domingo, 24 de julho de 2016

{clube-do-e-livro} Livro: AMORES CLANDESTINOS - Ricardo Veronese






Amores Clandestinos
de
RICARDO VERONESE
 Formato: pdf (anexo)
Livro digitalizado por Leandro  e revisado pela Cia do Livro
 Sinopse
     
Tom Byrnes é um homem divorciado que vai a uma boiate curtir sua nova
                                                vida de separado.

                                                                       Livro digitalizado por Leandro para o Grupo Bons Amigos

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{clube-do-e-livro} LIVRO :OS DOIS LADOS DA MOEDA-ODETTE DE BARROS MOTT










 Dois Lados da Moeda  -Odette de
Barros Mott



Livro digitalizado Por Edilma
Revisado pela Cia do Livro
Sinopse
Neste livro de Odete Barros Motta, colaca-se em questão o termo coragem. Por vezes o termo torna-se chocante, mas a realidade não está longe disto... um quadro real sobre crianças, que precisam lutar muito para sobreviver.

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{clube-do-e-livro} : EDUCAR PARA SER FELIZ - HELOISA PIRES - FORMATO: PDF,DOC, MOBI E EPUB



Educar para Ser Feliz - Heloisa Pires

​Doação anônima:


Sinopse:
A pedagoga, escritora e conferencista Heloisa Pires aborda neste livro o fascinante assunto da educação do homem. Educar para ser feliz traça as diretrizes do bom viver através de normas compatíveis com os padrões do comportamento humano. Os assuntos se desenvolvem harmoniosamente, é uma leitura fácil, agradável e compreensível. Do bebê ao garoto, do garoto ao homem feito , o livro mostra como educar amorosamente, formando cidadãos úteis à sociedade e ao país.

Pedimos não divulgar em canais públicos ou Facebook. Esta nossa distribuição é para atender aos deficientes visuais

 

Este livro representa uma contribuição do Grupo Allan Kardec para os deficientes visuais. 

 

 

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{clube-do-e-livro} Coleção Primeiros Passos - O Que é Imaginrio-Franois Laplantine.txt

O QUE � IMAGIN�RIO
editora brasiliense
Fran�ois Laplantine Liana Trindade

Vers�o Digital para fins did�ticos. PROIBIDA qualquer forma de comercializa��o do conte�do desse arquivo. Veja outras edi��es da Cole��o Primeiros passos no site.

INTRODU��O
Vivemos na atualidade a busca de novos caminhos que possam conduzir � compreens�o e � supera��o da realidade. A imagina��o tornou-se o caminho poss�vel que nos permite n�o apenas atingir o real, como tamb�m vislumbrar as coisas que possam vir a tornar-se realidade. Embora as sociedades ocidentais tenham, nas �ltimas d�cadas, privilegiado as imagens como forma de conhecimento e de comunica��o social, esse fen�meno que utiliza as imagens televisivas ou computadorizadas n�o trouxe consigo a emerg�ncia de um imagin�rio mais rico ou complexo. As imagens padronizadas n�o conseguiram construir, atrav�s de seus recursos simb�licos, qualquer universo do imagin�rio social que pudesse superar as antigas narrativas orais, o teatro das ruas e os rituais sagrados e profanos que fizeram parte durante s�culos da composi��o do imagin�rio social. Por�m, o imagin�rio n�o foi derrotado no confronto com a racionalidade das imagens massific
adas, produzidas para o consumo f�cil, encontrando-se presente cada vez mais nas fantasias, e projetos, nas idealiza��es dos indiv�duos e em outras express�es simb�licas, religiosas ou leigas, que traduzem e constroem as suas emo��es em um novo contexto imaginativo. Neste trabalho, indicaremos inicialmente os principais conceitos extra�dos de diversas teorias sociais e filos�ficas sobre s�mbolos, imagens e imagin�rio. Destacaremos as distin��es conceituais significativas encontradas entre ideologia, imagin�rio e s�mbolo, os quais consideramos como categorias distintas, embora alguns autores queiram torn�-las coincidentes. Trataremos tamb�m dos s�mbolos configurados na constru��o dos deuses e analisaremos os g�neros do imagin�rio como o extraordin�rio, o maravilhoso e o fant�stico na literatura. Nos cap�tulos finais, examinaremos as express�es e g�neros do imagin�rio enquanto processo de produ��o de conhecimento, i
nterpreta��o, reflex�o e desejo, que antecipa a realiza��o de um projeto social, prof�tico ou ut�pico. O imagin�rio em liberdade, que rompe os limites do real, consiste na explos�o que propicia o in�cio de uma nova �poca ou apenas o tempo ef�mero e extraordin�rio de uma festa; quest�es que ser�o abordadas no decurso de nossas an�lises.

A IMAGEM, A ID�IA, O S�MBOLO
Imagens s�o constru��es baseadas nas informa��es obtidas pelas experi�ncias visuais anteriores. N�s produzimos imagens porque as informa��es envolvidas em nosso pensamento s�o sempre de natureza perceptiva. Imagens n�o s�o coisas concretas mas s�o criadas como parte do ato de pensar. Assim a imagem que temos de um objeto n�o � o pr�prio objeto, mas uma faceta do que n�s sabemos sobre esse objeto

externo. N�o concebemos as imagens como passivas, pois de qualquer maneira constituem-se a forma como, em momentos diversos, percebemos a vida social, a natureza e as pessoas que nos circundam: constru�das no universo mental, superp�em-se, alteram-se, transformam-se. Por exemplo, a imagem que fazemos de uma pessoa que conhecemos na atualidade ou no passado de nossa exist�ncia, n�o corresponde ao que ela � para si, ou para outrem que tamb�m a tenha conhecido, pois sempre � uma imagem marcada pelos sentimentos e experi�ncias que tivemos em rela��o a ela. Atribu�mos a essa pessoa qualidades f�sicas ou morais que, embora ela possa em parte possuir, s�o aumentadas ou denegridas, mut�veis, transformadas e plenas de significados que lhe fornecemos no percurso de nossas experi�ncias e lembran�as vividas e concebidas nos encontros e desencontros que com ela estabelecemos. Qual �, portanto, a realidade dessa pessoa ou dos objetos sociais e naturais (
f�sicos) que nos circundam? A realidade consiste no fato de que essa pessoa, os objetos sociais (outras pessoas) e o. mundo da natureza existem em si mesmos, independentes da nossa presen�a e dos significados que atribu�mos a todos eles. Os objetos existem no mundo da sociedade e da natureza com caracter�sticas f�sicas e sociais espec�ficas, definidas pelas suas experi�ncias hist�ricas, pelas condi��es ecol�gicas e pelos seus contextos socioculturais. Essa exist�ncia em si mesma, das coisas e dos homens, faz com que a realidade seja algo dado a ser percebido e interpretado. Por outro lado, a realidade, como ambiente social e natural que se faz presente em sua concretude independentemente da nossa percep��o, difere do real.
O real � a interpreta��o que os homens atribuem � realidade. O real existe a partir das id�ias, dos signos e dos s�mbolos que s�o atribu�dos � realidade percebida. As id�ias s�o representa��es mentais de coisas concretas ou abstratas. Essas representa��es nem sempre s�o s�mbolos, pois como as imagens podem ser apenas sinais ou signos de refer�ncia, as representa��es aparecem referidas aos dados concretos da realidade percebida. Quando, por exemplo, queremos localizar um determinado endere�o, podemos nos orientar atrav�s de imagens (�cones), como ruas e estabelecimentos comerciais que anteriormente conhecemos, para nortear a nossa busca. Nesse caso, as imagens mentais s�o apenas pontos referenciais sem significado, a n�o ser aquele do qual nos servimos para mentalmente vislumbrar o caminho a ser futuramente seguido. Charles S. Peirce define icone -- termo tamb�m utilizado como sin�nimo das imagens sagradas bizantinas -- com
o imagem mental ou concreta carac-terizada por uma rela��o de uni�o com o referente. Segundo essa defini��o, �cone � um signo determinado pelo seu objeto, em virtude de sua natureza interna. Ainda segundo Peirce, a imagem como �cone difere e se op�e ao s�mbolo, � medida que o s�mbolo � convencional, enquanto a imagem, n�o o �, devido � sua identidade com o objeto. Nessa perspectiva, o autor define s�mbolo como um signo que � determinado pelo seu objeto din�mico somente no contexto em que ele � interpretado (Dictionaire encyclopedique des sciences du language, p�gina 115). O car�ter convencional coloca o s�mbolo no interior do funcionamento social com todas as suas am-

big�idades, seu car�ter sincr�tico, polissem�ntico, que caracterizam o movimento unit�rio e afetivo de todos os indiv�duos de uma cultura sobre uma mesma figura sint�tica. O que interessa mais � metodologia estrutural, seja essa an�lise antropol�gica (L�vi-Strauss), psicanal�tica (Jacques Lacan) ou semi�tica, � o car�ter substitutivo, convencional ou relacionai do s�mbolo. Nesse caso, o s�mbolo prevalece sobre a imagem, � medida que, enquanto a imagem est� mais diretamente identificada ao seu objeto referente -- embora n�o seja a sua reprodu��o, mas a representa��o do objeto --, o s�mbolo ultrapassa o seu referente e cont�m, atrav�s de seus est�mulos afetivos, meios para agir, mobilizar os homens e atuar segundo suas pr�prias regras normativas (relacionai ou de substitui��o). Tanto a imagem como o s�mbolo constituem representa��es. Essas n�o significam substitui��es puras dos objetos apresentados na per
cep��o, mas s�o, antes, reapresenta��es,.ou seja, a apresenta��o do objeto percebido de outra forma, atribuindo-lhe significados diferentes, mas sempre limitados pelo pr�prio objeto que � dado a perceber. � necess�rio examinar a natureza mesma da rela��o social na qual a representa��o, > como imagem ou s�mbolo, ir� atuar. Assim, por exemplo, a raposa n�o � sistematicamente o s�mbolo da ast�cia. Ela pode ser simplesmente um animal astuto. O fato de ser culturalmente considerada como um animal astuto constitui um s�mbolo, uma conven��o ou um atributo que esse animal adquire, fornecido por determinados grupos. Os homens, atrav�s de suas experi�ncias sociais com esse animal, notadamente os ca�adores, ao perceber a sua agilidade, a sua dificuldade em aprision�-lo, as artimanhas de suas fugas e esconderijos, logo passam a atribuir o significado de ast�cia � raposa, em oposi��o a outros animais que n�o possuam essas
propriedades. Essa maneira de nomear o mundo atribuindo-lhe qualidades � diversa das representa��es simb�licas. O s�mbolo � um sistema que n�o substitui qualquer sentido, mas pode efetivamente conter uma pluralidade de interpreta��es. A cruz significa o Cristo. Ela n�o o substitui, mas � uma parcela dele, ou seja, � o Cristo que se significa na cruz e n�o o inverso. Em termos ling��sticos e da quest�o do todo reapresentado na parte, Cristo est� inteiramente presente nesse objeto. Assim tamb�m, o machado de Xang� faz presente para os seus adeptos a divindade Xang�. Essa divindade est� no machado. Segundo a concep��o dos adeptos, a imagem da divindade ou os seus ornamentos e rel�quias s�o interpretados como a presen�a dessa divindade no conv�vio dos homens. � nesse sentido que todos os objetos sacralizados, as rel�quias adoradas pelos cat�licos, assim como tudo aquilo que � designado pelo termo fetiche nas sociedade
s primitivas, consistem na consubstancia��o das entidades m�ticas e n�o somente em alegorias. Os recursos da linguagem, como a met�fora e a meton�mia utilizadas nas express�es po�ticas e nas religiosas, n�o s�o apenas estruturas formais de discursos ou substitui��es de uma situa��o ou objeto da realidade estabelecida, seja em tempos passados ou presentes, por uma situa��o sacralizada (ritual) ou pela divindade, mas s�o tamb�m a reatualiza��o dessa situa��o ou objeto. Em outros termos, a epifania, que significa a manifesta��o do sagrado, � efetuada atrav�s de ora��es, encantamentos, imagens materiais e rel�quias. Tudo depende em definitivo da natureza do reconhecimento ou da identifica��o, ou seja, da intencionalidade dos atores em uma dada situa��o sociocultural, no interior da qual as imagens operam. Esses conceitos encontram-se presentes nas metodologias e hermen�uticas (teorias das interpreta��es) fen
omenologicas e cognitivas, quando o enfoque � dado nos significados que os homens, ao n�vel consciente de suas motiva��es, interesses e inten��es, atribuem �s imagens mentais ou concretas. Os homens atribuem

significados aos objetos. A id�ia como representa��o mental de uma coisa concreta ou abstrata � considerada como o elemento consciente do universo simb�lico. Essa abordagem sobre os conceitos difere da escola antropol�gica e filos�fica substancialista, representada por Gilbert Durand, Paul Ricoeur e Mircea Eliade, e tamb�m da psicologia anal�tica de C. G. Jung. As teorias substancialistas constituem a continuidade da tradi��o neoplat�nica, nas quais a id�ia � mais dif�cil, a menos verbaliz�vel do universo simb�lico. Segundo a perspectiva neoplat�nica, as imagens e o imagin�rio s�o sin�nimos do simb�lico, pois as imagens s�o formas que cont�m sentidos afetivos universais ou arquet�picos, cujas explica��es remetem a estruturas do inconsciente (Jung, Campbell), ou mesmo �s estruturas biops�quicas e sociais da esp�cie humana (Durand). Embora considerem que o n�vel consciente emerge do inconsciente, as especificidades h
ist�ricas e socioculturais est�o relegadas a um segundo plano da an�lise. Em conseq��ncia, as imagens e a sua din�mica, o imagin�rio, s�o identificadas aos s�mbolos. Os s�mbolos d�o o que falar,

escreve Paul Ricoeur, � medida que neles existem os mesmos sentidos que os homens ir�o redescobrir. Sendo o inconsciente deposit�rio dos significados, cabe aos homens a descoberta de sua revela��o atrav�s das formas em que essas imagens se expressam e se manifestam.Toda imagem �, portanto, uma epifania, uma manifesta��o do sagrado. Conseq�entemente, toda e qualquer imagem, ao mesmo tempo produto e produtora do imagin�rio, passa a ter o car�ter de sagrado, devido � sua universalidade e � sua emerg�ncia do inconsciente. Nesses te�ricos, a indiferencia��o conceituai entre imagens e s�mbolos encontra bloqueios anal�ticos que conduzem aos impedimentos no conhecimento das diferentes culturas que passam a ser reduzidas � universalidade de seus fen�menos sociais. Os agentes das constru��es m�ticas tornam-se impessoais e ahist�ricos. Esses te�ricos relegam, portanto, a um segundo plano a diversidade de sentido existente no imagin=
1rio das diferentes culturas. A an�lise fundamentada na psicologia anal�tica de Jung e, de maneira diferenciada, o estruturalismo partem da premissa do inconsciente coletivo -- e n�o dos homens -- como doador de significados em situa��es hist�ricas e culturais definidas e como fornecedor de significados ao universo em que vive e concebe.
Quando o s�mbolo � constitutivo de todo fen�meno e as imagens s�o, portanto, s�mbolos recorrentes e redundantes, o novo e o diverso adquirem sempre o mesmo sentido de eterno retorno �s origens do pensamento �nico da esp�cie humana. Como Mircea Eliade, Durand acredita encontrar a perman�ncia dos s�mbolos arquet�picos na modernidade das sociedades industriais contempor�neas. Nessas sociedades modernas, subsiste a continuidade das grandes imagens m�ticas nos objetos mais comuns do cotidiano, como os deuses do Olimpo grego. Por exemplo, o objeto de limpeza desinfetante de amon�aco Ajax n�o � sen�o o simples substituto do sonho de �caro ou o Deus do vulc�o (Ajax). As colunas centrais das resid�ncias ou ruas s�o os eixos do mundo que verticalizam a comunica��o entre a terra e o cosmo. Os locais geogr�ficos, como o centro origin�rio de qualquer cidade, constituem, sem que os pr�prios construtores saibam de forma consciente, o ponto
de origem que repete e reproduz as dire��es percorridas pela humanidade e para onde convergem em sua busca de retorno � sua origem primordial. Os astros

de cinema seriam os deuses do Olimpo contempor�neo. Se a id�ia de aspira��es e sentimentos comuns exprimese atrav�s de uma imagem ou figura, essa imagem desempenha o papel de significante, como esquema indutor, cont�nuo, podendo emergir em qualquer sociedade, n�o importando a sua hist�ria. Para Durand, fundamentando-se em Jung, a mat�ria primeira, ou seja a imagem (Bild na etimologia alem�), est� contida no inconsciente do qual emana o sentido (sinn). Nesses termos, o s�mbolo (sinn Bild) � unificado a partir de pares opostos (consciente e inconsciente, sentido e imagem) e permite, fora da l�ngua, o sentido de existir. Dado o seu car�ter sincr�tico, o s�mbolo, para os autores de tradi��o neoplatonica, fala por si mesmo e conduz os homens � reminisc�ncia de um sentido primordial que � constitutivo da imagem simb�lica. Examinaremos, nesses esbo�os, as duas grandes correntes do pensamento filos�fico e antropol�gico e as suas cis
�es conceituais. Em resumo, de um lado encontramos as diferentes teorias funcionalistas, estruturalistas, hermen�uticas, fenomenol�gicas e cognitivistas que enfatizam o n�vel consciente sobre o inconsciente e nas quais imagem, imagin�rio e s�mbolo diferem segundo as rela��es que estabelecem entre os termos, e n�o segundo as substitui��es. E, nas quais, ainda, os s�mbolos s�o esquemas de a��es intencionais produzidas nas intera��es entre os homens em uma dada situa��o social ou no interior do texto de um discurso. De outro lado, imagin�rio e s�mbolo s�o sin�nimos que emergem do inconsciente universal, doador de significados e, ao mesmo tempo, irredut�vel aos significados hist�ricos e culturais que os homens atribuem a esses s�mbolos. A psican�lise freudiana, embora tamb�m fundamentada na no��o de inconsciente, considera os s�mbolos e o imagin�rio a partir dos significados contidos na hist�ria individual e colet
iva. Os indiv�duos produzem seus sonhos coletivos (mitos) e sonhos pessoais utilizando imagens que s�o registros transfigurados e sublimados de suas experi�ncias individuais. A partir dessas considera��es te�ricas, examinaremos de forma mais espec�fica as caracter�sticas e os significados do imagin�rio.

O IMAGIN�RIO, A IDEOLOGIA E A ILUS�O
Estabelecemos como premissa inicial que, ao contr�rio das filia��es neoplat�nicas, notadamente aquelas das quais prov�m a psicologia anal�tica junguiana, existem diferencia��es e rela��es entre o s�mbolo e o imagin�rio. O simb�lico comporta um componente racional real e representa o real ou tudo aquilo que � indispens�vel para os homens agirem ou pensarem. O simb�lico se faz presente em toda a vida social, na situa��o familiar, econ�mica, religiosa, pol�tica etc. Embora n�o esgotem todas as experi�ncias sociais, pois em muitos casos essas s�o regidas por signos, os s�mbolos mobilizam de maneira afetiva as a��es humanas e legitimam essas a��es. A vida social � imposs�vel, portanto, fora de uma rede simb�lica. Enquanto os signos est�o diretamente referidos aos objetos, formas, imagens concretas ou abstratas que apontam para uma dire��o �nica e conhecida, os s�m-bolos s�o polissem�nticos e polivalentes,
aparando-se tamb�m no referencial significante que lhes propicia os sentidos, os quais cont�m significa��es afetivas e s�o mobilizadores dos comportamentos sociais. A efic�cia dos s�mbolos consiste nesse car�ter mob�lizador e promotor das experi�ncias cotidianas: os s�mbolos permitem a cura

de doen�as psicossom�ticas e fazem emergir emo��es como raiva, viol�ncia, nostalgia e euforia. Quando juramos perante a bandeira nacional ou rasgamos em protesto essa mesma bandeira, manifestamos os sentimentos de respeito ou revolta em rela��o � p�tria e, conforme esses nossos atos, seremos, pelos nossos compatriotas, reconhecidos como cidad�os ou banidos por eles. Encontramos no simb�lico um sistema de valores subjacentes, hist�ricos ou ideais referidos aos objetos ou institui��es consideradas. As institui��es sociais n�o se reduzem ao simb�lico, mas podem existir apenas no simb�lico. Cada organiza��o da vida social � constitu�da por uma rede simb�lica: o t�tulo de propriedade � o signo do direito de posse dessa propriedade, da mesma forma que a folha de pagamento � o signo do direito do assalariado receber uma quantidade estabelecida em dinheiro pelo seu trabalho. Na institui��o de ensino, em uma sala de aula, o esp
a�o existente entre a mesa do professor e as cadeiras dos alunos marca simbolicamente a autoridade, o afastamento diferenciado do mestre em rela��o a seus alunos. Esse n�o � apenas um signo do poder hier�rquico, mas � simb�lico � medida que evoca os sentimentos de domina��o, autoritarismo, cren�a na superioridade de um saber sobre os demais e nas normas reguladoras da obedi�ncia, da aceita��o e do afastamento dos alunos em rela��o ao professor. As experi�ncias cotidianas, e n�o apenas as religiosas, s�o permeadas por ritos. As homenagens a fatos hist�ricos e m�ticos, os anivers�rios, vel�rios, cortejos f�nebres, casamentos e batizados religiosos s�o rituais de reatualiza��o dos acontecimentos passados e de passagem de uma etapa da exist�ncia humana para outra. Esses rituais diferem das simples cerim�nias � medida que marcam em suas performances, as atitudes, sentimentos e mudan�as significativas na vida social d
os homens. Essas marcas de comportamentos e os sentimentos de continuidade ou de mudan�a no cotidiano, que s�o significativas para os participantes, s�o vividos e concebidos atrav�s dos s�mbolos contidos nesses rituais. O imagin�rio, como mobilizador e evocador de imagens, utiliza o simb�lico para exprimir-se e existir e, por sua vez, o simb�lico pressup�e a capacidade imagin�ria. A institui��o, conforme assinala Castoriadis, � uma rede simb�lica definida socialmente, que cont�m os componentes organizador e do imagin�rio. O conceito de imagin�rio em Karl Marx explica, atrav�s da no��o de aliena��o, a autonomia das institui��es econ�micas ou religiosas como produtos independentes das a��es humanas, expressando as contradi��es reais entre o produtor e o produto que passa a ser reificado. O imagin�rio seria, ent�o, a solu��o fantasiosa das contradi��es reais. Portanto, o imagin�rio fornece � institui�=
3o o seu car�ter de autonomia em rela��o � sociedade e aos homens que produzem. Por�m, � esse atributo de autonomia da institui��o que permite a continuidade de sua exist�ncia. Conforme faz notar Luk�cs, a consci�ncia dos capitalistas, ao mitificarem as rela��es reais dos homens com o produto ou institui��o por eles produzidos, � a condi��o

do funcionamento adequado da economia capitalista. As leis s� podem se realizar utilizar do as ilus�es dos indiv�duos. O imagin�rio, portanto, de maneira geral, � a faculdade origin�ria de p�r ou dar-se, sob a forma de apresenta��o de uma coisa, ou fazer aparecer uma imagem e uma rela��o que n�o s�o dadas diretamente na percep��o. Ao contr�rio de Castoriadis, que afirma ser o imagin�rio a capacidade de "produzir" uma imagem que n�o � e nunca foi dada na percep��o, consideramos que a imagem � formada a partir de um apoio real na percep��o, mas que no imagin�rio o est�mulo perceptual � transfigurado e deslocado, criando novas rela��es inexistentes no real. O imagin�rio faz parte da representa��o como tradu��o mental de uma realidade exterior percebida, mas apenas ocupa uma fra��o do campo da representa��o, � medida que ultrapassa um processo mental que vai al�m da representa��o intelectual ou co
gnitiva. A representa��o imagin�ria est� carregada de afetividade e de emo��es criadoras e po�ticas. A diferen�a entre o imagin�rio e a ideologia � que, embora ambos fa�am parte do dom�nio das representa��es, referidas ao processo.de abstra��o, a ideologia est� investida por uma concep��o de mundo que, ao pretender impor � representa��o um sentido definido, perverte tanto o real material quanto esse outro real perverte o imagin�rio. A ideologia � uma esp�cie de ast�cia, uma justifica��o ou imposi��o do vivido, aceito como tal. Como elabora��o secund�ria do imagin�rio, constitui-se como um pensamento selvagem (conforme os significados definidos por L�vi-Strauss), mas pervertido. Quando, por exemplo, o clero medieval expressa a estrutura da sociedade terrestre atrav�s das ins�gnias do poder real e pontificial, n�o apenas descreve a exist�ncia da sociedade em si mesma, mas destaca atrav�s das imagen
s, como a de suas espadas, a hierarquia do poder espiritual sobre o temporal; imp�e, � sociedade representada, s�mbolos destinados a separar os cl�rigos dos leigos e a estabelecer entre eles a superioridade dos primeiros sobre os demais: a espada espiritual � superior � espada temporal. Embora as representa��es art�sticas na pintura utilizem o material do imagin�rio, existem, como no caso das obras religiosas, imagens do inferno punitivo, das almas penadas e do c�u iluminado e beatificante, com o prop�sito de combater os v�cios em nome da ideologia crist�. Encontra-se na ideologia, como no imagin�rio, uma filia��o no real, mas no imagin�rio n�o h� uma imposi��o de sentidos na representa��o do social, dirigida a interesses de grupos ou classes sociais. Conforme formula G. Bachelard em O are os sonhos, um ser privado da fun��o do irreal � um neur�tico, tanto como o ser privado da fun��o do real (p�gina 7). Bachelard
examina nessa obra a iman�ncia do imagin�rio no real e o trajeto cont�nuo do real ao imagin�rio. Para construir o processo do imagin�rio � preciso mobilizar as imagens primeiras, como dos homens, cidades, animais e flores conhecidas, libertar-se delas e modific�-las. Como processo criador, o imagin�rio re-constr�i ou transforma o real. N�o se trata, contudo, da modifica��o da realidade, que

consiste no fato f�sico em si mesmo, como a trajet�ria natural dos astros, mas trata-se do real que constitui a representa��o, ou seja, a tradu��o mental dessa realidade exterior. O imagin�rio, ao libertar-se do real que s�o as imagens primeiras, pode inventar, fingir, improvisar, estabelecer correla��es entre os objetos de maneira improv�vel e sintetizar ou fundir essas imagens. O processo do imagin�rio constitui-se da rela��o entre o sujeito e o objeto que percorre desde o real, que aparece ao sujeito figurado em imagens, at� a representa��o poss�vel do real. Esse poss�vel real consiste na potencialidade, no conjunto de todas as condi��es contidas virtualmente em algo. Nesse sentido, o imagin�rio n�o apenas previne situa��es futuras, como em sua atividade antecipat�ria orientase para um porvir n�o suspeitado, n�o previsto. A determina��o deste futuro virtual � acometida por uma imagina��o transgressora do pre
sente dirigida � consecu��o de um poss�vel n�o realiz�vel no presente, mas que pode vir a ser real no futuro. J�lio Verne transgrediu atrav�s do imagin�rio as possibilidades t�cnicas de seu s�culo e construiu o poss�vel real do futuro: o submarino ou a viagem a�rea que permite conhecer o mundo em oitenta dias. Em suma, o imagin�rio n�o � a nega��o total do real, mas ap�ia-se no real para transfigur�-lo e desloc�-lo, criando novas rela��es no aparente real. A nega��o do real, na qual est� contida a concep��o de loucura e ilus�o, n�o tem nada a ver com o conceito de imagin�rio, pois encontram-se no imagin�rio, mesmo atrav�s da transfigura��o do real, componentes que possibilitam aos homens a identifica��o e a percep��o do universo real. Para ilustrar e apoiar essa tese, encontramos no her�i universal dom Quixote o paradigma exemplar da diferencia��o entre ilus�o, loucura e imagin�rio. Migue
l de Cervantes destaca no in�cio de sua obra Dom Quixote que o personagem vive o imagin�rio de uma �poca passada, o per�odo medieval. A imagina��o do her�i � plena de tudo aquilo que ele havia lido nos livros de cavalaria: encantamentos, querelas, desafios, batalhas, amor cort�s e extravag�ncias imposs�veis, que faziam parte dos c�digos do conhecimento e do ethos medieval. Por�m, dom Quixote n�o apenas sonha, ele vive o real do cotidiano, mas o interpreta atrav�s dos c�digos de uma concep��o de mundo historicamente superada. Na sua imagina��o, a nobre donzela, para a qual dedica o seu amor cort�s, � encantada pelo feiticeiro que a transforma em uma mulher do povo, sendo encontrada na taverna. Ele luta contra o moinho de vento que lhe aparece atrav�s da percep��o real com a apar�ncia mesma de moinho, mas que em sua ess�ncia trata-se de um drag�o transformado em moinho. A decad�ncia final do her�i ocorre quando se ins
taura a ambig�idade de discursos, em que os outros personagens entram no jogo do imagin�rio sem o conhecimento pr�vio das suas regras e dos c�digos do discurso medieval. Estabelecem a confus�o e a ilus�o quando afirmam ter visso Dulcin�ia vestida como nobre e n�o encantada, ou ainda, ter vivido no c�u ou visto o drag�o encantado. Nessa fase final do romance, instaura-se o dom�nio do ilus�rio que conduz � decad�ncia e � morte

do her�i. O ilus�rio op�e-se ao imagin�rio e conduz � degrada��o da imagina��o e do real. A ilus�o caracteriza-se essencialmente pela imprecis�o, ambig�idade, confus�o de discursos, perda da l�gica interna do imagin�rio, codificado atrav�s da coer�ncia de um discurso pr�tico e do jogo de deslocamentos e transfigura��es, que tem como fundamento �ltimo o real de um passado ou de um futuro. Existe a ilus�o quando o objeto do desejo � indefinido ou quando � negado qualquer objeto preciso que fa�a parte do dom�nio do real ou do imagin�rio contextualizado. O exemplo de um imagin�rio ilus�rio ou impreciso nos � fornecido pela hero�na de Gustave Flaubert, madame Bovary, cujos sonhos n�o est�o apenas na constitui��o de um mundo imagin�rio, mas no incessante rep�dio a toda a realidade precisa e tang�vel. Essa imagina��o ilus�ria, que contraria qualquer forma de realidade pensada, � sempre vaga, fluida,
indefinida e intraduz�vel, n�o constituindo o imagin�rio propriamente dito. O imagin�rio liter�rio e art�stico: a fic��o, o maravilhoso e o fant�tico Se existe um g�nero liter�rio, e mais geralmente art�stico, que possa ser qualificado de maravilhoso (literalmente, aquilo que nos torna maravilhados), ele pode ser localizado: -- Seja nas sociedades tradicionais (ou nas camadas tradicionais da nossa sociedade) que inventaram o que se chama de contos populares -- que apresentam rainhas e reis, fadas, coelhos brancos, dem�nios, duendes e drag�es em florestas ou castelos; -- Seja nas sociedades contempor�neas sob a forma de um mundo ao contr�rio, quer dizer, do contr�rio daquilo que vivemos, no que � preciso chamar, por falta de uma express�o melhor, de realidade. O maravilhoso � a face noturna da exist�ncia, � o universo do sonho e da magia que procedam ambos a transforma��es e metamorfoses (a alquimia das coisas e dos seres) que s
eriam absolutamente imposs�veis na vida cotidiana. O melhor exemplo me parece ser o de Alice no pa�s das maravilhas, de Lewis Carroll. Alice cresce, cresce, "mede agora mais de dois metros e setenta e cinco". Ela deixa rolar "hectolitros de l�grimas" nas quais ela tem medo de se afogar. Depois ela encolhe, "n�o mede mais do que oito cent�metros". O que ela vive � um conto de fadas: o rei e a rainha de copas s�o cartas de baralho que voam pelos ares. Um grande bicho-de-seda azul ordena-lhe que recite o poema "Estais velho, pai William"... N�o h� mais nenhuma seq��ncia causai que nos permita prever o que vai acontecer. O espa�o � um espa�o fora do espa�o, e o tempo, um tempo fora do tempo, isso �, um tempo m�tico. Lewis Carroll: "aconteceu semana que vem".
Da Viagem de Gulliver de Swift ao Senhor dos an�is de Tolkien, passando por Alicee Do outro lado do espelho de Lewis Carroll, � relativamente f�cil identificarmos essa forma de imagin�rio. Estamos frente a narrativas homog�neas, hist�rias que aqueles que detestam o maravilhoso qualificam em geral de "sobrenaturais ou absurdas, mas formadas por uma continuidade de significa��es e tendo sua pr�pria coer�ncia. Aquele que l� ou

escuta essas hist�rias -- j� que se trata muitas vezes de tradi��es orais -- adere totalmente �quilo que l� ou escuta, pelo menos durante o tempo da leitura ou da audi��o. N�o p�e em quest�o o que est� escrito ou o que est� sendo contado. Como escreve Jean-Paul Sartre, "se estou invertido em um mundo invertido, tudo me parece direito". O fant�stico, ao contr�rio do maravilhoso, sup�e por um lado a intrus�o de um elemento desconcertante na trama da vida cotidiana acordada, e por outro uma suspens�o do julgamento, quer dizer uma hesita��o sobre o que acabou de acontecer. Um ser humano que vivia uma vida tranq�ila desaparece de um dia para o outro e n�o � encontrado. Um vidente prev� um tremor de terra ou um inc�ndio, e sua previs�o se revela exata. Anuncia-se na televis�o que discos voadores foram vistos por v�rias testemunhas dignas de f�. No universo racional no qual n�s fomos educados desde a primeira inf�ncia, es
ses fen�menos s�o acontecimentos estranhos, ou mesmo estrangeiros, que n�o parecem obedecer �s leis naturais que regem a explica��o do mundo. O fant�stico � a intrus�o incr�vel de um dom�nio no outro, "um esc�ndalo, uma ruptura", como escreve Roger Caillois, "uma irrup��o ins�lita, muitas vezes insuport�vel, no mundo real".

Ali�s, o fant�stico sup�e uma incerteza entre duas formas de explica��o: uma explica��o em termos de alucina��o, individual ou coletiva, de ilus�o da imagina��o ou mesmo da loucura dos homens; uma explica��o que confirma a realidade do acontecimento estranho que n�o pode encontrar explica��o dentro dos padr�es conhecidos. Ora, essa incerteza, tanto para o her�i (real ou fict�cio) como para o leitor, n�o poder� nunca ser elucidada, a n�o ser pela pr�pria sa�da do fant�stico, seja em dire��o ao maravilhoso, seja em dire��o � ci�ncia. Enquanto o imagin�rio do maravilhoso se situa deliberadamente no interior do sobrenatural, vive -- ou cria -- um mundo encantado ao qual aderimos, o fant�stico sup�e, como mostra bem Todorov, uma oscila��o e uma hesita��o sem fim entre o real e o sobrenatural, entre o que diz respeito a fen�menos naturais, logo f�sicos, que podem ou poder�o "um dia ser explicados",
e hip�teses metaf�sicas. A literatura fant�stica � o g�nero por excel�ncia da modernidade. Surge no s�culo XIX, particularmente no romantismo da Fran�a e da Alemanha, triunfa no continente americano, continente da modernidade (ou pelo menos dos movimentos "modernistas"), ao norte com Edgar Poe e ao sul, na Argentina, com escritores como Borges, Cort�zar e Bioy Casares. Ao conto maravilhoso se op�e a novela fant�stica, o romance policial, a hist�ria ou o filme de fic��o cient�fica. S�o g�neros urbanos por excel�ncia, que se desenrolam n�o mais na floresta mas na cidade, e sobretudo na cidade grande (particularmente Buenos Aires). Enfim, n�o nos parece poss�vel falar do fant�stico sem sublinhar a influ�ncia do escritor maior da modernidade: Franz Kafka, que, entre os primeiros, aboliu no Ocidente as fronteiras entre o sonho e a realidade, e criou no leitor uma perplexidade e um espanto permanentes.

O PROFETISMO, A POSSESS�O E A UTOPIA
O profeta � aquele que anuncia o messias e o messianismo. Trata-se de um movimento social em

que as pessoas, em torno do profeta, seguem a promessa por ele enunciada de um mundo que est� prestes a terminar para fazer surgir o para�so perdido. O messias profetiza o futuro que ser�, segundo o mito, o renascer de um passado primordial. Ele afirma que o milagre � a prova de que isso efetivamente ocorrer�. A l�gica prof�tica segue o tempo da espera e os ind�cios de um universo social em decad�ncia, no qual os valores e as normas sociais perderam seu sentido existencial para aqueles que seguem o princ�pio da esperan�a, de um mundo que vir� a ser, como no tempo primitivo da virtude e da bonan�a. O profeta regula a hist�ria ao anunciar o seu fim. Por sua vez, o possesso escapa do compromisso de exalta��o dessa l�gica da espera. Atrav�s da possess�o de esp�ritos em seu corpo, realiza no presente o futuro anunciado. Na express�o vivida por seu corpo, regula a hist�ria, tornando-a presente, atualizando o passado e o futuro. J� a uto
pia, segundo Fran�ois Laplantine, � a constru��o matem�tica da cidade perfeita, uma constru��o submissa aos imperativos de uma planifica�ao absoluta que tudo prev� e tudo controla, n�o tolerando a m�nima fantasia, impondo a racionaliza��o do comportamento e regulando as id�ias e os atos de seus adeptos. A hist�ria, nesse caso, tender� para um final racionalizador ao se construir o mito de uma sociedade acabada, perfeita, sem doen�as, males e mist�rios, na qual o curandeiro, o profeta e o possesso n�o existir�o. Essas tr�s vias do imagin�rio pretendem p�r fim � hist�ria, mas se fundamentam em mitos que afloram paradoxalmente na hist�ria: a confronta��o incessante entre o utopista e o n�o-utopista, o possesso e o seu exorcista, o crente e aquele que n�o cr� em nada. Existe, portanto, uma l�gica interna nas vias do imagin�rio, na constru��o de suas organiza��es e discursos e no confronto hist�rico de su
as cren�as.

O imagin�rio na fabrica��o dos deuses
Atrav�s do imagin�rio, o homem, como define H. Bergson, "� uma m�quina de fabricar deuses". A isso acrescentamos que o homem em si mesmo � fant�stico, � medida que manifesta a faculdade humana de transcender o humano. Ao construir os deuses, o homem toma como refer�ncia uma realidade dada que caleidoscopicamente reordena, reestrutura e recria. Nesse processo, o imagin�rio tem como refer�ncia o real, dando-lhe outros sentidos fornecidos pelo material simb�lico que utiliza. Nas religi�es afro-brasileiras, como a umbanda, os exus e a Pomba Gira s�o esp�ritos de malandros, delinq�entes e prostitutas que em vida foram seres an�nimos e ao morrerem tornaram-se her�is: Pomba Gira Cigana, Maria Padilha, Pomba Gira Mulambo foram prostitutas ciganas de classe m�dia. Aquelas que viveram no baixo meretr�cio tornaram-se deusas e s�o cultuadas, resgatando para a vida social a virtude da sexualidade.

A id�ia de marginalidade social constitui a representa��o mental de um comportamento e situa��o concretos da no��o abstrata de n�o corresponder e n�o pertencer aos objetos socialmente idealizados pela sociedade referida. Os s�mbolos s�o constru�dos a partir dessa id�ia nuclear de (no caso) marginalidade social. Utilizando como mat�ria-prima essas representa��es simb�licas, os homens constr�em no processo do imagin�rio os deuses consubstancializados, que passam a existir no cotidiano de suas experi�ncias sociais. Assim, partindo do real, os deuses transformam-se e reestruturam a realidade social.
No mundo real do cosmo imagin�rio, os adeptos vivem, concebem e produzem atrav�s do culto as suas rela��es com os deuses e a interfer�ncia desses deuses em suas experi�ncias cotidianas. No plano ideol�gico, os adeptos podem impor, atrav�s de uma elabora��o secund�ria, determinados aspectos dessa divindade. Assim, atribuem-lhes, de maneira seletiva, as qualidades que correspondam aos valores que interessam ao grupo social dominante e que devem ser transmitidas para os adeptos. A constru��o da divindade � realizada no imagin�rio coletivo. Este imagin�rio caracteriza-se por uma cria��o limitada e definida pelo sistema religioso e social. � medida que s�o colocados para a sociedade novos fen�menos e problemas, criam-se novos deuses ou reinterpretam-se as divindades tradicionais. As cria��es de novos deuses s�o feitas pelas rela��es entre as tradi��es religiosas e socioculturais e a reinterpreta��o dessas tradi��es. D
essa maneira, segundo os c�digos do pante�o umbandista, constitu�do pelos exus, caboclos e pretosvelhos, os personagens hist�ricos duque de Caxias, dom Sebasti�o, rei Lu�s da Fran�a e, mais atualmente, Tancredo Neves tornaram-se caboclos. Isso devido �s caracter�sticas guerreiras e de a��o social combativa que s�o atribu�das aos caboclos e que s�o an�logas �s qualidades desses her�is hist�ricos. A hist�ria faz o mito. Como, muitas vezes, s�o consideradas como a hist�ria dos povos dominados, essas transposi��es s�o poss�veis atrav�s do recurso ling��stico da analogia e da met�fora. Negros como Felisberto de Cabinda e Jos� Jac� foram escravos mortos pela pol�cia e tornaram-se pre-tosvelhos. Introduzidos nessa categoria de esp�ritos dos antepassados dos africanos escravos, passaram a ser incorporados pelos seus fi�is durante o ritual de possess�o. O mesmo ocorreu com Maria D'Aruanda e M�e Conga, que, no in EDcio do s�culo XIX, em S�o Paulo, ficaram conhecidas como quitandeiras que no mercado davam receitas e convidavam os clientes, atrav�s de artif�cios, para os cultos africanos clandestinos. Descobertas, foram presas e mortas. Atualmente, s�o esp�ritos conhecidos na umbanda como as pretas-velhas M�e Conga e M�e D'Aruanda.

O espiritismo kardecista integrou em seu pante�o de entidades medi�nicas os personagens da hist�ria francesa Maria Antonieta, Lu�s XVI e Napole�o, e os artistas Victor Hugo, Renoir, Manet e Monet. A Fran�a foi sempre considerada pela classe m�dia brasileira como a fonte civilizat�ria de nossa forma��o intelectual. Portanto, para uma religiosidade urbana francesa como o kardecismo, suas entidades espirituais foram constru�das no imagin�rio coletivo brasileiro, como figuras divinizadas,

representativas dessa cultura europ�ia. As lutas entre os crist�os e os mouros s�o ritualizadas nas dan�as e nos personagens, como os caboclos turcos no culto denominado Tambor de Mina, no Maranh�o e no Par�, em cujas narrativas, estudadas por Mundicarmmo Ferretti, casaram-se com mulheres ind�genas e caboclas e participaram na guerra do Paraguai. Her�is, como Ant�nio Conselheiro e padre C�cero, s�o cultuados pela religiosidade popular cat�lica. O negro Jo�o Camargo, que edificou a sua igreja na cidade de Sorocaba (estado de S�o Paulo) reunindo de forma sincr�tica os componentes do catolicismo, da tradi��o africana Banto e do espiritismo esot�rico, � cultuado, ap�s a sua morte no inicio deste s�culo, como entidade espiritual na umbanda e em mesas brancas do espiritismo kardecista. O personagem de exist�ncia hist�rica e m�tica conde de Saint-Germain, conhecido como pol�tico e defensor da monarquia francesa durante o s�culo XVI
II, � tido como imortal. Atravessa os s�culos e surge na atualidade nos cultos esot�ricos brasileiros, onde � visto por seus adeptos. Muitos tamb�m dizem t�-lo visto na cidade de S�o Paulo. Em Campinas (estado de S�o Paulo) h� um culto com rezas e ora��es cat�licas em torno do t�mulo de Jandira, uma prostituta assassinada nessa cidade. Como santa, ela redime os pecadores e revela o mart�rio das v�timas da viol�ncia social. O imagin�rio rompe com as fronteiras do tempo e do espa�o e, em sua l�gica pr�pria, as divindades s�o constru�das a partir da revela��o das qualidades que simbolizam. Nesse sentido, s�o divindades substantivas (seres humanos divinizados) que corporificam id�ias, valores e qualidades significativas para a coletividade que as constr�em. N�o h�, portanto, nessa rela��o de produ��o de deuses, distin��o entre a ess�ncia da divindade, como ser existente e participante da vida social, e a no E7�o de estar no mundo dos mortais. Tamb�m o ser divinizado � a s�ntese e a presen�a dos atributos que eles cont�m. Assim, substantivo e qualidade, a met�fora ling��stica e o real, a sua exist�ncia material hist�rica e o conte�do de suas representa��es, ou seja, a forma significante e o significado, s�o compreendidos sem rupturas ou distin��es de uma l�gica formal. Eles s�o no real toda a id�ia que representam: combate social, virtude her�ica, marginalidade social, mart�rio e viol�ncia. Os deuses re�nem a sua exist�ncia hist�rica passada com a reatualiza��o m�tica de sua continuidade existencial no presente, configurando a promessa e o princ�pio da esperan�a projetada no futuro terreno ou extraterreno. Essa correla��o din�mica entre hist�ria e mito permeia toda a constru��o dos deuses. Eles s�o antepassados divinizados ou indiv�duos que continuam na exist�ncia terrena, atravessando a morte e o na
scimento da convers�o espiritual, atrav�s do ritual de passagem. H� uma diferen�a a ser detectada entre a constru��o de santos e de deuses no imagin�rio, limitada pelos sistemas religiosos, e a constru��o de acontecimentos e de seres produzidos no universo do

fant�stico e do maravilhoso. A realidade fant�stica retratada na literatura da Am�rica Latina consiste de situa��es sociais, acontecimentos ou pessoas que inserem no universo social conhecido um elemento estranho. Ocorre o fant�stico quando, no contexto de normas estabelecidas, s�lidas e controladas por leis naturais, irrompe o ins�lito e o inadmiss�vel na legalidade objetiva. � uma altera��o da concatena��o determinada dos fen�menos pela apari��o de uma rela��o intrusa. Os acontecimentos ou os indiv�duos que passam por experi�ncias estranhas s�o percebidos como pertencentes ao mundo do incerto. A figura metaf�rica, nesse caso, torna-se concreta, consubstancializando-se como real: a mulher que � queimada pela chama da paix�o, ou a que � bondosa como um anjo, parece aos outros ter asas e levitar. Pessoas choram l�grimas de sangue. Os s�mbolos s�o deslocados de um contexto situacional do qual pertencem para outros descon
hecidos. O fant�stico sempre reconstr�i a realidade dada, assim como os s�mbolos contextualizados em sistemas sociais, religiosos ou profanos definidos, para desloc�-los propondo outra realidade, sujeita a outras regras e a normas diferentes. O fant�stico � caracterizado pela vacila��o e indetermina��o de indiv�duos e acontecimentos, desenvolvendo-se no cotidiano presente. O fant�stico � o mundo ao rev�s, tratando da percep��o particular do acontecimento e da sua repercuss�o no indiv�duo que o presencia ou sofre a sua a��o. Por exemplo, a literatura latino-americana coloca o personagem ou o leitor ante a incerteza: ilus�o dos sentidos e leis objetivas convivem ao mesmo tempo ou, ainda, acontecimentos ocorrem efetivamente alterando a realidade. Aqui levantamos a hip�tese, principalmente a partir da obra de J�lio Cort�zar, de que os escritores latino-americanos, intelectuais da classe m�dia que escreveram seus trabalhos em Pari
s, ao construir as imagens de suas culturas populares de origem, as conceberam de maneira fant�stica. A realidade latinoamericana � incompreens�vel, amb�gua, arbitr�ria e ins�lita para a perspectiva do indiv�duo europeizado.
Jean-Paul Sartre em Les mots et les choses mostra que a realidade humana, em seus v�rios aspectos, conduz os indiv�duos � sensa��o de viver em um mundo fant�stico. O autor nos remete � leitura de Franz Kafka que tem como centro de sua tem�tica o homem que se torna fant�stico. O exemplo mais indicativo do fant�stico no mundo cotidiano encontra-se na viv�ncia da burocracia, em que a lei n�o tem fecundidade, significa��o ou conte�do, mas, n�o obstante, impera sobre as a��es humanas. Segundo Sartre, a viv�ncia da burocracia consiste no destino da trag�dia humana que se esconde sob o absurdo. Consideramos que Kafka transmite essa sensa��o, por ele sentida quando exercia a fun��o p�blica: o autor se sente como se fosse uma barata. Em seu A metamorfose, o personagem metamorfoseia-se, em uma manh� habitual de seu rotineiro cotidiano, em barata.

O IMAGIN�RIO EM LIBERDADE
Se n�o conseguimos ver no movimento surrealista franc�s ou no movimento modernista brasileiro

nada mais do que um grito de revolta de alguns intelectuais buscando escandalizar seus contempor�neos, condenamo-nos a n�o entender nada da crise intensa que abala a sociedade mundial nos anos 1920. Condenamo-nos, igualmente, a n�o perceber o quanto permanecem problem�ticas e incertas as rela��es entre o que os ocidentais -- mas somente os ocidentais -- chamam de realidade e imagin�rio. O surrealismo participa certamente da grande aventura rom�ntica, � qual ali�s p�e um termo. Ele � o resultado de uma evolu��o que come�a no final do s�culo XVIII, com William Blake, H�lderlin e Novalis, e prossegue no s�culo XIX com Baudelaire e Arthur Rimbaud. Mas para que a vontade desse �ltimo de "mudar a vida" procedendo a um "desregramento de todos os sentidos" suscitasse um tal entusiasmo, foi preciso que se produzisse na Europa um acontecimento maior: a Primeira Guerra Mundial, que revelou com clareza a fal�ncia da ci�ncia, da raz�o e da civil
iza��o ocidental como um todo, a qual, com Andr� Breton, Paul Eluard, Benjamin P�ret (influenciado pelo Brasil) e, antes deles, Tristan Tzara, o fundador do movimento dada -- cujo significado � exatamente nada --, volta-se contra si mesma. Os autores que acabam de ser citados come�am a levantar uma suspeita em rela��o a um "real" transviado (porque ins�pido e, sobretudo, portador de morte e n�o mais de vida), de uma religi�o mistificadora, de uma moral alienante, de uma "ci�ncia" tir�nica, n�o apenas redutora mas destruidora da complexidade humana, de uma literatura acomodada na ret�rica, em suma, de uma cultura hip�crita e vaidosa, imersa na lama das conven��es. Contra vinte s�culos de opress�o crist� e cinco s�culos de mutila��o cartesiana, eles preconizam a destrui��o total dos valores e a libera��o do desejo e do imagin�rio. A sua revolta n�o � mais propriamente rom�ntica, mas existencial. Eles t�m horror
das boas maneiras, do bom gosto, do bom senso, das "belas artes", do desabafo sentimental dos literatos. Eles se voltam contra o trabalho, a Igreja, a p�tria. Em Paris, de sua janela, Michel Leiris vocifera: "Abaixo a Fran�a!". Quanto a Andr� Breton, vai ao encontro de Trotsky e Diego Rivera, no M�xico, para levar sua contribui��o � revolu��o comunista internacional. O surrealismo �, sem d�vida nenhuma, o movimento pol�tico mais radical do s�culo XX. N�o se limita, ali�s, a um �nico dom�nio da cultura porque se remete igualmente � l�ngua, ao teatro (Antonin Artaud), ao cinema (Luiz Bunuel), � pintura (Salvador Dali). Ele inverte o estatuto rec�proco da imagem -- tida como subalterna ou mesmo suspeita na modernidade, ou seja, na ocidentalidade -- e do conceito, da noite e do dia, do autocontrole e da possess�o, do adulto e da crian�a. J� Tzara expressa seu rep�dio a uma obra de arte pensada, estimando que"o pensamento se faz n
a boca". Contra a onipot�ncia da raz�o, os surrealistas op�em a onipot�ncia do inconsciente, �nico a n�o mentir. Em uma f�ria de destrui��o -- e, no que diz respeito a Breton, de exclus�o progressiva da maioria dos membros do pr�prio grupo surrealista -- eles preconizam a explora��o do que � o inverso da l�gica: o sonho, a loucura,

a alucina��o. � como escreve Louis Arag�n: "o v�cio chamado surrealismo � a utiliza��o desregrada e passional do t�xico imagem". O homem dedica mais da metade de sua exist�ncia ao sono. Quando dorme, sonha, e � nesse momento que produz tesouros. Os surrealistas s�o revoltados que querem mudar as rela��es entre a arte e o real, a imagina��o e a raz�o e, assim fazendo, mudar o mundo. Eles n�o procuram tanto uma fuga da realidade, mas a condena��o de sua vers�o s�rdida para se atingir aquilo que chamam de uma "surrealidade", esse "ponto do esp�rito do qual a vida e a morte, o real e o imagin�rio, o em cima e o embaixo deixam de ser percebidos contraditoriamente" (Andr� Breton). Pela explora��o dos "sonos hipn�ticos", assim como da "escrita autom�tica", o poeta toma consci�ncia de sua aptid�o demiurgica de criar por imagens um universo novo. Retomando a id�ia dos Cantos de Maldororem que a poesia deve ser feita por t
odos e n�o por um s�, Breton estima que "� espec�fico do surrealismo o fato de ter proclamado a igualdade total de todos os seres humanos normais diante da mensagem subliminar, de ter constantemente afirmado que essa mensagem constitui um patrim�nio comum do qual s� depende de cada um reivindicar a sua parte". Tornando-se "vidente" no sentido rimbaudiano, ele desperta em si as faculdades adormecidas que lhe permitem criar uma realidade finalmente aut�ntica. O homem, "esse sonhador definitivo" (Breton), busca, experimenta, faz brotar aproxima��es inusitadas entre as palavras e as imagens, assim como combina��es desconcertantes, rela��es estranhas, colagens grotescas. Ele se aventura naquilo que foi desprezado pelos rom�nticos: a fei�ra. Ele se lan�a no roman noir, inventa novos m�todos (como a paran�ia-cr�tica de Dali). Seguindo Rimbaud e Lautr�amont, mas tamb�m Alfred Jarry, inventor da "pataf �sica" (o que n�o quer dizer nada, c
omo dada, mas que questiona atrav�s do humor as pretens�es derris�rias da metaf�sica), ele demonstra que as contradi��es s�o vitalizantes. Essa aspira��o a uma liberdade integral do imagin�rio -- quer dizer da cria��o do esp�rito -- que n�o se imp�e nenhum limite, expressa-se na reabilita��o de valores tais como o acaso, o jogo, a farsa, a gratuidade. J� no Manifesto dada, Tzara escreve: "Pegue um jornal, pegue tesouras, escolha um artigo, corte-o, corte a seguir cada palavra, coloque-as em um saco, agite..." A famosa semana de arte moderna de 1922, em S�o Paulo, eclode em um contexto bem diverso daquele que deu origem ao surrealismo parisiense. Trata-se aqui da contracomemora��o do primeiro centen�rio da independ�ncia do Brasil. Enquanto o movimento franc�s, ostensivamente dirigido contra a pr�pria id�ia de p�tria, � decididamente internacional ou mesmo internacionalista, o movimento brasileiro, por sua vez, busca fund
ar a na��o brasileira em um ato de ruptura em rela��o � Europa.
Um grupo de jovens escritores (Oswald e M�rio de Andrade) aos quais se somam pintores (Tarsila do

Amaral, E. Di Cavalcanti), escultores (Victor Brecheret) e m�sicos (HeitorVilla-Lobos) festejam a seu modo esse anivers�rio. Reunidos no Teatro Municipal de S�o Paulo, rasgam simbolicamente um livro de Cam�es (considerado ent�o como o mestre incontestado da l�ngua portuguesa) e declaram em subst�ncia que � preciso acabar com o passado colonial do Brasil e com a depend�ncia cultural da

linguagem, da arte e de todas as formas de express�o social de um pa�s cujo corpo se encontra na Am�rica, mas cuja alma permanece forjada na Europa. A originalidade do modernismo brasileiro, contrariamente aos modernistas hispano-americanos dos anos 1880-1890, � o de ser uma revolu��o est�tica radical insepar�vel de uma pesquisa social, que vai dar nascimento � sociologia brasileira. � o primeiro ato de uma tomada de consci�ncia coletiva, mais exatamente de uma busca, ao mesmo tempo, l�rica e cr�tica da identidade brasileira, ao assumir seus diferentes componentes e, entre eles em particular, o ind�gena. A revolta modernista se expressa em um ato de ruptura, tanto em rela��o ao estrangeiro (� a �poca em que a cidade de S�o Paulo se encontra submersa pelas ondas migrat�rias europ�ias) quanto ao velho Brasil colonial. Ela consiste em harmonizar, finalmente, a arte e a sociedade que se tornara industrial e urbana. Essa explos�o come�
a por interm�dio da pintura que parte em busca de temas nacionais inspirados particularmente pela Amaz�nia e Minas Gerais, mas sobretudo pelo pr�prio s�mbolo do mundo moderno: a cidade. Em 1917, organiza-se uma exposi��o de telas de Anita Malfatti que, em fun��o de suas liberdades expressionistas e fauvistas, provoca um verdadeiro esc�ndalo. Tarsila do Amaral pinta uma negra com l�bios grossos e seios enormes, assim como paisagens prolet�rias de S�o Paulo. Di Cavalcanti expressa a sensualidade da mulher brasileira, em especial da mulata. � ele quem primeiro percebe que "o Brasil � um dos pa�ses mais femininos do mundo". O que separa os modernistas de S�o Paulo dos surrealistas de Paris �, sobretudo, o car�ter "antropof�gico" dos primeiros. � sabido que os Tupis-guarani devoravam seus inimigos acreditando que se alimentavam com as qualidades de suas v�timas. Tomando-os como exemplo, os antrop�fagos paulistas da segunda d�cada do s
�culo XX procuram devorar os estrangeiros (os europeus em particular) para se apropriar de suas for�as vitais. A cultura europ�ia (sobretudo a pintura) � devorada, assim como a cidade grande moderna -- S�o Paulo -- devora os imigrantes que chegam para fazer deles brasileiros. Partindo da barb�rie ind�gena como fonte de identidade nacional, a antropofagia cultural busca p�r fim aos modos de importa��o. Ela afirma sua capacidade de integrar, ou melhor, de se alimentar de elementos vindos do estrangeiro, chamados a se tornar ingredientes de uma cultura nacional de exporta��o. E consegue isso. Por um lado, transmutando profundamente, isso �, "abrasileirando" os novos imigrantes. Por outro, partindo, a exemplo dos bandeirantes, para a conquista de novos territ�rios, mas dessa vez europeus. Logo em 1923, Villa-Lobos, Tarsila do Amaral, Di Cavalcanti, Oswald de Andrade recebem em Paris uma acolhida entusiasta. As rela��es (nutritivas) entre o Brasil
e a Europa, e particularmente a Fran�a, s�o na verdade infinitamente mais complexas. A maioria dos escritores e artistas que acabam de ser citados faz viagens pela Europa. Alguns devem sua forma��o � pr�pria Europa, outros a� nasceram. S�o profundamente influenciados pelo Manifesto futurista de Marinetti, o canibalismo dada de Francis Picabia, a poesia de Guillame Apollina�re. Em 1923, no pr�prio ano em que o grupo surrealista est� se constituindo em torno

de Breton, Oswald trava amizade em Paris com Blaise Cendrars e Tarsila estuda na capital francesa com Andr� Lothe e Fernand L�ger. O epicentro que � o fermento de suas id�ias, ou mais exatamente da sua revolta ("concretista"), situa-se incontestavelmente em Paris. Mas, dessa vez, n�s n�o estamos mais em um processo de depend�ncia, como na �poca do romantismo no Brasil. Os modelos da escola de Paris s�o utilizados para libertar o pa�s das modas importadas da Europa. O que equivale dizer que a Fran�a age sobre os modernistas de S�o Paulo como revelador da cultura brasileira. Ela lhes permite expressar sua brasilidade, ao repensar a Amaz�nia, ao redescobrir o barroco de Minas Gerais para onde eles viajam com Blaise Cendrars, enquanto os franceses (Cendrars, Benjamin P�ret, Darius Milhaud) v�o progressivamente se deixar transformar pelo Brasil. Acima das diferen�as que separam os surrealistas parisienses e os modernistas de S�o Paulo, uma mesma v
ontade de provoca��o e de ruptura os re�ne. Eles pertencem � mesma fam�lia espiritual. Partem ambos para a guerra contra a ret�rica, a eloq��ncia, a tagarelice, a literatura distinta e pretensiosa e procuram subverter n�o somente a cultura, mas a sociedade. Os brasileiros v�o, a nosso ver, mais longe que os franceses na radicalidade da empreitada que consiste em restituir todos os direitos do imagin�rio. H� sempre algo de afetado na obra de Breton, que d� provas, ali�s, na organiza��o do movimento surrealista, de um grande dogmatismo. O Manifesto antropof�gico, de Oswald de Andrade, fornece mostras de uma liberdade e de uma aptid�o para a cria��o de imagens ainda maior que o Manifesto surrealista, de Andr� Breton. Tudo acontece como se o surrealismo, imaginado na Fran�a, estivesse com alguns anos de intervalo se realizando no Brasil nessa intensa fermenta��o e transbordamento do imagin�rio que permanece um fen�meno rar�ss
imo na hist�ria de uma sociedade. Os modernistas substituem a l�gica � francesa pelo instinto, o metaf�sico pelo concreto ("n�s somos todos concretistas", diz Oswald de Andrade), a composi��o pelo grito, o pensamento pelo corpo, os sentimentos pela sensa��o. Em suma, nada de mais surrealista. Mas se compararmos os franceses dessa �poca a seus equivalentes brasileiros, os primeiros parecem quase temerosos. Falta-lhes aud�cia na transmuta��o imagin�ria da realidade. J� Macuna�ma, esse �ndio de pele negra e de olhos azuis inventado por M�rio de Andrade e que � o s�mbolo comp�sito de uma na��o "sem car�ter", vai at� o fim de seus desejos. Faz a apologia do furor, do canibalismo e do comunismo sexual. Percorrendo a floresta virgem, ele mata sem querer a sua m�e. Seduz a rainha das amazonas que lhe d� um talism� que ele perde e que cai nas m�os de um paulista. Parte, com os irm�os, em busca desse talism� e se transforma
em constela��o.

COMPREENDER E SONHAR
A hist�ria que contaremos acontece em Paris em 26 de dezembro de 1934. Em um caf� da Place Blanche, uma parte do grupo surrealista est� reunida e discute muito em tomo de pequenas sementes trazidas por um deles do M�xico. Todos t�m os olhos fixos nos gr�os, quando alguns desses come�am a... pular! Milagre? Mist�rio? Manifesta��o ins�lita? Quebra da ordem do real? De que se trata?

Os dois protagonistas da discuss�o que, como veremos, vai degenerar em briga rapidamente, s�o Andr� Breton e Roger Caillois. Do primeiro j� falamos. Quanto ao outro, � preciso lembrar que foi tradutor de Jorge Luis Borges e contribuiu para tornar a literatura latino-americana conhecida na Fran�a, particularmente a obra de Jorge Amado. Roger Caillois, ent�o, j� que � dele que falamos, prop�e que se abra um desses curiosos gr�os. Mas imediatamente, Breton se zanga: n�o, de jeito nenhum! Existem v�rias vers�es da continua��o dessa hist�ria, aparentemente das mais banais. Caillois teria sido exclu�do do movimento surrealista por Breton, ou se afastou espontaneamente, como afirma em um texto de 1975, ou seja, quarenta e um anos depois -- o que prova que o assunto ainda o preocupava. Se contamos essa hist�ria, � porque ela nos parece reveladora de duas atitudes e talvez mesmo de duas fam�lias de esp�rito e, em todo caso, de dois tipos de
rea��o perante o ins�lito e o incr�vel. A primeira consiste em compreender e explicar aquilo que se qualifica em geral, por falta de palavra melhor, de "irracional". Nunca a intelig�ncia, e particularmente a intelig�ncia cient�fica, deve desistir diante daquilo que parece, � primeira vista, inexplic�vel. �, por exemplo, a atitude da psican�lise, e particularmente a de Sigmund Freud, seu fundador, em rela��o aos sonhos: procurar e encontrar uma l�gica para a sua interpreta��o. A segunda, pelo contr�rio, � uma atitude que podemos qualificar de m�gica, mas tamb�m de po�tica. Para Andr� Breton, que denuncia o "olhar gelado do etn�logo", a beleza deve ser "convulsiva": deve atingir o imagin�rio e transtornar todo o ser humano. A racionalidade moderna consiste, em v�rios aspectos, no abandono do princ�pio de analogia (a palavra mais bonita em uma l�ngua, escreve Breton, � a palavra "como") para a ado��o do princ�pio de
casualidade: a explica��o a todo custo daquilo que n�o compreendemos, mas que pode levar ao risco maior de um mundo desencantado. O que Caillois reivindicava n�o era em absoluto a dissolu��o do imagin�rio em uma explica��o definitiva, mas o equil�brio -- no��o francesa por excel�ncia -- entre a raz�o e a imagina��o, a ci�ncia e a poesia. Ele deixou o movimento surrealista ou foi exclu�do dele -- n�o importa aqui -- porque julgou que esse movimento estava renunciando � sua ambi��o (a do conhecimento) para degenerar em jogos de sal�o. J� Andr� Breton qualificava essa posi��o de "antil�rica". O que ele queria era resgatar todos os direitos e restituir toda a dignidade � arte, � magia, enfim �s faculdades criativas e imagin�rias desprezadas pela sociedade ocidental. Acreditamos que essa tens�o n�o existe unicamente entre aquilo que cham�vamos mais acima de duas fam�lias de esp�rito. Parece-nos que ela perp
assa cada um de n�s.

O realismo m�gico
As reflex�es precedentes devem ser encaradas como s�o: proposi��es provis�rias que permitem que nos orientemos na floresta espessa -- ou floresta transformada em cidade ou labirinto -- do imagin�rio. Mas existem (particularmente na Am�rica Latina, e talvez entre as sociedades da Am�rica Latina e do Brasil) problemas de fronteira e uma confus�o de limites n�o somente entre o maravilhoso e o fant�stico, mas entre o real e o imagin�rio. Jorge Luis Borges: "a realidade se confundia com o sonho. Melhor dizendo, o real era uma virtualidade do sonho". Alejo Carpentier: "quanto mais um acontecimento lhe parecer� inveross�mil, mais voc� poder� ter certeza que ele � exato". Jo�o Guimar�es Rosa: "o que nunca se viu, aqui se v�". A pr�pria realidade da Am�rica Latina parece �s vezes ultrapassar a fic��o se apresentando como ins�lita e incr�vel. Assim como escreve Gabriel Garcia Marques, "o descomedimento faz parte da nossa realidade".
Consultamos, certa vez, em S�o Paulo, uma curandeira descendente de �ndios Xavante. Ela entra em transe e come�a a "incorporar" o "esp�rito" de Mestre Philippe, o taumaturgo lion�s que, nos anos 1890, recebia doentes em casa, antes de se tornar conselheiro do tsar Nicolau II, na corte da R�ssia. A curandeira mant�m um contato direto e cotidiano com ele, que lhe dita f�rmulas homeop�ticas. Voltando, como dir�amos, � raz�o, ela nos entrega uma receita que acaba de redigir em estado "medi�nico", prescrevendo as preciosas dilui��es infinitesimais que nos s�o necess�rias, assim como o endere�o de uma farm�cia que fabrica produtos homeop�ticos. Outro dia em Porto Alegre, convidados a participar de uma sess�o chamada de "materializa��o de esp�ritos", presenciamos durante uma hora, na escurid�o absoluta, uma confus�o indescrit�vel. Quadros pendurados na parede, assim como crucifixos fracamente iluminados, despregam-se, atravessa
m a sala e caem no ch�o. Objetos diversos colocados sobre uma mesa (vasos, livros, discos) v�o para o ch�o, enquanto assistimos a fen�menos de "oferendas" (surgem rosas). Uma leve brisa pode ser sentida assim como m�os que acariciam os cabelos dos participantes. Enfim, os "m�diuns materializadores", sentados em poltronas, s�o projetados de uma ponta a outra da sala. A realidade e a fic��o confundidas se manifestam tamb�m na escolha de nomes para os filhos. Dessa forma, no Nordeste brasileiro podemos encontrar pessoas que se chamam Chave de Bronze, Dinossauro, �ter Sulf�rico, Magn�sia Bisurada, Pif Paf, Lan�a Perfume, C�lica de Jesus, V�tor Hugo da Encarna��o, Martin Luther dos Santos. Um funcion�rio da prefeitura de Garanhuns chamou seus dois filhos de John Kennedy e Robert Kennedy. Um certo Kuroki Bezerra de Menezes chamou cinco de seus filhos de Kilza, K�tia, Keila, K�nia, Kadja. O campe�o no g�nero �, sem d�vida, Jer�nim
o Ribeiro Rosado, habitante de Mossor�. Foi pai de 21 filhos dos quais quinze receberam, respectivamente, o nome de Terceiro, Sexto, S�timo, Oitavo, Nono, D�cimo, D�cimo Primeiro,

D�cimo Segundo, D�cimo Terceiro, D�cimo Quarto, D�cimo Quinto, D�cimo Sexto, D�cimo Nono, Vig�simo, Vig�simo Primeiro. Encontramos (igualmente no Nordeste) um rio de �gua fervente que vai dar no oceano. Vimos em Bel�m guar�s que, de tanto comer camar�o, ficam com cor de camar�o. S�o camar�es voadores. Em Comodoro Rivadavia, no sul da Argentina, o vento havia um dia levado pelos ares um circo inteiro. No dia seguinte, pescadores traziam nas redes tigres, le�es e girafas.
Descobrindo a Am�rica, os primeiros conquistadores ficaram literalmente abismados. Percebemos bem ao ler o Di�rio de Crist�v�o Colombo, que � a primeira narrativa mitol�gica americana, descrevendo plantas fabulosas e seres fant�sticos. Todos insistem: n�s nunca hav�amos visto algo semelhante, n�o se parece com nada que voc� conhece. Cortez n�o sabe como expressar "a grandeza, as estranhas e maravilhosas coisas dessa terra", "coisas que mesmo mal descritas, tenho certeza que ser�o t�o admir�veis que n�o se poder� acreditar nelas, porque n�s que as vemos com nossos pr�prios olhos, n�o podemos, no nosso esp�rito, compreend�-las". J� Bernal Diaz dei Castillo, pergunta "se tudo aquilo que v�amos n�o era um sonho". E � medida que avan�am -- pensamos por exemplo em Gaspar de Carjaval, o histori�grafo da miss�o comandada por Orellana que descobre o Amazonas e a Amaz�nia, um rio que � um mar, uma floresta sem fim -- o fant E1stico ultrapassa a realidade. Recomendamos ao leitor essa experi�ncia -- sempre atual -- do fant�stico amaz�nico, acrescentando, entretanto, que n�o se passa ileso por ela. Quem nunca encontrou o leito do rio-mar inundado de luz ou de chuva, segundo os dias, segundo as horas, transbordante de entulhos, de cip�s, de �rvores gigantes desenraizadas vindo a toda velocidade em sua dire��o, amea�ando a gaiola que o leva at� Manaus, quem nunca freq�entou a noite amaz�nica n�o sabe at� onde a natureza pode chegar em suas possibilidades. A natureza e tamb�m os homens. O absurdo, o paradoxo e o incr�vel est�o no cora��o do continente latino-americano, mas tamb�m da hist�ria latino-americana propriamente dita. E isso acontece logo no come�o dessa hist�ria. Na chegada de Cortez, a popula��o mexicana era de 25 milh�es de habitantes, mais ou menos. Cento e trinta anos depois, ela est� reduzida a um milh�o e meio de pessoas. Bernal
Diaz dei Castillo, no in�cio, d� o t�tulo de Hist�ria da conquista da Nova Espanha � sua cr�nica. Depois, � medida que escreve, pondera: o leitor n�o vai acreditar, vai pensar que n�o se trata da hist�ria do que aconteceu l�, mas de uma obra de vem". A bela Rem�dios, que desaparece e da qual nunca mais se encontrar� vest�gios, n�o �, de fato, um caso isolado. Durante a ditadura argentina, milhares de pessoas "desapareceram". Sem explica��es. Sem raz�es.

Um grande n�mero (para n�o dizer a maioria) de escritores latino-americanos dedicou pelo menos um de seus romances � figura do ditador sanguin�rio e grotesco, "�nico personagem mitol�gico", segundo Garcia M�rques, "que a Am�rica Latina produziu". Ast�rias, O senhor presidente; Juan Rulfo, Pedro P�ramo; Alejo Carpentier, O recurso ao m�todo; Roa Bastos, Eu, o supremo; Mario Vargas Llosa, Conversas na catedral; Carlos Fuentes, Artemio Cruz, que � o prot�tipo do caudillo; Garcia Marques, O outono do patriarca, "uma s�ntese de todos os ditadores latino-americanos".

Se � pelo par�dico e o grotesco que essas obras nos convidam a entrar na realidade das sociedades da Am�rica Latina, � porque a pr�pria realidade � grotesca e tende a parodiar a si mesma. Lendo-as, mergulhamos nos meandros do s�rdido e do ign�bil. Ambiente de pesadelo. Comportamentos delirantes. Despotismo exacerbado. Brutalidade megaloman�aca. Corrup��o e suspeita generalizadas. Derrocada e decomposi��o da sociedade. O ditador parece dotado de todas as abje��es do mundo. Mas esses livros se inspiram em tiranias reais, em figuras sinistras de torturadores psicopatas que nada t�m de imagin�rios. N�o s�o apenas as narrativas fabulosas que s�o extraordin�rias e extravagantes e muitas vezes, para n�s, incr�veis, mas a pr�pria realidade que se apresenta como uma realidade alucinada. Realismo, hiper-realismo, surrealismo das tiranias por si mesmas desmedidas e fazendo apelo a uma escrita do desmedido (mas tamb�m da extrema concis�
o). Na Am�rica Latina, nas fronteiras do geol�gico, do bot�nico, do zool�gico, do clim�tico, do psicol�gico e do cultural, a realidade das paisagens e dos homens � mais extravagante que em outros lugares. Mais do que em outros lugares, as coisas parecem levadas ao extremo, tanto no espl�ndido quanto no horror. O luxo � mais ostentado. A riqueza e a pobreza s�o mais fortes. V�rios cineastas estrangeiros (S. Eisenstein, Bunuel) tentaram exagerar. Mas n�o � certeza que a realidade n�o os tenha alcan�ado. Compreendemos, nessas condi��es, que o surrealismo iria encontrar na Am�rica Latina o seu continente predileto. O que uns chamam de "realismo m�gico" (Ast�rias) ou "realismo alucinado" (Caillois), outros de "realismo maravilhoso" (Carpentier), ou ainda de"realismo m�tico" (Octavio Paz), s�o na verdade v�rias maneiras de se designar o que na Europa chamamos de surrealismo, que "encontramos em estado bruto, latente, onipresente em tud
o que � latino-americano" (Carpentier). E o modelo, se existir modelo, deve ser procurado na arte das civiliza��es pr�-coloniais que introduziram o sonho no cora��o da vida, n�o fazendo nenhuma diferen�a entre o que consideramos noturno e diurno. Assim, diz Ast�rias: "Meu realismo � m�gico porque ele se assemelha um pouco ao sonho tal como o concebiam os surrealistas. Tal como o concebiam tamb�m os ma�as em seus textos sagrados. Lendo-os, me dei conta que existe uma realidade criada pela imagina��o e que se reveste de tantos detalhes que se torna ela tamb�m t�o "real" quanto a outra". Ou, mais categ�rico ainda: "A Guatemala � um pa�s surrealista". Quantas diferen�as, no entanto, entre a vis�o de uns e de outros. Os surrealistas europeus procuram fugir de sua civiliza��o enquanto os surrealistas latino-americanos (e tamb�m, sob v�rios aspectos, os modernistas brasileiros) procuram reencontr�-la. Os primeiros se deixam sedu
zir pela fuga e exotismo, enquanto para os segundos o estranho, o irreal e o fant�stico constituem o que todos eles chamam de "nossa realidade". Os surrealistas parisienses se atribuem uma miss�o a longo prazo: romper com o modo de pensar europeu, enquanto esse mesmo projeto se encontra em parte realizado

na Am�rica Latina e no Caribe. Finalmente, os primeiros sonham, pensam e imaginam o que os segundos est�o vivendo. E essa diferen�a de ponto de vista vai logo levar a um certo n�mero de malentendidos.
O primeiro diz respeito ao senso de humor muito particular que encontramos na Am�rica Latina e que Octavio Paz resume assim: "fascina��o muito hisp�nica pelo grotesco e monstruoso, pelos extremos e pelos c�mulos". Nenhum lugar foi reservado para esse humor latino na Antologia do humor negro de Andr� Breton que, ali�s, na sua fun��o de chefe do movimento surrealista, deu provas de t�o pouco humor. Breton, te�rico da fantasia, mas com tanta seriedade. Na capa de um exemplar do livro de Breton, Anthologie de l'humour noir, Julio Cort�zar riscou algumas palavras: "Andr� noir, Anthologie de l 'humour Breton". Humor ent�o, mas at� o fim, e muito mais forte. Na fic��o. Mas tamb�m na realidade.

No M�xico, o partido no poder desde a revolu��o de 1910 se chama PRI: Partido Revolucion�rio Institucional. Seu nome soa como uma piada. O M�xico � um dos pa�ses mais cat�licos do mundo, mas o ensino religioso � teoricamente proibido, mesmo nas escolas religiosas. Na outra ponta do continente, uma radialista de nome Eva Duarte se eleva, pelo casamento, � presid�ncia da Rep�blica. Torna-se Eva Per�n, a mulher mais adorada de toda a Argentina. N�o freq�entando os meios pol�ticos, mas sobretudo sendo jovem demais na �poca, n�o tivemos nunca a ocasi�o de nos relacionar com Eva Per�n. Em compensa��o, n�s a encontramos muito recentemente enquanto "esp�rito desencarnado" em Fortaleza. Hoje, Eva Per�n n�o � mais argentina, mas brasileira. Faz -- n�s ouvimos -- um diagn�stico muito sombrio sobre a evolu��o social e pol�tica do Brasil. Mas afirma, assim mesmo, que em breve um salvador -- que de acordo com sua descri��o
parece com um irm�o de Juan Per�n -- vai aparecer. Em 1974, quando morre o general argentino, � sua terceira esposa, Isabel, que o sucede na presid�ncia da Rep�blica. Antiga dan�arina de cabar�, convoca um not�rio terrorista, Jos� Lopes Rega, especialista em seq�estras, espolia��es e outros delitos de direito comum, e lhe confia o minist�rio do Bem-Estar Social. Em 1991, o presidente Carlos Menem pro�be a entrada no Pal�cio Presidencial de Buenos Aires de sua mulher, que passa a fazer oposi��o ao regime. No mesmo ano, as aventuras extraconjugais do presidente Fernando Colior de Mello s�o manchetes nos jornais e televis�es brasileiros, enquanto Rosane, sua mulher, posa para as c�meras e para os fot�grafos, saia bem levantada, deixando aparecer a calcinha branca. Voltemos ao surrealismo propriamente dito, ou seja, ao movimento que tem esse nome. Os latino-americanos n�o t�m exatamente a mesma vis�o que os franceses. Ast�rias:
"Creio que o surrealismo franc�s � muito intelectual, enquanto em meus livros, o surrealismo adquire um car�ter completamente m�gico, completamente diferente. N�o � uma atitude intelectual, mas uma atitude vital, existencial. � a do �ndio que com uma mentalidade primitiva e infantil, mistura o real e o imagin�rio, o real e o sonho. Tudo -- homens, paisagens e coisas -- banha em um clima surrealista, de loucuras e

imagens justapostas (...). Meus livros parecem com as pinturas murais do M�xico nas quais tudo se mistura: camponeses, lebres, arcebispos, aventureiros, mulheres de m� vida, assim como nossa natureza, vastas plan�cies e florestas imensas onde n�s n�o somos nada al�m de pobres seres perdidos". Ainda Ast�rias: "Enquanto hispano-americanos, n�s somos iconoclastas de nascimento. A viol�ncia tel�rica de nosso continente nos inculcou o charme da destrui��o e o surrealismo matou nossa sede juvenil de quebrar tudo para partir para novas conquistas. Entretanto, acredito que o surrealismo que atribuem a certas obras minhas se remete menos a influ�ncias francesas que ao esp�rito que anima as obras primitivas maias. Encontramos no Popolvuh e nos Anais dos Xahil, por exemplo, aquilo que poder�amos chamar de surrealismo l�cido, vegetal, anterior a tudo que nos � conhecido". Alejo Carpentier vai bem mais longe. Ele faz quest�o n�o somente de se distanci
ar das tend�ncias did�ticas dos surrealistas franceses, muito refrat�rios ao senso de fantasia e de humor latino-americano, mas recrimina neles uma "burocratiza��o do sonho", quer dizer, uma explora��o do maravilhoso: "de tanto querer criar o maravilhoso a qualquer pre�o, os taumaturgos tornam-se burocratas". Em suma, o maravilhoso latino-americano n�o � a magia no sentido de Breton. "A sensa��o do maravilhoso", escreveu ainda Carpentier, "pressup�e uma f�, isso, claro, independentemente de qualquer op��o religiosa e uma liga��o constante com nossa terra e nossa hist�ria". A Am�rica � a terra dos mitos, a terra daqueles que pertencem �quilo que Vasconcelos chama de "ra�a c�smica". Surrealismo, sim, quer dizer at� o fim, e mais profundamente surrealista, ent�o, quer dizer americano. O pr�logo do Reino desse mundo, de Carpentier, encerra-se com estas palavras: "Mas o que � a hist�ria da Am�rica inteira se n�o for um
a cr�nica do 'real maravilhoso'?". O que � uma maneira de sugerir que a pr�pria exist�ncia pode ser considerada como uma fic��o e que a vida � um romance. Borges vai ainda mais longe, estimando que a realidade � uma ilus�o, e a fic��o, a realidade, � qual n�s podemos todos ter acesso pela leitura: Shakespeare n�o � somente Shakespeare, mas todos os homens. E, lendo Shakespeare, n�s nos tornamos Shakespeare.

EXISTE UM IMAGIN�RIO CIENTIFICO?
O que caracteriza as sociedades modernas e, sem d�vida, o pr�prio esp�rito do que chamamos de modernidade � o dualismo. O homem da modernidade aparece como um ser n�o apenas dividido, mas assumindo a divis�o. De um lado, a subjetividade e, do outro, a objetividade. De um lado a paix�o, do outro a raz�o. De um lado a produ��o de imagens ligadas � afetividade, do outro a concep��o de id�ias, elaboradas pela intelig�ncia. De um lado a embriagues do imagin�rio que festeja, do outro a sobriedade da ci�ncia que trabalha. � pelo menos uma dessas representa��es dominantes que uma

grande parte daqueles que foram formados no cadinho do Ocidente ou que foram ocidentalizados tem das fun��es respectivas da ci�ncia e da arte. A primeira descobriria verdades com esfor�o, enquanto a segunda criaria alegremente ilus�es. Tudo o que est�, ent�o, do lado do imagin�rio pertenceria � categoria da fantasia, do capricho, da dispers�o, da evas�o (fugir do mundo), da confus�o, mas tamb�m do prazer (dar prazer e se dar o prazer), enquanto a racionalidade, conquistada em luta contra nossas faculdades (tidas como falsificadoras) da intui��o e vis�o, teria como preocupa��o abarcar a realidade, isto �, aderir ao mundo. Esse conceito de uma ci�ncia livre de qualquer subjetividade, estimando que n�o pode existir mito na ci�ncia nem ci�ncia no mito, � evidentemente n�o apenas uma mitologia mas uma mistifica��o. Vamos, ent�o-, voltar seriamente (sem, no entanto, esquecer que o homem que se dedica ao trabalho faz tamb�m p
arte de uma esp�cie l�dica) � pergunta colocada por esse cap�tulo que, na nossa opini�o, cont�m dois aspectos: 1) as imagens que os homens e mulheres da nossa �poca t�m da ci�ncia (elas n�o se remetem todas, como veremos a seguir, ao sentido da purifica��o positivista que acaba de ser evocado); e 2) o papel da imagem e do imagin�rio no pr�prio processo cient�fico. 1) A fic��o liter�ria precede muitas vezes a realidade das descobertas cient�ficas e de suas aplica��es t�cnicas. � s� evocar as obras de antecipa��o de J�lio Verne, por exemplo, Cem mil l�guas submarinas (1883), que precedeu (influenciou?) a constru��o de submarinos, ou ainda, Admir�vel mundo novo, de Aldous Huxiey (1932), que teve, muito antes da hora, a intui��o dos "beb�s de proveta". Antes de ser pensadas por cientistas, muitas inven��es foram primeiro imaginadas por escritores ou poetas. O fato j� � suficientemente conhecido para que
n�o insistamos nele aqui. Em compensa��o, gostar�amos de insistir no processo, por assim dizer, inverso: os sonhos e utopias forjados a partir de imagens que se pode ter da ci�ncia. Vamos tomar o exemplo do imagin�rio religioso, que pode ser considerado como um imenso laborat�rio de s�mbolos e mitos, ao qual apelamos para inventar novas rela��es com o que chamamos, em geral -- por falta de palavra melhor --, de sagrado. O que aparece hoje � que um n�mero crescente de express�es religiosas de nossas sociedades est� se recompondo a partir de um imagin�rio cient�fico e tecnol�gico, buscando conjugar segundo os casos a religi�o e a f�sica (no movimento esp�rita), a religi�o e a psicologia (nas formas "novas" de psicoterapia), a religi�o e a medicina (como na Igreja da Cientologia), a religi�o e a inform�tica (os m�rmons), a religi�o e a conquista espacial (o movimento raeliano).
O imagin�rio cient�fico (e o imagin�rio num�rico especialmente) parece-nos irrigar uma parte n�o desprez�vel da modernidade religiosa da nossa �poca, que se reconstitui ao tomar contato com as descobertas mais recentes da f�sica qu�ntica, das t�cnicas m�dicas de reanima��o ou ainda das telecomunica��es reinterpretadas por interm�dio da fic��o cient�fica e do cinema fant�stico: os "poderes do esp�rito", a "telepatia", a "vida depois

da morte". 2) O processo cient�fico, da mesma forma que o processo liter�rio, e mais precisamente romanesco, consiste em fazer variar os pontos de vista. Um mesmo fen�meno pode ser estudado e analisado de maneiras diferentes. � a raz�o pela qual existem diferentes modalidades cient�ficas e � por ela sobretudo que a ci�ncia n�o parou de evoluir ao longo da hist�ria. � a utiliza��o desse princ�pio de varia��es, ou mais precisamente, de inven��o de varia��es novas -- chamadas de hip�teses, que devem ser confirmadas ou negadas pelos fatos -- que separa o trabalho do pesquisador cient�fico daquele do t�cnico que, por sua vez, aplica os resultados (sempre provis�rios) da pesquisa, executa e repete as opera��es. A ci�ncia como a arte, ali�s, n�o busca copiar a realidade e descrever o mundo tal como �, mas elaborar sistemas simb�licos para apreci�-lo. Ela n�o � uma atividade de reprodu��o do real, quer dizer a im
ita��o de algo que seria anterior ou exterior ao pr�prio ato da descoberta, mas da produ��o de experi�ncias que ser�o organizadas e reunidas, compostas e recompostas em um texto (por exemplo, um artigo em uma revista cient�fica) que ele mesmo organiza a partir de outros textos. Fora o fato que um certo n�mero de pensadores teve intui��es e ilumina��es sonhando (come�ando por Descartes, um dos fundadores, junto com Newton, do m�todo cient�fico), a pesquisa, a experimenta��o, a an�lise cient�fica procedem incontestavelmente da imagina��o: fazem existir algo que n�o existia antes, ou criam rela��es entre duas realidades at� ent�o percebidas como distintas. Da mesma forma que em suas respectivas �pocas Rodin, C�zanne e Picasso inventam novos meios de ver -- e tamb�m de conhecer -- que ser�o, � bom lembrar, rejeitados pela maioria de seus contempor�neos como"n�o realista", em um processo id�ntico, Einstein, Pla
nk e Heisenberg inventam novas maneiras de perceber e compreender a natureza (a teoria da relatividade), que nos desconcertam ainda hoje, como nos desconcerta a inven��o da psican�lise por Freud. A teoria da relatividade nos introduz � compreens�o de um universo, n�o mais de tr�s, mas de quatro dimens�es, no qual o espa�o se dobra, se deforma, o tempo pode ralentar, se acelerar e mesmo voltar para tr�s. As revolu��es cient�ficas podem ser tidas como compar�veis �s revolu��es art�sticas: longe de imitar a realidade, elas prop�em novos quadros de refer�ncia, novos sistemas de s�mbolos que ser�o freq�entemente ajustados por equipes de pesquisadores, mas podendo tamb�m ser abandonados por novas interpreta��es. Claro, o laborat�rio do cientista que pesquisa n�o � o orat�rio de um monge que reza ou o ateli� de um pintor. A ci�ncia n�o � o lugar de uma liberdade total, pois as experi�ncias devem sempre ser desenv
olvidas sob um controle escrupuloso. � preciso, no entanto, lembrar que toda ci�ncia � humana, quer dizer, elaborada

por seres humanos. E estes �ltimos, ao inv�s de renunciar �s imagens em benef�cio de conceitos (� o estere�tipo de um pensamento cient�fico que seria n�o figurativo), sempre lan�aram m�o de uma atividade de representa��o visual: a formaliza��o gr�fica, o esquema explicativo, a imagem num�rica.

CONCLUS�ES
O conceito de representa��o engloba toda a tradu��o e interpreta��o mental de uma realidade

exterior percebida. A representa��o est� ligada ao processo de abstra��o e a id�ia � uma representa��o mental que se configura em imagens que temos de uma coisa concreta ou abstrata. Assim, a imagem se constitui como representa��o configurativa da id�ia traduzida em conceitos sobre a coisa exterior dada. A representa��o de uma institui��o acad�mica, como a universidade, � a id�ia de universidade em que se processa os conceitos que temos de universidade e que se figura em imagens mobilizadoras. O imagin�rio faz parte do campo de representa��es, mas n�o � uma tradu��o reprodutora ou uma transposi��o de imagens. Para evocar uma universidade imagin�ria n�o recorremos a conceitos sobre universidade, mas � hist�ria, � literatura e aos valores efetivos que a ela atribu�mos. Essa institui��o consiste n�o apenas da representa��o que temos de universidade, mas ao aspecto contido nas narrativas hist�ricas so
bre as origens da constru��o do saber institu�do e aquilo que foi idealizado como sendo uma universidade mais os nossos sentimentos, valores, emo��es e expectativas que temos em rela��o a ela. O imagin�rio ocupa um lugar na representa��o, por�m ultrapassa a representa��o intelectual. Os s�mbolos constituem-se de aspectos formais (significantes) e de conte�dos (significados). Esses s�o polissem�nticos e, embora sejam conduzidos pelos significantes, ultrapassam-nos adquirindo sentidos prospectivos. O imagin�rio � constru�do e expresso atrav�s de s�mbolos. O car�ter afetivo contido no imagin�rio o faz diferir do conceito de imagina��o, pois essa tamb�m se encontra no processo do conhecimento cient�fico que estabelece, atrav�s de imagens mobilizadoras, correla��es entre os conceitos atrav�s de procedimentos intelectuais elaborados, expressos em signos. Enquanto o imagin�rio consiste na utiliza��o, forma��o
e express�o de s�mbolos, a imagina��o cient�fica � limitada pela raz�o conceituai e encontra a sua adequa��o expressiva nos signos. Estes, ao contr�rio dos s�mbolos, est�o diretamente relacionados aos seus significantes que os remetem a dire��es �nicas definidas com significados limitados ao campo da representa��o formal. Imagin�rio n�o significa, por�m, aus�ncia da raz�o, mas apenas a exclus�o de racioc�nios demonstr�veis e prov�veis, os quais constituem o fundamento da imagina��o cient�fica. A raz�o encontra-se no imagin�rio e no sentido da l�gica interna, que n�o � contr�ria ao real, mas que, como um caleidosc�pio, recria, reconstr�i, reordena e reestrutura, criando uma outra l�gica que desafia a l�gica formal. Nesse sentido, o imagin�rio � um processo cognitivo no qual a afetividade est� contida, traduzindo uma maneira espec�fica de perceber o mundo, de alterar a ordem da realidade. O
imagin�rio possui um compromisso com o real e n�o com a realidade. A realidade consiste nas coisas, na natureza, e em si mesmo o real � interpreta��o, � a representa��o que os homens atribuem �s coisas e � natureza. Seria, portanto, a participa��o ou a inten��o com as quais os homens de maneira subjetiva ou objetiva se relacionam com a realidade, atribuindo-lhe significados. Se o imagin�rio recria

e reordena a realidade, encontra-se no campo da interpreta��o e da representa��o, ou seja, do real. Quando distinguimos no imagin�rio o universo da fantasia no qual se encontram o maravilhoso e o fant�stico, n�o pretendemos tra�ar divis�rias ou dicotomias nos processos ps�quicos, mas apenas enfatizar com nomes diversos as diferen�as em grau dessas distintas atividades do imagin�rio A produ��o de deuses no imagin�rio segue o discurso de um real estabelecido pelas interpreta��es religiosas, da mesma maneira que as a��es de dom Quixote seguem os c�digos das representa��es medievais. A fantasia n�o prop�e apenas outra realidade na qual os objetos est�o sujeitos �s suas novas regras e normas, mas tamb�m ultrapassa as representa��es sistematizadas pela sociedade, criando outro real. N�o deixa de ser real, porque n�o � ilus�o ou loucura, mas uma outra forma de conhecer, perceber, interpretar e representar a realidade.
Possui uma l�gica pr�pria compartilhada pela coletividade, que desafia a descren�a na exist�ncia de seres extraordin�rios e nas experi�ncias ins�litas.

INDICA��ES PARA LEITURA
O leitor que quiser mais informa��es sobre esse assunto poder� encontrar nas s�ries da cole��o Primeiros Passos os t�tulos que tratam das tem�ticas vinculadas ao imagin�rio, como magia, mito, religi�o, umbanda, astrologia, candombl�, vampiro e espiritismo. O livro Aprender etnopsiquiatria (Brasiliense, 1994) de Fran�ois Laplantine examina a quest�o do imagin�rio referida �s concep��es sobre doen�a ps�quica em diferentes contextos socioculturais. As obras de G. Bachelard que tratam dos quatro diferentes elementos da natureza -- ar, fogo, �gua e terra -- abordam as evoca��es inspiradas pelas experi�ncias e percep��es desses elementos. No livro O ar e os sonhos (Martins Fontes, 1994) Bachelard relata, utilizando textos liter�rios de prosa e poesia, as interpreta��es evocadas pela percep��o do movimento contido no ar, que conduz � imagina��o do ascender ou da queda, o v�o libertador e a vertigem do vendaval. Em a
A Psican�lise do fogo, (Martins Fontes) traduz os simbolismos do fogo, existentes desde as primeiras experi�ncias do homem com esse elemento, vital para a exist�ncia da vida cultural. Disc�pulo de Bachelard, Gilbert Durand constr�i sua teoria do imagin�rio, marcadamente influenciada pela psicologia anal�tica de Jung. Em sua obra principal "As estruturas antropol�gicas do imagin�rio (Presen�a, Lisboa, 1989), Durand formula os pressupostos b�sicos de sua teoria sobre a imagina��o simb�lica como constru��o cultural que emerge das estruturas do inconsciente humano. Roger Caillois em sua obra Acercamientos a Io imaginario (Fondo de Cultura Econ�mica,

M�xico, 1989), aborda os v�rios estudos realizados pelo movimento surrealista que coloca o imagin�rio como quest�o central da experi�ncia humana. Em rela��o aos temas que tratam das produ��es do imagin�rio como o fant�stico, o extraordin�rio e o maravilhoso, recomendamos a leitura de T. Todorov, Introdu��o � literatura fant�stica (Perspectiva, 1992).

Sobre os autores
Fran�ois Laplantine � professor de Etnologia na Universidade de Lyon II, na Fran�a. � autor de A etnopsiquiatria (�ditions Universitaires, 1973), As tr�s vozes do imagin�rio: o messianismo, a possess�o e a utopia (�ditions Universitaires, 1974), A cultura do psi ou o desmoronamento dos mitos (Pr�vat, 1975), A filosofia e a viol�ncia (Presses Universitaires de France, 1976), Doen�as mentais e terap�uticas tradicionais na �frica negra (�ditions Universitaires, 1976), A medicina popular na Fran�a rural hoje (�ditions Universitaires, 1978), Um vidente na cidade: estudo antropol�gico do gabinete de consultas de um vidente contempor�neo (�ditions Payot, 1985) e Antropologia da doen�a (�ditions Payot, 1986). Na Brasiliense, publicou: Aprender antropologia (1988), Medicinas paralelas (1989, em colabora��o com Paul-Louis Rabeyron), e Aprender etnopsiquiatria (1994). Liana Maria S�lvia Trindade � professora livre-docente de antropolog
ia na Universidade de S�o Paulo (USP) e diretora de pesquisa da Associa��o Brasileira de Etnopsiquiatria. Publicou As ra�zes ideol�gicas das teorias sociais (cole��o Ensaios, Ed. �tica, 1980), Exu, s�mbolo e poder (cole��o Religi�o e Sociedades, Ed. Faculdade de Filosofia, Letras e Ci�ncias Humanas da USP, 1985) e Exu, poder e perigo (Ed. �cone, 1987), e o artigo "Le Rire de Exu e Ia col�re des dieux", no livro La col�re et le sacr� (Pierre Levequ�, Silvia Carvalho e Liana Trindade (orgs.), Ed. Presses Universitaires FrancComtoises, 1995).



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