssio auxiliou-me na curiosidade:
208
� Estes s�o esp�ritos que, na Terra, durante anos alimentaram
a id�ia de que a morte � o fim de tudo. Conforme
ensinavam em suas igrejas, dormiriam por muito tempo,
at� a segunda vinda de Jesus � Terra, quando Ele os acordaria.
Geralmente s�o esp�ritos afinizados com o pensamento
das igrejas adventistas e testemunhas de Jeov�, al�m de poucas
outras que n�o admitem a imortalidade da alma.
� Mas essas igrejas n�o s�o espiritualistas? N�o ensinam
aos seus seguidores que existe uma vida al�m?
� Nem todas ensinam assim. Nossos irm�os adventistas
e testemunhas de Jeov� ensinam que a alma � mortal e
que somente nos fins dos tempos Deus vai recri�-las, atrav�s
da ressurrei��o. At� l�, os eleitos (naturalmente, de suas
religi�es) ficar�o dormindo num estado de n�o-exist�ncia.
Algo que nem mesmo eles conseguem explicar, mas em que
acreditam sinceramente. Eis por que vemos muitos esp�ritos
dormindo do lado de c� da vida. Estruturaram de tal
forma seus pensamentos e cren�as quando estavam encarnados
que muitos reencarnam por diversas vezes sem saber
ou acordar para a realidade da vida imortal. Precisam de
tempo at� para despertar.
Apontando para os leitos e mais precisamente para as
formas din�micas observadas acima dos esp�ritos que dormiam,
o companheiro Matias falou:
� As cria��es mentais que voc� observa se formando e
se diluindo s�o o resultado dos pensamentos desses esp�ri
Encontro com a vida
209
tos. Tais pensamentos continuam sendo emitidos em forma
de sonhos ou pesadelos. Recusam-se a acordar para enfrentar
a realidade da vida imortal, mas, como a atividade da
vida do esp�rito � constante, n�o deixam de emitir ondas
mentais.
� E os outros esp�ritos da col�nia, que est�o mais conscientes
e participam da vida social desta comunidade?
� Para eles � diferente. Ocorre que a maioria das religi�es
evang�licas ensinam seus fi�is que ap�s a morte existe
uma vida imortal. Por�m, localizam essa vida num pretenso
para�so ou no inferno, dependendo de qual religi�o a pessoa
professar quando encarnada.
� Entendi! � falei, pensativo.
Fiquei abismado, verdadeiramente chocado com o que
via. Jamais imaginei presenciar cenas e ouvir explica��es
como essas. Depois de visitar o pavilh�o num r�pido passeio
orientado por C�ssio e Matias, fomos conhecer a universidade
da col�nia. Era o lugar onde os esp�ritos que administravam
a metr�pole espiritual transmitiam ensinamentos
da Vida Maior para aquelas almas acostumadas a
interpreta��es dos diversos segmentos da Reforma Protestante.
� Aqui � falou C�ssio � conhecimentos sobre a reencarna��o,
as leis espirituais e os v�rios ramos do espiritualismo
s�o ministrados, de acordo com o grau de entendimento
dos esp�ritos de nossa comunidade.
210
� Como voc�s fazem para explicar a reencarna��o de
algum esp�rito, quando chega o momento pr�prio e ele tem
de se afastar da comunidade? Como os demais esp�ritos
v�em a aus�ncia de um companheiro que tem de reencarnar?
� Somos transparentes com todos. Falamos abertamente
da necessidade de "nascer de novo" no ventre materno.
Entretanto, nem todos compreendem o novo nascimento
como sendo a reencarna��o. Quando chega o momento de
reencarnar e determinado esp�rito se ausenta da metr�pole
para o processo reencarnat�rio, muitos esp�ritos interpretam
de acordo com a sua cren�a. Alguns dizem que o esp�rito
reencarnante foi arrebatado pelos anjos; outros interpretam
como sendo Jesus que convocou tal esp�rito para
uma miss�o qualquer em algum recanto do universo. Mesmo
que falemos claramente a respeito da reencarna��o, cada
esp�rito interpreta o conhecimento de acordo com seu pr�prio
ponto de vista. Respeitamos todos. Assim, conseguimos
viver em paz.
Continuamos nosso passeio pela col�nia espiritual, enquanto
C�ssio ia nos orientando quanto aos trabalhos realizados
pela comunidade de esp�ritos.
A visita �quela metr�pole do mundo espiritual havia me
inspirado profundas observa��es e pensamentos. Fiquei
emocionado ao descobrir que ningu�m est� desamparado
pela bondade divina. Nossos irm�os evang�licos s�o tam
Encontro com a vida 211
b�m orientados pelo Alto e, mesmo que n�o pensem e nem
creiam como os esp�ritas, s�o filhos de Deus; suas igrejas,
seus ensinamentos fazem parte da grande escola da vida;
trabalham em contato com outra realidade e com outras
necessidades evolutivas dos filhos de Deus. Eis a verdade
espiritual. Mesmo dentro das igrejas evang�licas, os esp�ritos
do bem trabalham para auxiliar a quantos necessitem.
Seus profetas e pastores s�o os m�diuns atrav�s dos quais
os esp�ritos trabalham em benef�cio dos que sofrem.
Por certo existem abusos em muitos lugares; por�m, apesar
dos desacertos pr�prios da alma humana, n�o podemos
negar que muita gente � auxiliada, que os esp�ritos ignorantes
s�o socorridos e que Deus aproveita a boa-vontade
e o conhecimento de suas criaturas para amparar seus
outros filhos mais necessitados. Todos contribuem para a
obra de renova��o da humanidade.
Deixamos a metr�pole espiritual ouvindo os c�nticos e
hinos de louvor de um grupo de esp�ritos daquela comunidade.
Era a m�sica gospel do plano espiritual. Reencontramos
o instrutor Ernesto e demandamos novamente a Crosta.
Eu, agora com novos elementos para estudos e observa��es,
perdia-me em meio aos pensamentos, com tanta coisa
a organizar, em vista dos acontecimentos dos quais participava.
A teoria da
incerteza
A pedra se transformou
em vegetal.
214
uni�o de Paulo e Joana n�o demorou
muito. Os preparativos eram realizados
por C�lia, a m�e do rapaz, que tudo fazia
para a felicidade do casal.
Paulo alegrava-se com os eventos relacio
nados ao seu casamento e ria gostosamente ao ouvir de
Altina o relato da visita de Joana ao m�dico, quando rece
bera o resultado dos exames.
� Mas voc� nem esperou o m�dico falar direito para
deixar o consult�rio, Joana? E os sintomas que sentia? A
febre e a diarr�ia?
� Ah! Nem sei o que deu em mim. Tudo sumiu como por
encanto. Acho que foram as ora��es da mam�e.
� � isso mesmo, Paulo � falou Altina. � Orei tanto
que Jesus ouviu as minhas rogativas. Por falar nisso, em
ora��es, em Jesus, eu gostaria de fazer um pedido a voc�s.
� Diga, D. Altina � falou Paulo, abra�ado com Joana.
Encontro com a vida 215
� � que eu gostaria de ver a Joana casando na igreja, na
casa do Senhor.
O casal de noivos trocou olhares, enquanto Altina prosseguia:
� Sei que na religi�o sua, Paulo, n�o tem casamento religioso,
que, segundo voc� me explicou, � desnecess�rio quando
existe amor. Mas como eu gostaria de ver a minha filha vestida
de noiva, entrando na igreja e sendo aben�oada por Deus...
Altina falava, e os seus olhos enchiam-se de l�grimas.
Ante as emo��es da velha m�e, o jovem casal resolveu
ceder e aceitar o apelo de Altina.
Radiante, a m�e de Joana saiu logo � procura do pastor,
para preparar a igreja. A cerim�nia religiosa se realizaria
conforme o seu desejo.
Paulo ficou s� com sua noiva, aproveitando o momento
para se entenderem quanto aos projetos para o futuro.
� Ent�o, minha Joana, como se sente?
� Estou feliz, Paulo, muito feliz. Parece que minha vida
deu uma reviravolta quando nos conhecemos. Se existe destino,
creio que algu�m l� em cima andou mexendo com as
nossas vidas. Tudo est� muito bom.
� Temos muitas coisas para realizar juntos em nossas vidas.
Eu tamb�m, Joana, eu tamb�m me sinto agradecido � vida,
a Deus e �s for�as superiores, que nos guiaram um em dire��o
ao outro. Mas me conta, minha querida, e a sa�de? Como vai?
D. Altina me disse que voc� n�o estava se sentindo bem...
216
� Acho que � a emo��o, meu amor. Com tudo que venho
enfrentando durante a minha vida, creio que fiquei mais
sens�vel e n�o estou resistindo muito � intensidade desses
momentos.
� O que exatamente voc� est� sentindo, Joana? Diga-me.
� Ah! Paulo, n�o � nada de mais. Acho que � diabete.
Tenho tido tonteiras. A mam�e tamb�m � diab�tica e j� sentiu
isso antes. Creio que, quando a gente est� emocionada,
ficamos mais sens�veis, s� isso.
� Por que n�o procuramos um m�dico? Talvez voc� possa
se tratar. Esses dias atr�s, D. Altina me disse que voc� teve
uma esp�cie de desmaio.
� Pois �, acho que sou diab�tica mesmo. Eu me senti
meio tonta, e depois veio uma fraqueza muito grande. Mas
j� passou.
� Procuremos um m�dico, Joana.
� Prometo-lhe que me cuidarei, Paulo. Deixe passar esses
preparativos, e, assim que nos casarmos, procuro um
endocrinologista e cuidarei mais da sa�de.
� Promete?
� Claro que prometo! N�o confia em mim?
� Ent�o, beije-me e confiarei mais...
A conversa dos dois se encerrou por ali mesmo, ante os
apelos do cora��o. Paulo n�o desconfiava de que suas lutas
n�o haviam terminado.
Encontro com a vida 217
Os dias se passaram velozes, e chegou finalmente o momento
de concretizarem os sonhos.
Paulo alugara um apartamento pr�ximo � casa de Altina,
e Joana dedicara-se � decora��o dele. C�lia, a m�e do
rapaz, esmerava-se para agradar a nora.
Levanta-se o v�u que separa os dois lados da vida.
C�ssio e eu convers�vamos com o instrutor Ernesto. Preocupado,
Ernesto questionava C�ssio:
� Ser� mesmo necess�rio que eles passem por esta prova?
N�o podemos adiar as coisas? Quem sabe obtemos aux�lio
do Alto?
� N�o creio que seja poss�vel, Ernesto. Tanto Paulo quanto
Joana necessitam passar por momentos dif�ceis, que est�o
reservados para eles. Entretanto, Paulo nos oferece recursos
ps�quicos mais amplos, a fim de que interfiramos em
seu benef�cio. Quanto a Joana, bem, a minha filha deve retemperar-
se, fortalecer-se para futuros compromissos. Antes,
por�m, temos de encaminhar Jess�, seu antigo perseguidor,
para as lutas pr�prias do mundo f�sico. Ele deve reencarnar
atrav�s de Joana e Paulo.
� Mas... � Ernesto segurava em suas m�os uma esp�cie
de papel, como se fosse algum relat�rio, que olhava constantemente
enquanto falava com C�ssio.
Minha curiosidade aumentava a cada minuto, por�m s�
mais tarde eu compreenderia o sentido daquela conversa.
� N�o se preocupe, Ernesto, nem Paulo e nem Jess�, que
218
renascer� como seu filho, correr�o perigo. A t�cnica sideral
disp�e de meios para auxili�-los. Embora a ci�ncia da Terra
se encontre acuada diante de problemas insol�veis no momento,
o nosso plano disp�e de recursos al�m das possibilidades
dos companheiros encarnados. Consideremos isso
e confiemos em Deus. Ningu�m passa por nada na vida sem
que mere�a, ou melhor, colhe-se a medida exata que se plantou.
� Isso � o que eu temo por Jess� e por Paulo, j� que no
caso de Joana n�o podemos interferir mais.
� A� � que est� a beleza da vida. Espere, meu amigo.
Espere e ver� a atua��o da divina miseric�rdia.
A festa do casamento de Joana e Paulo transcorreu num
clima de c�nticos e hinos de louvor. Esp�ritos amigos participaram
do lado de c�, vindo compartilhar daqueles momentos
de alegria das duas fam�lias que se uniam. Altina
estava toda feliz, e a surpreendemos v�rias vezes falando
sozinha:
� Oh! Gl�rias, gl�rias, gl�rias! Aleluia, meu Pai. Louvado
seja o nome do Senhor!
Preliminares
O vegetal se humanizou, e vim a
saber o que era ser e sentir-se m�e.
220
st�vamos reunidos numa esp�cie de laborat�rio
do mundo espiritual. Ernesto, C�ssio,
Jess�, o antigo verdugo de Joana, e eu.
Ali se reuniam os esp�ritos respons�veis
pela programa��o das reencarna��es. Esp�ritos
experientes de cientistas, m�dicos e geneticistas
em sintonia com o Plano Superior realizavam, junto com
o esp�rito reencarnante, o programa de vida, que era tra�ado
em linhas gerais. Tal programa��o das experi�ncias
transit�rias na carne envolvia tamb�m algum tratamento
em rela��o ao corpo espiritual ou psicossoma do
reencarnante.
Fiquei fascinado com as possibilidades dos dirigentes de
nossa comunidade e particularmente interessado em estudar
o que se referia ao projeto reencarnat�rio de diversos
esp�ritos em tr�nsito na col�nia espiritual onde nos encontr�vamos.
Gr�ficos, estudos preliminares a respeito de c�lulas,
�tomos, genes, DNA e tantos outros assuntos referen
Encontro com a vida 221
tes ao processo da reencarna��o eram vistos ali, no Departamento
Vida Nova.
Jess� deveria retornar ao corpo f�sico em aben�oada experi�ncia.
Por isso, a nossa presen�a, que, de certa forma,
deveria infundir coragem ao ent�o renovado esp�rito. C�ssio,
o bondoso amigo de todas as horas, nos falou:
� � preciso atender �s necessidades do nosso querido
Jess�. Assim que ele iniciar a descida vibrat�ria em dire��o
ao �tero materno, para renascer pela nossa Joana, decerto
encontrar� dificuldades. Precisamos amenizar a situa��o,
preparando seu corpo perispiritual de maneira que suas
vibra��es correspondam ao que est� programado para sua
pr�xima experi�ncia f�sica.
� Sim � falou Ernesto, dirigindo-se a Jess�. � Como
voc� mesmo j� sabe, � preciso que retorne outra vez � Terra
para as provas que est�o reservadas ao seu esp�rito. Na noite
passada, seus futuros pais foram trazidos ao nosso plano
a fim de entrarem em contato com voc�.
� Claro, me lembro, embora ainda n�o possa compreender
direito esse retorno � vida na mat�ria. � que em minhas
antigas cren�as n�o fui informado quanto � reencarna��o
da forma como voc�s falam.
� Teremos tempo para entrar em detalhes � falou Ernesto.
Por ora, meu amigo, � importante que trabalhemos
com seu corpo perispiritual. � preciso que se proceda a uma
interven��o em suas linhas de for�a.
222
� Est� tudo pronto, meus amigos � falou um dos esp�ritos
que trabalhavam no departamento de reencarna��o,
ao qual denomin�vamos Departamento Vida Nova.
Apontou em dire��o a uma maca, onde Jess� deveria deitar-
se. � primeira vista parecia que o esp�rito reencarnante
iria se submeter a um exame daqueles que se realizam na
Terra. V�rios aparelhos foram posicionados acima do corpo
espiritual de Jess�. Algumas telas suspensas mostravam
uma confus�o de linhas coloridas e focos de luz que eu n�o
soube interpretar.
� S�o as c�lulas do corpo espiritual � adiantou C�ssio.
� Elas s�o exibidas ampliadas, a fim de nos facilitar o trabalho
de magnetismo do perisp�rito. Para que Jess�, ao reencarnar,
possa ser poupado de poss�veis contamina��es
de v�rus ou bact�rias, � preciso acelerar as vibra��es das
c�lulas do seu psicossoma ou corpo espiritual. Temos de
proceder com a m�xima precis�o. N�o pode haver margem
de erro, sen�o o processo reencarnat�rio poder� ser prejudicado.
Observando meu olhar de espanto quanto �quelas provid�ncias,
Ernesto me socorreu explicando:
� Voc� n�o ignora, �ngelo, que Joana teve um comportamento
de risco, expondo-se ao uso de drogas injet�veis e
outros abusos. Do projeto reencarnat�rio de Jess�, n�o faz
parte nenhum fator que comprometa seu renascimento. Eis
por que estamos trabalhando com muito cuidado direta
Encontro com a vida 22 3
mente sobre aquilo que denominamos linhas de for�a do
corpo espiritual.
� Ent�o � poss�vel que do nosso plano possamos interferir
de tal maneira no processo reencarnat�rio que seja
f�cil impedir determinados problemas no futuro corpo f�sico
do reencarnante?
� Claro, meu amigo � adiantou C�ssio. � E como voc�
explica muitos casos que a medicina ou a ci�ncia da Terra
ainda n�o conseguiram solucionar? Porventura n�o conhece
os casos de crian�as que nascem de pais contaminados
com determinados v�rus, como, por exemplo, o HIV? S�o
correntes os relatos de crian�as de pais soropositivos que
nascem sem se contaminarem. Existem casos em que, mesmo
a crian�a nascendo soropositiva, acaba negativando com
o passar do tempo, tendo uma vida promissora e com qualidade.
� Na verdade, n�o costumo acompanhar esses casos �
falei. � Entretanto, considero interessantes as observa��es
de voc�s.
� � o que voc� pode ver que estamos realizando com o
corpo perispiritual de Jess�. Atrav�s de intenso campo magn�tico
estimulamos a regi�o do corpo espiritual que corresponde
ao timo. Essa gl�ndula, conforme observa��es da
pr�pria ci�ncia da Terra, � respons�vel pela matura��o de
linf�citos T.
� Ent�o � continuou o companheiro Ernesto � ao
224
criarmos um corpo magn�tico de alta resist�ncia em torno
da regi�o correspondente ao timo, estaremos favorecendo
o sistema imunol�gico do futuro corpo de Jess�.
� Creio que compreendi � falei. � O sistema imunol�gico
� o respons�vel pelas defesas do organismo f�sico...
� N�o � bem isso, companheiro � interferiu C�ssio. �
Na verdade, o sistema imunol�gico funciona como elemento
de equil�brio, e n�o de defesa. Mas este assunto � muito
t�cnico; outro dia voltaremos a ele.
� Como esse tratamento todo poder� influenciar o futuro
corpo de Jess�, se estamos operando fora da mat�ria,
antes mesmo da uni�o sexual de seus futuros pais?
� Ap�s a uni�o do casal na Terra, ao se consumar o ato
sexual, temos um tempo aproximado de 72 horas para realizar
a liga��o magn�tica entre o esp�rito reencarnante e a
c�lula-ovo. Toda a nossa a��o do lado de c� ser� transmitida
automaticamente �s c�lulas em forma��o no �tero materno.
Al�m disso, podemos considerar que o mesmo processo
foi realizado no esp�rito de Paulo, o futuro pai.
� N�o entendi...
� � que Paulo, ao se unir a Joana, n�o ficar� isento de
poss�veis comprometimentos na �rea f�sica. Devido � interfer�ncia
de abnegados mentores da Vida Maior, Paulo foi favorecido
com uma interfer�ncia espiritual e magn�tica semelhante
� que estamos realizando em Jess�. Ele n�o precisa
comprometer sua sa�de no contato mais �ntimo com Joana.
Encontro com a vida 225
� Ent�o Joana est� contaminada...
� Creio que voc� j� sabe por que tantos cuidados com o
futuro pai de Jess� e com o pr�prio Jess�. Ambos n�o t�m
necessidade de passar por certas prova��es.
� E Joana, como ficar�?
� � bom esperar para ver, �ngelo � retornou Ernesto.
� Devemos nos ocupar com Jess�, que neste momento est�
sob a influ�ncia magn�tica dos companheiros do departamento.
Observei Jess� e vi que seu corpo espiritual se reduzia
cada vez mais. Tr�s esp�ritos se posicionavam ao lado da
maca, que se mantinha suspensa nos fluidos do nosso plano.
O perisp�rito do reencarnante assumia a forma de crian�a,
reduzindo seu tamanho de maneira acentuada. Quanto
mais os esp�ritos magnetizadores trabalhavam com os
fluidos no corpo espiritual de Jess�, mais e mais o fen�meno
de redu��o se processava diante de nossos olhos. Por um
momento, pareceu-me que Jess� era apenas um embri�o.
Ele assumiu essa forma, e a� o fen�meno foi interrompido,
para que fossem trabalhados os campos de for�a que definiriam
qual dos 200 milh�es de espermatoz�ides iria se destacar
para romper o �vulo e iniciar o processo da multiplica��o
das c�lulas.
Fiquei maravilhado diante do que via. � medida que os
magnetizadores atuavam na forma espiritual de Jess�, v�rios
campos de for�a iam se formando em torno de seu peris
226
p�rito. Senti-me emocionado diante do que presenciava, pois
nunca tinha visto algo parecido.
Nas telas suspensas sobre o leito onde Jess� se encontrava,
agora na forma fetal, s� se observavam linhas de for�a
luminosas, que eu entendi serem a representa��o das c�lulas
espirituais que compunham o perisp�rito. Era algo com
que se maravilhar.
Aos poucos a forma espiritual de Jess� foi se reduzindo
ainda mais, at� assumir a forma de ovo, mais precisamente
uma forma ov�ide luminosa, que foi confiada a C�ssio. O
bondoso mentor aconchegou a forma espiritual de Jess�
como algo de imenso valor.
� Ele agora dorme � disse-nos C�ssio. � Jess� est�
mergulhado na recorda��o de seu passado.
� O que estar� pensando neste momento? � perguntei.
� Este � um momento sagrado para todo esp�rito. Assim
como a morte do corpo f�sico, no fen�meno da desencarna��o,
provoca reflex�es profundas no rec�m-desencarnado,
ocorre o mesmo pr�ximo ao retorno do esp�rito �
Terra.
� Quanto ao aprendizado de Jess� na pr�xima experi�ncia
no corpo f�sico, como conciliar as antigas cren�as do
sistema judaico, ao qual Jess� se afei�oara, com a nova realidade?
� � natural que o esp�rito reencarnante n�o fa�a essa
transi��o de uma maneira t�o brusca assim. Jess� ser� aben
Encontro com a vida 22 7
�oado com uma orienta��o esp�rita em sua inf�ncia. Eis por
que ele ser� filho de Paulo. Entretanto, suas tend�ncias ou
convic��es �ntimas n�o se modificar�o de maneira t�o r�pida.
Ao atingir a adolesc�ncia no novo corpo f�sico, ele com
certeza experimentar� d�vidas e momentos de indecis�o.
Nesse estado �ntimo eclodir� seu passado espiritual. � poss�vel,
ent�o, que ele se afei�oe a outra religi�o que tenha uma
doutrina mais de acordo com a sua necessidade evolutiva e
sua capacidade de assimila��o.
� E quanto ao aspecto f�sico, como entender direito a
atua��o de Jess� e de todo o tratamento recebido do lado de
c� nas c�lulas espirituais do futuro corpo?
� Creio que mesmo explicando tudo direitinho e com
maiores detalhes, �ngelo, voc� ainda ficar� sem compreender
direito. Falta-lhe experi�ncia na �rea m�dica ou no campo
das ci�ncias. Isso por si j� � um obst�culo para que compreenda
certos mecanismos da reencarna��o. Mas, se se dedicar
�s observa��es, poder� com certeza aprender muita
coisa a respeito dos campos magn�ticos do perisp�rito e sua
atua��o nas c�lulas do corpo f�sico.
Para mim, o companheiro espiritual parecia estar falando
grego ou aramaico. Eu n�o compreendia muita coisa de
ci�ncia espiritual. Minha atua��o na �ltima exist�ncia f�sica
fora como jornalista e escritor. Mas, por ora, dei-me por
satisfeito com as observa��es. Aguardaria outra oportunidade
de esclarecimento.
228
Dias antes, Paulo fora desdobrado atrav�s do sono f�sico.
Com ele tamb�m foi realizado um tratamento parecido,
que se diferenciava apenas na quest�o da redu��o do perisp�rito.
Paulo j� estava reencarnado e precisava ser auxiliado
magneticamente a fim de fortalecer, de estimular a produ��o
de linf�citos T em seu organismo. A regi�o do ba�o e do
p�ncreas no corpo f�sico fora especialmente visada no tratamento.
Tudo concorria para o sucesso do plano reencarnat�rio
de Jess� e da manuten��o da sa�de de Paulo.
Joana, a pupila de C�ssio, tamb�m era amparada. Nossa
equipe de trabalhadores espirituais fazia de tudo para que o
retorno de Jess� �s provas na Terra transcorresse num clima
de mais tranq�ilidade. Aproveitar�amos o casamento
de Joana e Paulo e conduzir�amos a alegria reinante naquele
momento especial para auxiliar os esp�ritos envolvidos.
Reencarna��o
e vida
A�, sentindo uma vida pulsar
dentro de mim...
230
aulo e Joana j� haviam consolidado o casamento
conforme as leis do pa�s. Dirigiram-
se para uma regi�o tur�stica do sul do Brasil,
onde passariam a lua-de-mel. Fomos
encontrar o casal j� hospedado num hotel
fazenda, onde teriam uma semana de lazer, comemorando
a nova etapa de suas vidas. Aproximamo-nos do apartamento,
C�ssio, Ernesto e eu, juntamente com o esp�rito
de Jess�, que entrava numa esp�cie de transe, ao se
aproximar cada vez mais do momento em que seria ligado
ao futuro corpo. Enquanto o casal desfrutava de sua
noite de n�pcias, esper�vamos do lado de fora, para n�o
sermos indiscretos e nem interferirmos em sua privacidade.
Pude observar que em volta do apartamento onde
se encontravam havia sentinelas, que mantinham guarda
do lado de fora.
Estranhei a presen�a daqueles esp�ritos, entretanto mantive-
me calado. Ondas de magnetismo pareciam irradiar do
Encontro com a vida 231
local. Era como se poderosa usina de for�a entrasse em a��o
de um momento para o outro. Notei que essas ondas de
energia magn�tica pareciam pulsar em tonalidades de cores
variadas. Tamb�m observei que descargas el�tricas pareciam
abalar de vez em quando a estrutura desse campo de
energia que se formava em torno do local onde o casal estava.
Enquanto observava atentamente esse estranho campo
eletromagn�tico, Ernesto e C�ssio cuidavam de Jess�, cuja
forma espiritual se encontrava reduzida. Notei que o esp�rito
reencarnante parecia pulsar de acordo com as ondas de
magnetismo que eu observava. Foi Ernesto quem me adiantou
explica��es:
� N�o passa despercebida sua curiosidade, �ngelo.
Creio que para voc� a situa��o poder� at� se afigurar in�dita,
mas, definitivamente, n�o � uma ocorr�ncia isolada e nem
mesmo estranha. Quando o casal se une dentro da proposta
do amor e com o devido respeito, � natural que entre em
sintonia com as esferas superiores da vida. Portanto, n�o
estranhe que haja sentinelas por aqui. A presen�a desses
esp�ritos guardi�es se explica devido � necessidade de preservar
o leito conjugal de esp�ritos v�ndalos ou da a��o de
obsessores. O momento da uni�o sexual � muito mais do
que o simples extravasar do erotismo ou da sensualidade.
Na verdade, esses dois fatores s�o ve�culos important�ssimos
para que o casal libere certa cota de magnetismo. Durante
a rela��o amorosa, as pessoas imantam-se umas �s
outras de tal maneira que h� uma transfus�o de energias.
232
Um alimenta-se do outro, n�o num processo m�rbido de
vampirismo, por�m na transmuta��o e troca de for�as eletromagn�ticas,
que se traduzem fisicamente pelo orgasmo.
Esse � o momento culminante da transfus�o sublime de energia.
Cada parceiro recebe a cota de magnetismo que o completa.
Sente-se, dessa maneira, refeito.
"Quando o casal vibra em verdadeiro amor, como � o
caso de Paulo e Joana, o extravasar das emo��es e a exsuda��o
do magnetismo s�o t�o intensos que formam ondas de
energia em torno dos parceiros. � o caso dessas irradia��es
que voc� percebe. Ao mesmo tempo em que esse fen�meno
divino que alicer�a e nutre o casal serve como combust�vel
das emo��es superiores, tamb�m realiza a fun��o de atrair e
estimular o esp�rito reencarnante para a sua aproxima��o
dos futuros pais."
� Ent�o Jess� sente essas ondas magn�ticas com essa
intensidade toda?
� Tudo no universo obedece � lei da sintonia, meu amigo.
Com Jess�, Paulo e Joana, as coisas n�o ocorrem diferentes.
Nosso querido Jess� teme enfrentar as novas experi�ncias
que a reencarna��o lhe proporcionar�. Nossa presen�a
aqui e a natural influ�ncia magn�tica dos seus futuros pais
servem-lhe como est�mulo para a nova reencarna��o. Mas
ele s� percebe essa influ�ncia na medida exata de sua necessidade
e capacidade de assimila��o.
Passado algum tempo, adentramos o apartamento onde
Encontro com a vida 233
o casal estava repousando. Os dois dormiam abra�ados,
sentindo-se completos e plenos de amor.
Com passes longitudinais, C�ssio, o iluminado amigo,
desdobrou Paulo e Joana, que conservavam a lucidez em
nossa presen�a. Os dois, em esp�rito, pairavam acima do
leito e nos receberam de bra�os abertos.
Emocionada, Joana avistou Jess�, cuja forma espiritual
estava reduzida, e o abra�ou, tomando-o do instrutor espiritual.
L�grimas desciam da face da mo�a, que era amparada
por Paulo. Pude observar como o fen�meno do magnetismo
da m�e auxilia o filho reencarnante no processo de
adapta��o flu�dica. Uma corrente energ�tica envolvia Paulo
e Joana, que, desdobrados, recebiam Jess� como filho. Era
como se a forma perispiritual do antigo verdugo de Joana
fosse tragada pelo esp�rito da m�e. Houve uma justaposi��o
de ambos no momento em que Joana esp�rito aconchegava
seu futuro filho nos bra�os. Sinto-me pobre em meus
recursos para encontrar palavras que descrevam a beleza e
as emo��es daquele encontro.
Sem dizer uma �nica palavra, Ernesto e C�ssio aplicaram
passes magn�ticos no casal, que estava projetado em
nosso plano. Ambos foram conduzidos aos seus corpos.
Permaneceram dormindo e com a sensa��o de sonho.
A uma indica��o de Ernesto fixei minha aten��o no corpo
de Joana, que repousava no leito. Observei que na regi�o
do �tero o �vulo j� se encontrava fecundado, envolto por
234
uma estranha luminosidade. O esp�rito de Jess�, reduzido
em sua forma espiritual, adaptara-se �s mesmas dimens�es
da c�lula-ovo e pulsava no ritmo dela. Come�ava ali o processo
de materializa��o de Jess� no mundo das formas. O
�tero de Joana fazia o papel de uma c�mara de materializa��o,
atrav�s do qual o mundo receberia mais um filho de
Deus.
Enquanto Ernesto cuidava de Joana e Jess�, que j� se
encontrava adaptado ao ventre materno, C�ssio dirigia a
Paulo suas aten��es.
� Tenho de lev�-lo urgentemente comigo para continuar
seu tratamento de prote��o magn�tica.
� Mas ele j� retornou ao corpo f�sico e agora repousa...
� N�o temos tempo a perder, �ngelo. Lembra-se de Jac�,
o companheiro que nos serviu de m�dium, doando seus fluidos
para Paulo?
Lembrei-me imediatamente da opera��o de transfus�o
flu�dica realizada com Paulo desdobrado. Creio que, na �poca,
n�o compreendi direito o porqu� de todas aquelas provid�ncias.
� V� buscar Jac�, �ngelo. Neste momento ele est� se
preparando para dormir. Ministre um passe longitudinal e
desdobre-o. Precisamos dele imediatamente.
Sa� atr�s de Jac� para traz�-lo ao nosso plano, sem entender
muito o que ocorria. Fui levitando nos fluidos da
atmosfera, enquanto pude ver de relance uma equipe espiri
Encontro com a vida 235
tual de nossa col�nia aproximando-se rapidamente do apartamento
onde repousava o casal.
Ao retornar, j� com o esp�rito de Jac� desdobrado, vi
que havia muita movimenta��o dentro do quarto. C�ssio
havia desdobrado Paulo, que neste momento estava semiconsciente
do nosso lado.
Atrav�s do sono f�sico todos os seres humanos se desdobram
ou se projetam espiritualmente em outras dimens�es
al�m do mundo material. M�diuns esclarecidos conseguem
maior expans�o de suas consci�ncias e auxiliam os esp�ritos
em diversas tarefas do lado de c� da vida. Aqueles que se
desdobram podem conservar ou n�o a consci�ncia em outras
dimens�es. No caso de Paulo, por efeito do magnetismo
de C�ssio, ele conservava-se semiconsciente do nosso
lado, enquanto Jac�, abandonando seu corpo temporariamente
no leito, trazia a mente l�cida, auxiliando-nos quanto
podia.
C�ssio, aproximando-se, falou:
� Temos pouco tempo para agir.
Paulo conservava-se ainda sob o efeito do tratamento
magn�tico que realiz�ramos antes. Ele n�o desconfiava que
Joana estava contaminada com o v�rus HIV. Entretanto, teve
m�ritos suficientes para obter aux�lio superior e nos foi permitido
auxili�-lo diretamente.
� Paulo deve continuar no corpo f�sico por muito mais
tempo, tendo em vista suas tarefas espirituais. No contato
236
mais �ntimo com Joana, nosso amigo contraiu o v�rus, que
est� inibido em sua a��o devido � nossa influ�ncia. Mas isso
n�o � o suficiente. Precisamos dos fluidos de Jac� a fim de
movimentarmos a aparelhagem que isolar� completamente
o v�rus no organismo do nosso tutelado.
� Estou � disposi��o � falou Jac� desdobrado. � O
que devo fazer?
Dentro do quarto foram montados diversos aparelhos e
dois leitos, que pareciam leitos de hospital, por�m se mantinham
suspensos no ar.
Apontando para um dos leitos, C�ssio pediu que Jac� se
deitasse, enquanto a equipe m�dica espiritual ligaria o plexo
solar do m�dium aos diversos aparelhos. Dois tubos feitos
de mat�ria transl�cida tamb�m seriam ligados a Jac�.
Paulo foi conduzido para o outro leito e, como num transe,
deixou-se guiar pelos esp�ritos que orientavam seu destino.
C�ssio conduzia tudo, mantendo-se ligado mentalmente
com Ernesto.
Vi que determinado aparelho parecia rastrear o corpo
de Paulo, conduzido por um esp�rito do nosso plano, enquanto
Paulo esp�rito era submetido a intensa a��o magn�tica.
� Conseguimos isolar alguns v�rus no corpo de Paulo
� falou C�ssio �, mas agora � preciso uma a��o mais
intensa. Em nosso plano os esp�ritos afinizados com o campo
cient�fico ainda n�o descobriram a cura para o HIV e a
Encontro com a vida 23 7
aids. Contudo, temos not�cia de planos mais avan�ados onde
esp�ritos sublimes j� dominam completamente a a��o do
v�rus destruidor. Observe, �ngelo.
Dirigi meu olhar para o corpo de Paulo, estendido na
cama ao lado de Joana. Seu esp�rito desdobrado conservava-
se ligado ao corpo f�sico por um fio prateado. Agucei
minhas percep��es e pude ver, pr�ximo � regi�o da coluna e
do ba�o, uma esp�cie de col�nia de v�rus; mantinham a apar�ncia
de pequenas bolhas de luz de tonalidade cinza, por�m
brilhante, contidos em uma prote��o magn�tica.
� Por enquanto n�o podem causar danos �s c�lulas sang��neas,
devido a todo o preparo que fizemos no perisp�rito
de Paulo antes do seu casamento. Mas agora agiremos de
maneira a isolar completamente o v�rus.
Falando assim, C�ssio auxiliou os t�cnicos do nosso lado
com um pequeno aparelho, que media aproximadamente a
metade de uma m�o humana.
Ao aproximar o aparelho do perisp�rito de Paulo, que se
conservava desdobrado, uma corrente de fluidos parecia
percorrer o cord�o flu�dico que o ligava ao corpo f�sico.
Do corpo espiritual de Jac� tamb�m partiam correntes
magn�ticas de grande intensidade. Eram fluidos, magnetismo
ou energia vital utilizados pelo pequeno aparelho, em
benef�cio da sa�de do nosso protegido.
� Este aparelho � falou agora Ernesto � emite uma
radia��o semelhante � das bombas de cobalto da Terra. Na
238
turalmente que do lado de c� da vida n�s utilizamos essa
tecnologia de acordo com orienta��es superiores. S� em caso
de auxiliar algu�m. Essas radia��es s�o conduzidas de forma
a impedir a a��o do v�rus. T�m uma a��o antiviral mais
permanente.
� Ent�o Paulo n�o sentir� nada ap�s o tratamento? �
perguntei.
� Mesmo que ele fa�a exames necess�rios para detectar
o HIV e seja observada a presen�a do v�rus, ele nada sentir�.
O v�rus permanecer� em seu organismo, por�m n�o poder�
causar-lhe mal, n�o destruir� as c�lulas de defesa nem poder�
se multiplicar.
� E quanto a Joana?
� Devemos conduzir a situa��o de acordo com as necessidades
dos nossos amigos encarnados. Joana precisa de
outro tipo de tratamento. De acordo com seu programa
reencarnat�rio, precisa retornar em breve para o nosso lado,
a fim de refazer-se e preparar-se para novas oportunidades
de crescimento. Fa�amos a nossa parte e confiemos os resultados
�s m�os de Deus.
Aos poucos foi cessando a movimenta��o do nosso lado.
Jac� foi reconduzido ao corpo f�sico por Ernesto, que procurou
diluir as lembran�as daquelas experi�ncias em sua
mem�ria.
Paulo retornou para o corpo f�sico sem se lembrar de
nada, e um a um os esp�ritos de nossa equipe foram se afas
Encontro com a vida 239
tando para novas tarefas.
Fiquei por �ltimo. Pude presenciar o momento em que
Joana acordava. Abra�ada a Paulo, emocionada at� as l�grimas,
falou bem baixinho:
� Tive um sonho, meu amor. Sonhei que estava entre
um tanto de amigos e recebia um presente muito especial.
� Talvez sejam os esp�ritos que queriam nos dizer algo
� respondeu Paulo.
� Ser� que eles n�o nos deixam sozinhos nem em nossa
lua-de-mel?
Sorrindo para a mulher, Paulo respondeu:
� Em momento algum, meu amor. Em momento algum.
Em geral s�o eles, os esp�ritos, que nos dirigem...
Abra�ados, adormeceram os dois.
O passado
ressurge
Eu o havia procurado...
242
quele ver�o fora especialmente dif�cil para
mim. Desde que me casei com Paulo, uma
doce vibra��o de harmonia parecia dominar
o meu esp�rito. Seria talvez pelo fato
de haver me casado? Ou seria outra coisa
que estava acontecendo comigo e que naquela �poca n�o
sabia definir? Sentia-me numa esp�cie de torpor. N�o
poderia de maneira alguma reclamar do meu casamento.
Entretanto, a sa�de parecia oscilar a cada dia. Estava
gr�vida. Creio que esse foi o maior de todos os acontecimentos
de minha vida. Estar gr�vida agora representava
para mim um estado de esp�rito de intensa satisfa��o
comigo mesma.
N�o saberia descrever o que acontecia dentro de mim.
Uma for�a diferente se apoderara de meu ser. Sentia-me a
cada dia modificar em minhas entranhas. Algo ou alguma
presen�a trabalhava n�o somente meu corpo em sua intimidade,
mas tamb�m minha alma. Deleitava-me a cada
Encontro com a vida 24 3
mudan�a que observava em meu corpo. Acordava � noite
muitas vezes suada, como se tivesse vis�es. O tempo parecia
se dilatar ao meu redor. Mas n�o queria falar disso com
Paulo. N�o! Ele n�o precisava se preocupar com essas coisas.
Incomodavam-me sobremodo as imagens que via nessas
vis�es da noite; seriam fantasmas de outros tempos?
Ser� que Paulo tinha raz�o quando falava em reencarna��o?
Eu via uma cidade estranha, cheia de gente que eu n�o
conhecia. Era um outro pa�s. O clima quente fazia meu corpo
produzir intenso suor. Uma m�sica desconhecida para
mim parecia estar presente todo o tempo nessas minhas
vis�es. Eram sons de uma outra �poca. Algu�m se aproximava
e me chamava. Mas eu n�o me reconhecia na figura
daquela mulher vestida com trajes diferentes. Meu nome �
Joana. Joana Gomides. E aquela mulher que eu sentia ser eu
mesma, embora num sonho, se chamava Miriam. Ah! Mas
era apenas um sonho, ou melhor, foram v�rios sonhos,
muitas e muitas noites de sonho durante o per�odo de minha
gravidez.
Mas o tempo passava veloz sobre os acontecimentos de
minha pr�pria vida. Paulo, o meu Paulo, sempre alegre e
satisfeito, n�o desconfiava de que eu vivia um estado de esp�rito
indefin�vel, talvez com uma certa ang�stia, que eu tentava
disfar�ar com sorrisos amarelos ou com as visitas sempre
constantes a minha m�e ou � casa de minha sogra, que
se demonstrara uma segunda m�e para mim.
244
Algo estava acontecendo dentro de mim. Mas o que exatamente?
N�o saberia dizer. Vez ou outra me sentia confusa
e distante das pessoas. Seria a gravidez? Todas as m�es se
sentiam assim num ou noutro momento? Sentia-me fraca e
abatida, e parecia que as minhas for�as iriam me abandonar
de um momento para o outro. Paulo se preocupava comigo.
� Ora, Joana, voc� sabe que sua sa�de � delicada. Voc�
n�o cumpriu o nosso trato de antes do casamento.
� Que trato, Paulo? N�o me lembro de haver prometido
nada a voc�...
� Claro que prometeu. E a consulta que voc� disse que
faria a respeito de sua diabete? Lembra-se de nossa conversa?
-Ah!...
� Agora est� se lembrando. Pois bem. Sua gravidez �
uma gravidez de risco, como nos falou o m�dico, e voc� se
recusa a realizar exames...
Eu sabia que algo estava para acontecer, por�m n�o conseguia
definir o objeto de minhas preocupa��es. Paulo tudo
fazia para que eu procurasse um m�dico e me tratasse. Ele
usava de todos os recursos para me estimular. Eu n�o arredava
o p�. S� faria os exames relativos � gravidez. O chamado
pr�-natal. Nada mais. Tinha pavor de m�dicos. A experi�ncia
na cl�nica at� que fora gratificante, mas lembro-me
bem dos momentos que passei quando fizera o exame anti-
HIV. Passei por um inferno. Na verdade n�o fora o m�dico o
Encontro com a vida 24 5
culpado pela situa��o dif�cil que eu passara, mas a minha
neurose quanto �s doen�as. Sim! Foi isso mesmo que Paulo
disse a respeito de minhas rea��es com os exames. S� de ir
ao m�dico j� criava um certo inferno particular e somatizava
todos os medos de minha alma. Fui at� num psic�logo.
Ele me disse que eu tinha um sentimento arraigado dentro
de mim. Era uma culpa muito grande. Assim, eu me punia
inconscientemente, somatizando os medos que eu n�o tinha
coragem de enfrentar. Seria mesmo isso? Eu n�o entendia
direito essas coisas de psicologia, mas confesso que tamb�m
n�o queria entender.
Cada dia mais me sentia diferente. Com minha recusa
em ir ao m�dico, meu estado de sa�de foi se agravando a
cada dia, e os meus medos tamb�m...
� Temos de correr para o hospital com Joana, D. Altina;
ela n�o est� nada bem...
� Ah! Meu Deus! Essa menina ainda me dando trabalho.
Agora � pior, pois est� para dar � luz, e s�o dois que
correm perigo. O sangue de Jesus tem poder! Fa�a alguma
coisa, Paulo. Eu vou ajudar Joana nos preparativos.
� Vou telefonar para o m�dico, D. Altina. Prepare Joana.
Coitada de minha m�e. Ela sempre �s voltas com meus
problemas. A essa altura, viera morar conosco, a fim de me
auxiliar no per�odo dif�cil da gravidez. Foi insist�ncia de
Paulo. E D. C�lia, minha sogra, tamb�m ficava de plant�o.
Eu nem imaginava que aquele seria o in�cio do meu calva
246
rio. Completavam-se sete meses de gravidez. Foram sete
meses dif�ceis para mim e para minha fam�lia.
� O que est� acontecendo, doutor? Por favor, me fale.
� Calma, rapaz! � muito dif�cil falar acertadamente de
uma s� vez. Mas posso lhe dizer que sua mulher n�o poder�
voltar para casa hoje. Ela necessita ficar internada, para o
bem dela e da crian�a. Isso eu n�o posso mudar. Afinal, como
voc� sabe, � uma gravidez de alto risco, e, devido � sa�de de
Joana, que � mais delicada, creio que talvez tenhamos de
retirar a crian�a antes da hora.
� Retirar a crian�a? Como assim? Ent�o...
� N�o se preocupe dessa forma. Esse � um procedimento
comum. N�o falo de aborto, mas de uma cesariana e da
possibilidade de a crian�a nascer antes dos nove meses.
� Mas isso n�o � de grande risco?
� Certamente n�o � a forma mais desej�vel, Paulo; entretanto,
� um procedimento muito comum hoje em dia. Se
a crian�a tiver de nascer com sete meses, com certeza ser�
tratada com muito cuidado. Ficar� em lugar apropriado
at� que complete o tempo necess�rio para poder ir para
casa. N�o se preocupe quanto � crian�a.
� Mas e quanto � sa�de de Joana? Devo me preocupar?
� Bem... n�o posso lhe enganar quanto a isso. Joana
n�o apresenta um quadro t�o animador assim, mas temos
recursos tamb�m para reverter a situa��o e dar-lhe a assist�ncia
necess�ria.
Encontro com a vida 247
Minha m�e rezava constantemente, a fim de que Jesus
enviasse seus anjos para me proteger. Nenhum de n�s imaginava
como era grave o meu caso. Creio que nem o m�dico
imaginava isso. Fiquei internada durante um bom tempo.
Acho que foi um tempo suficiente para eu realizar uma an�lise
bem detalhada de minha vida. Como eu havia mudado...
� Sabe, Paulo, sonhei esses dias com C�ssio, o meu marido.
Parecia que ele queria me dizer alguma coisa e eu n�o
conseguia entender direito...
� N�o se preocupe, D. Altina, talvez seja apenas fruto de
suas preocupa��es, j� que a nossa Joana n�o est� nada bem.
� Talvez, Paulo, talvez. Sinto que alguma coisa ruim est�
para acontecer.
� Que � isso, minha sogra? Ainda mais a senhora, que
tem tanta f� em Deus, fica pensando bobeira assim?
Paulo ficou ensimesmado, pois sabia muito bem que os
sonhos de minha m�e n�o eram simples sonhos. Ela parecia
ter algumas revela��es. Desde uns anos para c�, minha m�e,
apesar de ser crente, n�o era assim t�o ortodoxa...
� Sabe, Paulo, voc� entende muito mais a respeito desse
neg�cio de esp�rito, n�o �, meu filho?
� Claro, D. Altina. Tenho estudado um pouco o espiritismo.
Mas o que a senhora quer dizer?
� Voc� sabe, meu filho, que eu sou crente no Senhor
Jesus, e Deus me livre das obras do diabo. Mas quero confessar
uma coisa para voc�...
248
� Fale, D. Altina, assim a senhora me deixa preocupado...
� � que eu tenho conversado com os esp�ritos...
� Com o qu�?
� Com os esp�ritos, Paulo. Isso mesmo.
� Mas... eu n�o entendo...
� � que por muitos anos fui ensinada na igreja que o
Esp�rito Santo batiza os crentes. Depois de muitas ora��es
e noites e noites de vig�lia junto com os irm�os l� da igreja,
fui visitada por um anjo do Senhor.
� Anjo do Senhor...
� Sim, Paulo. Pelo menos eu julgava que era um anjo do
Senhor. E l� na igreja n�s temos muitos irm�os que s�o
profetas, que v�em os mensageiros de Deus e profetizam as
mensagens deles para a igreja e para os fi�is. S� que, de uns
tempos para c�, tenho observado melhor esse anjo do Senhor.
E descobri uma coisa muito interessante.
� O que � t�o interessante assim, D. Altina? Por acaso a
senhora est� se convertendo ao espiritismo?
� N�o brinque com isso, meu genro. At� parece que voc�
n�o conhece dessas coisas. � que, durante nossas ora��es,
aparecem muitos mensageiros, que o nosso pastor nos ensinou
a interpretar como sendo os anjos de Deus. Mas tanto
eu como uma irm� profetisa l� da igreja temos observado
melhor esses anjos. E n�o � que um deles tem a cara do
meu C�ssio?
Encontro com a vida 249
� Mas voc�s n�o dizem que � o Esp�rito Santo que fala
atrav�s de voc�s?
� � claro que �, Paulo. E Deus me livre do pastor descobrir
isso que eu estou lhe dizendo. Mas eu juro que os anjos
que n�s vemos s�o as almas do outro mundo.
Paulo deu uma gostosa gargalhada. H� muito que ele
n�o ria t�o gostosamente.
� Eu n�o falei nenhuma piada, Paulo. Sou uma mulher
s�ria, uma serva do Senhor.
� Me desculpe, D. Altina, me desculpe. Mas � que eu
tenho observado a senhora h� muito tempo. Mesmo que
tenha aceitado a f� protestante e freq�ente uma igreja evang�lica,
n�o posso duvidar de que � uma m�dium...
� M�dium n�o, pelo amor de Deus. Sou batizada no
sangue de Jesus e no fogo do Divino Esp�rito Santo. Eu sou
profeta. Uma profetisa do Senhor.
� Que seja, D. Altina. � apenas uma quest�o de nomes.
� Eu vejo os anjos do Senhor da mesma forma que o
pastor e os irm�os que s�o batizados...
� Mas a senhora acaba de me dizer que os anjos s�o
almas do outro mundo...
� � apenas uma quest�o de nomes, como voc� diz. Mas
o pastor n�o precisa ficar sabendo...
� E Jesus, ser� que ele pode ficar sabendo que o Esp�rito
Santo dele � apenas o esp�rito de algu�m que j� morreu?
250
� Ah! Paulo, enquanto Jesus estiver calado e n�o falar
nada contr�rio � sinal de que ele concorda com tudo, n�o �?
Afinal, se uma alma aparece na igreja, � porque � uma enviada
de Deus. � melhor a gente deixar tudo do jeito que est�.
Eu prefiro n�o perguntar nada a Jesus em minhas ora��es...
� Por qu�, D. Altina?
� Eu tenho medo da resposta...
Os dois se abra�aram e entenderam que, apesar das diferen�as
entre as religi�es de ambos, todos eram filhos de Deus
e que os anjos, os mensageiros ou os esp�ritos, tanto faz
como se apresentem, s�o emiss�rios do Pai para amparar
seus filhos na busca da felicidade.
Entre o aqui
E o Al�m
... Ele estava o tempo todo
escondido bem dentro de mim.
252
emos de intensificar nossa a��o junto a Joa
na, Ernesto. Creio que agora poderemos in
terferir mais diretamente.
� Claro, C�ssio. Aproveitemos que ela est�
internada. A crian�a precisa ser amparada de
maneira mais direta.
� At� tentei transmitir algo para Altina, por�m creio
que ela est� muito preocupada com o estado da filha.
� N�o � f�cil romper as barreiras que nos separam do
outro lado. As preocupa��es dos nossos amigos encarnados
afetam as intui��es que tentamos enviar a eles.
� Pelo menos agora Altina j� sabe que sou eu mesmo
que ela v� em suas preces. Isso j� � um grande progresso. �
muito dif�cil tamb�m romper as dificuldades causadas pelas
cren�as enraizadas. Os evang�licos t�m estruturado seus
pensamentos de tal maneira que dificultam nossa aproxima��o
de uma forma mais ostensiva. Entretanto, se nos
aproximarmos deles como se f�ssemos uma manifesta��o
Encontro com a vida 253
do Esp�rito Santo ou dos anjos do Senhor, a� encontramos
resson�ncia em suas cren�as, em seus cora��es.
� Creio que temos de nos adaptar aos instrumentos
que temos a nossa disposi��o...
� Bem, Ernesto, espero que voc� e �ngelo possam me
acompanhar junto a nossa Joana.
Eu ouvia tudo, anotando cada detalhe da conversa. Pretendia
acompanhar o caso � maneira do jornalista, que pretende
fazer suas anota��es e depois transmiti-las ao p�blico.
Afinal, eu pertencia �quela equipe de esp�ritos liderados
pelo amor. Acompanhei o caso de Joana e Paulo em cada
detalhe. Naquela tarde, ap�s a conversa de C�ssio e Ernesto,
dirigimo-nos ao hospital onde Joana se encontrava internada.
Aproveitamos o momento em que n�o havia visitas.
Ernesto aproximou-se do leito onde Joana se encontrava
e observou mais de perto a crian�a que se formava em seu
ventre.
� O nosso Jess� passa bem. Creio que, quanto a ele, n�o
teremos de nos preocupar.
� Sim, Ernesto � falou C�ssio � mas, por via das d�vidas,
temos de refor�ar o tratamento. Como voc� sabe, Paulo,
o pai da crian�a � o nosso Jess�, que est� em processo de
reencarna��o � tamb�m � objeto de nossas aten��es.
� Claro, C�ssio, como posso ignorar?
� Sei que voc� tamb�m acompanha o caso de nossos
pupilos com muito interesse, afinal estamos todos ligados
254
por la�os indissol�veis de amor.
� Temos interesse na felicidade dos nossos companheiros.
Embora para eles, que est�o encarnados, talvez a felicidade
signifique algo diferente daquilo que significa para n�s,
esp�ritos.
� � que aqui temos uma vis�o mais dilatada da realidade.
� Temos de trabalhar muito, C�ssio, a fim de que um
dia nossos irm�os encarnados possam tamb�m dilatar sua
vis�o. Talvez, ent�o, compreendam melhor certas quest�es
delicadas da vida.
Fiquei curioso com a conversa dos dois mentores. C�ssio,
muito bondoso, socorreu-me em minha curiosidade.
� Veja bem, �ngelo, observemos o caso de Joana. Quem
acompanha a situa��o dela do plano f�sico e com vis�o puramente
material poder� ver em Joana a mulher que foi
muito feliz ao se casar com Paulo. Para esses observadores
encarnados, a quest�o da felicidade se resume apenas nisso,
e qualquer contratempo que ocorrer com sua sa�de talvez
signifique algo profundamente inc�modo, pois conhecem
apenas o lado material da hist�ria.
Para n�s, por�m, a situa��o � diversa. Joana, Paulo, Altina
ou Jess�, que est� reencarnando atrav�s de Joana, s�o
esp�ritos eternos. Nada mais justo que adaptarmos a nossa
vis�o aos conceitos da eternidade. Sob essa �tica, as doen�as
ou enfermidades, os chamados transtornos da vida, assumem
outros aspectos, relevantes para a verdadeira felici
Encontro com a vida 255
dade. S�o instrumentos para o despertamento do esp�rito.
� Creio que entendi � pensei.
� Veja bem o que ocorrer� com a nossa Joana. Ela j�
n�o poder� demorar mais no corpo f�sico. Nosso Jess� n�o
poder� demorar a nascer. Se ele ficar muito tempo no ventre
de Joana, poder� ser comprometida sua reencarna��o.
� N�o entendi...
� Lembra-se do tratamento que realizamos nos corpos
espirituais de Paulo e Jess� antes de iniciar seu processo
reencarnat�rio?
� Sim, claro! Acompanhei o caso com muito interesse.
� Pois bem, �ngelo; nosso Paulo s� nos ofereceu recursos
para o tratamento magn�tico porque em sua estrutura
org�nica ele tem algo que, pela medicina, � considerado uma
anomalia. Ou seja, ele tem uma forma��o celular anormal.
Falo das c�lulas de defesa do corpo f�sico mais conhecidas
como CD4. Devido a essa m�-forma��o de suas c�lulas de
defesa � que conseguimos interferir dessa maneira, acentuando
ainda mais essa situa��o.
� Eu n�o entendo nada de c�lulas, medicina ou algo
parecido.
� Nossa Joana est� contaminada com o v�rus HIV, �ngelo.
Dessa forma ela poderia transmitir o v�rus a Paulo e �
crian�a, n�o fosse a nossa atua��o em suas c�lulas de defesa.
� Ent�o, com o tratamento efetuado no perisp�rito de
256
Paulo foi poss�vel evitar a contamina��o?
� N�o � bem assim. Mas, considerando que o v�rus penetra
nas c�lulas de defesa do sistema imunol�gico e a� se
reproduz, ele n�o poder� realizar sua a��o destruidora caso
essa mesma c�lula tenha uma forma��o diferente ou, utilizando-
nos da linguagem popular, se a c�lula estiver com
defeito. O que fizemos foi apenas aumentar essa deforma��o.
Assim o v�rus n�o poder� se multiplicar. Isso, naturalmente,
foi tamb�m providenciado quanto ao nosso Jess�, j�
que ele deveria reencarnar atrav�s de Joana e Paulo.
� Ou seja � falei � com Jess� ocorreu o mesmo que
com Paulo...
� Sim, meu amigo. Providenciamos para que a chamada
deforma��o celular do CD4 fosse transmitida geneticamente
para o futuro corpo do reencarnante. Com nossa a��o
magn�tica dirigida ao corpo espiritual de Jess�, assim que
ele entrasse em contato com a c�lula-ovo em forma��o no
�tero de Joana, a a��o magn�tica se intensificaria. Entretanto,
n�o podemos correr o risco de submeter a crian�a, o
nosso pupilo Jess�, a algum problema em seu futuro corpo.
Ele precisa nascer urgentemente.
� Antes dos nove meses?
� Imediatamente, �ngelo. Mesmo com a nossa a��o
magn�tica, n�o podemos fazer milagres. Isso � o m�ximo
que conseguimos realizar dentro de nossas limita��es.
� E quanto a Joana?
Encontro com a vida
� Temos de nos preparar para receb�-la entre n�s.
Falando assim, C�ssio se aproximou do leito e imp�s
suas m�os sobre Joana, iniciando uma opera��o magn�tica.
� Aten��o, Dr. Maur�cio Durant! Aten��o, Dr. Maur�cio
Durant � era a voz que falava atrav�s da caixa ac�stica no
hospital. � Favor dirigir-se ao bloco cir�rgico imediatamente.
� Vamos depressa � falou a enfermeira Leontina para
a companheira de trabalho. N�o podemos demorar. O estado
dela piorou de um momento para o outro. Chame o Dr.
Maur�cio Durant e depois telefone para a fam�lia. � urgente.
Joana foi conduzida pela enfermeira para a ala de emerg�ncia
do hospital. N�o poderiam demorar mais com os
recursos m�dicos. Sua situa��o era emergencial. A crian�a e
a pr�pria Joana corriam perigo de vida.
� Precisamos realizar exames com urg�ncia � falou o
m�dico de plant�o. � Ela tem dificuldade de respirar. Vamos
recolher seu sangue antes do Dr. Maur�cio chegar. Pe�a
urg�ncia na resposta.
Mal a enfermeira recolhera a amostra de sangue, o Dr.
Maur�cio Durant, m�dico de Joana, entrava no cti junto ao
bloco cir�rgico, onde a mo�a estava estendida numa maca
com v�rios aparelhos ligados.
Paulo, Altina e C�lia, a m�e de Paulo, dirigiram-se para o
hospital apressadamente.
258
Do nosso lado, muitos esp�ritos se movimentavam em
torno de Joana, a fim de interferir no momento preciso.
Passado algum tempo, a fam�lia chegou ao hospital, e
Paulo e Altina, a m�e de Joana, foram conduzidos � presen�a
do m�dico.
� Eu sinceramente n�o entendo, Paulo, como Joana n�o
est� respondendo ao tratamento. Estamos fazendo tudo que
est� ao nosso alcance.
� Ela sempre teve a sa�de delicada, doutor. Ainda mais
que j� usou drogas...
� Drogas? Mas voc� n�o me falou nada disso antes...
� Bem, eu pensei que Joana tivesse falado com o senhor;
afinal, ela veio tantas vezes com D. Altina fazer suas consultas...
� �, Paulo � falou Altina. � S� que Joana sempre teve
vergonha do passado dela... Eu insisti para que falasse com
o m�dico...
� Isso � grave, Paulo, � muito grave. Joana n�o poderia ter
me escondido nada. Bem que desconfiei quando realizei os �ltimos
exames. Ela apresentava uma resist�ncia muito baixa.
Perguntei se havia tido algum comportamento de risco...
� Ela teve, doutor, mas n�o se preocupe � falou Paulo,
interrompendo o m�dico. � Ela fez o exame para ver se
detectava o v�rus HIV, e foi negativo.
� Ela n�o me disse nada... � respondeu o m�dico.
� Por acaso ela repetiu o exame?
Encontro com a vida 25 9
� Eu acho que n�o, doutor; pelo menos ela n�o me disse
nada. Mas, afinal, o exame realizado deu negativo. Precisava
repetir?
� Claro que sim, Paulo; � claro. E o m�dico que a consultou
n�o pediu outros exames?
� Joana n�o deu tempo nem do m�dico explicar, doutor
� falou Altina. Mal o m�dico falou o resultado, que era
negativo, e Joana tomou o papel do exame de suas m�os e
saiu correndo feito doida de tanta alegria...
� Foi um erro dela...
� Mas existe necessidade de realizar outro exame, doutor?
� Claro, Paulo. Considerando que Joana teve um comportamento
de risco no passado, conforme voc� me diz, no
m�nimo seis meses depois os exames deveriam ser repetidos.
� Mas ela n�o teve nenhum comportamento de risco
ap�s os primeiros exames...
� N�o � isso, Paulo. N�o me entenda mal, por favor. �
que o v�rus HIV �s vezes pode n�o ser detectado apenas com
um exame. Ele mant�m-se de certa forma escondido no organismo
da pessoa por muito tempo. Existem exames mais
precisos que detectam o v�rus. Talvez o m�dico dela at� sugerisse
outros exames caso ela desse tempo para isso.
Paulo modificou-se totalmente a partir da conversa com
o m�dico. Estava prestes a entrar num estado depressivo. E
agora, o que seria de sua Joana? E a crian�a, seu filho t�o
260
querido e amado? Ainda n�o pensara no risco que ele pr�prio
corria.
O m�dico pediu licen�a e saiu imediatamente. Deveria
providenciar recursos emergenciais para a sa�de de Joana e
da crian�a. Antes, por�m, pediu a Paulo a autoriza��o para
realizar exames anti-Hiv em Joana. Ele n�o poderia fazer os
tais exames sem o consentimento do paciente e, como Joana
n�o tinha condi��es de falar, pediu a Paulo que desse a autoriza��o.
Acompanhamos Paulo e Altina com grande interesse.
C�ssio ficara junto de Joana, enquanto Ernesto e eu
procur�vamos auxiliar Paulo diretamente.
Procurando transmitir algum recurso terap�utico ao marido
de Joana tanto quanto a sua m�e, Ernesto observou
que na sala onde se encontravam havia uma garrafa com
�gua cristalina. Dirigiu-se � mesa onde estava a vasilha de
�gua e imp�s as m�os sobre o recipiente. Por alguns instantes
elevou o seu pensamento em atitude de ora��o, e de suas
m�os desprenderam-se bolhas de luz coloridas, que ca�am
abundantemente sobre a �gua. Era o magnetismo divino
que deveria impregnar o l�quido precioso de recursos da
terap�utica espiritual.
Ernesto olhou para mim ap�s alguns momentos, e entendi
logo o que deveria fazer.
Eu n�o tinha nenhuma voca��o para mentor e nem de
longe me parecia com um anjo do Senhor, mas mesmo assim
me aproximei de Altina Gomides e impus minhas m�os
Encontro com a vida 261
sobre sua cabe�a, pensando intensamente. Imediatamente
ela captou o meu pensamento e dirigiu-se ao recipiente com
�gua.
� Estou com sede, Paulo; voc� n�o gostaria de tomar
um pouco de �gua tamb�m?
� �. Creio que sim � falou Paulo abatido. � Traga-me
um pouco, por favor...
Altina ofereceu a Paulo o l�quido aben�oado. Ao sorver
a �gua magnetizada, Paulo sentiu-se mais revigorado. Os
pensamentos sombrios foram dilu�dos, e uma sensa��o de
bem-estar invadiu-lhe a alma.
� Vamos fazer uma prece, D. Altina. Venha, vou chamar
a mam�e tamb�m para participar.
Os nossos amigos se reuniram para pedir o socorro do
Alto. N�o desconfiavam, por�m, que justamente o mal que
queriam evitar era em si mesmo o socorro que estava a caminho.
Era apenas uma quest�o de interpreta��o.
NASCE
uma estrela
... vi que eu era mais do
que uma sombra de mulher.
Eu tamb�m era Deus.
264
le me acompanhou nos �ltimos momentos.
Tocou-me de leve e sorriu aquele sorriso
sofrido e amarelo. Paulo acompanhou-me
pela �ltima vez, at� o local onde ele poderia
assistir ao parto. A crian�a nasceria com sete
meses apenas. E eu, apreensiva, mal conseguia, com meu
olhar, me comunicar com o amor da minha vida. Paulo
era tudo para mim. Nele me apoiei nas horas mais dif�ceis
de minha exist�ncia.
Ah! Como a vida assume um novo valor para n�s, quando
estamos na imin�ncia de perd�-la. Mas eu n�o sabia que
a vida estava se esvaindo do meu corpo. E a vida estava
tamb�m renascendo de minhas entranhas. Nascia a vida de
minha pr�pria vida.
Cruzei o olhar com o de Paulo enquanto me levavam na
maca. Era uma sensa��o estranha aquela que senti. Mal conseguia
for�as para conservar a consci�ncia l�cida, mas, nos
poucos momentos em que conseguia lucidez, via a imagem
Encontro com a vida 26 5
de Paulo tentando sorrir, ao lado da maca.
Assistia a todos os preparativos � minha volta. Eu n�o
saberia dizer se o parto seria normal ou cesariana. N�o importava.
Algo diferente estava acontecendo comigo. Vi quando
o m�dico pediu a Paulo que se retirasse, e ele, olhando-
me intensamente, depositou um beijo em minha face. N�o
sab�amos que seria nosso �ltimo beijo.
Estremeci ao ouvir de Paulo a frase:
� Eu te amo, Joana. Tudo vai dar certo.
Minha alma parecia se diluir em dor e pranto. E a minha
m�e, onde estaria? Eu n�o a via. Como nos faz falta a presen�a
da m�e nesses momentos angustiosos. � nessa hora
que os sentidos parecem se agu�ar, e, em apenas alguns minutos,
conseguimos avaliar toda uma vida. Foi nesse momento
de afli��o que pude perceber de maneira mais intensa
o valor de uma m�e. Eu agora seria uma m�e tamb�m. Eu
era o pr�prio �tero. Estava me dilatando a fim de dar � luz
a pr�pria vida. Vi como a mam�e foi e � importante para
mim.
Eu n�o conseguia dizer nenhuma palavra, entretanto esforcei-
me para me comunicar com o olhar. E creio que Paulo
sentiu a for�a do meu olhar. Aos poucos eu via sua figura
se transformando em uma silhueta. E Paulo se transformou
em uma doce e terna lembran�a, sempre cara e presente em
meu esp�rito.
Meus sentidos se agu�aram ainda mais, e, num momen
266
to, pude perceber um pensamento. Foi apenas por um momento.
Ser� que a crian�a, o meu filho, tentava me dizer
algo? Uma avalanche de emo��es irrompeu de dentro de
mim. Parecia que eu ia explodir ou que peda�os de minha
vida se transformariam em mil fagulhas. N�o conseguiria
descrever essas emo��es e esses momentos especiais.
Sentia o meu filho se mover dentro de mim. Ele tentava
se comunicar de alguma maneira, com uma linguagem que
s� h� bem pouco tempo eu aprendera a decifrar. Era puro
amor. Senti que nada no mundo importava mais do que
viver esse momento especial, precioso. Esforcei-me o m�ximo
que pude, mas os m�dicos e os enfermeiros corriam de
um lado para outro, preocupados apenas com algumas coisinhas.
Tentavam preservar minha vida a todo custo.
Esforcei-me ainda mais, e o que consegui foi entrar numa
esp�cie de transe, em que meu esp�rito ultrapassou os limites
do corpo, daquele quarto de hospital, do pr�prio mundo.
Realmente me comunicava com meu filho. Senti que ele
me compreendia e eu o compreendi. Falamos atrav�s de uma
linguagem toda especial. Sem palavras, sem articula��o da
voz nos entend�amos.
O corpo n�o me importava mais. Agora meu filho era
tudo. Concentrei nele minha aten��o e canalizei para aquele
momento toda a for�a de minha alma. Deixei-me inebriar
pelo som de uma melodia que repercutia no �ntimo de mim
mesma. Nada no mundo importava mais do que a vida que
nascia, do que o amor do meu filho.
Encontro com a vida 26 7
Ouvia uma m�sica que parecia impregnar o ar. Algo tentava
distrair minha aten��o. E toda aquela gente preocupada
comigo, no hospital. Mas o hospital estava distante. Meu
corpo era apenas um ninho onde eu poderia aconchegar
mais um filho da vida. Ah! Mas aquela m�sica... Seria uma
c�tara? Aquele som mavioso fazia minha alma estremecer, e
pude me ver ent�o com o meu filho nos bra�os. Eu o aconchegava.
Seria um sonho? Eu delirava no momento da morte?
Mas sonharia mil vezes, mil vidas viveria para sentir a
intensidade daquele momento. Eu o abra�ava em meu sonho,
em meus del�rios, em meu transe. Eu o abra�ava ao
som da c�tara e das harpas, debaixo dos salgueiros ou em
meio �quela paisagem buc�lica que emergia de minhas lembran�as.
Era o �xtase que me dominava. Seria ent�o o momento
em que me dilu�a e me contorcia, a fim de receber
meu filho que nascia para a vida.
� Veja, Joana, veja que bela crian�a veio ao mundo. Conseguimos!
� falou o m�dico. � Conseguimos!
Eu o vi. E como me regozijei por viver aquele momento.
Meu primeiro momento ao lado de meu filho e meu �ltimo
momento no mundo.
Esbocei um sorriso ao ver a crian�a sendo mostrada a
mim. Fechei os olhos para tentar ouvir a m�sica da vida e
n�o mais os abri.
� Joana, Joana! Levem a crian�a e fa�am tudo por ela!
Temos que trazer Joana de volta � falou alguma voz deses
268
perada.
Fechei os olhos. Mas n�o os abri novamente. N�o consegui.
Entretanto, eu via, percebia tudo a minha volta. Eu via
e ouvia sem o corpo e fora do corpo.
Olhei para mim mesma e notei que pairava entre focos
de luz. Eram luzes. Apenas luzes coloridas, brilhantes, di�fanas.
Eram estrelas. Eu agora era tamb�m uma estrela.
Um Final
diferente
Ainda assim eu o procurava.
270
�o tivemos como salvar a vida de Joana,
Paulo � falou o m�dico. Conseguimos
salvar a crian�a, mas Joana n�o resistiu
ao parto. Voc� sabe, o estado dela...
J� se haviam passado alguns meses desde os acontecimentos.
Paulo resolveu trazer Altina Gomides definitivamente
para sua companhia. Ambos criariam o pequeno
T�lio. Esse era o nome do filho de Paulo e Joana. Saudoso,
preocupado quanto ao seu futuro e o de seu filho, Paulo
procurou o m�dico a fim de obter maiores esclarecimentos
quanto � situa��o.
� Mas n�o se preocupe, meu amigo, quanto a voc� e ao
menino; n�o precisam se preocupar no momento. De acordo
com os resultados dos exames, ambos est�o bem. N�o
encontramos nada que justifique maiores preocupa��es.
� Mas Joana n�o estava com o HIV, doutor? Como o
nosso T�lio p�de nascer sem nada? E quanto a mim?
Encontro com a vida 271
� S�o os mist�rios que a ci�ncia n�o conseguiu ainda
explicar, Paulo. Mas voc�s n�o s�o os �nicos casos. Existem
por a� muitos filhos de pais soropositivos que n�o apresentam
nenhum sintoma ou em que sequer foi detectada a presen�a
do v�rus. Mas, se por um lado n�o conseguimos detectar
nada em voc�s, n�o se esque�a de que ter�o de voltar
para novos exames.
� Ent�o n�o temos 100% de certeza?
� Temos de continuar fazendo os exames periodicamente.
Isso � tudo que posso dizer no momento.
� Ent�o...
� Ent�o aproveite a vida, rapaz. Gaste um pouco de
energia por a� e viva. Viva com a m�xima qualidade que
voc� conseguir. Isso � o que importa. N�o se deixe aprisionar
por fantasmas.
Paulo deixou o consult�rio m�dico cheio de esperan�as,
mas tamb�m deixou para tr�s um m�dico profundamente
abalado em suas convic��es. � que ele n�o tinha explica��es
para o caso de Paulo. A mulher morrera com o HIV, entretanto
n�o conseguira detectar nenhum v�rus na crian�a nem
no pai. Pelo menos por enquanto. Era algo a se pensar. Paulo
e o filho deveriam ser pesquisados. Quem sabe n�o poderiam
se transformar em cobaias para as pesquisas de laborat�rio?
Nosso pupilo prosseguia sua caminhada em dire��o ao
futuro. Do lado de c� da vida, al�m dos limites da mat�ria,
272
uma festa se realizava em comemora��o � vida. C�ssio, o
instrutor Ernesto e eu juntamo-nos � comitiva para recepcionar
Joana Gomides. Mas n�o era a mesma Joana de antes.
Estava renovada, radiante, viva. O esp�rito de Joana
apresentava-se a nossa vis�o vestida � semelhan�a das mulheres
romanas do primeiro s�culo. Uma t�nica vermelha
radiante, di�fana, cobria-lhe o corpo espiritual. O c�rculo se
fechara. Dois mil anos de hist�ria se resolveram afinal. Dois
mil�nios de sofrimento se findaram ante as portas do novo
mil�nio que se iniciava. Era uma nova era, uma nova vida.
Na Terra, nossos personagens prosseguem ainda hoje
suas lutas, suas tarefas, sua busca da felicidade. Do lado de
c� prosseguimos n�s, para outros campos, outras atividades.
Joana prossegue sua caminhada auxiliando agora como
benfeitora de sua fam�lia, aprendendo as li��es de fraternidade
e amor em outros campos, em outras dimens�es da
vida.
Na Terra, Paulo d� prosseguimento � sua vida junto com
o filho T�lio, e Altina, sempre maravilhada com as intui��es
que recebe do Alto, n�o abandona a igreja. Quando percebe
o esp�rito de Joana se aproximar, entra em �xtase e, na plenitude
do Esp�rito Santo, conforme ela diz, sai gritando em
ritmo gospel:
� Oh! Gl�ria! Gl�ria! Gl�ria, Senhor. Minha filha � uma
"anja" do Senhor. Oh! Gl�ria, aleluia.
Encontro com a vida 273
Mas, antes que ela entre em transe medi�nico de tanto
gritar hosanas, a Divina Provid�ncia, que jamais desampara
seus filhos, prov� recursos, embora n�o muito ortodoxos,
para chamar Altina � realidade.
� Altinn-naaa...! Altina queridinha, sou eu, sua amiga,
a Mariquinha, querida.
Afinal, Deus, como diz o ditado popular, sempre escreve
certo, mas, �s vezes, por linhas tortas.
� que a vizinha tagarela e faceira permaneceria ali, junto
a Altina, para lembrar-lhe de que ela estava na Terra e tinha
muito a caminhar, muita paci�ncia a exercitar.
Retrato de
uma vida
276
ui pedra, fui areia, talvez ate fui uma pedra
bruta que tentava ser gente.
A vida me ensinou a ser mais sens�vel. Vivi,
errei e amei. Morri e renasci. Descobri que,
durante todo o tempo em que errava, em que
caminhava prisioneira de minha m�scara, apenas procurava
por Deus.
Eu o procurava. Mas n�o o encontrando a minha volta,
mais e mais eu errava, por ruas, caminhos e atalhos. Ainda
assim eu o procurava. Droguei-me, abusei do sexo na �nsia
de encontrar a plenitude. Em v�o. N�o encontrei o Deus que
eu procurava.
Fui tamb�m � igreja, mas, com uma pedra no lugar do
cora��o, n�o me sensibilizei com as ora��es, os c�nticos, as
prega��es. Eu procurava Deus em qualquer parte, em toda
parte.
Revoltei-me nessa procura e, revoltando-me, neguei que
Encontro com a vida 27 7
Ele existia. Mas mesmo na nega��o eu o buscava. Eu procurava
pelo Pai.
Veio o amor, o amor por algu�m que caminhava comigo.
Comecei a entender que, em todo aquele tempo aparentemente
perdido, apenas procurava pelas pegadas de Jesus.
Sei que n�o o encontraria entre os santos. Jamais o encontrei
entre os salvos. Tamb�m n�o o vi nos altares das
igrejas. N�o o encontrei entre os eleitos. Por isso o procurei
pelo mundo.
Todo erro, toda fuga � tamb�m uma procura.
A pedra se transformou em vegetal. Vi-me mais sens�vel
pela experi�ncia do sofrimento.
O vegetal se humanizou, e vim a saber o que era ser e
sentir-se m�e.
A�, sentindo uma vida pulsar dentro de mim, vi que eu
era mais do que uma sombra de mulher. Eu tamb�m era
Deus.
Eu o havia procurado, eu o havia esquecido, eu havia
blasfemado contra Ele.
Mas por todos esses caminhos n�o o encontrei, simplesmente
porque Ele estava o tempo todo escondido bem dentro
de mim.
De: Reginaldo Mendes
Abraços fraternos!
Bezerra
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