terça-feira, 13 de abril de 2010

Nicole Jordan - Desejo e Engano (ARE).txt

Nicole Jordan
Desejo e Engano

Ela não pode escapar dele...
Lauren DeVries olhou consternada ao capitão Jason Stuart. De todos os homens que há em Londres teve que esbarrar precisamente com aquele com o que seu tutor
quer casá-la! E o sedutor exigiu passar uma noite em seus braços como pagamento em troca de sua passagem a América! Mas inventou rapidamente um plano desesperado...
dará a esse descarado o que deseja, depois tomará seu ouro e fugirá como o diabo foge da cruz. O que não se imagina é que escapar será a última coisa que lembrará
no momento em que ele a iniciar ao êxtase do amor.
Ele não pode resistir a ela...
Embora Jason Stuart nunca tenha conhecido a sua prometida, reconheceu o brasão da família em seu anel quase tão rapidamente como sucumbiu à sua beleza triste.
Certamente não tem nenhum interesse em contrair um matrimônio apoiado em pouco mais que um trato comercial. Mas agora que viu a sua futura esposa, não tem a menor
intenção de deixá-la partir. E, uma vez que a tenha, será sua para sempre. Marcará sua sedosa pele com o fogo de sua paixão, domará seu espírito rebelde com o feitiço
do êxtase e a vinculará a ele para sempre com os inquebráveis laços do desejo e o engano.


A Ellen e Ed por dizer sempre "você pode".
Ao Marcy, Kate e B por não perder a fé.
A meus incríveis amigos do OV/RWA por me animar de forma maravilhosa.
A Betty, Renée e John por me escutar (e mais).
E, como sempre, ao Jay por compartilhar o sonho.


DESEJO E ENGANO
Regência, 1
GÊNERO: Romance Histórico-Regência
EDITORIAL: Planeta/2008
ISBN: 978-84-08-08149-4
TÍTULO ORIGINAL: Desire and Deceptcion
TRADUZIDO POR: Griselda Corvo
EDITOR ORIGINAL: Anne Bushyhead/1988
527-3517-DT


Embora não se trate estritamente de uma série, a própria autora assinala em sua página que os seguintes livros estão conectados e a ordem que se tem que seguir
em sua leitura:

Livros Conectados (Regência)

1. Desejo e engano / Desire and Deception (1988)
2. Abraços de veludo / Velvet Embrace (1987)
3. Moonwitch (1991)
RESENHA BIBLIOGRÁFICA 369

Digitalização:
Revisão:
Formatação e Revisão Final: REGINA CELI


PRIMEIRA PARTE

A PROMESSA DE UMA NOITE

Capítulo 1

Londres, 1812

Vozes furtivas, rumor de passos, uma ordem cortante.
Ao olhar para trás cheia de receio, Lauren DeVries divisou ao longe a silhueta de três homens, e aquela visão a fez estremecer; inclusive em meio da escuridão,
reconhecia as figuras corpulentas que avançavam lentamente pela rua maior do Wapping detendo-se na soleira de cada porta e registrando todos os becos à medida que
se aproximavam dos moles, como aves de rapina em busca de sua presa.
Os homens de seu guardião.
E era a ela a quem queriam dar caça.
Tratando desesperadamente de evitar que a descobrissem, Lauren deslizou entre as sombras de uma ruela estreita; tinha a respiração entrecortada de correr
e seu corpo estava exausto depois de tantos dias escondendo-se. Cobriu o rosto com o capuz da capa e se colou à imunda parede de tijolo, rezando para que passassem
reto sem vê-la.
O som das botas sobre o calçamento de pedras foi aumentando à medida que se aproximavam e Lauren esteve a ponto de dar um salto quando ouviu a voz justo à
volta da esquina:
- A moça tem que estar perto, esse marinheiro velho há dito que estão perguntando pelo preço d'uma passagem...
- Pois de momento nos enganou. Vamos procurar rio acima, se por acaso há chegou até a Torre.
Lauren conteve a respiração: o fedor que vinha do rio Tâmisa lhe revolvia o estômago. Sabia que os homens de Burroughs tinham sido capazes de dar com ela
porque, em que pese que tivesse tido a precaução de ocultar sua brilhante cabeleira loira com o capuz, não podia dissimular sua excepcional altura, como tampouco
podia trocar o tom aveludado de sua voz. Certamente foi assim como tinham conseguido lhe seguir a pista desde Cornuália até Reading, onde a tinham descoberto pela
primeira vez e Matthew... - Que Deus tivesse piedade dele! - tinha-os despistado para que ela pudesse escapar.
Matthew. Uma dor intensa lhe apertou a garganta ao recordar ao fiel escocês. Em que pese que era suficientemente velho para ser seu avô, considerava o Matthew
McGregor como seu melhor amigo - de fato, como seu único amigo: não só a tinha ajudado a fugir do Carlin House, mas também o tinha feito sem reparar no perigo que
isso significava para ele; inclusive no momento em que os homens do Burroughs golpeavam a porta trancada da estalagem do Reading onde ela e Matthew tinham passado
a noite, o primeiro no que ele tinha pensado tinha sido nela:
- Tem que fugir - lhe havia dito em um sussurro rouco ao mesmo tempo em que lhe punha uns quantos bilhetes na mão e a empurrava para a janela entreaberta.
- Vamos... vá para a estalagem da estrada de Londres e aluga ali uma carruagem para que te leve ao Wapping; quando chegar, procura a hospedaria que te falei.
Eu me reunirei ali contigo se puder, e se não, sobe ao primeiro barco que saia para a América como havíamos planejado.
- Ela tinha protestado ao ouvir aquilo, mas o rosto curtido do Matthew, que recordava os escarpados da Cornuália, tinha adotado uma expressão séria de total
determinação enquanto lhe cravava o olhar:
- Não me espere moça - lhe tinha ordenado em voz baixa, mas contundente e, dito isto, tinha-a elevado até o batente no preciso instante em que se ouvia o
ruído da porta que se rompia e os gritos dos homens do Burroughs enchiam a habitação.
Matthew tinha dado a volta imediatamente e, desencapando a pistola, fazia mira em um deles, mas o segundo continuava avançando com uma espada curta de aspecto
perigoso na mão, preparado para dar um golpe certeiro ao mesmo tempo em que rugia: "Agarrem a moça!" Matthew lhe tinha feito gestos frenéticos para que fugisse,
mas ela não podia abandoná-lo a uma morte segura, assim, com um movimento brusco, tinha saltado do batente caindo ao chão do quarto ao mesmo tempo em que uma dor
aguda no joelho direito lhe arrancava um grito. Seu repentino movimento tinha conseguido distrair ao atacante e, enquanto Matthew se equilibrava sobre ele, Lauren
empurrou uma cadeira contra os outros dois homens e logo tomou a trouxa com suas roupas de cima da cama e a lançou com todas suas forças. Imediatamente, Matthew
a tinha agarrado da mão para arrastá-la para a porta e empurrá-la fora da estalagem.
Durante o que lhes tinha parecido uma eternidade, correram pelas ruas em meio das trevas tratando de escapar do eco de pisadas que os seguiam até que, ao
final, Matthew a tinha empurrado para um beco escuro e partiu em outra direção com intenção de despistar os seus perseguidores, deixando-a completamente desamparada
e trêmula de medo.
Isso fazia já dois dias. O instinto de sobrevivência tomou conta dela então, lhe dando coragem suficiente para seguir sozinha, mas essa noite Matthew não
tinha vindo à Hospedaria do Leão Vermelho tal como desejava Lauren desesperadamente. Cheia de angústia ao pensar no que poderia lhe haver passado, esperou-o um
dia mais e depois se resignou a seguir o último conselho que lhe tinha dado e ficou a procurar um navio.
Não obstante, e em que pese a que tinha dado com os moles, suas esperanças de zarpar com a maré de meia noite se viram truncadas porque tinha pouquíssimo
dinheiro, o que já lhe tinha ganhado olhares lascivos e propostas obscenas de uns quantos marinheiros a que se atreveu a perguntar. E, além disso, ao final, parecia
que todos seus esforços tinham servido para atrair a atenção dos homens de Burroughs uma vez mais.
Sem atrever-se quase a respirar, agora Lauren esperava cheia de angústia ao pensar no que ocorreria se a descobrissem, mas ao final o ruído dos passos se
foi afastando. Lançou um suspiro fundo e tremente e, depois de contar até vinte, aventurou-se com cautela a retirar ligeiramente o capuz para trás para poder ver:
ao final do beco se divisavam as silhuetas dos mastros nitidamente recortadas sobre o céu da noite, centenas de mastros correspondentes a outros tantos navios ancorados
ao longo dos quilômetros do cais que povoavam as margens do Tâmisa.
Não se via muito movimento posto que, há essas horas, o tráfico do rio se reduzia a pouco mais que a passagem de uma barcaça de vez em quando e nos cais não
ficava uma alma. À suas costas, os comércios do leste de Londres estavam fechados até o dia seguinte, embora ainda ficassem abertas algumas cantinas lotadas de marinheiros
e dos bandidos e ladrões que trabalhavam na zona.
Lauren podia ouvir o barulho dos bêbados enquanto permanecia ali de pé escutando o ruído da água se chocando contra os postes do embarcadouro. Também ouviu
um leve som como de passos atropelados e, em que pese a que pensou que certamente eram ratos, a idéia de encontrar-se ante um exército de roedores fuçando no meio
do lixo não a assustava tanto como a perspectiva de que a apanhassem e ter que enfrentar ao Burroughs em pessoa. George Burroughs..., o único ser vivente do imenso
empório da empresa naval Carlin e também seu guardião, alguém que podia obrigá-la a obedecer a suas ordens, inclusive se a única coisa que quisesse com isso era
que fosse um ajuste de contas pessoais.
Lauren chegou à conclusão de que, efetivamente, seus perseguidores tinham partido e deu a volta para afastar do rio avançando por um beco cheio de lixos esparramados.
Coxeava um pouco já que ainda lhe doía o joelho que torceu ao atirar-se da janela no Reading, mas se limitou a ignorar a dor; e, além disso, com aqueles sabujos
nos seus calcanhares, não restava alternativa que seguir procurando um navio. Tinha que abandonar a Inglaterra porque George Burroughs tinha combinado seu matrimônio
com um homem que ela não tinha visto jamais e, como ainda não tinha completado os dezessete, não tinha direito legal a opor-se. Mas esse não era o único motivo pelo
que fugia: estava em uma situação muito mais complicada que simplesmente ver-se apanhada em um matrimônio arrumado, e muito mais perigosa.
Seus pés calçados em escarpins de pelica não faziam o menor ruído sobre a pavimentação irregular à medida que avançava pelas estreitas e tortuosas ruelas
abarrotadas de pensões e casas de vizinhança sujas. Caminhou paralelo ao rio para os cais do porto de Londres, o London Dock, ocultando-se entre as sombras tanto
ao passar diante dos buliçosos botequins como dos silenciosos escritórios, e só se deteve uma vez para esconder do guarda que fazia as rondas, lanterna e sino em
mão. Por fim, Lauren chegou até o muro dos armazéns da Rua Pennington depois de que se encontrava o mole principal do porto. Ao cabo de um momento procurando deu
com a grade de entrada onde não encontrou ninguém fazendo guarda, e então relaxou um pouco e sua respiração se fez mais compassada, apesar de que o fedor a pescado
putrefato e alcatrão era quase insuportável.
Um bosque de mastros a recebeu assim que penetrou dentro; diminuiu o passo e caminhou entre grandes caixas e barris que tinham sido recobertos de breu para
impermeabilizá-los e agora estavam amontoados no embarcadouro esperando para serem distribuídos.
Um raio de luz chamou imediatamente sua atenção: provinha de um bergantim que estava atracado no mole e parecia como se lhe oferecesse refúgio; talvez houvesse
alguém a bordo que se compadeceria dela, pensou cheia de esperança renovada.
Desceu pelos degraus de pedra do cais e, depois de olhar um momento para trás para assegurar-se de que não a tinham seguido, subiu pela passarela do navio
sem que seus passos fossem ouvidos no meio do ruído das ondas da água e o ranger das madeiras. Uma vez a bordo, teve a impressão de que a coberta superior estava
completamente deserta. A luz que a tinha atraído pertencia a um farol pendurado em um gancho a sua esquerda e projetava seu tênue resplendor sobre a proa por estibordo,
enquanto que a popa ficava envolta em sombras.
Sentindo-se como uma intrusa, elevou a voz com cautela para perguntar se havia alguém e, ao ver que não obtinha resposta, dirigiu-se para a fortaleza com
a esperança de encontrar alguma pessoa com quem negociar para obter uma passagem.
- Alto aí! Quem vai?
Ao ouvir aquela voz de repente, Lauren sobressaltou-se e girou sobre si mesma imediatamente presa do pânico para encontrar-se com um moço frente a ela: levava
postos a jaqueta azul e as calças de lona típicos dos marinheiros e estava ali de pé, em posição muito firme sobre suas fornidas pernas, com um mosquete de aspecto
letal nas mãos. A luz projetava uma sombra sobre seu rosto, mas foi se aproximando enquanto Lauren permanecia imóvel, como petrificada, e então pôde ver melhor os
cabelos de um loiro avermelhado, o nariz arrebitado e as sardas.
Deviam ter a mesma idade - se surpreendeu ela, de fato, ele inclusive parecia algum ano mais jovem, certamente tinha treze ou quatorze. Respirou aliviada,
pois, em que pese a que estava empunhando uma arma, aquele moço não lhe parecia absolutamente tão perigoso como os homens dos quais estava fugindo e, coisa curiosa,
sentiu-se mais segura que em qualquer outro momento desde que se separou do Matthew.
- Desculpa a intromissão - disse Lauren com sua característica voz doce e ligeiramente rouca, - mas poderia me dizer que navio é este?
O moço a olhou com receio, tratando de lhe ver melhor o rosto até onde permitia o capuz com que se cobria ela, e decidiu que Lauren não era nenhuma ameaça
iminente porque relaxou e disse:
- O Leucótea, Perdeu-se, senhora?
- Não, é só que vi a luz do farol e pensei que talvez pudesse falar com quem está ao mando.
- Sou quem está ao mando, senhora. Esta é minha primeira noite de guarda.
Lauren acreditou detectar certo orgulho na voz do moço e, não querendo ferir seus sentimentos, disse incredulamente:
- É o capitão do navio?
Um sorriso sobressaltado se desenhou no rosto do jovem.
- Para falar a verdade, não sou mais que um simples grumete... Tim Sutter, para servi-la. Como o capitão ainda segue a bordo, deixaram-me fazer o guarda.
- O capitão está aqui? E crê que seria possível falar com ele? Eu gostaria de lhe perguntar se aceitaria me levar como passageira.
- Passageira? - Sutter parecia genuinamente surpreso ante a idéia.
- Parece-me que isso vai ser muito difícil, senhora.
- Receio que não disponho de muito dinheiro - se apressou a dizer Lauren, - mas lhe pagarei assim que possa, prometo-o.
- Não é uma questão de preço, senhora, é que o capitão não permite mulheres a bordo... E, além disso, o Leucótea não é um navio de passageiros, é um navio
de guerra.
- Oh!
O moço deve ter reparado na profunda decepção de Lauren porque pôs cara de preocupação.
- Bom - continuou o grumete. - a verdade é que o Leucótea transporta mercadorias, mas de vez em quando damos uma topada em alta mar.
- Só o mês passado, tivemos duas escaramuças com os franceses; isso sim lhes demos seu castigo sem sofrer virtualmente nem um arranhão.
- Gabachos? Quais são os gabachos?
- Já sabe senhora, os gabachos..., os franchutes. A Inglaterra está em guerra com eles, mas vamos ensinar ao bom Bonaparte que não vai poder conosco.
- Ah..., sim, claro! - respondeu Lauren ao mesmo tempo em que levava a mão à têmpora sentindo-se exausta de repente: o medo e a preocupação das últimas semanas
a deviam ter afetado mais do que supunha e por isso se sentia agora tão confusa e desorientada, porque o fato era que já tinha ouvido o termo antes, inclusive em
que pese a haver-se passado os últimos quatro anos de sua vida totalmente isolada.
- Peço-lhe desculpas, senhora, mas o capitão não gostaria de encontrá-la aqui... - disse Sutter com pouca convicção.
- Eu sinto muito, mas vai ter que partir.
Lauren, recordando a razão pela que tinha chegado até ali em primeiro lugar, olhou para a escuridão que se descia sobre o mole. Os homens do Burroughs estavam
ali abaixo, em alguma parte, mais à frente do muro...
- Por favor, suplico-lhe isso, não me obrigue a partir.
Sutter franziu o cenho ao mesmo tempo em que seu rosto sardento adotava uma expressão grave.
- Não tem para aonde ir, senhora?
- Não, não tenho um lugar seguro aonde ir, e, além disso, havia três homens que me estavam seguindo. Por favor, não poderia ficar um pouco mais? Tenho medo
de que voltem...
Ele ficou olhando fixamente durante um instante e ao final assentiu com a cabeça.
- Irei procurar ao capitão - disse ao mesmo tempo em que passava junto ao Lauren em direção à popa, mas não tinha avançado mais que uns passos quando se ouviu
uma voz em meio da escuridão.
- Pois me parece que está arrumando isso muito bem sozinho, Sutter.
O moço se sobressaltou e apontou instintivamente com o mosquete para as sombras de onde provinha a voz.
- Senhor! - exclamou ao reconhecer o tom cheio de autoridade: o capitão, um homem de mais de um metro e noventa, estava de pé junto à porta do fortaleza,
observando-os em silêncio.
- E, posto que não sou o inimigo - acrescentou o capitão em tom suave, - talvez queira considerar a possibilidade de apontar para outra parte, moço.
Lauren, que havia se virado rapidamente para ouvir aquela voz aveludada, soube que aquele era o responsável pelo navio assim que o viu avançar com passo firme
e a naturalidade de um homem acostumado a que o respeite e que suas ordens se cumpram imediatamente. Também se perguntou quanto tempo levava escutando, mas, no
momento em que a luz do farol o iluminou e pôde distingui-lo bem, qualquer pensamento de enfrentar a ele que pudesse ter passado por sua cabeça se dissipou por completo.
O que mais a impressionou a primeira vista foi a transbordante força de seu físico: certamente tirava a cabeça à maioria dos homens que ela conhecia e sua
compleição atlética de ombros largos lhe dava um aspecto imponente e poderoso e, até certo ponto, a intimidavam. Não obstante, ia vestido como um cavalheiro - elegante
casaca verde, gravata branca perfeitamente engomada, calças de montar ajustadas e reluzentes botas de cano alta, - e seu traje era o complemento perfeito a suas
nobres feições; tudo nele contradizia a idéia que Lauren tinha dos capitães de navio. Muito a seu pesar, não pôde evitar ficar olhando fixamente aquela visão magnífica
de beleza um tanto felina, e em particular a frondosa cabeleira leonina de mechas ligeiramente onduladas de um loiro acobreado que lançava brilhos matizados à luz
do farol. Não obstante, o que mais lhe chamou a atenção foram os olhos do capitão, pois jamais tinha visto um olhar de um azul tão intenso nem tão profundo.
Ele permaneceu imóvel - diria que um pouco divertido a julgar pela ligeira curva ascendente que descreviam seus lábios - enquanto ela o observava como se
estivesse acostumado a provocar esse tipo de reação nas mulheres. Não obstante, ao final arqueou uma de suas grossas sobrancelhas e disse:
- Não pensa me apresentar à dama?
Lauren se deu conta de que se estava dirigindo ao grumete - cuja presença tinha esquecido por completo por um momento, - e então, reparou que ficou olhando
aquele homem de minuto em minuto, sentiu que se ruborizava e ficou agradecida por ter o rosto virtualmente oculto sob o capuz.
Tim Sutter deu um passo à frente com a maior diligência e murmurou:
- Desculpe capitão, mas é que não me disse como se chama.
O capitão percorreu Lauren com um olhar penetrante e cheio de inteligência, tratando de adivinhar seu rosto entre as sombras que o cobriam.
- Sou Jason Stuart - disse com voz suave.
- Talvez pudesse me explicar no que posso ajudá-la...
A revelação foi como uma cacetada para Lauren, que tratou de respirar fundo enquanto seu cérebro trabalhava a toda máquina.
- Há... você disse... Stuart? - disse com voz grave, - Jason Stuart? Mas já sabia a resposta inclusive antes que ele assentisse com a cabeça e, contemplando-o
presa da incredulidade, deu um involuntário passo atrás. - Eu... eu devo ter cometido um engano - conseguiu dizer afinal enquanto continuava retroçardendo.
Ao ver que o capitão dava um passo para ela, Lauren estendeu um braço, para proteger-se, o que o fez deter um instante.
- Sutter, vá procurar algo no que possa sentar-se antes que desmaie - lhe ordenou ao moço.
- Sim, meu capitão.
- Não, não faz falta! - replicou Lauren apressadamente, ao mesmo tempo em que suas costas topava com o corrimão e lançava um olhar desesperado por cima do
ombro para a passarela.
- Desculpe... as moléstias que lhe possa ter causado.
Viu como Jason Stuart punha-se a andar para ela de novo e, conseguindo com muita dificuldade reprimir um grito de pânico e sem perder um instante, deu meia
volta para pôr-se a correr antes que ele chegasse até ela, rezando para que, uma vez mais, as sombras a envolvessem até fazê-la invisível. Deus do céu, como tinha
se arrumado para ir topar com um dos dois homens que, de todos os que havia em Londres, mais fervorosamente desejava evitar?, pensou enquanto fugia.
Logo se encontrou correndo de novo pelas ruas tenebrosas da cidade, só que desta vez era algo mais que medo o que a empurrava a fazê-lo. A descoberta da identidade
do capitão a tinha desconcertado por completo: parecia impossível que a Sorte pudesse ser tão cruel.
Três semanas atrás, o nome do Jason Stuart não teria significado nada para ela, então nem sequer sabia que existia, como tampouco era consciente de quão perigosa
era sua situação...
Poderia haver argumentado que ela tinha a culpa do apuro em que se encontrava que talvez deveria ter sido mais sensata e haver negado quando Burroughs lhe
ofereceu um lar no Carlin House, mas naquela época só tinha doze anos e estava sozinha no mundo. E, além disso, os seis meses que tinha passado no asilo da paróquia,
aonde a tinham levado depois da morte de sua mãe, tinham sido horríveis: não foram a fome e o frio nem o trabalho exaustivo o que lhe tinha parecido tão difícil
de suportar - pois, para falar a verdade, estava acostumada a um trato que só era minimamente melhor, - nem tampouco tinham sido as surras, a não ser como a tinham
castigado por desobedecer umas normas que ela nem sequer sabia que existiam, como a tinham encerrado naquele porão em que pese a suas súplicas e seu pranto..., como
a tinham deixado abandonada em meio daquela escuridão aterradora até que o medo que sentia tinha chegado a tal ponto que - por sorte - tinha perdido o conhecimento...
Teria feito algo para escapar daquele inferno e George Burroughs lhe tinha proporcionado uma maneira de fazê-lo. Ela, em troca, devia ajudá-lo a salvar a companhia
naval que seu próprio pai, Jonathan Carlin, tinha fundado.
Nunca conheceu seu pai, nem teria querido fazê-lo já que era incapaz de lhe perdoar o que tinha feito a sua mãe. Lauren não tinha nascido sem um teto sobre
sua cabeça precisamente, mas sim, o teto tinha saído voando pelos ares: Jonathan Carlin se casou com sua bela e delicada mãe, mas em uma cerimônia falsa idealizada
para seduzi-la o que, por outra parte, era uma prática comum entre os cavalheiros da classe alta naquela época, - e logo tinha abandonado a Elizabeth DeVries deixando
que enfrentasse completamente só à vergonha de ter concebido uma filha ilegítima e às penalidades de uma constante e desoladora pobreza.
Os últimos dias da vida de sua mãe tinham sido terríveis: o pálido rosto destroçado pela enfermidade e as penúrias, o corpo débil sacudido pela febre e a
dor... Embora não fosse mais que uma menina, Lauren tinha continuamente lavado e remendado igual a sua mãe tinha feito até então; mesmo assim, com a miséria que
ganhava não dava para comprar os remédios que tão desesperadamente necessitava Elizabeth para aliviar seu sofrimento.
Seguia sem poder evitar apertar os punhos cheia de raiva cada vez que recordava aquilo: sua impotência ante a situação, de algum jeito, lhe tinha feito mais
intolerável que a pena e a solidão e, apesar de ter sido tão jovem, prometeu a si mesma que nunca voltaria a sofrer aquela pobreza (promessa que os meses passados
na paróquia não tinham feito a não ser afiançar). Esse era o motivo pelo que tinha estado disposta a emprestar ouvidos a estranha proposta do George Burroughs.
Tinha lhe contado que levava já uns anos sendo sócio de seu pai na naval e que Jonathan Carlin se casou de novo ao pouco tempo de abandonar a sua mãe - essa
vez com a irmã do Burroughs e em uma cerimônia de verdade - e que o casal tinha tido uma filha, apenas seis meses depois de que Elizabeth tivesse ao Lauren, a que
tinham posto o nome de Andrea. Não obstante, dez anos mais tarde se desatou a tragédia.
A menina se recuperou fisicamente, mas, mentalmente, nunca voltou a ser a mesma. Mesmo assim, e posto que era a filha do Jonathan Carlin, tinha herdado a
imensa fortuna deste. Burroughs, por ser seu tio, converteu-se no tutor do Andrea e tinha seguido ocupando-se da naval Carlin, mas, ao ano seguinte, Andrea tinha
morrido de pneumonia e ele tinha empreendido a busca de Lauren.
Ela se mudaria para Carlin House, uma mansão com vistas ao mar construído sobre um escarpado da acidentada costa do Cornualles, e viveria ali, tal e como
correspondia a uma filha do Jonathan Carlin... sempre e quando fingisse ser Andrea. A usurpação de identidade não seria um problema, posto que só havia uma pessoa
capaz de notar a diferença: Regina Carlin, a irmã do Jonathan, que se apoderaria da naval se descobrisse que Andrea tinha morrido. Regina nunca tinha gostado de
Andrea, de fato tinha chamado sua sobrinha de lunática e tinha tentado que a enviassem ao manicômio do Bedlam. Não obstante, Burroughs estava decidido a impedir
que sua protegida corresse semelhante sorte, de igual modo que estava disposto a fazer quanto pudesse para impedir que Regina se fizesse com o controle da companhia.
Assim, tinha lhe proibido a entrada em Carlin House, além de contratar a uns homens para assegurar-se de mantê-la afastada, com o que ela tampouco seria nenhum problema,
tinha-lhe assegurado Burroughs a Lauren.
Além disso, ao fim das contas, Lauren e Andrea eram irmãs do mesmo pai... e só se levavam seis meses, as duas tinham o cabelo loiro e encaracolado, olhos
verdes com brilhos cor mel e feições delicadas que auguravam grande beleza quando crescessem. A única diferença existente entre ambas era a enfermidade mental do
Andrea..., assim que se contratariam novos serventes e somente Lauren, Burroughs e a preceptora saberiam a verdade.
Por outra parte, aquela usurpação de personalidade não duraria para sempre e, quando alcançasse a maioridade, Lauren poderia fazer o que quisesse e também
lhe corresponderia uma parte da naval: Burroughs afirmou que lhe pertenciam a metade dos navios e ela tinha estado de acordo até certo ponto, posto que, se o matrimônio
de seus pais tivesse sido real, em teoria ela teria sido a herdeira de toda a fortuna do Jonathan Carlin.
A Lauren bastou recordar a última noite que tinha passado no porão da paróquia para decidir-se, e aceitou.
Sua nova vida no Carlin House não tinha sido precisamente como esperava: quase não via o Burroughs - já que este vivia em Londres - e não lhe permitiam ter
contato com os serventes, assim só ficava a preceptora, a senhorita Foster, que era uma mulher fria e distante, igual ao granito dos escarpados. Ali foi onde viu
seu pai pela primeira vez..., no retrato que tinha pendurado na galeria. Lauren tinha estudado aquele rosto atraente em busca de algum indício da crueldade que tanto
dano tinha causado a sua mãe e se surpreendeu de não ser capaz de encontrar nada.
Exceto pela solidão, sua vida não tinha sido de todo má, posto que lhe tinham proporcionado uma educação em consonância com sua posição de herdeira do império
Carlin e comodidades materiais dignas de uma princesa: vestidos novos, xales, escarpins..., e todas as jóias de sua meio-irmã, entre as que se encontravam delicados
brincos e broches deliciosos e o anel que sempre levava Andrea. A senhorita Foster tinha insistido em que Lauren devia ficar e também se empenhou em chamá-la "Andrea",
inclusive quando estavam as duas sozinhas, e o mesmo fazia Burroughs.
O que mais lhe frustrou de ter assumido a identidade de sua meio-irmã, com diferença, era que não lhe permitiam ir além dos jardins que rodeavam a mansão.
Lauren não demorou a dar-se conta de que o encargo daqueles homens de rosto severo encarregados de protegê-la da Regina Carlin era também impedir que saísse.
Não obstante, não demorou muito em idealizar maneiras de escapar a sua vigilância constante para percorrer os selvagens escarpados salpicados de algas e perder-se
pelos numerosos atalhos que conduziam até o mar. A senhorita Foster tinha o sono muito profundo - graças a Deus, - assim que as noites em que a brilhante e indiscreta
lua não a delatava e podia passar totalmente despercebida às patrulhas de vigilância, Lauren escapulia descendo pela árvore que havia junto a sua janela e se encaminhava
para os escarpados para desfrutar de umas poucas horas de liberdade.
Assim foi como conheceu o Matthew MacGregor. Três meses antes de completar os dezesseis, durante um de seus passeios noturnos, tinha-o surpreendido escondendo
seda e conhaque de contrabando em uma das grutas que havia ao pé do escarpado sobre o que estava Carlin House. O normal tivesse sido que lhe tivesse cortado o pescoço
quando a descobriu escondida entre as rochas e se o delatava podia acabar em galeras; mas, em vez disso, tinha feito dele seu amigo porque - conforme lhe havia dito
- lhe recordava à filha que tinha perdido. Quanto a Lauren, depois de viver tanto tempo encerrada só na companhia da severa preceptora, afeiçoou-se ao MacGregor,
sentindo-se imensamente agradecida por aquela nada habitual nova amizade que foi crescendo durante todo o ano seguinte.
Só fazia um mês que, uma noite que tinha saído para encontrar-se com seu amigo, enquanto descia para as grutas, tinha ouvido vozes no alto do escarpado, um
claro murmúrio que se distinguia perfeitamente do ruído das ondas. Lauren tinha se escondido com cautela agachando-se entre as sombras e se ocultou bem com o capuz
da capa de lã, pois sabia que o mínimo raio de lua se refletiria em seu cabelo e revelaria sua presença: "Resplandecente como os brilhos de um farol", estava acostumado
a dizer Matthew de seu cabelo, para logo adverti-la que, à luz da lua, brilhava tanto como uma lanterna.
Lauren começou a inquietar-se ao reparar em que o volume das vozes ia aumentando e, em que pese a que a fria brisa do mar levava pelos ares as palavras e
lhe impedia de entender tudo o que se dizia, resultava evidente que se tratava de uma discussão. Uma das vozes soava estranha e parecia de mulher, mas uma mulher
assustada. Lauren enrugou a testa: não lhe ocorria nenhuma mulher - além dela mesma - que pudesse aventurar-se a chegar tão perto dos escarpados em plena noite.
Ao cabo de um momento de estar na mesma posição começaram a dormir as pernas, e estava tratando de trocar de postura sigilosamente e com toda a precaução
que exigia sua considerável altura, quando a discussão que tinha lugar por cima de sua cabeça escalou em intensidade até converter-se em uma violenta briga. O vento
trouxe até seus ouvidos um gemido afogado seguido de uma blasfêmia pronunciada entredentes e o ruído de terra e calhaus caindo por entre as rochas do escarpado;
um instante depois, um grito aterrador cortou o ar.
Lauren se sobressaltou e voltou a cabeça bem a tempo de ver o bater das asas de um morcego gigante voando em picado a pouca distância; ficou petrificada,
paralisada pela impressão do eco daquele grito dilacerador. Passou um bom momento antes de atrever-se a dar uns poucos passos para diante e elevar a vista para o
topo do escarpado. Como não viu nada, baixou a vista para as rochas que havia ao fundo do mesmo, plenamente consciente de que ninguém teria podido sobreviver a uma
queda de semelhante altura.
Com o coração pulsando com tanta força como o fluxo que rompia contra as paredes de granito, Lauren abandonou seu esconderijo e deslizou pelas escorregadias
rochas para continuar a descida pelo perigoso pendente, servindo-se das mãos tanto ou mais que da vista para avançar pelo atalho. Quando chegou abaixo, diminuiu
o passo de maneira inconsciente, temerosa do que poderia encontrar e, depois de passar pelo último grupo de rochas que a separava do pé do escarpado, deteve-se em
seco, paralisada pelo medo: a preceptora, a senhorita Foster, jazia ante seus olhos com o corpo retorcido em uma posição estranha e a boca ainda aberta em um grito
inaudível; um grosso xale de lã lhe cobria um ombro e a espuma das ondas lhe umedecia a pele fazendo com que seu rosto resplandecesse na escuridão.
Lauren cambaleou ligeiramente, sentindo que se fazia um nó no estômago. Havia algo obsceno na forma em que a saia negra de bombasi da mulher se estendesse
sobre as rochas, igual se a tivesse colocado cuidadosamente para sentar-se à mesa a tomar o chá. Lauren sentiu náuseas e, virando-se, precipitou-se por entre as
rochas dando tropeções, sem reparar aonde pisava, simplesmente desesperada por afastar-se.
Quando a sombra se abateu sobre ela, gritou, e teria tornado a fazê-lo a não ser porque uma imensa mão calosa lhe tampou a boca para impedi-la.
- Chsss, chsss - sussurrou-lhe Matthew no ouvido.
- Ou queres que se nos veja aqui todo esse bando de brutamontes que foram contratados para te guardarem?
Ao reconhecer o familiar sotaque, Lauren se aconchegou em seus braços e se desfez em soluços sobre seu ombro.
- Matthew, está... está...
- Sim, já a ouvi gritar. - Ao cabo de um momento, Matthew foi livrando-se com suavidade dos braços de Lauren, que se aferrava a ele com todas suas forças.
- Fica aqui, moça. Tenho que ir ver.
Voltou ao cabo de um minuto, com os lábios tão apertados que sua boca tinha ficado reduzida a uma fina linha.
- Matthew - disse Lauren com voz mais rouca ainda do que era natural nela por causa do medo, - a queda da senhorita Foster... não foi um acidente. Alguém
a empurrou. Ouvi vozes no topo do escarpado justo antes que ocorresse.
- Sim, é - grunhiu ele, - alguém a empurrou e não estranharia nada que fossem atrás de ti.
Lauren ficou olhando-o fixamente.
- Quer dizer que... alguém estava tratando de matar a mim?
- De matar a Andrea... Que me crucifiquem se não acreditar que esta farsa já durou mais da conta!
Fazia pouco que, em um momento de debilidade, Lauren tinha confessado a Matthew que em realidade ela era Lauren DeVries e que só estava interpretando o papel
de sua meio-irmã Andrea; ele tinha insistido até que lhe contou toda a história sobre o engano planejado por George Burroughs, e aquela descoberta não tinha causado
ao marinheiro uma impressão nada favorável.
- Perdeu o juízo, moça? -repreendeu-a.
- Mas o que estava pensando para fazer uma coisa assim? Sabia que lhe podem mandar à forca?
Foi então quando ela caiu na conta de que a usurpação de personalidade era um delito que se castigava com o cárcere e, potencialmente, com a forca; mas foi
a idéia de acabar na prisão - mais que a forca - o que mais a assustou: estremecia-se só de pensar em que a encerrassem.
Depois daquilo, Matthew tinha tentado convencê-la para que partisse de Carlin House; o contrabandista tinha estado perguntando discretamente no povo e assim
se inteirou de que corria o rumor de que Regina Carlin era cúmplice dos assassinatos dos Carlin. Mas Lauren não tinha aonde ir e, além disso, tinha dado sua palavra
a George Burroughs. Entretanto, tudo isso tinha sido antes que matassem à senhorita Foster, e agora Lauren olhava ao Matthew tratando de processar as terríveis implicações
das suspeitas de seu amigo.
- Não pode ficar aqui mais tempo, moça - ele com veemência.
-Regina Carlin anda detrás da fortuna de seu pai e te matará para consegui-la. Tem que partir daqui antes que seja demasiado tarde.
Lauren sentia calafrios apesar de que era uma quente noite do mês de junho, pois as palavras do Matthew lhe recordaram um comentário que tinha escapado à
senhorita Foster uma vez: algo sobre que Regina tinha posto em interdição o direito de Andrea a herdar, já que Jonathan tinha morrido sem fazer testamento. A preceptora
tinha tratado de dissimular imediatamente e havia dito a Lauren que se ocupasse de seus próprios assuntos quando esta perguntou a que se referia, mas agora estava
começando a lhe parecer que aquilo - junto com a insistência do Burroughs em que aqueles homens estivessem ali para protegê-la - não pressagiava nada bom.
- Eu digo que foi Regina a que deu o empurrão na preceptora -sentenciou Matthew em tom cortante interrompendo com suas palavras os pensamentos de Lauren,
- e que você é a seguinte.
Ela se voltou para ele, lhe rogando com o olhar que a tranquilizasse, coisa que ele não estava disposto a fazer. Além disso, sabia que Matthew levava razão:
se ficasse, Regina a mataria também.
- Muito bem - disse por fim, - partirei, mas tenho que falar primeiro com Burroughs; ele também verá claro que esta usurpação de personalidade tem que acabar.
Matthew esboçou um gesto de contrariedade ao mesmo tempo em que lançava um bufado:
- Mas é tola, moça? De verdade crês que te vai deixar partir pelas boas?
- Matthew, possa ser que eu não goste, mas me resulta incrível que queira que me matem.
- Já, sim... igual a se supunha que tinha que proteger a instrutora...
Em meio da escuridão, Lauren quase podia ver a ira refletida no rosto do velho contrabandista e sabia que, se tivesse mais luz, teria podido constatar que
tinha as bochechas acesas e tintas de um vermelho tão intenso como o de seus cabelos, assim lhe pôs uma mão no braço e disse:
- Por favor, não te zangue comigo, Matthew. Falarei com o Burroughs e logo serei livre para ir aonde queira.
- Teimosa como uma mula... - murmurou ele entredentes.
- Muito bem, mas não te vou deixar sozinha.
- Eu não... não sei aonde ir...
- Não te preocupes, moça, isso já o pensaremos... - a interrompeu com tom decidido.
- E agora volta para casa antes que te sintam falta.
Ela duvidou um instante.
- Mas não... deveríamos deixar à senhorita Foster aí sem mais.
- Os homens de seu guardião a encontrarão, seguro.
Lauren assentiu ao mesmo tempo em que tratava de controlar um soluço apanhado em sua garganta e deixou que Matthew a guiasse até o topo do escarpado; ao final
aceitou lhe fazer caso e não contar nada do que tinha visto, e também lhe prometeu que andaria com pés de chumbo.
Não obstante, uma vez tinha subido pelo tronco retorcido da árvore que havia junto a sua janela e estava de novo em sua habitação, o medo voltou a apoderar-se
dela e começou a tremer como uma folha: jamais lhe teria passado pela cabeça que assumir a personalidade de outra pessoa pudesse acabar em assassinato e, em que
pese a que os navios da companhia Carlin lhe permitiriam ser independente tal e como desejava, não os queria se o preço para consegui-los era a vida de uma mulher,
ou inclusive a dela mesma.
Lauren ouviu um miado queixoso a seus pés e se agachou para recolher o gato que se esfregava contra sua saia: a imensa criatura de pelo alaranjado tinha dado
com seu dormitório fazia já alguns meses e a tinha adotado. Ela, desejando o consolo do contato com o corpo quente do animal, estreitou-o em seus braços apertando-o
contra seu peito. A senhorita Foster odiava ao Ulisses e tinha ameaçado desfazer-se dele em várias ocasiões... Ao recordar a imagem daquela figura inerte retorcida
sobre as rochas, Lauren afundou o rosto entre a suave pelagem do gato.
- Ai, Ulisses! - lamentou-se sussurrando brandamente, - o que fiz?
Em nome de Deus, o que fiz?
O funeral de Sibyl Foster se celebrou ao cabo de três dias e, à semana seguinte, George Burroughs chegou ao Carlin House. Lauren empalideceu quando a informou
que queria vê-la no escritório, mas alisou a saia de seu vestido de musselina negra com ar resoluto e secou as lágrimas: não gostaria, mas estava decidida a lhe
comunicar sua intenção de acabar com a usurpação de personalidade.
Mesmo que o escritório era seu lugar favorito, naquele momento se dirigia para ali cheia de apreensão. As paredes da habitação estavam cobertas por uma infinidade
de quadros e as mesas lotadas de réplicas, tanto umas como outras de navios, enquanto que nas estantes se amontoavam centenas de volumes encadernados em couro. Lauren
tinha passado horas ali esquadrinhando os numerosos tomos sobre o mar e aprendendo sobre as valorosas tripulações dos navios que desafiavam seu poder, e sabia muito
sobre navios, mesmo que jamais tivesse posto o pé em um. A paixão pela náutica era a única coisa - além de sua altura - que tinha herdado de seu pai.
Burroughs, um homem corpulento de bochechas caídas e rosto corado, estava de pé junto à escrivaninha quando entrou: parecia distraído e cansado depois da
longa viagem de Londres. A casaca de um sombrio tom marrom escuro e as calças de montar que levava postos estavam enrugados, o que indicava que nem sequer tinha
dado tempo de trocar de roupa antes de fazê-la chamar. Ele também parecia ter estado chorando, mas Lauren sabia que suas lágrimas se deviam simplesmente a que sempre
tinha os olhos chorosos.
No momento em que ela fechava a porta detrás de si com suavidade, Burroughs levou um lenço ao rosto e lhe cravou seu olhar dissimulado.
- Preparei tudo para que te case - disse sem razão.
- As bodas se celebrará assim que faça dezessete anos.
Completamente desconcertada, Lauren ficou olhando-o sem reagir: tinha esperado algum tipo de comentário lamentando a morte da senhorita Foster, talvez inclusive
um mínimo esforço por explicar o acontecido, mas não contava absolutamente era com aquilo...
- Me casar? - gaguejou.
- Mas, e a senhorita Foster?
- Um desgraçado acidente - reconheceu-o.
- Não, não foi um acidente - replicou Lauren com voz grave, - e não tomarei parte neste engano nem um minuto mais; já foi muito longe.
Burroughs a olhou com frieza ao mesmo tempo em que apertava os lábios com gesto contrariado.
- Entendo que esteja desgostada, Andrea, assim não terei em conta este arrebatamento de insubordinação.
- Contou-me que Regina queria ficar com a companhia Carlin, mas o que nunca me disse é que estaria disposta a recorrer ao assassinato. Não seguirei com esta
farsa.
- Já basta! - atalhou-a ele com tal brutalidade que Lauren emudeceu durante um instante. Então Burroughs baixou a voz e continuou falando como se não tivesse
ouvido nada do que ela havia dito, lhe explicando os detalhes do matrimônio que tinha combinado: família nobre, amparo, filho menor, lorde Effing...
A Lauren fez um nó na garganta que apenas a deixava respirar. Como desejaria não ter participado jamais das mentiras e dos enganos do Burroughs! Já não podia
suportar nem um minuto mais o monótono zumbido daquela voz.
- Mas você me prometeu que quando cumprisse os vinte e um seria livre! - argumentou ela insensatamente.
Burroughs esticou um músculo da mandíbula, mas continuou falando sem fazer conta:
- Com a companhia naval Carlin como dote, a verdade é que não me resultou difícil te encontrar pretendentes. Parece que a maioria dos homens perdem os escrúpulos
a respeito de que tipo de esposa os espera quando está em jogo uma fortuna em navios... Até diria que estão dispostos a fazer vista grossa com algo tão sério como
a loucura. Mas, mesmo assim, queria atrair o interesse da classe adequada de homem, e tenho que dizer que estou muito satisfeito com minha escolha.
Lauren negou com a cabeça: como ia casar se com um homem que não conhecia? Como podia envolver outra pessoa em um engano que já tinha provocado um assassinato?
Além disso, em qualquer caso, não tinha a menor intenção de casar-se; nunca permitiria que nenhum homem tivesse o poder de lhe fazer dano como tinham feito a sua
mãe.
- O marquês do Effing é um homem rico, querida, assim acordamos uma contribuição mais que generosa por sua parte: nunca te faltará nada se te casar com seu
filho. E, além disso, é uma família nobre...
- Não finja que faz tudo isto por mim - lhe interrompeu Lauren.
A expressão do Burroughs se voltou fria e hostil.
- Faço-o pela naval Carlin, posto que alguém tem que me substituir quando eu morrer, e também o faço para te proteger da Regina; de fato, este matrimônio
poderia ser a única maneira de evitar que te encerre nesse manicômio se não te matar antes!
Fazendo caso omisso do tom ameaçador de seu guardião, Lauren cravou o olhar naqueles olhos frágeis.
- Isso a você não importa o mínimo! Dar-lhe-ia exatamente igual o que Regina pudesse me fazer, sempre e quando pudesse evitar que se fizesse com o controle
dos navios!
A ira fez que nas bochechas do Burroughs aparecessem vívidas nervuras vermelhas ao mesmo tempo em que a fulminava com o olhar e, apontando-a com um dedo acusador,
cuspia sua resposta entre dentes:
- Eu sempre, sempre, cumpri com minhas obrigações como sócio do Jonathan, inclusive quando supus ter que me fazer encarregado de sua filha bastarda! - Lauren
deu um coice. Burroughs nunca a tinha chamado bastarda e, em seus lábios, a palavra soava igual a uma acusação, como se quisesse castigá-la por ter nascido. Logo
o cavalheiro lançou um suspiro e levou uma mão à testa.
- Frente ao que possa te parecer agora, acabará te dando conta de que tudo faço por seu bem.
Lauren soltou uma gargalhada cheia de amargura.
- Seriamente? Então talvez pudesse me dizer o que é o que vou tirar de tudo isto; para mim não será mais que uma mudança de carcereiro.
- Não será assim absolutamente.
- Ah, não? Quantos homens você crê que considerará necessários para me proteger de meu novo marido? Dez? Vinte? É suficientemente rico para permitir-se ter
um exército a suas ordens?
- Já te disse muitas vezes que... meus homens estão aqui única e exclusivamente para te proteger.
- Para me proteger? Mas se a senhorita Foster está morta!
- Já está bem! - interrompeu-a ele com brutalidade ao mesmo tempo em que sua expressão se tornava mais e mais sombria.
- E agora vá para seu quarto e reflita sobre o que te disse.
- Não! Você necessitava de mim para suas maquinações, mas a coisa foi muito longe e eu abandono, ouça-me bem? Abandono. Não posso seguir como se nada fosse
quando se cometeu um assassinato.
- Andrea, ordeno-te que te acalme e deixe de chiar como uma histérica agora mesmo!
Lauren se deu conta de que estava caminhando na beira do precipício, mas era incapaz de guardar silêncio.
- Histérica! - gritou ao mesmo tempo em que apertava os punhos.
- Sim, pode ser que esteja histérica, mas não sou Andrea!
Com o rosto aceso pela ira, Burroughs elevou a mão ao mesmo tempo em que percorria a distância que os separava em um par de ágeis pernadas - nada próprias
de um homem de sua idade, - e a esbofeteou com força; o impacto foi tal, que virou o rosto de Lauren violentamente e umas quantas presilhas saíram disparadas fazendo
que uma mecha de loiros cabelos se soltasse para cair pelas costas. Ela levou a mão à dolorida bochecha e ficou olhando cheia de medo e estupor. Burroughs nunca
a tinha tocado. Claro que tampouco lhe tinha contrariado... Ao dar-se conta do que tinha feito, a feroz expressão do cavalheiro se desvaneceu de seu rosto imediatamente.
- Eu... o sinto - balbuciou e, ato seguido, reprimindo com muita dificuldade um gemido queixoso, seus dedos se aferraram ao lenço que levava a garganta tratando
freneticamente de afrouxá-lo.
Lauren o contemplou durante um momento cheia de receio e logo, de maneira instintiva, alargou o braço para tentar ajudá-lo, mas lhe fez um gesto com a mão
para que o deixasse, e por fim se deixou cair pesadamente em uma poltrona de orelhas, exausto, ao mesmo tempo em que tratava de recuperar o fôlego. Ainda transcorreram
uns instantes antes que recuperasse a voz, que ainda soava taciturna:
- Se tivesse estado em minha mão fazer algo a respeito, tenha por seguro que teria evitado a morte da preceptora, me acredite, suplico-lhe isso. Quanto a
este matrimônio, é para te proteger. Os médicos me dizem que talvez não fique muito tempo de vida e não queria deixar este mundo sem te haver proporcionado um lar
estável.
Os floreios que em geral caracterizavam a maneira de falar de seu guardião tinham dado lugar a uma expressão enfermiça e insignificante, mas, mesmo assim,
Lauren não podia dissipar por completo suas suspeitas de que estava utilizando sua má saúde como pretexto para conseguir que ela aceitasse seus desejos; isso fez
que a ira fosse crescendo em seu interior uma vez mais e lhe desse coragem para enfrentar ele:
- Não me casarei com ninguém - insistiu ao mesmo tempo em que negava com a cabeça.
- Sim que o fará. O matrimônio se celebrará em setembro tal e como foi planejado; assim tem tempo de sobra para te acostumar à idéia.
- Não, não me casarei jamais - repetiu Lauren. Ainda ficavam uns quantos meses até setembro, mas não tinha a menor intenção de "fazer-se" à idéia.
- Não tem escolha, assim não me obrigue a fazer algo que não quero; suponho que não te agradaria muito passar a noite na adega do porão...
O terror a invadiu de repente obrigando-a a dar um passo atrás. Burroughs sabia que lhe aterrorizavam os espaços fechados, tinha-o descoberto quando a tinha
visitado no asilo da paróquia. Além disso, um tempo depois, quando já vivia no Carlin House, a senhorita Foster a tinha encerrado no armário do quarto de jogos para
castigá-la por alguma infração menor, e quando a tinham ido procurar umas horas mais tarde, a tinham encontrado inconsciente e tão gelada como se estivesse morta.
Além disso, se por acaso isso fosse pouco, a experiência também tinha sido o desencadear de uns pesadelos que ainda a atormentavam. Assim, Lauren ficou ali de pé
frente a Burroughs, com as costas contra a porta e os olhos cheios de terror.
Ele esfregou a testa com a mão brandamente e, contemplando-a com o olhar triste, disse:
- Vou ter que ser obrigado a recorrer à força, querida?
Então Lauren, desprezando-se por sua própria covardia, voltou-se e saiu correndo, embora esperasse estar sozinha em seu quarto para deixar cair sobre a cama
e dar rédea solta a uma corrente de lágrimas. Não lhe restava a menor dúvida de que Burroughs cumpriria suas ameaças: estava obcecado evitando que a companhia Carlin
caísse em mãos da Regina e era evidente que faria o que fosse para impedi-lo.
Recordando o inesperado anúncio de seu matrimônio, Lauren se perguntou que classe de homem aceitaria casar-se com uma moça meio louca a que nem sequer tinha
visto jamais. Acaso a perspectiva de fazer-se com a frota da naval o tentava até esse ponto? Ou será que Burroughs o tinha ameaçado de algum jeito? Talvez nem sequer
o tinham informado do estado de saúde de Andrea... Mas, fossem quais fossem suas razões, esse homem não merecia que o arrastassem a uma situação tão perigosa. A
senhorita Foster já havia visto envolta sem querer na batalha que travavam George Burroughs e Regina Carlin, e agora estava morta.
Lauren continuava chorando quando Ulisses saltou sobre a cama; o ronrono satisfeito do gato a ajudou a dar-se conta de que suas lágrimas eram inúteis. Secou
as bochechas e apertou ao bojudo felino contra seu corpo enquanto considerava suas opções, esforçando-se por manter a cabeça fria. Inclusive se ia às autoridades,
o mais provável era que ninguém acreditasse - posto que se supunha que estava meio louca, - e se acreditavam acabaria na prisão por fraude e até poderia ser que
a enforcassem. O cárcere! Só a palavra, o mero feito de pensar em que a encerrassem em uma cela fria e inóspita, fazia que o pânico se apoderasse de seu coração.
Matthew levava razão: tinha que partir do Carlin House quanto antes; assim decidiu preparar uma trouxa com umas quantas coisas e esperar que todos na casa dormissem
para escapulir e sair ao encontro de seu amigo.
- Mas não posso te levar comigo, Ulisses - sussurrou Lauren.
O gato pestanejou com seus imensos olhos amendoados e logo lançou um grande bocejo enquanto Lauren cravava a vista no dossel da cama, absorta em seus pensamentos:
Matthew a ajudaria, tal e como lhe tinha prometido, e, uma vez que conseguissem chegar ao porto mais próximo, não lhes custaria encontrar um navio para partir da
Inglaterra...
Entretanto, agora - só no meio da úmida escuridão à beira do Tâmisa e com aquela dor intensa no joelho, - pensar em quão desastrosa tinha resultado sua fuga
a fazia sentir que o pânico estava a ponto de apoderar-se dela. Matthew tinha insistido em ir a Londres porque ali lhes seria mais fácil despistar aos homens do
Burroughs, mas só tinham conseguido chegar até o Reading antes que estes tivessem estado a ponto de matar o contrabandista, e logo ele tinha tido que abandoná-la
a sua sorte para atrair a atenção de seus perseguidores e lhe dar assim a oportunidade de escapar. Em sua fuga Lauren tinha conseguido chegar a Londres e tinha esperado
em vão que Matthew aparecesse; logo se tinha dirigido ao cais onde os homens do Burroughs ainda seguiam procurando-a e, por fim, no porto, a bordo do Leucótea, tinha
conhecido ao capitão Jason Stuart.
E esse sim que tinha sido o golpe de misericórdia: por incrível que parecesse, as tinha arrumado para topar com um dos homens que mais fervorosamente desejava
evitar.
Jason Stuart, o homem com o qual queriam obrigá-la a se casar.


Capítulo 2

Jason alcançou a amurada a tempo de ver a visitante encapuzada subir correndo pelos degraus de pedra do mole. Olhou-a enquanto ela avançava a tropicões entre
as mercadorias empilhadas no embarcadouro e franziu o cenho desconcertado por aquele estranho comportamento.
Enquanto a contemplava afastar-se, pensou que, de fato, todo o dia tinha sido bastante estranho: quando o Leucótea tinha atracado essa manhã se encontrou
com a desagradável noticia de que os Estados Unidos tinha declarado guerra a Inglaterra, o que tinha suscitado imediatamente a pergunta de como estava seu segundo
navio americano, Kyle Ramsey, se continuaria navegando no bergantim. E, um momento mais tarde desse mesmo dia, quando tinha respondido aos insistentes requerimentos
de seu pai para que fosse vê-lo, um segundo descobrimento tanto ou mais desconcertante o aguardava.
Tinha estado muito ocupado para deter-se considerar as implicações de qualquer dos dois acontecimentos até que não tinha acabado com os assuntos que tinha
que arrumar no navio, e logo Kyle se reuniu por fim com ele em seu camarote e os dois ficaram o resto da tarde bebendo o melhor conhaque do Jason e falando sobre
o problema que expor agora a nacionalidade do Kyle. Anos atrás, a família Ramsey tinha trocado a Inglaterra por uma plantação à beira do rio Mississipi e, em que
pese que não tinha transcorrido muito tempo antes que Kyle se fizesse ao mar pela primeira vez, mesmo assim sentia certa lealdade para sua nova pátria.
Jason queria deixar seu amigo decidir, assim tinha evitado fazer uso de seu considerável poder de persuasão, mas sentiu uma profunda alegria - e alívio -
quando ouviu o Kyle dizer que tinha optado por ficar no Leucótea. Só quando esse problema tinha ficado resolvido de maneira satisfatória, mencionou Jason seu próprio
dilema.
- Há uma coisa mais - disse, fazendo uma pausa para escolher cuidadosamente as palavras.
- Meu pai...
- Ah, sim! - respondeu seu então embriagado companheiro, - essa mensagem urgente de que te estaria esperando assim que jogássemos a âncora... Deixe-me adivinhar:
lorde Effing te jogou uma bronca monumental por manchar a honra da família; ou era só porque não seguiste suas instruções ao pé da letra em absolutamente tudo? -
continuou Kyle lançando uma gargalhada ao mesmo tempo em que se enchia a caneca de novo servindo-se mais conhaque da licoreira de cristal que havia sobre a escrivaninha.
- Recebe recados parecidos cada certo tempo, Jason, o que tem feito esta vez para instigar a seu ancião pai? Não serão esses investimentos que fez na Companhia
das Índias. Isso foi da última vez! Tinha que te haver acompanhado eu a vê-lo, me teria encarregado de que os eflúvios do álcool aumentassem a indulgência de lorde
Effing, assim sempre são mais fáceis de aceitar os desmandos de um filho rebelde...
Kyle deu um bom gole de conhaque e sorriu.
- Embora, agora que o penso, isso não teria servido de nada tendo em conta que é virtualmente licor e não sangue o que corre pelas veias de milord.
- Não, não era isso..., mas sim que tinha outras coisas na cabeça, - disse Jason interrompendo ao Kyle antes que a língua solta de seu camarada os desviasse
do tema; - meu pai acertou meu matrimônio.
Kyle ficou com a boca aberta ao ouvir o que dizia seu amigo e capitão, com os olhos tão exagerados como se este acabasse de converter-se em um dragão marinho
de duas cabeças.
- Por todos os Santos! Mas o que está dizendo? - murmurou por fim.
Jason o olhou fixamente com ar calmo ao mesmo tempo em que se recostava no assento e logo começou a riscar de forma distraída um desenho imaginário sobre
a mesa com seu dedo indicador.
- Aceitei conhecer a dama.
Kyle apurou a caneca e voltou a encher sem pressa.
- As maquinações devem ser algo genético em sua família - disse por fim em um tom surpreendentemente sóbrio.
- O marquês é o único homem que conheço que tem mais garra que você. Só que lhe gosta mais da chantagem. Agora a sério, Jason, que tipo de alienação mental
passageira pôde te levar a aceitar a algo assim? Já sabe o que isso significa, não? Seu pai quer que assente a cabeça e tenha uma manada de mucosos. E eu, francamente,
não vejo que necessidade há... Seu irmão já tem um filho, assim que a continuidade da estirpe está assegurada...
- Muito temo que meu pai não o veja como você: alguma vez se sabe, mais vale acautelar e tudo isso... - respondeu Jason secamente, -mas o que faria você se
lhe oferecessem a naval Carlin como dote?
Kyle ficou estupefato uma vez mais.
- A naval Carlin? - Ao dar-se conta de que Jason não brincava lançou um expressivo assobio.
- Bom, esse velho diabo é muito, mais muito ardiloso: sabia que se havia algo ao que não poderia resistir seria isso. Retiro o dito: você é um mero aficionado
em comparação a seu pai.
Jason soltou uma gargalhada e elevou uma mão.
- Um momento, um momento, ainda não disse que sim, só aceitei fazer uma visita à herdeira em questão, mas você já me vê com os grilhões postos.
- E por que não? Pela frota da Carlin, até uma velha bruxa com cara de dama ... E, em qualquer caso, quem é a noiva?
- A filha do Carlin. Supostamente é toda uma beleza, embora um tanto jovem ainda.
Kyle enrugou a têmpora ao mesmo tempo em que recordava.
- Mas tudo isto é um tanto... Não correu o rumor faz uns anos de que estava um pouco... louca? Não a tinham enviado ao Bedlam?
Jason negou com a cabeça.
- Não, não é certo, ou pelo menos isso é o que diz meu pai. Mesmo assim, terei oportunidade de julgar por mim mesmo quando lhe fizer uma visita. Pensei que
amanhã pela manhã empreenderei caminho ao Cornuália; se me apressar, poderei estar de volta antes que acabem com as reparações do Leucótea.
Kyle continuava com o cenho franzido.
- Tudo isto eu não gosto, Jason, cheira-me mal... Meu conselho é que se esqueça. Já dispõe de uma soma importante de dinheiro, face aos esforços de milord
para que te converta em um cavalheiro ocioso... O que tem que fazer é pôr essa tua mente a maquinar para ganhar um pouco mais com uns quantos negócios; isso manterá
ao ancião milord ocupado e te fará rico ao mesmo tempo. E, além disso, não acredito que uma esposa visse com bons olhos que ande por aí de escaramuça em escaramuça
enquanto percorre os sete mares...
Jason cravou um olhar ardiloso em seu então enfraquecido imediato.
- Pois eu tinha pensado pôr a ti no comando do Leucótea.
Kyle baixou a vista para sua caneca ao mesmo tempo em que sua expressão ficava sombria.
- Maldito seja, Jason, já aceitei ficar, não precisa me subornar tão descaradamente!
Os azuis olhos do Jason lançaram um brilho risonho.
- O que diz me fere profundamente, companheiro, nem tinha passado pela minha cabeça a idéia de te subornar. Ganhaste o mando deste navio, isso era parte do
acordo.
- Não pode estar pensando em deixar o Leucótea. Ainda não.
- Não imediatamente, mas algum dia o farei. Já sabe que nunca foi minha intenção me dedicar a isto por toda vida. Você me ensinou tudo o que queria saber
e mais sobre navegação e, além disso, se aceito me casar com a filha do Carlin, terei a minha disposição toda uma frota mercante. Não será o mesmo, claro está...
A voz do Jason foi descendo de volume enquanto percorria com o olhar o camarote espartanamente mobiliado: dava a impressão de ser um espaço pequeno com eles
dois dentro, posto que ambos eram altos e de compleição forte e musculosa e ombros largos - embora "imenso" era certamente um adjetivo mais exato para descrever
ao Kyle; - entretanto, e face à falta de comodidades do camarote, tinha sido o lar do Jason durante quase dois anos e conhecia cada centímetro dos painéis de madeira
e os amparos, cada detalhe dos spots de bronze dourado, igual ocorria com o resto do bergantim: tinha desfrutado de cada momento passado no Leucótea como capitão
e sentiria falta de tudo aquilo.
Tratando de sobrepor-se à melancolia que sentia, Jason tomou a licoreira quase vazia para preencher as canecas de ambos e disse:
- Bom! Então brindemos por nosso novo acordo e pela esperança de que a senhorita Carlin seja tal e qual me hão descrito?
- Jason, está seguro do que faz? Pensa em tudo que terá que renunciar se te casa.
- A naval Carlin deve me manter entretido pelo menos durante uns anos.
- Bom..., mas e os corações que vais romper? Deve haver pelo menos uma dúzia de mulheres em Londres tratando de te jogar a luva, por não mencionar as de Lisboa
e Gibraltar e...
- Nenhuma com a que consideraria a possibilidade de me casar. E não se preocupe meu amigo, não tenho intenção alguma de baixar a fita de seda por completo.
Kyle duvidou um instante e logo esboçou um sorriso.
- Demônios, e por que não! Se estiver o suficientemente louco para te casar com essa pirralha Carlin por seu dinheiro, quem sou eu para lhe impedir isso.
Elevou sua caneca para o Jason.
- Pela herdeira do empório Carlin, oxalá seja atraente e doce, e, além disso, possua um milhar de navios! E pelo Leucótea - acrescentou dando um grande gole,
- a melhor amante que um homem possa desejar! Sabe uma coisa, Jason? Eu sou o que sai melhor amparado com tudo isto: prefiro o Leucótea antes que um milhão de herdeiras
européias. Me recorde que te agradeça algum dia. A verdade é que, bem cuidadoso, mais te vale manter em guarda até que me tenha passado a bebedeira, não seja que
acabe te beijando antes que sua prometida...
Ao recordar agora aquela conversação, de pé na ponte de comando, Jason se perguntou se não deveria, ele também, haver-se embebedado igual a Kyle. Em geral,
a primeira noite depois da chegada ao porto celebravam as vitórias com uma garrafa e um pouco de companhia feminina mas, por alguma razão que Jason não era capaz
de explicar, nessa ocasião tinha estado atrasando o momento de abandonar o navio. E, além disso, nem todo o licor que havia a bordo teria bastado para dissipar seu
mau humor: ao longo de toda a tarde tinha se sentido cada vez mais mal-humorado e não tinha a menor idéia de por que. Era certo que, enquanto Kyle refletia em voz
alta sobre a lealdade, ele se tinha dedicado a pensar em seu próprio futuro mais do que o tinha feito em muito tempo, mas não era isso o que o preocupava em realidade.
Nem sequer tinha que ver com o fato de que seu pai, de maneira completamente autocrática, tivesse acordado seu matrimônio, e além de que aquele não era o primeiro
intento do marquês para conseguir que seu filho assentasse a cabeça; de fato, Jason não podia deixar de admirar a habilidade manipuladora de seu pai, inclusive se
a vítima era ele.
Desde alguns anos, as maquinações de lorde Effing se converteram em uma espécie de jogo para Jason e, em que pese a que nunca se havia oposto ao matrimônio
exatamente, preferia escolher a sua noiva ele mesmo e não tinha tido a menor pressa por casar-se. Agora também estava disposto a admitir que ter acordado o matrimônio
com a herdeira da companhia Carlin tinha sido toda uma jogada de mestre por parte do marquês.
Durante a conversa que tinham mantido essa mesma manhã, tinham sido completamente sinceros um com o outro: não havia necessidade de fingir, posto que pai
e filho se entendiam bastante bem. Lorde Effing sabia que não era a fortuna dos Carlin em si mesma o que atrairia Jason mas sim a possibilidade de controlar uma
grande frota de navios mercantes. Jason, por sua parte, dava-se conta de que seu pai também estava realizando alguma outra concessão, de fato lhe tinha divertido
bastante ouvir milord cantando os louvores de uma união que apresentava sérias desvantagens: sua futura esposa não tinha nenhuma gota de sangue nobre nas veias e
se murmurava que não estava de todo bem da cabeça...
Jason tinha aceito as veementes declarações de seu pai argumentando que não eram mais que rumores posto que, igual ao marquês estava disposto a ignorar a
preferência que sem dúvida sentia pelo sangue azul, por outro lado não tivesse chegado tão longe para tolerar os genes da loucura ou a imbecilidade em seus descendentes
sabendo. Em qualquer caso, o mistério que rodeava todo o assunto intrigava ao Jason, tal e como seu pai tinha antecipado que ocorreria. Isso, e a perspectiva de
dispor da frota Carlin, eram argumentos de suficiente peso como para que pelo menos considerasse a união. Teria sido um ignorante se não o tivesse feito. Talvez,
pensou Jason, era possível que ele e a herdeira da fortuna dos Carlin se dessem bem, e se tinha que renunciar a seu indubitavelmente um tanto romântico ideal da
mulher com a que um dia se casaria, a frota Carlin deveria ser uma compensação adequada.
Mas esse não era o motivo da intranquilidade que levava sentindo toda a noite, tratava-se mais de um pressentimento estranho: desde umas quantas horas sabia
que, no momento em que deixasse o navio, sua vida trocaria de algum modo e a aparição da misteriosa encapuzada não tinha feito mais que confirmar essa sensação.
Uma brisa suave se enredava em seus reluzentes cabelos cor castanha clara enquanto a contemplava desaparecer entre as sombras. Ao mesmo tempo em que apertava
com força o corrimão com suas elegantes e fortes mãos, podia sentir a presença do Tim Sutter e seu olhar inquisidor a suas costas.
- Talvez não deveríamos deixar que partisse, capitão - sugeriu Tim com voz taciturna, - disse que havia uns tipos seguindo-a...
Embora, pelo geral, os atos impulsivos lhe parecessem deploráveis, Jason decidiu segui-la. Resgatar raparigas em apuros não era o seu fraco, mas não tinha
a menor intenção de deixar que aquela jovem andasse vagando sozinha pelas ruas em metade da noite; não naquele bairro espantoso onde os ladrões e os salteadores
andavam à espreita, preparados para equilibrar-se sobre suas inocentes e confiadas presas. A moça tinha tido muita sorte de ter conseguido chegar tão longe: inclusive
se a Polícia do Tâmisa patrulhasse os moles e as forças da ordem do distrito apresentassem sua nutrida dupla de vigilantes, Jason mesmo nunca ia desarmado. E, além
disso, o caso era que, além de querer protegê-la, a surpreendente reação que tinha provocado nela seu nome despertava nele uma terrível curiosidade.
- Eu me ocupo, moço - respondeu Jason, - você volta para suas rondas.
- Sim, senhor.
Jason cruzou a passarela a grandes pernadas e se apressou a subir as escadas de pedra para cruzar o mole e atravessar a grade do muro a tempo de ver a misteriosa
figura encapuzada a certa distância a sua direita. Não lhe custou muito segui-la porque a garota não só ia coxeando da perna direita - o que fazia fácil distingui-la
ao longe, - mas também Jason tinha muita experiência em seguir o rastro de peças muito mais escorregadias: tinha aprendido com os trapaceiros na América durante
o ano que passou nas montanhas dos territórios do norte.
Não a perdeu de vista enquanto a seguia pelas estreitas ruelas tortuosas, refletindo sobre sua desconcertante reação: parecia-lhe estranho que o tomou conta
dela daquela maneira; geralmente as mulheres reagiam de modo muito diferente quando o viam e, até onde ele sabia, não havia mancha alguma em sua reputação que justificasse
aquele terror.
Estava acostumado a ser motivo dos falatórios, é obvio, já que para sua tripulação não era mais que o filho extraviado de um nobre, um rebelde e um aventureiro,
e algumas das histórias que circulavam sobre ele, de fato, eram certas. Era o filho mais novo do rico marquês do Effing e partiu de casa para escapar aos ditames
de seu autoritário pai, embora este não o tinha deserdado quando se fez ao mar como se murmurava. Durante um curto período de tempo, Jason tinha servido como oficial
da Marinha, mas a influência de seu pai tinha acabado com suas esperanças de poder fazer carreira no campo de batalha e pouco depois partiu à América, onde tinha
começado a fazer dinheiro. Circulava toda uma série de histórias sobre como se fez com o Leucótea - que o tinha capturado, que o tinha ganho jogando às cartas, que
tinha matado a um homem em um duelo e desaparecido com o navio..., - mas a verdade era que tinha comprado o bergantim na América com alguns lucros providenciais.
Era jovem para ser capitão, inclusive agora que não ficavam muitos anos para cumprir os trinta, mas o fato era que estar no comando era algo inato nele: sua
poderosa compleição física e o ar de autoridade que irradiava lhe granjeavam a atenção de seus subordinados de maneira natural, mas mesmo assim tinha tido que ganhar
o respeito da tripulação, todos eles marinheiros acostumados que em princípio tinham aceito seu comando com receio.
Devido a sua pouca experiência como navegante, associou-se com o Kyle Ramsey, que lhe tinha ensinado tudo o que sabia sobre o mar. Seu acordo era peculiar,
mas formavam uma boa equipe: Kyle era capaz de deixar atrás as tormentas e de estabelecer um rumo seguro em águas pouco profundas melhor que qualquer outro capitão
vivo, e Jason conhecia seus homens.
Então tinha voltado para a Inglaterra e, durante dois anos, tinha participado da guerra a sua maneira, ajudando às tropas britânicas com o transporte das
armas e fornecimentos que tanto necessitava o exército através do Canal, e perseguindo aos navios franceses sempre que tinha oportunidade. Sua assombrosa habilidade
para antecipar-se aos movimentos do inimigo, combinada com o talento do Kyle para a navegação e o valor da tripulação, fazia do Leucótea um adversário letal no campo
de batalha.
E batalhas, tinha havido muitas: o Leucótea era um navio mercante, mas mesmo assim tinha participado da guerra contra Napoleão como qualquer navio de guerra.
Apenas uma semana antes, encontraram-se perto da costa espanhola com duas fragatas francesas que tinham conseguido evitar o bloqueio britânico e Jason, não querendo
expor seu navio diretamente ao fogo de grande alcance dos canhões inimigos, as tinha engenhado para que o perseguissem até Cádiz, fazendo cair aos franceses em mãos
de uma esquadra da Marinha britânica: capturar as fragatas tinha sido uma manobra fácil para as três embarcações que compunham a esquadra.
No dia seguinte, o Leucótea tinha tido uma refrega com uma chalupa de guerra francesa armada com vinte e quatro canhões - frente aos dez com que contava o
bergantim, - mas, em uma manobra da que Napoleão mesmo teria estado orgulhoso, o Leucótea escapuliu por uma banda e tinham conseguido infligir ao adversário suficiente
dano para garantir que a Marinha britânica capturasse a chalupa finalmente.
Ao recordar os acontecimentos das últimas duas semanas, Jason meditou de novo sobre aquela estranha reticência em abandonar o navio essa noite: não tinha
motivo algum para comportar-se assim; tinha que falar com o Kyle, sim, mas isso poderia ser resolvido em um quarto de hora, e tampouco podia jogar a culpa à papelada
nem tinha nenhum outro assunto que verdadeiramente exigisse sua atenção, posto que a reparação dos danos sofridos pelo Leucótea não levaria muito tempo e, além disso,
era uma tarefa para que seus experimentados homens se bastavam sem necessidade de sua supervisão.
Nem sequer faria falta que estivesse presente quando carregassem o navio posto que normalmente só compravam mercadoria de primeira qualidade e dificilmente
precisavam inspecioná-la: não haveria vermes na farinha nem encontrariam a carne dessalgada podre, e os mosquetes e rifles Baker estariam em condições perfeitas;
quanto às baionetas e sabres, só compravam fabricados com o melhor aço. Mais ainda, seu segundo imediato era perfeitamente capaz de fazer-se responsável se surgia
o menor problema.
Tampouco era que não desejasse chegar ao porto, continuou meditando Jason enquanto até seus ouvidos chegavam rajadas de canções e gargalhadas roucas que saíam
do botequim frente ao qual se encontrava em frente. Já fazia umas semanas que não tinha estado com uma mulher e estava mais que disposto a passar a noite com uma;
de fato, inclusive nesse preciso instante, havia uma encantadora dama da noite esperando-o na exclusiva casa de entrevistas que estava acostumado a frequentar: assim
que a proprietária tivesse recebido a mensagem de sua chegada, teria se assegurado de que a exótica Lilás estivesse livre essa noite.
Não, em realidade tinha estado esperando a que ocorresse algo inesperado, algo como a aparição de uma mulher misteriosa oculta pelo capuz de sua capa. A verdade
era que quase tinha a impressão de que estava destinado a esperá-la, o que carecia de toda lógica se tinha em conta que nunca tinha acreditado em premonições.
Jason apartou esses pensamentos de sua cabeça no momento em que a figura se deteve de repente e desapareceu ante seus olhos envolta entre as sombras de um
beco que conduzia para o rio e os moles do Wapping. Sem duvidar um instante, Jason apertou o passo. Quando chegou ao escuro passadiço, logo pôde distingui-la entre
as sombras: a moça se movia rapidamente em que pese a sua claudicação, assim que ele também teve que acelerar o passo até virtualmente pôr-se a correr para não perdê-la
de vista. A jovem só olhou para trás uma vez, mas, quando começou a correr, Jason se deu conta de que o tinha visto e, abandonando todo intento de dissimular que
a seguia, ele também empreendeu a carreira no momento em que ela dobrava uma esquina.
Imediatamente, Jason tropeçou com algo que se cruzava em seu caminho: esteve a ponto de cair ao chão e golpeou o ombro com força contra a parede ao mesmo
tempo em que soltava uma violenta blasfêmia e o desafortunado gato que se enredou em seus pés lançava um miado agudo que reverberou aterradoramente pelos muros do
beco. Mas nem sequer o selvagem chiado do felino foi capaz de arrepiar o cabelo de Jason tanto como o grito da mulher que se ouviu a seguir: um pavoroso som penetrante
coberto de ira e também de medo. Jason sentiu que lhe encolhia o coração enquanto saía a toda velocidade os escassos metros que subtraíam do beco, e quando por fim
chegou à rua maior do Wapping, deteve-se em seco ao encontrar-se com a misteriosa mulher lutando freneticamente com três homens.
- Não! - gritava ela ao mesmo tempo em que tratava de soltar-se sem êxito.
- Você vem conosco, moça.
- Não! Tentastes matar ao Matthew!
Mesmo que as palavras lhe chegassem amortecidas, Jason pôde ouvir o que diziam e, sem parar para pensar se talvez não estaria metendo-se em um assunto privado,
deu um grito e se lançou totalmente à refrega.
Resultava evidente que os três assaltantes não esperavam sua aparição porque dois deles ficaram paralisados por ouvi-lo gritar, mas o terceiro, que empunhava
uma espada curta de aspecto perigoso, girou em torno. Jason levava uma pistola ao cinto, mas não tinha intenção de usá-la porque não queria correr o risco de ferir
a mulher, porém contava com a vantagem do fator surpresa e seu grande tamanho. Apartando-se de uma violenta investida da espada, deu-lhe uma patada certeira ao primeiro
homem e o atirou à pavimentação. Logo lhe lançou um murro direto ao estômago fazendo que se encurvasse de dor e lançasse um gemido que foi interrompido pelo terceiro
golpe demolidor que Jason lhe atirou na mandíbula e que fez que caísse por fim ao chão, onde permaneceu completamente imóvel.
Jason estava flexionando seus doloridos dedos com ar satisfeito quando o grito da mulher o alertou de uma nova ameaça: girou rapidamente sobre si mesmo no
momento em que o segundo homem se equilibrava sobre ele, esquivou o murro, agachou-se para agarrar a seu atacante pelas coxas e ato seguido se voltou a endireitar
ao mesmo tempo em que o lançava pelos ares por cima de seu ombro esquerdo. O homem caiu ao chão pavimentado de cabeça e o rangido de ossos que se ouviu deixou bem
claro que não se moveria dali um bom tempo.
Então Jason se voltou para o terceiro assaltante e, sem poder reprimir um sorriso, deu-se conta de que o último homem estava tentando controlar a sua suposta
vítima: fazia apenas uns instantes tinha estado tratando de levar-lhe a rastros, mas agora parecia ser ele o atacado, porque ela se defendia com unhas e dentes,
arranhava-o e lhe dava patadas, e tinha conseguido agarrá-lo pelos braços, evitando tanto que se unisse à briga contra seu salvador como que escapasse. A mulher
era mais alta, o que surpreendeu ao Jason, mas mesmo assim sua média constituição fazia que os golpes que propiciava não pudessem causar verdadeiro dano.
Ao minuto seguinte, Jason soltava uma blasfêmia entredentes, amaldiçoando-se por sua falta de reflexos porque, na intenção de proteger o rosto dos arranhões,
o homem se elevou em um cotovelo e ao fazê-lo tinha golpeado a jovem na mandíbula atirando-a ao chão. Jason não perdeu um instante: esporeado por uma fúria que não
conseguia explicar, saltou sobre o homem. Ambos caíram ao chão e Jason encheu de murros o desconhecido até que este ficou inconsciente; só então remeteu sua ira.
Respirava com dificuldade por causa do esforço e os doloridos nódulos agora sangravam, mas se sentia melhor do que tinha estado em toda a noite. Ficou de
pé e se aproximou com passo vacilante à mulher, que seguia estendida no chão sem mover-se, baixou o olhar e a contemplou tratando de guardar o equilíbrio ao mesmo
tempo em que considerava o que ia fazer com ela: as ruas não eram precisamente o lugar adequado para tratar de reanimá-la. O navio era outra possibilidade, mas nunca
tinha permitido mulheres a bordo e seus homens também tinham sido proibidos de levá-las. Em definitivo, sua única alternativa era Lilás, porque duvidava muito que
em nenhum hotel respeitável - inclusive se tivesse sido capaz de dar com um logo - admitissem a uma dama inconsciente em companhia de um capitão de navio que claramente
acabava de ter uma briga. A possibilidade de ir à casa de seu pai no West End de Londres nem lhe passou pela cabeça.
Perguntando-se, não sem certo sarcasmo, se não estaria cometendo um grave engano, Jason tomou em seus braços aquela figura imóvel: pesava menos do que esperava,
mas também reparou que, embaixo daquela volumosa capa, havia um corpo bem formado. Não podia lhe ver bem o rosto e não se deteve olhar tampouco porque, justo nesse
momento, um buliçoso grupo de marinheiros saiu à rua do interior de outro botequim. Jason se apressou a dar volta e pôs-se a andar em direção ao beco pelo que tinha
vindo, conseguindo penetrar nas sombras antes que o vissem. Deu-se um minuto para que seus olhos se acostumassem à escuridão, logo avançou dando um pequeno rodeio
para evitar ao gato - que lançou um bufado de protesto por ser incomodado de novo, - e por fim encaminhou seus passos em direção ao estabelecimento de madame Fanchon.
À medida que se afastava dos moles, as ruas empedradas começaram a adquirir um aspecto mais respeitável e fazerem-se mais largas - embora seguissem envoltas
nas sombras, - e um aroma mais agradável substituiu ao penetrante fedor proçardente do rio. Quando chegou à estrada do Radcliffe - com seus refinados armarinhos
e casas de empenho, e seus elegantes botequins, - pôde ver melhor graças às luzes acesas que havia cada poucos passos. Estavam passando justo por debaixo de uma
delas quando a mulher que levava em braços lançou um gemido; ele trocou um pouco a posição de seus braços com intenção de que ficasse mais cômoda e então olhou para
baixo e, pela primeira vez, pôde ver seu rosto com claridade vacilante da luz: deteve-se imediatamente, com tanta brutalidade como se lhe tivessem atingido com uma
baioneta inimiga no coração.
Jason permaneceu ali petrificado, hipnotizado pela visão da mulher. O primeiro que pensou enquanto estava ali de pé observando-a aniquilado foi que tinha
em seus braços um anjo. O capuz da capa tinha escorregado para trás para revelar a frondosa e brilhante cabeleira loira, mas o que o tinha verdadeiramente hipnotizado
era seu rosto: um oval perfeito e uma pele tão pálida e suave que parecia transparente; as largas pestanas lhe roçavam as bochechas e lançavam sombras sobre estas
enquanto que as sobrancelhas descreviam um arco perfeito para as têmporas, como se batessem em retirada. Era, Jason estava seguro, um dos rostos mais belos que tinha
visto jamais. As suaves fendas que seguiam as maçãs do rosto bem marcadas acrescentavam profundidade às delicadas feições e a palidez da pele lhe dava um aspecto
etéreo.
Passou vários minutos contemplando-a até que seus impulsos masculinos o fizeram voltar a si com força devastadora. Olhou fixamente os lábios ligeiramente
separados daquele anjo: sua boca era cativante e carnuda sem ser muito larga; muito desejável para um anjo - decidiu, - talvez uma deusa..., uma deusa que, inclusive
dormindo, era capaz de despertar nele uma infinidade de sensuais fantasias. Era tentação em estado puro, pensou Jason ao mesmo tempo em que deixava escapar um leve
gemido.
Que ela estivesse inconsciente era o único motivo pelo que não capturava aqueles lábios suaves com os seus naquele preciso instante. Só a vaga lembrança das
estranhas circunstâncias em que tinha conhecido a sua Vênus de dourados cabelos e o fato de que fora uma completa desconhecida faziam que Jason resistir ao desejo
implacável de acariciar aqueles turgentes seios amadurecidos. Deu-se conta de que o que queria era levá-la a algum lugar onde pudessem estar a sós, de que desejava
despi-la e comprovar se a beleza de seu corpo era comparável a de seu encantador rosto. Logo lhe faria amor e pertenceria a ele e só a ele para sempre...
Jason sacudiu a cabeça tratando de afastar de sua mente aquele torvelinho de pensamentos e, apartando a vista dela a contra gosto, obrigou-se a mantê-la à
frente ao mesmo tempo em que obrigava a seus pés a mover-se. Sua carga seguia sendo ligeira, mas lhe doíam os braços pelo esforço de não esmagar aquele suave corpo
contra seu peito, e uma fina capa de suor lhe cobria a testa; ao dar-se conta de que além disso estava tremendo, Jason se perguntou como podia ser que ela permanecesse
tão quieta e tranquila quando ele se sentia como se sua alma estivesse liberando uma batalha com o mesmo diabo. Queria que despertasse e sofresse a mesmo tortura
que tinha a ele atendido. Sentiria ela também esse fogo incontrolável que o percorria empurrando-o a um estado febril?
Ao chegar a outra luz desvencilhada, Jason não pôde evitar voltar a olhar aquele rosto cativante e quase soltou uma gargalhada ao sentir que a tensão se dissipava:
tinha estado contendo a respiração, antecipando outra violenta descarga que o percorreria de pés a cabeça, mas agora exalou lentamente ao mesmo tempo em que se dizia
que, a fim de contas, não era mais que uma simples mortal, e além se diria que uma menina, certamente mais jovem do que sua aveludada voz e corpo bem formado podiam
fazer pensar em um primeiro momento. A febre, ou o que fora que tomou conta dele durante aqueles angustiantes momentos, reduziu-se a um borbulhante calor. A loucura
tinha passado e isso fazia com que se sentisse profundamente agradecido, pois, naquele estado, poderia ter sido capaz de equilibrar-se sobre a formosa moça que levava
nos braços sem lhe importar as consequências.
À medida que avançava pelas silenciosas ruas virtualmente desertas, Jason se surpreendeu refletindo sobre a inusitada violência de sua reação: é obvio, não
encontrava uma explicação lógica; simplesmente tinha visto uma aparição de incomparável beleza que o tinha deixado petrificado. Não, não petrificado, posto que nunca
tinha sido tão plenamente consciente das chamas que ainda rasgavam seu corpo. Tinha-o atravessado um raio! - e ainda sentia os efeitos da sacudida: algo que jamais
lhe tinha passado antes.
Mas talvez sua reação era perfeitamente natural, pensou Jason: levava toda a noite em um estado de cisma peculiar e logo a briga tinha disparado a adrenalina
em suas veias. Nessas circunstâncias, sem dúvida teria sentido o mesmo por qualquer mulher bela com quem se cruzou, e certamente que teria saído em defesa de qualquer
criatura necessitada para resgatá-la com igual arrojo. E, entretanto, como explicar a intensidade daquele sentimento possessivo que a jovem despertava nele? Para
isso não encontrava resposta...
Jason blasfemou entredentes. Demônios, se nem sequer sabia quem era a moça! Nem quem eram seus pais tampouco..., do mesmo modo que ignorava por que lhe tinham
permitido vagar sozinha pelas ruas. Não se atrevia nem a imaginar o que poderia lhe haver ocorrido se ele não a tivesse seguido e tivesse evitado que aqueles rufiões
que a tinham atacado a levassem. O pai da moça merecia ser açoitado com um chicote por descuidar sua responsabilidade de proteger a aquela beleza vulnerável! Sentindo
que a ira invadia seu peito, Jason decidiu que lhe proporcionaria uma satisfação imensa encarregar-se ele mesmo de administrar o castigo, mas, não obstante, trocou
de idéia enquanto subia pelas escadas traseiras do estabelecimento de Madame Fanchon tendo supremo cuidado de ocultar o rosto da moça: utilizaria correntes, decidiu
ao mesmo tempo em que sua expressão se tornava sombria; ser açoitado com correntes sem dúvida seria um castigo adequado para um homem ao que lhe importava tão pouco
sua filha para que esta acabasse em um bordel em braços de um estranho.


Capítulo 3

Lauren gemeu apanhada nas garras de um sonho pavoroso sobre o Matthew, mas logo o pesadelo se foi dissipando e, com ela, seu medo; de repente sentiu
calor, como se estivesse envolta em grossos cobertores, suas bochechas estavam apoiadas contra algo duro e acolhedor, sentia sobre a pele uma textura áspera, mas
delicada e um desconhecido aroma agradável. Surpreendeu-a o que lhe pesavam as pálpebras, mas não encontrava as forças para levantar-se, nem sequer quando um repico
distante chegou até seus ouvidos.
- Jason? - perguntou uma voz suave e ligeiramente queixosa.
Jason não se incomodou em bater na porta da sala de Lilás uma segunda vez, mas sim simplesmente entrou: a habitação estava em penumbra, o fogo da chaminé
ardia ao meio gás, dir-se-ia que como amostra de que ele chegava muito tarde. Quando este fechou a porta atrás de si com o pé, Lilás Martel - que até então tinha
estado cochilando feita um novelo em uma das poltronas - se sobressaltou e se levantou imediatamente. Totalmente acordada então, contemplou boquiaberta a figura
imóvel que sustentava ele em braços.
Jason esboçou um sorriso matreiro enquanto atravessava a estadia em direção ao dormitório. À luz débil da única vela que tinha acesa, pôde ver que preparou
a cama para sua visita: os cortinados do dossel estavam abertos e os cobertores retirados de forma estudada e incitante. Deixou a sua formosa carga sobre a cama
com cuidado. A suas costas, Lilás a contemplava com olhos exagerados.
- Mãe misericordiosa! - exclamou em voz baixa ao mesmo tempo em que se benzia.
- Não estará morta...
Jason olhou para trás por cima do ombro e seus olhos azuis lançaram um brilho zombador.
- Não, não, está vivinha e abanando o rabo..., e me proponho que assim siga sendo! Tenho uma petição muito pouco ortodoxa que te fazer, Lilás. Deixaria que
ficasse aqui esta noite?
Lilás, cheia de receio, contemplou a figura tendida de barriga para baixo sobre sua cama.
- Quem é?
- Não sei, a encontrei vagando pelas ruas na zona dos moles, estavam-na atacando três homens...
- E você a resgatou... Pobre criatura!
Os lábios do Jason esboçaram outro sorriso zombador.
- Pensei que despertaria seus instintos maternais...
Enquanto Lilás se apressava a acender um abajur, ele se inclinou sobre a jovem e lhe retirou o capuz com suavidade: seus cabelos, que tinha recolhidos na
nuca, brilharam como o ouro brunido à luz do abajur. Jason, de modo quase reverente, apartou-lhe uma mecha do rosto. Não foi o único que ficou desconcertado ao contemplar
aquela beleza serena: Lilás reagiu deixando escapar um grito afogado quando viu aquela dourada cabeleira e a pele tão branca:
- Mas é preciosa! - exclamou. Então apartou a vista da jovem e a cravou nele ao mesmo tempo em que enrugava a testa.
- Jason, isto não será uma estratagema, verdade? Não estará tratando de me dizer que necessita que sejamos duas para te deixar satisfeito...
Ele soltou uma gargalhada ao mesmo tempo em que negava com a cabeça.
- Me acredite, Lilás, não se trata de nenhuma estratagema... E além disso você é mais que suficiente para satisfazer a qualquer homem, mas não tinha outro
lugar aonde levá-la. Imagina o que haveria dito minha tripulação assim que lhe jogassem a vista em cima? Teriam me organizado um motim em questão de minutos! Além
disso, pensei que seria mais fácil ocultá-la aqui até que localize a seus pais. Pagarei pelo uso das habitações além da tarifa habitual, é obvio...
- Que cavalheirismo, capitão! - respondeu ela com voz ligeiramente cortante, mas logo trocou o tom imediatamente:
- Ai, bom, claro que pode ficar!
Lilás foi procurar uma bacia com água e um pano e Jason tirou da jovem a grosa capa e se sentou a seu lado na cama para logo tomar em suas mãos a bacia que
lhe tendia Lilás e passar um pano úmido pela pálida testa do Lauren.
Lilás suspirou enquanto contemplava a cena; tinha estado esperando com verdadeira antecipação a visita do capitão Stuart: comparava-o com as maneiras toscas
de seus clientes habituais, a combinação de paixão e ternura com que a tratava Jason era agradável e excitante ao mesmo tempo, e ela não tinha tantas oportunidades
de desfrutar nesta vida... Mas o arrumado e viril capitão parecia totalmente hipnotizado por aquela beleza de ouro, hipnotizado e faminto: dava a impressão de que
estava a ponto de devorar a jovem de um só bocado. Uma moça assim correria um grave perigo em um lugar como aquele... Lilás voltou a enrugar a testa.
- Jason, seguro que te dá conta de que não pode ficar aqui; olhe o vestido que tem posto, deve ter custado uma fortuna...
Ele assentiu imediatamente com a cabeça: a jovem levava um vestido modelo império de seda cinza muito singelo, sem rendas nem laços de nenhum tipo e com um
decote alto que cobria a maior parte de seu esbelto pescoço, embora não conseguisse dissimular os provocadores montículos dos seios nem as curvas de seus leves quadris.
Jason não podia evitar imaginar o corpo surpreendentemente sedutor que devia esconder-se embaixo daquelas roupagens, e sentia um desejo imperioso de lhe soltar a
juba, queria afundar seus dedos naqueles cabelos sedosos...
- É muito provável que seja de boa família - disse Lilás interrompendo os pensamentos eróticos do Jason.
- O mais seguro é que a estejam procurando.
- Não acredito que alguém vá procurá-la aqui - replicou Jason distraidamente enquanto seguia contemplando à moça.
- Justo a isso é que me refiro: será que esta jovem é tão pura e inocente como parece? Se a descobrirem em um lugar como este, sua reputação ficará arruinada
para sempre. E se madame se inteira? Se Fanchon a vir, esta moça poderia considerar-se afortunada se conseguisse sair daqui algum dia, madame a teria muito ocupada,
atendendo a tantos clientes como lhe pudesse organizar para cada dia...
Jason acariciou a suave bochecha da jovem com um dedo.
- Não lhe ocorrerá nada de mal, Lilás.
A mulher abriu a boca para dizer algo, mas logo se arrependeu. Estava perdendo tempo: o capitão estava decidido e, além disso, se alguém era capaz de enfrentar-se
a Fanchon, esse era Jason Stuart.
- Irei procurar um pouco mais de vinho - disse, - eu quase acabei a garrafa enquanto te esperava.
Saiu pela porta do corredor. Uma vez terminado com a tarefa de lhe umedecer a testa, Jason também se retirou para ir ao closet contiguo procurar uma
camisola para a jovem. Por fim tinham deixado sozinha a Lauren.
Esperou uns instantes antes de atrever-se a abrir os olhos e percorrer com o olhar aquela habitação desconhecida. A dor surda que sentia na mandíbula e na
cabeça a convenceram de que não tinha sido tudo um sonho: efetivamente, os homens de seu guardião tinham tratado de matar ao Matthew e talvez já o teriam conseguido.
Lauren tragou saliva obrigando-se a reprimir as lágrimas. Não podia permitir o luxo de pensar nisso agora porque se o fizesse o medo a paralisaria e, além disso,
tinha um problema muito mais urgente que solucionar: Jason Stuart. Tinha ouvido ele dizer que não sabia quem era ela mas, assim que descobrisse sua identidade, sem
dúvida a obrigaria a voltar para o Burroughs.
Lauren sacudiu a cabeça tratando de dissipar seu atordoamento e o pânico que se ia dando conta dela; cada movimento lhe provocava uma careta de dor. Incorporou-se
com cuidado apoiando-se em um cotovelo. As imagens de como a tinham apanhado os homens de seu guardião e a posterior briga começaram a lhe vir à mente, mas não recordava
o que tinha passado depois. Obviamente Jason a tinha resgatado e a tinha levado a casa de sua amiga Lilás.
Sua amiga? Em realidade, sua relação parecia bem diferente de amizade, posto que Jason tinha falado de tarifas e Lilás de atender a clientes, tudo o
que recordava Lauren era uma dessas escandalosas realidades da vida que tinha descoberto durante suas recentes viagens - uma que Matthew se mostrou extraordinariamente
reticente a explicar: - o fato de que algumas mulheres se vendiam por dinheiro. Mas agora não tinha tempo de especular sobre as relações do Jason e Lilás; lhe estava
agradecida por havê-la salvado, mas não podia ficar ali nem um minuto mais, tinha que partir imediatamente... Entretanto, a volta de Lilás desbaratou seu plano.
O coração de Lauren deu um tombo quando viu entrar na mulher de voluptuosas curvas e cabelos negros na habitação.
- Me alegro de que te tenha despertado! - disse Lilás com um sorriso ao mesmo tempo em que deixava o vinho sobre uma mesa próxima à chaminé e se aproximava
da cama.
- Sou Lilás Martel, querida. Virgem Santa, já te está saindo um hematoma horroroso no queixo! Estiveste inconsciente durante um momento...
Lauren a olhou com desconfiança, perguntando-se se podia confiar naquela mulher. A cativante Lilás ficou olhando com seus escuros olhos cheios de curiosidade,
mas amáveis.
- Não, não estava inconsciente... - reconheceu Lauren com a voz mais rouca do habitual nela devido ao cansaço.
- Obrigado por me acolher.
Lilás pareceu surpreender-se de que Lauren tivesse fingido ter perdido o conhecimento, mas não lhe fez perguntas a respeito.
- Como te chama? - perguntou-lhe com voz suave a jovem.
Lauren vacilou um instante, pois não queria mentir.
- Acredito que é melhor que não lhe diga - respondeu ela.
- Não quero que te veja envolta em meus problemas. - Então olhou com gesto taciturno para a porta fechada, temendo que Jason voltasse em qualquer momento.
- Esse cavalheiro... - continuou Lauren - falava a sério quando dizia que ia tratar de encontrar a meus pais...?
- Jason? A única coisa que quer é assegurar-se de que não te passe nada mal, céu.
- Mas isso é impossível, não enquanto... - Lauren se interrompeu ao dar-se conta de que estava falando muito.
- Mas... o que estava fazendo nos moles? - perguntou-lhe Lilás ao ver que não dizia nada.
- Tentava conseguir uma passagem em um navio.
A expressão de Lilás era compassiva:
- Jason é capitão de um navio mercante, querida, não lhe poderia levar com ele porque sempre encontra-se metendo-se em alguma escaramuça em alta mar... Ele
não te exporia a essa classe de perigo...
- Sim, agora me dou conta... Mas tenho que partir da Inglaterra e não posso ficar aqui tampouco...
Quando Lauren se sentou lentamente e deslizou os pés fora da cama, as sobrancelhas perfeitamente perfiladas de Lilás se enrugaram em um gesto de preocupação:
- Eu não tentaria partir, querida. Jason não gostaria nada de ter que sair em sua busca. - Lauren elevou a vista então e Lilás lhe sorriu com ternura.
- Agora bem, seguro que te ajuda, mas tem que lhe explicar que problema tem. Ele é incrível, estou convencida de que poderá fazer algo. Não te terá escapado
de casa? Em qualquer caso, tenho a total certeza de que ele não te levaria de volta até não estar convencido de que seu lar é seguro.
- Tenho-me que ir - insistiu Lauren.
- Agora, antes que ele volte, por favor - suplicou a Lilás quando esta não respondeu.
- Não te peço que me ajude, só que me dê a oportunidade de partir.
- Está esgotada, céu - argumentou Lilás com suavidade,- seguro que te dá conta de que, neste estado, não pode andar pelas ruas de Londres desprotegida. Sinto
muito, mas o que posso fazer por ti é te dar algo que te ajude a dormir - acrescentou ao mesmo tempo em que ficava a procurar na gaveta de cima da mesinha de cabeceira
e, ao cabo de uns instantes, punha um pequeno frasco de cristal na mão do Lauren.
- Olhe, isto te fará bem; mas só duas gotas nada mais, se não, poder-te-ia acontecer dias dormindo.
Lauren ficou olhando o frasco sem vê-lo realmente e logo o guardou na manga com ar distraído. Ato seguido, agarrou-se a um dos postes da cama e ficou de pé,
temerosa de que Jason voltasse antes que conseguisse escapar da carinhosa Lilás.
- Querida, encontra-te mal? - perguntou-lhe esta ao vê-la tão instável.
Lauren leu nos olhos de Lilás uma preocupação sincera e levou a mão à testa, como se estivesse a ponto de desmaiar...
- É só que tenho... tenho... muita fome.
A expressão de Lilás relaxou:
- É obvio que sim, como não o pensei antes! Deite-se outra vez na cama, céu, e eu irei buscar algo de comer às cozinhas. Quando foi a última vez que comeu
algo?
- Não me lembro - murmurou Lauren ao mesmo tempo em que se voltava a deitar obedientemente.
- Talvez ontem.
Lilás estalou a língua com gesto compassivo e lhe deu uns tapinhas na mão. Em realidade, Lauren não pensava em outra coisa que em escapar, e quando por fim
ficou sozinha outra vez permaneceu imóvel um instante, escutando o som dos passos da mulher que se afastava, e então se levantou rapidamente e jogou a capa sobre
os ombros tampando seus dourados cabelos com o capuz. Coxeava um pouco enquanto se dirigia para a porta, mas ignorou a dor surda de seu joelho e aproximou a orelha
ao painel de madeira da parede: como não ouviu nada, alargou a mão para a maçaneta da porta.
- Vejo que teria que te haver encerrado - ouviu que dizia a suas costas uma voz com um tom bravo.
Lauren girou imediatamente sobre si mesma ao mesmo tempo em que levava uma delicada e pálida mão à garganta onde parecia ter ficado apanhado seu coração.
A porta do closet estava aberta e viu Jason Stuart de pé na soleira.
O capitão lhe resultava tão intimidador como no navio: a aura de poder que desprendia era quase como uma força tangível que atravessasse a habitação até ela
para envolvê-la. Então se encontrou com aquele olhar desconcertante e sentiu que, de repente, faltava-lhe o fôlego. Os resplandecentes olhos azuis do Stuart não
se separavam dela, e neles havia uma expressão que era como uma advertência sem palavras. Lauren ficou olhando-o sem saber o que dizer, com os pés cravados no chão,
petrificada por aquele olhar penetrante.
Aquele era o homem com o que poderia haver-se casado?
Ele tinha tirado a casaca e levava uma camisa de cambraia com mangas largas, um colete de listas e calças de montar ajustadas, mas sua altura e aquela juba
leonina lhe conferiam a graça indiscutível de uma estátua de Apolo. Todo seu corpo sugeria graça e força: ao contemplar a largura de seus ombros, Lauren se lembrou
de repente da facilidade com que se encarregou dos três assaltantes, e logo também viu a si mesma enquanto ele a levava nos braços, apertada contra seu peito, e
se ruborizou.
Seu rosto de facções clássicas era similar a seu corpo: forte e firme, gotejando nobreza por cada um dos poros de sua bronzeada pele. Essa força, além
da mandíbula quadrada que sugeria uma determinação inquebrável, impedia que resultasse muito bonito. Sua frondosa cabeleira ligeiramente frisada - agora Lauren
podia vê-lo com claridade - era de cor castanha clara com mechas loiras. Lauren apartou o olhar do cabelo do Jason e voltou a fixar a vista em seu rosto para olhá-lo
pela segunda vez aos olhos. Sustentaram-se o olhar durante um momento que pareceu eterno ao mesmo tempo em que a tensão entre eles ia aumentando.
-Tinha... eu... tinha fome - gaguejou ela por fim ao dar-se conta de que ele estava esperando que dissesse algo.
Um brilho cruzou aquele olhar resplandecente para ouvir a descarada mentira de Lauren e, durante um momento, cravou-lhe o olhar sem dizer nada, como se tratasse
de ler em sua alma. A intensidade daqueles olhos azuis esteve a ponto de lhe arrancar um gemido queixoso. Então Jason trocou de postura para apoiar um de seus fornidos
ombros sobre a soleira da porta e cruzar um pé sobre o outro.
- É verdade? - disse ele por fim arqueando um pouco uma sobrancelha.
Sua voz era terna e quente, mas estava cheia de autoridade - igual a aço coberto de veludo, - e fez que um calafrio percorresse as costas de Lauren enquanto
seguia olhando-o fixamente, muito assustada para mover-se.
Jason tampouco apartava a vista dela ao mesmo tempo em que refletia sobre a boa idéia que tinha sido escutar do outro lado da porta enquanto a jovem falava
com Lilás. Mas quem a tinha ensinado a mentir assim? Primeiro fingia estar inconsciente, logo estar a ponto de desmaiar, e agora estava tentando levar o descarado
engano até o final... Mas, em que pese a suas mentiras - ou talvez por causa delas, - devido a que ainda sabia tão pouco sobre ela, Jason se deu conta de que não
podia deixar que partisse; pelo menos não ainda. Afastou-se da soleira da porta do closet e começou a caminhar lentamente.
Lauren teria retroçardido se tivesse tido para onde, mas, como não era o caso, encolheu-se, presa do pânico, com as costas apoiada contra a parede. Parecia-lhe
enorme e imensamente poderoso.
Jason se deteve escassos centímetros ao mesmo tempo em que a observava franzindo o cenho. A textura rouca da voz do Lauren sugeria lágrimas, mas ele estava
começando a reconhecer que esse era seu timbre normal, e, além disso, tinha os olhos secos. Esses olhos o fascinavam: eram verdes com douradas bolinhas cor âmbar
flutuando ao redor das escuras e enormes pupilas, e pareciam extremamente atormentados; neles se lia o medo, deu-se conta Jason, medo dele. Necessitava que a consolassem.
Mas mesmo assim reprimiu o desejo de rodeá-la com seus braços e, em vez disso, alargou a mão e lhe tirou a capa dos ombros para logo retroceder um pouco.
Lauren lançou um suspiro aliviado ao ver que se retirava: não estava acostumada a ter que elevar a cabeça para olhar a ninguém devido a sua altura, mas Jason
fazia que parecesse pequena. Ele tinha estado tão perto que tinha notado o calor que emanava, e o poder que parecia percorrer seu corpo musculoso a tinha feito sentir
necessitada, frágil e, em definitivo, muito vulnerável. Inclusive agora, seu coração ainda seguia pulsando com força como resultado... O observou enquanto tirava
um pequeno pacote de um bolso da capa e, quando ficaram à vista seus conteúdos, ele olhou o pão e o queijo que havia dentro com cepticismo e logo lhe cravou o olhar.
- Acredito que isso não atenda os requisitos mínimos para que te digne comê-lo...
Lauren tragou saliva perguntando-se como tinha suspeitado que levava comida.
- Bom, não de tudo - respondeu com um fio de voz.
- Nesse caso, talvez te agrade mais o sabor da verdade.
Lauren cravou o olhar no chão. Jamais poderia contar a verdade: se o fazia, ele pensaria que estava louca - ou algo pior - e a mandaria de volta a casa com
seu guardião.
- Você não gostaria de se sentar? - perguntou ele rompendo o silêncio uma vez mais.
Seu tom era educado, mas autoritário, e indicava que não aceitaria um não por resposta. Lauren decidiu fazer o que lhe dizia: era evidente que estava acostumado
a mandar e, apesar da ternura com que a tinha tratado antes quando lhe umedeceu o rosto, certamente recorreria à violência física se o desobedecia. Agora o que não
podia fazer era obrigá-la a falar, recordou a si mesma e, encontrando consolo nesse pensamento, atravessou a habitação para ir sentar se em um dos assentos que havia
a ambos os lados da chaminé.
- Está coxeando.
Lauren o olhou com receio, surpreendida uma vez mais de que fora tão observador.
- Caí e levei um golpe no joelho - reconheceu cautelosamente.
- Eu gostaria de dar uma olhada a esse golpe.
-Não é nada, de verdade - protestou ela, mas ele não parecia disposto a escutá-la e, alcançando a bacia e o pano, colocou-os no chão junto à cadeira e se
ajoelhou a seus pés.
A familiaridade com que se comportava Stuart a desconcertou, e quando lhe subiu a saia por cima dos joelhos, ficou paralisada: nenhum homem tomou tais confianças
com ela jamais. Em troca, Jason Stuart parecia de todo alheio ao efeito que suas ações estavam tendo sobre ela. A meia que cobria a perna esquerda de Lauren estava
rasgada: ele estava baixando-lhe depois de lhe haver tirado a liga para examinar a ferida. Sentiu que lhe avermelhavam as bochechas quando as mãos dele começaram
a percorrer sua pele com suavidade: o tato de seus dedos era firme mas surpreendentemente delicado para um homem de sua força, e a intimidade do gesto a desenquadrava,
assim, sentindo-se muito incômoda, fixou a vista na cabeleira castanha do Jason ao mesmo tempo em que tratava de ignorar o calor que despediam seus largos dedos
e as perturbadoras sensações que provocavam em seu interior enquanto percorriam sua pele queimada.
- Tem um hematoma e raspaste o joelho - declarou ele por fim.
- Deveria deixar descansar a perna um par de dias até que melhore.
Lauren não respondeu, pois tinha decidido que era mais sensato não mencionar que tinha intenção de partir assim que lhe apresentasse a primeira oportunidade,
e portanto optou por morder o lábio e concentrar-se em ignorar as espetadas que notava no joelho enquanto ele limpava a ferida.
Jason terminou com o curativo tão rápido como foi possível e tratando de não lhe fazer dano porém, em que pese a que suas mãos se moviam com precisão e certa
profissionalismo, em realidade lhe estava custando mais do que parecia fingir indiferença. Aquela perna de mulher que tinha ante os olhos era larga e torneada, a
pele suave desprendia uma fragrância deliciosa, e não teria gostado de mais nada além pousar seus lábios sobre aquela carne suave como a seda e cobri-la de beijos
enquanto subia para a coxa... Não obstante, obrigou-se a separar de sua mente esses pensamentos e concentrar-se no problema imediato e, depois de ajeitar a meia
com a liga novamente, ficou de pé. Propunha-se descobrir por que lhe tinha ela tanto medo, inclusive talvez mais que aos homens que a tinham atacado.
- Bom, e agora - disse observando atentamente a reação do Lauren, - eu gostaria que respondesse a umas perguntas. Está claro que te colocaste em alguma confusão
e a maneira em que se comportavam seus atacantes me leva a pensar que esse incidente não foi um simples intento de roubo ou, e desculpa a crueldade, de violação.
Você os reconheceu, verdade? E também ouviste em algum lugar meu nome, embora eu, em troca, não tenho nem a menor idéia de quem é você. Lauren, alarmada por sua
perspicácia, se obstinava em evitar olhá-lo aos olhos.
- Aonde quer ir? - perguntou Jason tentando uma vez mais fazê-la falar. Ela elevou a vista, mas Stuart pôde ver como o leve brilho de esperança que tinha
aparecido em seus olhos verdes se desvanecia de repente ao mesmo tempo em que voltava a baixá-los de novo.
- Nesta época, o continente não é um lugar muito seguro para uma jovem que viaja sozinha - acrescentou ele.
- Tampouco o é a Inglaterra - se atreveu a dizer Lauren por fim.
Jason estava contente de que afinal ela decidiu dizer algo, mas seu tom de voz não deu amostras disso quando lhe perguntou:
- Está à corrente de que os Estados Unidos acaba de declarar guerra a Inglaterra?
Pôde ver que ela apertava os punhos involuntariamente ao mesmo tempo em que murmurava:
- Não, não sabia.
Jason lhe elevou o queixo para que o olhasse com aqueles olhos de um verde profundo salpicado de âmbar - tão implacavelmente cativantes que sentiu que o coração
disparava - e, quase sem dar-se conta, acariciou-lhe a mandíbula com o polegar.
- Não te resgatei desses malfeitores para que se exponha a perigos ainda maiores - disse com suavidade.
Durante um instante, Jason pensou que tinha ganho porque os lábios da jovem tremeram - como se dispusera a falar, - mas então aquelas pestanas incrivelmente
largas desceram sobre os maçãs do rosto ocultando seus olhos cor verde e âmbar, e soube que ela não cederia.
- Quem é Matthew? - perguntou ele tão bruscamente que Lauren piscou com um gesto de dor.
- Um... um amigo - balbuciou ela, respondendo sem pensar o que dizia a seu tom autoritário.
- Muito amigo! - comentou Jason em tom sarcástico, um engano do que se deu conta no preciso instante em que pronunciou as palavras, porque ela ficou tensa
de repente e tratou de soltar-se.
Apertando os lábios com expressão decidida, Lauren elevou o queixo e o olhou aos olhos.
- Não sou um de seus homens, capitão, assim não tem direito a me dar ordens, como tampouco tenho a menor obrigação de responder a suas perguntas e, em que
pese que você saiu em minha defesa esta noite - declarou ela com firmeza, - tampouco permitirei que me ameace nem me acosse.
- Asseguro-lhe que, a estas alturas, estou quase completamente imunizada contra as ameaças.
Jason não pôde evitar sentir admiração enquanto a contemplava. Comportava-se com uma dignidade e uma calma excepcionais, como se estivesse repreendendo a
um servente que a tivesse desobedecido. Esse tipo de resposta era toda novidade para ele, que tão acostumado estava a que os homens o obedecessem imediatamente enquanto
que, no que dizia respeito às mulheres, resultava-lhe impossível não dar-se conta de que sempre o achavam atraente. Não restou outro remédio que sorrir.
A repentina mudança na expressão do capitão deixou Lauren sem fôlego: umas fendas profundas se desenharam em seu varonil rosto fazendo aparecer covinhas
em suas bochechas e adoçando suas feições, que deixaram de ser tão imponentes para mostrar-se, inclusive formosas. Quando sorria, deixava de ter um aspecto que
tanto a intimidava, pensou Lauren e, em que pese a que sua experiência com os homens era muito limitada, dava-se conta de quão irresistível podia chegar a resultar
o encanto do Jason. Não lhe ficava a menor dúvida de que as mulheres deviam achá-lo irresistível, sobre tudo quando - como naquele exato momento, uma força dominadora
se insinuava em seus olhos; ao ver o brilho de vitalidade que resplandecia nas profundidades daqueles olhos de um azul intenso, como safiras, Lauren o olhou cheia
de suspeita, perguntando-se o que seria que tramava. Ele ignorou sua atitude desafiante e apoiou um quadril sobre a mesa que havia junto à cadeira em que estava
sentada, ao mesmo tempo que balançava a perna com naturalidade.
-Então, vejamos se a entendi, Bela Adormecida - continuou ele com ar reflexivo, como se tratasse de resolver um quebra-cabeça: - está fugindo de algo ou alguém
e quer partir para a América, onde suponho que conhecerá alguém..., mas está sozinha, não tem nem dinheiro e necessita ajuda. E, além disso, está decidida a não
confiar em ninguém, ou pelo menos não em mim.
Lauren se remexeu na cadeira, sentindo-se incomodada por suas perguntas, e baixou o olhar até fixá-lo nas mãos, que tinha entrelaçadas com força sobre o regaço:
era bruxo por acaso para ser capaz de adivinhar com tanta exatidão?
-Quer ir a América - murmurou Jason, - mas foi bastante disparate de sua parte fugir de casa sem dispor dos recursos suficientes para a viagem.
As bochechas de Lauren se tingiram de vermelho imprimindo cor a sua palidez.
-Estou disposta a trabalhar para pagar a minha passagem - murmurou ela com tom desafiante.
Jason a surpreendeu quando tomou uma mão e, sustentando-a entre as suas - grandes e calejadas - examinou-a enquanto percorria com suavidade a palma com o
polegar.
- Suaves e brancas - murmurou ele -, absolutamente desacostumadas ao trabalho físico. Sinceramente, custa-me acreditar que esta mão encantadora tenha trabalhado
algum dia.
Enfurecida por sua presunção, Lauren se soltou com brutalidade.
- As mulheres têm maneiras de ganhar a vida como você deve estar muito familiarizado, capitão.
- Seriamente?
Lauren perdeu algo de sua digna compostura quando seus olhos se encontraram com a expressão divertida dos do Jason: o jeito de troça que se adivinhava nesses
provocadores olhos azuis a fazia ficar os nervosa. Voltou a baixar o olhar, mas seus olhos se detiveram a meio caminho ao reparar na pistola que levava ele à cintura
e aspirou fundo: se conseguia distraí-lo... Teria a coragem necessária?
- É obvio - se obrigou a dizer com voz adocicada -, acaso não veio você aqui esta noite justo para isso? - Lauren falava apoiando-se no que tinha aprendido
e visto recentemente, pois, no transcurso das últimas semanas, tinha sido testemunha em mais de uma ocasião de como uma mulher de vida alegre oferecia seus serviços.
Esforçando-se por recordar como se fazia, levantou-se da cadeira muito devagar com o olhar fixo nos olhos do Jason.
- Por exemplo, poderia me oferecer eu mesma em pagamento.
Aproximou-se dele com movimentos insinuantes e então, em um arrebatamento de audácia, pôs-lhe uma mão no peito ao mesmo tempo em que tratava de ignorar as
desconcertantes sensações que lhe provocava o contato com aquele torso pétreo sob seus dedos.
- Me acha... atraente, capitão?
Ao ver como se escurecia o olhar do Jason, Lauren soube que pelo menos a achava interessante e, animada por essa reação, deslizou os dedos brandamente pelo
peitilho de sua camisa. Ele a observava com o olhar aceso enquanto a mão dela avançava devagar para baixo até deter-se em sua cintura.
- Parece-lhe que valho cem guinéus? - continuou ela com uma voz rouca que fez lhe acelerasse o pulso.
Jason aspirou fundo para ouvir a oferta, mas conseguiu soltar uma gargalhada.
- Não sou dos que se dedicam a seduzir virgens - lhe respondeu ao mesmo tempo em que se perguntava o que pretenderia ela com tudo aquele teatro.
- Mas eu não sou virgem.
Sua resposta foi tão imediata, tão natural, que Jason duvidou se não estaria dizendo a verdade ao mesmo tempo em que enrugava a testa desconcertado.
- Vender-se-ia para mim? Por cem guinéus?
- Capitão Stuart, não estará insinuando que lhe parece um preço muito alto... - disse Lauren docemente e, aproveitando a oportunidade, pegou sua pistola
e a apontou ao peito com mãos trementes.
Jason não fez o menor gesto que indicasse que seus sentidos se puseram imediatamente alerta, mas seus músculos se esticaram e blasfemou consigo mesmo: tinha
estado tão ensimesmado com a beleza da jovem e o aroma envolvente que brotava dela que não se deu conta de quais eram suas intenções. Obrigou-se a esboçar um sorriso
tolerante enquanto ela seguia apontando-o com a arma e, assinalando a pistola com a cabeça, disse:
- Acaso sabe sequer como usá-la?
Ela o surpreendeu esboçando um sorriso: era um gesto sensual - pensou Jason enquanto observava seus lábios - e bastante sedutor que lhe recordou à imagem
de um gato estirando-se ao sol, embora ela não se movesse.
Uma vez mais, Jason não sabia se acreditava nela ou não, mas já o tinha mirado bastante e, olhando mais à frente do ombro do Lauren, falou com uma presença
invisível, o que a fez voltar a cabeça... Em um instante, lhe tinha arrebatado a arma e havia tornado a pendurá-la à cintura. Aturdida por ter perdido tão rapidamente
sua vantagem, Lauren o olhou com ar desolado.
- Isso não foi justo - disse com voz algo tremente que lhe recordou a de uma menina caprichosa.
- Suponho que não, pelo menos por seu ponto de vista - lhe respondeu.
Stuart desejava apagar a incerteza de seus olhos verdes e que reaparecesse aquele enigmático sorriso dela, assim deu um passo para diante e, agarrando-a com
suavidade pelos ombros, atraiu-a para si. O gesto pegou de surpresa a Lauren, que tratou de apartá-lo empurrando as suas mãos contra o peito do Jason, mas não tinha
força suficiente e ele a sujeitou sem o menor esforço para depois inclinar-se para diante e lhe roçar os lábios com os seus, em um beijo leve e inquisitivo.
Quando voltou a elevar a cabeça, Lauren o estava olhando horrorizada: esse breve contato tinha sido como uma estranha descarga elétrica que a tinha percorrido
de pés a cabeça. Ele parecia havê-la sentido também porque, sem soltá-la, arqueou uma de suas grossas sobrancelhas enquanto a olhava pensativo e, então, para grande
estupor de Lauren, estreitou-a ainda com mais força. Ela podia sentir o poder encerrado naquele corpo forte contra o qual estava aprisionado o seu. Lentamente, ele
elevou a mão para tocá-la na bochecha:
- E isto tampouco vai ser justo - lhe advertiu com um sussurro aveludado para logo voltar a beijá-la uma vez mais.
Nesta ocasião foi um beijo de verdade e a rodeou com os braços no momento em que sua boca capturava a dela. O efeito foi o mesmo do primeiro beijo: uma descarga
violenta como um raio percorreu o corpo de Lauren assustando-a por sua intensidade. Tratou de apartar-se, mas Jason não tinha intenção de permitir-lhe mas sim lhe
acariciava a bochecha com as pontas dos dedos, igual a se estivesse instruindo em como responder.
Ao fim ela respondeu. Se Lauren tivesse tido mais experiência, teria sido capaz de reconhecer sua própria reação como o que era - a atração primitiva de uma
mulher por um homem vital e varonil - mas, como não era o caso, a única coisa que se dava conta era de que estava tremendo. Na boca do Jason ardia um fogo premente
e, em que pese a sua inocência, Lauren pôde sentir o apetite descarnado daqueles lábios enquanto que lhe faltava o fôlego...
Quando por fim ele voltou a levantar sua formosa cabeça, Lauren ficou ali de pé, olhando fixamente seus impressionantes olhos azuis enquanto se perguntava
como conseguia ele lhe provocar sensações tão poderosas e, aturdida, levou os dedos aos lábios febris. Jason lhe sorriu com ternura.
- De verdade não vais deixar que te ajude? - disse com voz suave e tão aveludada como a dela.
Então, de repente, ele entreabriu os olhos, cravou o olhar no anel que levava Lauren no dedo do meio e o contemplou uns instantes.
- Que me crucifiquem se...! - exclamou. Mas logo se interrompeu e lançou uma gargalhada.
Então a soltou bruscamente mas continuou rindo de boa vontade, o que provocava ligeiras sacudidas em seu peito. Ela o observou com receio, tratando de adivinhar
o que era que lhe parecia tão divertido, e ainda se preocupou mais ao ver que não havia o menor indício de que Stuart tivesse intenção de conter-se.
Enlouqueceu de repente? Parecia estar fazendo esforços por deixar de rir, mas sem êxito algum, e quando voltou a olhá-la, Lauren reparou em que uma chama
travessa ardia nas profundidades de seus olhos azuis. A situação começou a irritá-la e as seguintes palavras do Jason fizeram que o coração lhe desse um tombo.
- Sente-se, senhorita Carlin - conseguiu dizer ele com a voz ainda a ponto de quebrar-se pela risada.
- Eu diria que, ao final, vai resultar que temos muito do que falar...
A Lauren lhe secou a boca de repente: ele sabia!, tinha-o adivinhado de algum modo. Ela se deixou cair na cadeira e afundou o rosto entre as mãos.
Nesse momento apareceu Lilás com uma bandeja. Ele, que ainda sorria, indicou-lhe com a mão que deixasse a comida por ali perto e agarrou a garrafa de vinho
para servir três canecas do líquido cor rubi com um gesto elegante.
Lauren não disse nada, nem sequer levantou a cabeça quando aceitou a caneca que lhe oferecia, mas Jason sorriu mostrando uns dentes alvos que resplandeciam
em contraste com seu bronzeado rosto, pois se deu conta de que essa espécie de premonição que o tinha assaltado fazia umas horas sobre como sua vida estava a ponto
de mudar tinha sido da mais acertada e, contemplando meigamente os dourados cabelos daquela cabeça inclinada com ar de derrota, elevou sua caneca e disse:
- À saúde da senhorita Andrea Carlin, minha noiva fugitiva.

Capítulo 4

Apurando o copo, Jason voltou a encher a caneca.
- Nos deixe sozinhos, Lilás - disse com voz suave sem apartar a vista da cabeça abatida do Lauren.
- Mas... não deveria...
- A senhorita Carlin não sofrerá o menor dano, asseguro-lhe isso, é só que não acabamos nossa conversação, verdade que não, Bela Adormecida?
Lauren não disse nada e se limitou a retorcer nervosamente uma dobra do vestido entre seus esbeltos dedos alvos. Confundida, Lilás olhou à garota e logo ao
Jason, percebendo a tensão que havia entre eles, mas sabia que o capitão era um homem de palavra e decidiu não interferir. Não obstante, quando ele deu uns passos
a seu lado para acompanhá-la até a porta, suplicou-lhe em voz baixa que recordasse a terrível experiência pela que acabava de passar a jovem e que a tratasse com
delicadeza. Lauren ficou olhando o copo do Jason, que estava na mesa, justo a seu lado.
Seu coração começou a pulsar com força ao recordar o frasco de sonífero que Lilás lhe tinha dado e, sem pensar um instante, tirou a pequena garrafa de cristal
da manga e se apressou a lhe tirar a tampa: verteu uma pequena quantidade do líquido na caneca do Jason e escondeu a garrafa sob o assento da cadeira para logo entrelaçar
suas mãos trementes sobre o regaço e olhar de esguelha para onde ele estava: não a tinham visto, deu-se conta cheia de alegria. Se ele bebesse aquela caneca de vinho,
isso lhe daria a oportunidade de escapar...
Jason fechou a porta e atravessou a habitação lentamente para onde estava ela tentando recordar no que estava pensando antes que Lilás os interrompesse. Deu-se
conta de que Lauren o observava cheia de angústia quando tomou a caneca em sua mão e deu um sorvo, e percebeu um brilho dourado nas profundidades verde e âmbar de
seus belos olhos antes que ela voltasse a baixar a cabeça. O que lhe ocorria? Sentimento de culpa? Medo? Incerteza?
- Como soube quem sou? - perguntou-lhe Lauren com um fio de voz.
- Enviou meu guardião para me buscar?
- Não tive o prazer de conhecer seu guardião - respondeu Jason cortante -, meu navio chegou ao porto hoje. Mas meu pai me deu uma descrição tua esta manhã
quando me informou que tinha acordado nosso matrimônio. E, além disso, esse anel que leva um falcão voando gravado nele é o emblema dos Carlin, qualquer coisa que
tenha a ver com o mar o reconheceria; por não mencionar quanto te desgostou ao inteirar-se de quem era eu...
Lauren elevou a vista com olhos suplicantes.
- Por favor, não me envie de volta com meu guardião.
- Me diga por que, preciosa - respondeu Jason -, e nada de mentiras, por favor. Burroughs, assim se chama, não? É Burroughs o que tanto te assusta?
- Sim... Teria obrigado a me casar com você.
- Duvido muito que tivesse podido te obrigar, embora só seja porque eu não tenho a menor intenção de arrastar a uma noiva reticente até o altar.
Lauren esquadrinhou o rosto do Jason, sem estar convencida de que dizia a verdade, mas se surpreendeu desejando que assim fosse. Não obstante, a mesma precaução
instintiva que tinha evitado que os homens do Burroughs a descobrissem antes lhe ditava que não devia confiar naquele capitão alto de olhos azuis tanto como desejava.
- Mas deixemos esse tema a um lado por um momento - continuou Jason.
-Tanto te desgostava a idéia do matrimônio que decidiu fugir com... o Matthew? Era Matthew, não? E logo ao Matthew quase o matam?
- Sim - respondeu ela com voz rouca dando-se conta de que era melhor responder a suas perguntas posto que ele já tinha adivinhado uma grande parte da história.
- Como já lhe contei, Matthew era meu amigo, e me estava ajudando, e quando os homens de meu guardião nos encontraram, um deles... tratou de lhe cravar uma
espada.
- E então? - animou-a a seguir Jason.
Lauren fechou os olhos e tratou de ignorar a dor que lhe atendia a garganta.
- Isso é tudo. Matthew estava decidido a despistá-los fazendo que seguissem a ele, assim que nos separamos. Eu gastei o dinheiro que tinha na passagem da
carruagem até Londres... Mas os homens de meu guardião me seguiram, e logo você me resgatou.
Jason enrugou os lábios enquanto a contemplava.
- Bom, pois parece que seu guardião tem a lei de seu lado: ainda é menor e portanto está sujeita a sua autoridade, e acreditava que enviar em sua busca era
seu dever para te proteger...
- Me proteger! - Lauren apertou os punhos desesperada.
- Você não o conhece; quão único quer é conservar... - Então se interrompeu de repente ao dar-se conta do que tinha estado a ponto de revelar.
- Não vou voltar - declarou.
- Não voltarei jamais!
Jason a olhou aos olhos com ar desafiante.
- Está bem, está bem, não voltará; mas terei que me ocupar de ti de algum modo... Não posso deixar que ande vagando pelas ruas, e com a Inglaterra em guerra
com a França e Estados Unidos, como eu ia ficar com a consciência tranquila se te despachasse em algum navio, tenha ou não tenha dinheiro?
- Você não é responsável pelo que me passe, capitão Stuart.
Jason lançou um suspiro: conseguir que o escutasse estava resultando mais difícil que resgatar a uma cria de gato que subiu a uma árvore e logo não sabia
baixar... Mesmo assim, não tinha a menor intenção de dar-se por vencido: essa aura de vulnerabilidade que a rodeava tinha despertado nele sua veia cavalheiresca
- por não mencionar o torvelinho em que sua hipnotizadora beleza tinha convertido seus instintos masculinos -, e o que era mais: sentia uma curiosidade terrível
por desvendar o mistério que a envolvia.
De todos os modos, Jason imaginava que, se tivesse lhe conhecido em circunstâncias mais normais, lhe teria resultado igualmente fascinante. Mas é que além
disso as circunstâncias não eram normais, e parecia que não dispunha de muito tempo para convencê-la de que necessitava que ele a ajudasse: não podia retê-la naquela
habitação para sempre e o mais provável era que, embora o tentasse, ela encontraria a maneira de escapar. Além disso, em qualquer caso, ele tinha responsabilidades
para com sua tripulação e seu país - o que significava que seu navio devia abandonar a Inglaterra em um par de semanas -, e levá-la com ele estava fora de toda discussão.
Stuart se apartou para que a presença de Lauren não o distraísse e, descrevendo círculos com a caneca que tinha na mão que fizeram que o vinho formasse redemoinhos
dentro da mesma, ficou a refletir sobre o problema. Lauren interrompeu seus pensamentos:
- Não daria resultado, capitão - disse fazendo que Jason se perguntasse como tinha conseguido ler seu pensamento-, não pode me reter aqui contra minha vontade.
Lhe dedicou um sorriso cativante que provocou a aparição em seu varonil rosto daquelas covinhas que sempre tinham feito que o coração das damas saltasse.
- Sei... muito bem, mas estava considerando outras alternativas.
- Como o que?
Ela ficou em guarda; Jason se deu conta e, respirando fundo, atreveu-se a dizer:
- Sempre poderia te advir ao acordo de matrimônio e te casar comigo...
- Como?
- Agora mesmo - continuou ele -, imediatamente, sem dar a seu guardião a oportunidade de opinar a respeito.
Nesse momento, Jason não poderia se queixar de que ela fugia a seu olhar, pois o estava olhando de marco em marco como se acreditasse que se tornou louco.
Ele sorriu ao mesmo tempo em que se perguntava se não seria verdade, mas suspeitava que, muito ao contrário, estava em plena posse de suas faculdades e, mesmo assim,
queria casar-se com ela.
Se lhe tivessem dado a oportunidade, é obvio que teria tratado de conquistá-la e, depois de um discreto intervalo de tempo - mais pela idade dela e não porque
tivesse a menor dúvida -, teria se casado de todos os modos. Mas agora que Lauren fugiu, e sobretudo tendo em conta que fugia precisamente dele, teria que fazer-se
responsável pelo que lhe ocorresse.
O matrimônio seria a melhor forma de protegê-la, isso estava claro, e se casavam em segredo e a ocultava em suas posses do Yorkshire até que pudesse investigar
ao Burroughs, poderia garantir sua segurança. Até estava disposto a ser paciente aos deveres conjugais - pensou Jason deixando escapar um gemido mudo -, pois, pese
ao irresistível atrativo daquele corpo e aquele porte régio, não havia dúvida de que a jovem carecia de toda experiência. O capitão tinha reparado imediatamente
em sua inocência no momento em que seus lábios tocaram os de Lauren, apesar de que ela tinha negado ser virgem e de que lhe tinha insinuado, e apesar de que, não
era tão estranho que outras moças de sua idade já estivessem casadas e inclusive tivessem tido seu primeiro filho. Não a pressionaria nem esperaria dela que compartilhasse
sua cama até que não estivesse totalmente preparada para isso.
- Pedi-te que te case comigo - disse com voz mais suave desta vez, sentindo-se mais cômodo com a idéia de que, de algum jeito, a Fortuna tinha tomado
o controle de sua vida.
Lauren o olhou desconcertada.
- Está brincando, não é certo?
Ele reprimiu um sorriso ao vê-la tão surpreendida.
- Absolutamente. Nunca considerei as propostas de matrimônio como algo sobre o que se devam fazer brincadeiras, e além disso acredito que é a melhor solução
para esta situação.
Lauren umedeceu os lábios - que de repente tinha muito secos - ao mesmo tempo em que tratava de pôr ordem no confuso torvelinho de pensamentos que desfilavam
por sua cabeça. Casar-se com lhe parecia impossível, disso estava segura: aquele homem acreditava que ela era Andrea Carlin, a herdeira do império naval, e o que
queria era seu dote, é obvio. Por que outra razão ia querer casar-se com ela, uma moça sem futuro nem fortuna nem um nome, se não era pela frota da companhia Carlin?
Mas, inclusive se estivesse disposta a casar-se com ele - algo que não ocorreria jamais -, não podia pôr a vida do Jason em perigo convertendo-o no alvo das ambições
assassinas da Regina Carlin.
Lauren olhou fixamente o belo rosto do Stuart e os músculos de seu estômago se esticaram de repente, como se tivesse dado procuração dela um medo profundo.
Não a estaria enganando? Acaso não estaria conchavado com o George Burroughs para evitar que abandonasse a Inglaterra?
- Mas por que? - perguntou-lhe por fim com um fio de voz.
"Porque parecemos o um para o outro - esteve a ponto de lhe responder ele -, porque o Destino nos reuniu e, agora que te encontrei, nunca te deixarei partir."
Mas Jason, consciente de que com semelhantes declarações jamais conseguiria que o aceitasse, não expressou em voz alta nada do que estava pensando, mas sim
sorriu e disse em tom despreocupado:
- Me ocorrem umas quantas razões: o que meu nome te ofereceria por exemplo; porque eu disponho de mais recursos para enfrentar a esses dragões que lhe perseguem;
porque a meu apreciado pai lhe agradaria que me casasse; pelo fato de que você necessita de dinheiro... E imagino que poderia seguir...
O estupor que expressavam os verdes olhos de Lauren se dissipou para deixar passo à suspeita e o receio. "Olhos de gata", pensou Jason sentindo-se incômodo
de repente.
- Mas... se nem sequer me conhece você - disse ela em tom acalmado e, antes que Jason pudesse continuar com a lista de motivos, acrescentou com amargura:
- Além disso, não mencionou o único argumento que me teria parecido acreditável, os navios da naval Carlin. Não é isso o que lhe prometeram em troca de casar-se
comigo? Quanto lhe vai pagar Burroughs se o conseguir?
Um músculo se esticou na mandíbula do Jason para ouvir a acusação, mas conteve sua ira. Teria que ganhar sua confiança antes de poder conquistá-la, pois,
de repente, converteu-se na coisa mais importante do mundo para ele.
- Senhorita Carlin - disse esforçando-se por não perder a paciência -, nesta manhã meu pai me informou que tinha acordado nosso matrimônio, não tinha a menor
intenção de me casar, nem contigo nem com nenhuma outra.
- Admito que a naval Carlin foi o que me convenceu para que aceitasse a te conhecer mas, estranhamente, quando te tenho proposto matrimônio faz um minuto,
já me tinha esquecido por completo a questão de seu dote. E, pense o que pense, não estou envolvido com seu guardião em nenhuma trama sórdida; minha principal preocupação
nestes momentos é sua segurança.
Olharam-se aos olhos um bom momento e então Jason passou uma mão pelos cabelos dourados pelo sol com gesto de frustração, perguntando-se o que podia tentar
para convencê-la.
- Não teria querido Matthew que estivesse segura? - perguntou-lhe em tom suave.
Ao ver o olhar abatido nos olhos dela, Jason sentiu que lhe encolhia o coração: em apenas duas pernadas, atravessou a habitação chegando até onde estava Lauren
e, depois de deixar a caneca sobre a mesa, pô-la de pé e a estreitou em seus braços. Quando ela tratou de resistir, simplesmente a apertou mais forte, não lhe deixando
outra opção mais que aceitar o consolo físico que lhe oferecia.
Então por fim fluíram as lágrimas: Lauren permaneceu imóvel em seus braços, mas ele pôde sentir que tremia de pés a cabeça devido ao esforço de conter os
soluços e se deu conta de que chorava a perda do Matthew. A intensa pontada de ciúmes que o atravessou lhe fez apertar os dentes, mas conseguiu lhe murmurar ao ouvido
umas quantas frases desconexas cheias de ternura ao mesmo tempo em que lhe acariciava a têmpora com os lábios.
Não precisava baixar a cabeça para fazê-lo porque o corpo dela encaixava perfeitamente com o seu e sua dourada cabeça ficava justo por debaixo do queixo com
o que, sem maior esforço, Jason pôde apoiar a bochecha sobre os sedosos cabelos do Lauren; a suave fragrância que desprendiam o hipnotizava, embriagava-o o desejo
de enterrar os dedos neles, mas também se deu conta de que era um engano tê-la tão perto porque o contato com aqueles seios amadurecidos fazia que esquecesse de
que devia consolá-la. E suas coxas; Jason notava que o calor que sentia nas entrepernas ia aumentando somente ao sentir o roçar daquelas coxas largas e esbeltas.
Ela sentiu também a reação do corpo do capitão, ou pelo menos intuiu o desejo que emanava do mesmo, porque ficou tensa imediatamente e o apartou, sobressaltada,
empurrando com as mãos contra o peito dele. Quando Jason a soltou, Lauren se bateu em retirada à outra ponta da habitação tratando de conter as lágrimas ao mesmo
tempo em que enxugava os olhos.
Sentindo-se exausto de repente, ele deixou cair seu imponente corpo em uma cadeira e começou a tamborilar com os dedos na mesa enquanto a contemplava: tinha
pecado por excesso de confiança ao acreditar que seria fácil conquistá-la. Pelo visto, era impossível. E, entretanto, quantas mulheres não se teriam apressado a
aceitar sua oferta de matrimônio? Os lábios do Jason esboçaram um sorriso zombador ao pensar em todas as damas ambiciosas que tinham tentado levá-lo até o altar...
Deveria lhe haver feito graça que, agora que pela primeira vez se decidia a pedir em matrimônio a uma mulher, esta o rechaçasse tão categoricamente..., mas o fato
era que não o fazia graça absolutamente.
Observou como Lauren caminhava de um lado para outro pelo quarto agitada, rodeando o corpo com os braços como se tivesse frio; o suave balanço de seus quadris
provocava um leve movimento cadenciado da seda de seu vestido, tão cheio de graça, que resultava cativante: era sedutora sem sequer dar-se conta disso, pensou Jason.
A luz das velas se refletia em seus cabelos dourados lançando brilhos rutilantes e fazendo-os brilhar como se fossem de ouro polido, tão resplandecente como os dourados
guinéus.
- Cem Guinéus?
Jason exalou lentamente; nem se tinha dado conta de que tinha estado contendo a respiração.
- Está bem - disse com suavidade -, então te tire o vestido, Olhos de Gata.
Ver que ficava paralisada imediatamente confirmou ao Jason que o tinha ouvido. Ao cabo de um instante, Lauren deu a volta muito devagar até ficar frente a
ele, olhando-o com os olhos exagerados pelo terror e a confusão.
- Queria ganhar cem guinéus, não? A verdade é que não acredito que leve essa quantidade em cima, mas estou disposto a te pagar cem libras por seus serviços.
- Quer que... tire a roupa?
- Quero ver aquilo pelo que vou pagar embora, em qualquer caso, mantenho minha oferta anterior.
- O que... o que quer dizer? - perguntou ela com um leve tremor acrescentado ao tom naturalmente rouco de sua voz.
- Proponho-me aceitar sua proposta de faz um momento. Quero a noite inteira, é obvio.
Lauren ficou olhando-o, convencida de que devia estar brincando: jamais tinha tido intenção de que sua oferta se tomasse a sério, quão único queria era distraí-lo
para lhe tirar a pistola..., assim, o que pretendia ele agora? E por que queria a noite inteira? propunha-se enganá-la?
- Não me casarei com você - insistiu ela esquadrinhando as belas facções do Jason em busca de algum indício do que era o que tramava.
Lhe dedicou um sorriso que irradiava encanto masculino.
- Como quiser. - Como ela seguia de pé, atônita, lhe respondeu com um olhar inquisitivo:
- Acaso detecto certa preocupação em seu rosto, preciosa? Mas, como? Sem dúvida uma mulher de sua experiência não tem medo de um homem de meu tamanho! Não
é tão frágil que não possa suportar meu peso, e lhe asseguro isso, será uma agradável mudança se comparar com esses mequetrefes diminutos que frequentam o estabelecimento
de madame Fanchon
- Eu... você... Eu não dizia... - gaguejou Lauren.
- Não tem tanta experiência como quiseste fazer ver, é isso?
- Eu... não.
Jason soltou uma gargalhada.
- Bom, isto ensina a não dizer mentiras no futuro. Certamente eu não tenho o menor desejo de ter que andar te tirando as cores uma e outra vez... Uma relação
deve apoiar-se na confiança mútua, não te parece? E suponho que, precisamente por isso, deveria começar por ser honesto contigo: espero bastante por cem libras,
e agora tire o vestido, que estou começando a me impacientar.
Embora sentisse um pouco de lástima por ela, sabia que estava se aproveitando da vulnerável situação de Lauren, Jason não se arrependia de sua atitude implacável:
estava decidido a convencer a de que nasceram um para o outro, lhe fazer o amor lhe daria a oportunidade de provar precisamente isso. O mero feito de que passasse
a noite com ele a comprometeria o suficiente para deixar a seu guardião sem argumentos para lhe refutar quando Jason a reclamasse como dele. E, certamente, tratá-la-ia
com delicadeza. Mas resultava evidente que Lauren não achava o mesmo, pois estava mordendo o lábio com expressão angustiada enquanto ele não apartava a vista dela.
- Não posso - murmurou por fim.
- Não pode ou não quer? - respondeu-lhe ele mas, ao ver como pálida se pôs, deu-se conta de quão nervosa a estava pondo em realidade e, tomando sua caneca
de vinho na mãos, a ofereceu:
- Não te farei mal, minha vida, prometo-lhe isso. Tome, bebe um pouco de vinho, ajudar-te-á a relaxar.
Lauren não sabia o que fazer. Necessitava do dinheiro que lhe oferecia para sair da Inglaterra, inclusive se conseguisse desfazer-se daquele capitão que tão
decidido estava de retê-la ali. Olhou com preocupação a caneca do Jason: apenas tinha bebido a metade e não parecia estar ficando com sono, mas talvez o sonífero
demorava um tempo em fazer efeito, devia ser isso. Possivelmente seria o bastante efetivo como para que ela pudesse escapar depois. Mas e o dinheiro? Não se via
capaz de lhe roubar enquanto dormia, isso era algo que a converteria em uma vulgar ladra, enquanto que o que lhe oferecia era a possibilidade de ganhar cem libras
honestamente...
Lauren se deu conta, escandalizando a si mesma, de que se tinha intenção de aceitar a proposta do Jason, era só porque estava tratando de fazer provisão do
valor necessário. Não tinha claro o que seria obrigada a fazer, pois sua limitada experiência se reduzia ao que tinha visto nos subúrbios e becos durante essas últimas
semanas. Perguntou-se se seria capaz de despir-se diante dele - por não falar em deixar que a tocasse tão intimamente -, mas se recordou que, em sua situação, não
podia permitir-se ser pudica: agora estava sozinha e tinha que resolver seus próprios problemas, tinha que aprender a ocupar-se de si mesma e, além disso, se ia
vender seu corpo, preferia que fosse a alguém como Jason que a um desses bêbados maltrapilhos que tinha visto vagando pelas ruas de Londres. O capitão Stuart era
um homem grande e poderoso, mas havia dito que não lhe faria mal...
Ao dar-se conta de que ele seguia esperando sua resposta, Lauren deu um taciturno passo para diante, e logo outro... Quando por fim esteve junto a ele, aceitou
a caneca que lhe oferecia e deu um bom gole, que necessitava desesperadamente para acalmar seu ataque de nervos, e por fim deixou a caneca de volta na mesa.
- Os fechamentos são bastante difíceis - disse com voz quase inaudível.
- Como disse?
- Que não chego aos botões de meu vestido.
Os lábios do Jason se curvaram em um sorriso.
- Estarei encantado de poder te ajudar com eles, preciosa, não tem mais que dar a volta. Ah, me esquecia! - acrescentou logo tirando a pistola do cinturão
para deixá-la na mesa, longe do alcance dela. Nos olhos do Stuart brilhava um brilho zombador quando voltou a pousar o olhar em Lauren.
- A tentação teria sido muito grande para ti... Agora já pode dar a volta.
Convencida de que a estava provocando, Lauren elevou o queixo e lhe deu as costas com gesto orgulhoso; ficou tensa quando as mãos lhe rodearam a cintura,
e a tensão não fez a não ser aumentar quando a sentou em seu regaço.
Jason sorriu ao vê-la tão rígida enquanto se concentrava nos pequenos fechamentos do vestido; ela estava inquieta e não parava de mover-se, como uma noiva
em sua noite de bodas, e nem sequer se estava incomodando em fingir que desfrutava com seus cuidados. Mas depois dessa noite não se sobressaltaria quando a tocasse;
depois dessa noite seria dele e de ninguém mais: lhe ensinaria o que era o amor, lhe mostraria que podia experimentar a paixão intensa da que acreditava perfeitamente
capaz.
Soltou-lhe a alta gola de seda cinza uns quantos centímetros e logo percorreu com um dedo a pele acetinada de seu ombro com delicadeza. Quando a ouviu afogar
um grito, deu-se conta do muito que desejava converter essa resposta em um gemido de prazer mas não tinha a menor pressa, não desejava atropelar as coisas, mas sim
desejava tomar seu tempo, desfrutar de cada passo, recrear-se naqueles instantes preciosos: sua primeira vez juntos. inclinou-se para diante e a acariciou brandamente
apertando os lábios sobre a curva que descrevia o pescoço de Lauren ao unir-se com o ombro.
Ela estremeceu ao sentir que um calafrio lhe percorria as costas: os lábios do Jason - ardentes e suaves - a desconcertavam e faziam que lhe enchesse o estômago
de mariposas. De fato, sua mera presença a afetava de um modo perturbador. De repente, reparou nos firmes músculos das coxas do capitão sobre os que estava sentada,
da força que irradiavam.
Tinha se desfeito em lágrimas em seus braços fazia escassos minutos, nunca se tinha fixado em semelhantes costumes em um homem, mas agora era impossível não
dar-se conta como a abraçava com tanta intimidade. Uns minutos atrás, quando ele a tinha estreitado em seus braços com força notou todo seu corpo apertado contra
o seu enquanto afundava a cabeça em seu ombro, tinha aspirado aquela fragrância almiscarada mas fresca, como a brisa do mar que o envolvia, e tinha espionado o pêlo
castanho claro em seu fornido peito através de uma abertura na camisa. Aquela masculinidade irresistível a tinha feito tomar consciência de sua própria feminilidade.
E de um modo intenso. Nunca antes se sentou atraída por um homem, mas tampouco tinha conhecido jamais a ninguém que gotejasse semelhante autoridade nem tanta confiança
em si mesmo, a ninguém tão... viril. O capitão Stuart a fazia sentir muito vulnerável.
- Relaxe preciosa está muito tensa.
Relaxar-se? Como ia relaxar? Tinha que recordar que aquele homem era perigoso e não podia baixar a guarda como tinha feito quando a tinha consolado. E, entretanto,
estava o assunto do que tinham acordado: lhe ia pagar por seus serviços - fosse o que fosse que significava isso -, e Lauren supunha que, pelo menos, tinha que fingir
que lhe agradavam seus cuidados, inclusive se não podia controlar por completo seu desgosto; se não, talvez ele trocaria de opinião e então não poderia ganhar o
dinheiro que tanto necessitava para a passagem para a América.
Sentiu os dedos do Jason em seu cabelo, procurando grampos e tirando-lhe um por um até deixar solta sua frondosa cabeleira dourada. Quando esta lhe caiu sobre
as costas, fechou os olhos e tratou de não pensar no que seguiria.
- Tem um cabelo precioso - murmurou ele -, igual a fio de ouro - disse ao mesmo tempo em que acariciava as mechas reluzentes recreando-se na suave textura
e a fragrância sutil que o embriagavam e, então, atraiu de novo Lauren para seu peito, lentamente, trocando-a de posição até que ela ficou apoiada no oco de seu
braço.
Sem apartar o olhar do delicado formato de seu rosto, Jason deixou que a beleza daquele rosto o invadisse: nunca se cansaria de olhá-la, decidiu. Com dedos
dúbios, riscou a linha que ia da mandíbula de Lauren a seus vermelhos lábios carnudos; ela seguia apertando os olhos quando ele inclinou a cabeça para lhe capturar
a boca com a sua.
Estremeceu quando a língua do Jason se deslizou por seus lábios - provocando, incitando, jogando com eles -, e quando os separou para deslizá-la entre seus
dentes, Lauren resistiu ao desejo imperioso de levantar-se de um salto: aquele beijo estava tendo sobre ela o mesmo efeito que o anterior, deixando-a aturdida e
sem respiração. Jason notou sua resistência e, elevando a cabeça para olhá-la, seus olhos azuis a percorreram como uma carícia, zombadores.
- Nem sequer lhe beijaram nunca, verdade? - perguntou-lhe com ternura e, quando Lauren negou com a cabeça, riu com suavidade.
- Meu Deus, devem tê-la criado em um convento! Nenhum homem em seu são julgamento poderia resistir o desejo de te beijar se lhe apresentasse a menor oportunidade.
Imediatamente se arrependeu de ter pronunciado essas palavras porque Lauren voltou a ficar à defensiva e apartou o rosto e, por mais que seguia estreitando-a
em seus braços, Jason se deu perfeita conta da retirada quase física dela e de que tinha perdido quase todo o terreno que tinha conseguido ganhar.
Pôs-lhe a mão sobre a bochecha para obrigá-la a olhá-lo de novo.
- Prometeu-me uma noite, Olhos de Gata - a provocou -, e por enquanto não fizeste muito pelo trabalho que combinamos.
Recordando o acordo a que tinham chegado, Lauren elevou a vista para ele. Davam-lhe cem libras direito a lhe exigir algo?
- O que... o que quer que faça?
- Esteja quieta e não resista; só vou beijar-lhe - disse isso ele inclinando-se de novo sobre ela para capturar a carne tenra do lóbulo de sua orelha entre
os lábios e, depois de deter-se ali um instante, foi riscando um ardente atalho, beijando e mordiscando, até chegar à boca de novo.
- Me dê seus lábios, vida minha - lhe disse, e Lauren não teve mais remédio que fazê-lo porque, sem nem sequer lhe dar tempo a responder, beijou-a.
O contato daqueles lábios sedutores era suave mas firme de uma vez, e a Lauren lhe acelerou o coração quando a língua do Jason penetrou em sua boca, mas ele
a rodeou com braços que eram como poderosas tenazes de ferro sossegando qualquer intento de protesto. Ela não tinha força suficiente para resistir aquele assalto
decidido e experiente e, ao cabo de uns instantes, ele tinha conseguido superar sua resistência e atacava vigorosamente as defesas que Lauren tinha erguido para
mantê-lo a distância: seus lábios percorriam os dela possessivos enquanto que sua língua a explorava intimamente e acariciava até o último rincão de sua boca.
Aturdida e trêmula, tão somente se deu conta de forma vaga quando a paixão do Jason esteve a ponto de descontrolar-se; beijava-a com uma urgência insaciável...
Não: saboreava-a. E, para desconsolo e surpresa de Lauren, ela gostava de seu sabor, e queria mais: uma debilidade deliciosa foi tomando conta de seu corpo à medida
que o desejo - desconhecido e inadiável - a alagava por completo.
Pensou que ele devia estar sentindo esse mesmo desejo, porque o ouviu gemer - um som gutural que surgia das profundidades de sua garganta -, mas aquele beijo
a envolvia em um torvelinho de fogo muito intenso para parar e analisar aquele som primitivo. O beijo a manteve hipnotizada enquanto lhe soltava o sutiã do vestido,
que deslizou por seus ombros, para logo desfazer a fita da regata que levava debaixo. Quando a delicada cambraia se abriu deixando à vista os seios turgentes, Jason
aspirou fundo.
Ao dar-se conta de onde tinha ele fixo o olhar, Lauren tratou de cobrir sua nudez com os braços, mas tinha uma mão apanhada contra o torso musculoso do Jason
e lhe agarrou a outra e a sujeitou ao flanco.
- Tem uns seios formosos - murmurou ao mesmo tempo em que seus ardentes olhos azuis contemplavam os voluptuosos seios.
Lauren, com as bochechas avermelhadas, tratou de soltar-se sem êxito. Ele observava fixamente as rosadas auréolas como se estivesse a ponto das devorar e
então, com um movimento cheio de ousadia, alargou a mão para acariciar o mamilo direito com a ponta de um dedo. Ela lançou um grito afogado ao sentir que a atravessava
uma inesperada descarga de prazer.
- Formosos e bem formados. Eu gosto dos seios generosos em uma mulher.
- Por que? - disse ela distraidamente, tratando de fixar a atenção em algo que não fosse as traiçoeiras sensações que experimentava seu corpo.
Jason sorriu para ouvir a suspeita em sua voz.
- Porque encaixam perfeitamente quando os tomo em minhas mãos... Vê?
Tinha as mãos grandes e bonitas, com dedos largos e o dorso coberto por um pouco de pêlo e um pouco bronzeado pelo sol. Nelas podia perceber-se sua origem
nobre, mas a textura endurecida pelo trabalho também indicava que não passou a vida ocioso precisamente. Jason sustentou com a palma calejada o seio turgente, acariciando
com suavidade o tremente mamilo com o polegar.
Ela apertou os dentes ao experimentar uma incrível sensação ao contato com aquele roçar leve como a carícia de uma pluma: não se tinha dado conta de que seus
seios fossem tão sensíveis, mas o mamilo se endureceu imediatamente em resposta às carícias do Jason.
- E porque adoro seu sabor quando, como por exemplo agora, os tomo em minha boca - inclinou a cabeça para aprisionar com os lábios um dos topos rosados.
Lauren quase se levantou de um salto ao sentir o contato daquela língua úmida que lambia o mamilo de um rosa intenso como o do coral, mas ele a sujeitou e
logo a fez recostar-se para trás sobre o braço com que a sustentava, deixando completamente a sua mercê os cativantes seios.
Uma calidez desconcertante a invadiu enquanto ele a massageava, excitava e incitava até conseguir que o mamilo direito ficasse tão duro como um diamante,
para logo dispensar os mesmos cuidados ao esquerdo. Lauren afogou um grito em sua garganta quando, de repente, o beliscou brandamente com os dentes para logo acalmar
a palpitante sensação com os lábios. Pensou que devia estar louca para lhe permitir que tomasse aquelas liberdades com ela, mas não parecia capaz de encontrar a
força de vontade necessária para protestar. Só quando Jason começou a subir pelas sedosas dobras de seu vestido e sua mão começou a vagar lentamente por sua coxa
se deu conta de repente do que lhe estava fazendo.
- Não! - disse com a respiração entrecortada quando a mão dele chegou até o triângulo de pêlo loiro entre suas pernas.
- Por favor, você não deveria...
- Não te mova, minha vida, deixa que te ame.
Aquela ordem pronunciada em um sussurro a confundiu ainda mais. Amor? Mas a que se referia? Ninguém a tinha amado daquela maneira jamais, pensou Lauren ao
mesmo tempo em que cravava o olhar no azul intenso de seus olhos procurando uma resposta.
Ao ver que o desconcerto tingia suas belas facções, Jason sentiu o coração cheio de ternura: fá-la-ia feliz - prometeu -, assegurar-se-ia de que nunca se
arrependesse daquela noite, daquela repentina intervenção da Fortuna. Quanto a ele, não necessitava nenhuma cerimônia que os unisse, posto que a ternura que sentia
por ela nesse momento ia crescendo em seu peito até tal ponto que acreditou que o coração ia explodir.
- Querida, a verdade é que esta é uma situação estranha - murmurou -, mas prometo que falo completamente a sério quando te digo que te desejo.
- Desejo-te com todo meu coração, e desejo que seja minha esposa, minha amante, a mãe de meus filhos, meu amor.
Suas palavras desataram um torvelinho de emoções no coração de Lauren: ela nunca se apaixonaria; amar a alguém só podia trazer dor, solidão e vexames, algo
que sua mãe tinha descoberto com muito sofrimento. Houve um tempo em que Elizabeth DeVries tinha sido inocente e confiada, mas Jonathan Carlin a tinha utilizado
de um modo egoísta e desconsiderado.
- Sua posse, quer dizer... - respondeu Lauren com amargura ao recordar as penalidades e a dor que tinha suportado sua mãe, as privações e a vergonha que ela
mesma tinha sofrido.
- Uma escrava, uma prisioneira...
Jason enrugou a testa surpreso:
- Mas quem te encheu a cabeça com semelhantes tolices?
Como ela não respondia, Stuart jogou a cabeça para trás para apoiá-la sobre o encosto da cadeira durante um instante e continuou com uma voz suave que a fascinava
como se de uma doce melodia se tratasse:
- Há matrimônios em que esse é o caso, certamente, mas nunca tive semelhante conceito da felicidade. Imagine, Olhos de Gata, uma união de duas pessoas, uma
união de almas e mentes; imagine um marido e uma esposa que são companheiros, amantes, amigos... Um homem e uma mulher que compartilham um mesmo coração, que estão
unidos, sim, mas pela confiança e a paixão. Poderia ser assim entre nós dois, minha sereia.
Lauren sentiu que o timbre aveludado daquela voz a adormecia, igual a uma canção de berço que a envolvia como um quente abraço; durante um instante, até se
permitiu imaginar como seria estar casada com um homem tão imponente e persuasivo. Não recordava que nunca ninguém a tivesse estreitado em seus braços como estava
fazendo ele nesse momento, com essa ternura e essa segurança, fazendo-a sentir completamente protegida e idolatrada.
Decidiu que era impossível que ele tivesse nada que ver com o Burroughs: não depois de lhe haver ouvido dizer essas coisas; mas, em que pese tudo, ela nunca
teria oportunidade de descobrir se esse matrimônio era possível.
Como se lhe lesse o pensamento, Jason enterrou os dedos no sedoso matagal de sua cabeleira e jogou a cabeça para diante. Lauren notava seu quente fôlego na
bochecha enquanto ele a olhava aos olhos.
- Me conceda o direito de te demonstrar o que digo, coração - sussurrou ele.
Enquanto a observava, Jason detectou como a preocupação escurecia as profundidades cor âmbar daqueles olhos verdes, viu a batalha que liberavam as emoções
encontradas em seu belo rosto ovalado e a necessidade de lhe consolá-la estendeu ao seu peito. Umas lágrimas reluzentes como pequenos diamantes salpicavam as largas
pestanas de Lauren e ele se aproximou ainda mais para as fazer desaparecer com os lábios e logo percorreu seu rosto com pequenos beijos suaves nas bochechas, na
testa, nos lábios...
Estreitou-a mais forte entre seus braços e, alheio a tudo o que não fora fazer amor a aquela jovem formosa que apertava contra seu peito, deixou que sua boca
deslumbrasse, exigisse, suplicasse... enquanto suas mãos expressavam sem palavras a devastadora necessidade que sentia ao mesmo tempo em que prometiam em troca um
prazer inimaginável.
Lauren admitiu com desconsolo que se rendia a ele, a esse poder cheio de vitalidade que era uma parte tão integral da personalidade daquele homem e, quando
Jason a beijou, entreabriu os lábios para recebê-lo e, ao cabo de um momento, entrelaçou os braços ao redor de seu pescoço.
Ao sentir a tremente resposta dela à paixão que ia aumentando em seu interior, Jason recomeçou o assalto a sua inocência, permitindo que sua mão se deslizasse
pela lisa pele da coxa com o roçar suave de suas carícias. Ela ficou rígida quando os dedos dele chegaram até os cachos sedosos que ocultava sua feminilidade; entretanto,
aqueles beijos embriagadores lhe tinham arrebatado o fôlego e agora lhe impediam sequer pronunciar uma palavra de protesto, por isso só alcançou a fazer uma ameaça
pouco decidida de apartá-lo, empurrando seus fornidos ombros com as mãos em um intento de escapar a aquele calor doloroso que lhe aturdia os sentidos, mas desejando
render-se a ele ao mesmo tempo.
O pulso do Jason se voltou errático quando a ouviu gemer docemente: o contato daqueles sinuosos quadris femininos contra suas coxas o deixava louco. Desejava-a
de uma forma dolorosa, todo seu corpo clamava por ela - cada músculo, cada terminação nervosa -, mas aspirou fundo com a inspiração entrecortada e se obrigou a ir
devagar.
- Confia em mim, preciosa, não te farei mal.
A voz aveludada do Jason era mais rouca que a sua, observou Lauren vagamente um momento antes que ele começasse a atormentá-la com um novo suplício, acariciando-a
com ardorosos dedos insistentes para despertar uma tensão palpitante entre suas pernas.
Ela se aferrou com força aos fornidos ombros do capitão, oferecendo uma confissão muda do terror que lhe produziam as incríveis sensações que ele despertava
em seu interior. Podia sentir a tensão daqueles músculos poderosos através da camisa de cambraia que ele levava posta e, de algum modo, aquele corpo firme como uma
rocha não fazia mais que aumentar sua excitação. Lauren deixou cair a cabeça para trás em um gesto de rendição.
Não só era um bruxo adivinho, pensou aturdida, mas também era mago, e a magia se concentrava em seus peritos e hábeis dedos, e em sua boca. Sua boca era como
um ferro incandescente que a envolvia em chamas enquanto descrevia um atalho ardente desde seu pescoço até seus amadurecidos seios erguidos cujos mamilos beijava
com adoração para logo beliscá-los com suavidade, intensificando assim as chamas que ardiam em seu ventre e entre suas pernas. E todo o tempo os dedos do Jason continuavam
explorando-a lentamente, atormentando-a, e ela só acertava a retorcer-se entre seus braços, aferrando-se a ele com desespero com o coração acelerado.
Quando arqueou os quadris apertando-se contra ele, ansiando uma liberação que nem sequer sabia que existia, Jason sentiu que a sensação de triunfo lhe subia
ligeiramente à cabeça e as carícias de seus dedos se fizeram mais prementes, desejoso de que Lauren conhecesse o sabor da paixão. A cabeça lhe dava voltas enquanto
massageava a sensível carne feminina fazendo que a respiração entrecortada dela seguisse a cadência de suas rítmicas carícias.
O fogo que se desatou ia aumentando. Lauren gemeu, sentindo-se como se afogasse em um tempestuoso mar ardente de sensações, e seus dedos se enredaram
com desespero nos cabelos castanhos do Jason ao mesmo tempo em que apertava os punhos com força. As chamas se concentravam agora no centro de seu corpo, atravessando-a
até chegar ao mais profundo, fazendo-se cada vez mais e mais intensas... E então, de repente, sentiu um estalo implacável que a percorreu de pés a cabeça.
Jason afogou seu grito de prazer desconcertado com os lábios, plenamente consciente dos esbeltos dedos que lhe agarravam os cabelos, mas sem que lhe incomodasse
o mínimo. Podia sentir os batimentos do coração de Lauren que, pouco a pouco, ia se recuperando da violenta explosão apaixonada, e quando os calafrios que a sacudiam
foram remetendo ao fim, tomou o rosto entre suas mãos para olhar fixamente aqueles olhos verdes nublados pelo desejo. Sentindo a satisfação de ter conseguido ganhar
ao menos aquela primeira batalha, apertou-a contra seu ombro ao mesmo tempo em que sua mão percorria com doçura a sedosa cabeleira enquanto lhe acariciava com ternura
a bochecha com a ponta dos dedos.
Ela só era vagamente consciente daquele fôlego quente sobre sua têmpora e experimentava uma estranha e maravilhosa sensação de debilidade. Entretanto, não
deveria ter desfrutado daquele modo dos escandalosos cuidados do Jason. Estava fazendo aquilo por dinheiro... Mais tarde, disse a si mesmo, mais tarde se horrorizaria
ao recordar seu próprio comportamento escandaloso, mas agora não podia falar, nem sequer podia pensar enquanto ele embalava em seus braços seu corpo exausto. Profundamente
agradecida, fechou os olhos e se aconchegou contra seu peito.
Jason conseguiu por fim relaxar um tanto e também fechou os olhos ao mesmo tempo em que apoiava a cabeça contra o encosto do assento para descansar um momento.
Voltou a sentir o cansaço implacável que tomou conta dele antes, inclusive mais intensamente; ainda notava seu sexo ereto e palpitante de desejo, mas sofria um esgotamento
tão absoluto que quase não tinha forças para sustentá-la em seus braços.
Não foi consciente de quanto tempo se passou ali sentado sem mover-se, nem de como tinha conseguido tirar forças de fraqueza para carregar com ela até a cama.
Uma vaga suspeita cruzou sua mente em meio da neblina que envolvia seus pensamentos, mas não era capaz de concentrar-se em nada mais que no premente desejo que sentia.
Ficou de pé frente à cama, conseguindo com muita dificuldade guardar o equilíbrio ao mesmo tempo em que se recordava que não tinha direito a tomá-la até que não
a fizesse sua esposa. Sua esposa. Logo seria dele.
Baixou a vista para aqueles incríveis olhos verdes de tons âmbar e se perguntou o que seria o que provocava a profunda tristeza que via neles. Não obstante,
quando tentou falar, sua língua se moveu com dificuldade e as palavras que saíram de sua boca não eram mais que balbuceios ininteligíveis, inclusive em seus próprios
ouvidos, assim desistiu, mas não foi até que lhe falharam as pernas quando se deu conta de que estava perdendo a consciência. Lauren se ia convertendo em uma imagem
imprecisa que flutuava na distância à medida que se desvanecia para dar lugar a uma escuridão total.
O vinho. Lhe tinha posto alguma droga no vinho.
"Mas por que? Deus, não! Por favor, não!"
Propunha-se abandoná-lo, desapareceria de sua vida tão repentinamente como tinha irrompido nela e ele não poderia fazer nada para impedir-lhe.
Jason ficou ali estendido durante un momento, com o corpo quase inerte esparramado sobre ela, respirando com dificuldade. Ao notar que Lauren intentava mover-se,
como se quisesse libertar-se de seu peso, o mesmo sentimento ferozmente possessivo que já havia experimentado antes voltou a nascer em seu interior: ela lhe pertencia
e a faria sua com seu corpo para evitar que o abandonasse; a tomaria e assim passaria a ser parte dele, ficariam irremediavelmente unidos e logo a transformaria
em sua esposa.
Só era capaz de pensar em uma coisa: não podia deixar que partisse. O medo se apoderou dele, medo de perdê-la. Pôde sentir como se deslizava entre seus dedos,
como se dissipava aquela rutilante imagem envolta em ouro... Alargou o braço para Lauren, lutando contra a irresistível debilidade que o dominava, e avançou com
passo vacilante para a cama. Caiu justo em cima dela, lhe arrancando um grito afogado de surpresa.
Com um desespero que jamais tinha conhecido, Jason a rodeou com um braço pela cintura e a arrastou sob seu próprio corpo. Ela não opôs resistência, pois estava
decidida a submeter-se a ele e cumprir assim com o acordo a que tinham chegado.
Jason se apoiou sobre um braço e, de algum modo, conseguiu desabotoar as calças e liberar seu membro turgente. Logo, com movimentos lentos, levantou-lhe a
saia deixando à vista a suavidade daquele sexo feminino que até fazia só uns minutos não tinha conhecido o tato das carícias de um homem, uma suavidade que ainda
estava ardente e úmida.
Sentiu que ficava muito rígida quando lhe separou as pernas com seus próprios joelhos, mas então seus braços não puderam seguir suportando o peso de seu corpo
e desabou sobre ela, apanhando-a abaixo ele. O impacto quase a esmagou, fazendo que Lauren custasse respirar. Não podia sabê-lo, mas o grito afogado de desconcerto
que deixou escapar serviu para reavivar ao Jason momentaneamente, e, empurrado por um torvelinho de fúria e desejo, esporeado pelas últimas rabadas de suas exíguas
forças, incorporou-se de novo sobre ela e a penetrou, abrindo-se caminho até o mais profundo de seu corpo enquanto Lauren se agitava inutilmente debaixo dele.
Jason ouviu como gemia de dor enquanto a atravessava, mas era um som que lhe parecia vir de muito longe. Enterrou o rosto entre as mechas douradas de sua
cabeleira, apertando a bochecha contra a dela, sentindo o calor de suas úmidas lágrimas.
Não sentiu gozo algum ao saber que a tinha feito dele, só uma imensa frustração e a ira surda que lhe provocava sua própria debilidade. Não obstante, à medida
que a escuridão total o envolvia, sua fúria remeteu, igualmente como todas as demais sensações.

Capítulo 5

Cornuália, 1812

Com os pés ligeiramente separados, Jason permanecia firme enquanto o vento gelado que chegava do mar lhe açoitava o rosto. Quase podia imaginar a si mesmo
na ponte de um navio enquanto o vento, último vestígio da tormenta que acabava de passar, enredava-se em seu cabelo e fazia ondear o capuz de seu casaco. Olhou
abaixo para observar o redemoinho de espuma branca das ondas se chocando contra os escarpados, e essa imagem avivou a lembrança das inúmeras ocasiões em que tinha
subido pelos mastros e contemplado de cima um fluxo similar.
Não podia evitar estar impressionado pela beleza que tinha ante os olhos: as ondas espumosas exploravam uma e outra vez de forma violenta, como se de um magnífico
alarde de poder por parte da natureza se tratasse. Aquele desconcertante alvo efervescente contrastava com as tonalidades da água salgada obscurecidas pela tormenta:
as duas únicas notas de cor em meio dos detestáveis cinzas que dominavam a cena. Jason elevou a vista para observar o horizonte, tão somente uma fina linha que separava
o vasto oceano do céu cor plúmbea, e adivinhou que, em umas quantas horas, até o mar se veria envolto nas trevas de uma névoa densa que avançava já para a costa
da Cornuália.
Jason não podia explicar o que o tinha incitado a percorrer semelhante distância com o objetivo de ver por si mesmo o cenário da tragédia, mas imaginava que
era porque queria saber tudo que pudesse sobre a jovem com quem tinha estado prometido por um espaço de tempo tão breve.
Percorreu com o olhar as grutas que havia ao fundo dos escarpados uma vez mais. As pedras daquela costa pareciam ter sido arrancadas de terra firme e lançadas
ao mar por uma espécie de mão gigantesca, umas formações rochosas descomunais se elevavam em massas retorcidas, recortados com afiadas arestas, emergindo das profundidades
como se prorrompessem em um protesto agônico contra as investidas constantes das ondas que rompiam contra elas.
Não havia nada naquela imagem fantasmagórica que lhe recordasse o rosto de feições finas e delicadas e as voluptuosas curvas femininas, mas essa imagem indelével
que tinha gravada na memória lhe aparecia sem prévio aviso. A essas alturas, Jason já estava mais que familiarizado com o retrato do Andrea Carlin de menina, mas
sua mente insistia em completá-lo acrescentando pequenos detalhes a aquelas facções juvenis: o brilho hipnótico de seus olhos, a voluptuosidade cheia de graça de
suas formas, a inconsciente capacidade de sedução de seu sorriso... Esse sorriso que tinha conseguido sem o menor esforço que lhe fervesse o sangue, enquanto que
a beleza encantadora de seu rosto ainda lhe rasgava o coração.
Não obstante, também se perguntava quão imprecisas que teriam se tornado suas lembranças nos muitos meses que tinham acontecido desde que sua prometida desaparecesse.
Tinha pensado que era frágil e vulnerável, mas agora via que tinha tido força mais que suficiente para sobreviver naquele remoto rincão desolado. Os acontecimentos
traumáticos de sua curta vida tinham marcado seu caráter, isso sem dúvida, embora não lhe resultasse fácil calcular até que ponto.
Acaso tinha estado ela ali de pé alguma vez, no mesmo lugar que ocupavam seus pés nesses momentos, contemplando o mar enquanto meditava sobre as ações de
seu guardião cheia de angústia e desconcerto? Não, não teria tido oportunidade de fazê-lo, Burroughs já se teria encarregado de que não a tivesse. Aquele homem tinha
admitido abertamente ante o Jason a preocupação que lhe provocava a segurança de sua protegida e as precauções que tinha tomado para garanti-la.
Ao dar a volta, Jason viu a imensa mole de pedra cinza que era Carlin House. Aquela imponente estrutura cuja silhueta se recortava sobre o céu tinha sido
construída pelo Jonathan Carlin com a intenção de que parecesse um castelo, com ameias e torres incluídas, e se encontrava a certa distância da borda do escarpado.
Carlin House se camuflava à perfeição na selvagem paisagem da costa do Cornuália, mas uma imaginação muito febril poderia lhe haver atribuído alguma das sinistras
qualidades de um edifício gótico: certamente não era o lugar para criar uma menina órfã. Agora Jason acreditava poder entender melhor as razões pelas que ela tinha
fugido dali.
Ao princípio não tinha compreendido nada. Passou três dias procurando como um louco por todos os moles e embarcações de Londres, por todos os navios,
antes de resignar-se a admitir que Andrea Carlin tinha desaparecido - certamente com Lilás -, e que o tinha feito sem deixar rastro. Então foi quando foi aos escritórios
da companhia Carlin.
Suas ações desses dias tinham sido as de um lunático: a ponto esteve de matar ao Burroughs com suas exigências iradas de que lhe explicasse o que tinha sido
da jovem, mas logo lhe soltou o pescoço ao ancião, não porque este jurasse que ignorava o paradeiro de sua protegida, mas sim porque lhe suplicou que tivesse piedade
de um pobre velho com o coração débil e porque certamente parecia a ponto de desmaiar. Jason tratou então de reanimá-lo, sugerindo-lhe que se deitasse no sofá e
lhe afrouxando a gravata e o pescoço da camisa ao mesmo tempo em que, vendo os lábios mortiços do Burroughs, ajudava-o a beber um pouco de água. Passou um bom momento
antes que um dos dois estivesse em condições de falar da herdeira da fortuna Carlin sem perder os nervos.
- É uma longa história - disse o ancião por fim -, mas tenho intenção de contar-lhe a você, pela simples razão de que necessito sua ajuda. Seu próprio passado,
capitão Stuart, fala eloquentemente de sua capacidade, e, além disso, lorde Effing me assegura que é você de confiança. Não o teria elegido para minha protegida
se não fosse assim.
Os músculos suspensos de sua mandíbula traíam ao Jason, que tratava por todos os meios de ocultar a ira que sentia.
- Estou esperando - respondeu com tom ameaçador.
Burroughs ficou de pé de repente e começou a caminhar de um lado para outro pelo chão de parqué retorcendo as mãos com nervosismo.
- Devo insistir... em que me você dê sua palavra de que nada do que estou a ponto de lhe contar sairá de seus lábios, salvo causa de força maior - disse,
e logo fez uma pausa que Jason aproveitou para assentir com a cabeça ao mesmo tempo em que se perguntava a razão pela qual lhe rogava com tanta veemência que não
falasse do assunto.
- Todo começou fará uns trinta anos - continuou Burroughs em voz baixa, quase como se falasse sozinho -, antes que eu me convertesse em sócio na naval Carlin,
antes que Jonathan Carlin se casasse com minha irmã Mary. Jonathan era bastante impulsivo, além de imperioso e teimoso, desde então; em uma palavra, não fazia caso
mais que das leis que se impunha ele mesmo e não tolerava que o desafiassem.
Jason entreabriu os olhos para contemplar uma vez mais o retrato do Jonathan Carlin com sua mulher e sua filha. Carlin ocupava o centro do tecido, de pé com
gesto altivo e o olhar fixo observando-o do quadro. Seus compridos e finos dedos estavam apoiados com ar possessivo sobre o ombro da mulher sentada diante dele.
Ajoelhada junto a eles dois, podia ver-se a uma menina pequena que sorria ligeiramente e rodeava com ambos os braços o pescoço de um cachorro sobre cuja cabeça tinha
a bochecha apoiada.
Andrea Carlin não se parecia com nenhum de seus progenitores - de aspecto sério e embelezados com perucas -, nem em sua aparência nem na expressão de seu
rosto, pensou Jason. Os cabelos limpos de talco da pequena lançavam deslumbrantes brilhos dourados que contrastavam com sua tez pálida, enquanto que em seus olhos
verde e âmbar brilhava uma luz cativante. Um retrato excelente decidiu Jason, só que o artista não tinha conseguido refletir seu sorriso: no quadro, era doce e inocente,
não demolidoramente sedutora.
Obrigando-se a apartar a vista, voltou a olhar ao Burroughs. O presidente da companhia era um homem fornido de rosto corado, mas bem corpulento agora que
já tinha uns anos, mas que não irradiava nem um ápice da aura de poder e confiança em si mesmo do Jonathan Carlin. Uns olhos azuis pálidos permanentemente lacrimosos
completavam a expressão já por natureza compungida do Burroughs. Em qualquer caso, Jason era bem consciente de que atrás desse olhar empanado se escondia um cérebro
ardiloso, assim lhe concedeu toda sua atenção.
- Ao Jonathan sempre gostou de julgar ser Deus - disse Burroughs com um suspiro.
- Adorava controlar as pessoas, fazer que se rendessem a sua vontade. Poucos se atreviam a desafiá-lo, mas sua própria irmã Regina sim que o fez: contra o
desejo de seu irmão, começou a ver-se com um espanhol chamado Rafael. Quando Jonathan se deu conta de que era incapaz de impedir-lhe optou por fazer que detivessem
o amante e lhe expôs o seguinte dilema: a forca ou ser deportado. O espanhol escolheu o último e o enviaram a um navio de escravos de onde virtualmente não tinha
possibilidades de escapar.
Burroughs se deu conta de que Jason tinha arqueado uma sobrancelha e se apressou a responder à pergunta que este ainda não tinha formulado:
- A companhia se dedicava ao tráfico de escravos naquela época; sim, assim foi como Jonathan conseguiu benefícios tão abundantes ao princípio. Mas é que,
além disso, não se tratava de uma viagem qualquer: ao Rafael o levaram a Argélia. Passou mais de uma década antes que voltasse, ou seja, nada dele.
Nesse momento, Burroughs deixou de caminhar e começou a afrouxar o pescoço da camisa tratando de recuperar o fôlego. Ao ver seus gestos frenéticos, Jason
se viu de novo na obrigação de ajudá-lo e o acompanhou até o sofá uma vez mais. Quando esteve convexo, Burroughs fez um leve gesto tranquilizador com a mão ao mesmo
tempo em que dizia com um fio de voz:
- Estou bem, estou bem. É só que, além de um coração cansado, também tenho um estômago débil. - Fechou os olhos.
- Sabe você, capitão? Fui eu o que o descobriu na cova..., ao pé dos escarpados do Carlin House.
- Você foi quem encontrou... a quem? - perguntou-lhe Jason brandamente ao ver que Burroughs permanecia em silêncio.
- Ao Jonathan, Mary... e Andrea. Seus corpos...
Jason cravou o olhar no retrato ao mesmo tempo em que sua mente trabalhava a toda velocidade. Por um instante, antes que a razão se impor de novo, considerou
a possibilidade de que Andrea Carlin estivesse morta. Mas não podia ter morrido... A não ser que seu espírito tivesse conseguido voltar de algum modo e encarnar-se
de novo...
Jason se obrigou a controlar sua fértil imaginação, mas estava sujeitando o punho do Burroughs com mais força do que a necessária e sua voz se tornou rouca
quando exigiu ao ancião que lhe explicasse o que tinha ocorrido à família Carlin.
- Rafael... e seus homens os tinham torturado. Não posso nem sequer tratar de descrevê-lo... meu Deus havia tanto sangue por toda parte...! Aquilo era obra
de uns animais selvagens...
- Mas a filha não correu a mesma sorte, à filha não a mataram - disse Jason com voz irreconhecível.
- Suponho que poderia dizer-se que não. Andrea foi... haviam...
Ao Jason lhe encolheu o coração.
- Rafael a violou? - exigiu saber esquecendo-se por um momento das manchas de sangue virginal nos lençóis de Lilás.
- Não, não... só violaram a minha pobre irmã Mary, e não foi Rafael - respondeu Burroughs -, ele não podia, os eunucos não podem... Por isso desfrutou tanto
castrando ao Jonathan. Só que não se detiveram aí. Rafael observou enquanto seus homens violavam a Mary e logo lhe cravou uma faca. Para quando se fixaram em Andrea,
estavam tão bêbados que mal podiam sustentar-se em pé. Fizeram-lhe infinidade de cortes nas coxas e os braços antes que ela conseguisse escapar por um túnel que
dava aos porões da casa onde desmaiou, mas Jonathan e Mary...
As palavras do Burroughs se converteram em um leve sussurro enquanto ia contando como tinham sido assassinados sua irmã e seu cunhado, mas à medida que avançava
no relato sua voz se voltava mais neutra, quase desapaixonada. Mesmo assim, Jason pensou que jamais tinha visto tanto horror refletido nos olhos de um homem e ele
mesmo sentiu esse horror. Tinha presenciado batalhas sangrentas ao longo dos anos e se considerava bem curtido nesse aspecto, mas mesmo assim lhe fez um nó no estômago.
Quando concluiu seu relato, Burroughs já respirava com mais normalidade. Ficou olhando ao retrato um instante, como se fizesse um esforço por recordar à família
Carlin tal e como eram antes da tragédia.
- Soubemos a história pelos dois homens que apanhamos, mas Rafael conseguiu escapar. - Jason tragou saliva e, cheio de apreensão, apertou os punhos quando
Burroughs voltou a falar da menina:
- Acreditávamos que Andrea morreria porque padeceu de umas terríveis febres nervosas. Eu mesmo a cuidei, eu e a preceptora, mas não conseguíamos que deixasse
de gritar; tivemos que atá-la à cama para que não fizesse mal a si mesmo.
- Nunca esquecerei o dia em que por fim me olhou com uma expressão lúcida nos olhos. Foi como... voltar a respirar..., como se a vida me tivesse feito um
presente. Surpreendeu-nos descobrir que não recordava nada do que tinha passado, e que tampouco recordava quem era. - Burroughs se deixou cair no sofá de novo esfregando
a testa com a mão quase sem forças.
- Andrea tinha apagado o passado de sua mente por completo. Contratei um médico de Londres que disse que era uma reação normal depois do que lhe tinha passado:
o trauma tinha sido tão grande que sua mente não tinha conseguido aceitá-lo. O doutor nos disse que não a obrigássemos a recordar que já o faria ela sozinha quando
estivesse preparada e, sinceramente, eu não tinha o menor interesse em ignorar seu conselho, de fato estava profundamente agradecido porque a menina não recordasse
os horrores que tinha presenciado. Ao cabo de um tempo começaram os pesadelos de maneira intermitente, mas isso foi tudo: exceto pela perda de cor e sua voz, era
como se não tivesse ocorrido nada.
- Sua voz? - repetiu Jason ao mesmo tempo em que recordava o timbre rouco e aveludado que tão sedutor lhe tinha parecido.
- Acredito que lhe aconteceu algo na garganta, certamente de tanto gritar. Ou talvez foi porque a ataram com uma corda; ainda a tinha ao pescoço quando a
encontramos. Não era mais que uma menina!
Uma lágrima percorreu a bochecha do Burroughs ao mesmo tempo em que deixava cair a cabeça para trás sobre o encosto do sofá. Fez-se um silêncio absoluto na
habitação durante um bom momento. Quando voltou a abrir os olhos, encontrou-se com os de Jason que o olhava enfurecido.
- Protegê-la se converteu no primeiro objetivo de minha existência - prosseguiu Burroughs.
- Sempre temi que Rafael voltasse para Andrea, e além não era só ele quem me preocupava. Também estava Regina Carlin: ela passaria a herdar toda a fortuna
do Jonathan e sua parte da naval se ocorresse algo a Andrea. Ao princípio não suspeitei que Regina tivesse tido nada que ver com os assassinatos, inclusive em que
pese a que um dos piratas tinha confessado que uma mulher os tinha ajudado a entrar no Carlin House. Mas quando Regina se inteirou de que Andrea tinha sobrevivido,
veio para ver-me e me propôs um plano para acabar convertendo-se na proprietária legal das posses do Jonathan. Ainda me custa acreditar que a própria irmã do Jonathan
pudesse ser tão vingativa. Regina queria que se declarasse a incapacidade mental de Andrea e a internasse em um manicômio e, quando me neguei, fez todo o possível
para que o mundo acreditasse em suas mentiras sobre minha protegida.
- E assim é como começaram a estender os rumores de que Andrea estava louca, suponho.
Burroughs assentiu com a cabeça.
- Eu ameacei a Regina para fazê-la calar, pensando que assim a convenceria de abandonar seus planos, mas também insisti em que Andrea não abandonasse jamais
a casa, o que a fez muito infeliz, é obvio; temo-me que a privei de virtualmente todo contato humano, por mais que minhas intenções fossem boas. Em um primeiro momento
não acreditei que fosse necessário durante muito tempo, só até que conseguíssemos apanhar ao Rafael, e contratei a uns homens para proteger a Andrea e me assegurar
de que Rafael jamais conseguisse levar a cabo com êxito nenhum dos planos que pudesse seguir tramando.
- São esses os mesmos homens que seguiram a sua protegida até Londres?
- Os mesmos. Eu insistia em que sempre houvesse alguém perto para velar por sua segurança.
É obvio Burroughs não mencionou que Lauren se havia oposto à presença dessas patrulhas inclusive mais do que o tinha feito antes sua meio-irmã e, lançando
um suspiro com ar ausente, seguiu falando:
- Suponho que a poderia ter transladado a outro lugar, mas Carlin House pode defender-se com facilidade se estiver bem preparada, já que Jonathan tinha construído
a mansão para que durasse séculos. Propunha-se ser o rei de seu castelo e, durante um tempo, sem dúvida foi. Em qualquer caso, disse a Andrea que era para protegê-la
de contrabandistas que rondavam pela zona, o que em parte era verdade, pois durante séculos, as covas ao pé dos escarpados serviram que guarida para toda classe
de atividades comerciais clandestinas. Até houve um tempo em que Jonathan também se beneficiou disso. Há milhares de grutas ocultas, ideais para guardar a mercadoria.
Ali foi onde Rafael estava.
O vento que açoitava agora o rosto do Jason lhe fez recordar qual era sua intenção ao aproximar-se para explorar as covas dos escarpados. Reparou com satisfação
que a maré estava em seu ponto mais baixo e, lançando a um lado o casaco sobre uma rocha, sujeitou entre os dentes com força a tocha improvisada que levava na mão
e pôs um pé no atalho de baixada, cujo início estava marcado com duas rochas imensas que se erguiam no alto do escarpado igual a dois sentinelas. Lá abaixo, o final
do atalho se desviava por volta de uma estreita franja de areia que logo ficaria coberta de novo pelas ondas quando voltasse a subir a maré. Mais à frente, a sua
esquerda e passada a entrada à cova, divisava-se outra franja de areia similar da que partia um atalho um pouco mais largo, quase uma estrada de fato, que ascendia
tortuosamente pela levantada ladeira igual a uma serpente surgindo do mar.
A recente tormenta tinha impregnado o ar de um frescor renovado que se somava ao penetrante aroma do mar, mas também tinha tornado o atalho ainda mais escorregadio
e perigoso. Os irregulares degraus esculpidos na ladeira estavam cheios de atoleiros de água de chuva e salpicados de pedras. Uma vez que alcançou a rocha em sua
descida, os salientes da pedra resultaram inclusive ainda mais perigosos, pois Jason se viu obrigado a agachar-se ao mesmo tempo em que se agarrava à parede do escarpado
como podia. Quando chegou ao pequeno desnível que o separava da praia, tinha a camisa e o colete úmidos pelo suor e as salpicaduras de água de mar.
Entretanto, na praia, uma grande formação de rochas o resguardava do vento; dali pôde ver o canal que corria paralelo ao escarpado: aquela grande massa de
água parecia relativamente calma ao sabor da barreira natural de rochas, e profunda também, calculou Jason concluindo que podia servir facilmente para albergar um
pequeno navio sem que este fosse visto exceto diretamente de cima.
De onde estava, não parecia que se pudesse chegar até a entrada da cova a não ser a nado, mas, à medida que se foi aproximando, viu que havia uma entrada
adjacente na rocha. Depois de parar para acender a tocha com um par de pederneiras, Jason abriu caminho através da estreita abertura para acabar balançando-se perigosamente
sobre uma saliência na parede rochosa. Ali tudo estava muito mais tranquilo, podia ver as suaves ondulações das ondas a seus pés e também reparou nas marcas que
as águas tinham deixado sobre as paredes da cova.
O saliente era o único caminho de acesso: tinha aproximadamente uns trinta centímetros de largura e levava para o fundo da cova, e tinham esculpido um áspero
corrimão na rocha para sujeitar-se. Ao cabo de uns escassos dez metros, o saliente ia alargando pouco a pouco e começava a nivelar-se. Como tinha ocorrido antes,
o atalho parecia chegar a seu fim, mas à luz da tocha, Jason pôde ver a entrada à cova a um lado, na parede de rocha. O passadiço estava esculpido nesta e sulcado
por marcas feitas a cinzel, o que indicava que aquela abertura tinha sido alargada pela mão do homem.
Quando entrou no túnel, a chama da tocha piscou lançando um reflexo inquietante sobre as úmidas paredes, mas voltou a arder com mais regularidade quando atravessou
uma diminuta caverna onde o ar era fresco e reinava uma quietude absoluta. Jason não ouvia nada mais que suas próprias passadas e o rugir longínquo das ondas.
Descobriu que havia um sem-fim de grutas, mas nenhuma o bastante grande para armazenar mercadorias exceto a última: poderiam ter cabido quatro Leucóteas naquele
espaço. Ao entrar na imensa câmara subterrânea abobadada, Jason sentiu imediatamente um frio intenso que lhe impregnava até os ossos. A pequena chama da tocha não
alcançava a iluminar todo o espaço nem tampouco o teto, mas era suficiente para que Jason pudesse inspecionar os arredores e descobrir facilmente a entrada a outro
túnel que agora estava selada com pedras e argamassa. Também reparou em que as paredes estavam sujas de negro e umas manchas escuras no chão, a maior delas justo
no centro.
À medida que ia avançando, um vento gélido lhe açoitava o rosto ao mesmo tempo em que fazia vacilar a chama. Jason viu durante um instante sua gigantesca
sombra dançando vacilante sobre a parede de pedra, mas logo a chama deixou de tremer e a imagem desapareceu. Não necessitava que ninguém lhe dissesse que aquele
era o lugar onde os Carlin tinham morrido depois de uma terrível agonia. Rafael e seus homens tinham esquartejado primeiro Jonathan, deixando-o meio morto, mas o
tinham ido reanimando para obrigá-lo a ver o que faziam a sua mulher e sua pequena filha.
A gruta estava completamente vazia. Jason apertou a mandíbula com gesto grave e saiu dali para voltar através dos túneis pelos que tinha vindo; deteve-se
uma só vez, para ouvir na distância um grito angustiado, mas este não se repetiu e pensou que o estranho som devia ser o grunhido distorcido de algum animal.
Quando voltou a estar de pé à luz minguante daquele dia invernal, respirou fundo. O rugido do mar era quase ensurdecedor depois da fantasmagórica quietude
do interior da cova subterrânea. Também fazia menos frio no exterior, por mais que as ondas o tivessem empapado de pés a cabeça e o vento soprasse com força quando
empreendeu a subida pelo atalho de volta ao alto do escarpado.
Não duvidava da veracidade da história do Burroughs: a angústia que sentia pela sorte que pudesse correr sua protegida dava a impressão de ser genuína, e
suas ações posteriores pareciam dar amostra de seu altruísmo, posto que ao Jason tivesse devotado a frota da naval Carlin para completar o matrimônio combinado.
Aquele primeiro dia recordava Jason agora, a conversação tinha derivado para a questão do controle da companhia:
- Não tem você a menor idéia de onde pode estar sua protegida? - perguntou Jason.
- Não tem amigos ou parentes nos Estados Unidos?
Burroughs lançou um suspiro.
- Não, pelo menos que eu saiba. Não me ocorre onde pode ter ido.
Quando o ancião sugeriu a possibilidade de que sua sobrinha pudesse não ter sobrevivido, Jason foi incapaz de evitar que um tom de acusação tingira sua voz.
- Vejo que não tem você intenção de encontrá-la com vida... - disse em tom cortante.
O rosto do homem se tingiu de vermelho por causa da ira.
- Saiba que me ofende esse comentário, capitão Stuart. Sempre me preocupei pelo bem-estar da filha do Jonathan, do mesmo modo que sempre fiz tudo o que pude
por ela, dadas as circunstâncias.
Jason apertou os lábios reprimindo uma blasfêmia. "O único que faltou você fazer com seus ineptos cuidados foi asfixiá-la", teria gostado de lhe dizer, mas,
em vez disso, escutou-lhe enquanto explicava a grandes rasgos qual era seu plano.
- Eu me converti em sócio da companhia - disse Burroughs - porque podia contribuir com o capital que tão desesperadamente necessitava esta; a naval Carlin
tinha sido um êxito quando Jonathan a fundou, mas dois anos de naufrágios e alguns investimentos desafortunados tinham levado o negócio à beira da ruína. Agora
eu sou o proprietário da metade da naval além de ser quem está ao comando do dia a dia.
- Não obstante, tenho o coração doente e me hão dito que poderiam ficar não muitos anos de vida, assim dispus com seu pai que você se casaria com minha protegida
para que ela não corresse nenhum perigo quando eu morrer. Além disso, queria entregar a frota a alguém que fora digno dela; desejava que você me substituísse capitão.
E não foi uma decisão que tomasse à ligeira nem sem me informar previamente, me creia. Segui suas façanhas de perto e estou contente com minha decisão.
Ao ver a séria expressão de Jason, Burroughs elevou uma mão com gesto pacificador.
- Um momento, capitão, me deixe terminar, o rogo - disse ao mesmo tempo em que ficava em pé com passo vacilante para ir sentar-se atrás de uma grande escrivaninha
forrada de pano, o trono do que dirigia o vasto império Carlin e que agora também servia de barreira protetora frente a qualquer outro arrebatamento violento de
seu visitante.
- Considero-me responsável pela fuga de minha protegida; sem dúvida cometi graves enganos no passado entre os que se encontra (e não é precisamente o menor
de todos) o permitir que minha irmã se casasse com o Jonathan. Mas não posso trocar isso agora e ainda sigo decidido a me assegurar de que Regina nunca se beneficie
em modo algum de suas más ações. Até estaria disposto a lhe entregar a companhia se não fosse pelos impedimentos legais, mas, mesmo assim, existe outra maneira de
consegui-lo, sempre e quando aceitar você fazer-se carrego de minha protegida além de ficar à frente da naval.
Jason olhou o retrato outra vez.
- Sim, estou disposto a fazê-lo - respondeu em voz baixa.
Burroughs assentiu com a cabeça.
- Jonathan legou sua parte da companhia a sua filha, mas me cedeu o controle, assim tenho total autoridade para atuar como julgo conveniente. Inclusive quando
ela alcançar a maior idade dentro de uns anos, eu seguirei estando a frente a não ser que se case com meu consentimento, em cujo caso o controle passaria a seu marido.
O que pretendia Jonathan era que a companhia permanecesse em mãos da família e passasse a seus herdeiros varões.
Burroughs fez uma pausa para observar a reação do Jason, que entreabriu os olhos.
- Não estará você pensando em falsificar algum documento para fingir que o matrimônio se celebrou? - disse em um tom que, sem lugar a dúvidas, era um tanto
ameaçador.
Burroughs se revolveu no assento, incômodo.
- Eu... eu confiava em que você compreendesse a importância que tem que minha protegida se case. Se seguir desprotegida, tem poucas possibilidades de seguir
viva muito tempo. No melhor dos casos, passar-se-á o resto de seus dias encerrada em uma cela do Bedlam; Regina não parará até conseguir a naval, e ela será o único
parente que fique à moça quando eu mora. A única forma de protegê-la, tal e a meu ver, é lhe encontrar um marido que herdaria seu patrimônio se lhe ocorresse algo.
Poder-se-ia organizar um matrimônio por poderes que fora válido ante um tribunal.
A voz do Jason estava tinta de ira quando respondeu:
- Recordará você, senhor Burroughs, que sua protegida não desejava que se celebrasse nenhum matrimônio, assim que seu plano a estaria privando da liberdade
de decidir, além de destruir qualquer possibilidade que eu pudesse ter de ganhar sua estima. Quero que se converta em minha esposa, mas proponho me encarregar deste
assunto eu mesmo.
- Não tenho tempo para essa classe de escrúpulos, capitão, tenho que manter a companhia longe das garras da Regina.
- Faça-o de outro modo.
-Talvez devesse procurar algum outro candidato cujas opiniões estivessem mais em consonância com as minhas.
Jason apertou a mandíbula violentamente.
- É você livre de fazer o que julgar oportuno respeito a Regina e a naval Carlin, mas se chegar tão sequer a considerar algum candidato para levar a cabo
esse matrimônio fraudulento, juro-lhe que afundarei até o último navio da frota Carlin!
O ancião proçarssou a ameaça no mais completo silêncio, mas a ferocidade dos olhos do Jason não deixava lugar a dúvidas de que falava a sério. Ao cabo de
um instante, obrigou-se a adotar uma expressão impassível, recostou-se na cadeira e acrescentou em tom acalmado:
- Também estou disposto a me assegurar de que a irmã do Jonathan e Rafael sejam castigados por seus crimes, além de me responsabilizar da naval, mas me ocuparei
de sua protegida a minha maneira.
Burroughs assentiu com ar de resignação, dando-se conta de que, se não nos métodos, pelo menos estavam de acordo nos objetivos.
- Muito bem, mas o desejo do Jonathan era que a participação majoritária na naval Carlin permanecesse na família e, conforme essas condições, não poderia
nem sequer lhe oferecer a formação de uma sociedade, ou ao menos não uma em que tivesse pleno controle.
- Então me venda os navios.
Burroughs ficou muito quieto e com uma expressão petrificada no rosto.
- Isso poderia dar resultado - disse lentamente; - mas temos que estabelecer um preço ridiculamente baixo, senão Regina se converteria em uma mulher rica
se Andrea... não pudesse reclamar sua herança. Bastaria fixar um preço de uma libra por navio: um total de vinte e quatro libras.
- Não, cem guinéus pelo lote completo. - Burroughs arqueou uma sobrancelha sem compreender a que podia dever o repentino brilho nos olhos de Jason.
- Sua protegida o entenderá - acrescentou o capitão Stuart em tom misterioso.
Talvez o entendesse, mas lhe perdoaria depois do que tinha passado entre eles? Jason se fazia essa pergunta quando já estava a ponto de chegar ao alto do
escarpado; uma vez ali, ficou de pé uma vez mais junto às grandes rochas que assinalavam o atalho. Já não sentia aquele frio implacável das covas nos ossos, mas
sim experimentou um desolador sentimento de perda quando se voltou para contemplar o horizonte de novo: era a mesma sensação desoladora de ausência que o percorreu
quando ao despertar descobriu que a jovem havia partiu, e naqueles momentos era tão intensa que teve que apertar os punhos para não dar um golpe ao primeiro que
visse. Puseram-lhe os nódulos alvos e acreditou honestamente que se Rafael e Regina tivessem estado ali de pé frente a ele teria sido capaz de esquartejá-los com
as mãos.
Durante o tempo transcorrido desde que celebraram seu pacto, Jason tinha chegado a entender melhor ao Burroughs e, depois de escutar a terrível historia que
lhe tinha contado, não lhe custou nenhum esforço compreender que o ancião culpasse a Regina e ao Rafael da morte de sua irmã e fizesse todo o possível para que recebessem
seu castigo. Mas, inclusive apesar de que os unia uma causa comum, Jason não gostava de Burroughs. Era certo que o respeitava como experiente homem de negócios,
mas não podia lhe perdoar que tivesse empurrado aquela jovem a fugir deixando-a a mercê dos perigos do mundo. Como tampouco podia perdoar a si mesmo.
Uma risada amarga lhe alagou o peito ao pensar na pouca satisfação que lhe tinha reportado converter-se em proprietário da naval Carlin: Burroughs tinha investido
tudo em mercadoria e logo tinha vendido a ele aqueles navios valorados em uma fortuna por cem míseros guinéus, o mesmo preço que a filha do Carlin tinha fixado para
vender seu próprio corpo.
Jason lançou outra gargalhada sombria ao recordar as horas imediatamente anteriores a havê-la conhecido, durante as que se acreditou disposto a sacrificar
sua felicidade pessoal aceitando a um matrimônio combinado para ter oportunidade de enfrentar-se à provocação de levar o controle da companhia Carlin. Talvez a jovem
herdeira nunca acreditaria que, depois de conhecê-la, casaria com ela sem necessidade alguma de atraí-lo com o benefício de sua fortuna, nem que, nesses momentos,
tivesse dado quanto possuía em troca da mera certeza de que não lhe tinha ocorrido nada mau.
Claro que possivelmente nunca encontraria a jovem que agora era proprietária de seu coração. Duvidava seriamente de que ela voltasse a reclamar a fortuna
que lhe correspondia até que não se visse livre de seu guardião e, tendo em conta tudo o que tinha sofrido durante sua infância, talvez preferisse permanecer escondida
para sempre. Jason também sabia que era possível que ele, com suas próprias ações, tivesse destruído seus sonhos de uns filhos jogando a seus pés ao amor da chaminé
enquanto a dourada cabeleira de sua esposa repousava sobre seu ombro: tinha-a tomado pela força; tinha-a violado, não havia outro nome para o que tinha feito.
Toda uma longa lista de razões teria justificado o que perdesse a esperança de conseguir algum dia o que mais ansiava na vida, mas ao menos tinha que tentá-lo...
Jason blasfemou com violência, mas com isso não conseguiu aliviar o peso de sua consciência nem diminuir a dor de seu coração.

SEGUNDA PARTE

AMAR, MENTIR


Capítulo 6

Nova Orleans, 1816

O dique que percorria a margem norte do lamacento e imponente Mississipi em sua passagem por Nova Orleans tinha sido erguido - e não sem esforço - um século
atrás, para proteger a vida e propriedades dos habitantes da cidade das águas do poderoso rio, mas agora, além disso, o dique era o foco de uma trepidante atividade
comercial. Inclusive no inverno, quão moles havia rio acima, além da Praça de Armas, estavam balizados de barcaças, gabarras e outros navios pequenos, e também
podiam ver-se frequentemente ancorados neles veleiros e inclusive algum outro barco a vapor, esse novidadeiro testemunho do engenho humano. Durante a estação mais
quente, o dique era um fervedouro de atividade, o centro nevrálgico da cidade e boa prova da contínua expansão da mesma, que tinha passado de um simples porto fluvial
a converter-se em um dos destinos comerciais mais importantes. Uma multidão de marinheiros e estivadores ia e vinha sem parar pelo dique tratando de abrir caminho
com mercadorias de todo tipo às costas, e tanto as pessoas como os animais de carga abarrotavam o cais que havia justo debaixo.
Jason tinha visitado a cidade em uma ocasião, anos atrás, e enquanto percorria com olhar distraído a cena cheia de colorido, foi reparando nas mudanças: Nova
Orleans estava muito mais cheia de gente do que recordava, e também era mais próspera, mas o ar quente e carregado de umidade ainda estava fortemente impregnado
do aroma de pescado, lixo e humanidade necessitada de um bom banho. Não obstante, a expressão séria e grave do Jason não se devia ao fedor que assaltava suas fossas
nasais nem à multidão que se amontoava nos moles, mas sim à impaciência.
Olhando o relógio pela terceira vez em outros tantos minutos, Jason blasfemou em voz baixa, irritado por sua própria passividade. A Sereia não tinha demorado
muito em cruzar o Atlântico pela rota do Caribe, beneficiando-se dos ventos alísios: algo menos de quatro semanas atrás, Jason se encontrava ainda em chão britânico.
Entretanto, faziam quase três dias inteiros de navegação através das lamacentas correntes da desembocadura do Mississipi para abandonar as azuis águas do golfo e
chegar por fim, rio acima, até os moles de Nova Orleans. E, além disso, produziu-se outro interminável atraso enquanto se tramitavam com as autoridades do porto
toda a papelada e as taxas e se obtinham as assinaturas necessárias.
Quando por fim arriaram as velas, Jason já estava começando a ter sérias dúvidas sobre o plano do Kyle de procurar o Jean-Paul Beauvais em seguida. Chegar
a um acordo comercial de distribuição com o empresário crioulo era secundário para Jason, pois sua prioridade era investigar o que havia de verdade no rumor que
apontava a que certo pirata de nome Rafael tinha sido visto naquela parte do mundo.
Quando Kyle lhe tinha proposto fazer uma visita ao crioulo assim que chegassem ao porto, Jason tinha aceitado a contra gosto. O comércio entre os Estados
Unidos e o Reino Unido, suspenso durante a guerra, fora se desenvolvendo de forma esporádica com o passar do último ano; ao mesmo tempo, os fabricantes dos territórios
do norte tinham ido protegendo cada vez mais seus produtos da competência exterior, por isso Jason via claramente quão vantajoso seria contar com o respaldo do proeminente
homem de negócios de Nova Orleans.
No geral, Jason teria preferido fazer averiguações por sua conta antes de escolher o sócio mais adequado, mas nesta ocasião se deixou guiar pelo Kyle e sua
confiança cega no empresário crioulo. Segundo Kyle, o senhor Beauvais era um cavalheiro impetuoso com reputação de antepor sempre seu próprio interesse, mas seguia
fazendo negócios com a família Ramsey desde anos e sempre tinha tido um comportamento impecável; além disso, a diferença da imensa maioria dos outros crioulos, Beauvais
não tinha reparos na hora de tratar com americanos e ingleses nem de trabalhar para ganhar a vida; muito ao contrário, sua dedicação era admirável. Além disso, estava
acostumado a ter êxito em tudo o que se propunha assim Jason lhe tinha escrito para lhe propor formar uma sociedade e lhe informar de sua iminente chegada a Nova
Orleans.
Jason passeou o olhar pelo mole, preso da impaciência, procurando a imponente figura do Kyle Ramsey entre a multidão. Pouco mais podia fazer no momento, pois
A Sereia já tinha atracado, organizou-se a descarga das mercadorias para o dia seguinte e tinha concedido à maioria da tripulação permissão para baixar a terra.
Também tinha mandado Tim Sutter procurar alojamento em um hotel e, à volta, tinha-o enviado a fazer averiguações sobre o Rafael, com o que agora contemplava como
o moço se afastava com esse propósito, abrindo-se passagem entre a gente. Assim, a única coisa que podia fazer era esperar. Pelo menos tinha conseguido dominar o
desejo de caminhar de um lado a outro pela ponte - como fazia o gato de suave pêlo laranja que era o mascote do navio -, e se encontrava de pé, com as mãos no corrimão,
enquanto observava a agitação que havia em terra e suportava como podia a irritação que lhe provocava sua própria inatividade.
Por fim, viu a imponente figura do Ramsey avançando a grandes pernadas pelo pantalán - uma plataforma de madeira que corria paralela à estrada de terra batida
- em direção ao navio. Jason diminuiu um tanto a força com que se aferrava ao corrimão ao ver que no rosto do Kyle se esboçava um sorriso contagioso.
- E? - perguntou-lhe, indo diretamente ao ponto, ao mesmo tempo em que seu amigo alcançava a coberta da passarela de um salto.
- Não poderia ter ido melhor - respondeu Kyle.
- Beauvais não estava em seu escritório, assim tive que ir buscá-lo num café, mas me recebeu com os braços abertos. O que te parece a idéia de nos alojar
rio acima?
- Em sua casa?
Kyle disse que sim com a cabeça.
- Em sua plantação, para ser mais exatos. Está a umas quantas milhas daqui, eu já estive ali uma vez. Um lugar precioso chama-se Bellefleur. Convidou-nos
a nos alojar ali durante o tempo que permaneçamos em porto. Beauvais se desfez em desculpas por não poder nos acompanhar até ali imediatamente, mas pelo visto tem
um compromisso inadiável esta noite. Disse-lhe que não tinha importância, que eu tinha que me ocupar da descarga da mercadoria e que você tinha que atender uns assuntos
que lhe manteriam ocupado uns dias.
Ao ver que Jason não aceitava imediatamente, Kyle acrescentou:
- É uma oportunidade perfeita para que conheça melhor ao Beauvais e se dissipem suas dúvidas sobre ele.
Jason entreabriu os olhos.
- Ele está interessado no trato?
- Vá que sim, certamente que o está! Beauvais não é nenhum idiota... Mas eu não comprometi a nada no momento, só lhe disse que estava considerando várias
opções. E me parece que ele também quer ir com cautela, dar-se tempo para te conhecer... Mesmo assim, é toda uma honra que nos ofereça sua hospitalidade. - Kyle
esboçou outro amplo sorriso.
- Acredito que seu título o impressionou. Em qualquer caso, quer te apresentar a sua mulher. Pelo visto aumentou a família da última vez que estive aqui,
tornou-se a casar (com uma inglesa, disse-me) e tem um filho de dois anos. Beauvais passou a maior parte da conversação cantando os louvores do pirralho...
Jason elevou uma sobrancelha:
- Então aceitaste seu convite?
- Não a de que nos alojemos na plantação, queria que decidisse você, mas sim aceitei a nos ver esta noite. Entre seus muitos contatos, resulta que se encontram
os círculos mais exclusivos de jogo da Rua Conti, e esta noite se supõe que vamos como convidados especiais dele.
Pela primeira vez em umas quantas horas, a boca do Jason se curvou em um sorriso zombador.
- Já vejo... Parece que terei que andar com pés de chumbo se já me está tomando por um incauto ao que se depena facilmente...
Kyle negou com a cabeça.
- Está tirando conclusões precipitadas, Jason. O primeiro de tudo, o cassino é um estabelecimento respeitável. E, em segundo lugar, o jogo não é o único entretenimento
que oferece. O senhor Beauvais pensou que talvez estaríamos de humor para as saias depois de tanto tempo embarcados, e a verdade é que me pareceu que sua sugestão
é da mais considerada.
- Talvez...
- Perder-te-ia uma experiência única - insistiu Kyle ao detectar sua falta de entusiasmo -, eu já estive ali antes e te asseguro que é do mais exclusivo.
Esse lugar pode apreciar-se de contar com algumas das cortesãs mais belas de toda Nova Orleans, e a mim certamente não importaria nada compartilhar lençóis de seda
com uma delas. O que diz? Virá? Além disso, talvez ali alguém saiba algo do paradeiro do Rafael e o que é mais, já que Jean-Paul é agora um respeitável homem casado
em vez de um respeitável viúvo, duvido que se nos presente outra oportunidade como esta uma vez que nos instalemos no Bellefleur.
Como Jason seguia sem responder nada, Kyle reparou ao fim no olhar distante de seus olhos azuis. Conhecia de sobra esse olhar perdido do Jason, por mais que
não fizesse sua aparição muito frequentemente, e compreendia o que a provocava. O que não entendia era como alguém - e em particular uma moça que só tinha visto
uma vez - pudesse exercer semelhante influencia em um homem; tampouco compreendia por que a intensidade dos sentimentos do Jason não tinha diminuído depois de quase
quatro anos.
Muito antes que terminasse a guerra no continente europeu, Jason tinha abandonado o mando do Leucótea, não para voltar para uma vida relativamente ociosa,
tal e como seu pai tivesse desejado, a não ser para ocupar-se de um assunto novo que monopolizava todo seu interesse: a frota da naval Carlin, assim para reatar
a busca da beleza esbelta de dourados cabelos. Jason tinha contratado a um agente americano para que a buscasse pelos Estados Unidos, e também tinha enviado a seus
próprios homens a investigar até no último rincão da Inglaterra, se por acaso ficava a mais mínima possibilidade de que ao final não tivesse abandonado o país. Entretanto,
seguia sem haver o menor rastro da jovem. Kyle grunhiu para expressar sua desaprovação:
-Vamos Jason, diga que virá! Não poderá encontrar melhor entretenimento em toda a cidade, e se fica aqui ou na habitação do hotel, não fará outra coisa que
dar voltas ao que se preocupa. Pelo menos poderia jogar uma partida de cartas, e se as metidas senhoritas não são de seu agrado, sempre pode partir. Demônios, Jason!
Está me escutando?
Jason elevou por fim a vista e enfocou o olhar.
- O que? Ah, sim! Conta comigo. Quando diz que nos transladaremos à plantação do Beauvais?
- Não o disse, falei que dependia de ti. Não estamos obrigados a aceitar o convite do Jean-Paul, ou podemos ir amanhã, como você queira.
- Amanhã... - disse Jason em tom pensativo, - espero que a alta estima em que tem ao Beauvais esteja justificada.
- Então, vais aceitar seu convite?
Jason assentiu lentamente.
- Minha intuição me diz que não confie em nenhum francês, embora seja um francês da Luisiana, mas se você responder por ele, suponho que não há problema,
e, como você diz, pode que tenha contatos que me levem até o Rafael.
- Certo! Além disso, é melhor tratar com o Beauvais que com um pirata como Jean Lafitte. Sinceramente, nunca gostei da idéia de lhe pedir ajuda para encontrar
ao Rafael. Lafitte é um tipo desagradável e, depois de nossa última topada com ele, até pode que ande sedento de sangue..., o teu.
O olhar azul do Jason se endureceu.
- Como se tivesse que pedir ajuda ao diabo...
Kyle fez um gesto exasperado com suas imensas mãos calejadas.
- Lafitte é francês - assinalou, - e com uma notória má reputação, por certo. Por que crê que pode confiar nele mais que a Beauvais é algo que não compreendo...
- Com o Beauvais arrisco a companhia Carlin - respondeu Jason muito sério.
Kyle não fez nenhum comentário mais, com isso ficava tudo dito, pois sabia que Jason considerava a naval como algo virtualmente sagrado. De fato, mostrava-se
tão protetor em tudo o que tivesse que ver com os navios da Carlin como um pai de primeira viagem com seu primogênito: nunca tomaria nenhuma decisão que pudesse
pôr em perigo a frota que lhe tinham crédulo.
Então Jason falou por fim interrompendo as reflexões do Kyle.
- Está te fazendo falta se barbear - comentou, - a não ser que pretenda submeter às inocentes musselinas das damas aos arranhões de sua barba.
Kyle esfregou a barba incipiente do queixo e esboçou um sorriso.
- Sim, e tampouco iria mal um banho, suponho.
A expressão dos olhos do Jason se tornou risonha de repente.
- Por não falar de um traje um pouco mais formal; se esse lugar for tão exclusivo como diz, não irá querer que as senhoritas o tomem por um selvagem.
Kyle lançou um grunhido.
- Demônios, tinha esquecido! Seria melhor que fôssemos a algum outro lugar onde não tenha que levar uma gravata de seda ao pescoço.
Jason soltou uma gargalhada e negou com a cabeça.
- Disse nada, Kyle, meu amigo! Agora conseguiste despertar minha curiosidade, e se eu fui capaz de ficar a bordo toda a tarde padecendo um episódio grave
de claustrofobia, você pode pôr a gravata por uma noite. Além disso, não acredito que a leve posta muito tempo, em qualquer caso...
Kyle se agachou para tomar em seus braços ao gato, que tinha aterrissado em coberta, justo ao lado da bota direita do Jason.
- Melhor levar Ulisses para baixo, se não o seguirá por toda a cidade.
Quando o gato começou a miar ameaçador ao mesmo tempo em que dava um patada ao ar em um intento fracassado de arranhá-lo, Kyle apartou a cabeça em um movimento
rápido enquanto soltava uma blasfêmia.
Jason riu e tomou o animal dos braços de seu amigo.
- Me permita - disse.
- Este condenado gato vai acabar comigo - murmurou Kyle lançando um olhar assassino ao felino, felizmente aconchegado nos braços do Jason. Ulisses lhe devolveu
o olhar sem que seus imensos olhos cor mel pestanejassem nenhuma só vez, e logo ficou a ronronar bem alto enquanto seu dono o levava.
Kyle sacudiu a cabeça com tristeza vendo seu amigo desaparecer pela escotilha, o condenado gato era um de tantos exemplos de como Jason tinha mudado desde
que conheceu a herdeira da naval Carlin. Nunca lhe tinham gostado dos gatos até que descobriu que Ulisses tinha pertencido a jovem e, é obvio, então cuidar daquele
mísero animal se converteu em um dever inadiável para ele... se por acaso ela voltasse algum dia.
"Francamente - pensou Kyle -, seria muito melhor que a moça não aparecesse jamais. Que diabos! "Jason está obcecado, esteve-o desde dia em que Andrea Carlin
desapareceu."
Lauren tinha toda a intenção de que o desejo do Kyle se fizesse realidade, posto que não pensava voltar para a Inglaterra jamais. Já não fingia ser Andrea
Carlin: para seus amigos, era Lauren DeVries; para os clientes do cassino, o nome que utilizava era simplesmente Marguerite. Nesse momento estava sentada frente
a penteadeira de seu quarto na casa de jogo de madame Gescard, examinando com olho crítico no espelho o turbante que se pôs. Lilás caminhava de um lado para outro
a suas costas lhe jogando uma lenga lenga.
- Dinheiro! - exclamou. Essa Lilás, é a verdadeira razão pela que vais baixar aí abaixo esta noite, não? Para ganhar uns quantos dólares. Meu deus, que teimosa
é!
- Não é para toda a vida - respondeu Lauren.
- Com apenas uns quantos anos mais poderei comprar um navio, ou possivelmente necessite menos tempo se a próxima expedição do Matthew tenha tanto êxito como
a anterior. Meu último investimento em seu negócio de peles me deixou um benefício de quase duzentos dólares.
- É uma insensata - sentenciou Lilás, como estava acostumada a fazer sempre que falavam deste tema.
- Por mais que queira, Lauren, é esse orgulho teu outra vez! Jean-Paul já te disse que te fará um empréstimo.
Ela negou com a cabeça e começou a desembrulhar um par de plumas de avestruz tintas que tinha guardadas em papel de seda.
- Sabe de sobra que não posso permitir que Jean-Paul me mantenha.
- Assim prefere ir por aí coberta com farrapos! - exagerou Lilás elevando os braços com veemência ao mesmo tempo em que lhe vinha à mente a imagem do singelo
vestido de algodão que levava Lauren normalmente.
- De verdade que se no Bellefleur não houvesse já muitos serventes, até acredito que pediria a meu marido um trabalho de criada nas cozinhas...
- É obvio que não - lhe respondeu ela contendo um sorriso, - o salário não seria tão bom como aqui.
Ao ver através do espelho a frustração escrita no rosto de sua amiga se deu conta de que seu intento de brincar sobre o tema não tinha conseguido mais que
desgostá-la ainda mais. Desde aquela noite em Londres, fazia já quatro anos, Lilás se tinha feito responsável por ela: horrorizou-se ao inteirar-se de como Lauren
tinha perdido a virgindade e considerou que tinha sido culpa dela, inclusive quando Lauren lhe assegurou que, em realidade, o capitão Stuart não lhe tinha feito
mal. E quando Lauren tratou de partir, ela não quis que andasse sozinha pelas ruas de Londres e insistiu em acompanhá-la à estalagem onde se supunha que devia encontrar-se
com o Matthew.
Este, em efeito, estava-a esperando ali, mas a alegria de Lauren ao vê-lo são e salvo não durou muito porque os homens do Burroughs seguiam lhes pisando os
talões. Lilás se ofereceu a falar com um capitão que conhecia e ajudá-los a conseguir passagens em um navio sem ser vistos, e Matthew sugeriu a Lilás que partisse
com eles a América, aduzindo que a Lauren faria falta uma mulher que cuidasse dela durante a travessia enquanto ele trabalhava como parte da tripulação. Surpreendentemente,
Lilás - que não tinha família nem futuro na Inglaterra - aceitou.
Lauren sacudiu a cabeça ao ver Lilás tão preocupada. Havia similitudes na história de ambas: as duas levavam nas costas suas respectivas cargas de culpa.
- Ganho o suficiente - disse em voz baixa se separando de sua mente, uma vez mais, a idéia de aceitar o caridoso oferecimento de ajuda do Jean-Paul, - e logo
terei dinheiro para comprar meu próprio navio, contratar uma tripulação e viver uns quantos meses até que comece a obter benefícios.
- Lauren, essa tua idéia de comprar um navio se converteu em uma obsessão, e acredito que é vergonhoso que Matthew te anime... E o mesmo digo do Jean-Paul.
Ela se inclinou para voltar para sua tarefa sem dizer nada. Lilás nunca entenderia sua firme decisão de ser auto-suficiente. Quando se estabeleceu em Nova
Orleans, e face às objeções de sua amiga, Lauren tinha conseguido um trabalho de costureira na casa de jogo, confeccionando os vestidos das cortesãs. O pagamento
não era muito bom ao princípio - dois dólares à semana mais comida e alojamento, - mas ao cabo de pouco tempo sua habilidade com a agulha tinha feito que estivesse
muito solicitada e seu salário tinha aumentado em consonância.
Tinha estado economizando até o último centavo com a intenção de comprar um navio mercante e, seguindo os conselhos do Jean-Paul, tinha investido sua parte
das lucros do negócio de peles do Matthew. Nos Estados Unidos, onde o trabalhar de sol a sol era uma forma de vida, não era impossível alcançar a independência econômica
ou inclusive amealhar uma fortuna. Até as mulheres podiam ocupar postos de responsabilidade se tinham cérebro, valor e determinação. Porém não era normal que uma
mulher fosse a proprietária de um navio, tampouco era algo completamente escandaloso.
Matthew compreendia sua necessidade de valer-se por si mesma; sempre tinha dependido de outros para sobreviver, mas em troca agora era capaz de arrumar-se
sozinha. Mesmo assim, Lauren não ignorava que sua inquebrável resolução de ser independente se devia a necessidade que teve no passado: tinha aceitado a converter-se
no peão do George Burroughs e lhe tinha permitido manipulá-la para suas vinganças pessoais... Mas nunca mais deixaria que a controlassem daquele modo; nunca mais
permitiria que alguém tivesse semelhante poder sobre ela; nunca mais voltaria a encontrar-se em uma posição tão vulnerável.
Seu plano era fazer ao Matthew capitão de seu navio e assim pagar ao menos em parte a dívida que tinha com ele, pois seu amigo não só lhe tinha salvado a
vida, mas também tinha arriscado a sua própria para defendê-la. Não obstante, nos últimos tempos Matthew tinha começado a falar de estabelecer-se em algum lugar.
Agora estava casado, e o negócio de peles que tinha montado com o apoio do Jean-Paul ia às mil maravilhas, não gostava de deixar a sua esposa, uma Índia choctaw
chamada Cervo Veloz, sozinha durante períodos de tempo tão longos, como tampouco gostava de levá-la consigo e obrigá-la a ter que suportar os rigores das viagens
aos territórios do norte.
- Matthew se vai amanhã, por certo - acrescentou Lauren tratando de desviar a conversa, - e Cervo Veloz irá com ele esta vez.
Lilás fez um som parecido a um leve grunhido.
- Não deveria sequer ter entendimentos com um homem assim. Um contrabandista! Como sabe que o que faz não é ilegal?
- Lilás Matthew não se dedicou ao contrabando desde que deixou a Inglaterra. Seu negócio de peles é perfeitamente legal.
Quando sua amiga arqueou uma sobrancelha, ela saiu em defesa do Matthew imediatamente, pois nada podia escavar a profunda lealdade que lhe professava.
- Já sei que você não gosta de Matthew, mas se não tivesse sido ele, certamente estaria morta.
Lauren emudeceu de repente e apertou os lábios. Nunca se permitia nem sequer pensar no George Burroughs e Regina Carlin, mas era plenamente consciente do
perigo que correria se algum dia chegassem a encontrá-la. Esse era o motivo pelo que jamais revelava sua identidade na casa de jogo.
Sua altura não podia dissimular-se, mas ocultava sua frondosa cabeleira dourada com a aplicação generosa de talco ou usando uma peruca modelo rei Jorge ou
- como essa noite - com um turbante. Também levava uma meia máscara lhe cobrindo o rosto e pintava os olhos com o Kohl negro, conseguindo com isso que parecessem
mais escuros e ainda mais misteriosos atrás da máscara. Além disso, sempre se apresentava aos clientes como Marguerite e fingia um ligeiro acento francês.
Entretanto, odiava ter que esconder-se, odiava ter que estar sempre vigiando por cima do ombro, odiava ter que fingir que era outra pessoa; mas não se atrevia
a aparecer como Lauren DeVries no cassino: era um lugar muito famoso para evitar que a vissem se alguém a buscava por ali. Obrigou-se a apartar esses pensamentos
sombrios de sua mente e ficou a escutar a Lilás, que voltava a retomar o tema do princípio.
- Sério, acredito que não deveria descer, Lauren. Jean-Paul e eu não vamos estar aqui para te proteger se algum cliente fica muito carinhoso.
Ante esse comentário, não pôde reprimir um sorriso. Lilás sempre tinha sido tão protetora com ela como uma leoa com suas crias, mas desde que se casou com
o Jean-Paul Beauvais, era mais; certamente, desde que tinha deixado a prostituição, Lilás havia se tornado bastante dissimulada. Sua definição de "muito carinhoso"
tinha trocado ao longo dos anos, passando das proposições abertamente desonestas a algum contato esporádico muito audaz, e disso a um simples olhar ou o leve roçar
de uma mão. Não obstante, teria sido cruel assinalar a Lilás o rapidamente que tinha elevado suas exigências mínimas de conduta.
Assim, Lauren se contentou dizendo:
- Sim, já ouvi o que há dito Jean-Paul esta manhã, mas sei dirigir aos cavalheiros perfeitamente, inclusive a esses "selvagens analfabetos de Boston".
A alusão não ia dirigida a Lilás realmente, a não ser ao Jean-Paul. O rico latifundiário considerava que qualquer que não tivesse sido educado ao estilo francês
crioulo não tinha boas fraldas nem maneiras e que, portanto, era inferior. Mas a brincadeira velada de Lauren passou totalmente desapercebida para sua amiga pois,
como de costume, assegurou-se de pronunciar seus comentários cortantes em um tom acalmado e um tanto indiferente para não desgostar à generosa e nada complicada
Lilás, quem, como sempre, não detectava a mordacidade que ocultavam suas palavras. O que não passou por cima de Lilás foi o sorriso de Lauren, esse sorriso poderosamente
sedutor que tanto a preocupava. Ao vê-la, disse exasperada:
- Estou preocupada de verdade. Sabe muito bem que aos homens não basta jogando um momento às cartas.
- Kendrick cuidará de mim - disse Lauren sem alterar-se.
Kendrick, o mordomo americano da casa de jogo, ocupava-se de jogar fora a qualquer que se exaltasse muito ou ficasse ofensivo. Embora a verdade fosse que
alguma vez tivesse que fazê-lo. O jogo se considerava um assunto sério naquele estabelecimento, as apostas eram sempre fortes e a clientela exclusiva. Os clientes
habituais estavam acostumados a ser latifundiários enriquecidos como Jean-Paul ou amigos pessoais do Renée Gescard, a proprietária.
O jogo, entretanto, não era o único entretenimento que se oferecia à clientela, pois os cavalheiros podiam, se esse era seu desejo, indicar a dama que lhes
interessava e ficar toda a noite. As mulheres que trabalhavam para madame Gescard eram a flor e nata do universo das cortesãs, e se esperava dos homens que frequentavam
o cassino que as tratassem com o respeito que merecia qualquer dama, embora de vez em quando havia algum que não o fazia... Mesmo assim, Lilás não considerava que
o amparo do Kendrick bastasse, e assim o fez saber a Lauren.
- Esta noite virão alguns cavalheiros de fora que são jogadores empedernidos, e Jean-Paul me há dito que não conhece nenhum deles muito bem... Talvez sejam
dos que não sabem aceitar uma simples negativa e, sendo de fora, não pode esperar-se que saibam que está sob o amparo do Jean-Paul.
- Mas acreditei que havia dito que ele mesmo os havia convidado. Seguro que nenhum deles queira abusar de sua hospitalidade.
-Oxalá pudesse estar segura disso, mas sei muito pouco desses cavalheiros, só que vêm de Boston, são homens de negócios muito ricos e que os outros são jogadores
profissionais. Se não fosse por esse ditoso baile, ficaria aqui contigo, mas Jean-Paul pouco menos que me ordenou que o acompanhasse, não podia me negar.
O tom de sua voz expressava eloquentemente tanto sua reticência a assistir ao baile como seu desejo de agradar a seu marido. Lilás nunca acreditou que se
casaria, sobretudo não com um homem da posição do Beauvais. Jean-Paul se fixou nela a primeira noite que a viu no cassino e em pouco tempo ela aceitou converter-se
em sua amante. Quando um tempo depois ficou grávida, Jean-Paul, em um alarde que desafiava todos os convencionalismos sociais, casou-se com ela, fazendo ouvidos
surdos às advertências da própria Lilás de que seu mundo nunca a aceitaria, porque queria ser pai. Seu filho, junto com o dinheiro, era o que mais queria Beauvais
no mundo.
Lauren olhou o reflexo de Lilás no espelho com carinho. Sua amiga e protetora era mais velha que ela, mas ainda era muito formosa, face às ligeiras rugas
que rodeavam seus olhos e a comissura de seus lábios e que ela tratava de esconder com uma maquiagem aplicada com mestria. Essas rugas sempre se faziam mais visíveis
em ocasiões como aquela. Ela era plenamente consciente de que dava a Lilás sérias dores de cabeça em mais de uma ocasião, mas, por outro lado, esta necessitava de
algo com que preocupar-se. Essa noite, entretanto, Lilás já tinha bastante preocupação em fazer um lugar no seio dos impenetráveis círculos da boa sociedade de Nova
Orleans, pois face à inegável influencia do Jean-Paul, a elite crioula tinha feito o vazio a sua escandalosa esposa de um modo terminante, enquanto que os americanos
- aos que o dinheiro e o poder inspiravam um respeito menos afetado e sem complicações - só se mostravam minimamente mais contemporizadores.
- Muito bem - aceitou Lauren, - só descerei umas horas e me limitarei a tocar o piano. Alguém terá que proporcionar a música para a noitada, nisso estará
de acordo, e todas as garotas estarão ocupadas com os clientes de fora.
- E por que não pode ocupar seu posto Veronique?
- Não seria justo pedir-lhe.
- Veronique é uma descarada e uma egoísta - resmungou Lilás, - o que quer essa é ter via livre para mesclar-se com os cavalheiros.
- Mas é que não me importa, ao contrário. O pagamento é melhor que a de costureira e você se nega a que eu me mescle com os cavalheiros...
- Se tivesse forças para te reter, não te deixaria sair desta habitação.
Lauren lançou um suspiro. Sempre estaria agradecida a Lilás por sua generosidade e seu carinho, mas havia ocasiões - como nesse momento - em que desejaria
que sua amiga não fosse tão estrita. Tocando o piano, podia ganhar o triplo que costurando, e, além disso, estava aprendendo a detectar as manobras que se produziam
nas mesas de jogo, embora fosse pouco provável que alguma vez fizesse uso desses conhecimentos, sobretudo se Lilás se inteirasse. Estava tratando de encontrar outro
argumento com o que contra-atacar quando sua amiga se aproximou pelas costas e disse:
- Carinho, não suporto ver como faz isto. Só faltam uns meses para que alcance a maior idade, e então George Burroughs deixará de ser seu guardião e poderá
reclamar sua fortuna, e poderá devolver o dinheiro a meu marido.
Lauren ficou tensa e ocultou atrás de suas longas pestanas a luz sombria que brilhava de repente em seus olhos. Como Andrea Carlin, livrar-se-ia por fim do
George Burroughs quando alcançasse a maior idade, mas como Lauren DeVries tinha que seguir escondendo-se. Burroughs poderia enviá-la a prisão por usurpação de personalidade
e Regina Carlin ainda quereria matá-la se retornasse a Inglaterra. Nunca tinha falado a ninguém do engano em que tinha participado, nem sequer a Lilás, porque queria
enterrar o passado. Mas às vezes, como nesse preciso momento, desejava haver contado, para que sua amiga se esquecesse da herança de Andrea Carlin.
- Não quero essa fortuna, e não tenho a menor intenção de voltar para a Inglaterra para reclamá-la.
Lilás tomou as grandes plumas em suas mãos e começou a tarefa de colocá-las no turbante de Lauren.
- Ainda tem medo da Regina Carlin, não? - Como Lauren não dizia nada, rodeou-lhe os ombros com o braço carinhosamente.
- Há leis que proíbem a intenção de assassinato. Até pode que Jean-Paul seja capaz de te ajudar, e está disposto a fazer averiguações com a maior discrição,
já sabe...
- Não quero que Jean-Paul averigue nada - insistiu Lauren, - nem com a maior discrição nem de nenhum outro modo. A fortuna dos Carlin já causou dor e sofrimento
a muita gente e eu não quero ter nada que ver com ela.
Lilás lançou um suspiro.
- Pois me parece completamente injusto que uma rica herdeira tenha por lar uma habitação minúscula de uma casa de jogo. E mais, não deveria estar aqui, a
não ser no Bellefleur, que é um lugar muito mais adequado para ti.
Lauren baixou a vista e a cravou em suas mãos. A plantação do Jean-Paul, a escassos quilômetros de Nova Orleans rio acima, era um lugar precioso e no que
conservar o anonimato resultaria muito mais fácil que na casa de jogo, mas ali se sentiria como uma intrusa.
- Não é meu lugar - respondeu com um fio de voz.
- Pois o que eu acredito - continuou Lilás negando-se a trocar de tema - é que sua negativa a ficar no Bellefleur é uma fenomenal falta de gratidão depois
de tudo o que tem feito Jean-Paul por nós.
- Sabe de sobra o agradecida que lhe estou, é só que não quero me meter. São um casal e, além disso, têm um filho para criar, não faz nenhuma falta que, além
disso, tenha que te ocupar de mim...
- Lauren, isso é uma tolice, mas não é isso do que quero falar contigo - disse Lilás voltando para tema original, - o que me preocupa muito nestes momentos
é que vás baixar aí esta noite. Jean-Paul me advertiu que, no caso de alguns dos convidados, não pode contar com que se comportem como cavalheiros.
Com muito cuidado, Lauren tomou entre os dedos o reluzente colar que Jean-Paul lhe tinha oferecido no Natal e o pôs. Uma única esmeralda do tamanho de uma
noz pequena pendurada de uma cadeia de diminutos diamantes. Jean-Paul tinha querido que fosse um presente, mas Lauren só os punha quando era um acessório necessário
para completar o personagem que interpretava na casa de jogo; a esmeralda repousava justo onde nasciam seus seios e, portanto ressaltava o pronunciado decote de
seu vestido.
Lilás se deu conta de repente de quão metido era aquele decote.
- Não te parece que esse vestido é um pouco... provocante?
- Por-me-ei um xale se insistir.
Com esperança de pôr assim fim à discussão, Lauren se levantou da penteadeira para cruzar a habitação em busca de suas luvas altas até o cotovelo, enquanto
o olhar crítico de Lilás seguia seus movimentos e julgava que seu vestido era muito desavergonhado. Tanto as saias como a sobressaia eram de cetim verde e ressaltavam
as voluptuosas curvas do corpo de sua amiga ao mesmo tempo em que insinuavam suas largas pernas envoltas na irisado tecido verde.
- Carinho, decididamente, esse tecido se pega muito ao corpo. Não te parece que deveria pôr uma anágua?
A Lauren custou reprimir uma réplica cortante. O vestido era uma de suas criações mais belas e não resultava indecente absolutamente, face ao que Lilás parecesse
estar dando a entender. Madame Gescard tinha pago o tecido, é obvio, pois ela nunca teria gasto consigo o dinheiro que tanto lhe custava ganhar, apesar de que tinha
uma feminina debilidade por roupa bonita.
- Sabe de sobra que uma anágua estragaria o corte - respondeu - e, além disso, com outra capa de roupa passaria muito calor.
Lilás se queixava constantemente do calor, pois, por mais que declarava ser feliz naquela cidade onde tinha eleito estabelecer-se, não conseguia acostumar-se
às altas temperaturas e a umidade. Só estavam ao princípio da primavera, mas já estava falando de como ficaria contente quando se acabasse o verão, assim que um
comentário sobre o tempo estava acostumado a servir para ganhar a simpatia de Lilás, mas Lauren se deu conta de que não ia ser esse o caso essa noite e, enquanto
terminava de fincar as luvas, acrescentou:
- Este vestido não é mais que um disfarce. Se pusesse algo mais recatado, estaria destoando entre as mesas de jogo.
Lilás ficou com as mãos na cintura, preparando-se para a batalha.
- Mas prometeu que não passeará pelo salão - a acusou com voz cheia de recriminação.
- Já disse que haverá homens de fora esta noite. Acredite-me, Lauren, não vou afastar-me um centímetro desta casa até que não me prometa que te manterá afastada
das mesas de jogo. Se não soubesse o terror que lhe produzem os espaços fechados, juro que te encerraria neste quarto.
Ao ver que Lauren ficava branca, Lilás emudeceu. Durante aquela longa viagem através do Atlântico em um navio mercante de bandeira holandesa, um dia Lauren
tinha acabado encerrada no diminuto camarote por acidente e Lilás a tinha descoberto encolhida em um canto, tremendo, com a pele gelada e totalmente paralisada pelo
terror. Depois daquilo, Lauren se tinha negado a permanecer ali se não fosse para dormir, e tinha insistido em que a porta não estivesse fechada nunca com chave
e em deixar o olho mágico sempre aberto, mas mesmo assim às vezes despertava gritando como uma louca. Então ela abraçava seu corpo tremente e a consolava até que
deixava de soluçar. Para falar a verdade, durante toda a travessia, Lilás tinha estado muito ocupada protegendo-a dos elementos naturais e humanos, pois tanto uns
como outros tinham irrompido no camarote em mais de uma ocasião.
Lilás contemplou o pálido rosto de Lauren cheia de remorso.
- Me perdoe carinho, não deveria haver dito uma coisa assim. Já sabe que nunca te encerraria em nenhuma parte...
Lauren levou os dedos às têmporas. Nunca tinha sido capaz de dominar esse terror que lhe produziam os espaços fechados.
- Por favor, não me fale disso mais. Já sei que não era sua intenção me recordar isso Então deu a volta e disse em voz baixa:
- E tem minha palavra de que não irei às salas de jogo e não falarei com nenhum cliente se posso evitá-lo sem ser grosseira.
Ao cabo de um instante, Lilás assentiu com a cabeça.
- Está bem, está bem, mas eu sigo preocupada. Eu não gosto da idéia de te deixar aqui só quando há gente estrangeira que não conhecemos.
Quando recuperou a compostura, Lauren assentiu com a cabeça e disse:
- Terei muito cuidado, prometo-lhe isso. Levar-me-ei com tanto decoro e compostura que ninguém se dará conta de minha presença.
- Isso é totalmente impossível, mas te lembre de que sempre pode chamar o Kendrick se apresentar o menor problema.
Lauren tomou em suas mãos a capa de Lilás e a estendeu.
- Farei isso, fica tranquila - repetiu uma vez mais, mas mesmo assim teve que escutar pacientemente outra breve chamada de sua amiga antes que esta resolvesse
partir.
Quando por fim ficou sozinha, fechou a porta suavemente e apoiou a testa contra o painel de madeira. De repente, já não tinha vontade de enfrentar à pequena
multidão que já estaria começando a chegar ao estabelecimento; sua conversação com Lilás a tinha perturbado muito, tinha despertado muitos fantasmas. Aquele episódio
de pesadelo parecia muito longínquo agora, mas havia momentos, como aquela noite, em que sua lembrança ainda lhe apertava a garganta. Sua reação não teria sido visível
a não ser por sua repentina palidez - que tinha visto no espelho -, mas seu rosto tinha permanecido impassível e sua expressão distante. Porém estava tremendo por
dentro todo o tempo, e agora necessitava uns minutos para recuperar-se.
Lauren se aproximou da pequena janela rodeada de trepadeira e abriu as cortinas; seu quarto estava no terceiro piso, ao final de uma das alas da casa, tão
longe como era possível das atividades noturnas do estabelecimento. Ficou ali de pé olhando para o pátio cercado que havia debaixo e que ainda estava deserto porque
tinha acabado de anoitecer, mas contava com uma cenografia cuidadosamente desenhada com os casais de amantes em mente: uma leve fragrância de jasmim transportada
pela suave brisa noturna impregnava o ambiente; a luz de uma única lanterna chinesa iluminava tenuamente o diminuto jardim e a fonte que havia no centro; o resto
do pátio - coberto de ladrilhos de pedra e flanqueado por arbustos de mirto e trepadeiras - permanecia envolto na escuridão, o que permitia ocultarem-se entre as
sombras os cavalheiros convidados e as acompanhantes que tivessem elegido para essa noite. Agora Lauren não ouvia nada, exceto o murmúrio da fonte, mas em mais de
uma ocasião ficou acordada toda a noite, escutando os sussurros e as risadas suaves que penetravam pela janela.
Talvez não fosse tão surpreendente que as vozes dos amantes recordassem ao Jason Stuart, pensou, pois afinal de contas ele tinha sido quem lhe tinha ensinado
o prazer que podia encontrar-se nos braços de um homem, ou pelos menos em seus braços. Nunca havia tornado a experimentar nada parecido ao que tinha sentido com
o capitão Stuart. De fato, jamais havia sentido a menor atração por nenhum dos homens que tinha conhecido depois dele e, só tinha passado com o Jason umas poucas
horas - diria que fazia séculos disso -, ainda o recordava perfeitamente: seus olhos cor azul safira transbordantes de vida, seus braços fortes e quentes... A tinha
tratado com delicadeza e, em seu momento, isso a tinha feito sentir segura, tinha dissipado a dor, o sofrimento e o medo... Tinha estado muito perto de desfazer-se
em lágrimas no ombro do capitão e lhe contar toda sua história; inclusive tinha havido momentos nos quatro anos que tinham passado em que, quando se sentia sozinha,
desejava não ter posto o sonífero no vinho. Teria se enfurecido ao despertar e descobrir que sua prometida se partiu?
Ela tinha levado seu dinheiro, tão somente as cem libras que parecia que lhe correspondiam, e tinham tido que passar três anos para que se desse conta de
que realmente não as tinha ganho, como também tinha cansado na conta então de que uma soma tão grande de dinheiro era um preço exagerado por passar uma noite com
uma cortesã, e muito mais com uma menina sem a menor experiência, que nem sequer sabia beijar. Que ignorante era ela naqueles tempos!
Veronique lhe tinha explicado tudo isso e muito mais. Segundo Veronique, sua experiência com o Jason tinha sido muito pouco habitual. Sentir dor a primeira
vez era normal, mas que ele se preocupou de proporcionar prazer a ela primeiro era algo excepcional, pois geralmente o homem era o único que desfrutava e a mulher
se limitava a fingir prazer.
Lauren não tinha tido que fingir, tinha experimentado todas aquelas gloriosas sensações de verdade. Mas agora, quando pensava na ousadia do Jason Stuart,
ruborizava-se ao recordar a facilidade com que o capitão tinha feito responder a seu corpo. Ainda podia sentir o calor daquelas mãos fortes e bem formadas sobre
seus seios, a excitação íntima que tinham provocado seus largos dedos entre suas pernas. Devia ter estado verdadeiramente desesperada para permitir que um completo
desconhecido se permitisse a audácia de lhe fazer amor daquele modo.
Sim, em efeito, estava desesperada. Ao recordar o só e assustada que se havia sentido, Lauren se estremeceu. Agora ficava bem pouco daquela moça ingênua que
tinha fugido da Inglaterra. Aquela menina assustada já não existia, agora era maior, tinha aprendido muito e podia cuidar de si mesma.
Não obstante, a solidão seguia sendo sua pior inimizade. Lilás tinha ao Jean-Paul e Matthew tinha a Cervo Veloz, mas ela não tinha a ninguém..., salvo se
Felix Duval contasse. Felix era um cliente habitual das mesas de jogo do cassino que levava já algum tempo cortejando-a. Mas ela não sentia nada por ele, ao menos
não o que se supunha que devia sentir uma mulher por um homem. A verdade era que lhe dava medo sentir algo por ele, dava-lhe medo arriscar-se a que lhe fizessem
mal, dava-lhe medo acabar sendo tão vulnerável como o tinha sido sua mãe. Assim, se de vez em quando a assaltava o desejo de estar algum dia em companhia de alguém
que amasse ao calor de uma acolhedora chaminé, obrigava-se a apartar rapidamente esse pensamento de sua cabeça. Toda sua energia a concentrava em conseguir sua independência
econômica.
Desfrutava trabalhando e se obrigava a seguir fazendo-o até que já não ficando forças, até que estava muito esgotada para nem sequer sentir, suprimindo assim
suas emoções, a solidão e o desejo, com uma determinação implacável e sem permitir-se jamais o luxo das lágrimas. E agora estava muito perto de conseguir seu sonho.
Então, por que ultimamente se sentia mais intranquila e insatisfeita que alguma vez? Havia ocasiões em que, de repente, experimentava um desejo profundo de
ter gente alegre perto, de ouvir risadas e o falatório das conversas, e outras vezes seu coração dava um tombo repentino quando ouvia uma voz masculina reduzir-se
a um leve sussurro. Além disso, ultimamente Jason Stuart a tinha visitado frequentemente em sonhos e, quando o fazia, ela sentia depois um desejo indescritível,
uma dor impossível de acalmar.
Ele tinha ido procurando a fortuna da família Carlin, é obvio, mas era agradável imaginar que talvez tivesse podido querê-la. Como teria sido, perguntava-se
Lauren, estar casada com um homem como Jason Stuart; sentir que a rodeava com seus braços cada noite, justo antes de ficar adormecida; ser a receptora de suas carícias
e seus beijos todas as noites; senti-lo sobre si quando fazia amor, acariciando-a, tocando-a, fazendo-a sua...?
Não era consciente de que se fazia tarde, mas um golpe suave em sua porta a fez voltar para a realidade e elevou a cabeça bruscamente para ouvi-lo. Mas o
que lhe passava? Permitir o luxo de sonhar com algo que jamais teria era o cúmulo da estupidez! Não podia fazer nada para mudar o passado. Nada. Só ficava ocupar
do futuro, por muito desolado que pudesse ser.
Lauren disse a quem chamava que entrasse, e não a surpreendeu ver aparecer a uma ruiva de generosos seios turgentes. Veronique estava pondo cara de lástima
enquanto de seus carnudos lábios pintados saía uma queixa em um melodioso francês:
- De verdade, Lauren, seis lances de escadas são muito para mim, podia ser um pouco mais considerada. Levo horas e horas te esperando. Uma canção mais, e
acredito que me teria desacordado. Sério!
- Como? - respondeu-lhe Lauren. - Já chegaram os convidados?
- Pois claro! E são muito bonitos! Bom pelo menos dois deles. Há outro velho e gordo, e o resto são somente passáveis. Suponho que acabarei com o gordo, e
será tua culpa, Ma petite. Assim é como me agradece te haver tido sob minha asa todo este tempo?
Durante os últimos meses, Veronique tinha estado ajudando-a a aperfeiçoar seu francês e instruindo-a em muitos assuntos mais. A Lilás parecia que Veronique
era um mau exemplo e teria preferido que não se vissem tanto, mas Lauren se deu conta de que com Veronique se podia dizer o que passasse pela cabeça sem medo que
a censurasse. Além disso, era muito divertida. Com ela até Lauren, que poucas vezes mostrava suas emoções, acabava rindo a gargalhadas.
Olhou-se no espelho enquanto colocava a meia máscara.
- Mas se acreditava que havia dito que não importava o aspecto que tivessem os clientes! - recordou a Veronique com tom zombador.
A ruiva elevou os braços em um gesto dramático.
- É obvio que disse isso, idiota - exclamou exasperada, - mas sempre é melhor ir à cama com um homem bonito e rico que com um feio e rico!
- Ou qualquer outro homem que seja rico...
- Com a sorte que tenho, o gordo seguro que além disso é pobre. Aqui tem o leque, mademoiselle Insolência, e quer apressar-se? Se não me der pressa, logo
estarão todos os peixes na frigideira antes que me tenha dado tempo sequer a atirar o anzol!
Olhando-se por última vez no espelho, Lauren meteu no turbante um cacho que lhe tinha escapado.
- Tanto revôo por uns peixes!
Veronique segurou a porta totalmente aberta.
- Ja! Até a você impressionarão estes dois, são imensos.
Lauren cobriu os ombros com um xale fino.
- Igual me interessariam mais se me apresentassem isso em uma bandeja com salsinha e batatas ao forno - comentou ao mesmo tempo em que Veronique a escoltava
fora do quarto com passo decidido, - mas suponho que nem sequer os verei, a não ser que a corrente faça que nadem perto de mim por acaso. Lilás me proibiu que saia
da saleta.
- Lilás é muito sensata - disse Veronique ao mesmo tempo em que lançava um olhar pícaro ao vestido de Lauren.
- Com esse vestido, não te seria difícil atrair a atenção de qualquer homem. Em minha opinião, é uma sorte para o resto de nós que você não goste do pescado!
A casa de jogo estava em um edifício típico de Nova Orleans: uma fachada de delicada estrutura de ferro forjado com elaboradas filigranas que contrastava
com o estuque alvo; dentro, um passadiço de arcos do meio ponto muito alto arrancava da porta principal e ia dar a um pátio interior rodeado por várias galerias
com corrimão.
A planta baixa estava ocupada quase por completo por várias salas de jogo, mas também havia uma saleta e um salão para fumantes, além de um comilão onde se
servia um bufê de meia noite. Às elegantes suítes do primeiro piso se chegava pela escada de linhas curvas do vestíbulo ou através da de ferro forjado do pátio.
Nas salas de jogo, os clientes podiam escolher entre uma partida de piquet, bacará, macao, faraó, e inclusive roleta.
Ao Jason gostou do lugar. O jogo se desenvolvia com cordialidade, e as risadas e as conversações faziam o ambiente acolhedor e agradavelmente íntimo. Além
disso, uma ruiva revoava com ar resoluto a seu redor enquanto jogava uma partida de faraó que prometia converter-se em um agradável broche de ouro para a velada.
Seu sorriso vivaz e o leve roçar de seus dedos eram claros indícios de sua habilidade. Além disso, a jovem, que se abanava com gesto lânguido, assegurava-se de que
a suave curva de seus seios não lhe passasse despercebida ao mesmo tempo em que lhe enviava uma tênue rajada de seu exótico perfume.
Quando as primeiras notas do piano surgiram através da porta de vidro da saleta, Jason estava muito ocupado para dar-se conta. Mas quando ao pouco momento
aquela voz aveludada começou a cantar, todo seu corpo se retesou.
Disse a si mesmo que a filha do Carlin tinha ocupado em excesso seus pensamentos nos últimos tempos e que aquela voz podia ser a de qualquer mulher,
mas não podia evitar sentir-se atraído por aquele canto de sereia, assim apresentou suas desculpas aos outros jogadores e a alegre ruiva que tinha a seu lado, deixou
a mão de naipes virada para baixo sobre a mesa e se levantou.
As sombras o envolveram assim que saiu ao pátio e pôs-se a andar pelos ladrilhos. Notava os batimentos acelerados de seu coração contra as costelas à medida
que se aproximava da origem daquela música, e sua respiração se fazia cada vez mais irregular, mas quando chegou até a soleira da porta de vidro pela qual se chegava
a saleta bem iluminada, deixou de respirar por completo.
Os móveis do local eram de madeira de palissandro ou estavam laqueados em dourado e a estadia tinha sido decorada em tons pálidos nata e dourados. A parede
do fundo estava coberta de espelhos e, a um lado, um garçom servia vinhos e licores sobre um aparador. Entretanto, Jason não viu nada, exceto à mulher que tocava
o piano. Estava sentada em diagonal em relação à porta e gotejava elegância e certo ar distante, régio, enquanto cantava com aquela voz aveludada de contralto que
pareceu que lhe acariciava os sentidos, produzindo dor e prazer ao mesmo tempo. Parecia absorta na música; as plumas de seu meio penteado se agitavam ligeiramente
devido ao suave movimento de seu corpo e tinha a cabeça um pouco inclinada.
A teria reconhecido em qualquer parte. Embora a cabeleira dourada que recordava estava oculta sob o turbante e as delicadas feições que tinha memorizado aquela
noite, fazia já tanto tempo, ficavam meio escondidas depois de uma máscara, a cativante beleza que o atormentava em sonhos seguia sendo a mesma. Entretanto, algumas
coisas tinham mudado. Sua pálida tez estava agora tinta pelo ruge aplicado nas bochechas, os lábios carnudos eram tão vermelhos que tinha que levar carmim forçosamente...
Então ela elevou a cabeça e pareceu olhar para onde estava ele mas sem vê-lo. Atrás da máscara, seus olhos pareciam do mesmo tom que o material iridescente
do vestido que rodeava seu corpo: cor esmeralda. Jason podia imaginar perfeitamente os resplandecentes brilhos que dançavam em torno das pupilas desses olhos, o
sensual brilho ambarino daqueles olhos de gato. Durante um instante ficou paralisado pelo feitiço de seu olhar e logo baixou a vista para seguir as suaves linhas
que descreviam seu esbelto pescoço de cisne, os delicados ombros e a pele branca que o generoso decote revelava. Sentiu que seu corpo se esticava, cheio de ira e
excitação, no momento em que seus olhos pousaram na tênue sombra que surgia entre os seios turgentes apanhados no sutiã de cetim. O decote era tão atrevido que se
diria que somente cobria os topos daquelas voluptuosas colinas.
Jason apertou os punhos ao mesmo tempo em que um milhão de perguntas o assaltava. Estava há muito tempo no cassino? Tinha tido que vender seu corpo aos enriquecidos
clientes que frequentavam o estabelecimento para manter-se? E onde estava Lilás? Mas havia uma pergunta cuja resposta temia mais que qualquer outra: tinha-a empurrado
ele a aquilo? Uma angústia como nunca tinha conhecido invadiu sua alma. Já era suficientemente mau que ele tivesse comprado sua inocência por cem guinéus como resultado
de um acordo ao que ela tinha aceitado por desespero, mas que tivesse tido que recorrer a isto para subsistir...
Enquanto estava ali de pé observando-a, viu como um homem de cabelos escuros se aproximava dela por detrás e lhe punha uma mão no ombro com gesto possessivo.
Jason respirou fundo. O homem era Felix Duval, um jogador profissional da cidade que lhe tinham apresentado fazia uns minutos, e já então tinha intuído que, depois
daquela fachada impoluta, escondia-se certa aura de ardilosa malícia que não lhe tinha inspirado o menor respeito nem admiração.
Quando Duval se inclinou para beijar a suave pele do ombro, justo no lugar onde tinha pousado sua mão antes, Jason apertou ainda mais os punhos em um movimento
reflexivo, sentindo que o invadia um desejo imperioso de matar a aquele bastardo pelo mero feito de que a houvesse meio tocado, mas foi a reação dela o que fez que
sua ira se convertesse em fúria cega: não fez o mínimo gesto de apartar-se, nem se alterou; limitou-se a elevar a vista para o jogador profissional e a inclinar
a cabeça a um lado.
- Felix - a ouviu dizer com aquela voz aveludada e ritmo cadenciado, - já vai ao baile?
- Sim, minha bela Marguerite, mas estarei contando os minutos até que possa retornar.
Dedicou-lhe um sorriso distante, sedutora precisamente por sua frieza, e Jason lançou uma blasfêmia que se converteu em um grunhido gutural quando saiu de
seus lábios. Amantes, eram amantes. Não se tinha equivocado, tinha a prova ante seus próprios olhos. A filha do Jonathan Carlin, a herdeira do grande empório naval,
ganhava a vida como uma simples prostituta. Que Deus tivesse piedade dele que a tinha querido por esposa
Deu um passo à frente sem estar consciente do que fazia, mas se deteve em seco ao dar-se conta de que Duval partia. Olhou de novo à bela mulher e reparou
na esmeralda que levava no pescoço e repousava sedutoramente no nascimento de seus seios. Aquele colar devia valer uma fortuna, o teria ofertado Duval? Que dúvida
cabia de que era preferível que tivesse encontrado a um homem que a cuidasse e protegesse, mas isso não fazia mais fácil aceitar a idéia de que tivesse que oferecer
seu corpo a qualquer que fosse bastante rico para poder pagar por ela.
Não foi consciente de quanto tempo passou ali de pé com um torvelinho de pensamentos escuros dando voltas em sua cabeça. Seu ombro roçou as flores amarelas
em forma de estrelas de uma trepadeira próxima e estas se agitaram brandamente desprendendo um agradável aroma, mas ele não se deu nem conta, porque se, quatro anos
atrás, já tinha visto como desmoronava seu sonho, agora o contemplava partido em mil pedaços a seus pés. Aquela jovem inocente que uma vez tinha estreitado entre
seus braços e se havia proposto proteger e adorar era uma vulgar prostituta.
Ao cabo de um momento, Jason se obrigou a relaxar os punhos. Não podia culpar Duval por desejá-la, que homem em seu são julgamento não a quereria em sua cama?
E tampouco podia culpá-la a ela, pois talvez se viu jogada a aquele tipo de vida como último recurso se queria sobreviver. Mas tinha que saber como tinha acabado
assim.
Esfregou os olhos com gesto cansado; não tinha resposta para as perguntas que o atormentavam, mas nada diminuiria sua determinação, estava decidido a descobrir
a verdade, e nada poderia impedir que a levasse longe daquele mercado de carne e aquele jogador profissional de maneiras refinadas que parecia haver-se apropriado
de seu sorriso.
Quando Jason abandonou por fim o escuro pátio para voltar para a sala de jogo, seu rosto parecia ter sido esculpido com o gelo do mar do Norte. Ao vê-lo,
Kyle cedeu imediatamente seu posto na mesa a um dos interessados espectadores e o seguiu sem dizer uma só palavra. Encontraram a sala de fumantes deserta. Kyle se
instalou em uma cômoda poltrona, acendeu um charuto e fixou o olhar em seu amigo e em outro tempo capitão. Jason caminhava acima e abaixo, preso do nervosismo, como
se estivesse na ponte de mando de um navio. Não, não exatamente - se corrigiu Kyle -, porque a bordo de um navio, Jason jamais teria perdido os nervos daquela maneira.
- Encontrei-a - disse com a voz tinta de emoção.
Jason contou ao Kyle o que tinha visto e este o escutou com muita atenção ao mesmo tempo em que franzia o cenho. É obvio que não lhe surpreendia que a moça
fosse a causa daquela expressão glacial, já que Jason sempre tinha estado convencido de que a encontraria algum dia, mas descobrir a sua herdeira ali, em um lugar
assim, não era exatamente o que nenhum dos dois tivesse esperado. Quando Kyle falou para expressar suas dúvidas sobre a identidade da moça, Jason lhe respondeu que
passou meia hora no pátio, observando-a, e que não fazia falta nenhuma prova adicional para estar seguro de que aquela jovem era Andrea Carlin. Não obstante, resultava
evidente que ainda não se recuperou da impressão que lhe tinha causado vê-la, porque se limitou a assentir distraidamente quando Kyle sugeriu que se impunha investigar
um pouco mais tudo aquilo.
Quando Kyle entrou com passo despreocupado na saleta ao cabo de um momento e se sentou perto do piano, Lauren já não estava cantando, mas sim tocava uma canção
típica escocesa. Ao ver que aquele estranho a olhava fixamente, fez um leve movimento de cabeça para saudá-lo o tempo que seus lábios se curvavam em um sorriso fugaz.
Veronique não tinha exagerado: era alto, e de ombros muito largos, e seu tamanho reduzia aos cavalheiros franceses à categoria de diminutos alevinos. Mesmo assim
resultava muito atrativo, pensou ao mesmo tempo em que o observava de relance uma vez mais. Tinha o cabelo castanho escuro e bastante longo, e uns olhos cor avelã
nos que brilhavam pequenas bolinhas douradas.
Voltou a olhar de soslaio e se deu conta de que ele a seguia observando de marco em marco. Não era rico, concluiu Lauren. As ligeiras rugas de seu bronzeado
rosto curtido denotavam que passava muito tempo ao ar livre e que ia vestido com discrição e com roupas bem cortadas, a maneira em que afrouxava a gravata cada
pouco tempo sugeria que lhe resultava incômoda. Parecia algo desconjuntado em meio daquele luxo sofisticado, pensou, igual a um guerreiro da Idade Média apanhado
em uma casa de bonecas. De fato, dava a impressão de que a cadeira laqueada em ouro sobre a que estava sentado estivesse a ponto de romper-se vencida por seu peso.
Quando terminou a canção, Lauren o viu levantar-se e a surpreendeu um tanto que o cavalheiro fosse diretamente colocar-se a seu lado com passo tão decidido
que quase dava a impressão de que fosse enrolá-la. Entretanto, aquele viking se limitou a deter-se frente a ela para logo fazer uma profunda reverência e lhe dedicar
um sorriso que a tranquilizou.
- Toca você maravilhosamente, senhorita - lhe disse com voz profunda e amável.
- Era sua cativante voz a que me tinha hipnotizado faz uns momentos? Teria jurado que estava escutando o canto dos próprios anjos... Seria muito audaz por
minha parte lhe rogar que nos deleite com outra canção?
- É obvio que não, monsieur, o que gostaria de ouvir?
Ele elevou uma de suas sobrancelhas bem marcadas ao mesmo tempo em que lhe perguntava:
- É você francesa? Confio em que não se ofenderá se lhe digo que a tinha tomado por uma das mais belas rosas da Inglaterra.
- Me ofender? Não me resta dúvida de que diz você como um galanteio, monsieur - respondeu Lauren enquanto se perguntava se de verdade parecia inglesa, -
rogo-lhe que não o retire.
Ao cabo de um instante, ele se encolheu de ombros.
- Não tinha intenção de retirá-lo, você adornaria qualquer jardim com sua beleza, no país que seja! Suponho que é simplesmente que recordou a alguém que conheci
uma vez. Esteve alguma vez na Inglaterra?
Lauren se obrigou a permanecer relaxada, mas se alegrava de que a máscara ocultasse em parte suas facções.
- Tenho a impressão de que você, como se diz? Sente falta de seu país?
Quando ela levou a mão ao peito, o olhar do cavalheiro desceu até pousar-se na suave pele branca que aparecia pelo generoso decote de cetim verde.
- Sentir falta - particularizou ele respondendo à pergunta. Logo pareceu fazer um pequeno esforço de vontade para não distrair-se mais e, esclarecendo-a garganta,
continuou:
- Sim, suponho que pode ser que sim, embora em qualquer caso agora seja cidadão americano. Nasci na Inglaterra, mas minha família se transladou ao Natchez
faz quase vinte anos. - Então lhe estendeu uma mão imensa com intenção de estreitar a sua e acrescentou com um sorriso:
- Kyle Ramsey para servi-la.
Isso explicava por que seu acento era algo mais recortado que a musicalidade cadenciosa dos americanos a que estava acostumada, pensou ela e, aliviada ao
ver que ele tinha desistido em seu intento de averiguar suas origens, devolveu-lhe o sorriso e, ignorando a mão que lhe estendia, ofereceu-lhe seus dedos esbeltos
para que ele os beijasse ao mesmo tempo em que dizia:
- Eu me chamo Marguerite, monsieur Ramsey.
O imenso cavalheiro vacilou um instante e logo levou a mão de Marguerite aos lábios ao mesmo tempo em que franzia o cenho um pouco desconcertado.
- Só... Marguerite?
Ela baixou os olhos para o teclado e lhe respondeu brandamente, embora com certo tom de recriminação:
- Monsieur, aqui usamos tão somente o nome, não são necessários os sobrenomes, n'est-c pas?
Ele a olhou um momento antes de alcançar uma cadeira e instalar-se a seu lado.
- Deve pensar que tenho uns maneiras atrozes - disse com voz suave, - talvez seja porque passei uma grande parte de minha vida navegando e já não estou
acostumado a estar em sociedade...
A sinceridade da confissão fez que Lauren sorrisse.
- Mais não, monsieur, seu comportamento me parece uma mudança agradável.
Ao ver que não lhe respondia, ela se deu conta, não sem certo desconsolo, de que Kyle Ramsey a estava contemplando - ou mais exatamente contemplando seus
lábios - com o olhar fixo e cheio de fascinação, não necessitava que Lilás a informasse que tinha sido seu sorriso a que tinha provocado essa reação. Veronique o
chamava seu "sourire séduisant", mas como Lauren não tinha a menor intenção de seduzir a aquele cavalheiro, fez que o sorriso desaparecesse de seu rosto imediatamente
e lhe perguntou em tom despreocupado:
- Como posso agradá-lo, monsieur? - Tinha elegido umas palavras pouco adequadas, pois se referia pura e simplesmente a que canção queria escutar, mas o repentino
brilho dos olhos do cavalheiro indicava com toda claridade que ele tinha interpretado a pergunta em um sentido muito distinto.
- Que canção deseja ouvir? - apressou-se a esclarecer Lauren.
- Canção? - perguntou Kyle lentamente ao mesmo tempo em que se esticava sua mandíbula.
- Ah, sim, a canção, é obvio! Temo que não conheço muitas, exceto... Talvez deveria escolher você, mademoiselle... - Suas palavras suspensas no ar ao mesmo
tempo em que seu tom acalmado faziam ter Lauren a estranha sensação de que devia ao atraente gigante uma desculpa por alguma ofensa da que não era sequer consciente.
- Acredito que eu adoraria que me contasse histórias de suas viagens, monsieur - disse um pouco sobressaltada, - pois parece você um homem que viu muito mundo;
mas se não tocar para os convidados, madame Gescard se zangará - acrescentou encolhendo-se de ombros.
- Assim...
- E depois? - perguntou-lhe ele a modo de resposta com uma ousadia que a surpreendeu.
Lauren negou com a cabeça.
- Depois estarei ocupada, temo - declarou ela com voz firme deslizando os dedos com suavidade sobre as teclas tratando de pôr fim à conversação.
Entretanto ele partiu imediatamente em busca de uma acompanhante mais disposta e Lauren teve tempo mais que de sobra para refletir sobre o estranho comportamento
do Kyle Ramsey. Parecia que, por algum motivo, ela seguia desconcertando-o, pois a continuava estudando com atenção ao mesmo tempo em que enrugava a testa, e Lauren
podia ler a perplexidade e a decepção - seria pena? - em seus olhos cor avelã.
Sentiu-se bastante aliviada quando, ao cabo de mais ou menos um quarto de hora, o cavalheiro se levantou por fim e, aproximando os dedos dela a seus lábios
- com naturalidade nesta ocasião, sem o menor vestígio do desconcerto da primeira vez -, disse obrigado cortesmente pelo entretenimento e se desculpou por não poder
ficar mais tempo.
- Meu amigo deve andar me buscando por toda parte - justificou Ramsey com um meio sorriso nada entusiasmado.
A Lauren a explicação pareceu pouco convincente e se perguntou o que teria feito para desgostá-lo. Observou-o - com ar um tanto melancólico talvez - enquanto
saía da habitação. Era muito estranho; não podia separar de sua mente a idéia de que, de algum jeito, tinha-o decepcionado, não no sentido habitual, não pelo fato
de que ele lhe tivesse insinuado e ela o tivesse rechaçado, mas sim porque ele tinha descoberto nela algo que não lhe agradava de tudo.
Lauren se concentrou de novo na música, tratando de recuperar a compostura. A conversação de um momento atrás com Lilás já a tinha aborrecido, e agora se
sentia de novo abatida depois de sofrer essa outra aposta, proveniente de um desconhecido esta vez. Dir-se-ia que tinha que estar batalhando sem trégua para conservar
sua arduamente ganha auto-estima e evitar que a reclusão que se impôs a afligisse.
Fechou os olhos sentindo que uma sensação de profunda solidão a invadia. Naqueles momentos, teria recebido com os braços abertos a companhia até do mesmo
Felix Duval, mas este partiu ao baile ao que também assistiam Jean-Paul e Lilás.
Felix era o único homem que, em que pese a suas terminantes negativas, continuava cortejando-a, certamente intrigado por seu ar distante. Durante o último
ano, tinha-lhe feito propostas com frequência, e não fazia muito até se ofereceu a mantê-la se convertia em sua amante. Mas, apesar de que isso lhe tivesse proporcionado
bem-estar e segurança - pelo menos temporariamente -, e caso aceitasse teria um lar e certo tipo de afeto, ela tinha negado; com tato, é obvio, posto que era certo
que Felix a apreciava, por mais que sua principal motivação fosse que ela supunha um desafio para seu ego. E, além disso, Lauren não queria apartá-lo por completo,
já que as cuidados do cavalheiro a beneficiavam em certo sentido: correu o rumor de que pertencia ao Duval, o que lhe garantia que os outros jogadores mantivessem
distância, pois poucos teriam ousado ofendê-lo e acabar tendo que enfrentar-se ao volúvel Duval em um duelo ao amanhecer.
Por sorte, as coisas nunca tinham chegado tão longe, mas Felix começava a mostrar-se muito possessivo e a frustração de não conseguir conquistá-la estava
adquirindo uma aparência nada cômoda e cada vez mais imprevisível. Ele acreditava que ela resistia para forçá-lo a casar-se, mas a resposta de Lauren teria sido
exatamente a mesma se Felix tivesse pedido sua mão: não se casaria com ele, não podia casar-se com ele, não sem revelar sua identidade... E isso supunha lhe revelar
seu passado, mas ela jamais confiaria nele - nem em nenhum homem - o suficiente como para isso; não depois de tudo o que sua mãe tinha sofrido por causa do Jonathan
Carlin e seus próprios sofrimentos à mãos do George Burroughs.
Lançando um suspiro, Lauren olhou ao relógio que havia sobre o suporte da chaminé; umas quantas horas mais e ficaria livre de suas obrigações para poder voltar
para a tranquilidade de sua habitação. Sozinha.
Quando Kyle voltou para o salão de fumantes sem ter averiguado muito do que se propunha sobre Andrea Carlin, encontrou-se com Jason que seguia caminhando
acima e abaixo pelo salão. Kyle sacudiu a cabeça em um gesto que falava com eloquência de seu fracasso.
- Que me crucifiquem se for capaz de dizer se trata dela ou não, Jason. A princípio pensei que, em efeito, era a senhorita Carlin, pois sua voz e seus
olhos são exatamente como você me tinha descrito; mas parecia tão... a gosto aqui. E além não saberia dizer se o acento francês é fingido ou não. Diz que se chama
Marguerite.
Não parecia que Jason tivesse escutado nada do que havia dito, pois se limitou a dizer:
- Essa mulher é Andrea Carlin.
- Mas que demônios está fazendo em um lugar como este?
Jason apertou a mandíbula ao mesmo tempo em que lhe cravava o olhar a seu amigo.
- Deve ter vindo com Lilás.
- Pois então talvez devêssemos tratar de encontrar a Lilás.
- Certamente que a encontrarei! Se estiver em Nova Orleans, pode estar seguro de que darei com ela; mas no momento estou mais preocupado por achar a forma
de tirar a senhorita Carlin daqui sem provocar um escândalo.
Kyle franziu o cenho e passou uma mão pelo cabelo.
- Só tenho uma pergunta: tornaste-te completamente louco?
- Pode - disse Jason sorrindo sem vontade -, mas tenho uns assuntos pendentes com essa dama e, ou muito me equivoco, ou tem mais de uma pergunta que me fazer
meu amigo, assim começa de uma vez.
- Está bem: onde pensa levá-la? Pensaste em algum plano para te liberar do valentão que havia na porta quando chegamos? E o que passa com essa mulher, madame
Gescard, crê que vai permitir que roube a uma de suas... eeh... senhoritas, de qualquer jeito? Além disso - disse Kyle para terminar, embora com pouca convicção
em vista do pouco efeito que pareciam estar tendo suas objeções, - Marguerite há dito que logo estaria ocupada, e se preferir...?
- Meu dinheiro deve ser tão bom como o de qualquer - atalhou Jason com voz dura e cortante.
- Jason, não pode raptar a essa mulher... - começou a dizer Kyle ganhando um olhar ameaçador de seu amigo. Lançou um suspiro ao dar-se conta de que era inútil
tratar de argumentar nada, pois era mais fácil deter um tornado que ao Jason Stuart quando estava empenhado em fazer algo.
- O que quer que faça? - disse por fim.
- Tenho um carro esperando no beco detrás. Posso arrumar isso para sair com a senhorita Carlin pelo pátio, enquanto você distrai o mordomo.
Kyle se lembrou das inumeráveis ocasiões em que tinha ouvido Jason dar ordens nesse mesmo tom firme e implacável e pensou que, pelo menos, parecia que se
propunha fazer as coisas com certa lógica, sem deixar que as emoções que o tinham assaltado lhe impedissem de pensar, assim assentiu lentamente ao mesmo tempo em
que perguntava:
- E logo quer que desapareça durante umas horas?
Jason esboçou um sorriso, embora a expressão de seus belos olhos azuis seguia sendo fria.
- Pode ficar com Veronique; a forma em que estava olhando esse corpanzil teu antes me leva a pensar que não a decepcionará a mudança. Eu levarei a senhorita
Carlin ao navio. Suponho que ficarei ali uns dias, pelo menos o tempo suficiente para decidir o que fazer respeito a sua herança. Enviar-te-ei uma mensagem ao hotel
ou aqui se te necessitar.
- Isso me tranquiliza um pouco - disse Kyle muito sério, - pelo menos vejo que não te esqueceste por completo da razão pela que está aqui.
- É obvio que não - respondeu Jason em tom sombrio.
Ao ver a expressão séria do rosto de seu amigo, ao Kyle assaltou uma repentina simpatia pela jovem acabava de conhecer e, pondo a mão no braço do Stuart,
disse:
- E também faria bem em não esquecer que houve um tempo em que queria te casar com ela e não lhe causar mais problemas.
A única resposta do Jason foi um movimento fugaz de um músculo da mandíbula.
Kyle lhe soltou o braço e passou uma mão calejada pelo cabelo uma vez mais.
- Demônios, sigo sem me explicar o que faz a herdeira de uma imensa fortuna em um bordel!
Jason soltou uma gargalhada cheia de amargura.
- Isso, meu amigo, resulta bastante óbvio.
Quando o último acorde melodioso da canção se desvaneceu no ar, Lauren se levantou do piano para dirigir-se para o mostrador das bebidas. Não a surpreendia
que o atarefado garçom se esquecesse dela, pois a saleta estava mais cheia do que o habitual e ele muito ocupado servindo canecas de conhaque e champanha aos convidados.
Mesmo assim, precisava beber algo, já que tinha a garganta seca depois que tinha cantado.
No momento em que tomava em suas mãos uma caneca de champanha, viu de relance Désirée Chaudier pendurada do braço de dois cavalheiros de aspecto distinto.
Désirée era uma das crupieres do cassino e a única mulher de todo o estabelecimento com a que Lauren não combinava. Quando seus olhares se cruzaram, o de Désirée
estava coberto de brutal hostilidade, mas ela tinha aprendido a tratar com a ciumenta e mal-intencionada crupier, simplesmente ignorando-a, assim lhe voltou às
costas.
Estava dando o primeiro sorvo de champanha quando, de repente, ficou paralisada com a caneca nos lábios ao ver refletido no espelho a um homem alto de cabelos
cor castanha clara com mechas douradas pelo sol e... - que Deus tivesse piedade dela! - uns olhos de um resplandecente azul profundo. Esses olhos a observavam, examinavam-na.
Ela fechou os seus um instante, mas a imagem seguia ali quando voltou a abri-los: intimidando-lhe, poderosa, vital.
Não, não o tinha imaginado. O resto dos convidados também tinha reparado na presença do cavalheiro e Lauren podia ver através do espelho como voltavam a cabeça
para olhá-lo à medida que ele cruzava lentamente a sala. Claro, como podia alguém ignorá-lo quando dominava a estadia com sua beleza magnética e viril e sua poderosa
presença? Resultava irresistível vestido com seu elegante traje de etiqueta: casaca bem atalhada de fino tecido azul, gravata de um branco resplandecente e calças
rodeadas de camurça.
Ele se dirigiu para Lauren, caminhando com graciosos movimentos felinos que gotejavam força, e foi deter-se um metro escasso dela, que, muito devagar, deu
a volta para encontrar-se frente a frente com aquele intenso olhar azul. O impacto daqueles olhos a deixou sem fôlego e sentiu o rumor distante do sangue que bulia
em suas veias.
Não se deu conta quando a caneca escorreu entre seus dedos inertes e caiu ao chão produzindo um ruído surdo ao aterrissar sobre o tapete, mas sim era plenamente
consciente de que esse olhar azul a percorria lentamente de pés a cabeça, dos escarpins de cetim até o elegante penteado, para logo descer de novo e pousar por fim
em seus seios.
Lauren lhe devolveu o olhar e não pôde evitar deter seus olhos nos lábios dele, ruborizando-se ao recordar como tinham percorrido seus seios uma vez. Não
precisava baixar o olhar para saber que seus mamilos se endureceram até um ponto doloroso.
Ele pareceu haver-se dado conta também, porque sua boca esboçou uma careta zombadora antes de elevar a vista para olhá-la aos olhos. Lauren não podia apartar
o olhar dele, não o conseguiu nem quando Jason ficou a esquadrinhar seu rosto, como se tratasse de ir mais à frente e ver o que ocultava detrás da máscara. Por sorte,
livrou-se daquele olhar implacável quando ele se agachou para recolher a caneca, que logo lhe ofereceu ao mesmo tempo em que dizia em tom galante:
- Se não me equivocar, é sua.
Lauren ainda recordava a textura aveludada de sua voz, embora agora apenas a ouvia no meio do estrondoso batimento de seu próprio coração. Incapaz de dizer
nada assentiu com a cabeça a modo de resposta e se obrigou a alargar a mão para aceitar a caneca que lhe oferecia. Jason deu um passo mais passando junto a ela para
trocar-lhe por outra cheia, mas ao ver que não a aceitava, optou por elevá-la em sinal de brinde e levar aos lábios ao mesmo tempo em que dizia:
- Kyle me disse que tinha descoberto a uma verdadeira deusa, assim não me ficou outro remédio que vir a conhecê-la. Por sua beleza, mademoiselle Marguerite!
Lauren ficou olhando-o enquanto tratava de proçarssar o que estava ocorrendo. Ele já tinha feito um brinde similar em outra ocasião, mas desta vez a tinha
chamado Marguerite... Seria possível que não a tivesse reconhecido depois de tudo? De repente, sentiu que uma lacerante pontada de decepção a atravessava. Como podia
haver se esquecido tão facilmente de algo que a tinha marcado para sempre? E, entretanto, o capitão Stuart não parecia recordar, com o que talvez conseguisse escapar
ao castigo por havê-lo drogado fazia quatro anos. Com grande esforço, Lauren fez uma leve reverencia com a cabeça e, fingindo um ligeiro acento francês, respondeu:
- Eu diria que não fomos apresentados, monsieur...
Os olhos de Stuart lançaram um fugaz brilho, resplandecendo como safiras em seu rosto bronzeado.
- Não - disse ele ao mesmo tempo em que suas recortadas feições se endureciam de novo, - não fomos apresentados como é devido.
Lauren não podia adivinhar que seu destino se decidiu em como tinha reagido ao brinde que ele tinha albergado - e o tinha feito com todas suas forças - a
esperança de que lhe respondesse algo distinto porque estava convencido de que o tinha reconhecido, pois em um primeiro momento ela tinha sido incapaz de ocultar
seu desconcerto depois da máscara que lhe cobria meio rosto.
Jason apurou a caneca de champanha jogando a cabeça para trás e então, com uma determinação que fez que a poderosa linha de sua mandíbula se endurecesse ainda
mais, obrigou-se a sorrir e a lhe seguir a corrente:
- Jason Stuart, mademoiselle, de La Sereia; a seu serviço. Acredito que meu navio pudesse ter sido batizado em sua honra; não me custa trabalho imaginá-la
como uma sereia, arrastando aos incautos marinheiros à perdição com seu canto.
Lauren o olhou desconcertada.
- Talvez trate você de ser galante, monsieur Stuart, mas...
- Me chame Jason, por favor - disse ele brandamente.
- Se não gostar do símile da sereia, talvez prefira que a compare a uma deusa... Sua beleza é demolidora, mademoiselle, seria muito ousado de minha parte
albergar esperanças de que uma criatura tão encantada me honrasse com sua companhia esta noite?
Ela baixou o olhar, ocultando momentaneamente seus olhos verdes e âmbar com as entupidas pestanas detrás da máscara.
- Temo que isso não seja possível, monsieur - respondeu ela, e quase deu um salto de surpresa quando tomou os dedos com delicadeza para levar-lhe aos lábios.
- Ah, mademoiselle, não me rechace, o suplico! - sussurrou-lhe com voz densa como o mel.
- Não sou mais que um pobre mortal prostrado a seus pés para adorá-la, suplicando humildemente que lhe conceda seus favores.
Muito a seu pesar, Lauren respirou fundo quando ele beijou o seu pulso palpitante com seus sensuais lábios; o contato destes fez que um comichão lhe percorresse
o braço, assim tratou de retirar a mão, mas ele a sujeitou firmemente na sua - muito maior - ao mesmo tempo em que a olhava aos olhos com uma intensidade implacável.
Ela se estremeceu ao dar-se conta agora do que tinha aquele homem, algo que aos dezesseis anos tinha sido muito ingênua para identificar: uma virilidade potente
e descarnada; isso era o que a obrigava a lhe sustentar o olhar enquanto uma debilidade profundamente feminina fazia que lhe tremessem os joelhos, e isso foi também
o que fez que lhe faltasse o fôlego quando a língua do Jason lhe percorreu fugazmente a palma da mão. Tinha que pôr fim a aquela atração hipnótica imediatamente,
assim, com menos convicção da que tivesse desejado, alcançou a dizer:
- Monsieur, acredito que não me compreendeu! Tenho um compromisso prévio para esta noite,
- Não, não o permitirei! - respondeu ele negando com a cabeça ao mesmo tempo em que seus firmes lábios se curvavam em um sorriso que fez que se desenhassem
umas covinhas irresistivelmente viris em suas bochechas.
- Falarei com a anfitriã e conseguirei que a libere de todos seus compromissos.
- Madame se negará - protestou Lauren enquanto percorria nervosa a sala com o olhar em busca de ajuda.
Era evidente que ele tomava por uma das senhoritas que trabalhavam no cassino, mas isso era melhor que se dava conta de que em realidade se tratava de sua
noiva fugida, a que lhe tinha roubado o dinheiro. Sentiu-se profundamente agradecida de que, justo essa noite, Lilás não estivesse presente, pois sem dúvida o capitão
Stuart teria reconhecido a sua antiga amante e as teria relacionado imediatamente. Se conseguia escapulir agora, talvez conseguisse evitar ao capitão até que partisse
de Nova Orleans, assim tinha que distraí-lo de algum modo...
Lauren não via nem rastro do Kendrick nem de madame Gescard por ali perto, nem sequer do garçom. A buliçosa multidão ia diminuindo pouco a pouco, pois alguns
dos casais tinham desaparecido pelas portas de vidro e alguns convidados ainda que ficavam na sala estavam ocupados com seus próprios entretenimentos, com o que
tampouco conseguiria a menor ajuda deles - disso não cabia a menor duvida -, a não ser que começasse a lutar. Mas se provocava uma cena, Lilás não a deixaria voltar
jamais. Assim, Lauren adotou uma atitude altiva e se voltou para o Jason.
- Por favor, monsieur Jason, honra-me você com seus cuidados, mas devo insistir em que permita que parta. Creia-me, devo ir.
Ele inclinou a cabeça e se aproximou tanto que ela podia sentir seu fôlego na bochecha.
- Assim não me dá você a menor esperança? - disse-lhe em voz baixa, intimamente, olhando-a aos olhos com tal intensidade que a fez perguntar-se se Stuart
não estaria lhe lendo a alma.
Olhou-o, aspirando a cálida fragrância que brotava dele, fresca mas coberta de um masculino aroma almiscarado; sua presença era tão capitalista que fazia
que lhe desse voltas a cabeça e lhe impedia de pensar. Por fim conseguiu dizer que não com a cabeça, desejando não ter que fazê-lo.
Soltou-lhe a mão, mas só para lhe agarrar com suavidade um braço.
- Muito bem, mademoiselle, deixarei ir com uma condição, que você dê um curto passeio pelo pátio comigo... A lua brilha tanto que resulta irresistível...
Acredito que nada me agradaria mais que poder passar mil noites como esta em sua companhia.
Enquanto falava, começou a conduzir Lauren para a escuridão, mas não a obrigou a continuar caminhando quando ela duvidou ao chegar à soleira, mas sim lhe
ofereceu seu braço e esperou a que ela decidisse.
Lauren elevou os olhos para ele, confundida por como a olhava e pelo sorriso sério que se desenhava em seus lábios, confundida também por seu próprio desejo
disparatado e a tensão que ia acumulando-se em seu interior; a atração que sentia por ele era tão capitalista que quase podia tocar-se. Sabia que devia negar-se
a acompanhá-lo, que esse homem cheio de autoridade e poder era perigoso; beijá-la-ia e então...
Faria? Para falar a verdade, não era capaz de interpretar o brilho de seus azuis olhos, mas não lhe parecia que fora um brilho de desejo, e seu tom de voz
não era apaixonado e ardente - em que pese a suas frases corteses e suas galanterias -, a não ser frio e duro como o granito. Não parecia estar de humor para romantismos;
de fato, mas bem se diria que se preparava para entrar em batalha. E além não havia lua: o pátio estava completamente envolto nas sombras e Lauren não podia ver
nenhum dos casais que estavam dispersos pelos bancos ou de pé, entrelaçados em tórridos abraços, embora sim se ouvisse os sussurros e um suspiro de vez em quando.
Não obstante, a suave brisa noturna exercia uma espécie de poderosa atração e o aroma doce dos jasmins também era irresistível, e o que era mais, tinha um homem
forte e atraente a seu lado, o homem que poderia haver-se convertido em seu marido, que lhe tinha ensinado o que era a paixão; o mesmo homem que tão frequentemente
lhe aparecia em sonhos.
Lauren despertou de seus devaneios quando lhe roçou a bochecha com um dedo, acariciando com deliciosa delicadeza sua pele lisa, e ficou olhando fixamente
aqueles olhos azuis, incapaz de decidir-se.
Jason, completamente hipnotizado também, percorreu-lhe os lábios com o dedo e a ternura que encerrava esse gesto a convenceu de que não tinha nada que temer;
afinal de contas, só se comprometia a dar um curto passeio pelo jardim, e certamente não havia motivo algum para que sua mão tremesse como o fez quando, obedientemente,
pousou-a no antebraço que lhe oferecia.


Capítulo 7

Lauren não gritou quando sentiu que a levava voando através do pátio para colocá-la em um carro de cavalos que esperava ao outro lado da grade. O ataque do
Jason foi tão inesperado que não soube como reagir e, além disso, lhe cobria a boca com a mão para evitar que fizesse o menor ruído e só a soltou quando o desmantelado
carro ficou em marcha. Tampouco então disse nada, esta vez porque tinha emudecido de terror. O interior da cabine do carro, que estava completamente às escuras,
lhe lembrava muito um abismo negro que a envolvia para asfixiá-la, e quando por fim emitiu um som, foi um gemido grave e desesperado.
Para ouvi-lo, Jason olhou de relance à mulher que havia a seu lado, cheio de suspeita: preparou-se para ter que lutar para convencê-la, e a facilidade com
que a tinha tirado da casa de jogo não tinha feito a não ser pô-lo em guarda; mas quando viu que passava o tempo e nem sequer lhe exigia que lhe dissesse aonde iam,
procurou um acendedor no bolso de sua jaqueta para acender o abajur.
Em meio a tênue luz dourada, viu-a encolhida em um canto, encolhida em um rincão igual a que estivesse esperando a que a golpeassem em qualquer momento, cobrindo-se
com seus alvos braços nus a cabeça que apertava com força contra a parede do carro. Jason sentiu pela primeira vez que a dúvida o assaltava. O cetim verde do vestido
lançava brilhos cada vez que o carro dava uma sacudida e as pedras que adornavam o pescoço do Lauren resplandeciam com um brilho ofuscante, mas nesses momentos aquela
beleza régia parecia mais uma menina aterrada que uma experimentada prostituta.
Uma vez mais, Jason ouviu aquele gemido assustado e entreabriu os olhos tratando de estabelecer se o medo era real ou se tratava de outro estratagema. Que
as plumas de avestruz de seu penteado estivessem agora completamente esmagadas contribuía ainda mais a seu aspecto de donzela necessitada, e ele encontrou a si mesmo
lutando contra um desejo ridículo de rodeá-la com seus braços para consolá-la.
- Não vou golpear-te - disse com voz cheia de ironia.
O som de sua voz abriu passagem através do terror que sentia Lauren lhe provocando um único pensamento consciente: não estava sozinha, não a tinha deixado
sozinha na escuridão de um diminuto espaço fechado, e quando se obrigou a abrir os olhos, deu-se conta de que já não estava escuro. Lutando por recuperar o fôlego,
alargou uma mão tremente e gaguejou em um sussurro rouco e virtualmente irreconhecível:
- Por favor... por favor..., poderia abrir a... janela?
Jason apertou os lábios.
- Para que possa gritar pedindo ajuda e fazer que todos os homens maiores de dez anos venham correndo a salvar à dama em apuros? Não me parece boa idéia,
preciosa.
Lauren conseguiu aferrar-se à cortina com seus dedos trementes antes que outros fortes como ferros lhe agarrassem o pulso, mas se sentia muito fraca para
soltar-se ou fazer nada que não fosse afundar-se entre as almofadas do assento quando Jason começou a desatar as fitas da máscara.
- Por favor... farei o que me peça..., o que seja se abrir a janela... Por favor.
Ele sentia desejos de lhe recordar que não se encontrava precisamente em situação de andar negociando, mas quando lhe tirou a máscara trocou de opinião ao
mesmo tempo em que suas mãos se detinham abruptamente ao ver os efeitos do que tinha feito: o terror que expressavam seus olhos, a palidez sepulcral de seu rosto
que fazia que a cor rosada de suas bochechas e seus lábios resultasse agora totalmente artificial... Jason se deu conta de que estava sofrendo, de que estava aterrorizada,
e amaldiçoou a si mesmo por seu cepticismo. Inclinou-se imediatamente para ela para baixar o guichê e então uma rajada de ar úmido invadiu o interior do carro dissipando
o aroma de fechado, a couro velho e a crinas de cavalo. A suave respiração entrecortada de Lauren começou a fazer-se mais regular e Jason também respirou melhor
quando a cor começou a voltar para suas bochechas.
Entretanto, ela seguia imóvel e isso o preocupava, e quando lhe tocou o rosto levemente, pareceu-lhe como se estivesse acariciando uma pedra de gelo. Sem
dizer uma palavra, tirou a jaqueta e a agasalhou com ela para logo atraí-la para seu peito e, ao fazê-lo, lhe colocaram pela orelha as plumas de avestruz lhe arrancando
uma blasfêmia entredentes.
- Como demônios se tira isto? - grunhiu Jason impaciente enquanto procurava tirar os grampos que prendiam o turbante e, quando conseguiu soltá-lo, atirou-o
a um lado no assento e acomodou o corpo tremente de Lauren no oco de seu braço.
Ela notou que lhe apartava uma mecha da testa. A delicadeza do gesto a tranquilizou, mas quando elevou a vista para ele, quão único viu foi a dura linha de
sua mandíbula. Deveria tratar de escapar, disse a si mesma, o sensato seria quando menos lutar, pois fosse o que fosse o que ele se propunha, não podia ser agradável.
Mas, por outro lado, dava-lhe medo irritá-lo ainda mais.
E, além disso, ele não a deixaria escapar. Deu-se conta quando Jason baixou a vista para ela e se olharam aos olhos. Nos dele pôde ler uma firme determinação
e uma promessa, embora isso o ignorava; esse pressentimento pouco definido cristalizou enquanto o olhava. Agora se dava conta de que se equivocava quando assumiu
que não a tinha reconhecido. Ele sabia perfeitamente quem era ela..., ou pelo menos acreditava que sabia. O coração do Lauren começou a pulsar apressadamente.
- O que... o que quer de mim?
O músculo que se esticou na mandíbula do Jason foi toda a resposta que obteve aquela pergunta murmurada em tom grave e aveludado.
Então o carro começou a diminuir a marcha e ele abriu as cortinas para olhar para fora em meio da escuridão da noite.
- Chegamos. Espero que não montes uma cena...
Lauren tragou saliva, desejando ter seguido o conselho de Lilás e haver ficado em sua habitação. Voltou a considerar a possibilidade de sair correndo, mas
sabia que seria impossível escapar e, além disso, disse a si mesma presa do nervosismo, devia ao Stuart uma desculpa por havê-lo drogado e levar seu dinheiro em
Londres. Assim, aceitou sua ajuda para descer do carro e deixou que lhe colocasse a jaqueta que lhe tinha posto sobre os ombros, recordando então que deixou o xale
em cima do piano. Quando ele se voltou para pagar ao chofer, Lauren olhou a seu redor com gesto nervoso e se deu conta de que estavam perto do rio. Uma bruma densa
deslizava a seu redor e lhe impedia de ver bem o que a rodeava, enquanto que da escuridão surgiam os sons do bulício dos bêbados. Sentiu-se aliviada quando Jason
voltou para seu lado e lhe ofereceu seu braço.
A música e as gargalhadas estridentes foram desvanecendo à medida que se aproximavam do dique completamente deserto. Lauren viu um leve resplendor na distância,
muito parecido ao de quatro anos atrás, e adivinhou que Jason a levava a seu navio. Uma entristecedora sensação de impotência se apoderou dela, como se a arrastasse
uma força implacável e não pudesse fazer o mínimo para resistir. Duvidou um instante quando o mastro fantasmagórico de um veleiro se abateu de repente sobre eles
para logo desaparecer entre a névoa, então Jason a agarrou pela cintura e Lauren respirou fundo ao dar-se conta de que aquele encontro era inevitável.
A névoa os envolveu igual a um grosso manto quando subiram a bordo de La Sereia. Uma parte da ponte estava iluminada por um farol que ardia, mas mesmo assim,
quando Tim Sutter surgiu de entre as sombras, Lauren não pôde reprimir um grito afogado.
Notou que Jason a agarrava com mais força pela cintura e elevou a vista para ele, mas logo que podia distinguir suas facções a débil luz do farol; as nervuras
loiras de seu cabelo castanho claro brilhavam lançando brilhos chapeados e tinha as sobrancelhas franzidas ligeiramente arqueadas. Seu silêncio a punha muito nervosa,
assim apartou o olhar dele, sentindo uma estranha sensação de vazio e excitação na boca do estômago.
Jason enviou Tim de volta a suas obrigações e logo, lhe pondo a mão nos rins com determinação, empurrou-a com suavidade para que subisse pelos degraus estreitos
do fortaleza em direção à escotilha e, mais à frente, a outra escada, esta vez descendente. Lauren se esticou de pés a cabeça ao contemplar aquele buraco negro que
se abria a seus pés: sentia-se incapaz de descer por aquele túnel escuro, nem sequer para evitar a ira do Jason.
- Não... não posso - disse com voz afogada, - está muito escuro.
Lançou-lhe um olhar inquisidor, mas não disse nada e a soltou um momento para ir procurar uma lanterna; quando voltou, ela o surpreendeu ao lhe agarrar a
mão com força.
- Não tenha medo - a tranquilizou com voz suave, - aí embaixo há somente os camarotes dos oficiais e os passageiros.
Ele passou primeiro para ir iluminando o caminho e ela o seguiu sem lhe soltar a mão, mas mesmo assim avançava aterrorizada, como se temesse que as sombras
a tragassem em qualquer momento. Jason se deteve ante uma porta e colocou a chave na fechadura, mas ao dar-se conta de que Lauren não lhe tirava a vista de cima,
fez uma pausa e ficou olhando fixamente aqueles dois poços verdes que lançavam brilhos dourados e o delicado oval do rosto um pouco levantado para ele, emoldurado
por mechas douradas que escaparam do coque em que deviam ter estado recolhidos; uma deusa de ouro, pensou ao mesmo tempo em que, sem poder evitá-lo, inclinava-se
para diante para poder aspirar melhor sua fragrância.
Então seus olhos posaram sobre os lábios carnudos ligeiramente tintos de vermelho e a escandalosa idéia de que outro homem pudesse apoderar-se dessa boca
cativante o golpeou de repente. Apartou-se e, apertando os dentes, empurrou a porta para abri-la e tomou Lauren do braço com maior força que a necessária para guiá-la
até o interior do espaçoso camarote.
Ela em seguida reparou na resplandecente mogno e os spots de bronze, e também se deu conta de que havia uma escrivaninha imensa a um lado e um beliche ainda
maior ao outro, mas seguia centrando sua atenção no Jason, que fechou a porta e, depois de pendurar a lanterna em um gancho na parede, foi até o olho de boi e o
abriu de par em par.
- Obrigada - murmurou ela, agradecida pela consideração que lhe mostrava.
Ele pareceu não havê-la ouvido. Lauren o observou inquieta, enquanto Jason se aproximava do móvel bar que havia junto a escrivaninha e tomava uma licoreira
em suas mãos. A tensão crescente que intuía nele a desconcertava. Certamente que, tendo em conta que o tinha drogado e levou seu dinheiro, esperava que estivesse
zangado, mas nem tanto; sua ira era virtualmente tangível e explosiva... Jason se deteve quando sua mão estava a meio caminho de tomar uma caneca de cristal, deu
a volta e lhe cravou seu profundo olhar azul a que os olhos dela não puderam evitar responder.
- Agora que o penso... - disse Stuart ao fim, - talvez você não goste do conhaque. Preferiria uma caneca de cherry? Garanto-te que não está drogado.
Lauren respirou fundo, preparando-se para a tempestade que parecia estar a ponto de desencadear-se; a tinha reconhecido. Mas, é obvio, ele tomava pela Andrea
Carlin. George Burroughs não teria revelado jamais sua verdadeira identidade a ninguém, não enquanto existisse a possibilidade de que Regina Carlin herdasse a naval.
- Não obrigado, capitão - lhe respondeu com um fio de voz.
- Já não sou capitão de nenhum navio. É Kyle Ramsey o que está ao mando de La Sereia, eu não sou mais que o proprietário. Mas falemos de ti, Marguerite; esse
é o nome que usa normalmente, certo?
- Não.
Lauren o observou deixar a caneca de conhaque sobre a escrivaninha e servir-se generosamente. Dava a impressão de estar bastante calmo, dir-se-ia que controlava
perfeitamente suas emoções, e sua voz já não estava tinta da dureza que tinha detectado fazia uns momentos. Não obstante, seguia tendo um aspecto imponente e gotejava
autoridade, por mais que estivesse em mangas de camisa e colete de seda floreada. Sua cabeça de rasgos leoninos parecia esculpida em mármore, enquanto que, em contraste
com a resplandecente gravata branca, seu rosto parecia forjado em bronze. Quando elevou a vista para ela, tinha uma sobrancelha arqueada com gesto inquisidor e
Lauren reconheceu que a dureza daqueles olhos a desafiava a ousar lhe mentir; obviamente, estava esperando a que lhe desse uma resposta mais longa.
- Lauren - acrescentou ela em voz baixa, - Lauren DeVries.
Jason deixou sair o ar de seus pulmões muito devagar.
- Levei muito tempo me perguntando se estaria bem.
Ela foi primeira em apartar os olhos.
- Por que me trouxe aqui?
-Por que seria a não ser para desfrutar dos encantos que tão sedutoramente... exibe? E como não parecia muito disposta a romper seu compromisso anterior...
Lauren não sabia muito bem o que responder.
- Eu... eu pensei que quisesse que lhe devolvesse seu dinheiro. Fiz mal em levar e prometo que o trarei para primeira hora da...
- Fique; de fato, preferiria que me desse o que acordamos aquela noite em Londres.
A lembrança fez que Lauren se ruborizasse e se cobrisse ainda mais com a jaqueta do Jason que ainda levava posta.
- Lamento-o profundamente se lhe causei alguma moléstia...
- Moléstia?
Os lábios do Jason se retorceram ao recordar a angústia que deu procuração dele ao imaginar-lhe morta ou algo pior, a mercê da gentinha que vagava pelos baixos
recursos de Londres. Logo recordou a casa de jogo, os homens que deviam ter gozado com seus encantos, Duval em particular, e os ciúmes se apoderaram dele. Levou
a caneca aos lábios e a bebeu de um gole sem saborear o conteúdo.
- Assim é como o vê você? Pois me permita que discorde, Olhos de Gata: moléstia é um termo muito suave para a tortura pelo que me tem feito passar.
Elevando o queixo, Lauren o olhou com frieza.
- Já hei dito que o sentia.
- Em efeito, o disse.
- Para isso vim até aqui, para me desculpar.
Ele arqueou as sobrancelhas imediatamente.
- Que curioso, eu teria jurado que tive que te trazer a força!
Lauren sentiu que ela também começava a perder os nervos ao dar-se conta de que Jason a estava provocando deliberadamente.
- De verdade que sinto muito que lhe fiz, mas não... não tinha escolha. - deu-se conta de que os olhos do Jason jogavam faíscas, podia sentir sua ira avançando
a grandes pernadas para ela através do camarote. De fato, quase deu um salto ao receber o impacto daquele olhar implacável, mas continuou falando:
- Crê quando lhe digo que não tinha escolha; tinha que abandonar a Inglaterra imediatamente; meu guardião... seus homens já tinham tentado matar ao Matthew,
e se você se misturou, talvez também teriam tratado de matá-lo.
Ele entreabriu seus azuis olhos perigosamente.
- Tenta inventar algo melhor, preciosa, eu era seu prometido, lembra-te? Assim não tinha nada que temer do Burroughs.
- Você... você não entende...
Jason lhe dedicou uma profunda reverência ao mesmo tempo em que dizia com ar zombador.
- Pois então talvez me devesse explicar isso. Para falar a verdade, levo uma eternidade esperando uma explicação.
Lauren ficou olhando-o sem mover-se, tratando de dominar o desejo de sair correndo. Não mentia quando dizia que não tinha tido escolha. Ela tinha sido a causa
de que quase matassem ao Matthew ao havê-lo envolto em seus problemas e, inclusive se Jason Stuart tivesse tido verdadeira intenção de ajudá-la, não teria podido
arrastá-lo também a uma situação tão perigosa, nem tampouco podia ter permitido que arriscasse sua vida por ela como o tinha feito Matthew. Mas não podia dizer ao
Jason a verdade sobre a usurpação de personalidade em que tinha participado, só podia lhe contar certa versão dos fatos.
- Talvez Burroughs não tivesse feito mal a você - murmurou Lauren, - mas não pode dizê-lo mesmo de minha tia, Regina Carlin. Ela queria ver-me morta, e não
estava disposta a deixar que ninguém se interpor em seu caminho.
- Mas por quê?
O tom demolidor da pergunta a sobressaltou.
- O que... o que quer dizer?
- Por que queria ver-te morta?
- Porque... ela herdaria a naval Carlin se me ocorresse algo.
Jason cravou seu olhar azul durante tanto tempo que Lauren se perguntou se não seria capaz de ler seu pensamento somente ao olhá-la. Mas então ele se obrigou
a deixar a caneca na escrivaninha e foi colocar-se atrás dela.
- Quanta vontade em uma noite, senhorita Carlin? - espetou-lhe ao mesmo tempo em que abria uma gaveta.
- Ou deveria chamá-la mademoiselle Marguerite?
- Por favor..., preferiria que me chamasse Lauren.
- Muito bem, Lauren então - disse ele enquanto rebuscava na gaveta até que deu com o que queria. Então elevou um saquinho de moedas bem alto para, ato seguido,
lançá-lo aos pés dela. O eco do tinido das moedas retumbou por todo camarote: - é um extra, para acabar de te convencer, Lauren. O que acontece? Não é suficiente?
Com isso deveria te bastar para cetins e jóias durante uma boa temporada...
Ela ficou de pé onde estava, com o olhar fixo no saquinho de moedas e aturdida ao dar-se conta de que lhe estava oferecendo dinheiro por seus serviços. Que
fora capaz de pensar algo assim dela... Sem elevar a cabeça, por fim acertou a lhe responder quase sem fôlego:
- Você... você acredita que sou prostituta.
- Acaso o nega? Embora certamente tenha que reconhecer que está muito longe de ser vulgar - respondeu ele com fingida galanteria ao ver que ela não dizia
nada mais.
Lentamente, Lauren elevou a vista para olhá-lo aos olhos.
- Acaso deveria me sentir adulada por esse comentário? Parece-me que qualquer mulher pode lhe oferecer o que anda procurando.
- Talvez, mas eu já paguei por ti; sem dúvida recordará que partiu sem ter completado sua parte do trato: uma noite em minha cama.
Lauren fez um gesto de dor por ouvir aquelas palavras, que eram como uma faca enfiada em suas vísceras. Jason Stuart não queria a ela, a não ser o que qualquer
mulher podia lhe dar.
- Já disse que lhe devolverei o dinheiro.
- E eu que não o quero, nem sequer te cobrarei interesses por estes... quatros anos.
- Não estou em venda! - exclamou Lauren cheia de ira.
Ele fez um gesto impaciente com a mão.
- OH, vamos! Alguém deve ter pago por esse vestido que leva, ou é boa o suficiente para escolher a seus amantes?
- Nego-me a... - disse ela elevando o queixo com gesto desafiante.
- Me nego a responder a semelhante pergunta. Acredito que chegou o momento de partir.
Então deu a volta e pôs-se a andar para a porta, mas teve que deter-se porque Jason tinha atravessado o camarote a toda velocidade para lhe bloquear o passo.
Lauren o olhou com desconfiança e, sem saber que mais podia fazer, tirou a jaqueta que lhe cobria os ombros e a estendeu com intenção de devolver-lhe. De algum modo,
Lauren conseguiu manter a compostura, ainda que o calor do olhar de Stuart lhe queimasse a pele.
- Obrigado por haver me emprestado - disse isso.
Jason não fez o menor gesto de aceitá-la e então ela optou por deixá-la sobre um dos assentos com respaldo feito com madeiras de barril que havia diante da
escrivaninha. Ele sentiu que a frustração crescia em seu interior enquanto a observava alisar a saia, nervosa. O desejo que despertava nele já tinha feito que seu
sexo e todo seu corpo se esticassem e, se por acaso fosse pouco, agora ela tirava a jaqueta; era como se aqueles seios amadurecidos e voluptuosos lhe suplicassem
que os tocasse...
- Assim agora te propõe andar vagando pelas ruas sozinha... - lhe disse com voz tinta de sensualidade ao mesmo tempo em que percorria com o olhar as curvas
que com tanta ousadia lhe apresentavam.
De algum modo, Lauren conseguiu manter a compostura, embora o calor do olhar do Stuart lhe queimava a pele.
- Não, absolutamente. Tomarei um carro.
- E como o vais pagar? Duvido muito que leve o dinheiro escondido no sutiã, não há lugar nem para um centavo dentro desse vestido...
- Já arrumarei isso.
- Como, oferecendo em troca seus serviços? - Ao ver a ira nos olhos dela, Jason esboçou um sorriso irônico.
- De verdade crê que chegaria muito longe vestida assim? Não há um só homem sobre a face da terra que não pensasse em te possuir se te visse com esse vestido
posto.
- Nem todos os homens têm instintos tão baixos como os seus senhor Stuart.
- Ah, não? Dê-me um só exemplo.
Lauren não respondeu, sentindo que, enquanto ele a atravessava com aquele olhar implacável, a tensão entre eles ia aumentando, como se fosse uma força real
e tangível. Mas estava decidida a não dar mostra das emoções que a percorriam, assim que lhe devolveu o olhar com frieza estudada, a cabeça bem alta e os ombros
retos, cheia de dignidade. Aquilo avivou a fúria do Jason. Parecia uma rainha, ali de pé com aquele formoso e metido vestido e as custosas pedras resplandecendo
em seu pescoço; não podia negar que era digna filha do Jonathan Carlin, herdeira de uma fortuna. Era impossível que tivesse jogado tudo pela amurada para converter-se
em uma meretriz de luxo. Adotando um ar despreocupado que estava muito longe de refletir seus verdadeiros sentimentos, Jason apoiou as costas na porta e cruzou os
braços sobre seu fornido peito.
- Suponho que Lilás decidiu te acompanhar em sua aventura... - disse em tom calmo.
Lauren se deu conta de que não a deixaria ir até que não se explicasse, assim que lhe respondeu:
- Não..., não imediatamente. Mas logo lhe falei do Burroughs... e do Matthew. Lilás se sentiu responsável pelo que me ocorreu, tanto se eu queria como se
não, e se negou a me deixar partir sozinha em busca do Matthew. Quando o encontramos, ajudou-nos a conseguir umas passagens em um navio e ao final se decidiu a vir
conosco. Não tinha família na Inglaterra e, portanto, nenhum motivo para ficar, e acredito que Matthew a convenceu de que eu era muito jovem para ir a América sem
ninguém que cuidasse de mim.
- Assim que imagino que ela também está aqui, em Nova Orleans.
- Sim, mas agora está casada, com um cavalheiro muito bom, Jean-Paul Beauvais. Seria... seria melhor que não a visse, suponho. Não acredito que necessite
que lhe recordem o passado, e além Jean-Paul é muito ciumento.
- Terei em conta seu conselho - respondeu Jason com sarcasmo enquanto a observava, como refletindo sobre a distância que os separava, com um brilho perigoso
nos olhos.
- Acredito que nunca contou a Lilás que estávamos prometidos.
- Não... até que não passou um tempo.
- Posso imaginar perfeitamente sua reação. Seguro que a horrorizou inteirar-se de que tinha permitido que te seduzisse em seu próprio dormitório. Suponho
que derramou muitas lágrimas enquanto lhe suplicava que te salvasse desse pervertido malvado que te tinha arrebatado a virgindade - disse Jason muito devagar ao
mesmo tempo em que Lauren baixava a cabeça.
Ao ver que ela não respondia, mas sim se limitava a permanecer de pé retorcendo as mãos com nervosismo, Jason apertou os punhos e sentiu que a ira que o invadia
era tão intensa que quase lhe cortava a respiração. De repente, foi até a escrivaninha e serviu outra caneca de conhaque ao mesmo tempo em que contemplava sua própria
mão trêmula com uma expressão parecida com o asco.
- Isso caso eu fosse o primeiro... - acrescentou ao cabo de um momento.
- É obvio que foi você o primeiro - murmurou Lauren.
Os olhos dele jogavam faíscas de ira contida quando lhe cravou o olhar de novo.
- Então, por que deixou que tomasse? Se não te importar que lhe pergunte... Podia ter esperado isso um pouco mais até que a droga fizesse efeito.
- Eu... não sabia se faria efeito - disse ela honestamente, e quando os lábios do Jason se curvaram em um gesto desdenhoso, acrescentou:
- Necessitava do dinheiro, assim, depois de que você sugeriu o trato, senti que tinha que cumprir minha parte.
- Que sentido da honra! - burlou-se ele.
- E agora eu tenho que carregar com a culpa de ter encaminhado seus delicados pés para o caminho da perdição.
- Isso não é verdade! - exclamou ela, - já hei dito que não tinha escolha.
Ao ouvir isso, desatou-se a fúria do Jason. Lançou a caneca ao chão a fazendo que se rompesse em mil pedaços e chegou até Lauren em três pernadas para agarrá-la
pelos ombros com violência fazendo que jogasse a cabeça para trás bruscamente. Em seus olhos ardia um fogo azulado e suas fossas nasais batiam as asas quando bramou
fora de si:
- Sim que tinha escolha, maldita seja! Teria te feito minha esposa, te teria protegido, cuidado e adorado, te teria dado tudo que tenho!
Lauren deixou escapar um grito afogado de dor, pois os dedos do Jason lhe cravavam na pele; seus rostos estavam muito juntos, o olhar ardente dele traía as
intensas emoções que o sacudiam e, pela primeira vez, teve medo e começou a lutar para separar-se daquele imenso torso ao mesmo tempo em que gritava:
- Você só queria a frota da companhia Carlin! Eu não lhe interessava absolutamente! - acrescentou retorcendo-se em um intento desesperado por liberar-se.
O esforço só lhe serviu para ficar sem fôlego, pois seguia tão prisioneira ou mais que antes em braços do Jason, que a atraiu para si apertando seu vigoroso
e forte corpo contra o dela.
- Está muito equivocada, preciosa! - disse ele com voz rouca e olhar acerado pela fúria.
- Desejava a ti. Ainda te desejo. E te terei.
Então a beijou implacável. Seus lábios reclamaram os dela com uma brutalidade possessiva, alagando os sentidos de Lauren com o sabor a conhaque ao mesmo tempo
em que assaltava sua boca com a língua, castigando-a, deixando-a sem fôlego. Os esforços dela por soltar-se não deram o menor resultado. Apertada contra aquele corpo
poderoso como estava ao lutar quão único conseguia era excitar mais ao Jason, de um modo diferente esta vez. Lauren se deu conta quase imediatamente da mudança,
inclusive antes de sentir que o corpo dele se esticava dos pés a cabeça, e quando Jason elevou a cabeça, olhou-o aos olhos. Estava tremendo e sem fôlego, furioso,
e seus olhos cintilavam igual a duas brasas ardentes. Então Lauren se assustou de verdade. O que sabia do Jason Stuart a fim de contas? Tinha sonhado fazendo amor
com ele, estando em seus braços outra vez; mas não assim, não com aquela carga de fúria e medo fluindo entre eles.
Desesperada, tratou de apartar o rosto, mas ele a agarrou pela nuca com uma mão forte, obrigando-a a permanecer imóvel enquanto a beijava de novo com uma
paixão violenta e uma vez controlada que a deixava sem respiração. Só alcançou a agitar as mãos inutilmente sobre os ombros do Jason ao mesmo tempo em que ele a
enchia com seu sabor, com as incursões implacáveis de sua língua. Era um beijo demolidor, luxurioso..., mas também sensual. Lauren não podia controlar o ritmo desbocado
de seu pulso, a excitação a fazia estremecer enquanto ele continuava com seu feroz assalto. Mesmo assim, tratou de resistir, golpeando inutilmente seus poderosos
ombros com os punhos.
Ele a fez sucumbir sem dificuldade, lhe sujeitando as mãos à costas ao mesmo tempo em que a obrigava a virar-se para trás em seus braços. Lauren lançou um
suave gemido, intensamente consciente de como o torso musculoso dele se apertava contra seus seios, da explícita pressão do sexo masculino sobre suas coxas. E sua
resistência parecia excitá-lo ainda mais. Agarrou-lhe os pulsos com uma mão ao mesmo tempo em que deslizava a outra no interior do sutiã de cetim para acariciar
seus seios turgentes, percorrendo-os livremente, acariciando-os com ousadia, e então Jason se inclinou para lhe beijar o cabelo e lhe acariciar a orelha com os lábios
e disse:
- Faça-se de puta para mim, Lauren, me mostre quão bem o faz.
Aquelas palavras aveludadas cheias de autoridade a escandalizaram, e ainda se escandalizou mais ao sentir a repentina quebra de onda de sensações que a invadiu,
a pontada primitiva de desejo que a atravessou tão de improviso que a fez gemer.
- É Duval bom amante? - continuou Jason com voz rouca e implacável.
- Te faz gemer assim? É capaz de te fazer gritar de paixão?
Seus dedos poderosos rodearam um de seus seios, beliscando e liberando provocadoramente o mamilo através do cetim. Lauren apertou os dentes no momento em
que seu mamilo se contraiu involuntária e dolorosamente até ficar duro como o diamante. Apenas se dava conta do que dizia Jason. Duval? Felix jamais lhe tinha feito
nada parecido. E como sabia Jason sequer que Felix existia?
- Não..., equivoca-te... - murmurou ela sem fôlego, lutando com as traidoras reações de seu próprio corpo.
De repente Jason começou a empurrá-la com seu corpo, obrigando-a a retroceder. Ela perdeu o equilíbrio, teve que agarrar-se a seus ombros para não cair e
não ficou mais opção que mover-se com ele, que a estava abandonando contra a escrivaninha. Não tinha para onde fugir. A borda da escrivaninha lhe cravava nas nádegas
enquanto que as coxas graníticas do Jason a mantinham prisioneira, apertando-se contra a suavidade das suas. Sentindo que ia cair, Lauren lançou os braços para trás
para sustentar-se e acabou meio tombada sobre ela com os braços do Jason a ambos os lados de seus ombros e aquele imponente corpo sujeitando-a sob seu peso, lhe
impedindo de fazer o menor movimento.
- Talvez devêssemos celebrar um concurso - murmurou ele com voz grave, - para ver quem te satisfaz mais, quem é capaz de te fazer gemer mais alto.
Lauren reparou na dureza que cobria a voz do Jason e viu a angústia nas profundidades de seu olhar, mas mesmo assim não compreendeu o que acontecia.
- Por que faz isto? - murmurou ela, incapaz de suportar a ira que o alagava.
- Já lhe disse isso. - Ele baixou o olhar a seus seios e com toda a intenção, percorreu com um dedo a delicada curva do pescoço de Lauren revelando um retalho
de branda pele ao chegar ao atrevido decote do vestido. Ela se estremeceu, como se um ferro candente lhe abrasasse a pele.
- Porque te desejo - continuou Jason com voz aveludada e sensual, - e te terei. Far-te-ei minha, uma e outra vez, até que não possa nem sequer recordar o
nome do Duval.
- Suplico-lhe isso...
- Suplica-me? - interrogou-a em tom grave e sedutor.
- Para que o faça? O que é o que mais você gosta minha vida? Estou seguro de que posso ser tão criativo como Duval...
Lauren soube então, com uma certeza instintiva de mulher, soube que estava louco de ciúmes. E o saber a fez sentir-se embriagadoramente poderosa, embora não
tivesse tempo de analisar essa sensação. Jason a desejava pensou aturdida ao mesmo tempo em que elevava a vista para aquele rosto viril elegantemente esculpido,
de linhas rigorosas e bem definidas. Desejava-a. Provavelmente, a profunda surpresa que sentia ficou refletida em seu rosto e isso deve tê-lo feito duvidar, porque
Jason fechou os olhos durante um instante - como se preparasse para suportar uma intensa dor - ao mesmo tempo em que murmurava:
- OH, Deus! e, quando os abriu de novo, Lauren viu nas profundezas azuis de seu olhar que a ira tinha desaparecido dando lugar a ardente paixão...
Os lábios de Lauren estavam ligeiramente separados enquanto esperava com antecipação e quase sem fôlego o seguinte assalto do Jason, assim que a surpreendeu
a infinita delicadeza com que ele começou a lhe desatar o sutiã para liberar seus seios turgentes do cetim que os ocultava. Ele fixou o olhar naquelas sedosas colinas
e, lançando um profundo suspiro, murmurou:
- Seus seios são magníficos, tão belos como os recordava. Também recordo que fiz isto... - Tomou um seio na palma da mão, com uma ternura que contrastava
tão radicalmente com a violenta paixão de fazia uns instantes que a excitava sobremaneira. - E isto... - O firme polegar do Jason começou a descrever círculos em
torno dos sensíveis topos, as atravessando com dentadas de um prazer delicioso. - E isto... - Baixou a cabeça e cobriu com a boca a suave pele avermelhada, sua língua
começou a lamber, a saborear, a provocar, a atormentar.
Desconcertada pelo desejo descarnado que ia aumentando em seu interior, Lauren gemeu ao mesmo tempo em que se aferrava desesperadamente ao ombro do Jason
com uma mão. Embora parecesse impossível, suas carícias se fizeram ainda mais delicadas, sua cálida boca saboreava com suavidade o duro mamilo dolorido para logo
cobri-lo de beijos delicados como o roçar de uma pluma, e depois o lambia com sua língua úmida e rugosa enquanto com uma mão massageava e beliscava o outro seio.
O intenso prazer que estava despertando nela - como um calor líquido que ia aumentando entre suas pernas - fez que Lauren estremecesse. Jason respondeu deixando
escapar um gemido grave e primitivo de sua garganta e ao cabo de um instante elevou a cabeça para contemplar o rosto avermelhado dela:
- Desejo-te, minha vida - murmurou com voz rouca, - desejo-te tanto que me faz insuportável.
Jason se inclinou de novo para descrever um atalho de pequenos beijos delicados e abrasadores pelo pescoço de Lauren ao mesmo tempo em que lhe elevava a saia
até a cintura revelando assim os segredos de sua feminilidade. Seus quentes dedos, estendidos sobre a pele sedosa das coxas dela, começaram a deslizar-se para cima
enquanto acariciavam a carne trêmula.
- Sim, desejo-te. Desejo ver-te envolta nas chamas do desejo... por mim... só por mim.
Quando os dedos chegaram a seu destino, a úmida e acolhedora entre as pernas de Lauren, ele lançou um suspiro profundo e ensurdecedor:
- Nem sequer comecei e já está ardendo por mim.
Seus dedos começaram a mover-se e Lauren fechou os olhos, sentindo que um desejo incandescente corria por suas veias.
- Por favor... - gemeu ela sem saber sequer o que era aquilo pelo que suplicava.
- Assim, vida minha - a respirou ele ao mesmo tempo em que suas carícias sensuais e cadenciosas a levavam a um estado febril de abandono, - geme por mim,
enlouquece por mim.
Ela arqueou o corpo com um gesto atrevido, agitou-se tremente ao mesmo tempo em que seus quadris saíam ao encontro da mão do Jason com a esperança de aliviar
as pontadas de desejo enfermo que sentia entre as pernas. Sua pele estava ardendo; sua carne envolta em chamas; seu nariz batia as asas, inalando o calor do Jason,
absorvendo o aroma almiscarado e sensual de sua pele até que este a invadiu por completo.
Lauren jogou a cabeça para trás em um gesto de rendição, deixou-se arrastar para a penumbra selvagem e abrasadora dos sentidos com a respiração entrecortada
e, por entre as brumas do desejo, sentiu que ele a contemplava e foi plenamente consciente de que aquele olhar ardente estava fixo em seu rosto enquanto seus dedos
a faziam enlouquecer até perder o controle. Não obstante, Jason parecia saber reconhecer o momento em que já não seria capaz de suportar mais aquela tortura. Sem
apartar seus ardentes olhos dela, desatou as calças e liberou seu sexo rígido e erguido e, voltando a inclinar-se sobre Lauren, aprisionou-a sobre a escrivaninha
ao mesmo tempo em que lhe abrasava a coxa com sua carne incandescente, tentando, procurando uma entrada.
Poderia tê-lo detido então. Nesse breve instante em que seus olhares se cruzaram, pôde ler em seus resplandecentes olhos azuis uma pergunta; mas não queria
detê-lo, isso era o que mais a aterrorizava, a sensação de perder o controle completamente. Era como se levasse anos esperando aquilo, como se o desejo tivesse estado
crescendo em seu interior durante todo esse tempo, alimentando-se de sonhos e lembranças; todas as fantasias, todos os sonhos, todas as sensações de desejo reprimido
tinham estado acumulando-se até chegar a aquele ponto.
Fechou os olhos e alargou a mão para afundar os dedos nos sedosos cabelos clareados pelo sol do Jason; ele reconheceu o significado do gesto imediatamente
e, deslizando as mãos sob os quadris de Lauren para elevá-la ligeiramente, penetrou-a - sem pressa, poderosamente, com investidas regulares e sustentadas - até enchê-la
por completo. Então se deteve e permaneceu ali estendido sobre ela, dentro dela, e baixou o olhar para contemplar seu belo rosto avermelhado. Lauren tinha os olhos
fechados, os lábios ligeiramente separados e a respiração entrecortada. As dúvidas do Jason sobre sua inocência, sobre sua vulnerabilidade, dissiparam-se por completo.
- Me olhe, Lauren - lhe ordenou quase sem fôlego.
- Maldita seja, me olhe para que saiba quem te está amando!
Ela ouviu sua voz na distância, em meio da escuridão ardente que a rodeava, abriu aqueles olhos salpicados de brilhos cor âmbar para olhá-lo, e a fascinou
o intenso e fervente desejo que lia nas profundidades azuis dos do Jason. Ele começou a mover-se lentamente, excitando-a, fazendo que seu corpo respondesse ao momento
estremecendo, que seus quadris se arqueassem de forma instintiva ao mesmo tempo em que se abria às investidas do sexo turgente e implacável que a enchia.
- Deus, quatro anos...! - o ouviu dizer no momento em que lhe rodeava a cintura com suas largas pernas.
De repente, os movimentos do Jason se fizeram mais urgentes, seus braços rodearam a cintura do Lauren ferozmente, seu corpo firme começou a tremer pelo esforço
de manter o controle ao mesmo tempo em que lançava um gemido rouco e afundava o rosto no ombro dela.
Lauren se aferrou a ele, cravou os dedos em seus musculosos braços enquanto Jason tomava com uma intensidade violenta. Sentia que a enchia por completo com
a incrível rigidez de seu sexo, e aquela doce dor arrancava soluços de sua garganta. Grandes fluxos de um prazer intenso a alagavam a cada instante, elevando-a para
cúpulas cada vez mais altas enquanto ele a fazia dele. As ondas alcançaram umas dimensões insuportáveis, afogava-se em meio de um mar enfurecido que sacudia seu
corpo em todas as direções. Gemeu entre soluços, aferrando-se a ele; o poderoso corpo do Jason se esticou por completo, logo se contraiu agitado por uma violência
insaciável e ela se precipitou ao vazio, para um abismo cada vez mais e mais profundo... Ao cabo de um instante, as ondas romperam sobre ela com toda sua força ao
mesmo tempo em que ele se esvaziava em seu interior.
Os devastadores calafrios também percorreram ao Jason, quem, experimentando uma última sacudida brutal, desabou-se sobre Lauren, afundando o rosto em seu
suarento pescoço, lutando por recuperar o fôlego enquanto os últimos vestígios da paixão o sacudiam, para logo ir remetendo pouco a pouco.
Lauren permaneceu embaixo dele sem mover-se, vagamente consciente de que tudo tinha terminado. O fibroso corpo do Jason, apoiado só pela metade nos cotovelos,
aprisionava-a com seu peso. Notava o cadenciado movimento de seus seios sob o torso dele enquanto aspirava ao aroma viril e sensual de sua pele coberta de suor e
sua respiração entrecortada lhe retumbava nos ouvidos.
E então, com um grunhido bronco e tão imperceptível que Lauren acreditou havê-lo imaginado, Jason blasfemou.


Capítulo 8

- Pelos pregos de...! Maldita seja!... Deus! Maldita seja! - murmurou de novo entredentes.
O terrível ataque de ciúmes que o havia tornado louco fazia um momento estava remetendo, deixando atrás de si uma sensação de culpa e desprezo por si mesmo.
Uma vez mais, pensou enojado, uma vez mais, equilibrou-se sobre a mulher que um dia quis por esposa. Não podia recordar a última vez que tinha perdido o controle
daquele modo com uma mulher, mas seu desejo de ter Lauren era tão intenso que não tinha sido capaz nem de esperá-la tirar a roupa; tinha-a tomado igual à uma prostituta
da rua, possuindo-a com uma violência implacável que só se explicava pelos quatro anos de desejo frustrado.
E, entretanto, ela tinha alcançado o êxtase mais absoluto em seus braços. Sacudidas de seu corpo tremente, os gemidos de prazer, não eram fingidos. Acaso
tinha aprendido em seu ofício que semelhante paixão em uma mulher conseguia que um homem sentisse intensamente seu próprio poder? A quantos ter-se-ia entregue com
o mesmo abandono?
Embora, em realidade, nada disso importava agora, seu sonho não era mais que uma obsessão, uma idéia aberrante. Não podia casar-se com uma cortesã de
luxo, independentemente de quais fossem seus sentimentos para ela. Tinha que cumprir com seu dever para com seu sobrenome, sua estirpe e o ilustre título que, muito
a seu pesar, tinha herdado.
Cumpriria a promessa que tinha feito ao Burroughs, isso sim: Lauren já não teria que vender seu corpo por dinheiro nunca mais porque seria tão rica que poderia
permitir-se tudo que quisesse e, quando tivesse esclarecido todos esses assuntos com ela, depois de lhe haver feito a entrega de sua fortuna, ele embarcaria rumo
a casa sem voltar a vista atrás..., se podia.
Jason elevou a cabeça para olhá-la no rosto e enrugou a testa com gesto de preocupação.
- Está bem?
Para ouvir o tom grave de sua voz, Lauren a olhou confusa. Bem? Ainda se sentia aturdida pelas devastadoras sensações que tinha experimentado fazia uns momentos,
seu corpo seguia exausto e estava em uma posição quando menos incômoda e estranha, por não mencionar que lhe custava respirar. Mas mesmo assim sentia uma agradável
calidez e uma sensação de plenitude, parecia-lhe estar mais viva que nunca, desejava desfrutar da presença do Jason, do calor e o peso de seu poderoso corpo.
Quando a viu assentir com a cabeça, ele se apartou e, ficando de pé, voltou a fechar as calças. Sentindo-se ainda trêmula, Lauren se apoiou sobre os cotovelos
e se horrorizou genuinamente ao comprovar seu próprio estado: os seios expostos sem o menor decoro, os mamilos ainda inchados e reluzentes dando testemunho dos cuidados
do Jason, as saias enrugadas em torno de sua cintura e suas pálidas coxas ainda separadas, dir-se-ia que esboçando um erótico convite. Aquela não podia ser ela;
essa criatura desavergonhada com a pele avermelhada e as roupas revoltas não podia ser ela. No meio do silêncio, de repente a invadiu a vergonha e, baixando a saia
do vestido imediatamente para cobrir suas pernas nuas, deslizou-se fora da escrivaninha para ficar de pé. Estava atando o sutiã quando Jason lhe estendeu um lenço
de linho:
- Parece uma empregada de botequim de porto com o rosto borrado - lhe disse em voz baixa, - te limpe com isto, não precisa usar esse tipo de truques para
parecer mais bela, e não me faz falta nenhum aviso da profissão a que te dedica.
Lauren estremeceu fugazmente para logo olhá-lo com desconfiança e, por um instante, Jason acreditou que teria que limpar o rosto ele mesmo, mas então ela
se decidiu e começou a tirar os restos de maquiagem em silêncio. Ele passou os dedos pelo cabelo perguntando-se como ia reconduzir o desastre em que se converteu
a noite por sua culpa, e nesse momento viu os cristais quebrados da caneca e, pegando outra, serviu-se generosamente outro conhaque para logo se deixar cair em uma
das cadeiras.
Ela o observava, tratando de não pensar no que acabava de passar entre eles, no pouco que havia feito ele para excitá-la até o ponto de lhe fazer perder o
controle por completo. Desconcertava-a que tivesse semelhante poder sobre ela, e seu silêncio de agora a fazia sentir como se tivesse cometido alguma ofensa terrível
ou, o que era ainda pior que depois de lhe haver feito amor, Jason parecesse que ela não tinha estado à altura. Sentindo um batimento do coração enfermo entre as
pernas, tratou de fazer provisão de confiança em si mesma e por fim se atreveu a perguntar:
- Tão... mal o tenho feito?
Ele cravou seus olhos azuis nos de Lauren e lhe surpreendeu reconhecer a incerteza naquele olhar.
-Sabe de sobra que não, mas não era minha intenção tomar tão bruscamente; minha única desculpa é que já faz bastante tempo que não estou com uma mulher. Perdoe-me,
por favor.
Lauren alisou a saia do vestido de cetim verde.
- Bem - respondeu ao cabo de um momento, - pois então, se já acabou comigo, talvez me permita que parta. Não vejo que necessidade possa ter que fique mais
tempo.
Os lábios do Jason se curvaram em um sorriso zombador quando sentiu que o desejo nascia de novo em seu interior.
- Eu não descreveria a situação assim exatamente, senhorita Carlin.
- Rogá-lo-ia isso que, por favor, não me chame assim.
- E por que não? Prefere ir de incógnito? Não tem intenção de reclamar a fortuna que deixou na Inglaterra?
Ao ver o alarme aparecer vagamente em seus olhos, Jason inclinou a cabeça e ficou contemplando-a.
- Acaso dei com um segredo sem querer? Não quer que ninguém saiba que é uma rica herdeira?
Lauren se limitou a olhá-lo fixamente, perguntando-se aonde queria parar.
- Parece que acabo de descobrir seu tendão de Aquiles... - acrescentou quando ela seguiu sem dizer nada, - mas não tema estou disposto a negociar. Interessa-te
ouvir minha... oferta?
Ela conseguiu por fim dizer algo:
- Não tenho o menor interesse em suas ofertas nem em suas negociações e regateios.
Jason se recostou na cadeira ao mesmo tempo em que cruzava suas longas pernas à altura dos tornozelos.
- Pois faz quatro anos não pensava o mesmo, e o que eu me propunha era te oferecer meu silêncio em troca de... - Se interrompeu de repente encolhendo-se de
ombros.
- Bom, que mais dá, há dito que não estava interessada!
- Em troca do que? - perguntou ela franzindo o cenho.
- Ainda quero essa noite que me prometeu.
Pronunciou as palavras lentamente e em voz tão baixa que eram como um murmúrio aveludado que a acariciava, mas Lauren arregalou os olhos, surpreendida pelo
atrevimento: estava a chantageando! Não obstante, não podia ignorar a oferta sem havê-lo pensado bem antes. Em primeiro lugar, ainda lhe devia dinheiro, e não gostava
de estar em dívida com o homem que, com sua personalidade envolvente, tinha semelhante poder de atração sobre ela, e, além disso, podia delatá-la ao Burroughs se
quisesse...
- E logo você me deixaria partir e não diria a ninguém nenhuma palavra sobre quem sou? - perguntou ela dando-se conta de que não podia arriscar-se a dizer
que não.
- Se isso for o que quer, certamente - disse ele com voz suave.
Lauren esquadrinhou o rosto do Jason, tratando de decidir se podia confiar nele e, finalmente, respondeu com voz trêmula:
- Parece que, uma vez mais, não tenho escolha.
A expressão do Jason se endureceu de repente.
- Não, preciosa, sempre terá escolha; outra coisa é se também será o bastante inteligente como para que essa escolha seja a correta.
- Está muito seguro de si mesmo.
- Seguro de mim mesmo? Sim - declarou ele em tom grave.
- Do que já não estou tão seguro é de ti. A última vez me drogou e saiu correndo, não posso evitar me perguntar qual outro truque terá preparado; inclusive
agora, que parece que sou eu o que tem todos os curingas, sigo sem estar seguro de poder ganhar a partida.
Lauren o olhou confundida.
- Você tem uma maneira de falar tão enigmática que não lhe entendo, que curingas? Que partida?
Jason fez um gesto com a mão para lhe tirar importância à frase.
- Não importa, não importa. Vamos, Lauren, estou esperando sua resposta. É livre para partir. Você decide.
Ela olhou à porta e logo ao Jason. Estava equivocado, pensou dando um passo taciturno para diante, não tinha escolha, ou pelo menos não tinha a força de vontade
necessária para resistir a implacável atração que ele exercia sobre ela. Ele pareceu intuir sua rendição, porque sua expressão se suavizou.
- Vem aqui - lhe ordenou com um tom suave e cativante que despertava nela um sem-fim de sensações.
Lentamente, Lauren percorreu a distância que os separava até ficar o bastante perto dele para tocá-lo. Seu pulso se desbocou quando Jason ficou de pé e sua
imponente figura se abateu sobre ela.
- E agora me beije.
Era aquela fascinante aura de poder que despedia, pensou Lauren ao mesmo tempo em que, obedientemente, fechava os olhos e jogava a cabeça para trás para receber
seu beijo, essa era a razão pela que se sentia tão necessitada e aflita quando o tinha perto.
- Não, preciosa, prefiro que você seja a que faça as honras, não quero que logo me acuse de te haver seduzido pela força.
Lauren elevou suas largas pestanas e o olhou desconcertada; ele a olhava fixamente, com um brilho zombador nos olhos. Ah, esses olhos azuis... tão azuis!
Esse olhar tão profundo... Qualquer mulher se perderia nas profundidades desse olhar azul. Lauren respirou fundo, aproximou-se mais a ele, ficou nas pontas dos pés
e, enrugando os lábios, deu-lhe um beijo fugaz na boca assegurando-se de não tocar nenhuma outra parte de seu imponente corpo.
Jason lhe dedicou um sorriso malicioso ao mesmo tempo em que sacudia a cabeça.
- E tampouco me interessa que me beije igual a se estivesse saudando um primo teu... Me consta que sabe beijar muito melhor. Abrace-me e fá-lo como é devido
esta vez. E... tenha piedade de mim, que dure um momento, pense que posso não voltar a desfrutar de seus favores nunca mais.
Piedade não era precisamente o que sentia quando lhe pôs as mãos nos ombros com gesto dúbio. Confusão, nervosismo, desejo e muita desconfiança, tudo isso
sim, mas era incapaz de imaginar que alguém pudesse sentir piedade por aquele homem que parecia a encarnação do ideal de beleza masculina... Lauren voltou a respirar
fundo, preparando-se para resistir aquela desconcertante atração física que sentia por ele, e muito devagar lhe rodeou o pescoço com os braços.
Ele, negando-se a lhe facilitar as coisas o mínimo, não baixou a cabeça, por isso ela se viu obrigada a aproximar-se ainda mais, até que cada centímetro de
seus corpos se tocaram. Lauren se deu conta de que tremia de repente, mas Jason seguia sem mover-se, com as mãos a ambos os lados do corpo, esperando. Se não tivesse
sido pelo brilho de seus olhos azuis e o ritmo acelerado de seu coração entrelaçando-se com o do seu próprio, Lauren haveria dito que estava tentando beijar a uma
estátua.
Só que os lábios que a aguardavam eram quentes e ternos, e ela não estava absolutamente preparada para a cativante corrente de sensações que se desataram
em seu interior com esse beijo: o suficientemente delicado para acariciar até sua alma e pôr em tensão todas e cada uma das terminações nervosas de seu corpo que
clamavam de desejo, que desejavam ainda mais.
Lauren separou os lábios embaixo dos de Jason, sentindo um apetite insaciável, procurando saborear ainda mais esses lábios e, como ele continuava sem reagir,
atreveu-se a deslizar a língua em sua boca. Sua ousadia deu resultados porque, imediatamente, a respiração do Jason se acelerou e seus braços a rodearam.
Ela se apertou ainda mais contra ele, afundando os dedos naqueles frondosos cabelos castanhos com mechas douradas pelo sol. Custava-lhe convencer-se a si
mesmo de que o estava beijando para saldar uma dívida: queria beijá-lo; a corrente vital que fluía entre eles era morna e vibrante, e a excitava de uma forma inimaginável.
Ela queria que passasse tudo aquilo.
Notava como seu pulso se agitava enquanto as mãos do Jason lhe acariciavam com indolência as costas para logo deslizar-se até seus glúteos através do fino
cetim e, por fim, ascender de novo para percorrer a tensa pele de sua nuca. E quando aqueles dedos firmes e esbeltos lhe sujeitaram a cabeça com delicadeza, Lauren
estava tremendo como uma folha e sentia o sexo erguido do Jason contra sua coxa: rígido, premente, urgente... A surpreendeu que ele se separasse de repente pondo
fim ao beijo de forma abrupta. Jason respirava com dificuldade quando tomou o rosto nas mãos:
- Lauren - disse com voz rouca obrigando-a a olhá-lo, - antes que isto vá mais à frente...
Ele queria que entendesse por que tinha estado tão furioso, precisava lhe explicar as razões pelas que havia a trazido a bordo de La Sereia antes que a paixão
lhe fizesse perder o controle de novo, pois já sabia onde podia levar um beijo... Seu olhar escrutinador percorria como uma carícia o oval perfeito do rosto de Lauren,
os belos olhos verde e âmbar iguais que os de um gato, aqueles lábios saborosos como o vinho.
- Tenho que te confessar algo - continuou.
- Nunca tive a menor intenção de te deixar voltar para o cassino, e quando te pedi uma noite em troca de meu silêncio, tampouco estava sendo de todo honesto...
Quero mais que uma noite contigo... O quero todas.
Lauren o olhou com os olhos alagados de paixão.
- Já sei - lhe respondeu com um murmúrio aveludado, - você é muito claro em relação ao que deseja Jason Stuart.
A mesma paixão brilhava nos olhos dele.
- E você também me deseja - lhe respondeu Jason em voz baixa, lhe roçando as maçãs do rosto com a ponta dos dedos.
- Diga-o, Lauren, fala que você também me deseja.
Ela esboçou um sorriso delicioso que fez que o coração do Jason se detivesse.
- Eu... eu também te desejo.
Ele nunca completou sua explicação; todas suas boas intenções de lhe falar do Burroughs e a naval Carlin se dissiparam quando começou a lhe percorrer com
pequenos beijos fugazes a testa, as pálpebras, as bochechas, o queixo e, por fim, os lábios.
Desta vez, quando Jason lhe fez amor foi com infinita paciência e delicadeza. Tomou o tempo de lhe tirar o vestido, de lhe soltar a sedosa cabeleira e de
desabotoar o fechamento do incrível colar que luzia no pescoço antes de levá-la nos braços até o beliche. E, esta vez, enquanto permanecia de pé contemplando-a estendida
na cama, deixando-se invadir pela beleza de sua nudez, voltou a sentir-se como drogado, mas não por um ópio, mas sim pela intensidade da paixão.
Jason deu um passo atrás para despir-se enquanto Lauren jazia na cama em silêncio, observando-o com uma mescla de desejo e fascinação desenhando-se em seus
olhos. Primeiro tirou o colete e logo a camisa, deixando à vista os fornidos ombros, os braços fortes e o peito bronzeado e vestido de uma capa de fino pêlo que
ia estreitando até unir-se ao ventre liso e musculoso e os quadris estreitos. Por fim tirou as botas e as calças de montar.
A magnificência de seu corpo deixou Lauren sem fôlego. À luz dourada da lanterna, parecia cheio de vida, esculpido em bronze, formoso. Formoso de um modo
profundamente viril; seu corpo forte e torrado pelo sol era esbelto e musculoso, magnificamente formado, e não cabia dúvida de que estava excitado. Lauren era incapaz
de evitar baixar a vista até o lugar onde acabava o bronzeado e o sexo viril e erguido, entristecedor por seu tamanho e força, surgia orgulhoso por entre o pêlo
encaracolado e mais escuro.
Apolo, o deus Sol, pensou Lauren desconcertada pela violenta pontada de desejo que a percorreu. Queria tocá-lo, passear as mãos a seu desejo por aquelas formas
magníficas e imponentes que tanto se diferenciavam das de sua própria anatomia. Ruborizando-se, elevou a vista para lhe olhar aos olhos e sentiu que lhe faltava
o fôlego: aquelas safiras resplandecentes transmitiam uma imensa ternura, por mais que a olhassem com expressão faminta; em realidade, eram abrasadores, e ela sentia
o calor desse olhar ali onde pousava, era como se afogasse em um indômito mar de fogo azul.
Então ele se aproximou dela e, em um par de movimentos graciosos e viris, estendeu-se a seu lado. Quando a atraiu para si, Lauren deixou escapar um grito
afogado ao contato com seu corpo firme. O fino pêlo do peito de Jason roçava sensualmente seus seios, enquanto que suas largas pernas musculosas se entrelaçavam
com as suas fazendo que um tremor percorresse todo seu corpo.
Ele não disse nada quando começou a acariciar suas costas com suas mãos, e tampouco pronunciou uma palavra quando começou a abrir caminhos tortuosos pelo
resto de seu corpo. Ela estremeceu ao mesmo tempo em que se abandonava a suas sensuais carícias, mas também desejava explorá-lo. Quase sem fôlego, começou a lhe
corresponder com ousadia, permitindo que suas próprias mãos o percorressem a vontade. O corpo do Jason parecia aço gentil forjado a golpe de martelo, sua pele era
áspera e suave, como seda selvagem cobrindo uns músculos poderosos que sugeriam uma excelente forma física. Ele fechou os olhos e se estremeceu à medida que os finos
dedos de Lauren se aventuravam em território desconhecido.
Ao reconhecer a resposta do Jason, ela se deteve em seco: só queria satisfazer a curiosidade natural que lhe provocava aquele membro turgente que tanto prazer
lhe tinha dado, e a surpreendeu descobrir que era como seda ardente ao tato. Não obstante, ao cabo de um instante e vendo a careta de dor sensual no rosto do Jason,
começou a acariciá-lo, desejosa de lhe agradar com prazer, mas ele lançou um gemido imediatamente e lhe agarrou a mão, e ela o olhou sem saber o que fazer quando
ele se apartou:
- Esta vez é para os dois - lhe sussurrou com voz profunda e rouca.
Logo a fez recostar-se sobre os almofadões e ele ficou estendido a seu lado, apoiando-se sobre um cotovelo e, sem apartar o olhar daqueles olhos verdes que
lançavam brilhos dourados, acariciou-lhe os lábios com a ponta dos dedos.
- Formosa Lauren, por que fugiu de mim? - Sua voz era um murmúrio apenas audível que, uma vez mais, fê-la estremecer.
- Mas isso agora não importa. Nada importa, exceto esta noite.
Lauren também o olhou aos olhos e sua mão foi da bochecha do Jason a sua mandíbula.
- Não, nada mais importa - murmurou ao mesmo tempo em que atraía para si o rosto do Jason, procurando sua boca.
Seus fôlegos se fizeram um. Seus lábios. Suas línguas. E enquanto Jason a beijava lenta e possessivamente, saboreando-a, a paixão se desatou de novo entre
eles. Lauren gemeu sem apartar os lábios de sua implacável boca quando uma das poderosas coxas dele começou a abrir caminho entre suas pernas ao mesmo tempo em que
suas mãos - ardentes e peritas - a percorriam sem esquecer nenhuma fresta de sua pele. E gemeu outra vez quando a boca do Jason descreveu um caminho ardente descendo
até seus seios, e quando se deteve para acariciar o rosado mamilo erguido com a língua, sentiu que as chamas abrasadoras a envolviam. Então ele trocou de posição
para colocar-se entre as pernas de Lauren e se deslizou em seu interior quente e acolhedor enchendo-a por completo. Ela se apertou contra ele, presa de um desejo
que a escandalizava. Entretanto, Jason se negava a apressar-se.
- Ainda não, meu amor - lhe disse ao mesmo tempo em que lhe beijava com delicadeza a comissura dos lábios.
- Por favor, Jason...
- Paciência, minha sereia.
Jason se movia com uma lentidão deliciosa, deixando que o fogo da paixão aumentasse, e ela teve que contentar-se percorrendo suas musculosas costas com as
mãos, louca de desejo, lhe suplicando sem palavras. Ele só incrementou o ritmo pouco a pouco quando as quebras de onda de fogo a alagaram por completo e Lauren gemia
desesperadamente. Por fim suas investidas se fizeram mais urgentes e implacáveis, até que seu corpo começou a arquear-se contra o de Lauren com um desenfreio possessivo
e uma ternura cheia de autoridade que a deixaram sem fôlego.
Uma explosão incandescente a percorreu finalmente, incorporou-se se apertando contra ele e gritando seu nome enquanto Jason estremecia e gemia, enterrando
os dedos em sua dourada cabeleira. Ambos sentiram que flutuavam, para logo ir descendo com suavidade, como as cinzas de um fogo balançadas por uma suave brisa.
- Lauren, minha bela... e preciosa Lauren - sussurrou enquanto lhe cobria os lábios de tênues beijos.
- É fogo... e gelo.
Ela ouvia suas palavras por entre uma densa bruma de prazer. Não queria voltar para a realidade e o rodeou com os braços escondendo o rosto em seu pescoço
suado. Jason não tratou de separar-se, mas sim apoiou a bochecha sobre seus dourados cabelos, saboreando a satisfação de poder dar resposta a alguma necessidade
secreta dela, e só quando Lauren relaxou um pouco a tensão dos braços saiu dela e ficou estendido na cama a seu lado, para imediatamente atraí-la para si e estreitá-la
com força. Os dedos de uma mão se enredavam nas mechas alvoroçadas da dourada cabeleira enquanto que com a outra lhe acariciava um ombro.
Ao cabo de um momento, Jason lançou um suspiro.
- Meu amor, temos que falar - disse, sabendo de que o que devia lhe dizer romperia em mil pedaços a paz do momento.
Mas quando Lauren elevou a cabeça, que tinha apoiada em seu ombro, e o olhou com expressão cheia de confiança, duvidou: não queria destruir o tênue vínculo
que tinha surgido entre eles, assim que surpreendeu a si mesmo lhe perguntando pelo pânico que lhe produzia a escuridão.
Ela o olhou com incerteza e logo voltou a apoiar a cabeça em seu ombro. Tinha-a surpreendido que a pergunta não despertasse nenhuma lembrança pavorosa, que
os espectros parecessem manter-se distante se ele a protegia com seus fortes braços, e também foi uma surpresa que não demorasse encontrar as palavras:
- Não tenho medo à escuridão, a não ser aos espaços fechados - disse em voz baixa.
- Quando estou encerrada, me aparecem umas imagens terríveis..., como sombras malignas, e também ouço gritos. É como um pesadelo, só que pior.
- Aterra-me tanto que não posso nem me mover, e então fico muito fria e me falta o ar, como se me estivesse afogando.
- E te passa sempre? - perguntou-lhe ele em voz baixa.
-Sim até onde alcança minha memória. Tentei dominar o medo, de verdade, mas parece que sou incapaz. Nem sequer posso viajar em um carro fechado nem fechar
a porta de uma habitação com chave sem que me apareçam essas imagens fantasmagóricas e comece a ouvir esses gritos horríveis.
- Aterram-me, inclusive sonho com eles. Às vezes acredito que...
A voz lhe quebrou e emudeceu de repente. Mas lhe beijou a testa e a animou a que continuasse:
- Diga-o.
- Às vezes me pergunto se não será verdade que estou ficando louca.
Jason a estreitou em seus braços ainda com mais força.
- Pois me parece que está muito saudável. Tal e como o descreve, parece que sofre uma fobia, talvez causada por uma experiência desagradável no passado. Não
é tão estranho.
Lauren estremeceu ao recordar e, não querendo falar mais daquele assunto desagradável, trocou abruptamente de tema.
- Jason, por que está aqui, em Nova Orleans?
- Eu poderia fazer a ti a mesma pergunta - replicou ele.
- É aqui onde estiveste escondendo todos estes anos?
Ela assentiu com a cabeça e logo se sentou na cama olhando-o fixamente.
- Falava a sério quando disse que não me delataria?
Ele se distraiu por um momento contemplando como as revoltas mechas douradas lhe caíam sobre os ombros e, sobretudo em particular que acariciava um de seus
seios nus. Desejava com todas suas forças alargar a mão e acariciar essa pele suave e morna, mas se deu conta pelo tom de voz que ela falava muito a sério.
- O que é que tenho que fazer para te convencer de que me preocupa o que te passe Lauren? - respondeu-lhe com voz pausada.
- Te dá conta de como me afetou descobrir que trabalhava como prostituta em uma casa de jogo, te vendendo igual a mercadoria de segunda mão em um mercado
de provisões? Não vê que me sinto culpado por ter sido seu primeiro cliente?
A angústia que atendia a voz do Jason a comoveu no mais profundo. Não tinha a menor intenção de lhe contar muito sobre seu passado porque ele era tão perspicaz
que lhe dava medo que conseguisse adivinhar o segredo que tão zelosamente tinha estado guardando durante todo esse tempo, mas, por alguma razão misteriosa, tampouco
queria que pensasse que era dessa classe de mulheres. Tinha que lhe explicar as razões pelas que trabalhava no cassino, tinha que explicar-lhe tudo, até onde fosse
possível.
- Não é como pensa - começou com um fio de voz.
- Madame Gescard e eu temos um acordo.
- Sim..., posso imaginar isso.
O tom sarcástico do Jason fez que Lauren ficasse tensa e, baixando as pestanas para ocultar seus olhos e os pensamentos que se adivinhava neles, respondeu-lhe
com sua própria dose de sarcasmo.
- Claro, é obvio que imagina! - disse com voz doce.
- Você sabe tudo sobre essas coisas, não é verdade, Jason Stuart? E, me diga o que te pareceu a mercadoria que provaste esta noite? Que tal estive em comparação
com Lilás ou com qualquer das senhoritas que trabalham para madame Gescard, ou inclusive comparada com qualquer outra mulher?
Jason apertou os lábios.
- Não há nem ponto de comparação. - Alargou a mão para pousá-la sobre um seio com gesto possessivo.
- Não quero que volte para esse cassino.
Ele notou que o coração do Lauren dava um baque sob a palma de sua mão um instante antes que ela se apartasse bruscamente.
- É uma petição ou uma ordem? - disse ela com uma voz acalmada que não deixava entrever a amargura que sentia.
- Lhe estou pedindo isso, por-me-ei de joelhos e suplicarei se fizer falta.
- Por quê?
Tinha-lhe feito a pergunta com tom despreocupado, quase de indiferença, mas Jason sabia perfeitamente que pisava em terreno escorregadio. Contemplou seu belo
rosto, procurando algum sinal de emoção atrás da máscara de frieza que o cobria agora, mas não encontrou nada, nem o menor sinal do receio que sentia ela agora.
Lauren lhe devolveu o olhar sem alterar-se, mas mesmo assim Jason notou que se havia posto tensa e soube com toda certeza que, inclusive depois da paixão que acabavam
de compartilhar, apesar de lhe haver confessado seus medos mais profundos, ela seguia sem confiar nele. Bateu-se em retirada, não fisicamente, posto que estava apanhada
no estreito espaço que havia entre o corpo do Jason e as pranchas de madeira do casco, a não ser emocionalmente. Afastou-se até um lugar remoto e inalcançável ao
outro lado de um profundo abismo. Decidido a saltar aquela distância impossível, alargou uma mão e a pousou sobre a nuca de Lauren ao mesmo tempo em que a atraía
para ele, e quando ela resistiu e apartou o rosto, começou a lhe percorrer o pescoço com pequenos beijos ternos até chegar à orelha e lhe sussurrou:
- Que por que? Porque sinto ciúmes de qualquer homem que queira te tocar. Porque cada vez que imagino com Duval me entram vontades de fazer algo altamente
selvagem como lhe esmagar o rosto.
Com suavidade, Jason lhe sustentou o queixo obrigando-a a olhá-lo.
- Porque quero que quando entregar a alguém seja meu ouro que o iguale o resplendor de seus cabelos e o brilho de seus cativantes olhos.
A sensualidade de sua voz a fez estremecer. Suspirou aliviada e voltou a recostar-se sobre seu ombro.
- Não houve nenhum outro homem, Jason - disse em voz baixa, sentindo o forte batimento de seu coração sob a bochecha.
- Desde aquela noite em Londres contigo, não há...
Nem sequer pôde terminar a frase antes que ele reagisse repentinamente. Lauren se encontrou de novo estendida sobre suas costas e, desta vez, elevou a vista
para encontrar-se com o brilho cintilante de uns olhos resplandecentes de ira e não de paixão.
- Pode economizar suas mentiras - disse ele entredentes.
- Já disse que te pagarei, e sem discutir o preço nem impor condições, mas me ouça bem, Lauren, a única coisa que exijo é que seja honesta comigo.
Desconcertada pela repentina ferocidade de suas feições, Lauren o olhou paralisada.
- Não tem nenhum direito a me exigir nada - lhe respondeu ao fim, - mas é que estou dizendo a verdade. Felix não me mantém, sou a costureira do cassino e
de vez em quando toco o piano, nada mais. E não houve outro homem além de você.
Os olhos azuis do Jason se entreabriram até ficarem reduzidos a uma linha ao mesmo tempo em que a agarrava pelos ombros.
- Deixa que a tome igual uma vulgar prostituta e agora espera que te creia?
- Você mesmo disse que não era vulgar.
Lauren deixou escapar um grito afogado de dor quando os dedos do Jason se cravaram em sua pele. Acreditou que ia sacudi-la, porque seu musculoso corpo se
pôs muito rígido e a expressão de seu belo rosto era dura e ameaçadora.
- Lhe... estou dizendo... verdade! - conseguiu dizer quase sem respiração.
- Madame Gescard... me paga para entreter aos clientes, mas cantando e tocando o piano. Está-me... está-me fazendo mal - protestou quando a pressão de seus
dedos aumentou de forma dolorosa.
Ele a soltou, mas seguia apertando os dentes.
- Te considere afortunada, minha vida, estou fazendo esforços inimagináveis para não te retorcer o pescoço.
Antes que tivesse tempo para lhe responder, Jason tinha saído do beliche de um salto. Ela tremeu de frio, sentindo imediatamente falta do calor de seu corpo
e, tampando-se com a colcha, se encolheu sobre um flanco enquanto observava com receio como ele procurava entre suas roupas, que estavam jogadas pelo chão.
- Por... por que não me crê?
Não houve resposta.
- Diga-me isso o desafiou à medida que o silêncio se o fazia mais e mais insuportável.
- Trata a todas suas mulheres com tanta violência? Lilás nunca o mencionou...
Jason a atravessou com o olhar enquanto colocava as calças, lhe deixando bem claro que sua ira não tinha diminuído nem um ápice, mas seguia sem dizer uma
palavra, e a ela aquele silêncio estava deixando louca. Não podia entender o que tinha feito para provocar aquela reação, mas preferia enfrentar a sua ira que ser
ignorada e sabia que estava jogando com fogo quando lhe dedicou um sorriso provocador, mas o único que tratava de fazer era dissimular seu próprio desconcerto.
- Sempre paga você tão generosamente por uma noite, monsieur? - perguntou-lhe voltando para seu papel de Marguerite.
- Sendo assim, acredito que considerarei a possibilidade de aceitar o posto de chère amie exclusiva. Sempre e quando não se propuser me encher de hematomas,
claro. Por favor, tenha a bondade de me esclarecer isso porque quero saber o que posso esperar se me converto em sua amante.
Havia tornado a adotar o acento francês deliberadamente, para fazer mal ao Jason, mas abandonou a idéia ao ver que tampouco assim conseguia que lhe respondesse,
e quando ele abriu um baú para procurar uma camisa limpa, Lauren acrescentou em tom dúbio:
- Disse que queria honestidade. Pois, muito bem, dir-te-ei que fazer amor contigo me pareceu... bastante agradável.
Nada, nem sequer um olhar do Jason.
- Estou pensando que, ao final, pode ser que aceite o dinheiro; como você bem dizia, servir-me-á para comprar cetins e jóias durante uma boa temporada, e,
além disso, face ao que você possa acreditar, não sou rica.
Seguia sem obter reposta.
- Não crê que, se aceitar seu dinheiro, isso contribuirá a aliviar seu sentimento de culpa? - continuou Lauren com o tom mais sarcástico de que era capaz.
- Eu já não tenho que me preocupar com emoções como a culpabilidade, sabe? Perdi meu coração faz muito tempo. George Burroughs se assegurou de que assim fosse.
Isso sim que conseguiu atrair a atenção do Jason durante um instante, mas logo se agachou a recolher o saquinho de moedas e, depois de olhá-lo uns segundos,
guardou-o com chave na escrivaninha e logo também fechou com chave todas as gavetas e armários que havia no camarote.
Lauren o observava primeiro com desconfiança, logo com alarme crescente.
- O que está fazendo? - perguntou-lhe sentindo-se já arrependida de havê-lo provocado daquele modo.
- Estou fechando tudo bem.
- Não irás deixar-me aqui! - exclamou ela com a voz cheia de pânico.
Não podia lhe fazer isso! Não podia!
- Pois sim, isso é precisamente o que tenho em mente - reconheceu Jason, apertando os dentes, o que fazia evidente os esforços que tinha que seguir fazendo
para controlar-se.
- Mas, por favor, sinta-se como em sua casa. Deixar-te-ei a lanterna se me prometer que não tocará fogo no navio.
- Sim, mas...
- Não tema que te encerre com chave para evitar que escape, não confio nada de que não tentasse fugir de todos os modos, mas pelo menos confio em que nem
sequer você ousaria sair daqui com tão somente uma colcha para cobrir sua nudez - a informou ele ao mesmo tempo em que voltava a agachar-se para recolher as roupas,
as jóias e os escarpins de Lauren do chão e, ato seguido, dirigiu-se a grandes pernadas para a porta e a abriu de par em par.
- Mas aonde vai? - esteve a ponto de lhe perguntar ela, embora ao final conseguiu controlar o volume de sua voz. Jason lhe dedicou um olhar de recriminação
e disse:
- Suponho que Lilás poderá confirmar sua história, não? Pois bem, nesse caso, não tem nada que temer, verdade que não?
O eco da porta retumbou com força por todo o camarote.


Capítulo 9

Lauren ficou olhando à porta fechada sem dar crédito ao que tinha passado. Era consciente de que tinha levado as coisas muito longe, mas não compreendia
por que se zangou tanto Jason ao descobrir que não era prostituta, e certamente isso não era desculpa para que ele partisse daquele modo, deixando-a ali sem roupa,
em uma palavra, prisioneira naquele navio. Tinha estado disposta a lhe dar a noite que lhe exigia, mas não lhe tinha permitido cumprir com sua parte do trato e assim
poder saldar sua dívida. Pois Jason Stuart a tinha subestimado se acreditava que a podia reter ali por muito tempo!
Fincou a colcha pelos ombros e se aproximou da porta. A maçaneta girou sem problemas e apareceu a cabeça ao corredor onde a escuridão era tal que sentiu um
calafrio, mas pelo menos não havia ninguém montando guarda na porta. Lauren voltou a fechar e deu a volta para inspecionar o camarote, dando-se conta então de coisas
nas que não tinha reparado até esse momento. Além do beliche, a escrivaninha e as cadeiras, no camarote havia um grande baú, um braseiro apagado e um jarro de água
e bacia sobre um suporte com espelho para barbear-se. As paredes curvas forradas com pranchas de mogno tinham armários embutidos e, através de suas portas de ralo,
viam-se os lombos de pele de um sem-fim de volumes e vários instrumentos de navegação, incluídos um sextante e uma luneta. Lauren não conseguiu abrir nenhum armário
e não via por ali nada que pudesse usar para forçar as portas, pois resultou que as duas pistolas que tinha penduradas na parede atrás da escrivaninha não estavam
carregadas.
Decidiu procurar no baú, mas quando se viu no espelho e se deteve de repente. Ficou olhando sua própria imagem cheia de estupor, pois mal se reconhecia. Tinha
o mesmo aspecto que Veronique depois de uma noite de ardorosa paixão: bochechas avermelhadas, lábios vermelhos e inchados pelos apaixonados beijos do Jason, o cabelo
revolto caindo pelos ombros... Mas era nos olhos onde detectou a mudança mais visível: tinha o olhar brilhante e cheio de vida, não distraída e sombria. Também se
sentia diferente: sentia a pele quente - quase se diria que resplandecente -, e mariposas no estômago provocadas por uma sensação de excitada antecipação.
"Meu deus!", murmurou ao cair na conta de algo mais: o fato de que, inclusive se tivesse podido, não teria querido trocar os acontecimentos dessa noite. A
verdade era que se alegrava de que Jason Stuart a tivesse encontrado, em que pese a que virtualmente a tinha tido que sequestrar e retê-la em seu navio. Não tinha
a menor idéia do que se propunha fazer com ela agora, mas embora não encontrava a maneira de escapar, isso não a preocupava no momento: ele a deixaria partir depois
de ter falado com Lilás.
"Lilás! Meu deus! O que vai pensar Lilás?" Absorta em seus pensamentos, Lauren apartou uma mecha do rosto. Aquela noite em Londres, fazia já tanto tempo,
tinha tido uma boa desculpa para deixar que Jason lhe fizesse amor, mas agora em troca não tinha justificação possível para o que acabava de passar. Como podia desculpar
a forma desavergonhada em que tinha respondido quando Jason a tinha beijado? A verdade era que tinha querido que lhe fizesse amor, tinha desejado sua força, seu
calor e sua paixão.
E o que ia passar com Lilás? Como se sentiria quando seu antigo amante aparecesse de repente e transtornasse tudo? E Jean-Paul? O crioulo tinha um temperamento
suficientemente volátil para enfrentar a qualquer homem que ele considerasse uma ameaça para sua honra...
Meu deus! Mas por que tinha Jason Stuart que apresentar-se em Nova Orleans precisamente agora que ela tinha conseguido enterrar o passado? E por que sua presença
lhe provocava semelhante euforia? Nunca poderia haver nada entre eles, jamais, não enquanto George Burroughs e Regina Carlin continuassem com sua batalha campal
pela naval Carlin. Não podia pôr a vida do Jason em perigo envolvendo-o em todo aquele assunto. E, além disso, ele seguia pensando que ela era outra pessoa, e Lauren
não podia arriscar-se a lhe contar a verdade, pelo menos de momento. Não confiava nele o suficiente para lhe dar semelhante poder sobre sua vida. Assim por que estava
ali de pé como uma imbecil esperando que voltasse?
Obrigando-se a apartar o olhar do espelho, inclinou-se sobre a bacia para molhar a face, tratando de apagar de seu rosto os últimos vestígios da paixão. Não
tinha pente, assim que desembaraçou o cabelo como pôde com os dedos e voltou a centrar seus pensamentos em como escapar dali.
O primeiro de tudo, tinha que encontrar um pouco de roupa, decidiu ao mesmo tempo em que se ajoelhava frente ao baú do que Jason tinha tirado uma camisa limpa
fazia um momento. Encontrou uma forquilha no chão e passou um momento tratando de forçar a fechadura com ela, mas um quarto de hora e uma unha rota mais tarde desistiu,
presa da frustração. Era impossível, e além disso estava morta de frio porque a colcha lhe escorria constantemente. Esfregou os braços para esquentar e olhou a seu
redor. A escrivaninha! Como não lhe tinha ocorrido antes, tinha que ter tentado abrir primeiro a escrivaninha, para ver se havia algumas chaves dentro!
Se arrumou para abrir a primeira gaveta com a forquilha, mas não encontrou nenhuma chave entre os papéis e pergaminhos. Estava a ponto de voltar a fechá-lo
e tentar a sorte com o seguinte quando reparou em que a letra de um dos documentos lhe resultava familiar, e quando viu a assinatura ficou totalmente paralisada
pela surpresa: George Burroughs. Foi quase como se aquele nome saltasse do papel para equilibrar-se sobre ela igual a um cão raivoso, mostrando os dentes e rugindo
com a boca cheia de espuma venenosa.
Durante uns instantes foi incapaz de mover-se ou pensar. Simplesmente se ajoelhou ali mesmo olhando absorta ao papel, aterrorizada e com os batimentos do
coração lhe retumbando nos ouvidos, até que por fim alargou uma mão tremente para a carta. Estava datada fazia uns poucos anos, falava da venda de um navio - um
navio da Carlin fretado sob licença da Companhia das Índias Orientais -, e estava dirigida ao Jason.
Lauren não foi consciente da veemente negativa que escapou de seus lábios, nem de que seu grito se ouviria fora. Não queria acreditar que Jason estivesse
relacionado com seu odiado guardião, mas aquela era uma prova irrefutável de que estava às ordens do Burroughs.
A dor a atravessou como uma faca ao dar-se conta de que Jason a tinha traído. Tinha lhe mentido, tinha-a enganado! Igual a Jonathan Carlin fizera com sua
mãe, lhe propondo matrimônio, lhe fazendo amor, quando em realidade quão único queria era fazer-se com o controle da companhia Carlin. Que estúpida tinha sido preocupando-se
tanto por protegê-lo enquanto que ele devia estar informado de tudo desde o começo, e até era possível que fosse Jason o que tivesse ordenado a aqueles homens que
matassem ao Matthew!
Estremeceu-se ao cair na conta do perigo que corria. Necessitavam que Andrea Carlin seguisse com vida para manter o controle da naval, então certamente Jason
se propunha levá-la de volta a Inglaterra, onde ficaria outra vez em mãos do George Burroughs e, se pelo contrário, tinham encontrado a maneira de prescindir dela,
talvez lhes parecesse que o melhor era fazê-la desaparecer para sempre, pois assim não ficaria ninguém que pudesse delatá-los. Em qualquer caso, sua vida corria
perigo.
Uns golpes apressados na porta do camarote a sobressaltaram. Olhou a seu redor procurando desesperadamente um lugar onde esconder-se ou uma arma, mas Tim
Sutter irrompeu no camarote antes que lhe desse tempo de mover-se.
- Por todos os Santos! - exclamou o moço aproximando-se dela. Parecia surpreso de encontrá-la ajoelhada no chão com a colcha escorregando pelos ombros nus.
A incrível palidez de seu rosto deve ter alarmado-o, porque foi imediatamente até a licoreira ao mesmo tempo em que murmurava:
- Por Deus, não desmaie, senhorita! - ajoelhou-se a seu lado e lhe aproximou uma caneca cheia aos lábios.
- Tome, bebe um pouco, verá como se sentirá bem.
- Não, não quero beber nada...
Em que pese a seus protestos, Sutter conseguiu obrigá-la a beber uns goles, o que fez que Lauren se engasgasse e tossisse, mas o licor conseguiu devolver
a cor a suas bochechas e também reanimou sua mente. Deu-se conta de que teria que reduzir ao Tim Sutter se queria escapar do navio.
Quando seu olhar pousou na licoreira, soube que tinha encontrado a arma que necessitava e, sem dar tempo a pensar duas vezes, agarrou-a com ambas as mãos,
fechou os olhos e a brandiu com força. A licoreira golpeou Tim Sutter na têmpora, e o moço ficou inconsciente imediatamente. Ela o olhou cheia de remorso. Não tinha
sido sua intenção lhe fazer dano, só queria escapar, e tão rápido como fosse possível.
Respirou fundo, tratando de acalmar-se, e logo foi até a porta e a fechou para voltar ao lado do Tim. Tratou de não fixar-se no fino fio de sangue que descia
por sua bochecha da têmpora, enquanto despojava ao moço das calças e a camisa, mas como lhe tremiam tanto as mãos demorou o dobro do que teria sido o normal. Quando
por fim esteve vestida com as roupas do Tim - embora sem botas porque decidiu que ir descalça faria menos ruído, - desprendeu a lanterna do gancho da parede para
iluminar o caminho e saiu do camarote sigilosamente.
Sentia como se estivesse em meio de um de seus pesadelos à medida que avançava pelo corredor, inclusive ouviu vozes enquanto subia pelas escadas para a cobertura,
mas eram vozes humanas, reparou cheia de medo. Ela e Tim Sutter não eram as únicas duas pessoas que havia a bordo.
Apagou a lanterna e se ajoelhou. O coração pulsava desbocado, igual fazia quatro anos, quando fugia de seu guardião. Por fim seus olhos se acostumaram à
escuridão e viu que havia dois homens de pé junto à passarela; nenhum deles parecia Jason Stuart, e Lauren suspeitava que certamente lhes tinham ordenado que montassem
guarda.
Afastou-se sem fazer ruído para a outra ponta do navio, arrastando-se por cima de cordas enroladas e velas pregadas e, em um par de ocasiões, tropeçou-se
com as guias do velame, que eram virtualmente invisíveis devido à escuridão e a névoa.
Quando chegou até a amurada esticou-se para olhar o que havia ao outro lado.
"Ai, Meu deus!", pensou contemplando com desespero as águas escuras do Mississipi. Por que teria passado por cima uma deficiência tão importante em sua formação?
Sempre tinha estado orgulhosa de seus lucros: sabia desenhar vestidos tanto para cortesãs como para rainhas, cantava e tocava o piano e era capaz de decidir onde
investir seu dinheiro com uma astúcia que admirava até mesmo Jean-Paul; e além disso tinha aprendido muito com suas amizades do cassino, como por exemplo do cozinheiro
negro que lhe tinha ensinado a preparar os pratos tradicionais da cozinha crioula; ou do Kendricks, que lhe tinha ensinado a disparar; ou de Veronique, de quem tinha
aprendido francês. Mas, entre seus numerosos esforços por educar a si mesma no sentido mais amplo possível, não tinha incluído a questão de aprender a nadar.
Mesmo assim, preferia morrer afogada que enfrentar ao horror que tinha deixado atrás na Inglaterra, do mesmo modo que lhe parecia preferível esperar que
Jason voltasse e a matasse. Passou uma perna pela amurada, logo a outra e, por fim, tomou ar e saltou.
Quando as águas do rio a envolveram, quase a surpreendeu quão calma estava: "vou morrer", pensou enquanto seus pulmões começavam a ficar sem ar e esse pensamento
também a envolveu, como um abraço gélido que lhe gelava a mente de maneira similar as negras águas que lhes transpassavam o corpo. A sensação era tão diferente e
ao mesmo tempo tão parecida com a de seus pesadelos...
Então a rebeldia se apoderou dela: não queria morrer! Começou a espernear freneticamente tratando de escapar da implacável força que a arrastava para o fundo
e sua mão topou com algo, um pedaço de madeira à deriva. Agarrou-se a ele com todas suas forças de modo instintivo ao mesmo tempo em que conseguia tirar a cabeça
da água - quase sem fôlego, engasgando-se e tossindo -, e por fim conseguiu respirar fundo um par de vezes enchendo os pulmões de ar. Os espasmos sacudiam todo seu
corpo, mas seguiu aferrando-se com desespero à prezada madeira, consciente de que era, literalmente, sua tábua de salvação.
Quando conseguiu orientar-se, olhou por cima do ombro para trás, em direção ao navio, e, através do véu de névoa e seus próprios cabelos que lhe nublavam
a vista, conseguiu divisar na distância A Sereia, cuja coberta se distinguia muito bem à luz de uma multidão de abajures. Ao ouvir os gritos, deu-se conta de que
já a estavam procurando; agora mais que nunca, a velocidade era o mais importante.
As sombras da noite se abatiam sobre ela. Permaneceu flutuando à deriva durante um momento, incapaz de calcular até onde a tinha levado a corrente rio abaixo,
e então a natureza ou a providência tiveram piedade dela aproximando-a da margem norte. Subiu pelo pendente lamacento da borda até ficar recostada contra o dique,
quase sem forças e tratando desesperadamente de recuperar o fôlego, e se deu conta de que não se afastou muito. Sabia onde tinha que ir refugiar-se: à casa do Matthew.
Mas quando avançava às escondidas pelas ruas desertas do Bairro Antigo, reparou que seu plano tinha uma falha: Lilás teria falado ao Jason do Matthew e sua
cabana seria o primeiro lugar onde a buscaria quando descobrisse que escapou. Pela mesma razão, tampouco poderia acompanhar ao Matthew e Cervo Veloz na expedição
que estavam a ponto de empreender, pois Lilás sabia que iam sair antes que amanhecesse e não lhe custaria imaginar que Lauren pensaria acompanhá-los.
Mas talvez pudesse aproveitar toda aquela situação em seu benefício, pensou. Teria que mentir, mas não podia desperdiçar a mínima oportunidade, pois algo
sim tinha claro: Jason Stuart a seguiria. A outra saída sobre a que sua certeza era absoluta era que, se propunha abandonar Nova Orleans, ia necessitar dinheiro,
roupa, um meio de transporte e comida. Lauren sabia que poderia conseguir o dinheiro e a roupa com relativa facilidade: em poucos momentos estava batendo na porta
do dormitório de Veronique.
Por fim se abriu a porta e sua amiga deixou escapar um grito afogado ao ver Lauren ali de pé à luz fraca do abajur de azeite, vestida com umas roupas de homem
que ficavam muito grandes e coberta dos pés a cabeça de barro, que gotejava formando um atoleiro sobre o chão de madeira perfeitamente encerado.
- Necessito que me ajude - murmurou Lauren com voz grave.
Sem duvidar um instante, Veronique saiu ao corredor, fechou a porta sigilosamente a suas costas e estreitou a sua amiga em seus braços e a escutou atentamente
enquanto lhe contava que Jason havia combinado com o Burroughs e ela precisava partir de Nova Orleans o mais rápido possível.
- Me espere aqui, ma petite, tenho dinheiro na habitação.
Veronique entrou no dormitório e voltou com uma bolsa que pôs na mão de Lauren.
- É tudo o que tenho, não chega nem a cem dólares.
-Será suficiente. Obrigado, Veronique - disse ao mesmo tempo em que tentava tragar saliva para aliviar a dor que lhe atendia a garganta.
-Diga ao Jean-Paul que lhe pague isso de minhas economias - acrescentou com voz tremente -, e diga a Lilás que... - lhe quebrou a voz, mas respirou fundo
para recuperar a compostura.
- Não sei se voltarei a vê-la, assim, por favor, lhe explique por que tenho que partir de Nova Orleans. Ela entenderá.
- Mas aonde vai?
Lauren duvidou um instante, sentindo-se culpada por ter que mentir:
- Ao norte, pela estrada do rio. Tenho intenção de partir com o Matthew e Cervo Veloz, assim diga também a Lilás que não se preocupe, Matthew cuidará de mim.
E..., Veronique, obrigado por sua amizade, não pode imaginar o que significou para mim. Vou a...
As palavras gelaram em seus lábios quando de repente se abriu a porta as costas de Veronique e Kyle Ramsey apareceu na soleira: imenso, com o imponente torso
nu e agarrando um lençol à cintura para cobrir-se. Lauren demorou uns segundos em recordar que ele era agora o capitão do navio do Jason. Olhou-o aos olhos e, de
algum modo, as engenhou para não dar amostras da ansiedade que a invadia.
- Pardonnez-moi, mon capitaine - disse tremendo ligeiramente -, sinto havê-lo incomodado. Veronique tem uma habilidade très merveilleuse para a pesca mas,
como pode você ver, a mim não me dá tão bem como a ela - acrescentou em tom de brincadeira assinalando suas roupas molhadas.
- Je m'desculpe, s'ILvous plaît.
Lauren deu a volta com a cabeça bem alta e os ombros para trás e começou a afastar-se pelo corredor enquanto Kyle a contemplava com uma mescla de surpresa
e admiração. Não disse uma palavra até que desapareceu ao dobrar uma esquina e Veronique tratou de distraí-lo com seu voluptuoso corpo, mas ele não fez conta:
- Agora não, pomba - murmurou ao mesmo tempo em que se liberava com suavidade dos braços da ruiva.
- Algo me diz que será melhor que volte para navio... - E então ficou olhando ao Veronique um instante e acrescentou:
- Diga-me, o que será que irá acontecer?

Capítulo 10

- Agache a cabeça, senhorita - advertiu a Lauren o murmúrio grave de uma voz contrariada -, esse seu cabelo brilha tanto como uma peça de ouro recém cunhada.
- Talvez devesse pôr um chapéu - lhe respondeu ela ao mesmo tempo em que fazia o que lhe dizia e se escondia atrás de uma rocha protegendo os olhos da deslumbrante
claridade de meio-dia com uma mão.
- E agora o que fazemos? - perguntou a Ben Howard, o guia que tinha contratado para atravessar o território do Mississipi.
Ele fez um sinal para o rifle que tinha nas mãos.
- Esperamos, racionamo-nos a munição e a água e rezamos como loucos para que decidam que não merece a pena incomodar-se em vir até aqui para nos buscar.
- E que possibilidades tem isso?
- Mais ou menos nenhuma - respondeu ele com um sorriso, para logo percorrer a Lauren com o olhar.
- Essa sua cabeleira é um bonito troféu; mais valeira a você ter fugido quando teve oportunidade.
Lauren negou com a cabeça ao recordar a oportunidade que tinha deixado escapar -, levavam viajando quase uma semana, evitando tanto os assentamentos dos alvos
como os povoados índios a pedido dela, e não se encontraram com ninguém exceto com um trapaceiro francês a umas horas, quando os tinha atacado um pequeno grupo de
guerreiros da tribo creek. A intenção do Howard tinha sido retê-los todo o possível para dar a ela uma oportunidade de escapar retrocedendo o caminho pelo que tinham
vindo, mas Lauren se negou a abandoná-lo. Ao final, o que tinham feito era deixar as mulas de carga e dirigir-se para o norte galopando tão rápido como tinham podido.
Quando Howard avistou um montículo rochoso onde esconder-se, as montarias estavam virtualmente mortas de cansaço. O guia tinha agarrado as armas e um cantil
e tinha arrastado Lauren colina acima para ficar oculta atrás das rochas. Ela esteve recarregando os rifles enquanto ele disparava constantemente contra os atacantes
e ao final os índios se dispersaram. Agora, só de vez em quando saía uma dentre as árvores que havia ao pé da colina. Era para comprovar o alcance de seus rifles,
tinha lhe explicado Howard.
Durante os últimos três quartos de hora tinha reinado o silêncio mais absoluto enquanto o sol implacável abrasava as rochas que os rodeavam. Em meio daquele
mormaço, Lauren sentia as gotas de suor caindo pelas costas e entre os seios. O vestido de áspero algodão fiado à mão que tinha posto estava molhado em vários lugares
e tinha que secar a testa com a mão a cada instante para que o suor não caísse nos olhos. A Lauren pareceu que, em comparação, ao Howard não parecia afetar tanto
o calor. Ele estava sentado com as costas apoiadas em uma rocha e o rifle sobre os joelhos, e tampouco parecia que lhe incomodasse o silêncio como a ela. De fato,
o guia só tinha aberto a boca quando Lauren elevou a cabeça por cima da rocha para olhar colina abaixo.
- Por que não dorme um momento? - disse -. Não vão atacar outra vez até que não se faça de noite, e a verdade é que não temos muitas possibilidades... -
acrescentou sem terminar a frase e, ao cabo de um instante, acrescentou com voz cadenciada:
- Viu alguma vez o que fazem os creek aos prisioneiros, senhorita? Eu sim. E também vi o que ficou do Forte Mims depois de que um milhar desses diabos selvagens
saltassem a paliçada.
Lauren, que lhe estava emprestando toda sua atenção, olhou-o com ar inquisitivo.
- O Forte Mims - repetiu Howard -, o que está ao norte do Mobile. Só conseguiram escapar um punhado de colonos, e o governo teve que enviar ao Andy Jackson
para acabar com as matanças. Os creek chamavam Jackson Faca Afiada. Eu lutei a seu lado no Horsehoe Bend; ganhamos nós e os índios tiveram que entregar quase todo
seu território. Isso foi no quatorze, mas, mesmo assim seguem lutando contra o homem alvo, como esse grupo daí abaixo. Certo que esses guerreiros vêm de umas cem
milhas ao este daqui.
Então tirou uma pistola do cinturão e a sustentou na palma da mão.
- É de dois canhões - a informou com ar lúgubre -, e tem duas balas: uma para você e outra para mim. Nunca acreditei que chegaria a usá-la.
Elevou a vista para Lauren e viu que o estava olhando com ar calmo.
- Entende o que quero dizer, senhorita?
- Sim - disse ela com um fio de voz.
- Bem, você escolhe o que quer fazer.
"Não, preciosa, sempre terá escolha", ressoaram as palavras na mente de Lauren; mas desta vez não era a voz do Stuart a que estava ouvindo. Referiu-se Jason
a que uma morte rápida era preferível ao sofrimento? Agora já não saberia.
- Está bem - disse ela lentamente -; uma bala para você e uma para mim.
Surpreso por quão calma estava, Howard sacudiu sua cabeça de cabelos escuros.
- Que o diabo me leve, vá mulher! Não está assustada absolutamente, verdade?
Ela elevou o queixo e disse:
- É obvio que estou assustada.
- Pois não o parece. É você igual a um... não sei, como um pedaço de gelo...
Ao ouvir aquelas palavras os lábios do Lauren se curvaram em um sorriso fugaz. Ele ficou olhando um instante, fascinado, e logo voltou a si de repente e se
concentrou em desatar o lenço que levava ao pescoço e molhá-lo com umas gotas de água do cantil.
- Tome - disse oferecendo o lenço a Ela -, podemos nos permitir usar umas gotas... A água só tem que durar até a noite. Como é que não saiu correndo quando
lhe disse que se fosse?
Agradecida pelo frescor do lenço umedecido, Lauren secou a testa.
- Não podia deixá-lo para que enfrentasse a esses índios sozinho.
Olhou-o com gesto de preocupação quando um pensamento desagradável lhe cruzou a mente.
- Teria tido você mais oportunidade de escapar se eu não estivesse aqui?
Howard sorriu.
- Não, senhorita, nada disso. Se você não estivesse aqui para recarregar os rifles me teriam caído em cima faz tempo. Suponho que tenho que lhe agradecer
por salvar minha pele.
- Eu... eu sinto havê-lo metido nesta confusão.
Ele encolheu os ombros.
- É parte do trabalho, mas já que estamos desculpando-nos, eu também tenho que me desculpar por haver permitido que chegássemos a isto. Supõe-se que era
minha responsabilidade protegê-la...
Ao ver que ela não dizia nada, acrescentou:
- Lhe importa que faça uma pergunta pessoal, senhorita Demarais?
- Como pessoal? - respondeu Lauren com receio, pois virtualmente não havia dito ao Howard nada sobre si mesma, exceto seu nome era Margaret Demarais.
Para ouvir o tom defensivo de sua voz, Howard estirou seu corpo magricela no chão e, apoiando-se sobre um cotovelo, sustentou a cabeça com uma mão enquanto
refletia sobre a mulher que estava sentada a poucos metros dele. Em que pese que o sol tinha queimado sua delicada pele e tinha umas marcadas olheiras, seguia sendo
uma autêntica beleza, com as curvas perfeitas nos lugares adequados; nem sequer aquele vestido de algodão azul esvaído conseguia ocultar que era uma mulher de conveniência.
Mas, além disso, sua atitude era tão orgulhosa e distante que nem lhe tinha passado pela cabeça tentar transpassar as linhas que lhe tinha marcado: havia algo esquivo
nela, inclusive anti-social, que comunicava claramente que não estava feita para homens como ele, e um pouco parecido ocorria com seus olhos, que eram formosos,
mas frios e distantes, como os de um gato. Não obstante, mesmo assim, também a envolvia uma aura de vulnerabilidade que fazia que qualquer homem desejasse protegê-la.
Do momento em que o tinha contratado, Howard se tinha estado fazendo perguntas sobre ela.
- Você disse que não queria perguntas, já sei, mas é só que estava dando voltas a por que tinha você tantas vontades de sair da Luisiana, e por que precisamente
por este caminho, o mais selvagem e despovoado.
Lauren apartou o olhar e retorceu o lenço entre os dedos.
- Não posso lhe responder a isso, Howard.
Ele ficou olhando-a um bom momento.
- Normalmente não sou dos que colocam o nariz nos assuntos de outros, mas quando um homem está a ponto de morrer, a verdade é que gostaria de saber por que.
Persegue-a algo? Alguém?
- Não, é só que tinha que partir.
- Bom - disse Howard encolhendo-se de ombros -, seja o que for o que lhe fez esse homem, deve ser bastante grave...
A hipótese do Howard a pilhou por surpresa e esta se refletiu em seus olhos durante um instante.
- Por que diz isso? Como sabe que não roubei dinheiro ou matei a alguém?
- Porque você não é dessas... E porque preferia enfrentar a um bando de índios creek antes que voltar para Nova Orleans. Além disso, tem que haver uma causa
para esses pesadelos que tem. Mas a verdade é que já na primeira olhada se vê que não é das que saem correndo, quase se diria que não deve haver forma de fazer que
perca a compostura.
- Senhor Howard - disse Lauren com cautela olhando-o aos olhos -, não tenho o menor interesse em seguir falando deste assunto, mas lhe prometo que se nos
encontrarmos no outro mundo o explicarei tudo de principio a fim.
O guia arregalou seus olhos escuros e ficou olhando-a, e logo depois de repente soltou uma gargalhada.
- Melhor que eu vá antes para avisar ao diabo de que está você para chegar! Durma um pouco, senhorita - disse ele ao vê-la sorrir de novo.
- Me parece que vai ser um dia comprido...
Em efeito, tinha sido um dia comprido. As jornadas em cima de um cavalo sem estar acostumada, as noites quase em branco dando voltas no saco sem conseguir
conciliar o sono, o mormaço e a umidade..., tudo tinha ido acumulando até deixá-la exausta. Mas em que pese a que estava esgotada, não podia dormir com aquele sol
e, por mais que seu corpo fatigado clamasse por um pouco de repouso, os pensamentos que buliam em sua cabeça a mantinham acordada. A tarde foi passando a um ritmo
dolorosamente lento enquanto escutava - quase ressentidamente - a respiração compassada do Howard, que dormiu. Ao final ela também fechou os olhos e ficou meio adormecida;
ao anoitecer despertou com o corpo intumescido e uma sede incrível.
Ben Howard já estava se preparando para o iminente ataque tampando as frestas entre as rochas com pedras menores. Não tinham comida, mas compartilharam uma
ração de água e logo ele a fez praticar carregando os rifles Kentucky de cano comprido com os olhos fechados para simular que estava na escuridão: teria que encher
a arma com pólvora de um cartucho de papel, logo jogar o resto pela boca do rifle e por fim colocar bem o taco engordurado que continha a bala. Entretanto, quando
a lua em quarto crescente apareceu ao fim no céu, iluminava o suficiente para que pudesse ver bastante bem o que estava fazendo. Howard agradeceu porque não havia
nuvens, pois, conforme disse, assim pelo menos esses selvagens não poderiam surpreendê-lo arrastando-se colina acima para saltar sobre eles de improviso.
Lauren os ouvia ao pé da colina entoando uns cânticos estranhos ao ritmo de um tambor que lhe provocaram calafrios, enquanto que os gritos de guerra intermitentes
que lançavam lhe faziam apertar os punhos até cravar as unhas nas palmas das mãos, em um intento de evitar que o medo se apoderasse dela.
De repente, fez-se um silêncio total. A luz da lua descrevia uma esteira no firmamento enquanto esperavam e, ao cabo de um momento, o silêncio se voltou inclusive
mais exasperante do que tinham sido os sons. Lauren tinha os nervos tão a flor de pele que lhe estava revolvendo o estômago.
Quando ouviu o ruído surdo dos cascos de cavalo, soube que os guerreiros creek se preparavam para atacá-los. Howard tomou posição a seu lado e, apoiando o
rifle no ombro, começou a percorrer os arredores com a vista apontando a arma.
Mas a explosão não chegou nunca.
Nem tampouco o ataque que antecipavam.
- Que diabos passa? - resmungou Howard ao fim.
Deslizou-se rapidamente pelas rochas sobre as que Lauren tinha as costas apoiadas e apareceu ao outro lado. Permaneceu ali algum tempo sem dizer nada, esquadrinhando
a escuridão. Ela estava convencida de que se Howard não lhe dizia algo logo seus nervos estalariam em mil pedaços. Ele escorregou quando baixava e soltou uma blasfêmia
em voz baixa quando uma pequena avalanche de pedrinhas se precipitou sobre Lauren cobrindo-a com uma nuvem de pó. Logo se deixou cair a seu lado e disse em voz
baixa:
- Não há ninguém aí abaixo. Por diante, a inclinação é muito pronunciada, quase impossível de escalar, mas acreditei que nos atacariam por este lado. Não
faça ruído. Não sei que truque é este...
Assim ficaram a esperar uma vez mais. Lauren tampou a boca com a mão para evitar que lhe escapasse o grito que tão desesperadamente queria lançar para liberar
a tensão que a afligia. "Não é a idéia de morrer o que resulta tão aterradora - foi o pensamento que cruzou sua mente durante um instante -, a não ser a espera."
Aquela espera eterna, a incerteza, o não saber o que ia passar. Então alguém gritou seu nome.
- Ouviu isso? - sussurrou Howard enquanto o eco daquela voz reverberava nas rochas circundantes.
- Lauren! - ouviram gritar uma vez mais.
Howard elevou o rifle ao notar que uma sombra se movia ao pé da colina.
- Não, espere! - exclamou ela com um fio de voz, agarrando-o pela manga.
De novo se ouviu aquela voz aveludada e familiar que a chamava.
- Jason! - murmurou ela.
- A quem chama? - perguntou Howard confundido.
Lauren não respondeu porque então tudo dava voltas a seu redor. Sentiu que seu corpo se balançava, tudo rodou um escuro manto negro com brilhos chapeados
que logo foram fazendo-se cada vez menores até que desapareceram de todo e ela desmaiou.
Enquanto a escuridão a arrastava brandamente, sonhou que flutuava em um mar quente e escuro e que uma sensação agradável a percorria, como se fossem ondas
de seda. Quando os familiares pesadelos penetraram na paz de seu sonho, Lauren lançou um gemido de protesto.
- Chsss... Não diga nada, amor - a tranquilizou a voz aveludada.
- Dorme.
Uma mão lhe acariciava o cabelo com delicadeza; as visões se desvaneceram e o sonho também.
O resplendor amarelado que intuía com os olhos fechados se foi fazendo cada vez mais intenso, e se expandia como em um círculo até que Lauren sentiu que a
rodeava aquela sensação morna e abriu os olhos. A pálida luz cinzenta anunciava que estava a ponto de amanhecer; a sensação de calor produzia o fogo que ardia com
força a seu lado. Reconheceu ao Howard, que se agachava para servir uma caneca de café de uma cafeteira de metal que havia sobre o fogo.
Lauren voltou a fechar os olhos, desfrutando do calor da manta que a cobria. Não tinha sido mais que um pesadelo: estava viva, Howard estava vivo, os guerreiros
creek não existiam, não tinha passado nada, quando amanhecesse levantariam o acampamento e seguiriam viagem.
Estava a ponto de dormir outra vez quando um cavalo relinchou atraindo sua atenção para um murmúrio de vozes. Se sentou de repente levando uma mão à testa
e a conversação se interrompeu no momento em que ela percorria rapidamente com o olhar o claro do bosque: viu que estavam acampados em um bosquezinho de eucaliptos
e nogueiras. Os cavalos - vários - estavam atados a uma corda que havia entre duas nogueiras; as cadeiras, alinhadas ordenadamente no chão; dois sacos vazios estavam
estendidos junto ao fogo e, a curta distância, havia dois homens. Ambos a estavam olhando; eram Howard e o outro Jason Stuart.
Lauren ficou olhando-o aterrorizada, com o coração a ponto de sair do peito: tinha posto um traje de camurça similar ao do Howard, uma barba de vários dias
lhe cobria o rosto de facções perfeitas e tinha a mandíbula apertada em uma linha bem marcada.
Quando ele ficou de pé lentamente, Lauren deixou escapar um grito afogado e retrocedeu instintivamente, mas Jason não se moveu de onde estava, mas sim se
voltou de costas para o fogo para deixar que seu olhar se perdesse nas sombras. Então Ben Howard também se levantou para lhe levar uma caneca de café bem quente
e um prato de comida.
Lauren não fez conta, estava muito desconcertada e doída para dar-se conta de nada. Quando ele deixou o prato no chão, ela abraçou os joelhos contra o peito
e afundou a cabeça na áspera manta. Um calor insuportável lhe atendia a garganta até fazer que lhe doesse. Queria chorar, mas tinha os olhos secos; a dor era muito
intensa para as lágrimas. Durante um momento ninguém disse nada. Então Howard se ajoelhou a seu lado e disse brandamente:
- Tem que comer algo, senhorita DeVries. Ainda temos muito caminho. Paramos só para que descanse, mas não é seguro ficar por aqui demasiado tempo.
Pouco a pouco, Lauren elevou a cabeça e o olhou com tanta angústia que o desconcertou.
- Vá ao diabo - lhe sussurrou ela.
- Vá ao diabo de uma vez e me deixe em paz.
Ele alargou uma mão e a pôs no ombro.
- Já sofreu uma impressão muito grande, senhorita, assim que compreende...
- Sim - lhe espetou Lauren, deixando escapar uma breve gargalhada rouca cheia de histeria.
- Uma impressão muito grande, e acredito que teria preferido me arriscar a ver o que acontecia aos índios.
- Não sabe o que está dizendo. Stuart arriscou a vida para nos salvar...
Apartou-lhe a mão bruscamente.
- E lhe contou o que podia ganhar se o fizesse? Falou-lhe da fortuna dos Carlin? Ou também mentiram a você? OH, Deus!, como pôde emprestar ouvidos a nada
do que lhe haja dito?
Ben Howard sacudiu a cabeça.
- Senhorita, acredito que deveria ouvir toda a história antes de falar...
- Ah, sim, senhor Howard? Quanto ouro lhe deu Jason? Ou foi prata? Trinta moedas?
Lauren apartou a manta de repente e ficou de pé com movimentos um tanto vacilantes.
- Talvez você é o que deveria escutar toda a história. Faz quatro anos tive que partir da Inglaterra. Contou-lhe Jason Stuart por que? Há-lhe dito que queriam
me obrigar a me casar com ele? Confessou-lhe que ele formava parte de uma conspiração orquestrada por meu guardião? Maldito seja! Por culpa deles, tive que viver
como um animal acossado durante todos estes anos! Por culpa deles! Como pôde você lhe acreditar?
A voz que retumbou então no meio do claro era grave e acelerada:
- Ninguém te obrigou a partir da Inglaterra, Lauren - a interrompeu Jason.
- Você tomou essa decisão sozinha.
Ela deu a volta rapidamente para olhá-lo de frente ao mesmo tempo em que se levava a mão ao pescoço para proteger-se. Jason a estava observando, mas ela não
podia interpretar a expressão de seu rosto: aqueles olhos azuis estavam entreabertos e o rosto permanecia escondido entre as sombras.
O que se propunha?, Perguntou-se ela. Ameaçá-la-ia, como tinha feito seu guardião, encerrando-a se negava a cooperar nos planos que ele tinha em mente? A
Lauren já dava igual tudo, quão único queria era golpeá-lo, lhe fazer dano do mesmo modo que tinha feito mal a ela com sua traição.
- Como deve ter rido! - comentou cheia de amargura.
- O capitão Jason Stuart, que tão oportunamente se encontrava perto no momento certo para vir me salvar, sai em minha defesa e me resgata das garras dos
homens de meu guardião. Deveria haver imaginado que estava comprometido desde o começo, sobretudo depois de que entrasse esse entristecedor desejo repentino de te
casar comigo que teve a indecência de ocultar depois de um suposto desejo de me proteger... Sabia que se partisse perderia uma fortuna, não é certo? O que te propõe
vindo a Nova Orleans agora? Tem pensado me levar de volta a Inglaterra para que Burroughs possa me ter outra vez sob seu controle? Ou acaso prefere seu plano original
e te parece que é melhor casar comigo para assim te fazer com a frota da naval Carlin? Talvez queira absolutamente tudo, mas quanto demorará para desaparecer uma
vez que celebrou as bodas?
Ben Howard a observava atônito e preocupado, mas Lauren não se deu nem conta, pois tinha toda sua atenção centrada no Jason. Baixou a voz até que esta se
fez virtualmente inaudível:
- Mentiu-me. Depois de todos esses teus discursos sobre a honestidade... Falaste ao Howard do Matthew, Jason, de como Matthew arriscou a vida para me defender?
Deus, quase o mataram!
Quebrou-lhe a voz. Doía-lhe a garganta de tanto aguentar as lágrimas. Jason devia ter estado à corrente do que lhe tinha passado ao Matthew, inclusive talvez
tivesse sido ele o que deu a ordem de que o matassem, e ela tinha sido tão estúpida, tão idiota para entregar-se a ele.
Sentia-se incapaz de olhá-lo à cara, de olhar-se a si mesmo à cara. Girou sobre seus calcanhares de repente e foi para onde estavam os cavalos. Durante uns
momentos lutou tratando de levantar uma das pesadas cadeiras até que o conseguiu e a colocou sobre o lombo do cavalo que estava mais próximo, um animal castanho
com manchas brancas. Nenhum dos dois homens se moveu, nenhum dos dois pronunciou uma só palavra. A tensão que se respirava no pequeno claro do bosque era tão intensa
como o calor das chamas do fogo. O silêncio destroçava os nervos de Lauren e lhe provocava uma necessidade perversa de arrancar ao Jason uma resposta:
- Como te propunha explicar a morte do Matthew, Jason? Como ia justificar o assassinato?
Jason deu um passo para ela e logo se deteve, ficando ali de pé com os braços a ambos os lados de seu corpo e os punhos apertados.
- Tinha intenção de te dizer a verdade - disse lentamente -, mas já vejo que não está preparada para escutá-la, e duvido que o esteja alguma vez. Assim que
tem um problema ao que se sente incapaz de enfrentar, sai correndo. Adiante, não te detenha, corre, Lauren! Ninguém vai deter-te, mas tampouco lhe ajudaremos. Se
partir, partirá sozinha.
Ela encolheu os ombros com atitude desafiante, mas logo seus ombros se afundaram quando a invadiu o desânimo e, apoiando a frente sobre o pescoço do cavalo,
murmurou:
- Será melhor que voltar para Nova Orleans contigo e deixar que siga adiante com os planos que tenham tramado você e George Burroughs.
- Essa é outra de suas conclusões errôneas sobre o passado; não poderia te devolver ao George Burroughs embora quisesse pela singela razão de que está morto.
- Não te acredito!
- Creia o que queira, mas o fato é que está morto. Morreu do coração menos de seis meses depois de que você desaparecesse. Está enterrado na Cornuália, no
cemitério que há no Carlin House.
Ela deu a volta para olhá-lo aos olhos. Os seus estavam alagados na dor. Jason lhe mentia, dizia-lhe aquelas coisas para que fosse com ele sem protestar,
mas ela não permitiria que a enganasse outra vez, não deixaria que lhe fizesse mal de novo. O punho de Lauren golpeou a cadeira com força, e pronunciou suas palavras
em um sussurro que quase parecia uma prece:
- Maldito seja, eu confiei em ti!
Jason negou com a cabeça ao mesmo tempo em que lhe cravava um olhar intenso.
- Não, jamais confiou em mim. Você não tem a menor idéia do que significa confiar em alguém. Usa às pessoas, Lauren, usa a quem é que tenha à mão quando te
vem bem. Usaste ao Matthew, a Lilás, a mim, ao Howard... Ao Howard, hoje quase conseguiste que o matassem. Se não te tivesse escapado, tampouco Matthew teria tido
que arriscar sua vida por ti. Você é a única responsável, e sabe.
- Não é certo! - sua negativa mal pôde ouvir, já que a pronunciou com muito pouca convicção. Jason tinha conseguido dar justo no alvo ao pôr palavras ao sentimento
de culpabilidade que a atormentava, pois efetivamente se sentia responsável por ter posto em perigo a vida do Matthew.
Entretanto, não acreditava que pudesse culpar-lhe por tratar de escapar do pesadelo de assassinatos e avareza que Jason tinha ajudado a tecer. A dor que lhe
provocava sua traição, uma vez mais, transpassou-a igual a um ferro candente.
- É um filho da puta - as palavras saíram de sua boca envolta em um soluço angustiado -, um desgraçado miserável e um repugnante filho da puta mentiroso!
Quando Jason deu outro passo para ela, invadiu-a o pânico e, presa do desespero, tomou em suas mãos um rifle que estava apoiado contra o tronco de uma árvore
e apontou diretamente ao peito dele.
- Não te aproxime de mim! Ouve-me? Não dê um passo mais! Advirto-lhe isso, Jason, agora sei como se dispara uma arma e juro que dispararei se der um só passo
mais, juro-o!


Capítulo 11

Lauren acreditou ter imaginado a expressão de dor no rosto do Jason, pois imediatamente se desvaneceu.
- Dispare então! Aponta ao coração. Eu, a diferença de ti, ainda tenho um.
O tom do Jason era sarcástico, mas se deteve em seco enquanto o dedo dela tremia sobre o gatilho.
- Ou te, medo? Deixaste que o medo governasse sua vida, por que ia ser diferente agora?
Quando Lauren elevou o canhão da arma uns centímetros mais, Ben Howard deixou escapar um grito afogado e exclamou:
- Senhorita, tornou-se você louca? Nos salvou a vida aos dois!
- Mas por que? Para poder ficar com a fortuna dos Carlin?
Lauren se surpreendeu de quão calma soava sua voz, pois tinha a sensação de que estava tremendo de pés a cabeça. Deveria disparar, disse a si mesma, deveria
apertar o gatilho, um simples movimento do dedo e poria fim a sua miséria. "Uma para você e uma para mim."
Mas quando olhou ao Jason, notou que o canhão da arma se desviava e lhe resultava impossível fixar a vista em nada que não fossem seus olhos, que olhavam
fixamente aos seus expressando em silêncio o que as palavras não alcançavam comunicar, lhe oferecendo um consolo que ela não podia aceitar vindo dele.
Não podia fazê-lo, não podia tirar a vida ao Jason, nem sequer se com isso conseguisse salvar a sua. Baixou a arma e a deixou cair ao chão, logo deu a volta
e pôs-se a andar sem rumo fixo, afastando do claro a tropicões, sem saber aonde ia e sem poder respirar. Transcorridos uns instantes pôs-se a correr, mas ao cabo
de um momento caiu ao chão entre as árvores e ficou ali sem mover-se - sem nem sequer tentá-lo -, ao mesmo tempo em que os espasmos de um pranto sem lágrimas sacudiam
todo seu corpo.
Então alguém se ajoelhou a seu lado e uns braços fortes a levantaram e a estreitaram com força.
- Já basta, Lauren.
A voz do Jason era rouca, angustiada, mas não lhe importava. Não queria que a tocasse, assim que seu corpo fez um movimento refletivo tratando de liberar-se;
entretanto, ele a estreitou ainda com mais força apertando-a contra seu peito.
- Odeio-te! - disse ela entre soluços desejando que fosse verdade.
Então Jason a beijou nos lábios, com desespero, com urgência, como se pudesse fazer desaparecer o desconsolo do Lauren fazendo uso de toda sua força de vontade.
Ela resistiu, tratou de apartar-se empurrando com as mãos o forte torso contra o que estava prisioneira, mas, através da bruma de dor que a envolvia, pôde sentir
que a paixão se acendia entre eles. A boca do Jason a atacava com uma determinação implacável, lhe exigindo uma resposta. Até o roçar da barba incipiente de sua
mandíbula a excitava. Como era possível que o odiasse tanto e, ao mesmo tempo, despertasse nela um desejo tão incontrolável? Aquele beijo estava anulando sua vontade,
lhe arrebatando o desejo de lutar. Em uns instantes se renderia a ele, por completo...
Quando por fim Lauren deixou de lutar, Jason a sujeitou com menos força, mas seus lábios continuaram movendo-se meigamente sobre os dela e logo lhe percorreram
as bochechas, as pálpebras... Ela fez um último intento de soltar-se, empurrando quase sem forças contra o peito do Jason, mas ele apertou sua bochecha contra seus
dourados cabelos e lhe sussurrou ao ouvido:
- Não, Lauren, por favor, não me empurre fora de sua vida.
Embalou-a em seus braços durante um comprido momento, até que os fatigados sentidos de Lauren foram recuperando-se. Em contraste com o roçar da barba, agora
notava na bochecha o tato suave da camisa de camurça que levava posta. Estava impregnada do calor e o aroma almiscarado e masculino de seu corpo e, embaixo dela,
podia ouvir os batimentos compassados de seu coração. Lauren lançou um suspiro entrecortado e tremente.
- Você... você tem razão - disse -, foi culpa minha que Matthew arriscasse a vida.
Acariciou-lhe o cabelo com os lábios fugazmente.
- Não foi só culpa tua, os valentões do Burroughs tomaram as ordens muito a sério.
Ao lembrar-se da traição do Jason, ela ficou tensa e começou a afastar-se, mas lhe segurou o queixo e a obrigou a olhá-lo.
- Lauren, de verdade que quero que me creia quando te digo que nunca te menti sobre se conhecia o Burroughs. Não, não diga nada - lhe pediu ao mesmo tempo
em que lhe punha um dedo nos lábios, - só quero que me escute um momento. Essa noite em Londres, quando te conheci, acabava de retornar a Inglaterra, pode comprová-lo
no caderno de bordo do Leucótea se quiser, e fiquei a bordo até mais tarde que o que costumava se não fosse assim, nunca te teria visto sequer.
Segui-te pela singela razão de que eu não gostava o mínimo a idéia que uma mulher andasse vagando sozinha pelos moles no meio da noite. Então ainda não me
tinha dado conta de quem foi, e o único que sabia da naval Carlin era de ouvidos.
Acabava de me inteirar de que estávamos prometidos. Esse mesmo dia meu pai me tinha informado que tinha chegado a um acordo com seu guardião para que eu me
casasse com a herdeira da companhia.
Jason esquadrinhou as feições de Lauren à luz do amanhecer, tratando de interpretar seu silêncio.
- Minha intenção era sair para a Cornuália ao dia seguinte para te fazer uma visita, te conhecer e comprovar se podíamos chegar a um acordo. Nunca me tinham
entusiasmado os matrimônios pactuados, mas a frota da naval Carlin sim me intrigava sempre, assim não podia rechaçar semelhante oferta sem investigar um pouco primeiro.
Mas quando te conheci, qualquer idéia relacionada com a fortuna da família Carlin saiu de minha cabeça imediatamente, e o único que sabia era que cada vez
que me olhava com esses preciosos olhos teus te desejava. A ti, Lauren. Seguia sem saber quem foi nem de onde tinha saído, mas resultava evidente que estava metida
em alguma confusão. Maldita seja, se não queria me dizer nem como te chamava! Estava tão decidida a não confiar em mim... E quando adivinhei que em realidade era
minha prometida, comecei a acreditar na sorte, e decidi naquele preciso instante que não te deixaria partir, que teria meu amparo tanto se quisesse como se não.
Acreditei-me muito ardiloso quando te comprometi daquele modo ao te seduzir porque pensei que, se o fizesse logo informava a seu guardião dos fatos consumados, não
ficaria mais remédio que te casar comigo para salvar sua reputação, ou pelo menos isso acreditava eu...
Ela não apartava a vista do Jason enquanto o escutava, assim que ele respirou fundo e continuou:
- Minha inépcia me jogou uma má sorte e fiquei em semelhante estado quando partiu que meus homens estiveram me evitando durante semanas. E quando vi que era
impossível te encontrar, fui aos escritórios da companhia Carlin a falar com o Burroughs. Quase o mato, pois azia a ele responsável por seu desaparecimento.
- O que te contou? - perguntou ela em voz baixa.
Jason respirou aliviado ao dar-se conta de que, pelo menos, tinha conseguido passar as barreiras defensivas que ela tinha erguido para separá-los.
- Burroughs me disse que não viveria muito mais. Quando tratou de organizar nosso matrimônio, já sabia que seu coração estava muito débil e pensou que o que
fazia era te proporcionar um futuro estável. Importava-se, Lauren, a sua maneira. Se não tivesse acreditado que esse era o caso, nunca teria aceitado ajudá-lo a
te encontrar. Crê-me?
Ela o olhava fixamente e a dúvida ainda estava escrita em seus belos olhos verdes, mas o desespero de um momento havia desaparecido de seu olhar.
- Não sei - respondeu em tom grave.
- Ainda não me contaste por que Burroughs te escrevia cartas sobre os navios da frota Carlin...
- Vem aqui, Olhos de Gata, sente-se a meu lado e lhe explicarei isso. Estão começando a me doer os joelhos.
Uma vez instalado em uma postura mais cômoda, Jason atraiu a Lauren para si, acomodando-a no oco do braço.
- Não deveria ter ignorado o risco de que encontrasse essa carta daquele modo - comentou em voz baixa.
- O que viu era a aprovação do Burroughs para que vendesse um dos navios com certificação da Companhia das Índias Orientais, era uma das naves mais velhas
da frota Carlin. Eu convenci ao Burroughs de que já não estava em condições de fazer travessias longas e de que não ganharia dinheiro com ela nessas rotas. O navio
acabou vendendo a um comerciante que tinha intenção de usá-lo para transportar mercadorias entre o Liverpool e Londres.
Lauren negou com a cabeça.
- Isso não explica por que tinha entendimentos com o Burroughs.
- O caso é que, antes de morrer, ele e eu nos fizemos sócios. Estive à frente da companhia Carlin quase desde que desapareceu. A outra noite, a bordo de La
Sereia, tinha intenção de lhe contar isso tudo, mas não sei como acabei me distraindo...
- Acreditei que... tinha mentido.
- Seja, imaginei isso ao ver sua reação. Quem te ensinou a blasfemar desse modo? Apostaria a cabeça a que não foi Lilás.
Como não lhe respondia, Jason a segurou no queixo para examinar sua expressão. Observou-a atentamente enquanto terminava de lhe contar como tinha comprado
a naval Carlin por cem guinéus. Ela o olhou fixamente sem dizer nada durante todo o tempo que durou o relato.
- Crê agora quando te digo que não te quero por seu dote? - perguntou-lhe ele uma vez que havia terminado.
- Já a tenho.
Em seus olhos azuis podia ver-se um leve brilho risonho que a convidava a rir também ante a ironia da situação e, ao cabo de uns instantes, foram seus lábios
os que esboçaram um sorriso ao mesmo tempo em que acrescentava:
- A Regina quase dá um ataque quando descobriu que a companhia não valia nada a efeitos legais.
- Regina? - disse Lauren sentindo que de repente lhe faltava o fôlego.
- Sua tia, Regina Carlin. Quando desapareceu, queria que lhe declarassem legalmente morta, mas como não havia nenhum cadáver que apresentar como prova, os
tribunais estabeleceram que deveria passar um período de sete anos.
Lauren estremeceu ao pensar na inquebrável determinação de sua tia. Regina seguiria decidida a assassiná-la ou a encerrá-la o resto da vida em um manicômio,
a não ser que averiguasse que a herdeira da fortuna Carlin era uma impostora, e nesse caso o que a esperava era o cárcere e, certamente, a forca... Então se deu
conta do que ele não havia dito: nenhuma só vez tinha mencionado a mudança de personalidade, e só se referiu a ela como a herdeira da naval Carlin. Ao dar-se conta,
sobressaltou-se. Jason não sabia! Pensou, George Burroughs nunca lhe disse que ela não era Andrea Carlin.
Lauren baixou o olhar, sem saber se devia sentir-se aliviada ou não, agora a farsa deveria continuar... a não ser que confessasse tudo ao Jason. Mas não podia
fazê-lo. Embora conseguisse esquecer a dor de sua traição, de descobrir que se aliou com o Burroughs, sempre cabia a possibilidade de que lhe estivesse mentindo
porque queria ser o dono da frota da companhia de maneira definitiva. Que tipo de poder lhe estaria dando sobre ela se confessasse tudo?
O poder de mandá-la a prisão. Não, não havia razão alguma para contar ao Jason. Ainda não. Esperaria até que chegasse o momento oportuno.
Ele a olhou fixamente.
- No que está pensando? - murmurou ao mesmo tempo em que lhe percorria o lábio inferior com o polegar.
- Estava... estava pensando no Burroughs - mentiu ela.
- De verdade morreu?
- Sim.
Lauren apartou o rosto para evitar o olhar inquisidor do Jason. Tinha temido tanto ao Burroughs - inclusive era possível que tivesse sentido ódio por ele
- que descobrir que já não era uma ameaça lhe tirava um peso esmagador de cima.
- Por certo, Burroughs te deixou sua participação na naval, o que, unido na metade correspondente ao Jonathan Carlin, converte-te em uma jovem muito rica
- acrescentou ele fazendo que Lauren se voltasse a olhá-lo enquanto ele seguia falando.
- Mas como fideicomissário de sua herança minha intenção é cumprir com os termos estabelecidos originalmente, segundo os quais herdará tudo quando alcançar
a maior idade aos vinte e um anos ou quando te casar, o que ocorra primeiro.
Ao dar-se conta das implicações do que acabava de dizer Jason, Lauren ficou muito surpreendida para nem sequer protestar e dizer que não queria a fortuna
dos Carlin.
- Está dizendo que você é meu tutor legal agora? - perguntou com incredulidade.
- Temo que assim é, Olhos de Gata, mas já sei o que opina dos tutores e os guardiães, e devo admitir que tampouco me entusiasma a idéia de que seja minha
protegida - respondeu ele com um sorriso e um brilho zombador em seus olhos azuis.
- Em minha opinião, já tem idade suficiente para cuidar de ti mesma. Assim que me proponho seguir administrando sua fortuna no momento, isso sim; mas não
se preocupe, não vou empregar nenhum dos métodos do Burroughs para te obrigar a aceitar a situação.
Quando por fim foi capaz de falar, os olhos do Lauren resplandeciam de ira.
- Não, é obvio que não, você tem seus próprios métodos, verdade? Como por exemplo, me deixar em seu camarote sem nenhuma roupa que me pôr.
- Bom - se defendeu ele esboçando um sorriso ainda mais amplo-, outro exemplo de minha insensatez. Uma vez mais me acreditei muito preparado, mas já vê o
pouco que consegui com isso, e além disso o pobre Tim Sutter ainda está convalescendo recuperando-se de um golpe na cabeça.
Ao recordar o incidente do navio, a ira de Lauren se desvaneceu imediatamente.
- Fiz muito dano?
- Eu diria que seu golpe não lhe fez tanto dano como a reprimenda que recebeu de mim... O teria jogado com caixas destemperadas a não ser porque sei por própria
experiência quão escorregadia pode chegar a ser. Dá-te conta de que esta é a primeira vez que te vejo a luz do dia?
- Eu... não... parece impossível.
- Sim, já sei. - Jason elevou uma mão para lhe apartar uma mecha da testa, mas a retirou ao ver que ela fechava os olhos.
- Acredito que necessita um pouco de tempo para assimilar tudo o que te contei. Howard tinha razão: sofreste uma pressão muito grande e está esgotada, mas
não é sensato ficar por aqui muito mais. Não sentiria saudades se essa banda de índios creek que lhes tinham encurralados volta a nos seguir.
Pode descansar esta noite, e já seguiremos falando quando nos pusermos em caminho amanhã... Se decide voltar para Nova Orleans, claro... Virá?
Jason voltava a lhe fazer o mesmo, pensou Lauren: deixava-a escolher, mas em realidade não lhe deixava escolha, já que ela carecia da força e a habilidade
necessárias para sobreviver sozinha naquelas paragens e, nesse momento, estava muito cansada para resistir mais. Depois, quando recuperasse as forças, já decidiria
o que fazer. Assentiu sabendo de que não tinha ficado nada decidido e Jason ficou de pé.
- Vamos - disse ao mesmo tempo em que lhe tendia uma mão -, Howard deve estar nos esperando.
Ela duvidou um instante porque seguia sem estar convencida de poder confiar nele ou em seus motivos, mas então Jason lhe sorriu e a ternura de seus imensos
olhos azuis a tranquilizou, assim que lhe deu a mão e, no momento, permitiu a que cuidasse dela.
Lauren quase não falou durante o resto do dia, pois manter seu fatigado corpo erguido na cadeira lhe exigia toda a concentração da que era capaz.
Jason se tinha devotado a levá-la com ele em seu cavalo, mas ela não aceitou porque não queria estar perto dele até que não se esclarecesse o tumulto de idéias
que tão desconcertadas as tinha nesse momento. Resultava evidente que Jason era um mago da persuasão, isso não podia negá-lo: um minuto estava lhe gritando como
louca e insultando-o, virtualmente decidida a lhe disparar, e ao minuto seguinte estava em seus braços, deixando que a convencesse de que suas suspeitas eram infundadas.
Lauren nem sequer sabia por que estava tentada a acreditar nele quando tinha tantas razões para duvidar.
Pelo geral, cavalgavam em fila indiana, com o Jason à cabeça, embora quando os bosquezinhos disseminados que foram atravessando davam lugar a uma pradaria
plaina, Howard estava acostumado a esporear seu cavalo para ficar ao mesmo tempo com o Jason. Em ocasiões o vento trazia até ela a risada suave dos dois homens,
mas o calor asfixiante a deixava sem energia para fazer sequer o esforço de perguntar-se do que se estariam rindo.
Vagamente a princípio, foi dando-se conta de que Jason estava esperando a que ela aceitasse a situação. Ele voltava a vista atrás frequentemente e lhe dedicava
um sorriso carinhoso que retirava suas diminuídas forças, mas por outro lado Lauren também percebia quão decidido estava a deixá-la em paz, já que em nenhum momento
tentou aproximar-se dela, nem sequer quando fizeram um alto para que descansassem os cavalos, e lhe agradeceu a consideração, pois estava muito cansada para pensar
com claridade.
Essa noite, quando já tinham montado o acampamento, Lauren nem sequer esperou a que o jantar estivesse pronto para deslizar-se sob uma manta. Dormiu em seguida
e não se levantou até a manhã seguinte quando Howard despertou. Sentia-se muito melhor depois de ter dormido toda a noite e tomou o café da manhã com apetite, até
conseguiu sorrir quando Jason a provocou a respeito, e levantaram acampamento em meio de um ambiente jovial, com Lauren inclusive fazendo algum esforço ocasional
para unir-se à conversação dos homens.
Nesse dia pararam antes que se fizesse noite porque Jason queria sair a caçar algo para o jantar: partiu imediatamente, o que alegrou muito a Lauren, que
queria falar a sós com o Howard. Tinham montado o acampamento junto a um riacho flanqueado por ciprestes e álamos e, enquanto Howard se ocupava dos cavalos, ela
começou a preparar o jantar. Pôs os feijões de molho, fez café e preparou um recipiente para o que trouxesse Jason. Além disso, fez pequenas tortas de massa de
milho e as envolveu com folhas para as assar sobre as brasas, tal e como Cervo Veloz lhe tinha ensinado.
Entretanto, quando Lauren abordou a questão de seu arrebatamento de fazia um par de dias com o Howard, este se encolheu de ombros sem lhe dar muita importância
e aceitando suas desculpas.
- Me há dito que vá ao diabo muitas vezes, senhorita DeVries, embora igual nunca o tinha feito uma... uma dama como você - disse lhe dedicando um sorriso
ao mesmo tempo em que ela arqueava uma sobrancelha.
- Talvez não deveria lhe dizer isto, senhorita, mas que saiba você que estou muito contente de como saiu tudo ao final. Se não chegar a ser pelo Stuart...
- Sim, já sei - lhe interrompeu ela -: "uma para você e uma para mim". O que passou essa noite?
- Nada demais. Stuart espantou a esses diabos dos creek, depois você desmaiou e logo ele subiu para nos buscar. Por um minuto pensei que preferia que voltassem
os selvagens, não ficou nada contente quando a encontrou inconsciente em meus braços... Mas depois se esclareceu tudo. Stuart acreditou que era melhor não ficar
por ali se por acaso voltavam esses cabr... esses índios. Ele levou você em seu cavalo umas quantas horas e então decidiu que acamparíamos um momento porque você
gemia em sonhos, deviam ser pesadelos. O resto já sabe, senhorita. Em resumo, que é uma boa coisa que os shawnee e os creek sejam tribos amigas.
Lauren o olhou sem compreender.
- Os shawnee vivem ao norte, no vale do rio Ohio, mas suas tribos se movem muito, alguns inclusive chegam até aqui embaixo, ao Território do Mississipi, e
fazem entendimentos com os creek, e até acampam juntos às vezes.
- Mas isso segue sem me esclarecer como ele conseguiu afugentá-los.
-Resulta que Stuart foi trapaceiro uma temporada em uma zona donde havia uma tribo shawnee. Diz que a mulher de seu companheiro era shawnee e que aprendeu
alguns de seus costumes. Eu não sei exatamente o que disse a esses guerreiros creek, mas o caso é que serviu para resgatar, a nós, aos cavalos e também a carga.
Como resultado da conversação sobre o resgate, Lauren recordou as acusações que lhe tinha arrojado Jason. Havia lhe dito que tinha deixado que o medo governasse
sua vida e que usava às pessoas. Talvez fosse certo; certamente tinha posto ao Ben Howard, e a ela mesma, em grave perigo: o guia poderia ter perdido a vida tratando
de ajudá-la, igual tinha estado a ponto de lhe passar ao Matthew. Lauren refletiu sobre a situação do Howard: nem sequer lhe tinha pagado seu salário completo e
a maior parte do dinheiro que tinha recebido tinha sido para alugar os cavalos e comprar provisões para a viagem.
- Senhor Howard - disse em voz baixa -, pagarei o que lhe devo assim que cheguemos a Nova Orleans. Não tenho a quantidade necessária comigo neste momento.
O homem sacudiu a cabeça.
- Não faz falta, senhorita.
- Mas... insisto.
Ele passou a mão pelos cabelos como se de repente se sentisse incômodo.
- Stuart já me há pagado, mais que devia. Por que não discute você com ele?
Lauren decidiu não insistir e se limitou a responder:
- Sim, pode que o faça - e não disse mais nada durante um bom momento.
Quando Jason retornou, Lauren se encontrou com que lhe custava apartar a vista do riacho onde estava lavando as lebres que tinha caçado.
Suas feições estavam escurecidas pela incipiente barba cor castanha clara que as cobria, seu aspecto não era absolutamente tão desarrumado como o dela mesma.
Jason levava a vestimenta de camurça típica dos índios americanos com uma graça natural e parecia estar a vontade naquele lugar, igual a qualquer guerreiro. Entretanto,
a ela, por mais que o tentava, custava-lhe trabalho imaginá-lo relacionando-se com os índios, com sua ascendência aristocrática, seus deslumbrantes olhos azuis e
seus cabelos claros. Nesses momentos as covinhas de suas bochechas eram perfeitamente visíveis, porque estava rindo enquanto escutava ao Howard.
Então Jason elevou a vista e a olhou aos olhos, e quando Lauren enfrentou a essas profundidades azuis nas que cintilava um brilho risonho, nesse preciso
instante, deu-se conta de quão equivocada tinha estado. Jason Stuart era capaz de sentir-se como em casa em qualquer parte, desfrutaria de do tipo de vida que escolhesse,
fosse o que fosse, e certamente estava claro que escolheria, a ele não o empurravam as circunstâncias, ele seria dono de seu destino em qualquer situação. Era algo
mais que força física, quase se podia sentir sua força interior, irradiava confiança e controle sobre si mesmo.
Comparada com ele, Lauren se sentiu completamente desconjurada e insegura; entretanto, Jason arqueou uma sobrancelha com gesto divertido ao vê-la tão séria
e pensativa e lhe lançou um olhar, provocador e preocupado ao mesmo tempo, que de repente a fez sentir-se capaz de escalar as mais altas montanhas, nesse momento
e no futuro.
- Sobre o que medita com tanta concentração, Olhos de Gata?
A pergunta a pegou despreparada, e como não queria admitir que estava pensando no estranho efeito que tinha sobre ela, mentiu:
- Perguntava-me como conseguiu dar comigo.
Os lábios do Jason se curvaram em um sorriso divertido.
- Não foi fácil! Quando descobri que tinha ido, dirigi-me ao norte, para o Natchez e consegui alcançar ao Matthew e Cervo Veloz na estrada do rio, e assim
me inteirei de que nem lhe tinham visto. Mas quando voltei para Nova Orleans, Kyle Ramsey me disse que tinha dado com seu rastro: sua altura é muito difícil de dissimular
e o moço que te alugou os cavalos se lembrava de ti.
- Graças a Deus! - interveio Howard.
- Sim - reconheceu Lauren em voz baixa.
- Obrigado por ter vindo.
- Foi um prazer. Mas te agradeceria que, no futuro, evitasse as situações perigosas que façam necessário que te resgate. Esta última acredito que me jogou
dez anos em cima, e não queria seguir envelhecendo prematuramente...
O sorriso zombador do Jason a convidava a unir-se à brincadeira, mas o brilho desafiante de seus olhos azuis era um aviso para Lauren de que também falava
completamente a sério. Ao recordar que seguia estando em dívida com ele, sentiu-se minúscula a seu lado e se alegrou muito quando Howard interveio na conversação
de novo para trocar de tema.
Essa noite, os roncos do Howard despertaram de um sonho intranquilo. A luz chapeada de um fino galho de lua iluminava o acampamento e, ao levantar-se,
viu que o saco do Jason estava vazio; lançou a manta a um lado e se foi buscá-lo.
Encontrou-o a uns cem metros corrente acima, sentado com as costas apoiada no tronco de um álamo, o braço apoiado sobre o joelho que tinha elevada e
o rifle a seu lado, observando-a em silêncio enquanto se aproximava.
Ao ver que ele não a convidava a fazê-lo, Lauren se sentou a seu lado por própria iniciativa e ato seguido alisou a saia com gesto nervoso. Tinha pensado
cuidadosamente o que ia dizer: sua intenção era saldar aquela dívida pendente de uma vez por todas, mas, por outro lado, não desejava romper o aprazível silêncio
que reinava. Uma escuridão chapeada os envolvia e as estrelas brilhavam intensamente semeando o firmamento com um vigamento de fileiras de diamantes. A noite era
cálida e tranquila, e tão somente o cantar dos grilos e o som gutural e profundo das imensas rãs touro serviam de música de fundo aos batimentos de seu coração.
Perguntando-se por que estava tão calado, Lauren lhe lançou um olhar furtivo de soslaio. Seu poderoso perfil se recortava à luz da lua; tinha uma expressão
de estudada imperturbabilidade. Pôs-lhe uma mão no braço e a surpreendeu a tensão que notou fluindo sob seus dedos.
- Prometi-te uma noite - disse Lauren em voz baixa.
Ela pôde ouvir como a respiração do Jason se interrompia um instante, mas não lhe respondeu.
Começou a desabotoar os botões da parte dianteira do vestido lentamente.
- Não siga, Lauren - disse ele com uma voz grave que gotejava tensão, como se não se confiasse em que falava.
A mão dela se deteve imediatamente ao mesmo tempo em que esquadrinhava o rosto do Jason: tinha a mandíbula apertada e um músculo do rosto em tensão.
- Minha intenção é te pagar por me haver salvado a vida.
- Temia que chegasse à conclusão de que algo assim era necessário, mas vou ter que rechaçar amavelmente seu oferecimento.
Lauren o olhou um pouco desconcertada.
- Mas você me salvou a vida, e não quero estar em dívida contigo.
Jason murmurou uma blasfêmia entredentes ao mesmo tempo em que se levantava para afastar-se uns quantos passos apertando os punhos. Ela o seguiu com o olhar
e pôde sentir o incrível esforço de vontade que estava fazendo ele e ouvir a tensão em sua voz quando disse:
- Não me deve nada, Lauren, e certamente não está em dívida comigo por ter impedido que esses índios lhe capturassem. Faria o mesmo por qualquer pessoa.
Ela ficou de pé muito devagar sem apartar o olhar do Jason.
- Esses índios não me teriam capturado: Ben Howard ia disparar-me primeiro e logo ele também ia atirar nele mesmo.
Ouviu como Jason respirava fundo antes de voltar-se para ela.
- Já vê, Jason, sim que me salvaste a vida, igual a em outra ocasião me proporcionou o dinheiro necessário para fugir de meu guardião. Por tudo isso, estou
em dívida contigo, tanto se quer admiti-lo como se não, e tenho intenção de saldar essa dívida de uma vez.
Levou a mão à nuca para soltar os grampos que lhe prendiam a cabeleira em um coque e logo sacudiu a cabeça fazendo que as douradas mechas lhe caíssem pelas
costas. Jason pensou que parecia uma deusa pagã oferecendo-se à lua: sua pálida pele refletia os luminosos raios e seus cabelos resplandecentes brilhavam lançando
brilhos mais prateados que dourados.
Lhe fez falta concentrar-se com todas suas forças para relaxar os punhos crispados.
- E bem? - desafiou-o ela.
- A que esperas? Não lhe satisfazem os termos da oferta?
Ele passou a mão pelos cabelos com gesto nervoso, como se estivesse lutando consigo mesmo para não perder o controle.
- Não, os termos me satisfazem plenamente, mas teria que rechaçar sua oferta sob qualquer tipo de circunstâncias. Não tenho a menor intenção de regatear contigo
por seu corpo.
Lauren elevou o queixo com gesto orgulhoso.
- Pois até agora não tiveste o menor problema em fazê-lo...
- Até agora acreditava que eu não era mais que outro homem de tantos em busca de seus favores.
- Muito bem, assim não vais aceitar o pagamento que te ofereço por salvar minha vida... Mas mesmo assim ainda te devo uma noite.
- Tampouco tenho intenção de te exigir que cumpra esse trato.
Lauren sentiu que a humilhação cobria suas bochechas de vermelho: nem lhe tinha passado pela cabeça que Jason pudesse rechaçá-la, nem que tivesse que lhe
suplicar para que lhe fizesse amor.
- Não me deseja? - disse ela com um fio de voz.
- Te negaste a aceitar meu dinheiro como pagamento...
- É obvio que te desejo - lhe respondeu com voz rouca, - mais do que jamais desejei a uma mulher.
Então se aproximou, como se não fosse capaz de resistir por mais tempo e, lhe colocando um dedo sob o queixo, obrigou-a a olhá-lo aos olhos.
- Entende bem isto, Lauren, não estou rechaçando a ti.
- Sua beleza me afeta de tal maneira que ameaça me arrebatando a prudência, desejo-te tanto, desejo com tal intensidade despertar esse fogo singular que leva
dentro, que quase me resulta insuportável, mas não tomarei para saldar não sei que dívida imaginária.
Lauren o olhou aos olhos, que resplandeciam igual à prata líquida, e sentiu que uns calafrios familiares a percorriam, fazendo-a plenamente consciente das
sensações que experimentava: o calor que desprendia do corpo do Jason a afligia e despertava em seu interior um desejo premente. Nesse momento, soube que esteve
enganando a si mesma porque, em realidade, queria que a tocasse, que a acariciasse como o tinha feito outras vezes. Ansiava o contato daquele corpo firme e viril
apertando-se contra o seu, seu calor envolvente; desejava-o com uma intensidade que a confundia.
- Mas... e se te dissesse que eu também te desejo? - perguntou-lhe quase sem fôlego.
E era verdade, notava como seu sangue bulia quando o tinha perto, como palpitava seu corpo rendendo-se a ardente necessidade.
As dúvidas do Jason resultavam mais que evidentes:
- Eu... eu... me sentiria muito honrado se assim fosse... e adulado por sua honestidade, mas isso não suporia a menor diferencia. Não te farei amor.
Logo deu um passo atrás para que a distância que havia entre eles não fosse tão perigosamente curta, e a sinceridade de sua resposta desatou a ira de Lauren:
- Juro que não te entendo! - exclamou.
- Me ofereceram verdadeiras fortunas pelo que acaba de rechaçar.
Jason esboçou um leve sorriso.
- Não o duvido, recordará que eu mesmo o fiz.
Ela se enfureceu ainda mais ao detectar um certo tom risonho na voz dele.
- Acaso fui muito atrevida? É isso? - disse ela em tom sarcástico.
- Prefere que as mulheres se mostrem mais reticentes?
- Não, Olhos de Gata, mas agora tenho uma responsabilidade sobre ti.
- Isso é precisamente ao que trato de pôr fim.
- Minha vida, que classe de guardião seduziria a sua protegida?
Isso a fez pensar por um momento. Lauren o olhou e se deu conta de que Jason estava decidido a tomar o papel de protetor que se impôs a si mesmo com a maior
seriedade, papel que ao cabo de uns segundos ela rechaçou mentalmente: talvez fosse o fideicomissário da companhia Carlin, mas não tinha direito a controlá-la; nenhum
homem tinha esse direito.
- Não é meu guardião - lhe respondeu ao fim com secura, - nego-me a te reconhecer como tal, não admito que tenha essa autoridade sobre mim.
- Mesmo assim, um cavalheiro não vai por aí fazendo amor a jovens raparigas de bom berço, sobre tudo não às que estão sob seu amparo, a não ser que tenha
celebrado um matrimônio previamente.
- Não esperava um bate-papo sobre moralidade, certamente não vindo de ti...
Jason a olhou de esguelha de um modo estranho e logo voltou sob o álamo e, estirando as pernas, tendeu-se no chão de lado e apoiou a cabeça sobre uma mão.
- Não falei nada de moralidade, Lauren - lhe respondeu por fim.
- É só que preferiria que meus filhos levassem meu nome.
- Do que está falando?
- A ilegitimidade sempre conduziu um certo... estigma, não te parece?
Surpreendida, ela baixou a vista para ele. Significava aquela pergunta que estava a par de seu passado? Ele a observava com uma intensidade que a fazia sentir
como se lhe despisse a alma.
- Se não recordar mal - continuou Jason em voz baixa, - a idéia de te casar comigo não te atraía o mínimo a primeira vez que lhe propus isso, e imagino que
não trocaste que idéia...
Ao ver que ela não dizia nada, ele esboçou um débil sorriso e acrescentou:
- E eu não tenho a menor intenção de ter filhos bastardos, por muito que te deseje, assim parece que estamos em um beco sem saída, não crê?
Lauren deixou escapar o ar lentamente ao dar-se conta de que não estava referindo-se a sua própria ilegitimidade e, fazendo esforços para que sua voz soasse
despreocupada, encolheu-se de ombros e disse:
- Sei como evitar gravidez.
Jason arqueou uma sobrancelha.
- E vieste preparada? - perguntou lhe dedicando um cativante sorriso zombador.
- Não, já me parecia que não - acrescentou ante o mutismo dela, - assim não fica mais opção que a abstinência; mas tenho que reconhecer que suportarei melhor
a frustração agora que sei que você sofre tanto como eu.
- Eu não estou sofrendo, salvo por ter que suportar o duvidoso prazer de sua companhia talvez!
- Ninguém te obriga, minha sereia, tem a opção de voltar para acampamento.
Ela emudeceu. Estava lhe dizendo que partisse ou simplesmente lhe recordando que tinha escolha? Pois bem, escolheria. Com gesto desafiante recolheu a saia
para sentar-se e se deixou cair sobre a erva ao lado do Jason.
Lauren fez caso omisso de suas gargalhadas e, apesar de que suas brincadeiras a irritavam, sentia-se muito aliviada de que Jason se negou a aceitar seu oferecimento
em pagamento por lhe haver salvado a vida. De algum jeito, sua oferta teria perdido valor se tivesse entregue a ele naquelas condições e, de forma ainda mais misteriosa,
deu-se conta de que o contato físico não teria feito mais que reforçar o vínculo que parecia estar surgindo entre eles, algo que não desejava absolutamente porque
não queria começar a depender muito dele.
Não obstante, não queria estar sozinha nesse momento, assim apoiou a cabeça sobre um braço e se acomodou sob o céu estrelado. A quietude da noite a envolveu
alagando-a com uma misteriosa paz, embora, em realidade, a tranquilidade que sentia não se devia tanto à formosa noite como ao feito de que Jason estava ao seu lado.
Podia sentir seu calor e sua força, inclusive através da distância que os separava.
Ao cabo de um momento, Lauren girou a cabeça para olhá-lo. Ele estava arrancando fibras de erva distraidamente, mas seguia com o olhar fixo nela. O pulso
de Lauren se acelerou ao dar-se conta de que olhava a curva de seus seios fixamente e, de forma instintiva, soube que Jason estava rememorando o que se escondia
atrás do sutiã de algodão.
Surpreendida ao notar que seus mamilos se endureceram, ela reagiu trocando ligeiramente de postura, e as lembranças das mãos do Jason acariciando seus seios,
daquela boca cativante, amontoaram-se em sua mente.
Aquele leve movimento provocou uma reação similar no Jason, que também trocou de postura e percorreu o corpo de Lauren com o olhar, despertando nela um amontoado
de sensações. Pôde sentir - senão ver - a repentina chama de desejo que se acendia em seus olhos e caiu na conta de que Jason não era um homem tão imperturbável
como fazia ver; durante um instante, até se perguntou se não seria capaz de fazê-lo trocar de idéia, mas no fundo sabia que ele não a tocaria, salvo sim... salvo
se o que? O que esperava dela?
Teria que refletir sobre isso seriamente.


Capítulo 12

Lauren se encolheu ainda mais sob a manta para proteger do frio matutino. Recordava vagamente que Jason a tinha levado de volta ao acampamento ao amanhecer
e que então a tinha beijado, tão somente um leve roçar de seus lábios, mas a calor de sua boca tinha despertado nela as lembranças da noite em que tinham feito amor
no camarote e, como resultado, tinha tido um sonho que tinha deixado seu corpo avermelhado e enfermo.
Tampouco a ajudou absolutamente o fato de que, ao abrir os olhos, encontrasse-se com a imagem do Jason meio nu a escassos metros de distância, que estava
ocupado com a muito masculina, muito privada e muito íntima tarefa de barbear-se. Devia ter estado lavando-se no riacho, pensou Lauren ao ver que não levava camisa
e que as gotas de água que lhe cobriam as costas e os ombros resplandeciam ao sol da manhã. A implacável e sensual atração que exercia sobre ela aquele corpo magnífico
a tinha enfeitiçada.
Ficou contemplando o movimento dos fortes músculos abaixo daquela pele bronzeada e, em que pese a que fazia frio, sentiu que a alagava uma onda de calor.
Como se tivesse reparado em que ela o observava, absorta, Jason a olhou por cima do ombro, e quando seus olhares se cruzaram, Lauren foi incapaz de apartar
a sua, pois a intensidade da magnética atração daqueles olhos surpreendentemente azuis a hipnotizava.
- Bom dia - disse ele brandamente em tom risonho fazendo que Lauren voltasse em si e caísse na conta de que o tinha estado olhando fixamente.
Ela ruborizou, lançou a manta a um lado com um movimento brusco e ficou de pé. Evitou olhar ao Jason enquanto se dirigia ao riacho para ajoelhar-se à borda
e, depois de recolher os cabelos em um coque, começou a passar água no rosto tratando de refrescar sua pele avermelhada.
Ouviu Jason soltar uma breve gargalhada e então se deu conta de que estava de pé junto a ela. Lauren elevou a cabeça e seu olhar ascendeu passando dos mocassins
de suave couro às calças de camurça que cobriam as esbeltas pernas musculosas e os breves quadris do Jason.
Abriu os olhos ainda mais quando seu olhar se posou na inconfundível virilidade que se intuía justo debaixo da cintura das calças, e mais ainda quando se
encontrou com a expressão sorridente do Jason, que a contemplava com o rosto recém barbeado, frisados cabelos molhados e um brilho risonho de seus olhos, ligeiramente
zombador.
- Não ajuda muito, né? - provocou-a.
O vermelho das bochechas de Lauren voltou mais intenso ao dar-se conta de que lhe tinha lido o pensamento.
- Não tenho a menor idéia ao que te refere - conseguiu lhe responder com gesto digno.
- Pois eu acredito que sabe perfeitamente, céu.
Sua voz se tornou um sussurro aveludado e lhe sustentava o olhar enquanto lhe falava.
- E só há uma forma de aplacar seu fogo, e o meu, assim, se a situação se voltar insuportável para ti, não deixe de fazer-me saber - acrescentou, e logo deu
a volta sem dar tempo a Lauren responder.
Ela apertou os dentes e voltou a concentrar-se em suas abluções. Aplacar seu fogo! Certamente! Acaso acreditava incapaz de controlar as reações de seu próprio
corpo?
Lauren ficou junto ao riacho até que desapareceu o último sinal de aquecimento, e quando ficou de pé outra vez lhe tocavam castanholas os dentes e tinha os
lábios virtualmente azuis de frio. Quando retornou ao acampamento, Jason estava ocupado preparando o café da manhã. Olhou-a de cima abaixo e sacudiu a cabeça com
gesto de suficiência:
- Vem te esquentar junto ao fogo, preciosa, antes que te converta em um pedaço de gelo - seu tom era tão inocente e considerado que Lauren sentiu um desejo
quase irrefreável de esbofeteá-lo.
Atravessou-o com o olhar enquanto tirava um pente e umas forquilhas de um dos alforjes de sua sela de montar e logo foi sentar se em um tronco junto ao fogo.
- Você e Howard deveriam trocar idéias - lhe respondeu em tom exageradamente doce, - talvez assim conseguissem uma descrição de mim que se ajustasse algo
mais à realidade.
Jason lhe serviu uma caneca de café e a ofereceu.
- Howard pensou que você pescasse, não é isso?
- Não, não é isso...! - começou a dizer ela ao mesmo tempo em que procurava o guia com o olhar dando-se conta de que estavam sozinhos.
- Onde está o senhor Howard? - perguntou, e logo deu um sorvo do fumegante café sentindo-se imediatamente reconfortada.
- Já lhe sente falta ou está com medo de estar sozinha comigo?
Uns diabos azuis dançavam no olhar do Jason e sua hilaridade irritou Lauren.
- Nenhuma das duas coisas - lhe respondeu franzindo o cenho em um intento de pôr fim ao bom humor dele, - simplesmente me estava perguntando onde tinha
ido.
Jason se ajoelhou sobre uma perna para jogar uns ramos secos ao fogo.
- Vai caminho de Nova Orleans, um homem que tem que trabalhar para ganhar o pão não pode se permitir passar as manhãs dormindo como certa rica herdeira que
você e eu conhecemos.
Jason elevou os olhos de sua tarefa e sorriu ao ver a expressão tensa de Lauren.
- Não pense que está em dívida comigo por lhe haver pagado, não se preocupe, tenho intenção de deduzir seu salário da importância de sua herança.
- Por que não partimos com ele? - perguntou-lhe ela no momento em que Jason se concentrava no fogo de novo.
- Pensei que podíamos tomá-lo com mais calma, sem necessidade de nos levantar tão cedo. A verdade é que ir a toda pressa, sem tempo sequer para me barbear,
não é precisamente minha idéia de viajar com certa comodidade.
Parecia decidido a provocá-la essa manhã, pensou Lauren com o olhar fixo em seus cabelos cor castanha clara. Pois bem, não ia dar a satisfação de consegui-lo!
Permaneceria calma e serena... e arrumaria para lhe pagar com a mesma moeda. Esboçou um sorriso ao mesmo tempo em que pousava no chão a caneca de café e começou
a desembaraçar o cabelo.
- E me diga, contou-te Howard o que lhe tinha prometido em pagamento a seus serviços? - perguntou ela lançando-se ao contra-ataque.
- Isso sim que não, pequena intrigante, não vou cair nessa armadilha outra vez!
- Só o digo para que te convença de que não sou uma... qualquer. Não me acreditaste quando te disse que foi o único homem que me tinha feito amor...
- Sim que te acreditei, só que, por desgraça, depois de que por fim contasse a que te dedicava no cassino exatamente, e para então já era muito tarde.
Lauren deteve o pente em suas mãos.
- Mas, então, por que te zangou tanto? - perguntou-lhe desconcertada.
- Não tinha nenhum sentido, sobretudo depois de que declarasse tão rotundamente que sentia ciúmes de qualquer homem que me tocasse. Por que foste zangar-te
ao descobrir que eu era inocente?
- É o bastante inteligente para descobrir você sozinha qual é a resposta a essa pergunta.
- Suponho que... - respondeu Lauren ao mesmo tempo em que começava a desenredar o cabelo de novo - que se sentiu culpado por te haver aproveitado de mim.
Jason arqueou uma sobrancelha e seus olhos se encheram de brilhos zombadores.
- Me aproveitar de ti, minha sereia, quando resultaste ser mil vezes melhor que eu em meu próprio jogo? E não uma vez, a não ser duas... Se houver algo que
aprendi, é a não te subestimar...
Lauren enrugou a testa.
- Então não se sentiu culpado?
- Senti-me muito culpado, mas essa não é a razão pela que me zanguei tanto.
- Então, por quê? Porque acreditava que Lilás se inteiraria?
- Não, tampouco. De fato, Lilás me deu sua bênção.
- Como há dito? - exclamou Lauren olhando-o alarmada.
- Não o terá contado...!
O sorriso do Jason não podia ser mais malicioso.
- Lhe contar o que, que te lançou em meus braços e em minha cama? Que não pôde resistir ao magnetismo natural que goteja minha humilde pessoa? - seguiu provocando-a,
- que me seduziu com seus cativantes encantos até me tornar louco de desejo?
Em que pese a sua firme determinação de permanecer acalmada, Lauren não conseguiu ocultar seu desconcerto.
- Isso é mentira! Foi você que me raptou e me obrigou a te acompanhar a seu navio, você me pressionou para que sentisse remorsos por não ter completado o
trato de quatro anos, você me insultou me lançando uma bolsa de ouro aos pés e dizendo que meu aspecto e meu comportamento eram os de uma... uma... puta! - disse
Lauren elevando a voz.
- Você foi quem me enganou para que acreditasse que te importava o que me passava, e logo fingiu não saber nada de meu guardião e me deixou ali, prisioneira
em seu camarote sem nada que me pôr...
- Sabe? Merecia-lhe isso! - interrompeu-a Jason sem alterar-se.
- E... o navio é teu.
Ela o olhou desconcertada.
- Meu?
- A Sereia, batizado em sua honra como certo, é um dos mais de trinta navios da naval Carlin.
- E ainda me fez perder os nervos - acusou ela com pouca convicção ao mesmo tempo em que um milhão de pensamentos formavam redemoinhos em sua cabeça.
Jason sorriu.
- Já, e esse é meu maior pecado, não? Mas pelo menos assim sabemos que em realidade não é um pedaço de gelo, mas sim só o parece...
Lauren logo que prestou atenção à brincadeira, ainda não queria fazer frente ao problema do que fazer com sua herança. Rechaçá-la-ia, é obvio, a naval já
tinha causado suficientes problemas e derramamento de sangue e, além disso, agora era capaz de manter-se por seus próprios meios. Não obstante, o maior problema
que enfrentava não era esse a não ser Jason mesmo. Parecia falar muito a sério quando dizia que exerceria como guardião dele, mas ela não tinha a menor intenção
de deixar que a governasse.
Presa de preocupação mordeu o lábio inferior e disse:
- Suponho que te dará conta de que a idéia de que você seja meu guardião é completamente ridícula.
- Não posso estar mais de acordo, preferiria mil vezes ser seu marido. - produziu-se um longo silencio carregado de desconcerto. Jason elevou a vista com
naturalidade e se encontrou com o olhar confuso de Lauren.
- E não porque vá atrás de sua fortuna, pois tenho a minha própria, ou pelo menos o suficiente em dinheiro para que não me possa acusar infundadamente de
ser um caça-dotes...
Desejando com todas suas forças que ele estivesse falando só em brincadeira, Lauren tratou de recuperar a compostura:
- Acaso me pretende capitão Stuart?
- Acaso foge senhorita DeVries?
Lauren levou uma mão à testa, perguntando-se por que todas suas conversações com o Jason a deixavam sem fôlego e desconcertada.
- Está... tratando de me confundir intencionalmente.
- Absolutamente - se defendeu ele, e logo acrescentou com tom despreocupado:
- Poderíamos nos casar assim que retornemos a Nova Orleans.
Ela o olhou, boquiaberta. Se o que propunha era tê-la sempre surpresa, certamente o estava conseguindo.
- Não quero me casar contigo - disse Lauren por fim lentamente, - mas inclusive caso quisesse, não alcanço a compreender por que foi querer você se casar
comigo.
- De verdade que não sabe?
- Não - disse ela negando com a cabeça, - juro-te que não.
Jason ficou de pé e sacudiu as mãos antes de pôr-se a andar até chegar a seu lado, logo ficou ali imóvel, contemplando-a um comprido momento. Lauren continha
o fôlego.
- Nesse caso, lhe mostrarei - disse com suavidade e, tomando-a pelas mãos, fez que se levantasse e logo inclinou a cabeça lentamente, quase como se tivesse
medo do que pudesse passar.
Lauren, como enfeitiçada, contemplava sem reagir quando a boca do Jason se aproximava cada vez mais à sua. O aroma limpo do sabão de barbear a embriagava
até o ponto de subir à cabeça, e quando os lábios dele tocaram os seus, deu-se conta exatamente da que se referia: a cálida corrente de atração que fluía entre eles
quase podia tocar-se, e ia aumentando; era uma força bastante capitalista para privá-la da capacidade de pensar com racionalidade, capaz de diluir sua resistência...
Estava tremendo quando Jason se apartou. Abriu os olhos e ficou olhando-o. A paixão tinha escurecido os dele, fazendo que adquirissem uma tonalidade azul
noite, e sua voz se tornou tão aveludada como a dela.
- Reconhecerá que você também o há sentido, Lauren.
Custava-lhe respirar, quanto mais pronunciar uma só palavra.
- Isso... não foi mais que pura atração física... tão somente...
- Tão somente o que? Luxúria? - interrompeu-a Jason com um sorriso nos lábios.
- Permita expressar meu desacordo, Olhos de Gata, nenhuma outra mulher me fez sentir assim com um simples beijo, jamais. Seja o que for o que há entre nós,
é muito mais que luxúria. Não saberia lhe pôr nome, mas tampouco me importaria o mínimo passar o resto de meus dias tratando de descobrir o que é.
Ela tampouco podia explicá-lo, mas era inegável: um magnetismo, uma atração irresistível que os unia irreversivelmente, uma energia que fluía entre eles desde
o instante em que se conheceram.
Como Lauren não dizia nada, ele acrescentou em voz baixa:
- Talvez agora veja mais claro por que foi um engano te fazer o amor: agora é duplamente difícil para eu estar tão perto e tão longe de ti, é como ter saboreado
um delicioso vinho e que logo te negue o prazer de encher com ele sua caneca.
Lauren seguia olhando-o sem dizer uma palavra e ao final ele apartou as mãos de seus ombros.
- Acredito que vou dar um mergulho de cabeça no riacho - anunciou.
- Dizia que a água estava muito fria, não? A ver se tiver sorte agora está gelada!
Que Lauren se negou a casar-se com ele não parecia incomodar Jason, mas mesmo assim ela sentiu uma desconcertante tristeza enquanto cavalgava a seu lado durante
todo o dia, e, além disso, seguia fazendo um mormaço, o que não fazia a não ser piorar as coisas. Parecia impossível escapar daquele calor, inclusive quando paravam
sob uma sombra para deixar descansar aos cavalos.
A integridade com que Lauren tinha aguentado as vicissitudes do dia sem emitir uma só queixa se viu recompensada quando Jason decidiu parar muito antes que
começasse a anoitecer e anunciou que passariam a noite ali. Animou-a muito ver que estavam junto a uma poça profunda de água clara que alimentava uma corrente subterrânea.
Depois de percorrer tantas milhas sob um sol implacável, a idéia de um banho lhe resultava muito atrativa. Essa mesma manhã trocou o vestido de algodão esvaído
por um mais fresco, mas ainda assim seria uma delícia poder tirar as capas de suor e imundície que tinha a impressão de ter ido acumulando sobre a pele.
Depois de montar o acampamento, Jason teve a amabilidade de oferecer-se para fazer guarda enquanto ela se banhava e se acomodou à sombra de um salgueiro que
não estava a muita distância de Lauren, mas lhe dando as costas.
Não obstante, ao reparar em que não ouvia o menor chapinho como teria sido normal, olhou por cima do ombro e a viu de pé na borda observando a água como
se procurasse algo.
- O que está fazendo Olhos de Gata?
- Procurando o lugar onde é menos fundo. Não sei nadar.
Fez-se um silêncio detestável.
- Está me dizendo que saltou às águas do Mississipi do navio, e não sabe nadar? - disse ele em voz baixa mas com tom ameaçador.
Lauren o olhou surpreendida. Jason se tinha posto de pé e se aproximava dela a grandes pernadas com aspecto de estar furioso. Ela retrocedeu instintivamente
no momento em que uma mão de ferro lhe agarrava o pulso.
- Maldita seja, Lauren, é a pessoa com mais sorte deste mundo! Não sabe quão perigosas são as águas do Mississipi? As correntes do fundo são tão fortes que
até um boi poderia afogar-se nelas!
Ela o olhou sem saber o que pensar daquela repentina explosão de ira que adivinhava em seus olhos.
- Sinto-o - gaguejou.
- Que o sente! Que o sente! O que é o que sente, não ter conseguido te afogar? Também é a pessoa mais insensata que jamais conheci ninguém em seu são julgamento
teria feito uma coisa assim.
De repente, Lauren se deu conta de que era sua preocupação por ela o que provocava sua fúria e isso lhe fez sentir um estranho prazer, fê-la consciente, de
uma maneira profundamente feminina, da satisfação que supunha que um homem forte queria protegê-la.
- Não o voltarei fazer, lhe prometo - disse isso com um fio de voz albergando a esperança de que se acalmasse.
- Que o diabo me leve! E se pode saber o que pretende agora? Esta poça é profunda, o mais provável é que te cubra inteira em qualquer parte, e não sabe nadar!
- Terei muito cuidado, Jason.
- E isso do que vai servir? De todos os modos vou ter que te vigiar todo o momento para me assegurar de que não te passe nada.
- Por isso está tão zangado, porque não vais poder me tirar a vista de cima?
Lauren sabia de sobra, inclusive antes de ouvir a blasfêmia que deixou escapar ele entredentes, que isso era exatamente o que acontecia. Ele a atravessou
com o olhar e ela o devolveu sem pestanejar, pois, em que pese a que seguia dando a impressão de que não ia ser capaz de conter sua ira por mais tempo, já não a
intimidava, mas sim, de fato, logo que podia conter a risada ao dar-se conta do muito que o incomodava ter que vê-la sem roupa.
Era uma oportunidade muito perfeita de lhe pagar pelos comentários provocadores dessa manhã para deixá-la escapar. Os lábios do Lauren se curvaram em um sorriso
cheio de picardia enquanto fazia gesto de começar a desabotoar o vestido. Jason apertou os dentes e entreabriu os olhos olhando-a com receio.
- Está-me castigando por ontem a noite?
- Não, é pelo desta manhã, mas me surpreende que pergunte, tendo em conta que pelo visto é capaz de me ler o pensamento.
- Só posso tratar de imaginar o que acontece sua cabeça - resmungou ele, mas seu tom já não era feroz, e saber que não corria nenhum perigo incrementou a
ousadia do Lauren, que se aproximou até que seus seios virtualmente roçavam o granítico torso do Jason.
- Pois então me diga no que estou pensando agora - murmurou ela usando de modo deliberado seu tom de voz mais aveludado.
Quando, com um movimento lânguido, um dedo dela roçou a mandíbula perfeitamente barbeada do Jason, ele apartou o rosto bruscamente, como se algo o tivesse
queimado.
- Só estava tratando de alcançar o sabão, Jason - disse ela com recatada inocência ao mesmo tempo em que arregalava os olhos, - me pode entregá-lo?
Ele piscou e logo negou com a cabeça muito devagar.
- Deveria te dar uns bons açoites! - murmurou com a voz aflita cheia de exasperação.
Ela sorriu elevando provocadora o olhar para ele.
- Já, mas não o fará.
Lauren desfrutou imensamente burlando-se da repentina e inquebrável atitude recatada do Jason enquanto procurava o sabão em sua sela de montar.
Por sorte, seus comentários serviram para aplacar sua ira e não para incrementá-la, estava segura, pois lhe tremiam os lábios pelo esforço de seguir mantendo
a expressão séria em seu rosto.
Jason lhe deu o sabão e a agarrou pelos ombros para obrigá-la a dar volta e empurrá-la com suavidade em direção à água.
- Vá depressa, moça - lhe ordenou fingindo um brusco tom autoritário, - não te afaste da borda e grita se começar a te afogar. Não penso me dedicar a observar
como te banha, bastante me custa já me controlar sem necessidade de que exiba seu precioso corpo diante de mim.
Logo voltou para seu posto sob o salgueiro, ficou cômodo, e então se dirigiu a Lauren falando por cima do ombro.
- Como certo, esse vestido de solteirona que leva é ainda pior que ver-te sem nada em cima, faz a um homem empenhar-se em descobrir o que esconde debaixo
dele, não tem nada decente que te pôr?
A voz de Lauren lhe chegou um tanto amortecida porque justo nesse momento estava deslizando o vestido por cima de sua cabeça para tirá-lo.
Como Lauren seguia sem dizer nada, deu a volta e a olhou intrigado.
Aliviou-se ao descobrir que o mirava fixamente, porém estava submergida até o pescoço na água e, ainda assim, esta era muito transparente, tanto que não dava
trabalho adivinhar a pálida silhueta de seu corpo nu.
Lauren havia começado a ensaboar os cabelos e tinha as mãos na cabeça de modo que seus seios se elevavam tentadoramente. Jason mudou de posição, incomodado,
tratando por todos os meios ignorar a rigidez de suas entrepernas.
- Só o de cetim verde e dois mais do mesmo estilo...
- Disse decente, não desavergonhado. Não tem nada a meio caminho entre as duas coisas? Um pouco recatado, mas com um pouco de gosto e estilo?
- Temo que não - lhe respondeu ela, e logo lançou um grito afogado que fez supor ao Jason que acabava de meter-se na água e que estava muito fria.
- Pobre menininha humilde! Bom, agora tem suficiente dinheiro para comprar tantos vestidos como quiser. A estas alturas Kyle já deveria ter aberto uma conta
em seu nome em um banco de Nova Orleans, com mil para começar.
Por ouvi-la dar outro grito afogado, Jason acrescentou:
- Dólares, não libra.
Como Lauren seguia sem dizer nada, deu a volta e a olhou intrigado.
A soma que ele acabava de mencionar desconcertou tanto Lauren que não reparou em nada embora tivesse o olhar fixo nele, mas não era a extraordinária quantidade
de dinheiro, nem sequer a questão de sua suposta herança o que a confundia daquele modo, a não ser o fato de que ele tivesse contado com que voltaria. Ficou olhando-o
e nem sequer se deu conta de que a pastilha de sabão escorregou entre seus dedos.
- Estava seguro de que voltaria, não? - perguntou.
Os formosos olhos azuis do Jason se cravaram nos seus, verde e âmbar e cheios de receio.
- O único do que estava seguro era de que faria todo o possível para lhe encontrar - lhe respondeu muito sério, e nenhum dos dois disse nada durante um momento
até que ele falou de novo:
- E uma coisa mais! Não revelei sua identidade a ninguém. Kyle já conhece a história de seu desaparecimento, mas lhe pedi que fizesse o depósito em nome de
Lauren DeVries, pensei que seria melhor deixar que fosse você a que lhe explicasse por que não utiliza o nome do Andrea Carlin.
Fez uma pausa e logo acrescentou:
- Espero que te dê conta de que não há razão para que siga te escondendo: Burroughs morreu e Regina já não tem motivos para te fazer mal.
Para ouvir falar de seu passado, Lauren sentiu que um pânico familiar se apoderava dela, pois talvez já não precisava esconder-se, mas tampouco podia voltar
para a Inglaterra porque Regina Carlin seguiria tendo intenção de encerrar a sua sobrinha Andrea em um manicômio.
Estremeceu-se ao pensar que, como mínimo, teria que enfrentar um tribunal se chegava a tirar o chapéu usurpação de personalidade. O risco de acabar na prisão
seguia sendo muito real. Não. Tinha enterrado seu passado e assim deviam seguir as coisas se Jason o permitia. Não pôde dissimular seus movimentos nervosos ao notar
que ele a observava com olhar escrutinador.
Por que tinha sempre a impressão de que ele sabia mais do que dava a entender?
Como ela não dizia nada, Jason lhe sorriu.
- Não te parece que mil dólares seja suficiente?
Sentiu-se muito agradecida de que não a pressionasse e, dando a volta, dedicou-se a procurar o sabão ao mesmo tempo em que dizia com tom desenvolto e tratando
de recuperar a compostura:
- Por que será que tenho a impressão de que sempre está tentado me dar dinheiro?
- Certamente porque é teu.
-Meu? Só falta que me diga que o ouro que me ofereceu aquela noite a bordo de La Sereia também era meu...
Jason lançou uma gargalhada.
- Não teria sido fascinante, usar seu próprio dinheiro para pagar por seus serviços? Tinha que ter-me ocorrido!
Lauren inundou a cabeça na água para retirar o sabão do cabelo e quando ressurgiu quase sem fôlego e fazendo borbulhas pela boca, Jason voltou para tema do
dinheiro:
- Mil dólares devem ser suficientes para comprar um vestuário adequado. Nem preciso dizer que pode dispor de mais dinheiro se quiser, mas tenho que te advertir
que, como fideicomissário teu que sou, espero que me mantenha informado do uso que pensa fazer com a sua fortuna. Queria estar seguro de que não o entrega tudo ao
primeiro homem que desperte seu interesse, como esse tubarão do Duval, por exemplo.
- Felix não mostrava o menor interesse em mim.
- Pois você sim que mostrava o seu, isso é evidente. Lilás diz que te fez uma oferta da mais generosa.
Lauren o olhou por cima do ombro tratando de decifrar a reação do Jason, mas este havia tornado o rosto e não podia vê-lo.
- Imagino que Lilás também te contou a história de minha vida - murmurou ao mesmo tempo em que começava a ensaboar o corpo.
- Ao menos uma parte. Diz que está decidida a ser independente e que tem intenção de comprar seu próprio navio.
- Há algo que Lilás não te haja dito?
- Posso chegar a ser muito insistente... O que te propõe fazer com o navio quando o tiver?
- Com meu navio? Pois tenho intenção de me dedicar ao comércio. Em um par de anos terei o capital suficiente para começar meu próprio negócio.
- Mas imagino que Beauvais poderia te fazer um empréstimo...
- Sim, ofereceu-se, mas eu não queria estar em dívida com ele.
- Acredito que já vou entendendo como funciona sua mente, Olhos de Gata. Para ti a vida é um imenso livro de contas com um débito e um crédito.
Lauren detectou um certo tom de brincadeira em sua voz.
- Não é responsabilidade do Jean-Paul me manter - respondeu ela à defensiva, resistindo a explicar por que sentia esse desejo irrefreável de conservar sua
independência.
- Suponho que não, mas teria preferido que tivesse escolhido outra maneira de ganhar a vida. O que opina Lilás de que trabalhe nessa casa de jogo?
- Ela não tem culpa de nada.
- Não estou dizendo que a tenha - respondeu ele com firmeza.
- Já lhe adverti que foi muito teimosa, e agora me dou conta de que vamos ter que te encontrar outro tipo de ocupação se queremos te manter afastada de lugares
pouco recomendáveis.
Lauren fez um gesto com a cabeça.
- Pouco recomendáveis! Pois eu haveria dito que, precisamente a ti, o cassino não te pareceu um lugar tão espantoso, e que o jogo não era o único entretenimento
que andava procurando.
Jason arqueou uma sobrancelha.
- Quase diria que detecto certo ciúme em sua voz.
- Não, não são ciúmes, é inveja - disse Lauren lhe lançando um sorriso, em que pese a que ele não a estava olhando.
- Me dá inveja a liberdade que tem. Pode fazer o que te agrade, percorrer o mundo quando quiser, e perseguir tantas saias como tenha vontade e possa te permitir.
Ele tentou em vão reprimir uma gargalhada.
- Um cavalheiro não "persegue saias", minha querida Lauren e, para ser uma rica herdeira, te expressa de um modo deplorável, inclusive escandaloso.
- Hipócrita! - acusou-o ela desfrutando-se com aquela discussão.
- Você mesmo me há dito coisas muito piores. De fato, deveria aceitar parte da culpa por me haver levado pelo mau caminho: antes de te conhecer eu nem sabia
que os bordéis existiam.
- Está decidida a me carregar com todo o peso da culpa, não? - disse ele ao mesmo tempo em que sacudia a cabeça.
- Suponho que é uma sorte que não tenha tido muito trato com gente civilizada, certamente teria escandalizado a todo mundo com a naturalidade com a que falas
de bordéis e, a estas alturas, os falatórios teriam destroçado sua reputação. Mas não pense que tenho intenção de te abandonar, ao contrário, proponho fazer tudo
o que esteja em minha mão para te redimir.
- Você me vai redimir? - perguntou ela com cepticismo.
- Acredito que é minha obrigação retificar o dano que infligi a seu caráter, posto que fui eu o que te corrompeu.
- Di-lo porque me seduziu? Está começando a soar tão sofrivelmente virtuoso como Lilás, Jason. Não pode imaginar o respeitável que se tornou.
- E você, em troca, começa a dar a impressão de desejar o vício e a corrupção.
- Isso não é verdade! - riu ela de boa vontade.
Aquele som ligeiramente gutural fez que ele levantasse a cabeça. Via o rosto do Lauren de perfil e a suave curva que descreviam seus lábios provocou uma nova
onda de desejo que o percorreu de pés a cabeça.
- Meu deus! - disse quase sem respiração, - não duvido que te confundissem com uma prostituta, esse sorriso de sereia acenderia o desejo nas veias de qualquer
homem.
Dedicou-lhe outro olhar provocador inclinando um pouco a cabeça. Seus olhos verde e âmbar resplandeciam de picardia enquanto Jason a olhava hipnotizado. Tinha
terminado de banhar-se e estava aproximando da borda, tremendo de frio e com o cabelo empapado.
- Sinceramente - declarou Lauren com descaramento quando chegou a borda da água, - não vejo como poderia ser um guardião adequado, você que não teve nenhum
reparo em me apresentar a sua amante... Quem substituiu a Lilás? Se não te importar que lhe pergunte isso.
Obrigando-se a apartar o olhar da imagem daquele formoso corpo nu emergindo da água, Jason fez um esforço para não rodeá-la com seus braços tal como estes
clamavam por fazer e se limitou a sustentar em alto uma manta seca.
- Pode perguntar, mas a não ser que reconheça que tem ciúmes, não penso satisfazer sua curiosidade insalubre e, em qualquer caso, parece-me recordar que você
não estava disponível.
- E se o tivesse estado? - perguntou-lhe ela ao mesmo tempo em que se cobria com a manta.
Jason a olhou esboçando um sorriso.
- Me teria casado contigo por sua fortuna, por seu posto.
Ao ver que Lauren ficava muito séria, ele sorriu mais abertamente e murmurou:
- Bom, ao menos estamos progredindo. Faz somente dois dias poderia ter ganho um balaço por um comentário assim.
- Não sei como pode brincar sobre essas coisas - replicou Lauren franzindo o cenho.
- É que acredito que me corresponde o privilégio de te provocar depois de todos os sofrimentos que me tem feito passar...
Ela tremia de frio, assim Jason lhe apartou uma mecha dourada do rosto com delicadeza e disse:
- Vá sentar-te ao sol, Olhos de Gata, esquentará em seguida.
Lauren foi instalar-se obedientemente sobre um retalho de erva primaveril que crescia perto, de costas à água porque não tinha a menor intenção de observar
ao Jason agora que era seu turno para o banho embora, se era completamente honesta, sua decisão não vinha motivada pelo decoro, mas sim porque temia que voltasse
a apoderar-se dela a mesma debilidade que tinha experimentado essa manhã.
Durante um bom momento, conseguiu concentrar seus pensamentos em algo que não fora Jason, mas quando começou a desenredar o cabelo ao suave sol da tarde,
sentiu que o calor a adormecia ligeiramente e descobriu uma nova razão para lamentar-se de ter uma imaginação muito viva, pois podia ver a cena sem necessidade de
olhar: os largos ramos verdes dos salgueiros agitadas pelo vento, as folhas de palmito e os maciços de erva das andorinhas com suas flores amarelas, a superfície
da água em perfeita calma sobre a que se refletia o céu azul sem uma nuvem, e um belo corpo masculino perfeitamente formado e viril. E sua imaginação a levava ainda
mais longe: os raios do sol refletindo-se sobre a pele nua; os músculos bem definidos de um torso forte; as mãos esbeltas e poderosas cheias de sabão percorrendo
o peito ligeiramente talher de pêlo. Lauren fechou os olhos, tratando de apartar a imagem de sua mente.
Sentiu-se aliviada quando o ruído do chapinho lhe indicou que Jason tinha terminado o banho e se voltou para contemplá-lo enquanto nadava de um lado a outro
da poça. Logo descobriu que tinha sido um engano, pois até aquelas largas braçadas - fortes, seguras, profundas, rítmicas e cada vez mais rápidas e poderosas - lhe
traziam lembranças da última vez que tinham feito amor.
Jason esteve nadando um bom momento antes de inundar-se por completo uma última vez para logo voltar para a superfície lançando um jorro de diminutas gotas
de água pela boca, e logo ficou ali flutuando prazerosamente, balançado pelas suaves ondas da água, com a cabeça para trás e os olhos fechados. Por fim se deu a
volta e começou a nadar para a borda.
Apesar de sua firme determinação de não fazê-lo, Lauren não pôde resistir a tentação de observá-lo enquanto saía da água: um homem magnífico, de corpo forte
e bronzeado. Uma vez mais veio a sua mente a comparação com o deus Apolo ao ver os brilhos dourados do sol resplandecendo sobre a pele torrada, os reflexos dos mesmos
raios quentes que sentia sobre seu próprio corpo e que evocaram em seu interior um repentino desejo enfermo que a desconcertou por sua intensidade.
Lauren teve que fazer uso de toda sua força de vontade para apartar o olhar. Quando ele chegou a seu lado levava postas as calças de pele, mas não a camisa.
O coração do Lauren deu um tombo ao contemplar aquele torso forte e os largos ombros e se surpreendeu a si mesma olhando absorta o suave pêlo castanho claro orvalhado
por pequenas gotas de água que cobria seu peito. Quase podia sentir seu roçar contra seus seios nus. Enquanto Jason estendia uma manta no chão a seu lado e se deitava,
Lauren começou a falar para dissimular seu nervosismo.
- Ainda não me contaste como conseguiu nos resgatar desses guerreiros creek. Como arrumou isso? Ofereceu-lhes uma dúzia de cabeleiras em troca de nossa liberdade
ou é que reconheceram que foi um selvagem igual a eles?
Jason se tornou sobre um flanco, apoiando-se sobre um cotovelo.
- Vá, vá, vejo que Howard te esteve enchendo a cabeça de histórias!
- A verdade é que lhe impressionou muito tudo o que sabe sobre os shawnee, embora acredita que são quase tão malvados como os creek, e também te admira profundamente
por ter tido o valor de te enfrentar sozinho a esses guerreiros.
- Não foi questão de valor mas sim de desespero. Não ia deixar te ali abandonada...
- Mas o que lhes disse para convencer os de que nos deixassem partir?
Jason lhe sorriu.
- Não te vai gostar.
- Por favor, conseguiste despertar minha "curiosidade insalubre".
- Disse-lhes que a mulher era minha.
Lauren sentiu que o rubor tingia suas bochechas para ouvir aquela expressão tão inconfundivelmente possessiva.
- Só por isso partiram sem mais?
- Os creek sempre foram aliados dos shawnee - respondeu ele ao mesmo tempo em que arrancava uma fibra de erva que levou aos lábios, e como Lauren seguia olhando-o
com uma expressão algo zombadora e também de expectativa, Jason arqueou uma sobrancelha e lhe perguntou:
- De verdade quer que te conte os detalhes?
Ela ficou olhando um momento, dando-se conta de que, se respondia que sim, isso suporia um certo compromisso por sua parte; seria, de algum modo, como admitir
que desejava conhecê-lo melhor.
Ao final fez um gesto afirmativo e disse:
- Sim, de verdade que me interessa, não conheço nenhum índio, além de Cervo Veloz.
Lauren se perguntou se o brilho nos olhos do Jason era de satisfação, mas se esqueceu desse assunto assim que ele começou a lhe falar do ano que tinha passado
como trapaceiro no que agora era o Território de Indiana.
- A mulher de meu companheiro era shawnee, da tribo do chefe Tecumseh, um dos grandes líderes shawnee. Enfim, o caso é que em uma ocasião matei a um urso
que estava a ponto de devorar a um primo do chefe e, como amostra de gratidão, este me deu uma faca muito valiosa com os símbolos da tribo gravados no punho. Foi
seu nome o que invoquei para me congraçar com esses guerreiros creek.
- Está me dizendo que nos deixaram partir porque salvou a um membro de outra tribo?
- Não é tão desatinado como parece. Tecumseh morreu no campo de batalha faz alguns anos, mas seu nome segue inspirando muito respeito. Dedicou virtualmente
toda sua vida a tentar organizar uma confederação de tribos, incluídos os creek, contra o homem branco.
- Quase se diria que o passa...
Jason se encolheu de ombros.
- Ele só pretendia proteger a sua gente. Durante anos, os sucessivos tratados com o governo dos Estados Unidos foram despojando aos shawnee de seus lares
e seus territórios de caça, e os britânicos tampouco o fizeram muito melhor que digamos: proporcionaram aos shawnee assessores políticos que, em realidade, respiraram
as hostilidades e utilizaram as tribos para criar uma espécie de barreira entre os Estados Unidos e Canadá. Os shawnee lutam por sua sobrevivência, igual aos creek
que lhes atacaram.
- Mas você não participou dos enfrentamentos, você foi trapaceiro, assim que o que foi o que te trouxe para a América?
- Suponho que o mesmo que leva a ti a desejar ter seu próprio navio: precisava ser dono de meu próprio destino. Meu pai tinha suas próprias idéias sobre o
que cabia esperar do filho de um marquês, com as que eu poucas vezes estava de acordo. A vida ociosa da aristocracia nunca me atraiu muito.
Lauren o olhou com curiosidade, não podia imaginá-lo submetido aos ditados de ninguém, nem sequer de seu pai, por muito que este desfrutasse da elevada posição
de marquês:
- Suponho que também queria me pôr a prova - acrescentou Jason, - e a natureza me fascinou, como o fez o estilo de vida singelo, embora a verdade é que era
toda uma provocação, tanto mental como fisicamente.
- Pois te ouvindo falar parece que você gostou disso - comentou ela em voz baixa.
Jason fixou a vista em um ponto distante mais à frente do ombro de Lauren.
- Foi uma das épocas mais felizes de minha vida.
- Então por que partiu?
Ele não respondeu em seguida. De um salgueiro próximo, o canto de um pássaro retumbou no meio do silêncio.
- Por várias razões - respondeu ele por fim.
- Tinha outras responsabilidades e, em realidade, não era meu mundo. A Inglaterra é meu lar e sempre o será, não tinha nenhuma intenção de cortar os laços
familiares.
Não mencionou o fato de que tampouco tinha encontrado o que procurava, uma sensação de plenitude, um propósito..., e portanto tinha seguido seu caminho.
Então a olhou e se fez de novo o firme propósito de ser paciente. Inclusive envolta naquela manta de lã parda, seguia resultando irresistível. Ela prendeu
a manta sob os braços deixando os ombros a descoberto; também ficavam à vista seus compridos e pálidos pés e os tornozelos, porque estava sentada com os joelhos
flexionados e o queixo apoiado sobre eles. O cabelo, ainda úmido, caía-lhe pelas costas igual a uma cascata dourada. Jason teve que resistir ao desejo de percorrer
com as mãos aquela massa de cabelos sedosos.
Lauren recebeu o impacto de seu quente olhar como se fora uma carícia e, decidida a lutar com unhas e dentes contra o efeito que estava tendo sobre seu pulso,
trocou de tema.
- Essas roupas de pele que leva, é assim como se vestem os guerreiros shawnee?
Ele a olhou divertido.
- Bom, esta é uma versão ligeiramente mais civilizada. Normalmente, os homens só levavam uma tanga no verão, e no inverno além umas meias para o frio. Eu
tive que dar um cavalo a mais a Pequena Águia para que me fizesse umas calças largas.
- Ela é quem te fez a roupa? - perguntou Lauren abrindo os olhos com curiosidade, ao mesmo tempo em que se perguntava que mais teria feito aquela índia pelo
arrumado homem que estava estendido a seus pés.
- Certamente não é trabalho para um homem - respondeu ele com voz cálida e risonha.
- As mulheres shawnee são as que se ocupam de curtir as peles e fazer a roupa, e também são as responsáveis pela colheita e de criar aos meninos, pelo menos
até que os varões alcançam a idade suficiente para sair a pôr a prova sua dignidade.
- Assim às mulheres as tratam como a meras escravas - concluiu Lauren com certo desdém.
Jason se recostou sobre a manta entrelaçando as mãos detrás da cabeça.
- Surpreender-te-ia o poder que têm em realidade. A mulher tem o controle absoluto no lar, ali sua palavra é a lei. O homem tem a responsabilidade de proteger
à família, mas se quiser algo tão simples como uma espiga de milho, tem que oferecer a sua mulher um presente em troca, e os shawnee não consideram as mulheres umas
idiotas descerebradas como fazem muitos de nossos compatriotas, ao contrário, podem exercer considerável influencia nas decisões do conselho da tribo, até podem
ser chefes de povoado se ganharem o respeito da gente e esta reconhece sua liderança.
Lauren parecia pensativa.
- E o que tem que fazer uma mulher para ganhar esse respeito? Lutar contra os inimigos da tribo?
- Certamente tem que provar suas habilidades, mas rara vez no campo de batalha, há muitas outras formas de demonstrar a valentia, a coragem e a sabedoria.
Mas deixemos já aos shawnee - disse Jason voltando a cabeça para olhá-la, - deveríamos estar falando de seu futuro. Diga-me, além de ser livre para andar por aí
perseguindo saias, o que quer fazer com sua vida?
- É absolutamente necessário que falemos disso agora? - protestou ela, pois não queria arruinar a magia do entardecer, assim que se estirou indolentemente
e, deitando com os braços estirados por cima da cabeça, ficou a contemplar o céu. A cor azul tinha dado lugar a várias tonalidades suaves de vermelho e dourado que
anunciavam o final do dia.
- Não pensaste no que fará quando voltar a Nova Orleans?
Lauren fechou os olhos e lançou um suspiro deixando que a lassidão se estendesse por todo seu corpo.
- Este lugar é tão aprazível - murmurou meio adormecida, - que talvez não volte.
Jason se apoiou sobre um cotovelo para voltar a ficar de lado e sentiu que lhe faltava o fôlego quando contemplou Lauren: sua gloriosa cabeleira se estendia
sobre a erva lançando brilhos dourados similares aos que provocavam sobre sua pálida pele os últimos raios do sol. Percorreu-a com o olhar passando do rosto à delicada
curva do pescoço, para logo continuar descendo até o nascimento dos seios turgentes que se elevavam e desciam ao ritmo cadencioso de sua respiração. Ardia em desejos
de liberá-los da manta que os deixava prisioneiros...
- Bom, então - disse ele sem poder dissimular que sua voz se tornou de repente muito mais rouca e aveludada, - saberá pelo menos onde quer viver.
Lauren abriu os olhos de repente: surpreendeu-a a pergunta e também a intensidade dos olhos azuis do Jason quando reparou em como a percorria com o olhar.
- Em Nova Orleans, por que o pergunta?
- Porque terá que ocupar-se de toda uma série de trâmites legais na Inglaterra para poder fazer efetiva a transferência de sua fortuna. Claro está que se
pretende permanecer em Nova Orleans durante um tempo posso me encarregar de tudo, mas só faltam uns meses para que possa tomar o controle da naval.
- Mas é que não a quero, já tenho tudo o que posso desejar.
- Tudo? E o navio que te propõe comprar?
Lauren levou uma mão à têmpora com gesto distraído, pensando em quão irônico resultava que estivesse rechaçando uma fortuna. Tinha havido um tempo em que
tivesse sido capaz de trocar dez anos de sua vida por possuir o que agora lhe ofereciam...
- Isso é diferente, será meu próprio negócio.
- Mas inclusive se tiver dinheiro para comprar um navio, terá que escolher um que seja bom, e também deverá aprender um montão de coisas sobre a compra e
venda das mercadorias que transportará nele.
- Tenho intenção de contratar a um capitão com experiência.
- E que experiência tem você contratando capitães?
- Nenhuma, mas já me arrumarei isso, e não quero saber nada da companhia Carlin.
Jason franziu o cenho.
- Importar-te-ia me dizer por que?
- Não tenho feito nada para merecer essa fortuna - disse ela com pouca convicção, pois sentia certos remorsos por todas as meias verdades que se veria obrigada
a contar para continuar com a farsa.
Houve um dilatado silêncio durante o qual Jason lhe cravou um olhar escrutinador que ela suportou sem dizer nada, perguntando-se com certo desgosto se seria
capaz de lhe ler o pensamento. Por fim, ele disse com voz suave:
- As heranças não ganham, Lauren, recebem-se. Seu pai queria que você herdasse sua fortuna, e assim o dispôs, e Burroughs te deixou a outra metade da companhia
Carlin.
- Já te disse que não a quero - respondeu ela em voz muito baixa também.
- Se insistir, darei tudo a alguma obra de caridade.
Ele ficou pensando por um momento e logo negou com a cabeça.
- Como fideicomissário de sua herança, é minha obrigação expressar minhas objeções a essa idéia. Nenhuma obra de caridade seria capaz de dirigir uma companhia
tão grande, e tampouco saberia como. Lauren...
Como se fosse incapaz de evitá-lo, Jason se aproximou e se inclinou até que seu rosto ficou a escassos centímetros do dela, que podia sentir a calidez de
seu fôlego lhe acariciando levemente as bochechas.
- Lauren - murmurou em um tom tão íntimo que despertou nela a chama do desejo, - quero que me dê sua confiança, quero seu amor.
Jason elevou uma mão para lhe acariciar uma bochecha com a mais absoluta delicadeza:
- E quero te dar o meu. Case-te comigo, minha vida.
Lauren baixou o olhar para ocultar seus olhos e assim também os pensamentos que a atormentavam. O que lhe propunha era impossível, pois embora fosse capaz
de esquecer as terríveis experiências de sua própria mãe, inclusive se pudesse convencer-se a si mesma de que Jason a queria e não à companhia Carlin, não podia
aceitar casar-se com ele sem confessar quem era em realidade, e não confiava nele o suficiente para fazer algo assim. Além disso, estava a questão da ilegitimidade:
o que pensaria Jason se soubesse que era uma filha bastarda? Talvez fora um filho rebelde, mas mesmo assim seguia sendo o filho de um nobre, enquanto que as origens
dela faziam impensável sua união com um membro da nobreza. Tendo muito cuidado de não deixar ver suas emoções, lhe respondeu por fim:
- Não posso me casar contigo, Jason.
- Mas por que não?
- Por favor..., simplesmente não posso.
Percorreu-lhe os lábios com o polegar.
- Não confia em mim, verdade?
Hipnotizada pela ternura de seus olhos, Lauren lhe devolveu o olhar cheia de angústia. Não queria confiar nele. Quantas vezes tinha ouvido dizer sua mãe que
os homens a utilizariam para logo abandoná-la?
- Não sei - reconheceu ela com voz tremente pela emoção.
- Lauren - começou ele em um tom suave e aveludado que era como uma carícia para os sentidos, - tem tudo e ao mesmo tempo não tem nada da mulher que acreditava
que fosse, e salvo que o tenha entregue a outro, seu coração te segue pertencendo, é só que não está preparada para me entregar isso.
Ela apertou os olhos com força. Queria..., não importava o que quisesse.
- Não..., não posso, não posso - murmurou.
Ele lançou um profundo suspiro e encolheu os ombros. Apartou-se e, como se nunca tivesse se desviado do tema, continuou falando:
- Eu gostaria de ter certas garantias de que pode carregar a responsabilidade que supõe a companhia antes de lhe entregar isso. Assim vou aproveitar-me dessa
debilidade que tem pelo regateio e te vou propor um trato. Tenho a intenção de abrir um escritório da Carlin em Nova Orleans, mas para isso necessitarei a ajuda
de seu amigo Beauvais, sobretudo na hora de estabelecer uma boa rede de distribuição, e aí é onde você pode me ajudar. Se te esforçar por aprender todo o necessário
sobre o negócio das navais poderia me ser muito útil, e eu me encarregaria de procurar um comerciante que se encarregasse de comprar a mercadoria a bons preços e
que te ensinasse como fazer negócios rentáveis.
- Parece-te bem a idéia? - Lauren esquadrinhou o rosto do Jason com expressão incrédula ao mesmo tempo em que se perguntava o que ia tirar ele em limpo de
tudo aquilo, e lhe dedicou um sorriso fugaz.
- Vamos, Lauren, não estará ficando medo agora! A ti, a mulher que atravessou o Atlântico à tenra idade de dezesseis anos com tão somente cem guinéus no bolso!
A mesma mulher que em uma ocasião enfrentou a uma banda de guerreiros creek, a que é capaz de olhar a um homem aos olhos e lhe dizer que vá ao inferno...
- Não - mentiu ela, - não tenho medo.
- Prometo não voltar a te pedir que case comigo se isso te ajudar a decidir.
"Isso seria um alívio", pensou ela com sarcasmo. E além disso o trato lhe oferecia outras vantagens: poderia aprender muitas coisas do Jason, já que ele tinha
experiência como marinheiro e como fideicomissário da naval, e o que era mais importante, sua oferta lhe oferecia a possibilidade de postergar ao menos por um tempo
ter que tomar uma decisão, até que lhe ocorresse uma solução melhor a respeito do que fazer com sua herança, se conseguia controlar a atração que sentia por ele...
- Está bem, aceito - respondeu, firmemente decidida a pôr tudo a sua parte para exercer esse controle sobre si mesma.
Mas parecia que Jason não pensava exatamente o mesmo porque tomou as mãos e as levou aos lábios para lhe beijar a ponta dos dedos com indolente galanteria,
fazendo que o coração dela se acelerasse imediatamente.
- Sócios então?
Lauren sentiu que a invadia uma onda de calor e retirou as mãos bruscamente com gesto nervoso.
- Sim, sócios.
- Bem - disse ele sorrindo ao mesmo tempo em que esticava a mão para lhe acariciar a mandíbula com o dedo indicador.
Ela estremeceu e as carícias do Jason se tornaram inclusive mais delicadas quando sua mão se separou da mandíbula e foi ascendendo até o ouvido para logo
- como se sucumbisse a um desejo imperioso - deslizar-se para baixo, roçando com suavidade sua garganta com dedos leves como plumas.
Lauren abriu desmesuradamente seus belos olhos verde e âmbar quando as carícias continuaram um descida lenta e se deu conta de que Jason se propunha vingar-se
por havê-lo provocado um momento atrás.
Ficou tensa, preparando-se para suportar o sensual assalto que seria seu castigo, decidida a não lhe dar a satisfação de comprovar o quanto podia fazê-la
responder, embora seu pulso se acelerasse tanto como se tivesse andado uma larga distância. Mas quando os dedos do Jason descenderam ainda mais para acariciar a
curva de seus seios justo por cima da manta, já não pôde seguir fingindo e agarrou com força a mão dele.
- Não, basta, por favor! - suplicou-lhe, desejando que acabasse o jogo.
Entretanto, ele não tinha feito mais que começar.
- Relaxe - lhe aconselhou com tom zombador, - isto não é uma proposta de matrimônio.
Logo tirou devagar a manta e respirou fundo.
- Meu Deus, tem os seios mais formosos que jamais tinha visto! - disse com voz repentinamente aveludada ao mesmo tempo em que seus olhos azuis despediam um
fogo tão brilhante como os dourados raios do sol que beijavam a pele nua de Lauren.
Ela estremeceu e fechou os olhos. Outra vez a invadia essa deliciosa sensação de desfalecimento que a privava de vontade. Ele percorreu o suave vale que separava
seus seios com um movimento lânguido do dedo indicador e então se desviou para acariciá-los por debaixo, massageando as deliciosas redondezas. Logo trocou o movimento
de seus dedos, que começaram a descrever círculos lentamente em torno dos rosados mamilos turgentes, embora evitando de forma deliberada roçá-los.
Quando Lauren deixou escapar um gemido, ele sorriu enquanto a observava agitar-se e tremer sob o influxo enlouquecedor de suas carícias.
- Jason, por favor... - balbuciou ela sem estar convencida de que poderia encontrar as forças necessárias para pôr fim a aquela tortura, pois seus mamilos
se endureceram, clamando por sentir o roçar daqueles dedos.
- Por favor, o que, Lauren? - perguntou ele, sedutor, ao mesmo tempo em que inclinava ligeiramente a cabeça.
- Que não te excite? Temo que já seja muito tarde: está tão tensa como um arco a ponto de lançar a flecha.
Então os lábios do Jason se uniram ao sensual ataque, lhe acariciando a orelha e a suave pele do queixo, desenhando sobre seu pescoço um caminho de pequenos
beijos cativantes enquanto cobria seus seios cheios com as palmas de suas mãos. Quando sua boca se apoderou ao fim de um mamilo turgente, aquele incrível fogo úmido
a deixou sem fôlego.
Aturdida pelo ardente desejo, baixou o olhar e reparou vagamente em que uma atrevida mecha de seu cabelo tinha ido pousar sobre o ombro do Jason: seus brilhos
dourados resplandeciam à luz do entardecer confundindo-se com os reflexos de prata das mechas mais claras dos cabelos castanhos dele.
Jason encheu de cuidados os enfermos mamilos erguidos, sugando com delicadeza com os lábios para logo massageá-los com a língua até fazer que ficassem duros
como diamantes. Ela cravou as unhas na manta sem ser sequer consciente do que fazia ao mesmo tempo em que sua respiração se voltava cada vez mais entrecortada.
Quando ele deslizou um joelho entre suas coxas, Lauren se deu conta de que não era um jogo, de que nunca o tinha sido. Jason não tinha intenção de parar,
estava lhe acariciando o ventre com a mão e esta seguia descendendo, despertando nela uma paixão enlouquecedora.
- Mas... disse... que não... - protestou Lauren com um fio de voz.
Ele trocou de postura ao mesmo tempo em que seguia com os lábios o caminho riscado por sua mão.
- O que tenho em mente não pode acabar em uma gravidez - murmurou ele lhe acariciando o ventre com seu fôlego.
Ela deixou escapar um grito afogado quando os lábios do Jason roçaram o pêlo encaracolado de seu sexo.
- Não..., Jason...
Aferrou-se a seus cabelos com desespero, tratando de obrigá-lo a elevar a cabeça:
- Não... O que está fazendo?
- Estou te dando o que queria ontem de noite.
- Eu não queria...
- Sim o queria.
Seus lábios se deslizaram pela soleira de sua feminilidade para lhe mostrar exatamente o que era o que se propunha e logo olhou desafiante aos olhos suplicantes
de Lauren.
- Diga que pare e o farei.
- OH, Deus! - balbuciou ela fechando os olhos, plenamente consciente de sua renúncia.
- Não posso.
Jason esboçou um sorriso terno e, depois de lhe agarrar as mãos com doçura, sujeitando-lhe a ambos os lados do corpo, fê-la sua com as carícias suaves e decididas
de sua língua. Lauren acreditou que aquela doce dor insuportável a mataria. Lançou um soluço prolongado e seus quadris se elevaram por vontade própria saindo ao
encontro da tortura daquela língua que atravessava com fogo o rincão mais íntimo de seu ser. Seu corpo se retorceu tratando de escapar, mas as mãos do Jason, que
tinham se deslizado até seus quadris, tinham-na firmemente sujeita e se negavam a liberar sua carne avermelhada lhe impedindo de mover-se. Da garganta do Jason saiu
um gemido gutural de satisfação no momento em que Lauren começou a gemer.
Ele continuou saboreando-a, lambendo-a com sua língua implacável para depois sugar com uns lábios ardentes, saqueando, devorando... Ela sentiu desejos de
gritar quando a língua do Jason a penetrou e umas pontadas de prazer a percorreram ameaçando fazê-la enlouquecer. Agitou a cabeça enquanto se aferrava ao Jason lhe
cravando as unhas em seus ombros musculosos. Aos poucos lhe invadiram os espasmos do êxtase, como se uma onda gigantesca a alagasse, e logo outra, e outra.
O eco de seus roucos gemidos era o único som que perturbava o aprazível silêncio do entardecer.


Capítulo 13

Durante os três dias de viagem que seguiram, Lauren descobriu que Jason falava muito a sério quando lhe propôs envolvê-la nos assuntos da naval Carlin. Começou
por informá-la sobre a China e o comércio com as Índias Ocidentais, os alicerces sobre os que Jonathan Carlin tinha edificado seu império, e logo passou a lhe descrever
a organização da companhia atual, que ele dirigia.
A Lauren impressionaram a magnitude e complexidade da empresa, pois não imaginou que fosse tão grande.
- E você toma todas as decisões? - perguntou ao Jason enquanto cavalgavam ao mesmo tempo durante o primeiro dia.
Dedicou-lhe um sorriso e disse:
- Quase nenhuma se te for sincero, conto com um homem de confiança que fiscaliza todos os detalhes e o pessoal do escritório de Londres, é muito eficiente.
Normalmente, eu só tenho que dar minha aprovação, embora de vez em quando me ocorre alguma ou outra boa idéia.
Mas quando Jason lhe contou os problemas e desafios que enfrentava a companhia constantemente, Lauren se deu conta de que ele estava infravalorizando sua
participação nos êxitos continuados da naval.
- Mas, contudo - comentou ela, - em ocasiões deve te resultar difícil dirigir uma empresa tão grande.
- A verdade é que é muito divertido. Burroughs me ensinou muito antes de morrer.
Ao reparar no repentino silêncio de Lauren, Jason a olhou intrigado.
- Era um homem brilhante para os negócios, é uma pena que fosse um completo inútil no que a ti respeita. Eu acredito que te tinha medo.
Lauren o olhou com ceticismo.
- Medo? A mim?
- Aterrorizava-o a responsabilidade, e tenho que reconhecer que não fez as coisas nada bem.
- Faz que pareça que era quase humano.
- É que o era, com suas falhas humanas como todos nós, Lauren. Não sei se algum dia chegará a perdoá-lo, mas, e não esqueça o que te digo, talvez sim conseguirá
chegar a entender por que fez o que fez.
Ela apertou os lábios, negando-se a considerar essa possibilidade e a seguir falando do Burroughs.
- Alguma vez te expuseste te fazer preceptora? - perguntou-lhe Jason de repente provocando nela um olhar de total desconcerto.
- O digo porque esse gesto de apertar os lábios aterraria até ao menino mais travesso.
Lauren fez gesto de relaxar-se e até dedicou ao Jason um sorriso forçado.
- Isso está melhor - riu ele.
- Não queria acreditar que minha nova sócia está a ponto de me deixar na estacada quando mais necessito sua ajuda.
- Minha ajuda?
Jason obrigou a seu cavalo a deter-se para poder estudar o atalho enquanto Lauren o observava, fascinada pelo fato de que fora capaz de distinguir algo entre
a centena de rastros que se entreteciam no chão, mas pelo visto sim podia e não detectou nada estranho, porque esporeou ao cavalo para que seguisse adiante ao mesmo
tempo em que retomava a conversação onde a tinham deixado.
- Entendê-lo-á quando falar com o Beauvais. Quis me desafiar a um duelo a noite que irrompi em sua casa, é obvio, mas é óbvio que não aceitei porque tinha
certa pressa e, por sorte, Lilás conseguiu nos acalmar aos dois. Mesmo assim, ter-me-ia que considerar muito afortunado se Beauvais aceitar minhas desculpas pelas
coisas que lhe disse, entre as que estava, e não foi o pior, questionar sua inteligência por ter permitido que trabalhasse nesse cassino.
- Mas se Jean-Paul não teve nada que ver com isso! - defendeu-o Lauren.
- Já sei, já sei que foi minha culpa - disse ele em tom risonho, - mas em qualquer caso conto contigo para que me ajude a fazer as pazes com ele. Tenho que
dizer que eu gostei de Beauvais quando o conheci, o que sem dúvida ele consideraria como um completo se me conhecesse melhor, já que tenho uma aversão especial aos
franceses. Deve-se ao fato de ter que andar lutando para liberar a meu país da ameaça de acabar sendo governado por um corso diminuto com um ego gigantesco, disso
não me cabe a menor duvida.
- Conhece Beauvais a natureza de sua antiga relação com sua esposa? - perguntou Lauren.
Ao ouvir o tom inocente da pergunta, Jason lhe sorriu com ironia.
- Não que eu saiba, e tampouco tenho intenção de lhe falar disso. Lilás não parecia se preocupar muito e, francamente, acredito que se essa informação chegasse
a seus ouvidos, nossos benefícios, por não falar de minha sobrevivência, ver-se-iam afetados. Kyle acredita que necessitamos ao Beauvais para pôr em marcha uma rede
de distribuição confiável.
Logo Jason lhe explicou com todo detalhe seus planos para abrir um escritório em Nova Orleans.
- Sonho muito emocionante - disse Lauren com tom melancólico que deixava bem patente a inveja que sentia.
- Pois a verdade é que é tudo bastante aborrecido, mas me alegro de que você não o veja assim, já que será quem se encarregará de tudo.
Jason sorriu ao ver seu rosto de surpresa.
- Não pensaria que ia deixar que esquecesse e não movesse um dedo, não? Afinal somos sócios... e te garanto que vais estar demais ocupada, preciosa, até
que chegue ao esgotamento. Pelo menos confio em que assim seja e não fiquem forças para ir tocar piano para um bando de jogadores libidinosos.
Lauren arqueou uma sobrancelha.
- E... o que se supõe que estará fazendo você enquanto eu arranco a pele trabalhando?
- Pois imagino que me caberá assegurar de que não te meta em confusões.
O brilho risonho dos olhos do Jason se fez mais intenso ao ver o olhar pícaro com que lhe respondia Lauren.
- Eu serei seu assessor e também me ocuparei de fiscalizar a construção do armazém.
- Crê que haverá algum trabalho para Matthew MacGregor? Eu tinha pensado fazê-lo capitão de meu navio, mas diz que já está velho para isso.
- Me diga o que sabe dele.
- Foi contrabandista - lançou Lauren, que morria de curiosidade por ver como reagiria Jason.
Ele esboçou um sorriso zombador.
- Não me custa trabalho acreditar sabendo quão exótico é o passado do resto de suas amizades...
- Mas Lilás já me contou isso e devo confessar que não me surpreendeu. Eu pessoalmente prefiro cumprir a lei, mas mesmo assim sou capaz de admirar a um homem
com arrestos e iniciativa. As habilidades comerciais do MacGregor são as que me interessam, e o que tenha feito no passado não é meu assunto.
- Matthew sempre foi de confiança - sentenciou Lauren sem incomodar-se em dissimular sua inquebrável lealdade, e logo contou que Matthew se dedicava ao comércio
de peles e como as tinha engenhado para fazer de sua ocupação um próspero negócio.
Jason assentiu com expressão pensativa.
- Pode ser que tenha razão - disse.
- É provável que seja uma idéia muito sensata contar com ele. Irei vê-lo assim que esteja de volta em Nova Orleans.
A partir desse momento, seguiram falando dos temas mais díspares: da marinha mercante, de anedotas pessoais, de quais eram seus respectivos planos para o
futuro imediato... Quando Jason perguntou a Lauren o que tinha estado fazendo durante os últimos quatro anos, ela se surpreendeu de como falava com ele como se fossem
velhos conhecidos e não se deu conta até depois da facilidade com que Jason tinha conseguido lhe surrupiar um relato completo.
Ao cabo de um momento, quando lhe falou do matrimônio de Lilás, lhe perguntou como tinha vivido a guerra entre as colônias e Inglaterra, e Lauren lhe contou
que, dois anos atrás, o iminente ataque das tropas britânicas tinha posto à cidade de Nova Orleans encoberta - em que pese a que o governo americano tinha enviado
ao Andrew Jackson a defender a praça, - pois as tropas estavam mal equipadas e eram em sua maioria civis.
- Lilás estava fora de si - disse, - fundamentalmente porque Jean-Paul participou da guerra.
Estávamos preparadas para abandonar Bellefleur imediatamente se caísse Nova Orleans, mas ao final resultou que os americanos só sofreram um punhado de baixas
e Jean-Paul saiu virtualmente ileso.
- Enquanto que os britânicos perderam dois mil homens... - acrescentou Jason com voz lúgubre.
- Sim, já sei, foi horrível. Dizem que foi a batalha mais sangrenta de toda a guerra, e o mais terrível e irônico do caso é que teve lugar duas semanas depois
de que se assinasse a paz no Gante.
Lauren lhe perguntou se as batalhas tinham sido tão encarniçadas durante as guerras napoleônicas e Jason lhe contou algo de seu próprio passado e das escaramuças
que tinha vivido em alto mar, embora, para falar a verdade, não falou muito dos perigos que enfrentou. E apesar de tudo, descobrir que aquele homem viril e arrumado
que cavalgava a seu lado podia ter perdido a vida em mais de uma ocasião provocou nela uma estranha inquietação.
Outro pensamento a afetava profundamente: a lembrança do que tinha ocorrido aquela tarde junto à poça. Ela tratava de não pensar muito nisso, mas não podia
esquecer a facilidade com que Jason a tinha excitado até levá-la ao êxtase mais demolidor, nem como ela se rendeu sem opor a menor resistência. Tinha acreditado
estar a salvo de seus avanços porque lhe tinha prometido não lhe fazer amor até que aceitasse casar-se com ele e, no sentido estrito, tinha cumprido sua palavra,
pois não a tinha tomado nem tampouco tinha procurado nenhuma gratificação física para si mesmo. Simplesmente tinha conseguido fazê-la ainda mais consciente de sua
magnética presença: cada vez que se aproximava, vinham-lhe à mente lembranças do aroma de sua pele e o calor de sua boca que provocavam uma não desejada reação
instantânea em seu interior, o desejo a fazia estremecer e isso só conseguia aumentar a tensão de seu pobre corpo e fazê-la ainda mais consciente da poderosa energia
que fluía entre eles.
Nisso, ele tinha razão, reconheceu Lauren a contra gosto ao mesmo tempo em que lhe lançava um olhar de soslaio. Em efeito, entre eles dois havia uma cativante
e sempre presente atração física. Era real, ardente como umas brasas acesas das que podiam surgir as chamas em qualquer momento precisando somente avivar um pouco
o fogo, e o maior problema de Lauren nesses momentos era assegurar-se de que não houvesse a menor oportunidade de que isso ocorresse.
A chuva que durante uns dias se manteve ausente fez sua aparição ao seguinte dia e Lauren e Jason tiveram que sofrer um par de inundações torrenciais, mas
em relação a isso o último lance de viagem foi agradável e lhes pareceu muito curto. Quando por fim chegaram a Nova Orleans depois de cruzar enfim o canal Rigolets,
seguia chovendo e estava a ponto de escurecer.
Foi então quando Lauren se deu conta de que provavelmente tinha cometido um terrível engano ao aceitar a proposta do Jason, pois, aproveitando-se ao máximo
das atribuições que podiam supor como seu sócio, ele se negou terminantemente a permitir que voltasse para o cassino, nem tão sequer para recolher suas coisas, e
tampouco não quis nem ouvir falar de que iria viver na cabana do Matthew.
- Não vou viver no Bellefleur - declarou Lauren com firmeza, - já abusei bastante da hospitalidade de Lilás.
- Pois ela não parece estar de acordo - disse Jason, - e eu também tenho intenção de ficar ali se Beauvais voltar a me convidar.
- Possivelmente Jean-Paul não aceite suas desculpas...
- Lauren, eu só posso cumprir minha parte do trato se passarmos todo tempo juntos.
- Nesse caso talvez seja melhor que nos esqueçamos de todo esse assunto.
- Sinto que pense assim - lhe respondeu ele sem alterar-se.
- Abril é um bom mês para casar-se, não te parece?
Ao ver que ela enrugava a testa, Jason soltou uma gargalhada.
- Sabe uma coisa, minha vida? É a primeira mulher que conheço que vê o matrimônio como uma ameaça.
Jason tinha conseguido esgotar a paciência de Lauren quando chegaram ao Bellefleur e, assim que se detiveram frente ao alpendre da magnífica mansão, nem sequer
esperou a que ele a ajudasse a desmontar, mas sim, depois de despedir-se tão rápido como pôde, subiu correndo a escada da entrada principal e desapareceu no interior
da casa. Ele ficou olhando-a um bom momento e logo tomou as rédeas dos dois cavalos e deu a volta para voltar pela ampla avenida flanqueada de carvalhos em direção
a seu hotel em Nova Orleans.
Pouco tempo depois que Jason partiu, Lauren descobriu que tinha outra razão para estar zangada com ele. Lilás a recebeu com as inevitáveis lágrimas e a sabida
lengalenga enquanto que Jean-Paul exigiu que lhe contasse absolutamente tudo o que tinha passado.
O esbelto cavalheiro crioulo de olhos escuros escutou com atenção sem deixar de franzir o cenho nem por um instante, enquanto Lauren se desculpava e proporcionava
toda classe de explicações, mas quando acabou com seu relato abreviado dos últimos dias, Jean-Paul lhe dirigiu um olhar intenso, muito similar a que seria de se
esperar de um pai furioso.
Desconcertada, Lauren olhou a Lilás com a esperança de obter uma explicação, mas esta se limitou a revolver-se no assento com expressão afligida e logo por
fim disse:
- Agora Jason Stuart é marquês, Lauren, o marquês do Effing.
- E prometeu - a interrompeu seu marido- comportar-se como um cavalheiro honorável e casar-se contigo.
Lauren se surpreendeu tanto por ouvir aquilo que não conseguiu fazer nada mais que ficar olhando ao Jean-Paul, completamente paralisada.
- Levou-te a seu navio, comprometeu-te... - acrescentou Beauvais.
- Isso é o que te contou? - perguntou Lauren presa do desconcerto quando por fim foi capaz de dizer algo.
- Oui! Acaso o nega?
Ela apertou os lábios caindo então na conta de que se referiu Jason quando havia dito que Lilás lhe tinha dado sua bênção. É obvio que a tinha dado, se ele
tinha prometido casar-se com ela! E agora Jean-Paul também ficava do lado do Stuart. Como se atrevia Jason a nem tão sequer adverti-la do que acontecia? Como se
atrevia a contar aos outros o que tinha ocorrido entre eles? Fazendo um esforço supremo para que suas feições não se crispassem, Lauren assentiu com a cabeça.
- Sim, nego-o - respondeu, - Jason, lorde Effing, exagerou sobremaneira, que o tenha acompanhado a seu navio não implica necessariamente que me comprometesse.
- Mas, Lauren, passaste vários dias só com ele - assinalou Lilás.
- Tem que casar-se contigo imediatamente - apostilou o marido desta com firmeza.
- Jean-Paul, isso é ridículo, não tenho a mínima intenção de me casar com o Jason - protestou Lauren.
- Ele não te fez proposições, nem avanço? - insistiu ele. Lauren olhou a Lilás e duvidou por um momento.
- O desafiarei a um duelo! - declarou Jean-Paul elevando a voz ao mesmo tempo em que gesticulava com as mãos para enfatizar suas palavras.
Um pouco parecido a isso era o que sentia a própria Lauren, mas quando viu que o marido de sua amiga parecia falar a sério, começou a considerar que,
em efeito, essa era sua intenção.
- Jean-Paul - o atalhou com brutalidade, sem deter-se em considerar a incongruência que supunha que agora ela saísse em defesa do Jason.
- A idéia de um duelo é de todo absurda!
- Pois então se celebrará essas bodas. Se lorde Effing te desonrou, está obrigado a...
- Permite que te recorde que eu não sou tua responsabilidade? Agradeço muito sua preocupação, mas está organizando meu futuro sem meu consentimento... Não
me casarei com o Jason Stuart, jamais.
- Ele é o fideicomissário da companhia Carlin e se comprometeu a me ensinar o que sabe sobre navais, agora somos sócios, durante um tempo; isso é tudo.
- Tinha a esperança de que me ajudaria a criar a rede de distribuição que Stuart tem em mente, posto que ele diz que sua colaboração seria muito valiosa,
mas já vejo que agora mesmo não está disposto a escutar, assim seguiremos com esta conversação amanhã, quando tiver tido tempo suficiente para te fazer à idéia.
Boa noite, Lilás.
E dito isto, Lauren fez uma inclinação de cabeça com ar régio, deu a volta e saiu rapidamente da habitação fechando a porta firmemente a suas costas.
O silêncio que deixou detrás de si era patente: Lilás retorcia as mãos presa da agitação, com os olhos fixos no tapete, e então Jean-Paul soltou uma
breve gargalhada e abraçou a sua mulher.
- Te preocupa algo, Ma chérie?
Lilás lançou um suspiro e apoiou a cabeça no ombro de seu marido.
- Não dizia a sério o de desafiá-lo a um duelo...
- É obvio que não chegaremos a esses extremos - a tranquilizou.
- Se suas intenções não fossem honoráveis, então a coisa trocaria, mas eu diria que para quando chegar o verão nossa formosa Lauren já estará felizmente casada.
- Fariam um casal maravilhoso, estou convencida, mas Lauren não se casará com ele, conheço-a...
- Não se preocupe por isso, monsieur Stuart me parece muito capaz de encarregar-se deste assunto, e já tem feito grandes progressos, mais do que me tivesse
imaginado possível!
Se tivesse ouvido os comentários do Jean-Paul, Lauren os teria refutado imediatamente. Nesses momentos se encontrava no piso acima, no elegante dormitório
em que dormia sempre quando visitava Bellefleur, e estava prometendo a si mesma que se manteria tão afastada do Jason Stuart quanto fosse possível. Enfurecia-a dar-se
conta da facilidade com que a tinha manipulado.
Tinha sido uma estúpida ao aceitar a proposta do Jason - agora o via claro - tinha lhe concedido uma valiosa vantagem sem que lhe custasse nada em troca,
e agora ela teria que suportar também as reprimendas compulsivas de Lilás: Jason podia haver se comprometido a não voltar a lhe falar de matrimônio, mas Lilás não
abandonaria o tema jamais.
As hipóteses de Lauren resultaram ser acertadas. À manhã seguinte, durante o café da manhã, sua amiga se lançou sem perder um minuto a enumerar todos os argumentos
que tinha estado preparando para fundamentar seu caso...
Entretanto, o que de verdade enfureceu Lauren foi descobrir que Jean-Paul tinha depositado todas as economias que lhe tinha crédito no banco onde tinha sido
depositado o dinheiro da companhia Carlin, o que em definitivo significava que agora Jason tinha o controle de todo o capital que tanto esforço lhe havia custado
reunir; assim não foi capaz de manter sua atitude em geral calma e informou a Jean-Paul do modo mais explicito de que foi capaz de que se negava a reconhecer ao
Jason como seu guardião - por muitos papéis que este tivesse dizendo o contrário - e acrescentou que já tinha sofrido durante suficiente tempo a ditadura de um guardião
inflexível.
Lilás interrompeu então a discussão, num intento de apaziguar os ânimos, mencionando as vantagens que aquele matrimônio reportaria a Lauren e, para quando
deram as dez da manhã, esta já tinha ouvido quanto podia suportar dos suaves ataques verbais de Lilás destinados a convencê-la e se foi refugiar no jardim.
Quando um dos serventes anunciou a chegada do Jason meia hora mais tarde Lauren estava ainda indignada. Tinha deixado de chover, mas o banco no que se sentou
ainda não estava seco de tudo, assim que se dedicou a sacudir as gotas de sua saia meticulosamente ao vê-lo aproximar-se. Vestido com um elegante traje cinza claro
estava tão bonito que quase era impossível resistir, mas ela se obrigou a apartar o olhar, reprovando-se em silêncio a forma lamentável em que lhe acelerava o pulso
tão somente ao vê-lo.
- E bem, crê que Beauvais tem intenção de me perdoar? - perguntou-lhe Jason depois ter recebido dela um glacial "bom dia" em resposta a sua saudação.
Lauren evitava disciplinadamente olhá-lo aos olhos mantendo os seus cravados no chão.
- Ele sim, mas eu não posso dizer o mesmo, milord.
- Milord? E por que não "Jason" como até agora?
Como não lhe respondia, olhou-a com expressão cautelosa.
- Pobre Lauren! Foi tão terrível? Cometi um engano ao te deixar aqui abandonada para que enfrentasse à matilha sozinha?
Ela seguia sem levantar a cabeça e tinha as mãos recatadamente entrelaçadas sobre o regaço.
- Lauren me olhe, por favor.
Ela se obstinava em não dizer nenhuma palavra, assim que tomou o queixo para obrigá-la a elevar a vista e lhe fez um nó no estômago ao comprovar a expressão
fria, distante e séria de seus belos olhos verde e âmbar, que se abriram como pratos com expressão inocente ao mesmo tempo em que ela perguntava:
- Mas por que, Jason, passa algo?
- Diga-me isso você - lhe respondeu.
- A mim certamente não passa nada absolutamente, eu adoro que me enganem, persigam, exortem e pressionem toda a manhã!
Lauren moveu a cabeça a um lado e a outro tratando de soltar-se e seu tom se voltou acusador de repente.
- Como pôde dizer a Lilás que me tinha feito o amor?
- Não recordo ter sido algo tão grave absolutamente - respondeu ele apoiando uma bota no banco junto a ela com ar despreocupado. Em sua voz havia um eco risonho
que fez que em Lauren entrassem vontades de esbofeteá-lo.
- Dá igual quão grave tenha sido o resultado é o mesmo! E você sabia o que diriam Lilás e Jean-Paul.
- O que?
- Que devo me casar contigo. Nem te atreva a negar que sabia!
- Assim agora resulta que voltamos a estar prometidos outra vez? Isso significa que posso beijar à futura noiva?
Antes que lhe desse tempo a reagir, Jason tomou uma mão entre as suas e a beijou.
Lauren a apartou rapidamente e o atravessou com o olhar.
- Não diga estupidez! É obvio que não estamos prometidos, não me casarei contigo, nem agora nem nunca, e no que a mim concerne, qualquer trato ao que tivéssemos
chegado deixou de ser válido.
- Nunca teria imaginado que perdesse a compostura com tanta facilidade.
O olhar provocador que lhe lançou Jason era terno e íntimo, e fez que Lauren apertasse os punhos.
- Maldito seja, Jason! Não é verdade - começou a dizer antes de dar-se conta de que estava elevando a voz.
Fazendo um grande esforço, tratou de falar com mais calma:
- Não perdi a compostura, é só que eu não gosto que me enganem. Podia me ter avisado, assim pelo menos teria sabido o que me esperava.
- Paraste para pensar que talvez isso tivesse sido o certo que tivesse feito se tivesse ficado terminando nossa conversa de ontem de noite em vez de sair
correndo igual a uma menina zangada?
- Deus, é insuportável! - exclamou ela ficando de pé para voltar para casa, mas Jason, com a mandíbula apertada em um gesto cheio de determinação, a impediu
agarrando-a pelo braço e obrigando-a a dar volta e olhá-lo.
Disse-lhe que não tinha intenção de desculpar-se pelo simples fato de querer casar-se com ela.
- Não, simples não - corrigiu - com Lauren nunca nada era simples.
Pelo menos agora entendia melhor como devia haver se sentido Burroughs, como se caminhasse pela corda frouxa, entre a verdade e a obrigação, e com um chão
tão quebradiço como o cristal lá abaixo na distância. Mas a ira do Jason já tinha provocado que Lauren batesse em retirada em uma ocasião, assim decidiu não cometer
outra vez o mesmo engano e lhe prometeu com voz suave:
- Falarei com Lilás, acredito que posso convencê-la para que deixe de te incomodar com este assunto. E agora entra em casa e ponha o chapéu, tenho um carro
esperando.
Lauren elevou o queixo com gesto digno.
- Não tenho a menor intenção de ir contigo a nenhum lugar.
A junção dos lábios dele se arquearam em um meio sorriso.
- Mas se nem me perguntaste aonde quero te levar... Tinha pensado que podíamos ir às compras; mas primeiro à costureira para que lhe façam uns vestidos.
- Não deixarei que me manipule, Jason, e não quero roupa nova.
O brilho zombador daqueles olhos azuis se fez mais intenso.
- Mesmo assim os terá, não vou deixar que minha sócia me ponha em evidência andando por aí vestida com farrapos.
Lauren conseguiu soltar o braço.
- Acabo de te dizer que já não somos sócios! O que faz? - perguntou alarmada quando lhe rodeou a cintura com as mãos.
- Solte-me! Não pode me obrigar, Jason.
Ela resistiu, mas ele a atraiu para si e logo inclinou a cabeça para beijá-la, e como ela apartou o rosto, contentou-se lhe acariciando a orelha com os lábios
e logo lhe morder brandamente o lóbulo.
- É obvio que não posso - o reconheceu com um sussurro aveludado, - mas tampouco tenho intenção de discutir sobre isto, minha vida, simplesmente vou beijar-te
até que aceite ou acabemos os dois sobre a grama. Você escolhe.
Lauren empurrou com as mãos o forte torso mas não conseguiu apartá-lo. Ele se negava a soltá-la, e, além disso, seu corpo traidor reagiu imediatamente à quebra
de onda de calor que lhe provocou a língua do Jason quando percorreu com frouxidão as suaves linhas da orelha para logo provocá-la implacavelmente ampliando o ataque
à parte interior. Desconsolada, deu-se conta de que já não lutava, em que pese a seguir lutando em seu interior contra as deliciosas sensações que a língua do Jason
desatava.
- Não te atreverá! - exclamou quase sem fôlego.
- Sim me atreverei, Olhos de Gata! - declarou ele ao mesmo tempo em que deslizava a mão até um de seus seios.
- Prometo-te que sim! - Jason notou como o mamilo ficava duro imediatamente e o acariciou com o polegar para logo pressioná-lo com um gesto sedutor que arrancou
de Lauren um gritinho afogado.
- O que acredita que aconteceria se Lilás nos surpreendesse em uma situação tão embaraçosa?
- Jason, por favor...
Era impossível compreender aquela paixão selvagem que a alagava, impossível evitar responder, derreter-se, desejar... Os quadris do Jason se apertavam contra
as seus, sentia sobre as coxas o roçar de seu membro inchado e palpitante que não deixava lugar a dúvidas sobre o que ele queria.
- Está bem, sim! - balbuciou Lauren.
- Sim?
- Sim, irei contigo.
- E o trato segue em pé? - perguntou ele lhe acariciando a bochecha com seu fôlego quente e entrecortado.
- Sim - aceitou ela empurrando de novo contra o poderoso torso até que ele a deixou ir.
Então Lauren levou a mão ao peito, como se tratasse com isso de acalmar os batimentos de seu coração.
- Mas a nossa relação é tão somente de negócios, fica claro?
Ele fez uma exagerada reverência com gesto zombador.
- É obvio, que outra coisa poderia ser, senhorita Carlin? - disse brincando ao mesmo tempo em que se afastava para a deixar passar diante em direção à casa.
Lauren descobriu em pouco tempo como interpretava Jason suas condições.
Durante todo o trajeto até a cidade quase não lhe dirigiu a palavra, exceto para responder a uma pergunta que lhe tinha feito confirmando que, efetivamente,
tinha comprado o carro e as duas magníficas éguas que o puxavam essa mesma manhã; não parecia zangado mas tão somente aborrecido.
"Comporta-se como se ele fosse o ofendido", pensou Lauren ressentidamente enquanto observava a destreza com que as mãos do Jason dirigiam as rédeas. E então
se ruborizou ao se dar conta de que tinha estado recordando o tato desses dedos esbeltos e sensíveis sobre sua pele.
Quando chegaram a seu destino, para desespero de Lauren, o contraste entre os cuidados prévios de Jason e seu desapego atual se fez ainda mais pronunciado.
Além disso, sua atitude indiferente se dissipou assim que dirigiu a palavra à costureira, uma bela mulher de uns trinta anos que contemplou com interesse e agrado
a imponente figura e beleza um tanto felina do cavalheiro, ao que ele respondeu desdobrando todo seu magnetismo e lhe dedicando um cativante olhar risonho de seus
belos olhos azuis; inclusive paquerou com ela, pensou Lauren enfurecendo-se em silêncio. Desta forma, Jason não teve o menor problema para que o atendesse imediatamente.
Jason não lhe consultou nenhuma só vez na escolha da roupa que ela pudesse necessitar, nem sequer teve em conta sua opinião quando ela a deu: a costureira
sempre o olhava procurando sua confirmação, e a maneira em que Stuart adotava uma atitude de confiada autoridade tirava Lauren do sério, embora tivesse que reconhecer
que tinha um gosto delicioso e acertou de pleno na escolha dos desenhos e cores que realçariam melhor sua beleza sem necessidade de mostrar boa parte de seus encantos.
Apesar disso o comportamento do Jason a enfurecia. Submetia-a a um olhar escrutinador e crítico cada vez que lhe colocavam um novo tecido sobre o peito para
comprovar o efeito, e quando ela provou um vestido vespertino de um tom rosa escuro combinado com uma jaqueta entalhada cor nata, as sugestões do cavalheiro sobre
as alterações que deviam ser feitas no decote fizeram que Lauren se ruborizasse.
- Suponho que agora já está satisfeito - espetou ela com tom irritado uma vez que tornou a ficar com seu vestido de algodão esvaído.
Jason se recostou na cadeira que lhe tinham proporcionado para que estivesse cômodo e disse com uma luz zombadora no olhar:
- Pois sim, bastante satisfeito.
- Então, já podemos partir ou pretende ficar a assessorar à costureira com o resto das clientes?
- Não seja ingrata, senhorita Carlin - lhe respondeu ele com um sorriso magnânimo.
- Meu nome é senhorita DeVries, Francamente, Jason, não é que não esteja agradecida, mas sou costureira, eu mesma podia haver feito os vestidos.
- Não vais ter tempo para isso.
- Bom, em qualquer caso, não tinha nenhuma necessidade de sua opinião.
- A julgar pela indumentária que levaste no passado - lhe respondeu com ironia, - não as tinha todas comigo.
- Sempre consegue o que quer? - perguntou-lhe Lauren olhando-o irritada.
Ele esboçou um sorriso com os olhos brilhantes.
- Sim, quase sempre.
Seu bom humor era contagioso e, ficando de pé, Lauren sacudiu a cabeça cheia de incredulidade.
Como era possível que de repente ela também tivesse vontade de rir quando fazia um momento estava decidida a lhe lançar um montão de cilindros de tecido à
cabeça e trespassá-lo por uma centena de lugares como se fosse uma almofadinha para alfinetes?
Enquanto faziam tempo até que os acertos do vestido de tarde estivessem preparados, Jason a acompanhou a uma chapelaria e uma sapataria.
De volta na costureira, Lauren trocou o singelo vestido de algodão pelo novo e se surpreendeu a si mesma para ouvir-se lançar um suspiro de satisfação: tinha
que reconhecer que era maravilhoso não parecer nem uma faxineira nem uma cortesã.
Quando saiu do provador para que Jason a visse, dedicou-lhe um lento sorriso cativante que a percorreu como se de uma chama se tratasse e, dando-se conta
de que estava começando a ansiar sua aprovação, Lauren fez um esforço consciente para acalmar os batimentos de seu coração enquanto ele se afastava uns quantos passos
para dar instruções à costureira de que enviasse os vestidos à plantação dos Beauvais e as faturas a seu banco. Por ouvir falar de bancos, Lauren recordou que a
maior afronta do Jason tinha sido precisamente a que deu procuração de suas economias, assim quando lhe ofereceu o braço para sair ela ficou olhando-o com expressão
dúbia.
- Queria ver com meus próprios olhos a conta que tem aberto em meu nome - anunciou, e logo fez uma pausa para ver como reagia.
Se o comentário o afetou, foi capaz de dissimulá-lo completamente com um sorriso malicioso.
- Mas como? Minha própria sócia não confia em mim?
Ela enrugou a testa e o olhou nos olhos.
- Não, a verdade é que não.
- Pelo menos é sincera comigo - respondeu ele ao mesmo tempo em que colocava a mão de Lauren na parte interior de seu antebraço com masculina naturalidade.
- Muito bem, Olhos de Gata, nesse caso levar-te-ei para que veja essa conta por ti mesma, mas primeiro vamos comer. Vestir uma dama sempre abre o apetite.
O tato dos fortes músculos sob seus dedos fazia que Lauren se sentisse incomodada.
- Deve querer dizer "despir" - murmurou ela.
- Isso também - lhe respondeu Jason com uma gargalhada enquanto segurava a porta para que ela saísse.
Passaram ao longo de uns quantos cafés abarrotados onde a clientela era quase exclusivamente masculina e escolheram um pequeno, mas que servia uma comida
excelente. Custava concentrar-se no cardápio porque o bulício que a rodeava a intrigava muito e, enquanto observava a outros clientes sem dissimular sua curiosidade,
reparou nos olhares de admiração que despertava - em homens e mulheres por igual- a presença do Jason: uma poderosa energia emanava por cada poro de sua pele como
uma incontida força vital, e isso unido com sua inegável virilidade e refinada elegância formava uma combinação explosiva.
Lauren também se fixou no que tinham posto as outras mulheres e surpreendeu a si mesma comparando seus elegantes modelos na moda com o seu, com tanta concentração,
que não se deu conta de que ela também era o alvo dos olhares agradados de uns quantos cavalheiros.
Assim que lhes serviram, Jason se inclinou para diante lhe ordenando que abrisse a boca, e quando ela virou a cabeça para ele, colocou-lhe um camarão-rosa
na boca.
- E agora mastiga - disse sorrindo ao mesmo tempo em que erguia uma mão conciliadora, - já sei que é capaz de comer sozinha, minha vida, mas estava começando
a me preocupar que morresse de inanição... Qualquer diria que nunca comeste fora de casa!
Ela se ruborizou e disse com total naturalidade:
- É que nunca o tenho feito, pelo menos não em um lugar como este.
Ele ficou olhando-a pensativo.
- Não tem com que preocupar-se, Lauren, está preciosa.
Ela precisava ouvir algo assim, pois, rodeada por toda aquela gente refinada e elegante, tinha começado a sentir-se insegura e inclusive a duvidar de sua
capacidade para não parecer desconjuntada, assim dedicou a Jason um sorriso frágil cheio de um inconsciente poder de sedução que teria cativado a qualquer homem.
Ele sentiu que seu coração falhava para logo lhe golpear com força as costelas e, ao olhar aqueles luminosos olhos verdes, compreendeu que tivesse podido
equivocar-se a tomando por uma cortesã: Lauren tinha o sorriso de uma sereia, o corpo de uma deusa e o porte de uma rainha. Que homem não quereria tê-la em sua cama?
Era fria e distante, de uma beleza demolidora, pensou Jason enquanto a contemplava. A cor do vestido ressaltava o tom rosado de suas bochechas delicadas e seus provocadores
lábios enquanto que o chapeuzinho de aba curta que tinha posto emoldurava perfeitamente seu formoso rosto sem chegar a cobrir de todo sua sedosa juba dourada. Jason
surpreendeu a si mesmo desejando ver aqueles suaves cabelos soltos sobre seus belos seios e, cada vez mais absorto em seus pensamentos, recordou cada instante daquela
noite em que lhe tinha feito amor a bordo de La Sereia.
As lembranças teriam que ser suficientes, disse-se a si mesmo, ao menos no momento, até que pudesse derrubar as barreiras de fria desconfiança com que ela
se rodeava constantemente e, enquanto isso, não ficaria mais remédio que manter seu desejo sob um férreo controle.
Apesar disso, podia pensar em um sem-fim de coisas que o compensavam quando estava em companhia de Lauren; já tinha sido uma satisfação havê-la podido observar
esse mesmo dia, tinha desfrutado muito da emoção que deu conta dela ao ver-se bem vestida, e a excitação quase infantil com que olhava quanto a rodeava o tinha comovido
profundamente. Foi nesse instante preciso em que soube que para ele sempre seria um prazer satisfazê-la até seus mínimos desejos.
Além disso, não lhe preocupava que, ao haver-se convertido tão de repente em uma rica herdeira, assaltassem-na a avareza nem um apetite desmesurado pelas
coisas materiais, pois os largos anos de penúrias lhe tinham ensinado o valor do dinheiro. Lilás lhe tinha contado o muito que tinha trabalhado Lauren com o objetivo
de economizar o dinheiro necessário para comprar um navio, já que se tinha negado a aceitar um empréstimo do Beauvais movida por sua inquebrável determinação de
ser independente.
Aquele empenho impetuoso por ser independente era compreensível e, por mais que Jason tivesse preferido que se dedicasse a outra coisa, o trabalho que fazia
no cassino era perfeitamente honesto.
Que difícil devia ter sido a existência para ela até esse momento! Tanto em termos materiais como em quaisquer outros, a vida de Lauren tinha sido muito
mais dura do que jamais tinha sido a sua própria, pensou Jason, e não podia lhe haver resultado nada fácil viver com esse medo constante a que Burroughs desse com
ela em qualquer momento.
Agora entendia por que ela teimava em conservar o controle de seu próprio destino e por que, depois de todas as penalidades que tinha passado, considerava
sua liberdade mais importante que o ouro e as jóias. Mas Jason também via claramente que a alma de Lauren desejava novas experiências e a firme decisão de assegurar-se
de que ela desfrutasse da vida se converteu em sua prioridade, relegando a um segundo plano seu próprio desejo de fazê-la sua.
Ensinaria-lhe, prometeu-se Jason. Passo a passo, mostrar-lhe-ia todos e cada um dos aspectos de uma relação estreita, do carinho e a intimidade, até que Lauren
fosse capaz de valorizá-los.
Seu olhar cheio de ternura se recreou no formoso rosto ovalado enquanto pensava que poderia considerar o homem mais afortunado do mundo se algum dia
lhe correspondesse, embora tão somente fora com uma décima parte do amor com que tão desesperadamente desejava enchê-la ele.


Capítulo 14

Lauren avançava lentamente pela galeria do andar superior da mansão dos Beauvais, receosa, como se a arrastasse uma magnética força invisível. Era muito estranha
a maneira em que podia intuir a presença do Jason; tinha ouvido que chegava um cavaleiro ao Bellefleur e, como não tinha visto o visitante, imediatamente tinha sabido
que Jason estaria no escritório com o Jean-Paul.
Devia manter-se afastada dele - isso sabia de sobra -, pois resultava muito perigoso para ela, já que ele parecia capaz de anular a sua vontade, mas a verdade
era que estava desejando vê-lo. Puxou uma mecha rebelde do cabelo para trás de uma orelha, e logo alisou com gesto nervoso a saia do vestido de musselina cor verde
maçã que tinha posto; era um dos vestidos novos que tinham chegado durante os dias que ele tinha estado fora de Nova Orleans.
A viagem do Jason a pegou completamente de surpresa, e não lhe tinha contado aonde ia nem a razão que o levava a ausentar-se, só a tinha informado que estaria
fora da cidade uns quantos dias.
Lauren ainda recordava o que havia dito quando se despediu como a tinha provocado lhe perguntando se sentiria a falta dele e que riu de maneira cortante quando
tinha respondido que não.
Mas, em realidade, sim, tinha sentido falta dele. Guardava na memória o dia que tinham estado juntos no bairro Antigo, quando Jason a tinha escoltado de loja
em loja e depois tinham ido comer naquele café elegante, um dos mais agradáveis que podia recordar. Depois da deliciosa comida, foram ao escritório de monsieur Sauvinet,
o proprietário do banco, que tinha atendido Lauren como se tratasse de um membro da realeza. Também tinha ocorrido algo curioso: Sauvinet tinha levado Jason à parte
para lhe entregar uma nota, ele havia lançando um olhar a Lauren na ocasião enquanto a lia e logo tinha feito um gesto afirmativo com a cabeça. Partiram depois de
um momento com cem dólares na bolsa de Lauren.
- E agora o que vais fazer com esse dinheiro? - perguntou-lhe Jason com tom despreocupado ao mesmo tempo em que a agarrava do braço para guiá-la para a praça.
- Tenho que devolver um empréstimo a Veronique.
- Ah, sim, o empréstimo com o que financiou sua fuga!
Lauren enrugou a frente ao mesmo tempo em que lhe lançava um olhar gélido a que ele respondeu com um sorriso indiferente, enquanto a levava do braço em direção
ao dique onde estava ancorada A Sereia, dizendo que precisava passar por ali.
Pelo caminho se desviaram para atravessar o Mercado Francês, uma estrutura feita de tijolos estucados. Como de costume, havia muito bulício e estava abarrotado
com os personagens mais díspares: negociantes, verdureiros, peixeiros, meninos esfarrapados, clientes elegantemente vestidos, negras com turbantes de vivas cores
na cabeça e índias das tribos choctaw e chitimacha envoltas em mantas tecidas à mão que vendiam cestos feitos com juncos e outros produtos artesanais.
Chamou a atenção de Lauren um colar de contas azuis que havia em um posto onde vendiam bijuteria. Passou os dedos pelas suaves bolinhas de cristal e se surpreendeu
comparando a cor destas com o incomparável azul profundo dos olhos do Jason. Elevou a vista e se encontrou com ele a observando, olhando-a com essa estranha expressão
que tanto a perturbava.
- Passa algo? - perguntou sobressaltada.
- Não - lhe respondeu ele em voz baixa, - só estava te imaginando com um colar de safiras, mas se este é o que você gosta...
- Não é isso! - exclamou ela, negando-se a admitir a verdadeira razão pela que lhe tinha chamado a atenção e resistia a reconhecer as implicações do comentário
do Jason, pois tampouco queria que gastasse mais dinheiro com ela.
- Só queria ver como parecia - mentiu, e devolveu o colar ao lojista.
Pouco depois estavam a bordo de La Sereia. A atitude do Kyle Ramsey lhe pareceu reservada quando lhe deu a boa-vinda, embora se ofereceu a lhe mostrar o navio,
já que Jason acabava de desculpar-se alegando que tinha que ocupar-se de outros assuntos. E Lauren aceitou educadamente. A Sereia era um veleiro de dois paus, menor
e mais elegante que o tipo de navio com o que ela tinha sonhado sendo proprietária. A tripulação estava muito atarefada limpando a coberta, os equipamentos de barco
e os arranjos, e inspecionando os metros e metros de mastros, cordas e velas para comprovar se havia algo que arrumar.
Enquanto seguia ao Kyle, que ia assinalando detalhes aqui e lá por onde passavam, Lauren descobriu com desconsolo que sua mente teimava em rememorar a última
vez que tinha estado a bordo de La Sereia, e se sentiu aliviada ao ver que Kyle não tinha intenção de levá-la para baixo. Jason tinha desaparecido nessa direção
e ela não desejava vê-lo em seu camarote, porque ainda se sentia sufocada ao recordar as sensações que suas peritas mãos tinham despertado nela naquele lugar. A
presença do Tim Sutter também recordava aquela noite, de fato passou um momento de apuro quando o moço a tinha saudado cortesmente a sua chegada, mas se recompôs
ao detectar nos olhos do jovem um inconfundível brilho de admiração, e se deteve falar com ele para desculpar-se com tanta amabilidade como pôde por havê-lo golpeado
na cabeça e interessar-se pelo estado de sua ferida. Tim se ruborizou até as orelhas e resmungou umas palavras para tirar importância ao incidente, e logo se apressou
a pedir permissão ao capitão para voltar para suas tarefas e se afastou tão rápido como lhe permitiram as pernas, provocando a risada do Kyle e inclusive um fugaz
sorriso de Lauren. O capitão não a apresentou a nenhum membro da tripulação, apesar de que mais de um lhe dedicou um olhar curioso.
- Espero que saiba me perdoar por submetê-la a esta inspeção - se desculpou ele ao reparar na atenção que ela despertava, - mas é que você é a primeira mulher
a que permiti subir a bordo de La Sereia e ainda não disse à tripulação que, de fato, também é a proprietária do navio. Os marinheiros são desconfiados no que respeita
a ter mulheres a bordo e pensei que seria melhor para os homens que pudessem familiarizar-se com sua presença antes de informar de que trabalham para você em realidade.
A Lauren incomodava o rumo que estava tomando a conversação.
- A verdade - reconheceu ela - é que preferiria que não lhes dissesse nada.
- Segue sem querer que se saiba que em realidade é você a senhorita Carlin?
Ela estava evitando olhá-lo à cara, assim só ouviu o tom de surpresa que tingia sua voz.
- Eu... É só que levo tanto tempo usando o nome do Lauren DeVries que me seria muito estranho trocar agora.
Kyle se encolheu de ombros.
- Sim, entendo-o, mas talvez quisesse reconsiderar sua decisão tendo em conta que, se for passar tempo a bordo de La Sereia, que se soubesse que é a proprietária
lhe proporcionaria certo amparo.
- Amparo? - replicou Lauren olhando-o com desconcerto.
- Mas seus homens parecem muito respeitosos.
Kyle sorriu com certa dissimulação.
- Em princípio não acredito que se atrevessem não se for Jason quem a traz a bordo, e sempre quando eu esteja com você. Esta tripulação foi cuidadosamente
escolhida e são todos mais confiáveis que a média dos marinheiros, mas já vi a mais de um homem perder a cabeça por uma mulher formosa arriscando sua posição, seu
nome, tudo, em um momento de alienação.
Fez uma pausa para observar o rosto de Lauren e seu olhar cor avelã adquiriu uma expressão grave.
- De fato, durante uns quantos anos eu mesmo estive convencido de que isso era precisamente o que tinha passado ao Jason, embora tenha que reconhecer que
não é você absolutamente como imaginava, pois acreditava que Jason tinha caído nas redes de uma descarada intrigante, por muito que você valesse uma fortuna...
- Pensava isso de mim? - perguntou Lauren com um fio de voz.
Houve outro longo silêncio antes que Kyle respondesse:
- Durante muito tempo, Jason fez todo o possível por encontrá-la, até me enviou aqui, aos Estados Unidos, com esse propósito faz uns anos, mas nunca tinha
podido imaginar que... Vim à Nova Orleans em um par de ocasiões depois, mas suponho que você estava você muito bem escondida.
Então a expressão séria de seu rosto se dissipou um tanto e a olhou com um sorriso afligido nos lábios.
- Inclusive este navio foi batizado em sua honra. Temo que foi minha idéia chamá-lo A Sereia e a intenção não era fazer a você uma homenagem, e tampouco ajudou
muito que a encontrássemos em uma casa de jogo. Mas, enfim, eu... deveria ter sabido que você não se emprestaria a esse tipo de ocupações, peço-lhe desculpas por,
né..., lhe haver feito proposições.
- É perfeitamente compreensível, capitão - murmurou ela, desconcertada por sua desculpa, com o que se sentiu muito aliviada quando Kyle trocou de tema.
A visita se interrompeu com o reaparecimento do Jason: levava um pacote sob um braço e uma cesta sob o outro.
- Trouxe-te uns livros sobre o negócio das navais - disse mostrando os volumes encadernados em pele, - e o Ulisses - acrescentou misteriosamente ao mesmo
tempo em que entregava a cesta ao Lauren.
Por ouvir um miado apagado mas mesmo assim inconfundível, Lauren olhou Jason intrigada e logo, com cuidado, abriu um pouco a tampa da cesta para olhar dentro.
Quando uma enfurecida bola de pelo avermelhado tratou de saltar fora, voltou a fechá-la de repente e, profundamente desconcertada, olhou ao Jason de novo, logo à
cesta e a ele uma vez mais.
- Meu gato! - murmurou.
Sua expressão confusa era adorável, pensou Jason, agradecido pelo fato de que ter as mãos ocupadas que lhe impedisse de estreitá-la em seus braços, e limpou
a garganta obrigando-se a centrar sua atenção no gato.
- Eu não o tiraria da cesta até que não chegasse em casa - aconselhou, - deu-me trabalho colocá-lo aí dentro e, tendo em conta o carinho que Ulisses tem
a Kyle, além disso corre o risco de que não queira partir.
Lauren sabia que tinha que dizer algo, fazer algo, mas estava muito surpreendida para encontrar as palavras e tampouco era capaz de apartar o olhar da terna
luz que se refletia nos olhos do Jason, assim logo que ouviu o Kyle quando este lhe disse que podia ficar com o endiabrado animal e que até lhe daria uma recompensa
por levar-lhe.
- Você que queria que nossa relação fosse estritamente profissional - recordou-lhe.
- Se não me falha a memória, só somos sócios.
Lauren apertou os lábios e ele virou a cabeça com uma expressão risonha no rosto.
- Seria um atrevimento excessivo de minha parte ter esperanças de que me acharás de menos, Olhos de Gata?
Ela ainda não se recuperou dessa primeira surpresa quando Jason anunciou que tinha mandado procurar o carro, mas que ele não poderia levá-la a casa. Desculpou-se
com Lauren aleganndo que tinha surgido um assunto de que tinha que ocupar-se imediatamente e que provavelmente o obrigaria a ausentar-se da cidade durante uns dias.
Ela ficou olhando-o, desconcertada, perguntando-se que misteriosa missão seria aquela que requeria que saísse de Nova Orleans e, quando reparou no olhar que
trocaram ele e Kyle, não conseguiu deduzir nada daquela comunicação silenciosa. Quando Kyle se ofereceu galantemente a acompanhá-la a casa, Lauren aceitou com ar
distraído. Só quando estava já sentada no carro e acomodaram os pacotes, perguntou a Jason do que tratava aquele assunto tão importante, mas ele lhe respondeu com
evasivas.
- Não é algo diretamente relacionado com a companhia Carlin nem contigo.
- Ah, bem, desculpa minha intromissão - disse ela em tom seco.
Ao ver que, além disso, mantinha o queixo alto com gesto altivo, Jason lhe sorriu.
- Foi você que queria que nossa relação fosse estritamente profissional - lhe recordou.
- Se não me falha a memória, só somos sócios.
Lauren apertou os lábios e ele inclinou a cabeça com uma expressão risonha no rosto.
- Seria um atrevimento excessivo de minha parte albergar esperanças de que me sentirá falta, Olhos de Gata?
- Atreva-se ao que agrade - respondeu ela cortante.
- Ao que me agrade? - brincou ele arqueando uma sobrancelha.
A sensação de intimidade que tingia sua voz fez que as bochechas de Lauren se tingissem de vermelho, mas conseguiu lhe devolver o olhar sem alterar-se.
- Duvido muito que sua ausência cause muita aflição a alguém, milord - disse ela docemente, - e certamente a mim não. Estou segura de que encontrarei algo
em que ocupar meu tempo.
- Para começar tem todos esses livros que acabo de te dar, acredito que os encontrará interessantes, embora também um pouco áridos.
O brilho zombador dos olhos de Jason fizeram com que de repente Lauren suspeitasse de seus motivos e entreabrisse os olhos também.
- Tem tudo muito bem pensado, verdade?
- Certamente não - riu ele, - mas Kyle estará aqui para ocupar-se de ti. Espero que não o deixe louco.
Logo tomou a mão e a levou aos lábios, mas ela, nervosa, apartou-a assim que pôde porque inclusive aquele gesto supostamente inocente fazia com que uma que
uma onda de calor a percorresse. Jason a soltou a contra gosto. Não queria partir, pois a separação o afetava muito mais que a ela, mas tampouco queria prejudicar
as possibilidades de obter seu objetivo precipitando-se. Entretanto, quando falou não foi capaz de manter seu até então despreocupado tom de voz:
- Cuide-se, Lauren - murmurou sem deixar de olhá-la aos olhos, - ver-nos-emos assim que voltar.
Hipnotizada pela magia daquele profundo olhar azul, ela quase agradeceu que Kyle puxasse as rédeas para que os cavalos pusessem-se a andar deixando Jason
para trás. Durante grande parte do caminho de volta ao Bellefleur, Lauren não disse nada, mas logo se obrigou a interrogar ao Kyle sobre a repentina viagem do Jason.
- Sabe você tanto como eu, senhorita DeVries - lhe respondeu com cautela.
Lauren arqueou uma sobrancelha dando a entender que não lhe acreditava.
- Mas seguro que você sabe aonde vai...
- Não esperará que traia a confiança do Jason, verdade? - respondeu-lhe esticando o pescoço como se a camisa lhe apertasse de repente.
- Suponho que não - reconheceu Lauren.
- É para se encontrar com piratas aonde vai Jason?
Ao ver que Kyle a olhava surpreso, deu-se conta de que tinha dado justo no prego.
- Não se preocupe, capitão, em realidade não é necessário que me conte nenhum segredo.
Ele a olhou desconcertado.
- Adivinhou por acaso ou tem uma incrível habilidade para a dedução igual a Jason?
Sorriu-lhe.
- Era pura conjetura; uma viagem aos pântanos leva vários dias, e era o único lugar onde me ocorria que podia ir sem querer contá-lo. Além disso, vi como
monsieur Sauvinet dava ao Jason uma nota no banco, e todo mundo sabe que Sauvinet tem contatos com certos contrabandistas, até se diz que leva anos ocupando-se dos
assuntos do Jean Lafitte.
Kyle puxou as rédeas para diminuir a marcha.
- Conhece você a esse pirata? - perguntou-lhe cheio de curiosidade.
- Não em pessoa, mas Jean-Paul sim, é obvio. Eu só vi a monsieur Lafitte em uma ocasião, caminhando pela rua e, por certo, tenho entendido que gosta mais
que se refiram a ele como um corsário e não como um pirata.
- Para mim é o mesmo, se tiver em conta a sorte que correm os navios britânicos que caem em suas mãos. Tenho entendido que lhe confiscaram todas suas propriedades
quando acabou a guerra...
Lauren assentiu.
- Sim, e isso apesar de que lhe concederam o indulto por lutar com o bando americano. De fato, ao Jean-Paul enfureceu a maneira em que o trataram. E agora
Lafitte levou o governo americano aos tribunais para recuperar o controle do que lhe tiraram. Mas isso tem algo que ver com o Jason? Quer algo do Lafitte, não é
assim? Se não, para que iria ver o...
Kyle seguia com o olhar fixo nos cavalos.
- Não posso contar-lhe senhorita Carl..., senhorita DeVries.
- Sei disso, mas não vejo o porquê de tão secreto. Eu levo toda a vida em contato com contrabandistas. Enfim, dá igual - acrescentou ao ver que Kyle não respondia.
- Me dirá ao menos se o que Jason tem em mãos é perigoso?
Kyle lançou um suspiro.
- Não acredito, a não ser que Lafitte a tenha tido jurada todos estes anos.
Olhou-a e viu que em seus olhos se adivinhava uma pergunta.
- Assim é como Jason conseguiu seu primeiro navio, ganhou uma fragata britânica a esse pirata jogando ao jogo de dados.
- Jason me contou que os franceses não lhe inspiram muita simpatia, é isso certo?
- Certamente que sim, eu diria que o prejuízo maior de que possa ser culpado é o que tem contra eles, e também lhe direi que duvido muito que Jason mentisse
a você de forma intencionada - disse Kyle com tom cauteloso.
- Tem você muita fé nele - comentou ela secamente.
- E assim deve ser, pois poderia dizer que Jason salvou minha vida. Com o dinheiro do resgate que obteve do proprietário da fragata quando a devolveu mais
um pouco que tinha economizado, Jason comprou o Leucótea, seu primeiro navio, e me contratou para que eu lhe ensinasse o que sabia sobre náutica em troca da metade
dos benefícios que produzisse a embarcação.
Ao recordar o acordo ao que ela e Jason tinham chegado, Lauren baixou a vista a suas mãos.
- E lhe parece que o trato resultou benéfico para você? - perguntou ela ao cabo de um momento.
- Foi o melhor trato que fiz na vida.
Então os dois ficaram absortos em seus próprios pensamentos durante um bom momento. Já tinham percorrido mais da metade do trajeto até o Bellefleur quando
a Lauren lhe ocorreu algo.
- Alguma vez alguém foi capaz de ganhar do Jason em astúcia? - disse ela de repente.
Kyle sorriu ao ouvir a pergunta.
- Até onde eu sei só você.
Ela negou com a cabeça.
- Não é certo, se isso fosse assim, eu não estaria aqui com você neste momento.
Como Kyle continuasse sorrindo, lhe respondeu com um sorriso aflito.
- Não me interprete mal, é só que Jason sempre engenha para conseguir que faça o que ele quer.
Por certo, queria fazer uma visita a Veronique, mas com a surpresa da repentina viagem de Jason esqueci por completo. Seria muito lhe pedir que me levasse
de volta à cidade?
Kyle duvidou durante um instante.
- Não acredito que ao Jason gostasse o cassino não é precisamente um lugar adequado para uma dama.
- Isso ouvi - disse Lauren em tom irônico, mas aceitou a negativa e, tirando um maço de bilhetes de sua bolsa os estendeu ao mesmo tempo em que dizia.
- Nesse caso, seria você tão amável de lhe fazer chegar isto quando a vir? É o dinheiro que me emprestou o outro dia.
Kyle lançou um assobio.
- Pois parece que possui um certo capital! Não me estará você dizendo que topei com uma rica herdeira... - brincou ele entre risadas enquanto metia o dinheiro
no bolso.
- Veronique entende bem a necessidade de ser frugal - respondeu Lauren com frieza, - está economizando para o que chama seus "anos de vacas fracas".
- Arrumado a que demorarão ainda muito em chegar...
- Ah, sim?
Submetido ao olhar escrutinador de Lauren, Kyle parecia desesperado por saltar do carro e sair correndo a esconder-se.
- Hei dito algo que a tenha ofendido, senhorita DeVries?
Para ouvir o tom contrito de sua voz, Lauren baixou o olhar.
- Não, sinto muito, é só que não acho graça nas brincadeiras sobre ricas herdeiras.
- Uma falta de tato por minha parte, não crê? E o que lhe parecem as de honra entre ladrões ou as de virtude entre... Não, isso é ainda pior. O melhor será
fechar a boca. Você e Veronique são boas amigas, verdade?
- Muito boas amigas, ela é uma das poucas pessoas que não trata de me proteger como se fosse uma menina.
- Está me lançando uma indireta, senhorita? Está bem! Não posso lhe dizer os motivos pelos que Jason teve que viajar fora da cidade, mas não vejo por que
não contar como começou tudo.
Enquanto Kyle relatava o que sabia sobre o passado do Jason, Lauren o escutava com muita atenção.
- Jason é o filho mais novo do sexto marquês do Effing o velho mais autocrata e intrometido com quem já tenha topado. Jason foi estudar em Oxford porque seu
pai assim o queria, mas lhe pareceu que seria mais fácil manter sua independência se negava a aceitar a atribuição de lorde Effing, o que queria dizer que, enquanto
outros jovens nobres frequentavam as casas de jogo para entreter-se, ele o fazia por necessidade.
Ao velho lorde Effing quase lhe deu um ataque quando se inteirou de que, com o dinheiro que tinha ganho no jogo, custeou-se uma comissão na Marinha Real.
Ao marquês lhe parecia que uma carreira militar não era suficiente para alguém com a fila e os contatos da linhagem dos Stuart e se serve de toda sua influência
no governo para pôr ao Jason em uma posição muito incômoda, assim que este acabou por ceder e apresentou sua demissão para não desgostar mais a seu pai, mas, decidido
a afastar-se quanto fosse possível da esfera de influência de lorde Effing, partiu para a América.
- Então foi quando se fez trapaceiro, não? - perguntou Lauren.
Kyle assentiu com a cabeça.
- Nesse mesmo ano comprou o Leucótea graças ao jogo de dados, como acabo de lhe contar. Eu o conheci pouco depois e chegamos ao acordo que tantos benefícios
nos trouxeram para os dois. Em total, Jason passou aqui quase dois anos e, quando voltou para a Inglaterra, seu pai fez um intento de o atrair de volta ao redil
insistindo em que se casasse e sentasse a cabeça. Jason se negou, até que o marquês acordou com o seu guardião o matrimônio.
- Certamente não deveria lhe contar isto - admitiu Kyle franzindo o cenho, - posto que seja o que há, ou haverá, entre você e Jason é algo que só concerne
aos dois e eu prometi não me meter, mas Jason é mais que um irmão para mim e me importa o que lhe passe. Nunca vi a um homem mudar tão...
Bom, basta dizer que mudou quando você partiu da Inglaterra.
Kyle fez uma pausa ao dar-se conta de que Lauren tinha abaixado a cabeça com gesto compungido.
- Em qualquer caso, a naval Carlin lhe fez bem, deu-lhe algo no que pensar. Ocupou-se desses navios como se fossem seus próprios filhos, senhorita DeVries,
e, além disso, ganhou muito dinheiro para você. É obvio toda Londres falava dele, imagine: na Inglaterra, um marquês dedicando-se ao comércio é só ligeiramente menos
grave que o delito de rebelião, mas ele nunca foi dos que se dedicam a vadiar enquanto outros trabalham. Isso sim, a seu pai quase dava uma apoplexia cada vez que
Jason empreendia uma nova empresa.
Embora lhe resultava incômodo a aparência que ia adquirindo a conversação, Lauren tratou de aparentar a mais absoluta calma quando disse:
- Imagino que Jason herdou o título de seu pai... Se vê que não lhe pareceu importante me mencionar esse detalhe.
- Certamente considera que isso carece de importância a este lado do Atlântico, posto que os americanos não valoram muito os títulos, mas Jason é quem leva
o título de lorde Effing agora. Nunca acreditou que o herdaria, mas fará cerca de dois anos seu irmão mais velho e seus sobrinhos morreram em um incêndio, um trágico
acidente. Jason e seu irmão nunca se deram muito bem, mas acredito que daria algo se com isso conseguisse lhes devolver a vida. Obviamente, agora Jason tem que casar-se
para perpetuar a linhagem. O velho lorde Effing assim o quer, e tendo em conta que nunca foi precisamente um filho exemplar, acredito que se vê na obrigação de respeitar
os desejos de seu pai.
- Mas sem dúvida a estas alturas já teria podido encontrar uma esposa... - disse Lauren, que seguia tendo supremo cuidado de não olhá-lo.
- Em efeito, não o ponho em dúvida nem por um minuto - respondeu ele, - deixou na Inglaterra um bom número de damas fazendo fila.
- Então, por que não se casou?
Kyle a atravessou com o olhar.
- A explicação é bem singela, senhorita DeVries. Estava esperando que você voltasse.
Lauren sentiu que ruborizava. Não sabia que dizer. Estava começando a entender a magnitude da inquebrável determinação do Jason respeito a seu matrimônio,
mas agora mais que nunca também via com toda claridade o pouco aconselhável que seria essa aliança, já que um marquês era alguém de uma fila muita elevada, virtualmente
membro da realeza. Lauren reafirmou em sua negativa: por mais ovelha negra da família que fosse Jason nunca poderia casar-se com uma bastarda, pois isso o condenaria
ao mais absoluto ostracismo. E, além disso, estava a questão da participação de Lauren no engano do Burroughs. Jason se veria envolto em um terrível escândalo se
acabassem enviando-a a prisão.
Desgostada por essa nova tendência a ruborizar-se constantemente, Lauren emudeceu de novo, e nem ela nem Kyle voltaram a pronunciar uma só palavra até que
chegaram à plantação.
Lauren se surpreendeu contando os dias que faltavam para a volta do Jason, embora não era precisamente porque não tivesse nada que fazer. Kyle a tinha ido
visitar frequentemente e a tinha levado a passear pelo campo, inclusive tinha levado a Veronique com ele em uma ocasião. Quando sua amiga lhe contou que Felix Duval
tinha estado perguntando por ela, Lauren escreveu ao jogador profissional uma larga carta em que o informava que, lamentando-o muito, Marguerite não podia aceitar
sua oferta de amparo e que já não proporcionaria entretenimento para os clientes do cassino porque abandonava a cidade, confiando em que ele aceitaria suas desculpas
tal qual as tinha exposto.
Os livros sobre o negócio das navais que lhe tinha dado Jason também a mantiveram ocupada e descobriu, muito a seu pesar, que necessitava toda sua concentração
se queria entender tão sequer uma décima parte do que lia, mas mesmo assim perseverou em seu empenho de familiarizar-se com todo o material, posto que assim conseguia
ir tomando conhecimento e saber o suficiente para fazer perguntas inteligentes quando falava com o Kyle e com o Jean-Paul.
E, é obvio, não devia esquecer a questão de seu novo vestuário. Lilás estava mais que encantada de que por fim Lauren estivesse vestida como uma dama e ela
teve que morder a língua frequentemente enquanto sua amiga fiscalizava até o último detalhe das últimas provas, empenhando-se em oferecer conselho exaustivo e quase
sempre desnecessário.
Em geral, Lauren estava bastante atarefada, mas, em relação a toda essa atividade, não podia ignorar as sensações de antecipação e excitação crescentes que
sentia, embora se negasse a admitir que tivesse nada que ver com a volta do Jason e as atribuiu aos planos que tinha esboçado para desfazer-se para sempre da herança
dos Carlin, junto com os cuidados não desejados do Jason. A idéia lhe ocorreu um dia enquanto falava com o Jean-Paul do novo escritório.
Já a tinha surpreso muito descobrir que, em relação a que Jean-Paul via com bons olhos que se casasse com "o lorde inglês", não estava tão disposto a comprometer-se
com a rede de distribuição que tinham pensado estabelecer. Antes de concordar em dar seu apoio ao projeto, queria mais informação sobre os ativos e as dívidas contraídas,
sobre os seguros e as margens de benefício. Não tinha se tornado rico - dizia - graças a andar embarcando em negócios com companhias que não estivessem bem administradas.
Ela carecia dos conhecimentos necessários para responder em detalhe a suas perguntas sobre a estabilidade da naval, assim decidiu pospor aquela conversação até que
Jason voltasse, mas o que disse foi que não acreditava que fosse necessário que Jean-Paul arriscasse a investir.
- Nisso te equivoca, mon amie - a contradisse Beauvais, - está me pedindo que arrisque minha reputação, minha honra. Ouvi falar da companhia Carlin e de seus
êxitos passados, mas o que me diz do futuro? Talvez seja certo que seu cavalheiro inglês tenha sido o artífice desses bons resultados, em cujo caso, o que acontecerá
quando ele já não estiver presente para te assessorar? Você seria capaz de levar a naval sozinha? Acaso teria tão somente intenção de fazê-lo? Já seria uma tarefa
difícil para muitos homens, e para uma mulher sem experiência resultaria virtualmente impossível. Suponhamos por um momento que eu aceitasse participar da rede de
distribuição: você conseguiria os clientes que necessita e durante uma temporada todo mundo estaria contente, mas um belo dia seus navios não entregam as mercadorias
prometidas. Puff! Minha reputação cairia pelo chão e até pode ser que se questionasse minha integridade. Não, Laureie, Ma belle, é melhor que evite correr semelhante
risco, sem garantias de que meu investimento estará em boas mãos não posso aceitar a oferta de participação.
- E imagino que essa garantia deveria adotar a forma de meu matrimônio com um homem que fora capaz de levar a companhia, não?
- Esse seria o argumento mais convincente que me ocorre, sim, mas entendo como se sente: não deseja te casar, assim não há mais que falar.
Lauren olhou fixamente ao cavalheiro crioulo.
- Não, poderíamos falar que me está fazendo chantagem.
Jean-Paul negou com a cabeça.
- Mais non! Não é chantagem a não ser no sentido comercial - disse, embora pelo menos teve a decência de parecer ligeiramente envergonhado.
- Agora bem, não te pressionarei para que te case se não quer. A decisão é tua. Para mim, sua felicidade é mais importante que os benefícios que possa obter
com um bom negócio. Minha querida Lilás opina que seria feliz com o inglês, mas é você a que terá que arcar com a decisão, e se não pode fazê-lo, é que não pode.
- Não, não posso - sentenciou Lauren com firmeza, - mas tem que haver alguma alternativa. E se Jason aceitasse permanecer no posto de fideicomissário ou passasse
a ocupar um posto permanente à frente da companhia?
- Nesse caso reconsideraria minha postura, mas não acredito que aceite. Pensa, Ma chère amie! Fá-lo-ia você se estivesse em seu lugar? Poderia casar-se contigo
e obter ao mesmo tempo a naval, posto que a lei estabelece que todas as propriedades passam ao marido.
- Crê que essa é a razão pela que me pediu em matrimônio, porque quer fazer-se com a companhia?
- Suponho que lhe deve ter passado pela cabeça, claro, mas não te subestime tampouco, Lauren, você é uma mulher formosa e ele é um homem, e se tivesse ao
alcance da mão obter ambas as coisas, não vejo por que ia contentar-se com menos.
- Pois terá que fazê-lo. Jason sabe de sobra que não me casarei com ele. De fato - acrescentou pensativa, - já é proprietário dos navios neste momento, basta
com que eu me negue a aceitar sua oferta de me entregar isso para que se assegure o controle de tudo.
- Estaria renunciando a uma fortuna - recordou Jean-Paul.
Lauren elevou a vista para ele para ouvir isso.
- Sim, estaria renunciando a uma fortuna, mas se aceitasse a herança da família Carlin provavelmente teria que viver na Inglaterra, que é algo que não quero
fazer. E, além disso, sendo justos, Jason merece uma recompensa por seus esforços. Segundo Kyle, se não fosse por ele, a naval talvez não tivesse sobrevivido, assim
que o que faria você se Jason ficasse com os navios?
Jean-Paul assentiu com a cabeça ao mesmo tempo em que dizia:
- Nesse caso, eu não teria problema, embora quisesse falar com ele primeiro, claro está. E mais, farei quando retornar, sempre e quando você esteja segura
de que isso é o que quer.
- Estou completamente segura - respondeu Lauren.
- Ao menos uma pessoa morreu por culpa da fortuna de meu pai e não quero ter nada que ver com ela.
E Jason não conseguiria fazê-la trocar de opinião - acrescentou Lauren para seus botões -, não lhe daria a oportunidade nem de tentá-lo. Essa era a razão
pela que se alegrava de que Jean-Paul se ofereceu voluntariamente a falar com ele, pois evidentemente Jason não podia obrigá-la a aceitar a herança, mas não confiava
em poder resistir se Stuart decidisse usar todas suas armas de sedução.
Foi dois dias depois dessa conversa que Lauren ouviu que Jason chegava ao Bellefleur.
Comparada com a maioria das plantações da zona, a dos Beauvais não era excessivamente grande, mas sim muito rentável, já que contava com uma pequena refinaria
para processar sua principal produção, que era a cana de açúcar. Quanto à mansão, era espaçosa e confortável, situada a boa distância do rio e rodeada de carvalhos
da Virginia cobertos de musgo. Como era típico das casas de estilo crioulo, tinham-na construído sobre pilares de tijolo para minimizar o risco de inundações e a
fachada contava com umas colunas de madeira talhada e uma bela galeria exterior. A parte baixa da casa era ocupada exclusivamente pela lavanderia e as despensas
junto com as dependências de serviço, enquanto que na parte superior se encontravam os salões e aposentos dos proprietários, todos com muitas vidraças, de onde podia
avistar-se o jardim.
Enquanto avançava lentamente pela larga galeria, o coração do Lauren deu um salto quando ouviu o suave eco da voz do Jason que se escutava através das portas
abertas do escritório. Jean-Paul se dispunha a responder a um comentário de Stuart, mas se calou ao vê-la e lhe fez um gesto para que entrasse.
Lauren se surpreendeu de encontrar ao filho do Jean-Paul, Charles, com os dois cavalheiros, e também teve uma surpresa quando o menino não saiu correndo
a seu encontro ao vê-la aparecer como estava acostumado a fazer, porque estava comodamente instalado no regaço do Jason, que o sentou a seu lado no sofá para levantar-se
como amostra de cortesia assim que ela entrou.
Lauren deu dois passos para dentro da peça e logo se deteve, a ponto de deixar escapar um suspiro por causa da incrível sensação que a percorreu: tinha esquecido
o efeito que o resplandecente olhar azul do Jason tinha sobre ela, mas durante o breve instante em que se olharam aos olhos até respirar era difícil e quando foi
capaz de fazê-lo normalmente, Jean-Paul já tinha tomado a palavra, assim se limitou a escutar o que dizia.
- Lauren, lorde Effing rechaçou seu oferecimento de lhe ceder os navios da naval. Não obstante, já lhe expliquei qual é minha postura e aceitou a continuar
te assessorando durante todo o tempo que seja necessário, em vista do qual estou disposto a oferecer à companhia meus serviços e tenho intenção de pô-lo em contato
com toda uma série de pessoas que podem ser de grande utilidade na hora de estabelecer a rede de distribuição. Também lhe sugeri que ele e seu amigo o capitão Ramsey
deixem o hotel em que se hospedam, e milord aceitou meu convite para que ambos se instalem aqui durante o resto de sua estadia em Nova Orleans.
- Já... já vejo - balbuciou Lauren sem saber muito bem como encaixar a notícia. Se Jason se negou a aceitar a naval, devia ser porque ainda acreditava poder
convencê-la para que se casasse com ele, mas era impossível saber o que estava pensando a julgar por sua expressão e não havia dito nenhuma palavra, simplesmente
tinha permanecido de pé, observando-a em silêncio.
Mesmo assim, ela era muito consciente de sua entristecedora presença física e, sentindo que começava a sucumbir a aquela aura poderosamente cativante que
irradiava, Lauren agarrou as mãos com força.
- Obrigado, Jean-Paul, mas acaso milord não é capaz de falar por si mesmo?
Um brilho risonho atravessou os belos olhos azuis antes que Jason lhe dedicasse uma leve reverencia e dissesse:
- Certamente que sim, senhorita DeVries, há algum ponto em concreto do exposto por monsieur Beauvais que não lhe tenha ficado bastante claro? A meu modo de
ver se expressou com impecável eloquência e não resta nada mais que agradecer sua generosa hospitalidade.
Lauren lhe cravou um olhar que encerrava uma advertência, mas conseguiu dominar-se e falar com calma:
- Assim é tudo ou nada? - perguntou.
Jason não se incomodou em fingir que não sabia a que se referia.
- Sempre foi assim - lhe respondeu com suavidade. Sua voz estava coberta por uma firme determinação e a olhou com tal intensidade que Lauren não foi capaz
de apartar seus olhos dos do Jason.
- Mas, Lauren, entenda que isto não é uma declaração de guerra, de fato os dois poderíamos sair vitoriosos.
Ela negou com a cabeça lentamente.
- Não, não acredito - sussurrou, e logo, fazendo valer toda sua integridade, acrescentou com tom firme:
- Mas tampouco quero discuti-lo agora. Por que não nos falas de sua viagem? Foi um êxito então?
- É muito cedo para sabê-lo - respondeu ele, negando-se a morder o anzol.
Jean-Paul fez um comentário ao Charles que Lauren logo ouviu, pois, como sempre lhe ocorria quando estava em companhia do Jason, tinha a estranha sensação
de estar a sós com ele, era como se não houvesse ninguém mais que eles dois sobre a face da terra. Para romper o feitiço, obrigou-se a girar o corpo e voltar sobre
seus próprios passos e, já de costas para Jason, disse em voz baixa:
- Suponho que nunca te contentará com "nada".
Fez-se um longo silêncio durante o qual nem o menino emitiu o mais leve som e no meio do qual Lauren ouvia com total clareza as batidas de seu próprio coração.
- E você tampouco - disse Jason por fim.
Ela recolheu ligeiramente a saia e saiu do local habitação quase correndo.

Capítulo 15

Em virtude de um acordo tácito, não voltaram a mencionar o conflito que havia entre eles, por mais que continuasse estando presente de maneira muito real
sob a superfície. Jason tinha expresso abertamente sua intenção de conseguir sua mão além da naval e Lauren estava decidida a que não alcançasse seu objetivo.
Ela teria preferido evitar todo contato com o Jason em vista de sua incrível astúcia para ler o seu pensamento e porque tinha medo de sucumbir à força demolidora
de sua personalidade, mas devido a que ambos eram hóspedes na mesma casa e ao feito de que sua lembrança os obrigava a passar o dia juntos, resultou-lhe impossível.
Pouco a pouco começou a estabelecer uma certa rotina. Normalmente, Lauren levantava-se logo e tomava o café da manhã em companhia de Jason e Kyle e logo um
dos dois ia com ela de carro à cidade enquanto que o outro cavalgava pelas redondezas.
Nessa primeira manhã se reuniram com um agente que lhes mostrou vários edifícios e terrenos perto do porto. Sua maior preocupação nesses momentos era encontrar
um edifício central onde instalar os escritórios da companhia Carlin e, em segundo lugar, escolher o modelo do armazém que começariam a construir breve, perto da
estrada do rio e a cidade.
Levou-lhes quase uma semana decidir-se e finalizar a compra do edifício destinado aos escritórios. Lauren passou a maior parte desse tempo a bordo de La Sereia,
onde tinham estabelecido seu quartel geral temporariamente, e cada vez estava mais envolvida nos assuntos da companhia, muito mais do que tinha desejado.
Ao final optaram por um pequeno edifício na rua Levee cuja remodelação resultou ser toda uma provocação. O interior estava cheio de teias de aranhas e sujeira
e, a julgar pela abundância de estranhos arranhões na madeira, os ratos deviam viver à vontade pelo vigamento. Horrorizada por aquelas condições insalubres, Lauren
se ofereceu voluntariamente para pôr o edifício em ordem, e quando chegou à mesa do café da manhã na manhã seguinte, tinha posto um de seus velhos vestidos de algodão.
Jason arqueou uma sobrancelha ao vê-la aparecer com aquele aspecto mas, além de lhe advertir de quão difícil ia resultar sua tarefa, não disse nada.
Não obstante, ela estava decidida a cumprir com sua parte do trato, assim pediu a Lilás permissão para levar com ela a quase todos os serventes da plantação
que não trabalhavam no campo junto com um arsenal de escovas, baldes e vassouras. Para os ratos levou o Ulisses. Ao Jason e Kyle lhes proibiu aparecer pelos escritórios
até que não tivessem terminado, e quando por fim lhes permitiu entrar ao cabo de três dias, foi lhes oferecer uma visita guiada por um edifício limpo como os jorros
do ouro.
Lauren estava tão encantada com a inundação de elogios que recebeu que até se permitiu sorrir quando Jason lhe limpou uma mancha do rosto.
- Certamente que não duvidaria em dar as melhores referências se algum dia decidisse te converter em faxineira - brincou Jason.
- Algo muito mais alto - lhe respondeu ela com um sorriso, - o posto de donzela vai mais com meu estilo.
Durante os dias que seguiram logo que viu o Jason, que estava ocupado contratando os trabalhadores para construir o armazém enquanto que ela se dedicava a
fiscalizar o trabalho dos pintores e os carpinteiros nos escritórios. Não estava nunca só porque aquele bairro não era dos mais recomendáveis e Jason tinha insistido
em que dois homens de La Sereia estivessem com ela durante todo o tempo, um deles costumava a ser Tim Sutter, por quem Lauren começava a sentir muito carinho.
Além disso, também a acompanhava uma anciã faxineira negra do Bellefleur, para acrescentar um toque de respeitabilidade. Veronique deste modo fazia visita
com frequência e Lilás estava acostumada a passar por ali quando ia às compras à cidade. Entretanto, e apesar daquele fluxo constante de gente, Lauren se deu conta
de que sentia falta do Jason e, sem dar-se conta, começou a trocar seus hábitos quando estavam em casa para vê-lo mais.
Ao princípio da estadia do Jason no Bellefleur, ela tinha por costume retirar-se logo para seu quarto aduzindo o cansaço como desculpa para evitá-lo, mas
agora estava começando a ficar no salão até bastante depois de que houvessem lhes trazido a bandeja com o chá que sempre se servia depois do jantar. De vez em quando,
até se unia ao resto para jogar whist ou ao piquet e em ocasiões tocava o piano, mas normalmente se sentava em um canto com um livro ou um bastidor de bordar e se
dedicava a observar Jason com dissimulação.
Era indiscutível que ele a intrigava, isso não podia negá-lo. Tratava-a com a mesma amabilidade que poderia ter mostrado por seu cão de caça favorito e não
lhe dava precisamente muito pé para pensar que estava tratando de conquistá-la; mas, mesmo assim, Lauren estava convencida de que não tinha abandonado por completo
seu plano de casar-se com ela para conseguir a naval, assim que ela continuava desconfiando e mostrando-se precavida e decidida a manter a distância.
Entretanto, cada vez eram mais frequentes as ocasiões em que Lauren se surpreendia a si mesma com a guarda baixa; Jason Stuart era o tipo de homem que inspirava
confiança e frequentemente se esquecia de que achava que não devia confiar nele e, de maneira inconsciente, inclusive estava começando a procurar sua aprovação
e a aceitar seus conselhos sem protestar, até quando suspeitava que estivesse sendo muito dócil. Se Lauren tivesse sido capaz de adivinhar que Jason seguia uma estratégia
perfeitamente planejada para ganhar sua confiança e seu afeto, não lhe teria restado outro remédio que admirá-lo por sua determinação, apesar de que ao mesmo tempo
resistisse a todos e cada um dos intentos dele para derrubar suas defesas: os métodos do Jason eram um exemplo magistral de sutileza que incidia diretamente no sentido
da lógica e ao orgulho do Lauren.
Quando os escritórios ficaram prontos, começou inclusive a ver menos Jason durante o dia, pois ele passava quase todo seu tempo nos moles fiscalizando a
construção do armazém, embora também tenha cumprido com sua parte do trato e se assegurou de que ela aprendia os mistérios do negócio. De fato, Lauren estava também
muito ocupada desenvolvendo um sistema para levar as contas e organizando os livros de contabilidade. Kyle lhe ensinou como fazer um inventário das mercadorias com
maior rotação e, sob sua supervisão, também aprendeu a coordenar as rotas da frota Carlin com os centros comerciais em que operavam nesses momentos. O objetivo era
desenvolver uma rede comercial para que já não fosse necessário que o capitão de cada navio se tivesse que encarregar além da venda das mercadorias uma vez chegadas
a seu destino. A idéia de uma rede de distribuição não era nova, mas sim a fenomenal escala a que Jason se propunha aplicá-la.
Contrataram dois contadores para o escritório, e quando Matthew MacGregor voltou de sua última expedição rio acima, ele também aceitou trabalhar para o Jason.
MacGregor se queixou de não estar qualificado para lidar com os livros, mas em pouco tempo deu mostras mais que suficientes de sua habilidade como vendedor: com
a lista de potenciais clientes que Jean-Paul tinha fornecido a Jason na mão, Matthew se entregou em corpo e alma à tarefa de abrir mercado para os móveis, os finos
tecidos e os produtos das fábricas inglesas que os navios da Carlin importariam, e a procurar os melhores fornecedores de algodão, açúcar, tabaco, peles e couro
que exportariam para a Europa.
A Lauren surpreendeu quão bem tinha desenrolado tudo a partir desse momento: em pouco tempo, começaram a receber pedidos tanto da Inglaterra como das Índias
Ocidentais. Jason deu sua aprovação ao planejamento inicial que lhe apresentou para as atividades da nova sucursal e escreveu a seus agentes de ultramar para pôr
a operação em marcha sem mais demora.
Também lhe causou uma grande surpresa a familiaridade com que ele tratava a um bom número de proeminentes homens de negócios e políticos americanos. De fato,
o volume de correspondência que Jason recebia era incrível, mas quando ela ofereceu sua ajuda para esse assunto, ele a rechaçou dizendo que, quando retornasse a
Inglaterra, faria chegar seu secretário para que este ganhasse um salário.
Esse comentário provocou em Lauren uma estranha sensação, pois, em que pese a que se dava conta de que a atual situação entre eles dois não podia durar eternamente,
tampouco gostava de pensar que chegaria o dia em que Jason tivesse que partir. Agora o conhecia melhor e também ia reconhecendo suas falhas e deficiências. Além
de ter um temperamento que podia levá-lo aos acessos de ira mais espetaculares, era persistente e tenaz até o ponto de se mostrar teimoso e, em ocasiões, mostrava-se
muito autocomplacente e se entregava ao desfrute do conforto e o luxo como se o desse por certo.
Além disso, seu afeto pelo pequeno Charles rivalizava com o do próprio pai do menino e tinha tendência a consenti-lo, ou ao menos isso cabia deduzir se concedia
a menor credibilidade às frequentes queixas da babá. Quanto a suas virtudes, também tinha que reconhecer-se a toda uma série de qualidades que Lauren admirava, como
por exemplo, sua sagaz inteligência, que ela nunca deixava de admirar quando o contemplava em plena ação. Em que pese a todos seus esforços por manter a distância,
sentia-se irresistivelmente atraída por ele.
Jason exercia uma influência fascinante sobre ela, era como se os sentidos e a mente de Lauren se reavivassem quando estava com ele, e a implacável solidão
que a tinha acompanhado sempre durante longos anos desaparecia, inclusive os terríveis pesadelos que a atormentavam desde tanto tempo poucas vezes assaltavam seu
sono desde que Jason tinha chegado ao Bellefleur. É obvio que a presença do Ulisses em seu quarto a ajudava, mas depois da primeira ocasião em que despertou sobressaltada
por culpa de um pesadelo para encontrar-se com Jason ali a abraçando enquanto lhe sussurrava ao ouvido palavras de consolo, soube que, se o necessitava, ele iria
a sua ajuda.
Mesmo assim, as nuvens negras de seu passado sempre estavam no horizonte e, se surpreendia perguntando-se o que teria respondido ao Jason se estivesse livre
para escolher casar-se com ele e censurava a si mesma por fantasiar.
Não obstante, a atração física que sentia por ele era difícil de ignorar e, frequentemente, enquanto jazia sozinha em sua cama, assaltavam-na as lembranças
do corpo do Jason indo ao encontro do dela, do cativante contato quente daquelas mãos sobre seus seios, e o desejo se desatava em seu interior - ardente e descontrolado
- em forma de desejo doentio.
Quando mais sentia falta dele eram nas noites que ele ficava na cidade - só ou em companhia do Kyle -, e então não podia deixar de pensar a cada minuto no
que estaria fazendo. Entretanto, quando por fim o descobriu, doeu-lhe terrivelmente. Veronique tinha vindo lhe fazer uma visita ao novo escritório e estava lamentando
porque seu arrumado Kyle partiu para Natchez para ver sua família e, enquanto se queixava de quão aborrecida era Nova Orleans sem ele, a Veronique escapou que tinha
visto o Jason na casa de jogo de vez em quando. Ao ver a expressão aflita de Lauren, a formosa ruiva se apressou a acrescentar que era algo compreensível:
- Não sobe acima com as garotas - tratou de tranquilizar Veronique, - ou pelo menos eu só o vi fazê-lo em uma ocasião.
Lauren tentou tragar saliva para aliviar a dor que lhe fechava a garganta. Não tinha direito a exigir a Jason fidelidade, isso sabia, mas imaginá-lo em braços
de outra mulher a enchia de angústia.
- Com... com quem estava essa vez? - perguntou com voz rouca.
Veronique franziu o nariz com gesto de desgosto e disse:
- Désirée Chaudier.
Lauren ficou tensa assim que ouviu o nome da maliciosa beleza de cabelos negros e Veronique se inclinou para diante para lhe dar tapinhas nas mãos em um intento
de consolá-la.
- Não significa nada, Ma petite, os homens não tomam estas coisas tão a sério como nós, assim não pense mais nisso. Já sabe que Désirée sempre anda gabando
de seus clientes e que a metade do que conta é mentira.
Mas o rosto do Lauren se tornou inescrutável e a Veronique não foi difícil interpretar o significado de sua expressão séria: não era mais que um mecanismo
de defesa para evitar mais sofrimento
- Te propõe fazer algo a respeito? - perguntou-lhe.
Lauren elevou o queixo e disse:
- Acabo de me dar conta de que estou mais que aborrecida de ficar em casa sentada a esperar pacientemente enquanto Jason se diverte. Espere-me no cassino
esta noite, porque penso ir.
Veronique a olhou com ceticismo.
- Mas, vai contar a monsieur Jason? Não lhe vai gostar nada a idéia, você crê que te dará permissão?
- Jason não tem direito a opinar sobre o que posso ou não posso fazer e, além disso - acrescentou ao mesmo tempo em que esboçava um sorriso cheio de amargura,
- você sempre me tem dito que uma mulher que não é capaz de conseguir o que quer de um homem é uma vergonha para seu próprio sexo.
- Sim, mas também digo que um homem que não é capaz de manter as rédeas a uma mulher não é um homem de verdade. Acredito que está cometendo um engano, miette.
Lauren apertou os lábios.
- Talvez, mas isso terá que vê-lo, não crê?
Essa mesma tarde, Lauren transgrediu os desejos do Jason pela primeira vez e, em lugar de esperar que ele passasse a recolhê-la pelos escritórios, encaminhou-se
a pé para os moles em companhia de seu guarda-costas. Quando chegou à Sereia, onde Jason trabalhava frequentemente, não se incomodou em bater na porta de seu camarote,
mas sim irrompeu no interior com Tim Sutter seguindo-a só uns quantos passos por detrás. Jason estava sentado depois da imensa mesa, escrevendo, e quase nem os olhou,
mas quando Tim começou a falar lhe fez um gesto com a mão indicando que podia retirar-se. O moço partiu obedientemente e Lauren ficou no camarote, caminhando de
um lado para outro, enquanto esperava que Jason terminasse com o que estava fazendo.
- Sente-se, Lauren, acabo em seguida - foi quão único disse.
Não obstante, para ouvir o tom de autoridade que mostrava sua voz, ela se deu conta de que estava zangado e, não sem certa apreensão, reconheceu para si mesma
que sua impulsiva aparição talvez não tivesse sido tão boa idéia. Assim, com uma docilidade pouco comum nela, Lauren obedeceu e se sentou em uma das cadeiras que
havia na frente da escrivaninha, pondo as mãos no regaço e obrigando-se a deixá-las quietas.
O silêncio se ia fazendo mais opressivo a cada minuto que passava; só se ouviam os leves arranhões sobre o papel da pluma que estava usando Jason. Ela o olhou
com receio: estava vestido de maneira informal, tirou a jaqueta e os músculos de seus fortes braços se distinguiam sob a camisa de fina cambraia. Se decidisse usar
a força contra ela, estaria totalmente indefesa, pensou Lauren, e quando ele pousou a pluma sobre a mesa, ficou tensa imediatamente.
Lançou-lhe um olhar penetrante que durou uns instantes e ela teve que lutar contra o impulso de agachar-se em um canto atemorizada por aqueles implacáveis
olhos azuis, assim, quando Jason ficou de pé por fim e foi até ela, foi-lhe difícil não retroceder no assento mas, surpreendentemente, não a castigou em modo algum,
mas sim se inclinou sobre ela, segurou-lhe o queixo com as duas mãos e a obrigou a levantá-lo ao mesmo tempo em que esquadrinhava suas feições.
- Está cansada - disse em voz baixa, - e zangada. Já estou aprendendo a distinguir essa maneira que tem de enrugar a testa...
Acariciou-a com os polegares enquanto falava, para fazer desaparecer as rugas que a sulcavam, e logo seus dedos descreveram suaves círculos sob os olhos de
Lauren.
Ela se deu conta de que se esquecera por completo do que queria dizer porque a proximidade do Jason estava provocando os habituais estragos em seus sentidos:
seus lábios se separaram, ofegantes, ao mesmo tempo em que lhe devolvia o olhar, mas ele não a beijou como esperava, mas sim suas mãos começaram a mover-se muito
devagar para baixo, lhe acariciando o pescoço, e logo foram pousar em seus ombros. Então os dedos de Jason começaram a massagear com suavidade os músculos tensos
do pescoço, para em seguida passar aos ombros e os braços. Lauren fechou os olhos e uma deliciosa sonolência se apoderou dela e se estendeu por todo seu corpo ao
mesmo tempo em que se dissipavam toda a tensão e a ira acumuladas. Recostou-se na cadeira e foi relaxando pouco a pouco... Ao cabo de um momento as mãos do Jason
deixaram de produzir a incrível magia e ela ouviu que lhe sussurrava algo que lhe desejava muito uma grande distancia:
- Bom, e agora me diga do que se trata.
Ela elevou suas douradas pestanas. Jason estava meio apoiado meio sentado sobre a escrivaninha com os braços cruzados sobre o peito. Sua mandíbula se converteu
em uma dura linha, mas também havia certo ar risonho no brilho de seus olhos azuis. A suspeita de que a tinha manipulado com incrível destreza para apaziguá-la cruzou
a mente de Lauren, mas não tinha forças para brigar.
- Eu... - balbuciou ela, mas logo emudeceu de novo enquanto tratava de recordar o que tinha pensado dizer.
- Vai ao cassino esta noite? - murmurou por fim.
Por que havia dito isso? Não tinha tido a menor intenção de perguntar nada, o que tinha pensado era informar ao Jason de que ela sim iria.
Ele inclinou a cabeça enquanto considerava a pergunta.
- Pois a verdade é que não tinha pensado ir, não. De fato, minha intenção era passar a noite em casa tranquilamente.
- Bom, pois eu vou. Não é justo que tenha que ficar no Bellefleur morta de aborrecimento enquanto você se diverte na cidade, isso não era parte do trato.
Dito isso, olhou-o aos olhos, desafiando-o a que o proibisse. Em realidade, não queria ir ao cassino, mas tampouco tinha intenção de deixar que Jason se fora
de farra com uma mulher como Désirée Chaudier.
Não tinha nada que ver com ciúmes é obvio que não, simplesmente queria protegê-lo das garras daquela bruxa avara e intrigante. Entretanto, a ele não pareceu
afetar muito o que acabava de lhe dizer.
- Sinto muito que assim seja, Olhos de Gata - lhe respondeu com tom despreocupado, - sobretudo porque tinha organizado um plano alternativo para ti..., mas
talvez não te interesse.
- Um plano alternativo?
Jason reprimiu um sorriso ao mesmo tempo em que encolhia os ombros e dizia:
- Tinha pensado que podia me acompanhar ao teatro uma noite da semana que vem. Alguém se ofereceu a me emprestar um camarote. A obra será em francês, mas
acreditei que você gostaria, e além merece um presente por tudo o que trabalhaste ultimamente, assim também me tinha ocorrido que podíamos ir jantar depois, mas
se não te interessa vir...
Jason deixou a frase inacabada e saiu da escrivaninha para ir procurar sua jaqueta que estava pendurada em um gancho que havia na parede e, enquanto o punha
em silêncio, Lauren sentiu o desejo imperioso de lhe dizer exatamente o que pensava de seus métodos de chantagem. Maldita seja, já estava lhe dando a oportunidade
de escolher outra vez, e nesta ocasião tratava de suborná-la! Podia ir à casa de jogo essa noite, em cujo caso ele retiraria o convite para o teatro, ou podia fazer
o que ele queria e desfrutar de uma forma de entretenimento "aceitável". O fato era que morria de vontade de ir ao teatro, já que nunca tinha estado ali, com o qual
acabou aceitando com um frio movimento afirmativo da cabeça.
Jason nem sequer se deu por informado de qual tinha sido sua resposta, mas então Lauren caiu na conta de que ele não tinha duvidado nem por um instante de
qual seria sua decisão ao final e, cada vez mais furiosa, observou-o enquanto recolhia os papéis da escrivaninha. Algum dia prometeu-se Lauren a si mesma, encontraria
uma forma de evitar que a manipulasse com tanta facilidade.
- Por certo - disse ele, - encontrei um navio que está a venda e me parece que é justo o que está procurando. Se não tiver nada muito urgente que fazer esta
tarde, eu gostaria de te levar para que o veja.
Perguntando-se se aquilo não seria outra peça de um estudado plano para assegurar-se sua obediência, Lauren o olhou com desconfiança.
- Quanto vale? Já me convenceste que o sensato é aceitar o empréstimo do Jean-Paul, mas não quero estar em dívida com ele até o fim de meus dias...
- Lhe pode permitir isso; falei com o proprietário e baixou um pouco o preço que pedia originalmente.
- É que não há ninguém neste mundo a quem não seja capaz de manipular? - respondeu-lhe com voz cortante.
Ao princípio pareceu que Jason ia passar por cima do comentário mordaz, mas logo disse tranquilamente ao mesmo tempo em que segurava a porta do camarote para
que ela saísse primeiro:
- A não ser que me diga o contrário, tenho intenção de fechar o trato.
Lauren se levantou e lhe dedicou uma leve reverência com atitude zombadora e acrescentou:
- Não tenho nem que mencionar que não espero que me agradeça por prestar este insignificante serviço a uma dama tão encantadora e, além disso, no fim das
contas, é por meu próprio benefício que o mundo siga acreditando que minha sócia não é em realidade a menina egoísta que em ocasiões aparenta ser.
Ela elevou o queixo com ar desafiante e o atravessou com o olhar.
- Crê que sou uma menina egoísta?
Os lábios do Jason esboçaram um sorriso zombador.
- Frequentemente te comporta como tal, mas tenho grandes esperanças que acabará crescendo algum dia e te converterá em toda uma mulher. Vamos? - acrescentou
logo com um gesto lacônico das sobrancelhas.
Como a Lauren não lhe ocorria nada que lhe responder optou por sair do camarote, sacudindo bruscamente a saia no momento em que ele saía. Entretanto, sua
raiva se dissipou assim que viu o navio que Jason tinha escolhido para ela: era o tipo de navio com que sempre tinha sonhado um veleiro de três paus de estrutura
esbelto e gracioso, mas suficientemente sólido para transportar toneladas de mercadoria e percorrer distâncias de até três ou quatro mil milhas em alto mar.
A Cometa se elevava orgulhosa sobre as águas - já que suas adegas estavam vazias - e tinha as velas baixadas. Lauren a observou em silêncio enquanto se aproximavam
em um barco de remos para subir a bordo e Jason a elevou até a escadinha sem dizer uma palavra. Quando conseguiu por fim chegar até acima depois de uma subida um
tanto incômoda e estava de pé na coberta, contemplando a reluzente extensão de fitas de seda de madeira bem polidas, um calor impressionante se apoderou de Lauren.
Elevou a vista ao céu para contemplar o intrincado ripado que formavam os equipamentos do barco e, ao fazê-lo, lhe passou pela cabeça a idéia de que sua obsessão
de possuir seu próprio navio estava entrelaçada com seu passado de modo similar.
Quantas vezes tinham falado ela e Matthew de comprar um navio quando ainda estavam na Cornuália? Quantas vezes tinham sonhado soltando amarras e navegar juntos
afastando do passado?
Porque isso era o que significavam os navios para ela: liberdade, independência, controle... E isto, a compra daquele navio mercante, A Cometa, era a culminação
do desejo que tinha albergado durante toda sua vida; sentiu que se elevava um peso de seu coração e, ascendendo lentamente até a fortaleza, aproximou-se do leme
e ficou ali de pé.
Da sua posição junto à amurada, Jason a observava desejando saber o que pensava. Ela alargou a mão para tocar a roda do leme, acariciou a suave madeira, logo
se voltou para ele e lhe sorriu com os olhos resplandecentes como esmeraldas e topázios, fazendo que ele ficasse quase sem fôlego. Se não fosse porque já lhe tinha
entregado seu coração fazia muito tempo, ela o teria arrebatado com aquele sorriso demolidor. Quando Lauren apartou o olhar, ele foi reunir-se com ela.
- Chamá-lo-ei Matthew MacGregor - murmurou quando notou a presença do Jason a seu lado, e o tom aveludado de sua voz revelou a emoção que obstinava em ocultar
depois da expressão distante de sua fisionomia.
Os olhos do Jason lhe percorreram o rosto como uma carícia, observando atentamente até o último detalhe das formosas facções.
- Matthew se sentirá honrado, qualquer homem o estaria, mas Matthew é nome de varão, está segura de que quer saltar as convenções de uma maneira tão drástica?
Lauren elevou a vista para encontrar-se com que ele a estava olhando fixamente e que de seus olhos azuis brotava uma luz enternecedoramente risonha e um ardente
brilho, ainda mais profundo, que fez que o coração desse um salto.
- Que convenções? - perguntou tratando de ignorar aquele olhar.
Jason soltou uma gargalhada ao mesmo tempo em que lhe roçava o nariz com o dedo indicador com um gesto zombador.
- Algo que tratei que observasse com todas minhas forças, Olhos de Gata, mas não parece que tenha tido muito êxito, impossível lutar contra todos esses anos
em que sua educação foi descuidada de modo tão imperdoável... - brincou ele.
- Muito bem, chama-o Matthew MacGregor, se isso for o que quer, mas depois não venha a me pedir ajuda se te amotina a tripulação.
Assim foi como rebatizaram a Cometa para convertê-la na Matthew MacGregor e, ao dia seguinte, Lauren foi fazer uma visita ao Matthew precisamente para lhe
oferecer o posto de capitão. Era sábado, um dia em que ele não trabalhava para a naval, assim pensou que o encontraria em casa, mas quando se desceu da charrete
que lhe tinham emprestado em Bellefleur para ir até ali encontrou só com Cervo Veloz que tinha saído para recebê-la à porta da cabana de troncos de cipreste. A Índia
choctaw não era uma mulher atraente, tinha as feições chatas, a pele de cor oliva e uma espessa juba muito negra que lhe chegava até a cintura. Levava posta uma
túnica de pele de cervo decorada com contas de cores e mocassins, e sua expressão delatava surpresa.
- Lauren, eu não a esperava - disse com sua voz suave e melodiosa.
- Certamente porque fui um desastre nestes últimos tempos e fazia muito que não vos fazia uma visita - lhe respondeu Lauren com um sorriso.
- Deveria ter vindo muito antes, mas, bom, em qualquer caso, trago boas notícias. Onde está Matthew? Tenho que lhe dizer algo sobre o navio que pensamos comprar.
Os belos olhos escuros da Índia, estranhamente, lançaram um brilho aflito.
- Foi ver armadilhas.
- E crê que voltará logo? Se não, posso ir a seu encontro.
- Não.
O sorriso de Lauren gelou em seus lábios. Cervo Veloz estava de pé nos degraus da cabana, retorcendo nervosa o vestido com os dedos, e parecia muito
incomodada. Lauren não podia entender aquela atitude distante, já que normalmente era de uma amabilidade deliciosa que recordava o animal do bosque que lhe dava
nome.
- Cervo Veloz, está zangada comigo? Fiz algo que te tenha ofendido?
A mulher duvidou um instante.
- Não.
- Bom, então, o que acontece? Sempre me convida para tomar um chá...
- Entra, Lauren, por favor, você é sempre bem-vinda - lhe respondeu ao mesmo tempo em que virava e se dirigia para o interior da cabana, deixando Lauren ainda
mais confusa.
Atou as rédeas da charrete no corrimão do alpendre e seguiu a Cervo Veloz para o interior da cabana de dois cômodos para ver, justo no momento em que entrava,
que a índia estava pendurando um rifle de volta sobre a chaminé.
- Algo não vai bem - disse Lauren, - nunca recebe às visitas com uma arma nas mãos.
A mulher lhe lançou um olhar nervoso.
- Eu faço chá agora.
- Por favor, Cervo Veloz, não quero chá, o que quero é que me explique por que tem o rifle carregado.
Os belos olhos negros se cravaram no chão.
- Mat se zanga se eu digo - respondeu a índia.
- Colocou-se em alguma confusão? Pelo amor de Deus, é meu amigo, me pode dizer isso!
- Matthew diz para não preocupar-te. Você casa logo e é feliz.
- Casar-me? - Lauren se deu conta de que Cervo Veloz e Matthew deviam ter pensado que se casaria com o Jason, mas não perdeu tempo em esclarecer esse mal-entendido
porque estava muito preocupada com seu amigo.
- Mais vale que me conte o que acontece, porque não vou até que não o tenha feito.
A índia deixou escapar um suspiro.
- Ele... perde dinheiro; joga a cartas e perde.
- Quanto dinheiro?
- Cinco mil dólares.
- Cinco mil! Não pode ser, Matthew nunca faria nada tão desatinado como jogar todas suas economias!
- Ele bebe muito. E homem faz armadilhas.
- Que homem?
- Duvo.
- Refere ao Duval? Matthew jogou às cartas com o Felix Duval?
Cervo Veloz assentiu com a cabeça ao mesmo tempo em que seu moreno rosto se tingia de angústia.
- Homem dá uma semana para encontrar dinheiro. Ele vem logo. Se Mat não tiver, vai cárcere.
Lauren ficou olhando-a sem saber o que acreditar. Só tinha visto o Matthew de passagem durante a última semana e não tinha notado nada fora do normal em seu
comportamento, mas por outro lado ele não teria querido preocupá-la e lhe teria ocultado o que acontecia. Entretanto, não conseguia compreender como era possível
que se viu envolvido em nada que tivesse que ver com o Duval, já que o jogador profissional estava acostumado a frequentar as casas de jogo das classes altas, às
que nunca teria sido convidado Matthew.
- Não se preocupe Cervo Veloz - disse Lauren com voz decidida, - Matthew não vai ao cárcere.
A índia lhe sorriu cheia de agradecimento.
- Mas homem tem pagará...
- Pagará? Uma promissória quer dizer? Isso é um documento em que se menciona a quantidade que se deve. Mas não se preocupe as notas promissórias se podem
comprar de volta. Onde está Matthew agora? Quero falar com ele.
Cervo Veloz lhe disse que estava fiscalizando as armadilhas junto ao riacho que atravessava a pequena propriedade e Lauren saiu em sua busca. Não se tinha
afastado mais de cem metros da cabana quando divisou ao escocês de ruivos cabelos saindo do bosque. Ia vestido com um traje de pele decorado com franjas ao estilo
índio e levava meia dúzia de peças pequenas ao ombro. Assim que a viu, diminuiu o passo e a expressão sombria de seu rosto deu a entender claramente que se imaginava
por que estava ali.
- Vai para casa, - lhe disse em voz baixa, - isto não é coisa tua.
Olhando fixamente aos olhos do homem que tinha sido como um pai para ela, Lauren lhe cravou um olhar carinhoso e irritado ao mesmo tempo.
- Esse é o comentário mais absurdo que ouvi de ti alguma vez. Você me salvou a vida faz quatro anos, acaso crê que não te daria minha ajuda se a necessitasse?
Matthew sacudiu a cabeça sem dizer nada e logo seguiu caminhando, passando de comprimento junto a ela em direção ao abrigo que tinha na parte traseira da
cabana para curtir as peles. Lauren o seguiu, tomando cuidado de arregaçar a saia do vestido de musselina ao entrar para ver bem onde punha os pés e não pisar em
nenhum dos esqueletos nem as peles secas que tinha estendido no chão. Já tinha visitado seu amigo naquele lugar muitas vezes, assim estava familiarizada com o penetrante
aroma, mas, em que pese a tudo, tratou de não respirar muito profundamente e foi sentar em um tosco banco de madeira. Matthew tinha deixado a carga que levava ao
ombro no chão e ficou a trabalhar em um castor, separando habilmente a pele com movimentos destros de faca. Lauren o observou em silêncio durante um momento.
- Cervo Veloz me contou que Felix fez armadilhas - disse ao fim.
- Sim, tinha as cartas marcadas e além disso levava mais na manga.
- Pode prová-lo?
Matthew soltou um grunhido em resposta.
- Então vais ter que lhe pagar - disse Lauren.
- Eu não tenho para pagar essa quantidade.
- Mas entre nós dois sim que podemos reuni-la.
- Não posso permiti-lo, você o necessita para comprar o navio.
Lauren não lhe disse que já tinha encontrado o navio, pois sabia que se o fazia ele resistiria ainda mais.
- Não importa, não vou deixar que lhe metam no cárcere. Quanto tempo tem para fazer o pagamento?
- Até passar amanhã, mas não vou aceitar seu dinheiro. Sou eu o que se comportou como um néscio, não vais pagar por isso.
- Bom, pois peça o dinheiro emprestado ao Jean-Paul se não quer que eu empreste.
- Não! Esse homem fez armadilhas, não vou dar-lhe nem um centavo.
- Então o que vais fazer? - perguntou-lhe Lauren vendo claramente que era inútil discutir com ele.
- Não pensei ainda.
Ela ficou de pé e, alisando a saia, disse:
- Muito bem, Matthew, se isso for o que quer, não vou discutir contigo.
Não tinha a menor intenção de deixar as coisas assim, isso certamente, mas também o conhecia o suficiente para saber que o melhor era não lhe dizer o que
planejava. Não obstante, ele também a conhecia muito bem para não suspeitar da rapidez com que tinha desistido.
- Não irá fazer nenhuma tolice, moça...
- Certamente que não, lhe respondeu Lauren com certa ironia, mas olhando-o com olhos inocentes, - só vou tomar um chá com sua mulher. Temos que fazer uma
lista do que lhe teremos que levar ao cárcere quando formos te visitar.
Oito horas mais tarde, usando o vestido de cetim verde, uma peruca empoeirada com talco e uma máscara, Lauren descia pela sinuosa escada do cassino. A bolsinha
pendurada em seu pulso continha cinco mil dólares.
Custou-lhe um pouco convencer a monsieur Sauvinet para que lhe conseguisse uma soma tão grande em tão pouco tempo, mas a segunda parte do plano tinha resultado
relativamente fácil. Primeiro enviou uma nota ao Felix Duval lhe pedindo que se reunisse com Marguerite essa noite no cassino e lhe permitisse cancelar a dívida
de Matthew. Logo depois do jantar, disse que lhe doía muito a cabeça e se retirou para o seu quarto, evitando os olhares do Jason e Lilás - penetrante o dele e
preocupado a dela - e quando por fim se fez noite fechada, envolveu-se em um manto, tirou um cavalo dos estábulos e partiu à cidade.
Veronique estava encantada de vê-la, mas brindou ao plano de Lauren uma acolhida pouco entusiasta, aduzindo que as dívidas de jogo eram coisa de homens e
que eles eram que deviam ocupar-se desses temas. No que sim esteve de acordo com Lauren - embora não sem certa reticência - era em que a ajudaria para assegurar-se
de que nenhum cliente ia ao salão de fumantes uma vez chegasse Felix.
Duval já a estava esperando quando Lauren entrou na sala e fechou a porta com suavidade a suas costas. O rosto sombrio do jogador profissional se iluminou
com um amplo sorriso.
- Chérie - murmurou enquanto se aproximava para tomar as mãos entre as suas - não sabe quanto senti falta de...
Ela se sentiu aliviada ao ver que lhe brindava uma acolhida tão calorosa, porque não estava segura de que a mensagem lhe tivesse chegado nem se ele concordaria
com o que lhe pediria. Como sempre, estava bastante bonito. A vestimenta formal assentava muito bem à sua figura esbelta e seus cabelos negros contrastavam vividamente
com o alvo imaculado do lenço que levava a pescoço.
- Felix - disse ela com acento francês, - eu também me alegro em ver-te. Obrigada por vir.
Quando ele levou os dedos de Lauren aos lábios, ela teve que controlar-se para não perder a paciência com suas galanterias.
- Trouxeste a promissória do Matthew? Eu tenho aqui a quantia que ele te deve.
Duval duvidou um instante e ficou olhando ao mesmo tempo em que esboçava um leve sorriso.
- Dói-me ter que te dizer que não, Ma belle. Não posso aceitar dinheiro de uma mulher tão encantada como você.
A resposta a desconcertou; não tinha considerado a possibilidade de que ele se negasse a aceitar seu dinheiro.
- Mas se estiver disposta a te dar os cinco mil dólares... Está dizendo que não me permitirá saldar a dívida do Matthew?
Ele lançou uma breve gargalhada.
- Uma dívida que já cumpriu seu encargo, tinha a esperança de que com ela conseguiria que saísse de seu esconderijo.
- Tinha a esperança? - disse Lauren que o olhava fixamente tratando de adivinhar a que se referia.
Então de repente se lembrou de um incidente que tinha tido lugar fazia já vários meses: Matthew tinha ido vê-la no cassino e ela tinha apresentado aos dois
homens. Logo Felix lhe tinha perguntado se Matthew era seu amante, e ela se riu e lhe tinha respondido que seus ciúmes eram de todo injustificados. Logo se tinha
esquecido por completo daquilo, mas agora resultava óbvio que Felix não o tinha feito, essa devia ser a razão pela que tinha procurado o Matthew e o tinha enganado
lhe fazendo perder semelhante quantia de dinheiro: queria chegar até ela.
Ficou olhando ao Felix e se deu conta de que o ligeiro ar de dissipação que tingia suas feições se fez mais patente que da última vez que o tinha visto. Também
reparou em que ela tinha deixado de representar o papel do Marguerite e, esboçando aquele sorriso frio e cativante que sempre conseguia acender o fogo no coração
de qualquer homem, disse:
- Mas que inteligente é Felix! E me diga, agora que me encontraste o que te propõe fazer comigo?
Nos olhos escuros do Duval resplandeceu um brilho que Lauren identificou facilmente como luxúria.
- O que você acredita que me proponho, Ma belle? - perguntou ele com voz rouca ao mesmo tempo em que se aproximava.
Quando lhe rodeou a cintura com os braços e se inclinou para beijá-la, ela apartou o rosto.
- É você muito atrevido, monsieur - disse com certo desespero que, por sorte, tão somente fez que sua voz soasse como se lhe faltasse o fôlego, - e não muito
galante, temo. Estabeleceu as apostas e as regras sem me dar tão sequer a oportunidade de jogar.
Ele arqueou uma sobrancelha com cepticismo.
- A que te refere?
- Você é um jogador profissional, seguro que não opõe a uma partida comigo, parece-te bem o bacará, por exemplo?
Dedicou-lhe um sorriso condescendente.
- E o que nós jogaremos chérie?
- A promissória do Matthew, é obvio. Se ganhar você, terá uma noite comigo.
- Só uma noite?
Lauren alargou a mão para percorrer com um dedo esbelto o lábio inferior do Duval.
- Uma semana então. Acredito que te parecerá que pese ao preço, merece a pena.
- Trato feito, mademoiselle, assim ao menos conseguirei por fim ver o formoso rosto que se esconde atrás da máscara.
Jason a mataria pensou Lauren ao mesmo tempo em que esboçava um sorriso provocador para Felix; mas parecia que não havia outro modo de salvar Matthew do
cárcere. Não tinha muita esperança.
Tinha de ganhar do Duval, mas pensou que talvez conseguisse fazer que a partida ficasse bastante complicada para preocupá-lo e possivelmente isso o levaria
a cometer algum engano fatal.
Liberando-se dos braços de Felix, Lauren voltou-se e abriu caminho para as abarrotadas salas de jogo; queria assegurar-se de que houvesse testemunhas quando
denunciasse ao Duval por fazer trapaça.
Quis a casualidade de que Désirée Chaudier estivesse na mesa de bacará. A bela jovem de cabelos castanhos franziu o cenho no momento em que viu aparecer Lauren.
- Vejo que a amazona há voltado - comentou com tom desagradável aludindo à estatura de Lauren, que ignorou o comentário e dedicou um sorriso cativante aos
cinco cavalheiros que estavam sentados à mesa.
- Messieurs, teriam a amabilidade de deixar que me una a vocês?
Imediatamente, os cinco ficaram de pé e, com grandes dramalhões, convidaram à bela Marguerite de voz aveludada a sentar-se. Désirée não demorou em protestar:
- Não pode! Madame Gescard não lhe permitirá isso.
- Esta noite sou uma cliente - respondeu-lhe Lauren ao mesmo tempo em que um jogador com certo sobrepeso e uma calva incipiente chamado Smithson lhe aproximava
a cadeira, - e meu querido amigo monsieur Duval deseja jogar comigo.
Salvo se quisesse provocar uma cena, a Désirée não restava mais remédio que bater-se em retirada, assim foi o que fez com gesto irado, enquanto os cavalheiros
faziam lugar na mesa - com menos entusiasmo desta vez- para que também se sentasse Duval. Ao final, só dois jogadores o separavam de Lauren, o que tranquilizou um
tanto a esta.
Tinha elegido o bacará porque oferecia múltiplas oportunidades para que um trapaceiro profissional tentasse algum de seus truques: o jogador que repartia
trocava com frequência e as duas primeiras cartas que recebia cada participante se deixavam viradas para baixo, o que fazia ficar mais fácil as marcar ou as substituir
por outra tirada da manga. Entretanto, para surpreender ao Felix com as mãos na massa, tinha que estar o suficientemente perto para vê-lo bem.
Embaralharam e cortaram as cartas para logo as colocar em um caixinha do que se repartiam.
Lauren saiu à baixa porque queria ver o que fazia Felix. O crioulo parecia estar esperando também, porque permitiu que o cavalheiro da calvície incipiente
se levasse a vaza.
- A banca tem três mil dólares - anunciou Smithson antes de começar a primeira mão.
Ao princípio as apostas eram conservadoras e Smithson ganhou três vezes seguidas e a seguir perdeu uma mão natural de oito. Quando o turno de que repartia
correu um posto para a esquerda, Lauren subiu a aposta para incrementar o ritmo da partida. Suas duas primeiras cartas somavam cinco em total, mas tomou a terceira,
que era uma rainha, e isso a colocou acima do nove.
- Uma pena, chérie comentou Felix com um sarcasmo feroz.
Ela aceitou sua momentânea derrota encolhendo-se de ombros e lhe dedicou um sorriso desafiante.
- Você crê que pode conseguir algo melhor, monsieur?
- Olhe e verá.
Em efeito, Lauren olhou Felix muito de perto, enquanto este igualava aos bancos com sua aposta, mas não detectou nada que a levasse a pensar que estivesse
recorrendo a nenhum de seus truques, pois não observou nenhum movimento suspeito e ao Duval tampouco teria dado tempo de marcar as cartas.
Seu rosto era impenetrável e não expressava a menor emoção enquanto calculava mentalmente o valor da mão: um oito frente a um sete dos bancos, comprovou ela
com frustração quando se misturavam as cartas. Se Felix seguia ganhando com tanta facilidade, nunca se arriscaria a fazer armadilhas. Para desconsolo de Lauren,
continuou ganhando, pelo menos até que já tinham repartido todos e era o turno dela de novo, momento em que a sorte do Duval sofreu um reverso, enquanto que a dela,
em troca, melhorou. Teve duas mãos naturais de nove e, posto que era ela quem tinha os bancos nesse momento, levou tudo. Mesmo assim, isso não pareceu afetar à confiança
do Felix, nem sequer quando começou a perder de maneira consistente.
Todos tiveram outro turno para repartir e Lauren voltou a ganhar várias mãos e, quando chegou o turno de Felix, observou-o atentamente com o canto do olho,
pois pensou que se tramava algo certamente o tentaria no momento em que era ele o que repartia. Levava razão, embora a ponto esteve de não dar-se conta do vertiginoso
jogo de mãos: Duval deslizou uma carta na caixinha e deixou cair outra ao chão com tal habilidade que a Lauren não restou a menor dúvida de que devia ter praticado
os movimentos mil vezes. Conteve-se para não dizer nada no momento, sabendo de que uma acusação de fazer armadilhas não serviria de nada se não o pilhava com as
mãos na massa, mas sua paciência estava começando a esgotar-se quando Duval já tinha ganhas várias mãos e ainda não tinha recolhido a carta do chão. Lauren respirou
fundo e apostou:
- Banca - disse com a esperança de que igualar os cinco mil dólares dos bancos fora muito para que Felix se arriscasse a perder.
Todas as apostas por debaixo dessa quantidade tinham que retirar-se e Smithson, que também levava um momento perdendo, decidiu abandonar. No momento em que
este se levantava da mesa, Lauren contou seus pontos, quatro, assim não restava mais remédio que pedir outra carta. Suavam-lhe as mãos: um quatro, não estava tudo
perdido. Olhou ao Felix e, ao encontrar-se com o olhar penetrante de seus olhos escuros, deu-se conta de que sua própria expressão intempestiva parecia tão indecifrável
como a do jogador profissional e lhe sorriu, tratando de aparentar que tentava dissimular sua emoção por acreditar que tinha uma mão ganhadora. Em efeito, sentiu
uma imensa alegria ao vê-lo tirar um lenço com renda das beirada do bolso, e quando ele fingiu que tinha caído ao chão por acidente e se agachou para recolhê-lo,
Lauren soube que a carta devia estar escondida entre as dobras do mesmo e abriu a boca, disposta a delatá-lo, no preciso momento em que um cavalheiro alto de cabelos
castanho claro vestido com uma jaqueta azul e calças de camurça aparecia em seu campo de visão.
- Monsieur Stuart! - exclamou Désirée com voz adocicada enquanto que Lauren esteve a ponto de saltar da cadeira.
- Que descuido! - comentou Jason ao mesmo tempo em que se agachava a recolher a carta que tinha pisado em intencionalmente.
- O dois de espadas estava pelo chão junto a sua cadeira, Duval - acrescentou lançando a carta sobre a mesa, e logo dirigiu um sorriso despreocupado ao resto
dos jogadores, com o que conseguiu conter uma situação potencialmente explosiva graças a seu tom indolente.
Felix manteve suas feições imperturbáveis enquanto acrescentava o dois de espadas ao resto dos descartes. Se o tivesse estado observando, Lauren teria visto
que, não obstante, um músculo de sua mandíbula se esticou; mas ela, profundamente turvada, tinha o olhar cravado no Jason.
A princípio sua repentina aparição a tinha surpreendido e logo se enfureceu ao ver que jogava por terra seu plano cuidadosamente preparado de estender ao
Duval uma armadilha, mas o único que podia fazer, em qualquer caso, era lamentar-se de sua má sorte em silêncio.
A imagem do Jason saudando Désirée com uma boa dose de encanto masculino fez que a frustração de Lauren alcançasse tais níveis que lhe faltou pouco para chiar
os dentes, e então ele se voltou para ela e a saudou com uma leve inclinação de cabeça ao mesmo tempo em que cravava seu olhar no dela e dizia:
- Mademoiselle Marguerite, se não me equivoco, não é certo? Acredito que tive o prazer de escutá-la cantar faz umas semanas.
A fúria contida que expressavam seus belos olhos azuis a pilhou despreparada, e se deu conta de que teria muita sorte se chegasse em casa inteira mas mesmo
assim conseguiu murmurar uma resposta.
Para o que já não ficavam forças foi protestar quando ele pediu permissão para sentar-se à mesa, e nem tão sequer sorriu ao dar-se conta de que se elevaram
os bancos de cinco mil dólares com sua mão de oito. Com o dois de espadas, a mão do Felix tivesse sido de nove e lhe tivesse ganhado.
A partir desse momento a partida ficou muito séria, o mais provável, pensou Lauren, devido a que Felix parecia decidido a ganhar a toda custo. Entretanto,
nem ele nem ninguém tiveram muita sorte frente à incrível destreza do Jason: um por um todos os jogadores foram abandonando até que a partida se converteu em um
duelo entre os dois homens. Ao cabo de três horas, Felix tinha perdido mais de cinco mil dólares e os lucros de Jason ascendiam quase ao dobro dessa quantidade.
- Você tem muita sorte, monsieur - disse Felix por fim fazendo grandes esforços por manter a compostura.
Jason recolheu os lucros da última mão e olhou ao crioulo fixamente aos olhos.
- Há quem acredite que um homem lavra sua própria sorte, e eu tinha acreditado que você seria dos que compartilham essa opinião, ou esse acaso esse dois de
espadas caiu da mesa sozinho?
O rosto do Felix se crispou, cheio de ira.
- Está me acusando? - indignou-se elevando a voz ameaçadoramente.
Lauren se remexeu na cadeira, um tanto incômoda. O resto dos jogadores se afastaram, assim Désirée e ela eram as duas únicas testemunhas do enfrentamento
que se forjava.
- Não vejo necessidade alguma de lançar acusações - respondeu Jason com voz acalmada, - o incidente chegará para ouvidos de madame Gescard e ela se encarregará
de tomar medidas necessárias, mas, em vista ao futuro, talvez devesse assegurar-se melhor de que não haja cartas extraviadas nas imediações de seu assento, pois
a situação poderia ser embaraçosa para você,
- Este assunto deveríamos tratá-lo no campo da honra! - exclamou Duval com a voz cheia de ira.
- Por favor, Felix - se apressou a intervir Lauren no momento em que o crioulo ficava de pé, - não há necessidade de ficar assim.
Indiferente ao arrebatamento do Duval, Jason se reclinou sobre o respaldo da cadeira com um meio sorriso zombador nos lábios.
- Não tenho o menor problema em agradá-lo, é obvio que não...
- Não - interveio Désirée, - um dos dois poderia morrer!
- Mas um duelo - continuou Jason - não seria particularmente benéfico para a reputação de um jogador profissional. Acredito que, depois disso, custaria a
você livrar-se do estigma de trapaceiro, caso sobrevivesse e tenho que lhe advertir que isso é bastante improvável.
Felix continuava de pé com os punhos apertados e o olhar cravado no Jason, que se limitou a arquear uma sobrancelha.
- Vamos, Duval, você não é nenhum estúpido, sente-se, está provocando uma cena, além de desgostar a estas duas damas encantadoras e, o que é mais tenho uma
proposta que lhe fazer que lhe permitirá diminuir sensivelmente suas perdas.
Felix seguia atravessando-o com o olhar, mas voltou a sentar-se.
- Que proposta? - perguntou bruscamente.
Lauren respirou aliviada e foi então que se deu conta de que tinha estado contendo a respiração.
- Acredito que tem você em seu poder uma promissória dada por meu amigo - disse Jason ao mesmo tempo em que deslizava um maço de bilhetes pela mesa em direção
a Duval.
- Aqui estão os cinco mil dólares da dívida, mais outros mil para compensá-lo pelas moléstias.
Felix franziu o cenho e olhou a Lauren com receio antes de voltar-se de novo para o Jason.
- Esse MacGregor parece ter muitos amigos.
- Isso ignoro - mentiu Jason.
- MacGregor é empregado meu, assim, em meu caso, a questão é que não me convém que acabe no cárcere.
O cavalheiro crioulo duvidou um instante e logo esboçou um sorriso fleumático e tirou a promissória do bolso de sua jaqueta.
- Peço-te desculpas, Ma chérie - disse a Lauren, - mas não fica mais remédio que romper nosso trato, já vê que a situação o faz necessário e, em qualquer
caso, você conseguirá seu objetivo.
Então recolheu o dinheiro, o meteu no bolso e ficou de pé para partir.
- Uma pena - murmurou olhando-a, - acredito que é a primeira vez que lamento ter ganhado uma soma tão grande de dinheiro.
Lauren não disse nada e se limitou a sorrir e estender a Felix uma mão para que a beijasse e, depois de que este partiu, lançou um olhar de relance a Jason.
Ele a estava observando com uma expressão nos olhos que lhe advertia que o pior estava por vir e, sem apartar a vista dela um instante, ficou de pé.
- Vamos, mademoiselle?
A Lauren nem lhe passou pela cabeça protestar ao ver que ele se aproximava para lhe retirar a cadeira, mas teve um momento de pausa quando Désirée se interpôs
entre os dois. A bela jovem de cabelos escuros pôs uma mão no braço de Jason e, elevando os olhos para ele ao mesmo tempo em que fazia uma careta, disse:
- Não fica monsieur Jason? Hei-me sentido tão só sem sua companhia!
Dedicou-lhe um sorriso compungido.
- Obrigado por seu interesse, preciosa, mas devo acompanhar a mademoiselle Marguerite a casa.
Enquanto avançavam para a porta, Lauren pôde ouvir Désirée resmungando algo sobre amazonas.
Tiveram que esperar a que trouxessem o carro do Jason à porta e Lauren sentiu que o tenso silêncio que reinava entre eles a estava pondo cada vez mais nervosa
Passou-lhe pela cabeça a idéia de pedir ajuda ao mordomo, Kendricks mas decidiu que Jason estava em um estado de ânimo o suficiente volátil para tirá-la voando do
cassino se negasse a acompanhá-lo.
Agarrava-lhe o braço com tanta força que o fazia doer enquanto a escoltava para o carro, que por fim apareceu à entrada do cassino. Logo a ajudou a subir,
deu uma moeda ao criado negro que segurava os cavalos e subiu para tomar as rédeas. Não disse uma palavra até que estivessem fora da cidade:
- Expor-te desse modo a cair nas garras de um homem como Duval deve ser uma das maiores estupidez que te vi fazer - a censurou sem apartar a vista da estrada.
Sua voz era suave mas rouca, como o aço envolto em veludo, e a ira contida que exalava por todos os poros de sua pele provocava em Lauren uma sensação angustiante,
mas resistiu ao desejo de encolher-se em um rincão e voltou a vista para as sombras das ameixeiras e os álamos que flanqueavam a estrada e que foram deixados para
trás quando passavam. A noite era muito calorenta e bastante escura, pois só luzia um fino galho de lua no céu.
- Como soube onde me encontrar? - perguntou ela com um fio de voz.
- Matthew suspeitou que talvez te ocorreria fazer algo quixotesco e teve o sentido comum de dever contar-me o que é precisamente o que teria que ter feito
você. Eu estou bastante mais capacitado para dirigir ao Duval do que você o estará jamais, posto que jogo melhor às cartas possa me permitir perder mais dinheiro
e, além disso, poderia me defender. Foi um disparate enfrentá-lo sozinha.
Lauren se ergueu ao ouvir seu tom cortante, pois em que pese a que não tinha muitos argumentos que esgrimir em sua defesa frente à lógica esmagadora de Jason,
negava-se que se arvorasse com esse ar de superioridade, como se lhe devesse alguma explicação.
- Não necessito que você venha a me dizer como devo me comportar - lhe respondeu muito séria.
- Alguém tem que fazê-lo.
- Não é meu guardião, Jason.
- Isso é discutível, mas não vou debater esse tema contigo agora.
Cravou-lhe um olhar furioso e logo voltou a concentrar-se nos cavalos.
- Sua lealdade para o Matthew é admirável, isso o reconheço, mas este teu empenho em ser completamente independente vai a caminho de converter-se em uma obsessão,
Lauren.
Ela nem se dignou lhe responder, resignando-se a permanecer sentada junto a ele com todo o corpo em tensão.
- O que tinha pensado lhe oferecer ao Duval se perdia? Não, melhor não me diga isso, por desgraça, posso imaginá-lo perfeitamente.
- Não tinha a menor intenção de perder - disse ela furiosa, - o que me propunha era delatá-lo diante de todo mundo como trapaceiro antes de chegar a isso.
- Por amor de Deus! - murmurou Jason.
- E pode saber-se como pensava que ia reagir ele quando visse que punha em perigo sua forma de ganhar a vida? Se eu não tivesse podido te proteger não se
tivesse decidido vingar-se depois.
- Ninguém te pediu que me proteja.
Jason respirou fundo e contou até dez antes de responder:
- É o dever de um cavalheiro sair em defesa de uma dama em apuros, embora a dama em questão seja tão insensata para buscar os problemas sozinha.
- Isto não foi um ato de cavalheirismo! O que você queria era te assegurar que continuo em dívida contigo!
Jason a atravessou com um olhar aceso.
- Eu não espero nem quero, sob nenhuma circunstância, que se sinta em dívida comigo pelo motivo que seja.
- Ah, não? Então, por que me propôs sermos sócios? Acaso não foi porque achou que te devia um favor?
- Maldita seja, Lauren! Quero que aprenda tudo que for necessário sobre o negócio das navais precisamente para que não tenha que me dever nenhum favor, para
que possamos falar de igual a igual; ou, melhor dizendo, não para que sejamos iguais, mas sim para que estejamos em pé de igualdade, além de, é obvio, para que esteja
preparada para assumir a responsabilidade de te pôr à frente da companhia quando lhe entregar isso dentro de uns meses.
Sua hipocrisia, depois de ter declarado abertamente sua intenção de conseguir tanto a naval como a ela, fê-la perder os nervos.
- Não dou crédito ao que ouço! O que você quer é a frota da naval, não te atreva a negá-lo!
Ele apertou os dentes.
- Não, não vou negá-lo.
- E, além disso, disse que era tudo ou nada. Não posso acreditar que te tenha dado por vencido tão facilmente.
- Em efeito, não é o caso.
De repente puxou as rédeas até que os cavalos se detivessem e as atou à boléia para voltar-se para olhá-la fixamente.
- Eu gostaria que chegasse o dia em que eu fosse indispensável para ti, mas não porque me necessite para te organizar seus negócios. Confiava em que este
último mês nos tivesse brindado a oportunidade de chegar a nos conhecer melhor...
Dando-se conta de que em realidade estava pondo ao Jason em bandeja para tirar o tema que ela mais desejava evitar, Lauren elevou uma mão e disse:
- Não, por favor, não quero falar disso.
- Ignorar algo não faz que desapareça, Lauren, não pode fugir a questão eternamente - disse ele e querendo enfatizar suas palavras, agarrou-a pelos braços,
embora sem chegar a machucá-la, mas sim provocou nela uma quebra de onda de pânico.
- Prometeu-me que não me falaria mais desse assunto! - exclamou ela tratando de soltar-se.
- Só me responda a uma pergunta: o que é o que tem em contra o matrimônio? Dá-te medo algo? Dou-te medo?
- Não..., sim... Não sei! - disse ela elevando a voz ao mesmo tempo em que levava as mãos aos ouvidos.
Ao ver seu genuíno desespero, Jason não quis aproveitar-se de sua vantagem e a soltou de repente para voltar a tomar as rédeas. Nenhum dos dois voltou a pronunciar
uma só palavra para romper o tenso silêncio.
Quando chegaram ao Bellefleur, Lauren saltou do carro ainda em marcha e subiu correndo até seu quarto, negando-se a ver ninguém, nem sequer a Lilás, e ali
permaneceu durante umas quantas horas terríveis, caminhando de um lado para outro, enquanto lamentava-se de tudo que tinha ocorrido àquela noite. Jason tinha razão
e ela sabia. Devia ter deixado que ele se ocupasse do Duval, e certamente se sentiu muito aliviada quando ganhou a promissória do Matthew ao jogador profissional,
mas não se mostrou agradecida absolutamente, mas sim tinha reagido como a menina presunçosa que Jason dizia que era discutindo e lhe lançando acusações. E o que
era pior, tinha lhe proporcionado uma oportunidade de ouro para tornar a lhe pedir que se casasse com ele no momento em que ela menos estava preparada para enfrentar
esse assunto. A única coisa boa que tinha resultado daquela noite era que tinham evitado que Matthew fosse preso.
Lauren estava muito ocupada flagelando-se e compadecendo-se de si mesma para conciliar o sono quando o resto da casa se retirou a dormir. Até o Ulisses a
tinha abandonado, pois o gato tinha desaparecido fazia horas e ainda não havia tornado. Era mais de meia-noite quando ouviu seu miado queixoso através das portas
de cristal e o chamou, mas Ulisses não entrou, assim saiu para buscá-lo.
Fora, tão somente uma leve brisa refrescava o sufocante calor da noite levando consigo o aroma dos jasmins e as magnólias. Lauren esquadrinhou a escuridão,
mas não viu nem rastro do gato, por isso começou a avançar lentamente pela galeria em sua busca.
Por fim viu o grande felino quando virou a esquina. Estava sentado em meio da claridade que surgia de uma das habitações. Lauren o chamou em voz baixa, mas,
para seu desconsolo, Ulisses se estirou e voltou para interior da habitação de um salto. Ela vacilou por um momento, só havia um dormitório ocupado na parte traseira
da casa e esse era o do Jason. Não queria ter que enfrentar-se a ele, mas talvez estivesse dormindo, pensou, inclusive podia que não estivesse que tivesse voltado
para cassino em busca de companhia mais agradável que ela. Albergando, ao menos em parte, a esperança de que assim fora, Lauren seguiu o gato fugitivo.
Quando chegou à porta da habitação do Jason, deteve-se, pois viu imediatamente que ele estava ali, deitado sobre a imensa cama com dossel. Só estava com as
calças e a luz de uma única vela iluminava seu corpo esbelto e musculoso. Era evidente que ainda não resolvera dormir, porque não tinha retirado os cobertores e
o mosquiteiro estava ainda aberto. Parecia absorto em seus pensamentos. Estendido de barriga para cima tinha a cabeça apoiada sobre um braço flexionado e, com a
mão livre, acariciava distraidamente o pelo laranja de Ulisses, que se esfregava contra sua coxa.
Lauren decidiu que era melhor não incomodá-lo, mas antes que pudesse voltar-se para partir, ele notou sua presença e, elevando a cabeça dos almofadões, ficou
olhando com o cenho franzido. Ao notar o olhar do Jason percorrendo seu corpo através do tecido, tão fino que com muita dificuldade o cobria, ela se deu conta de
repente da pouca roupa que levava posta. A camisola, pouco mais que uma ligeira combinação de algodão, deixava a descoberto os braços e o pescoço, e sua frondosa
juba loira lhe caía sobre os ombros. Em qualquer caso, estava convencida de que ele teria desaprovado sua presença, embora tivesse estado vestida decentemente e
com o cabelo recolhido em um coque.
- Vim procurar o Ulisses - se apressou a dizer a modo de explicação antes que perguntasse. Não lhe respondeu e tampouco moveu um só músculo. Lauren se aventurou
timidamente no interior do quarto sentindo que seu nervosismo ia aumentando a cada passo que dava:
- Poderia dar meu gato, por favor? - repetiu ela.
- Normalmente dorme comigo.
Jason exalou lentamente, como se tivesse estado contendo a respiração.
- Então é um gato com sorte - respondeu com voz tensa.
- Já me ofereci uma vez - recordou ela, - e se não me falha a memória, recordo que me rechaçou.
Jason se sentou e acomodou os almofadões a suas costas para logo dizer por fim:
- Vem aqui, Lauren.
Ela arqueou uma sobrancelha.
- A verdade, Jason, é que nunca deixa de me surpreender. Esperava que me recordasse o terrivelmente inadequado que é me apresentar assim em seu dormitório.
- Em efeito, é terrivelmente inadequado, sobretudo tendo em conta a pouca roupa que ambos levamos posta, mas prometo me controlar - disse ele estendendo uma
mão a modo de convite e insistindo a obedecer com o olhar.
Lauren não foi capaz de resistir ao poder daqueles olhos azuis e se aproximou, mas só para deter-se junto a um dos postes aos pés da cama ao que se agarrou
com determinação, como se temesse que em qualquer momento uma força irresistível a arrastasse para o olho de um furacão.
- Suponho que até teria que tomar como completo o que te tenha dignado te dar conta - disse com um tom zombador que não era mais que um mecanismo de defesa.
- Ultimamente estiveste tão ocupado com Désirée que acreditava que tinha esquecido de mim por completo. De fato, pensava que teria partido correndo de volta
ao cassino... O que te propõe decepcionando assim às garotas de madame Gescard? Désirée deve estar desconsolada.
A boca do Jason tremeu ligeiramente, como se estivesse tratando de reprimir um sorriso.
- Lauren, de verdade que agradeceria que me desse oportunidade de me defender de seus ataques. Vem aqui - repetiu lhe assinalando um lugar a seu lado na cama
para que se sentasse.
- Por que? - replicou ela receosa.
- Porque a luz da vela que tem atrás faz sua camisola virtualmente transparente, minha sereia, e isso te dá uma vantagem indiscutível.
- Oh! - ruborizou-se ela ao mesmo tempo em que, obedecendo com certa reticência a ordem do Jason, sentava-se cautelosamente na beirada da cama.
Jason tomou a mão e a segurou com força entre as suas.
- Além disso - acrescentou ele, - a idéia de um tête à tête em metade da noite não me desgosta absolutamente, mas sim eu gostaria de me assegurar de que fica
até o final da conversação.
Quando Lauren tentou liberar sua mão com gesto nervoso, descobriu que a tinha apanhada entre as do Jason, que, sem chegar a lhe fazer dano, a capturavam inexoravelmente.
- Imagino que agora tem intenção de usar a força bruta - respondeu ela cortante.
Ele a olhou aos olhos sem alterar-se.
- Suas acusações estão começando a me cansar, Lauren. Em realidade não me crê capaz de algo assim, do mesmo modo que não pensa que recorreria ao uso da força
para conseguir que te casasse comigo nem para me fazer com a naval Carlin.
Ulisses saltou da cama e desapareceu entre as sombras da noite, mas Lauren nem se deu conta.
- Então, por que quer te casar comigo? - perguntou-lhe com voz entrecortada.
- Certamente porque estou apaixonado por ti.
Ela se sobressaltou fazendo que as comissuras dos lábios do Jason se curvassem em um sorriso.
- Acredito que me apaixonei no instante em que te vi pela primeira vez. Por que crê que te pedi que te casasse comigo então, se não?
Ela seguia olhando-o sem dizer uma palavra.
- Como? - provocou-lhe ele, - ainda continua aqui?
- Primeiro me responda a uma pergunta - disse ele levando os dedos da mão dela aos lábios para beijar as pontas, provocando um formigamento intenso no braço
de Lauren.
- O que pergunta? - murmurou ela.
- Me diga do que tem medo.
Jason reparou no brilho de terror nos belos olhos salpicados de reflexos cor âmbar, mas não apartou o olhar deles enquanto seguia insistindo:
- Não é a mim a quem teme - disse ele com suavidade, - alguma vez me temeste, assim por que se apodera de ti o pânico cada vez que te falo de matrimônio?
Lauren sabia que tinha que lhe dar alguma resposta.
- Eu... não... não quero que nenhum homem tenha esse poder sobre mim.
- Essa não é a razão - disse Jason negando com a cabeça, - sabe muito bem que não abusaria do privilégio de cuidar de ti.
- Não, mas... mas quer viver na Inglaterra e eu não. Minha vida está aqui.
- Tampouco essa resposta me parece convincente Lauren.
Jason elevou a mão para lhe acariciar os lábios docemente, riscando a linha destes com um dedo enquanto observava com devoção suas feições e sua voz se convertia
em um leve murmúrio.
- Daria algo por poder penetrar essas defesas com que mantém tudo que rodeia a distância...!
Lauren duvidou e sua boca esboçou uma silenciosa careta enquanto os largos dedos de Jason lhe acariciavam a bochecha. Não queria que a amasse; era impossível
que aquilo chegasse a nenhum lugar, posto que suas origens humildes - por mencionar um dos múltiplos empecilhos - que lhe impediam de casar-se com ele.
Ao ver que não lhe respondia nada, Jason soltou um suspiro.
- Bom, estou te esperando quatro anos, suponho que posso esperar um pouco mais.
- Não, não deve fazê-lo!
Lauren tratou de apartar-se, mas ele interrompeu seus protestos quando a atraiu para seu peito.
- Chsss, não diga nada, meu amor - murmurou ele lhe acariciando o cabelo, - não queria te desgostar.
Com a bochecha apoiada no torso nu do Jason, Lauren fechou os olhos. Tinha um nó na garganta e uma dor profunda e palpitante no peito, e se arrependia mais
que nunca do passado, que era como um peso atado a seu pescoço, mas apesar de sentir um desejo incrível de chorar, seus olhos estavam secos.
Não poderia haver dito quanto tempo passou antes que a bruxuleante luz da vela se extinguisse de repente, deixando o quarto na penumbra, mas foi nesse momento
quando se deu conta de que os braços do Jason tinham deixado de ser um refúgio onde procurar consolo. Ele apenas se moveu, mas de repente Lauren ficou plenamente
consciente do delicioso aroma masculino de sua pele e da maneira profundamente íntima em que seus seios estavam apertados contra o musculoso torso. Uma força demolidora
e vital fluía entre eles, era virtualmente tangível, e ela podia sentir como seus sentidos despertavam à medida que o desejo crescia em seu interior.
Queria que Jason a estreitasse ainda com mais força, mas lhe dava medo mover-se porque sabia de sobra que lhe ordenaria que partisse se adivinhasse o que
estava pensando. Mas o fato era que ele sabia, deu-se conta ela ao cabo de um momento: a mão do Jason se deslizou devagar por suas costas e logo lhe percorreu possessivamente
o quadril e a coxa para depois ascender de novo. Todas as terminações nervosas do corpo de Lauren ficaram tensas. Ao cabo de um momento sentiu que Jason lhe agarrava
os ombros, e quando a apartou sem soltá-la, ela se encontrou com a intensa profundidade de seus azuis olhos resplandecentes de desejo.
- Lauren - murmurou ele com voz rouca enquanto uma de suas mãos se enredava nos douradas mechas sedosas e a outra pousava sobre os botões da camisola.
- Jason..., por favor - murmurou sem saber nem ela mesma se lhe suplicava para que se detivesse ou para que continuasse, qualquer das duas opções a aterrorizava:
temia que, se o rechaçasse, ele procurasse em braços de outra mulher o que desejava, temia que se consentisse estaria rendendo-se a ele totalmente.
Assim não fez nada, nem respirar nem resistir, só conteve a respiração enquanto o coração lhe golpeava as costelas.
Lentamente, como se não fosse dono de seus atos, Jason desabotoou os botões da camisola e o deslizou pelos ombros dela para liberar os voluptuosos seios.
Então voltou a atraí-la para si e deixou que seus lábios ardentes pousassem sobre um mamilo erguido. Lauren esteve a ponto de dar um salto quando uma onda de puro
prazer a percorreu de pés a cabeça e jogou a cabeça para trás sentindo que o desejo se arqueava e agitava entre suas pernas.
A língua do Jason descreveu círculos sobre o sensível topo até que esta ficou completamente rígida, clamando dolentemente por ser atendida, e então ele dedicou
seus cuidados à outra colina suave de doce carne, sorvendo, lambendo e mordiscando com suavidade, acariciando delicadamente com os dentes. A respiração de Lauren
era difícil e entrecortada.
Entretanto, ao final foi Jason o que sufocou o fogo que ele mesmo tinha desatado ao apartar-se de repente; sua respiração acelerada retumbava na escuridão.
- Assim não, Lauren - disse com voz rouca.
- Assim não. Quando te fizer amor, quero saber que seu compromisso é total...
Ela se sentiu aliviada, e, entretanto...
Jason voltou a fechar a camisola com dedos trementes.
- Volta para seu quarto, vida minha - lhe ordenou com voz entrecortada, - volta para seu quarto antes que os dois percam o controle.
Lauren tratou de obedecer, mas as carícias do Jason a tinham deixado débil e aturdida, tinha a impressão de que seus joelhos se converteram em mel quente,
e quando tentou ficar em pé, não a sustentaram e voltou a cair sobre a cama balançando-se sem querer contra o corpo do Jason. Ele não estava de humor para ser paciente,
pois seu desejo insatisfeito era como uma dor que o atendia e tinha chegado quase ao limite de sua resistência.
- Lauren! - grunhiu ao mesmo tempo em que a agarrava pelos ombros e a ponto esteve de sacudi-la.
- Sai daqui agora mesmo se não quer que lhe dê umas palmadas!
Logo, com movimentos bruscos da cabeça, procurou por toda a habitação com o olhar, esquadrinhando as sombras.
- Demônio! Onde está esse condenado gato?
A explosão de ira, tão repentina como uma tormenta da Luisiana, deixou-a desconcertada. A princípio o olhou com apreensão e logo se deu conta de qual era
a causa de sua fúria e fez algo que resultou totalmente inesperado nela: soltou uma risadinha - em realidade, foi uma breve gargalhada aveludada - e imediatamente
levou uma mão à boca para tratar de amortecer o som. Mesmo assim estava rindo; não podia evitá-lo, pois a fúria do Jason, tão imediata depois do arrebatamento de
paixão, parecia-lhe muito cômica. Ao ouvir o som afogado de suas risadas com muita dificuldade contidas, ele a atravessou com o olhar.
- Pode saber-se que demônios te parece tão divertido?
Então ela deixou de aguentar a risada e o arreliou agitando o índice muito perto do rosto:
- Não são essas precisamente as palavras de um amante apaixonado - o exortou risonha e um pouco embriagada pela sensação de ter conseguido ao fim fazer que
o imperturbável Jason perdesse a compostura.
- Se quiser que me apaixone por ti, deveria tratar de me conquistar com adulações e beijos, teria que tentar me deslumbrar com seus cuidados em vez de me
ignorar e me encher de insultos e ameaças. É muito pouco provável que consiga seu objetivo com estes métodos.
Ele respirou fundo para acalmar-se, e quando o conseguiu, olhou-a cheio de receio. Ao cabo de um instante, recostou-se sobre os almofadões.
- Parece que é pouco provável que consiga meu objetivo, empregue o método que empregue - disse secamente, - mas de momento vou seguir com minha estratégia
tal e como estava planejada.
- Obrigado pelo conselho, mas ainda não está tão claro que tenha resultado um fracasso contundente.
- Vais partir por seu próprio pé ou tenho que te levar nos braços?
Lauren ignorou a pergunta.
- Assim que o reconhece sim que tem um plano! É Désirée parte dessa estratégia tua então? - perguntou-lhe ela com tom deliberadamente aveludado.
Então foi o turno do Jason sorrir. Esboçou um cativante sorriso, perfeitamente visível inclusive em meio da escuridão.
- Mas como? Está ciumenta, minha doce Lauren?
Ela apertou os lábios.
- Só sinto curiosidade por saber o que é o que te atrai tanto nessa... tigresa.
- Não resulta mais que evidente?
- É obvio que sim! Mas me estava perguntando por que ela...
Os olhos do Jason resplandeciam gotejando hilaridade.
- Os encantos de Désirée não são nada comparados com os teus, se for isso o que me pergunta, mas ela está acostumada mostrar-se bastante mais carinhosa que
você, isso também terá que dizê-lo...
Suas provocadoras palavras tocaram uma corda sensível no interior de Lauren, que se levantou de um salto para ficar de pé, abatendo-se sobre ele com os punhos
apertados.
- É... é... um descarado - gaguejou.
- Deixa que te diga algo, Jason Stuart, se alguma vez ousa me comparar com ela de novo, juro-te que lhe... lhe...
- Sim? - animou-a a seguir ele com tom zombador, e logo se levantou, embora com muita mais calma que ela, com a mesma parcimônia de um imenso gato, e então
foi ele o que se abatia sobre ela.
Lauren retrocedeu instintivamente.
- Dar-te-ei chutes, isso farei. Onde lhe doa!
Era óbvio que a Jason não intimidava a ameaça porque seguiu aproximando-se enquanto ela continuava retrocedendo presa dos nervos.
- E, além disso - acrescentou Lauren em tom desafiante, - se não te afastar do Désirée, voltarei para cassino, todas as noites!
Jason não parecia preocupado enquanto a seguia por todo o quarto até chegar ao corredor.
Ela, que caminhava para trás ainda, acabou por se chocar com o corrimão, e quando este lhe cravou nos rins elevou as mãos para defender-se.
- E não me dedicarei a tocar o piano somente - lhe advertiu, - também dançarei em cima dele!
Jason soltou uma gargalhada ao mesmo tempo em que alargava os braços para enlaçá-la num rodopio.
- E você me acusa de extorsão? Muito bem, trato feito.
Lauren começou a lutar; mas ao dar-se conta do que ele acabara de dizer, deteve-se e cravou o olhar nos risonhos olhos azuis que a contemplavam de cima.
- De verdade? - perguntou com cepticismo.
Levando-a nos braços sem grande esforço, Jason avançou a grandes pernadas pelo corredor para o quarto de Lauren.
- De verdade. Não voltarei a me aproximar de Désirée nunca mais se você me prometer não dançar em cima do piano. E te advirto que as condições do trato são
muito menos exigentes para ti...
Lauren limpou a garganta, perguntando-se se com suas próprias palavras tinha conseguido - de algum jeito que agora lhe escapava - cair em alguma armadilha
invisível.
- É pelo seu próprio bem. Désirée não é o bastante boa para ti, até Veronique o diz.
Ele fez uma careta zombadora.
- E eu que tinha a esperança de que estivesse ciumenta!
- Bom... - Lauren baixou o olhar.
- Talvez sim estivesse... um pouco.
A voz do Jason se fez mais suave.
- Não deveria está-lo, Lauren, nunca me interessei muito por Désirée.
Ela voltou a elevar os olhos, cheios de incredulidade, e Jason lhe sorriu.
- E é contigo com quem me quero casar.
Ela enrugou os lábios ensimesmando-se em seus pensamentos, consciente de que ele não estaria tão desejoso de convertê-la em sua esposa se conhecesse a ilegitimidade
de suas origens.
- Kyle diz que agora que é lorde Effing tem que buscar uma esposa.
- Mmm... - assentiu Jason.
- A responsabilidade que vem com o título... Tem alguma sugestão nesse sentido? E isso não foi uma proposta de matrimônio. Por certo, proponho-me cumprir
nosso trato ao pé da letra.
Ela inclinou a cabeça enquanto o contemplava.
- Se me negasse a te dar filhos, trocaria de opinião a respeito de querer te casar comigo?
- Não, Olhos de Gata, nunca trocarei de opinião.
Jason entrou no quarto de Lauren, depositou-a com suavidade na cama, e quando se inclinou para agasalhá-la ficou olhando-a um momento.
- Não quer ter filhos? - perguntou-lhe muito sério.
- Não... não sei. Nunca pensei muito nisso, a verdade.
Plantou-lhe um fugaz beijo nos lábios e disse:
- Pois não deixe de me avisar se, quando tiver refletido a respeito, a resposta é que sim, estaria encantado de colaborar. Quer que fique até que durma?
Ela negou com a cabeça e Jason lhe dedicou um sorriso terno. Logo desapareceu entre as sombras da noite.
Aquele olhar quente, cheio de amor manteve Lauren acordada até muito tempo depois que ele partiu, e enquanto permanecia ali olhando ao dossel que havia sobre
sua cabeça, surpreendeu-se se perguntando como seria a sensação de embalar a seu próprio bebê, e não qualquer bebê, a não ser um com risonhos olhos azuis, um bebê
ao que adoraria e quereria com toda a alma...
Passou um bom momento antes que dormisse.


Capítulo 16

Jason se comportava como se o incidente do cassino nunca tivesse ocorrido. Tal e como tinham acordado, ele organizou a compra de La Cometa, contratou a um
capitão em previsão da primeira travessia e, duas noites mais tarde, levou Lauren ao teatro.
Ela gostou da obra. O Teatro Orleans, na rua Orleans, tinha ficado completamente destruído como consequência de um incêndio em 1813, mas o tinham reconstruído
para albergar as representações das companhias itinerantes que aconteciam a cidade. O novo edifício era impressionante, com suas magníficas colunas dóricas, os amplos
espaços de chão de parquê, as múltiplas galerias e os dois andares de camarotes privados.
O camarote que eles ocupavam estava bem perto do cenário, assim Lauren não teve nenhuma dificuldade para seguir a obra, embora de vez em quando tivesse que
perguntar a Jason a tradução de alguma palavra. Toda a representação era em francês porque, embora Nova Orleans levasse uma dúzia de anos sob o governo dos Estados
Unidos, muitos de seus habitantes ainda consideravam que o francês era o único idioma civilizado.
Jason não desfrutou tanto como ela da representação porque era muito consciente de tê-la sentada a seu lado. Lauren estava deslumbrante, usando um daqueles
vestidos que ele tinha escolhido para ela, um de modelo império confeccionado em fina seda cor marfim. O decote era recatado se comparava com a última moda, mas
mesmo assim o sutiã deixava suficiente quantidade de suave e pálida pele à vista como para que aqueles voluptuosos seios não o deixassem concentrar-se, enquanto
que o doce aroma de sua pele lhe embriagava os sentidos despertando em seu interior uma insuportável dor, assim se sentia profundamente agradecido pelo fato de que
a penumbra os rodeasse, porque esta ocultava o revelador volume cada vez mais visível entre suas pernas.
Quando finalizou a obra, Jason havia tornado a recuperar o controle sobre si mesmo, e quando Lauren voltou a rir com vontade ao recordar as frases finais
da representação, decidiu que só de poder contemplar aquela expressão fascinante em seu belo rosto fazia que tivesse merecido a pena o mau momento que tinha passado.
Sorriu-lhe olhando fixamente seus belos olhos verdes, pôs o xale sobre os seus ombros e a acompanhou para fora do camarote, rodeando sua cintura com um braço protetor
para assegurar-se de que não recebia nenhum empurrão ao atravessar a multidão que havia no vestíbulo dos camarotes.
Chamavam a atenção de quase todas as pessoas que se cruzavam com eles, a cativante beleza do Lauren e a presença imponente do Jason os convertiam em um casal
espetacular, que fez que mais de uma cabeça se voltasse para seu passo enquanto desciam a majestosa escada principal.
Tinham chegado já ao primeiro patamar quando de repente ela ficou tensa. Jason seguiu seu olhar e divisou ao Felix Duval ao pé das escadas, olhando ao Lauren
fixamente com uma expressão de desejo nada dissimulada. No preciso instante em que a luminosidade radiante do rosto dela se dissipava para dar lugar a sua habitual
expressão fria e distante, Jason a agarrou pela cintura com mais força ao mesmo tempo em que sentia um desejo quase incontrolável de dar um murro em Duval em resposta
a seu olhar lascivo.
- Não há dúvida de que Duval te reconheceu - murmurou Jason laconicamente enquanto a guiava até a saída.
Ela elevou o olhar para ele e se mordeu o lábio.
- Suponho que agora dirá que é culpa minha que tenha me tratado desse modo.
As comissuras dos lábios do Jason se curvaram em um sorriso.
- Não, não acredito que possa evitar despertar o desejo de um homem, mas sim preferiria que evitasse aparecer no cassino para não tentá-lo mais. Por mais
que te resgatar esteja começando a converter-se em um costume para mim, eu não gostaria de passar toda a vida tendo que fazê-lo.
Lauren relaxou ao ouvir o habitual tom brincalhão do Jason.
- Ninguém te pediu que o faça.
- Não - riu ele, - mas eu não perco a esperança de que me peça isso algum dia.
Em qualquer caso, a partir daquele momento Lauren teve pouca oportunidade de visitar o cassino, porque Jason se assegurava da tê-la ocupada todas as noites,
ou convidando-a para jantar em algum restaurante da cidade, ou levando-a com ele às numerosas festas e reuniões às que o convidava seu crescente círculo de amizades,
incluídos vários bailes em plantações próximas.
À medida que progrediam os trabalhos de construção do armazém, Lauren também via mais Jason durante o dia. Começou a levá-la às compras de novo, acompanhava-a
a visitar Cervo Veloz na cabana e, com muita frequência, organizava saídas ao campo. De todas essas saídas improvisadas pelo Jason, as que mais agradavam Lauren
eram as que faziam sem ter um destino específico em mente, esses dias largos e quentes da primavera nos que se dedicavam a explorar uma bela paragem recém descoberta
e logo davam conta das guloseimas para o piquenique que levavam com eles.
Entretanto, nunca estava a sós com o Jason durante essas saídas: Kyle os acompanhava frequentemente agora que havia retornado da visita a sua família no Natchez,
e Cervo Veloz também estava acostumada a ir com eles para lhes servir de guia, sobretudo quando saíam para explorar os pântanos. Se o piquenique tinha lugar em alguma
paragem próxima ao rio que atravessava a plantação dos Beauvais, era Lilás que os acompanhava junto com o pequeno Charles de dois anos, a quem Jason insistia em
levar com eles. Até quando estavam nos jardins do Bellefleur, sempre havia pelo menos uma pessoa mais presente.
Lauren não levou muito tempo para dar-se conta de que Jason estava evitando intencionalmente ficar a sós com ela e isso a incomodava, sobretudo cada vez que
o imaginava em braços do Désirée. Até onde ela sabia, Désirée o tinha perdido como cliente, mas mesmo assim não podia apartar completamente de sua cabeça a imagem
do voluptuoso corpo da intrigante morena agitando-se embaixo do de Jason, enquanto lhe sussurrava ao ouvido palavras apaixonadas. Fervia-lhe o sangue de só pensá-lo,
porque lhe recordava a firmeza com que ele a tinha rechaçado.
Ao cabo de umas três semanas do incidente do cassino, um dia Lauren se queixou a Veronique sobre a indiferença do Jason.
- Não se preocupe, mon amie - a tranquilizou a ruiva encolhendo os ombros.
- Esse já mordeu o anzol e sabe que quer ser ele quem dirá quando vai te deixar recolher a linha - dito isto, continuou sua visita ao escritório, com ar
despreocupado, enquanto ia admirando os móveis e a decoração.
Lauren interrompeu sua corrente de cumprimentos sobre quão bem tinha ficado tudo.
- Não entende Veronique, não só me ignora, mas também se negou a fazer amor quando me ofereci.
Como Veronique não lhe respondia Lauren a agarrou pelo braço.
- Ouviste o que acabo de dizer? Digo-te que me joguei em seus braços e ele me rechaçou!
Por fim sua amiga lhe dedicou toda sua atenção.
- Sim, Lauren, te ouvi, mas é você que se nega a escutar.
Nossa, às vezes me parece pior que uma criancinha, é tão ingênua! É obvio que não te fez amor, monsieur Stuart é um cavalheiro e você é uma dama, chérie,
uma jovem dama para ser mais exata, assim nunca ousaria te tratar como se fosse uma cortesã. Tem sorte de que não o tenha espantado com seu comportamento escandaloso,
e vais ter que começar a te comportar de outro modo se tiver intenção de que acabe sendo seu marido.
Desconcertada, além de doída, Lauren elevou os braços em sinal de desconsolo.
- Você não! Não irá você também a começar com esse tema? Meu deus! Ninguém entende que não quero me casar?
Veronique revirou os olhos.
- Merde! Além de te comportar como uma criança, é idiota! Eu parto.
Recolheu seu xale e sua bolsa dispondo-se a sair, mas ao ver a expressão aflita nos olhos de Lauren se deteve e, alargando uma mão, deu-lhe um tapinha carinhoso
na bochecha.
- Ma pauvre petite! Acredito que te entendo, nenhuma mulher diria não à tentação de ter a um cavalheiro tão arrumado por amante; mas pensa bem a que estaria
renunciando: poderia ter tudo em um mesmo homem, o amante e o marido também!
- Mas é que eu não quero um marido - insistiu Lauren tratando de convencer a si mesma tanto quanto a sua amiga.
Veronique sacudiu a cabeça.
- Repare em mim, Lauren, não queira levar uma vida como a minha, sozinha. Eu nem sequer me atrevo a aceitar aos desejos do Kyle para que veja só a ele, porque
algum dia ele partirá e então as garotas mais jovens me teriam tirado ao resto de meus clientes, mas te garanto que daria algo para ter um marido, uma família e
filhos.
- Isso não é o que eu quero.
Veronique a olhou com olhos ardilosos e de uma vez cheios de compaixão.
- Parece-me que você não sabe o que quer, Ma belle, mas dê-se um tempo.
Lauren apertou os punhos.
- E enquanto isso que Jason siga por aí com qualquer mulher que lhe deseje muito? Nego-me!
- Se estiver tão ciumenta, possivelmente é porque sente algo por ele de verdade.
A ruiva partiu então, mas Lauren quase não se deu conta porque tinha o olhar perdido no tapete e se sentia confundida, inclusive horrorizada pela revelação.
Pouco a pouco, mas de maneira inexorável, tinha ido apaixonando-se pelo Jason! Não podia parar de retorcer as mãos enquanto se perguntava como tinha podido ser tão
estúpida, como podia não haver-se dado conta de que a intenção do Jason sempre tinha sido fazer que se apaixonasse por ele. Tinha cometido um imperdoável engano
de cálculo ao acreditar-se capaz de manter a distância, e devia havê-lo visto desde o começo, assim que reparou na poderosa atração física que havia entre eles.
Mas, em vez disso, tinha deixado que ele aproveitasse todas e cada uma das oportunidades que lhe apresentavam para atacar suas defesas e, ao final, tinha conseguido
fazer saltar em mil pedaços a dura carapaça que com tanto cuidado ela tinha protegido seu coração. Agora sim que estava apanhada irremediavelmente!
Para Lauren foi um momento angustiante, o desespero a percorreu junto com um profundo ressentimento contra ele por ter obtido um êxito tão indiscutível
com suas maquinações. Que difícil ia ser agora a ela separar-se dele quando partisse para a Inglaterra! Quão doloroso lhe seria ter a certeza de que ela nunca iria
com ele!
E o que fazer agora? Como ia ser capaz de tê-lo perto e fingir que não sentia nada por ele? Como conseguiria lhe ocultar seu amor se ele sempre parecia ler
o seu pensamento?
Várias horas mais tarde, Lauren descobriu que encarar Jason sem dar mostras do torvelinho de sentimentos que formavam redemoinhos em seu interior era inclusive
mais difícil do que esperava. Para seu desconsolo, ele tinha escolhido precisamente essa noite para sair com ela a sós, e isso tornou ainda mais patente o ar de
ensimesmado que tomou conta dela. Não podia nem sequer olhá-lo nos olhos por medo de que a delatasse.
Entretanto, a primeira parte da noitada discorreu de forma agradável. Foram ver uma peça de teatro e, se Jason notou algo estranho em seu comportamento, guardou-se
muito de dizer nada. Depois foram jantar em um reservado de um hotel. A sala estava decorada com um gosto delicioso, e o menu de vitela às ervas e codornas recheadas
foi delicioso. Não obstante, Lauren logo que provou bocado, e o pouco que comeu não saboreou nada, mas o que fez foi beber bastante, muito, como pôde comprovar por
si mesmo quando chegaram ao último prato. Os garçons saíram do salão e ela se levantou da mesa, claramente sufocada e aturdida.
Nunca antes se embebedou, mas descobriu para sua surpresa que, por mais que a cabeça lhe desse voltas, o vinho tinha ajudado a acalmar a dor que tinha estado
sentindo. Levou as mãos às têmporas e foi dando inclinações bruscas até o divã que havia em um canto, para deixar-se cair sobre ele bruscamente. Ao cabo de um momento,
levantou a cabeça e olhou Jason. Continuava sentado à mesa e a observava por cima do fio de sua caneca. "Que bonito é!", pensou ela em meio da nebulosa em que se
converteram seus pensamentos ao contemplar os reflexos da luz das velas em seus formosos cabelos castanhos. A roupa de etiqueta realçava seu físico sedutoramente
masculino e a elegante jaqueta cor bordô se adaptava muito bem a seus largos ombros. Lauren sentiu um desejo premente de despi-lo e acariciar seu magnífico corpo...
- É realmente per... feito! - balbuciou, surpresa do quão difícil que lhe resultava vocalizar bem.
- Um marco perfeito para uma... cena de sedução..., Jason!
Os lábios dele esboçaram uma careta.
- Não, minha vida não vou por aí seduzindo jovenzinhas às que lhes sobe o vinho à cabeça.
- Não faz falta, sabe? Sou eu a que... vai seduzir a ti - anunciou ela com voz aveludada, e logo arruinou o efeito ao acrescentar com um leve gemido:
- Mas tem que deixar de mexer.
Voltou a recostar-se sobre as almofadas do divã e levou uma mão à dolorida testa; Jason riu.
- Não fique adormecida, Lauren, não beneficiará em nada a sua reputação que tenha que te tirar daqui carregada.
- Ao diabo com minha repu... tação! Que mais dá em qualquer caso? Não sou mais que uma perdida, você mesmo o disse, mercadoria de segunda mão. É essa a razão
pela que não me deseja?
Jason pousou a caneca de vinho do porto sobre a mesa e se levantou para ir até ela.
- Miúda teimosa...! E deu de te compadecer de ti mesma - comentou ele em tom nada compassivo.
- Não me deseja - repetiu Lauren.
Jason se sentou junto a ela no divã.
- É obvio que te desejo, mas...
- Então me demonstre isso, - o desafiou ela ao mesmo tempo em que aparecia nas comissuras de seus lábios um sorriso provocador e levantava os braços tentando
rodear com eles o pescoço de Jason, mas ele se esquivou e agarrou seus pulsos.
- Já sabe quais são os termos do trato, Lauren, e não penso me aproveitar de ti, sobretudo não em um momento como este em que nem sequer é capaz de pensar
com claridade.
- Sou capaz de... pensar perfeitamente, e quero que me faça amor - declarou ela, soltando as mãos para entrelaçar os dedos entre os suaves cabelos dele.
Jason esteve a ponto de blasfemar em voz alta. Desde aquela conversa que tinha tido lugar em seu dormitório na noite do incidente no cassino, tinha sido uma
tortura quase insuportável para ele cumprir com sua promessa de não voltar a tocar em Lauren até que não fosse sua esposa. Até se tinha chegado a pensar se não teria
que recorrer à companhia de alguma outra mulher, pura e simplesmente para aliviar um pouco o sofrimento físico que padecia. E agora uma Lauren completamente ofuscada
caía em seus braços lhe suplicando que a seduzisse... Verdadeiramente aquela situação o levava ao limite do controle que tinha sobre si mesmo...
- Por todos os demônios! - exclamou grosseiramente ao mesmo tempo em que a agarrava pelos ombros tratando de resistir ao influxo dos lábios suaves e ofegantes
de Lauren.
Mas imediatamente sua capacidade de resistência se desmoronou, levantou-a um pouco e apertou seus seios contra ele enquanto capturava seus lábios com os seu
em um beijo brusco e arrasador.
Lauren viveu então um instante triunfal e experimentou uma sensação de poder ao mesmo tempo em que se dissipavam todas suas dúvidas de que ele ainda a desejasse.
Podia sentir o apetite voraz que brotava do Jason enquanto sua boca implacável se apertava contra a sua, não havia dúvida de que ele tinha perdido a capacidade de
pensar.
Então ela também deixou de pensar e se perdeu no mundo de paixão que Jason criava. O contato de seus braços alagava seu corpo de sensações, e seus lábios
e sua língua a devoravam lhe roubando o fôlego. Quando a mão dele se deslizou pelo sutiã e acariciou um de seus voluptuosos seios, o mamilo se endureceu imediatamente
lhe arrancando um grito afogado das profundezas da garganta.
Jason provocou ao mamilo enfermo com os dedos fazendo-a estremecer e logo seus lábios seguiram o atalho marcado por sua mão, e quando sua boca cobriu o palpitante
mamilo, Lauren acreditou que o calor que sentia entre as perna viraria chamas, e se apertou contra ele, ardendo de desejo, violentamente, e deslizou uma mão desesperada
pelo peitilho, nas pontas dos pés, da camisa de Jason para pousá-la sobre o volumoso sexo que se ocultava debaixo das calças de cetim. O som gutural que deixou escapar
ele se misturou com o gemido selvagem dela...
E então, tão repentinamente como tinha começado tudo, chegou o fim. Jason se apartou de repente e ficou de pé, deixando-a estendida no divã tratando de recuperar
o fôlego.
- Não desta maneira, Lauren - disse com voz entrecortada, aludindo de novo a sua promessa. Logo tomou a capa dela em suas mãos e a atirou com gesto pouco
cerimonioso para ela. Ponha isso, levo-te para a casa.
Ela o olhou com o coração pulsando desordenado contra as costelas.
- Não! - respondeu em tom desafiante.
Havia uma licoreira com conhaque sobre a mesa que estava junto ao divã e alargou a mão para ela: se o vinho tinha conseguido lhe anestesiar os sentidos, quanto
mais poderia o potente conhaque fazer desaparecer a dor que lhe atendia o coração! Decidida a apagar até o último vestígio de sentimento que ficasse, bebeu um grande
gole do líquido de cor âmbar e sentiu que um fogo lhe percorria a garganta deixando-a sem respiração.
- Lauren - disse Jason com tom de advertência.
Ela negou com a cabeça bruscamente.
- Não, eu não vou a nenhuma parte! Não me pode fazer isto, não pode me excitar e me mandar à cama como a... como a uma criança travessa. Você também me deseja
Jason, sei que me deseja.
- Maldita seja, Lauren!
- Não vou sair de onde estou!
Tragou saliva.
- Se me obrigar a sair daqui, buscarei isso com algum homem que me deseje.
Jason entreabriu seus belos olhos azuis.
- Faz isso e te darei uma surra!
Logo ele voltou a sentar-se a seu lado e tratou sem êxito de lhe arrebatar a licoreira das mãos. Ela a agitou no ar para provocá-lo e sorriu:
- Não deve ser muito difícil encontrar algum homem que esteja... disposto a me satisfazer - acrescentou, e logo deu outro gole antes que ele conseguisse
lhe tirar a licoreira, que deixou no chão, e agarrou suas mãos.
- Já bebeste o bastante.
Ela jogou a cabeça para trás e se deixou cair sobre as almofadas.
- Não, nada de bastante. Quero mais. Tenho um... segredo sabe? Seguramente vou buscar um... amante.
- Será melhor que não o diga a sério.
- Sim..., é em sério, por que você sim pode ter uma amante e eu não?
Ao Jason lhe estava acabando a paciência.
- Porque a mim, minha vida, isso não me destroçaria a reputação e, além disso, não é nada provável que acabasse num grande escândalo como resultado de meu
comportamento pouco virtuoso, enquanto que em seu caso...
- Não é justo - se queixou ela ao mesmo tempo em que lhe fechavam os olhos.
- Não, não é nada justo - assentiu ele, - e para os homens é doloroso.
- Você tem uma amante. Désirée é melhor que eu? Também quer te casar com ela?
Jason se inclinou para tomá-la em seus braços.
- Já te disse que jamais me apaixonei por Désirée, Lauren. Sou-te fiel.
Enquanto cruzava a sala com ela nos braços, Lauren entreabriu os olhos sonolentos para olhá-lo.
- Então, por que foste vê-la?
- Não fui satisfazer minhas necessidades físicas, se for isso o que quer saber.
- Eu... também tenho necessidades, Jason.
Ele não disse nada e Lauren apoiou sem forças a cabeça sobre seu ombro e, lançando um suspiro, fechou os olhos.
- Quer que te conte meu segredo? - murmurou.
- Estou... apaixonada... por ti.
Jason estacou e lhe cravou um olhar escrutinador.
- O que disse? - perguntou-lhe com a voz coberta de emoção.
- Apaixonada... por ti... - murmurou ela arrastando as palavras.
Teria ficado adormecida a não ser porque ele a sacudiu para impedi-lo.
- É esse seu segredo? Significa isso que te casará comigo?
- Não posso... apaixonada por ti... tenho um segredo.
Jason ficou ali de pé durante uns instantes com Lauren nos braços, contemplando seu pálido e formoso rosto, e logo deu a volta lentamente para desfazer o
caminho andado, voltou a deixá-la sobre o divã com delicadeza e, depois de encher uma caneca de conhaque, sentou-se a seu lado. Levantou-lhe a cabeça e lhe levou
a caneca aos lábios.
- Toma, bebe isto, vida minha - a animou com ternura.
Lauren apartou a caneca com a mão.
- O que... o que está fazendo? - murmurou meio dormida.
- Satisfazer suas necessidades, ou ao menos isso espero.
Jason o tentou de novo, e esta vez conseguiu que bebesse e, enquanto ela dava um sorvo com certo receio, acariciou-lhe lhe bochecha com os nódulos.
- Confio sinceramente em que serei capaz de fazê-lo - acrescentou com doçura.
Então, sentindo que ele também ia precisar dar-se ânimos para o que estava por vir, também deu um grande gole de conhaque.
Lauren despertou com uma dor surda martelando-lhe as têmporas e os olhos. Ainda flutuavam em sua mente estranhas imagens fugazes de um sonho nada habitual
que tinha tido, e no que ela se casou com o Jason no meio da noite. Parecia tão real... Havia uma casa no sonho, sua casa, havia-lhe dito ele enquanto a levava em
braços ao dormitório principal, onde lhe tinha feito amor apaixonadamente em uma imensa cama com dossel e, pese à dor de cabeça que tinha agora, Lauren teria jurado
que também sentia ainda os últimos vestígios da paixão.
Desejando que aquela dor de cabeça desaparecesse, obrigou-se a abrir os olhos e piscou com uma careta de dor devido à potente luz do sol que entrava pela
janela. Quando por fim conseguiu centrar a visão, lentamente e não sem certa dor, decidiu que devia estar imaginando as cortinas floreadas balançadas pela suave
brisa primaveril, pois nenhum dos quartos do Belefelleur estava decorada naqueles tons nata, e as amplos janelas tampouco se pareciam nada às portas de vidro da
mansão dos Beauvais. Meio dormida e desorientada, piscou de novo ao mesmo tempo em que se perguntava se beber muito vinho tinha sempre aquele efeito e fazia que
a gente tivesse visões.
Quando as pouco familiares imagens não se desvaneceram, Lauren teve o inegável pressentimento de que em realidade aquela não era seu quarto do Bellefleur.
Quanto tinha bebido a noite anterior? Não recordava nada do que tinha passado nem como tinha acabado em outro lugar que não fora sua própria cama. Então fez um leve
movimento e se encontrou com outra desagradável revelação: sob os ligeiros cobertores da cama, podia notar o tato fresco e suave dos lençóis sobre sua pele nua.
O álcool devia ter afetado seriamente a sua capacidade de raciocinar, pensou, em toda sua vida, nunca havia dormida nua antes. Prometeu-se que não voltaria a provar
uma gota de vinho nunca mais e, apoiando-se sobre um cotovelo, levantou-se e olhou a seu redor.
A decoração era deliciosa, em suaves cores bolo e tons nata que acrescentavam uma nota de cor ao escuro mogno dos móveis. Lauren não pôde evitar que a impressionasse
o fenomenal tamanho da cama, que devia ter sido construída a medida dentro mesmo da habitação. O resto dos móveis quase com toda segurança eram importados da Europa,
como devia ser o caso do tapete Aubusson que cobria o chão e do precioso vaso de porcelana de Sèvres que havia sobre a mesa de marchetaria em madeira acetinada colocada
em um canto.
Não via o menor rastro do vestido que tinha vestido a noite anterior e estava a ponto de levantar-se para buscá-lo quando se abriu uma porta e apareceu Jason.
Lauren arregalou os olhos porque não ia vestido para fazer visitas exatamente já que seus cabelos castanhos estavam revoltos e não tinha posto mais que um roupão
bordado atado despreocupadamente à cintura. Enquanto ele permanecia de pé contemplando-a da soleira, o irrelevante pensamento que cruzou a mente dela foi que o intenso
azul do tecido do roupão era quase do mesmo tom que seus olhos. Jason tinha nas mãos uma bandeja que, a julgar pelo apetecível aroma, trazia repleta de comida para
o café da manhã e, detrás dele, Lauren vislumbrou uma elegante sala de estar.
- Onde...? - começou a perguntar ela, mas se deu conta de que falar lhe resultava doloroso. Fechou os olhos com outra careta de dor e levou uma mão à testa.
Um instante depois estava resistindo a beber a beberagem de aspecto repugnante que Jason lhe oferecia:
- Encontrar-te-á muito melhor se beber isto - insistiu ele em tom risonho.
- Tampe o nariz e bebe. Isso está melhor, boa garota. Beba isso tudo.
Ela fez caretas e gestos de protesto, mas obedeceu e logo se deixou cair sobre os almofadões, esgotada pelo esforço.
- Acredito recordar que me disse um pouco parecido ontem de noite.
- É isso quão único recorda?
Lauren teria jurado que Jason soava algo receoso e enrugou a testa desconcertada.
- Onde estou? Estive doente?
Ele a olhava com curiosidade.
- Doente não - lhe respondeu, - mas bebeu o suficiente para tombar ao escocês mais pintado, assim sugiro que fique na cama e dê tempo a que o tônico que
acaba de tomar faça efeito, e também deveria comer algo. Como vê, trouxe-te o café da manhã.
Lauren queria seguir fazendo perguntas, mas ele negou com a cabeça e disse:
- Te contarei o que passou ontem à noite com detalhes depois de que tenhamos tomado o café da manhã.
Vendo claramente que Jason tinha intenção de sair-se com a sua, ela deixou de discutir, mas ao levantar-se recordou de repente que estava nua, e não lhe passou
por cima o gesto profundamente íntimo dele quando se inclinou para lhe colocar os almofadões, assim que se cobriu bem com os cobertores aprisionando-os sob os braços
para que não escorressem.
Era bastante evidente que era Jason quem a tinha despido a noite anterior e Lauren começava a suspeitar que, provavelmente, as imagens deles dois fazendo
o amor que povoavam sua cabeça não tinham sido um sonho absolutamente. As lembranças se foram fazendo mais vívidas a cada instante, talvez se tinha entregue realmente
ao Jason com aquele abandono desavergonhado que recordava... Se ruborizou de só pensá-lo e manteve o olhar apartado quando ele aproximou uma cadeira à cama e se
sentou.
Enquanto comiam, só se ouviam os gorjeios de uma ave que chegavam do exterior através da janela aberta, já que nem ela nem Jason pronunciaram uma só palavra.
Absorta em seus pensamentos, não se deu nem conta, do rosto de preocupação dele.
Jason retirou os pratos com cuidado quando terminaram e levou a bandeja à habitação do lado antes de voltar para sua cadeira. Logo franziu o cenho com o olhar
fixo em suas mãos entrelaçadas no regaço, respirou fundo, dispondo-se a falar, e por fim elevou os olhos para contemplar a expressão intrigada dos dela.
- De verdade que não te lembra do que passou ontem à noite?
Tratando de ignorar o tom claramente detestável da voz do Jason, Lauren negou com a cabeça nervosa.
- Não te lembra do que ocorreu a bordo de La Sereia?
- A Sereia? Não... eu...
Veio-lhe à mente um fragmento do sonho que a fez empalidecer de repente.
- Você não... Não pode ser, é impossível... Não foi mais que um sonho!
A expressão do Jason era muito grave.
- Não, preciosa, foi real, embora possa que você não te lembre de muito. Kyle nos casou ontem de noite.
Lauren o olhou horrorizada.
- Não - murmurou, - está mentindo.
Ele apertou os lábios momentaneamente, embora sua voz permanecesse suave.
- Temo que não, e houve testemunhas, se por acaso quer lhes perguntar: Tim Sutter e sua amiga Veronique. Eles poderão te confirmar que a cerimônia teve lugar
e que foi tudo perfeitamente legal. Assinou todos os papéis, até te comportou com uma noiva desejosa de casar-se.
- Mas como ia eu fazer algo assim! - respondeu Lauren fora de si.
- Eu nunca aceitaria me casar contigo.
Jason se encolheu de ombros.
- Em qualquer caso, agora é minha esposa, senhora de Jason Stuart, ou lady Effing, se prefere fazer uso do título...
A apreensão e o pânico a atenderam como dois horríveis espectros. Não podia haver casado com o Jason! Ela era uma filha ilegítima e ele um marquês; ela era
uma órfã sem um penique no bolso, inclusive provavelmente uma criminosa... Lauren se aferrou aos cobertores ficando à defensiva.
- Não quero fazer uso de seu título, certamente que não! E tampouco quero ter nada que ver contigo! Além disso, não recordo ter assinado nenhum papel.
- Tenho o certificado de matrimônio, se quer vê-lo.
- Pois sim! - respondeu ela imediatamente.
- Quero vê-lo! Certamente terá falsificado minha assinatura e...
Emudeceu quando Jason pôs ante seus olhos uma folha de papel.
Não podia negar que era sua letra... e tinha assinado como Andrea Carlin! Aquele documento tão somente provava que Jason se casou com alguém que não existia!
Imensamente aliviada, Lauren não se deteve nem tão sequer a considerar suas seguintes palavras.
- O matrimônio não é válido! - exclamou exultante.
Jason dobrou o papel com muito cuidado e voltou a metê-lo no bolso do roupão.
- O que te faz pensar que não o é? - perguntou-lhe com curiosidade.
- Porque eu não sou...
Lauren levou uma mão à boca instintivamente, aterrada ao pensar no que tinha estado a ponto de revelar, e respirou fundo para acalmar-se.
- Porque você me enganou - mentiu, - porque você... você me embebedou para que não resistisse.
- Não fiz mais que rematar o que você mesma tinha começado, meu amor.
- Vê? Acaba de reconhecer que me obrigou a fazê-lo! Não consentirei que me manipule, Jason.
Com um brilho risonho em seus olhos cor safira lhe respondeu:
- Reconheço que tinha bebido um pouco mais da conta, mas não há nenhuma lei que proíba a um homem tomar uma caneca de vinho com a noiva... Assim, sentindo
muito, Lauren, tenho que insistir em que estamos legalmente casados.
- Pois então farei que se anule o matrimônio.
Ele arqueou as sobrancelhas.
- Ah, sim, e se apóia em que? - perguntou-lhe Jason com tom cortês.
Ela se ruborizou e atirou do lençol para tampar-se até o queixo.
- Em base a que não foi... a que eu não...
Jason esboçou um amplo sorriso zombador.
- É claro que sim! Sim que foi, e você sim... Não me estará dizendo que esqueceste a consumação também? Posso te assegurar que eu seria incapaz de esquecê-lo
tão facilmente, minha vida.
Inclinou-se em volta dela olhando-a com olhos quentes e cativantes.
- Ontem à noite não te parecia em nada ao pedaço de gelo que Howard acreditava que era. De fato, nunca tinha visto uma paixão mais...
- Não me toque! - gritou Lauren quando lhe acariciou a bochecha. Então a expressão do Jason se voltou ligeiramente dura e retirou a mão. Ela se apartou para
sair pelo outro lado da cama cobrindo-se com um lençol.
- E não trate de impedir que vá daqui! - advertiu-lhe com um tom de voz gélido ao mesmo tempo em que envolvia o corpo com o lençol.
Jason estirou suas largas pernas para diante e inclinou a cabeça.
- Com que facilidade troca de idéia, meu amor! Ontem de noite via as coisas de um modo bem distinto, até me revelou esse terrível segredo que tem tão bem
guardado...
O medo familiar que lhe percorreu as costas deixou ao Lauren paralisada. Lentamente se voltou para olhá-lo com seus belos olhos lançando brilhos cor âmbar
e uma expressão de desconfiança no rosto.
- Que segredo? - perguntou quase sem atrever-se a respirar.
Ele abriu mais os olhos com fingida inocência.
- Acaso tem mais de um? Casei-me com uma mulher da mais misteriosa!
- Que segredo? - insistiu ela.
- Pois o que admitisse que está apaixonada por mim, é obvio - lhe respondeu ele com olhar imperturbável.
- Ou isso também te esqueceu oportunamente?
Lauren respirou aliviada e, dando-se conta de que ainda tremia, fez um esforço para recuperar a compostura.
- Isso é absurdo - protestou.
- Eu jamais disse tal coisa.
- Sim que o disse, Lauren, assim organizei as bodas tão rápido como pude para não te dar tempo a trocar de opinião.
Tendo conseguido colocar em seu lugar todas as defesas uma vez mais, lhe deu as costas.
- Se for verdade que confessei algo tão ridículo como isso, devia ser o vinho e não eu o que falava.
Jason a observou enquanto se afastava uns passos para o imenso armário.
- É uma verdadeira pena - lamentou ele, - que tenhamos que depender do álcool para conseguir que haja honestidade entre nós.
Ela ignorou o comentário enquanto abria com gesto brusco o armário e, ao ver que estava completamente vazio, deu a volta.
- Onde está minha roupa, Jason? Tornaste a me tirar.
- Para que quer roupa durante sua lua de mel, minha sereia? - respondeu-lhe ele provocadoramente.
Dedicou-lhe um olhar gélido com toda a intenção de lhe gelar o sangue nas veias e procedeu a procurar pelo resto da habitação com gesto irado de profunda
determinação. Jason não fez gesto de detê-la mas reconhecendo aquela expressão séria perfeitamente, lançou um suspiro resignado.
- Estão lavando seu vestido, Lauren - reconheceu ao fim, - mas não penso devolvê-lo até que esteja seguro de que não tentará sair correndo.
Ela fechou bruscamente uma gaveta vazia da cômoda.
- Não vou sair correndo, vou pôr a gritar até que a casa venha abaixo.
- Adiante! Em qualquer caso, todos os serventes trabalham para mim...
Lauren voltou a cabeça com gesto desafiante para a porta pela que tinha aparecido Jason um pouco antes, mas não tinha feito mais que começar a abri-la quando
ele já estava detrás dela. Com um movimento rápido, agarrou-a pela cintura e, antes que lhe desse tempo a reagir e lhe plantar cara, tinha-a elevado em rodopios
sem o menor esforço.
- Não vai a nenhuma parte, meu amor - declarou Jason, - a não ser que me prometa que vai dar a este matrimônio uma oportunidade.
Ignorando o grito afogado de indignação que deixou escapar Lauren, Jason atravessou com ela nos braços o quarto.
- Como te atreve a me tocar! - gritou Lauren.
- Solte-me agora mesmo!
Mas ele não parecia ouvi-la sequer. Ela tratou de soltar-se, mas ele não teve dificuldade para impedir sujeitando-a com força. Logo, depois de deixá-la sobre
a cama com suavidade, deixou-se cair sobre ela aprisionando-a com o peso de seu próprio corpo. Lauren tratou de golpeá-lo com os punhos, mas lhe capturou as mãos
e as prendeu por cima da cabeça. Ela lutou em vão. Jason não estava disposto a mover-se nem um centímetro e até teve a ousadia de sorrir.
- É um... selvagem insofrível... um animal! - espetou-lhe Lauren lhe cravando um olhar furioso.
- Pode ser, mas você está apaixonada por mim.
Teria-lhe arrancado aqueles azuis olhos risonhos se tivesse podido mover as mãos.
- Odeio-te, é um bruto sem maneiras! - bufou ela entredentes.
- Solte-me ou farei que lhe prendam por sequestro!
A Jason a ameaça pareceu diverti-lo, porque lhe beijou a ponta do nariz.
- Lamento te informar, minha vida, de que não encontrará muito apoio para suas acusações. A lei concede ao marido certos privilégios, entre outros a autoridade
para fazer que sua esposa cumpra com seus desejos.
Jason se inclinou para lhe sussurrar no ouvido direito:
- E, agora mesmo, o que eu desejaria é a mulher grosseiramente sensual de ontem de noite.
Lauren se retorceu tratando de escapar do toque da boca quente de Jason.
- Forçar-me-ia? - perguntou enquanto a língua dele lhe percorria a orelha e logo riscava um atalho de beijos ardentes com o passar do pescoço.
- É possível - murmurou Jason lhe roçando a garganta com os lábios, - a única coisa que quero é me vingar de ti por me haver deixado louco durante as últimas
semanas; se quiser, chama-o saldar uma dívida.
Ao minuto seguinte, trocou de postura para sentar-se escarranchado sobre os quadris dela e, antes que Lauren pudesse adivinhar o que se propunha, tirou o
roupão e o tinha arrojado a um lado, e o lençol era já quão único que separava seus corpos.
Depois de distrair-se momentaneamente contemplando o amplo torso que se estendia sobre o musculoso ventre do Jason, ela baixou o olhar e quase deixou escapar
um grito afogado quando viu a potente ereção, prometendo-se que tentaria escapar com todas suas forças.
Entretanto, ele voltou a estender-se sobre Lauren e lhe sujeitou as mãos aos lados do corpo. Ao notar o contato do sexo erguido do Jason sobre a coxa, ela
se deu conta de que ao agitar-se abaixo dele só estava conseguindo excitá-lo ainda mais, assim deixou de resistir e, em que pese a que respirava trabalhosamente,
obrigou-se a permanecer ali estendida sem mover-se. Deslizou-lhe um joelho entre as suas com deliberada lentidão e ela sentiu o roçar do lençol sobre seu próprio
sexo, mas mesmo assim resistiu a aquele estímulo profundamente erótico, fazendo esforços para controlar os tremores que sacudiam seu corpo.
A Jason não parecia afetar o mínimo sua total imobilidade, ardiam-lhe os olhos com uma luz que comunicava firme determinação e seus lábios reataram seu assalto
sem pressas, brincando indolentemente com os do Lauren.
Ela apertou os dentes para defender-se daquele ataque e tratou de apartar o rosto, mas Jason lhe pôs uma mão na nuca para impedir-lhe estava prisioneira daqueles
lábios quentes, daquela língua provocadora que exigia que lhe brindassem acesso e despertava em Lauren sensações que cada vez lhe custava mais ignorar.
Então ele trocou de tática e, com um só movimento, apartou o lençol para desvelar os voluptuosos seios e extremidades esbeltas de Lauren, apertando-se contra
seu corpo, fazendo-a sentir o mormaço que despedia o seu. Quando ela abriu a boca para protestar, Jason aproveitou a ocasião e deslizou a língua entre os dentes,
tentando, procurando com desespero uma fissura na gélida armadura depois da que Lauren se retirou. Sua outra mão acariciava com movimentos lânguidos a suave pele
da coxa, percorrendo-a intimamente, e logo deslizou até seu sexo e seus dedos peritos descobriram a umidade ardente entre as pernas de Lauren que proclamava que
estava preparada.
- Te abra a mim, Lauren. Deixe-me entrar, me deixe te amar - murmurou Jason, lhe roçando os lábios com os seus quando ela seguiu sem mover-se, e ao sentir
que os de Lauren tremiam sob sua boca soube que tinha vencido. Então elevou a cabeça para olhá-la meigamente aos olhos, tratando de lhe dizer sem palavras que ele
também se estava rendendo tanto como ela.
Durante um bom momento se olharam aos olhos e logo lhe separou os joelhos com suavidade.
Lauren tratou de apartar-se uma vez mais quando o suave membro turgente começou a penetrá-la, mas Jason a impediu beijando-a de novo com ternura e se apertou
contra ela, atravessando-a implacável mas sem urgência. Uma vez que a tinha penetrado até o mais fundo ficou imóvel, como se estivesse deleitando-se no instante,
e logo se retirou um pouco e começou a mover-se com um ritmo hipnótico, acariciando docemente com suas entrepernas a de Lauren, obrigando-a a responder.
Ela não pôde evitar que um gemido escapasse de sua garganta quando seu corpo por fim a traiu.
Os movimentos lentos e indolentes do Jason tinham desatado o fogo em suas vísceras derretendo até a última capa de gelo com umas chamas abrasadoras, e seus
quadris começaram a responder ao mesmo tempo em que todo seu corpo se arqueava saindo ao encontro do dele.
Jason prolongou aquela deliciosa tortura durante algum tempo até que perdeu o controle. Seus beijos se tornaram de repente mais famintos e demolidores, e
quando Lauren soluçou apertando-se contra ele, agarrou-lhe as nádegas e se afundou nela violenta e profundamente, como se fosse atravessá-la até chegar a sua alma.
Sua ardente paixão foi aumentando de maneira desenfreada até que ela acreditou que a doce agonia a deixaria louca se não gritava, e quando chegou o êxtase, a explosão
de sensações percorreu todo seu corpo, arrastando ao Jason com uma força incomparável. Tremendo dos pés a cabeça e com o corpos empapados de suor, permaneceram grudados
um ao outro até que os últimos vestígios da paixão tivessem passado.
- Ah, minha bela esposa - lhe sussurrou ao ouvido, - ainda duvidas que pertencemos o um ao outro?
Embora as palavras do Jason lhe partiam o coração, obrigou-se a responder com frieza.
- Não trocou nada, Jason. Você me enganou, e como este matrimônio não pode dissolver-se, divorciar-me-ei. Vou ver um advogado.
Ele lançou um suspiro ao mesmo tempo em que se apartava para ficar de pé. A separação fez sentir a Lauren como se lhe tivesse arrancado um membro e esteve
a ponto de lhe rogar que voltasse para seu lado, mas tinha que sobrepor-se a sua debilidade, disse-se a si mesma, a sua debilidade.
Ao ver como Jason envolvia seu musculoso corpo no roupão, ela se lembrou de que lhe tinha tirado suas roupas.
- Eu gostaria de me vestir - disse com uma renovada atitude distante.
Jason a olhou, percorrendo cada centímetro de seu belo corpo nu, deixando que seus olhos se deleitassem em sua nudez até que ela se cobriu com o lençol. Ele
atou o roupão, divertido pelo improcedente arrebatamento de pudor dela.
- Como queira, preciosa - lhe respondeu.
- Em seguida volto e te trago algo para vestir. Além disso, suponho que quererá um pouco de privacidade para te refrescar, há água na bacia e uma escova e
um pente na penteadeira.
Partiu sem dar tempo a Lauren a dizer nada. Ela suspeitava da facilidade com que tinha cedido, mas aproveitou sua ausência para lavar-se rapidamente,
e quando Jason voltou e deixou umas quantos objetos sobre a mesa da penteadeira, já estava sentada frente a mesma desembaraçando o cabelo.
Lauren olhou as roupas que havia lhe trazido e a desgostou descobrir que se tratava de várias camisolas de fina musselina adornados com delicadas rendas e
roupas de baixo, e umas batas combinando, tudo isso confeccionado com tecidos tão leves que inclusive levando um de cada, o conjunto resultaria quase transparente.
- Pode-se saber o que é tudo isto? - perguntou, fazendo evidente seu aborrecimento.
Jason meteu as mãos nos bolsos do roupão e lhe sorriu.
- Trajes adequados para uma recém casada, é obvio, ideais para passar o dia na cama com seu flamejante marido, ou pelo menos isso foi o que me disseram. Encarreguei-os
junto com o resto de sua roupa, mas tivesse sido do mais improcedente que lhe tivesse dado isso então.
Lauren estava desconcertada por sua ousadia. Jason acabava de admitir abertamente que tinha estado convencido desde o começo de que se sairia com a sua!
- Nego-me a pôr isso - disse entre dentes.
Ele se apoiou indolente contra uma das colunas da cama enquanto a observava.
- Como quiser, Olhos de Gata. Em realidade, eu prefiro o lençol, é mais fácil de tirar.
- Assim que sua intenção é me ter prisioneira!
Ele apertou a mandíbula durante um instante, e quando por fim falou, sua voz era amável, mas debaixo do veludo se escondia um certo tom resistente de autoridade.
- Talvez devêssemos esclarecer umas quantas coisas desde o começo, minha vida. É minha mulher, não minha prisioneira, e esta é sua casa tanto como o é minha,
assim terá total liberdade de movimentos assim que me prometa que não desaparecerá.
As feições de Lauren se tornaram frias como o gelo.
- Uma promessa feita sob coação vale menos que o fôlego necessário para pronunciá-la.
- Confiarei em sua palavra.
- E se me nego a te dar minha palavra? Quanto tempo tem pensado me reter?
Jason a seguiu olhando sem alterar-se.
- Tanto como seja necessário, e posto que é evidente que não posso confiar em ti para partir e te deixar sozinha, tenho intenção de ficar aqui contigo, embora
a verdade é que não me importa o mínimo, não me ocorre nada melhor que estar confinado em uma habitação com minha encantadora e apaixonante esposa. Confio em que
você também possa acabar apreciando minha companhia.
Como Lauren continuava olhando-o em silêncio evidentemente zangada, Jason assinalou uma das portas.
- Por aí se vai ao corredor. Não está fechada com chave, mas te advirto que Tim Sutter está postado nas escadas e acredito que esta vez estará muito mais
preparado que a anterior para lutar contigo se tenta partir. Certamente não te ia resultar tão fácil te desfazer dele. E a outra porta leva a uma sala de estar,
mas esta a sua vez também dá ao corredor. Se miras pela janela, verá que estamos a bastante altura, a suficiente como para que, se saltar, arrisque-te a quebrar
algo.
Com o coração cheio de angústia, Lauren se deu conta de que não parecia ter escapatória possível; mas seguro que Jean-Paul e Lilás não permitiriam que Jason
a retivesse contra sua vontade, pensou. Entretanto, essa esperança se fez pedacinhos quando ele disse:
- Não conte com que seus amigos venham a te visitar; ao reverso, têm toda a intenção de nos deixar sós algum tempo. Por certo, estão todos convencidos de
que está felizmente casada e desfrutando da lua de mel.
Vendo que não serviria de nada protestar mais, entrelaçou as mãos sobre seu regaço. Não tinha intenção de rebaixar-se a suplicar, mas sim se mostraria tão
fria e indiferente como pudesse enquanto pensava em uma forma de escapar. Elevou o queixo com gesto desafiante e dedicou ao Jason um olhar gélido.
A modo de resposta, ele se separou do poste e disse com voz aveludada:
- Bem, pois se tudo isso ficou claro... - não acabou a frase a propósito e simplesmente se limitou a soltar o cinturão do roupão.
Em que pese a sua firme determinação, Lauren o olhou com olhos exagerados quando viu que se despia e ficou observando seu magnífico corpo com o receio mais
absoluto, decidida a resistir com unhas e dentes esta vez se ele ousava lhe pôr uma mão em cima. Mas Jason só lhe dedicou um confiado sorriso de cumplicidade e se
estendeu na cama estirando seu musculoso corpo. Logo levantou a cabeça e a inclinou para olhá-la com gesto inquisitivo ao mesmo tempo em que arqueava uma sobrancelha.
- Não me acompanha em uma pequena sesta?
Ela o olhou com incredulidade.
- Vais dormir? - exclamou permitindo que a pergunta escapasse de seus lábios sem pensar o que dizia.
- Acaso tem alguma outra ocupação em mente, amada minha? - Lauren recuperou imediatamente sua pose de frieza desdenhosa e Jason voltou a deitar-se e fechou
os olhos.
- Talvez você não o recorde - murmurou meio adormecido, - mas ontem à noite apenas não me deixou dormir.
Ao ver o sorriso satisfeito que se desenhava nos lábios dele, Lauren se revolveu no assento presa da ira.


Capítulo 17

A Lauren não restou mais remédio que passar o resto da manhã escutando o suave murmúrio da respiração do Jason, e quando este despertou ao fim, sua atitude
para ele não só era fria, mas também hostil. Só a fúria de estar prisioneira superava a de ter sido enganada. Quanto à questão do matrimônio, até se negava a considerar
as consequências da cerimônia que tinha tido lugar em La Sereia até que Jason não a liberasse.
Em troca, ele por sua parte parecia estar desfrutando da situação e o fato de que todas suas conversas com ela se viram reduzidas a meros monólogos não parecia
afetá-lo: falava, brincava e ria como se Lauren não lhe estivesse lançando olhadas assassinas do outro lado da habitação.
Ela as arrumou para manter seu hermético silêncio durante todo aquele comprido dia, face aos esforços ocasionais do Jason por restaurar a paz entre eles.
Não tinha a menor intenção de lhe dirigir a palavra e muito menos de lhe prometer o que ele queria. Ainda assim, encontrou que lhe resultava difícil não reagir ante
os intentos do Jason por apaziguá-la com seu encanto e lhe arrancar um sorriso.
Lauren também se deu conta de que seu voto de silêncio tinha desvantagens com as que não tinha contado, como por exemplo o fato de que se aborrecia soberanamente
já que não tinha respondido às ofertas dele para jogar cartas nem tinha aceito livros quando os tinha oferecido, mas em qualquer caso, e por muito irritante que
lhe resultasse a risonha e aprazível atitude do Jason ou sua insuportavelmente deliberada paciência, ela não podia dar rédea solta a sua frustração se pretendia
manter bem firme a barreira de distante frieza que tinha ereto entre eles.
Algum tempo depois, essa mesma tarde, Jason a deixou um momento a sós para que se banhasse e, agradecida pela breve trégua que seu provocador carcereiro lhe
outorgava, alargou o momento quanto pôde e logo lhe concedeu uma vitória parcial ao fitar um dos sedutores objetos que lhe tinha levado, embora aquilo supunha ter
que submeter-se aos olhares agradados do Jason quando voltasse, porque estava cansada de ter que estar agarrando o lençol todo o momento. Não obstante, o brilho
que efetivamente lançaram os belos olhos azuis quando se pousaram nela quase bastou para fazê-la abandonar seu silêncio em favor de uns quantos termos escolhidos,
e é obvio alusivos à ascendência do Jason.
Na hora do jantar, lhe permitiu sair à sala de estar onde Lauren pôde comprovar que os invisíveis criados tinham estado trabalhando afanosamente, pois viu
toda uma série de pratos deliciosos - inclusive algumas das saborosas especialidades da cozinha crioula - colocados em uma mesinha que havia em um canto. Enquanto
se sentava na cadeira que Jason tinha afastado da mesa para ela com gesto galante, Lauren olhou ao seu redor com curiosidade. As altas janelas que davam à galeria
estariam fechados com chave, é obvio, mas mesmo assim aquela habitação oferecia mais possibilidades de escapar que o dormitório.
Jason havia dito que seu novo lar estava no bairro americano da cidade, Saint Enjoe, e a casa devia estar no meio de um terreno enorme - como a casa mesma,
a julgar pelo tamanho das habitações, - a boa distância da rua, pelo menos essa impressão tinha Lauren. Nunca o reconheceria, mas não lhe cabia a menor duvida
de que, em outras circunstâncias, teria desfrutado muito sendo a senhora daquela formosa mansão.
Ele se tinha vestido para o jantar, ou pelo menos pôs umas ajustadas calças de montar e uma camisa ampla de tecido vaporoso. Vê-lo vestido de maneira tão
informal ao outro lado da mesa afetava verdadeiramente a Lauren, pois via parte de seu musculoso torso através do pescoço aberto da camisa e a encaracolada mecha
de cabelos castanhos claros que caía sobre a testa a fazia sentir um desejo quase irrefreável de colocar-se de volta em seu lugar; além disso, também era plenamente
consciente de sua própria seminudez, de fato seu pulso se acelerava cada vez que o cálido olhar do Jason se pousava uns instantes sobre a leve musselina que cobria
seus seios, e se sentiu muito aliviada quando por fim terminaram de jantar.
Essa noite compartilharam a imensa cama. Lauren deitou junto a Jason, rígida e expectante até que se deu conta de que, uma vez mais, ele tinha dormido rapidamente.
Então relaxou, embora não pudesse evitar perguntar-se quanto tempo mais poderia suportar suas táticas.
Em algum momento da noite despertou ao sentir o forte corpo do Jason junto a suas costas. Uma mão lhe acariciava delicadamente o braço enquanto que seus quentes
lábios roçavam seu ombro nu. Lauren fechou os olhos obrigando-se a não responder, mas então ele deslizou a mão para baixo em um movimento cativante, acariciando
a curva de seu peito para logo seguir até a de seu quadril, e aquele roçar suave dissipou o sono por completo ao despertar nela um desejo que era incapaz de negar.
Quando a mão do Jason começou a descrever o tortuoso atalho uma vez mais, Lauren já não pôde seguir fingindo que estava dormindo porque seu corpo a traiu ficando
a tremer.
Nos olhos dele resplandecia uma expressão pícara quando a empurrou com suavidade para que se tornasse de barriga para cima sobre os almofadões.
- Eu tinha razão - sussurrou ele nos lábios enquanto suas mãos procuravam as doces curvas femininas ocultas sob a camisola, - prefiro muito mais o lençol.
No dia seguinte se repetiu a rotina do anterior, e o mesmo ocorreu ao outro, mas ao terceiro Jason estava fora da habitação quando Lauren ouviu um sucateiro
que anunciava a vozes seus produtos na rua. Não podia vê-lo porque o tampava um imenso pé de magnólia, mas ele deve ter ouvido suas chamadas em voz baixa, porque
se aproximou para investigar. Quando o homem apareceu com a cabeça pela janela da que o estava chamando Lauren, lhe perguntou se poderia levar uma mensagem em seu
nome. Ele aceitou, assim foi rapidamente à sala de estar a procurar de papel e pluma. Só ficava um amigo que não estaria sob a influência do Jason e esse era Martin
Kendricks, o mordomo do cassino. Lauren redigiu tão rápido como pôde uma mensagem no que lhe rogava que a resgatasse e voltou correndo ao dormitório para lhe entregar
a nota ao sucateiro, lhe prometendo que assim que pudesse lhe recompensaria generosamente por seus serviços.
Assim que havia tornado a pôr em seu lugar os materiais de escritura para eliminar qualquer sinal que pudesse delatá-la, quando voltou Jason. Lauren não se
atrevia a olhá-lo por medo de que suspeitasse de algo, já que a habilidade inusitada com que era capaz de lhe ler a mente sempre tinha sido uma de suas principais
vantagens sobre ela. Conteve o fôlego quando ele se aproximou por detrás, desejando que se acalmassem os batimentos acelerados de seu coração, e fingir estar relaxada
foi tudo que pôde fazer quando as mãos dele pousaram sobre seus ombros. Entretanto, Jason não deu mostra alguma de suspeitar nada e se limitou a atraí-la para si
e apoiar o queixo sobre sua dourada cabeleira.
Como parecia que se contentava com o mero feito de abraçá-la desta maneira, ela fechou os olhos. Pelo amor de Deus! O que estava fazendo? Pensou desconsolada,
por que estava tratando de abandonar a aquele homem atrativo e encantador que dizia estar apaixonado por ela? Ficar com ele era o que mais desejava no mundo, tinha
entregue seu coração ao Jason para sempre.
Agora Lauren ia recordando retalhos dos votos matrimoniais, que tinha prometido amá-lo e honrá-lo até que a morte os separasse... Mas estaria assinando sua
própria sentença de morte se retornava a Inglaterra, já que se provasse que era culpada de usurpação de personalidade a encarcerariam, Regina Carlin se asseguraria
de que assim fosse.
Durante um instante de alienação mental passageira, considerou a possibilidade de contar tudo ao Jason e confiar em sua misericórdia, mas impediu de pensar
no que isso seria para ele. Destroçaria sua vida se retornava a Inglaterra como sua mulher; ele tinha que defender o respeitado e antigo título que tinha herdado
o que incluía ter uma esposa com um passado irreprovável, enquanto que o estigma da ilegitimidade dela por si só já provocaria um escândalo: Lauren era uma filha
ilegítima, nascida fora do matrimônio, e à sociedade pouco importaria que sua ilegitimidade fosse o resultado da hipocrisia de seu pai, de nada serviria o argumento
de que Jonathan Carlin tinha enganado a sua mãe, Elizabeth, e tinha fingido casar-se com ela em uma cerimônia falsa. Se a aristocracia britânica averiguava a verdade
sobre as origens de Lauren, voltar-lhe-ia as costas a ela e também ao Jason.
Quanto a seu próprio matrimônio, não estava segura de que fosse muito mais legal que o de sua mãe, mas e se era válido em realidade? Então Jason estaria
unido a uma mulher que não tinha um centavo, e quando descobrisse que ela não tinha direito à fortuna dos Carlin, odiar-lhe-ia por lhe haver oculto a verdade. Sentiu
que o desespero fazia um nó na garganta, não podia suportar a idéia de enfrentar-se a aqueles olhos azuis cheios de recriminação quando Jason se inteirasse de que
o tinha enganado desde o começo. Não, o melhor para ambos seria que ela partisse para longe, muito longe.
Como se tivesse adivinhado o que estava pensando, Jason lhe beijou meigamente o cabelo.
- Dê uma oportunidade a nosso amor Lauren - suplicou.
O murmúrio daquelas palavras lhe rasgava o coração, mas não derramou uma só lágrima, embora por dentro não podia parar de soluçar e não teve forças mais que
para evitar dar a volta e jogar-se nos braços do Jason, para não render-se por completo.
Ao cabo de um momento, ele lançou um suspiro e, soltando-a, retrocedeu um passo.
Jantaram virtualmente em silêncio. Parecia que ao final Jason estava começando a perder a esperança de conseguir atravessar as gélidas defesas que Lauren
se esforçava por manter bem altas. Ele não se retirou com ela depois de jantar, e Lauren permaneceu acordada, estendida sobre a imensa e solitária cama, lamentando-se
por necessitá-lo e de uma vez sentindo saudades sua companhia. Tinha os nervos a flor de pele, pois estava impaciente por saber se Kendricks teria recebido a mensagem
e se tentaria resgatá-la. Jason ainda não tinha se deitado quando a ela por fim venceu um sono intranquilo.
Em algum momento da noite, Lauren se incorporou sobressaltada. A luz da lua que entrava em torrentes pela janela aberta era suficiente para ver em meio da
escuridão, mas a Lauren não fazia falta desviar a vista para o lado da cama em que dormia Jason para saber que seguia sozinha. Acendeu a vela com nervosismo. O relógio
de que havia no suporte da lareira marcava as três e quinze. Depois de duvidar um instante, levantou-se e ficou uma daquelas odiosas batas em cima da camisola a
toda pressa.
Ao pouco momento descobriu que a sala de estar estava deserta e tinham apagado todos os abajures. De fato, toda a casa estava envolta nas sombras, advertiu
quando apareceu ao corredor.
Voltou para dormitório e, deixando ali a vela, saiu da habitação fechando a porta a suas costas com sigilo. Em meio daquele profundo silêncio, avançou nas
pontas dos pés para a escada sem que seus pés embainhados em umas sapatilhas fizessem o menor ruído, mas os erráticos batimentos de seu coração lhe pareciam surpreendentemente
estrondosos.
Lauren teria sido incapaz de dizer se estava procurando o Jason ou tratando de escapar, mas quando viu que Tim Sutter não estava em seu posto, invadiu-a um
negro pressentimento. Tinha-a enganado Jason quando disse que a tinha vigiada ou era que tinha passado algo? Quando começou a baixar a escada, deu-se conta de que
estava aguentando a respiração.
Ao chegar abaixo deu um passo para a porta de entrada com intenção de atravessar o vestíbulo e nem reparou na aparição da mão que lhe cobriu a boca, afogando
seu grito enquanto uns fornidos braços a apertavam bruscamente contra um torso forte. Estava tão assustada que lhe pareceu que ia sair o coração pela boca...
Mas os braços que a aprisionavam lhe resultavam familiares, quão mesmo aquele aroma masculino. Quando se deu conta de que era Jason o que a sujeitava, arrumou
para controlar seu pânico, embora não tivesse oportunidade de protestar pela violência com que a tinha tratado, porque ele a empurrou a suas costas sem olhares para
logo voltar-se imediatamente para umas sombras que se moviam.
Ela quase caiu e, agarrando-se ao corrimão para não perder o equilíbrio, ouviu um grunhido quase animal e viu com a extremidade do olho o brilho da folha
de uma faca que empunhava uma mão imensa. Quando por fim pôde ficar em pé de novo, viu que Jason tinha atirado ao atacante ao chão.
Em meio da penumbra que reinava no vestíbulo, Lauren reconheceu a silhueta volumosa do Kendricks, mas não teve tempo de expor-se como teria conseguido entrar
na casa porque o corpulento homem ficou de pé de um salto, com a agilidade de uma pantera, empunhando a arma de novo.
Durante uns momentos, o único som que se ouvia em toda a casa era o das botas sobre o piso enquanto os dois homens se aproximavam o um ao outro com cautela
movendo-se em círculo. Então Kendricks voltou a atacar descrevendo no ar com a faca um perigoso arco que Jason conseguiu esquivar agilmente. Entretanto, o mordomo
deu a volta imediatamente e o alcançou com a ponta da arma no estômago, lhe rasgando o colete que levava em cima da camisa de cambraia. Lauren deixou escapar um
grito afogado cheio de angústia.
Não obstante, Jason estava preparado para a seguinte investida do mordomo, e quando Kendricks se equilibrou sobre ele de novo, lançou-se ao chão e lhe deu
uma patada no estômago que fez sair ao homem pelos ares e cair de cabeça no chão de uma habitação contigua ao vestíbulo. À velocidade do raio, Jason lhe atirou em
cima e se ouviu o estrondo de um desafortunado móvel que caía por terra.
Lauren se aproximou mordendo os nódulos para não voltar a gritar e contemplou horrorizada como Jason lutava com o homem para lhe arrebatar a faca. Estava
fazendo uso do peso de seu corpo para sujeitar a um Kendricks ainda estendido no chão, enquanto lutava tratando de apartar o temível fio de seu rosto.
Lauren se aferrou à soleira da porta com desespero ao ver que a ponta da faca passava lhe roçando uma bochecha, quase podia sentir a tensão dos músculos das
costas e os braços do Jason enquanto lutava para apossar-se da arma. Ela tentou falar, tratou de lhe dizer ao Kendricks que não fizesse mal a Jason, mas as palavras
e o fôlego mesmo ficavam apanhados em sua garganta. Enquanto permanecia de pé a poucos passos dos dois homens, veio-lhe à mente a imagem do Matthew lutando com os
atacantes da estalagem e deixou escapar um soluço. Morreria se ocorresse algo ao Jason, tinha que deter o Kendricks de algum modo. Este empurrava o queixo do Jason
com a palma da mão e não pareceu ouvi-la quando ela conseguiu por fim falar e lhe rogou que se detivesse.
- Ah, chérie, estive te procurando!
Felix Duval! Lauren se deu conta de que devia ter vindo com o Kendricks, mas nem sequer o olhou, pois tinha toda sua atenção concentrada na briga. O mordomo
tinha agarrado ao Jason pelo pescoço com uma mão e tentava afogá-lo.
- Vim te resgatar, ma belle - disse Duval secamente ao ver que não lhe emprestava atenção, - não te parece que este seria um bom momento para partir? Vem
comigo, Marguerite..., ou deveria te chamar Lauren?
Ela o ignorou e escapou da mão com que tratava de sujeitá-la pelo cotovelo ao mesmo tempo em que olhava a seu redor desesperada procurando algo que pudesse
utilizar para separar aos dois homens.
Talvez estivesse disposta a deixar ao Jason daquele modo, mas nunca aceitaria a ajuda do Felix, não depois dos intrigantes estratagemas com que tinha tratado
de convertê-la em sua amante. Não podia confiar em um homem assim e, além disso, tinha que evitar que fizessem mal ao Jason.
De repente, este conseguiu livrar-se da mão do Kendricks e, com velocidade vertiginosa, deu-lhe um murro na mandíbula. Ouviu-se um gemido de dor do mordomo
e, aproveitando que seguia aturdido pelo inesperado golpe, Jason se equilibrou para a faca para logo aprisionar ao homem sentando-se sobre ele escarranchado e, agarrando-o
pelo cabelo, golpeou sua cabeça contra o chão um par de vezes. Logo voltou a usar os punhos até que por fim o corpulento Kendricks deixou de lutar e seu corpo ficou
imóvel.
Lauren segurou o estômago para conter as náuseas e, em que pese a que notou como Duval a agarrava pela cintura, não teve forças para resistir.
Jason respirava trabalhosamente quando voltou a ficar em pé e seu nariz batia as asas quando pousou o olhar sobre o braço do Duval rodeando o corpo de Lauren.
- Por todos os demônios!, o que está fazendo você aqui? - bramou com voz áspera.
Imperturbável, Felix elevou a pistola que tinha na mão a modo de resposta e apontou diretamente ao peito do Jason.
- OH, Deus, não! - gritou Lauren, mas Felix a ignorou.
- Estou resgatando a esta encantadora dama - disse o jogador profissional com voz suave, - a que você parece estar retendo contra sua vontade.
- Felix, por favor, rogo-lhe isso...
A reação do Jason os pilhou a ambos despreparados. Com um movimento fulminante, lançou-se sobre o Duval e lhe arrebatou a pistola das mãos com um único golpe
certeiro. A explosão resultante foi ensurdecedora, mas a bala foi parar nos painéis de madeira que cobriam as paredes. Entretanto, a ira do Jason não se dissipou
com tanta facilidade e, agarrando ao Felix pelos braços, empurrou-o contra a parede e o agarrou pelo pescoço.
- Esta é minha casa - rugiu com o rosto a escassos centímetros do de Duval, - e esta é minha esposa. Tem você três segundos para partir pela maldita porta
se não quiser que o eu ajude a decidir-se.
A ameaça foi seguida imediatamente pelos passos apressados do Tim Sutter, que apareceu com um abajur nas mãos. À luz da mesma, Lauren alcançou a ver a implacável
expressão do rosto do Jason e, enquanto o contemplava, deu-se conta do perto que tinha estado de perder a vida, e de que a culpa era dela. Ao ver que os joelhos
ameaçavam dobrando-se Tim a agarrou pelo cotovelo para sustentá-la.
- Por Deus, senhora... quero dizer, milady, não desmaie! - disse-lhe o moço, preocupado.
- Milord não vai matá-lo, lorde Effing não é dos que gostam de matar a ninguém...
Lauren não encontrava as palavras para explicar que a causa de que estivesse a ponto de desmaiar era o alívio de ver que Jason estava bem, e não a preocupação
pelo Felix. De qualquer modo, tranquilizou-a ver que Duval assentia com a cabeça e que então Jason lhe soltava o pescoço. Felix levou uma mão à garganta em meio
de tosses e disse cravando o olhar nela:
- Sua esposa? Nesse caso, sinto-o muito, chérie, mas acredito que, dadas as circunstâncias, não fica mais remédio que me retirar.
- Duval! - bramou Jason com tom ameaçador.
Felix elevou as mãos ao mesmo tempo em que dizia:
- Está bem, está bem! Já parto.
Jason o observou enquanto avançava com passo vacilante pelo vestíbulo, mas não esperou a que fechasse a porta para voltar-se para Tim e lhe dizer com voz
acerada:
- Sutter, quem te deu permissão para abandonar seu posto?
Tim o olhou sobressaltado, tratando de manter-se em posição firme, enquanto com uma mão sustentava o abajur e com a outra a Lauren.
- Ouvi ruídos - se desculpou o moço com pouca convicção - e fui ver o que era. Acreditei que poderia necessitar minha ajuda, senhor. Sinto-o muito, senhor
- acrescentou lançando um olhar ao corpo inerte do Kendricks.
Jason apertou a mandíbula.
- Saia de minha vista antes que me pegue a pensar em que desobedeceste a uma ordem direta, e leve a esse contigo! - disse assinalando ao mordomo com a mão.
- Que fique na despensa até recuperar-se.
- E... milady, senhor?
- Eu me ocuparei de minha mulher.
Um calafrio percorreu as costas de Lauren ao ouvir o tom implacável de Jason e o olhou temerosa. Tinha o rosto meio oculto pelas sombras, mas mesmo assim
sua expressão parecia ameaçadora. No momento em que Tim se apartou para cumprir as ordens, Jason entreabriu os olhos sem tirar a vista de cima ao Lauren.
- Já me parecia estranho que te mostrasse tão complacente, minha sereia - disse em tom sibilante, - espero que esta seja a única surpresa que me tinha preparada...
A acusação a desconcertou por completo: Jason sabia - se deu conta então, - sabia desde o começo que tinha mandado uma nota ao Kendricks para que a resgatasse.
Olhou-o aos olhos e viu que neles ardia uma fúria com muita dificuldade contida. Quando ele deu um passo para diante, ela retrocedeu assustada, perguntando-se se
ia golpeá-la com seus poderosos punhos. Não chegou muito longe porque Jason a agarrou por um braço para evitar que escapasse e permaneceu de pé frente a ela, atravessando-a
com o olhar sem dizer nada, como se a desafiasse em silencio a pronunciar uma só palavra.
- Voltamos acima, querida? - rugiu.
- Suponho que preferirá que continuemos com esta conversa em privado...
Lauren lançou um olhar suplicante ao Sutter, mas o moço teve bom cuidado de não dar-se por aludido enquanto levantava o corpo do Kendricks para colocá-lo
sobre os ombros. Lauren ficou consciente então que ninguém em toda a casa iria em sua ajuda.
- Jason..., por favor - implorou sentindo que o terror se apoderava dela de repente.
Ele a interrompeu com voz implacável.
- Vamos, Lauren! Agora mesmo!
Reagindo instintivamente, ela conseguiu soltar-se para sair correndo. Era o pior que podia haver lhe ocorrido fazer. Ele perdeu a paciência por completo e,
com grande rapidez, alcançou-a e voltou a agarrá-la pelo braço para logo levá-la meio de rastros pelo vestíbulo. Lauren lançou um grito de dor porque os dedos do
Jason se cravavam em sua carne, mas ele fez caso omisso enquanto atirava dela obrigando-a a avançar. Assim, ao final, suas resistências ficaram reduzidas a meros
intentos de manter-se em pé e, de fato, esteve a ponto de cair de bruços quando lhe enredou a camisola nas pernas. Jason seguiu puxando-a, insensível a seus rogos
desesperados enquanto a arrastava escada acima e logo pelo corredor, até que chegaram ao dormitório e a empurrou dentro, deixando escapar um som terrível a meio
caminho entre um grunhido e um rugido. Fechou a porta de uma patada e apartou Lauren tão bruscamente que esteve a ponto de atirá-la ao chão. Logo deu a volta e fechou
com chave a porta que havia a suas costas. Sua intenção era fechar também com chave a que dava à sala de estar, mas quando estava a meio caminho para esta, ouviu
um suave gemido que conseguiu penetrar sua ira.
Deu a volta e viu Lauren com o olhar fixo na porta fechada. Estava muito pálida e seu corpo ficou petrificado em gesto de sair fugindo. Ele demorou-nos segundos
em recordar o pavor que lhe produzia que a encerrassem e, quando o fez, sua fúria se dissipou de repente dando lugar a um feroz remorso.
- Deus! - murmurou ao mesmo tempo em que deixava escapar um suspiro entrecortado e se reprovava por havê-la aterrorizado daquele modo. Voltou a dar volta
à chave na fechadura e abriu a porta para lhe mostrar que não estava fechada no quarto.
- Por favor, Lauren, me perdoe...!
A sedosa cabeleira dourada lhe caiu sobre o rosto cobrindo-o por completo, ao mesmo tempo em que ela o tampava com as mãos, assim Jason não podia ver sua
expressão, mas sabia que lutava por não perder o controle.
Blasfemando entredentes, ele passou uma mão pelos cabelos e, ao ver que ela permanecia imóvel, ficou ali de pé observando-a em silêncio enquanto experimentava
uma entristecedora sensação de frustração e impotência. Ao cabo de um bom momento encolheu os ombros em sinal de derrota.
- Já é quase de dia - disse com um fio de voz.
- Quando tiver amanhecido de todo, levar-te-ei de volta ao Bellefleur... ou aonde queira ir. Irei te buscar um pouco de roupa.
Então girou sobre seus calcanhares para partir, mas a súplica virtualmente inaudível de Lauren fez que se detivesse em seco:
- Não, por favor... não vá.
Voltou-se de novo para ela, espectador, sem atrever-se quase a albergar esperanças.
Lauren o olhou com desconsolo e uma expressão indecisa em seus belos olhos verde e âmbar.
Entendia que ele se estava oferecendo liberá-la, mas não estava segura de que seguisse sendo isso o que queria, pois os momentos em que a vida do Jason tinha
deslocado perigo a tinham afetado de um modo profundo.
Ele também a tinha assustado. Não porque temesse que fosse fazer-lhe mal, já que em que pese a que sua violenta ira a tinha aterrorizado durante uns instantes,
dava-se conta de que nunca tinha deslocado verdadeiro perigo, que nunca lhe faria mal deliberadamente, mas tinha medo do que no futuro com o Jason podia significar
e esse medo a tinha mantido muda até esse momento, mas não podia deixar que partisse.
Seu cérebro trabalhava depressa, tratando de encontrar as palavras com que explicar-lhe quando seu olhar se cravou na rasgadura do colete cinza do Jason e
a mancha escura que tingia o tecido, e qualquer outra preocupação desapareceu imediatamente de sua mente.
- Está sangrando! - exclamou.
Jason olhou para baixo com ar distraído.
- Sim, já imagino que sim, pelo visto não fui o bastante ágil... Mas a que te referia com "não vá"? - perguntou voltando a esquadrinhar suo rosto com seus
intensos olhos azuis.
Ela ignorou a pergunta e se aproximou dele.
- Kendricks deve ter-te feito um corte, quero vê-lo.
- Não importa, Lauren. A que se...? - respondeu isso ele fazendo um gesto impaciente com a mão.
- Poderia ser grave - lhe interrompeu ela, tratando de rasgar mais o tecido para ver a ferida.
Sua evidente preocupação deu esperanças ao Jason.
- Quer que me dispa para que possa inspecionar bem os danos? - murmurou ele em brincadeira ao mesmo tempo em que elevava o queixo de Lauren com um dedo.
Ela enrugou a testa, exasperada com o tom zombador dele.
- Só o colete e a camisa, por favor - lhe respondeu muito séria.
- Pode ser que tenha que te dar pontos.
Enquanto Lauren agarrava água e sabão, Jason se despiu da cintura para cima e se sentou obedientemente na cadeira que lhe assinalava. Sabia de sobra que a
ferida era superficial e não lhe doía, mas sim era verdade que tinha sangrado muito.
Jason se deu conta de que Lauren vacilou um pouco ao ajoelhar-se a seu lado e atribuiu a que a impressionava sangue, mas não era isso o que a afetava tanto,
mas sim mas ver seu torso nu: o peito coberto de suave pêlo castanho claro, os fortes músculos de seus ombros e seus braços a faziam perder a compostura mais do
que gostaria de admitir, o corpo do Jason era tão belo que quase lhe dava medo tocá-lo.
A Lauren tremia a mão enquanto limpava o sangue seco e examinava a ferida. O corte se estendia pelo firme estômago, justo por cima da cintura da calça, mas
quando o limpou pôde ver que era pouco mais que uma fina linha vermelha, nada pelo que tivesse que preocupar-se muito.
- Vê-o? - disse-lhe Jason.
- Não é mais que um arranhão, deixa-o, Lauren.
Sustentou-lhe o rosto entre as mãos e a obrigou a olhá-lo. Durante um interminável instante carregado de tensão, os olhos do Jason se cravaram nos de Lauren
enquanto ela permanecia muito quieta, lutando com todas suas forças contra aquele olhar cativante. Deus, aqueles olhos azuis! - pensou desesperada, aqueles olhos
de um azul impossível... Se perguntou se tinha conseguido ocultar o que sentia por ele, e as seguintes palavras do Jason lhe deram a resposta:
- Sei que está apaixonada por mim - murmurou ele com mais admiração incrédula que ar triunfal.
Ela tratou de apartar-se.
- Não, eu não... - começou a dizer, mas Jason a interrompeu ao beijá-la.
A paixão do beijo a deixou sem respiração e, quando ele a tomou em seus braços para sentá-la em seus joelhos, não resistiu. Os lábios do Jason se moviam sobre
os seus, famintos, possessivos, prementes, e Lauren se aferrou a ele ao mesmo tempo em que recordava a primeira vez que Jason a tinha beijado, ao recordar que também
tinha estado sentada em seu regaço como agora, que lhe tinha ensinado o que eram a paixão e o desejo. Naquela ocasião, igual a esta, o roçar daqueles lábios a tinha
atravessado com um fogo que lhe roubava o fôlego, sua boca tinha desenhado um atalho ardente de beijos sobre seu ombro nu antes de soltar o sutiã do vestido para
martirizar com a língua um mamilo cheio e, como agora, ela se tinha apertado contra ele, com a respiração entrecortada, enterrando os dedos em seu cabelo...
Mas então ele não tinha parado como fez nesse momento.
Fazendo uso de uma vontade de ferro, Jason se obrigou a controlar-se e elevou a cabeça apartando os lábios do peito de Lauren, embora não sem certa reticência.
- Tenho que dizer que não está progredindo muito em seus intentos de me fazer acreditar que não te importo, preciosa - disse ironicamente.
Ela abriu os olhos e lhe devolveu o olhar impertinente.
- Por que me olha assim? Um de nós terá que manter a cabeça fria até que resolvamos esta situação e suponho que, já que você parece perder o controle por
completo cada vez que te beijo, terei que ser eu.
Sorriu quando Lauren afundou o rosto em seu ombro para ocultar o rubor de suas bochechas.
- Não tem por que te ruborizar, Olhos de Gata, se não puder se mostrar desavergonhada com seu marido, não sei com quem...
- Não me gaste brincadeiras sobre este tema, Jason.
- Sinto muito, minha sereia, mas é que não tenho nem idéia do que terá que fazer agora. Está disposta a que o falemos?
Como ela não dizia nada, ele lançou um suspiro.
- Quão mais fácil seria tudo se pudesse desfrutar desse arrebatador corpo todo o tempo, mas não me parece que fosse um comportamento muito honorável se não
ter intenção de seguir casada comigo! Claro que se consigo que admita que está apaixonada por mim...
- Não quero estar apaixonada por ti - disse ela com voz desesperada.
- E tampouco quer que ir? - perguntou-lhe ele.
- Então, o que supõe que devo fazer eu? Não posso seguir assim, sem saber se em qualquer momento enviará a alguém a me cravar uma faca nas costelas.
Lauren se moveu nervosa.
- Não era minha intenção que Kendricks te fizesse mal, eu só lhe pedi que me ajudasse a escapar, e tampouco esperava que apresentasse aqui com o Felix.
- Por que, Lauren? Por que quer destruir o que poderíamos ter juntos?
Ao ver que não lhe respondia, elevou-lhe o tremente queixo para que o olhasse. Aquela expressão atormentada havia tornado a aparecer em seus olhos e o que
ele mais desejava era beijá-la para que desaparecesse.
- Não vais confiar em mim?
Lauren sentiu que o coração dava um tombo ao ver a genuína preocupação do Jason, mas lhe estava pedindo algo impossível, o abismo que os separava era intransponível.
Ele tomou uma longa mecha de cabelos dourados entre seus dedos e o levou aos lábios com suavidade enquanto observava com devoção o rosto de Lauren.
- Tenho constantemente a impressão de que esconde algo, uma parte de ti que não quer que veja.
O comentário se aproximava muito à verdade e ela baixou o olhar para ocultar seus atormentados pensamentos. Logo começou a beliscar nervosamente um pedaço
da bata e a mão do Jason se posou sobre a sua. O pensamento irrelevante que atravessou a mente do Lauren foi quão bonitas eram suas mãos: vitais, de dedos largos,
fortes.
- Lauren, seja o que seja o que tenha ocorrido no passado eu te amo e nada vai trocar isso.
Com que desespero queria acreditá-lo! Mas era muito tarde para revelar sua verdadeira identidade e, além disso, talvez não merecia que a perdoasse, não era
digna do Jason nem de seu amor.
Ele era cavalheiresco, nobre e atento; não podia deixar que sacrificasse seu futuro por ela, do mesmo modo que não poderia suportar perder seu amor quando
se inteirasse do engano.
Ele seguia esperando uma resposta, assim Lauren respirou fundo e decidiu que ao menos lhe contaria parte da verdade:
- Não é que não queira estar casada contigo, é só que não quero viver na Inglaterra, dá-me medo voltar ali.
- Meu amor, não há nada na Inglaterra do que tenha que preocupar-se.
- Sim que o há, Regina Carlin. Pode que te pareça uma estúpida, mas lhe tenho medo. Ela queria a naval, Jason, e está disposta a mentir, inclusive a assassinar
para consegui-la. Uma vez tratou de enviar ao An... Uma vez tratou de me enviar a um manicômio por causa de meus pesadelos, e acredito que se o conseguisse então
sim que me tornaria louca de verdade.
Jason enrugou a frente e contemplou seus olhos suplicantes.
- Não se esquece de algum outro detalhe importante, como por exemplo de mim? Crê que permitiria que Regina te fizesse mal? Além disso, não tem motivos para
fazê-lo, a naval nunca lhe pertencerá, e sabe. Acredito que, a estas alturas, até se tem feito à idéia. Esteve muito calada durante o último ano mais ou menos, agora
vive em alguma zona incivilizada de Northumberland.
Lauren recordou as razões pelas que o tinha rechaçado a primeira vez que lhe pediu o matrimônio enquanto o olhava fixamente aos olhos e agora lhe parecia
absurdo que tivesse tratado de protegê-la da Regina. Jason era mais que capaz de enfrentar-se a qualquer ameaça física, inclusive a de alguém com tão poucos escrúpulos
como Regina. Não obstante, não era só o perigo físico o que ameaçava seu amor.
- Não importa, sou incapaz de me enfrentar a ela - insistiu negando com a cabeça.
Jason a abraçou mais forte atraindo-a para seu peito.
- Confio em que conseguirei que troque de idéia.
- Não, por favor, suplico-te que não o tente!
Com muita suavidade, ele elevou uma mão para lhe acariciar uma bochecha.
- Lauren, algum dia terei que voltar para a Inglaterra. Já descuidei meus outros assuntos durante muito tempo...
- Sei - respondeu ela ao mesmo tempo em que lançava um suspiro e apoiava a cabeça sobre seu ombro enquanto, com ar ausente, acariciava com um dedo o suave
pêlo do poderoso torso.
- Enfim - disse ele em tom pensativo quando lhe beijou a cabeça, - suponho que prefiro uma separação de quatro mil milhas a um divórcio.
Lauren se separou um pouco para olhá-lo.
- Permitir-me-ia ficar em Nova Orleans? Não te importaria?
- É óbvio que me importaria, mas confio em que possamos encontrar algum tipo de solução.
Cheia de dúvidas, ela o olhou fixamente, e quando viu que a expressão dos olhos do Jason era de total certeza, sentiu que se desvanecia o tremendo peso que
lhe oprimia o coração: uma solução assim significava que não teria que viver na Inglaterra, que seu segredo e a proeminente posição do Jason estariam a salvo. Lauren
se lançou em seus braços cheia de gratidão.
- OH, Jason! - suspirou.
- Um momento, não tão às pressas... - disse ele lhe agarrando os braços.
- Tenho ao menos três condições: a primeira, que me prometa que não escapará.
Lauren esboçou um sorriso.
- Prometo-lhe isso. Qual é a segunda?
Jason ficou olhando-a, perguntando-se como era possível que as recatadas comissuras dos lábios de Lauren fossem tão cativantes.
- Eu gostaria que fosses ver o Duval amanhã pela manhã e lhe assegurasse em pessoa que está feliz casada comigo, não quero que ande interferindo em nossas
vidas, do mesmo modo que não me agrada absolutamente que te cobice do modo em que o faz.
- Muito bem, e a terceira?
- A terceira é que aproveitemos quanto possamos o tempo que fica.
Lauren sorriu confiada, ao mesmo tempo em que entrelaçava os dedos sobre a nuca de Jason.
- Ah, sim? E como? - disse com voz sedutora.
- Refere a algo assim?
Lentamente, aproximou os lábios aos do Jason até roçá-los ao mesmo tempo em que apertava seus seios apenas cobertos pelo fino tecido contra o poderoso torso
nu. Ele esteve a ponto de lançar um gemido quando sentiu que o alagava uma feroz onda de desejo.
- Está claro que me casei com uma mulher inteligente - murmurou antes de capturar a boca de Lauren com a sua em um beijo ardente e possessivo.


Capítulo 18

O céu amanheceu plúmbeo, pois a fenomenal tormenta que desabou a noite anterior tinha amainado dando lugar a uma persistente chuva fina. Tremendo ao
sentir a carícia da brisa sobre seus ombros nus, Lauren tentou aconchegar-se mais perto do corpo quente do Jason, mas o peso agradável de seu musculoso braço a tinha
aprisionada à altura das costelas e não a deixava mover-se.
Quando abriu os olhos, assaltou-a um torvelinho de imagens difusas. Durante as duas semanas que já tinha durado seu matrimônio, despertou-se frequentemente
em braços do Jason, mas essa manhã ele ainda seguia dormindo a diferença da maior parte das vezes em que, para então, já estava lhe mordiscando a orelha ou lhe beijando
provocativamente os lábios.
Como não o queria despertar, ficou ali estendida contemplando-o, deixando que seu amoroso olhar passeasse a vontade pelo belo rosto. Seus cabelos castanhos
de nervuras douradas estavam revoltos e seus lábios descreviam uma curva tão relaxada como a das leves rugas de rir que tinha ao redor dos olhos. Deleitando-se na
imagem que tinha ante si, Lauren experimentou de novo a cálida fascinação que despertava nela o fato de que um homem tão cativante como aquele estivesse apaixonado
por ela. Como podia ter pensado que tão somente evitá-lo conseguiria reprimir o que sentia por ele? Renunciar ao Jason Stuart era como ignorar os raios de sol penetrando
por entre as nuvens depois de uma tormenta. Mas agora esse homem maravilhoso lhe pertencia e Desirée Chaudier provavelmente estaria verde de inveja, pensou Lauren
sorrindo e abraçando a felicidade em seu interior como se de uma suave estola de pele se tratasse. Esse sorriso foi o primeiro que viu Jason quando despertou, e
lhe respondeu com outra similar e um olhar azul cheia de ternura.
- Bom dia - murmurou fazendo que o pulso do Lauren se acelerasse tão somente por ouvir aquela simples saudação.
Ela elevou um dedo para riscar uma suave linha com o passar da covinha da bochecha do Jason até chegar à comissura dos lábios.
- Jason, tenho frio - lhe murmurou com voz aveludada.
- E esperas que me compadeça? - disse ele divertido elevando uma sobrancelha.
- Mas se foi você a que insistiu em dormir com a janela aberta!
Mesmo assim, atraiu-a para o interior do quente círculo que formavam seus braços e lhe tampou os ombros com os cobertores ao mesmo tempo em que entrelaçava
suas fortes pernas com as esbeltas extremidades de Lauren e lançava um suspiro exagerado.
- Menos mal que sou um tipo duro, se não, certamente me teria congelado dormindo contigo.
Ao aconchegar-se mais contra seu peito, a risada de Lauren ficou amortecida pelo torso nu dele.
- Isso não é verdade, se nunca sente frio! E, além disso, é você que insiste em dormir sem nada de roupa. Acaso tem alguma camisa de dormir?
- De fato, tenho várias, mas na Inglaterra. Meu ajudante de câmara sempre se assegura de que haja pelo menos uma em cada uma de minhas residências, pelas
aparências mais que outra coisa, claro está.
- Em cada uma de suas residências? Meu deus! Mas quantas tem?
Jason levou aos lábios uma longa mecha dourada que caía de Lauren sobre o ombro e inalou a fragrância de seu cabelo.
- Bom, tem a mansão principal dos marqueses de Effing no Kent e a casa de Londres; duas casas no campo, uma no Yorkshire e outra no Devon; um velho castelo
em ruínas na Escócia, e um pavilhão de caça nos Cotswold, no Oxfordshire. Ah, e a casa de campo junto ao mar, em Brighton! Em total, devo ter uma meia dúzia de camisas
de dormir mais ou menos, porque no pavilhão de caça não estou seguro de ter alguma.
Lauren abriu os olhos surpreendida enquanto Jason fazia recontagem de suas propriedades. Agora entendia como comprou uma casa em Nova Orleans sem pensar duas
vezes! Certamente devia gozar de uma posição muito acomodada, por não dizer que devia ser muito rico. Ao parar para pensar no pavilhão de caça, ela arqueou uma sobrancelha
e disse a seu marido:
- Suponho que as convidadas habituais ao pavilhão do Oxfordshire tampouco consideravam necessário levar nada posto para dormir... me Diga, nesses lugares,
aos cavalheiros, de verdade lhes dá tempo a caçar, o que se diz caçar?
Jason sorriu e roubou um beijo dos doces lábios que ela tinha enrugado ao esboçar uma careta.
- Geralmente, nunca tínhamos muito tempo era para dormir, mas agora que se acabaram meus dias de solteiro, não acredito que vá convidar ali a ninguém, exceto
a ti. Poderíamos passar momentos maravilhosos nesse lugar, sempre e quando considerasse a possibilidade de vir comigo a Inglaterra, evidentemente...
- Jason, tinha-o prometido...
- Certo, certo, foi sem querer! Mas não te dei motivos para lamentar te haver casado comigo, verdade, minha senhora esposa?
- Não, meu senhor esposo, não - admitiu ela mansamente ao mesmo tempo em que se apertava mais contra ele.
- E isso que quase consegue te desfazer de mim! Esta noite estive a ponto de me afogar...
Lauren riu ao recordar como teve que enfrentar Jason a terrível tormenta quando se levantou para fechar a janela em metade da noite. Empapou-se inteiro até
consegui-lo e não tinha fechado a janela de todo, mas sim tinha deixado uma fresta, o suficiente para que a tormenta não entrasse dentro e ao mesmo tempo se criasse
no interior um ambiente de acolhedora intimidade, e em que pese a que a tormenta tinha seguido com força durante toda a noite, ela tinha dormido sem dificuldade,
pois se sentia segura nos braços do Jason. Entretanto, agora, deu-se conta de que a chuva ia desbaratar os planos que tinham feito e, apoiando-se em um cotovelo,
olhou pela janela com cara de decepção:
- Miúdo tempo faz, precisamente hoje que ia ensinar-me a nadar! Terá que deixar a lição para outro dia.
- Já haverá mais dias, e, além disso, sai o sol mais tarde - disse ele, estirando-se com ar despreocupado.
Lauren sentia o roçar de seus firmes músculos sobre sua pele e como o calor de seu corpo a invadia.
- Bom! Então o que fazemos esta manhã? - disse ela cautelosa.
Jason lhe percorreu a clavícula com um dedo preguiçoso.
- Sempre podemos tomar o café da manhã... - murmurou ele esboçando um sorriso ardente e lento.
- Não tenho fome - lhe respondeu ela, sabendo de que o desejo dos olhos do Jason também podia ler-se nos seus.
- Nesse caso, milady, permita-me que sugira... uma lição de... outra natureza?
Como Lauren o olhou desconcertada, Jason afundou os dedos na sedosa cabeleira dourada e a atraiu para si lentamente até que seus lábios se encontraram.
- Deus, seu cabelo é tão suave - murmurou sobre os lábios dela enquanto os cabelos de Lauren se esparramavam sobre ele.
- Quero me envolver com ele, quero que seu corpo me envolva por completo...! - acrescentou ao mesmo tempo em que sua boca se movia muito devagar sobre a
dela enquanto lhe acariciava os lábios com a língua, separando-os, procurando a entrada ao delicioso tesouro que se escondia dentro.
Como ocorria sempre, os beijos do Jason deixavam a Lauren sem fôlego, mas desta vez também despertaram em seu interior cálidas sensações novas. A língua do
Jason incitava docemente, massageava e acariciava provocando nela uma resposta simétrica, enquanto seus dedos se deslizavam até agarrar os dela e logo, surpreendendo-a
tão somente um pouco em realidade, Jason lhe guiou a mão até pousá-la sobre seu orgulhoso membro cheio.
Não lhe levou muito tempo aprender o que o fazia gozar, posto que ele - respirando, instruindo, apressando - lhe murmurava ao ouvido palavras que a excitavam
e ao mesmo tempo lhe ensinavam como acariciá-lo e incrementar seu desejo. Também a surpreendeu agradavelmente a satisfação que lhe produzia ser ela a que marcasse
o ritmo.
Queria lhe dar tanto prazer como sempre tinha recebido dele, assim Lauren separou os lábios para começar a lhe percorrer com eles o pescoço até chegar ao
ombro, enquanto sua mão seguia acariciando o sexo do Jason. Beijou-o cautelosamente primeiro e logo com mais ousadia ao ver como a paixão contraía suas formosas
facções viris. Lauren cobriu os erguidos mamilos masculinos de carícias com a língua e depois se deslizou por aquele poderoso corpo com uma lentidão cativante, deleitando-se
no ardente tato sedoso da pele das costelas.
Quando chegou até o ventre firme e liso se deteve, olhou pensativa ao Jason durante um instante para logo ajoelhar-se sobre ele e, deixando que sua juba caísse
para diante e o acariciasse, imitou o modo em que lhe tinha feito o amor utilizando a língua aquele dia junto à poça.
Jason agarrou com força seus dourados cabelos até quase lhe fazer dano enquanto um calafrio instintivo o percorria, mas depois ficou muito quieto, como se
temesse assustá-la. Lauren se inclinou sobre ele de novo e sua doce e cálida boca continuou saboreando-o com movimentos lânguidos e ternos, brincando com seu sexo
erguido, gozando imensamente para ouvir os suaves gemidos que deixava escapar ele, ansiosa por fazer que a desejasse tanto como ela o desejava.
Entretanto, chegou um momento em que Jason não pôde suportar por mais tempo aquela tortura deliciosa e atraiu Lauren para seu peito até que ela ficou estendida
sobre ele.
- Deus! Onde aprendeste a fazer isso? - perguntou-lhe com a voz rouca pela paixão.
Ela o olhou aos olhos com uma pergunta escrita nos seus.
- Veronique me havia dito que aos homens gostava disso - lhe respondeu ela dúbia.
- Não gostou?
- É obvio que sim, só que não é uma habilidade que se espere de uma esposa.
Lauren enrugou a testa com cara de preocupação.
- De verdade que nunca tinha feito algo assim antes, Jason.
Roçou-lhe os lábios com um dedo.
- E te acredito, minha vida, é só que o faz tão bem - "muito melhor do que o faria uma principiante", pensou - que estiveste a ponto de me fazer perder o
controle.
Sentindo-se mais tranquila ao ver que ele não estava zangado, Lauren lhe dedicou um de seus provocadores sorrisos de sereia.
- Talvez devesse praticar.
- Ah, não! - disse ele lhe agarrando as pulsos, - agora me toca te - declarou com voz rouca e, depois de lhe soltar as mãos, deslizou as suas pelas costas
de Lauren para lhe agarrar os quadris, elevando-a antes que ela tivesse tempo de adivinhar o que se propunha.
Quando se encontrou sentada escarranchada sobre o Jason abriu muito os olhos, mas se limitou a esperar, confiada e cheia de espera. Ele estendeu os dedos
sobre seu abdômen e logo deslizou as mãos para cima para deter-se nos seios e tomá-los nas palmas de suas mãos. Logo fixou o olhar nos brilhantes olhos de Lauren
enquanto seus polegares começavam a massagear os mamilos cheios, provocando-os até pô-los duros, enfermos, e então por fim a atraiu para seu peito e capturou um
mamilo com a boca.
O sabor da pele de Lauren deve ter despertado nele um instinto primitivo porque a intensidade de seus movimentos se voltou grosseiramente apaixonada. Com
sua boca faminta devorava, engolia e arranhava com seus dentes... e logo, ao momento seguinte, acalmava, acariciava, beijava...
Se Lauren tivesse sido um gato, teria se posto a ronronar, mas só alcançou a gemer enquanto sentia um calor delicioso nascendo em seu interior, e quando os
dedos atrevidos do Jason se abriram passo até chegar ao suave pêlo encaracolado entre suas pernas, quase nem reparou nas sensuais palavras que lhe sussurrava para
excitá-la ainda mais enquanto apertava a mão contra seu sexo para logo provocá-la com seus dedos peritos.
Ao cabo de um momento, sentiu que Jason a elevava para afundar-se nela com um movimento doce, sensual e possessivo que a encheu por completo. Lançou um grito
afogado e de agrado no momento em que a atravessava com seu poderoso sexo ardente e suave e, deixando cair a cabeça para trás, arqueou as costas. Era como estar
muito perto do sol; estava convencida de que assim devia sentir-se Faeton quando tentou conduzir a carruagem de fogo pelo céu: aturdido e extasiado.
Então Jason começou a mover-se em seu interior, mas depois de tão somente duas investidas Lauren sentiu que o fogo a consumia. Ele a contemplou com olhos
famintos, completamente satisfeito de vê-la alcançar o devastador clímax, e só sua vontade de ferro evitou que também ele sucumbisse às chamas que consumiam ela.
Por fim Lauren recuperou a consciência e se deu conta de que se deixou cair sobre o peito do Jason, exausta - quase inerte, - mas o sexo que a atravessava
seguia erguido e palpitante. Esteve a ponto de murmurar um protesto quando ele começou a mover-se de novo, pois temia não poder resistir aquela paixão demolidora
de novo.
- Vem comigo, minha vida - murmurou ele com voz premente ao perceber que ela resistia, - vem comigo.
O fôlego do Jason lhe abrasava a pele, suas mãos inquietas a percorriam intimamente e, quando seus lábios se apoderaram dos seus com urgência, Lauren lançou
um gemido, sentindo-se indefesa frente ao incrível fogo que voltava a surgir em suas vísceras. Ao final, o férreo autocontrole do Jason se rompeu em mil pedaços:
seu corpo começou a agitar-se sacudido por uns tremores ininterruptos e a paixão de Lauren também se transbordou desatando nela uma gloriosa corrente de chamas.
Quando este remeteu ao fim, deixou-se cair sobre o Jason sem forças e dormiu, mas ao cabo de um momento despertaram de novo os ardentes beijos de seu marido.
Apolo, o deus do Sol - pensou meio adormecida enquanto seu desejo por ele se ia desatando uma vez mais com violência renovada, - como era possível que estivesse
casado com ela? Os deuses não desposavam às simples mortais...
Era mais de meio-dia quando por fim se levantaram para vestir-se. Lauren acreditou que seu desejo tinha ficado de todo satisfeito, mas quando Jason se inclinou
sobre ela para lhe roçar os lábios com os seus, a mesma sensação abrasadora surgiu em seu interior uma vez mais. Ele se deu conta e lhe sorriu fazendo que se ruborizasse
ao recordar a desavergonhada que se mostrou.
Comeram sem pressa e logo Jason a levou a plantação dos Beauvais. Tinha deixado de chover e, para quando deram por concluída sua visita a Lilás e Jean-Paul,
havia um sol resplandecente. Uma vez que se instalaram de novo no carro, Jason alargou a mão sob o assento e tirou um pacote que lhe entregou. Ela o abriu com excitação
para descobrir que continha umas calças bombachas e uma camisa sem mangas.
- Recordaste-te! - exclamou ao mesmo tempo em que deixava escapar uma gargalhada gostosa e lhe lançava os braços ao pescoço para lhe dar um beijo bem sonoro.
Aquele abraço esteve a ponto de fazer que Jason perdesse o controle dos cavalos por um momento, mas estava feliz de ver os brilhos cor âmbar daqueles olhos
verdes.
- Estou começando a suspeitar que me equivoquei ao tomar por uma mulher - brincou Jason ao mesmo tempo em que lhe soltava os braços brandamente.
- Certamente não recordo semelhante efusividade quando te comprei um guarda-roupa inteiro de ninharias femininas.
Cravou-lhe um olhar pícaro e entrelaçou as mãos sobre o regaço.
- Não teria sido apropriado te beijar - argumentou ela em tom recatado, - recordará que então não estávamos casados. Além disso - acrescentou quando ele pôs
os olhos em branco fingindo rezar pedindo paciência, - não tinha prometido me ensinar a nadar.
- É esse o caminho a seu coração então?
- Possivelmente - provocou ela.
- Possivelmente - a imitou Jason fazendo girar aos cavalos em direção ao riacho.
- Deveria te atirar à água para ver se te afunda ou não.
- Assim era como decidiam em outros tempos se alguém era inocente de bruxaria...
- Está me chamando bruxa? - perguntou-lhe ela entreabrindo os olhos.
- Nada disso, meu amor! - respondeu ele com ar inocente, - embora não me surpreenderia o mínimo que flutuasse - disse ao fim, soltando uma gargalhada ao
ver o rosto que punha Lauren.
Foi sua primeira aula de natação, a que seguiram outras muitas - virtualmente diariamente, - mas ela recordava aquela com toda claridade, não por ter sido
a primeira nem porque ao fim estivesse aprendendo a nadar, mas sim pelo que Jason lhe disse.
Trocaram-se os dois de roupa rapidamente - bom, Lauren se embainhou em seu novo traje e Jason se limitou a tirar-lhe tudo menos as calças - e, depois de umas
quantas noções teóricas na borda, lhe indicou que flutuasse sobre o estômago em uma parte pouco profunda do riacho e lhe ensinou o movimento dos braços. Logo a levou
corrente abaixo onde havia mais profundidade.
Aquela poça não era tão grande nem bonita como a que tinham encontrado aquela tarde - que agora parecia tão longínqua - de volta a Nova Orleans, mas era bastante
profunda para cobrir Lauren por completo. Ela olhou a água com uma apreensão repentina, um pânico que só quem não sabe nadar pode entender. Ele a tirou da mão para
guiá-la, mas o corpo de Lauren se paralisou e começou a ouvir a voz do Jason como se viesse de muito longe.
- Me olhe, Lauren. Eu te quero, céu, nunca deixaria que te ocorresse nada mau. Posso nos manter a flutuar aos dois se confiar em mim. Rodeie-me o pescoço
com os braços. Isso, minha sereia. E agora relaxe e deixa que eu te sustente. Confia em mim, Lauren. Confia em mim.
Aos poucos, ela começou a desfrutar do banho, e certamente não voltou a sentir que o pânico ameaçava apoderando-se dela porque lhe desse medo a água. Mas,
além disso, esse dia tinha posto sua vida em mãos do Jason e se deu conta de que, para ele, uma das principais aspirações era precisamente ganhar sua confiança:
sua intenção sempre tinha sido - e seguia sendo - ganhá-la por completo. "Confia em mim", havia lhe dito. Já tinha pronunciado essas palavras antes - recordou Lauren,
- em mais de uma ocasião, e era muito provável que nunca desistisse em seu intento de conseguir que ela confiasse nele por completo.
Afetou-a profundamente chegar a aquela conclusão: Jason tinha prometido que não trataria de convencê-la para que voltasse para a Inglaterra com ele e até
o momento tinha cumprido com sua palavra, mas partiria em umas quantas semanas e, então, o que aconteceria? Resultava-lhe difícil pensar em sua iminente partida
sem deprimir-se; e, além disso, ela já o amava certamente muito, assim que o que se propunha querendo ganhar também sua confiança?
Pouco tempo depois daquela primeira lição, Lauren obteve uma resposta, ao menos parcial, para essa pergunta: tinham ido a um baile com Lilás e Jean-Paul,
e os Beauvais tinham decidido ficar um momento mais, assim Lauren e Jason foram sozinhos no carro de volta a casa.
Ela tinha desfrutado muito da noitada, mas agora a invadia um esgotamento agradável depois de ter dançado tanto, assim apoiou a cabeça no ombro que Jason
lhe oferecia esperando com antecipação o momento de chegar a sua aprazível nova casa e ficar adormecida em braços de seu marido. A noite também era preciosa, sem
lua, mas com um milhão de estrelas iluminando o firmamento. O carro se balançava um pouco enquanto que uma cálida brisa entrava pela janela trazendo consigo a fragrância
do jasmim e da azálea selvagem e o leve murmúrio das cigarras. Lauren teria dormido a não ser porque Jason decidiu aproveitar o romantismo do momento. Por desgraça,
seus intentos se viram frustrados pelas plumas de avestruz do chapéu de Lauren, já que uma lhe meteu no olho quando tratou de beijá-la e teve que apartar-se murmurando
entredentes uma blasfêmia sobre "condenadas plumas".
Sorrindo em meio da penumbra, ela tirou a banda que levava na cabeça sem dizer nada e elevou os lábios para que Jason os beijasse. Não estava preparada para
a paixão impaciente que o invadia a ele, nem para sua própria resposta, pois emergiu daquele beijo tremendo de desejo.
- Meu deus, é tão bela! - murmurou ele com uma voz aveludada que acariciava os sentidos, e logo sua língua brincou com o lóbulo da orelha de Lauren despertando
nela um amontoado de sensações.
Como sabia muito bem onde podia acabar outro beijo como aquele de seu apaixonado marido, Lauren pensou que seria melhor distraí-lo e, deixando escapar uma
gargalhada sonora, empurrou-o com suavidade para apartá-lo.
- E você como sabe que aspecto tenho? Aqui dentro está muito escuro para ver nada.
Ele a abraçou com mais força.
- Mmm, sei por seu sabor... Tem a menor idéia de como me faz sentir?
- Sim, se passa o mesmo comigo, mas o condutor...
- Ao diabo com o condutor! Desejo-te.
Lauren tratou de separá-lo apoiando as palmas das mãos contra seu torso.
- Aqui não, Jason.
- Sim, aqui - insistiu ele deslizando sua mão pelo sutiã do vestido do Lauren para apoderar-se de um voluptuoso seio com gesto possessivo.
- Jason, o chofer vai ouvir - protestou ela com um fio de voz.
- Pois fecho a janela.
Ela reagiu imediatamente:
- Não, por favor, não! - gritou ao mesmo tempo em que lutava para soltar-se.
Jason a soltou imediatamente, mas a intimidade que estavam desfrutando tinha quebrado. No meio do silêncio total que seguiu, Lauren baixou a cabeça, consciente
de que o tinha feito zangar. Sentia seu olhar sobre ela, mas em que pese a que tentou dizer algo que dissipasse seu mau humor, não lhe ocorreu nada. À medida que
o silêncio se ia fazendo eterno, lembrou-se da noite em que Jason a tinha levado do cassino, do terror que lhe tinha produzido encontrar-se apanhada no interior
de um carro.
Ao final foi ele quem disse em voz muito baixa:
- Vem aqui, Lauren.
Ela o olhou receosa tratando de adivinhar o que pensava, mas sua sombria expressão era impenetrável.
- Está zangado comigo - disse ela com tristeza.
- Sim, mas "doído" seria mais exato para descrever o sentimento mais forte que experimento agora mesmo. Dói-me quando te separa de mim aterrorizada, e agora,
vem aqui.
Quando Jason alargou os braços para atraí-la para si, ela não resistiu e apoiou a cabeça em seu ombro enquanto lhe acariciava o cabelo.
- Eu gostaria de te ajudar, minha vida - murmurou ele.
- E talvez pudesse se me deixasse.
Logo com voz quase inaudível declarou:
- Daria o que fosse o que fosse, em troca de que confiasse em mim.
- Eu confio em ti, Jason - lhe respondeu ela rapidamente.
- De verdade?
Havia uma estranha inflexão em sua voz, uma mescla de cepticismo e esperança. Ao cabo de um momento, ele se apartou um pouco e tomou o rosto dela em suas
mãos.
- Lauren, tenho escrito a um conhecido meu, um médico especializado em fobias como a tua. Teve muitos pacientes que sofreram perdas parciais de cor em diversos
graus devidas a algum acontecimento traumático, e acredita que seu medo poderia ser um caso similar e que talvez seus pesadelos se devam a isso. Também diz que sua
doença se pode curar, mas que é importante que recorde os acontecimentos que desencadearam o problema.
- Mas eu não... - Lauren emudeceu no momento em que um calafrio lhe percorreu as costas ao dar-se conta de que Jason se estava referindo a sua pobre meio-irmã,
que tinha passado pela terrível experiência de presenciar o assassinato de seus pais e isso a tinha levado a beira da loucura. De só pensar nisso, pôs-se a tremer.
- Não há razão para estabelecer que meu problema seja similar - optou por dizer com cautela,
- O que ia ter eu que recordar?
O quente fôlego do Jason lhe acariciava a bochecha.
- Também eu gostaria de saber respondeu ele para logo inclinar-se e beijá-la, e quando voltou a falar, sua voz não só estava velada pelo desejo contido, mas
também era tranquilizadora e inspirava confiança, igual ao primeiro dia que lhe tinha ensinado a nadar.
- Lauren, eu gostaria de te ajudar a fazer frente ao que seja que provoca esse terror. Vais confiar em mim, minha vida?
Ela o olhou desconcertada.
- Mas é que não é algo que possa controlar, Jason.
Acariciou-lhe os lábios com um dedo.
- Quero tentar, deixar-me-á?
Ela assentiu com gesto dúbio.
- Está bem, só quero que relaxe e não se esqueça de que estou aqui contigo e não vou deixar que te ocorra nada mau.
- Mas o que vais fazer? - perguntou-lhe ela cheia de apreensão.
- Nada que possa te fazer dano, e agora me rodeie o pescoço com os braços como quando estava aprendendo a flutuar.
- Jason, por favor...
- Confia em mim. Assim, muito bem, e agora me beije.
Lauren obedeceu com ar taciturno, mas à medida que o beijo se fazia mais profundo, perdeu-se no mundo privado de sensações que Jason despertava em seu interior
com as carícias de seus beijos e suas mãos.
Ao princípio apenas se deu conta quando ele se inclinava para diante para fechar a janela do carro. Notou que algo tinha mudado, mas as doces palavras que
lhe murmurava mantinham toda sua atenção:
- Sente meu amor por ti, Lauren, minha doce Lauren. Deixa que te envolva, minha formosa Lauren, meu amor.
A hipnótica voz do Jason, suas palavras de amor, mantiveram aos espectros a raia durante um tempo, mas não foram capazes de fazê-lo indefinidamente: um momento
Lauren estava relaxada, entregando-se gozosa e cheia de calidez, e ao momento seguinte estava petrificada de terror e apertava as mãos sobre seus ouvidos com força.
Nada - nem palavras nem beijos nem abraços - podiam penetrar em sua mente enquanto o medo a atendia.
Ao Jason, em que pese a que sabia o que podia esperar que ocorresse, enfurecia-lhe sua incapacidade de fazer algo. Ela ouvia vozes fantasmais que ninguém
mais podia ouvir e a atormentava algo invisível e intangível, algo contra o que ele não podia lutar como teria feito com qualquer outro inimigo.
Ver o sofrimento de Lauren o enchia de angústia, assim se apressou a abrir a janela, pensou que não voltaria a fazê-la passar por semelhante agonia intencionadamente
nunca mais, não podia suportá-lo. Embora isso significasse sacrificar a possibilidade de um futuro juntos, não trataria nunca mais de forçá-la a enfrentar aos horrores
que a levavam a aquele estado.
- Jason! - chamou-o Lauren com um sussurro rouco.
Sua súplica lhe atravessou o coração como uma faca. Agarrou-a pelos ombros e a sacudiu, tentando que voltasse do mundo macabro em que se perdeu, e quando
foi sentindo que Lauren se recuperava pouco a pouco, deixou escapar um suspiro entrecortado.
- Deus, carinho, me perdoe! - disse com voz grave e rouca, apertando contra seu peito o corpo tremente dela.
- Minha Vida, sinto muito, sinto-o muito - murmurou uma e outra vez enquanto lhe beijava a testa.
- Não foi minha intenção te assustar desse modo.
Jason a abraçou forte até que cessaram os tremores, mas seus próprios pensamentos lacerantes não lhe davam trégua. Não era capaz de ajudá-la - pensou com
desespero, - por maior que fosse o amor que sentia por ela, não podia ajudá-la. Ainda absorto em suas reflexões, acariciou-lhe a testa suarenta sem logo que dar-se
conta de que lhe estava acariciando a bochecha.
- Decepcionei-te? - perguntou-lhe Lauren cheia de preocupação.
Jason ficou olhando, surpreso pela pergunta, e então a apertou ainda mais forte contra seu peito e afundou o rosto em sua juba.
- Não, Olhos de Gata, absolutamente. É só que não sei se serei capaz de voltar a te olhar à cara. Talvez seja certo que não sou digno de sua confiança.
Durante um instante ela não soube o que dizer. Jamais tinha visto o Jason tão decaído, nunca o tinha ouvido falar com semelhante derrotismo. Aquele não podia
ser seu vigoroso marido, sempre tão cheio de confiança em si mesmo. Cheia de ternura, rodeou-lhe o pescoço com os braços e sentiu que seu coração se transbordava
de amor por ele.
- Esta vez foi diferente, Jason, de verdade - disse brandamente.
- Estava assustada, mas esta vez podia sentir que você me abraçava, e te via. Foi uma figura imprecisa muito longínqua, mas pensei que se conseguisse chegar
até ti estaria a salvo. Isso nunca me tinha passado antes.
Ele lançou um profundo suspiro e ao olhar pela janela se deu conta de que o carro se deteve.
- Já estamos em casa - disse em tom ausente.
Lauren o reteve lhe pondo a mão no braço.
- Jason, ouviste o que te disse?
- Sim, minha vida.
- E não me crê? Não crê que estivesse em meu... pesadelo, ou o que seja que me ocorre?
- Sim que te acredito, já disse meu nome uma vez.
- Disse seu nome? Bom, pois isso já é algo. No passado, sempre estava sozinha sem ninguém que me ajudasse, mas esta vez você estava ali, Jason.
- Sim, mas não te ajudei, verdade que não?
Lauren estava surpreendida pelo desespero do Jason.
- E? Levo anos vivendo com esta "doença" como você a chama. Não pode pretender irromper em meus pesadelos como uma tromba de água e que eu caia rendida de
um primeiro momento igual a ocorreu na vida real!
Jason entrou em razão de repente e, sacudindo a cabeça, esboçou um sorriso um tanto amargo ao mesmo tempo em que tomava uma mão de Lauren para lhe beijar
a palma.
- Não, suponho que isso seria muito pedir. Vê o que tem feito comigo, Lauren Stuart? Aqui me tem, exigindo ter um papel estelar em seus pesadelos quando deveria
me contentar com uma fugaz aparição...
Ela não fez caso de seu tom zombador.
- Mas já é algo, não crê?
Ele recordou esse momento esperançoso em que Lauren havia dito seu nome.
- Sim, meu amor, já é algo - disse.


Capítulo 19

- Terá havido um incêndio? - comentou Lauren depois de que um casal que se apressava pela rua Charters para a praça de Armas lhe desse um brusco empurrão.
Sua donzela, uma moça negra chamada Mai, manteve-se até então uns receosos passos por detrás de sua senhora, mas ao ver que esta tinha estado a ponto de acabar
pelos chãos se colocou a seu lado.
- Obrigado, Mai. Estou bem - a tranquilizou Lauren rechaçando apoiar-se na moça, como esta lhe oferecia.
- Talvez devêssemos ver o que é o que causa tanto revôo.
Quando já estavam perto da Praça de Armas, Lauren viu que se congregou uma grande multidão. Havia um homem de pé em uma pequena plataforma de madeira colocada
no centro da praça, o que lhe fez perguntar-se o que podia estar dizendo que atraíra daquele modo a atenção da multidão.
- Mai, pode ir, por favor, a ver se inteirar do que acontece?
- Sim, senhora - respondeu a jovem ao mesmo tempo em que fazia uma breve reverencia.
- Seguro que o velho Gabe, que deve estar por aí, haverá se inteirado e me conta isso.
- Bem, faça isso, por favor - disse Lauren, tirando de mãos de Mai um pacote muito bem envolto com algo que acabava de comprar, e logo apressou à moça para
que se desse pressa.
Não queria ficar muito tempo no Bairro Antigo porque tinha ido sem que soubesse Jason e não desejava encontrar-lhe e ter que lhe explicar o que andava fazendo
por ali, já que o propósito de sua visita a aquela parte da cidade tinha que ver com a iminente marcha dele. Jason ainda não tinha fixado uma data, mas junho estava
chegando e ela sabia que logo zarparia afastando-se para sempre de sua vida: um pensamento que era como uma nuvem negra que ameaçava constantemente sua atual felicidade.
Invadia-a uma dor agridoce quando pensava no futuro, até o ponto de que em ocasiões desejava não ter conhecido nunca ao Jason, embora no fundo sabia que preferia
ter que suportar essa dor - inclusa multiplicada por dez - que haver perdido a doce agonia de amá-lo.
Mesmo assim, aterrorizava-a a possibilidade de que, quando retornasse a Inglaterra, ele se esquecesse dela; por isso queria lhe dar algo que o fizesse recordá-la
e tinha encarregado a um artista uma pintura de si mesma em miniatura. Até essa mesma manhã, tão somente tinha posado para um pequeno esboço já que Jason tinha falado
muito a sério de aproveitar ao máximo o tempo que ficassem juntos, e logo que tinha tido um minuto longe das cuidados de seu solícito marido. Assim, quando ele anunciou
que essa manhã tinha intenção de inspecionar o armazém recém terminado, ela declinou seu convite a acompanhá-lo e assim que ele saiu de casa se apressou a ir ao
estúdio do artista para posar de novo, levando a Mai com ela por uma questão de guardar as aparências.
Uma hora mais tarde, Lauren saiu dali sentindo-se satisfeita com os progressos do retrato e, quando passava por diante de um ourives de caminho a casa, um
objeto da cristaleira chamou sua atenção: uma pequena réplica de um veleiro feito em prata com suas diminutas velas inchadas pelo vento. O orgulhoso navio lhe recordava
à Sereia e é obvio ao Jason, assim imediatamente seguinte já tinha entrado na loja e estava solicitando que gravassem nos lados a palavra "Sereia". Também comprou
um porta-jóias que ainda não estava terminado para dar de presente a Lilás, embora tinha que esperar vários dias até que o complicado vigamento de motivos do mesmo
estivesse acabado.
Foi sair dali quando quase a atirou ao chão um casal que se dirigia para o lugar à carreira. Picada pela curiosidade, seguiu-os e enviou a Mai a indagar.
No momento em que esta se afastava, um homem que havia junto a Lauren resmungou algo entre dentes. Devia ser acádio, um de tantos colonos francófonos do Canadá que
depois de ser expulsos pelos ingleses tinham acabado na Luisiana, porque falava um dialeto muito marcado do francês, difícil de entender, e levava umas calças de
pano áspero e uma camisa tecida artesanalmente sob uma túnica ampla.
- Um leilão - foi quão máximo Lauren conseguiu decifrar do que dizia, e aquilo a surpreendeu porque a maioria dos negócios se fechavam na rotunda do Hotel
Saint Louis, que era onde também se fazia a compra e venda dos escravos.
- E o que leiloam? - perguntou ao homem, muito surpreso de que lhe dirigisse a palavra aquela bela desconhecida que, além disso, via-se claramente
que era uma dama, o que não queria dizer que não estivesse disposto a conversar.
O acádio lhe dedicou um amplo e desdentado sorriso ao mesmo tempo em que pousava o olhar em seus seios com um interesse que a fez sentir-se incômoda.
- As propriedades do Lafitte - respondeu o homem em inglês.
- O governo americano tem intenção de vender os navios que ele roubou, mas ninguém os comprará. Ninguém vai ser tão insensato para arriscar-se a provocar
a ira do Lafitte!
Entretanto, no preciso instante em que dizia isso, ouviu-se um murmúrio que percorria a multidão.
- Ouça, alguém acaba de fazer uma oferta! Esse sim que deve ser um néscio onde os haja, e certamente duvido que viva para desfrutar de sua compra.
A Lauren pareceu que o acádio falava alto porque de repente se fez um silêncio tão profundo na praça que quase lhe dava a impressão de que se podiam ouvir
os pensamentos da gente. Arrumaria Lafitte de algum modo para deter a venda? Quem seria o ousado comprador que tinha puxado pelo navio? Contentar-se-ia o governo
com uma soma tão baixa? Porque a oferta tinha sido ridiculamente baixa...
Então a multidão se apartou para criar um espaço livre justo diante dela e Lauren respirou fundo presa do desconcerto. Viu o Jason com toda claridade, posto
que lhe tirava a cabeça ao resto e nesses momentos estava ali de pé sozinho. Ao ver que a gente o olhava de minuto em minuto, ela compreendeu imediatamente quem
tinha sido o cavalheiro que tinha puxado. Era a classe de jogo que gostava, pensou desconsolada: o componente de risco sem dúvida teria atraído seu interesse poderosamente.
Ela não pôde reprimir a pontada de preocupação que sentiu, pois Lafitte não era um homem a que se devesse zangar, nem sequer alguém com a audácia do Jason.
O leiloeiro afrouxou o lenço que levava a pescoço, como se apertasse sobremaneira, e logo deixou cair o martelo e declarou que o cavalheiro alto era o novo
proprietário do Infernizo. Jason fez um gesto afirmativo com a cabeça para confirmar a compra, aparentemente alheio por completo aos murmúrios excitados que tinha
provocado a seu redor.
De maneira instintiva, Lauren deu um passo para ele com intenção de lhe rogar que reconsiderasse sua decisão, mas ficou paralisada quando viu chegar até Jason
a uma mulher de cabelos escuros que o agarrou pelo braço: Désirée!, Devia ter estado ao lado dele todo o tempo.
Quando Désirée dedicou ao Jason um de seus sorrisos cativantes, Lauren entreabriu os olhos, presa de um autêntico ataque de ciúmes. Por um momento duvidou
entre arrancar os olhos a aquela bruxa ou esbofetear o belo rosto de seu marido, e então lhe devolveu o sorriso a aquela formosa puta de cabelos castanhos e se inclinou
para lhe sussurrar algo ao ouvido. Désirée lhe respondeu, logo ficou nas pontas dos pés para lhe rodear o pescoço com os braços e Lauren contemplou desconcertada
como seu marido aceitava sem alterar o ardente beijo que aquela mulher lhe dava.
Sentiu-se como se lhe tivessem dado um soco no coração enquanto que por sua cabeça desfilava uma corrente atropelada de pensamentos que a levavam de uma conclusão
a seguinte: Jason não lhe havia dito que havia um leilão, mas lhe escapavam tão poucas coisas que sem dúvida o tinha sabido; não lhe havia dito tampouco que tinha
intenção de comprar um dos navios do Lafitte, em que pese a que normalmente comentava com ela as decisões de negócios para que Lauren seguisse aprendendo. Acaso
também deveria lhe haver falado do Désirée? Quanto tempo levava vendo a bela cortesã de cabelos escuros? Tinha deixado de vê-la alguma vez? Désirée era formosa e
conhecia todos os truques da profissão, todas as maneiras de seduzir a um homem.
Angustiada, Lauren ficou olhando ao casal abraçado. Notava um zumbido surdo nos ouvidos que se impunha a outros sons que a rodeavam. Inclusive depois de que
Jason negasse ter aceito os favores que obviamente lhe tinham devotado, Lauren nunca tinha acreditado de todo e tinha tratado de desculpar o que pudesse ter feito
ele antes de casar-se, sabendo de que naquela época ela não podia lhe exigir nada. Mas tinha quebrado em tão pouco tempo os votos do matrimônio com uma... com essa
mulher? A dor lhe atendia a garganta e ameaçava asfixiando. Talvez ao final era certo que Jason se casou com ela pela naval... Talvez nunca a tinha amado. Talvez
tudo fosse uma terrível mentira.
O acádio disse algo, mas Lauren não o ouviu porque tinha o olhar cravado em seu marido. Através da bruma de dor que lhe nublava a vista, viu que Jason dava
a volta e a olhava e, durante um instante, mostrou-se surpreso. Mas quando ele deu um passo para Lauren de maneira instintiva, ela não esperou para ver o que faria
depois: não podia enfrentar a ele. Nem agora nem nunca. Queria pôr-se a correr e esconder-se, esconder-se em uma esquina e deixar morrer, assim que se voltou e se
chocou com alguém que lhe fechava o passo. De todas formas seguiu adiante, deslizando-se entre a multidão a empurrões, sem saber sequer aonde ia.
Jason a chamou e quando Lauren começou a correr, ele blasfemou entredentes, chamou monsieur Sauvinet, que estava ali também, para que se aproximasse e, depois
de lhe dar rapidamente umas quantas instruções concisas, saiu correndo atrás de sua mulher. Tinha-o surpreendido ver Lauren entre a multidão que enchia a praça,
certamente não queria que se inteirasse do que estava fazendo ali, mas em qualquer caso ela não tinha por que ter reagido daquele modo... Então, ao repassar mentalmente
o que tinha passado nos segundos últimos e recordar que Désirée o tinha beijado nos lábios, deu-se conta de que Lauren devia ter interpretado mal tudo: aquele gesto
tinha sido muito íntimo para que uma esposa o aceitasse ou perdoasse facilmente. Mas por todos os demônios! Lauren estava fugindo dele uma vez mais sem nem tão sequer
lhe dar a oportunidade de explicar-se. Chamou-a aos gritos, mas ela não se deteve nem para olhar para trás por cima do ombro.
A ira do Jason foi aumentando enquanto a perseguia pelas ruas do Bairro Antigo. Ele tinha as pernas mais longas e além disso, em seu caso, não lhe enredavam
com a saia, mas Lauren lhe levava quase uma cabeça de vantagem e ainda estava a certa distância dela quando a viu desaparecer no interior do cassino de madame Gescard,
para onde a seguiu diminuindo um pouco o passo.
Kendricks estava na porta, firme e com as pernas separadas em uma postura claramente beligerante. Não se alegrava absolutamente de voltar a ver o Jason, mas
tampouco lhe desagradava a idéia de enfrentar-se a ele de novo. De fato, levava um tempo acariciando a idéia de vingar-se pela derrota de fazia umas quantas semanas.
Agora bem, bastou-lhe um só olhar para detectar a fúria implacável nos olhos do Jason e decidir que não era bom momento para desafiar ao cavalheiro, nem tão sequer
para cruzar-se em seu caminho, assim que se apartou à medida que este avançava com passo firme.
- Minha mulher, onde está? - bramou Jason agarrando-o pela camisa.
- Tem uma quarto em cima - respondeu Kendricks imediatamente, - no último piso à direita, mas não sei se estará ali.
Jason se dirigiu para as escadas e as subiu de três em três. Quando chegou ao quarto de Lauren, não se incomodou em chamar e girou o pomo da porta, mas encontrou
com que a chave estava atravessada. Tendo em conta o medo dela aos espaços fechados, duvidou por um momento de se aquela seria a porta correta, mas foi só um instante:
sabia que estava ali dentro.
- Abre a porta, Lauren, ou a derrubarei!
Não houve resposta e se fez um silêncio que imediatamente se viu interrompido pelo som da madeira ao romper-se quando ele derrubou a porta com o ombro. A
porta caiu ao chão e ele entrou na habitação desequilibrado pelo impulso. Lauren estava de pé junto à janela, sem mover-se e muito pálida, e em que pese a que seu
marido a atravessava com um olhar furioso, conseguiu manter a compostura com uma calma incrível.
- Vai-te, não quero ver-te.
- Isso resulta bastante evidente! - respondeu ele ao mesmo tempo, olhando de esguelha a porta destroçada que tinha caído ao chão.
- Até vejo que conseguiste te sobrepor ao pânico que tem aos ferrolhos com tal de me evitar.
Lauren elevou o queixo com gesto desafiante.
- Pareceu-me que era o mal menor.
Jason apertou a mandíbula, mas conseguiu que suas palavras não se convertessem em autênticos rugidos.
- Por que demônios fugia esta vez? Tinha intenção de te despedir ou ias partir sem mais?
Como não lhe respondia, Jason blasfemou violentamente:
- Maldita seja, Lauren, tinha-o prometido!
Ela o olhou com frieza.
- Não tenho a menor intenção de falar contigo. Vai-te.
Jason elevou as mãos mostrando as palmas estendidas, como reclamando sua inocência.
- O menos que pode fazer é me dar uma oportunidade de lhe explicar isso Embora nem sequer estou seguro de qual é o crime do que me acusa!
- Não importa - sentenciou Lauren com voz gélida.
- De todos os modos, partirás em umas poucas semanas, que diferença há entre que acabemos com esta farsa de matrimônio agora, embora seja algo antes do planejado?
Jason respirou fundo.
- Não estava consciente de que o considerasse uma farsa - disse, e quando esquadrinhou seu rosto, reparou com desconsolo na imensa brecha que se abriu entre
eles, em como este silêncio era muito distinto ao que ela tinha fingido quando a tinha enganado para que se casasse com ele: o de agora lhe gritava "não volte a
me tocar nunca mais" com aquela frieza terminante que já tinha tido que conquistar antes, só que esta vez era muito mais sério; ela o tinha banido de seu coração,
haviam tornado a aparecer todas as barreiras, tão gélidas e impenetráveis como antes, e ele não podia as derrubar com a mesma facilidade com que tinha atirado abaixo
a porta.
- É tudo? Vais pôr fim ao casamento nosso assim, sem mais? - perguntou-lhe, - vais fazer como se o que houve entre nós alguma vez tivesse existido?
Quando ela se limitou a olhá-lo sem dizer nada, o tom do Jason se voltou ferozmente sarcástico:
- Já vejo quanto lhe afeta tudo isto, preciosa! Mas bem se diria que estamos falando do tempo.
Embora a verdade é que há gente que mostra mais paixão até para falar do tempo!
Lauren permaneceu em silêncio, obrigando-se a olhá-lo com calma. Não podia explicá-lo, mas o fato era que fechar-se a todo sentimento em seu interior era
a única forma que tinha de proteger-se.
Além disso, talvez aquela fosse a melhor maneira de acabar a relação depois de tudo: um único golpe seco e certeiro. Já haveria tempo de chorar e lamentar-se
logo, já teria tempo de sentir, mas no momento estava agradecida de poder anestesiar assim seu coração.
- Talvez seja o melhor - disse Jason como se lhe tivesse lido o pensamento.
- A verdade é que não me interessa muito permanecer casado com uma menina que sai correndo assim que se apresenta a menor dificuldade, mas se até ouve vozes!
Ele não viu a careta de dor de Lauren para ouvir suas palavras porque se agachou a recolher a porta.
- Ter que carregar com uma esposa neurótica tem suas desvantagens - comentou Jason em tom depreciativo ao mesmo tempo em que apoiava o painel de madeira sobre
a parede.
- Sai daqui! - murmurou Lauren com voz fria, mas ligeiramente coberta de emoção.
Lançou-lhe um olhar cheia de sarcasmo.
- Bom, de todas formas consegui a naval Carlin como me propunha.
Lauren fechou os olhos para enfrentar à onda de dor que a alagou: por fim Jason o admitia. Mas não deveria lhe doer tanto que se confirmasse algo que ela
sempre tinha suspeitado. Voltou a olhá-lo aos olhos, mas não conseguiu evitar que lhe tremesse a voz quando lhe respondeu:
- E também tem a Désirée, por que não corre junta a ela? Estou segura de que te agrada muito mais que eu.
A boca do Jason se curvou em um sorriso zombador.
- Uma coisa sim que é certa, ela não é tão fria como você.
Lauren apertou os punhos ao sentir como a esbofeteavam as palavras. Jason não só não negava sua relação com Désirée, mas, além disso, aproveitava para atacá-la
com isso! Que estúpida tinha sido ao emprestar ouvidos aquelas mentiras apaixonadas, ao deixar que lhe fizesse amor enquanto a suas costas se dedicava a ir por aí
como um veado em zelo! Com o sangue fervendo de humilhação e de ira, Lauren logo sentiu que estava cravando as unhas nas palmas das mãos.
- Fora, volta junto a ela antes que te sinta falta!
Com ar despreocupado, Jason deu a volta para partir ao mesmo tempo em que dizia:
- Pode que isso seja o que faça, pelo menos Désirée é uma mulher e não um pedaço de gelo.
Não tinha dado mais de dois passos quando um pacote envolto em papel de seda voou pelos ares passando justo por cima de sua cabeça. Lauren lhe tinha arrojado
o navio em miniatura com todas suas forças ao mesmo tempo em que dizia:
- Te leve isto, considera-o um presente de despedida de sua amante esposa!
Ele deu a volta e a atravessou com o olhar.
- Amante? - murmurou Jason com desdém.
- Não conhece o significado dessa palavra, minha sereia. Quase me dá pena, porque essa tua ignorância foi de grande utilidade, facilitou-me muito o papel
de pobre cão apaixonado, fez que a idéia de que me casava contigo por amor resultasse muito mais convincente tanto a seus olhos como aos de outros, e agora ocorrerá
o mesmo, é obvio, todos acreditarão que estou destroçado porque me abandonaste.
Jason fingiu uma reverência e acrescentou:
- Não me custará muito convencer a todos seus amigos do terrível mau trato de que fui objeto, e duvido que nenhum proteste muito quando levar toda sua fortuna.
Arregalados olhos cheios de dor de Lauren contrastavam intensamente com a palidez de seu rosto.
- Odeio-te! - murmurou ela.
- Vamos, preciosa, não tome isso assim! - disse Jason com tom de reprimenda.
- Pode que tenha perdido uma fortuna, mas desfrutaste bastante no processo, e agora sabe muito mais do ofício de puta, todas essas habilidades que adquiriste
te serão muito úteis se ficar aqui. Certamente poderia iniciar sua carreira com total confiança em sua excelente preparação, foste uma aluna excelente! É mais, se
te interessar, posso te escrever umas cartas de recomendação.
Lauren se equilibrou sobre ele então, gritando enlouquecida pela fúria, golpeando-o no peito e os ombros com os punhos sem saber bem o que fazia mas desejando
com todas suas forças lhe fazer tanto dano como tinha feito a ela. Jason não fez gesto de defender-se, exceto quando tentou lhe arranhar o rosto, mas inclusive então
se limitou a lhe prender os pulsos e não pronunciou nenhuma palavra enquanto ela lutava com desespero.
Quando o primeiro soluço a rasgou por dentro, Lauren sentiu como se lhe cravassem uma faca nos pulmões, e logo a esse soluço o seguiu outro, e outro... Não
podia parar, era como se tivesse quebrado as comportas de uma represa, deixando escapar todas as emoções que com tanto cuidado tratava de conter. Seu corpo se convulsionava
enquanto as lágrimas brotavam em uma corrente contínua, um rio, era como o dilúvio implacável de um céu de tormenta.
Jason lhe pôs as mãos nos ombros tratando de acalmá-la, mas quando ela se afundou de joelhos no chão, tomou em seus braços sem dizer uma palavra, levou-a
até a cama e se sentou com Lauren ainda nos braços, embalando seu corpo tremente enquanto a amargura dela seguia emanando de seu interior, sem parar.
Uma Veronique com cara de preocupação apareceu na soleira, mas partiu quando Jason negou com a cabeça em silêncio. Lauren não se deu conta, de fato logo que
era consciente de que eram os braços do Jason os que a rodeavam, de haver-se dado conta, lhe teria parecido irônico que fora ele quem a consolava quando a razão
de seu pranto era que o tinha perdido, que sem ele se sentia incompleta, desconjuntada, uma pessoa pela metade tão somente.
Quando seu pranto se foi acalmando por fim, Lauren reparou em que estava estendida na cama com o Jason, arremesso sobre seu peito, e que ele a abraçava forte
enquanto lhe acariciava o cabelo. Tratou de mover-se, mas ele o impediu e, sem forças para lutar, resignou-se a ficar ali muito quieta com a cabeça apoiada sobre
seu ombro, sentindo a calidez daquele corpo viril e forte sob o seu.
Por fim cessaram as convulsões e se esgotaram as lágrimas e então ele a soltou, mas só para sujeitá-la com um braço e apertá-la contra seu flanco. Lauren
tampouco se moveu então: não era capaz de pensar, nem de sentir, mas sim podia saborear o cálido amparo daqueles braços enquanto escutava os batimentos pausados
do coração do Jason. Logo notou o roçar suave dos lábios dele sobre sua testa:
- Melhor? - perguntou-lhe Jason em voz baixa.
Lauren considerou a resposta por um momento: seu corpo estava esgotado e sem força, como se a tivessem enrolado cem cavalos selvagens em correria, mas também
a tinha invadido uma sensação de paz que nunca antes tinha conhecido. Sentia como se as lágrimas a tivessem limpo, como se o fogo abrasador da ira e o ódio que a
tinham invadido a tivesse desencardido.
- Sim - respondeu ao fim com voz rouca, embora era consciente de que Jason já conhecia a resposta.
O pranto lhe tinha enrouquecido a voz, tinha os olhos ainda úmidos e tratou sem êxito de enxugar ao mesmo tempo em que sorvia pelo nariz sonoramente. Jason
lhe alcançou um lenço impoluto, que aceitou agradecida. Logo se estendeu de barriga para cima na cama e cravou o olhar no dossel.
- Tem-no feito a propósito - disse ela por fim sem esperar nem receber uma resposta negativa. Ele se limitou a trocar de postura e estender-se sobre um flanco.
Estava-a observando, Lauren estava segura disso.
- Não tinha chorado desde que saí da Inglaterra - acrescentou distraidamente.
- Graças a Deus que o tem feito - murmurou ele, - me estavam acabando os insultos com que queria derrubar essa impenetrável couraça!
Lauren esboçou um tímido sorriso perguntando-se como podia Jason entendê-la melhor do que conseguia entender-se ela mesma, e quando voltou a cabeça sobre
o travesseiro para olhá-lo, encontrou-se com que seus belos olhos azuis transbordavam ternura.
- Eu... te... golpeei - disse com voz taciturna.
- Te tenho feito mal?
- Seguro que tenho um par de costelas rotas - respondeu Jason lhe devolvendo o sorriso, e ao ver a preocupação em seus olhos verde e âmbar, levou-lhe um dedo
aos lábios e acrescentou:
-Acredite, minha vida, prefiro mil vezes que me golpeie ou ameace me pegando um tiro a que te empenhe em negar estoicamente o ódio, a ira e a incerteza que
sente, e você sente todas essas coisas, todos o fazemos, só que nós outros arrumamos isso para dar rédea solta a nossas emoções de algum modo, em vez de as reprimir
em nosso interior ou fugir delas.
Os lábios de Lauren começaram a tremer e lhe acariciou uma bochecha ainda sulcada pelas lágrimas e baixou a voz até que se converteu em um sussurro suplicante:
- Não fuja de mim, Lauren. Posso suportar tudo menos isso.
As lágrimas ameaçavam alagando os olhos de Lauren uma vez mais.
- Me abrace forte, Jason - lhe rogou.
- Por favor, só me abrace.
Ele a atraiu contra seu corpo de novo com uma intensidade feroz, mas a Lauren não importava que quase lhe fizesse mal ao estreitá-la com tanta força e se
aferrou a ele como se, ao fazê-lo, pudessem fundir-se e permanecer unidos para sempre.
Passou um bom momento antes que nenhum dos dois relaxasse um tanto os braços e, ainda assim, permaneceram entrelaçados. Então seus lábios se uniram em um
beijo que ao princípio era inquisitivo, mas logo se fez tranquilizador.
Jason foi o primeiro em apartar-se.
- Então, não me odeia tanto ao final? - disse com voz risonha.
Lauren se mordeu o lábio.
- Nunca te odiei, mas as coisas que me disse me fizeram muito dano...
- Essa era minha intenção, eu também me sentia ferido e furioso. Espero que te dê conta de que tudo o que disse não era mais que uma fileira de mentiras...
- Agora o vejo claro, mas antes te acreditei.
Jason a olhou com ar sereno.
- Só porque pus palavras a todas suas suspeitas sobre mim, uma detrás de outra. Jamais abandonou do todo a idéia de que me casei contigo só para ficar com
sua herança, verdade?
Lauren afundou o rosto no ombro do Jason e lançou um suspirou ao mesmo tempo em que negava com a cabeça.
- Minha vida - disse Jason com ternura, - se acreditasse que com isso conseguiria que confiasse em mim, afundaria até o último desses condenados navios. Entreguei-te
meu coração aquela noite em Londres faz quatro anos quando fugia de seu guardião, e sempre será teu.
Quando Lauren falou, o som de suas palavras ficou amortecido pelo ombro do Jason.
- Mas e o que tem com Désirée?
- Já lhe disse antes e só lhe vou repetir isso uma vez: nunca olhei a Désirée, e muito menos a olhei meio torto Como ia fazer quando tenho a ti?
Lauren se apartou para olhá-lo aos olhos.
- Mas te beijou! Vi-a!
Jason apoiou a cabeça sobre um braço e lhe devolveu o olhar.
- É verdade, mas acabava de rechaçar uma mais que generosa oferta por sua parte e não queria insultá-la ainda mais rechaçando o beijo. Não significou nada
absolutamente para mim e Désirée sabia; de fato, não sentiria saudades que tudo tivesse sido uma representação para seu benefício, pois lhe havia dito que estava
mais que satisfeito com minha bela esposa...
- Suponho que é possível - reconheceu Lauren.
- Sempre foi uma gata raivosa, mas não acredito que essa tenha sido a primeira vez que a beijava. Veronique me contou que subiu com ela a seu quarto uma noite
e que não voltou a aparecer até uma hora depois.
- Veronique! Às vezes não sei se abençô-a ou amaldiçou-a... Sim, fui à habitação de Désirée, mas só para falar com ela.
- Para falar? - repetiu Lauren franzindo o cenho cheio de cepticismo.
- Sim, para falar - insistiu Jason com firmeza.
- Quão último tinha em mente era lhe fazer amor, só queria lhe fazer umas perguntas. Em seu dia, não acreditei que você estivesse preparada para ouvir a explicação,
e sigo duvidando de que o esteja.
- Está bem, mas me diga então por que estava puxando pelos navios do Lafitte.
Nos olhos azuis do Jason resplandeceu um brilho zombador.
- Não estará ciumenta dele também...
- É obvio que não, simplesmente não tenho vontades de ficar viúva tão logo.
- Me sentiria falta?
Lauren se estremeceu.
- Não brinque com algo assim, Jason. Lafitte é perigoso e não te tem muito simpatia, ou isso diz Kyle, assim que isto poderia bastar para fazer que verdadeiramente
desejasse te fazer dano.
- Não corro nenhum perigo, minha sereia, Jean sabia que eu compraria seus navios, de fato me pediu que o fizesse. O plano era devolver a ele assim que estivessem
finalizados os trâmites de compra.
- Devolver a ele? Mas... não o entendo.
- Devo-lhe um favor.
Lauren enrugou a testa ao mesmo tempo em que recordava que Jason só tinha chegado a comprar um dos navios.
- Então... devo ter desbaratado seus planos. OH, Jason, sinto-o muito! Eu não sabia...
Ele trocou de postura para apoiar-se sobre um cotovelo e, sujeitando a cabeça com a mão, sorriu-lhe.
- Enfim, fica perdoado. Sauvinet estava também no leilão e ele se ocupou. Certamente eu teria conseguido melhor preço e agora todo mundo saberá o que nos
propomos, mas Jean obterá seus navios de todos os modos. O que fazia você no lugar como certo? Não é que tenha que me manter informado de cada um de seus movimentos,
mas te poderia ter acontecido algo em meio dessa multidão.
- Mai estava comigo. Meu deus, Mai, tinha-me esquecido completamente dela! Deve estar voltando-se louca me buscando.
- Imagino que voltará para casa quando não te encontrar - disse Jason com tom tranquilizador, inclinando a cabeça para beijá-la fugazmente nos lábios.
- A ver se pelo menos assim aprende a não desaparecer de repente, outros se preocupam, sabe? Incluído seu marido. Mas troquemos de tema, me vais contar por
que estava ali para começar.
Lauren baixou o olhar com ar contrito.
- Fui comprar-te um presente, mas acredito que deve ter quebrado.
- O pacote que me atirou à cabeça?
Ao ver que ela assentia com a cabeça, ele soltou uma gargalhada imediatamente.
- Bom, não importa, sempre eu adorarei teu presente, quebrado ou não. Abro-o agora?
- Não - disse Lauren com firmeza, - agora é melhor me explicar o que estava fazendo na habitação do Désirée e como é que tem entendimentos com um renomado
pirata.
Fez-se uma larga pausa durante a que o sorriso do Jason se foi desvanecendo e sua voz se tornou grave quando por fim respondeu:
- Ouviste falar de um homem chamado Rafael?
Embora tratasse de evitá-lo, ela ficou tensa imediatamente para ouvir aquela referência ao passado.
- Por que o pergunta? Deveria? - respondeu-lhe com receio.
- Rafael era... é um pirata. Ele matou a seu pai.
- A meu pai o mataram uns contrabandistas - disse ela em voz baixa tentando ganhar tempo para pensar.
- Isso é o que a gente pensa, mas George Burroughs me contou outra história sobre como Jonathan Carlin, junto com sua mulher Mary e sua filha Andrea foram
capturados pelo Rafael e seus sequazes. Disse-me que Jonathan e Mary foram brutalmente torturados pelos piratas e morreram como consequência das feridas, mas que
Andrea conseguiu escapar. Logo não recordava nada do que tinha ocorrido, sua mente tinha apagado todo o horror que tinha visto.
Lauren abriu muito os olhos.
- E você crê que eu... que teria podido esquecer algo assim?
- Uma experiência como essa explicaria seus pesadelos...
"Se eu fosse Andrea Carlin, provavelmente sim", pensou ela; mas Andrea era a que tinha presenciado a morte do Jonathan e Mary Carlin, não ela, assim tinha
que haver outra explicação para seus pesadelos.
Lauren fez gesto de falar para expressar suas dúvidas, mas então se deu conta de que, se discutia os argumentos do Jason com muita veemência, lhe perguntaria
por que estava tão segura e teria que lhe confessar todo o assunto da usurpação de personalidade. Deus estava apanhada em um círculo vicioso de mentiras e mais mentiras!
- Suponho que é possível - disse por fim, - mas não recordo nada disso - acrescentou sem ser capaz de olhá-lo aos olhos, embora o ouviu lançar um profundo
suspiro.
- Bom, para responder a sua pergunta, prometi a seu guardião que encontraria ao Rafael e me asseguraria de que recebesse seu castigo. Duvido muito que ao
Burroughs preocupasse muito vingar a morte do Jonathan, mas Mary era sua única irmã...
Jason sentou-se na beirada da cama e passou uma mão pelos frondosos cabelos castanhos.
- Em realidade, encontrar ao Rafael foi a principal razão pela que vim a Nova Orleans. Tinha ouvido que se escondia por aqui. Quando fui ver o Lafitte faz
um par de meses, descobri que Rafael tinha trabalhado para ele, mas ao final se separaram porque ao Jean não lhe convenceram seus métodos. Lafitte também me disse
que Rafael poderia estar em algum lugar do Caribe e me inteirei de que o irmão de Désirée, Claude, tinha navegado com ele. Por isso fui falar com ela, que aceitou
a me pôr em contato com seu irmão quando voltasse a ter notícias dele. Ontem Désirée recebeu uma mensagem do Claude no que dizia que havia voltado e que estava disposto
a ver-me.
Lauren sentiu que se o fazia um nó na garganta.
- Parte-te? - murmurou.
Jason ficou olhando seu belo rosto.
- Pelo menos uns dias, sim. Tenho que falar com Claude e averiguar o que sabe.
Ela sentiu um calafrio de repente, embora não sabia bem por que, mas estava segura de que não queria que Jason partisse, assim que lhe agarrou a mão e a levou
a bochecha ao mesmo tempo em que lhe implorava:
- Jason, por favor, não vá ali outra vez, dá-me medo o que possa te passar.
- Minha vida, não correrei nenhum perigo, Jean me ofereceu sua hospitalidade e também enviará a um homem para me guiar pelos pântanos.
- Então me leve contigo.
Jason arqueou as sobrancelhas.
- A essa autêntica cova de ladrões e malfeitores? Nem em um milhão de anos, Olhos de Gata, passar-me-ia todo o dia me preocupando com ti, inclusive apesar
de que estaria já muito ocupado me enfrentando a todos os homens que lhe cobiçassem para eles. E, além disso, Lafitte é um homem atrativo que tem muito êxito com
as damas, não vou arriscar-me a que conquiste a ti também.
- Mas, Jason, isso seria impossível, por favor, deixa que te acompanhe...!
- Não, Lauren - respondeu ele com suavidade, embora o fio resistente que escondiam suas palavras a convenceu de que não conseguiria fazê-lo trocar de idéia.
- Então não espere que esteja aqui quando voltar - disse ela elevando o queixo com gesto desafiante.
Jason apertou os lábios, mas lhe respondeu com tom paciente:
- Fiz um juramento a um moribundo, e tenho que cumpri-lo, de verdade te custa tanto entendê-lo?
- Sei entender perfeitamente! Entendo que George Burroughs conseguiu destruir minha felicidade outra vez, inclusive depois de morto. Pois bem, que assim seja!
Deixe-me se crê que é o que deve fazer, mas não volte!
Lauren soava convencida, mas as lágrimas alagaram seus olhos uma vez mais, fazendo que resplandecessem como duas pedras preciosas. Ele olhava abatido aquelas
profundidades cor verde e âmbar, mas não dizia nada.
Como ia passando o tempo e Jason seguia sem pronunciar uma só palavra, ela já não pôde conter as lágrimas e se precipitou em seus braços, retratando-se
de tudo que havia dito entre soluços de remorso, repetindo uma e outra vez que não pensava o que dizia, que merecia que a açoitassem por dizer que não queria que
voltasse, que não o suportaria se lhe acontecia algo.
Jason a estreitou em seus braços de novo para consolá-la e, quando já estava mais calma, tirou de entre os dedos de Lauren o lenço que lhe tinha dado e lhe
secou os olhos com ele para logo beijar sua boca trêmula.
Com expressão contrita, ela afundou o rosto em seu pescoço e lançou um suspiro entrecortado.
- Jason, eu... te amo.
- Já sei, minha vida.
- E às vezes digo coisas horríveis que em realidade não penso.
- Isso também sei.
Em sua voz podia distinguir um deixe risonho, assim Lauren elevou a cabeça para olhá-lo à cara e disse:
- E é necessário que seja tão exasperantemente pormenorizado?
O olhar azul do Jason se voltou abertamente zombador.
- Bom, o que queria que dissesse, que me incomoda muitíssimo que tenha destroçado minha guerreira favorita?
Então ela se apartou para posar o olhar sobre o objeto.
- Talvez ainda tenha remédio - disse arrependida, perguntando-se como era possível que sentisse vontade de rir quando fazia escassos momentos haveria dito
que seu coração estava a ponto de romper-se.
Jason soltou uma gargalhada e a abraçou apertando-a com força contra seu peito.
- Bom, agora estamos em paz, Olhos de Gata: você terá que me perdoar por não te haver contado nada antes, embora não entendo como pudeste acreditar essas
tolices. Como pôde chegar a pensar que te queria por seu dinheiro mais que por seu corpo? - brincou ele, e quando se inclinou para lhe acariciar o pescoço com os
lábios, o desejo surgiu no interior de Lauren.
Ela deixou cair a cabeça para trás, dando assim mais via livre aos lábios do Jason, e murmurou:
- Bom, há uma coisa sobre mim que levava razão: sou boa aluna.
- É isso certo, minha senhora esposa?
- Sim, e se não tivesse atirado abaixo essa porta, demonstraria isso.
Jason lançou uma gargalhada rouca e disse:
- Nesse caso, repará-la-ei agora mesmo, vais ver como sim!


Capítulo 20

- Já sei que é uma loucura por minha parte, mas o sentirei falta dele - suspirou Veronique enquanto se abanava languidamente.
- Lauren, não permitirá que Kyle se esqueça de mim, promete-me isso, chérie?
Lauren elevou a vista com um sobressalto e logo se ruborizou ao dar-se conta da implicação da pergunta: tanto Veronique como Lilás assumiam que iria a Inglaterra
com o Jason, pois não lhes havia dito nada em contra e, agora que estava sentada com as duas no jardim da plantação dos Beauvais, bebendo limonada fresca à sombra
de uma imensa magnólia, não era capaz de falar do assunto, como tampouco era capaz de controlar a repentina corrente de lágrimas que se amontoava em seus olhos ao
pensar na partida do Jason. Não queria que suas amigas a vissem chorar, assim se levantou bruscamente.
- Faz muito calor - murmurou, - tenho que ir pegar ar. Logo volto.
Parecia que o quente ar da tarde a envolvia enquanto se apressava pelo atalho que levava ao fundo do jardim, onde já tinham florescido as adelfas de folhas
apontadas e a cheirosa verbena, e se deixou cair de joelhos sobre a macia erva entre soluços.
Ao cabo de um momento a surpreendeu sentir o leve tato da mão de Lilás sobre seu ombro.
- Lauren, passa-te algo? - perguntou-lhe sua amiga com a voz cheia de preocupação.
Ela secou os olhos sem saber muito bem o que dizer.
- Não é nada, é que me colocou algo no olho. De verdade, Lilás estou bem. Necessito de ar, nada mais. Voltarei dentro de um minuto, prometo-lhe isso.
O sorriso de Lilás era ligeiramente forçado, mas assentiu com a cabeça e deixou Lauren só com seus atormentados pensamentos. Esta se dirigiu cabisbaixa até
um banco de madeira próximo e se sentou. Fez um esforço para recuperar a compostura, mas logo estava chorando outra vez e, voltando-se para o respaldo do banco,
afundou o rosto em seus braços.
Uns minutos mais tarde, Veronique foi procurá-la.
- O que te passa, ma petite? - disse a ruiva docemente ao mesmo tempo em que a abraçava com suavidade.
- Nunca te vi chorar e agora parece uma fonte...
- Já sei, parece que não posso parar, não sei o que me passa. OH, Veronique, sou tão desgraçada!
- Mas o que passou? Perdeste uma briga com monsieur?
- Eu... não, não é isso. Discutimos, mas fizemos as pazes antes que partisse a pirataria... É que o jogo tanto de menos que me faz insuportável, e assim será
todo o tempo quando...
Lauren se interrompeu porque não queria falar do tema e ter que dar explicações.
- Ai, está muito apaixonada, ma pauvre miette, seu arrumado Jason só leva fora três dias! Mas voltará logo e então te passará esta tristeza.
- Não o entende! - exclamou ela, apartando-se de sua amiga e, tornando a chorar outra vez enquanto cobria o rosto com as mãos.
Veronique não sabia o que outra coisa fazer mais que lhe dar tapinhas carinhosos no ombro e, quando a tormenta amainou um pouco, tirou um lenço de sua manga
e o entregou a Lauren.
- Talvez Lilás tenha razão, há um pequeno em caminho, não?
Lauren aspirou pelo nariz ao mesmo tempo em que secava os olhos.
- Um pequeno?
- Um bebê, um petit enfant. Lilás diz que ela chorava todo o tempo quando estava grávida, e acredita que te passa o mesmo, mas quer mantê-lo em segredo...
Parece-me que está um pouco doída.
A mão com a que Lauren sustentava o lenço se deteve em seco.
- Um bebê - murmurou, e logo negou com a cabeça.
- Não, não pode ser, só tenho casada pouco mais de um mês.
Veronique deixou escapar uma gargalhada sonora.
- E desde quando tem isso a menor importância para os bebês? Talvez não teve suficiente cuidado antes das bodas...
- Mas só estive com o Jason uma vez - argumentou Lauren sentindo que suas bochechas se tingiam de vermelho, - e isso foi... a princípios de março, já saberia
se tivesse ficado grávida então.
- Mas e sua menstruação? Tem algum atraso?
Lauren enrugou a testa ao mesmo tempo em que fazia memória.
- Bom, o mês passado... OH Veronique! Crê que pode ser certo? Crê que vou ter um bebê do Jason?
Sua voz se cobriu de excitação quando olhou o rosto de sua amiga e apareceu um brilho deslumbrante em seus olhos.
- Sim, é isso! - exclamou então e logo abraçou Veronique cheia de alegria.
- É que não esperava que ocorresse tão logo. Meu deus, Jason tinha razão! O que teria passado se não se casasse comigo? Mas mesmo assim não teria suposto
nenhuma diferença, teria querido a este bebê igual em qualquer caso. Deus! E o que passa se não for um menino, Veronique? Ele necessita um filho, Kyle me contou
isso. Crê que Jason se zangará se for uma menina?
Rindo de novo, sua amiga negou com a cabeça.
- Estou segura de que estará encantado seja o que seja. O vais dizer quando voltar ou esperará até estar segura? Já sabe que eu nisto não posso te aconselhar,
deveria falar com Lilás sobre estas coisas, já que... Mas, Lauren, o que passa agora?
Lauren se tinha posto muito pálida de repente.
- Não o posso dizer - murmurou ao mesmo tempo em que deixava cair a cabeça com gesto abatido e as lágrimas começavam a lhe correr pelas bochechas uma vez
mais.
Veronique franziu o cenho.
- Quer que o eu diga a monsieur?
- Não, por favor! - gritou, e logo, ao dar-se conta de que devia estar dando a impressão de estar histérica, respirou fundo e se voltou outra vez para Veronique.
- Não tenho intenção de contar ao Jason.
Sua amiga enrugou a testa, presa do desconcerto.
- Não quer o bebê?
- É obvio que sim!
- Mas, então, qual é o problema? Não estará preocupada porque monsieur Jason se negue a reconhecê-lo como dele?
Lauren sorriu amargamente.
- Não, o que temo é que se negará a não reconhecê-lo. O que passa é que não vou a Inglaterra com ele, sabe? Mas se Jason soubesse que estou grávida, não estou
segura do que faria, talvez me obrigasse a acompanhá-lo...
Veronique sacudiu a cabeça.
- Sinto muito, mon amie, mas não entendo nada, assim faz o favor de me explicar isso devagarzinho, por favor, para que minha cabeça de asno possa compreendê-lo.
Lauren lhe explicou entre hesitações o acordo ao que tinha chegado com o Jason.
- Mas por que não quer ir com ele? Não há nada que te retenha em Nova Orleans e foste muito feliz com monsieur até o momento...
- Veronique, não é que não queira ir com ele a Inglaterra, é que não posso, o mero fato de pensar em retornar me gela o sangue. Minha... minha tia ainda vive
ali.
- A que disse que foi une aliénée, uma lunática? Quão mesma tentou te encerrar em um manicômio?
Lauren assentiu com a cabeça.
- Sim, Regina Carlin, a irmã de meu pai. Tenho medo do que pudesse me fazer.
- Mas seu marido te protegerá dela...
- Tentaria com todas suas forças, mais cedo ou tarde... OH, Veronique, não sabe a quantidade de vezes que tentei me dizer a mim mesma que não me passaria
nada se voltasse, mas não consigo acreditá-lo!
- E lhe contaste tudo isto a monsieur? O que disse ele?
- Aceitou que fique sempre e quando aproveitarmos ao máximo o tempo que fica, e isso estamos fazendo.
Lauren esboçou um sorriso irônico ao pensar na nova vida que crescia em seu interior e logo recordou quanto gostava dos meninos a seu marido e rompeu a chorar
outra vez, perguntando-se se tinha direito a privar o de conhecer seu próprio filho.
- Este bebê significa tanto para mim... Se for perder ao Jason, pelo menos terei comigo parte dele.
Veronique franziu os lábios com ar pensativo.
- Lauren, eu nunca tive que conviver com o medo constante como você, e de verdade que entendo que deve ser terrível, mas não estou de acordo com seu raciocínio.
Não acredito que seja muito sensato ocultar isto a seu marido.
- Não... não o dirá, verdade?
- É obvio que não, ma petite, isso é teu assunto, mas, além disso, pode que não consiga ocultá-lo por muito mais tempo...
- Só serão umas semanas mais.
- Alors - concluiu Veronique compungida, - e pensar que eu estava pedindo que falasse com o Kyle de mim para que não me esqueça! Mas, em qualquer caso, tem
que deixar de chorar, mon amie, não pode ser nada bom para o bebê. Além disso, como segue assim nunca convencerá a Lilás de que não te passa nada, por não falar
de monsieur Jason, seu marido é um homem muito observador, dá-se conta de tudo.
- Já sei - disse Lauren tramando de conter as lágrimas, - mas suponho que deveria encarar os problemas de um em um. O primeiro, o que digo a Lilás? Nunca
antes me tinha visto chorar.
- Pois lhe diga a verdade, que joga muito de menos a seu apaixonante marido. É perfeitamente natural... Também pode lhe dizer que não tiveste tempo material
de ficar grávida se o mencionar. Depois de tudo, ainda não está segura de estar grávida.
- Sei, sei - insistiu Lauren em tom algo queixoso.
Veronique fez uma pausa.
- Está segura de que isto é o que quer?
Ela apartou o olhar ao mesmo tempo em que seu rosto se retorcia de dor e desespero.
- Não, não é o que quero absolutamente, mas é o que devo fazer.
- Pois é muito estranho - disse Veronique sacudindo a cabeça lentamente, - eu acreditava que conhecia os homens e nunca houvesse dito que monsieur Jason partiria
sem sua esposa, e certamente ainda menos se a esposa fosse você.
- Então, você crê que me ama?
- Miúda pergunta! Esse homem está louco por ti, não há mais que ver como lhe iluminam os olhos quando lhe olha. Sim Kyle me tivesse cuidadoso desse modo alguma
vez, teria aceitado a me converter em sua amante exclusiva sem duvidá-lo e me consideraria muito afortunada. Um amor assim não nos chega todos os dias.
- Sei - disse Lauren de novo com voz desesperada, - sei.
Lauren passou duas noites sem dormir tratando de assimilar sua decisão de não dizer nada da gravidez ao Jason. A véspera do dia em que se supunha que ele
retornaria da pirataria saiu a dar um passeio, pois precisava evadir-se da realidade durante um momento. Era uma sufocante tarde de junho, o calor que despediam
os raios do sol era tão potente que as folhas do parreiral pareciam a ponto de começar a jogar fumaça.
Ficou a caminhar pelos jardins da plantação sem prestar atenção à direção em que a levavam seus pés. Tinha aceitado a ficar no Bellefleur enquanto Jason estivesse
fora porque ele o tinha pedido e, em realidade, ela tinha pouco que fazer em Nova Orleans, já que Kyle e Matthew cuidavam dos novos escritórios e a rede de distribuição
entre os dois virtualmente. Quanto a seu próprio navio, a Matthew MacGregor já tinha sido renovado e tinha zarpado rumo a sua primeira viagem.
Entretanto, em mais de uma ocasião, Lauren tinha surpreendido a si mesma desejando ter ficado em sua preciosa casa da cidade e sentia falta de Jason de uma
forma quase desesperada, mas por outro lado estava profundamente agradecida de que estivesse fora: se tivesse tido que enfrentar-se a ele quando descobriu que estava
grávida, certamente se teria delatado a si mesmo imediatamente, e quando menos Jason teria notado que passava algo... ou mas bem que algo tinha trocado, corrigiu-se
Lauren, que não podia deixar de pensar que o que estava ocorrendo em seu interior era um autêntico milagre.
De repente se encontrou junto ao mausoléu da família Beauvais e caiu na conta de que se afastou bastante da casa. Cheia de apreensão, olhou o pequeno edifício
de tijolo que se elevava junto a um grupo de carvalhos cobertos de musgo. Não estava acostumada a visitar os cemitérios, nem tampouco mausoléus como esse, porque
lhe davam calafrios, mas enquanto observava a elaborada fachada uma expressão de profunda concentração tingiu suas feições.
Recordou que havia um cemitério detrás do Carlin House no qual Andrea Carlin tinha sido enterrada. George Burroughs a tinha levado ali em uma ocasião a visitar
a tumba e o ancião tinha arrojado uma amarga enxurrada de lamentações sobre como Andrea tinha tido que ficar sem identificação e sem benzer, pois tinha sido necessário
para que a usurpação de personalidade seguisse surtindo efeito. Nesse mesmo cemitério era onde se celebrou o funeral da senhorita Foster e onde Jonathan e Mary Carlin
estavam enterrados. Ao recordar a teoria do Jason sobre sua perda de cor, Lauren negou com a cabeça: não podia ter sido testemunha das mortes do casal Carlin porque
a tragédia tinha ocorrido muito antes que ela chegasse ao Carlin House; era a Andrea a que os piratas do Rafael tinham capturado junto com o Jonathan e Mary, era
a mente de Andrea a que se viu afetada pelo traumático assassinato de seus pais e seu próprio sofrimento à mãos daqueles homens.
Mas talvez ela, Lauren, parecia-se mais a sua pobre meio-irmã do que acreditava. Levava Jason razão ao pensar que havia algo em seu próprio passado que tinha
esquecido, um pouco tão terrível que sua mente o tinha apagado por completo? Até onde ela podia recordar, sempre a tinha aterrorizado que a encerrassem, mas só depois
de chegar ao Carlin House tinha começado a ter pesadelos: acaso havia alguma conexão entre seu medo e esses sonhos estranhos e terríveis nos que ouvia gritos aterradores
e via fantasmas horripilantes?
Seus sonhos sempre começavam da mesma maneira: ela estava de pé em uma habitação às escuras, com a camisola posta e olhando à luz que entrava da habitação
contigua pela fresta de uma porta entreaberta. Quando se aproximava desta, os sussurros ininteligíveis se convertiam em gritos angustiados e uma risada cruel. Então
ela empurrava a porta até abri-la, via umas silhuetas imprecisas frente ao fogo de uma lareira e, enquanto estava ali de pé, paralisada em meio da tênue luz vacilante,
se fazia um silêncio aterrador que logo rompiam em mil pedaços um grito e uma súplica dirigida a ela para que saísse correndo. No sonho, Lauren obedecia, dava a
volta e punha-se a correr para a escuridão, tratando de escapar do horror, mas os gritos a perseguiam igual aos espectros. Ao final seus próprios gritos sempre despertavam
enquanto ainda retumbavam em seus ouvidos as palavras "Corre, corre!". Também reagia de maneira similar aos espaços fechados: as aterradoras imagens e os gritos
terríveis a paralisavam e a colocavam em um estado de pânico irracional.
Lauren sentiu que ia ficando muito fria à medida que recordava o horror que lhe provocavam essas imagens espantosas, mas enquanto estava ali de pé com o olhar
fixo no mausoléu, também lhe pareceu que sua memória despertava, teve a sensação de que uma enorme montanha de pedras se desvanecia e as silhuetas de seus pesadelos
começavam a cobrar forma. Deu-se conta de que havia uma mulher na habitação e um homem, um homem alto. Mas então as imagens se voltaram imprecisas outra vez e foi
incapaz de identificá-los. Lauren apertou os punhos, frustrada por aquelas rajadas de cor que, mais que dar respostas, trazia ainda mais pergunta. Mas tinha que
haver uma explicação.
Que não daria de livrar-se daquele medo odioso que a tinha acompanhado durante toda a vida!, Pensou Lauren com ar melancólico. Possivelmente Jason tinha razão:
se conseguisse descobrir o que a assustava, então poderia lutar contra isso. E se entrava no mausoléu agora que ainda brilhava o sol no céu, agora que sua mente
parecia serena e limpa? Deu um passo tentativo fazia a porta do pequeno edifício, e logo outro... O coração lhe pulsava lentamente, mas com uma intensa violência.
Pôs uma mão na argola de ferro da porta...
- Lauren!
Ouvir a aveludada voz do Jason a surpreendeu tanto que se sobressaltou e, girando imediatamente sobre si mesma, ficou olhando a seu arrumado marido de cabelos
castanhos esclarecidos pelo sol que avançava a passo vivo para ela. Não o esperava até pelo menos o dia seguinte...
Jason caminhava rápido, mas mesmo assim ela não pôde esperar e, elevando a saia, saiu correndo a seu encontro, tão cheia de felicidade de voltar a vê-lo que
se esqueceu de todo o resto. Quando se lançou em seus braços, ele tomou pela cintura, elevou-a pelos ares e começou a dar voltas enquanto a sujeitava até que Lauren
começou a sentir que se enjoava:
- Baixa-me, Jason - protestou entre risadas, - vais conseguir que me enjoe!
Ele obedeceu, mas antes que os pés dela voltassem a tocar o chão já estava apertando-a contra seu peito e beijando-a cheio de paixão. Imediatamente surgiu
entre eles uma chama tão potente que tivesse servido para acender um fogo. Quando ele se apartou e a olhou, Lauren viu que em seus olhos ardiam umas chamas azuis
de desejo e soube nesse preciso instante que ele não esperaria a chegar à casa para as aplacar.
Não se equivocava. Jason sussurrou seu nome sobre seus lábios e logo a levantou em rodopios. Não precisava lhe perguntar aonde a levava: ao riacho onde lhe
tinha ensinado a nadar, que estava a pouca distância dali. Seus próprios lábios esboçaram um sorriso enquanto se perguntava se não teria eleito aquele caminho de
maneira inconsciente quando empreendeu seu passeio. Lançando um suspiro contente, abraçou-se com mais força ao pescoço do Jason e apoiou a cabeça sobre seu ombro.
- Te senti falta - murmurou.
Ele apertou os lábios contra seu cabelo.
- Juro-te que eu também, minha sereia, e te agradeço profundamente o recebimento, é muito melhor que o que me deu a última vez que retornei da pirataria.
Se não recordar mal, tinha-lhe encarregado ao Beauvais que me oferecesse a naval Carlin em troca de te deixar em paz...
- E você disse que queria as duas coisas.
Jason sorriu contemplando o belo rosto tingido de impaciência e desejo.
- Agora mesmo, só quero a ti.
- Foi bem sua viagem?
- Você o conto logo - disse ele, pondo ponto final à conversação com um beijo.
Para quando chegaram ao bosquezinho de salgueiros que havia junto ao riacho, o beijo do Jason não era simplesmente faminto, era feroz e implacável. Sua língua
devorava a boca de Lauren em busca do tesouro que encerrava. Não lhe importava sua impaciência, ao contrário, recebeu-a com uma paixão igual a dele, como se tivesse
a necessidade imperiosa de unir-se ao Jason quanto antes, assim não reparou na maneira premente e um tanto brusca em que ele encontrou um retalho de erva coberto
de trevos e pedacinhos de casca das árvores e a depositou ali em meio dos hibiscos selvagens, as íris azuis e as flores moradas do amor de homem, e quando se estendeu
a seu lado e a atraiu para si com força, Lauren gemeu e se apertou ainda mais contra ele.
Os dedos do Jason se deslizaram imediatamente para suas costas para lhe desabotoar o vestido, mas estava muito impaciente para consegui-lo, assim que se apartou
um pouco para concentrar-se na tarefa, mas então foi ela a que não o quis deixar partir e, afundando os dedos no suave cabelo castanho do Jason, atraiu sua boca
de volta à sua. A urgência que experimentava Lauren parecia igualar a dele, porque seus joelhos se separaram assim que lhe subiu a saia até a cintura, pronta para
recebê-lo, pensou Jason com um gemido de prazer.
Ele desabotoou as calças enquanto as mãos de lhe percorriam os ombros e as costas com movimentos febris. Jason tomou pelos quadris e, com uma investida rápida
e implacável, afundou-se nela penetrando até o mais profundo em seu incrível calor. Lauren lançou um grito afogado de prazer e arqueou as costas apertando-se contra
ele, abandonando-se por completo à devastadora penetração.
Jason perdeu o controle então, seu corpo começou a mover-se ritmicamente contra o do Lauren com uma violência que era formosa e de uma vez selvagem, atravessando-a
uma e outra vez sem ser consciente do que dizia quando se esvaziou dentro dela.
Ela entregou gostosa ao fogo abrasador de sua paixão ao mesmo tempo em que uma tensão profunda ia aumento dentro de seu próprio corpo com cada investida dele,
uma tensão que foi crescendo e crescendo, e quando ao fim chegou a explosão brutal e liberadora, sentiu como sim se precipitasse por um precipício, e se deixou cair
na erva para ficar ali quieta, com o corpo dividido em um milhão de diminutos pedaços.
Em que pese tudo, recuperou-se antes que ele. Jason jazia imóvel sobre ela, com a cabeça enterrada em seus cabelos e a respiração entrecortada e trabalhosa.
Estendida sob o peso daquele corpo musculoso, Lauren recordou o grito dilacerador que Jason tinha deixado escapar enquanto seu corpo se convulsionava ao alcançar
o êxtase e essa lembrança a fez sorrir com ternura, sentindo o coração cheio de felicidade. Tinha sido jamais tão ditosa como agora? Seu marido havia tornado são
e salvo, ela estava em seus braços e se sentia amada e adorada, e o espírito do amor que se tinham tinha feito surgir uma nova vida em seu interior. Que mais podia
pedir uma mulher?
Passou um momento antes que ele se apartasse lentamente dela; estendeu-se de barriga para cima e a atraiu para si para embalá-la contra seu ombro.
- Meu deus! - queixou-se com um suspiro de esgotamento.
- Se pensa me atacar dessa maneira cada vez que volte para casa, minha vida, não sobreviverei.
Entre risadas, Lauren se aconchegou ainda mais perto do imenso corpo de seu marido.
- Você é maior que eu, me permita que te recorde.
Ele a beijou com ternura na testa.
- Suponho que deveria pedir perdão por haver tomado tão bruscamente e prometer que não se voltará a repetir, mas temo que essa seria uma promessa que não
seria capaz de cumprir.
- Não me importa, Jason, só é um leão que sentia falta de sua presa, como está acostumado a dizer Veronique.
- Tenho te feito mal?
- Não, é obvio que não.
Ele elevou a cabeça para esquadrinhar o rosto de Lauren.
- Seguro? - insistiu com cara de preocupação.
- Estou perfeitamente, quase nem te notei.
Ele voltou a relaxar-se e esboçou um sorriso.
- Tampouco faz falta ser tão hilariante, Olhos de Gata.
- A intenção não era que soasse hilário, a não ser tranquilizador - respondeu ela ao mesmo tempo em que se sentava e dava as costas ao Jason.
- Pode desabotoar o vestido, por favor?
- Por que? Já é hora de dar de comer ao leão outra vez?
Um ligeiro rubor tingiu as brancas bochechas do Lauren, mas riu.
- Não, é que vou tomar um banho. Não vim aqui nem uma vez desde que partiu. Eu acredito que essa é a verdadeira razão pela que te senti falta. Vem?
- Vá você primeiro, eu vou em seguida. Ainda não tive minha ração de te contemplar.
Enquanto ia tirando a roupa, Lauren sentia o olhar do Jason percorrendo-a como uma carícia, e quando esta se deteve em seu ventre plano ela conteve a respiração
durante um instante. Seria capaz de adivinhar o que acontecia? - perguntou-se. Seu corpo ainda não tinha experimentado nenhuma mudança, mas ele era tão ardiloso
que às vezes lhe parecia que lhe lia o pensamento. Talvez devesse pensar em outra coisa, disse-se, no caso de, e então mergulhou na água e começou a praticar a braçada
que lhe tinha ensinado.
Ele se reuniu com ela ao pouco momento e durante quase uma hora estiveram jogando e chapinhando na água. Lauren ria a gargalhadas quando se deixou cair na
borda, feliz e esgotada.
- Obrigado, Jason - lhe disse quando se estendeu a seu lado, e ao ver que nos olhos dele se refletia uma pergunta, lhe sorriu e entrelaçou os braços ao redor
de seu pescoço ao mesmo tempo em que acrescentava:
- Por me haver ensinado a nadar, é um prazer tão grande! Não tive uma infância muito feliz, mas você me há devolvido à infância ao deixar que me comporte
como uma menina.
Ele inclinou sua formosa cabeça para lhe acariciar o pescoço com os lábios.
- Pois a verdade é que não te vejo como a uma menina.
- Já, mas me deixa que me comporte como se o fora, como uma cria alegre e despreocupada.
- Mmm, o que quero é que seja feliz, céu - respondeu Jason ao mesmo tempo em que seu fôlego quente percorria o corpo do Lauren enquanto o cobria com diminutos
beijos.
- Por que é tão bom comigo? Não o mereço.
Jason começou a lamber as gotas de água que corriam pela garganta dela.
- Sim que o merece, e agora não fale mais, minha vida, ou lançarei um rugido aterrador.
- É isso o que fazem os leões? É que nunca vi um. Acreditava que eram como gatos imensos. Ronronam como Ulisses? Ah... ah...
Jason se tinha deslizado intencionalmente para baixo deixando que sua língua descrevesse lânguidos círculos sobre os seios do Lauren e agora mordiscava um
de seus mamilos fazendo-o palpitar de prazer. Ao cabo de um momento seus lábios se concentraram no outro sensível topo rosado, sua língua lambia a ponta turgente
e fez que Lauren gemesse de prazer e se aferrasse a seus ombros, sentindo a tensão dos fortes músculos movendo-se sob a pele suave.
Os beijos do Jason não se detiveram nos seios, mas sim se dedicou a saborear cada rincão da pele úmida de Lauren, lhe dizendo que sabia igual ao mel aquecida
ao sol enquanto a devorava centímetro a centímetro com uma lentidão gloriosa. Sem prestar atenção à maneira com que os dedos do Lauren se afundavam em seu cabelo,
Jason continuou adorando seu corpo: seus lábios se moveram com morna destreza pela curva do quadril, logo descenderam pela sedosa pele cor marfim da coxa e, uma
vez teve explorado com paciência deliciosa as largas pernas, voltou para a pele pálida do ventre e, com movimentos deliciosamente eróticos, sua mão começou a acariciar
a morna umidade entre as coxas.
As carícias do Jason estiveram a ponto de deixá-la louca de desejo. Lauren gemeu e sem fôlego lhe suplicou que tomasse, mas ele parecia não ouvi-la. Não obstante,
ao final lhe separou as pernas e ela se esticou de pés a cabeça antecipando-se ao prazer que esperava, mas ele voltou a baixar a cabeça e seus lábios se abriram
passo entre o suave pêlo de seu sexo.
O doce contato da língua do Jason a escaldava. Lauren se retorcia e agitava à medida que seus beijos úmidos e atrevidos a exploravam intimamente, e quando
sua ardente língua a penetrou, ela arqueou as costas em êxtase e se apertou contra ele, presa de um desejo desbocado. Por fim o membro erguido do Jason se deslizou
com suavidade em seu interior e então a alagou uma deslumbrante rajada de luz e os calafrios a percorreram de pés a cabeça. Quando abriu os olhos, encontrou-se com
que Jason lhe sorria meigamente.
- Minha formosa leoa - sussurrou ele sorrindo e lhe apartava um cacho ainda molhado da testa.
Então seu membro túrgido começou a explorar o quente passadiço que o envolvia, lentamente. Lauren estava muito esgotada para responder, mas os deliciosos
movimentos do corpo do Jason logo reavivaram seu desejo. Sussurrou-lhe sensuais palavras de amor ao ouvido fazendo que o pulso fosse acelerando até desbocar-se,
e quando Jason começou a ascensão em uma espiral de prazer, ela o acompanhou, mais e mais alto...
Estava começando a escurecer quando Lauren abriu os olhos fazendo revoar suas douradas pestanas. Não tinha sido sua intenção ficar adormecida, mas os efeitos
do calor da tarde unidos à paixão de Jason lhe tinham esgotado as forças. Ele estava estendido a seu lado com a cabeça apoiada sobre uma mão enquanto seus quentes
olhos azuis a contemplavam com expressão doce. Adivinhando que devia ter estado olhando-a enquanto dormia, Lauren se estirou languidamente e lhe sorriu sentindo-se
satisfeita e feliz.
Jason tomou ar com uma inspiração profunda e audível.
- Deixa de me olhar assim se é que quer que cheguemos a casa esta noite.
Ela acariciou com um dedo provocador o suave pêlo de seu torso forte.
- Assim como, carinho?
- Sabe muito bem ao que me refiro! - disse ele ao mesmo tempo em que lhe agarrava a mão.
Beijou-a levemente nos lábios e depois lhe deu um tapinha na coxa.
- É uma descarada e um descarado! E também uma preguiçosa! Vamos, apressa-te, que Lilás teve o detalhe de nos convidar para jantar e não deveríamos chegar
tarde.
- E por que não me disse? - disse Lauren ficando de pé de um salto para recolher suas roupas.
- Lilás deve estar a ponto de enviar uma partida de resgate em nossa busca.
Ele sorriu ao mesmo tempo em que ficava de pé e se estirava.
- Não acredito; adverti-lhe pessoalmente que não o fizesse.
- Ai, Meu deus! - gemeu Lauren, - isso é quase pior, agora me lerá a cartilha sobre como deveria comportar uma mulher casada.
Rindo de boa vontade ao ver a expressão afligida de sua esposa, ele fincou as calças e, enquanto calçava as botas, perguntou-lhe com naturalidade:
- Por certo, o que estava fazendo quando cheguei? Roubar tumbas?
Lauren apartou a vista fingindo estar ocupada vestindo-se.
- Eu... nada, não estava fazendo nada importante.
Ele fincou a camisa e logo se colocou detrás dela para lhe grampear o vestido.
- Lauren...
Ao ver que se propunha seguir indagando, ela se apressou a trocar de tema.
- Não me contaste como foi a viagem - disse com ligeireza fingida.
Não estava segura, mas lhe pareceu que ouviu o Jason lançar um suspiro.
- Foi bem. Falei com o Claude.
Havia algo em sua voz que fez que Lauren estremecesse e, quando deu a volta, viu que a estava olhando fixamente.
- E? - animou-o a seguir olhando-o com olhos inquisidores, embora no fundo não queria que lhe respondesse.
- Faz algum tempo que Rafael voltou para Mediterrâneo. Claude acredita que poderia estar em Argélia.
Houve uma pausa e logo Jason acrescentou com voz muito séria:
- Tenho que partir, Lauren.
Ela baixou o olhar.
- Já... já sei. Quando irá?
- Dei ordens de que tenham A Sereia pronta para zarpar para volta da Inglaterra em três dias.
Ela voltou a pousar os olhos em seu rosto.
- Três dias? - murmurou quase sem fôlego.
- Tão logo?
Acariciou-lhe uma bochecha.
- Ainda está a tempo de trocar de idéia e vir comigo.
Lauren elevou uma mão, como querendo apartá-lo.
- Não, por favor...
Os olhos do Jason refletiram sua dor, ou possivelmente era ira? Lauren não era capaz de identificá-lo.
- Sinto muito - acrescentou em voz baixa, - mas não posso.
Esta vez o suspiro do Jason foi perfeitamente audível.
- Está bem, minha vida, a decisão é tua.
Ele retrocedeu um passo e começou com a complicada tarefa de atar e colocar a gravata.
Ela sentiu que lhe enchiam os olhos de lágrimas enquanto o observava: seu precioso mundo acabava de derrubar-se. Quando o rosto do Jason se voltou impreciso,
deu a volta e fingiu estar muito concentrada em colocá-las médias ao mesmo tempo em que se perguntava com amargura por que agora, quando mais a necessitava, parecia
ter perdido sua habilidade para aplacar suas emoções: a dor não ia desaparecer, e não tinha sentido fingir o contrário.
Lauren tratou de ocultar seu sofrimento atrás de um animado bate-papo inconsequente enquanto terminava de vestir-se com movimentos mecânicos e se obrigou
a perguntar a Jason sobre como era pirataria, assim, enquanto recolhia os cabelos em um coque, escutou como seu marido lhe contava todos os detalhes de sua viagem.
Mesmo assim, não foi capaz de olhá-lo aos olhos mais que fugazmente, tampouco conseguiu sequer esboçar um sorriso taciturno quando o tirou do braço que lhe
oferecia, e não pronunciou uma só palavra enquanto caminhava docilmente a seu lado de volta à mansão.

Capítulo 21

De sua posição na fortaleza de La Sereia, Lauren podia ver quase toda a tripulação do navio que ia daqui para lá, desdobrando velas e preparando-se para
levantar âncoras. Entretanto, ela não emprestava a menor atenção à buliçosa atividade que a rodeava porque tinha os olhos fixos em um só homem e as lágrimas que
ameaçavam rodando por suas bochechas lhe nublavam a vista fazendo que sua visão do Jason se tornasse imprecisa.
Tinha ido com ele ao navio para atrasar quanto fosse possível o momento da despedida, mas por desgraça ele tinha tido que atender vários assuntos assim que
chegaram e, depois de desculpar-se, teve que deixá-la sozinha, não sem antes lhe advertir que se mantivesse afastada do trajeto dos marinheiros. Agora estava falando
com o Kyle e outro homem, e sem dúvida a conversa girava em torno de qual era o melhor momento para zarpar, pensou desconsolada, apartando a vista. Talvez devessem
haver-se despedido em casa como Jason tinha sugerido, porque agora as circunstâncias fariam que seu adeus forçosamente fosse apressado e impessoal.
Não! Prometeu-se, não permitiria que Jason partisse daquele modo, exigir-lhe-ia que tivessem um momento de intimidade...
- Minha vida? - Lauren se sobressaltou ao dar-se conta de que ele estava de pé a seu lado olhando-a com expressão calma.
- Poderia baixar comigo a meu camarote? Aqui não posso te beijar como eu gostaria.
Ela sorriu com lábios trementes, sentindo-se agradecida - por uma vez - de que ele pudesse lhe ler o pensamento e, pousando sua mão sobre o braço do Jason,
deixou que a guiasse.
Ele não tomou em seus braços em seguida como ela esperava mas sim foi até o familiar escritório e abriu uma gaveta de que tirou uma pequena caixinha larga
que lhe ofereceu em silêncio.
Lauren o olhou desconcertada antes de abri-la e ao fazê-lo deixou escapar um suave grito de surpresa ao ver o colar que continha: era um pequeno coração dourado
rodeado de diminutas esmeraldas caprichosamente engastadas e sua correspondente pulseira de ouro. Ao observá-lo mais de perto, viu a inscrição gravada nele: um pequeno
falcão planando orgulhoso os céus, o símbolo dos Carlin.
A dor que lhe atendia a garganta era tão intenso que não podia falar e se desfez em lágrimas assim que elevou a vista para o Jason para encontrar-se com o
deslumbrante resplendor de seus olhos azuis. Quando se lançou em seus braços, ele a estreitou com força e deixou que chorasse, mas ao cabo de um momento lhe disse
com suavidade:
- Se soubesse que irias converter-te outra vez em uma fonte, Olhos de Gata, não te teria deixado vir. Não posso suportar ver uma mulher bela chorando, e menos
a ti.
- Você me tem feito chorar com seu precioso presente - soluçou Lauren, afundando o rosto no ombro do Jason.
- E já estou começando a me arrepender de haver lhe dado isso, está me molhando a jaqueta outra vez.
Ao elevar a vista, ela viu que Jason lhe sorria com ternura e se envergonhou de ter quebrado seus últimos momentos juntos ficando a chorar, assim fez um grande
esforço para controlar-se e se apartou enquanto se secava os olhos. Logo inspirou fundo tratando de compassar sua respiração e procurou em sua bolsa até que encontrou
o presente que queria lhe fazer ao Jason.
- Eu também tenho algo para ti.
Observou-o com ansiedade enquanto ele desembrulhava o retrato em miniatura, Jason ficou olhando durante um bom momento com uma expressão inescrutável e Lauren
não alcançava a imaginar o que estava pensado quando apartou a vista do retrato para olhá-la aos olhos, mas a dor que atendia sua garganta se fez mais insuportável
ainda.
- Para que não me esqueça - conseguiu dizer ela com voz rouca antes que as lágrimas a fizessem emudecer uma vez mais.
Ele deixou a miniatura na mesa e tomou em seus braços, logo lhe segurou o rosto entre as mãos e beijou sua boca tremente.
- Não te esquecerei jamais, meu amor - murmurou ele.
- Como ia fazê-lo quando te entreguei meu coração? Deixo-o aqui contigo, Lauren, cuida-o bem.
Aferrando-se a ele, ela ficou a chorar mansamente, desejando ser mais forte. Perdeu a noção do tempo que se passou em seus braços enquanto a consolava, mas
o som aveludado da voz do Jason a tirou do labirinto de autocompaixão em que tinha mergulhado.
- Chegou o momento de zarpar, minha vida.
Ela assentiu com a cabeça lançando um suspiro entrecortado e procurou um lenço em sua bolsa para secá-los olhos enquanto escutava os últimos conselhos do
Jason.
- Se necessitar algo - estava dizendo ele, - ponha-te em contato com o Sauvinet. Já falei com ele para que se ocupe de seus negócios e também se assegurará
de que Veronique receba uma quantia adequada em paga a seus serviços como tua acompanhante, eu não gosto da idéia de que vivam as duas sós na cidade, mas suponho
que terei que me resignar; pelo menos Lilás e Jean-Paul estarão perto e lhes cuidarão. De todos os modos, recordo-lhe isso uma vez mais, Lauren, prometeste que não
pisará no cassino.
- Sim, recordo-o perfeitamente - disse ela com um fio de voz.
Jason sorriu.
- Bem, pois então tratarei de não me preocupar com ti vinte vezes ao dia...
Com os olhos brilhantes de chorar, ela se tornou em braços do Jason e se aferrou a ele.
- Em troca, eu sim que me preocuparei com ti, promete-me que tomará cuidado?
- É obvio, minha sereia. Pode que passe algum tempo antes que possa resolver o tema pendente com o Rafael, e, além disso, há outros assuntos dos que também
tenho que me ocupar, mas tratarei de voltar em uns seis meses. Pode que até possamos passar os Natais juntos.
Jason a beijou uma vez mais e logo se liberou do abraço virtualmente desesperado de Lauren e, lhe agarrando o cotovelo, levou-a de volta a coberta.
Ela se despediu do Kyle e lançou um último olhar a seu redor antes que Jason a acompanhava pela passarela até o mole onde a estava esperando Veronique, logo
a ajudou a subir ao carro e se inclinou para beijá-la com força nos lábios.
- Adeus, meu amor, te cuide muito.
Então Jason deu a volta e se afastou a grandes pernadas.
Ela contemplou como se afastava com um pouco parecido a uma profunda sensação de surpresa; de fato, uma centena de sensações se amontoavam em seu interior,
mas o desconcerto talvez era a mais intensa: no mais fundo de seu coração, nunca tinha acreditado do tudo que Jason partiria; no mais profundo de seu ser, tinha
albergado a secreta esperança de que ficaria, e certamente tinha esperado que tratasse de fazê-la trocar de opinião. Mais ainda, tinha tido a ligeira suspeita de
que a obrigaria a partir com ele ou a enganaria para consegui-lo, como tinha feito para casar-se com ela. Mas, surpreendentemente, afastou-se sem voltar a vista
atrás, como se não lhe importasse que ela tivesse o coração destroçado.
Lauren mordeu o lábio para não chamá-lo para que voltasse: a decisão de ficar tinha sido dela, recordou-se. Não podia ir com ele, nada tinha trocado - pelo
menos nada exceto o fato de que agora estava profundamente apaixonada pelo Jason Stuart, - ela seguia sendo uma filha ilegítima, ainda iria a prisão se tirava o
chapéu que tinha usurpado a personalidade de sua meio-irmã, seguia sem ter direito a expor ao Jason a semelhante escândalo, e continuava sentindo-se incapaz de enfrentar-se
a seu ódio se algum dia ele descobria a verdade.
Os três últimos dias tinham acontecido a toda velocidade e, em que pese a que Lauren tinha tratado de encarar a viagem de Jason com valentia, a verdade era
que se havia sentido totalmente impotente e abatida durante esses últimos dias que tinham passado juntos e, quando tinham feito o amor, ela ao menos tinha experimentado
um certo desespero. Não havia dito uma palavra ao Jason da amargura e o sofrimento que a atormentavam, mas sabia de sobra que ele se dava conta do que sentia.
O que desgraçada sou! Pensou Lauren enquanto observava como Jason voltava a bordo. Nem tão sequer a idéia de que um filho dele crescia em seu interior a
consolava. Desejava com todas suas forças contar-lhe mas sabia que teria sido um engano e, como único consolo, não ficava mais que a esperança de que Jason voltaria
a tempo de estar a seu lado quando nascesse o bebê.
Viu como Jason ficava de pé junto ao corrimão da amurada, de onde podia vê-la. Também viu que a expressão de seu rosto seguia sendo impenetrável e que detrás
dele começavam a içar as velas enquanto que, desde uns quantos botes de remos que rodeavam o navio, foram soltando corda preparando-se para rebocar o veleiro até
a corrente central do rio.
Quando ele elevou uma mão para lhe dizer adeus, Lauren já não pôde seguir olhando e, contendo um soluço, ordenou ao chofer que arrancasse para que a levasse
de volta a casa. Então cometeu o engano de olhar ao Veronique aos olhos, que estavam cheios de compaixão e, deixou-se cair nas almofadas do assento ao mesmo tempo
em que começava a chorar de novo em silêncio, desesperada.
- Nem sequer tentou me convencer para que partisse com ele - gemeu desconsolada.
- Queria que o fizesse? - perguntou-lhe sua amiga lhe dando um tapinha na mão.
- Já sei que é um exemplo claro de estúpida lógica feminina, mas sim.
- Não é nada estúpido! - protestou Veronique com surpreendente veemência, - e além disso, o amor nunca é lógico! - acrescentou. Logo murmurou uma blasfêmia
pelo baixo contra os deuses e acabou ela também chorando.
O bairro onde estava sua casa, o Faubourg Saint Enjoe, não ficava longe, assim não tinham passado mais de dez minutos quando o carro se deteve ante a casa
que Jason tinha comprado para ela. Um moço negro saltou da boléia para as ajudar a descer, mas nenhuma das duas damas fez gesto de mover-se.
Ao ver as lágrimas do Veronique, Lauren secou os olhos.
- Sou uma desconsiderada! - disse.
- Você também está apaixonada, e perdeste ao Kyle igual a eu perdi ao Jason.
- Não, isso não é o certo, Kyle nunca me entregou seu amor. Em troca, seu caso é diferente, ma petite.
- Crê que estou cometendo um engano? - perguntou Lauren enquanto aspirava sonoramente pelo nariz.
- Oui, isso acredito, e você sabe tão bem como eu. Está muito apaixonada pelo Jason, não é certo?
- Tanto que a dor é insuportável. OH, Veronique! Como vou viver sem ele?
- Ainda não é muito tarde, pode ser que ainda não tenham zarpado.
- Sim que é muito tarde, sempre foi muito tarde.
Fez-se silêncio.
- Bom - disse Veronique em voz baixa, - eu o que sei é que, se amasse a um homem tanto como você o ama a ele, não deixaria que partisse ou o seguiria aonde
fosse.
Lauren elevou a vista.
- Inclusive se estivesse segura de que não podia durar?
- Inclusive se esse fosse o caso. Acredito que não haveria preço muito alto em troca de uma felicidade tão grande, por muito pouco que durasse.
Lauren riu sem vontades.
- Por muito pouco que durasse - repetiu com amargura.
- Te deste conta de que faz só três meses que chegou Jason a Nova Orleans? Mas a primeira vez que o vi foi faz quatro anos. Acredito que me apaixonei por
ele então.
- Vraiment?
- Sim - sussurrou Lauren e, durante um instante, cravou o olhar nas mãos que tinha juntas sobre o regaço. Logo fechou os olhos com força e respirou fundo.
- Samuel! - chamou o chofer, - troquei de opinião, me leve de volta ao mole, por favor.
Veronique a olhou presa do desconcerto, mas quando os cavalos deram a volta reagiu e juntou as mãos com gesto emocionado ao mesmo tempo em que exclamava:
- Vai a Inglaterra!
Lauren assentiu lentamente com a cabeça. Até ela estava surpreendida de sua própria decisão, mas se tinha dado conta de que não podia deixar que Jason partisse
sem ela: era sua mulher - fossem quais fossem os nomes que tinha escritos na ata matrimonial, - e a possibilidade de que não tivessem futuro juntos já não importava.
- Devo ir - disse com ar pensativo, - e não porque Jason seja minha felicidade, mas sim porque nunca voltarei a me sentir uma pessoa completa se não estiver
a seu lado, porque ele é a outra parte de mim e não posso viver sem ele. Isso é quão único importa.
Veronique lhe apertou a mão.
- Acredito que não te arrependerá de ter tomado esta decisão. Ai espero que A Sereia não tenha zarpado ainda!
- Sim já levantaram âncoras, conseguirei outro navio e o seguirei - disse Lauren com voz firme.
O fato era que não a surpreendia a calma que a tinha invadido de repente. Sentia-se como se lhe tivessem tirado um terrível peso dos ombros porque, talvez
não tinha dominado seus medos e tampouco se enganava dizendo-se a si mesmo que com aquilo ia se solucionar nada, mas ao menos estava concedendo umas quantas semanas
mais, talvez uns meses mais de felicidade. Tirava o chapéu a verdade, teria que enfrentar à possibilidade de ir a prisão e inclusive à forca, mas tinha que arriscar-se
se queria estar com Jason, e possivelmente encontraria a maneira de lhe suavizar o golpe quando o descobrisse. Agora que tinha tomado uma decisão, nada se interporia
em seu caminho. Ordenou ao Samuel que se apressasse e logo tomou as mãos de Veronique entre as suas.
- Isto não troca a outra parte do plano - disse a sua amiga em tom resoluto:
- não deve voltar para o cassino, ficará na casa, é tua todo o tempo que queira, e, por favor, não discuta - acrescentou rapidamente ao ver que a ruiva fazia
insinuação de começar a falar.
- Eu não posso partir tranquila se não souber que você estará bem. A casa é minha, assim posso fazer com ela o que queira, mas, além disso, sei que Jason
queria que vivesse ali, dá-se conta de quão importante foi sua amizade para mim. Além disso, duvido muito que eu... Certamente eu não a vou necessitar mais. Jason
também organizou com o Sauvinet que te pague uma quantia mensal; aceita-a, embora só seja como pagamento por cuidar da casa.
Veronique protestou ante um gesto tão generoso, mas Lauren não lhe fez o menor caso e, em poucos momentos, estavam as duas abraçadas, chorando e rindo enquanto
se diziam adeus.
- Escrever-me-á para me contar como se sente ao ser uma dama com título? - disse Veronique enquanto os cavalos avançavam por entre as ruas abarrotadas de
gente.
- Claro que sim, carinho. Por favor, explique a Lilás e ao Jean-Paul, e ao Matthew e Cervo Veloz que...
- Sim, sim, não se preocupe, entendê-lo-ão. E mais, Lilás ficará como louca de contente quando se inteirar de que decidiste partir com seu marido em vez de
viver comigo. Mon Dieu! - interrompeu-se de repente no momento em que o carro se detinha, - mas não são eles esses que estão aí?
Lauren não olhava na direção que lhe assinalava sua amiga porque tinha a vista fixa em La Sereia. Surpreendentemente, o veleiro seguia ancorado no porto,
até a passarela seguia em seu lugar, embora disso não se deu conta até passados uns instantes, porque estava dedicando toda sua atenção a procurar a imponente figura
de seu marido pela coberta do navio: ali estava, de pé junto à amurada, dir-se-ia que na mesma posição em que o tinha visto por última vez fazia vinte minutos. De
longe, Lauren não podia ver a força com que se estava aferrando ao corrimão, nem o branco que tinha os nódulos como consequência disso, mas sim alcançou a distinguir
o resplendor azul de seu olhar enquanto a observava sair do carro.
Ela desceu e então de repente parou em seco.
- Meu deus! - murmurou com um fio de voz.
- Ele sabia. Jason sabia que trocaria de idéia. - Lauren se obrigou a apartar a vista para pousá-la em Veronique com ira acusadora.
- Você também estava metida na trama?
- Claro que não, eu não tinha nem idéia! Mas acredito que se essa acusação a lançasse contra Lilás não andaria muito desencaminhada, porque tem um sorriso
de orelha a orelha igual à do gato que comeu todas as sardinhas!
- Tem razão! E o mesmo acontece com Jason... - exclamou Lauren indignada, mas logo emudeceu. Que mais dava se seu marido era um bruxo que lhe lia o pensamento
ou se seus amigos tinham conspirado contra ela a suas costas? Quão único importava era que devia estar com o homem a que amava.
Embora isso não quisesse dizer que não fosse ter umas palavras com o Jason quando estivessem a sós, disse-se ao mesmo tempo em que ele lhe aproximava para
tomá-la em seus braços e elevá-la em rodopios ante uma pequena multidão de curiosos espectadores.
- Já de volta tão rápido, minha sereia? - brincou ele.
- Baixa-me, descarado, que tenho que ir dizer adeus a Lilás e a outros!
Os olhos azuis do Jason sorriram aos seus.
- Então é que vai a alguma parte?
- Sabe perfeitamente que parto contigo. Decidi que faz falta que alguém te vigie, e não posso confiar em que Kyle o faça como é devido.
- Muito bem, pois então se despeça - respondeu ele ao mesmo tempo em que os pés de Lauren voltavam a tocar por fim o chão.
- Levantaremos âncora assim que estejam a bordo seus baús.
Surpreendida, Lauren ficou olhando-o e logo sua boca esboçou um sorriso.
- Está-me dizendo que não estavam já a bordo?
Jason soltou uma gargalhada.
- Não podia estar tão seguro de que fosses vir.
Logo ele foi incapaz de resistir por mais tempo a esses lábios provocadores que lhe sorriam e baixou a cabeça para beijá-la, mas antes que Lauren pudesse
dizer alguma coisa ou responder ao beijo, Matthew a agarrou por braço separando-a do Jason.
- Já terás tempo para isso mais tarde quando estiverem a sós, moça! - disse-lhe seu velho amigo enquanto a envolvia com seus fornidos braços.
Ela o beijou aferrando-se a ele e logo foi despedindo-se de outros um a um até chegar a Lilás. Lauren a estreitou com força durante um comprido momento.
- Obrigado por tudo - murmurou.
- Então me perdoa?
- Não há nada que perdoar.
- Sempre acreditei que seria feliz com o Jason. Prometa-me que será feliz.
Lauren riu.
- Prometo-te que tentarei - disse ao mesmo tempo em que olhava fugazmente os resplandecentes olhos de seu marido.
Lilás se voltou para o Jason também, com expressão muito séria.
- Espero que cuide bem dela, porque caso aconteça algo a minha menina terá que ver comigo.
Ele levou os dedos aos lábios em um gesto galante e declarou com toda seriedade:
- Defendê-la-ei de todo mal com minha própria vida.
Quando chegou o momento de partir, Jason deixou Lauren um último minuto com Veronique, logo a tirou da mão para guiá-la pela passarela até a coberta e por
fim fez um gesto com a cabeça ao Kyle, que tinha um sorriso de orelha a orelha. Imediatamente, a tripulação de La Sereia ficou em marcha.
Com Jason a seu lado, Lauren ficou de pé junto à amurada dizendo adeus com a mão, e quando o navio se foi afastando do mole lentamente, deixou escapar um
suspiro, pensando em que era provável que nunca voltasse a ver nenhum deles. Um braço forte lhe rodeou a cintura e se sentiu muito agradecida quando, ao notar os
lábios do Jason lhe roçando o cabelo, pôde apoiar a cabeça em seu ombro.
- Arrepende-te?
- Não, claro que não - respondeu ela dispondo-se a lhe explicar o motivo de sua tristeza, - mas o fato é que são como minha família. Lilás é como uma mãe
para mim, Veronique é como uma irmã, Matthew se levou como um pai comigo... e jogarei muito de menos.
- Mas voltará a vê-los. Lilás tem intenção de nos visitar o ano que vem, quando Charles seja um pouco maior, e suponho que conseguirá convencer a Veronique
para que a acompanhe. Mas inclusive se não for assim, nós podemos voltar, são as vantagens de ter uma frota de navios, sabe?
Ao ver que ela não respondia, Jason lhe elevou o queixo.
- Também eu gostaria de ser sua família agora, minha vida, embora não é que me interesse ser como uma mãe ou uma irmã para ti, nem sequer como um pai...
Lauren o olhou fixamente aos olhos e não pôde evitar que a comovesse a luz cheia de ternura que brotava deles, assim assentiu com a cabeça e lhe acariciou
uma bochecha.
- Nunca esqueci o que me disse a noite que nos conhecemos: "Companheiros, amantes, amigos."
- Eu queria ser tudo isso e muito mais para ti - lhe respondeu ele com voz rouca, - mas agora, Olhos de Gata, nos concentremos em tratar de ser felizes, ou
dito de outro modo: me dedique um de seus arrebatadores sorrisos ou te atiro pela amurada para que seja pasto dos peixes.
A Lauren não custava muito trabalho separar de sua mente os pensamentos tristes quando ele a olhava assim, fazendo que seu pulso se acelerasse imediatamente.
Rodeou-lhe o pescoço com os braços e logo esboçou um sorriso cativante.
- Não, não me atirará pela amurada, nunca deixaria que me convertesse em café da manhã para os peixes se isso significa ficar sem sua presa.
- Pode que não, mas terei que pensar em alguma forma de te castigar.
- Mas por que? O que tenho feito eu?
- Nada, além de me fazer passar os piores momentos de minha vida.
Ela arqueou uma de suas delicadas sobrancelhas.
- Não te acredito, sabia muito bem que trocaria de idéia.
- Disso nada! - declarou Jason com convencimento, - estava tremendo de medo todo o tempo, e o único que podia fazer era confiar em que me amava o suficiente
para vir comigo.
- Mas poderia ter evitado que partisse do navio... - assinalou Lauren.
Jason negou com a cabeça.
- Não, meu amor, tinha que ser você a que tomasse a decisão. Eu já tinha eleito, agora tocava a ti. Se houver algo que me ensinou nosso matrimônio é isso:
dei-me conta de que tinha estado tratando de te controlar igual a meu pai tratava de me controlar a mim... Deus, não irás pôr-te a chorar outra vez!
Lauren secou as lágrimas que lhe alagavam os olhos.
- Não - disse esboçando um sorriso tremente.
Jason se inclinou para beijá-la e se teria dedicado a isso durante um bom momento, a não ser porque os ruídos a suas costas recordaram onde estava e, muito
a seu pesar, elevou a cabeça.
Lauren seguiu seu olhar para cima para contemplar como içavam a vela maior, e quando o vento inchou a lona, sentiu que de repente o veleiro avançava com novo
ímpeto.
Logo ela voltou-se para contemplar o majestoso Mississipi enquanto a brisa lhe acariciava o rosto. As gaivotas descreviam círculos no ar junto à proa enquanto
seus estrondosos grasnidos se mesclavam em uma estranha melodia com o ruído das velas ondeando ao vento. Quando Jason lhe rodeou a cintura com os braços, ela fechou
os olhos e elevou o rosto para o sol. Não havia nenhum outro lugar no mundo onde tivesse preferido estar nesses momentos, pois nesse preciso instante era completamente
feliz. Ao cabo de um momento, perguntou com tom despreocupado:
- Quanto demoraremos para chegar a Inglaterra?
- Espero que umas três semanas, mais se nos encontramos com mau tempo.
- E suponho que terá lembrado de trazer o Ulisses...
- Para grande desgosto do Kyle, sim.
Lauren detectou claramente o tom risonho de sua voz e girou o pescoço para olhá-lo.
- Tinha-o tudo pensado, não? Mas o que teria feito se não houvesse tornado? Quanto tempo mais teria esperado?
Beijou-lhe a ponta do nariz.
- Não estou seguro, talvez para sempre. Claro que, por outro lado, possivelmente ao cabo de uns minutos mais tivesse mandado tudo ao diabo e tivesse saído
para te buscar. A verdade é que não acredito que tivesse podido partir sem ti.
Ela se pôs-se a rir de repente e ao ver o olhar intrigado do Jason se explicou:
- Estava pensando no decepcionada que me senti quando não tratou de me convencer para que ficasse a bordo. Acredito que quase tinha a esperança de que me
raptasse...
Jason sorriu.
- Se quiser, meu amor, posso te ter prisioneira em meu camarote, e sem nada de roupa em cima, é obvio, para te compensar por essa terrível decepção.
Lauren inclinou a cabeça e pareceu considerar a sugestão seriamente.
- Acredito que isso eu gostaria - disse pensativa, e logo sorriu quando Jason lhe acariciou a orelha com os lábios.


Capítulo 22

Exceto em uma ou duas ocasiões, a Lauren a travessia pareceu maravilhosa. Jason queria fazer da viagem uma lua de mel, posto que não tinham tido uma,
e muito em breve ela descobriu que estava decidido a lhe fazer memorável e delicioso o tempo que durasse a travessia.
Sem dúvida o conseguiu, pois os dias foram longos e estiveram envoltos em um langor maravilhoso, e as noites... as noites foram indescritíveis. Nunca
lhe faltava entretenimento se o desejava. Durante o dia, jogava cartas ou xadrez, alternava-se com o Jason para ler em voz alta ou simplesmente observava fascinada
as tarefas da tripulação. Jason lhe tinha dado permissão para ir e vir a seu desejo pelo navio, sempre e quando não atrapalhasse o trabalho dos homens, e ela aproveitou
a oportunidade ao máximo e passava horas fazendo perguntas a um velho marinheiro que lhe explicava pacientemente todos os detalhes de como se mantém um navio em
perfeito estado de funcionamento. De noite, quando jantavam com Kyle e o resto dos oficiais, todos lhe contavam histórias fantásticas de marinheiros, relatos que
tanto cativavam sua atenção e a enchiam de admiração como lhe faziam rir a gargalhadas, unindo-se ao coro de escandalosas gargalhadas dos homens.
Havia um marinheiro, um moço inglês que se chamava Roy, que tinha uma voz preciosa. Pelas noites estava acostumado tirar seu violão espanhol e entretinha
à tripulação com canções populares ou os dirigia quando todos juntos entoavam buliçosas melodias de botequim de porto. Para ouvir a música durante sua segunda noite
a bordo, Lauren suplicou ao Jason que a deixasse ir olhar, e quando subiram os dois a coberta, encontrou-se com uma dúzia de homens jogados na fortaleza cantando
a pleno pulmão. Jason encontrou um lugar entre as sombras, justo ao lado do círculo que os marinheiros tinham formado, e se sentou na coberta chamando Lauren para
que fizesse o mesmo e se colocasse a seu lado. Ela se apoiou placidamente contra o corpo do Jason e desfrutou da música e da maravilhosa sensação de sentir seus
fortes braços rodeando-a.
Lauren pensou que ninguém se teria dado conta de sua presença, mas ao cabo de um momento Kyle a chamou lhe pedindo que cantasse para eles. Surpreendida,
e inclusive um tanto envergonhada, ela resistiu, mas logo viu que o círculo se abriu cortesmente para ela e que os homens a observavam com rostos espectadores, assim
lançou um olhar ao Jason em busca de autorização, e quando lhe sorriu e a segurou para levantá-la, aceitou.
Escolheu uma canção de amor e a cantou para o Jason. A letra era dramática e as palavras em si agridoces, mas não eram as palavras a não ser o timbre
de sua voz o que expressava o alcance e a intensidade do que sentia por ele. A nenhum dos homens que a escutavam ficou a menor fresta de dúvida de que pertencia
em corpo e alma ao Jason Stuart, como nenhum pôde evitar sentir uma leve pontada de inveja pelo alto cavalheiro de cabelos castanhos que possuía seu amor. Ele, por
sua parte, era plenamente consciente de sua boa fortuna, tal e como testemunhava o brilho azul de seu olhar.
Os homens escutaram absortos e, quando as últimas notas daquela fascinante voz aveludada se dissiparam no ar, romperam a aplaudir estrepitosamente. A
Lauren a pilhou surpresa semelhante acolhida, pois em que pese a que lhe tinham apresentado a toda a tripulação e os conhecia todos por seus nomes, os marinheiros
se mantiveram a uma prudente e receosa distância, e se dirigiam sempre a ela como milady, com o que Lauren sempre se havia sentido um pouco como uma intrusa. Em
troca, agora, inspirada por sua reação, sorriu-lhes timidamente e logo riu de boa vontade com todos quando Kyle lhe deu um estrondoso beijo na bochecha e Jason o
ameaçou bruscamente ameaçando-o ser pasto dos tubarões.
Depois daquele dia, o grupo nunca se separava sem pedir à "senhora", como passaram a chamá-la, que lhes cantasse ao menos uma canção e, ao cabo de um
tempo, e dado que Kyle se arriscou primeiro, alguns dos homens acabaram atrevendo-se também a tirá-la a dançar sob o atento olhar de falcão de seu marido.
Só havia um marinheiro que não inspirava muita simpatia ao Lauren, um homem miúdo de cabelo escuro que sempre a estava observando. Chamava-se Ned Sikes
e, em que pese a que nunca a tinha incomodado exatamente, tinha uma maneira de não lhe tirar a vista de cima que a punha o suficientemente nervosa para mencionar-lhe
ao Jason. Nunca soube o que disse seu marido ao Sikes, mas o fato foi que os desagradáveis olhares cessaram por completo, pelo qual ela se sentiu profundamente agradecida.
Em troca, o resto dos membros da tripulação de La Sereia a acolheram cordialmente, de fato pareciam haver-se embarcado em uma competição permanente para
ser o mais amável com a senhora, o que fez sua viagem tremendamente agradável. Em toda sua vida, a Lauren nunca a tinham mimado tanto. Quando fizeram uma breve escala
na ilha de Santo Tomas para carregar água e provisões a bordo, Jason a levou de picnic a uma cova perdida nos escarpados. Lauren nunca tinha nadado no mar nem tinha
contemplado nunca uma vista tão impressionantemente bela. Maravilhava-a a branca areia da praia, as ondas cor água-marinha e as águas tão claras que podiam ver-se
perfeitamente os recifes de coral do fundo e o movimento fugaz dos peixes de vivas cores. Jason lhe fez o amor à sombra de uma gigantesca palmeira.
Quando Lauren voltou a bordo de La Sereia mais tarde, radiante de felicidade, Tim Sutter lhe entregou com atitude de total adoração um chapéu de palha com
o bordo forrado em branco, para proteger sua delicada pele do sol durante a travessia, informou-a o moço timidamente, e ela virtualmente não o tirou durante o resto
da mesma, inclusive apesar de que Jason a provocava chamando-a "minha cigana" cada vez que a via com ele posto.
Só houve um incidente que a ponto esteve de destruir sua felicidade durante aquelas semanas: ocorreu a tarde que Jason interrompeu de maneira abrupta uma
das habituais lições de navegação de Lauren.
Até aquele dia, ele a tinha animado a interessar-se pelo funcionamento do navio e tinha visto com bons olhos que aprendesse como se faziam uma boa vintena
de nós e como se reparavam as velas rasgadas. Não se havia oposto a que passasse tempo nas cozinhas aprendendo a preparar a bullabesa e um molho de pescado delicioso,
e ele mesmo lhe tinha ensinado a levar o leme e manter o rumo do navio. Tampouco se tinha queixado quando Kyle começou a dar lições a Lauren sobre o uso do sextante
e a observação das estrelas para navegar. Mas quando seu marido a descobriu um dia subindo pelos equipamentos de barco, sua ira se desatou explosivamente.
Depois de lhe ordenar que descesse em um tom expedito que não animava absolutamente a replicar, agarrou-a pelo cotovelo com força para levá-la ao camarote
e, uma vez estando sozinhos, Jason deu rédea solta a seu aborrecimento e a exortou durante vários minutos sobre o perigoso e arriscado que tinha sido seu comportamento
e sobre como podia haver-se feito mal, sem lhe dar oportunidade de dizer nenhuma palavra em sua própria defesa. Desconcertada por sua ira, Lauren o olhou com receio,
pois as faíscas que lançavam os belos olhos azuis e os punhos apertados do Jason lhe recordavam a primeira noite que a tinha levado a bordo de La Sereia e quão implacável
tinha sido também seu comportamento então.
- Mas ia com muito cuidado, Jason - tratou de raciocinar ela quando por fim a deixou falar.
Cravou-lhe um olhar furioso que a fez estremecer.
- Não me importa o mínimo que fosse com muito ou pouco cuidado! Não deve voltar a tentar algo tão desatinado como subir aos equipamentos de barco alguma vez
mais, ouve-me?
- Sim, ouço-te perfeitamente, mas não entendo por que não posso.
- Já te disse por que e não tenho intenção de lhe repetir isso Além disso, não é tão idiota como para que faça falta que lhe explique isso outra vez.
Então Lauren ficou muito quieta; o tom autoritário do Jason havia meio doido uma corda sensível.
- Certamente que não sou tola! E você me está dando uma ordem, não me está pedindo isso, nem sequer me está dizendo isso, mas sim me está ordenando isso.
Muito bem! Nesse caso eu gostaria de saber se o faz em qualidade de marido ou de guardião.
- Não brinque comigo, Lauren...
- Digo-o porque se o que passa é que te está comportando como um marido excessivamente protetor, recordo-te que me passei anos subindo a árvores muito mais
difíceis de escalar que esses equipamentos de barco; mas se me ordena isso como guardião, então minha resposta é que vá ao diabo e não volte! - continuou ela, que
então também estava tremendo de ira.
Logo deu a volta e pôs-se a andar para a porta, mas antes que pudesse abri-la as palavras cheias de fúria do Jason a esbofetearam com força:
- Não te falo nem como marido nem como guardião, mas sim como o pai da criatura que põe em perigo com sua imprudência.
Completamente surpreendida, Lauren se voltou a olhá-lo.
- Como o soubeste? - murmurou em voz baixa.
A expressão do Jason era séria, nunca o tinha visto assim.
- Não era difícil de adivinhar. Primeiro pelas náuseas. Leva vários dias seguidos sem tomar o café da manhã mas não pareceu te afetar muito o mar grosso de
faz umas quantas noites, assim não podia ser simplesmente que te enjoasse.
Um músculo se esticou na mandíbula do Jason.
- Quando me tinha pensado dizer isso? Ou talvez deveria perguntar se tinha pensado dizer isso. Ao ouvir a acusação, Lauren respirou fundo esquecendo-se completamente
do motivo original da discussão.
- Eu..., pois claro que ia dizer-lhe gaguejou Lauren, - mas é que nem eu mesma estava segura até depois de zarpar.
- Mas o suspeitava - afirmou Jason com frieza, e quando ela abriu a boca para dizer algo, advertiu-a com um rugido:
- Nem te ocorra mentir, minha vida! Que saiba que estou fazendo grandes esforços para não te pôr sobre meus joelhos e te dar uns açoites.
Lauren elevou o queixo para ouvir a ameaça, mas não pôde chegar a responder porque ele blasfemou violentamente ao mesmo tempo em que passava a mão pelos cabelos
e acrescentava:
- Por todos os Santos, acreditava que tínhamos uma relação minimamente honesta! Tinha intenção de deixar que me partisse sem dizer nada, não o negue!
Para então ela também estava furiosa e apertava os punhos.
- Sim! - replicou desafiante.
- Acreditei que se sabia do bebê me obrigaria a partir contigo.
- Maldita seja, Lauren! Ainda segue sem confiar em mim, verdade?
- Não amaldiçoe assim quando te dirigir para mim! Não estava segura de estar grávida, só era um pressentimento.
- Pois esta tua reticência a me contar as coisas me faz suspeitar que poderia ter mais segredos!
Para ouvir a acusação, Lauren respirou fundo esquecendo-se completamente do motivo original da discussão.
- Como quais? - perguntou cheia de receio. Jason lhe cravou um feroz olhar azul, mas não respondeu, e quando o silêncio foi o suficientemente largo como para
que ela decidisse que não se estava referindo a nada em concreto, deu-lhe uma explicação em um intento de assinar a paz:
- Me dava medo lhe contar isso sem que esteja sincera.
Ele ignorou seus intentos de apaziguar a situação. De fato, o tom do Jason se voltou ainda mais cortante:
- Se fosse sincera comigo, para variar, seria muito de agradecer - lhe respondeu com um sarcasmo mordaz.
Doída por seu tom cáustico, Lauren adotou sua atitude mais altiva e distante e disse:
- Então talvez te interessaria saber quem é o pai da criatura...
Não tinha sido sua intenção dizer algo tão ridículo, mas aquelas palavras mordazes saíram de sua boca antes que pudesse retratar-se e o fogo abrasador que
começou a arder nos olhos do Jason como resultado a assustou tanto que retrocedeu um passo instintivamente. Durante um instante, o ar que corria entre os dois se
carregou de uma tensão tal que parecia a ponto de quebrar-se. Cravava-lhe o olhar com ar ameaçador e, embora se dava conta de que seu marido estava fazendo desonestos
esforços por controlar seu temperamento, Lauren ficou olhando cheia de preocupação, esperando.
Quando Jason não fez o mínimo gesto de golpeá-la, ela se sentou na beirada do beliche quase sem forças e baixou o olhar a suas mãos.
- Não tinha intenção de ocultar lhe murmurou com pouca convicção, - só estava esperando a ocasião adequada para lhe dizer isso.
- Essa pergunta é tão absurda como a idéia de que algum outro pudesse ser o pai.
- Uma ocasião como qual?
- Não sei! Algum momento especial... Estar grávida não é algo que me passe todos os dias!
- Lilás me contou que chorou.
Lauren lhe lançou um olhar acusador.
- Lilás! Deveria haver imaginado. Suponho que lhe pediu que me espiasse e te informasse de todos meus movimentos... Pois bem, Lilás se equivoca! Estava chorando
porque te sentia falta e não podia me enfrentar à idéia de que me deixasse.
Fez-se um comprido silêncio antes que Jason falasse por fim.
- Então sim que quer ao bebê?
Para ouvir a dúvida em sua voz, Lauren o olhou diretamente aos olhos e disse em tom firme:
- Essa pergunta é tão absurda como a idéia de que algum outro pudesse ser o pai.
Jason exalou lentamente e ao cabo de um momento se aproximou até ficar de pé frente a ela e alargou uma mão para lhe tocar uma bochecha.
- Então te peço desculpas por haver gritado - murmurou em voz baixa.
Ela se sentiu muito aliviada ao ver que o brilho de seus olhos já não era de fúria, mas mesmo assim não estava segura de querer aceitar suas desculpas.
- Isso é tudo o que tem que dizer? - perguntou arqueando uma sobrancelha.
As comissuras dos lábios do Jason se curvaram em um sorriso.
- Quer que me arraste, não? Como gosta, Olhos de Gata.
Então deixou ao Lauren muito surpreendida ao ficar de joelhos sobre uma perna.
- Prostro a seus pés e te suplico que me perdoe, mas alegarei em minha defesa que um homem não se converte todos os dias em futuro pai e se vê que eu ainda
não tenho muito claro como se supõe que devo me comportar.
Então Jason inclinou a cabeça e lhe sorriu com uma sinceridade tão arrebatadora que a Lauren custou resistir a seu cativante encanto. Ao ver que ela começava
a abrandar-se, ele tomou em seus braços agarrando-a pela cintura e a apertou contra seu peito.
- E agora quero te pedir, muito docemente, que, por favor, não volte a subir pelos equipamentos de barco, nem a subir a nenhuma árvore, nem fazer nada que
pudesse pôr em perigo sua saúde nem sua segurança.
- Isso está muito melhor, Jason - respondeu ela muito digna, tratando de reprimir um sorriso.
- Já vejo que me casei com uma tirana, mas não me respondeste. Dá-me sua palavra? Já vê que não lhe estou ordenando isso...
Jason a olhava com uns olhos imensos nos que se desenhava uma expressão tão parecida com a de um menino pequeno que suplica para que lhe levantem o castigo
que sabe que merece que ao Lauren não ficou mais remédio que sorrir.
- Sim, dou-te minha palavra, e lhe teria dado isso muito antes se não te tivesse comportado como um bruto. Enfim, já que te desculpaste tão admiravelmente
bem, estou disposta a admitir que levava razão: foi uma tolice por minha parte, é só que não me parei a pensar nas consequências.
Então recordou o que tinha provocado a discussão e esquadrinhou o rosto do Jason com seus olhos verde e âmbar tintos de uma certa ansiedade.
- Mas você tampouco me há dito se está contente de te converter em pai.
- Acaso duvida? - murmurou ele em tom rouco para logo capturar seus lábios.
Seu beijo, profundo e cheio de amor, dissipou completamente as dúvidas do Lauren, e quando por fim se separaram, ele a empurrou com suavidade para que se
estendesse na cama e afundou o rosto em sua sedosa juba dourada ao mesmo tempo em que pousava a mão possessivamente sobre o ventre de sua mulher, acariciando-o com
delicadeza. Ela fechou os olhos e saboreou a ternura do momento.
Ao cabo de um momento ele voltou a retomar a conversa:
- Nunca pedi a Lilás que te espiasse - lhe assegurou com voz grave, - mas ela me disse que talvez te encontrava grávida. Além disso, inclusive se não o houvesse
dito, eu teria chegado à mesma conclusão: não tiveste a regra desde que nos casamos e seus seios cresceram ligeiramente.
- Só um pouco. Como é possível que te tenha dado conta?
Jason elevou a cabeça e lhe sorriu.
- Se esquece de que tenho feito do conhecimento íntimo de cada centímetro de seu corpo minha prioridade absoluta.
Seu sorriso se dissipou um pouco quando a olhou ao rosto e disse muito sério:
- E além disso irradia uma luz especial que te faz inclusive mais bela. Acredito que a maternidade te cai muito bem.
Lauren lhe devolveu o sorriso.
- Isso é fácil de dizer para ti que não tem que ficar sem tomar o café da manhã.
- Quero que vás ver um médico assim que cheguemos a Londres. O doutor que atende a minha família no Kent é bom, mas não quero correr nenhum risco.
Lauren enrugou a testa.
- Jason, não irás tratar-me como se fosse uma inválida, verdade? Porque se o faz...
- Não, não o farei, mas sim que me proponho cuidar o melhor possível de ti e do bebê. E o que é mais, sempre acreditei que um futuro pai goza de certos privilégios,
parece-me que deveria permitir te mimar, embora só fosse um pouco.
- Por isso estiveste tão atento ultimamente! Já estou vendo que o mal criará...
- A quem?
- A nosso filho.
- Assim é um menino, né? - interrogou-a Jason com olhos risonhos.
- E o que acontece se o que quero é uma menina com cabelos dourados e cativantes olhos de gata como sua mãe?
- Acreditava que te tinha casado comigo porque necessitava um herdeiro.
- Não, acreditaste que me casava contigo por seu dinheiro, mas a verdade é que nenhuma das duas é a verdadeira razão: casei-me contigo pelo prazer de tentar
ter um herdeiro.
Lauren esboçou um sorriso descarado.
- Bom, pois já que há um em caminho, acredito que pode deixar de tentá-lo.
Jason começou a lhe mordiscar os lábios ao mesmo tempo em que murmurava:
- Mas é que eu não estou tão seguro como você de que será menino, assim que me parece que seria melhor seguir, no caso de não ser.
- Tem que ser um menino, se não, como vou enfrentar a todas essas tias e primos de que me falaste?
Ele se apartou ligeiramente e a acariciou com o olhar.
- Juntos, minha vida, assim é como enfrentaremos a meus entremetidos parentes e a qualquer outra coisa que nos proporcione o futuro.
- Juntos - repetiu Lauren solenemente, e então um calafrio traiçoeiro lhe percorreu as costas fazendo que se estremecesse mas, como levava semanas fazendo,
obrigou-se a ignorar algo que pudesse lhe recordar o passado e a evitar pensar no futuro. Assim rodeou o pescoço de Jason com os braços, e lhe dedicou um sorriso
felino.
- Há uma coisa mais - lhe sussurrou provocadora enquanto lhe deslizava um dedo pelo covinha de uma das bochechas até chegar à boca.
- Sempre há flanco acreditar o que ocorreu a noite que me trouxe aqui pela primeira vez: de verdade fez algo tão escandaloso como tomar em cima dessa escrivaninha?
Jason olhou para a escrivaninha em questão, sobre o que um montão de papéis pulverizados evidenciavam seus intentos de encarregar-se da correspondência, e
seus olhos azuis lançaram um brilho ao recordar o incidente de que falava Lauren.
- Mm... - admitiu sem remorso algum, - efetivamente, isso foi o que fiz, e tenho que dizer que me resultou mais agradável trabalhar nessa escrivaninha desde
aquele dia.
- E crê que seria possível que me refrescasse a memória em algum momento antes que cheguemos a Inglaterra?
Jason a olhou divertido e soltou uma gargalhada.
- Estaria encantado - respondeu, - mas me diga, quem é a que está tendo um comportamento escandaloso agora?

TERCEIRA PARTE

O DESMASCARAMENTO


Capítulo 23


Inglaterra, 1816

Lauren não se fixou muito em Londres quando, quatro anos atrás, fugia aterrorizada dos homens do Burroughs. Então era uma menina tremente e aterrorizada que
procurava desesperadamente uma forma de escapar. Agora, em troca, enquanto navegavam rio acima pelo Tamisa, teve oportunidade de observar quanto a rodeava, de pé
junto ao Jason em coberta, enquanto A Sereia entretecia seu rumo pelo leito de rio no meio do abundante tráfico de embarcações de todo tipo.
À medida que se aproximavam de Londres, pôde ver um rosto da capital inglesa que a surpreendeu, um rosto sujo, cheia de miséria e aromas nauseabundos. A cidade
parecia enegrecida pela fumaça das inumeráveis chaminés, e os grupos de moradias desvencilhadas e maltratadas casas de vizinhos se amontoavam nas margens do rio,
disseminados entre os escritórios das contadorias e as carpintarias de navios, contrastando com as imponentes construções que se divisavam ao longe.
Ao mesmo tempo em que o veleiro ia aproximando-se dos buliçosos moles de Londres, na mente do Lauren se foram amontoando as desagradáveis lembranças daquela
fuga agora tão longínqua no tempo, e isso a fazia penosamente consciente de que seguia sentindo a mesma corrente de medo que fluía sob a superfície então. Os calafrios,
portanto, não se deviam ao mesmo tempo inglês, por mais que certamente a temperatura fora muito mais baixa do que era habitual em Nova Orleans.
A expressão de seu rosto era muito grave para o gosto do Jason, que lhe dedicou um amplo sorriso para tranquilizá-la e lhe aconteceu o braço pela cintura
enquanto ia indicando com a mão a borda, para que não se perdesse a imponente Torre, que era por onde passavam nesse momento. Durante as duas horas que seguiram
e até que por fim abandonaram o navio, ele a distraiu lhe contando histórias sobre Londres e os reis e plebeus que tinham habitado a cidade ao longo dos séculos.
Lauren se deu conta de que nem tudo era pobreza e miséria em Londres. Uma vez que partiram a toda velocidade no carro da mansão do marquês na cidade - que
tinha sido enviado a recolhê-los, - o aspecto dos bairros melhorou quase de forma foto instantânea assim que deixaram atrás Wapping. As ruas da cidade eram um viveiro
de próspera atividade, havia um bulício incrível no que se mesclavam as vozes dos vendedores anunciando a grandes gritos sua mercadoria e o repico das carruagens
e os cascos dos cavalos sobre o chão empedrado.
Lauren ia olhando pela janela com grande interesse e os olhos exagerados pela emoção, fazendo comentários cada vez que reparava em algo que a surpreendia,
o que provocava as gargalhadas frequentes do Jason. Mas quando chegaram ao elegante bairro do Mayfair, emudeceu ao ver as ruas espaçosas e tranquilas flanqueadas
a ambos os lados por enormes mansões pertencentes às classes mais ricas.
Ao pouco momento a carruagem girou para a Praça Grosvenor, e quando se deteve frente à mansão dos Effing, Lauren ficou olhando boquiaberta a imponente construção
de estilo georgiano. Deveria ter estado preparada para tanta riqueza. A luxuosa carruagem com escudo gravado nas portas que tinha ido recolhê-los e os serventes
com uniforme do mesmo deveriam lhe haver servido de indicação sobre o que cabia esperar. Não obstante, ao ver com seus próprios olhos aquela constatação da linhagem
ao que pertencia Jason, sentiu-se aflita e de repente compreendeu como devia haver-se sentido Lilás quando passou a formar parte da família Beauvais. Só que no caso
dos Stuart era ainda pior, pois era uma família de rançosa ascendência que mantinha um muito longínquo parentesco com a realeza.
Ao Jason, em troca, a cerimônia lhe trazia sem cuidado e, apesar de seus protestos, tomou-a em seus braços para subir pelas imponentes escadas de pedra e
atravessar assim a soleira, mostrando-a cheio de orgulho tanto aos empregados da mansão como a tudo o que passasse por ali naquele momento. Lauren se sentiu como
um troféu de caça, além de uma tímida recém casada. De fato, ruborizou-se. Suas bochechas se tingiram de vermelho quando ele a deixou por fim no reluzente chão de
parqué.
Então ela olhou a seu redor com interesse e alcançou a espionar de relance abajures de cristal, magníficas escadas e galerias de elegantes corrimões antes
que Jason começasse a lhe apresentar aos serventes, que pareciam ser um autêntico exército em formação preparado para a inspeção. E ao mando de todos eles se encontrava
seu comandante em chefe Morrow. O mordomo era um homem de aspecto imponente com o cabelo alvo e umas maneiras impecáveis que deu as boas-vindas à nova lady Effing
nos termos mais corteses, tão corteses que provocou que se sentisse como uma impertinente intrusa. Em troca, a senhora Morrow a fez sentir a gosto desde o começo.
A anciã sorriu encantada quando Jason beijou sua bochecha sulcada de rugas e deu as boas-vindas a Lauren com uma amabilidade que não era fingida. Não havia dúvida
de que, ao menos ela, estava contente de que houvesse uma nova senhora da casa.
Levou-lhes algum tempo chegar ao final da fila, posto que Jason ia saudando todos os serventes por seu nome - com a exceção de um novo jardineiro que tinha
sido contratado em sua ausência - parava a falar com cada um, sem que parecesse cansar-se de aceitar com sincero agradecimento as constantes felicitações e parabéns
que se foram sucedendo. Lauren enquanto isso se concentrava em guardar caras e os nomes. Ao cabo de um momento, quando a senhora Morrow já a estava guiando escada
acima, inteirou-se de que uma moça chamada Molly seria sua donzela até que se contratasse a uma definitiva.
- É uma boa garota, muito séria - disse a senhora Morrow, - embora esteja um pouco nervosa ante a responsabilidade do novo posto. Tem um dom especial para
arrumar o cabelo e não há ninguém que engome melhor que ela, a senhora pode estar tranquila de que não lhe queimará nenhum de seus vestidos. Claro que se a senhora
desejar que de momento sua donzela seja outra...
- Estou segura de que Molly o fará muito bem - respondeu Lauren, - que é mais do que posso dizer de mim mesma. Até recentemente, na América, nunca tinha tido
donzela e devo reconhecer que me parece um pouco estranho. Suponho que será inevitável que eu seja a que cometa mais de um engano e, além disso, acredito que haverá
muitos costumes com os quais terei que me familiarizar se não quiser envergonhar a meu marido...
A senhora Morrow lhe dedicou um sorriso radiante.
- Não tem do que preocupar-se, senhora, mas em qualquer caso seria uma honra para o Morrow e para mim mesma lhe emprestar nossa assistência se for necessário.
- Obrigado... meu Deus! Este é o meu quarto - perguntou Lauren quando se abriu a porta de um dormitório com uma decoração tão opulenta que parecia triste.
Tratou de não ficar olhando boquiaberta ao passear o olhar pela estadia. A maioria dos móveis eram de uso Luis XVI e a imensa cama ficava virtualmente oculta
depois de uns elaborados cortinados de veludo rosa que a cobriam. Em uma das paredes, uns deliciosos spots de cristal flanqueavam dois espelhos enormes de marco
dourado, e no teto havia um mural com meia dúzia de querubins, também dourados. Aquelas eram as habitações da anterior lady Effing, disse-lhe a senhora Morrow.
Sentiu-se muito aliviada ao descobrir que a estadia contígua era um salão cuja decoração estava muito mais em consonância com seu próprio gosto, e mais à
frente havia um closet - também muito mais discreto, - e logo um banheiro com torneiras de água quente que lhe pareceu o mais moderno que tinha visto.
Ao fundo havia uma porta e Lauren parou um instante com a mão sobre o pomo da mesma.
- Posso? - perguntou dúbia.
- É obvio, senhora! Ao outro lado está o closet do senhor - lhe explicou a senhora Morrow, - e seu dormitório é a seguinte habitação.
Lauren descobriu que o closet do Jason era parecido com o dela, mas por sorte seu dormitório resultou ser bem distinto, decorado com elegante gosto masculino.
Lauren entrou e percorreu o aposento com olhar de aprovação. A enorme cama com dossel parecia muito mais acolhedora que o bolo rosa de seu dormitório. Estava a ponto
de provar o colchão quando apareceu seu marido seguido de seu ajudante de câmara, Gordy. Jason já se tinha desfeito da jaqueta e estava tirando a gravata. Quando
reparou no rubor das bochechas de Lauren, um brilho risonho apareceu imediatamente em seus olhos, mas não fez nenhum comentário a respeito e se limitou a dizer que
era agradável estar de novo em casa, e logo perguntou à senhora Morrow se lhe parecia bem sua nova esposa.
- Certamente que sim! - respondeu o ama de chaves em seguida, - embora se me permite dar minha opinião, não posso imaginar como o senhor foi capaz de encontrar
à senhora entre todos esses selvagens da América.
Jason soltou uma gargalhada.
- Confio em que você dê sempre sua opinião, senhora Morrow, com ou sem minha permissão. Vê que aliada vais ter, Lauren? Não sei como me vou virar para enfrentar
às duas de uma vez... Embora tenha de reconhecer que sempre senti uma queda especial pela senhora Morrow porque me dava bolachas de gengibre quando era menino.
- Ja! O senhor quererá dizer que sempre olhava para outro lado quando as roubava ao cozinheiro diante de seus narizes...
Logo a anciã sacudiu a cabeça e se dirigiu a Lauren:
- De pequeno era da pele do diabo, senhora, o asseguro.
Lauren sorriu olhando a seu marido aos olhos e comentou:
- Me posso imaginar isso perfeitamente.
- Senhora Morrow - disse Jason, - acredito que minha esposa deve estar cansada depois da longa viagem e deveria descansar não lhe parece?
- Certamente, senhor! - respondeu o ama de chaves.
- Enviarei Molly imediatamente para que a ajude a se despir para deitar um momento.
Jason a deteve com um movimento da mão.
- Não será necessário, eu ajudarei minha mulher no que necessite. E não nos vestiremos para o jantar esta noite, você poderia fazer que nos sirvam na sala
de estar da senhora? Ah!... e, Gordy, tampouco te necessitarei esta noite. Se surgir algo, chamaremos.
À senhora Morrow não pareceu lhe importar que a despedissem, e se Gordy acolheu com decepção que lhe relevasse de suas funções momentaneamente depois de que
o senhor estivesse tanto tempo fora, certamente estava muito bem treinado para dar amostras disso.
Quando por fim partiram os serventes, Jason atraiu a Lauren para si e ela não teve oportunidade de arreganhá-lo até depois de um comprido beijo.
- Verdadeiramente, Jason, como pudeste lhe contar à senhora Morrow semelhante conto? Não estou cansada absolutamente.
Ele sorriu.
- Já, e eu tampouco - lhe respondeu ele ao mesmo tempo em que voltava a baixar a cabeça.
Um tempo depois, enquanto jaziam juntos na imensa cama e Jason desenhava um atalho sobre o ventre de Lauren com movimentos lânguidos da mão, lhe sorriu meio
adormecida.
- Temo que tem muito pouco futuro como donzela, Jason, não tiveste o menor cuidado com a roupa que me comprou em Nova Orleans.
Ele nem sequer olhou em direção aos objetos que tinha ido atirando ao chão com total despreocupação.
- Não, trazem-me sem cuidado - disse, - a mim o único que me interessa é te ajudar a tirar isso Além disso, em qualquer caso, terá que te fazer roupa nova,
logo esta já não te servirá, e além disso tem mais de um ano e já não está na moda.
- Jason, isso é um disparate! Ainda fica tempo antes que a gravidez comece a notar-se de verdade, e para então, como meus vestidos são de corte império, já
me terá dado tempo a alargá-los suficiente.
Ele sacudiu a cabeça.
- Isso sim que não, minha sereia! Não iria na moda absolutamente...
- Importa-me um rabanete a moda! É um desperdício!
- Já sei, mas nos podemos permitir isso, e além agora tem uma posição que manter em sociedade, minha senhora. Verá que, no que a esses assuntos respeita,
Londres é muito pior que Nova Orleans. Não poderá aparecer duas vezes em público com o mesmo vestido sem que se comente.
Ao ver o olhar incrédulo do Lauren, lhe deu um beijo no nariz.
- Amanhã pela manhã vou ter que me encerrar no estudo com meu secretário umas quantas horas, mas você poderia aproveitar para ir às compras com a tia Agatha.
A anciã é um autêntico velho dragão, mas acredito que você gostará.
Lauren lançou um suspiro de resignação e logo o contemplou com os olhos entreabertos ao mesmo tempo em que dizia:
- Não falará a sério de que tenha que estar à última moda em tudo, verdade?
- Refere a se quiser que te corte o cabelo, por exemplo? Certamente que não, disso nada, nem te ocorra! Eu adoro tal e como o leva.
- Não referia a isso - disse Lauren com um sorriso provocador nos lábios, - mas sim a se tiver intenção de que durmamos em habitações separadas. Pelo visto,
é a última moda entre os casais casados...
Jason esboçou um sorriso.
- Você não gosta de seu dormitório? Nesse caso tem minha permissão para trocar o que quiser e redecorá-lo todo. A verdade é que já me tinha imaginado que
você não gostaria do rosa. A minha mãe tampouco gostava, por certo, mas decorou a habitação intencionalmente para que esta desgostasse a meu pai o máximo possível.
- Meu deus! Tão mal se levavam?
- A verdade é que se queriam muito, mas meu pai era um homem que dava ordens a todo mundo e esperava obediência cega e, embora minha mãe o aguentasse, só
era até um ponto e logo se revelava. Os anjos, por exemplo, são para lhe recordar a meu pai que as pessoas, incluídas as de sua própria família, não são mais que
meros mortais. Um toque magistral, não crê?
- Sim, quão único é tudo um pouco muito rosa para mim. Este habitação eu gosto muito mais.
- O mesmo acontecia com ela.
Lauren se aconchegou ainda mais contra o corpo do Jason e elevou a vista para ele.
- Então, posso ficar aqui contigo? - perguntou ela com tom espectador.
Ele riu.
- Contava com isso.
Efetivamente, Lauren foi às compras ao dia seguinte com lady Agatha Trent, uma dama alta e esbelta, agora viúva e com vários netos já adultos. Era uma Stuart
de nascimento, antes de casar-se fazia já cinquenta anos, mas inclusive tinha trocado de sobrenome então, ficava bem claro que se considerava como a matriarca do
clã Stuart. Durante os primeiros minutos de seu encontro, lady Agatha tratou a Lauren com uma formalidade enrijecida, mas logo desistiu um tanto.
- Servirá - se pronunciou ao fim.
- Pode que não tenha sangue nobre, mas certamente é de boa raça, isso salta à vista. Seu físico é mais que passível, seu porte excelente e tem uma atitude
distinguida. Além disso, parece gozar de uma saúde o suficientemente boa para dar a meu sobrinho um herdeiro.
Lauren sorriu educadamente.
- Obrigado, milady. E, por certo, já que estamos falando de meus atributos, esquece-se você de que também tenho bons dentes.
Lady Agatha entreabriu os olhos durante um momento e logo riu.
- E sabe usar a cabeça. Isso é bom! Não suporto às descerebradas. Além disso, te vai fazer falta para te enfrentar às intrigas. Asseguro-te que todo Londres
está já falando de ti. Eu tentarei te aconselhar em tudo o que possa, a família é a família, sabe? Mas o resto já é tua coisa. Este matrimônio seu não será nenhum
conluio, verdade?
Lauren abriu os olhos surpreendida, pois inclusive vindo de uma tia a que Jason tinha carinho, aquela pergunta era claramente muito pessoal e indiscreta.
Além disso, não podia responder com a verdade já que nem tão sequer estava segura de estar casada, posto que tinha assinado com um nome falso. E o que pensaria tia
Agatha se inteirava de que ela estava bêbada durante a cerimônia? Ou, já postos, se descobria que Jason a tinha encontrado em um bordel de luxo e a tinha tomado
por uma cortesã...
De algum modo, Lauren as engenhou para responder de forma civilizada e vaga - e também falsa, é obvio, - e pareceu que a dama de cabelos prateados se deu
por satisfeita, porque trocaram de tema. Ao cabo de um momento, Lauren até se acostumou à franqueza de lady Agatha, e quando a anciã se relaxou o suficiente como
para não mostrar-se tão estirada, ao Lauren começou a lhe gostar - tal e como Jason tinha antecipado, - chegando inclusive a apreciar genuinamente seus conselhos.
Durante aquela primeira sessão em companhia da tia do Jason, Lauren aprendeu três coisas importantes: a primeira, que a posição de seu marido em sociedade
era muito mais elevada do que ela imaginou; a segunda, que essa mesma sociedade aguardava igual a um leão faminto a que ela cometesse o menor engano para esquartejá-la,
e a terceira, que já tinha transcendido que Lauren era a herdeira da naval Carlin.
Como se tinha propagado essa notícia era algo que Lauren nunca soube. Quando interrogou ao Jason a respeito, lhe assegurou que não tinha contado nada a ninguém,
e sugeriu que era possível que alguém tivesse visto seu retrato nos escritórios da companhia. Também era possível - segundo Jason - que algum comerciante ardiloso
houvesse recomposto as peças do quebra-cabeça sem mais, já que ele nunca tinha oculto ser o proprietário da naval. Além disso, Lauren se deu conta de que, por outro
lado, tudo podia ter começado como uma simples fofoca do serviço, o melhor método de transmissão de notícias que havia como bem pôde comprovar por si mesmo, pois
sua donzela Molly lhe proporcionou um sem-fim de valiosa informação.
Fora qual fora a forma em que se propagou a história, o fato era que se conhecia - ou pelo menos supunha - sua conexão com a companhia Carlin, o que impedia
a Lauren evitar o tema como tinha preferido. Não levava em Londres nem três dias, e já tinha tido que explicar a um bom número de entremetidos parentes do Jason
que preferia que a chamassem Lauren e não Andrea. A verdade era que se alegrava muito de que ele tivesse pensado que partissem às posses do Kent, Effing Hall, assim
que passassem duas semanas.
Mesmo assim, não ia conseguir escapar facilmente. A maior parte da alta sociedade londrina já partira a suas respectivas casas de campo, mas lady Agatha tinha
organizado "sobre a marcha" uma recepção para os "duzentos ou trezentos" que ainda estavam em Londres. A anciã dama estava decidida a apresentar Lauren em sociedade
e até o Jason se mostrou de acordo em que o melhor era "desafiar aos leões" quanto antes.
Lauren estava muito nervosa ante a perspectiva daquela recepção. De fato, enquanto se vestia para assistir à noitada estava pensando no leão que Jason a tinha
levado a ver o edifício do Strand no que se exibiam animais, o Exeter Exchage, e decidiu que tivesse preferido entrar naquela jaula antes que enfrentar-se à massa
hostil de convidados que se imaginava. Enquanto Molly lhe dava os últimos toques a seu penteado, Lauren ia considerando todas as alternativas - exceto o suicídio
- que lhe tivessem permitido livrar-se daquela prova de fogo.
Quando entrou, Jason a encontrou sentada frente à penteadeira. Ela agradeceu a distração e o olhou através do espelho. Estava muito bonito vestido de etiqueta,
luzindo uma impoluta gravata branca e alfinete com um diamante ao pescoço. Aquela vestimenta de gala parecia realçar seu porte e acentuar as poderosas linhas de
seu esbelto corpo. A jaqueta se adaptava perfeitamente aos musculosos ombros e a ajustado calça de cetim envolvia de maneira óbvia - e no sentido mais literal -
os breves quadris e as coxas torneadas.
Também lhe dedicou um olhar de aprovação que a percorreu como uma carícia e ficou de pé justo detrás dela. Quando seus olhares se cruzaram através do espelho,
Lauren sentiu que a invadia uma estranha sensação ao mesmo tempo em que lhe acelerava o pulso, e nem sequer reparou em que a donzela se despediu com discrição com
uma breve reverencia e os tinha deixado sozinhos. Jason a olhou aos olhos e lhe pôs as mãos sobre os ombros ao mesmo tempo em que declarava em voz baixa:
- Espetacular!
Ela conseguiu esboçar um sorriso trêmulo. Tinha posto um vestido novo à última moda com um decote baixo que revelava uma porção generosa de sua suave pele
sem mácula. A capa inferior da saia era de cor nata e tinha entretecidos finos fios dourados que resplandeciam quando se movia, e a capa superior era de um verde
esmeralda que realçava a cor de seus olhos. Não obstante, não tinha complementado seu traje com os espetaculares diamantes e esmeraldas da família Effing, mas sim
tinha eleito ficar o pendente do coração que Jason lhe tinha dado junto com umas quantas gemas distribuídas pelo cabelo. A Lauren tinha parecido que o efeito era
discreto e elegante. Então levou a mão ao coração dourado com gesto defensivo e disse:
- Pode que não seja a jóia mais apropriada, mas eu gostaria de levá-lo.
O sorriso do Jason era imensamente terno.
- Nada me agradaria mais, Olhos de Gata, só desejaria que meu nome estivesse gravado nesse coração para que todo mundo soubesse imediatamente que é minha...
Muito temo que vou ter que passar a noitada apartando as moscas azuis que sem dúvida revoarão a seu redor. Parece uma rainha.
Jason não ia muito desencaminhado. O elemento masculino da recepção de lady Trent recebeu Lauren com os braços abertos; quanto às mulheres, mostraram-se muito
mais reservadas, embora também expressaram uma genuína curiosidade por conhecer a beleza que tinha conseguido cativar ao esquivo Jason Stuart. E embora as palavras
"burguesa", "comerciante" ou "plebéia" estavam muito presentes em suas cabeças, eram muito conscientes da preponderância que tinha o marquês do Effing em sociedade
para arriscar-se a ofender a sua exuberante marquesa.
Lauren esteve de pé recebendo aos convidados durante o que lhe pareceram horas, no transcurso das quais lhe foram apresentando a um sem-fim de pessoas elegantes,
três quartas partes das quais já não podia recordar ao cabo de um momento. Logo pôde ao fim passar ao salão de baile - a única estadia da mansão Trent onde cabiam
todos os convidados - e se viu rodeada imediatamente. Totalmente desconsolada, olhou ao Jason com olhos implorantes, mas ele ignorou sua súplica lhe dedicando um
sorriso de "já lhe dizia isso eu" e encolhendo-se de ombros para lhe dar a entender que não podia fazer nada. Ao minuto seguinte, um convidado reclamou a atenção
de seu marido e Lauren ficou ali de pé, vendo como se afastava entre a multidão.
Passaram mais de três horas antes que o visse reaparecer avançando para ela seguido de um cavalheiro que vinha com ele. Inclusive em meio de uma multidão,
a presença do Jason era lhe impactante, e Lauren sentiu que lhe enchia o peito de orgulho ao pensar que aquele homem poderoso e imponente lhe pertencia.
- Minha vida - disse ele quando chegou a seu lado, - eu gostaria de te apresentar a um de meus melhores amigos e companheiro de classe, Dominic Serrault,
conde do Stanton. Rogo-te que não se sinta ofendida porque tenha chegado tão tarde. Dominic carece totalmente de maneiras, mas lhe perdoa tudo por seu cativante
sorriso. Deixarei-vos um momento para que vão se conhecendo enquanto vou te buscar uma caneca de vinho.
Antes que Lauren tivesse tempo de dizer uma palavra, Jason havia se tornado a partir e lorde Stanton estava inclinando a cabeça cortesmente a modo de saudação.
Quando se ergueu de novo, Lauren se encontrou com seus olhos que eram cinzas e penetrantes e, efetivamente, era um homem que chamava a atenção, embora nada comparável
a seu arrumado marido de olhos azuis, pensou. Lorde Stanton tinha os cabelos escuros e umas feições aristocráticas que lhe davam um certo ar de cinismo, e seu porte
era de uma arrogância natural que raiava na soberba.
Lauren se deu conta de que o cavalheiro a observava sem perder detalhe e com gesto sério e, em que pese a que se dirigiu a ela em tom cortês e educado, era
evidente que ia esperar um pouco antes de formar uma opinião sobre a nova marquesa do Effing. De fato, quase se diria que estava predisposto a que Lauren não gostasse,
mas ao contrário lhe pareceu muito agradável aquela reserva. Levava toda a noite ouvindo adulações pouco sinceras e, por mais que não lhe tivessem resultado desagradáveis,
tampouco lhes dava crédito algum. Evidentemente, Lauren queria a aprovação de outros, mas preferia que fora devida a seu caráter e não ao feito de que seu físico
fora atrativo.
Não teve tempo mais que para intercambiar umas quantas palavras com lorde Stanton antes que uma dama que Lauren recordava vagamente como a filha de algum
duque aparecesse e reclamasse sua atenção com muita arrogância. Lauren se esforçou quanto pôde para permanecer imperturbável ante os comentários maliciosos e as
insinuações de lady Blanche, e respondeu educadamente às perguntas indiscretas sobre seus antepassados e suas origens ordinárias, e inclusive sorriu e mordeu a língua
quando a mulher deu a entender que Jason se casou com ela por sua "vulgar" fortuna. Mas quando a dama teve a temeridade de sugerir que seria tão somente questão
de tempo antes que lorde Effing reatasse "certas atividades" às que se dedicou antes de casar-se, os olhos do Lauren começaram a jogar faíscas.
- Ah, verdadeiramente! - disse com um suspiro algo zombador, - só espero que você seja certeira em suas predições, milady. Não pode nem fazer uma idéia de
quão exaustivo é ter que satisfazer eu sozinha as exigências de um homem tão... ativo como meu marido, e tão pouco na moda, além disso! Imagine - acrescentou com
tom açucarado, - Jason insiste em que durma em sua cama! E muito temo que não lhe importa o mínimo contar a qualquer que pergunte que nos casamos por amor, por mais
que lhe roguei uma e mil vezes que não o faça. É tão abafadiço que não sei nem como consigo me apresentar em público com a cabeça bem alta. OH, mas talvez não deveria
falar destas coisas com você, senhora! Como poderia você estar familiarizada com os hábitos mais viris dos homens? Confio em que saberá me perdoar...
Lauren contemplou o resultado de sua intervenção agradada. A julgar pela estranha expressão de lady Blanche, a dama era incapaz de decidir se a tinham insultado
ou não e, em caso afirmativo, se devia ou não dar-se por aludida. Entretanto, lady Blanche sim que era o suficientemente inteligente para dar-se conta de que a nova
lady Effing não se deixou intimidar, de igual modo que também tinha suficiente inteligência para ver que seu plano para chamar a atenção do aprumado lorde Stanton
tinha fracassado, posto que o cavalheiro estava tossindo delicadamente com o punho apoiado na boca, sem dúvida em um intento de dissimular a risada. Assim, sentindo-se
incômoda, como se fora objeto de uma brincadeira a que só ela era alheia, a jovem dama sorriu com inapetência e fingiu ter visto entre os convidados a alguém com
quem "tinha que falar imediatamente". Quando por fim se afastou, Lauren lançou um suspiro de alívio.
- Toda vitória tem certo sabor a vingança - murmurou lorde Stanton fazendo que Lauren lhe lançasse um olhar com os olhos entreabertos.
Esqueceu-se completamente de sua presença já que ele tinha permanecido ali de pé um passo por detrás dela, mas resultava evidente que tinha estado escutando
a conversação de princípio a fim. Quando Lauren detectou o brilho zombador em seus olhos cinzas, recordou que tinha mencionado os hábitos viris dos homens e se ruborizou,
mas então elevou o queixo e disse com tom defensivo:
- Não suporto às tigresas.
Ele sorriu.
- Eu tampouco, e lady Blanche é um espécime muito representativo. Eu acredito que teria tratado de morder, além de arranhar, se tivesse entendido a metade
das coisas que lhe disse.
Lauren não respondeu porque estava distraída contemplando a incrível mudança que se produziu nas arrogantes feições de lorde Stanton e, elevando a vista para
ele, teve que reconhecer que estava de acordo com o Jason quando dizia que o cavalheiro tinha um sorriso cativante.
Nesse momento voltou Jason trazendo consigo uma caneca de champanha. Ao ver que Lauren a aceitava com gesto algo anti-social a olhou à cara.
- Passa algo, minha vida? Espero que Dominic não tenha feito nada que me obrigue a desafiá-lo a um duelo... Tem muita boa pontaria.
Lauren enrugou a testa ao mesmo tempo em que dedicava a seu marido um olhar de desaprovação.
- É obvio que não. Lorde Stanton só estava me citando ao Milton.
A resposta valeu a Lauren um olhar de admiração do conde, mas ela nem se deu conta porque estava concentrada em arreliar ao Jason.
- É você, carinho, que não teve um comportamento precisamente exemplar! E estiveste a ponto de fazer ficar como uma mentirosa, além disso, posto que lhe estive
dizendo a todo mundo que me adora.
- E assim é! - defendeu-se ele com seus belos olhos azuis arregalados.
- E, entretanto, deixa-me sozinha toda a noite. Verdadeiramente, Jason, como pudeste?
- Já te disse que seria assim - lhe respondeu ele sem o menor indício de arrependimento, - não pude nem me aproximar de ti em meio da nuvem de admiradores
que te rodeava.
- Sim, já, claro! Pois se chegar ou seja que tinha intenção de me abandonar a mercê... dessa boa gente, lhe teria pedido a lady Agatha que celebrasse um baile
de disfarces e me teria posto uma armadura como mínimo.
Os olhos do Jason brilhavam risonhos.
- Dominic, pergunto-lhe isso a ti, parece-te que minha mulher tenha necessitado de meu amparo?
- Absolutamente - respondeu com ligeireza lorde Stanton, - nem do meu tampouco. Conseguiu ela sozinha que o inimigo saia fugindo, com a espada do engenho
lhe bastou. Mas sim que te aconselharia de todos os modos que cuide um pouco melhor a sua formosa dama antes que outro se ofereça voluntário a fazê-lo por ti. De
fato, já a ouvi dizer que é exaustivo estar casada com um homem como você, com suas exigências constantes sobre seu... tempo.
Jason arqueou uma sobrancelha e levou a vista de seu amigo a sua mulher. Ela evitava olhá-lo aos olhos e se deu conta de que suas bochechas estavam avermelhadas.
- Que descuido por minha parte! - disse Jason por fim, - vem, querida, vamos procurar um lugar mais tranquilo onde possa te sentar um momento longe de todo
este bulício. Dominic, se nos desculpa, por favor.
- Jason, de verdade que estou perfeitamente - protestou Lauren enquanto ele a guiava tomando-a do braço.
Jason se dirigiu para as portas que davam ao jardim em penumbra.
- Isso me pareceu também, mas me intriga essa história de que sou muito exigente.
- Eu não disse isso exatamente...
- Ah, não? Então vou ter que te dar verdadeiros motivos para te queixar.
Ao ouvir o tom zombador de sua voz, Lauren elevou a vista para olhá-lo à cara, e ao ver que lhe sorria e havia uma luz cálida em seus olhos, acompanhou-o
docilmente, e quando a escuridão os rodeou, não opôs a menor resistência a que Jason a atraísse para ele. Apertou-a com força contra seu corpo, levava toda a noite
esperando para isso; isso e muito mais...
- A tia Agatha saberá me perdoar por te haver raptado um momento - lhe sussurrou ao ouvido com voz aveludada.
O leão levava muito tempo longe de sua presa...
No jardim de sua própria casa, dois dias mais tarde, Jason contou a Lauren seus planos de acompanhar à Armada britânica a Argélia. Era um dia do verão quente
como um vinho com corpo, mas ao Lauren parecia ácido como o vinagre enquanto passeava do braço de seu marido entre maciços de rosas e aquilina.
- O problema dos piratas do Mediterrâneo está cada vez mais estendido - explicava ele, - e não é só uma questão que afete à naval, é que nenhum navio está
já seguro, salvo que seu país de origem pague um preço extorsivo para garantir seu amparo. Em geral, os navios são capturados e inclusive afundados, apoderam-se
da carga e se levam cativos à tripulação e os passageiros, e quem não tem dinheiro para pagar um resgate acaba vendidos como escravos.
Ao ver que Lauren permanecia em silêncio, seguiu falando:
- Os corsários têm seus centros de operações ao longo de toda a costa africana. Nos últimos anos já houve vários intentos de limpar a zona para fazê-la mais
segura para o comércio, começando pelos dos americanos a princípios de século, mas em geral serviram que pouco e outro tanto pode dizer-se das vias diplomáticas.
Nestes momentos, a fraternidade de corsários maior, a mais daninha, encontra-se no Argel. Lorde Exmouth, o comandante em chefe do Mediterrâneo, propõe-se liderar
uma frota de navios ingleses e holandeses contra os piratas. Sua intenção é destruir as guaridas que lhes servem de base, se for possível.
Jason fez uma pausa e se voltou para olhar ao Lauren, que não havia dito uma só palavra desde que ele tinha começado a falar, e tampouco o tinha cuidadoso
nenhuma só vez. Tomou o rosto entre as mãos e a obrigou a elevar a vista.
- E eu vou com ele, Lauren - disse em voz baixa.
Ela o olhou fixamente durante um momento.
- Você vai procurar ao Rafael - disse ela ao fim com voz rouca.
Jason cravou o olhar naqueles angustiados olhos verdes e viu que os brilhos âmbar de suas profundidades eram mais intensos que de costume.
- Sim - admitiu ele, - mas tenho outras razões além de querer encontrar ao Rafael. Os piratas levam já muito tempo sendo uma ameaça para a companhia Carlin.
Nenhum de nossos navios foi jamais apressado porque não costumam navegar em solitário, mas alguns sim que sofreram sérios danos, teve feridos, inclusive mortos.
Esta situação não pode continuar.
- Mas por que tem que ser você o que vá? - protestou Lauren.
- Eu sou o responsável pela segurança dos navios da companhia - disse Jason com uma veemência que lhe era de sobra conhecida, - e não posso ficar de braços
cruzados enquanto outros lideram minhas batalhas. Dei ordem de que se equipe um de nossos navios mais rápidos, o Capricórnio, com as munições mais avançadas. É um
bom navio, e além Kyle virá comigo. Ele e eu já temos feito isto outras vezes e sempre conseguimos sair virtualmente ilesos, com tão somente um par de arranhões.
- Mas esta vez não é o mesmo! - exclamou Lauren com desespero.
- Não parará até que não mate ao Rafael, ou ele lhe mate!
Jason lançou um suspiro.
- Prometi-o, minha vida, já sabe.
Ao ver a preocupação nos olhos de sua esposa, estreitou-a em seus braços e afundou o rosto em seus cabelos dourados.
- Quero que fique no Effing Hall até que eu volte, acredito que você gostará de estar aqui, e tia Agatha pode ficar contigo para te fazer companhia, se quiser.
Lauren conteve um soluço. Queria lhe suplicar que ficasse na Inglaterra onde estaria a salvo, mas não podia articular palavra porque a dor lhe atendia a garganta
e, além disso, sabia que ele jamais trocaria de opinião.
- Ai, Jason - murmurou, - só te peço que por favor volte para meu lado!
Lauren tinha medo pelo Jason, mas pouco tempo depois esse medo se viu eclipsado por um temor mais imediato. Essa mesma tarde, tinha acompanhado a lady Agatha
à rua Bond com intenção de comprar presentes para seus amigos da América. Tinha sido comovedor ver a expressão agradecida de Lilás quando entregou a pequena caixa
de jóias de prata, mas com sua partida precipitada de último minuto não tinha podido dar a outros uma amostra similar de seu afeto.
No momento em que saía de uma loja de sedas, Lauren se deteve de repente ao ver o outro lado da rua abarrotada e um homem vestido com as tradicionais roupas
azuis dos marinheiros, um homem que reconheceu imediatamente já que seu rosto estragado e seu olhar penetrante eram inconfundíveis: Ned Sikes. Além disso, havia
outra pessoa com ele, uma mulher maior, alta e de compleição forte. Lauren não podia lhe ver bem o rosto, mas sentia que a maldade que gotejavam os olhos daquela
dama chegava até ela como se não houvesse distância alguma, nem carruagens, nem transeuntes que as separassem.
Extremamente afetada, obrigou-se a subir à carruagem, mas logo que ouviu uma palavra dos louvores que lady Agatha dedicou aos tecidos que tinham encontrado,
e durante o trajeto de volta a casa não foi capaz mais que de escutar em silêncio enquanto a tia do Jason lhe falava de um orfanato que patrocinava.
Lauren não se lembrava depois da desculpa que deu, mas o fato é que conseguiu subir ao seu quarto e, depois de tirar o vestido, deitou-se na cama a descansar
embora era incapaz de fechar os olhos. Estava a ponto de ocorrer algo, estava segura. Notava uma sensação de perigo aterradora que a afligia, era como se estivesse
de pé ao bordo de um precipício, contemplando de cima o abismo infinito, e se esperasse dela que saltasse, ou se não a empurrariam.
Os golpes suaves de uns nódulos a sua porta a sobressaltaram. Entrou uma faxineira com uma nota em uma bandeja de prata e Lauren ficou olhando a folha de
papel enrolado como se fora uma serpente em seu ninho. Aquilo era o que se temeu que aconteceria. Quase sem fôlego, Lauren despediu da faxineira. Suas mãos tremiam
quando rompeu o selo e leu a breve e devastadora mensagem:

Minha querida sobrinha Andrea:
Reúna-te comigo amanhã às nove da manhã. Hyde Park. Segue o atalho que começa na porta norte. Vem sozinha e não mencione nada disto a seu marido. Você e eu
temos muitas coisas de que falar.
Com carinho de sua tia,
Regina

Passou um momento antes que Lauren fora de novo consciente de onde estava e só então se deu conta de que se aproximou da penteadeira e estava olhando fixamente
sua imagem refletida no espelho: pôs-se muito pálida e seus olhos pareciam enormes em meio de seu rosto gasto.
Apartou a vista do espelho e baixou os olhos para dar-se conta de que tinha nas mãos uma flor: devia-a ter tirado enquanto passeava com o Jason pelo jardim
essa manhã e a teria levado a seu quarto, mas não tinha nem idéia de por que, já que não era mais que um caule espinhoso de roseira e nem sequer era bonita, posto
que o único casulo diminuto que tinha estava murcho e quebradiço.
Não lhe encontrava nenhum significado... Ou talvez sim? Em certo modo lhe recordava quão vazia tinha estado sua vida antes que Jason a encontrasse de novo.
Tinha estado realmente viva antes que ele aparecesse outra vez? Ele a tinha repleto de amor e de esperança; tinha-lhe dado um filho. Durante um breve espaço de tempo
tinha sido total e delirantemente feliz, mas agora lhe arrancariam essa felicidade igual a se lhe cortassem um órgão.
Com certa deliberação, Lauren fechou a mão apertando o caule seco, deixando que os espinhos se cravassem na palma, desejando sentir as pontadas de dor. Seu
passado tinha conseguido encurralá-la, tal e como sempre tinha sabido que aconteceria, tal e como sempre tinha temido. O refúgio quente em que tinha vivido nos últimos
tempos se desfazia, igual às pétalas da rosa se desfaziam em sua mão. Invadiu-a um sentimento de desolação enquanto observava o pó de cor branca rosado caindo sobre
o tapete, e não a surpreendeu dar-se conta de que não podia deixar de tremer.

Capítulo 24

À exceção dos meninos que jogavam sob o atento olhar de suas respectivas babás, o parque estava deserto a aquela hora. Reinava um silêncio tal na preciosa
manhã do verão que até o ruído das pegadas sobre o cascalho parecia desmesuradamente alto.
Nada teria agradado mais a Lauren que dar a volta e sair correndo, mas tinha que enfrentar a Regina e averiguar o que sabia: se o escândalo era iminente,
teria que abandonar a Inglaterra em seguida, o que talvez não evitaria a desonra do sobrenome Stuart, mas pelo menos economizaria ao Jason a vergonha de ter a sua
mulher na prisão.
A noite anterior, tinha temido que ele suspeitasse que algo não ia bem porque não tinha podido evitar aferrar-se a ele desesperadamente, sem saber se
voltaria a vê-lo outra vez, e quando tinham feito o amor, tinha experimentado uma angústia que era quase insuportável.
Parecia evidente que Jason não tinha notado nada, porque se limitou a abraçá-la forte sem dizer uma palavra, consolando-a em silêncio. Um golpe de sorte
fez que ele tivesse que sair muito cedo essa manhã para finalizar os preparativos da viagem que se dispunha a empreender. Lauren pediu a carruagem pensando que se
saía sozinha a pé levantaria suspeitas e, uma vez no parque, ordenou ao chofer que desse uma volta aos cavalos enquanto ela passeava um momento.
Suas pegadas se foram fazendo mais indecisas à medida que se aproximava da porta norte, e chegou à conclusão de que Regina chegaria tarde porque não
havia nem rastro de ninguém. Então uma mulher, a mesma que se ficou olhando-a com tanto ódio no dia anterior, saiu de atrás do tronco de um castanheiro. Lauren se
deteve de repente e teve que fazer um esforço para não sair fugindo daqueles hostis olhos cinzas que a esquadrinhavam tão implacavelmente. Estremeceu-se sentindo
calafrios que lhe percorriam todo o corpo.
- Assim que você é a esposa do Jonathan - declarou a mulher.
Lauren não tinha a menor duvida de que estava ante a Regina Carlin, pois se parecia muito ao retrato de seu pai que havia no Carlin House. A idade lhe tinha
enrugado o rosto, mas compartilhava com seu irmão os rasgos faciais além da altura e o porte régio característicos da família. O vestido de um negro escuro que levava
Regina lhe dava um aspecto sombrio, convertia-a quase em uma figura trágica, enquanto que seus prateados cabelos grisalhos acrescentavam um toque de fragilidade.
Lauren, entretanto, estava muito consciente de que sua tia era um adversário perigoso, como testemunhava - sem ir mais longe - a maneira implacável e fanática
em que Regina tinha assediado Carlin House durante anos. Aqueles olhos cinzas a atravessavam brutalmente.
- Você é a bastarda de meu irmão - disse sua tia em tom acusador jogando por terra a leve esperança que albergava de que a mulher desconhecesse sua verdadeira
identidade.
- Elizabeth DeVries era sua mãe.
Lauren se sobressaltou e os lábios da Regina se retorceram em uma careta de brincadeira.
- Ai, sim, claro que sabia de ti! Jonathan alardeou em mais de uma ocasião sobre como tinha enganado a sua insensata mãe.
Lauren notava as dolorosas investidas do coração lhe golpeando as costelas: o jogo tinha terminado.
- Sim - disse com um fio de voz, - Jonathan Carlin era meu pai.
Fez-se um comprido e tenso silêncio durante o que tia e sobrinha simplesmente ficaram a olhando-se uma à outra. Logo Regina falou de novo, quase para si mesmo:
- Eu fui tão insensata quanto ela. George Burroughs organizou tudo para que você ocupasse o lugar de Andrea, não? Que ardiloso! Não teria imaginado nunca
que se atrevesse a tanto. E quanto a ti, perguntava-me o que teria sido da bastarda do Jonathan, mas nunca te associei com a pequena Andrea. Burroughs disse que
a tinha escondido em um lugar seguro, assim não me podia acreditar isso quando Sikes me contou que uma mulher chamada Lauren DeVries era a proprietária da naval
Carlin.
Como se aquelas palavras lhe dessem pé para entrar em cena, Ned Sikes saiu de detrás de uma árvore de espinheiro. Manteve-se a distância, mas Lauren não pôde
evitar estremecer quando notou seu insolente olhar sobre ela. Notou que tinha a garganta seca.
Ele me estava espiando? - perguntou Lauren com voz rouca.
Enganchando os polegares no cinturão, Sikes apoiou as costas na árvore e assentiu com a cabeça.
- Ela me contratou para que vigiasse a esse marido galante e a você - disse o homem arrastando as palavras e ignorando o olhar furioso que lhe dirigia Regina,
embora evitou dizer nada mais.
- Esse intrometido do Stuart! - disse a mulher cuspindo as palavras com desdém e voltando a cravar o olhar no Lauren.
- Entendo que agora está casada com ele, com o que imagino que milord acredita que as engenhou para ter todo maço e bem pacote: primeiro rouba a naval para
que eu não possa me fazer com ela e logo se casa contigo para que a manobra pareça legal. Onde está a encantada Andrea, por certo? Embora não é que me importe o
mais mínimo...
- Está... está morta - gaguejou Lauren.
Um sorriso retorcido apareceu nos lábios da Regina.
- Que pena! Ter-me-ia economizado muitas dores de cabeça se tivesse morrido quando Jonathan e Mary, que era de fato quando se supunha que devia fazê-lo.
Lauren não pôde conter um grito afogado.
- Supunha-se...? Então é verdade que você é quem matou aos Carlin?
- Surpreende-me que Burroughs não te contasse o que passou - replicou Regina evitando responder diretamente.
- Disse que você era responsável pela morte de meu pai.
A mulher apertou os lábios.
- Jonathan era malvado. Você deveria sabê-lo, tendo em conta o que fez a sua mãe... Eu só vi a Elizabeth em uma ocasião; era tão confiada, tão inocente...
Mas acabou descobrindo, e com não pouco sofrimento, como era meu irmão em realidade.
- Assim que você o assassinou?
Houve um brilho de ira nos olhos de sua tia.
- Eu não, Rafael.
- O pirata - apostilou Lauren.
- Ele era o homem que eu amava, o homem com quem me teria casado se não fosse por meu irmão. Eu só disse ao Rafael onde estava Carlin House, mas o teria
ajudado a matar ao Jonathan se tivesse estado ali.
Falava com tanta calma, sem o menor remorso, que Lauren sentiu um pavoroso calafrio lhe percorrendo as costas enquanto contemplava como os olhos da Regina
adquiriam uma expressão distraída, como se estivesse recordando algo do passado.
- Jonathan condenou ao Rafael à escravidão quando o único crime que tinha cometido era me amar, e meu amante, o homem com quem me teria casado, voltou sendo
somente meio homem.
Seu olhar feroz voltava a estar fixo em Lauren.
- Entende o que digo, querida sobrinha? Entende-o? Alegrei-me de que Rafael conseguisse vingar-se, alegrei-me de que meu irmão sofresse a mesma sorte! E sim,
alegrei-me de que morrera!
Lauren imaginou que o horror devia refletir-se em seu rosto, porque sua tia elevou um dedo acusador para ela.
- Quem é você para me julgar? Eu tinha razões para odiar ao Jonathan! Ele arruinou minha vida quando destruiu ao Rafael.
- Mas Mary... e Andrea... Elas não tinham feito nada.
- Não, mas sua morte supunha que a naval passaria a minhas mãos. Meu plano era vender a companhia e dar o dinheiro ao Rafael como compensação pelo que Jonathan
lhe tinha feito.
- Mas Andrea sobreviveu... - murmurou Lauren.
Foi como se uma máscara tivesse descido sobre as feições altivas da Regina; parecia fria, desumana e - pelo menos a olhos de Lauren - letal.
- Sim - disse muito devagar, - de algum jeito, a pequena Andrea engenhou para escapar, e enquanto sua meio-irmã vivesse eu não podia tocar nem um centavo
da fortuna do Jonathan.
Soltou uma breve gargalhada.
- E pensar que todo este tempo acreditei que você era ela! Certamente é inegável que é filha do Jonathan, preocupada única e exclusivamente por ti mesma...
Deveria ordenar ao Ned que te matasse só por me haver enganado desse modo. Ned, não me negará que você adoraria fazê-lo, verdade?
Ver o feroz sorriso de dentes enegrecidos no rosto de Sikes desconcertou completamente a Lauren, que não pôde evitar retroceder um passo.
- Está você louca! - espetou a Regina, sem poder impedir que as palavras escapassem de seus lábios.
A mulher soltou uma gargalhada que lhe gelou o sangue:
- Certamente a loucura é hereditária. Mas, por desgraça para ti, ainda não perdi o julgamento por completo, como ocorreu a sua meio-irmã, que não sabia nem
como se chamava quando os homens do Rafael acabaram com ela.
Lauren se cravou as unhas na palma da mão, tratando de não perder a calma, consciente de que precisaria ter a cabeça fria e estar alerta se pretendia sair
bem daquela situação. Talvez se obtinha que Regina seguisse falando, teria uma oportunidade...
- Assim que você tentou que se declarasse a incapacidade mental de Andrea... para poder ficar com a companhia.
- Teria sido tão singelo! Mas Burroughs estava decidido a me impedir ISS.o Desde o começo protegeu a Andrea e a ocultou no Carlin House.
Lauren levou as mãos ao pescoço ao recordar a outra morte que tinha tido lugar no Carlin House.
- E também foi você quem empurrou à senhorita Foster pelo escarpado.
- Quem é a senhorita Foster?
- A... preceptora que me cuidava.
- Ah, sim, ela! - disse Regina entreabrindo os olhos.
- E o que fiz? O dinheiro do Jonathan deveria ter sido meu. Burroughs não tinha nenhum direito a intervir, nenhum direito absolutamente.
- Mas tinha a tantos homens vigiando que realmente me custa entender como conseguiu você burlá-los.
Ela a olhou com uma careta desdenhosa nos lábios.
- Simplesmente enviei uma carta à senhorita Foster lhe pedindo que se reunisse comigo nos escarpados, mas como não quis me ajudar tive que matá-la.
A Lauren pareceu que aquela conversação sobre morte, em uma manhã de verão tão formosa em que os pardais e os pinzones gorjeavam nos ramos sobre suas cabeças,
era totalmente incoerente. Olhou de esguelha ao Sikes e viu que este olhava para cima, com os olhos fixos em um ponto longínquo em cima de sua cabeça e, mesmo assim,
não teria sido capaz de explicar por que, mas lhe parecia que o homem estava seguindo a conversação sem perder detalhe. Não obstante, Sikes não deu mostras de alterar-se
ao ouvir que Regina admitia ter assassinado a uma pessoa a sangue frio. Lauren sacudiu a cabeça, cada vez mais aturdida.
- O dinheiro do Jonathan deveria ter sido meu - insistiu sua tia dando um passo para ela com ar ameaçador.
Lauren, alarmada, elevou as mãos para evitar um golpe e disse com desespero:
- Mas não conseguirá você o dinheiro me matando. Meu marido é agora o proprietário da naval, portanto esta passaria a seus herdeiros se lhe ocorresse algo,
e tem uma família muito grande, não pode você matá-los a todos.
O rosto da Regina se contraiu em uma careta de profundo ressentimento.
- Acaso crê que não sei? Entretanto, imagino que milord estará disposto a pagar para te recuperar sã e salva...
Dando-se conta imediatamente de que a anciã se propunha sequestrá-la em pleno dia, a Lauren custou obrigar-se a não perder os nervos. Um olhar lhe bastou
para convencer-se de que Sikes não a ajudaria; de fato, certamente estava pensando em como ia matá-la se Jason não aceitava a pagar o resgate. Mas talvez fosse possível
fazer que Regina trocasse de opinião...
- Eu não estaria tão segura de que meu marido vá querer me recuperar. Ele não sabe que não sou Andrea Carlin...
O desconcerto se fez patente no rosto da Regina ao ouvir aquilo, ou pelo menos pareceu reconsiderar como ia executar seu plano, assim Lauren continuou, medindo
o terreno à medida que seguia falando em um intento desesperado por ganhar tempo.
- Temi que Jason não se casasse comigo se inteirava da verdade e, como você dizia, eu queria ser lady Effing, queria ser marquesa. Jason, por sua parte, não
desejava que ninguém pudesse questionar sua propriedade da naval, assim que me pareceu um trato justo. Eu, uma filha ilegítima, converter-me-ia em uma dama, e ele
economizaria qualquer problema legal. Todo mundo acredita que sou Andrea, você é quão única conhece a verdade.
Lauren quase podia ver as engrenagens da mente da Regina trabalhando a toda máquina enquanto considerava como utilizar a nova informação em benefício próprio.
- Stuart deve imaginar que eu não ficarei de braços cruzados enquanto ele se apropria o dinheiro e que ao me inteirar de que você tornou tentarei algo para
recuperar a companhia que ele me roubou.
Lauren negou com a cabeça.
- Não, não é assim, pensa que conseguiu assustá-la o suficiente para fazê-la desistir. Uma vez casado comigo e com você supostamente sob controle, acredita
que já não há necessidade de ser cauteloso e, posto que não sabe quem sou, ignora a ameaça que meu passado representa para ele.
- O que é o que está dizendo, que suas origens dariam lugar a um escândalo divulgado? Pode que leve razão, posto que não existe prova alguma que pudesse utilizar-se
para aduzir que é filha legítima de meu irmão.
- Prova? Mas... como ia haver alguma prova?
A boca da Regina esboçou um sorriso inquietante.
- Eu sempre suspeitei que Jonathan mentiu sobre o matrimônio com a Elizabeth. E certamente ela acreditava que era válido...
Lauren ficou olhando à anciã completamente desconcertada.
- Quer dizer que o matrimônio de meus pais... sim foi válido?
- Nunca saberá com certeza. Jonathan destruiu todos os documentos. Sei porque eu mesma fui ao Ormskirk a comprová-lo.
Ao ver que Lauren não dizia nada, Regina seguiu falando com tom de profundo desdém.
- Não resultou tão difícil adivinhar o que tinha feito Jonathan. Tratou de seduzir a Elizabeth e, como não pôde, casou-se com ela; mas deveu dar-se conta
do engano que tinha cometido, porque não a trouxe com ele de volta a Londres, e quando ela ameaçou lhe organizando um escândalo, a meu irmão lhe ocorreu todo esse
conto da cerimônia falsa. Para então, e graças à insistência do Burroughs, ele já se casou com a Mary, que, além disso, estava grávida...
Lauren estava muito desconcertada para dizer nada e simplesmente ficou ali de pé, tremendo e com um torvelinho de pensamentos dando voltas em sua cabeça.
- Mas talvez leve razão sobre seu marido - continuou Regina voltando para tema original, - pode que o todo-poderoso lorde Effing estivesse disposto a pagar
para evitar que o mundo descobrisse que se casou com uma bastarda, até é possível que pagasse mais se o ameaçasse pondo em conhecimento dos tribunais a usurpação
de personalidade.
Para ouvir aquilo, as imagens de si mesma na prisão começaram a desfilar por sua mente e a tiraram de seu ensismamento.
- Não, não pode você ir aos tribunais!
- E por que não? - perguntou Regina olhando-a com ar suspeito.
- De fato, pode que isso seja precisamente o que tenho que fazer. Quando tirar o chapéu quem é em realidade, a naval passará a minhas mãos.
Lauren respirou fundo para acalmar-se.
- Não ganhará nada desfazendo-se de mim já que Jason já era proprietário da companhia antes que nos casássemos, e certamente ele lutaria nos tribunais com
unhas e dentes para conservá-la, até pode que a acusasse a você dos assassinatos dos Carlin e a senhorita Foster.
- Não tem provas.
- Mesmo assim, não a beneficiará a você em nada envolver às autoridades.
- Nesse caso, estamos em um beco sem saída e, portanto, vou voltar para meu plano original. Jason Stuart pagará por seu resgate; como você mesma mencionou,
não sabe que não é Andrea, assim deveria seguir interessado em te recuperar sã e salva.
- Mas eu tenho um plano melhor! - exclamou Lauren ao ver que Regina dava outro passo para ela, - um trato se prefere chamá-lo assim.
- Não tem nada com que negociar...
- Sim que o tenho, a vida do Rafael.
Regina entreabriu os olhos e Lauren aproveitou para continuar a toda pressa.
- Jason prometeu ao Georges Burroughs que procuraria o Rafael e o mataria, e cumprirá essa promessa independentemente do que acontecer comigo. Se souber você
o mínimo sobre meu marido, estou segura que sabe que é mais que provável que o consiga... A vida do Rafael ainda significa algo para você? De ser assim, em troca
de seu silêncio, eu poderia convencer ao Jason de que o deixe tranquilo.
- Ned? - perguntou Regina, dando a entender que queria que lhe corroborasse o que acabava de ouvir.
- É verdade que estava perguntando pelo Rafael. E também ouvi dizer que a pôr ao Capricórnio suficiente munição como para afundar uma frota inteira.
- Jason tem intenção de zarpar a semana que vem - o interrompeu Lauren - mas eu poderia conseguir que trocasse de idéia.
- Como?
Dando-se conta de que Regina duvidava, Lauren respondeu:
- Não sei ainda, mas já me ocorreria algo...
- Mas quem me garante que nem tão sequer o tentará?
Lauren se obrigou a olhar a sua tia aos olhos.
- Eu gosto muito da vida que levo agora, tia Regina. Por uma vez posso ter todos quão vestidos desejo e todas as jóias que me desejam muito, além de contar
com o respeito de todos esses aristocratas que antes me teriam feito o vazio. Não quero que nada me danifique isso. Jason se zangaria tanto que me mataria se descobrisse
que o enganei e, até caso que não fora assim, as arrumaria para me amargurar a existência, sobre tudo se eu trouxesse a desonra a seu tão querido e ilustre sobrenome.
Posso evitar todo isso se acessar você ao trato que lhe proponho. Logo eu já procuraria a forma de que nos repartamos o dinheiro, mas imagino que quererá assegurar-se
primeiro de que Rafael está a salvo de meu marido. Dê-me um pouco de tempo, acredito que estou em posição de lhe prometer que Jason nunca se fará ao mar a bordo
do Capricórnio.
- Muito bem - consentiu Regina, - tem dois dias.
- Poderia não ser suficiente...
- Dois dias, nenhum mais! Se não, contarei ao Jason Stuart que é uma puta e uma impostora. Se te matasse, no fundo te estaria bem empregado e, além disso,
advirto-te que me encarregarei eu pessoalmente de que corra essa sorte de todos os modos se fracassas. Ned te estará vigiando. Ned te assegure de que milady vai
diretamente a casa.
Lauren sentiu que a alagava uma sensação de profundo alívio. Tinha conseguido ganhar um pouco de tempo... algo. Mesmo assim, lhe dobravam os joelhos e estava
tremendo tanto que se perguntou se não iria deprimir se. Fazendo um grande esforço, deu-se a volta e começou a afastar-se lentamente da mulher que a tinha atormentado
durante tanto tempo, consciente da presença do Ned Sikes, que a seguia uns quantos passos por detrás.
Quando esteve fora do alcance da vista da Regina, Lauren se deu conta de que de repente lhe custava respirar, como se acabasse de correr uma larga distância.
Não obstante, sentia as pernas mais fortes e, ao final, não parecia que fora a deprimir-se. Ao chegar a um cruzamento no atalho se deu a volta para olhar ao Sikes
e, tratando de dissimular seu medo, disse-lhe que o chofer suspeitaria sim a via aparecer com um desconhecido seguindo a de perto. Ao Lauren pareceu bastante estranho
que o homem, em vez de discutir, afastasse-se deixando-a sozinha. Ficou olhando-o um instante e logo se obrigou a sair de seu ensismamento, estava perdendo um tempo
precioso.
Quando esteve outra vez sentada no interior da luxuosa carruagem, recostou-se sobre os amaciadas almofadas, exausta. Não tinha intenção de tratar de convencer
ao Jason de nada - é obvio, -, mas assim que Regina Carlin tinha feito alusão a que o matrimônio do Jonathan Carlin com a Elizabeth DeVries poderia ter sido válido,
deu-se conta de que só ficava uma opção; tinha que ir ao Ormskirk, onde se tinha celebrado a cerimônia, e procurar provas de que as bodas tinha sido legal. Mesmo
assim, não queria fazer-se muitas ilusões de encontrar nada, mas tinha que tentá-lo se existia a mais remota possibilidade de que fora a herdeira legítima da naval
Carlin.
Sabia mais ou menos onde se encontrava Ormskirk: perto do Liverpool e do Saint Helen, onde tinha passado com sua mãe os primeiros doze anos de sua vida. Sairia
imediatamente e, com um pouco de sorte, estaria no meio do dia de distância de Londres antes que Jason se desse conta de que se partiu. Em qualquer caso, teria que
esforçar-se muito mais que a última vez que fugiu de seu marido para apagar seu próprio rastro.
"Jason", disse-se com uma mescla de angústia e infinita amargura. O que faria Regina Carlin se seu matrimônio com o Jason resultava não ser legal? Parecia-lhe
verdadeiramente irônico que, se de verdade estavam casados, a influência dos pais de seu marido a salvaria da forca: só a condenariam a prisão nesse caso; inclusive
era possível que nem isso ocorresse. Jason certamente a odiaria quando se inteirasse de como o tinha enganado, mas o mais provável era que a apoiasse, embora só
fosse pelo bebê. Não obstante, talvez não conseguiria salvá-la e ela não podia arriscar-se a ir a prisão estando grávida, não enquanto levasse em seu interior o
filho do Jason. Além disso, inclusive se escapava da forca, nunca sobreviveria ao fechamento.
Lauren fechou os olhos enquanto uma mescla de náusea e angústia se apoderava dela: saber que aquele era seu último e desesperado intento de aferrar-se à felicidade
só servia para exacerbar a tensão das últimas vinte e quatro horas e a privava por completo de energia. Nunca soube como conseguiu tirar forças de fraqueza para
pôr em sua prática precipitado plano quando chegou a casa, mas o fato é que, depois de ordenar ao chofer que esperasse, subiu correndo a sua habitação e escreveu
rapidamente uma nota que faria que enviassem ao Jason. Foi um grande alívio que Molly estivesse ocupada na lavanderia, pois não queria que a donzela a visse fazer
a bagagem e, com movimentos de autômato, colocou umas quantas objetos e um manto abrigado em uma bolsa de viagem. Diria ao chofer que continha um vestido que necessitava
uns acertos e quando a tivesse levado até casa da costureira, diria que já não necessitava seus serviços e que voltasse para casa, e aproveitaria para fugir pela
porta traseira. Não lhe custaria muito trabalho alugar um carro para ir até a estalagem mais próxima dos subúrbios, onde encontraria outro para a viagem ao Liverpool.
Não obstante, para todo isso necessitava dinheiro. Jason lhe tinha dado uma atribuição muito generosa para seus gastos e ela quase não a havia meio doido,
assim que se apressou a colocar todos os bilhetes e moedas na bolsa e, nesse momento, não pôde evitar recordar a última vez que tinha escapado de Londres. Também
então Jason lhe tinha financiado a fuga. Teve que fazer um esforço desumano para apartar aquela lembrança de sua memória ao mesmo tempo em que continha um implacável
desejo de chorar.
O tempo voava, mas ainda havia outra coisa mais que devia fazer: aproximou-se da escrivaninha e abriu o joalheiro que continha as valiosas jóias da família
que Jason lhe tinha dado e que, é obvio, não tinha a menor intenção de levar, como tampouco podia levar o coração dourado com esmeraldas; já não lhe pertencia. Esforçando-se
por controlar seus dedos trementes se tirou a cadeia que levava a pescoço. Quando aproximou o coração a seus lábios, não pôde evitar que lhe escapasse um soluço,
e ao depositá-lo no interior do joalheiro forrado de veludo, sentiu que a intensa dor que lhe atendia a garganta ameaçava asfixiando.
Em que pese a que seu plano saiu às mil maravilhas, já era mais de meio-dia quando por fim esteve sentada no carro empreendendo a primeira etapa da viagem
dos subúrbios. Não obstante, avançavam a toda velocidade, já que o chofer tinha intuído que lhe recompensaria generosamente se conseguia chegar ao Liverpool em um
tempo recorde, e levava aos cavalos a um galope tão vertiginoso que houve um momento em que inclusive adiantaram ao correio.
A viagem foi horrível. Os redemoinhos de pó do meio-fio que penetravam no carro o faziam em tais quantidades que Lauren teve que tampá-la boca e o nariz com
um lenço, e além disso o veículo se sacudia violentamente e não havia nenhum agarrador ao que aferrar-se para evitar acabar pelos chãos. em que pese a tudo, não
se queixou, a velocidade era mil vezes mais importante que os desconfortos passageiros que pudesse estar sofrendo, pois estava convencida de que, muito provavelmente,
nesses momentos Jason já a estaria procurando.
À medida que se afastava da cidade, não pôde evitar perguntar-se o que estaria pensando ele. Tinha descoberto já sua ausência, ou o despistaria a nota que
lhe tinha enviado dizendo que passaria a tarde na costureira? O que não duvidava era que Jason tentaria dar com ela, por isso tratava de afastá-lo mais rápido possível.
Cada vez que se viam obrigados a fazer um alto no caminho, Lauren se enchia de angústia, e se lamentou inclusive de ter que parar para trocar os cavalos. Não obstante,
para quando caiu a noite estava médio convencida de que tinha conseguido ocultar a seu marido seu verdadeiro destino, pois ninguém a seguia de perto. Mordeu a língua
para não mostrar-se impaciente quando o condutor se deteve acender os abajures do carro, e se limitou a assentir com a cabeça quando o homem a informou que a partir
desse momento teriam que ir mais devagar porque estava muito escuro e seguir à velocidade que levavam até esse momento seria uma insensatez - incluso perigoso.
- Até contudo, Lauren não conseguia relaxar o mínimo.
Umas quantas horas mais tarde ocorreu algo que lhe deu verdadeiros motivos para preocupar-se: de repente o carro sofreu uma terrível sacudida e logo foi dando
inclinações bruscas pelo meio-fio durante uns quantos centenas de metros antes de deter-se por fim, inclinado em um ângulo precário. Lauren tinha saído despedida
para um lado e sofreu os arranhões, mas não se feito mal. Ao dar-se conta de que tinham perdido uma roda não pôde evitar um gemido de desespero: uma roda rota significava
que teriam que esperar horas até que a reparassem e era possível que, uma vez tivessem dado com o carpinteiro, este além se negasse a trabalhar em meio da escuridão.
Assim foi como Lauren se encontrou a si mesmo avançando pesadamente durante três milhas até chegar à estalagem que acabavam de passar, rezando para que Jason não
tivesse adivinhado já para onde se dirigia. Por sorte, havia pouca clientela e ficavam habitações, assim que se instalou em uns aposentos privados onde esperar até
que finalizassem a reparação.
Então, lembrando-se de seu estado, pediu que lhe servissem um pouco de jantar e se obrigou a comer um pouco da terrina de sopa e o meio frango assado que
lhe trouxe a solícita pensionista, embora tinha um nó no estômago. Quando o chofer lhe anunciou que a roda estaria reparada ao amanhecer, sentiu um grande alívio.
Aconselhou ao homem que descansasse e chamou a pensionista para lhe pedir uma habitação em que passar o resto da noite. Lauren se estirou na cama, resignada ao feito
inegável de que de momento não podia fazer nada para acelerar as coisas, e dormiu imediatamente já que estava esgotada.
Despertou uma faxineira ao amanhecer. Quase desejou não haver ficado dormida porque lhe doía terrivelmente a cabeça e se sentia muito débil; além disso suas
bochechas avermelhadas indicavam que tinha um pouco de febre e a água morna com que se lavou não conseguiu lhe baixar a temperatura. Ao cabo de um momento, as habituais
náuseas matutinas fizeram que se encontrasse ainda pior.
Fazendo esforços para ignorar o enjôo, Lauren alisou o vestido como pôde e se recolheu o cabelo sob um chapéu. Não podia nem pensar em tomar o café da manhã
nada sólido por causa das náuseas, assim estava lista para seguir viagem em seguida. Saiu da habitação e avançou pelo corredor às escuras. Estava descendo pela levantada
escada de madeira ao final do mesmo, quando ouviu uns homens que falavam em voz muito baixa: uma das vozes lhe resultava vagamente familiar. Logo se lembrou de que
tinha ouvido o repico de um carro no pátio e continuou baixando as escadas com mais cuidado enquanto se atava as cintas do chapéu.
Deteve-se de repente quando viu fugazmente um par de botas toscas e umas calças de lona desgastados de um homem que vinha para ela, direto para as escadas.
Quando por fim lhe viu o rosto, seu coração deu um tombo: não era Jason o que a tinha seguido mas sim estava ante o estragado rosto do Ned Sikes! Durante um instante
lhe resultou impossível mover-se, mas logo o pânico se apoderou dela tirando a de seu estupor e se deu a volta para tratar de escapar escada acima. Por desgraça,
esqueceu-se por completo de recolher a saia, seus pés se enredaram nela e, sem que lhe desse tempo a alargar um braço para evitar a queda, precipitou-se contra os
degraus.
O golpe no estômago foi o mais forte, tanto que lhe pareceu que seus pulmões se esvaziavam completamente de ar, e por fim ficou ali tendida no alto da escada,
sobre os últimos degraus, sentindo que se asfixiava. Nublou-lhe a vista e apareceram ante seus olhos umas estrelas titilantes que logo se desvaneceram, embora depois
voltaram a aparecer... Ouviu um grito e o ruído de passos apressados que subiam pelas escadas, mas não podia mover-se, nem tão sequer para ficar a salvo. Então alguém
lhe agarrou os braços com bastante brutalidade, mas tampouco era capaz de lutar para soltar-se, até levantar a mão para protegê-lo rosto do golpe que esperava lhe
custou um esforço inexprimível.
Entretanto, o golpe não se produziu, ninguém lhe fez mal, e quando ouviu a voz furiosa do Jason lhe dizendo que o olhasse, pensou que devia estar sonhando.
Abriu os olhos... e se encontrou com seu resplandecente olhar azul. Ficou olhando desconcertada, seus lábios se separaram para dizer seu nome, mas não conseguiu
emitir nenhum som. Então um grito dilacerador escapou de sua garganta quando uma dor insuportável a atravessou, e se encolheu agarrando o ventre com angústia.
- Não! - soluçou Lauren. A dor que sentia era horrível, mas ainda o era mais pensar em perder o bebê. Jason tomou em braços e com voz ensurdecedora ordenou
ao hospedeiro que procurasse um médico.
- Não! - gemeu ela de novo.
Quão último recordava era a imagem das belas facções do Jason crispadas pela ira enquanto subia com ela em braços o resto das escadas.


Capítulo 25

Dor, intenso e lacerante primeiro, surdo e palpitante depois, à medida que ia remetendo lentamente, muito lentamente. Calor, abrasador, sufocante. Umas mãos,
o tato fresco e suave. O murmúrio de umas vozes.
Durante três dias Lauren permaneceu sumida em um estupor doloroso e a febre fazia tremer seu corpo de tal modo que não era consciente de nada do que ocorria
a seu redor. Em uma ocasião despertou e viu o Jason inclinado sobre ela com o rosto tingido de preocupação enquanto lhe acontecia um pano úmido pela frente. À luz
da vela que ardia na mesa de noite, Lauren podia ver seu aspecto desalinhado e a barba de vários dias. Parecia tão exausto que ela sentia desejos de elevar a mão
até sua bochecha e lhe dizer que tinha que cuidar-se mais, mas tinha a garganta tão seca que não alcançou mais que a murmurar com voz rouca seu nome. Então lhe levou
um copo aos lábios e a obrigou a beber um líquido amargo.
Quando despertou de novo, era de dia. Estava ali tendida tratando de recordar que lugar era aquele quando um leve ruído lhe fez girar a cabeça. Enrugou a
frente, desconcertada, perguntando-se que fazia a tia Agatha sentada junto a sua cama. A anciã estava inclinada sobre um bastidor, bordando com movimentos firmes
e compassados da agulha. Quando lady Agatha viu que sua paciente estava acordada, deixou o trabalho a um lado e se inclinou sobre ela para lhe tocar a testa.
- Assim decidiste voltar para reino dos vivos... - comentou secamente.
- Quando remeteu a febre, eu já sabia que seria questão de tempo, e foi graças a um remédio de meu médico! Estes doutorzinhos de povo... Ja, não têm nem idéia!
Por-te-á bem, querida. E agora beba isto e trata de dormir, o repouso é o melhor pai para o corpo, como digo eu sempre. Estará recuperada rapidamente.
De repente, uma imagem de um homem com aspecto amável cruzou a mente do Lauren: lhe estava dizendo algo, mas ela não o ouvia por causa da dor; também recordou
agarrar com força a mão do Jason quando outra onda de dor insuportável a invadiu lhe arrancando um grito. Entretanto, a dor que a transpassou quando se deu conta
de por que tinha sofrido seu corpo desse modo foi ainda mais terrível.
- Meu... meu bebê - murmurou com voz rouca tratando de incorporar-se, mas lady Agatha o impediu com mão firme.
- Perdeste ao bebê, querida - disse a anciã em tom compassivo, - mas não deve preocupar-se em excesso, eu sofri dois abortos antes de ter a meu filho maior
e depois dei a luz meia dúzia mais de criaturas perfeitamente sãs.
- Não - balbuciou Lauren por mais que sabia que seus protestos eram inúteis, que não podia trocar o que tinha passado, que não podia trazer de volta a aquela
vida diminuta, e seus olhos se encheram de lágrimas que começaram a lhe correr pelas bochechas até precipitar-se sobre o travesseiro.
- Isso está bem, querida, chora um pouco, sentir-se-á melhor depois. E agora bebe isto...
Voltava a ser de dia quando Lauren despertou de novo, mas esta vez se encontrou com que era Molly a que se movia sigilosamente pela habitação cantarolando
uma melodia sem separar os lábios. A donzela tinha limpo o dormitório e os singelos móveis que continha até deixá-lo tudo reluzente, havia flores frescas sobre a
mesinha de noite e pelas janelas totalmente abertas entrava uma suave brisa estival junto com os quentes raios do sol da tarde.
Quando Molly a saudou com uma vivacidade que parecia um pouco forçada, Lauren suspeitou que o bom humor da moça se devia a que lady Agatha lhe tinha ordenado
que se comportasse assim como parte do "tratamento", e não teve forças para responder: tinha o corpo dolorido, como se a tivessem espancado, e emocionalmente estava
destroçada.
Por um momento se perguntou se alguém teria morrido de depressão alguma vez. Desejava desesperadamente ver o Jason, queria que a abraçasse e a consolasse,
mas lhe dava medo perguntar por ele, temia enfrentar-se a ele, aterrorizava-a a possibilidade de que não queria vê-la depois do que tinha feito. Além disso, não
merecia seu consolo, pensou cheia de um amargo remorso alimentado em sua prática totalidade por recriminações contra si mesmo. Invadida por um desespero profundo,
fechou os olhos e deixou que o falatório do Molly a envolvesse.
Não obstante, as palavras da donzela serviram a Lauren para conhecer a resposta a algumas das perguntas que lhe rondavam a cabeça: inteirou-se de que seguia
ainda na estalagem porque o médico havia dito que não podiam transladá-la em seu estado, de que imediatamente depois do acidente Jason fazia chamar a sua tia e à
donzela, e de que levavam ali vários dias enquanto que Lauren, por sua parte, passou-se na cama uma semana e tinha havido um momento em que a febre lhe tinha subido
tanto que temeram por sua vida.
Sentiu-se um pouco melhor quando pôde lavar-se com uma esponja e lhe trouxeram uma camisola limpa. Molly também lhe ofereceu uma delicada bata com encaixes,
mas Lauren a rechaçou por lhe parecer uma frivolidade dadas as circunstâncias, e preferiu envolver-se em um grosso echarpe de lã enquanto a moça trocava os lençóis
e cavava os travesseiros. Quando se deslizou entre os finos lençóis de seda com as que lady Agatha tinha vindo carregando de Londres, Lauren não teve mais remédio
que reconhecer que estava profundamente agradecida por todas aquelas insônias: todo mundo era tão amável com ela, tão carinhoso... Se tão somente pudesse falar com
o Jason, se ele pudesse perdoá-la...! Molly saiu da habitação ao pouco momento dizendo que ia lhe buscar um pouco de comida à cozinha, e quando voltou com ela, Lauren
se esforçou o inexprimível por sair de seu abatimento.
- Sabe algo de um homem chamado Ned Sikes? - perguntou-lhe à moça enquanto lhe dava colheradas de um cheiroso caldo.
- Ai, senhora não o vai acreditar! Vieram os oficiais do Bow Street e se armou tal revôo... E esse também estava, esse tal senhor Sikes. Quem o haveria dito
vendo seu aspecto! Também esteve aqui o juiz, para falar com você.
O desconcerto se fez oco junto ao desespero no coração do Lauren. Ned Sikes era membro do corpo de elite da polícia? Um juiz queria vê-la? Meu deus! O que
estava passando? Foram prendê-la? Lauren apartou a terrina sentindo-se de repente muito fraco para tragar.
- Já não quer mais sopa, senhora? O senhor disse que lhe informasse quando pudesse você receber visitas. O juiz quer falar com você.
Jason estava na estalagem? E não tinha ido vê-la? Lauren negou com a cabeça quase sem forças.
- Não..., por favor, Molly. Diga ao senhor que não me encontro bem e que não posso receber a ninguém.
- Como a senhora goste - respondeu a donzela com uma leve reverencia.
- Se a senhora não necessita nada mais...
Lauren voltou o rosto ao sentir seus olhos alagados em lágrimas uma vez mais.
- Não, nada mais - mentiu.
Quando a moça partiu, a habitação ficou no mais completo silêncio durante vários minutos e logo Lauren ouviu uns passos decididos e uns nódulos golpeando
a porta com decisão. Alguém entrou, e ela soube sem necessidade de olhar que era Jason. O coração lhe pulsava com tanta força que resultava doloroso quando por fim
girou a cabeça para olhá-lo.
Com o sol a suas costas resultava difícil ler a expressão de suas facções e nada em seu traje impecável tivesse dado pé a suspeitar que se passou várias noites
junto à cama do Lauren sem dormir quando tinha tido tanta febre: já não tinha olheiras e ia perfeitamente barbeado.
- Jason - murmurou Lauren, - o sinto...
- Agora não é o momento de falar disso - a interrompeu ele surpreendendo-a com o tom frio de sua voz.
- Há uma pessoa abaixo que precisa te fazer umas perguntas. É um assunto importante, sir John leva esperando vários dias, assim que temo que vais ter que
recebê-lo. Posso ir buscá-lo?
Ele formulou a pergunta secamente, como se contasse de antemão com uma resposta afirmativa. Durante uns instantes, Lauren não foi capaz de fazer nada mais
que olhá-lo fixamente, afligida por sua atitude distante e friamente cortês. Imaginou que estaria furioso, inclusive tinha contado com sua amargura, mas não com
a frieza distante daquele desconhecido que tinha ante seus olhos.
Entretanto, à medida que o silêncio se alargava, o desconcerto do Lauren se converteu em desespero. Efetivamente, tinha perdido ao Jason; ele não podia lhe
perdoar o que lhe tinha passado ao bebê... nem nenhum de seus outros delitos. O mais seguro era que a essas alturas já soubesse que não era Andrea Carlin, que o
tinha enganado desde o começo. Fechou os olhos sentindo que a alagava uma profunda desolação e não conseguia articular uma só das palavras que tão desesperadamente
desejava pronunciar.
Não obstante, parecia que não ia ser necessário que confessasse, porque Jason se voltou de repente e saiu da habitação. Quando retornou vinha acompanhado
por três homens, um dos quais era Ned Sikes; aos outros dois os apresentou como sir John Marley, um magistrado de Londres, e o senhor Rorke da polícia do Bow Street.
Jason a tratou com mais amabilidade em presença deles, chamando-a "carinho" e ajudando-a a incorporar-se, mas igualmente estava segura de que aquelas cuidados
eram forçadas, pois seus movimentos eram mecânicos e seu roçar impessoal, e quando o olhou à cara tratando de interpretar sua expressão impretérita, ele não a olhou
aos olhos, nem tão sequer a olhou. Mesmo assim, Jason era um rosto conhecido e Lauren se sentiu bastante necessitada quando se retirou a um rincão, onde permaneceu
de pé envolto nas sombras observando o que ocorria. O senhor Rorke tomou a palavra imediatamente, desculpando-se por ter que incomodá-la para logo acrescentar em
tom oficial:
- Bem, senhora desejaríamos que nos contasse o que ocorreu durante uma entrevista que manteve você com uma tal Regina Carlin, sua tia, se não me equivocar.
Você poderia, por favor, repetir o conteúdo da conversação palavra por palavra?
Desconcertada e um tanto assustada, Lauren olhou primeiro ao magistrado, logo ao Ned Sikes e finalmente ao Jason.
- Me vão prender? - perguntou ao fim sem poder dissimular o tremor em sua voz.
Os homens pareceram muito surpreendidos por sua pergunta, mas Jason ficou tenso e seus olhos lançaram um brilho de ira ao mesmo tempo em que respondia com
tom acalmado:
- Não, carinho, estes cavalheiros estão aqui para obter provas contra sua tia Regina. Sikes foi testemunha do encontro que teve com ela, mas seu testemunho
é necessário também. Deve lhes contar tudo o que se disse. Toda a verdade, Lauren.
Em sua voz havia um resistente deixe de ironia e, em que pese a que ela não compreendia por que queriam seu testemunho, sabia que tinha que obedecer se não
queria perder toda esperança de recuperar algum dia o respeito do Jason, assim tragou saliva e, com voz tremente, repetiu palavra por palavra quanto recordava da
conversação que tinha mantido com a Regina, incluídas as confissões de culpabilidade desta: Regina mesma tinha admitido ser cúmplice do Rafael nos assassinatos do
Jonathan e Mary Carlin e também tinha confessado que foi ela quem assassinou ao Sibyl Foster e tratou de fazer desaparecer a Andrea Carlin para herdar a fortuna
da família. O senhor Rorke assentia solenemente enquanto a escutava e tomava notas, interrompendo-a de vez em quando para lhe fazer alguma pergunta ou solicitar
alguma elucidação.
Lauren duvidou quando chegou o momento de contar a parte da conversação em que tinha convencido a sua tia para que a deixasse ir em vez de retê-la com o objetivo
de pedir um resgate. Olhou fugazmente ao Jason e logo baixou a vista ainda mais, pois a dura linha em que se converteram seus lábios e sua mandíbula apertada indicavam
com maior eloquência que as palavras como ela tinha conseguido destruir por completo o menor vestígio de amor que ele tivesse podido sentir ainda por ela.
Um cansaço esmagador a invadiu enquanto finalizava o relato, e quando terminou, cobriu-se com os cobertores até o queixo e se deixou cair sobre os almofadões.
De algum jeito, tinha chegado a um ponto em que já não lhe importava o que fizessem com ela.
- Agradecemos-lhe sinceramente sua colaboração, lady Effing - lhe assegurou o magistrado que até então não tinha aberto a boca.
- Sua história coincide exatamente com a do Sikes, e com isso e as provas que já temos deveria bastar para sentar a Regina Carlin no banquinho. Foi você
muito valente, senhora, sou consciente de quão difícil deveu lhe resultar tudo...
- Sir John - o interrompeu Jason, - minha esposa está esgotada, como pode você ver, assim, se não terem mais pergunta que lhe fazer, rogar-lhes-ia que a deixassem
descansar.
- É obvio - respondeu o juiz imediatamente e, com uma profunda reverência, despediu-se de Lauren igual a fez Rorke.
Ned Sikes, entretanto, aproximou-se dela com passo taciturno, o chapéu na mão e a cabeça inclinada em um gesto contrito. A Lauren pareceram sinceras as desculpas
que resmungou por lhe haver causado tanto sofrimento - face ao inesperado, - mas o que disse depois a confundiu totalmente:
- Pedi a milord que não dissesse a você quem era eu - admitiu o homem, - pensei que a senhora atuaria com mais naturalidade se não sabia que era a isca para
apanhar à senhora Carlin... Mas o sinto muitíssimo, senhora.
Jason interveio de novo:
- Obrigado, Ned. Ninguém te joga a culpa.
- Tínhamos que haver dito - insistiu Sikes, e logo, ao ver que Jason não respondia nada, abandonou a habitação fechando a porta a suas costas.
Lauren estava confundida pelas desculpas do Sikes, mas mais ainda pelo fato de que Jason ainda seguisse na habitação, pois tinha acreditado que não quereria
falar com ela e certamente não parecia estar desfrutando absolutamente de sua companhia. Tinha ido até a janela e estava de pé frente a esta lhe dando as costas,
com as Palmas das mãos sobre o batente e o olhar perdido no diminuto jardim que havia abaixo. O abismo que os separava era tão grande que poderia haver-se tratado
de dois completos desconhecidos.
- O que... o que vai passar... agora? - disse Lauren, sentindo que tinha que romper o terrível silêncio.
Houve uma longa pausa antes que ele respondesse:
- Regina está presa, acusada de assassinato e, depois de sua declaração, não duvido que a declararão culpada.
- A que se referia Ned Sikes? O que era o que deveriam me haver dito?
Como se o tema lhe provocasse um cansaço insuportável, Jason lançou um profundo suspiro.
- Foi minha idéia forçar a Regina a passar à ação, eu idealizei o plano. Estava seguro de que se enfureceria quando descobrisse quem foi e se desse conta
de que a tinham enganado. Confiava em que faria algo e daria um passo em falso, mas nunca antecipei obter resultados tão cedo, nem que fossem ser tão definitivos.
Fez-se outro silêncio interminável enquanto Lauren assimilava as implicações do que acabava de ouvir, e então ela lançou um grito afogado e cravou o
olhar nas largas costas do Jason.
- Sabia! - murmurou.
- Sabia que eu não era Andrea desde o começo.
Logo que viu que Jason assentia com um leve movimento da cabeça.
- Burroughs me disse faz isso muito tempo - reconheceu ele em voz baixa, - e também me contou suas suspeitas de que Regina tinha participado dos assassinatos
dos Carlin e a senhorita Foster. Eu apresentei a sir John a evidência de que dispunha, mas ele me disse que não era suficiente para apresentar cargos contra ela,
que necessitava provas sólidas, assim quando te encontrei em Nova Orleans lhe escrevi e ele enviou ao Sikes. Você não se deu conta, mas Ned te estava vigiando se
por acaso Regina descobria seu paradeiro, posto que você... Andrea representava uma ameaça para ela, ou uma oportunidade.
Como Lauren seguia em silêncio, Jason se esfregou a testa com a mão em um gesto de cansaço e continuou:
- Assim que chegamos a Inglaterra, Sikes foi ver a Regina para lhe informar de sua volta e lhe dar a entender que talvez não fosse Andrea em realidade. Ela
adivinhou facilmente sua identidade e, tal e como eu tinha antecipado, não pôde resistir a tentação de realizar um novo intento de apoderar-se da fortuna dos Carlin.
A partir desse momento, só terei que lhe tender uma armadilha e esperar com os olhos bem abertos...
- E eu fui a isca - concluiu Lauren aturdida.
Só podia pensar no muito que tinha temido que Jason descobrisse a verdade, em como a aterrorizava pensar que o perderia por culpa de seu engano. Todo esse
sofrimento tinha sido desnecessário, não teria que ter passado por tudo isso se ele tivesse sido honesto com ela, mas Jason a tinha manipulado, tinha-a convertido
em um mero peão de que servir-se em suas estratégias - igual a Burroughs, - tinha-a enganado do mesmo modo que tinha feito para levá-la ao altar. Talvez esse era
o verdadeiro motivo pelo que se casou com ela... Lauren tinha um nó na garganta.
- Necessitava que voltasse para a Inglaterra - sentenciou com a voz tremente.
- Por isso te casou comigo?
Ao ver que não lhe respondia nada, acrescentou com amargura:
- Que ardiloso foste! Agora tem tudo sob controle, exceto a mim...!
- Ainda não se terminou - respondeu ele em voz baixa, - Rafael segue em liberdade.
Lauren apertou os punhos até que lhe puseram os nódulos alvos.
- Ai, claro, é obvio, fez uma promessa! E suponho que também jurou ao Burroughs que te encarregaria de que Regina recebesse seu castigo. Acaso te comprometeu
deste modo a cuidar de mim?
- Prometi-lhe que faria quanto estivesse em minha mão para te proteger, sim.
- E que bem o tem feito!
Jason deu a volta de repente atravessando-a com um olhar furioso.
- Já basta, Lauren! Deveria te haver contado meus planos, sim, mas confiava em que você teria mais fé em mim, e certamente nunca imaginei que fugiria sem
dizer nada, embora agora me dou conta de que me devia figurar isso leva tanto tempo deixando que o medo governe sua vida que era impossível que enfrentasse a alguém
como Regina.
Lauren tratou de não estremecer ante o tom furioso do Jason e lhe devolveu o olhar.
- Não era só Regina... Eu... tinha medo... Acreditava que mandariam a prisão por usurpar a personalidade do Andrea.
- Creste em que? - replicou Jason com o rosto tingido de ira e voz ensurdecedora, mas logo pareceu recuperar o controle de si mesmo porque relaxou um tanto
os punhos.
- Por isso fugiu, porque tinha medo de que a mandassem a prisão?
- Em parte sim... Mas além disso... queria te economizar o escândalo. Não imagina os titulares nos periódicos? "Uma marquesa no cárcere do Newgate." E nada
menos que uma marquesa bastarda além disso.
- Maldita seja, Lauren, você não é uma bastarda, nunca o foste!
Quando ela o olhou cheia de estupor, ele passou a mão pelo cabelo com gesto distraído e disse:
- O matrimônio de seus pais foi legal. Jonathan as arrumou para fazer-se com a folha do registro da igreja, Burroughs a encontrou escondida entre seus documentos
pessoais, junto com o certificado de matrimônio e um testamento no que te nomeava sua herdeira.
- Mas... se esse era o motivo pelo que eu queria chegar até o Ormskirk, para tratar de encontrar alguma prova de que as bodas de meus pais era válida.
Jason deu um passo para ela com as mãos estendidas em um gesto suplicante.
- E não podia ter vindo a mim? Não podia ter crédulo em que eu te ajudaria?
A Lauren a tinha apavorado a perspectiva de enfrentar-se aos olhos do Jason cheios de desprezo e ódio, mas o que viu neles foi ainda pior: um sofrimento profundo,
primitivo e descarnado que não deixava lugar a dúvidas a respeito de que ele estava sofrendo tanto como ela.
- Não podia - respondeu por fim, desejando poder apagar aquele sofrimento do rosto de seu marido, - não podia me arriscar a ir a prisão, tinha que pensar
em nosso filho.
A voz do Jason se converteu em um sussurro tão leve que a Lauren custava ouvir o que dizia.
- E alguma vez te passou pela cabeça que eu teria destroçado a Regina com minhas próprias mãos antes de permitir que te fizesse mal a ti... ou ao bebê?
A angústia que alagava os olhos dele era muito para Lauren e as lágrimas começaram a lhe rodar pelas bochechas ao mesmo tempo em que cravava o olhar em seu
regaço. Ele se voltou bruscamente para olhar pela janela de novo e acrescentou:
- Eu gostaria que me dissesse como é possível que pensasse que eu permitiria que enviassem a prisão, inclusive no hipotético caso de que tivesse feito algo
para merecer tal castigo.
- Não teria podido impedi-lo, não se tivessem decidido me prender. Nosso matrimônio não é válido, posto que te casou com o Andrea Carlin.
- Nosso filho teria sido um bastardo como você - lhe espetou Jason com brutalidade, - é isso o que quer dizer?
Lauren fez uma careta de dor.
- Não referia a isso, mas sim, esse teria sido o caso se...
Não foi capaz de terminar a frase e dizer "se nosso filho não tivesse morrido". A ferida estava muito aberta para ser capaz de falar disso.
Jason também parecia desejoso de evitar o tema, porque se encolheu de ombros com gesto desesperançado:
- Agora isso já não importa, não crê?
- Não, agora... já não importa.
Houve um silêncio. As lágrimas corriam silenciosas pelas bochechas do Lauren, mas o único indício de que Jason se deu conta era a tensão que gotejava seu
corpo. Por fim inspirou profundamente e se voltou para olhá-la.
- Bom, temo que agora não tenho tempo para tratar o tema de nosso matrimônio, o Capricórnio parte em uns dias e tenho que voltar para Londres. Já falaremos
de nosso futuro quando voltar.
Ao cabo de um momento, Lauren assentiu quase imperceptivelmente com a cabeça e Jason se obrigou a deixar sair o ar de seus pulmões.
- Pensei que poderia partir esta mesma tarde, já que parece estar te recuperando.
Ela voltou a assentir com a cabeça, mas não foi capaz de pronunciar uma palavra, nem sequer para lhe desejar boa viagem.
Sem dizer nada mais, ele pôs-se a andar para a porta e já tinha a mão sobre o pomo quando Lauren sussurrou seu nome com voz rouca.
- Sim? - disse ele sem voltar-se.
Ela o olhou através da bruma das lágrimas. Tinha que saber a resposta a uma pergunta.
- Por que? - disse despedaçada, - por que não me disse que sabia que não era Andrea?
- Por que me ocultou isso você? - respondeu-lhe ele com uma voz gélida que soava como a de um estranho.
- Suponho que queria que você me dissesse isso voluntariamente - acrescentou em voz baixa, - isso teria significado que por fim confiava em mim.
Lauren não soube o que dizer e voltou o rosto para a janela ao mesmo tempo em que mordia o lábio para conter um soluço. Um instante mais tarde, ouviu o estalo
suave do fecho no momento em que se fechava a porta pela que tinha saído Jason.

Capítulo 26

Ainda passaram uns dias antes que Lauren tivesse recuperado as forças o suficiente para sair da cama durante mais de uns quantos minutos seguidos e a partir
de então, ante a insistência da tia Agatha, passava as tardes no precioso jardim da estalagem. Não obstante, inclusive rodeada de rosas e miosótis e espetaculares
flores de lupino, Lauren não parecia capaz de superar sua apatia: o desalento lhe pesava igual a um manto empapado.
Não chorou, a dor era muito intensa para as lágrimas, mas nem sequer as palavras de ânimo de lady Agatha conseguiram animá-la. Quando Lauren contou à anciã
a história completa, acrescentando que Jason nunca lhe perdoaria que tivesse perdido o bebê, lady Agatha fazia um gesto com a mão para dissipar tais pensamentos
e tinha declarado firmemente:
- É obvio que te perdoará. Os homens não vêem os meninos com os mesmos olhos que nós, não há dúvida de que Jason o superará, posto que você segue podendo
lhe dar filhos.
Mas Lauren, tendo em conta como gostava os meninos, duvidava-o. A queda tinha sido um acidente e ela não tinha tido toda a culpa, mas não podia negar que
nunca teria ocorrido se tivesse crédulo nele tal e como devia ter feito. Tinha ferido muito ao Jason, certamente o suficiente para destruir do amor que pudesse ter
sentido por ela. Isso caso que alguma vez a tivesse amado. Lauren estava quase convencida de que as razões pelas que se casou com ela tinham pouco que ver com o
amor; o que sim estava claro era que ele queria a naval, e se o pai do Lauren efetivamente a tinha deixado em herança a ela, se ao final resultava que era a legítima
herdeira, agora já não haveria ninguém que pudesse questionar o direito de propriedade do Jason sobre a companhia, posto que ele tinha conseguido de maneira efetiva
e legal apartar a Regina para sempre, garantindo-se como pouco que esta iria a prisão, e até podia acontecer que a enforcassem por seus crimes.
Além disso, havia outras possíveis razões para que Jason tivesse querido casar-se com ela, razões quase tão fortes como a frota de navios da companhia Carlin,
disso Lauren estava convencida: o fato de que Jason lhe tivesse prometido ao Burroughs ocupar-se dela no futuro, por citar uma; que necessitasse que ela voltasse
para a Inglaterra para desmascarar a Regina, por mencionar outra, e o desejo de ter um herdeiro. Jason só podia conseguir esses objetivos se casavam, e por isso
agora a Lauren sentia saudades que o certificado de matrimônio que lhe tinha ensinado levasse o nome do Andrea Carlin, já que ele era muito ardiloso como para que
lhe escapasse um detalhe tão importante.
Mas, casada ou não, Lauren não confiava em poder voltar a recuperar seu amor. Jason levava razão - pensou recordando a maneira em que ele se partiu, - tinha
deixado que o medo governasse sua vida, e não só o terror aos espaços fechados; o medo a confiar nele tinha sido muito mais determinante em todo o ocorrido, tinha
tido medo de amá-lo realmente, de expor-se à dor, de mostrar-se vulnerável como sua mãe o tinha feito.
Repassando sua relação agora, lembrou-se de todas as ocasiões em que ele tinha parecido ser capaz de lhe ler o pensamento, todas as vezes em que se haveria
dito que aguardava determinada resposta dela; agora se dava conta de que Jason tinha estado esperando, esperando a que ela desse o primeiro passo.
E durante esses compridos e solitários dias de sua recuperação, Lauren caiu também na conta de que se aspirava a ter outra oportunidade de ganhar o amor do
Jason, devia superar seu próprio medo - começando por sua fobia, - e essa convicção foi a que a fez voltar para o Carlin House em vez de retornar a Londres ou
partir ao Effing Hall, no Kent, como Jason tinha sugerido.
Sua decisão causou muito desassossego a lady Agatha. A anciã devia ter estado felicitando-se pela franca melhoria que experimentava a doente a seu cargo,
mas quando ouviu o que se propunha Lauren declarou que não permitiria que a arrastassem a aquela terra "deixada da mão de Deus" como considerava Cornualles e que
"de nenhuma das maneiras" podia Lauren ir sozinha.
- Vou, tia - insistiu ela em um tom que Lilás teria reconhecido imediatamente como inquebrável determinação.
- A minha irmã nunca a enterraram como é devido, sinto que tenho obrigação de me ocupar disso.
"E, além disso, há outra coisa que devo fazer", pensou Lauren, mas não disse nada porque não queria preocupar à tia Agatha sem necessidade.
Face aos protestos e as ameaças de lady Agatha, Lauren se negava a trocar de idéia, e assim que esteve suficientemente recuperada, empreendeu viagem ao Cornualles
em companhia da anciã dama e de Molly.
Ver Carlin House de novo era como voltar a viver um pesadelo e descobriu que o tempo não tinha diminuído em nada o ódio que sentia por aquele lugar, como
tampouco tinha feito que este trocasse o mínimo: os móveis estavam cobertos com capas e o jardim um tanto descuidado, mas o casal que sempre se ocupou da casa a
seguia mantendo em bom estado. Tinham lhes preparado habitações porque lhes tinha avisado da chegada de lady Effing, mas Lauren lhes fez desfazer parte do trabalho
ao insistir em que ocuparia sua antiga habitação e não os aposentos principais, pois se propunha realizar um experimento e queria levá-lo a cabo até suas últimas
consequências.
Como já estava bem avançada a tarde quando chegaram, Lauren não pôde pôr em prática o resto de plano imediatamente e foi à cama com intenção de visitar o
cemitério a primeira hora da manhã. Dadas as circunstâncias, não a surpreendeu ter seus habituais pesadelos terríveis durante a noite, mas essa vez as imagens pareciam
mais vividas que nunca: uma mulher gritava enquanto que um homem ria maliciosamente; ele sustentava algum instrumento alargado e escuro na mão e, quando avançava
para ela, esta ouvia uma voz que dizia a gritos que corresse. O homem do sonho ainda a perseguia quando despertou com seus próprios gritos, tremendo de medo e desejando
fervorosamente ter trazido o Ulisses com ela. Só conseguiu dormir outra vez quando deixou uma vela acesa.
À manhã seguinte, lady Agatha se ofereceu a acompanhá-la ao cemitério, embora reconheceu que não lhe agradavam absolutamente as tumbas. Lauren rechaçou seu
oferecimento cortesmente; queria ir sozinha porque aquela era uma oportunidade de enterrar o passado, além de honrar a memória dos defuntos.
A grade de ferro chiou, como protestando, ao mesmo tempo em que se abria ante ela e, sustentando com força na mão um buquê de flores silvestres, Lauren entrou
no espaço quadrado rodeado de altos muros a que dava acesso. Surpreendeu-a ver que aquela parte dos jardins estava muito mais cuidada que o resto: era evidente que
se segava a erva e se arrancava a mazela com frequência, e apesar de que não havia árvores nem arbustos que suavizassem a pétrea desolação do lugar, este era surpreendentemente
aprazível. Suas pegadas não faziam o menor ruído enquanto avançava pelo estreito passadiço para o muro do fundo onde sabia que estava enterrada Andrea.
Quando chegou ante a tumba de sua meio-irmã, desconcertou-a ver uma lápide onde antes nunca tinha havido nada: parecia que a tinham colocado fazia pouco tempo
porque a terra da base estava removida e a lápide muito limpa e sem sinais de ter estado à intempérie. Lauren se ajoelhou junto ao montículo coberto de erva e coroado
de pedra e abriu os olhos como pratos ao ler a singela inscrição, pois nela estava esculpido a cinzel o nome, "Andrea Carlin", junto com as correspondentes data
de seu nascimento e morte. Assim que sua pobre meio-irmã por fim descansava em paz, pensou Lauren esboçando um sorriso lacrimoso. Devia ter sido coisa do Jason,
outra de suas promessas ao George Burroughs.
Rezou uns momentos, deixou estendidas pela lápide as varas de ouro e brancas florzinhas silvestres que lhe tinha levado e ficou a caminhar lentamente pelo
pequeno cemitério. Também deixou flores na tumba ao Sibyl Foster e na do Jonathan e Mary Carlin, e então descobriu que George Burroughs tinha sido enterrado ao lado
de sua irmã Mary.
Lauren duvidou um instante antes de ajoelhar-se por fim junto à tumba de seu antigo guardião. Já não sentia por ele um ódio tão intenso como antes, mas lhe
resultava muito difícil perdoá-lo, pois durante todos aqueles terríveis anos, tinha-lhe feito acreditar que era uma bastarda e uma delinquente, e além - e isso era
o que mais trabalho lhe custava perdoar - tinha permitido que a mãe de Lauren sofresse inutilmente: Elizabeth DeVries tinha morrido em meio de terríveis dores e
sem poder permitir-se nenhuma das comodidades que a fortuna dos Carlin teriam podido custear sem problemas para aliviar um tanto seu sofrimento.
Passou um bom momento antes que Lauren fosse capaz de inclinar a cabeça e pronunciar a mesma oração que tinha dedicado a cada um dos outros, e transcorreu
mais tempo ainda até que colocou as flores silvestres restantes sobre a lápide do Burroughs; mas quando ficou de pé outra vez, sentiu como se de maneira inexplicável
se levantou um grande peso de seu coração, como se tivesse desfeito milagrosamente um nó que lhe tinha atendido as vísceras durante muitos anos.
A outra tarefa que se propunha levar a cabo era mais difícil física e emocionalmente. De pé no alto do escarpado, Lauren contemplou com apreensão as acidentadas
rochas e a branca espuma das ondas que rompiam abaixo, porque não só tinha perdido prática em descer por escarpados, mas também podia imaginar-se perfeitamente a
reprimenda que receberia do Jason se inteirava de que se arriscou a fazê-lo com aqueles escarpins finos e aquelas saias largas; inclusive se ele tivesse estado de
acordo com o que se propunha, não teria querido que baixasse à gruta por aquele caminho, e muito menos que fosse sozinha.
Ao encaminhar-se de volta para a casa, Lauren não pôde reprimir um sorriso amargo, era tão irônico que Jason se converteu na voz de sua consciência agora
que certamente o tinha perdido para sempre! Também lhe parecia uma ironia que pudesse dar ordens aos poucos serventes do Carlin House: ser a proprietária e não a
protegida e virtualmente prisioneira de um homem que estava obcecado com a vingança tinha suas vantagens, assim Lauren não teve que utilizar muito poder de persuasão
para conseguir a ajuda do fornido filho dos guardas. Os dois juntos reuniram todos os artigos necessários e logo desceram pelas desvencilhadas escadas da adega.
Conforme às instruções dela, o moço começou a picar uma das paredes de estuque e ao pouco momento tinha conseguido fazer um buraco o suficientemente grande para
passar por ele caminhando. Foi nesse momento quando Lauren teve que enfrentar a uma certa oposição a seus planos quando lady Agatha, que tinha ouvido os golpes,
baixou a investigar o que era o que acontecia.
Alarmada ao encontrar-se meia dúzia de abajures pulverizados pelo chão da fria e úmida adega, a anciã exigiu que lhe explicasse imediatamente o que era todo
aquilo: tudo os abajures estavam acesos, com o que ali abaixo havia quase tanta claridade como se fosse de dia, porque face à decisão irredutível de Lauren de pôr
a prova seu valor na gruta, não se via preparada ainda para enfrentar à escuridão. Mas para quando lady Agatha exigiu que Lauren pusesse ponto final ao que fora
que se trazia entre mãos, ela estava muito decidida para dar marcha atrás, assim tomou um abajur com mão tremente e avançou lentamente para a flamejante abertura
estreita que tinham aberto na parede, e logo, sustentando o abajur em alto, respirou bem fundo e passou com cuidado por cima dos entulhos para entrar no passadiço.
Os resultados de seu experimento a decepcionaram, já que não passou absolutamente nada: o tortuoso túnel grosseiramente perfurado na pedra não a assustou
o mínimo. Perguntou-se se talvez seria devido a que havia luz, mas quando apagou o abajur não sentiu que se deprimia, nem ficou paralisada de terror, nem mostrou
nenhum dos sintomas habituais de sua fobia; nem sequer quando pediu ao filho dos guardas que tampasse o oco da parede a suas costas experimentou o mais ligeiro desgosto:
parecia que já não a afetava estar encerrada em um túnel escuro, e o mesmo ocorreu quando se abriu um oco em outra parede que selava o acesso à gruta ao outro lado
e repetiu a mesma operação. Com o cenho franzido, por fim Lauren desistiu e desfez o caminho andado através do túnel. Não obstante, quando emergiu da adega não lhe
passou por cima a maneira estranha em que a observava lady Agatha.
- Não perdi a cabeça, o asseguro, tia - disse Lauren em tom irônico, e logo lhe explicou o medo que a tinha atormentado durante toda a vida.
- Jason sugeriu que se conseguia recordar o que o tinha causado originalmente talvez seria capaz de superá-lo, mas parece que desapareceu sem que eu tenha
tido que fazer o menor esforço - acrescentou com um suspiro.
- Confiava em que não seria o caso e, se eu enfrentava a meu medo e não permitia que me dominasse nunca mais, talvez assim Jason teria melhor conceito de
mim... ou pelo menos não me desprezaria tanto.
Lady Agatha moveu um dedo acusador frente ao rosto do Lauren em um gesto de recriminação.
- Jason não te despreza, criatura. Estava aborrecido pelo que aconteceu ao bebê, sim, mas lhe preocupava muito mais a possibilidade de te perder. Quando esteve
doente, não se separou de seu lado nem um momento, a mais ligeira mudança em sua respiração o punha em um estado de angústia incrível. Um homem não se comporta assim
com uma esposa, salvo que a ame.
Ao recordar sua amarga despedida, Lauren lançou outro suspiro.
- Nem sequer estou segura de ser verdadeiramente sua esposa - murmurou.
- Tolices! Naturalmente que o é! Eu te apresentei como lady Effing na recepção que dava, não é certo? Jason não me jogaria essa má passada... E se houver
algum problema com o certificado de matrimônio, estou segura de que se pode arrumar com outra cerimônia; e mais, agora que o penso, não me parece má idéia que se
casem de novo. Nada de cerimônias improvisadas a bordo de navios esta vez, a não ser umas bodas como deve ser: na igreja de São Jorge da praça Hanover em presença
de toda a gente de nosso entorno. Vamos, querida, não se preocupe - acrescentou lady Agatha ao ver que Lauren seguia abatida, - um homem não pode desfazer-se de
sua esposa igual a se tira a jaqueta, e além Jason teria que enfrentar a mim primeiro, e ainda estou o suficientemente jovem para lhe plantar cara, por não falar
de que ele sabe muito bem que não permitirei semelhante disparate, embora sim queria livrar-se de ti, que não é o caso.
- Como eu gostaria de poder acreditá-lo! - disse Lauren com um fio de voz.
- Como eu gostaria!

Capítulo 27

- Uma mensagem para milady. Trouxe-o o grumete do Capricórnio.
Surpreendida pelo anúncio do Morrow, Lauren elevou a cabeça bruscamente e, quando aspirou fundo tratando de acalmar-se, o som de sua respiração retumbou por
todo o elegante salão em que levava sentada horas - desde que se inteirou de que o Capricórnio tinha atracado - durante as que seu ânimo tinha ido decaindo até o
mais profundo abatimento, pois a cada minuto que passava esperando a chegada do Jason a convicção de que ele não a tinha perdoado se ia fazendo cada vez mais forte.
Agora só rezava para que a nota dissesse simplesmente que algum assunto o tinha atrasado.
Sua mão tremia quando a alargou para a missiva, uma única folha de papel dobrada e selada com uma singela hóstia de lacre. Mas então reconheceu a letra e
a fraca chama de esperança que tinha ardido fugazmente em seus olhos se apagou de repente: "Não suporta a idéia de ver-me", pensou enquanto um cansaço infinito se
apoderava dela uma vez mais. Com o olhar perdido, deu permissão ao mordomo para retirar-se.
Durante um instante eterno ficou sentada sem mover um músculo e com o olhar fixo na prova irrefutável do rechaço do Jason. Lauren tinha albergado a esperança
de que ao menos lhe permitisse explicar-se, mas ele não tinha vindo; nem sequer lhe tinha escrito, tinha-lhe deixado essa tarefa ao Kyle. Por fim rompeu o selo e
começou a ler mecanicamente a mensagem do Kyle:

Estimada lady Effing:

Jason me pediu que lhe escrevesse para tranquilizá-la. Agrada-me informar a de que nossa missão foi um êxito terminante. A frota britânica sob o mando de
lorde Exmouth saiu vitoriosa e o mesmo pode dizer-se de seu marido. Jason conseguiu o objetivo que se impôs, dando amostras de maior compaixão da que eu tivesse
sido capaz de ter estado em seu lugar, e lembrança havê-lo ouvido dizer com tal motivo: "Graças a Deus, por fim todo terminou".
Rogo-lhe que me permita lhe expressar minha esperança de que em efeito assim seja. Sem dúvida é presunçoso por minha parte dizê-lo, mas confio sinceramente
em que os problemas do passado possam deixar-se atrás para sempre. Jason está bem, pelo menos seu corpo o está, não seu espírito. Não me comunicou quais são seus
planos, mas me aventuraria a dizer que tem intenção de ficar a bordo do Capricórnio esta noite. Uma vez mais, talvez me esteja excedendo em minhas atribuições, mas
lhe rogaria que você seja a que dê o primeiro passo, pois acredito que Jason se culpa a si mesmo pelo ocorrido...
Lauren deixou que a carta caísse ao chão silenciosamente ao mesmo tempo em que se levava uma mão tremente à frente. Não podia aceitar o conselho bem intencionado
do Kyle. Jason não se jogava a culpa a si mesmo, mas sim a culpava a ela pela perda do filho que esperavam, ela tinha destruído toda esperança de ser felizes juntos
que pudessem ter compartilhado. Deixou cair a cabeça para diante e se agarrou as mãos com força no regaço. Jason estava pensando nela, podia senti-lo. Fechou os
olhos e recordou a sensação de experimentar seu amor...
Não se deu conta do tarde que era até que apareceu uma faxineira para acender os abajures e remover as brasas da chaminé. Ela tremia diante o generoso fogo,
pois não era o frescor do mês de setembro o que fazia que tivesse frio, a não ser saber que já nunca mais sentiria o calor dos braços do Jason rodeando-a.
Obrigou a seu corpo intumescido a mover-se e se levantou da cadeira para dirigir-se com passo lento ao piso de acima para fazer a mala: não esperaria a que
Jason lhe pedisse que abandonasse a casa.
Depois da visita ao Carlin House, tinha voltado para Londres para esperar a volta dele e tinha convencido a um maroto que andava pelos moles para que a avisasse
assim que o Capricórnio fora avistado no Tamises. Tinha passado mais de seis semanas preocupando-se com o que teria sido do Jason e sua tripulação, e, além disso,
dois acontecimentos se produziram durante esse tempo.
O primeiro e mais surpreendente era que Regina Carlin se enforcou em sua cela. Lauren tinha ido visitar sua tia ao cárcere em uma ocasião, mas Regina a tinha
recebido com tal hostilidade, amaldiçoando ao Jonathan Carlin e a sua filha bastarda com tal veemência, que não se atreveu a voltar. Entretanto, sentia pena pela
anciã cheia de amargura e rancor, e lástima. Sua tia nunca tinha dado amostras do menor remorso por ter assassinado a gente inocente que se cruzou em seu caminho,
assim que talvez, bem cuidadoso, aquele final era o mais adequado, pensou Lauren quando se inteirou de sua morte. E pelo menos a família do Jason se livrou de um
terrível escândalo, já que o caso nunca iria aos tribunais depois da morte da acusada.
O segundo acontecimento novo foi que Lauren fez vinte e um anos. Surpreendeu-se muito quando os advogados do Jason a visitaram o mesmo dia de seu aniversário
trazendo consigo uns documentos para que ela os assinasse. Lauren descobriu com desconsolo que tais documentos não só dissolviam o fideicomisso estabelecido em benefício
de sua filha, Lauren Carlin, no testamento do Jonathan Carlin, mas também além a convertiam na única proprietária da companhia, incluída a participação que tinha
pertencido ao George Burroughs. Os advogados falavam da assinatura como um mero trâmite, não lhes agradou absolutamente que ela se negasse a assinar nada até não
ter falado com seu marido quando voltasse. A naval devia passar a suas mãos! Exclamaram eles, essas tinham sido as ordens expressas de lorde Effing, e ninguém ousaria
transgredir seus desejos... Suplicaram-lhe que reconsiderasse sua postura. O administrador a cargo do escritório da companhia em Londres, o senhor Pierce, também
se somou às súplicas, mas ela não se deixou convencer: estava decidida a não fazer nada até que não tivesse falado pessoalmente com o Jason.
E, entretanto, agora lhe negava a oportunidade de vê-lo sequer, pensou Lauren desconsolada enquanto procurava no armário a roupa que pensava levar-se. Um
soluço lhe cortou a respiração. Como ia decidir o que ficar quando nem sequer sabia aonde ir? E como ia pensar em algo tão pouco importante quando sentia que lhe
rompia o coração? Mesmo assim, chorar não serviria de nada, pois com lágrimas não conseguiria recuperar o amor do Jason e, além disso, já quase não ficavam lágrimas.
Secou os olhos e alargou a mão para seu manto de seda cinza; então sua mão tremeu.
De repente, deu-se conta de que estava fugindo de novo, de que outra vez partia para não fazer frente a seus problemas, e não só isso, pensou, mas também,
inclusive se já não a queria, Jason sim que consideraria necessário organizar sua marcha e lhe proporcionar os recursos necessários para que viajasse sem perigo:
podia vê-lo uma vez mais, embora só fora para lhe dizer - esta vez sim - que partia... E talvez se conseguia falar com ele poderia convencê-lo para que a deixasse
ficar, se não como sua esposa, como sua amante. Possivelmente nunca conseguiria que a perdoasse, possivelmente nunca teria outra oportunidade de fazer-se merecedora
de seu amor, mas pelo menos podia lutar pelo que mais queria em vez de sair correndo antes que a derrota fosse absolutamente inevitável.
A apatia que a tinha invadido desapareceu imediatamente e em questão de minutos a carruagem da casa Effing avançava a toda velocidade pelas estreitas ruelas
empedradas de Londres que levavam até os moles onde estava ancorado o Capricórnio. Quando a carruagem diminuiu o passo e se deteve ante a grade do grande muro, o
coração de Lauren já pulsava desbocado. Desceu e a percorreu um calafrio no momento em que a gélida bruma a envolveu; exceto pelo frio, quase lhe parecia estar vivendo
de novo a cena de fazia quatro anos: voltou a sentir-se como uma menina assustada de dezesseis anos que tratava de encontrar um navio que a levasse a América, os
homens de seu guardião lhe vinham pisando nos talões e quase a tinham apanhado, mas Jason a tinha resgatado...
- Deseja a senhora que a acompanhe?
Com um sobressalto, Lauren se deu conta de que o chofer lhe estava perguntando se necessitava que a escoltasse. Ela negou com a cabeça e lhe pediu que a esperasse
ali porque não tinha decidido o que ia dizer ao Jason, mas queria que seu encontro fora privado. Logo falou com o policial que fazia guarda à porta e se deslizou
através desta descendo pelos degraus de pedra para o mole. Ao ver a silhueta difusa do Capricórnio em meio da névoa, Lauren se dirigiu para ela lentamente, quase
com medo.
Nunca teria imaginado que o relógio também tinha dado marcha atrás para o Jason: a bordo da chalupa, ele estava de pé junto à amurada, atrasando todo o possível
sua partida igual a tinha feito fazia quatro anos; só que esta vez era porque não estava seguro de poder enfrentar Lauren. As hipóteses do Kyle eram acertadas: Jason
se culpava pela perda do bebê.
Em sua cabeça, tinha repassado mentalmente centenas de vezes tudo o que poderia ter feito para evitar o ocorrido, e agora o estava fazendo uma vez mais: ao
final todo se reduzia a sua insensatez, concluiu Jason amargamente, proposto que Lauren o necessitasse, que confiasse nele; tinha estado decidido a pôr a prova seu
amor por ele, mas lhe tinha exigido injustamente que enfrentasse sozinha a uma força que ela não podia controlar. Deveria ter sido sincero com ela desde o começo,
deveria havê-la apoiado mais, deveria havê-la ajudado em vez de lhe exigir que enfrentasse a seus medos completamente sozinha.
A possibilidade de que ela não o perdoasse o aterrava e, mais que qualquer outra coisa, temia que não queria seguir sendo sua esposa. Para começar, nunca
tinha querido casar-se com ele, recordou a si mesmo. Se agora Lauren queria que se dissolvesse o matrimônio, ele não tinha nenhum direito a interpor-se, mas seria
capaz de viver sem ela?
O leve ruído de passos interrompeu os pensamentos se desesperados para o Jason e, completamente alerta, percorreu com o olhar o embarcadouro envolto na penumbra,
mas não podia ver grande coisa além dos montões de caixas armazenadas e os barris. O rio trazia uma névoa espessa que ocultava momentaneamente à pessoa que se aproximava
e, então, Lauren apareceu entre a bruma e Jason conteve o fôlego.
Inclusive a aquela distância, sua presença despertava nele o desejo. A lanterna do Capricórnio era a única luz que havia no embarcadouro, mas o resplendor
de seu belo rosto iluminava a noite aos olhos do Jason tanto ou mais que qualquer chama. Sua figura ficava oculta em um manto de cor cinza escura, os cabelos recolhidos
sob o capuz, mas ele podia recordar perfeitamente o que se escondia debaixo, tanto as voluptuosas curvas de seu corpo como os brilhos dourados de seus cabelos. Com
que facilidade recordava o tato sedoso dessa juba, o sabor dessa pele, o gozo de senti-la estremecer-se sob seu próprio corpo...!
Jason fechou os olhos e um gemido escapou de sua garganta: as imagens do Lauren que lhe apareciam constantemente, a idéia de perdê-la, tinham estado torturando-o
durante semanas e agora parecia que seu desejo por ela era tão forte que sua mente o fazia ter alucinações; não estava vendo o Lauren realmente, tudo era um sonho.
Os passos dela se fizeram vacilantes, e quando se deteve e elevou a vista para ele cheia de incerteza, Jason avançou para Lauren como um sonâmbulo, sem ser
nem sequer consciente do que fazia. Ao comprovar cheio de estupor que seu sonho era real, que Lauren estava ali de pé no mole, e em que pese a que sentia um imperioso
desejo de estreitá-la entre seus braços, também sentiu que se desatava a ira em seu interior. Tinha vindo sozinha aos moles, desprotegida, podia lhe ter acontecido
algo... Desceu pela passarela, subiu os degraus de pedra do embarcadouro em umas poucas pernadas e se deteve de pé frente a ela, atravessando-a com um olhar irado
enquanto tratava de controlar o desejo de agarrá-la pelo pescoço em castigo a sua insensatez. Quando falou, seu tom era duro e intimidatório em vez de propiciatório,
tal e como se proposto.
- Por todos os Santos! - rugiu, - pode saber que demônios está fazendo aqui?
Lauren não tinha antecipado absolutamente um recebimento tão hostil e sua firme determinação de enfrentar-se ao leão em sua guarida se desvaneceu imediatamente.
Quando abriu a boca para falar, encontrou-se com a garganta muito seca para pronunciar uma só palavra.
- Me responda, Lauren! O que te propõe vindo até aqui sozinha em metade da noite? Acaso quer que lhe matem?
- Eu... eu queria falar contigo e não... não... estou sozinha, vim na carruagem.
Jason deixou escapar um suspiro de alívio enquanto esquadrinhava a escuridão além de Lauren.
- E onde está? - perguntou-lhe já com mais calma.
Quando ela conseguiu balbuciar uma resposta, ele disse:
- Vamos, este não é lugar para falar de nada; levo-te a casa.
Ela o obedeceu mansamente mas mantinha o olhar fixo no chão, temerosa de que se o olhava se encontraria com o desconhecido sério ao que tanto temia. Caminharam
até a carruagem em meio de um silêncio tenso. Ele a ajudou a subir e logo se sentou em frente. Agora distinguia suas facções com claridade porque um pequeno abajur
iluminava o interior da carruagem e, além disso, o capuz tinha escorregado para trás lhe permitindo lhe ver o rosto. Entretanto, não era capaz de adivinhar o que
estaria passando pela mente de Lauren nesses momentos porque ela não o olhava aos olhos e permanecia sentada com a cabeça baixa e as mãos agarradas com força sobre
o regaço. Jason esperou a que a carruagem ficasse em marcha e então disse em voz baixa:
- Bem, queria falar comigo, não é assim?
Lauren seguia sem olhá-lo.
- Sim - respondeu com voz trêmula, - sobre... sobre nosso matrimônio.
Jason sentiu que até o último músculo de seu corpo se esticava, mas não disse nada. Ela mordeu o lábio, - Lady Agatha sugeriu que se celebrasse outra cerimônia
se a primeira não era completamente legal, mas... não é necessário.
Ao Jason custava trabalho respirar, sentia como se uma vendagem fortemente apertada lhe esvaziasse o ar dos pulmões e ouviu a si mesmo dizer:
- Quer que te deixe livre, não quer seguir casada comigo, é isso?
Lauren duvidou um instante, retorcendo as mãos sobre o regaço. Aquilo lhe estava resultando mais difícil do que esperava. Mas então recordou a si mesma o
que havia em jogo e, cravando as unhas nas palmas das mãos, respirou fundo e disse apressadamente:
- Não, não quero que me deixe livre, o que trato de te dizer é que não tem que te casar comigo se não quiser, e não quero a naval tampouco, assinarei os papéis
que faça falta e assim ninguém poderá pôr em dúvida seu direito de propriedade, assinarei o que seja, mas por favor não me separe de seu lado, Jason, por-me-ei de
joelhos e suplicarei se isso é o que quer, mas...
- Basta, Lauren! - exclamou Jason com voz afogada.
- Não diga nada mais!
Ela elevou uns olhos suplicantes para ele ao mesmo tempo em que continha um soluço com grande esforço.
- Por favor, Jason, por favor, me dê outra oportunidade, prometo-te que nunca mais...
- OH, Deus! - gemeu ele e, em um só movimento rápido, tomou em seus braços e a estreitou como se não fosse soltá-la jamais.
- Acreditava que não me queria mais - murmurou com voz rouca afundando o rosto nos cabelos de Lauren.
- Não, eu... - começou a dizer ela, mas a interromperam os lábios do Jason.
Tinha razão, aquele não era momento de falar, pensou ela vagamente enquanto se aferrava a ele. Necessitava que o contato físico de seus braços a tranquilizasse,
precisava tocá-lo, sentir a paixão feroz de seus beijos. A maneira possessiva em que ele a estreitava contra seu peito lhe dizia quanto precisava escutar, e mais.
- Deus, joguei-te tanto de menos! - disse ele quando por fim suas bocas se separaram e relaxou um pouco a força implacável de seus braços, embora não a soltou.
Tremendo de desejo e de alívio, ela apoiou a cabeça sobre seu ombro.
- Poderá me perdoar? - murmurou.
Jason apertou os lábios sobre a testa de Lauren.
- Te perdoar por que, minha vida? - perguntou ele.
- Por... ter perdido a nosso filho.
- Mas se não foi tua culpa, carinho. Toda a culpa foi minha.
Lauren o olhou aos olhos.
- Tua? Como pode dizer isso?
Ele a apartou um pouco e a olhou fixamente.
- Deveria te haver dito desde o começo que sabia quem foi. Se te tivesse contado meus planos, nunca teria sofrido a queda. Não vou nem pedir que me perdoe
porque sei que não o mereço.
- Jason, isso não é verdade! Além disso, se eu não tivesse tido tanto medo de confiar em ti nunca teria causado. Agora me dou conta de quão equivocada estava,
e também acredito que consegui dominar meu medo aos espaços fechados - disse ela ao mesmo tempo em que se inclinava para diante para apagar o abajur. Ambos ficaram
na mais absoluta escuridão.
- O vê? E ultimamente tampouco tenho pesadelos.
Sem a luz do abajur, Jason se deu conta de algo no que não tinha reparado até então: as janelas e as persianas da carruagem estavam fechadas e Lauren não
mostrava sinal algum de pânico, nem tinha ficado paralisada. De fato, pareceu feliz de aninhar-se contra seu peito uma vez mais, e quando lhe rodeou o pescoço com
os braços e elevou o rosto para ele para que a beijasse, Jason a agradou gostoso.
Seus lábios se apertaram contra os de Lauren, sua língua se abriu penetrando na boca dela profundamente para beber de sua doçura enquanto deslizava uma mão
que, sob o manto cinza de Lauren, encontrou certeiramente o caminho por volta de um de seus seios. Jason lhe acariciou o mamilo lentamente, excitando-o até que esteve
duro como um diamante, mas quando ela se apertou contra ele, obrigou-se a separar-se. Lauren interpretou mal o gesto e, querendo tranquilizá-lo sobre sua total recuperação,
murmurou:
- Ainda posso ter filhos, Jason.
Sua voz aveludada por natureza fez que uma pontada de desejo atravessasse ao Jason entre as pernas provocando que trocasse de postura, incômodo: o que mais
desejava era continuar o que tinham começado, mas a resposta ardente de Lauren era mais do que podia suportar e o excitava de tal modo que ameaçava lhe fazendo perder
o controle e tomá-la ali mesmo, no assento da carruagem. Tratando de não pensar no que o delicioso corpo dela provocava no seu, Jason se apartou por um instante
e se concentrou em reacender o abajur.
- Já sei que pode ter filhos - lhe respondeu distraidamente.
Ela enrugou a testa.
- E você como pode sabê-lo?
- O médico que te atendeu me disse antes de partir que não havia indícios de que o aborto tivesse provocado danos permanentes, e além disso havia uma carta
da tia Agatha me esperando quando chegamos a porto esta manhã em que dizia que tinha ido a outro médico de Londres que tinha confirmado a opinião do primeiro.
- Não me estará dizendo que pediu a sua tia que me espiasse? - disse Lauren olhando-o ofendida, indignando-se ante a idéia de que mandou vigiá-la.
Pôs-lhe um dedo nos lábios.
- Tia Agatha simplesmente sentiu que era seu dever me informar sobre seu estado de saúde - a tranquilizou ele, sentindo o tremendo impacto que tinha inclusive
o leve roçar dos lábios de Lauren sobre a ponta de seus dedos, assim baixou a mão. O que de verdade queria era estreitá-la em seus braços e beijar seus lábios para
que desaparecesse a encantadora careta que se desenhava neles nesses momentos, mas a falta de privacidade o dissuadiu. E, além disso, deu-se conta de que era necessário
oferecer a Lauren uma explicação que já havia posposto durante muito tempo, com o qual respirou fundo.
- Suponho - começou a dizer com voz vacilante - que nossos filhos deveriam levar meu nome.
O aborrecimento de Lauren se dissipou imediatamente.
- Então te casará comigo?
Para ouvir a ansiedade que tingia sua voz, lhe dedicou um sorriso um tanto matreira.
- Sempre estivemos casados, minha vida, tal e como te disse em seu dia, a cerimônia foi legal, tudo se fez corretamente, se não termos em conta que você estava
bêbada. O que passa é que não te lembra de quase nada do que ocorreu essa noite. Tenho que te dizer, meu amor, que te sobe o álcool à cabeça em seguida.
Lauren franziu o cenho.
- Mas o certificado que me ensinou... estava assinado pelo Andrea Carlin.
- Envergonha-me reconhecer que era uma falsificação. Assinou como Lauren Carlin, e o teria descoberto se tivesse comprovado o caderno de bitácula de La Sereia.
Ela o olhou surpreendida.
- Mas por que?
- Por que te mostrei uma falsificação?
Jason tomou uma mão enluvada de Lauren entre as suas e a levou aos lábios.
- Então pensei que poderia necessitá-la para tratar com a Regina, e também que ao vê-la talvez confessasse quem foi em realidade.
Levou a palma da mão dela à bochecha e a olhou aos olhos.
- Mas quão único consegui foi que te afastasse de mim.
O remorso que tingia sua voz fez que o coração de Lauren desse um tombo. Queria tirá-lo de seu engano, lhe dizer que o tinha amado sempre em que pese a não
confiar nele, mas então a carruagem se deteve e, para evitar que os serventes ouvissem a conversação, Lauren não disse nada no momento e deixou que Jason a ajudasse
a baixar. Quando viu que ele olhava para a casa cheio de incerteza, perguntou-lhe um tanto preocupada:
- Vais ficar, não?
O sorriso zombador que iluminou o rosto dele era típico do Jason que conhecia.
- Se me convida, é obvio.
- Não necessita convite para ficar em sua própria casa - respondeu ela com irritação.
Passou algum tempo antes de poder voltar a falar a sós com ele porque - como não - Morrow estava de pé no vestíbulo para recolher os objetos de casaco quando
o tirasse e Jason teve que responder à saudação cortes do mordomo. Logo Lauren se viu obrigada a esperar, presa da impaciência, enquanto seu marido conversava amigavelmente
com a ama de chaves e o segundo mordomo. Ao final, quando já havia dito a todos que podiam retirar-se, apareceu tia Agatha com passo régio pelas escadas, exigindo
que seu sobrinho lhe contasse com todo luxo de detalhes em que maus passos tinha andado. Lauren acreditou que não ia aguentar mais. Esperou até que a anciã lhe ofereceu
a bochecha um tanto murcha ao Jason para que a beijasse e logo interrompeu a saudação entre tia e sobrinho dizendo:
- Tia Agatha, seguro que saberá desculpar ao Jason até manhã, está esgotado depois da comprida viajem.
Ele arqueou uma sobrancelha com gesto divertido e a olhou aos olhos ao mesmo tempo em que dizia com tom neutro:
- Certamente, estou esgotado!
O brilho azul de seus olhos fez que Lauren se ruborizasse, mas por sorte a tia Agatha não necessitou mais mentiras piedosas para entender que queriam estar
sozinhos e, depois de fazer prometer ao Jason que lhe contaria toda sua aventura à manhã seguinte, a anciã se retirou a dormir. Quando tia Agatha subiu as escadas
para desaparecer pelo corredor, Jason deslizou um braço pela cintura de Lauren.
- E bem, esposa minha - murmurou ao mesmo tempo em que inclinava a cabeça para lhe acariciar o lóbulo da orelha com os lábios, - estou muito cansado para
te fazer o amor?
Ela se ruborizou ainda mais, mas ignorou o tom zombador.
- Kyle disse que tinha intenção de passar a noite a bordo do Capricórnio... - comentou ela enquanto o guiava escada acima.
- Tendo a ti tão perto? - respondeu-lhe Jason, que parecia fascinado com um cacho que caía a Lauren sobre a nuca porque não deixava de beijá-lo.
- Então, por que não veio? Levo as últimas nove horas pensando que me odiava e que talvez não voltaria a ver-te jamais.
- Estava a ponto de vir para aqui quando chegou você e, já que te empenha em sabê-lo, o fato é que também me esforçava por fazer provisão do valor necessário
para me enfrentar a ti, para te rogar que me perdoasse.
- Mas se nada do ocorrido foi tua culpa - insistiu ela, - eu jamais culpei a ti.
Jason fechou a porta do dormitório a suas costas e começou a lhe tirar as forquilhas do cabelo.
- Pode ser, mas me parecia que a culpa tinha sido minha, e estava aterrorizado de pensar que talvez quisesse que anulasse o matrimônio. Eu passei as últimas
nove horas procurando argumentos lógicos para te convencer de que não me abandonasse.
Tirou-lhe a última forquilha, desfez o elegante coque fazendo que a sedosa juba caísse como uma cascata pelas costas de Lauren, e por fim a estreitou em seus
braços.
- Mas agora só recordo uma coisa - murmurou olhando-a aos olhos, - que estou apaixonado por ti e sempre estive.
Deslumbrada pela intensa luz que brilhava nos olhos azuis do Jason, Lauren ficou olhando. Aqueles olhos estavam cheios de uma ternura e um amor que não deixavam
lugar a dúvidas, e ela soube que essa era a mesma luz que se refletia em seus próprios olhos.
- Parece-me uma razão muito válida - lhe respondeu ao mesmo tempo em que lhe rodeava o pescoço com os braços.
Quando ele baixou a cabeça e lhe roçou os lábios com os seus, Lauren entrelaçou os dedos nos cabelos castanhos dele antecipando um beijo apaixonado, mas Jason
só se permitiu saborear sua boca uns instantes e logo, decidido a ir devagar esta vez, apartou-se com intenção de marcar os tempos. Sem a menor precipitação, uma
por uma, despojou Lauren de tudo e cada um dos objetos que cobriam seu corpo, até que ela ficou nua ante ele, e então retrocedeu um passo para recrear-se na imagem,
passeando o olhar docemente por cada rincão, admirando cada detalhe.
Aquele olhar cálido sobre sua pele acelerou o pulso de Lauren, mas já não se sentia impaciente, mas sim estava como hipnotizada, sumida com o Jason em um
momento delicioso e privado e, como ele, queria saboreá-lo, tomar-se seu tempo. Ajudou-o a despir-se deixando que seus dedos percorressem livremente seu torso suave
e musculoso enquanto lhe tirava a camisa, deleitando-se na certeza de que Jason lhe pertencia e tinha todo o direito a tocá-lo, a encontrar prazer nele. Quando o
resto dos objetos caíram pelo chão, seu coração se acelerou ante o impacto de ter ante si aquele corpo esbelto e forte, o ventre liso e firme, os quadris breves,
o sexo cheio e orgulhoso, que a faziam sentir calor e debilidade ao mesmo tempo.
Então Jason se aproximou e a apertou contra ele, e a repentina sensação da pele ardente dele sobre a sua fez que Lauren estremecesse. Ele a olhou aos olhos
durante um bom momento e logo baixou a cabeça outra vez. O tato de sua boca era suave como uma delicada musselina, mas ela sentia seu fôlego abrasador sobre os lábios
e podia notar o descomunal poder que Jason se esforçava por manter controlado ao mesmo tempo em que, com deliciosa lentidão, percorria-lhe os lábios com a língua
e logo esta os separava, procurando o delicioso secreto que encerravam. Aquela invasão cativante provocou nela um torvelinho de sensações.
Para quando ele a levou até a cama, ela tremia de desejo, mas Jason seguia negando-se a precipitar nada. Empurrou-a brandamente sobre o colchão, estendeu-se
a seu lado e começou a deslizar a palma calejada de sua mão por todo seu corpo, acariciando-a com ternura. A respiração eo Lauren se acelerou e seu som entrecortado
enchia a habitação onde reinava o mais absoluto silêncio, e quando ele tomou um seio na mão, ela deixou escapar um gemido.
- Jason, por favor - lhe suplicou apertando-se contra ele.
- Ainda não, meu amor - lhe respondeu ele com um sorriso.
A textura aveludada da voz do Jason dizia a Lauren o perto que estava ele de perder o controle, mas mesmo assim ele seguiu dominando seu desejo com uma vontade
inquebrável enquanto seus lábios a percorriam de pés a cabeça, descrevendo um tortuoso atalho por todo seu corpo. Logo lhe deslizou a mão pela coxa animando-a a
abrir-se a ele, e então a acariciou intimamente, enquanto o corpo dela se esticava com uma paixão descontrolada, e quando seus beijos desceram e Lauren sentiu seu
fôlego sobre os cachos dourados de seu sexo, ela afundou os dedos nos cabelos castanhos do Jason lhe suplicando uma vez mais que a tomasse.
Mas a língua dele tinha encontrado o epicentro de sua paixão feminina e, lhe sujeitando os quadris ondulantes, lambeu-a com parcimônia felina. A deliciosa
tortura se fez insuportável, e quando a língua do Jason a penetrou docemente, a paixão de Lauren estalou fazendo-a subir ao mais alto para logo começar um descida
estranhamente lenta. Só então se estendeu sobre ela e a penetrou até o mais fundo, reclamando uma vez mais as profundidades úmidas e os rincões mais recônditos de
seu corpo. Beijou-lhe as bochechas avermelhadas, esperou a que abrisse seus formosos olhos verde e âmbar e lhe sussurrou:
- Me deixe chegar ainda mais dentro, minha vida.
- Sim - lhe respondeu ela, estremecendo-se enquanto ele se afundava mais e mais em seu interior até enchê-la por completo, e logo a paixão voltou a lhe nublar
a vista quando Jason começou a mover os quadris com um ritmo deliberadamente lento ao princípio, que foi aumentando...
Investidas implacáveis despertaram o desejo no Lauren de novo, mas ele tinha chegado ao limite também: deslizou as mãos pelos quadris dela para apertá-la
ainda mais contra seu corpo reluzente de suor que se contraía e agitava, arrastando-a com ele até que os calafrios o invadiram em ondas sucessivas e gritou seu nome
antes de deixar cair exausto sobre ela.
Passou um bom momento antes que Jason recuperasse a força suficiente para apartar-se, mas Lauren lhe rodeou o pescoço com os braços e não o deixou mover-se.
Ao final ele se deslizou a seu lado para ficar estendido sobre um flanco olhando-a.
- Agora sim que estou cansado - disse entre risadas e fechou os olhos.
Ela se aconchegou contra o forte torso suarento, lançou um suspiro de felicidade, e estava a ponto de dormir quando seu estômago começou a clamar por sua
atenção.
- Jason?
- Mmm? - murmurou ele meio dormido.
- Temo que tenho fome.
- Me dê um minuto e tratarei de satisfazer esse teu apetite insaciável.
- Não, não quero dizer isso - respondeu ela risonha, - refiro-me a que tenho fome de verdade, não comi nada em todo o dia, estava muito preocupada.
Ele abriu um olho e lhe lançou um olhar turvo.
- Pois eu tinha encarregado à tia Agatha que se ocupasse melhor de ti.
- Não é culpa dela, tentou fazer comer várias vezes.
Lauren se levantou da cama e tirou uma bata vaporosa do armário. Ele ficou olhando-a, completamente acordado a essas alturas, e lhe perguntou:
- E agora aonde vai?
- Às cozinhas a procurar algo para comer. Quer que te traga alguma coisa?
- Não, vou contigo. Eu tampouco estive comendo muito bem, e além disso - acrescentou ele com um sorriso de menino pícaro nos lábios, - sei onde guarda o cozinheiro
os bolinhos.
Agarrados da mão e tratando em vão conter a risada, baixaram até as cozinhas. Ele encontrou suficiente comida para alimentar a toda sua tripulação e ao pouco
momento tinha a Lauren sentada à mesa de madeira, desfrutando de um festim de bolo de rins que tinha demasiado, faisão frio e uma garrafa de vinho que, depois de
jogar uma olhada à etiqueta da garrafa, Jason decidiu que devia levar na adega da última vez que, fazia já quinze anos, ele tinha empreendido sua última expedição
noturna em busca de comida.
- Não me contaste o que aconteceu Rafael - disse Lauren enquanto comia.
- Não - lhe respondeu ele com voz grave, - deixemo-lo em que pagou por seus crimes.
Logo levou a garrafa aos lábios para dar um bom gole, tomando cuidado de não olhá-la aos olhos: não tinha intenção de lhe contar os detalhes do desafio que
lhe tinha arrojado o pirata. Rafael tinha sido capturado em Argélia e sentenciado a morrer na forca, mas Jason se ofereceu a comprar sua liberdade se o pirata acessava
a enfrentar-se a ele em duelo. A resposta tinha sido afirmativa, mas pelo visto os companheiros de cativeiro do Rafael não viam com bons olhos que seu líder escapasse
à sorte que lhes esperava e, essa mesma noite, tinham-no esquartejado em sua própria cela, a julgar pelos restos sangrentos do corpo, Jason concluiu que não devia
ter sido uma morte fácil; talvez era o fim que correspondia a um homem que tinha perdido o mínimo respeito pelo valor da vida humana, e certamente Jason se propunha
economizar a sua mulher os detalhes desagradáveis.
- É isso tudo o que me vais contar?
Ele elevou a vista para Lauren olhando-a fixamente e sua expressão sombria desapareceu imediatamente para dar passo a um sorriso zombador.
- No momento sim, Olhos de Gata. Algum dia te contarei o que aconteceu, sempre e quando prometer que não me dará mais dores de cabeça nos próximos cinquenta
anos.
Lauren se deu conta de que a estava enrolando, mas decidiu deixar o tema.
- Sabia que encontraria a maneira de te sair pela tangente! - comentou ela em tom risonho como o do Jason.
- Muito bem, tenho um trato que te propor: conta-me a história quando te der seu primeiro filho.
- Que seja meu primeiro neto e trato feito.
- Então terei que esperar muito - disse Lauren ao mesmo tempo em que esboçava um sorriso provocador e se levantava da mesa para ir até o outro lado, onde
estava sentado Jason.
- Não se nos dedicamos seriamente a isso - apontou ele enquanto a sentava em seu regaço para beijá-la, - mas este não é lugar - acrescentou com voz rouca
quando elevou a cabeça de novo.
- Eu não gostaria que os serventes me surpreendessem fazendo amor a minha mulher nas cozinhas.
Lauren lançou um suspiro.
- Era muito mais fácil ser pobre e não ter que velar pela honra de um sobrenome ilustre!
- Não sei se é mais fácil, mas mais discreto sim - assentiu ele.
- De todos os modos, não se preocupe, minha vida, tenho toda a intenção de atacar seu delicioso corpo assim que voltemos acima, mas antes há uns quantos temas
dos que temos que falar.
Ela arqueou uma delicada sobrancelha.
- Como o que?
- Como George Burroughs.
Ao notar que Lauren ficava tensa, ele a estreitou pela cintura com mais força e continuou obstinadamente.
- Antes de morrer, pediu-me duas últimas coisas: uma era que o enterrassem junto a sua irmã Mary e a outra que te explicasse as razões pelas que te tinha
utilizado como o fez. Lamentava profundamente como se comportou contigo, Lauren, e desejava que o perdoasse.
Ela o olhou, reparando no sério que se pôs, e como parecia estar esperando a que lhe desse permissão para continuar, Lauren assentiu solenemente, consciente
de que teria que tratar os temas pendentes do passado antes de ficar a pensar no futuro.
- Tudo começou com as bodas de seus pais. Jonathan Carlin estava visitando uns amigos no Lancashire quando conheceu sua mãe e se casou com ela, mas não era
algo que se soubesse porque voltou para Londres sem ela, Ao pouco tempo, Jonathan... seduziu à irmã do Burroughs, Mary. Quando sua irmã foi a ele feita em lágrimas
dizendo que estava grávida, Burroughs foi às nuvens e quis desafiar ao Carlin a um duelo, mas Mary disse que estava apaixonada e desejava casar-se com ele, assim
Burroughs cedeu. Para então já era o principal sócio do Jonathan Carlin na naval e ameaçou a este retirando todo seu capital se não se casava com sua irmã. O resultado
foi umas bodas, embora sem valor algum, posto que Jonathan já estava casado.
Lauren enrugou a frente.
- Mas por que não admitir simplesmente o que tinha ocorrido?
- Porque um matrimônio não válido com a Mary, meu amor, dava a seu pai a arma perfeita: Burroughs não podia retirar seu capital enquanto Jonathan ameaçasse
comprometendo irremediavelmente a sua esposa contando-lhe tudo se o fizesse. A bigamia era ilegal, mas as consequências que teria sofrido ela eram muito piores...
- Assim por isso destruiu as provas de seu primeiro matrimônio...
- Não as destruiu, mas sim as confiscou. Tinha em seu poder a página correspondente do registro da igreja se por acaso a Elizabeth lhe ocorria levá-lo ante
os tribunais, página que volta a estar no lugar que corresponde, por certo, e que Jonathan guardou junto com um testamento no que te nomeava sua única herdeira...
Mas estou desviando do tema. Sua mãe cada vez estava mais desesperada ao ver que Jonathan não respondia a nenhuma de suas cartas, assim depois de que você nasceu
veio a Londres a vê-lo. Não a deixaram entrar na casa, mas conseguiu inteirar-se da existência da Mary e Andrea e então se dirigiu aos escritórios da companhia e
enfrentou ao Jonathan no que pelo visto foi uma grande cena; lhe mentiu, é obvio, lhe dizendo que as bodas tinha sido uma grande farsa. E Burroughs não o contradisse.
- Mas Burroughs sabia a verdade, não?
Jason assentiu com a cabeça.
- Sim, mas sua principal preocupação era proteger a Mary. Era sua única irmã e se sentia responsável, sobre tudo tendo em conta que ela era a que tinha insistido
em casar-se com o Jonathan, assim Burroughs estava decidido a que nunca se inteirasse de que seu matrimônio não era válido, e até onde eu sei nunca soube. Em qualquer
caso, Burroughs nunca voltou a ver a Elizabeth. Jonathan sim foi vê-la em uma ocasião uns anos mais tarde, depois de que lhe escrevera lhe pedindo dinheiro. Quando
voltou, disse ao Burroughs que tinha solucionado o assunto.
Lauren apartou o olhar fixando-a em um ponto mais à frente do ombro do Jason.
- Todo esse tempo... em realidade meus pais sim estavam casados - murmurou.
Jason tomou o rosto em suas mãos com suavidade.
- Assim é, minha vida, você foi Lauren Carlin antes de te converter em Lauren Stuart, nunca foi uma filha ilegítima.
- Mas por que? Por que não me disse isso?
- Refere ao Burroughs? Porque não queria que a vergonha manchasse o nome de sua irmã, inclusive depois de morta.
- Mas e o de minha mãe? O que dizer da vergonha que ela teve que suportar? Sua família lhe deu as costas e a deserdou!
Jason a olhou com olhos cheios de compaixão.
- Não estou dizendo que o que fez Burroughs estivesse bem, só te estou explicando suas razões para guardar silêncio. E depois também teve que fazer-se carrego
de Andrea; a menina se converteu em sua responsabilidade quando Mary e Jonathan foram assassinados, e sentiu que era seu dever proteger sua herança. Logo, quando
Andrea também morreu, Burroughs decidiu que você deveria ser quem herdasse a naval.
- Mas não porque julgasse que era meu legítimo direito, mas sim porque queria evitar a toda costa que caísse em mãos da Regina!
Jason lhe acariciou o cabelo.
- Por ambas as razões. Para então já suspeitava que sua tia tinha sido cúmplice no assassinato do casal Carlin e estava decidido a evitar que tirasse partido
de seus crimes, mas além disso queria te proteger dela, que é pelo que acordou que te casasse comigo. Tinha intenção de lhe explicar isso uma vez estivesse casada
e portanto a salvo.
Os olhos de Lauren estavam cheios de dor.
- Eu o teria entendido, eu lhe teria ajudado a deter a Regina se me tivesse contado a verdade em vez de ameaçar me encerrando na adega para assegurar-se de
que fazia o que ele queria. E além me chamou "a bastarda do Jonathan".
- Suponho que ainda não tinha superado a morte da Mary e Andrea, meu amor: você foi uma lembrança viva do Jonathan e certamente culpava a ti, erroneamente,
até de existir. Além disso, não sabia a fiel amiga e aliada que teria sido...
Lauren negou com a cabeça.
- Não é só o que me fez , Jason, é o que fez a minha mãe, deixou que sofresse o inexprimível denessariamente, não podíamos nem pagar o láudano para que conseguisse
dormir de noite. Não sei se algum dia serei capaz de lhe perdoar isso.
Apertando a Lauren ainda mais forte contra seu peito, Jason afundou o rosto em sua juba.
- Enfim, algo sim que há pelo que eu sempre lhe estarei agradecido: acordou nosso matrimônio. Se não fosse por ele, talvez nunca tivesse conseguido me fazer
com a companhia Carlin.
Lauren detectou o tom zombador em sua voz, entendeu que Jason tratava de aliviar sua tristeza brincando e, lançando um suspiro, deu-se conta de que era um
disparate permitir que o passado a atormentasse. Agora tinha ao Jason e isso era o que importava. Apartou-se um pouco para olhá-lo e deixou que seus olhos contemplassem
cheios de ternura as facções nobres do rosto de seu marido.
- Bom - disse ela ao fim fazendo um esforço por sorrir, - suponho que os dois saímos ganhando com o trato: eu acabei conseguindo um título...
Jason a olhou aos olhos ao mesmo tempo em que se levava uma mecha de seus cabelos aos lábios.
- Espero que por fim tenha conseguido acreditar que quero a ti e não a seu dinheiro, Olhos de Gata.
- Sim que acredito, Jason, e eu confio em que te dê conta do muito que sinto não ter tido mais fé em ti. Tive muito tempo para pensar sobre isso enquanto
estava fora e cheguei à conclusão de que me dava medo me expor a sofrer como o fez minha mãe, por isso temia confiar em ti. Mas deveria te haver dito a verdade.
- A verdade é que houve muitos segredos entre nós - murmurou ele, - mas isso pertence ao passado. Entretanto, terá que tomar uma decisão sobre o que vais
dizer: poderia contar a verdade ou poderia deixar que todo mundo assuma que sua mãe morreu antes que Jonathan voltasse a casar-se.
- Refere-te a que não revele que o matrimônio da Mary Burroughs alguma vez foi legal?
- Sim, poderia deixar que As pessoas pensem que Mary era a segunda esposa de seu pai e Andrea sua filha legítima: já não é questão de heranças, posto que
a companhia Carlin te pertence por direito já que o testamento do Jonathan é válido e Burroughs te deixou sua metade, mas se o fizesse preservaria a memória da Mary
e Andrea. Em realidade, elas foram as vítimas inocentes de todo este assunto.
Lauren assentiu com a cabeça lentamente.
- Suponho que agora já não há diferença, mas e se alguém averiguar a verdade sobre minha mãe?
- Nesse caso não o negaremos, embora duvide que alguém o descubra alguma vez. Regina era quão única poderia ter questionado a história e agora já não está.
Ao recordar a sua cruel tia, Lauren estremeceu.
- Não posso acreditar que acabou tudo - disse.
- Isto não é o final, a não ser o princípio, Olhos de Gata - lhe sussurrou ele ao ouvido com voz aveludada - e suponho que, em efeito, não seria má idéia
que celebremos nossas bodas outra vez, aqui na Inglaterra. Não quero que você ou nenhuma outra pessoa tenha a menor duvida sobre o fato de que estamos irrevogavelmente
casados.
Lauren lançou um suspiro e apoiou a cabeça no ombro do Jason.
- E eu imagino que tem razão quando diz que isso o devemos ao Burroughs - reconheceu ela com reticência.
Jason sorriu e negou com a cabeça.
- Pode ser que a ele lhe ocorresse a idéia, mas não teve nada que ver com nosso matrimônio, isso foi minha obra. Embebedei-te, lembra-te?
- Lembro-me de que me enganou...
- Merecia isso.
- Isso é mentira! - protestou Lauren.
- Não o é, e além me pareceu que tinha direito à revanche depois de que você me drogasse e te levasse meus cem guinés.
- Uma quantidade que eu acreditava haver ganho.
Jason lhe elevou o queixo com um dedo, e quando se inclinou para beijá-la, seus olhos resplandeciam com a calidez do amor.
- Então te parece bem que declaremos o empate, minha sereia? - sussurrou-lhe aos lábios.
- Pode ser - respondeu Lauren pensativa. Deixou que Jason a beijasse de novo e acrescentou:
- Te darei minha resposta quando tivermos nosso primeiro neto.
- Desperta, minha vida! - estava lhe dizendo Jason umas horas mais tarde.
- Acorda, Lauren!
Ela abriu os olhos e se encontrou com que ele a sacudindo para que despertasse. Ouviu sua voz tranquilizadora por cima dos ecos dos gritos que se foram desvanecendo
e se aferrou a ele, congelada de frio e tremente.
Pouco a pouco, começou a sentir que o batimento pausado do coração dele sob seu peito foi acalmando, ao igual à cálida luz do abajur que Jason acendeu, mas
mesmo assim um fantasma fugidio atormentava suas lembranças. Totalmente desconcertada, Lauren levou uma mão à frente, pois lhe doía muito a cabeça.
- Estava sonhando outra vez - lhe disse ele ao mesmo tempo em que esfregava vigorosamente a pele gélida de Lauren, - acreditava que havia dito que já não
tinha pesadelos.
Não houve explosão nem luz cegante; recuperou a memória sem notar nenhuma sensação em particular de não ser por um leve zumbido nos ouvidos.
- Ocorreu realmente - disse Lauren com voz afogada.
Jason apertou os lábios contra seu cabelo ao mesmo tempo em que lhe apartava uma mecha que lhe caía sobre o rosto.
- O que é o que ocorreu realmente, meu amor?
- O sonho.
Lauren se sentou na cama tampando-se até o queixo com os cobertores, para proteger-se.
- Recordo que o que aconteceu não era um sonho, era meu pai.
Jason lhe sujeitou o queixo com os dedos obrigando-a a olhá-lo aos olhos, e quando Lauren viu que a observava com uma expressão terna de preocupação, deu-se
conta de que não se estava explicando nada bem e começou outra vez:
- Tive o mesmo pesadelo de sempre, só que desta vez tinha um final, e agora sei do que, ou melhor de quem, estava fugindo: de meu pai.
Jason a estreitou em seus braços uma vez mais, embalando-a contra seu peito com gesto protetor.
- Conta-me vida minha - lhe disse brandamente sem soltá-la.
Ela apoiou a cabeça em seu ombro cheia de agradecimento.
- Estava na cama, dormida, e quando despertei ouvi gritos. Agora recordo que atravessei uma pequena habitação às escuras, devia ser um closet ou um pouco
parecido, porque levava a dormitório de minha mãe. Abri a porta...
Lauren estremeceu durante um instante e logo seguiu falando com voz tremente:
- Meu pai e minha mãe estavam tendo uma acalorada discussão. Ele tinha algo na mão... um pouco alargado com a ponta incandescente... e o estava utilizando
para ameaçá-la. Vi-a retroceder, mas ele a agarrou violentamente, e quando lhe pôs aquilo sobre o braço, ela gritou... uma e outra vez. Meu pai só ria. Acredito
que o que empunhava devia ser um ferro candente da chaminé, um atiçador - continuou ela com um fio de voz.
- Recordo o aroma da carne queimada.
Estremeceu e afundou o rosto no torso nu do Jason. Acariciou-lhe o cabelo sem dizer nada, lhe oferecendo consolo em silêncio, mas ainda passou um momento
antes que Lauren conseguisse falar de novo:
- Eu devo ter feito algum ruído porque meu pai deu a volta e me viu. Minha mãe me gritou que corresse, mas ele me alcançou antes que tivesse tempo a dar um
passo e me... queimou a mão.
Lauren elevou a mão esquerda com a palma para cima e Jason tomou na sua e a beijou meigamente.
- Minha mãe tratou de golpeá-lo, e quando por fim ele me soltou, eu corri para minha habitação e me escondi no baú onde guardava minha roupa: estava muito
escuro e não podia respirar... e... não recordo nada mais.
- Talvez - disse Jason ao cabo de um momento ocorreu quando Jonathan foi ao Lancashire a ver sua mãe, você devia ser muito pequena naquela época. É possível
que presenciasse como obrigava a sua mãe pela força a que renunciasse a seus direitos de esposa, e que ameaçasse machucar a ti também se não acessava a esquecer-se
de que as bodas se celebrou. Não sentiria espanto que Jonathan tivesse sido capaz de algo assim, segundo Burroughs não era um homem nada agradável.
O tom do Jason escondia uma ligeira ira, mas ele conseguiu reprimi-la pelo bem de Lauren e, rodeando-a com os braços com força, disse:
- Tudo isso é parte do passado, Lauren, tem que tratar de esquecê-lo. Agora deve olhar para o futuro, comigo a seu lado.
A ternura com que a consolava Jason conseguiu mitigar a dor do coração de Lauren, que com seus belos olhos verde e âmbar cheios de lágrimas que ameaçavam
derramar o olhou e lhe suplicou com voz sussurrante:
- Me ame, Jason.
- Sempre, vida minha - lhe respondeu ele ao mesmo tempo em que seus lábios se fundiam com os dela. - Sempre.


RESENHA BIBLIOGRÁFICA

Nicole Jordan

Nicole Jordan é filha de militar e passou sua infância viajando de país em país. Licenciada em Engenharia, trabalhou como gerente de uma importante empresa
antes de começar sua carreira como escritora em 1987. Após, tem escrito mais de duas dúzias de novelas históricas, das que se venderam mais de quatro milhões de
exemplares.
Apaixonada-las novelas românticas da Nicole apareceram em numerosas listas dos livros mais vendidos, incluídas as do The New York Times, USA Today, Waldenbooks
e Amazon.com.
Nicole Jordão foi finalista do Rita Award da RWA (Romance Writers of America), que deste modo a designou candidata ao prêmio ao livro favorito do ano. Ganhou
também o prêmio Dorothy Parker, outorgado pela Rio (Reviewers International Organization), uma associação composta por uma centena de críticos de novela romântica.
Booket publicou as seguintes obras da autora: Amar a um cavalheiro e Fogo em suas mãos.

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Desejo e Engano - Regência 1 - Nicole Jordan


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