O aristocrata italiano Lorenzo, duque de Montesavro, precisa de uma esposa e a turista inglesa Jodie Oliver parece ser a candidata ideal para esse casamento de conveniência.
A vulnerabilidade de Jodie é extremamente atraente. Mas quando Lorenzo desperta na moça um desejo que ela nem imaginava sentir, ele começa a se arrepender de não
ter consumado o casamento...
CAPÍTULO UM
Não seja infantil, não se derreta em lágrimas, ordenou Jodie a si mesma, cerrando os dentes. Mesmo que estivesse escurecendo, mesmo morrendo de medo - daquele
medo que se manifesta no estômago por ter talvez cometido um grande erro - não apenas por pegar a estrada errada no último vilarejo por onde passara há séculos,
lhe parecia. Hoje poderia ser a noite em que ela e John passariam a lua-de-mel num romântico hotel - a primeira noite como marido e mulher... mas não ia chorar.
Não agora. Na verdade, nunca mais por homem nenhum. Nunca mais. O amor estava, e continuaria, excluído de sua vida e de seu vocabulário.
Ela assustou-se quando o pequenino carro de aluguel deslizou num buraco na estrada que subia em direção às montanhas quando deveria estar descendo em direção
ao mar.
O primo e a mulher, os únicos parentes próximos, desde a morte dos pais num acidente de carro, quando tinha 19 anos, tinham tentado dissuadi-la a vir para
a Itália.
- Mas está tudo pago. Além disso...
Além disso queria sair do país, ficar longe nas próximas semanas enquanto o casamento de John com a nova noiva, Louise, que ocupara o lugar de Jodie no coração,
na vida e no futuro dele, estava sendo organizado.
Não que ela tivesse confessado esse motivo ao primo David e sua mulher, Andrea. Ela sabia que eles teriam tentado convencê-la a ficar em casa. Mas quando
casa significava Cotswolds, uma minúscula cidadezinha onde todo mundo se conhecia e sabia que você tinha sido abandonada a menos de um mês da data do casamento porque
ele havia se apaixonado por outra pessoa, ninguém com um pingo de orgulho poderia permanecer ali. E Jodie era orgulhosa como toda mulher. Ainda mais porque queria
ser capaz de provar a todos - especialmente a John e a Louise - como se importava pouco com a traição de John. É claro que a maneira mais eficiente seria aparecer
no casamento deles com outro homem - um homem que fosse mais bonito e mais rico que John, e que a adorasse. Ah, se...
Só em sonhos, zombou mentalmente de si mesma. Não havia a menor chance de algo assim acontecer.
- Você não pode ir sozinha para a Itália - protestou David, enquanto ele e Andrea trocavam olhares dissimulados. Ainda bem que estavam na Austrália, numa
visita aos pais de Andrea.
- Por que não? Afinal de contas, é assim que vou passar o resto da minha vida.
- Jodie, ambos compreendemos como você está magoada e chocada - acrescentou Andrea gentilmente. - Não pense que David e eu não compartilhamos de sua dor,
mas comportar-se dessa maneira não vai ajudá-la.
- Eu vou me ajudar - respondeu teimosa.
Tinha sido idéia de John passar a lua-de-mel explorando a maravilhosa costa amalfitana na Itália.
Assustou-se quando o carro passou por outro buraco na estrada, em péssimo estado de manutenção, o que tornava cada vez mais desconfortável dirigir.
A perna doía e começava a se arrepender por não ter passado a primeira noite mais perto de Nápoles. Onde estaria? Em nenhum lugar perto de onde devia estar,
suspeitava. Tinha sido quase impossível seguir os letreiros para o pequeno vilarejo, pois não os encontrava no mapa. Se John estivesse a seu lado, nada disso estaria
acontecendo. Mas John não estava com ela e nunca mais estaria.
Não devia pensar no ex-noivo ou no fato de que ele tinha deixado de amá-la e se apaixonado por outra, ou que estava saindo com alguém enquanto ainda estavam
juntos ou que todo mundo na cidade aparentemente sabia disso, menos ela. As amigas de Jodie não lhe contaram que Louise tinha deixado claro que queria e teria John
assim que foram apresentados, logo após os pais terem se mudado para o local. E, tola, não percebera nada, achando simplesmente que Louise, como recém-chegada e
forasteira estava louca para fazer amigos. Agora ela era a forasteira, pensou amargurada. Ela devia ter percebido como John soara artificial ao dizer-lhe que a amava
"apesar de sua perna". Ela estremeceu quando a dor da lembrança intensificou-se.
Nunca mais cometeria o tipo de erro que cometeu com John. A partir de agora, o coração ficaria impenetrável - sim, embora tivesse apenas 26 anos, passaria
o resto da vida sozinha. O que tornava tudo pior era que John sempre parecera tão confiável, tão honesto, tão gentil. Ela tinha deixado que ele entrasse em sua vida
e - o que era ainda mais doloroso reconhecer - em seus medos e sonhos. Não havia a menor chance de se arriscar a ser tratada assim por outro homem - num minuto juras
de amor eterno, no outro...
E quanto a John, ele merecia Louise, obviamente tinham sido feitos um para o outro já que os dois eram uns tratantes e mentirosos. Mas ela, covarde como era,
não podia voltar para casa até que o casamento tivesse acontecido, até que toda a fofoca tivesse morrido e até que ela não tivesse que enfrentar os olhares de piedade
ou ser objeto de cochichos.
- Bem, vamos ver o lado positivo - disse Andrea descontraída, ao constatar que Jodie não abandonaria os planos. - Nunca se sabe! Você pode encontrar alguém
na Itália e se apaixonar loucamente. Os homens italianos são tão sexy e sedutores...
Homens italianos - ou qualquer tipo de homem - estavam fora de seu cardápio a partir de agora, disse a si mesma furiosa. Homens, casamento, amor - queria
distância disso tudo.
Zangada, apertou o acelerador. Não fazia idéia de onde essa pavorosa estrada esburacada a levava, mas não ia dar meia-volta. A partir de agora não haveria
mais contornos em sua vida, não ia mais olhar para trás sentindo-se infeliz ou desesperada, não lamentaria o que poderia ter sido. Ia olhar para a frente.
David e Andrea tinham sido maravilhosos com ela, oferecendo o quarto de hóspedes quando ela vendera o chalé para que pudesse dar entrada na casa que ela e
John estavam comprado - o que não tinha sido, olhando em retrospecto, a coisa mais sensata a fazer - mas não podia morar com o primo e a mulher para sempre.
Por sorte John tinha ao menos devolvido o dinheiro, mas o rompimento do noivado tinha lhe custado o emprego, já que ela trabalhava para o pai dele num negócio
da família. John assumiria os negócios quando o pai se aposentasse.
Então agora não tinha nem casa nem trabalho, e ia ser...
Berrou quando a roda da frente bateu em algo duro, o impacto fazendo com que ela fosse jogada para a frente, contra o cinto de segurança. Quanto ainda teria
que dirigir até encontrar alguma forma de vida? Tinha feito reserva num hotel e, segundo seus cálculos, já devia ter chegado ao destino. Aonde estava? A estrada
subia tão íngreme...
- Você, imagino, é a responsável por isso. Caterina, isso tem o seu toque manipulador, destruidor. - Lorenzo Niccolo d'Este, Duque de Montesavro, acusou a
mulher do primo com desprezo atirando o testamento da avó na mesa que os separava.
- Se sua avó levou meus sentimentos em conta quando fez o testamento, então isso foi porque...
- Seus sentimentos! - Lorenzo interrompeu mordaz. - E que sentimentos são esses? Os mesmos que a fizeram levar meu primo à morte? - Ele não tentava disfarçar
o desprezo que sentia por ela.
Duas manchas vermelhas de raiva apareceram no rosto perfeitamente maquilado de Caterina.
- Não causei a morte de Gino. Ele teve um ataque cardíaco.
- Claro, graças ao seu comportamento.
- Melhor tomar cuidado com suas acusações, Lorenzo, senão...
- Você ousa me ameaçar? Você pode ter conseguido enganar minha avó, mas não a mim.
Ele virou-lhe as costas e caminhou pelo piso de pedra do grande hall do Castillo, a fúria tornando-o tão perigoso quanto um animal selvagem enjaulado.
- Admita - desafiou-a quando voltou-se para confrontá-la. - Você veio aqui deliberadamente, com a intenção de manipular e enganar uma senhora idosa à beira
da morte para atingir seus objetivos.
- Você sabe que não tenho a menor vontade de discutir com você, Lorenzo - protestou. - Tudo que quero...
- Sei bem o que quer - lembrou-a Lorenzo, frio. - Você quer os privilégios, a posição e a fortuna que transformar-se em minha esposa lhe dariam... e, por
essa razão, atormentou uma senhora idosa confusa que sabia estar morrendo forçando-a alterar o testamento. Se tivesse um pingo de compaixão, um... - Calou-se enojado.
- Mas é claro que não tem, como eu já sabia.
Seu desprezo furioso fez com que o sorriso desaparecesse dos lábios de Caterina e o corpo ficasse tenso e hostil ao abandonar qualquer pretensão de inocência.
- Você pode me lançar quantas acusações quiser, Lorenzo, mas não pode provar nada - provocou-o.
- Talvez não num tribunal, mas isso não altera a veracidade das acusações. O tabelião de minha avó me contou que quando ela o chamou para alterar o testamento,
confidenciou-lhe o motivo de fazê-lo.
Lorenzo viu o brilho de triunfo nos olhos de Caterina.
- Admita, Lorenzo. Eu superei você. Se quiser o Castillo - e ambos sabemos que sim - então vai ter que se casar comigo. Não tem escolha. - Riu, jogando a
cabeça para trás, expondo o longo pescoço cor de oliva e Lorenzo teve o impulso selvagem de apertar-lhe o pescoço para que ela parasse de rir. Ele queria o Castillo.
Muito. E estava determinado a tê-lo. E estava igualmente determinado a não ser obrigado a casar-se com Caterina.
- Você disse à minha avô que eu a amava e queria que você fosse minha esposa. Contou que a sociedade condenaria um casamento repentino entre nós dois pelo
fato de ter ficado recentemente viúva e de seu marido, Gino, ser meu primo. E você lhe contou que estava com medo de que, devastado pela paixão, eu me casasse com
você de qualquer jeito o que me traria desgraça, não foi? - acusou-a. - Você sabia que minha avó era ingênua e desconhecia os hábitos modernos. Você a levou a acreditar
que confiava a ela toda a preocupação em relação a mim. Contou que não sabia o que fazer ou como me proteger. Depois, a "ajudou" a encontrar uma solução mudando
o testamento, para que no lugar de herdar o Castillo dela - como o testamento anterior previa - eu só o herdaria se me casasse seis semanas depois de sua morte.
Como você lhe disse, todo mundo sabe como o Castillo é importante para mim. Depois, como se isso não bastasse, você premeditou persuadi-la a adicionar que se eu
não me casasse nessas seis semanas, você herdaria o Castillo. Você a fez acreditar que ao providenciar essas alterações, estaria facilitando nosso casamento, porque
eu podia dizer que estava atendendo as exigências do testamento e não seguindo os ditames de meu coração.
- Você não pode provar nada disso. - Ela deu de ombros com desprezo.
Lorenzo sabia que era verdade.
- Como já lhe disse, nonna confidenciou os pensamentos ao tabelião - continuou ácido. - Infelizmente, quando ele conseguiu me alertar sobre o que estava acontecendo,
já era tarde.
- Tarde demais... para você. - Caterina deu um sorrisinho falso.
- Então você admite...
- E se eu admitir? Você não pode provar nada - repetiu Caterina. - E mesmo que pudesse, o que ganharia com isso?
- Vou deixar bem claro para você, Caterina. Não importa o que minha avó deixou no testamento, você nunca vai ser minha mulher. Você é a última mulher no mundo
para quem eu daria meu nome.
Caterina riu.
- Você não tem escolha.
Lorenzo tinha a fama de ser um adversário cruel e perigoso. Era o tipo de homem que os outros homens respeitam e temem; o tipo de homem que as mulheres sonham
excitadas em arrastar para a cama. Era também um soberbo macho, extremamente bonito e com uma combinação hormonal de macho predatório arrogante, uma sexualidade
masculina muito perigosa que desfilava com tanta facilidade quanto uma pantera. Não era apenas um prêmio, mas talvez o mais cobiçado prêmio entre os solteiros mais
ricos da Itália. Quando estava na faixa dos vinte, as colunas de fofocas tentavam descobrir que jovem bem nascida ele escolheria para duquesa. Com certeza não foi
por falta de interesse das parceiras em compartilhar sua fortuna e título, bem como desfrutar do prazer sexual de conviver com um homem extremamente sensual que
entrou na casa dos trinta sem assumir nenhum compromisso formal com as mulheres que o perseguiam.
Lorenzo olhou para a mulher do falecido primo. Ele a desprezava e odiava. Mas, afinal, desprezava a maioria das mulheres. Sua experiência mostrava que todas
queriam lhe dar o que quisesse por causa do que possuía, aquilo que era aparente: riqueza, título e um corpo bonito. O que ele realmente era não lhes interessava.
Seus pensamentos, suas crenças, tudo que contribuía para formar o homem que Lorenzo d'Este era não chegava perto do que representava seu dinheiro e posição social.
- Você não tem escolha, Lorenzo - repetiu baixinho. - Se quer o Castillo vai ter que se casar comigo.
Lorenzo curvou a boca num desprezo sardônico.
- Eu tenho que me casar, é verdade - concordou suave. - Mas não está escrito em nenhum lugar que tenho que me casar com você. Obviamente você não leu o testamento
da minha avó com atenção.
O rosto ficou pálido, os olhos estreitos traíam a confusão e incredulidade.
- O que quer dizer? Claro que li. Fui eu que o ditei! Eu...
- Repito, você não leu o testamento de minha avó com bastante atenção - disse Lorenzo. - Está vendo, está escrito que devo me casar seis semanas depois do
falecimento dela se quiser herdar o Castillo. Não está especificado com quem devo me casar.
Caterina encarou-o, incapaz de esconder a raiva que escondia os traços bonitos que a tornaram uma modelo famosa na juventude e no seu lugar deixava a feiúra
de sua verdadeira natureza.
- Não, isso não pode ser verdade. Você alterou, mudou... você e aquele tabelião desprezível. Você... Onde está isso? Deixe-me ver!
Ela literalmente jogou-se em cima dele e Lorenzo pegou o testamento que jogara na mesa antes. Agarrando-o, ela leu, o rosto vermelho de raiva.
- Você o mudou. Deu um jeito de... Ela queria que você se casasse comigo! - Estava quase histérica de fúria.
- Não. - Lorenzo sacudiu a cabeça, o rosto impassível ao encará-la. - Nonna queria me dar o que acreditava que eu queria. E, com toda certeza, não é você.
Quando Lorenzo ficou de pé debaixo da luz da tocha antiga, o movimento abrupto de sua cabeça refletiu-se e repetiu-se na sombra das chamas.
O Castillo fora projetado mais como uma fortaleza do que uma casa, bem antes do Duque de Montesavro, na Renascença, tê-lo capturado dos inimigos e, em seguida,
adornou as paredes de pedra com as riquezas artísticas do período. Ainda possuía uma aura sombria e proibida.
Como Lorenzo.
Sombras escuras marcavam a estrutura óssea escultural que herdara do príncipe guerreiro, o primeiro da linhagem, e a altura e a largura dos ombros enfatizava-lhe
o corpo. A boca de lábios finos - "dura", como as mulheres costumavam dizer, enquanto imploravam pelo contato da dureza, tentando amaciá-la e transformá-la em desejo
através dos lábios delas. Entretanto seus olhos eram o traço mais interessante. Curiosamente claros para um italiano, eram mais prata do que cinza e pareciam determinados
a derrubar as defesas dos inimigos. O cabelo bem cortado era farto e escuro. O terno, feito a mão, caro. Mas afinal, ele não dependia da herança da falecida avó
materna para transformar-se num homem abastado. Já era rico por conta própria.
Alguns diziam, tola e teatralmente, que para que um homem conseguisse acumular tanto dinheiro tinha que haver alguma sujeira envolvida - algum truque ou o
poder obscuro de certos poderes secretos. Mas Lorenzo não tinha tempo para tamanha estupidez. Fizera fortuna usando simplesmente a inteligência, fazendo os investimentos
certos no tempo certo e, portanto, aumentando a respeitável soma que os pais tinham deixado numa fortuna que chegava a muitos, muitos milhões.
Diferentemente de seu falecido primo, Gino, que tinha permitido que a insaciável esposa o arruinasse financeiramente. A insaciável viúva agora, lembrou-se
Lorenzo raivoso. Não que Caterina alguma vez tivesse se comportado como uma viúva, muito menos como esposa.
Pobre Gino que a amara tanto. Lorenzo colocou a mão na testa. Transpirava. Seria culpa? Afinal de contas foi alegando ser sua amiga que Caterina tinha inicialmente
chamado a atenção de Gino.
Lorenzo tinha 18 anos e Caterina 22 quando se conheceram, e ele foi facilmente seduzido por sua determinação. Entretanto não demorou muito para reconhecer
que era uma interesseira. Não demorou muito, na verdade, para perceber o primeiro sinal de que ela esperava que ele pagasse pelos favores sexuais com presentes caros.
Como resultado, ele terminou o flerte imediatamente.
Ele estava na universidade quando ela entrou no coração e na vida do gentil primo Gino e, quando voltou a vê-la, ela já usava uma aliança de noivado enquanto
o primo trazia aquela expressão de adoração. Ele tinha tentado avisar o primo quem ela era, mas Gino estava muito envolvido para ouvir e o acusara de estar enciumado.
Que Lorenzo se lembrasse, foi a primeira vez que discutiram. Gino acusara Lorenzo de querer Caterina e ela, espertamente, o manipulou para mantê-los separados até
depois do casamento dos dois.
Mais tarde, Lorenzo e o primo fizeram as pazes, mas Gino nunca deixou de adorar a esposa, embora ela tivesse sido descaradamente infiel e tido uma extensa
lista de amantes.
- Aonde você vai? - perguntou Caterina quando Lorenzo girou nos calcanhares e afastou-se.
Do outro lado da sala, Lorenzo a olhou.
- Vou encontrar uma esposa, qualquer uma, contanto que não seja você. Você poderia ter pedido que me avisassem que minha avó estava moribunda, para que eu
pudesse estar com ela, mas você preferiu não fazê-lo. E nós dois sabemos o porquê.
- Você não pode se casar com outra pessoa. Não vou deixar.
- Você não pode me impedir. Ela sacudiu a cabeça.
- Você não vai encontrar outra esposa. Ou, pelo menos, não o tipo de esposa que gostaria de ter. Não em tão curto espaço de tempo. Você é muito orgulhoso
para se casar com alguma mocinha sem projeção social. Além disso... - Fez uma pausa, depois, com olhar provocante, disse meiga: - Se for necessário, vou contar a
todo mundo sobre o filho que você me obrigou a tirar.
- O filho de seu amante - lembrou-a. - Não de Gino. Você mesma me contou.
- Mas eu vou contar a todo mundo que era seu. Afinal, muitas pessoas sabem que Gino acreditava que você me amava.
- Eu deveria ter dito a ele que a desprezava.
- Ele não teria acreditado. Assim como não acreditaria que o filho não era dele. Como se sente, sabendo que é responsável por tirar a vida de uma criança,
Lorenzo?
Ele deu um passo na direção dela, um olhar de tamanha fúria que ela correu para a porta, abrindo-a e escapando.
Lorenzo soltou um palavrão entre os dentes e voltou para a mesa onde deixara o testamento da avó.
Tinha ficado louco de fúria quando o tabelião finalmente conseguira entrar em contato com ele para contar seus medos e como conseguira impedir que Caterina
atingisse seu objetivo, removendo-lhe o nome do testamento. Assim, Lorenzo teria que se casar para herdar o castelo, sem especificar que teria que ser com Caterina.
O tabelião, quase tão idoso quanto a avó, pedira desculpas a Lorenzo com medo de que tivesse agido mal, mas Lorenzo tranqüilizou-o. Sem a interferência do
tabelião, Caterina o teria prendido, inteligentemente, numa armadilha. Ela estava certa quanto a um detalhe. Ele queria o Castillo. E pretendia consegui-lo.
Entretanto, por ora, tinha que esquecer o castelo antes que fizesse alguma coisa de que pudesse arrepender-se depois, refletiu enquanto atravessava o pátio
e respirava o ar puro, graças a Deus livre daquele perfume forte de Caterina.
CAPÍTULO DOIS
Precisava desistir e fazer o retorno que tinha jurado não fazer, admitiu zangada consigo mesma. Não fazia idéia de onde estava e a luz da lua iluminava um
terreno tão deserto que começava a se sentir irritada. De um lado um despenhadeiro, do outro um rochedo.
À sua frente podia ver que a estreita estrada se alargava. Determinada, seguiu nessa direção e começou a manobrar o veículo para poder fazer a curva.
De repente, ouviu um barulho alto e as rodas traseiras do carro começaram a girar, derrapando. Alarmada, colocou o carro em ponto morto e saltou. O alarme
transformou-se em desespero ao constatar que uma das rodas traseiras estava presa num buraco fundo e o pneu parecia furado.
E agora, o que fazer? Obviamente não podia dirigir esse carro.
Voltou para o carro, massageando a perna que doía. Estava cansada, faminta e sentindo-se infeliz. Abriu a bolsa, pegou o celular e a carteira onde colocara
a papelada da viagem e do aluguel do carro.
Quando pegou o telefone, os olhos se arregalaram de desespero. O telefone estava ligado, mas sem sinal. Não só isso: ao tentar discar o número, o telefone
fez um ruído e a luz do visor apagou. Devia ter ficado ligado e a bateria tinha descarregado. Como pôde ser tão estúpida? Precisava de ajuda, mas o que faria? Ficar
ali e esperar que alguém passasse? Não tinha visto sinal de vida, quanto mais de algum carro, por quilômetros. Andar? Para onde? Caminhar centenas de quilômetros
até a última cidade por onde tinha passado, ao que parecia horas atrás? A dor na perna estava piorando. Deveria subir as montanhas? Sentiu um leve arrepio.
Não vira outro motorista durante todo o tempo em que esteve na estrada, mas alguém devia usá-la pois podia ver marcas de pneus. Olhou para cima, em direção
às montanhas, e como se o desespero tivesse produzido um milagre, viu luzes distantes de outro carro vindo em sua direção.
O alívio a deixou fraca.
Lorenzo apertou o acelerador da Ferrari preta, colocando no possante carro toda a raiva. Dirigia a uma velocidade que exigia o máximo de sua habilidade, enquanto
percorria a estrada sinuosa à sua frente.
Caterina tinha sido muito esperta, manipulando sua avó daquele jeito. Se ele estivesse presente... mas não estava. Estava no exterior, visitando o cenário
do último desastre mundial, ajudando a encontrar maneiras de aliviar a miséria daqueles que tinham sido atingidos. Trabalhava como voluntário junto ao governo, recolhendo
fundos e providenciando ajuda administrativa e especialistas.
Devido à gravidade dessa crise em particular, não conseguira voltar à Itália para o funeral da avó, embora tivesse conseguido encontrar tempo em sua atribulada
agenda para ir à igreja e juntar suas preces à dos outros parentes em luto.
Uma mulher gentil e nada sofisticada, que lhe contara que quando menina desejava ser freira e que morrera dormindo, placidamente.
O Castillo fora herdado do primeiro marido que, como era costume nos círculos aristocráticos, era primo em segundo grau de seu segundo marido, o avô de Lorenzo.
Ele sempre tinha sido o favorito dos dois netos. Passava as férias com a avó depois do divórcio dos pais e ficara com ela quando a mãe anunciou que se casaria
com o amante - um homem que Lorenzo detestava.
Nunca havia sido capaz de perdoar a mãe. Nem mesmo quando ela morreu. Seu pai já falecera. O comportamento da mãe tinha lhe aberto os olhos para o jeito enganador,
interesseiro do sexo feminino e a determinação de colocar-se em primeiro lugar, sempre clamando uma santidade que não possuía. A mãe dele sempre insistira que a
decisão de se divorciar do pai dele havia sido tomada para poupá-lo de crescer num lar infeliz. Mentira, é claro. Seus sentimentos tinham sido a última coisa com
que ela se preocupara, ao se atirar nos braços do amante e abandonar marido e filho.
A Ferrari reclamou devido às péssimas condições da estrada. Lorenzo ignorou as queixas e mudou de marcha, entrando numa curva fechada. Soltou um palavrão
ao ver, bem à sua frente, um carro bloqueando a estrada e uma jovem parada ao lado.
Jodie se assustou ao ouvir o barulho dos freios e tossiu por causa da poeira levantada pelos pneus da Ferrari quando ela freou, a apenas centímetros da lateral
do carro alugado. Instintivamente, esticou-se, em vez de encostar-se no carro, no momento em que viu o outro carro.
Que louco dirigia daquele jeito numa estrada como essa, e no escuro? - perguntou-se trêmula, segurando a porta do carro para apoiar-se quando o viu saltar
do carro e vir na sua direção.
- Disgraziata! - berrou, seguido de uma torrente de palavras em italiano. Mas não ia se deixar acovardar por causa dele - ou de qualquer outro homem - novamente.
- Quando terminar... - interrompeu-o, a própria voz tão hostil quanto a dele. - Pra começar, não sou italiana. Sou inglesa. E...
- Inglesa? - Parecia que nunca tinha ouvido a palavra antes. - O que está fazendo aqui? Por que está nessa estrada? É uma estrada particular e o único destino
é o Castillo. - As perguntas lhe eram atiradas como se fossem facas afiadas.
- Peguei o caminho errado - defendeu-se. - Estava tentando voltar, mas uma roda ficou presa e agora o pneu está furado.
Era muito branca e magra. Os olhos enormes sobressaíam no triângulo do pequeno rosto exausto. O cabelo liso estava puxado para trás. Parecia ter uns 16 anos
- uns 16 mau-nutridos anos, pensou Lorenzo, enquanto a examinava dos pés à cabeça com um olhar masculino experiente que desceu dos ombros caídos ao formato dos seios
bem pequenos, à cintura e quadris estreitos até o surpreendente comprimento das pernas, comparado a um corpo tão miúdo. Estava usando salto alto ou eram realmente
tão compridas quanto pareciam?
- Quantos anos você tem? - perguntou.
Quantos anos ela tinha? Mas por que queria saber?
- 26 - respondeu, levantando o queixo enquanto o encarava, determinada a não se deixar intimidar; apesar do fato de estar ciente de que ele era tão maravilhoso
que ela queria correr e se esconder antes que ele percebesse o quão pateticamente inferior como mulher ela era em comparação a ele como homem. Automaticamente a
mão tocou a perna. Estava realmente doendo.
26! Lorenzo franziu o cenho quando olhou para as suas mãos. Nenhum anel.
- Por que está aqui sozinha?
Jodie começava a achar que já agüentara o suficiente.
- Porque estou. Não que isso lhe diga respeito.
- Pelo contrário, me diz respeito sim, já que você invadiu minha propriedade.
A propriedade dele? É claro que era a terra dele; era tão pouco hospitaleira quanto ele.
- E o que quer dizer com estar sozinha? Com certeza você tem um... um marido, um amante. Um homem, um companheiro.
Jodie riu, amarga. Ele não sabia que tocava em seu ponto fraco.
- Pensei que tivesse, mas, infelizmente para mim, ele decidiu se casar com outra. Isso - fez um gesto em direção à terra e ao carro - devia ser nossa lua-de-mel.
Mas agora...- Sofria só em pronunciar as palavras, mas, estranhamente, sentia uma espécie de alívio ao demonstrar as emoções, em vez de ter que mantê-las trancadas,
como tinha que agir em casa.
- E agora? - desafiou-a Lorenzo. - Agora você está viajando sozinha e procurando alguém para substituí-lo em sua cama? Os resorts da costa são o melhor local
para isso. Não as montanhas.
Jodie prendeu a respiração, furiosa.
- Como ousa dizer isso? Com certeza não estou procurando ninguém, muito menos para substituí-lo. Na verdade, essa é a última coisa que quero fazer. Nunca
deixarei outro homem entrar na minha vida e me magoar. Nunca. A partir de agora pretendo viver sozinha. - Palavras corajosas, mas acreditava em cada uma delas!
Lorenzo franziu o cenho ao perceber-lhe a determinação.
- Você ainda o quer tanto assim?
- Não! - disse agressivamente, sem parar para pensar por que ele estava perguntando algo tão pessoal, - Não o quero de jeito nenhum.
- Então por que está ... fugindo?
- Não estou fugindo! Apenas não quero estar lá para vê-lo casar-se com outra - acrescentou na defensiva, ao ver o jeito que ele a olhava. - Especialmente
quando ela é tudo que não sou. Excitante, glamorosa, sexy... - Jodie levantou a mão para limpar as lágrimas que de repente encheram-lhe os olhos.
Não fazia idéia do motivo de estar dizendo tudo isso a um estranho, admitindo para ele coisas que não admitira nem para si mesma.
- É o homem que determina se uma mulher é ou não "sexy", como você coloca - Lorenzo decretou, sentindo-se estranhamente íntimo de Jodie. - Um amante experiente
tem o poder de fazer com que um botão de flor se abra.
Sentiu o estômago latejar ao compreender o significado da declaração incrivelmente arrogante.
- Não que muitas jovens sejam botões fechados hoje em dia - acrescentou Lorenzo ironicamente, enquanto observava o rubor no rosto abatido de cansaço.
- As mulheres modernas lutam pelo direito à própria sexualidade - respondeu Jodie vigorosamente. - Elas não...
- Não me parece que você tenha sido muito eficiente ao lutar pela sua - disse Lorenzo zombeteiro. - Na verdade, se fosse emitir um julgamento a respeito,
suspeitaria que sua experiência é extremamente limitada; caso contrário, não teria perdido seu homem para outra mulher.
O machismo ao mesmo tempo surpreendeu-a e enfureceu-a. Mas foi forçada a admitir que não-existente seria a palavra mais apropriada para definir sua habilidade
sexual. Segurou a exclamação de assombro, aliviada por ele não ter contribuído para sua humilhação fazendo-a admitir que ainda era virgem. Não por opção. Ela ficara
tão ferida que temeram por sua vida. Passou meses no hospital, depois do acidente de carro no qual os pais faleceram.
- Motivo pelo qual, supostamente, você confunde atração física com amor... uma palavra que vocês usaram tanto que hoje não vale nada - continuou Lorenzo de
modo grosseiro.
- Meu sexo? - Jodie aceitou o desafio, os olhos cor-de-ouro faiscando de indignação até se transformarem em âmbar escuro.
- Isso, seu sexo! Você nega que as mulheres tornaram-se adúlteras, como acusavam, no passado, os homens de ser? Que a razão de se casarem está baseada no
próprio egoísmo e necessidade que vêm antes das necessidades de qualquer outra pessoa, mesmo dos filhos?
A amargura perceptível na voz chocou Jodie a tal ponto que se calou. Mas se recuperou e defendeu o sexo feminino:
- Se essa é sua experiência com as mulheres, então talvez seja sua culpa.
- Minha? Então você acredita que se uma criança é abandonada pela mãe a culpa é da criança? Típico das mulheres... o que apenas confirma o que acabei de dizer!
- Não, não foi isso o que quis dizer - começou Jodie.
Mas era tarde demais. Ele ignorava suas palavras e perguntava autoritário:
- Qual seu nome?
- Jodie. Jodie Oliver. E o seu? - perguntou com a mesma firmeza.
Pela primeira vez, desde que ele tinha parado o carro, ela sentiu uma momentânea hesitação nele, antes de dizer friamente:
- Lorenzo.
- O Magnífico? - retrucou e depois ficou vermelha de vergonha quando ele a encarou.
O Magnífico. Era assim que Gino o chamava para provocá-lo, alegando que não era de se estranhar que ele tivesse tanto sucesso com as mulheres, já que tinha
o mesmo nome de um dos mais famosos governantes da família Mediei em Florença.
- Você conhece a história dos Mediei?
- Um pouco - disse indiferente, de súbito não querendo mais conversa com o estranho. Começava a se sentir muito cansada e fraca. - Escute, preciso entrar
em contato com a locadora de automóveis, mas meu celular não está funcionando. Você poderia...? - Com certeza ia passar pela vila por onde ela tinha passado - não
havia outro caminho. Se ele pudesse lhe dar uma carona, poderia encontrar um quarto para passar a noite e ligar para o pessoal da locadora.
- Se eu poderia o quê? - perguntou. - Ajudar você? Claro. - Ela tinha começado a sentir alívio quando ele acrescentou suavemente: - Desde que você concorde
em me ajudar.
Na mesma hora sinais de aviso enviaram-lhe mensagens, causando-lhe tensão.
- Ajudar você? - repetiu, cautelosa.
- Sim. Preciso de uma esposa.
Ele era louco. Completa e totalmente insano. Estava presa numa estrada deserta com um maluco.
- Você... quer que eu ajude você a encontrar uma esposa? - conseguiu perguntar, como se essa fosse a proposta mais natural do mundo.
A boca de Lorenzo estreitou-se, e ele lançou-lhe um olhar zombeteiro.
- Não seja ridícula. Não quero que me ajude a encontrar uma esposa. Quero que você se torne minha esposa - disse frio.
Ela estava sendo ridícula?
- Você quer que eu seja sua esposa? - repetiu lentamente. - Desculpe, mas...
- Você não quer se casar. Já sei... - interrompeu-a. - Mas esse não vai ser um casamento normal. Preciso de uma esposa nas próximas semanas. Tenho tão pouca
vontade de ter uma esposa quanto você de ter um marido... embora por motivos distintos. Por isso, me parece que eu e você podíamos chegar a um acordo mútuo que nos
beneficiasse. Eu consigo a esposa que preciso e você, depois que estivermos casados há um ano, consegue um divórcio e... que tal um milhão de libras?
Jodie piscou e sacudiu a cabeça, achando que não tinha ouvido bem.
- Você quer que eu concorde em me casar com você e fique com você por um ano?
- Você vai ser paga pelo tempo... apenas pelo tempo e pelo papel de minha esposa que terá que desempenhar. Sua presença em minha cama não faz parte do acordo.
- Você é louco. - Jodie foi direta. - Não sei nada sobre você e eu...
- Você sabe que estou disposto a pagar um milhão de libras para que seja minha esposa. Quanto ao resto... - Ele sacudiu os ombros largos de forma arrogante
e lhe disse seco: - Depois explico tudo que precisa saber.
Tinha motivos para estar morrendo de medo. Mas, apesar do fato de estar na presença de um louco, por alguma razão a sensação mais forte que sentia não era
medo mas estupefação. E uma certa sensação de que alguém lá em cima escutara seus desejos secretos e decidira dar uma mãozinha. Ali estava a oportunidade - o homem
- por quem seu orgulho ansiava...
Estava louca? Com certeza não podia estar pensando em aceitar essa proposta ridícula...
- Se quer tanto uma esposa, com certeza deve haver alguém...
- Muitos "alguéns" - interrompeu-a Lorenzo irônico. - Infelizmente, todas vão querer o que não quero dar... é incrível a facilidade com que as pessoas do
seu sexo juram amor eterno quando dinheiro e posição social estão envolvidos.
- Você quer dizer que é visado pelas alpinistas sociais? - Era óbvio, não apenas pelo carro e roupas, mas acima de tudo pelas maneiras, que ele era riquíssimo.
- É por isso que quer se casar comigo? Porque um casamento falso as manteria afastadas?
- Não exatamente.
- Então por quê?
- Foi uma condição imposta por minha falecida avó no testamento. Eu devo me casar um certo tempo após seu falecimento ou perder... algo que significa muito
para mim.
Jodie franziu a testa.
- Mas por que cargas d'água fez isso? Quero dizer, ou ela queria que você herdasse o que quer que seja ou não.
- A situação é mais complexa e envolve... outros detalhes. Vamos dizer que minha avó foi persuadida a fazer algo, achando ser para meu bem, por alguém com
interesses escusos.
Esperou que ele continuasse, mas ele estendeu a mão.
- Me dê as chaves do carro e...
Ela balançou a cabeça leve, mas decididamente.
- Não. - Se ela não estivesse firmemente determinada a manter os homens afastados de sua vida, esse homem e sua inacreditável arrogância seriam o suficiente
para não querer saber mais de homens, decidiu zangada.
Mas, ao mesmo tempo, uma insidiosa tentação tinha começado a tomar forma em sua mente. E se ela concordasse, sob a condição que Lorenzo a acompanhasse ao
casamento de John e Louise? A cidade inteira fora convidada, logo, dois convidados a mais não representariam um problema... e, admitia, uma parte de si ansiava por
estar lá, mostrando ao mundo e aos recém-casados que ela não apenas pouco se importava com a traição deles, mas tinha um novo companheiro. Não tem um ditado que
diz que "Viver bem é a melhor vingança"? E que melhor vingança para uma noiva abandonada do que aparecer com um homem muito mais bonito e adequado? Um homem, que,
além de tudo, desejava desesperadamente casar-se com ela!
Foi arrancada desse retorno mental triunfal à cena de sua humilhação pela voz arrogante de descrédito de Lorenzo.
- Não?
Era ridículo que ela considerasse fazer algo tão fora de propósito. Isso só confirmava o efeito que poucos minutos na companhia de um homem como Lorenzo causava.
Não ia ouvir as exigências de seu orgulho, deixar que o orgulho e a consciência declarassem guerra entre si com uma troca indigna de acusações. Tentou manter a sensatez
e disse a Lorenzo com firmeza:
- Mesmo alguém tão... tão arrogante e acostumado a conseguir o que quer, como você parece ser, deve perceber que o que está sugerindo não é...
- Um milhão não é o suficiente? É isso o que está tentando dizer?
Ficou ruborizada.
- O dinheiro não tem nada a ver com isso. - O olhar cínico que ele lhe deu fez com que ela explodisse de raiva. - Não estou à venda. Nem para John e certamente
não para você.
- John?
Ele aproveitou sua confissão e agora a olhava como um enorme gato astuto devia olhar um rato que se divertia em atormentar.
Mas ela não era um rato e não ia ser ameaçada ou atormentada por nenhum homem novamente. Levantou a cabeça e disse fria:
- Meu ex-noivo. Ele também me ofereceu dinheiro, mas estava fazendo isso por culpa, pois não queria se casar comigo, e não como um suborno porque queria casar-se.
Queria que eu rompesse o noivado para que ninguém o acusasse de me abandonar. Obviamente vocês dois compartilham da mesma lógica masculina. Como você, ele achou
que podia comprar o que quisesse, independente do que eu pudesse sentir. - Apesar de sua tentativa de aparentar não se sentir afetada pelo que estava revelando,
um misto de tristeza e cinismo turvaram-lhe os olhos. A boca retorceu-se ligeiramente ao acrescentar: - De certa forma, suponho que ele me fez um favor. Saber que
ele me tinha em tão baixa conta que achava poder pagar para terminar o relacionamento me fez perceber que eu ficaria melhor sem ele.
- Mas, apesar disso, você ainda o deseja.
A afirmação, dita sem nenhuma emoção, fez com que seu coração acelerasse.
- Não! - respondeu imediatamente. - Eu não o desejo.
- Então porque fugiu, senão pelo medo do que ainda sente por ele?
- Eu não fugi! Estou tirando férias e quando voltar... - O movimento involuntário de baixar os ombros, ao contemplar a idéia de voltar para casa, dizia mais
do que ela percebia. Quando voltasse - o quê? Não tinha um emprego para voltar. Não agora. Nem casa - vendera o chalé, e mesmo que não o tivesse vendido, tinha dúvidas
se gostaria de voltar a viver ali, com todas as lembranças de falsa felicidade. Mas, poderia voltar com a cabeça erguida e nos braços de um homem que ela podia afirmar,
com toda certeza, iria se tornar seu marido, lembrou-se.
E depois? Ele já tinha avisado que o casamento duraria um ano.
Depois, sacudiria os ombros e diria, como tantas outras, que não tinha funcionado. Era muito menos vergonhoso do que ser tachada de rejeitada.
- Num período de doze meses você pode voltar com um milhão de libras na conta bancária - ouviu Lorenzo dizer, como se lesse sua mente.
Era tão tentador concordar. E ela teve raiva por ele tê-la colocado numa posição em que se sentia tentada. Não tinha prometido jamais voltar a ser manipulada
por um homem? Rangendo os dentes, Jodie voltou atrás quanto à possibilidade de ceder.
- Se você realmente quer uma esposa, então por que não tenta encontrar uma sem usar o dinheiro? Alguém que queira se casar com você por amor, ou por acreditar
ter encontrado o homem que corresponde a seu amor, um homem que possa respeitar e confiar e... - Ela viu a maneira como ele a olhava e balançou a cabeça. - Ah, para
que perder tempo? Homens como você e John são todos iguais. Ele apenas valoriza a mulher que possa exibir, o tipo de mulher que faça com que os outros homens o invejem
e você só quer o tipo de mulher que possa comprar, para assim poder controlá-la, assim como o relacionamento de vocês. Bem, não sou esse tipo de mulher. E não, não
vou me casar com você.
Quando afastou-se dele, Lorenzo podia sentir a raiva percorrer-lhe. Ela o estava recusando? Essa... essa magricela, essa turista sem eira nem beira - uma
mulher que tinha sido rejeitada publicamente pelo homem que tinha prometido se casar com ela... Será que não percebia o que ele lhe oferecia e a sorte que lhe caíra
do céu? Casar com ele a transformaria instantaneamente de uma mulher rejeitada na esposa de alguém rico o suficiente para comprar o ex-noivo dela uma centena de
milhares de vezes. Ela iria de pronto ser elevada a um patamar social com o qual a maioria das mulheres sonhava, seria cortejada pelos famosos e ricos e, se fosse
inteligente o suficiente para capitalizar o que ele lhe daria quando o casamento terminasse, poderia encontrar um novo marido. Qualquer homem adoraria se casar com
uma mulher que tivesse sido escolhida por um homem como ele. Tudo que tinha a fazer para transformar por completo sua vida era concordar em ser sua esposa.
E, no entanto, em vez de reconhecer a boa sorte, ousava passar-lhe um sermão! Bem, não perdia nada. Não teria durado um dia, nem mesmo doze horas, depois
que Caterina colocasse as garras nela e ele não era tolo de perder tempo com ela. Podia dirigir até a costa e encontrar uma dúzia de mulheres, em menos de uma hora,
que agarrariam a oportunidade que ela tinha dispensado.
- Ótimo! - Virou as costas e caminhou em direção à Ferrari.
Ele a estava deixando ali? Não podia... não faria isso! Os olhos de Jodie se arregalaram de choque ao vê-lo afastar-se.
- Não, espere! - gritou, correndo atrás dele, arfando de dor, a raiva dando lugar ao medo, atenuado apenas quando ele parou e se virou. - Preciso entrar em
contato com a locadora e avisar o que aconteceu.
- Não vão ficar contentes com o fato de você ter estragado o carro. Espero que tenha trazido bastante dinheiro - avisou-a com frieza.
- Fiz seguro - protestou, mas sentiu um nó no estômago ao lembrar-se do primo avisando-a sobre os problemas que enfrentaria caso se envolvesse num acidente.
- Duvido que isso vá beneficiá-la, especialmente quando eu informar as autoridades que você estava dirigindo numa estrada particular ou seja, colocou em risco
a própria vida e a minha também. Vai precisar de um ótimo advogado, o que custará bem caro.
- Mas isso não é verdade! - protestou. - Você nem estava aqui quando...
A voz sumiu ao ver o olhar dele.
- Você está tentando me assustar... e me chantagear! - ela o acusou.
Ele deu de ombros e continuou a andar até o carro. Ela o olhou abrir a porta, enquanto as emoções se transformavam numa fúria impotente. Ele era o mais odioso,
o mais detestável homem do mundo: arrogante, egoísta, a última espécie de homem com quem gostaria de se casar, não importa o motivo. Mas uma voz lógica e prática
martelava que era tarde da noite e ela estava a quilômetros de distância de qualquer lugar, numa estrada particular, totalmente dependente da boa-vontade de um homem
prestes a abandoná-la ali.
Ele tinha ligado o motor e dava a partida. Foi tomada de pânico. Começou a correr em direção ao carro. Arfava de dor ao aproximar-se da porta do lado do motorista
e bateu no vidro.
Sem demonstrar nenhuma emoção, Lorenzo abriu a janela.
- Está bem, aceito - disse, sem pensar. - Me caso com você.
Ele a olhava tão impassível que achou que ele tinha mudado de idéia. O coração começou a bater acelerado, fazendo-a sentir-se ligeiramente enjoada.
- Então concorda em se casar comigo?
Jodie acenou que sim e soltou um suspiro de alívio quando ele abriu a porta do carona e disse bruscamente:
- Me dê as chaves e espere aqui enquanto pego suas coisas.
A noite estava quente, mas sentia calafrios devido à ansiedade e à exaustão. Os dedos tremeram ao contato da mão impessoal que ele estendeu para pegar as
chaves do carro. Sentiu um arrepio indesejado no braço, o que a fez afastar-se. Ele tinha mãos compridas e elegantes, dedos finos e fortes - diferente de John que
tinha as mãos meio gorduchas e dedos curtos. A consciência de que o roçar daquelas mãos no corpo de uma mulher proporcionaria um perigoso grau de prazer sensual
assustou-a.
Lorenzo franziu o cenho ao sair da Ferrari e abriu o porta-malas do carro alugado. A reação dela havia demonstrado uma inexperiência sexual que ele julgava
não mais existir. Na verdade, a última vez que presenciara uma mulher adulta reagir assim ao toque casual de um homem tinha sido na derradeira visita à avó quando
sentaram-se juntos para assistir um daqueles filmes antigos em preto-e-branco que ela adorava. Ele vivia num mundo povoado por pessoas sofisticadas, experientes,
ricas e aristocráticas. Um mundo guiado pelo cinismo, ambição, inveja e interesses pessoais. O poder não passava de mão em mão através da bondade, como ele tivera
oportunidade de aprender. Jodie Oliver não sobreviveria um mês nesse mundo.
Afastou os pensamentos. Sua sobrevivência não lhe dizia respeito. Tinha outros assuntos, outro tipo de sobrevivência com que se preocupar e ela era simplesmente
o instrumento a ser usado para conseguir seus objetivos. Se desejasse casar-se com ela de verdade... A testa ficou ainda mais franzida. Que tipo de pensamento era
esse? Não tinha vontade de se casar com ninguém, muito menos com uma jovem magra e melancólica que trazia "coração partido" escrito na testa.
Deu uma olhada na pequena mala que tirara do porta-malas e verificou o interior do carro.
- Quanto tempo você disse que pretendia ficar longe de casa? - perguntou enquanto carregava suas coisas para a Ferrari.
Jodie ficou ruborizada pois entendeu o motivo da pergunta.
- Tenho o suficiente para atender minhas necessidades - disse na defensiva, acrescentado com dignidade: - E existem lavanderias, você sabe. - Não ia dizer
a ele que escolhera aquela pequena maleta de rodinhas porque ela era leve e a última coisa que pretendia, ao fazer a mala, era levar todas as coisas bonitas que
comprara para a lua-de-mel.
Havia uma intimidade desconcertante em estar num carro desses com um homem que era tão másculo.
O cheiro do couro fez com que ela se lembrasse de uma tarde em companhia de John, quando ele tinha ido comprar um carro novo. Tinham visitado lojas e mais
lojas enquanto ele admirava os carros top de linha. Mas nenhum deles, não importa o quanto custasse, chegava nem perto do luxo desse, pensou, exalando o sutil perfume
amadeirado da colônia masculina combinada com o cheiro sensual daquele homem.
Quando finalmente terminou de absorver as mensagens com as quais seus sentidos a bombardeavam, Lorenzo tinha dado meia-volta.
- Aonde estamos indo? - perguntou insegura.
- Para o Castillo.
O Castillo. Soava incrivelmente grande. Mas cinco minutos depois, quando ela viu os contornos acima da rocha, decidiu que a aparência era mais bárbara do
que grande, como se fizesse parte de um outro período menos civilizado. Um período em que o homem podia pegar o que quisesse simplesmente porque assim havia decidido.
Sem dúvida, um período perfeito para o homem sentado a seu lado, decidiu de mau-humor.
Entraram no Castillo através de uma entrada em arco estreita, tão evocativa da Idade Média que Jodie teve que piscar para afastar as imagens de homens envergando
cotas de malhas de ferro com armas e arautos anunciando a chegada deles.
O pátio vazio estava iluminado por castiçais de metal lançando sombras que se moviam contra as paredes imponentes de pedra com suas janelas estreitas.
- Que lugar extraordinário! - exclamou apreensiva.
- O Castillo é uma relíquia de um tempo em que os homens construíam fortalezas no lugar de casas. Aviso que é tão pouco hospitaleiro dentro quanto fora.
- Você mora aqui? - Não pôde evitar o horror na voz.
- Não; minha avó morava.
- Então onde...? - começou Jodie. Parou hesitante quando viu o jeito como ele apertava os lábios. Era óbvio que ele não gostava de tantas perguntas. Abriu
a porta do carro e ela franziu o nariz diante do cheiro de algo queimando.
- Tem algo pegando fogo.
- É apenas a mistura de madeira e piche usada nos castiçais. Depois de um tempo você se acostuma - acrescentou.
Depois de um tempo? Isso significava que ela ia morar ali? Sem eletricidade?
Como se lesse sua mente, Lorenzo informou:
- Minha avó preferia um estilo de vida à antiga. Felizmente, consegui persuadi-la a instalar um gerador de eletricidade.
Quando se pensava num castelo italiano, vinha à mente algo saído de um conto de fadas, mas esse lugar não era nada disso. Ficava arrepiada só de olhar as
paredes de granito.
- Venha...
Tanto tempo sentada deixara-lhe a perna enrijecida. Jodie sentiu o rubor no rosto ao ver que Lorenzo segurava a porta do carro, impaciente, para que ela saltasse.
A dor aguda na perna, quando finalmente conseguiu sair, fez com que mordesse com força o lábio para evitar trair o que sentia. John odiava qualquer coisa que chamasse
a atenção para sua enfermidade, insistindo para que sempre usasse jeans ou calças compridas e escondesse a finura e cicatrizes da perna.
"Se você usar calças ninguém vai saber que tem algo errado com você", dissera mais de uma vez. Podia sentir a garganta fechando por causa das lágrimas. Queria
tão desesperadamente ouvi-lo dizer que não se importava com o que vestisse, porque a amava tanto que cada parte de seu corpo era preciosa para ele... Mas, é claro,
os homens não eram assim. Louíse tinha dito a mesma coisa quando explicou a Jodie porque John preferia ela.
- O problema, queridinha, é que homens não gostam de deformações. Faz com que se sintam desconfortáveis. E mais, querem uma mulher que possam exibir... não
uma pela qual tenham que se desculpar.
- Você quer dizer que alguns homens são assim - corrigiu-a com tanta dignidade quanto possível.
- A maioria dos homens - insistiu Louise, antes de acrescentar asperamente: - Afinal, quantos homens, além de John, quiseram ao menos sair com você? Pense
nisso. E não vamos esquecer - acrescentou, para sublinhar sua superioridade - qualquer homem se preocupa com o que vai ter que enfrentar no futuro, tendo uma mulher
com problemas de saúde, nem que seja do ponto de vista financeiro.
- Não tenho problemas de saúde - objetou Jodie. - O hospital me deu alta...
- Porque não podiam fazer mais nada. Você mesma me disse. Sua perna nunca vai voltar a ser como era. Você se cansa só de andar um pouco... Imagine que terrível
seria para o pobre John se, digamos, em dez anos, você precisasse de uma cadeira de rodas? Como ele ia lidar com isso? Com os negócios prosperando, John precisa
de alguém para somar, não para subtrair. Você não devia ser tão egoísta, Jodie. John e eu estamos tentando tornar a situação o menos dolorosa possível para você.
O "John e eu" a fizera chegar ao limite. Jodie explodira e dissera à ex-amiga exatamente o que pensava dela e de John, terminando com:
- Odiaria me comprometer com um homem tão superficial quanto ele. Honestamente, Louise, você me fez um grande favor. Se não fosse por você, poderia acabar
me casando com John, sem saber o quanto ele é fraco e pouco confiável. Você obviamente não dá tanta importância a isso quanto eu. Mas eu tomaria cuidado se fosse
você. Afinal, não vai ser sempre jovem e glamorosa, certo? E já que você mesma disse que a aparência é tão importante para John, vai ter que conviver com o fato
de que um dia ele pode trocá-la por alguém mais jovem e mais bonita.
Tremia da cabeça aos pés ao afastar-se de Louise. E quando John apareceu, menos de uma hora depois, acusando-a de ter aborrecido Louise, ela não sabia se
devia rir ou chorar. Acabou rindo. De alguma forma pareceu ser a melhor opção.
Foi então que saiu e comprou a mais curta minissaia que encontrou. O acidente não fora culpa dos pais e ela lutara muito tempo e com garra para superar os
ferimentos. A partir de agora, decidira, ia mostrar as feridas com orgulho e nenhum homem voltaria a sugerir que cobrisse as pernas por causa delas.
Entretanto, para ficar mais confortável na viagem, usava uns jeans velhos e desbotados que a faziam parecer totalmente deslocada ao lado de Lorenzo em seu
terno magnificamente bem cortado, pensou, quando ele a conduziu através do pátio e dentro do hall cavernoso, com a mão apoiada firme no meio de suas costas.
CAPÍTULO QUATRO
O aposento em que entraram era mobiliado com várias peças numa madeira escura trabalhada. Um brasão tinha sido talhado acima da imensa lareira. O tapete parecia
gasto e surrado e ela podia ver uma marca na mesa empoeirada no meio da sala onde algo tinha sido atirado com tamanha força que deixara um rastro.
Uma porta no fundo da sala foi escancarada e surgiu uma mulher. Imediatamente Jodie esqueceu o ambiente e examinou-a. Alta e bem-cuidada, era o protótipo
da italiana rica e elegante. O cabelo escuro estava puxado num coque para revelar os traços perfeitos do rosto. Olhos escuros fitavam Lorenzo com um triunfante deboche
possessivo - o mesmo tipo de olhar de mulher predadora que Jodie vira nos de Louise quando olhou John. A mulher não a tinha visto pois estava na sombra. Quem era
ela?
Uma sensação de desconforto invadiu-a; a consciência de águas escuras e turvas que indicavam as perigosas correntes escondidas que podiam sugá-la para as
profundezas geladas, se não fosse cuidadosa. Instintivamente sentiu que Louise e essa mulher eram idênticas e essa consciência foi o suficiente para despertar-lhe
lembranças dolorosas. Olhou para Lorenzo. Ele parecia relaxado, mas podia sentir-lhe a tensão pelo aumentar da pressão dos dedos em suas costas. Havia algo no ar
- mas o quê? Tantas perguntas destinadas a permanecer sem resposta, refletiu Jodie, enquanto via a boca fina e o delicado arfar das narinas. Um enorme diamante que
chegava a cegar brilhou quando a mulher levantou uma das mãos para colocá-la no profundo decote do caro vestido preto, num gesto deliberado de sedução. Que homem
poderia resistir se seguisse com o olhar o brilho escarlate das unhas compridas enquanto repousavam no vale entre os seios fartos e perfeitos?
O vestido justo mostrava uma cintura tão fina que calculou que ela só podia estar usando uma cinta muito apertada, e os quadris em curvas arredondadas. Um
par de longas, bronzeadas e bem torneadas pernas, e os pés tinham unhas pintadas de escarlate adornados com um par de sandálias de tiras de saltos tão altos e tão
delicados como Jodie nunca tinha visto. Parecia alguém prestes a entrar no mais sofisticado e luxuoso ambiente do mundo, e não ali naquela fortaleza no meio do nada.
Um olhar de triunfo iluminou o rosto da mulher italiana. Mas os olhos castanhos não tinham o menor calor e quando andou, falando rápido, a voz soou ríspida
e ligeiramente desafinada. Jodie supusera que seria quente e musical.
Tinha quase os alcançado quando Lorenzo levantou uma das mãos de forma autoritária e disse:
- Em inglês, por favor, Caterina. Assim minha futura esposa vai conseguir entender.
O efeito das palavras na mulher foi um cataclisma. Parou de se mover e virou-se para olhar Jodie, que foi empurrada para fora das sombras e parou ao lado
de Lorenzo presa pelo pulso por mãos que pareciam garras.
Um olhar furioso e incrédulo percorreu Jodie, seguido por uma explosão igualmente furiosa em italiano.
- Por aqui - indicou Lorenzo a Jodie, ignorando a mulher.
- Não! - A mulher se colocou na frente deles e disse em inglês: - Você não vai fazer isso comigo. Não pode. Quem é ela?
- Acabei de dizer. Minha futura esposa.
- Não. Não pode fazer isso. - A voz desafinada e metálica estava furiosa. - Não. Não! - Ela sacudia a cabeça de um lado a outro tão violentamente que Jodie
ficou tonta, mas nem um simples fio do cabelo imaculadamente penteado escapou. - Não! - repetiu. - Você não vai fazer dessa coisinha sua duchessa, Lorenzo.
Duquesa?
- Você não pode falar assim da mulher que escolhi - ouviu Lorenzo dizer frio.
Meu Deus, em que confusão tinha se metido?
- De onde essa mulher surgiu? De que sarjeta...
Imediatamente um olhar de repulsa endureceu a expressão de Lorenzo, mas Caterina ignorou-a, pegando-o pelo braço e insistindo:
- Responda Lorenzo. Ou eu...
- Ou você o quê, Caterina? - perguntou gentil, tirando-lhe a mão do braço. - Eu e Jodie nos conhecemos há alguns meses. Era minha intenção apresentá-la a
minha avó, mas infelizmente ela faleceu. Entretanto, ao saber agora como desejava que eu me casasse, pretendo seguir os ditames de meu coração bem como cumprir os
termos do testamento casando-me com Jodie o quanto antes.
Jodie piscou incrédula ao ouvi-lo explicar a versão fictícia do "relacionamento" entre eles.
- Mentira! Nada disso é verdade. Eu sei a verdade, e vou...
- Você não sabe e não vai fazer nada - Lorenzo interrompeu-a. - E aviso de antemão que não ouse espalhar boatos ou rumores sobre minha futura esposa ou meu
casamento.
- Você não pode me ameaçar. - Caterina estava quase berrando. - Ela sabe por que você vai se casar com ela? Sabe que o desejo de sua avó no leito de morte
era que se casasse comigo? Sabe que você...?
- Silêncio! - ordenou Lorenzo grosseiro, lançando um olhar furioso e frio como uma espada pontiaguda contra o inimigo.
- Não vou ficar quieta! - Virou-se e lançou um olhar hostil em direção a Jodie. - Ele contou que o único motivo de se casar com você é esse lugar? Por que
a não ser que se case não poderá herdá-lo?
Essa mulher devia ser, com certeza, a pessoa a quem ele tinha se referido antes, pensou Jodie. De alguma forma conseguiu evitar que a expressão traísse o
que sentia - um legado, sem dúvida, de todas as consultas a hospitais e da determinação de não deixar que outros a vissem sentir dor ou ter pena dela. Estava Lorenzo
preparado realmente para se casar com uma mulher que ele não conhecia apenas para herdar essa fortaleza satânica e caindo aos pedaços?
- É impossível que ele queira se casar com uma mulher como você - disse Caterina venenosa.
Ficou magoada. As palavras de Caterina eram tão semelhantes às que Louise tinha dito - assim como a beleza morena de Caterina era tão parecida com a de Louise.
Elas deram origem a uma onda de orgulho raivoso dentro de Jodie que lhe queimava as veias. Deu um profundo suspiro.
- Mas ele vai se casar comigo.
Por poucos segundos, se sentiu tão perdida na euforia de dizer essas palavras que tanto desejara poder dizer a Louise que nada mais importava - muito menos
o bom senso implorando que fosse mais cautelosa.
Mesmo ao ouvir o furioso berro de Caterina e sentir o odor de álcool, não se deu conta do perigo e a mão de unhas vermelhas da mulher já estava levantada
para esbofeteá-la quando Lorenzo soltou Jodie e segurou Caterina, forçando-a a afastar-se e gritando:
- Basta!
- Você não pode fazer isso comigo. Não vou permitir! - gritou Caterina para Lorenzo.
A cabeça de Jodie doía e o corpo tremia diante da tentativa de Catarina de atacá-la fisicamente.
- Você vai juntar suas coisas e deixar o Castillo imediatamente - ouviu Lorenzo ordenar.
- Você não pode me obrigar. Tenho tanto direito de estar aqui quanto você. Lembre-se: até que você se case, o Castillo pertence a mim tanto quanto a você.
Só quando você se casar, será seu. E você não vai...
- Chega!
A ordem ressoou como uma bofetada, fazendo com que até mesmo Jodie estremecesse ao ver Lorenzo sacudir a mulher com força antes de soltá-la.
Ignorando Jodie, Caterina queixou-se:
- Você me machucou. Amanhã vou estar com uma mancha... - Mudou para o italiano e disse algo baixinho e depois sorriu debochada.
Jodie esperou impassível. Os instintos femininos, agora aguçados depois do reconhecimento tardio de todos aqueles olhares e palavras que presenciara entre
John e Louise, nas semanas precedentes à admissão de que a traíam, tornaram-na imediatamente desconfiada de que o que Caterina tinha dito para Lorenzo tinha sido
ao mesmo tempo íntimo e sexual. Por quê? Porque um dia o relacionamento entre eles havia sido íntimo e sexual? Havia sido... ou ainda era? Havia uma óbvia animosidade
entre eles - animosidade e desprezo no que dizia respeito a Lorenzo - ou, pelo menos, parecia.
- Ele está usando você. Sabe disso, não sabe? E quando conseguir o que quer vai descartá-la - disse venenosa. Em seguida, abruptamente como chegara, partiu,
batendo a porta.
Ignorando completamente o que tinha ocorrido, Lorenzo anunciou:
- Por aqui. Vou levá-la até seus aposentos.
A cena com Caterina a deixara mal e trêmula agora que tinha terminado, Jodie se deu conta. Tanto quanto se sentira após as revelações de Louise. Mas Lorenzo
já estava a meio caminho da porta, onde Caterina desaparecera, e Jodie tinha que se apressar para alcançá-lo. Saíram num outro hall com uma imponente e elegante
escadaria de mármore, totalmente inesperada.
- Essa parte do Castillo foi remodelada durante a Renascença - explicou Lorenzo ao perceber sua surpresa.
Na parte superior das escadas um largo corredor abria para dois lados. Lorenzo dirigiu-se à ala direita, iluminada suavemente com lâmpadas de parede em estilo
antigo e abaixo um par de portas duplas ornadas.
- Minha avó reformou essa parte do Castillo para meu uso depois do divórcio de meus pais - anunciou Lorenzo ao abrir as portas. - Gino sempre dizia...
- Gino? - perguntou Jodie curiosa.
- Meu primo, o falecido marido de Caterina.
- Então ela é viúva? - Jodie não conseguiu deixar de perguntar.
- É viúva sim.
- E mora aqui?
Um muxoxo cínico surgiu e desapareceu, sendo substituído por um olhar de amargura.
- Ela tem um apartamento em Milão, mas mudou-se para cá quando minha avó ficou doente. - Franziu a testa e disse abruptamente: - Você faz muitas perguntas.
Já é tarde e eu tenho o que fazer. Explicarei tudo que precisa saber amanhã. Apenas se lembre de que, para todos os efeitos, nosso relacionamento tem algum tempo
assim como nossos planos; de casamento.
- Caterina disse que sua avó queria que você se casasse com ela - não pôde deixar de comentar.
A expressão ficou dura e Jodie começou a se arrepender.
- Ela estava mentindo. Ela é quem deseja um casamento entre nós, porque cobiça meu título e meu dinheiro. Caterina é uma sanguessuga, uma parasita, uma mulher
que provou estar disposta a vender-se para quem der mais.
Jodie ficou curiosa, mas a expressão do rosto de Lorenzo demonstrava que o assunto estava encerrado. Cautelosamente, atravessou as portas que ele acabara
de abrir e a curiosidade a respeito de Caterina foi afastada pela surpresa. O aposento no qual entrara era moderno e mobiliado simplesmente: paredes pintadas num
tom marfim, um tapete em tom natural e dois grandes sofás de couro.
- A forração original foi tirada desse aposento durante a guerra, quando o castelo foi ocupado. Nessa ocasião, o primeiro marido de minha avó foi morto.
Jodie sentiu um arrepio de frio.
- Onde... onde são os aposentos de Caterina?
- Ela está hospedada nos aposentos principais, originalmente ocupados por minha avó. - E continuou, antes que Jodie fizesse outra pergunta: - Vou pedir que
meu advogado venha amanhã para que possamos fazer um contrato e tomar as providências necessárias para nosso casamento.
Jodie ficou tensa:
- Estive pensando...
- Caterina assustou você, não é isso? Está com medo dela?
- Não! - Jodie negou vigorosamente. - Não tenho o menor medo dela.
Lorenzo levantou uma sobrancelha escura como se não acreditasse.
- Não é isso, mas se você está falando sério quanto ao casamento, então quero...
- Sim? - disse convidativo. Era exatamente o que tinha pensado. Ela já estava calculando quanto poderia tirar dele. - Quer o quê? Dois milhões em vez de um?
Jodie lançou-lhe um olhar irritado.
- Não. Já disse que não quero seu dinheiro.
- Mas quer alguma coisa...
- Quero - concordou e soltou um suspiro profundo. - Quero que você vá comigo ao casamento de John e Louise.
Ela prendeu a respiração esperando pela recusa, dizendo a si mesma que essa seria a desculpa para dizer que não continuaria com a farsa e os planos diabólicos
que ele arquitetava.
Mas, em vez de recusar, Lorenzo disse suave:
- Então, você ainda o deseja...
- Não, só desejo... - Ficou em silêncio e balançou a cabeça. - Não tenho que explicar nada a você. Essas são as condições para casar com você. Está em suas
mãos aceitar ou não. - Por favor, fazei com que ele recuse...
- Então está bem. Iremos ao casamento de seu ex-noivo, mas como marido e mulher.
Jodie sentiu alívio. Alívio? Porque aceitava o fato de não mais ter que tomar decisões? Porque entregara o controle da vida ao arrogante estrangeiro?
- Venha comigo...
Cansada, Jodie seguiu-o através de outra porta que levava a um estúdio muito masculino e a uma antecâmara com duas portas. - Esse é meu quarto - informou-a
Lorenzo, indicando uma porta - e esse é o quarto de hóspedes.
Ele a olhava como se a testasse, como se esperasse que ela escolhesse. Determinada, caminhou em direção à porta do quarto de hóspedes e girou a maçaneta.
Como os outros aposentos, era decorado e mobiliado num estilo moderno e despojado, mas só estava interessada na maravilhosa cama. A perna doía tanto que ela
estava começava a andar com dificuldade.
- Essas portas dão para o quarto de vestir e o banheiro - explicou Lorenzo. - Vou mandar trazer sua mala. Está com fome?
Jodie balançou a cabeça. Já tinha superado isso. Tudo que queria era deitar para aplacar a dor na perna. Deu um passo à frente e a perna fraquejou. Lorenzo
segurou-a, antes que caísse no chão, suspendendo-a tão bruscamente que ela gritou de dor.
- Diablol O que foi? Alguma coisa errada?
- Nada. Só minha perna - disse Jodie afastando-o e tentando manter-se de pé. Mas era tarde demais. A perna chegara ao limite e se recusava a sustentá-la.
Podia ver o jeito que Lorenzo franzia a testa. Imediatamente, levantou a cabeça orgulhosa.
- Tenho um problema na perna. Sofri um acidente. Às vezes, quando me canso em excesso... Se não quiser casar comigo por causa disso, então...
- Foi isso que o homem com quem ia se casar disse? Que não queria você por isso?
O rosto de Jodie ficou vermelho. Tinha falado demais - um erro que só podia atribuir ao cansaço e ao estresse das últimas experiências.
- Não.
- Mas isso era motivo de algum tipo de conflito entre vocês?
- Ele não gostava do fato de eu ter uma perna... - Deu de ombros. - Mas isso é natural, não é? Homens gostam de mulheres lindas e...
- Faz parte da natureza humana valorizar a beleza - disse Lorenzo. - Mas, algumas vezes, a beleza maior só vem através do sofrimento e da dor.
Jodie olhou-o desconfiada. Estava muito cansada para analisar um comentário tão melancólico. Olhou a cama. Lorenzo seguiu-lhe o olhar.
- Vou deixar você. Encontrará tudo que precisa no banheiro, mas, qualquer coisa, peça a Pietro quando ele trouxer a mala. Ele avisará Maria e ela providenciará
o que precisa.
- Pietro e Maria - repetiu os nomes. - Seus empregados?
- Eles tomam conta do Castillo. Foram contratados por minha avó. Deveriam se aposentar, mas essa sempre foi a casa deles e seria uma crueldade mandá-los embora,
dando a entender que não são mais úteis. Bem, depois de falar com meu advogado e cuidar dos preparativos para nosso casamento, me preocuparei em tornar esse lugar
mais habitável.
Eles iam morar ali? Havia tantas perguntas a serem feitas, mas agora estava exausta demais para se importar com qualquer coisa que não fosse dormir
CAPÍTULO CINCO
Pelo menos a água do banho era quente e as toalhas que Maria tinha trazido, irrompendo no quarto numa torrente de italiano incompreensível enquanto inspecionava
Jodie, eram deliciosamente macias e felpudas.
Assim como o quarto, a decoração do banheiro era muito simples, mas não deixava dúvida quanto à qualidade e elegância da louça e do mármore que cobria o piso
e as paredes.
Enrolada numa toalha, Jodie foi descalça até o quarto e abriu a mala, procurando rapidamente uma camisola. Mas quando tirou as roupas, cuidadosamente arrumadas,
congelou. A camisola estava lá, assim como uma das lingeries que comprara para a lua-de-mel: em tom floral, a tanga de seda abotoada com laços de cetim. Era tão
linda que não resistira e a comprara num impulso, na hora do almoço, depois de outra noite passada com John que se recusava a fazer qualquer coisa além de suaves
carícias.
Não sabia, é claro, que o motivo de John não ter levado a intimidade até a conclusão lógica não tinha sido por amá-la muito, mas sim por amá-la pouco. Agora,
graças a Louise, sabia que todo o tempo em que o desejava e admirava-lhe o controle, ele secretamente se afastara.
O que diabos essas coisas estavam fazendo na mala? Encontrou a resposta em um bilhete de Andrea, enfiada entre as dobras da camisola.
"Achei um desperdício não levar essas peças. Nunca se sabe... Pode encontrar alguém que as aprecie... e a você..."
Jodie quase caiu na gargalhada. Andrea tinha adivinhado. Como futura noiva, devia ser capaz de encontrar uma utilidade para esses itens, mas sabia que Lorenzo
a apreciaria e as roupas ainda menos do que John.
Tirou a camisola e fechou a mala, colocando-a no chão antes de enroscar-se nos lençóis da imensa cama e apagar a luz.
Devia pensar na situação em que se metera e encontrar uma solução para escapar dela, mas estava cansada demais.
Lorenzo desligou o computador. Enviara e-mails a diversas pessoas para explicar seus planos - ao advogado, ou pelo menos aquilo que queria que ele soubesse;
a um certo diplomata que ocupava uma posição de destaque para se casar com a noiva inglesa o mais rápido possível; e ao Cardeal, seu primo em segundo grau. Por sorte,
já tinha em seu poder o passaporte de Jodie e enviou por fax todas as informações para os três homens. Instruíra o advogado a fazer um acordo nupcial, com a maior
urgência, e também para providenciar para que a propriedade do Castillo fosse transferida para ele, de acordo com os termos do testamento da avó.
Depois deixou os aposentos e desceu, atravessando os aposentos que não eram usados com sua mobília antiquada e cheiro de mofo até chegar à porta desejada.
Sentia a tensão crescer, bem como a excitação; os sentidos já antecipando o prazer à sua espera. Ele se casaria com uma dúzia de mulheres inglesas pálidas e magricelas,
se necessário, para satisfazer o desejo que o consumia há tanto tempo.
A cãibra nos músculos da perna arrancou Jodie do sono profundo e fez com que soltasse um grito agudo de dor.
Lorenzo a ouviu ao sair do banheiro, e se assustou quando o segundo grito ecoou. Segurando a toalha em torno dos quadris, seguiu em direção ao quarto de hóspede.
Abriu a porta e acendeu a luz.
Jodie estava deitada no centro da cama, tentando desesperadamente massagear a perna.
Lorenzo reconheceu imediatamente o que acontecera. Ao chegar na cama, segurou-a pelos ombros, perguntando:
- O que é? Cãibras?
Jodie arfava de dor.
- É. Na minha perna...
A intensidade da dor deixara seu rosto cinza e Lorenzo podia ver as gotas de transpiração formando-se na testa.
- Você costuma ter cãibras fortes assim com freqüência?
Por que lhe perguntava isso? Estava com medo de ter que assumir responsabilidades mesmo que por apenas um ano?
- Não, apenas quando me canso demasiado. Aí! - gritou quando os dedos fortes encontraram o exato ponto na perna onde a dor se concentrava.
- Fique deitada, parada - instruiu-a Lorenzo. - Está tudo bem. - Quando ela olhou para ele desconfiada, ele acrescentou: - Sei o que estou fazendo.
Jodie teria continuado a resistir se uma segunda contração não tivesse tomado conta dela, deixando-a sem energia para nada a não ser suportar a dor. Lorenzo
soltou um palavrão e levantou-a, ignorando-lhe os protestos e virando-a de bruços.
Agora, com as pernas expostas pela camiseta infantil ridícula que vestia, ele podia constatar que estava certo quanto ao comprimento das pernas. Também via
que uma das pernas era ligeiramente mais fina do que a outra e que na parte interna do joelho havia cicatrizes.
Com a cãibra continuando seu brutal assalto, Jodie não estava nem mesmo ciente de estar enfiando as unhas no braço de Lorenzo, na tentativa de não gritar.
Isso foi o pior que se lembrava de ter feito.
Lorenzo esperou o aperto afrouxar, desvencilhou-se e começou, rapidamente, a mover os longos dedos pressionando o nó nos músculos contraídos até que Jodie
tivesse vontade de gritar de agonia. Tentou libertar a perna, mas depois o alívio surgiu e o músculo começou a relaxar. Um tênue estremecimento sacudiu o músculo.
- Relaxe... - Lorenzo ainda massageava-lhe a perna, mas agora os movimentos firmes das mãos dirigiam-se para a parte superior da coxa e a tensão que tomou
conta dela quando os dedos tocaram a barra da camisola era causada pela cãibra no estômago, não na perna. E não tinha nada a ver com excesso de cansaço.
- A julgar pelas cicatrizes, você deve ter sido submetida a diversas operações...
Jodie voltou a ficar tensa. Queria puxar a perna, mas tinha receio de se mover e levantar ainda mais a camisola. Tarde demais para pensar que podia ter colocado
uma calcinha e não apenas a camisola.
- Muitas... - disse resumidamente.
- Quantas?
Soltou um suspiro.
- Isso faz diferença? Você não vai ter que cuidar de mim se eu acabar numa cadeira de rodas, vai?
- Existe essa possibilidade? - Ele ainda massageava-lhe a perna, mas agora os dedos deslizaram pela cicatriz. Por alguma estranha razão, Jodie descobriu que
estava louca para gritar. Ninguém tocara suas cicatrizes a não ser profissionalmente. Os longos meses no hospital tinham-na forçado a muitos exames, a médicos discutindo
seu estado como se ela fosse um equipamento quebrado que tentavam consertar e botar em funcionamento. O que, é claro, para eles, era exatamente o que representava.
Ficou grata por tudo o que tinham feito por ela - como poderia ser diferente? - mas ao mesmo tempo...
Ao mesmo tempo o quê? Secretamente, ansiara por um toque mais pessoal, um toque reconfortante de alguém que não demonstrasse repulsa nem fizesse um drama
sobre as cicatrizes.
Mas nenhum toque a fizera sentir-se do jeito que o toque de Lorenzo a fazia sentir.
- Não. Minha perna sempre será fraca, mas está curada - desabafou. Mordeu o lábio, sem querer se lembrar daqueles dias terríveis quando os médicos temiam
ter que amputar-lhe a perna. - Obrigada. Já pode parar. A cãibra passou - disse, forçando-se a concentrar-se em alguma coisa. - qualquer coisa - que não fosse o
toque suave dos dedos. Nenhum amante poderia... Nenhum amante? Estava ficando louca?
Virou-se para encará-lo, consciente do calor da mão, ainda lhe queimando a coxa desnuda, os olhos esbugalhados ao se dar conta do que não vira antes: tudo
que ele vestia era uma toalha, amarrada nos quadris, e o corpo era suficiente para fazer qualquer mulher babar. Mas, daqui para frente, não ia se permitir desejar
nenhum homem e, certamente, não um homem desses. Seus instintos lhe diziam que ele era extremamente perigoso. Era um macho alfa autoritário, determinado a conseguir
o que queria, não importa os meios usados, e nisso ela devia concentrar a atenção - não nos músculos da barriga trabalhada ou na masculinidade dos pêlos do corpo
que desciam até a beira da toalha. Jodie encostou a língua nos lábios e prendeu a respiração.
Lorenzo tirou a mão de sua coxa e ajeitou a toalha. Percebeu que Jodie focava o movimento das mãos com a respiração acelerada.
- Se continuar olhando para mim assim - começou num tom sensual - vou achar...
- O que quer dizer? - protestou, o rosto ardendo.
- Você está me olhando como uma garota olhando um homem pela primeira vez - disse Lorenzo debochado. - O que me levar a me perguntar sobre o tipo de mulher
que você é e que tipo de homem era seu ex-noivo para deixá-la assim.
- Não estava olhando para você de jeito estranho - argumentou histérica. - Você está imaginando coisas. Nenhuma mulher moderna imagina como é o corpo de um
homem.
- Então você não se importaria se eu não estivesse usando isso? - sugeriu Lorenzo, os dedos descansando na toalha.
Jodie deu de ombros como se não se importasse.
- Não, por que ficaria? Todos os homens nus são iguais.
- Seu ex-noivo era circuncidado?
Jodie abriu a boca e fechou-a imediatamente, o rosto vermelho como um tomate, o coração aos pulos como se quisesse escapar-lhe do peito assim como ela queria
escapar de seus pensamentos. Será que ele estava perguntando isso porque tinha adivinhado que ela simplesmente não sabia? Porque queria humilhá-la fazendo-a admitir
como sua experiência sexual era limitada?
- Por que quer saber?
- Por que não responde?
- Não estou questionando você sobre sua vida sexual. E se vamos nos casar...
- Se? Não há "se" nessa história. Já entrei em contato com meu advogado. Ele vai estar aqui pela manhã.
- Vai ser necessário um tempão para resolver as formalidades legais.
- Não para nós. Assim que encontrarmos Alfredo, vamos para Florença.
- Florença?
- Tenho negócios para resolver e você vai comprar o vestido de noiva.
- Um vestido de noiva?
As sobrancelhas escuras se levantaram.
- Presumo que não tenha trazido seu vestido de noiva quando fugiu...
Jodie afastou o olhar.
- Não, não trouxe. - O vestido de noiva ainda estava pendurado na loja onde tinha sido comprado e pago.
Lorenzo a olhou impassível.
- Há várias lojas de estilistas em Florença. Vai achar algo.
Estilistas? Encontrar algo ia ser fácil, refletiu Jodie; pagar é que ia ser difícil, levando-se em conta seu orçamento apertado.
Umedeceu os lábios com a ponta da língua.
- E se...? E se eu tiver mudado de idéia?
- Não vou deixar.
- Não pode me impedir.
O jeito com que a olhava trouxe-a à realidade: estava presa nessa fortaleza onde, sem dúvida, os ancestrais dele tinham mantido prisioneiros nas masmorras.
- De que tem medo? - perguntou.
- Não tenho medo de nada nem de ninguém - mentiu.
- Então não há motivo para não se casar, certo? É um acordo do qual ambos vamos sair ganhando algo importante. Quando seu ex-noivo vai se casar?
- No mês que vem.
- Vamos estar casados até lá e você terá o prazer de me apresentar a ele como seu marido. Agora já é tarde e amanhã temos muito a fazer.
- Por que não quer se casar com Caterina?
Imediatamente fechou o rosto.
- Isso não lhe diz respeito - respondeu agressivo. - Vou deixar você dormir. Com sorte, a cãibra não vai voltar.
Em outras palavras: cuide de sua vida, refletiu Jodie enquanto o via se afastar.
CAPÍTULO SEIS
O som da porta do quarto e o chocalhar de louça tiraram Jodie de um pesadelo em que era forçada a ver John caminhar pela nave da igreja em direção à noiva.
Mas quando ele a alcançava não era John que estava se casando com outra mulher, mas Lorenzo. Estranhamente, em vez de se sentir aliviada, sentia ciúmes.
- Buongiorno. - Maria cumprimentou-a sorridente ao descansar a bandeja, caminhando em seguida para abrir as pesadas cortinas e a janela. O sol e o calor invadiram
o quarto.
Jodie ficou com água na boca ao sentir o cheiro de café fresco e ver os pães e frutas.
- Grazie, Maria. - agradeceu à empregada idosa com um sorriso acolhedor. Afastou as cobertas quando Maria deixou o quarto.
Não havia notado que o quarto tinha uma sacada dando para um jardim fechado em estilo mourisco. Arcos recobertos por rosas cor-de-rosa e, do privilegiado
ponto em que se encontrava, podia ver, bem no centro do jardim, um lago onde uma fonte ornada lançava jatos d'água para cima antes de cair na superfície, perturbando
os gordos peixinhos dourados.
Jodie serviu-se de uma xícara de café e voltou para a sacada. Ia se sentar em uma das duas cadeiras da mesinha de ferro, quando a porta foi aberta pela segunda
vez. Achando que Maria tinha voltado, olhou com um sorriso que desapareceu ao ver que era Lorenzo.
- Bene, já acordou. Alfredo ligou para avisar que está a caminho e chegará em uma hora. Acredito que tenha dormido bem e a cãibra não tenha voltado.
- Não... quero dizer, sim... Dormi bem e não, a cãibra não voltou - mas o formigamento onde ele a tinha massageado a mantivera acordada por um bom tempo.
Diferentemente dela, Lorenzo estava todo vestido, fazendo-a sentir-se agudamente consciente do tamanho de sua camisola. Não que ele a estivesse olhando. Olhava
com desagrado algo no chão, perto da cama e da mala que não desfizera pois estava muito cansada na noite anterior.
Agachou e pegou um corpete que tinha esquecido de guardar. Segurando-o entre os dedos, olhou-a interrogativamente.
- O que é isso?
- O que parece?
- Parece algo que uma dançarina de cabaré poderia usar.
- Faz... faz parte de meu enxoval - disse relutante. Certamente não queria que ele achasse ser algo trazido para usar nas férias. - Foi parar na minha mala...
por engano.
- Enxoval? Ia usar isso pensando em seduzir seu marido? O que ele era? Algum tipo de fetichista?
Demorou alguns minutos até reagir.
- É um corpete, só isso - disse furiosa. - Se quer dar a isso uma sórdida interpretação, problema seu. - Estava a um passo das lágrimas de humilhação quando
lembrou-se da insegurança ao comprar o corpete, na esperança de que pudesse levar John a agir de forma mais impetuosa. - Está na moda. Algumas mulheres usam até
para sair.
- É, já vi. Exibem os seios como prostitutas para qualquer homem.
Prostitutas? Por acaso estava sugerindo...?
- Suponho que goste que suas mulheres se vistam - começou zangada, mas Lorenzo interrompeu-a.
- Gosto de ver uma mulher vestida com algo que sugira a sexualidade em vez de exibi-la. Não com roupas que a façam parecer uma criança ou uma prostituta -
disse deixando cair o corpete na cama.
Uma criança? Por acaso estava se referindo à sua camisola?
- Como está sua perna? - perguntou calmo, pegando uma xícara de café e andando até a sacada.
De repente, o que parecia um lugar agradável, para usufruir do ar da manhã, tinha se tornado um espaço muito íntimo e diminuto. Teria deliberadamente se referido
à sua perna agora porque imaginava o quanto ela tinha consciência de que seu defeito a tornava menos desejável como mulher? Se não tivesse jurado querer ficar longe
do amor e dos homens para sempre, decidiu amargurada, com certeza Lorenzo conseguiria fazê-la tomar essa atitude.
- Bem. Qualquer um pode ter cãibras, você sabe - disse na defensiva. - Mesmo alguém com duas pernas perfeitamente normais.
- Você acha que as suas não são...? Há lugares no mundo onde pessoas, com freqüência crianças, sujeitas à injustiça de guerras que não compreendem, têm feridas,
inclusive a perda de membros, que dariam tudo para ter um probleminha como o seu.
Jodie ouviu-o furiosa. Como ousava passar-lhe um sermão? Logo ele que vivia uma vida privilegiada, totalmente afastada da realidade?
- E o que você sabe sobre o sofrimento dos outros? - perguntou debochada. - Aposto que o mais próximo que esteve de testemunhar a destruição da guerra foi
no jornal ou na televisão.
Colocou a xícara na mesinha com um movimento zangado e tentou passar por ele para voltar ao quarto. Mas Lorenzo que voltara a olhar para o jardim, colocou-lhe
a mão no braço para impedi-la.
- Caterina está nos olhando do jardim - disse baixinho.
- E daí?
Botando a xícara de lado, virou-se e sussurrou:
- E daí...
Diminuiu a distância entre eles e ela não tinha como fugir. Os braços a envolveram, prendendo-a, o calor atravessando o tecido fino da camisola. As mãos seguraram-lhe
as costas, curvando-a como se ela fosse totalmente flexível, dele para que fizesse o que bem lhe aprouvesse. Uma das mãos permaneceu em suas costas, puxando-a contra
ele - colando-a, reconheceu tonta - enquanto a outra escorregou-lhe pela nuca, os dedos enfiados na maciez dos cabelos, agarrando-os para que virasse a cabeça para
trás e voltasse o rosto em direção ao dele.
Tremendo da cabeça aos pés de raiva, o encarou.
A cabeça dele bloqueou a luz do sol ao abaixá-la para que a boca se apossasse da sua. Jodie contraiu-se na defensiva, sem ousar se mover. Os lábios dele eram
frios e duros. Podia sentir o cheiro de sabonete. Teimosa, recusou-se a retribuir o beijo. A ponta do dedo acariciou-lhe a parte de trás da orelha e a parte vulnerável
do pescoço e um ligeiro tremor traiçoeiro galvanizou-lhe todo o corpo.
Os lábios tocaram os seus, os olhos cinza brilhando, conscientes de terem feito seu corpo queimar, quando perguntou suave:
- Você nem sabe beijar direito? E foi noiva! Abra a boca.
Confrontada com a opção de ser tachada de uma mulher tão sexualmente inapta que não sabia nem beijar ou ceder a essa exigência arrogante, Jodie escolheu o
orgulho feminino à raiva. Os lábios amoleceram e se afastaram. O brilho dourado de seu olhar mesclando-se ao prateado hipnótico dos olhos de Lorenzo como se fossem
um imã atraindo-a para um destino do qual não podia escapar. Sua boca colou-se à dele e os braços envolveram-lhe o pescoço. Podia sentir o calor do sol nas costas,
mas era o calor do toque de Lorenzo que fazia com que sua carne reagisse; a mão espalmada contra suas costas por cima da camisola enquanto ela ficava na ponta dos
pés, colada nele, beijando-o numa intimidade sensual que normalmente a deixaria chocada.
Podia sentir-lhe a mão agarrando-lhe a cintura e depois movendo-se para segurar-lhe os seios por baixo da camisola, a ponta do dedo roçando o mamilo subitamente
duro, fazendo com que vibrassem como um arco manuseado por um experiente arqueiro. A outra mão massageava-lhe a base da espinha e depois desceu para acariciar a
curva redonda de seu traseiro.
A súbita investida sexual da língua contra a sua aproximou-a mais, a respiração escapando num suave ronronar de prazer.
- O que é isso? - sussurrou Lorenzo. - Quer que eu acaricie e beije seus seios? Quer que eu coloque o bico do seu seio na boca e a leve ao auge do prazer?
É isso que está pedindo com esse movimento de quadris? - Enquanto sussurrava, a mão de Lorenzo moveu-se para acariciar-lhe o sexo macio.
Era isso que ela desejara por tanto tempo de John - desejo, intimidade, sensualidade - e usufruiu com todos seus sentidos, perdida num mundo particular de
prazer erótico.
Foi o som dos passos zangados contra o cascalho abaixo da sacada que a trouxe de volta à realidade, envergonhada diante da própria incoerência.
- Você não tinha direito de agir assim - disse zangada.
- Então por que não me impediu? - perguntou, displicente.
Não o impedira porque estava gostando demais - percebeu sentindo-se culpada.
- Você disse que não haveria... que não haveria intimidade entre nós - retorquiu, reagindo.
- Isso não foi intimidade. Se quisesse intimidade, teria levado você para algum lugar onde ninguém nos visse e no momento, em vez de estar parada aqui, irritada
comigo, estaria deitada por baixo de mim e as únicas palavras que pronunciaria seriam pedidos desesperados para que eu a possuísse. Como avisei, estava simplesmente
demonstrando a Caterina que eu e você vamos nos casar. Ou está irritada por não estar deitada debaixo de mim, enquanto eu mostro a esse seu corpo virginal o que
é sexo?
- Eu não sou...
- Não é virgem? É isso que vai me dizer?
- Não. Ia dizer que não estou interessada em fazer sexo com você.
- Então você é virgem?
- E se for? É crime?
- Por lei não. Mas contra a natureza é. Onde está o prazer de um livro fechado que nunca foi lido? Uma música que nunca foi cantada? Um cheiro que nunca encheu
o ar com sua fragrância ou uma mulher que nunca gritou de prazer ao ser possuída?
O silêncio foi subitamente interrompido pelo som de um carro chegando num pátio adjacente.
- Deve ser Alfredo - disse Lorenzo, em tom profissional. - Venha até meu escritório assim que se vestir. Alfredo vai querer discutir toda a papelada necessária
para nosso casamento.
Ao vê-lo partir, Jodie pensou em dizer que mudara de idéia; acabar com aquela arrogância e arruinar-lhe o orgulho, como ele tinha feito com ela. Como podia
ter reagido daquele jeito? Como pôde deixar cair a guarda a ponto de ter correspondido? Agora, obviamente, ele achava que poderia usar sua vulnerabilidade contra
si mesma para que fizesse tudo que ele quisesse. Qualquer coisa. Cada uma das palavras que acabara de pronunciar, cada olhar tinham demonstrado que ele acreditava
que ela lhe pertencia.
Mas ela não era, e nunca ia ser. Ia deixar isso claro para ele. E se não conseguisse? O quanto queria realmente aparecer no casamento de John e Louise com
o marido? O suficiente para correr o risco?
Mais do que o suficiente, decidiu com renovada determinação enquanto pegava umas roupas limpas e caminhava para o chuveiro. Já que estava decidida, nada que
Lorenzo dissesse ou fizesse iria alterar o fato de que simplesmente não queria um relacionamento íntimo - emocional ou físico - com outro homem. John tinha provado
que não se pode confiar no sexo masculino e, se não podia confiar em John que dizia amá-la e querer se casar com ela, então certamente não ia se arriscar a confiar
num homem como Lorenzo!
Quinze minutos depois, de banho tomado e vestida, com o cabelo ainda úmido puxado para trás, Jodie hesitou do lado de fora da porta do estúdio-escritório
que Lorenzo mostrara na noite anterior.
Podia jurar que não tinha feito o menor barulho, mas, antes de levantar a mão para bater educadamente na porta, Lorenzo deve ter adivinhado sua presença porque
abriu a porta e pegou-a pelo braço para conduzi-la à sala. Pegou-a pelo braço ou prendeu-a? Certamente, para qualquer um que olhasse, os dedos firmes em volta de
seu punho pareceriam ao mesmo tempo protetores e possessivos... a pegada de um amante querendo estabelecer a exclusividade do relacionamento - mas, ela, é claro,
sabia que não era isso.
- Estava começando a me perguntar por que demorava tanto - disse.
- Só demorei meia hora.
- Me pareceu estarmos separados há séculos - disse carinhoso, dando-lhe uma olhada de tamanha sexualidade que ela não conseguiu evitar arregalar os olhos.
Estava apavorada pelo impacto de descobrir que um olhar tinha o poder de despertar-lhe o desejo de tirar toda a roupa e explorar a maior intimidade possível. Ao
mesmo tempo, ficava evidente que ele também queria proteger e manter o corpo e a mulher apenas para ele. Qual devia ser a sensação de ser verdadeiramente amada e
desejada por um homem que olhasse desse jeito? Um homem que não tivesse medo ou vergonha de demonstrar os sentimentos? Mas Lorenzo não sentia nada por ela, lembrou-se,
nem ela queria que ele sentisse.
- Alfredo, deixe-me apresentá-la à minha futura esposa.
O advogado tinha mais ou menos a mesma idade de Lorenzo, mas não era tão alto e atraente, pensou Jodie. Entretanto, tinha uns olhos castanhos muito bonitos
e um sorriso afável.
- Lorenzo estava me falando sobre você. Achei que estava exagerando, como é natural nos apaixonados, mas vejo que ele só estava fazendo justiça - cumprimentou-a
Alfredo afetuoso.
O advogado de Lorenzo exagerava um pouco nos elogios. Jodie sabia, mas não pôde evitar retribuir o sorriso, sentindo-se logo à vontade.
- Não estranho porque está tão ansioso para levá-la ao altar, Lorenzo - continuou Alfredo. - No seu lugar...
- Mas você não está no meu lugar, está? - comentou Lorenzo com uma arrogância insuportável.
Entretanto, o advogado não pareceu ofender-se. Riu e disse:
- Não precisa ficar com ciúmes, meu amigo. Posso perceber que Jodie só tem olhos para você. - Enquanto Jodie ainda digeria essa mentira, continuou: - Estava
perguntando a Lorenzo onde vocês se conheceram. Presumo que tenha sido no local daquele terrível terremoto. Sei que Lorenzo estava lá na função de conselheiro das
autoridades governamentais encarregadas dos programas de ajuda. O que me faz lembrar, Lorenzo... como você me instruiu, já garanti a remessa de fundos para cobrir
as despesas médicas com as crianças que farão parte do programa de recuperação. - Alfredo virou-se para Jodie e deu-lhe um sorriso charmoso: - Você já deve saber
que seu futuro marido tem um coração de ouro e enfia a mão no bolso para ajudar os necessitados. Você o conheceu em alguma atividade beneficente?
Jodie sentiu o rubor tomar conta do rosto ao se lembrar de suas acusações. E não podia nem mesmo se conceder a satisfação de acreditar que Lorenzo tivesse
instruído o advogado a dizer o que acabara de dizer. Um olhar para a expressão irada de Lorenzo foi o bastante para deixar evidente que as revelações indiscretas
de Alfredo não o tinham agradado.
- Jodie não trabalha em nenhum programa de ajuda, Alfredo - interrompeu-o. - Encontrei-a a algum tempo, quando estive na Inglaterra, Tinha planejado trazê-la
aqui para conhecer minha avó, mas infelizmente nonna morreu antes que eu pudesse fazê-lo... o que me traz ao assunto referente a Caterina, viúva de meu falecido
primo.
- Ela não pode pleitear o Castillo uma vez que você tenha respeitado os termos do testamento e se casado - garantiu Alfredo.
- Nenhuma reivindicação quanto ao castelo, mas parece que Caterina julga ter direito a reivindicações quanto a mim - disse Lorenzo cínico.
Alfredo franziu o cenho.
- Mas isso é impossível.
- Sem dúvida. Mas Caterina, como nós dois sabemos, é dada a exageros. Ridículo, chegou a sugerir que minha avó queria que eu me casasse com ela! Depois de
acabar com o dinheiro de Gino e jogar o nome dele na sarjeta, parece que quer fazer o mesmo com o meu.
- Ouvi uns boatos sobre ela - concordou Alfredo, desconfortável.
- Não duvido. Não quero nenhum sobre meu casamento ou minha futura esposa, então talvez seja importante dizer algumas palavras nos ouvidos certos para avisar
que ignorem qualquer coisa que Caterina possa vir a dizer... - sugeriu Lorenzo.
- Uma idéia excelente - concordou Alfredo, enquanto Jodie escutava e digeria a forma sutil e letal com que Lorenzo desmontava a base de poder de Caterina.
Quando se tratava de conseguir o que queria, Lorenzo era obviamente um oponente considerável. Um homem brutal, arrogante, perigoso - que, voluntariamente, dispensava
tempo e dinheiro para ajudar as jovens vítimas de guerras e desastres distantes. Esse não era um único homem, mas dois homens diferentes sob a mesma pele - como
Jano, o deus romano de dupla face, voltado para o início e para o fim, que deu origem ao mês de janeiro. Lorenzo era um enigma, o que o tornava um perigo tóxico.
Mas não para ela. Nenhum homem voltaria a representar um perigo para ela.
- Trouxe comigo todos os documentos que vão precisar assinar para preparar o casamento. O Cardeal foi de grande ajuda. Ele sugeriu a Igreja de Madonna, em
Florença para a cerimônia e vai se ocupar dos proclamas para este domingo. Já que a lei estipula que devem ser lidos em dois domingos consecutivos, antes do casamento
poder ser realizado, isso significa que vocês podem se casar daqui a duas semanas.
Proclamas? Cerimônia religiosa? O casamento seria um negócio temporário, não precisava de celebração na igreja. Uma simples cerimônia civil bastava. Jodie
deu um passo à frente, mas Lorenzo conseguiu interpor-se entre ela e Alfredo. Os dedos seguraram-lhe com determinação o punho e leu o aviso nos olhos dele quando
levou a palma de sua mão até os lábios.
- Você fez bem, Alfredo - disse em tom de aprovação, sem tirar o olhar dela. - Não acha, cara?
Os lábios acariciam-lhe os nós dos dedos, um de cada vez, até que, indefesa, sentiu os dedos relaxarem, como se pedissem mais.
- Também preparei os papéis necessários para que assinem o acordo financeiro. Tem um para você assinar, Jodie, renunciando a qualquer reivindicação financeira,
no caso de divórcio, e o outro que você me pediu para redigir, Lorenzo, estabelecendo que, caso se separem após um período de um ano, pagará a Jodie um milhão de
libras, mais um milhão de libras extra por cada ano que permanecerem casados.
- Assinarei o documento renunciando a qualquer reivindicação futura, mas não o outro. - As palavras foram ditas sem pensar. Podia ver que Alfredo parecia
ao mesmo tempo triste e ligeiramente embaraçado.
- É claro que é desagradável para você discutir essas coisas agora, antes mesmo de se casarem, mas...
- Não quero dinheiro.
- Isso é algo que podemos discutir a sós depois - informou Lorenzo num tom de advertência, antes de sorrir para Alfredo e dizer: - Você tem um longo caminho
até voltar para Roma; o quanto antes terminarmos com a papelada, melhor.
- Por que uma cerimônia religiosa em vez de uma cerimônia civil?
Alfredo partira há uma hora, mas o sistema de Jodie ainda produzia adrenalina a mil quando confrontou Lorenzo através da larga mesa de trabalho.
- Por que não? É hábito em minha família e seria de se esperar...
- Você devia ter me dito isso antes. Pensei que íamos ter apenas um casamento civil. Casar-se na igreja faria com que parecesse tão real...
Lorenzo a olhava carrancudo.
- Nosso casamento será real. Tem que ser "real", como você coloca, para que eu cumpra os termos do testamento. Mas não devemos consumá-lo.
- Não, com certeza não - concordou Jodie veemente. - Estou começando a desejar nunca ter me envolvido nisso.
- Tarde demais. Além do mais, vai ser bem remunerada.
- Como já disse, não quero seu dinheiro. Tudo que quero de você é que compareça ao casamento de John e Louise.
- Não poderia incluir essa cláusula no contrato de casamento. Do jeito que está, já pode dar margem a comentários e especulações sobre nosso relacionamento.
Entretanto, você conta com Alfredo. Obviamente ele ficou com medo de ferir seus sentimentos ao mencionar os aspectos financeiros do casamento.
- Você nunca poderia ferir meus sentimentos. Você não é importante o suficiente para mim, e eu pretendo me assegurar que nenhum homem o será daqui para a
frente.
- Você pretende morrer virgem?
Ele estava debochando dela, sabia.
- E se pretender? Há coisas mais importantes na vida do que sexo!
- Como pode saber? Segundo você mesma admitiu, nunca experimentou...
Jodie já tinha agüentado o suficiente.
- Uma mulher não precisa de penetração para experimentar prazer sexual. Nem de um homem - disse com toda franqueza.
- E essa a única forma com a qual se permitirá sentir prazer? Ou sozinha ou através de algum aparelho eletrônico que não pode...
- Não! Não estava falando a meu respeito. Só quis dizer... Não vou ouvir mais nada. - Jodie ficou ruborizada e tapou as orelhas com as mãos.
- Só estou chamando a atenção para o fato de você estar rejeitando algo sem tê-lo experimentado.
- E você? Não está rejeitando o casamento? Pelo menos um casamento a sério... E nunca foi casado, foi?
- Eu não me casei, mas já testemunhei o casamento de outros e vi como é destrutivo; como é usado para esconder mesquinharia e egoísmo e como as crianças têm
que lidar com o fracasso dos pais.
- Isso não é verdadeiro em todos os casamentos. Alguns não funcionam, é verdade, mas existem casamentos felizes. Meu primo e a mulher se amam profundamente,
e meus pais foram felizes...
- É mesmo? Então como esse maravilhoso gene, capaz de permitir que eles alcançassem esse raro estado de bênção, não foi transmitido a você?
- Tudo reside na habilidade de escolher o parceiro certo. Percebi que não tenho essa habilidade e por isso não pretendo me apaixonar novamente. Mas isso não
significa que não acredite no casamento ou que algumas pessoas - outras pessoas - tenham a capacidade de escolher o parceiro certo e assumir compromissos.
- Só um tolo acredita que o amor sexual pode ser eterno - disse Lorenzo desafiante, como se esperasse que ela discordasse. Mas Jodie estava determinada a
não se envolver em outras discussões relacionadas a sexo. Toda vez que o fazia, uma sensação estranha vinha à tona e pulsava de uma forma íntima que a impedia de
se concentrar no que dizia.
- Ah, por falar nisso - continuou Lorenzo - não pense que me convenceu com aquele ardiloso comentário sobre não querer um milhão de libras. O que tem em mente?
Acha que se recusar agora vai estar, quando nos divorciarmos, numa situação privilegiada para pedir mais? Se for esse o caso, deixe-me avisá-la...
Jodie já ouvira o suficiente.
- Não, deixe que eu avise você que a única razão para me casar com você é poder mostrar a John que ele não é o único homem no mundo. Assim poderei voltar
de cabeça erguida para casa, em vez de voltar como a coitadinha. E meu orgulho que me motiva, não o dinheiro. Não quero seu dinheiro! E muito menos sua... sua habilidade
sexual...
- Perfeito, porque não vou oferecê-la - disse Lorenzo. - Fico surpreso que nesses tempos modernos persista o mito de que homens adultos, sexualmente maduros,
alimentem um desejo secreto pelo corpo intocado das virgens. Eu, pessoalmente, não posso pensar em nada menos excitante. Talvez por isso seu ex-noivo tenha trocado
você por outra. Já pensou nisso?
Se tinha pensado nisso? Durante semanas tinha passado noites e dias infindáveis sem pensar em outra coisa. Noites em que se deitava se perguntando como poderia
se transformar de virgem em mulher experiente que poderia seduzi-lo e tirá-lo de Louise, como Louise havia feito. Mas isso tinha sido durante o inferno da rejeição
e esses fogos, com sua compulsão perigosa e destrutiva de provar-se a si mesma como mulher, tinham esfriado. E certamente não iam ser reacendidos por um homem como
Lorenzo - um homem que se comportava como se soubesse tudo a respeito da sensualidade das mulheres e da habilidade em excitá-la e aproveitar-se disso.
A pulsação do corpo tornou-se intensa. Não apenas uma pulsação; o desejo se instalara.
CAPÍTULO SETE
- Há outra coisa que quero dizer.
Caterina parou na frente de Jodie, bloqueando-lhe a saída do bonito jardim que explorava.
- Alfredo esteve aqui mais cedo. Por quê?
- Você devia perguntar isso a Lorenzo e não a mim. - Jodie tentou afastar-se.
- Ele não quer se casar com você. É a mim que deseja. Sempre me desejou e sempre desejará. Fui sua primeira mulher e serei a última. Mas, preferi me casar
com o primo dele e Lorenzo quer me punir e demonstrar que não se importa comigo. Mas é mentira. Ainda me deseja e posso provar isso quando bem entender.
Jodie queria rejeitar a informação sendo empurrada para ela, assim como as imagens chocantes que já se formavam em sua cabeça. A última coisa que queria era
imaginar Lorenzo fazendo amor com Caterina.
- Não sei o que lhe disse, mas o único motivo de estar se casando com você é porque sua teimosia e orgulho o fazem acreditar que tem que resistir aos próprios
sentimentos em relação a mim para provar como é forte. A verdade é que Lorenzo tem medo do que sente por mim - declarou, acrescentando sarcástica: - Quando ele vai
para a cama com você, é em mim que pensa, é a mim que imagina estar abraçando e é a mim que secretamente deseja estar abraçando. - Deu-lhe um olhar de desprezo -
o mesmo tipo de olhar que Louise tinha dado. O coração pareceu perder o compasso e sentiu, como se fosse um eco, a dor e rejeição que se lembrava ter sentido e que
lhe roubavam a autoconfiança duramente conquistada.
- Você e Lorenzo podem ter sido amantes - começou corajosamente.
- Podem? Não há "podem" nessa história. Nós fomos - interrompeu-a. - Ele me adorava, me idolatrava. Não conseguia resistir a mim.
Sentiu um nó no estômago. Em sua cabeça podia ouvir Louise dizendo triunfante:
- John não consegue resistir a mim.
- Tivemos uma discussão... um mal-entendido. Lorenzo era jovem e temperamental. Não podia deixar que ele me tratasse daquele jeito então, para lhe dar uma
lição, abandonei-o.
Jodie podia imaginar como Lorenzo devia ter reagido àquele tratamento, orgulhoso como era. Mas, com certeza, o amor verdadeiro era mais forte que o orgulho.
- Ele só vai se casar com você porque não sente nada por você. Lorenzo tem medo do que sente por mim e isso faz com que lute contra seu sentimento. Mas não
vai lutar contra ele para sempre. Não pode. O desejo que sente por mim é forte demais.
- Isso é ridículo - forçou-se a protestar. - Afinal, nada o impede de se casar com você.
- A mãe dele é responsável por essa ridícula recusa em se casar comigo - insistiu Caterina zangada. - Por causa dela, ele teme declarar em público seu amor
por mim. Por causa dela, ele tenta negá-lo, rejeitá-lo. Mas ainda posso fazê-lo me desejar.
- A mãe dele não está morta?
- Lorenzo nunca perdoou a mãe por trair o pai dele e deixá-los quando partiu com o amante. - Caterina deu de ombros com desdém. - Muito barulho por nada.
Ele tinha sete anos e um pai rico o suficiente para poder providenciar todo o cuidado que precisava. Mas não, isso não era o bastante. Ele queria que a mãe voltasse...
chegou a implorar. Gino me contou. Ele a adorava. Os dois fizeram isso: Lorenzo e o pai. Ela não podia cometer erros. Era uma santa para eles. Disse a Lorenzo, muitas
vezes, que é loucura continuar a pensar no que aconteceu quando era criança. As mulheres abandonam os maridos e filhos a toda hora e Lorenzo vai deixar sua cama
pela minha, se você for tola o suficiente para se casar com ele - avisou-a. - Vou me empenhar. E prometo que quando o fizer, ele não será capaz de resistir.
Assim como John não tinha sido capaz de resistir a Louise. O que havia em mulheres como Louise e Caterina que tornava os homens tão vulneráveis e tão cegos
a ponto de não perceberem como eram egoístas?
Para uma mulher que dizia amar Lorenzo, não demonstrava muita simpatia por ele. Para um menino de sete anos, perder a mãe que amava tão intensamente quanto
Caterina contara, Lorenzo devia ter sofrido efeitos psicológicos profundos. E se tivesse realmente amado Caterina, o casamento dela com o primo devia ter intensificado
sua crença de que as mulheres não mereciam confiança e que eram amorais, superficiais e egoístas.
O que estou fazendo? se perguntou Jodie. Não podia estar sentindo simpatia por Lorenzo.
Enquanto via Caterina se afastar, agradeceu por não estar se casando com Lorenzo por amor.
Jodie virou-se para admirar os muros do Castillo. Estava sozinha no jardim. Aparentemente, Caterina se cansara de dar conselhos sinistros. Não faria um casamento
indesejado para possuir tal lugar, pensou, mas ela não era Lorenzo. Ser dono do lugar devia representar uma questão de orgulho de família.
Ficou tensa ao ouvir passos, reconhecendo-os imediatamente como de Lorenzo. Uma potente mescla de perigo, excitação e desafio bombeava-lhe, de forma intoxicante,
o corpo inteiro através das explosões aceleradas das batidas do coração. Era reconfortante comparar o que sentia agora com as emoções e sentimentos que sentira ao
encontrar John pela primeira vez. As duas reações nada tinham em comum; portanto, o que sentia agora não era sinal de que se sentia atraída por Lorenzo.
- Vi Caterina falando com você há pouco. Me conte o que ela disse.
Era típico dele, é claro, que não apenas fizesse tal pedido, mas esperasse ser atendido - como se tivesse o direito de interrogá-la.
Jodie foi clara:
- Me disse que vocês eram amantes.
- E o que mais? - perguntou. Sacudiu os ombros:
- Que você faria qualquer coisa para ter a posse do Castillo - mas isso eu já sabia. E que sua mãe abandonou seu pai e você, quando pequenino - o que é claro
eu não sabia.
Agora ela obteve a reação que não havia obtido antes. Imediatamente a expressão de Lorenzo ficou dura.
- Minha infância pertence ao passado e não tem nenhum influência no presente ou no futuro.
Estava enganado, Era óbvio, pela reação dele, que a infância deixara feridas dolorosas abertas.
- Como está sua perna? Percebi que você a esfregava mais cedo, quando Alfredo estava aqui.
O que havia motivado o comentário? Preocupação em relação a ela? Ou uma tentativa deliberada de mudar de assunto? Jodie achava que sabia qual a resposta mais
provável, mas isso não foi o suficiente para impedi-la de responder.
- E um... hábito. Não, quer dizer... Minha perna está bem. - Estava se comportando como se ele lhe tivesse feito algum elogio inesperado, percebeu zangada.
A rejeição de John devia ter afetado sua auto-estima, mas certamente não a tinha reduzido a um estado patético no qual se sentia grata a um homem por perguntar por
sua saúde! Mas o comentário de Lorenzo a fizera lembrar-se de algo que precisava fazer.
E agora é o momento certo, pensou, uma vez que o dia morria, o que significava que Lorenzo não poderia ver-lhe o rosto enrubescer.
- Eu... eu lhe devo um pedido de desculpas - disse abruptamente. - Estava enganada ao sugerir que você não sabia nada sobre os horrores da guerra.
- Está se desculpando por um erro de julgamento?
Jodie olhou-o, naquele final da tarde tingido de azul-escuro, e descobriu que a curva da boca revelava a mesma descrença cínica que percebia-lhe na voz.
- Estou. Mas se tivesse me contado sobre sua ajuda humanitária, eu não precisaria fazê-lo, certo?
- Ah, foi o que pensei. Nunca conheci uma mulher que admitisse um erro.
- Esse é o exagero mais ridículo que ouvi! - objetou imediatamente. - É o mesmo que dizer que...
- Que você nunca mais vai confiar nos homens porque um homem a decepcionou... - sugeriu Lorenzo.
- Não! Essa é uma decisão pessoal. Não quer dizer... e eu nunca disse... que não se pode confiar nos homens. Talvez devesse analisar mais detalhadamente o
motivo de pensar desse jeito, no lugar de fazer acusações infundadas contra o meu sexo!
- Isso foi um pedido de desculpas? - perguntou Lorenzo zombeteiro.
Ela se sentiu tentada a dizer que mudara de idéia e que ele devia procurar outra para ajudá-lo a garantir seu castelo destruído. Mas a determinação de exibir
um marido para substituir aquele que perdera, de forma tão humilhante, não a deixava tomar essa atitude. Suportaria qualquer coisa para poder gozar da doce satisfação
de ver a expressão de John e de Louíse quando apresentasse "o marido".
Não queria revanche ou dinheiro - essas aspirações negativas eram vazias e nada valiam - mas queria, de todo coração, experimentar a experiência de ver a
cara de todos quando chegasse no casamento com Lorenzo.
Com um marido bonito, multimilionário e com um título de nobreza, ninguém ia sentir pena dela ou olhar para sua perna quando achassem que ela não estava prestando
atenção, ou cochichar sobre ela, explicando quem ela era e o que tinha acontecido. Sim, era superficial. Sim, era tolo. Sim, uma parte dela se envergonhava. Mas,
mesmo assim, ia seguir adiante. E se acontecesse de ela chamar mais atenção que a noiva? Fantástico!
Um leve arrepio ao constatar a própria força crescente passou-lhe pela pele. Há dois meses, se sentia tão por baixo que não podia nem supor esse tipo de sentimento.
Quem sabia o que ela conseguiria depois do casamento ter terminado? Podia começar uma vida inteiramente nova, fazendo o que queria, sem ter que se preocupar em agradar
mais homem nenhum.
- O que você espera? Que ele se vire no altar, veja você e deixe a outra? - perguntou Lorenzo rudemente.
- Como sabia que eu estava pensando em John?
- Há um certo brilho em seus olhos quando pensa nele.
- Bem, você está enganado - mentiu. - Não estava pensando nele. Pensava sobre o que vou fazer no futuro. Depois do acidente, não estava em condições de ir
para a universidade ou receber um treinamento para fazer algo, mas agora nada me impede de fazê-lo.
- Admirável! - disse Lorenzo, deixando claro que apreciava a declaração. - Agora, se não entrarmos logo, Maria vai sair para avisar que está na hora do jantar.
Espero que goste de massa, porque é tudo que vai conseguir. Ela só faz comida caseira, mas pelo menos pode adicionar alguma carne em seus ossos.
Talvez fosse magrinha demais - a dor emocional tem esse efeito sobre as pessoas - mas não havia necessidade de dizer isso, pensou Jodie enquanto se virava.
- Tome cuidado. Tem um degrau...
Mas era tarde demais e soltou um grito ao dar um passo em falso e tropeçar.
Mãos poderosas a agarraram pela cintura e, como fizera antes, Lorenzo a pegou antes que tivesse atingido o chão, colocando-a de pé.
Quando foi que seus instintos registraram a sutil mudança na forma como essas mãos a seguravam? O movimento que segurou-lhe o corpo e virou-o de forma impessoal
aos dedos na cintura quando a segurou na busca pela feminilidade dessa curva? Ele a puxara realmente para perto? Ou tinha sido ela que se movera para perto?
Nas sombras, era impossível ver o rosto dele ou avaliar qual das duas possibilidades promovera essa intimidade corpo-a-corpo, e ela esperou que fosse igualmente
impossível para ele ler a expressão de seu rosto.
Ele beijou-a apaixonadamente. Depois, sem uma palavra de desculpa ou explicação, soltou-a.
Ela corria mais perigo de tropeçar do que antes, percebeu, pois as pernas tremiam.
Jodie estava quase pegando no sono quando escutou o som da porta do quarto de Lorenzo abrir-se. Prendendo a respiração, concentrou-se, mas os passos firmes
se afastaram, passando pelo seu quarto sem hesitação.
Sentou-se e olhou o relógio. Já passava da meia-noite. Aonde estava indo? Encontrar-se com Caterina? E se fosse, não era de sua conta. E não havia motivo
para ficar ali deitada sem pregar os olhos, checando o relógio a cada minuto, as orelhas sintonizadas no som dos passos, como uma amante enciumada.
CAPÍTULO OITO
Florença! Como Lorenzo de Medici tinha amado essa cidade e demonstrado esse amor contratando os artistas mais talentosos da Renascença para embelezá-la e
aumentar tanto sua glória quanto a da cidade!
Jodie só conseguiu respirar normalmente ao sentar-se ao lado de Lorenzo na Ferrari, enquanto ele atravessava o trânsito frenético da cidade, absorvendo ao
máximo as maravilhas a seu redor. Lorenzo saiu da estrada principal engarrafada, ladeada pelo rio Arno, e dirigiu a Ferrari por uma rua de construções elegantes
do século XVII.
- Meu apartamento fica no próximo quarteirão - informou casualmente, enquanto virava num beco e descia num estacionamento subterrâneo.
Os olhos de Jodie, acostumados à rua ensolarada, se ajustaram à penumbra do estacionamento. Ele já tinha dito que morava em Florença, mas não tinha dissera
ainda onde morariam depois do casamento. Se pudesse escolher, preferiria Florença, pensou ao deixarem o carro.
Lorenzo a guiou em direção a uma porta, subiram um lance de escadas que os levou até um impressionante hall de entrada, no qual um igualmente impressionante
brasão dominava a parede acima da porta principal. O mesmo brasão que vira na lareira do grande hall do Castillo.
- Venha... o elevador é por aqui. Meu apartamento fica nos dois últimos andares. Escolhi esses apartamentos, quando remodelei o Palazzo, por causa da vista
- embora minha avó costumasse se queixar pois queria que eu tivesse escolhido um apartamento no térreo. Não gostava de lugares fechados ou elevadores.
- O Palazzo? Quer dizer que o prédio todo...?
- Era originalmente a casa de minha família? Isso mesmo. O Palazzo foi construído pelo décimo duque, que tinha muitos negócios em Florença. Enquanto meu pai
viveu, foi deixado de lado - assim como o Castillo. Quando o herdei tive que encarar duas escolhas: ou vendê-lo ou reformá-lo e descobrir uma forma fazê-lo se pagar.
Convertê-lo num prédio de apartamentos me pareceu a opção mais sensata. Desse forma, podia manter o controle sobre as obras.
- Então é aqui que vamos morar? - perguntou, ao sair do elevador e segui-lo por um hall elegante de mármore em direção a um par de portas de madeira.
- Algumas vezes vamos morar em Florença sim, e é por isso... - Interrompeu o que estava prestes a dizer para destrancar as portas.
Outro hall: um espaço vasto, retangular e pé direito alto. O teto era convexo no centro, pintado com cenas alegóricas da mitologia, enquanto as paredes eram
cobertas de quadros.
- Minha família foi, no passado, mecenas das artes. O décimo primeiro duque adorava entreter os visitantes ingleses que vinham a Florença nos séculos XVII
e XVIII. Promovia festas no Palazzo e os salões da amante eram famosos.
- Os salões da amante?
- O duque era uma espécie de rebelde. Enquanto permanecia em Florença onde morava com a amante, a esposa e os filhos eram banidos para uma vila fora da cidade.
Era um grande patrono da beleza em todas suas formas. Causou escândalo ao ter a amante retratada numa série de quadros, cada um numa diferente posição sexual pronta
para recebê-lo. Corria o rumor de que, na verdade, para que o artista pudesse retratar fielmente os ângulos corretos do corpo, os esboços originais foram feitos
enquanto ela e o duque faziam amor. Mas a figura do duque foi removida pela artista na pintura final, para que seu patrono pudesse visualizar o corpo da amante como
se ela estivesse à sua espera.
- Ah! A artista era uma mulher.
Lorenzo deu de ombros.
- Meu ancestral deve ter receado que para um artista homem um trabalho tão erótico estivesse além de seu controle. E corre o rumor que Cosimo persuadia a
artista a abandonar o trabalho e unir-se a eles na busca do prazer sexual.
Jodie não pôde se conter e olhou as paredes. Lorenzo comentou:
- Não vai encontrá-las aqui; desapareceram há muito tempo - roubadas, dizem, por ordem de Napoleão. Ele ouvira falar delas e as queria. Se ainda existem,
devem pertencer a algum colecionador particular. - Lorenzo voltou a dar de ombros. - O valor não estava na mão da artista que as pintou, mas em sua notoriedade.
Olhou o relógio.
- Quase 4h da tarde. Pedi que marcassem hora para você em um ateliê na Via Tornabuoni. A gerente compreende a situação e vai ajudá-la a escolher um guarda-roupa
adequado - incluindo um vestido de noiva. Não é muito longe daqui e...
- Não! - Jodie viu o olhar altivo de Lorenzo. Obviamente não gostava de ter seus planos contestados. Azar. Não ia ser tratada feito uma boneca avoada que
podia ser vestida por ele, com roupas caras, para satisfazer-lhe o modelo ideal de esposa.
- Concordo que preciso comprar algo adequado para o casamento, mas sou perfeitamente capaz de fazer minhas próprias escolhas e pagar com meu dinheiro. Pense
na quantidade de artefatos médicos que pode doar às crianças necessitadas em vez de gastar dinheiro com roupas para mim.
- Seu ponto de vista é válido - concordou. - Mas a sociedade italiana, como qualquer outra, tem suas regras e obrigações. Se a minha esposa não se vestir
como as outras, vão fazer comentários que podem levantar suspeitas quanto à validade de nosso casamento. Isso, por sua vez, poderia levar à contestação legal dos
termos do testamento. Na verdade, não duvido que Caterina vá tentar tudo que estiver a seu alcance para isso. E, uma vez que a finalidade desse casamento é atender
aos referidos termos, é necessário que ambos atendamos às expectativas da sociedade. Se você se sentir melhor, posso doar uma quantia igual à que você gastar com
roupas.
- Isso é suborno - respondeu, mas Lorenzo se afastou, deixando-a sem escolha a não ser segui-lo.
Para sua surpresa, a galeria terminava numa secunda, também retangular e ainda mais comprida, contendo quadros e esculturas mais modernos.
- Como meus ancestrais, substituo minha falta de habilidade artística apoiando aqueles que a possuem. - Lorenzo explicou. Mas Jodie não o escutava direito.
Toda atenção estava voltada pra uma grande parede no meio da galeria onde se viam desenhos pouco elaborados, que pareciam feitos por crianças.
- Ah, meus mais valiosos artistas.
Jodie olhou-o insegura.
- Parecem desenhos de crianças.
- E é isso o que são. Esses desenhos foram feitos por crianças, vítimas de guerras, que perderam algumas vezes, não sempre, a mão principal. Foram feitos
depois que receberam mãos mecânicas.
Lágrimas brotaram dos olhos de Jodie. Piscando, disse:
- Não me admira que os valorize tanto.
Ele virou-se.
- Vou apresentá-la a Assunta, minha governanta. Ela vai lhe mostrar o resto da casa enquanto faço umas ligações.
Em outras palavras, estava entediado com sua companhia e queria livrar-se dela, pensou dez minutos depois, ao ser entregue aos cuidados de uma mulher de meia-idade
de olhos espertos que a submeteu a uma análise detida e depois inclinou a cabeça. Num inglês excelente, disse calma:
- Queira me acompanhar, por favor...
Meia hora depois Jodie visitara todos os aposentos do apartamento, que ocupava não apenas um, mas dois andares do Palazzo e incluía um jardim na cobertura.
Estava claro que Lorenzo preferia o design moderno ao antigo, mas tinha que admitir que as linhas da mobília complementavam os espaçosos aposentos com pé-direito
alto.
Seu quarto, localizado em frente ao de Lorenzo, tinha sala de vestir e banheiro. Para alívio de Jodie, Assunta descontraiu-se e explicou ter trabalhado em
Londres, num restaurante do primo do pai, e por isso aprendera inglês. Agora viúva, valorizava sua independência e acrescentou que até o momento estava satisfeita
em trabalhar para Lorenzo.
- Não vou interferir na maneira como você cuida da casa - assegurou-lhe, pegando a deixa. Não ia mesmo! Duvidava que Lorenzo fosse agradecer-lhe por ser a
causa do pedido de demissão da governanta.
- Minha prima Theresa é a governanta da vila, perto de Sienna. É um ótimo lugar para se criar bambini, com bastante espaço e ar fresco.
Outra dica? pensou, enquanto tomava banho, lembrando-se da conversa. Bem, certamente não iria dar bambini a Lorenzo. O chuveiro continuou a molhar-lhe a pele
com a ducha forte enquanto ficava parava e imagens de crianças pequenas de cabelos escuros apareciam.
Ouviu uma batida na porta do banheiro e Lorenzo chamando:
- Está na hora de sairmos.
- Estou quase pronta - mentiu. Acreditando no que ela dissera, ele entrou no banheiro.
Era possível ser pega numa situação tão desvantajosa, nua e pingando? pensou, as bochechas coradas, enquanto Lorenzo cruzava os braços e se apoiava na porta
fechada.
- Isso é quase pronta?
- Não vou demorar a me enxugar e me vestir... - E levaria menos tempo ainda se ele não ficasse parado entre ela e a toalha felpuda no toalheiro do outro lado
do banheiro. Por que não ia embora? Esperava que ela passasse por ele nua enquanto ele a submetia a uma análise detalhada, como fazia agora, estudando abertamente
suas pernas? Não era seu hábito, mas virou-se de lado, tentando esconder a perna lesada, esquecendo-se dos seios e do triângulo de pêlos que lhe cobriam o sexo.
- Quer dar uma olhada na minha perna? Sei que as cicatrizes não são bonitas, mas não se preocupe - posso cobri-las.
Lorenzo levou um tempo movendo o olhar das pernas para o rosto, o coração quase explodindo.
- Talvez devesse mandar pintá-la assim. Uma ninfa das águas, com pernas compridas o suficiente para fazer um homem imaginar como se sentiria ao tê-las enroscadas
nele. Ou talvez deitada numa cama coberta de seda, com as pernas abertas, implorando pelo toque dos lábios do amante contra a carne macia. Essas são posições sexuais
que exigem... Não! Não olhe para mim com esse olhar faminto de virgem nos olhos - disse sério. - Ou então vou ficar tentado a satisfazer essa fome.
- Foi você quem entrou aqui. Não o convidei.
- Mentirosa. Você me convida toda vez que me lança esses olhares virginais que traduzem a curiosidade sobre como será deitar-se com um homem.
- Não é verdade - disse inflamada. - Se quisesse ter sexo com um homem, o que não quero, você seria o último homem que escolheria.
Percebeu imediatamente que fora longe demais. Lorenzo era um macho tão arrogante que não havia chance de deixar que ela escapasse, depois desse desafio à
sua masculinidade. Tarde demais. Ele caminhava em sua direção, ignorando tanto seu grito de protesto quanto o efeito que o corpo molhado causava nas roupas dele,
ao arrancá-la do chuveiro e pegá-la no colo.
- Me coloque no chão - pediu, mas Lorenzo não a escutou. Carregou-a em direção à cama, deitando-a na coberta de seda verde-claro e a manteve lá.
Ajoelhou-se e perguntou suave:
- Então, o que mais quer saber? Como é sentir a carícia de um homem aqui? - Ainda segurando-lhe o ombro com a mão esquerda, escorregou os dedos da mão direita
por toda a extensão do corpo até o joelho e depois lentamente acariciou a parte interna das coxas.
Indefesa, fechou os olhos quando a carne absorveu o toque e reagiu com uma série de arrepios sensuais que ricocheteavam sem parar.
- Ah, então você gosta? E disso? - Os lábios cariciavam o ponto sensível atrás da orelha, transformando o desejo numa pulsação faminta.
Jodie gemeu em protesto. Não tinha o direito de lazer isso com ela.
Mas Lorenzo tinha obviamente interpretado mal seu gemido, porque murmurou:
- Mais curiosidade? Muito bem, então vai ter a resposta. - A mão acariciou-lhe o corpo indo até o seio, segurando-o e depois esfregando o dedo no mamilo inchado
até que tudo que ela pôde visualizar, em pensamento, foi a língua movendo-se em círculos no mamilo e lambendo-o ritmadamente.
O desejo nunca representara problema para ela: não satisfazê-lo era o problema. Sempre imaginou que se sentiria assim, mas a imaginação não chegava perto
da realidade, percebeu quando segurou os cabelos escuros e fartos de Lorenzo e empurrou-lhe a cabeça em direção ao mamilo. Na luz da tarde que enchia o quarto através
das frestas da persiana, podia ver a ereção de Lorenzo e sentiu um doce triunfo diante da excitação dele.
- Ainda curiosa? - A língua de Lorenzo lambeu o mamilo sensível. O corpo arqueou-se na direção dele pedindo mais. A palma mão dele foi parar entre suas pernas,
cobrindo-lhe o sexo. Instintivamente, prendeu a respiração, desejando que ele separasse os lábios fechados de seu sexo e encontrasse o calor úmido que esperava ansiosamente
por ele. Realidade, razão, responsabilidade foram esquecidas. Estava possuída por uma febre súbita que comandava todo seu sistema. Os dedos experientes atenderam
o pedido silencioso, separando as partes macias e a acariciando lenta e demoradamente, fazendo-a gritar enquanto o corpo sacudia-se em resposta.
- Agora você vê aonde sua curiosidade a levou - ouviu Lorenzo dizer. Mas não parou de lhe dar prazer. Pelo contrário, o toque se tornou mais forte, mais profundo
até que a excitação transformou-se numa convulsão violenta e explodiu num intenso orgasmo.
Permaneceu deitada, recusando-se a olhar Lorenzo. Sentia-se envergonhada e próxima às lágrimas. Não porque tinha tido um orgasmo - afinal não era a primeira
vez... Mas daquele jeito? Com aquele homem?
- Você não devia ter feito isso - finalmente conseguiu dizer.
- Não - concordou Lorenzo. - Não devia.
Jodie fechou os olhos. Ele se levantou.
- Vou ligar para a loja e avisar que chegaremos atrasados.
Por que tinha deixado isso acontecer? Por que não o impediu? A letargia pós-orgasmo a dominava, enquanto tomava outro banho e se vestia o mais rápido possível,
prometendo a si mesma que isso jamais voltaria a acontecer. Lorenzo era um homem - e italiano - provavelmente machista. E é claro que reagira assim para deixar claro
quem mandava. Fora isso, não fazia idéia do motivo de ele ter agido assim.
Lorenzo estava no estúdio. Olhava pela janela. Não era o tipo de homem que se permite ser levado pelas necessidades do corpo, então por que sucumbira agora?
Ela era apenas uma mulher, só isso e nem era uma mulher sexualmente disponível.
Não era sexualmente disponível, mas correspondia sexualmente... Lorenzo fechou os olhos e imediatamente reviu Jodie deitada nua na cama, entregando-se ao
prazer... um prazer que ele lhe proporcionara. Imediatamente, ainda insatisfeito, sentiu a ereção. Não a podia desejar tanto assim. Querer a virgem que havia escolhido
como esposa, por motivos puramente práticos, era uma complicação que não precisava no momento.
Como tinha conseguido encontrar uma virgem, sexualmente curiosa e faminta, que o olhava convidativamente como Eva? Mas não tinha tempo para procurar outra
substituta. No momento Caterina ainda estava chocada o suficiente para que ele ganhasse vantagem na guerra entre eles mas, uma vez recuperada do choque, voltaria
às artimanhas e complôs sutis nos quais era mestra. Além disso, a essa altura toda Florença já conhecia a identidade da sua futura esposa.
O que se veste para comprar roupas numa loja chique? pensou. Provavelmente não o que ela estava vestindo - o único jeans limpo e uma camiseta - mas não tinha
jeito, só trouxera o essencial para a Itália.
Finalmente conseguiu encontrar o caminho para o salão principal. Assim que entrou, ele a avisou:
- O que aconteceu hoje não deve se repetir.
Ele a olhava, falava com ela - quase lhe dava uma lição de moral! - como se ela fosse culpada, reconheceu indignada ao entrarem no elevador.
- Você tem toda razão. Mas não fui eu quem provoquei.
- Talvez não. Mas não me fez parar, fez? - O elevador chegou ao térreo.
- Por que os homens sempre culpam as mulheres quando eles é que... - Começou exaltada até ser interrompida por Lorenzo.
- Foi Eva quem ofereceu a maçã a Adão - lembrou-a, enquanto abria a porta do elevador para ela.
- A eterna desculpa dos homens. A mulher me tentou...
- Então você admite? - retorquiu, enquanto a guiava até a saída do prédio.
- Não admito nada - respondeu zangada, piscando por causa da luz forte.
- Vai levar menos tempo se formos a pé até a Via Tornabuoni. - Pegou-lhe o braço e assinalou o caminho que deviam seguir, ignorando-lhe a fúria. - Por aqui.
Vamos cortar por esse beco que vai dar numa praça.
Jodie esqueceu o aborrecimento e ficou sem respiração diante da beleza do lugar. Queria olhar tudo à sua volta, mas Lorenzo a apressava para a praça. Passaram
por uma rua estreita, onde uma igreja antiga espremida entre os prédios, convidava os passantes com suas portas abertas.
A Via Tornabuoni era uma avenida larga cheia de prédios imponentes e lojas ainda mais imponentes - tanto que Jodie se surpreendeu recuando ao chegar à loja.
Um porteiro uniformizado abriu a porta. Uma jovem bem-cuidada, magra e penteada imaculadamente, parecendo mais um modelo do que uma vendedora surgiu, a atenção focada
mais em Lorenzo do que em Jodie. É claro que não podia entender o que ele dizia, mas não havia como não compreender o impacto causado. Foram conduzidos ao fundo
da loja numa área privada onde a Srta. Bem-cuidada desapareceu, sendo substituída por uma mulher ligeiramente mais velha e ainda mais deslumbrante, que se apresentou
como a direttrice da loja.
- Recebi seu recado e o passei ao maestro - informou em inglês. - O estilista selecionou vários vestidos e os enviou de Milão. - Deixava claro que deviam
se sentir honrados, refletiu, mas tinha que admitir que era igualmente óbvio que a direttrice estava bastante impressionada com Lorenzo.
Olhou Jodie e suspirou:
- Bene, sua noiva não é alta, mas tem as medidas certas para nossas roupas. Se puder me acompanhar...
- Tenho vários compromissos - desculpou-se Lorenzo. - Mas sei que posso deixar minha noiva em suas mãos. Venho buscá-la em duas horas.
A direttrice ficou desapontada, mas resignou-se. Jodie, ao vê-lo sair disse a si mesma que era ridículo se sentir abandonada.
Foi levada a uma sala particular, onde instalou-se numa cadeira dourada enquanto era apresentada a uma seleção de vestidos de noiva que, segundo explicou
a direttrice, faziam parte da última coleção.
Jodie não era uma viciada em moda, mas eles eram muito especiais. Foi forçada a admitir que corria o perigo de perder a cabeça. Mas, só podia levar um e ela
selecionou um vestido que, na verdade, era um corpete ajustado com uma saia elegantemente franzida que vestiu muito bem.
A direttrice aprovou:
- Sim, esse é o vestido que escolheria para você. É bem simples, mas muito elegante; na verdade, um vestido de casamento para uma princesa. Calculamos seu
número a partir da descrição do Duque. Tantas vezes um homem nos diz uma coisa e descobrimos...
- Deu de ombros, resignada. - Mas felizmente o Duque estava certo.
Meia hora depois, olhou-se no espelho. Uma jovem, quase uma estranha, a olhava. Jodie piscou e sentiu os olhos encherem-se de lágrimas emocionadas. Se seus
pais a pudessem ver vestida assim. O vestido a fazia parecer mais alta, e realçava a cintura fina. Um casaquinho de renda com mangas 3/4 escondiam-lhe a pele. A
cauda era tão comprida e pesada que ficou preocupada achando que não ia conseguir sustentá-la.
- Está perfeito - a direttrice balançou a cabeça.
- O maestro vai ficar tão satisfeito... Quanto às outras coisas de que precisa...
Passou-se outra hora até que a direttrice finalmente se declarasse satisfeita. Jodie tinha um terno bem-modelado que podia ser usado à noite ou de dia, uma
seleção de blusas para combinar, dois pares de calças incrivelmente bem-cortadas, um casaco de verão com uma saia combinando, dois bonitos vestidos, sapatos, bolsas
e uma enorme quantidade de "itens-para-o-dia-a-dia" como a direttrice os chamou, da linha mais casual. A única maneira de suavizar a culpa diante de tamanho consumismo
seria insistir para que Lorenzo mantivesse a promessa de doar o equivalente ao custo das roupas novas.
Começava a se sentir cansada e ficou aliviada quando a porta abriu e Lorenzo entrou.
- Tem tudo de que precisa? - perguntou.
Jodie fez que sim.
Agradecendo a direttrice, que prometeu mandar entregar as peças que precisavam de pequenos consertos no apartamento, na tarde seguinte, Lorenzo conduziu-a
de volta à rua, agora escura.
- Está com fome?
- Muita - admitiu.
- Tem um restaurante aqui perto onde servem uma comida típica simples, mas excelente.
O restaurante estava localizado numa rua estreita, as mesas na calçada, poucas vazias.
- Se me permite, posso recomendar algo... - ofereceu Lorenzo quando estavam sentados e o garçom tinha trazido os cardápios.
- Por favor, mas nada muito pesado, senão não consigo dormir.
- Muito bem. Então, para começar, que tal opinzimonio, que são legumes frescos com azeite?
- Parece perfeito.
- Depois, se não for muito pesado para você, pode tentar a lasagne ai forno. É a especialidade de Florença e diferente de todas as outras lasanhas que; provou
- garantiu-lhe.
Sorrindo, Jodie sacudiu a cabeça.
- O que você vai pedir?
- De entrada, o affettati misti, uma seleção de carnes frias, e como prato principal o Calamari in zimino, lula - explicou e Jodie fez uma careta.
Famílias inteiras comiam juntas, notou, com um pingo de inveja. Sua família era David e Andrea e embora os dois se dessem bem, havia uma diferença de nove
anos entre eles. David já estava casado quando seus pais morreram e os pais dele tinham voltado para o Canadá, país de origem da tia.
- Providenciei para irmos ao banco amanhã de manhã - dizia Lorenzo. - E preciso assinar alguns documentos. Abri uma conta para você e o anel de noivado da
família está no cofre, junto com outras jóias. O anel precisará ser limpo e possivelmente ajustado - embora, como você, minha mãe tivesse dedos muito finos.
O primeiro prato chegou. Jodie descobriu que estava quase sem apetite.
- Algo errado? - perguntou Lorenzo.
- Não me agrada usar uma peça valiosa - disse com sinceridade. - Especialmente quando é uma relíquia de família. E se eu a perder?
- Sou o chefe da família e você vai ser minha mulher. A tradição é que use o anel de noivado da família - disse com firmeza.
- Não posso usar uma cópia? - insistiu.
Lorenzo franziu a testa.
- Se isso a incomoda tanto, vou pensar no assunto. Agora coma - ou Carlos vai achar que não gostou da comida e, para um florentino, isso seria um insulto.
Na manhã seguinte, Lorenzo permitiu que Jodie apreciasse com mais calma a cidade, enquanto caminhavam até o banco. Usava uma das roupas novas: um traje que
tinha apelidado de Roman Holiday, porque consistia numa calça Capri de linho estampado ferrugem e bege de cintura baixa, combinando com uma blusa lisa ferrugem.
Sandálias de tiras e uma bolsinha completavam o modelo.
Estava tão maravilhada que não percebia os olhares dos homens, mas Lorenzo percebia. As mulheres eram vulneráveis à admiração dos homens; isso lhes inflava
o ego, como já sabia. Mas não se importava com o quanto outros homens achassem Jodie desejável pois não sentia nada por ela, nem ia se permitir sentir nada agora.
- Por aqui.
A instrução curta de Lorenzo lembrou Jodie o quanto detestava a arrogância dele. Não sentia nada, a não ser pena, pela pobre mulher que eventualmente viesse
a ser sua esposa "de verdade".
Nos dias de hoje, Florença era famosa pelas obras de arte, mas houve um tempo em que sua fama repousava na reputação dos banqueiros - dos quais a família
Mediei fazia parte, lembrou-se Jodie quando entraram no banco frio e escuro, com aparência de catedral.
As formalidades da abertura de uma conta bancária para ela foram imediatamente resolvidas, permitindo que eles fossem conduzidos pela escadaria de mármore
a uma sala impressionante vigiada por dois guardas armados. Entregaram uma chave e os escoltaram a uma das várias saletas privadas, mobiliadas com uma mesa e várias
cadeiras. Tiveram que esperar que o gerente e um dos guardas armados voltassem com uma caixa trancada, que foi colocada na frente de Lorenzo. Ele pegou a chave e
colocou-a na fechadura. Só então foram deixados a sós.
Apenas o som do ar condicionado quebrava o silêncio. Jodie literalmente prendia a respiração.
Lorenzo levantou a tampa da caixa. Rapidamente Jodie afastou o olhar. Tinha sentimentos contraditórios sobre jóias antigas e valiosas. Para ela, sempre pareciam
possuir uma história sombria - não só por causa da forma como tinham sido extraídas, mas também pelos atos de crueldade e mesquinharia das pessoas para possuí-las.
Não era de admirar que dissessem que pedras de preços inestimáveis eram amaldiçoadas.
Lorenzo olhou dentro do cofre. A última vez que a abrira tinha sido logo depois do falecimento da mãe. Teve o impulso de bater a tampa, pegá-la pela mão e
sair para a luz e o calor do sol. Mas não podia agir assim. Era um Montesavro, o chefe da família e além do mais, que fantasma - se é que existiam - poderia ocultar-se
nesse pedaço de metal? Os dedos fecharam-se em torno da familiar caixa de veludo que lhe lembrava a infância.
- Aqui está - disse bruscamente, fechando o cofre e trancando-o antes de abrir a caixa do anel.
- Diz a lenda que quando uma mulher pura coloca o anel, a pedra brilha com uma claridade particular. Minha mãe sempre culpava a pedra de estar embaçada -
acrescentou cínico, enquanto Jodie olhava incrédula a imensa esmeralda retangular rodeada de diamantes cintilantes.
- Não posso usar isso - protestou. - Ia morrer de medo de perdê-lo. Não ia me sentir segura a não ser que tivesse sempre um guarda armado comigo. Deve valer...
- Sacudiu a cabeça e Lorenzo franziu o cenho, reconhecendo na voz dela, não excitação mas desgosto. Uma mulher que não ficava aborrecida por usar uma jóia cara?
Esse tipo de mulher estava tão distante das que conhecera que não podia imaginar que ela existisse.
- Vamos ver se serve em você, antes de discutirmos se vai ou não usá-lo - disse frio.
A mão de Jodie tremeu quando Lorenzo segurou-lhe o pulso e deslizou o anel pelo seu dedo. Só o peso a fazia se sentir desconfortável. Jodie tentou retirá-lo.
- Não, deixe!
O tom peremptório da voz de Lorenzo chocou-a a ponto de paralisá-la.
Lorenzo ficou apreensivo ao estudar o anel, levantando-lhe a mão para poder inspecioná-lo mais de perto.
- O que está errado?
- Olhe para ele e me diga o que vê.
Relutante, obedeceu.
- Não vejo nada - disse, confusa.
Nem ele, reconheceu Lorenzo. O anel estava totalmente livre do vago embaçado que deixava a mãe tão insatisfeita. Um golpe de sorte? A diferença de reações
químicas da pele de uma mulher para outra? Devia haver uma razão lógica para a limpidez da esmeralda quando usada por Jodie.
Indiferente às emoções conflituosas que Lorenzo tentava reprimir, Jodie tirou o anel e devolveu-o.
- Estou falando sério: não vou usá-lo.
- Vamos ver. Certamente terá que usá-lo no domingo, quando formos à igreja para a leitura dos proclamas - informou-a Lorenzo.
Ela conhecia alguém que ia morrer de inveja do seu anel de noivado, pensou meia hora depois, após terem deixado o banco. Esse alguém era Louise. Podia imaginar
a reação dela se comparecesse ao casamento deles usando esse anel! Automaticamente, para se animar, tentou visualizar seu momento de triunfo - mas, de alguma forma,
a enlevação desejada não estava lá. Mas esse era o único motivo de ter se metido nessa situação, permitindo que a intimidassem, manipulassem... e fizesse amor...
com Lorenzo. Ou não?
CAPÍTULO NOVE
Devia haver milhões de outras maneiras piores de passar os próximos doze meses do que explorar essa maravilhosa cidade, pensou Jodie feliz ao deixar, relutante,
o Palácio Mediei e dirigir-se à Piazza Signoria.
Tinha o dia só para ela já que Lorenzo anunciara mais cedo que tinha compromissos profissionais e só voltaria depois do almoço. Não que ela se importasse
- nem um pingo. Apenas a visão de tantos casais passeando de mãos dadas a lembravam da ausência daquela presença dominadora e autoritária. Como poderia ser diferente?
Estava determinada a não baixar a guarda emocional com nenhum homem e, mesmo que não fosse assim, seria uma idiota completa de se apaixonar por um homem como Lorenzo.
Não, era apenas o sol de verão e o efeito da cidade que lhe davam essa tristeza. É claro que se Lorenzo estivesse com ela, seria capaz de contar detalhes
da cidade melhor do que qualquer guia. Mas lembrou-se da tensão, mesmo quando discutiam os assuntos mais banais, que a deixava nervosa como se estivesse sempre com
a adrenalina a mil, o corpo esperando... O quê? Que a tocasse novamente? Seus pensamentos a conduziam por caminhos perigosos...
Tentou concentrar-se na praça, nas famosas esculturas, parando para checar o guia. Enquanto morasse ali, poderia tentar aprender italiano e tornar aquele
ano algo útil para adicionar ao CV. Assim, ocuparia a cabeça, em vez de sentir o corpo assaltado pela excitação. Claro que Lorenzo seria um ótimo amante, pensou.
Não precisava fazer amor com ele para saber!
A cidade estava cheia de turistas e quando chegou ao Uffizi, tendo decidido deixar para explorar o Palazzo Vecchio em outra ocasião, começou a sentir cansaço
e sede. Havia um bar na praça, perto do apartamento, e não demoraria para chegar lá.
A pequena praça estava tão cheia que achou que não conseguiria uma mesa. Finalmente, encontrou uma e sentou-se com um suspiro de alívio.
Meia hora depois, terminava a segunda xícara de café quando um italiano jovem e bonito aproximou-se da mesa.
- Scusi, signorina - desculpou-se sorrindo sedutor. - Posso me sentar em sua mesa? O bar está cheio e...
Ele era muito atraente e obviamente um especialista em reconhecer turistas solitárias, refletiu divertida ao retribuir o olhar.
Do outro lado da praça, Lorenzo olhava o velho quadro descortinar-se à sua frente. Jovens florentinos tradicionalmente passavam os meses de verão flertando
com turistas ingênuas. Isso era tão comum que era considerado um rito de passagem que começava com discretos flertes, nas ruas da cidade e terminava no quarto de
hotel e outro nome na lista. E é claro que Jodie, com seu corpo feminino tão ansioso por recuperar o tempo perdido na adolescência, mesmo que não reconhecesse isso,
sem dúvida cairia nas mãos desse jovem florentino como uma laranja madura.
Lorenzo já podia ver como correspondia ao seu admirador, afastando ligeiramente a cabeça para olhá-lo, sem dúvida sorrir... Quantas vezes tinha visto a mãe
dar aquele mesmo sorriso ao amante, quando, ainda pequeno, ela o usava para camuflar os primeiros encontros? Quando ele também tinha sorrido inocente para o homem
com o qual ela planejava trair seu pai. Bem, não ia lhe dar a oportunidade de seguir o exemplo da mãe dele, não importa o quão profissional seu casamento fosse.
Decidido, caminhou para o café.
- Pode ficar com a mesa - disse gentilmente. - Eu já estava saindo.
- Não... por que não fica e deixa que eu lhe convide para outra xícara de café? - sugeriu, inclinando-se e tocando-lhe o braço com a mão.
Imediatamente Jodie levantou-se e deu um passo atrás, sacudindo a cabeça enquanto educadamente recusava o convite.
- Não, obrigada. - Pôde perceber a surpresa nos olhos dele e teve que se controlar para não rir. Ele era muito bonito e, sem dúvida, costumava ser bem recebido
e não recusado.
Lorenzo estancou abruptamente ao ver a maneira como Jodie levantou-se da mesa e sacudiu a cabeça. A linguagem corporal deixava bem claro seus sentimentos
e ele pôde ver pela postura do jovem que tinha consciência, assim como Lorenzo, de ter sido dispensado.
Jodie levou a conta até o caixa e depois de pagá-la, começou a andar em direção ao apartamento de Lorenzo. Lorenzo ficou remoendo o pequeno incidente na cabeça,
franzindo a testa. Tentou visualizar sua mãe ou Caterina fazendo o que Jodie tinha acabado de fazer, na mesma situação, sabendo que nenhuma das duas teria se afastado
como ela fizera. Seria Jodie diferente? Seria ela aquela rara mulher que não era movida pelo ego e pela vaidade, que não precisava da constante atenção de novos
admiradores?
Ao passar pelo café, seu patrício já estava de olho em outra turista que, a julgar pela maneira como sorria, apreciava mais seu empenho do que Jodie havia
feito.
Tornara-se impossível entrar no apartamento sem parar na galeria das "crianças corajosas". Via sempre algo diferente nos quadros, Numa mesa baixinha, abaixo
das pinturas, havia um álbum forrado de couro no qual Lorenzo anotara detalhes de cada criança cujo trabalho estava exposto na galeria. Estava lendo quando Lorenzo
entrou.
- Cansou de fazer turismo?
- Meus pés se cansaram - admitiu. - Então resolvi voltar e ler um pouco. Comprei um monte de livros sobre Florença durante meu passeio. Alguns têm descrições
em línguas diferentes, mas pensei que enquanto estiver aqui, gostaria de aprender italiano.
- Uma vez que vamos ficar ora em Florença, ora no Castillo, talvez não fosse adequado se matricular num curso, se é nisso que estava pensando. Mas podíamos
contratar um professor particular - propôs Lorenzo, acrescentando: - Já almoçou? Fez que não com a cabeça.
- Parei para tomar um café na praça. - Fez uma pausa e torceu o nariz.
- Não gostou?
- O café estava ótimo, mas fui abordada por um desses paqueradores profissionais. É um dos inconvenientes de estar sozinha.
- Algumas mulheres gostam da paquera.
Jodie fechou o álbum e levantou-se.
- Bem, eu não gostei.
Lorenzo percebeu que estava sendo sincera.
- Por que não pede a Assunta para preparar um almoço e servi-lo no jardim da cobertura? Pode ler seus guias para mim se quiser - em italiano.
Jodie o olhava atônita e Lorenzo teve que admitir que estava tão surpreso quanto ela. Tinha pensado em passar a tarde trabalhando e não brincando de professor
particular.
Ela não queria estar ali e hesitou na porta da igreja onde os proclamas seriam lidos pela primeira vez.
Embora percebesse sua relutância, Lorenzo deu um passo à frente e pegou-lhe o braço para não lhe deixar escolha. Teve que decidir o que vestir, optando por
uma saia de linho branco e uma camiseta de mangas curtas marrom, sobre a qual enrolou um dos lindos xales de seda multicolorido que encontrou junto com as novas
roupas, provavelmente uma lembrança da loja. Se necessário, poderia cobrir a cabeça com o xale.
Ficou contente por ter optado por cores escuras ao ver Lorenzo vestido com um terno formal escuro, camisa branca e gravata. Incapaz de deixar de olhar para
ele ansiosa, entrou num mundo totalmente desconhecido para ela. Reconheceu o quão arrogante ele se comportava. Se tirasse o terno e o vestisse com um traje de militar,
ele poderia ser um príncipe Mediei da Renascença, pensou com um arrepio.
A enorme esmeralda no dedo faiscava à luz do sol e alguém da pequena congregação, passando pela porta estreita, deu um suspiro - não sabia dizer se de surpresa
ou choque, Embora ninguém falasse, era óbvio, pelos olhares trocados, que conheciam Lorenzo e Jodie sentia o peso da avaliação repousando nela bem como o do anel
de noivado.
As pessoas entravam no interior escuro da igreja e esgueiravam-se, ajoelhando imediatamente em oração e Jodie virou-se em direção ao banco mais próximo, mas
Lorenzo sacudiu a cabeça e continuou andando. Os passos ecoavam no piso de pedra. No altar, o padre ajoelhou-se, a cabeça curvada em oração, enquanto a fumaça do
incenso subia sob a luz que atravessava os vitrais.
Tinham alcançado o primeiro banco e os olhos de Jodie esbugalharam ao reconhecer o brasão entalhado na madeira. Pouco à vontade, curvou a cabeça para rezar.
Rezou por seus pais, por David e Andrea, por seus amigos e por todos aqueles que estavam em dificuldade e depois, para sua surpresa, pegou-se rezando para que Lorenzo
pudesse fazer as pazes com seu passado.
Embora soubesse o motivo de estarem na igreja, ainda não estava preparada para ouvir os proclamas - ou a emoção e tumulto sentidos. Imagens desconexas turvaram-lhe
a visão: um dia ensolarado, os pais sorrindo para ela enquanto caminhavam juntos; o choque de tomar conhecimento da morte deles; os rostos infelizes da tia e do
tio tentando explicar o que acontecera e que ela corria o risco de perder a perna; a primeira vez que conseguiu ficar de pé sozinha depois do acidente; a primeira
vez que John a convidara para sair, encabulado, no pequeno escritório onde ela trabalhava para o pai dele; a primeira vez que ele a beijou e a decepção que sentiu
por não ter ficado muito excitada.
A pequena cerimônia da qual tomaram parte deveria enchê-la de orgulho. Deveria estar agora do lado de fora da igreja, sentindo-se feliz e não culpada.
O padre sorriu afetuosamente, enquanto os congratulava, o que apenas aumentou o desconforto de Jodie. Ele era alto e surpreendentemente vigoroso, com um olhar
penetrante.
- Se quiser discutir qualquer assunto comigo, minha filha, estou à sua disposição - disse, num excelente inglês.
- O testamento de minha avó fez com que mudássemos nossos planos de nos casarmos na Inglaterra e antecipássemos a data - informou-lhe Lorenzo, um pouco seco.
- E estamos gratos pela cooperação.
O padre inclinou a cabeça com gravidade e Lorenzo apoiou a mão nas costas de Jodie o que identificou como um gesto clássico de possessividade, conduzindo-a
com firmeza. Podia sentir o calor da mão através da blusa. Um pensamento teimoso apareceu, como a fumaça de incenso subindo em direção à luz: se estivessem apaixonados,
ela devia virar-se, olhá-lo e sorrir e a mão lhe acariciaria a pele, numa mútua promessa, ao retribuir o sorriso. Mas não estavam apaixonados e ela não tinha o menor
desejo que estivessem!
- Não queria casar na igreja - disse, quando voltavam para o Palazzo. - Me senti tão culpada quando o Padre Ignatius rezou por nós e pelo nosso casamento,
sabendo que não è um casamento de verdade.
- Você quer dizer que um casamento de verdade inclui vida sexual...
- Não - negou, mas percebia pela expressão do rosto dele que não acreditava. - Casamento de verdade é muito mais do que simplesmente sexo - insistiu.
- Mas sexo faz parte - e você, como nós dois sabemos, está perigosamente curiosa para experimentar ser possuída por ura homem.
- Você insiste em repetir isso, mas não é verdade!
- Seus lábios dizem uma coisa,mas seus olhos dizem outra.
Ela podia ser virgem, mas mesmo assim reconhecia a tensão sexual crescente entre eles, decidiu trêmula.
- Preciso voltar ao Castillo - disse Lorenzo subitamente. - Seria mais fácil deixá-la aqui em Florença, mas já que estamos noivos há pouco tempo, seria melhor
se me acompanhasse. Quando será a próxima prova do vestido de noiva?
- Quinta-feira.
- Bene, até lá estaremos de volta.
Jodie olhou o anel de esmeralda que acabara de tirar e guardar na caixa, antes de se preparar para dormir.
Sabia que o apartamento tinha alarmes contra ladrões, mas mesmo assim não lhe agradava a idéia de manter aquele anel no quarto durante a noite e preferia
que ele estivesse sob os cuidados de Lorenzo.
Fechou a caixa, pegou-a e saiu do quarto. Hesitou um breve instante, antes de bater na porta do quarto de Lorenzo.
Seu rápido "Si?" fez com que entrasse explicando:
- Trouxe o anel para você. Queria que... - A voz desapareceu quando seu olhar repousou no torso dourado e liso revelado pela camisa desabotoada.
- Você queria o quê? - perguntou, passando por ela para fechar a porta antes de tirar a camisa. A corrente dourada do relógio brilhou na lâmpada de cabeceira,
o pêlo escuro do corpo, pura sexualidade masculina, hipnotizando-a.
A boca ficou seca. Tocou os lábios com a língua, incapaz de responder, os sentidos tomados pela visão. Ele era tão arrogante, devastadora, magnificamente
masculino.
Se só de olhar aqueles ombros largos e aquele peito musculoso ficava assim, como ficaria se o visse totalmente nu? Soltou um suspiro profundo ao reconhecer
o desejo tomando conta dela.
- O anel - conseguiu pronunciar, estendendo a mão na qual estava a pequenina caixa. - Quero que fique com você.
- Quer mesmo? Ou quer que eu fique com você, para satisfazer sua curiosidade e satisfazer você por tabela?
Por baixo da raiva, um arrepio de excitação percorreu-a. Ele estava certo? Foi isso que inconscientemente viera buscar no quarto dele? Por que queria... esperava...
Lorenzo percebeu-lhe os sentimentos. De alguma maneira, ela invadia-lhe os pensamentos, fazendo com que questionasse suas verdades - o que ele não queria
questionar. Podia ser mais capaz de esconder o desejo do que ela, mas isso não significava que a superasse em controlá-lo.
- Não vim aqui por esse motivo - protestou. - Só não queria ser responsável pelo anel. - Será que ele conseguia ouvir em sua voz, como ela, a própria dúvida
quanto à motivação subconsciente?
- Como também não quer ser responsável pela sua virgindade? - sugeriu Lorenzo. - Você está tomada por uma curiosidade virginal - admita! Ela está corroendo
você, arde, mantendo-a acordada à noite, imaginando... desejando...
- Não - suspirou, mas sabia que podia estar dizendo sim. - Não quero você - disse impetuosamente.
- Não me quer, mas quer o que posso lhe dar: a experiência que o tempo internada no hospital lhe negou. Você quer saber como é tocar o corpo de um homem,
ser possuída por um homem. Você pode negar tudo isso com isso - disse debochado, esfregando o dedo em seus lábios entreabertos - mas eu podia colar meus lábios nos
seus e eles me diriam algo totalmente diferente.
- Não! - repetiu, mas olhava indefesa dentro dos olhos dele, parada, imóvel quando ele se aproximou e lentamente percorreu-lhe os braços com as mãos, dos
pulsos até os ombros. Tremeu, tamanho o prazer sensual e a expectativa. Ele a puxava para perto. Tão perto que o cheiro primitivo de macho engolfou-a. Colou os lábios
no colarinho com um gemido e beijou, sofregamente, o pescoço, antes de passar a ponta da língua no pomo de Adão enquanto enfiava os dedos nos músculos dos ombros
e colava-se nele.
Era isso o que acontecia quando uma mulher era virgem? se perguntou Lorenzo, lutando para controlar a vontade alucinada de sentir-lhe a boca por toda parte.
Essa necessidade selvagem - não pela possessão masculina, mas pelo direito de encontrar o próprio prazer da maneira que quisesse? E por que deveria impedi-la? Por
que não deveria deixar que ela encontrasse o prazer onde e da forma que desejasse?
Desceu o olhar e viu os mamilos eriçados, através da blusa de alças, e os instintos masculinos agitaram-se ferozmente. Segurou-lhe o rosto e tomou-lhe a boca,
imprimindo à língua um ritmo lento enquanto abaixava a blusa com a mão livre até que os seios saltaram da roupa, mostrando sua cor creme e os mamilos marrons já
inchados de excitação.
Jodie nem ouviu quando emitiu um gemido de prazer ao sentir a carne nua de Lorenzo contra a sua. Estava perdida na própria volúpia. O pêlo sedoso roçava seus
já sensíveis mamilos, a língua atrás da orelha a faziam esfregar-se nele, numa excitação descontrolada.
Jodie podia ver a imagem no espelho e viu Lorenzo segurar-lhe o seio e descer a cabeça e acariciar-lhe o bico com movimentos eróticos da língua.
Dessa vez quando curvou o corpo para entregar-se ao crescente prazer, ouviu o próprio grito de fêmea faminta. Mas o som do próprio desejo apenas aumentou
a batida do sangue correndo em suas veias e espalhando um desejo carnal que lhe enfraqueceu os músculos e inundou-a numa auto-entrega.
Quando Lorenzo segurou-a, passou os braços em torno dele e gemeu de prazer ao senti-lo sugar o bico do mamilo enquanto lhe tirava o resto da roupa.
Quando a colocou na cama, ambos estavam nus e ele debruçava-se sobre ela, beijando devagar seu corpo faminto. Podia ver a força da ereção comprimir-lhe a
barriga e ela ansiava tomá-lo entre as mãos e acariciá-lo.
A sensação de Lorenzo contornando-lhe o umbigo com a ponta da língua enquanto a mão lentamente acariciava-lhe a parte interna da coxa diluía qualquer tentativa
de externar algum tipo de resistência. Seu olhar enlevado estava fixo, despudorada e avidamente, na ereção.
Lorenzo levantou a cabeça quando ela, hesitante, tomou-o na mão, os olhos abrindo-se ao deliciar-se com a textura e calor. Acariciou-o com fervorosa apreciação
e aprovação. Lorenzo fechou os olhos e suspirou, incapaz de suportar o prazer do corpo deliciar-se com a exploração curiosa.
Como se sentia poderosa ao tocar Lorenzo desse jeito e como se sentia fêmea, de um jeito que a conectava com a feminilidade universal. Era uma mulher despertando
a excitação num homem, uma mulher que controlava e comandava, obtendo e proporcionando prazer. Seus dedos exploravam e acariciavam, os lábios entreabertos e a respiração
exalavam um murmúrio de prazer ao sentir que Lorenzo não conseguia se controlar. Ele se sentia tão firme e, ao mesmo tempo, tão maleável. Um desejo suave tomou conta
de Jodie e ela se sentiu tentada a inclinar a cabeça e...
- Não!
A rispidez da recusa de Lorenzo foi como um choque. Confusão e decepção escureceram-lhe os olhos ao encontrarem os dele e depois voltaram-se a fixar na rigidez
pulsante.
Lorenzo sabia que se deixasse não seria capaz de se controlar. Ela já o tinha excitado além de seus limites. Se a deixasse acariciá-lo tão intimamente, ia
possuí-la.
- Por que não? - protestou.
- Não podemos ir até o fim.
Jodie insistiu pois também estava muito excitada e o desejo insatisfeito chegava a doer.
- Por que não?
- Não tenho preservativos e não quero correr o risco de fazer um filho que não quero e que terei que sustentar
- Não teria sido melhor pensar nisso antes? - Afastou-se dele, saiu da cama, pegou as roupas e vestiu-se apressada.
Não ia deixá-lo perceber o quanto a rejeição a fazia recordar-se do passado ou o quanto ele a ferira. E não queria que ele soubesse o quão envergonhada e
excitada estava.
Como tinha sido tola acreditando que lhe controlava o desejo. Nesse relacionamento, não tinha controle sobre nada, decidiu amarga, enquanto praticamente corria,
desesperada para chegar ao quarto.
CAPÍTULO DEZ
Jodie ficou nervosa ao ouvir o som que esperava acordada. O ruído, agora familiar, da porta do quarto de Lorenzo sendo aberta devagarzinho.
Em dois dias se casariam mas, em pelo menos quatro ocasiões, Jodie ouviu Lorenzo deixar o quarto, tarde da noite, para voltar mais ou menos uma hora depois.
E Caterina ainda estava morando no Castillo, nos aposentos da falecida avó de Lorenzo. Se Caterina tivesse posto em prática a ameaça de ter Lorenzo de volta em sua
cama, tinha o direito de saber. Mesmo sendo apenas uma esposa de fachada.
Saindo da cama, pegou o roupão e calçou sapatos com sola de borracha. Estava decidida a pegar Lorenzo em flagrante. Ser uma esposa de fachada era uma coisa,
mas ser a esposa indesejada de um homem com uma amante era outra bem diferente. E não tinha intenção de deixar que ele a colocasse nessa situação.
Apressou-se até o topo das escadas e enquanto olhava ansiosa para baixo viu a sombra de Lorenzo mover-se sorrateiramente pelo corredor. Determinada, correu
atrás dele, perguntando-se por que ele não tinha usado o corredor do andar de cima que levava aos aposentos de Caterina.
Inúmeras passagens estreitas levavam a um hall que unia a parte antiga à nova, acrescentada no século XVII. Aonde ele tinha entrado? Havia uma luz nas escadas
que conduziam ao andar inferior. Ofegando, nervosa, foi naquela direção. As escadas ficavam exatamente debaixo do apartamento de Caterina, então talvez...
Deu um grito apavorado quando, da escuridão, uma mão segurou-lhe o pulso.
- Que diabos está fazendo?
- Lorenzo!
Ele devia ter percebido que ela o seguia e esperou para surpreendê-la.
- Queria saber onde estava indo. É a quarta vez! que escuto você deixar o quarto de madrugada - disse atrevida.
- Você estava me espionando?
O olhar inquisidor a fazia sentir-se extremamente desconfortável, mas não ia deixar que ele percebesse.;
- Se vamos nos casar, tenho o direito de saber se você faz sexo com Caterina.
- O quê?
- Não me caso com você, se isso estiver acontecendo. Estou falando sério.
- Você está dizendo que está bisbilhotando, me seguindo, por achar que ia me pegar na cama de Caterina?
Colocado dessa forma, ele a fazia parecer uma psicopata, pensou culpada. Como poderia explicar que ao rejeitá-la, demonstrando a mesma falta de interesse
sexual de John, havia não apenas aumentado sua insegurança, mas a fizera imaginar que, como John, Lorenzo satisfazia seus instintos sexuais com outra?
- Não pode negar que você e ela já foram amantes.
- Já. Mas isso faz quase vinte anos; eu era um garoto.
- Ela diz que você ainda a deseja.
- Ela pode pensar o que quiser, mas está enganada - disse com firmeza. Os dedos ainda seguravam-lhe o pulso. Súbito, ele soltou um palavrão e perguntou: -
Quer saber aonde vou? Pois bem, venha comigo.
Andava tão rápido pelo corredor estreito, parecido com um túnel, que Jodie quase precisou correr. O ar era úmido. Arrepiou-se e soltou uma exclamação chocada
ao chegarem a uma pesada porta e ouvir Lorenzo dizer sem emoção:
- O corredor aqui embaixo era conhecido como via eternal, porque levava às masmorras e salas de tortura.
- Salas de tortura? - repetiu em tom de repulsa. Lorenzo apenas sacudiu os ombros, enquanto destrancava e abria a porta.
- Eram consideradas essenciais na guerra.
- Nos tempos medievais, talvez. Mas...
- Não apenas nos tempos medievais - interrompeu Lorenzo, a voz e a expressão tão ameaçadoras que ela estremeceu.
Atrás da porta, uma sala enorme e cavernosa com teto baixo e abobadado. Prateleiras de vinho vazias contra uma das paredes e uma goteira pingando.
- Não se preocupe - disse, seguindo-lhe o olhar ansioso. - O teto é seguro e o frio no ar, apesar de desagradável, tem seus méritos.
- Torturar mais os prisioneiros? - sugeriu Jodie, cortante.
- O primeiro marido de minha avó ficou preso aqui.
A surpreendente falta de emoção na voz de Lorenzo a chocou.
- Ele era contra Mussolini e cometeu o erro de verbalizar isso. Foi aprisionado e torturado na própria casa. Minha avó nunca conseguiu superar o trauma. Voltou
a casar-se, mas o coração ficou com ele. Muitas vezes me disse que se pudesse teria preferido retirar-se num convento e levar uma vida contemplativa, mas tinha prometido
a ele que daria à casa um herdeiro. O casamento com meu avô foi arranjado pelo primeiro marido em seu leito de morte devido aos ferimentos infligidos pelos torturadores.
Eles roubaram muitas obras de arte e esvaziaram a cave- acrescentou, acenando para as prateleiras vazias. - Mas não conseguiram pegar um tesouro.
Olhou atônita a sala fria e vazia.
- Aqui?
- Não. Venha comigo.
Conduziu-a por uma pequena porta que abria para outro lance de escadas.
- Essas conduzem ao salão principal dos aposentos principais.
- Os de Caterina? - perguntou insegura.
- Ela dorme no quarto da minha avó, que faz parte dos aposentos principais - motivo pelo qual uso as escadas para chegar ao salão, em vez de usar as escadas
do corredor principal.
- No salão principal, escondida pelo tecido com que o primeiro marido de minha avó mandou forrar as paredes, está uma série de afrescos pintados por um discípulo
de Leonardo. Embora, de acordo com minha avó, a lenda da família insista que foi o próprio Mestre quem os executou.
Entraram num aposento grande e elegante, com as paredes cobertas de seda verde. O quarto estava negligenciado, empoeirado, mas reinava um suave cheiro de
rosas.
- O Duque tinha medo que os homens de Mussolini pudessem reivindicar o Castillo por causa das pinturas, então mandou cobri-las. Seu sonho era que um dia fossem
totalmente restauradas. Nossa família é grande e alguns membros acham que o Castillo deveria ser vendido. Minha avó quis deixá-lo para mim porque sabia que eu realizaria
a promessa que fez ao primeiro marido em seu leito de morte.
- Então por que estipulou a condição do casamento?
- Isso foi por conta da interferência de Caterina. Minha avó era uma senhora gentil que só pensava nos outros. Depois da morte de Gino, Caterina teve a chance
de convencer nonna que nos amávamos em segredo e que eu queria me casar com ela. Ela é interesseira e o casamento com meu primo lhe deu status. Esperava subir ainda
mais, armando uma cilada para que eu me casasse com ela. Só se interessa por dinheiro e posição social.
Jodie ficou apreensiva. Seus instintos lhe diziam que ele falava a verdade e que Caterina mentira.
- Caterina sabe como o castelo é importante para mim - continuou Lorenzo. - Gino havia contado sobre minha promessa à nossa avó. Felizmente, o tabelião de
minha avó conseguiu esconder de Caterina o fato de ter omitido o nome dela da cópia assinada do testamento, então só consta que eu devo me casar, em vez de constar
que devo me casar com Caterina. E se a situação já não fosse por si só complicada, ela tem encorajado um grupo russo a acreditar que vale a pena comprar o Castillo.
Eles pretendem convertê-lo num hotel de luxo.
- Mas por que você vem aqui à noite?
- Porque não posso vir de dia, quando Caterina está aqui e porque tenho a necessidade de voltar ao passado, assegurar ao homem que deu a vida para preservá-las
que farei o possível para realizar seu sonho. - Deu de ombros. - Ao mesmo tempo, também tenho um sonho. Gostaria de ver o Castillo virar um centro de reabilitação
para jovens vítimas da guerra - um lugar onde possam se recobrar física e emocionalmente. Quero que seja um centro para jovens artistas e artesãos bem-dotados que
trabalharão na restauração necessária e treinarão os jovens aprendizes para seguir seus passos. Quero banir do Castillo e das vidas das vítimas da guerra os lugares
escuros e sombrios e, em seu lugar, enchê-los de luz e de alegria de viver. As reuniões que venho mantendo em Florença estão relacionadas a meus planos. Assim que
nos casarmos e o castelo for legalmente meu, minha primeira tarefa será dar início à restauração das pinturas.
Jodie precisou piscar os olhos sem cessar para afugentar as lágrimas tolas e a desconfiança que dera lugar à admiração.
- Parece maravilhoso, uma empreitada realmente nobre.
- Caterina não pensa assim. Ela preferia, sem sombra de dúvida, que o lugar fosse vendido e ela tivesse direito à minha parte para fazer o que bem entendesse.
Levou meu primo à morte e mesmo que a amasse, jamais a perdoaria por isso.
Jodie estremeceu.
- Mas deve tê-la amado um dia...
- Por quê? Por que fiz sexo com ela? - Lorenzo sacudiu a cabeça. - Tinha 18 anos e era comandado pelos desejos do meu corpo, só isso. - Como estava sendo
comandado agora, desejando pegar Jodie e levá-la para a cama, para poder terminar o que começara na noite em que ela devolveu o anel para ele. Desde então, não passou
uma única noite sem pensar nisso. Ela o tinha tocado de um jeito que nenhuma mulher tinha conseguido, sua figura invadia-lhe a mente e lhe roubava os pensamentos,
enquanto o corpo pulsava. Zangado, lutou contra o desejo que tomava conta dele.
Toda noiva fica nervosa - se consolava, enquanto o eficiente estilista, uma costureira e uma ajudante, irromperam em seu quarto.
Quem poderia imaginar que um casamento discreto envolvesse tantos planejamentos estratégicos? Jodie suspeitava que era o vestido e não ela a causa da insistência
do estilista em cuidar de todos os detalhes de sua aparência no dia do casamento - incluindo tratamentos num spa que arranjara para Jodie no dia anterior. Agora,
massageada, depilada e maquilada, Jodie tentava imaginar como se sentiria se tudo fosse, real. Como ficaria diante da perspectiva de fazer os votos a um homem que
amava e fosse correspondida? Mas é claro que isso nunca ia acontecer. Porque nunca amaria um homem, certo? Certo? repetiu insistente, quando a pergunta encontrou
o silêncio como resposta.
- Não, precisa apertar mais - ouviu o estilista instruindo a costureira.
Mas o ar lhe faltava.
O cabelo tinha sido arrumado numa mistura artística de fiapos soltos num coque e coberto com uma rede invisível com diamantes para completar o bordado de
pérolas e diamantes do vestido. Um maquilador tinha passado o que lhe pareceu horas trabalhando no seu rosto, para fazer parecer que ela não usava nenhuma maquilagem,
apenas um brilho suave, e uma sombra dourada-esverdeada nas pálpebras que fazia com que os olhos parecessem enormes e refletissem o brilho da esmeralda.
Quando o estilista ficou satisfeito com a finura da cintura, Jodie teve medo de desmaiar pela impossibilidade de respirar.
- Venha ver - insistiu o estilista, colocando-a em frente ao espelho de corpo inteiro.
A imagem refletida não lhe era familiar. Olhos dourados enormes, envoltos por cílios negros curvos a olhavam e lábios rosados, mais carnudos que os seus,
separaram-se para mostrar dentes brancos como neve. O corpete do vestido revelava seios fartos e uma cintura finíssima, enquanto camadas de anáguas cobriam pernas
que pareciam gigantescas, graças ao salto alto.
- Bene - pronunciou o estilista. - Agora a saia.
Só Deus sabe como poderia ter se vestido sozinha, refletiu Jodie meia hora depois, quando tanto a saia quanto a cauda tinham finalmente sido arrumadas e o
véu e o corpete de renda haviam sido colocados para cobrir-lhe o cabelo e a pele.
Bateram na porta e ela ouviu uma conversa sussurrada. Em seguida, o estilista lhe entregou as flores e disse apressado:
- Está na hora...
CAPÍTULO ONZE
Finalmente chegara ao fim: a cerimônia na igreja, os cumprimentos dos convidados, os amigos de Lorenzo, inclusive o advogado e a charmosa esposa e o almoço
que Cario insistira em preparar. Um total de nove horas, durante as quais Jodie não tinha ousado comer ou beber, quanto mais sentar-se.
Finalmente estavam a sós. Assunta havia preparado uma comida leve antes de ir à igreja assistir ao casamento. Estava tão exausta que mal conseguia manter-se
em pé. O corpete tinha se transformado num instrumento de tortura, do qual ansiava se livrar.
No hall do apartamento, dirigiu-se para a escadaria, segurando a saia comprida.
- Está cansada?
Mal podia balançar a cabeça. Cansaço não era o suficiente para descrever tamanha exaustão física e emocional. Exaustão emocional? Por que motivo exatamente?
Sentiu vontade de dar um chute na voz interna indesejável. Afinal, sabia muito bem como se sentira parada ao lado de Lorenzo, enquanto o padre celebrava o casamento.
A luz das janelas tinha iluminado seu rosto, mas as luzes internas, iluminando a compreensão da verdade que não queria reconhecer, haviam sido bem mais poderosas.
Odiou o sentimento de fraude, de culpa e vergonha com que usavam votos que deveriam ser sagrados para atender aos próprios interesses.
- Vou subir com você - ouviu Lorenzo dizer. Como um simples vestido podia pesar tanto? Ao atingir o topo das escadas o coração estava acelerado sentia-se
tonta.
Do lado de fora do quarto, Lorenzo tocou-lhe o ombro levemente e perguntou frio:
- Você tem um minuto...?
Tinham acabado de se casar e ele perguntava se ela linha um minuto, como se fossem apenas conhecidos. Mas não era isso exatamente o que eram?
Sabia que ele esperava que ela atravessasse o corredor e o seguisse até o quarto. A perna doía.
Entrou no quarto dele e ficou o mais próximo possível da porta, recusando-se a olhar a cama.
Lorenzo andara até a cômoda onde pegou algo e agora vinha em sua direção.
- Sabendo como se sente com relação à esmeralda, achei que ia preferir usar esse. Ah, e depois pode ficar com ele, se quiser.
Em silêncio, pegou a pequenina caixa e a abriu. Dentro, um solitário de diamante. Calada, olhou-o.
- Não poderia ficar com o anel. Deve ter sido muito caro.
Lorenzo a olhava como se a recusa o desagradasse.
- Como quiser. Não faz diferença.
- Como nosso casamento - disse Jodie. - Eu realmente preferia não ter a cerimônia religiosa. Me fez sentir... - Calou-se e sacudiu a cabeça ao perceber a
impossibilidade de fazer Lorenzo compreender como se sentia.
Foi acometida de uma tonteira, seguida pela chocante constatação de que estava prestes a desmaiar. Instintivamente, tentou pegar o objeto sólido mais próximo,
que por acaso era Lorenzo. Quando balançou em direção a ele, Lorenzo a pegou.
- É o vestido - conseguiu dizer. - Está muito apertado...
No minuto seguinte ele a virava, segurando-a com um dos braços enquanto examinava o abotoamento do corpete e perguntava:
- Por que não disse nada? Como isso sai?
- A saia e a cauda têm que sair antes do corpete - disse baixinho. - Estão presos nele.
Antes que pudesse impedi-lo, ele desabotoava a roupa com brutalidade. Quando estavam todos soltos, a cauda e a saia deslizaram até o chão, deixando Jodie
parada com suas meias de seda, salto alto, minúsculos shorts masculinos - e o insuportável corpete apertado.
- Que deu em você para usar algo tão apertado?
- Não foi minha idéia. Foi da estilista - admitiu - Ela insistiu que deviam estar bem apertados.
- Como é preso?
- É amarrado por dentro e depois preso com colchetes. - Só o esforço de falar a deixava enjoada diante da inabilidade de encher os pulmões de ar.
- Não se mexa - disse Lorenzo, deixando-a no meio do quarto enquanto ia à cômoda e abria uma gaveta. Voltou segurando uma tesoura.
- Não, você não pode... - Mas era tarde. Ele já cortava o tecido, ignorando-lhe os protestos.
Quase gritou de alívio quando o corpete caiu.
- Dio! É um milagre que não tenha ficado sem circulação - disse, em tom de crítica, ao ver as marcas vermelhas onde o corpete tinha lhe cortado a carne. -
Por que não disse antes que a perna estava doendo?
- Porque não está - mentiu.
- Está sim. Vou fazer uma massagem.
- Não precisa. Vou ficar bem agora que estou livre do corpete. - Dobrou os braços escondendo os seios, só então tomando consciência da nudez, mas ao mudar
o peso de uma perna para a outra uma dor aguda atingiu-lhe a perna e emitiu um gemido.
Lorenzo murmurou algo que não conseguiu entender e depois pegou-a no colo, ignorando seu débil protesto enquanto a levava para a cama.
- Você é a mulher mais teimosa que já conheci - disse ao colocá-la na cama. - Agora deite-se e eu vou massagear sua perna.
Ela quis recusar - mais por orgulho do que por qualquer outra coisa - mas a verdade é que a perna doía mesmo e a idéia de livrar-se da dor era tentadora demais
para ser recusada.
Silenciosamente deitou-se fechou os olhos. Tinha esquecido das meias e ficou tensa quando Lorenzo as tirou - tão profissionalmente como se ela fosse de plástico
e não uma mulher de carne e osso, reconheceu debochada. Mas sua pele sabia que ele era um homem e a resposta aos movimentos firmes dos dedos massageando-lhe os músculos
doloridos da coxa não; era nada profissional.
Tinha deitado de bruços para esconder os seios nus e a expressão do rosto - não por vergonha, mas por medo do que poderiam revelar. Agora, ao sentir os mamilos
enrijecendo quando os dedos apertavam a perna dolorida, estava contente pela decisão. A medida que os dedos afastaram a dor, começou a sentir uma pulsação que se
tornou mais forte até que o desejo espalhava-se por cada nervo. Sentindo-se desconfortável, afastou-se e tentou sentar-se, com medo que Lorenzo adivinhasse o que
ela experimentava.
- Qual o problema? Está preocupada achando que posso tentar seduzi-la? - Debochava dela.
- Claro que não. Por que pensaria isso? Afinal, já sei que você não me deseja.
Tinha se virado e estava sentada. Mas não podia sair da cama porque Lorenzo estava de pé bem na sua frente.
- E você quer que eu a deseje?
- Não.
- Mentirosa! - acusou-a. Ficou chocada quando ele a colocou de pé. - Mas, afinal, mentir é natural para as pessoas de seu sexo...
É verdade, estava mentindo, admitiu. Porque não tinha outra alternativa, outro jeito de se proteger. Por que ele se comportava daquele jeito? Sabia, através
do relato de Caterina, que as experiências com a mãe infiel o fizeram desprezar as mulheres e sentir a necessidade de se proteger, mas não havia motivo para puni-la.
Assim como ela não podia rotular todos homens de traidores e mentirosos por causa de John. Engoliu em seco, incapaz de ignorar sua crítica voz interior.
- Você está mentindo. Admita.
- Admitir o quê? - desafiou-o. - Que eu quero você? Por quê? O que ganharia com isso? Você não me quer. Tudo que quer de mim é que eu lhe dê motivos para
confirmar que todas as mulheres são iguais à sua mãe e Caterina. Bem, não são. Você quer que eu minta porque assim pode continuar a dizer que as mulheres são todas
iguais. Porque tem medo de querer...
- Chega!
Jodie tentou protestar, mas não teve tempo. A boca já cobria a sua, as mãos machucando-lhe a pele macia dos braços ao puxá-la contra o peito com tanta força
que sentia os botões da camisa pressionando-lhe a pele.
- Não tenho medo de nada - sussurrou Lorenzo contra sua boca. - Muito menos de desejar você. E para prová-lo...
Antes que pudesse escapar, beijou-a profundamente enquanto as mãos alisaram-lhe o corpo até pegar-lhe os seios.
Deveria fazê-lo parar. Mas o desejo era mais forte que a força de vontade. O momento de raiva entre eles desencadeara a paixão em Lorenzo que acendeu a sua.
Ele segurou-lhe a cabeça, enfiando os dedos em seus cabelos e expondo a vulnerabilidade do pescoço ao sensual ataque de seus lábios.
Arrepios de prazer sensual e ilícito começaram onde a boca acariciou-lhe a pele e terminaram no coração, levando-a a um lugar onde a realidade não existia
e tudo que importava era deixar-se levar pelo desejo.
Ele tinha lhe capturado o mamilo entre os dedos da mão livre e brincava com ele, a princípio de leve até que ambos ficaram intumescidos de excitação. A sensação
erótica parecia enviar um milhão de choques, aumentando o prazer de tal maneira que se deixou dominar quando ele sugou-lhe o seio, enfraquecendo-lhe não só a força
de vontade como os ossos focando toda sua concentração não nos alertas, mas no calor úmido entre as pernas que ansiava pelo toque de Lorenzo.
Tinha verbalizado o que queria? Comunicado a ele, de alguma forma, pensou tonta, quando os dedos: soltaram seus cabelos e a mão acariciou-lhe o corpo, passando
pelos quadris, as mãos apertando as curvas das nádegas e puxando-a contra o corpo para que sentisse como ele estava duro e excitado. Beijou-a com intimidade e acariciou-lhe
o estômago. Depois passou os dedos pelo cós da calcinha, provocando-a com um toque audacioso que a fez colar-se ainda mais a ele até que ele correspondeu a seu desejo
e enfiou a mão pela calcinha para apalpar-lhe o sexo.
Completamente perdida, gemeu de prazer quando ele esfregou-lhe os dedos. A sensação do movimento lento dos dedos ao redor de sua feminilidade era, ao mesmo
tempo, um prazer e um tormento quase insuportáveis. Queria que ele continuasse, mas o queria dentro dela, preenchendo-a, satisfazendo-lhe a ânsia que a consumia.
Gritou quando ele puxou-lhe devagarzinho o clitóris e sua mão buscou-lhe a ereção, visível através das roupas que impediam, de forma frustrante, a total intimidade
do toque.
- Espere - ouviu-o dizer. Depois, ele a levantou, colocando-a de volta na cama antes de despi-la. Ela ficou deitada nos travesseiros, olhando-o faminta, desavergonhada,
a respiração entrecortada, a mão no próprio sexo, não para protegê-lo, mas para acalmá-lo.
A nudez dele excitou-a. Não conseguia tirar os olhos do tamanho do membro que surgia ereto entre os pêlos. Passou-lhe pela cabeça que devia sentir um medo
virginal e não esse delírio de excitação febril. Ele se debruçava sobre ela, retirando-lhe as calcinhas, olhando-a enquanto o fazia. Excitação e choque a sufocaram
quando ele enfiou um dedo em sua carne. Gulosa, suspendeu o corpo e o dedo percorreu-a novamente, acariciando-lhe a intumescência clamando por atenção. Em seguida,
lenta, deliberadamente, enfiou-o. Jodie arfou e gemeu de prazer ao senti-lo abri-la, ainda a acariciando.
O corpo cobria o seu e ele a beijava. Retribuiu o beijo com furor, parando apenas quando sentiu ter perdido os dedos-fornecedores-de-prazer. Afastou o olhar
e o rosto ficou vermelho quando ele colocou-lhe os dedos nos lábios e disse:
- Prove seu gosto em mim. - Hesitante, abriu a boca e deixou que ele os colocasse, fechando os olhos e obedecendo ao sussurro: - Chupe meus dedos. - Ela deliciou-se
com o gosto do próprio prazer misturado ao da pele dele e sentiu o poder do afrodisíaco que ele lhe oferecia.
Agora estava completamente perdida, escrava da própria sexualidade quando as mãos e a boca de Lorenzo acariciaram todas as partes de seu corpo: ombros, parte
interna do braço, seios, barriga. Ela se contorcia e gemia, procurava-o com as mãos e a boca, saboreando o gosto intenso dele, sentindo o cheiro de macho e mergulhou
no impacto erótico dos próprios sentidos. Curvou-se para passar a ponta da língua no sexo dele, mas Lorenzo não permitiu. A língua dele explorava-a, traçando um
caminho sensual de frenesi na umidade de seu sexo, esfregando-lhe o clitóris, levando-a muito além da imaginação. Queria tanto ele. Tanto...
Abruptamente, a realidade interrompeu a excitação e ficou tensa. Empurrou Lorenzo, mas o corpo reclamava por lhe ter sido negado o prazer.
Lorenzo sentou-se desconcertado e fez menção de torná-la nos braços, mas ela resistiu e sacudiu a cabeça, dizendo violentamente:
- Não!
- O quê? O que está dizendo? Você me quer... se entregava... - insistiu.
- Você quer provar que somos todas mentirosas e infiéis como sua mãe. É verdade, eu quero você - concordou trêmula. - Mas, acima de tudo, exijo respeito.
Enquanto falava, desvencilhava-se do abraço e saiu da cama, pegando às pressas as roupas espalhadas, consciente de que Lorenzo a olhava, mas sem ousar encará-lo
com receio de não resistir.
Lorenzo deitou e fixou o teto. O desejo que sentia era apenas físico, só isso, E o sentimento, apenas raiva por Jodie ter ousado dizer o que dissera. Ela
não significava nada para ele. Nada!
O vazio que ela deixara na cama era uma bênção e não uma lástima. Assim como agradeceria o vazio que deixaria ao sair de sua vida, assegurou a si mesmo.
O motivo pelo qual ficara tão excitado e encantado com sua doçura era simplesmente porque há muito não tinha uma mulher na cama. E isso era uma necessidade
que podia satisfazer. Bastava um telefonema. E se não conseguisse falar com nenhuma das várias mulheres que conhecia e que ficariam satisfeitíssimas em receber um
convite - sabia, embora não por experiência própria, que Florença, como qualquer outra cidade, tinha prostitutas caras, de alta classe, que sabiam como agradar um
homem sem exigir nada além do pagamento.
Mas por que pagar uma prostituta quando pensar em uma era o suficiente para esfriar-lhe o desejo sexual? Quando encontrou Caterina pela primeira vez, ela
não fez segredo do fato que tivera vários amantes ricos, mesmo que depois tenha alegado não ser verdade e que ele tinha entendido mal. E a mãe dele, os presentes
caros que recebera... um prêmio pela infidelidade, mesmo que tivessem sido só de um amante. O coração começou a bater raivoso.
Ele se levantou da cama. Cinco minutos depois, debaixo do chuveiro, sentiu o batimento cardíaco voltar ao normal.
O que o deixou furioso foi que Jodie, a quem tinha começado a considerar sensata e racional, começasse a fazer acusações ridículas e infundadas. Como ousara
acusá-lo de ser tão emocionalmente instável que queria que ela se deitasse com ele apenas para reforçar a crença que o sexo feminino não merecia confiança? Tinha
provado que confiava nela, falado sobre coisas tão caras a seu coração que nunca as revelara a mais ninguém. Será que realmente pensava que depois inventaria um
motivo para desconfiar dela? Era absurdo: como se ele fosse uma criança em pânico tentando se proteger por medo de amar.
Afinal, não tinha medo de se apaixonar por ela nem lutava desesperadamente contra isso, certo? Certo?
Desligou o chuveiro e pegou uma toalha.
CAPÍTULO DOZE
Estavam casados há quase uma semana e durante esse período não mencionaram a noite do casamento. Lorenzo era educado, frio e indiferente quando estavam juntos
e Jodie passava tanto tempo fazendo turismo que à noite caía dormindo exausta.
Mas agora estavam de volta ao Castillo, a documentação final estava pronta e a propriedade fora transferida para Lorenzo.
- Não esqueci que tenho que cumprir minha parte da barganha. Tomei as medidas necessárias para viajarmos no final da semana para o casamento de seu ex-noivo.
Fiz reserva no hotel Cotswolds, em Lower Slaughter. Conhece?
- Conheço. - Se era o hotel que imaginava, era exclusivo e caro.
- Achei que ia querer manter distância de sua casa.
- Quero sim - concordou. Certamente não queria que ninguém soubesse que ela e o cara com quem acabara de se casar dormiam em quartos separados. Especialmente
quando esfregaria seu estado de recém-casada-feliz no nariz de todos. Soltou um longo suspiro.
- Estive pensando. Não sei se é uma boa idéia... seguir em frente com o que tinha planejado.
- Mas esse foi o motivo de ter concordado em se casar comigo.
- Eu sei.
Estavam no hall e Lorenzo fechou a cara ao ver a pilha de malas e caixas jogadas no chão.
- Discutimos isso depois - disse a Jodie quando a porta interna abriu.
Caterina apareceu, declarando dramática:
- Então, voltou para cantar vitória e me expulsar? Bem, chegou atrasado. Eu mesma decidi partir. Você acha que ganhou o jogo, Lorenzo. Na verdade, não ganhou
nada além dessa ruína e uma esposa que não deseja. E tudo isso para quê? Para manter umas pinturas velhas e a promessa feita a uma velha - zombou. - Podíamos ter
tanto juntos, mas agora é tarde demais. Ilya vem me buscar daqui a pouco.
- Ilya?
- Ele mesmo. Nos conhecemos quando ele mostrou interesse em comprar esse lugar. Tem sido um bom... amigo. E agora... -Fez cara de zangada e em seguida soltou
uma gargalhada.
- Ele é seu amante?
- Por que responderia? Mas sim, somos amantes e vamos nos casar assim que o divórcio dele sair. Vai mandar um motorista e alguém para pegar minhas coisas.
Virou-se e olhou para Jodie.
- Cuidado para que Lorenzo não a use como me usou. E, se o fizer, cuide-se para não engravidar porque ele vai forçá-la a abortar como fez comigo.
- Jodie se sentiu desfalecer. Olhou agitada em direção a Lorenzo, esperando que ele negasse as horríveis acusações de Caterina, mas ele simplesmente girou
nos calcanhares e saiu.
- Não é verdade. Não pode ser. Lorenzo jamais...
- O quê? Já está apaixonada por ele? - debochou. - Sua tola. Você não significa nada para ele e nunca significará. E é verdade. Lorenzo me forçou a abortar.
Se não acredita, pergunte a ele. Ele não vai poupá-la e mentir. Não Lorenzo. Seu orgulho não permitiria. - Começou a rir e passou por Jodie quando um carro entrou
no pátio.
Jodie não fazia idéia de quanto tempo ficara parada ali, sentada sozinha no jardim, tentando lidar com a turbulência das emoções.
Não era verdade o que Caterina dissera, dizia a si mesma. Não estava apaixonada por Lorenzo. Mas o desejava. Desejo físico não era amor. Mas era uma manifestação
de amor. Não podia amar um homem que não a amava e nem sabia o que era o amor. Mas e se o amasse?
- Está escurecendo e se ficar do lado de fora muito mais tempo, corre o risco de sentir dor na perna.
Não tinha ouvido Lorenzo chegar e, automaticamente, moveu-se para as sombras pois tinha medo do que ele pudesse ler a expressão de seu rosto. Retesou-se quando
ele se sentou a seu lado.
- Você está certo. Melhor entrar - disse sem emoção na voz.
- Por que não quer ir à Inglaterra?
- O quê? - Jodie olhou-o sem nada demonstrar. Tinha esquecido a conversa, devido ao nervosismo gerado pelos comentários de Caterina.
- Tem que haver uma razão - insistiu Lorenzo.
- Não sei se quero ir - admitiu relutante. - Na ocasião, parecia uma boa idéia e ... e chegou a fazer sentido. Mas agora... - Agora seu passado parecia tão
distante e ela não se importava com o que John e Louise faziam ou pensavam, porque agora... Porque agora o quê? Não queria abrir espaço para esse medo que crescia
dentro dela como uma erva daninha. Essa mudança radical se dava por estar se apaixonando por Lorenzo?
Se apaixonando? Isso significava que estava no meio de um ato que podia ser interrompido, decidiu aliviada, agarrando-se a este pensamento desesperada. E
iria interrompê-lo, decidiu.
- Acho que devíamos ir.
- Você acha? - Receava que se discutisse os motivos ele podia desconfiar que ela estava se apaixonando por ele. Não queria isso de jeito nenhum.
- Acho. Isso vai ajudá-la a colocar um ponto final nessa história e então seguir sua vida.
- Hummmmmm. Acho que está certo.
- Eu sei que estou - afirmou Lorenzo. - Só gostaria...
- De quê? De ter se casado com Caterina?
- Não - negou enfático.
- É... é verdade o que ela disse? Sobre o bebê? - sussurrou, incapaz de não fazer a pergunta que a consumia desde que Caterina fizera a acusação.
- É - admitiu Lorenzo. Jodie estremeceu.
- Seu próprio filho! - protestou enojada. - Como...?
- Não! Não era meu filho. Mas isso não diminui minha culpa. Não pensei... Esse foi o problema. Eu não pensei; apenas assumi, com a arrogância e estupidez
típicas da juventude, que... - Calou-se e Jodie sentiu a tensão vibrar. - Caterina e Gino estavam noivos há uns seis meses quando ela me confessou que estava saindo
com outro cara. Nunca me perdoou por ter terminado nosso breve relacionamento e deve ter pensado que me deixaria com ciúmes. Me contou que ia ter o filho, mas tinha
dito a Gino que a criança era dele. Fiquei zangado por causa do meu primo. Sabia que ele a amava profundamente. Tentei fazê-la mudar de idéia. Disse que devia contar
a Gino a verdade ou então eu mesmo o faria. Queria que Gino soubesse o que ela era e - é verdade! - esperava que ele rompesse o noivado. Para seu próprio bem. Mas
em vez de contar a verdade a Gino, ela interrompeu a gravidez e disse a Gino que tinha perdido o bebê. Ele ficou arrasado e propôs se casarem imediatamente. Ou seja,
graças à minha interferência, uma vida perdeu-se e outra foi destruída.
Jodie ficou com pena.
- Não foi sua responsabilidade.
- Foi sim. Se eu não tivesse interferido, ela teria o bebê.
- E continuaria mentindo para seu primo.
- Tentei bancar Deus e nenhum homem deve fazer isso. Tentei fazê-la mudar o comportamento porque não tinha sido capaz de mudar o de minha mãe. Ela deixou
a mim e a meu pai para ficar com o amante. Caterina ficou com Gino, mas como minha mãe, sacrificou o filho para atender a seus propósitos. Foi como se eu tivesse
matado meu próprio irmão.
Ao ouvir a dor na voz dele, ocorreu-lhe que Caterina devia saber como ele reagiria e que a decisão dela havia sido motivada pelo desejo de infligir-lhe essa
dor e culpa.
- Nunca vou me perdoar. Nunca!
- Foi Caterina quem tomou a decisão, não você - contra-argumentou. - Era o filho dela, o corpo dela. Você nem era o pai.
- Se eu fosse o pai, jamais permitiria que ela o tirasse - disse. - Nem que eu tivesse que trancá-la por nove meses. - Ficou quieto por um momento, depois
falou ainda mais baixo: - Uma vez minha mãe uma vez me disse que eu não fora desejado. Nem mesmo desejara se casar com meu pai. Sofreu uma enorme pressão familiar
e decidiu que casando-se escaparia do controle severo dos pais. - A voz de Lorenzo estava gélida.
- Tive tanta sorte em ter pais que se amavam e me amavam - comentou Jodie suave. Não podia imaginar como devia ser para uma criança pequena ouvir da mãe que
não tinha sido desejado.
- Ela era uma criança quando se casou. Tinha 17 anos e meu pai 24. Ele a amava intensamente. O amante era um piloto de corridas que conheceu através de uma
amiga. Muito mais interessante que meu pai. Costumava me levar, quando se encontrava com ele. Eu não fazia idéia da verdade. Achava... Ele me mostrou o carro e...
E você gostou dele, reconheceu aflita. Você gostou dele e depois se sentiu como se tivesse traído seu pai - assim como sua mãe tinha feito.
- Eles acabaram fugindo e minha mãe morreu de septicemia na América do Sul, onde ele estava correndo. Meu pai nunca se recuperou da perda e eu jurei que nunca...
- Confiaria em outra mulher... - concluiu.
- Deixaria que minhas emoções me controlassem - corrigiu-a.
- Nós realmente precisamos continuar casados por um ano? - perguntou. - Afinal, você já conseguiu o Castillo, Caterina foi embora...
- Nosso acordo foi ficarmos casados por um ano - lembrou-a. - Qualquer mudança daria margem a fofocas e especulações e embora Caterina tenha partido, pode
contestar o testamento se achar que pode ganhar o processo. Não quero isso.
- Doze meses parece tanto tempo.
- Não mais do que quando você concordou em ficar comigo por esse período.
Mas então ela não sabia o que sabia agora. Não sabia que corria o risco de se apaixonar por ele, que cada dia ao lado dele, o perigo aumentava. Mas não podia
contar-lhe isso.
- O que vai acontecer com o Castillo agora? - perguntou, sabendo que não havia nada que pudesse explicar sua relutância em continuar com ele, sem desvendar
seus sentimentos.
- Estou providenciando para que vários especialistas venham aqui e inspecionem as pinturas para discutirmos a melhor maneira de restaurá-las. Também pretendo
dar início a obras para converter o Castillo num centro de reabilitação e artístico. Já falei com vários restauradores de Florença e outros artesãos, mas nada disso
lhe interessa.
Jodie curvou a cabeça para que ele não visse como as palavras de descaso a magoaram. Mas é claro que ele não a via como parte do futuro que planejava. Por
que o faria?
Qual seu problema? O fato de sentir uma proximidade com Jodie que nunca experimentara com mais ninguém não significava nada. E certamente não significava
que estava se apaixonando. Podia perceber que ficava tenso, como se tentasse bloquear os pensamentos e sentimentos; não apenas bloqueá-los, mas extingui-los por
completo.
Porque tinha medo de deixá-los existir? Durante séculos, por ignorância e preconceito, os homens buscaram controlar o que temiam destruindo-o. Estava fazendo
o mesmo? Se sentia tanto medo do efeito que exercia sobre ele, então por que não aproveitava a chance de se ver livre dela? Porque não estava com medo nenhum. Por
que teria? O que havia para temer? Jodie não significava nada para ele, e quando chegasse a hora de seguirem caminhos separados, seria capaz de fazê-lo sem o menor
escrúpulo ou arrependimento.
CAPÍTULO TREZE
O vôo de Florença num jato executivo, seguido de um de helicóptero do aeroporto de Heathrow até o hotel, tinha sido realizado com tamanha rapidez e luxo que
Jodie se sentia protagonista de um filme. Foram conduzidos do helicóptero para a suíte com tamanha reverência que ela se divertiu e achou que Lorenzo parecia mais
arrogante do que nunca.
O deslumbrante hotel Cotswolds, do século XVII, era, originalmente, uma residência. Agora, de propriedade de um consórcio de empresários ricos que o compraram
e remodelaram como se fosse um clube campestre para membros exclusivos, era voltado para os ricos e exigentes e o local favorito de festas dos famosos. O restaurante,
com estrelas do Michelin, era fabuloso e seletivo quanto à clientela e o spa, o local favorito das celebridades. Diziam que um grupo de freqüentadores muito ricos
instalara, nas dependências do hotel, um clube de jogo, no qual fortunas eram perdidas e ganhas.
Do hall de entrada, com antiguidades e aparência de casa de campo, à decoração da suíte com vasos enfeitados com as mesmas flores do casamento às últimas
edições de revistas de negócios italianas, respirava-se exclusividade e atenção aos mínimos detalhes.
Definitivamente era um outro mundo, pensou, quando o mordomo exclusivo assegurou-lhe que suas roupas seriam retiradas das malas e estariam passadas em uma
hora.
- Providenciei um carro para que possa me familiarizar com o percurso até o local do casamento - comentou Lorenzo.
- Os pais de John oferecem um open house hoje à noite. A cidade inteira foi convidada.
- Nós vamos?
Ela queria ir? De alguma forma o calor que tinha chamuscado seu orgulho e a feito desejar mostrar-se superior àqueles que a conheciam, exibindo um novo homem,
tinha esfriado e se transformado em indiferença e ela se perguntava por que cargas d'água estava ali.
John e Louise, a dor que lhe causaram, tinham perdido o poder sobre suas emoções. A vida que conhecera e vivera antes de encontrar Lorenzo parecia tão distante...
Já estava fazendo novos amigos em Florença, desenvolvendo novos interesses, tinha uma visão mais abrangente da vida. Não podia se imaginar voltando para sua cidade
de origem ao final do casamento com Lorenzo. Mas o que faria? Permaneceria em Florença? Não, isso seria muito penoso.
Penoso? Por quê? Mas é claro que conhecia a resposta para essa pergunta. Já tinha suspeitas na noite em que ele contou a história sobre as pinturas escondidas
do Castillo. E teve a certeza na noite em que se sentaram no jardim e ouviu-o contar sobre a infância, sobre seus sentimentos.
- Não tenho mais certeza se essa é uma boa idéia - disse a Lorenzo, sentindo-se pouco à vontade.
- Por que não? Porque está com medo do que pode descobrir sobre os próprios sentimentos?
- Não! Não há nada a descobrir. Já sei como me sinto. - Como isso era verdadeiro!
Ainda amava aquele homem idiota e cego que tinha sido estúpido a ponto de ter preferido outra mulher, pensou Lorenzo zangado.
- Está com medo de ficar tão emocionada ao ver seu ex-noivo que não conseguirá se controlar e vai correr e implorar-lhe que a aceite de volta? - sugeriu de
forma cruel.
- Isso é ridículo - objetou. - Além do mais, sou uma mulher casada.
- E é ingênua o suficiente paia acreditar que sua aliança de casamento formará uma barreira contra suas emoções?
- Não preciso disso. Não sinto mais nada por John. Ele não significa nada para mim. É por isso que não quero ir.
A voz demonstrava convicção e Lorenzo sentiu o coração bater com força, exigindo que fizesse a pergunta cuja resposta queria, tão desesperadamente, conhecer.
Ignorando a reivindicação, ele puxou a manga do paletó, sem permitir que ela respondesse e disse seco:
- Está quase na hora do almoço. Sugiro comermos algo e depois pegamos o carro para que eu possa me familiarizar com a estrada.
A região de Cotswolds estava banhada pelo sol quente do verão, suas vilas cheias de ônibus de turistas. E, como fazia todo verão, Jodie se perguntou o que
os pastores de ovelhas que, no passado, levavam seus animais ao mercado através dessas estradas tradicionais, pensariam se pudessem ser transportados aos tempos
modernos.
A pequena cidade de Lower Uffington, onde Jodie tinha crescido, ficava ligeiramente fora da rota normal de turismo, felizmente, e sentiu os músculos de estômago
começarem a se contrair de nervoso, quando se sentou no banco do carona do Bentley alugado. Lorenzo percorria as vielas estreitas quando num declive Jodie deparou-se
com as paredes de pedra familiares e passaram a placa que delimitava o início da cidade.
A frente deles estava a bonita praça da cidade, com as tradicionais casas de comércio de lã alinhadas ao longo das ruas estreitas, além das quais a estrada
começava a subir em direção às planícies de Cotswolds onde as ovelhas ainda pastavam, como costumava fazer a tantos séculos. O mercado de lã tinha trazido prosperidade
à cidade e essa prosperidade ainda era evidente nas construções.
Seu pequeno chalé não era visível. Ficava localizado numa viela estreita, o jardim à beira do pequeno rio que corria atrás da rua principal. Um golpe de dor
e nostalgia atingiu-a, mas não foi tão forte quando temera. Conscientizou-se de que qualquer lugar podia ser seu lar, se partilhado com a pessoa que amasse.
Uma pequena placa indicava uma passagem entre duas casas que conduziam ao pátio pertencente ao prédio do escritório do pai de John e Jodie exalou um profundo
suspiro quando viu o carro de John estacionado na estrada perto.
- O que foi? - perguntou Lorenzo.
- Nada.
E era verdade. A visão do carro de John, que logo após o término da relação a teria enchido de tristeza, agora não tinha o menor efeito sobre ela - além de
um vago sentimento de alívio depois que ele foi deixado para trás. Não gostaria que John aparecesse e a visse.
No final da cidade, cercada de verde, estava a igreja, pequena e baixa, suas janelas e vitrais iluminados pela luz do sol. Os preparativos já estavam sendo
feitos para o casamento de amanhã, percebeu Jodie ao ver braçadas de flores brancas amarradas com fita branca ornamentando o portão em estilo antigo.
A família de John, assim como a dela, vivia ali há muitas gerações. Os pais de John eram relativamente influentes e a fazenda em que moravam, com seus grandes
jardins, ficava ligeiramente afastada da cidade.
- Podemos parar? - perguntou.
- Se quiser. - Ele entrou no pequeno estacionamento e parou o carro.
Havia uma coisa que queria fazer, reconheceu Jodie. Uma visita pessoal que tinha necessidade de fazer.
- Não precisa vir comigo - disse a Lorenzo ao abrir a porta do carro. - Não vou me demorar.
- Também vou saltar. Preciso esticar as pernas - respondeu Lorenzo.
Ela pode vê-lo franzir a testa quando se dirigiu à igreja. E a testa franziu ainda mais quando, no lugar de entrar pela porta principal, com sua decoração
floral, ela preferiu desviar-se e abrir um portão bem menor que levava através de um verde imaculado e depois, atrás da igreja, ao cemitério.
O lugar parecia vazio, mas mesmo se não estivesse e ela encontrasse alguém conhecido, não se deteria. Ela soube quando estava na igreja em Florença, fazendo
os votos de fidelidade a Lorenzo, que isso era algo que queria fazer.
Pegou o caminho estreito familiar que passava por entre os grandes mausoléus e lápides cobertos de hera, tão antigos que as letras estavam quase apagadas,
e caminhou mais adiante pelo cemitério até chegar ao lugar que queria.
Ali, sentou-se na grama debaixo num túmulo coberto de plantas, no qual uma pequena placa mostrava dois nomes.
- Meus pais - disse simplesmente. Lágrimas encheram-lhe os olhos e a mão tremeu ligeiramente quando pegou, com cuidado, na bolsa uma caixinha na qual guardara
as pétalas de seu buquê de casamento. Tirando-as, espalhou-as no túmulo dos pais.
Quando virou-se para olhar Lorenzo sentiu um nó na garganta. A cabeça de Lorenzo estava reclinada e ele rezava.
- E tolo, eu sei, mas eu queria que eles soubessem... - Ela parou e mordeu o lábio.
- Quer entrar na igreja? - perguntou Lorenzo.
Jodie sacudiu a cabeça.
- Não. Eles a estão arrumando para o casamento e não quero...
- Não quer o quê? Dar de cara com a amiga que lhe roubou o noivo? Achei que esse era o motivo de estarmos aqui.
- John é um adulto. Ninguém o forçou a terminar o noivado comigo por causa de Louise. - A cabeça começou a doer. - Podemos voltar para o carro?
Lorenzo deu de ombros.
- Se é isso que quer...
O que queria é que Lorenzo a amasse como ela descobrira que o amava. O que queria era voltar para Florença com ele, passar a vida com ele, construir um futuro
com ele.
- Estou ficando com dor de cabeça - foi o que respondeu.
- Deve ser da ansiedade. O que exatamente está querendo hoje à noite, Jodie?
Você. Estou querendo que olhe para mim e me ame.
- Nada. Não estou querendo nada.
- Não? Não quer, no íntimo, que John a veja e reconheça que é você que ele quer?
- Isso não vai acontecer.
- Mas você quer?
- Não.
Tinham voltado ao carro e estava tão absorta em rejeitar as insinuações de Lorenzo que não percebeu a mulher que olhava fixamente para ela até que uma voz
familiar disse surpresa:
- Jodie! Meu Deus! Pensei que ainda estivesse viajando.
Lucy Hartley - cujo marido trabalhava para o pai... de John.
De um jeito ou de outro, Jodie conseguiu forçar um sorriso.
- É só uma visita relâmpago - explicou. - Queria mostrar a meu... meu marido...
- Seu marido? Você se casou?
Para alívio de Jodie, Lorenzo deu um passo à frente e estendeu a mão. Rapidamente fez as apresentações, vendo os olhos de Lucy ficarem arregalados.
- Você vai à festa oferecida pelos pais de John hoje à noite? - perguntou.
- Certamente - respondeu Lorenzo educadamente, antes que ela pudesse falar. - Se não for incomodar... Jodie me falou tanto da casa dela e dos amigos que estou
ansioso por conhecê-los.
- Claro. Tenho certeza de que Sheila e Bill ficarão absolutamente satisfeitos. - Lucy transbordava de alegria. - Vou dizer a eles que encontrei vocês. Aonde
estão hospedados, caso alguém pergunte?
Relutante, Jodie respondeu e viu os olhos se arregalarem um pouco mais ao reconhecer o nome do hotel exclusivo.
- Uau! Você subiu na vida, Jodie!
Jodie sentiu o rosto ficar vermelho.
- Precisamos ir, mas voltaremos a nos ver à noite - disse Lorenzo gentil, rapidamente afastando-a antes que ela pudesse demonstrar o que sentia.
- Essa mulher é tão esnobe! - queixou-se zangada, enquanto Lorenzo destrancava o carro e abria a porta para ela. - No momento em que mencionei o hotel ela
estava grudando em nós como um carrapato. E isso porque ainda não sabe sobre seu título.
Lorenzo fechou a porta e deu a volta para entrar no carro.
Assim que ligou o motor, falou decidida:
- Lorenzo, não quero ir. Quando disse que queria, não estava raciocinando direito. Não acho que devamos ir.
- Agora não podemos deixar de ir - comentou calmo. - Estaremos sendo aguardados.
Sabia que devia ficar agradecida a Lorenzo. Ele tinha reorganizado a agenda para acompanhá-la e ali estava ela, dizendo a ele que não queria estar ali.
Lorenzo olhou para o perfil da jovem. Ele podia imaginar o efeito que encontrar o ex-noivo e a futura esposa lhe causava e o quanto isso a aborrecia. Então
por que insistia em forçá-la? O que estava tentando provar que valesse a pena provar? Por que não pisava fundo no acelerador, ia para o hotel e a levava de volta
à Itália antes que ela mudasse de idéia? Uma vez lá, ele teria quase um ano inteiro...
Um ano inteiro para quê? Para persuadi-la a continuar casada com ele? Isso era o que queria, não era?
E se fosse? Não queria dizer nada - a não ser que começava a achar que seria mais fácil continuar casado com ela do que se separar. O casamento dava à vida
de um homem um certo objetivo e estabilidade. Só porque antes não tinha considerado a importância de um casamento arranjado à moda antiga, isso não significava que
era tão inflexível que não pudesse reconhecer isso agora. Afinal, ele e Jodie estavam casados. Havia muito a ser discutido, do ponto de vista prático, para que permanecessem
casados.
Ele ainda seria capaz de manter as barreiras emocionais. Uma vez que estivesse seguro de que ela aceitava que aquele ex-noivo dela não estava mais disponível
e fazia parte de seu passado, ele se sentia confiante de poderem desenvolver um relacionamento que funcionasse.
E um relacionamento sexual? O corpo retesou-se traindo-o.
Jodie, por sua vez, teria a proteção de um marido e uma vida de conforto. Podiam até ter filhos, se ela assim o desejasse. Ele franziu a testa quando esse
pensamento magnânimo provocou uma reação em seu corpo, emoções que iam bem mais além do que qualquer simples sentido de reconhecimento da própria generosidade. Nunca
tinha considerado antes a produção de crianças como parte essencial de seu plano de vida - tinha parentes masculinos em quantidade suficiente para produzir o próximo
duque. Entretanto, tinha que considerar o futuro do Castillo e faz sentido ter os próprios herdeiros para deixar o Castillo. E Jodie não ia querer deixar os filhos.
Ele freou bruscamente para evitar atingir um ciclista, negando mentalmente que essas conclusões não eram produto da emoção, mas sim baseadas na lógica.
Ao chegar ao hotel, decidiu que não tomaria nenhuma decisão até hoje à noite, após ter analisado como Jodie reagia ao encontrar o ex-noivo. Se depois disso,
e depois de pensamentos mais aprofundados estivesse convencido de que o casamento tinha futuro, ao voltarem à Itália ele lhe diria isso.
Ela realmente queria nunca ter dito que queria fazer isso. Jodie estudava seu reflexo no espelho do quarto e passou a mão nervosa por cima de suas calças
de crepe cor de creme, maravilhosamente bem-cortadas.
- Pronta?
Desanimada, sacudiu a cabeça quando Lorenzo entrou em seu quarto. Ele parecia exatamente o que era: um homem alto, moreno, incrivelmente elegante e ainda
mais incrivelmente arrogante, extremamente masculino - o tipo de homem por quem qualquer mulher se sentiria atraída. O tipo de homem que qualquer mulher sabia que
corria o risco de se tomar emocionalmente vulnerável se não tomasse cuidado. Que pena que ela não tinha sido adulta o suficiente para reconhecer isso logo no início...
Ela percebeu o jeito que ele a olhava, mas se estivesse esperando por um elogio quanto à aparência ia ficar desapontada, percebeu logo.
Quando deu os primeiros passos em direção à porta, ele a segurou. Por um segundo a cabeça foi tomada por imagens impossíveis e ainda mais implausíveis cenários:
Lorenzo a tomando nos braços e recusando-se a deixá-la ir; Lorenzo insistindo que a queria manter ali naquele quarto e fazer amor com ela; Lorenzo dizendo apaixonadamente
que a amava. Recusou-se a admitir o quanto queria que isso acontecesse de verdade, e tentou concentrar-se no que Lorenzo dizia.
- Acho que devia usar isso hoje à noite.
Ela olhou o anel de esmeralda.
- Afinal, é nossa aliança de noivado - comentou - e o símbolo de nosso relacionamento.
Sem uma palavra, estendeu a mão para pegar a aliança, mas ele sacudiu a cabeça devagar, pegou-lhe a mão e colocou ele mesmo o anel em seu dedo.
Lágrimas escorreram de seus olhos. Lágrimas tolas que provaram para si mesma como tinha avaliado erroneamente a própria vulnerabilidade. Só uma mulher profundamente
apaixonada podia se sentir daquele jeito.
Não demoraram muito para chegar à casa dos pais de John. Um grande toldo tinha sido colocado no jardim e no terreno adjacente à casa, havia várias fileiras
de carros estacionados.
Foram cumprimentados no portão por um primo mais jovem de John, de smoking, que mostrou-se surpreso ao reconhecer Jodie, o que o deixou encabulado.
- Acho que devemos tentar encontrar os pais de John primeiro - disse Jodie.
- Isso me parece uma boa idéia - concordou Lorenzo.
- O que você trouxe? - perguntou curiosa, ao ver que ele carregava uma caixa de presente pequena.
- Chocolates caseiros para nossa anfitriã - informou, acrescentando: - Mandarei entregar uma dúzia de garrafas de vinho para o anfitrião.
Jodie deu um olhar de reprovação e pegou a bolsa, de onde tirou uma caixa embrulhada exatamente igual.
- Bingo! - disse a ele rindo, sorrindo de maneira natural pela primeira vez desde que tinham chegado à Inglaterra.
- Jodie! Lucy contou que tinha visto você à tarde na cidade.
O sorriso de Jodie desapareceu ao ver a mãe de John parada na frente dos dois.
Instintivamente, aproximou-se de Lorenzo. Ao perceber o olhar com que a mãe de John os examinava, ergueu a cabeça e encarou-a.
- Espero que não estejamos aqui de penetras - disse calmamente. - Posso apresentar meu marido a você, Sheila?
- Seu marido? Lucy me contou, mas eu não... Meu Deus, que surpresa. - A mãe de John deu um sorrisinho histérico. - E nós aqui, preocupados, achando que você
estava triste e com o coração partido.
- Minha mulher não demorou a perceber que tivera um namorico sem importância ao encontrar amor verdadeiro. - O sorriso de Lorenzo podia ter diluído um pouco
do veneno de suas palavras, mas mesmo assim, Jodie olhou-o com reprovação e não ficou surpresa ao verificar a frieza de seus olhos.
- Bem, espero que vocês sejam muito felizes, senhor... - começou Sheila num tom de voz que demonstrava falsidade.
- Lorenzo Niccolo d'Este, Duque de Montesavro - apresentou-se Lorenzo com uma segurança fria indiferente.
- O senhor é duque? - perguntou Sheila, perdendo a voz.
Lorenzo inclinou a cabeça concordando e disse calmamente:
- Mas me chame de Lorenzo.
De repente Jodie começava a achar a situação muito divertida.
- E como está o vereador Higgings? - perguntou meiga, voltando-se para explicar a Lorenzo: - O pai de John é vereador municipal.
A mãe de John tinha, ela notou, começado a ficar numa tonalidade rosa que em nada lhe favorecia. Engraçado como começou a se lembrar de todas as ocasiões
nas quais os pais de John tinham deixado claro que a consideravam inferior a eles.
E claro que estava se comportando muito mal, sabia, mas algumas vezes se comportar mal pode ser divertido!
- Essa é uma das vantagens de ter me casado com você e não com John - murmurou para Lorenzo quando se afastaram para que Sheila cumprimentasse os convidados
que chegavam.
- Qual?
- Não ter sogra - disse sucinta.
A essa altura tinham começado a atrair bastante a atenção e as pessoas ao reconhecê-la disfarçavam, mas acabavam por se desviar para olhar mais de perto e
com curiosidade.
Lorenzo tinha segurado seu braço de maneira solícita - provavelmente com medo que ela tropeçasse nos saltos altos e terminasse caindo de cara no chão envergonhando
a ambos, refletiu, equilibrando-se no piso desigual.
- Jodie...
Ela virou-se com um sorriso sincero ao ouvir a voz do médico local que demonstrava carinho e satisfação
- Dr. Philips!
Ele lhe deu um abraço entusiasmado e depois sorriu para ela.
- Você está ótima!
- Comida italiana, sol italiano...
- E um marido italiano - cortou Lorenzo, fazendo o médico rir.
- Não devia dizer isso - sussurrou o médico com uma careta - mas sempre achei um desperdício você ficar com John. Um cara legal, mas meio sem personalidade
- e muito controlado pela mãe.
- Pobre John. O senhor não está sendo muito gentil - protestou Jodie, mas acabou rindo.
Lorenzo pegou duas taças de vinho servidas por um garçom e entregou uma a Jodie.
Ela ainda não tinha visto nem Louise nem John, embora tivesse achado ter visto os pais de Louise. Sempre gostara da mãe de Louise, mas não tinha vontade de
encontrá-la agora. Naturalmente, como mãe, ia apoiar a filha - não importa o que esta pudesse ter feito.
E além disso, era forçada a admitir que se Louise e John se amavam, era mais do que certo ficarem juntos. Ela não mais se importava com o que lhe tinham feito
porque sua própria vida e seus próprios sentimentos tinham mudado. Olhou para Lorenzo e se permitiu mergulhar numa fantasia na qual sugeria a ele que fossem embora
e voltassem para o hotel. Ele concordaria com entusiasmo e daria um sorriso satisfeito antecipando os prazeres sensuais que os aguardavam. Ela exalou um suspiro
quando abandonou esse improvável, mas delicioso sonho e voltou à realidade.
- Sua perna? - perguntou Lorenzo imediatamente, interpretando erroneamente o motivo do suspiro.
Ela devia mentir e fingir que a perna a incomodava para que pudessem ir embora?
Mas antes que pudesse dizer alguma coisa o pastor e a esposa se aproximaram e Lorenzo envolveu-se numa discussão com eles sobre Florença.
Tomou um gole de vinho e procurava onde colocar a taça quando ouviu Louise dizer num tom de voz irritado:
- Quero dar uma palavrinha com você!
Louise estava sozinha e não havia sinal de John,
- Não pense que não percebi o que está planejando e o motivo de estar aqui - sussurrou a ex-amiga zangada.
Jodie sentiu o rosto começar a queimar. Sentia-se culpada pois sabia do motivo original que a levara ali. Mas, talvez, houvesse uma chance de perdoar - de
acabar com a inimizade entre elas...
- Isso é a vida real, Jodie, não uma novela romântica - dizia Louise. - John não vai dar uma olhada em você, me atirar de lado e voltar correndo atirando-se
a seus pés.
- Ótimo. Porque, honestamente, não é o que quero - disse. - Louise, estou casada e eu...
- Casada? Você? - Louise a olhou com enorme desprezo, - Você pode enganar todo mundo, mas não acredito nessa história nem por um segundo. Acho que você não
se casou - com certeza não tem a aparência de casada - e acho que você contratou esse cara para se fazer passar por seu "marido". - Olhou zangada para Jodie. - Nenhum
homem bonito como ele ia querer você com essa perna. Todo mundo está rindo de você. Você sabe disso, não sabe? Fingir que se casou com um duque. Como se isso fosse
possível! E esse anel ridículo que está usando? acrescentou, retorcendo a boca. - É tão evidente que é falso - assim como você e seu casamento. Aposto que você ainda
continua sendo aquela virgenzinha patética que era quando John lhe deu o fora.
Agindo por instinto, desviou o olhar para Lorenzo, um pedido silencioso nos olhos. Ele retribuiu-lhe olhar.
E em seguida caminhou na direção delas, respondendo à mensagem cifrada que lhe enviara. Foi tomada pelo alívio. Era tudo que precisava para não se atirar
em seus braços e implorar-lhe que a levasse embora.
Lorenzo sentiu a dor de Jodie como se fosse sua. Uma fúria e o desejo instintivo de protegê-la ferviam dentro dele. Tinha ouvido o que Louise dissera e não
tinha precisado do pedido silencioso que Jodie lhe enviara, suplicando por sua ajuda, para ir a seu encontro. Queria arrancá-la daquele lugar, afastá-la dessas pessoas
que não a apreciavam, do homem que não a tinha amado como merecia ser amada... como ele, em sua estupidez, tinha tentado se recusar a amá-la. Mas agora que o amor
tomara conta dele e afastado todo o resto, todas as outras pessoas, nada, a não ser Jodie e sua felicidade importavam.
Ele aproximou-se e segurou-lhe a mão, vendo quando o alívio brilhou em seus olhos.
- Para sua informação - disse a Louise frio não fui contratado. Jodie e eu estamos casados e venero a beleza de seu corpo quase tanto quanto amo a doçura
de sua natureza. E quanto à autenticidade tanto de meu título quanto do anel de noivado de família... - O olhar que lançou a Louise era tão devastador que Jodie
ficou surpresa que não a tivesse reduzido a cinzas no ato.
- Uma vez que você está noiva de um homem que, obviamente, não pode discernir o que é genuíno do que não é, imagino que seja de se esperar que você emita
opiniões ignorantes e mal informadas - continuou no mesmo tom. - E quanto ao motivo de estarmos aqui... - Lorenzo agora aumentou a voz ligeiramente, quando uma multidão
curiosa formou-se à volta. - Foi minha decisão. Quis ver onde Jodie tinha crescido, encontrar as pessoas com as quais convivera. E confesso que também queria conhecer
o homem que foi idiota o suficiente para deixá-la. Jodie só queria desejar felicidades aos dois.
Lorenzo ainda segurava-lhe a mão, percebeu, e a apertou com ainda mais firmeza enquanto movia-se protetor para perto dela. Automaticamente recostou-se nele,
grata pela sensação do corpo dele absorvendo o mal-estar e o choque do seu corpo.
- Que criatura patética você é! - disse Lorenzo a Louise numa voz bem baixa, inaudível para a maior parte das pessoas. - Você rouba o noivo da amiga e depois,
por causa de sua fraqueza e superficialidade é obrigada a viver com medo de perdê-lo para ela.
Louise, de vermelha ficou branca, quando as palavras cortantes de Lorenzo atingiram-na e de repente a mulher que Jodie sempre tinha achado uma beleza parecia
feia.
John tinha vindo correndo para o lado de Louise e olhava para as duas sem saber o que fazer. Quando a fitou, ficou evidente para Jodie que ele não era nada
se comparado a Lorenzo, que não passava de um homem fraco. Se já não tivesse percebido que não amava, certamente o faria agora.
- Podemos ir? - perguntou Lorenzo a Jodie.
Ela simplesmente fez um sinal com a cabeça.
CAPÍTULO QUATORZE
Dirigiram até o hotel em silêncio e Jodie ficou grata a Lorenzo por não dizer nada. Agora que estavam de volta à suíte ela se deu conta de como estava chocada
e angustiada devido ao maldoso ataque de Louise.
Tudo que desejava era a privacidade de seu quarto, para que pudesse colocar para fora as lágrimas. Para seu alívio, Lorenzo não fez nenhum comentário quando
ela disse:
- Minha cabeça está doendo. Eu... eu acho que vou dormir cedo.
Despiu-se, tomou um banho, enxugando-se rapidamente antes de enfiar-se nos lençóis cheirosos, pensando que, por sorte, Louise não sabia que ela e Lorenzo
dormiam em quartos separados.
Ficou nervosa ao ouvir uma batida na porta do quarto e a voz de Lorenzo dizendo:
- Pedi um jantar para você. Vou levá-lo.
Era tarde demais para dizer que não queria. Ele já abria a porta e empurrava um carrinho pelo quarto.
- É só uma salada e um bule de chá. Me lembrei que você disse que gostava de tomar chá quando estava com dor de cabeça. Ou a dor é no coração? - perguntou
seco.
Jodie mordeu o lábio e tentou sentar-se, ao mesmo tempo em que segurava a coberta da cama. Dando um suspiro profundo, disse com a voz embargada:
- Lorenzo, ainda não lhe agradeci por... por me defender e dizer o que disse a Louise.
- Você é minha esposa. Quando se trata de duvidar da validade de nosso casamento, naturalmente você conta com meu apoio. E naturalmente, não podia permitir
que aquela mulher tola fizesse aquelas ridículas acusações sem dizer nada.
Balançou a cabeça.
- Nós dois sabemos que não foi sua idéia virmos aqui.
- Não, foi sua, porque você queria encontrar seu ex-noivo. Você está melhor sem ele, sabe disso - disse friamente. -A impressão que tive dele, depois de conversar
com algumas pessoas, é que ele é um jovem fraco e superficial, dominado pela mãe.
- A família de Louise tem dinheiro e, suponho que, além das preocupações de Sheila sobre minha saúde, ela deve ter achado que Louise seria um melhor partido
para John. Não que eu o queira; ele não significa mais nada para mim. Posso vê-lo como ele é e acho que dei sorte por não ter me casado com ele.
Lorenzo franziu a testa.
- Você fala de um jeito como se realmente pensasse assim.
- E penso. Deixei de amá-lo antes de deixar a Inglaterra. Voltar apenas confirmou o que eu já sabia. - E de diversas maneiras, admitia, mas obviamente não
podia dizer a Lorenzo que voltar e encontrar John tinha lhe mostrado como era forte o amor que sentia por ele, se comparado aos sentimentos que no passado achava
sentir por John. Ainda tinha orgulho e esse orgulho estava ferido por causa das palavras de Louise.
Ela mordeu o lábio inferior e disse tristonha:
- Eu devia ter imaginado que as pessoas achariam que nosso casamento não era de verdade e que você não me quer. - Ela riu um pouco exageradamente. - Suponho
que devo trazer escrito na testa "virgem rejeitada", por causa da minha perna e...
- Que absurdo é esse? - perguntou Lorenzo, descansando a xícara de chá que preparava para ela e parando ao lado da cama.
- Não é absurdo - insistiu arrasada. - John me rejeitou por causa da minha perna e por causa dela ainda sou virgem. Odeio saber que as pessoas têm pena de
mim e... e ficam me olham por causa da minha perna - disse num ímpeto. - E eu só queria que...
- Quê?
- Que quando Louise me olhasse visse uma mulher de verdade.
Lorenzo sentou-se na cama, perto dela.
- Se é isso que realmente quer, pode ser conseguido facilmente - disse com voz rouca. - Porque definitivamente não compartilho da opinião do seu ex-noivo
idiota e a desejo muito.
Engoliu em seco e perguntou num sussurro, insegura:
- Você... você... me deseja?
- Claro. E mais do que isso, desejo prová-lo a você. Temos essa noite - disse Lorenzo. - E se você quiser, amanhã você pode testemunhar o desprezível casamento
deles com todo o brilho de uma mulher cuja curiosidade sexual foi satisfeita - e cuja fome sexual foi saciada.
Lorenzo estava propondo fazer amor com ela? Um pouco apreensiva, molhou os lábios com a ponta da língua.
- Mas... mas antes você disse que não podíamos porque...
- A gerência do hotel pensa em tudo...
Quando pareceu intrigada, ele explicou:
- Tem um pacote de camisinhas com os outros produtos de toalete que trouxeram.
- Ah, entendi.
- A decisão é sua - disse Lorenzo.
A vontade da fazer sexo com ela não significava nada sério, Jodie sabia. Era sexo que lhe oferecia, só isso. Não o amor pelo qual ansiava, e certamente não
o futuro e a permanência. Mas, ainda assim, queria o que ele lhe oferecia.
Engoliu em seco e olhou para ele.
- Então decido dizer que sim.
Quando ele se levantou da cama e se afastou, ela imaginou um milhão de coisas terríveis, sentiu-se a mais infeliz das mulheres, mil vezes pior do que se sentira
quando John havia se afastado dela. Mas, depois, viu que em vez de dirigir-se para a porta, Lorenzo tinha parado ao lado do carrinho. Pegou uma garrafa de champanhe
do balde de gelo e a abriu para encher duas taças.
Voltou para a cama com elas e ofereceu-lhe uma.
- A hoje e ao que vai nos trazer. Que possa ser tudo o que você espera - desejou encostando a taça à sua.
Apreensiva, tomou um gole do champanhe borbulhante e estremeceu quando Lorenzo tirou-lhe a taça da mão e a beijou.
A boca tinha o gosto de champanhe e dele, e ela se agarrou a esse pensamento enquanto a ponta da língua acariciava seus lábios e depois os entreabriu.
Ele a beijou até que não conseguiu pensar em mais nada, a não ser no prazer, na intimidade e no próprio desejo que pedia mais; até que ela aproximou-se ainda
mais dele e passou-lhe os braços pelo pescoço, enquanto os lábios se abriam famintos; até estarem deitados na cama. As mãos acariciavam seu corpo nu enquanto removiam
as barreiras indesejadas que os separavam.
Os corpos nus colados, pele contra pele, ela e o homem que amava. Podia existir no mundo algo mais sensual ou mais excitante? Jodie se perguntou em delírio
ao se permitir a luxúria de explorar a carne tépida que cobria os músculos de Lorenzo enquanto as mãos dele deslizavam sobre seu corpo e o acariciavam numa sensualidade
propositadamente lenta.
Ele beijou-lhe a base da garganta e depois o espaço entre seus seios, rodeando-lhe o umbigo com a boca enquanto ela estremecia de prazer e gemia baixinho.
Só quando ele acariciou-lhe a perna deficiente ela ficou tensa e agitou-se, sacudindo-se ansiosa e tentando escapar. Mas Lorenzo se recusou a soltá-la, curvando
a cabeça para beijar as cicatrizes que formavam um desenho de linhas cruzadas.
- Não... - Era a primeira vez que falava, a voz aguda e bastante angustiada.
Ignorando-a, Lorenzo disse suave:
- A primeira vez que vi você, achei que tinha as mais longas pernas que eu já vira. Soube imediatamente que queria senti-las em volta de mim enquanto a possuía.
- Não pode ter pensado isso - protestou. - Você estava tão zangado!
Ela viu a boca curvar-se num sorriso divertido.
- Você não sabia, virgenzinha, que um homem pode ficar zangado e excitado ao mesmo tempo? Sua ex-amiga é uma idiota. Nenhum homem que se preze poderia rejeitar
você, Jodie.
- Minha perna - protestou.
Lorenzo beijou-lhe as cicatrizes pela segunda vez.
- Sua perna é ainda mais linda porque carrega a prova de sua coragem.
Lágrimas emocionadas encheram-lhe os olhos, mas antes que pudesse enxugá-las, Lorenzo começou a procurar com a boca o caminho por suas coxas e outras emoções
mais intensas tomaram conta dela.
A mão cobriu-lhe o sexo. Devagarzinho ele começou a acariciá-lo até que ela começou a se curvar para que o toque a pressionasse ainda mais, seus dedos afundando-se
na pele macia dos ombros fortes enquanto as pernas se abriram totalmente para ele e a língua juntou-se aos dedos numa erótica exploração de sua excitação.
Ela gemeu de prazer quando sentiu-o penetrar sua umidade com um dedo, acariciando-a lentamente e depois mais vigorosamente. Imediatamente os músculos comprimiram-se
em torno do dedo e o corpo pulsou com violência. Lorenzo se posicionou para que pudesse beijar-lhe os seios enquanto lentamente a acariciava intimamente, um outro
dedo juntando-se ao primeiro, o prazer dos movimento dos dedos fazendo que com que ela gritasse uma, duas vezes quando Lorenzo atendeu a seu chamado apertando sensualmente
o mamilo intumescido com os dentes. Seu corpo movia-se segundo seu próprio desejo, procurando um ritmo íntimo que vinha de dentro dela, acompanhado por um leve resmungo
de frustração feminina.
- Você me quer dentro de você? - perguntou Lorenzo com voz rouca.
Jodie sacudiu a cabeça e enfiou os dedos na carne dele com ainda mais força quando ele a suspendeu, pegou um travesseiro e colocou-o debaixo de seus quadris.
Enquanto isso sua frustração só aumentava.
Não se sentia apreensiva, envergonhada, apenas sentia uma fome pedindo para ser saciada quando olhou, sem disfarçar, ele se colocar por cima dela, seus sentidos
se deliciando diante da visão dele, tão vigoroso e forte.
Lorenzo foi deslizando lentamente para dentro dela em vez de invadi-la e observava as expressões se alterarem no rosto de Jodie quando os músculos aceitaram
e se adaptaram à potência dele, comprimindo-o.
- Quer mais? - perguntou.
Respirou fundo e disse com intensidade:
- Quero. Quero você todo...
Podia senti-lo preenchendo-a tão completamente que a sensação de tê-lo dentro dela fez com que perdesse a respiração e depois enfiasse-lhe as unhas nas costas
enquanto ele se movia para dentro e para fora, com estocadas rítmicas que lhe tiraram o ar e a fizeram querer mais, cada vez mais, até que movendo-se com ele, perdeu
todo o controle, quando seu corpo tornou-se dele para lhe dar prazer até que ela não conseguiu suportar o prazer.
Sentiu a onda de orgasmo invadindo-a, mais intensa do que de costume e tão diferente do que conhecia por tê-lo dentro de seu corpo ... a conduzindo a um estado
de prazer numa dimensão especial. Gritou o nome dele uma, duas vezes quando ele a preencheu com o orgasmo dele, agarrando-se a ele enquanto murmurava palavras de
amor e prazer.
Lorenzo olhou para a cama onde Jodie continuava dormindo e se perguntou como tinha sido possível ter a vida inteira mudado tão de repente.
Ele a tinha olhado naquele jardim inglês, visto a dor e desespero em seus olhos e descoberto, de imediato, que a necessidade de protegê-la vinha do amor que
sentia.
Amor. Tinha estado presente desde o primeiro encontro, mas não o reconhecera porque não queria? Ou tinha surgido com a convivência? Isso importava?
Jodie abriu os olhos.
- Lorenzo. - Sorriu e depois corou.
- Você está bem? Arrependida?
Ela balançou a cabeça.
- Nem um pouco.
- Você não preferia que tivesse sido com John?
- Não. Queria que fosse com você.
- Hum. Bem, já que fui eu, precisamos conversar sobre o futuro. - Ele deu um profundo suspiro e afastou o olhar. - O que você acha de tornarmos nosso casamento
permanente?
Como ela não respondeu, ele virou-se, apreensivo, e se deparou com o rosto molhado de lágrimas.
- Não posso aceitar - disse chorando. - Eu quero, mas não seria justo com você. Não quando...
- Não quando o quê?
- Não quando sei que amo você - admitiu.
Lorenzo foi até a cama e sentou-se a seu lado.
- Faria alguma diferença se eu admitisse que me apaixonei por você?
- Só se fosse verdade - respondeu, séria.
Ele tinha lhe segurado a mão, entrelaçado os dedos aos seus e agora levava as mãos aos lábios para beijar a palma de sua mão. O coração de Jodie batia agitado.
Queria tanto acreditar nele, mas tinha medo.
- Não usei camisinha - ele disse.
Jodie engoliu em seco.
- Quer dizer que esqueceu?
- Não. Quero dizer que preferi não fazê-lo. Porque queria que nosso prazer não tivesse barreiras, que nossas carnes se tocassem e porque não posso imaginar
nada mais maravilhoso do que a idéia de podermos ter feito um filho.
- Você confia em mim o suficiente?
- Claro e mais do que isso: confio em você o suficiente para admitir que a amo. Vi o jeito com que me olhou quando Louise lhe dizia coisas horríveis.
Vi que você queria não apenas a minha ajuda, mas a minha presença.
Ele inclinou-se, beijou-a carinhosamente e afastou-se. Soltou um murmúrio de protesto e aproximou-se, pressionando os lábios contra os dele.
- Diga que me ama - sussurrou. - Me mostre.
EPÍLOGO
- Olhe o rostinho deles - sussurrou para Lorenzo enquanto, lado a lado, no pátio do Castillo, observavam as expressões das crianças que saltavam do ônibus
adaptado para trazê-los do aeroporto. A primeira leva de jovens vítimas da guerra a chegar no Castillo,. dentro do programa que Lorenzo iniciara.
Já fazia quase um ano que haviam voltado da Inglaterra, assumindo o compromisso em relação aos dois, ao casamento e à realização do sonho de Lorenzo.
Nos aposentos principais, as pinturas restauradas exibiam cores ricas e vibrantes. Nos dormitórios recém-pintados e mobiliados, camas esperavam pelas crianças
e terapeutas treinadas esperavam na nova ala que abrigava a piscina, as salas de tratamento e a academia.
- O que você está fazendo é maravilhoso, Lorenzo - disse emocionada. - Você está dando tanto a tantas crianças, trazendo tanta alegria a suas vidas.
- Não mais do que a que você trouxe à minha - disse, inclinando-se para beijá-la. Riu, feliz, quando o filhinho de três meses, no colo de Jodie, estendeu
a mão para apertar-lhe o dedo.Capricho do Destino Penny Jordan
Capricho do Destino
Penny Jordan
(The Marriage Resolution 1999)
1
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 1
Dee Lawson fez uma pausa para admirar os canteiros de flores na praça
principal da cidade que adorava desde que nascera.
Voltava de um encontro com as suas três amigas, Kelly, Beth e Anna.
Costumavam reunir-se num café, sempre que encontravam uma oportunidade. Beth e
Kelly eram sócias de uma encantadora loja de artigos de vidro num imóvel da sua
propriedade, mas a amizade datava dos tempos de escola. Anna era prima de Beth.
Estava radiante no seu oitavo mês de gravidez e era o centro das atenções.
Faltavam apenas algumas semanas para o casamento de Beth. Anna queria estar
presente. Bastaria o bebê ter um pouco de paciência e o médico dar-lhe permissão
para fazer uma pequena viagem. Beth e Alex amavam-se muito e ela adoraria vê-los no
altar.
Dee não parara de olhar para elas nem sequer por um segundo. As amigas
mereciam toda a felicidade do mundo. Ela própria, se pudesse escolher, também
gostaria de se casar e ter filhos. Aquele era o seu maior sonho. Mas tinha poucas
esperanças de que um dia ele fosse realizado.
Tudo poderia ter sido tão diferente...
Talvez ainda pudesse! Não era demasiado velha, afinal, para ser mãe. Anna era
mais velha do que ela. Muitas mulheres tinham os seus primeiros filhos após os trinta
anos. E ela tinha apenas trinta e um. Além disso, estava tornando-se comum que uma
mulher resolvesse fazer uma produção independente.
Os tempos eram outros. Bastava a mulher dirigir-se a uma clínica de
fertilização e especificar as características biológicas do doador.
No caso de Dee, no entanto, as expectativas não se limitavam a uma gestação.
Por mais forte que fosse o seu instinto maternal, ela queria que o seu bebê nascesse
num lar tradicional e seguro. Conhecia o significado da perda desde que nascera e não
tivera a mãe a seu lado. Por mais que o seu pai se tivesse esforçado para suprir a falta
da esposa, Dee nunca pudera deixar de olhar para as outras crianças de mãos dadas
com as mães sem sentir um aperto no peito.
O seu sonho poderia ter-se tornado realidade, se Julian Cox não tivesse
destruído a sua oportunidade de ser esposa e mãe.
Todas as suas tentativas para localizá-lo tinham-se revelado inúteis. Ele era um
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Capricho do Destino Penny Jordan
homem astuto e perigoso. Os seus golpes, soube mais tarde, tinham atingido um
grande número de pessoas, principalmente mulheres.
Dee balançou a cabeça para afastar o pensamento e olhou para o prédio de três
andares à sua frente. O engenheiro tinha mandado retirar os tapumes da obra e a
fachada georgiana podia agora ser vista em todo o seu esplendor.
Quando comprara o imóvel, ele estava em risco de desabar. Fora uma tarefa
árdua convencer os membros da Câmara Municipal, o arquiteto e o engenheiro a
salvarem o prédio. Mas o esforço valera a pena. Os trabalhos de restauração tinham
sido perfeitos. Ele recuperara a sua imponência original.
Jamais esqueceria o momento glorioso em que o Presidente da Câmara cortara
a fita sob a placa dourada em que ela mandara gravar o nome do seu pai, in memoriam,
e os dizeres que estabeleciam que os fundos para a obra tinham sido doados por ele.
O último andar abrigaria os escritórios onde ela cuidaria de tudo o que dizia
respeito às obras de assistência sob a sua supervisão. Os dois primeiros funcionariam
como um centro de convivência, com palestras e cursos. Os seus planos eram montar
um café, uma sala de música e também uma pequena biblioteca. O local seria uma
espécie de clube.
No hall de entrada, Dee colocaria um retrato do seu pai.
Ele tinha sido um homem e um pai maravilhoso. O seu raciocínio analítico e a sua
inteligência brilhante fizeram-no enriquecer e tornar-se uma pessoa de prestígio no
mundo dos investimentos. Mas acima de tudo, o seu pai fora bom e generoso. Foi dele
que Dee herdou a devoção aos seus semelhantes. E seria em nome dele que continuaria
a cuidar da população carente da sua região.
Mas não foi apenas a inclinação para a caridade que Dee herdou do seu pai. Ela
também era uma executiva esperta e incansável no mundo dos negócios.
Como não precisava de dinheiro para sobreviver, pois a herança deixada pelo
seu pai garantiria a sua segurança e conforto pelo resto dos seus dias, Dee dedicava-
se quase integralmente à melhoria da qualidade de vida dos outros.
Dee estava grata à sorte pelo muito que tinha, não apenas em matéria de
conforto, mas também de amizades.
A sua família tinha raízes espalhadas pela região há diversas gerações. A
maioria dos parentes vivia no campo, mas ela mantinha laços estreitos com todos eles.
Sim, tinha muito a agradecer. Por que motivo, então, não conseguia sentir-se
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Capricho do Destino Penny Jordan
inteiramente feliz? Por que não arrancava de vez aquela mágoa do peito?
Respirou fundo. Não queria entregar-se a recordações dolorosas. Aliás, não
entendia o que as despertara. Não estava certo sentir tristeza, quando Anna estava
tão radiante e Beth e Kelly tão felizes.
Ergueu os olhos para o céu. Parecia uma pintura. O azul estava intenso e as
poucas nuvens que o enfeitavam pareciam feitas de algodão.
Ao redor da praça, as lojas já estavam decorando as suas vitrines com flores e
cartazes anunciando as festividades do primeiro de Maio, data muito comemorada e
cuja tradição remontava à era medieval.
Haveria um desfile de carros alegóricos patrocinados pelas principais empresas
da região, a apresentação de uma fanfarra, uma grande fogueira e um sensacional fogo
de artifício.
Como uma das principais coordenadoras do evento, nomeada pelo comitê de
festas, Dee sabia que em breve não teria nem sequer tempo para respirar.
Era preciso organizar até mesmo o trânsito, estabelecendo regras especiais
para aquele dia. Em tempos passados, como Dee teve oportunidade de descobrir por
meio de um documento que lhe tinha chegado às mãos, os responsáveis pela festa
precisavam de impor regras não para o trânsito de carros, mas de carneiros, bois e
cavalos.
Por mais que Dee insistisse em ocupar os pensamentos com o seu trabalho, foi
obrigada a voltar ao assunto de gravidez e bebês, naquela noite ao chegar a casa. Uma
prima por parte da sua mãe tinha tido gêmeos e a outra prima que estava telefonando-
lhe adiantou que ela seria convidada para ser madrinha.
Dee começou a pensar nos presentes que compraria quando fosse visitar a
prima na maternidade, mas logo se obrigou a colocar uma trava na sua imaginação.
Não havia melhor distração para a mente do que o trabalho. Aquela fora uma
das principais lições que o seu pai lhe dera desde que atingira idade suficiente para
ajudá-lo nos negócios.
Força de vontade e determinação eram qualidades positivas e admiradas por
todos, dizia ele. Talvez fossem, pensou Dee, mas no decorrer dos anos ela também
aprendeu que os homens temiam, mais do que apreciavam, esses atributos nas
mulheres.
Dee ligou o computador e censurou-se por se entregar àquela linha de
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Capricho do Destino Penny Jordan
pensamento. Mas realmente não podia conter a parte rebelde do seu cérebro, que
insistia em dizer que os homens preferiam as mulheres frágeis, que dependiam da sua
proteção. E ela não era do tipo vulnerável.
Pelo menos não tinha a aparência de ser. Alta e elegante, Dee despertava inveja
nas mulheres pelo seu corpo esbelto e bonito e também pela sua flexibilidade e pelo
seu incansável bom humor. Gostava de fazer caminhadas, de nadar e de dançar. Nos
encontros em família, era sempre a primeira a ser chamada para comandar os jogos e
as brincadeiras.
Os cabelos cor de mel eram lisos e compridos, e ela costumava usá-los presos
num apanhado clássico na nuca. Nos tempos de faculdade, recebeu um convite para ser
modelo, diretamente do dono de uma das agências mais famosas do país.
Dee, porém, como nunca tinha colocado a beleza e a elegância como prioridades
na sua vida, não teve dúvidas em recusar a oferta.
Em vez de diminuir, a graça de Dee aumentou com o passar dos anos. Ela não se
dava conta, mas sempre que andava pelas ruas era alvo de mais de um olhar por parte
das pessoas, em especial dos homens. E o que mais os intimidava não era a sua
personalidade, como ela imaginava, mas a sua extraordinária beleza e o seu bom gosto
na escolha de roupas. O seu estilo clássico era o fator principal pelo qual os homens a
consideravam alguém fora do seu alcance.
Dee franziu o rosto ao olhar para o monitor à sua frente. Uma das mais
recentes instituições de caridade que ela tomara sob a sua proteção não estava
atraindo o apoio público necessário. Seria preciso encontrar um meio de corrigir esse
problema.
Talvez devesse procurar Peter Macauley e aconselhar-se com ele. Além de ter
sido amigo do seu pai, Peter fora seu professor na faculdade e eles compartilhavam
dos mesmos ideais filantrópicos. Solteiro e sem descendentes, ele tinha indicado Dee
como uma das executoras do seu testamento, porque sabia que ela seria capaz de
fazer cumprir os seus desejos.
Após a morte do seu pai, Peter fora designado pelo conselho de administração
para administrar o setor financeiro da instituição.
Ao pensar em Peter Macauley, Dee não conseguiu prosseguir com o trabalho.
Sabia que o professor e amigo não estava recuperando-se bem da cirurgia que fizera
há alguns meses. Na última visita que lhe fizera, em Lexminster, ficara impressionada
com o seu aspecto.
Habituado a viver perto da universidade onde lecionara durante muitos anos,
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Capricho do Destino Penny Jordan
Peter relutava em atender o pedido de Dee para que se mudasse para Rye-on-Averton,
mais precisamente para sua casa, onde ela teria condições de cuidar dele como
desejava.
Quando jovem, Dee escolheu a universidade de Lexminster para estudar
principalmente porque era a mais próxima da sua casa. Além de oferecer o curso que
ambicionava fazer, não a levaria para longe do seu pai. Na época, quando ainda não
havia uma auto-estrada que ligasse as duas cidades, o trajeto era de quatro horas.
Assim, impossibilitada de viajar todos os dias, Dee resolveu morar numa residência
com os demais estudantes e ir a casa aos fins-de-semana.
Parecia fazer um século que vivera aquela fase. No entanto, apenas se tinham
passado dez anos. O suficiente, porém, para ela se transformar de uma garota numa
mulher madura.
O ano de formatura coincidira com a morte do seu pai. Dez anos, mas era como
se tivesse acontecido no dia anterior. Ela ainda não se tinha recuperado da dor da
perda e do sentimento de culpa.
Dee levantou-se abruptamente e desligou o computador.
O encontro com as amigas não tinha trazido à tona apenas o seu sonho secreto
de ser mãe, mas aberto uma velha ferida. Inconscientemente, ela tocou a base do
dedo anelar, onde deveria haver uma aliança.
Respirou fundo.
Não podia continuar cultivando angústias. Precisava de se ocupar com algo. Algo
como uma visita a Peter, em Lexminster, talvez.
Costumava ir vê-lo a cada quinze dias, pelo menos. Mas nunca lhe contava o real
propósito da sua visita. Inventava sempre uma desculpa. Geralmente, dizia que estava
com algum problema e que precisava de consultá-lo a esse respeito. Não queria que
Peter percebesse a sua ansiedade pelo precário estado de saúde em que ele se
encontrava.
Durante o trajeto, sem que percebesse, a sua mente tornou a divagar.
Como estava excitada ao empreender a sua primeira viagem a Lexminster como
caloura! Lembrava-se de cada minuto daquele dia quente de Setembro.
Deixou o carro, presente do seu pai por ocasião do seu décimo-oitavo
aniversário, no estacionamento. Cuidava dele com orgulho e carinho. O seu pai, apesar
de rico, sempre a ensinara a dar valor ao que possuía. Acima de tudo, ele ensinara-lhe
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Capricho do Destino Penny Jordan
que o amor e a lealdade eram mais importantes do que o dinheiro, pois não podiam ser
comprados.
O alojamento das primeiras semanas foi substituído por uma pequena casa,
comprada com a ajuda do seu pai.
Aqueles foram os melhores anos da sua vida. E os piores.
A cidade estava sempre repleta de turistas e de estudantes. Do castelo
fortificado da Idade Média em torno do qual a cidade fora construída restavam
apenas trechos de paredes e uma torre solitária, cujo interior úmido e frio ainda
causava arrepios em Dee, quando ela o recordava.
Queria estudar Economia. O seu objetivo era trabalhar com o pai depois de
formada. Mas antes, a sua dedicação voltar-se-ia para os povos carentes de um dos
países do Terceiro Mundo. Por um ano. Aquela era a sua intenção original.
Com a morte súbita do seu pai, todos os planos tiveram de ser revistos. Em vez
de ajudar os necessitados de corpo presente, ela enviaria o único tipo de ajuda de que
poderia dispor: financeira.
Sempre que a televisão mostrava equipes de socorro ou de ajuda, Dee
acompanhava as imagens com a respiração suspensa. Mas por mais que observasse cada
rosto, cada detalhe, nunca identificou nenhum que lhe fosse familiar.
Dee mordeu o lábio. Por que motivo os seus pensamentos insistiam em evocar
aquela época proibida do seu passado? De que adiantava? Não tivera escolha. Tomara a
única decisão possível. As palavras do agente da polícia ainda ecoavam nos seus
ouvidos: um trágico acidente. A viagem de volta a Rye-on-Averton fora um pesadelo. E
a chegada, um prolongamento dele com as inevitáveis perguntas e conversas.
Ao sentir a tensão tomando conta do seu corpo, como se estivesse vivendo
novamente aqueles momentos, Dee parou o carro e obrigou-se a relaxar.
Os seus pensamentos voltaram ao prédio que acabara de ficar pronto. O seu
sonho agora seria transformá-lo num centro de convivência, não para idosos como era
a base do programa fundado pelo seu pai, mas sim para jovens carentes.
O seu pai. Todas as homenagens que lhe fizessem seriam poucas. Quando se
lembrava da injustiça que aquele sujeito cometera com ele, do pânico que o invadira...
Dee fechou os olhos e respirou fundo várias vezes. Precisava de colocar um fim
naquela tortura. A sua revolta não resolveria nenhum dos seus problemas.
Obrigou-se a olhar com atenção em seu redor. A cidade estava a progredir.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Muitas indústrias estavam para ser instaladas na sua periferia. Pouco a pouco, a antiga
cidade universitária estava adquirindo a fama de ser o Vale do Silício britânico.
O bairro onde Peter morava tinha-se tornado a área residencial mais procurada
pelos executivos que vinham instalar-se na região, para trabalhar nessas indústrias.
Bateu duas vezes na porta. Peter não ouvia muito bem e costumava demorar
para atender. Naquele dia, contudo, a porta foi imediatamente aberta.
Estava por perto, Peter? brincou Dee, distraída com a bolsa que não
conseguia fechar depois de guardar a chave do carro. Atendeu rapidamente, hoje.
Peter está no quarto.
A voz não tinha mudado, apesar de terem passado dez anos desde que a ouvira
pela última vez.
Hugo? O que está fazendo aqui?
O seu coração quase parou. Ela detestou-se por isso. Por que motivo estava
comportando-se como uma adolescente diante do primeiro amor da sua vida? Porque
Hugo realmente fora o seu primeiro e único amor?
O modo como ele a fitou a fez engolir em seco.
Quando se conheceram, ela estava no primeiro ano da faculdade e Hugo, no
último. Ele era o ídolo de todas as suas colegas, com a sua altura avantajada e o seu
tipo romântico. Onde quer que estivesse, Hugo destacava-se entre os demais. Não só
pela altura, mas pela beleza. Os seus cabelos eram pretos e brilhantes e os olhos,
azul-claros. O seu corpo era musculoso, como se ele se dedicasse à prática de variados
esportes. A sua boca era tão sensual, que fazia pensar em como seria bom
experimentar os seus beijos.
A primeira vez que eles se falaram foi a caminho do anfiteatro onde Peter
faria uma palestra. Os dois estavam atrasados e Hugo foi para cima dela e da sua
bicicleta no momento em que virou uma esquina.
Ela conhecia-o apenas de vista. Admirou-se ao descobrir que ele fazia parte do
pequeno grupo de idealistas e seguidores de Peter.
Por que está espantada? indagou Hugo, admirado. O meu relacionamento
com Peter é de longa data. Sabe disso.
É claro que sim reconheceu Dee. Mas pensei que...
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Capricho do Destino Penny Jordan
Estava em estado de choque. Precisava de se controlar, antes que se traísse
ainda mais.
Pensou que eu ainda não tinha me recuperado? Que não seria capaz de
continuar a viver sem o seu amor?
Dee cruzou os braços. Estava realmente frio ou aqueles tremores eram
conseqüência do choque que apanhara ao encontrar a última pessoa que esperava ver
naquele momento?
Como estão o seu marido e o seu filho? perguntou Hugo. Ele deve estar
crescido. Já fez nove anos, não?
Dee pestanejou. De que marido e de que filho estava Hugo a falar?
Uma batida à porta soou naquele instante, arrancando-a dos seus pensamentos.
Deve ser a médica que chamei informou-a Hugo.
A médica? repetiu ela, confusa. Pelo que sabia, Peter sempre se tratara
com um médico.
Sim. Peter não está nada bem. Com licença.
A médica era uma mulher atraente.
Senhor Montpelier? Sou a doutora Jane Harper. Nós conversamos ao
telefone.
Sim, faça o favor de entrar.
Dee não pôde evitar o pensamento de que o tom de voz de Hugo foi muito mais
afetuoso com a desconhecida do que ao recebê-la alguns minutos antes.
Ele está no quarto. Queira acompanhar-me.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 2
Dee seguiu-os, preocupada. Sabia que Peter não andava bem há algum tempo,
mas ouvir isso de Hugo deixara-a agoniada. Eram emoções de mais ao mesmo tempo.
Da última vez que o vira, Hugo era um estudante de pós-graduação, de cabelos
longos, calças jeans e camisa. O seu espírito aventureiro e a sua aparência caíram no
desagrado de seu pai à primeira vista. A implicância foi tanta, que ele chegou quase a
ponto de proibir o seu relacionamento com Hugo.
Como o mundo dava voltas! Se o visse naquele instante, o seu pai não teria nada
de que reclamar.
Dee aproveitou que Hugo estava conversando com a médica para examiná-lo.
As calças jeans e a camisa tinham sido substituídas por terno, gravata e camisa
branca e os cabelos estavam cortados curtos e bem penteados. Mas as feições
atraentes, a boca e os olhos continuavam os mesmos. Assim como o coração de Dee.
A ansiedade quase a sufocou. Incapaz de continuar olhando para ele e para a
médica, Dee dirigiu-se para a escada.
Aonde vai? quis saber Hugo.
Ao quarto de Peter, é claro.
A médica e Hugo desaprovaram a sua iniciativa com um movimento simultâneo
de cabeça. E antes que Dee pudesse argumentar, a médica pediu para ver o paciente.
Venha comigo Hugo colocou-se à disposição. Estava sendo completa e
absurdamente ignorada, pensou Dee. Mas eles estavam enganados se pensavam que ela
iria desistir de ver o seu velho amigo. Mais ainda, se acreditavam que ela os deixaria a
sós. Dez minutos depois, quando os dois saíram do quarto, Dee resolveu passar por
cima do seu orgulho ferido.
Como é que ele está?
O seu coração está muito fraco. Ele abusou das suas condições,
aparentemente. Confessou que tem feito esforços, mudando os seus livros de
prateleiras, para organizá-los. Lamento muito dizer isto prosseguiu a médica, mas
não creio que o senhor Macauley esteja em condições de continuar morando sozinho. A
minha recomendação é que contratem alguém que possa cuidar dele, ou que o levem
10
Capricho do Destino Penny Jordan
para uma casa de repouso.
Oh, não, Peter não suportaria protestou Dee.
Ele teve muita sorte por você estar por perto quando ele sofreu o colapso
continuou a médica, olhando exclusivamente para Hugo, como se Dee não estivesse ali.
Agiu com rapidez e isso o salvou.
Dee sentiu uma onda de indignação inundá-la. Hugo tinha feito o que qualquer
pessoa faria numa situação de emergência. Á médica não precisava ficar olhando para
ele como se estivesse diante de um super-herói.
Tomarei providências para que o senhor Macauley seja visitado por uma das
nossas funcionárias do serviço de assistência social continuava dizendo a médica,
quando voltou a lembrar-se da existência de Dee. Se quiser subir agora, o senhor
Macauley está à sua espera.
Avisei-o que estava aqui disse Hugo.
Dee não hesitou. Embora a contrariasse deixar aquela mulher sozinha com
Hugo, ela encontrava-se ali por causa de Peter e ele talvez nunca tivesse precisado
tanto de uma amiga.
Mortificou-a ver o professor abatido e frágil no seu leito. Ela sentou-se junto a
ele e segurou uma das suas mãos.
Olá, Peter.
Dee. Hugo disse-me que estava aqui. Não fique preocupada. Ele fez uma
tempestade num copo de água. Foi apenas uma pequena falta de ar. Não havia
necessidade de chamar uma médica.
Antes que Dee pudesse responder, Peter apertou a sua mão.
Não deixe que me levem para um asilo. Não quero ir a parte alguma. Esta é a
minha casa. Quero ficar aqui até morrer.
Dee receou pelo estado de agitação do professor e tentou tranqüilizá-lo.
Tenha calma. Por que está preocupado com isso?
Eu ouvi o que a médica disse.
Agora Peter estava quase gritando. Por mais que ela tentasse garantir que ele
estava nervoso à toa, Peter não a escutava.
11
Capricho do Destino Penny Jordan
A porta foi aberta de repente.
O que é que lhe disse? acusou-a Hugo. Não percebe que o está
perturbando?
Dee queria defender-se. Hugo estava sendo injusto com ela. Mas não havia
tempo. O mais importante naquele momento era tranqüilizar Peter.
Se tiver de se mudar daqui um dia, será para minha casa, eu juro.
Dee viu, de esguelha, Hugo franzir o rosto.
Afinal, o que é que ele estava fazendo ali? Jamais lhe passara pela cabeça que
Peter tivesse mantido contato com o seu ex-aluno. Ele nunca tinha comentado com ela
a esse respeito.
Não quero ir para lugar nenhum; quero ficar aqui repetiu Peter. A sua
agitação estava aumentando. Ele já tinha até mesmo derrubado os cobertores, de
tanto espernear.
Dee reconhecia que ele não estava em condições de continuar morando sozinho.
A médica estava certa nesse sentido. Ela precisava encontrar uma forma de convencê-
lo a ir para sua casa, ao menos por algum tempo.
E aqui ficará, no que depender de mim garantiu Hugo, para surpresa de
Dee.
Ela encarou-o, perplexa. Como é que ele podia fazer promessas que não teria
como cumprir?
Então poderei contar realmente consigo? quis certificar-se Peter. A sua
voz estava embargada de emoção. Sei que uma vez me fez essa promessa, mas não
esperava que...
Ficarei aqui contigo o tempo que for preciso confirmou Hugo.
Dee olhava de um e para outro. A voz de Hugo não poderia ser mais gentil. O
seu olhar, no entanto, cada vez que se dirigia a ela, era de franco desafio.
Uma série de questões assaltava-lhe a mente. Precisava de respostas. Mas
como? Peter era o único que poderia dá-las, e não estava em condições.
O estado de saúde de Peter estava afetando Dee em mais de um aspecto. Ela
vinha dividindo com ele a responsabilidade legal pela instituição de caridade fundada
pelo seu pai, desde a sua morte. Embora sempre tivesse sido ela a dirigir tudo, técnica
12
Capricho do Destino Penny Jordan
e praticamente falando, nada poderia ser assinado sem a concordância legal do seu
parceiro.
No momento que quisesse, Peter poderia designar outra pessoa para assumir o
seu lugar. Nunca tinha surgido necessidade disso até àquele momento. E por essa
razão, nenhum nome jamais fora mencionado. Agora, a necessidade de uma conversa
nesse sentido era iminente.
Peter era um cavalheiro à moda antiga. No seu modo de ver, as mulheres
precisavam do apoio dos homens. Embora não costumasse comentar o assunto, Dee
sabia que ele sempre se preocupara com o fato de ela não ser casada e não ter alguém
forte para protegê-la. Ela suspeitava, inclusive, que Peter não vira com bons olhos a
autoridade que o pai lhe outorgara no seu testamento, bem como a sua confiança em
permitir que a filha passasse a cuidar de todos os seus interesses no campo
financeiro.
Em menos de uma semana, aconteceria a reunião do conselho de administração
da instituição. Dee pretendia fazer algumas alterações no sistema, mas teria de
contar com a aprovação de Peter e dos outros membros.
O seu objetivo principal era destinar uma parte maior dos donativos reunidos
para os jovens e organizar o novo centro de convivência para uso deles, não apenas
para que se reunissem e tivessem atividades sadias com que se ocuparem, mas também
para que tivessem a possibilidade de desenvolverem as suas habilidades em cursos de
profissionalização.
Ela não tinha dúvidas de que a mudança geraria protestos por parte da ala
conservadora do conselho, que via os jovens como elementos muitas vezes perigosos e
não como pessoas inseguras e com necessidade de apoio e de atenção. Mas Dee estava
preparada para defender o seu ponto de vista com unhas e dentes, se fosse preciso, e
o primeiro passo seria conseguir a cooperação de Peter como seu co-signatário. Um
processo que seria lento e difícil, de certeza. Peter, afinal, já tinha se mostrado
alarmado mais de uma vez com a sua disposição para efetuar mudanças.
Ele agora estava dormindo. Ela levantou-se com cautela para não acordá-lo e
dirigiu-se à porta. Hugo seguiu-a.
Não precisa ficar aqui disse ela assim que saíram do quarto. Eu
poderia...
Poderia fazer o quê? Levá-lo para sua casa? Hugo interrompeu-a. E a
sua família? O que dirão o seu marido e o seu filho? Ou são filhos agora? Não. Peter
sentir-se-á muito melhor onde sempre viveu. Afinal, se realmente o quisesse a seu
lado, deveria ter tratado de convencê-lo antes, em vez de esperar que ele estivesse às
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Capricho do Destino Penny Jordan
portas da morte.
Dee sentiu um nó na garganta. Não apenas por não merecer a acusação, mas
principalmente porque não esperava que Peter estivesse tão mal.
Eu tentei levá-lo protestou, aflita demais para se importar com a nova
referência a uma família que não existia. Não entende...
Peter era um homem orgulhoso e ativo, sempre cercado de amigos. A vida em
Lexminster era o que mais prezava. Mas as circunstâncias...
Não ouviu o que a médica disse? Ele não pode continuar morando sozinho
nesta casa. Se ela fosse térrea seria mais fácil. As escadas podem ser perigosas, na
sua condição.
Ele não se sentirá bem em nenhum outro lugar! insistiu Dee. É
testemunha.
É verdade. Sou testemunha do medo que todos os idosos têm de serem
largados pelos seus familiares e amigos para viverem entre estranhos declarou
Hugo. Já vi isso acontecer mais do que desejaria. É uma pena que as pessoas daqui
não sigam o exemplo dos povos que habitam o Terceiro Mundo. O respeito aos idosos é
ensinado desde a infância. Em muitas tribos, os idosos são venerados e detêm o poder
de decisão.
Dee lembrou-se mais uma vez dos tempos da faculdade. Hugo e ela
compartilhavam o mesmo sonho de viajarem para esses países em missões de
solidariedade.
Ela não tinha conseguido realizá-lo. Não sabia o que Hugo fizera durante todos
aqueles anos, mas as suas mãos macias e as unhas bem cuidadas não sugeriam uma
ocupação rudimentar, como cavar poços e fossas sépticas, por exemplo.
Está me dizendo que o dinheiro é mais importante do que as pessoas?
desafiara-a Hugo, zangado, quando soube que ela estava decidida a assumir os
negócios do pai em vez de segui-lo.
Em lágrimas, ela tinha suplicado que Hugo tentasse compreendê-la. Mas ele
recusara-se a ouvi-la.
Parece-me que a melhor solução será eu ficar aqui com Peter decidiu
Hugo. Mas antes, preciso resolver um ou dois problemas e também fechar a conta
no hotel onde estou hospedado. Fica com ele até eu voltar?
Claro que fico prontificou-se Dee.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo consultou o seu relógio de pulso antes de continuar.
Voltarei o mais depressa que puder. Digamos em duas horas.
Dee observou que o modelo que ele usava era simples, embora de uma boa
marca. A roupa, embora discreta, tinha um corte perfeito. Hugo tinha-lhe contado que
provinha de uma família de fazendeiros, mas que preferia ganhar a sua própria vida a
depender da ajuda financeira dos pais e dos avós.
Os familiares devem ajudar os jovens costumava dizer Hugo, para que
eles se tornem independentes, não dependentes.
Dee gostaria de conseguir convencê-lo de que fazia questão de cuidar de Peter
e que não havia necessidade de ele tomar para si a responsabilidade de zelar pela sua
saúde, mas a certeza de que Hugo se comprazeria em recusar a sua oferta impedia-a
de traduzir os seus pensamentos em palavras.
O olhar frio que ele lhe dirigira desde o primeiro momento que a vira em frente
à porta era um sinal de profundo desagrado pela sua presença na casa. Compreendia
que o reencontro não tivesse visto nenhum entusiasmo da parte dele. Por outro lado, o
que fizera para merecer aquele desprezo?
As suas roupas eram demasiado simples, em comparação com as usadas pelas
mulheres com quem costumava sair?
Mas, afinal, o que importava se Hugo aprovava ou não o seu modo de vestir ou
de viver? Ele não tinha acabado de declarar que não se interessava pelas suas idéias
nem pelos seus sentimentos?
Dez minutos depois de Hugo sair, Dee ouviu Peter tossir e correu para o
quarto.
Foi um alívio encontrá-lo sentado na cama. A cor tinha-lhe voltado às faces e
ele parecia estar bem melhor do que durante a consulta.
Onde está Hugo? perguntou ele.
Foi fechar a conta no hotel e buscar as suas coisas respondeu Dee, um
tanto enciumada pela preferência. Como está se sentindo? Gostaria de beber ou de
comer alguma coisa?
Estou bem melhor, Dee, obrigado. Uma xícara de chá seria ótimo.
Ela preparou a bebida em poucos minutos e levou-a numa bandeja, com alguns
sanduíches e um pedaço de bolo que trouxera de sua casa. Sabia que Peter gostava de
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Capricho do Destino Penny Jordan
bolos caseiros e nunca se esquecia de preparar um, quando resolvia visitá-lo.
Nunca imaginei que você e Hugo tivessem mantido contato comentou Dee
com cautela, enquanto servia o chá.
Para ser sincero, não houve nenhum contato entre nós até há alguns meses
atrás, quando o encontrei por acaso na universidade. Ele veio a Lexminster a negócios.
Fomos convidados para a mesma palestra. Eu achei que era ele, mas não tive a certeza.
Então, Hugo aproximou-se e cumprimentou-me.
Hugo mudou admitiu Dee, embora soubesse que jamais poderia esquecê-lo
ou confundi-lo com outro homem. Algumas características eram demasiado pessoais. E
não estava se referindo às impressões digitais nem aos traços físicos. O que é que
ele tem feito? perguntou com ar de fingida indiferença.
Ele não lhe contou? Peter pareceu surpreendido. Hugo é o executivo-
chefe de um programa humanitário especial das Nações Unidas. Pelo que entendi, o
objetivo é auxiliar e ensinar as pessoas a tornarem-se auto-suficientes e combater os
prejuízos causados pela seca. Ele está entusiasmado com os estudos que estão
desenvolvendo para um novo tipo de plantio. Se funcionar, representará cerca de
quarenta por cento das necessidades de proteínas do indivíduo.
É um programa ambicioso.
Ambicioso e caro concordou Peter. A experiência ainda se encontra nos
primeiros estágios. Até que prove ser útil, envolverá altos investimentos por parte de
grupos particulares e de governos internacionais. Aliás, uma das atribuições de Hugo é
angariar fundos junto de políticos. Ele confidenciou-me que preferia estar
trabalhando em contato direto com a população carente, mas eu lembrei-lhe de que ele
sempre possuiu um cérebro brilhante e que está a prestar melhor serviço aos
necessitados na direção e condução dos programas de ajuda.
Peter balançou a cabeça.
Hugo sempre foi obstinado. Houve um tempo em que cheguei a pensar que ele
seguiria a carreira acadêmica. Enganei-me por completo.
Romântica e também idealista, Dee tinha tecido uma fantasia de que Hugo era
como um cavaleiro medieval, numa armadura reluzente, pronto a lutar pelos pobres e
oprimidos. Hugo era tudo o que sonhara. Física, moral, emocional e sexualmente
perfeito!
Oh, sim, também sexualmente! A sua determinação em manter-se virgem fora
relegada diante da força da paixão que Hugo lhe despertara.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Precisa conversar com Hugo, Dee continuou Peter, eufórico. Ele tem
idéias muito interessantes.
Eu diria que os habitantes de Rye têm outras prioridades que não se
relacionam em nada com o valor das proteínas.
O conselho de Peter irritou-a. O que é que ele pensava que Hugo era? Um deus?
Por que deveria ela atirar-se aos seus pés?
Não tivera condições de fazer os exames finais na faculdade, após a morte do
seu pai, mas os conhecimentos que adquirira nos anos de trabalho prático tornaram-na
mais do que apta a dirigir a instituição. Não precisava dos conselhos nem dos
ensinamentos de Hugo para isso.
Você tem um talento inato para finanças elogiara-a o pai, e ela não tinha
dúvidas de que ele sentiria orgulho, se a pudesse ver à frente do trabalho.
Falsa modéstia à parte, Dee sabia que era chamada não apenas de inteligente,
mas de astuta na condução dos negócios. Ao contrário do pai, que sofrera o maior
golpe da sua vida ao confiar na honestidade de quem não merecia.
Dee, não está me escutando? queixou-se Peter, trazendo-a de volta à
realidade.
Oh, perdoe-me. Eu distraí-me por um instante.
Eu estava dizendo que deveria falar com Hugo para que ele a aconselhasse.
Sei que o seu pai confiava na sua capacidade, mas eu sempre achei que o peso que ele
colocou sobre os seus ombros é grande demais para que o carregue sozinha. Se tivesse
um marido, seria diferente.
Dee obrigou-se a não argumentar. Peter estava velho e doente e tinha as
melhores das intenções. Assim como ela, ele não tinha casado. Como não tinha esposa
nem filha, era dela que ele se determinara a cuidar.
A propósito, conseguiu saber o que se passou com Julian Cox?
Dee estremeceu.
Não. Por que pergunta?
Por nada. Hugo e eu estávamos recordando os velhos tempos e eu lembrei-me
do que ele fez ao seu pai.
O meu pai mal o conheceu apressou-se Dee a dizer.
17
Capricho do Destino Penny Jordan
Talvez não, mas o homem fez parte do conselho de administração da
instituição por certo tempo e o seu pai contou-me que tinha ficado impressionado com
algumas das suas idéias para angariar fundos para caridade Peter suspirou. Foi
lamentável que o seu pai perdesse a vida naquele acidente.
Dee sentiu o ar faltar. Acontecia sempre isso quando alguém falava sobre a
morte do seu pai.
Hugo e eu...
Vocês falaram sobre a morte do meu pai? indagou Dee, pálida.
Ou o tom da pergunta ou a sua cor acabaram por chamar a atenção de Peter.
Hugo abordou o assunto. Estávamos trocando algumas idéias sobre a obra
assistencial de seu pai.
Dee obrigou-se a relaxar. Se o seu coração continuasse a bater daquela
maneira, ela acabaria num hospital.
Confesso que estou preocupado com essa sua insistência em inovar. Sempre
trabalhamos com idosos. Ser caridosa é uma coisa, lidar com delinqüentes é outra
Peter fez uma pausa. Louvo a sua preocupação pela juventude, mas a verdade é que
não aprovo o seu plano de usar aquele prédio magnífico para abrigar adolescentes
rebeldes.
A batalha estava começando, pensou Dee. Sempre soubera que não seria fácil
convencer Peter a apoiá-la nesse sentido. Mas aquele não era o momento para tentar.
Estava preocupada com ele. Não sabia exatamente a gravidade do seu estado de
saúde.
O que trouxe Hugo a Lexminster?
Negócios.
Sim, mas que tipo de negócios? Não disse que a função dele envolve
aproximação com políticos para tentar conseguir subsídios para os seus programas de
solidariedade?
Sim. Acontece que a universidade de Lexminster tem acesso a fundos que
nos foram doados no decorrer dos anos e que podem ser usados ao nosso critério.
Estou ciente disso afirmou Dee.
Bem, Hugo espera que a universidade concorde em doar-lhe parte desses
18
Capricho do Destino Penny Jordan
fundos.
Mas a finalidade principal desse dinheiro não deveriam ser bolsas para
estudantes?
Hugo foi um bolsista lembrou-lhe Peter.
Dee franziu o rosto. Peter era um dos responsáveis pelo destino daqueles
fundos. A súbita aproximação de Hugo não seria tão altruísta quanto parecia?
Ela seria capaz de colocar as mãos no fogo pelo Hugo que conhecera, mas
aquele não estaria a usar um fato caro nem uma fragrância discreta e exclusiva.
A vontade de Dee era alertar Peter para os interesses de Hugo, que talvez não
fossem tão inocentes quanto ele acreditava. Algo a impedia, contudo, de expressar as
suas dúvidas. Afinal, pelo comportamento de Peter, era óbvio que, para ele, Hugo
jamais cometeria um erro.
Se ela ainda precisasse de um sinal para decidir sobre o seu próximo passo,
Peter deu-o quando a campainha soou um minuto depois.
Deve ser Hugo! exclamou ele com evidente prazer. Por favor, vá abrir a
porta e peça-lhe que suba imediatamente.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 3
Como está Peter? perguntou Hugo assim que Dee abriu a porta.
Embora eu não seja médica, como Jane Harper, posso garantir que ele
passou bem depois que você saiu.
Não é surpreendente como a memória nos prega peças? ironizou Hugo.
Eu lembrava-me de você como uma mulher inteligente e sensível.
A sua memória não o enganou Dee retribuiu a ironia. Eu sou
suficientemente inteligente para desconfiar da sua presença na casa de Peter,
justamente no momento em que ele precisa de ajuda.
Um brilho de raiva passou pelos olhos de Hugo. Um brilho que nada tinha a ver
com o desejo de antes. Dee não queria que aquele tipo de pensamento lhe viesse à
mente, mas não conseguiu evitar.
Se estou aqui é porque me preocupo com ele e sei que não está em condições
de ficar sozinho.
Peter não está sozinho; ele tem-me a mim protestou Dee.
Hugo estreitou os olhos.
Não foi o que ele me disse. Soube que há duas semanas que não o visita.
Eu venho aqui sempre que posso...
Então devo entender que outras pessoas têm prioridade sobre o seu tempo?
interrompeu-a Hugo.
Não se trata disso!
Seja sincera, Dee. Não se mudaria para cá para cuidar dele.
Não poderia, mas tenho a certeza de que ele iria para Rye para ficar comigo,
se não tivesses resolvido aparecer de uma hora para a outra.
Oh, sim, claro que sim. O pobre aceitaria, por não ter opção. Sabe que Peter
adora este lugar Este é o seu lar. Os seus livros, as suas coisas, as suas memórias, a
sua vida, tudo está aqui.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Eu sei disso, mas você não pode ficar com ele para sempre, certo?
Como devo estabelecer-me na Inglaterra e não há perspectivas de uma
mudança a curto prazo, nada me impede de fixar residência em Lexminster. É uma
cidade de fácil acesso e tem um aeroporto. Não é o caso de eu ficar incomunicável,
certo?
Pretende morar permanentemente em Lexminster? perguntou Dee,
atônita. Algo que não passou despercebido a Hugo, pelo olhar que lhe dirigiu.
Algum problema? Não a agrada a idéia de me ter por perto?
Não, não me agrada confessou Dee, abalada demais para ponderar sobre o
seu comportamento.
Posso saber por quê? Ou melhor, deixe-me tentar adivinhar. Por acaso teria
a ver com...
Então, antes que Dee pudesse imaginar o que Hugo tinha em mente, ele largou
tudo o que carregava e prensou-a contra a parede. O modo como apertou os seus
braços com as mãos e o seu corpo contra o dele foi tão forte, que o seu calor a
invadiu.
Antigamente, um gesto como aquele a teria excitado a ponto de descontrolá-la.
O sexo com Hugo sempre fora apaixonado, explosivo. Anos se passaram após a
separação, até que ela conseguisse dormir sem sonhar que estavam fazendo amor.
Agora, por maior que fosse o antagonismo entre eles, o seu corpo estava
tentando reagir como antes. No esforço de autodomínio, Dee sentiu que tremia.
A boca de Hugo estava quase encostada à sua. Não se atrevia nem sequer a
respirar, com medo de que a distância diminuísse ainda mais.
De repente, ele deslizou as mãos pela sua blusa.
É linda e macia. Deve ter custado caro. Não se importava com luxo, quando
nos conhecemos.
Foi um presente defendeu-se Dee.
De seu marido?
De onde tirou essa idéia? protestou finalmente Dee. Não tenho marido
nenhum.
21
Capricho do Destino Penny Jordan
Não? ele estreitou os olhos. Por acaso ele se recusou a jogar o seu jogo,
ao contrário do que fez comigo?
Não. Eu...
Dee gemeu ao ser impedida de continuar. O som deveria ser o de um protesto,
mas há tanto tempo que ela não era beijada, que não conseguiu permanecer impassível.
Os seus lábios entreabriram-se para Hugo e os seus braços procuraram enlaçá-lo pelo
pescoço.
A sua reação foi assustadora. Hugo deveria estar pensando que ela seria capaz
de morrer por ele. O que estava acontecendo? A única explicação plausível era que o
seu corpo tinha sentido mais falta de um contato masculino do que imaginara. Afinal,
ela tinha permanecido celibatária desde o rompimento com Hugo. Não podia ser
saudade.
A impetuosidade do beijo e do abraço foi dando lugar a carícias ternas e
suaves. Dee ouviu um murmúrio escapar da sua boca ao ter os lábios delineados pela
língua de Hugo.
Disse que não tem marido... Dá para notar.
Dee voltou a si no mesmo instante e empurrou-o.
Sei que as mulheres se tornam mais sensuais quando sentem que os anos de
juventude estão ficando para trás. Talvez seja essa a explicação ele provocou-a.
Mas você continua a preferir as garotas novas, suponho eu.
Dee sentiu-se abalada pelo seu próprio comportamento, pelo turbilhão de
emoções que a devastava. O que lhe dera para dizer aquilo? Não tinha nenhum direito
sobre Hugo. Ele deveria estar pensando que ela estava com ciúmes.
A minha preferência não lhe diz respeito retorquiu Hugo. Há quanto
tempo está divorciada?
Não estou divorciada! respondeu Dee. Como posso estar divorciada, se
nunca me casei?
Nunca se casou? daquela vez foi Hugo quem se mostrou perplexo. Mas
disseram-me... Soube que se casou e teve um filho.
Dee pensou por um momento. Uma de suas primas tinha-se casado no ano
seguinte ao rompimento do seu noivado e, um ano depois, nasceu o seu primeiro filho.
Ele deveria ter oito anos.
22
Capricho do Destino Penny Jordan
Parece que a notícia foi deturpada, não? É isso que acontece a quem dá
ouvidos a boatos. Não estou casada, não tenho filhos e não sou vítima de desequilíbrios
hormonais.
O seu sonho era ter filhos. Esse era o nosso principal ponto de discórdia. Eu
queria que esperássemos alguns anos para iniciarmos a nossa família, mas você não
teria se importado, se engravidasse antes mesmo do casamento.
Enquanto Hugo falava, Dee tocou instintivamente o local onde antes ostentara a
aliança que Hugo lhe dera.
Bem, ao menos continuamos a ter algo em comum ironizou Dee. Nenhum
de nós casou nem teve filhos.
Temos algo mais em comum que não mencionou o modo insistente como
Hugo olhou para a sua boca fez o seu coração acelerar-se. Ambos trabalhamos em
prol dos menos favorecidos, angariando fundos para instituições beneficentes.
Houve uma pausa. Quando voltou a falar, Hugo deu um passo em direção à
escada.
Vou subir e dar uma olhada em Peter.
Dee não conseguiu responder. Parecia ser novamente a adolescente que Hugo
derrubara da bicicleta ao virar uma esquina a caminho do local onde Peter daria uma
palestra. Uma palestra, aliás, que eles não chegaram a ouvir. Até que Hugo a ajudasse
a levantar e a examinasse para ter a certeza de não ter causado nenhuma fratura ou
entorse e a levasse para tomar um café, a palestra tinha acabado.
E o namoro começado.
Meia hora depois, Dee despediu-se de Hugo e de Peter. Queria chegar a casa
antes do anoitecer. Mas arrependeu-se durante todo o trajeto de volta. O calor e a
claridade do sol provocaram-lhe uma incômoda dor de cabeça. Ou a causa seria outra?
Não conseguia entender como pudera reagir com tanta intensidade ao beijo de
Hugo. Era uma mulher, não uma adolescente. Sabia controlar-se. Mas não fora essa a
imagem que mostrara a Hugo. Não seria de admirar, se ele estivesse rindo dela
naquele instante.
Humilhada e zangada consigo mesma, Dee voltou a si com o som estridente de
uma buzina. Assustada ao perceber que teria batido no carro da frente, se o
motorista do carro de trás não a tivesse alertado, Dee diminuiu a velocidade e forçou-
se a concentrar-se no volante e na estrada.
23
Capricho do Destino Penny Jordan
Estava sentindo vergonha de si mesma. Em vez de se preocupar com a saúde de
Peter, só conseguia pensar nos problemas que viagens mais freqüentes acarretariam.
Aquela seria a hora certa de Peter renunciar ao seu cargo na instituição, para que ela
tivesse mais autonomia em matéria de programas de ajuda e na distribuição dos
fundos. Mas onde estava a coragem para abordar aquele assunto?
Provavelmente, teria de pedir a Hugo que colaborasse com ela. Seria um golpe
duro para o seu orgulho, mas a sua obra de caridade era mais importante.
A dor da saudade golpeou-a mais uma vez.
A polícia tinha concluído pela morte acidental do seu pai. Muitos, porém,
acreditavam que a hipótese mais provável fora suicídio. Ninguém comentou aquela
opinião abertamente e o assunto nunca sequer foi tocado diante dela. Mesmo assim,
aquela idéia perseguiu-a em pesadelos dia e noite, por muitos anos.
Recusava-se a acreditar na hipótese do suicídio. O seu pai não tinha tirado a
sua própria vida. Ele não tinha destruído a sua reputação. Ele não era igual a Julian
Cox!
As comportas foram abertas e as memórias inundaram-na. Não havia como
contê-las. Por sorte, faltava pouco para chegar a casa.
Julian Cox, o seu pai e Hugo: aquelas eram as três sombras do seu passado. A
mais terrível, contudo, embora estivesse ligada a Hugo, não tinha sido mencionada. Era
a sombra do amor e da felicidade que eles tinham compartilhado.
As lágrimas contidas durante anos foram derramadas por fim.
Hugo, por que voltou?
O sol tingia o céu de cor-de-rosa e de violeta, quando Dee conseguiu estacionar
o carro diante da casa onde tinha nascido.
Seguiu diretamente para a sala e para o bar, onde se serviu de uma dose de
uísque. Não tinha o hábito de beber. Mas naquele dia, excepcionalmente, precisava de
algo que a acalmasse e ajudasse a bloquear a ansiedade que lhe oprimia o peito.
Ao ver a garrafa, contudo, Dee desistiu do seu intento. Não se podia permitir
ser vulnerável. Endireitou os ombros e encaminhou-se para a cozinha. Uma xícara de
café iria reanimá-la. Ligou a cafeteira e sentou-se, enquanto esperava. Os devaneios
assaltaram-na em seguida.
O seu pai fora um homem de princípios rígidos. Considerava o orgulho uma das
suas maiores qualidades, mas o que amava acima de tudo no mundo era a filha. Dee
24
Capricho do Destino Penny Jordan
nunca duvidou nem sequer por um segundo do seu amor. O fato de ele ser calado e não
ser inclinado a demonstrações de afeto nunca a abalou.
Após a morte da sua mãe, embora ela ainda fosse bem pequena, o seu pai
agradeceu, mas não aceitou que outros tentassem dar palpites quanto ao seu modo de
educá-la. Criou-a completamente sozinho. Não contratou nem sequer uma ama para
ajudá-lo. Nem a matriculou num colégio interno quando ela atingiu a idade de iniciar os
estudos, para que não se separassem.
Talvez a tivesse criado aos moldes antigos. Talvez a tivesse transformado
numa pequena adulta quando ainda era criança. Talvez o seu sentido de dever fosse
exacerbado por influência da educação que ele lhe dera e não soubesse divertir-se
como os outros. Apesar das críticas, apesar de tudo, ela sempre se sentira amada e
fora uma criança feliz.
Aquilo não significava que ele tinha conseguido fazer o papel de pai e de mãe.
Não foram poucas as vezes que Dee sentiu falta da presença materna. Outras tantas
vira-se tentando imaginar como teria sido a sua vida e o seu modo de ser sob a sua
influência.
O café ficou pronto e Dee serviu-se de uma xícara, que levou para o escritório.
As anotações encontravam-se sobre a escrivaninha. O seu plano era ambicioso,
admitia. Alguns iriam chamá-la de imprudente, de visionária, mas ela não desistiria.
Estava disposta a lutar pelas suas idéias. Inclusive junto de Peter.
Embora tecnicamente Peter e ela tivessem o controle das finanças da
fundação, o seu pai tinha estabelecido que, moralmente, ela precisaria levar em
consideração as opiniões dos demais membros do conselho de administração com parte
das doações, se não com todas.
Dee queria criar oficinas e ateliês onde os jovens poderiam aprender um ofício.
Como o milionário filantropo Ward Hunter, o marido da sua amiga Anna, fizera na sua
cidade no Norte de Inglaterra.
Ao saber do entusiasmo de Dee pelo seu trabalho, Ward procurou-a para lhe
oferecer toda a ajuda de que fosse necessitar quando montasse as oficinas. Antes,
porém, dependeria de Dee convencer o conselho de administração a apoiá-la.
O local já estava reservado. Caso a sua idéia fosse aceita, é claro.
A confiança de Dee no sucesso do projeto era tanta, que estava disposta a
fazer um vultuosa doação da sua conta pessoal. O nome da instituição já estava
escolhido. Seria o do seu pai.
25
Capricho do Destino Penny Jordan
Na semana anterior, quando se encontraram, Anna, sempre doce, gentil e
perspicaz, certamente notou a sua emoção quando ela lhe mostrou as roupinhas que
tinha acabado de comprar para o enxoval do seu bebê. E perguntou-lhe, com extrema
cautela, se nunca pensara em casar e ter a sua própria família.
A sua resposta foi um sorriso triste e uma desculpa sobre ser autoritária
demais, do tipo que os homens preferiam guardar distância.
Anna, é claro, não concordara, mas não insistira no assunto, ciente de que Dee
deveria ter problemas que preferia não revelar.
Dee realmente não gostava de conversar sobre aquele assunto. Como dizer às
pessoas que o seu maior sonho era ter um marido e filhos, mas que não seria capaz de
casar sem amor? Que só se entregaria a alguém a quem pudesse confiar os seus
segredos, as suas esperanças e os seus medos? Era por isso que não esperava casar-
se. Esse alguém não existia.
Nunca seria capaz de confiar a outros o seu mais íntimo segredo. Um segredo
que não era realmente seu. Um segredo que significaria uma traição ao homem a quem
devia a sua lealdade eterna: o seu pai.
Só um homem tivera a hipótese de ser esse alguém. Hugo.
De vez em quando tenho a impressão de que ama o seu pai mais do que a mim
queixava-se Hugo, ciumento, todas as vezes que ela o deixava para passar o fim-de-
semana com o pai.
Não é uma questão de amar mais tentava explicar ela. É um amor
diferente.
Hugo não era capaz de entendê-la. O seu relacionamento com os pais era
completamente distinto. Para começar, ele tinha ambos: um pai e uma mãe. Também um
irmão mais velho e duas irmãs. Conforme a tradição inglesa das classes privilegiadas,
ele estudara num colégio interno. O elo entre Hugo e a família, portanto, nunca fora
tão forte como o dela com o pai.
Dee tomou um gole do café e segurou a xícara com ambas as mãos para sentir o
seu calor. Não adiantava insistir. Não estava com cabeça para trabalhar. Ver Hugo
depois de tanto tempo fora uma surpresa. Muito mais. Um choque. E o gosto do seu
beijo ainda estava na sua boca...
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 4
Hugo era um dos estudantes mais cobiçados na universidade. As garotas
suspiravam quando ele passava.
Já pensaste como deve ser bom ser beijada por um homem como aquele?
disse uma das suas colegas, pouco antes de Hugo e Dee se conhecerem.
Dee, que não era do tipo de sonhar nem de sair com rapazes, fez um movimento
indiferente com os ombros.
Bolas, o que eu não daria para ficar uma hora sozinha com ele! continuou a
amiga, e olhou para Dee. Ora, diga alguma coisa! Até quando pretende fingir para
você mesma que beleza e masculinidade não a afetam?
O que quer que eu diga? Já não disse que ele é bonito?
Bonito? É só isso que diz? insistiu Mandy. Hugo Montpelier é a
perfeição em forma de homem. Ele... Céus, ele está olhando para nós. Dee, ele está
olhando para nós!
Não, não está. Apenas está tentando proteger os olhos da luz do sol. Deixe o
rapaz em paz, Mandy! Não vê que ele está mais preocupado em remar do que em
namorar contigo?
Dee não entendia o que estava acontecendo com ela. O normal seria concordar
com a amiga. Não andavam todos sempre falando sobre os rapazes da universidade?
Por que motivo, então, a irritara que Mandy não tirasse os olhos de Hugo Montpelier?
E porque é que o seu coração passara a bater mais rápido, quando também lhe dera a
impressão de que ele estava olhando para elas?
Oh, acho que morreria, se ele viesse falar comigo. Não conheço ninguém mais
sexy do que Hugo. O homem que poderia ter qualquer mulher ao seu lado, mas que não
é dado a casos amorosos nem tem namorada. Eu soube que uma das alunas do terceiro
ano o convidou para sair e ele recusou, com a desculpa de não ter tempo. Uma outra,
em contrapartida, que está em Letras, contou-me que ficou com ele na festa de
confraternização do final do ano passado e que foi tão incrível, que ela quase teve um
orgasmo ao seu simples toque.
Dee não respondeu. Era uma jovem normal e moderna, mas a sua educação não
permitia certas liberdades nem comentários. Já tinha saído com alguns rapazes e sido
beijada. Nada mais. Nunca permitiria avanços, enquanto não tivesse a certeza de que
27
Capricho do Destino Penny Jordan
estava apaixonada a sério e de que os seus sentimentos eram correspondidos.
Aventuras que envolvessem sexo casual e incursões em águas rasas de curiosidade
nesse sentido não eram para ela. Ela tinha sido feita para mergulhos profundos em
mares que exigiam entrega total de ambos os lados. Entrega e amor.
Aquilo não significava, é claro, que fosse imune à aura de masculinidade que
vibrava ao redor de Hugo Montpelier. Uma aura que, estranhamente, ele não exibia de
propósito. Pelo contrário. Parecia valer-se dela como um meio de proteção.
Ouvia comentários e suspiros por parte das suas colegas todos os dias. As
declarações falavam de fantasias que iam das mais inocentes às mais obscenas.
Naquele ambiente carregado de erotismo, Dee teve os seus conhecimentos
sobre sexo expandidos de tal forma, embora continuasse virgem, que chegou a sentir-
se chocada.
Uma vez ouviu uma fantasia de duas colegas que questionavam se Hugo teria
energia suficiente para satisfazê-las e ser saciado por elas, se os três se deitassem
juntos.
Eu li numa revista continuou outra, que os homens em geral têm esse
tipo de desejo. Seria uma espécie de teste à sua virilidade.
Dee não respondeu. Sexo em grupo poderia ser aceitável para outras garotas.
Não para ela. E algo lhe dizia que Hugo Montpelier era da mesma opinião. A sua vida
pessoal era algo que ele preservava. Nunca ninguém fizera afirmações que a levassem
a acreditar que fosse um libertino.
Não acreditava que fosse verdade que ele tivesse ficado com uma garota na
festa do ano anterior. Descobriu-se mais tarde que ela era uma amiga de uma amiga e
que eles apenas conversaram e dançaram. E que a garota em questão estava de
casamento marcado. Uma outra vez, quando disseram que Hugo tinha uma namorada, a
jovem era filha de um dos professores e no mês seguinte partiu para os Estados
Unidos, onde pretendia viver permanentemente.
Precisamos fazer um trato propôs uma das colegas. Aquela que
conseguir sair com ele terá de fazer um relatório completo às outras....
Dee afastou-se do grupo naquela parte da conversa. Não era puritana, mas não
gostava de ouvir descrições que envolviam a intimidade das pessoas. Muito menos de
fazê-las. Não acreditava que fosse do tipo que Hugo pensaria em convidar para um
encontro. Mas se isso acontecesse, guardaria total segredo.
Três dias depois, como se o destino tivesse ouvido os seus pensamentos e
28
Capricho do Destino Penny Jordan
decidido dar-lhe uma lição, Dee foi obrigada a reconhecer o seu engano.
Lá estava ela, andando de bicicleta, ou melhor, tentando não cair nem atropelar
ninguém com a bicicleta que tinha alugado, quando Hugo virou uma esquina, correndo.
Nem ela nem a bicicleta tiveram chances. Além de muito alto, ele era um
esportista. Ela, além de ser mais baixa do que ele, era magra. O resultado foi
inevitável. Tanto Dee quanto a bicicleta foram para o chão.
Sem fazer caso da velha bicicleta, ele ergueu-a e examinou-a dos pés à cabeça
para se certificar de que não tinha ferimentos. Enquanto fazia isso, Hugo não parava
de se desculpar com a sua voz grave e profunda, que a fazia esquecer por completo da
queda.
As mãos que a tocaram não podiam ser mais gentis. Até mesmo carinhosas. Ele
notou que a blusa tinha se rasgado e que as calças jeans apresentavam manchas. Os
grampos deviam ter voado para longe, pois os cabelos de Dee estavam caídos sobre os
ombros. As mãos exibiam pó e manchas de óleo.
Fora isso, ela estava bem, e foi o que lhe garantiu.
Graças a Deus! exclamou Hugo, aliviado. Por um momento, receei tê-la
machucado seriamente.
Foi um acidente murmurou Dee. Não era justo permitir que ele se sentisse
culpado.
Olhe, eu tenho um compromisso, mas gostaria de lhe oferecer um café antes.
Nunca se sabe. As conseqüências de uma queda podem não se manifestar de imediato.
Dee estremeceu. Não por causa da queda, como Hugo poderia pensar, mas por
causa do inesperado convite.
Oh, mas machucou-se! observou ele, assustado, ao notar o estado das suas
mãos.
Não foi nada Dee apressou-se a escondê-las atrás das costas. Estavam
sujas. Não queria correr o risco de ser impedida de entrar no tal café.
Deixe-me ver insistiu ele.
Antes que Dee pudesse acalmá-lo, Hugo segurava as suas mãos e examinava-as.
O coração de Dee disparou.
Não parecem feridas, apenas sujas decidiu ele.
29
Capricho do Destino Penny Jordan
Eu lhe disse concordou Dee. Estou perfeitamente bem.
O que ele fez a seguir, sim, poderia ser interpretado como um choque. Dee
chegou a perder a voz quando Hugo ergueu as suas mãos e se pôs a sugar-lhe os dedos.
Dee pensou que desmaiaria. Tentou protestar, mas a sua voz soou como um
gemido. Mais tarde, ela viria a saber que Hugo não fizera aquilo de propósito. Que o
seu gesto nada tinha de provocante. Por um instante, deixara-se governar pelo instinto
e lembrara-se do modo como a sua mãe ministrava os primeiros socorros aos filhos
quando viviam no campo: beijando os pequenos ferimentos.
Todas as fêmeas fazem isso com os filhotes disse ele.
Ela engoliu em seco.
Sim, mas você não é a minha mãe.
Não ele sorriu. Não sou a sua mãe em seguida, afastou a blusa
rasgada e olhou à altura dos seios, o que fez Dee enrubescer até à raiz dos cabelos
por não estar a usar sutiã naquele dia.
Embora aquela parte do campus costumasse ser movimentada, não havia
ninguém ali naquele dia. Não houve testemunhas, portanto, do gemido virginal de
prazer que Dee deixou escapar, nem do olhar subitamente possessivo de Hugo.
Nenhum dos dois tivera segundas intenções. Simplesmente aconteceu. Hugo
esqueceu por completo a palestra a que deveria estar a assistir. Assim como ela.
Dee acompanhou-o em silêncio ao café. Antes de se afastarem do local, Hugo
tinha erguido a bicicleta, apoiando-a contra uma parede. Por certo, ela teria de pagar
o conserto ao proprietário, mas aquilo não era importante em comparação à felicidade
proporcionada pela queda.
O café onde Hugo a levou era pequeno e escuro e estava impregnado de fumo
de cigarros. Hugo não parou. Levou-a para um canto, vazio e respirável, e ambos se
acomodaram numa espécie de alcova protegida de olhares curiosos.
Ele pediu um cappuccino para ela e um café expresso para ele.
Habituei-me a tomá-lo puro e forte quando estive em África durante as
férias, fazendo um trabalho de assistência informou-a ele.
Foi uma frase simples, mas que serviu como base para o que viria a tornar-se
um relacionamento íntimo e intenso.
30
Capricho do Destino Penny Jordan
Não foi difícil para Dee baixar a guarda e expressar o seu interesse natural e
entusiástico pelo trabalho que ele fazia. Quando poderia esperar que o jovem mais
cobiçado da faculdade partilhasse das mesmas idéias que ela?
Com Hugo, ela pôde ser autêntica. A comunicação foi espontânea. Não foi
preciso estudar os gestos nem as palavras, como aconteceria se estivesse conversando
com outro homem, preocupada em evitar insinuações sobre praticarem sexo.
Com Hugo, mais tarde, corresponder aos beijos e carícias foi algo natural. Os
seus instintos diziam-lhe que estava fazendo o que devia, para que a satisfação fosse
mútua.
Tomaram não apenas um café, mas três, esquecidos por completo da palestra
de Peter.
Não quero deixá-la ir disse Hugo após pagar a conta. Tenho muito para
lhe dizer e para descobrir sobre você. Quero que me conte a sua vida desde que
nasceu.
Dee sorriu, corada de prazer.
Precisaríamos no mínimo de uma noite inteira.
Ela viu o sorriso que se estampou nos lábios de Hugo e corou ainda mais. Não
pôde evitar que a sua imaginação a surpreendesse com uma cena de Hugo tomando-a
nos braços e despindo-a entre beijos.
Aposto que seria uma noite mágica murmurou Hugo.
Era a oportunidade que qualquer garota experiente da faculdade aproveitaria,
pensou Dee. Ela, no entanto, só conseguiu balbuciar:
Não posso. Não faço essas coisas.
Ele fitou-a em silêncio. Pouco a pouco, os seus olhos pousaram na boca, nos
cabelos e, finalmente, nos seios de Dee.
Nunca?
Sem saber onde encontrara coragem, Dee sustentou o olhar com firmeza.
Nunca.
A tribo com a qual trabalhei no último Verão tem um costume interessante.
Embora as garotas tenham de casar com os homens impostos pelo pai, elas têm o
31
Capricho do Destino Penny Jordan
direito de escolher aqueles que serão os seus primeiros amantes. Essa entrega é
considerada uma grande honra. O maior presente que uma mulher pode dar a um
homem. Eu estou de pleno acordo com esse costume.
Um novo sorriso surgiu nos lábios de Hugo.
Alguns homens, é claro, são mais impacientes que outros. Incapazes de
esperar até que sejam escolhidos, muitas vezes tentam seduzir as garotas que
escolheram com presentes e com beijos.
Dee estava tão fascinada por Hugo, que não se deu conta de que os seus lábios
estavam entreabertos, como se esperassem por um beijo.
Ouviu-o respirar fundo. De repente, como se uma súbita idéia lhe tivesse
ocorrido, Hugo sorriu.
Que acha de jantarmos juntos esta noite? ela hesitou e ele apressou-se a
dizer: Não lhe darei motivos para preocupação, prometo. Não ficaremos a sós.
Pretendo levá-la a um lugar público, para que nenhum de nós corra perigo. Em algumas
tribos na África continuou Hugo, quando um homem e uma mulher se amam, eles
pertencem-se. Ele é totalmente devotado a ela e ela entrega-se sem reservas a ele. O
amor que sentem um pelo outro é considerado sagrado, se ela conceber na primeira
vez que se unirem. Na nossa civilização os costumes são diferentes. Eu sei que não
seria capaz de parar, se a tivesse nos meus braços. Eu iria me entregar ao instinto
mais básico de um homem, que é penetrar a mulher o mais profundamente possível.
Dizem que a natureza age dessa forma para ampliar as chances de reprodução. No
nosso caso, no entanto, seria o pior que nos poderia acontecer neste momento. Já vi
muitos casais sem condições de continuar com os estudos, por causa de um filho não
planejado.
Dee estava abalada demais com a sucessão dos acontecimentos para fazer
algum comentário. Parecia que tinha caído num abismo e via toda a sua vida passada,
presente e futura diante dos olhos, numa questão de minutos.
Hugo e ela mal se conheciam. As palavras de Hugo soariam absurdas noutras
circunstâncias. No entanto, no seu íntimo, ela sabia que tudo era simples e natural.
Fora feita para Hugo e ele para ela.
Ele estava certo no seu ponto de vista. Uma gravidez estava fora de questão.
Por mais que ela desejasse um bebê, era cedo demais.
Entende o que estou tentando lhe dizer? perguntou Hugo. Um jantar é
tudo o que posso oferecer-lhe esta noite, embora não seja o que realmente gostaria
de lhe dar. Aceita?
32
Capricho do Destino Penny Jordan
Sim. Adorarei jantar contigo.
Naquela mesma tarde, depois que se separaram, Dee marcou uma consulta com
o ginecologista que as suas colegas lhe indicaram para que ele a orientasse sobre
métodos anticoncepcionais.
Não deve confiar essa responsabilidade inteiramente ao seu parceiro
ensinou-a uma das suas colegas de quarto, que tomava a pílula. Afinal, o corpo é seu
e é você quem deve decidir sobre o momento de engravidar.
Eu não concordo disse outra. A responsabilidade é dos dois. Não fazem
o bebê juntos?
Juntos... Dee mal podia acreditar que Hugo realmente tivesse comparecido ao
encontro.
A casa é muito bonita comentou ele enquanto Dee fechava a porta da
frente. O aluguel deve ser caro, mesmo que a divida.
Não é alugada. Eu a comprei com a ajuda de meu pai. Foi um bom
investimento. Quando me formar, poderei alugá-la e o aluguel cobrirá a hipoteca. Aliás,
estou pensando em comprar mais alguns imóveis na cidade. Tenho a certeza de que
nunca me dariam prejuízo. Antes, porém, preciso da permissão de meu pai para
movimentar as minhas reservas especiais.
A expressão de Hugo tornou-se séria.
Da maneira que fala, parece ser filha de um milionário.
Dee hesitou. Não costumava abrir-se com as pessoas, principalmente com
desconhecidos, a respeito da sua vida pessoal e da situação financeira do seu pai. Com
Hugo, porém, sentia-se à vontade. Não imaginara que ele pudesse ficar constrangido.
Pelo seu modo de se expressar, nunca lhe passara pela cabeça que ele não pertencesse
a uma família abastada.
A minha família possui terras, mas não tem dinheiro explicou Hugo antes
que ela precisasse perguntar. A nossa árvore genealógica descende dos
conquistadores normandos. Não nos falta nada, mas nenhum de nós jamais pôde contar
com reservas especiais.
O meu pai tomou essa precaução justificou-se Dee, porque sem ele, eu
não terei ninguém.
Dee gostaria de mudar de assunto. Com tanto em comum entre eles, por que
falar em dinheiro?
33
Capricho do Destino Penny Jordan
Eu entendo concordou Hugo por fim. Se fosse minha, eu também
desejaria protegê-la. Admiro-me que ele tenha permitido que se matriculasse numa
faculdade longe de casa. Pelos seus antecedentes, tenho a certeza de que o seu pai
preferiria que vivesse para sempre sob o seu teto e que estudasse com professores
particulares como a realeza.
Dee estreitou os olhos ao detectar ironia sob as palavras ditas em tom de
brincadeira.
Ele pode ser um homem aos moldes antigos admitiu Dee com frieza,
irritada com a crítica que Hugo fizera ao seu pai, mas eu prefiro mil vezes ter um
pai amoroso, bom, íntegro e honrado a alguém...
A sua voz falhou. Não podia permitir que falassem do seu pai na sua ausência.
Por outro lado, era a primeira vez que saía com Hugo e não queria que discutissem.
Não precisaria de ter receado.
Desculpe Hugo alisou gentilmente as suas mãos. Eu não deveria ter
feito esse tipo de comentário. Acho que fiquei com ciúmes de seu pai.
Se Hugo queria que ela recuperasse o bom humor, ele conseguiu. Aliás, Hugo
conseguiu mais do que isso ao continuar caminhando pela calçada sem lhe soltar a mão.
Hugo não lhe disse aonde a levaria. Pensou em oferecer o seu carro, mas mudou
de idéia após uma rápida conversa. Como Lexminster não era uma cidade grande,
provavelmente poderiam ir ao restaurante a pé.
A noite estava agradável, apesar de estarem em meados de Novembro. A
madrugada, contudo, previa a chegada de uma massa de ar frio.
Caminhar pelas ruas arborizadas era um espetáculo de paz e de beleza. As
árvores ainda não tinham perdido todas as folhas, que estavam douradas e vermelhas.
As que já tinham caído forravam o chão e davam maciez aos passos.
O restaurante que Hugo escolheu era propriedade de uma família italiana. Dee
apaixonou-se pelo estabelecimento e pelos seus donos à primeira vista.
Eles saudaram Hugo como se fosse da família. Luigi, o dono, um homem gordo
de cabelos grisalhos, fingiu dar um soco no braço de Hugo. Em seguida, esfregou a mão
e gemeu, fingindo ter-se machucado.
Esse homem é feito de pedra. Parece um boi... Isto é, um touro corrigiu
ele, e piscou um olho para Dee.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Ela corou, é claro. Maria, a esposa de Luigi, censurou-o e abraçou Dee.
Não ligue para ele, minha querida disse em tom maternal. O seu senso
de humor é assim, infelizmente.
Então não concorda que eu seja um touro? protestou Hugo, aproveitando-
se da brincadeira e flexionando o braço para exibir o bíceps.
Que disparate disse Luigi com os olhos voltados para a esposa. Não são
os músculos que contam, pois não?
Dee ouviu-os com um sorriso. Luigi tinha a mesma estatura que ela e Maria era
bem mais baixa. O casal era muito simpático. Nada do que estavam dizendo poderia
ofendê-la. Eles falavam de Hugo como se ele fosse um filho, como se fosse um real
orgulho tê-lo na sua casa.
Ela é bela, muito bela elogiou-a Luigi, terminadas as apresentações.
Sim, e é a minha bela frisou Hugo com um olhar que a levou às alturas.
Aquela foi uma das noites mais lindas da vida de Dee.
Comeu e bebeu com um apetite fora do comum. Hugo era perfeito. Não
exagerou na bebida e cuidou para que ela também não se excedesse. Aquilo a cativou
ainda mais.
Hugo fazia-a sentir-se segura, protegida, amada.
Amada.
Embora tivessem se conhecido naquele dia, Dee tinha a certeza de que era
amor o que sentia por Hugo. Soubera que era ele o homem da sua vida no instante em
que ele a levantou do chão e os seus olhares se cruzaram.
Era tarde quando deixaram o restaurante. A prometida onda de frio tinha
chegado um pouco antes do previsto e castigava as árvores. Dee sentiu o fôlego faltar
quando tentou respirar mais fundo.
Como esfriou! Dee estremeceu.
Venha para cá Hugo atraiu-a de encontro ao seu próprio corpo para
aquecê-la.
Aconchegada ao peito dele, Dee riu-se quando sentiu que ele introduzia a mão
no bolso do seu casaco.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Agora entendi gozou ela. Estava com segundas intenções. Queria
aquecer a sua mão no meu bolso.
Enganou-se murmurou Hugo. As minhas intenções vão mais longe.
Gostaria de aquecê-la por inteiro, com o meu corpo, as minhas mãos e a minha boca.
Não aqui, mas na minha cama ele fitou-a por um longo momento. Dee, alguém já a
tocou? Já foi beijada?
Claro que sim protestou Dee. Embora sentisse vergonha, não queria que
Hugo pensasse que era uma criança. Já fui a várias festas e...
Não é a esse tipo de contato que estou me referindo retorquiu Hugo com
um sorriso. O que eu quero saber é se já foi beijada intimamente. Se alguém já
acariciou todo o seu corpo não apenas com as mãos, mas também com os lábios e a
língua.
Dee tapou os ouvidos, dividida entre a excitação e o choque diante da cena
sexual quase explícita que Hugo lhe descreveu.
Carícias como aquelas só tinham existido na sua mente até àquele dia. E em
sonhos. Não podia negar que já tentara pensar em si mesma numa cama com o homem
que amava. Mas o relacionamento que Hugo lhe descrevera só deveria acontecer
quando os dois estivessem totalmente prontos para fazerem amor, imaginara ela na
sua inexperiência.
O seu silêncio significa que não? questionou-a Hugo.
Ela continuou em silêncio. Talvez fosse inexperiente, mas não era tola. Era
evidente que a voz subitamente rouca de Hugo sugeria voluptuosidade. Hugo desejava
tocá-la, acariciá-la, beijá-la. Logo. Se possível ainda naquela noite.
O coração de Dee pulsou fortemente. A excitação era tanta, que ela sentiu uma
ligeira tontura. Nunca se sentira tão poderosa, tão mulher.
Será muito bom Hugo aproveitou-se de uma sombra num local protegido de
olhares e abraçou-a. Será bom para ambos.
O primeiro beijo foi tudo o que ela esperava que fosse. Suave, excitante,
apaixonado. Hugo abraçou-a com força. Depois introduziu as mãos sob o seu casaco,
mas, surpreendentemente, não tentou mais nada.
Eu gostaria de conhecê-la ainda mais confessou Hugo entre os beijos,
mas tenho medo de não resistir. Lembra-se do que eu lhe disse?
Sobre gravidez? respondeu Dee com um fio de voz.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo fechou os olhos e deixou escapar um grunhido. Alguns instantes depois,
abriu o casaco e a atraiu de encontro ao seu corpo, de forma a que ficassem mais
juntos.
Foi a primeira vez que Dee sentiu realmente o que a excitação provocava num
homem. A rigidez contra as suas pernas deixou-a sem fôlego. Tanta paixão despertou-
lhe uma sexualidade que não sabia possuir.
Os comentários das suas colegas atingiram-na como um golpe naquele momento.
Um ciúme louco invadiu-a. Não queria nem sequer pensar numa delas com Hugo da
maneira que estavam.
O que houve? perguntou Hugo, preocupado. Estremeceu. Está com muito
frio?
Não foi nada respondeu Dee com a sua franqueza de sempre. Lembrei-
me do que uma das garotas disse e fiquei morrendo de ciúmes de você.
Que garota? perguntou Hugo, curioso. Juro que não há ninguém em
seguida, a sua voz soou rouca e insinuante. Nunca lhe darei motivos para sentir
ciúmes.
Dee sorriu, fascinada. Hugo estava acabando de dizer que a queria e a mais
ninguém. O que mais poderia ela desejar?
37
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 5
Um mês depois de se conhecerem, Dee e Hugo fizeram amor pela primeira vez.
De acordo com as suas convicções, Dee não quis tecer comentários sobre a sua
vida íntima, nem com as amigas nem com ninguém. Para evitar comentários e invejas,
aliás, ela nem sequer contou que estavam saindo juntos. Mas como seria de esperar,
numa cidade pequena como Lexminster, uma semana depois do tombo de bicicleta, o
fato era do conhecimento geral.
Só mais tarde é que Dee veio a saber, pelo próprio Hugo, que ele fizera questão
de providenciar para que a notícia se espalhasse, de maneira a que nenhum outro rapaz
se aproximasse da sua namorada.
Não havia outra maneira explicou ele. Eu tinha de zelar por você e por
mim mesmo.
Dee fingiu que ficou zangada, mas a verdade era que estava tão apaixonada por
Hugo, ao final de um mês, que, em vez de protestar, se sentiu envaidecida pelo amor
possessivo que despertara.
Foram dias excitantes aqueles, embora eles não pudessem extravasar os seus
anseios sexuais como desejariam. O médico tinha-a prevenido que a eficácia do
método que usava a pílula como contraceptivo dependia de um prazo de espera de
algumas semanas. Como Hugo não tolerava a idéia da ocorrência de uma gravidez, eles
decidiram armar-se de paciência a correrem o risco.
O Natal estava se aproximando e eles teriam de passá-lo com as suas famílias.
Hugo iria para a casa dos pais, no Norte, e para a casa do avô na passagem de ano.
A tradição manda que o nosso clã se reúna nos feriados em Montpelier
House, a casa que pertenceu aos nossos antepassados e onde o meu avô reside.
Embora faça muito frio por lá, ninguém pode deixar de ir. Todos os anos é a mesma
coisa. Os meus pais discutem durante toda a viagem. Tanto na ida como na volta. A
minha mãe reclama na ida que preferia ir para um lugar mais quente e o meu pai
discute na volta, porque queria passar mais alguns dias com o meu avô.
Hugo balançou a cabeça.
Os meus sobrinhos são muito traquinas. A minha irmã mais nova, que não tem
filhos, está sempre acusando a nossa irmã mais velha de mimar demais as crianças. As
duas acabam por discutir e procuram-me para ver se eu tomo algum partido Hugo
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Capricho do Destino Penny Jordan
sorriu. Juro, Dee, todos os anos os fatos se repetem.
Confesso que sinto inveja de você murmurou Dee. Mas também passarei
o meu Natal em família.
Ela e o pai iriam para a fazenda do seu avô, onde ele tinha nascido e que agora
era administrada pelo seu tio. Os primos estariam lá, assim como os demais tios e tias.
Ela gostava daquelas reuniões. Seria a primeira vez, pensou Dee, que estaria contando
os dias para ir embora e voltar às aulas, pois aquilo significaria voltar para os braços
de Hugo.
Para Dee, contudo, os melhores feriados eram aqueles partilhados apenas com
o pai. Eles levantavam-se cedo e arrumaram-se para ir à igreja. Quando voltavam, a
mesa já estava posta para o café com bolo de frutas e rabanadas. Mas antes, ela
queria sempre abrir os presentes.
O tempo tinha passado e ela já não era criança, mas ainda gostava de seguir
aquele pequeno ritual.
Os presentes para o seu pai já se encontravam prontos para serem entregues.
Como ele gostava de nadar e ainda mantinha um ritmo admirável, decidiu comprar-lhe
um livro sobre aquele esporte.
Antes de casar, aliás, o seu pai tinha vencido um campeonato e recebido uma
medalha de ouro. O livro, que ela encontrara numa livraria em Lexminster, mencionava
o nome dele.
Ele, como sempre, iria lhe dar ações. Dessas, também como todos os anos, ela
poderia dispor como melhor lhe aprouvesse. Tanto poderia gastá-las como guardá-las.
Tinha inteira liberdade de ação quanto àqueles pequenos pacotes, que normalmente se
referiam a empresas estrangeiras e desconhecidas, como minas australianas ou
explorações agrícolas sul-americanas.
No ano anterior, Dee tivera um sucesso espetacular na sua tomada de decisão.
As ações que optara por conservar tinham duplicado de valor.
Sentiu a falta de Hugo, como sabia que aconteceria. Estavam habituados a
encontrarem-se todos os dias e amavam-se. Mas nunca imaginara que fosse possível
sentir tantas saudades de alguém, a ponto de causar uma necessidade física.
O seu pai adivinhou que algo não estava bem com ela e não teve dúvidas de que
o seu mal era de amor.
O que se passa contigo, Dee? Espero que não tenha se apaixonado por
39
Capricho do Destino Penny Jordan
nenhum dos seus colegas estudantes...
Dee desejava defender Hugo e explicar que ele não era um mero estudante,
mas a certeza de que o pai não estava preparado para receber a notícia de que já não
era o único homem da sua vida a fez se calar.
Nas últimas semanas, Dee tinha aprendido muito sobre a vulnerabilidade
masculina. Hugo demonstrara mais de uma vez ter ciúmes de seu pai. Certamente, o
mesmo se passaria com o seu pai quando soubesse que ela tinha entregado o seu
coração a outro.
O ciúme de Hugo enternecia-a sempre. Uma vez, eles estavam no apartamento
dele quando aconteceu uma pequena cena. Costumavam encontrar-se lá com
freqüência. Dee gostava de observar a diferença do apartamento de Hugo, em
desordem como seria de esperar de um lugar cuidado apenas por um homem, da sua
casa, sempre arrumada.
Era no apartamento de Hugo que trocavam beijos e carícias. Nunca tinham
feito amor em toda a extensão do termo, mas faltava pouco para isso. Hugo já
conhecia o seu corpo e ela o dele. Conseguiam satisfazer-se sem o ato final de
penetração. Mas a verdade era que Dee mal podia esperar por aquele momento.
Adorava sentir o peso de Hugo sobre o seu corpo, a maciez dos seus cabelos
longos e ondulados no seu rosto e nos seus ombros quando ele a beijava. Adorava
mergulhar o rosto no seu pescoço e aspirar o perfume da sua pele. Mais de uma vez,
Dee pensara em Hugo como um guerreiro renascentista.
Durante as férias, falaram-se muitas vezes pelo telefone. Então, quando
faltavam apenas três dias para o início das aulas, Hugo telefonou-lhe e disse que não
agüentaria esperar.
Não suporto mais. Preciso de vê-la.
Hoje é sexta-feira, Hugo. As aulas só começam na segunda. Além disso, está
longe demais.
Não, não estou. Eu resolvi voltar antes e já me encontro em Lexminster.
Em Lexminster? repetiu Dee, espantada.
Sim. Venha para cá, Dee. Ou, então, eu irei até aí. Só não posso passar mais
uma noite sem vê-la.
Dee pensou na reação de seu pai, se visse Hugo. Não. Ele ainda não estava
preparado. Por mais difícil que fosse convencê-lo de que precisaria partir antes da
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Capricho do Destino Penny Jordan
data estipulada, seria melhor do que uma visita de Hugo.
Pela primeira vez na sua vida, Dee sentiu-se alegre no momento de se despedir
do pai. Ia ao encontro do homem da sua vida. Estava deixando a proteção dos braços
do seu pai para a excitação dos braços do seu namorado. Estava finalmente deixando
de ser menina para ser mulher.
Não saia do carro pediu Hugo quando ela parou na calçada.
Não quer que eu saia? estranhou Dee. Pensei que...
Quero que esta noite seja especial sussurrou ele ao mesmo tempo em que
se acomodava no banco de passageiros.
Aonde vamos?
Quando Hugo mencionou o local, Dee não conteve uma exclamação de espanto.
Ao De Villiers Hotel? É muito caro! Gastará uma fortuna! Por que não vamos
à cantina de Luigi?
Não estou pensando em jantar, mas em pernoitar retorquiu Hugo.
Dee quase perdeu o fôlego.
O hotel não ficava distante de Lexminster. Na verdade, era uma casa ampla e
luxuosa que tinha sido transformada em hotel. Dee estivera ali uma vez com o pai por
ocasião de um dos seus almoços especiais de aniversário.
O hotel era famoso pelas suas recepções de casamento e pelas suas suítes
nupciais. Dee lera uma vez que essas suítes, além de terem recebido uma decoração
especial, contavam com uma banheira imensa de hidromassagem. Vários casais
entrevistados afirmaram que pretendiam voltar para lá quando fossem comemorar os
seus aniversários de casamento.
Ao pensar que Hugo tinha reservado uma suíte nupcial para eles, Dee sentiu o
sangue correr tão depressa pelas veias que lhe provocou uma pequena tontura.
Não reservou uma suíte nupcial, não é? Hugo sorriu.
Não. Não queria que as pessoas soubessem o que pretendemos fazer.
Queria?
Bem, é claro que não, mas acha que eles terão alguma dúvida?
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Capricho do Destino Penny Jordan
Os dois sorriram. Hugo não respondeu. Faria uma surpresa a Dee. Ela
provavelmente não sabia que todas as suítes do De Villiers tinham banheiras de
hidromassagem para duas pessoas.
Mais tarde, Hugo confessou que lamentava não ter levado uma máquina
fotográfica para registrar a expressão surpresa de Dee quando o funcionário do hotel
abriu a porta da suíte e apresentou as suas dependências.
Assim que ficaram a sós, Hugo dirigiu-se a uma mesa de canto, onde havia uma
garrafa de champanhe dentro de um balde de gelo.
Pedi que o jantar fosse servido no quarto avisou-a Hugo. Antes, porém,
quero fazer um brinde a nós.
Era maravilhoso e espantoso, pensou Dee. Amava Hugo e sempre se sentira à
vontade com ele. Praticamente pertenciam um ao outro, desde o dia em que se
conheceram. No entanto, de repente, ela estava tremendo, tímida, face à perspectiva
de perder a sua virgindade.
Não conseguiremos beber todo esse champanhe murmurou Dee, sem saber
o que dizer.
Não da garrafa respondeu Hugo. Eu pretendo tomá-lo no seu corpo,
gota a gota.
A imagem proposta teve o poder de desinibi-la. E de fazer Hugo tomar a
iniciativa de beijá-la de um modo que lhe provocou um intenso arrepio.
Ele tinha começado a desabotoar a sua blusa quando ouviram uma batida à
porta.
O jantar que Hugo encomendou não poderia ser mais romântico. E mais caro. O
empregado entrou na saleta empurrando um carrinho decorado com flores e velas.
Quando se deteve e mostrou o prato que estava coberto por uma tampa de prata, Dee
viu duas lindas lagostas com morangos silvestres. O vinho branco que as acompanharia
era francês. A sobremesa, a sua favorita, eram trufas de chocolate.
Satisfeita? quis saber Hugo quando terminaram de jantar.
Dee fitou-o com malícia.
Não. E não ficarei até...
Até? provocou-a Hugo.
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Capricho do Destino Penny Jordan
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Até senti-lo dentro de mim sussurrou Dee, mas sem conseguir olhar nos
olhos de Hugo daquela vez.
Algo que não demorou a acontecer, pois assim que ela disse aquelas palavras,
Hugo levantou-se e abraçou-a.
Dee, não pode imaginar o que faz comigo.
Enquanto a abraçava, Hugo não parava de pedir que ela ficasse bem junto dele,
embora já estivessem abraçados.
Os seus beijos tem gosto de chocolate. Não consigo resistir.
Eu adoro os seus beijos, Hugo. É o único homem que quero na minha vida.
Quero-o demais.
Ouviu-o gemer. Era um som excitante, até mesmo atormentado. Ela tocou-o no
pescoço para sentir a vibração. Quanto mais o tocava, quanto mais o beijava, mais o
queria. Era magnífico sentir a rigidez do seu sexo, uma prova irrefutável do desejo
que lhe despertara.
Hugo ergueu-a nos braços naquele momento e carregou-a até à cama. Deitou-a
e apagou as luzes.
Não foi a primeira vez que Hugo a despiu, mas foi diferente. E no momento em
que ele recuou para admirar a sua nudez, Dee estremeceu. A mensagem que leu nos
olhos azuis a fez prender a respiração. Naquela noite, Hugo e ela dariam o passo final
para selarem o compromisso de mútua devoção.
Não havia segredos entre eles. Conheciam os sonhos e as esperanças um do
outro. Sabiam o que queriam das suas vidas e seguiriam juntos os passos que o destino
lhes reservara. Fariam um trabalho memorável de auxílio aos carentes. Quando
terminassem a faculdade, seguiriam por aquele caminho. Casados.
Hugo não tinha nenhuma dúvida quanto ao futuro. A sua convicção no que fazia
era plena e total. Negar-lhe a realização dos seus planos seria o mesmo que matá-lo.
Ou pior.
Temos muito a dar aos povos de quem só soubemos tirar até agora. E eles
têm muito a oferecer em termos de cultura. Nós sairemos desse trabalho
engrandecidos no nosso orgulho e na nossa dignidade. O meu pai não concorda com os
meus planos, nem o meu avô confessou Hugo, mas é algo que preciso de fazer, ou
nunca poderei viver em paz comigo mesmo.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Dee entendia Hugo e amava-o cada vez mais pelo seu idealismo, embora aquilo
significasse que não era a única dona do seu coração e das suas emoções.
No fundo, Hugo era igual ao seu pai nas suas convicções. Nenhum dos dois
prescindia dos seus princípios por nada.
Agora é sua vez murmurou Hugo quando terminou de despi-la.
Lentamente, Dee desabotoou a camisa. Depois abriu o fecho das calças. Ainda
não tinha terminado de tirá-las, quando Hugo se inclinou e se pôs a beijá-la no pescoço,
ao mesmo tempo em que uma das suas mãos se fechava no seu seio.
Não vale protestou Dee. Eu ainda não acabei.
Como Hugo não parou de acariciá-la e ela não conseguiu conter a reação do seu
corpo, fechou os olhos e enlaçou-o pelo pescoço.
Os lábios de Hugo pousaram nos seus ombros, depois no peito, para terminarem
ao redor dos seios e finalmente nos mamilos. Quando se pôs a sugá-los, Dee sentiu uma
onda tão violenta de excitação, que cravou as unhas nas costas dele.
Hugo, no entanto, não parou. Pelo contrário, as suas carícias tornaram-se ainda
mais intensas. Incapaz de se dominar, Dee abraçou-o, tremula. Mas não por muito
tempo. Quando deu por si, Hugo tinha-se afastado e estava ajoelhado entre as suas
pernas, curvado sobre o seu abdômen, beijando-o.
O champanhe permanecia no balde de prata, esquecido. Não havia necessidade
de usá-lo. A excitação de ambos era mais do que suficiente para tornar o ato de amor
perfeito e inesquecível.
As sensações eram tão fortes e eróticas que Dee teve de controlar a vontade
de gritar.
De repente, Hugo olhou para ela.
Tem certeza de que é isto que quer? Está preparada, Dee?
Ela fechou os olhos por alguns segundos. Quando tornou a fitá-lo, a sua voz
soou rouca de paixão.
Sim. Oh, sim.
Os olhares estavam mergulhados um no outro. Hugo e Dee mal conseguiam
respirar.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Receio machucá-la confessou Hugo, hesitante.
A primeira investida fez Dee contrair os músculos. Mas estava tão excitada,
tão próxima do êxtase que ergueu os quadris de forma a facilitar a penetração. Hugo
gemeu alto e moveu-se mais para dentro dela.
Dee não resistiu. Os espasmos assaltaram-na quase que de imediato. Alguns
instantes depois, sentiu o corpo de Hugo enrijecer. Ele disse o seu nome de uma
maneira que a emocionou.
Depois, enquanto descansavam nos braços um do outro, Dee ouviu Hugo dizer
baixinho:
Será melhor da próxima vez. Eu tentarei controlar-me e prolongar o
momento.
Dee sorriu e aconchegou-o de encontro ao peito.
Melhor do que foi? Acho impossível.
Oh, Dee, eu a amo demais. Não deveríamos ter-nos conhecido. Não deveria
existir. Eu não tinha planos para que isto fosse acontecer. Não queria apaixonar-me e,
muito menos, comprometer-me seriamente com uma mulher antes de fazer trinta
anos. Ainda bem que temos as mesmas ambições de vida declarou Hugo. Eu não
suportaria se fosse do tipo que quer casar para levar uma vida normal e que eu tivesse
de arranjar um emprego fixo como o meu pai insiste que eu faça. Não me interessa
ganhar montes de dinheiro. Não poderei dar-lhe uma vida de conforto. Sabe disso, não
é? Os nossos filhos terão de aprender a viver aos nossos moldes. Os nossos amigos
dirão que perdeu o juízo em escolher-me. O seu pai não aprovará o nosso casamento.
Não concordo contigo interrompeu-o Dee. Ele irá admirá-lo pelo que
pretende fazer. Ele também trabalha em prol de um mundo melhor. Eu não o amaria
tanto, Hugo, se fosse diferente do que é. Não tenho nenhuma intenção de pedir que
mude os seus planos.
Será maravilhoso, não? Temos tanto a fazer juntos, Dee...
Eu sei concordou Dee, e piscou-lhe um olho sugestivamente. Ainda não
terminamos de beber o champanhe e ainda não tomamos banho juntos na banheira de
hidromassagem. Por quanto tempo reservou a suíte?
Apenas por uma noite.
A noite inteira? indagou Dee, deliciosamente surpresa. Quer dizer que
ainda temos muitas horas para aproveitar.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo não conseguiu responder, mas fez que sim com um gesto de cabeça. Não
podia falar. Dee estava cobrindo-o de beijos outra vez.
Então não temos nenhum minuto a perder, não é? ela voltou a provocá-lo.
Não. É claro que não ele voltou a concordar.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 6
Dee acordou sobressaltada. O seu coração batia descompassado e a sua boca
estava seca. Dormira profundamente, mas não tivera um sono tranqüilo. A sua
sensação era de estar com o corpo entorpecido, como se estivesse sob o efeito de
calmantes. A relutância em levantar-se a incomodava. Era como se algo estivesse
prestes a acontecer e a cama servisse como proteção.
Se era a primeira vez que aquilo acontecia? Não. Houvera um período após a
morte do seu pai em que o refúgio do quarto e da cama exercia o mesmo efeito sobre
ela. Fora preciso armar-se de coragem e lutar para superar a depressão. Repetira mais
de mil vezes a si própria que agira como devia e que tomara a decisão certa.
Respirou fundo e empurrou os cobertores. Sentou-se na cama e colocou os pés
no chão.
O seu quarto era o seu mundo especial e secreto. Um lugar onde ninguém tinha
autorização de entrar. Não apenas por ser o seu santuário, mas porque traía a sua
autêntica natureza. As paredes estavam pintadas em tom pastel, entre o azul e o
verde, e as cortinas eram de musselina branca. O mesmo tecido adornava o dossel da
sua cama. A colcha, no entanto, de brocado de algodão cor de marfim, era igual à que
forrava a poltrona colocada junto à janela.
O carpete, também cor de marfim, completava o cenário delicado e feminino.
Quase etéreo.
Dee colocou-se sob o chuveiro e procurou não pensar. Sabia que estava sendo
alvo de duas forças antagônicas.
Sentia-se impelida a convencer Peter, sem magoá-lo, é claro, para afastar-se
do conselho de administração da fundação e a apoiá-la nos seus planos. Hugo seria um
aliado precioso naquele sentido. Mas aquilo significaria uma aproximação, um pedido, e
ela não podia permitir-se nem sequer pensar nele.
Saiu da ducha, enxugou-se energicamente e pôs-se a escovar os cabelos. De
repente parou. Já tinha lutado aquela batalha uma vez e vencido. Não tinha forças
para voltar àquele tempo de escuridão e sofrer novamente a perda de Hugo.
Admitia que estava mais forte agora do que na época que andava na faculdade.
Não sentia remorsos. Fizera o que era certo. Tomara a única decisão possível. Mas não
podia enganar o seu coração. Muitas vezes vira-se imaginando como teria sido a sua
vida com Hugo, com um filho nos braços, amando e sendo amada.
47
Capricho do Destino Penny Jordan
Hugo, mais do que ela, fora um jovem devotado à sua crença de prescindir da
sua própria vida em favor do próximo. E ao contrário dela, negara-se a fazer parte de
uma sociedade materialista. Chamara-a, e ao seu pai de egoístas.
O que espera que ele faça? perguntara Dee a Hugo numa das várias
discussões que tiveram. Que doe tudo o que tem?
Hugo a chamara de ridícula quando a pergunta fora colocada, mas não
respondeu o que faria no lugar do seu pai.
Outro detalhe ao qual Hugo se apegava, tanto quanto o seu pai, e nesse
particular ambos defendiam idêntico ponto de vista, era de que as pessoas envolvidas
em programas beneficentes não podiam ter os seus nomes ligados a escândalos.
Dee, ao contrário, talvez por ser mulher e mais compreensiva, não esperava
perfeição dos seres humanos, que sabia serem vulneráveis e passíveis de erros num
momento ou outro da vida.
Quando terminou de se vestir, Dee reconheceu que não adiantaria tentar adiar
a resolução do seu problema. O melhor seria enfrentar a situação de frente. Entraria
no seu carro e iria para Lexminster. Além de visitar Peter, precisava de ter uma
conversa com Hugo.
O que acontecera com eles no passado não deveria ser levado em conta. Agiria
como se tivessem sido apenas amigos. Conversariam sobre a participação de Peter no
conselho de administração e ela iria tratá-lo com amizade e respeito, mas com fria
distância.
Quem visse o seu quarto, porém, antes que fechasse a porta e entrasse no
carro, não diria que a decisão fora facilmente tomada. A cama estava repleta de
roupas e o chão, forrado de sapatos. Até que Dee se sentisse satisfeita com o traje,
mudou-o, por completo, quatro vezes.
Mas valeu a pena. Dee tinha aprendido a importância da apresentação com o seu
pai. Da aparência muitas vezes dependia o sucesso de um negócio.
O vestido bege que finalmente escolhera era simples, mas bonito. Os recortes
laterais facilitavam a movimentação, sem serem provocantes. Ao menos era o que Dee
pensava. Os homens certamente considerariam o espetáculo restrito um convite à
imaginação, como algo profundamente erótico.
O decote era discreto, mas a tendência de resvalar para um dos lados
propiciava uma ocasional visão do ombro.
48
Capricho do Destino Penny Jordan
Os brincos de ouro tinham sido presentes do seu pai e completavam o conjunto,
juntamente com o toque de batom e duas gotas do seu perfume favorito.
A caminho de Lexminster, Dee passou pela praça central da cidade e ficou
preocupada ao ver um grupo de adolescentes sem fazer nada. Em recente conversa, o
diretor da escola local, que também trabalhava como voluntário na instituição, tinha-
lhe contado que os problemas com arruaças vinham crescendo assustadoramente entre
os alunos.
Assim como ela, Ted Richards acreditava que os jovens precisavam ter uma
válvula de escape para as suas energias que fosse construtiva e ao mesmo tempo
saudável. Mais ainda. Eles necessitavam de ter a sua maturidade e capacidade
reconhecidas e sentir que faziam parte da comunidade onde viviam.
Quanto mais pensava em dedicar-se a eles, mais importante lhe parecia a
empreitada. Ward, o marido da sua amiga Anna, tinha conseguido um grande sucesso
com os jovens da sua região. Talvez ele pudesse falar com Peter e convencê-lo a apoiá-
la. Se Peter tivesse condições, ela iria convidá-lo para conhecer as oficinas que Ward
montara. Seria um bom começo.
Era hora de almoço quando Dee chegou a Lexminster. No porta-malas, além de
uma pasta completa com todos os planos que fizera para ajudar os adolescentes de
Rye-on-Averton, havia uma torta de queijo e um frango assado com arroz e ervilhas.
Apesar de ter uma cópia da chave da casa de Peter, Dee bateu
automaticamente à porta. Como ninguém viesse abrir, ela lembrou-se de que poderia
entrar, mesmo que Peter não a ouvisse.
Peter, sou eu, Dee anunciou em voz alta.
Como o silêncio se mantivesse, Dee encaminhou-se para a cozinha. Estava quase
chegando, quando Hugo surgiu à sua frente. O susto por pouco não a fez derrubar os
pacotes.
Oh, eu não esperava...
Desculpe se não a atendi de imediato. Estava ao telefone explicou Hugo.
Peter está dormindo. A médica esteve aqui e disse que era importante que ele
descansasse. Como o encontrou muito agitado, deu-lhe uma injeção de repente,
Hugo fitou-a com expressão de censura. Espero que não o tenha acordado.
A acusação injusta impulsionou-a a uma defesa.
Foi realmente necessário drogá-lo?
49
Capricho do Destino Penny Jordan
Drogá-lo? Hugo franziu o rosto. O que está insinuando?
Não estou insinuando nada protestou Dee. Mas Peter tem idade e...
Jane é uma médica competente. Se ela prescreveu uma medicação
tranqüilizante foi porque achou que isso iria ajudá-lo.
O fato de Hugo se referir à médica pelo primeiro nome provocou um aperto no
coração de Dee.
Vim tratar de um assunto importante com ele. Lamento que ele não esteja
em condições.
Precisa falar com ele? estranhou Hugo. Então não está aqui para saber
sobre o seu estado de saúde?
É claro que me preocupo com o estado de saúde de Peter respondeu Dee.
Mas não o bastante para chamar um médico que o examinasse.
Uma mistura de raiva e de culpa fez o sangue de Dee subir-lhe às faces.
Eu já disse que teria cuidado dele...
Se tivesses tempo interrompeu-a Hugo. Sim, eu sei. A propósito, sobre
o que precisa de falar com Peter?
Dee encarou-o, furiosa.
O assunto é entre mim e Peter. Não lhe diz respeito.
Ela viu Hugo arquear uma sobrancelha com desdém.
Será que não? Isso irá depender de...
O telefone tocou naquele instante e Hugo afastou-se para atender.
Exatamente ela ouviu-o dizer. Não há problema algum. Pode ligar à hora
que quiser. Eu estarei aqui. Posso trabalhar em qualquer parte, desde que tenha acesso
às conveniências da tecnologia moderna. Não, eu ainda não lhe contei.
Dee não era bisbilhoteira. Não estava ouvindo a conversa de propósito. Mas
como algo lhe dizia que a sua pessoa estava sendo mencionada, embora o nome não
tivesse sido dito, não resistiu ao impulso de ir até ao hall, pé ante pé.
Mas pretendo fazê-lo ainda hoje disse Hugo antes de desligar.
50
Capricho do Destino Penny Jordan
Ao ouvir o clique do telefone, Dee apressou-se a voltar para o seu posto. E
antes que Hugo tivesse oportunidade de falar, levantou-se.
Como não posso ver Peter nem falar com ele, não tenho o que fazer aqui.
Quando ele acordar, por favor, dê-lhe lembranças minhas. Trouxe uma torta e...
Não pode ir embora interrompeu-a Hugo. Tenho algo para lhe dizer.
Era o que ela temia. Pelo modo de Hugo falar ao telefone e mais ainda naquele
momento, Dee adivinhou que o assunto não seria dos mais agradáveis. Engoliu em seco.
Peter teria revelado a Hugo o escândalo que envolvera o nome do seu pai?
De que se trata? indagou Dee com um fio de voz.
Venha comigo. Prefiro ter essa conversa na sala. As paredes são finas e
estamos bem debaixo do quarto de Peter.
Dee seguiu-o tão ansiosa, que as suas pernas tremiam. Incapaz de encará-lo,
posicionou-se à janela, de costas para ele.
O que tem de tão importante para falar comigo?
Como Hugo não respondesse, ela se virou. Não esperava que Hugo fosse vacilar,
mas foi o que aconteceu.
Peter e eu tivemos uma longa conversa, depois que você foi embora.
O coração de Dee batia tão fortemente que ela temeu que Hugo fosse ouvi-lo.
O que tanto receara tinha acontecido. Peter contara a Hugo sobre o seu pai. As
mesmas suspeitas que assombravam Dee e que Peter nunca tivera coragem para
abordar foram reveladas a Hugo.
Ele contou-me que o seu pai...
Dee fechou os olhos e esforçou-se para não se deixar inundar pela onda de gelo
que tentava engoli-la.
O meu pai está morto, Hugo implorou ela. Tudo o que ele sempre quis
foi ajudar os outros. Ele nunca...
Dee deteve-se, incapaz de continuar. Alguns instantes depois, respirou fundo e
olhou para Hugo com firmeza.
O que foi que Peter lhe contou?
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Capricho do Destino Penny Jordan
Ele disse que estava preocupado com as suas idéias de alterar o foco de
atuação da obra assistencial fundada pelo seu pai. Peter teme que esteja deixando-se
governar pelas emoções e que tente pressioná-lo a apoiá-la.
Dee pestanejou. Peter tinha contado a Hugo sobre a obra de caridade que o seu
pai fizera e não sobre a sua morte. E tinha confiado a Hugo os seus temores sobre os
novos planos que ela realmente pretendia propor.
O alívio foi tão grande, que Dee deu uma gargalhada.
Não creio que o assunto seja divertido, Dee declarou Hugo, sério. A sua
intenção está clara para mim. Pretende conseguir o apoio de Peter a qualquer preço
para a realização do seu projeto, mesmo que isso signifique forçá-lo a agir contra a
sua consciência.
Dee raciocinou rápido. O alívio de saber que Peter não abordara a morte do seu
pai com Hugo a fez esquecer a gravidade do problema em que ela estava envolvida.
Peter não tinha o direito de discutir os nossos negócios contigo reclamou.
Ele e eu não somos os únicos membros do conselho de administração da instituição.
Acho que ele deveria ser mais reservado quanto à nossa atuação.
Por quê? Hugo desafiou-a. Existe algo que eu não deva saber? Ou o
governo?
A indignação de Dee a fez empalidecer.
Não temos nada a temer por parte de ninguém!
Eu não estava acusando-a explicou Hugo. Apenas quis lembrá-la de que,
embora seja presidente da instituição, a sua vontade não é soberana. Depende da
aprovação do conselho de administração. Portanto, não tem o direito de pressionar as
pessoas para concordarem com o seu ponto de vista, seja ele qual for.
Como se atreve a julgar-me? protestou Dee. Por que não diz claramente
o que está pensando? Os desejos do meu pai sempre foram a minha prioridade.
Não é o que Peter pensa retorquiu Hugo. Dee hesitou. O que estava
acontecendo?
O meu pai sempre lutou em prol dos habitantes necessitados da sua cidade.
As suas primeiras obras destinaram-se à ajuda dos idosos. Agora, os tempos são
outros. Os jovens estão precisando de mais apoio do que as pessoas da terceira idade
Dee estreitou os olhos. Mas nada disso lhe diz respeito, não é verdade? Só se
interessa pelas necessidades de povos de países distantes. O que se passa com a
52
Capricho do Destino Penny Jordan
população de Rye, por certo, parece-lhe um simples detalhe a voz de Dee tornou-se
ainda mais séria. Os idosos de Rye estão bem amparados. Gostaria de dizer o
mesmo sobre os jovens. Mas eles não têm com que se ocupar. Segundo Ward...
Ward? interrompeu-a Hugo.
Sim, Ward Hunter explicou Dee. Ele já colocou em funcionamento, e
com grande sucesso, o esquema que estou estudando para a nossa cidade.
Peter contou-me também que achava que estava sendo influenciada por
alguém para romper com a linha de trabalho criada pelo seu pai. Ele...
As intenções de Peter são boas declarou Dee, mas as suas idéias são
antigas. Ele não consegue ver o que está acontecendo no presente. Eu preciso ter uma
conversa com o nosso velho professor e fazê-lo entender que...
Ou seja, quer realmente pressioná-lo a tomar uma decisão que irá contra os
seus princípios deduziu Hugo. Eu lamento, Dee, mas isso não será possível.
Por que não? indagou ela, apreensiva. O estado de saúde de Peter tinha
piorado e Hugo estava escondendo-lhe isso?
Porque esta manhã ele nomeou-me seu representante perante o conselho de
administração e eu...
Não! protestou Dee. O choque foi tão grande, que ela precisou se apoiar
na mesa para não perder o equilíbrio. Peter não pode ter feito isso!
Se quiser uma cópia do documento, tomarei providências para que o receba
imediatamente.
Então agora é procurador de Peter?
Sim.
O mundo ruiu para Dee naquele instante. Não apenas pelo fato de Hugo ter
tomado o lugar de Peter no conselho de administração, mas porque o velho amigo, de
repente, deu provas de que já não confiava mais no seu bom senso e na sua capacidade
de trabalho.
Lágrimas ardentes queimavam os seus olhos pelo esforço de não derramá-las.
Por mais que quisesse sentar-se, ou correr para longe, o orgulho obrigou-a a fingir
indiferença.
Que ironia! Como pudera pensar em pedir que Hugo a apoiasse no sentido de
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Capricho do Destino Penny Jordan
tentar conquistar a simpatia de Peter pelo seu projeto?
E como seu procurador prosseguiu Hugo, farei tudo o que estiver ao meu
alcance para garantir que o parecer de Peter seja respeitado e que não o subestime.
Diga, portanto, a esse Ward Hunter que terão de obedecer à maioria. Não podem
fazer o que bem entenderem.
As decisões do conselho de administração não têm nada a ver com Ward
quis explicar Dee, mas Hugo tornou a interrompê-la.
Ainda bem que reconhece isso. Pelo que Peter me contou, parece que anda
usando a conta da instituição como se fosse sua.
Não é verdade! protestou Dee, indignada. Tudo o que quero é ajudar
quem está mais necessitado.
De acordo com o seu ponto de vista.
Hugo, por favor. Peter está bem-intencionado, mas...
Mas o quê? Acha que ele já não é capaz de tomar as suas próprias decisões?
Não se trata disso.
Ainda bem que admite. Soube que o conselho de administração deverá
reunir-se em breve para discutir o orçamento para o próximo ano. Como representante
legal de Peter, portanto, deverei estar presente.
Não pode! retorquiu Dee.
Pode dizer-me por quê? desafiou-a Hugo.
Bem, você tem outros assuntos para tratar. Talvez já não esteja mais aqui.
Não tenho planos de me afastar de Lexminster. Não no futuro próximo, pelo
menos. Como estava dizendo há pouco ao gerente do banco onde Peter tem conta, o
meu trabalho possibilita-me viver onde quer que existam eletricidade e linhas
telefônicas. Como Peter precisa ter alguém por perto, não vejo razões para não unir o
útil ao agradável. A partir de agora, este será também o meu endereço.
Um cansaço e um frio intensos apoderaram-se de Dee.
Não entende murmurou. Peter não entende.
Pelo contrário contradisse-a Hugo. Você é que precisa de entender que
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Capricho do Destino Penny Jordan
não pode fazer da obra deixada pelo seu pai o seu brinquedo favorito. O fato de ser
presidente não lhe dá o poder de controle. Você e o seu namorado...
Ward não é o meu namorado protestou Dee, cada vez mais zangada.
Não? Bem, qualquer que seja o tipo de relacionamento entre vocês, Peter
está preocupado com as influências que vem sofrendo.
Peter vive voltado para o passado. É uma pessoa maravilhosa e eu o adoro,
mas as suas idéias estão ultrapassadas.
O conselho de administração é formado por sete elementos, Dee. Se ele for
o único a não concordar contigo, não vejo motivos para preocupação.
Dee fechou os olhos. Sabia que Peter não seria o único a discordar do seu
plano. Os outros eram de idade aproximada da dele.
Hugo consultou o seu relógio de pulso.
Infelizmente, teremos de deixar esta conversa para outra ocasião. Terei
uma reunião em trinta minutos e não quero me atrasar.
Enquanto falava, Hugo dirigiu-se à porta e a abriu. Ela mordeu o lábio. Estava
sendo tratada como uma candidata a um emprego que não tinha sido aprovada. A sua
vontade era ignorá-lo e dizer que não sairia dali enquanto não falasse com Peter. Por
outro lado, aquilo iria colocá-la, talvez, numa situação ainda mais vulnerável do que se
encontrava.
Endireitou as costas e ergueu o queixo. Não daria a Hugo a satisfação de vê-la
derrotada.
Até segunda despediu-se Hugo. A reunião está marcada para as onze,
não é?
Sim confirmou Dee e deu um passo para fora da casa. Nunca tinha se
sentido tão humilhada. Como pudera Peter fazer aquilo com ela?
As suas emoções estavam crescendo como uma bola de neve no seu peito. Temia
não conseguir se controlar. Precisava de se afastar de Hugo depressa.
Ele a tocou no braço naquele instante e ela recuou como se tivesse sido
queimada.
Peter está fazendo isto para seu bem e do seu pai murmurou Hugo. Ele
está preocupado. Considera a sua posição no conselho de administração como algo
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Capricho do Destino Penny Jordan
sagrado.
Acha que eu não? reagiu Dee.
Acontece que o seu pai destinou a sua obra a um alvo específico e a minha
opinião...
A sua opinião não me interessa Dee recusou-se a continuar ouvindo. Não
sabe nada a respeito do meu pai, nada sobre os seus desejos e as suas crenças.
Desprezava-o porque era rico e não o tolerava porque eu o amava.
Quando Dee terminou de falar, estava vazia.
Está sendo injusta protestou Hugo. Jamais desprezei seu pai.
Disse que não acreditava que alguém que vivia para ganhar dinheiro pudesse
ser verdadeiramente altruísta.
Está deturpando as minhas palavras, Dee. Eu apenas disse que ninguém podia
ser tão santo quanto insistia que o seu pai fosse. Colocava-o num pedestal. Era isso que
eu...
E estava determinado a tirá-lo de lá, a qualquer preço. É por isso que não
tolero a sua presença no conselho de administração. Não merece fazer parte de algo
que foi a vida para o meu pai. Acho que nunca poderei perdoar Peter pelo que fez.
Dee deteve-se. Não estava mais agüentando. Precisava se afastar de Hugo
antes que não pudesse mais controlar as lágrimas.
A situação se repetia. Não era a primeira vez que eles discutiam e que as
acusações de Hugo a obrigavam a tomar o partido do seu pai.
Correu para o seu carro. Ouviu Hugo chamá-la, mas não se virou para trás.
Muito menos parou. E antes que girasse a chave do motor, viu o carro da médica virar
a esquina.
56
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 7
Três horas mais tarde, quando entrou no seu escritório em Rye-on-Averton, a
primeira coisa que Dee fez foi folhear a pasta que tinha preparado com tanto carinho
e cuidado, com a ajuda de Ward, e que resumia todo o projeto de atendimento aos
adolescentes da cidade.
O trajeto de volta para casa não tinha sido suficiente para acalmar os seus
ânimos. Sentia-se ofendida e injustiçada. Não era prepotente, como Hugo a acusara.
Aliás, nunca tivera condições nem sequer de assumir total controle sobre a sua própria
vida.
À raiva, em vez de diminuir, parecia aumentar a cada minuto que passava.
Incapaz de raciocinar, Dee pôs-se a andar de um lado para o outro.
Como é que Hugo se atrevia a interferir? Com que direito dizia o que ela podia
ou não fazer?
Hugo não sabia nada sobre os problemas que envolviam a sua cidade. Como se
sentiria se fosse ela que estivesse tentando mandar nos seus assuntos?
Zangada e frustrada, Dee bateu uma mão contra a outra.
Não adiantava culpar Peter. Ele estava cego pela amizade de Hugo. Não era
difícil imaginar a cena. Com o seu ar inocente, Hugo obrigara-o a assinar a maldita
procuração, ao mesmo tempo em que se passava por bom samaritano.
Naquele instante, Dee duvidou mais uma vez das boas intenções de Hugo.
Talvez Hugo não estivesse interessado apenas nos fundos da universidade para o seu
programa.
As suposições talvez fossem maldosas e sem fundamento, pensou Dee. Talvez
estivesse levando a sua raiva por um caminho ilógico. O bom senso dizia-lhe que Hugo
não seria capaz de nenhuma baixeza. Mesmo que não fosse a pessoa cem por cento
honesta por quem ela o tomava, Hugo não arriscaria a sua reputação por uma ninharia.
Afinal, como representante das Nações Unidas, Hugo deveria ter milhões de
dólares ao seu dispor.
Naquele fim-de-semana, ela iria se encontrar com Ward para falarem sobre o
programa. Mas, de que adiantaria?
57
Capricho do Destino Penny Jordan
Às lágrimas contidas foram derramadas por fim. Com os olhos marejados, Dee
olhou para o retrato do seu pai sobre a sua escrivaninha. Era um dos seus preferidos.
Por coincidência, fora Peter quem o tirara. O seu pai estava sorrindo para ela. Agora,
sempre que estava triste e deprimida, Dee procurava forças naquele olhar e naquele
sorriso.
Algo que, pela primeira vez, não funcionou.
Acusara Hugo de ter desprezado seu pai. Não era exatamente verdade. O que
Hugo desprezava era o mundo que o seu pai representava aos olhos dele: o mundo de
riquezas e de prestígio, o lugar onde se dava mais importância aos bens do que às
pessoas. Mas o seu pai não fora alguém assim. Apesar de rico e orgulhoso, ele fora
bom e preocupado com os menos favorecidos. A maior tristeza da vida de Dee fora a
incompatibilidade entre Hugo e o seu pai.
Mas, pai, eu amo Hugo tentara ela fazer o pai entender muitas vezes,
quando ele a questionava sobre o seu namoro.
Não sabe nada sobre o amor respondia ele. Ainda é uma menina.
Não é verdade. Eu sei o que é o amor. Eu o amo, não é? E já não sou uma
menina. Já tenho dezoito anos.
Ainda é uma criança, Dee. Meu bebê...
Oh, papai! chorou Dee. Como eu gostaria que tivesse sido diferente.
Por mais que tentasse, Dee não tinha conseguido aproximar os dois homens que
mais amara na vida. Quanto maior era o seu esforço nesse sentido, maior era a
desconfiança entre eles.
Como é que ele pode querer tê-la? questionava o pai. Que planos ele tem
para o futuro? A última vez que falei com ele, soube que pretendia isolar-se num
deserto qualquer, assim que defendesse a sua tese de doutorado.
Ele é como você, pai tentara explicar Dee. Também quer trabalhar em
prol dos outros.
Talvez sim, mas eu jamais deixaria sua mãe ou você para me embrenhar pelo
mundo.
O momento que ela mais temia tinha chegado.
Papai, Hugo não pretende me abandonar.
58
Capricho do Destino Penny Jordan
Não? Quer dizer que ele recuperou o juízo?
Não, Hugo não mudou de idéia. Eu irei com ele.
Você o quê?
Dee sabia que o pai não aceitaria a sua decisão com facilidade. Embora nunca
tivessem conversado sobre o seu futuro, depois que terminasse a faculdade, era óbvio
que ele esperava que a filha voltasse para casa. E ela teria voltado, se não tivesse
conhecido Hugo.
Não podia recriminar seu pai. Ele sempre fora compreensivo com ela. Nunca
tentara impor a sua vontade. Incentivara-a, inclusive, a freqüentar uma faculdade,
embora soubesse que ela teria de morar noutro lugar.
É o que Hugo quer. E você? É também o que deseja?
O que ela gostaria de ter dito é que o seu maior desejo era que o pai e Hugo se
dessem bem.
Sim. Eu amo Hugo. Preciso ir com ele, pai.
O seu pai empalidecera.
Bem, é maior de idade e eu não posso impedi-la de fazer o que quer.
Hugo a amava. Ela não duvidava disso. Mas sabia que os seus sonhos estavam
acima de tudo. Se ela não o seguisse, Hugo iria sozinho.
Hugo era um cruzado, um homem que precisava viver a vida em plenitude. Não
importava que o povo da sua cidade e de todas as outras também precisassem de
ajuda. Hugo precisava visitar outros países, conhecer novas culturas. Não adiantaria,
portanto, tentar fazê-lo entender o seu ponto de vista. A família dele já o tinha
contrariado o suficiente. Hugo precisava dela, do seu amor e do seu apoio.
Teriam muitos anos pela frente. Mais tarde, teriam lembranças a partilhar.
Teriam muito para contar aos filhos.
Um sorriso curvou os lábios de Dee naquele instante.
Hugo podia ser um cavaleiro impetuoso na sua cruzada, mas algo lhe dizia que,
quando chegasse a hora de terem filhos, ele os protegeria, assim como o seu pai a
protegia.
Cada vez mais os dois lhe pareciam mais semelhantes. E mais ciumentos um do
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Capricho do Destino Penny Jordan
outro, pensou Dee.
Faltavam poucas semanas para ele terminar o curso. Hugo já tinha terminado o
seu trabalho e preparava-se para defender a sua tese. O combinado era que eles
partiriam assim que fosse possível para a Etiópia que, de acordo com a Cruz Vermelha,
era o local onde mais estavam precisando de auxílio.
Dee tentou convencer Hugo a passarem algum tempo com as suas respectivas
famílias antes de partirem. Como uma espécie de despedida, pois não tornariam a
encontrar-se tão cedo. Mas Hugo estava ansioso demais por abraçar o seu trabalho e
não queria retardar nem sequer um dia a partida.
Embora continuassem a morar oficialmente nas suas respectivas casas, Dee
possuía uma cópia da chave de Hugo e passava quase todas as noites com ele. Só não
moravam juntos de vez, porque ela não queria dar aquele desgosto ao pai. Ele devia
desconfiar que ela e Hugo eram amantes, mas ao menos não tinha a certeza. Era fruto
de uma geração que se habituara a ver homens e mulheres vivendo sob um mesmo teto
depois de casados. Nunca antes.
Dee e Hugo não puderam esperar. Amavam-se muito e a necessidade de
estarem juntos, dia e noite, levara-os ao convívio não apenas emocional, mas também
sexual.
Assim, não havia segredos entre eles. Nem mental, nem fisicamente. Dee
saboreava cada momento em companhia de Hugo. Dava-lhe intenso prazer vê-lo
andando despido pelo quarto, esbanjando masculinidade, energia e saúde.
Continuava a surpreendê-la e a excitá-la o fato de Hugo ainda responder
fisicamente aos seus meros olhares.
Estou assim por sua causa costumava dizer ele. Agora depende de você
dar um jeito nesta situação.
No mesmo instante, Dee tratava de acariciá-lo.
Era o que queria? provocava-o ela sempre.
Para começar, está ótimo respondia ele invariavelmente e beijava-a, para
depois levá-la para a cama, ou caso ela já estivesse deitada, para se colocar sobre o
seu corpo.
Estavam juntos há dois anos e a intensidade do desejo sexual não tinha
diminuído. Se possível, era ainda maior. Bastava um beijo, um toque e Hugo levava-a
imediatamente para o delírio. Algumas vezes, no meio de uma discussão, ela provocava-
60
Capricho do Destino Penny Jordan
o com uma palavra ou um gesto. Hugo insistia em manter-se no assunto, mas o brilho no
seu olhar traía a mudança de intenção.
Havia discussões de vez em quando, é claro. Ambos eram apaixonados e
voluntariosos nas suas opiniões, e entregavam-se por inteiro às suas emoções e
crenças. Mas o único problema que parecia não ter solução para eles dizia respeito ao
pai de Dee.
A apresentação fora um acontecimento que a deixara ansiosa antes, durante e
depois. O pior foi ter a constatação de que a sua ansiedade fora legítima.
A noite terminou com uma discussão acirrada entre o seu pai e Hugo sobre os
membros do governo e a sua atuação. O seu pai era a favor da política atual e Hugo era
contra.
Dividida entre os dois, Dee procurara acalmar seu pai, ciente do golpe que ele
levaria no seu orgulho quando chegasse o momento de não conseguir mais argumentar
com a racionalidade do parecer de Hugo.
Mais tarde, de volta a Lexminster, ela tivera de ouvir recriminações sobre o
fato de ter defendido o pai em detrimento dele e de ter negado as suas próprias
convicções.
Sabe que eu estava certo acusou-a Hugo e, pela primeira vez, não se
deixou afetar por beijos e carícias.
O meu pai tem uma visão antiga do mundo, eu já lhe disse. Não quis magoá-lo.
Mas não se importou em me magoar protestou Hugo.
Primeiro Dee suspirou, depois o enlaçou amorosamente pelo pescoço.
Importa quem venceu?
Sim respondeu Hugo, irritado. Se não importasse, não teria tomado o
partido dele.
Não entendeu. Eu perguntei se importa para você explicou Dee. Não é
fácil para o meu pai aceitá-lo na minha vida.
Também não é fácil para mim aceitá-lo na nossa vida retorquiu Hugo.
Chegará o dia que terá de escolher a quem entregar a sua lealdade.
As palavras soaram como uma ameaça. Com o coração apertado, Dee cruzou os
dedos nas costas para que aquele dia não chegasse e para que os dois acabassem por
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Capricho do Destino Penny Jordan
se entender, mais cedo ou mais tarde.
Aquele dia talvez pudesse ter chegado se Hugo, o elemento jovem, tivesse
cedido um pouco e ouvido ou pelo menos tentado fingir interesse pelos conselhos do
seu pai. Ou se o seu pai, mesmo que não concordasse com o ponto de vista de Hugo,
respeitasse as suas diferenças.
Nada disso aconteceu. A verdade era que nenhum dos dois estava preparado
para ceder. Dee foi obrigada a recorrer à tática de manter a paz com recurso à
distância.
Com o passar do tempo, ciente de que o antagonismo entre os dois homens
tinha aumentado, mas com a data da formatura se aproximando, Dee decidiu abordar o
assunto da sua partida.
Estava na sala, com o pai, e preparava-se para falar sobre a sua decisão quando
a campainha soou.
Nos poucos instantes que ficou sozinha, Dee tentou imaginar a cena. Se fosse
Hugo quem estivesse à porta e logo mais se sentasse ao seu lado, ela iria tê-lo
escolhido. Afinal, o seu pai era a sua infância, o seu passado. Hugo era o seu namorado,
o seu amante, o seu presente e o seu futuro. O visitante, porém, era um homem que o
seu pai lhe tinha apresentado poucos dias antes, chamado Julian Cox.
Embora o jovem não devesse ser muito mais velho do que Dee, estava vestido e
comportava-se como um homem da idade do seu pai. Dee antipatizou com ele à
primeira vista, em especial pelo modo como a tratava, como se fosse um adulto e ela
uma garotinha. O seu pai, ao contrário, tratava-o com deferência e não se cansava de
elogiá-lo e de apontar a Dee a inteligência e a cordialidade do outro, para não
mencionar a sua elegância.
Da sua parte, Dee considerava-o pretensioso e sem graça mas como não tinha
intenção de discutir com o pai, muito menos aborrecê-lo, procurou tratar o visitante
com educação e boa vontade.
Segundo as informações do seu pai, Julian Cox era um consultor financeiro que,
a convite dele, passara a fazer parte do conselho de administração de duas das
instituições de caridade das quais, seu pai era dirigente.
Causou-lhe espanto que o tal jovem tratasse o pai como se fossem velhos
amigos, embora mal se conhecessem. Se fosse sincera consigo mesma, aliás, Dee diria
que a incomodava o modo como Julian Cox se comportava na sua casa, completamente à
vontade.
62
Capricho do Destino Penny Jordan
Desculpe, Dee ele dirigiu-se a ela, depois de tê-la ignorado durante um
longo tempo em conversa exclusiva com o seu pai. A nossa pequena reunião deve
parecer-lhe aborrecida. Finanças não é um tema de interesse para vocês, os
estudantes.
Ela quase caiu na tentação de dizer a Julian que ele estava enganado e que ela
tinha conseguido transformar modestos investimentos numa respeitável conta
bancária.
Quando os dois homens se puseram a conversar sobre os novos planos de
assistência que pretendiam organizar em prol da população local e ficou claro que
Julian Cox pretendia desempenhar um papel importante no controle dos fundos, Dee
ficou preocupada.
O que há de errado com ele? perguntara-lhe Hugo quando ela manifestou a
sua inquietação sobre o sujeito.
Não sei. Tem algo a ver com o meu sexto sentido. Sinto arrepios ao vê-lo.
Ora, Dee Hugo gozara com os seus receios. Pensei que fosse o único a
provocar-te esse tipo de reação.
Não se trata disso, você sabe. Os arrepios que sinto por você são
conseqüência das suas carícias, dos seus olhares, do amor e do desejo que sinto por
você Mas aquele homem provoca-me calafrios na espinha. Não gosto dele. Não confio
nele.
Diga isso ao seu pai, não a mim.
Ele não me escutaria confessou Dee, desanimada.
Hugo não deu importância aos seus receios.
Eu não me preocuparia tanto, no seu lugar. Como está sempre dizendo, o seu
pai é um homem racional e inteligente, que está sempre pronto a ouvir as pessoas.
Exceto a mim e a você, é claro.
Pare com isso! protestou Dee. Não está sendo justo. Estamos falando
de dois assuntos completamente diferentes. O meu pai...
O seu pai tem ciúmes de mim, porque você me ama declarou Hugo. E
enquanto não aceitar esse fato, receio que não conseguiremos nos entender.
Agora está fazendo o mesmo que acusa o meu pai de fazer. Por favor, não me
pressione. Está fazendo chantagem emocional. Tente compreender. Ele é o meu pai e
63
Capricho do Destino Penny Jordan
eu o amo. O que mais quero no mundo é que vocês se entendam.
Já disse isso a ele? perguntou Hugo.
Dee não respondeu. Sabia que não adiantaria.
Contou-lhe? indagou Hugo aquela noite.
Sim respondeu Dee, exausta.
Quer que eu adivinhe o resultado? troçou Hugo.
Ele não ficou feliz nem contente admitiu Dee.
Por que não me diz algo que eu não saiba? retorquiu Hugo. Tenho quase
certeza de que ele a acusou de querer desperdiçar o seu talento e o seu diploma, além
do dinheiro do nosso governo, de querer expô-la a doenças e de estar se entregando a
um homem egoísta, em vez de ficar em casa, arranjar um bom emprego e levar uma
vida decente.
As alegações de Hugo eram tão reais que Dee sentiu um nó na garganta.
Por favor, Hugo. Ele é o meu pai. Ele só quer...
A nossa separação? sugeriu Hugo, amargo.
Ele só quer me proteger retorquiu Dee. Quando você... Nós tivermos
filhos, fará o mesmo.
Pode ser que sim, mas não farei chantagem emocional com eles nem tentarei
mandar na sua vida.
Julian Cox chegou no momento que eu estava prestes a contar sobre a nossa
viagem. Ele está querendo convencer meu pai a colocá-lo no conselho de administração
da fundação.
E daí?
Daí que não confio nele.
Concordo que esteja preocupada admitiu Hugo. Eu também não gosto de
gente que só vive para ganhar dinheiro.
Porque nunca passou nenhum tipo de necessidade Dee não suportou mais e
acusou-o. Sempre viveu de mesadas. E embora não seja herdeiro de uma grande
fortuna, como já disse, um dia tudo o que pertence à sua família será seu. O meu pai,
64
Capricho do Destino Penny Jordan
em contrapartida, precisou abrir o seu caminho para a vida. Ele tem orgulho do seu
esforço e eu orgulho-me dele pelo que conquistou a custo de trabalho duro. Detesto o
seu ar de superioridade e desprezo quando tece observações maldosas sobre o meu
pai. Não há nada de errado em ser bom e rico.
Não? Hugo questionou-a. O meu tataravô fez fortuna trabalhando com
carvão. Ou melhor, mandando gente para as profundezas da terra para cavar carvão
para ele. Há uma placa na entrada de uma das minas em homenagem aos vinte e nove
trabalhadores que perderam a vida naquela propriedade. Para aplacar a sua
consciência, ele pagou uma pensão vitalícia às viúvas. Eu tive pesadelos durante anos
com aqueles homens.
Dee mordeu o lábio. Hugo raramente falava sobre a sua família. Virou-se para
ele e fitou-o. Após um instante, Hugo segurou-a pelo queixo.
Nunca me deixe, Dee. Não permita que o seu pai nos separe. Amo-a mais do
que pode imaginar. É a minha vida. Sem você...
Mesmo sem mim, iria para a Etiópia murmurou Dee.
Sim respondeu ele, áspero. É preciso. É algo que tenho de fazer. Mas
não irei sozinho, não é?
Dee não pôde responder, porque ele a beijou naquele instante.
Mais tarde, com os corpos entrelaçados, depois de fazerem amor, Hugo apoiou-
se sobre um cotovelo e olhou para ela.
Há algo que eu preciso de lhe dizer.
O que é? perguntou Dee, preguiçosa. Hugo fazia sempre aquilo. Antes de
declarar mais uma vez o seu amor, ou de propor uma repetição do ato, olhava para ela
e sorria-lhe. Não foi o que aconteceu daquela vez.
Sobre a missão na Etiópia, não pretendo trabalhar como voluntário apenas
por um ano.
Dee sentou-se na cama. Sabia o quanto Hugo era devotado ao trabalho
assistencial, mas nunca tinha imaginado que ele pretendia dedicar-se por mais de um
ano ao projeto.
Estive conversando com uma pessoa um dia desses e soube que eles estão
precisando não apenas de voluntários para trabalhar no campo, mas de pessoas
capazes de angariar fundos de solidariedade.
65
Capricho do Destino Penny Jordan
Mas não pode querer fazer ambas as tarefas!
Não ao mesmo tempo, é claro concordou Hugo. Charlotte disse-me que
eu seria a pessoa ideal para agir como porta-voz daquele povo e angariar fundos,
principalmente depois que eu tiver a prática e a experiência desse ano de dedicação.
Charlotte? Dee franziu o rosto.
Charlotte Foster é o seu nome. Não a conhece. Ela formou-se um ano antes
do que eu e está trabalhando com crianças carentes. Voltou recentemente de uma
missão e eu encontrei-a na cidade por acaso.
Dee permaneceu em silêncio.
Estou avisando-a, portanto, que talvez tenha de passar mais tempo fora do
que planejávamos.
Está avisando-me, então, de que talvez nós tenhamos de passar mais tempo
fora do que planejávamos corrigiu-o Dee.
Hugo a abraçou.
Eu sabia que entenderia. A única implicação é que teremos de esperar um
pouco mais do que pretendíamos para ter uma família Hugo suspirou. Charlotte
disse-me que eles são exigentes. Insistem em detalhes inacreditáveis antes de
aceitarem novos membros no seu pessoal permanente. Houve escândalos recentemente
envolvendo nomes de pessoas ilustres, que desviaram dinheiro da caridade para os
seus próprios investimentos. Houve um caso, segundo Charlotte, em que um dos
membros foi convidado a retirar-se do grupo porque o nome do seu padrasto estava
sob suspeita. Bem, acho que dá para avaliar por que razão eles são tão cuidadosos no
recrutamento e seleção de candidatos.
Dee concordou com um gesto de cabeça.
No mesmo instante, Hugo abraçou-a a beijou-a.
É maravilhosa. É a mulher perfeita para mim. A esposa ideal!
Os dias que se seguiram foram atribulados. A decisão de Hugo de trabalhar
noutro país num grupo de auxílio em caráter permanente, e já não temporário,
envolveu diversas viagens entre Lexminster e Londres para testes e entrevistas.
Céus, cada dia percebo que não sei nada, que há muito ainda a aprender
disse Hugo a Dee, uma tarde, ao voltar de uma entrevista numa das agências de
recrutamento que Charlotte lhe tinha indicado.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Menos de um mês depois, o romance de Dee e Hugo chegou a um ponto crucial.
Por mais que ele garantisse que não havia nada entre ele e Charlotte, as referências
constantes à mulher e à sua dedicação extremosa ultrapassaram o limite de tolerância
de Dee.
Não me interessa o que Charlotte diz ou deixa de dizer. A nossa vida não
gira em torno da sua experiência nem das suas lições. Dava, por exemplo, para
respeitar o meu estudo? Os exames finais estão marcados para daqui a quatro
semanas.
Será aprovada respondeu Hugo com otimismo. Vim lhe dizer que
Charlotte nos convidou para um jantar de comemoração esta noite.
De comemoração?
Sim. Ela tem a certeza de que receberei um posto permanente na missão.
Vamos, Dee. Comece a se preparar. Acho que dá tempo para um banho rápido.
Não posso sair esta noite, Hugo Dee indicou as pilhas de livros sobre a
escrivaninha. Tenho de estudar ela fez uma pausa e suavizou a voz. Por que não
vai sem mim?
Dee estava realmente atribulada, além de preocupada. Ainda não tinha reunido
coragem para contar ao pai que a viagem tinha assumido um caráter permanente e que
Hugo e ela passariam a maior parte da sua vida de casados longe da Inglaterra. E não
era mentira que precisava de se preparar para os exames finais. Se Hugo ficasse em
casa naquela noite, excitado como estava com a notícia que acabara de receber, o seu
estudo não renderia. Seria bem mais fácil, se ele fosse e ela ficasse.
Tem certeza de que não se importa? Hugo hesitou.
Vai e divirta-se. Sem exagerar, é claro brincou Dee quando ele lhe deu um
beijo.
Eu a amo murmurou Hugo ao sair.
Mais tarde quero que me mostre quanto provocou-o ela.
Embora a idéia de ficar sozinha tivesse partido de Dee, a inquietação impediu
que se concentrasse nos livros. Movida por um súbito impulso, ela pegou no telefone e
ligou para o pai.
Ele atendeu de imediato e pelo seu modo de falar, Dee adivinhou que ele
esperava que fosse outra pessoa. O que era estranho. O seu pai nunca estava
demasiado ocupado para falar com ela ao telefone. Ele estava sempre se queixando,
67
Capricho do Destino Penny Jordan
aliás, que ela não telefonava com a freqüência desejada. Somado a isso, a sua intuição
não parava de lhe dizer que algo estava errado.
Pai, eu...
Mas ele não a deixou falar.
Preciso desligar, filha. Estou à espera de um telefonema importante.
Pai! repetiu ela em tom de urgência, mas não adiantou. A ligação foi
cortada.
Dee esperou dez minutos e tornou a ligar. A linha estava ocupada. Cinco
minutos depois continuava ocupada. Outros dez minutos de espera e o resultado foi o
mesmo.
Eram quase dez horas, mas Dee sentiu que precisava ver o pai ainda naquela
noite. Escreveu um bilhete para Hugo e correu para o carro.
68
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 8
Dee foi trazida de volta ao presente pelo súbito e estridente som do telefone.
Era Ward. Após trocarem cumprimentos e Dee perguntar sobre Anna e sobre o bebê,
o amigo foi direto ao assunto.
Estive pensando, Dee. O método talvez não seja ortodoxo, mas não acha
melhor que eu fale diretamente com os membros do conselho de administração?
Eu agradeço a sua atenção, Ward respondeu Dee, mas não creio que iria
adiantar. Surgiram problemas.
Dee explicou rapidamente o que tinha acontecido.
Está dizendo que alguém conseguiu convencer o seu professor a dar-lhe uma
procuração? Quem é essa pessoa? Algum parente?
Não é parente, mas um velho amigo contou Dee.
Não acha que deveríamos fazer uma pequena investigação? Ele pode ter
pressionado Peter e...
Oh, não apressou-se a discordar Dee. É uma pessoa de confiança. Eu o
conheço. Ele ocupa uma posição de prestígio numa das principais agências humanitárias
do mundo ela poderia garantir que Hugo era o homem mais honesto que conhecia.
Mas aquilo significaria revelar fatos sobre o passado que nunca contara a ninguém.
Não consigo entender por que motivo esse homem resolveu se opor a você.
Qualquer pessoa de bom senso compreende a magnitude do seu projeto.
Hugo considera-se um cruzado da moral.
Bem, o meu conselho é que não desista murmurou Ward. Prepare-se
para a reunião e faça com que a ouçam. Esse homem, afinal, não é o único membro do
conselho de administração.
As minhas chances são muito remotas, Ward confessou Dee. Sou a
única mulher no grupo e também a mais jovem.
Cinco minutos depois que Ward e ela se despediram, o telefone voltou a tocar.
Dee, como vai? era a sua amiga Beth. Eu a vi em Lexminster hoje. Por
que não me fez uma visita?
69
Capricho do Destino Penny Jordan
Beth e o marido estavam morando nos arredores da cidade numa aconchegante
casa de campo. Alex tinha sido convidado para dar aulas de História Moderna na
faculdade e estava saindo-se muito bem. Beth, embora tivesse se mudado de Rye,
continuava trabalhando na loja de artigos de vidro com a sócia Kelly, duas vezes por
semana.
Eu adoraria vê-la e conversar um pouco, mas não tive tempo respondeu
Dee.
É uma pena, mas eu entendo. Anna contou-me que tem andado muito ocupada
com o seu projeto de abrir um centro de convivência para jovens, nos moldes do que
Ward criou. Quero que saiba que a tia de Alex está à disposição, caso queira alguém
para ensinar arte de fabricar objetos de vidro aos seus pupilos. Acredite, Dee.
Ninguém é melhor do que ela.
Dee agradeceu. Beth não podia nem sequer imaginar o quanto ela gostaria de
entrar em contacto com a tia de Alex no futuro. Significaria que o seu projeto tinha
sido aprovado.
Olhe, não quero prendê-la, portanto serei direta. Está livre no sábado à
noite? Sei que estou ligando em cima da hora, mas Alex receberá uma pessoa para
tratar sobre uma nova bolsa de estudos e...
Essa pessoa é ele ou ela? indagou Dee, adivinhando de imediato o que havia
por trás do repentino convite.
Beth não conseguiu disfarçar.
É ele admitiu, rindo. Mas juro que não estou querendo armar-me em
casamenteira. Então, posso contar contigo?
Dee não teve coragem de dizer não à amiga.
Eu sabia que podia contar contigo! Espero-a entre as sete e meia e as oito
horas, está bem?
Naquela noite, depois que Hugo saiu para o seu jantar de comemoração, Dee foi
para Rye. Abriu a porta da casa do seu pai com a sua própria chave e chamou-o. Como
não obteve resposta, examinou a sala e o escritório. Mas foi na cozinha que o
encontrou, sentado e mudo como se fosse uma estátua.
À sua frente havia uma garrafa de uísque e um copo vazio. Como sabia que o pai
raramente bebia, Dee sentiu-se invadir por uma onda de pânico.
70
Capricho do Destino Penny Jordan
Pai?
O desespero que viu nos olhos dele a fez empalidecer.
Papai, o que houve? Dee ajoelhou-se e segurou-lhe as mãos. Está
doente? perguntou ao senti-las frias como gelo. Fale comigo, por favor.
Doente? Não murmurou ele. Cego, Dee. Eu estive cego todo este tempo.
Fui destruído pelo meu próprio orgulho e pela minha vaidade Dee começou a tremer.
Demorou alguns segundos até que percebeu que os seus tremores eram apenas um
reflexo do corpo do seu pai.
Por favor, conte-me. O que houve?
Não deveria ter vindo. E os seus exames? E Hugo?
Ele precisou sair.
Então ele não veio contigo?
Dee reconheceu uma expressão de alívio naquele rosto abatido e cansado.
Ainda bem. Apesar de ser apenas uma questão de tempo até que todos
saibam.
Saibam o quê? insistiu Dee.
Que eu confiei num ladrão e agora serei considerado um mentiroso e um
trapaceiro o pai fez uma pausa. Gordon Simpson, o gerente do banco onde temos
os nossos fundos depositados, ligou-me na semana passada para avisar que foram
encontradas discrepâncias na conta da instituição.
Discrepâncias? De que tipo? indagou Dee, perplexa.
O seu pai sempre fora meticuloso em relação aos assuntos contábeis. Se um
erro fora cometido, não poderia ser grave.
Alguns chamam de fraude.
Não é possível! Dee quase gritou. Nunca permitiria...
Não. Mas confiei em Julian Cox e ele me traiu. Não sei o que houve comigo,
Dee. Deixei-me ludibriar por um crápula. Ele roubou milhares de libras destinadas à
caridade sob o meu nariz o pai deu uma risada irônica. Gordon tentou consolar-
me. Disse que ninguém me atribuirá a culpa pelo que houve. Disse que nunca
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Capricho do Destino Penny Jordan
desconfiou, assim como eu, do sujeito. Mas isso não importa. Continuo a ser o único
responsável pelo envolvimento de Julian Cox no nosso conselho de administração. Ele
não teria participado, se não fosse por meu intermédio.
Dee mordeu o lábio, incapaz de falar.
Eu restituí a quantia que ele roubou, é claro, e recebi promessas tanto de
Gordon como de Jeremy, o seu contador, de que a notícia não se espalhará, mas isso
não me faz sentir melhor. Não consigo esquecer as palavras de Julian Cox quando fui
falar com ele. Sabe o que ele teve o atrevimento de fazer, Dee? Ele tentou fazer
chantagem. Comigo, Dee! Ameaçou ir aos jornais com a mentira de que eu o tinha
apoiado e até mesmo incentivado a desviar o dinheiro, caso insistisse em processá-lo.
O pai balançou a cabeça.
Gordon e Jeremy aconselharam-me a esquecer o assunto. Disseram que a
abertura de um processo chegaria ao conhecimento público e que a credibilidade da
nossa instituição seria instantaneamente prejudicada. Em conseqüência, os donativos
poderiam desaparecer. Eles apontaram-me a reposição do dinheiro como a melhor
solução para que o caso fosse abafado.
Dee sentiu pena do pai. Conhecia-o como ninguém. Para ele, lei e moral eram a
base da sua vida. Como o pobre deveria estar sentindo-se humilhado! Não era apenas
uma questão de orgulho ferido, mas de um golpe quase fatal na sua auto-estima.
Dee esforçou-se para confortá-lo, mas sabia que nenhuma palavra teria o poder
de afastar a tristeza que o dominava. O seu pai pertencia a uma geração que
acreditava que o homem deveria ser a pessoa forte da família e que era sua missão
proteger os seus dependentes. Além de tudo, portanto, ele estava culpando-se por ter
falhado com ela.
A bem da verdade, seu pai sempre tinha tentado afastá-la de problemas e de
situações desagradáveis. Tê-la ao seu lado naquele instante e saber que não conseguira
poupá-la deveria ser a morte para ele.
Dee resolveu passar aquela noite na casa de seu pai. Ligou para Hugo para
avisá-lo e não o encontrou. A decepção por não poder contar com ele naquele momento
de necessidade, em vez de magoá-la, irritou-a. Poderia ser um absurdo, mas parte da
raiva que estava sentindo por Julian Cox foi desviada para Hugo.
Pela manhã, quando viu o estado de seu pai, que lhe pareceu ainda pior do que na
noite anterior, não soube o que fazer.
Ela tinha se levantado antes e preparado um café da manhã leve, mas nem ele
72
Capricho do Destino Penny Jordan
nem ela conseguiram se alimentar. Quando o pai a avisou de que precisaria sair e se
recusou a dizer-lhe aonde iria, Dee tentou detê-lo.
Não fez nada de errado! Por favor, não fique assim.
O pai parecia mais magro do que na última vez que o vira. Parecia, aliás, ter
envelhecido muitos anos em poucos dias.
Não fiz nada de errado sob o ponto de vista legal, talvez, mas permiti que um
ladrão me fizesse de tolo. Confiei nele. Pior do que isso, confiei-lhe o dinheiro de
outras pessoas. Quem irá acreditar que eu não sabia disso, que não tomei parte no
desvio daquele dinheiro?
Todos acreditarão em você, papai! protestou Dee. Afinal, não precisa de
dinheiro. Tem muito mais do que o suficiente para o resto da sua vida.
Nós sabemos disso, mas e os outros? Terão a certeza da minha honestidade?
Existe um ditado que diz que onde houver fumaça haverá fogo. Tenho medo de
rumores, Dee ele calou-se por um instante. Volte para Lexminster e procure não
se preocupar comigo. Falta pouco para os exames.
Tenho tempo de sobra para estudar respondeu Dee. Quero ficar aqui
contigo. Quero estar presente na próxima reunião do conselho de administração.
Não.
A proibição foi tão categórica que Dee estremeceu. Seu pai não costumava usar
aquele tom de voz com ela. Nunca perdia o controle.
Tentou persuadi-lo mais uma vez, mas o resultado foi o mesmo.
Volte para Lexminster. É uma ordem, Dee.
E ela voltou. Cometeu o erro terrível de obedecê-lo. Um erro de que jamais se
perdoaria.
A seu ver, ela também tinha culpa pela morte de seu pai, embora Julian Cox
fosse o principal responsável. Se ela tivesse insistido e ficado ao lado dele...
Mas voltou para Lexminster, ansiosa por ver Hugo e contar o que tinha
acontecido, desesperada por se refugiar nos seus braços como uma criança assustada.
Porém, quando chegou a casa, Hugo tinha viajado às pressas e deixado um
bilhete para avisá-la de que fora chamado novamente a Londres para uma entrevista e
que não sabia quantos dias ficaria fora.
73
Capricho do Destino Penny Jordan
Dee não conteve o pranto. Sentia-se sozinha, desamparada e ao mesmo tempo
furiosa. Precisava de Hugo ali com ela, não em perseguição dos seus sonhos. Ao menos
uma vez, queria que Hugo pensasse nela em primeiro lugar. Seria aquele o tipo de vida
que teria quando casassem? Sempre? Hugo estaria ocupado sempre que precisasse
dele? Outras pessoas seriam sempre mais importantes para ele do que ela?
Dee estava tensa e agitada demais para pensar com clareza naquele momento.
Não conseguia entender que Hugo não tinha meios nem sequer de desconfiar que algo
de muito grave estava para acontecer. O fato dele ter viajado era suficiente.
Assim que terminou de ler o bilhete, Dee ligou para casa de seu pai. Como não
obteve resposta, tentou alcançá-lo no escritório. Quase gritou de frustração ao ouvir
a voz monótona da secretária.
O seu pai? Oh, querida, lamento muito. Não sei onde ele se encontra.
Ele disse que tinha de sair esta manhã. Imagino que se tenha encontrado com
alguém retorquiu Dee. Poderia verificar a agenda dele?
Oh, um momento. Ele marcou uma consulta com o dentista. Não, não. Estou
verificando a data errada. Sim, aqui está. Almoço com Julian Cox. Mas se ele saiu
cedo, infelizmente não fui informada sobre o compromisso.
Cinco minutos depois, sem que a secretária conseguisse desvendar o mistério
sobre o paradeiro do seu pai, Dee tentou novamente ligar para casa. Inutilmente.
Já tinha anoitecido quando ela teve notícias.
O agente da polícia que Dee encontrou à sua porta ao atender a campainha
estava tão constrangido que ela não demorou a adivinhar a razão da sua presença.
Está aqui por causa do meu pai, não é? Aconteceu-lhe alguma coisa?
Seu pai tinha sofrido um acidente, contou ele. Deveria ter saído para pescar e
caído do barco. Ninguém sabia ao certo.
Dee fechou os olhos e precisou de se agarrar à porta para não cair. A sua
cabeça não parava de rodar. O seu pai tinha morrido. Ela nunca mais o veria.
Teria de voltar para Rye. Era a única filha. Havia formalidades a serem
cumpridas.
Foi com grande alívio que Dee viu Ralph Livesey, amigo e médico da família, à
sua espera à porta da casa de seu pai. Ele já estava tomando todas as providências
legais, poupando-a dessa terrível missão.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Não consigo entender desabafou Dee. Meu pai sabia nadar. Era um
campeão. Como pode ter-se afogado?
O olhar do médico disse tudo. Foi como se ela recebesse um golpe físico.
Não foi acidente, pois não? quando não houve resposta, Dee cedeu ao
histerismo. Não foi um acidente! Meu Deus, não foi um acidente!
O médico segurou-a pelos braços.
Dee! Pare com isso!
As palavras que o médico trocou com o agente soaram como algo muito
distante. Dee não poderia repeti-las. Só voltou a si quando já se encontrava no carro
do doutor Ralph a caminho da casa dele.
Ninguém sabe ao certo o que houve, Dee. Não coloque idéias na sua cabeça.
Foi Julian Cox o responsável murmurou Dee. Ele o matou.
Se a verdade realmente for essa, acho que o resto do mundo não precisa
saber, Dee. Seria muito pior. A versão policial é a que deve ser mantida. Foi um trágico
acidente. Seja forte, querida. Acusações e processos judiciais não trarão o seu pai de
volta. E a sua reputação poderia ficar comprometida.
A sua reputação comprometida? repetiu Dee, atônita.
Vivemos numa cidade pequena. O conselho de administração encarregou-se
de espalhar certos aspectos do relacionamento do seu pai com Julian Cox.
Julian deu um golpe ao meu pai contou Dee.
Nós os dois sabemos disso, mas agora que o seu pai não está aqui para se
defender, o tal sujeito pode dizer todas as mentiras que quiser.
Está me dizendo que não acontecerá nada àquele assassino?
Entendo os seus sentimentos, Dee, mas não podemos acusar Julian Cox de
ter matado o seu pai. Ninguém pode. O meu amigo pode ter escorregado e caído no rio.
Ou ter-se sentido mal e caído.
Dee olhou nos olhos do médico.
Não consigo acreditar que tenha sido um acidente. O meu pai era um
excelente nadador.
75
Capricho do Destino Penny Jordan
Foi um acidente repetiu Ralph Livesey. Tenho a certeza de que o seu pai
teria preferido assim.
Decorreu quase uma semana até que Dee tivesse condições de voltar a
Lexminster. Além do funeral, assuntos referentes aos negócios que ele deixara
precisavam de ser resolvidos. E Dee sabia qual seria o seu caminho agora. Como única
herdeira, deveria continuar a obra que o seu pai iniciara. Era a guardiã do seu nome e
da sua dedicação. Ninguém mais poderia zelar pela sua memória como ela.
Tomada a decisão, Dee procurou o advogado da família e convocou uma reunião
com todos os que tinham trabalhado com o seu pai e para ele.
O advogado foi quem demonstrou maior espanto quando ela afirmou que não
voltaria para a faculdade. Como poderia deixar Rye? Como poderia deixar o nome e a
reputação do seu pai à mercê de Julian Cox e de gente como ele?
Cometera o erro de deixar o seu pai desprotegido uma vez e agora teria de
viver com o remorso pelo resto da sua vida. Não tornaria a acontecer. Não adiantava
dizerem-lhe que não deveria tomar nenhuma decisão enquanto estivesse em choque.
Hugo teria de ser informado, é claro, mas ela duvidava que ele fosse importar-
se. Se Hugo se preocupasse com ela, teria ficado ao seu lado quando mais precisara.
Há dois dias que o seu pai falecera e faltava um dia para o funeral quando Hugo
lhe telefonou.
Dee, o que houve? Sempre que telefono para casa, não está. O que faz em
Rye?
A minha presença foi necessária limitou-se ela a dizer.
Olhe, não poderei voltar por alguns dias ainda. Alguém numa das missões
pediu para sair e parece que eu serei apontado para substituí-lo. Não é ótimo? O único
porém é que a partida será antecipada em cerca de seis semanas Dee ouviu-o rir.
Estou muito empolgado. O programa é fascinante. Cada dia descubro que tenho mais a
aprender. Sabia que há povos, no nosso século, que ainda usam técnicas quase pré-
históricas na agricultura?
Ainda traumatizada com a morte súbita do pai, Dee mal pôde ouvir o discurso
egoísta de Hugo e o seu completo descaso das suas necessidades, da sua dor. Naquele
instante, ela soube que além de proteger o seu pai da maledicência, precisava protegê-
lo contra a falta de amor de Hugo.
Assim, Dee optou por não lhe contar nada. A sua estadia em Londres era
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Capricho do Destino Penny Jordan
preciosa demais para ser arruinada.
Desculpe, mas tenho de desligar. Ela ouviu-o a chamá-la, atônito, quando
desligou o telefone. Ele voltou a ligar quase imediatamente. Não atendeu.
No dia seguinte, o seu pai seria enterrado, mas Hugo estava mais interessado
nos métodos de plantio de povos que ele nem sequer conhecia do que na sua dor. O seu
pai estava certo ao questionar o amor de Hugo por ela. Mesmo que fosse verdadeiro,
como era o dela por ele, o futuro em comum não seria possível. O lugar dela era em
Rye. Em nenhuma outra parte.
Dee fechou os olhos. Não sabia onde seria o futuro de Hugo. Naquele momento,
o que importava era não apenas proteger o nome do seu pai de Julian Cox, mas honrá-
lo e reverenciá-lo.
Hugo tentou dissuadi-la, é claro, mas ela permaneceu firme na sua decisão. A
sua recusa em atender o telefone o fez largar a agência em Londres e procurá-la em
pessoa. Mas não adiantou. Tudo o que Dee conseguia pensar era no mísero
relacionamento que Hugo tivera com o seu pai e na prioridade que ele dava às suas
ambições.
Dee, nós nos amamos! protestou Hugo mais de uma vez.
Não, eu não o amo mais mentiu ela. O meu pai estava certo. Não teria
dado certo.
Dee não contou a verdade sobre a necessidade da sua permanência em Rye.
Hugo não entenderia.
No íntimo, porém, ela esperava que Hugo se recusasse a aceitar a sua decisão.
Queria que ele dissesse que não permitiria que nenhum problema os separasse, mesmo
que para isso tivesse de desistir dos seus planos. Mas ele não disse nada. Os seus
planos significavam tanto como o seu pai significava para ela.
Deixe os negócios de seu pai aos cuidados de alguém da sua confiança, Dee
implorou Hugo.
Não posso.
Por que não? insistiu ele, zangado. Por que é tão importante para você
ganhar mais dinheiro do que já tem?
Dee suspirou. Poderia dizer que não era o dinheiro que a preocupava, mas sim a
reputação do seu pai. Mas aquilo implicaria revelar que o seu pai estivera à beira de
ser chamado de golpista e que preferira renunciar à vida.
77
Capricho do Destino Penny Jordan
Pouco tempo antes, Hugo tinha feito comentários sobre a importância da sua
própria reputação no sentido de conseguir um lugar nas missões de ajuda. Como é que
ele se sentiria, se a sua indicação fosse retirada por causa de um escândalo que
envolvia o nome Lawson?
Hugo repetiu várias vezes que não conseguia entender o que estava se passando
com ela.
Conte-me a verdade. Conheceu outra pessoa? Sei que o seu pai...
Não fale sobre o meu pai! proibiu-o Dee. Acabou, Hugo. Acabou.
Lamento muito se não consegue aceitar esse fato ela levantou-se. Adeus.
Adeus? repetiu ele, irônico. Como pode se comportar assim? Não somos
dois estranhos. Nós pretendíamos casar, ter filhos.
Dee estremeceu. Não queria que Hugo suspeitasse da verdade. Tinha de se
afastar dele, custasse o que custasse.
Mudei de idéia.
Ela soube o que Hugo iria fazer antes que ele a tomasse nos braços e a
beijasse. Foi terrível, mas obrigou-se a permanecer inerte.
Se insistir, Hugo, estará me violentando.
Ele a soltou no mesmo instante, pálido como a morte. Como ela sabia que ele
faria.
Não chorou quando se viu sozinha. Não chorou no funeral do seu pai. Não
conseguiu afastar-se da sepultura por um longo tempo. Quando ergueu o rosto, por
fim, viu Hugo a observando a distância.
Ele fez menção de se aproximar, mas ela impediu-o com um gesto de cabeça e
afastou-se em direção oposta.
Não queria que Hugo soubesse o quanto estava sofrendo. O quanto já sentia a
sua falta. O quanto queria que ele dissesse que ela era mais importante do que tudo e
que nunca sairia do seu lado.
Após o funeral, Dee foi para a casa de uma tia do seu pai em Northumberland,
por insistência do doutor Ralph Livesey. Quando voltou a Rye, algumas semanas depois,
encontrou uma série de recados de Hugo, implorando que ela entrasse em contacto
com ele. Queimou-os todos.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Só dois meses depois, quando acordou uma manhã, Dee se deu conta de que não
tinha perdido apenas o pai, mas também o homem da sua vida.
Ligou para Hugo em Lexminster, mas ninguém atendeu. Correu para o carro e
foi para lá. Encontrou o apartamento vazio. Um vizinho informou-a de que Hugo tinha
partido para a Somália no dia anterior.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 9
Ward, estou preocupada com Dee.
Ward Hunter largou o jornal que estava lendo e olhou para a esposa.
Estavam casados há quase um ano e ele não conseguia entender como pudera
viver tanto tempo sem ela. Amava-a. Bastava olhar para aquele rosto lindo e sereno
para esquecer os problemas.
O fato de Anna trazer na barriga o seu bebê só fazia aumentar o grande amor
que lhe dedicava.
Não deve se preocupar, querida. Dee sempre foi forte e independente. Ela
sabe cuidar da sua própria vida.
Anna suspirou. Por mais que respeitasse a opinião de seu marido, havia certos
sinais que somente uma mulher podia compreender. Dee era auto-suficiente, mas a sua
intuição dizia-lhe que a sua grande amiga não estava conseguindo lidar com as suas
emoções.
O que é que ela disse, exatamente, sobre as dificuldades que está tendo
para montar um centro de convivência para jovens como o seu? quis saber Anna.
Não muito. Mas tenho a certeza de que não é esse o principal problema que a
está afligindo.
Anna concordou com o marido daquela vez. Ligaria para Dee naquele mesmo dia.
Ou talvez fosse melhor mesmo visitá-la.
Dee abriu a porta da sua casa e entrou. Estava exausta. Passara a manhã e
quase toda a tarde atrás de apoio para o seu programa de ajuda aos adolescentes, mas
os resultados não tinham sido satisfatórios.
A única pessoa que a apoiava no seu ponto de vista sobre a necessidade de uma
mudança era o gerente do banco.
Colocou as pastas em cima da mesa da cozinha e serviu-se de um copo de água.
Estivera com o seu advogado mais uma vez e ele não lhe dera esperanças. Sem o apoio
de Peter, em outras palavras, de Hugo, ela não conseguiria nada com o conselho de
administração.
Eu tenho dinheiro protestou Dee. Se o usar...
80
Capricho do Destino Penny Jordan
Não a aconselho a fazer isso. Ainda é jovem e tem o futuro pela frente. Já
fez donativos altos demais, diria eu, para o fundo de caridade. Agora precisa pensar
que ainda tem muito que viver e que não tem mais ninguém que olhe por você.
Dee reconheceu que o advogado tinha razão. Embora seu pai a tivesse deixado
amparada, a sua herança não era tão grande como as pessoas podiam pensar.
Dee, como o seu pai, preferia doar o dinheiro que ganhava em troca do seu
trabalho para fins de caridade, em vez de engordar a sua conta bancária.
Aborrecida, Dee colocou água para ferver na chaleira e olhou pela janela. Não
conseguia parar de pensar em Peter e no que considerava ter sido uma traição da
parte dele.
Estava desligando o fogão quando a campainha tocou. Não se moveu. Não estava
com disposição para receber visitas. Queria apenas tomar uma xícara de chá e ficar
sozinha com a sua amargura. Mas voltaram a tocar à campainha e ela resolveu atender
de uma vez.
Ao abrir a porta, demorou alguns instantes para ver quem era, devido à forte
claridade que incidiu sobre os seus olhos.
Hugo!
Não teve tempo para reagir. Assim que abriu a porta, ele entrou no hall,
obrigando-a a recuar.
O que quer? perguntou Dee, ríspida.
Precisava vê-la. Quero conversar contigo. A voz contida e a expressão
sombria assustaram-na.
O que houve? Peter piorou?
Antes que Hugo pudesse responder, o telefone tocou no escritório.
Dee, sou eu, Anna Dee ouviu a amiga identificar-se. Estava com
saudades e resolvi ligar para falarmos um pouco. Como está? Ward contou-me sobre os
problemas que está enfrentando com o conselho de administração...
Anna, posso ligar para você mais tarde? interrompeu-a Dee. Estou
muito ocupada neste momento.
Dee não queria ofender a amiga, mas não havia nenhuma chance de conversarem
enquanto Hugo estivesse na sua casa.
81
Capricho do Destino Penny Jordan
Claro que sim. Eu entendo. Não há pressa.
Dee desligou, ciente de que tinha surpreendido Anna com o seu comportamento.
Mas realmente não havia outro jeito. Mais tarde, quando ligasse, pediria desculpa e
daria uma explicação.
Ao voltar para a cozinha, Dee encontrou Hugo sentado e lendo o seu projeto.
Quem lhe deu autorização para mexer nos meus documentos?
É este o plano que pretende apresentar ao conselho de administração?
Hugo interrompeu-a, como se não tivesse ouvido a sua reclamação.
Sim. Mas isso não lhe diz respeito, não é?
Dee gostaria de ter mordido a língua antes de falar. Tudo o que envolvesse o
conselho de administração dizia respeito a Hugo. Como pudera esquecer-se?
Para sua surpresa, Hugo continuou a fingir que não tinha ouvido.
A sua proposta implica mudanças radicais no que tem sido feito até agora em
Rye, em termos de caridade.
Pela porta do escritório, que deixara aberta, Dee notou que o fax estava
funcionando. Olhou para Hugo e hesitou. Em alguns mercados, uma demora de poucos
minutos poderia significar um prejuízo de milhares de libras.
Sem dizer nada a ele, correu para o escritório e leu a mensagem:
"Corpo encontrado no mar de Singapura foi identificado como de Julian Cox. As
autoridades estão investigando a possibilidade de assassinato, pois Cox era um
jogador e devia fortunas em várias partes do mundo. Alguma instrução especial?"
A mensagem fora enviada pela agência de detetives que Dee tinha contratado.
Algo que ela fizera mais para aplacar a sua consciência do que por esperança de
conseguir fazer justiça ao homem que causara a morte do seu pai.
Dee fechou os olhos e tornou a ler a mensagem alguns segundos depois. Que
ironia! Julian Cox tinha morrido da mesma forma que o seu pai.
Um soluço escapou-lhe da garganta.
Dee? O que foi?
Dee viu Hugo entrar no escritório como se estivesse assistindo a um filme. Ele
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Capricho do Destino Penny Jordan
tirou-lhe o fax das mãos, mas as palavras tinham ficado gravadas na sua memória. E a
morte súbita de seu pai voltou a atingi-la com o impacto de um raio.
Julian Cox estava morto. Ela não o veria mais pagar pelo seu erro. Agora ele
estava diante da justiça divina...
Cox está morto Dee ouviu Hugo dizer. Nunca pensei que ele significasse
tanto para você.
A vontade de Dee era gritar bem alto, mas ela procurou controlar-se.
Oh, sim. Significa muito. Significa que eu perdi o meu pai por causa dele. Que
ele quase destruiu tudo o que o meu pai levou a vida inteira para construir. Ele confiou
nesse homem e foi traído. Como se não bastasse o que fez, Julian Cox ameaçou-o, caso
ele insistisse em denunciá-lo. E levou-o a acabar com a própria vida.
Dee levou ambas as mãos ao rosto quando terminou de falar. Sentiu-o molhado.
O seu corpo tremia.
Dee, o que está dizendo? O seu pai e Julian Cox eram sócios e amigos...
Ele era um inimigo. Ele fez chantagem com o meu pai Dee soluçou. Oh,
Deus, por que eu deixei que aquilo acontecesse? Por que não insisti em ficar ao lado do
meu pai naquele dia? Se eu não o tivesse deixado sozinho, ele poderia estar vivo agora.
Dee deteve-se. Se o seu pai não tivesse morrido, ela provavelmente não estaria
ao lado dele. Teria casado com Hugo, talvez tido filhos...
Fui egoísta. Queria voltar para você. Nunca imaginei que o meu pai pudesse
cometer suicídio. Que Julian o levaria a esse gesto desesperado.
Dee, o seu pai não fez isso Hugo tentou acalmá-la. Foi um acidente.
Não acredito. Ele nadava como um peixe. Além disso, como poderia ter
simplesmente saído para pescar naquela manhã, quando o mundo estava desabando
sobre a sua cabeça?
A voz de Hugo não poderia ser mais gentil.
Dee, venha se sentar. Farei um café bem forte para nós.
Não quero beber nada. Só quero ficar sozinha.
Estava acabado. Não precisaria mais de mandar seguir Julian Cox. Estava livre
daquele nome. O destino tinha assumido as rédeas e encontrado a melhor maneira de
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Capricho do Destino Penny Jordan
fazer justiça.
Por que motivo, então, ela ainda não estava em paz? Por que razão, em vez de
alívio, estava sentindo raiva?
Porque é que o seu pai fizera aquilo? Por que não pensara nela? Não sabia o
quanto ela o amava? Não sabia o quanto sofreria?
Ele abandonara-a. Essa era a realidade.
Chorou tanto que perdeu as forças. De repente, contudo, sentiu um abençoado
calor, conforme Hugo a abraçava e olhava nos seus olhos.
Dee, não está bem. Vou chamar um médico.
Não. Não é preciso apressou-se ela a dizer.
Ao menos, me deixe levá-la para o seu quarto para que descanse.
Dee tentou resistir. Não havia nada de errado com ela. Estava apenas aliviada
por estar finalmente livre do tormento que Julian Cox representava.
Passara anos desejando ter alguém com quem desabafar, mas nunca ousara cair
em tentação. Era como se ao manter silêncio estivesse protegendo a memória de seu
pai. E agora o perigo tinha passado.
Voltou a si no momento que Hugo se afastou e começou a fechar a porta do seu
quarto.
Quer que eu ligue para alguém? Gostaria de ter alguma amiga ao seu lado?
Ela negou com um movimento de cabeça.
Não quero ninguém.
Queria apenas a sua cama. Queria deitar-se, cobrir-se e esquecer tudo. Mas ao
tentar dar um passo, as pernas não lhe obedeceram. Uma tontura ameaçou
desequilibrá-la. Antes que caísse, porém, sentiu braços fortes a sustentarem-na.
Fechou os olhos e uma saudade imensa invadiu-a. Tantas vezes dissera a si
mesma que Hugo pertencia ao passado e que teria de aprender a viver sem o seu amor,
que pensara ter-se convencido disso. Mas bastou tê-lo junto a si, para que os anos de
separação desaparecessem.
Subitamente ela tinha voltado a ser a garota dos tempos da faculdade,
84
Capricho do Destino Penny Jordan
apaixonada pelo seu namorado.
Hugo.
Ele não disse nada. Apertou-a de encontro ao peito e acalentou-a. Ela fechou os
olhos e ofereceu avidamente os lábios.
Já tinha experimentado antes aquela paixão. Já tinha sido beijada com tanto
ardor que se esquecera de respirar. Já tinha sentido aquele desejo de possuir e ser
possuída por inteiro, de corpo e alma.
Dee abraçou-o como se a sua vida dependesse daquilo. Já o tinha perdido uma
vez, assim como perdera o seu pai. Seu pai não voltaria. Mas Hugo estava ali, vivo,
palpitante. Ele era real.
Uma paixão devastadora como uma tempestade inundou-a. Fechou os olhos e os
ouvidos à razão.
Ouviu Hugo gemer e os seus sentidos reconheceram o som. As suas mãos
percorreram as costas dele e depois desceram até à sua cintura. Atraiu-o, então, de
encontro ao seu próprio corpo num convite mudo para que ele a tocasse, para que ele
soubesse o quanto continuava a amá-lo, a desejá-lo.
Dee...
Não conseguiam falar. Não havia tempo. Havia muitos beijos a serem trocados.
Despe-me, Hugo implorou ela. Depressa. Não posso esperar.
Para provar o que estava sentindo, Dee pôs-se a desabotoar a blusa. Mas estava
ansiosa demais e resolveu desabotoar a camisa dele primeiro. As suas mãos tremiam
tanto, que não lhe obedeciam.
Hugo, ajude-me. Preciso de vê-lo, de tocá-lo, de sentir o seu sabor...
Estava tão compenetrada no que fazia, que não se deu conta da tensão que se
apoderara de Hugo e do esforço da sua respiração.
A pele de Hugo estava mais morena, os seus músculos estavam mais rijos e
volumosos. Ele estava ainda mais bonito do que antes, mais másculo e desejável.
Nunca tivera outro homem na sua vida, mas tinha a certeza de que poucos eram
tão atraentes.
Dee!
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Capricho do Destino Penny Jordan
O modo quase brusco como ele falou, quando ela o beijou no peito, a fez erguer
a cabeça e fitá-lo inquiritivamente.
Se pretende me torturar dessa maneira, quero torturá-la também
sussurrou ele.
No mesmo instante, Hugo pôs-se a desabotoar a sua blusa. E com uma rapidez
que ela não conseguira. Já estava sem a blusa e sem o sutiã. Quando Hugo tentou
continuar a despi-la, ela não resistiu e cobriu-o de beijos.
Ele deixou-a apenas de calcinha. As suas mãos, então, ocuparam-se em
acariciar-lhe os seios, provocando arrepios e gemidos.
A descoberta sobre a morte de Julian Cox e a presença simultânea de Hugo
tinham derrubado por completo as barreiras de proteção que ela tinha construído ao
redor de si mesma.
Amava-o. O que sentia por Hugo era tão forte que nunca encontraria palavras
suficientes para se expressar. Tudo o que podia fazer era tentar demonstrar com os
seus beijos e carícias o quanto o queria.
O seu corpo não tinha esquecido nenhum toque, nenhum gesto. Quando Hugo se
inclinou e se pôs a sugar-lhe os seios, ela estremeceu dos pés à cabeça, incapaz de
compreender como pudera viver todo aquele tempo sem aquilo, sem Hugo.
Abraçou-o com força e protestou ao sentir as calças jeans na sua pele, quando
o queria por inteiro.
Hugo, por favor, tire isso. Quero senti-lo, quero tocá-lo.
Antes, ela poderia ter sentido vergonha. Agora era uma mulher, não uma
garota. E Hugo era um homem. O seu homem.
Acompanhou os movimentos daquelas mãos com os olhos brilhantes de paixão.
Prendeu a respiração quando Hugo se livrou do resto das roupas. Já o vira nu muitas
vezes, mas por alguma razão o impacto da cena foi incrivelmente mais erótico.
Incapaz de se controlar, Dee deu um gemido alto e levou as mãos à boca.
Hugo afastou-as e levou-as aos próprios lábios. Beijou as palmas e cada um dos
dedos. Quando se pôs a sugá-los, Dee sentiu uma onda de desejo tão violenta que
precisou fechar os olhos para conseguir se conter.
Não chore, Dee suplicou Hugo. Por favor, não chore.
86
Capricho do Destino Penny Jordan
Ao mesmo tempo em que implorava, Hugo soltou as suas mãos e segurou-lhe o
rosto, que cobriu de beijos.
Dee não resistiu mais. Enlaçou-o pelo pescoço, beijou-o com ímpeto e desceu as
mãos lentamente até alcançar o sexo potente, que acariciou com suavidade e firmeza
ao mesmo tempo.
Dee...
Havia um tom de alerta na voz dele, mas ela não atendeu à voz da razão,
mergulhada que estava naquele mar de sensações.
Não queria ouvir. Queria apenas sentir.
Usava apenas uma fina e minúscula calcinha de seda. Mas logo Hugo se livrou
dela. Mesmo que não tivesse percebido o gesto, tomaria consciência da sua nudez pelo
modo como Hugo prendeu a respiração.
Continua a mesma que conheci. Não mudou. Eu nunca pude esquecê-la.
Lágrimas de emoção marejaram os olhos de Dee. Hugo tocou-os.
Não chore, minha querida, não chore.
Não estou chorando respondeu Dee quando Hugo a ergueu nos braços.
Apenas não me deixe esperar mais. Sinto tanta necessidade de tê-lo dentro de mim,
que chega a doer.
Não posso, Dee. Não estou prevenido.
Sim, pode protestou Dee. Sei que me quer tanto quanto eu.
Dee afastou-se dele e deitou-se. Quando estendeu os braços para recebê-lo,
Hugo fechou os olhos. Lentamente, foi até ela e voltou a beijá-la. Com calma no início e
depois com uma voracidade quase elementar.
Quando Hugo a penetrou, Dee gemeu alto. Fazia muito tempo e ela queria-o
demais. A cada investida, ela sentia uma explosão de prazer. Conhecia aquele corpo. Já
o tinha recebido uma infinidade de vezes, mas daquela vez foi diferente. Foi muito
mais do que uma satisfação física. Foi uma manifestação de amor, de saudade, de
necessidade.
O seu corpo clamava pelo êxtase, mas ela retardou-o o mais que pôde. Até que,
incapaz de prolongar o prazer, abandonou-se aos espasmos que provocaram o orgasmo
quase imediato de Hugo.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Abraçou-o com força, entregue ao destino, a um poder maior do que tudo.
Hugo, eu nunca deixei de amá-lo. Precisei me afastar por causa do meu pai.
Hugo afastou os cabelos do seu rosto.
Não pode continuar acreditando que seu pai se matou, Dee insistiu Hugo.
Nós nunca nos entendemos, mas eu o conheci o suficiente para ter a certeza de que
ele nunca teria cometido um ato insensato como esse, por maior que fosse a pressão a
que estivesse submetido.
Acredita realmente nisso? indagou Dee.
Acredito. O seu pai era um homem forte e amava-a demais para fazer algo
que pudesse causar-lhe sofrimento.
A traição de Julian Cox destruiu-o. Humilhou-o. O meu pai não conseguiu
perdoar-se por ter confiado nele. Restituiu o dinheiro roubado logo que soube do
desfalque, mas isso não aliviou a sua consciência.
Dee fechou os olhos.
Estou exausta. Acho que foram demasiadas emoções por um dia.
Hugo inclinou-se e beijou-a de leve na boca.
Durma, minha querida. Procure descansar.
Hugo esperou que Dee adormecesse para se levantar da cama. Peter receberia
a visita de um cardiologista naquela noite, indicado pela doutora Jane Harper, e ele
tinha prometido que estaria presente.
Não houvera tempo para dizer a Dee tudo o que queria. O seu desabafo sobre o
que acontecera ao pai deixara-o desconcertado e triste. Sabia o quanto Dee o amara e
o quanto deveria ter sofrido com a sua perda, principalmente por causa do modo como
pensara que tinha acontecido.
Eram estranhos, os caminhos do destino. Viera até Dee naquele dia movido por
um impulso, por uma necessidade fremente. Embora a lógica e o bom senso o
chamassem de tolo, por nunca ter conseguido esquecê-la, resolvera tentar uma
aproximação com Dee e implorar que ela desse uma segunda oportunidade ao seu amor.
E acontecera um verdadeiro milagre. Dee ainda o amava. Ele tinha amadurecido
naqueles anos e reconhecido que Dee tivera certa razão ao chamá-lo de egoísta. Não
fora justo com ela, querendo que partilhasse dos seus sonhos, do seu objetivo de vida.
88
Capricho do Destino Penny Jordan
Agora as circunstâncias eram outras. Ele não precisou de muito tempo para
descobrir que, sem Dee, os seus sonhos nunca seriam concretizados. Tivera a
satisfação de saber que trabalhara em benefício de muita gente. No entanto, a sua
vida particular fora vazia e solitária. Não por falta de mulheres interessadas em
tornarem-se suas amantes, mas porque nenhuma mulher se comparava a Dee.
Ele tentou enganar-se durante um longo tempo, dizendo a si mesmo que, ao
trocar o seu amor pelo do seu pai, fora Dee quem saíra perdendo, mas ao receber a
notícia de que Dee se tinha casado e esperava um bebê, não teve dúvidas de quem se
tornara o maior perdedor.
Feliz e sereno como não se sentia há anos, Hugo resolveu não interromper o
sono de Dee. Iria até casa de Peter, conversaria com o médico e depois ligaria para
ela, a fim de convidá-la para jantar e para passarem uma noite bem romântica num
hotel, como da primeira vez que fizeram amor.
Hugo dirigiu-se ao carro, assobiando.
Se soubesse que Dee não estava casada, teria voltado muito antes. Amava-a.
Nunca tinha deixado de amá-la. Peter confundira-o com as suas preocupações sobre o
projeto no qual Dee vinha trabalhando. Mas a idéia era magnífica. A sua primeira
providência, assim que o velho professor estivesse em condições, seria ter uma longa
conversa com ele.
89
Capricho do Destino Penny Jordan
Capítulo 10
Dee acordou abruptamente de um sonho no qual se vira a caminhar à beira de
um rio de mãos dadas com o pai. Da mesma maneira que faziam quando ela era pequena.
As águas do rio estavam tão claras e transparentes que dava para ver o fundo.
Ela sentiu o rosto molhado. Mas eram lágrimas de emoção. Algo lhe dizia que
estava tudo bem, que o seu pai estava em paz.
Sentou-se na cama e olhou para o lado. Hugo não estava ali, mas havia uma folha
de papel sobre a sua almofada.
Desdobrou-a com o coração palpitante.
"Amo-a", escrevera ele.
Dee fechou os olhos. Hugo amava-a. Não estava mais com ela. Mas tinha a
certeza de que voltaria.
Hugo era assim. Sincero, autêntico. Se dissera que a amava, ela podia
acreditar.
Como pudera viver tanto tempo longe dele? Amava-o tanto, que ainda podia
sentir o seu calor na pele, no fundo do seu ser. Não sabia que futuro teriam juntos,
mas, naquele momento, isso não importava.
Quando discutiram a respeito de Peter, ele tinha dito que poderia fixar
residência onde bem entendesse. A sua posição atual na agência não o obrigava a viver
em países longínquos.
O trabalho dela era em Rye-on-Averton, mas se o conselho de administração
recusasse as suas idéias, talvez ela não continuasse fazendo parte da instituição. A
fundação, afinal, sobreviveria sempre e ela já não precisava se preocupar mais em
zelar pelo bom nome de seu pai, pois ninguém poderia tentar maculá-lo agora.
Nada mais a prendia a Rye. Não tinha mais responsabilidades nem deveres para
com a cidade. Poderia mudar-se para qualquer lugar, poderia viver com Hugo onde ele
quisesse levá-la.
Ele não tinha escrito que a queria, que precisava dela, mas que a amava. Talvez
pudessem finalmente casar e ter filhos.
Filhos...
90
Capricho do Destino Penny Jordan
Dee tocou no ventre. Teria Hugo sentido o mesmo que ela? Teria percebido que
no auge da paixão eles tinham criado um novo ser? Um filho? Ou seria a sua
sensibilidade de mulher? Uma revelação secreta de que o seu corpo já não era
exclusivamente seu?
Com ânimo renovado, Dee levantou-se e tomou um banho rápido. Tinha algo
importante a fazer.
Bem, com o diagnóstico otimista do doutor Stewart disse a doutora Jane
a Hugo, o professor não corre nenhum risco. A sua força de vontade ajudou na
recuperação. Portanto, ele poderá ter a sua vida normal de volta e não precisará
depender de ninguém.
Estavam na cozinha da casa de Peter. O cardiologista já tinha se retirado, mas
a médica não parecia ter pressa.
Ele sente-se muito só contou Hugo.
Agora sim, mas logo que reassumir as suas atividades não terá mais tempo
para a solidão. Isso não significa que não possa visitá-lo sempre que quiser. Aliás, será
bom para você também. É jovem e tem o direito de viver a sua própria vida a médica
fez uma pausa. Por falar nisso, gostaria de jantar em minha casa uma noite destas?
Hugo sorriu.
É muito gentil, mas, infelizmente, não será possível.
Porque ele não queria outra mulher. Só queria Dee. Por orgulho, não a tivera
durante todos aqueles anos. Como se arrependia por não ter implorado que Dee o
aceitasse de volta! Por que concordara, quando ela declarou que estava tudo acabado
entre eles?
Se soubesse a verdade!
Era mais tarde do que esperava, quando conseguiu despedir-se de Peter.
O professor estava ansioso sobre a visita do cardiologista e ficara conversando
a esse respeito durante horas.
Quando finalmente entrou no seu carro, a sua primeira atitude foi ligar para
Dee para avisá-la de que estava a caminho, mas ela não atendeu. Não se preocupou.
Iria até sua casa mesmo.
O carro não estava na garagem. Isso o fez franzir o sobrolho. Aonde teria ido
Dee? Por outro lado, por que estava estranhando a sua ausência? Saíra cedo, sem se
91
Capricho do Destino Penny Jordan
despedir. O que queria? Que ela estivesse à sua espera de braços abertos?
Respirou fundo e procurou enviar a Dee todo o seu amor, onde quer que ela
estivesse.
De repente, a sua intuição disse-lhe o que fazer. Não ficaria de braços
cruzados, no carro, à espera. Iria ao seu encontro.
Havia mais de dez adolescentes reunidos ao redor de um banco na praça, sem
ter o que fazer.
O relatório de Dee surpreendera-o e fizera-o envergonhar-se de si mesmo pelo
modo como a tratara. Como pudera negar-se a ouvi-la? Como pudera apoiar Peter sem
sequer tentar examinar a proposta?
Não parou. Precisava ir até à igreja. Ali, contara-lhe Dee, tinham-se casado os
seus pais. E ali estavam enterrados.
Hugo estacionou o seu carro e seguiu a pé. Não tinha se enganado. Viu o carro
de Dee em seguida.
Era a primeira vez que Dee visitava o lugar à noite. Não estava com medo. Havia
paz naquele extenso relvado que guardava os seus entes queridos.
Pai, perdoe-me se errei no meu julgamento. Houve ocasiões em que o odiei
tanto quanto a Julian Cox, por me ter abandonado. Hugo tem a certeza de que não me
deixou deliberadamente, que foi um acidente. Que me amava demais para me deixar
sofrendo. Nunca o entendi como agora. Se ambos estavam sempre tecendo críticas um
ao outro, era porque ambos me amavam. Foi terrível para mim ter de escolher, mas
como poderia ter partido com Hugo, deixando-o sozinho e desesperado? Eu tive de
ficar e protegê-lo, zelar pela sua reputação.
Dee...
Dee olhou para trás rapidamente ao reconhecer a voz.
Hugo, o que está fazendo aqui? Como soube...?
Eu simplesmente adivinhei.
Eu precisava vir murmurou ela. Precisava falar com o meu pai.
Dee, por que não me confiou os seus receios? Sabia que podia confiar em
mim.
92
Capricho do Destino Penny Jordan
Sim, eu sabia, mas não achei justo colocar as minhas dúvidas sobre os seus
ombros. Eu sabia também o quanto era importante para você uma reputação sem
mácula. Se o nome de meu pai fosse envolvido num caso de fraude, seria impedido de
perseguir o seu sonho.
Dee deteve-se e baixou os olhos.
Acima de tudo, eu achei que não era tão importante para você como os seus
planos. Que estava mais interessado nos seus ideais do que no nosso amor. Tive medo
de me entregar por inteiro a você, porque não acreditava que pudesse se entregar por
inteiro a mim.
Então mentiu que não me amava mais. Dee fez que sim com a cabeça.
Nunca deixei de amá-lo. Queria que voltasse. Queria dizer-lhe que tinha
mudado de idéia. Mas nunca voltou...
Está enganada retorquiu Hugo. Após seis meses de solidão, eu resolvi
voltar. Fiquei alucinado quando me contaram que estava casada e grávida.
Houve uma confusão de nomes, provavelmente contou Dee. Aconteceu
com a minha prima.
Eu errei em não fazer indagações. Mas estava chocado demais com a notícia.
Naquela ocasião, pensei que o meu amor tinha se transformado em ódio. Senti-me
traído. Nunca houve outra mulher para mim.
Nunca houve nenhum outro homem para mim também, Hugo. Eu sempre quis
ter uma família. Mas nunca pude aceitar a idéia de ter um filho, se o pai não fosses
você.
Dee olhou mais uma vez para a sepultura e despediu-se do pai. Quando tornou a
fitar Hugo, ele estava com os braços estendidos para ela.
Como senti a sua falta, Dee! Como foi maravilhoso tê-la outra vez, poder
tocá-la, beijá-la! Não sei como pude suportar estes anos sem você.
Abraçaram-se com força. Todo o ódio, amargura e tristeza se derreteram
como gelo ao sol, ao calor do corpo de Hugo. Não havia mais lugar nos seus corações
para sentimentos que não fossem de amor.
Vamos para casa? sugeriu Hugo. Ela sorriu para ele.
A que lugar, exatamente, está se referindo?
93
Capricho do Destino Penny Jordan
Abraçados, a caminho da rua, Hugo inclinou-se e sussurrou ao ouvido de Dee:
A minha casa é onde você estiver.
Ele seguiu-a no seu carro. Na calçada, tirou a chave da mão de Dee e abriu a
porta.
Como soube onde me encontrar? perguntou Dee depois que entraram e ele
lhe deu um beijo.
Não sei explicar. Eu simplesmente soube. Pretendia levá-la para jantar, mas
acho que já é tarde para isso.
Sim, é tarde concordou Dee. Acho bom descobrir outra maneira de
saciar a minha fome.
Sei de muitas garantiu Hugo.
De repente, Dee fitou-o, preocupada.
Deus, eu não lhe perguntei sobre Peter!
Ele está bem. Muito melhor do que esperávamos, graças a Deus. A propósito
Hugo fez uma pausa, sobre aquele seu projeto...
Dee franziu o rosto. Não queria discutir com Hugo. Não queria estragar aquela
noite...
Não espere que eu mude de opinião, Hugo. Sei que Peter não aprova a minha
idéia e que terei dificuldades com os demais membros do conselho de administração,
mas continuo a afirmar que os jovens...
Concordo contigo. Dee fitou-o, perplexa.
Concorda?
Sim. Aliás, não entendo por que Peter se opôs. Ele não deve ter lido o seu
relatório.
As circunstâncias não estavam favoráveis murmurou Dee. Ele estava
doente e assustado...
Falarei com Peter a esse respeito prometeu Hugo. Espero convencê-lo
de que merece a sua confiança. Preciso de avisá-la, contudo, de que embora não
concorde, terei de votar segundo a vontade dele, como seu procurador legal.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Eu compreendo respondeu Dee.
Mas garanto-lhe que farei tudo o que estiver ao meu alcance para convencê-
lo a votar a seu favor. Acho o seu projeto magnífico.
Pensei que dedicasse o seu tempo apenas aos seus projetos. Desculpe, Hugo,
mas acha certo querer usar os fundos da universidade que deveriam ser empregues em
benefício dos estudantes em programas de ajuda a povos estrangeiros, por mais que
eles necessitem?
Hugo fitou-a, assombrado.
Está enganada! Eu não faço esse tipo de trabalho. A minha tarefa neste
momento é conseguir apoio das universidades no sentido de introduzirem um curso
vocacional que oriente os estudantes para colaborarem com os nossos programas de
auxílio. Precisamos de cérebros jovens e inovadores que nos apontem soluções para os
problemas que assolam o mundo.
Hugo sorriu.
Mas isso ficará para depois. No momento, nada mais me importa a não ser
você.
Naquela noite, quando fizeram amor, foi com calma e ternura. Havia paixão e
desejo em cada beijo, em cada carícia, mas já não desespero.
Está mais bonita ainda como mulher do que quando era garota disse Hugo
a Dee enquanto percorria as curvas de seu corpo com as pontas dos dedos e também
com os olhos.
E você está ainda mais másculo e mais sexy murmurou Dee.
Hugo riu e balançou a cabeça. Dee segurou-o pelos ombros e encarou-o.
Não acredita em mim? Pergunte à doutora Jane Harper.
Jane quê? Acho que não conheço gozou Hugo, e mergulhou os lábios nos
seios de Dee.
Senti ciúmes confessou Dee.
Aposto que não sentiu tanto ciúmes quanto eu, quando pensei que estivesse
casada com outro declarou Hugo. Não pode imaginar como me senti. Jurei a mim
mesmo que jamais me apaixonaria por outra mulher, que nenhuma outra me faria
sofrer.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Dee abraçou-o. Agora estavam juntos. Ela nunca mais o deixaria partir. Nunca.
Os convidados já tinham se despedido e Beth estava colocando os pratos e
talheres na máquina, enquanto Alex lavava os copos de cristal na lava-louça.
Não é maravilhoso que Dee e Hugo estejam juntos? comentou Beth com o
marido.
Dee e Hugo? Não sei de nada! protestou Alex. Pensava que o fato de
eles se conhecerem fosse uma mera coincidência.
Ora, Alex! Não notou?
Havia algo para ser notado? protestou Alex.
Eles mal se falaram a noite inteira!
Não havia necessidade de palavras explicou Beth. A atmosfera chegava
a vibrar ao redor deles. Está acontecendo algo entre eles. Posso apostar nisso. Céus, a
maneira como eles olhavam um para o outro...
Alex olhou para a esposa e balançou a cabeça.
Desculpe, não quero colocar água na fervura, mas não acredito que Dee
tenha a sorte de encontrar um marido como você me encontrou.
Beth sorriu e deu um beliscão, devagarinho, no braço de Alex, antes de se
afastar em direção à sala.
Hei, aonde vai? quis saber Alex.
Apenas telefonar para Anna. Em particular!
Acha que Beth descobriu o nosso segredo? perguntou Dee a Hugo, mais
tarde, no aconchego da cama. Ela olhou-me com cumplicidade quando nos
despedimos!
Bem, se ela desconfiou de algo, não foi por minha culpa defendeu-se Hugo
com ar malicioso. Não fui eu que fiquei de provocações com o pé por baixo da mesa.
Eu já repeti uma série de vezes que não foi de propósito argumentou Dee.
O meu sapato tinha caído.
Não sou de ferro Hugo continuou a se defender. Quase trepei pelas
96
Capricho do Destino Penny Jordan
paredes quando fez aquilo.
Combinamos que ninguém deveria saber sobre nós até depois da reunião do
conselho de administração. Se eu tivesse imaginado que era você o convidado de Alex
para jantar, eu...
A idéia sobre mantermos o nosso amor em sigilo foi sua, não minha.
É claro que foi. Não quero que os membros do conselho de administração
pensem que...
Pensem o quê? gozou Hugo. Que se aproveitou de mim e me enfeitiçou
para conseguir o meu voto?
Ora, Hugo, estou falando sério! protestou Dee. Eu jamais seria capaz de
algo assim.
Não? ele provocou-a. Tem certeza? Dee suspirou. Não resistia
quando Hugo a acariciava e sussurrava ao seu ouvido.
Não vale protestou. A sedutora aqui sou eu.
Não sei. Talvez eu também queira praticar os meus poderes mágicos contigo.
Para quê? Dee soprou-lhe um beijo. Eu já sou totalmente sua, não sou?
É verdade concordou Hugo. E logo todos saberão disso, mesmo que
tentemos esconder o fato.
O modo como Hugo olhou para baixo e acariciou a sua barriga deixou-a
perplexa.
Como descobriu? Ainda levará meses até que dê para se notar!
Exatamente como você. O que houve entre nós foi forte demais, intenso
demais.
Os olhos de Dee estavam brilhantes de amor e de emoção.
Agora terá de casar comigo, quer queira quer não brincou Hugo.
Hugo estava de pé diante do conselho de administração. As suas palavras
ecoavam entre os presentes, que permaneciam em respeitoso silêncio.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Para concluir, gostaria de reiterar que em minha opinião este conselho de
administração tem um dever moral ao seu fundador de seguir os seus passos e ajudar
sempre aqueles que estiverem mais necessitados. Como o relatório que temos à nossa
frente demonstra e prova, o setor da nossa comunidade que se encontra em situação
de maior carência neste momento é o jovem.
Hugo fez uma pausa e olhou para todos em seu redor.
Precisamos valorizar os nossos jovens, que não têm nem sequer uma
oportunidade de contemplar o futuro. Precisamos fazer com que se sintam amparados,
precisamos ensiná-los a ter fé em si mesmos e a aprender um ofício que lhes garanta a
sobrevivência e uma vida digna. Ajudando esta camada da nossa população, estaremos
investindo no futuro. Não apenas no futuro deles, mas dos nossos próprios
descendentes. Se negarmos a estes jovens a oportunidade de se tornarem cidadãos
responsáveis, estaremos cometendo um grave delito como seres humanos.
Hugo respirou fundo.
Para darmos um passo dessa magnitude, precisaremos de coragem. Não
duvido, contudo, de que todos nós somos capazes de dar esse passo. A questão é,
acreditam neste projeto?
Dee quase não conteve um soluço quando todos os membros aplaudiram as
palavras de Hugo.
Fora uma surpresa não apenas para o conselho de administração, mas para Dee,
que Hugo pedisse licença para falar não por Peter, mas por ele mesmo.
O consentimento foi geral. Hugo era uma pessoa famosa no mundo da caridade
e eles sentiam-se honrados pela sua presença.
Hugo, o seu futuro marido, o seu amor, o pai do seu filho, tinha conseguido o
que ela e o pai tanto tinham lutado para dar aos necessitados de Rye-on-Averton:
ajuda e dignidade.
Hugo fora tão incrível que, em vez de implorar que o conselho de administração
aprovasse o seu projeto, conquistou-o, valorizando os seus membros pelo que eram:
pessoas compreensivas, sábias e generosas.
Naquele momento, Dee sentiu-se como se o seu pai estivesse ali, sorrindo.
Com a voz embargada, ela olhou para Hugo e sussurrou.
Eu o amo. Eu o amo muito.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Dee não tinha dúvidas de qual seria o resultado da votação. O entusiasmo, o seu
entusiasmo, estava refletido em todos os rostos. Os adolescentes da sua cidade
teriam um centro de convivência e de aprendizagem. Eles ainda seriam o orgulho de
Rye-on-Averton.
Naquela noite, Dee ofereceria um jantar especial aos amigos. Era o seu
aniversário, mas o motivo da comemoração era especial e secreto ainda. Kelly e
Brough, Anna e Ward, Beth e Alex, todos teriam uma grande surpresa.
O anel de noivado já estava, contudo, no seu dedo. Hugo o entregara naquela
manhã, na cama...
Como aquele círculo de ouro, a sua vida tinha completado um ciclo. Estava de
volta ao lugar onde nascera e logo seria esposa do único homem que amara e que
voltara para ela após uma longa separação.
Naquela noite, durante o jantar, ela apresentaria Hugo aos seus amigos. As
sombras da sua vida tinham sido afastadas, uma por uma.
Pare de olhar para mim dessa maneira avisou-a Hugo, senão...
O resultado da votação estava prestes a ser anunciado.
Foi sim. Por unanimidade.
Dee ainda estava olhando para Hugo, quando as pessoas começaram a
aproximar-se para a cumprimentarem.
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Capricho do Destino Penny Jordan
Epílogo
Os sinos badalavam alegremente, quando Dee e Hugo saíram da igreja para
receber os cumprimentos.
Porque é que as mulheres choram em casamentos? perguntou Brough a
Ward e Alex, ao notar que não apenas a sua esposa, mas também as esposas dos seus
amigos estavam em prantos.
Nós choramos de alegria respondeu Kelly.
De felicidade confirmou Anna.
Aquela manhã, antes da cerimônia, as três amigas tinham ajudado Dee a vestir-
se. Poucas vezes, todas concordaram, uma noiva parecia tão linda e tão feliz.
Antes de irem para a igreja, Dee provou que além de feliz estava segura do
passo que estava prestes a dar.
Quero brindar com vocês ao amor ela abriu uma garrafa de champanhe,
serviu as taças e piscou um olho às amigas no momento de entregá-las. E aos homens
que são responsáveis pela nossa felicidade.
As três amigas agora estavam atirando pétalas de rosas sobre os noivos. O
cenário era de um conto de fadas. Havia sorrisos em todos os lábios. Os trajes não
poderiam ser mais elegantes.
Os fotógrafos não paravam de registrar aqueles momentos de pura magia.
Apesar de a cerimônia ter terminado, eles continuavam a fotografar os noivos e os
seus amigos do lado de fora da igreja.
Tirada a última fotografia, com os quatro casais reunidos, Hugo deu um beijo
em Dee e fez um pedido a Anna.
Dava para reunir todos e levá-los para o restaurante? Dee e eu precisamos
ficar sozinhos por alguns minutos antes de nos reunirmos a vocês.
Anna apressou-se a atender o pedido de Hugo e a afastar discretamente os
convidados.
Dee queria oferecer o buquê de noiva ao pai e Hugo entendeu. Deixou-a alguns
instantes sozinha e quando voltou para o seu lado, abraçou-a e beijou-a.
100
Capricho do Destino Penny Jordan
Vamos? Você e eu temos convidados à nossa espera.
você e eu? questionou Dee com um sorriso. Não somos três?
Hugo fitou-a, emocionado.
Sim, Dee. Somos três. Por enquanto...
FIM
101Beijos, abraços, sorrisos... Amanda sentia-se num palco representando para uma grande platéia. No íntimo, aquela farsa já estava ultrapassando os limites de sua
paciência. Como apenas fingir que era a mulher perfeita de Joel Sinclair quando a paixão realmente crescia dia após dia naquela convivência forçada? Não podia condenar
o desprezo do marido; afinal, havia se casado por dinheiro. Mas o tempo se encarregou de mudar os objetivos de Amanda, e agora tudo com que sonhava era o amor daquele
homem, gentil e amável com todos, implacavelmente cruel com ela. Valeria a pena entregar-se a ele, sabendo que quando Joel conseguisse a custódia do filho do primeiro
casamento, iria descartá-la como se faz com um objeto de pouco valor?
CAPÍTULO I
O frio era cortante e a neblina descia rapidamente. De manhã, quando Amanda tinha ido ao orfanato em busca de emprego, o dia não estava muito ruim, mas agora
escurecia depressa como se uma sombra pesada se estendesse sobre toda a paisagem.
Tremeu de frio e apertou o casaco contra o corpo. Tentou apressar o passo mas sua perna direita a impediu. Sua perna! Olhou para ela como se fosse a razão de
ter sido recusada.
Tinha saído de casa, em Birmingham, de manhã cedo, e durante toda a viagem de trem até a região dos lagos só fez rememorar suas qualificações para o cargo: era
professora formada, e tinha mais de um ano de treino em enfermagem.
Fazia seis meses que havia sofrido o acidente. Seis meses que pareciam seis séculos! E o pior era saber que nada precisava ter acontecido.
Foi um acidente estúpido! Estava indo para o trabalho, como fazia todos os dias. Embora fosse professora, não tinha encontrado um bom cargo e, por isso, estudou
enfermagem e trabalhava num hospital. Rob, seu noivo, era médico e tinha ficado feliz por tê-la a seu lado, ajudando-o. O sonho de Rob era fazer pós-graduação num
hospital moderno, o que exigia muito tempo e dinheiro, e os ordenados de Amanda e dele juntos já permitiam que se casassem e que ele pudesse realizar seus planos.
Naquela manhã, Amanda imaginava como seria sua vida com Rob. Tinha ficado aborrecida porque o noivo havia chegado com a notícia de ter conseguido uma vaga num
hospital da Arábia Saudita e que pretendia obter seu doutoramento naquele país. Ela não se importava em esperar alguns anos para se casar, mas passar esse tempo
vivendo em extremos opostos do mundo, era demais!
Embora estivesse completamente perdida em seus pensamentos, percebeu o ônibus escolar parar no ponto e as crianças descerem, conversando e rindo. Uma garotinha
passou por trás do ônibus, para atravessar a rua, quando um carro esporte, em alta velocidade, se aproximou.
A reação de Amanda foi automática e tragicamente desnecessária. A menina, acostumada a atravessar ruas sozinha, percebeu o carro e voltou correndo para a calçada.
Mas Amanda, que havia se aproximado tentando proteger a criança, foi atingida pelas rodas e atirada longe, como uma boneca de pano.
No hospital, não se cansava de comentar como ela teve sorte em não ter perdido a perna. Contudo, ela não se considerava tão feliz: os ossos e os músculos haviam
sido seriamente danificados, resultando em uma cicatriz grande e feia que ia da coxa ao tornozelo.
O médico tinha avisado que ela ficaria mancando um pouco, e que somente uma operação muito delicada poderia corrigir o defeito para que, mais tarde, um cirurgião
plástico eliminasse as cicatrizes.
No começo, Amanda não quis aceitar a verdade. Acreditava que, com exercícios e força de vontade, conseguiria andar normalmente. Porém, já fazia seis meses e nada
modificou seu andar. E, para fazer a operação, era necessário o dinheiro que não possuía.
Rob havia sido muito delicado, tanto no hospital como nos primeiros tempos de sua recuperação. Mas depois começou a dizer que um médico precisava de uma mulher
elegante e glamourosa para ajudá-lo na carreira. Amanda logo compreendeu, e certa noite sugeriu que terminassem o noivado, com o que ele concordou imediatamente.
Naquela noite, pela primeira vez desde o acidente, ela chorou. Sentia-se tão sozinha!
Quem poderia ajudá-la? Tinha perdido o pai aos oito anos e a mãe havia se casado outra vez. Embora gostasse do padrasto, nunca se sentiu muito ligada à nova família.
E além disso, ainda no hospital, a mãe avisou que ia mudar para os Estados Unidos.
Devido ao acidente, não pôde continuar trabalhando como enfermeira, tarefa que exigia muito de suas pernas. Por isso tinha ido procurar o cargo de supervisora
do orfanato, respondendo a um anúncio de jornal. Pelo telefone, a encarregada tinha ficado entusiasmada com as referências de Amanda, mas durante a entrevista explicou
que o serviço exigia uma pessoa ágil para tomar conta de crianças pequenas. Ela não servia.
Amanda tremeu, impressionada com o frio daquele início de maio. Quando passava por um córrego, parou para observar as trutas que lutavam contra a correnteza e
acabou perdendo o ônibus. Não bastasse o desânimo, ainda precisaria fazer o caminho de volta à estação a pé, cansando a perna deficiente. Continuou a andar, apertando
os dentes para suportar a dor.
Que pena ter sido recusada! O dinheiro ajudaria tanto! Desde que deixou o internato do hospital passou a morar num quarto escuro e frio em Birmingham, que, além
de desconfortável, tinha um aluguel caríssimo.
Enxugou as lágrimas que teimavam em cair pelo rosto. Não podia ficar pensando no passado. Precisava conseguir um meio de ganhar muito dinheiro, para a operação
que a libertaria de problemas e complexos.
Precisava ficar boa de novo e mostrar a Rob o que ele tinha perdido, queria que sofresse tanto quanto ela quando a feriu com sua rejeição. Os olhos verdes de
Amanda, sempre tão vivos, agora refletiam sua dor. Passou a mão nos cabelos compridos, molhados pela neblina.
Perdida nas lembranças do passado, não ouviu o carro que se aproximava, e só o percebeu quando ouviu a buzina.
A situação era tão parecida que Amanda se viu vivendo o mesmo pavor do terrível dia do acidente. Ficou paralisada enquanto o carro desviava para a esquerda, os
pneus guinchando no asfalto molhado. Somente nesse momento compreendeu o perigo que a ameaçou e correu para o acostamento. Ouviu a porta do veículo bater com força,
e passos rápidos se aproximarem. Assustada, começou a correr, gemendo de dor. Mãos grandes e fortes a agarraram pelos ombros, e a forçaram a se virar.
- Que diabo está acontecendo com você? Por que não saiu da estrada? Queria morrer? - Uma voz masculina alcançava seus ouvidos.
Sentiu-se sacudida e os cabelos lhe caíram no rosto. Com raiva, ele os afastou e a olhou com censura.
- Meu Deus! Você está tremendo! O que estava tentando fazer? Queria fugir da vida embaixo das rodas do carro?
- E se quisesse? É da sua conta? - Amanda respondeu irritada.
- Então é uma boba! A vida é para ser vivida e não jogada fora. Você é daqui? O que faz por estes lados? Veio passear com o namorado, ficar num chalé e acabou
levando um fora?
Amanda levantou o queixo com orgulho. Queria que a noite estivesse mais clara, para que o desconhecido visse o desprezo que tinha nos olhos.
- Não sou tão ingênua. Homem nenhum merece que se morra por ele.
- Então, o que faz por aqui? Está apenas dando um passeio?
- Estava procurando um emprego no orfanato.
- E como não conseguiu, resolveu se atirar sob o carro?
- Não seja ridículo! Não me atirei coisa nenhuma! Você é que não deveria vir com tanta velocidade. Poderia ter causado um acidente feio. Os motoristas nunca se
preocupam com os pedestres, e quando ferem algum, sempre conseguem se livrar da responsabilidade.
- O que está querendo dizer com isso? Acha que lhe devo uma indenização? Para abrir um processo, mocinha, seria necessário que o carro a tivesse atingido.
- Mesmo assim, como pedestre nunca se consegue justiça. - Amanda tinha a voz fria. Nunca iria esquecer o quanto sofreu ao saber que ninguém havia sido responsabilizado
quando foi atropelada.
Nesse momento, lembrou que precisava pegar o trem das oito e meia para Birmingham, e que já devia estar atrasada.
- Que horas são, por favor?
O homem alto, de ombros largos e cabelos escuros, consultou o relógio de pulso.
- São oito e dez.
Ficou aflita. Tinha apenas poucas libras na bolsa e se perdesse o trem não saberia onde passar a noite. Não conhecia ninguém por ali e sem dinheiro jamais conseguiria
acomodação.
- Preciso ir embora. Já estou atrasada. - Não esperou resposta e afastou-se sem se incomodar que o desconhecido a visse mancando.
Mal tinha dado alguns passos, ouviu a porta do carro se fechar. Pouco depois, ele a alcançava, parando a seu lado.
- Entre, vou levá-la até a estação.
Ela ficou impressionada com o carro. Os bancos eram de couro creme e o grosso tapete da mesma cor forrava o chão. O luxo combinava com o proprietário, um homem
requintado tanto na roupa quanto nos gestos. Não podia dizer que fosse bonito, mas era muito charmoso e sensual.
- Está mancando. Cheguei a atingi-la?
- Não, desviou bem a tempo.
- Então como aconteceu?
Amanda não tinha muita vontade de tocar num assunto que ainda a abalava tanto. Além disso, não sabia explicar por que aquele estranho a perturbava.
- Sofri um acidente - explicou, e mudou de assunto. - Mora por aqui?
- Minha casa é relativamente perto. Mas diga, que tipo de acidente você sofreu? - insistiu.
- Fui atropelada por um carro, que vinha em alta velocidade.
- Se já sofreu esse tipo de experiência, como pôde ser tão descuidada hoje?
- Não fui. Você é que estava voando.
- De jeito nenhum. Considera sessenta quilômetros por hora alta velocidade? Eu diria que não, principalmente para quem conhece a estrada.
Ele mora por aqui, pensou Amanda. Deve estar acostumado a percorrer este caminho. Poderia ter tomado mais cuidado.
- Mesmo com uma neblina tão densa?
- Precisa ver a região quando realmente temos neblina. Hoje está fazendo apenas um pouco de névoa. Mas você disse que tinha vindo procurar um emprego. Por quê,
não mora nas imediações?
- Não sabia que morar perto fosse um requisito. Aliás, já não preenchi um deles, portanto não faz diferença.
Amanda traiu sua amargura.
- Qual foi o outro requisito que não cumpriu?
- Ora, até mesmo você notou. Sou manca.
- Só por isso não conseguiu o emprego?
- Foi o que deduzi. Embora tivesse ótimas qualificações para o cargo disseram que precisavam de uma pessoa mais ágil e que pudesse se movimentar sem dificuldade.
- O que ia fazer lá?
- Me candidatei ao lugar de supervisora do orfanato.
- O que significa que teria que dedicar seu tempo integral ao serviço, morar no local do trabalho, e resolver qualquer problema relativo às crianças. Seria muito
cansativo. Poderia dispor de seu tempo para permanecer lá a semana inteira?
- Claro! Não sou casada nem tenho família.
- O que pretende fazer agora?
- Não sei.
Mal terminou de falar, o desconhecido parou o carro no acostamento, pouco antes da ponte que levava à estação, pensando que haviam chegado, Amanda estendeu a
mão para abrir a porta. Mas ele não deixou.
Amanda sabia que não era atraente nem desejável e não entendeu o gesto do homem. Desde o acidente, acostumou-se a ver nos olhos dos homens piedade em lugar de
admiração.
Encolheu-se no banco, olhando-o assustada:
- O que aconteceu? - ele perguntou com um sorriso malicioso. - Está arrependida por ter aceito a carona de um desconhecido? Agora é tarde, mocinha. Tenho você
em minhas mãos e vou fazer o que quero! - disse brincando. - Gostou do meu papel de lobo mau? - E mudando para um tom sério, pediu: - Fale sobre sua vida antes do
acidente.
- Para quê? Olhe, preciso ir, senão vou perder o trem. - Ela tentou abrir a porta mas as mãos fortes do homem a impediram de novo.
- Não adianta tentar. Tranquei a porta e só vou abri-la quando responder minhas perguntas.
- Mas por quê? Que interesse pode ter em minha vida?
- O interesse que qualquer patrão tem por um possível empregado. Preciso de alguém para tomar conta do meu filho.
- Quantos anos ele tem? - Amanda só conseguiu fazer essa pergunta, surpresa como estava.
- Seis.
- Por que quer me empregar? Não me conhece, não sabe nada sobre minhas qualidades, e eu... nem ao menos sei seu nome!
- Sou Joel Sinclair e moro a cerca de dez quilômetros daqui.
- Se precisa de uma pessoa para cuidar de seu filho, deve estar pensando numa babá treinada, que sua esposa possa aprovar.
O homem balançou a cabeça.
- Acho que seria a pessoa ideal. Qual é seu nome?
- Amanda Douglas. Mas, sr. Sinclair, tem certeza de que realmente quer me oferecer o emprego? Não é por sentir...
- Por sentir pena de você? - ele completou. - Quando me conhecer melhor, verá que não perco tempo com esse tipo de emoções.
- Então... não seria melhor que eu conhecesse seu filho, antes que acertássemos os detalhes? Ele pode não gostar de mim, ou se assustar com meu defeito.
- Não pense em tolices. Sei que ele vai gostar de você. Está disposta a aceitar o trabalho?
Amanda ficou em dúvida. Por que o sr. Sinclair lhe oferecia uma colocação com tanta facilidade, quando se tratava do próprio filho?
- Tudo está indo tão rápido! Acabou de me conhecer e me oferece um lugar de absoluta confiança e...
- Já sei tudo que é preciso. Para ser sincero, Amanda Douglas, você caiu do céu, como resposta às minhas preces. - Ele riu com gosto.
Amanda não sabia o que pensar.
- Ainda temos que acertar os detalhes, senhor. Precisamos elaborar um contrato...
- Não se preocupe com isso. Terá um contrato legal e será bem remunerada. Agora, responda se está interessada ou se devo levá-la até a estação.
Bem remunerada! Apenas essas duas palavras permaneciam em seus ouvidos. Gostaria de perguntar exatamente quanto ele pagaria, mas o orgulho a impediu.
- Estou interessada.
- Ótimo. Então vou levá-la ao lago Fyne, para que possa conhecer Paul, meu filho. Alguma objeção?
Amanda pensou em seu quarto em Birmingham e não sentiu vontade de voltar para lá.
- Nenhuma.
Joel deu a partida, fez meia-volta e seguiu pela estrada. A neblina estava ainda mais densa e Amanda perdeu completamente o sentido de direção. Via somente a
luz dos faróis tentando vencer a névoa, e sentia o carro subindo e descendo colinas.
Estava tensa, preocupada, ainda não acreditando que aquela situação insólita era real. Apertava as mãos, tentando se controlar.
- Por que não relaxa e encosta no banco? - Joel Sinclair sugeriu com voz calma. - Ficará mais confortável.
Como podia relaxar? Não sabia de que maneira o pequeno Paul iria recebê-la nem como a sra. Sinclair reagiria ao tomar conhecimento da decisão do marido.
Finalmente chegaram. A neblina estava mais leve e, olhando pela janela, Amanda teve a nítida impressão de ter visto um lago. Seria o lago Fyne? Atravessaram altos
portões de ferro, e aos poucos se aproximaram de uma construção cinzenta.
A casa estava às escuras, no mais completo silêncio. Onde estariam as pessoas?
Subiram os degraus que levavam ao terraço e ela olhava com atenção, tentando gravar todos os detalhes. A mansão era em estilo vitoriano, grande e de aspecto severo.
Joel abriu a porta.
- Hoje é o dia de folga da governanta. Ela gosta de ver a família uma vez por semana. - Olhou para o relógio. - Acho que é um pouco tarde para ver Paul, já deve
estar dormindo. Vou lhe mostrar seu quarto, e amanhã cedo...
- Não seria melhor se eu conhecesse sua esposa hoje?
- Minha esposa? Ah, sim! Bem, já não tenho esposa há algum tempo, e é por isso que preciso de você. Para ficar no lugar dela.
Amanda passou a mão pela testa, tentando afastar as conclusões a que estava chegando.
- Precisa de uma pessoa para tomar conta de Paul o dia inteiro, porque ele não tem mãe. É o que quer dizer?
Joel chegou mais perto e pôs as mãos nos ombros dela, fazendo-a ficar sob a luz do enorme lustre de cristal que pendia do teto.
- Não. Estou dizendo que preciso de uma esposa. E que você é a pessoa mais indicada.
- Você está louco!
- Não sou louco, apenas decidido. Resolvi não deixar que minha ex-esposa consiga a custódia de Paul. Estou decidido a ponto de lhe pagar uma boa quantia por...
digamos... seis meses de sua vida.
- Não posso acreditar!
- Pois sugiro que comece a pensar a respeito. Tem a noite toda para se decidir. Lembre-se apenas que vi seu rosto quando me disse que precisava de dinheiro.
Amanda queria gritar que achava tudo aquilo uma loucura e fugir dali. Mas uma questão martelava em sua cabeça, a peça mais importante em sua decisão. Finalmente
perguntou:
- O senhor disse que ia ser generoso. Quanto?
- Vinte e cinco mil libras.
Seu coração quase parou. Era muito mais do que tinha imaginado! Em pouco tempo teria o suficiente para fazer a primeira operação, e ainda lhe sobraria uma boa
quantia para a cirurgia plástica!
"Não pode aceitar!", uma voz interior a prevenia. "Não está certo! Você tem que recusar!"
Amanda ia dizer as palavras que sua intuição aconselhavam, quando olhou para a sua perna e mudou de idéia. O que eram seis meses em sua vida, diante da recompensa
de voltar a ser perfeita.
- O casamento seria apenas um acordo comercial, quero dizer... - Foi interrompida por uma sonora gargalhada.
- Compreendo seu ponto de vista e posso garantir que não tenho nenhuma inclinação sexual por você.
Amanda sentiu o sangue subir à cabeça. Claro que Joel Sinclair não se interessava por ela. Homem nenhum a desejava!
- Aceito a proposta - respondeu séria.
- Foi inteligente, Amanda. Estou contente por termos chegado a um acordo. Só gostaria de saber se precisa do dinheiro para algum objetivo especial.
Não queria a piedade dele e por isso mentiu.
- Nada especial. Quero o dinheiro pelo mesmo motivo de todos: gostaria de aproveitar a vida, talvez fazer um cruzeiro ao redor do mundo...
- Muito bem. Não posso me queixar porque, desta vez, sua ambição serve tão bem a mim quanto a você. - E depois de uma pausa, continuou: - Vou levá-la a seu quarto.
Preciso sair de novo, para resolver alguns negócios. Nos veremos de manhã.
O quarto ficava no primeiro andar e era simplesmente encantador. Amanda adorou a decoração simples mas elegante, com várias peças antigas e valiosas. Faltava-lhe
apenas um pouco de vida, talvez flores ou quadros, que quebrassem o clima um tanto impessoal.
- O banheiro fica ali - Joel indicou. - Tomamos o café da manhã às oito. Tenho negócios em Kendal e procuro sair de casa às nove, embora ultimamente meu horário
esteja um pouco confuso.
De repente, Amanda ficou com medo de morar naquela casa desconhecida. Olhou para Joel, quase desistindo do negócio.
- Por que está me olhando assim? Quer que eu sele nosso compromisso da maneira tradicional
- Claro que não! Comprou meu tempo, sr. Sinclair, não meu corpo.
Joel se despediu, fechando a porta. Mas o riso sarcástico dele ainda ecoou em seus ouvidos por um bom tempo. Que modos insolentes! Será que pensava que ela estava
ansiosa por ser beijada e acariciada? Como se enganava! Não queria mais saber de homens.
Amanda tratou de se instalar da melhor maneira possível, já que iria viver ali durante os próximos seis meses. Decidiu que traria alguns de seus objetos pessoais,
para tornar o quarto mais aconchegante.
Abriu as cortinas, mas a neblina não permitiu que visse muita coisa além dos contornos difusos de um jardim.
Foi para o banheiro, lavou o rosto e as mãos, e só então lembrou que não tinha trazido bagagem. Mas que diferença fazia dormir de camisola ou nua? Estava tão
cansada que só queria relaxar.
CAPÍTULO II
Acordou no meio da noite com o choro de uma criança. Sentou na cama e prestou atenção. Vinha de longe mas pôde ouvir nitidamente os soluços de angústia.
Levantou e já ia abrir a porta, quando lembrou que estava nua. Foi até o banheiro e amarrou uma toalha ao redor do corpo.
Não foi difícil encontrar o quarto de Paul. Entrou e ficou impressionada ao ver o menino encolhido num cantinho da cama, no meio das cobertas.
- Paul - disse baixinho para não assustá-lo. O garoto parou de soluçar.
- Quem é você?
Amanda se aproximou da cama e acendeu a lâmpada de cabeceira. Ele era encantador, a miniatura perfeita do pai!
- Sou Amanda. E você?
- Meu nome é Paul Sinclair e aqui é a casa de meu pai.
- Teve um pesadelo, Paul?
- Acho que sim. - O menino não parecia interessado em conversar.
- É horrível ter sonhos maus, não é? Gostaria de tomar um copo de leite?
- Não estou com fome nem com sede. Que faz aqui?
- Seu pai me trouxe.
Amanda começou a ajeitar os lençóis e reparou que o garoto estava vestindo um pijama grande demais para ele. As mangas e pernas estavam enroladas para ficarem
mais curtas.
De repente, notou que ele tinha cicatrizes na perna, exatamente como ela. Procurou o olhar do menino, mas Paul se virou, procurando se esconder. Amanda ficou
com pena pois sabia o que ele estava sentindo.
Seria por isso que Joel Sinclair resolveu casar com ela?
Paul tinha tornado a deitar, escondendo a perna defeituosa sob as cobertas. Amanda chegou mais perto dele.
- Paul... não precisa se esconder de mim. Veja... minha perna é igual à sua.
No começo ele não se mexeu, mas devagarinho, quase sem acreditar, olhou para Amanda, que levantou um pouco a toalha, mostrando a perna. Não sabia por quê, mas
sentia que era importante conseguir a simpatia e confiança do menino. Pela primeira vez, desde o acidente, não ligou que alguém reparasse nas cicatrizes, e mesmo
quando Paul as tocou, não se aborreceu.
- Fui atropelada por um carro, Paul. E você?
- Ele sofreu um acidente de carro, junto com a mãe - Joel respondeu.
Paul levantou, e correu para os braços do pai.
Joel usava um roupão curto, que lhe deixava as pernas descobertas. Amanda sentiu-se atraída pela intensa masculinidade daquele homem. Não se lembrava de ter reparado
no noivo daquela maneira. Ou talvez já tivesse esquecido. Nos últimos meses, havia excluído o amor de sua vida e talvez fosse por isso que agora se impressionava
tanto com esse estranho.
Joel abraçou o filho e o levou de volta à cama.
- Ainda é muito cedo, Paul. Por que não dorme mais um pouco? - E virou-se para Amanda. - Você também devia estar dormindo.
- Ouvi Paul chorar e...
- ...e como boa mamãe veio ver o que havia.
Paul resolveu participar da conversa.
- O nome dela é Amanda, papai, e tem a perna que nem a minha.
Joel olhou para ela, e Amanda teve certeza que, por incrível que parecesse, ele havia lhe proposto casamento simplesmente por causa da perna do filho.
- Vai ficar conosco, não é, Amanda? - perguntou Paul num tom de súplica. Depois, falou com o pai: - Gosto muito dela, papai. Diga pra ela ficar! Não quero que
vá embora, que nem a mamãe.
Os olhos do menino se encheram de lágrimas.
- Já falei com ela, Paul. Amanda vai ficar e morar conosco por algum tempo.
- Ela vai ser minha nova mamãe?
Joel ficou tenso, e seus músculos se enrijeceram.
- Vamos ver, Paul, Agora volte a dormir.
- Só depois que Amanda me der um beijo. - Paul estendeu os bracinhos.
Amanda chegou mais perto e recebeu emocionada o abraço carinhoso do menino.
- É melhor eu ficar com ele até que durma - comentou com Joel.
- Não se incomoda mesmo?
- Pelo contrário.
Amanda se ajeitou numa poltrona e começou a observar o corpinho frágil do menino, que agora descansava tranqüilo. Pobrezinho, deve ter sofrido tanto quando ocorreu
o acidente!
E a mãe dele, onde estaria? Amanda imaginou o sofrimento da mulher, principalmente se a responsável pelo desastre tivesse sido ela. Mais tarde, pediria a Joel
que lhe contasse o que tinha acontecido. Enquanto pensava, Amanda sentiu suas pálpebras se fechando, e aos poucos adormeceu.
Mãos suaves tocaram seus ombros. Ainda sonolenta, Amanda pensou em Rob. Encostou o rosto nelas, sorrindo.
- Rob, querido... - murmurou, antes de abrir os olhos, cheios de felicidade e amor.
Mas não era Rob quem a acariciava, e quando se deu conta não podia impedir que a cabeça morena se inclinasse e que lábios sensuais pressionassem os seus, deixando-a
viva, quente, pronta para dar e receber carícias. Há quanto tempo não se sentia assim!
Joel a abraçou e a levantou da cadeira, sem esforço.
- Muito bem! Quem é esse Rob? - Os olhos dele brilhavam de raiva.
Completamente acordada, Amanda enfrentou esse olhar.
- Era meu noivo. Ele é médico, mas quer fazer uma carreira brilhante, portanto não pode ter a seu lado uma esposa aleijada.
- Foi ele quem desmanchou o noivado?
- Por que pensa que foi ele?
- Se tivesse sido você, não estaria sonhando com ele. Nunca mais me confunda com outro homem. E para ter certeza de que isso não vai acontecer de novo, vou lhe
mostrar como são os meus carinhos.
Amanda sentiu as mãos de Joel sobre seus seios, os lábios ardentes ensinando-a a reconhecer que não tinha nada em comum com Rob.
Quando tentou se livrar daqueles braços, sentiu que a toalha começava a escorregar, deixando seus seios à mostra, Joel não se cansava de admirar sua feminilidade.
Ficou vermelha e, mais que depressa, ergueu a toalha.
- Há alguma possibilidade de você se reconciliar com seu ex-noivo?
- Nenhuma, e mesmo que houvesse eu não iria querer.
- E por que não? Está procurando coisa melhor? Um médico, com uma brilhante carreira pela frente, já não preenche mais seu ideal de marido?
Paul se mexeu na cama suspirando fundo, o que fez Joel se retrair.
- Vim avisar que são quase oito horas. Deixe Paul dormir o quanto quiser, mas preciso falar com você antes de ir trabalhar.
- Estarei lá embaixo daqui a pouco.
Amanda voltou para o quarto e se vestiu enquanto tentava inutilmente esquecer aquele beijo. Desde o acidente, o único objetivo em sua vida era ficar boa para
vingar-se de Rob, mostrando a ele como havia sido tolo em desfazer o noivado. Somente esse desejo a mantinha viva, e somente para poder realizá-lo tinha aceitado
a proposta de Joel Sinclair. Mas depois que viu Paul, outra razão a levava a aceitar aquele acordo: o garotinho havia sofrido muito, e precisava de todo carinho
e apoio que pudesse receber.
Amanda encontrou Joel na cozinha, fritando ovos com presunto. A mesa estava posta para dois, e o café recém-coado enchia todo o aposento com seu aroma. Ela parou,
surpresa.
- Não esperava que eu pudesse preparar uma refeição? - Ele riu de seu espanto. - Posso não ser um grande cozinheiro, mas sei o bastante para sobreviver.
- Pensei que tivesse uma governanta.
- E tenho, mas ela não desempenha o papel de mãe, não a substitui, pelo menos é o que pensam os juízes. Assim, eu mesmo tenho cuidado de Paul, para que ninguém
duvide que sou capaz de criá-lo. E é também por isso que preciso de uma esposa, mesmo que seja por algum tempo.
Joel apagou o gás e colocou a travessa na mesa.
- Está com fome?
- Um pouco. Queria conversar comigo?
- Quero, e prefiro que seja longe de Paul. Pôde ver por si mesma que ele está sob forte impacto emocional, não só pelo acidente, como por ter perdido a mãe.
- Compreendo o que Paul sente. Passei pela mesma experiência e, embora adulta, não me refiz totalmente. Numa criança pequena, os efeitos são ainda maiores. Parece
que nós temos o mesmo tipo de problema.
- Esse foi um dos motivos pelo qual lhe propus casamento.
- Foi o que pensei. Os médicos disseram quais são as possibilidades de Paul ficar completamente bom?
- Eles não têm muita certeza, e não querem dar nenhum parecer definitivo. O caso dele é muito complicado, porque além do trauma físico, sofreu outro, o emocional,
talvez maior que o primeiro.
- Gostaria de saber mais sobre o acidente - pediu Amanda.
- Paul estava com a mãe, naquele dia. Quando saíram, ela pretendia deixá-lo com uma amiga para ir encontrar-se com o amante.
- Você desconfiava que ela estava tendo um caso?
- Diz o ditado que o marido é sempre o último a saber. E é verdade. Não tinha certeza de nada, embora desconfiasse. Nunca pensei que Terry, minha esposa, tivesse
um caso mais sério, a ponto de deixar o filho com alguém para encontrar o amiguinho.
- Ela o conhecia há muito tempo?
- Não. Ele tinha acabado de chegar dos Estados Unidos e trabalhava no mar do Norte, em pesquisas de petróleo. Era filho de um milionário do Texas, e portanto
tinha a melhor das qualidades para minha esposa: era rico. Aliás, nesse ponto, vocês duas são muito parecidas.
- Não é bem assim... - começou Amanda, mas Joel prosseguiu como se não a tivesse escutado.
- Por isso resolvi lhe fazer essa proposta. Uma mulher que pode ser comprada por algumas libras não vai deixar que a emoção interfira em seus planos. Quero que
fique bem claro que nosso casamento é temporário.
Amanda recebeu essas palavras como uma ducha de água fria; mas não podia revelar o quanto estava magoada, pois para Joel Sinclair ela realmente tinha se vendido
por um punhado de libras, o que a transformava numa mulher tão ambiciosa e interesseira quanto Terry.
- Onde está a mãe de Paul?
- Pelo que sei, a atual sra. Hal Bryden está vivendo no luxo e na ociosidade, em algum lugar dos Estados Unidos.
- Vocês se divorciaram?
- Eu pedi o divórcio mas não por infidelidade, e sim por causa de Paul. Ela arriscou a vida de meu filho sem motivo e não queria que acontecesse outra vez. Pedi
a custódia do menino e a obtive.
- Então... não entendo por que precisa de uma nova esposa.
- Minha ex-mulher está querendo ficar com Paul e alega que pode dar a ele uma vida mais estável e luxuosa, com uma família formada. Meu advogado acredita que
o juiz dê preferência a um lar em que exista pai e mãe. Portanto, a única maneira de conservar meu filho comigo é lhe dar uma nova mãe.
- Então por que não escolheu uma mulher que você ame, e com quem possa construir uma vida em comum?
- Quanto mais tempo tiver a custódia de Paul, maiores serão as chances de os juízes resolverem a questão a meu favor. Mas preciso de uma esposa agora. Não tenho
tempo de ficar procurando a mulher certa. Daqui a seis meses, minha ex-mulher já estará cansada de lutar, e terei o menino só para mim definitivamente.
- Ninguém se lembrou de perguntar a ele com quem ele gostaria de ficar?
- Não perguntei simplesmente porque, desde o acidente, ele só mencionou a mãe ontem à noite. Aliás, conviveu muito pouco com ela, antes que nos divorciássemos.
Terry passava muito tempo nos Estados Unidos visitando a família, e nunca o levava. Dizia que era pequeno demais para fazer viagens demoradas.
- E Paul se voltou para você.
- A culpa não foi só de Terry. Eu também não me preocupava muito com ele. Estava tão envolvido pelos negócios, que às vezes se passavam semanas em que eu o via
somente para lhe dar boa-noite. Foi o acidente que me mostrou como estava agindo mal, desperdiçando os anos em que sua personalidade estava se formando, sem lhe
dar provas de quanto o amava.
- Como foi o acidente?
- Terry sempre guiou muito depressa, sem se preocupar com limites de velocidade. Acabou batendo numa árvore. Paul estava dormindo no banco de trás, quando aconteceu.
Terry deixou-o no carro e foi procurar um telefone para avisar o amante. Paul, pensando que a mãe o tivesse abandonado, tentou sair do carro, agravando o seu ferimento.
Amanda estava chocada com a frieza de sentimentos da mãe de Paul. Como uma mulher podia agir assim?
- Ele tem chances de se recuperar?
- Os médicos acham que sim, se vencer o trauma emocional. É por isso que não quero que ele fique com a mãe.
Amanda compreendeu o drama que Joel tinha de enfrentar e, por um instante, sentiu-se feliz por poder ajudá-lo.
- Tenho uma tia que mora na Austrália - continuou -, e estou tentando convencê-la a vir morar conosco, assumindo a educação de Paul. Talvez ele consiga confiar
nela. Esse, aliás, sempre foi o problema dele. Nunca pôde confiar na mãe, dona de um temperamento imprevisível.
- Mesmo com o próprio filho ela não tinha paciência?
- Terry na verdade nunca quis filhos, e o nascimento de Paul foi um erro.
Que infelicidade um casamento chegar a esse ponto, pensou Amanda. Como devia ser triste uma criança nascer sem ter sido desejada! Mais uma vez seu coração sofreu
pelo menino que dormia tranqüilo.
- Quando Terry souber que me casei de novo, vai insistir ainda mais em ficar com o filho e fará o possível para impressionar os juízes. Assim, pelo menos aos
olhos do mundo, nosso casamento será normal e feliz. Não podemos esquecer que o novo marido de Terry é riquíssimo, capaz de pagar detetives particulares para espionar
nossa vida. Dentro de casa, quando estivermos sozinhos, poderemos agir como estranhos, mas em qualquer outra ocasião, terá de parecer que estamos apaixonados. Também
teremos que ficar em meu quarto e dormir em minha cama.
- Nosso casamento vai se manter apenas em bases comerciais, não é?
- Está querendo dizer que não teremos sexo? - perguntou ele. - Claro que não! Pensei que já tivesse deixado esse ponto bem claro. Não gosto de mulheres mercenárias.
Além disso, não creio que seus encantos... - com olhar cruel, ele olhou para o corpo frágil de Amanda - ...sejam suficientes para despertar meu interesse. Em público,
seremos um casal apaixonado, mas somente em público. Ainda quer continuar?
Amanda estava quase rompendo o acordo, mas duas imagens surgiram diante de seus olhos. Primeiro viu Paul, pequeno e indefeso, olhando-a com carinho... Depois
lembrou-se de Rob, sem jeito, ao acompanhá-la quando deixou o hospital. Foi o suficiente para que o acordo continuasse.
- Muito bem - prosseguiu Joel. - Não vejo porque esperar mais para realizarmos o casamento. Posso conseguir uma licença especial, o que tornará nosso caso de
amor ainda mais romântico.
Amanda concordou com a cabeça. Tudo era tão inesperado que ela se sentia vivendo um sonho.
- Ainda temos um pequeno detalhe para resolver. Antes da cerimônia, quero que assine um documento, declarando que concorda com o prazo que o casamento deve durar,
e que depois disso me dará o divórcio. Constará também que está sendo paga para agir como minha esposa. Quero esse documento para ter certeza de que terei minha
liberdade, quando seus serviços não forem mais necessários.
- Não está se elogiando demais, pensando que eu gostaria de continuar casada com você? Pensei que tivesse aprendido alguma coisa sobre as mulheres com seu casamento.
Amanda ficou satisfeita ao ver que tinha conseguido deixar aquele homem frio completamente embaraçado.
- Aprendi muitas coisas, e uma delas, talvez a principal, foi que não se pode confiar numa mulher quando ela é tão mercenária e ambiciosa como você ou tantas
outras.
CAPÍTULO III
- Tudo está resolvido. Marquei o casamento para terça-feira, e teremos este fim de semana para cuidar dos últimos detalhes - Joel avisou. - A primeira coisa a
fazer é sairmos para comprar um anel de noivado, as alianças e algumas roupas para você.
Amanda olhou a saia cinza e a malha branca que usava há dois dias, desde que chegou à região dos lagos. Tinha sugerido ir a Birmingham pegar suas coisas, mas
Joel se opôs.
- Mas preciso ir, Joel. Preciso avisar minha mãe e fazer uma porção de coisas!
- Pode resolver tudo por telefone.
No mínimo, Joel não queria que ela se afastasse, temendo que desistisse do acordo.
Estavam no escritório dele, uma sala tipicamente masculina, com uma mesa grande, várias poltronas de couro e estantes cheias de livros cobrindo as paredes. Amanda
estava preocupada. No dia seguinte, teria que passar pelo seu primeiro teste como noiva de Joel. A sra. Downs, a governanta, deveria chegar depois de uma licença.
Ele procurou animá-la, dizendo que não seria difícil fingir na presença da empregada, mas não se sentia confiante.
- Pense que é uma atriz que precisa viver um papel no teatro - aconselhou ele. - Todas as mulheres têm facilidade para representar, e não creio que você seja
exceção. Além disso, pense em como será bem paga por seu trabalho!
Amanda não gostou do sarcasmo com que ele se referia ao acordo, mas estava decidida a ter paciência.
- Está na hora de Paul ir para a cama. Prometi que ia lhe contar uma história.
- Então vou subir com você, e contaremos a novidade a ele.
Ela sabia que Joel a observava para notar como Paul e ela se davam. Gostava do menino, mas não pretendia deixar que ele se ligasse muito a ela. Tinha que se concentrar
na parte material do contrato.
Por outro lado, não queria que Paul sofresse. Ele já tinha passado por maus momentos, e não era justo que ficasse mais magoado. E quanto a Joel? Amanda não se
interessava pelos sentimentos dele. Se um homem era capaz de propor um negócio como aquele deveria estar pronto para enfrentar as conseqüências.
- Amanhã iremos a Kendal para as compras, e a sra. Downs cuidará de Paul em nossa ausência. Passaremos o dia fora, e jantaremos na cidade como um verdadeiro casal
enamorado.
- Está bem - concordou, ainda não acreditando que estava para receber um anel de noivado de um homem que não amava.
Paul brincava em seu quarto com vários carrinhos, quando o casal entrou. Amanda se ajoelhou ao lado dele para participar da brincadeira, enquanto Joel foi sentar
numa cadeira.
Amanda e Paul davam-se muito bem, e para o menino ela era uma amiga do pai. Os ferimentos tão parecidos faziam Paul sentir-se à vontade para falar sobre o acidente
e suas conseqüências. Para dar mais confiança ao menino, Amanda lhe contou que esperava ficar boa depois de fazer uma operação, percebendo que esse também era o
desejo dele.
- Amanda, depois da operação, você vai ficar completamente boa, não é? - ele insistia no assunto que tanto o preocupava.
- Claro que sim - ela respondeu com uma confiança que não sentia.
- E eu, papai?
- Você também, meu filho. Mas terá que cooperar, e fazer os exercícios que o dr. Raines mandou.
- Não gosto de fazer! Dói muito!
- Só dói no começo Paul. - Ela o abraçou. - Olhe, tenho uma idéia. Fiz um curso de fisioterapia e posso ajudá-lo com os exercícios. O que acha?
- Então vamos fazer juntos. Você também vai melhorar com eles.
Amanda sabia que já tinha feito o possível para melhorar, e que sua única esperança era uma operação, que retirasse os músculos destruídos e fizesse enxertos.
Mas como não queria desanimar o menino concordou, fingindo entusiasmo.
Ela e Joel deram a notícia do casamento, e Paul ficou feliz. Depois Joel desceu enquanto Amanda ficou contando uma história para o menino adormecer. Arrumou os
lençóis e foi encontrar Joel na sala.
- Obrigado por despertar o interesse de Paul pelos exercícios. Tem sido um problema convencê-lo de que são necessários. O dr. Raines foi muito categórico ao dizer
que, sem eles, nada vai adiantar. Pode mesmo ajudá-lo?
- Acho que sim. Tenho uma boa noção de como são feitos, mas gostaria que alguém especializado me ensinasse.
- O dr. Raines disse que natação seria excelente, mas não temos um lugar onde vocês pudessem praticar.
- Vamos pensar somente em Paul. Exercícios não podem me ajudar.
- Por que não?
- Preciso fazer outra operação, dentro de seis meses.
- Com ela, ficará completamente boa?
- Tenho quase certeza que sim.
- Por isso aceitou minha proposta tão depressa. Enquanto espera pela operação, poderá levar uma vida confortável e sem preocupações, e no fim ainda recebe uma
bela soma em dinheiro.
- Lembre-se, Joel, foi você quem propôs o negócio. Mas se está arrependido... ainda é tempo de desistir.
- É incrível como as aparências enganam! Você tem o aspecto mais frágil e delicado que já vi, e no entanto é incapaz de qualquer sentimento.
Amanda gostaria de poder contar que foram homens como Rob que a tornaram tão amarga, mas as palavras morreram em sua garganta. Com um sorriso irônico, respondeu:
- Não era uma pessoa assim que procurava? Uma mercenária a quem pudesse pagar, e que não lhe causasse problemas no futuro?
Joel mudou de assunto.
A sra. Downs chegou na manhã seguinte, e encontrou os três tomando café. Era uma mulher forte e decidida, de cabelos grisalhos e um sorriso largo.
Joel apresentou-a a Amanda, contando que iam casar.
- Fico muito contente, sr. Sinclair. Já estava na hora.
Joel sorriu e passou os braços pelos ombros de Amanda, puxando-a para junto de si. Ela correspondeu ao carinho, aconchegando-se no peito forte do homem que, para
o mundo, era seu noivo.
- Querem que eu tome conta de Paul, enquanto vão a Kendal?
- Se puder, seria ótimo, sra. Downs. Quero levar minha noiva para escolher o anel e depois vamos jantar fora, para comemorar nossa felicidade. Tudo aconteceu
tão depressa, que ainda não tivemos tempo de providenciar nada.
Joel olhou para Amanda com tanto carinho, que ela ficou impressionada. Até parecia verdade! Aproveitando-se da surpresa que via naqueles olhos verdes, ele beijou
os lábios entreabertos que estavam tão próximos dos seus.
A sra. Downs desviou o olhar, embaraçada, e Paul riu baixinho antes de comentar:
- Já pode beijar Amanda, antes que ela seja minha mamãe?
- Por que não, filho? Quem ama gosta de demonstrar o que sente.
- Mas não me lembro de ter visto você beijar mamãe assim.
- Era diferente, Paul. - E Joel mudou de assunto.
Amanda notou o ar sério do noivo, que provavelmente revivia lembranças pouco agradáveis.
- É melhor irmos andando. - Joel pegou-a pela mão. - Temos muitas coisas para fazer. Comporte-se bem, Paul, e não dê muito trabalho à sra. Downs.
- Se eu ficar bonzinho, você me traz um presente?
- Talvez.
Joel era um bom pai, pensou Amanda. Carinhoso e firme ao mesmo tempo, isso era um bom sinal.
O carro estava estacionado em frente à porta, de onde começava um gramado que se estendia até o lago, cujos vagos reflexos ela tinha visto na noite em que chegou.
Por trás da casa, havia muita vegetação para protegê-la dos ventos frios que sopravam no inverno. Mesmo naquela manhã, embora fosse fim de maio, o vento estava tão
forte que Amanda sentia dificuldade para andar. Joel estendeu a mão para ajudá-la, mas ela fingiu não ver.
- Sabe o que acontece com pessoas orgulhosas? Caem, justamente por causa do orgulho. Por que se comporta desse jeito? Não tem culpa do acidente, nem por ter ficado
com esse pequeno problema. - Guiou-a pelo braço até que sentasse no banco do carro.
Joel deu a partida e Amanda, pelo canto do olho, observou seus movimentos ágeis e firmes, antes de olhar com tristeza sua perna aleijada.
- Por que está tão obcecada pelo seu ferimento? - perguntou ele.
- Talvez porque tenha me mostrado que não importa minha capacidade ou carinho, serei sempre vista como aleijada e, portanto, incapaz de realizar muitas coisas.
- Depende da maneira como se encara a vida. Quando o dinheiro é o único bem pelo qual vale a pena lutar, o homem deixa de se preocupar com o íntimo de uma mulher,
e passa a ver apenas seu exterior. Ele a compra como se estivesse adquirindo uma obra de arte, e portanto rejeita tudo aquilo que apresente o mais leve defeito.
Chocada com essas palavras, ficou em silêncio, procurando distrair-se com a paisagem.
As colinas estavam com um tom verde muito claro, sinal de que a primavera logo daria lugar ao calor gostoso do verão. As árvores apresentavam brotos fortes, e
os galhos se estendiam como se espreguiçando após o longo sono de inverno.
Kendal era uma cidade muito movimentada, mas Joel encontrou uma vaga para estacionar perto de seu escritório, um edifício moderno, de linhas retas. Novamente
Amanda sentiu curiosidade a respeito do trabalho dele. Joel havia falado muito pouco sobre o assunto, somente que estava ligado à tecnologia de computadores.
Como seria realmente Joel Sinclair?, pensava ela. Tinha a expressão decidida de alguém habituado a mandar e, ao mesmo tempo, seu olhar era doce, capaz de demonstrar
amor e carinho, principalmente quando se dirigia ao filho querido. E para completar havia aquela boca sensual, capaz de beijos tão selvagens.
Por que Terry teria ido procurar outros homens, quando tinha um marido tão perfeito? Amanda tinha a impressão de que, nos braços de Joel, uma mulher só não esqueceria
o prazer maravilhoso de estar com aquele homem que exalava sensualidade por todos os poros.
Ficou tão absorvida por seus pensamentos que, quando reparou, estavam no centro da cidade, numa rua de comércio fino. Entraram numa joalheria pequena e pela vitrine
podiam ver jóias de extremo bom gosto.
O vendedor se aproximou, solícito, conduzindo-os a uma sala para onde bandejas de veludo com anéis dos mais diversos modelos foram trazidos. Amanda estava maravilhada
com tanto luxo.
Uma das jóias, em especial, lhe chamou a atenção. Era um conjunto de aliança e anel de noivado cravejado de brilhantes, em dois tons de ouro.
- Vejo que a senhorita tem bom gosto - disse o vendedor, sorrindo. - Esse conjunto é especial. Os brilhantes são puríssimos e os dois anéis juntos formam um par
perfeito, como deve ser no amor. Gostaria de experimentá-los?
Amanda negou com a cabeça, escondendo a mão. Sabia que deviam ser muito caros, e que não era aquilo que Joel lhe daria. Mas, para sua surpresa, ele pegou os anéis
e os colocou em seu dedo, observando o efeito que faziam.
- Vamos ficar com esses - decidiu. - Gostaria de ver alguns brincos, também com brilhantes.
Amanda quis protestar, achando um absurdo comprar tantas jóias de uma só vez.
- Como minha esposa, terá que usá-las. Terry as adorava, e tinha uma verdadeira coleção. Não quero que digam que não posso dar a mesma coisa à minha segunda mulher.
O entusiasmo de Amanda sumiu por encanto. Ela deveria ter imaginado que aquelas jóias lhe eram dadas apenas para impressionar os conhecidos, e convencê-los de
que entre os dois existia um grande amor.
Dessa vez, procurou escolher entre os brincos de pedras pequenas, e experimentou um par. Mas Joel não gostou, preferindo um conjunto maior, e mais sofisticado.
Na saída, disse que iriam ver roupas novas.
- Finja que está aproveitando o passeio com seu noivo. Quero que todos comentem seu ar radiante. Lembre-se do dinheiro que vai receber. Terry sempre ficava feliz
ao pensar nisso.
- Não sou Terry! Não me compare com ela!
- Sei que não é - respondeu muito devagar, como se ainda sentisse falta da ex-esposa.
Amanda se perguntou se Joel ainda alimentava esperanças em relação a Terry. Será que já a tinha perdoado e esperava que voltasse um dia?
- Vamos entrar aqui.
Joel a fez entrar numa butique de alta costura.
- Bom dia! - Joel se dirigiu à vendedora. - Minha noiva precisa de roupas novas, um enxoval completo.
- Muito bem. Vou lhes mostrar algumas peças.
- Tem mais um problema, senhorita. Vamos nos casar daqui a três dias e queremos que tudo fique pronto a tempo.
- Certamente, senhor. Temos aqui desde peças íntimas até vestidos de noiva. Mas vai demorar um pouco até que experimente tudo. Se tiver alguma coisa importante
para fazer... poderá vir buscá-la mais tarde.
Joel consultou o relógio.
- Vou dar um pulo ao escritório e venho pegá-la para almoçar, está bem? Lembre-se, querida, quero que escolha as coisas mais lindas que encontrar. Nada é demais
para a mulher que amo.
A vendedora trouxe roupas maravilhosas; vestidos, conjuntos de calça comprida, shorts, maiôs, enfim, tudo que compõe o guarda-roupa de uma mulher elegante.
Amanda experimentou quase todo o estoque, separando o que mais gostava. Aos poucos, uma pilha de roupa foi surgindo numa cadeira.
Algum tempo depois Joel veio buscá-la. Ainda não estava pronta, mas deu as compras por terminadas, começando a separar as peças que realmente queria. Decidiu
levar apenas o que fosse prático e não muito caro.
Estava entretida, separando as roupas, quando ele se aproximou.
- Gostou desses que escolheu?
- Muito, mas agora estou resolvendo o que vou mesmo levar.
- Nada disso. Se gostou, levamos todos. - Virou-se para a vendedora e pediu que embrulhassem tudo.
Ao saírem da loja, a dona se aproximou com um grande sorriso de gratidão no rosto e indicou um salão de beleza que ficava perto.
- Vamos até lá mais tarde, obrigado, senhora.
Joel se despediu, levando os pacotes para o carro.
Foram para um restaurante simples, cuja comida era deliciosa. Amanda ficou aliviada por não estar num lugar sofisticado, pois agora, depois de experimentar roupas
tão bonitas, começou a se achar muito sem graça naquele conjuntinho de jérsei.
Depois do almoço, Joel a levou ao cabeleireiro.
- Vou de novo ao escritório. Como ficarei alguns dias longe, estou aproveitando para pôr os papéis em dia.
Amanda falou com o cabeleireiro recomendado, que começou examinando seu tipo de cabelo, encantado com o tom dourado e o ondulado natural.
- Não vou mexer no comprimento. Vou apenas repicar na frente para aproveitar o ondulado.
Meia hora depois ela verificou que o novo corte realçava o formato de seu rosto, e combinava perfeitamente com sua personalidade. Ficou tão feliz com o resultado
que não via a hora de se ver dentro das roupas novas, agora que estava bem mais bonita.
Joel a esperava na porta e não escondeu a admiração assim que a viu.
- Está ótima. Ainda bem que estou conseguindo empregar bem o meu dinheiro.
Ela se sentiu tão insultada que ficou sem resposta. Dinheiro! Ele é que era um obcecado pelo dinheiro.
Entraram no carro e para sua surpresa não foram para casa.
- Vamos jantar fora, lembra-se? Achei que seria boa idéia conhecermos um hotel inaugurado há pouco tempo, onde tem jantares dançantes no sábado. Reservei um quarto
para que possa trocar de roupa. Talvez encontremos alguns amigos e...
- E não quer se envergonhar de mim, não é? - completou a frase com amargura.
- Para todos os efeitos, estamos apaixonados, e nunca vi uma garota comemorar o noivado vestida como quem vai para a escola. Também não quero que meus amigos
pensem que estou me casando às escondidas. Mais uma vez devo lembrá-la que esse casamento precisa parecer perfeito.
O hotel tinha uma linda vista das montanhas. Joel reservou dois apartamentos pegados, e o de Amanda tinha as janelas voltadas para um lago, de modo que ela podia
ver muito bem a paisagem.
Bateram à porta e um empregado entrou para entregar os pacotes. Logo em seguida, chegou Joel.
- Você disse que achou o lugar maravilhoso, e antes que resolvesse dar uma volta vim lhe dizer que vamos juntos. Um casal de noivos nunca está separado, principalmente
quando um grande amor os une, como é o nosso caso. - Ele sorriu com ironia. - Comprou roupas confortáveis para andar?
Ela quase respondeu que as roupas que usava eram ótimas para andar, mas vendo os pacotes na cama, resolveu experimentar algo novo. Aproximando-se da cama reparou
num pacote, embrulhado em papel dourado, que não lembrava de ter visto.
- É um presente que comprei para minha noiva - ele explicou. - Não vai abri-lo?
- Já me deu tanta coisa!
- Se temos que viver o papel de noivos felizes, temos que agir de acordo.
Amanda abriu o pacote, encantada com o que viu. Era um conjunto de camisola e robe de mousseline de seda pura, num tom creme muito claro, arrematado com aplicações
de renda finíssima. Uma verdadeira roupa de fadas, própria para uma mulher consciente de sua beleza e charme.
Ficou confusa. Sentia um grande prazer vendo peças tão delicadas, e estava feliz por tê-las recebido. Por outro lado, se entristeceu ao ver que sua perna defeituosa
ficaria muito evidente.
- O que há? - ele perguntou. - Escolhi o tamanho errado?
- Não, é perfeito, mas... não posso usá-las. Sabe que não.
- Por que não?
- Terá que encontrar outro modo de transformar minha imagem diante das outras pessoas, porque não vou usar seu presente. Ou pensou que essa era mais uma maneira
de me transformar em Terry? - Imediatamente se arrependeu de ter dito aquilo.
- Isso seria impossível. Terry se deliciava com a perfeição do próprio corpo. E tinha motivos para isso. - Ele foi deliberadamente cruel. - Se quiser dar uma
volta, espero você lá embaixo, dentro de meia hora.
Amanda sacudiu a cabeça.
- Acho que não vou sair. Estou sem vontade.
Joel olhou-a dos pés à cabeça, como se tentasse descobrir o porquê dessa atitude, e foi embora.
Só quando teve certeza absoluta de que estava sozinha atirou-se na cama, escondendo o rosto no travesseiro, e chorou até que não tivesse mais lágrimas.
O que estava acontecendo com ela? Por que se desesperava desse modo, se já havia passado por situações piores? Que diferença fazia se Joel a tinha comparado à
ex-esposa e ela saiu perdendo? Quem era ele para deixá-la tão abalada?
Levantou, lavou o rosto e resolveu fazer um esforço para esquecer o assunto.
CAPÍTULO IV
Durante o jantar muitas pessoas pararam para conversar com Joel, e Amanda se impressionou com a popularidade do futuro marido.
Sentia-se à vontade por estar bem vestida, e mais bonita, mas ainda se preocupava com a perna aleijada, e tomava o cuidado de escondê-la sob a mesa.
- Não está gostando da comida? - Joel perguntou.
- Pelo contrário, tudo está perfeito.
- Então faça uma cara mais alegre. Estamos comemorando nosso noivado. - Ele se inclinou e beijou-lhe a mão.
Amanda ficou envergonhada. Sabia que todos os observavam, e não tinha certeza de como devia agir.
- Assim é melhor. Esse rosto vermelho a deixa mais atraente.
- Lamento não satisfazer seus padrões de beleza, mas fiquei assim pálida e magra depois do acidente - desabafou com tristeza.
- Não me importo com sua aparência física, você serve exatamente para os meus objetivos.
Joel pediu champanhe para o brinde. Mas Amanda mal tocou no líquido borbulhante. Não cansava de olhar o anel que brilhava em seu dedo, e sentiu uma dor estranha
no coração. Por que valorizava tanto aquele símbolo de amor, quando sabia que era apenas parte do acordo que tinham feito?
O conjunto tocava músicas de dança, e iniciou uma melodia romântica, que falava de amor não correspondido.
- Gostaria de dançar, Amanda?
Ela se encolheu na cadeira.
- O que aconteceu?
- Já esqueceu minha perna? Não posso dançar!
- Não pode... ou não quer? Já tentou alguma vez?
E, antes que ela pudesse impedi-lo, Joel se levantou e, dando a volta na mesa, lhe deu a mão.
Ergueu-se sem jeito e quase caiu, mas ele a segurou com firmeza passando o braço em torno de sua cintura, e a conduzindo para o centro do salão.
Não foi tão ruim como ela imaginava. As luzes estavam fracas, e o ritmo era lento, fácil de acompanhar. De repente sentiu uma dor aguda nos músculos tensos da
canela. Suspirou e continuou dançando até o fim, consciente dos olhares curiosos que recebia, mas seu corpo tremia de cansaço e tensão.
Quando terminaram, Joel a segurou ainda mais perto, para que relaxasse, aliviando o esforço da perna lesada. Amanda levantou os olhos para agradecer, mas só viu
os lábios sensuais dele se aproximando até pousarem sobre os seus. Foi um beijo quente, sensual e, sem sentir, correspondeu com a mesma intensidade.
Quando Joel levantou a cabeça, Amanda desviou o olhar. Sentia-se confusa por ter correspondido imediatamente ao carinho inesperado.
- Sem dúvida você é uma excelente atriz. Foi uma demonstração perfeita.
Quando ergueu os olhos encontrou uma expressão de desprezo no rosto de Joel. Mas... desprezo por quem? Ou por quê?
- Se tiver mudado de idéia a meu respeito... - ela começou mas Joel a interrompeu, irritado.
- O que está pretendendo? Subir o preço? Fizemos um trato e agora tem que se manter fiel a ele. Terry já tirou de mim tudo que podia, e não vou permitir que isso
aconteça outra vez... Nem sonhe em fugir de mim, Amanda - ele ameaçou -, ou uma perna defeituosa será o menor de seus problemas.
Amanda estava assustada demais para protestar quando ele a arrastou para fora do salão. Viu que os outros casais os olhavam, mas como estavam muito juntos deviam
parecer um casal muito apaixonado tentando ficar a sós.
Joel mal esperou que ela arrumasse suas coisas antes de partirem, em alta velocidade.
Dois dias mais tarde, realizou-se o casamento numa cerimônia simples, com a presença apenas das testemunhas e alguns conhecidos de Joel. Em seguida houve uma
festa íntima no salão de recepções da igreja.
- Você teve muita sorte Amanda - dizia Jennifer Boston, a mulher do contador. - Os enteados às vezes podem se tornar um problema. Digo por experiência própria,
pois Mike já era pai de dois filhos quando nos casamos, e eles transformaram minha vida num inferno.
- As crianças moram com vocês?
- Não, vivem com a mãe, e vêm passar o fim de semana conosco cada quinze dias. Me armo da maior paciência, pois sei que é o preço que tenho que pagar para ser
a esposa de Mike.
- Eles não gostam de você?
- Os garotos me odeiam! Vejo isso na maneira como me olham, e porque nunca perdem uma oportunidade de mostrar como a mãe é superior a mim em tudo! Já tentei me
aproximar, mas foi inútil. - Jennifer parou de falar por um instante. - Não devia estar lhe dizendo isso e sim encorajando-a. Não ligue para o que disse. Deve ser
efeito do champanhe.
- Já pensou em ter um filho, Jennifer? Um que fosse apenas seu e de Mike, para criarem juntos e formarem uma nova família?
- Quero demais um filho de Mike, mas ele não pode nem ouvir falar no assunto. Diz que não ganha o suficiente para sustentar duas famílias, mas não acredito que
esse seja o verdadeiro motivo. Ele dá uma boa mesada à ex-esposa, que ficou com a casa em que moravam. Nós estamos num apartamento pequeno, e Mike diz que é o máximo
que pode me dar.
- Que pena! Tenho certeza que um bebê poderia ajudar!
- O pior é que Mike não confia em mim, quando se trata de evitar filhos. Não imagina como ele tem horror de me ver grávida! - Jennifer ficou em silêncio, os olhos
úmidos. - Não vai ter nenhum dos meus problemas, Amanda. O novo marido de Terry é muito rico. Só não entendo por que ela está fazendo o possível e o impossível para
conseguir a custódia de Paul, quando negligenciou o menino durante tanto tempo. Talvez esteja querendo se vingar de Joel, que é louco pelo filho, ou talvez seja
parte de um plano para chamar a atenção dele outra vez.
- Terry está bem com o novo marido. Por que ia querer de volta a atenção de Joel? - Amanda estava começando a ficar preocupada.
- Terry sempre foi assim. Gostava de fazer o que bem entendia, e sempre arranjava motivos para que Joel ficasse enciumado. Era uma pessoa muito possessiva, e
não admitia que ele se dedicasse mais aos negócios que a ela.
- Se o queria tanto, por que aceitou o divórcio?
- Tenho a impressão que Terry nunca imaginou que o casamento terminasse. Ela esperava que Joel fosse correndo atrás dela e com certeza o maior choque de sua vida
foi saber que ele tinha pedido a separação legal. Pobre Joel! Sofreu muito nas mãos daquela mulher!
- Acha Terry pior que a ex-esposa de seu marido?
- Tem razão em me perguntar. Creio que a ex-mulher de Mike não é tão ruim. É apenas uma pobre-coitada, que não soube conservar o marido, enquanto que Terry não
passava de uma parasita que procurou tirar de Joel o máximo possível.
- Já não agüentava mais ficar longe de você, minha querida! - Joel se aproximou da esposa e a abraçou pela cintura.
Jennifer sorriu ao ver Amanda corar.
- Acho que já ficamos demais na festa. Vocês devem estar loucos para começar a lua-de-mel - comentou.
- Acabei de me casar com a mulher de meus sonhos.
Joel olhou para a esposa com expressão de ternura, demorando o olhar na curva suave de seus seios.
- Pode me culpar por estar impaciente?
Todos que estavam perto começaram a rir, dando piscadelas maliciosas e se preparando para ir embora.
- Para onde pretendem viajar? - perguntou Mike.
- Pensei muito a respeito mas não encontrei um lugar bastante isolado para ficar com ela durante bastante tempo e, para ser sincero, não pretendo partilhar nem
um sorriso de minha esposa com ninguém. Quero-a única e exclusivamente para mim, durante muito, muito tempo.
Mais gargalhadas foram a resposta ao comentário de Joel. Amanda enrubesceu ainda mais, achando que as palavras do marido eram um pouco exageradas.
- Está deixando a noiva sem jeito, Joel - disse Mike sorrindo -, mas se estivesse em seu lugar, me sentiria do mesmo jeito. Paul, está pronto para ir à casa do
titio? Vamos passar uns dias muito divertidos, vai ver.
- Prontinho, tio Mike.
À medida que o salão ia ficando vazio, Amanda sentia crescer em seu peito uma estranha sensação de medo.
Seu rosto estava aberto num sorriso quando ela e Joel partiram, mas não havia alegria em seu coração. Em menos de meia hora tinham chegado em casa, agora mais
triste e silenciosa sem a presença de Paul.
Mal entraram, o telefone tocou. Joel foi atender enquanto Amanda observava cada pequeno detalhe da sala. Durante os próximos seis meses este seria seu lar.
Sabia que a decoração havia sido feita por Terry, e talvez por isso se sentisse uma estranha ali. A casa era um prolongamento de Terry, e ela não era Terry!
Somente o quarto principal tinha sido redecorado, depois do divórcio. A sra. Downs havia lhe confidenciado que Joel fizera questão de transformá-lo completamente.
- Não que eles tivessem partilhado o quarto durante muito tempo - a sra. Downs havia contado. - Quando o sr. Sinclair voltou do estrangeiro, ficou dormindo num
dos quartos de hóspedes.
Na ocasião, Amanda tinha mudado de assunto, não permitindo que a governanta fizesse comentários a respeito da primeira sra. Sinclair, mas no fundo bem que gostaria
de saber como tinha sido a vida de Joel com Terry.
- Amanda! - ele a chamou tirando-a de seus pensamentos. - Desculpe tê-la deixado sozinha para atender o telefone. Era um cliente que não sabia que tínhamos casado.
Amanda desviou o olhar para a grande janela que se abria para o gramado, viu os últimos raios de sol colorindo as águas do lago de cor-de-rosa e sentiu um nó
na garganta.
Joel se aproximou, colocando as mãos em seus ombros.
- Sossegue e relaxe. Temos duas maneiras de viver esses seis meses do nosso contrato. Uma delas é tornando tudo difícil um para o outro. A segunda é concordar
com nossas diferenças e procurarmos tirar o melhor proveito das circunstâncias. Fizemos um acordo vantajoso para os dois. Assim, eu lhe pergunto: não vale a pena
passar esses seis meses com o máximo de respeito um pelo outro?
Amanda se virou para ele. Sentia uma vontade louca de se atirar em seus braços, onde se sentia sempre tão segura.
- O que responde, Amanda?
- Concordo. Temos que passar esse tempo da melhor maneira possível.
- Ótimo. Então venha tomar um drinque comigo, para comemorarmos. A sra. Downs deixou o jantar pronto, e temos algumas garrafas de champanhe na geladeira.
O jantar esteve delicioso, regado pelo champanhe. Quando terminaram, ele insistiu em ajudá-la a lavar a louça. Depois, ela coou o café que foram tomar na sala,
ouvindo música suave.
Ela se sentia bem, como não acontecia há muito tempo. Joel terminou o café e levantou, consultando o relógio.
- Foi muito movimento para um dia. Acho que devemos descansar. - Ele pegou a xícara das mãos dela e Amanda estremeceu.
Precisava deixar de ser ridícula e ficar imaginando coisas. Joel não havia concordado que seria um casamento apenas no papel?
- Vai querer continuar seu jogo, não é, Amanda? Então, pense em mim como um daqueles homens que lhe davam roupas bonitas e passeios maravilhosos antes do acidente.
Ficou magoada com aquele comentário sobre seu caráter, principalmente por ser falso. Levantou-se, e talvez por estar muito cansada ou nervosa, sua perna não conseguiu
sustentá-la. Empalideceu de tal modo que Joel ficou realmente preocupado.
- O que houve?
Ela não respondeu. Pensava apenas nas escadas que teria de subir para chegar ao quarto. Começou a andar em direção à porta, tentando não gemer de dor. Mas antes
que saísse da sala Joel a alcançou e a carregou nos braços.
- Pelo amor de Deus! - ele protestou, zangado. - Não há necessidade de se fazer de mártir comigo! Por que não disse que estava sentindo dores?
Num instante ele subiu as escadas carregando-a como se levasse um bebê. Chegou ao quarto e fechou a porta com o ombro. Com muita delicadeza, colocou Amanda sobre
a cama e acendeu a luz de cabeceira. Depois, segurou-lhe o queixo e obrigou-a a encará-lo.
- Tenho que ver alguns papéis. Trate de descansar e dormir. Tem algum remédio para tomar contra a dor?
Depois da rispidez do último comentário que Joel havia feito, ficou surpresa com a atenção que lhe dedicava agora e com a delicadeza de deixá-la sozinha para
se preparar para deitar.
- Tenho comprimidos na bolsa que ficou lá embaixo.
- Vou buscá-la para você.
Pouco depois ele estava de volta, entregou-lhe a bolsa e foi ao banheiro pegar um copo d'água.
Amanda sentou na cama, procurando o comprimido.
- Deixe que eu pego para você - ele se prontificou.
Joel encontrou o vidro de comprimidos, e sem querer deixou cair a última carta que Rob havia lhe escrito. Amanda notou que a carta estava dobrada de um jeito,
que as últimas linhas podiam ser lidas com facilidade.
Lembrava perfeitamente da carta, de modo que não precisou reler as palavras para que elas lhe viessem à mente:
"Portanto, minha querida, vamos dar nosso caso por terminado. Jamais poderei lhe dar o que deseja".
Ela sabia que Rob tinha querido dizer: jamais poderia lhe dar o amor que tanto desejava. Mas não compreendeu a mudança na expressão de Joel até que ele comentou
com sarcasmo:
- Então ele não podia pagar seu preço? Devia ter sido muito atraente...
- Antes do acidente? Era o que queria dizer?
- Está tão certa assim que uma aparência física perfeita é tudo. Amanda? Deve ser uma característica das mulheres de seu tipo pensarem que a única coisa importante
é a beleza. Não podem compreender por que outras garotas, às vezes menos interessantes, conseguem atrair os homens e mantê-los apaixonados durante uma vida inteira.
Foi isso o que aconteceu com você? Perdeu-o para outra pessoa?
- Sei que o aspecto físico é importante. Funciona como a cobertura de um bolo, que desperta o apetite.
- Às vezes o bolo só tem a cobertura. Pobre garota! Doeu tanto assim perder esse rapaz? Talvez ainda possam se reconciliar, se ainda sente alguma coisa por ele.
Joel saiu do quarto, deixando-a sozinha com seus pensamentos. Amanda esperou que o comprimido fizesse efeito antes de tomar banho e dormir. Quando já estava entre
as cobertas, tentou relaxar, mas nada parecia acalmá-la. Ficou deitada, os olhos abertos, os ouvidos alertas para qualquer ruído que anunciasse a presença do marido.
Algum tempo depois ele chegou, andando com cautela, e foi direto tomar banho.
Quando saiu do banheiro, Amanda instintivamente fechou os olhos, fingindo que dormia. Sentiu a cama abaixar, sob o peso do corpo dele.
Pouco depois, notou que a respiração de Joel se tornava regular e pausada, indicando que estava dormindo. Olhou para o lado, sentindo uma sensação estranha. Não,
não podia ser! Ela não podia estar desapontada por ele cumprir a promessa de não tocá-la!
A primeira coisa que ouviu quando acordou foi o cantar dos pássaros perto de sua janela. Imediatamente se lembrou que estava casada e na cama com Joel. Olhou
para o lado, para descobrir que não havia ninguém. Somente a marca no travesseiro mostrava que alguém havia dormido ali.
Amanda examinou o quarto, decorado em tons de creme e azul. Um quarto bem masculino, com vários armários, estante e um carpete grosso.
Levantou-se, foi ao banheiro e voltou ao quarto para se vestir. Para todos os efeitos, estava em lua-de-mel, e talvez Joel quisesse levá-la para almoçar fora.
Estava apenas com roupas íntimas, escolhendo o que vestir, quando ouviu que a porta se abria.
- Trouxe chá com torradas para nós dois - disse Joel. - Venha tomá-lo e aproveite, porque não vai se tornar um hábito.
Amanda tremeu ao reparar que Joel não tirava os olhos de seu corpo, talvez procurando ver sua cicatriz. Aflita por não ter algo para se cobrir, puxou do armário
a primeira roupa que encontrou: justamente o robe de mousseline que havia ganho!
- Acha que vai ajudá-la em alguma coisa? Acha que ao ver seu corpo jovem e bonito vou ficar louco de desejo? Pensei que tivéssemos um acordo, mas se vai tentar
me seduzir com seus atrativos cada vez que entro no quarto, jamais conseguiremos cumprir nosso contrato. Já vi outras mulheres com pouca roupa, mas...
- Com certeza mais interessantes que eu, não é? - A voz de Amanda estava trêmula. - Não estava tentando seduzi-lo. Eu... - ela abaixou a cabeça, deixando os cabelos
dourados cobrirem seu rosto.
- Você... o quê? - Joel perguntou com carinho, e se aproximou.
- Não queria que visse minha perna. Foi só por isso que tentei me cobrir. - Não sabia como estava conseguindo dizer a verdade. - Ela é tão deformada, e as cicatrizes
são tão feias que pensei...
- O quê? Acreditou que eu fosse sair correndo do quarto apavorado?
Joel levou-a para perto da cama e colocou a perna machucada sobre o colchão, examinando-a de perto.
- Na minha opinião, está preocupada demais com essa perna. Enfrente a verdade: tem cicatrizes que não são nada bonitas, e perdeu um pouco de agilidade. Isso significa
que todos devem sentir pena de você?
- Não quero piedade! É a última coisa do mundo em que estou interessada! - respondeu ela quase gritando.
- Então pare de se preocupar tanto por causa de uns centímetros de pele! Ainda tem sua vida, sua inteligência e todas as suas outras qualidades. Há milhares de
pessoas que não possuem tantas coisas boas como você! É uma mulher atraente, simpática, mas também é covarde.
Amanda estava furiosa, mas Joel não se impressionou, continuando a falar com calma.
- Pense bem, e responda com sinceridade. Esse papel de vítima não é muito pesado? É muito fácil alguém se acostumar a sentir pena de si mesma, sem lembrar-se
de que há muitas outras pessoas que realmente são dignas de compaixão.
- Não sou assim...
- Desculpe se insisto, Amanda, mas é para seu próprio bem. Sei do que estou falando. O mais difícil é enfrentar o fato de que a vida é apenas o que fazemos dela.
Você pode ser uma vencedora ou uma perdedora. A decisão está inteiramente em suas mãos.
A mão dele estava sobre a região em que a cicatriz era mais feia e Amanda teve a estranha certeza de que aqueles dedos tinham o poder de curá-la, dando aos músculos
atrofiados toda a força e elasticidade perdidas.
- Lembre-se - Joel falou sério. - O mundo a trata do modo como você quer ser tratada.
Ela ia protestar, explicando que não havia sido por sua vontade que o noivo a rejeitara. Mas lembrou do que a tornou tão insegura em relação a Rob: a vergonha
de sua perna aleijada.
Ficou em silêncio. Sabia que Joel tinha razão.
CAPÍTULO V
Os dias se transformaram em semanas, e à medida que Amanda se acostumava à nova rotina descobriu que não estava tão interessada em se vingar de Rob. Nem se lamentava
mais pelo sentimento de rejeição que as palavras dele lhe tinham causado.
Ela sequer lembrava de sua vida anterior, e quando imaginava sua perna completamente boa era para que Joel a admirasse.
Havia se acostumado de tal modo à presença dele, que quando Joel viajava a negócios a casa parecia sem vida, e a cama ficava mais fria.
Todas as manhãs, ele já estava de pé quando ela acordava, e à noite esperava que adormecesse para deitar. E, mesmo assim, Amanda sentia falta da presença dele.
Durante as tardes saía para dar uma volta a pé com Paul, que andava cada vez melhor. A última visita ao especialista, inclusive, trouxe grandes esperanças para
todos. O médico disse que os exercícios de fisioterapia tinham fortalecido os músculos, e que o progresso era evidente.
Amanda estava se dando cada vez melhor com o menino, e pediu que ele a chamasse pelo primeiro nome. Não queria ser chamada de mamãe, porque sabia que a situação
era temporária. O menino também parecia feliz, sorria mais e até havia engordado.
Uma tarde, falando sobre a mãe, Paul deixou Amanda chocada, ao dizer que não gostava dela.
- Nunca nos demos muito bem, e acho que ela também não gostava de mim.
- Deve estar enganado, Paul. Há diferentes modos de mostrar que se gosta de uma pessoa, talvez não tenha entendido o jeito de sua mãe.
- Pode ser. Mas você é bem diferente, sabia? É por isso que você e papai não estão sempre se beijando como nos filmes da televisão?
- Televisão é fantasia, Paul. A vida não é feita de beijos e abraços - respondeu embaraçada. E ficou pensando que Joel já havia falado que ela não parecia uma
esposa apaixonada.
Um dia, de manhã, foram até a beira do lago.
- Bom dia! Estão dando um passeio?
Amanda se virou e viu um rapaz de uns vinte anos, que a olhava, encantado. Antes que pudesse responder, Paul se aproximou, olhando o desconhecido com raiva, pronto
a defender sua nova mãe de uma investida. Amanda não pôde deixar de rir.
- Sou Tom Forbes. Dou aulas para crianças em Liverpool, e estou aqui tomando informações para ver se é possível trazer meus alunos para cá.
- Bom dia - Amanda cumprimentou. - Já conseguiu alguma coisa?
- Creio que as possibilidades são ótimas. Os meninos economizaram dinheiro para fazer a excursão, e só me falta arranjar um fazendeiro com boa vontade que nos
alugue um pedaço de terra. Naturalmente estou procurando alguém que nos cobre um preço bem razoável.
- Já procurou algum?
- Uma senhora, dona do bar da vila, me indicou o sr. Digby, dono da Fazenda High Tor.
- High Tor fica do outro lado do lago, senhor - disse Paul. - O lado de cá é do meu pai.
- É mesmo? Espero não estar invadindo uma propriedade particular sem permissão.
- Não tem importância. Pode ficar.
Amanda olhou para o céu, e notou nuvens carregadas de chuva.
- Acho melhor entrarmos, Paul, antes que a chuva nos pegue no meio do caminho.
- Moram longe daqui? - Tom parecia interessado.
- Não. Nossa casa fica a uns seiscentos metros, atrás daquelas árvores. - Amanda apontou.
- Posso acompanhá-los?
- Se quiser...
Era fácil perceber que Tom estava realmente acostumado a lidar com crianças. Levava a conversa de uma maneira a sempre incluir Paul no assunto. Num determinado
momento, pegou a mão do menino e lhe mostrou as nuvens que corriam no céu, em direção das montanhas.
- Veja, Paul, aquelas montanhas. É por causa delas que chove tanto por aqui. Elas são muito altas e impedem que as nuvens passem para o outro lado.
- Sei disso. Elas são tão altas que fazem buracos nas nuvens - respondeu Paul, sério.
Quando chegaram aos portões de casa, Tom comentou:
- Vocês não parecem irmãos.
- Não somos - respondeu Paul. - Amanda é a mulher de papai.
- Seu pai é um homem de sorte, Paul.
Amanda ficou vermelha e, para disfarçar, convidou:
- Gostaria de entrar e tomar uma xícara de chá? A chuva deve cair a qualquer momento, e você estará abrigado.
- Obrigado. Aceito, com prazer.
Os três entraram pela cozinha, encontrando a sra. Downs.
- Este é Tom - Paul apresentou. - Ele está procurando uma fazenda.
- Tom é professor, e está procurando um lugar para os alunos acamparem - Amanda resolveu explicar para a mulher, que o observava com um olhar desconfiado. - Como
a chuva vai cair logo, eu o convidei para tomar chá.
A sra. Downs sorriu e num instante preparou a mesa.
- Já estou atrasada - a sra. Downs comentou mais tarde, consultando o relógio.
- Se vai para a vila, posso acompanhá-la. - Tom se ofereceu. - Volto outro dia, com mais calma. Aí você me mostra seu trenzinho elétrico, combinado Paul?
À noite, Joel ligou de Bruxelas, onde resolvia alguns negócios. Perguntou por todos, e estava quase terminando a ligação quando comentou:
- Parece muito alegre, Amanda. O que tem feito?
- Nada. Quando volta para casa?
- Não sabia que se incomodava com minha ausência.
- Só queria saber, para esperá-lo com o almoço ou jantar pronto. - Amanda tentou disfarçar sua ansiedade.
- Não se preocupe, Amanda. Não vou chegar em hora inconveniente.
Amanda desligou o telefone, desanimada. Não podia mais mentir para si mesma. Sentia a falta de Joel e nos sonhos via-se ao lado dele vivendo uma história de amor
de verdade. Ela estava completamente apaixonada e odiou-se por ter aceito aquela proposta. Se, por um lado, conseguira resolver seus problemas, por outro, acabou
encontrando outro maior, e para o qual não haveria solução. Quando aqueles seis meses terminassem e ficasse longe de Joel e Paul, sua vida perderia o sentido.
Tom se tornou um visitante regular, e Paul começou a se apegar a ele, passando horas a fio brincando e confidenciando seus problemas ao rapaz.
Amanda acompanhava os dois durante os passeios e foi quando estavam fora que Joel telefonou de novo, avisando que ficaria mais alguns dias na Bélgica, pois haviam
surgido alguns imprevistos.
A sra. Downs transmitiu o recado e Amanda sentiu o coração apertar. Fazia duas semanas que Joel tinha viajado e os dias se arrastavam sem a presença dele.
A estadia de Tom na região dos lagos estava chegando ao final e, no último dia, ele convidou Amanda para jantar fora. Queria lhe agradecer a hospitalidade.
- Consegui lugar para nosso acampamento com um dos fazendeiros. É um homem tão gentil, que adorou a idéia... nem vai cobrar nada. A garotada vai vibrar porque
vai sobrar dinheiro e vamos poder ficar mais tempo. Como vê, temos dois motivos para festejar.
- Obrigada. Tom, mas vou recusar o convite.
- Oh, senhora, por que não aceita? - interrompeu a sra. Downs. - Faria muito bem sair um pouco. Posso ficar com Paul, se quiser.
Amanda ainda estava indecisa, mas o menino também insistiu para que concordasse.
Tom alugou um carro, e às sete e meia em ponto foi pegá-la. Estava muito elegante, de terno e gravata, mas para Amanda ele poderia se vestir de príncipe e mesmo
assim não chegaria aos pés de Joel. No entanto, ficava mais à vontade com Tom, talvez por não estar emocionalmente envolvida com ele.
Jantaram num restaurante decorado no estilo do século XVIII, muito requintado, com uma enorme lareira acesa e paredes forradas com lambris de madeira. A comida
era deliciosa e Tom pediu uma garrafa de vinho para acompanhar a refeição. Amanda não estava acostumada a beber e logo sentiu o efeito do álcool: seu corpo parecia
flutuar e até os problemas pararam de atormentá-la.
Quando voltaram para casa, já passava das onze. Pararam em frente à porta, e antes que Amanda descesse, Tom falou:
- É uma pena não ter conhecido você antes de se casar, sabe? É tão bonita e esse seu jeitinho meigo me deixa maluco. Me diga: se pudesse realizar um único desejo,
o que pediria?
Um único desejo? Pediria somente que Joel a amasse. Rob, a operação... tudo que antes lhe parecia tão importante agora não significava nada perto de seu amor.
Tom notou que Amanda tinha o pensamento em outro lugar e a tocou de leve, para que voltasse à realidade.
- Vou me lembrar sempre de você, Amanda.
Ele se aproximou e mesmo sabendo que ia ser beijada, ela não se virou, recebeu o beijo sem corresponder.
De repente, um brilho intenso de faróis os iluminou. Amanda se afastou de Tom e, olhando para trás, viu Joel descer de táxi, que parou logo atrás deles.
- Quem chegou? - o rapaz perguntou espantado.
- É... Joel, meu marido. É melhor ir embora, Tom.
- Por quê? Tem medo dele?
- Não, claro que não - mentiu. - Só não quero que haja mal-entendidos. Por favor, vá embora.
Desceu do carro, sem permitir que Tom respondesse.
- Joel, não é nada do que está pensando - ela disse, mas ele riu com cinismo, e pegando-a pelo braço levou-a para dentro de casa.
- Não perca tempo mentindo para mim. E Paul, onde está? - ele perguntou furioso. - Se não é capaz de cumprir as promessas que me fez, pelo menos poderia não abandonar
Paul quando sentisse vontade de se divertir.
- Não abandonei Paul. A sra. Downs está com ele.
- É mesmo? Você é realmente uma grande atriz, pois ela sempre desaprovou esse comportamento em Terry.
- Ela sabe que não há o que desaprovar, Joel. Gostaria que me ouvisse.
- Para quê? Para ouvir mentiras? Chega!
- Sra. Sinclair? - a sra. Downs desceu a escada e somente então viu que Joel também estava lá. - Sr. Sinclair! Não pensamos que fosse voltar tão cedo! Só o esperávamos
na próxima semana.
- É o que estou notando!
- Como foi o jantar, sra. Sinclair? - perguntou sem notar a tensão do ambiente. - Aproveitou bem?
- Pelo jeito, foi tudo ótimo - Joel respondeu. - Precisa de alguma coisa, sra. Downs?
A governanta compreendeu a indireta e retirou-se preocupada.
- Vou subir. Você também deve estar cansado.
Amanda queria acabar com a discussão.
- Cansado? Sim, estou. Estou farto de mulheres como você. Não suporto mais seu egoísmo. Você quer tirar tudo dos outros sem se preocupar com a conseqüência de
seus atos. Nunca pensou que os outros também possam querer alguma coisa?
Joel a pegou no colo e subiu as escadas, entrando no quarto. Depois que a deitou na cama, ficou observando aquele corpo frágil, que tremia sob o seu olhar frio.
- Por que está agitada? Nenhum homem a olhou assim antes? Ora, menina, se está usando esse vestido decotado foi com o objetivo de provocar alguém. Você queria
que alguém a olhasse como estou fazendo agora, não é?
- Não!
- Você não sabe mentir, Amanda. E eu quero mais do que somente olhar. Eu quero ver se é tão macia como parece. Quero sentir com as mãos se a sua pele é tão delicada
como imagino.
- Não!... Joel, eu...
- Continua representando! Mas não vai escapar tão facilmente desta vez!
Joel deitou sobre ela e pressionou os lábios contra os de Amanda num beijo selvagem. Mantendo-a presa com o peso do corpo, baixou as alças do vestido, abriu o
zíper e, pouco a pouco, foi lhe tirando toda a roupa. Amanda tentou em vão afastar aquele corpo forte que a dominava completamente. E mesmo que quisesse resistir,
a razão foi cedendo à tentação dos carinhos daquelas mãos experientes. Ofegante, ela começou a sentir crescer a chama do desejo que parecia lhe consumir todo o corpo.
- Minha esposa, tão pura e virginal! - Joel falou com ironia. - Chega de mentiras, Amanda. Seu corpo está vibrando, mas como está seu coração? Gelado, como o
de Terry? Você também é do tipo que atrai, insinua, para depois fugir? Covarde! Você não tem coragem de ser mulher!
- Joel, por favor... não...
Ele ignorou o pedido e começou a acariciá-la com uma urgência desesperada. Desceu os lábios pelo pescoço de Amanda até alcançar os mamilos enrijecidos. Amanda
gemeu de prazer e começou a corresponder aos carinhos, acariciando o corpo que a fazia prisioneira.
Joel se afastou por um momento, tirou rapidamente a roupa e voltou para a cama onde Amanda o esperava com o desejo transpirando por todos os poros.
As carícias tornaram-se mais rápidas e exigentes até que os dois corpos alcançassem o êxtase do prazer.
Amanda suspirou, dividida por emoções contraditórias. Seu corpo tinha acabado de se realizar naquele momento mas seu coração sofria por saber que Joel a possuíra
apenas para satisfazer um desejo físico. Não a amava e jamais lhe dedicaria qualquer sentimento que não fosse o ódio, desprezo e vingança. Aos olhos dele, não passava
de uma mulher vulgar.
Joel sentou e olhou demoradamente para ela, antes de sair da cama. De repente, ele exclamou horrorizado:
- Meu Deus! Como pude fazer isso?!
CAPÍTULO VI
Joel não passou a noite em casa e a única coisa que falou antes de sair foi que conversariam no dia seguinte. Deixou Amanda sozinha com seu desespero, chorando
até esgotar todas as lágrimas.
No dia seguinte, seu rosto não escondia os momentos angústia da noite anterior. Os olhos estavam fundos, o rosto pálido e com uma expressão cansada.
Não queria que Paul notasse seu desânimo, e depois do banho escolheu uma roupa nova e desceu.
Quando chegou ao último degrau da escada, viu Joel saindo do escritório. Também estava pálido, a expressão séria e contrariada. Ele a cumprimentou com formalidade
e falou:
- Trouxe o café para o escritório. Se quiser comer alguma coisa, peço para a sra. Downs preparar.
Amanda negou com a cabeça. Mesmo que lhe oferecessem o prato mais delicioso do mundo, não conseguiria engolir nada. Não era fácil enfrentá-lo depois do que tinha
acontecido, e a tensão entre eles estava chegando a um ponto insuportável. Amanda, porém, se esforçou para demonstrar naturalidade.
- Quer café puro ou com leite?
- Puro, por favor. - Ela pegou a xícara que Joel lhe entregava e foi sentar numa poltrona perto da janela para se aquecer com o calor daquela manhã de sol.
- Onde está Paul? - perguntou ela para quebrar o silêncio.
- Pedi à sra. Downs que o levasse quando fosse fazer as compras da semana. Queria conversar a sós com você. Falei com Paul esta manhã e lhe devo desculpas. Primeiro,
porque agora entendi a razão de ter saído ontem à noite e também porque... Devia ter-me dito, Amanda, que... que nunca...
- Eu... eu...
- Eu deveria ter reconhecido o medo que sempre existe numa situação dessas. Com certeza você esperava que eu voltasse ao meu juízo a tempo, e bem... Eu acho que
não teria insistido se você não...
O coração de Amanda começou a bater descompassado. O que ele estaria tentando dizer? Teria descoberto que estava apaixonada? Não, ela não poderia suportar mais
essa humilhação! Enquanto ela esperava que ele continuasse, suas forças pareciam querer abandoná-la.
- Mas você tem um corpo tão sensual e atraente que simplesmente não consegui evitar. - Ele continuou e acariciou o rosto de Amanda. - Nem eu sei dizer como pude
perder a cabeça daquele jeito. Num minuto eu a odiava tanto que podia matá-la e no momento seguinte não conseguia me separar de você. Quando compreendi a verdade
já tinha ido longe demais.
Ficou tão feliz que poderia ter se jogado nos braços dele. Tinha vivido aqueles meses todos se achando uma criatura horrível e agora percebia que o seu complexo
havia se tornado uma obsessão. Joel a achava atraente e isso fazia bem demais à sua auto-estima.
- Eu nunca poderia imaginar que ainda fosse virgem. Não acredito que nenhum homem quisesse ter você. Estava esperando por uma pessoa especial, é isso?
Rob deveria ter sido essa pessoa especial, mas ela mesma não sabia dizer por que não haviam se envolvido intimamente. Contudo, não se lembrava de ter sentido
pelo ex-noivo as emoções fortes que sentia por Joel. Sem dúvida, ele era a pessoa especial que ela queria para se entregar com paixão.
Mesmo que fosse um alívio revelar seu segredo, sabia que era melhor ficar calada. Joel havia deixado claro que no acordo não constava nenhum envolvimento emocional.
Isso facilitava as coisas, claro, e ela não queria acrescentar mais uma preocupação às muitas que ele tinha.
- Acho que simplesmente não aconteceu - ela respondeu com calma. - Houve um homem em minha vida, e pensei que o amava. Ele era médico e íamos ficar noivos na
época em que sofri o acidente. Quando Rob viu minha perna e as cicatrizes tão feias, ele...
- Ele terminou tudo... Não fui justo com você, Amanda. Fiz tantas acusações cruéis e só agora compreendo por que estava tão amargurada! Ele a abandonou?
- Sim. - Amanda baixou a cabeça, e sentiu que Joel a envolvia num abraço, tentando confortá-la.
- Pobre Amanda! Os homens nunca lhe deram motivos para merecer seu respeito! Ainda ama esse rapaz?
Amanda queria gritar "não", mas Joel não era tolo. Se admitisse que não estava mais interessada em Rob, saberia que... Preferiu ficar quieta deixando que ele
tirasse suas conclusões.
- Ainda não consigo te entender, Amanda. Por que aceitou minha oferta tão depressa quando mencionei o dinheiro que ia lhe pagar? Isso agora me parece tão contrário
ao seu caráter!
Amanda continuou fingindo não ter um destino certo para aquela quantia tão necessária para decidir seu futuro.
- Não acha que uma moça tem de pensar no futuro? Estava sem emprego, o orfanato tinha me recusado, e sua proposta parecia cair do céu. Mas apenas quando conheci
Paul, realmente me decidi.
- Ainda bem. Para ser sincero, quando reparei que tinha ferimentos semelhantes aos dele, soube que tinha encontrado a pessoa certa. Pensava muito em como evitar
que Terry conseguisse ficar com meu filho. De repente, você apareceu. Talvez por isso tenha ficado tão zangado quando a vi nos braços de outro homem, ontem à noite.
Só depois que Paul e a sra. Downs me explicaram que eles insistiram para que aceitasse o convite que me acalmei.
- Deve ter parecido estranho me encontrar com Tom dentro do carro, mas posso garantir que não existe absolutamente nada entre nós.
- Acredito em você. Tirei conclusões erradas, talvez devido à infidelidade constante de Terry.
- Ainda bem que me compreendeu, Joel. Tom havia sido tão bom para Paul... Enfim, foi um amigo e só por isso permiti que me beijasse na despedida.
- Bem, agora você teve uma prova de como as circunstâncias podem levar um homem à loucura.
Ah... como gostaria de se abrir com ele! Também estava sendo levada à loucura por causa de circunstâncias que teria evitado, se dependessem apenas da razão e
não do coração.
- Não sei como me desculpar, Amanda - ele continuou. - Estava completamente enganado a seu respeito. Você e Terry não têm nada em comum, pelo contrário.
Joel levantou e foi até a janela. Ela o observava, querendo chegar mais perto, tocá-lo, demonstrar como ele era importante em sua vida, mas não teve coragem.
- Não pode imaginar o quanto lamento o que aconteceu ontem à noite - Joel falou, de costas para ela. - A raiva é um afrodisíaco poderoso, principalmente se for
misturado ao desejo e à carência afetiva.
As palavras de desculpas caíram como água gelada no coração de Amanda. Era uma declaração de que ele não a amava! Tinha sido tola ao pensar que talvez... Esse
talvez não existia. Joel jamais se apaixonaria por ela.
- Você não imagina como estou me sentindo culpado - ele confessou. - Para ser sincero, nem sei dizer o que me chateia mais: quebrar minha promessa de não tocá-la,
ou não ser capaz de me controlar. Mas eu te prometo que isso não vai se repetir nunca mais. Sei que não vai ser fácil mas vou cumprir minha palavra, custe o que
custar.
- Não precisa ficar se lamentando tanto, Joel. Também sou culpada.
- Não sei... Não me lembro de ter sentido você corresponder. Eu... eu machuquei você?
Amanda ficou vermelha, sem saber o que responder.
- Não... isto é, não muito. Foi uma coisa normal, Joel, que iria acontecer mais cedo ou mais tarde.
- Claro que ia acontecer, mas devia ter sido com o homem que amasse, junto com quem fosse descobrindo aos poucos o amor.
- Já acabou, Joel, e sinceramente prefiro não falar mais no assunto. - Não suportava ficar ouvindo Joel se excluir de sua vida. Isso a machucava mais do que qualquer
outra coisa.
- Não é fácil pôr uma pedra em cima e pronto.
- Como você mesmo disse, estava zangado comigo e queria me castigar. Quando os sentimentos como o amor não estão envolvidos numa relação, é fácil pôr uma pedra
em cima e esquecer - Amanda disse com amargura.
Joel chegou mais perto dela como se quisesse lhe dizer mais coisas. Naquele instante, ouviram a voz da sra. Downs que chegava com Paul.
- Não vai acontecer de novo, eu lhe prometo. Mas ainda preciso de sua ajuda para conservar Paul longe de Terry. Ela já prejudicou bastante o menino e não posso
permitir que sofra mais. Se não fosse por isso eu poderia agir decentemente e lhe devolver a liberdade.
Nunca Amanda o tinha visto mais humano, gentil e compreensivo. Nunca também ele se mostrou tão distante. Então ele achava que a estaria ajudando deixando-a livre?
Como estava enganado...
O menino entrou no escritório correndo, as faces coradas, os cabelos despenteados e uma expressão de alegria no rosto.
- Comprei um presente para você, Amanda. Veja!
Ela pegou o pacote e viu uma barra de chocolate que tinha sido anunciada na televisão. Foi brincando que havia dito ao garoto que gostaria de prová-la para ver
se era tão gostosa como diziam.
- Obrigada, Paul. Você foi um amor. Vamos comer um pedaço depois do almoço?
- Oba! Vamos sim. Sabe, Terry não gostava de chocolate porque engorda muito, mas você come e continua magrinha.
- Paul, seu leite está pronto! - a sra. Downs chamou.
- Paul fala muito na mãe com você? - perguntou Joel.
- De vez em quando. Ultimamente tem falado bem mais.
- Fico contente. Você conseguiu que Paul superasse o trauma. Durante muito tempo, depois do acidente, tivemos dificuldades com ele. Não admitia sequer que a mãe
existisse.
- Por que Paul não chama Terry por mamãe?
- Ela o acostumou assim. Dizia que se sentia domesticada, tendo um menino a chamando de mamãe o tempo todo. Só respondia quando ele a tratava de Terry.
- Não é possível! - Amanda não escondeu a revolta.
- Entende por que não quero que ela fique com meu filho?
- Por que ela insiste em ficar com Paul?
- Por quê? Não sei. Talvez porque não goste de perder no que quer que seja.
Amanda se perguntou quem Terry não queria perder. O filho, com quem não se importava, ou a vantagem de poder se vangloriar de ter um marido tão atraente. Quem
podia dizer se os problemas que criava não eram justamente uma maneira de se manter ligada a Joel
Ficou imaginando a vida do casal antes da separação. Era evidente que Joel havia amado a esposa, já que se casou com ela. Só de pensar nisso, sentiu uma pontada
de ciúme.
Os dias se tornaram mais bonitos, à medida que o verão se aproximava. Amanda estava feliz porque agora Joel trabalhava em casa, preparando um manual de instruções
para o último modelo de seus computadores.
Ele tinha cumprido sua promessa, e nunca mais a tocou. Mas Amanda gostaria que tudo fosse diferente. Sentia seu corpo mais vivo e feminino, reagindo com força
cada vez que, por acaso, eles tocavam as mãos.
Quase esqueceu do defeito de sua perna. Seus pensamentos viviam ocupados com Joel. Um olhar mais terno que ele lhe dava, um simples "bom-dia" carinhoso já ficavam
gravados em sua lembrança.
E sua vaidade feminina também voltou a se manifestar. Amanda agora cuidava com capricho dos cabelos e sua maquilagem, suave mas impecável, realçava os traços
bonitos de seu rosto. Às vezes, quando se olhava no espelho, se via como era antes do acidente, bonita, charmosa e com um brilho especial no olhar.
Uma tarde, enquanto passeava com Paul, reparou num homem, sentado à beira do lago, pescando.
- Coitado dele! - Paul comentou. - Está aí há três dias e ainda não pegou nada.
- Três dias? Só o vi hoje, Paul.
- Não. Estive olhando, e reparei que ele não usa a isca certa, por isso que está aí há tempo.
Amanda achou estranho, mas não fez comentários. Mais tarde mencionou o fato a Joel.
- Eu disse que Terry não ia desistir facilmente. Creio que ela já começou a tomar providências, e que esse homem está aqui para nos espionar.
- O que Terry espera conseguir com isso?
- Provar que não dou um bom lar ao meu filho. Aliás, também recebi uma carta de meu advogado, informando que ela pretendia reivindicar a custódia de Paul dizendo
que, como solteiro, não posso educá-lo tão bem quanto ela, que tem uma família formada. Escrevi comunicando meu casamento com você.
- Acha que ela vai desistir apenas com isso?
- Duvido muito. Ela está apenas começando. Terry acredita no poder do dinheiro e deve imaginar que pode comprar o filho de volta. Mas farei tudo que puder para
impedi-la!
Dois dias mais tarde, Joel teve a confirmação de que o pescador era, na verdade, um detetive particular contratado para observar a casa e seus moradores.
- Fico preocupada com Paul - Amanda disse a Joel enquanto conversavam na sala, depois do jantar. - Não acha que Terry pode tentar alguma coisa mais... mais violenta?
- Violenta?!
- É... A gente lê tanta coisa nos jornais, sobre seqüestro de crianças e...
- Nem mesmo Terry seria capaz de pensar numa coisa dessas. Lembre-se de que seqüestro é crime, e não acredito que seu novo marido concorde com uma sujeira dessas.
Penso que ele aceitaria Paul como filho, se recebesse a custódia legal, mas assim... não creio.
Amanda não se sentia tão confiante. Pelo que tinha sabido de Terry, concluiu que era uma mulher fria e calculista, que não se deteria nem mesmo diante da lei.
A teimosia falava mais alto que qualquer sentimento humanitário que pudesse ter. Portanto, manteria Paul sempre perto para que nada acontecesse ao menino. Por sorte
ele havia comentado sobre o pescador. Não fosse isso, talvez ela não tivesse se dado conta daquela presença indesejada. Se o homem quisesse levar Paul teria conseguido,
pois ela teria sido pega de surpresa.
Um telefonema inesperado de Bruxelas obrigou Joel a viajar novamente. Amanda o ajudou a arrumar a mala e o acompanhou até o carro.
- Devo ficar somente alguns dias - ele avisou, segurando-a pela cintura e lhe dando um longo beijo na boca. - Apenas para despistar quem estiver nos observando.
Amanda não se afastou dele, depois que o beijo terminou. Ficaram juntos, olhos nos olhos, até que Joel tornou a se inclinar, beijando-a de novo.
Ela sentia os seios pressionados pelo peito de Joel, e manteve os lábios entreabertos para receber os dele. O desejo crescia em seu corpo, mas logo ele a soltou,
deixando-a com uma incômoda sensação de desamparo.
- Esse segundo beijo foi por garantia, caso nosso observador não tenha reparado no primeiro? - ela perguntou com ironia.
Joel não respondeu e Amanda se arrependeu de ter dito aquilo. Ele devia estar preocupado por deixar o filho sozinho, principalmente agora, que um perigo o ameaçava.
- Não se preocupe, Joel. Vou tomar conta de Paul.
- Sei disso. Mas quem vai tomar conta de você?
Joel piscou para ela e foi embora. Amanda ficou olhando, até que o carro desaparecesse. Paul, que estava ali perto brincando, se aproximou e segurou a mão dela.
- Por que está tão triste? Terry gostava muito quando o papai ia viajar.
- Não estou triste, Paul - ela mentiu. - Vamos nadar para aproveitar o sol?
- Vamos! Vai ser uma delícia!
Passaram horas muito agradáveis, brincando na água morna do lago, e voltaram para casa exaustos. Amanda sentia dor nas pernas pois não estava acostumada a fazer
exercícios muito demorados.
O reflexo daquele esforço se manifestou à noite. Acordou no meio da noite, com fortes dores na perna. Tentou dormir mas não tinha jeito: precisava tomar um comprimido.
Acendeu a luz do corredor e desceu a escada com cuidado, apoiando o peso no corpo no corrimão. Chegando na cozinha, resolveu esquentar um pouco de leite e, quando
estava pegando a xícara, ouviu um barulho no hall. Amanda gelou. Será que alguém havia entrado para seqüestrar Paul? A xícara caiu de suas mãos e quando ela quis
sair correndo dali pisou em um dos cacos e gritou de dor.
A porta da cozinha se abriu naquele instante e Amanda teve outra surpresa:
- Joel !
- Meu Deus, o que está acontecendo?
Ela se encostou na parede, tentando ver o corte no pé.
- Amanda! Você está machucada!
Ela não conseguia falar. Além da dor, ainda não havia se refeito do susto.
- Fique sentada. Não pise no chão, enquanto eu não retirar os cacos. O melhor é sair daqui. Ponha os braços em redor do meu pescoço que vou levá-la para cima.
Sabe onde está a caixa de pronto-socorro?
- Está lá em cima, no banheiro. Mas preciso pegar meus comprimidos.
- Por isso estava aqui em baixo?
- Senti dores na perna porque nadei muito com Paul. Quando ouvi barulho no hall, fiquei assustada, pensando que alguém estivesse querendo levar o menino.
- Sua imaginação está funcionando demais, Amanda. Paul está bem protegido com você e a sra. Downs por perto. No momento, quem precisa de cuidados é você.
E foi com extremo cuidado que ele cuidou do ferimento e lhe fez um curativo. Depois, Joel a segurou pela cintura e a levou para a cama.
- Vou buscar seus comprimidos e um pouco de leite.
- Fiz uma bagunça na cozinha! A sra. Downs vai ficar furiosa!
- Não se preocupe. Vou deixar tudo em ordem.
Dez minutos depois ele estava de volta.
- Prontinho. Tome seu comprimido.
Se ele não a lembrasse, teria esquecido dos comprimidos. A dor continuava, mas agora estava feliz vendo Joel a tratar com tanto carinho.
- Veja se consegue dormir, Amanda. Levou um susto muito grande e precisa descansar.
- Nem tive tempo de perguntar como foi a viagem. Correu tudo bem
- Muito bem. Esses problemas surgem de repente, mas felizmente também se resolvem depressa. Acabei terminando antes do que pensava e tratei de voltar para casa.
Mas ainda tenho que rever uns cálculos, antes de deitar.
Sabia que aquilo era uma desculpa. Ele só iria se deitar quando estivesse certo de que Amanda já estava dormindo.
Joel apagou a luz e foi até a porta. Amanda queria chamá-lo, dizer-lhe como sentia falta de seus abraços, e de seus beijos, mas... tinha que reprimir seu desejo.
- Joel... - chamou, sem pensar.
Ele se virou, esperando que ela concluísse o que queria dizer. E numa fração de segundos, Amanda se deu conta da tolice que iria cometer se falasse de seu amor.
- Obrigada! - acabou dizendo.
- De nada, menina. E não me pergunte como poderá me agradecer porque sou capaz de lhe dizer.
Joel saiu, encostando a porta. Amanda ficou deitada no escuro, pensando na resposta dele. Seria possível que... Uma pequenina esperança surgiu em seu coração
para ser apagada pela voz da razão: não devia imaginar sentimentos onde só havia interesse. Joel não a amava.
O cansaço, os comprimidos e o leite quente acabaram envolvendo-a numa deliciosa sonolência. Ainda via à sua frente a figura querida de Joel, que foi se diluindo
pouco a pouco, até que ela caiu num sono profundo.
CAPÍTULO VII
Algo pesado e deliciosamente quente pressionava seu corpo. Amanda abriu os olhos devagar; aquele "algo" era o braço de Joel.
Com certeza tinha virado durante a noite, na direção do marido, que a puxou para junto dele. Observou o corpo imóvel, reparando na barba que começava a nascer
e nos cabelos que lhe caía sobre a testa.
Era bom senti-lo tão perto! Podia até imaginar que estavam juntos porque se amavam. Amanda tinha uma vontade louca de passar a mão por aquele corpo que conheceu
tão intimamente e sentir o calor, os músculos fortes que a abraçaram com tanta paixão! Mas seria melhor evitar aquela situação perigosa. Tentou se mexer, mas o braço
de Joel a segurou com mais força, instintivamente.
Joel abriu os olhos e a viu ali, os seios tocando seu peito cabeludo. Nenhum dos dois falou. Ele apenas a abraçou, fazendo-a rolar até que ficasse sobre ele.
Com muita calma, beijou-lhe o pescoço, mas logo trocavam beijos ardentes, despertando a louca paixão que os unia naquele momento.
A luz suave do amanhecer envolvia seus corpos num doce convite ao amor. Joel começou a mordiscar a boca de Amanda, que suspirou antecipando o prazer de se unir
a ele. Fechou os olhos para sentir o calor daquele corpo viril que se moldava a cada curva do seu.
Rolaram na cama, os lábios úmidos se procurando com uma pressa apaixonada. O corpo todo de Amanda vibrava, os seios palpitando, o coração batendo acelerado, enquanto
os músculos de Joel se enrijeciam pela ansiosa necessidade de dar vazão a seus desejos.
Joel voltou a beijar o pescoço de Amanda, os seios, o ventre. O rosto quente, úmido de suor, encostava na pele macia, que se arrepiava de prazer.
Com muito carinho, ele guiou as mãos dela para que lhe fizessem carícias, e, numa harmonia perfeita que só os amantes apaixonados conhecem, se deliciaram até
experimentarem a plenitude do desejo saciado.
Amanda parecia flutuar numa nuvem. Seria capaz de passar o resto da vida no doce refúgio dos braços de Joel. Mas ele levantou e logo ela pôde ouvir o barulho
do chuveiro. Quando voltou ao quarto, apenas coberto com uma toalha amarrada na cintura, Amanda queria trazê-lo de volta para junto dela, para que permanecessem
entre eles aquela adorável sensação de cumplicidade.
- Joel... - chamou com timidez.
- Vamos deixar a conversa para depois. - Ele passou a mão pelos cabelos molhados. - Agora tenho que ir a Kendal.
Joel acabou de se vestir e ela o acompanhou até o carro. O carteiro vinha chegando e entregou a correspondência a ela. Amanda reparou num envelope com selos americanos
e carimbo da Califórnia. Sentiu o coração apertado. Terry teria escrito?
O dia transcorreu normalmente e já era hora do chá quando Joel voltou. Amanda estava preparando o lanche para Paul e, ao ver o marido, relembrou os momentos preciosos
que passaram juntos naquela manhã.
Paul ficou radiante ao ver o pai e conversou animadamente com ele, mal dando tempo para Amanda se manifestar. Esperava com ansiedade pela hora em que ficaria
a sós com o marido, mas tinha um certo receio de ouvir o que ouvira da outra vez: que tudo não passou de um erro, que não a amava e era hora de achar uma maneira
de ficarem mais distantes.
À noite, depois do jantar, Paul foi dormir e então Joel a chamou:
- Vamos conversar um momento no escritório, Amanda.
Tremeu: havia chegado o momento da confrontação. Entrou na sala e viu que o marido tinha se servido de uma dose de uísque, o que normalmente não fazia. Ficou
preocupada, intuindo a gravidade da situação.
Antes de descer, tinha pego a carta que chegou de manhã. Talvez fosse o ciúme que a fez esquecer de entregá-la assim que Joel voltou. Quando se sentou, ainda
estava com ela na mão.
Joel foi para junto da janela e, de costas para Amanda, começou a falar, em voz calma e compassada.
- Amanda, sobre hoje de manhã... - Fez uma longa pausa, antes de continuar. - Nunca deveria ter acontecido e, se não estivesse meio adormecido, teria parado em
tempo.
- Não foi culpa sua.
- Não podemos continuar assim, só vamos criar mais problemas. Pensei que conseguiria dominar a situação, mas não levei em conta que sou humano. O que estou querendo
dizer, Amanda, é que vou fazer a única coisa decente que me resta. Vou libertá-la de nosso acordo.
- E Paul? - Amanda lembrou, desejando desesperadamente achar uma maneira de evitar aquele rompimento.
- Não sei. Mais tarde vou pensar em alguma coisa para dizer a ele. Não posso mais conservá-la aqui, seria desprezível da minha parte. Tudo seria diferente se
você...
Se fosse mais bonita, atraente ou perfeita? Ou se ele não se incomodasse em ter um relacionamento como aquele? Amanda não queria separar-se de Joel e, para ganhar
tempo, entregou-lhe a carta.
- Isto chegou hoje de manhã, logo depois que você saiu.
Joel franziu a testa ao reconhecer a letra. Rasgou o envelope e tirou de dentro várias folhas de papel, que começou a ler rapidamente.
- Que diabo!
- O que aconteceu, Joel?
- O pai de Terry teve um ataque cardíaco. Felizmente não foi fatal, mas a mãe dela me pede que leve Paul até lá, porque estão com saudade do neto.
- Você vai?
- Não posso recusar. - Ele evitou os olhos dela e continuou falando. - Não tenho o direito de pedir nada, depois do que aconteceu hoje de manhã, mas você viria
comigo? Acho que os pais dela também estão querendo me pressionar a desistir do menino. Não posso recusar levar Paul para que eles o vejam, mas gostaria que estivesse
comigo. Preciso de você, Amanda.
- Claro que vou!
- Sabia que ia aceitar. Amanda, qualquer outra moça teria fugido daqui, depois do que houve, e, no entanto, você está sempre disposta a me ajudar. Não posso mais
prometer que não vou tocá-la. Não quero quebrar outra promessa. Você é uma mulher muito atraente e desejável e eu... afinal, sou um homem! Meu Deus! Que confusão
arrumei para as nossas vidas!
Pela primeira vez Amanda via Joel inseguro e quis confortá-lo, mas não saiu do lugar.
- Talvez seus ex-sogros nos dêem quartos separados - ela disse. - Afinal de contas...
- Por quê? Acha que eles não vão gostar de ver o ex-marido da filha dormindo com outra mulher? Imagine. Eles são adultos, Amanda. Terry sempre levava os namorados
para se hospedarem na casa dos pais, e eles acharam divertido quando, na primeira vez que os visitei, insisti em ficar num hotel. Levei muito tempo para perceber
que para Terry o sexo era como um jogo de xadrez: vence quem usa o melhor cérebro, e não as emoções.
- Você a amava muito, Joel? - perguntou, não contendo a curiosidade. Aquela mulher havia se transformado num fantasma que a perseguia.
- Eu a desejei muito, pelo menos no princípio. O amor é para os tolos e para garotas ingênuas e cheias de sonhos, como você, que ainda acreditam na pureza de
sentimentos. Como agora já sabe, amor e atração física não são a mesma coisa. Você amava o homem que a abandonou e o que houve entre nós foi puro desejo. É um fato
que não pode negar.
- Por que acha que estou negando?
- Porque deve pensar assim. Para você, o desejo é conseqüência do amor, mas eu lhe mostrei que não é bem assim!
Joel andava de um lado para outro, como se esperasse que de uma hora para outra fosse encontrar uma solução mágica para todos os seus problemas.
- Amanda, tem certeza de que quer levar isso em frente? Torno a oferecer sua liberdade. Mas também preciso deixar claro que, se recusar, não terá nova oportunidade.
Pense bem porque não quero que se arrependa quando estiver no avião indo para a Califórnia. Sei que os pais de Terry gostam muito de Paul e, quem sabe, quando virem
o quanto ele se afeiçoou a você e o quanto está melhorando, talvez convençam Terry a deixá-lo comigo.
- Acha mesmo que eles ficariam do seu lado, contra ela?
- Eles conhecem a filha. Na verdade, mais de uma vez me aconselharam a não casar com ela. Segundo eles, Terry ainda era muito imatura e egoísta para assumir um
compromisso tão sério.
- Não vou deixá-lo, Joel. Quanto à nossa situação, agora que estamos conscientes da força de nossa... natureza, temos mais razões para nos dominarmos.
Joel aproximou-se dela, segurou-a pelos ombros e beijou-a levemente no rosto.
- Obrigado! Sei que não sou nenhum santo, mas prometo me comportar o melhor possível.
Naquela noite, dormiram como dois estranhos assustados, com medo de se tocarem, cada um na beirada de seu lado na cama.
Amanda compreendeu que, como Joel, teria de aprender a dominar seu desejo.
No fim da semana, tomaram o avião para Nova York, onde ficaram alguns dias antes de iniciarem a segunda etapa da viagem para a Califórnia.
Passearam bastante e Amanda ficou surpresa com o contraste daquela civilização com a européia. Achou impressionante a profusão de arranha-céus imensos, as largas
avenidas, a parafernália de luminosos, que simplesmente a deixaram fascinada. Já tinha visto muitas fotografias, mas estar ali, naquele mundo tão diferente, era
uma sensação gostosa que não imaginava ter oportunidade de experimentar.
Os pais de Terry os esperavam no aeroporto. Paul logo os reconheceu e correu para abraçá-los. A mãe de Terry era morena, elegante, dona de um corpo muito bem-feito,
embora já não fosse mais jovem.
- Então você é Amanda! - ela exclamou abraçando-a. - Paul escreveu dizendo que era muito bonita, e tenho de concordar com ele.
- As crianças sempre vêem beleza naqueles que querem bem. - Amanda não conseguia esconder seu embaraço.
- Como vai, Amanda? - cumprimentou o sr. Haines. Ele estava um pouco pálido, mas parecia bem-disposto.
- Fiquei triste ao saber que não passou bem. - Amanda apertou-lhe a mão.
- Agora, felizmente, tudo passou. Tive sorte, foi um aviso para me cuidar melhor. - Ele se voltou para o neto, dando-lhe toda a atenção. - E você, garotão? Quando
vai me levar para pescar?
Sem dúvida, existia afinidade entre Paul e os avós, mas mesmo assim Amanda sentia tensão no ar.
Também os Haines pareciam estar muito bem de vida e Amanda não podia entender por que Terry era calculista e ambiciosa. Ela deveria ter mais que o suficiente
para viver com luxo apenas com os bens dos pais.
Mas durante a viagem entre o aeroporto e a casa, o sr. Haines contou que tinha recebido uma herança recentemente que os deixou em situação privilegiada, mas que,
antes disso, tinham uma vida de classe média, sem grandes vantagens.
- Agora - ele continuou -, adoto o seguinte lema. Aproveite o dinheiro enquanto o tem. Não concorda, Amanda?
Todos riram e ela não precisou responder. Estava contente porque os Haines não haviam feito comentários sobre sua perna, embora não negassem elogios aos progressos
do neto.
A casa da família era grande e muito bem localizada no alto de uma colina, de onde se podia ver o mar. Parecia plantada no meio de um enorme gramado, brilhando
ao sol forte daquele verão.
- Gostamos dessa casa - explicou o sr. Haines - porque, como ela é construída em dois níveis, tem-se a impressão de estar quase dentro do mar, quando se olha
das janelas dos quartos. Terry gostaria que ficássemos em Bel Air, o bairro grã-fino de Hollvwood, mas agora o que mais apreciamos é sossego e uma paisagem bonita.
Entraram no hall de paredes brancas, decorado com tapetes e mobílias em estilo mexicano. A escada, larga e em espiral, levava ao andar superior.
- Temos quatro quartos, e reservamos para você e Joel um que foi decorado recentemente - Helen Haines comentou. - Vão ser os primeiros a ocupá-lo, e espero que
se sintam à vontade.
Amanda gostou muito do quarto. Era amplo, arejado, as paredes forradas de papel em tons pastéis, um tapete creme-claro, combinando com a cor da colcha da cama
e da cortina. Para completar, da janela se via o mar quebrando em ondas espumantes bem perto da casa, tal como o sr. Haines tinha dito. Amanda teve a sensação de
estar sobre o oceano.
- Que coisa maravilhosa! - exclamou Amanda.
- Fique à vontade agora. Teremos tempo para conversar mais tarde, não é? Gostaria muito de conhecê-la melhor - disse a sra. Haines, despedindo-se.
- Para ser sincera, não estou cansada. Se quiser, podemos conversar agora.
Amanda acompanhou a sra. Haines até a porta enquanto Joel e o sr. Haines conversavam com Paul sobre pescarias.
- Joel lhe contou muita coisa sobre Terry? - perguntou Helen.
- Não muito. Não creio que ele goste de tocar no assunto.
- Ninguém gosta de reviver lembranças dolorosas. Dou razão a ele. Na verdade, não queria que eles se casassem, mas Terry era tão teimosa! Deve estar admirada
ao me ouvir falando desse modo da própria filha, não é?
- Bem, eu...
- Não precisa ficar constrangida. Terry ainda era uma adolescente quando eu e meu marido percebemos que ela não era nada do que esperávamos de uma filha. Ela
sempre desejou ter tudo aquilo que, para nós, não era importante. Durante muitos anos meu marido lamentou o comportamento de Terry.
- As pessoas mudam e, quem sabe...
- Era o que esperávamos quando ela se casou com Joel. Cheguei a pensar, quando Paul nasceu, que ela havia mudado. Mas, logo depois, quando veio passar uma temporada
conosco, percebemos que tudo continuava na mesma.
- Ela era boa mãe para Paul?
- Não. Muitas vezes cheguei a achar que ela odiava o filho. Certa vez, cheguei a telefonar para Joel, pedindo que viesse buscá-la, pois eu já não agüentava mais.
- É uma pena que o amor não tivesse salvo o casamento deles, sra. Haines.
- Não sei se Joel teria casado com minha filha se soubesse como ela era, mas... Terry sempre conseguiu esconder suas verdadeiras emoções, até das pessoas mais
íntimas.
- Deve ter ficado triste com o divórcio, não é
- Muito, mas compreendi que eles não conseguiriam continuar juntos. Imagine que após o divórcio ela foi contar a Joel que nós a tínhamos expulsado de casa quando,
na verdade, ela havia fugido com outro homem!
- Sinto muito, sra. Haines. Essas recordações devem ser muito tristes! - Estava horrorizada com as revelações que ouvia.
- Eu também. Não pode imaginar quantas noites passei em claro, procurando descobrir onde tinha errado para fazer minha filha se comportar desse modo, mas não
encontrei resposta. Terry sentia prazer em contradizer as pessoas. Bastava que se dissesse para fazer alguma coisa, para que imediatamente fizesse o contrário. Só
espero que o novo casamento dela dê certo.
- Talvez Hal seja o homem ideal para Terry.
- Ele é uma pessoa muito boa, mas não é Joel, e Terry precisa de um homem firme. Pelo menos Paul é completamente diferente da mãe, e por sorte Joel encontrou
você, Amanda. Paul está bem melhor e feliz. Você teve uma boa influência sobre ele. O menino estava precisando de alguém que tivesse muito amor para compensar o
tempo em que viveu com a mãe.
- Gosto muito de Paul, sra. Haines.
- Sei disso, e também notei que ele lhe tem muita afeição.
As duas mulheres foram para o corredor.
- A propósito, Amanda, uns amigos que moram em Bel Air nos convidaram para uma festa, e você e Joel foram incluídos no convite. Quase recusei porque Julie, a
pessoa que está oferecendo a reunião, é muito amiga de Terry. Por outro lado, recusar não seria um sinal de fraqueza de nossa parte? Acabei aceitando. Espero que
concorde comigo.
- O que resolveu está bem resolvido. - Amanda sorriu, embora não estivesse feliz com aquele convite inesperado. Não ia ser fácil encontrar uma pessoa que só queria
feri-la. - Sra. Haines, tem alguma fotografia de Terry que eu pudesse ver? Gostaria de saber como ela é.
- Tenho, sim. Foi tirada quando Paul ainda era um bebê. Deve estar no armário do meu quarto.
Amanda foi para a sala, onde Helen a encontrou.
- Está aqui. - Ela lhe entregou uma foto grande, num porta-retrato.
Amanda olhou o rosto que lhe sorria da moldura. Sem dúvida, Terry era uma mulher muito bonita. Tinha dentes perfeitos e os cabelos escuros, longos e ondulados,
emoldurando um rosto encantador. Os olhos grandes tinham um traço de dureza, apesar da boca sensual mostrar um sorriso.
- Ela é muito bonita.
- Fisicamente é perfeita! - A sra. Haines concordou com um suspiro. - Mas a verdadeira beleza não é essa, Amanda. Repare o olhar de minha filha. Não parece inexpressivo?
No entanto, seus olhos pareciam brilhar sempre que viam Joel! Uma mulher verdadeiramente bela é a que sabe unir a beleza do espírito à do físico.
- É difícil preencher o ideal, sra. Haines. Espero ter pelo menos a beleza interior, já que não possuo a física. - Amanda olhou sua perna.
- Creio que sua perna a preocupa demais, Amanda. Seria muita indiscrição perguntar como aconteceu?
Amanda contou o acidente sem entrar em detalhes.
- Então sua única esperança de recuperação é uma cirurgia?
- Exatamente, mas mesmo assim os médicos não garantem cem por cento de sucesso. Há somente um hospital especializado nesses casos num lugar chamado Fairlea.
- Fairlea? Mas fica perto daqui! Já ouvi falar desse hospital. Precisa pedir a Joel que lhe marque uma consulta.
Amanda ficou sem jeito. O marido sequer suspeitava de seus planos. Seria constrangedor se a sra. Haines tocasse num assunto que ele desconhecia.
- Não vou pensar nisso agora. Na verdade, ele... ele não tem certeza sobre o que vai acontecer com a operação e... - Amanda odiava as mentiras que estava falando,
mas queria escapar daquela situação.
- Não precisa explicar nada, minha querida. - Helen segurou as mãos dela. - Compreendo que Joel não queira que você sofra. Os homens ficam desesperados quando
suas esposas passam por qualquer dor. Lembro-me de que quando Terry nasceu, meu marido se culpava por me ter causado tanto sofrimento. Hoje, estou arrependida de
não ter tido mais filhos. Talvez, se Terry tivesse irmãos, fosse diferente. Não acha que Paul também precisa de irmãos?
Amanda ficou vermelha ao pensar que talvez algum irmãozinho tivesse sido encomendado na noite de paixão que tivera com Joel.
- Sabe que Terry está tentando tirar Paul de... de nós?
- Sim. Eu e meu marido já pedimos para ela desistir. Paul tem medo dela, porque presenciou várias crises de raiva da mãe.
- Talvez por isso fale tão pouco sobre ela.
- Provavelmente. Chegamos a ter medo de que Terry o agredisse numa dessas crises. Por isso, não entendo por que ela faz tanta questão de ficar com o filho. Só
se for para magoar Joel...
- O marido de Terry concorda em ficar com Paul?
- Ele é de uma família bastante tradicional, que se opôs ao casamento. Talvez Terry esteja querendo se fazer de mãe perfeita para conquistar a família do marido.
- Acha que a família dele influiu tanto assim nas decisões dela?
- Conheço minha filha, Amanda. Sei que casou com Hal apenas pelo dinheiro dele. Mas na verdade quem controla as finanças é o pai dele e Terry deve estar querendo
mostrar ao sogro que é carinhosa e boa mãe.
A sra. Haines tinha lágrimas nos olhos. Devia ser terrível admitir tantos defeitos na própria filha.
- Infelizmente, Terry é uma mulher muito fria e calculista. Ela me disse uma vez que considera o sexo uma arma, a mais poderosa que possui, e que por isso ele
deve estar completamente desligado de emoções inúteis como o amor. Não é horrível ouvir isso de uma filha?
Amanda teve pena da sra. Haines e tudo que ouvia lhe parecia simplesmente inacreditável.
Era impressionante a simpatia com que a família Haines a tinha aceito. Amanda pensava sobre isso enquanto aproveitava o sol, estirada numa espreguiçadeira ao
lado da piscina. Olhou para Paul, que nadava com o pai, e sentiu-se como se fizesse parte da família há muitos anos. Vários amigos do casal Haines vieram visitá-los
e ela teve a impressão de que realmente era a esposa de Joel.
Joel ajudou o filho a sair da piscina e se aproximou da esposa dando-lhe um beijo na boca. Amanda fechou os olhos para sentir melhor aquele carinho. Ao abri-los,
viu que eram observados pelo casal Haines e uma desconhecida.
- Ora, meu querido! Pensei que já estivesse passado dessa fase de beijinhos e abraços! Ou foi o olhar faminto de sua nova esposa que acendeu a velha chama? -
A moça atravessou o pátio, aproximando-se de Joel, que se inclinou para mais perto de Amanda.
- Foi mesmo - Joel respondeu com indiferença.
- Vamos, Joel! Você sabe tudo sobre mulheres. Não finja que não reconhece quando uma mulher o deseja! - Ela colocou o braço no de Joel.
Amanda sentiu vontade de matar a intrometida!
Joel se soltou e pegou a mão de Amanda, fazendo-a levantar. Depois a abraçou.
- Amanda, quero que conheça Julie Arnold. Julie, esta é minha esposa.
- Querido... - respondeu Julie sem olhar para Amanda - Como quer que eu o imagine casado com outra mulher que não seja Terry?
- Para você, deveria ser facílimo. Já está no terceiro marido! - Joel olhou para Amanda. - Que tal darmos um passeio pela praia? Julie veio visitar os Haines,
e não queremos atrapalhar.
- Ora, meu querido... - continuou Julie em seu tom desagradável. - Vim ver você! Quero sua promessa de que irá à minha festa no sábado. Terry e Hal estarão lá
e todas as pessoas importantes de Hollywood. - Pela primeira vez, Julie se dirigiu a Amanda. - Estamos comemorando, eu e meu marido, nosso primeiro aniversário de
casamento, e convidamos meio mundo. Mas, naturalmente, a festa só será completa se Terry e Joel estiverem lá. - Julie deu um risinho forçado. - Não pensei em você,
queridinha. Talvez não tenha trazido roupa para festa. Vejo que prefere roupas simples. - Com maldade, Julie fitou o biquíni de Amanda, para em seguida demorar o
olhar no próprio vestido de seda.
- Não se preocupe comigo - respondeu Amanda no mesmo tom sarcástico. - Tenho certeza de que vou encontrar alguma coisa para usar. - E chegando mais perto do marido,
disse: - Joel é tão generoso, que não preciso de desculpas para comprar um vestido novo.
Julie ficou espantada ao ver aquela moça de aparência ingênua lhe responder à altura.
- Está bem. Mas esteja preparada para perder seu marido, porque vou dançar muitas vezes com ele. Joel é um ótimo dançarino, e eu nunca perco oportunidades. É
uma pena que não possa dançar, isso lhe exigiria um esforço físico muito violento, não é? Uma pena, porque dançar é tão romântico!
- Amanda sabe muito bem o que é dançar em meus braços. - Joel olhou a esposa com carinho. - Não é, meu amor?
Julie deu as costas para o casal, passando a falar com o sr. Haines.
- Essa mulher é uma víbora - comentou o sr. Haines depois que Julie foi embora. - Está sempre pronta a fazer intrigas e arranjar problemas. - E virou-se para
Amanda. - Não ligue para ela, e, se não quiser ir à festa, não vá. Julie não merece qualquer sacrifício de sua parte. Não concorda, Joel?
- Concordo plenamente - disse Joel, com ar distante.
Amanda não sabia o que pensar. Será que Joel tinha vergonha dela e por isso talvez preferisse que não fosse? Ou estaria preocupado com as inevitáveis comparações
que todos fariam entre a sua figura simples e a beleza esfuziante de Terry?
Depois, quando estavam sozinhos, Amanda resolveu tocar no assunto da festa.
- Acho que devemos comparecer, pelo menos para que Terry saiba que não pretendemos desistir de Paul. Quando ela nos vir juntos, vai pensar duas vezes antes de
tomar qualquer decisão.
- Espero que esteja certa, ou... esta farsa que estamos vivendo não servirá para nada.
As palavras de Joel foram uma punhalada no coração de Amanda. Farsa... O amor que sufocava seu peito era tudo, menos uma farsa!
CAPÍTULO VIII
Helen sugeriu que Amanda fosse até o hospital em Fairlea.
- Vamos dizer a Joel que Paul deve ser examinado. Nós o levaremos, e você poderá fazer uma consulta também.
Amanda sentiu-se tentada, principalmente ao lembrar como Julie tinha usado seu defeito para humilhá-la.
- O que tem a perder? - Helen insistiu. - Se não for, talvez lamente pelo resto da vida. Sei que Joel a ama exatamente pelo que é, mas essa perna ainda lhe causa
aborrecimentos.
Amanda não compreendia a própria hesitação. Desde o dia em que acordou, depois do acidente, sonhou inúmeras vezes em ficar boa de novo. Contudo, agora que o momento
tão esperado estava à sua frente, tinha medo. Talvez por se sentir sozinha numa decisão importante.
Por fim, acabou aceitando a sugestão da sra. Haines. Se havia chances de se recuperar, por que não tentar?
Joel não fez nenhum comentário quando Helen sugeriu a ida ao hospital.
- Se quiser levar Paul para uma consulta, sra. Haines, não me oponho, embora os médicos que acompanham o caso dele, na Inglaterra, sejam unânimes em dizer que
ele está fazendo grandes progressos.
- Mesmo assim, Joel, esse hospital tem feito verdadeiros milagres, e gostaria muito de ouvir a opinião desses médicos.
- Está bem, sra. Haines. Pode levá-lo. Vou passar o dia pescando com seu marido.
Amanda e Helen saíram logo depois do café da manhã, assim que o carro dos homens desapareceu na estrada.
- Depois de ir ao hospital, poderemos passar numa loja para você comprar um vestido para usar na festa. Se quiser, poderemos também ir ao cabeleireiro - Helen
sugeriu, enquanto dirigia o carro.
- Ótimo. Não sei bem o que usar na festa, mas gostaria de alguma coisa bem diferente.
- Sei onde vamos. Conheço uma butique muito especial, onde compro vestidos para ocasiões como esta.
- Essa butique fica em Fairlea?
- Não. As lojas aqui são muito boas, mas se quer algo realmente diferente, deve ir a Bel Air. - Helen estacionou diante do moderno hospital.
Os três desceram e entraram no hall espaçoso. Como parecia diferente daquele hospital em que trabalhou na Inglaterra! Ali, as enfermeiras usavam uniformes de
corte elegante, engomados, que as deixavam atraentes. Havia o som discreto de música ambiente, pintura na parede e, na recepção, atendia uma jovem muito bonita.
Mas sentiu uma ponta de saudade daquele tempo em que era enfermeira. Apesar de não ter uma apresentação tão luxuosa, o hospital inglês era excelente, pois contava
com médicos e enfermeiras extremamente capacitados e atenciosos.
Pediram informações à recepcionista e ficaram sabendo que Paul ia ser atendido por um pediatra, e que Amanda teria uma consulta com o dr. Randolph, um especialista
de grande renome.
Estava animadíssima e, ao mesmo tempo, ansiosa. O dr. Randolph era considerado pioneiro no tratamento de casos como o dela e, portanto, seu diagnóstico seria
a palavra final. Nunca pensou que um dia falaria com ele e, à medida que a hora da consulta se aproximava, começou a tremer, sentindo a palma das mãos ligeiramente
úmidas.
- Vá para sua consulta, Amanda, que eu levo Paul para a dele - Helen sugeriu.
Uma enfermeira pediu a Amanda que a acompanhasse, e seguiram por um longo corredor até a sala onde, por trás de uma escrivaninha, estava o médico.
Ele era completamente diferente do que Amanda tinha imaginado: jovem, com cerca de trinta anos, olhos castanhos que transmitiam bondade e paciência, e um modo
de agir tão simples que não deixaria ninguém supor que ele fosse a autoridade médica que realmente era.
Mas Amanda, mesmo assim, não ficou à vontade. A simples visão do consultório e do uniforme branco do dr. Randolph a fizeram tremer com as lembranças dos dias
de sofrimento que passou naquele triste dia de sua vida.
- Sra. Sinclair? - O médico pegou uma ficha e começou a preenchê-la. - Diga como foi o acidente, e depois vou examiná-la.
Ela deu todos os detalhes do acidente e do tratamento enquanto o médico anotava com rapidez profissional. Depois ele se aproximou para examiná-la. Amanda se encolheu,
instintivamente.
- Está um pouco tensa, sra. Sinclair. Vamos dar uma volta no parque, e depois voltaremos para um novo exame. Assim vai se acalmar e poderei dar uma opinião melhor.
Saíram para o sol forte, caminhando em direção ao parque cheio de árvores que faziam sombras convidativas. Começaram a conversar e, com muita habilidade, o médico
reconduziu o assunto para o motivo de Amanda estar ali.
- Parece que sempre sonhou com essa operação que lhe devolveria o uso completo de sua perna, sra. Sinclair. No entanto, a sra. Haines me disse que relutou muito
em vir me procurar. Por que mudou de idéia?
Como seria difícil explicar! Amanda não poderia se abrir contando que o dinheiro da operação vinha de um acordo que a deixava constrangida. E havia também motivos
inexplicáveis.
Agora se preocupava, por exemplo, com o fato de enfrentar uma cirurgia, coisa que não lhe passava pela cabeça quando vivia obcecada pelo defeito físico.
- Sabe, doutor, a princípio acreditava que a única coisa que importava na vida era ter minha perna recuperada, com movimentos perfeitos, como sempre foram. Depois,
me casei com Joel e... de repente...
- Compreendeu que o amor que sentiam um pelo outro era superior ao estado de sua perna - completou o dr. Randolph.
Naquele momento ele se abaixou, para examinar a perna de Amanda e o fez de modo descontraído, que não a deixou tensa ou nervosa. Sentiu a extensão das cicatrizes,
agora bem menos visíveis, avaliou o estado dos músculos, e calculou a extensão do tratamento que deveria ser feito.
Amanda estava à vontade, feliz pela habilidade do médico, que a examinava em condições muito mais favoráveis que no consultório. Naquele momento, sentiu que eram
observados. Uma jovem, alta, magra, de cabelos muito pretos, se dirigia para onde eles estavam. Amanda a reconheceu imediatamente. Era Terry.
Sem perceber, retesou os músculos. Aquela mulher era muito mais bonita do que se poderia imaginar através da fotografia.
- O que houve, sra. Sinclair? Toquei algum ponto dolorido? - O médico continuava seu exame. - Notei que se recuperou bem do acidente, que as cicatrizes estão
afinando e que os músculos já respondem com energia. - Ele levantou.
- Não foi nada, doutor, desculpe. Pensei ter visto uma pessoa conhecida.
- Então vamos voltar para o hospital. Já posso fazer meu diagnóstico.
Durante o caminho de volta, a mente de Amanda trabalhava, imaginando se Helen sabia que a filha estava em Fairlea. Estaria procurando uma maneira de se encontrar
com Paul? Amanda estava ansiosa para encontrar-se com o menino e ter certeza de que nada havia acontecido.
- Não precisa andar tão depressa, sra. Sinclair. Está muito quente para um exercício tão violento - comentou o médico bem-humorado.
Só então ela percebeu que estava quase correndo. Diminuiu o passo e o dr. Randolph lhe deu o braço, como para lhe mostrar que não devia fazer muito esforço.
Amanda gostou muito do especialista, mas estava resolvida a não se submeter a qualquer tratamento. Havia decidido, naquele momento, não receber o dinheiro de
Joel. Mesmo que o marido deduzisse a razão pela qual recusaria a oferta. Queria que ele se recordasse dela como uma romântica ingênua que um dia ousou sonhar com
um amor impossível.
Paul e Helen a esperavam no hall. Ficou tão aliviada que correu para abraçar o menino.
- Dr. Randolph! - Helen o chamou. - O que achou do caso de Amanda?
- Tenho certeza de que será possível restaurar completamente os músculos da perna, pois já cuidamos de casos piores. Mas o processo vai ser demorado e muito caro.
Pense a respeito, sra. Sinclair, e me diga o que resolveu. - Ele se despediu e se afastou.
- E vocês, como foi a consulta? - Amanda perguntou, vendo Paul muito contente, interessado nos peixes que nadavam num aquário ao lado da recepção.
- O médico achou o estado de Paul muito bom, e disse que os exercícios que tem feito foram os responsáveis pela sua recuperação. Se ele levar adiante esse tratamento
por mais algum tempo, sequer vai lembrar que um dia teve algum problema na perna.
- Que bom! Estou tão feliz!
- Contei ao médico que você se encarregou dos exercícios e também de fazer Paul nadar constantemente. Ele disse que é a principal responsável pelo progresso de
meu neto.
Amanda corou de satisfação. O carinho e o afeto que recebia do garoto já eram uma recompensa que acordo nenhum poderia pagar.
- Vai dizer a Joel que quer fazer a operação, Amanda? - perguntou Helen.
- Não sei. Ainda quero pensar a respeito e gostaria que não dissesse a meu marido que vim me consultar com o dr. Randolph. A operação e o tratamento são muito
caros, e não gostaria que Joel pensasse que...
- Que casou com ele apenas para ter alguém que pagasse as contas do médico? - Helen terminou. - Bobagem! Qualquer pessoa pode ver o quanto você o ama! Mas vou
fazer o que me pede. Terry era muito ambiciosa, e sei que Joel se aborrecia muito com as extravagâncias dela. Não quer que ele pense que se casou com uma segunda
Terry e vou respeitar seu ponto de vista. Se quer primeiro ganhar a confiança de Joel, mostrando o seu coração, seja feita sua vontade.
- Fico feliz vendo que me compreende, Helen. Nem sei como agradecer.
Por um instante, Amanda se sentiu tentada a contar que tinha visto Terry em Fairlea, mas preferiu ficar quieta. Não era estranho que a moça não tivesse ido procurar
os pais? Ou resolveu não ir porque ela e Joel estavam com os Haines?
Era perda de tempo ficar pensando nos motivos de Terry. Adivinhar o que se passa na cabeça de uma mulher imprevisível seria uma tarefa para videntes. Era melhor
se concentrar no seu problema: Terry continuava talvez ainda mais bonita do que na época da fotografia. Como Joel iria reagir ao reencontrá-la?
Aquela noite, durante o jantar, Paul falou sobre o hospital e o sr. Haines sobre a pescaria. Os dois, muito animados, falavam ao mesmo tempo, e a refeição transcorreu
em meio a risadas e brincadeiras.
- Amanhã eu e Amanda vamos sair para fazer compras - anunciou Helen. - Portanto, vocês três tratem de arranjar mais uma pescaria.
- Que bom! - Paul exclamou. - Vou poder ver se suas histórias sobre aquele peixe enorme eram verdadeiras ou não, vovô.
A noite, em vez de esperar no terraço até que ela estivesse pronta para deitar, Joel ficou junto dela, preocupado.
- Amanda, quero conversar com você. Sabe muito bem que não precisamos ir à festa de Julie.
Depois de ter visto Terry, suas suspeitas se redobraram. Ele não queria aparecer em público com uma mulher menos encantadora que Terry.
- Pensei que quisesse ir...
- Em nenhum momento eu quis. Apenas achei que seria conveniente. Agora, pensando no quanto essa reunião vai ser difícil para você, acho melhor não irmos.
- Temos que ir - ela respondeu com calma. - Você mesmo disse que, se não formos, poderia parecer que temos alguma coisa a esconder e...
Não pôde continuar. Inesperadamente Joel a abraçou e lhe deu um beijo longo e apaixonado.
- Não se impressione, Amanda, há alguém no jardim nos observando.
Eles continuaram abraçados, mas Amanda sentiu um frio desagradável no estômago. Estava com medo.
- Joel, estou preocupada com Paul. E se Terry tentar seqüestrá-lo? Ela é cidadã americana e você não!
- Não se preocupe tanto. Não acredito que Terry pense nisso. Já lhe disse que sua imaginação é muito fértil. - Ele acariciou o rosto dela com ternura. - Ainda
não descobri por que ela insiste em ficar com Paul, embora tenha certeza de que não é por causa do amor materno, que não sente e nunca sentiu.
Amanda ainda queria desabafar sobre o medo que a invadiu quando percebeu que estava sendo observada, mas estava tão bem entre os braços de Joel, que preferiu
aproveitar esses momentos.
- Quem estava nos observando deve ter ido embora, porque não o vejo mais. - Joel afrouxou o abraço. - Vou fechar as cortinas.
Amanda começou a tremer, como se o quarto estivesse gelado.
- O que foi? Estava com tanto medo assim?
- Não gosto de ser espionada. É horrível!
Joel foi até a janela e fechou as cortinas. Depois voltou para junto dela, dando-lhe um beijo leve no rosto.
- Pronto! Agora não podemos ser vistos.
Amanda não resistiu, e colocou os braços ao redor do pescoço do marido, puxando-o para perto de si. Inclinou a cabeça para trás, os lábios entreabertos, os olhos
fechados.
Joel colocou os lábios sobre a boca de Amanda e trocaram um novo beijo, quente e sensual. Ela sentia que o desejo dominava Joel e não tentou impedi-lo. Seus corpos
se uniam cada vez mais, a paixão consumindo-os completamente.
- Meu Deus! Não posso... - E se afastou com violência. - Desculpe, Amanda. Não pensei em me envolver de novo, mas quando estou junto de você, não sou capaz de
resistir. Você me perturba, como se eu fosse um garoto inexperiente. - Ele deu uma risada nervosa. - Se não fosse tão ridículo, seria até engraçado! Terry, com todos
os seus truques, me deixava completamente indiferente, enquanto você... - Ele a olhou fixamente, percebendo o quanto estava alterada. - Basta me tocar e perco a
cabeça.
- Vou fazer o possível para não acontecer de novo. - Amanda podia perceber que agora ele a culpava por provocar aquelas situações de paixão.
- É melhor! Talvez assim nós dois possamos ter algum sossego. Por sorte não precisaremos continuar essa representação muito tempo! Se eu tivesse algum juízo,
teria mantido a decisão de terminarmos nosso acordo, quando ainda estávamos na Inglaterra. - Joel passou nervosamente a mão nos cabelos. - Seu namorado foi um bobo...
e você também, pois ainda o ama. Se ele não sabe o que perdeu, não é digno de seu amor!
Joel foi até a porta, sem dar a chance de lhe dizer que Rob fazia parte de um passado que não gostava de lembrar.
- Preciso de uma bebida - ele disse, antes de fechar a porta. - É melhor que esteja dormindo quando eu voltar.
Pena que não a amava. Se existisse alguma coisa além do desejo, tinha certeza de que fariam um casal perfeito. Queria tanto correr atrás dele e pedir para que
se amassem, se transportassem de novo para o mundo mágico do amor. Mas seu orgulho, ou talvez o medo de se ver novamente recusada, a impediam de fazer isso. Não
suportaria ser rejeitada pelo homem que era a razão de sua vida!
- O problema de se comprar alguma coisa é não saber o que escolher - Helen comentou enquanto estacionava o carro diante de uma butique pequena.
- Só vou a lojas grandes, Helen. Me sinto mais à vontade que nos lugares que só fazem roupas sofisticadas.
- Este é o lugar ideal, minha querida. Louise é uma grande modista e tem um gosto magnífico. Posso levá-la a outros lugares, se preferir, mas tenho certeza de
que vai adorar tudo que ela lhe mostrar.
Entraram na loja e Amanda gostou do ambiente calmo e das vendedoras bem-arrumadas e gentis.
- Gostaria de falar com Louise. Ela está? - perguntou a sra. Haines.
- Um momentinho, vou chamá-la. - A vendedora foi para o fundo da loja e momentos depois uma senhora alta e elegante, de cabelos grisalhos, se aproximou.
- Boa tarde, sra. Haines. Que prazer vê-la de novo. Em que posso ajudá-la?
- Trouxe uma grande amiga, a sra. Sinclair.
Louise voltou-se para Amanda.
- Vou a uma festa e gostaria de um vestido muito bonito, de preferência longo, para esconder isto. - Amanda mostrou sua perna.
Louise olhou e não pareceu impressionada.
- Posso lhe mostrar alguns longos, mas não estão na moda. Somente pessoas mais velhas os estão usando. No entanto, tenho uma roupa sofisticada, que, pelo menos
eu acho, é exatamente o que está procurando. - A modista sorriu e se afastou, voltando em poucos minutos, carregando uma peça de mousseline azul-noite, salpicada
de strass.
O vestido tinha um decote redondo bem profundo, o corpo muito justo, mangas bufantes e compridas com os punhos cobertos de pedras brilhantes. A saia, rodadíssima,
se transformava em calças bufantes, presas no tornozelo por punhos também bordados. Completando aquele modelo havia o cinto largo, que realçaria a cintura fina de
Amanda.
Amanda perdeu a fala. Era sofisticado demais para ela!
- Antes de dizer que não faz seu tipo, experimente - insistiu Louise. - Longos não estão na moda, mas esta pantalona é a última novidade.
- Experimente, Amanda - a sra. Haines também insistiu. - Vai ficar maravilhosa com ele!
Amanda foi para o provador. O vestido parecia ter sido feito sob medida. O decote ousado mostrava ligeiramente os seios e a cintura marcada realçava os quadris.
O defeito na perna tornava-se imperceptível sob a levíssima fazenda que flutuava a seu redor.
- Já está pronta, Amanda? - perguntou Helen. - Estou curiosa para ver como ficou.
Amanda saiu do provador e, maravilhada, notou o olhar de admiração de Helen.
- Meu Deus! Não imaginava que pudesse ficar tão deslumbrante! Vai ser a rainha da festa, não concorda, Louise?
- Sem dúvida! Ficou perfeito! A roupa está linda e nunca imaginei que fosse tão sexy! Só falta um par de sandálias prateadas, de salto bem alto e fino.
Amanda, que tinha se achado muito bem, ficou animada com os elogios que recebia. Levaria o vestido porque queria brilhar na festa, fazer com que Joel se orgulhasse
dela.
Logo depois uma das vendedoras apareceu, trazendo as sandálias que faltavam para completar o traje. Amanda calçou-as e ficou mais bonita, com a elegância que
somente os saltos altos sabem valorizar.
Mais tarde, já no carro, ainda tinha suas dúvidas sobre se devia ou não usar aquela roupa extravagante.
- Helen, seja sincera, não acha que a roupa é sexy demais?
- Certamente, minha querida. Muitíssimo sexy. Ficou maravilhosa nele! Vai ser o sucesso da noite! É bom estar sempre perto de Joel, porque os homens ficarão loucos
por você, e cada um deles vai se imaginar retirando esses véus. - Helen sorriu diante da expressão confusa de Amanda. - Ou prefere que somente Joel pense assim?
Mal posso esperar para ver a reação de Julie. Acho que ela vai morrer de ódio!
E Terry, pensava Amanda, como reagiria?
CAPÍTULO IX
A festa estava animadíssima quando Joel e Amanda chegaram com os Haines. Amanda ainda não se sentia completamente à vontade usando aquela roupa tão chamativa.
Lembrava, com prazer, a expressão de Joel, mas não sabia se ele tinha gostado ou se havia ficado surpreso ao vê-la vestida de modo tão diferente do habitual.
- Joel, ainda não disse como Amanda está linda - comentou a sra. Haines, antes de entrarem na casa iluminada. - Se não disser nada, tenho certeza que outros homens
dirão.
- Sei disso - Joel respondeu, sem demonstrar o que sentia.
Entraram no salão e imediatamente Julie veio encontrá-los. Cumprimentou ligeiramente a todos e pegou Joel pelo braço, apresentando-o aos amigos. Amanda seguia
atrás, completamente deslocada.
Atrás do salão em que os convidados dançavam havia um pátio interno, com uma enorme piscina rodeada por jardins iluminados com pequenas luzes. Amanda reparava
em todos, notando que, em geral, os convidados eram muito jovens e ligados ao cinema. Deviam ser conhecidos do marido de Julie, que era um produtor famoso.
De um grupo de pessoas saiu uma mulher de cabelos pretos, com um vestido colante de seda vermelha. Ela parecia transpirar autoconfiança no seu andar sensual e
na postura de grande estrela.
Amanda não conseguia desviar o olhar. Já tinha visto Terry por fotografia e em Fairlea, mas tinha de reconhecer que ela era tão bonita e perigosa como um tigre.
Terry se aproximou, fingindo não ver Amanda e dirigindo toda a atenção a Joel. Os lábios se abriram num sorriso perfeito que a deixava ainda mais bonita. Joel
deixou que ela viesse e, como um verdadeiro cavalheiro, pegou a mão da ex-esposa e a beijou, num cumprimento respeitoso.
- Será possível que esteja sozinho na festa?
O coração de Amanda quase explodiu de dor. Via o sorriso vitorioso de Terry, sabendo que o ex-marido ainda a admirava. Ela, ao contrário, tinha a visão embaçada
pelas lágrimas que tentava reprimir. Com um olhar superior, Terry fez um ligeiro cumprimento para Amanda, antes de dizer a Joel com a voz carregada de sensualidade:
- Infelizmente não estou sozinha, querido. Hal sabe tomar conta do que é dele.
- Hal é um homem inteligente!
- Ainda não me apresentou sua nova esposa, querido. Coitadinha, parece tão deslocada em nosso ambiente! Mas... quem sabe, poderá se acostumar... um dia.
Joel fez as apresentações, e Terry continuou a olhar Amanda com ares de superioridade.
- Tenho a impressão de que a vi em Fairlea, um dia desses - falou de propósito.
- Amanda levou Paul até o hospital para um exame - respondeu Joel.
- É mesmo? - Terry pareceu admiradíssima. - Quando a vi, estava conversando com um rapaz, muito simpático por sinal, e achei que estavam adorando aqueles momentos
a sós. Não vi Paul perto deles e... - Ela se interrompeu, pondo a mão na boca, num movimento coquete. - Oh! Espero não ter sido indiscreta!
Naquele instante, o conjunto deu os primeiros acordes de uma música moderna e Terry, sem falar, passou a mão no braço de Joel.
- Venha dançar comigo, querido. Hal tem pés de chumbo e, naturalmente, a pequena Amanda não poderia se exercitar tanto. - Ela olhou para a perna de Amanda. -
Deve ser horrível, não é? E também para você, meu Joel. - Terry passou a mão no rosto do ex-marido.
Terry se afastou com Joel, e Amanda se sentiu tão humilhada que gostaria de morrer naquele momento. Tinha que sair dali! Deu meia-volta e quase caiu, ao esbarrar
com a figura alta de um rapaz.
- Cuidado, mocinha! Não quer levar um tombo, quer?
- Obrigada por me ajudar. - Ela reparou nos olhos intensamente azuis dele, na sua figura atlética, e no sorriso simpático.
- Como recompensa pela minha boa ação, vamos tomar alguma coisa, está bem? É inglesa? Faz tempo que está nos Estados Unidos?
Ele conduziu Amanda entre a multidão até o bar, onde pegou as bebidas.
- Cheguei há alguns dias. E você?
- Sou nascido e criado na Califórnia. Minha família tem interesses na indústria do cinema e eu, naturalmente, não vou escapar à regra. Está sozinha? É muito bonita,
mas não me parece uma dessas moças à procura do estrelato.
Amanda riu.
- Ser confundida com uma dessas beldades é um elogio. Estou aqui com meu marido. E você? Também trouxe a esposa?
- Não, estou só. Julie é minha cunhada e sempre me convida para suas festas. - Ele reparou melhor em Amanda. - Não me diga que é a esposa de Joel! - Quando ela
confirmou com a cabeça, ele continuou. - Não pode ser! Julie disse que ela era...
- Aleijada? - completou Amanda no tom mais rude que conseguiu. - Por favor, não tente fingir que não foi isso. Na verdade, não escondo minha situação. Quer ver
as cicatrizes na minha perna?
Ela não agüentava mais ser considerada diferente por causa do seu defeito físico. Tinha que responder à altura às insinuações maldosas das pessoas.
Aflita, voltou a atenção para os jardins, procurando Joel.
- Está procurando alguém? - O rapaz estava bem-humorado e pareceu não se impressionar com a reação dela.
- Desculpe. Não devia ter respondido como fiz, mas...
- Mas minha querida cunhada soube reabrir sua ferida. - Ele deu um sorriso amargo. - Não precisa dizer nada. Conheço Julie muito bem, e sei do que é capaz.
Amanda percebeu que Joel passeava pelo jardim de braço dado com Terry. Novamente seus olhos se encheram de lágrimas.
- Não fique assim! Nada pode ser tão ruim! - O rapaz a olhou com bondade. - Que tal nos conhecermos melhor? Sou Chet, e você?
- Sou Amanda Sinclair.
- Deixe que lhe dê um conselho, Amanda. Esqueça minha cunhada e as pessoas mesquinhas como ela. São capazes de tudo para magoar alguém. Só lhe pergunto uma coisa:
acha que as pessoas verdadeiramente felizes precisam humilhar as outras para se sentirem bem? Agora erga a cabeça e enfrente o mundo.
Amanda sorriu. As palavras de Chet lhe fizeram bem e lhe inspiraram um pouco de segurança.
- Venha, vamos dançar. Você parece um raio de luar preso dentro desse vestido lindo.
Chet colocou os copos numa mesinha e a conduziu para o salão. Ela não tinha nada a perder, pois o que mais lhe interessava na vida, Joel, já tinha fugido de suas
mãos, nos braços de Terry.
O rapaz dançava muito bem e Amanda logo se adaptou ao ritmo dele. A música era romântica, lenta, e as luzes diminuíram de intensidade. Enciumada, Amanda resolveu
mostrar a Joel que também era capaz de chamar a atenção de outros homens e colou o rosto ao de Chet, que a apertou ainda mais entre os braços.
- Você parece um sonho, meu raio de luar - murmurou ele. - Quero beijá-la, mas tenho medo que se transforme em poeira de estrelas...
Mesmo assim ele a beijou no rosto e, devagar, foi encaminhando-a para o jardim.
Amanda tinha os olhos fechados, pois assim podia imaginar que estava nos braços de Joel, mas foi violentamente arrancada de seus sonhos pela mão forte de um homem,
que a agarrava pelo pulso, e a afastava de Chet.
- Joel!
- Eu mesmo! Pensou que ia escapar? Foi por isso que permitiu ser acariciada? O que ele lhe ofereceu, o papel principal num filme de sucesso?
- Espere um pouco! - Chet interrompeu, zangado. - Não foi nada disso. Estávamos apenas dançando...
- Mas poderia ter havido muito mais. - A voz de Joel era cortante. - Sei de quem é a culpa, e só por isso não acertamos nossas contas, Chet. - Ele se virou para
Amanda. - Quanto a você...
- Calma... - Chet se aproximou colocando a mão no braço de Joel.
- Ninguém lhe avisou que é perigoso se intrometer entre marido e mulher? - Joel olhou o rapaz, que foi se afastando. - Vamos embora, Amanda. Agora mesmo!
Joel quase arrastou a esposa para longe da festa. Amanda tentou lembrá-lo que não podiam ir sem avisar os Haines, mas ele não prestou atenção.
Pegaram um táxi e foram para casa. Ela nunca o tinha visto tão zangado. Mas por que agia assim? Talvez, ao ver Terry, se deu conta do que tinha perdido.
- Desça - ele ordenou quando chegaram em casa. Ela obedeceu, assustada demais para criar um atrito.
- Estou cansada - ela disse quando entraram. - Vou para, a cama.
- Boa idéia! Era no que estava pensando. Está tão desejável e sexy, minha querida, que estou com vontade de ficar junto de você. Aliás, deve ter se vestido dessa
maneira com alguma finalidade. Qual era? Queria que os homens todos a cobiçassem e a levassem para a cama? Era isso que estava tentando conseguir com Chet?
- Ele apenas me beijou, Joel, nada mais.
- Só um beijo? A quem está querendo enganar? - Joel a pegou pela mão e a puxou escada acima.
Entraram no quarto e ele fechou a porta.
- Só um beijo, não é? Mas não ia parar nisso, tenho certeza.
- Não... eu...
- Não minta para mim. Vi a maneira como olhava para Chet e como fechou os olhos, antecipando o prazer que ia sentir com ele. Chet deve ter pensado que ia para
a cama com você, mas não conseguiu. Essa é a grande diferença: ele quis, e eu quero e vou chegar até o fim.
Joel dominou a boca de Amanda com um beijo possessivo e selvagem, enquanto suas mãos subiam pelos ombros dela, alcançando a frente do vestido, agarrando o tecido
e o puxando para baixo, num gesto decidido. Amanda ouviu a fazenda rasgar e sentiu o peito descoberto.
- Posso fazer muito mais do que olhar, posso tocar, posso...
- Joel, por favor, não...
- Não? Vou fazer você me desejar, ansiar por mim.
Com movimentos leves, Joel passou a mão pelos ombros dela e aos poucos foi descendo, acompanhando a curva do pescoço, a elevação suave de seus seios, parando
deliberadamente nos mamilos que se tornavam rígidos de desejo. Acariciou-os com movimentos enlouquecedores, e Amanda gemeu, dominada por um desejo tão grande que
chegava a lhe causar dor.
- Joel...
Ela tentou interromper aquelas carícias com o pouco de força de vontade que lhe restava.
- O que quer, Amanda? Que eu esqueça o que vi? Que não me incomode com a maneira submissa com que se ofereceu aos carinhos de outro homem? Que não me lembre da
maneira como permitiu que ele a tocasse e beijasse? Não, Amanda. É você quem vai se lembrar do que é sentir minhas mãos em seu corpo, meus lábios devorando os seus,
meu corpo possuindo o seu.
Amanda sentiu a pele quente de Joel contra a sua enquanto o vestido lhe era arrancado. Os movimentos dele eram bruscos, demonstrando o quanto estava furioso.
Segundos depois, ele a colocava na cama, e enquanto continuava as carícias, tirava a própria roupa. Amanda correspondia com a mesma intensidade, sentindo o desejo
a consumir como uma sede desesperada que precisava ser satisfeita.
Abraçou o corpo do marido, correndo as mãos pelas costas musculosas, acariciando os pêlos do peito, gemendo, arqueando o corpo para que nenhum centímetro dela
se afastasse daquela masculinidade que a punha em chamas.
Amanda não conseguia mais pensar. Sabia apenas que precisava se dar, que precisava pertencer ao homem que amava. Foi descendo a mão, sentindo os músculos fortes
que pulsavam de paixão.
Joel a apertou ainda mais, prendendo-a com o peso de seu corpo, até que num grito selvagem de desejo e paixão ele a possuiu!
Na manhã seguinte, Amanda se viu diante de um homem completamente diferente do amante que a tinha deixado louca de paixão. Joel estava de pé, perto da janela,
o rosto sério e distante.
- Não sei por que a desejo tanto. Acho que uma vida não seria suficiente para satisfazer a vontade de possuir você. Mas sem amor, esses atos não têm sentido.
- Não sabia que as mulheres também são capazes de sentir desejo? Como você mesmo disse, Joel, amor e sexo não precisam caminhar de mãos dadas.
- Sei disso. Foi o que provou, primeiro tentando conquistar Chet na festa e depois comigo. No entanto, não estou mais disposto a me deixar envolver, portanto,
pode considerar suas experiências comigo terminadas.
Joel saiu do quarto sem ouvir as palavras que Amanda tinha a dizer. Continuou deitada, tentando pôr seus pensamentos em ordem. Se Joel a desejava e ela também
o queria, por que viviam nesse inferno?
Na mesa do café, os comentários eram invariavelmente sobre a festa.
- Vocês dois foram embora muito cedo - dizia a sra. Haines. - É o que eu chamo de paixão incontrolável!
Amanda forçou um sorriso, mas não olhou para o marido. A situação estava tão tensa entre eles, que foi um alívio quando ouviu-o dizer que precisava sair. Onde
iria? Ver Terry?
Mais tarde, o sr. Haines e Helen também saíram para almoçar na casa de amigos. Amanda gostou da idéia de ficar sozinha com Paul, talvez assim conseguisse pensar
com mais calma sobre o que estava acontecendo.
Durante a tarde, o telefone tocou. Amanda não teve vontade de falar com qualquer pessoa mas, como poderia ser um recado para os Haines, resolveu atender. Para
sua surpresa, queriam falar com ela.
- Sou a sra. Sinclair. Quem está falando?
- Aqui é do Hospital Fairlea, sra. Sinclair. O dr. Burns gostaria que viesse até aqui com Paul para uma conversa. Surgiu um novo aspecto no caso, quando estavam
examinando uma radiografia, e ele gostaria de discutir o assunto com a senhora.
- Sinto muito, mas no momento estou sem carro e não sei como chegar aí.
- Porque não pega um táxi, sra. Sinclair? Se quiser, posso lhe dar o número de uma frota que sempre nos prestou bons serviços e que tem uma filial no bairro em
que está.
Os poucos segundos que a pessoa levou para lhe dar o número pareceram séculos para Amanda. Finalmente, a voz feminina voltou e lhe deu a informação.
Amanda estava assustada. O que poderia ter acontecido? Paul estava tão bem, se recuperando tão depressa! Com dedos trêmulos, discou o número do telefone do ponto
de táxi. Se pelo menos Joel estivesse ali para dividir as preocupações e lhe dar mais segurança!
Uma voz respondeu do outro lado da linha, e prometeu um carro em dez minutos. Enquanto esperava, o telefone tocou outra vez. Como seria bom se fosse Joel!, pensou
Amanda, correndo para atender. Infelizmente era Chet.
- Espero não ter causado nenhum problema para você ontem à noite. Nunca pensei que tivesse um marido tão ciumento! E ainda dizem que os ingleses são frios!
Amanda encerrou a conversa, explicando que tinha de levar Paul ao hospital. Enquanto falava, começou a rabiscar o papel e sem querer escreveu o nome de Chet logo
abaixo do telefone que tinham lhe dado.
Ela mal teve tempo de pegar a bolsa e chamar Paul antes do táxi chegar. Sentia-se tão nervosa que o caminho lhe pareceu interminável. Tentava distrair Paul, para
que ele também não se preocupasse. Mesmo assim, o menino perguntou:
- Por que o médico quer me ver? Ele me disse que eu estava ótimo!
- E está mesmo, querido. Acho que só querem fazer mais alguns testes, para que os exercícios funcionem ainda melhor.
Depois de seguirem muito tempo pela estrada principal, o táxi virou à direita, entrando numa estrada secundária. Amanda notou que era um caminho diferente do
que Helen tinha feito. Provavelmente o motorista conhecia bem a região e tinha tomado um atalho para encurtar o caminho. Mas parecia que não chegavam nunca. Até
a paisagem foi se transformando, tornando-se mais árida, como se estivessem num deserto.
Amanda começou a ficar preocupada. Por que estavam demorando tanto a chegar? Olhou o relógio e notou que já fazia uma hora desde que tinham saído de casa. Helen
não tinha demorado mais que meia hora para chegar a Fairlea.
- Tem certeza de que está no caminho certo? - perguntou ela ao motorista. - Este é o caminho para o hospital de Fairlea?
- Tenho absoluta certeza, senhora - ele respondeu com um sorriso de desprezo. - E também sei que é aqui que a senhora vai descer. Se quiser, pode voltar pelo
caminho que fizemos, e quando chegar à estrada principal, se tiver sorte, poderá pegar uma carona.
- Como assim? - Amanda estava assustadíssima. Se fosse brincadeira, era muito cruel e, se não fosse... era perigoso demais! - Você... Eu...
O motorista não ligou para as palavras dela e freou o carro.
- O que está acontecendo? - ela perguntou com a voz cheia de medo. - O que pretende?
O motorista desceu e abriu a porta para Amanda.
- A senhora faz muitas perguntas - o motorista respondeu secamente. - Desça e esqueça o que aconteceu.
Amanda não compreendia o que se passava, mas resolveu obedecer, antes que aquele desconhecido a matasse, ou fizesse algo pior. Pegou a mão de Paul, que estava
muito quieto, os olhos arregalados de pavor.
- Pode deixar o garoto, madame. Ele vai comigo. Não vou fazer nenhum mal a ele. A mãe dele mandou que eu o levasse.
CAPÍTULO X
Amanda ficou paralisada.
- Você seguiu as instruções de Terry para que ela pudesse pedir a custódia definitiva, não é? Não sabe que o seqüestro é ilegal, que pode responder por crime?
- Estou seguindo instruções, é verdade, mas este não é o primeiro caso que pego e sei como agir. Agora, seja uma boa menina e comece a andar. Ninguém quer machucá-la.
O homem parecia não saber que ela era a madrasta de Paul, o que poderia ser uma vantagem. Mas, no momento, precisava pensar num modo de ficar junto do menino.
- Não vou a lugar nenhum. Onde Paul for, eu também vou. A mãe não disse que ele precisa de cuidados médicos?
Era mentira, mas Amanda resolveu arriscar. Realmente, o homem franziu a testa, olhando a figura frágil do menino. Por coincidência, Paul chegou mais perto de
Amanda, choramingando:
- Minha perna está doendo! Dói demais. Onde está meu pai?
- É melhor ficar com ele, dona. Mas mantenha-o quieto, ou eu mesmo tratarei disso, entendeu?
Amanda abraçou Paul, consolando-o, com medo que o homem resolvesse usar drogas para mantê-los calados.
- Não vai nos cobrir os olhos, como fazem nos filmes? - ela perguntou, querendo ganhar tempo. Quem sabe alguém fosse à casa dos Haines e saísse à procura deles!
Mas como os encontrariam? Ninguém sabia onde estavam!
- Não é preciso. Essas estradas são tão parecidas, e há tantas cabanas abandonadas pelo deserto, que levaria a vida toda para distinguir uma da outra. Em poucos
dias o garoto vai embora. Assim que tudo se acalmar a mãe vai levá-lo para o leste e pedir a custódia. Afinal, ela é americana, o filho é americano, portanto, é
justo que ele permaneça neste país.
Amanda estava cada vez mais preocupada. Puxou Paul mais junto de si, imaginando a melhor maneira de protegê-lo. Apertou a mãozinha que estava na sua, para lhe
mostrar que devia ficar quieto. Pensava num modo de escapar, mas o que poderia fazer?
Durante mais meia hora, o carro seguiu pela estrada, mas ela havia perdido completamente a noção de onde estava. Sentia uma forte dor de cabeça, devido ao medo
e à tensão. Paul estava pálido, e talvez um pouco enjoado de andar tanto tempo de carro.
- Pare, por favor. Paul não está bem.
Para seu alívio, o motorista obedeceu e Amanda pôde descer e levar o menino para andar um pouco.
- Vou deixá-los ficar só por dez minutos. O sol do deserto é muito forte e podem ter uma insolação. - O motorista pôs uma fita no gravador, olhando de vez em
quando para ver como estavam seus prisioneiros.
- Esse foi o caso mais fácil que peguei - ele comentou. - Seqüestrar um par de aleijados. - Deu uma risada irônica. - Mesmo que tivessem coragem, não poderiam
correr para fugir.
Lágrimas de revolta surgiram dos olhos de Amanda, mas sentir a mão de Paul na sua lhe deu forças e coragem. Tinha que se controlar, para que o menino não sentisse
medo.
- Não chore, Amanda. Tudo vai dar certo. O papai virá nos buscar.
Sorriu, mostrando uma confiança que não sentia. Como podiam ir procurá-los, se nem sabiam para onde tinham ido?
Os dez minutos passaram depressa demais, e eles voltaram para o carro, continuando a longa viagem. Quinze minutos depois entraram numa estrada de terra cheia
de buracos, e finalmente pararam diante de uma cabana em ruínas. As janelas estavam sujas, havia teias de aranha por toda parte e nenhum sinal de vida para onde
quer que olhassem.
- Para fora - o homem falou com aspereza. E para Amanda: - Vai encontrar tudo que precisa para fazer café. Pode começar. Vou me comunicar com meus patrões.
Obedeceu e, da janela, viu-o preparar o rádio. Será que ela também conseguiria mandar uma mensagem para alguém? Seria difícil. Não sabia lidar com aquele aparelho,
nem o homem lhe daria chance de tentar.
Pouco depois o homem entrou.
- É a enfermeira do garoto, não é? Ainda bem, assim não preciso cuidar dele. Odeio crianças. Mas... são os ossos do ofício. Nesses casos de seqüestro, sempre
preciso agüentar as crianças por uns dias. Quando os jornais se cansam do assunto, faço a entrega, me livro dos pequenos e ganho um bom dinheiro. Rápido e fácil.
- É horrível! Não se incomoda com o sofrimento que causa?
- É um negócio como qualquer outro, preciso ganhar dinheiro como todo mundo.
O homem pegou algumas latas e entregou-as a Amanda para que as abrisse e preparasse algo para comer.
Enquanto cozinhava a refeição, observava o homem pelo canto dos olhos. Era um profissional que não iria se impressionar com súplicas ou choro. O importante era
manter Paul tranqüilo enquanto pensava num modo de fugir.
- Não se preocupe - murmurou para o menino, colocando os braços em seus ombros, num gesto de carinho e proteção.
- Não tenho medo. Sei que papai virá nos buscar. Não tenha medo, Amanda. Estou aqui para tomar conta de você.
- Muito bem, garoto! - O homem riu, mostrando os dentes amarelos de fumo. - Precisamos sempre defender nossas mulheres. Não está contente porque vai morar com
sua mãe? Pelo que soube, ela tem dinheiro até para comprar o mundo.
- Não gosto dela! E ela não me quer!
- Claro que quer! Senão, não me pagaria dez mil dólares para sequestrá-lo. - O homem deu outra gargalhada.
Amanda notou que os lábios de Paul tremiam, e que seus olhos vermelhos faziam força para não chorar.
- A mãe abandonou Paul, e só o quer de volta para ferir o pai dele. - Uma idéia passou pela cabeça de Amanda. - Olhe, sei que o pai de Paul lhe pagaria dez mil
dólares, se devolvesse o menino.
- Nada disso, dona. Uma das primeiras regras no meu trabalho é ficar de um lado só. É preciso haver confiança, para que o freguês fique satisfeito e me indique
a outros. Se correr por aí que faço serviço duplo, meu negócio acaba.
Amanda não conseguiria nada por esse caminho. Ela e Paul representavam muito dinheiro para aquele homem, e ele não desistiria tão fácil de seu tesouro. Por sorte
ele tinha deixado que ela ficasse junto de Paul!
- Essa comida não está pronta? É só esquentar o que está na lata.
- Está quase pronto. Quanto tempo vai nos segurar aqui?
Amanda começou a colocar a comida na mesa. Paul estava muito pálido e seria bom que comesse algo.
- Vai depender. Talvez o garoto fique aqui três ou quatro dias, mas não sei quanto a você. Minhas instruções eram para deixá-la em algum lugar. Já que veio, talvez
tenha que ficar comigo, até que o garoto vá embora com a mãe. Não posso deixar que vá correndo contar tudo para o pai dele.
Amanda e Paul mal tocaram na comida enquanto o homem raspava o prato.
A tarde custou a passar e tanto Paul como Amanda sofreram com o calor dentro da cabana. Estavam encurralados e por mais que ela tentasse achar uma saída, não
via alternativas senão fazer o que o homem ordenasse.
Amanda sempre havia desconfiado que Terry tentaria ficar com Paul através de meios ilegais, mas não pensou que usasse de tanta baixeza. Lembrou-se da festa e
imaginou que Joel e a ex-esposa estivessem pensando em uma reconciliação. Mas então para que o seqüestro?
A noite caiu, tornando a atmosfera ainda mais desoladora. Paul estava exausto e Amanda tentava distraí-lo contando-lhe as histórias de que mais gostava. Era também
um modo de se manter ocupada, evitando que o pânico a dominasse.
- Fiquem quietos aqui dentro, que vou fazer minha transmissão.
O homem saiu sem se preocupar em fechar a porta.
- Vamos tentar escapar, enquanto ele está lá fora? - perguntou Paul com os olhos brilhando. Pela primeira vez não disse que o pai iria salvá-los.
- Não podemos, Paul. Seria perigoso demais. Poderíamos nos perder e ficar rodando pelo deserto, sem saber que caminho tomar. E, além disso, nenhum de nós pode
andar muito tempo sem ficar muito cansado.
O menino concordou e voltou a se aninhar no colo dela. Ouviram o barulho da porta do carro batendo e o homem entrou na casa furioso.
- Por que não disse que era casada com o pai do menino?
- Você devia saber. E ainda diz que é um profissional! Que diferença faz?
- Uma diferença enorme. A mãe do garoto faz questão da saúde do filho, por isso preciso mantê-lo bem, mas não se sente da mesma maneira a seu respeito. As ordens
são para que você desapareça - disse ele com crueldade, mostrando os dentes. - Claro que poderia ser convencido a ser... mais flexível.
- Disse que não ia nos machucar!
Ele ergueu os ombros, os olhos semicerrados, e chegou mais perto, agarrando Amanda pelo pescoço.
- Quem está falando em machucar, doçura? Estou me referindo a um pequeno arranjo. Há muito tempo não tenho uma mulher bonita em minha cama. Pelo menos, uma que
não seja paga, e você não é uma dessas.
O homem a olhava de tal modo, que Amanda sentiu o sangue fervendo de ódio e desprezo. Estava arrepiada de nojo ao pensar que aquele homem desprezível poderia
pôr as mãos sujas em sua pele. Não permitiria que ninguém a tocasse. Seu pensamento voou para Joel. Pedia a Deus que o marido a encontrasse.
Naquele momento, ouviu-se o motor de um carro. O homem prestou atenção e a empurrou para longe, pegando uma arma no bolso do paletó.
- Fiquem aqui. Quietos! - ele preveniu. - Ou melhor...
Ele agarrou Paul, mantendo-o firme com um dos braços, enquanto a outra mão segurava a arma. Levou o menino à sua frente como um escudo e abriu a porta.
No silêncio da noite, o som do motor era perfeitamente claro. Amanda prendeu a respiração, notando que o carro vinha na direção da cabana. Tinha medo do perigo
que Paul estava correndo, pois sabia que o homem não pensaria duas vezes em atirar nele para conseguir fugir. Finalmente, não suportando mais a ansiedade, correu
para fora.
O luar iluminava o pequeno vale. Um carro desconhecido se aproximava, levantando nuvens de pó e areia atrás de si. O veículo parou e uma mulher saiu correndo
na direção de Paul. Era Terry!
Antes que ela conseguisse pegar o filho, outra pessoa desceu do carro. Era um homem alto e de presença marcante, o rosto perfeitamente visível à luz da Lua.
Joel! Junto com Terry! Amanda sentiu um frio no estômago. Por que estariam juntos? Teriam se reconciliado? Ela não conseguia mais olhar. Era doloroso demais ver
os dois juntos! Sabia que Paul estava salvo, e isso era o mais importante, mas não queria ver a felicidade daquela mulher que não merecia o amor de Joel.
Sentiu que alguém colocava a mão em seu ombro. Ela se virou e... encontrou Chet.
- Você está bem? - ele perguntou, preocupado.
- Estou bem. Só gostaria de ir embora o mais depressa possível.
- Claro, tem toda razão. Venha. Meu carro está logo atrás do de Joel. Vou levá-la para Fairlea, se quiser.
- Para Fairlea? Por quê? - Amanda estava com a mente cansada demais para pensar no que estava acontecendo. Sabia apenas que ela e Paul não estavam mais em perigo,
e que não queria olhar para Joel e Terry.
- Seu marido já ligou para o hospital, pedindo que reservasse quartos para você e Paul. Ele quer que passem por um exame médico completo. Meu Deus! Terry estava
louca, pensando que poderia agir dessa maneira. Pensei que Joel fosse matá-la!
Amanda não reparou que estava entrando no carro, nem quanto tempo levou para chegar ao hospital. Ficou num estado de letargia e a viagem transcorreu como se fosse
um sonho.
Depois de fazer vários exames, Amanda foi levada para um quarto. Ainda não tinha visto Paul e Joel, nem conseguia imaginar onde poderiam estar. Queria apenas
descansar, dormir e não se preocupar com mais nada.
- Passou por uma situação difícil e levou um choque muito grande - o médico explicou. - Vai passar a noite aqui, em observação. Agora tome este comprimido para
relaxar. Amanhã estará se sentindo outra e esse pesadelo fará parte do passado.
Amanda começou a protestar, mas uma enfermeira a cobriu até o pescoço, e lhe deu o comprimido.
- Joel... - Amanda murmurou, procurando a segurança que só ele podia lhe dar. - Joel...
- Precisa dormir, sra. Sinclair. Poderá ver seu marido amanhã de manhã.
- Amanda... - A voz alcançou-a através de uma nuvem pesada. Tentou erguer a cabeça, mas estava tão zonza que voltou a apoiá-la no travesseiro. Não conseguia se
concentrar e descobrir quem a chamava.
- Amanda!
Ela abriu os olhos, e sua mente associou aquela voz a uma sensação de dor. Virou a cabeça e encontrou o olhar de Joel fixo nela.
- Finalmente acordou. Dr. James me contou que lhe deram algo para descansar.
- Joel! Onde está Paul?
- Ele está muito bem, não se preocupe. Está dormindo, no quarto ao lado. Felizmente, passou por essa experiência desagradável sem traumas. E você, como está?
A enfermeira me disse que falou a noite toda, embora ela não pudesse entender o que dizia.
Amanda lembrou vagamente de que havia tido sonhos estranhos em que sempre perdia Joel, nas mais variadas situações.
- Estou bem, acho.
- Eu já fiz todos os preparativos para irmos embora amanhã - Joel disse, desviando o olhar. - Nós temos muita coisa para conversar. São coisas que eu já devia
ter dito há muito tempo.
O coração de Amanda quase parou. O que ele teria a dizer? Que tinha voltado para Terry? Teria sido essa a solução para ficar com Paul? Ela sabia o quanto Joel
amava o filho e do que ele seria capaz para conservá-lo em sua companhia.
Mais tarde, naquela mesma manhã, o dr. James veio vê-la. Sentou na beira da cama e a observou longamente, antes de falar:
- Está bem agora? - Ele esperou que ela confirmasse, antes de continuar. - Quero que saiba que poderemos fazer um bom trabalho em sua perna, se estiver disposta
a cuidar dela.
Amanda sacudiu a cabeça. Que diferença fazia, agora, o estado da perna?
Durante a tarde, o sr. e a sra. Haines foram visitá-la. Eles pareciam não querer conversar sobre o acontecido. Talvez estivessem sem jeito pela atitude da filha,
ou não quisessem ser os primeiros a contar que Joel tinha voltado para Terry.
Amanda se sentia triste e abandonada, sem saber o que faria da própria vida. Seria tão difícil enfrentar os dias sem a companhia maravilhosa de Joel!
Desde o início, havia sido avisada de que o relacionamento entre ambos seria passageiro. E no entanto, no fundo de seu coração, tinha alimentado a esperança de
que um dia se tornasse permanente.
Mas o momento da separação chegou e não havia nada que pudesse ser feito.
Dois dias mais tarde, Joel, Amanda e Paul aterrissavam no aeroporto de Manchester. Amanda tinha dormido a viagem toda e havia ficado muito sem graça quando, ao
acordar, se viu com a cabeça encostada no ombro de Joel. Ela se endireitou depressa, mas notou que os olhos dele estavam frios, como se nunca ela tivesse despertado
o menor desejo nele.
A casa parecia fria e úmida, depois de conhecerem o sol da Califórnia. Mesmo assim, Amanda sentia que aquela era a sua casa.
Joel ligou o aquecimento, e Amanda foi para a cozinha preparar um chá. Estava feliz porque Paul não tinha ficado com problemas emocionais por causa do seqüestro.
Notava apenas que Joel não o deixava continuar falando sobre o assunto, quando algumas vezes o menino lembrava aquelas horas de medo.
Três dias depois, Joel se aproximou, após o jantar, e pediu que Amanda o acompanhasse até o escritório. Ela sentiu o coração pesado, sabendo que o momento tão
doloroso de partir havia chegado.
Sentou numa das poltronas e Joel ficou de pé, sério, os lábios apertados.
- Amanda, isto não é fácil. Sei que tenho sido injusto com você, obrigando-a a viver esta situação confusa, mas depois do que aconteceu com Paul... - Ele passou
a mão pelos cabelos e sentou a seu lado. - Eu estou querendo dizer que lhe devolvo sua liberdade.
Vendo que Amanda continuava em silêncio, foi até a escrivaninha, e pegou uma pequena folha de papel.
- Pegue o cheque. Eu disse, no princípio, que seriam vinte e cinco mil libras, mas...
- Cinqüenta mil! - Ela ficou paralisada, olhando aquele pedaço de papel.
- Me sinto culpado, Amanda, por isso quero ajudá-la a pagar a operação de que precisa.
Amanda aceitou, imaginando se a dor imensa que estava sentindo teria fim algum dia. Precisava dizer alguma coisa.
- Quem sabe, quando estiver perfeita de novo, Rob volte a se interessar por mim.
Ela parou, engolindo o soluço que queria fugir de sua garganta. Juntou o pouco que lhe restava de orgulho e deu um sorriso forçado. Ergueu a cabeça, como se estivesse
desafiando o mundo, e saiu da sala.
Quando chegou ao quarto, rasgou o cheque em pedacinhos e jogou no cesto, com raiva. Depois se trancou no banheiro, para que suas lágrimas quentes se misturassem
com a água do chuveiro. Ninguém veria o quanto ela estava sofrendo!
Joel tinha pago por seus serviços! A dor de se sentir comprada era maior que qualquer outro sentimento. Se ele não tivesse lhe oferecido dinheiro, teria suportado
melhor a separação.
Nada mais lhe importava, a não ser o amor do homem que era sua vida, que nunca poderia ter, pois ele a via como um objeto que podia ser comprado ou vendido.
Ficou embaixo do chuveiro até que não tivesse mais lágrimas. Depois saiu, enrolando-se na toalha, sem se enxugar. Estava magoada demais para se preocupar consigo
mesma. O sonho maravilhoso tinha acabado e Cinderela não existia mais.
Levou um susto quando chegou perto da cama. Joel estava sentado nela, os braços cruzados. Desde que tinham voltado dos Estados Unidos, tinham dormido em quartos
separados, com a desculpa de que ela tinha passado por maus momentos e precisava se recuperar.
Por que Joel estava ali agora, no momento em que se sentia mais vulnerável?
- Joel... - Ela apertou mais a toalha, numa atitude de defesa. - O que está fazendo aqui?
- Você saiu da sala antes de terminarmos nossa conversa.
- O que você quer? - ela perguntou com amargura. - Uma declaração assinada de que vou embora? Vou agora mesmo, se quiser. Eu só preciso de tempo para arrumar
minhas coisas. Ou ainda é muito? Terry não confia em deixá-lo um minuto a mais comigo?
Ela parou, reparando que Joel não estava prestando atenção às suas palavras e que os olhos do marido estavam nos pedaços do cheque jogados no cesto.
- Porque rasgou o cheque?
Por um segundo, Amanda pensou em dizer que a quantia não tinha sido suficiente.
- Porque meu orgulho não me permitiu aceitá-lo.
- Nem mesmo sabendo que poderia lhe dar a operação que sempre desejou? O dr. James me falou a respeito. Não foi por isso que aceitou a promessa que lhe fiz quando
nos conhecemos?
- Foi.
- Então por que o destruiu? Ou Rob decidiu aceitá-la, como está?
- Rob?
- Sim, o homem que você ama. O homem que não lhe saía do pensamento, enquanto fazia amor comigo.
- Do mesmo jeito que você se via com Terry? - Amanda estava furiosa. - Bem, pelo menos você a conseguiu de volta. Por isso me quer fora de sua vida! Mas não se
preocupe, já estou indo embora!
- Eu? Eu quero Terry de volta? - Ele a olhou, incrédulo. - Ficou louca de repente? Quis matar aquela mulher quando descobri o que tinha tentado fazer! Quando
cheguei em casa e vi que você e Paul tinham desaparecido, quase morri de susto. Vi o nome de Chet junto do telefone e julguei que você tivesse fugido com ele.
Amanda o olhava sem entender. Do que ele estava falando? Ela e Chet? Como?
- Não pode imaginar meu sofrimento. Mas quando Chet veio e me disse que tinha lhe telefonado e que você tinha levado Paul ao hospital, comecei a ficar realmente
preocupado. Liguei para Fairlea e soube que não estavam lá, nem tinham estado. Não sabia o que pensar. Só depois que percebi que também havia um número de telefone
junto do nome de Chet. Liguei e fiquei sabendo que era uma agência de detetives. Naquele momento comecei a juntar as peças do quebra-cabeça e...
- Quer dizer que você e Terry... não...
- Não há nada entre nós há muito tempo. Se tivesse prestado atenção à metade do que venho tentando lhe dizer, teria sabido que para mim só existe uma mulher no
mundo e ela está de pé, à minha frente, neste exato momento.
Joel abraçou-a, os lábios acompanhando os ombros delicados, subindo até encontrar os dela. Amanda sentiu o calor do desejo tomar conta de seu corpo, os braços
obedecendo a uma vontade própria, se enlaçando no pescoço do marido, até que seus corpos se uniram totalmente.
- Ainda tem alguma dúvida sobre como me sinto a seu respeito? Se tem, posso lhe confessar que, apesar de estar desesperado por causa de Paul, foi em você que
concentrei minha atenção. Estava louco de fúria, imaginando que pudessem tê-la machucado. Foi por isso que ameacei Terry de denunciar aos pais dela a maneira baixa
como estava se comportando. Só assim consegui que ela me contasse o que tinha planejado.
- Terry contou logo?
- Não, você já devia conhecê-la. A princípio, perdeu minutos preciosos, tentando mentir e dizer que não tinha nada com o seqüestro.
- Meu mundo tinha desmoronado, quando o vi desaparecer com ela na festa. Quis morrer!
- Não percebeu por que saí? Apenas para impedir que Terry a magoasse com aquela língua venenosa. E o que recebi em troca? Encontro-a dançando com outro homem,
de modo tão apaixonado que tive vontade de bater em você.
- Estava certa de que você não me amava, Joel. Mesmo quando fazíamos amor, pensei que apenas me desejava fisicamente.
- Meu Deus! Parece que nunca nos comunicamos como devíamos, Amanda. Eu não lhe dizia nada porque achava que ainda sonhava com esse Rob.
- Sabe, Joel, creio que desde o início eu amei você com todas as forças de meu coração, mas estava tão preocupada com meu defeito, que não podia enxergar a verdade.
- No hospital me disseram que decidiu não fazer a operação. Por isso resolvi pagá-la. Queria dar-lhe alguma coisa já que não podia lhe entregar meu amor.
- Quando percebi que o amava, o defeito na perna passou a ser tão sem importância! O que realmente me magoou foi pensar que você tinha me comprado, e que estava
querendo me mandar embora para ficar com Terry.
- Tolinha! Só você pode ser a dona do meu amor, de meus carinhos, e de minha vida. Também eu sempre a quis. No começo, pensei que era uma interesseira, à procura
de uma boa oportunidade de ganhar dinheiro fácil, mas depois, vendo-a com Paul, soube que estava enganado.
- Meu querido, quanto tempo perdemos!
- Não pode imaginar como foi difícil não demonstrar meu amor! Ficava dizendo a mim mesmo que só a conservava aqui para ajudar a manter Paul comigo, mas bem no
íntimo sabia que não era verdade. Quantas vezes, enquanto eu me obrigava a ficar lá embaixo, só pensava em como seria maravilhoso subir, entrar no quarto e fazer
isto com você...
Joel soltou a toalha que a envolvia, rindo ao ver Amanda corar. Depois beijou-a muito levemente demonstrando todo seu carinho. Amanda se uniu a ele, sem sentir
o menor embaraço, suas mãos ansiosas procurando abrir a camisa dele.
- Amanda, minha querida, nosso casamento começa hoje. - Num gesto decidido ele a carregou para a cama. - Prometo que vou demonstrar todo o amor que sou capaz
de sentir.
Com muito carinho, Joel pegou o pé de Amanda e o beijou.
- Gosto de cada centímetro de seu corpo, querida. Quero-a inteirinha, corpo, alma, tudo de você!
- Preciso ouvi-lo dizer que me ama, Joel. Quero ouvir isso um milhão de vezes.
- Eu amo você, Amanda, porque é a única mulher que já morou em meu coração.
- Eu também te amo, Joel. Amo tanto que meu amor chega a doer.
- Desejo você, minha esposa - Joel murmurou no ouvido da mulher que amava.
Amanda estava segura nos braços de Joel e, para ela, nada mais importava. Tinha um marido a quem daria a vida e por quem seria amada com dedicação. Tinha tudo.
Um beijo longo, cheio de amor e carinho, selou aquela promessa de uma vida feliz e de infinitas emoções que se realizariam num futuro luminoso. Eles haviam descoberto
uma estrela que os conduziria ao caminho da felicidade.--
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