terça-feira, 19 de abril de 2016

{clube-do-e-livro} Conde J. W. Rochester - Dos Ceus a Terra.txt

Conde J. W. Rochester
Dos C�us � Terra

Bem longe... Distante, al�m dos limites do mundo vis�vel, fulge um foco de luz no infinito, t�o radioso e intenso que a imagina��o humana � incapaz de conceb�-lo
mentalmente. Em volta, em uma ordem grandiosa, v�o girando nebulosas estelares com seus milh�es de s�is e incont�veis mundos planet�rios. A harmonia celeste acaricia
tudo com seus sons divinos; todas as emana��es do bem criam em torno uma pureza invari�vel de perfei��o.
Esse fulgurante foco de luz e vida - o C�u - � a morada do Criador. Ao derredor de Seu trono, que repousa nas nuvens de um azul claro prateado, est�o reunidos ex�rcitos
de arcanjos e anjos e toda a hierarquia celeste, incluindo os g�nios que, embaixo, aos p�s do trono, tal qual uma revoada de borboletas, adejam por todo o espa�o
do para�so.
Junto ao trono est� em curso a eterna recep��o dos mensageiros de todas as esferas, relatando sobre a situa��o e o grau de progresso da humanidade nos mundos a eles
confiados. Junto aos port�es do para�so, S�o Pedro examina e depois deixa entrar os dirigentes e os s�q�itos que vieram das incont�veis prov�ncias do reino de Deus.
Atr�s dos dirigentes, seguem os seus subalternos e os protetores; entre esses, aqui e acol�, v�em-se os m�rtires, carregados nos bra�os obsequiosos dos esp�ritos,
j� que, dilacerados de corpo e alma, n�o tem condi��es de se apresentarem pessoalmente junto ao trono do Criador.
Apenas um pequeno planeta - um ponto insignificante perdido na insond�vel nebulosa, que s� os vizinhos pr�ximos conseguem perceber - fornece em profus�o os m�rtires.
Os anjos e os g�nios recebem-nos penalizados e os inquirem sobre as causas do mart�rio. Seus relatos das crueldades e injusti�as, sofridas provocam l�grimas nos
habitantes do C�u; de terror, suas penas das asas se eri�am e eles contorcem as m�os em desespero.
__ Como? Os homens os molestaram porque voc�s quiseram ensinar-lhes o bem, o amor, a integridade e a miseric�rdia? Isso � terr�vel!
__ Sim! De t�o arraigados que eles est�o no mal! - queixavam-se os m�rtires.

__ Sabem eles, ao menos, da exist�ncia do Criador, dos arcanjos e de toda a mil�cia celestial, montando guarda pela verdade e harmonia dos sentidos? Talvez eles
sejam maus devido � sua ignor�ncia? - perguntou um dos anjos.
__ Oh, n�o! Eles sabem, � claro, que o Pai Eterno existe, mas � que Ele n�o � �nico: existe Deus dos cat�licos, Deus dos protestantes, Deus dos maometanos, e assim
por diante. Cada povo prega seu Deus a seu modo e, nas desaven�as sangrentas que resultam disso, os que pregam o Deus cat�lico, por exemplo, tentam eliminar os seguidores
do Deus protestante, e assim infinitamente. Dessa forma, cada qual invoca para auxili�-lo contra o inimigo o seu Deus, o qual deve, em sua opini�o, engrandecer seus
adoradores. Quanto � quest�o dos anjos e arcanjos, na Terra n�o os interpretam pela sua beleza l�mpida e virtudes personificadas; eles vivem discutindo se suas asas
s�o aquilinas ou... columb�deas.
E l�grimas amargas escorriam dos olhos dos m�rtires, quando eles se lembravam de todos os sofrimentos injustos.
Um arcanjo, ao ouvir essa conversa, aproximou-se balan�ando a cabe�a em desaprova��o.
__ � lastim�vel que os habitantes da Terra sejam t�o cegos. � necess�rio abrir-lhes os olhos e mostrar que isso lhes � ensinado por Satan�s.
__ De forma nenhuma! - ouviu-se uma voz na multid�o de m�rtires. - Satan�s nem se mexe do penhasco de seu port�o na Terra; ele s� fica observando o que acontece
e se regozija. "Para que vou ficar me matando de trabalhar - disse ele certa vez -, se eles mesmos fazem meu servi�o".
__ E ele tem raz�o! - interveio um jovem m�rtir, que sofrera menos que todos. - Aos servos de Satan�s, os homens jamais fazem mal, nem matam os que o veneram; quanto
a n�s, t�o logo descobrem, come�am a nos perseguir; n�o encontramos salva��o nem nas igrejas, que deveriam nos servir de abrigo e prote��o...
A conversa foi interrompida, porque rec�m-chegados deveriam se apresentar junto ao trono do Todo-Poderoso.

Depois de ter ouvido todas as queixas e lam�rias dos m�rtires e mission�rios, o Criador, em toda Sua eterna benevol�ncia, entristeceu-se.
__ Descansem, meus servos fi�is, na paz do para�so! - disse o Senhor. - Voc�s mereceram por isso. Por�m, s� de pensar que meus filhos da Terra perecem na cegueira
e v�cios, sinto-Me amargurado e Eu pedirei que um dos g�nios celestes, de esp�rito corajoso e repleto de boas inten��es, des�a � Terra, conscientize os homens e
lembre-os de sua origem divina, pregando amor e irmandade. Pegue a trombeta! - disse Ele a um dos arcanjos - e fa�a conhecer Minhas palavras, para que se apresentem
diante de Mim aqueles que queiram trabalhar para o bem do pr�ximo e, com isso, merecerem as asas de arcanjo e ascenderem h� hierarquia celeste.
Um alto som de trombeta ecoou por todo o C�u e o arcanjo repetiu por tr�s vezes o chamado do Criador; mas o c�u permaneceu sem resposta; os g�nios, assustados, tentaram
se esconder nas nuvens. Debalde os arcanjos lhes lan�avam olhares significativos e os instigavam; a vis�o dos m�rtires terrestres subtraiu-lhes qualquer vontade
de missionarem e as persuas�es dos anjos n�o faziam qualquer efeito. Os arcanjos ficaram vermelhos de vergonha. Ent�o, o Pai Eterno disse, irado:
__ Estou vendo que Meus g�nios s�o pusil�nimes e preferem levar uma vida tranq�ila os inv�s de levarem aos nossos sofredores, irm�os na humanidade, a luz e os conhecimentos
aqui adquiridos, j� que precisamos ajudar para que os desditosos da Terra tomem ju�zo.Nesse �nterim, ao longe surgiu uma nuvem l�mpida.
__ Eis quem vai nos ajudar! - alegraram-se os anjos e arcanjos. - Assim que o anjo �xtase come�ar a falar, n�s vamos escolher um executor mais adequado �s prescri��es
do Senhor.
Mas mal os anjos ouviram o nome de �xtase, escarafuncharam-se pelas nuvens, t�o c�leres, que os anjos jamais esperando deles tal desatino ficaram inicialmente perdidos.
Entretanto, eles conseguiram agarrar um deles, segurando-o para que este n�o escapasse. O prisioneiro verificou-se ser um g�nio ainda jovem, h� pouco elevado ao
seu t�tulo; ele nunca vira o anjo �xtase e, por curiosidade, demorou para esconder-se.
A nuvem radiosa aproximou-se, abriu-se, e dela surgiu um jovem de beleza encantadora. Suas vestes fulgiam de milhares rev�rberos multicolores; nas madeixas douradas,
como que sombreando a cabe�a aureolada, repousava uma coroa de l�rios brancos, engalanada por estrela brilhante; nas m�os, ele segurava um c�lice, cheio de um flu�do
vermelho, semelhante ao sangue, que recendia um aroma forte e entorpecente.
Parando diante do g�nio, �xtase fitou-o com olhar �gneo e, em seu rosto, brincou um sorriso enfeiti�ador.
__ G�nio, querido irm�o meu! - iniciou ele com voz suave, que penetrava na alma. - Voc� � belo e repleto de �mpetos altaneiros, mas lhe faltam asas de arcanjo para
completar sua beleza celestial e al��-lo ao infinito ou a qualquer lugar que sua mente nem intui. Assim, n�o s� os C�us, mas todo o Universo lhe ser�o acess�veis.
Por que n�o tentar? Por acaso atemorizam-no os cataclismos terrestres? Mas voc� ainda n�o viu a Terra e n�o a conhece; os relatos dos m�rtires, intimidados espiritualmente
e exauridos por sofrimentos, n�o podem assust�-lo.
� uma ventura excelsa ser um mensageiro dos C�us! Imagine-se em um campo de batalha, semeado de feridos, morrendo com a perda de sangue, fome e sede; o horror da
situa��o deles � acentuado pelas trevas da noite envolvente. Ent�o voc� aparece e sacia a sede e a fome, cuida dos ferimentos; ensina aos moribundos como devem morrer
e, aos sobreviventes, ensina a viver. Seu archote dispersar� as trevas e levar� a luz a todos; por todo lugar, o contato de sua delicada m�o curar� as feridas e
secar� as l�grimas. Sua vinda ser� aben�oada e suas palavras avidamente sorvidas; cada palavra sua, feito rocio celeste, cair� nas almas sofridas e embrutecidas.
E voc� transmitir� aos homens como perdoar e amar a todas as coisas; ensinar-lhes-� a amar n�o s� o que � �til ou vantajoso, mas o que � verdadeiramente digno de
amor. Voc� lhes lembrar� que a alma deles � uma cria��o dos C�us, assim como a sua, e que a centelha imortal � apenas eclipsada pelo casulo imperfeito. Suas palavras
os despertar�o daquele entorpecimento moral em que tiritam. Quando, ent�o, corando sua miss�o, voc� ensinar os homens orarem, solidificar� o v�nculo que os une com
o Pai Celeste e acender� o farol indestrut�vel que lhes iluminar� o caminho na escurid�o impenetr�vel, ora adensada por Satan�s.
N�o tema que esses homens cegos e desditosos lhe atirem sujeira; ela n�o o alcan�ar� nem macular� a sua pureza virginal, pois voc� estar� acima das fraquezas humanas.
Depois, triunfante, voc� retornar� a n�s, regozijando-se do dever cumprido e se engalanar� em vestes alvas de arcanjos.
O g�nio ouvia, no in�cio hesitante e tremulo, mas depois uma express�o extasiada espalhou-se pelo seu rosto jovem e belo; aos poucos, ele foi arrebatado por uma
chama de inspira��o, que emanava de �xtase. Todos os temores desapareceram e o g�nio se via na Terra, erradicando o mal e espalhando a luz, trazendo �s pencas, aos
p�s do Criador, as almas arrependidas.
Prostrando-se de joelhos, ele ergueu as m�os.
__ Estou pronto - disse. - Enviem-me � Terra como mensageiro do Bem.
�xtase inclinou-se e levou aos l�bios do g�nio um c�lice com um l�quido estranho, devendo este manter no cora��o do g�nio o entusiasmo que o impeliria ao auto-sacrif�cio
e aos feitos grandiosos em nome do ideal, sufocando o riso de esc�rnio da turba bestificada. Pegando do g�nio o c�lice emborcado, �xtase al�ou-se ao ar e desapareceu
no clar�o fulgurante que envolvia o trono do Eterno.
__ Agora, armem-no com arn�s celeste para proteger a Santa Mensagem e dotem-no de todas as qualidades. Quem desce � Terra para levar os bens celestes e enfrentar
o mal, deve ser forte, belo e s�bio - pronunciou um dos arcanjos.
A este chamado, os anjos rodearam alegres o novo mensageiro do Bem. Eles vestiram-no em arn�s brilhante, aprumaram melhor as asas que deveriam lev�-lo �s regi�es
et�reas para descansar das lutas e preocupa��es di�rias; finalmente, deram-lhe uma espada, cuja l�mina era um fio de chama, que deveria dispersar as trevas e derrotar
o Mal.
O Criador olhou meigamente para o seu mensageiro valoroso, quando este se prostou aos p�s do trono.
__ V�, meu filho, trabalhar para o salvamento de seus irm�os cegos! Para que os homens reconhe�am em voc� o Meu mensageiro, fa�o decorar sua cabe�a com uma estrela
brilhante, que o destacar� da turba.
Nesse instante, de um feixe de luz que se irradiava do trono, separou-se uma chispa e quedou-se na fronte do g�nio, acendendo-se em uma estrela brilhante, iluminando-lhe
a cabe�a com um clar�o intenso.
O g�nio se levantou e dirigiu-se � sa�da, onde foi cercado por um grupo de seres l�mpidos.
__ Pare um instante! N�s lhe daremos o �sculo fraterno e o dotaremos de virtudes que personificamos.
Aproximou-se Beleza, deu um �sculo no g�nio e, imediatamente, todo o seu ser se ataviou de formosura encantadora; nos olhos ignizou-se a harmonia celestial e a serenidade.
Veio ent�o Verdade e, depois, Miseric�rdia, que o premeu ao peito, dizendo:
__ Mais do que ningu�m, voc� precisar� de mim ao se encontrar com a humanidade embrutecida e ingrata.
Em seguida, aproximou-se Amor e em volta bafejou um calor puro e vivificante.
__ Compreenda o meu sentido verdadeiro! - disse, abra�ando o g�nio. - Sou abnega��o, auto-sacrif�cio e perd�o a tudo! N�o posso ser enganado nem abdicado, n�o posso
ser comprado nem vendido. Para os cora��es que habito, eu sirvo de chama orientadora iluminando o caminho para os C�us. Na Terra, voc� s� encontrar� sombras ilus�rias
que se valem do meu nome; no entanto, voc� saber� reconhec�-las, j� que me conheceu pessoalmente e intuiu a minha ess�ncia. Oh, como sou vilipendiado na Terra! Venalidade,
hipocrisia, paix�es animalescas - o meu nome engalana tudo; todos proclamam dos gritos se chamarem de amor. Oh, eles n�o me conhecem!
__ Juro-lhe, irm�o, restabelecer sua imagem verdadeira na Terra, esclarecer sua origem divina e desmascarar os que ousam encobrir-se sob seu nome.
__ Agora voc� est� bem armado - disse ao g�nio o arcanjo que o acompanhava. S� lhe falta escolher, entre as l�mpidas filhas do C�u, uma companheira que possa ap�i�-lo
na jornada de luta e confort�-lo na solid�o.
E ele para a fileira das Artes, postadas em frente.
Com olhar extasiado, o g�nio vislumbrou M�sica, Pintura, Escultura e suas irm�s, decidido, ele estendeu a m�o para Poesia.

__ Elejo voc�, a mais bela das filhas do C�us; voc� que arrebata a alma ao mundo l�mpido da fantasia, e que, com palavra fl�mea, canta as belezas do para�so e os
sorvedouros do inferno.
__ Pegue! - disse o arcanjo, estendendo-lhe uma pena que arrancara da asa. - que ante sua pena de �guia, a turba trema, ao ser denunciada por seus malef�cios, a�oitada
sem clem�ncia por seus v�cios, retratada por suas monstruosidades morais.
__ Obrigado! Serei firme e n�o esmorecerei diante do �dio, nem das dificuldades - disse o g�nio, lan�ando um olhar de despedida aos C�us que deixava, cuja lembran�a
queria gravar na alma.
__ N�o se esque�a de mim tamb�m e aceite um presente meu! - ouviu-se atr�s dele uma voz humilde, e o olhar surpreso do g�nio deparou-se com um ser di�fano, mal delineado.
__ Quem � voc�?
__ Sou aquela que ap�ia o homem quando a paci�ncia, a coragem e a f� o abandonam. Sou Esperan�a. Aceite de mim esta lampadinha. Aparentemente, sua chama bruxuleia
quase invis�vel e parece se apagar; n�o tema, todavia, pois esta chama sempre se reacender� a tempo e iluminar� a escurid�o do caminho da vida. N�o fosse eu, nenhum
ser racional suportaria a luta.
Com um sorriso de agradecimento, aceitou o g�nio a lampadinha, pendurou-a no pesco�o e abandonou os C�us.
Diante dele, por todos os lados, estendia-se o infinito em todo o seu esplendor indescrit�vel. Mal teve ele tempo de entregar-se ao vislumbre da grandiosidade em
derredor, sua aten��o foi chamada para duas figuras herc�leas, postadas como que de guarda na entrada do para�so.
Ambas as figuras eram femininas: uma - p�lida, impass�vel, com sorriso enigm�tico nos l�bios, estava toda de negro e empunhava um rel�gio de areia; a outra - l�mpida,
radiosa, envolta em vestes ofuscantes, segurava a balan�a e a espada; sua cabe�a era decorada por um diadema de estrelas.
__ Aproxime-se, g�nio, mensageiro dos C�us, e fite bem os meus tra�os - disse a figura l�mpida. - Sou Justi�a, e voc� ter� dificuldade em me encontrar na Terra.
Ainda que o meu nome esteja nos l�bios de todos e a minha imagem em todos os c�digos, voc� encontrar� apenas um espectro deturpado, n�o e mim. E os que deturpam
a minha imagem acabam por me injuriar ou, at�, por repudiar a minha exist�ncia.
Perscrute-me bem, para gravar na mem�ria os meus tra�os e certificar aos homens que eu reino junto aos port�es do para�so e das barreiras do inferno e que, na minha
balan�a, peso os princ�pios do Bem e do Mal, dos quais se comp�em todos os seres. A virtude � leve, mas os v�cios pesam muito, inclinando a prato em dire��o ao sorvedouro.
Eu n�o me desforro dos crimes, como dizem sobre mim na Terra, n�o julgo nem puno, mas tamb�m n�o sou complacente. N�o posso ser aplacada com a lisonja nem comprada
com ouro; cada qual concentra em si seu pr�prio supl�cio ou a coroa da recompensa.
__ As minhas palavras ser�o o �ltimo "perdoe", que lhe dirigem os C�us - pronunciou uma figura negra. - Meu nome � Morte. Tal como acontece com a irm� Justi�a, minha
verdadeira import�ncia � ignorada na Terra. Temem-me e de mim fogem, no entanto, eu sou a �ltima amiga do homem, sua �ltima confortadora. Quando, ceifado de �dio,
inveja e cal�nia, ele se debate exaurido nos estertores morais e f�sicos, ent�o eu apare�o e, com a m�o aflita, cerro-lhe os olhos cansados e o embalo com sono tranq�ilizante.
Aparecerei diante de voc�, quando, com alma alquebrada, injuriado pela justi�a humana, voc� querer� um descanso; se eu n�o lhe curar a alma, liberta-lo-ei do corpo,
que lhe ser� mais pesado que os grilh�es de um condenado.
Dizendo isso, ela estendeu a m�o e, com seu anel glacial, tocou no peito do g�nio.
__ Agora, v�! - ordenou ela. - eu o dotei do talism� de renova��o eterna e, de agora em diante, voc� � um mortal.
O rosto do g�nio anuviou-se. Poderia ele, um mensageiro divino, falhar tanto em sua miss�o futura a ponto de desejar a morte como liberta��o? N�o! O Bem h� de triunfar
sobre o Mal, e ele, mensageiro, triunfaria! Batendo as asas, atirou-se corajosamente ao oceano insond�vel do �ter. Ao longe, como imensas ilhas, estendiam-se as
nebulosas.
Pregando os olhos e vislumbrando o panorama que se descortinava, o g�nio orientou o seu v�o a um ponto vermelho, quase impercept�vel, perdido entre mundos planet�rios
gigantescos.
Finalmente, aos poucos, come�ou a se delinear envolvo em nuvens escuras um globo, e aos seus ouvidos chegou um barulho indefinido e ca�tico.
Subitamente, uma nuvem densa e escura fechou-lhe o caminho. Esta tomou a forma de um penhasco, um rel�mpago brilhou e, em seu cimo espectral, surgiu um ser exc�ntrico.
Seus tra�os eram belos, mas o selo das paix�es repousava em seu semblante; a boca era desfigurada por um sorriso amargo de esc�rnio; um par de chifres, como duas
chamas, flamejava acima da fronte.
__ Pare, insano! Para que voc� est� indo para a Terra? Para ser mutilado e morto? - ouviu-se uma voz surda e profunda.
__ N�o! Estou descendo dos C�us para expuls�-lo, Satan�s, seu desencaminhador de almas humanas! - desafiou o g�nio, erguendo a espada fl�mea. - Fora, esp�rito das
trevas! Diante da luz divina, de que sou o mensageiro, todas as sombras se dissipam.
Satan�s sentou-se ruidosamente sobre o penhasco que lhe servia de trono e uma gargalhada alta e funesta fez tremer toda a atmosfera.
__ Voc� pretende me expulsar? Voc� deve estar vindo de um lugar onde sonham o imposs�vel. Repito-lhe: abandone seus intentos, se n�o quiser vagar entre o C�u e a
Terra feito Peri (g�nio feminino da mitologia iraniana), sozinho, perdido, sempre estranho a todos... Voc� insiste?... Por acaso tem alguma id�ia da dificuldade
da miss�o empreendida? Deve ser o anjo �xtase que lhe p�s �culos cor-de-rosa. Eu me proponho a descer com voc� na Terra; depois disso, caso voc� insista em continuar
a guerrear comigo, dever� ag�entar as conseq��ncias.
__ Leve-me at� l�! Em uma coisa voc� tem raz�o: para combater o Mal, deve-se conhec�-lo.
O dem�nio endireitou-se em toda a altura e bateu suas asas dentadas; uma nuvem negra, salpicada de raios, envolveu-o . Eles come�aram a descer lentamente em dire��o
�s nuvens, rubras feito metal incandescido, atr�s das quais se ouviu um crepitar funesto, como de uma enorme caldeira ebulindo; ouviam-se os sons de gritos, gemidos
e clamores.
__ Mostre-me os lugares sagrados dos homens, seus templos - pediu o g�nio. - Gostaria de orar e fortalecer-me.
__ Excelente! Leva-lo-ei a uma cidade sagrada, onde achar� templos �s centenas - prontificou-se Satan�s. - Chegaremos em uma boa hora, para voc� ver uma missa sob
a c�pula de S�o Pedro - acrescentou ele, orientando o v�o em dire��o a uma grande cidade, pictoricamente espalhada entre os morros.
Eles desceram e adentraram um espa�oso templo. Dentro e fora do edif�cio apinhava-se a multid�o, por entre a qual desfilava uma prociss�o. Sobre um trono alto, carregava-se
um homem com tiara brilhante na cabe�a; o trono era cercado por carregadores, de leques; parecia que estava nas primeiras �pocas dos fara�s eg�pcios.
__ Deve ser uma coroa��o; o soberano � levado majestosamente ao templo - observou o g�nio.
__ Nada disso! � o sucessor de Cristo, chefe da igreja cat�lica.
__ N�o pode ser! Nosso Senhor Jesus Cristo professava e era exemplo de pobreza e humildade, andava descal�o, n�o tinha onde encostar a cabe�a e teve-a encimada com
a coroa de espinhos dos m�rtires, enquanto esse Seu sucessor fica sentado no trono, com uma verdadeira torre de ouro na cabe�a. O que significam aquelas tr�s coroas
e as chaves bordadas?
Satan�s sorriu mordaz.
__ As chaves abrem ou trancam o para�so, a crit�rio do primaz; as tr�s coroas significam que ele reina no C�u, na Terra e no Inferno. Ali�s, uma pretens�o ing�nua
e inofensiva. No C�u - voc� o sabe por experi�ncia - ningu�m lhe d� a m�nima, e s� pessoas muito inocentes ainda acreditam que podem comprar o perd�o dos pecados
com o dinheiro. Quanto ao Inferno, l�, realmente, ele goza de uma certa autoridade, mas como um aliado, pois o ex�rcito de padres que ele comanda � basicamente formado
de meus s�ditos e, ainda que em voz alta eles venerem Deus, em seus cora��es, invariavelmente, reino eu - Satan�s. Esses homens, tendo feito o voto de pobreza, tomados
de avidez insaci�vel, s�o mestres em amealhar milh�es; toda uma esp�cie de v�cios floresce entre eles e, quero preveni-lo, eles ser�o seus inimigos mais ferrenhos.
Eles monopolizaram as verdades, que voc� pretende professar abertamente. O lema deles reza que o "excesso de conhecimento prejudica", de modo que voc� ser� perseguido
em vida e, ap�s a morte, quando voc� n�o mais poder� prejudic�-los, talvez o elevem � condi��o de um santo, comercializando seus restos - o que � uma atividade muito
lucrativa. H� muitos casos parecidos: Joana D�Arc, por exemplo, foi queimada na fogueira com todas as regras do rito cat�lico, mas isso n�o impediu que ela fosse
elevada a santa, lucrando-se muito por conta da mem�ria da grande virgem.
__ Que horror! Vamos sair daqui; para mim chega!
E o g�nio seguiu entristecido o seu acompanhante.
Diante deles, sobre uma plan�cie verdejante surgiu uma enorme cidade, cheia de vida e movimento.
__ Eis onde me sinto bem � vontade! - disse Satan�s. - Aqui � a capital de um povo riqu�ssimo e inteligente do velho continente, ainda que devido � sua leviandade
eles passem por muitos dissabores e, sem se dar conta, sejam extorquidos por diversos aventureiros. Sua mania de ridicularizar tudo gera estranhas anomalias, assim,
aqui se rejeita Deus, justificando "obscurantismo"; zombam da honestidade e do bem, glorificam em versos e prosa toda esp�cie de imoralidades, chamando isso de "naturalismo"...
__ N�o, eu n�o quero ver esses infelizes - interrompeu impaciente o g�nio, cobrindo o rosto com as m�os.
__ Calma, meu amigo! Aqui h� coisas muito interessantes - observou, jocosamente, Satan�s.
__ N�o, nada quero ver nessa cidade.
__ Voc� veio trazer luz aos homens, cur�-los de seus v�cios, no entanto, mas os v� lhes d� as costas desdenhoso. O que acontecer�, ent�o, se voc� tiver que lidar
com eles, conhecer a sua l�gica?... Mesmo eu, Satan�s, �s vezes fico meio perdido. Olhe bem para aquele pr�dio t�trico com grades nas janelas: � um pres�dio. Ali
ficam enclausurados os coitados que furtaram, movidos por fome, por um peda�o de p�o, ou mataram, ensandecidos pela bebida; ou seja, todos aqueles que, de uma forma
ou de outra, transgrediram as leis, sendo condenados pela justi�a humana ao encarceramento ou ao expurgo nas col�nias long�nquas, onde os infelizes morrem feito
moscas devido ao clima insalubre. Est� vendo aquele senhor atrelando um par de cavalos de ra�a? Ele, origin�rio de bar�es, � dono de uma ind�stria. Milhares de miser�veis
confiaram-lhe suas economias, que ele calmamente embolsou, e depois anunciou que a empresa n�o deu certo e desapareceu com os milh�es. Depois de alguns anos de aus�ncia,
ele reapareceu aqui, mais rico que antes, e agora � uma pessoa respeitada; at� suas v�timas sentem uma certa esp�cie de respeito diante de sua desfa�atez e n�o ousam
cham�-lo de ladr�o, sen�o como um g�nio mercantil.
Nesse �nterim, o g�nio viu um pr�dio, em cuja fachada havia uma placa com uma inscri��o em ouro: "Liberdade, Igualdade e Fraternidade", e seu rosto iluminou-se com
um sorriso prazenteiro.
__ Olhe, Satan�s, voc� n�o tem vergonha de falar mentiras? Um povo que proclama princ�pios t�o nobres n�o pode estar mergulhado em v�cios e injusti�as.
Satan�s olhou maliciosamente para o g�nio, alisando sua barbicha negra, feito asa de corvo, pensou um pouco e disse em tom de bonomia:
__ Voc� se apressou um tanto em julgar-me mentiroso. Mas eu perd�o... Em sua ignor�ncia celeste, voc� ainda desconhece que existem palavras t�o el�sticas, que podem
ser aplicadas a qualquer coisa, at� adulterarem-lhe o significado original - e ningu�m se d� conta disso. As tr�s palavras que o deixaram embasbacado s�o da mesma
categoria e, ainda que o bom povo desta na��o tenha derramado rios de sangue para instalar a liberdade, igualdade e irmandade, n�o pode, sob o aspecto de como voc�
v� isso, gabar-se dos resultados obtidos.
__ N�o entendo como podem levar o Mal estes princ�pios grandiosos?
__ Tentarei explicar. O pa�s foi outrora uma monarquia; ao longo de muitos s�culos, houve monarcas bons e ruins, j� que eram homens sujeitos �s fraquezas e equ�vocos
humanos; mas, apesar de tudo isso, eles sempre amaram sua p�tria e fizeram-na grande, not�vel e poderosa. Mais tarde, uma obscura comunidade clandestina, longa e
insistentemente, preparou as mentes para, finalmente, perpetrar uma revolu��o. N�o queriam mais um estado mon�rquico, achando que bastava destron�-lo para que cada
um fosse dono de seu nariz, sem perceberem que, no lugar de um d�spota, eles colocariam um outro: o rei foi substitu�do por uma turba, ing�nua e cega. Se, antes,
um governava sobre todos, agora todos come�aram a governar sobre cada um e, mesmo assim, nem todos, mas os que conseguiram usurpar o poder e, buscando seus interesses,
mant�m o engodo do povo. Para consolidar a liberdade, ele sentenciaram � morte o rei, a sua consorte, e destru�ram, afogaram e queimaram milhares de pessoas, sem
escolher o sexo ou a idade e, no lugar da antiga nobreza, entronizaram a ral�.
Agora seu lema � aplicado da forma que voc� leu.
Satan�s apontou o dedo para uma rua estreita; nela, uma placa no pr�dio dizia "Escola", cercada por policiais e tropa militar. Atr�s da linha dos soldados, xingando,
gritando e gesticulando, havia uma multid�o de pessoas.
__ O que pode significar aquela reuni�o de gente diante de uma institui��o t�o pac�fica de saberes? Parece que vieram enfrentar os amotinados!
__ Justamente, os amotinados contra a liberdade de express�o. O pr�dio � habitado por monjas, empenhadas no ensino �s crian�as das mesmas singelezas que voc� se
prop�e - explicou Satan�s em tom sarc�stico.
__ Que insanidade � essa de usar for�a armada contra, quem diria, as mulheres?
__ Isso se faz necess�rio, porque a turba, hostilmente orientada, quer atrapalhar o fechamento das escolas da congrega��o, por sinal um projeto de meu sobrinho -
senador Kombo. Ele quer, de uma vez por todas, depurar as institui��es educativas de velhos e ultrapassados equ�vocos: as cren�as religiosas. Agindo r�pido e seguro,
seu projeto far� com que as crian�as tenham escolas onde se ensina a minha catequese. - E Satan�s endireitou-se sobranceiro. - Tais cidad�os, devidamente educados,
ser�o menos constrangedores para o governo de que esses idiotas que ali gritam, sem entenderem que o decreto foi editado para o seu pr�prio bem.
__ Sim, mas educar as crian�as como crist�os � um direito. Quem ousar� ficar contra? Onde est� ent�o a liberdade?
__ Liberdade? Sim, e em nome de que, sen�o dela, � que eles agem? Ainda que, � verdade, eles a interpretem sem muita cerim�nia, de uma forma conveniente para as
esferas do poder. N�o ter f� � liberdade de consci�ncia; ter f� � atraso e rotina - que deve ser erradicada.
Ademais, o liberalismo � a moda do momento que, feito um bolor, espalhou-se pelo mundo, atingindo inclusive o pa�s dos Ursos Brancos. Existe, � claro, uma diferen�a:
o que berram aqui de pulm�es cheios, l� ainda murmuram discretamente. Se bem que um professor liberal deles j� sugeriu abolir os crucifixos e a catequese das escolas,
extirpar os sacerdotes e tudo que lembre o cristianismo, pouco simp�tico aos meus fi�is adoradores - budistas e outros seguidores -, cuja suscetibilidade deve ser
salvaguardada... Assim, quando voc� voltar ao C�u, avise que l� logo chegar�o todos os santos, g�nios e protetores, sem contar toda uma esp�cie de habitantes paradis�acos,
tornada in�til neste planeta, onde reinarei apenas eu! V� como as coisas se fazem em um pa�s "livre" !?
Satan�s apontou para o que ocorria na rua.
Do pr�dio sa�am, humilhadas mas com dignidade, algumas monjas, sendo saudadas com gritos pela multid�o lamentosa de mulheres e crian�as. Um comiss�rio da pol�cia
p�s faixas de interdi��o nas portas da escola.
__ Est� vendo? Mais um exemplo de "liberdade"!
Continuando a voejar, eles viram, delineando-se, o interior de uma fortifica��o, e numa das janelas da casamata surgiu a cabe�a de um condenado.
__ S� porque ele ousou ter opini�o formada sobre quest�es sociais e religiosas, foi preso e julgado culpado por amar sua p�tria e exigir a Fran�a para os franceses.
__ E o povo ag�enta isso? - interrompeu o g�nio.
__ O que vai fazer? O povo � ing�nuo e indiferente e, sendo assim, parece com os Ursos Brancos, que apresentarei para voc� mais tarde; n�o � � toa que eles s�o meus
aliados.
__ N�o estar� voc� exagerando s� para me desanimar...
__ Julgue voc� mesmo ao se encarnar na Terra. � para isso que estou lhe mostrando as capitais, para que voc�, conscientemente, escolha uma na��o. Ainda que na colossal
metr�pole de milh�es de habitantes, para onde vamos, tenho c� minhas d�vidas que voc� queira se instalar. H� seis meses, ela est� mergulhada num denso nevoeiro;
habita-a, al�m do mais, um povo de h�beis mercadores, e voc�, com sua nobreza de car�ter, ir� se sentir deslocado. O tra�o caracter�stico daquele povo � que somente
dez mil pessoas vivem bem e podem se considerar como gente...
__ Louvado Deus! Que crueldade! O que faz o resto da popula��o?
__ O que quer?! Equ�voco seu qualificar os "ilh�us" de cru�is; eles s�o muito religiosos e, aos domingos, s� l�em a B�blia. A bem da verdade, nos seis dias restantes,
eles n�o se avexam em se intoxicarem com �pio e matar de fome popula��es inteiras. Em resumo: esse � o pa�s mais enfadonho do mundo!
__ Creio que poder�amos dispensar a visita a esta na��o... J� me basta o que voc� me falou dela - observou o g�nio, fazendo uma careta.
__ Estou vendo que sua mente est� se tornando agu�ada, belo mensageiro dos C�us! Limitemo-nos a dar uma volta pela capital dos "senhores dos oceanos", como se autodenominam
os "ilh�us"; dispens�-lo desta visita � imposs�vel. Nos dom�nios do Mal, o qual voc� pretende enfrentar, eles tem um papel principal e voc� deve conhec�-los antes
de empreender a sua insana cruzada.
O g�nio suspirou fundo e seguiu o seu acompanhante.
Agora eles adejavam sobre as plan�cies f�rteis, maravilhosamente trabalhadas, salpicadas de cidades florescentes, orientando o v�o para uma enorme cidade que se
divisara ao longe, cortada por um rio sulcado em todas as dire��es por embarca��es de variados calados. Por vezes, eles cruzavam magn�ficos monumentos de arquitetura
antiga; tudo respirava esplendor e a impress�o dessa fartura se acentuava com o aspecto festivo da cidade. As casas eram decoradas com bandeiras e enormes multid�es
apinhavam as ruas. Mas, � medida que os viajantes se aproximavam, o quadro perdia a sua magnific�ncia: o ar enchia-se de gritos e, nos rudes rostos excitados, lia-se
uma certa mistura de j�bilo e crueldade. Por vezes o povo parecia tomado como de uma excita��o furiosa, quando ent�o os habitantes jogavam pedras nas portas e janelas
ou se atiravam sobre os passantes aos socos; um infeliz teria sido enforcado no poste de luz, n�o fosse acudido pela pol�cia.
__ Meu Deus! O que significa isso? Parece uma revolu��o, no entanto, as casas engalanadas apontam que est� em curso uma festa popular... - perguntou o g�nio, at�nito.
__ Voc� n�o se enganou. Eles festejam uma vit�ria brilhante. Os "ilh�us" est�o em uma guerra que lhes trouxe mais espinhos que louros, mas a vangl�ria impede que
eles se conscientizem da verdade e, sob os �culos cor-de-rosa, uma vit�ria, m�nima que seja, � por eles festejada. Eles quebram as janelas e espancam as pessoas
que ousaram expressar a convic��o de que a guerra empreendida foi contra todos os direitos humanos... Oh! - prosseguiu Satan�s, rindo satisfeito - aqui eu mando;
a Mentira, minha filha, aqui � vice-rainha, e tem muito trabalho: ela profere discursos, sacode as armas e despeja b�lis em quem quer que seja um c�tico. Vamos para
frente, tudo isso s�o tolices! Voemos ao local de seus feitos, onde voc� poder� admirar a coragem dos meus gloriosos homens.
E eles dirigiram-se para o Sul. Embaixo deles, divisou-se um enorme porto, cheio de navios; em alguns deles, embarcava-se o ex�rcito, de aspecto, ali�s, pouco combativo:
os soldados entravam sombrios e carrancudos.
__ Eles n�o primam por um �mpeto guerreiro - observou o g�nio.
__ Por que o teriam? S�o todos mercen�rios, contratados para lutar e, assim, o resultado da guerra lhes � indiferente.
O rosto do dem�nio abriu-se numa careta de desd�m.
__ Oh, se voc� visse os primeiros escal�es saindo daqui! Eram vinte contra um e, evidentemente, seguir-se-iam vit�rias; estavam prontos para colher os louros. Mas,
a partir de ent�o, l�, naquele pa�s al�m-mar, esperavam-nos n�o o ouro, mas os reveses e, como voc� mesmo v�, eles n�o est�o muito felizes em partirem.
__ Louvado Deus! Contra quem eles declararam essa guerra injusta e desigual?
__ Contra um pa�s agr�cola que, sem d�vida alguma, conquistar� seu cora��o, j� que eles optaram viver conforme os princ�pios que voc� professa. Esse povo � humilde,
religioso, honesto, gosta de trabalhar e defende com unhas e dentes a sua p�tria e a liberdade. Bem, j� chegamos! Veja agora os frutos da guerra de um povo que,
discretamente, se intitula human�stico e o mais civilizado do mundo.
Diante deles, estendia-se uma plan�cie desnudada, semeada por cad�veres de gente e animais; aqui e acol� fumegavam os inc�ndios. No meio daquela desola��o, havia
um pr�dio que parecia intacto, provavelmente uma fazenda, bem conservada: tudo respirava ordem e sossego.
Era noite e tudo na fazenda repousava em sono profundo.
__ Agora, aqueles pregui�osos sentir�o na carne por que n�o podem dormir - chacoteou Satan�s, apontando para um destacamento militar que ia cercando a fazenda sob
o comando de um oficial.
Quando o cerco terminou, um dos soldados aproximou-se e bateu fortemente � porta.
Do interior da casa, ouviram-se gritos assustados e, no limiar da porta, apareceu uma velha meio vestida.
__ Ei, voc�! - gritou rispidamente o soldado. - Quero todos em cinco minutos fora da casa!
Pode-se imaginar o que sobreveio: o choro das crian�as, gritos e cantinelas de mulheres e velhos, expulsos da cama seminus. A rude soldadesca come�ou a saquear insolente
as quinquilharias dom�sticas na presen�a dos donos aterrorizados.
Um quarto de hora depois, toda a constru��o ardia em chamas para o g�udio dos vitoriosos, secundando com assobios e ululos o pranto das v�timas despojadas.
Nesse instante, do pr�dio em chamas sa�ram correndo duas pessoas, que l� tentaram persistir at� os �ltimos momentos. Era um rapaz alto, ao qual se agarrava uma jovem,
p�lida feito cad�ver. O homem por certo estava ferido, pois na cabe�a e em uma das m�os viam-se ataduras; portava um fuzil, dif�cil de manejar s� com uma m�o. Entrementes,
o oficial, percebendo a arma, deu ordem para fuzilar o homem
__ Miseric�rdia!... Ele est� ferido, ele est� entregando-se - suplicava a mulher, tentando cobrir o marido com o corpo.
Mas j� era tarde: ouviu-se uma saraivada de tiros e ambos tombaram na terra.
Os bandidos n�o tomaram nenhum conhecimento, carregaram o furg�o e, escoltando os prisioneiros, o cortejo l�gubre desapareceu na escurid�o.
O g�nio n�o conseguia se recuperar do terror e olhava calado aquele cruel e b�rbaro massacre, mas depois, ao se recuperar, agarrou o rosto com as m�os.
__ Satan�s, voc� n�o est� me enganando com essas vis�es? - perguntou, olhando com desconfian�a. - Ser� poss�vel que um povo crist�o conduza semelhante guerra contra
outros crist�os? Eu mesmo ouvi um dos infelizes clamar pelo nome de Cristo.

Satan�s soltou uma sonora gargalhada.
__ Sim, eles s�o crist�os! Sua f� � t�o firme que poderiam invocar em aux�lio o C�u inteiro. Eles observam as leis do Salvador; s�o caridosos e humanit�rios; mas
voc� n�o deve ter ouvido os clamores desses infelizes, esvaindo-se em sangue, e seus pedidos de justi�a, l�, onde voc� estava. Surpreende-me como todos l� em cima
s�o surdos e a grande deusa Justi�a n�o tem pressa em erguer sua espada contra os carrascos, defendendo os mais fracos. Ali�s, isso � com voc� e n�o me diz respeito...
__ E qual � a causa dessa guerra? - balbuciou o g�nio, constrangido.
__ Muitos simples: os teimosos agricultores, por sorte ou azar da vida, possuem enormes jazidas aur�feras, cobi�adas por meus favoritos. Sendo pessoas pr�ticas,
os "ilh�us" h� muito tempo se despojaram de quaisquer preconceitos �ticos, e s�o objetivos; eles n�o se det�m para alcan�ar seus projetos, mesmo que para isso tenham
de sacrificar milhares de pessoas, mulheres e crian�as, chamadas de revoltosas.
__ Meu Deus! Meu Deus! - gemia o g�nio. - E eles s�o crist�os! Todos os preceitos do Salvador, de irmandade e miseric�rdia, eles sacrificam por ouro e cobi�a.
Satan�s soltou novamente uma gargalhada estrondosa.
__ Arg, meu caro amigo! Voc� � cego e mal de mem�ria. Eles l�em a B�blia, respeitam os feriados religiosos e professam a letra e n�o o esp�rito das verdades, legadas
pelo Salvador - o que � compreens�vel. Depois disso, eles acham que a conta com o C�u fica acertada e que nada mais os impede de se ocuparem de seus pr�prios interesses.
E, convenhamos, s�o excepcionais esses interesses dos meus queridos "ilh�us"! N�o h� nenhum pa�s no mundo, n�o h� um canto no Universo, que eles n�o considerem de
sua propriedade e, cada tentativa de satisfazer as necessidades locais, eles v�em como objetivo particular. Bem, vamos em frente! Levaria muito tempo se eu fosse
enumerar todas as virtudes desse povo eleito, todo o requinte aristocr�tico de suas intrigas, e enorme impud�ncia de atos e uma incr�vel generosidade na manuten��o
da subvers�o e motins em outros pa�ses...
O g�nio nada comentou e, cabisbaixo, seguiu seu companheiro que parecia divertir-se em mostrar-lhe no caminho uma s�rie de cenas, ante as quais o nosso mensageiro
celeste cobria os olhos e tremia feito vara verde. Agora passavam por fazendas saqueadas e queimadas por hordas de selvagens, pelos campos de batalhas em que os
soldados da na��o "civilizada" acabavam de matar os feridos, e pelos acampamentos dos prisioneiros compostos de mulheres, velhos e crian�as, exauridos, moribundos
de desnutri��o e outras priva��es...
Eles voejam mais e mais, quando, subitamente, o g�nio parou pasmado, apontando para um povoado que se abrigara � sombra das palmeiras, em cujas ruas se apresentava
um espet�culo dilacerante para a alma. Gente de magreza monstruosa, quase esquel�tica, via-se sentada ou deitada impotente junto �s suas casinholas ou ao longo das
ruas; alguns gemiam fracamente, outros mantinham um sil�ncio l�gubre, mas a apatia e desespero liam-se em todos os rostos; entre eles alternavam-se cad�veres. Um
homem, montado a cavalo e acompanhado por servos, passava pelo povoado. Nem uma sombra de comisera��o fulgia em seus olhos opacos e frios; o rosto oblongo, emoldurado
por costeletas ruivas �gneas, parecia petrificado em soberba indiferen�a. M�os tremulas estendiam-se suplicantes a ele, que parecia n�o as notar.
__ Explique-me Satan�s, o que est� acontecendo aqui? Quem s�o esses infelizes que parece estarem morrendo de fome e quem � aquele homem que passa indiferente em
meio � mis�ria e sofrimentos indescrit�veis? - perguntou o g�nio, tremulo.
O dem�nio olhou-o l�gubre.
__ Esses infelizes s�o hindus, um povo antigo que povoa uma das col�nias dos "ilh�us". A fome mata periodicamente milh�es de pessoas, e � tudo! Eles merecem o C�u;
voc�, mais do que qualquer um, deve saber que o Para�so � alcan�ado pelo sofrimento. Quanto ao belo cavalheiro, voc� n�o deveria ofend�-lo assim: ele � representante
de uma institui��o estatal filantr�pica, um comiss�rio em viagem de inspe��o para verificar a situa��o do povo, a fim de mais tarde prestar uma ajuda correta.
__ Isso � humilhante! Quando ele for prestar sua ajuda, os coitados j� morreram de fome. E por que a fome mata periodicamente, j� que o pa�s aparentemente � rico
e deveria produzir tudo em abund�ncia?
Satan�s alisou sua barbicha e observou, jocoso:
__ Deveria... Humm! Talvez se o povo fosse menos onerado pelos impostos e os colonizadores n�o lhes sugassem toda a sua riqueza em proveito da metr�pole...
__ E todos esses seus queridinhos, os "ilh�us", devastam na��es e matam de fome milh�es de pessoas? - perguntou o g�nio, irado.
__ Logo se v� que voc� n�o entende nada de pol�tica! A metr�pole para ser uma pot�ncia mundial precisa de ouro; seus ilustres filhos, que se sacrificam para governar
os povos "inferiores", devem tamb�m ser generosamente recompensados por sua atividade iluminadora e abnegada. O fato de meus queridos "Ilh�us" n�o se preocuparem
com o desaparecimento de uma ra�a colorida � explic�vel: em seu esnobismo, eles s� reconhecem os direitos humanos para si; todos os povos restantes s�o parasitas
e devem ser simplesmente varridos da face da Terra, caso incomodem. Vamos adiante, g�nio! Jamais terminaremos a nossa ronda se voc� se detiver em todos os locais
que o deixam indignado. Gostaria de mostrar-lhe mais dois povos vizinhos, assaz interessantes. Um deles � aliado dos meus "ilh�us"; sua amizade � daquelas que eu
aprecio e incentivo: cada um espreita para degolar um ao outro...
__ Aliados exemplares e dignos de si - motejou o g�nio. - Diga-me: o povo ao qual voc� me leva tamb�m tem a pretens�o de ser a tocha da civiliza��o crist�?
__ Ele ainda pergunta! Claro que sim N�o � � toa que seus filhos se intitulam de "arautos da cultura". Eles est�o sinceramente convictos de que todas as na��es do
mundo deveriam lhes ficar gratas pelo progresso intelectual alcan�ado. Basta que eles tomem conta de algum pa�s selvagem, para se instalar a luz e a prosperidade.
H� pouco tempo, um de seus dignit�rios fez tantos "milagres civilizadores" na �frica, que centenas de negros morreram, provavelmente de... fasc�nio. Agora eles planejam
instituir a ordem e o progresso em um velho imp�rio asi�tico, t�o atrasado - imagine! - que ali as coisas s�o designadas por seus pr�prios prenomes, onde os insolentes
querem ser donos em seu pr�prio pa�s.
__ S� por isso eles come�aram uma guerra contra os asi�ticos?
__ Claro; mas n�o � uma guerra franca! Um feliz acaso propiciou-lhes um excelente pretexto para tanto, ainda que eu deva admitir que esse pretexto eles t�m buscado
h� longo tempo, pois este povo � incrivelmente belicoso; seus p�rvulos, assim que lhes nas�am os dentes, s�o alistados no ex�rcito. Eles sonham fazer do mundo uma
s� caserna e saquear o m�ximo poss�vel. Depois dos meus queridos "Ilh�us", essa na��o � a mais cobi�osa e insolente. Olhe! Est� vendo l� celebrarem uma missa antes
de embarcarem o ex�rcito no navio, e o pastor intimando a b�n��o dos C�us para os soldados e os estandartes?
Com um olhar meio triste, meio curioso, assistiu o g�nio a um quadro realmente grandioso. Era uma cidade portu�ria: no anteposto balou�ava uma frota intimidadora,
e, em uma espa�osa esplanada, viam-se destacamentos do ex�rcito, cujo aspecto guerreiro se diferenciava acentuadamente da esc�ria desanimada dos "Ilh�us".
__ E quem � aquele oficial brioso que dirige um discurso grandiloquente aos soldados? - interessou-se o g�nio.
__ � o seu rei. Preste aten��o a suas palavras! Ele � um homem muito devoto, por vezes oficia pessoalmente as missas e o seu discurso � uma aplica��o pr�tica de
conceber o mundo.
Notando um sorriso ir�nico que fulgiu no rosto do dem�nio ao observar aquilo, o g�nio agu�ou, desconfiado, o ouvido �s palavras inflamadas do chefe do governo, que
incentivava os soldados a lutarem de modo que os asi�ticos selvagens n�o se esquecessem dos teut�nicos nem dali a mil anos.
"N�o quero que sobrem feridos ou presos. Kein pardon!"

__ Bravo! Isso que � um discurso comovido! Que est�mulo para os grandes feitos! - disse o dem�nio, soltando uma gargalhada e, batendo no ombro do g�nio, acrescentou:
- V�, meu caro amigo, conversar com aquele monarca "crist�o" sobre justi�a, miseric�rdia, irmandade e amor ao pr�ximo! O momento � dos mais adequados. Pense s� na
gl�ria de sua miss�o ao adquirir um seguidor de tamanho peso.
O g�nio nada disse e cobriu os olhos com a m�o. Ele tremia todo; um frio cortante soprava daquela terra com sua gente impiedosa e ego�sta, obcecada por ambi��o e
cobi�a, esquecida de que tanto o rei como o mendigo eram espreitados pela morte, prestes a ceif�-los, pondo um termo a todos os atos terrenos...
As palavras de Satan�s tiraram-no dos devaneios.
__ N�o perca seu tempo, entregando-se a reflex�es in�teis! Siga-me e poderemos, com os pr�prios olhos, contemplar os feitos dos bravos teut�nicos, armados de conselhos
t�o piedosos.
O g�nio seguiu-o maquinalmente. Detiveram-se sobre uma enorme cidade de arquitetura magn�fica e original.
__ Bem, chegamos � capital chinesa! Tempos dif�ceis ela est� atravessando - observou Satan�s, apontando para as ru�nas na cidade, devastada por inc�ndios e bombardeios.
Por todos os lados, viam-se tropas locomovendo-se, comandadas por oficiais de preto.
__ S�o padres e pastores!... - suspirou aliviado o g�nio.
__ Sim! Sim! S�o os mission�rios - interrompeu-o Satan�s, lan�ando-lhe um olhar de deboche. E por que voc� acha que est�o juntos com as tropas esses pioneiros da
f� crist�?
__ Pergunta estranha! Sem d�vida � para reprimir, em caso de necessidade, seus �mpetos selvagens, impedir os saques, sugerir-lhes miseric�rdia, ajudar os feridos,
consolar os moribundos. Ou seja: evitar qualquer abuso no calor da luta.
__ H�-h�-h�! Que ingenuidade, meu caro g�nio! Os bravos mission�rios indicam aos correligion�rios as casas ricas para saquear, j� que tiveram todo o tempo poss�vel
para descobri-las, quando estiveram aqui durante sua prega��o piedosa. Mais tarde, todo o esp�lio art�stico decorar� os museus, as galerias e as academias dos povos
"cultos", como monumento da "ilumina��o" que levaram � �sia.
__ Voc� est� enganado, Satan�s! Os servos da igreja de Cristo jamais perpetuariam tal vilania - gritou o g�nio, indignado.

__ N�o fique nervoso! Olhe, aquele ali deve conhecer n�o s� a casa, como tamb�m os locais onde ficaram escondidos os tesouros; ele, provavelmente, deve ter sido
bem recebido na casa do velho chin�s despojado de seus bens. Provavelmente, depois, o chin�s ser� surrado no quartel e, em gratid�o, levar� uma bala na testa. Estou
cansado de ver essas coisas e, talvez, poupe-o desses espet�culo, j� que voc� carrega tantos preconceitos. D� uma olhada na pra�a: os mandarins est�o sendo levados
para a execu��o.
__ Por que? - surpreendeu-se o g�nio.
__ � por causa de seu amor despropositado pela p�tria e � retalia��o. Veja: a ral� ignara matou um dos mensageiros teut�nicos, que se achava, nessa hora tumultuada,
uma pessoa intoc�vel. Ent�o, aquele mesmo monarca, o do lema "kein pardon", movido por humildade crist� e miseric�rdia, exigiu que, para reparar a honra insultada,
um determinado n�mero de cabe�as chinesas iria rolar por conta dos fios de cabelos do dignit�rio morto; os fios de barba e dos bigodes - que seja! - ele perdoava
magnanimamente.
Nesse minuto, o g�nio exclamou indignado:
__ Meu Deus! Os servidores do altar, os anunciadores da paz e da miseric�rdia est�o na primeira fileira dos espectadores, assistindo � carnificina e, ainda, com
as m�quinas fotogr�ficas nas m�os!... Oh, Satan�s! Por que voc� me mostrou tudo isso? N�o quero ver mais nada!... - E o g�nio lan�ou-se ao espa�o.
Satan�s seguiu-o rindo estrondosamente.
__ Devagar! Devagar! N�o posso voar t�o r�pido!
Finalmente, o dem�nio alcan�ou o g�nio, que diminuiu a velocidade do v�o.
__ Acalme-se e seja sensato! Como voc� quer orientar os homens no caminho da verdade, se lhe falta a coragem at� para ver o que eles est�o fazendo? Temos uma �ltima
visita.
__ Para onde voc� vai me levar? Que indec�ncias quer ainda me mostrar? - gemeu o g�nio.
__ Agora � coisa f�cil. Vamos dar uma pequena volta e ver os Ursos Brancos.
__ Prefiro seguir adiante. Chega desses povos, infelizes em sua cegueira! Meu cora��o sangra de ver tudo o que voc� me mostrou.
__ N�o se preocupe, Esperan�a e �xtase o apoiar�o nessa empreitada! Ali�s, eu o trouxe para c� pensando em seu aprazimento. O imp�rio que estamos sobrevoando � um
pa�s sem povo definido; simplesmente um termo etnogr�fico - um ajuntamento de diferentes tribos. Por outro lado, aqui, como no pa�s dos Ursos Brancos, habita uma
ra�a r�gia - a eslava. Por ora, seus habitantes est�o encurralados: todos os oprimem a tal ponto que, mesmo estando na sua terra, seus filhos n�o podem utilizar
a l�ngua p�tria.
__ E eles n�o protestam?
__ Por enquanto, n�o! Eles s�o assaz imbu�dos de princ�pios de grandeza de esp�rito, humildade e auto-destrui��o; mas o que mais os enfraquece s�o as ciz�nias internas.
Enquanto as fam�lias eslavas brigam entre si, os teut�nicos v�o devorando-os aos poucos e j� engoliram alguns peda�os apetitosos de sua heran�a. N�o obstante, est�
chegando a hora em que os bogatyri (her�is �picos russos, dotados de muita for�a) eslavos esquecer�o as diferen�as, sacudir�o os grilh�es e seus opressores seculares
se prostar�o aos seus p�s e milh�es de "zdies" abafar�o o odioso "hier". Olhe!
Satan�s estendeu a m�o: a lonjura impenetr�vel abriu-se e, feito uma fada Morgana, da neblina assomou-se um quadro m�gico: uma cidade salpicada de minaretes, junto
� orla mar�tima, mergulhava-se nos jardins verdejantes. Acima de tudo, assenhoreava-se um pr�dio alto com c�pula enorme, encimada por uma cruz, cujo brilho se derramava
em clar�o pelo c�u.
__ Aquela � a catedral de Santa Sofia, venera��o dos eslavos. Ali drapejar� triunfal a �guia, erguer-se-� a grandeza dos eslavos sobre o poder decadente dos latinos
e germ�nicos. Ser� uma �poca de luta e, para mim, o tempo das desilus�es - prosseguiu Satan�s, suspirando. - Mas n�o me sinto desesperado; chegar� a minha hora...
Bem, est� na hora de irmos at� os Ursos Brancos! Eles s�o vizinhos dos guerreiros teut�nicos; � um povo bonach�o, despreocupado e sem ambi��es, comparados aos "arautos
da cultura" - en�rgicos e ambiciosos.
Diante deles se descortinou uma plan�cie infind�vel, coberta de neve; em seguida divisou-se uma ba�a, aprisionada em gelo.
Subitamente, uma vis�o estranha chamou a aten��o dos viajantes. Por tr�s de uma cerca de blocos congelados, havia um fog�o enorme de lenha, do qual se espalhava
um calor agrad�vel. Junto ao fog�o, estavam sentados dois guerreiros: um, com express�o arrogante e obstinada, trajando uma farda preta, gola alta sustando o pesco�o,
e capacete pontiagudo; o outro, em elmo pontiagudo e farda de vermelho vivo, reverberando em p�rpura suas costeletas ruivo-sangu�neas, que embelezavam sua fisionomia
magra. Rindo animadamente, eles comiam com apetite castanhas que os Ursos Brancos traziam do fog�o, servindo-os sequiosos.
Carregar as castanhas quentes do carv�o incandescido n�o era uma tarefa f�cil; as patas dos ursos estavam ensang�entadas e os focinhos queimados. Os bravos guerreiros,
� menor tentativa dos ursos em experimentarem as castanhas, tomavam medidas en�rgicas contra tal insol�ncia, amea�ando o urso com lan�a ou, ent�o, acariciando e
co�ando atr�s de sua orelha, sorrindo deleitosos aos lhes tirarem da boca a castanha surrupiada.

__ Que grupo estranho! - observou o g�nio.
__ � alegoria, meu amigo, representando a simplicidade a servi�o da insol�ncia, ou, por outra: "um concerto europeu". Mas sigamos para frente! L�, junto � ba�a est�
a capital dos Ursos Brancos.
Ao longe se delineava uma enorme cidade; ao sol, brilhavam numerosas c�pulas douradas, azuis e verdes, encimadas por cruzes.
__ Que paisagem desolada! S� os s�mbolos da reden��o, fulgindo sobre as igrejas, d�o alguma vivacidade a esse quadro mon�tono.
__ Sim, o clima poderia ser melhor. Por outro lado, a devo��o aqui, devo reconhecer, � mais singela e franca que em outros lugares. Eu j� lhe falei que os Ursos
Brancos t�m alma boa e s�o muito originais. O que mais se destaca em seu car�ter � sua mania de prejudicar a si mesmos em tudo - no que s�o insuper�veis. Por exemplo:
o pa�s � essencialmente agr�cola, mas essa atividade n�o lhes interessa ou interessa quase nada; ambas as classes - a nobreza e os camponeses - exigem, mas n�o recebem
nenhum aux�lio... A depress�o econ�mica � t�o violenta, que for�ou a migra��o dos camponeses em busca de melhores terras e, em seus lugares, no cora��o do pa�s foram
instalando-se os alem�es de puro sangue. A liquida��o do pa�s aos estrangeiros � tida como a reanima��o das for�as produtivas; a fomenta��o de pequenas patriotices
locais dos arm�nios, tchuvacos, bukharos, t�rtaros, estonianos, e assim por diante, � uma pol�tica interna vision�ria. Resumindo: mal ficaram livres do jugo dos
mong�is, abrem os bra�os � cabala dos forasteiros que infestam o imenso pa�s. No entanto, falta-lhe muito para ficar forte e ele est� longe de alcan�ar sua miss�o:
a de conjugar a grandeza do Oriente com a sabedoria do Ocidente. N�o d� para enumerar todas as monstruosidades desse bom povo! Assim, eles acham necess�rio ter,
daqui em diante, bons escritores ou produzir obras cient�ficas em relevo, j� que podem aproveitar o legado intelectual do resto do mundo, gratificando os autores
furtados com a simpatia plat�nica, prejudicando o progresso de sua literatura e s� enriquecendo os editores.
__ Como ent�o a retid�o e a franqueza deste povo aceitam tais injusti�as?
__ � muito simples! Em seus dez mandamentos, Mois�s proibiu desejar a mulher do pr�ximo, o seu boi ou asno, mas se esqueceu de mencionar as obras liter�rias deste
pr�ximo ou de seu vizinho; assim, os outros se acham nesse direito. Voc� � incapaz ainda de avaliar a diferen�a entre a letra e o esp�rito do mandamento. N�o se
esque�a disso! Estou vendo que voc� traz uma pena atr�s do cinto e, se em sua vida voc� est� planejando ser um literato, o que eu lhe disse ser� de muita valia.
__ � verdade! Escolhi Poesia para acompanhar-me - disse o g�nio, corando.
Satan�s sorriu, olhou maliciosamente para o g�nio e co�ou atr�s da orelha.

__ A poesia n�o est� com nada aqui, sobretudo se for pura e elevar o esp�rito do homem. Em outros tempos, os poetas, os pintores e outros s�bios da humanidade tentavam
elevar a turba at� si; hoje em dia, ao contr�rio, � a turba que reduz seus mestres at� o seu n�vel, obrigando-os a criar obras ordin�rias, de todos conhecidas, das
quais recende excremento. Hoje a pintura � obrigada a agradar o amor-pr�prio das massas e n�o deve perturbar a paz espiritual do homem moderno; n�o deve ser um espelho,
que possa refletir sua mediocridade moral. Vamos ver melhor como eles vivem; fa�amos uma ronda pelos teatros e restaurantes! Estamos na �poca do carnaval, h� muita
gente na rua - o que ser� interessante.

O g�nio aquiesceu querendo agradar ao seu companheiro, animado ao deslumbrar aqueles recreios do povo alegre e engalanado, festejando as saturnais modernas.
__ Por favor Satan�s! - pediu o g�nio, quando eles sa�am de um restaurante da moda - quem era aquela criatura seminua, mal coberta por andrajos, ornada em vidrinhos
e bugigangas estranhas? Ela n�o tem pejo se sua nudez e deformidade?
__ Achei que voc� n�o tivesse reparado, j� que voc� a todo momento se encobre com sua asa - ironizou Satan�s com sorriso sarc�stico.
__ N�o not�-la seria imposs�vel, pois a encontramos em toda parte, sendo que os chocalhos, presos � coroa de ouro, tilintam tanto que, involuntariamente, voc� olha.
Quem � ela?
__ Oh, ela � uma personalidade de destaque: � Vaidade. Ela e o Ouro cultivam tantos gostos e instintos, por voc� reprovados, que aqui eu sou sup�rfluo. E o que voc�
chama de bugigangas, s�o objetos muito valiosos: medalhas, ins�gnias de diversos estabelecimentos cient�ficos e academias, e demais condecora��es. Para ganh�-los,
as pessoas enganam, humilham-se e rastejam... at� se matam, sem perceber que as d�divas que adv�m da vaidade n�o s�o nada mais que chocalhos e trapos que jamais
encobrem a nudez daqueles que neles se enfeitam.
__ Precisamos abrir os olhos desses cegos infortunados e provar-lhes que a vaidade � enganosa e eles se engalanam de suas pr�prias fraquezas.
Satan�s rompeu numa gargalhada incontida.
__ Ah, g�nio, g�nio! - disse ele por fim, enxugando as l�grimas. - V�-se que voc� chegou dos C�us, onde a entrada de Vaidade � proibida. Mas se ela fosse expulsa
daqui, o mundo ruiria, j� que tem tantos f�s aqui na Terra. Pense s� o que fariam as pessoas sem sua integridade moral pessoal, sem talento, n�o acostumadas ao trabalho,
etc...; pessoas que n�o passam de filhos, parentes ou amigos de altas personalidades ou gente influente. Gra�as a isso, havendo Vaidade, eles criam para si uma esp�cie
de posi��o social e meios de vida; n�o cabem em si por serem filhos de pais famosos ou parentes de ministros. Eles correm para abra�ar qualquer homem influente e
regozijam-se quando s�o invejados, acreditando serem unha e carne com os grandes deste mundo. Agora imagine o que fariam essas pessoas, se n�o houvesse Vaidade que,
de qualquer forma - repito -, lhes confere algo! Oh, eles o matariam a pedradas, se voc� tirasse a Vaidade deles! � nessa mentira, meu irm�o, que o mundo se sustenta!
- concluiu Satan�s, apontando para um grupo de criaturas monstruosas, envoltas em fuma�a negra.
__ Quem s�o? - perguntou estremecendo o g�nio.
__ S�o os g�nios da Terra. V� l� dar um abra�o neles, pois ter� de conviver com eles diariamente e � bom cair em suas gra�as. Bem, aquele velho vigoroso com a foice
na m�o � Homic�dio em companhia de seus filhos Parric�dio, Fratric�dio, Infantic�dio e Suic�dio. A mulher magra � a Avareza; ela, com a Hipocrisia, normalmente trabalham
juntas. Aquela velhota esverdeada e decr�pita, � esquerda, � a Inveja; n�o fosse ela imortal, teria se consumido em si mesma; agora ela se diverte e provoca aquela
mulher cega, de cabelos desgrenhados e cara furiosa, lavada na corda, que se chama Vingan�a. E ali est� sua rival mais perigosa. Ela � da esp�cie dos r�pteis, cabe�a
de serpente e corpo de escorpi�o; rasteja mudando de aspecto, ora contraindo-se, ora inchando e alongando-se quase at� o c�u, feito um gigante. � a Inj�ria. Devo
prevenir que ela tentar� envolv�-lo; ser� muita sorte sua se voc� escapar de sua mordida letal, apesar de sua espada, que poder� perder o corte em contato com suas
escamas invulner�veis. Quanto a outras personalidades, falta-me falar de Mentira e Lux�ria, que voc� encontrar� por todo lugar da Terra; o restante da turba, composto
por parentes long�nquos da primeira, v�cios menores como Chantagem, Gula, Perj�rio, Ego�smo, Vendilhagem ( suborno), Latroc�nio - nem vou falar.
O g�nio ouvia aterrorizado, m�o conseguindo tomar f�lego.
__ Voc� fica enojado com estes cognomes - prosseguiu Satan�s, ao notar o asco que se refletia no rosto do seu companheiro -, mas, na Terra, estes t�tulos se assemelham
inclusive aos das virtudes: a lux�ria � conhecida como amor; a avareza - parcim�nia judiciosa; o massacre em massa - guerra para o bem da p�tria; a hipocrisia e
a falsidade - religiosidade e ren�ncia ao mundo; a bebedeira - consolo nos momentos dif�ceis da vida; o infantic�dio - uma v�tima da vergonha e pobreza, etc... Ou
seja: se voc� tiver um bom relacionamento com eles, ter� ao redor uma excelente companhia, como se n�o houvesse sa�do do para�so.
O g�nio, que o ouvia calado e atentamente, recuou.
__ N�o! N�o quero a amizade deles! Vim para aniquil�-los e declaro-lhes a guerra. Deve haver no mundo gente �ntegra, avessa a estas fraquezas torpes; deles farei
os meus aliados - bradou o g�nio.
__ Ah, desses, voc� ter� poucos! Os homens verdadeiramente dignos e humildes s�o t�o raros que a turba os considera anormais. H� pouco tempo um cientista declarou
que a genialidade e a loucura s�o id�nticas.

E Satan�s escangalhou-se em riso.
__ Aconselho-o - prosseguiu - a ler, durante a sua perman�ncia aqui na Terra, o livro de um escritor muito espirituoso que conhecia bem os homens; seu her�i chama-se
Dom Quixote, que luta contra moinhos de vento. Isso seria instrutivo. Mas, meu caro, voc� parece cansado! Retornemos aos port�es da Terra! Acho que voc� j� viu o
bastante para desistir de sua miss�o.
O g�nio suspirou e baixou a cabe�a. Seu olhar deteve-se, de repente, sobre a lampadinha pendurada no peito, cuja chama bruxuleante mal se enxergava. S�bito, a chama
como que se animou e uma luz brilhante iluminou o rosto do g�nio. Ele se empertigou e seus olhos fulgiram de brilho como antes.
__ Cumprirei a minha designa��o e a Esperan�a h� de me ajudar.
__ Oh! Aquela mentirosa n�o o largar� nem quando voc� quiser ficar livre dela. Ela sempre o acalentar� com quimeras - sustentou Satan�s, lan�ando um olhar meditativo
sobre a figura l�mpida e di�fana do interlocutor.
Todo o ser do g�nio era harmonia e em seu olhar fulgia j�bilo. Um suspiro soltou-se do peito do anjo deca�do e algo como a comisera��o se agitou em seu cora��o ressequido.
__ Ent�o v�, se n�o tem pena de si mesmo! V� ao encontro dos homens, mais duros que pedra e mais cru�is que animais selvagens: eles jamais dar�o qualquer valor �
sua beleza e perfei��o. V�, repito, v�! Mas toda vez que uma tentativa sua n�o tiver sucesso, quando os homens zombarem de voc�, o Mal triunfar�, e a alma que voc�
considerar conquistada para ir aos C�us lhe escapar� das m�os, vindo a cair no poder dos esp�ritos terrenos; voc� ouvir� ent�o, esteja onde estiver, o esc�rnio do
meu riso, provando-lhe que eu vejo e sei tudo.
O g�nio ouviu-o calmamente e aproximou-se de Satan�s. Um d� inexprim�vel dominava-o .
__ Que pena sinto de voc�, pobre guardi�o da Terra! Seus sofrimentos s�o eternos de fato, j� que lhe falta Esperan�a. Mas sinto que voc� n�o � t�o mau como dizem
e em seu riso cruel soa o desespero amargo de um esp�rito sofredor que n�o encontra paz...
Um som sibilante que feria os ouvidos - um misto de gemido e riso - ouviu-se em resposta, e o dem�nio desapareceu em uma nuvem de fuma�a e fogo.
O g�nio suspirou. Ser� que com o seu olhar l�mpido ele penetrou no t�rbido abismo do cora��o de Satan�s, intuindo que o Mal � a raiz de todos os sofrimentos?...
O g�nio permaneceu s�. Ele sentia-se pesado e uma atra��o incontrol�vel puxava-o para a Terra; ele descia cada vez mais c�lere, seu olhar anuviou-se... Subitamente,
como que um golpe de raio atingiu-o e ele perdeu os sentidos.
Muitos anos se passaram desde que o g�nio se encarnou na Terra.
Certa vez, andando na floresta, um ermit�o topou com o corpo do g�nio estendido na relva verdejante. Estava inconsciente, tinha aspecto desnutrido, suas vestes estavam
reduzidas a trapos, provavelmente por andar na floresta. O ermit�o levantou-o, levou-o � sua caverna e tentou reanim�-lo. Aos poucos, aquele torpor morredi�o em
que permanecia o g�nio come�ou a ceder, sendo substitu�do por um sono profundo e tranq�ilo. Como em uma retrospectiva, ele relembrou toda sua vida.
Finalmente... o primeiro "sucesso". Foi-se juntando gente das mais variadas camadas e idades. Havia os ing�nuos, prontos a se fascinar com tudo, e tamb�m os c�ticos;
os curiosos e os ociosos, que n�o sabiam como matar o tempo, j� que se entediaram com tudo na vida; havia os velhotes e as velhotas, destitu�das pela idade da capacidade
de pecar e ent�o procurando os caminhos da salva��o, ainda que usando n�o a entrada principal, pela frente, mas pelos fundos, para subir ao reino celeste.
A eloq��ncia convincente do g�nio e aquele encanto que dele emanava tiveram um grande efeito: o p�blico aumentava, o g�nio come�ou a ser popular. Era comum ele ser
visitado para lhe exporem quest�es de consci�ncia. Mas essa devo��o procriou invejosos e inimigos: o g�nio come�ou a ser visto com desconfian�a. Repleto de arroubo,
desinteresse e boas inten��es, ele n�o tomava conhecimento do tratamento hostil da sociedade e continuava a disseminar a luz entre o povo, minorando seus sofrimentos
morais e f�sicos, sem nada exigir em troca e tentando insuflar em suas almas s� um �mpeto puro e sincero para o Bem.
De in�cio curiosa, mas tarde a turba, finalmente, insurgiu-se contra ele, pressentindo nele um inimigo de sua paz espiritual, um denunciador audacioso de suas libertinagens
e deformidades morais.
At� aqueles que de uma certa forma lhe deviam algo come�aram a evit�-lo, ou persegui-lo atr�s das esquinas; suas curas maravilhosas eram atribu�das ao acaso; as
pessoas tampavam os ouvidos, pois seus ensinamentos sobre a responsabilidade do homem no mundo de al�m-t�mulo envenenavam o fruir tranq�ilo dos prazeres terrenos...
Nos ouvidos do g�nio soava a risada de esc�rnio de Satan�s...
A luta come�ou a cans�-lo, ele foi emagrecendo e empalidecendo; rugas �speras sulcavam-lhe o rosto. Mas a Esperan�a ainda o aleitava a ele, teimosamente, n�o queria
admitir que as pessoas que o cercavam eram seus amigos falsos, aguardando uma oportunidade para acabar com ele e que, atr�s daquela apar�ncia humana, escondia-se
a careta asquerosa da avareza, do ego�smo, da vaidade, entre outros co-irm�os.
E a risada de esc�rnio do dem�nio soava cada vez mais alto e freq�ente...
O g�nio acometia-se de uma depress�o indefinida, fruto do desprezo e desilus�o dos homens e perda da autoconfian�a. A Esperan�a aparecia para renovar-lhe a coragem,
mas com menos assiduidade. Em tais momentos dif�ceis, ele pegava sua pena de �guia ou a espada flamejante e anunciava a verdade, ou investia contra as trevas que
cobriam o mundo. Mas logo depois de um clar�o moment�neo, as trevas novamente se cerravam e a turba preferia a agrad�vel realidade terrena �s promessas intang�veis
da felicidade nos C�us.
Sua alma era toda uma ferida aberta; o corpo, exaurido por anos de trabalho incans�vel e esfor�o sobre-humano, recusava-se a servir. E ele se p�s a fugir das pessoas...
Atr�s, ele ouvia a risada de Satan�s.
Subitamente, uma luz clara fulgiu de seu cora��o dilacerado, um calor vivifico espalhou-se pelo corpo, a cabe�a tonteou um pouco e o g�nio se viu novamente na Terra,
recome�ando a sua miss�o desde o princ�pio.
Dessa vez, ele se sentia como que mais ditoso: os homens eram mais receptivos e pareciam capazes de se imbu�rem de amor sincero, de auto-abnega��o e de arrebatamento
ao Eterno. Ao redor, cercavam-no os amigos j� testados, que seguiam seus ensinamentos e estavam dispostos a combater o Mal. O ouro e os v�cios estavam destronados.
No cora��o do g�nio cintilou uma nova energia; imediatamente ele se esqueceu de suas feridas, insucessos, ofensas sofridas. Ele se soergueu de seu leito e coma m�o
tremula agarrou a espada flamejante, pronto a se lan�ar � luta e tentar a sorte em um novo combate. Subitamente, ele reparou acima da cabeceira a Esperan�a pairando,
resplandescente com a l�mpada na m�o e... e a espada caiu impotente da m�o do g�nio; sua alma encheu-se de tanta f�ria e desespero, jamais experimentados.
__ Mentirosa! Promete a bem-aventuran�a dos C�us, enquanto empurra os homens para toda sorte de sofrimentos terrenos! - gritou ele. - Queria sufoc�-la com as minhas
m�os para que n�o atraia mais os infelizes com suas promessas.
A Esperan�a, entretanto, n�o parecia ofendida com sua invectiva. Sorrindo, olhar amoroso, com feixes de rosas nas abas de sua t�nica, o espectro luminoso al�ou-se
para a atmosfera e desapareceu. E, em seu lugar, no fundo da gruta, assomou-se uma figura envolta em negro. Curvando-se sobre o g�nio, que de extenua��o de deixou
cair no leito, a figura abriu as asas possantes. Do v�u atirado para tr�s, que cobria suas fei��es, descobriu-se o rosto p�lido e sereno da Morte.
Uma tristeza infinita fulgia em seu olhar enigm�tico e l�grimas de piedade rolavam e ca�am sobre o rosto p�lido do infeliz. O g�nio estremeceu, esbugalhou os olhos
e um sorriso de gratid�o iluminou-lhe o rosto.
__ Obrigado por ter vindo, a mais piedosa das irm�s dos C�us! S� voc� n�o me enganou e cumpriu o ajustado. D�-me o seu �sculo prometido!
__ Meu �sculo � glacial, por�m ele lhe trar� esquecimento e paz na luta estafante empreendida pelo esp�rito humano, sem tr�gua.
A Morte atraiu o g�nio aos seus bra�os e tocou os l�bios em sua testa. A este contato, o inv�lucro terreno que envolvia o emiss�rio celeste se reduziu a cinzas,
feito um fio de cabelo, e sua ess�ncia imortal al�ou-se nas m�os da Morte ao ar como que numa nuvem transparente.
Sem dignar olhar ao mundo em que tanto sofrera, o g�nio precipitou-se pelo espa�o, endireitando suas asas entorpecidas por longo desuso. Ao alcan�ar os limites da
Terra, viu-se diante de Satan�s, contemplando com esc�rnio a sua figura desalentada, sua t�nica amassada, a espada sem fio e a n�voa escura que outrora cobria o
seu semblante l�mpido.
__ Bem... quem tinha raz�o, finalmente? - perguntou Satan�s, inclinando-se.
__ Voc�!... - respondeu o g�nio com voz quase inaud�vel, baixando a cabe�a.
__ Aprendeu voc�, pelo menos, a odi�-los tanto quanto eu os odeio? - reinquiriu em voz surda Satan�s. - Pois eu j� fui um arcanjo; o Mal, contudo, me venceu e insuflou
em minha alma a revolta. Desde que fui expulso dos C�us, a Terra n�o fez outra coisa sen�o zombar de mim. Por isso odeio os homens. Fico sentado aqui, s� para deleitar-me
com os sofrimentos que eles causam um ao outro em sua luta fratricida. Em cada desgra�a que os atinge, em cada flagelo que os aniquila, eu vejo os des�gnios de Deus
e ou�o a voz da justi�a Divina.
__ N�o! N�o posso odiar! Apesar de tudo, sinto pena daqueles infelizes, que n�o me compreendem e me olvidaram.
__ Ehh, eles nem precisam olvid�-lo, j� que suas exorta��es inoportunas n�o os constrangem! - devolveu Satan�s, desfechando uma gargalhada que horripilou todo o
ser do emiss�rio celeste.
O esp�rito do Mal estendeu a m�o e, imediatamente, as densas nuvens que os encobriam da Terra dispersaram-se, abrindo antes seus olhos uma prociss�o seguindo pelas
ruas daquela cidade, onde vivera e padecera o g�nio.
__ Olhe! - disse Satan�s. - Voc� foi canonizado, seus ensinamentos s�o aclamados; � claro, para serem recitados e n�o seguidos. Tal � o costume dos homens: venerar
o que foi impiedosamente queimado e crucificado.
O Dem�nio novamente se escangalhou em riso, envolveu-se em nuvem escura e ocupou o seu lugar na escarpa, impass�vel na malevol�ncia que tanto o confortara em sua
queda. O g�nio recostou-se impotente, na nuvem g�lida que servia de trono a Satan�s. Ambos sofriam, presos � Terra: o g�nio incompreendido, cuja decep��o lhe atara
as asas; o Satan�s - devido ao seu �dio insaci�vel.
Subitamente, o arcanjo descoroado estremeceu e, rindo maledicente, inclinou-se sobre o g�nio abatido.
__ Est�s vendo? - disse apontando para uma estrela l�mpida que se acendeu no fundo do espa�o e descia vertiginosamente na dire��o deles - os C�us inexor�veis est�o
enviando um outro g�nio em seu lugar. Quando � que ir�o parar de arrancar de seu seio os filhos da luz pur�ssima a atir�-los na ara ensang�entada da Terra ingrata?

Rugindo feito tempestade, que redemoinhou as ondas do oceano, levantou-se o esp�rito do Mal ao encontro do novo emiss�rio celeste, cuja sina era comprovar, novamente,
que o anjo das trevas n�o passava de um pr�ncipe, tornado Satan�s somente por este mundo...
FIM
por Conde J. W. Rochester

"ESTE CONTO DE ROCHESTER NOS FAZ PENSAR NO QUE ACONTECE PELO MUNDO, QUE VEMOS PELA TELEVIS�O OU VEMOS EM NOSSAS FAM�LIAS E ACONTECENDO COM NOSSOS AMIGOS. MAS ACHO
QUE � MAIS DOLOROSA ANOSSA VIS�O QUANDO N�S NOS VEMOS NO ESPELHO CARNAL OU ESPIRITUAL."



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