Língua sem palavras
Neurociência resgata teoria de Darwin sobre a música que era tida como incorreta
Rafael Garcia, enviado especial a San Diego
Desde quando o naturalista Charles Darwin ensaiou seus primeiros pensamentos sobre evolução da linguagem à luz da teoria da seleção natural, tem sido uma tentação
imaginar que a fala humana evoluiu a partir de uma forma musical de comunicação. A habilidade de discernir e imitar sons teria gerado uma protolinguagem tonal e
rítimica, que hoje se expressa na forma da prosódia com que entonamos frases.
Contudo, quando cientistas finalmente elaboraram uma maneira de testar essa hipótese -os estudos com portadores de transtornos de linguagem-, a hipótese da conexão
língua-música caiu por terra. Na segunda metade do século 20, já eram conhecidos diversos casos de pacientes de afasia capazes de cantar e apreciar música. Em contrapartida,
muitas pessoas com amusia, incapazes de perceber notas desafinadas, não mostram grandes problemas em entender uma frase.
Por fim, as evidências acumuladas acabaram levando alguns cientistas a anunciarem o fim da hipótese musical darwinista. Depois disso, o psicólogo Steven Pinker
especulou
que nosso gosto por música seria mero efeito colateral das habilidades para produzir e analisar sons. A morte da ligação evolutiva entre música e língua, porém,
foi decretada precipitadamente, dizem cientistas agora.
Segundo Aniruddh Patel, do Instituto de Neurociências, da Califórnia, o que mudou o cenário foram as novas técnicas de mapeamento cerebral, como a ressonância magnética
funcional. Estudos usando essa tecnologia mostraram que existe um enorme grau de sobreposição entre as regiões do cérebro usadas para processar música e para linguagem.
"Como poderia existir tanta sobreposição sem existir associação?", questionou Patel, retoricamente, em palestra há uma semana no encontro anual da AAAS (Associação
Americana para o Avanço da Ciência), em San Diego (EUA). "A minha hipótese é que o "conhecimento" de elementos linguísticos difere do de elementos musicais, mas
eles compartilham alguns aspectos de "processamento" no cérebro."
Simplificando: o segredo está na gramática, diz Patel. Notas musicais, intervalos e acordes não têm significados que podem ser traduzidos por um dicionário. A maneira
com que se estruturam, porém, recebe suporte dos mesmos circuitos cerebrais que ajudam a combinar palavras em frases, afirma.
Para defender sua teoria, Patel tem se apoiado em grande parte nos trabalhos de dois outros neurocientistas que se recusaram a aceitar a morte da hipótese musical
darwinista. Uma deles é Nina Kraus, da Universidade Northwestern, de Illinois. Seu grupo desenvolveu uma técnica para estudar como o cérebro processa o som. Usando
eletrodos para conectar neurônios de um lagarto a um aparelho de som, Kraus apresentou em San Diego uma versão de "Smoke on the Water", canção da banda Deep Purple,
gravada diretamente do tronco cerebral do réptil.
Adaptando sua experiência para trabalhar com humanos implantando eletrodos em seu couro cabeludo, Kraus mostrou que cérebros de músicos exibem evidências de que
pessoas separam com mais nitidez a representação de sons relevantes contidos no meio de ruídos. E isso se aplicava também aos sons de palavras em meio ao murmúrio
de pessoas conversando num bar.
"Mas efeito verificado em músicos experientes não era comparável a um botão de volume que você usa para aumentar o som no cérebro", explica. "O que existia é aprimoramento
selecionado dos sinais cerebrais de elementos do som que são mais importantes."
A descoberta de Kraus a levou a questionar diretamente se a educação musical durante o período de desenvolvimento das habilidade linguísticas de uma criança pode
ter impacto positivo. Ela está agora conduzindo um projeto em Illinois que acompanha a educação de crianças por vários anos.
Para outro cientista que tem defendido o resgate de estudos relacionando linguagem à musicalidade, entender a relação entre ambos é uma questão de importância médica.
Gottfried Schlaug, da Escola Médica de Harvard, em Boston, trabalha com pacientes que adquiriram afasia após lesões graves no córtex cerebral. A maioria deles,
idosos
vítimas de derrames, ainda está consciente e tem habilidades motoras preservadas. Quando se trata de concatenar uma frase, porém, simplesmente não conseguem traduzir
uma ideia em palavras.
Sabendo que essas pessoas ainda retinham sensibilidade musical, Schlaug tentou então usar um método que batizou de terapia de entonação melódica para tentar reverter
o quadro de pacientes afásicos. Para convencer céticos de que o método funciona, o cientista costuma gravar vídeos. Um deles mostra um terapeuta pedindo ao paciente
que repita uma simples frase -"eu tenho sede"- ao que o idoso reage movendo os lábios sem conseguir pronunciar nenhuma sílaba. Com o terapeuta adicionando um contorno
melódico de duas notas à frase, após algumas tentativas, o paciente consegue cantar a frase que antes não conseguia falar.
Após convencer as pessoas certas em Harvard, Schlaug está agora realizando o primeiro teste clínico da terapia de entonação melódica, que está tendo sua eficácia
comparada a outros tratamentos para afasia.
Apesar de todas as novas evidências, porém, pode ser que a hipótese de Darwin nunca seja provada, já que é virtualmente impossível conhecer a língua de neandertais
ou de ancestrais distantes do Homo sapiens.
"Ainda não há evidência específica sobre se a linguagem veio primeiro, a música veio primeiro, ou o que surgiu era uma protolinguagem que evoluiu na direção dessas
duas coisas", diz Patel. A prova de que ambas estão intimamente ligadas, porém, não vai morrer uma segunda vez, afirma.
Renata Coutinho
"Um livro aberto é um cérebro que fala; fechado, um amigo que espera;
esquecido, uma alma que perdoa; destruído, um coração que chora."
(Rabindranath Tagore)
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