Luís Campos (Blind Joker)
Nos bons tempos do carnaval baiano, quando se brincava nas ruas atrás de
blocos ou dos trios, mascarado, fantasiado, usando "mortalha" ou de
cara limpa e roupas comuns, o corredor da folia compreendia o trecho
entre o Campo Grande e a Praça da Sé. Além das praças mencionadas,
o trajeto compreendia a Praça Castro Alves, a Rua Chile, a Praça
Municipal (onde está o Elevador Lacerda) e a Rua da Misericórdia,
que ligava esta última à Praça da Sé.
Este era o circuito oficial para os cinco dias do carnaval, isto é,
sábado à noite nos clubes, de domingo à terça-feira nas ruas, durante
o dia e nos bailes noturnos dos clubes. O quinto dia refere-se à noite
da quinta-feira, quando acontecia a entrega da "Chave da Cidade" ao Rei
Momo e havia o desfile de blocos no roteiro acima descrito.
Na madrugada da "Quarta-Feira de Cinzas", como ainda hoje, havia,
na Praça Castro Alves, o encontro dos trios.
Como já falei, na quinta-feira "gorda", à noite, no Campo Grande, o
prefeito entregava a "Chave da Cidade" ao Rei Momo, que, ao lado da
Rainha do Carnaval e das Princesas, fazia a abertura do tríduo momesco
e a festa só recomeçava no sábado à noite com os bailes carnavalescos
promovidos pelos clubes.
Dos anos quarenta à década de sessenta, talvez início da seguinte,
durante o carnaval, nas calçadas, de ambos os lados da Avenida Sete
e Rua Chile, as famílias colocavam cadeiras, tamboretes e bancos
para assistirem o desfile das Escolas de Samba e, quando estas deixaram
de desfilar, nos fins dos anos sessenta, para verem os blocos e trios
passarem. Também as janelas dos prédios e marquises ficavam apinhadas
de gente apreciando o carnaval e jogando confetes e serpentinas sobre
os foliões que brincavam na rua. O uso da lança-perfume ainda não era
proibido, então era comum ver-se os rapazes lançando seus jatos
perfumados nos pescoços das meninas. Que cheiravam para "fazer a
cabeça", eu só soube depois, mas até que gostava do cheirinho da bicha.
Nesta época, tanto nos clubes quanto nas ruas, se a gente gostasse duma
garota, bastava colocar a mão em seu ombro. Se ela não tirava nossa
mão, a paquera ia adiante e , muitas vezes, era início de um namoro.
Num destes carnavais, eu vinha "descendo" a Rua Chile. Ainda no começo
desta, vi uma "careta" com uns lindos olhos verdes. Eu também estava
mascarado - e com os óculos por baixo da máscara, pois era míope desde
os oito anos.
Abracei a menina e, como ela "gostou", continuamos nossa caminhada rumo
à Praça Castro Alves e, consequentemente, seguiríamos pela Avenida
Sete, trajeto dos blocos e trios que vinham do Campo Grande.
Em dado momento, ela levantou a máscara...
Tomei um susto com a feiúra da menina, mas continuei abraçado com ela.
Como dois olhos lindos, sob uma máscara, enganam!
O interessante foi que: quando ela baixava a máscara, eu levantava a
minha, para ser visto pelas demais garotas. Quando ela levantava a dela,
eu baixava a minha. Não creio que ela tenha percebido minha estratégia.
Nesse "jogo", chegamos ao final da Rua Chile, exatamente no momento em
que dois blocos rivais, Os Corujas e Os Internacionais, se cruzavam. Um
descia aladeira e o outro subia, com os "cordeiros" disputando o espaço
da rua. Estes blocos, compostos apenas por homens, eram blocos de
fantasia e a cada ano um tentava superar o outro em originalidade e
criatividade. Nessa época a "mortalha" (precursora do abadá) era coisa
de bloco "pobre" ou de folião "pipoca". Foi nesta década que apareceram
os primeiros blocos de "índios", como Os Apaches e os Comanches.
Voltando à história...
Entre os blocos havia um "corredor" que mal cabia duas pessoas e o
empurra-empurra dos cordeiros destes dificultava ainda mais a passagem,
mesmo assim, alguns "valentes" ousavam enfrentar a disputa pelo exíguo
espaço entre as cordas... e eu, corajosamente, fiz isto!
Tomando a dianteira e "puxando" a menina pela mão, me meti ali no meio.
As orquestras dos blocos não paravam, cada uma procurando tocar mais
alto do que a outra. Eram formadas por instrumentos de percussão e de
sopro, devendo ter cerca de quarenta ritmistas. Como já disse, eram
os dois blocos mais famosos de Salvador - e mais caros. Deveriam ter,
cada um, cerca de trezentos componentes... e a gente entre eles!
Fui avançando, empurrado, ora de um lado, ora de outro, e trazendo a
garota pela mão. Num dado momento, larguei a mão dela e "me mandei",
descendo, "numa velocidade", a ladeira e subindo a Avenida Sete em
direção ao Campo Grande, sumindo na multidão.
Nos meus dezessete anos, embora com remorso, senti-me aliviado por
livrar-me do "canhão"!
FIM
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Luís Campos (Blind Joker)
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