domingo, 1 de agosto de 2010

J. Wolfgang GOETHE, Biografia e textos - Yvette Kace Centeno, dir..txt

J. Wolfgang Goethe
BIOGRAFIA E ANTOLOGIA DE TEXTOS

EDITORIAL
VERBO
GIGANTES
da Literatura Universal

Director da edi‡"o internacional: Dr. Enzo Orlandi

Vers"o portuguesa dirigida por
Yvette Kace Centeno,
que realizou a tradu‡"o da Antologia.
Colabora‡"o de
G. Martins de Oliveira
para a tradu‡"o dos restantes textos.

Arnoldo Mondadori Editore, 1969
e Editorial Verbo, 1972
Direitos reservados para a lingua portuguesa

Nas p ginas anteriores:
Fausto, em duelo, mata Valentim,
irm"o de Margarida
(litografia de Delacroix para a edi‡"o
francesa do "Fausto", 1828)
Goethe
fala de si

Um instinto de cria‡"o po‚tica cada vez mais
activo, actuando interior e exteriormente cons-
titui o centro e a base da sua exist‰ncia;
uma vez controlado, logo se resolvem todas as
outras aparentes contradi‡"es. Como este im-
pulso criador ‚ inesgot vel, para n"o se consumir
sem objectivo, tem de se voltar para o exterior.
E como ele n"o ‚ de natureza contemplativa,
mas pr tica, tem de orientar o seu rumo para
as coisas externas. Dai derivam as muitas
falsas tend‰ncias: para as artes pl sticas,
para as quais n"o possui ¢rg"o adequado,
para a vida activa, para a qual n"o tem nenhuma
flexibilidade, para as ci‰ncias, para as quais
n"o tem perseveran‡a suficiente. Mas como ele
reage criando, e se debru‡a sobre a realidade
da mat‚ria e do conte£do, sobre a unidade
e adequas"o da forma que acima de tudo
deve prevalecer, isto faz com que mesmo
estas falsas tend‰ncias do seu impulso criador
n"o sejam infrutiferas, nem exterior nem inte-
riormente. Nas artes pl sticas trabalhou muito
tempo at‚ dominar a ideia tanto dos assuntos
como do seu tratamento, e chegar ao ponto de
simultaneamente os poder apreciar no seu
conjunto e de ver a sua incapacidade para eles;
s¢ assim a sua maneira de considerar as coisas
se veio a purificar. Nos neg¢cios ‚ £til, desde
que tenham uma certa contiruidade, e, no fim,
de algum modo deles surja uma obra dur vel,
ou, pelo menos, entretanto algo de concreto
se manifeste. Perante os obst culos n"o tem
flexibilidade, ou cede ou se op"e com for‡a,
ou resiste ou desiste, segundo as suas convic-
‡"es ou a sua disposi‡"o de momento.  capaz
de aceitar tudo o que acontece, tudo o que ‚
produto da necessidade, da arte ou do trabalho
manual; s¢ se sente obrigado a desviar os
olhos quando os homens procedem de acordo
com o instinto e dizem obedecer a um objec-
tivo. Desde que percebeu que as ci‰ncias
dependem mais da forma‡"o do espirito que
a elas se dedica do que dos pr¢prios assuntos,
n"o mais negou esse esfor‡o, que primeiro foi
s¢ ocasional e vago, n30 mais negou essa
actividade intelectual, mas, pelo contr rio, tem
-na regulado melhor e aproveitado com mais
gosto. Assim como n"o evita por completo as
suas duas outras tend‰ncias, que em parle
se Ihe tornaram habituais e em parte impres-
cindiveis, devido ...s circunstancias da sua vida,
mas, pelo contr rio, ocasionalmente as exerce,
com mais consci‰ncia e dentro dos limites que
conhece. Tanto mais que aquilo que forma
com regularidade uma faceta do espirito de
igual modo se torna vantajoso ...s outras todas.
O car cter particular da sua cria‡"o po‚tica
pode ser determinado por outros. A sua natureza,
infelizmente, foi-se formando atrav‚s de muitas
limita‡"es e dificuldades, tanto de conte£do
como de forma, e s¢ agora com alguma cons-
ci‰ncia pode actuar, quando o tempo das maio-
res energias j passou. Uma caracteristica que
sempre o definiu como artista e como homem ‚
a excitabilidade e mobilidade da sua natureza,
que logo reage ... impress"o causada pelo assunto
presente, fazendo com que tenha de fugir dele,
ou de se Ihe unir.  o que Ihe acontece com os
livros, com os homens, com a sociedade;
n"o pode ler sem ser influenciado pelo livro,
n"o pode estar de acordo sem logo reagir
activamente, e, mesmo que isso n"o corres-
ponda ...s suas inclina‡"es, esfor‡ar-se por pro-
duzir alqo de Darecido.

Autodescri‡"o (1), uma: Autobiografia Rohlscher Einzelheiten
(Pormenores autobiogr ficos), Hamburger /Ausgabe, vol. 10.
Goethe e Napoleao vistos por Talleyrand

O "chefe" espiritual duma na‡"o fraca e desmembrada pos-se em
sentido na
presenca do chefe politico e militar dum Estado forte e
ambicioso.

Foi a 2 de Outubro de 1808 que se deu em Erfurt o c‚lebre
encontro de
Napole"o com Goethe, que mandara chamar.
Entre os presentes, que se mantinham de p‚, na
sala,contavam-se Talleyrand,
o conde Daru e o marechal Soult. Mas a cena desses dois
grandes homens,
cheios de uma grande admira‡"o reciproca e conversando de
igual para igual,
pertence ... lenda. Com efeito, almocava o imperador sòzinho
quando discutiu
abertamente com Goethe, inteiri‡ado em respeitosa atitude de
sentido
fascinado pelo prestigio, e o brilho do seu interlocutor.
Ora, h que reconhecer que Napole"o estava longe de tomar o
escritor por um
super-homem: bastante pouco inteirado acerca da literatura
alem", considerava
Wieland muito superior a Goethe, ainda que afirmasse o
contr rio.

Aqui t‰m 3 acta desse encontro hist¢rico, pela pena de uma
testemunha de
marca, que outro n"o era sen"o Talleyrand.

Napole"o.--Senhor Goethe, tenho muito gosto em ver-vos. O
senhor ‚ um homem.

Goethe.--Sire, vejo que quando Vossa Majestade viaja n"o
despreza dirigir
o seu olhar para o que h de mais pequeno.

Napole"o.--Sei que sois o primeiro poeta tr gico da Alemanha.

Goethe.--Sire, isso ‚ uma inj£ria ao nosso pais; julgamos ter
os nossos
grandes homens: Schiller, Lessing e Wieland s"o por certo
conhecidos de Vossa
Majestade.

Napole"o. -- Confesso-vos que os n"o conhe‡o de todo; todavia,
li "A Guerra
de Trinta Anos", o que, ireis desculpar-me, apenas me pareceu
encerrar temas
de trag‚dia para os nossos "boulevards",

Goethe.--Sire, n"o conhe‡o os vossos "boulevards"; mas suponho
que ‚ onde
se
realizam os espect culos para o povo; e fico indignado ao
ouvir-vos julgar
tao severamente um dos mais not veis g‰nios dos tempos
modernos.

Napole"o. -- Viveis habitualmente em Weimar; ser acaso ai que
se re£nem os
homens de letras da Alemanha?

Goethe.--Sire, ‚ grande a protec‡"o que ai Ihes dispensam;
mas, neste
momento, n"o temos em Weimar nenhum outro homem conhecido em
toda a
Europa
sen"o Wieland, pois que Muller reside em Berlim.

Napole"o.--Teria muito gosto em encontrar o senhor Wieland !

Goethe.--Se Vossa Majestade consente que o mande chamar, estou
certo que
vir imediatamente.

Napole"o.--E fala franc‰s?

Goethe.-- lingua que conhece, e ele pr¢prio corrigiu a
tradu‡"o de obras
suas vertidas para franc‰s.

Napole"o.--Enquanto aqui estiver, tereis de ir todas as noites
aos nossos
espect culos. Em nada vos prejudicar assistir ... representa‡"o
das boas
trag‚dias francesas.

Goethe.--Sire, irei da melhor vontade, e devo confessar a
Vossa Majestade
que era esse o meu projecto; traduzi, ou melhor, imitei
algumas pe‡as
francesas.

Napole"o.--Quais?

Goethe.--"Maom‚" e "Tancredo".

Napole"o.--Mandarei perguntar a R‚musat se temos por ai
actores que as
desempenhem. Teria muito gosto em que as visseis representadas
na nossa
lingua.
N"o sois gente t"o rigorosa como n¢s nas regras do teatro.

Goethe. ---Sire, as unidades, para n¢s, n"o s"o essenciais.

Napole"o.--Que vos parece a nossa estada por c ?

Goethe.--Sire, deveras not vel, e espero que ser £til
ao nosso pais.

Napole"o.--O vosso povo ‚ feliz ?

Goethe.--Tem grandes esperan‡as.

Napole"o.--Senhor Goethe, deverieis ficar por c durante toda
a viagem, e
escrever a impress"o que em v¢s exerce o grande espect culo
que vos
oferecemos.

Goethe.--Ah ! Sire, seria necess ria a pena de um grande
escritor da
antiguidade para empreender semelhante trabalho.

Napole"o.--N"o sois acaso daqueles que apreciam T cito ?

Goethe.--Decerto, Sire, muito.

Napole"o.--Pois eu, n"o! Mas falaremos disso noutra altura.
Escreverei ao
senhor Wieland que venha c ; retribuir-lhe-ei a visita em
Weimar, onde irei
a convite do duque. Teria muito gosto em ver a duquesa; ‚ uma
mulher de
grande m‚rito. O duque andou mal durante algum tempo, mas est
corrigido.

Gravura (retrato a ¢leo de Talleyrad)

Goethe.--Sire, se andou mal, a correc‡"o foi um tudo nada
forte, mas n"o
serei juiz de semelhantes coisas; protege as letras, as
ci‰ncias, e apenas
nos resta darmo-nos por satisfeitos...

Napole"o.--Senhor Goethe,vinde esta noite ... "Ifig‚nia". uma
pe‡a de
qualidade;
por‚m, n"o ‚ das que eu mais gosto, conquanto os Franceses
muito a apreciem.
Vereis na plateia um grande n£mero de soberanos. Conheceis o
principe primaz?

Goethe.--Sim, Sire, quase intimamente; ‚ um principe com muito
espirito,
muitos conhecimentos e muita generosidade.

Napole"o.--Pois bem, v‰-lo-eis dormir esta noite no ombro do
principe de
Wurtemberg. J alguma vez vistes o imperador da R£ssia ?

Goethe.--N"o, Sire, nunca, mas espero ser-lhe apresentado.

Napole"o.--Fala bem a vossa lingua; se escreverdes alguma
coisa sobre o
encontro de Erfurt, tereis de lha dedicar.

Goethe.--Sire, tal n"o ‚ o meu h bito; quando comecei a
escrever, tomei por
principio n"o apor nunca qualquer dedicat¢ria, para n"o ter
nunca de me
arrepender.

Napoleao.--Os grandes escritores do s‚culo de Luis XIV n"o
eram assim.

Goethe.-- verdade, Sire, mas Vossa Majestade n"o pode
garantir que se n"o
tivessem nunca arrependido.

Napole"o.--Que ‚ feito daquela m r‰s de Kotzbue ?

Goethe.--Sire, dizem que est para a Sib‚ria e que Vossa
Majestade implorar
a sua gra‡a ao imperador Alexandre.

Napole"o.--Mas sabeis que n"o ‚ homem da minha simpatia ?

Goethe.--Sire, ‚ um homem muito infeliz e tem um enorme
talento .

Napole"o.--Adeus, senhor Goethe

Nascido em Francforte, Goethe n"o tarda a instalar-se no
pequeno reino de
Weimar.

"Nasci em Francforte-sobre-o-Meno, a 28 de Agosto de 1749, ao
som das
badaladas do meio-dia. Pela pouca habilidade da parteira, vim
ao mundo
aparentemente morto", conta Goethe na sua auto-biografia.

"Quando veio ao mundo estava como morto, sem o menor sopro de
vida, e
duvid mos que alguma vez chegasse a ver o dia", corrobora sua
m"e, Elisabeth,
filha mais velha do burgomestre de Francforte, que muito jovem
desposara
um conselheiro imperial j maduro, o advogado Johann Kaspar
Goethe.
Meio asfixiado, tez viol cea, o rec‚m-nascido teve de ser
reanimado com o
auxilio de massagens de vinho no peito. Felizmente, "os astros
foram
favor veis" e o pequeno Goethe teve a sorte de nascer num lar
de burgueses
endinheirados. Com efeito, seu avo amealhara no com‚rcio de
vinhos o
consider vel patrimonio que iria permitir a seu filho Johann e
a seu neto
Wolfgang--pois assim se chamava a crian‡a -- levarem uma
exist‰ncia
confort vel e satisfazerem as suas inclina‡"es, sem cuidados
de ordem
material.

Na p gina da esquerda: a casa natal de Goethe, na rua da Fossa
dos Veados
(aguarela de Thi‚non, 1851); no 3.o andar situava-se o quarto
de que Goethe
fizera o seu escrit¢rio e atelier. Em cima: a pra‡a do
Romerberg,no centro
de Francforte-sobre-o-Meno (Vau dos Francos); todas as manh"s
a guarda ia
buscar as chaves a casa do burgomestre, para abrir as portas
da cidade.
Em baixo: o casal Goethe: o advogado Johann Kaspar, que aos 40
anos
casou com Elisabeth. de 17.

Em baixo: Wolfgang e sua irm" Corn‚lia. ' direita: a fatnilia
Goethe
(por J. K. Seekatz); os anjinhos ... direita representam os
filhos mortos de
tenra idade.

Wolfgang era um rapaz vivo e inteligente, mas nada tinha de
menino-prodigio.
Aprendia com muita facilidade tudo o que lhe ensinavam, sobre
tudo quando as
coisas lhe eram apresentadas como um jogo. Estudou latim e
tamb‚m um pouco
de grego, assim como franc‰s e italiano, este a pedido de seu
pai, que andara
de viagem pela peninsula.

Na casa dos Goethe, o ambiente era um tanto pesado, mas
respeitava-se a
cultura. Depois de ter tentado, inutilmente, conquistar um
lugar na politica
local, o pai renuncia a fazer carreira na vida p£blica e
dedica-se a
coleccionar livros e quadros, ao mesmo tempo que se entrega ...
hist¢ria natural
e ... redac‡"o de um di rio da sua viagem ... It lia. De seu pai,
Wolfgang herda
o gosto pela organiza‡"o, pela pesquisa, pelas colec‡"es. Em
contrapartida,
de sua m"e, "alegre e jovem por natureza", o sentido pr tico,
a firmeza, um
temperamento aberto ...s realidades do mundo, a espontaneidade e
a naturalidade.
Por essa altura, na "velha cidade livre" de Francforte, a vida
n"o ‚ das mais
alegres. No entanto, em Abril de 1764, o jovem Wolfgang tem a
sorte de
assistir aos grades festejos da coroa‡"o de Jos‚ II, um dos
£ltimos
imperadores do Sacro Imp‚rio Romano-Germanico.

Pelo bra‡o de Gretchen, seu primeiro amor, que viria a
imortalizar no
"Fausto" consegue penetrar no vasto sal"o do banquete e
assistir; imponente
espect culo. Mas tarde, durante a Guerra dos Sete Anos, quando
as tropas
francesas ocupam Francfort, torna-se o mais assiduo e
espectador das
representac"es teatrais das companhias de al‚m-Reno; e
frequente vezes ‚
visto nos bastidores e at‚ mesmo nos camarins dos artistas.
Wolfgang conta
ent"o numerosos amigos, mas uma £nica confidente, sua irm"
Corn‚lia, que no
irm"o mais velho deposita todos os tesouros do seu amor.
Pelo Outono de 1765, Goethe parte para Leipzig, pois que o
"conselheiro
imperial" sonha com uma brilhante carreira de jurisconsulto
para seu filho.
Este, por‚m, prefere estudar Belas-Artes e levar vida de
principe. Gosta
de dan‡ar, de se divertir, de beber em grupo, de se entregar
...s conquistas
amorosas, como o prova um demorado "flirt" com Kathchen
Schonkopf.

Tendo come‡ado por entusiasmar - se por Klopstock, sente-se
depois atraido
por Wieland, sob cuja influ‰ncia tende a tornar mais fluida a
forma dos seus
primeiros poemas, bastante pr¢ximos de certas correntes da
poesia francesa.

Em Agosto de 1768, no pr¢prio dia em que completa dezanove
anos, Wolfgang
regressa a Francforte, gravemente doente, esgotado pela vida
agitada que
levara em Leipzig .

A Alemanha de Goethe est dividida numa infinidade de estados,
condados
condados e cidades livres (Reichsstadte), que dependem
diretamente do
imperador do Santo Imperio Romano-Germânico, cuja eleicao se
realiza
segundo a tradi‡"o, precisamente em franckfort. Em baixo:
banquete de
coroa‡"o de Jos‚ II, a que tamb‚m Gothe assistiu.

OS ANOS TUMULTUOSOS DO "STURM UND DRANG"

A inac‡"o a que Wolfgang se v‰ for‡ado por uma longa e dificil
convalescen‡a
torna-o sensivel ...s influ‰ncias do pietismo (doutrina de uma
seita crist"
que proclama as virtudes da piedade e exige uma religiosidade
profunda), em
que ‚ iniciado por uma amiga da familia, Susana von
Klettenberg. Goethe l‰
Shakespeare, na recente tradu‡"o de Wieland, estuda a alquimia
e entrega-se
leitura de escritos da cabala e das obras de Paracelso.
Comparada com Leipzig
a cidade de Francfor-te-sobre-o-Meno parece-lhe ainda mais
triste do que
dantes. Pelos fins de Mar‡o de 1770, o nosso estudante acha-se
novamente em
viagem; seupai insiste para que termine os estudos. Desta
feita, Wolfgang
dirige-se a Estrasburgo, que escolhe pela relativa amenidade
do clima, e
obt‚m finalmente o diploma que lhe permite exercer a
advocacia, conquanto lhe
seja recusada a tese de licenciatura, tida por demasiado
inconformista.

A estada em Estrasburgo ‚ da maior importancia para a forma‡"o
artistica de
Gothe:

Leipzig ‚ una cidade muito mais moderna e livre uqe Frankfort.
Em Laipzig,
Goethe estuda desenho com Oeser que d as suas li‡"es nas
guas furtadas de
Plessenburg (em baixo); tem uma longa e aotrmentada liga‡"o
com Kathchen (a
direita), e encontra nas irm"s de Oeser (ao lado) as suas
consoladoras.

a forma‡"o artistica de Goethe: ‚ na capital da Als cia que
descobre a arte
g¢tica e trava conhecimento com Herder, cuja teoria, segundo a
qual toda a
grande poesia tem raizes populares, o apaixona. Ai estabelece
amizade com
alguns jovens "rebeldes" que, mais tarde, com ele ir"o fundar
o movimento do
"Sturmund Drang": Lenz, Klinger e H.-L.Wagner.

Por £ltimo, em Sesenheim, n"o longe de Estrasburgo, Goethe
apaixona-se por
Friederike Brion, filha de um pastor protestante. Amor de um
Ver"o, apenas.

De regresso a Francforte, o advogado Wolfgang Goethepublica um
drama, "Gotz
von Berlichingen", que Ihe d a celebridade e faz dele o
animador do "Sturm
und Drang" ("Tempestade e Assalto", titulo de um drama de
Klinger),
movimento
precursor do Romantismo. Insensivel ao ‰xito liter rio do
filho, Johann
Kaspar faz uma derradeira tentativa para o encaminhar para o
foro. Inscreve-o
entao no Reichskam-mergericht de Wetzlar, o tribunal imperial,
onde se
acumulam para cima de vinte mil processos. Wolfgang aproveita
a ocasi"o para
abandonar aquela mon¢tona Francforte, e obedece ao pai. Mas
pouco se interessa
pela autos; em contrapartida, vive com a jovem Charlotte Buff
(Lotte), que
conhecera num baile, uma complicada e tomentosa liga‡"o que
n"o tarda em
comprometer a sua estada em Wetzlar. De regresso a casa,
Goethe vem a saber
que um jovem adido de embaixada que conhecera em Wetzlar, um
certo
Jerusal‚m
pusera termo ... vida, em consequ‰ncia de um infeliz idilio com
uma mulher
casada Goethe, que v‰ nessa aventura o seu pr¢prio idilio com
Lotte, que
se encontrava noiva de outro homem, redige em poucas semanas
um romance
epistolar intitulado: "Os Sofrimentos do Jovem Werther".

Publicada em 1774, a obra logo alcan‡a um ‰xito estrondoso
tanto na Alemanha
como no estrangeiro, em grande parte devido ao cunho
sentimental do suicidio
do protagonista. Imediatamente Goethe conquista a celebridade
como "autor do
"Werther"; e gra‡as a este romance, em parte autobiogr fico,
torna-se um dos
precursores do Romantismo nascente.

Em Estrasburgo, duas revela‡"es surpreendem Goethe estudante:
a poesia
popular, divulgada por Herder (em baixo), e a catedral g¢tica
que domina toda
a cidade. Em baixo, ... esquerda, a casa de friedricke Brion, a
filha do pastor
de Sessenhiem, grande amor de Gothe, num desenho do poeta.

UMA LONGA ESTADA

O periodo compreendido entre o regresso de Goethe a Francforte
e a sua
partida para Weimar ‚ talvez o mais rico e o mais £til para a
elabora‡"o da
sua obra, conquanto nada de not vel tivesse escrito ent"o. A
esfera das suas
preocupa‡"es v‰-se habitada por nomes ilustres: C‚sar, Maom‚,
Prometeu, o
Judeu Errante, Fausto. Todos eles revolucion rios, .
reformadores, profetas,
grandes homens, seres de excep‡"o.
Por ocasi"o da sua £ltima estada em Francforte, Wolfgang
desperdi‡a a £nica
oportunidade que acaso teve de realizar um casamento adequado
... sua condi‡"o.
Um seu amigo leva-o a casa dos Schonemann, ricos banqueiros da
cidade, e o
poeta apaixona-se pela menina da casa, Lili, de dezasseis
anos. Embora
correspondido no seu amor, Goethe n"o quer comprometer-se por
toda a vida;
por isso se afasta para sempre depois do noivado oficial, a
pretexto de uma
viagem que, despreocupado e livre, o leva at‚ ... Sui‡a, na
companhia de dois
amigos--os condes Stolberg. Pouco tempos depois, Lili casava
com um banqueiro
de Estrasburgo.


Goethe completa finalmente os seus estudos de Direito; no
entanto, gra‡as ao
‰xito do seu Gotz, torna-se igualmente o chefe de fila de um
movimento
denominado Sturm und Drang. Johann Kaspar manda o filho
estagiar como
advogado em Wetzlar ( em baixo, ... esquerda), onde os tribunais
imperiais t‰m
a sua sede. Goethe n"o defende causa nenhuma, mas apaixona-se
por Charlott
Buff (em baixo), a futura "Lotte" de Os Sofrimentos do Jovem
Werther.

Pouco tempos depois, Lili casava com um banqueiro de
Estrasburgo.
Goethe n"o suspeitava por certo do alcance que viria a ter em
toda a sua
vida o convite que Carlos Augusto, duque de Weimar, ent"o com
dezoito anos,
lhe dirigiu aquando da sua passagem por Francforte a caminho
de Darmstadt,
onde ia desposar Luisa de Hesse. Weimar era um pequeno estado
alem"o como
muitos outros, pr...ticamente reduzido ... capital, uma
cidadezinha de provincia
com seis mil habitantes, e a meia d£zia de localidades de
menor importancia.
Recentemente devastado por um inc‰ndio, o castelo estava em
ruinas. A cidade
nem sequer tinha um teatro. No ambiente da corte, dominavam os
velhos: Ana
Am lia, m"e do duque e sobrinha de Frederico II, e o seu
limitado circulo de
amigos, do qual fazia parte o c‚lebre Wieland, preceptor dos
dois jovens
duques. Aquilo que, para o poeta, deveria ser apenas uma breve
visita de
cortesia, transforma-se numa perman‰ncia para o resto da vida.
Goethe
torna-se o amigo insepar vel de Carlos Augusto, e juntos se
entregam a uma
longa s‚rie de brincadeiras, de que todos s"o vitimas, em grau
maior ou
menor: tanto os camponeses e os comerciantes da regi"o, como
damas da corte
de Ana Am lia.
Mas, terminada a fase de est£rdia, o duque nomeia Gothe membro
do seu
Conselho
particular. Com o correr dos anos, as atribui‡"es oficiais do
escritor ganham ma
importancia, em prejuizo de suas actividades liter rias.
Durante muito tempo, parecer perdido para o mundo das letras,
limitando as
produ‡"o a alguns poemas circunstanciais e a com‚dias para
diletantes.
E os seus grandes projectos, projectos se mant‰m. O romance
"Voca‡"o Teatral
de Wilhelm Meister", primeiro esboco do que viria a ser os
"Anos de
Aprendizagem de Wilhelm Meister", continua incompleto. Em
compensa‡"o,
aquele
longo contacto com os problemas concretos da vida do pais
liberta Goethe do
"Sturm und Drang" e estimula a sua matura‡"o como homem e como
poeta. A
res-
ponsabilidade do governante, a vida da corte, uma investiga‡"o
cientifica
da natureza e o estudo de Spinoza--tais s"o as componentes da
sua nova
forma‡"o intelectual. Mas, para ele, nenhum acontecimento
reveste, por certo,
maior importancia do que o seu encontro com a baronesa von
Stein, de trinta
e tr‰s anos de idade, mulher do escudeiro de Carlos Augusto.
Sete anos mais velha do que o poeta, a baronesa ‚ uma mulher
culta, que
consegue moldar Wolfgang, canalizar a sua paix"o transbordante
no sentido da
harmonia e da beleza. Assim, a seu conselho, dedica a maior
aten‡"o ao mundo
cl ssico; e quando se sente finalmente arrasado pelo trabalho
administrativo
e pelas fun‡"es na corte, foge para a It lia, a p tria do
belo.

Em Francforte, Goethe vive tres anos de intenso trabalho
liter rio; apaixona-
se por Lili Schonemann (... esquerda, com o marido) e entrega-se
... patinagem.

A FUGA PARA A IT†LIA

E a 3 de Setembro de 1786 que Goethe parte de Karlsbad, na
Bo‚mia, sob a
falsa identidadede Jean-Philippe Moller, pintor de arte; e
permanece na
It lia at‚ ... Primavera de 1788.

Demora-se sobretudo em Roma, onde chega a 29 de Outubro, e
donde se dirige a
N poles e ... Sicilia. Goethe gosta de Roma, do seu ambiente, do
seu
classicismo, pelo qual se deixa penetrar e que assume,
doravante, um valor
de refer‰ncia.
Em Setembro de 1786, em Vicenza, aponta no seu di rio:

Em baixo: a baronesa Charllote von Stein, grande amor do
poeta. A direita:
Gothe contemplando a silhueta da amada. Em baixo: Carlos
Augusto.

Em Setembro de 1786, em Vicenza, aponta no seu di rio: "Se se
quisesse aqui
viver, seria preciso tornar-se imediatamente cat¢lico, para se
poder
participar na vida desta gente". Em Verona, frente aos
baixos-relevos da arte
funer ria romana, escreve: "Os homens n"o est"o de m"os
postas, nao erguem
os olhos ao C‚u, mas s"o aquilo que s"o: est"o juntos,
interessam-se uns
pelos outros, amam-se". Visto que a arte cat¢lica lhe surge
ent"o sob as
formas sobrecarregadas do barroco, Goethe despreza-a como um
indice de mau
gosto, ao mesmo tempo que desdenha o g¢tico. O Renascimento
atrai-o,
especialmente pelas pinturas de Rafael de Urbino e a obra
arquitectonica
de Andrea del Pal dio; j a Basilica de S. Pedro e a obra de
Miguel Angelo
o n"o atraem tanto.

De S.Marcos, em Veneza, diz o seguinte: "Este g‚nero de
constru‡"o
arquitect¢nica e digno das loucuras que dentro se ensinam e
fazem"
A catedral de Mil"o ‚ para "uma montanha de m rmore esculpida
sem gosto
algum"
Goethe n"o s¢ visita os lugares mais c‚lebres,em busca da alma
"pag""
naquela
terra do classicismo, como desenha mais de mil paisagens e
esbo‡os colhidos
no pr¢prio local.

Mas, no fim da sua estada na It lia, decide abandonar as artes
pl sticas para
se consagrar exclusivamente ... poesia. A 5 de Setembro de 1787,
pode escrever:
"Radiosa manh" ! Hoje mesmo dei o "Egmont" pr...ticamente por
acabado".
Comp"e,
em verso, uma "Ifig‚nia", que fora j representada, em prosa,
na corte de
Weimar. O "Torcato Tasso" regista not veis progressos,
conquanto apenas
venha
a ser terminado um ano depois do regresso a Weimar.

SCHILLER, A
"CONSCIENCIA"
DE GOETHE

-lhe doloroso deixar a It lia.
De regresso a Weimar, o poeta tem uma enorme dificuldade em
readaptar-se a
uma exist‰ncia "n¢rdica" e ... banalidade quotidiana da pequena
corte.
Abandona
todos os seus cargos oficiais, e, sempre com o pensamento na
It lia-e para
escandalo de toda a boa sociedade de Weimar-decide levar uma
vida "pag""
com
a sua amante, Christiane Vulpius, uma jovem de vinte e tr‰s
anos que conhece
pouco depois de regressar.

Deste idilio com Christiane (a sua "Erotikon") vir a nascer,
em 1789, o £nico
filho de Goethe, Augusto. E desse periodo de isolamento e
solid"o, que s¢ a
guerra vem interromper, ficam-nos as "Elegias Romanas". Com
aguerra, por‚m,
o poeta tem de acompanhar Carlos Augusto, que combate nas
hostes prussianas
contra a Fran‡a revolucion ria. A Revolu‡"o Francesa n"o ‚
coisa do agrado
de Goethe, cujo realismo ‚ avesso a abstrac‡"es sedutoras mas
perigosas, como
"liberdade, igualdade, fraternidade". Para ele, a intelig‰ncia
e a justi‡a

Em Setembro de 1786, com o nome de Moller, Goethe abandona
secretamente
Weimar
e parte para uma longa viagem pela It lia. O duro trabalho na
corte, refreou
de certo modo as suas capacidades po‚ticas: por isso precisa
de independencia,
novidade e fantasia de um mergulho na p tria do classicismo,
em busca de uma
"vida pag"". Visita Veneza, Roma, N poles, e Palermo ( em
baixo: por ordem)
a direita, Gothe ... janela de casa, em Roma( desenho de
Tischbein).

"liberdade, igualdade, fraternidade". Para ele, a intelig‰ncia
e a justi‡a
s"o apan gio exclusivo de uma pequena minoria, e n"o das
grandes massas. Em
1824, escrever : "N"o podia por certo simpatizar com a
Revolu‡"o Francesa,
visto que assistira com os meus olhos a todos os seus crimes,
muito embora
estivesse convencido de que uma revolu‡"o n"o nasce nunca por
culpa do povo,
mas por culpa do governo".
O que mais o seduz, nos £ltimos anos do s‚culo, s"o os estudos
cientificos,
que j em Roma tanto o haviam atraido. Felizmente, n"o tarda
em reencontrar
uma imperiosa vontade de escrever, sob a influ‰ncia de
Schiller.


 bastante tardia a amizade entre os dois grandes
contemporâneos: cerca de
dez anos depois de se terem visto pela primeira vez. Para
Goethe, Schiller
‚ um poderoso estimulo: ouve-o, sugere-lhe solu‡"es para os
problemas que o
atormentam, incita-o a trabalhar.  gra‡as a ele que Goethe
avan‡a com o seu
"Fausto", termina "Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm
Meister", retoma o
poema idilico "Hermann und Dorothea", que comp"e de novo em
1797, em
hexâmetros, alcan‡ando ent"o enorme ‰xito.


O CASAMENTO
DE WOLFGANG
COM CHRISTIANE

As guerras napoleonicas amea‡am a Europa e a pr¢pria
exist‰ncia do pequeno
ducado de Weimar. Goethe receia ver desmoronar-se tudo aquilo
que at‚ ent"o
edificara, a sua situa‡"o, o seu patrim¢nio. Em 1806, apos a
vit¢ria de lena,
as tropas francesas ocupam Weimar; a pr¢

pria resid‰ncia do poeta ‚
sequestrada. Atacada durante a noite por dois soldados ‚brios,
Wolfgang ‚
salvo pela corajosa Chrstiane: no dia seguinte, a 19 de
Outubro, o poeta,
reconhecido, recebe-a como esposa, em cerimonia, a que
assistem, como
testemunhas, seu filho Augusto, de dezassete anos, e Riemer,
seu secret rio.
Todavia, e como que para simbolizar a sua f‚ inalter vel nos
valores
tradicionais, Goethe manda gravar nas alian‡as a data de 14 de
Outubro, dia
da batalha de lena.

A 2 de Outubro de 1808, Goethe encontra-se com Napole"o.  com
as palavras:
"Aqui est um homem!" que o imperador o recebe. "Li algumas
sete vezes o
seu "Werther", acrescenta. Por seu lado, tamb‚m Goethe admira
o imperador,
no qual v‰ o "homem de ordem" que soubera Impor-se ao caos
revolucion rio.

O casamento com Christiane n"o altera de maneira nenhuma o seu
modo de vida,
e Goethe continua a comportar-se como um solteir"o. Quando
quer trabalhar,
retira-se para lena.  ai, na casa de um amigo, o livreiro
Frommann, que o
poeta sexagen rio se toma de amor fundo por uma rapariga de
dezassete anos,
Minna Herzlieb, que Ihe inspira nova obra: "As Afinidades
Electivas".
O casamento com Christiane n"o altera de maneira nenhuma o seu
modo de vida,
e Goethe continua a comportar-se como um solteir"o. Quando
quer trabalhar,
retira-se para lena.  a¡, na casa de um amigo, o livreiro
Frommann, que o
poeta sexagen rio se toma de amor fundo por uma rapariga de
dezassete anos,
Minna Herzlieb, que lhe inspira nova obra: "As Afinidades
Electivas".
Entretanto morrem-lhe alguns dos amigos e parentes: em 1803,
Herder; em 1805,
Schiller; em 1807, Ana Am lia, e em 1808, sua m"e.

O regresso a Weimar ‚ bastante duro para Goethe; felizmente
conhece Christiane
Vulpius (em baixo, com o filho), com quem casa a 1806.

Entretanto morrem-lhe alguns dos amigos e parentes: em 1803,
Herder; em 1805,
Schiller; em 1807, Ana Am lia, e em 1808, sua m"e.
Gothe pasa a levar uma vida cada vez mais retirada, que dedica
ao estudo
e a medita‡ao. Derrubam-se os tronos, dosmoronam-se os
imperios, mas todos os
ru¡dos do mundo se devanecem a solera de sua casa: o
"Ol¡mpicos" de Weimar
dedica-se ao eestudo das cores, da morfologia comparada, da
minerologia,
esquecido da sua veia poetica.  durante esse p[er¡odo que a
produ‡ao liter ria
de Gothe se enriquece com as suas obras autobibliogr ficas
mais
significarivas:"Poesia e Verdades" e "Viagem a It lia".

O sal"o de Ana Am lia ( em baixo). Meyer, Gothe e Herder
contam-se entre os
presentes. ' direita, os franceses bombardeiam Mog£ncia, em
1793.

A SERENA VELHICE DO "OLIMPICO"

Aos sessenta e cinco anos de idade, pelos anos de 1814-1815,
anda o poeta em
viagem pela regiao do Reno, do Meno, e do Neckar, quando o
medico lhe
prescreve uma cura em Wiesbaden. Uma vez mais uma mulher lhe
inspira violenta
paix"o: trata-se de Marianne von Willemer, de trinta anos,
casada com o banqueiro
e senador Willemer, velho amigo de Gothe. O poeta dedica-lhe
v rios poemas, em
que a trata por "Suleika", enquanto assina ora "Hafisa" (nome
do poeta persa autor
do "Diva", cuja tradu‡"o alem" havia sido publicada h
pouco), ora "Hatem".
Nasci assim o "Div" Ocidental-Oriental", cuja a primeira
edic‡"o data de 1819 e
que tambem inclui algumas poesias da bela Marianne. Em 1816,
Gothe abandona
uma vez mais a sua casa para encontrar-se com a adorada
"Suleika", mas um
acidente com a carroagem obriga-o a retroceder. Entre 1818 1
1823, nas
estncias termais da Bo‰mia - Karlsbad, Teplits e Marienbad -,
frequenta a fina
flor da aristrocr cia europeia, graceja com jovens baronesas e
condessas
entrega-se a amenos passeios.
Pela £ltima vez o vener vel poeta ‚ tomado por uma forte
paix"o, que lhe ‚
inspirada por Ulrike von Levetzow. Em 1823, o velho Carlos
Augusto pede
oficialmente a m"o da jovem em nome do seu amigo Gothe, que
enviuvara em
1816. Mas Ulrike exita; a fam¡lia indecisa nao diz nem "sim",
nem "n"o". Esta
recusa implicita lan‡a o pobre Gothe no mais profundo
desespero. Como nos
tempos de juventude, procura consolo na fuga e escreve poesias
repassadas de
tristeza.

"Esse homem impede-me o caminho, fez-me pensar que o distino
me tratou
duramente", escreve Schiller(em cima), ... esquerda) a respeito
de Gothe. Mas a
poesia acaba por aproxima-los e Schiller torna-se a
"consciencia" artistica de
gothe. Em cima, os dois £ltimos grandes amores do poeta,
Marianne von Willemer
e Ulrike vom Levetzow. Foi para Ulrike que Gothe escreveu as
Elegias de
Marienbad. ' direita:
Gothe dita seu testo ao seu secret rio

Como nos tempos de juventude, procura consolo na fuga e
escreve poesias
repassadas de tristeza. As "Elegias de Marienbad" s"o a mais
alta express"o da
sua dor.
Gothe passa os £ltimos anos de vida em sua casa em Weimar, que
se torna
entao,
local de peregrina‡"o para a elite intelectual da Alemanha. Em
contrapartida a
roda dos amigos vai-se reduzindo de ano para ano:em 1828 morre
o duque, e a
27 de outubro de 1830 morre-lhe o filho, em Roma. Mas Gothe
dar provas de um
extraordin rio vigor at‚ ao fim . Ate 1829, trabalha nos "Anos
de Viagem de
Wilhelm Meister", e , depois, no "Faustos", o monumento da
sua existencia: "H
mais de sessenta anos que o tema do "Fausto" habitava em
mim...", escreve o
poeta cinco dias antes de morrer, resumindo, com maior
concis"o a história de
sua obra. A 22 de Mar‡o de 1831, pelas onze e meia da manha,
Gothe rende o
£ltimo suspiro. Contava ent"o 83 anos e só poucos meses antes
completara o
"Fausto".

OS CONTEMPORÂNEOS DE GOTHE
Gothe ‚ a mais cel‚bre, mas n"o a £nica personagem de uma
epóca
particularmente gloriosa e fecunda para a filosofia e as
letras alem"es.
Ludwig A. von Arnim ( 1781-18310, poeta e escritor romntico;
... direita Friedrich
von Schelegel (1772-1824), cr¡tico liter rio e especialista de
snscrito.
J. Eckermann (1792-1854) secret rio e biogr fo de Gethe.
Johann Gottlieb Fichte (1762-1814), filósofo e teórico do
idealismo.
G. W. Friedrich hegel (1770-1831), um dos principais
representantes do idealismo.
' direita: o poeta romantico dos CONTOS POPULARES, Clemens M.
W.
Brentano (1778-1842).
Os irm"oes Grimm, Jacob (1785-1863) e Wilbelm (1786-1859),
famosos pelos
seus trabalhos filológicos
Bettina Bretano (1785-1863), poetisa, mulher de Ludwig von
Arnim.
A.W.von Schlegel (1767-1845), poeta e cr¡tico, tradutor de
Shakespeare.
Novalis, pseudônimo de Friedrich leopold von Hardenberg
(1772-1801), o maior
poeta romantico. ' direita Wilbelm von Humboldt (1767-1835),
escritor e politico.
Dois grandes poetas: Friedrich gottlieb Klopstock (1724-1803),
e Friedrich Holderlin
(1770-1843).
Da esquerda para a direita: johann Kaspar Lavater (1741-1801),
famoso pelos
seus Fragmentos Fisionômicos; Johann ludwug Tieck (1773-1853),
escritor
romnntico; o filósofo Friedrick Wilbelm Joseph Schelling
(1775-18540, um dos
mais altos expoentes do idealismo romntico.

OS ACONTECIMENTOS DA POCA
A Revolu‡"o Francesa, a epopeia napoliônica e a Restaura‡"o
dominam a cena
europeia: Gothe desafia como um rochedo as ondas daquele mar
revolto.
Viena, 1814:Encontro do Imperador sa Austria, do rei da
Pr£ssia, e do czar da
Russia.
1748 Tratado de Aix-la-chapelle, que p"e termo a Guerra da
Sucess"o. In¡cio das
escavaó"es de Pompeia.
1750 Morte de D. Jo"o V/ D. Jos‚ I e Sebasti"o Jose de
carvalho e Melo no
poder.
1752 Benjamim Frankilin inventa o p ra-raios.
1755 Terremoto de Lisboa.
1756 Inicio da Gerra dos Sete Anos.
1759 Os esu¡tas s"o expulsos de Portugal , Funda‡"o do Museu
Britnico.
1762 Rousseau publica "Contrato Social ". Catharina II sobe ao
trono da Russia.
1763 Tratado de Paris.
1775 In¡cio da Guerra de Independ‰ncia na Am‚rica.
1777 Morte de D. Jose e demiss"o do marques de Pombal.
1781 EmmanuelKant, filósofo alem"o publicaa "Cr¡tica da Raz"o
Pura".
1787 Constitui‡"o dos Estados Unidos da Am‚rica.
1789 Tomada da Bastilha: in¡cio da Revolu‡"o Francesa.
1792 Assalto ...s Tulherias e proclama‡" da Rep£blica Francesa.
1793-1794 Pe¡odo do terror na Fran‡a.
1775 tratado da Basil‚ia, entre a Fran‡a e a Pr£ssia.
1796-1797 Campanha de Napole"o na It lia.
1795 Tratado de Campoformio: ced‰ncia da rep£blica de veneza ...
Austria.
1798 Goteh funda a revista "os Propileus", institu¡‡"o da
rep£blica Romana.
1798-1789 Campanha de Napole"o no Egito.
1799 Funda‡"o da rep£blica Partenop‚ia.
1800 Alessandro Volta inventa a pilha el‚trica.
1801 Tratado de Luneville: a ...ustria tem que confirmar as
condi‡"es de
Campoformio.
1802 Trarado de Amiens; a Inglaterra renuncia a todas as
conquistas colonias.
1804 Napole"o ‚ feito imperador.
1805 Vitoria naval inglesa em trafalgar; Vitória de Napole"o
eu Austerlitz;
Dissolu‡"o do Imp‚rio Germanico. Bonaparte assume o t¡tulo de
rei da It lia.
1806 Confedera‡"o do Reno: 16 reis e principes alem"es
estabelecem uma
alian‡a com Napole"o.
1807 Portugal ver-se a bra‡os com a primeira invas"o francesa.
A fam¡lia real sai
para o Brasil; Tratado de Tilsit (entre napole"o e Alexandre
da r£ssia); a pr£ssia
deixa de fazer parte das grandes pot6encias europ‚ias.
1809 Segunda invas"o francesa em Portugal.
1810 Terceira invas"o francesa e a batalha do Bucaco.
1812 Campanha de napole"o na R£ssia.
1813 Batalha de Leipzig: Napole"o derrotado pelos Austriacos,
Russos e
Prussianos.
1814-1815 Congresso de Viena.
1815 Batalha de Waterloo; derrota de Napole"o. Funda‡"o da
Sagrada Alian‡a.
1820-1821 primeiros movimentos revolucion rios na It lia.
1822 D. Pedro proclama a independencia do Brasil.
1823-1824 Golpe de estado de D. Miguel; seu exilio.
1828 Regresso de D. Manuel e sua aclama‡"o.
1830 Revolu‡"o de julho na Fran‡a.

GOETHE DE PERTO
Por detr s do rótulo "O Ol¡mpico de Weimar", descobre-se com
prazer um Gothe
humano , cheio se pequenos defeitos e grandes virtudes.

Uma origem burguesa

A 28 de Agosto de 1749 ‚ batizado em Francforte Johann
Wolfgang Goethe, neto
do presidente da Ca-
mara, de apelido Textor--tradu‡"o latina do alem"o "Weber",
que significa tecel"o.
Por sinal, o velho Textor soubera tecer h...bilmente a sua
carreira, tanto que
conseguira ser eleito primeiro magistrado da cidade onde se
instalara havia alguns
dec‚nios. Fizera os seus estudos de Direito em Wetzlar, onde,
mais tarde, o seu ilustre descendente viria a conhecer a Lotte
do "Werther", e
onde ele próprio teve de se haver com os tribunais, por
instancias de um marido
enganado que, como prova do delito, presentava a peruca que
impudente
sedutor, com a precipta‡ao da fuga, deixara o quarto da sua
amada.O avô Textor
‚ um "bonvivant", um "gourmet" requintado, que deixa aos
herdeiros um nome
honrado um livro de receita
culin ria, mas pouco dinheiro. A mulher ‚ filha de um jurista
, mas apenas conta
entre seus antepassados
uma longa s‚rie de metres a‡ougueiros". Do casal Textor nascem
quatro
raparigas, que anseiam por ver casadas. A mais velha ‚ lan‡ada
nos bra‡os de
um advogado rico e j de idade,Johann Kaspar Goethe, com
o qual o futuro sogro n"o simpatiza l muito. A fortuna da
fam¡lia Goethe fora
acumulada por Friedrich Georg, que emigrara como costureiro
para Fran‡a, donde
regressara com o apelido Goth‚. Na Alema-
nha, prospera com o com‚rcio de vinhos e sonha com uma
brilhante carreira para
o filho, Johann Kaspar. Conclu¡dos os estudos de Direito e
munido do respectivo
diploma, o jovem parte para uma longa viagem pela It lia, luxo
a que apenas os
nobres se podiam entregar naquela ‚poca. Depois publica em
italiano uma
narrativa da viagem, num extenso volume em que desde j se
entrev‰em muitas
das preferˆncias de seu filho Wolfgang: o interesse pelas
ci‰ncias, pelos
minerais, pelos fenômenos naturais. Nessa mesma obra se
encontra tamb‚m a
narrativa de uma aventura galante com uma "bella milanesa",
curioso prel£dio aos
amores do poeta com Madalena Riggi.

De regresso ... Alemanha, bem gostaria o jovem advogado de
entrar na
administra‡ao municipal, mesmo sem remunera‡"o. Mas as
individualidades da
cidade contrariam o seu desejo, e Johann Kaspar v‰-se
for‡ado a comprar ao imperador o t¡tulo de "Rat", ou
conselheiro imperial, que o
assimila ...s classes superiores mas Ihe impede o acesso a todo
e qualquer cargo
municipal. Nao desiste por isso de conseguir um lugar nos
meios pol¡ticos da
cidade, casando com a filha do mais alto magistrado local,
Textor.O sogro, por‚m,
recusa-se a ajud -lo. A mulher d -lhe cinco filhos, tr‰s dos
quais morrem com
pouca idade;
deixa ent"o de se interessar por ela, para se dedicar aos
livros e ... educa‡"o das
crian‡as. Entretanto, entende-se mal com o sogro, e quase
chega a vias de facto
com ele, por virtude de uma diverg‰ncia de opini"o quanto ...
Guerra dos Sete
Anos: com efeito, Textor ‚ um fiel devoto do imperador,
enquanto o genro,
partid rio entusiasta de Frederico, o Grande, acusa o chefe do
munic¡pio de se ter
deixado "seduzir" pelos Franceses e de os ter deixado entrar
ilegalmente na
cidade. Louco de raiva, Textor lan‡a uma faca ao genro, que
puxa da espada e se
precipita sobre ele. Quis a fortuna que um eclesi stico que
assistia ... discussao os
separasse. Mas as rela‡"es entre Kaspar Goethe e o sogro
ficariam para sempre
marcadas por este incidente.

No dia do casamento de Corn‚lia, alegremente festejado por
toda a fam¡lia
Goethe, chega uma not¡cia que mais aumenta a alegria de
Wolfgang: o seu
"Werther" fora aceite pelo editor. Triunfante, Goethe
entrega-se a algumas
confid‰ncias: Lotte, a rapariga por quem Werther se apaixona,
‚ Charlotte Buff
(cujos olhos negros s"o os de Maximiliane La Roche Brentano
outra das musas de
Wolfgang), e Alberto ‚ Kestner
noivo e marido de Charlotte. Quanto a Werther, trata-se de uma
personagem-simbolo, por tr s da qual se escondem
simultaneamente o próprio
escritor e um jovem seu conhecido de Wetzlar, um certo
Jerusal‚m, que se
suicidara recentemente. Filho de um teólogo de renome,
Jerusal‚m "era
funcion rio de
embaixada; de figura agrad vel, estatura me", bem feito, rosto
mais arredondado
do que comprido, fei‡"es
suaves e tranquilas, encerrava tudo o mais que conv‚m a um
jovem gracioso e
loiro; os olhos eram azuis, mais atraentes do que vivos.
Gostava de desenhos e
esbo‡os onde se respirasse o mesmo ar silencioso das regi"es
solit rias. Dizia-se
que estava fortemente apaixonado pela mulher de um amigo. Em
p£blico, nunca
eram vistos juntos. Filho de gente abastada, n"o precisava de
se entregar a
tarefas cansativas, nem de procurar com insist‰ncia ou de
encontrar com
brevidade uma profiss"o fixa". Foram estes os pormenores que,
muito mais tarde,
Goethe viria a fixar numa obra autobiogr fica intitulada
"Poesia e Verdade",
tentando ajustar, pelo menos em parte, o retrato do
infortunado jovem ao mito que
entretanto se criara em torno da personaqem liter ria. Na
realidade, o nosso bom
Jerusal‚m nunca fora muito am vel para com Goethe;
dirigindo-se a um amigo, ‚
nos seguintes termos que se refere ao poeta: "No nosso tempo
de Leipzig,
tamb‚m l estava, e era presun‡oso"; e aludindo com sarcasmo
...s tentativas
jornal¡sticas do escritor, acrescenta: "Agora, ainda por cima
armou-se em gazeteiro
de Francforte.

As rela‡"es entre Jerusal‚m e Goethe nunca haviam sido muito
intimas. Foi
necess rio o suicidio do primeiro para que o seu nome ficasse
ligado ao do autor
do "Werther", como o prova a seguinte carta, escrita pelo
poeta, em Mar‡o de
1774, a um amigo sui‡o, Lavater: "Participar s largamente nas
dores do estimado
jovem (Jerusal‚m-Goethe-Werther) que ponho em cena. Pass mos
lado a lado
durante quase seis anos e nunca nos aproxim mos. Entretanto
emprestei-lhe os
meus pr6prios sentimentos, donde resultou uma singular
mistura".

Numa outra carta, dirigida ao seu amigo e rival
Kestner-Alberto, Goethe explica
toda a emoc"o que o invade por altura do suic¡dio do jovem: "
... Infortunado
Jerusal‚m ! A noticia do seu gesto de desespero surge-me como
terrivel e
inesperada. Que infeliz ! Mas os diabos, isto ‚, os homens
impudentes, que
apenas gozam o joio da vaidade, e pregam a idolatria, e
exasperam e corrompem
as for‡as, s"o eles os culpados deste infort£nio...

"Se a culpa n"o ‚ toda daquele maldito padre que ‚ o pai dele,
Deus me perdoe
quando Ihe desejo que parta o pesco‡o. Pobre rapaz ! Ao voltar
dos meus
passeios, quando o encontrava junto ... porta, a contemplar a
Lua, dizia para
comigo que andava apaixonado."

Porqu‰ esta raiva e esta indigna‡"o contra o pai de Jerusal‚m
? Pregador na
corte de Brunswick, c‚lebre em toda a Alemanha do Norte, o pai
Jerusal‚m era
um homem arrogante e cheio da sua pessoa; mas n"o v‰
qualquer rela‡"o entre ele e os infort£nios sentimentais do
filho.  certo que o
rapaz era extremamente sensivel e se melindrava com
facilidade. Logo, ‚ muito
compreensivel que, frente aos reveses da exist‰ncia (as
repreens"es dos
superiores, o desprezo dos aristocratas pela sua condi‡"o de
plebeu, a
impossibilidade de frequentar a casa da bem-amada), que em
certa altura se
haviam acumulado dolo-
rosamente, tivesse acabado por ceder ...s influ‰ncias de uma
sensibilidade
m6rbida e desse um tiro na cabe‡a.

O "incomensur vel" Carlos Augusto

A 3 de Setembro de 1775 com 18 anos de idade, Carlos Augusto
sobe ao trono do
min£sculo ducado de Saxe-Weimar: "baixinho, atarracado, fraco
na sua infancia, a
cabe‡a achatada, um pequeno e forte, queixo
vigoroso", o duque asseme-se mais a um homem do vulgo do que a
um fidalgo.
Rude, simplório e bastante
grosseiro, este apaixonado pela ca‡a t"o-pouco despreza amores
r£sticos como
as
bonitas camponesas das suas terras dos quais tem numerosos
filhos que acabam
por torar-se seus couteiros. com a maior facilidade que a
popula‡ao de Weimar
identifica os bastardos, visto queo duque os trata por "tu",
contr...riamente ao que
acontece com os demais servidores. A m"e do jovem duque ‚ Ana
Am lia,
nascida princesa de Brunswick e regente desde 1758; e ‚
precisamente no seu
tempo que desponta aquela "era dos g‚nios", que vem a
desabrochar plenamente
durante o reinado de seu filho.

Goethe chega a Weimar em 1775, vestido ... maneira do jovem
Werther: uma
chegada sensacional; n"o tarda que todos os dandis da cidade o
imitem. O duque
‚ um "bon vivant", mas Goethe n"o o ‚ menos: bailes, festas,
espect culos,
ca‡adas e paródias mais ou menos espirituosas, mais ou menos
insu-
port veis para os s£bditos de Carlos Augusto, que as toleram
em sil‰ncio. Escreve
a este respeito um certo Voss:"Coisas terriveis acontecem em
Weimar. O duque
anda com Goethe de aldeia em aldeia, como um c"o desenfreado,
embebeda-se e
partilha fraternalmente com ele uma ou outra rapariga..."
Goethe ‚ ainda todo ele "Sturm und Drang". At‚ na própria
maneira de se exprimir
imita o seu Gotz. ' mesa, blasfema se a sopa vem demasiado
quente, a ponto de
escandalizar a duquesa. Felizmente, n"o pode sentar-se ... mesa
do duque,
exclusivamente reservada ... nobreza, e tem de tomar lugar ...
mesa do marechal,
mesmo depois de nomeado "conselheiro privado", quer dizer,
ministro. E para
resolver estas incó-
modas dificuldades impostas pelo cerimonial, Carlos Augusto
consegue obter do
imperador umas cartas de nobreza para o seu amigo. Quanto ao
mais, nada
perturba as estreitas rela‡"es que unem os dois jovens. Se bem
que nem tudo
esteja a seu gosto, Goethe adapta-se aos h bitos do duque, aos
seus
divertimentos um tanto brutais. Em Weimar n"o h pai velhote
nem sociedade
rigida que critique Wolfgang, como acontecia em Francforte.
Apenas h um amigo
que acha maravilhoso tudo o que o outro faz, e que, para mais,
reina como senhor
absoluto.Em Stutzerbach, pr6ximo dellmenau, vive um rico
negociante que d pelo
nome de Johann Glaser. Certo dia, o duque e os seus
companheiros re£nem-se
nos sal"es do
comerciante para uma alegre refei‡"o. Glaser n"o se encontra
fisicamente
presente, mas, pendurado numa das paredes est um retrato seu,
a meio-corpo,
em tamanho natural. Os convivas erguem um brinde ao retrato e,
depois, na maior
alegria, v"o ter com Glaser ao armaz‚m e tratam de o "ajudar":
trazem para a
rua caixas e barricas de pimenta e de a‡£car e fazem-nas rolar
do alto da colina.
Entretanto, Goethe recorta do quadro o rosto do anfitri"o
,passa a cabe‡a pelo
buraco, senta-se ... mesa com o quadro assente no tampo e
esconde o resto do
corpo com uma toalha, para grande alegria dos companheiros.

Todavia, o tempo louco das farras e das brincadeiras ‚ de
pouca dura. N"o tarda
que Goethe e Carlos Augusto se vejam absorvidos pela
administra‡"o do pequeno
ducado, de que ir"o fazer como que um imp‚rio espiritual.

A 19 de Outubro de 1806, depois de dezanove anos devida em
comum, Goethe
desposa Christiane Vulpius a m3e do seu filho Aug£sto. Como
explicar esta tardia
"regulariza‡"o" das suas rela‡"es com a "gorda Christiane"?

"... Quero reconhecer completa e burgu‰smente como minha
mulher uma
amiguinha que muito fez por mim, partilhando a meu lado estas
horas de perigo",
escreve Goethe ao pastor da corte de Weimar, pedindo-lhe que
venha sem
demora uni-los pelo matrim6nio. Quais ser"o ent"o essas "horas
de perigo" que
Christiane partilhou com Goethe e que viriam a precipitar o
casamento? Cinco dias
antes, pr6ximo de lena, desenrolara-se uma grande batalha.
Derrotados por
Napole"o os Prussianos v‰em-se obrigados afugir. Carlos
Augusto que,
contr...riamente ... opini"o de Goethe, seu ministro, se colocara
do lado dos
Prussianos, foge tamb‚m. S6 Goethe e Ana Am lia se deixam
corajosamente ficar
no ducado. Requisitada para hospedar o marechal Augereau e o
seu s‚quito, a
casa de Goethe n"o sofre quaisquer danos. E no meio do
incessante vaiv‚m de
homens esgotados e famintos, a boa Christiane mant‚m a sua
calma: d de comer
e de beber a todos aqueles desgra‡ados, e arranja cama para
v rios. Depois de
uma reuni"o de v rias horas com os ocupantes, Goethe volta
bastante tarde para
casa; vem acompanhado por um jovem
oficial dos hussardos que, por ironia do destino, ‚ filho da
primeira namorada
dopoeta, Anna Elisabeth (Lili) Schonemann.

Durante a noite, dois soldados da milicia civil, b‰bedos e
exaustos, pouco
dispostos a dormir ao relento, batem ... porta de Goethe. 28
Oferecem -lhes p"o,
vinho, e ainda uma tarimba; eles, por‚m, n"o se d"o por
satisfeitos: querem que o
dono da casa venha brindar tamb‚m ... vit6ria da Fran‡a.
Acordado por Riemer
seu secret rio, o poeta junta-se a eles, bebe e volta para a
cama. Mas os dois
b‰bedos pretendem ent"o passar a casa a ferro e fogo: seguem o
poeta at‚ ao
quarto e amea‡am-no com as suas armas.  nessa altura que
Christiane se
interp"e entre Goethe e os dois franceses aos gritos e aos
murros, enquanto
Riemer acorre pouco depois, armado de um pau,e os obriga a
fugir.  talvez
exagerado afirmar que Christiane salvou a vida ao poeta em
todo o caso, Goethe
fico£ vivamente impressionado pela sua corajosa interven‡"o e
a 19 de Outubro,
na presen‡ de duas £nicas testemunhas--o seu filho e o seu
secret rio-- casa com a amante. E se mandou gravar nas
alian‡as a data de 14 de
Outubro, n"o foi apenas em reconhecimento da coragem da
mulher, mas tamb‚m
para sublinhar a sua afei‡"o ule mundo "alem"oque, naquele
dia, se desmoronara
miser...velmente frente ao ataque dos ex‚rcitos "europeus" de
Napole"o. Este casamento algo inesperado, que vem regularizar
uma liga‡"o j
muito antiga, ‚ por certo
um dos grandes paradoxos que nos oferece a vida tumultuosa do
autor do
"Werther".

Dado ... vida e aos prazeres da mesa

As rela‡"es de Goethe com Chistiane vinham de h muitos anos,
por altura do
regresso do poeta a Weimar, depois de uma longa estadia na
It lia. Recebido com
frieza na corte e livre de quaisquer ocu
‡"es, continua a sentir preso ... magia do "paganismo". Um belo
dia ‚ abordado
num parque por Chistiene
Vulpius, ent"o com 23 anos, que lhe apresenta uma s£plica em
favor de um irm"o
escritur rio, £nico
amparo da familia, que foi despedido pelo patr"o. Sem ser
extraordin...riamente
bonita, Christiane ‚ uma
rapariga fresca e bem molda~faces redondas, testa pequena e
lindos cabelos
negros.
Goethe leva-a consigo para casa, faz dela a sua amante, a sua
"Erotikon", e
dedica-lhe as "Elegias Romanas". Weimar, por‚m, n30 passa uma
cidadezinha de
provinciana, e a liga‡"o d que falar.
 nada menos que o filho da baronesa von Stein, que fora aluno
de Goethe, que
espalha a noticia. A boa
sociedade fica indignada ao ver um semideus juntar-se a uma
mulher da plebe,
filha de um misero arquivista ue, para sobreviver, ‚ emprgada
numa f brica de
flores artificiais e chapeus pra senhoras. A barone sente
profunda atrac"o do
poeta; o certo ‚ que ela entretanto envelhece desfeada pela
mesma doen‡a que
dez anos antes anos antes, lhe dera aquela palidez e
elegancia que tanto atraiam
Gothe.
Charllote sente que para ela tudo acabou .Est velha, cansada
e milhada. Toda a
Weimar via nela e em Goethe um casal de amantes ideias , e
quase lend rios.
E Wolfgang troca pela robusta ie de uma oper ria?
como tudo aquilo ‚ afinal um crepusculo dos deuses ! Goethe
pouco se importa.
Aprecia a vitalidade, o calor, o gosto de viver, daquela
mulher que sera a
companheira definitiva vida. Pelo Natal de nasce um filho ao
‚ levado ao batismo
pelo próprio duque.
De um momento para o outro Gethe v‰-se rodeado por uma
familia completa:
a mulher, o f ilho e os parentes da mulher que n"o tardam em
instal r-se em casa
do protector. Consegue no entanto n"o se deixar submergir
pelos
rec‚m-chegados, iludindo h...bilmente as obriga‡oes e os deveres
que a vida em
casal comporta, e conservando toda a sua liberdade e todos os
seus h bitos. De
lena, escreve ... mulhe
com uma certa parcim6nia tratando habitualmente de quest"es de
ordem materia
mas revelando-se afectuos e diligente: "Visto que matmos o
porco, mando-te do
enchidos de figado e de chouri‡o de sangue ..." Gothe ‚ um
"gourmet" e n"o se
priva de coisa nenhuma; quanto a isto, acorda-se perfeitamente
com a mulher.

N"o tarda que a nova senhora Goethe, que exagera nos vinhos e
na comida, se
torne na "gorda metade" do poeta, numa "salsicha hidr¢foba",
como a baptiza
Bettina Brentano, a jovem poetisa que em v"o tentara
instalar-se ao colo do
"Olimpico".

Christiane morre relativamente nova, aos 50 anos, com uma
crise de uremia.
Atacado de catarro, Goethe n"o assiste ... mulher, nem quer
t"o-pouco ver o
cad ver: talcomo fizera com o pai, a m"e e a irm". 0 poeta
sente uma invenc¡vel
repulsa pela morte e pela dor fisica, e aquele catarro ‚
demasiado providencial
para n"o surgir como uma excelente desculpa.

Napole"o: "Cumprimentai o senhor Got da minha parte"

1808. Napole"o convoca em Erfurt uma confer‰ncia de alto
n¡vel, "ilustrada" com
uma parada militar e cultural. Quer mostrar ... Europa e a todo
o mundo o
esplendor e o poder do seu imp‚rio. Acham-se presentes reis,
principes, duques,
e, de uma maneira geral, todos os vassalos que detenham
titulos ou tronos. Entre
os demais, distingue-se o czar de todas as R£ssias, Alexandre.

A 2 de Outubro, tamb‚m o poeta Wolfgang Goethe ‚ convocado.
Napole"o
recebe-o enquanto almo‡a; ... sua volta, generais, ministros e
mensageiros
mant‰m-se atarefados num constante vai-v‚m. O imperador acolhe
o escritor
exclamando: "Voill... un homme" (Aqui est um homem). Est
convencido de que
tem ... sua frente o maior dramaturgo alem"o; mas os seus
correspondentes em
Berlim informaram-no mal, visto que atribuiram tamb‚m ao
"Olimpico" toda a obra
do seu amigo Schiller.

O inicio da conversa n"o ‚ muito brilhante. "Que idade
tendes?", pergunta
Napole"o. "Sessenta anos", responde o poeta. "Pareceis menos.
Escreveis
trag‚dias?" Goethe mant‚m-se no vago. Napole"o p"e-se ent"o a
falar no
"Werther"; diz que o leu pelo menos umas sete vezes e que at‚
o levou consigo
para as Piramides. Na realidade, durante a expedi‡"o ao
Egipto, ficara fora de si
quando surpreendeu alguns dos seus generais entregues ...
leitura de romances,
um dos quais era precisamente o "Werther". "Coisas
de criada!", exclamou ent"o; e ordenou imediatamente que
apreendessem aquilo
tudo, pois n"o admitia que os seus homens se alimentassem de
obras t"o pouco
viris, t"o pouco hist6ricas, e todavia capazes de inspirar
fortes sentimentos.
Napole"o cala este epis6dio mas n"o deixa de levantar certas
critica ...quilo que, a
seu ver, ‚ um in£til confus"o de motiva‡"es o orgulho ferido e
o amor insatisfeito
que se confundem entre as causas do suicidio de Werther. O
imperado insiste que
estes dois sentimentos pertencem a esfera completamente
opostas Pouco disposto
a discutir Goethe responde que a observa‡"o lhe parece muito
pertinente e
acrescenta, em tonrde lisónja, que nunca ningu‚m Ihe apontara
tal facto
Voltam a falar de teatro, e Napole"o convida -o para assistir,
nessa mesma noite,
... representa‡"o de uma pe‡a.
O convite mais Importante, por‚m, f -lo ao despedir-se:"Vinde
a Paris". E n"o se
trata de um simples convite de cortesia; Napole"o tem um plano
muito concreto: a
par das for‡as militares e econ6micas da Alemanha, quer
recrutar tamb‚m as
for‡as espirituais; e sabe at‚ como ‚ importante aliar-se ...s
esferas culturais para
melhor garantir o dominio do mundo.

Alguns dias depois do encontro entre Goethe e Napole"o, os
congressistas
dirigem-se a Weimar para uma
grande ca‡ada of‚recida por Carlos Augusto. Segue-se um grande
baile no
castelo; Napole"o volta a conversar brevemente com o senhor
"Got", que ‚ como
o trata, e fala do destino, em termos que ficaram famosos:
"Que julgam as
pessoas que ‚ o destino? O destino ‚ a politica". Em todo o
caso, a conversa
mais demorada ‚ entre Napole"o e o velho Wieland, que traz
cuidadosamente
preparado o seu discurso em franc‰s. Sabe desde j que
Napole"o vai
perguntar-lhe que pensa a respeito de T cito, esse escritor
latino que ficou famoso
pelo seu desprezo pelos "C‚sares", e ele est pronto a
defend‰-lo com uma
admir vel (mas aborrecida) argumenta‡"o. Por uma vez, Napole"o
mostra que
sabe perder, e todos os presentes aplaudem o velho Wieland. E
o congresso
termina com uma distribui‡"o de condecora‡"es e comendas.
A 14 de Outubro, data cuidadosamente escolhida visto que
assinala o anivers rio
da batalha de lena, Napole"o abandona a Alemanha a caminho de
Paris, e, depois
da Espanha. E n"o volta pensar em Goethe. Frente a novas
guerras, novas
rebeli"es, novas campanhas, o imp‚rio espiritual do mundo
passa para segundo
plano. Seguem-se ent"o as primeiras derrotas, at‚ ... ruina
definitiva. Durante a
retirada da R£ssia, certa noite Napole"o faz uma pausa numa
pequena cidade da
Alemanha. "Onde estamos n6s?"
pergunta. "Em Weimar, Sire". No dia seguinte, parte cedo pela
manh",
recomendando ao anfitri"o: "Cumprimenta o senhor Got da minha
parte".

Uma dinastia de mulher na corte do poeta

Ao regressar, ou melhor fugir de Wetzlar, para e as
complica‡"es da sua simpatia
por Charlotte Buff (
que h o perigo de Kestner noivo dela, se retirar humildemente
da contenda),
(Gothe det‚m-se em casa
La Roche, perto de Coble (Recorde-se, a propósito, Sophie La
Roche estivera
noiva de Wieland durante
muitos anos, e escrevera romancezito filantr6pico-sentimental
que conhecera sua
mar‚ de ‰xito.) Jovem
ardente, Wolfgang torna-se o "acompanhante" da filha mais
velha, Maximiliane
uma rapariga baixinha, graciosa com uns lindissimos olhos
negros.

J em Francforte, o idilio prossegue, quando tanto Maximiliane
a¡ se instala depois
do seu casamento
com um vi£vo italiano de certa idade, um tal Brenta
comerciante. Goethe mantem
rela‡"es de amizade
com o casal, corteja abertamente a jovem e infeliz esposa, que
o marido, ciumento
pouco condescendente, p"e no meio da rua. "minhas antigas
rela‡oes com a
jovem
senhora, realmente
fraternas, prolongaram-se depois do casamento; ‚ram da mesma
idade, e enre
todos os que a rodeava
era eu o £nico em quem ainda encontrara um eco daquele
espirito a que estava
habituada desde pequena",
escrever Goethe muito mais tarde em "Poesia e Verdade",
procurando
justificar-se. O certo ‚ que muito Ihe custou suporta aquela
afronta e o próprio
facto de n"o poder continuar a frequentar a graciosa
Maximiliane; tanto assim foi,
que escreveu ... m"e Sophie La Roche: "Se soubesse o que se
passou dentro de
mim antes de abandonar aquela casa. n"o me incitaria a l
voltar, querida
m"ezinha...
Naqueles terriveis momentos sofri para todo o sempre. Agora
estou calmo;
deixe-me, pe‡o-lhe, esta calma...E Deus o preserve (a
Brentano) (le eu atravessar
ainda aquela porta, por uma vez que fosse". Mas n"o voltaria
nunca a
atravess -la, conquanto as suas rela‡"es com a familia La
Roche (do
ladofeminino)
se mantivessem para sempre. J velha, Sophie La Roche vai
visitar Goethe;
inverteram-se os pap‚is: agora
‚ ela a postulante e ele o grande escritor e ministro do
Estado. ((Velha
Baucis--escreve Sophie no seu di rio--,ai tens frente aos teus
olhos o teu sonho
feito realidade!
Do pórtico do templo, contavas assistir a um festim dos deuses
em Weimar, e eis
que recebes tamb‚m a tua parte de ambrosia !" E sempre em
Weimar, em 1899,
chega de Francforte a terceira representante da casa La Roche,
Bettina Brentano,
filha de Maximiliane, tamb‚m ela poetisa e escritora, nascida
em Francforte a 4 de Abril de 1785. Tendo ficado órf" de tenra
idade, Bettina
vivera ora com os numerosos irm"os, ora com a avó Sophie, que
muito Ihe falara
em Goethe. Por isso chega a Weimar armada das recorda‡oes da
infancia do
poeta (ela pr6pria, em pequenina, conhecera a m"e de Wolf-
gang), firmemente decidida a instalar-se em casa dele. J n"o
‚ nenhuma crian‡a:
tem 24 anos, uma cabe‡a bonita, a tez morena das italianas e
um nariz afilado;
al‚m de que ‚ baixa e gordinha. Exerce ent"o o seu fascinio
sem a menor
retic‰ncia. Trata o "Olimpico" directamente por tu e faz
constantes alus"es aos
seus amores de juventude, inclusivamente com Maximiliane, sua
própria m"e.
Bettina "exibe" um
lindissimo oficial franc‰s que por ela se apaixonara, e que
seria filho de Lili
Schonemann, o primeiro namoro do poeta.

Goethe ouve-a com delicadeza, como sempre faz quando falam
dele; e as
palavras de Bettina, com a sua
pron£ncia de Francforte,despertam nele uma infinidade de
recorda‡"es. Christiane,
por‚m, a sua gorda metade, desconfia daquela estrangeira
demasiado exuberante
e apaixonada, daquela jovem de "peito cheio". Mais a mais,
consta que Bettina
teria dito ao seu amigo Tieck: "Hei-de ter um filho de Goethe,
custe o que custar:
h -de ser um semideus!" Christiane sente ci£mes pela primeira
vez.
Em 1811, Bettina casa com o poeta romantico Ludwig Achim von
Arnim e n"o
tarda que nas‡am s‚te filhos deste casamento. Apesar de tudo,
Bettina n"o
desiste de pedir a Goethe um certo "afecto" de natureza
indefinida, li s. Por
ocasi"o de uma visita a Weimar, Christiane e Bettina passam
literalmente a vias
de facto. Von Arnim interv‚m e leva a mulher consigo, Goethe
p"e o casal na rua
e
Bettina vinga-se com uma r‚plica famosa: "Fui mordida por uma
salsicha
hidr6foba", proclama ela, referindo-se a Christiane.
Em Weimar, toda a gente concorda e acha gra‡a ...quela hist6ria
da "salsicha".
Apesar destas trag‚dias familiares, Goethe n"o interrompe a
sua abundante
correspond‰ncia com Bettina. Aos 81 anos escreve ainda no seu
di rio:"Repelidas
as tentativas de invas"o da senhora von Arnim". Em
contrapartida, na
sua "Correspond‰ncia de Goethe com uma Rapariga", Bettina
det‚m-se
longamentenas suas rela‡oes afectivas com o Poeta e refere-se
inclusivamente a
uma furtiva visita de Goethe. O poeta teria ent"o subido ao
seu quarto, na
estalagem do Elefante Branco, e t‰-la-ia abra‡ado num div",
cobrindo-a
com o seu manto negro.

Tendo enviuvado em 1831, Bettina quer "embalsamar na arte as
recorda‡"es da
sua vida" e escreve tr‰s romances epistolares. Na velhice
dedica-se ... filantropia
e aos problemas sociais e religiosos.
Morre em 1859, em Berlim. A vida aventurosa que levou
valeu-lhe o titulo de
"Sibila do Romantismo", que Ihe foi atribuido pelos
contemporaneos e n"o deixou
de merecer.

Um Goethe "ol¡mpico"

 prov vel que Goethe n"o ganhasse nenhuma medalha nas
Olimpiadas,
conquanto pudesse fignrar dignamente em certas e determinadas
competi‡"es.
Melhor ainda, talvez viesse a ser um dos poucos concorrentes
plenamente
equilibrados, visto que era um "diletante" no verdadeiro
sentido da palavra: "O
desporto n"o deve ser praticado como uma profiss"o; caso
contr rio, repugna-me",
proclama ele por di-
versas vezes. O seu "hobby" n£mero um ‚ a patinagem sobre o
gelo, arte em que
foi iniciado pelo escritor Klopstock, um dos precursores do
"Sturm und Drang", o
qual, porseu turno, o havia de praticar at‚ ... vener vel idade
de 80 anos.
"Decidi-me prontamente por este desporto, que nunca praticara,
e aperfei‡oei- me
em pouco tempo--pelo exercicio, a reflex"o e a tenacidade--,
mais do que seria
necess rio para poder usufruir das vantagens de uma pista
frequentada, sem
pretender distinguir-me
particularmente." A m"e de Goethe, que v‰ o filho patinar pela
primeira vez em
Francforte (veja-se a gravura da p gina 15), descreve as suas
proezas nos
segumtes termos: "Dispo o meu bonito casaco
de abafo; ele veste-o, segura a cauda nos bra‡os e p"e-se a
deslizar sobre o gelo
como um filho dos deuses..."
N"o tarda que o poeta lance em Weimar a moda da patinagem e se
torne o
instrutor de toda a juventude elegante. Um pajem da corte,
Karl von Lyncker, conta
que os patinadores tinham, "em plena corrida, de trespassar
ma‡"s com a ponta
da espada, saltar obst culos, fazer pontaria a animais de
ca‡a, o que nos
divertia grandemente. Mas como caiamos muitas vezes e nos
aleij vamos, os
nossos pais nem sempre consentiam que nos entreg ssemos a
divertimentos
destes. E era quase sempre a Goethe que se
deviam aqueles achados".

Mas a actividade desportiva de Goethe n"o se limita ...
patinagem: na
Universidadeentrega-se ... esgrima, sob a orienta‡"o dum colega;
e o alpinismo
sempre o h -de atrair toda a vida. A 12 de Novembro de 1799
realiza um feito
excepcional para a ‚poca: numa esp‚cie de "estreia invernal",
escala o
desfiladeiro de Furka, cuja altitude ‚ de nada menos de 2336
metros. Para se
preparar para esta expedi‡"o, Goethe, que sofre de vertigens,
treina-se em
Estrasburgo, de uma foi muito original e nada ordoxa: depois
de subir
"o ponto mais alto da torre da catedral", senta-se cornija e
olha para o vazio.
Igualmente Ihe agrada a
de trenó ou a cavalo: ocasi"o da sua viagem It lia, em 1787,
visita toda a Sicilia
numa desenfreada
cavalgada de dez dias, pencorrendo um total de 450
quilometros.

Mesmo de idade avan‡a Goethe dedica-se a longos passeios a p‚
pelo campo
dos quais costuma regressar
com flores, ervas e pedras vao enriquecer as suas inumeras
colec‡"es; a
extetensa caminhada que fez ao Gickelhanta com a vener vel
idade de 82 anos,
ficou c‚lebre.
Para al‚m destas activida desportivas, Goethe ‚ tambem um
apaixonado pela
ca‡a, pela gin stica (foi dos primeiros praticantes cavalete),
pelo remo e nata‡"o.
Seidels, um dos seus criados, informa que 1778, Goethe pagou
pelo fato de
banho, "uma jaqueta e umas cal‡as de pano, debruadas a azul",
a not vel quantia
de 10 soldos de prata. Em compensa‡"o, na viagem ... Su¡‡a com
os irm"os
Stolberg, n"o gasta nem tost"o em semelhante coisa visto que
resolve banhar
todo nu, para grande escandalo dos bons e pacatos caponeses,
que protestam
engicamente junto de Lavater, o am vel anfitri"o do Poeta.

Filho do rico burgues de Francforte-sobre-o-Meno desencadeia a
tempestade
mantica e acaba por acalmar-se no "feliz equil¡brio do
classicismo".

AS OBRAS
DE JUVENTUDE:
"GOTZ" E "CLAVIGO"

Da produ‡"o juvenil relativa aos anos de Universidade de
Goethe, ficaram-nos,
para al‚m de alguns cadernos de poesia, duas com‚dias e alguns
dramas. "O
Capricho do Apaixonado (Die Laune des Verliebten", 1768) ‚ um
id¡lio pastoril
escrito em alexandrinos, que recorda os amores de Goethe
estudante com
K"thchen Schonkopf (e com outras raparigas cujos nomes se
desconhecem). O
enredo ‚ simplicissimo: a cura de um ciumento que, por

Ilustra‡"o para o acto I de Gota von Berlichingen

seu turno, ‚ infiel. A outra com‚dia, sempre em alexandrinos
--"Os C£mplices"
("Die Mitschuldigen")--, terminada em 1768, apresenta quatro
personagens,
todas elas de moralidade duvidosa, que se v‰em obrigadas a
perdoar-se
mutuamente, visto que qualquer delas poderia acusar as outras.

De regresso a Francforte, depois de uma estada em Estrasburgo,
Goethe
escreve a sua primeira obra importante, " G o t z v o n
Berlichingen "
(1773), drama em prosa, em cinco actos. A ideia fora-lhe
sugerida pela
leitura de uma autobiografia do Gotz hist¢rico, um aventureiro
que viveu
entre 1480 e 1562 e que acabou ao servi‡o do imperador Carlos
V, depois de
ter servido v rios pequenos senhores e se ter envolvido na
guerra dos
camponeses (no tempo de Lutero). Goethe transforma-o na nobre
personagem
de um cavaleiro que acredita e vive os grandes ideais da
cavalaria. Em
viagem com o bispo de Bamberga, Gotz consegue capturar e levar
para o seu
castelo um certo Weislingen, homem influente na corte de
Bamberg e seu velho
amigo de juventude, que por isso mesmo trata mais como h¢spede
do que como
prisioneiro. Weislingen deixa-se influenciar por Gotz e decide
abandonar a
triste vida da corte. Como prova de uma amizade reatada,
promete casamento a
Maria, irm" de Gotz. Por‚m, ao regressar ... corte do bispo,que
pretende
abandonar definitivamente, deixa-se seduzir por uma mulher
astuciosa e
calculista, Adelaide, e casa com ela. Todavia, Gotz n"o
desiste de ajudar as
vitimas da injusti‡a, e ‚ exilado.
 o pr¢prio Weislingen que aconselha ao imperador uma
severidade particular
para com o cavaleiro rebelde. Em Heilbronn, no edif¡cio da
camara municipal,
Gotz jura que n"o voltar a perturbar a paz do imp‚rio.
Envolvido em nova
revolta dos camponeses, por‚m, Gotz, ferido em combate, ‚
capturado pelos
esbirros do imperador. A ac‡ao transfere-se novamente para
Weislingen e para
o seu triste fim. Adelaide, que deseja alcan‡ar as boas gra‡as
de Carlos V,
depressa se cansa de Weislingen e convence Franz, o escudeiro
do marido, a
administrar-lhe uma dose de veneno. O assassino acabar por
suicidar-se. E ‚
Maria, que se dirigira a Weislingen para pedir miseric¢rdia
para seu irm"o,
quem lhe assiste nos £ltimos momentos. Entretanto, Gotz
continua preso na
torre de Heilbronn: "A pouco e pouco me foram
AS OBRAS

mutilando: a m"o, primeiro; depois, a minha liberdade, os meus
bens; agora o
meu bom nome." E morre numa bela manh" de Primavera, rodeado
pela mulher
e
pela irm", invocando justi‡a. Originalmente, o drama fora
concebido como uma
esp‚cie de romance teatral intitulado "Hist¢ria de Gottfried
von Berlichinge
M"o-de-Ferro" (1771). Depois de revisto e refundido pelo
autor, posteriormente
...s cr¡ticas de Herder, ‚ publicado em 1773. Mas mesmo na
vers"o definitiva
continua presente a sua estrutura inicial: a obra n"o se
sust‚m como teatro,
continua a assemelhar-se mais a uma hist¢ria do que a um
drama. O certo ‚ que
assegura a Goethe o papel de chefe de fila do novo movimento
liter rio que
anuncia o Romantismo: o "Sturm und Drang".Pouco depois do
"Gotz", Goethe
escreve novo drama,em escassos oito dias: "Clavigo" (1774).
Porque o tinham
acusado de que nao sabia escrever para o palco, quer prova
precisamente o
contr rio. Para a composi‡"o desta pe‡a inspira-se num
epis¢dio das mem¢rias
autobiogr ficas de Beaumarchais (1732-1799), publicadas
naquele mesmo ano de
1774; refere esse epis¢dio a viagem a Espanha do autor de "O
Barbairo de
Sevilha"


Frontispicio da primeira edi‡"o de Clavigo, 1774

"Barbeiro de Sevilha" e "As Bodas de F¡garo", dez anos antes,
para vingar a
honra de uma sua irm".

Clavigo, um jovem que vai para Madrid, vindo das Can rias, sem
renome, sem
fortuna, sem t¡tulo, ‚ nomeado arquivista do rei no prazo de
poucos anos. O seu
£nico tormento ‚ a recorda‡"o de uma jovem francesa,
MarieBeaumarchais (que
vive em Madrid com a irm"), ... qual prometera casamento, em
troca do aux¡lio que
as duas raparigas Ihe tinham prestado no in¡cio da sua dif¡cil
carreira. Mas Carlos,
seu amigo e conselheiro, incita-o a contrair um casamento de
intrresse, que Ihe
abra persptivas ainda mais brilhane. Entretanto, chega de Fran
para vingar a irm",
o jovem Beaumarchais, que obrigo Clavigo a assinar, na presen‡
de v rias
testemunhas, uma
declara‡"o em que confessa ter atrai‡oado Maria: e Beamarchais
ficar com o
documento em seu poder enquan
to Clavigo, que se mostra siceramente arrependido, n"o decidir
a casar com a
rapariga. Clavigo, cheio de
remorsos e de renovado amor por Maria, que lhe perdoo exclama:
"Sou o homem
mais feliz dasuperf¡cie da Terra
da terra. Beaumarchais destr¢i ent"o a declara‡"o de culpa.
Por‚nem mal Carlos
se encontra de novo a s¢s com Clavigo volta a mostrar-lhe os
aspectos negativos
do casamento com Maria e sugere ent"o a amigo que fuja, que
deixe Madrid,
inc¢gnito. Beaumarchais clama vingan‡a; Maria esgotada pela
emo‡"o, morre. No
funeral, Beaumarchais encontra-se com Clavigo, que, assaltado
pelo remorso e o
arrependimento, voltara atr s. Beaumarchais fere ent"o
mortalmente o rival, que
cai sobre o corpo de Maria, dizendo: "Obrigado, irm"o, que
assim nos unes".

Artisticamente menos v lido que "Clavigo", mas n"o menos
interessante,
sobre-tudo pelas partes l¡ricas e os
mon¢lonos de amor, ‚ um outro drama dessa mesma ‚poca "Stella"
(1776), que
surgira inicialmente como uma
comedia ou melhor, como um espet culo para amantes, segundo
a defini‡"o do
pr¢pr¡o autor.

Fernando,marido de Cec¡lia, abandona-a para se juntar a
Stella, uma baronesa
que lhe inspirou terrivel paix"o.
Tomado de remorso, por‚m, abandona a amante para voltar para
junto da
mulher e da filha. O acaso faz que as encontre precisamente
no castelo de Stella
para onde voltara, depois de em v"o as ter procurado.
Terminada a
inevit vel tempestade de explica‡"es, revela‡oes e desmaios
tudo se resolve: as
duas mulheres reconciliam-se
e arranjam maneira de conviverem num pac¡fico "m‚nage ... trois"
A com‚dia
provucou escandalo e levantou
protestos,: chegou mesmo a haver quem, para poder
represent -la, lhe
acrescentasse um incr¡vel sexto acto
em que Fernando era acusado de bigamia e enviado para o
pelourinho. Mas s¢
em 1806 Gothe se resolve a alterar o final: Stella
envenena-se e Fernando
suicida-se com uma arma de fogo.

OS SOFRIMENTOS
DO JOVEM
WERTH ER

"Os Sofrimentos do Jovem Werther ‚ um romance epistolar, como
a "Nouvelle
H‚lolse", de Rousseau, que
imediatamente faculta ao jovem autor, ent"o com 25 anos, fama
mundial. A
inspira‡"o para a escrita desta obra fora-lhe fornecida pela
sua estada em Wetzlar,
e principalmente pelo encontro com Charlotte Buff, cujo
di-minutivo --Lotte--
Goethe escolheu para nome da protagonista. Na g‚nese do
NWerther"
igualmente se pode
encontrar o epis¢dio da paix"o do escritor por Maximiliane von
La Roche, uma
jovem de dezoito anos que viria a instalar-se em Francforte
como segunda mulher
de um comerciante j idoso, Peter Brentano; mais importante
ainda, por‚m, foi a not¡cia, vinda de Wetzlar, do suic¡dio de
um rapaz conhecido
de Goethe, um certo Jerusal‚m,
que pusera termo ... vida por um amor infeliz e por se ver
ofendido no seu orgulho.
O enredo do romance ‚ sim-
ples: Werther, um jovem moderno e brilhante; encontra-se por
algum tempo numa
pequena cidade, onde o seu
esp¡rito se v‰ possu¡do pelas inef veis belezas da Natureza.

os Sofrimentos do Jovem Werther, Ilustra‡"o de Chodouviecki

Num baile campestre, conhece Lotte, logo se apaixonando por
ela. Lotte ‚ ¢rf" e ‚
como que uma m"e para os seus seis irmaozitos. Embora noiva de
um certo
Alberto, Lotte aceita com agrado a simpatia de Werther. N"o
tarda que Alberto
regresse da viagem que realizava, e Werther, que encontra nele
uma alma
honesta, ainda que um tanto rida, indiferente e ambiciosa,
torna-se seu amigo.O
jovem apaixonado sofre,pois apercebe-se cada vez
melhor de que nunca poder conquistar Lotte. Afasta-se por
isso da bem-amada, e
emprega-se num minist‚rio;
por‚m, em virtude de uma
AS OBRAS

ofensa de que ‚ v¡tima, pede a exonera‡"o. Volta assim a viver
perto de Lotte,
que entretanto desposara Alberto,
e o seu amor por ela degenera em nevrose. Desconfia
inclusivamente que o amor
de Alberto por Lotte n"o ‚ total, o que leva a um progressivo
agravamento das
rela‡"es entre os dois homens. Werther, perdido numa
inextric vel rede de
sentimentos, decide salvaguardar o casamento da mulher que ama
com a sua
pr¢pria morte.
Dirige-se ent"o a casa de Lotte para se despedir e, depois de
Ihe ler algumas
p ginas de "Ossian", aperta-a pela
primeira vez nos bra‡os e cobre-a de beijos. No dia seguinte,
manda o criado
buscar as pistolas de Alberto,a quem as pede emprestadas a
pretexto de precisar
delas para uma viagem. Lotte n"o arranja coragem para contar
ao marido os acontecimentos da v‚spera, nem para o impedir de
ceder as
pistolas ao amigo-rival.
Ao receber as armas, Werther sente-se feliz por ver que a sua
amada o ajuda
naquele doloroso e derradeiro passo.
Ca¡da a noite, recolhe-se ao quarto, para escrever. Na manh"
seguinte, o criado
encontra-o agonizante. "Morreu ao meio-dia... O velho e os
filhos acompanharam
o f‚retro;

36

Alberto n"o pode. Receava-se r ela vida de Charlotte . . .".

IFIGENIA EM TAURIDE

Foi na trag‚dia de Eur¡pides que Goethe se inspirou para a sua
"Ifig‚nia em
T uride" ("Iphigenie auf Tauris"); mas enquanto Eur¡pides
transformara ern
drama o tema da lenda, o poeta alem"o transpoe o drama para o
plano do
conflito espiritual.

Goethe escreve a "Ifig‚nia"

em escassas seis semanas, no decurso de uma digress"o pelo
ducado de
Weimar, em visitas de inspec‡"o. Escrita
primeiramente em prosa, em 1779, a trag‚dia ‚ refundida

Ilustra‡"o para o acto V, cena VI, da Ifig‚nia em T uride

em verso e conclu¡da em Janeiro de 1787, durante estadia do
poeta em Roma
Representada pela primeia vez no teatro da corte de Weimar, os
ensaios
realizaram-se em menos de una semana O pr¢prio Goetl
interpretou o papel de
Orestes, sendo o papel de Piladdes confiado ao pr¡ncipe
Contantino, irm"o mais
novo do duque Carlos Augusto, que substituiu em r‚citas
posteriores. Em
contrapartida, papel de Ifig‚nia fora confiada uma actriz
profissionional muito
famosa na ‚poca, que Goethe havia j admirado nos seus tempos
de estudante
em Leipzig
e que contratara para o teatro de Weimar: a bela Corona
Schroter, mulher culta e
talentosa, por amor da qual
viriam a surgir alguns desentendimentos entre Goethe e o
duque.

Ifig‚nia, filha de Agam‚mno n"o consegue adaptar-se sua vida
em T uride. Dias
inteiros fica sentada frente ao
mar, "procurando com a alma o pa¡s dos Gregos". Sarcedotisa de
Artemisa,
Ifig‚n contribuiu para a abolis"o do
cruel costume de sacrificar so estrangeiros no altar. Toas,
rei, quer tom -la como
esposa mas Ifig‚nia recusa. Frente insist‰ncia do rei, Ifig‚n
revela pela primeira
vez a origem: ‚ uma descendente da estirpe maldita de Tantalo,
por se ter oposto
aosoras, fora castigado na sua descend‰ncia, condenada a
liquilar-se em lutas
fratrici-
das. Ela pr¢pria correra j o risco de ser sacrificada
precisamente por seu pai,
Agam‚mnon, que partia com os
Gregos para Tr¢ia, quando pareceu que seria esse o £nico meio
de aplacar a ira
dos deuses. Mas Artemisa inter-
viera em seu favor, escondendo-a numa nuvem e levando-a para
T uride. Toas,
rejeitado pela rapariga, amea‡a
introduzir de novo no seu reino o sacrif¡cio dos estrangeiros.
Breve se encontra
If¡g‚nia envolta em grave
dilema: dois estrangeiros desembarcam em T uride, e ela
descobre que se trata
de seu irm"o Orestes e de Pilades, seu amigo. Mas Apolo
profetizara a Orestes
que a maldi‡ao que pesava sobre ele pelo matricidio que
consumara havia pouco
seria anulada logo que pouco seria anulada logo que Grecia "a
irm" que, contra
sua
vontade, vive no ten1plo das costas da T uride".
Orestes e Pilades interpretam a profecia como tratando-se da
irm" do pr¢prio
Apolo, isto ‚, Artemisa, e tentam por isso roubar a sua
est tua do templo. N"o
tarda que se concretize a comovente cena em que irm"o e irm3
se reconhecem.
Os tr‰s preparam ent"o a fuga, dispostos a levar tamb‚m a
est tua de Artemisa,
para melhor enganarem Toas.  nesta altura que a alma de
Ifig‚nia se revela em
toda a sua grandeza: com o risco da pr¢pria vida, e tamb‚m da
de seu irm"o e de
Pilades, recusa-se a enganar Toas, confessando-lhe os
projectos de fuga e do
roubo da est tua. Toas compreende e perdoa; mas a est tua de
Artemisa ficar
em T uride, visto que a "irm"" da profecia nao ‚ a de Apolo
mas a de Orestes,
quer dizer, a pr¢pria Ifig‚nia.

EGMONT E TORCATO TASSO

O "Egmont" foi composto por Goethe em quatro per¡odos
distintos, afastados
entre sin"o apenas no tempo, como tamb‚m na evolu‡"o
espiritual e art¡stica do
poeta: iniciado em 1775, s¢ em 1787 veio a ser conclu¡do.
O tema inspira-se na Guerra da Secess"o dos Pa¡ses Baixos
(1556-1598), muito
embora a revolta contra a Espanha de Filipe II apenas sirva de
fundo ao drama. A
ac‡"o passa-se em Bruxelas, entre1566 e 1567, quando, sob a
reg‰ncia de
Margarida de Parma--que governa s...biamente aconselhada por
Egmont e por
Guilherme de
Orange--, nos Pa¡ses Baixos se respira ainda um certo ar de
tolerancia e
liberdade. O primeiro acto p"e desde
logo em evidencia o protagonista, que n"o surge ainda em cena:
a for‡a do seu
car cter reflecte-se nos di logos das restantes personagens,
nas esperan‡as do
povo e no amor de Chiarina. No segundo acto, Egmont, tenente
da prov¡ncia,
surge como o guia natural do povo que quer lutar pelos seus
pr¢prios direitos. Um
di logo com Guilherme de Orange esclarece as posi‡"es
pol¡ticas dos dois chefes.
Enquanto Egmont, fiel ao rei, tenciona dirigir o movimento de
emancipa‡"o sem
sair da legalidade
cena do acto III de Egmont
AS OBRAS

emancipa‡"o sem sair da legalidade, Guilherme ‚ partid rio de
uma verdadeira
revolu‡"o, convencido da inutilidade de uma ac‡"o pac¡fica.
Dos tr‰s encontros
entre Egmont e Guilherme, ressaltam sobre-tudo a confian‡a e a
tolerancia do
primeiro. E em v"o que Guilherme de Orange procura convencer o
amlgo
a recusar o convite que Ihe ‚ dirigido pelo duque de Alba,
chegado entretanto para
substituir a regente e que, na
realidade, pretende fazer cair os dois chefes numa armadilha.
A cat strofe ‚
iminente. Por‚m, uma cena id¡lica entre Egmont e Chiarina vem
quebrar uma vez
mais a tens"o. No quarto acto, Egmont aceita com toda a
confian‡a o convite do
duque de Alba, mas ‚ atrai‡oado e detido. Chiarina apercebe-se
de que o destino
do homem que ama
est doravante tra‡ado, e envenena-se. Durante a noite,
anunciam ao prisioneiro a
sua condena‡"o ... morte. A re-
volta de Egmont contra o destino transforma-se em aceita‡"o,
quando Fernando,
filho do seu grande inimigo,
se declara abertamente do seu lado. Esta vit¢ria pessoal sobre
a desumanidade
do duque de Alba permite a
Egmont aguardar serenamente a hora derradeira. Numa vis"o,
surge-lhe Chiarina,
s¡mbolo da liberdade,
que o vem coroar de louros. O "Torcato Tasso", esbo‡ado em
1780, escrito na
It lia e terminado em Weimar em
1789, ‚ a confiss"o ¡ntima de Goethe "poeta" nas suas rela‡"es
com o mundo.
A vida e o meio da corte, os amores e as intrigas s"o os
mesmos em Weimar ou
em Ferrara. A figura de Tasso torna-se o s¡mbolo da tens"o
existente entre o
artista e o ambiente tacanho que o rodeia.
Na corte de Ferrara, Torcato Tasso goza dos favores de Afonso
ll, de sua irm3, a
princesa Leonor, e da condessa
Leonor Sanvitale. Quando

A coroa~ao de Tasso, gravura de 1815

Tasso estende ao pr¡ncipe, no parque do castelo de
Belriguardo, o poema ‚pico
"Jerusal‚m Libertada", que recen
temente acabara, a princesa coroa-o de louros. A felicidade do
poeta,
secretamente apaixonado por Leonor, ‚ per
turbada pelo secret rio de Estado, Ant¢nio Montecatino, que o
fere profundamente
insistindo em louvar
Ariosto, cujo busto no parque fora igualmente coroado pelas
damas da corte.
Todavi; levado pelos seus sentimentos para com Leonor, Tasso
oferece a sua
amizade a Ant¢nio pois que ‚ esse o desejo da princesa. Numa
conversa mais
animada que o habitual, por‚m, o poeta, encolerizado
desembainha a espada
contro rival. Nesse preciso me mento chega o pr¡ncipe Afonso,
que manda deter
Tasso nos seus aposento. Na presen‡a do pr¡ncipe
Ant¢nio ‚ suficientemente inteligente para admitir que
culpado; por seu lado,
deten‡"o a que ‚ sujeito provoca em Tasso terr¡vel acessos de
ci£me e
desconfian‡a.  Leonor Sanvita quem se encarrega da medi‡"o,
n"o isenta de
inten‡"es ego¡stas, pois gostaria ligar-se ao poeta e lev -lo
para a sua corte de
Floren‡a. Ant¢nio, reconhecendo embora a sua inveia pelos
‰xitos amorosos de
Tasso, est disposto a reconciliar-se com ele Mal se acha em
liberde. Tasso,
opondo-se a todos os conselhos que Ihe d"o, dispoe-se a
abandonar Belriguardo e
a
corte de Ferrara Ao despedir-se da princesa, uma vez mais ‚
asialtado pelos
sentimentos que tem por ela e tenta
abra‡ -la. Frente a isto, o principe, a princesa e a condessa
mostram o seu
desprezo abandonando Belriguardo.
A Tasso apenas resta a possibilidade de se lan‡ar nos bra‡os
de Ant¢nio, o £nico
amiqo que lhe fica no naufr gio
da vida.
Datam ,da mesma ‚poca do "Egmontt" e de "Torcato Tassao" duas
outras
obras teatrais de Goethe: "Irm"o
e Irm"" "Die Geschwister", 1776, e "A Filha Natural" "Die
naturlicheTochter", conclu¡da em 1798 e inspirada
na revolu‡"o Francesa), primeira parte de uma trilogia que
nunca chegou a
completar.

OS ANOS DE
APRENDIZAGEM E DE
VIAGEM DE
"WILHELM MEISTER"

O "Wilhelm Meister" nasce como um romance de ambiente teatral;
Goethe quer
decrever o mundo do palco
e das companhias de actores ambulantes; pouco a pouco, por‚m,
o problema
principal da obra torna-se o da for-
ma‡"o do homem, eterno aprendiz na escola do mundo. Tal como
Fausto, Wilhelm
Meister ir acompanhar Goe-
the durante toda a sua vida. A primeira vers"o data de 1777:
"A Voca‡"o Teatral
de Wilhelm Meister" ("W. Meisters Theatralische Sendung" N"o
tendo sido
publicada pelo autor, s6 em 1917 foi dada ... estampa,
posterior-
mente ... feliz descoberta de uma c¢pia manuscrita, em Zurique.
O segundo
"Meister" ‚ uma reelaborac"o do
primeiro:


Frontispicio do Wilhelm Meister, ed. de 1801- gravura.

reelabora‡"o do primeiro: "Os Anos de Aprendizagem de Wilhelm
Meister" "W.
Meisters Lehrjahre", 1796). Em contrapartida, o terceiro ‚ uma
continua‡"o do
segundo, cujo tema se amplia e onde os problemas do indiv¡duo
d"o lugar aos de
toda a humanidade: "Os Anos de Viagem de Wilhelm Meister" ("W.
Meisters
Wan-
derjahre", conclu¡do em 1829). 0 melhor dos tr‰s romances ‚
"Os Anos de
Aprendizagem". Meister ‚ filho de um comerciante abastado, que
o designou
para seu sucessor na direc‡"o dos neg¢cios. Mas o cora‡"o de
Wilhelm apenas
aspira pelo teatro e por uma jovem actriz, Marianne.
Amargurado por uma
presum¡vel infideli-
dade da bem-amada, Wilhelm abandona o teatro e volta a
dedicar-se aos neg¢cios
do pai. Durante uma viagem,
estabelece amizade com dois actores em digress"o, a graciosa
Filina e o seu
amigo Laertes, e tamb‚m com Fre-derico, um rapazito alegre e
divertido, fiel
companheiro de Filina. Na pra‡a do mercado de uma cidadezinha
de
prov¡ncia, assistem os quatro aos espect culos dados por um
grupo de z¡ngaros;
entre os funambulos h uma garotade doze anos, Mignon, que
nada sabe das
suas origens: Wilhelm afei‡oa-se.
AS OBRAS

... pequena, e decide proteg‰-la e lev -la consigo. Mignon,
entretanto, surge
sempre acompanhada por um misterioso e simb¢lico harpista
cego, que gosta
muito dela. Numa outra cidade, aparece Melina, director de uma
companhia de
teatro ambulante e velho conhecido de Wilhelm, que integra o
jovem na sua
"troupe", convencen-
do-o a financi -la, para al‚m de fazer de actor e encenador. 
com renovado
entusiasmo ue Meister vola a
empenhar-se no teatro. Por toda parte conquista aplausos e
felicitado pelo seu
talento, nclusivamente no mundo da ristocracia, que n"o Ihe
nega s seus favores.
Mas um econtro com salteadores desorganiza uma vez mais a sua
exist‰ncia. Ao tentar defender s companheiros, Wilhelm ‚
ferido. No local do
assalto passa ent"o uma dama da
nobreza, que o manda tratar pelo seu m‚dico particular. Mal se
restabelece,
Wilhelm apresenta-se com os actores ao empres rio Serlo, que
os contrata. Ele
pr¢prio encontra uma amiga na irm3 de Serlo, Aur‚lia, sempre
acompanhada por
um pequeno de tr‰s anos, F‚lix, que todos consideram seu
filho. Depois da morte
do pai, Wilhelm cede ... press"o de Serlo e passa a fazer parte,
oficialmente, da
companhia, com a qual decide realizar um velho sonho: encenar
o "Hamlet". A
representa‡"o conquista grande ‰xito. Entretanto, Aur‚lia cai
doente: o seu amor
infeliz por um fidalgo, Lot rio, que acaba por abandon -la,
leva-a ... sepultura.
Antes, por‚m, consegue que Wilhelm Ihe prometa entregar ao seu
infiel amante
uma carta de adeus. J depois de entregar a carta, Wilhelm
permanece no
castelo, onde se v‰ envolvido em misteriosos acontecimentos.
Gra‡as ...s
confid‰ncias de uma velha criada, descobre que F‚lix n"o ‚
filho de Aur‚lia e de
Lot rio, mas deste e de Marianne, sua antiga apaixonada, que
sempre Ihe foi fiel e
morreu na mis‚ria. Esta inesperada reviravolta, a par de
outros encontros
particularmente significativos com mulheres
excepcionais--Teresa, en‚rgica,
volitiva, toda ela ac‡"o; Phyllis (Susanne von Klettenberg), a
"alma nobre",
autora de uma admir vel confiss"o autobiogr fica que d a ler
a Wilhelm--, confere
novo cunho ... vida do protagonista. Meister pensa abandonar o
teatro, dedicar-se ...
agricultura para criar o filho e casar com Teresa, a quem
confiou F‚lix e Mignon,
que ca¡ra doente. Mas Wilhelm reconhece em Nat lia, irm3 de
Lot rio, a dama que
socorrera depois do reecontro com os bandidos. Logo sente
renascer a sua antiga
atrac‡"o por ela, ao mesmo tempo que Teresa perde importƒncia
ao seus olhos.
Entretanto, a pequena Mignon, atormentada , pelo amor e pelo
ci£me morre. Os
£ltimos cap¡tulo do livro conduzem a se termo todas as
complicada intrigas do
romance, revelando-nos o seu mist‚rio. Mignon era filha do
harpista cego que, por
inacredit vel fata do destino, casara, sem o saber, com uma
sua irm" natural, que
veio a morrer de loucura. Entretanto, o velhco que receia ter
envenenado por
engano, o pequeno F‚lb remata o seu destino de personagem
romantica e
atormentada, suicidando-se. O marqu‰s Cipriani reconhece nele
um irm"o
perdido, em Mignon uma sobrinha Wilhelm e Nat lia poder3c
finalmente, unir-se
pelo ma trim¢nio. Cipriani d -lhes al gumas terras junto ao
lag Maior, que seriam a
heran‡a de Mignon. Por decis"o do amigos, Wilhelm ter de
realizar uma viagem
... It lia acompanhado de F‚lix--que serve de pretexto para
segunda parte do
romance "Os Anos de Viagem d Wilhelm Meister". Meist. parte
ent"o em viagem
com seu filho, a p‚. Determinado voto imposto pela "Sociedade
da Torre"
pro¡be-lhe de permanecer por mais de tr‰s dias sob o mesmo
tecto, obrigando-o a
procurar novo alojamento a uma distancia de, pelo menos, uma
milha. Depois de
uma longa caminhada pelas montanhas, os dois peregrinos s"o
acolhidos por um
velho propriet rio e pelas suas duas sobrinhas, J£lia e
Ers¡lia. Em Mac ria, tia das
raparigas, cuja sabedoria e bondade logo lhe desperta a
admira‡"o e veneras"o,
Meister encontra um astr¢nomo, e interessa-sepelas suas
pesquisas. Mac ria
personifica as for‡as salutares do, sp¡rito puro. Mantendo
¡ntimas e misteriosas
rela‡"es ( om o sistema solar, considera se a si pr¢pria, nas
suas vis"es, como
uma parte
da ordem c¢smica. A pr¢xima etapa de Wilhelm leva-o at‚ junto
de Lenardo, um
sobrinho de que Mac ria gosta
muito, mas de que n"o tem not¡cias desde h anos. Leonardo
vive perturbado pela
lembra‡a de Nactodine, a cujo
pai, endividado e amea‡ado de ser expulso do poder, recusara
aux¡lio, pouco
antes de partir. Depois de obter de
Lenardo a promessa de que voltar para junto dos seus, Meister
disp"e-se a
procurar Nactodine. Antes disso, po-
r‚m, tem de confiar F‚lix a

Gravura de Ramberg, para a primeira edi‡"o de Wilhelm Meiscer

algu‚m, e interna-o na "Provincia Pedag¢gica". Numa regi"o
f‚rtil, rapazes de
diversas idades s"o educados
segundo um sistema cuidadosamente elaborado, em muito
semelhante ao sistema
educativo da "Rep£blica", de Plat"o. Os alunos vivem em grupos
livres, que
correspondem aos v rios graus de forma‡"o. Os jogos, o
trabalho
e o culto das artes unem-nos numa comunidade ao mesmo tempo
severa e alegre.
A ideia predominante nesta pedagogia ‚ o respeito m£tuo, "para
que o homem
seja homem em todo; ossentidos". Entretanto Wilhelm encontra
Nactodine entre
os tecel"es da montanha, num ambiente em que acaba por
sentir-se ... vontade. A
viagem seguinte leva-o a uma sociedade muito peculiar, onde
cada um dos
componentes exerce uma profiss"o artesanal. Livre doravante do
seu voto,
Wilhelm pode finalmente fixar-se. E o lugar que escolhe ‚
precisamente este, para
realizar um velho projecto: o de se tornar cirurgi"o,
actividade que nos tempos de
Goethe era ainda considerada
"artesanal".

Entre esses artes"os especializados vamos encontrar muitos dos
velhos amigos
de Meister; a pr¢pria Filina ‚ uma excelente costureira,
esposa em3e feliz. O
grupo projecta ent"o emigrar para o novo mundo, mas s¢ quem
puder ser £til ...
sociedade poder tomar parte na empresa. Meister ve-se
devorado pelo desejo de
juntar-se a Nat lia e ao filho e de fundar com os amigos uma
nova p tria.
Novamente se p"e a caminho, para rever o filho, e encontra-o
em condi‡"es
dram ticas, quando o rapaz est quase a afogar-se. ~ com o
salvamento e o
sereno en-
contro entre pai e filho quese encerra esta longa hist¢ria. Se
"Os Anos de
Aprendizagem" haviam sido comparados por Schiller ... "Divina
Com‚dia" ao
"Dom Quixote", ...
AS OBRAS

obra de Shakespeare, o mesmo n"o se poder certamente dizer
dos "Anos de
Viagem", onde a mat‚ria nem
sempre ‚ vivificada pela arte. Todavia, sentem-se fermentar,
no terceiro "Wilhelm
Meister", as novas ideias do
s‚culo que mal come‡ara--sinal da extraordin ria vitalidade e
lucidez do
velhoGoethe, que, quase com 80
anos, sabe libertar o seu her¢i dos ideais j caducos de
Setecentos para o investir
de uma nova mentalidade
(experi‰ncias pedag¢gicas, inova‡oes sociais, problemas
tecnol¢gicos). A
estrutura do romance acha-se enriquecida por enredos
secund rios e por algumas
novelas, compostas anteriormente mas s¢ posteriormente
inseridas, como "O
Homem de Cinquenta Anos" (1817) ou "A Nova Melusina" (1807).
A respeito das novelas de Goethe, recorde-se aqui a mais bela
de todas, datada
de 1827 e intitulada precisamente
"Novela", que ‚ das coisas mais frescas, modernas e deliciosas
da autoria do
escritor.

HERMANN E DOROTEIA

Poema idilico em nove cantos e composto em hexametros,
"Hermann e
Doroteia" foi publicado em 1798, tendo o
42

editor Vieweg pago a exorbitancia de seis mil t leres de ouro
pela sua publica‡"o,
quantia realmente in‚dita para
aquele tempo. Trata-se da dram tica e comovente hist6ria de
dois apaixonados,
que se desenrola em 1795, sobreo fundo dos sofrimentos e
priva‡oes que se
seguiram ... Revolu‡"o Francesa, numa aldeia da fronteira,
durante a emigra‡"o
for‡ada dos alemaes que vlvlam na margem ocidental do Reno,
obrigados a fugir
frente ...s tropas vitoriosas. Entre os emigrantes conta-se
Doroteia, por quem logo
se apaixona Hermann, filho do abastado propriet rio da
estalagem do Le"o de
Ouro. O poema descreve pre-

Hermann e Doroteia, ilustra‡"o de Chodoviecki

precisamente o primelro encontro, o idilio e o noivado dos
dois jovens.

AS AFINIDADES
ELECTIVAS

O tema das "Afinidades Electivas"--que Goethe escreveu na
velhice, entre 1808
e 1809, na sua maior parte em
Karlsbad-- fora incialmente concebido como uma novela a
inserir no "Wilhelm
Meister". Mas de tal modo Goethe se apaixonou por ele, que em
pouco tempo a
novela se viu ampliada em romance. O seu estranho t¡tulo (que
‚ uma
homenagem ... ci‰ncia, pela qual tanto se interesa o poeta) ‚
uma refer‰ncia ao
fen¢meno quimico segundo o qual dois elementos associados
entre si, pela for‡a
atractiva de dois outros elementos, se dissociam da sua
combina‡"o quimica para
formarem duas novas combina‡oes com os elementos
perturbadores. O romance
transpoe o fen¢meno para o campo dos sentimentos humanos.
Tendo enviuvado
um e outro, Eduardo e Carlota
acabam por casar, mais por fidelidade a uma velha promessa do
que por amor.
Um capit"o, amigo de Eduardo,
e Otilia sua mulher, surgem a certa altura como h¢spedes 'do
casal, cujo equilibrio
destroem involunt...riamente, suscitando "reac‡"es de simpatia":
Eduardo
interessa-se por Otilia, e Carlota pelo capit"o. Estes novos
sentimentos amorosos,
a principio inconscientes e latentes, asseguram aos quatro uma
tranquila vida em
comum, um idilio sereno; mas logo que se revelam, provocam um
grave conflito de
sentimentos. Enquanto Carlota e o capit"o conseguem renunciar
ao seu amor,
Eduardo sucumbe ... atrac‡"o de Otilia e revela-lhe a sua
paix"o, no que ‚
prontamente correspondido. Segue-se o adult‚rio, n"o na
realidade, mas apenas
em pensamento: nos bra‡os de Carlota, Eduardo imagina que
possui Ot¡lia, e
Carlota, numa noite de amor com o marido, apenas tem presente
a imagem do
capit"o. Do casal Eduardo e Carlota nasce um filho, que tem os
olhos escuros de
Otilia e as fei‡"es do capit"o, simbolo do duplo pecado do
desejo dos pais. Certo
dia, num passeio de barco pelo lago, com Otilia, o filho de
Carlota cai ... gua e
afoga-se. O tr gico acidente provoca em Otilia um choque
terrivel. Continuando a
viver no castelo dos amigos, sente que qualquer coisa a
abandonou, e a sua vida
transformou-se numa lenta aqonia. No dia do anivers rio de
Eduardo, Otilia
retira-se para o quarto e morre. Eduardo, que continuava
espiritualmente junto da
amada, ‚ igualmente encontrado morto pelos amigos, no meio de
todas as
recorda‡oes
de Otilia. Carlota d -lhe sepultura na capela do castelo, ao
lado de Otilia e do filho.
AS LIRICAS

Pela sua mestria formal, a produ‡"o po‚tica de Goethe
adolescente (1765-1770) ‚
desde logo not vel. Nos cinco anos seguintes surgem as poesias
inspiradas nos
ideais do "Sturm und Drang: "Canto do Viandante na
Tempestade",

Gravura de 1813 para As Afinidades Electivas

"Cantico de Maom‚", "Prometeu", "A Cronos Auriga". Pertencem a
esse
mesmo periodo as liricas de amor a Lili Schonemann e a c‚lebre
"Rosinha do
Silvado" ("Heidenroslein") .
O primeiro dec‚nio de Weimar, 1775-1786, ‚ assinalado pela sua
apaixonada
amizade por Charlotte von Stein, a
quem dedica os versos de "Amor sem Descanso". Entre os titulos
mais famosos
deste periodo, contam-se: "À Lua", "O Divino", "Viagem ao Harz
no
Inverno", "Limites da Humanidade", "Canto dos Espiritos sobre
as †guas",
os dois "Cantos Nocturnos do Viandante" e "O Pescador".

Durante a sua perman‰ncia na It lia, 1786-1787, as recorda‡oes
cl ssicas de
Catulo Prop‚rcio e Tibulo reflectem-se nas "Elegias Romanas",
onde o amor dos
sentidos celebra o seu triunfo. De tonalidade diferente s"o os
epigramas que
compoe em Veneza, em 1790.

No "Almanaque das Musas" de 1797 s"o publicadas as "Xenias",
epigramas
satiricos escritos de parceria com Schiller. Nessa mesma
revista publica tamb‚m
algumas baladas famosas: "O Escavador de Tesouros", "O
Aprendiz de
Feiticeiro", "A Noiva de Corinto", "O Deus e a Bailadeira".
Entre a produ‡"o
da velhice, recor-
AS OBRAS

dem-se: "A Trilogia da Paix"o", "Ao Contemplar o Cranio de
Schiller", aÀ Lua
Cheia Nascendo" e aDornburg". O £nico livro de Goethe
consagrado ... poesia
como tal ‚ o aDiv3 Ocidental-Oriental", escrito entre 1814 e
1818 e publicado em
1819. Finalmente, a aElegia de Marienbad, inspirada pelo
infortunado amor pela
graciosa Ulrike von Levetzow, de dezassete anos, foi a sua
£ltima e magoada
cria‡"o.

AS AUTOBIOGRAFIAS

A obra autobiogr fica de Goethe articula-se em tr‰s


Frontispieio de Poesia e Verdade, la. ed. 1811

44

livros diferentes que, originalmente, deveriam constituir um
£nico volume intitulado
a "Da minha vida". A pri-
meira das tr‰s obras, escrita entre 1809 e os fins de 1813,
intitula-se aPoesia e
Verdade" e conta a vida do poeta at‚ 1775. 0 pr¢prio Goethe
explica nas suas
notas o significado exacto do titulo aPoesia e Verdade": a ...
O p£blico tem
sempre algumas d£vidas acerca da autenticidade de certas
tentativas
autobiogr ficas. Para obviar a isto, admiti logo de princ¡pio
uma esp‚cie de fic‡"o
(neste caso, a apoesia")". Por outro lado, a experi‰ncia do
escritor na It lia ‚
documentada num volume institulado precisamente aViagem ...
It lia", publicado
entre 1816 e 1829, e dividido em tr‰s partes, que se referem a
cada uma das
tr‰s fases da sua perman‰ncia no pais: Roma (e o caminho feito
at‚ l : Trento,
Verona, Veneza, Vicenza, P dua, Ferrara, Bolonha e Assis); a
viagem a N poles,
Pompeia e ... Sicilia; e a sua segunda estada em Roma. Goethe
encontra na It lia
a confirma‡"o das suas ideias sobre o classicismo; e enquanto
em Vicenza
admira. os monumentos erguidos por Pal!adio, em Roma
interessa-se sobretudo
pelas ru¡nas antigas, menosprezando os vest¡gios da Idade
M‚dia. Ao mesmo
tempo, por‚m, observa com simpatia os tra‡os mais salientes do
povo italiano, o
seu h bito de viver ao ar livre e fixa em p ginas memor veis o
carnaval romano e
o caprichoso enredado das vielas de N poles.

A £ltima obra deste teor ‚ uma esp‚cie de mosaico
autobiogr fico, a
..."Campanha de Franca", escrita em 1P,71

AS OBRAS CIENTIFICAS

Das primeiras experi‰ncias de qu¡mica, feitas nos seus tempos
de rapaz, e dos
cursos de medicina que seguiu na
Universidade de Estrasburgo, at‚ aos estudos de botanica e
geologia dos anos de
Weimar, Goethe sempre teve a
paix"o do saber cient¡fico. J em 1784 escrevera uma mem¢ria
intitulada aUm
Osso Intermaxilar na Maxila Superior ‚ Comum ao Homem e aos
Animais".
Julgava-se naquela ‚poca que a exist‰ncia desse osso apenas se
verificava nos
animais; Goethe, por‚m, descobre que existe tamb‚m no homem,
soldado ...
maxila superior, com umaligeira sutura.

Durante a viagem ... It lia, ao visitar o jardim botanico de
Palermo, ocorre-lhe a
ideia da aUrpflanze, da planta pri-
mordial da planta-tipo que deu origem a todas as outras. A
plama primordial h -de
ser a mais maravilhosa das
criaturas e a pr¢pria natureza ma h de invejar", escreve numa
carta a Herder;
com este modelo - chave, poder-
-se- inventar uma infinidade de plantas". Em 1820 publica a
"Metamorfose dos
Animais", poema did ctico, paralelo ... "Metamorfose das
Plantas", de 1790.
Apaixona-se sobre- tudo pela ¢ptica, com ideias muito suas e
originais. Quando
Newton decomp"e a luz com o prisma, Goethe revolta-se: para
ele, ‚ um delito de
lesa-majestade falar em decomposi‡"o" da luz, que ‚ "una e
indivisivel, o ser
mais simples e homog‚neo que". E ‚ contra o espectro
newtoniano--que
combate como um espectro-fantasma--que publica as teses
intituladas as
Contribuic"es para a Óptica" (1791 ) e "Da Teoria das Cores"
(l810).

FAU STO

A hist¢ria de Fausto acompanhou Goethe durante toda a sua
vida. Um primeiro
esboso elaborado entre 1772 e 1775, denominado a "Urfaust" ou
"Fausni
Original", ‚ encontrada casualmente em 1887, numa transcri‡"o
feita pelo punho
de uma dama da corte de Weimar; acima de tudo, constitui uma
s tira ... vaidade
do mundo universi-
t rio. Em 1790, Goethe amplia e publica essa primeira vers"o,
com o titulo de
aFausto, um Fragmento"; neste novo texto, desde j se
entrev‰em os efeitos da
convers"o de Goethe ao classicismo, que tanto amadurecera com
a viagem ...
It lia. Mas s¢ nos anos de amizade com Schiller o poeta se
decide a acrescentar
ao fragmento o "Pr¢logo no C‚u" e as cenas do pacto com
Mefist6feles. Assim,
entre 1797 e 1806 nasce o "Fausto, Primeira Parte". Em 1827 ‚

Apari‡"o de Menfist¢feles, Fausto I, gravura de Nisle

AS OBRAS

publicado o epis¢dio de Helena ("Fantasmagoria
Cl ssico-Romantica"), e no ano
seguinte o primeiro grupo de
cenas na corte do imperador; deste modo ‚ completado, entre
1825 e 1831, o
"trabalho de uma vida inteira": "Posso doravante considerar a
minha vida futura
como uma simples oferta; agora, que cheguei ao fundo, pouco me
importa aquilo
que eventualmente possa ainda fazer" G o e t h e, "Conversas
com
Eckermann", 6 de Junho de
1831 ) . Na "Dedicat¢ria", Goethe recorda as sombras do
passado; no aPr¢logo
no Teatro", contrap"e os pontos
de vista do poeta, do director-empres rio e do actor, quanto
...s exig‰ncias
artisticas e pr ticas do teatro. No "Pr¢logo no C‚u",
Mefist¢feles aposta com o
Senhor que ser capaz de desencaminhar o estudioso Fausto e
conduzi-lo ...
perdi‡"o; Deus, que considera com admira‡"o os esfor‡os feitos
pelo homem para
ultrapassar os limites do conhecimento e da natureza finita, e
sabe que o seu
desejo de infinito o h -de salvar, promete ao Diabo que Ihe
concede a alma do
s bio se ele for capaz de o desviar da sua tend‰ncia
instintiva para o bem.
Quando o pano se ergue, Fausto encontra-se no seu laborat¢rio.
Desiludido
AS OBRA.S

com a limita‡"o da ci‰ncia humana, o estudioso recorre ...
magia; mas ‚ em v"o
que invoca o espirito da Terra
e da Vida, visto que a rude natureza humana n"o Ihe permite
penetrar na luz do
espirito que o ofusca. Deses-
perado, Fausto v‰ no suicidio a solu‡"o £ltima e radical para
o seu problema. Mas
o repicar dos sinos pascais faz
com que desista de levar a cabo t"o insano prop6sito. Sai
ent"o a passeio com
Wagner, por entre alegres grupos de camponeses e de gente da
cidade, sem que
consiga, por‚m, integrar-se na multid"o. Muito embora a sua
alma ahumana" o
leve ... frui‡"o das belezas naturais e dos prazeres materiais,
h dentro dele "uma
outra alma" constantemente voltada par o Inapreensivel, o
Inating¡vel. De
regresso ao laborat¢rio Fausto obriga Mefist¢feles
que desde h algum temp¢ o vem seguindo sob a apar‰ncia de um
c"o, a
revelar-se. O Diabo prop"e um pacto ao
s bio: ser seu criado na Terra, invertendo-se depois os
pap‚is no Al‚m. Fausto
aceita, mas, algo c‚ptico a
respeito das capacidades de Mefist¢feles, insere no contrato
uma cl usula
importante que transforma o acordo num aposta: se o s bio,
satisfeito com os
servi‡os do Diabo

40

Fausto na cozinha da bruxa, gravura de Nisle


Ihe pedir que fique junto dele, consentir ent"o em
subme-ter-se ...s suas cadeias.
Trata--se de uma aposta que se
dirige muito mais a si pr¢prio do que ao Diabo. Mefist¢feles ‚
o espirito
materialista e mesquinho que apenas Ihe sabe oferecer os
vulgares prazeres
terrenos: se ele Fausto, encontrar satisfa‡"o em semelhantes
prazeres
traindo assim a sua naturez espiritual, tornando-se escravo
daquilo que deveria
apenas constituir um instru-
mento para novos conhecimentos e experi‰ncias, ent"o em nada
Ihe importar o
seu destino, ainda que o Derca
para a eternidade. Nas cenas seguintes, a personagemprincipal
‚ Mefist¢feles, que
tro‡a da insufici‰ncia do saber
humano e do ensino universit rio da ‚poca.

A primeira etapa da viagem de Mefist¢feles e de Fausto
passa-se na taberna de
Auerbach, em Leipzig; a cavalo
numa pipa de vinho, dirigem-se depois os dois ... "cozinha da
bruxa", onde
Fausto volta
a encontrar a juventude, para enfrentar a experi‰ncia dos
sentidos. Assim se
prepara a trag‚dia de Margarida. 
numa cidade medieval que Fausto encontra a deliciosa criatura,
ing‚nua e
candida, e pede a Mefist¢feles que o
auxilie a conquist -la. Gra‡as ... interven‡"o de uma triste
alcoviteira, Marta, Fausto
encontra-se com Margarida, que se apaixona perdidamente por
ele e se lhe
entrega. Mas os momentos de amor e de alegria logo se v‰em
submersos por
uma s‚rie de dolorosas trag‚dias: o son¡fero que Mefist¢feles
dera a Margarida
para adormecer a m"e durante as visitas nocturnas de Fausto ‚
na realidade um
veneno, e a velha morre. Valentim, irm"o de Margarida,
pretende vingar a honra
da familia e ‚ morto por Fausto em duelo. No auge do
desespero, Margarida
elimina o filho, que dera ... luz havia pouco, a acaba na
cadeia.
Entretanto, Fausto ignora aquele tr gico fim. Materialmente
culpada, mas intoc vel
na sua inoc‰ncia interior,
Margarida ‚ a verdadeira antagonista de Mefist¢feles:
transformando o desejo
carnal de Fausto em verdadeiro
amor, amea‡a levar Mefist¢feles a perder o seu dominio sobre
ele. Por isso
mesmo o maligno conduz o seu senhor at‚ ao Blocksberg, onde
espera afogar na
orgia er¢tica da "Noite de Walpurgis" (a noite das
feiticeiras) a recorda‡"o que
Fausto conserva da sua Margarida.

Mas no momento exacto em que vai abandonar-se ... vol£pia dos
sentidos,
surge-lhe ... frente a imagem da amada,
com o pesco‡o rodeado por um delgado circulo vermelho.
Mefist¢feles v‰-se
for‡ado a revelar a trag‚dia de Margarida, e Fausto obriga-o a
conduzi-lo ... pris"o
onde ela padece. Debalde, por‚m, Ihe of erece a salva‡"o:
Margarida, conquanto
tenha enlouquecido, tem consci‰ncia da necessidade do seu
castigo e recusa o
auxilio de Fausto e do seu companheiro, que agora a
horrorizam, preferindo a
expia‡"ol Quando morre, uma voz vinda do alto grita: "Est
salva".

A "Segunda Parte" divide-se em quatro actos; no primeiro,

A cena do jardim Fausto l, gravura de Nisle

Fausto desperta do sono do esquecimento no meio de uma
natureza acolhedora,
como que renascido. Esqueceu-se do passado, tudo o que dele
resta ‚ uma t‚nue
recorda‡"o. Acompanhado por Mefist¢feles, dirige-se ... corte
do imperador, onde, gra‡as aos prodigios do seu servo,
consegue fazer com que o
nomeiem tesoureiro da corte.
A pedido do imperador, o "mago" Fausto evoca os prot¢tipos da
beleza humana:
P ris e Helena. Fascinado pela
beleza de Helena, Fausto tenta agarr -la, mas as vis"es do
passado desaparecem
e cai por terra, inanimado.
Mefist¢feles leva-o ent"o de novo para o laborat¢rio

No segundo acto, Fausto acorda e encontra Wagner, seu
discipulo, que tivera
entretanto acesso ...s mais altas
horarias acad‚micas. Wagner pretende que nada mais em a
aprender com o seu
antigo mestre, mas s¢ com o
auxilio de Fausto consegue produzir artificialmente, no
laborat¢rio, o Hom£nculo, o
homem de proveta, exclusi-
vamente constituido por c‚rebro e espirito, que, havia muito,
em v"o procurava
criar. O Hom£nculo tudo v‰, inclusive os sonhos e os
pensamentos mais
reconditos dos homens, mas ‚ incompleto, visto que n"o ama,
n"o tem
consist‰ncia nem plenitude fisica. Por isso, tamb‚m ele tem
necessidade, tal
como Fausto, de um banho de helenismo, onde a natureza e o
espirito convergem
numa realidade una, plenamente harmoniosa. Acompanhado de
Fausto e
Mefist¢feles, o Hom£nculo poe-se ent"o a caminho da "Noite
Cl ssica de
Walpurgis". Durante essa c‚lebre noite, cada um deles segue o
seu pr¢prio
rumo: Fausto vai em busca de Helena, e o Hom£nculo, no seu
desejo de se tornar
" n a t u r a I ", dissolve-se no mar para assumir
AS OBRAS

nova vida na unidade do Todo. No terceiro acto, Helena e o seu
s‚quito de
prisioneiras troianas ‚ obrigada por Mefistofeles a dirigir-se
ao castelo medieval
onde Fausto se instalou depois da noite de Walpurgis. Helena
representa o mundo
classico, mediterr3nico, da antiga Gr‚cia, enquanto Fausto ‚ o
mundo n¢rdico,
medieval, rom3ntico. Do encontro de um com o outro resulta uma
fus"o, uma
penetra‡"o reciproca. E da uni"o do Fausto com Helena nasce um
filho,
Euphorion, que alia ao sentido cl ssico da beleza materna a
inquieta‡"o intelectual
do pai: no seu

A cena do c reere, Fausto I, Gravura Nisle


48

anseio de experi‰ncias her¢icas, ultrapassa os limites do
finito e morre. Com ele
desaparece tamb‚m Helena, sua
m3e. Em Euphorion Goethe quer representar o g‚nio da Poesia,
que, segundo ele,
encarnou na fascinante figura
de Byron.
No quarto acto, Fausto encontra-se de novo na Terra, no alto
de uma montanha.
Tendo atingido plena maturi-
dade e autoconsci‰ncia ao possuir Helena (o classicismo
hel‚nico), Fausto
encontra finalmente na actividade pr tica a solu‡"o para o seu
angustiante
problema existencial: a inser‡"o na realidade da vida e o
trabalho pelo bem
comum. Decide por isso arrancar ao mar uma extensa faixa de
terra e torn -la
f‚rtil para bem da humanidade. De regresso ... Alemanha,
auxiliado por tr‰s
gigantes chamados por Mefist6feles, faz com que o imperador
alcance importante
vit6ria sobre o anti-imperador. O soberano, reconhecido,
concede-lhe um vasto
territ6rio, onde poder entregar-se ao trabalho para realizar
o seu projecto
humanitario. Infelizmente, dois velhinhos, Fil‚mon e Baucis,
ao recusarem-se a
abandonar a cabana onde vivem, surgem como um obst culo aos
seus projectos.
Interv‰m ent"o os tr‰s gigantes de Fausto, que, interpretando
erradamente
ordens do amo, queimam
cabana com o infortunal casal. Fausto sente-se respons vel e
n"o pode deixa de
sofrer: o sentido de culpa
redu-lo a dimensoes mais humanas. Ao completar cem anos,
"cuidado", uma
das quatro Mulheres Cinzentas
(Car‰ncia, Culpa, Cuidado Mis‚ria), que se op"em ... sua
actividade humanit ria,
sopra-lhe no rosto e cega-
Mas Fausto n"o se d por vencido. Enquanto os l‚mures, sob a
orienta‡"o de
Mefist¢feles, se entregam ... tarefa
lhe cavar o t£mulo, Fausto cuida que o barulho das p s o da
sua £ltima grande
obra (a transforma‡"o de um pn-
tano em terra cultiv vel) confessa que experimenta e t"o a
felicidade suprema.
Segundo os termos do famoso contrato, Fausto perdera a aposta,
e a sua alma
passara a pertencer a Mefist¢fele
Mas um ex‚rcito celeste derota o Diabo e os seus l‚mres,
levando a alma de
Fausto para o Paraiso. O cntico
entoado pelos anjos revelam o motivo da salva‡"o Fausto:
"Àquele que insone
luta por subir, A esse redimimos". E aos p‚s do trono da
"Mater Gloriosa"
intercede por ele "uma penitente que se chamou Magarida".

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OS PINTORES AMIGOS DE GOETHE
49
Quase todos os artistas do s‚culo, maneiristas a seu modo,
cairam no
esquecimento. Mas, aqueles que tivera Gothe por amigo, ainda
brilham, devido
ao seu reflexo.


Entre os tres pintores amigos de Goethe, o seu primeiro mestre
foi Georg
Melchior Kraus (1733-1806), que cresceu bastante perto da casa
natal do
poeta. Tendo-se estabelecido em Weimar antes de Wolfgang, ‚
nomeado director
da Academia de Desenho fundada pelo duque Carlos Augusto, e
pintor da corte.
Em cima: tres aspectos
do parque e da ponte do castelo ducal
de Weimar da autoria do artista.
O Coliseu ( 1788), de
J. P. Hackert (p g. da
esquerda). (Depois de se ser
este monumento, tudo o mais
parece mesquinho) (Goethe).
em baixo: uma das primeiras
obras italianas de Hackert,
a bela de N polcs (1771),
a N poles "luminosa e
escaldante no brilho de todas
as suas cores", de que o poeta
tanto gostaua. Nascido em
Prenlau em 1737, J. P.
Hackert morreu na It lia
em 1807. Foi um dos mais
c‚lebres artistas do seu tempo;
Goethe teve oportunidade de o
conhecer em 1787, em N poles,
onde recebeu li‡"es de desenho do
mestre. Por expressa vontade do pintor, Goethe reuniu as suas
notas num
volume e escreveu a sua biografia.

Em baixo: auto-retrato de Ang‚lica Kauffmann trajada
de grega (Coira 1741-Roma 1807), pintora sui‡a, verdadeira
celebridade do seu tempo, amiga de artistas e de poetas.
Durante a sua estada em Roma, Goethe, que a admiraua,
frequentou a sua casa. À esquerda: retrato de uma bela
milanesa,
uma certa senhora Riggi, por quem Goethe se apaixonou.


Em baixo: a obra-prima de Johann Heinrich Wilhelm Tischbein
(1751-1829):
Retrato de Goethe nos Arredores de Roma (1786). O pintor
alem"o alojou o
poeta nas suas guas-furtadas e serviu-lhe de cicerone pelos
arrabaldes da
cidade. "O esbo‡o est terminado" escrevia Goethe ... baronesa
von Stein;
"retrata-me e.m. tamanho natural, envolto numa capa branca,
sentado num
obelisco derrubado, enquanto fixo as ruinas dos arredores de
Roma.

Philipp Otto Runge (1777-1810) ‚ um dos principais
representantes da pintura
romntica alem". Tendo-se interessado pelo estudo das cores,
expos a Goethe,
durante uma visita que lhe fez em Novembro de 1803, uma teoria
muito pessoal,
que mereceu a total ades"o do poeta. Na p gina seguinte: uma
das obras-primas
de Runge, os Pais do Artista; personagens rigidas, como que
esculpidas em
madeira; not vel tratamento dos pormenores (folhas, m"os,
cores)

Caspar David Friedrich (1774-1840), professor na Academia de
Dresda, ber‡o
da pintura romantica, d uma interpreta‡"o completamente no a
da natureza:
as paisagens invernais,
os crep£sculos e as paisagens
ao luar constituem para ele
a express"o de um estado
de espirito. s personagens
listas de costas s"o tipicas dos
seus quadros. Conquanto n"o
aprecie este tipo de pintura
(os cemit‚rios e os ciprestes
inspiraram-lhe medo e
tristeza), Goethe admira
o genio de Friedrich, que
conhece pessoalmente em
em 1810. Nap gina
Os Penhascos de
Rugge quadro c‚lebre
qne ilustra o clima romantico
dos primeiros anos do s‚culo
XlX alem"o. Em cima,
... direita: Abadia numa
Floresta dc Carvalhos.
em baixo: Crep£sculo.

(Carl Gustav Carus
(1798-1869), pintor e critico
de arte, conheceu Goethe em
Weimar, em Julho de 1821,
e por diversas vezes tentou
"erguer ao poeta um
momento digno", onde
exprimisse aguilo que mais
o comovia na sua poesia.
A direita, em baixo:
alegoria sobre a Morte
de Goethc. O mar ‚ o simbolo
da vida na sua constante
agita‡"o; e a lira, com as cores
do arco-iris, ‚ a alma humana,
que o poeta faz vibrar.
Neste retrato, nada h do Goethe "Olimpico", mas apenas a sua
dimens"o
humana, com fundo de tristeza e de solid"o no olhar. O quadro
foi pintado
cerca de 1814 por Johann Joseph Schmeller (1794-1841), nascido
em Weimar,
admirado e protegido pelo poeta. Trata-se de uma r‚plica a um
quadro de
Kolbe, que representava a Goethe na mesma atitude de p‚,
frente ... baia de
N poles; na presente obra, o pintor escolheu ,como fando uma
vi‡osa parreira
das colinas do Reno.

ANTOLOGIA
FAUSTO

O pacto com Menfist¢feles;
A cancao de Margarida;
A noite de Walpurgis;
Margarida no Cárcere;
A morte de Fausto.

PRIMEIRA PARTE

Gabinete de Trabalho:
Fausto--Mefist¢foeles.

FAUSTO: Est"o a bater? Entre! Quem vem
de novo atormentar-me?

MEFISTOFELES: Sou eu.

FAUSTO: Entra !

MEFISITOFELES: Tens de dizer tr‰s vezes.

FAUSTO: Entra, ent"o!

MEFISTOFELES: Assim agradas-me.

Havemos, segundo espero, de nos entender
bem!
Para dissipar os teus escr£pulos

aqui me tens como um nobre morgado,
vestido de vermelho oom bordados de ouro,
o casaquinho de seda rija,
a pena de galo no chapéu,
com uma longa e pontiaguda espada,
e numn palavra te aconselho agora
a vestires-te já de igual maneira;
para que sem peias, e liberto,
venhas aprender o que é a vida.

FAUSTO: Dentro de qualquer roupa sentirei
sempre
o sofrimento da estreita vida humana.

Sou demasiado velho para brincar apenas,
jovem demais para n"o ter desejos.

Que pode em verdade oferecer-me o mundo?
Renunciar é o que deves! Deves renunciar!
É estn a etema can‡"o
oue soa aos nossos ouvidos,

que, ao longo de toda a vida,
cada hora nos canta com voz rouca.
S¢ com horror desperto de manh",
desejando chorar amargas lágrimas,
ao ver o dia que, no seu decurso,
nem um desejo meu vai realizar, nem um,
e que até a ideia de qualquer prazer
com criticas teimosas diminui
e a cria‡"o do peito emocionado
impede, com mil caretas da vida.
E depois também tenho, quando a noite cai,
de me deitar na cama angustiadamente;
nem ai repouso é concedido,
pois sonhos desordenados me v‰m aterrar.
O Deus que habita no meu peito
pode agitar-me a alma fundamente;
ele que reina sobre as minhas for‡as
n"o pode, fora de mim, animar nada.
E assim a exist‰ncia é para mim um peso,
desejo a morte, pois que detesto a vida.

MEFIST¢FELES: E contudo nunca a morte
é um hospede bem-vindo.

FAUSTO: Feliz daquele, a quem ela no clar"o

[ da vit¢ria
cinge a fronte com louro ensanguentado,
aquele que, depois de louca dan‡a,
ela encontra nos bra‡os duma jovem!
Quem me dera, perante a for‡a do elevado

[ espirito,
arrebatado, ter caido morto!

MEFIST¢FELES: E no entanto houve

[alguém que certa noite
n"o quis beber um liquido castanho.

FAUSTO: Parece que espiar é a tua distrac‡"o.

MEFIST¢FELES: Náo sou omnisciente; porém
[ sei muita coisa.

FAUSTO: Se do tumulto horrendo
doce voz conhecida me arrancou
iludindo com m£sica de um tempo mais feliz
restos de sentimentos da infancia,
maldigo à mesma tudo o que enreda a alma
numa teia de engano e ilus"o
e com poeira nos olhos e lisonja
Antologia

a desterra para esta caverna de tristeza !
Maldita, sobretudo, a alta ideia
de que o Espirito a si pr¢prio se rodeia!
Maldita a ilus"o da apar‰ncia,
que aos nossos sentidos se impõe!
Maldito o fingimento que há nos sonhos
maldita a fraude da fama, perpetua‡"o do
[nome!
Maldita a posse que nos lisonjeia,
a mulher e o filho, o criado e a charrua!
Maldito seja Mammon, quando com tesouros
nos impele a feitos audaciosos
e quando para o deleite ocioso
nos põe almofadões a jeito!
Maldito seja o suco balsamico das uvas!
Maldita a suprema alegria do amor!
Maldita seja a esperan‡a! Maldita seja a fé,
e acima de tudo a paci‰ncia!

CORO DE ESPIRITOS (invisível): Ai dor!
[ Ai dor !
tu destruiste
o belo mundo
com murro poderoso
e ele cai desmoronado!
Um semideus foi quem o destruiu!
N¢s levamos as ruinas
connosco para o Nada
e lamentamos
a beleza perdida.
Tu, o mais poderoso
dos filhos da Terra,
ergue-o de novo
ainda mais faustoso
no teu peito,
ergue-o de novo!
Come‡a
uma nova vida
com espirito iluminac!o
e que canticos novos
a acompanhem.

MEFIST¢FELES: Estes s"o
os mais jovens dentre os meus.
Escuta, como ao prazer e à ac‡"o
sàbiamente te incitam!
Para o vasto mundo

fora da solid"o
onde espirito e seiva paralisam,
querem eles atrair-te.
Cessa de brincar com a tua pena
que, como um abutre, te devora a vida;
Na pior companhia poderás sentir
que es homem entre homens.
N"o pretendo com isto
lan‡ar-te para o meio da canalha.
N"o sou nenhum dos grandes
No entanto se quiseres em uni"o comigo
pôr-te a caminho pela vida
com a melhor vontade estou disposto
a ser teu, neste instante
Ser o teu companheiro
fazer o que quiseres, ser o teu servidor, o teu criado!

FAUSTO: E em troca disso que devo
[ fazer-te

MEFIST¢FELES: Ainda tens à frente um
[ longo prazo

FAUSTO: N"o, n"o! O diabo é um egoista
e n"o faz pelo amor de Deus
aquilo quc é £til a um outro.
Diz claramente qual é a condi‡"o;
Um servidor assim põe a casa em pengo.

MEFISTÓFELES: Vou obrigar-me aqui a
[ teu servi‡c
um sinal teu n"o parar e n"o ter mais

[ descanso
quando lá enz cinza nos vo tarmos a ver,
deverás tu a mim fazer o mesmo.

FAUSTO: O lá em cima preocupa-me pouco
se puderes destruir este mundo
o outro bem pode surgir depois.
Desta terra nascem as minhas alegrias
e este sol brilha sobre o meu sofrimento.
se eu conseguir separar-me deles,
que aconte‡a depois o que quiseres.
Isso n"o me interessa; n"o quero saber
se no futuro o homem também odeia
e se também nessas esferas
há em cima e em baixo.

Fausto perante a morte. Litografia
de Delacroix para a edi‡"o
francesa (1828)

MEFlSTÓFELES: Sendo assim, podes
[ arriscar-te.
Liga-te a mim; verás nestes dias
com alegria todas as minhas artes,
dou-te aquilo que ainda nenhum homem viu.

FAUSTO: Que queres tu, pobre diabo, dar-me?
Alguma vez o espirito dum homem, seus
[supremos anseios
por um da tua igualha foi compreendido?
tens iguarias que n"o saciam,
tens ouro rubro que sem parar,
semelhante ao merc£rio, te escorre pelas m"os,
tens uma jovem, que no meu peito
já com olhares se prende a um vizinho,
os divinos prazeres de uma gl¢ria
que como um meteoro desaparece?
Mostra-me o fruto que apodrece, antes de ser

[ colhido,
e árvores que todos os dias reverde‡am!

MEFIST¢FOLES: Um tal pedido n"o

[ consegue assustar-me,
com tesouros assim posso eu servir-te.
Contudo, hom amigo, também virá o tempo
de saborear cm paz um bom bocado.

FAUSTO: S e alguma vez eu me deitar

[tranquilo
numa cama de ¢cio
que ncssc pr¢prio instante
para mlm tudo acabe!
Se com lisonjas me puderes iludir
fazendo-me comprazer em mlm mesmo,
se com o gozo me puderes enganar
seja esse para mim o derradeiro dia!
Fa‡o esta aposta!

Antologia

MEFIST¢FELES: Toca !

FAUSTO: Toca também!
Se eu disser ao momento que passa:
demora-te! És t"o belo!
Ent"o poderás encher-me de cadeias,
deixslr-me-ei com gosto aniquilar!
Podem os sinos dar toque de finados,
do teu servi‡o ent"o ficarás livre,
que o rel¢gio pare, que caiam os pontelros,
que o tempo para mim seja acabado!

MEFIST¢FELES: Pondera bem, pois nao o
[ esqueceremos.

FAUSTO: E com todo o direito;
n"o pus qualquer má-fé no compromisso.
Mal eu insista, passo a teu servidor,
ou teu, ou de quem quer que seja.

O QUARTO DE MARGARIDA

MARGARIDA (na roca, sòzinha):

Foi-se a minha paz,
d¢i-me o cora‡"o;
nunca mais voltará
sei muito bem que n"o.

Quando n"o esta comlgo,
preferia morrer
o mundo inteiro
me faz sofrer.

A minha cabe‡a
anda como louca,
o espirito nela
já é coisa pouca.

Foi-se a munha paz,
doi-me o cora‡"o;
nunca mais voltará
sei muito bem que n"o.

Assomo à janela
para o avistar,
saio de casa
para o procurar.


Antologia

A sua bela figura,
o seu nobre andar
o sorriso da boca
a for‡a do olhar,

E as suas palavras,
a sua m"o premente
rio dc ternura
e ai, o beijo ardente!

Foi-se a minha paz,
d¢i-me o cora‡"o-
nunca mais voltará
muito bem que n"o.

O meu pelto anseia
por deixar de sofrer.
Ah, pudesse eu abra‡á-lo
e apertá-lo.

e beijá-lo
tanto como queria,
mesmo que dos seus beijos
eu viesse a morrer!

NOITE DE WALPURGIS
Montanhas de Schierke
Regi"o de Schierke e Elend.

MEFlST¢FELES: N"o te apetece ter um

[cabo de vassoura?
Qu!eria para mim o bode mais possante.
Por este caminho ainda demoramos a chegar
[à meta.
FAUSTO: Enquanto nao me sentir com as
[pernas cansadas
basta-me este caiado

eis o prazer que anima estes atalhos
A Primavera ja se tece nas bétulas,
e até o pinheiro já a sente
N"o haveria ela de agir nos nos.soc m

MEFIST¢FELES: A bem dizer em n
[ sint
Ainda trago o Inverno no meu cor
queria neve e gelo no caminho.
Que tristeza a da lua vermelha
cujo disco incompleto se ergue com
[ clar"o
iluminando mal, fazendo que a cad
esbarremos numa árvore, ou num roci
Permite-me que chame um fogo-fátuo
Ali estou a ver um, que brilha alegre
Eh lá, amigo! posso requisitar-te paí
para que hás-de arder assim em v"o
Faz-nos a gentileza de nos alumiar a

FOGO-FÁTUO: Por defer‰ncia espero
dominar a minha natureza;
normalmente seguimos em ziguezague
MEFIST¢FELES: Ei! Ei! Ele pensa imitar
[os humildes

Em nome do Diabo, v‰s se andas a direito
sen"o apago-te a vida com um sopro

FOGO-FÁTUO: Bem vejo que v¢s sois s

FAUSTO, MEFlSTõFELES.
e quero acomodar-me ao vosso gosto.
Sòmente refleai! A montanha está hoje
de louca magia
e se é um fogo-fátuo que deve servir de
n"o vos podeis mostrar t"o exigente.
Fausto, Mefist¢feles Fogo-Fatuo
(cantando alternadame

60

De que serve encurtar o caminho!
Errar no labirinto dos vales
e depois !escalar este rochedo
do qual a fonte brota eternamente,
Na esfera do sonho e da magia
segundo parece penetrámos
Esfor‡a-te e guia-nos bem
para que em breve alcancemos
os vastos espacos desertos!

Margarida, fiando, litografia de
Delacroix para a ed. de 1828

Vejo árvores atrás de árvores,
à medida que rápidas desfilam
e os picos que se curvam
e o longo nariz das rochas
que resoam e que sopram!

Pelas pedras, pelas relvas,
correm rios e riachos.
oi‡o murm£rios? ou can‡ões?
ou oi‡o queixas de amor
vozes daqueles dias no Céu?
Tudo o que csperamos, o que amamos!
E o eco, como as lendas
do passado, que ressoa.

Uhu ! Schuru ! Ouve-se de mais perto
a coruja, o abibe e o gaio
ficaram todos acordados?
E ali, s"o salamandras nos arbustos?
longas pernas, gordos ventres !
E as raízes como cobras
enrolam-se ao sair das rochas e da areia,
estendendo os seus estranhos la‡os,
para nos assustar e nos prender;
de grossos e animados n¢s
saem bra‡os de polvo
estcndidos ao passante. E os ratos
de mil cores, em massa
pelo musgo, pela charneca!
E os pirilampos voam
em apertados enxame
para a confusio do cortejo.

Mas diz-me, estamos parados
ou continuamos a andar?
Tudo, tudo parece girar,
rochas e árvores, que nos fazem
caretas, e os fogos-fátuos,
aue se multiplicam, e se incham.

MEFIST¢FELES: Agarra bem a aba do

[ casaco !
Eis aqui um pico mais central
onde se pode oom espanto ver
como na montanha Mammon brilha.

FAUSTO: Que estranhamente brilha pelo solo
uma luz matinal avermelhada!
Estende-se até aos mais fundos
abismos, reluz nos precipícios.
Ali sobe vapor, acolá nevoeiro,
aqui brilha um fogo em pleno véu de bruma,
depois rasteja como um ténue fio,
irrompendo a seguir como uma fonte.
Aqui serpenteia durante um bom bocado
com cem veios atraves do vale,
e aqui neste canto apertado
isola-se de vez.
Saltam faíscas nas proximidades
como uma areia de ouro a ser espalhada.
Mas olha!, em toda a sua altura
eis que se inflama a parede de rocha.

MEFIST¢FELES: N"o ilumina Mammon

[ para esta festa
magnificamente o seu palácio?
É uma sorte que tu o tenhas visto;
Já pressinto a chegada de gente impetuosa.

FAUSTO: Com que raiva a tempestade

[ sopra !
Que pancadas me assenta sobre a nuca !

MEFISTÓFELES: Tens de agarrar-te às

[velhas costelas dos rochedos,
Sen"o atira-te para o fundo do abismo.
Um nevoeiro torna espessa a noite.
Escuta, como nos bosques se ouvem estalidos!
E como os mochos voam aterrados.
Escuta como se fendem as colunas
Antologia

de palácios eternamente verdes.
Ouve os ramos gemerem e quebrarem-se!
E dos troncos o ribombar tremendo!
E as raízes rangendo e bocejando!
Em horrivel e louca oonfus"o
abatem-se caindo uns sobre os outros
e através dos abismos cheios de destro‡os
slbllam e uivam os ventos.
Ouves as vozes nas alturas?
Sim, por toda a montanha
corre um cantico raivoso de magia!

BRUXAS (em coro):

As bruxas sobem para o Brocken,
o restolho é amarelo, o trigo é verde.
Ali se junta a grande multid"o,
o Senhor Urian reina lá cima.
Assim se vai por montes e por vales,
a bruxa mija, o bode cheira mal

VOZ: A velha Baubo vem sòzinha
vem a cavalo numa porca.

BRUXAS (em coro): Honremos pois quem
A velha Baubo à frente! Servindo-nos de
Um porco hábil e a m"e em cima
seguindo atras a multid"o de bruxas.

VOZ: Por que caminho vens?

VOZ: Por Ilsenstein!
Dei uma espreitadela ao moeho no seu ninho.
Que olhos el!e fazia!

VOZ: Vai para o Inferno!
Porque andas t"o depressa?

VOZ: Ela arranhou-me,
olha para as feridas!

BRUXAS (em coro): O caminho é largo
[o eaminho é longo,
que aperto louco é este?
O garfo pica, a vassoura arranha.
O filho sufoca, a m"e rebenta.

BRUXOS (meio coro):

Rastejamos como os carac¢is
à nossa frente v"o todas as mulheres.
Pois em se tratando da casa do Diabo
a mulher tem mil passos de avan‡o.

A OUTRA METADE: N"o levamos isso

a mulher chega ao fim com mil passos
contudo, por muito que se apressem,
o homem chega lá s¢ com um salto.

VOZ de cima): Vinde, vinde, do lago rochoso.

VOZES (de baixo): Bem gostariamos de

Lavamos, e somos muito brancas
mas também para sempre infecundas.

AMBOS OS COROS: Cala-se o vento , foge a estrela
opaca a lua já se quer esconder.
Sibilando o coro mágico faz
saltar milhares de faiscas.

VOZ (de baixo): Pára! Pára!

VOZ (de cima): Quem chama da fenda

VOZ (de baixo): Levai-me convosco!

[Levai-me convosco
Ja estou 9ubindo há trezentos anos,
e n"o consigo alcan‡ar o cimo.
Gostava de me juntar aos meus iguais.

AMBOS OS COROS: A vassoura leva, o
cajado leva
o garfo leva, o bode leva;
quem hoje n"o eonsegue levantar se
é pessoa perdida para sempre.

MEIA BRUXA (em baixo):
Slgo atrás há tanto tempo,
como os outros já est"o afastados!
Em casa n"o tenho sossego,
e contudo aqui n"o consigo ehegar.
CORO DAS BRUXAS: O unguento dá

[coragem à bruxa,
um trapo serve de veia,

um balde é um bom barco;
quem hoje n"o voar, n"o voa nunca mais.

AMBOS OS COROS: E quando chegarmos

[ ao cimo,
desci rasando o ch"o,

e cobri a charneca até perder de vista
com o vosso enxame de bruxaria.

MEFIST¢FELES: Aperta e empurra, range

[ e estala !
sibila c redemoinha, puxa e palra !
brilha, faísca, fede e queima!

verdadeiro elemento de bruxas !
garra-te bcm a mim! Ou seremos logo
[ separados.

FAUSTO (ao longe): Aqui!

MEFISToFELES: O qu‰! Já levado para ali?
Terei dc usar direitos de Senhor.
Com licen‡a. É o Diabo que chega.

Com licenca! Doce gentalha, d‰em-me lugar!
Aqui, doutor, agarra-te a mim! E com um

[ salto
fujilmo.s deste aperto;

É demasiado louco, mesmo para gente como
[ eu;

MEFIST¢FELES (a Fausto, que abandonou

[a dan‡a):
Porque largaste a linda jovem
que contigo dan‡ava, e cantava t"o bem?

FAUSTO: Ah! No meio da can‡"o
um rato vermelho saltou-lhe pela boca.

MEFISTÓFELES: Que argumento! Nessas

[ coisas n"o deves
reparar. Foi sorte o rato n"o ser cinzento.
Quem se inquieta na hora do amor?

FAUSTO: Depois vi...

MEFlST¢FELES: O qu‰?

FAUSTO: Mefisto, estás a ver
uma crian‡a pálida e bela sòzinha ali ao

[ longe?
vai-se arrastando lentamente

parecc ter cadeias a prender-lhe os pés.
Devo confessar que a acho parecida
com a boa Margarida.

MEFlST¢FELES: N"o penses nisso! Daí nada

[de bom vem a ninguém.
É uma ilus"o de magia, sem vida, como um

[ ídolo.
Ir ao seu encontro n"o é bom:

O seu olhar parado o sangue paralisa,
e uma pessoa quase vira pedra;
da Medusa certamente já ouviste falar.

FAUSIO: S"o como olhos de morta,
que m"o amiga se esqueceu de fechar.
É aquelc o peito oferecido
aquele o doce corpo que eu fruí.

MEFIST¢FELES: Essa é a magia, meu idiota
[fácil de iludir!
Pois a cada um ela aparece como a sua

[ amada.
FAUSTO: Que deleite! Que sofrimento!
Nao posso separar-me deste olhar.

Que estranho haver neste belo pesco‡o
um s¢ fio vermelho a enfeitar,
n"o mais largo que o fio de uma faca!

MEFlSToFELES: Tens raz"o! Também o

[ estou a ver.
E ela pode ainda trazer a cabe‡a debaixo do

[bra‡o;
Foi Perseu quem Iha cortou.
Sempre o amor da ilus"o!

Aproxima-te agora deste monte,
ficaremos aqui t"o bem como no Prater;
e se n"o me engano

estou a ver um teatro.
Ent"o o que há aí?
Antologia

SERVIBILIS: Vamos recome‡ar neste

[ momento.
Uma nova pe‡a, a £ltima de sete;
tantas apresentar é aqui o costume.
Foi escrita por um diletante,
e s"o diletantes os que a representam.
Perdoai-me, senhores, se desapare‡o;
sou diletante a correr a cortina.

MEFIST¢FELES: Se vos encontrar no

[ Blocksberg
está bem; pois esse é o vosso lugar.

CARCERE

FAUSTO (com um molho de chaves e uma
lampada, dianre de unta porta de ferro):

Percorre-me um arrepio que há muito n"o

[ sentia
apodera-se de mim o sofrimento de toda
[a humanidade.
Aqui habita ela por trás desta humida

[parede
e o seu crime foi uma doce ilus"o!
Hesitas em ir ter com ela !
Temes v‰-la outra vez!
Avan‡a! A tua hesita‡"o faz apressar

[a mortE.

(Agarra a fechadura.
Ouve-se cantar lá dentro).

Alinha m"e, a puta,
foi quem me matou!
Meu pai, o malandro,
f oi quem me comeu!
minha irm" pequenina
lUnt°u os meus ossos,
num f resco lugar;
ent"o transformei-me num pássaro do bosque
a voar, a voar!

FAUSTO (abrindo a fechadura):
Ela n"o suspeita que o amado ouve
o tinir das cadeias, a palha restolhar.

( 71 tra ) .

MARGARIDA (escondendo-se no leito`
Ai! Ai! Já chegam. Morte amarga

FAUSTO (em voz baixa):
Calma! Calma! Venho para te libertar

MARGARIDA ( jogando-se aos seus pé!
Se és um homem, tem piedade de m

FAUSTO: Vais acordar os guardas con

(Agarra nas cadeias para as abrir.)

MARGARIDA (de joelhos):
Quem te deu, carrasco, este poder
sobre mim!
Já me vens buscar à meia-noite.
Tem compaix"o e deixa-me viver!
De manh" cedo ainda n"o vais a temD

( Levanta-se. )

Sou ainda t"o nova, t"o nova!
e já devo morrer!
Bela também fui, foi o que me perde
Estava perto o amigo, agora esta longe
a coroa quebrada, as folhas espalhada
N"o me agarres assim com tanta forca
Poupa-me! Que mal te fiz eu?
N"o me deixes implorar em v"o
nunca te vi no minha vida!

FAUSTO: Como resistir a tais lamentos

MARGARIDA: Estou completamente em

Deixa-me dar de mamar ao meu filho
Durante toda a noite o embalei-
tiraram-mo para me fazer sofrer,
e agora dizem que o matei.
N"o posso voltar a ser alegre.
Cantam cantigas sobre mim! A maldade

Um velho conto terminava assim
quem Ihes disse para mo aplicarem?

FAUSTO (lanca-se a seus pés):
A teus pés está um amante
para te libertar desta pris"o.
MARGARIDA (ajoelha aos pés dele):
Ajoelhemos para rezar aos santos!
Repara ! Sob estes degraus,
debaixo da soleira
o Infemo ferve!
O Diabo,
com ira terrível,
faz um barulh"o!

FAUSTO (alto): Gretchen! Gretchen!

MARGARIDA (atenta): Era a voz do amigo!

(Levanta-se de repente. As cadeias caem).

Onde está ele? Ouvi-o chamar por mim.
Estou íivre! Ninguém pode impedir-me.
Quero voar para os seus bra‡os,
repousar no seu peito!
Ele chamou: Gretchen! Estava na so'eira.
Ao meio dos vivos e do ranger do Inferno,
atraves do escárnio do riso do Diabo
reconhe i a doce voz amiga.

FAUSTO: Sou eu!

MAKGARIDA: És tu! Oh, di-lo outra vez!

hral andl

1: eíe! É elel Onde está o tormento?
()udc cstá o medo da pris"o? e das correntes?

t.d Vcns para me salvar.
i toll salva!
ve estaremos na rua

Cl te vi pela primeira vez.
ni) alegre jardim

que u e Marta esperávamos por ti.

FAUST() ( puxando-a): Vem comigo ! Vem!

MARGARII)A: Espera!
Gosto tanto de estar contigo.

(Faz-lhe festas).

FAUSTO: I>epressa!
Se n"o te apressas
pode custar-nos caro.

MARGARII)A: O qu‰? Já n"o sabes beijar?
Meu amigo, há t"o pouco tempo me deixaste
e já n"o sabes beijar?

Antologia

Porque sinto medo nos teus bra‡os?
Quando antes das tuas palavras, teu olhar,
um céu imenso descia sobre mim,
e me beijavas como se quisesses sufocar-me.
Beija-me!
Scn"o beijo-te eu! (Abra‡a-o).
Meu Deus! Os teus lábios est"o frios,
est"o mudos.
Onde ficou
o teu amor?
Quem mo roubou? (Afasta-se dele).

FAUSTO: Vamos! Segue-me! Meu amor,

[ coragem!
Amar-te-ei com ardor redobrado,
mas segue-me! É s¢ o que te pe‡o!

MARGARIDA (virada para ele):
F és tu realmente? es com certeza tu?

FAUSTO: Sou eu! Vem comigo!

MARGARIDA: Tu soltas as cadeias,
tomas-me de novo nos teus bra‡os.
como é possível que eu n"o te cause horror?
Sabes tu, meu amigo, a quem libertas?

FAUSTO: Vamos! Vamos! Já a profunda

[noite se retira.

MARGARIDA: Matei a minha m"e,
afoguei o meu filho.
N"o foi ele dado a ambos?
Também a ti.--És tu! Mal posso acreditar!
Dá-me a tua m"o ! N"o é um sonho !
A tua m"o amada!--Ah, mas está humida!
Limpa -a ! Parece-me
que tem sangue.
Meu Deus! O que fizeste!
Embainha a espada,
pe‡o-te pOT tudo!

FAUSTO: Deixa o passado ser passado,

e.tÁ A matar-me.

MARGARIDA: N"o, tu tens de ficar!
Vou descrever-te os t£mulos,
dos quais te ocuparás
já amanh";
Antologia

dá o melhor lugar à minha m"e,
e poe o meu irmao logo a seu lado,
a mim um pouco à parte,
mas nao longe de mals!
E coloca o pequenino no meu seio direito.
Ninguém mais a meu lado ficará !
Abra‡ar-me a ti
foi uma doce, uma grande felicidade!
mas já n"o pode ser,
sinto que tenho de me for‡ar para ir ter
[ contigo

como se tu me afastasses de ti.
tanto és tu, e o teu olhar é bom.

FAUSTO: Se sentes que sou eu, ent"o vem

MARGARIDA: Lá para fora?

FAUSTO: Para a liberdadc

MARGARIDA: Se o t£mulo está lá fora
se a morte espreita, vamos!
Daqui para o leito do repouso eterno
e nem um passo além--
Agora vais-te embora? Oh Henrique
[pudesse eu ir contigo
FAUSTO: Podes! Basta querer! A porta está

MARGARIDA: N"o posso ir-me embora

[para mim nada há a esperar
De que serve fugir? Esperam por mim na

t"o terrível ter de mendigar [ sma-
e ainda por cima com má consci‰ncia!
É t"o terrível vaguear no estrangeiro,
e acabarao por apanhar-me!

FAUSTO: Eu fico ao pé de ti.

MARGARIDA: Rápido! Rápido
Salva o teu pobre filho!
Vai! subindo o caminho
do regato,
sobre a ponte,
pelo bosque dentro,
a esquerda, onde a prancha se encontra
no lago.
Agarra-o depressa !

Ele quer erguer-se
debate-se ainda
salva-o ! salva-o

FAUSTO: S‰ razoável
Sòmente um passo, e estás livre

MARGARIDA: Se ao menos a monta
[tivéssemos passado
Ali está a minha m"e sentada numa pedra
algo de frio me agarra pelos cabelos

Ali está a minha m"e sentada numa pedra
com a cabe‡a a abanar.
n"o acena, n"o faz nenhum sinal, pesa-lhe


tanto tempo dormiu que n"o acorda mais

Dormiu para que n¢s pudéssemos goza

Foram tempos feliz !


FAUSTO: De nada serve pedir, de nada

por isso ouso levar-te à for‡a.

MARGARIDA: Deixa-me! N"o, n"o tolero
[a viol‰ncia

N"o me agarres com modos assassinos

De resto fiz por amor tudo quanto pe

FAUSTO: Já amanhece! Meu amor!

MARGARIDA: É dia! Sim, nasce o dia
[ O meu £ltimo

Devia ser dia de casamento!

N"o digas a ninguém que já visitaste Margarida
Ai da minha coroa !

Agora mesmo foi que aconteceu
Ver-nos-emos de novo
Mas n"o no baile.
A multid"o comprime-se, a gente n"o a ouve
A pra‡a, as ruelas
n"o a podem conter.
O sino toca, parte-se a varinha.
Como me atam, e me levam !
Ja estou diante da guilhotina.
Já vibra sobre cada nuca
a lamina afiada que vibra sobre a minha
Fica o mundo calado como um t£mulo!

Fausto visita Margarida na prisao,
litografia de Delafroix, 1828

FAUSTO: Oh, quem me dera nunca ter
[nascido!
MEFISTÓFELES (surge do exrerior):
Vamos! Ou estais perdidos!
Receio, hesitac"o, conversa in£til!
Os meus cavalos impacientam-se.
o dia vem ai.

MARGARIDA: O que surge do ch"o?
Ele! Ele! Manda-o embora!
O que vem ele buscar ao lugar santo?
Vem-me buscar a mim!

FAUSTO: Tens de viver!

MARGARIDA: Juizo de Deus! A ti eu me
[entreguei!
MEFlST¢FELES (a Fausto):
Anda! Vamos! Ou deixo te ficar aqui com

MARGARIDA Sou tua, Pai! Salva-me!
Anjo! E vos, santas coortes
colocai-vos à volta para me preservar!
Henrique, causas-me horror!

MEFISTÓFELES Está julgada!

VOZ (de cima): Está salva!

MEFISIoFEIES (paraFausto): Vemcomigo!
(Desaparece com Fausto).


V0Z (de dentro, diminuindo): Henrique!
[Henrique!

SEGUNDA PARTE--ACTO V

GRANDE ÁTRIO DO PALACIO
ARCHOTES

Antologia

MEFISTÓFELES (à frente, como capataz):
Venham, venham! Entrem, entrem!
¢ lemures cambaleantes,
melas-naturezas remendadas
com tendões, nervos e ossadas!

LEMURES (em coro):
Acorremos imediatamente ao teu servi‡o,
e como semicompreendemos,
trata-se de um grande terreno
que vamos receber

Estacas pontiagudas ali est"o,
e a comprida corrente para medir;
por que raz"o fomos n¢s os chamados,
disso lá nos esquecemos.

MEFIST¢FELES: N"o se trata aqui de
[nenhum esfor‡o artístico;
procedei de acordo com as vossas medidas!
Que o mals comprido se estenda aqui no cháo,
v¢s outros erguei à sua volta a relva;

como se fez para os nossos pais,
cavai um buraco rectangular!

Do palácio para a casa estreita
é assim estupidamente que se acaba.


LEMURES (cauando com gestos de tro‡a):
Quando eu era 1ovem e vma e amava,

Pensava que tudo era t"o bom
onde houvesse m£sica alegria e par¢dia;
para lá se digiriam os meus pés


Agora a pérfidia velhice
tocou-me com a muleta;

tropecei na porta do t£mulo
por que razao, havia de estar aberta !

FAUSTO (saindo do palácio, tacteia na
ombreira da porta).
Como o tinir das enxadas me deleita!
É a multid"o que me serve,

que a terra consigo mesma reconcilia,
às ondas um limite estabelece,
o mar com la‡o estreito cerca.

67
MEFIST¢FELES (à parte):
Foi sòmente para n¢s que te esfor‡aste
com os teus diques, os teus cais
de antem"o preparando um festim
a Neptuno, o dem¢nio da água
De todas as maneiras estais perdidos;
os elementos est"o feitos connosco
e tudo acabará em destrui‡"o.

FAUSTO: Capataz!

MEFIST¢FELES: Estou aqui!

FAUSTO: Na medida do possível
arranja grupos de mais trabalhadores,
estlmula-os com prémios e rigor,
paga, seduz, aperta !
Todos os dias quero ser informado
de quantos metros avan‡a a escava‡"o.

MEFIST¢FELES (a meia voz):
Segundo me disseram, trata-se
nao de uma escava‡"o, mas de uma cova.

FAUSTO: Junto à montanha um pantano

[ se estende
empestando o espa‡o conquistado
secar também o fétido lameiro
seria a maior das realiza‡ões.
Abro espa‡os a milhões de pessoas
para viverem, n"o com seguran‡a, mas

[activas e livres.
Verdes os campos, e férteis; Homens e

[rebanhos
còmodamente sobre a nova terra
logo se instalam junto da colina,
que um povo audaz e activo revolveu.
Aqui no intenor um paraíso,
e se la fora as ondas até à borda se erguem
roendo-a, prontas a irromper, poderosas,
o esfor‡o comum leva a tapar a fenda.
Sim! A esta ideia me entregu~ei por completo,
que é da sabedoria a £ltima li‡"o:
S¢ merece liberdade e vida
aquele que diàriamente as tem de conquistar.
Assim passando, rodeado de perigos,
os anos da infancia, da maturidade e da
velhice.

Ilustra‡"o para a II parte do Fausto,
de na edi‡"o alem" de 1891

Gostaria de ver um formigueiro assim.
em terra livre viver com gente livre.
Ao momento que passa poderia dizer:
Demora-te, és t"o belo!
O rasto dos meus dias na Terra
n"o mais poderá desaparecer.
Antecipando-me a tal felicidade
desfruto agora do momento supremo.

(Fausto cai para trás, os lemures agarram
[e deitam-no no ch"o

MEFISTÓFELES: Nenhum prazer

[o satisfaz, nenhuma felicidade Ihe ba
persegue sempre as formas mais mutáveia
e o £ltimo momento, de todos o pior e nun
ca que o pobre deseja prolongar.
Daquele que tanta for‡a me opôs
é o tempo senhor, o velho jaz na areia.
O rel¢gio pára--

CORO: Pára! Cala-se como à meia-noite
O ponteiro cai.

MEFlST¢FELES: Cai, tudo acabou.

CORO: Tudo passou.

MEFIST¢FELES: Passou! Palavra sem
sentido.
Porqu‰ passou?
Passa1o e puro nada s"o a mesma coisa.
De que serve a cria‡"o eterna !
Se arrastamos para o nada a cria‡"o!
"Tudo passou"! Que se deve entender?
é como se nunca tivesse sido
move-se num círculo, como
se fosse.
Eu por mim preferia o eterno vazio.

IFIGÊNIA EM TÁURIDE:

a ALEGRIA DE Orestes que reencontra
Ifig‰nia, e os sábios conselhos
do amigo pilades.

ACTO III

ORESTES, IFIGÊNIA, PILADES

ORESTES: Também v¢s já para aqui
descestes?
Minha irm",boa sorte! Electra falta ainda:
que um deus bondoso no-la envie
com morte doce também ràpidamente.
A ti, pobre amigo, s¢ posso lamentar!
Vem! Vem connosco! Para o trono de Pluto
cumprimentá-lo como h¢spede novo

IFIGENIA: Irm"os, v¢s que no vasto Céu
a bela luz trazeis, de noite e de dia,
que n"o pode alumiar os que se foram,

irm"os, salvai-nos!
Tu, Diana, amas o teu irm"o gentil
mais do que o céu e a Terra,
e saldosa ainda da sua etema luz
curva para ele o teu rosto de virgem.
"o deixs o meu £nico irm"o, s¢ agora
encontrado
enfurecer-se nas trevas da loucura !
E se a inten‡"o que te levou a esconder-me

[ aqui
se realizou agora, se me queres, a mim por ele
e a ele por mim preciosa ajuda dar
liberta-o dos la‡os desta maldi‡"o
para que n"o se perca o tempo de o salvar

Antologia

PILADES: Estás a reconhecer-nos, e a este

[ bosque santo
e a esta luz, que n"o pertence aos mortos?
N"o sentes os bra‡os do amigo e da irm",
que ainda firmes e vivos te seguram?
Agarra-nos com for‡a: n"o somos sombras

[ vazias
Dá-me aten‡"o! Ouve o que digo! Toma
consci‰ncia! Cada instante é precioso.
Depende o nosso regresso dos ténues fios
que uma parca benigna pareoe estar tecendo.

ORESTES ( para Ifigenia):
Deixa-me pela primeira vez com o cora‡"o

[ liberto
sentir pura alegria nos teus bra‡os!
V¢s, Deuses, que com o poder do relampago
vossas pesa~das nuvens consumis
e graves as chuvas longamente pedidas
com vozes de trov"o e rajadas de vento
em torrentes selvagens sobre a terra abateis,
e logo a espera angustiada dos homens
em b‰n‡"o resolveis e o enorme espanto
em olhares alegres e gra‡as transformais
quando nas gotas que refrescam as folhas
o novo sol se espelha em mil reflexos,
e Íris de amigáveis cores com m"o leve
o véu cinzento rompe das derradeiras nuvens:
Oh, deixai-me também nos bra‡os da irm",
no peito do amigo, o que me concedeis,
com plena gratid"o gozar e conservar !
Diz-me o cora‡"o que o castigo acabou.
As Euménides fogem para o Tártaro
e trovejando batem os seus portões de bronze.
A terra exala um perfume agradável
e convida-me para, nas suas planícies,
me dedicar à vida e aos feitos grandiosos.

PILADES: N"o percais um tempo que e

[ contado !
O vento, que há-de soprar a nossa vela,
que leve por agora nossa plena alegria
aos deuses do Olimpo.
Vinde! Impõe-se aqui rápido conselho e
[decis"o.

69
Antologia

OS SOFRIMENTOS
DO JOVEM WERTHER

O encontro de Werther e Lotte no baile.
O tr gico suicidio do infelil namorado.

16 de junho (LivroI)

A conversa incidiu sobre o prazer de dan‡ar.
"Mesmo que esta paix"o seja um defeito--disse
Lotte--, confesso-lhe francamente que para
mim a dan‡a é o que h de melhor. E quando
alguma coisa me preocupa basta tamborilar no
meu piano desafinado uma contradan‡a para
que me volte a sentir bem."

Como eu me deleitava nos seus olhos negros,
enquanto convers vamos! Como os seus l bios
vivos e as faces coradas e frescas arrebatavam
toda a minha alma ! Eu, completamente mer-
gulhado no encantador sentido do seu discurso
muitas vezes nem sequer ouvia as palavras com
que ela se exprimia !--Podes fazer uma ideia
tal como me conheces. Em resumo, desci do
carro sonhando, quando par mos diante do
local da festa, e fiquei assim perdido nos sonhos
do mundo crespuscular quc me envolvia, a ponto
de mal ouvir a m£sica que vinha desde a sala
iluminada ao nosso encontro.

Os dois senhores Audran e um tal N. N.
(impossivel decorar todos os nomes!), que eram
os pares da prima e de Lotte, receberam-nos a
porta; eles ocuparam-se das suas damas e eu
acompanhei a minha até l cima.

Envolvemo-nos em minuetes; convidei uma
jovem a seguir à outra e as mais enfadonhas
eram precisa nente as menos capazes de estender
a m"o para acabar. Lotte e o seu par come-
‡aram uma dan‡a inglesa e calculas a minha
alegria quando chegou a vez de fazerem a
marca‡"o connosco. É preciso v‰-la a dan‡ar!
Sabes, ela entrega-se à dan‡a t"o completa-
mente, o seu corpo é de uma tal harmonia, e
fica t"o despreocupada, t"o natural, como se

70

na realidade a dan‡a fosse tudo para ela.
n"o pensasse em mais nada, n"o sentisse
nada; e tenho a certeza de que na altura a
seus olhos tudo o mais desaparece.

Convidei-a para a segunda contradan‡a
prometeu-me a terceira, e com a franqueza
am vel do mundo assegurou-me que gostava
imenso das dan‡as alem"s. "Aqui é moda
_ prosseguiu--que cada par do mesmo grupo
permane‡a junto na dan‡a alem", e o
companheiro valsa mal, e fica-me grato se eu

lhe poupar esta ma‡ada. A sua dama tambem
n"o sabe, e n"o gosta, e eu vi na inglesa que
voc‰ valsa bem; se quer ser o meu par na
alem" v ent"o pedir ao meu par e eu irei
ter com a sua dama". Dei-lhe a m"o para selar
o acordo e combin mos que o seu par, entre-
tanto, conversaria com o meu.

E depois come‡ou!, e n¢s divertimo-nos por um
momento a fazer evolu‡ões de bra‡os. Com que
encanto e ligeireza ela se movia !

Quando cheg mos à valsa e, tal como as esferas
come‡ mos a girar à roda uns dos outros, houver
de inicio alguma confus"o, porque poucos a
sabiam dan‡ar. Fomos inteligentes o esper mos
que acalmassem, e, quando os menos dot dos
deixaram o espa‡o livre come‡ mos n¢s, e dan-
‡ mos até ao fim com mais outro par, Audran
e a sua dama. Nunca me senti t"o leve. N"o
pertencia mais à humanidade. Ter nos bra‡os
a mais am vel das criaturas e voar com ela em
turbilh"o, até desaparecer tudo à nossa volta
e, Guilherme --para dizer a verdade--, fiz o
juramento que uma jovem que eu amasse, sobre
a qual tivesse direitos, nunca haveria de dan‡a
com mais ninguém a n"o ser eu, nem que por
causa disso eu tivesse de morrer. Compreen-
des-me !

Fizemos a passear zlguns passos na sala, para
descansar. Depois ela sentou-se, e as laranjas
que eu tinha posto de parte, as £ltimas que
sobravam, causaram excelente efeito, s¢ que a
cada bocado que ela dividia com uma indiscreta
vizinha era como se me cravassem um punhal
no cora‡"o.

Na terceira contradan‡a inglesa n¢s fomos os
segundos. Ao atravessarmos, dan‡ando, a fila,
estando eu, deves saber com que encanta-
mento, suspenso do seu bra‡o e dos seus
olhos, cuja express"o era a do mais puro,
mais franco, prazer, aproxim mo-nos de uma
mulher que j me tinha chamado a aten‡"o
devido a express"o gentil num rosto j n"o
muito novo. Olha sorrindo para Lotte, ergue
um dedo amea‡ador, e pronuncia o nome de
Alhel to por duas vezes, à nossa passagem, de
modo sign¡ficativo.

"Quen Alberto?--disse eu a Lotte--, se
n"o é indiscri‡"o perguntar. " Ela ia respon-
me quando nos tivémos de separar para

fazer um grande oito, e pareceu-me notar-lhe um
ar pensativo, quando nos cruz mos. "Para qu‰
mentir-lhe-- disse ela--, estendendo-me a m"o
para o passeio. Alberto é um bom homem
com quem eu estou por assim dizer compro-
metida" , isto para mim n"o era novidade
(pois as jovens tinham-me falado disso no cami-
nho) mas fez-me o efeito de uma not¡cia ines-
perada, porque eu ainda n"o tinha estabelecido
a rela‡"o entre ela e a jovem que em t"o
poucos momentos se tinha tornado t"o preciosa
para mim Enfim, fiquei perturbado, esqueci-
-me e vim passar entre o par errado, bara-
lhando tudo, e Lotte precisou de toda a sua
presen‡a de esp¡rito, puxando e empurrando,
para rapidamente voltar a ordenar tudo.

A dan‡a n"o tinha terminado quando os
relampagos que j h algum tempo se viam
brilhar no horizonte, e que eu sempre tomara
por descargas de trovoada, come‡aram a tor-
nar-se cada vez mais intensos, até que os
trovões cobriram o barulho da m£sica. Tr‰s
senhoras fugiram das filas, seguidas pelos seus
cavalheiros, a desordem tornou-se geral, e a
m£sica parou. É natural, quando uma infeli-
cidade, ou algo de terr¡vel nos surpreende no
meio do prazer, que fiquemos mais fortemente
impressionados do que o normal, em parte por
causa do contraste, que de modo t"o vivo se
faz sentir em parte ou mais ainda porque
os nossos sentidos, j abertos à sensibilidade,
mais depressa recebem uma impress"o. A estas
razões devo subscrever as figuras estranhas que
vi v rias senhoras come‡arem a fazer. A mais
inteligente sentou-se a um canto, de costas vol-
tadas para a janela, e tapou os ouvidos. Outra
ajoelhou-se diante dela, e escondeu a cabe‡a no
seu colo. Uma terceira deslizou entre ambas e
abra‡ou as suas irm"s debulhando-se em l gri-
mas. Algumas queriam ir para casa; outras,
sabendo ainda menos o que estavam a fazer,
n"o tittham animo suficiente para impedir o
atrevimento dos nossos jovens, que pareciam
muito ocupados a colher dos l bios das belas
afligidas todas as ora‡ões angustiadas destinadas
ao Céu. Alguns destes senhores tittham vindo
para baixo, fumar um cachimbo em sossego; e
o resto das pessoas n"o se opôs, quando a dona
da casa teve a boa ideia de nos indicar um
quarto com portadas e cortinas. Mal t3nhamos
chegado, quando Lotte come‡ou a dispor as
cadeiras em c¡rculo pedindo a todos que se sen-
tassern, para re fazer um jogo.

Houve muitos que, na esperan‡a de uma prenda
gostosa, fizeram boquinhas e se espregui‡aram.
"Jogamos a contar"--disse ela. Prestem aten-
‡"o ! Vou andar à volta da direita para a
esquerda, e voc‰s v"o tambem contando à volta,
cada um o n£mero que Ihe cabe, e isto deve ser
feito num ritmo muito r pido; e quem parar,
ou se enganar, recebe uma bofetada, e assim até
fazer mil". Foi muito engra‡ado. Ela ia andando
à roda com o bra‡o esticado. Um, come‡ou o
primeiro, dois, disse o vizinho, tr‰s, disse o
seguinte, e assim por diante. Depois ela come-
‡ou a andar cada vez mais depressa, cada vez
mais depressa; a¡ um enganou-se, paf!, uma
bofetada, e sobre o riso do seguinte outra vez
paf ! E cada vez mais depressa. Eu pr¢prio
recebi dois tabefes, e julguei notar, com fintimo
prazer, que eram mais fortes do que os que ela
tinha distribu¡do aos outros. Uma gargalhada
e uma excita‡"o geral puseram termo ao jogo,
ainda antes de se ter chegado aos mil. Os mais
intimos afastaram-se, a trovoada tinha passado,
e eu segui Lotte para o sal"o. De caminho ela
disse: "Com as bofetadas esqueceram o mau
tempo e tudo!" N"o Ihe pude responder nada.
"Eu era --continuou ela--, uma das mais
assustadas, mas ao fazer-me valente para incutir
coragem aos outros tornei-me corajosa." Puse-
mo-nos à janela. Trovejava ao longe, e a chuva
magn¡fica ca¡a sobre o campo e um cheiro
vivificante subia até n¢s em lufadas de ar
quente. Ela estava apoiada nos cotovelos, o seu
olhar percorreu a paisagem, depois olhou para
o céu, e para mim, e eu vi os seus olhos cheios
de l grimas; pôs a sua m"o na minha e disse:
"Klopstook!" Lembrei-me imediatamente da
magn¡fica ode em que ela estava a pensar, e
afundei-me na torrente de emo‡ões que ela fez
transbordar em mim com essa refer‰ncia. N"o
aguentei mais, curvei-me sobre a sua m"o e
beijei-a, chorando l grimas de felicidade. Vol-
tei de novo a olh -la nos olhos--oh, nobre
poeta ! Pudesses tu ter visto a tua diviniza‡"o
naquele olhar, e pudesse eu nunca mais voltar
a ouvir dizer o teu nome, tantas vezes pro-
fanado .

"Depois das onze" ( Livro II)

Est tudo t"o tranquilo à minha volta, e a
minha alma t"o calma. Agrade‡o-te, meu Deus,
por dares a estes ultimos momentos este calor,
esta for‡a.

Vou à janela, minha querida !, e olho, e vejo
amda, através das pesadas nuvens que passam,
as estrelas do Céu eterno. N"o, v¢s n"o caireis!
O eterno transporta-vos no seu cora‡"o. E a
mim. Vi a Ursa Maior, de todas as constela‡ões
a minha preferida. Quando à noite sa¡a de tua
casa, ao chegar ao port"o tinha-a defronte.
Com que embriaguez tantas vezes a olhei!
Quantas vezes, de m"os erguidas, a tomei por
simbolo, por marco divino da minha felicidade
de ent"o! E ainda, ¢ Lotte, tudo me faz pensar
em ti ! Est s à minha volta como em toda a
parte ! Como se fosse uma crian‡a, agarro em
mil pequenas coisas que tu, santa, tocaste com
as m"os !

Querida imagem ! :É a ti que a deixo, Lotte, e
pe‡o-te que a honres! Dei-lhe milhares e milha-
res de beijos, milhares de sauda‡ões ao sair ou
ao entrar em casa.
Pedi ao teu pai, num bilhetinho, que se

O suicidio de Werther, aguarela
contemporanea de autor an¢nitno

ocupasse do meu cad ver. No cemitério h duas
t¡lias, atr s, no canto que d para o campo; ai
gostaria eu de repousar. Ele pode fazer, ele
far isso pelo seu amigo. Pede-lho tambem
N"o quero exigir dos crist"os devotos que dei-
tem o seu corpo ao lado de um pobre infeliz
como eu. Ah, queria que me enterrassem à beira
do caminho, ou num vale solit rio, para que os
padres e levitas passassem benzendo-se diante
da pedra tumular, e os samaritanos vertessem
uma l grima.
Ouve Lotte! N"o estreme‡o ao pegar no horri-
vel e frio c lice do qual irei beber a vertigem
da morte ! Éis tu que mo estendes, e eu n"o
hesito. Acabou-se! Acabou-se! Assim se realizam
todos os desejos e esperan‡as da minha vida! Ir
bater t"o frio, t"o r¡gido, ao port"o de bronze
da morte. Se ao menos tivesse tido a felicidade
de morrer por ti! Sacrificar-me por ti, Lottel
morreria com coragem, com alegria, se pudesse
voltar a dar-te a paz e o prazer da vida. Mas ai!
S¢ a poucos eleitos foi permitido derramar a
seu sangue por aqueles que amavam, e com a
sua morte ati‡ar neles uma vida cem vezes
renovada.
Lotte, quero ser enterrado com estas roupas
que tu tocaste, santificaste; também o pedi a
teu pai. A minha alma paira sobre o caix"o
Que n"o me revolvam os bolsos. O la‡o-cor-de
-rosa que tinhas ao peito quando pela primeira
vez te encontrei rodeada pelas criancas-oh,
beija-as mil vezes e conta-lhes o destino do seu
infeliz amigo. Os queridos! Agitam-se à minha
Volta! ai como eu me prendi a ti! desde o
primeiro momento que n"o te podia deixar!
Este la‡o dever ser enterrado comigo. Ofe-
receste-mo no meu dia de anos ! Com que
avidez recebia tudo ! Ah, n"o pensava que o
caminho me levaria até aqui! Tem calma!
pe‡o-te que tenhas calma!...

Est"o carregadas... Batem as doze! Pois seja!
Lotte ! Lotte ! adeus ! adeus !

Um vizinho viu o brilho da p¢lvora e ouviu
o estampido; mas como tudo estava sossegado,
n"o prestou mais aten‡"o.

No dia seguinte às seis da manh" o criado
entra com a luz. Encontra o seu amo por terra,
a pistola, o sangue. Chama por ele, agarra-o;
nao h resposta, apenas um estertor. Corre a
buscar médicos, vai a casa de Alberto. Lotte
ouve tocar a campainha, um arrepio percorre
todos os seus membros. Acorda o marido, levan-
tam-se, o criado d a not¡cia solu‡ando, Lotte
cai sem sentidos aos pés de Alberto.

Quando o médico chegou junto do infeliz
encontrou-o cstendido no ch"o, sem salva‡"o
poss¡vel. O pulso batia, os membros estavam
todos paralisados. Ele tinha disparado sobre o
olho direito, a bala atravessara-lhe a cabe‡a,
o cérebro saltara fora. Por descargo de cons-
ci‰ncia abriram-lhe uma veia do bra‡o, o san-
gue corre, ele continuou a respirar.

Pelo sangue que manchava as costas da pol-
trona podia-se concluir que tinha disparado sen-
tado à mesa, e que depois ca¡ra rolando convul-
sivamente à volta da cadeira. Jazia contra a ja-
nela, prostrado, de costas, completamente vestido,
cal‡ado na sua casaca azul com colete amarelo.
A casa, a vizinhan‡a, a cidade, encheram-se
de agita‡ao. Alberto chegou. Tinham deitado
Werther na cama, estava com a fronte ligada,
o rosto j como o de um morto, sem mexer
nenhum membro. O horr¡vel estertor dos pul-
mões ainda continuava, ora mais forte, ora mais
fraco; esperava-se o seu fim.

Do vinho ele tinha bebido apenas um copo.
O drama Em¡lia Galotti estava aberto sobre
a escrivaninha.

Prefiro n"o falar na consterna‡"o de Alberto,
na dor de Lotte.

O velho bailio, ao saber a not¡cia, montou no
cavalo e veio logo a galope, beijou o moribundo
chorando l grimas ardentes. Os seus filhos mais
velhos chegaram a seguir, a pé, ca¡ram de joe-
lhos junto a cama, exprimindo a mais violenta
dor, beijaram-lhe as m"os e a boca, e o mais
velho, que fora sempre o seu preferido, per-
maneceu com os l bios colados aos seus até
Werther expirar, e tiveram que o separar dele
à for‡a. Era meio-dia quando morreu. A pre-
sen‡a do bailio e as medidas que el~e tomou
impediram qualquer tumulto. A noite, por volta
das onze, mandou-o enterrar no local que
escolhera. O velho seguia o caix"o com os seus
filhos. Alberto n"o o pôde fazer. Receava-se
pela vida de Lotte. Eram trabalhadores que o
levavam. Nenhum padre o acompanhou.

A VIAGEM
A ITÁLIA
Roma, os passeios arquel¢gicos,
os amigos pintores, o carnaval romano,
e o jardim botânico de Palermo.

Roma, I de Novemhro de 1786

Finalmente posso quebrar o sil‰ncio e cumpri-
mentar com satisfa‡"o os meus amigos. Que
me perdoem o segredo desta subterranea via-
gem até aqui. Eu mal ousava dizer a mim
mesmo para onde ia, mesmo a caminho ainda
receava, e s¢ ao chegar à Porta del Popolo
tive a certeza de estar em Roma.

E deixem-me dizer ainda que pensei mil vezes,
que penso constantemente em v¢s ao contemplar
Antologia

todas as coisas que nunca julguei ver sòzinho.
Como vi todos presos de corpo e alma ao norte,
sem interesse por estas regiões, pude decidir-me
a fazer um longo e solit rio caminho e pro-
curar o cen~ro para o qual uma imperiosa
necessidade me atra¡a. Sim, nos £ltirnos anos
isto tomou-se uma espécie de doen‡a, da qual
sòmente a presen‡a e a contempla‡"o me pode-
riam curar. Agora posso confess -lo; por fim
j n"o podia ver nenhum livro em latim,
nenhum desenho de uma paisagem italiana.
A ansia de ver esta terra era demasiada: agora
que est satisfeita, volto a amar de novo os
amigos e a P tria, e a desejar o regresso, a dese-
j -lo tanto mais quanto mais seguramente sinto
que n"o trago tantos tesouros s¢ para uso
pr¢prio, mas para que me sirvam, a mim e aos
outros, pela vida fora, de guia e incentivo.

Roma, I de Novembro de 1786

Sim, cheguei finalmente a esta capital do
mundo! Se a pudesse ter visto h muitos anos,
em boa companhia, guiado por um homem de
alta compreens"o, ter-me-ia considerado feliz.
Mas para a ver e visitar sòzinho, com os pr¢-
prios olhos, é bom que esta alegria me tenha
sido concedida t"o tarde.

No Tirol passei quase a voar. Verona, Vicenza,
P dua, Veneza, vi bem. Ferrara, Cento, Bo-
lonha, vi à pressa, e Floren‡a quase nem vi.
A ansia de chegar a Roma era t"o grande,
crescia de tal maneira a cada instante, que eu
n"o podia demorar-me, e parei sòmente tr‰s
horas em Floren‡a. Agora estou aqui, tranqui-
lamcrlte, e segundo parece tranquilizado para o
resto da vida. Pois pode-se bem dizer que uma
nova vida come‡a quando a gente v‰ o todo
com olhos que, em parte, o conhecem por dentro
e por fora. Vejo agora como se fossem vivos
todos os sonhos da minha juventude; as pri-
meiras gravuras de que me lembro (o meu pai
tinha os prospectos de Roma pendurados numa
antecamara), vejo-as agora de verdade, e tudo
o que eu j de ha muito conhecia em quadros
e desenhos, gravuras de cobre e de madeira, em

74

gesso e corti‡a, esta agora reunido diante de
mim; onde quer que v encontro um velho
conhecido num mundo novo; é tudo como eu
imaginava, e tudo novo. O mesmo posso dizer
das minhas observa‡ões, das minhas ideias n"o
tive nenhum pensamento completamente novo
nem achei nada de completamente estranho, mas
os velhos tornaram-se t"o seguros, t"o vivos
t"o coerentes, que bem podem considerar-se
novos.
Quando Elisa, do Pigmale"o, que ele formara
segundo o seu desejo, e dando-lhe toda a ver-
dade e vida de que era capaz, finalmente se
aproximou dele e disse: "aqui estou!" que
diferen‡a havia entre a pessoa viva e a pedra
esculpida !
É-me também salutar, do ponto de vista moral
viver entre um povo completamente sensual
sobre o qual tanto se diz e se escreve, a ponto
de cada estrangeiro o julgar segundo o seu pr¢-
prio critério. Perdoo a quem o critica e con-
dena; pois est demasiado afastado de n¢s e,
tomar contacto com ele como estrangeiro é
fatigante e dispendioso.

Roma, 7 de Novembro

H .sete dias que aqui estou, e pouco a pouco
forma-se na minha alma a ideia geral desta
cidade. Andamos por todo o lado, aprendo a
conhecer a planta da velha e da nova Roma
contemplo as ruinas, os edif¡cios, visito uma e
outra villa, e as coisas mais not veis s"o tra-
tadas com muita lentid"o, abro s¢ os olhos
vejo e vou-me embora e depois volto, pois uma
pessoa s¢ em Roma se pode preparar sobre
Roma.
Confessemos no entanto que e penoso e triste
andar a desenterrar a velha Roma da nova, mas
é preciso faz‰-lo, e espera-se obter no fim uma
inestim vel satisfa‡"o. Encontram-se vesttigios
de uma magnific‰ncia e de uma destrui‡"o que
ultrapassam tudo o que se pode imaginar.
O que os b rbaros deixaram ficar em pé des-
tru¡ram-no os construtores da nova Roma.
Quando se considera uma exist‰ncia assim,
ve!ha de dois mil anos ou mais, alterada pela
mudan‡a dos tempos de um modo t"o variado
e t"o prorfundo e mantendo apesar de tudo o
mesmo solo, mesmas montanhas, muitas vezes
até as mesmas colunas e paredes, e no povo os
vest¡gios do antigo car cter, isso faz com que
nos tomentos contemporaneos dos grandes de-
s¡gnios do destino, e assim se torna inicial-
mente dif¡cil para aquele que contempla vis-
lumbrar como Roma se segue a Roma, e n"o
apenas a velha cidade à nova, mas também as
diferentes ep¢cas da velha e da nova umas às
outras. Procuro primeiramente descobrir sòzinho
o ponto meio escondido, s¢ depois os belos tra-
balho de inicia‡"o se tornam £teis. Pois desde
o século quinze até aos nossos dias artistas e
s bios de grande importancia t‰m dedicado a
sua vida a esses assuntos.

E esta presen‡a influencia-nos em sil‰ncio,
quando nos apressamos pela cidade, para n"o
perder os mais belos monumentos. Noutros
s¡tios é prcciso procurar os mais significativos,
aqui somos oprimidos, ficamos repletos deles.
A medida que se anda, e se p ra, v‰-se uma
paisagem que inclui todos os géneros, pal cios
e ru¡na, jardins e mato, vastid"o e estreiteza,
casinhas, estabulos, arcos de triunfo e colunas,
muitas vezcs tudo t"o perto que poderia ser
desenhado numa s¢ folha. Seriam necess rios
mil l pis- para o escrever. Uma pena n"o chega!
e depois à noite estamos cansados, e fartos de
o!har e de admirar.

7 de Novembro de 1786

Perdoem-me os amigos, se daqui em diante me
acharem lacônico; enquanto se viaja apanha-se
no caminho o que se pode, e cada dia traz algo
de novo, cada pessoa apressa-se a pensar nisso
e a fazer o seu ju¡zo. Mas aqui é como se che-
g sscmos a uma grande escola, onde um dia
nos diz tanto que n¢s n"o podemos ousar
dizer nada desse dia. Sim, era bom que as
pessoas, demorando-se aqui alguns anos, obser-
vasscm um sil‰ncio pitag¢rico.

Antologia

No mesmo dia

Sinto-me muito bem. O tempo est como dizem
os Romanos: brutto, sopra um vento de meio-
-dia, scirocco, que diàriamente traz mais ou
menos chuva; mas n"o posso achar desagrada-
vel este tempo, porque é quente, como entre
n¢s n"o s"o os dias de chuva do Ver"o.

7 de Novembro

Aprendo a conhecer e a apreciar cada vez mais
os talentos de Tischbein bem como os seus
prop¢sitos e as suas opiniões em matéria de
arte. Apresentou-me os seus desenhos e esbo‡os,
que d"o e prometem muito de bom. (com a
estada em casa de Bodmer os seus pensamentos
sobre os primeiros tempos da ra‡a humana
foram levados a épooa em que esta se encontrou
instalada na Terra, com a miss"o de se tornar
senhora do mundo.

Como introdu‡"o brilhante a um todo ele tentou
representar de modo vis¡vel a época mais antiga
do mundo. Montanhas com magn¡ficas flores-
tas, precip¡cios cortados por regatos, vulcões
extintos, fumegando apenas ligeiramente.

Palermo, 17 de Abril de 1787

É uma verdadeira infelicidade ser perseguido e
tentado por esp¡ritos de todo o género! Hoje
de manh" cedo sai para o jardim p£blico com
o prop¢sito firme e tranquilo de prosseguir com
os meus sonhos poéticos, mas antes que desse
por isso um outro fantasma me assaltou, que
j nestes £ltimos dias me perseguira. As nume-
rosas plantas qwe eu antes estava habituado a
ver sòmente em caixas e vasos, sim, na maior
parte do ano sòmente por tr s dos vidros das
janelas, apresentam-se aqui alegres e frescas ao
ar livre, e enquanto cumprem com exactid"o
o seu destino, tornam-se para n¢s mais com-
preens¡veis. Perante tantas formas novas, e reno-
vadas, ocorreu-me de novo a velha mania, se
n"o seria poss¡vel eu descobrir nesta abundancia
Antologia

a planta primordial. Pois ela deve certamente
existir! Sen"o, como reconheceria eu que esta
ou aquela forma é uma planta, se n"o fossem
todas formadas a partir de um modelo?

Esforcei-me por descobrir em que aspectos as
muitas formas divergentes se distinguiam umas
das outras. E sempre as encontrei muito mais
parecidas do que distintas, e qu,ando queria
ap]icar a mlinha terminologia botanica conse-
guia faz‰-lo, mas n"o era um trabalho produ-
tivo, tornava-me inquieto sem realmente me
ajudar. O meu bom prop¢sito poétioo ficou
perturbado, o jardim de Alcino desapareceu
abrira-se diante de mim o jardim do mundo.
Por que raz"o seremos n¢s, modernos, t"o dis-
persos, porque nos deixamos seduzir por pro-
blemas que n"o podemos abarcar nem resolver!

DO CARNAVAL DE ROMA

As m scaras

Agora come‡a a aumentar o n£mero de m sca-
ras. Jovens vestidos com fatos de mulheres da
classe mais baixa, com o peito à mostra e uma
auto-sufici‰ncia cheia de ·ulgaridade é o que
se v‰ em primeiro lugar. Fazem festas aos
homens com que se cruzam, tratam as mulheres
com confian‡a, como suas iguais, e entregam-se
a tudo o que o humor, a gra‡a ou o mau gosto
Ihes sugerem.

Lembramo-nos, entre outras coisas, de um jovem
que representava muito bem o papel de uma
mulher apaixonada, briguenta, e que n"o havia
maneira de acalmar, e que durante todo o corso
barafustou metendo-se com toda a gente,
enquanto o seu companheiro parecia esfor‡ar-se
a todo o custo por a apaziguar.

Aqui vem um polichinelo a oorrer, trazendo à
roda das ancas um grande chifre com fitas colo-
ridas.

Através de um certo gesto, enquanto fala com
as mulheres, sabe atrevidamente imitar, na
Santa Roma, a figura do velho deus da vege-
ta‡"o, e a sua leviandade provoca mais gozo
do que .Iborrecimento. Aqui vem outro do

76

mesmo género, que, mais modesto e satisfeito
traz consigo a sua bela cara-metade.

Porque as mulheres t‰m o mesmo prazer em
exibir-se vestidas de homens que os homens

em mostrar-se vestidos de mulheres, n"o perde-
ram a ocasi"o de se masoarar com o popular
trajo de Polichinelo, e é preciso reconhece que
conseguiram, nesta forma amb¡gua, ter muitas
vezes grande interesse.

Com passo apressado, declamando como num
tribunal, um advogado abre caminho ente a

multid"o; grita para as janelas, agarra mas-
carados e n"o mascarados que passeiam, amea‡a

todos com um processo, ora conta a um uma
longa hist¢ria de crimes r¡diculos que ele teria
cometido, ora faz a outro uma especifica‡ões
precisa das suas d¡vidas. Descompõe as mulheres

por causa da sua cicisbeia, as jovens por
causa dos namorados, consulta um livro que
traz consigo, produz documentos, e tudo isso
com uma voz penetrante e lingua gil. Procura
oonfundir e envergonhar todos. Quando se
julga que vai parar, recome‡a outra vez do
princ¡pio; quando se pensa que se vai embora
volta atr s; h um que ele deixa passar sem
lhe dizer nada, e h outro que j passou, e a
quem ele se agarra; mas se um colega vem ao
seu encontro, ent"o a maluqueira atinge o ponto
m ximo.

Mas n"o conseguem conservar muito tempo a
aten‡"o do p£blico; a impress"o mais louca

é logo absorvida pela quantidade e pela diversi-
dade existentes.

Os Quacqueri n"o fazem tanto barulho como os
advogados, mas t‰m o mesmo sucesso. O dis-
farce dos Ouacqueri parece ter-se tornaddo t"o
popular pela facilidade com que se podem
encontrar trajos antiquados na feira da ladra
Os principais requisitos cdeste disfarce s"o que
a roupa seja na verdade antiquada, mas bem
cortada e de tecido bom. É raro n"o serem
de veludo ou de seda, com casacos de brocado,

ou bordados, e o quacquero tem de ser de esta-
tura corpulenta, a m scara do rosto é inteira
com bochechas e olhos pequenos; a perruca é
cheia de carac¢is estranhos; o chapéu é pequeno
e em geral com abas.
Gravura para o Carnaval Romano,
prieira edi‡"o, 1789

V‰-se quc esta figura se aproxima muito do
Buffo caricato da ¢pera cômica, e como este na
maior parte das vezes representa um tolo imbe-
cil apaixonado e enganado, também os quacqueri
se apresentam como janotas de mau gosto. Sal-
tam com a maior ligeireza para c e para l
nos bicos dos pes, trazem grandes aros pretos
sem vidro em vez do lorgnon, oom que esprei-
tam para dcntro de todos os carros, com que
olham para to:las as janelas. Usualmente fazem
uma vénia profunda e empertigada, e quando se
encontram ~ms aos outros d"o a conhecer a
sua alegria saltando v rias vezes com os pés
junto e soltando um som claro, penetrante
inarticulado, quc se aproxima das consoantes
brrr.

Muitas vezes este som serve-lhes de sinal, e os
mais pr¢ximos respondem ao sinal, de modo
que em pouco tempo ele come‡a a percorrer
para tras e para diante o cortejo todo.

Rapazes travessos sopram entretanto em gran-
des conchas sinuosas, ferindo os ouvidos com
sons insuport veis.

Em hreve se come‡a a ver que, devido à falta
de espaco e à semelhan‡a de tantos disfarces
(pois deve haver v rias centenas de polichine-
los, e uma centena de guaqueri passeando no
cortejo), poucos podem pensar em chamar a
atenc"o ou em se tornarem notados. Também

Antologia

teriam, de resto, de aparecer no corso bas-
tante cedo. Normalmente saem de casa somente
para se divertir, para dar largas à sua loucura
e para gozar ao m ximo a liberdade destes dias.
S"o sobretudo as jovens e as mulheres que
nesta altura procuram e sabem divertir-se a seu
modo. Cada uma o que quer é sair de casa,
mascarar-se seja do que for, e embora sejam
poucas as que podem entrar em grandes des-
pesas, todas s"o suficientemente engenhosas para
descobrir v rias maneiras de se esconder, mais
do que de se enfeitar. Muito f ceis de conse-
guir s"o as m scaras de mendigos e mendigas;
precisa-se sobretudo de bonitos cabelos, depois
de uma mascara para o rosto completamente
branca, de um potezinho de barro com uma
fita colorida, um bast"o e um chapéu na m"o.
Elas põem-se com ar humilde debaixo das jane-
las, e aproximam-se das pessoas, e recebem
em vez de esmolas dosarias, nozes e o mais que
lhes podem dar por cortesia.

Outras simplificam ainda mais, envolvem-se em
peies ou aparecem num trajo caseiro sòmente
com m scaras no rosto. V"o em geral sem
homens, e servem-se de uma vassourinha feita
oom folhas de junco como arma de ataque e de
defesa, com qwe umas vezes afastam os intro-
metidos, e outras vezes também, cheias de tra-
vessura, agitam na cara de conhecidos e desco-
nhecidos que passam por elas sem estarem
mascarados .

Quando alguém, para quem elas se viraram, cai
no meio de quatro ou cinco dessas raparigas,
n"o tem mais possibilidade de salvar-se. A mul-
tid"o impede-o de fugir, e para qualquer lado
que se vire l tem ele as vassourunhas debaixo
do nariz Voltar-se a sério contra estas ou outras
maluquices seria muito perigoso, porque as m s-
caras s"o inviol veis e todos os guardas t‰m
ordem de as defender.

Podem igualmente servir de disfarce todos os
trajes, de qualquer cacegoria social. Passam
mo‡os de cavalari‡a com as suas grossas esco-
vas, para esfregar as costas de quem Ihes ape-
tece. Os vetturini oferecem os seus servi‡os com
a impertin‰ncia qwe Ihes é habituaL Mais gra-
ciosas sao os disfarces de camponesas de frasca-

Antologia

tane, de pescador, de marinheiro e esbirro
napolitano, e de grego.

Frequentemente v‰m-se imita‡ões de m scaras
do teatro. H pessoas que simplificam, servindo-
-se de tapetes ou de len‡¢is em que se embru-
lham, atando-os sobre a cabe‡a. Os vultos bran-
cos normalmente atravessam-se no camunho dos
outros e saltam a sua frente, julgando desta
maneira imitar um fantasma. Algumas m scaras
distinguem-se pela estranheza do arranjo, mas
o tabarro é sempre tido como o mais nobre
disfarce, precisamente porque n"o d nas vistas.
As m scaras humor¡sticas e sat¡ricas s"o muito
raras, porque pretendem atingir um objectivo e
como tal desejam ser notados. No entanto vimos
um polichinelo disfar‡ado de cornudo. Os cornos
eram m¢veis, ele podia faz‰-los entrar e sair
como um caracol. Quando passava sob a janela
de uns recém-casados, e s¢ deixava aparecer um
bocadinho de um corno, ou quando passava
por outro e esticava os dois cornos a todo o
comprimento, fazendo tilintar os guizos atados
na ponla, logo o p£blico divertido prestava
aten‡"o, e muitas vezes ria à gargalhada.

Um feiticeiro mistura-se com a multid"o, mos-
tra às pessoas um livro com n£meros, e lem-
bra-lhes a sua paix"o pelo jogo do loto.

H um que surge com duas caras no meio da
multid"o: n"o se consegue saber qual é a sua
parte da frente e qual é a sua parte de tr s,
se ele est a vir ou a ir.

Também o estrangeiro tem, durante estes dias
de se deixar gozar. As longas vestes dos n¢r-
dicos, os grandes botões, os estranhos chapéus
redondos impressionam os Romanos, e assim
o estrangeiro se torna para e:es uma m scara.

Como os pintores estrangeiros, sobretudo os que
estudam paisagens e monumentos, publicamente
por toda a cidade se sentam a desenhar--tam-
bém s"o muito representados no cortejo carna-
valesco, exibindo-se com grandes carteiras, lon-
gos surtouts e gigantescos tira-linhas, com ar
muito ocupado.

Os padeiros alem"es exibem-se em Roma fre-
quentemente b‰bedos, e s"o também represen-
tados no seu traje vulgar ou algo enfeitado.

78

cambaleando, com uma garrafa de Vinho na
m"o.
Lembramo-nos de uma s¢ m scara alusiva
Devia-se erguer um obelisco diante da Igreja
Trinità dei Monti. O p£blico n"o estava muito
satisfeito com isso, em parte porque a pra‡a
é estreita e em parte porque teria de se colocar
um pedestal muito alto sob o obelisco para
lhe dar uma certa altura. Assim ocorreu a
alguém a ideia de trazer como boné um grande
pedestal branco sobre o qual estava preso um
pequenino obelisco avermelhado. No pedestal
havia umas letras grandes cujo sentido talvez so
poucos tenham percebido.

OS ANOS
DE APRENDIZAGEM
DE WILHELM MEISTFR

Prepara-se o Hamlet de Shakespeare;
dificuldades devido à falta de actores

LIVRO V--CAPfTULO Vl

Embora com a nova prepara‡"o do "Hamelet"
muitas personagens tivessem sido eliminadas
o seu n£mero era ainda excessivamente grande
e a companhia quase que n"o chegava.

"Se isto continua assim--disse Serlo--, até o
nosso ponto ter de sair do seu buraco e deam-
bular entre n¢s, representando um papel." "J
muitas vezes o admirei ali no seu lugar"-- res-
pondeu Guilherme.

"N"o creio que haja um ponto mais capaz do
que ele"--disse Serlo.--N"o h nenhum es-
pectador que o oi‡a; e n¢s no palco percebemos
cada silaba. Ele criou uma voz pr¢pria para
esse fim e e como um genio que na nossa afli‡"o
nos vale, ciciando distintamente. Sente qual a
parte do papel que o actor sabe completamente
de cor, e presscnte de longe o momento em que
a sua mem¢ria o abandonar . Nalguns casos em
que eu mal tivera tempo dle ler os textos ele
dizia-mos palavra a palavra, e eu representava-os
com felicidade, mas tem coisas estranhas que
para qualquer outro o tornariam in£til: parti-
cipa de tal modo nas pe‡as que nos momentos
pateticos n"o é capaz de declamar sem express"o
e e sempre cmocionado que recita. Ja mais de
uma vez me fez enganar por causa desse
v¡cio. "

"Também a mim--disse Aurélia--com outra
das suas peculiaridades uma vez me deixou em
falso mun momento muito perigoso."

"Como que isso foi poss¡vel, se ele é t"o
atento" perguntou Guilherme.

"Em certas alturas--respondeu Aurélia--ele
comove-se tanto que chora l grimas amargas e
descontrola-se por completo durante alguns mo-
mentos e é que n"o s"o nada os tais momentos
comovedores que o põem naquele estado; s"o,
se assim me posso exprimir, os momentos belos,
nos quais o puro esp¡rito do poeta melhor se
contemplar, momentos com que sòmente
n¢s nos regozijamos, e que aborrecem a grande
maioria dos espectadores."
É porque n"o representa ele, se tem uma alma
t"o sens¡vel?"

"uma voz rouca e um andar rigido excluem-no
do palco, e a sua natureza hipocondr¡aca ex-
clui-o da companhia"--retorquiu Serlo. "Que
trabalh"o me ter dado a faz‰-lo habituar-se a
mim em v"o . Ele l‰ muit¡ssimo bem, como
nunca na minha vida ouvi; ninguém
como ele mantem a ténue diferen‡a existente
entre a declama‡"o e a recita‡"o emocionada."
"Achei! - exclamou Guilherme--, achei! Que
feliz descoberta! J temos o actor que nos vai
recitar o papel do rude Pyrrhus."
"É preciso ter uma paix"o igual à vossa--res-
pondeu Serlo--para saber utilizar tudo para
seu fim "

"É eu estava com uma enorme
preocupa‡"o- exclamou Guilherme--por ter

Antologia

de retirar este papel, mutilando assim o texto
todo."

"Com isso é que eu n"o concordo"--retorquiu
Aurélia.

"Espero que em breve seja da minha opini"o"
--disse Guilherme.--Shakespeare utiliza a
chegada dos actores com uma dupla finalidade.
Em primeiro lugar o homem que declama a
morte de Pr¡amo com tanta como‡"o impres-
siona profundamente o pr¢prio pr¡ncipe; des-
perta a consci‰ncia do homem jovem, indeciso:
e esta cena transforma-se assim no prel£dio
daquela em que a pequena pesa tanta impress"o
causar no rei. Hamlet sente-se envergo-
nhado através do actor que participa intensa-
mente de uma paix"o alheia, imaginada, e a
ideia de actuar do mesmo modo sobre a cons-
ci‰ncia do padrasto imediatamente Ihe ocorre.
Que extraordin rio mon¢logo, aquele que ter-
mina o segundo acto! Como gosto de o recitar:
"Oh, que patife, que miser vel escravo eu sou!"
--N"o é monstruoso que este actor consiga s¢
pela for‡a da imagina‡"o, de uma paix"o so-
nhada, constranger a alma segundo a sua von-
tade, a ponto de a como‡"o fazer empalidecer
todo o seu rosto: l grimas nos olhos! Perturba-
‡"o nos gestos! Voz quebrada! Todo o seu ser
oprimido por um sentimento ! E tudo isto por
nada !--por Hecuba !--O que é Hécuba para
ele ou ele para Hécuba, para que ele tenha de
chorar por ela?"

"Ainda é preciso que possamos trazer o nosso
homem para o palco ! "--disse Aurélia.

"Temos --respondeu Serlo-- de o introduzir
pouco a pouco. Nos ensaios e'e pode ir lendo
os textos, e n¢s dizemos que aguardamos um
actor que os dever representar, e assim vamos
vendo como nos poderemos aproximar mais
dele. "

Depois de ficarem de acordo sobre este ponto,
a conversa desviou-se para o fantasma. Gui-
lherme n"o podia decidir-se a entregar o papel
do rei vivo ao pedante, para que o colérico
pudesse representar o fantasma, e dizia que
deviam esperar ainda algum tempo para que
mais alguns actores se apresentassem e se
pudesse entre eles encontrar o homem adequado.

79
Pode calcular-se o espanto de Guilherme quando
nessa nolte encontrou sobre a sua mesa, selado
com estranhos caracteres e endere‡ado ao seu
nome de teatro, o seguinte bilhete:

"Tu est s, maravilhoso jovem, como o sabe-
mos, num grande embara‡o. Mal podes arran-
jar homens para o teu Hamlet, quanto mais
fantasmas. O teu fervor merece um milagre;
milagres nao podemos fazer, mas algo de mara-
vilhoso acontecer . Se tiveres fé, à hora certa
o fantasma aparecer ! Tem coragem e perma-
nece tranquilo. N"o é necess rio resposta, a
tua decis"o ser-nos- dada a conhecer."

Com este estranho papel apressou-se a ir ter
com Serlo, que o leu e releu, e finalmente, com
ar pensativo, assegurou que se tratava de uma
coisa importante; era necess rio reflectir muito
bem se podlam ou n"o arriscar-se. Falaram
muito dos pr¢s e dos contras; Aurélia estava
calada e sorria de vez em quando, e passados
alguns dias, como o assunto voltasse de novo à
baila, deu claramente a entender que considerava
aquilo uma partida de Ser'o. Pediu a Guilherme
que n"o se preocupasse e esperasse tranquila-
mente o fantasma

Serlo andava muito bem disposto; porque os
actores que se iam embora esfor‡avam-se ao
maximo por representar bem, para que se sen-
tisse a sua falta, e da curiosidade do p£blico
sobre a nova companhia ele também podia
esperar as melhores receitas.

Até as rela‡ões com Guilherme tinham tido so-
bre ele alguma influ‰ncia. Come‡ou a falar mais
de arte, pois era ao fim e ao cabo um alem"o,
e esta na‡ao gosta de prestar contas daquilo
que faz. Guilherme tomou nota de muitas des-
sas conversas; mas, como n"o podemos inter-
romper tantas vezes a narra‡"o, noutra altura
referiremos, para os leitores interessados, estas
tentativas de cr¡tica dramatica.

Certa noite estava Serlo especialmente bem
dlsposto, ao falar do papel de Polonius, e de
como pensava represent -lo. "Desta vez pro-
meto--d~sse ele--dar o melhor poss¡vel a
ideia de um homem digno; representarei a segu-
ran‡a e a tranquilidade, a futilidade e a im-
portancia, o a-vontade e a falta de gosto, a

Ilustra‡"o para o Wilhelm Meist
de uma edi‡"o de 1870

liberdade e a aten‡"o, a travessura sincera e
verdade mentirosa que Ihe s"o pr¢prias, nas
alturas devidas. Falarei como um livro quando
me tiver preparado, e como um tolo quando
estiver de bom humor. Serei ins¡pido para agra-
dar a toda a gente, e suficientemcnte subtil para
n"o reparar quando as pessoas fizerem tro‡a de
mim. Poucas vezes tenho tido um papel que
me d‰ tanto prazer, e me divirta tanto."
"Se eu ao menos pudesse esperar tanto do
meu--disse Aurélia.--N"o tenho nem juven-
tude nem moleza bastante para me reconhecer
nesta personagem. S¢ sei de uma coisa infe-
lizmente: O sentimento que transtorna a cabe‡a
de Ofelia n"o h meio de me deixar."

"N"o devemos ser assim t"o meticulosos-- disse
Guilherme--; o meu desejo de representar
o Hamlet conduziu-me, na realidade, e apesar
de todo o estudo da pe‡a, aos maiores erros.
Quanto mais me compenetro do papel mais
vejo que em todo o meu comportamento n"o
h nem um tra‡o do car cter com que Sha-
kespeare apresenta o seu Hamlet. Quando
reflicto sobre isso, oomo tudo no papel se rela-
ciona com precis"o, atrevo-me apenas a desejar
produzlr um efeito razo vel."

"Est a iniciar com muita consci‰ncia a sua
carreira--retorquiu Serlo.--O actor adaptar-se
ao seu papel como pode, e o papel adaptar-se
a ele como deve. Mas como concebeu Shakes-
peare o seu Hamlet? Ser de facto assim t"o
diferente de si?"

"Antes de mais nada, Hamlet é loiro", respon-
deu Guilherme.

"Isso é o que eu chamo exagero--disse Auré-
lia.-- Donde tira essa conclus"o?"

"como dinamarqu‰s, como n¢rdico, é loiro por
natureza, e tem olhos azuis."
"E Shakespeare ter pensado nisso?"

"N"o h nada claramente expresso, mas em
liga‡"o com outros passos parece-me ineg vel.
Esgrimir é-lhe penoso, o suor escorre-lhe do
rosto, e a rainha diz: "Ele é gordo, deixem-no
recupcrar o fôlego." Ser poss¡vel imagin -lo
sem ser louro e bem avantajado? Pois os more-
nos na sua juventude raramente s"o assim.
E a sua melancolia hesitante, a sua mole tris-
teza, a sua activa indecis"o, n"o se adequam
melhor a uma tal personagem do que a um
jovem esbelto de cabelo escuro, de quem se
esperava mais decis"o e agilidade?"

"Estais-me a corromper a imagina‡"o--excla-
mou Aurélia--, retirai o vosso gordo Hamlet!
N"o nos apresenteis o vosso corpulento pr¡ncipe!
Dai-nos antes um quiproqu¢ qualquer que nos
atraia, que nos comova. A inten‡"o do autor
n"o nos interessa tanto como o nosso prazer,
e desejamos uma sensa‡"o que nos seja afim."

AS AFINIDADES
ELECTIVAS

O filho de Carlota cai à agua
e morre afogado. Otilia tenta
desesperadamente reanim -lo.

Antologia

PARTE II--CAPÍTULO XIII

Era sol posto, come‡ava a escurecer e ca¡a
humidade à roda do lago. Ot¡lia estava im¢-
vel, perturbada e comovida; olhou para a casa
da montanha e julgou ver o vestido branco de
Carlota no terra‡o. O desvio era grande, se
contornasse o lago sabia a espera impaciente
de Carlota pelo filho. V‰ os pl tanos à sua
frente, apenas um peda‡o de gua a separa do
caminho que logo a conduz directamente ao
edificio. Chega l com o pensamento ao mesmo
tempo que com os olhos. A hesita‡"o em
atrever-se a ir pelo lago com a crian‡a desa-
parece nesta afli‡"o. Corre para o barco, n"o
sente que o seu cora‡"o bate, que os seus pés
vacilam, que est quase a perder os sentidos.
Salta para dentro do bote, agarra no remo e
come‡a a empurrar, e tem de fazer for‡a, repete
a remada, o bote oscila e desliza um peda‡o
para o lago. No bra‡o esquerdo a crian‡a, na
m"o esquerda o livro, na direita o remo, também
ela oscila e cai dentro do bote. O remo foge-lhe
para um lado e, quando ela o quer segurar,
a crian‡a e o livro fogem-lhe para o outro
e caem dentro de gua. Consegue ainda agarrar
a roupa da crian‡a, mas a posi‡"o inc¢moda
em que se encontrava impede-a de ficar de pé.
A m"o direita livre n"o chega para voltar a
crian‡a e para a levantar; finalmente conse-
gue, puxa a crian‡a para fora da gua, mas
os seus olhos est"o fechados, cessou de res-
pirar.

Nesta altura recupera toda a lucidez, o que
aumenta ainda mais a sua dor. O bote est
quase no meio do lago, o remo flutua ao
longe, n"o descobre ninguém na margem, e
de resto de que lhe serviria ver alguém! Cor-

Otilia com o cad ver do filho de Eduardo,
desenho à pena atribu¡do a F. Bury

tada de tudo, flutua no elemento desleal, ina-
cessivel.

Tenta ser ela pr¢pria a dar auxilio. Ouvira
falar muitas vezes no salvamento de afogados.
Ainda na noite do seu aniversario ela fizera
a experi‰ncia. Despe a crian‡a e seca-a com o
seu vestido de musselina. Rasga o peito e pela
primeira vez o mostra nu; pela primeira vez
aperta um ser vivo contra si, contra o seu
peito nu, t"o puro, e, ai!, esse ser n"o est
vivo! Os membros frios da infeliz criatura arre-
fecem-lhe o peito até a alma. L grimas infinitas
brotam dos seus olhos e d"o ao corpo enregelado
uma apar‰ncia de calor e vida. EIa n"o desiste
embrulha-o no xaile, e fazendo-lhe festas, aper-
tando-o, soprando-o, beijando-o, chorando, julga
poder substituir o auxilio que neste isolalamento
lhe é negado.

Tudo em v"o! Im¢vel jaz a crian‡a nos seus
bra‡os, im¢vel permanece o bote à superf¡cie
do lago; mas nem assim a sua bela alma desa-
nima. Dirige-se aos Céus. Cai de joelhos no
barco e com ambos os bra‡os ergue a crian‡a
hirta sobre o peito inocente, que pela brancura
e infehzmente também pelo frio se assemelha
ao m rmore. Fixa ao longe os olhos h£midos e
implora auxilio do Céu, onde seu terno cora‡"o
espera encontrar a m xima plenitude, ao ver
que ela est ausente em toda a parte.

N"o é em v"o que ela se volta para as estre-
las, que j come‡am aqui e ali a cintilar. Um
vento suave ergue-se, empurrando o barco em
direc‡"o aos pl tanos.

A POESIA

Sele‡"o dos anos 1770-1775
(per¡odo do "Sturm und Drang"),
dos anos 1775-1786 (classicismo
de Weimar) e uma das baladas editadas
no Almanaque das Musas em 1797.

CANTO NOCTURNO DO VIANDANTE

Tu que és do Céu,
todo o sofrimento

dor acalmas,
que ao duplamente inteliz
duplamente consolas,
-Ah, eu estou cansado de tanta agita‡ao!
de que servem a dor e o prazer?
Doce paz,
vem, oh vem para o meu peito!


WANDRERS NACHTLIED

Der du von dem Himmel bist,
Alles Leid und Schmerzen stillest
Den, der doppelt elend Ist,
Doppelt mit Erquickung fiillest,
--Ach, ich bin des Treibens mude,
Was soll all der Schmerz und Lust?--
Süber Friede,
Koom ach komm in meine Brust!

EIN GLEICHES

Uber allen Gipfein
Ist Ruh,
In allen Wipfein
Spürest du
Kaum cinem Hauch;
Die Vogelein schweigen im Walde.
Warte nur, balde
Ruhest du auch.

O velho feiticeiro
finalmente foi-se embora!
E os seus esp¡ritos agora
dever"o obedecer-me.
As palavras, as obras
observei, e os rituais,
e com a for‡a do esp¡rito
farei milagres iguais.

Mexe ! Mexe
muitas vezes,
para que a água corra
e com onda cheia e grossa
pra dentro do banho escorra.

E agora tu, velha vassoura
enfia esses velhos trapos!
Há muito que tens servido;
Agora dá-me aten‡"o!
Ergue-te sobre pernas,
sur1a cabe‡a no alto!
Apressa-te agora e vai
com a bilha de água na m"o !

Mexe ! Mexe
mmtas vezes,
para que a água corra,
e com onda cheia e grossa
pra dentro do banho escorra.

Vede, lá vai ela até ao rio;
E já chegou, na verdade!
Regressa e despeja a água
com grande velocidade.
Já pela segunda vez !
Eis a tina a transbordar!
E cada vaio na casa
já prestes a entornar!

Hat der alte Hexenmeister
Sich doch einmal wegbegeben !
Und nun sollen seine Geister
Auch nach meinem Willen leben
Seine Wort' und Werke
Merkt' ich und den Brauch
Und mit Geistesst"rke
Tu' ich Wunder auch.

Walle! walle
Manche Strecke,
Dalb zum Zwedke
Wasser flie,Be,
Und mit reichem, vollem Schwalle
Zu dem Bade sich ergie,Be!

Und nun komm, du alter Besen!
Nimm dle schlechten Lumpenhüllen !
Bist schon lange Knecht gewesen;
Nun erfülle meinen Willen!
Auf zwei Beinen stehe,
Oben sei ein Kopf,
Eile nun und gehe
Mit dem Wassertopf!

Walle! walle
Manche Stredke,
Dab zum Zwecke
Wasser flie,Be
Und mit reichem, vollem Schwalle
Zu dem Bade sich ergiebe!

Seht, er lauft zum Ufer nieder;
Wahrlich! ist schon an dem Flusse,
Und mit Blitzesschnelle wieder
Ist er hier mit raschem Gusse.
Schon zum zweiten Male!
Wie das Bedken schwillt!
Wic sich jede Schale
Voll mit Wasser füllt!

Pára! Pára!
pois medimos os teus dons
completamente!
Ai, vejo agora, infeliz! Ai,
esqueci-me da palavra t"o urgente!

Ai, a palavra, que a faz no fim
voltar a ser o que era.
Ai, ela corre e traz ligeira!

Quem dera que fosse a vassoura velha!
Cada vez mais água
Depressa ela traz
Ai! e cem rios
Se abatem sobre mim.

N"o assim mais tempo
n"o a posso deixar;
vou agarrá-la.
É maldade!
Ai, estou cada vez com mais medo !
Que cara! que olhar!

Oh. ser infernal!
Vais inundar toda a casa?
Já escorrem torrentes de água
Pelas portas
Uma vassoura maluca
Que n"o quer dar aten‡"o!
Sê o pau que foste outrora!
Fica parada no ch"o!

Ai nao queres
ficar quieta?
vou-te prender
vou-te agarrar,
e a velha madeira ágil
com o machado rachar!


Vede, lá vem ela a arrastar-se!
Pois eu atiro-me a ti,
esp¡rito mau, e já te deitas no ch"o
Sente agora a lamina afiada!
Foi em cheio, na verdade!

Antologia

Stehe ! stehe !
Denn wir haben
Deiner Gaben
Vollgemessen !--
Ach, ich merk' es! Wehe! wehe!
Hab' ich doch das Wort vergessen!

Ach, das Wort, worauf am Ende
Er das wird, was er gewesen.
Ach, rr lauft und brungt behende!
Warst du doch der alte Besen !
Immer neue Güsse
Bringt er schnell herein,
Ach! und hundert Flüsse
Stürzen auf mich ein.

Nein, nicht langer
Kann ich's lassen;
Will ihn fassen.
Das ist Tücke!
Ach! nun wird mir immer banger!
Welche Miene! welche Blicke!

O, du Ausgeburt der Holle!
Soll das ganze Haus ersaufen?
Seh' ich über jede Schwelle
Doch schon Wasserstrome laufen.
Ein verruchter Besen,
Der nicht horen will !
Stock, der du gewesen,
Steh doch wieder still !

Willst's am Ende
Gar nicht lassen?
Will dich fassen,
Will dich halten,
Und das alte Holz behende
Mit dem scharfen Beile spalten.

Seht, da kommt er schleppend wieder!
Wie ich mich nun auf dich werfe,
Gleich, o Kobold, liegst du nieder;
Krachend trifft die glatte Scharfe!
Wahrlich, brav getroffen!

Antologia

Olhai! Está dividida ao meio!
Agora posso esperar,
E respiro em liberdade

Ai! Ai!
Ambas as partes
depressa se endireitam,
como criadas
prontas a servir-me!
ó For‡as Poderosas! Acudi-me!

Como correm! Cada vez mais molhada
está a sala, e os degraus.
Que inunda‡"o horrorosa !
Senhor e Mestre! Ouvi-me chamar!
Ah, lá vem o Mestre!
Senhor, a afli‡"o é grande!
Dos esp¡ritos que chamei
n"o me consigo livrar.

"Para o canto!
Vassoura ! Vassoura !
Sede o que fostes outrora.
Pois como esp¡ritos,
e para os seus des¡gnios,
só o velho Mestre vos pode invocar."

CÂNTICO DE MAOME,

Vede o regato da montanha
alegre e claro
como um cintilar de estrela !
Sobre as nuvens
espiritos bondosos
alimentaram a sua juventude
entre escolhos no bosque.

Fresco de mocidade
sai dan‡ando das nuvens
para os rochedos marmóreos
e rejubila de novo
para o Céu.

Seht, er ist entzwei!
Und nun kann ich hoffen,
Und ich atme frei!

Wehe ! wehe !
Beide Teile
Stehn in Eile
Schon als Knechte
Vollig fertig in die Hohe !
Helft mir, ach! ihr hohen Machtel

Und sie laufenl Nab und nasser
Wird's im Saal und auf den Stufen.
Welch entsetziiches Gewasser!
Herr und Meister! hor' mich rufen!--
Ach, da kommt der Meister!
Herr, die Not ist grob!
Die ich rief, die Geister
Werd' ich nun nicht los

"In die Ecke,
Besen ! Besen !
Seid's gewesen !
Denn als Geister
Ruft euch nur zu seinem Zwecke
Erst hervor der alte Meister"

MAHOMETS-GESANG

Seht den Felsenquell
Freudehell,
Wie ein Sternenblick!
Uber Wolken
Nahrten seine Jugend
Gute Geister
Zwischen Klippen im Gebüsch.

Jünglingfrisch
Tanzt er aus der Wolke
Auf d1e Marmorfelsen nieder
Jauchzet wieder
Nach dem Himmel.

Pelas gargantas escorre
perseguidos seixos coloridos
e já com passo de chefe
arrasta as fontes irm"s

Lá embaixo do vale
nascem-lhe flores sob os pés
e o prado
vive no seu hálito


Mas nenhum vale de sombras o detém,
nem flores
que lhe abracem os joelhos,
e o acariciem com olhos amorosos;
é para a plan¡cie que ele corre,
serpenteando.

Regatos juntam-se a ele,
fraternais. Agora chega
à plan¡cie fulgindo como prata,
e a plan¡cie brilha com ele,
e os rios da plan¡cie
e os regatos dos montes
celebram-no e clamam: "Irm"o!
Irm", leva contigo os teus irm"os
para junto do teu velho pai,
o eterno Oceano,
que de bra‡os abertos

nos espera"
bracos que em v"o se abrem
para abr‡ar os filhos saudosos!
Pois a areia cobi‡osa nos devora
nos arridos desertos, e lá em cima o Sol
nos chupa o sangue, e uma colina
impede-nos em lago! Irm"o,
leva contigo os irm"os da plan¡cie,
leva contigo os irm"os da montanha,
leva-os contigo, para junto do pai!"

Durch die Gipfelgange
Jagt er bunten Kieseln nach,
Und mit frühem Führertritt
Reibt er seune Bruderguellen
Mit sich fort.

Drunten werden ul dem Tal
Unter seinem Fubtritt Blumen,
Und die Wiese
Lebt von seinem Hauch.

Doch ihn halt kein Schattental,
Keine Blumen,
Die ihm seine Knie' umschlingen,
Ihm mit Liebesaugen schmeicheln;
Nach der Ebne dringt sein Lauf,
Schlangewandelnd.

Bache schmiegen
Sich gesellig an.
Nun tritt er
In die Ebne silberprangend,
Und die Ebne prangt mit ihm,
Und di Flüsse von der Ebne
Und die Bache von Gebürgen
Jauchzen ihm und rufen: Bruder,
Bruder, nimm die Brüder mit,
Mit zu deunem alten Vater,
Zu dem ew'gen Ozean,
Der mit weitverbreit'ten Armen
Unsrer wartet;
Dle sich, ach, vergebens offnen,
Seine Sehnenden zu fassen;
Denn uns fri,Bt in oder Wüste
Gier'ger Sand,
Die Sonne droben
Saugt an unserm Blut,
Ein Hügel
Hemmet uns zum Teiche.
Bruder,
Nimm die Brüder von der Ebne,
Nimm die Brüder von Gebürgen
Mit. zu deinem Vater mit!

Antologia

87
Antologia

"Vinde todos ! "
E ei-lo que cresce
jubiloso, toda uma ra‡a
ergue o seu principe ao alto !
E em triunfo retumbante
ele dá nomes às terras, e cidades
nascem-lhe sob os pés.

Irresistivel prossegue,
deixa as torres de cumes flamejantes,
os palácios de mármore, cria‡ões
da sua plenitude, atrás de si.

Como Atlas carrega aos ombros de gigante
casas de cedro, sobre a sua cabe‡a
flutuam mil bandeiras ao vento,
da sua gloria dando testemunho.

E assim leva ele os irm"os,
os seus tesouros, os seus filhos
até junto do pai que os aguarda
com o cora‡"o espumando de alegria!

CALMARIA

Reina profunda paz na água,
imóvel o mar repousa
e o barqueiro olha inquieto
a superficie lisa à sua volta.
Nenhum ar de nenhum lado !
Terrivel quietude mortal!
Na imensa distancia
nem uma onda se move.

RURAL

O rouxinol estava longe,
a Primavera volta a trazê-lo;
n"o aprendeu nada de novo
canta velhas can‡ões de amor.

88

Kommt ihr alle!--
Und nun schwillt er
Herrlicher, ein ganz Geschlechte
Tragt den Fürsten hoch empor,
Und im rollenden Triumphe
Gibt er Landem Namen, Stadte
Werden unter seunem Fub.

Unaufhaltsam rauscht er über
Labt der Türne Flarnmengipfel,
Marmorhauser, eine Schopfung
Seiner Fülle. hinter sich

Zedernhauser tragt der Atlas
Auf den Riesenschultern, sausend
Wehen über seinem Haupte
Tausend Segel auf zum Himmel
Seine Macht und Herrlichkeit.

Und so tragt er seine Brüder,
Seine Schatze, seine Kinder
Dem erwartenden Erzeuger
Freudebrausend an das Herz.

MEERESSTILLE

Tiefe Stille herrscht im Wasser
Ohne Regung ruht das Meer,
Und bekümmert sieht der Schiffer
Glatte Flache rings umher.
Keine Luft von keiner Seite!
Todesstille fürchterlich!
In der ungeheuern Weite
Reget keine Welle sich

LANDLICH

Die Nachtigall, sie war entfernt,
Der Frühling lockt sie wieder
Was Neues hat sie nicht gelernt
Singt alte liebe Lieder.
MIL VIDAS DE FAUSTO

O mito do "Doutor Fausto" é o mito da eterna juentude, da
desesperada
revolta do homem frente aos estreitos e dramáticos limites da
sua própria
natureza.

CHARLATão OU
ESTUDIOSO DE GÊNIO ?

"Magister Georgius Sabellicus
Fausto, o Jovem, Fonte dos
necromantes, Astrónomo e
astrólogo, Segundo em hi-
dromancia, igualmente conhe-
cido pelo nome de Fausto,

"philosophus philosophorum"
semideus de Heidelberga": são
estes os títulos que Fausto
se atribuía, consoante o es-
creveu o abade Johannes
Trithenius von Sponheim
(14ó2-151ó), notável espe-
cialista de assuntos religiosos,
numa carta de 20 de Agosto
de 1507. Ainda nessa mesma
carta, Fausto é seguidamente
classificado de "vagabundo,
fala-barato, fanfarrão, ga-
barola e velhaco": atrevera-se
inclusivamente a sustentar
que os milagres de Cristo
eram pouca coisa e que ele
próprio teria podido fazer o
mesmo, e mais ainda, se
quisesse ! Mas quem era
afinal esse exagerado
"gabarolas"? Um homem de
carne e osso ou mera inven-
cão da exaltada fantasia po-
pular ? Terá acaso existido
algum doutor Fausto, ou
será que esse mesmo nome
apenas serviu para "disfar‡ar"
um mito popular, que acabou
por tornar-se, com o andar
dos tempos, num fenómeno
literário? E se realmente exis-
tiu, quem era ele? Um char-
latão, um impostor ou um
estudioso de génio? Não é
fácil dar uma resposta con-
creta a todas estas perguntas,
inclusivamente porque, no
decurso dos séculos, o "mito
de Fausto" sofreu notáveis
involu‡ões e transforma‡ões:
de mago tenebroso e charla-
tao de Quinhentos, ligado
ao anjo do mal por um pacto
de sangue, o doutor Sabel-
licus acabou por tornar-se,
nos séculos XIX e XX, o
símbolo do cientista, do inves-
tigador corajoso que "da es-
curidão ascende à luz". No
século XVI, os estudiosos
procuravam amiúde uma
achave mágica" que lhes
permitisse penetrar e com-
preender os misteriosos fenó-
menos do mundo material e
do mundo metafísico: por isso
estudavam Teologia e Magia,
Matemática e Astrologia, Me-
dicina e Alquimia. Nalgumas
Universidades, como as de
Salamanca, Toledo e Cracó-
via, havia "escolas de ciências

O doutor Fausto no seu laboratório. No rosto
do frontispicio do Urfaust, segundo uma
gravura de Rembrandt

"A fim de que todos os cristãos e todas
as pessoas de boa vontade possam conheeer
melhor o Diabo e os seus feitos, para dele
melhor se defenderem, quis expor aos olhos
de todos o terrivel exemplo do doutor Fausto
e as terriveis consequeneias dos seus malefieios",

escolas de ciêcias ocultas", a título oficial.
Consta que o Fausto histó-
rico teria feito os seus estudos
de magia precisamente na
Universidade de Cracóvia.
Uma coisa é certa: em 1509,
um clérigo errante chamado
Johannes Faust inscreveu-se
na Faculdade de Filosofia de
Heidelberga. Com efeito, os
registos da célebre Universi-
dade mencionam um certo
Johann Faust ex Simern como
"primeiro" entre os admitidos,
a 15 de Janeiro de 1509,
ao grau de bacharel, sendo
Laurentius Wolff de Spira
decano dos professores Visto
que nessa altura se acredi-
tava muito em milagres e
feiticeiras, é natural que quem
lidasse com ciências ocultas
acabasse, mais dia menos
dia, por ser acusado de pac-

90

escreve o impressor Spiess no Prefácio ao
Leitor Cristão da primeira edi‡ão (1587J
do Volksbuch von Doktor Faust
(Livro Popular do Doutor Fausto).
As ilustra‡ões aqui reproduzidas são
de umaa reedi‡ão holandesa de 1ó85

tuar com o Demónio. Não é
portanto de estranhar que
também a respeito de Fausto
tivessem come‡ado a correr
histórias de magia, de espec-
tros e de rela‡ões com o
Diabo, que ele próprio acabou
provàvelmente por alimentar,
para aumento do seu prestígio
e dos seus lucros. Por outro
lado, o "mago" Fausto devia
dispor de no‡ões e de capa-
cidades extraordinárias (gra-
‡as aos seus estudos univer-
sitários), que lhe permitiam
ir muito além dos charlaães
e dos pseudomagos que nessa
altura abundavam por toda
a parte. As investiga‡ões
históricas modernas compro-
varam que Johannes George
Faust viveu entre 1480 e
1540.
Não se sabe ao certo
se o seu nome verdadeiro
era Fausto ou Sabellicus
é muito possível que o se-
gundo fosse um nome de
guerra, usado para encobrir
eventuais erros de juventude.
Também o local do nasci-
mento é incerto. Entre as
diversas hipóteses, a mais
provável, visto que alguns
documentos da época a sus-,
tentam, é a de que teria
nascido em Knittlingen, no
Wurtemberg, cerca do ano de
1480.

E no Wurtemberg morreu
provàvelmente em Staufen,
uma aldeola situada aos pés
do castelo dos Hohenstau-
fen, em 1540 ou 1541. A
ele se refere um dos homens
da Reforma, Melanchton,
num dos seus colóquios, que
é citado por Johann Manilius,
seu aluno predilecto: "Conheci

Gra‡as à sua inteligencia, Fausto ( 1) tornou-se
magister, doctor theologiae. Mas os
conhecimentos hutnanos não o satisfazem: passa
as noite debru‡ado sobre misteriosos volumes,
depois de se ter desfeito das Sagradas Escrituras.
Certa noite, na Foresta de Wittenberg, tra‡a
sinais cabalisticos no chão e pronuncia
palavras mágias (2). Mefistófeles aparece-lhe,
envergando um hábito, e promete que irá
visitá-lo ao see laboratório no dia seguinte (3).
Faussto propõe-lhe o famoso pacto e exige (4)
que o Diabo se vista com o hábito franciscano.


um certo Fausto, de Knittlin-
gen, próximo da minha terra
(com efeito , Bretten, vila
natal de Melanchton, dista
uma hora de caminho a pé
de Knittlingen). Estudou ma-
gia em Cracóvia, dedicou-se
por longo tempo às ciências
ocultas e viajou muito. Aqui,
há poucos anos vi-o muito
triste, à mesa de uma estala-
gem de Wurtemberg. E disse
ao hospedeiro: "Esta noite não
te assustes". Como não se
tivesse levantado pela manh3,
o hospedeiro foi ao quarto
dele e encontrou-o junto
à cama, com o pesco‡o tor-
cido: o Diabo tinha-o morto.
Enquanto vivo, costumava
andar com um cão, que era o
próprio Diabo."

Além do mais Melanchton
devia ter conhecido Fausto
em pessoa visto que também
ele frequentava a Univer-
sidade de Heidelberga em
1509; doutro modo, dificil-
mente se poderia compreen-
der como sabia qual era a
terra natal de Fausto. Os
testemunhos de que dispo-
mos não nos permitem re-
constituir com toda a certeza
a biografia do doutor Fausto,
conquanto nos levem a afir-
mar que a sua vida deve
ter sido bastante agitada;
o que talvez explique, melhor
do que muitas outras hipo-
teses, a tão profunda impres-
são causada pelo "mago"
Fausto na sensibilidade do
seu tempo e o motivo pelo
qual a lenda tão ràpidamente
dele se apossou, atribuindo-
-lhe as misteriosas caracte-
rísticas de sábio diábólico,
ligado para todo o sempre
às potências infernais. Todas
as fantasiosas histórias que
a seu respeito se contavam
eram unanimes em não re-
conhecer limites às suas pos-
sibilidades: diziam-no capaz
de fazer transitar uma carrua-
gem com quatro cavalos por
uma ruela com escassos três
pés de largo, de fazer aparecer
e desaparecer tesouros, de
mudar uma coisa noutra, de
ir às cavalitas de uma pipa
de vinho da taberna de
Auerbach até Leipzig, de
sarar todas as doen‡as incurá-
veis por meios milagrosos.
Não deixou mesmo de haver
quem depositasse uma certa
confian‡a nas suas capacida-
des. Consta que Franz von
Sickingen (1481-1 523),
amigo de Hutten, discípulo

Assinando o pacto com o seu sangue (1),
Fausto proclama a onipoteneia do espirito
humano e exige a sujei‡ão do Diabo
como seu servo; em troca, vende a alma
ao Diabo e repudia a religião. Não tarda
que a casa do sábio se veja recheada de ouro
e de luxuosas vestes. Fausto gostaria
de casar, mas o Diabo não lho consente
Fausto revolta-se; e o Diabo, para lhe excitar
a luxúria, tra-lhe todas as mulheres
que ele possa desejar. Assim se passam
oito anos. Fausto estuda com frenesim...


de Lutero, lhe confiou por
algum tempo a educa‡ão dos
filhos e que Joachimus Came-
rius, humanista e filólogo,
lhe pediu que profetizasse o
resultado da terceira guerra
entre Carlos V e Francisco I.
As descri‡ões feitas por Fausto
das suas viagens imaginárias
a Constantinopla, Nápoles,
Veneza e Madrid, a par de
outras gabarolicas do género,
granjearam-lhe uma estima
e uma admira‡ão incondicio-
nais por parte do povo, ao
mesmo tempo que o afasta-
vam da gente culta e do con-
tacto com os estudiosos da
época. Fausto gabava-se de
ter assinado um pacto com o
Diabo: e não tardou que a len-
da se apoderasse da sua pes-
soa e exaltasse as qualidades
demoníacas do seu carácter.


FAUSTO HUMANO E MALDITO:
O DE MARLOWE

Fausto é ainda vivo quando,
em 15ão, é publicado o pri-
meiro livro a seu respeito,
em Metz: "De maitre Faust".
Em 1575 é impressa, em ale-
mão, uma biografia sua, já
anteriormente escrita em latim.
Entretanto, a literatura popu-
lar mantém viva no público a
memória do famoso mago.
Data de 1587 um dos prin-
cipais documentos sobre a
sua vida, o "Volksbuch vom
Doktor Faust (Livro popular
do Doutor Fausto), de autor
anónimo, publicado por
Spiess em Francforte-sobre-o
Meno. Dividida em quatro li-
vros, a narrativa é riquíssima

em notícias e episódio de
interesse: o nascimento de
Fausto, os seus estudo,o
pacto com o Diabo, as inves-
tiga‡ões científicas e mágicas
a perdi‡ão. Apesar do seu tom
moralizante, a obra é consi-
derada perigosa, visto que a
fantasia do leitor corre o
risco de ser corrompida por
episódios demasiado picante
e, sobretudo, por aquela "avi-
dez de Fausto em conhecer
todas as coisas", que excede
as fronteiras do lícito e do
prescrito e leva o estudioso
aos actos mais arrebatados.
Por isso a publica‡ão é quase
imediatamente apreendida.

sob a orienta‡ão de Mefistófeles, procurando
penetrar o mistério da cria‡ão e aplacar
a sua sede de saber (3), e pede-lhe
que o esclare‡a acerca da hierarquia dos anjos
do céa e do Inferno e da obra de Satã
até à dana‡ão do género humano.

Em Londres, já cerca de
1588, dão-se representa‡ões
teatraiscom episódios da
vida de Fausto. A primeira
importante sobre o
assunto é a "Trágica História
Doutor Fausto", do célebre
Christopher Marlowe
(15ó4-1593). Se bem que a
data oficial da primeira repre-
da tragédia seja o ano de 1594, nada nos
impede de supor que tivesse
sido representada antes disso,
pois fora escrita cerca de
1588. Porém, só em 1ó01 é
publicada, visto que os direc-
tores das companhias não
imprimiam os textos, com
receio de que viessem a ser
utilizados pelas companhias
rivais. Tendo incluído desde
logo a grande "vis tragica" do
tema, Marlowe esfor‡ou-se

Sempre insatisfeito com o seu saber,
Fausto pede ao maligno para descer
aos Infernos e subir ao Céu, a fim de
verificar pessoalmente as no‡ões que possui.
Antes dessa grande viagem(4), em cortejo
de demónios desfila na sua presen‡a.

por representar um Fausto
"humano", para o qual a
existência terrena, a luta cons-
tante pela vida e as conquis-
tas do saber revestem maior
importancia do que a acei-
ta‡ão passiva, a renúncia, a
fé e a verdade teollógica.
No monólogo inicial, o pro-
tagonista confessa que o
saber dos livros e das diver-
sas disciplinas o deixa numa
insatisfa‡ão total. Só a magia
poderá abrir-lhe novos cami-
nhos. Por isso estabelece
um pacto com o Demónio,
que lhe faculta 24 anos de
uma vida entregue aos pra-
zeres. Terminado o prazo, o
Diabo apodera-se-lhe da alma.
Igualmente representada na
Alemanha, a pe‡a de Mar-
lowe foi sujeita a adapta‡ões
e interpreta‡ões várias, im-
postas pela mentalidade, o
gosto e as exigências do
catolicismo germanico.
A pouco e pouco, porém, a
figura de Fausto desaparece
da literatura. Pelos fins do
século XVII apenas se man-
tém nos espectáculos de
marionetas ("Puppenspiel"),
que Goethe pode apreciar
desde crian‡a. Com o "Sturm
und Drang", o atormentado
Fausto, figura fortemente ro-
mantica, é novamente colo-
cado em lugar de honra. É Les-
sing o precursor desta nova
onda de popularidade. Da
sua obra sobre Fausto, que
infelizmente se perdeu, sub-
siste uma única cena (uma
disputa de Fausto com sete
espíritos), demasiado breve
para poder dar uma ideia do
conjunto.

Com a viagem ao reino de Lucifer (1)
tem inicio a segunda parte da história do
doutor Fausto. É numa cadeira de ossos
humanos, sòlidamente fixada às costas de
Belzebu, que o sábio efetua a sua viagem.
Depois, percorre os espa‡os do Céu. voando
gra‡as a misteriosos artificios (2) Na
realidade, estas excursões celestes mais não
do que alucina‡ões que Mefistófeles introduz
nos sonhos de Fausto. Por fim, transmutado num
célere animal alado (3), Fausto percorre toca
a Terra. Visita a corte pontificia, onde fica abismado
com " a ignominioso luxo e a fartura dos banquetes papais"

Á "GRANDE INQUIETAÇão"
PRE-ROMântiNTICA

O Fausto goethiano apenas
conserva algumas das caracte-
rísticas exteriores da famosa
personagem renascentista; em
compensa‡ão, a sua persona-
lidade assume novas carac-
terísticas, tais como a insa-
tisfa‡ão e a inquieta‡ão típi-
cas do homem moderno,
perturbado por uma crise
de desconfian‡a frente à
ciência e à razão. De nada
serviram a Fausto os longos
anos de estudo, nem os seus
profundos conhecimentos de
filosofia, de jurisprudência,
de medicina e até mesmo de
teologia: tão-pouco a expe-
riência de dez anos de esfor-
‡ado ensino lhe lan‡ou uma
réstia de luz sobre o mistério
da vida. E este o dramático
sentimento que atormenta o
espírito do estudioso: uma
desilusão intensa e insupor-
tável, que não se extingue
na humana resigna‡ão de
não ter conseguido achar uma
explica‡ão válida para o mis-
tério da vida. Mas o homem
Fausto não pode declarar-se
vencido: agarra-se desespe-
radamente à única saída que
vislumbra e que- nunca quis
utilizar, a da arte mágica,
na esperan‡a de penetrar,
quanto mais não seja daquela
forma, no mistério das "secre-
tas coisas". E com a coragem
de um novo Prometeu en-
frenta sem hesitar os espíritos
supraterrenos. Mas também
nesta nova experiência as
suas pobres for‡as humana
acabam por ceder, a sua por-
tentosa vontade fraqueja
preso no sorvedouro de uma
nova desilusão, o estudioso
demora se na ideia do suicí-
dio como remédio único para
a angústia da vida: e é quase
com alegria que encara esta
derradeira solu‡ão. Dir-se-ia
que exulta por encontrar na
embriaguez da morte o antí-
doto para o seu tormento,
quando o badalar dos sinos
da Páscoa vem subitamente
alterar-lhe o curso dos pen-
samentos, afastando-o do fu-
nesto propósito. Ao maior
desanimo logo sucede a espe-
ran‡a, um renovado desejo...

"ignominioso luxo e a fartura dos
banquetes papais". A última etapa da
viagem leva-o a fabuosa cidade de Constantinopla,
onde Solimão, com toda a sua pompa, se faz
passar por Maomé, A terceira parte do
Volksbuch é dedicada às "facécias": Fausto
deixa de ser rebelde , sequioso de saber,
para se otrnar uma pessonagem histórico-lendária,
do turpissimus mágico de Melanchton.
Detém-se na corte de Carlos V
e por desejo do imperador evoca Alexandre Magno e sua mulher
(4)

...de viver, de lutar, de agir a
todo o custo; à humana fra-
queza que a sua renúncia
embalava substitui-se a ti-
tanica vontade de vencer,
de superar todo e qualquer
obstáculo próprio à natureza
do homem É precisamente
nessa constante alternância
de momentos de exalta‡ão e
depressao que reside a carac-
terizacão dramática e poética
conferida por Goethe à sua
personagem, cujo dualismo
fundamental explica clara-
mente: "Duas almas habitam
em meu peito, e uma da
outra querem separar-se. Uma
agarra-se ao mundo com
só1idos órgãos e uma alegria
fervente e amorosa; a outra
ergue-se com violência da
poeira da terra, para alcan‡ar
os campos dos antepassados".
O dualismo de Fausto é um
dualismo muito particular, que
nada tem a ver com o dua-
lismo cristão. Se para o
Cristianismo as duas for‡as
contrastantes são o Céu e a
Terra, o bem e o mal, o
transcendente e o terreno, para
Fausto o contraste situa-se
para além do bem e do mal,
nada tem de comum com o
transcendente, é simples-
mente um drama íntimo entre
o mundo sensível, limitado, e
o mundo infinito da natureza
em constante devir, sem limi-
tes, eterno. "Ao princípio
era o Verbo", lê Fausto no
Evangelho; e detém-se, pro-
curando definir exactamente
a palavra "Verbo", segundo
exigências da sua alma: não
o medianeiro entre Deus e a
Terra, mas antes o "pensa-
mento", a "for‡a", cuja uni-
dade forma a "ac‡ão". O de-
sejo de "se realizar" mais
inteiramente, ínsito no espí-
rito faustiano, não arrasta o
homem em direc‡ão ao mar
infinito da divindade, não
tende a aplacar-se e a satis-
fazer-se em Deus, mas incita
o indivíduo a um futuro
melhor, cada vez mais alto,
puramente humano. O ho-
mem aproxima-se de Deus,
mas não pode nem deve
procurar atingi-lo, visto que
tem por obriga‡ão manter-se
rigorosamente dentro dos li-
mites da natureza humana.
Esta fé numa ascese cons-
tante e progressiva do ho-
mem acha-se de tal modo
enraizada nele, é de tal
modo forte e poderosa, que

Eis as facécias: Fausto pede dinheiro
emprestado a um judeu, mas na altura de o
devolver diz ao agiota: "Não posso restituir-te
o dinheiro; como penhor, dou- te uma das minhas
pernas que aqui vou deixar" (1) . De regresso
a casa, o judeu, convencido de que fora ludibriado
deita a perna no rio.

nunca virá a abandonar Fausto
nem sequer quando se en-
contra à mercê do "maligno".
E não deixa de ser significativo
o facto de que a própria
figura de Mefistófeles (per-
sonifica‡ão de Satanás, o
espírito do mal, que normal-
mente infunde medo aos
mortais) quase se apaga frente
à de Fausto. Mesmo depois de
pactuar com o Diabo, ven-
dendo-lhe a alma, o homem
tem consciência do seu pró-
prio destino, da sua própria
dimensão, e trata o "tenta-
dor" como um superior trata
um inferior, quase com des-
prezo, exigindo - lhe apenas as
vantagens materiais que o
outro lhe pode porporcionar,
sabendo de antemão, afinal,
que o fruto daquela troca é
"fruto que apodrece antes

ludibriado , deita a perna ao rio. Poucos dias
depois, porém, Fausto salda a divida e pede
a restituí‡ão da perna Não podendo satisfazer,
tal pedido, o judeu tem de pagar sessenta táleres
para se desfazer do seu incómodo devedor.
Na feira de Pfeifering, Fausto vende um cavalo
recomendando a que o comprar, que nao o leve ao
bebedouro...(2)

de ser colhido". Se no seu
primeiro e dramático monó-
logo Fausto cobi‡a uma forma
de conhecimento abstracto,
em contrapartida depois do
encontro com o maligno pre-
tende uma experiência con-
creta. São claros e inequívocos
os pedidos que faz a Mefistó-
feles: não é a procura do
prazer que irá aplacar o
seu espírito exacerbado, mas
a imersão no grande fluxo
da natureza, para experimen-
tar concretamente tudo aquilo
que os homens qualificam de
"bem" e de "mal", sem nunca
perderem a consciência do
seu próprio destino, quer
dizer, a sua dimensão hu-
mana. No episódio de Marga-
rida, em que o amor em toda
a sua sublime nobreza comove
o cora‡ão de Fausto, em
vão tenta o Demónio fazer
com que o sentimento acabe
por naufragar numa sensual
lidade brutal. Tão-pouco;
noite de Walpurgis, noite de
feiticeiras, conseguirá levar
Fausto a esquecer a perfidia
que consumou na pessoa
de Margarida, por interven‡3a
do Demónio. Como impe-
tuosa torrente, então se abate
o seu desprezo sobre o
responsável do triste epílogo
da história. "Na miséria! De-
sesperada ! Sem amparo,
errando perdida sobre a Terra,
e agora prisioneira ! Metida
no cárcere como uma malfei-
tora sofrendo horríveis tortu-
ras, a delicada e infeliz cria-
tura ! Ter chegado a tal
ponto! A tal ponto!--Espí-
rito indigno, trai‡oeiro, e foi
ISSO que tu quiseste escon-
der-me!

recomendando a quem o compra que não
o leve ao bebedouro (2), o que não tarda
a acontecer. O cavalo desaparece, ficando
apenas no seu lugar um monte de palha.
Fasusto ceia numa hospedaria: incomodado,
pela agitacão e os gritos dos camponeses,

fica aí parado,
revolve os demoníacos olhos
raivosamn te dentro da ca-
be‡a! Deixa-te estar aí e
desafia-me com a tua insu-
portavel presen‡a ! Prisio-
neira! Numa miséria irrepa-
rável ! Entregue a espíritos
malvados e à justi‡a impie-
dosa dos homens ! E tu
entretanto embalas-me com
distra‡ões de mau gosto, e
escondes-me a crescente
deixando que ela se perca
sem ajuda !" É moral-
mente destruído, quase à
mercê das ignóbeis manobras
de Mefistófeles, que Fausto
sobrevive a esta cruel expe-
rieência. E fecha-se definitiva-
mente atras dele um mundo
cujo bem e cujo mal quis
experimentar e esgotar até ao
fim.

põe todos boqiuiabertos com um simples sinal (3).
Convidado pelo principe de Anbalt,
satisfaz o desejo da mulher do anfitrião,
que está grárvida, apresentando-lhe--
em Janeiro--uma esplendida travessa
de fruta bem madura (4).

A "NOVA SAGEZA"
DO FAUSTO DE GOETHE

Na segunda parte da obra,
Fausto nasce para uma vida
nova; esqueceu todo o pas-
sado; até a própria dor cau-
sada pelo trágico fim de Mar-
garida é suavizada pelo con-
tacto com a Natureza. Uma
"nova sageza" é claramente
sugerida a Fausto pelo can-
tico de Ariel: o homem pode
perfeitamente aspirar ao di-
vino, mas deve limitar-se a
gozar aquilo que de divino
se manifesta na Terra, visto
que "possuímos a vida em
coloridos reflexos". E tal
como o "divino" apenas é
fruível através das suas mani-
festa‡ões, tão-pouco a "ver-
dade" pode ser alcan‡ada
directamente e só através
de exemplos, de símbolos, de
fenómenos se torna apreen-
sível. E também o chamado
"eterno feminino" se revela
na sua expressão mais com-
pleta como uma sublime
exalta‡ão do amor que une
o tão cobi‡ado e fugaz
momento à eternidade da
natureza, a essa eternidade
que mais não é, afinal,
do que o alargamento in-
finito de um momento de
alegria.

O novo Fausto, o da velhice
de Goethe, continua a tender
para o alto, mas contenta-se,


Em Wittenberg, o carnaval está no auge;
Fausto é o chefe de um alegre grupo
de estudantes e entrega-se às mais desenfreadas
orgias e brincadeiras Surpreendido na adega
do bispo de Salzburgo (1) pelo responsável
das caves, enforca o desgrafrado.

em plena consciência, com
manter-se nos limites da
Natureza, que "chama o ho-
mem, não já ao imperioso
deleite, mas à cria‡ão con-
tínua". Fausto concentra to-
das as suas for‡as numa
obra de reden‡ão cívica e
humana: a de melhorar uma
vasta região onde possam
prosperar e aperfei‡oar-se as
gera‡ões futuras. Mas, no
maravilhoso episódio de File-
mon e Baucis, uma vez mais
terá de violentar a sua pró-
pria humanidade e sujeitar-se
à palavra de Mefistófeles:
"Quem tem a for‡a tem tam-
bém o direito". O seu grave
crime, porém (a morte dos
dois velhotes, que se recusam
a trocar a sua humilde ca-
bana pela fértil propriedade
que Fausto lhes quer dar,

A pandega prossegue em casa de Fausto,
que põe ao dispor dos companheiros
vinhos e comidas com fartura; animada
por músicas e prodigiosos
espectáculos (2), d orgia termina no domingo
de madrugada: para satisfazer o desejo

acabando por lá morrer quei-
mados), é ultrapassado pelas
exigências da reden‡ão,sendo
depois justificado pela fé na
inexorável vontade de con-
quista da ambi‡ão humana:
"A liberdade e a vida só a
merecem aqueles que cada
dia as devem conquistar !"
A consciência de Fausto
não se detém a avaliar os
meios mais ou menos lícitos
pelos quais o homem con-
segue alcan‡ar a liberdade
fazendo valer os direitos da
sua existência; antes vai além
de todo e qualquer limite
moral, além do respeito hu-
mano, sem se preocupar com
os direitos dos outros. Funda
uma nova ética: a de nunca
perder a for‡a vital de se
elevar, nem mesmo nos pio-
res momentos, visto que tanto
as diversas experiência
--positivas ou negativas-
como as numerosas queda
são indispensáveis para se
progredir, sem que haja por
isso de renunciar-se aos pra-
zeres terrenos, em nome de
uma problemática beatitude
eterna.

Precisamente nessa progres-
são que, afinal, mais não é
do que um nunca estar con-
tente; precisamente nesse acto
de reconhecer a fatalidade
de um constante correr a
caminho de algo de cada
vez maior, com alegrias e
tristezas, com culpas e re-
morsos, Fausto consegue in-
conscientemente superar e
invalidar o seu insano pacto
com Mefistófeles. Tendo do-
ravante atingido o limite ex-
tremo da vida, oprimido pelo

dos seus amigos estudantes, Fausto
evoca a fígura da bela Helena (3)
"Maravilhosamente bela ... surgiu num
precioso vestido de púrpura, com os cabelos
soltos e louros como o ouro, e tão compridos
que lhee chegavam aos joelhos Olhos negros

peso dos anos e da cegueira,
nem mesmo assim se deixa
abater pela dura realidade;
antes é invadido pelo desejo
e a vontade de "agir". Ainda
que se lhe tenha apagado a
luz dos olhos, é com uma
luz interior, a luz da alma,
que antegoza a felicidade de
um mundo melhor, de um
estado imenso onde não
haja um único homem a
mandar mas onde reine
um.l coopera‡ão de homens
livres na unanimidade de
bem agir. Eis, portanto, que
à figura do "tita" egocên-
trico~ ao homem absoluta-
mente individualista, se subs-
tltui a figura do velho sábio
altruista que procura a har-
monia de uma vida social
verdadeiramente livre para
todos.

como o carvão, a cabe‡a pequena, lábios
vermelhos como cerejas, colo branco como um
lirio ... trazia no olhar uma expressão impudica
e travessa" Por último, Fausto ?Jinga-se
de um carroceiro indelicado fazendo-lhe voar
as quatro rodas da carro‡a.

MANFREDO,

O FAUSTO DE BYRON

No caso de Fausto, demasiado
frequentemente se utiliza o
termo mito em vez de
palavras mais adequadas,
como lenda, tema literário,
símbolo, narrativa fantás-
tica. Na interpreta‡ão que
lhe foi dada por diversos
escritores, a figura de Fausto
sofre constantes metamorfo-
ses, sem todavia perder a
totalidade das suas caracte-
risticas primitivas, tanto as
históricas como as criadas
pela lenda. De qualquer modo,
a chave de toda a literatura
faustiana é a liberdade do
homem frente ao mal. Durante
muito tempo, viu-se em
Fausto o tipo e o ideal do
homem alemão, com as suas
aspira‡ões e a sua descon-
fian‡a pela lógica abstracta,
com as suas paixões e a sua
vontade de agir. Tal é a
imagem que encontramos em
todos os grandes comenta-
dores da obra de Fausto no
decurso do século passado.
Fausto encarna também o
carácter do cientista, cioso de
dominar a natureza e preo-
cupado com devolver à huma-
nidade a sua juventude. Da
confian‡a ilimitada na ciência
fàcilmente se passa a uma
profissão de fé. no progresso
da humanidade. Para outros
ainda, Fausto é uma espécie
de Prometeu moderno, herói
de uma humanidade que se
revolta e reivindica o direito de
se autodeterminar. Nele re-

Numa taberna ( 1), Fausto assiste às proezas
de quatro magos, que, ao desafio, cortam as
suas próprias cabe‡as para as mandarem ao
barbeiro, que lhes faz a barba. Fausto
apercebe-se de que na mesa dos magos há um
vaso com lírio, que foresce de cada vez que

conhecemos um dos grandes
precursores do homem mo-
derno, que consagra a sua
vida ao trabalho, à ac‡ão, ao
servi‡o dos outros. Paralela-
mente a esta concep‡ão posi-
tiva da figura de Fausto, surge
a visão pessimista e trágica
dos românticos. 0 "Manfredo"
de Byron (1817) sugere em
certas partes o "Fausto" de
Goethe, enquanto noutras é
a sua antitese. Manfredo é o
paradigma do homem fatal
do romantismo europeu; com
a alma atormentada pelo
remorso causado por um
crime obscuro ("o meu abra‡o
foi fatal... amava-a e des-
trui-a"), Manfredo evoca os
espiritos, a fim de encontrar
o a I m ej a d o esquecimento.
Mas tão-pouco eles lhe po-
dem facultar esse olvido que

um deles corta a cabe‡a e murcha quando
cabe‡a volta ao seu lugar Firmemente disposto
a castigar o orgulho do chefe dos feiticeiros,
Fausto corta às escondidas a raiz da plarta:
quando o mago pretende colocar outra vez
a cabe‡a (2) não o consegue e ve-se condendo

o homem invoca com todas as
suas for‡as. Byron pouco se
afasta aqui do modelo goe-
theano: "Tudo experimentei
e na minha mente reside o
poder de tudo subjugar a si
própria; mas isso de nada
me serve", diz Manfredo.
Todavia, a li‡ão final do
grande poeta inglês difere
da do seu predecessor: não
é uma interven‡ão do alto
que salva Manfredo da dana-
‡ão eterna, mas a sua decisão
pessoal, a sua recusa de
reconhecer ao Demónio qual-
quer poder sobre ele. Entre
os artistas famosos que en-
contraram no "Manfredo"
motivo de iríspira‡ão con-
tam-se Robert Schumann
(a op. 115) e Tchaiko-
vski ("Sinfonia Manfredo",
op. 58).

Outro "Fausto" romântico
igualmente célebre é o que
Nikolaus Lenau come‡ou
escrever em 1834 e publicou
em versão completa e defini-
tiva em 1840. A confian‡a
iluminista nas capacidadde
do homem para vencer na

luta com o mal, contra
põe-se aqui uma concep‡ão
pessimista e desesperada da

vida. Nas quarenta e cinco
cenas deste poema dramá-
tico Fausto quer alcan‡ar
a verdade, mesmo que se
oponha às leis divinas, pactua
com o Diabo e, depois de
uma longa sequência de obs-
curos prazeres e da experiên-
cia do crime, morre por suas
próprias mãos. Em vez de
subir aos Céus, a sua alma
será arrastada para os abismos
do Inferno

a morrer, Perto da casa de Fausto mora um
velho sábio, que prentende comverte-lo; chama-o
e fa-lhe um discurso recheado de máximas
e exemplos biblicos Fausto arrepende-se, tenta
fugir ao demónio, mas este Dolta a dominá-lo (3),
obrigando-o a assinar com sangue um novo

NASCE O
"HOMEM FAUSTIANO"

Na volumosa obra de Oswald
Spengler intitulada "Declinio
do Ocidente, publicada entre
1918 e 1 9Z2, Fausto desa
parece como personagem para
dar lugar ao "homem faus-
tlallo" --votado ao culto
da accão, à vontade de
dominar--, a esse homem

rer" (que o nazismo não
tomara ainda tristemente cé-
lebre) que caracteriza a "cul-
tura faustiana", no qual a
vontade domina o intelecto,
"conduz o jogo" e inspira à
alma o seu dinamismo, a sua
necessidade de expansão no
tempo e no espa‡o, a sua
ambicão de subjugar tudo

pacto, mais sacrilego ainda do que o primeiro.
Cada vez mais ligado ao Inferno, Fausto
entrega-se então a um deboche desenfreado.
E nem sequer as mais belas mulheres da
Europa, que o maligno lhe introdum no gineceu,
conseguem .saiar-lhe os baixos apetites (4).

aquilo que lhe é exterior.
Não deixa por isso de ser
licito perguntar se esse "ho-
mem faustiano" não ficará
a dever mais a Nietzsche do
que a Goethe. No prefácio
definitivo que escreveu em
1922, o próprio Spengler
cita dois nomes, "aos quais
se deve todo este livro:
Goethe e Nietzsche. Em Goe-
the colhi o método, em
Nietzschs a formula‡ão dos
problemas".

Do Fausto de Goethe, Spen-
gler conservou sobretudo o
pesquisador, o cientista. Mas
o drama pessoal desaparece;
para Spengler, Fausto apenas
existe como itinerário histó-
rico, como simbolo de toda
uma cultura. Como tal, não
pode conhecer o fracasso.
A imagem de um herói ideal
e vencedor surge como a
consequência natural deste
estado de coisas. No ambito
da problemática moral e reli-
giosa, as cenas do Céu são
reduzidas a um simbolismo
puramente cósmico e o pacto
com o Diabo nem sequer é
citado. Figura estranha ao
mundo ocidental, herdada da
cultura mágica dos orientais,
o Diabo não pode continuar
a subsistir na "cultura faus-
tiana", que repudia toda e
qualquer alusão dualista; e
se em Goethe ainda se
mantém, é apenas como re-
miniscência, tradi‡ão atávica.
Assim no "Declinio do Oci-
dente", a negatividade en-
carnada por Mefistófeles
desaparece para dar lugar
ao impulso do Ocidente para
o infinito.

Certa noite, Fausto recorda-se sdbitamente da
beleza de Helena; pede a Mefistófeles que a
chame e a traga (1). Dessa união nasce Justus
Faustus, menino-prodigio que prediz ao pai
os eventos futuros de muitos paises do mundo.
Aqui se inicia a última parte do Volksbuch:

MEFISTÓFELES

VISTO AO MICROSCOPIO

Paul Valéry (1871-1945) es-
creve o seu "Fausto" ("Mon
Faust", publicado pòstuma-
mente em 194ó) em moldes
modernos, anti-romanticos. O
rejuvenescimento, por exem-
plo, repugna à personagem
mitica, que pouco se entu-
siasma com a perspectiva de
ter de retomar toda a sua vida
desde o inicio. Assim, o cepti-
cismo "blasé" do homem mo-
derno inverte por completo
os temas legados pela tra-
di‡ão.

Logo desde o primeiro en-é Fausto quem domina
a situa‡ão, e Mefistófeles
mal consegue acompanhá-lo:

102

Fausto, durante o mes de vida que lhe resta,
torna-se ignóbil; redige um testamento em favor
de Wagner, seu criado; depois chama-o (2)
e entrega-o a um espirito infernal; impõe-lhe
que escreva umna história que dará a conher
à posteridade a narra‡ao dos seus feitos e

enquanto o primeiro é o
cientista moderno, céptico e
positivista, o segundo é uma
reminiscência dos clichés ro
mânticos do anjo derrubado.
Desta forma se inverte a
rela‡ão entre tentado e ten-
tador. O Diabo surge vestido
como um padre moderno,
mas é de tal modo falho de
imagina‡ão que é incapaz
de renovar os seus "jogos de
prestigio", que em tempos
tanto efeito produziam no
homem (veja-se o Fausto de
Goethe) mas se acham dora-
vante completamente ultra
passados. É um diabo algo
simplista, que se intimida
frente à ciência: Fausto quer
reduzi-lo a um objecto de
observa‡ão, quer estudar as
reac‡ões desse representante
do passado de visita "aos
tempos novos". Mefistófele
vê assim a sua própria exis-
tência posta em causa: "Mais
não é do que um produto
da tradi‡ão", um simples fenó
meno etnológico-religioso. Si
os homens deixarem de acre-
ditar nas suas amea‡as ou
se, sem negarem completa-
mente o "mal", perderem todo
o interesse pela sua alma e
pelo conceito de eternidade,
que ficará do Diabo? Uma
figura mitica já caduca, vazia
de qualquer significado. O
Fausto de Valéry tem uma
única paixão: a de não ter
iguais, de se colocar "fora
de jogo" para melhor se rea-
lizar. Além de que possui
uma enorme ambi‡ão: a de
escrever um livro "total",
capaz de substituir os mais
objectivos tratados cientificos,
romantismo. Com efeito,
Mann precisava de um mo-
delo trágico e ambiguo para
poder definir, através do fu-
nesto destino de um artista
moderno, os fatais aconteci-
mentos do passado da Ale-
manha. A figura por ele criada
situa-se no mesmo plano
que o Fausto de Valéry: ambos
partilham do mesmo ideal de
lucidez desapiedada, do
mesmo impulso que tudo
sacrifica à curiosidade do
espirito. Mann esfor‡a-se por
penetrar a essência do mal
que atrai o homem e que o
homem reconhece como sua
própria culpa. Para ele, o
demónio existe realmente, não
é mera projec‡ão das nossas
angústias. Se o seu "Doctor
Faustus" acaso apaga algum
Fausto, não é certamente o
de Goethe, mas antes o
"homem faustiano" positi-
vista dos anos vinte. "O nó
decisivo do romance", escreve
a ilustre germanista Lavinia
Mazzucchetti, "é o encontro
quase voluntário de Adrian
com a doen‡a, a "spirocheta
pallida", que irá acelerar a sua
genial ascensão, para o con-
duzir mais tarde à loucura e
à paralisia". E é precisamente
este encontro voluntário com
a doen‡a que Mann identifica
com o tradicional pacto de
Fausto com Mefistófeles.

Nos nossos dias, um dos
últimos Faustos é o do filme
de René Clair "La Beauté
du Diable" (O Pre‡o da
Juventude). Trata-se de um
Fausto concebido já depois
de a bomba atómica ter ilu-
minado com a sua sinistra
luz o triunfo da ciência, o
frenesim do saber e o desejo
do poeta, tradicionalmente
encarnados em Fausto. René
Clair objecta precisamente a
Marlowe e a Goethe que
Fausto aceita o pacto com
o Demónio sem levantar gran-
des dificuldades. Porém, se se
admite a existência do Diabo,
por maioria de razão haverá
que pressupor a existência
de Deus; simplesmente, "não
é de modo algum inteligente
vender-se a alma ao Diabo
e trocar a felicidade eterna
por alguns anos de prazeres
terrenos". Por outras pala-
vras, com um homem inteli-
gente o Diabo só perde
tempo. Toda a temática de
René Clair assenta na "psico-
logia da tenta‡ão" e na con-
traposi‡ão de desejo e luci-
dez, que demasiadas vezes
tem sido esquecida, se não
por Goethe, por muitos auto-
res que, encandeados pelo
tema tradicional, acharam per-
feitamente natural que o ho-confiasse no Demónio.
Professor célebre e já idoso,
o Fausto de René Clair invoca
o Demónio, que lhe surge
sob a sua própria aparência e
lhe oferece a juventude, sem
lhe impor quaisquer c
‡ões: "A nada te compro-
metes". Fausto, tentada
juventude, em primeiro
depois pela ciência, e,
mente, pelo êxito e pelo,
deixa-se deslizar a pouco a
pouco pelo perigoso declive
dos desejos. Mas não tarda
que o professor anule aquele
instante de fraqueza em que
impelido pelo cego desejo
exigiu do maligno o mítico
"pacto": basta-lhe deter-se
um pouco em reflexão para
se aperceber do abismo uqe
à sua frente se abriu.

A sua lucidez intelectual
leva-o a quebrar imediata-
mente o pacto. Mas se um
instante de lucidez é o bas-
tante para o anular, que ficará
daquele la‡o fatal que o ho-

mem contraiu com o Diabo,
que haverá de trágico na
história ? Bem pouco,
verdade; e René Clair
deixa de ter certa razão
tratando-se de um tipico
"contrato injusto", o pacto
com o Diabo não pode
comprometer e impedir a
liberdade humana. Foi que
brado "de facto" a partir
do momento em que Fauto
recusou o destino que a
princípio escolhera. Contra
a falsa sabedoria do Diabo
"O destino é o destino"
René Clair afirma que nunca
é demasiado tarde para
escolher a própria liberdade.
o o

OS ILUSTRADORES

Poucos terão sido os escritores que, como Goethe, despertaram
a fantasia dos
artistas. Porque ele próprio era pintor e a sua poesia era só
feita de imagens.

Nachtmahr (Pesadelo): foi o titulo que Johann H. Fussli
(1741-1825)
deu a este quadro, em que irrompem já numerosos elementos da
pintura
romantica. Naehttnahr, ser fabuloso da mitologia nórdica,
torna-se
no Fausto, o cavalo de Mefistófeles.
"Coragem, vinde e deixai as vossas armas", diz. Gotz. ao
amigo-inimigo
Weislingen, que acaba de fazer prisioneiro. O quadro de
Tischbein
(à esquerda, em baixo) ilustra a terceira cena do primeiro
acto do grande
êxito da juventude de Goethe, o Gotz. À esquerda, em cima:
aguarela
de Georg Melchior Kraus para uma cena da obra menor do poeta
A Pescadora, representada no parque de Tierfurt (1782).

Orestes e Ifigénia, quadro a óleo pintado por Tisehbein Em
1788,
que ilustra o terceiro aeto de Ifigénia em Táuride. Ifigénia
reconhece no estrangeiro que aportou e seu a intenção de
roubar
a estátua da deusa Artemisa ( Diana) o seu próprio irmão
Orestes.
Um dos primeiros ilustradores populares do Fausto
foi J H. Ra~nberg (1763-1840)muito conhecido
no seu tempo como ilustrador de almanaques
e romances. em baixo: a Noite de Walpurgis.
Também em baixo, à direita: Valentim ~ mortalmente
ferido por Fausto, amaldiçoa Margarida, sua irmã
.
em cima: Werther e Lotte
com os Irmãos ( 1 792),
desenho aguarelado de E. F.
Donat ( 1764-1826) .
"Ao passar a porta vi o mais
encantador espectáculo do
mundo. Seis crianças, dos
seis aos onze anos, rodeavam
uma atraente jovem de
estatura meã, que envergava
Um simples vestido branco,
ornado de laços cor-de-rosa"
(Werther). A esquerda:
desenho a carvão de Angélica
Kaufftmann para o terceiro
acto da Ifigénia.
Na página anterior: fiel transcrição pictórica da cena
do jarditn, do Fausto, realizada cerca de 1815 por Gustac
Heinrich Naeke (1786-1835), desenhador, pintor e professor
na Acadeunia de Belas-Artes de Dresde: Margarida desfolha
a tradicional Margarida para saber se Fausto a ama
verdadeiramente. Ao fundo, Mefistófeles conversa com Marta.

Em cima: duas gravuras extraidas de desenhos do célebre Peter
von
Cornelius (1783-1867), pintor alemão que fem parte do circulo
dos
"Nazarenos", em Rseua: O Primeiro Encontro de Fausto com
Margarida e A Taberna de Auerbach. Louvando muito Embora o
talento do pintor, Goethe não mostrou particular agrado por
estes desenhos.
À esquerda, em cena
a cena do jardim..
em baixo: a casa
da vizinha, onde Mefistóleles
conta a Marta a morte
do marido. Estas duas
gravuras a cores são
da autoria de Friedrich
August Moritz Ret~.
(1779 1857), professor
na Acadeunia de Pintura
de Dresda, o qual, com Naeke
e Cornelius, foi um dos
primeiros ilustradores
do Fausto. A1iás, foi
ele o primeiroo a fixar
e a interpretar pictòrica
as diversas situações de
poema, servindo assim
de modelo aos sucessivos
ilustradores. Goethe gostou
muito das gravuras de
Retzsch porque, na sua
opinião, o artista soubera
captar e exprimir o esse

Na página seguinte:
uma sugestiva imagem,
repassada de melancólica
gravidade, devida ao pincel,
de ,Ary Scheffer (1795-1858)
pintor holandês da escola
francesa, aluno de Guérin
e condiscipulo de Delacroix
e Gericault:
Margarida na Fonte.
"Como veio este belo cofre aqui parar" Margarida
encontra as jóias no quarto. F. Riepenhausen
(1786-1831) soube captar com notável agudesa
psicológica a surpresa da ingénua rapariga. "O artista
depende mais do que se julga do poeta e do escritor",
disse Goethe em 1806, ao comentar esta obra.

Para Hermann e Dorteia
(em baixo), duas aguarelas
de C. W. Kolbe (1781-1853)
famoso representante da corrente
romântica alema, que ilustrou
as obras de Tieck e Hoffmann.

Na página seguinte:
Margarida e Fausto na
Prisão, por Luduig F. S. Aon
Carolsfeld ( 1788-1853),
pintor austriaco, irmão de Ufi
dos "Nazarenos" de Roma.
ra página anterior: Cena do Bloclsberg, de A. Zimmermann
809-1888), aluno da Academia de Dresde. Mefistófeles e Fausto
rigem-se para o "campo de batalha" da noite de Walpurgis,
. noite que precede o l.o de Maio e em que as feiticeiras e os
espíritos demoníaeos se reúnem para celebrar o seu sabbat com
grandes orgias.

Em cima: Fausto e Mefistófeles , de Delaeroix (1798-1863);
o grande pintor frances foi certamente o mais fiel e genial
intérprete
da obra goetheana: "Delacroix é um artista de excepcional
talento,
que eneontrou preeisamente no Fausto o seu verdadeiro
alimento. Os
Franeeses censuram-lhe o seu ardor, que aqui se enquadra
perfeitamente", escreveu Goethe.

1 1 7
em baixo: de Arthur Freiherr uon Ra~nberg (1819-1875), pintor
austríáco
um quadro de inspiração Gertheriana, Leitura num Parque,
igualmente conhecido
pelo nome de Werther e Lotte (conquanto não haja no romance
qualquer alusão
a uma cena deste tipo). Aparição de Helena (Fausto, acto III),
de H. Fantin-Latour
(1836-1904), célebre pintor, desenhador e litógrafo que nasceu
em Grenoble
e viveu em Paris, onde chegou a frequentar o circulo dos
impressionistas. Eugen
Napoleon Neureuther (1806-1882), desenhador e pintor de
Munique,
discipulo e colaborador de Cornelius, pintou inúmeras cenas
inspiradas nas
obras-primas da literatura alemã. De Goethe ilustrou poesias,
bem como o Gotz
von Berlichingen e o Fausto. "Raras vezes me aconteceu
encontrar no dominio
da arte um talento mais sedutor que o de Neureuther", disse
Goethe a seu respeito.
em baixo : um quadro seu que ilustra o canto I V de Hermann e
Doroteia.

Retrato de Gotz von Berlichingen realizado por
L. Corintb (1858-1925), o maior representante
do impressionismo alemão, para o frontispicio
de uma reedição da obra. além de pintor, Corinth
foi um litógrafo de fama: a série de gravuras
para o Gotz foi executada entre 1921 e 1922.

Mehstófelcs leva às costas Fauto
desmaiado, ilustracão de J. Weiss
para uma edição do Fausto, de 1920
Em baixo: xilogravura do expressionista
alemão E. Barlach ( 1870-1938)
"A noite de Walpurgis".

GOETHE E A CRITICA

Por parte dos contemporeneos, os mais exaltados louvores
surgem lado a lado
com ferozes cr¡ticas. At‚ que acaba por nascer e agigantar-se
o mito
europeu do "olimpico", que faz t bua rasa das habituais
reservas ideol¢gicas.

Com a publica‡"o de "Gätz
von Beriichingen", aos 24
anos de idade, Goethe alcan‡a
um lugar de relevo na litera-
tura alem" e torna-se o chefe
de fila do "Sturm and Drang".
Publicado em 1773, o drama
provoca entusiasmo e nume-
rosas imita‡"es. Represen-
tado em Berlim no ano
seguinte, obt‚m um ‰xito
excepcional junto do p£blico.
S¢ Frederico II o critica:
"Levam agora ... cena um
Gätz que n"o passa de uma
reprov vel imita‡"o dessas
com‚dias inglesas de m qua-
lidade; e a gente da prateia
aplaude e pede com entu-
siasmo a repeti‡"o daquela
coisa vulgar e repugnante".
Mas para os jovens escrito-
res, sobretudo para os autores
de dramas de cavalaria, que
entraram em moda, o nome
de Goethe ‚ doravante o
simbolo da liberdade num
mundo degenerado, mesqui-
nho e aborrecido. Aos 25
anos, Goethe conhece novo
e retumbante ‰xito com a
publica‡"o do romance "Os
Sofrimentos do Jovem Wer-
ther"; a partir dai, passam a
referi-io apenas como "o
autor do Werther". A indu-
mentaria ... Werther (casaca
azul, colete amarelo e bota
alta) ‚ a £ltima palavra em
moda, e os jovens Werther
s"o em n£mero infinito. O
‰xito de Goethe torna-se
mundial, e a pequena obra
d a volta ao Globo. Os pro-
tagonistas do romance, Wer-
ther e Lotte, chegam a ser
reproduzidos em objectos de
porcelana da China. N"o h
quem consiga furtar-se ao
fasc¡nio daquela prosa nova
e perturbante; o pr¢prio Na-
pole"o l‰ o "Werther", ...
sombra das pirmides. De-
pois da publica‡"o da obra,
Goethe s¢ a rel‰ uma vez
mais. "Sinto-me pouco se-
guro-diz-, trata-se ape-
nas de foguet"es incendi -
rios". O certo ‚ que eram
foguet"es que funcionavam
perfeitamente no clima da
‚poca, na insatisfa‡"o da
monotonia quotidiana, na sen-
sibilidade sentimental dos jo-
vens. Durante uma boa d£zia
de anos, o famoso autor do
"Gätz" e do "Werther" n"o
publica nenhuma obra impor-
tante. O mundo das letras
d -o por perdido. Em Weimar,
Goethe torna-se um cortes"o,
um homem de governo.
Quando se decide a publicar
os seus "Escritos" numa re-
colha de oito volumes, j o
‰xito n"o parece t"o disposto
a sorrir-lhe. As obras que vie-
ram acrescentar-se ao "Gätz"
e ao "Werther" revelam um
Goethe profundamente mu-
dado, mais dif¡cil de entender.
A pr¢pria comunidadezinha
de Weimar se mostra sur-
preendida, perplexa. A "Ifig‚-
nia", que os amigos de
Weimar haviam admirado na
primeira vers"o em prosa,
surpreende-os quando publi-
cada em verso; o "Egmont"
"faz abanar a cabe‡a".Quando,
nos £ltimos volumes, s"o

publicados o "Tasso" e o
"Fausto, um Fragmento", nin-
gu‚m brada ao milagre. Que
contraste com a tens"o que,
dez anos antes, suscitara a
not¡cia de que o "autor do
Werther" estava a trabalhar
num "Fausto"! Na verdade,
n"o obstante as diversas
lacunas e a aus‰ncia de um
final, o fragmento apenas ‚
dado ... estampa a fim de com-
pletar os oito volumes da
recolha. Doravante, a indi-
feren‡a do p£blico ir acom-
panhar os restantes 42 anos
da vida e da actividade liter -
ria de Goethe. O £nico ‰xito
ser "Hermann und Doro-
thea", em 1797, cujo enredo
a todos comove e em que a
burguesia se encontra fiel-
mente espelhada. Tamb‚m o
"Fausto, Primeira Parte" des-
perta, em 1808, um certo inte-
resse no mundo liter rio, en-
quanto "Poesia e Verdade",
de 1813, ‚ acolhido com uma
certa curiosidade por todos
aqueles que esperam encon-
trar na t"o aguardada auto-
biografia algumas revela‡äes
explosivas.

Traidor ... p...tria!

S"o muitos os contempor-
neos de Goethe que o conhe-
cem n"o directamente, pela
leitura das suas obras, mas
pelas recens"es cr¡ticas que
por toda a parte se publicam.
Os escritores que se sentem
ofendidos, incompreendidos
ou afastados do c¡rculo de
Goethe, como Kotzebue e
Menzel, procuram humilh -lo:
"T‰m-no sobrestimado", di-
zem. No campo da pol¡tica,
come‡am por censurar-lhe
o seu' Parco sentido demo-
cr tico e o servilismo para
com os pr¡ncipes, chegando
depois a mais graves acusa-
‡"es: "traidor ... p...tria", "anti-
alem"o". Os jovens volunt -
rios da guerra da liberta‡"o
de 1813, contra Napole"o,
moldam a sua vida de acordo
com ideais nacionalistas e
religiosos e n"o parecem
encontrar uma express"o
digna e satisfat¢ria do seu
mundo espiritual na obra de
Goethe, que recusa desde-
nhosamente todo o roman-
tismo e a adora‡"o pela alta
Idade M‚dia, em que esses
jovens v‰m realizadas as
suas aspira‡"es. T"o-pouco
nos ambientes eclesi sticos
O juizo ‚ ben‚volo. Goethe
passa por amoral, por pag"o.
Os dois jornais liter rios de
maior cr‚dito na ‚ ‚poca s"o-
-lhe ferozmente contr rios.
Em 1825, Cotta, que ‚ o
editor de Goethe, confia a
dire‡"o do peri¢dico liter rio
"Literaturblatt" a Woifgang
Menzel, que mant‚m o cargo
at‚ ... morte, em 1873. E ‚ de
tal modo cerrada a aut‰ntica
cruzada antigoethiana movida
pelo jornal que este nem
sequer menciona a morte do
Poeta, em 1832.
Aquando da publica‡"o do
"Fausto, Segunda Parte",
Menzel faz a recens"oo cr¡tica
em tr‰s n£meros da revista,
de 6 a 10 de Maio de
1833. E n"o deixa de tro‡ar:

"Goethe apresenta-nos o C‚u
crist"o como a corte de uma
serena rainha, porventura a
corte da jovial Maria Anto-
nieta. A sua volta apenas
vemos damas e pajens vesti-
dos de anjos, maiores e
menores. N"o h um £nico
homem em todo o C‚u
com excep‡"o de um ou outro
m¡stico, logo ... entrada, que
faz de devoto porteiro. At‚
que aparece o pobre pecador
- de excelente aspecto -,
uma dama da corte reza por
e, a rainha do C‚u sorri e
concede-lhe uma sinecura
no C‚u. Assim representa
Goethe a apoteose de Fausto
no para¡so. Se Fausto, pelo
facto de ter seduzido Gret-
chen e de a ter abandonado,
merece o Ceu, todo o porco
que se rebole num canteiro
de flores merece ser jardi-
neiro ... "
Na Alemanha, o segundo
grande potentado liter rio da
primeira metade do s‚culo
XIX ‚ o "Jornal da Igreja
Evang‚lica (Evangeiische Kir-
chenzeitung"), fundado em
1827 e publicado por Ernst
Wiihelm Hengstenberg. Eis
a sua opini"o: "Para Goethe,
a arte ‚ um meio de criar ilu-
säes e superar a sua imorali-
dade e o seu afastamento de
Deus". Outro influente adver-
s rio ‚ Ludwig Borne, um
judeu alem"o que emigrara
Para Paris. Partid rio do libe-
ralismo franc‰s, censura a
Goethe o facto de ter cola-
borado com o absolutismo
renascente e de ter aceite
um t¡tulo nobili rquico; ape-
lida-o de "servo de pr¡ncipe"
e de "poeta sem compreens"o
social". O seu talento ‚ formal,
falho de princ¡pios. A sensua-
lidade ‚ fr¡vola; nas rela‡"es
com as mulheres falta-lhe
fidelidade: nasceu e sempre
se manteve "actor". Tudo isto,
estando Goethe ainda vivo.
Assim se explica facilmente
a atitude do "Ol¡mpico" para
com os seus contemporneos:
n"o se interessa por eles,
apenas tem presente as gera-
‡äes futuras. n"o quer por isso
confiar-lhes o seu " Fausto,
Segunda Parte", n"o quer
assistir pessoalmente ... ine-
vit vel indiferen‡a frente ...
maior das suas obras, ou ...
sua recusa. Como n"o podia
deixar de ser, os ferozes ata-
ques da cr¡tica iriam reper-
cutir-se na opini"o p£blica;
durante v rias d‚cadas, e em
parte ainda hoje, Goethe foi
considerado um poeta sem
moral, um pag"o, um inimigo
da religi"o, um ego¡sta culto,
um homem bafejado pela
sorte (em contraste com o
pobre Schiller), um ministro
nobilitado que se mantinha
afastado do povo e dos seus
problemas - a revolu‡"o e
as guerras pela liberta‡"o
nacional. O per¡odo de oiro
de Weimar (o do binômio
Goethe-Schilier) ficou na his-
t¢ria alem" como cl ssico. Na
Roma antiga, era "ciassicus"
quem pertencia ... primeira
classe dos cidad"os. Em G‚iio,
no s‚culo li da nossa era,
surge a express"o "scriptor
classicus)> para designar um
escrito exemplar. Goethe,


Schiier e Hälderlin contam-se
entre os "cl ssicos" da litera-
tura alem", pela sua qualidade
estii¡stica e, em parte, por
se terem inspirado na arte
grega, que desde sempre foi
modelo de beleza, pureza e
harmonia. Se para o iiumi-
nismo a poesia era um meio
de aproximar o povo do
saber e da moral, Goethe
descobriu o valor intr¡nseco
da arte, ‚ o iniciador do culto
da est‚tica. Para ele, a lite-
ratura destina-se unicamente
...s ‚lites. Tudo isto explica
bastante facilmente por que
raz"o a sua obra nunca
gozou de grande populari-
dade. Para mais, n"o tardou
a exercer certo peso, nessa
aprecia‡"o negativa, um
motivo de ordem sociol¢-
gica e pol¡tica. No s‚culo
XIX, os Alem"es comecem
a forjar uma mentalidade
democr tica; a burguesia
abandona a sua condi‡"o de
depend‰ncia, para assumir o
papel de criadora do seu
pr¢prio destino. O "tom bur-
gu‰s" da vida torna-se um
facto indiscut¡vel. E Goethe
surge a essa sociedade reno-
vada como um aristocrata,
como um pr¡ncipe no campo
da arte, o "Ol¡mpico". Na
‚poca do naturalismo, a fase
de Goethe mais apreciada ‚ a
do "Sturm und Drang": a
aus‰ncia de forma, a ge-
nialidade espontnea, quase
primitiva - ainda que ra-
dicada numa profunda cul-
tura-, a exalta‡"o da natu-
reza, a originalidade da lin-
guagem, o desregramento de

"eros", a paix"o. O Goethe
weimariano, apol¡neo, cl s-
sico, n"o agrada, n"o inte-
ressa. A obra do jovem
Goethe ‚ considerada "tipi-
camente alem"" e por isso
mesmo v lida; mas a atmos-
fera de Weimar e a atraente
viagem a It lia afastam
Goethe daquele in¡cio pro-
metedor, para o conduzirem
pelos trai‡oeiros caminhos
do ciassicismo, do cosmo-
politismo e dos desvios
"orientais".
Significativo exemplo desta
onda de impopularidade ‚-nos
fornecido pela cidade de Ber-
lim, que, por ocasi"o do l 50.-
anivers rio do nascimento do
escritor, em 1899, n"o orga-
niza qualquer festividade.
T"o-pouco a Universidade se
preocupa com recordar o
grande poeta. S¢ alguns es-
tudantes organizam particu-
larmente uma comemora‡"o,
juntamente com a comuni-
dade dos Livres Pensadores
e dos Anarquistas, que fes-
tejam condignamente o acon-
tecimento. Nas restantes ci-
dades, as manifesta‡äes n"o
assumem relevo de maior.

Em l810, Beethoven compäe
a m£sica para o "Egmont", de
Goethe, "unicamente poramor
dos seus poemas, que me
tornam feliz", segundo as
suas pr¢prias palavras. Dos
603 "Lieder" musicados por
Franz Schubert, cerca de uma

centena s"o de Goethe, o
que reveste enorme impor-
tncia para a divulga‡"o da
obra de um autor, numa ‚poca
em que ainda se toca m£sica
em fam¡lia. Johannes Brahms,
em contrapartida, abst‚m-se
de musicar l¡ricas do poeta,
visto que, como expressa-
mente afirma, representam um
universo de tal modo perfeito
que lhe parece imposs¡vel
acrescentar-lhe seja o que for.
O mesmo acontece prov...vel-
mente com Robert Schu-
mann, que apenas nos deixou
os "Lieder" de "Wilhelm Meis-
ter, no seu "Opus" 98, en-
quanto Hugo Woif opta
sobretudo pelo "Div"" ou por
poesias menos conhecidas.
Nos £ltimos anos da vida
de Goethe, Hector Berlioz
envia ao poeta um esbo‡o
do seu "Fausto", que acaba
por ampliar em 1849, na
orat¢ria "A Danac"o de
Fausto". Mas ‚ infind vel a
s‚rie de compositores que
procuram "ilustrar musical-
mente" o "Fausto", em com-
posicäes que v"o do "Fausto"
de dounod (l859) ... orat¢ria
de Schumann, da sinfonia
de Lizst ao "Mefist¢feles" de
Arrigo Boito e ... ¢pera incom-
pleta de Ferruccio Busoni
(l920); para n"o falarmos j
de uma experi‰ncia mais
recente, o "Votre Faust" (pri-
meira representa‡"o absoluta
em Mil"o, no PI ccola Scala,
a 15 de Janeiro de 1969),
do c‚lebre escritor franc‰s
Michel Butor e do compositor
belga de vanguarda Henri
Pousseur, no qual, em confor-


GOETHE E A CR¡TlCA

midade com os ditames do
"teatro aberto" ou "teatro
total", o p£blico interv‚m
para alterar o curso dos acon-
tecimentos.

Lenine
o Fausto

A revolu‡"o industrial, que
provoca um depauperamento
geral das massas trabalhado-
ras, vem criar e condicionar
um novo sistema filos¢fico e
uma nova doutrina pol¡tica e
social: o marxismo. E tamb‚m
no piano da cr¡tica est‚tica
o marxismo tende a colo-
car-se numa posi‡"o de
recusa dos cnones vigentes..
numa atitude inovadora. No
campo liter rio, mant‚m-se
ligado ... imagem do Goethe
Ol¡mpico (entendido em sen-
tido negativo), sem por isso
aceitar as ferozes criticas de
Menzel e Borne. Engeis päe em
relevo o desacordo existente
entre a tend‰ncia libertaria do
poeta e a sua incapacidade
de se libertar de certos la‡os
adquiridos pela educa‡"o ou
por culpa do ambiente em
que cresceu. "Goethe e Hegel
eram, cada qual no seu campo,
deuses supremos, mas ne-
nhum deles conseguiu matar
por completo o "filisteu" que
traziam dentro de si. O seu
temperamento, as suas for‡as,
toda a sua atitude orientavam
Goethe para a vida pr tica;
mas viviam-se tempos obs-
curos. Nem sequer Goethe
seria capaz de vencer a mi-
s‚ria espiritual alem"; muito

124

pelo contr rio, essa mis‚ria
era de tal modo forte que
acabaria por derrot -lo. Foi
este o drama constante de
Goethe: viver numa condi‡"o
que tinha de desprezar,
achando-se todavia ligado ao
£nico ambiente em que podia
ser activo". E Engels acres-
centa: "n"o censuramos Goe-
the, como Borne e Menzel,
por n"o ter sido liberal e por
ter agido como um ,filisteu",
por n"o ter sentido qualquer
entusiasmo pela liberdade
alem" ou por ter sido um
cortes"o, mas por se ter
consagrado, com solene se-
riedade, no tempo em que
Napole"o limpava os grandes
est bulos alem"es de Augeias,
...s insignificantes vicissitudes
e aos "menus piaisirs" de
uma das mais min£sculas
cortes da Alemanha. n"o lhe
levantamos objec‡äes de or-
dem moral ou de partido, mas
acima de tudo de ordem
est tica e hist¢rica. n"o me-
dimos Goethe com nenhum
metro moral, pol¡tico ou
"humano". S¢ nas coisas
humanas Goethe se sentia ...
vontade, e ‚ essa humanidade,
essa emancipa‡"o da arte dos
v¡nculos da religi"o que fazem
a sua grandeza" (de um
jornal de emigrantes alem"es,
Bruxelas, 1847). No entanto,
esta estima por parte dos
"Ieaders" cient¡ficos e pol¡-
ticos do movimento oper rio
alem"o - Lenine levara para
o seu ex¡lio na Sib‚ria um
£nico livro: o "Fausto", de
Goethe- n"o foi partilhada
pelas massas.

Nietzsche
e Hermann Grimrn
abrem caminho
ao homem faustiano

A curva do ‰xito de Goethe
na Alemanha atinge o seu
ponto mais baixo pelos mea-
dos do s‚culo XIX. Mas
mesmo nessa fase n"o deixa
de haver estudiosos, expoen-
tes das igrejas ou da ala
nacionalista do pa¡s, capazes
de admirar Goethe e de
reconhecer o seu alto valor
art¡stico. Um dos poucos que
vive numa "atmosfera goe-
theana" e encontra inspira‡"o
no patrim¢nio po‚tico do
"Ol¡mpico" ‚ Wiihelm Raabe,
que em 1867 publica o ro-
mance "Abu Teifan". Raabe
recorda que "existem duas
Alemanhas: lado a lado com
a Alemanha materialista,
ego¡sta e obtusa, existe outra,
secreta, que respira o esp¡rito
de Goethe ... " Tamb‚m em
"Der Grune Heinrich" "(Hen-
rique, o Verde", 1854), de
Gottfried Keller, h uma refe-
r‰ncia a Goethe; um ferro-
-velho que n"o sabe o que
ha -de fazer aos 40 volumes
das obras do poeta manda-os
a um pintor falido, homem
original, que os n"o pode
comprar. Durante semanas
seguidas, por‚m, o pintor
mergulha na sua leitura. Para
Kelier, Goethe ‚ um s¢lido
guia moral, que contrasta
com a nebulosidade romn-
tica. O movimento de redes-
coberta do valor de Goethe
coincide com a cessa‡"o, em
1867, dos direitos de pro-
priedade exclusiva do editor
Cotta, que torna Poss¡vel uma
maior difus"o e divulgaco
de todos os escritos goethea-
nos por parte de muitos outros
editores. Lentamente, vai-se
verificando tamb‚muma evo-
lu‡"o favor vel da cr¡tica.
A viragem decisiva d -se nos
anos de 1874-1875, quando
Hermann Grimm rege um
curso sobre a obra de Goethe
na Universidade de Beriim;
dados ... estampa, os aponta-
mentos das li‡äes alcan‡am
enorme ‰xito. Grimm pretende
sobretudo mostrar como Goe-
the possu¡ra "a inef vel capa-
cidade de viver simultnea-
mente em dois mundos, que
unia Perfeitamente, ao mesmo
tempo que os mantinha com-
pletamente separados"; e
"Como esse g‰nio, que tanto
concedia ao tumulto dos
homens e ...s vicissitudes,
vivia tamb‚m indizivelmente
S¢"; Por £ltimo, procura ilu-
minar a personalidade de
Goethe na sua totalidade, e
n"o apenas na unilateralidade
de determinadas caracter¡s-
ticas ou tend‰ncias. Grimm
crescera num ambiente em
que todos conheciam Goethe
pessoalmente - seu pai, os
amigos da fam¡lia, Aiexander
von Humboidt, sua sogra
Bettina Brentano - e cuja
relac"o com o poeta fora
precisamente de filhos espi-
rituais. O provavelmente esta
"tradic"o familiar" que con-
fere calor ...s suas palavras,
que jovens e velhos ouvem
com tamanho interesse e
tamanho entusiasmo. Mas
n"o ‚ apenas por Grimm que
os estudantes acorrem: ‚
tamb‚mpara ouvir falar de
Goethe. A partir deste mo-
mento, simples leitores ou
cr¡ticos - uns com o seu
entusiasmo, outros com a sua
paix"o de estudiosos -, todos
contribuem para o engrande-
cimento e a consagra‡"o
definitiva do prest¡gio de
Goethe. Diz muito justamente
Hermann Grimm: "H tr‰s
grandes poetas que, antes
de Goethe, tiveram sobre os
povos de que nasceram um
efeito comp rvel ... influ‰ncia
de Goethe na Alemanha:
Hornero, Dente e Shakes-
peare". O Caminho aberto por
Grimm logo outros o tomam.
Wilhelm Dilthey, um dos seus
disc¡pulos, publica um ensaio
em l 877: "Goethe e a Fantasia
Po‚tica" (posteriormente am-
pliado e inserido em "Expe-
ri‰ncias e Poesia", i 905).
A Personalidade de Goethe
‚-nos a¡ apresentada ... luz de
urna cr¡tica mais moderna,
isenta de preocupa‡"es poli-
ticas, sociais, ideol¢gicas, po-
sitivistas ou puramente for-
mais. Para a efectiva difus"o
e avalia‡"o do valor de
Goethe, torna-se todavia ne-
cess rio que um fil¢sofo, que
viria a tornar-se essencial
para a cultura de todo o
jovem alem"o, o considere
como um elemento formativo
indispens vel: Friedrich Nie-
tzsche. Todos os seus escritos
se acham semeados de refe-
r‰ncias a Goethe. Em 1876,
Goethe e Wagner s"o clas-
sificados de "raros". O en-

contro do poeta com Napo-
le"o, que para a grande
maioria ‚ "uma pedra de
escndalo", constitui para
Nietzsche um ponto culmi-
nante da hist¢ria mundial;
em todo O s‚culo XIX h ape-
nas dois livros bons: "0 Me-
morial de Sta. Helena" e os
"Col¢quios de Goethe com
Eckermann". Entre os "euro-
peus" do futuro, cita Napo-
le"o, Goethe, Beethoven,
Stendhal, Heine, Schope-
nhauer; e entre os que s"o
"grandes" pelo seu cepti-
cismo, aponta Czar, Frede-
rico, o Grande, Napole"o,
Homero, Arist¢fanes, Leo -
nardo e Goethe. Pela sua
"forte maneira alem"", pare-
cem-lhe caracter¡sticos Haen-
dei, Leibniz, Goethe, Bis-
marck. E entre os seus "ante-
passados espirituais" enumera
Heraclito, Emp‚docles, Spi-
noza e Goethe. Entretanto,
prediz que a ‚poca de Goethe
mal se iniciou. Sob a influ‰n-
cia destes e de tantos outros
Protagonistas do mundo cul-
tural alem"o, vai finalmente
surgindo uma vis"o orgnica
da personalidade de Goethe.
Como Nietzsche, tamb‚mo
poeta Stefan George (tra-
dutor da "Divina Com‚dia"),
que voltou costas ao natura-
lismo para restituir ... poesia a
sua dignidade e a sua pureza
sacerdotal, procura "a primi-
tiva imagem humana do
Grande, encarnada pelo di-
vino, e que ‚ norma e juizo
para todos os tempos": e
encontrada precisamente na
obra de Goethe.


GOETHE E A CR¡TlCA

O que George aprecia muito
em especial ‚ a "feliz medida>)
a que se refere no poema
"A £ltima Noite de Goethe
na It lia" (l9O8): aquela me-
dida alcan‡ada gra‡as ao
conhecimento da beleza clas-
sica. E quando publica uma
antologia l¡rica em tr‰s vo-
lumes "(Poesia Alem""),
George reserva o primeiro
volume exclusivamente a
Goethe, intitulando os dois
restantes "0 S‚culo de
Goethe". A biografia do poeta
"(Goethe", 1918) escrita por
Friedrich Gundolf, professor
de hist¢ria da literatura em
Heideiberg, cria uma imagem
do biografado que viria a ser
mais tarde aceite por toda
uma gerac"o. Com ela, Gun-
dolf pretende definir o poeta
em toda a sua integridade,
visto que ‚ "a unidade maior
em que encarnou o esp¡rito
alem"o".
At‚ ent"o, sempre se procurara
aprender alguma coisa "a
respeito de" Goethe; dora-
vente, trata-se de aprender
"com" Goethe. O poeta de
Weimar colocara-se muito
acima do seu tempo; com
excep‡"o dos poucos que
logo intu¡ram a sua grandeza,
s¢ a cem anos de distncia
se tornou poss¡vel apreci -lo
devidamente. A princ¡pio,
Goethe fora o porta-voz de
uma gera‡"o jovem; um dia,
por‚m, separou-se dos com-
panheiros, consciente dos pe-
rigos a que o expunha a sua
impaci‰ncia. Sabia que era
preciso saber esperar, e que
havia entretanto que formar

126
o homem novo, atrav‚s do
estudo e do desenvolvimento
total da sua pr¢pria persona-
lidade. O desta atitude plena-
mente voltada para o futuro
que nasce o contraste entre
Goethe e o seu tempo, e
tamb‚m o seu isolamento,
sobretudo depois do regresso
da It lia, que s¢ a amizade
com Schiiler viria interromper.

Hitier: "n"o gosto nada de
Goethe. Mas perdoo-lhe
muitas coisas ... "

O pretenso apolitismo de
Goethe, os ideais de tole-
rncia, o humanismo, o seu
desejo de uma sociedade
universal, interpretados como
desprezo pela sua pr¢pria
na‡"o, em benef¡cio de um
cosmopolitismo declarado,
n"o poderiam nunca garan-
tir-lhe o favor dos nazis.
Alguns deles chegaram
mesmo a pensar eiimin -lo
por completo da vida cultural
alem", inclusivamente porque
fora franco-ma‡"o, por cujas
ideias os nazis n"o tinham
qualquer tipo de simpatia.
Quem se opôs ... "depura‡"o"
de Goethe, por‚m, foi pre-
cisamente o chefe da organi-
za‡"o juvenil do movimento
hitleriano, Baidur von Schi-
rach, que crescera em Weimar,
onde seu pai fora durante
muitos anos director do Tea-
tro Nacional. A fim de tornar
mais consistente a sua opo-
si‡"o, Schirach publicou uma
pequena antologia de Goethe,
onde reuniu todos os trechos

da obra do "Ol¡mpico" que
pudessem surgir como uma
antecipa‡"o das ideias nazis.
Retiradas do seu contexto,
muitas das cita‡äes eram
arbitr rias, mas conseguiram
de qualquer maneira calar a
oposi‡"o levantada contra
Goethe. Em vez de o desa-
creditar, parecia mais £til
servirem-se dele com vista
... propaganda do partido.
E o pr¢prio Fausto, mito tra-
dicional do g‰nio alem"o, ‚
apresentado como s¡mbolo da
Alemanha nazi.
O "homem faustiano" de
Oswaid Spengier, s¡mbolo do
homem ocidental, ‚ "nacio-
nalizado". Na sua obra "0
Mito do S‚culo XX", Alfred
Rosenberg, te¢rico do par-
tido, encontra em Fausto o
eco da eterna necessidade de
agir, t"o caracter¡stica dos
Alem"es. Em conversa com
Rauschnigg, Hitier exprimira
opini"o id‰ntica: "n"o gosto
nada de Goethe. Mas perdoo-
-lhe muitas coisas, apenas
porque escreveu: "Ao princ¡-
pio era a acc"o"". E Baidur
von Schirac conclui uma
manifesta‡"o em Weimar com
estas pat‚ticas palavras:
"Diz-me, alem"o: qual ‚ o
livro alem"o por excel‰ncia?
O "Fausto!"; enquanto Goeb-
beis afirma: "S¢ trago um
livro no bolso: o "Fausto".
A primeira parte, leio-a. Mas
sou demasiado est£pido para
a segunda". Entretanto, tam-
b‚m aqueles que eram con-
tr rios ao regime recorriam a
Goethe e apelavam para a sua
autoridade a fim de denun-
ciar o perigo nazi do nivela-
mento de valores, como
Eduard Spranger, em 1938,
num artigo intituiado "A maior
ventura dos mortais ‚ a sua
pr¢pria personalidade", ou
Hans Carossa, na sua con-
fer‚ncia "A influ‚ncia de
Goethe nos nossos dias".
Actualmente passou-se a um
exagero no sentido contr rio:
deixou de haver limites para
se exaltar Goethe; todos os
escritores da moderna litera-
tura alem" a ele se referem.
De Riike a Hofmannsthal, de
Hauptmann a Thomas Mann
ou Hermann Hesse, n"o houve
um £nico que pudesse ou
quisesse furtar-se ao seu
fasc¡nio: "Se Goethe fosse
ainda vivo, continuaria a ser
para n¢s, hoje mais do que
nunca, o grande guia";
"Goethe, o maior poeta "tout
court"; "Schiller sobe at‚ ...s
alturas, Goethe vem-nos das
alturas"; "n"o temos uma
literatura moderna. Temos
Goethe e depois v rias ten-
tativas".

"N"‡"es um estranho
para mim", escreve-lhe
Manzoni

Na Europa, a It lia, a quem
Goethe tanto deve como en-
tusiasta da cultura cl ssica,
oiha-o Com incerteza, d£vida
e cepticismo. Claro que tam-
b‚m na pen¡nsula it lica ‚
enorme o efeito produzido
pelo "Werther". Simplesmente,
quase ningu‚m o l‰ na l¡ngua
original: tanto a condessa

Aresi, que o traduz, como
Ugo Foscoio, que esbo‡a as
"£ltimas Cartas de Jacopo
Ortis" sob a recente impress"o
do "Werther", apenas o co-
nhecem atrav‚s de tradu‡"es
francesas. De qualquer modo,
‚ sempre com o maior entu-
siasmo que os romnticos
italianos se referem a Goethe
e a Schiiler na sua luta contra
os cl ssicos. Assim se atinge
uma situa‡"o de certo modo
paradoxal: a It lia, ... qual
Goethe deve precisamente o
seu interesse pelo mundo
cl ssico e a sua defec‡"o do
Romantismo, apela para as
suas obras da fase do "Sturm
und Drang" para enveredar
Por esse mesmo Romantismo.
O pr¢prio Goethe interv‚m
nos c¡rculos liter rios italianos
com o seu tratado "A
Veemente Luta entre cl ssicos
e Romnticos na It lia"
(l820), para recordar que os
ensinamentos sobre os valo-
res humanos e morais da
antiguidade revestem, em £l-
tirna an lise, importncia
id‰ntica aos ensinamentos
legados pelo cristianismo e
Pelos acontecimentos nacio-
nais. E ‚ precisamente a
Goethe, que o considera
COMO O maior romntico
italiano e possuidor de uma
s¢lida cultura e prepara‡"o
cl ssica, que Manzoni deve a
fama mundial. No ano se-
guinte ao da redac‡"o de
"0 Cinco de Maio" (l821),
Goethe traduz esta ode para
alem"o e publica-a numa
revista. Mais tarde, em 1827,
Promove a publica‡"o em

italiano, num editor de lena,
das "Obras Po‚ticas" de Man-
zoni, escrevendo ele pr¢prio o
pref cio. E Manzoni tem cons-
ci‚ncia do muito que deve
a Goethe. Ao enviar-lhe um
exemplar de "Adelchi", ‚ do
pr¢prio "Egmont" que retira
as palavras da dedicat¢ria:
"n"o ‚s um estranho para
mim. O teu nome iluminou a
minha primeira juventude
como uma estrela do firma-
mento. Muitas vezes te ouvi,
te interroguei".
Na It lia, o "Fausto" n"o
encontra um eco imediato.
A viragem decisiva para uma
maior compreens"o da obra-
-prima goethiana deve-se
principalmente a Francesco
de Sanctis, e a sua primeira
tradu‡"o a Giovita Scafvini.
Impresso em Mil"o em 1835,
o "Fausto" desperta a mais
viva admira‡"o de Giuseppe
Mazzini, Vincenzo Gioberti e
Benedetto Croce.
A par das tradu‡äes e dos
muitos contributos dos ger-
manistas italianos, uma das
obras fundamentais de Croce,
"Goethe" (l 91 9) documenta o
favor que, mais de um s‚culo
ap¢s a sua morte, o maior
escritor alem"o de todos os
tempos veio a gozar na It lia.

Acolhimento dispensado
a Goethe na Fran‡a, na
Inglaterra na R£ssia
e na Espanha

Dos juizos feitos pelos es-
trangeiros a respeito da lite-
ratura alem", o dos Franceses


GOETHE E A CR¡TlCA

sempre foi considerado o mais
significativo, atendendo aos
estreitos la‡os que unem as
duas culturas e ... imediata
vizinhan‡a das duas na‡äes.
Tamb‚m para a Fran‡a, e
durante muito tempo, Goethe
foi apenas o autor de "Os
Sofrimentos do Jovem Wer-
ther". Madame de Sta‚l, que,
com as suas opiniäes, tantas
vezes imp"es a moda, exaltou
mais ainda a figura de Goethe,
definindo o "Werther" como
"um romance sem igual".
E no seu livro "De I'Alle-
magne", publicado em 1813,
n"o deixa de insistir no g‚nio
multiforme de Goethe, no
esplendor m gico dos seus
versos, concluindo: "Goethe
sabe manter-se sempre com
os p‚s na terra, o que n"o o
impede de aceder ...s ideias
mais sublimes". Mme. de
Sta‰i n"o estaria prov...vel-
mente em condi‡äes de pene-
trar no significado profundo
do "Fausto" e do "Wilheim
Meister"; no entanto, ‚ gra‡as
a ela, ...s suas constantes
refer‰nciasa essas obras e
...s tentativas de traduc"o de
certos trechos que e'las se
tornam conhecidas em todo
o mundo. Por outro lado, ‚
gra‡as a Goethe que se
utilizam os termos "l¡rico" e
(<romntico" para se definir
uma certa literatura alem",
tal como ‚ gra‡as a ele que
a "doce obscuridade" do pri-
meiro romantismo consegue
entusiasmar o pa¡s da raz"o e
da clareza cartesiana. A pr¢-
pria palavra "Lied", que passa
a fazer parte da linguagem

128

po‚tica francesa para indicar
as breves poesias musicais de
car cter ¡ntimo, prov‚m da
influ‚ncia das l¡ricas de Goe-
the. Entretanto, as in£meras
tradu‡äes do "Werther" fa-
vorecem a divulga‡"o e o
conhecimento de Goethe na
Europa.
Na Inglaterra, Sheiley e Byron
contam-se entre os primeiros
a interessar-se pelo poeta
alem"o, mas s¢ depois das
cr¡ticas de Mme. de Sta‚i,
que revela aos Ingleses a sua
verdadeira grandeza. Shelley
ousa inclusivamente traduzir
o "Fausto" pela primeira vez,
e n"o tarda que esta obra seja
dos cl ssicos mais traduzidos
na Inglaterra, contando at‚
hoje mais de quarenta versäes.
tamb‚mCarlyie, numa s‚rie
de artigos dos seus tempos
de juventude, exalta o g‚nio
de Goethe, que define como
"o poeta m ximo e o s bio
perfeito" do mundo moderno@
Cerca de 1855, isto ‚, numa
‚poca em que a pr¢pria Ale-
manha o esqueceu, sai a
primeira monografia de Goe-
the em que se atende ... sua
universalidade. Essa "Vida de
Goethe", de Henry Lewis,
desperta o maior interesse em
toda a Europa: x(Um dia se
h -de compreender que esse
Goethe de aspecto radioso,
am vel, trazia escondida
dentro de si uma dor de
profeta, profunda como a de
Dente. n"o h ningu‚m que
possa ver as coisas como
ele as via se n"o sofreu e
combateu como raramente
sucede".

Na R£ssia, o lado melanc¢lico
do car cter nacional ‚ fa-
roravel a um r pido entusiasmo
pelas poesias sentimentais
Goethe. "Tanto se vert
l grimas nos pal cios
nobres como nos quartos
simples burgueses": o po
do "Werther" conquistou
cora‡"o dos Russos
pouco tempo. n"o tarda que
todas as suas obras impor-
tantes sejam traduzidas, com
inclus"o do "Fausto". Assim,
quando Goethe, em 1827,
publica "Helena, um lnteri£-
dio ao Fausto", o "Mensageiro
Moscovita" logo apreseiiia
uma tradu‡"o: Goethe mos-
tra-se muito satisfeito com a
cr¡tica que lhe ‚ feita pelos
Russos; visto que tamb‚m
por essa altura surgem recen-
säes francesas e inglesas ...
sua obra, observa a Zelter as
diferen‡as existentes entre os
modos' "nacionais" de pen-
samento: "0 Escoc‚s pro-
cura penetrar a obra; o Fran-
c‚s, compreend‚-la; o Russo,
assimilara. Talvez um alem"o
fizesse as tr‚s coisas ao mes-
mo tempo".
No ano seguinte, o "Mensa-
geiro Moscovita" publica a
mensagem de agradecimento
de Goethe ao povo russo.
Numa carta dirigida a Pego-
din, da redac‡"o do jornal,
Pushkin mostra-se entusias-
mado: "Com paci‚ncia, cons-
ci‚ncia, dignidade e, sobre-
tudo, perseveran‡a, acabare-
mos por ser capazes de nos
situar ... altura das expectativas
dos verdadeiros amigos da
poesia e dos encorajamentos


do grande Goethe".  tal o
entusiasmo de Pushkin pelo
"Fausto", que afirma: "Esta
obra h -de permanecer como
a maior criac"o do esp¡rito
po‚tico, a 'encarna‡"o da
poesia moderna, tal como a
"Il¡ada" se tornou o monu-
mento da antiguidade cl s-
sica".
Em contrapartida, os protago-
nistas do naturalismo russo
acusam Goethe de nunca se
ter mostrado compreensivo
para com a mis‚ria dos de-
serdados. Toistoi considerado
um "frio ol¡mpico" e Dos-
toievski condena-o como
"profeta da diviniza‡"o do
homem".
Na Espanha, ‚ sobretudo o
"Fausto" que suscita admira-
‡"o e interesse. Data de 1883
uma das melhores tradu‡äes
completas, a de Llorente Teo-
doro. Por outro lado, s"o
numeros¡ssimos os ensaios
sobre o t"o discutido pro-
blema da influ‚ncia do drama
"EI M gico Prodigioso", de
Caider¢n, na obra-prima de
Goethe: not veis a este res-
peito s"o os de Godinez,
1875, e o "Memoria acerca
de "EI M gico Prodigioso",
de Caider¢n, y en especial
sobre Ias Relaciones de este
Drama con ei "Fausto" de
Goethe" (l881), de S nchez
Moguei, obra premiada pela
Real Academia Espanhola.
Particularmente significativos
s"o os estudos de Juan
Valera, "Sobre el "Fausto" de
Goethe" (l9lO), e de Ortega
y Gasset, "Goethe desde
Dentro" (l 932).

Principais

edi‡äes


Werke. Volist. Ausgabe letzter
Hand. 60 Bde. u. Reg.-Bd.
Cotta, Stuttgart, Tbingen,
1827-1842. (Os vols. XLI a
LX, ibid. 1832-1842, re£nem
as obras p¢stumas).
Werke. hg. im Auftrage der
Grossherzogin Sophie v. Sa-
chsen. Abth. I-IV. 143 vols.
Bähiau, Weimar 1887-1919.
(Trata-se da chamada Wei-
marer Ausgabe).
S"mtl. Werke. Jubii"ms-
-Ausgabe in 40 Bdn. Hg. v.
Eduard von der Hellen. 40
Bde. u. Reg.-Bd. Cotta, Stut-
tgart, 1902-1912. (Prilmeira
edi‡"o comentada).
S"mtl. Werke. Propyl"en-
-Ausgabe 45 Bde. u. 4 Erg -
-Bde Propyi"en Veriag,
Muenchen, ab Bd 29, Berlin,
1909-1932 (Edic"o organi-
zada por C. Schdderkoff e
C. Noch, com as obras, cor-
respond‚ncia e di rios por
ordem cronol¢gica).
Werke. Hamburger-Ausgabe
in 14 Bdn. Hg. v. Erich Trunz.
14 Bde. u. Reg.-Bd. Wegner,
Hamburg 1948-1964. (Co-
ment rios not veis).
Gedenkausgabe der Werke,
Briefe u. Gespraeche. Hg. von
Ernst Beutler. 24 Bde. u.
Erg.-Bde. (Briefe aus dem
Elternhaus; Tagebcher). Ar-
temis, Zrich 1948-1964.
Werke. Hg. v. d. dt. Akademie
d. Wissenschaften zu Berlin.
Akademie-Berlag, Berlin,l 952.
ff. (Dirigida por E. Grumach).

Principais
tradu‡äes

n"o podemos deixar de re-
ferir a not vel edi‡"o dos
"Poemas" de Goethe, "Anto-
logia", vers"o portuguesa,
notas e coment rios do
Professor Paulo Quintela,
grande germanista portugu‚s.
(Acta Universitatis Conimbri-
gensis, 2.1 edi‡"o corrigida
e ampliada, 1958). Cont‚m
em ap‚ndice uma biblio-
grafia e um suplemento que
inclui as tradu‡äes brasileiras
conhecidas.
E ainda a edi‡"o do "Fausto"
de Agostinho d'Ornellas (Acta
Universitatis Conimbrigensis
l 958, nova edic"o revista tam-
b‚m pelo Professor Paulo
Quintela e completada por ele
em ap‚ndice com textos de
Goethe sobre o "Fausto" e
fontes para a hist¢ria das
origens da obra, do maior
interesse.
Como bibliografia geral acon-
selhamos ainda a leitura das
seguintes obras: H. A. Korff,
x(Geist der Goethezeit", 1957,
4 vol. F. Gundolf, "Goethe",
1916. E. Ludwig, "Goethe
Geschichte Eines Menschen",
l 91 9. H. Lichtenberger, "Goe-
the", l 937, 2 vol. J. F. Angel-
loz, Goethe, 1949. A. Fuchs,
"Goethe un Homme Face ...
Ia Vie", 1946. H. Loiseau,
"Goethe, L'homme, L'crivain
le Penseur, 1943. E. Stai-
ger, "Goethe", 1952, 2 vols.
G. Luk cs, "Goethe et son
poque", 1949.


Goeth

<< Goethe ‚ para n¢s um ponto de refer‚ncia. - um paradigma
da condi‡"o
humana,l.
E exemplar sem ser um modelo.)> (Karl jaspers, 1947.)

Gra‡as aos estudos de Gun-
dolf e ... t"o difundida biografia
de Ludwig (que atingiu pelo
menos 34 edi‡äes), Goethe
conquistou enorme popula-
ridade no nosso s‚culo. Con-
siderando-a excessiva, o fil¢-
sofo Karl Jaspers, na sua obra
"Goethe e o Nosso Futuro",
de 1947, lan‡a a seguinte
advert‚ncia: "Goethe n"o ‚
um exemplo a imitar. Como
tantos outros grandes ho-
mens, ‚ para n¢s ... um
Ponto de refer‚ncia ... um
Paradigma da condi‡"o hu-
mana, sem que se torne con-
tudo o caminho a seguir.
 exemplar sem ser um
modelo".
Num discurso proferido na
Academia Prussiana de Belas-
-Artes, por ocasi"o do cen-
ten rio da morte do "Ol¡m-
Pico" "(Goethe como Ex-
Poente da Idade Burguesa"),
Thomas Mann, o mais c‚lebre
escritor alem"o do s‚culo XX,
procura, em contrapartida, tra-
zer para uma dimens"o hu-
mana o "deus tutelar" que
a tradi‡"o escolar colocara
num pedestal. Mann päe
em relevo a simpatia de
Goethe pelos prazeres da vida,
pelo vestu rio e pela comida,
o seu cepticismo frente aos
Problemas metaf¡sicos, o sau-
d vel equil¡brio ideol¢gico
que o levava a desconfiar de
toda e qualquer forma de
nacionalismo exacerbado. E
cita as famosas palavras de
Goethe que tanto escndalo
provocaram: "0 inc‚ndio de
uma quinta ‚ um infort£nio,
a ru¡na da p tria uma simples

130

frase". Pelo bicenten rio do
seu nascimento, Mann pro-
fere em diversas cidades da
Europa uma confer‚ncia sobre
"Goethe e a Democracia",
onde a tolerncia do gigante
de Weimar ‚ apontada como
exemplo, num mundo que
ainda se n"o recompusera dos
sofrimentos causados pela
segunda guerra mundial. Du-
rante o seu ex¡lio na Am‚rica,
Thomas Mann dedica tr‚s
ensaios a Goethe, e quer
contribuir como artista para
a evoca‡"o do ambiente de
Weimar, escrevendo o ro-
mance "Lotte in Weimar",
onde descreve a visita ...
pequena capital do ducado da
j idosa Charliotte Buff, que,
enquanto nova, havia inspi-
rado a figura feminina do Wer-
ther". O dramaturgo e ensalsta
comunista Bertolt Brecht
nunca entra em conflito aberto
com a figura do maior poeta
alem"o, cuja importncia seria
absurdo negar, mas em algu-
mas das suas obras parodia
a linguagem de Goethe, no
intuito de denunciar a vacui-
dade do ideal humanista
por ele defendido frente aos
problemas que afligiam a
na‡"o alem" no termo da
primeira guerra mundial.
A prova mais eloquente da
actual popularidade de Goethe
‚-nos dada pela actividade da
Goethe-Gesellschaft, fundada
em Weimar em 1885, depois
da morte dos £ltimos herdeiros
do poeta. Para al‚m de pu-
blicar uma revista, a Socie-
dade cuida da publica‡"o das
obras completas, dispäe de

uma biblioteca, instalada no
Goethe-und Schiiier-Archiv
de Weimar, e, atrav‚sdas
vinte e cinco filiais espalha-
das por toda a Alemanha,
encarrega-se de promover e
difundir as investiga‡äes sobre
a vida e os escritos de Goethe.
Entre as funda‡äes estran-
geiras contam-se a English
Goethe Society e o Goethe
Club of New York.
Independentemente de qual-
quer considera‡"o de ordem
liter ria, h ainda um outro
aspecto da personalidade de
Goethe com particular inte-
resse para o mundo de hoje,
e que foi ignorado ou menos-
prezado no s‚culo passado:
a sua posi‡"o em rela‡"o ...
ci‚ncia. Muitas das reflexäes
e considera‡äes de Goethe
assumiram nos nossos dias um
sabor e um significado par-
ticulares, como a sua atitude a
respeito da tecnologia nas-
cente: "As m quinas que cres-
cem desenfreadamente tor-
turam-me e atemorizam-me.
Avan‡am lentamente como
uma tempestade. Mas para
n¢s se dirigem at‚ nos atin-
girem". Ou o desgosto com
que aceita a imagem coper-
niciana do mundo: "Entre
todas as descobertas e con-
vic‡äes, nada houve que pro-
duzisse maior efeito sobre
esp¡rito humano do que a
doutrina de Cop‚rnico Mal
reconhecera que o mundo
era redondo e fechado
sobre si mesmo, for‡oso
lhe foi renunciar ao privi-
l‚gio de ser o centro do
universo."

Goethe, a pintura e-a m£sica
n"o s¢ como poeta, mas tamb‚m cr¡tico de
arte e como pintor, Goethe
‚ um ",gigante"mas, apesar da amizade que sente por Beethoven
e a m£sica
n"o o entusiasma.

"A Ceia"
de Leonardo da Vinci,
obra "vener vel"
Antes de deixar a It lia,
Goethe det‚m-eu de Weimar. Goethe
volta a encontrar-se assim
com a obra-prima que tanto
o apaixonara, e entrega-se ...
composi‡"o de um longo
ensaio sobre o famoso fresco.
"Certa obra trazida de Mil"o
pelo gr"o-duque e referente
... "Ceia" tem-me ocupado
muito", escreve a Zeiter, seu
amigo. "Ficara comivido ao
ter conhecimento de toda a
precis"o com que foi com-
posto, imaginado, concebido
e executado este quadro,
e como esta maravilha do
mundo foi levada a seu termo,
para logo a seguir sofrer
deteriora‡äes alternando com
restaura‡äes, de que a £ltima
lhe foi fatal. Al‚m de que te
agradar saber como os Mi-
laneses continuam a sentir-se
honrados honrando aquele
cad ver, conservando e rea-
vivando os vest¡gios da sua
mem¢ria." E dirigindo-se por
escrito a uma amiga, Luise
Seidier, pintora, diz, ainda a
respeito do tema do ensaio:
"Meditamos com paix"o
aquela "Ceia", e a medita‡"o
levou-nos ... venera‡"o ... .

Treze pessoas est"o sentadas
a uma mesa estreita e com-
prida; todas vivem um mo-
mento de emo‡"o. S"o poucas
as que est"o sentadas; algu-
mas est"o meio levantadas,
outras est"o completamente
de p‚. A sua atitude interior-
mente apaixonada espanta-
-nos; mas aquela gente n"o
volta a sentar-se: pelo menos
dois deles teriam de sentar-
se ao colo de outros, mesmo
que Cristo e Jo"o conseguis-
sem juntar-se mais.
"Mas precisamente nisto se
reconhece o Mestre, que
sabe cometer um erro com
vista a uma finalidade supe-
rior. A verosimilhan‡a ‚ uma
condi‡"o da arte, mas nos
limites dessa verosimilhan‡a
necess rio transmitir aquela
realidade mais alta que dou-
tro modo n"o se manifesta.
A estrita exactid"o n"o vale
um vint‚m se n"o tiver nada
mais para nos oferecer".

131

As experi‰ncias italianas
curam Goethe
da sua paix"o pelo desenho

Uma das paixäes de Goethe-
-menino ‚ o desenho; as suas
possibilidades s"o promete-
doras, a ponto de fazer com
que se interesse por ele um
dos seus vizinhos, um certo
Kraus, que viria a ser pintor
da corte em Weimar, e grande
amigo do poeta. Com o de-
curso dos anos, por‚m, esta
paix"o entra em conflito com
as obriga‡äes e as aspira‡äes
liter rias do jovem. Em Leipzig
o desenho consegue vencer
facilmente o Direito: em vez
de se debru‡ar sobre os c¢di-
gos, Woifgang frequenta a
Academia, onde o velho Adam
Oeser proclama que a "cul-
132
tura cl ssica e as est tuas
antigas s"o o fundamento e
o cume de toda a arte".
Mas o desenho acaba por em-
bater com a voca‡"o de
escritor e com os seus com-
promissos de ministro: ‚ uma
luta demorada, incerta, que
dura todo o per¡odo da pri-
meira estada de Goethe em
Weimar e termina com uma
clamorosa vit¢ria do desenho,
corroborada, em certo sentido,
pela pgrtida para a It lia,
em busŠa daquele "classi-
cismo" e daquelas "est tuas
antigas" de que tanto falara
o velho mestre de Leipzig.
Na It lia, Goethe quer ser
acima de tudo pintor: realiza
a vagem sob o nome de
Mäiier, e declara-se "pintor"
de profiss"o. E ‚ por pouco
que este ing‰nuo capricho
lhe n"o acarreta uma s‚rie
de complica‡äes: a chancela-
ria de Metternich (o servico
secreto austr¡aco da ‚poc )
de ordens para se seguir esse
ministro alem"o que viaja
sob falsa identidade; e as
instru‡äes recomendam "uma
atenta vigilncia do seu com-
portamento e de quaisquer
poss¡veis inten‡äes secretas".
Por outro lado, a gendarmaria
da Rep£blica de Veneza, des-
confiando dos mil e tal dese-
hos que o s£bdito alem"o
leva na sua bagagem, amea‡a
prend‰-lo mas desta feita
como espi"o a soldo do impe-
rador da Austria, cujos pro-
p¢sitos de anexa‡"o n"o
constituem mist‚rio para nin-
gu‚m. Em Roma, Goethe
une-se desde logo ao c¡rculo
dos "pintores alem"es do
Rondanini", um grupo de
jovens conterrneos (Tisch-
bein, Schutz, Bury e outros)
que viviam em guas-furta-
das, pr¢ximo do pal cio
Rondanini. At‚ que se cansa
daquela bo‰ia, e prefere
estabelecer amizade com a
bonita pintora ent"o em
moda Ang‚ica Kauffmann:
e assim se transforma de
artista em cr¡tico e cliente.
Ao partir para N poles e
para a Sic¡lia, leva consigo
um jovem e modesto desenha-
dor, Kniep, a quem faz exe-
cutar quase todos os dese-
nhos que levar para Weimar
como recorda‡"o daquela
inesquec¡vel viagem.
Terminada a viagem, toma
uma decis"o dr stica: a de
renunciaria pintura e a todos
os cargos oficiais. Doravante
ser apenas escritor. O dese-
nho vencera duas importan-
t¡ssimas batalhas, mas aca-
bara por perder a guerral

Mais de mil desenhos
executados na It lia, centenas
deles feitos em Weimar, al‚m
de muitos outros: n"o se pode
negar que tamb‚mcomo pintor
Goethefoiprol¡fico. Algumas
dassuasobras:Wartburg(l),
desenho de 1777; O Tibre
ao Sul de Roma (2),
de 1787; Vista de S"o Pedro
da Villa Pamphili (3),
tamb‚m de 1787; Ru¡nas do
Castelo de Heidelberg (4);
Retrato de Charlotte
von Stein (5).


Goethe e Beethoven

O encontro Beethoven-Goethe,
se,uundo a animada descri‡"o
da poetisa Bet@ina Brentano
(l785-1859), a ami
,ga comum
que os apresentara um ao outro.

A imperatriz e os arquiduques
austr¡acos encontravam-se
em Teptlitz, onde Goethe era
objecto de todas as suas
aten‡äes e lhes correspondia
com uma atitude de defer‚ncia
que Beethoven considerava
demasiado obsequiosa. Abriu-
-se com o poeta dizendo-lhe:
"n"o ‚ agindo desse modo
que alcan‡areis o vosso fim.
Pelo contr rio, ‚ necess rio
convencer todo este belo
mundo da vossa pr¢pria im-
portncia, com receio de que
ele n"o tenha bem consci‚n-
cia dela." Eis como eu pr¢prio
agi. Encarregaram-me de dar
umas li‡äes de piano ao
arquiduque Rodoifo. Ele de-
cidiu fazer-me esperar na
antecmara. Mal se sentou
ao piano, quase lhe desloquei
os dedos. Quando me per-
guntou o motivo da minha
impaci‚ncia, respondi-lhe que
me fizera perddo
que alcan‡areis o vosso fim.
Pelo contr rio, ‚ necess rio
convencer todo este belo
mundo da vossa pr¢pria im-
portncia, com receio de que
ele n"o tenha bem consci‚n-
cia dela." Eis como eu pr¢prio
agi. Encarregaram-me de dar
umas li‡äes de piano ao
arquiduque Rodoifo. Ele de-
cidiu fazer-me esperar na
antecmara. Mal se sentou
ao piano, quase lhe desloquei
os dedos. Quando me per-
guntou o motivo da minha
impaci‚ncia, respondi-lhe que
me fizera perder tempo de
mais na antecmara e que
n"o podia permitir-me perder
mais tempo ainda. Disse-lhe
que fora sinal de vaidade
obrigar-me a esperar na an-
tecmara e acrescentei: "n"o
‚ condecorando uma pes-
soa que a tornareis melhor;
podeis criar um conselheiro
de Estado e um comendador,
mas n"o um Goethe e um

134

Beethoven, apresentado por Mo,-art,
exibe-se pela primeira vez em pt;blico

Beethoven. E tendes de apren-
der a ter respeito por essas
pessoas que n"o podeis criar
e ...s quais estais bem longe
de vos assemelhar".
Enquanto se desenrolava esta
conversa entre os dois, Goethe
e Beethoven viram chegar a
imperatriz, com todo o seu
s‚quito e os arquiduques.
"Continue apoiado ao meu
bra‡o - disse Beethoven a
Goethe-, cabe-ihes a eles
ceder passagem." Goethe,
que n"o era da mesma opi-
ni"o, ficou um tanto aborre-
cido e, libertando-se do bra‡o
de Beethoven e tirando o
chap‚u, desviou-se obsequio-

semente para a berma da
estrada. Beethoven, pelo con-
tr rio, passou por entre o
cortejo com os bra‡os atr s
das costas, esbo‡ando apenas
o gesto de tirar o chap‚u. To-
dos se afastaram para o deixar
passar, cumprimentando-o
respeitosamente.
J depois de cruzar o cortejo,
o compositor parou ... espera
de Goethe, que com pro-
fundas v‚nias deixara desfilar
o grupo at‚ ao fim. E disse-lhe
ent"o: "Esperei, porque tenho
por v¢s muita considera‡"o, e
sois digno dela; mas haveis-
-lhes concedido excessivas
marcas de respeito."


GOETHE FALA DE SI: p g. S

GOETHE E NAPOLEÇO ... VISTOS POR
TALLEYRAND: p g. 6

A VIDA: p g. 9
O nascimento de um g‚nio
Os anos tumultuosos do "Sturm und, Drang"
Uma longa estada
A fuga para a It lia
Schilier, a "consci‚ncia" de Goethe
O casamento 'de Woifgang com Christiane
A serena velhice do "Ol¡mpico"

OS CONTEMPOR¶NEOS DE GOETHE: p. 22

OS ACONTECIMENTOS DA POCA: p g. 24

GOETHE DE PERTO: p g. 25
Uma origem burguesa
Em busca do jovem Werther
O "incomensur vel" Carlos Augusto
Repara‡"o pelo casamento
Dado ... vida e aos prazeres da mesa
Napoie"o: "Cumprimentai o senhor Gät da
minha parte"
Uma dinastia de mulheres na corte do poeta
Um Goethe "ol¡mpico"

AS OBRAS: p g. 33
AS OBRAS DA JUVENTUDE: "GOTZ" E
"CLAVIGO"
OS SOFRIMENTOS DO JOVEM WERTHER
IFIGNIA EM TµURIDE
EGMONT E TORQUATO TASSO
OS ANOS DE APRENDIZAGEM E DE VIAGEM
DE WILHELM MEISTER
HERMANN E DOROTEIA
AS AFINIDADES ELECTIVAS
AS LIRICAS
AS AUTOBIOGRAFIAS
AS OBRAS CIENT¡FiCAS
FAUSTO

OS PINTORES AMIGOS DE GOETHE: p. 49

ANTOLOGIA: p g. 57
Fausto
lfig‚nia em T uride
Os sofrimentos do jovem Werther
A viagem a It lia
Os anos de aprendizagem de Wilhelm Meister
As afinidades electivas
A poesia

AS MIL VIDAS DE FAUSTO: p g. 89
Charlat"o ou estudioso de g‚nio?
Um Fausto humano e maldito:
o de Marlowe
A x(grande inquieta‡"o" pr‚-romntica
A "nova sageza" do Fausto e de Goethe
Manfredo, o Fausto de Byron
Nasce o "homem faustiano"
Mefist6feles visto ao microsc¢pio
De Thomas Mann a Ren‚ Clair

OS ILUSTRADORES: p g. 105

GOETHE E A CRITICA: p g. 121
O Werther condu-lo ... gl¢ria
Traidor ... p tria
Egmont inspira Beethoven
Lenine l‚ o "Fausto"
Nietzsche e Hermann Grimm
abrem caminho ao "homem faustiano"
Hitler: "n"o gosto nada de Goethe,
mas perdoo-lhe muitas coisas"
x(n"o ‚s um estranho para mim",
escreve-lhe Manzoni
Acolhimento dispensado a Goethe na
Fran‡a, na Inglaterra, na R£ssia e na Espanha

PRINCIPAIS EDlCäES: p g. 129

GOETHE HOJE: p g. 130

GOETHE, A PINTURA E A M£SlCA:.p. 131
x(A Ceia)> de Leonardo da Vinci, obra
"vener vel"
As experi‚ncias italianas curam
Goethe da sua paix"o pelo desenho


As obras reproduzidas neste volume encontram-se nas
seguintes coleccäes: Hamburgo, Kunsthalle: P. 53.
Berlim-Chariotte@burg, Verwaltung der Staatlichen Sch-
loesser und Gaerten: p. 55. Berlim, Staatliche Museen
der Stiftung P,eussicher Kulturbesitz, Nationalgaierie:
P. 118. Duesseidorf, Goethe-Museum (Anton und Ka-
Stiftung): pp. 8, '20, 35, 49, 85,
ctorte, Freies Deutsches Hochstift:
Fuseum: l 2, 13,
19, 20 34, 36,
43, 44 50, 51,
79, 83, I, 112,
o delches
. Lon-
p. 113 Schiller
N 23. Munii p. 116,
ar S, Nat.: p. @

118.

Roma, Colec€"o de Lemmermann- P. 18. Schloss Aro].
sen, Col. Prinz von Waldeck: p. i

eimar
oethe-Na-
I 110, 132, 133,
P. 20, 21.
Winter.
fer‰ncias
fotogr -
fim,
Sta-
B
Cerasoli:
reeman: 113, l 7.
Klein:
pp. l 114. KI( empel: p. 9,
12,
14 87: 184. 44,
50,
55: l 19 11 e,,2e2;: 3r P. 6,
7.
Scain pp. 67, I gteinko
ndadori.

GOETHE ACTOR. Que foi que Goethe n"o

,ron-re
,guiu fazer em vida? Depois do poeta, do
ro'wan--i‡ta, dO pintor, do .rti.-o de arte, do
jornalista, do winistro e do desportista, sur
,ge-,o,
o Goethe actor: interpreta o papel de Orestes na
tra
,g‚dia lfig‚nia em Turide, na estreia que
teve lu
,gar em Ettersber
,g

IMPRESSO EM FEVEREIRO DE 1972, POR GRIS IMPRESSORES, S. A. R.
L.
LISBOA l CACM
DISTRIBUIۂO EXCLUSIVA DA CREDIVERBO
FIM.

 
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J. Wolfgang GOETHE, Biografia e textos - Yvette Kace Centeno, dir..txt

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