quinta-feira, 6 de maio de 2010
PASQUALE CIPRO NETO
"Não há o que não haja"
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A presença do presente do subjuntivo torna possível a interpretação de que não existe o que
não possa existir
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MÁRCIO RIBEIRO É AMIGO de longa data. Foi meu aluno, nos idos de 1980 e tal. Um belo dia, numa aula
sobre o antológico poema "Canção do Exílio", de Murilo Mendes (sim, o de Murilo Mendes, paródia
genial da obra clássica de Gonçalves Dias), Márcio fez uma belíssima observação sobre este verso:
"Os sururus em família têm por testemunha a Gioconda". Nesse passo, o mineiro Mendes, mais do que
irônico, descreve, inexoravelmente, uma cena típica do Brasil de então e de hoje: a família
quebrando o pau ("os sururus em família") num ambiente postiçamente "refinado" (pela presença de um
representante da cultura importada: "têm por testemunha a Gioconda").
Ao analisar o texto, reforcei a ideia do choque realidade/aparência (sururus/Gioconda) presente no
verso de Mendes. Márcio interveio e somou um dado importante: o sorriso maroto de Monna Lisa, como
que a olhar a baixaria e a rir-se, quase de soslaio, quase com sarcasmo.
É sempre bom lembrar que a Gioconda é a Monna Lisa, obra-prima do gênio italiano Leonardo da Vinci.
No italiano antigo e literário, "monna" é "senhora", com tom de respeito ou de cortesia. Também é
sempre bom lembrar que as provas de português das instituições mais importantes do país exigem do
candidato algo que já comentei inúmeras vezes neste espaço: a intertextualidade, o diálogo que se dá
entre os textos, entre o texto que leio e os que eu deveria ter lido para entender o que leio.
Um belo dia crio coragem e escrevo sobre o poema todo do grande Murilo Mendes. Só não sei se o
espaço seria suficiente. O texto dele é um interminável rosário de referências.
Pois bem, voltando ao querido Márcio, quis o destino que, anos mais tarde, trabalhássemos juntos na
TV Cultura, onde ele fez o ótimo e saudoso "X-Tudo". E quis (também) o destino que nos tornássemos
vizinhos de andar. Essa vizinhança nos rende algumas boas conversas, madrugadas (e às vezes tardes)
afora.
Numa dessas conversas, recente, Márcio me "soprou" uma frase, de um amigo dele: "Não há o que não
haja". Maravilha, não? Leia de novo e pense bem: "Não há o que não haja". Talvez seja necessário
lembrar que "Não há o que não haja" não é "Não há o que não há", frase que poderia ser dita, por
exemplo, em uma situação em que se quisesse enfatizar a ideia de que não adianta forçar: o que não
existe não existe. E fim.
E "Não há o que não haja"? Note, por favor, a presença do subjuntivo ("haja"), modo verbal da
hipótese, da possibilidade. O mínimo que se pode dizer de "Não há o que não haja" é justamente que a
presença do presente do subjuntivo torna possível a interpretação de que tudo pode existir, de que
não existe o que não possa existir... Complicadinho, não?
Complicado e talvez enigmático, como o sorriso da misteriosa Gioconda, que, para uns, é a mãe de Da
Vinci e, para outros, a senhora (Monna) Lisa Gherardini, mulher de Francesco Bartolomeo del
Giocondo.
Voltando ao presente do subjuntivo, é bom (re)lembrar que em muitos e muitos casos a opção entre o
indicativo e o subjuntivo passa longe da ideia do certo/errado. Em "Acredito que há candidatos
honestos", por exemplo, nota-se mais certeza do que dúvida (em relação à existência de candidatos
honestos). Já em "Acredito que haja candidatos honestos", a presença do presente do subjuntivo
("haja") faz a dúvida ser maior do que a certeza... É isso.
inculta@uol.com.br
Renata Coutinho
"Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera;
esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora."
(Rabindranath Tagore)
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