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» sinopse Embora eu já conhecesse a edição exemplar que Hernani Cidade fez da defesa de Vieira perante o Santo Ofício, não pude deixar de me comover quando tive em mãos o processo original que se encontra na Torre do Tombo1. São quase novecentas folhas de pergaminho, malcosturadas com fio grosso. A letra do réu é fina e se mantém clara até uma certa altura, depois começa a empastar-se. Entrevemos o rosto do acusado ardendo em febres da malária que contraíra nas missões do Amazonas. Ouvimos a tosse do tísico já cortada nos últimos meses de cárcere por violentas hemoptises. Muitas das folhas já estão coladas, e o manuscrito parece às vezes uma só mancha informe. Mas o espírito, que sopra onde quer, não se abate nem desfalece em momento algum. Vieira insiste em provar o tempo todo aos seus inquisidores a verdade e a ortodoxia da sua leitura das trovas proféticas do sapateiro Bandarra: versos messiânicos escritos havia mais de um século em uma vila da Beira chamada Trancoso. Prólogo Pelos autos vê-se o quanto essa utopia do réu suscitou as iras dos seus juízes. O fato é que Vieira atraíra contra si um concurso de motivações ameaçadoras. O anti-semitismo da Inquisição, de velas enfunadas nos Seiscentos, vislumbrou, com a perspicácia feroz dos perseguidores, traços judaizantes naquelas elucubrações proféticas. Era, aliás, notória a posição do nosso jesuíta em favor dos "homens de nação" desde quando interviera junto ao rei pedindo-lhe que fossem bem acolhidos em Portugal os judeus dispersos pela Europa. Deles poderiam vir recursos para financiar a Companhia das Índias Ocidentais projetada pelo mesmo Vieira. Esse é o teor da sua "proposta feita a El-Rei D. João IV, em que se lhe representavam o miserável estado do reino e as necessidades que tinha de admitir os judeus mercadores que andavam por diversas partes da Europa". Havia ainda outros motivos que explicariam a animosidade do Santo Ofício: a antipatia que os dominicanos nutriam pela Companhia de Jesus e, last but not least, a vaidade literária de um de seus pregadores, Frei Domingos de Santo Tomás, ferida pelas setas do nosso orador, que traçara a sua caricatura no Sermão da Sexagésima. | ||||||||||
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