domingo, 16 de fevereiro de 2025

{clube-do-e-livro} LANÇAMENTO: SÍLVIO SANTOS VEM AÍ - TIAGO RAMOS E MATOS - FORMATOS: PDF E TXT

Dedico ao meu filho, Jo�o Victor Pessoa de Mattos, e
ao meu pai, Jos� Norberto de Mattos (Jos� Bernn�, in
memoriam), com muito carinho, este trabalho. Com
entusiasmo, digito esta breve reflex�o de Pasini, que
descreve sublime a grandeza desse nosso pequeno
universo: �Amor de fam�lia � a coisa mais
inexplic�vel do mundo. Nem um pai consegue dizer
para um filho o quanto o ama, nem o filho sabe
dizer ao pai, ent�o eles simplesmente demonstram...�.


PREF�CIO


Pesquisar exige romper com preconceitos. Ainda assim, n�o s�o poucos
os acad�micos que, de forma deliberada, mant�m dist�ncia de tudo aquilo
que seja popular. Preferem enxergar o mundo do alto da torre de marm,
esperando que seus �falsos sonhos ascendam aos c�us�, como escreveu
Virg�lio em Eneida. O mais curioso, por�m, � que os membros dessa elite
adoram utilizar seus pr�prios trabalhos para propalarem a preocupa��o � ou
mesmo comisera��o � que juram ter com os desvalidos. Eles enxergam a
realidade das massas como mero pretexto para armarem uma suposta
superioridade intelectual, baseada em intermin�veis anos de estudo que,
muito raramente, se revertem em algo que alcance o povo que dizem
defender.

Em um cen�rio t�o sombrio quanto esse, o livro de Tiago Ramos e
Mattos surge como um ponto de luz. Dono de uma capacidade anal�tica
invulgar, o autor parte de s�lida fundamenta��o te�rica para construir sua
linha argumentativa. Ela, de t�o poderosa, arrasa com o preconceito que
sofrem tanto as biograas quanto a comunica��o popular em geral.

A despeito de seu grande sucesso, o g�nero biogr�co ainda �
incompreendido. Costuma ser visto na corda bamba, pendendo ora para a
literatura, ora para o jornalismo. H� quem enxergue tal situa��o como ruim.
�, no entanto, justamente dessa tens�o constante que derivam a beleza e a


riqueza das biograas, que abra�am m�ltiplos estilos e, assim, se tornam
capazes de eternizar a vida atrav�s das palavras.

Essa tens�o tamb�m serviu de inspira��o � forma que dei para Silvio
Santos � A Trajet�ria do Mito (2017). Quando o escrevi, tinha consci�ncia de
seu ineditismo. Trata-se do primeiro livro verdadeiramente independente
sobre Silvio Santos, j� que nunca fui seu empregado e realizei todo o
trabalho de pesquisa e reda��o de forma solit�ria e sigilosa. Desenvolvi um
texto h�brido, combinando o meu relato com as falas do pr�prio Silvio que
extra� � sempre com os devidos cr�ditos � de fontes de not�ria reputa��o.
Dessa forma, consegui que o biografado � a quem nunca entrevistei �
trouxesse sua vis�o para a obra e ainda corroborasse tudo aquilo que eu
havia escrito sobre ele.

Com enorme sensibilidade, Tiago Ramos e Mattos enxergou esse
esfor�o liter�rio e concluiu que Silvio Santos � A Trajet�ria do Mito
inaugurou um novo g�nero de discurso, batizado de biograa-reportagem.
Este nome transmite a inten��o de apaziguar a rela��o entre literatura e
jornalismo, proporcionando novas possibilidades aos leitores e, ao mesmo
tempo, preservando os princ�pios que devem nortear a atividade
informativa, tais como precis�o e veracidade.

Ao estudar Silvio Santos � A Trajet�ria do Mito, Tiago Ramos e Mattos
vai muito al�m do corpus da pesquisa. Sua tese deve servir de exemplo sobre
como a cultura das massas merece ser tratada por toda a academia. Tanto
Silvio Santos quanto meu livro s�o esquadrinhados com isen��o, justi�a,
rigor e, sobretudo, respeito.

Agrade�o ao Prof. Dr. Tiago Ramos e Mattos por dedicar seu tempo e
talento para analisar minha obra. Deixo aqui meus cumprimentos tamb�m
ao orientador, Prof. Dr. Jo�o Hilton Sayeg de Siqueira, e � PUC-SP, alma
mater de tantas guras brilhantes. Mais do que uma s�lida produ��o
acad�mica, este trabalho exprime amor � l�ngua portuguesa e � cultura
popular brasileira.


Prof. Fernando Morgado
Rio de Janeiro, outono de 2022.



APRESENTA��O


Minha viv�ncia com o Tiago vem de longa data, desde a d�cada de
2010, quando fui seu professor no curso de Letras-Portugu�s, da PUC-SP.
Surgiu entre n�s um v�nculo de identidade acad�mica que resultou, em
2012, no Trabalho de Conclus�o de Curso (TCC), Um estudo do g�nero
biografia.

Foi um assunto que trouxe para o Tiago uma paix�o e despertou nele o
esp�rito de pesquisador. N�o tenho receio de dizer que, hoje, ele �, no Brasil,
um dos principais pesquisadores sobre os g�neros biograa e autobiograa.
Seu investimento na �rea � profundo e constante, seja pela abordagem
te�rica, seja pela descoberta de procedimentos metodol�gicos que deem
conta da complexidade de fontes, de formas e de estilos implicados na
mat�ria.

O pontap� inicial veio de Bakhtin, grande mestre que descortinou ao
Tiago as artimanhas de se analisar e de se classicar biograas. Era, de fato,
um in�cio. Muitos autores vieram em seguida, o que foi desvelando, aos
poucos, que a tem�tica gozava de uma complexidade te�rico-metodol�gica
mais abrangente e que era necess�rio um investimento maior.

Da nova empreitada decorreu uma Disserta��o de Mestrado, Um
estudo de estilos de g�neros do discurso biografia e autobiografia, defendida
em 2015, no Programa de P�s-Gradua��o em L�ngua Portuguesa, da PUC



SP. A pesquisa versou sobre uma an�lise contrastiva entre os g�neros do
discurso biograa e autobiograa, em busca dos tra�os convergentes e
divergentes, apoiada na biograa e na autobiograa de Malala Yousafzai,
ativista paquistanesa, �nobilizada� pela luta dos direitos das mulheres �
educa��o em um pa�s regido pelo totalitarismo isl�mico, ditado pelo Talib�.

O desdobramento de tal pesquisa multiplicou-se em muitas
publica��es, no Brasil e no exterior, o que foi incentivando o Tiago a ganhar
novo f�lego para aprofundar a pesquisa e ir em busca de novas fontes e
novos estilos de organiza��o de biograas e de autobiograas. Foi quando
surgiu em seu caminho a obra de Fernando Morgado, escritor carioca que,
por admira��o, organizou uma trajet�ria de vida do apresentador S�lvio
Santos, a partir de informa��es colhidas na m�dia, e publicou uma obra
intrigante.

Essa publica��o revelou ao Tiago um novo panorama biogr�co que
desvendou m�ltiplas formas de se ter uma proposta biogr�ca, fora dos
moldes padr�o da literatura consagrada sobre o assunto. Foi o estopim para
uma pesquisa de doutorado conclu�da na tese que ora se apresenta, S�lvio
Santos vem a�: a biografia-reportagem do �patr�o�, defendida em 2020, no
Programa de P�s-Gradua��o em L�ngua Portuguesa, da PUC-SP. Um novo
g�nero de biograa est� sendo apresentado, o g�nero reportagem, isto �, a
partir de informa��es da m�dia, tra�a-se um percurso de vida de uma
personalidade.

Tiago n�o esmorece nunca e j� est� na ativa novamente, dedicando-se �
realiza��o de um Est�gio P�s-Doutoral, em busca de novas artimanhas
enunciativas, reveladoras de inova��es na mat�ria que tanto o encanta e o
desaa, biograa e autobiograa.

Jo�o Hilton Sayeg-Siqueira

S�o Paulo, 26 de junho de 2022


AGRADECIMENTOS


� minha querida m�e, Dora Alice Ramos de Mattos, que me ajudou a
desvendar os segredos sil�bicos nos primeiros anos de minha forma��o,
contribuindo diretamente para a minha alfabetiza��o, com amor e gratid�o.

Ao meu pai, Jos� Norberto de Mattos, pelos momentos inesquec�veis e
insubstitu�veis que passamos juntos, por todo apoio e carinho na vida, por
ter incentivado meu gosto pela leitura, por me ensinar, por me educar, por
tudo.

Ao meu querido orientador, Prof. Dr. Jo�o Hilton Sayeg de Siqueira,
que com sapi�ncia, amor e paci�ncia incentivou toda a minha trajet�ria
acad�mica de pesquisa. Agrade�o por t�-lo conhecido. Agrade�o por ter
sempre acreditado em mim. Agrade�o por sua amizade. Agrade�o por suas
aulas magistrais. Agrade�o por ter escrito a preciosa e generosa apresenta��o
deste livro. Agrade�o por existir.

Ao meu querido, inteligente e amado lho, Jo�o Victor Pessoa de
Mattos, ao meu querido sobrinho, Pedro Mattos, � minha ador�vel irm�,
Michely Ramos e Mattos, ao meu cunhado Felipe Belmonte, � minha tia-
m�e, Maria Cristina Ramos, e a toda minha fam�lia, com muito amor.

� minha namorada, Prof.� Dra. Araceli Barros, mestre em est�tica e
hist�ria da arte, por ter me ensinado e mostrado beleza, afei��o e amor, mas,


sobretudo, certamente baseada em seus conhecimentos sobre arte, ter

propiciado um absoluto e pict�rico colorido para a minha vida.

A todos os meus admir�veis amigos. Sem exce��o.

Ao Silvio Santos, que em meio a sua grandiosidade humana,
generosidade acachapante, desprendimento material e intelectual, me
ofertou um dos maiores presentes da minha vida: a leitura da minha
pesquisa, um telefonema dele em pessoa, e, sobretudo, o reconhecimento
insubstitu�vel e inalien�vel do valor liter�rio da minha tese de doutorado �
que agora se torna livro � simbolizado pelo cart�o escrito de pr�prio punho,
que ilustra a capa deste livro.

Ao Fernando Morgado, escritor talentoso, intelectual consciente e ser
humano da melhor estirpe, generoso e honesto, meu muito obrigado.
Agrade�o imensamente por ter escrito a biograa-reportagem do Silvio
Santos � sem Silvio Santos � A trajet�ria do mito, minha pesquisa n�o seria
poss�vel � e agrade�o a magnanimidade intelectual e humana de ter aceitado
escrever prontamente o pref�cio deste livro.

Aos meus queridos, inteligentes e entusiasmados alunos do Col�gio
Gondim, por terem me ensinado tanto: estrelinha dupla para voc�s!

Aos meus incompar�veis, estimados e musicais alunos do Col�gio Le
Petit Nicol�.

Ao diretor do Col�gio Le Petit Nicol�, Rafael Matsudo, por ter me
recebido junto ao corpo docente da escola com amor, presteza, apoio
pedag�gico, incentivo humano e, sobretudo, reconhecimento prossional.
Muito obrigado, nunca havia vivido isso antes!

As coordenadoras pedag�gicas do Col�gio Le Petit Nicol�, Simone
Barroco e Milena Guisse, pelo apoio, respeito e considera��o.

Ao Prof. Dr. Luiz Antonio Ferreira, pela generosidade e pelos
incont�veis ensinamentos.

Aos membros do Grupo de Pesquisa: Estudos Ret�ricos e
Argumentativos � (ERA).


Aos membros do Grupo de Pesquisa: Leitura, Ensino e Discurso �
(LED).

Ao Prof. Dr. Carlos Mesquita e ao Prof. Dr. Rodrigo Maia, pelas
riqu�ssimas contribui��es para o meu trabalho no momento do Exame de
Qualica��o.

� Prof.� Dra. Cl�udia Abuchaim e � Prof.� Dra. Lilian Ghiuro Passarelli,
por terem abrilhantado minha defesa de doutorado e tecerem, na ocasi�o,
considera��es absolutamente pertinentes para o desenvolvimento deste
livro.

Ao Prof. Dr. Jarbas Vargas Nascimento, pelas palavras de incentivo.

Ao querido colega � meu amigo � Prof. Dr. Fernando Leite Morais,
pela pareceria intelectual, pela companhia luxuosa em congressos ao longo
do processo de doutoramento, pelas conversas enriquecedoras e amistosas,
por toda a ajuda.

Ao Maur�lio Azzi, por toda compet�ncia, prestatividade e aten��o.

� Adriana Lanza, pelo apoio substancial.

� querida secret�ria do Programa de P�s-Graduados em L�ngua
Portuguesa, Lourdes Scaglione, pelas in�meras vezes que me atendeu
prestativamente.

Aos funcion�rios do guarda-volumes da PUC-SP, pela ajuda que me
deram em todos os momentos, quando escrevia este livro na biblioteca da
universidade.

Ao Renan Locatelli, pela leitura atenta e minuciosa deste trabalho.

Aos colegas, mestrandos e doutorandos do Programa de P�s-
Graduados em L�ngua Portuguesa da PUC-SP.

A todas as pessoas que contribu�ram direta ou indiretamente para a
publica��o deste livro.


SUM�RIO


Capa
Folha de Rosto
Cr�ditos
INTRODU��O

1. AUTORIA E AUTOR
1.1 AUTORIA
1.2 O AUTOR
1.3 QUEM � O AUTOR?
1.4 A TRANSDISCURSIVIDADE DO AUTOR
1.5 O AUTOR PESSOA: O CONTE�DO, O MATERIAL, A
FORMA E A CRIA��O ART�STICA
1.6 MITO E O HER�I: UMA SIGNIFICANTE E UM
SIGNIFICADO

1.7 AUTOBIOGRAFIA: AUTOR E AUTORIA
1.7.1 AS CONFISS�ES: O AUTOINFORME
1.7.2 O AUTOR AUTOBIOGR�FICO
1.8 A REPRESENTA��O IMAG�TICA DO AUTOR NA M�DIA
1.9 A �DESNECESS�RIA� MORTE DO AUTOR
2. G�NEROS DO DISCURSO
2.1 G�NERO: CONTE�DO TEM�TICO
2.1.1 A UNIDADE TEM�TICA
2.2 G�NERO: O ESTILO
2.2.1 ESTILO E RET�RICA: A ESTIL�STICA E OS
RECURSOS LEXICAIS E GRAMATICAIS
2.2.2 A ELOCU��O (ELOCUTIO)
2.2.3 ESTILO E TEXTO: A INTERTEXTUALIDADE
2.2.3.A INTERTEXTUALIDADE CONSTITUTIVA
2.2.4 ESTILO E O DISCURSO DE OUTREM:
BAKHTIN/VOL�CHINOV
2.2.4.A DISCURSO INDIRETO LIVRE
2.3 G�NERO E DISPOSI��O: CONSTRU��O
COMPOSICIONAL
2.4 O G�NERO DO DISCURSO PELA VIS�O DE
MEDVI�DEV

2.5 G�NERO E SOCIORRET�RICA: UMA BREVE
EXPOSI��O
2.6 O G�NERO PELA VIS�O DE TODOROV
3. A REPORTAGEM: UM G�NERO DO DISCURSO
3.1 O AUTOR-CRIADOR E A REPORTAGEM NO BRASIL DO
S�CULO XX
3.2 A REPORTAGEM E O INTERPRETATIVISMO: A
INTERPRETATIVIDADE DA REALIDADE
3.3 O REP�RTER: UMA DEFINI��O EM LINHAS GERAIS
4. BIOGRAFIA
4.1 BIOGRAFISMO: UM PERCURSO HIST�RICO
4.2 O AUTOR DE BIOGRAFIA: CONSCI�NCIAS
BIOGR�FICAS
4.3 O ESPA�O BIOGR�FICO
4.4 BIOGRAFIA: IDENTIDADE PESSOAL E IDENTIDADE
SOCIAL
4.5 REALIDADE BIOGR�FICA: RELA��O ENTRE OS
SUJEITOS
5. AN�LISE DO CORPUS: BIOGRAFIA E REPORTAGEM
5.1 SILVIO SANTOS � A TRAJET�RIA DO MITO: UMA
BIOGRAFIA
5.2 A REPORTAGEM

5.3 A BIOGRAFIA-REPORTAGEM
5.3.1 CONTE�DO TEM�TICO
5.3.2 O ESTILO
5.3.3 A CONSTRU��O COMPOSICIONAL
CONCLUS�O
REFER�NCIAS

INTRODU��O


Biogra..a � um g�nero do discurso que goza de uma estabilidade
cambiante. Esse g�nero dialoga com outros g�neros discursivos que
comp�em um espa�o de exposi��o, de discuss�o e, sobretudo, de
contempla��o da vida. Trata-se de uma atmosfera biogr�..ca que agrupa os
testemunhos de vida, os di�rios �ntimos, os di�rios de viagem, as mem�rias,
a entrevista, a autobiogra..a, os reality e os talk shows � e at� mesmo os
tabloides de fofoca.

O biogra..smo � uma deseleg�ncia com a morte, um registro liter�rio
da vida real, ver�dica e veri..c�vel. �, ent�o, ao perspectivar um di�logo entre

o g�nero biogra..a, sua relativa estabilidade, a imediaticidade da not�cia e,
mais especi..camente, o g�nero do discurso reportagem, que se assenta este
trabalho: a hibridiza��o biogra..a-reportagem.
Na biogra..a de cada um de n�s, o eu-para-si n�o constitui a forma, ou
seja, o �eu� s� existe diante de um �voc��. Ampara-se nas rela��es humanas,
cotidianas, na fam�lia, nos costumes, no dia a dia, no trabalho, na
conversa��o face a face. � rica em seus her�is, personagens da vida real,
identit�rios, reais pela veridic��o, dos quais �eu�, na qualidade de ser
humano detentor da minha pr�pria realidade, �me� identi..co, �me� inspiro,
�me� conecto.


O g�nero biogr�..co estabelece o real em detrimento do veross�mil, e,
portanto, os acontecimentos do dia a dia, os her�is do cotidiano, os famosos
e os an�nimos s�o absolutamente necess�rios na estrutura autor-autoria de
um g�nero do discurso como a biogra..a. Trata-se da rela��o personagem e
realidade com a vida. Ampliado por outros g�neros do discurso, por
exemplo, a entrevista, a not�cia e a reportagem, a personagem biogr�..ca
pode ganhar uma vida manifestada por uma plasticidade �nica, s�lida,
veri..c�vel e diferenciada na trama biogr�..co-narrativa.

A autoria biogr�..ca pondera uma escolha que se realiza pela sele��o
lexical, verbo-nominal � os verbos s�o retrospectivos e est�o, geralmente, no
pret�rito perfeito �, nos fraseologismos e nas ..guras de linguagem, na
intertextualidade manifesta e na intertextualidade constitutiva, no estilo
pict�rico (discursos indiretos e alguns discursos diretos) e no estilo linear
(discurso direto ret�rico). O objetivo geral deste livro, portanto, consiste em
veri..car como se d�, no g�nero biogra..a-reportagem, as no��es de autor e
de autoria, quanto ao distanciamento ou � proximidade entre autor e
biografado, mas, principalmente, re..etir como a voz do biografado �
personagem � in..ui na composi��o narrativa e autoral do bi�grafo autor-
orador. Como ponto de partida, tecemos considera��es te�ricas sobre as
de..ni��es conceituais de autor, de autoria e de g�neros do discurso.

Como pode ser circunscrita a autoria na biogra..a-reportagem se
considerarmos as caracter�sticas desse g�nero, seu estilo, seu conte�do
tem�tico, sua constru��o composicional, assim como as caracter�sticas
constitutivas do g�nero biogra..a e do g�nero jornal�stico reportagem?

Na tentativa de responder nossos questionamentos acerca de autoria e
de como o g�nero do discurso reportagem pode ampliar os conhecimentos
sobre o g�nero do discurso biogra..a, ancoramo-nos nos seguintes objetivos
espec�..cos: a) levantar como se d� a rela��o bi�grafo-biografado pelas
marcas textuais do discurso e analisar, das marcas textuais, a constitui��o do
estilo, como elemento constitutivo das caracter�sticas do g�nero do discurso;


b) investigar as caracter�sticas referentes ao conte�do tem�tico da biogra..areportagem.
c) analisar, por meio das manifesta��es de intertextualidade
manifesta e intertextualidade constitutiva, como a voz do autor-personagem

� presente na reportagem � in..uencia na voz do autor � presente na
biogra..a �, especi..camente na constru��o de autoria deste texto e deste
discurso; d) de..nir a constru��o composicional do g�nero biogra..areportagem.
Levando-se em considera��o haver estudos que privilegiam a atmosfera
biogr�..ca, sobre tipos e subtipos de autobiogra..a, diversos tipos de
entrevista e um leque amplo de reportagens, como a investigativa, a
cient�..ca e o romance-reportagem, observamos haver uma �nica
hibridiza��o conhecida e prestigiada de biogra..a, que � a biogra..a
romanceada: um duplo de biogra..a e romance. Todavia, nos interessa, de
fato, neste trabalho, a biogra..a can�nica, que se subverte e se apropria da
reportagem para deleitar-se n�o apenas com a descri��o da vida, mas
tamb�m com a con..rma��o desta. Goza, portanto, de certas
particularidades: o encontro da identidade com a identi..ca��o, a descri��o e
con..rma��o, a aprecia��o e contempla��o de vida.

Para que possamos hibridizar biogra..a e reportagem, � necess�rio
entendermos o que � biogra..a e o que � reportagem. O biogr�..co se
fundamenta pelas rela��es que cada um de n�s tem com os outros,
contempor�neos, que buscam cotidianamente uma identidade por meio de
uma identi..ca��o, com um her�i, com a gl�ria ou com um vil�o e a
debilidade. Em outras palavras, busca-se no espa�o biogr�..co a
identi..ca��o com valores da esfera social e suas ant�teses. A reportagem,
grosso modo, � dinamicidade e movimento, e nossas vidas, assim como
nossas biogra..as, est�o em constante movimenta��o, e, portanto, n�o s�o
est�ticas. � constitutiva de uma tr�plice formada pelo rep�rter, pela
personagem e pela informa��o.


Em suma, a biogra..a se constr�i a partir de um conte�do tem�tico, que
resgata uma identidade num contexto espec�..co de identi..ca��o, com base
em uma estrutura composicional que possibilita a expans�o signi..cativa do
texto como espa�o de constru��o identit�ria e se atualiza por meio de
recursos verbais, estil�sticos, que revelam a cumplicidade entre bi�grafo e
biografado, entre identidades e identi..ca��es.

Nossas an�lises se deram pelos meandros da biogra..a-reportagem do
animador de audit�rio e empres�rio, Senor Abravanel: Silvio Santos � A
trajet�ria do mito.

Senor Abravanel � o nome de batismo de Silvio Santos. Silvio � ..lho
dos imigrantes Rebecca e Alberto Abravanel e acostumou-se, desde muito
cedo, a n�o depender de seus pais ..nanceiramente. Foi assim, ainda como
Senor, ou seja, com seu nome de batismo, que o Homem do Ba� come�ou os
seus empreendimentos. Na escola Celestino da Silva, onde estudou o
prim�rio, come�ou nos intervalos das aulas a vender doces e balas para os
colegas: descobriu que vender poderia ser algo bastante lucrativo.

Senor, ainda no in�cio de sua adolesc�ncia, ao se deparar com um
vendedor ambulante que vendia carteiras para t�tulo de eleitor, resolveu
apostar: come�ou a ganhar dinheiro vendendo carteiras e decidiu ser
camel�. Expandiu o seu neg�cio ao vender de bijuterias a canetas e bonecas
dan�antes. Todavia, foi um ..scal da prefeitura, Renato Moreira Lima � que
estava prendendo camel�s por crime de vadiagem �, que descobriu que
Senor tinha um dom especial para comunica��o e deu a ele um cart�o para
procurar um amigo na R�dio Guanabara: ganhou, entre centenas de
inscritos, a ocupa��o de locutor de r�dio. Foi, portanto, no r�dio, que Senor
Abravanel assumiu o nome de Silvio Santos.

Silvio Santos foi corpori..cando-se como artista, entretanto, nunca
abandonou suas atividades de empres�rio: foi de corretor de an�ncios nas
barcas do Rio e Niter�i a s�cio e depois dono do Ba� da Felicidade; dono de
construtora, de concession�ria de ve�culos, de plano de sa�de e de


organiza��o m�dica, al�m de dono do Sistema Brasileiro de Televis�o � SBT,

o que viabilizou seus an�ncios dos produtos do Grupo Silvio Santos para
um n�mero muito maior de pessoas. Investiu em um banco, o
PanAmericano, que quase o levou a fal�ncia; contudo, Silvio protagonizou
um momento nunca visto antes pelo mercado ..nanceiro brasileiro: ofereceu
suas 44 empresas como garantia pelo pagamento da d�vida gerada pelo
banco. Lan�ou ainda um t�tulo de capitaliza��o, a Tele Sena, al�m de
cosm�ticos, com a marca Jequiti, e em um hotel no Guaruj�, o Jequetimar. O
fato �: Silvio progrediu de camel� a banqueiro.
Como artista, Silvio Santos protagonizou momentos antol�gicos:
chorou ao vivo junto � Barbara Paz quando ela venceu A casa dos artistas;
propiciou momentos memor�veis ao entrevistar a menina Maisa Silva em
seu programa dominical; caiu na �gua ao desiquilibrar-se testando um
n�mero de seu programa que consistia em um tanque de �gua e uma t�bua

� se o participante errasse a pergunta a t�bua virava e se caia na �gua.
Comandou dezenas de programas e chegou a trabalhar 12 horas por dia no
conglomerado de suas atra��es.
O corpus selecionado tem uma con..gura��o interessante: divide o
contexto narrativo com as reportagens selecionadas e categorizadas, pelo
autor Fernando Morgado, de Silvio Santos ao longo da vida. Essas
reportagens ajudam na constru��o da narrativa biogr�..ca, assim como s�o
organizadas de modo a reconstituir historicamente a trajet�ria de Silvio. As
reportagens contam sobre a vida do apresentador narrada por ele mesmo.

Em um de seus enunciados, reportado pelo Estado de S. Paulo, Silvio
Santos a..rma:

Os intelectuais n�o me compreendem. Querem que eu toque m�sica cl�ssica.
Mas eu n�o gosto. N�o adianta insistir. Meus programas s�o populares e eu
me identi..co com o povo. N�o posso esquecer minhas origens de camel�.

� O Estado de S. Paulo, 17 de agosto de 1983. (MORGADO, 2017, p. 92).
Silvio Santos � um re..exo imanente do Brasil popular e dele
consubstanciou-se.


A ..m de compreendermos Silvio Santos e sua biogra..a-reportagem,
adotamos um procedimento para a realiza��o da investiga��o, que foi o
interpretativista, que possibilitou, a partir da quanti..ca��o de dados
levantados, estabelecer resultados qualitativos para a caracteriza��o
estil�stica do g�nero do discurso biogra..a-reportagem, a ..m de estudar a
constitui��o de sua autoria assentados nas seguintes categorias de an�lise: a)
biogra..a; b) reportagem; c) autor e autoria; d) intertextualidade manifesta e
intertextualidade constitutiva; e) conte�do tem�tico, estilo e constru��o
composicional.

Silvio Santos vem a�: a biogra..a-reportagem do �patr�o� adquiriu a
pospositiva organiza��o:

1 � I cap�tulo: a abertura deste livro consiste em delinear aspectos
relacionados a autor e autoria em suas mais diversas possibilidades. Essas
considera��es se d�o acerca dos conceitos de autor, de personagem, da
autoria na m�dia, das no��es de personagem e mito, do autor como pessoa,
do autor de autobiogra..a, do autor real e da fun��o de ser autor.

2 � II cap�tulo: procedeu-se, este cap�tulo, pela amplia��o dos
conceitos-chaves expressos no adendo g�neros do discurso de Bakhtin,
extensionado pela rela��o entre g�nero e ret�rica. O estilo verbal
interseccionou-se com a elocutio
� elemento do sistema ret�rico � e suas

..guras de linguagem, assim como a constru��o composicional, se desenham
teoricamente por sua rela��o com a dispositio
ret�rica. Em seguida, temos
outras conceitualiza��es a respeito de g�nero do discurso, n�o apenas na
perspectiva de Bakhtin (2010), como tamb�m pelo olhar de Medvi�dev
(2012) e Todorov (2018).
3 � III cap�tulo: tratou-se aqui de uma de..ni��o de reportagem e de
como se comporta esse g�nero do discurso. Falou-se, brevemente, de como
surgiu o g�nero reportagem associado � literatura, especi..camente em Jo�o
do Rio, os tipos de reportagem e as rela��es entre reportagem, not�cia e
entrevista. Assume ainda uma perspectiva da pro..ss�o de rep�rter e suas


caracter�sticas como pro..ssional: sua busca pela personagem, pelo furo de
reportagem e pela melhor hist�ria.

4 � IV cap�tulo: prop�s uma breve imers�o sobre a atmosfera
biogr�..ca: onde e como os g�neros biogr�..cos tiveram seu in�cio, o espa�o
biogr�..co na contemporaneidade, assim como as rela��es entre as
personagens que o comp�e, rela��o entre sujeitos, ao considerar-se o
biogra..smo.

5 � V cap�tulo: esse cap�tulo discutiu os elementos-chave que permitem
de..nir o corpus como uma biogra..a. Al�m disso, tratou de veri..car como a
reportagem expande o g�nero biogra..a, contribuindo para diferenciadas
vozes de autoria. Ademais, tratou de como dois g�neros discursivos � no
caso, a biogra..a e a reportagem podem hibridizar-se, constituindo assim um
novo g�nero do discurso.


1. AUTORIA E AUTOR
Ser autor � mais do que assinar um texto e assumir a responsabilidade pelo
que foi dito. Ser autor � buscar aspectos discursivos para dizer de modo
criativo algo que talvez algu�m at� j� tenha dito, mas que contribuir� para a
continuidade das mil culturas subjacentes. Ser autor � deixar-se morrer em
sua autoria para que o leitor nas�a em sua coautoria e os sentidos sejam
produzidos no compartilhamento de ideias, emo��es, pensamentos. Ser
autor, en..m, � exercer a alteridade, negociar a dist�ncia com o outro e
modalizar sua capacidade lingu�stica, textual e discursiva, para imprimir, em
sua historicidade a sua marca pessoal indel�vel.
Elioenai Piovezan

A rela��o intr�nseca entre as ideias de autoria e autor, seus
questionamentos, a m�gica representa��o hist�rica da ..gura do autor, o
apagamento deste, o autor na contemporaneidade, o autor de romance, o
autor de autobiogra..a, a personagem, o her�i, a narrativa e a autoria s�o
assuntos relevantes para a nossa proposta e ser�o discutidos neste cap�tulo.

A no��o de autoria se adapta ao g�nero do discurso que est� atuando;
por exemplo, na autobiogra..a, o autor busca a verdade: trata-se de um pacto
de veridic��o entre o autor e o leitor pelo real. O leitor da autobiogra..a vai
fazer uma trajet�ria de leitura que busque a inverdade ou a omiss�o. Isso se
justi..ca muito pela de..ni��o, propriamente dita, do g�nero autobiogra..a:
uma literatura em prosa, de narrativa retrospectiva sobre uma personagem
real � de exist�ncia veri..c�vel. No romance ou no conto de ..c��o, o foco
n�o � a veridic��o, mas a verossimilhan�a.


Todavia, essa magia, que sup�e certo suspense, uma curiosidade em
torno da ..gura do autor, sempre existiu. No caso do famoso autor russo
Dostoi�vski, seus leitores acreditavam haver uma forte rela��o entre alguns
de seus personagens e a pr�pria vida do autor, como no caso de Smerdyakov,
de Os irm�os Karam�zov, que era epil�tico, assim como seu criador.
Acredita-se que na obra do autor russo h� uma cole��o de personagens
autobiogr�..cos. Uma das formas de ler seus romances � pensar seus
personagens como um modo de saber um pouco mais sobre Dostoi�vski.

Em uma obra liter�ria, em um texto ou em um discurso, � poss�vel
veri..car mais de uma perspectiva sobre autoria e autor. � sobre algumas
dessas perspectivas que falaremos a seguir.

1.1 AUTORIA
� evidente que nem todo escritor escrever� uma obra (se designarmos
obra como um romance, uma pintura etc.). N�o � qualquer texto que
podemos considerar ter passado por um processo de autoria. Segundo
Possenti (2009, p. 111), dois ind�cios de autoria s�o: �dar voz a outros e
incorporar ao texto discursos correntes, fazendo ao mesmo tempo uma
aposta a respeito do leitor.�. Autoria � escolha, e essa pondera��o � interrelacionada
com a pessoalidade, ou seja, � um conceito, uma tessitura que
est� amalgamada com o conceito de autor como pessoa e tamb�m com a
fun��o de ser autor. Grosso modo, a autoria � um ato, a viabiliza��o da ideia,
a concep��o e a publica��o da obra, a materializa��o dessa. Autoria � a
palavra que designa o autor. O autor s� � autor quando cria uma obra
autoral discursivamente.

Dar voz aos outros tem rela��o direta com o chamado discurso citado1.
Trata-se do �discurso no discurso, a enuncia��o na enuncia��o�
(Bakhtin/Volosh�nov, 2009, p. 150). O discurso citado, segundo


Bakhtin/Volosh�nov (2009), pode ser linear ou pict�rico. A autoria depende
de escolhas: escolhas da voz do outro, do discurso citado no interior da
narrativa, escolhas lineares, que equivalem aos contornos externos bem
de..nidos que circunscrevem � narrativa � o discurso direto, por exemplo, �
um discurso linear. As escolhas pict�ricas correspondem � elabora��o por
meio da l�ngua para o autor aplicar suas r�plicas, seus coment�rios no
discurso de outrem. Trata-se do autor, por meio do apuramento de autoria,
colorir o discurso citado com entoa��es como o humor, a ironia, o desprezo,

o encantamento, a ira, na trama do discurso.
O discurso citado tem correla��o com o estilo do autor e suas
possibilidades narrativas no processo de autoria. Segundo
Bakhtin/Volosh�nov (2009), essas varia��es na ordem do discurso, que d�o
voz a autoria, s�o enunciados de ordem discursiva indireta livre e os
discursos indiretos analisadores do conte�do (DIAC), os discursos indiretos
analisadores da express�o (DIAE) e o discurso indireto impressionista (DII).
E ainda, dentre os discursos diretos, est�o: o discurso direto preparado
(DDP), o discurso direto esvaziado (DDE), o discurso direto antecipado e
disseminado oculto (DCADO), o discurso direto ret�rico (DDR) e o
discurso direto substitu�do (DDS).

A palavra escolha de..ne a palavra autoria. � por meio da escolha que
nascem op��es entre possibilidades, seja na escolha lexical, seja nas
constru��es, nos efeitos de sentido, seja pensando na ades�o do leitor. A
onisci�ncia autoral justap�e ideias, escolhe as melhores alternativas, pensa
de maneira ordenada no sentido l�xico-frasal e antecipa a melhor estrat�gia
para alcan�ar o leitor: mov�-lo, convenc�-lo, adquiri-lo. As escolhas de
autoria alcan�am ou n�o alcan�am as expectativas do leitor. Autoria � estilo
e implica na consci�ncia de que dizer alguma coisa de um jeito signi..ca n�o
dizer a mesma coisa de outro jeito. Em outras palavras, a autoria garante a
escolha do dito e do n�o dito, do falar ou do calar, e permite ainda escolher
qual a melhor maneira de dizer.


Os discursos correntes inseridos em um texto pelo processo autoral s�o
uma �tima op��o para o autor dialogar n�o s� com a tradi��o liter�ria
cl�ssica, mas tamb�m com o seu cotidiano, com a sua contemporaneidade.
Ao permitir que o leitor se reconhe�a no tempo, no texto e no dia a dia, as
infer�ncias � leitura em determinado texto ativam seu conhecimento pr�vio.
Trata-se de uma aposta do autor para resgatar, por meio da leitura, o
conhecimento dial do leitor pela intertextualidade.

A literatura dada�sta, por exemplo, que nasce no ..nal da I Guerra
Mundial, det�m uma concep��o de autoria livre e diferenciada. O
movimento apresentava como caracter�sticas as palavras escritas de maneira
desordenada, uma verbaliza��o acentuada pela agressividade, a
incongru�ncia, o esvaziamento da rima � enfatizado pela sua falta de
import�ncia � e a deseleg�ncia do racioc�nio l�gico.

Tristan Tzara (1972, p. 103), expoente liter�rio do movimento dada�sta,
explica como escrever um poema e nos presenteia com uma receita de
autoria:

Para fazer um poema dada�sta

Pegue um jornal.
Pegue a tesoura.
Escolha no jornal um artigo do tamanho que voc� deseja dar ao seu poema.
Recorte o artigo.
Recorte em seguida com aten��o algumas palavras que formam esse artigo e
meta-as num saco.
Agite suavemente.
Tire em seguida cada peda�o um ap�s o outro.
Copie conscienciosamente na ordem em que elas s�o tiradas do saco.
O poema se parecer� com voc�.
E ei-lo um escritor in..nitamente original e de uma sensibilidade graciosa,
ainda que incompreendido do p�blico.


� curioso como a pr�pria palavra dada�smo nada signi..ca e se compara
a essa estrutura fonol�gica e sil�bica � da-da-�s-mo � com os sons emitidos
pelos beb�s no processo de aquisi��o de linguagem.


Entende-se esse movimento como um precursor do surrealismo, que
Barthes (1988, p. 67) declara ter contribu�do �para dessacralizar a ..gura do
Autor�. �Con..ando � m�o o cuidado de escrever t�o depressa quanto
poss�vel aquilo que a cabe�a mesmo ignora (era a escritura autom�tica),
aceitando o princ�pio e a experi�ncia de uma escritura coletiva� (Barthes,
1988, p. 67).

Nas artes pl�sticas, por exemplo, depois da Idade M�dia, no
Renascimento, a autoria, a assinatura e a quest�o do ser humano, do artista,
viraram quest�es essenciais. Saber quem havia criado a obra de arte era
fundamental. Contudo, foi um franc�s, Duchamp, quem sinalizou a
primeira ideia de esvaziamento da autoria tamb�m nas artes pl�sticas.
Duchamp criou a ready made em que mandou para um concurso de arte a
obra intitulada A fonte. Essa obra, tratada por Duchamp como escultura, �
um urinol comum, comprado em uma loja de constru��o, que recebeu a
assinatura de R. Mutt. No caso, R. Mutt era a f�brica que produziu o urinol.
Aqui a autoria � a concep��o do trabalho, a ideia, a cria��o � � maior do que

o autor.
O que � necess�rio para classi..car um trabalho liter�rio, uma pintura
ou uma escultura como obra de arte? Trata-se de um problema e de uma
relativiza��o. Duchamp, por exemplo, transformou um banquinho em cima
de uma bicicleta em obra, um urinol em obra, mas nem tudo que um autor
produz durante a vida pode ser considerado, necessariamente, uma obra de
arte � ou uma obra liter�ria. � necess�ria uma ideia, uma concep��o
art�stica; � necess�ria a autoria. Para escrevermos um bilhete, no dia a dia,
no cotidiano, uma lembran�a para n�o esquecer a hora de tomar o rem�dio,
por exemplo, n�o exige uma elabora��o criativa. Trata-se de um
funcionamento mais mec�nico; entretanto, se algum autor, artista, ..l�sofo
ou intelectual provar teoricamente, pela escrita, que aquele bilhete � obra de
arte, pode materializar-se a autoria no bilhete e ainda, a autoria da autoria �
no caso o autor que provou ser o bilhete uma obra de arte. Por isso, a ideia


de obra de arte � um problema e sua concep��o para Foucault (2015)
inexiste teoricamente2.

Ao pensarmos sobre algumas caracter�sticas que delineiam a
concep��o de obra de arte, ter�amos, indubitavelmente, a autoria, o suporte,
a circula��o, a representa��o social e a responsabilidade intelectual.

1.2 O AUTOR
O autor � uma personagem que est� fora da obra de arte, mas que se
constitui por sua individualiza��o, como uma esp�cie de refer�ncia forte na
hist�ria da sua pr�pria obra, no desenvolvimento hist�rico e cultural da
humanidade, na hist�ria das artes, da ci�ncia e da ..loso..a. O autor � uma
unidade primeira no trabalho liter�rio, art�stico ou ..los�..co, de tanta
relev�ncia coexistencial que acomoda o g�nero do discurso em que se insere
a obra, os conceitos ou a hist�ria narrada dessa, em um segundo plano. Ou
seja, � comum o autor e sua pr�pria hist�ria de vida � e os livros que
escreveu anteriormente � aparecerem com maior visibilidade, pelo menos a
princ�pio, do que sua obra mais atual, suas ideias, seus conceitos e seu tema.

O autor � aquele que escreve a obra e isso nos d� ind�cios de que ser um
autor e ser um escritor s�o coisas distintas. Ou seja, as no��es de autor e
escritor se diferem. Segundo Chartier (1999, p. 32), �o escritor (�crivain) �
aquele que escreveu um texto que permanece manuscrito, sem circula��o,
enquanto o autor (auteur) � tamb�m quali..cado como aquele que publicou
obras impressas�.

A ..gura do autor realmente chama a aten��o e gera questionamentos.
O her�i, a personagem, na antiguidade, sempre foi maior que o seu autor e
ganhou sempre maior destaque; todavia, em dado momento da hist�ria, o
autor passou a ter uma import�ncia maior do que o her�i da sua pr�pria
narrativa.


Em Il�ada e Odisseia, h� uma especula��o. N�o se sabe se o autor da
obra (Homero) era um homem ou v�rios homens. N�o se sabe ao certo,
tampouco, se ele existiu. Nos �picos, a gl�ria, o destaque e o prest�gio n�o
s�o do autor, mas dos her�is. Trata-se da imortaliza��o do her�i por meio da
gl�ria, da n�o ignom�nia nas lutas em que atuara � que s�o originalmente
narradas em verso. A rela��o do texto com o autor, nesse caso, existe sob
uma �cortina de fuma�a�, que sinaliza o autor como uma representa��o
long�nqua que � exterior e anterior � obra. O her�i, a personagem
protagonista, � a pr�pria obra.

Na epopeia Grega, a Il�ada, por exemplo, Aquiles queria morrer jovem,
em busca da perpetuidade e da imortalidade. A narrativa po�tica,
especi..camente dessa obra, trabalha em fun��o da ideia de que se Aquiles
aceitasse morrer jovem em uma guerra, ele seria eternamente um her�i e sua
vida estaria consagrada pela eternidade. Trata-se de um contato inicial e
subjetivo entre a hist�ria da morte e a imortalidade, a perpetuidade e a
gl�ria com a quest�o da autoria. O sujeito da escrita, o autor, tende a
desaparecer em detrimento do her�i, como no caso de Homero e Virg�lio.
Logo, ..ca clara a rela��o inerente e hist�rica entre a exist�ncia da escrita e
do autor com a morte.

Segundo Foucault (2015), culturalmente houve uma metaformiza��o
do tema da narrativa e da escrita destinadas a conclamar a morte. A escrita

..ca relacionada a uma esp�cie de oferenda da vida em favor da morte, um
sacrif�cio. H�, nessa concep��o, um apagamento de quem escreve, um
apagamento do autor. O autor, nesse caso, dissipa-se de sua individualidade,
n�o tem personalidade, n�o � mais uma personagem. � mister para o autor a
representa��o da morte, para invocar um jogo l�dico, que viabilize a
materializa��o da escrita, da narrativa e do her�i sem fazer alus�o direta
�quele que escreveu. A voz que d� a origem �s personagens, � narrativa, �
hist�ria, aos con..itos, ao cl�max etc., no processo de escrita, se desliga, se
perde diante da pr�pria exist�ncia, passa a inexistir. � da inexist�ncia do

autor que nasce sua escrita. O autor precisa morrer para que emerja sua
escrita.

O fato � que o desenvolvimento cultural no mundo depois da Idade
M�dia se esfor�ou para privilegiar o homem, coloc�-lo em destaque. A
pessoa humana passou a ser valorizada. Houve uma humaniza��o
consciente que despertou um interesse pelo indiv�duo. Logo, esse interesse �
e n�o podia ser diferente � se estendeu para a ..gura do sujeito-autor. E essa
ideia entre o que � um autor, quem � o autor, dialoga e se aglutina com outra
ideia, com outra representa��o: o nome pr�prio.

O nome do autor na literatura n�o � um elemento qualquer na
concep��o de um trabalho, de uma obra, de um livro. Por exemplo: se o
livro � um signo liter�rio da escrita, da escritura e da literatura, de modo
geral, o nome do autor � um signi..cado da autoria liter�ria ou acad�mico..
los�..ca. Ou seja, se atribui a autoria, nesses casos, quase sempre a um
nome pr�prio. Ele tem � o nome pr�prio � uma rela��o direta com o texto e
com o discurso. Essa rela��o � t�o amalgamada que � imposs�vel falarmos de
ret�rica sem pensarmos em Arist�teles ou de g�neros do discurso sem
pensarmos em Bakhtin � especi..camente no texto acad�mico-..los�..co.

O nome Arist�teles, por exemplo, goza de tanta for�a e
representatividade que um discurso do ..l�sofo, citado direta ou
indiretamente, ganha um estatuto de discurso autorizado. O autor e seu
nome integram o texto e o discurso como um elemento que n�o pode ser
alterado por um pronome, por exemplo. Para Foucault (2015, p. 44-45), �tal
nome permite reagrupar um certo n�mero de textos, delimit�-los, selecion�los,
op�-los a outros textos. Al�m disso, o nome do autor faz com que os
textos se relacionem entre si�.

Se hoje Arist�teles, por exemplo, goza do estatuto de discurso
autorizado, isso se deve a rela��o do sujeito-autor com o discurso liter�rio.
Nesse tempo antigo, mais especi..camente na Idade M�dia, a antiguidade do
texto era um valor su..ciente � mesmo se essa antiguidade fosse suposta �


para atribu�rem ao texto e o elevarem a uma condi��o que garantisse
su..cientemente a sua import�ncia. Da�, os textos assinalados apenas com o
nome do autor � �Arist�teles conta�; �ou�amos S�crates!� � ganhavam e
eram entendidos como valor de verdade.

Cada discurso apresenta um modo de ser particular e essa
singularidade discursiva resulta da consci�ncia de que h� discursos que n�o
necessitam de autor. No nosso dia a dia, lidamos com alguns desses
discursos. Uma proposta de aluguel contratual pode ter um ..ador, contudo,
n�o necessita de um autor. As perguntas de uma entrevista de emprego t�m
um objetivo avaliativo, mas s�o desprovidas de um autor espec�..co que
carregue um nome pr�prio. Um enunciado gra..tado em uma parede, por
exemplo, �Fora Temer�, certamente prov�m de algu�m que o redigiu,
entretanto esse n�o � o autor do enunciado. Trata-se de exemplos da
aus�ncia de um autor particular ligado a um nome pr�prio espec�..co e
veri..c�vel.

Um discurso pol�tico, como o discurso de posse de um presidente da
rep�blica, tradicionalmente, apresenta o pr�prio presidente como orador;
todavia, aquele discurso de posse pode n�o ter sido escrito pelo pr�prio
presidente eleito. Logo, o autor real se perde e a autoria do discurso �
atribu�da ao orador, o presidente da rep�blica na posse, que n�o escreveu o
texto discursado.

Fal�-lo-emos um pouco dos discursos que caracterizam a fun��o de ser
um autor.

1.3 QUEM � O AUTOR?
Sabemos que h� em nossa cultura alguns discursos que implicam autor
e outros discursos que n�o necessitam da atribui��o de um sujeito para
caracterizar, nomear ou classi..car o processo de autoria discursiva. No


nosso caso, neste momento, tratar de discursos que requerem,
necessariamente, de autor, nos parece mais adequado.

Um autor liter�rio, por exemplo, � um transgressor intelectual;
apresenta-te a novos mundos, te conta novidades, te leva ao desconhecido e
pode tamb�m te infringir, tirando-te de tua zona de conforto. Portanto, as
ideias de infra��o, de culpado ou de inocente e de contraven��o ..cariam, a
partir dessa concep��o, associadas ao ato de criar, art�stica, cultural e
..loso..camente. E, de fato, a ..gura do autor ganhou certa express�o �
medida que os discursos �desobedientes� � tratemos assim � emergiram
para o plano do consciente. Existir um respons�vel, algu�m que
efetivamente se responsabilizasse pelo dito, algu�m que fosse
responsabilizado por determinados discursos compreendidos como
contraventores ou invasivos, se fez necess�rio.

� medida que a ideia de puni��o para o autor foi se concretizando e o
autor deixou de ser uma ..gura m�tica ou sacra, os textos, os discursos e os
livros passaram a ter autores. O discurso estava amparado na sociedade
culta dos homens, na sua origem, n�o como um bem, uma ideia, um
produto comercial, uma propaganda, um livro ou um elemento produtor de
efeitos de sentido, por exemplo, mas como uma a��o, um agir, um ato; um
ato, n�o necessariamente ret�rico, embora, desde que o mundo conheceu a
palavra, nasceu tamb�m uma necessidade de argumentar, convencer e
persuadir. Contudo, se a ret�rica, como institui��o discursiva praticada
pelos homens, � amoral, o discurso, de modo geral, sempre esteve carregado
de �sagrado e de profano, do l�cito e do il�cito, do religioso e do blasfemo�
(Foucault, 2015, p. 47).

Os textos, na medida em que a no��o de posse fora se desenvolvendo,
passaram a adquirir um sentido de privado, de particular, e ganharam o
estatuto de propriedade. Estabeleceram-se a partir da� o direito do autor, as
regras estritas e restritas, as rela��es entre autor e editor, os direitos de
reprodu��o etc.


Os livros e a ideia de livro, as d�vidas a respeito do suporte livro e a
incerteza sobre o que � o livro, acompanhadas pela necessidade de se pensar
re..exivamente sobre esse corpo que detinha a escrita, geraram algumas
teorias a respeito. Kant (1976) foi o primeiro a pensar em uma distin��o
entre duas ideias: a primeira conceitualiza��o entendeu o livro como um
objeto material adquirido, propriedade de uma pessoa, que o det�m para
..ns espec�..cos, para instru��o, entretenimento, lazer etc. A segunda ideia
trata o livro como propriedade do seu autor e s� pode ser posto para
comercializa��o, distribui��o e circula��o com a anu�ncia deste. O autor � o
respons�vel por endere�ar esse discurso ao p�blico. Embora as duas ideias
girem ao redor da quest�o da propriedade, os dois conceitos s�o d�spares:
um � sobre o material e o outro � sobre o discursivo.

As ideias liberais de Jonh Locke � entre outros � sobre o direito do
autor abalaram, no s�culo XVII � segundo o tutorial da UNESCO (1981) �,

o antigo sistema. Nasce a ideia de individualismo, e as restri��es � imprensa,
por exemplo, foram gradativamente sendo encolhidas: a sistematiza��o da
�poca, que privilegiava os monop�lios de impress�o, fora questionado. Logo,
os impressores e os livreiros defenderiam seus direitos baseados na teoria da
propriedade intelectual.
Os livros foram tamb�m associados a met�foras: por exemplo,
associavam-se os livros a um corpo dotado de alma e de natureza humana,
que acantonavam sentimentos e paix�es. Segundo Chartier (2014), na
Espanha do S�culo de Ouro, a quest�o metaf�rica era reutilizada para
de..nir outros aspectos. Por exemplo, de um jeito an�logo e associativo, um
editor era como Deus ou um intermedi�rio de Deus, que p�e a sua m�o �
sua imagem e semelhan�a na prensa de impress�o e que, a partir de uma
representa��o, se assemelhava a um �demiurgo, que d� uma forma corporal
apropriada � alma de sua criatura� (Chartier, 2014, p. 30). �Um livro
perfeitamente realizado consiste numa boa doutrina, apresentada pelo
impressor e pelo revisor no arranjo que lhe seja mais apropriado, � o que


sustento como sendo a alma do livro.� (PAREDES, 1680, p.107 apud
CHARTIER, 2014, p. 31). O impressor Alonso Victor de Paredes (1680), que
conhecia o of�cio de forma emp�rica, comparava, ainda, a re..nada
impress�o, limpa, trabalhada cuidadosamente, a um corpo gr�cil, alinhado.
Contudo, um livro, como obra, precisava no processo do todo de sua
confec��o de um autor.

Para Chartier (2014), h� duas linhas de pesquisa que demonstram que
a resposta � pergunta de Foucault �o que � um autor?� n�o se esvai3. A
primeira linha de pesquisa de Chartier (2014) consiste em considerar a
escrita colaborativa � nos casos das obras teatrais dos s�culos XVI e XVII �,
absolutamente contrastiva com a ideia racional de propriedade circunscrita
� pr�tica da publica��o impressa. A ideia de propriedade associada �
publica��o pressup�e um respons�vel, um autor, que, no caso da escrita
teatral colaborativa, por exemplo, se dissociava da ideia de um s� nome
pr�prio relacionado ao texto. O racioc�nio liter�rio e social que passou a
reunir em um �nico exemplar, ou em um �nico volume, o nome pr�prio de
um s� autor e suas notas biogr�..cas, por vezes era insu..ciente e injusto para
classi..car e nomear a real autoria de determinados textos: eram, na verdade,
escritos por v�rios autores. A segunda linha de pesquisa dialoga com a
primeira e apresenta rela��o com a paternidade dos textos nesse tempo que
� anterior � propriedade liter�ria. Nesse tempo, as hist�rias eram
compartilhadas por todos, tamb�m oralmente, e apresentavam um
pertencimento coletivo � eram de todos �, em que a quest�o do pl�gio ainda
n�o era o..cialmente um crime. Isso resultava em excessivas pol�micas sobre
continua��es sem autenticidade comprovada e crime de roubo da
identidade dos autores que gozavam de certa particularidade e popularidade
com o intuito de vender livros escritos por autores ainda desprestigiados ou
editores desonestos, �(tal como a queixa de Lope de Vega quando seu nome
foi usado por editores de com�dias que n�o eram suas e ele julgava
detest�veis).� (Chartier, 2009, p. 33).


O discurso liter�rio, na Idade M�dia, materializado em contos, em
textos dram�ticos, em epopeias, em romances e em narrativas eram
colocados em circula��o sem que se pensasse, efetivamente, na quest�o do
autor. O anonimato n�o era um problema. Isso se justi..ca pelo fato de que a
reprodu��o de um trabalho liter�rio, nessa �poca, consistia em uma extrema
di..culdade. As c�pias eram manuscritas, ou seja, copiadas a m�o; portanto,
no n�mero de exemplares a serem distribu�dos sempre residia uma
insu..ci�ncia.4 Nos s�culos XVII e XVIII, o discurso acad�mico-..los�..co, de
certa forma, continua rebaixando o autor a um desn�vel, sendo que a
relev�ncia estava no texto cient�..co, como verdade estabelecida, o que
caracterizava o texto como uma garantia. Havia um apagamento do autor
em detrimento do texto. O nome do autor serviria apenas para batizar uma
proposi��o, um texto cient�..co ou um teorema. O que vai mudar essa
rela��o � inclusive no discurso acad�mico-..los�..co � com o autor � o
discurso liter�rio. No discurso liter�rio, o autor passa ent�o a ser a maior
refer�ncia. �Perguntar-se-�, a qualquer texto de poesia ou de ..c��o, de onde
� que veio, quem o escreveu, em que data, em que circunst�ncias ou a partir
de que projeto� (Foucault, 2015, p. 49).

�O anonimato liter�rio n�o nos � suport�vel� (Foucault, 2015, p. 49-50).
Quando n�o sabemos quem � o autor no texto liter�rio, seja no texto de

..c��o, na poesia ou na veridic��o, logo passamos a tentar saber quem � o
autor: pesquisamos, buscamos e ent�o nos apropriamos dessa personagem,
que est� fora da obra, mas que constitui um elemento fundamental desta.
Existe um autor pessoa, e isso justi..ca o grande sucesso de biogra..as na
contemporaneidade, que delineiam as personalidades dos autores ao contar
a sua vida, a sua hist�ria.
Os textos, ent�o, em meados dos s�culos XVIII e XIX, passaram a
ganhar, apoiados no autor, a categoria de literatura, in..uenciados pela ideia
de propriedade do autor. A sociedade passou a priorizar a ideia de
propriedade fundamentada na no��o de posse tamb�m para a literatura, que


praticava de maneira sist�mica a transgress�o discursiva. Implicava a ideia
de risco na escrita e atribu�a a responsabilidade ao autor, ao mesmo tempo
em que garantia ao autor a personalidade e o direito de propriedade sobre
aquilo que escrevia.

Baseados na propriedade, na responsabilidade, e, sobretudo, na
personalidade, os autores liter�rios s�o adjetivados pela cr�tica especializada
e a eles conferem caracter�sticas. Atribui-se ao autor signi..cados: Clarice
Lispector � modernista, de escrita intimista; escrevia diferente, dona de uma
personalidade sens�vel e se dizia uma �sentidora�; Dostoievski era epil�tico,
subversivo e revolucion�rio; era um conhecedor da psique humana; Jos�
Saramago era ateu, comunista e humanista, e assim por diante. �A cr�tica
consiste em dizer que a obra de Baudelaire � o fracasso do homem
Baudelaire, a de Van Gogh � a loucura, a de Tchaikovski � o seu v�cio.�
(Barthes, 1998, p. 66).

Donde o texto veio? Quem o escreveu? S�o perguntas que, segundo
Foucault (2015), na c�lebre confer�ncia O que � o autor, obt�m respostas que
v�o ao encontro com o autor, de quem ele �, e qual sua fun��o.

A fun��o de ser autor5 adv�m de uma rela��o mais complexa. N�o se
cria de maneira espont�nea, mas por incumb�ncia, delega��o, compet�ncia
de um discurso correlacionado a um indiv�duo e a sua obra. � uma
perspectiva que ignora as rela��es sociais e biogr�..cas do autor. O �eu�
racional que denominados de autor � tamb�m racionalizado. Dito de outra
maneira, � idealizado, fabricado, constru�do; �tenta-se dar a esse ser racional
um estatuto realista: seria no indiv�duo uma inst�ncia �profunda�, um poder
�criador�, um �projecto�, o lugar original da escrita� (Foucault, 2015, p. 5051).


Voltemos a Homero, quando pensamos na fun��o de ser autor; h� uma
corrente de pensamento em rela��o ao autor de Il�ada e Odisseia: Homero
n�o era um homem, mas sim v�rios homens, v�rios autores, fundamentados
em hist�rias que atravessaram gera��es e se tornaram conhecidas pela


con..gura��o oral, ou seja, pelo famoso �boca a boca�. Ora, essa ideia n�o �
t�o esdr�xula, nem parece t�o absurda, se ligarmos essa ideia � tradi��o
crist�. No cristianismo, para se provar a exist�ncia do autor de uma obra,
recorria-se a lineamentos interpretativos, anal�ticos e cr�ticos, a exegese
b�blica. Provava-se, por meio de an�lises textuais, a conex�o santi..cada do
autor com o valor e a veridicidade do texto. Portanto, se pensarmos
historicamente, na tradi��o textual, o nome pr�prio nunca foi
consideravelmente consistente, tampouco competente, para uma marca��o
individual do autor. Poderia haver hom�nimos. Acredita-se que o pr�prio
nome Homero � uma constru��o, um nome ..ct�cio. Ent�o, Foucault
pergunta: �Como p�r em a��o a fun��o autor para saber se estamos perante
um ou v�rios indiv�duos?� (Foucault, 2005, p. 52). Segundo Foucault (2015),
S�o Jer�nimo6 nos apresentou quatro m�todos, que, em s�ntese, resumem-se
em: 1 � veri..car se determinado livro do autor � inferior aos demais; 2 � se
est� em contradi��o com os dogmas daquele autor; 3 � as obras que est�o
escritas com estilo diferente, portanto, o autor como homogeneidade
estil�stica; 4 � perceber nos textos, que se referem a personagens reais, se
estes dialogam com o momento hist�rico de..nido do autor ou se essas
personagens citadas s�o posteriores a morte de quem os escreveu.

Certamente, n�o houve a aplica��o da fun��o autor nos textos de
Homero, mas notamos claramente uma breve contradi��o: a Odisseia � a
hist�ria de uma personagem da Il�ada que volta para casa; no caso, Ulisses
ou Odisseu, rei e general grego, que foi amaldi�oado por Posseidon, Deus
dos mares, a ..car vagando sem dire��o. Trata-se de outra hist�ria, a
continua��o da hist�ria de uma personagem depois da guerra de Tr�ia. A
continua��o efetiva da Il�ada, que � atribu�da a Homero, chama-se Eneida, e
foi escrita por outro autor, Virg�lio, cuja biogra..a � um conglomerado de
especula��es, assim como a biogra..a de Homero, que nada conclui.
Todavia, Virg�lio � considerado um dos principais autores romanos. No
entanto, se pensarmos na escrita liter�ria moderna, n�o seria natural


pensarmos que a continua��o de Il�ada, como obra liter�ria, deveria ter sido
escrita por Homero, e n�o por Virg�lio?

Segundo Foucault (2015), a cr�tica moderna classi..ca o autor como
algu�m capaz de in..uenciar no entendimento de determinada obra por
meio da exposi��o dos acontecimentos desta, suas transforma��es,
modi..ca��es ou deforma��es, e tamb�m delineia a autenticidade da obra,
regra geral na contemporaneidade. �O autor � igualmente o princ�pio de
uma certa unidade de escrita� (Foucault, 2015, p. 53).

Os romanos podem discordar, mas Virg�lio pode ter sido, assim como
Homero, um nome ..ct�cio ou um autor constru�do, ou ainda serem Homero
e Virg�lio a mesma pessoa � ou as mesmas pessoas �, j� que tanto a Il�ada
quanto a Eneida s�o lan�adas no s�culo I a. C, sem uma de..ni��o precisa de
espa�amento entre o lan�amento de uma obra (Il�ada) e o lan�amento da
outra (Eneida).

Fica claro que, para Foucault (2015), a ..gura do autor goza de duas
categoriza��es distintas: a primeira delas � de car�ter hist�rico-sociol�gico e
a segunda � justamente a fun��o-autor. A rela��o do autor com sua
historicidade, com o social e a sociedade nos leva a observar o autor como
pessoa, sua trajet�ria biogr�..ca, suas ra�zes sociais, culturais e pro..ssionais.
A fun��o de ser autor, como vimos, demanda de outra vertente. Ela
funciona, a partir de pormenores procedimentais, complexos e individuais
�que relacionam a unidade e a coer�ncia de alguns discursos a um dado
sujeito� (Chartier, 2012, p. 28). O autor, nessa perspectiva, portanto, � uma
fun��o variante e intricada do discurso, que n�o se correlaciona diretamente
a quest�o social, individual ou particular do autor. �A �fun��o autor� �
pensada a dist�ncia da evid�ncia emp�rica, segundo a qual todo texto foi
escrito por algu�m, ou por v�rias pessoas.� (Chartier, 2012, p. 27-28).

Foucault (2015) separa a fun��o-autor � e o pr�prio autor � do escritor
real, e exempli..ca isso por meio do narrador em 1� pessoa, no caso do
romance. Segundo Foucault (2015), a narra��o em 1� pessoa nunca deve ser


remetida diretamente ao escritor, mas sim a um alter ego, �cuja dist�ncia
relativamente ao escritor pode ser maior ou menor e variar ao longo da
obra.� (Foucault, 2015, p. 55). �Seria t�o falso procurar o autor no escritor
real como no locutor ..ct�cio� (Foucault, 2015, p. 55). Isso se aplicaria
tamb�m � autobiogra..a? Poder-se-� dizer que sim; contudo, na
autobiogra..a, o narrador, a personagem-protagonista, o escritor e o autor,
teoricamente, grosso modo, s�o a mesma pessoa.

A fun��o de ser autor incorpora v�rios �eus�. Pode-se dizer que a
fun��o de ser autor � uma propriedade singular, que dialoga apenas com
alguns discursos bem espec�..cos, como o do romance e o da poesia.
Foucault (2015) vai chamar essa pluralidade de �eus� de um jogo provido da
fun��o-autor. �Um jogo que respeita apenas a esses quase discursos.�
(Foucault, 2005, p. 55). A fun��o de ser autor vai trabalhar tamb�m, a partir
dessa ruptura, entre aquele que escreve, o autor, e aquele que narra, nessa
divis�o e nesse percurso, ou seja, nesse jogo identi..cat�rio em que a
media��o est� entre a proximidade e a dist�ncia.

A fun��o de ser autor oferece um distanciamento claro e enf�tico entre

o nome do autor, o escritor real e o indiv�duo autor, mas principalmente
entre o �eu� subjetivo e o discurso, ou seja, �n�o � somente uma fun��o, mas
tamb�m uma ..c��o, e uma ..c��o semelhante a essas ..c��es que dominam o
direito quando ela constr�i sujeitos jur�dicos que est�o distantes das
exist�ncias individuais dos sujeitos emp�ricos.� (Chartier, 2012, p. 29).
O poeta portugu�s Fernando Pessoa, como sabemos, trabalhava muito
bem com a quest�o da pluralidade dos �eus�. Ele criou v�rios heter�nimos;
dentre os mais famosos, est�o: Alberto Caieiro, �lvaro de Campos e Ricardo
Reis. Cada um tem uma particularidade: Alberto Caieiro, por exemplo, �
conhecido como um mestre do pr�prio Fernando Pessoa. Todavia, sabemos
que Alberto Caieiro � uma inven��o do poeta, escritor real, Fernando
Pessoa.


N�o h� d�vida de que Pessoa entendeu a fun��o de ser autor melhor do
que ningu�m, no sentido art�stico. H�, evidentemente, em seus heter�nimos,
um distanciamento entre o nome do autor e o escritor real. �lvaro de
Campos assina o c�lebre poema intimista Tabacaria
com seu nome pr�prio;
entretanto, seu nome foi criado, constru�do e viabilizado por Fernando
Pessoa, escritor real de Tabacaria. Mas o indiv�duo autor � �lvaro de
Campos, o heter�nimo, que, inclusive, det�m uma minibiogra..a7. Fica
evidente, portanto, o distanciamento entre o �eu� subjetivo e o discurso: o
�eu� subjetivo, ou seja, o escritor real de Tabacaria
� Fernando Pessoa, mas o
poema, o texto e o discurso, sua unidade, sua coer�ncia e sua autoria, est�o
relacionados e s�o atribu�dos � terceira fase po�tica de �lvaro de Campos.
Esse exemplo � claro quanto a distin��o entre a constru��o emp�rica e a
fun��o autoral, textual e discursiva. No caso de Fernando Pessoa, a fun��o
de ser autor rege o estilo do poeta e n�o necessariamente o g�nero do
discurso poesia; todavia, segundo Chartier (2012), � dif�cil de escapar do
dom�nio sobre o escritor, da fun��o autor, j� que ela, teoricamente, comanda

o g�nero do discurso pelo qual o autor escreve.
N�o h� d�vida de que a fun��o de ser autor nasce de quest�es de
responsabilidade, de propriedade e tamb�m de quest�es jur�dicas. Para
Chartier (2012), a fun��o autor cria sujeitos jur�dicos em detrimento do
sujeito emp�rico (aquele que escreve, o autor propriamente dito), o que,
nesse caso, apresenta rela��o direta com os direitos e deveres do autor.

O autor n�o � somente aquele que escreve a obra: � uma esp�cie de
entidade que est� fora dela, muito embora existam linhas de pensamento,
linhas te�ricas, que acreditam que o valor real est� no conte�do da obra, em
seu valor lingu�stico, e que o autor deva morrer em si mesmo para que nas�a
sua escritura. Todavia, � ineg�vel que o autor � uma esp�cie de entidade
extralingu�stica e referencial que direciona o leitor e ativa nele determinado
conhecimento pr�vio. Isto �, o nome do autor permite que o leitor procure o
g�nero do discurso, por exemplo, que prefere ler. � por meio do autor que


podemos relacionar textos e encontrar o tipo de leitura que desejamos, tanto
no aspecto lingu�stico quanto nos aspectos textuais, discursivos, narrativos,
lexicais e outros. � por meio do autor que podemos correlacionar discursos.
� por meio do autor, tamb�m, que um texto pode ser identi..cado, inclusive
pelos signos lingu�sticos caracter�sticos daquele autor: discurso citado,
pronomes pessoais em 1� ou em 3� pessoas, adv�rbios de lugar, de tempo,
conjun��es adversativas; o autor usa pontua��o, n�o usa, usa travess�o, n�o
usa. Jos� Saramago, �nico pr�mio Nobel de literatura em L�ngua Portuguesa,
por exemplo, � conhecido por brincar com as pontua��es, jogar com elas, ou
simplesmente n�o as usar. O aspecto lingu�stico � uma escolha autoral e
pode ser estil�stico.

A fun��o de ser autor divide o sujeito emp�rico, o autor e sua biogra..a,
da sua responsabilidade autoral. Isto �, o autor, associado � sua fun��o,
pensada por Foucault (2015), deve manter uma coer�ncia estil�stica, a
originalidade, a coes�o de ideias, a responsabilidade pelo dito, dentre outras
coisas.

�Em todos os casos, existe supostamente uma rela��o original e
indestrut�vel entre uma obra e um autor� (Chartier, 2014, p. 32). Para
Foucault, �a no��o de autor se constitui a partir de um correlato, a obra. S�
h� autor onde h� obra que possa consistentemente ser a ele associada.�
(Possenti, 2009, p. 105). Todo autor � um sujeito emp�rico que est� no plano
real da exist�ncia e possui uma vida veri..c�vel, ou seja, possui uma
biogra..a, uma vida. Entretanto, o autor responde, segundo Foucault (2015),
a uma fun��o: a fun��o-autor. Essa fun��o enquadra, de..ne, estigmatiza o
autor como uma esp�cie de entidade detentora de �um certo n�vel constante
de valor; o autor como campo de coer�ncia conceptual ou te�rica; o autor
como unidade estil�stica; o autor encarado como momento hist�rico.�
(Foucault, 2015, p. 52).

O autor, amalgamado com a no��o de obra, sua fun��o e propriedade �
morto pelo escritor emp�rico � autor de obra publicada �, ou seja, o autor


como pessoa, ..gura de interesse dos amantes liter�rios, a� se desfaz. O autor
� aquele que cria por meio da autoria, mas n�o � s� isso. O autor � pessoa, �
persona, � personagem. � refer�ncia! Pode estar morto; pode ser acad�mico
ou liter�rio; pode ser bi�grafo, cronista, quadrinista, poeta; pode ser um,
pode se v�rios.

1.4 A TRANSDISCURSIVIDADE DO AUTOR
Se nosso intuito nesse cap�tulo fosse o de fazer uma distin��o entre
texto e discurso, dir�amos, grosso modo, que o texto corresponde �
materialidade, aos recursos lexicais, gramaticais e fraseol�gicos da l�ngua; �
referencia��o, � coes�o e � coer�ncia, � paragrafa��o, � sintaxe, � morfologia
etc., e o discurso s�o os efeitos de sentido que esse texto produz em cada
leitor, teoricamente de car�ter interpretativista, com o aux�lio da
inquestion�vel materialidade �normativa� do texto.

A interpreta��o do leitor ou interlocutor de determinado texto, de
acordo com seu conhecimento de mundo, colocar� esse leitor em uma
posi��o de compreens�o do texto ao seu modo, ou seja, colocar� o leitor na
qualidade de produtor do discurso. O discurso, grosso modo, � aquilo que o
leitor ou o interlocutor entende, decodi..ca, mas, principalmente, aquilo que
interpreta e reproduz de determinado texto.

� no s�culo XIX, portanto, que nasce uma nova caracter�stica de autor:
aquele que n�o � o dono de seu pr�prio texto. N�o estamos falando,
evidentemente, dos grandes autores liter�rios, sacros, tampouco cient�..cos,
mas autores que n�o s� desenvolveram textos, su..cientemente competentes
para in..uenciar novos textos, como criaram novos g�neros do discurso,
ajudaram no desenvolvimento de teorias anal�ticas, al�m de contribu�rem
efetivamente naquilo que a an�lise do discurso, por exemplo, veio a chamar
de interdiscurso.


Esses autores produziriam alguma coisa a mais do que seus pr�prios
livros, seus pr�prios textos: produziriam discursos, na maior acep��o da
palavra, al�m da formata��o de novos textos, que produziriam novos
discursos, que produziriam novos textos. Estes autores s�o �fundadores da
discursividade.� (Foucault, 2015, p. 58).

Tomemos como exemplo o autor Karl Marx. Marx n�o escreveu apenas
O Manifesto Comunista, O Capital, mas ajudou a escrever, intertextualmente,
e pela linha de racioc�nio, outros tantos textos e outros tantos discursos.
Talvez o discurso mais famoso e de maior relev�ncia hist�rica, propiciado
pelo texto marxista, tenha sido a revolu��o bolchevista de 1917. A lista de
autores in..uenciados por Marx, e que escreveram a partir de seus escritos, �
vasta: Bakunin, Kautsky, Luk�cs, Gramsci, Weber, Adorno, Althusser,
Trotsky, Lenin, Sartre, entre outros.

Freud, por exemplo, criou a psican�lise. Foi o primeiro a pensar, a falar
e a classi..car a neurose como patologia; ele tamb�m escreveu o c�lebre livro
Neurose Obsessiva (1909). Associou a cl�ssica trag�dia grega de S�focles,
�dipo Rei, ao complexo de �dipo8. A aproxima��o freudiana do
desenvolvimento da crian�a, na primeira inf�ncia, com a trag�dia grega de
S�focles, j� quali..ca uma rela��o entre dois poderosos discursos, o discurso
da psican�lise e o discurso do teatro grego, que funcionam, a partir dessa
associa��o, como um intradiscurso, j� que o discurso do �dipo Rei de
S�focles, pelo menos at� Freud incorpor�-lo, era o discurso mais antigo e
dominante.

H� autores liter�rios, criadores de g�neros do discurso populares at� os
dias de hoje, n�o somente na literatura, mas tamb�m em outros suportes,
como o cinematogr�..co, o dram�tico e o musical, como � o caso do g�nero
terror, descoberto, a priori, pelo romance de terror criado a partir do terror
g�tico de Horace Walpole no controverso O Castelo de Otranto, do s�culo

XVIII. Esse livro ajudou que autores se assentassem no g�nero e o
difundissem no s�culo XIX. � o caso de Ann Redcliffe, que, segundo

Foucault (2015), foi a respons�vel pela viabiliza��o dos romances de terror
no come�o do s�culo, possibilitando-os e elevando a autora a uma
classi..ca��o de autoria que supera a pr�pria obra. Redcliffe � a respons�vel
pela f�rmula perpetuada da hero�na inocente, que cai na pr�pria armadilha,
�a ..gura do castelo secreto que funciona como uma contra-cidade, a
personagem do her�i negro, maldito, voltado a fazer expiar ao mundo o mal
que lhe ..zeram, etc.�. (Foucault, 2005, p. 59).

Podemos pensar em Santo Agostinho como um autor sacro, crist�o, ou
at� mesmo um autor de textos religiosos can�nicos. Todavia, o autor em
Confiss�es de Santo Agostinho (397-398) popularizou a escrita de si ainda no
Renascimento e in..uenciou, muitos anos depois, a iniciativa de Rousseau
em escrever as suas con..ss�es, livro de t�tulo hom�nimo, Confiss�es (2008),
conhecido como um livro referencial para ajudar a entender o pensamento
..los�..co do autor. N�o raro, alguns textos, resenhas e resumos sobre
Confiss�es de Santo Agostinho (397-398) se referem ao livro como uma
autobiogra..a; � ineg�vel a in..u�ncia discursiva das con..ss�es para o que
hoje chamamos de autobiogra..a9.

Galileu, por exemplo, propiciou uma revolu��o da cienti..cidade � que
at� ent�o estava apoiada na teoria aristot�lica � e nos solicita � humanidade
para uma esp�cie de fecunda��o da ci�ncia moderna fundamentada na
rela��o do homem com o fazer emp�rico. O cientista possibilitou que os
autores que viessem depois dele n�o apenas recorressem as suas descobertas

� por exemplo, o princ�pio da in�rcia �, como tamb�m criassem novos
enunciados a partir delas.
No caso particular da ci�ncia, temos um arqu�tipo diferente do conto
de terror, do romance ou da autobiogra..a. A ci�ncia, de um modo geral, se
assume como inconclusa e permite uma abertura para transdiscursividade,
j� que toda an�lise e todo estudo podem ser ampliados, complementados,
enriquecidos. Podemos observar essas mudan�as metalingu�sticas nas
sutilezas l�xicas: a prefer�ncia das palavras �considera��es ..nais� em


detrimento da palavra �conclus�o�, a �(in)conclus�o� etc., em artigos, teses e
disserta��es. As �considera��es ..nais� em trabalhos cient�..cos conservam,
quase sempre, uma sugest�o para a continua��o do estudo em quest�o.

Se nos fech�ssemos para a possibilidade discursiva das ideias de Freud,
nos acomodando em suas ideias iniciais, fechar�amos a possibilidade
discursiva da sua aplica��o. Isso n�o quer dizer que n�o precisemos respeitar

o discurso fundador, mas podemos faz�-lo sem desrespeitar o discurso
secund�rio. Podemos, sim, afastar apenas os enunciados pouco relevantes,
err�neos, ou aqueles que n�o nos interessam; contudo, � necess�rio
entendermos que a discursividade independe da forma��o de uma nova
ci�ncia, ela sempre existir�.
Um exemplo central para a discursiviza��o que Foucault (2015) traz
nos ajuda a entender de..nitivamente a fun��o autor atrelada �
discursiviza��o. O discurso psicanal�tico criado por Freud � um discurso
primeiro; contudo, outros textos do autor que apareceram posteriormente
ajudaram numa melhor compreens�o da psican�lise e contribu�ram para
modi..c�-la, como � o caso dos Tr�s Ensaios de Freud10. Esse texto ajudou
n�o no sentido de modi..car a historicidade do saber da psican�lise, e sim
no sentido de modi..car e ampliar o seu campo te�rico. De fato, um novo
texto de Freud, autor e criador principal da psican�lise, instaura uma rela��o
mais efetiva, pura, complementarmente a outros textos do pr�prio Freud.

Foucault (2015) se desculpa por n�o ter oferecido uma an�lise concreta
para um poss�vel trabalho e acrescenta:

Semelhante an�lise, se fosse desenvolvida, talvez pudesse servir de
introdu��o a uma tipologia dos discursos. De facto, parece-me, pelo menos
numa primeira aproxima��o, que essa tipologia n�o poderia ser feita
somente a partir de caracteres gramaticais do discurso, das suas estruturas
formais, ou mesmo dos seus objectos; sem d�vida que existem propriedades
ou rela��es propriamente discursivas (irredut�veis �s regras da gram�tica e
da l�gica, como �s leis do objecto) e � a elas que importa dirigirmo-nos para
distinguir as grandes categorias do discurso. A rela��o (ou a n�o rela��o)
com um autor e as diferentes formas dessa rela��o constituem � e de maneira


assaz vis�vel � uma dessas propriedades discursivas. (FOUCAULT, 2015, p.
68).

Foucault (2015) acredita, por outro lado, que essa ideia da
transdiscursivisa��o relacionada � fun��o-autor implica em um estudo dos
discursos nas �modalidades da sua exist�ncia.� (FOUCAULT, 2015, p. 68).
Isso resulta nos meios de circula��o destes discursos, na valora��o,
atribui��o e apropria��o discursiva destes e na consci�ncia de que os
discursos, de um modo geral, modi..cam e variam no interior de cada
cultura. Trata-se da relev�ncia em perceber como se articulam os discursos
em suas fun��es sociais.

Chartier (2014) resume de maneira brilhante a palestra �o que � um
autor� (proferida originalmente em 1968) dizendo que para Foucault �a
fun��o do autor � caracter�stica de um modo de exist�ncia, circula��o e
funcionamento de certos discursos na sociedade.� (CHARTIER, 2014, p.
146) e acrescenta que a quest�o do nome pr�prio amarrado ao discurso � de
total import�ncia para a teoria, j� que se trata de: �opera��es espec�..cas e
complexas que punham a unidade e a coer�ncia de uma obra (ou conjunto
de obras) numa rela��o com a identidade de um sujeito constru�do.�
(Chartier, 2014, p. 146).

Foucault (2015) verdadeiramente analisa o papel do sujeito e seus
privil�gios. Considera que a an�lise arquitet�nica e interna da obra, seja
..los�..ca, cient�..ca ou liter�ria, colocando-se entre par�nteses a sugest�o
psicol�gica ou biogr�..ca do sujeito, explicita o papel fundador de car�ter
absoluto do autor. Isso seria realmente necess�rio, j� que resgatar o tema do
sujeito pelo sujeito, o indiv�duo como ele �, o que construiu, relacionando-o
com pontos de adi��o, o seu funcionamento e as suas sujei��es, podem ser,
sem d�vida, essenciais e necess�rios para o comprometimento da obra. Mas,
se a perspectiva fun��o-autor, da forma que conhecemos, desaparecesse, no
caso de discursos circularem sem serem associados ao nome do autor, nem


ao sujeito autor, propriamente dito, a discursividade n�o aconteceria e os
discursos ..cariam surdos no anonimato.

Neste sentido, de..ne-se de maneira clara em que reside a fun��o-autor:
�instaura��es discursivas.� (Foucault, 2015, p. 67). Ou seja, a assinatura
de..nitiva do autor delineia a sua fun��o por associa��o, �quando se procura
analis�-la em conjuntos mais vastos, como grupos de obras ou disciplinas
inteiras.� (Foucault, 2015, p. 67). Essa associa��o se d� entre livro, entre
outros textos do autor e a agrega��o do autor a sua obra por aglutina��o
com a sua assinatura ou, dito de outra forma, com a associa��o da obra com

o nome pr�prio do autor.
1.5 O AUTOR PESSOA: O CONTE�DO, O
MATERIAL, A FORMA E A CRIA��O ART�STICA
Um autor, criador de uma obra, de um livro, um autor liter�rio, cria por
meio da autoria, da ideia criativa e da palavra um trabalho art�stico. Esse
trabalho, geralmente de car�ter inovador, det�m um enredo, uma narrativa,
uma personagem, um cl�max etc. Essa hist�ria � composta por um conte�do
que mant�m uma intersec��o, de certa forma, complexa, com a personagem.
A personagem e a hist�ria s�o constru�das por um material lingu�stico,
verbalizado pela palavra, que habita no plano da forma. Portanto, segundo
Bakhtin (2010), �pode-se distinguir na obra de arte, ou melhor, em um
des�gnio art�stico, tr�s elementos: o conte�do, o material, a forma.� (Bakhtin,
2010, p. 177).

A forma, para Bakhtin (2010), n�o pode ser entendida separadamente
do conte�do. Ela � atrelada ao conte�do determinado e tamb�m desenhada
pelo material e seus meios de elabora��o e peculiaridades estil�sticas de
ordem lingu�stica e estrutural. �O des�gnio art�stico puramente material �
uma experi�ncia t�cnica.� (Bakhtin, 2010, p. 178).


A cria��o art�stico-liter�ria de um autor n�o � um procedimento
apenas de car�ter lingu�stico, sint�tico, l�xico e morfol�gico, ou seja, n�o �
apenas um procedimento material. � necess�ria, a priori, a elabora��o de
um conte�do, que � sim viabilizado pela palavra, pelo estrato lingu�stico,
pelo material. Contudo, Bakhtin (2010) acredita ser ing�nuo tratar a cria��o
art�stica como um processo estritamente de tratamento da l�ngua. �Seria
ing�nuo imaginar que o artista necessite apenas de uma l�ngua.� (Bakhtin,
2010, p.178).

Bakhtin (2010), ao tratar o autor como artista, reconhece nele uma
pessoa, a pessoa criadora de determinado produto art�stico por meio de
uma express�o art�stica. Esse artista faz a palavra material retirar-se de cena
naquilo que tange a palavra sentida � �a palavra deixa de ser sentida como
palavra.� (Bakhtin, 2010, p. 178). Em outros termos, a pessoa do autor
trabalha a l�ngua e a l�ngua o inspira; todavia, � pelo conte�do art�stico que

o autor supera a l�ngua. Trata-se de uma supera��o do material em
detrimento da tarefa art�stica indispens�vel: o conte�do.
Bakhtin (2010) pergunta:

Devemos sentir as palavras em uma obra de arte precisamente como
palavras, ou seja, em sua determinidade lingu�stica, devemos sentir a forma
morfol�gica precisamente como morfol�gica, a forma sint�tica como
sint�tica, a s�rie sem�ntica como sem�ntica? O todo de uma obra art�stica �

o todo verbalizado no essencial? (Bakhtin, 2010, p. 178).
Bakhtin (2010) considera que o todo verbalizado tamb�m deve ser
estudado, mas especi..camente dentro da quest�o lingu�stica e por um
linguista. Portanto, esse todo verbalizado, ou seja, o todo material, deve ser
enxergado como estritamente verbal e n�o art�stico.

A compreens�o do autor, segundo Bakhtin (2010), de maior relev�ncia,
n�o se d� pela investiga��o da t�cnica escritora, mas sim pela �l�gica
imanente da cria��o.� (Bakhtin, 2010, p. 179). Essa compreens�o acontece
por meio da indaga��o da estrutura de valores da composi��o art�stica e o
contexto em que se assenta esse ato puro de cria��o. �A consci�ncia criadora


do autor-artista nunca coincide com a consci�ncia lingu�stica, a consci�ncia
lingu�stica � apenas um elemento, um material, totalmente ligado pelo
des�gnio art�stico, fora da obra de arte.� (Bakhtin, 2010, p. 179). Ou seja,
nessa concep��o, o fator material � que est� fora da obra, e n�o o autor como
pessoa, reconhecido como um criador art�stico.

O problema de de..ni��o intr�nseco � concep��o de obra de arte
encontra aqui uma resposta. Se de fato n�o podemos de..nir efetivamente o
que � uma obra de arte, podemos dizer o que ela parcialmente n�o �. A obra
de arte n�o � somente composta por palavras, ora��es, cap�tulos, n�mero de
p�ginas, papel. Estendendo esse racioc�nio para as artes pl�sticas, uma obra
de arte n�o �, evidentemente, uma tela de madeira com determinado chassis
e tecido. N�o � um tratamento pict�rico determinado pela pincelada, t�cnica
de pintura: a aquarela, o acr�lico, a pintura pastel ou a pintura a �leo. Sua
de..ni��o est� mais associada ao modo como vemos o mundo, a um olhar: a
a��o e a inven��o. A obra de arte est� na ess�ncia, mais para o psiquismocriativo
do que para a forma e para a mat�ria, conclusivamente. �Portanto, a
consci�ncia criadora do autor n�o � uma consci�ncia lingu�stica no mais
amplo sentido desse termo, � apenas um elemento positivo da cria��o � um
material a ser superado por via imanente.� (Bakhtin, 2010, p. 180).

1.6 MITO E O HER�I: UMA SIGNIFICANTE E UM
SIGNIFICADO
Barthes (2006, p. 200) a..rma que �o discurso escrito, assim como a
fotogra..a, o cinema, a reportagem, o esporte, os espet�culos, a publicidade,
tudo isso pode servir de apoio � fala m�tica.�.

A fala humana � um dado importante para a classi..ca��o de um mito e
seu nascimento. Os objetos do mundo podem mudar de estado � como nas
provas cient�..cas da vaporiza��o, liquefa��o ou solidi..ca��o � pelo encontro


da fala com a sociedade constitu�da �pois nenhuma lei, natural ou n�o, pode
impedir-nos de falar as coisas.� (Barthes, 2006, p. 200).

Barthes (2006) trata a ideia de mito como uma constru��o poss�vel a
partir da linguagem. Segundo o autor, o mito emana de um ato
conversacional, de um sistema de fala, mas principalmente de uma
mensagem. � uma forma, um objeto de signi..ca��o, uma fala. Se o mito
nasce da fala, tudo pode materializar-se no mito a partir da�, na mitologia,
desde que estes sejam reconhecidos e apontados pelo discurso.

Quando falamos em mito e em mitologia, � inevit�vel n�o pensarmos
na mitologia grega. Os deuses mitol�gicos foram criados a ..m de explicar
fen�menos da natureza para os gregos, pois estes acreditavam que
fen�menos em suas vidas e fen�menos naturais eram obras do divino. �Essas
hist�rias, hoje chamadas individualmente de mito, ..caram conhecidas no
seu conjunto como mitologia.� (Mattiuzzi, 2000, p. 9).

N�o raro, as hist�rias de Odisseu/Ulisses, por exemplo, reaparecem; sua
ast�cia para sair das situa��es adversas, a necessidade de salvar seu reino,
sua fam�lia, a import�ncia de rever o ..lho e de ser presente na vida dele...
Dentre os mitos de A Odisseia, est�o: o Ciclope (monstro), por exemplo, a
deusa Calipso, Poseidon (deus grego dos mares), o pr�prio Odisseu/Ulisses
etc.

As de..ni��es de mito s�o necess�rias para a compreens�o do termo na
contemporaneidade na Gr�cia antiga � 600 a.C. Garden (1995), em O
Mundo de Sofia, permite que o narrador-personagem discorra sobre o mito
de Tor de um jeito bem interessante: �Antes de o cristianismo chegar a
Noruega, acreditava-se aqui no Norte que Tor cruzava os c�us numa
carruagem puxada por dois bodes. E quando ele agitava seu martelo,
produziam-se raios e trov�es.� (Garden, 1995, p. 35). Rezava-se para .or.

Tor era entendido como o deus da fertilidade, j� que a chuva era
fundamental para a produ��o dos camponeses. �A resposta mitol�gica �
quest�o de saber por que chovia era, portanto, a de que Tor agitava seu


martelo. E quando ca�a a chuva, as sementes germinavam e as plantas
cresciam no campo.� (Garden, 1995, p. 35). Tor, no tempo dos vikings, foi o
deus mais importante do Norte da Europa. O deus Tor transformar-se-ia em
um her�i.

O narrador-personagem de O mundo de Sofia de..ne mito: �um mito �
a hist�ria de deuses e tem por objetivo explicar porque a vida � assim como
�.� (Garden, 1995, p. 35).

Para Barthes (2006, p. 200), a condi��o s�cio-hist�rica determina a
longevidade do mito: �� a Hist�ria que transforma o real em discurso; � ela e
s� ela que comanda a vida e morte da linguagem m�tica�. Portanto, o mito e
a linguagem m�tica, circunscrita, tamb�m podem nascer, crescer e morrer.

O mito nasce da maneira em que � proferido e n�o se delineia
necessariamente pela mensagem, por haver limites de car�ter formal. Ou
seja, essa proferiza��o m�tica pode emanar n�o apenas da fala, ou seja, pode
n�o ser oral, mas pode ser constru�da pela escrita e tamb�m por
representa��es imag�ticas.

Segundo Barthes (2006), a consci�ncia signi..cante do mito � relevante
e difere de representa��o para representa��o:

A fala m�tica � formada por uma mat�ria j� trabalhada em vista de uma
comunica��o apropriada: todas as mat�rias-primas do mito � quer sejam
representativas, quer gr�..cas � pressup�em uma consci�ncia signi..cante, e �
por isso que se pode raciocinar sobre elas, independentemente da sua
mat�ria. Esta, por�m, n�o � indiferente: a imagem � certamente mais
imperativa do que a escrita, impondo a signi..ca��o de uma s� vez, sem
analis�-la e dispers�-la. (BARTHES, 2006, p. 201).

Para Barthes (2006), a mitologia se estabelece a partir da rela��o
intr�nseca entre dois termos: signi..cante e signi..cado. Na linguagem
cotidiana, comum, acontece uma trajet�ria lingu�stica em que o signi..cante
vai exprimir o signi..cado e se estabelece, a partir da�, uma liga��o. O
signi..cado pressup�e um signo.


Essa rela��o signo, signi..cado e signi..cante � semiol�gica. Na
linguagem comum, � aquilo que apreendemos de maneira n�o aleat�ria �
por exemplo, um buqu� de rosas vermelhas pode signi..car uma paix�o, ou
seja, �eu�, ao entregar � pessoa amada rosas vermelhas, signi..co minha
paix�o. No cen�rio anal�tico, as rosas e a paix�o existem antes do signo, mas,
apenas quando associadas � as duas palavras �, emerge o signo paix�o,
amor, namoro. N�o se pode confundir o signi..cante rosas com o signo
rosas. �O signi..cante � vazio, e o signo � pleno, � um sentido.� (Barthes,
2006, p. 203). � dessa rela��o associativa de tessitura, que liga os termos �
signi..cado e signi..cante � em uma situa��o comunicativa que o signo
nasce, cresce e se desenvolve.

Signi..cante, signi..cado e signo s�o palavras de car�ter formal na
l�ngua e Barthes (2006) menciona Saussure para simpli..car: �o signi..cado �

o conceito, o signi..cante a imagem ac�stica (de ordem ps�quica) e a rela��o
entre conceito e imagem � o signo (a palavra, por exemplo), entidade
concreta.� (Barthes, 2006, p. 204).
O mito � constru�do por um sistema semiol�gico que j� existe antes
dele e por isso tratar-se-ia de uma constru��o diferenciada. O mito nascer�
no segundo tempo, em um segundo momento, em decorr�ncia de um
intertexto; todavia, � absolutamente poss�vel analisar o mito pelo sistema
tridimensional a que Barthes (2006) se refere: o signi..cante, o signi..cado e

o signo. O que Barthes (2006) quer dizer � que a an�lise do mito pode ser
bipartida. Em um primeiro momento, o mito se constitui pele l�ngua, logo,
pelo sistema de representa��es, seja gr�..co, seja pict�rico. Trata-se da
�linguagem-objeto� (Barthes, 2006, p. 206). No segundo momento, o mito se
institui a partir da metalinguagem. Tratar-se-� do mito assumindo seu papel
discursivamente por meio de uma �segunda l�ngua�, que fala da primeira.
Isto �, por meio das representa��es (escrita, imagem) pelas quais ele �
constru�do pelo discurso, o mito se constitui e se personi..ca
discursivamente.

1.7 AUTOBIOGRAFIA: AUTOR E AUTORIA
A autobiogra..a � um g�nero do discurso circunscrito pelo real, por
tudo que � ver�dico, que diz a verdade daquilo que � veri..c�vel; � complexo
e goza de relativa estabilidade. � a escrita da vida e nossas vidas emanam de
um constante movimento. � a escrita de si. Encontra-se assentada numa
atmosfera biogr�..ca bastante densa e povoada.

A atmosfera biogr�..ca dilui o g�nero autobiogr�..co puro e faz com
que a autobiogra..a can�nica genu�na converse com outros g�neros do
discurso. Dentre esses g�neros da esfera biogr�..ca est�o as biogra..as e
autobiogra..a, mem�rias e di�rios �ntimos, testemunhos, correspond�ncias,
retratos, a entrevista, as con..ss�es etc.

O g�nero do discurso autobiogra..a det�m um posicionamento
enunciativo-discursivo interessante. N�o � um posicionamento enunciativodiscursivo
..xo: pelo contr�rio, cambia e ..utua livremente entre o eu, o tu, o
voc�, o n�s e o eles. Ou seja, embora seja narrado em primeira pessoa e a
personagem-narrador, em tese, esteja assegurada pelo seu protagonismo, a
unicidade do �eu� em uma autobiogra..a � uma ilus�o que decorre de certa
ingenuidade. Em outras palavras, o outro tem sempre uma aten��o especial,
j� que eu s� existo na sociedade contempor�nea e social dos homens diante
de um voc�.

O posicionamento enunciativo-discursivo de uma autobiogra..a �
desconcertante porque a voz que ouvimos ecoar da leitura autobiogr�..ca
n�o � un�voca, mas sim polif�nica. Trata-se do �eu� como �eu�, do �eu� como
�tu� e do �eu� como �ele�, ou seja, �assumir um eu de in�meras facetas ou um
ele que pode ser eu mesmo, convertido em ningu�m, o outro convertido no
outro, de maneira que ali onde estou n�o possa me dirigir a mim.� (Arfuch,
2009, p. 113). N�o � uma estrutura narrativa nem enunciativa de simples
compreens�o, tampouco, de f�cil composi��o autoral.


A autobiogra..a, portanto, precisa ser compreendida como uma
estrutura composicional absolutamente dial�gica. � um di�logo entre �eu�
comigo mesmo, entre �eu� com o outro e do outro com o �eu�. Contudo, a
autobiogra..a emana seu sucesso nascida, historicamente, das con..ss�es,
que � uma estrutura enunciativa quase monol�gica.

1.7.1 AS CONFISS�ES: O AUTOINFORME
Dentre as mais famosas con..ss�es que conhecemos est�o a de
Rousseau, chamada Confiss�es (1889), e as Confiss�es de Santo Agostinho
(1840). Bakhtin (2010) faz uma breve imers�o sobre a rela��o das con..ss�es
com o biogr�..co, propriamente dito, nesta cita��o abaixo:

Formas originais, internas, contradit�rias e transit�rias entre o autoinforme-
con..ss�o e a autobiogra..a aparecem no ..m da Idade M�dia,
per�odo que desconhece os valores biogr�..cos, e no in�cio do Renascimento.
A Hist�ria calamitatum mearum de Abelardo j� � essa forma mista, na qual
surgem os primeiros valores biogr�..cos em base confessional um tanto
matizada de antropomaquia: come�a o adensamento da alma, mas n�o em
Deus. A diretriz axiol�gica biogr�..ca para a sua pr�pria vida vence a diretriz
confessional em Petrarca. Con..ss�o ou biogra..a, descendentes ou Deus,
Santo Agostinho ou Plutarco, her�i ou monge � esse dilema, com inclina��o
para o segundo termo, atravessa toda a vida e a obra de Petrarca e encontra
sua express�o mais clara (um tanto primitiva) em Secretum. No in�cio do
Renascimento, o tom confessional irrompe frequentemente na auto-
su..ci�ncia da vida e em sua express�o. (BAKHTIN, 2010, p. 138).

�Eu�, simplesmente ao viver, torno-me um ato. Um ato de exist�ncia.
Um ato responsivo, pelos pensamentos, pelo discurso, pelos sentimentos e
pelas atitudes. �O homem vivente se estabelece ativamente de dentro de si
mesmo no mundo.� (Bakhtin, 2010, p. 128). A vida de outro ser humano se
estabelece naquilo que � conscientiz�vel pela consci�ncia e na consci�ncia h�
a cada momento um agir. � medida que �eu� vivo, a minha a��o � um ato do
viver. Todavia, o meu ato n�o diz quem �eu� sou em minha plenitude.

Carregado por valores sociais, pol�tico e culturais-cognitivos, pela arte
e seu valor est�tico e pela �tica manique�sta do bem e do mal, o sujeito e seu


ato s�o manifesta��es de um axioma para o pr�prio sujeito e suas a��es.

O ato, ent�o, n�o necessita de um her�i � que pode inclusive vir
acompanhado de um anti-her�i ou de um vil�o �, mas sim da consci�ncia
formuladora de perguntas relacionadas ao contexto social e cognitivo do
homem. Essas perguntas para a consci�ncia que, evidentemente, o indiv�duo
faz para si e que antecedem o ato, s�o: �por qu�?, pra qu�?, como?, est� ou
n�o certo?, cabe fazer isso ou n�o?, � necess�rio ou n�o?,� (Bakhtin, 2010, p.
128) etc. Logo, o indiv�duo, antes do ato, antes de agir, nunca pergunta a si
quem ele �.

A falta evidente de uma determina��o do indiv�duo sobre si mesmo no
contexto do ato art�stico, por exemplo, pode despertar outrem para a
aus�ncia de uma de..ni��o clara sobre um ato de determina��o cultural:
uma obra de arte, por exemplo. Pela de..ni��o pr�via, �eu� sou assim, n�o
sou assim, gosto disso, n�o gosto daquilo, ajo dessa forma e n�o desta, etc.,
�eu� determino o sujeito para � luz de uma personagem e de seu autor. Essa
consci�ncia de si e do outro � substancial n�o apenas para o leitor da obra de
arte, mas tamb�m para o autor, ao contemplar certo distanciamento de si
mesmo e tamb�m da personagem.

O outro tamb�m exerce uma in..u�ncia sobre o ato do her�i liter�rio,
pois se �eu� n�o enxergo o olhar de outrem sobre o �meu� ato, se �eu� n�o
oferto valor alheio sobre determinado ato �meu�, como saberei como o outro
v� �meu� ato? Dito de outra forma, a consci�ncia, ao atuar como fator
determinante, carregada de signi..c�ncia, reconhece n�o os valores
puramente est�ticos, tampouco os valores sociais puros, mas sim os valores
reconhec�veis e aceit�veis no manique�smo do bem e do mal, como na
dicotomia Barroca, do claro ou do escuro, canalizados pelos valores de
ordem e car�ter moral, moralista e moralizante, que de..nem, nesse caso,
meu re..exo, meu informe e minha determinidade, n�o apenas como ser
humano, mas tamb�m como autor ou como personagem. Tratar-se-�, ent�o,
de ju�zo de valor, que determina a �mim�.


Ou�amos Bakhtin (2010) ao discorrer sobre o assunto:

O arrependimento passa do plano psicol�gico (do agastamento), para o
plano criativo-formal (arrependimento, autocr�tica), tornando-se princ�pio
organizador e enformador da vida interior, princ�pio da vis�o valorativa e da
..xa��o de si mesmo. Onde aparece a tentativa de ..xar a si mesmo em tons
de arrependimento � luz de um imperativo moral, surge a primeira forma
essencial de objetiva��o verbal da vida e do indiv�duo (da vida pessoal, isto �,
sem abstra��o do seu agente) � o auto-informe-con..ss�o. (BAKHTIN, 2010,

p. 130).
O auto-informe-con..ss�o, grosso modo, est� fundamentado n�o
somente no arrependimento, mas tamb�m na culpa constitutiva de uma
interpela��o auto-objetivista. Isso signi..ca que o outro, nessa abordagem, �
exclu�do, ou seja, �aqui s� a rela��o pura do eu consigo mesmo � princ�pio
organizador da enuncia��o� (Bakhtin, 2010, p. 130).

Nesse g�nero do discurso, apenas o que o autor diz sobre si mesmo �
considerado. O auto-informe-con..ss�o � inerente � consci�ncia moralizante.
Exclu� a autoconsci�ncia e seus elementos relativos � consci�ncia axiol�gica
da exist�ncia humana. Em outras palavras, � excludente do outro. Trata do
essencial e n�o daquilo que � fato e, dessa forma, se estabelece
negativamente contra a verdade da autoconsci�ncia e sua pureza e passa a
dar lugar � pureza de uma conex�o solit�ria do autor consigo mesmo.

O outro e/ou outrem, nesse caso, e a consci�ncia de sua exist�ncia
igualmente moralizante, podem in..ltrar-se na consci�ncia do autor
autoinforme em tamanha medida que ele, em sua rela��o axiol�gica consigo
mesmo, pode castrar-se naquilo que tange sua pureza. O olhar de si para si
pode ..car turvo diante do olhar do outro; sua benevol�ncia, sua opini�o, ou
seja, a vergonha dos outros, a opini�o dos outros, a glori..ca��o mundana
desperta no autor confessional uma obscura��o. �Mas eu o ignorava e
caminhava para a minha perdi��o, com cegueira tal, que me envergonhava,
diante de meus companheiros.� (Agostinho, 2007, p. 49).

No auto-informe-con..ss�o, o outro deve ser desconsiderado; todavia, o
outro pode ser um juiz poss�vel, se seu julgamento dialogar com o que penso


sobre �mim� mesmo. Bakhtin (2010) explica de maneira clara que a
consci�ncia da auto-humilha��o do autor autoiniforme diante de outrem em
sua con..ss�o poder� libert�-lo daquilo que existe e est� fora dele, mas
�qualquer tranquiliza��o, qualquer suspens�o de minha autocensura,
qualquer avalia��o positiva (eu j� me torno melhor) s�o interpretadas como
queda da rela��o comigo mesmo.� (Bakhtin, 2010, p. 131).

A verdade de outrem em rela��o a �mim� na express�o lexical do
g�nero auto-informe-con..ss�o tamb�m gera uma incompletude � medida
que a forma, ou seja, a constru��o composicional desse g�nero se choca com
a pr�pria linguagem, j� que cont�m elementos est�ticos fundamentados em
ju�zo de valores. Trata-se de uma consci�ncia valorativa que pode estar no
outro, no campo da express�o, no di�logo com outrem no mundo e sobre o
mundo; contudo, a �ltima palavra sobre �eu� mesmo deve emergir de �mim�
e da �minha� con..ss�o. �Nenhum re..exo sobre mim mesmo pode me
concluir integralmente.� (Bakhtin, 2010, p. 131). Olhar o outro dentro de si
mesmo � uma prerrogativa ao considerar que �eu�, como ser humano, s�
existo diante de outro ser humano na consci�ncia social, cultural e art�stica
da sociedade dos homens.

Essa nega��o da exist�ncia do outro e sua perspectiva sobre �mim� gera
um distanciamento e uma aus�ncia de di�logo. � por isso que a necessidade
de um poder maior, um Deus, que justi..que a inconcludibilidade em �mim�
mesmo � carater�stico do g�nero con..ss�o autoinforme, fundamentalmente
em Santo Agostinho. �{...} nossa ..rmeza � ..rmeza quando se apoia em Ti,
mas � fraqueza quando se apoia em n�s.� (Agostinho, 2007, p. 109).

A nega��o e a justi..ca��o trazem � luz um Deus e uma necessidade
religiosa, ou seja, �o auto informe-con..ss�o est� cheio de necessidade de
perd�o e reden��o como d�diva essencialmente pura (n�o por m�ritos), de
gra�a e felicidade axiologicamente oriundas de outro mundo.� (Bakhtin,
2010, p. 132).


Quanto maior � a solid�o axiol�gica de si mesmo e maiores s�o os
sentimentos de culpa e arrependimento, maior tamb�m � a car�ncia de Deus
e de supera��o de si mesmo; a entrega a Deus passa a ser, sob essa
perspectiva, substancial e profunda.

No auto-informe-con..ss�o, a aus�ncia de Deus � invi�vel �
autoconsci�ncia e a autoenuncia��o, justamente pelos fatores de isolamento,
ou seja, o autor n�o se constitui nesse g�nero do discurso pela rela��o direta
com outro ser humano, mas com a con..an�a de uma alteridade absoluta
com um poder maior, um Deus, da forma que o autor confessional (no caso)

o compreenda.
A estrutura organizada a partir do arrependimento crist�o, no caso de
Santo Agostinho, por exemplo, quando emerge da culpa para a con..an�a em
um poder maior, passa para a entrega da vida do autor para um Deus e
torna poss�vel uma est�tica confessional disposta composicionalmente em
um posicionamento enunciativo em que o �eu� para mim se transforma em
um �eu� outro, para Deus.

Nas con..ss�es, o todo da vida n�o � constitutivo da forma. A vida
biogr�..ca e todos os seus acontecimentos n�o s�o um valor de..nitivo e
conclusivo no autoinforme. A vida, segundo Bakhtin (2010), � um valor que
s� pode ser considerado artisticamente. Para Bakhtin (2010), a con..ss�o
deixaria de ser con..ss�o pelos olhos de quem a l�. Ou seja, o leitor, ao olhar
para aquele que escrevera a con..ss�o, pode ver o autor como uma
personagem. �O contemplador come�a a tender para a autoria.� (Bakhtin,
2010, p. 136).

O autoinforme � um g�nero que, embora tenha dado in�cio � na Idade
M�dia � a uma ideia de autobiogra..a, � um g�nero diferente dessa, embora
tamb�m se detenha por um posicionamento enunciativo-discursivo
marcado pelo �eu�. Segundo Bakhtin (2010), no auto-informe-con..ss�o, a
personagem e o autor inexistem, pois efetivamente n�o h� um
distanciamento entre eles. Ou seja, o autor e a personagem s�o efetivamente


a mesma pessoa. H�, portanto, uma (in)conclus�o, j� que autor n�o pode
concluir-se fora da personagem � que seria ele mesmo �, mas pode apenas
condenar-se nessa alteridade entre ele e Deus. O objeto art�stico-descritivo
tamb�m tende a ser inviabilizado como elemento, porque uma paisagem
bonita, um lugar, um estilo de vida ou um modo de vida perde-se em um
vazio de signi..cado que d� lugar a rela��o entre �mim� e Deus.

1.7.2 O AUTOR AUTOBIOGR�FICO
Autobiogra..a, de acordo com Lejeune (2008, p. 16), � uma �narrativa
retrospectiva, em prosa, que uma pessoa real faz de sua pr�pria exist�ncia,
quando focaliza sua hist�ria individual, em particular a hist�ria de sua
personalidade�. Ou seja, essa de..ni��o difere, por si s�, da autobiogra..a das
con..ss�es: autobiogra..a conta uma hist�ria e, ao contar essa hist�ria, utiliza
elementos de ..ccionaliza��o, j� que nossa mem�ria comete trope�os e � de
certa forma inexata.

Dentre os elementos do g�nero autobiogra..a a serem considerados
est�o a prosa, a narrativa, a hist�ria de vida de uma personalidade, a
identidade do autor (pessoa real), a posi��o do narrador e sua identidade, a
identidade do personagem principal e o olhar retrospectivo. A personagem
protagonista, o autor e o narrador tendem a coincidir, sendo vistos pela
perspectiva da equidade. Isto �, o elemento personagem-autor-narrador �
enxergado com equival�ncia. S�o perspectivadas pelo leitor como sendo as
mesmas pessoas no texto e no discurso. Na literatura �ntima � a
autobiogr�..ca �, � necess�rio que �haja rela��o de identidade entre o autor,

o narrador e a personagem.� (Lejeune, 2008, p. 18).
A identidade do narrador e da personagem autobiogr�..ca traduz-se
pela designa��o propiciada pela primeira pessoa do singular. O �eu�,
personi..cado pela narra��o autobiogr�..ca, faz do narrador e da
personagem uma pessoa s�. A primeira pessoa do singular propicia �


narra��o uma simbiose autodieg�tica11. Contudo, Arfuch (2009, p. 113)
ressalta que a autobiogra..a tem uma �aparente simplicidade da
autorrefer�ncia, com a ilus�o da unicidade do eu, ainda hoje, quando tanto a
teoria como a pr�tica nos convenceram de sua inexist�ncia, ou pelo menos,
de sua impossibilidade de manifesta��o.�.

O que Arfuch (2009) quer dizer � que o �eu� e sua unicidade no
autobiogr�..co est� a servi�o do l�dico, j� que na forma biogr�..ca �eu�
somente existo diante do outro, pelo outro e pelo olhar do outro. Eu me
constituo como indiv�duo, inserido na sociedade culta dos homens, pelas
minhas rela��es com outrem.

N�o necessariamente o narrador e a personagem precisam estar na
primeira pessoa. Existem narrativas autobiogr�..cas em que o narrador troca
de posi��o com a personagem. Tratar-se-ia da narra��o de ordem
homodieg�tica: �identidade entre o narrador e o personagem principal sem

o emprego da primeira pessoa.� (Lejeune, 2008, p. 19).
Lejeune (2008) tem uma de..ni��o acertad�ssima sobre autor, o �eu� e a
autobiogra..a:

De fato, ao colocar o problema do autor, a autobiogra..a elucida fen�menos
que a ..c��o deixa numa zona de indecis�o: em particular o fato de que pode
muito haver identidade do narrador e do personagem principal no caso da
narrativa �em terceira pessoa�. Essa identidade, embora n�o seja mais
estabelecida no texto pelo emprego do �eu�, � estabelecida indiretamente,
mas sem nenhuma ambiguidade, atrav�s da dupla equa��o: autor = narrador
e autor = personagem, donde se deduz que narrador = personagem, mesmo
se o narrador permanecer impl�cito. Este procedimento corresponde, ao p�
da letra, ao sentido primeiro da palavra autobiogra..a: � uma biogra..a,
escrita pelo interessado, mas escrita como uma simples biogra..a. (LEJEUNE,
2008, p. 19).

O nome pr�prio do autor tem uma relev�ncia no g�nero do discurso
autobiogra..a ao considerarmos que o nome, a pessoa e o discurso se
desenvolvem antes mesmo de serem articulados na primeira pessoa pela
crian�a na aquisi��o da linguagem. �A crian�a fala de si mesma na terceira


pessoa, chamando-se pelo pr�prio nome, bem antes de compreender que
tamb�m pode utilizar tamb�m a primeira pessoa.� (Lejeune, 2008, p. 26).
Lejeune (2008) acrescenta considera��es importantes a respeito do
autor e do nome pr�prio no g�nero autobiogra..a:

�, portanto, em rela��o ao nome pr�prio que devem ser situados os
problemas da autobiogra..a. Nos textos impressos, a enuncia��o ..ca
inteiramente a cargo de uma pessoa que costuma colocar seu nome na capado livro e na folha de rosto, acima e abaixo do t�tulo. � esse nome que se
resume toda a exist�ncia do que chamamos de autor: �nica marca no texto
de uma realidade extratextual indubit�vel, remetendo a uma pessoa real, que
solicita, dessa forma, que lhe seja, em �ltima inst�ncia, atribu�da a
responsabilidade da enuncia��o de todo o texto escrito. Em muitos casos, a
presen�a do autor no texto se reduz unicamente a esse nome. Mas o lugar
concedido a esse � capital: ele est� ligado, por uma conven��o social, ao
compromisso de responsabilidade de uma pessoa real, ou seja, de uma pessoa
cuja exist�ncia � atestada pelo registro de cart�rio e veri..c�vel. (LEJEUNE,
2008, p. 26-27).

Lejeune (2008, p. 27), baseado na fun��o-autor de Foucault, a..rma que
�o autor n�o � uma pessoa. � uma pessoa que escreve e publica.�. Tratar-se-ia
de um autor que � produtor real da sua escrita e, ao mesmo tempo, produtor
de um discurso. Em outras palavras, � ao mesmo tempo no texto e no
extratexto o contato entre o autor e a pessoa. O autor produz um discurso e,
ao mesmo tempo, � um sujeito constitu�do socialmente.

Na autobiogra..a � narrativa que conta a vida do autor �, devemos
presumir que haja determinada identi..ca��o entre o nome do autor (o
nome estampado na capa do livro), entre o narrador e entre a pessoa que
fala e de quem se fala na enuncia��o. Isto nos leva ao que Lejeune (2008)
chama de pacto autobiogr�..co. Esse contrato pactual resume-se na
identidade veri..c�vel do nome do autor-narrador-personagem. �O pacto
autobiogr�..co � a a..rma��o, no texto dessa identidade, remetendo, em
�ltima inst�ncia, ao nome do autor, escrito na capa do livro.� (Lejeune, 2008,

p. 30).

O leitor de autobiogra..a vai dirigir sua leitura sempre em busca de
uma quebra do contrato de veridic��o. Na busca pela mentira o pela
omiss�o, o leitor deve e pode levantar quest�es quanto a semelhan�a entre
autor, narrador e personagem, mas nunca deve levantar quest�es quanto a
identidade de quem escreve.

1.8 A REPRESENTA��O IMAG�TICA DO AUTOR
NA M�DIA
O autor assina o texto que leremos; seu nome est� ali, mas ele n�o est�.
� ausente por natureza e por de..ni��o. Todavia, se o texto propicia
inquieta��es, se provoca o leitor, se ele prop�e perguntas, a vida do autor,
teoricamente, pode respond�-las. Esse � o primeiro pensamento motivado
pela incerteza e pela curiosidade. O autor � ent�o detentor de um axioma
sobre aquilo que escreve. A sua obra seria explicada por sua vida. Lejeune
(2008, p. 255) chama isso de �ilus�o biogr�..ca.�.

Na ilus�o biogr�..ca, a resposta para o texto do autor est� sempre na
vida do autor. Existe uma magia que circunscreve o autor: um mist�rio. O
autor, imbu�do de sua aus�ncia, desperta no leitor uma inc�gnita na medida
em que o texto o cativa.

Lejeune (2008) acredita que o autor goza de certo poder e o leitor
sonha com esse poder, que nada mais � do que um efeito provocado pela
leitura. �E o fato de ter sido publicado torna-o fatalmente (como muitos
outros) um exemplo de �xito social. (Lejeune, 2008, p. 225).

A m�dia, de um modo geral, modi..cou a rela��o entre o leitor e o autor
na contemporaneidade. No passado, recorr�amos a biogra..as, testemunhos e
correspond�ncias para saber mais do autor. O autor morto tinha sua vida
invadida por curiosos em busca de respostas.


O fato � que as pessoas continuam querendo um contato com o autor,
em busca de satisfazer a inquieta��o intima que sentem ao ler um bom livro
de um bom autor. Certamente, o nome pr�prio n�o � o su..ciente para suprir
essa necessidade.

Faz-se uma imagem mental do autor, fundamentada em seu texto e em
seu nome. Por exemplo, Dalton Trevisan � o vampiro de Curitiba � n�o
gosta de apari��es em p�blico. Mas ele existe, � um escritor vivo, embora
tenha aparecido muito pouco fora de seus livros. Ainda assim, um encontro
com ele nos deixaria impressionados. Certamente n�o conseguir�amos
reconhec�-lo e, ao conversar com ele, n�o o reconhecer�amos e poder�amos
achar que ele n�o se assemelha a ele. Ou seja, constru�mos uma imagem de
Trevisan por meio de seus textos, mas sua ..gura, certamente, foi idealizada
pela nossa leitura e tamb�m pela sua hist�ria de vida, pela sua biogra..a.

� curioso que os per�odos liter�rios do s�culo XIX n�o tinham
ilustra��es ou fotos, ent�o o retrato do autor aparecia apenas em edi��es
biogr�..cas. Hoje em dia, �a publica��o da fotogra..a n�o � mais um signo de
consagra��o, mas faz parte dos procedimentos de �lan�amento�.� (Lejeune,
2008, p. 227).

A imagem tornou-se algo importante. O r�dio presenteava os ouvintes
e leitores com a voz do autor. Imaginava-se como era sua imagem. Com o
advento da televis�o, os autores come�aram aparecer por completo na
televis�o: voz e imagem. A imagina��o imag�tica caiu em desuso. Ficou
impratic�vel.

Al�m disso, os autores passaram a trabalhar na televis�o,
especi..camente escrevendo novelas e programas de humor. As novelas da
r�dio que brincavam com o l�dico e com o imagin�rio � como foi dito �
tornaram-se um desprop�sito. As novelas da r�dio, quando narravam um
pelot�o do ex�rcito chegando, por exemplo, ouvia-se o som dos soldados
marchando; na televis�o, a imagem do pelot�o aparece pronta, inteira. A
televis�o entrega a imagem como ela �, e o r�dio e suas novelas,


diferentemente, propiciavam imagina��o, se assemelhavam a leitura de um
bom livro ou de uma boa pe�a de teatro.

�Nos primeiros tempos do r�dio, a escolha de autores de prest�gio, a
seriedade e a solenidade dos procedimentos contribu�am para refor�ar a
imagem mitol�gica e acad�mica do grande escritor.� (Lejeune, 2008, p. 228).
Na Fran�a, os autores apareceram na r�dio exaustivamente. Os autores
cl�ssicos, segundo Lejeune (2008), ligados a autores contempor�neos pela
televis�o e pelo r�dio, discursivamente n�o prejudicavam os mestres
liter�rios franceses do passado. � na m�dia, na realidade, que nasce o
incentivo � fabula��o biogr�..ca, ou seja, o interesse desmedido pela vida e a
curiosidade alheia pela solu��o da impenetrabilidade � vida ou aos
meandres do texto do autor.

A fabula��o biogr�..ca aumenta com a incurs�o do autor na m�dia,
essencialmente na televis�o. A televis�o exerce um fasc�nio nas pessoas de
um modo geral. �Se seu vizinho aparecer na televis�o, voc� n�o o ver� mais
com os mesmos olhos.� (Lejeune, 2008, p. 230). Essa fabula��o de vida no
enredo televisivo � uma sugest�o da realidade, porque pode efetivamente ser
essa realidade uma constru��o � de certa forma, at� mesmo enrijecida � da
proposta do programa de entretenimento ou do roteiro da entrevista na
cena midi�tica.

Essas apari��es do autor na televis�o n�o prejudicam o escritor
�monstro sagrado� para Lejeune (2008), porque as visita��es dos autores �
televis�o constituem um �efeito de sacraliza��o peculiar � pr�pria m�dia.�
(Lejeune, 2008, p. 230). O livro do autor na m�dia � bene..ciado com um
sistema de valor que presume import�ncia e d� peso a imagem sacralizante
do autor.

Na televis�o �confrontamos o que vimos com o que lemos, tentamos
imaginar o que teremos para ler segundo o que vimos. O autor nos leva ao
livro e o livro ao autor.� (Lejeune, 2008, p. 230). Pela televis�o, podemos ter
acesso ao nome do autor associado � sua imagem e � capa do livro.


A televis�o pode ajudar a difundir conhecimento e tamb�m divulgar o
livro e o nome do autor; todavia, � curioso que, ao assistir um autor falando
sobre seu livro, h� uma sensa��o de que o autor e sua imagem s�o uma
pr�via do conte�do do livro e que supostamente saberemos o que
encontraremos ao abri-lo.

O autor de romance, por exemplo, ao ser entrevistado na televis�o, tem
a oportunidade de contar um pouco da hist�ria, do enredo, e tratar as
personagens como se fossem ..guras reais, vivas e veri..c�veis. O autor nos
leva para dentro da hist�ria e acreditamos nele. � a� que se d� a fabula��o
biogr�..ca, pois o autor, a capa de seu livro e sua imagem passam a ser a
refer�ncia do livro, assim como acontece no g�nero autobiogra..a. O
espet�culo televisivo, ent�o, se justi..ca pela hist�ria, pela imagem e pelo
discurso da pessoa do autor.

Lejeune (2008, p. 232) acrescenta que �a tend�ncia fatal desse g�nero de
espet�culo � impor a todos os textos uma leitura mais ou menos
autobiogr�..ca: antes mesmo que o autor tenha aberto a boca, sua presen�a
f�sica j� se con..gura uma con..ss�o�. O autor � sua personalidade, sua
presen�a, sua imagem, sua consci�ncia, sua presen�a, e analisa, no
desenvolvimento do programa de televis�o, o conte�do de seu livro.
Contudo, o livro, propriamente dito, personi..ca-se ali como um alvo virtual,
uma sombra da pessoa do autor; o livro � uma extens�o da ..gura do autor.

Em tempos midiatizados como o que vivemos, o autor desperta, pelo
discurso na m�dia, o interesse pelo seu texto. O autor cl�ssico, ao contr�rio,
acendia pelo texto o interesse do seu leitor por ele � autor � e por seus
outros textos.

Voltemos a Dalton Trevisan, que � muito conhecido pelos seus contos.
Trata-se de um dos autores do Brasil mais respeitados. Publicou o livro de
contos O Vampiro de Curitiba (1965), que virou um apelido do escritor, por
ele preferir manter-se distante de ciclos sociais e midi�ticos. Os leitores de
Trevisan, ao gostarem de seus textos, podem ..car decepcionados em


conhecer a pessoa, o homem Trevisan, embora o Vampiro de Curitiba n�o
receba estranhos. Mas, por exemplo, se um leitor de Trevisan se mostrar
decepcionado com o homem, com a pessoa do autor, e Trevisan aparecer em
um talk show e se mostrar sens�vel, ponderado, virtuoso, calmo, profundo, o
leitor comprar� seu novo livro pela manh�. �� mais rent�vel mostrar uma
rica e sedutora imagem do que posar de autor duma obra.� (Lejeune, 2008, p.
233).

Com a ascens�o da m�dia, o encontro com o autor contempor�neo se
tornou poss�vel: o r�dio viabilizou esses encontros e, posteriormente, a
televis�o facilitou o acesso do leitor ao autor. Contudo, a internet e a pr�pria
cultura do espet�culo ausentaram o autor novamente. A concep��o de
autoria com o ambiente virtual precisou ser revista. A velocidade das
informa��es, amparada pela liberdade de tomar v�rios caminhos textuais,
concretizou a de..ni��o de hipertexto, que �, grosso modo, o percurso textual
pelo caminho de constru��o do conhecimento pela esfera virtual. Mas os
textos nem sempre tem o nome do autor associado a eles. H� um
apagamento justi..cado pela velocidade das informa��es; � dif�cil saber
quem escreveu esse ou aquele determinado texto. Esse apagamento do autor
acontece tamb�m no r�dio, mas principalmente na televis�o, por outra
perspectiva. O emp�rico televisivo e a cultura do espet�culo apagam certos
tra�os qualitativos do autor: o autor como homem que escreve e tem a
escrita como of�cio vai se apagar em detrimento do autor-ator para viver, em
partes, na cultura do espet�culo.

1.9 A �DESNECESS�RIA� MORTE DO AUTOR
Na celebra��o do centen�rio do nascimento de Roland Barthes, nasce
esse curioso romance: Quem matou Roland Barthes? Escrito por Laurent
Binet, que recria, a partir da morte real de Barthes � atropelado em frente ao
Coll�ge de France, voltando de um almo�o com pol�ticos �, a morte do


autor, segundo a hip�tese de que ele poderia ter sido assassinado por estar
transportando um documento importante: a �s�tima fun��o da linguagem.�
(Binet, 2015).

Binet (2015) inicia o romance com o seguinte par�grafo:

A vida n�o � um romance. Pelo menos � o que voc� gostaria de acreditar.
Roland Barthes sobe a Rue de Bi�ve. O maior cr�tico liter�rio do s�culo XX
tem todas as raz�es para estar no auge da ang�stia. Sua m�e, com quem
mantinha rela��es muito proustianas, morreu. E seu curso no Coll�ge de
France, intitulado �A prepara��o do romance�, resultou num fracasso que
di..cilmente ele pode disfar�ar. (Binet, 2015, p. 9).

E ..naliza o item 1 do cap�tulo primeiro, Paris, dedicando-se ao
atropelamento de Barthes:

Acaso, ao atravessar a Rue des �coles, Barthes se sente como Einstein
pensando sua teoria? O que � certo � que n�o est� muito atento. Ainda lhe
restam algumas dezenas de metros at� chegar � sua sala, quando � atropelado
por uma caminhonete. Seu corpo produz o som surdo, caracter�stico,
horr�vel, da carne que se choca na chapa met�lica e vai rolar sobre a cal�ada
como uma boneca de pano. Os passantes levam um susto. Naquela tarde do
dia 25 de fevereiro de 1980, eles n�o podem saber o que acaba de acontecer
diante de seus olhos, e com toda raz�o, pois at� hoje o mundo ainda o
ignora. (Binet, 2015, p. 11).

O texto de Barthes, A morte do autor, � escrito originalmente em 1968,
um ano antes da confer�ncia O que � um autor?, de Foucault, realizada em
1969 e publicada posteriormente. Foucault (2015 [1969]) menciona a morte
do autor em sua confer�ncia, mas n�o se aprofunda nela. A fun��o-autor de
Foucault (2015 [1969]), que est� associada � quest�o de posse e propriedade,
direitos e deveres do autor, padr�es est�ticos e estil�sticos, representa,
mesmo que de forma abstrata, a morte do autor como pessoa. Na verdade,

..ca cada vez mais claro que, na condi��o de leitores liter�rios, e, iremos
al�m, tamb�m na condi��o de leitores acad�micos, n�o suportamos,
efetivamente, a inexist�ncia de quem escreveu o texto que estamos a ler.
Todavia, Barthes (1988 [1968], p. 65) a..rma: �A escritura � esse neutro, esse

composto, esse obl�quo aonde foge o nosso sujeito, o branco-e-preto aonde
vem se perder toda identidade, a come�ar pelo corpo que escreve.�.

Resgatemos Chartier (1999), quando ele diz que o escritor � aquele que
escreve um determinado texto que n�o se metamor..za, ou seja, permanece
sempre manuscrito e n�o tem circula��o comercial, enquanto o autor
quali..cado � associado �quele que criou uma obra e publicou essa obra.

Barthes (1988 [1968]) associa o escritor a prestigiados autores: Balzac,
Proust etc., que possuem obras impressas e em circula��o. Para Kock e Elias
(2012), por exemplo, a escrita pode ser entendida como uma representa��o
do pensamento expresso no papel, que � derivat�ria de uma contribui��o
adjunta a �um sujeito psicol�gico, individual, dono e controlador de suas
vontades e suas a��es.� (Kock & Elias, 2012, p. 33). A partir dessa a..rma��o,
podemos concluir que o sujeito psicol�gico, que controla suas a��es e tem
uma identidade, � uma pessoa. Ainda, segundo as autoras, �aquele que
escreve expressa seu pensamento, suas inten��es, sem levar em conta as
experi�ncias e os conhecimentos do leitor ou a intera��o que envolve o
processo.� (Kock & Elias, 2012, p. 33). Marcuschi (2013, p. 19) diz que �a
escrita � usada em contextos sociais b�sicos da vida cotidiana, em paralelo
direto com a oralidade� e Bazerman (2015, p. 177) a..rma: �Quando a tarefa
� familiar e simples, podemos n�o pensar muito nos nossos processos de
escrita, j� que as solu��es de escrita podem estar logo a m�o.�.

Barthes (1988 [1968], p. 70) insiste � de maneira cr�tica � que, na
rela��o escritor-leitor, precisamos �devolver � escritura o seu futuro, �
preciso inverter o mito: o nascimento do leitor deve pagar-se com a morte
do Autor.�. Mas, se o discurso s�o os efeitos de sentido que �eu�, leitor,
atribuo a determinado texto, �eu�, leitor deste texto, grosso modo, sou o autor
de um posterior discurso sobre esse texto, um discurso de car�ter
interpretativista. Quando se fala em autor e autoria, o conceito de discurso
est� sempre correlacionado ao tema. O texto, grosso modo, depende da


estrutura da l�ngua e est� associado diretamente aos fonemas, �s palavras, �s
frases e ao par�grafo, por exemplo.

Barthes (1988 [1968]) persiste na ideia de que o autor deve morrer em
detrimento do escritor. Barthes (1988 [1968]) cita Mallarm�, igualmente
franc�s, como sendo o primeiro a enxergar que o relevante na escrita
liter�ria estava em privilegiar a linguagem e n�o aquele que a det�m. A
signi..c�ncia est� na linguagem que fala e n�o necessariamente no autor.
Tratar-se-ia de uma tentativa de elidir o autor em benef�cio da escrita. A
quest�o da interioridade do autor para Mallarm� nunca passou de
supersti��o. Nessa concep��o nos cabe a a..rma��o de Foucault (2015, p. 36)
de que �a marca do escritor n�o � mais do que a singularidade da sua
aus�ncia.�.

Podemos pensar em tom de constata��o que a fun��o de escritor �
diferente da fun��o de autor. Se entendermos que o escritor est� ligado �
a��o, ao c�digo lingu�stico propriamente dito, ao texto e sua materializa��o,

o autor seria outra coisa e teria com o texto outro tipo de rela��o. O autor
estaria relacionado � cria��o, �s intersec��es discursivas, ao intertexto, ao
interdiscurso, � heterogeneidade constitutiva, � responsabilidade pelo que se
diz e aos direitos de posse e propriedade por aquilo que foi dito.
Em tempos de escrita digital, de textos em sites ou blogs da internet, o
autor � absolutamente necess�rio para contextualizar a escrita, dar nome a
quem escreveu e validar e atribuir ao texto alguma signi..ca��o de ordem
utilit�ria. Ou seja, n�o podemos arbitrariamente citar uma fonte discut�vel,
um texto da internet sem autor, em um trabalho acad�mico, por exemplo. �
at� mesmo temer�rio con..ar em informa��es sem fonte e sem autor com
uma biogra..a, levando-se em conta a enxurrada de �Fake News� que
estamos assistindo sendo disparadas diariamente nas redes sociais. Hoje, se
matarmos o autor, matamos com ele o discurso autorizado, e, mais, o
contexto do seu lugar de discurso.


Segundo Van Dijk (2012), a ideia de contexto � usualmente utilizada
para dar lugar, explicar ou localizar as coisas. �� por isso que nos esquemas
de reportagens do notici�rio h� uma categoria especial de Contexto, que
situa os acontecimentos presentes em seu contexto pol�tico, social ou
hist�rico.� (Van Dijk, 2012, p. 20). Barthes (1988 [1968]) enquadra a ..gura
do autor em um contexto social e hist�rico justamente para fazer essa
distin��o entre autor e escritor, alegando que o escritor �escreve no aqui e
agora� (Barthes, 1988 [1968], p. 68) e sua escrita nasce da�. �O escritor
moderno nasce ao mesmo tempo que seu texto; n�o �, de forma alguma
dotado de um ser que precedesse ou excedesse a sua escritura.� (Barthes,
1988 [1968], p. 68).

O autor, assim como o escritor, para Barthes (1988 [1968]), em um
contexto social e hist�rico, s�o pertencentes ao tempo � em perspectivas
diferentes de tempo �, mas o autor tem ainda outra particularidade social,
que tamb�m foi prevista pela historicidade da autoria: a paternidade:

O autor, quando se cr� nele, � sempre concebido como o passado do seu
livro: o livro e o autor colocam-se por si mesmos numa mesma linha,
distribu�da como um antes e um depois: considera-se que o autor nutre o
livro, que existe antes dele, pensa, sofre, vive por ele; est� para a sua obra na
mesma rela��o de anteced�ncia que um pai para com o ..lho. (Barthes, 1988
[1968], p. 68).

Podemos perfeitamente inferir, a partir de Barthes (1988 [1968]) e
Foucault (2015 [1969]), que a rela��o do escritor est� diretamente associada
ao texto, enquanto a rela��o do autor, mais precisamente a rela��o de
autoria, est� associada ao discurso.

� curioso pensarmos na sinon�mia entre as palavras autor-escritor,
escrita-escritura e autoria. No minidicion�rio melhoramentos (1994) de
ant�nimos e sin�nimos, a de..ni��o sinon�mica de escritor �:

�sm
Lit. autor� (Polito, 1994, p. 261). A de..ni��o de autor, contudo � um
pouco mais ampla: �sm
1
agente, causador 2
criador, inventor, descobridor 3
pai, fundador 4 Lit. autor, 5 M�s. compositor� (Polito, 1994, p. 72). O
signi..cado de autoria �: �sf
lavra� (Polito, 1994, p. 72). Signi..cado de escrita:


�sf 1 representa��o por escrito: escritura. Ex. O portugu�s utiliza escrita
alfab�tica. 2 alfabeto, abeced�rio. Ex. Sabe ler a escrita hebraica. 3 caligra..a,
letra, escritura. Ex. Escrita de m�dico � quase sempre ileg�vel� (Polito, 1994,

p. 261). Escritura12: �sf 1 T�tulo, documento. Ex. Escritura de um im�vel. 2
B�blia, sagrada escritura, livros sagrados�. (Polito, 1994, p. 261).
Na perspectiva sinon�mica, autor e escritor compartilham o mesmo
sentido, mas a ideia de pessoa e sujeito, se considerarmos o autor-pessoa e o
sujeito-emp�rico, s�o coisas distintas. O sujeito, grosso modo, est� ligado a
uma indetermina��o, a uma abstra��o, que n�o precisa ter, pela pr�pria
de..ni��o, um nome que se enuncia. A pessoa, ao contr�rio, possui um nome
pr�prio, uma individualidade, uma biogra..a. Segundo Barthes (1988
[1968]), a lingu�stica, ap�s o surrealismo, fora da literatura � surrealismo
que implicava uma escrita autom�tica, aceitando uma esp�cie de escritura
coletiva �, nos propiciou uma derrocada da ..gura do autor como pessoa ao
considerar um argumento anal�tico substancial, que, a priori, coloca a
linguagem como uma manifesta��o de um sujeito e n�o de uma pessoa: �a
enuncia��o em seu todo � um processo vazio que funciona perfeitamente,
sem que seja necess�rio preench�-lo com a pessoa dos interlocutores:
linguisticamente o autor nunca � mais do que aquele que escreve.� (Barthes,
1988, [1968], p. 67). Essa vis�o da enuncia��o, que descarta a presen�a de
interlocutores, � uma vis�o estruturalista13, exterior ao indiv�duo.

Bakhtin (2009 [1929]) percebe a l�ngua e a linguagem diferentemente.
Sua inclina��o ..los�..ca est� associada ao discurso, em que a l�ngua est�
intrinsicamente ligada �s intera��es verbais, � ideologia e � palavra. �A
palavra � uma esp�cie de ponte lan�ada entre mim e os outros. A palavra � o
territ�rio comum do locutor e do interlocutor.� (Bakhtin, 1929 [2009], p.
117). Ora, sob esse olhar, o leitor � o interlocutor do autor que � o locutor do
leitor. Eles interagem nesse sentido sob um panorama dial�gico de
enunciados que respondem a outros enunciados. Livros s�o escritos com
palavras. Ler � um ato comunicacional. �A intera��o, muito pouco tem a ver
com o sistema lingu�stico de formas normativas; a palavra como item de um


dicion�rio, com as diversas enuncia��es dos locutores em um ato
comunicacional.� (Bakhtin, 2009 [1929], p. 99).

Para Barthes (1988 [1968]), o autor necessita morrer para que o leitor
nas�a em sua import�ncia; todavia, um n�o subsiste sem o outro. Em um
processo de intera��o discursiva que se materializa por meio da intera��o
com a palavra, na capacidade que tem o discurso de produzir efeitos, na
capacidade de o leitor se tornar autor discursivo daquilo que l�, essa cren�a
f�nebre de Barthes (1988 [1968]), portanto, se mostra incompleta e irreal.

Barthes (1988 [1968]) tem uma concep��o estruturalista da autoria e
do autor e, portanto, o seu texto n�o trata somente da morte do autor para
nascer e ..orescer a vida do leitor, mas, matando o autor, nasce tamb�m o
escritor, que, apegado ao c�digo lingu�stico, ao estilo verbal, usa a palavra �
nesta concep��o � da melhor maneira poss�vel; deixa-se de lado o autor
como pessoa e como artista, ou seja, deixa-se de lado o autor, como ser
criador, para dar � linguagem um lugar �nico como protagonista essencial
da hist�ria.

Para Kock e Elias (2012), a intera��o no processo de escrita � autor e o
leitor � n�o pode ser entendida somente como produ��o textual,
apropria��o das regras da l�ngua, sem considerar o autor e suas estrat�gias
para conseguir a ades�o do leitor por meio da palavra. Sem desconsiderar os
conhecimentos do leitor, que � parte viva e constitutiva deste processo
�interacional da l�ngua, aquele que escreve como aquele para quem se
escreve s�o vistos como atores/construtos sociais, sujeitos ativos que �
dialogicamente � se constroem e s�o constru�dos no texto.� (Kock & Elias,
2012, p. 34).

� essa vis�o que privilegia o signo, a linguagem, a estrutura lingu�stica,
segundo Barthes (1988 [1968]), que mata o autor como criador, como
pessoa e como artista, para fazer nascer pela cesariana a ..gura do escritoremp�rico,
cuja aus�ncia f�sica, material, temporal e at� nominal, de forma
hipot�tica, privilegia, potencializa e gera a ..gura do leitor.


Barthes (1988 [1968]) olha para o leitor e reconhece sua import�ncia;
todavia, a import�ncia do leitor para Barthes (1988 [1968]) est� sempre
relacionada ao texto e n�o ao discurso. H� uma tentativa t�mida de
reconhecer o leitor, mas n�o como uma pessoa ou um interlocutor
responsivo, e sim como apenas um ouvinte.

Bakhtin (2010) estabelece uma diferen�a entre o enunciado como
unidade de comunica��o e as unidades da l�ngua, que s�o as palavras e as
ora��es. Segundo Bakhtin (2010), a lingu�stica no s�culo XIX n�o nega a
fun��o comunicativa da linguagem, mas a coloca em segundo plano. �A
linguagem � considerada do ponto de vista do falante, como que de um
falante sem a rela��o necess�ria com outros participantes da comunica��o
discursiva.� (Bakhtin, 2010, p. 270).

� poss�vel, portanto, pensar o escritor-emp�rico em duas situa��es
comunicativas de interlocu��o: o escritor com ele mesmo � no caso o
escritor-emp�rico, com o autor-pessoa, que � o pr�prio escritor � e o escritor
com o leitor. Podemos pensar ainda em outras rela��es comunicativas de
escrita-leitura: rela��o entre enunciados, o discurso citado (a enuncia��o na
enuncia��o) e a rela��o entre textos e entre discursos. Contudo, a lingu�stica
estruturalista institui o falante como sendo algu�m detentor do ..uxo �nico
da fala e, no oposto, o ouvinte simplesmente como entendedor ou
decodi..cador. Fica claro, no texto de Barthes (1988 [1968]), que ele
acreditava que o falante, nesse caso, equivale ao escritor e o ouvinte
corresponde ao leitor. �H� algu�m que ouve cada palavra na sua duplicidade,
e ouve mais, pode-se dizer a pr�pria surdez das personagens que falam
diante dele: esse algu�m � precisamente o leitor (ou, no caso, o ouvinte).�
(Barthes, 1988 [1968], p. 70).

Leiamos as palavras de Bakhtin (2010):

O ouvinte, ao perceber e compreender o signi..cado (lingu�stico) do
discurso, ocupa simultaneamente em rela��o a ele uma ativa posi��o
responsiva: concorda ou discorda dele (total ou parcialmente), completa-o,
aplica-o, prepara-se para us�-lo, etc.; essa posi��o responsiva do ouvinte se


forma ao longo de todo o processo de audi��o e compreens�o desde o seu
in�cio, �s vezes literalmente a partir da primeira fala do falante. (Bakhtin,
2010, p. 271).

Barthes (1988 [1968]) come�a A morte do autor com Balzac: �Era a
mulher, com seus medos repentinos, seus caprichos sem raz�o, suas
perturba��es instintivas, suas aud�cias sem causa e sua deliciosa ..nura de
sentimentos.� (BARTHES, 1988 [1968], p. 66). E pergunta: �Quem fala
assim? � o indiv�duo Balzac, o autor Balzac, a sabedoria universal, a
psicologia rom�ntica?� (Barthes, 1988 [1968], p. 66). Em contrapartida,
fazemos outra pergunta: podemos a..nal a..rmar que Balzac n�o era um
artista? N�o podemos, justamente por ser incans�veis as possibilidades de
leitura. Pode estar falando da for�a da mulher; a mulher e sua capacidade de
pluralidade e multiplicidade; a mulher sendo muitas em uma s�; pode ser
Balzac autorretratando-se, imerso em sua por��o feminina; pode ser a
descri��o da personalidade de Ewelina Hanska com quem se casou ou sua
irm� Eug�ne Surville14. A leitura pode ainda se dar de acordo com um
contexto: a escola, a religi�o, um bordel etc.

Binet (2015) descreve Barthes no dia do atropelamento em seu
romance � Quem matou Roland Barthes? � da seguinte maneira:

Naquele dia, se ele est� com a cabe�a longe n�o � s� por causa da m�e morta,
nem da incapacidade de escrever um romance, nem sequer do desinteresse
crescente e, pensa ele, irremedi�vel, pelos rapazes. N�o digo que ele n�o
pense nisso, n�o tenho a menor d�vida sobre a qualidade de suas neuroses
obsessivas. Mas hoje h� outra coisa. Pelo olhar ausente do homem
mergulhado em seus pensamentos, o passante atento saberia reconhecer esse
estado que Barthes acreditava que nunca mais sentiria: a excita��o. N�o h�
apenas sua m�e, nem os garotos, nem seu romance fantasma. H� a libido
sciendi, a sede de saber, e ela, a orgulhosa perspectiva, reativada, de
revolucionar o conhecimento humano e, talvez, mudar o mundo. (Binet,
2015, p. 11).

Binet (2015) escreveu seu livro fundamentado, em partes, na biogra..a
de Barthes, embora seu romance seja, na realidade, um retrato c�mico,
romanesco, de uma gera��o f�rtil de autores: Foucault, Derrida, Althusser,


Lacan, Kristeva, dentre outros. Binet (2015) consegue transformar uma
trama de enredo intelectual para leitores especializados em um romance de
um alcance maior, mesclando personagens biogr�..cos de nome pr�prio
veri..c�vel com um enredo policial, constitu�do por farsa, cultura pop e
erudi��o.

N�o h� como pensar em leitor sem pensar em discurso, j� que cada
leitor apreender� o texto de uma forma diferente, atribuindo a ele diferentes
efeitos de sentido. Se o leitor, ao compreender o discurso, tem uma atitude
responsiva em rela��o a ele, como a..rma Bakhtin (2010), o leitor de
natureza responsiva � constitutivo de um sujeito ativo, constitu�do
socialmente, e tem, portanto, uma vida, uma hist�ria, uma biogra..a, uma
ideologia. Isso refuta a a..rma��o de Barthes (1988 [1968], p. 70) de que �o
leitor � um homem sem hist�ria, sem biogra..a, sem psicologia; ele � apenas
esse algu�m que mant�m reunidos em um �nico campo todos os tra�os de
que � constitu�do o escrito.�.

Mas, a..nal, Quem matou Roland Barthes? Segundo a leitura de Binet
(2015), no t�tulo de seu livro, inspirado em A morte do autor, texto c�lebre
de Barthes (1988 [1968]), conclu�mos que Barthes matou Barthes. Em
outros termos, nossa leitura entende que o escritor Roland Barthes matou o
autor Roland Barthes, para que pudesse nascer o leitor Laurent Binet (2015).
O fato � que n�o d� para pensar em Roland Barthes sem consider�-lo um
artista, uma pessoa que est� exterior a obra, um autor-criador. A morte do
autor em si � desnecess�ria, embora reconhe�amos que o texto hom�nimo
seja um texto de..nitivo e indispens�vel, que propiciou uma polifonia
discursiva sem precedentes, transdiscursiva. A morte do autor de Barthes � o
primeiro e mais criativo texto que discutiu e relev�ncia desse tema de
tamanha substancialidade e relev�ncia: autor e autoria.

Nota-se, entretanto, que para haver autoria, o autor se assenta a um
determinado g�nero discursivo para que possa se ambientar e come�ar com


sua escrita em um lugar de fala reconhecido. Trata-se do tema que veremos
a seguir: os g�neros do discurso.

1 O discurso citado � apenas uma das perspectivas de escolha autoral.

2 Todavia, essa acep��o de mutualidade entre esses dois elementos, o autor e a obra, tem grande
relev�ncia no texto de Foucault denominado O que � o autor?

3 Segundo Chartier (2014), ao considerar, de certa forma, o autor como uma engrenagem castradora
da prolifera��o livre de discursos, a pergunta �o que � o autor� nunca � extenuada.

4 Nota-se que, associado ao discurso liter�rio, o nome do autor ganha for�a na Europa com a cria��o
da prensa m�vel, a prensa tipogr�..ca para a impress�o, desenvolvida pelo impressor alem�o
Johannes Gutemberg. Os livreiros e impressores tiveram a oportunidade de imprimir e publicar
manuscritos antigos e posteriormente se dedicaram a impress�o de novos autores.

5 Foucault (2015) utiliza o termo fun��o-autor com h�fen e Chartier (2014) sem h�fen. Achamos mais
apropriado, nesse caso, utilizar o termo fun��o de ser autor; todavia, as tr�s denomina��es s�o
sinon�micas.

6
S�o Jer�nimo foi um sacerdote crist�o ordenado santo. Te�logo e historiador, foi considerado
doutor da igreja pela pr�pria igreja cat�lica. � mais conhecido pela sua tradu��o do velho
testamento do hebraico para o latim.

7 �lvaro de Campos era um engenheiro de educa��o inglesa e de origem portuguesa, detentor de uma
eterna sensa��o de ser um estrangeiro em qualquer parte do mundo; um estrangeiro mesmo em
Portugal. Esse heter�nimo era um sensacionista, em que a sensa��o era, para ele, a realidade da
vida.

8
Fase em que a crian�a, em seu desenvolvimento psicossexual e descoberta da libido, deseja e
hostiliza, no caso do menino, a pr�pria m�e.

9 Sempre na lista dos Best-Sellers, � raro entrarmos hoje em uma livraria no Brasil e no mundo e n�o
encontrarmos na mesma prateleira de lan�amentos uma autobiogra..a, assim como � igualmente
raro n�o encontrarmos uma edi��o de Con..ss�es de Santo Agostinho � mesmo que seja uma edi��o
de bolso. Contudo, s�o g�neros do discurso diferentes.

10 FREUD, Sigmund. Obras completas, volume 6: tr�s ensaios sobre a teoria da sexualidade, an�lise
fragment�ria de uma histeria (�o caso Dora�) e outros textos (1901-1905). S�o Paulo: Companhia

das Letras, 2016.

11 Termo cunhado por G�rard Genette (apud LEJEUNE, 2008, p. 18).

12 Nota-se que Barthes (1988 [1968]) usa em seu texto a palavra �escritura�. Escritura, na concep��o
sinon�mica do dicion�rio brasileiro, n�o se relaciona diretamente com a escrita liter�ria ou
acad�mica. N�o tem rela��o gen�rico-discursiva com a autoria. N�o se trata, tampouco, de um
problema de tradu��o do franc�s para o portugu�s. No texto original, Barthes (1988 [1968]) utiliza
a palavra �L� �criture�, que, traduzida, corresponde � palavra �escritura�.


13 O estruturalismo � uma corrente de pensamento iniciada no in�cio do s�culo XX que acreditava na
l�ngua como um sistema articulado e n�o heterog�neo. Dividia-se nesse movimento a l�ngua da
fala. Na concep��o estruturalista, a l�ngua � parte social da linguagem � era exterior ao indiv�duo.
N�o podia ser mudada ou modi..cada.

14 Pesquisa biogr�..ca realizada na Wikipedia. Dispon�vel em: <https://pt.m.wikipedia.org>. Acesso
em: 05 ago. 2019.


2. G�NEROS DO DISCURSO
A teoria dos g�neros tem sua origem na Gr�cia antiga, mais
precisamente na Po�tica e na Ret�rica. Na Po�tica, Arist�teles classi..ca os
g�neros como obras da voz, relacionando-os a mimeses e seu modo de
representa��o. �Poesia de primeira voz � representa��o da l�rica; a poesia de
segunda voz, da �pica, e a poesia de terceira voz, do drama.� (Machado,
2013, p. 151). Plat�o j� havia introduzido os g�neros em A Rep�blica ao
elaborar a tr�plice que prov�m da realidade e da representa��o. Sob o g�nero
dram�tico, acentua-se a com�dia e a trag�dia. Ao g�nero �expositivo ou
narrativo, o ditirambo, o momo e poesia l�rica; ao misto, a epopeia.�
(Machado, 2013, p. 151-152). Segundo Machado (2013), a mimese, ou seja, a
representa��o, � a base te�rica que orienta Arist�teles na Po�tica e que, at�
hoje, de forma direta ou indireta, conduz as an�lises de g�nero discursivo.
Contudo, � na Ret�rica, ao tratar de estilo, que Arist�teles de..ne a interrela��o
entre g�nero e disposi��o sob a perspectiva da palavra:

Cada g�nero, cada tipo de disposi��o apresentar�o uma forma particular de
manifestar a verdade. Entendo por g�nero as distintas idades, quais sejam, a
do menino, a do homem e do velho; o sexo, ou seja, mulher ou homem; a
nacionalidade, ou seja, laconiano ou tessaliano. Por disposi��o entendo aqui
somente a disposi��o que determina este ou aquele car�ter da vida de um
homem, uma vez que nem toda disposi��o produz isso. Se, assim, o orador
utilizar as palavras que se ajustam a uma particular disposi��o, produzir� o
car�ter correspondente. (Ret�rica, 2011, cap�tulo VII, livro III 1408�1-30).


Os estudos de g�nero pelo c�rculo bakhtiniano, diferentemente, n�o se
norteiam pela classi..ca��o das esp�cies, e, sim, pelo dialogismo. Foi na
literatura que o g�nero do discurso realmente se consolidou. A necessidade
de uma classi..ca��o para a prosa e uma an�lise mais consistente propiciou
um novo olhar sobre o g�nero: uma perspectiva que considerasse a intera��o
comunicativa inerente ao discurso, a enuncia��o e enunciado.

Bakhtin (2010), ao discutir os g�neros do discurso, prop�e que
analisemos a senten�a: �cada campo de utiliza��o da l�ngua elabora seus
tipos relativamente est�veis de enunciados, os quais denominamos g�neros
do discurso.� (Bakhtin, 2010, p. 262).

Bakhtin (2010) entende que o desenvolvimento da l�ngua se d� por
interm�dio das categorias oral e escrita de enunciados. Esses enunciados
re..etir�o certas especi..cidades relacionadas �s ..nalidades ajambradas em
cada esfera de atividade humana, �n�o s� pelo seu conte�do tem�tico e pelo
estilo da linguagem, pela sele��o dos recursos lexicais, fraseol�gicos e
gramaticais da l�ngua, mas acima de tudo, por sua constru��o
composicional.� (BAKHTIN, 2010, p. 261).

O conte�do tem�tico, o estilo verbal e a constru��o composicional s�o
elementos constitutivos de todo g�neros do discurso e est�o
indissoluvelmente ligados ao todo do enunciado. Cada enunciado particular
� individual.

Bakhtin (2010) discorre sobre a relativiza��o da estabilidade
enunciativa no �mbito da linguagem e da comunica��o da seguinte forma:

Em cada �poca da evolu��o da linguagem liter�ria, o tom � dado por
determinado g�neros do discurso, e n�o s� os g�neros secund�rios
(liter�rios, public�sticos, cient�..cos), mas tamb�m prim�rios (determinados
tipos de di�logo oral � de sal�o, �ntimo, de c�rculo, familiar-cotidiano,
sociopol�tico, ..los�..co, etc.). Toda a amplia��o da linguagem liter�ria �
custa das diversas camadas extraliter�rias da l�ngua nacional est�
intimamente ligada � penetra��o da linguagem liter�ria em todos os g�neros
(liter�rios, cient�..cos, public�sticos, de conversa��o, etc.), em maior ou
menor grau, tamb�m dos novos procedimentos de g�nero de constru��o do
todo discursivo, do seu acabamento, da inclus�o do ouvinte ou parceiro, etc.,


o que acarreta uma reconstru��o e uma renova��o mais ou menos
substancial dos g�neros do discurso. (BAKHTIN, 2010, p. 268).
Neste cap�tulo, desenvolveremos o conceito de g�nero do discurso, seu
conte�do tem�tico, seu estilo verbal e sua constru��o composicional, assim
como apresentaremos perspectivas te�ricas de g�nero do discurso. Trata-se
de viabilizar um entendimento mais aprofundado de como a
conceitualiza��o de g�nero e discurso convergem nesta categoria de an�lise
t�o discutida te�rica e conceitualmente na contemporaneidade, resgatada na
escola, na universidade, em artigos cient�..cos, em cap�tulos de livro e em
livros sob as mais variadas perspectivas.

2.1 G�NERO: CONTE�DO TEM�TICO
A totalidade art�stica de qualquer tipo, isto �, de qualquer g�nero, orienta-se
na realidade de forma dupla, e as particularidades dessa dupla orienta��o
determinam o tipo dessa totalidade, isto �, seu g�nero. Em primeiro lugar, a
obra se orienta para os ouvintes e receptores, e para determinadas condi��es
de realiza��o e percep��o. Em segundo lugar, a obra est� orientada na vida,
como se diz, de dentro, por meio de seu conte�do tem�tico. A seu modo,
cada g�nero est� tematicamente orientado para a vida, para seus
acontecimentos, problemas, e assim por diante.
P�vel Nikol�ievitch Madvi�dev

O tema � um elemento do discurso complexo, discutido pelo c�rculo
bakhtiniano principalmente nos trabalhos de Bakhtin/Vol�chinov (2009) e
Medvi�dev (2012).

Bakhtin/Volosh�nov (2009), em Marxismo e Filosofia da Linguagem,
trabalham o tema associado � signi..ca��o, que, segundo os autores, nessa
concep��o, � uma etapa inferior � habilidade de signi..car; j� o tema � uma
habilidade superior ao mesmo ato. O tema, portanto, est� indissoluvelmente
intr�nseco � enuncia��o, a..liado a ela. Considera-se no tema sempre os
fatores de ordem extralingu�stica: a situa��o s�cio-hist�rica de produ��o.
�Participam da constru��o do tema n�o apenas os elementos inst�veis da


signi..ca��o, mas tamb�m os elementos extraverbais, que integram a
situa��o de produ��o, de recep��o e de circula��o.� (Cereja, 2013, p. 202).

A constru��o de sentido na enuncia��o decorre dessa rela��o entre a
signi..ca��o e o tema. A enuncia��o �nica e irrepet�vel se une � signi..ca��o
inst�vel que delineia o tema. O tema da enuncia��o � determinado n�o
somente pelas formas lingu�sticas � essencialmente, as palavras �, mas,
principalmente, pelos elementos que n�o s�o verbais na situa��o. �O tema
da enuncia��o � concreto; t�o concreto como o instante hist�rico ao qual ele
pertence.� (Bakhtin/Volosh�nov, 2009, p. 134). Somente a enuncia��o
efetivamente tomada como um fen�meno constitutivo da hist�ria possuir�
um tema.

A signi..ca��o � que pode ser sem�ntica, concreta, objetiva � despende
para abstra��o, contudo, est� no campo da palavra, dur�vel e est�vel, e pode
ser ressigni..cada pelo tema, �que recria e renova incessantemente o sistema
de signi..ca��o, ainda que partindo dele.� (Cereja, 2013, p. 202).

Fica clara a inter-rela��o entre signi..ca��o e tema, que se d� pela
palavra e pelo discurso. A signi..ca��o se revela no interior de um tema
constitu�do, concreto, claro, que se materializa pela enuncia��o. A etapa
superior do discurso, o tema, constitui-se na investiga��o de determinada
palavra no �mbito da signi..ca��o ideol�gica nas condi��es contextuais de
uma enuncia��o concreta. No caso da signi..ca��o, a investiga��o da palavra
dar-se-� pelo sistema da l�ngua: fonol�gico, morfol�gico e sintagm�tico. Ou
seja, �se a signi..ca��o est� para o signo ambos virtualidades de constru��o
de sentido da l�ngua �, o tema est� para o signo ideol�gico, resultado da
compreens�o ativa, o que traz para primeiro plano as rela��es concretas
entre os sujeitos.� (Cereja, 2013, p. 202).

A signi..ca��o tem uma rela��o que est� inerente ao signo lingu�stico,
enquanto o tema est� imanente com o signo ideol�gico. O tema se
correlaciona diretamente com o discurso e, especi..camente, com a
enuncia��o; j� a correla��o da signi..ca��o com o tema envolve a constru��o


de sentidos, assim como os efeitos de sentidos de determinado contexto
discursivo. A signi..ca��o se dar� por meio da palavra e o tema pelo enredo
da enuncia��o e do contexto s�cio-hist�rico de produ��o.

O tema realiza-se pela identi..ca��o do locutor com seu interlocutor,
amparados pelo momento hist�rico-ideol�gico e pela inten��o da
enuncia��o, sua ..nalidade. Ocorre tamb�m pelos enunciados anteriores que
perpassam o discurso e pelo pr�prio discurso em um enunciado concreto.
Conclusivamente, o g�nero se liga ao discurso por meio do tema.

2.1.1 A UNIDADE TEM�TICA
Medvi�dev (2012) critica os formalistas russos por estes considerarem
que o tema nasce das ora��es isoladas, uma vez que, ao se interligarem entre
si, de acordo com o signi..cado, constroem uma unidade tem�tica por meio
da uni�o e do pensamento. Considera-se essa conceitualiza��o equivocada.

Medvi�dev (2012) responde pela unidade tem�tica da seguinte
maneira:

� imposs�vel construir a unidade tem�tica de uma obra como se ela fosse
uma combina��o dos signi..cados de suas palavras e de suas ora��es
isoladas. Se assim o ..zermos, o complicad�ssimo problema da rela��o da
palavra com o tema seria completamente distorcido. A compreens�o
lingu�stica do sentido da palavra e da frase conv�m � palavra e � frase como
tais, mas n�o ao tema. O tema n�o se forma, em absoluto, desses
signi..cados; ele constitui-se somente com sua ajuda, assim como com a
ajuda de todos os elementos sem�nticos da l�ngua, sem exce��o. Dominamos

o tema com a ajuda da l�ngua, mas n�o devemos inclu�-lo na l�ngua, como sefosse um elemento dela. (MEDVI�DEV, 2012, p. 196).
O tema � transgrediente � l�ngua e, portanto, n�o tem a palavra como
direcionamento � nem a frase, nem o per�odo �, de maneira unilateral e
apartada, mas segue na dire��o do todo do enunciado e, nesse sentido, �
apresentado discursivamente. �O tema de uma obra � o tema do todo do
enunciado, considerado como determinado ato s�cio-hist�rico. Por


conseguinte, o tema � insepar�vel tanto do todo da situa��o do enunciado
quanto dos elementos lingu�sticos.� (MEDVI�DEV, 2012, p. 196).

Portanto, � invi�vel considerar o tema e olh�-lo sob uma perspectiva
enrijecida de componentes verbais. Os elementos verbais de..nem melhor o
signi..cado, que se trata, grosso modo, de um meio de se apropriar do tema,
mas nunca ser� o pr�prio tema.

Segundo Medvi�dev (2012), s�o as formas do todo, ou seja, o g�nero
constitu�do, estruturado n�o somente pelo estilo, mas, sobretudo, por sua
constru��o composicional, que determinar� consubstancialmente o tema do
enunciado e seu conte�do e/ou sua unidade tem�tica. �O tema realiza-se
n�o por meio da frase, nem do per�odo, mas por meio da novela, do
romance, da pe�a l�rica, do conto maravilhoso, e esses tipos de g�nero,
certamente n�o obedecem a nenhuma determina��o sint�tica.�
(MEDVI�DEV, 2012, p. 197).

2.2 G�NERO: O ESTILO
O estilo n�o � o algo-a-mais, o belo, o raro, o desvio. O estilo � o homem. Sim,
O estilo � o homem, se pensarmos na imagem de um sujeito, constru�da por
uma totalidade de textos que se ..rma em uma unidade de sentido. O estilo �

o homem, se pensarmos em um �indiv�duo� que, com corpo, voz e car�ter, �
constru��o do pr�prio discurso. O estilo � o homem, se pensarmos na
imagem de um sujeito que, depreendida dos textos, sup�e saberes, quereres,
poderes e deveres ditados por valores e cren�as sociais; um eu fundado no
di�logo com o outro. O estilo � o homem, se, para homem, for pensado um
modo pr�prio de presen�a no mundo: um ethos.
Norma Discini.
Bakhtin (2010), no adendo G�neros do discurso da colet�nea Est�tica da
cria��o verbal, se refere ao estilo nos g�neros, entre par�nteses, como
recursos lexicais, fraseol�gicos e gramaticais da l�ngua. O recurso lexical est�
no l�xico do texto, na escolha das palavras, nos sin�nimos, nos ant�nimos,
nas ..guras de linguagem, no verbo, no tempo verbal etc. Os recursos


fraseol�gicos, grosso modo, s�o as palavras e seus efeitos de sentido oriundos
de um determinado contexto social. Essas palavras d�o forma a express�es
idiom�ticas e frases feitas, locu��es. Por exemplo, �Pau que nasce torto,
nunca se endireita� � refer�ncia � pessoa de �ndole duvidosa; ��gua mole em
pedra dura tanto bate at� que fura� � refer�ncia de valor � insist�ncia; � �C�o
que ladra n�o morde� e assim por diante.

Em um s� excerto, Lapa (1970) consegue reunir os tr�s elementos �
recursos lexicais, fraseol�gicos e gramaticais � referentes ao estudo do estilo:

Vejamos estas quatro frases: a) O pobre homem morreu cheio de sofrimento.
b) �s dez horas, o patif�rio esticava o pernil. c) O estadista expirou com o
pensamento no seu pa�s. d) Faleceu ontem o Sr. Ant�nio dos Santos Abreu.
No primeiro exemplo, morreu � o termo usual. No segundo exemplo,
passamos do atrevimento da express�o; sentimos imediatamente que esticar

o pernil � um termo da g�ria popular, que evoca esferas inferiores da
popula��o. No terceiro exemplo, expirar aparece-nos como um vocabul�rio
liter�rio, s� usados nos livros. En..m, no �ltimo exemplo, faleceu d�-nos a
impress�o de um meio burocr�tico, jornal�stico. A palavra, que tem um
car�ter eufem�stico, � empregada em estilo correto, cerimonioso, levemente
afetado. Uma das coisas que melhor denunciam o aprendiz de estilo � o
desconhecimento dessa lei importante, que consiste em empregar as palavras
que condigam com o ambiente psicol�gico ou social. (LAPA, 1970, p. 30-32
apud DISCINI, 2016, p. 15).
� curioso como a ordem gramatical e, principalmente, as escolhas do
l�xico podem determinar um audit�rio a que se destinam, ou seja, as
palavras devem ser escolhidas levando-se em conta a esfera de atividade
humana de atua��o em que s�o empregadas. A palavra expirou � referindo-
se � morte �, segundo Lapa (1970), comp�e a esfera liter�ria; faleceu �
naquele contexto � a esfera jornal�stica; morreu comp�e um enunciado do
cotidiano. A express�o idiom�tica �esticar o pernil� parece-nos uma
express�o dos anos de 1970, que remete a uma esfera de atividade humana
mais popular. �Uma ideia menos expressiva se op�e a uma mais expressiva.
Trata-se de um estudo do estilo que se pauta pela aten��o a tais recursos
expressivos da l�ngua restritos � escolha de sintagmas, palavras ou frase.�
(Discini, 2016, p. 15).


Fal�-lo-emos, neste momento, de alguns conceitos de estilo.

2.2.1 ESTILO E RET�RICA: A ESTIL�STICA E OS RECURSOS
LEXICAIS E GRAMATICAIS
O estilo tem rela��o direta com o ethos e com a autoria. Implica uma
forma ideal de dizer, um enunciador e/ou orador-autor que, no campo
lingu�stico, � dotado de uma enuncia��o viabilizadora de enunciados. Essa
rela��o entre a enuncia��o, o texto e o enunciado dar-se-� entre o dito, o n�o
dito e o dizer, constitutivos de um �eu� (autor), construto da totalidade
emanada pelo discurso.

Para Discini (2016), os estudos estil�sticos, tradicionalmente, e sua
correla��o entre enuncia��o e enunciado sofrem de uma inadequa��o
proveniente da cr�tica liter�ria, que considera a exist�ncia de um autor real
exterior � obra, cuja atribui��o consiste em �ser refer�ncia indicativa da
escolha dessas ou daquelas express�es lingu�sticas, supostas marcas de gosto
ou prefer�ncia pessoal constituintes do estilo.� (Discini, 2016, p.12).

Os estudos estil�sticos sofrem de uma imprecis�o ap�s os estudos
liter�rios de autoria. Essa dispers�o se fundamenta pelo leque de
possibilidades poss�veis para o estudo do estilo ao pensarmos na enuncia��o
e no enunciado. Segundo Discini (2016), a partir da�, a rela��o de enunciado
e enuncia��o � por n�o ter sido buscada de maneira adequada � se dissipa
na grande maioria dos estudos sobre estil�stica em alguns aspectos: no apego
do estilo como um desvio em rela��o a uma determinada regra normativa,
�ora na considera��o do estilo como escolha entre alternativas de express�o,
ora na considera��o do estilo como conjunto de caracter�sticas individuais,
ou coletivas, ora nas prescri��es para a constru��o de um bom estilo.�
(DISCINI, 2016, p. 12).

Uma nova arte nasce das prescri��es para a edi..ca��o de um bom
estilo: o estilo e seu estudo caracterizado como a arte de escrever bem.


Apropriando-se de elementos da Ret�rica e suas regras de beleza, de frieza,
de corre��o, de amplia��o de conveni�ncia, de ritmo no estilo, etc., o estilo
pr�prio de cada g�nero subsiste na tradi��o estil�stica sob uma in..u�ncia
aristot�lica substancial.

Literatura � considerada arte nos seus mais variados g�neros: romance,
conto, poesia, entre outros. Para Arist�teles, arte � estilo: �tudo o que se
relaciona com o estilo pertence ao �mbito da arte e � pass�vel de ser
ensinado.� (ARIST�TELES, Ret�rica, 2011, livro III cap�tulo I 1404a1-15).
Dessa forma, na Ret�rica, inferindo a quest�o do ethos, n�o � importante ser
verdadeiro, mas sim parecer verdadeiro. Portanto, pelo enunciado se
materializa a imagem do autor naquela determinada enuncia��o e/ou
situa��o comunicativa, o que permite herdar as categorias de estilo e seus
ornamentos, como as ..guras de linguagem, na progress�o enunciativa.

Arist�teles complementa:

Um bom autor � capaz de produzir um estilo n�o familiar e claro, sem ser
inoportuno, e que ao mesmo tempo preserva a dissimula��o, preenchendo
assim todos os requisitos no que toca as qualidades da boa prosa orat�ria.
(ARIST�TELES, 2011, Ret�rica, livro III cap�tulo II 1405a1).

Mattoso C�mara Junior (1977) elenca sintagmas de express�o para
justi..car a escolha estil�stica individual do autor. Discini (2016) nos d� um
exemplo:

Como exemplo, est� o emprego do discurso indireto livre em Mem�rias
P�stumas de Br�s cubas, de Machado de Assis (C�mara, 1977: 25-41), em que
C�mara parece prognosticar, no romance, o estilo enquanto recorr�ncia de
procedimentos, enquanto totalidade, pois fala, no ..nal de tal estudo, de tal
procedimento de constru��o de sentido, chamado processo lingu�stico,
�como tra�o sistem�tico (destaque nosso) do romance moderno�, para cujos
�caracteres na obra de nosso maior romancista� o autor gostaria de ter
chamado a aten��o. (Discini, 2016, p. 15).

Segundo Arist�teles (384 a.C.-322 a.C, 2011), o estilo alcan�a um n�vel
de excel�ncia se no conte�do do discurso houver clareza. O estilo n�o
dever� apropriar-se de coloquialismos, exageros e express�es idiom�ticas se


estes n�o estiverem em di�logo com o tema proposto pelo discurso. A
clareza � representada pela escolha dos substantivos e verbos para tornarem

o estilo claro, denotado por certa eleg�ncia que transcende ao ordin�rio.
�Afastar um voc�bulo de sua acep��o ordin�ria permite transmitir ao estilo
mais dignidade.� (ARIST�TELES, 2011, Ret�rica, livro III, cap�tulo II,
1404b1-5).
Arist�teles atribui � poesia um tratamento lingu�stico mais so..sticado e
considera que na prosa conv�m utilizar um tratamento menos re..nado, por
em se tratar de assuntos mais ordin�rios. Contudo, inserir um estilo po�tico,
de voc�bulos re..nados � substantivos e verbos � na prosa e seus assuntos
cotidianos � construir uma prosa estilisticamente mais elegante, s�bria e
so..sticada.

O Est�girita aponta os sin�nimos como um recurso de grande utilidade
e destaca ainda os ep�tetos e o uso de diminutivos como um bom modelo de
estilo; todavia, se aprofunda na met�fora e considera ser um meio pelo qual

o autor exprime maior clareza e at� mesmo certo encanto a um pensamento,
que pode, para n�s, n�o ser familiar.15 �A mat�ria-prima das met�foras tem
que ser bela; ora, a beleza de uma palavra, tal como a disformidade, como
a..rma Lic�mnio, reside nos sons ou nos signi..cados.� (ARIST�TELES,
2011, Ret�rica, livro III, cap�tulo II, 1405b1-5).
Os signi..cados das palavras em determinado contexto dependem de
uma escolha estil�stica. � poss�vel que uma palavra tenha um melhor
signi..cado para n�s do que outra. Aos nossos olhos, � importante a palavra
que soa verdadeiramente signi..cativa aos nossos ouvidos. O belo e o feio, a
boa ou a m� palavra, o nobre e a vulgaridade podem variar de acordo com a
enuncia��o. Por exemplo, a palavra fogo pode gozar de v�rios enunciados
em diferentes enuncia��es: Fogo, fogo, fogo... signi..caria que um lugar est�
em chamas; � um enunciado de alerta. Amor, p�e a panela no fogo: farei uma
comidinha gostosa pra voc�; o fogo serve � enuncia��o como um elemento a
servi�o do amor; �, portanto, uma boa palavra. Essa menina tem um fogo! A


palavra fogo n�o � nobre e incide � vulgaridade, ou seja, duas palavras
distintas podem signi..car tanto o belo quanto o feio, assim como a mesma
palavra pode gozar de v�rios signi..cados. �N�o � contemplando id�ntico
ponto de vista que as palavras apresentam esse ou aquele signi..cado.�
(ARIST�TELES, 2011, Ret�rica, cap�tulo II, livro III, 1405b1-15).

Arist�teles (2011) apresenta cinco regras para um fundamento do estilo
para um emprego correto da l�ngua:

1 � O uso correto das conjun��es.

2 � Nomear as coisas acertadamente, por meio de termos que lhes s�o
pr�prios.

3 � Evitar ambiguidades.

4 � Classi..ca��o de g�nero: nomes masculinos, femininos e neutros.

5 � Expressar corretamente o singular e o plural.

Al�m disso, o Estagirita recomenda, para o bom estilo, uma
substitui��o de determinado termo pela sua de..ni��o, por exemplo, a
constru��o composicional, termo, elemento constitutivo dos g�neros do
discurso, s�-lo-ia substitu�do pela de..ni��o: disposi��o organizacional do
texto; introdu��o, desenvolvimento, conclus�o.

Se em determinado discurso encontrar-se a de..ni��o e o autor tiver
como intuito a s�ntese, este usar� o termo, se o intuito � a prolixidade usar-
se-�, ent�o, a de..ni��o.

Um famoso conceito do gram�tico Bechara (1987) pondera que o
falante de l�ngua portuguesa deve ser um poliglota em sua pr�pria l�ngua.
Essa conceitualiza��o do gram�tico dialoga com a conveni�ncia do estilo
proposta por Arist�teles, em que o Estagirita a..rma que o car�ter e as
emo��es devem coincidir e se relacionar sempre com o assunto proposto.
Em outras palavras, Arist�teles (2011) postula que a �rela��o estreita com o
assunto proposto signi..ca que n�o devemos nem falar vulgarmente de


assuntos importantes, nem falar solenemente de assuntos triviais.�
(ARIST�TELES, 2011, Ret�rica, cap�tulo VII, Livro III, 1408�1-10).

Segundo Arist�teles (2011), o estilo, para ser coeso e buscar a
persuas�o, deve ser uma extens�o do assunto e ter uma coer�ncia afetiva e
efetiva com o que o assunto prop�e. Se o estilo no tema proposto, ou seja, no
assunto discutido, for passivo de emo��o, por exemplo, algo ultrajante, a
express�o estil�stica do autor deve ser de algu�m arrebatado pela c�lera. Se
for uma injusti�a decorrente de impiedade, a express�o deve ser de
indigna��o, que deve ser descrita na elocu��o do autor. A linguagem
expressa por admira��o decorrer� de uma situa��o ou express�o honrosa, e
assim por diante.

De acordo com Discini (2016), o sistema ret�rico, composto pela
inventio, pela dispositio, pela elocutio, pela actio
e pela mem�ria concentra
na elocutio, na elocu��o, o estilo, ao considerar que a elocu��o �� o estilo ou
as escolhas que podem ser feitas no plano da express�o para que haja
adequa��o, forma/conte�do.� (MOSCA, 1999, p. 28-29 apud DISCINI, 2016,

p. 17).
2.2.2 A ELOCU��O (ELOCUTIO)
A elocu��o � a aplica��o do estilo no discurso, ou melhor, � a
constitui��o lingu�stica do autor para o ato ret�rico; esse ato ret�rico emana
sinais de signi..cados propiciados pela palavra, que caracterizam e revelam a
face do texto. �� a opera��o ret�rica que consiste em atuar sobre o material
da dispositio.� (Ferreira, 2010, p. 116).

Ferreira (2010, p. 188) pergunta: �Como se pode caracterizar o estilo
do autor?�. A resposta encontra-se no pr�prio Ferreira (2010) e em Reboul
(1998):

O melhor estilo, ou seja, o mais e..caz, � aquele que se adapta ao assunto. Isso
signi..ca que ele ser� diferente conforme o assunto. Os latinos distinguiam
tr�s g�neros de estilo: o nobre (grave), o simples (t�nue) e o ameno


(m�dium), que d� lugar � anedota e ao humor. O orador e..caz adota o estilo
que conv�m ao seu assunto: o nobre para comover (movere), sobretudo na
perora��o. O simples para informar e explicar (docere), sobretudo na
narra��o e con..rma��o; o ameno para agradar (delectare), sobretudo no
ex�rdio e na digress�o. A primeira regra �, portanto, da conveni�ncia.
(REBOUL, 1998 apud FERREIRA, 2010, p. 118).

Segundo Tringali (2014), a linguagem come�a a ser preparada j� na
inven��o e toma corpo na disposi��o; entretanto, � na elocu��o que todo
trabalho � focado pelo desenvolvimento do texto em n�vel verbal. �A
elocu��o � arte de redigir o material encontrado e organizado.� (Tringali,
2014, p. 169). � a arte que prop�e a boa escrita, logo, um elemento
importante para se escrever bem.

Na inven��o e na disposi��o, o discurso vai ser � de certa forma �
categorizado, pensado e rascunhado, mas � na elocu��o que o discurso
desabrochar� pela palavra. Tringali (2014) a..rma que, segundo alguns
autores, a elocu��o � a hora de escolher (electio) e combinar palavras
(compositio). �Escolher as palavras no eixo paradigm�tico e combinar as
palavras no eixo sintagm�tico, transformando-se o discurso em verdadeira
prova art�stica, harmoniosa.� (Tringali, 2014, p. 170). Trata-se de construir o
pensamento com palavras, ornar o discurso com ..guras de linguagem e
tropos.

Fiorin (2014) separa as ..guras de linguagem entre tr�picas e n�o
tr�picas, contudo, para a nossa proposta, as tr�picas s�o fundamentais, pois
sua origem est� no l�xico, ou seja, nos recursos lexicais e gramaticais, na
escolha das palavras, no estilo, na autoria.

Fiorin (2014) organiza as ..guras tr�picas da seguinte maneira:

1.1. Tropos lexicais:
1.1.1. Tropos por concentra��o sem�ntica: met�fora, prosopopeia, ap�strofe,
oximoro, sinestesia, hip�lage;
1.1.2. Tropos por expans�o sem�ntica: meton�mia, sin�doque, antonom�sia,
ironia (ant�frase), l�totes, hip�rbole, eufemismo, per�frase, ad�naton,
preteri��o, retic�ncia ou aposiopese.
1.2. Tropos gramaticais:
1.2.1. Tropos por condensa��o sem�ntica: silepse;

1.2.2. Tropos por difus�o sem�ntica: en�lage, metalepse, hend�ade. (FIORIN,
2014, p. 32).
Come�aremos a comentar cada uma delas em sua concentra��o e
expans�o sem�ntica pela met�fora.

Na literatura, seja na poesia, seja na prosa, a leitura captura imagens. A
imagina��o cria imagem de lugares, de coisas, de personagens etc. Para
Arist�teles (2011), a imagem e a met�fora dialogam entre si. Considera-se
que a imagem, por vezes, tamb�m � uma met�fora; entretanto, entre imagem
e met�fora h� apenas uma pequena diferen�a:

Quando o poeta, referindo-se a Aquiles, diz:

Arremeteu-se como um le�o...

est� empregando uma imagem. Mas quando diz:

Esse le�o arremeteu-se...

est� utilizando uma met�fora. (ARIST�TELES, 2011, Ret�rica, cap�tulo IV,
livro III, 1406b1-20).

No exemplo de Arist�teles (2011), podemos ver essa inter-rela��o nos
signi..cados de le�o e Aquiles, o guerreiro grego. O le�o � um animal,
mam�fero, carn�voro, que protege os seus ..lhotes como um guerreiro e �
conhecido como o rei dos animais. Aquiles � um semideus, portanto, Deus e
homem, mam�fero, guerreiro; est� na guerra aspirando � gl�ria em nome da
conquista de Troia pelos gregos, protege os seus ermit�es e, dentre os
guerreiros gregos, � o invenc�vel, aquele que � temido pelos inimigos, o rei
dentre todos os guerreiros. Aquiles e o le�o estabelecem um acordo
sem�ntico e, por isso, podem ser relacionados metaforicamente.

A met�fora, segundo Fiorin (2014), � uma ..gura de ret�rica e tem sua
origem nos signi..cados das palavras, ou seja, sua especi..cidade � de
natureza sem�ntica. Considera fatores lingu�sticos de sentido entre duas
palavras e/ou dois signi..cados que coexistem semanticamente. �O que
estabelece uma compatibilidade entre os dois sentidos � uma similaridade,
ou seja, a exist�ncia de tra�os comuns a ambos.� (FIORIN, 2014, p. 34).


Permite que uma imagem abstrata se concretize e propicie um efeito de
sentido de intensidade e clareza de uma unicidade �mpar no limiar do estilo,
no �mbito da elocu��o e da argumenta��o.

Na prosopopeia h� uma intensi..ca��o sem�ntica, ou seja, os sentidos
ganham uma extens�o de signi..cado, uma adi��o, um alongamento nos
signos designativos. Particularidades que n�o s�o humanas se tornam
personi..cadas por uma personalidade que � humana. Ou seja, o autor
emprega pela palavra uma personalidade humana a seres inanimados ou a
sentimentos que est�o no campo da abstra��o.

Fiorin (2014) nos d� dois exemplos claros dessa personi..ca��o: 1. na
palavra virtude, do conto A cartomante, de Machado de Assis. Nesse conto, a
virtude, como uma caracter�stica positiva dos seres humanos, � adjetivada.
�A virtude � pregui�osa e avara�; contextualmente, a�, a prosopopeia se
estabelece. �Com efeito, � mais forte dizer que a virtude � pregui�osa e avara
do que a..rmar que uma pessoa virtuosa � pregui�osa e avara.� (Fiorin, 2014,

p. 51).2. Fiorin cita �O b�bedo e s equilibrista�, de Jo�o Bosco e Aldir Blanc,
em que a lua e as estrelas s�o personi..cadas: �A lua/Tal qual a dona de um
bordel/Pedia a cada estrela fria/ Um brilho de aluguel.� (FIORIN, 2014, p.
51).
Segundo Fiorin (2014), a ret�rica considerou a prosopopeia no
processo de animaliza��o como met�fora. Considera o autor que a
animaliza��o � o contr�rio da prosopopeia, levando-se em conta que o
processo, nesse caso, � inverso; tratar-se-ia do empr�stimo de caracter�sticas
de animais aos seres humanos. Contudo, a personi..ca��o pela palavra
tamb�m goza de car�ter metaf�rico.

A ap�strofe signi..ca desvio, uma abjun��o. � um recurso utilizado pelo
autor que permite uma elocu��o direta na enuncia��o com um interlocutor
que, a priori, n�o estava ali. �Nela, o enunciador interpela um ser natural ou
sobrenatural, animado ou inanimado, concreto ou abstrato, presente ou
ausente, para exprimir pedidos, censuras, lamentos, etc.� (Fiorin, 2014, p.


55). Pode ser uma interpela��o com Deus, uma conversa com ..ores, dirigir-
se ao mar, ao amor, aos mortos etc.

O oximoro tem na sua etimologia e no seu signi..cado o paradoxo, o
contradit�rio. Essa ..gura de linguagem � interessante porque aglutina, em
uma mesma senten�a, palavras de signi..cados opostos, signi..cados
con..itantes semanticamente.

De acordo com Fiorin (2014), a pr�pria palavra oximoro � constitu�da
de uma dualidade sem�ntica:

A palavra oximoro � formada de dois termos gregos: ox�s, que signi..ca
�agudo� �penetrante�, �inteligente�, �que compreende rapidamente� e mor�s,
que quer dizer �tolo�, �est�pido�, �sem intelig�ncia�. Como se v�, o voc�bulo �
formado por dois elementos contradit�rios, o que signi..ca que a palavra
oximoro � um oximoro. (Fiorin, 2014, p. 59).

Um exemplo claro de oximoro � o t�tulo da tese da Prof. Dra. Maria
J�lia Santos Duarte: O sil�ncio ret�rico das personagens de Vidas Secas
(2018).16 Se ret�rica, grosso modo, � a arte da palavra, do bem dizer, da
eloqu�ncia, da orat�ria e do bem escrever, como um sil�ncio pode ser
ret�rico? Recorramos � perspectiva fraseol�gica de sil�ncio: �O sil�ncio fala
mais do que mil palavras.�.

No t�tulo da tese de Duarte (2018), o sil�ncio deixa de signi..car a
aus�ncia da palavra para dizer alguma coisa. O sil�ncio tamb�m pode ser
absolutamente persuasivo. O paradoxo da combina��o entre as palavras
�ret�rica� e �sil�ncio� propicia uma estranheza e d� ao sentido da senten�a
uma plasticidade �nica, po�tica, que, por meio do con..ito entre as duas
palavras, se harmoniza.

A sinestesia � uma ..gura de linguagem ligada �s sensa��es, por
exemplo, o olfato, o paladar, a audi��o, o tato. Pela combina��o sensorial, se
d� uma am�lgama, uma �mistura, em que se altera o signi..cado de um
termo que indica uma sensa��o, ao combin�-lo com outro de ordem
sensorial diversa, para criar uma percep��o diferente do mundo, assim, o


sentido.� (Fiorin, 2014, p. 63). Segundo Fiorin (2014), � uma ..gura que
acontece muito na linguagem do cotidiano.

A hip�lage signi..ca troca, cambiar posi��es, e pressup�e mudan�as na
ordem das palavras: o adjetivo toma o lugar do substantivo, por exemplo. �
uma ..gura de car�ter sint�tico e sem�ntico, como podemos observar no
exemplo dado por Fiorin: �No conto �Maria pintada de prata�, de Dalton
Trevisan ocorre: Relutante, volta-se para fulana: em cada olho um grito
castanho de �dio.� (FIORIN, 2014, p. 66). O grito na senten�a toma o lugar
dos olhos, que, por sua vez, �expressam o sentido intenso de �dio.� (Fiorin,
2014, p. 66).

A meton�mia se estabelece pela troca e pela substitui��o. Usa-se uma
palavra ao inv�s de outra, em que ambas t�m uma inter-rela��o de
similaridade que se manifesta pelas rela��es externas entre as duas. Por
exemplo, quando se diz: �hoje beberei um porto no jantar�, a substitui��o de
palavra vinho por porto estabelece uma rela��o entre as duas palavras: vinho
do porto. Mas Porto � uma cidade em Portugal conhecida por fabricar o
melhor vinho do mundo. H� uma proximidade entre as duas palavras.
Portanto, a troca da palavra vinho por porto propicia uma expans�o
sem�ntica pela meton�mia, porque um porto n�o � qualquer vinho.

A sin�doque � uma ..gura de linguagem que tamb�m se estabelece pela
troca de palavras, por exemplo, �em lugar de �minha casa�, diz-se �meu teto�. A
raz�o � que h� entre elas uma rela��o de contiguidade.� (Tringali, 2014, p.
207). Essa rela��o de contiguidade � similar � proximidade entre as palavras
na meton�mia. Existe uma di..culdade em distinguir a meton�mia da
sin�doque. H� inclusive teorias que consideram que as duas n�o se
distinguem e que a sin�doque � um tipo de meton�mia.

Tringali (2014) acrescenta sobre este caso espec�..co:

Tal � a di..culdade de distingui-las, em alguns casos, que h� forte tend�ncia
de identi..c�-las, como pensa W. Kayser, U. Eco e outros. Durmasais, Houaissconsideram a sined�que como uma esp�cie de meton�mia. � uma meton�mia


ou uma sin�doque quando se torna a mat�ria pelo produto: �n�o ter prata�
(=dinheiro). (TRINGALI, 2014, p. 209).

A antonom�sia tamb�m � tropo de substitui��o entre as palavras e por
isso � t�o similar � meton�mia e � sin�doque. Tringali (2014, p. 193))
exempli..ca de uma forma clara e distintiva: �Em vez de dizer �Arist�teles�,
digo �o Fil�sofo�, porque Arist�teles � o ..l�sofo por excel�ncia ou por
antonom�sia�. Trata-se da substitui��o do nome pr�prio (Arist�teles) por
uma qualidade que � comum a esse nome pr�prio: a qualidade de ..l�sofo.
�Em vez de chamar algu�m de Hip�crita (nome comum) chamo-o de
tartufo (nome pr�prio). Tartufo � uma personagem da com�dia de Moli�re
que se caracteriza pela hipocrisia de modo destacado.� (Tringali, 2014, p.
193).

A ironia est� em outra esfera, est� no campo da expans�o sem�ntica;
podemos ser concisos ao de..nirmos este tropo: �se ..nge dizer uma coisa
para dizer exatamente o oposto.� (Fiorin, 2014, p. 69). � um tropo, a ironia,
que alarga os sentidos unilaterais; � dicot�mica, dual, exige certa mal�cia e
transita entre a gra�a, o sarcasmo, o desprezo, a zombaria e a desafei��o. �A
compreens�o da ironia exige a percep��o de uma impertin�ncia predicativa.�
(Fiorin, 2014, p. 79).

Por exemplo, na m�sica �Fim de Semana no Parque�, dos Racionais
MC�s, o pr�prio Mano Brow, um dos autores da m�sica, se coloca como
�malicioso e realista.� Mas � esse verso que nos chama aten��o: �No �ltimo
natal papai Noel escondeu um brinquedo/prateado, brilhava no meio do
mato/um menininho de 10 anos achou o presente/era de ferro, com 12 balas
no pente/o ..m de ano foi melhor pra muita gente.� Trata-se de uma
met�fora nas associa��es da palavra brinquedo com a senten�a �era de ferro,
com 12 balas no pente�. O autor ..naliza o verso com uma ironia: o ..m de
ano foi melhor para muita gente. Todo verso torna-se ironia e � constitutivo
de re..ex�o pela pr�pria ironia.


A l�totes � uma esp�cie de nega��o �s avessas, para con..rmar a ess�ncia
do que se quer dizer. � uma palavra que se originou a partir do grego l�totes.
Traduz-se por simples, circunspec��o, exiguidade. �Ao negar o contr�rio
daquilo que se quer a..rmar, tem-se uma extens�o sem�ntica, abarcando-se

o sentido x e a nega��o do seu contr�rio.� (Fiorin, 2014, p. 73). Fiorin (2014,
p. 73) � muito elucidativo: �Quando se quer dizer que algu�m � muito
esperto, diz-se �Voc� n�o � nada bobo.�. Bobo � o contr�rio de esperto e � o
n�cleo do predicado negado.�.
Pela l�totes pode-se atenuar uma ideia, um pensamento. Pode-se ser
menos hostil, sutil, mais brando ao defender uma ideia que pode parecer
agressiva. Parece-nos uma ..gura de linguagem � assim como a sinestesia �
de uma utilidade efetiva no cotidiano, no dia a dia. Podemos at� mesmo
parecer agrad�veis por meio dessa ..gura.

A nega��o por meio de a..rma��es contr�rias, elemento principal da
l�totes, pode ..orescer pelo campo da sintaxe, sintaticamente, e/ou pelo
signi..cado, semanticamente. Pela sintaxe, o principal recurso de atua��o
para l�totes se realiza pelos adv�rbios de nega��o: jamais, nunca, tampouco,
nem, n�o etc. �N�o era costureira, nem propriet�ria, nem mestra de
meninas; v� excluindo as pro..ss�es e l� chegar� (Machado de Assis,
�Singular ocorr�ncia�).� (FIORIN, 2014, p. 73). Nesse exemplo
proporcionado por Fiorin (2014), tem-se a nega��o pelos adv�rbios n�o e
nem. �A nega��o de que ela fosse costureira, propriet�ria ou mestre de
meninas, seguida da indica��o de continuar a n�o admiss�o das pro..ss�es,
indica que ela era prostituta.� (Fiorin, 2014, p. 73-74). Fica claro haver uma
atenua��o constru�da, literariamente, para amortecer o impacto, na trama
sint�tica, da pro..ss�o da mo�a. Outro exemplo pela sintaxe � o ditado
popular �Raposa velha perde os pelos, mas n�o perde o v�cio�.

Um exemplo simples de expans�o sem�ntica pela l�totes � o enunciado
popular: �Nunca diga nunca�, cujo signi..cado seria, grosso modo, �eu� posso,
diga sim, �eu� consigo, voc� consegue.


A hip�rbole � a ..gura de linguagem do exagero; uma exagera��o
proposital para enfatizar algo espec�..co ou para supervalorizar uma palavra,
alguma coisa, uma express�o. � um tropo que trabalha pela demasia
sem�ntica.

Pela superabund�ncia do dizer e pela perspectiva da intensidade, a
hip�rbole valoriza o que est� sendo dito. �Usa-se a hip�rbole tanto na
linguagem cotidiana (estou morto de sede, estava t�o cansado que desmaiei)
quanto nos g�neros art�sticos.� (Fiorin, 2014, p. 75).

O eufemismo � uma atenua��o, uma substitui��o de uma palavra ou
express�o considerada ruim em que �h� uma diminui��o da intensidade
sem�ntica, com a utiliza��o de uma express�o atenuada para dizer alguma
coisa agrad�vel.� (Fiorin, 2014, p. 78).

Utilizaremos o exemplo da morte, que provoca um desconforto e,
portanto, � uma palavra carregada de eufemismo para dizer: tal pessoa
morreu. Por exemplo, diz-se �abotoou o palet��; �esticou as canelas�; �bateu
as botas�; �passou dessa para melhor� etc. �O eufemismo � o tropo em que
se estabelece uma compatibilidade predicativa, quando se determina o
abrandamento da express�o. No eufemismo, diz-se menos para signi..car
mais.� (Fiorin, 2014, p. 78).

A per�frase utilizada retoricamente consiste em um meio de dizer algo
de maneira indireta, ou seja, troca-se uma palavra por outra, ou melhor,
uma express�o por outra, por meio de um n�mero maior de palavras para
assinalar algo que poderia ser dito de maneira mais sintetizada. Fiorin
(2014, p. 81) exempli..ca: �Pode-se dizer, de maneira condensada �Eles s�o
casados� ou, de maneira alongada �Eles s�o unidos pelos la�os
matrimoniais�.�. �Uma per�frase que exponha impossibilidades � chamada
ad�naton. Os ad�natons s�o usados na linguagem cotidiana: Isso acontecer�
no dia de S�o Nunca; quando as galinhas criarem dentes.� (Fiorin, 2014, p.
84), ou seja, expressa o imposs�vel.


A preteri��o ou paralipse � uma ..gura de linguagem que intensi..ca o
sentido pela oposi��o. � exposto de forma velada aquilo que n�o se quer
dizer. � um tropo que dialoga com a omiss�o, ou seja, que diz aquilo que
pretende omitir ao deixar na entrelinha.

Segundo Fiorin (2014, p. 87), esse tropo � muito usado no cotidiano
nas express�es: ��n�o � preciso lembrar�, �n�o diria que�, �n�o necess�rio
explicar que�, �longe de mim dizer que�, �n�o vou deter-me na� etc.�. Fiorin
(2014) tamb�m conceitua a preteri��o exempli..cando-a sintaticamente:
�Correm muitas hist�rias sobre o enriquecimento n�o explicado de
familiares do meu rival. Entretanto, oponho-me a fazer campanha com
cr�ticas � fam�lia do meu advers�rio.� (FIORIN, 2014, p. 86).

A preteri��o consiste em um engenhoso recurso, em que, para se dizer,
nega-se o que se diz, ou seja, � pela nega��o que �eu� digo o que parece, mas
parece que n�o quero dizer o que digo: �Aconselharam-me a falar sobre a
vida pessoal do meu oponente. No entanto, n�o descerei o n�vel da
campanha.� (Fiorin, 2014, p. 86).

Na retic�ncia, ..gura de linguagem, o sil�ncio se exprimi. Fala-se pelo
sil�ncio, que tem for�a ret�rica. Trata-se de calar-se para dizer algo que se
guarda dentro de si. Tratar-se-� de guardar dentro de si uma informa��o e
det�-la para o audit�rio-leitor complet�-la por infer�ncia. O autor n�o
completa o que estava dizendo e marca o seu dizer e a aus�ncia do dizer com
tr�s pontos na atividade textual escrita.

Tropo gramatical por condensa��o sem�ntica

A silepse acontece quando a concord�ncia se d� n�o de maneira
gramatical, mas sim de forma sem�ntica, ou seja, por meio do sentido da
palavra do texto e/ou do discurso. �A concord�ncia � logica e n�o gramatical

� silepse de g�nero: Sua majestade � justo; silepse de pessoa: escrevemos este
trabalho (n�s = eu); silepse de n�mero: a multid�o......chegaram.� (Tringali,
2014, p. 206).
Tropo gramatical por difus�o sem�ntica


A en�lage classi..ca e substitui um substantivo por um adjetivo, ou seja,
d� ao substantivo caracter�stica de adjetivo. Trata-se da troca gramatical de
fun��es, em que a palavra se constitui por outra categoriza��o gramatical.

Tringali (2014) exempli..ca a en�lage por meio do exemplo de �menino
pobre�, que, segundo o autor, �pobre� ganha, nesse caso, estatura de adjetivo.
Ao dizermos a palavra �pobre�, isoladamente, temos um substantivo. Em
outras palavras, a palavra pobre, por si s�, � substantivo. Temos ainda:
�adjetivo usado como adv�rbio: ele falou calmo (= calmamente); um tempo
verbal por outro: -em vez de dizer irei a S�o Paulo, digo vou a S�o Paulo,
onde se usa o presente com valor de futuro.� (Tringali, 2014, p. 196).

A metalepse dialoga com a meton�mia: �a) em que se usa o antecedente
pelo consequente: �ele viveu� (= est� morto, consequente); b) o consequente
pelo antecedente: �caem as folhas� (= � outono, antecedente).� (Tringali, 2014,

p. 201).
A hend�ade acontece �quando se coordenam termos que deveriam estar
subordinados. Assim em vez de dizer: �Bebamos em copos de ouro�, dizemos:
�Bebamos em copos e em ouro�.� (Tringali, 2014, p. 197).

Parece haver certo preconceito em rela��o �s ..guras de estilo. Sente-se
que elas, no ensino de L�ngua Portuguesa, s�o deixadas um pouco de lado,
t�m nomes dif�ceis, similaridades entre si � sin�doque, antonom�sia,
meton�mia � e, n�o raro, necessitam de um estudo aprofundado para serem
aplicadas e at� mesmo compreendidas. Todavia, � pelas ..guras de
linguagem, de estilo, que a linguagem cresce, se desenvolve e evolui. �
pass�vel de re..ex�o para o estilo pensarmos que os nomes das ..guras,
muitas vezes dif�ceis, pode expressar uma quest�o de eleg�ncia da l�ngua. As

..guras s�o um ornamento, n�o t�o simples, mas fundamental para o estilo
verbo-nominal constitutivo de qualquer discurso.
� curioso perceber que a palavra eloqu�ncia, ligada � arte do bem falar,
deriva da palavra elocu��o; entretanto, a eloqu�ncia difere da elocu��o em
um ponto principal: a pronuncia��o. �A eloqu�ncia se caracteriza por uma


brilhante e e..ciente elocu��o valorizada por uma brilhante pronuncia��o.�
(Tringali, 2014, p. 171). Tringali (2014, p. 171) acrescenta ainda: �Na
elocu��o, o orador �se exprime�, na pronuncia��o, ele �se comunica�
secundado por gestos. Na elocu��o, a Ret�rica vai ser a arte de escrever bem.
Na pronuncia��o, a ret�rica vai ser uma �arte de declamar bem�.�. Dito de
outra forma, a pronuncia��o est� ligada � fala, � orat�ria, e a elocu��o est�
ligada � escrita.

O autor, em seu processo de autoria, � levado ao encantamento pela
elocu��o e � enfeiti�ado por ela. Essa parte do sistema ret�rico � certamente
a que mais atrai no processo de composi��o do discurso, por ser a parte
art�stica ligada � beleza e que propicia ao autor certo prazer ao se deparar
com sua boa reda��o fomentada pelo bom uso de ..guras de estilo, tropos
sem�nticos e gramaticais, e, tamb�m, pela clareza e corre��o, o nobre, o
simples e o ameno.

2.2.3 ESTILO E TEXTO: A INTERTEXTUALIDADE
H�, efetivamente, categorias que conversam entre si quando se fala em
intertextualidade: heterogeneidade constitutiva, intertextualidade,
intertextualidade manifesta, intertextualidade mostrada, intertextualidade
constitutiva e/ou interdiscurso. Focalizaremos na intertextualidade
manifesta e/ou mostrada (texto � intertexto) e a no��o de intertextualidade
constitutiva (interdiscurso), associadas � no��o de g�nero e estilo. Cabe-nos
sublinhar que nos apropriamos das contribui��es de Fairclough (2001),
ligadas a An�lise Cr�tica do Discurso, especi..camente nas quest�es relativas
� intertextualidade manifesta e a intertextualidade constitutiva. O m�todo
tridimensional de An�lise do Discurso Textualmente Orientada, proposta
por Fairclough, n�o nos subsidia na pr�xis te�rica deste trabalho.

Fairclough (2001) entende texto e enunciado como sin�nimos;
fundamentado nos estudos de Bakhtin, considera o enunciado um processo


consolidado pela intera��o. Essa intera��o pressup�e enunciados que
repetem enunciados, que os reformulam, isto �, enunciados que visitam
enunciados anteriores. O enunciado de outrem pode, portanto, ser
reutilizado, reacentuado e retrabalhado por cada um de n�s. �Enunciados �
�textos� em meus termos � s�o inerentemente intertextuais, constitu�dos por
elementos de outros textos.� (Fairclough, 2001, p. 134).

�Todos os enunciados s�o povoados e, na verdade, constitu�dos por
peda�os de enunciados de outros, mais ou menos expl�citos ou completos.�
(Fairclough, 2001, p. 134). Ora, texto e enunciado compartilhando
semanticamente de um car�ter sinon�mico de..ne intertextualidade: textos
que reacentuam textos, que os modi..cam, que os repetem, que os
retrabalham etc.

Kristeva (1960) cunhou o termo intertextualidade aprofundando-se
nos estudos dos textos que retomam textos, de enunciados que repetem e
ampliam enunciados, na heterogeneidade constitutiva bakhtiniana,
materializando-se na seguinte de..ni��o de intertextualidade: �a inser��o da
hist�ria (sociedade) em um texto e deste texto na hist�ria.� (KRISTEVA,
1986, p. 39 apud FAIRCLOUH, 2001, p. 134).

A semioticista, ao discutir Bakhtin, teoriza que o discurso liter�rio para

o c�rculo bakhtiniano funciona n�o como um sentido ..xo, mas um
intercruzar de planos textuais, um dialogismo dentre v�rias escrituras. O
texto � constru�do a partir de uma concentra��o de cita��es. Trata-se de
aderir a determinado texto para construir a partir deste outro texto. �O
discurso (o texto) � um cruzamento de discursos (de textos) em que se l�,
pelo menos outro discurso (texto).� (KRISTEVA, 1967, p. 438-435 apud
FIORIN, 2012, p. 163).
Para Discini (2016), o estilo � dial�gico. �Em qualquer texto, a voz de
outro dialoga com a voz de um, de maneira que o sujeito da enuncia��o n�o
� �nico, mas dial�gico.� (Discini, 2016, p. 223).


Explica a autora que o �eu�, que podemos entender como autor ou ator
da enuncia��o, assentado em uma totalidade de enunciados, em que para ser
�nico precisa apoiar-se em uma totalidade, de modo de fazer e de ser,
con..gura um modo de estilo. Essa unidade formal, o estilo, tem uma rela��o
intrinsecamente dial�gica com o �eu� da enuncia��o e com o outro.

Fairclough (2001) estabelece uma rela��o absolutamente relevante
sobre a intertextualidade e o conceito de hegemonia17. O autor acredita que

o conceito de intertextualidade sinaliza para a produ��o de textos com uma
especi..cidade: �transformar textos anteriores e reestruturar as conven��es
existentes (g�neros, discursos) para gerar novos textos.� (FAICLOUGH,
2001, p. 135). Contudo, � necess�rio salientar que a inova��o textual pela
intertextualidade � restrita socialmente e est� subordinada a rela��es
institu�das de poder.
� poss�vel distinguir dois tipos de intertextualidade manifesta: as
verticais e as horizontais. A primeira consiste em intertextos, textos sob
outros textos, amparados por um contexto que est� relativamente distante
ou imediato. A segunda, a orienta��o horizontal, consiste em um tipo
dial�gico de intertextualidade entre um texto e aquele que o precede. �Na
intertextualidade manifesta, outros textos est�o explicitamente presentes no
texto sob an�lise: eles est�o �manifestamente� marcados ou sugeridos por
tra�os na superf�cie do texto, como as aspas.� (Fairclough, 2001, p. 136).

Segundo Fairclough (2001), a intertextualidade provoca um realce
sobre a heterogeneidade dos textos. Assim, o autor acrescenta:

Os textos variam muito em seus n�veis de heterogeneidade, dependendo se
suas rela��es intertextuais s�o complexas ou simples. Os textos diferem na
medida em que seus elementos heterog�neos s�o integrados, e tamb�m na
medida em que sua heterogeneidade � evidente na superf�cie do texto. Por
exemplo, o texto de um outro, pode estar claramente separado do resto do
texto por aspas e verbo dicendi, ou pode n�o estar marcado e estar integrado
estrutural e estilisticamente, talvez por meio de nova formula��o do original,
no texto em sua volta. (FAIRCLOUGH, 2001, p. 137).


Isso quer dizer que os �textos heterog�neos podem ter uma superf�cie
textual desigual e �acidentada�, ou relativamente regular.� (Fairclough, 2001,

p. 137).
Essa designa��o de intertextualidade manifesta sugerida por Fairclough
� tamb�m conhecida como heterogeneidade constitutiva (Bakhtin),
intertextualidade mostrada, ou, como prefere Discini (2016),
heterogeneidade mostrada. �A heterogeneidade mostrada � aquela em que o
outro � deliberadamente mostrado pelo um, seja por ser imitado no
discurso, seja por ser materializado na express�o textual.� (Discini, 2016, p.
224).

O plano de um texto pode ser complementado por muitos outros
textos, o que propicia uma determinidade ambivalente em sua constru��o
composicional: uma multiplicidade sem�ntico-textual. Essa multiplicidade
intertextual pode mexer com o sentido do texto, como exempli..ca
Fairclough (2016, p. 137-138): �Os estudantes disseram o quanto eles gostam
de ..exibilidade e da variedade de escolha do curso.�; em se tratando de um
discurso indireto, nesse caso, quem fala? Uma d�vida emana desta
constru��o: a voz � dos estudantes, da administra��o da universidade, do
autor do texto, de um rep�rter? Trata-se de uma intertextualidade manifesta
ou heterogeneidade mostrada, em que o outro � deliberadamente mostrado,
contudo goza de uma heterogeneidade complexa: n�o h� o aux�lio de
travess�o ou aspas.

A intertextualidade manifesta e/ou heterogeneidade mostrada pode ser
marcada ou n�o marcada. A forma marcada conta com o aux�lio de
travess�o, de aspas ou de verbos introdut�rios: a..rmar, falar, declarar,
postular, perguntar, complementar, discorrer, argumentar etc. A n�o
marcada se caracteriza por uma dilui��o do outro no um. Trata-se da
distin��o entre discurso direto e discurso indireto. No discurso direto, o
tempo verbal dialoga com o presente, com o agora, e o limite entre a voz do
narrador que relata e o discurso direto daquele que � relatado � o autor



narrador relata e a personagem � relatada � � expresso por palavras exatas.
No discurso indireto, as aspas e os travess�es desaparecem. � caracterizado,
geralmente, pela utiliza��o da conjun��o �que�. Por exemplo: ��Sra. .atcher
avisou aos colegas de Gabinete: �Eu n�o sou respons�vel por nenhuma
deser��o agora�. �Sra. .atcher avisou aos colegas de Gabinete que n�o seria
respons�vel por nenhuma deser��o agora�.� (Fairclough, 2001, p. 140).

2.2.3.A INTERTEXTUALIDADE CONSTITUTIVA
A intertextualidade constitutiva e/ou interdiscurso associa-se �
composi��o das conven��es discursivas que entram em determinada
produ��o, ou seja, seu g�nero, seu discurso, seu estilo. Fairclough (1992)
considera os termos intertextualidade constitutiva e interdiscursividade
provenientes do mesmo signi..cado; em outros termos, t�m ambos os
termos o mesmo sentido, em oposi��o � intertextualidade manifesta.

Nas palavras do autor:

A intertextualidade manifesta � o caso em que se recorre explicitamente a
outros textos espec�..cos em um texto, enquanto interdiscursividade � uma
quest�o de como um tipo de discurso � constitu�do por meio de uma
combina��o de elementos de ordem do discurso. (Fairclough, 1992, p. 152).

Fairclough (1992), ao tratar de intertextualidade constitutiva, utiliza os
seguintes termos: tipos de atividade, g�nero, discurso e estilo. O autor
considera haver entre esses tipos certa autonomia, um em rela��o a outro,
sendo eles n�o estritamente iguais. Os g�neros, por exemplo, se
correspondem com os tipos de pr�tica sociais e o sistema de g�neros de uma
determinada sociedade, que, em um tempo particular, determina as interrela��es
entre os outros tipos de atividade, ou seja, entre discurso, estilo e
g�nero.

Em Bakhtin, a quest�o da intertextualidade constitutiva � conhecida
por dialogismo; todavia, se trata da necessidade de descartar as ideias
equivocadas do dialogismo ser constitutivo do di�logo face a face, por


exemplo. Segundo Fiorin (2012), o dialogismo s� acontece entre discursos.
O interdiscurso nasce e consta sempre das rela��es entre discursos de um
locutor e um interlocutor, que s�o rela��es de embate discursivo. Trata-se de
um modo real de funcionamento da linguagem, um modo constitutivo da
linguagem, que comp�em discursos.

Discursos comp�em discursos de maneira real, uma realidade que se
apresenta a n�s semioticamente, �o que implica que nosso discurso n�o se
relaciona diretamente com as coisas, mas com outros discursos, que
semiotizam o mundo.� (Fiorin, 2012, p. 167). �Como n�o existe objeto que
n�o seja cercado, envolto, embebido em discurso, todo discurso dialoga com
outros discursos, toda a palavra � cercada de outras palavras.� (BAKHTIN,
1992, p. 319 apud FIORIN, 2012, p. 167).

A translingu�stica bakhtiniana, ou seja, o dialogismo interdiscursivo,
nada tem a ver com a estrutura da l�ngua no que tange seu sistema, embora
Bakhtin considere que o estudo da l�ngua em sua estrutura fon�tica,
fonol�gica, gramatical e sintagm�tica n�o deva ser desprezado: tal estudo
revela import�ncia para entender a l�ngua como uma unidade. Entretanto, o
sistema da l�ngua n�o constitui um funcionamento real da linguagem. Esse
funcionamento dar-se-� pelas rela��es dial�gicas entre enunciados no
funcionamento real da l�ngua. �As palavras s�o as unidades da l�ngua,
enquanto os enunciados s�o as unidades reais de comunica��o.� (Fiorin,
2012, p. 168). Os enunciados gozam de um autor e de uma autoria e as
unidades da l�ngua n�o.

2.2.4 ESTILO E O DISCURSO DE OUTREM:
BAKHTIN/VOL�CHINOV
Bakhtin/Voloch�nov (2009) trabalham a quest�o de autoria e estilo
marcados pelo discurso de outrem. Trar-se-ia da enuncia��o na enuncia��o,


o tema no tema, �um discurso sobre o discurso, uma enuncia��o sobre a
enuncia��o.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 150).
Os autores ponderam haver dois tipos de estilo pela cita��o de outrem:

o linear e o pict�rico.
O estilo pict�rico � complexo e dele deriva a maioria dos discursos
indiretos � categorizados por Bakhtin/Voloch�nov � e alguns discursos
diretos. Trata-se de contornos narrativos na fronteira do discurso citado,
que se materializam pelas aprecia��es discursivas do narrador no interior do
discurso.

Essas aprecia��es apagam as fronteiras entre o discurso citado
indiretamente e o discurso do narrador. Em outras palavras, o estilo
pict�rico desenha a narrativa e ornamenta o discurso �a ..m de colori-lo
com as suas entoa��es, o seu humor, a sua ironia, o seu �dio, com o seu
encantamento e desprezo.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p.157).
Dentre os discursos pict�ricos de car�ter indireto, est�o: os discursos
indiretos analisadores do conte�do (DIAC), os discursos indiretos
analisadores da express�o (DIAE) e o discurso indireto impressionista (DII).

Segundo Bakhtin/Vol�chinov (2009 [1929]), o discurso indireto
analisador do conte�do (DIAC) emana de enuncia��es que est�o enraizadas
em contextos epistemol�gicos e ret�ricos � a ..loso..a, a pol�tica e a ci�ncia
�, pelos quais o narrador citar� o discurso de outrem no intuito de bem
delimit�-lo no interior do discurso narrativo. Todavia, advertimos n�o ser o
DIAC uma exclusividade dos discursos ..los�..co, pol�tico e cient�..co, pois
pode tamb�m advir do discurso liter�rio, por exemplo, sua manifesta��o.
Entende-se que essa variante altera o di�logo interno e assume uma
plasticidade discursiva oriunda de uma �preocupa��o nitidamente tem�tica,
transformando as falas das personagens em discursos ideol�gicos a servi�o
da orienta��o sem�ntica/ideol�gica do autor.� (Castro, 2015, p. 49).

A variante do discurso indireto analisador da express�o (DIAE) � uma
ferramenta � disposi��o do autor que viabiliza expor em relevo as


aprecia��es do narrador e dar express�o a elas � o sorriso, o sarcasmo e a
ironia. Por outro lado, consente as aprecia��es da personagem, colocadas em
primeiro plano com o aux�lio das aspas, e estabelece, pelo discurso indireto,
nas palavras de outrem, uma subjetividade e um estilo provenientes de uma
express�o m�xima da voz da personagem numa simbiose entre personagemnarrador
no limiar do contexto narrativo.

Ainda na esfera do discurso pict�rico, encontra-se o discurso indireto
impressionista (DII). Essa variante do discurso citado � representativa.
Trata-se da transmiss�o do discurso interior, das emo��es, das
racionaliza��es, dos pensamentos e dos sentimentos da personagem no
limiar do discurso do narrador. O narrador aqui � onisciente-intruso e,
grosso modo, advinha, delineia e sugere os pensamentos e sentimentos
vividos pela personagem.

Dentre as variantes do discurso direto que comp�e o estilo pict�rico no
discurso dial�gico, compreende-se o primeiro deles como discurso direto
preparado (DDP). Trata-se de um tipo de discurso que se manifesta em uma
ocorr�ncia particular proveniente do discurso indireto livre, que tem em sua
composi��o de transmiss�o do discurso de outrem a tem�tica b�sica do
discurso direto, antecipado com as coloridas aprecia��es do autor. Nesse
tipo de discurso, as fronteiras da enuncia��o de outrem ..cam bastante
esmaecidas.

Bakhtin/Vol�chinov (2009 [1929]) v�o chamar de discurso direto
esvaziado (DDE) mais uma variante do discurso direto. Nesse caso, o
contexto narrativo � constru�do de forma que o discurso do her�i se
apresente como discurso direto, por�m este est� envolto a uma densidade
narrativa de contornos pict�ricos, oferecida ao leitor pelo pr�prio autor. Ou
seja, � um discurso direto, de certa forma, preparado pelo narrador
antecipadamente, donde se esvai os contornos lineares caracter�sticos da
cita��o direta. �De maneira semelhante, quando reconhecemos uma
personagem c�mica no palco por seu estilo de maquilagem, sua roupa e sua


atitude geral, j� estamos prontos para rir mesmo antes de apreender o
sentido de suas palavras.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 173).

A variante mais completa do discurso direto dialoga com os contornos
puntiformes do estilo pict�rico e intensi..ca a rela��o das personagens com o
contexto narrativo n�o apenas como uma difus�o el�trica, mas tamb�m
como uma pincelada geometricamente disforme, como a de Pablo Picasso.
Chama-se essa variante de discurso citado antecipado e disseminado oculto
(DCADO). Nela, a consci�ncia do narrador e das personagens d� o tom da
prosa, ou seja, as infer�ncias, os julgamentos, as adjetiva��es e as de..ni��es
que poderiam ser inseridos entre aspas costumam materializarem-se como
se sa�dos da consci�ncia de qualquer personagem, como uma pincelada
sutil, uma interfer�ncia sapiente da voz do narrador na g�nese da
personagem.

O estilo linear apresenta contornos exteriores bem de..nidos e se
manifesta, prioritariamente, pelo discurso direto ret�rico (DDR).

Segundo Castro (2014), o DDR � uma das poucas formas de estilo
linear e acrescenta:

O DDR reproduz nos textos liter�rios aquilo que comumente se observa nas
nossas intera��es verbais, ou seja, perguntas ou exclama��es ret�ricas que
servem somente de artif�cio para preparar e entabular a sequ�ncia de um
discurso qualquer. Essas perguntas ou exclama��es podem aparecer de
forma direta como fala da personagem (colocada entre aspas) ou do
narrador, e a sequ�ncia que elas geram resulta num discurso partilhado
semanticamente por ambos. (CASTRO, 2014, p. 56).

Para Bakhtin/Vol�chinov (2009 [1929]), o discurso direto ret�rico goza
de uma localiza��o contextual atraente porque se assenta na fronteira
discursiva entre a narra��o e o discurso de outrem, o discurso citado, e
caracteriza-se, justamente, por sua inter-rela��o dial�gica, ou seja, adentra
diretamente em um ou outro discurso tanto com o aux�lio extralingu�stico
das aspas como tamb�m pelos travess�es. �, portanto, por meio dessas
ferramentas que o DDR elabora contornos exteriores � narra��o bem
de..nidos.


2.2.4.A DISCURSO INDIRETO LIVRE
Bakhtin/Voloch�nov (2009 [1929]) discordam de Tobler (1887) quando
ele de..ne o discurso indireto livre como uma �mistura� entre discurso direto
e discurso indireto. A palavra �mistura� incomoda os russos do c�rculo
bakhtiniano, por remeter a um sentido quase biol�gico, que implica uma
infer�ncia de iner�ncia ou gen�tica do discurso indireto livre como uma
composi��o apenas fabricada pela jun��o conjectural dos dois discursos:
direto e indireto. O c�rculo de Bakhtin entende o discurso indireto livre
como uma �apreens�o ativa da enuncia��o de outrem, de uma orienta��o
particular
da intera��o entre o discurso narrativo e o discurso citado.�
(Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 182).

O falante, contando fatos passados, introduz a enuncia��o de um terceiro
sob uma forma independente da narrativa, isto �, da forma que ela teve no
passado. Fazendo isso, o falante transforma o presente da enuncia��o em
imperfeito, para mostrar que a enuncia��o � contempor�nea dos
acontecimentos relatados. Depois ele, realiza outras transforma��es (das
formas pessoais do verbo, dos pronomes) para que n�o se pense que se trata
da pr�pria enuncia��o do narrador. (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p.
182).

Bakhtin/Voloch�nov (2009 [1929]), em seus estudos acerca do discurso
indireto livre, ou seja, do estilo verbal e dial�gico, consideram ainda outros
autores. Entre eles est� Kalepky (1899), que reconhece o DIL como uma
forma absolutamente emancipada de cita��o do discurso de outrem. Goza
de uma autonomia e de..ne o discurso indireto livre como um discurso
oculto
ou velado. (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 184).

� nessa forma discursiva, o DIL, que se confundem totalmente a voz do
narrador com a voz da personagem. A cita��o ocorre no limiar da narra��o,
sem aspas � ou qualquer marca��o. �A signi..ca��o lingu�stica dessa forma
reside no fato de que � preciso adivinhar quem tem a palavra.�
(Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 184). Segundo Bakhtin/Voloch�nov
(2009 [1929]), os estudos de Kalepky (1899) foram de grande contribui��o


para essa perspectiva estil�stica por compreenderem a dualidade dessa
orienta��o de estilo. Essa orienta��o reside no sentido de pensar a
compreens�o e a clareza de quem fala: o her�i ou o narrador; o autor ou a
personagem.

Para Bakhtin/Voloch�nov (2009 [1929]), o que faz o discurso indireto
livre uma forma estil�stica diferenciada � a maneira em que her�i e/ou
personagem se manifestam conjuntamente do autor e/ou do narrador. E �,
portanto, no limiar da mesma constru��o sint�tica que se manifestam duas
vozes distintas.

Bally (1912) deu a primeira designa��o dessa orienta��o estil�stica, que
chama de �Style indirect libre.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 185).
Considera o autor ser o DIL uma forma tardia do discurso indireto que
dialoga com o discurso direto. Trata-se de uma tend�ncia do discurso direto
na sua forma mais extremada. O autor sinaliza o DIL com a queda do �que�
e pondera ser dif�cil determinar onde inicia o estilo indireto livre e onde
come�a o discurso direto.

Lerch (1914) tamb�m trabalha elucidativamente nas quest�es do DIL
ao conceitualiz�-lo como �discurso enquanto fato.� (Bakhtin/Voloch�nov,
2009 [1929], p. 188). Para o autor, se trata de uma forma estil�stica mais
realista, ou seja, que conversa com a realidade no sentido de que seu efeito
produz concretude e vivacidade expressa no conte�do. �O discurso de
outrem � transmitido dessa forma como se o conte�do fosse um fato,
relatado pelo pr�prio autor.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 188).

Lorck (1921) investiga o discurso indireto livre e amplia a ideia do DIL
proposta por Lerch (1914) no que se refere � rela��o fato-realidade. Lorck
(1921) traz o conceito de vida para o discurso indireto livre e chama-o de
�Discurso vivido.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009 [1929], p. 189). Segundo o
autor, essa orienta��o estil�stica se fundamenta pela forma direta e sua
apreens�o. Trata-se do discurso de outrem apreendido pela representa��o de
sua forma direta dentro do discurso do autor e/ou do narrador.


Embora a conversa��o face a face, sua intera��o direta, seja parte
consubstancial da vida, o DIL � uma forma de estilo que n�o cabe �
oralidade, por ser, de certa forma, n�o transmiss�vel a uma terceira pessoa,
j� que se trata do discurso de outrem vivido duas vezes: uma vez pelo
primeiro autor, aquele criou o discurso em uso, e uma segunda vez por um
segundo autor, que revive o discurso do primeiro autor em seu pr�prio
discurso.

O discurso indireto livre, portanto, n�o � uma forma discursiva para a
conversa��o. Na oralidade, seria imposs�vel de..nir de quem a pessoa fala e
que voz representa; a sensa��o seria de algu�m falando consigo mesmo ou
sendo v�tima de algum tipo de del�rio ou alucina��o. �O discurso indireto
livre n�o � utilizado na conversa��o e serve apenas as representa��es de tipo
liter�rio. A�, o seu valor estil�stico � imenso.� (Bakhtin/Voloch�nov, 2009
[1929], p.189).

A imagina��o faz parte da vida e o DIL, trabalhado assim,
literariamente, funciona como vozes ouvidas em um sonho e, por isso, as
infer�ncias do leitor ao autor real e sua percep��o do que � a voz do autor e
do que � o discurso de outrem pela voz do autor se fazem necess�ria para a
identi..ca��o desse estilo no contexto narrativo.

Bakhtin/Voloch�nov (2009 [1929]) exempli..cam o discurso indireto
livre com um excerto do poema narrativo Poltava (1828/1829), de P�chkin:

Mas ele (Kotchubei) escondeu no fundo do seu cora��o uma c�lera
temer�ria. Na sua dor, privado de for�as, seus pensamentos voltam agora
para o t�mulo. N�o quer mal a Mazepa, sua ..lha �nica � a culpada. Mas a ela
tamb�m perdoa: que ela responda diante de Deus o ter esquecido o c�u e a lei,

o ter lan�ado a vergonha sobre a fam�lia... 18Entretanto, com seu olhar de
�guia ele procura no c�rculo dos seus familiares companheiros audazes,
inquebrant�veis, incorrupt�veis. (BAKHTIN/VOLOCH�NOV, 2009 [1929]),
p. 180).
Nota-se que o �ter esquecido o c�u e a terra, o ter lan�ado a vergonha
sobre a fam�lia� (BAKHTIN/VOLOCH�NOV, 2009 [1929], p. 180) pode ser

o discurso da pr�pria ..lha de Mazepa dirigido a ele, Kotchubei. Pode ser,

ainda, o discurso do pr�prio Kotchubei sobre suas impress�es em rela��o �

..lha de Mazepa etc. Uma an�lise mais precisa denotaria do contexto
narrativo uma re..ex�o mais aprofundada, todavia, de uma forma ou de
outra, despende para a imagina��o ou para o que Lerch chamou de
�sensibilidade simpatizante.� (BAKHTIN/VOLOCH�NOV, 2009 [1929], p.
192). Isto �, o discurso indireto livre permite apreender, por meio da
sensibilidade, o signi..cado mais adequado e/ou ainda, �d� a sensibilidade
sua express�o mais adequada.� (BAKHTIN/VOLOCH�NOV, 2009 [1929], p.
192).
O discurso indireto livre (DIL) tem, portanto, como caracter�sticas: ser
escrito, liter�rio, expresso de forma velada, conta com a participa��o do
audit�rio-leitor, com a imagina��o, com a sensibilidade e pode ser
entendido, grosso modo, como uma mistura dos discursos indireto e direto.
Entretanto, n�o � s� isso. O DIL � uma apreens�o ativa do discurso de
outrem no limiar da narra��o. Descarta, em alguns casos, o pronome
relativo �que� de subordina��o e dispensa as formas verbais introdut�rias do
discurso indireto e direto �pensou� e �disse�. Essa supress�o dos verbos
introdut�rios ligados ao discurso direto e ao discurso indireto torna poss�vel
apresentar o enunciado da personagem-protagonista, por exemplo, como se
ela mesmo estivesse ali, dizendo, por meio da voz do narrador, suas ideias e
aprecia��es. Essa possibilidade faz do discurso indireto livre uma
ferramenta not�ria de estilo para proporcionar aos her�is das narrativas e,
tamb�m, ao narrador, maior vivacidade, vida e veracidade. As personagens e

o narrador, com esse recurso, jogam com a sensa��o de trabalharem com os
fatos e n�o apenas com pensamentos ou palavras.
2.3 G�NERO E DISPOSI��O: CONSTRU��O
COMPOSICIONAL

�Uma das partes da ret�rica � a disposi��o. Nela, estuda-se como se
ordenam os argumentos, como se organiza o discurso. Sua estrutura��o
segue um plano, que � o que Bakhtin chamaria de constru��o
composicional.� (Fiorin, 2015, p. 233).

A constru��o composicional � a forma organizacional do discurso.
Trata-se de sua estrutura formal. Para ilustrar, poder�amos associ�-la �
estrutura dissertativa: introdu��o, desenvolvimento e conclus�o. Na Ret�rica
cl�ssica, � conhecida como dispositio: a disposi��o do discurso. �� na
disposi��o que se estuda a melhor forma de ordenar e aplicar os argumentos
e a organiza��o do discurso. � precisamente, donde os argumentos s�o
colocados em ordem.� (Fiorin, 2015, p. 233).

Na disposi��o e/ou constru��o composicional, nada pode ..car
fragmentado, tampouco em desordem, solto, impensado e n�o endere�ado.
O modelo discursivo deve se perpetuar e isso implica colocar os argumentos
em seus devidos lugares. Depois, colocar dentro de cada parte da
composi��o discursiva da disposi��o cada coisa no seu melhor lugar. Se
assim for, teremos uma constru��o harm�nica em que as partes conversar�o
entre si. Trata-se de um projeto arquitet�nico proposto pelo orador-autor.
�O orador constr�i seu discurso como um arquiteto constr�i um edif�cio.�
(Tringali, 2014, p. 158).

Fiorin (2008) utiliza a estrutura da carta e exempli..ca que � necess�rio
ancorar uma comunica��o diferida em um tempo, em um espa�o e em uma
rela��o de interlocu��o, de modo que sejam compreendidos os d�iticos
utilizados em determinada comunica��o. As cartas trazem consigo uma
forma, uma constru��o composicional, uma disposi��o: o local e a data em
que foram escritas, o nome de quem escreve e para quem se escreve.

Fairclough (2001) tamb�m evidencia um curioso tipo de atividade
social que tem uma constru��o composicional bem de..nida:

A atividade de comprar produtos em uma mercearia envolve o fregu�s e o
vendedor como tipos de sujeito designados, e uma sequ�ncia de a��es,
algumas das quais podem ser opcionais ou repetidas, conforme se segue: o


fregu�s entra na loja e aguarda a vez; o vendedor cumprimenta o fregu�s. O
fregu�s retribui o cumprimento, eles trocam amabilidades e solicita o pedido
da compra; o fregu�s faz o pedido da compra (possivelmente precedido por
uma sequ�ncia pr�-pedido como: �Como est�o as ma�as esta semana?� (�
�Bem as �Coxes� est�o boas�); o vendedor apanha as mercadorias (pesa,
empacota, etc.) e as entrega ao fregu�s. O fregu�s e o vendedor
possivelmente conversam sobre se as mercadorias s�o aceit�veis, se a
solicita��o no peso solicitado s�o aceit�veis, etc.; o fregu�s agradece ao
vendedor; o vendedor informa o fregu�s sobre o custo; o fregu�s paga; o
vendedor d� o troco e agradece ao fregu�s; o fregu�s agradece ao vendedor e
faz uma sauda��o de despedida; o vendedor retribui a sauda��o de
despedida. (Fairclough, 2001, p. 163).

O modelo de constru��o composicional ideal, na perspectiva da
ret�rica, � aquele que busca a persuas�o, que � o objetivo ..nal do discurso.
Para isso, � necess�ria uma estrat�gia organizacional bem de..nida. Por
exemplo, o discurso forense teve um papel pioneiro no avan�o de uma
constru��o composicional bastante organizada e coerente, ou seja, �coube ao
discurso forense come�ar a construir um plano geral que, ao depois, se
estendeu e se adaptou a outros g�neros.� (Tringali, 2014, p. 159).

Na ret�rica aristot�lica j� havia uma concep��o de g�nero que nos
direciona para uma compreens�o mais acertada da disposi��o do discurso.
Os g�neros ret�ricos s�o tr�s: o deliberativo, o judici�rio e o epid�tico.

O g�nero deliberativo � direcionado para o audit�rio e/ou leitor na
tomada de decis�o. Nas assembleias � o orador-autor coloca o audit�rio
nessa condi��o �, tem a ..nalidade de desaconselhar, aconselhar, de
dissuadir, de exortar. O audit�rio e/ou leitor deve decidir a favor ou contra
determinada causa. � um discurso que remete ao futuro. �O orador se
posiciona como um conselheiro que delibera sobre o futuro por meio de um
conselho de natureza pol�tica.� (Ferreira, 2010, p. 57). ��, pois, um discurso
que visa a deliberar sobre as quest�es do Estado, � um discurso pol�tico.�
(Fiorin, 2015, p. 233). O g�nero deliberativo move as paix�es do audit�rio e,
por isso, adv�m sempre de uma discuss�o acalorada.

�No g�nero judici�rio, a problem�tica diminui, pois h� maneiras de
resolver a quest�o por meio de debates e veri..ca��es sobre a ocorr�ncia de


fatos.� (Ferreira, 2010, p. 57-58). O judici�rio tem os ju�zes como audit�rio.
Trata-se de acusar ou defender. O homem bom e honesto e o homem
desonesto; a justi�a e a injusti�a. �, portanto, assentado em ju�zo de valores e
voltado ao passado.

O g�nero epid�tico e/ou laudat�rio se d� a partir de um ato p�blico em
que o audit�rio e/ou leitor aprecia as quest�es j� resolvidas. Trata-se de fazer
um elogio ou, �s vezes, uma censura. � denotar aprova��o ou desaprova��o,
e o audit�rio re..ete, n�o contesta. �Funda-se nos valores da beleza ou da
feiura. Est� apontado para o presente. � o g�nero do discurso
comemorativo, do elogio f�nebre, do paneg�rico.� (Fiorin, 2015, p. 233).

A constru��o composicional e/ou disposi��o � um elemento da tr�plice
constitutiva dos g�neros do discurso; os g�neros, segundo Bakhtin, gozam
de relativa estabilidade. Mas qualquer g�nero do discurso precisa ter um
norte, ser conexo, ter uma ordem. Mesmo as escolas da literatura
vanguardista � os surrealistas se norteiam pela escrita autom�tica � que s�o
regidas pelo inconsciente, teoricamente em desordem, t�m nesse
inconsciente uma ordem, um prop�sito: o des�gnio do pr�prio inconsciente.
Em outras palavras, para um g�nero do discurso hibridizar-se, precisa estar
bem fundamentado em sua disposi��o, ou seja, em sua constru��o
composicional.

N�o � f�cil consultar um texto e segui-lo se n�o houver planejamento;
portanto, a constru��o composicional � fundamental e exerce uma
in..u�ncia did�tica no discurso. Trata-se da estrutura discursiva do
enunciado. Uma padroniza��o que responde a um determinado g�nero do
discurso. Tringali (2014, p. 160) argumenta que �uma longa experi�ncia,
haurida na produ��o e an�lise de discursos, levou a constata��o que todo
discurso apresentava a tend�ncia de se compor de algumas partes
invariantes.�.

A organiza��o do g�nero do discurso � veri..c�vel pela constitui��o de
cinco partes envolvidas em sua disposi��o, ou seja, na constru��o


composicional, segundo Fiorin (2015): o ex�rdio,a narra��o,a confirma��o,
a digress�o ea perora��o.

O ex�rdio signi..ca a introdu��o do discurso. � pelo ex�rdio que o
orador-autor conquista o audit�rio, prende sua aten��o e exp�e o tema que
discorrera. Trata-se da apresenta��o da exposi��o discursiva, �o momento
em que o orador estabelece identi..ca��o com o audit�rio, por meio de um
conselho, um elogio, uma censura, conforme o g�nero do texto em causa.�
(Ferreira, 2010, p. 112). Tem como objetivo despertar a benevol�ncia no
audit�rio-leitor, assim como buscar sua docilidade, sua ades�o e apreender
sua aten��o.

No ex�rdio �compete observar se as palavras do autor se adaptam aos
desejos do audit�rio: o come�o � simples e sem aparato ou � so..sticado?
Como o orador demonstra autoridade para dizer o que diz?� (Ferreira, 2010,

p. 113). H� um n�vel representativo de import�ncia em orador-autor
proferir, j� no ex�rdio, a ideia central que apoiar� todo o desenvolvimento
do discurso.
O audit�rio e/ou leitor � preparado no ex�rdio para receber o orador-
autor, por meio da introdu��o. O ex�rdio deve motivar o audit�rio e/ou
leitor, que deve sentir-se acolhido e inspirado a continuar a ouvir o discurso.
O orador-autor deve proferir seu discurso com clareza. Deve parecer-se
simples e transmitir-se calma.

Segundo Tringali (2014), h� cinco elementos no ex�rdio: a sauda��o, a
apresenta��o do orador, o encaminhamento do assunto, um mote e uma
prece. A sauda��o deve responder a uma hierarquiza��o social de acordo
com o destinat�rio e deve parecer gentil com as pessoas escolhidas pelo
orador-autor; precisa respeitar as caracter�sticas de car�ter social de quem
ouve ou l� o discurso. A apresenta��o do orador, se este n�o foi apresentado
previamente, deve fazer-se ouvir, mostrando-se, deixando se ver. No
encaminhamento do assunto, o orador-autor oferece ao audit�rio e/ou leitor

o problema em quest�o ao iniciar sua narrativa. O mote � uma inspira��o,

que deve acompanhar todo o discurso. Trata-se de uma sugest�o em prosa
ou verso que seja uma cita��o imersiva pelo todo discursivo. A prece se
destina ao discurso sacro de Santo Agostinho, por exemplo.

Deve-se admitir que no ex�rdio n�o se devesse prometer aquilo que
n�o se cumprir�, ou seja, � aqui que se estabelece a primeira comunica��o.
Portanto, o orador-autor deve agradar seu leitor e/ou ouvinte e parecer
agrad�vel, conseguir a ades�o do audit�rio-leitor pela simpatia, pelo querer
bem, com o intuito de cativ�-lo. Trata-se da necessidade de apreender a
aten��o do leitor e/ou ouvinte de maneira que �se concentrem na exposi��o
do orador, dada a relev�ncia do assunto, n�o se distraindo, evitando assim os
�ru�dos�, que perturbam a comunica��o.� (Tringali, 2014, p. 162).

Na narra��o, pressup�e-se a exposi��o dos fatos; contam-se os
acontecimentos. A narra��o � uma constata��o do desenvolvimento
discursivo; �, portanto, constitutiva do discurso. Nela se d� a
contextualiza��o das quest�es e dos problemas; ela est� a servi�o da
argumenta��o. A narra��o trata da viabiliza��o pela exposi��o detalhada do
conte�do e dos fatos que o circunscrevem. �, grosso modo, a quest�o pela
qual se discutir� a causa do problema. Trata-se de discorrer detalhadamente
de maneira objetiva o discurso e veri..car a clareza em que � proferido. Na
narra��o, o discurso � ressaltado: �enunciam-se o fato com suas causas
(judici�rio), d�o-se exemplos (deliberativo), ilustra-se o texto com epis�dios
que ressaltem as qualidades (epid�tico).� (Ferreira, 2010, p. 113).

Na narra��o deve-se buscar um objetivo, a exposi��o, conforme a sua
conveni�ncia: �os fatos devem ser contados na ordem mais vantajosa. O
orador destaca o que mais lhe conv�m. O que acima de tudo importa � que a
narrativa seja adequada aos objetivos da argumenta��o e se poss�vel seja
atraente.� (Tringali, 2014, p. 165).

A perora��o � a �ltima parte da disposi��o, da constru��o
composicional do discurso. � nela que o orador-autor resgata, recapitula e
conclui o discurso com o intuito de elevar-se e ampli..car aquilo que foi dito.


Procura despertar paix�es, como a c�lera, a compaix�o, a calma etc. para

..nalizar seu discurso e envolver seu audit�rio e/ou leitor, pela afetividade
amalgamada � argumenta��o.
Nas palavras de Tringali (2014, p. 167), a perora��o � �o momento
decisivo,� o �grand ..nale�, e dela resultam as seguintes partes:

A amplica��o � A ampli..ca��o pode aparecer em outras partes do
discurso, mas s� no ..nal encontra-se seu lugar. Pelo que mais abaixo, se
cuidar� da ampli..ca��o como uma das partes eventuais e m�veis de todo
discurso.

A conclus�o � entre o que se recapitula o mais impotente � a conclus�o geral
do discurso. Nota-se que a conclus�o n�o � exclusiva e peculiar da perora��o.
Ela � mais forte na inven��o quando se monta a argumenta��o.

O apelo ao pat�tico � sendo este o momento mais prop�cio para comover,
embora n�o exclusivamente. Com esse objetivo � frequente lan�ar-se m�o de
prosopopeias, ap�strofes... (TRINGALI, 2014, p. 167).

Essa rela��o que Fiorin (2015) estabelece entre dispositio e constru��o
composicional � muito rica e elucidativa, levando-se em considera��o que,
embora se fale e se teorizem muito sobre g�neros, pouqu�ssimos trabalhos se
preocupam em de..nir o que � constru��o composicional. Esse elemento dos
g�neros do discurso n�o tem uma conceitua��o clara. Fiorin (2015) chama a
constru��o composicional e/ou disposi��o de plano, e acrescenta,
acertadamente, que �o plano, portanto, � uma organiza��o formal, que,
como em qualquer g�nero do discurso, que n�o admite uma padroniza��o
absoluta (Bakhtin, 1992: 300), admite certa liberdade ao enunciador.�
(Fiorin, 2015, p. 233).

2.4 O G�NERO DO DISCURSO PELA VIS�O DE
MEDVI�DEV
O g�nero, para Medvi�dev (2012), representa o todo da obra em sua
completude enunciativa; � o todo do enunciado. �Uma obra s� se torna real


quando toma a forma de determinado g�nero.� (Medvi�dev, 2012, p. 193).

O g�nero tem rela��o direta com a arte, de modo geral. Isso quer dizer
que, assim como a literatura, outras formas de arte, como as artes pl�sticas,
tamb�m gozam de um acabamento, de uma totalidade resolvida e
essencialmente acabada em seu todo. Esse acabamento � o que
determinamos como g�nero.

Por exemplo, dentro da esfera de atividade humana das artes pl�sticas,
temos o todo acabado do g�nero escultura: seus elementos constitutivos, sua
linguagem, seu tipo. Assim como na tela de arte temos o todo deste g�nero:
a pincelada, o artista, o autorretrato, o quadro, o suporte da tela etc., que s�o
elementos constitutivos do acabamento no g�nero quadro de arte.

Para Medvi�dev (2012), o acabamento � um problema essencial para a
de..ni��o de g�nero e exempli..ca o problema pela compara��o entre a arte e
a ci�ncia:

� su..ciente dizer que, com exce��o da arte, nenhum campo da cria��o
ideol�gica conhece o acabamento no sentido pr�prio da palavra. Fora da
arte, todo acabamento, todo ..nal, � convencional e super..cial e, antes de
tudo, determinado por causas externas, e n�o pelo acabamento interno e
exaurido do pr�prio objeto. A ..naliza��o de um trabalho cient�..co tem esse
car�ter relativo. Na realidade, um trabalho cient�..co nunca ..naliza: onde
acaba um, continua outro. A ci�ncia � uma unidade que nunca pode ser

..nalizada. Ela n�o pode ser fragmentada em uma s�rie de obras acabadas e
aut�nomas. (Medvi�dev, 2012, p. 194).
Ainda segundo Medvi�dev (2012), n�o se deve confundir o
acabamento com a ..naliza��o. A ..naliza��o, no caso de uma obra de arte,
dar-se-� pela sua perpetuidade hist�rica, ideol�gica e social. �Cada arte,
dependendo do material e de suas possibilidades construtivas, tem suas
maneiras e tipos de acabamento.� (Medvi�dev, 2012, p. 194).

A arte associada e fragmentada em g�neros torna poss�vel pensar em
categorias de acabamento, que representam o todo da obra. �Cada g�nero �
um tipo especial de constru��o e acabamento do todo e trata-se de um tipo


de acabamento tem�tico e essencial, e n�o convencional e composicional.�
(Medvi�dev, 2012, p. 194).

O g�nero, abordado em sua rela��o intr�nseca e tem�tica com a
realidade, tem uma percep��o, um olhar pr�prio, de entendimento da
pr�pria realidade, que est� acess�vel somente a ele, a seu estilo e a sua
composi��o. Por exemplo, uma instala��o art�stica, fundamentada com
esculturas que permitem brincar com o espa�o alcan�ar� dimens�es
espaciais dentro de uma sala de museu de um modo que uma pintura,
limitada pelo suporte espacial da tela, n�o alcan�aria. Os elementos da tela e
das esculturas e o espa�o de ambos s�o distintos, d�spares.

Na literatura, o meio de express�o � igualmente art�stico, por�m escrito,
e o suporte � tradicionalmente o livro; contudo, motivados pela palavra, os
g�neros, nesse caso, assim como nas artes pl�sticas, gozam de uma
apreens�o da pr�pria realidade que difere de g�nero para g�nero. O g�nero
l�rico apresenta uma composi��o diferente da do romance, por exemplo. A
forma de apreens�o do mundo na poesia tamb�m � diferente. As biogra..as
tamb�m diferem das novelas; as biogra..as t�m como elemento principal a
vida real, veri..c�vel, e as novelas se valem da ..c��o, daquilo que
gostar�amos que fosse real, a verossimilhan�a. �Cada um dos g�neros
efetivamente essenciais � um complexo sistema de meios e m�todos de
dom�nio consciente e de acabamento da realidade.� (Medvi�dev, 2012, p.
198).

A linguagem, seja ela pela cor, pelo gestual, pelo verbal ou pelo verbo-
visual, � um meio ideol�gico e..caz de apreens�o da realidade. Ou seja, o
homem entende sua realidade com a ajuda da l�ngua. Todavia, essa
informa��o n�o goza de uma verdade completa. N�o � a l�ngua,
genuinamente, que permite a totalidade da compreens�o ideol�gica do
mundo, mas estritamente o di�logo entre enunciados, que n�o � uma forma
apenas lingu�stica. �Pensamos e compreendemos por meio de conjuntos que
formam uma unidade: os enunciados. O enunciado n�o pode ser


compreendido como um todo lingu�stico, e suas formas n�o s�o sint�ticas.�
(Medvi�dev, 2012, p. 198).

Os enunciados tratam da linguagem no mundo e orientam o homem
na apreens�o da pr�pria realidade. Segundo Medvi�dev (2012), a
consci�ncia humana goza de variados g�neros interiores, que auxiliam na
compreens�o da realidade, e � a partir dessa interioridade humana,
in..uenciada pelo meio ideol�gico do homem, que �uma consci�ncia � mais
rica em g�neros, enquanto outra � mais pobre.� (Medvi�dev, 2012, p. 198).

Tanto a literatura quanto as artes pl�sticas enriquecem a compreens�o
de mundo e t�m forte participa��o no desenvolvimento ideol�gico e
humano, fundamentais para a tomada de consci�ncia e apreens�o da
realidade. Nossa consci�ncia, ao ter contato com a arte, se perde das fun��es

..nalizadoras do g�nero, porque, nesse caso, a consci�ncia, a priori, tenta
entender o que se l�. Contudo, tanto na literatura quanto nas artes pl�sticas,
o artista deve compreender e apreender a realidade a partir da perspectiva
de g�nero. �� imposs�vel separar o processo de vis�o e de compreens�o da
realidade do processo de sua encarna��o art�stica dentro das formas de
determinado g�nero.� (Medvi�dev, 2012, p. 199).
Embora, nas artes pl�sticas, o texto esteja sempre ligado � obra de arte,
designando, colorindo, analisando, idealizando e ajudando a construir uma
ideia associada a um valor, tratar-se-ia de uma ingenuidade considerar que o
espectador-leitor v� determinado trabalho e, logo, retrata ..elmente o que o
artista viu. A perspectiva de quem v� um trabalho de arte sofre in..u�ncia do
texto associado � obra e tamb�m a in..u�ncia do conhecimento de mundo
de quem v�. �Na verdade, a vis�o e a representa��o geralmente fundem-se.�
(Medvi�dev, 2012, p. 199).

Para Medvi�dev (2012), na literatura o processo de representa��o
acontece da mesma maneira. O autor pondera que o artista deve considerar
a realidade pela perspectiva de g�nero. � somente pela express�o que
aspectos singulares da realidade, depois de relacionados, s�o mais facilmente


compreendidos. Por exemplo, para escrever um romance � adequado olhar
para a vida pelos olhos da f�bula � g�nero do discurso � e pela
verossimilhan�a, aprofundando-se discursivamente em aspecto ofertado
pela pr�pria vida presentes na hist�ria de cada um de n�s. �O dom�nio da
�poca em seus diferentes aspectos � familiar, cotidiano, social ou psicol�gico

� acontece em uma liga��o ininterrupta com os meios de representa��o.�
(Medvi�dev, 2012, p. 199). Trata-se de constru��o e reconstru��o gen�ricodiscursiva
por meio da representa��o do mundo; criar um romance a partir
da fabula��o da vida.
H�, portanto, uma inter-rela��o imanente entre g�nero e realidade.
Tratar-se-�, o g�nero, ent�o, de uma busca na dire��o de uma realidade
social, representa��o do real e uma realidade constru�da.

O artista, por um lado, consegue ver a vida de modo ..losofado,
poetizado, representado; o cientista, por outro lado, n�o conseguir� ver a
vida ou conseguir� menos. Para se dominar a ci�ncia associada a
determinado g�nero, o cientista se cerca de meios, justi..cativas, objetivos,
categorias e m�todos no intuito de assenhorear-se dela. O cientista � capaz
de se apropriar de outros aspectos de liga��o com a vida, diferentemente do
biografo ou do romancista. O g�nero �, portanto, um agrupamento de meios
que se orientam coletivamente em busca da realidade; que s�o capazes de
entender, compreender e ampliar aspectos inerentes a esta e origina-se a
partir da comunica��o ideol�gica e das rela��es sociais.

2.5 G�NERO E SOCIORRET�RICA: UMA BREVE
EXPOSI��O
Temos maior consci�ncia de g�neros quando encontramos algum novo e
precisamos de alguma orienta��o para o que est� acontecendo.
Charles Bazerman


A sociorret�rica, especi..camente em Bazerman (2015), discute os
g�neros e a escrita em uma perspectiva sociol�gica, ret�rica, pelo olhar do
cotidiano. Em outros termos, ao considerar o texto do dia a dia, o escritor
cotidiano se orientar� no texto que produz por uma situacionalidade. Essa
situa��o transforma o g�nero em uma a��o social.

Uma de..ni��o da sociorret�rica bastante elucidativa para g�nero
envereda por um caminho conceitual simples: g�nero � saber onde se est�.
Quando, por exemplo, elencamos uma esfera de atividade humana, a
jornal�stica, e adentramos nela, poderemos transitar em alguns g�neros
dessa esfera: artigo de opini�o, cr�nica, reportagem, entrevista, carta ao
leitor etc. Se lemos uma entrevista jornal�stica, sabemos que nos
depararemos com uma alteridade que prev�, no m�nimo, dois enunciadores:

o entrevistador e o entrevistado.
A escrita est� al�m do tempo e do espa�o e pode fugir de conjunturas
sociais, de rela��es e de um funcionamento imediato. Portanto, nessa
situa��o, a intera��o deve ser um construto da imagina��o do escritor.19 O
leitor deve ser desenhado pelo escritor, que, por sua vez, depende do leitor
para uma reconstru��o dessa intera��o.

Bazerman (2015) assenta sua exempli..ca��o no g�nero carta, por ser
um g�nero absolutamente completo, constitu�do pela sua pr�pria constru��o
composicional como um g�nero interacional na ess�ncia. �Tipicamente
anunciam o escritor e o receptor pretendidos, frequentemente s�o datadas e
marcadas pelo seu lugar de origem.� (Bazerman, 2015, p. 31).

De fato, a carta n�o � apenas um g�nero do discurso, mas tamb�m uma
ferramenta social situada historicamente. Grandes autores liter�rios,
pintores, ..l�sofos e cientistas trocaram cartas no decorrer da hist�ria.
Algumas dessas cartas se tornaram verdadeiras obras de arte e � f�cil
entender os motivos: a assinatura, o nome pr�prio, especi..ca��es das
rela��es entre os participantes, suas sauda��es, a situa��o em que a carta foi
narrada, seu ex�rdio, o per�odo hist�rico, a forma em que foi escrita etc.


As cartas, portanto, gozam de marcadores sociais, interacionais, de
sociabilidade, donde o leitor pode perfeitamente localizar-se no lugar, no
tempo e no espa�o. Al�m disso, pode-se considerar a carta um g�nero do
discurso inicial para a escrita, que remete � conversa��o face a face, imita o
di�logo presencial e solidi..ca a relev�ncia social da escrita do g�nero e do
discurso ao longo do tempo.

A simples ideia de remetente e destinat�rio do g�nero carta ajudou, por
meio da escrita, � cria��o constitutiva de outros g�neros do discurso
igualmente �teis para a comunica��o e para o desenvolvimento humano: as
not�cias, os romances liter�rios, os �picos, as poesias. Ajudou tamb�m a
atribuir forma e signi..cado a g�neros escritos do dia a dia: �relat�rios
comerciais, revistas cient�..cas, jornais e revistas e at� instrumentos

..nanceiros como as cartas de cr�dito, cheques e papel moeda.� (Bazerman,
2015, p. 32).
� fato que, na contemporaneidade, com a velocidade das informa��es,
novos g�neros do discurso, digitais ou n�o, foram aparecendo, e o
letramento social, com essa diversidade de textos que se conhece no dia a
dia, ganha relev�ncia social de pertinente express�o. Quando
desconhecemos um g�nero, logo tendemos a pesquisar mais sobre ele, e,
para isso, se faz uso de outros g�neros escritos para chegarmos ao
entendimento daquele que nos � desconhecido.

Assim como na carta, se mandamos uma mensagem de WhatsApp,
conhecemos nosso destinat�rio, e sabemos, hoje em dia, se ele recebeu nossa
mensagem ou n�o de maneira quase que imediata. Podemos tamb�m
receber a resposta do destinat�rio quase que imediatamente, assim que a
mensagem chega. Trata-se de um g�nero digital que remete � conversa��o
face a face, assim como o g�nero carta de outrora, por exemplo.

G�neros gozam de caracter�sticas que est�o al�m da sua forma e de seu
conte�do e s�o fundamentais para a escrita, � medida que trabalhar
determinado g�nero signi..ca escrever dentro de determinado contexto; os


g�neros ajudam a contextualizar a escrita. Quando se pensa em determinado
g�nero para escrever, como o conto, a cr�nica, a poesia e a biogra..a, o
pesadelo da p�gina em branco � atenuado. Os g�neros d�o um
�empurr�ozinho� para se come�ar a escrever. Os g�neros s�o um meio de
realiza��o.

O g�nero objetiva a escrita, que se assenta em uma materialidade
gen�rico-discursiva pr�-estabelecida historicamente. Al�m disso, o g�nero
avisa previamente o leitor sobre o texto que ele vai ler.

A intertextualidade � abordada tamb�m por Bazerman (2015) como
uma categoria facilitada pela no��o de g�nero. Se pensarmos na esfera de
atividade humana, no cinema, a s�tima arte, o di�logo intertextos �
absolutamente rico. Um exemplo claro de intertextualidade � o ..lme Jogador
N� 1, de Steven Spielberg, (2018), em que o enredo se passa no futuro e a
prefer�ncia dos protagonistas est� em viver pela realidade virtual. Dentro
dessa realidade virtual, os protagonistas vivenciam experi�ncias que
conversam com alguns ..lmes de aventura de Spielberg, como Jurassic Park
(1993) e De Volta para o Futuro (1985), al�m de refer�ncias ao g�nero do
discurso suspense, com a men��o ao Alien, o oitavo passageiro (1979),
dirigido por Ridley Scott, e ainda uma visita��o dos protagonistas ao ..lme O
iluminado (1980), cl�ssico de terror psicol�gico de Stanley Kubrick.
Portanto, dentro do g�nero aventura-fantasia de Jogador N� 1, a a��o das
personagens se ajusta a situa��es sociais, hist�ricas e culturais j�
desenvolvidas e �relaciona-se a textos anteriormente escritos que s�o
relevantes a esse sistema de atividade.� (Bazerman, 2015, p. 35).

Os g�neros, de modo geral, se inserem em um modo de atividade
comum a n�s, em que nos reconhecemos e nos localizamos historicamente,
no tempo, na nossa pr�pria vida, nas hist�rias de vida do nosso audit�rio-
leitor por meio dos textos, da escrita e, portanto, est� al�m da forma textual
propriamente dita. O g�nero representa uma inser��o da escrita e do texto
na vida do homem constitu�do s�cio-historicamente como uma categoria


socialmente reconhec�vel, amparada por uma constru��o composicional
discursiva.

2.6 O G�NERO PELA VIS�O DE TODOROV
Sabemos que cada interpreta��o da hist�ria se faz a partir do momento
presente, assim como a do espa�o se constr�i a partir daqui, e a do outro a
partir do eu.
Tzvetan Todorov

Os estudos de g�nero, de modo geral, receberam, aproximadamente,
nos �ltimos 30 anos, uma variedade substancial de pondera��es,
categoriza��es e de..ni��es. As considera��es atuais sobre g�nero divergem
das conceitua��es que reconhecem tipos textuais quase sinonimicamente
como g�neros textuais. O conceito de g�nero e tipologia textual s�o coisas
distintas, j� que o conceito de g�nero ..cou associado a uma variedade de
textos inseridos em uma esfera social de atividade.

Alguns estudiosos, nas mais variadas disciplinas � lingu�stica aplicada,
ret�rica, estudo da escrita, ingl�s como l�ngua estrangeira, an�lise cr�tica do
discurso, teoria liter�ria �, est�o investigando os g�neros como uma
ferramenta ret�rica e..caz, porque, ao consider�-lo um constructo ret�rico e
responsivo de intera��o, em situa��es recorrentes na l�ngua, o g�nero
funciona como um recurso signi..cativo, dentre outras coisas, para explorar
aquisi��o de letramento, por exemplo.

Al�m disso, os g�neros podem ser atribu�dos acertadamente a
determinado campo de atividade humana e seu funcionamento, o que
implica condi��es s�cio-hist�ricas de produ��o. �O g�nero passou a ser
menos como modo de organizar tipos de texto e mais como um poderoso
formador de textos, sentidos e a��es sociais, ideologicamente ativo e
historicamente cambiante.� (Bewarshi-Reiff, 2013, p. 16).


Os g�neros, no s�culo XIX, j� n�o eram mais t�o fechados em seus
c�nones, ou seja, o romance poderia gozar de elementos da biogra..a e a
poesia de elementos da prosa. Ent�o, �poesia, romance, parecem se
desagregar.� (Todorov, 2018, p. 59). A literatura parece sofrer, e os autores
tamb�m, pois a literatura n�o suportava mais a diverg�ncia dos g�neros, que
ansiavam em pedir desquite de suas estruturas r�gidas. Blanchot
(TODOROV, 2018, p. 60) fala acertadamente dessa desagrega��o: �o que
importa � apenas o livro, tal como ele �, longe dos g�neros, para al�m das
rubricas, prosa, poesia, romance, testemunho, dentro das quais ele se recusa
a se encaixar e �s quais nega seu poder de ..xar seu lugar e de determinar sua
forma�.

Para Todorov (2018), se entendermos que determinada obra
desobedece a seu g�nero, isso n�o torn�-lo-ia inexistente. Ou seja, para que
haja transgress�o de um determinado g�nero, ou melhor, da constru��o
composicional desse g�nero, essa estrutura precisa existir. Se um poema �
escrito em prosa, ele � transgrediente � constru��o composicional primeira,
que �, tradicionalmente, o verso.

Todorov (2018), ao fazer a pergunta sobre a origem dos g�neros e de
onde eles v�m, responde imediatamente: �Simplesmente, dos outros
g�neros.� (Todorov, 2018, p. 63). E acrescenta:

Um novo g�nero � sempre a transforma��o de um ou de v�rios g�neros
antigos: por invers�o, por deslocamento, por combina��o. Um �texto� de
hoje em dia (isso tamb�m � um g�nero, em um de seus sentidos) deve tanto
� �poesia� quanto ao �romance� do s�culo XIX. Nunca houve literatura sem
g�nero, esse � um sistema em cont�nua transforma��o, e a quest�o das
origens n�o pode deixar, historicamente, o terreno dos pr�prios g�neros; no
tempo, n�o h� antes dos g�neros. (Todorov, 2018, p. 64).

�Os g�neros s�o classes de textos� (Todorov, 2018, p. 64), ou seja, se
trata de uma categoria classi..cat�ria. A literatura, por conseguinte, � textual.
Todorov (2018) considera que texto e discurso s�o usados sinonimicamente
e explica que se trata de um erro. O texto, segundo o autor, poderia ser
descrito � por algu�m � como uma sequ�ncia de frases.


Todorov (2018) associa o texto � frase e enuncia��o ao discurso. �A
frase � uma combina��o de palavras poss�vel e n�o tem uma enuncia��o
concreta.� (Todorov, 2018, p. 65). Para o autor, o contexto social determina o
discurso pela enuncia��o. �Um discurso n�o � feito de frases, mas de frases
enunciadas ou, mais suscintamente, de enunciados. Ora, a interpreta��o do
enunciado, � determinada, por um lado, pela frase que se enuncia e por
outro, por sua pr�pria enuncia��o.� (Todorov, 2018, p. 65). A enuncia��o
pressup�e um locutor que enuncia, um receptor a quem o enunciado se
dirigi e o discurso, que antecede o enunciado e que tamb�m o sucede em
�um contexto de enuncia��o.� (Todorov, 2018, p. 65).

Os g�neros e sua exist�ncia hist�rica s�o distintos pelo discurso sobre o
g�nero. Trata-se de um encontro discursivo entre dois conceitos: o de g�nero
e o de discurso. Todorov (2018) chama esse encontro discursivo de
metadiscursivo: porque fundamentado nos testemunhos ao longo da
hist�ria sobre g�nero, o autor conclui que a conceitualiza��o de g�nero
tratar-se-ia de um discurso do discurso, ou seja, um discurso
metadiscursivo sobre g�neros que s�o discursivos em sua ess�ncia.

Segundo Todorov (2018, p. 67), os g�neros podem ser abalizados sob
duas perspectivas: �o da observa��o emp�rica e o da an�lise abstrata.�. O
autor complementa: �em uma sociedade, institucionaliza-se a recorr�ncia de
certas propriedades discursivas, e os textos individuais s�o produzidos e
percebidos em rela��o � norma que constitui essa codi..ca��o.� (Todorov,
2018, p. 67).

Leiamos, nas palavras exatas de Todorov (2018) sobre os g�neros e o
discurso, o que s�o as propriedades discursivas:

�Propriedade discursiva� � uma express�o que compreendo em um sentido
inclusivo. Todos sabem que, mesmo que nos atenhamos apenas aos g�neros
liter�rios, qualquer aspecto do discurso pode se tornar obrigat�rio. A can��o
se op�e ao poema por tra�os fon�ticos; o soneto � diferente da balada em sua
fonologia; a trag�dia se op�e � com�dia por elementos tem�ticos; o conto de
suspense difere do romance policial cl�ssico pela organiza��o de sua intriga;


por ..m, a autobiogra..a se distingui do romance porque o autor pretende
contar fatos, e n�o construir ..c��es. (TODOROV, 2018, p. 68).

Todorov (2018) conecta a quest�o do g�nero com o ato de fala. A
diferen�a de um ato de fala para outro ato de fala, entre um g�nero e outro
g�nero, situa-se em qualquer n�vel ou lugar do discurso. �Os g�neros
funcionam como uma institui��o� (Todorov, 2018, p. 69), e seu
funcionamento se d� para os autores como um ideal de escrita, um modelo a
ser seguido. � pelo caminho institucional que os g�neros conversam com a
sociedade em que eles est�o inseridos e da� atuam em esferas de atividade.
Os atos de fala est�o inseridos em qualquer sociedade e essa realidade,
portanto, permite pensar nos g�neros n�o liter�rios como processo inerente
� atividade humana.

Ao admitir que todos os g�neros s�o provenientes de atos de fala,
Todorov (2018, p. 70) se pergunta: �como explicar que os atos de fala n�o
produzem g�neros liter�rios?�. Essa resposta se relaciona com a ideia de que
cada sociedade, de acordo com sua ideologia, que � marcada por um dado,
por um momento hist�rico, possui g�neros sociais que revelam uma
ideologia. Os mesmos g�neros podem ser ausentes em outra sociedade,
porque obedecem a outro tipo de ideologia. Os her�is coletivos da Il�ada,
por exemplo, gozam de uma concep��o diferente do romance moderno que
possibilita o her�i individual. Essas escolhas autorais se submetem �
ideologia dominante de determinada �poca de acordo com o quadro
ideol�gico que o g�nero ali manifesta.

H�, portanto, alguma diferen�a substancial entre os atos de fala e os
g�neros liter�rios? �Rezar � um ato de fala; a prece � um g�nero (que pode
ou n�o ser liter�rio): a diferen�a � m�nima. Mas, para tomar outro exemplo:
contar � um ato de fala, e o romance, com certeza, um g�nero que conta
algo.� (Todorov, 2018, p. 73). E, se pensarmos no soneto, esse � um g�nero
liter�rio cl�ssico, que n�o � uma atividade verbal. Em outras palavras, n�o se
sai oralmente �sonetando�20 por a�.


O g�nero se de..ne historicamente amalgamado as propriedades
discursivas, que sofrem com a aus�ncia de dois componentes dessa
conceitualiza��o discursiva: as realidades hist�rica e discursiva. Para
Todorov (2018), a realidade discursiva da po�tica, por exemplo, est� nos
n�veis do texto, nos modos, nos registros, nas formas e no estilo. �O �estilo
nobre� ou a �narrativa em primeira pessoa� s�o bem realidades discursivas,
mas n�o podemos ..x�-las em um �nico momento de tempo.� (Todorov,
2018, p. 71). Na realidade hist�rica, a associa��o com o g�nero ocorre pela
hist�ria liter�ria do mundo circunscrita por institui��es sociais e ideol�gicas
como a escola.

S�o a partir dessas proposi��es, relativas a g�neros do discurso, que
pensamos em discutir dois g�neros de uma esfera de atividade humana de
reconhecida import�ncia: a reportagem (jornalismo) e a biogra..a
(literatura). Olhemos no pr�ximo cap�tulo as caracter�sticas provenientes do
g�nero do discurso reportagem, sua estrutura, suas rami..ca��es e suas
rela��es com outros g�neros reconhecidamente jornal�sticos, por exemplo, a
entrevista e a not�cia.

15 Retomaremos no item 2.3.2. (a elocutio) uma exempli..ca��o da met�fora ligada ao estilo.

16 Tese de doutorado em L�ngua Portuguesa � Programa de estudos P�s-graduados em L�ngua
Portuguesa, Pontif�cia Universidade Cat�lica de S�o Paulo, 2018.

17 Por hegemonia, Fairclough (2001) entende que o conceito est� ligado � lideran�a, assim como �
domina��o, especi..camente nos campos econ�micos, pol�ticos e culturais de uma sociedade. Trata-
se de poder das classes economicamente dominantes, associadas �s for�as sociais, que propiciam
certo desiquil�brio. �Hegemonia � a constru��o de alian�as e a integra��o muito mais do que a
domina��o de classes subalternas, mediante concess�es ou meios ideol�gicos para ganhar seu
consentimento� (FAIRCLOUGH, 2001, p. 122). Esses meios ideol�gicos podem ser a escola, a
fam�lia, a pol�cia e os sindicatos, e � dessa luta ideol�gica entre classes que se assenta a hegemonia

de determinadas classes da sociedade civil em detrimento de outras.

18 Grifos nossos.

19 Lembremos que escritor, nessa concep��o, difere de autor. O autor publica sua obra.


20 Grifo nosso.



3. A REPORTAGEM: UM G�NERO DO
DISCURSO
Dentre os g�neros do discurso que comp�em a esfera jornal�stica,
temos a entrevista, o editorial, a coluna, o artigo de opini�o, a not�cia, a
cr�nica e a reportagem. Todos eles s�o produzidos por um locutor, um
autor, em uma atividade sociopro..ssional que � o jornalismo.

Segundo Melo (2003) o maior desa..o da esfera jornal�stica �
estabelecer-se com cienti..cidade. Para o autor, o jornalismo est� carente de
uma identidade como campo de conhecimento. Isso acontece,
possivelmente, �pela capta��o, registro e difus�o da informa��o da
atualidade� (MELO, 2003, p. 42), que s�o sistematizados pelos recursos
imanentes � sociedade: processos sociais.

Complementa Melo (2003):

Tais processos, que envolvem de um lado as institui��es jornal�sticas e de
outro as coletividades em que atuam, articulando-se necessariamente com o
organismo social de que se nutrem e se transformam, podem ser
imediatamente observ�veis atrav�s do relato que constitui seu tra�o
marcante. Em outras palavras, do seu discurso manifesto. Dos escritos, sons
e imagens que representam e reproduzem a atualidade, tornando-a
indiretamente percept�vel. (MELO, 2003, p. 42).

Os g�neros jornal�sticos consubstanciam-se do estilo que determinado
jornalista tem de se expressar, mas, sobretudo, pelo relato informativo.


Todavia, a linguagem deve ser clara, do dia a dia, efetivamente fomentadora
e interessante. Melo (2003) conceitua acertadamente que �a ess�ncia do
estilo jornal�stico estaria na tentativa de fazer o relato do cotidiano
utilizando uma linguagem capaz de estar sintonizada com o que Mart�n
Vivaldi chama de �linguagem da vida.� (MELO, 2003, p. 42).

O estilo est� ligado intrinsecamente aos g�neros jornal�sticos. Melo
(2003) separa em classi..ca��es europeias e norte-americanas, hispanoamericanas
e em classi..ca��es brasileiras. Discutiremos, neste momento, as
classi..ca��es brasileiras, levando-se em considera��o a no��o de g�nero
ligado ao estilo e as categorias a que cada g�nero est� associado.

Baseado na classi..ca��o de Beltr�o (1972), Melo (2003) apresenta tr�s
categorias de g�neros jornal�sticos:

A) Jornalismo informativo

1. Not�cia
2. Reportagem
3. Hist�ria de interesse humano
4. Informa��es pela imagem
B) Jornalismo interpretativo
5. Reportagem em profundidade
C) Jornalismo opinativo
6. Editorial
7. Artigo
8. Cr�nica
9. Opini�o ilustrada
10. Opini�o do leitor

A primeira categoria, jornalismo informativo, � a categoria que mais
efetivamente nos interessa, por se tratar de uma classi..ca��o absolutamente
funcional. A partir dessa perspectiva de Beltr�o (1972), em que o autor, de
maneira clara, vai ponderar serem essas as fun��es dos g�neros jornal�sticos
de informa��o, na aproxima��o com o seu p�blico-alvo, audit�rio, leitor:
�informar, explicar orientar�. (Melo, 2003, p. 60).

Segundo Melo (2003, p. 60), considera-se que o procedimento
jornal�stico, como uma atividade pro..ssional informativa e formadora de
opini�o, deve sempre estabelecer-se pela seriedade, ou seja, n�o tem lugar
para a divers�o. Necessita con..gurar-se pelo �universo estrito do real, da
verdade, da atualidade.� (MELO, 2003, p.60).

Para Melo (2003), Beltr�o (1972), em sua classi..ca��o, comete alguns
equ�vocos � por exemplo, ao categorizar reportagem e reportagem em
profundidade, separando-as em dois g�neros. O autor acrescenta:

Na verdade a..guram-se nos como esp�cies de um mesmo g�nero � a
reportagem � uma, a pequena reportagem (inevitavelmente super..cial pela
conting�ncia da celeridade com que os fatos devem ser divulgados no seu
acontecer); outra a grande reportagem (naturalmente mais profunda, pela
disponibilidade de tempo que se oferece ao rep�rter ou a equipe de
reportagem para pesquisar, re..etir, avaliar, distanciando-se, portanto, da
press�o anal�tica que caracteriza os relatos jornal�sticos imediatos). (MELO,
2003, p. 60-61).

Da� parece que se d� a diferen�a entre as reportagens factuais e as
reportagens documentais. As factuais nascem da celeridade que os fatos t�m
para serem divulgados. Emanam de reportagens menores, din�micas de
fatos do cotidiano, por exemplo, uma ponte que caiu, um engavetamento na
Marginal Tiet� etc. A reportagem documental � o que Beltr�o chama de
reportagem em profundidade, j� que, para que seja constitu�da, necessita de
pesquisa, re..ex�o e uma aprofundada avalia��o conceitual: uma an�lise dos
relatos imediatos.

A conceitua��o de Beltr�o (1972) que condiz com a classi..ca��o
opini�o do leitor caracteriza-se por g�neros do discurso muito conhecidos


por todos n�s: a carta ao leitor (popularizada por jornais como a Folha de S.
Paulo e a revista Veja), os depoimentos, as enquetes e as entrevistas.

Melo (2003) chama aten��o para uma pequena confus�o entre a
manifesta��o do leitor, como a carta, que � uma interfer�ncia do leitor de
forma espont�nea, e a coleta jornal�stica de informa��es pela sociedade, por
meio do depoimento, da enquete e da entrevista. O autor complementa
assertivamente:

Parece-nos que existe a� uma certa confus�o entre o discurso aut�nomo do
leitor na estrutura do processo jornal�stico e os mecanismos utiliz�veis para
captar as informa��es ou opini�es na sociedade. Nesse caso, as enquetes e os
depoimentos, seriam instrumentos de capta��o, que tomam forma no
discurso manifesto atrav�s das not�cias ou das reportagens. O mesmo
acontece com as entrevistas, a n�o ser que assumam a natureza de um relato
onde jornalista e entrevistado se confrontem atrav�s de reprodu��o das suas
pr�prias palavras. (MELO, 2003, p. 62).

Melo (2003) considera que a articula��o de Beltr�o (1972) �
absolutamente relevante, principalmente por ter eclodido da observa��o
cotidiana, ou seja, nasceu do fazer, do emp�rico. Todavia, Melo (2003)
prop�e uma classi..ca��o pr�pria, fundamentada, grosso modo, no que
entende pela reprodu��o do real e da leitura do real.

Para o autor, o jornalista desenvolve-se na fun��o de dois n�cleos: a
informa��o � conhecer o que se passa � e a opini�o � conhecer o que se
pensa sobre aquilo que se passa. Por isso, o relato jornal�stico � detentor de
duas vers�es: �a descri��o e a vers�o dos fatos.� (MELO, 2003, p. 63).

Melo (2003, p. 64) separa os g�neros entre aqueles que s�o informativos
e aqueles que s�o opinativos e pondera que essa distin��o se faz necess�ria
por considerar �a articula��o que existe do ponto de vista processual entre
os acontecimentos (real), sua express�o jornal�stica (relato) e a express�o
pela coletividade (leitura).�.

Os g�neros que se estabelecem pelo ponto de partida da informa��o
carecem de elementos que se manifestam fora das institui��es jornal�sticas.
Trata-se da media��o elaborada entre os jornalistas e a sociedade: os


pro..ssionais de jornalismos e seus protagonistas, personalidades, atores
sociais, que propiciam os relatos, as informa��es, a hist�ria. J� nos g�neros
que personi..cam a esfera de opini�o, a mensagem � determinada, escolhida,
selecionada pela institui��o jornal�stica �e que assumem duas fei��es: autoria
(quem emite a opini�o) e angulagem (perspectiva temporal ou espacial que
d� sentido a opini�o).� (MELO, 2003, p. 65).

A classi..ca��o de Melo:

A) Jornalismo informativo

1. Nota
2. Not�cia
3. Reportagem
4. Entrevista
B) Jornalismo opinativo
5. Editorial
6. Coment�rio
7. Artigo
8. Resenha
9. Coluna
10. Cr�nica
11. Caricatura
12. Carta
O autor faz uma distin��o consideravelmente boa entre os g�neros da
esfera informativa:
A distin��o entre nota,a not�cia ea reportagem est� exatamente na
progress�o dos acontecimentos, sua capta��o pela institui��o jornal�stica e a


acessibilidade de que goza o p�blico. A nota corresponde ao relato de
acontecimentos que est�o em processo de con..gura��o e por isso � mais
frequente no r�dio e na televis�o. A not�cia � o relato integral de um fato que
j� eclodiu no organismo social. A reportagem � o relato ampliado de um
acontecimento que j� repercutiu no organismo social e reproduziu altera��es
que s�o percebidas pela institui��o jornal�stica. Por sua vez, a entrevista � um
relato que privilegia um ou mais protagonistas do acontecer, possibilitandolhes
um contato direto com a coletividade. (MELO, 2003, p. 65-66).

A reportagem, portanto, n�o � genuinamente uma not�cia, embora
converse tanto com a not�cia quanto com a entrevista. A not�cia � um g�nero
cujo locutor pretende divulgar um acontecimento, ou eventos de natureza
social, econ�mica, pol�tica, cultural, e a entrevista, por sua vez, interpela
uma personagem e prev� perguntas e respostas a partir de uma tr�plice
constitutiva: entrevistador, entrevistado e audit�rio.

Na not�cia, encontramos informa��es das mais variadas: not�cias de
utilidade p�blica, ou seja, se trata do que o p�blico precisa saber. Aquilo que

o p�blico precisa falar dialoga com o g�nero not�cia, todavia, o falar do
p�blico ao p�blico se assenta melhor no g�nero reportagem.
H� um leque de informa��es que chegam diariamente nas m�os dos
jornalistas, entretanto, somente informa��es realmente relevantes nos
contextos social, pol�tico, cultural chegam aos olhos do p�blico e viram
not�cia. O que deve ou n�o deve virar not�cia � um problema metodol�gico
a ser resolvido.

Pena (2005) utiliza, para exempli..car o conceito de not�cia, uma
perspectiva conhecida como newsmaking, fazendo not�cia, que pondera ser

o trabalho de jornalismo �uma constru��o social da realidade.� (PENA,
2005, p. 71). Considera ainda que os crit�rios daquilo que dever� e daquilo
que n�o dever� virar not�cia s�o dos jornalistas e nasce da experi�ncia do
pro..ssional e de seu instinto jornal�stico. Todavia, Wolf (apud PENA, 2005,
p. 72) categoriza alguns ju�zos de valores para a informa��o tornar-se
not�cia:

Categorias substantivas

-Import�ncia dos envolvidos
-Quantidade de pessoas envolvidas
-Interesse nacional
-Interesse humano
-Feitos excepcionais;

Categorias relativas ao produto

-Brevidade -> nos limites do jornal
-Atualidade
-Novidade
-Organiza��o interna da empresa
-Qualidade -> ritmo, a��o dram�tica
-Equil�brio -> diversi..car assuntos

Categorias relativas ao meio de informa��o

-Acessibilidade � fonte/local
-Formata��o pr�via/manuais
-Pol�tica editorial

Categorias relativas ao p�blico

-Plena identi..ca��o de personagens
-Servi�o/interesse p�blico
-Protetividade -> evitar suic�dios etc.

Categorias relativas � concorr�ncia


-Exclusividade ou furo
-Gerar expectativas
-Modelos referenciais

Segundo Silva (2012), a not�cia � um g�nero pelo qual o texto �
constru�do para responder as seguintes perguntas: Quem, o que, quando,
onde, como, por qu�. O autor exempli..ca com o texto �Choque na A1 fez
dois mortos e tr�s feridos�:

Dois automobilistas morreram ontem carbonizados na sequ�ncia de uma
colis�o entre duas viaturas na Autoestrada do Norte (A1), pr�ximo da �rea
de servi�o da Mealhada.
Segundo fonte da Guarda Nacional Republicana, o choque, que fez incendiar
os dois autom�veis envolvidos, ocorreu por volta das 13h30. Da colis�o entre
os dias viaturas, que circulavam no sentido sul-norte, resultaram ainda
ferimentos em mais tr�s ocupantes.
As duas v�timas mortais viajaram no mesmo autom�vel, um Renault 9, �j�
antigo�, precisou a mesma fonte da GNR. Os tr�s ocupantes da segunda
viatura sofreram ferimentos ligeiros e foram transportados para Hospitais da
Universidade de Coimbra, para observa��es.
A circula��o junto a �rea de Servi�o da Mealhada s� foi restabelecida cerca
das 17h23. Durante quase quatro horas, os automobilistas que circulavam na
A1 no sentido sul-norte tiveram de sair no n� de Coimbra Norte, transitar
pela Estrada Nacional 1, e reencontrar a Autoestrada do Norte pelo n� da
Mealhada.
Ainda de acordo com fonte da Guarda Nacional Republicana, ap�s a
remo��o das viaturas e dos corpos das v�timas, a circula��o ..cou
completamente normalizada, e n�o se veri..caram problemas de ..uidez.
(Silva, 2012, p. 67).

De ess�ncia informativa, a not�cia tem como caracter�stica principal a
informa��o. Segundo Cunha (2010), o texto informativo perscruta fazer
saber; al�m disso, s�o tipos textuais narrativos com verbos que ..ertam com

o passado e est�o constantemente em terceira pessoa. �No caso de not�cias
mais desenvolvidas, como as das revistas semanais, as perguntas como? Por
qu�? e da�? Tamb�m s�o respondidas, devido ao car�ter explicativo dos
textos nesse suporte.� (Cunha, 2010, p. 183).
A not�cia, de um modo geral, � um g�nero do discurso que refrata o
cotidiano das pessoas, nosso dia a dia. Trata-se de um g�nero discursivo do


real, do acontecimento, e, portanto, est� presente em in�meros lugares e
diversos suportes. �Mesmo quando n�o a procuramos, as not�cias chegam
at� n�s sem �pedir licen�a� e se nos apresentam, exibem-se para n�s como
que clamando para serem lidas.� (Filho, 2011, p. 90).

Segundo Filho (2011, p. 91), uma das maneiras relevantes para
conseguir a ades�o do p�blico a que s�o destinadas as not�cias � o que ele
chama de �uso das ret�ricas das emo��es.�. Trata-se das not�cias de vi�s
sensacionalista, os relatos de crimes, acidentes, viol�ncias etc. Para Filho
(2011), essa � a justi..cativa de tabloides, revistas de fofocas e jornais
sensacionalistas venderem mais exemplares do que os jornais considerados
s�rios. Os fatos pesados, que causam impacto negativo, surpreendem,
chocam os leitores, gozam de um elemento que � absolutamente persuasivo:
os n�meros. Os n�meros s�o um elemento estil�stico e persuasivo desse tipo
de not�cia. Os n�meros trazem uma ilus�o de verdade, veridic��o e,
portanto, de maneira l�dica, passam a sensa��o de serem inquestion�veis.

Filho (2011) nos d� um exemplo de uma not�cia constru�da com
n�meros. Passa-se a ideia do fato ser relevante pelos dados num�ricos, o que
faz da not�cia algo de extraordin�rio:

Quase 100%
dos voos devem operar na Europa nesta quinta-feira depois que
as restri��es ao espa�o a�reo de cerca de 20
pa�ses do continente foram
canceladas, dando ..m a quase uma semana de caos ocasionada pela nuvem
de cinzas de um vulc�o na Isl�ndia.
Segundo a Ag�ncia Europeia para a Seguran�a da Navega��o A�rea
(Eurocontrol), ao menos 22.500
voos � mais normais. Os voos acima de 20
mil
p�s est�o liberados, com pequenas restri��es em algumas �reas da
Finl�ndia e do norte da Esc�cia. (Filho, 2011, p. 92).

A not�cia, via de regra, precisa nascer de um assunto relevante e por
acontecimentos recentes. Embora tenhamos conhecimento do jornalismo
liter�rio, as not�cias n�o podem ser fruto de imagina��o e/ou suposi��o:
necessita de sua nascente na imediaticidade do hoje. Ou seja, nasce do hoje e
de um evento que a circunscreva: um evento chamado de..agrador. �O
evento de..agrador precisa ter ocorrido hoje ou, na melhor das hip�teses


ontem � um fato ocorrido anteontem j� goza de pouqu�ssima chance de
virar not�cia.� (Filho, 2011, p. 94).

A entrevista � um g�nero produzido por mais de um locutor, ou seja, �
constru�da por dois autores-oradores, em que um indiv�duo coloca quest�es
a outro indiv�duo e este outro as responder�. � um g�nero, de certa forma,
enrijecido pela constru��o composicional pergunta-resposta. Pode ser um
texto produzido na oralidade, como as entrevistas de emprego, ou no
formato de talk shows, por exemplo, mas na sua forma impressa, as
perguntas s�o redigidas previamente, podem passar por uma aprova��o
pr�via do entrevistado e pode, ainda, mesmo passando por edi��o e
retextualiza��o � uma entrevista cedida por telefone �, manter tra�os de
oralidade com conectivos como o a�
eo ent�o, t�picos da fala, por exemplo,
deixados propositalmente pelo jornalista para manter na entrevista escrita
uma sensa��o de alteridade pela oralidade. A entrevista � um g�nero do
discurso bastante �til para a apura��o de fatos e informa��es no jornalismo.
Trata-se, n�o raro, de uma expans�o das informa��es ofertadas pela fonte
prim�ria.

Segundo Lage (2001), h� tipos de entrevistas na esfera de atividade
jornal�stica diversi..cados. A entrevista ritual, por exemplo, se materializa
pela brevidade. Trata-se de uma exposi��o do entrevistado para lhe dar voz.
Os jogadores, t�cnicos de futebol, suas declara��es j� esperadas, mera
formalidade, � uma caracter�stica da entrevista ritual. �O mundo o..cial �
rico em situa��es rituais: interessam a�, o ambiente, o clima, a encena��o,
cuidadosamente programados para compor o �documento hist�rico�.�
(LAGE, 2001, p. 74).

H� tamb�m a entrevista tem�tica, em que o entrevistado goza do
discurso de autoridade para responder sobre determinado assunto. Consiste
em um tipo de entrevista para ajudar na interpreta��o de determinados
acontecimentos.


A testemunhal � uma entrevista bastante relevante, pois dialoga com a
biogra..a do entrevistado, um relato da hist�ria vivida pelo entrevistado.
Pode ser alguma coisa que o entrevistado viu ou participou, todavia, de
forma geral, pode ser algo que o entrevistado n�o tenha se envolvido
diretamente e as impress�es podem ser de car�ter subjetivo.

Por ..m, a entrevista em profundidade se caracteriza por n�o ter uma
especi..cidade tem�tica, um acontecimento pontual, mas apresenta a ..gura
do entrevistado. Trata-se de como se d� �a representa��o do mundo que ele
constr�i, uma atividade que desenvolve ou um vi�s de sua maneira de ser,
geralmente relacionada com outros aspectos de sua vida�. (Lage, 2001, p. 75).
Cria-se uma hist�ria, a partir dos depoimentos e impress�es do
entrevistado.

Como podemos identi..car, a entrevista � um leque composto de
g�neros e subg�neros, que gozam de certa transitividade entre a l�ngua
falada e a l�ngua escrita, sendo eles diversos: entrevista jornal�stica,
entrevista coletiva, entrevista m�dica, entrevista documental, entrevista de
emprego etc. Essa diversidade entre essas classi..ca��es do g�nero entrevista
vai manifestar uma diversidade estil�stica, contudo uma caracter�stica vai
parecer comum a todas as entrevistas: a presen�a de, pelo menos, dois
interlocutores, podendo haver mais de dois. � essa estrutura composicional
do g�nero entrevista que vai estabelecer pergunta e resposta um entrevistado
e um entrevistador.

Essa composi��o densamente ritualizada que vai prever pergunta e
resposta, entrevistado e entrevistador, pauta e pr�-pauta, assimetria na
intera��o, com trocas de turnos padronizados, em que o jogo interativo se
delineia bem e prop�e uma dialogiza��o enrijecida, pr�-estabelecida, vai
aludir a um g�nero do discurso, que � a entrevista, um g�nero primordial e
reconhecidamente oral, ausente, contudo, da espontaneidade, uma
caracter�stica intr�nseca � conversa��o. Ou seja, a entrevista � um g�nero do
discurso oral e escrito padronizadamente ritualizado.


Segundo Barros (1991, p. 254), as caracter�sticas principais da
entrevista est�o dilu�das em tr�s aspectos: �o n�mero de actantes envolvidos
em sua organiza��o narrativa; o car�ter assim�trico da intera��o; o
planejamento conversacional e o tempo de elabora��o.�.

A espontaneidade, caracter�stica inerente � conversa��o cotidiana, que
pressup�e uma intimidade na rela��o temporal, no aqui e agora, no di�logo
entre locutor e interlocutor, entre �voc� e eu�, � intr�nseca � oralidade do dia
a dia, do cotidiano; na entrevista, essa rela��o intimista vai ser segregada em
detrimento do ritual de pergunta e resposta. Esse ritual vai pressupor um
di�logo assim�trico entre: �entrevistador e entrevistado; entrevistado e
p�blico (leitor, ouvinte, telespectador, analista etc.); entrevistador e p�blico.�
(Barros, 1991, p. 255).

O p�blico, na entrevista, vai exercer um papel fundamental, j� que
tanto entrevistador quanto entrevistado v�o dirigir seus turnos a um
determinado p�blico-alvo, a um destinat�rio, que, de certa forma, vai se
estabelecer como outro interlocutor poss�vel, determinando uma mudan�a
enf�tica nos pap�is interlocut�rios, diferindo, neste sentido, da conversa��o
espont�nea, em que mesmo havendo tr�s interlocutores, os tr�s podem
assumir um turno.

O destinat�rio na entrevista, mesmo pensando no p�blico presente, ao
vivo, como no caso dos talk shows, � relativamente est�tico, embora previsto
pelo entrevistador e pelo entrevistado. Esta estaticidade do p�blico �
relativa, porque, no contrato que prev�, pergunta e resposta, ambos,
entrevistador e entrevistado, v�o tentar a ades�o deste determinado p�blico.
Essa rela��o entre entrevistador e entrevistado vai propiciar entre eles uma
cumplicidade no jogo comunicativo. Desta forma, as entrevistas v�o
enveredar ora pelo contratual, ora pela polemicidade.

Sendo contrato ou sendo pol�mica, a entrevista vai sempre tentar
alcan�ar um objetivo, que � o de persuadir o p�blico. Por contratual
entendemos que ambos, entrevistador e entrevistado, se a..nam para


conquistar o p�blico-destinat�rio. Como exemplo do estilo pol�mico, Barros
(1991, p. 255) vai exempli..car que, nas entrevistas televisivas, o contrato vai
ser quebrado buscando ��s vezes, a desquali..ca��o do entrevistador ou do
entrevistado.�. Ou seja, sendo pol�mica ou contratual, a intera��o na
entrevista � frouxa e parcial, j� que ambos, entrevistador e entrevistado, n�o
est�o somente preocupados com a intera��o entre si, mas est�o
preocupados, principalmente, com a plateia, com o p�blico-destinat�rio,
com o audit�rio.

Hoffnagel (2010) vai discutir haver tr�s tipos de entrevistas em rela��o
� informa��o e ao p�blico-destinat�rio e ainda vai delinear uma variedade
de estilos, especi..camente no suporte jornal�stico das revistas.

Segundo a autora, s�o tr�s tipos gerais:

a) As que entrevistam um especialista em algum assunto com a ..nalidade de
explicar um fen�meno. O especialista, raramente, � conhecido pelo p�blico
em geral, e suas credenciais est�o explicitadas na sess�o introdut�ria da
entrevista.
b) As que entrevistam uma autoridade, geralmente conhecida pelo p�blico,
para obter sua opini�o sobre um evento em destaque nas not�cias, podendo
ela estar ou n�o diretamente envolvida neste evento.
c) As que entrevistam pessoas p�blicas (pol�ticos, artistas, escritores, m�sicos
etc.) e que t�m a ..nalidade de promover o entrevistado (ou entidade/grupo
que ele representa) ou de fazer com que o p�blico conhe�a melhor a pessoa
entrevistada (HOFFNAGEL, 2010, p. 198-199).

A revista Veja e a revista Isto � dedicam a cada edi��o um n�mero de
p�ginas para a entrevista que abrem as revistas, variando entre os tr�s tipos
de entrevistas descritos acima.

Embora o estilo mude de revista para revista � e tamb�m de jornal para
jornal �, o enfoque principal est� nas ..guras do entrevistador e do
entrevistado.

O primeiro estilo a ser ressaltado por Hoffnagel (2010) � o da revista,
colocando o pr�prio nome como sendo o entrevistador. Por exemplo: Isto �,
Veja, Galileu, Contigo etc. Nesse estilo, ..ca a impress�o de que � a revista ou

o jornal, a institui��o jornal�stica, que interage com o entrevistado,

eximindo o entrevistador/rep�rter de quaisquer responsabilidades. Esse
estilo vai personalizar a revista.

Um segundo estilo poss�vel ocorre quando entrevistador e entrevistado
s�o nomeados. Por exemplo: Tarc�sio Meira entrevista Gloria Menezes sobre
vantagens e desvantagens do casamento.

O terceiro e �ltimo estilo � o da abertura da entrevista realizada pelo
entrevistador, que � uma descri��o geral do entrevistado, com um car�ter
geral biogr�..co, em que as raz�es para a motiva��o e o desenvolvimento da
entrevista n�o s�o efetivamente explicitadas. � nesse car�ter biogr�..co da
entrevista que teremos uma hibridiza��o de dois g�neros do discurso: a
entrevista e a biogra..a. E � nesse sentido que cabe a a..rma��o bakhtiniana
de que os g�neros do discurso s�o absolutamente heterog�neos, usufruindo
de uma relativa estabilidade.

Dependendo da entrevista, al�m do car�ter biogr�..co na abertura da
entrevista, que apresenta o entrevistado, a biogra..a pode estar tanto na
pergunta do entrevistador sobre a vida do entrevistado quanto na resposta
do entrevistado em formato autobiogr�..co.

Segundo Melo (2003), a entrevista � um dos poucos g�neros
informativos que agrupa um intuito dial�gico e um papel mediador.

Para o autor, a not�cia, a reportagem e a nota t�m como caracter�stica a
fun��o mediadora entre o jornalista e o p�blico-alvo, audit�rio, a qual se
destina a informa��o e t�m como diferencial os relatos que consistem em
acontecimentos observados pelo rep�rter, �(ainda que usando entrevistas
como recurso para coleta de dados)� (Melo, 2003, p. 129). A entrevista
adquirir� um formato de car�ter aut�nomo quando privilegia um relato que
inclui a participa��o de dois ou mais protagonistas visando a coletiviza��o.
�Est� justamente no di�logo com os protagonistas dos fatos (e n�o apenas
com as fontes) a singularidade da entrevista jornal�stica.� (MELO, 2003, p.
129).


Melo acredita que os leitores da produ��o jornal�stica, em geral,
direcionam-se por uma motiva��o individual, ego�sta, que leva o leitor a se
identi..car com os produtores da informa��o, mas a perspectiva do leitor �
un�voca, ou seja, trate-se da unicidade do eu: o leitor est� apegado as suas
pr�prias convic��es. Dito de outra maneira, n�o existe lugar para mais de
um na leitura jornal�stica, ou seja, n�o h� lugar para o n�s. O autor explica
em detalhes:

As pessoas que leem jornal quase nunca buscam aproxima��o com os
autores dos conte�dos que fundamentam seus padr�es de comportamento.
Querem avaliar, � dist�ncia, um ..lme ou uma pe�a de teatro, quando leem
resenhas (ou cr�ticas) feitas por especialistas na mat�ria. Desejam saber que
partido tomar na arena pol�tica, quando acompanham as pol�micas
inerentes aos artigos
e coment�rios, assinados por ..guras p�blicas ou
sugeridas por editoriais
escritos/inspirados pelos dirigentes das empresas
jornal�sticas. Nada mais que isso. Comparam sua vis�o particular dos fatos
aos pontos de vista disseminados por agentes intelectuais mais bem
formados. Ou os tomam em considera��o para construir seus pr�prios
par�metros a respeito da vida cotidiana. (MELO, 2003, p. 130).

Na entrevista ocorre quase o contr�rio. A entrevista nasce da
coopera��o entre dois atores sociais: o jornalista e outra pessoa. Trata-se da
contribui��o simbi�tica entre a institui��o social do jornalismo e suas
empresas com a sociedade. Requer um locutor e um interlocutor e uma
parceria de cumplicidade entre ambos para a produ��o de sentidos. O outro,

o interlocutor, neste caso, toma o que seria o papel de leitor de jornal, um
papel decisivo, para que se estabele�a a entrevista jornal�stica por meio da
intera��o.
O leitor de jornais e revistas pode gozar, por meio da entrevista de
dupla identi..ca��o e/ou dupla interpreta��o: �tanto pode assumir os valores
do entrevistado quanto assimilar as interpreta��es
sugeridas pelo jornalista.�
(Melo, 2003, p. 130).

Se o leitor pode ser investido � posi��o de entrevistado, o consumidor
midi�tico pode tamb�m ser investido pelo valor de entrevistador, sen�o por
um mecanismo real, j� que quem entrevista � o jornalista, por uma


representa��o: o consumidor-leitor � revestido por uma vontade, um
arquejo de fazer perguntas �s personalidades da cena midi�tica que mais os
atraem.

O entrevistador � um espectador das novidades e, como testemunha
social, realiza sua media��o. Deve ter a sensibilidade de propiciar uma ponte
entre o cidad�o comum e a personalidade que este gostaria de dialogar. Esse
pro..ssional � um ..o condutor que faz as perguntas que o leitor, o
radiouvinte, o telespectador televisivo gostaria de fazer. �Fazendo as
perguntas certas no momento adequado. Calando quando necess�rio, para
potencializar a voz do protagonista escolhido.� (Melo, 2003, p. 132).

A entrevista tem uma rela��o estreita com os g�neros do discurso
biogra..a e autobiogra..a, por, de alguma forma, tratar da vida. Vidas
afortunadas e desafortunadas, de famosos, celebridades, an�nimos, de
pessoas do dia a dia, de cada um de n�s, na discursiva do que Arfuch
(2009/2010) chama de espa�o biogr�..co.

Arfuch (2010) pondera que a entrevista � o g�nero do discurso mais
e..caz para sondar sobre a vida humana. E �, efetivamente, por meio desse
g�nero discursivo que biogra..as, autobiogra..as, con..ss�es, mem�rias,
testemunhos, podem tomar corpo at� serem publicados.

A autora tece considera��es sobre o surgimento incerto da entrevista e
estabelece uma diferencia��o entre a entrevista e a biogra..a de linhagem
can�nica. Ou�amos as palavras exatas de Arfuch (2010):

Efetivamente, desde seu nascimento incerto, provavelmente na segunda
metade do s�culo XIX, como maneira de resguardar e autenticar palavras
ditas na imprensa, a entrevista se revelou como um meio inestim�vel para o
conhecimento das pessoas, personalidades e hist�ria de vidas ilustres e
comuns. Talvez menos fantasiosa do que a biogra..a, ancorada na palavra
dita, numa rela��o quase sacralizada, sua a..rma��o como g�nero derivou
justamente da exposi��o da proximidade, de seu poder de brindar um
�retrato ..el�, na medida em que era atestada pela voz, e ao mesmo tempo n�o
conclu�do, como, de alguma maneira, a pintura ou a descri��o liter�ria, mas
oferecido � deriva da intera��o, � intui��o, � ast�cia semi�tica do olhar, ao
sugerido no aspecto, no gesto, na ..sionomia, no �mbito f�sico, cenogr�..co,
do encontro. (ARFUCH, 2010, p. 152).


� na pretens�o dial�gica da entrevista que se assenta a mais moderna
das biogra..as j� existentes: a biogra..a na pergunta e a autobiogra..a na
resposta. Em outras palavras, o entrevistador pergunta sobre a vida da
personagem protagonista, e ela, por sua vez, responde sobre a sua vida por
meio do pronome do caso reto �eu�, e, portanto, a resposta tem alguma
pretens�o autobiogr�..ca. �Falando da vida ou mostrando-se viver, o
entrevistado, no jogo dial�tico com seu entrevistador, contribui sempre,
mesmo sem se propor, para o �acervo� comum.� (ARFUCH, 2010, p. 153).

A entrevista n�o � considerada um g�nero biogr�..co can�nico, todavia
n�o se pode ignorar que ela reina solit�ria e absoluta na constitui��o de uma
subjetividade: a refra��o da vida humana. Espelha o ser humano de maneira
muito particular, em que toda e qualquer persona que habilita o discurso da
pr�pria exist�ncia encontra nela seu poss�vel lugar. Pode ser considerada
biogra..a por antonom�sia.

O sucesso da entrevista n�o � ocasional. Mesmo quando pensamos
neste g�nero em seu formato escrito � e mesmo sabendo que se trata de um
g�nero altamente ritualizado �, a entrevista imita a conversa��o face a face �
ainda se considerarmos a dist�ncia da palavra expressa gra..camente. A
conversa impressa que coloca em evid�ncia um entrevistador e um
entrevistado e, ainda, um audit�rio, tem a r�plica e a afetividade, marcados
pelo sorriso, pela ira, pela surpresa.

� desse di�logo ritualizado, entrevistador-entrevistado, que se
pressup�e a inclus�o de uma terceira �pessoa� no di�logo, de um terceiro
ator social, de uma terceira constru��o: o audit�rio. O audit�rio � o
destinat�rio da elabora��o dos her�is e hero�nas que a entrevista concretiza.
Dessa rela��o fadada ao esquecimento f�lico da mem�ria social, na
enxurrada di�ria de informa��es e oscila��es na �Escala Richter�
midiatizada, apenas alguns escolhidos sobreviver�o: aqueles que conseguem
lutar contra o desaparecimento pelo dom de contar a verdadeira hist�ria
sobre si mesmos.


A reportagem � um g�nero que pode se valer de caracter�sticas da
entrevista e da not�cia, todavia n�o � not�cia, tampouco entrevista. Vale-se
de a not�cia pelos textos n�o serem obras de ..c��o e da entrevista por haver
um rep�rter, uma pergunta e uma resposta e um autor, que responde
representativamente os textos provenientes de um di�logo. �Estes textos s�o
geralmente acompanhados por imagens: fotogra..as na imprensa escrita;
sequ�ncias de imagens e de sons na imprensa televisiva.� (Silva, 2012, p. 70).

Silva (2012) nos d� um exemplo de reportagem:

No desemprego n�o h� lugar para a resigna��o
[...]
Ricardo A., Espanha. Arquiteto t�cnico, 45 anos.
Desempregado desde abril de 2009.
�Agora, em outubro, faz 18 meses que estou no desemprego. Trabalhei
sempre desde o ..m do curso, aos 27 anos, at� 2009�. Este � o cart�o de visita
de Ricardo A., casado e com ..lho de 14 anos. Ricardo foi empregado da
abund�ncia, do boom imobili�rio, que povoou a Espanha de guindastes.
Agora � uma v�tima do seu colapso. N�o est� s�: mais de 25 por cento dos
quatro milh�es de desempregados espanh�is prov�m de constru��o.
�Trabalhei em v�rias empresas, ..z hot�is, col�gios, urbaniza��es, comecei
como ajudante de obra at� diretor t�cnico�. Recorda. Tem forma��o
universit�ria de grau m�dio: um curso de quatro anos com o t�tulo de
aquieto t�cnico. A sua presen�a era imprescind�vel para o bom andamento
das obras, A sua assinatura era a chancela de qualidade. Foi assim durante
anos. [...] (Silva, 2012, p. 69-70).21

A distin��o entre not�cia e reportagem n�o � t�o simples, todavia,
podemos considerar, grosso modo, a reportagem, como uma extens�o da
not�cia, ou expans�o desta. �Uma expans�o que situa o fato em suas rela��es
mais �bvias com outros fatos antecedentes ou correlatos � at� o ensaio capaz
de revelar, a partir da pr�tica hist�rica, conte�dos de interesse permanente.�
(Pena, 2005, p. 76). �Not�cia � o relato mais curto de um fato. Reportagem �

o relato mais circunstanciado.� (NOBLAT apud PENA, 2015, p. 76).
Uma distin��o clara entre not�cia e reportagem dar-se-� ao
considerarmos a quest�o da narrativa. A not�cia, em sua estrutura, pode ser
de..nida como um relato. �Essa de..ni��o pode ser considerada por uma


s�rie de aspectos. Em primeiro lugar, indica que n�o se trata exatamente de
narrar os acontecimentos, mas de exp�-los.� (Lage, 1987, p. 16). A not�cia se
inclina para uma narrativa pela simples exposi��o dos fatos, informativa, e a
reportagem goza de uma narrativa mais elaborada, com come�o, meio e ..m,
interpretativa � dependendo do caso � ou testemunhal, heterog�nea, que
inclui um posicionamento enunciativo-discursivo cambiante, donde se v� o
�eu� o �tu� e o �n�s� e suas rela��es manifestas, manifestadas, inclusive,
pelos discursos direto, indireto e indireto livre.

A reportagem lidar� com os fatos e seus assuntos circundantes. �
interpretativa e lida com a dedu��o, em que parte do tema para os fatos. Os
fatos na reportagem transcendem para a condi��o de assuntos e, desta
forma, aprofunda-os, transforma-os em v�rios temas � a partir dos fatos �
pela repeti��o, pela criatividade, pelas causas, pelos contextos e pelas fontes.

As reportagens variam entre a investigativa, a reportagem por
levantamento de dados e a reportagem interpretativa.

A reportagem interpretativa � a preferida das an�lises acad�micas, pois
a interpreta��o envolve uma compet�ncia anal�tica. Nesse tipo de
reportagem, a quest�o da autoria � importante porque a interpreta��o ser�
realizada sob uma perspectiva, que pode ser cultural, econ�mica, jur�dica, �o
que a torna uma esp�cie de aplica��o de um conhecimento ao caso pr�tico;
envolve m�todos de an�lise (na economia, h� interpreta��es estruturalistas,
monetaristas etc.).� (Lage, 1987, p. 48).

Pena (2015) prop�e algumas considera��es daquilo que s�o
caracter�sticas do g�nero reportagem na rotina jornal�stica; destacaremos
algumas: a reportagem de perfil apresenta a personagem por seus tra�os
psicol�gicos, �a partir de depoimentos do pr�prio, assim como de familiares,
amigos, subordinados e superiores dessa pessoa�. (Pena, 2015, p. 77). A
reportagem de fatos aprofunda o conhecimento de uma personagem ou do
contexto narrativo a partir da dramaticidade de determinado fato,
estabelecendo rela��o de causa e efeito. A reportagem pol�mica discute fatos


insistentemente comentados pela sociedade pelo oposto, ou seja,
pensamentos diferenciados entre duas personalidades. Por ..m, a
reportagem documental costuma

merecer um cuidado praticamente did�tico do jornalista, no sentido de
investir na demonstra��o documental da perspectiva que o tema � abordado;
incluem-se, a�, as transcri��es de depoimentos e documentos que d�o
credibilidade e �materialidade� de provas e argumenta��es ou informa��es.
(Pena, 2015, p. 78-79).

Como podemos constatar, a reportagem apresenta caracter�sticas e
estilo pr�prios. Trata-se da observa��o da realidade em todos seus aspectos:
social, econ�mico, cultural, levantamento de informa��es � pode ser por
fonte ou entrevista � e, fundamentalmente, um aprofundamento da not�cia
base, sua humaniza��o, assim como a pesquisa e a reconstitui��o hist�rica.
Melo (2003, p. 51) conceitua a reportagem �como um relato �essencialmente
informativo� que reproduz um fato ou acontecimento atual.�.

Bond (1961) explica que as reportagens americanas procuram
expressar a vida com base no cotidiano, e esses s�o seus requisitos: o dia a
dia de seus leitores. Ele acrescenta que, para isso, conta com determinados
elementos: �novidade, variedade, ritmo, maneira mais atualizada poss�vel.�
(BOND, 1961, p. 104). Para o autor, a reportagem busca relatar os
acontecimentos de maneira clara e r�pida e tem como estrutura
composicional tr�s partes:

1 � T�tulo
2 � Primeiro par�grafo (�Lead�)
3 � Resto da hist�ria (BOND, 1961, p. 104).


O t�tulo da reportagem � parte integrante fundamental, pois � o
elemento que atrai o leitor no primeiro olhar: pode ser ousado e atrevido.
Sua mensagem deve ser sint�tica e deve surpreender. � pelo t�tulo que o
autor da reportagem chama aten��o do leitor e � essa sua primordial fun��o.
�Corresponde aos toques de tambor e clarins, chamarizes de espet�culo.�
(Bond, 1961, p. 104).


O �lead�, o primeiro par�grafo, � igualmente de substancial
import�ncia. Segundo Bond (1961), deve ser o maior cuidado do jornalista.

O primeiro par�grafo deve reter as principais informa��es da
reportagem e seus principais acontecimentos. � no �lead� que o jornalista
responde �s perguntas: �Quem? O que? Quando? Onde? Por qu�? Como?�
(Bond, 1961, p. 105).

Bond (1961) exempli..ca:

Suponhamos que a not�cia � sobre inc�ndio. Escrevendo o primeiro
par�grafo, o rep�rter responderia a pergunta, O que? Escrevendo
�incendiou-se...�. Responderia as perguntas Quem? e Onde? Dizendo o
estabelecimento de quem tinha sido queimado, e dizendo sua localiza��o.
Dizendo a hora em que o inc�ndio come�ou e quando terminou responderia
a Quando? Por que? Neste caso a causa do ocorrido: a inevit�vel ponta de
cigarro acesa. Nosso rep�rter pode responder Como? Nesta hist�ria, de
diversas maneiras. � Descrevendo o tipo de fogo, �Labaredas avivadas por
um vento constante� ou tamb�m respondendo a Quanto?, neste caso ele
calcularia o prov�vel preju�zo ..nanceiro e procuraria se o estabelecimento
estava seguro. (BOND, 1961, p. 105).

Bond (1961) descreve v�rios tipos de �lead� poss�veis: 1. O �lead�
condensado � aquele que condensa de forma clara e sumarizada todos os
principais fatos da reportagem. Trata-se de uma constru��o simples que
re�ne uma varia��o dos principais tipos de �lead�; 2. O �lead� de apelo
direto � aquele destinado diretamente ao leitor e � convidativo. Inspira o
leitor a participar da reportagem. Passa a sensa��o de que o leitor colabora
com o que se sugue. N�o raro, inicia-se com frases assim: �Se voc� alguma
vez pensou...� ou �se voc� tivesse visto ou lido...�. (BOND, 1961, p. 108); 3. O
�lead� circunstancial � aquele que d� �nfase �s circunst�ncias pelas quais a
hist�ria se passa. Trata-se da hist�ria com vi�s human�stico; 4. O �lead�
entre aspas � aquele que come�a com enunciado entre aspas. Geralmente
responde �s perguntas O que?, mas principalmente a pergunta Quem? O
par�grafo seguinte, de modo geral, coincide com a forma condensada; 5. O
�lead� descritivo � um tipo ilustrativo, em que a descri��o se resume em
apresentar um quadro geral do acontecido; 6. O �lead� ativador do interesse,


que consiste em um acepipe para o resto da hist�ria. O rep�rter propicia as
informa��es para despertar a curiosidade do leitor de forma original; 7. O
lead numerado � aquele em que um fato n�o � mais importante que o outro,
por isso o rep�rter enumera as informa��es; 8. Os �leads� originais s�o
aqueles descritos por meio inusitado, assinalando o incr�vel, o exc�ntrico. �O
�lead� � o trampolim do rep�rter para a hist�ria.� (BOND, 1961, p. 112).

O restante da reportagem, a hist�ria propriamente dita, conta com os
elementos t�tulo e �lead� e segue o seguinte percurso: �seleciona os
incidentes mais importantes para o �lead�, escolhe os outros fatos de mais
destaque; disp�e os seguintes, at� que chegue aos menos importantes de
toda a hist�ria.� (BOND, 1961, p. 112).

Bond (1961) pondera que a hist�ria de uma reportagem assume a
con..gura��o de uma pir�mide invertida, por se tratar de uma forma em que

o acontecimento principal da hist�ria, o rep�rter dar� o maior destaque. Ao
fato que segue, de menor import�ncia, o rep�rter dar� menor espa�o e assim
proceder� a composi��o at� o ..m.
Bond (1961) exempli..ca a pir�mide invertida a partir de uma
reportagem do Herard Tribute de Nova York:

As mulheres distra�ram a v�tima com seus salamaleques

Duas mulheres com indument�rias ciganas, pedindo esmolas na se��o de
vestu�rio de Glamour Togs, Inc. 520 Eighth Avenue, roubaram ontem $196
de uma mesa dos escrit�rios e fugiram, comunica a pol�cia.
O dinheiro era parte de $ 950 da folha de pagamento que estava sendo
distribu�do por Miss Sarah Grossbard, de 19 anos, recepcionista, no d�cimo
nono andar do edif�cio, que ..ca entre as ruas 36 e 37.
Miss Grossbard, mais tarde, disse que as ciganas ..caram pedindo esmola, e
t�o distra�da estava ela com conversa que n�o reparou que alguma coisa
estava faltando, at� o momento que as duas j� tinham desaparecido. E al�m
de tudo, continuou ela, lhes tinha dado uma moeda de 10 centavos.
As mulheres chegaram ao escrit�rio �s 13,45, disse Miss Grossbard � pol�cia.
Uma delas espiou atrav�s do painel de vidro enquanto a outra, entrando no
departamento de distribui��o, foi p� ante p� at� � sala de recep��o onde Miss
Grossbard estava sentada sozinha, e disse:

� �Informaram-me l� em baixo que a senhora me daria uma esmola�. Miss
Grossbard prosseguiu dizendo que dera uma moeda � mulher, mas que
mesmo assim n�o se viu livre dela. �Ela ..cou remexendo minhas m�os e

brincando com objetos da mesa, e falando como um papagaio, e acrescentou:
�Tudo que eu posso me lembrar das suas palavras foram: �Voc� tem f�? Voc�
acredita?�
Ent�o, continuou Miss Grossbard, Lou Grau, dono do estabelecimento, veio
da sala cont�gua e gritou: �Saiam daqui�, e vendo que uma delas tinha uma
nota de um d�lar na m�o berrou: �Ponha isto no lugar�; ela colocou a nota
na mesa e foi-se embora�.
Miss Grossbard disse � pol�cia que as mulheres pareciam ter trinta anos e
vestiam trajes ciganos, coloridos. (BOND, 1961, p. 113-114).

Bond (1961) a..rma que, em formato de pir�mide invertida, a
reportagem acima possu� duas con..gura��es: o �lead� clim�tico eo resto da
hist�ria.

A reportagem para a imprensa americana pode ter um formato de
ordem cronol�gico, ou seja, tem um princ�pio l�gico e uma perora��o
igualmente l�gica. Trata-se de um modelo de narrativa simples que se
inspira na exposi��o dos acontecimentos na ordem que eles ocorrem
realmente. Al�m disso, revelar um fato novo na disposi��o, � medida que
eles acontecem, � uma maneira de prender a aten��o do leitor e conseguir
sua ades�o. Sayeg-Siqueira (1990) entende o texto narrativo como um a
experi�ncia de um novo saber. Nas palavras do autor, o texto emana de uma
proposi��o: �quando iniciamos uma comunica��o escrita, temos o prop�sito
de que nossa mensagem atinja o leitor.� (SAYEG-SIQUEIRA, 1990, p. 28).

E acrescenta:

Sempre quando escrevemos um texto, temos uma certa inten��o e s�
encerramos o texto, colocamos o ponto ..nal, quando sentimos que essa
inten��o est� cumprida, ou seja, dissemos tudo que quer�amos dizer. Para
um texto ser um texto, n�o basta simplesmente ter uma refer�ncia e uma
tematiza��o, ele precisa trazer uma informa��o nova, isto �, algo que o autor
considere como n�o sendo do conhecimento de todos, n�o sendo, portanto,
do saber partilhado. Imagine se fossemos escrever um texto sobre a guerra e
come��ssemos assim: Guerra � sempre uma coisa terr�vel. Certamente o leitor
acharia in�til, pois o texto n�o traz nenhuma informa��o nova. Sendo assim,
por que esse texto foi escrito? Para que l�-lo? Sempre que se escreve um texto
� porque se tem algo de novo a dizer. Sempre que se l� um texto � porque se
busca uma informa��o nova sobre o assunto (SAYEG-SIQUEIRA, 1990, p.
28-29).


A reportagem contada pelo formato de hist�ria cronol�gica goza de um
formato de pir�mide que come�a pelo topo (come�o da hist�ria);
geralmente inicia-se com o protagonista; no desenvolvimento, meio da
pir�mide, encontram-se os fatos, relato ap�s relato, e, ent�o, acontece o
cl�max da hist�ria, at� a sua conclus�o.

Bond (1961) d� um exemplo de simples narrativa na imprensa
americana, mais precisamente, de como o New York Times contou uma
hist�ria em formato cronol�gico:

SONHOS TORNAM-SE REALIDADE PARA PEQUENO VIAJANTE
Dez dias de liberdade, nove noites num metr�, terminam com perspectivas
para novos sonhos.
Algumas vezes os sonhos de um jovem se transformam abruptamente em
deliciosa realidade, seu mundo se expande al�m dos limites de suas salas de
aulas e de seu lar, e durante poucos minutos ele voa num avi�o que poucosadultos conhecem. Assim aconteceu com �ngelo Cruz, de 13 anos, residente
em Brooklyn, cuja as aventuras destes dez dias o levaram muito mais longe
do que os ensinamentos dos dias de estudos.
Sua hist�ria come�a no dia das elei��es e terminou ontem no juizado de
menores, incluindo festas de doces e frutas, passeios a parques, jardins e
museus, viagens de metr� e chegou a seu cl�max quando nosso amigo vagou
de olhos arregalados e sozinho, durante cinco horas na noite de ter�a-feira,
dentro de um grande magazin.
�ngelo � um rapaz robusto � 1,60 metros de altura e 54 quilos de peso � de
cabelos pretos e olhos negros e inquisitivos por tr�s dos seus �culos. Est�
cursando o primeiro ano da escola Metropolitana, de Manhattan. Seguindo a
opini�o de sua m�e Juanita, de 37 anos, ele � �melhor do que um estudante
normal�, �um sonhador que gosta de divagar e que toda hora fala de viagens�.
Seu pai, Faustino, de 49 anos, � empregado nos estaleiros navais de Nova
York. Em casa, n� 96 da rua Washington, ainda moram o irm�o de 21 anos
Harry, e a irm� Jeanette, de 7 anos de idade.

Segundo Bond (1961), os jornais usam a palavra reportagem como um
termo gen�rico para trabalhos de toda sorte em suas publica��es. Para o
autor, uma reportagem precisa apresentar uma narra��o.

3.1 O AUTOR-CRIADOR E A REPORTAGEM NO
BRASIL DO S�CULO XX

No Brasil, a reportagem ganha corpo no Rio de Janeiro em meados de
1900, onde Jo�o do Rio, alcunha utilizada por Paulo Barreto, rediscuti a
fun��o do jornalismo e ressigni..ca a literatura a partir de sua produ��o
como rep�rter e cronista: qual o limite que separa a literatura do
jornalismo? Em que ponto come�a o jornalismo e em que ponto termina a
literatura?

N�o � exagero a..rmarmos que, nas entrelinhas, a reportagem � uma
�literatura apressada�; na perspectiva propiciada por Jo�o do Rio no in�cio
do s�culo XX, a reportagem � uma mistura de inde..ni��o de Paulo Barreto
(Jo�o do Rio) entre literatura e reportagem. A literatura sofre uma transi��o
para a reportagem ofertada pelo autor (1900): �misto de impress�es

..ccionais e elementos documentados.� (Medina, 1988, p. 54). N�o � a
literatura que � apressada, mas a reportagem-literatura. Paulo Barreto foi
primeiro literato e depois jornalista.
Foi na rua que Paulo Barreto fora buscar suas hist�rias; era o literato
Paulo Barreto, hibridizado ao rep�rter Jo�o do Rio, que transformara a
cr�nica jornal�stico-liter�ria em reportagem amparada por certo lirismo.

A reportagem � um trabalho de campo, de busca e apresenta��o da
informa��o pelo conv�vio com o factual, com a observa��o da realidade, o
levantamento de dados que s�o exteriores ao rep�rter, provenientes do seu
olhar cotidiano, para a perspectiva do cotidiano.

O jornalismo e a reportagem dialogariam cada vez mais com o ser
humano, com os tipos e com as situa��es sociais, uma vez que �tra�os
retrospectivos do fato narrado levariam, mais tarde, � reportagem de
reconstitui��o hist�rica (pesquisa, na g�ria jornal�stica).� (Medina, 1988, p.
54).

As contribui��es de Jo�o do Rio para o g�nero reportagem inovam
tamb�m pelos tra�os estil�sticos de um novo jornalismo-reportagem que
consiste em: �a) Descri��o de ambientes e fatos e o rep�rter como narrador;


b) O di�logo rep�rter/fonte; c) O ritmo narrativo da reportagem; d) A frase
e os recursos liter�rios.� (Medina, 1988, p. 60).

Jo�o do Rio n�o temia incurs�es �s favelas e hist�rias policiais. N�o
tinha medo de subir o morro, tampouco de perguntar para compor sua
reportagem em um momento em que a entrevista ainda n�o havia se
consolidado no Brasil. Foi Paulo Barreto que come�ou a busca pela
informa��o por meio da entrevista.

A not�cia tem por caracter�stica a urg�ncia, o imediatismo, e a
entrevista a pergunta e a resposta. A reportagem transita entre os dois;
todavia, o g�nero reportagem proposto por Jo�o do Rio signi..cava um
pouco mais do que a not�cia, um pouco mais que a entrevista, e representava
algo al�m do que a simples fus�o entrevista-not�cia. �O fato signi..cativo
como m�todo de trabalho � que Jo�o do Rio n�o se satisfaz com a not�cia
imediata, o telegrama esqueleticamente informativo. Lan�a-se na
reportagem que pretende mais, vale-se da enquete para ampliar as
possibilidades informativas.� (Medina, 1988, p. 62).

A posi��o do narrador em uma reportagem � assunto de estilo e pode
se diferenciar de autor para autor. Segundo Medina (1988), as reportagens
de Jo�o do Rio apresentam um autor e n�o um intermediador, que relata o
fato jornal�stico de forma impessoal. Nas reportagens de Jo�o do Rio, o
pr�prio, marcado pelo pronome pessoal do caso reto �eu�, aparece
insistentemente. �O eu aparece de forma obcecante: quando a a��o � exterior
a ele, o rep�rter se inclui atrav�s de um objeto direto ou um objeto indireto.�
(Medina, 1988, p. 62).

Esse egocentrismo apresenta sua origem na enquete, na pergunta e
resposta da entrevista, no di�logo. O �eu� subsiste na presen�a de um �voc��
e a reportagem se apropria das declara��es, cujo �ritmo narrativo da
reportagem se concentra em situa��es vivas, interessantes pelo documento
hist�rico que representam.� (Medina, 1988, p. 62). Contudo, o di�logo entre

o rep�rter e/ou entrevistador para a reportagem, ou seja, a entrevista, pode

n�o ser personi..cada com um nome pr�prio, um autor-rep�rter, e sim
atribu�da � a entrevista ou reportagem � ao ve�culo de comunica��o, por
exemplo: Veja pergunta; reportagem da Folha de S. Paulo. � um estilo que
personi..ca a revista ou o jornal.

O cronista, tradutor, teatr�logo e literato Paulo Barreto, fundido a Jo�o
do Rio, seu pseud�nimo, rep�rter, criador do modo reportagem, na
emin�ncia de trabalhar nos jornais que nasciam no Rio de Janeiro do in�cio
do s�culo XX, juntou literatura e jornalismo, cr�nica e reportagem, artigo e
entrevista a um re..namento da reportagem pela busca da hist�ria, sem
desconsiderar o tratamento lexical, tampouco sem ignorar a palavra
subsidiada pela literatura.

3.2 A REPORTAGEM E O INTERPRETATIVISMO: A
INTERPRETATIVIDADE DA REALIDADE
A reportagem est� amparada pelo real e sua imediaticidade; � raz�o, �
decifra��o, mas, sobretudo, � interpreta��o.

Medina (2014) tentou entender, por meio do aprofundamento na
reportagem e sua constitui��o te�rica e pr�tica, como funcionara uma
sociedade reprimida pela ditadura. �A intelig�ncia interpretativa era, acima
de tudo, uma raz�o investigadora, minuciosa, sustentada por metodologias
objetivistas.� (MEDINA, 2014, p. 37).

A autora (2014) faz um resgate de suas reportagens reportando A
hist�ria dos meninos de Bogot�22, de 1972, em Atravessagem, dialogando com
as reminisc�ncias dela pr�pria sobre a inf�ncia, que d�, inclusive, �
reportagem, um tom biogr�..co. Trata-se, por certo vi�s, de um toque de
reconstitui��o hist�rica pela sensibilidade da pr�pria autora dos meninos de
rua da sua inf�ncia, fato que a autora carregara consigo para Bogot�. �De
passagem, como j� contei em Casas de viagem (2012), quando ainda


frequentava o ensino m�dio, ao me sensibilizar com esta causa, decidi ser
jornalista.� (MEDINA, 2014, p. 22).

A reportagem dos meninos ladr�es de Bogot� chama a aten��o pela sua
heterogeneidade, como podemos conferir no seguinte trecho: �Cheguei a
Bogot� com mil recomenda��es: segure bem a bolsa na rua, n�o ande
sozinha a noite, n�o leve dinheiro ou pacotes quando sair � roubam demais

o turista. Achei exagero.� (Medina, 2014, p. 23). No ex�rdio
da reportagem
encontramos a voz da autora � �Cheguei a Bogot�� �, um discurso indireto
livre � �segure bem a bolsa na rua...� � e um discurso direto: � �roubam
demais o turista�. � rico em intertextualidade e apresenta tra�os constitutivos
do g�nero autobiogra..a marcados pelo pronome do caso reto �eu�.
Esse estilo, que se manifesta vivo nos dias de hoje, caracteriza a
reportagem, a partir dos anos 70, com uma narrativa densa e plural. A
reportagem, ent�o, se consolida assim: �o aprofundamento do contexto (ou
das for�as que atuam sobre o factual imediato), a humaniza��o do fato
jornal�stico (tratamento de per..s, hist�rias de vida ou protagonismo social),
as ra�zes hist�ricas do acontecimento atual.� (MEDINA, 2014, p. 39).

O interpretativismo jornal�stico compunha-se no limiar do
autoritarismo militar numa narrativa poliss�mica, em que somado �
linguagem verbal, � linguagem n�o verbal e � fotogra..a, por exemplo,
contribuiu para a autoria e para o estilo, n�o apenas do rep�rter, mas do
jornal pelo qual se trabalhava.

Segundo Medina (2014), nos Estados Unidos, no ..nal da d�cada de 60,

o jornalismo estadunidense dialogava com a literatura em suas t�cnicas
narrativas renovadas pela in..u�ncia do romance realista. Tanto no Brasil
quanto no exterior, o romance conversara com a reportagem: �o romance
transcria a cena viva social numa estil�stica que capta a empatia do leitor por
meio do elo identit�rio.� (MEDINA, 2014, p. 40-41). Isso signi..ca que, no
Brasil, nas pesquisas da ECA/USP, por exemplo, a inspira��o tamb�m
decorria, de certa forma, da est�tica dos g�neros romance
e reportagem, em

seu contexto social, sobretudo, pelo di�logo, pela conversa, pelos falares,
atribu�dos ao protagonismo dos atores da reportagem.

O jornalismo-literatura n�o � uma novidade no Brasil desde Jo�o do
Rio. O jornalismo-liter�rio, portanto, goza de elementos da verossimilhan�a.
Segundo Pena (2016), o jornalismo-liter�rio se assenta n�o na veridic��o,
mas no veross�mil. No romance-reportagem, em contrapartida, nada deve
ser inventado pelo autor. Os fatos ganham um tratamento liter�rio para
serem apresentados ao leitor a ..m de buscar sua ades�o. Embora apresente
estrat�gias ..ccionais, o foco continua sendo no real, no veri..c�vel. A
interpreta��o da realidade � o elemento que dialogar� com a
verossimilhan�a. O romance-reportagem ornamenta a realidade com um
tratamento liter�rio para aprofundar fatos da vida real. N�o � jornalismo
porque � romance e n�o � romance por ser reportagem.

Sempre com base na realidade, o romance-reportagem amplia os fatos,
os contextualiza. Trata-se de uma representa��o do real com base na
realidade estrita de certos acontecimentos: informa, explica, opina e
direciona o leitor sempre com base na realidade. �Em outras palavras, quem
faz romance-reportagem busca a representa��o direta do real por meio da
contextualiza��o e interpreta��o de determinados acontecimentos.� (Pena,
2016, p. 103).

O romance-reportagem j� vinha sendo defendido por Medina, na
d�cada de 70, como um alargamento da reportagem pela interpreta��o: uma
inova��o da narrativa autoral; reportagem interpretativa, investigativa ou
liter�ria. Todavia, no livro A arte de tecer o presente, da autora, emana um
achaque de car�ter afetivo: o rep�rter de rua, em busca de suas personagens,
protagonistas sociais, di�logos na dinamiza��o da realidade, confronta-se
com a racionalidade, construtora de uma realidade romanceada. Chocar-seia,
ent�o � a racionalidade �, com a personagem ou a hist�ria de vida, em
que os limites entre o real e o imagin�rio se confundiriam. �O m�todo do
question�rio em uma entrevista, com a pr�-pauta estabelecida e os


resultados previs�veis, cai por terra na intera��o humana criadora de um
encontro sem cartas marcadas.� (Medina, 2014, p. 43).

Contudo, de fato, o jornalismo-reportagem, ao dialogar com a
literatura, humaniza o contexto social da informa��o, j� que literatura e
autoria dialogam com a valoriza��o do ser humano a partir do
Renascimento. Um exemplo famoso de romance-reportagem � o livro O que
� isso companheiro?, de Fernando Gabeira, que se trata de um jornalismo de
profundidade, romanceado, entretanto pautado pela realidade fat�dica no
contexto da ditadura militar. O livro de Cremilda Medina, Atravessagem
(2014), conta com exemplos desse estilo que decorre do tratamento
rom�ntico-liter�rio nas reportagens, nos depoimentos e nos di�logos
realizados pela autora ao longo de sua carreira.

3.3 O REP�RTER: UMA DEFINI��O EM LINHAS
GERAIS
O rep�rter � um signo do jornalismo por associa��o: fala-se em jornal,
lembra-se do rep�rter. O rep�rter �, portanto, um ser humano jornal�stico,
logo, a reportagem desfruta de um autor-pessoa.

Para Kotscho (2007), o rep�rter com pauta ou sem pauta tem seu lugar
cativo na rua. � na rua que se encontra a hist�ria, a personagem, a not�cia.
�Rep�rter costuma reclamar muito de tudo, faz parte do of�cio, mas mesmo
chiando tem que sair na chuva e se molhar.� (KOTSCHO, 2007, p. 12).

O rep�rter-autor (2007) acredita que, para ser um bom rep�rter, n�o �
necess�rio apenas pensar e/ou saber escrever: ser um bom rep�rter se trata
de sensibilidade para saber informar e da� transformar. Kotscho (2007)
entende que uma f�rmula cient�..ca � ou simplesmente produzir uma
not�cia � n�o � su..ciente para acrescentar mudan�a no olhar e/ou na


perspectiva de quem recebe a reportagem. Ser rep�rter signi..ca, ent�o, uma
for�a maior, uma escolha e uma re..ex�o.

As circunst�ncias que envolvem o rep�rter na apura��o da reportagem,
sejam pelas ruas ou por uma entrevista, ou uma pr�-pauta, pode ser
ocasional e n�o programada, tanto que pode levar um entrevistado, por
exemplo, a dar respostas mais sinceras � ou menos cautelosas.

O rep�rter, ao entrevistar, se vale de certas circunst�ncias, como as
entrevistas coletivas, em que se deve dividir o turno com outros rep�rteres
ou o confronto: �o rep�rter assume o papel de inquisidor, despejando sobre

o entrevistado acusa��es e contra-argumentando, eventualmente com
veem�ncia, com base em um dossi� ou conjunto acusat�rio.� (Lage, 2001, p.
76).
Segundo Pena (2005), a transpira��o � mais importante do que a gl�ria
de ser rep�rter. Um rep�rter obter� um reconhecimento mais no �mbito
pessoal do que no �mbito social. Seu esfor�o f�sico � maior do que seu
esfor�o intelectual. �O rep�rter n�o tem ..nal de semana, gasta os dedos no
telefone, esquenta a bunda nos sof�s de gabinetes, perde as solas dos sapatos
e ainda recebe reclama��es dos chefes e da fam�lia.� (PENA, 2005, p. 75).

O rep�rter � fundamental para que haja a reportagem; trata-se de uma
constata��o �bvia. Al�m disso, o rep�rter precisa saber noticiar, relatar os
fatos e narr�-los. Precisa saber entrevistar e ampliar as informa��es.
Necessita saber interpretar os fatos e report�-los com honestidade.

O rep�rter e a reportagem possibilitam a narrativa de vida, que est�
presente tamb�m em outro g�nero discursivo: a biogra..a. Portanto, esses
relatos de realidade, sejam na reportagem, sejam nas biogra..as, dialogam
entre si por terem um grande tema em comum: a vida. Biogra..a,
etimologicamente, signi..ca a escrita da vida, escrever a vida, relatar os fatos
vividos. Vejamos no cap�tulo seguinte um pouco mais sobre o g�nero do
discurso biogra..a, para entendermos sua origem, os tipos de consci�ncia


biogr�..ca, a atmosfera biogr�..ca, as identidades no biogra..smo e a rela��o
entre os sujeitos, autor-bi�grafo, bi�grafo-biografado.

21 Intercala-se aqui a voz de Ricardo, o arquiteto, e a voz do rep�rter; todavia, poderia estar aqui
presente apenas a voz de Ricardo, que j� se con..guraria uma reportagem.

22 Jornal da Tarde, p�gina 6 � 30/12/1972.


4. BIOGRAFIA
Biogra..a � a escrita da vida, e a ideia de se escrever a vida contrariando
a morte surge constantemente a partir de uma inten��o: conhecer os passos
de outrem, como se deu suas conquistas; conhecer os caminhos de sua
hist�ria, indagar sobre a sua trajet�ria.

Os mist�rios da interioridade de determinado personagem biogr�..co, a
busca pela vida, a necessidade de fazer justi�a tra�ando a personalidade de
algu�m, a necessidade de restaurar sua presen�a e a paix�o pelas pessoas e
suas vicissitudes desperta o interesse pelo g�nero do discurso biogra..a, cada
vez mais presentes nas listas de Best Sellers.

O biogr�..co transmite um falar retrospectivo � pode ser uma
reconstitui��o hist�rica, uma personagem de ..c��o com tra�os do autor etc.

� e permite um desdobramento de si, seja na biogra..a, na auto..c��o ou na
autobiogra..a.
Na biogra..a, o autor-bi�grafo deve olhar a vida com os olhos do
biografado em n�vel de parentesco, donde a constru��o de tal personagem
biogr�..ca deve imergir na vida do outro, estranhar-se a si mesmo para verse
com os olhos do outro. Segundo Bakhtin (2010), n�o existe limite
acentuado e de princ�pio entre biogra..a e autobiogra..a porque a fronteira
que separa uma da outra n�o � t�o n�tida. Alguns autores de biogra..a
sugerem que, antes de biografar a vida do outro, � necess�rio escrever sobre


a pr�pria vida aprofundando-se nela. Pode haver muito de autobiogr�..co ao
abordar a vida de outro, j� que compartilhamos todos de humanidade.
Todavia, se trata de um limite �tico de n�o confundir a �minha� vida com
aquele que �estou� a biografar.

A biogra..a � constitutiva, geralmente, de uma personalidade,
personagem essa que se corpori..ca pelas rela��es com o outro e, por isso,
como a maioria dos relatos vivenciais, tende a propiciar identi..ca��o. Trata-
se do outro que parece comigo ou do outro que eu admiro: o outro que eu
gostaria de ser.

Biogra..a amplia a intimidade entre pessoas estranhas com as quais
�eu� me identi..co, seja pelo trauma, seja pela gl�ria. Trata-se de estabelecer
uma rela��o intima entre autor, leitor e biografado, que s�o, a priori,
desconhecidos entre si e que come�am a se relacionar antes mesmo do livro
ser publicado.

Em uma �poca de informa��o r�pida pela internet e por outros meios
de comunica��o, � de absoluto atrativo a organiza��o biogr�..ca que consiste
justamente na recupera��o da informa��o, na sistematiza��o desta e na
ampli..ca��o pela exposi��o de determinada vida e personagem. Todavia,
escrever uma biogra..a vai al�m: desperta afeto entre os participantes �
autor, leitor, biografado �, desenvolve a..nidades e institui cumplicidade
como um relacionamento afetivo.

O valor biogr�..co implica na rela��o entre o narrador e o narrado com
a vida de cada um de n�s. Trata-se de uma sintonia existencial direcionada
pelo desejo e anseio pelas vidas reais e por aquilo que est� camu..ado e
inacess�vel na vida de outrem: o texto biogr�..co nasce de uma curiosidade
inerente a todo ser humano pela vida de outro ser humano. O �eu� como
�eu�, o �eu� como �tu�, o �eu� como �ele�, nesse intercambiar de posi��es
enunciativas, comp�em esse cen�rio.

� necess�rio que o leitor de biogra..as d� um voto de con..an�a ao
bi�grafo que representa um envolvimento com descoberta, com o novo e


com a explora��o naquilo que � ver�dico, como se a personagem biogr�..ca
estivesse ali ou como se algu�m contasse sobre a vida de determinada pessoa
presencialmente. O bi�grafo n�o � a melhor parte de uma biogra..a, mas,
sim, os desvios, as surpresas, o inesperado.

Partindo do pressuposto de que o conte�do tem�tico que envolve as
biogra..as se assenta nas hist�rias de vida, na fam�lia, no trabalho, na
religi�o, na pol�tica, na sociedade, na cultura, toda vida humana merece ser
narrada, descrita, relatada. A vida de cada um de n�s emite eco e � pass�vel
de associa��o.

4.1 BIOGRAFISMO: UM PERCURSO HIST�RICO
Os registros hist�ricos do g�nero biogra..a come�aram na Antiguidade.
Essas formas biogr�..cas contribu�ram diretamente para o desenvolvimento
dos g�neros biogra..a e autobiogra..a europeias. Segundo Bakhtin (2014), a
con..gura��o dessas formas biogr�..cas cl�ssicas auxiliara no
desenvolvimento de todo o romance europeu.

O biogra..smo antigo est� assentado em outro tempo biogr�..co, em
que o trabalho se d� especi..camente a partir da imagem do homem que
percorre o caminhar da vida.

No classicismo grego, ocorre o in�cio das primeiras formas
autobiogr�..cas em que o homem est� em constante busca pelo
conhecimento. � evidente o biogra..smo grego nas obras de Plat�o,
sobretudo em A apologia de S�crates e F�don. �Esse tipo de conscientiza��o
autobiogr�..ca do homem est� ligado �s formas r�gidas de metamorfose
mitol�gica.� (Bakhtin, 2014, p. 250).

Esse indiv�duo cl�ssico, que busca o conhecimento pelo percurso de
vida, transcorre de um tempo, donde o caminho a percorrer de certa forma
� limitado: caminhava pela ignor�ncia de ordem presun�osa, por um


ceticismo de car�ter especulativo e autocr�tico e ainda por uma descoberta
de si mesmo para um conhecimento que julgavam verdadeiro. Esse percurso
inclui a vida do indiv�duo por escolas ..los�..cas diversas.

Um segundo tipo de autobiogra..as e biogra..as presentes na
antiguidade � o que Bakhtin (2014, p. 251) chama de �biogra..as ret�ricas�.
O louvor, o discurso civil, o laudat�rio caracterizavam essa forma do
enc�mio, do elogio, que deu origem a autobiogra..a precursora: o discurso
de defesa de Is�crates.

Bakhtin (2014) nos alerta que essas formas biogr�..cas da Antiguidade
n�o se assentam numa estrutura de livro e sim est�o ligadas a movimentos
sociais e pol�ticos: �atos verbais c�vico-pol�ticos, de glori..ca��o ou de
autojusti..ca��o p�blicas.� (BAKHTIN, 2014, p. 251). � nesse tempo e nesse
espa�o de vida real que se materializam a ..gura do indiv�duo: delineia-se
sua vida. Foi na �gora grega que nasceu a primeira forma biogr�..ca do
homem, de sua vida, pelo embate, pela discuss�o, pela re..ex�o, pela defesa
pessoal.

Se o homem biogr�..co e sua imagem eram p�blicos e sua vida era
exposta na �pra�a�, n�o havia nada privado, �ntimo; o homem n�o escrevia
para si mesmo sobre sua vida como forma de autoconhecimento ou algo do
tipo: n�o escrevia di�rios �ntimos ou autoinforme-con..ss�es. N�o havia
introvers�o, tampouco privatividade: o sujeito est� todo exposto e n�o h�
nada de si para si.

N�o havia, portanto, nenhuma distin��o entre a vida de outrem e a
pr�pria vida, ou seja, entre formas biogr�..cas e autobiogr�..cas. Signi..ca
que o indiv�duo estava totalmente exterior a si mesmo, fora de si. N�o havia
qualquer diferencia��o entre as formas biogr�..cas. �O homem interior, �o
homem para si� (eu para mim) e a abordagem particular de si mesmo n�o
existiam. A unidade do homem e sua consci�ncia eram puramente p�blicas.�
(BAKHTIN, 2014, p. 252).


Nos her�is de Homero j� havia o falar de si pela autoglori..ca��o:
�paneg�rico orgulhoso de si mesmo.� (BAKHTIN, 2014, p. 252). Tra�o
puramente hel�nico. Todavia, o falar de si era para vangloriar-se para o
outro.

A extrovers�o aparece na composi��o dos her�is de Homero. Bakhtin
(2014) d� o exemplo de Aquiles, que chora copiosamente e t�o alto na cena
com Pr�amo que seu choro ecoa por todo o acampamento. Sabe-se que os
homens no s�culo XVIII choravam com vontade. Provavelmente
in..uenciados por essa exterioriza��o do indiv�duo, o homem p�blico.

A imagem do homem ..cou deteriorada, a partir dessa rela��o, em
�pocas posteriores. Internalizando, a mudez e a cegueira passaram a integrar

o seu �ntimo. O homem passou a ser solit�rio e isolado: sua integridade e
unidade manifestada pela vida p�blica se desintegraram. �A consci�ncia que
ele tem de si mesmo, tendo perdido o cronotopo popular da pra�a p�blica,
n�o pode encontrar outro cronotopo t�o real, �nico e �ntegro.� (BAKHTIN,
2014, p. 254).
No homem internalizado, introspectivo, na sua vida privada, surgiram
elementos de uma natureza que n�o era p�blica como a do campo sexual e
outras. �A imagem do homem tornou-se m�ltipla e composta. Nele se
cindiram o n�cleo, o inv�lucro, o exterior e o interior.� (BAKHTIN, 2014, p.
254).

Contudo, a abordagem primeira dos g�neros biogra..a e autobiogra..a
tinham car�ter p�blico para os gregos. Caracterizava-se pelo enc�mio, e essa
caracter�stica deu origem a primeira defesa p�blica autobiogr�..ca de
Is�crates. Trata-se de um relato apolog�tico de vida; um retrato laudat�rio
da pr�pria vida.

Os romanos, nesse sentido, n�o se diferenciavam dos gregos. Os valores
de fam�lia para os romanos n�o adv�m de concep��es burguesas do �ntimo e
do privado, pelo contr�rio. A ideia de fam�lia une-se ao Estado. Os cultos
religiosos confundiam-se com os cultos nacionais de fam�lia.


Todavia, a consci�ncia romana era orientada por valores ancestrais, por
uma linhagem patriarcal, que se manifestava por valores como a
hereditariedade. A fam�lia romana registrava seus antecedentes e
antepassados em documentos manuscritos. O biogra..smo se d� pela
necessidade de conservar os descendentes da linhagem. Tinha como
prerrogativa: conservar as tradi��es familiares e patriarcais. Nascia uma
consci�ncia biogr�..ca advinda de fatos hist�ricos e nacionais. A consci�ncia
biogr�..ca romana se diferenciava da grega nesse ponto: a consci�ncia
biogr�..ca dos gregos se orientava pelos contempor�neos; por seus her�is
vivos. �A consci�ncia romana sente-se, como o elo entre os antepassados
mortos e os descendentes que ainda n�o participavam da vida pol�tica.�
(BAKHTIN, 2014, p. 256).

Uma forma autobiogr�..ca relevante romano-hel�nica foram os
trabalhos �sobre escritos pessoais.� (BAKHTIN, 2014, p. 256). Esse formato
goza de uma in..u�ncia explicita de Plat�o em sua re..ex�o sobre o caminho
do homem a procura do conhecimento. �� dado um cat�logo de obras
pessoais, s�o evidenciados seus temas, assinala-se seu �xito junto ao p�blico
e s�o tecidos coment�rios autobiogr�..cos (C�cero, Galeno e outros).�
(BAKHTIN, 2014, p. 257).

N�o se pode negar a forte in..u�ncia de Arist�teles nas formas
biogr�..cas aperfei�oadas do per�odo romano-hel�nico. Arist�teles contribui
para pondera��es a respeito do tempo biogr�..co cujo foco � o car�ter do
homem. Sobre essa perspectiva, s�o constitu�dos dois tipos de composi��o
biogr�..ca antiga.

Bakhtin (2014) explica o primeiro tipo em detalhes:

O primeiro tipo pode ser chamado de energ�tico. Encontra-se em sua base o
conceito aristot�lico de energia. A exist�ncia e a ess�ncia total do homem
n�o constituem um estado, mas uma a��o, uma for�a ativa (�energia�). Essa
�energia� � a manifesta��o do car�ter nos atos e nas express�es. Al�m disso,
as a��es, as palavras e as outras express�es do homem n�o se constituem
somente numa manifesta��o exterior (para os outros, para um terceiro) de
uma certa ess�ncia interior de seu car�ter, que existiria al�m dessas


manifesta��es, antes delas e fora delas. Essas manifesta��es s�o justamente a
ess�ncia do pr�prio car�ter que, absolutamente, n�o existe fora de sua
�energia�. Sem sua exterioriza��o, sua expressividade, maturidade e
audibilidade, o car�ter n�o possui a plenitude da realidade, a plenitude da
vida. Quanto mais ampla � sua expressividade, mais ampla � sua ess�ncia.
(BAKHTIN, 2014, p. 258).

Segundo Bakhtin (2014), a representatividade do homem e da vida
humana n�o deve ser somente encarada por meio das caracter�sticas, das
virtudes e dos v�cios, mas sim pela representa��o das conversas, de seus atos
e express�es.

Sobre o segundo tipo de composi��o biogr�..ca antiga, Bakhtin (2014)
acrescenta:

Poderia-se denominar o segundo tipo biogr�..co de anal�tico. Ele baseia-se
num esquema de rubricas precisas, pela qual distribui-se todo o material
biogr�..co: a vida social, a vida familiar, comportamento na guerra, rela��es
com os amigos, aforismos dignos de lembran�a, virtudes, v�cios, apar�ncia
exterior, habitus, etc. Os diferentes tra�os e as particularidades do car�ter s�o
escolhidos entre os acontecimentos e fatos distintos que ocorrem em �pocas
diferentes da vida da personagem. (BAKHTIN, 2014, p. 259).

Na idade m�dia, o g�nero biogr�..co teve um autor de destaque, que foi
Suet�nio. Esse autor desenvolveu biogra..smos do segundo tipo, as rubricas,
como homem e como autor.

Na medida em que a humanidade foi se desenvolvendo, a biogra..a
cl�ssica, p�blica, romano-hel�nica, foi se dissolvendo, e a introvers�o, o eu-
para-si, foi ganhando espa�o. �In�meros detalhes da vida privada, que fazem
com que o homem se sinta em casa e que come�am a servir de apoio para
uma consci�ncia de si mesmo, passam a ter signi..cado.� (BAKHTIN, 2014,

p. 260). � dessa caracter�stica conceitual, do eu-para-mim, que nascem as
cartas de S�neca, o livro de Marco Aur�lio (Para mim mesmo), de car�ter
autobiogr�..co, e, por ..m, as Con..ss�es de Santo Agostinho.
N�o se pode, portanto, ignorar o biogra..smo hist�rico que, de maneira
clara, contribuiu para o desenvolvimento da humanidade, mas, al�m disso,
caminhou junto do homem, da humanidade, da sua evolu��o. Caminhou


tamb�m paralelamente � pintura e ao g�nero romance. � clara a in..u�ncia
do g�nero biogr�..co para a ampli..ca��o do romance e constru��o
ideol�gica de seus autores.

4.2 O AUTOR DE BIOGRAFIA: CONSCI�NCIAS
BIOGR�FICAS
Para Bakhtin (1992), a forma biogr�..ca � a mais realista, pois nela h�
menos elementos de isolamento (a presen�a do outro) e acabamento. Nela, o
ativismo do autor � menos transformador, aplicando com menos princ�pio
sua posi��o axiol�gica fora da personagem. De acordo com ele:

O autor de biogra..a � aquele outro poss�vel que est� conosco quando nos
olhamos no espelho, quando sonhamos com a fama, fazemos planos
externos para a vida; � o outro poss�vel, que se in..ltrou na nossa consci�ncia
e frequentemente dirige nossos atos, aprecia��es e vis�o de n�s mesmos
(BAKHTIN, 1992, p. 140).

Felizmente ou infelizmente, � indiscut�vel e indissoci�vel a presen�a do
outro em nossas vidas. Para a biogra..a, esse � o aspecto fundamental para o
entrela�ar, o tecer ..os entre a constru��o da personagem e sua rela��o com

o autor e os diversos contextos sociais, avaliando que biogra..a, segundo a
primeira e mais concisa descri��o de Bakhtin (2010), � a descri��o da vida.
Uma vez que n�o me desligo verdadeiramente do mundo dos outros,
percebo a mim mesmo numa coletividade: na fam�lia, na narra��o, na
humanidade culta; aqui a posi��o verdadeira do outro em mim tem
autoridade e ele pode narrar minha vida. �N�o sou eu munido dos recursos
do outro, mas o pr�prio outro que tem valor em mim.� (BAKHTIN, 1992, p.
141).

Bakhtin (1992) insiste na import�ncia do outro para justi..car o
realismo e a simplicidade descritiva da vida, sempre sob a �ptica do outro
que est� presente tamb�m na rela��o entre narrador e personagem, que


podem intercambiar posi��es � seja o narrador que come�a a narrar sobre o
outro que lhe � �ntimo, com quem vive uma s� vida na fam�lia, na na��o, na
sociedade humana, no mundo, seja o outro a narrar sobre o narrador.

Sem me desvincular da vida em que as personagens s�o os outros e o
mundo � o seu ambiente, eu, narrador dessa vida, me identi..co com as
personagens dessa vida. � assim que o narrador se torna personagem,
caracterizando um primeiro movimento para um processo teoricamente de
descuido saud�vel, frut�fero e relevante em que autor, narrador e
personagem se confundem, num processo autobiogr�..co da voz do autor no
narrador e, consequentemente, no linear da personagem. �, portanto, de
vital import�ncia o conhecimento de parte consider�vel da biogra..a por
meio das palavras alheias, das pessoas intimas: a origem, o nascimento, os
acontecimentos da vida familiar da personagem, aos quais, evidentemente, o
autor da biogra..a tem acesso.

Segundo Bakhtin (1992), s�o poss�veis dois tipos b�sicos de consci�ncia
biogr�..ca. O primeiro tipo o autor chama de �aventuresco-heroico� e o
segundo de �social de costumes�. Nessa parte de sua teoria, Bakhtin (1992)
delineia dois estere�tipos biogr�..cos que come�am a dar forma a uma
poss�vel pretens�o de uma constru��o biogr�..ca. O primeiro tipo baseia-se
na vontade de ser her�i, de ter import�ncia na vida dos outros, a vontade de
ser amado. Trata-se da aspira��o � gl�ria. � a..rmar e construir sua vida na
poss�vel consci�ncia dessa sociedade humana, tomando consci�ncia de si na
sociedade hist�rica e culta dos homens. Ao heroi..car os outros, a
personagem ir� se familiarizar com ele e guiar� sua imagem futura desejada,
criada, � semelhan�a dos outros, os poss�veis her�is com os quais ela se
identi..ca.

O segundo elemento do primeiro tipo de consci�ncia biogr�..ca � o
amor, a necessidade de se sentir amado no olhar do outro. � a sede de se
sentir amado. A vis�o e a informa��o de si mesmo na consci�ncia amorosa
do outro. Enquanto os valores heroicos determinam a import�ncia em um


contexto em que os momentos fundamentais s�o os acontecimentos da vida
privado-social, privado-cultural e privado-hist�rico, o amor determina a
carga emocional. �No amor, o homem procura como que superar a si
mesmo em determinado sentido axiol�gico na tensa possess�o emocional
pela consci�ncia amorosa do outro.� (Bakhtin, 1992, p. 145).

O terceiro elemento do primeiro tipo � a fabula��o da personagem,
que, ao vivenciar uma fabula��o que nada conclui e mant�m tudo em
aberto, vivencia a alegria que emana da fabula��o da vida. Bakhtin (1992),
ao nos apresentar essas quest�es relacionadas ao primeiro tipo de
consci�ncia biogr�..ca, tra�a uma compreens�o est�tica da relev�ncia do
outro em nossas vidas, no contexto hist�rico, cultural, ou em decorr�ncia da
necessidade, mesmo que inconsciente, de nos sentirmos amados,
aproximando-nos dos her�is de nossas vidas.

Segundo esses pressupostos, todos podemos biografar ou sermos
biografados, enfatizando que todos temos her�is, aventuras, amores e
relativa import�ncia na vida dos nossos contempor�neos e descendentes.
Essa forma aventuresca, heroica � o amar e o sentir-se amado e, at�,
glori..cado pelo outro �, valores inerentes a esse primeiro tipo como
bravura, honradez, magnanimidade, generosidade, s�o a forma mais
pr�xima do sonho de vida.

Ao segundo tipo, o social de costumes, � dado um corte n�o hist�rico,
mas social: a humanidade e seu cotidiano dos her�is vivos. Aparentemente,
torna-se mais simples heroi..car a personagem que morreu. Numa
concep��o social, o centro axiol�gico � ocupado pelos valores sociais e,
acima de tudo, familiares. A boa gl�ria junto aos contempor�neos, o homem
bom e honesto e n�o a gl�ria hist�rica junto aos descendentes. Trata-se da
forma do cotidiano, do dia a dia e da felicidade ou infelicidade do indiv�duo
junto aos seus familiares. Nessa consci�ncia biogr�..ca, n�o se trata de estar
no mundo e ter import�ncia nele, mas de estar com o mundo, observ�-lo,
viv�-lo e reviv�-lo repetidas vezes. Nessa forma, a fronteira da narra��o


pode invadir a fronteira da personagem biogr�..ca, come�ando a procurar
coincidir com o autor.

Ambas as consci�ncias biogr�..cas, tanto a do primeiro tipo quanto a
do segundo tipo, oferecem elementos para uma constru��o biogr�..ca que
n�o � est�tica uma em rela��o � outra. Ambas as consci�ncias biogr�..cas
podem oferecer elementos para uma biogra..a, mesmo considerando ambas
trabalhando simultaneamente � um levantamento de elementos dos dois
tipos para a constru��o do narrador e da personagem, no intuito de
desenvolver uma biogra..a que agrade em sua ingenuidade construtiva �
tamb�m ingenuidade associativa do leitor.

A �ltima quest�o desenvolvida pelo autor s�o algumas considera��es
relacionadas ao autor personagem. Nestas, Bakhtin (1992) exempli..ca que o
autor biogr�..co se orienta pelos mesmos valores com os quais a personagem
vive sua vida. S� o que a personagem viu em sua vida e quis para si, o autor
v� nela e quer para ela. Se a personagem age de modo deliberadamente
heroico, o autor a heroi..ca do mesmo ponto de vista. N�o h�
distanciamento. O autor n�o � o artista puro, assim como a personagem n�o
� o sujeito �tico puro: naquilo em que a personagem acredita o autor
tamb�m acredita.

Assim, na biogra..a, o autor n�o s� combina com a personagem na f�,
nas convic��es e no amor, como tamb�m na sua cria��o art�stica, tomando
como guia os mesmos valores que a personagem toma em sua vida est�tica.
O autor � solid�rio com a personagem em sua ingenuidade est�tica. Ambos,
personagem e autor, s�o os outros e pertencem ao mesmo mundo de valores
e autoridade dos outros � autor, leitor, biografado. Na biogra..a, o autor
ing�nuo est� ligado a personagem por rela��o de parentesco � os dois
podem trocar de lugar (da� a possibilidade de coincid�ncia pessoal na vida,
isto �, a possibilidade autobiogr�..ca) (BAKHTIN, 1992, p. 151).

Bakhtin (1992) n�o aponta em sua obra somente elementos
caracter�sticos de uma biogra..a, como tamb�m proporciona elementos


substanciais para a aprecia��o est�tica do g�nero, proporcionando a
possibilidade de constru��o de uma biogra..a bem fundamentada.

A biogra..a � a aprecia��o da vida focada do ponto de vista da
personagem e suas rela��es com o outro e do autor em rela��o ao outro que
pode ser ele mesmo, a personagem e suas rela��es intr�nsecas com o
contexto s�cio-hist�rico em que acontece essa aprecia��o. O autor
magistralmente esclarece, elucida essas quest�es, n�o t�o somente pela
exposi��o da consci�ncia biogr�..ca, mas tamb�m pela diferencia��o exposta
na pr�pria consci�ncia biogr�..ca do g�nero confessional (..nal da Idade
M�dia e Renascimento) para o g�nero biogr�..co genu�no, contempor�neo.

A grande contribui��o do autor est� na consci�ncia de que todos n�s
temos nossos her�is, todos n�s queremos ser amados pelo outro, todos n�s
temos uma aventura vivenciada na vida. Por isso, a forte identi..ca��o com o
g�nero biogr�..co, porque, a..nal de contas, quem n�o gostaria de ser aquele
m�sico important�ssimo biografado, que foi nosso her�i em determinada
�poca da vida, ou o artista pl�stico que gostar�amos de ter sido se
continu�ssemos pintando, ou a personalidade hist�rica que se destacou por
sua bravura, generosidade, amor e patriotismo. O g�nero biogr�..co tem
realmente se destacado pela forte identi..ca��o que tem com seu leitor, uma
vez que a personagem biografada � o outro que eu gostaria de ser.

4.3 O ESPA�O BIOGR�FICO
Para Arfuch (2009), o que consiste em uma novidade real no espa�o
biogr�..co da contemporaneidade s�o as diferentes maneiras como as vidas
reais, as experi�ncias, as ilumina��es e as lembran�as s�o narradas, circulam
e s�o apropriadas nas incont�veis esferas da comunica��o midiatizada.
Nesse espa�o, segundo a autora, densamente povoado, desdobram-se
contemporaneamente tanto os g�neros tradicionais, sempre na lista de best
sellers, biogra..as e autobiogra..as, mem�rias, di�rios �ntimos,


correspond�ncias, testemunhos e hist�rias de vida, quanto aqueles que
vivem em sua margem, como os rascunhos, os cadernos de viagem, as
lembran�as da inf�ncia, junto, � claro, de uma multid�o de registros
midi�ticos: a entrevista, em primeiro lugar, bem como conversa��es,
retratos, per..s (muito presente em disciplinas de educa��o a dist�ncia),
con..ss�es pr�prias e alheias, narrativas de autoajuda, velhas e novas
variantes do show, sem deixar de fora a pol�tica.

Arfuch (2009) faz uma pergunta, levando-se em conta a import�ncia
que a vida do outro tem em nossas vidas: �A que obedece, desde a recep��o,
tal obsess�o pela vida dos outros, na pol�tica j� mais importante do que as
plataformas ou as pautas program�ticas?� (ARFUCH, 2009, p. 114 -115).

A resposta a est� pergunta n�o � t�o simples e, at� o presente momento,
foi poucas vezes teorizada. O biogr�..co n�o est� somente na forma escrita,
mas em sua dispers�o, em sua diversidade e na sua import�ncia na
conversa��o cotidiana, na linguagem oral. Certas tend�ncias, segundo a
autora, operam na (re)con..gura��o da subjetividade contempor�nea.

Bakhtin (1992) foi um dos primeiros a pensar na concep��o de g�neros
discursivos, nos conceitos de relatividade e espa�o-temporalidade nos
discursos sociais e na literatura. Segundo ele, os g�neros s�o conjuntos
constitutivamente heterog�neos, em constante hibridismo, que
compartilham certas caracter�sticas e sistemas de valora��o, mas cuja
especi..cidade � s� relativa; reconhec�veis por sua tradi��o, tamb�m, por�m,
sujeitos � mudan�a, hist�rica ou cotidiana, e, especialmente, ao movimento
sem pausa da interdiscursividade. Ou seja, as vozes, os plurissigni..cados
que se atribuem a elas, o discurso liter�rio, a conversa��o e a linguagem oral
se fundem na express�o genu�na da subjetividade, tomando forma na
historicidade cotidiana e na historicidade literal.

Na vis�o da Arfuch (2009), Bakhtin contribui para rati..car o
pensamento da autora sobre conceitualiza��es que nada dizem a respeito da
diferen�a que perdura entre os g�neros biogr�..cos e os relatos


declaradamente ..ccionais. Embora, segundo ela, os relatos ..ccionais
tenham maior espa�o no mundo acad�mico, o relato autobiogr�..co �
amplamente aceito em correntes n�o acad�micas, embora tenha os mesmos
procedimentos ret�ricos e de ..ccionaliza��o.

Bakhtin (1982, p. 134 apud ARFUCH, 2009, p. 117) a..rma que um
valor biogr�..co n�o apenas pode organizar a narra��o sobre a vida do outro,
mas tamb�m ordenar a viv�ncia da vida mesma e a narra��o da pr�pria vida
do sujeito. Esse valor pode ser a forma de compreens�o, de vis�o e de
express�o da pr�pria vida. Sem d�vida esses valores podem ser encontrados
em outros g�neros discursivos.

Nesse ponto, Arfuch (2009) dialoga ainda mais com Bakhtin quanto �
quest�o valorativa do espa�o biogr�..co. Para ela, a ideia de valor �
denominada �estampagem� �tica da narrativa, uma orienta��o valorativa
para a vida. Nenhum relato, menos ainda o biogr�..co, vai ser in�cuo.
Haver� v�rios valores em jogo: heroico, cotidiano, desejo da gl�ria ou
transcend�ncia (primeiro tipo de consci�ncia biogr�..ca de Bakhtin),
comprometimento da individualidade ou da comunidade. Assim, a
ordena��o do relato, sua temporalidade, a escolha de um come�o e de um
cl�max, as vozes e a consci�ncia do outro ser�o sempre um desa..o e uma
afeta��o. H� carga emocional � ..or da pele em cada narra��o, na qual a vida
se refaz sem ..m. Dessa forma, a constante amplia��o do espa�o biogr�..co
expressa a busca inacabada de novos sentidos.

Completando suas re..ex�es, Arfuch cita Benveniste � �Meu hoje � seu
hoje� (ARFUCH, 2009, p. 118) �, para fundamentar o que sustenta o
princ�pio dial�gico, ou seja, essa refra��o de olhares na qual um relato de
vida impacta na vida do outro. Nesse ser tocado pela experi�ncia do outro,
h� muito da aprendizagem do viver e tamb�m da confronta��o subjetiva dos
limites. Mas h� ainda mais no valor biogr�..co, que � a possibilidade de
ordenar a viv�ncia da pr�pria vida.


A �tica na narrativa combina com esse testemunho de si mesmo, que
sup�e a marca gramatical do eu e ainda desses �outros eu� ou �eu como
outros�. O jogo dos pronomes pessoais abre um campo para associa��es.
Est�o ali o eu, o ela, o ele, o voc� e tamb�m esse outro cujo eco ressoa e d�
uma tonalidade especial � rela��o intersubjetiva.

Nesse ponto, a autora retoma uma quest�o que acreditamos ser de vital
import�ncia para a sa�de dos assuntos tratados at� aqui. Estes s�o, al�m da
�tica na narrativa, a presen�a do outro, a temporalidade no espa�o
biogr�..co, a contemporaneidade e a presen�a biogr�..ca nos espa�os
midi�ticos.

Ademais, ela ressalva que, embora a autobiogra..a, as mem�rias, a
hist�ria de vida e o testemunho sejam as formas cl�ssicas e hierarquizadas
do espa�o biogr�..co, existe uma prolifera��o nos g�neros midi�ticos
centrados na experi�ncia individual e pessoal dos sujeitos, n�o s� celebres,
mas tamb�m comuns que, a nosso ver, torna-se uma pr�tica cada vez mais
cotidiana, em especial na televis�o, que tem como forte exemplo a grande
popularidade dos reality shows que tomam por caracter�stica, entre outras, a
experi�ncia e a viv�ncia pessoal do indiv�duo.

A autora acrescenta ainda que:

De fato, nesse desdobramento fragment�rio de vidas afortunadas ou
desafortunadas, nesses outros que poderiam ser eu, tamb�m est� em jogo a
identi..ca��o, n�o s� com ricos e famosos, mas tamb�m com a debilidade, o
erro, a car�ncia, a infelicidade. Essa ..xa��o orbital da c�mara nas zonas de
desastre, em corpos, rostos, l�grimas, palavras, nesses olhos que nos olham
pedindo algo de n�s tamb�m no plano existencial. (ARFUCH, 2009, p. 119).

Enquanto os grandes cen�rios desenham muitas vezes situa��es
tr�gicas, a pequena cena se volta obsessivamente a banalidades de gente
comum, como � o caso dos talk shows, em que a palavra j� soa
analiticamente como um dom terap�utico. Neste, est�o a con..ss�o
enfocando a mis�ria sexual, o arrebatamento passional ou a agressividade
f�sica, tanto quanto a frustra��o e a solid�o, dois aspectos frustrados de uma


biogra..a, cuja realiza��o plena se v� sempre em rela��o a uma afetividade
compartilhada.

Por que esses tipos de programa t�m alta popularidade se frustra��o e
solid�o s�o caracter�sticas contr�rias a uma biogra..a cl�ssica? A resposta
est� no plano linear dessa pergunta, que � justamente a forte identi..ca��o �s
avessas. Nesse caso, n�o h� uma identi..ca��o com o her�i, mas com a
pessoa comum, que sofre como eu sofro.

A autora estabelece, pois, uma elucida��o sob o ponto de vista pouco
ilustrativo a respeito da ideia que se tem da composi��o de uma biogra..a
que, classicamente, se constr�i por interm�dio da escrita e trata da vida e da
obra do sujeito biografado, alertando-nos para um fen�meno � claro que
fazendo alus�o � biogra..a midi�tica, que s�o g�neros t�o pouco glamorosos.

Nesse sentido, todos, mesmo sem saber ou sem querer, escrevemos
nossa vida no papel, no g�nero mais extensamente autobiogr�..co: a
conversa��o cotidiana. De fato, � o di�logo com outros que, de algum modo,
se fazem respons�veis por n�s, que o acontecer vai ganhando forma e
sentido, em seus m�nimos incidentes e na comum preocupa��o existencial,
na anedota, no conselho, na piada, na fofoca, no coment�rio.

O di�logo com Bakhtin ..ca mais evidente, mais intenso, � medida que
a referida autora vai dissertando sobre a import�ncia do outro em nossas
vidas, em nosso espa�o biogr�..co. Ela, ainda, ressaltando a conversa��o
como evidentemente parte essencial para vida, esclarece que nossa biogra..a
n�o nos pertence por inteiro. Os outros guardam rastros com os quais
compartilhamos ou que nos s�o invis�veis, facetas de n�s mesmos que nos
escapam. O mito do eu s� � poss�vel perante um voc�: aquilo que somos e
que nos escapa, que s� existe na experi�ncia dos outros.

Se apenas somos algu�m em rela��o aos outros, pouco haver� de
verdadeiramente individual em uma biogra..a. � esse car�ter incompleto de
todo sujeito, de toda biogra..a, esse vazio que tenta ser completado por meio
de atos de identi..ca��o. Portanto, na constru��o de uma biogra..a, faz-se


necess�ria a identi..ca��o mais pertinente. Arfuch (2009) faz a pergunta:
�Pode se encontrar hoje um valor mais forte em nossas sociedades altamente
midiatizadas e tecni..cadas que a vida real?� (ARFUCH, 2009, p. 120).

A �nfase biogr�..ca da cultura contempor�nea, ou seja, essa busca de
autenticidade vivencial, at� com seus excessos de visibilidade midi�tica,
pode ser vista n�o simplesmente como uma atitude de narcisismo ou de
voyeurismo, mas sim como uma compensa��o da uniformidade, do
anonimato, do isolamento das pessoas na vida atual, como necessidade de
a..rma��o de uma subjetividade cambiante, sujeita a transforma��es em
decorr�ncia da globaliza��o, da desarticula��o de trajet�rias convencionais
no mercado de trabalho, da incerteza dos projetos de vida, en..m, dos
dilemas de recon..gura��o da identidade em nossos tempos.

Ao falarmos em �biogr�..co�, o termo nos remete quase que
imediatamente a um universo de g�neros discursivos relacionados � vida. As
vicissitudes, o registro minucioso do acontecer, a nota da viv�ncia que
ilumina o instante. S�o as biogra..as, as autobiogra..as, as con..ss�es, as
mem�rias, os di�rios �ntimos, as correspond�ncias que h� mais de dois
s�culos d�o conta da obsess�o de deixar rastro, um registro de vida, em
busca da imortalidade ou simplesmente da singularidade. A
contemporaneidade d� conta de outras formas, de outros g�neros
discursivos, que disputam o mesmo espa�o: show, talk show, reality show,
entrevistas, per..s, conversas, retratos, anedot�rios, hist�rias de vida,
testemunhos, relatos de autoajuda, que, em meio � disputa por espa�os
midiatizados, cercam-se de um �nico tema: a vida. Para Arfuch (2010), no
livro O espa�o biogr�fico. Dilemas da subjetividade contempor�nea, a pr�pria
experi�ncia � �um n�cleo central de tematiza��o.� (ARFUCH, 2010, p. 15).

Arfuch (2010) prop�e privilegiar a trama da intertextualidade em vez
de exemplos de bi�grafos e biografados ilustres, ou emblem�ticos
autobiografados, no livro de sua autoria: O espa�o biogr�fico. Dilemas da
subjetividade contempor�nea. Opta pela hibridiza��o, pela heterogeneidade e


n�o pela pureza de determinado g�nero; pelo deslocamento e transitividade
em vez de fronteiras estreitas e restritas. �Um espa�o biogr�..co como
horizonte de inteligibilidade e n�o como mera somat�ria de g�neros j�
conformados em outro lugar.� (ARFUCH, 2010, p. 16).

O espa�o biogr�..co contempor�neo e sua �nfase biogr�..ca que
caracteriza o momento atual incluem, al�m das variantes citadas acima,
biogra..as autorizadas ou n�o, di�rios �ntimos � e, melhor ainda, secretos �,
correspond�ncias, cadernos de notas, romances, ..lmes, v�deo, teatro
autobiogr�..co, videopol�tica, relatos da vida das ci�ncias sociais e novas
�nfases da pesquisa e da escrita acad�mica, al�m da denominada reality
painting, que s�o, nas artes visuais, os retratos, os objetos, as roupas, as
cartas, as diversas marcas da vida do artista incorporadas nas obras.

Evidentemente, cresce cada vez mais a procura pela identi..ca��o na
vida de famosos, celebridades, ou sua viv�ncia captada em determinado
instante, como as revistas de fofoca e fotos de paparazzi. H�, ainda, uma
prolifera��o do que Arfuch (2010) chama de �exerc�cio de ego-hist�ria�, que
perpassa as autobiogra..as intelectuais, a narra��o autorreferente da
experi�ncia te�rica e a autobiogra..a como mat�ria da pr�pria pesquisa,
al�m da paix�o pelos di�rios �ntimos de poetas, ..l�sofos, cientistas e
intelectuais. Acrescenta a autora: ��s vezes n�o h� muitas diferen�as de tom
entre esses exerc�cios de intimidade e a intrus�o nas vidas celebres ou
comuns com as quais nos depara diariamente a televis�o.� (ARFUCH, 2010,

p. 61).
4.4 BIOGRAFIA: IDENTIDADE PESSOAL E
IDENTIDADE SOCIAL
Goffman (1963) ajuda-nos a pensar que a linha biogr�..ca de
determinado indiv�duo, quer seja pela identidade pessoal � registros


propiciados pelo pr�prio indiv�duo �, quer seja pelos registros sociais �
informa��es dos amigos �ntimos �, toda pessoa � pass�vel de uma
estrutura��o da pr�pria hist�ria: �h� um caderno a sua espera pronto para
ser preenchido�. (GOFFMAN, 1963, p. 73). Qualquer ser humano � um
objeto para uma biogra..a.

Tudo que algu�m fez e, evidentemente, pode fazer, � um mote para
uma biogra..a; todavia, os fatos verdadeiros da personalidade de uma pessoa
e de sua atividade n�o podem ser falsos, contradit�rios ou desarticulados.
Ou seja, a identidade social n�o deve con..itar com a identidade pessoal.
�Nota-se que essa unicidade inclusiva da linha de vida est� em ..agrante
contraste com a multiplicidade de �eus� que se descobrem no indiv�duo ao
encar�-lo sob a perspectiva do papel social.� (GOFFMAN, 1963, p. 73).

Um indiv�duo pode manipular sua identidade pessoal e se fazer parecer
socialmente com uma pessoa que verdadeiramente n�o �. Por isso, a
informa��o social de determinado indiv�duo � importante para um projeto
biogr�..co. Para se escrever a biogra..a de algu�m, � necess�rio ouvir, se
poss�vel, o pr�prio biografado � identidade pessoal � e os amigos, os
contempor�neos, os familiares � identidade social � para manter um n�vel
de coer�ncia e veridic��o que o g�nero biogra..a exige. Ao parecer por meio
da identidade pessoal uma pessoa que n�o �, o indiv�duo, por meio da falsa
identidade pessoal articulada por ele mesmo, entrar� em choque com a
identidade social dele, o que desenhar� falsas imagens biogr�..cas:
inverdades.

Se uma pessoa teve um passado assombroso, hostil, depreciativo, essa
fase de sua vida � relacionada � sua identidade social. A mesma pessoa, ao
articular sobre esse passado, manipulando-o, apresenta uma rela��o do
indiv�duo com a pr�pria identidade pessoal que ele pensa ter ou que ele
gostaria de ter. Trata-se de uma articula��o regida tamb�m pela
identi..ca��o pessoal: aquilo que ele gostaria que tivesse sido ou a pessoa que
ele gostaria de ter se tornado.


No mundo individual de outrem, h� uma dissocia��o entre a
identidade pessoal e a identidade social. Essa separa��o acontece entre
aqueles que conhecem o indiv�duo e partes de sua vida e aqueles que n�o a
conhecem. As pessoas que o conhecem s�o capazes de trazer alguma
informa��o apenas ao ouvi-lo chegar ou ao ver sua pessoa. J� para aqueles
que n�o o conhecem, ou seja, o indiv�duo � um perfeito estranho, sua
biogra..a ainda n�o foi iniciada.

Quando um indiv�duo est� dentre pessoas que n�o o conhecem, deve
estar preparado para a elabora��o, por parte das pessoas, de uma identidade
social pela imediaticidade, uma identidade social aparente. Tratar-se-ia de
uma tentativa de estabelecer uma identi..ca��o pessoal para ele sob um
ponto de vista do anonimato social, ou seja, a partir do desconhecido.
�Observe-se que, embora as ruas das grandes cidades forne�am situa��es
an�nimas para os que se comportam de maneira correta, essa anonimidade
� biogr�..ca.� (GOFFMAN, 1963, p. 77). Em outras palavras, ser biogr�..co
implica o bom e o mau, a sa�de e a debilidade, o bonito e o feio, o fracasso e
a gl�ria.

A partir do momento que determinado indiv�duo adentra em uma
comunidade, formata-se uma composi��o do conhecimento sobre ele. Essa
estrutura permitir� conhecer o indiv�duo, seu car�ter, e h�, portanto, nessa
mudan�a contingencial, um controle das informa��es sobre ele. �Dentro de
um c�rculo de pessoas que tem uma informa��o biogr�..ca sobre algu�m �
que sabem coisas sobre ele � haver� um c�rculo menor daqueles que
mant�m com ele um v�nculo social.� (GOFFMAN, 1963, p. 79). Esse v�nculo
social, seja ele super..cial ou �ntimo, garante um contingente de informa��es
sobre determinada pessoa de pessoas que a conhecem pessoalmente. O fato
de se encontrarem dentro de determinada organiza��o ou comunidade
obriga que se sa�dem, troquem comprimentos e eventualmente conversem,

o que con..gura um reconhecimento social.

A palavra fama � associada � se n�o sempre, quase sempre � a um
artista, uma celebridade, um ator, um cantor etc. Todavia, se pensarmos em
um trabalhador da ro�a, morador de uma pequena cidade do interior,
concluiremos serem pouqu�ssimas pessoas que o conhecem apenas de
nome, ou seja, algumas dessas pessoas podem inclusive conhec�-lo
pessoalmente. Entretanto, a fama do homem do interior tem seu nome
acrescido por epis�dios de uma conquista ou de uma posse adquirida, em
que o c�rculo de pessoas que sabem de suas posses e conquistas � maior do
que o c�rculo de pessoas que o conhecem pessoalmente: a fama, ent�o, est�
institu�da.

A manifesta��o da identidade social do indiv�duo pela fama por meio
de uma conquista, por exemplo, corpori..ca sua identidade pessoal.
Portanto, aquele indiv�duo detentor de certa notoriedade, seja numa cidade
pequena, seja pela televis�o, apresenta em sua identidade social um
tratamento diferenciado, ..ca famoso, e, portanto, em virtude de sua fama,
ganha defer�ncia e indulg�ncia complementares por conta de sua identidade
pessoal positivamente constitu�da.

A fama possibilita uma identidade pessoal positiva; contudo, ao
discutir-se sobre a fama, devem ser considerados o maldizer, a difama��o e a
m� reputa��o. Essa perspectiva negativa surge, geralmente, do preconceito:
quando uma esfera social, um c�rculo de pessoas, tem um conceito negativo
de determinado indiv�duo sem conhec�-lo pessoalmente.

Goffman (1963) trata a m� reputa��o e a fama separadamente e
considera, grosso modo, a fama por uma perspectiva positiva e a m�
reputa��o negativamente. �De qualquer forma, a informa��o prontamente
dispon�vel sobre a manipula��o da identidade pessoal deve ser buscada nas
biogra..as e autobiogra..as de pessoas famosas ou de m� reputa��o.�
(GOFFMAN, 1963, p. 83).

Em suma, os contatos que um ser humano faz na sua vida pessoal, n�o
raro, de forma casual, efetivamente, na vida cotidiana, mant�m o indiv�duo a


uma biogra..a: um sujeito detentor de uma multiplicidade de �eus�. A
identidade pessoal, ou seja, as impress�es que o indiv�duo tem de si pr�prio,
aglutinadas a sua hist�ria pessoal contada por ele mesmo, e ainda justaposta
com a hist�ria de vida abstra�da de sua identidade social s�o elementos
absolutamente ponder�veis na constru��o da biogra..a de qualquer ser
humano.

4.5 REALIDADE BIOGR�FICA: RELA��O ENTRE
OS SUJEITOS
Vilas Boas (2007) a..rma que �biogra..a � o biografado segundo o
bi�grafo.� (VILAS BOAS, 2007, p. 20). O autor complementa que para ele
n�o precipitar-se, admitiu �que biogra..a � um g�nero liter�rio de n�o


..c��o.� (VILAS BOAS, 2007, p. 20).
O que deve nos oferecer uma biogra..a? A biogra..a deve nos oferecer
uma descri��o. Descri��o esta desenvolvida para descrever uma exist�ncia.
Para Vilas Boas (2007), �biogra..a � a vida de uma pessoa (acima de tudo)
narrada com arte por outra pessoa.� (VILAS BOAS, 2007, p. 22).

Dines (1981) tece considera��es interessantes sobre o que ele chama de
arte de biografar: �transgredir � essencial na arte biogr�..ca. Mais do que
g�nero liter�rio, a biogra..a � um desacato. Insubordina��o contra a morte,
..xa��o na vida, exerc�cio de suscita��o, ressuscita��o dos ..nados e
esquecidos�. E acrescenta: �biogra..a n�o � ci�ncia ent�o s� pode ser arte.�
(VILAS BOAS, 2007 p. 22).

Segundo Vilas Boas (2007), as biogra..as s�o diferentes das hist�rias de
vida empregadas nas humanidades visando ao coletivo, n�o constituindo
propriamente um g�nero liter�rio. Se nas humanidades foca-se a vida no
coletivo, na biogra..a privilegia-se o indiv�duo. Trata-se de revelar no espa�o
biogr�..co uma personalidade �nica.


Acrescenta Vilas Boas (2007) muito acertadamente sobre um aspecto
do g�nero biogr�..co:

A individualidade � aderente a biogra..a, dentro da qual se pode procurar
conhecer como um ser humano viveu em seu tempo; como uma vida pode
in..uenciar muitas � mesmo a vida do pr�prio autor, pois nenhum bi�grafo
respeit�vel pode permanecer � sombra do seu biografado (vivo ou morto)
tanto tempo, pesquisando-o, interpretando-o, diariamente �s vezes, durante
v�rios anos, e n�o ser tocado pela sua experi�ncia (VILAS BOAS, 2007, p.
24).

E tra�a um paralelo entre as artes pl�sticas e a biogra..a; entre bi�grafo
e cr�tico de arte:

O papel de ambos � id�ntico, esse � o ponto. Ambos desejam algo; ambos
procuram e s�o procurados pelo humano ser que habita a obra (material ou
imaterial), o que resulta dessa procura � um encontro e sua consequente
aventura em torno de uma forma (vital, humana e ps�quica) repleta de
signi..cados (VILAS BOAS, 2007, p. 27).

Merleau-Ponty (1975) considera que o pintor C�zanne trazia em sua
ess�ncia a sua obra e que, ao enxergarmos a sua obra, vemos nela as
circunst�ncias da vida carregando um sentido que na realidade � da obra e
n�o da vida. N�o se trata de a vida explicar a obra, todavia a obra composta
por C�zanne exigiu dele uma certa vida, assim como a vida dele exigiu sua
obra.

Vilas Boas (2007) assinala dois valores em hist�rias de vida: o da
relacionalidade e o da re..exibilidade. A relacionalidade � um conjunto de
implica��o que se exige nas rela��es entre o bi�grafo e o biografado. Na
perspectiva de Cole e Knowles (2001), a compreens�o de relacionamentos
entre bi�grafos e biografados se contrap�e �s perspectivas tradicionais que
incentivam a dist�ncia, a formalidade e a estabilidade para a de..ni��o das
fronteiras inter-relacionais. As vis�es segundo as quais os autores se
contrap�em s�o aquelas em que evitam a �contamina��o� como sendo uma
suposta amea�a para a pesquisa. Essas vis�es consideram que o
distanciamento nas rela��es entre o biografo e o biografado � mais


adequado. Os autores discordam, considerando o relacionamento da
pesquisa sem essa contamina��o, que corresponde a um relacionamento
aprofundado entre bi�grafo e biografado, uma rela��o an�loga a um tratado
de neg�cio. Segundo Cole e Knowles (2001), o processo da pesquisa de
hist�ria de vida deve ser humanista, complexo, e em constante reforma.
Enxergam a �tica o empirismo e a human�stica como chaves de um processo
de mudan�a e transforma��o nas rela��es rec�procas de acordo entre
bi�grafos e biografados.

Para a re..exividade, a base � a empatia. Trata-se de cordialidade, boa
vontade, preocupa��o e boa inten��o em rela��o � hist�ria vivida pelo outro.
� importante que o bi�grafo/pesquisador sinta o que sentiria se estivesse nas
mesmas circunst�ncias de vida que foram vividas e vivenciadas pelo outro.
Essa valora��o equivale-se a a..rma��o de Bakhtin de que o bi�grafo deve
manter com o biografado uma rela��o quase que de parentesco. Trata-se de
compartilhar as alegrias e tristezas do biografado do ponto de vista do
interlocutor.

Cole e Knowles (2001) argumentam sobre a re..ex�o no que tange �
pesquisa:

Ser re..exivo em pesquisa signi..ca engajar-se em um processo continuo de
espelhar ideias e experi�ncias sobre algu�m, com um conhecimento expl�cito
do posicionamento desse algu�m na pesquisa. Ser re..exivo em pesquisa
tamb�m signi..ca elevar a percep��o emp�tica desse algu�m... Quando os
pesquisadores se colocam na posi��o do �outro� em uma pesquisa, podem
estender seus entendimentos vivenciais do que signi..ca ser pesquisado. Tal
conhecimento implica empatia na pr�tica da pesquisa. (COLE e KNOWLES,
2001 p. 43 apud VILAS BOAS, 2007 p. 34).

Vilas Boas (2007) acrescenta sobre as rela��es bi�grafo/biografado
concernentes � pesquisa:

Aceitei como princ�pio fundamental que as rela��es motivacionais entre a
vida do biografado e suas obras (as realiza��es inerentes a qualquer vida) se
imbricam tamb�m nas rela��es motivacionais do biografo-autor, porque
pesquisar � tamb�m um ato autobiogr�..co. (VILAS BOAS, 2007, p. 34).


A realidade biogr�..ca mostra n�o ser poss�vel construir uma biogra..a
sem recorrer � hist�ria de vida, �s recorda��es suas ou de outrem.

Vilas Boas (2007) conclui haver na rela��o bi�grafo e biografado uma
rela��o metabiogr�..ca. E por que meta? Porque segundo a vis�o do autor,
essa rela��o deve advir de um rompimento um �encerramento em n�s
mesmos (egocentrismo), em nossa cultura (etnocentrismo), em nossa
civiliza��o (ocidentrocentrismo).� (VILAS BOAS, 2007, p. 40). Para ele, o
bi�grafo partiria de uma explicita��o comedida de sua consci�ncia sobre as
suas interpreta��es a respeito dos limites e possibilidades da escrita de uma
biogra..a. As autorre..ex�es de quem escreve seus signi..cados e, acima de
tudo, os signi..cados do outro � absolutamente importante nessa rela��o,
considerando-se que, evidentemente, a vida de quem se escreve � mais
importante do que a vida do bi�grafo que escreve, mas as experi�ncias do
bi�grafo n�o podem ser totalmente descartadas.

Acrescenta o autor sobre metabiogra..a:

Metabiogra..a � um modo de narra��o biogr�..ca que d� aten��o tamb�m
aos exames e autoexames do bi�grafo sobre o biografar e sobre si mesmo.
Mas porque pensar nisso? Porque a an�lise e autoan�lise s�o partes
constitutivas do processo de constru��o de uma vida pela escrita. Esse
processo � do bi�grafo, do biografado e de ambos, juntos, harm�nicos no
mesmo cen�rio vol�til; metabiogra..a porque qualquer processo biogr�..co
extravasa e consagra o relacionamento sujeito-sujeito. (VILAS BOAS, 2007,

p. 41).
Vilas boas (2007) nota tamb�m uma tend�ncia dos bi�grafos de
retratar fen�menos da personalidade do biografado, explicando-os por meio
da descend�ncia do biografado. Trata-se de uma op��o dos bi�grafos, que
preenchem p�ginas e p�ginas com as descend�ncias do biografado
pressupondo que seus ancestrais consangu�neos tra�ariam a personalidade
das gera��es subsequentes.

Para o autor (2007):

Bi�grafos adoram recorrer a pais, av�s e bisav�s para tentar explicar
temperamentos, atitudes destrutivas, decis�es arriscadas, fracassos,


repeti��es, estranhezas, conquistas etc. H� os que explicitam ou insinuam
rela��es de causa e efeito entre o passado e o presente; outros preferem
apenas cumprir um ritual: fornecer registros informativos sobre familiares.
(VILAS BOAS, 2007, p. 48).

S�o essencialmente relevantes essas considera��es se pensarmos que
em nenhum outro espa�o social, como a fam�lia, o indiv�duo � t�o
evidenciado. O indiv�duo � fortemente marcado no n�cleo familiar. H�,
portanto, uma tentativa de psicanalisa��o do indiv�duo. Contudo, nessa
tentativa de buscar respostas na rela��o do indiv�duo com o pai e, mais
precisamente com a m�e, os bi�grafos correm o risco de enveredar por um
caminho oriundo da an�lise psicanal�tica e n�o propriamente da hist�ria de
vida do biografado. Essa psicanalisa��o relativamente vazia, que tem como
pressupostos o complexo de �dipo, sexualidades infantis etc., parece ter
ca�do no gosto de resenhistas de biogra..as e literatos, tendo desenhado uma
composi��o em torno do biogra..smo de �mentalidade freudiana
persistente� (VILBAS BOAS, 2007, p. 58).

Vilas Boas (2007) acrescenta que:

Hist�rias de vida (em sentido lato) s�o met�foras de algo maior, e n�o um
quebra cabe�as ..nito, em que todas as pe�as se encaixam direitinho. H�
chamados muito �ntimos, que n�o necessariamente se conectam com
cord�es umbilicais ou com inconscientes coletivos, e os bi�grafos precisam
estar atentos a isso, cientes de que tais sutilezas podem, sim, estar numa
biogra..a (expl�cita ou implicitamente). (VILAS BOAS, 2007, p. 77).

Para Vilas Boas (2007), a fam�lia refor�a nossas tend�ncias e voca��es,
�mas a disposi��o para desenvolver uma fun��o � tamb�m arquet�pica.�
(VILAS BOAS, 2007, p. 77).

Merleau-Ponty (1975, p. 205 apud VILAS BOAS, 2007 p. 77) escreveu
que muito al�m do inato e do adquirido est� �o momento da experi�ncia�,
um momento que pode ser precoce ou tardio, interno ou externo, f�sico ou
sensorial.

H� distin��es no espa�o biogr�..co no que tangem � multiplicidade de
coexist�ncia intertextual de g�neros discursivos diversos em torno dos


sujeitos e suas posi��es no que envolve a identidade dos sujeitos em torno
da exist�ncia, em torno do real.

Por meio das caracter�sticas do g�nero do discurso biogra..a, ancorados
nas categorias de an�lise: autor e autoria, reportagem e intertextualidade,
conte�do tem�tico, estilo e constru��o composicional, perspectivaremos, no
pr�ximo cap�tulo, como se d� a rela��o entre a biogra..a e reportagem,
g�neros do discurso que dividem o mesmo espa�o biogr�..co. A
compreens�o da expans�o poss�vel do g�nero biogra..a dar-se-� de maneira
emp�rica, por interm�dio da an�lise.


5. AN�LISE DO CORPUS: BIOGRAFIA E
REPORTAGEM
O g�nero do discurso biogra..a � uma comemora��o da vida, uma
deseleg�ncia com a morte e uma contempla��o do indiv�duo, de sua vida, de
sua hist�ria; desfruta de relativiza��o da estabilidade. A biogra..a�
reportagem n�o � diferente. Contudo, na biogra..a-reportagem de Silvio
Santos � A trajet�ria do mito (2017), a constitui��o gen�rico-discursiva goza
de algumas particularidades, n�o somente pela rela��o autor-autoria, mas
tamb�m pela sua estrutura formal: a constru��o composicional desse g�nero
do discurso h�brido � diferente.

A biogra..a de Silvio Santos � biogra..a por contar a trajet�ria de vida
de um dos maiores empres�rios e comunicadores brasileiro, sem d�vida o
maior animador de audit�rio do Brasil, de maneira diferenciada, e, para isso,
conta com dois autores: Fernando Morgado e o pr�prio Silvio Santos.

A voz de Fernando Morgado aparece na narra��o biogr�..ca de
maneira bem-marcada, por meio de discurso direto do pr�prio autor e suas
escolhas estil�sticas. A voz de Silvio aparece na narra��o biogr�..ca por
interm�dio do discurso direto e do discurso indireto, mas se solidi..ca,
principalmente, nas reportagens organizadas por Fernando Morgado, que
s�o absolutamente acentuadas pela intertextualidade manifesta. Portanto, �


biogra..a por ser conclusivamente heterog�nea assentada em um estilo
assinalado pelo discurso de outrem.

As reportagens mediadas por grandes jornais, como O Estado de S.
Paulo, o Globo, a Folha de S. Paulo e de grandes revistas, como a Veja, A
cr�tica, O cruzeiro, al�m de depoimentos recolhidos da biogra..a de Arlindo
Silva, A fant�stica Hist�ria de Silvio Santos, assinam a coautoria das
reportagens. H�, ainda, discursos de Silvio no SBT.

O g�nero biogra..a encabe�a uma atmosfera biogr�..ca composta por
autobiogra..as, depoimentos, mem�rias, di�rios �ntimos, tabloides, talk e
reality shows, e agora, tamb�m, a reportagem, como um g�nero do discurso
f�rtil para a constru��o biogr�..ca deste espa�o t�o denso e povoado,
constitutivo da vida de cada um de n�s.

5.1 SILVIO SANTOS � A TRAJET�RIA DO MITO:
UMA BIOGRAFIA
Dentre as literaturas, de um modo geral, as biogra..as e autobiogra..as
seguem, na contemporaneidade, um movimento inverso da populariza��o
do autor como pessoa, difundida a partir do s�culo XIX nos romances de
muitos volumes. Por exemplo, ao falarmos em Dostoi�vski, aparece a ..gura
do autor de Crime e Castigo, O idiota e Os irm�os Karam�zov, g�nio, jogador
e epil�tico. Ao Falarmos de Fernando Morgado, aparece a personagem,
Silvio Santos, � frente do autor, e o seu livro, Silvio Santos � A trajet�ria do
mito.

As biogra..as, assim como nas epopeias gregas, como Il�ada, Odisseia e
Eneida, a ..gura do her�i biografado tem maior destaque do que o autor
(bi�grafo) que assina a obra. N�o dir�amos que o her�i, Silvio Santos, � a
pr�pria obra, porque Morgado se faz presente na constru��o narrativa, mas
� a maior parte dela.


Nesse sentido, h� uma morte do autor real em detrimento do her�i:
morre Morgado para que nas�a Silvio Santos � personagem e autor da
pr�pria hist�ria.

Essa morte do autor � atestada pelo pr�prio Morgado, ao apresentar-se
no ex�rdio da biogra..a, cap�tulo I � O homem por tr�s do sorriso como um
organizador.

Nas palavras de Morgado (2017):

Por ..m, cumpre acentuar que todas as cita��es foram trabalhadas com a
maior ..delidade poss�vel aos registros originais. Contudo, revis�es pontuais,
comuns a pr�tica jornal�stica, foram feitas em per�odos extra�dos de longos
discursos de improviso, feitos no calor da emo��o e que, por isso mesmo,
n�o se mostraram integralmente claros ou gramaticalmente corretos quando
transcritos. O organizador23 dedicou seu m�ximo empenho a ..m de
preservar as palavras ditas originalmente e, sobretudo, o sentido com o qual
foram empregadas. (MORGADO, 2017, p. 13).

Morre o autor para nascer o escritor, que morre para nascer o
organizador e, com a morte do autor-organizador, a personagem Silvio
Santos ganha for�a e status de mito. Todavia, Silvio Santos � autor das
reportagens, assim como os jornais as quais foram vinculadas. H� excertos
das reportagens pass�veis de tr�s vozes de autoria: Morgado, Silvio Santos e o
jornal ou revista de divulga��o, como no excerto abaixo:

[O r�dio] � um extraordin�rio ve�culo de comunica��o, como a TV. Tem as
suas caracter�sticas pr�prias, alcance diferente, hor�rio nobre diurno,
enquanto a TV � o noturno. En..m, tem condi��es para conservar e at�
ampliar sua import�ncia como ve�culo de comunica��o de massa,
principalmente agora que se pretende alfabetizar milh�es de brasileiros, que
moram aonde muitas vezes a imagem da TV n�o chega. Como ve�culo de
publicit�rio, acredito que continue gozando de muito prestigio, pois todas as
empresas que vendem alguma coisa anunciam no r�dio, a come�ar pelas
maiores.

� O cruzeiro, 5 de maio de 1971
(Morgado, 2017, p. 93).
O r�dio, entre colchetes no come�o do excerto, em negrito, signi..ca
uma inser��o do autor-organizador Morgado a partir de um contexto para
dar sentido a reportagem organizada para a biogra..a. O �eu�, voz de Silvio


Santos, est� presente a partir do verbo acreditar no presente do indicativo
�acredito� e a revista O cruzeiro assina a reportagem, possivelmente advinda
de uma entrevista com o �homem do ba��. Mesmo na reportagem, h� um
apagamento da voz do autor-organizador, Morgado, j� que o r�dio entre
colchetes deixa impl�cita a voz a do pr�prio Silvio Santos.

Paradoxalmente, esse apagamento, essa �morte do autor� (Barthes,
1988 [1978]) representa a fun��o de ser autor quando Morgado assume sua
fun��o de organizador e responsabiliza-se pela obra. Quando se assume
como organizador, Morgado delega a si mesmo a compet�ncia de uma
fun��o. Subentende-se, ent�o, que Morgado � propriet�rio da biogra..a que
escreveu e organizou, e � respons�vel por ela.

Morgado (2017) tem seu nome na capa da biogra..a, colocando-se
como autor abaixo do nome Silvio Santos, e institu� Silvio por meio da fala,
auxiliado pela imagem (foto de capa) como mito. Todavia, o mito Silvio
Santos nasce pela linguagem e discursivamente de forma bipartida, como
prev� Barthes (2006). Existe esse primeiro ato de fala representativo do
t�tulo do livro Silvio Santos � A trajet�ria do mito, associado a foto do
animador de audit�rio. Contudo, � intertextualmente, em um segundo
momento, que o mito se estabelece. Morgado, no cap�tulo II, ao introduzir
as reportagens, a trajet�ria de Silvio � frente dos seus neg�cios, intitula nesse
momento Silvio Santos por ele mesmo assim: �Toque de Midas�. Midas �
um personagem da mitologia grega, um rei, em que sua principal
caracter�stica � de transformar em ouro tudo o que toca.

Nota-se uma escolha estil�stica de autoria que caminha em dire��o da
fraseologia: essa pondera��o se d� pelo mito de Midas ser muito popular,
que origina e evolui sua manifesta��o � pelo termo Toque de Midas � para
uma express�o idiom�tica.

Silvio Santos e o Toque de Midas:

Um dia eu estava passando na Avenida Rio Branco, tinha algum dinheiro no
bolso e resolvi comprar tr�s carteirinhas de pl�stico [para guardar t�tulo de
eleitor]. Era 1945, �poca de elei��o para a presid�ncia da Rep�blica. Achei


que poderia ganhar algum dinheiro vendendo as carteirinhas. Comprava
tr�s por Cr$ 3,00 e vendia por Cr$ 5,00 cada uma momentos depois. Era
bom neg�cio.

� O Estado de S. Paulo, 17 de agosto de 1983
(MORGADO, 2017, p. 30).
Ocorre no excerto acima, novamente tr�s manifesta��es de autoria:
Silvio Santos (eu), Morgado (para guardar o t�tulo de eleitor) e O Estado de

S. Paulo (que assina a reportagem).
Embora Morgado (2017) se classi..que pela fun��o de ser autor como
organizador, nota-se que a voz de autoria do bi�grafo-autor aparece o tempo
todo. Sua presen�a acontece efetivamente nas escolhas lexicais, fraseol�gicas
e gramaticais da l�ngua, mas, sobretudo, pelo discurso direto n�o marcado,
pela intera��o com o leitor e pela intertextualidade manifesta e
intertextualidade constitutiva na narrativa biogr�..ca.

Vejamos as ocorr�ncias de intertextualidade manifesta na narrativa
biogr�..ca constitu�da a partir das reportagens de Silvio. Considera-se que
Morgado (2017) n�o � o sujeito �nico da enuncia��o, mas sim um sujeito
dial�gico, em que a voz de Silvio nas reportagens dialoga com a voz de
Morgado na narrativa biogr�..ca.

Consideremos a narrativa constru�da no cap�tulo 2, Neg�cios, a partir
da reportagem Toque de Midas � Silvio Santos por ele mesmo:

Gritando, um homem chamava a aten��o de quem passava pela Avenida Rio
Branco. Ele vendia carteiras pl�sticas para guardar t�tulo de eleitor.O ano
era de 1945. Ap�s o ..m do Estado Novo, o Brasil voltava a ser uma
democracia, ou seja, havia demanda para as tais carteiras. Senor ..cou t�o
impressionado com a facilidade com que as vendas aconteciam que n�o
resistiu a seguir o tal homem. Logo descobriu que ele comprava grandes
quantidades em uma loja na rua Buenos Aires, reduzindo, assim, o valor
pago por unidade. Interessado no esquema resolveu testar. Com uma moeda
de 2 mil r�is, comprou a primeira carteira. Foi para a cal�ada, falou para
quem passava e logo fez a venda. Rapidamente voltou para a loja e comprou
mais duas carteiras, tamb�m vendidas facilmente. Quanto mais dinheiro
ganhava, mais o seu entusiasmo aumentava. Foi ent�o que decidiu: seria
camel�. (MORGADO, 2017, p. 16).


Morgado retoma a descri��o do fato, a venda das carteirinhas, como
prev� Fairclough (1992), reutilizando-o, reacentuando-o e retrabalhando-o,
ao ampliar a narrativa com novas informa��es, por exemplo, o valor da
primeira carteira: 2 mil r�is e como Silvio Santos decidiu ent�o ser camel�.

Trata-se de uma intertextualidade manifesta n�o marcada,
concomitantemente vertical e horizontal. H� a orienta��o vertical porque
s�o textos sobre outros textos � narrativa biogr�..ca que amplia as
reportagens � e est�o amparados por um contexto imediato. � tamb�m
horizontal pela intertextualidade se dar entre um texto base � a narrativa
biogr�..ca � e aquele que o precede � as reportagens de Silvio Santos.

Outro exemplo � esse excerto da reportagem: �J� vendi um jipe ao
Ronald Golias e depois o mesmo jipe voltou pra mim, com muito lucro...�. �
Revista do R�dio, 20 de agosto de 1960. (MORGADO, 2017, p. 33).
Morgado (2017) explica de maneira contrastiva na narrativa biogr�..ca:

Nessa �poca, conseguiu fechar com os candidatos a reelei��o Antonio Sylvio
Cunha Bueno, deputado federal, e Carlos Kherlakian, deputado estadual, um
pacote de 40 com�cios. Em troca, conseguiria comprar um Jeep Willys. Para
cumprir sua agenda, o sacrif�cio era grande. Silvio sa�a de casa pela manh� e
s� retornava de madrugada, realizando at� tr�s shows por dia, de quinta a
domingo. Ele cuidava de tudo sozinho: circulava pela regi�o fazendo
propaganda, armava o palco, apresentava o espet�culo e, ao ..nal,
desmontava a estrutura, sem falar que ainda tinha de ..car atento a bilheteria,
por medo de ser roubado, e pagar todos os artistas. A sa�de logo reclamou.
Para aguentar, tomava inje��es de c�lcio-cetiva na veia. Por ..m, conseguiu
comprar o carro, que acabou vendendo com lucro para Ronald Golias,
seu colega de Nacional. (MORGADO, 2017, p.57-58).

Trata-se de um intercruzar de superf�cies textuais.
Olhemos o depoimento-reportagem de Silvio para o livro 50 anos de
TV no Brasil, organizado por J.B. de Oliveira Sobrinho, Boni (2000):

O acontecimento que mais me emocionou em todos estes anos de
programa foi o lan�amento do Teleton. N�o queria que o Teleton fosse um
evento do SBT, eu queria, como acontece em outros pa�ses, que todas as
emissoras estrassem juntas, formando a Rede da Amizade, mas, por mais
que eu me esfor�asse... Isso, por enquanto, n�o foi poss�vel. Ainda n�o
conseguimos formar a Rede da Amizade. (MORGADO, 2017, p. 80).


Morgado (2017), intertextualmente, utiliza praticamente as mesmas
palavras: �O acontecimento que mais emocionou Silvio diante das c�meras
foi o lan�amento do primeiro Teleton.� (MORGADO, 2017, p. 68).

Na narrativa biogr�..ca de Morgado encontram-se textos constru�dos a
partir de outros textos, como se v�. A narrativa abaixo foi inspirada no
discurso de inaugura��o da TVS:

O que nem os observadores nem Silvio Santos esperavam era que o
transmissor do antigo canal 9 carioca tinha sido constru�do para operar
em cores mais de uma d�cada antes do in�cio ocial da TV colorida no
Brasil. Foi um verdadeiro milagre que o empres�rio fez quest�o de contar
em p�blico no discurso de inaugura��o da TVS, transmitida �s 20h55min de
14 de maio de 1976, uma sexta-feira. (MORGADO, 2017, p. 103-104).

O excerto-reportagem do discurso de Silvio na inaugura��o da TVS:

Silvio era a pessoa mais apressada do mundo e era tamb�m um sujeito de
muita sorte. Li nos jornais que a massa falida da extinta TV Continental,
canal 9 do Rio de Janeiro, seria leiloada e disse para o meu amigo e
superintendente dos est�dios, Luciano Callegari: �Olha, Luciano, se n�s
arrematarmos tudo no leil�o, n�o vamos precisar esperar 8 meses pela
constru��o da torre e da antena�. O material anunciado no edital do leil�o era
sucata, disse muita gente entendida. O pr�prio leiloeiro achava que iria
leiloar um monte de ferro velho. Conseguimos, com o maior lance, comprar
todo o material do leil�o e os jornais disseram que o nove concession�rio j�
estava come�ando com o p� esquerdo e fazendo um p�ssimo neg�cio. Fez-se
uma descoberta espantosa. Quem poderia adivinhar que o velho
transmissor, da velha Continental, fora constru�do para funcionar a cores
uns dez anos antes de se instalar a televis�o a cores no Brasil? Mas quando
h� boa vontade, Deus ajuda e tudo acontece. � TVS, 14 de maio de 1976.
(MORGADO, 2017, p. 122-123).

A reportagem recolhida do discurso inaugural da TVS amplia
intertextualmente a narra��o biogr�..ca, caracterizando um movimento
inverso, em que a reportagem expande a narra��o biogr�..ca e n�o a
narra��o biogr�..ca que expande a reportagem.

�Eu sempre sonhei em ter no Brasil uma vida como os americanos t�m
nos Estados Unidos�. � SBT, 21 de agosto de 2011. (MORGADO, 2017, p.
173). Esse enunciado de Silvio Santos � revisitado por Morgado na narra��o.


Trata-se de uma reacentua��o, uma repeti��o do enunciado original, e essa
reformula��o modi..ca o texto narrativo biogr�..co. �Disse acreditar que o
ideal � viver a classe m�dia dos Estados Unidos, seu pa�s de refer�ncia, n�o
apenas quando pensa em televis�o, mas tamb�m em Sa�de, emprego,
seguran�a p�blica e qualidade de vida.� (MORGADO, 2017, p. 171).

Em depoimento para o livro 50 anos da TV Brasil, organizado por Boni
(2000), Silvio fala sobre o que considera ser sua maior cria��o:

Entre os muitos quadros que apresentei, penso que minha maior cria��o foi

o Cidade Contra Cidade, que segundo dizem, foi copiado no mundo
inteiro. O Cidade Contra Cidade come�ava �s 10 horas da noite e ia at� as 4
horas da madrugada. (MORGADO, 2017, p. 78).
Na narra��o biogr�..ca:

Em 1964, aos s�bados � tarde da TV Tupi de S�o Paulo, come�ou o Festival
da Casa Pr�pria. Quatro anos depois, nesse mesmo canal, lan�ou atra��es
noturnas, com destaque para aquela que considera ser sua maior cria��o:

Cidade Contra Cidade. Essa gincana reunia desde provas f�sicas at� testes de
conhecimento, passando por n�meros art�sticos, concursos de beleza, a��es
comunit�rias e exibi��es folcl�ricas. Com tantas atra��es, o programa
muitas vezes invadia a madrugada e, n�o raro, os telespectadores s�
conheciam o vencedor por volta das quatro horas da manh�. (MORGADO,
2017, p. 60).

A narra��o biogr�..ca dialoga com as palavras do pr�prio Silvio no
depoimento, todavia amplia as informa��es tamb�m: o programa � Cidade
Contra Cidade � era uma gincana que �reunia desde provas f�sicas at� testes
de conhecimento, passando por n�meros art�sticos, concursos de beleza,
a��es comunit�rias e exibi��es folcl�ricas�. (MORGADO, 2017, p. 60).

Silvio Santos, referindo-se ao servi�o de alto-falante na barca, seu
primeiro empreendimento, no translado Rio-Niter�i, acrescenta:

Ganhei muito dinheiro com isso. Mas a barca entrou no estaleiro para
sofrer reparos e eu n�o poderia ..car parado. Mudei-me para S�o Paulo,
onde ingressei na r�dio nacional. Se n�o tivesse feito isso seria um desastre,
pois at� agora a barca est� em conserto.
Revista do R�dio, 23 de outubro de 1965.
(MORGADO, 2017, p. 33).



Morgado (2017) desenvolve na narrativa o acontecimento da barca
marcando a pr�pria voz pelo discurso direto, sinalizado da seguinte forma:
�Esse neg�cio, que parecia t�o promissor, logo sofreria um golpe: com
problema no eixo, a barca, onde estava o bar, foi parar no estaleiro.�
(MORGADO, 2017, p. 18).

A recorr�ncia estil�stica de Morgado, pelo discurso direto, n�o marcado
por aspas, tampouco por travess�o, acontece algumas vezes na trama
narrativa.

Vejamos dois exemplos no mesmo par�grafo:

Desde 1982, o SBT exibe produ��es da Televisa, come�ando por Os Ricos
Tamb�m Choram. Muitas delas seguem o mesmo enredo: uma jovem
bonita, pobre, solteira, virgem e devota de Nossa Senhora de Guadalupe
desperta a paix�o de um homem bonito, rico, mas casado com uma
mulher m�, e conta com o apoio de crian�as, idosos, e/ou empregados
para casar-se com o tal homem. Spoiler: no nal, a mulher m� morre e a
jovem bonita, pobre, virgem e devota consegue seu t�o sonhado
matrimonio com o homem bonito, rico, cando assim, rica tamb�m.

(MORGADO, 2017, p. 114).

O discurso direto do autor � marcado por dois pontos, que assinala sua
constitui��o pela manifesta��o de sua heterogeneidade, caracter�stica
constitutiva do g�nero biogra..a.

A intertextualidade manifesta entre as reportagens e a narrativa da
biogra..a propicia, de maneira ora vertical, ora horizontal, uma constru��o
intertextual, como pontua Kristeva (1960), de enunciados que repetem
enunciados, mas, sobretudo, enunciados que ampliam enunciados. Cabe-
nos a conceitualiza��o de Fairclough (2001, p. 137): �o texto de um outro,
pode estar claramente separado do resto do texto por aspas e verbo dicendi,
ou pode n�o est� marcado e estar integrado estrutural e estilisticamente,
talvez por meio de nova formula��o do original, no texto em sua volta.�

A intertextualidade n�o marcada � que est� nessa rela��o entre a
narrativa biogr�..ca e as reportagens, entrevistas e depoimentos de Silvio � �
uma estrutura textual complexa, em que a heterogeneidade goza de


elementos integrados que ..cam evidentes na superf�cie dos textos. Isto �, �o
outro � deliberadamente mostrado pelo um, seja por ser imitado no
discurso, seja por ser materializado na express�o textual.� (Discini, 2016, p.
224).

Todavia, existe na biogra..a-reportagem de Silvio Santos a
intertextualidade marcada precedida por verbos dicendi:

Estimulado pelos incentivos ..scais que o governo da �poca oferecia, Silvio
adquiriu algumas fazendas, e uma delas, em Mato Grosso, se chamava
Tamakavy. Quando decidiu lan�ar sua nova cadeia de credi�rios, recebeu
uma pesquisa de nomes e o da fazenda apareceu entre as op��es. Ao bater os
olhos nele, Silvio n�o pensou duas vezes e o escolheu. Ap�s ser alertado por
seus assessores de que seria um nome dif�cil de memorizar, rebateu:

� Se ser� dif�cil de ser lembrado, ser� duplamente dif�cil de esquec�-lo.
(MORGADO, 2017, p. 22).

Trata-se de uma marca��o pelo elemento paratextual travess�o.

Outro exemplo intertextual que pressup�e alteridade e delineia uma
caracter�stica intr�nseca ao g�nero biogra..a � �eu� somente existo diante de
um �voc�� � deixa clara a intertextualidade manifesta marcada pelo verbo
dicendi �disse� e pelo travess�o. Tratar-se-� de um di�logo:

Quatro anos depois, constituiu a Omed, Organiza��o M�dica, respons�vel
pelo Clam, o primeiro plano de sa�de combinado com capitaliza��o do
Brasil. Assim, Silvio realizava seu antigo desejo de oferecer m�dicos e
hospitais a pre�os acess�veis para as camadas populares. O sucesso de vendas
foi imediato, mas acabou provocando uma forte dor na consci�ncia. Certo
dia, ao chegar em casa, encontrou na cal�ada um casal aos prantos. O pai
disse:

� Seu Silvio, o meu lho morreu...
� Mas morreu de qu�?
� Eu tinha o Clam e ele morreu.
� O senhor sabe, eu n�o tenho culpa, eu n�o sou m�dico.
� N�o, eu sei, mas o meu lho morreu...
Depois desse di�logo, Silvio descobriu que alguns vendedores do plano
diziam que, por ser dele, o Clam garantia a vida dos seus clientes. Isso o fez
desistir da empresa, que terminou vendida para a Blue Life. (MORGADO,
2017, p. 24).


A heterogeneidade da biogra..a conta com uma perspectiva textual
desigual, intertextual, mal-ajambrada, mas � heterog�nea por ser tamb�m
uma superf�cie �s vezes regular.

Vejamos a intertextualidade manifesta marcada por verbo dicendi e
aspas:

Para a edi��o de julho de 1986 da revista Marketing, Silvio declarou:
�O que pretendemos � ter programa��o diversi..cada, bem-feita, mas sem
nunca fugir do nosso prop�sito de fazer uma televis�o que, atrav�s de uma
linguagem simples e bem elaborada, possa ser assistida por todas as camadas
sociais�. (MORGADO, 2017, p. 109).

Outro exemplo de intertextualidade manifesta mostrada � um texto
bem famoso, que ..cou anos sendo declamado no SBT. Na biogra..a, ele �
introduzido sem verbo dicendi:

Apesar de sua religi�o, Silvio j� p�s Jesus em seus programas. Ao ..nal de
cada edi��o do Porta da Esperan�a, surgia a imagem de um ator
representando Cristo, olhando para o alto, envolvido pela penumbra. Ao
fundo, uma voz soturna lia o seguinte texto: �Paz, amor, f�, esperan�a, luz e
uni�o n�o s�o apenas palavras. Voc� tem certeza de que j� fez tudo que
podia pelo seu semelhante? Pense bem, pois um dia vamos nos encontrar
e eu gostaria muito de chama-lo de meu lho�. (MORGADO, 2017, p.
170).

Na biogra..a-reportagem, h� intertextualidade manifesta � voz do
Silvio �, separada do corpo da narra��o, que n�o est� marcada, nem por
aspas, nem por travess�o, nem por dois pontos, tampouco por verbo dicendi:

Os altos gastos, combinados com a crise econ�mica aprofundada pelo Plano
Collor e a forte retra��o do investimento publicit�rio, ..zeram Silvio quase
falir em 1990. Sobre esse assunto, ele expressou sua vis�o em entrevista
publicada pelo jornal O Estado de S. Paulo, em 18 de outubro de 1987.
(MORGADO, 2017, p. 24).

Se amanh� o Saad [da Bandeirantes] ou o Marinho [da Globo] vai �fal�ncia, � normal. � um jogo, ir � fal�ncia faz parte do neg�cio. Mas eu
n�o. Se eu for � fal�ncia, passo a ser ladr�o. Vou ter quatro milh�es de
pessoas me apontando como ladr�o, vou ter de mudar de pa�s, se quiser
viver. Minha responsabilidade como empres�rio � muito maior que a
responsabilidade de qualquer outro. S�o 15 mil pessoas que trabalham
usando o meu nome, vendendo o meu nome. Eu assumo a
responsabilidade. (MORGADO, 2017, p. 25).


� curioso perceber que as escolhas do autor s�o efetivamente
heterog�neas, j� que n�o seguem um padr�o para expressar as manifesta��es
intertextuais na biogra..a. Todos os exemplos abaixo est�o no cap�tulo seis
da biogra..a-reportagem � Vida pessoal. Diferentemente dos exemplos j�
investigados, Morgado d� voz a Silvio Santos com ajuda das aspas, fora e
dentro do corpo do texto:

Nas poucas vezes que falou sobre a forma que enxerga a vida, um dos
aspectos que mais ressaltou foi o amor ao trabalho, que j� disse ser �a coisa
mais importante para o ser humano�. Durante uma grava��o feita no ..nal
dos anos 1980, Silvio desenvolveu essa ideia. (MORGADO, 2017, p. 168).

�Muitas coisas eu deixei de fazer, tantas horas de lazer eu perdi em nome
do compromisso, em nome da responsabilidade, em nome do dever. E
valeu apena, sabe? Eu n�o tive medo de correr riscos! Isso hoje me d�
autoconan�a, porque a experi�ncia da minha vida me mostrou que �
poss�vel fazer qualquer coisa, desde que n�s estejamos dispostos a
trabalhar�. (MORGADO, 2017, p. 169).

Os dois excertos est�o ligados; contudo, a cita��o direta,
intertextualidade manifesta pela voz de Silvio, n�o est� ligada ao par�grafo
anterior por dois pontos e sim pelo tema.

S�o realmente escolhas de autoria assim�tricas, j� que Morgado insere
tamb�m o discurso direto de Silvio no corpo do texto, na narrativa
biogr�..ca, com o aux�lio das aspas antecedido por dois pontos sem recuo:

Manuel completava 60 anos de vida e apresentava a Pra�a da Alegria dentro
do programa Silvio Santos, ainda na Globo. Ao ..nal, Silvio, olhando para as
suas colegas de trabalho:
�Voc�s sabem que tudo o que eu tenho foi Manuel de N�brega que me deu.
Ele me deu o Ba�, me deu o programa de r�dio, me deu o programa de
televis�o. Mas tudo isso eu poderia ter, eu poderia ter um Ba�, eu poderia ter
um programa de r�dio, eu poderia ter um programa de televis�o. Mas h�
uma coisa que ele me deu, e s� ele podia me dar: � o exemplo de um trabalho
honesto, um amor ao trabalho...�. (MORGADO, 2017, p. 167-168).

Outro exemplo de discurso direto, voz do Silvio, portanto,
intertextualidade manifesta, ocorre novamente ligado pelo tema, entre um
par�grafo e outro, com recuo e aspas:


Catorze anos depois, Silvio repetiu a mesma surpresa quando Carlos Alberto
de N�brega, ..lho de Manuel, estreou A Pra�a � Nossa. Terminados todos os
quadros, o animador entrou no palco batucando uma colher de caf� em um
pires, revivendo os tempos de camel�. Deu ordens para tirar todos os
intervalos comerciais daquele momento em diante. Por uma hora, relembrou
passagens da vida dele com Manuel e Carlos Alberto, que Silvio havia tirado
da Bandeirantes e transformado em diretor art�stico do SBT.

�Voc� [Carlos Alberto de N�brega] n�o veio s� como redator, voc� n�o
veio como artista, porque redatores e artistas n�s encontramos no Brasil,
nos Estados Unidos, Na Argentina. Voc� veio como meu irm�o, voc� veio
como meu amigo, voc� veio como uma pessoa que vai me ajudar a fazer
aquilo que seu pai gostaria de fazer comigo. [...] E voc� veio me ajudar
n�o no banco da pra�a, n�o. Voc� veio me ajudar com as suas qualidades
pessoais, que voc� herdou do Manuel. Voc� veio me ajudar agora, depois
de uma faculdade na Globo, com suas qualidades prossionais�.

(MORGADO, 2017, p. 168).

E ainda, no mesmo cap�tulo da biogra..a-reportagem, atestamos a
heterogeneidade assim�trica do autor marcando a intertextualidade
manifesta com travess�o, dois pontos e verbo dicendi:

Durante anos Silvio acreditou que alimentar d�vidas seria fundamental para
manter o interesse p�blico. Para a revista Veja de 28 de maio de 1975,

declarou:

� Eu descobri como � importante uma interroga��o. � muito dif�cil criar
uma interroga��o. Ent�o, quando ela surge, � preciso aproveit�-la.
(MORGADO, 2017, p. 165).
Outro exemplo de intertextualidade manifesta, em que ..cam claras as
divis�es das vozes de Morgado e Silvio, est� no cap�tulo Artista, quando
Silvio estreia no SBT o programa do Teleton, agora com o link tem�tico
entre os dois par�grafos, entre as duas vozes, mas sem os dois pontos, com
ponto ..nal e seguido por travess�o:

�s 21 horas de 16 de maio de 1998, um s�bado, o dono do SBT entrou no
palco e fez um discurso apresentando a meta que precisaria ser alcan�ada.

� O Chile, com 13 milh�es de habitantes, alcan�ou 13 milh�es de d�lares. O
M�xico, com 80 milh�es de habitantes, conseguiu, h� quatro ou cinco meses,
25 milh�es de d�lares. N�s queremos 9 milh�es de reais, cerca de U$$ 8
milh�es. (MORGADO, 2017, p. 69).

Dentre as reportagens organizadas por Morgado (2017), irrompe um
texto cedido a Veja de 28 de maio de 1975, que foi constru�do assim: �A
minha televis�o ser� diferente de todas as que existem. N�o depender� de
Ibope. Seria mesmo a televis�o que o povo e o governo gostariam de ter.�
(MORGADO, 2017, p. 121).

Na narrativa biogr�..ca, essa reportagem � contextualizada, todavia n�o
� modi..cada: o autor usa as mesmas palavras de Silvio sinalizadas por aspas
no corpo do texto. Trata-se de uma intertextualidade manifesta vertical, em
que o autor monta um texto sobre outro texto, amparado por um contexto
marcado pelo momento em que Silvio Santos tentava a concess�o do seu
canal de televis�o. Esse par�grafo ..ca assim:

Mas, al�m do projeto e do lobby, era necess�rio mudar a imagem que
fornecedores de opini�o e pol�ticos tinham de Silvio Santos. Muitos deles
n�o conseguiam conceber que o homem brincalh�o dos domingos seria
capaz de administrar uma emissora ou rede nacional de televis�o. Para
mudar essa percep��o, Silvio e seu grupo de empresas tiveram de se expor
mais na imprensa. O auge desse movimento foi a reportagem de capa da
edi��o n�351 da revista Veja, de 28 de maio de 1975. Ela ressaltou muito
mais o empres�rio que o artista e, nas �ltimas linhas, trouxe as duas frases
que resumiam qual seria a postura de Senor Abravanel como radiodifusor:

�A minha televis�o ser� diferente de todas as que existem. N�o depender�
de Ibope. Seria mesmo a televis�o que o povo e o governo gostariam de
ter�. O tempo mostraria que, de fato, seu canal n�o seria igual aos outros,
mas o mesmo n�o se pode dizer com rela��o � audi�ncia. (MORGADO,
2017, p. 101-102).

H� ainda recorr�ncia de outro tipo de intertextualidade manifesta,
complexa, proveniente do discurso indireto, em que o outro, no caso, a voz
do Silvio Santos, � mostrada sem aux�lios paratextuais, intermediada pelo
pronome relativo �que�. Vejamos esses dois exemplos: �Eles n�o gostaram
nada de Silvio declarar que n�o faria qualquer concess�o aos partidos�.
(MORGADO, 2017, p. 144) E ainda: �Apesar de tudo, ..nalmente no Show de
Calouros de 13 de mar�o disse que aceitava ser candidato.� (MORGADO,
2017, p. 144).


A intertextualidade constitutiva � ou dialogismo, aos moldes de
Bakhtin (2010) �, aparece durante toda a biogra..a-reportagem, contudo
com menor recorr�ncia. Na perora��o do cap�tulo Artista, o autor usa um
recorte da m�sica do Programa Silvio Santos, que remete � voz do pr�prio
Silvio Santos, j� que Silvio abriu seu programa, durante muitos anos,
cantando essa m�sica. Eis o recorte: �Senor Abravanel criou Silvio Santos. E
Silvio Santos criou um tempo espa�o pr�prio, onde o povo � feliz. A..nal se
�do mundo n�o se leva nada, vamos sorrir e cantar.� (MORGADO, 2017, p.
72).

O autor usa enunciados famosos de Silvio na narrativa marcados com
it�lico: �O audit�rio mais feminino do Brasil j� passou por alguns endere�os.�
(MORGADO, 2017, p. 66).

Ainda, na perora��o do cap�tulo seis da biogra..a-reportagem, Vida
Pessoal, Morgado (2017) faz uso da intertextualidade constitutiva
parafraseando as palavras de Steve Jobs � Apple no discurso �Isto � para os
loucos�. O cap�tulo referindo-se a Silvio Santos termina assim: �Alguns
podem rejeit�-lo, enquanto outros podem am�-lo, mas ningu�m pode
ignor�-lo.� (Morgado, 2017, p. 172).

Morgado (2017) faz uso de estrat�gias interacionais no texto para
conversar com seu leitor, dialogar com ele. Segundo Kock e Elias (2012), a
intera��o no processo de escrita � autor e o leitor � n�o pode ser entendida
somente como produ��o textual, apropria��o das regras da l�ngua, mas
como uma tentativa e uma busca pela ades�o do leitor por meio da palavra.
O autor (2017) busca a ades�o por meio de perguntas ret�ricas e
coment�rios exclamativos, que s�o absolutamente interativos:

A partir da venda de eletrodom�sticos pelo credi�rio, surgiu a Ba�
Financeira, que logo passou a trabalhar tamb�m com autom�veis. E por que
n�o ter uma concession�ria? Assim, ..caria mais f�cil comprar os carros que
Silvio sorteava aos domingos na TV e consertar as Kombis que
transportavam os revendedores do Ba�. (MORGADO, 2017, p. 22).


Um coment�rio exclamativo se apresenta na biogra..a-reportagem
quando Morgado (2017) escreve sobre uma das brincadeiras propostas por
Silvio em seus programas:

Uma dessas brincadeiras envolvia um tanque cheio de �gua. Em cima dele,
era colocada uma t�bua. Os participantes deveriam se sentar nessa t�bua e
abrir um envelope que tinham em m�os. Se esse envelope contivesse a
palavra �pr�mio�, ganhavam o dinheiro e sa�am secos; se contivesse a palavra
��gua�, a t�bua virava e mergulhavam no tanque. Na edi��o do Topa Tudo por
Dinheiro levada ao ar em 16 de agosto de 1992, Silvio resolveu testar a
estabilidade da tal t�bua e sentou-se nela. Brincando, amea�ou demitir toda
a equipe da f�brica de cen�rios caso a t�bua n�o aguentasse. Ao tentar sair,
ele se desiquilibrou e caiu na �gua. Com roupa e tudo! O microfone parou
de funcionar e o penteado constru�do pelo Jassa se desmanchou. As risadas
n�o paravam. N�o lhe restou alternativa a n�o ser encerrar o programa.
(MORGADO, 2017, p. 68).

O nome art�stico Silvio Santos, como � conhecido Senor Abravanel, �
um nome pr�prio que goza de uma identidade social: todo brasileiro
conhece Silvio Santos. Assim como em autobiogra..as can�nicas, o nome do
comunicador na capa do livro em amarelo d� certo destaque, o que
possibilita a representa��o de uma caracter�stica intr�nseca ao g�nero
biogra..a: o nome pr�prio. Silvio Santos � um nome conhecido, ver�dico e
socialmente veri..c�vel. � pelo nome de Silvio na capa que se d� um pacto
biogr�..co, um contrato pela veridic��o. N�o h� d�vida de que se trata da
vida de Silvio Santos: homem, empres�rio, artista, dono de televis�o, pai de
fam�lia.

Segundo Goffman (1963), a identidade pessoal adv�m de informa��es
viabilizadas pelo pr�prio indiv�duo. Acreditamos n�o ser efetivamente o
caso desta biogra..a, mesmo se considerarmos as entrevistas, depoimentos e
reportagens do pr�prio Silvio Santos que integram e ampliam cada cap�tulo
narrativo. Morgado (2017) n�o entrevistou Silvio.

As reportagens organizadas por Morgado (2017) foram o mote para a
biogra..a-reportagem, contudo, sabemos que as informa��es n�o foram
dadas pessoalmente por Silvio Santos. N�o houve contato entre os dois.


Morgado s� veio a conhecer Silvio depois da publica��o do livro. N�o h�,
portanto, um olhar pessoal, um olhar �ntimo o su..ciente para garantir um
contato da identidade com a identi..ca��o. Todavia, h� um denso, amplo e
satisfat�rio registro social: as reportagens.

A liga��o entre Silvio Santos � biografado � e Morgado � bi�grafo
dialoga com uma das perspectivas que Vilas Boas (2007) chamou de
relacionalidade. Segundo o autor, a relacionalidade divide a perspectiva
tradicional, em que o bi�grafo n�o se relaciona com o biografado para evitar
uma contamina��o, com outro olhar, que implica um relacionamento mais
completo, human�stico, em constante desenvolvimento: uma rela��o pessoal
e rec�proca entre biografo e biografado.

Esse olhar mais tradicional para a escrita da vida incentiva a
formalidade, a estabilidade e a dist�ncia. Equipara-se quase a um contrato
de neg�cios. Tal vis�o acredita que o distanciamento entre biografo e
biografado � uma perspectiva mais adequada. A biogra..a-reportagem de
Silvio � composta por uma relacionalidade tradicional.

A biogra..a-reportagem de Silvio � uma constru��o organizada pela
pesquisa de Morgado (2017), que, propiciada por meio da identidade social
de Silvio Santos, tornou poss�vel a composi��o narrativo-biogr�..ca.

Ao consideramos a intensa recorr�ncia de intertextualidade manifesta
entre as reportagens e o ambiente narrativo, podemos concluir, nesse
sentido, que n�o h� con..ito entre a identidade pessoal de Silvio � as
reportagens colhidas por Morgado (2017) (voz do pr�prio Silvio) � e a
identidade social � constru��o narrativa.

Contudo, h� na hist�ria de vida de Silvio Santos um con..ito entre a
identidade pessoal e a identidade social: Silvio Santos escondeu seu primeiro
casamento por receio de apontar-se como pai de fam�lia, com ..lhas, e
perder o encanto que exercia nas suas colegas de trabalho � o audit�rio mais
feminino do Brasil. Silvio era casado, tinha uma identidade pessoal e


escondeu-a do Brasil. Trata-se de uma quebra no contrato de veridic��o,
uma desconstru��o biogr�..ca.

Os dados at� esse fato vir � tona eram desarticulados e contradit�rios.
A vida de Silvio detinha dois �eus�, o pessoal e o social. O pr�prio Silvio fala
sobre isso:

Quando eu me lembro da minha mulher que morreu e que eu dizia que era
solteiro; que escondia as minhas ..lhas para poder ser o gal�, para poder ser

o her�i; eu quando falo com a minha consci�ncia, acho que s�o das coisas
imperdo�veis que eu ..z diante da minha imaturidade.
� SBT, 21 de fevereiro de 1988. (MORGADO, 2017, p. 181).
Silvio costumava mentir sobre sua vida pessoal e essa omiss�o de seu
primeiro casamento tamb�m est� na narrativa biogr�..ca:

Outra mentira que Silvio costumava contar nessa mesma �poca estava
relacionada com seu estado civil. Dizia ser solteiro, quando, na verdade era
casado desde 15 de mar�o de 1962 com Aparecida Honoria Vieira. Cidinha
era ..lha da dona de uma pens�o no bairro da Bela Vista e, quando
adolescente, gostava de frequentar os audit�rios das r�dios. Silvio a conheceu
na Nacional. Casados, trilharam o caminho entre as di..culdades, no tempo
em que eles pr�prios montavam e entregavam as cestas do Ba� da Felicidade.
(MORGADO, 2017, p. 166).

Hoje Silvio mostra sua fam�lia na televis�o, suas ..lhas trabalham com
ele, seus netos j� apareceram em seu programa, mas nem sempre foi assim.
Morgado (2017, p. 165) acrescenta: �Por diversas raz�es, Silvio Santos
alimentou o m�ximo de mist�rio sobre sua vida pessoal. Uma dessas raz�es
� a seguran�a�.

Silvio mentia sua idade para imprensa, por exemplo, o que acarreta
uma impossibilidade da sua realidade e da sua biogra..a real:

Entre os anos 1960 e 1970, mentia a idade para a imprensa. No livro A Vida
Espetacular de Silvio Santos, publicado em 1972 pela L. Oren, o autor,
Arlindo Silva, escreveu que seu biografado tinha �37 anos ainda
incompletos�, quando na verdade, comemoraria 42 no ..m daquele ano.
(MORGADO, 2017, p. 165-167).


Ao manipular sua identidade pessoal, podia parecer-se como uma
pessoa que realmente n�o era. Na verdade, Silvio gostava de manter o
mist�rio por uma raz�o: �A constru��o do mito em torno da sua ..gura�.
(MORGADO, 2017, p. 165).

Morgado (2017) acrescenta:

Durante anos, Silvio acreditou que alimentar d�vidas seria fundamental para
manter o interesse p�blico. Para a revista Veja
de 28 de maio de 1975,
declarou:

� Eu descobri como � importante uma interroga��o. � muito dif�cil criar
uma interroga��o. Ent�o, quando ela surge, � preciso aproveit�-la.
(MORGADO, 2017, p. 165).
Silvio era uma ..gura p�blica, desde 1954, quando come�ou
efetivamente a trabalhar como locutor na R�dio Nacional, entretanto sua
identidade pessoal j� havia come�ado no momento em que nasceu, em
1930, e sua identidade social come�ou quando passou a trabalhar como
camel� no Rio de Janeiro, em 1945. Mesmo assim, neste momento, ainda
havia pessoas que n�o conheciam Silvio Santos, pessoas para quem sua
biogra..a ainda n�o tinha se iniciado. Sua popularidade cresceu mesmo a
partir de 1969, j� na TV, donde o programa Silvio Santos tinha a dura��o de
10 horas. Mesmo mantendo segredo em rela��o sua vida pessoal, sua
identidade social, a mesma que mantem at� hoje, iniciou-se: o mais popular
animador de audit�rio do Brasil.

A fama de Silvio Santos n�o era e n�o � somente como apresentador,
artista, animador, � tamb�m como empres�rio de sucesso. Suas conquistas
como empres�rio � o Ba� da Felicidade, a concess�o de TV, as fazendas,
concession�ria de carros, plano de sa�de, a Tele Sena, a Jequiti etc. � deram-
lhe uma fama ainda maior, uma identidade social, que, � medida que foi se
instituindo, solidi..cou sua identidade pessoal tamb�m.

A identidade pessoal de Silvio Santos est� tamb�m muito ligada � sua
vida de empres�rio e de comunicador. Silvio foi, com o passar dos anos,
expondo-se em sua vida pessoal na televis�o. Depois de ter se separado


brevemente de Iris Abravanel permitiu que o jornal Aqui Agora, do SBT,
exibisse uma reportagem que mostrou os dois ao se reconciliarem: [...] �os
dois trocando juras de amor e, ao ..nal, um beijo na boca que rendeu 25
pontos de audi�ncia. (MORGADO, 2017, p.167).

A unicidade do �eu� na biogra..a de Silvio Santos, ou seja, na sua vida
de um modo geral, claramente inexiste. Sob essa perspectiva, Goffman
(1963, p.73) acerta ao conceituar que �essa unicidade da linha da vida est�
em ..agrante contraste com a multiplicidade de �eus� que se descobrem no
indiv�duo�. Silvio Santos � detentor de v�rios �eus�: artista, empres�rio, dono
de televis�o, marido, pai, amigo.

Como artista, Silvio protagonizou momentos hilariantes: despertou
emo��es, re..ex�es, paix�es. A mais emocionante delas talvez tenha
acontecido no programa Casa dos Artistas. Morgado (2017) narra com
detalhes:

A Casa dos Artistas nasceu sob forte sigilo. Poucos executivos do SBT
sabiam do projeto, que demandou a reforma, ao custo de R$ 1,5 milh�o, de
uma casa vizinha � resid�ncia de Silvio, no bairro do Morumbi. Chamadas
de lan�amento? Apenas no dia de estr�ia, 28 de outubro de 2001.
Ao longo de seis semanas que se seguiram, os brasileiros foram seduzidos
pela din�mica da atra��o, que era constantemente alterada por Silvio. O
primeiro grupo de participantes incluiu ..guras como Alexandre Frota, que
agia como uma esp�cie de vil�o, e Supla e B�rbara Paz, que tiveram um
romance na casa.
O �ltimo epis�dio, transmitido em 16 de dezembro de 2001, foi impactante.
Ao saber que tinha ganhado o pr�mio m�ximo de 300 mil reais, B�rbara
chorou copiosamente. Silvio tamb�m se emocionou e n�o conteve as
l�grimas. Tinha consci�ncia de que protagonizava um momento �nico na
televis�o. Naquela noite, o SBT registrou a maior audi�ncia da sua hist�ria:
m�dia de 47 pontos, com pico de 55. (MORGADO, 2017, p. 70).

O Silvio Santos empres�rio � um homem de sucesso, mas passou
momentos dif�ceis. Por duas vezes, quase abriu fal�ncia. Teve di..culdades
pela primeira vez com o advento do Plano Collor. Depois, em setembro de
2010, quase faliu novamente devido a problemas em seu banco


PanAmericano, em que encontrou uma solu��o extraordin�ria: submeter
suas 44 empresas como garantia de que pagaria a d�vida, incluindo o SBT:

Ainda em setembro, no dia 22, Silvio foi a Bras�lia ter uma reuni�o com o
ent�o presidente Lula. Havia 16 anos que o apresentador n�o entrava no
pal�cio do planalto. Na �ltima vez, ainda era Itamar Franco quem estava l�.
O encontro foi marcado �s pressas, ocupando um hor�rio antes reservado
para Henrique Meireles, ent�o presidente do Banco Central. Aos jornalistas,
Silvio disse que foi pedir ao presidente que participasse do Teleton,
discursando na abertura do programa e doando R$ 12 mil, ou seja, mil para
cada ano da campanha da AACD. Somente algumas semanas depois dessa
reuni�o � que a crise do PanAmericano se tornaria p�blica. A solu��o
encontrada para a crise foi obter um empr�stimo junto ao Fundo Garantidor
de Cr�dito, FGC, entidade civil sem ..ns lucrativos pelos bancos, no valor de
R$ 2,5 bilh�es, o su..ciente para equilibrar as contas do PanAmericano. Em
contrapartida, Silvio deu como garantia, todas suas 44 empresas, incluindo
seu amado SBT. (MORGADO, 2017, p. 27-28).

Silvio comentou a venda do banco posteriormente: �Eu vendi. Se n�o

entendo de banco, pra que vou ..car com o banco�? � Globo, 31 de janeiro de

2011. (MORGADO, 2017, p. 46).
Uma das caracter�sticas de Silvio Santos, dono de televis�o, � mudar a

programa��o de sua TV da maneira que quer e bem entende. Mudou sua

programa��o in�meras vezes: tirou programas do ar, colocou programas no

ar e utilizou o Chaves, durante anos, como um �Az na manga�, por ter dado

sempre muita audi�ncia.
Na perora��o do cap�tulo Dono de Televis�o, Morgado (2017) descreve

no primeiro par�grafo um pouco da genialidade de Silvio:

A audi�ncia aprecia e busca a rotina. E, mesmo sabendo que essa nunca foi
uma especialidade do SBT, continua assistindo e se identi..cando com o
canal porque se reconhece nele. O povo encontra no SBT a informalidade
que vive cotidianamente. Al�m disso, com ou sem a presen�a de Silvio no
v�deo, o p�blico consegue enxergar a sua m�o invis�vel em cada estreia ou
novo hor�rio. E, por gostar dele h� muito tempo, demonstra compreend�-lo
e at� perdo�-lo quando erra a m�o. Essa boa vontade seletiva se comprova
com os fracassos que tantos outros canais j� tiveram quando tentaram
replicar estrat�gias antes executadas com sucesso por Silvio. (MORGADO,
2017, p. 119).


O Silvio como marido e pai sempre manteve certa descri��o,
entretanto, tem se exposto na m�dia, nos �ltimos anos, cada vez mais. �
casado com Iris P�ssaro desde 1981. �Ele a conheceu quando Iris tinha 19
anos de idade, em uma praia, no ..nal dos anos 1960, e passaram a viver
juntos em 1975.� (MORGADO, 2017, p. 166). Eles tiveram quatro ..lhas,
com as duas ..lhas do primeiro casamento, C�ntia, a n� 1, e Silvia, a n�2,
Silvio teve 6 ..lhas:

Daniela a n�3; Patr�cia, a n�4; Rebeca, a n�5; e Renata, a n�6. Todas elas do
primeiro e do segundo casamento, vieram, vieram trabalhar com o pai. No
SBT, por exemplo, Patr�cia tornou-se apresentadora Silvia passou a conciliar

o trabalho diante e por tr�s das c�meras e Daniela assumiu a dire��o art�stica
(MORGADO, 2017, p. 167).
Silvio teve um grande amigo que considerava como pai: Manuel de
N�brega. Morgado (2017) complementa:

E, por falar em rela��o com pai, Silvio teve um amigo de quem se sentia

..lho: Manuel de N�brega. Os dois constru�ram uma rela��o que atravessou
os est�dios e o Ba� da Felicidade. N�o raro, Silvio o chamava de pai. �Eu �svezes me surpreendo dando bronca nele. �� rapaz, voc� � louco? Com esse
frio, voc� s� com esse neg�cio? Vai botar um agasalho�. E ele vai, porque sabe
que eu o amo como um ..lho�. �Ele [Silvio] � um sujeito com um sentimento
de gratid�o fora de s�rie�. (MORGADO, 2017, p. 167).
Trata-se de uma absoluta relev�ncia percebermos como � a rela��o de
Silvio e suas personalidades com o outro, seus contempor�neos, que vivem
com ele seu dia a dia. �Conforme disse certa vez, Silvio possui tr�s
personalidades: o homem comum, que n�o consegue ser no Brasil; o artista,
com pelo menos seis gera��es de admiradores; o empres�rio, respons�vel
por diferentes neg�cios.� (MORGADO, 2017, p.171).

Para Bakhtin (1992), a forma biogr�..ca dialoga de forma ampla com o
real e com a veridic��o porque o biogra..smo tem menos elementos de
isolamento. Ou seja, �eu� s� me constituo como indiv�duo diante do outro.
�Eu�, s� existo diante de um �voc��. Por isso, o ativismo do autor � menos
transformador fora da exist�ncia da personagem.


Um exemplo � a recorr�ncia de intertextualidade manifesta no g�nero
biogra..a. Em dois excertos da biogra..a-reportagem de Silvio acima
mencionados, h� intertextualidade manifesta, presen�a do discurso do outro
no discurso do um, ou seja, o discurso de Manuel de N�brega no discurso
de Morgado (2017). �Eu �s vezes me surpreendo dando bronca nele. ��
rapaz, voc� � louco? Com esse frio, voc� s� com esse neg�cio? Vai botar um
agasalho�. E ele vai, porque sabe que eu o amo como um ..lho.� (MORGADO,
2017, p. 167).

Outro exemplo de que o ativismo � menos transformador do autor em
rela��o � personagem � a intertextualidade constitutiva: �Daniela a n�3;
Patr�cia, a n�4; Rebeca, a n�5; e Renata, a n�6.� (MORGADO, 2017, p.167).
Foi Silvio que se habitou a enumerar as ..lhas em seu programa dominical.

Morgado (2017) � o que Bakhtin (1992, p. 140) chama de �outro
poss�vel�, que se in..ltra na consci�ncia de Silvio Santos e dirige seus atos e
suas concep��es e olhar de si mesmo. O autor dirige o olhar de Silvio
narrativamente.

Biogra..a, segundo Bakhtin (1992), � a descri��o da vida, e Morgado
(2017) descreve a vida de Silvio: �Conservador, cultiva uma r�gida rotina,
iniciada por volta das 5 h da manh� e encerrada �s 22h30min. H� quatro
d�cadas tem o seu cabelo cuidado por Jassa, um de seus maiores amigos e
conselheiros.� (MORGADO, 2017, p. 171). Essa descri��o narrativa da vida
de Silvio, junto aos seus contempor�neos, o dia a dia do apresentador, a
gl�ria junto aos brasileiros, aos familiares e amigos, � a consci�ncia
biogr�..ca de Bakhtin (1992) denominada social de costumes.

Na biogra..a-reportagem de Silvio Santos, as duas consci�ncias
biogr�..cas trabalham simultaneamente, aventuresco-heroico e social de
costumes. No entanto, h� uma preponder�ncia da segunda sobre a primeira,
ao considerar-se que Silvio est� vivo. Trata-se de uma escolha de autoria,
todavia n�o est� evidenciada a tentativa de Morgado (2017) heroi..car Silvio.
No entanto, valores como honradez e, principalmente, generosidade,


permeiam a biogra..a. Seu assistente de palco, Roque, negou um emprego
em seu bar a Silvio: anos depois bateu na porta do SBT, precisava de um
emprego e foi contratado no mesmo dia.

Podemos considerar que Silvio Santos heroi..cava Manuel de N�brega,
inspirava-se nele, o tinha como pai.
Nas palavras do Homem do Ba�, recolhidas do document�rio Manuel
de N�brega: uma hist�ria, exibido pelo SBT em 22 de maio de 2004:

N�s ..zemos um bom relacionamento, principalmente, depois que eu passei
a atuar no programa dele, porque antes eu quase n�o via o [Manuel de]
N�brega. Como eu n�o tinha parente em S�o Paulo, eu estava sozinho, com
24 anos, o N�brega passou a ser o meu pai. Eu pra casa dele, frequentava a
fam�lia, me dava muito bem com o Carlos Alberto... N�s �ramos bons
amigos. (MORGADO, 2017, p. 75).

O autor (2017) n�o heroi..ca o Homem do Ba� de maneira clara, mas
Silvio Santos tem um her�i pelo qual se espelha, se identi..ca e se inspira. Ao
heroi..car Manuel de N�brega, Silvio familiarizar-se-� com ele e projetar�
sua imagem futura, que deseja ser constru�da � semelhan�a da imagem de
seu her�i. Silvio, ao falar que Manuel de N�brega, lhe deu tudo, acrescenta:
�Mas h� uma coisa que ele me deu, e s� ele podia me dar: � o exemplo de
um trabalho honesto, um amor ao trabalho...� (MORGADO, 2017, p. 167168).


Foi gra�as a Manuel de N�brega e ao talento Silvio Santos que o Ba� da
Felicidade n�o foi � fal�ncia, tornando-se um dos seus maiores
empreendimentos:

Em sociedade com Walter Scketer, por diversas vezes referido como
�alem�o�, Manuel de N�brega havia lan�ado uma esp�cie de poupan�a
popular, em que o cliente pagava doze mensalidades e, em troca, recebia uma
cesta de brinquedos. Era o Ba� da Felicidade. Manuel havia se
comprometido com a propaganda, que fez muito sucesso. O problema
estourou justo no momento da entrega das mercadorias: descobriu-se que
todo o dinheiro da empresa havia se perdido.! Desesperado, N�brega pediu
que Silvio fosse a loja do Ba�, na L�bero Badar�, ..casse l� por cerca de duas
semanas, dissesse aos mensalistas que eles logo receberiam aquilo a que
tinham direito e avisasse aos novos interessados que a empresa seria fechada.


Inicialmente, Silvio relutou, mas acabou atendendo ao pedido daquele que
considerava um pai. Quando chegou, o cen�rio que encontrou era de
destrui��o: um espa�o min�sculo ocupado pelo alem�o, uma secret�ria,
algumas caixas de madeira e duas gavetas postas no ch�o contendo ..chas de
fregueses. Na entrada, clientes se aglomeravam em busca de informa��es. Na
tentativa de acalm�-los, Silvio precisou subir em um caixote e fazer um
verdadeiro com�cio. (MORGADO, 2017, p. 20-21).

A consci�ncia biogr�..ca, social de costumes de Bakhtin (1992), aparece
muitas vezes no livro, como no excerto a seguir:

As reportagens j� publicadas sobre Silvio Santos revelaram que ele preservou
h�bitos simples, mesmo depois de ter ..cado rico. Quase n�o tem vida social,
preferindo permanecer em casa ou viajar em fam�lia. N�o tem as mesmas
preocupa��es com seguran�a que outros milion�rios como ele possuem.
(MORGADO, 2017, p. 170).

Aparece j� no cap�tulo 1, primeiro e segundo par�grafos � O homem
por tr�s do sorriso:

Independentemente de se considerar mais comerciante ou mais artista Senor
Abravanel, conhecido pelo nome art�stico de Silvio Santos, cristalizou-se
como elemento relevante da cultura popular. Qualquer brasileiro sabe
cantarolar a m�sica que anuncia seu programa, imitar sua gargalhada e
repetir os seus bord�es. Muitos pontuam fases da vida com as atra��es
apresentadas por ele e sonham com a fortuna prometida em seus programas.
De fato, Silvio Santos � um comerciante. Vende sonhos embalados em um
sorriso que, diante das c�meras, parece indestrut�vel. Contudo, ele vai al�m.
Gra�as a sua persist�ncia e, porque n�o dizer, insist�ncia, construiu uma
carreira que dura mais de sete d�cadas, sendo cinco delas � frente do
programa de televis�o que leva seu pseud�nimo e � sin�nimo de domingo.
Chegou a animar mais de dez horas ao vivo, entremeando sorteios
milion�rios com gincanas infantis, brincadeiras com artistas, desa..os ao
conhecimento, c�meras escondidas, oportunidade para calouros, n�meros
musicais e pedidos de namoro (MORGADO, 2017, p. 9-10).

Morgado (2017) se orienta pelos valores de Silvio Santos para escrever
sua biogra..a. N�o h� um distanciamento. No que tange as cren�as de Silvio,

o que ele acredita, Morgado (2017), como autor e narrador-biografo,
tamb�m acredita.
� propicio salientar que a rela��o entre os sujeitos, bi�grafo e
biografado, deve haver, e pode ser de forma aprofundada ou de maneira


ef�mera. Trata-se de um g�nero liter�rio e, portanto, subentende-se um
autor-artista, se considerarmos que biogra..a s�o as vicissitudes de uma
pessoa �narrada com arte por outra pessoa.� (Vilas Boas, 2007, p. 22).

Nossas vidas n�o s�o est�ticas e se encontram em constante
movimento.

A biogra..a-reportagem de Morgado (2017) goza de uma vis�o muito
particular de Silvio Santos porque � sustentada pelas reportagens que Silvio
cedeu a diversos meios de comunica��o e que foram reunidas pelo autor
neste livro.

A narra��o biogr�..ca conversa o tempo todo com as reportagens de
autoria dos jornais e revistas � voz do pr�prio Silvio. A biogra..areportagem,
como n�o poderia ser diferente, privilegia o indiv�duo e exp�e
de maneira mais acentuada uma personalidade �nica: Silvio Santos.

Cabe-nos a re..ex�o das palavras de Vilas Boas (2007, p. 20), que
�biogra..a � o biografado segundo o bi�grafo�. Na perora��o de cada cap�tulo
narrativo, Morgado (2017) aparece como autor de forma mais acentuada e
manifesta sua vis�o sobre o artista, o empres�rio, o dono de televis�o Silvio
Santos.

Vejamos alguns exemplos das impress�es do bi�grafo sobre seu
biografado pelas escolhas lexicais.
Cap�tulo 2: Neg�cios.

Ao analisar o per..l do empreendedor Senor Abravanel, percebe-se uma
ousadia acima da m�dia. Mesmo comprometendo sua vida pessoal, ele
demonstra n�o ter medo de assumir novos desa..os ou de investir naquilo
em que acredita, sem se importar com a opini�o dos outros. O saldo
positivo de sua carreira, que acumula mais vit�rias que derrotas, justi..ca a
grande autoconan�a que lastreia suas decis�es. Entre as consequ�ncias
disso, est� o forte personalismo que marca seu estilo de gest�o, ainda que
declare con..ar em seus assessores. Tudo isso ganha contornos mais fortes
quando se pensa que o empres�rio Senor Abravanel e o artista Silvio Santos
s�o a mesma pessoa, ou seja, as vicissitudes do homem de televis�o se
misturam com as do homem de neg�cio.
O Grupo Silvio Santos tonou-se um caso �nico, pois suas atividades n�o
surgiram apenas de oportunidades levantadas no mercado, mas tamb�m de


espa�os abertos pela capacidade de comunica��o do seu acionista
majorit�rio com o p�blico, especialmente aquele de menor renda. Essa
forma de empreender, t�o baseada em atributos pessoais, �, por isso
mesmo, dif�cil de ser replicada por outros, mas serve como ensinamento
para aqueles que procuram compreender, ou mesmo ser, um self-made man.
(MORGADO, 2017, p. 29).

Morgado revela-se como autor nas perora��es dos cap�tulos, detentor
de certa intimidade com a personalidade �nica de Silvio Santos e o espa�o
biogr�..co que a comp�e.

Cap�tulo 3: Artista.

De locutor despretensioso, transformou-se em �cone da televis�o. J�
comandou mais de centenas de programas com formatos diferentes.
Especializou-se em permanecer longas horas no ar. Em termos quantitativos,
n�o h� quem se compare a ele. Construiu um m�todo muito pr�prio de
comunica��o, unindo o improviso do r�dio, a presen�a de palco do circo, a
pr�tica dos com�cios e a tecnologia da televis�o. E esse m�todo repercute em
cada detalhe, desde o enquadramento das c�meras at� o ..gurino das
bailarinas. Mesmo de olhos fechados, apenas ouvindo o ritmo das palmas, �
poss�vel reconhecer uma plateia de Silvio Santos. Ele consegue prender o
p�blico mesmo quando a atra��o � uma freguesa que veio buscar um chequeda Tele Sena. � apresentador, produtor e patrocinador de seus programas.
E, desses programas, fez nascer uma das maiores redes de TV aberta da
Am�rica Latina. Nenhum outro artista foi t�o longe. Nem no Brasil, nem
em qualquer lugar do mundo (MORGADO, 2017, p. 72).

Nos cap�tulos 2 e 3, a perora��o somente ressalta as qualidades de
Silvio, portanto, essas conclus�es dialogam com os g�neros ret�ricos
cl�ssicos, em particular o g�nero epid�tico e/ou laudat�rio.

O g�nero epid�tico e/ou laudat�rio acontece a partir de uma a��o
p�blica, em que o audit�rio observa as quest�es j� resolvidas � se de um
elogio ou, �s vezes, uma censura. � denotar aprova��o ou desaprova��o e o
audit�rio contempla, n�o questiona.

No caso dessa biogra..a-reportagem. funciona como uma esp�cie de
louvor � ..gura de Silvio Santos.
Nas perora��es, o autor destaca os elogios, todavia, nos cap�tulos 4 e 6,
h� censura tamb�m: caracter�stica do g�nero epid�tico e/ou laudat�rio.


Cap�tulo 4: Dono de televis�o.

A audi�ncia aprecia e busca a rotina. E, mesmo sabendo que essa nunca foi
uma especialidade do SBT, continua assistindo e se identi..cando com o
canal porque se reconhece nele. O povo encontra no SBT a informalidade
que vive cotidianamente. Al�m disso, com ou sem a presen�a de Silvio no
v�deo, o p�blico consegue enxergar a sua m�o invis�vel em cada estreia ou
novo hor�rio. E, por gostar dele h� muito tempo, demonstra compreend�-lo
e at� perdo�-lo quando erra a m�o. Essa boa vontade seletiva se comprova
com os fracassos que tantos outros canais j� tiveram quando tentaram
replicar estrat�gias antes executadas com sucesso por Silvio.

Em contrapartida, o surgimento de um concorrente agressivo, a Record,
p�s em xeque a genialidade do programador Silvio Santos. Quando se
tem a �lideran�a absoluta do segundo lugar�, como dizia a campanha
publicit�ria de Washington Olivetto, se tem tamb�m licen�a para testar e
at� errar mais. Contudo, quando se cai para a terceira ou quarta posi��o,
a press�o cresce e a margem de manobra diminui. (MORGADO,2017, p.
119).

H� outra censura no cap�tulo 6: Vida Pessoal.

As reportagens j� publicadas sobre Silvio Santos revelaram que ele preservou
h�bitos simples, mesmo depois de ter ..cado rico. Quase n�o tem vida social,
preferindo permanecer em casa ou viajar em fam�lia. N�o tem as mesmas
preocupa��es com seguran�a que outros milion�rios como ele possuem. At�
ele e sua lha Patr�cia serem mantidos ref�ns, acreditou que sua fama era
suciente para proteg�-lo. Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em
c�rcere privado dentro da sua pr�pria casa pelo sequestrador de Patr�cia
Fernando Dutra Pinto. (MORGADO, 2017, p. 170).

Morgado (2017) � um autor que n�o ..ca a sombra de seu biografado.

Isto �, o autor conversa com Silvio; dialoga com as ideias dele. O bi�grafo

encontrou a forma humana de Silvio e parece ter sido tocado por sua

experi�ncia carregada de signi..cados.
A biogra..a-reportagem de Silvio � carregada de empatia. O autor �

cordial com Silvio, tem boa vontade e conta a hist�ria de vida do

apresentador com zelo, preocupa��o e tato. Tem boa inten��o.
Essa empatia que Morgado (2017) tem com a hist�ria de Silvio e com o

pr�prio Silvio � o que Vilas Boas (2007) chamou de re..exividade. Morgado


(2017) compartilha das alegrias, vit�rias, derrotas, frustra��es, conquistas e

tristezas do ponto de vista do interlocutor.
As rela��es entre bi�grafo e biografado constituem-se pela pesquisa

�porque pesquisar tamb�m � um ato autobiogr�..co.� (Vilas Boas, 2007, p.

34).
� absolutamente relevante a constata��o de que Morgado (2017) n�o

recorre a psicanaliza��o de Silvio Santos. N�o tenta buscar no pai e na m�e

de Silvio explica��es para atos e a��es, fracassos e conquistas. O autor em

nenhum momento tenta analisar Silvio do ponto de vista da an�lise

psicanal�tica.
Morgado (2017) escreve apenas um par�grafo incluindo os pais de

Silvio:

Desde muito jovem, o carioca Senor Abravanel, nascido em 12 de dezembro
de 1930, demonstrava uma rara disposi��o para o trabalho. Filho de
imigrantes � o grego Alberto e a turca Rebecca �, n�o queria depender dos
pais para comprar aquilo que deseja-se, como as balas premiadas Fruna ou
as entradas para as matin�s de quinta-feira no cine OK, no centro do Rio de
Janeiro, que exibia a s�rie o vale dos desaparecidos, estrelada por Bill Elliott.
Ainda na escola Celestino da Silva, onde cursou o prim�rio aproveitava o
hor�rio do recreio para vender doces aos colegas. E quis mais. Depois de
muito andar pelas ruas do centro do Rio � procura de trabalho e de se
decepcionar com os baixos sal�rios oferecidos pelas lojas e reparti��es
p�blicas presenciou uma cena que o faria escolher sua primeira pro..ss�o.
(MORGADO, 2017, p. 15).

O autor faz uma men��o � vida sexual de Silvio em outro par�grafo:

Catorze anos: uma idade marcante para Senor. Idade da sua primeira
experi�ncia sexual, da sua primeira experi�ncia como camel� e da sua
primeira experi�ncia art�stica. Sem esperar, ganhou um concurso para
locutor na R�dio Guanabara, mas por considerar o sal�rio baixo, logo voltou
para as ruas. O pouco tempo diante do microfone, embora pequeno, foi o
su..ciente para infect�-lo com o v�rus do r�dio. Senor gostava de
acompanhar programas de audit�rio e seu animador favorito era C�sar de
Alencar, que ouvia aos s�bados � tarde pela R�dio Nacional. O formato da
atra��o, composta por uma sequ�ncia de quadros com certa independ�ncia
entre eles, virou refer�ncia. O pr�prio programa Silvio Santos seria muito
semelhante a isso. (MORGADO, 2017, p. 53).


N�o vemos uma tentativa de explorar a sexualidade infantil e/ou
complexo de �dipo, coisas de uma �mentalidade freudiana persistente.�
(VILAS BOAS, 2007, p. 77).

Na biogra..a de Silvio, a �nica constru��o mais elaborada sobre as suas
origens e a hist�ria de sua fam�lia decorre do pr�prio Silvio Santos:

�Meu nome completo � Senor Abravanel. E � Senor porque eu sou o dom. O
homem que me deu origem consertou as ..nan�as de Portugal, depois foi
chamado pelos reis cat�licos Isabel e Fernando para a Espanha. Era o dom
Isaac Abravanel. Consertou as ..nan�as da Espanha, depois, quando chegou a
inquisi��o, os reis cat�licos Fernando e Isabel disseram: �Voc� ..ca e o teu
povo, o povo judeu, vai�. E ele falou: �N�o, n�o! O povo judeu vai e eu vou
junto!� E foi para Solonica, na Gr�cia. De l� ent�o, meu pai, meu av�,
tiveram o t�tulo de se�or, dom Abravanel. E aqui no Brasil n�o existe dom, os
t�tulos que meus antepassados ganharam [...]. O dom Isaac Abravanel foi um
dos que deu dinheiro para que Colombo viesse a descobrir a Am�rica. Ent�o
disseram ao meu pai: �Ih, que dom? Dom � frescura, n�o tem cura! Ent�o ele
colocou Se�or. Se�or quer dizer dom Abravanel�. (MORGADO, 2017, p.
169).

Os par�grafos acima tratam da experi�ncia de Silvio Santos acerca do

real, em torno da sua exist�ncia: um contrato do ver�dico, do veri..c�vel.
Em suma:
Fernando Morgado (2017) � um organizador, mas um autor astuto.

Descreve a vida de Silvio Santos fundamentado pelos depoimentos,
testemunhos, entrevistas do pr�prio Silvio Santos. Nesse sentido, tem uma
ajuda incontest�vel de veridic��o na narrativa biogr�..ca: as palavras do
pr�prio Silvio. Essa rela��o entre bi�grafo e biografado ..ca clara pela
recidiva da intertextualidade manifesta, um sintoma da heterogeneidade que
constitui o g�nero do discurso biogra..a. �Eu�, como ser humano, me assento
na narrativa de vida no ambiente social, cultural e ideol�gico, pelas rela��es
dial�gicas com outro ser humano.

Da rela��o tr�plice de autoria, a voz de Silvio, a voz impl�cita dos
jornais, revistas, do SBT e a voz de Morgado, nasce um autor desobediente.
Fernando Morgado (2017) transgride a autoria biogr�..ca cl�ssica ao


organizar e reportar as palavras de Silvio Santos ao longo da vida nesse livro.
O autor publica um livro que n�o � mais uma biogra..a can�nica de Silvio
Santos, mas uma biogra..a constitu�da a partir da voz do pr�prio Silvio
Santos.

Na autobiogra..a can�nica, por exemplo, para que se de o pacto de
veridic��o, s�o necess�rios alguns elementos para que o leitor assine o
contrato autobiogr�..co: a verdade, o nome pr�prio na capa, o pronome
relativo do caso reto �eu�, que s� existe diante de um voc�, e o desconcerto
de vozes. Na biogra..a-reportagem de Morgado (2017), a veridic��o se d�
pela veri..ca��o intertextual das palavras de Silvio na trama narrativa. Trata-
se das palavras de Silvio reportadas por Morgado (2017), que, por sua vez,
constr�i a narrativa biogr�..ca baseado nas palavras exatas de Silvio. Essa
exatid�o verbal � persuasiva por ser inquestion�vel: trata-se das palavras do
pr�prio Silvio Santos, ou seja, � real, ver�dico, veri..c�vel e, portanto,
indubit�vel.

Fernando Morgado (2017) abre o livro intitulando-se como
organizador das frases de Silvio Santos ditas desde o ..nal dos anos 1950 e
diz: �O organizador dedicou seu m�ximo empenho a ..m de preservar as
palavras ditas originalmente, e, sobretudo, o sentido com o qual elas foram
empregadas.� (MORGADO, 2017, p. 13). Ora, a reportagem dos enunciados
de Silvio funciona nesta biogra..a como um �pacto autobiogr�..co� (Lejeune,
2008). O caminho tra�ado pelo leitor � pela busca de alguma incongru�ncia,
alguma inverdade ou omiss�o, que, de fato, na linha da vida de Silvio, na
narra��o, n�o h�.

Na simples condi��o apenas de organizador dos enunciados de Silvio,
Morgado (2017) morreria como autor biogr�..co, mas morre apenas como
organizador, quando constr�i uma narrativa biogr�..ca consistente e
heterog�nea. Em outras palavras, Morgado (2017) n�o � s� o organizador
dos enunciados da vida de Silvio, assim como n�o � somente o autor da
biogra..a dele.


Morgado (2017) faz escolhas de autoria inteligentes: opta por n�o
heroi..car Silvio Santos porque o pr�prio n�o se heroi..ca do mesmo ponto
de vista. Elege preponderantemente uma consci�ncia biogr�..ca que �
particular dos her�is vivos. O dia a dia junto aos familiares e
contempor�neos, ver e reviver o mundo de maneira repetida e repetidas
vezes: o social de costumes.

H�, na hist�ria de vida de Silvio Santos, con..itos entre sua identidade
social e pessoal; todavia, ao considerarmos os enunciados de Silvio,
reportados pela pesquisa de Morgado (2017), como informa��es pessoais de
Silvio, e, ao considerar ainda a proposi��o de que a narrativa biogr�..ca foi
constru�da em di�logo com esses enunciados, n�o h� na constru��o
composicional da biogra..a-reportagem de Silvio Santos con..ito entre a
identidade pessoal do apresentador e sua identidade social.

Silvio Santos, ao longo de sua hist�ria, harmoniza-se com seus
m�ltiplos �eus�: empres�rio, artista, dono de televis�o, pai de fam�lia, amigo,
homem p�blico. � o autor mais competente da sua hist�ria. Por isso,
Morgado (2017) n�o psicologiza Silvio Santos, porque o pr�prio tamb�m
n�o faz. Silvio gosta de manter o mist�rio.

Portanto, o autor de Silvio Santos � A trajet�ria do mito demostra
empatia pela vida e hist�ria de sua personagem. Essa empatia se mostra pela
escolha lexical, pela ..delidade aos depoimentos de Silvio e, principalmente,
pela originalidade que conta a trajet�ria de vida dessa ..gura �nica do
cen�rio art�stico mundial.

� biogra..a porque descreve uma vida real, tem uma consci�ncia
biogr�..ca, uma identidade, multiplicidade de �eus�, a presen�a constitutiva
do outro, que poderia ser �eu� mesmo, tem empatia. � constru�da por meio
da reportagem: enunciados proferidos pelo pr�prio Silvio Santos, tema que
discutiremos a seguir.


5.2 A REPORTAGEM
A reportagem no livro acontece da anastomose entre os enunciados de
Silvio Santos e a narrativa biogr�..ca. Na medida em que a narrativa amplia
os enunciados e os enunciados trazem novas informa��es pela voz de Silvio
para o leitor e para a narrativa, con..gura-se a conceitua��o de Melo (2017)
sobre a reportagem: �A reportagem � o relato ampliado de um
acontecimento que repercutiu no organismo social e produziu altera��es
que s�o percebidas pela institui��o jornal�stica.� (MELO, 2017, p. 66).

As falas de Silvio repercutiram no organismo social e foram
reproduzidas por Morgado (2017) em forma de narrativa. A narrativa
biogr�..ca amplia esses enunciados.

Peguemos o exemplo de reportagem de Silva (2012):

No desemprego n�o h� lugar para a resigna��o24

[...]
Ricardo A., Espanha. Arquiteto t�cnico, 45 anos.
Desempregado desde abril de 2009
�Agora, em outubro, faz 18 meses que estou no desemprego. Trabalhei
sempre desde o ..m do curso, aos 27 anos, at� 2009�. Este � o cart�o de visita
de Ricardo A., casado e com ..lho de 14 anos. Ricardo foi empregado da
abund�ncia, do boom imobili�rio, que povoou a Espanha de guindastes.
Agora � uma v�tima do seu colapso. N�o est� s�: mais de 25 por cento dos
quatro milh�es de desempregados espanh�is prov�m de constru��o.
�Trabalhei em v�rias empresas, ..z hot�is, col�gios, urbaniza��es, comecei
como ajudante de obra at� diretor t�cnico�. Recorda. Tem forma��o
universit�ria de grau m�dio: um curso de quatro anos com o t�tulo de
aquieto t�cnico. A sua presen�a era imprescind�vel para o bom andamento
das obras. A sua assinatura era a chancela de qualidade. Foi assim durante
anos. [...] (Silva, 2012, p. 69-70).

Nessa reportagem, existe o t�tulo: No desemprego n�o h� lugar para a
resigna��o; o nome do ator social, sua idade e sua pro..ss�o, ou seja, o
entrevistado: Ricardo A., Espanha. Arquiteto t�cnico, 45 anos. E, por ..m, a
reportagem.


Essa reportagem come�a pela voz de Ricardo, o entrevistado: �Agora,
em outubro, faz 18 meses que estou no desemprego. Trabalhei sempre desde

o ..m do curso, aos 27 anos, at� 2009� (Silva, 2012, p. 69-70). Depois, entra a
voz do rep�rter ou institui��o jornal�stica: �Ricardo foi empregado da
abund�ncia, do boom imobili�rio, que povoou a Espanha de guindastes.
Agora � uma v�tima do seu colapso. N�o est� s�: mais de 25 por cento dos
quatro milh�es de desempregados espanh�is prov�m de constru��o.� (Silva,
2012, p. 69-70). As duas vozes v�o se intercalando at� o ..m da reportagem.
Ao pegarmos a primeira se��o do livro de Morgado � Silvio Santos por
ele mesmo �, em que se re�nem as entrevistas e depoimentos de Silvio
Santos � cap�tulo 2, Neg�cios �, teremos um t�tulo: �Toque de Midas�
(MORGADO, 2017, p. 30).

Logo abaixo, na primeira se��o, encontra-se o primeiro depoimento:

Um dia eu estava passando na Avenida Rio Branco, tinha algum dinheiro no
bolso e resolvi comprar tr�s carteirinhas de pl�stico [para guardar t�tulo de
eleitor]. Era 1945, �poca de elei��o para a presid�ncia da Rep�blica. Achei
que poderia ganhar algum dinheiro vendendo as carteirinhas. Comprava
tr�s por Cr$ 3,00 e vendia por Cr$ 5,00 cada uma momentos depois. Era
bom neg�cio.

� O Estado de S. Paulo, 17 de agosto de 1983 (MORGADO, 2017, p. 30).
A seguir, a narrativa biogr�..ca que correspondente ao excerto acima:

Gritando, um homem chamava a aten��o de quem passava pela Avenida Rio
Branco. Ele vendia carteiras pl�sticas para guardar t�tulo de eleitor. O ano era
de 1945. Ap�s o ..m do Estado Novo, o Brasil voltava a ser uma democracia,
ou seja, havia demanda para as tais carteiras. Senor ..cou t�o impressionado
com a facilidade com que as vendas aconteciam que n�o resistiu a seguir o
tal homem. Logo descobriu que ele comprava grandes quantidades em uma
loja na rua Buenos Aires, reduzindo, assim, o valor pago por unidade.
Interessado no esquema resolveu testar. Com uma moeda de 2 mil r�is,
comprou a primeira carteira. Foi para a cal�ada, falou para quem passava e
logo fez a venda. Rapidamente voltou para a loja e comprou mais duas
carteiras, tamb�m vendidas facilmente. Quanto mais dinheiro ganhava, mais

o seu entusiasmo aumentava. Foi ent�o que decidiu: seria camel�.
(MORGADO, 2017, p. 16).

Se pegarmos os dois exemplos, a narra��o biogr�..ca e o depoimento,
montamos uma reportagem aos moldes de Silva (2012), com a utiliza��o
paratextual das aspas.

Por exemplo:

�Um dia eu estava passando na Avenida Rio Branco, tinha algum dinheiro
no bolso e resolvi comprar tr�s carteirinhas de pl�stico [para guardar t�tulo
de eleitor]. Era 1945, �poca de elei��o para a presid�ncia da Rep�blica�.
Gritando, um homem chamava a aten��o de quem passava pela Avenida Rio
Branco. Ele vendia carteiras pl�sticas para guardar t�tulo de eleitor. Ap�s o

..m do Estado Novo, o Brasil voltava a ser uma democracia, ou seja, havia
demanda para as tais carteiras. Senor ..cou t�o impressionado com a
facilidade com que as vendas aconteciam que n�o resistiu a seguir o tal
homem. �Achei que poderia ganhar algum dinheiro vendendo as
carteirinhas. Comprava tr�s por Cr$ 3,00 e vendia por Cr$ 5,00 cada uma
momentos depois. Era bom neg�cio�. Com uma moeda de 2 mil r�is,
comprou a primeira carteira. Foi para a cal�ada, falou para quem passava e
logo fez a venda. Rapidamente voltou para a loja e comprou mais duas
carteiras, tamb�m vendidas facilmente. Quanto mais dinheiro ganhava, mais
o seu entusiasmo aumentava. Foi ent�o que decidiu: seria camel�.
Se colocarmos o t�tulo do cap�tulo e os dados biogr�..cos de Silvio no
momento em que ocorre a reportagem acima, conseguiremos uma
reportagem perfeita aos moldes de Silva (2012):

Toque de Midas
Senor Abravanel, 14 anos. Camel�.
�Um dia eu estava passando na Avenida Rio Branco, tinha algum dinheiro
no bolso e resolvi comprar tr�s carteirinhas de pl�stico [para guardar t�tulo
de eleitor]. Era 1945, �poca de elei��o para a presid�ncia da Rep�blica�.
Gritando, um homem chamava a aten��o de quem passava pela Avenida Rio
Branco. Ele vendia carteiras pl�sticas para guardar t�tulo de eleitor. Ap�s o

..m do Estado Novo, o Brasil voltava a ser uma democracia, ou seja, havia
demanda para as tais carteiras. Senor ..cou t�o impressionado com a
facilidade com que as vendas aconteciam que n�o resistiu a seguir o tal
homem. �Achei que poderia ganhar algum dinheiro vendendo as
carteirinhas. Comprava tr�s por Cr$ 3,00 e vendia por Cr$ 5,00 cada uma
momentos depois. Era bom neg�cio�. Com uma moeda de 2 mil r�is,
comprou a primeira carteira. Foi para a cal�ada, falou para quem passava e
logo fez a venda. Rapidamente voltou para a loja e comprou mais duas
carteiras, tamb�m vendidas facilmente. Quanto mais dinheiro ganhava, mais
o seu entusiasmo aumentava. Foi ent�o que decidiu: seria camel�.
(MORGADO, 2017, p. 30).

Esse t�tulo, Toque de Midas, demanda de uma particularidade do
g�nero reportagem, que �, a nosso ver, a originalidade e a ousadia. O t�tulo
da reportagem deve ser atrevido. Segundo Bond (1961), o t�tulo tem que
chamar a aten��o do leitor � primeira vista.

Com exce��o do cap�tulo 1, O homem por tr�s do sorriso, que � um
cap�tulo introdut�rio, � poss�vel montar uma reportagem aos moldes de
Silva (2012) em cada cap�tulo do livro. Consideremos que os depoimentos,
as entrevistas e as reportagens � Silvio Santos por ele mesmo � que
acrescentam cada cap�tulo expandem as informa��es dadas pela narra��o
biogr�..ca, assim como a narra��o biogr�..ca expande os depoimentos.
Veremos um exemplo em cada cap�tulo.

No cap�tulo 3, Artista, ocorre algumas vezes essa amplia��o intertextual
de forma manifesta. Vejamos um exemplo a partir do depoimento de Silvio
Santos para a biogra..a cl�ssica e can�nica, A vida espetacular de Silvio
Santos, de Arlindo Silva (L. Oren, 1972): �Eu gostava muito de C�sar
Alencar. Ele sempre foi um homem que eu admirava, porque quando eu
chegava � escola � eu estava no gin�sio naquele tempo � as mo�as, na 2�
feira, s� falavam no C�sar de Alencar.� (MORGADO, 2017, p.73).

Essa passagem encontra-se na narrativa biogr�..ca assim:

Catorze anos: uma idade marcante para Senor. Idade da sua primeira
experi�ncia sexual, da sua experi�ncia como camel� e da sua primeira
experi�ncia art�stica. Sem esperar, ganhou um concurso para locutor na
R�dio Guanabara, mas por considerar o sal�rio baixo, logo voltou para as
ruas. O pouco tempo diante do microfone, embora pequeno, foi o su..ciente
para infect�-lo com v�rus do r�dio. Senor gostava de acompanhar programas
de audit�rio e seu animador favorito era C�sar de Alencar, que ouvia aos
s�bados � tarde pela R�dio Nacional. O formato da atra��o, composta por
uma sequ�ncia de quadros de certa independ�ncia entre eles, virou
refer�ncia. O pr�prio Programa Silvio Santos seria muito semelhante a isso.
(MORGADO, 2017, p. 53).

O t�tulo da se��o em que se encontra esse depoimento de Silvio para o
livro de Arlindo Silva � O come�o de carreira. Ao juntarmos o t�tulo, a fala de


Silvio com a narra��o biogr�..ca, a idade e a pro..ss�o, temos mais uma
reportagem:

O come�o de carreira.
Senor Abravanel, 14 anos. Camel� e locutor.
�Ele sempre foi um homem que eu admirava, porque quando eu chegava �
escola � eu estava no gin�sio naquele tempo � as mo�as, na 2� feira, s�
falavam no C�sar de Alencar�. Catorze anos: uma idade marcante para Senor.
Idade da sua primeira experi�ncia sexual, da sua experi�ncia como camel� e
da sua primeira experi�ncia art�stica. Sem esperar, ganhou um concurso para
locutor na R�dio Guanabara, mas por considerar o sal�rio baixo, logo voltou
para as ruas. O pouco tempo diante do microfone, embora pequeno, foi o
su..ciente para infect�-lo com v�rus do r�dio. Senor gostava de acompanhar
programas de audit�rio e seu animador favorito era C�sar de Alencar, que
ouvia aos s�bados � tarde pela R�dio Nacional. O formato da atra��o,
composta por uma sequ�ncia de quadros de certa independ�ncia entre eles,
virou refer�ncia. O pr�prio Programa Silvio Santos seria muito semelhante a
isso. (MORGADO, 2017, p. 53).

Outro exemplo est� em Silvio Santos por ele mesmo, encontrado no

cap�tulo 4, Dono de televis�o. Depoimento dado a TVS em 14 de maio de

1976:

Silvio era a pessoa mais apresada do mundo e era tamb�m um sujeito de
muita sorte. Li nos jornais que a massa falida da extinta TV Continental,
canal 9 do Rio de Janeiro, seria leiloada e disse para o meu amigo e
superintendente dos est�dios, Luciano Callegari: �Olha, Luciano, se n�s
arrematarmos tudo no leil�o, n�o vamos precisar esperar 8 meses pela
constru��o da torre e da antena�. O material anunciado no edital do leil�o era
sucata, disse muita gente entendida. O pr�prio leiloeiro achava que iria
leiloar um monte de ferro velho. Conseguimos, com o maior lance, comprar
todo o material do leil�o e os jornais disseram que o novo concession�rio j�
estava come�ando com o p� esquerdo e fazendo um p�ssimo neg�cio. Fez-se
uma descoberta espantosa. Quem poderia adivinhar que o velho
transmissor, da velha Continental, fora constru�do para funcionar a cores
uns dez anos antes de se instalar a televis�o a cores no Brasil? Mas quando h�
boa vontade, Deus ajuda e tudo acontece. (MORGADO, 2017, p. 123).

A narra��o biogr�..ca que conta o momento de aquisi��o dos bens que
pertenciam a TV continental:

Exatamente uma semana ap�s Geisel ter assinado o decreto que lhe garantiu

o canal 11, foram a leil�o todos os bens que pertenciam � TV Continental.
Havia desde equipamentos velhos at� arm�rios e poltronas. Parecia ser

apenas um amontoado de sucata. Silvio, por�m, notou que o lote tamb�m
inclu�a todo o sistema irradiante do canal, instalado no morro do Sumar�, e
pensou que, se o comprasse, n�o precisaria esperar os oito meses que haviam
lhe dado como prazo para constru��o de uma torre nova. No dia do
arremate, o feliz propriet�rio da TV Studios compareceu acompanhado de
Luciano Callegari, seu superintendente na �poca. N�o havia outro
interessado. Durante o leil�o, Luciano deu lances de mil em mil cruzeiros.
Querendo se divertir um pouco, Silvio resolveu dar lances tamb�m,
competindo com o pr�prio funcion�rio. De uma forma ou de outra, ganhou.
No dia seguinte, O Estado de S. Paulo publicou:

O arremate do material foi considerado por observadores como um lance
promocional de Silvio Santos, j� que recebeu a concess�o do canal 11
carioca e disp�e de tempo suciente para montar a esta��o sem necessitar
dos equipamentos obsoletos da TV Continental.

O que nem observadores nem Silvio Santos esperavam era que o transmissor
do antigo canal 9 carioca tinha sido constru�do para operar em cores mais de
uma d�cada antes do in�cio o..cial da TV colorida no Brasil. (MORGADO,
2017, p.102-103).

� fundamental perceber que o g�nero reportagem permeia toda a
biogra..a e est� inclusive no meio da narrativa, como salientamos em negrito
no excerto acima.

Ao interseccionarmos narrativa biogr�..ca e depoimento de Silvio para
TVS, a respeito do arremate dos equipamentos da TV Continental,
encontramos uma expans�o informativa signi..cativa, o que nos revela uma
excelente reportagem concomitantemente documental e de per..l. �
documental pela pesquisa realizada por Morgado (2017), reunindo os
enunciados de Silvio, e � de per..l por revelar tra�os psicol�gicos do pr�prio
Silvio, como o Silvio brincalh�o: �Querendo se divertir um pouco, Silvio
resolveu dar lances tamb�m, competindo com o pr�prio funcion�rio.�
(MORGADO, 2017, p. 102-103). � reportagem de per..l por intercalar com
as narra��es biogr�..cas as palavras do pr�prio Silvio, em que Silvio revela
sua personalidade.

Considerando as palavras do pr�prio Silvio e a narra��o biogr�..ca de
Morgado (2017), a reportagem no formato de Silva (2012) ..caria assim:

Forma��o do SBT.
Silvio Santos, dono de televis�o.



�Li nos jornais que a massa falida da extinta TV Continental, canal 9 do Rio
de Janeiro, seria leiloada e disse para o meu amigo e superintendente dos
est�dios, Luciano Callegari: �Olha, Luciano, se n�s arrematarmos tudo no
leil�o, n�o vamos precisar esperar 8 meses pela constru��o da torre e da
antena�. Havia desde equipamentos velhos at� arm�rios e poltronas. Parecia
ser apenas um amontoado de sucata. Silvio, por�m, notou que o lote tamb�m
inclu�a todo o sistema irradiante do canal, instalado no morro do Sumar�, e
pensou que, se o comprasse, n�o precisaria esperar os oito meses que haviam
lhe dado como prazo para constru��o de uma torre nova. �O material
anunciado no edital do leil�o era sucata, disse muita gente entendida�. No dia
do arremate, o feliz propriet�rio da TV Studios compareceu acompanhado
de Luciano Callegari, seu superintendente na �poca. N�o havia outro
interessado. Durante o leil�o, Luciano deu lances de mil em mil cruzeiros. �O
pr�prio leiloeiro achava que iria leiloar um monte de ferro velho.
Conseguimos, com o maior lance, comprar todo o material do leil�o e os
jornais disseram que o novo concession�rio j� estava come�ando com o p�
esquerdo e fazendo um p�ssimo neg�cio. Mas quando h� boa vontade, Deus
ajuda e tudo acontece�. O que nem observadores nem Silvio Santos
esperavam era que o transmissor do antigo canal 9 carioca tinha sido
constru�do para operar em cores mais de uma d�cada antes do in�cio o..cial
da TV colorida no Brasil. (MORGADO, 2017, p.102-103).

No cap�tulo 5, Pol�tica, o fen�meno da ampli..ca��o informativa

tamb�m acontece. Em reportagem para a Revista do R�dio, de 23 de

outubro de 1965, Silvio Santos diz:

Muita gente julga que essa � a minha inten��o. Garanto, por�m, que tal fato
est� muito longe das minhas cogita��es. Fui convidado o..cialmente pelo
PSD para participar das pr�ximas elei��es. N�o aceitei. Quero mesmo ..car
com minha vida de artista. Estou contente demais com ela para troc�-la por
pol�tica. (MORGADO, 2017, p. 154).

E ainda:

Uma recomenda��o que ele [Manuel de N�brega] sempre me dizia era: �N�o
entra em pol�tica porque n�o casa bem com atividade art�stica. � uma
besteira, porque voc� n�o vai se dar bem�.

� Document�rio Manuel de N�brega: uma Hist�ria, exibido pelo SBT em 22 de
maio de 2004. (MORGADO, 2017, p. 154).
Na narra��o biogr�..ca:

Manuel de N�brega foi um dos pioneiros. Convidado por Adhemar de
Barros, ingressou no PSP e elegeu-se deputado estadual em 1947. Recebeu a
maior vota��o do Brasil naquela �poca: 37.778 votos. Mesmo tendo sido um


parlamentar atuante, trabalhando, inclusive, na elabora��o da nova
Constitui��o de S�o Paulo, N�brega frustrou-se profundamente com a
atividade pol�tica, que acabou por prejudica-lo no r�dio. Ap�s decidir n�o se
candidatar � reelei��o, foi parar na esta��o de menor audi�ncia na �poca, a
emissora Piratininga, antiga Cruzeiro do Sul. Apesar de tudo que j� havia
feito, precisou provar novamente o seu valor at� que, ..nalmente, conseguiu
voltar para uma r�dio maior, a Nacional, e recuperar a lideran�a de
audi�ncia. Por tudo isso, sempre alertou Silvio Santos:

� N�o entra em pol�tica porque n�o casa bem com atividade art�stica. � uma
besteira porque voc� n�o vai se dar bem.
Por cerca de trinta anos, Silvio seguiu esse conselho. Nos anos 1960, chegou
a recusar um convite do PSD para se candidatar a deputado. (MORGADO,
2017, p. 141-142).
Outra reportagem poss�vel:

Longe da pol�tica
Silvio Santos, artista.
�Uma recomenda��o que ele [Manuel de N�brega] sempre me dizia era: �N�o
entra em pol�tica porque n�o casa bem com atividade art�stica. � uma
besteira, porque voc� n�o vai se dar bem��. Manuel de N�brega foi um dos
pioneiros. Convidado por Adhemar de Barros, ingressou no PSP e elegeu-se
deputado estadual em 1947. Recebeu a maior vota��o do Brasil naquela
�poca: 37.778 votos. Mesmo tendo sido um parlamentar atuante,
trabalhando, inclusive, na elabora��o da nova Constitui��o de S�o Paulo,
N�brega frustrou-se profundamente com a atividade pol�tica, que acabou
por prejudica-lo no r�dio. Ap�s decidir n�o se candidatar � reelei��o, foi
parar na esta��o de menor audi�ncia na �poca, a emissora Piratininga, antiga
Cruzeiro do Sul. � N�o entra em pol�tica porque n�o casa bem com atividadeart�stica. � uma besteira porque voc� n�o vai se dar bem. Por cerca de trinta
anos, Silvio seguiu esse conselho. Nos anos 1960, chegou a recusar um
convite do PSD para se candidatar a deputado �Muita gente julga que essa � a
minha inten��o. Garanto, por�m, que tal fato est� muito longe das minhas
cogita��es. Fui convidado o..cialmente pelo PSD para participar das
pr�ximas elei��es. N�o aceitei. Quero mesmo ..car com minha vida de
artista. Estou contente demais com ela para troc�-la por pol�tica�.

Pra ..nalizar esses exemplos que caracterizam a biogra..a de Silvio

tamb�m como reportagem, � poss�vel montar mais uma exposi��o do

g�nero jornal�stico a partir do �ltimo cap�tulo narrativo de Silvio, Vida

pessoal, cap�tulo 6 e seu complemento: Silvio Santos por ele mesmo.
Vejamos outro exemplo:


Quando eu me lembro da minha mulher que morreu e que eu dizia que era
solteiro; que escondia as minhas ..lhas para poder ser o gal�, para poder ser

o her�i; eu quando falo com a minha consci�ncia, acho que s�o das coisas
imperdo�veis que eu ..z diante da minha imaturidade.
� SBT, 21 de fevereiro de 1988. (MORGADO, 2017, p. 181).
Na narrativa da biogra..a:

Outra mentira que Silvio costumava contar nessa mesma �poca estava
relacionada com seu estado civil. Dizia ser solteiro, quando, na verdade era
casado desde 15 de mar�o de 1962 com Aparecida Honoria Vieira. Cidinha
era ..lha da dona de uma pens�o no bairro da Bela Vista e, quando
adolescente, gostava de frequentar os audit�rios das r�dios. Silvio a conheceu
na Nacional. Casados, trilharam o caminho entre as di..culdades, no tempo
em que eles pr�prios montavam e entregavam as cestas do Ba� da Felicidade,
at� a fortuna.
Com Cidinha, Silvio teve suas duas primeiras ..lhas. Com o tempo, ele
passou a numer�-las. A n�1, C�ntia, nasceu no ano seguinte ao casamento. A
n�2, Silvia, adotiva, nasceu em 1970. Foi Manuel de N�brega quem a recebeu
primeiro nos bra�os, ainda rec�m-nascida. Para a mulher que lhe deu a
crian�a, N�brega contou que n�o poderia aceita-la porque j� tinha um ..lho
crescido, Carlos Alberto, mas disse que Silvio Santos gostaria de t�-la para
presentear sua esposa. Com apenas tr�s anos de vida, Silvinha, enrolada em
um cueiro, chegou a casa dos Abravanel. Tanto C�ntia quanto Silvia foram,
por muitos anos escondidas do p�blico, indo inclusive morar no exterior.
(MORGADO, 2017, p.166).

A reportagem por ampli..ca��o e expans�o:

Na intimidade
Silvio Santos, empres�rio, artista, dono de televis�o.
�Quando eu me lembro da minha mulher que morreu e que eu dizia que era
solteiro; que escondia as minhas ..lhas para poder ser o gal�, para poder ser

o her�i; eu quando falo com a minha consci�ncia, acho que s�o das coisas
imperdo�veis que eu ..z diante da minha imaturidade�. Dizia ser solteiro,
quando, na verdade era casado desde 15 de mar�o de 1962 com Aparecida
Honoria Vieira. Cidinha era ..lha da dona de uma pens�o no bairro da Bela
Vista e, quando adolescente, gostava de frequentar os audit�rios das r�dios.
Silvio a conheceu na Nacional. Casados, trilharam o caminho entre as
di..culdades, no tempo em que eles pr�prios montavam e entregavam as
cestas do Ba� da Felicidade, at� a fortuna. Com Cidinha, Silvio teve suas
duas primeiras ..lhas. Com o tempo, ele passou a numer�-las. A n�1, C�ntia,
nasceu no ano seguinte ao casamento. A n�2, Silvia, adotiva, nasceu em 1970.
Foi Manuel de N�brega quem a recebeu primeiro nos bra�os, ainda rec�m-
nascida. Para a mulher que lhe deu a crian�a, N�brega contou que n�o
poderia aceita-la porque j� tinha um ..lho crescido, Carlos Alberto, mas

disse que Silvio Santos gostaria de t�-la para presentear sua esposa. Com
apenas tr�s anos de vida, Silvinha, enrolada em um cueiro, chegou a casa dos
Abravanel. Tanto C�ntia quanto Silvia foram, por muitos anos escondidas do
p�blico, indo inclusive morar no exterior.

� curioso notar que, se a reportagem � um g�nero do discurso que
conversa com a entrevista e com a not�cia, ela pode ser constru�da a partir
da not�cia, como tamb�m pode ser constru�da a partir da entrevista. A
narrativa biogr�..ca da biogra..a-reportagem de Silvio, em certos momentos,
noticia a vida do Homem do Ba�. Lembrando Cunha (2010), a not�cia tem
como caracter�stica a informa��o, o texto � narrativo, os verbos est�o no
passado e em terceira pessoa. Responde �s perguntas quem, o que, quando,
onde, como, por qu�.

Vejamos um momento noticioso, na biogra..a de Silvio:

Durante o seu in�cio como dono de emissora, Silvio vendia os intervalos a
baixos pre�os e ainda oferecia garantia de audi�ncia. Por exemplo: se o
cliente quisesse que o comercial alcan�asse 7 pontos de audi�ncia, ele seria
exibido exaustivamente at� o momento que o canal 11 alcan�asse os tais 7
pontos. Isso atraiu empresas que nunca tinham aparecido na TV, como o
pequeno Supermercado de Grades, em Maria de Gra�a, que foi um dos
primeiros anunciantes da TVS.
Enquanto cuidava de sua nova emissora no Rio de Janeiro, Silvio resolvia
sua situa��o em S�o Paulo. Encerrado o seu contrato com a Globo, o
apresentador transferiu para si os 50% da Record, que estavam no nome de
Joaquim Cintra Gordinho. E Silvio ainda tinha op��o de comprar mais 10%,
gra�as a um empr�stimo que concedera em 1975 para Paulinho Machado de
Carvalho, o dono dos outros 50% da empresa. Como Paulinho se recusava a
atend�-lo quando entrou o..cialmente na Record, Silvio quis assust�-lo:
enviou para Bras�lia seu ent�o diretor jur�dico, doutor Luiz Sandoval, e
mandou registrar a transfer�ncia tamb�m desses 10%. Naquele instante,
tornava-se acionista majorit�rio da Record. O tempo fechou. Finalmente os
dois s�cios se encontraram. Constru�ram uma rela��o distante, mas
respeitosa o su..ciente para melhorar as ..nan�as da empresa e expandir o
sinal pelo interior paulista. (MORGADO, 2017, p.105-106).

N�o se trata, evidentemente, do g�nero do discurso not�cia de maneira
genu�na, pura, mesmo porque n�o � uma informa��o nova; n�o h� o evento
de..agrador e talvez nem seja uma informa��o t�o relevante; todavia,
apresenta elementos do g�nero not�cia. � um relato informativo. Os verbos


est�o no pret�rito perfeito e no pret�rito mais que perfeito (assinalados em
negrito); � um texto narrativo. H� um dom�nio do autor, embora haja
tamb�m um apagamento deste em rela��o a outros momentos da biogra..a.
N�o h� discurso de outrem de forma manifesta. O texto responde �s
perguntas: quem? Silvio Santos; o que? In�cio do SBT; quando? Momento
em que ganhou a concess�o de sua televis�o; onde? Rio de Janeiro e S�o
Paulo, e assim por diante. Al�m disso, tem a incid�ncia de n�meros (em
it�lico), absolutamente ret�ricos, caracter�stica da forma de persuadir na
not�cia sensacionalista, como nos indica Filho (2011).

A intertextualidade manifesta, ou seja, o discurso de outrem no limiar
da narrativa � o que efetivamente distingue a narrativa noticiosa em que o
discurso manifesto se d� de maneira indireta, da reportagem, em que o
discurso manifesto � marcado por travess�o ou aspas.

Melo (2003) associa os g�neros jornal�sticos � entrevista, not�cia,
reportagem etc. � a processos sociais, processos estes que tem rela��o com
as institui��es jornal�sticas e seu v�nculo. Segundo o autor, o relato � um
tra�o marcante do organismo social, que � composto e � transformado e
retransformado, n�o apenas pelas institui��es jornal�sticas, mas tamb�m
pela sociedade que o constitui.

Arfuch (2009) estabelece g�neros discursivos que encabe�am o que ela
chama de espa�o biogr�..co. Os principais, sempre na lista de Best Sellers,
s�o a biogra..a e autobiogra..a, as mem�rias, os di�rios �ntimos, as
correspond�ncias, os testemunhos, as hist�rias de vida. H� tamb�m aqueles
subg�neros biogr�..cos: rascunhos, cadernos de viagem, lembran�as da
inf�ncia, assim como os g�neros midiatizados: entrevista, retratos, per..s,
con..ss�es pr�prias e alheias etc. Tamb�m podemos incluir como um g�nero
midiatizado que comp�e essa atmosfera biogr�..ca a reportagem.

A autora chama aten��o para a quest�o do relato por considerar que �
por meio do relato de vida que a vida do outro impacta sobre mim. Na


medida em que �eu� sou tocado pelo relato do outro, �compreendo-me�
sobre a aprendizagem de viver, j� que o biogr�..co ordena a pr�pria vida.
Entre os g�neros e subg�neros do espa�o biogr�..co de Arfuch (2009),
tr�s chamam a aten��o: o testemunho, as con..ss�es e as entrevistas.

No Dicion�rio On-line de Portugu�s25, a palavra testemunho aparece
com um signi..cado sinon�mico � palavra depoimento: �declara��o feita pela
testemunha, pela pessoa que estava presente ou viu algum acontecimento ou
crime; depoimento; declara��o, depoimento de uma ou mais testemunhas;
a..rma��o fundamentada; depoimento, comprova��o�.

A partir dessa constata��o, podemos classi..car o depoimento como um
g�nero biogr�..co, e a biogra..a-reportagem Silvio Santos � A trajet�ria do
mito est� recheada de depoimentos, declara��es, reportagens nascidas por
meio de entrevistas e con..ss�es.

Gostar�amos de elencar alguns depoimentos para que possamos
comentar. Todos os cap�tulos t�m um ou mais depoimentos. Esses
depoimentos s�o para a biogra..a de Arlindo Silva (1972), A espetacular vida
de Silvio Santos, para o livro de Boni (2000), 50 anos da TV no Brasil,e
alguns para o SBT.

Silvio Santos por ele mesmo: Toque de Midas.

No carnaval, eu vendia cervejas, refrigerantes, lan�a perfume, confete,
serpentina, sandu�ches. Quando era �poca de S�o Jo�o, montava barracas no
centro da cidade e vendia fogos. Na P�scoa, chocolates, coelhos etc. No dia 7
de setembro, havia parada, des..le nas ruas, e ent�o eu vendia caixotes velhos.
A multid�o se acotovelava nas cal�adas para assistir o des..le, e aqueles que
..cavam nas ..leiras de tr�s muitas vezes n�o conseguiam ver o espet�culo.
Ent�o compravam os caixotes, subiam neles e, estando mais altos, tinham
uma vis�o privilegiada.

� Depoimento para o livro 50 anos da TV no Brasil, organizado por J.B. de
Oliveira Sobrinho, Boni (Editora Globo, 2000). (MORGADO, 2017, p. 31).
Eu tinha, evidentemente, que escolher: ou continuar na linda pro..ss�o de
locutor da R�dio Guanabara, ganhando um conto e trezentos por m�s, ou
continuar como camel�, ganhando 960 mil r�is por dia! E mais um detalhe:
na r�dio eu era obrigado a trabalhar entre 4 e 5 horas por dia. Como camel�
na avenida eu trabalhava apenas 45 minutos por dia, isto �, tempo exato que

o guarda demorava para almo�ar. [...] Pensando em tudo isto, tomei minha
decis�o: ..quei na r�dio Guanabara apenas um m�s. E voltei a ser camel�.
� Depoimento para o livro A vida espetacular de Silvio Santos, de Arlindo Silva
(L, Oren). (MORGADO, 2017, p. 31).
Comecei a fazer an�ncios, fazia bingos, nas barcas que saiam do Rio, ali da
pra�a XV, e levavam as pessoas para Niter�i, Paquet�, ilha do governador.
� Depoimento para o livro 50 anos da TV no Brasil, organizado por J.B. de
Oliveira Sobrinho, Boni (Editora Globo, 2000). (MORGADO, 2017, p. 32).
Fui � companhia Antarctica e pedi que eles me emprestassem um balc�o de
madeira, umas tintas daquelas grandes de gelo, que ainda s�o usadas at�
hoje, e comecei a vender cerveja e guaran� na barca. A venda ia bem, mas a�,
como eu j� estava com vontade de ser animador, resolvi botar um bingo
dentro da barca. Cada pessoa que comprasse um guaran� ou uma cerveja
recebia um cart�o e um l�pis para a marca��o do bingo. No meio da viajem
(a Paquet�), eu parava a m�sica, parava o baile, o pessoal sentava nos bancos
e come�ava o bingo...
� Depoimento para o livro A vida espetacular de Silvio Santos, de Arlindo Silva
(L, Oren). (MORGADO, 2017, p. 32).
Como corretor de an�ncios de um servi�o de alto-falante nas barcas da
Cantareira, passei a ganhar mais do que camel�. Ent�o o esp�rito de camel�
morreu de..nitivamente dentro de mim. Nasceu, em seu lugar, um esp�rito
muito mais forte: o de homem de neg�cios e chefe de um empreendimento
pr�prio.
� Depoimento para o livro A vida espetacular de Silvio Santos, de Arlindo Silva
(L, Oren). (MORGADO, 2017, p. 33).
Esses depoimentos de Silvio t�m algumas coisas em comum: dividem o
mesmo tema; foram cedidos pelo autor Silvio Santos para livros de car�ter
biogr�..co; est�o em primeira pessoa do singular.

Embora esses depoimentos, testemunhos, sejam relatos de momentos
espec�..cos da vida de Silvio Santos, nesse caso, o in�cio da vida pro..ssional
do �patr�o�, seria ingenuidade n�o perceber uma perspectiva autobiogr�..ca
nesses excertos. Para Lejeune (2008), autobiogra..a � uma narrativa
retrospectiva em prosa sobre a vida particular de determinada personagem.
Possui como caracter�stica �bvia o pronome do caso reto �eu�. Ou seja, os
depoimentos apresentam tra�os autobiogr�..cos, contudo n�o �
autobiogra..a de modo can�nico, por n�o contar uma hist�ria com uma
narrativa linear.


Todavia, t�m os depoimentos de Silvio car�ter autobiogr�..co, marcado
pelo �eu�. S�o divididos por temas e cap�tulos e gozam da mesma tem�tica: a
vida de Silvio Santos narrada por ele mesmo no come�o de sua vida
pro..ssional.

N�o � autobiogra..a porque os depoimentos est�o mais ligados �
mem�ria do que a uma constru��o que recorre a elementos de
..ccionaliza��o, caracter�stica da autobiogra..a. Ademais, n�o est�o em
prosa, mas gozam de uma narrativa retrospectiva.

Por exemplo:

No carnaval, eu vendia cervejas, refrigerantes, lan�a perfume, confete,
serpentina, sandu�ches. Quando era �poca de S�o Jo�o, montava barracas no
centro da cidade e vendia fogos. Na P�scoa, chocolates, coelhos etc. No dia 7
de setembro, havia parada, des..le nas ruas, e ent�o eu vendia caixotes
velhos. A multid�o se acotovelava nas cal�adas para assistir o des..le, e
aqueles que cavam nas ..leiras de tr�s muitas vezes n�o conseguiam ver o
espet�culo. Ent�o compravam os caixotes, subiam neles e, estando mais
altos, tinham uma vis�o privilegiada.

� Depoimento para o livro 50 anos da TV no Brasil, organizado por J.B. de
Oliveira Sobrinho, Boni (Editora Globo, 2000). (MORGADO, 2017, p. 31).
� narrativa retrospectiva, como podemos veri..car. Todos os verbos
est�o no pret�rito perfeito. � curioso perceber um elemento da autobiogra..a
que � a falta de isolamento. Silvio usa os verbos vender e montar no passado
para referir-se a si mesmo, seguido dos verbos acotovelar, ..car, conseguir,
comprar e ter tamb�m no passado, para referir-se a outrem.

Vejamos outro exemplo:

Eu tinha, evidentemente, que escolher: ou continuar na linda pro..ss�o de
locutor da R�dio Guanabara, ganhando um conto e trezentos por m�s, ou
continuar como camel�, ganhando 960 mil r�is por dia! E mais um detalhe:
na r�dio eu era obrigado a trabalhar entre 4 e 5 horas por dia. Como camel�
na avenida eu trabalhava apenas 45 minutos por dia, isto �, tempo exato que

o guarda demorava para almo�ar. [...] Pensando em tudo isto, tomei minha
decis�o: ..quei na r�dio Guanabara apenas um m�s. E voltei a ser camel�.
� Depoimento para o livro A vida espetacular de Silvio Santos, de Arlindo Silva
(L, Oren). (MORGADO, 2017, p. 31).

Esse exemplo � bem-marcado pelo �eu�. Todavia, a ilus�o da unicidade
desse �eu� � descartada mesmo nesse breve excerto: existe o outro que � o
guarda da avenida (em negrito). A identidade do autor, narrador e
personagem, adv�m da mesma pessoa: Silvio Santos. � um posicionamento
enunciativo-discursivo autodieg�tico.

Cada depoimento, entrevista, declara��o dos cap�tulos Silvio Santos por
ele mesmo trazem consigo um t�tulo, que separa as declara��es de Silvio por
temas. N�o h� d�vida de que s�o as palavras do pr�prio Silvio atestadas pela
hist�ria do animador somada ao seu nome pr�prio.

Segundo Lejeune (2008), mesmo crian�a, no processo de aquisi��o da
linguagem, acostuma-se a referir-se a ela mesma na terceira pessoa antes de
se perceber como um ser �nico e ter no��o da primeira pessoa do singular.
H� autobiogra..as que adotam esse posicionamento enunciativo-discursivo:

o �ele� como �eu�. Trata-se de um posicionamento-enunciativo discursivo
homodieg�tico, ou seja, h� uma identidade entre autor, narrador e
personagem, sem o carimbo da primeira pessoa do singular.
Em depoimento a TVS, Silvio Santos utiliza a narra��o homodieg�tica
para falar sobre ele mesmo.
Cap�tulo 4, Dono de televis�o. Depoimento dado a TVS em 14 de maio
de 1976:

Silvio era a pessoa mais apresada do mundo e era tamb�m um sujeito de
muita sorte. Li nos jornais que a massa falida da extinta TV Continental,
canal 9 do Rio de Janeiro, seria leiloada e disse para o meu amigo e
superintendente dos est�dios, Luciano Callegari: �Olha, Luciano, se n�s
arrematarmos tudo no leil�o, n�o vamos precisar esperar 8 meses pela
constru��o da torre e da antena�. O material anunciado no edital do leil�o era
sucata, disse muita gente entendida. O pr�prio leiloeiro achava que iria
leiloar um monte de ferro velho. Conseguimos, com o maior lance, comprar
todo o material do leil�o e os jornais disseram que o novo concession�rio j�
estava come�ando com o p� esquerdo e fazendo um p�ssimo neg�cio. Fez-se
uma descoberta espantosa. Quem poderia adivinhar que o velho
transmissor, da velha Continental, fora constru�do para funcionar a cores
uns dez anos antes de se instalar a televis�o a cores no Brasil? Mas quando h�
boa vontade, Deus ajuda e tudo acontece. (MORGADO, 2017, p. 123).


Silvio Santos usa a terceira pessoa (em negrito) para falar de si mesmo.
Em seguida, retoma a narra��o autodieg�tica.

H�, portanto, nos depoimentos de Silvio Santos, tra�os autobiogr�..cos
consubstanciados pela brincadeira pronominal no curso narrativo. Esse jogo
pronominal abre caminho para aproxima��es: o eu, o ela, o ele e o voc�
est�o ali.

Silvio Santos por ele mesmo � depoimento, � entrevista, � con..ss�o, �
autobiogr�..co e � reportagem: um relato retrospectivo do cotidiano pela
linguagem da vida.

Outro exemplo de narra��o homodieg�tica de Silvio est� no tema
Li��es de Vida � Silvio Santos por ele mesmo, em que Silvio usa o �tu� como
�eu�. Em outros termos, o �voc�� como �eu�:

Quem quer se meter em qualquer tipo de neg�cio n�o deve se preocupar
com os elogios ou com as cr�ticas. [...]. Se voc� n�o sonhar alto, administrar
bem sua empresa, com os p�s no ch�o, n�o se preocupando nem com o
primeiro, nem com o segundo, nem com o �ltimo colocado, se voc� ..zer
aquilo que a sua intui��o manda e usar o bom senso, deixando de lado a
vaidade, voc� tem todas as possibilidades de conseguir seu objetivo. N�o
tenha d�vida. S� n�o consegue o objetivo quem sonha demasiado. S� n�o
consegue o objetivo quem acredita que as coisas s�o f�ceis. Todas as coisas
s�o dif�ceis. Todas as coisas tem que ser lutadas. Quando voc� consegue uma
coisa f�cil, descon..e, porque ela n�o � t�o f�cil quanto parece. Continue
trabalhando, continue apostando na sua intui��o, continue com os p�s no
ch�o e n�o se importe com o que sua esposa, com o que seus ..lhos e com o
que seus amigos falam. Se importe com aquilo que voc� vive no seu dia a dia.
Pelo menos foi assim que eu consegui de camel� a ser banqueiro.

� SBT, 21 de agosto de 2011. (MORGADO, 2017, p.47-48)
Esse depoimento de Silvio no SBT foi dado em 2011 e ..cou conhecido
na internet. Silvio est� o tempo todo falando dele mesmo, embora utilize o
�voc��.

O autor Silvio Santos conclui o depoimento (em negrito) assumindo o
�eu� em um intercambiar de posi��es enunciativas: �Pelo menos foi assim
que eu consegui de camel� a ser banqueiro�. Todavia, ..ca claro que, mesmo
usando o �voc��, Silvio estava sempre falando de sua pr�pria experi�ncia.


H� outro exemplo autobiogr�..co que Silvio usa o �eu� como �tu�:

N�o tenho um sonho. N�o � um sonho, mas, como eu vou morrer, gostariade morrer sem ir para o hospital. � a �nica coisa que eu posso esperar com
83 anos. O que voc� pode esperar com 83 anos? S� embarcar a qualquer
momento.

� Veja S�o Paulo, 7 de fevereiro de 2014 (MORGADO, 2017, p. 179).
Silvio, em um de seus depoimentos ao SBT, manifesta uma pretens�o
autobiogr�..ca:

Eu quero agradecer a voc�s por terem vindo e terem escutado toda essa
minha hist�ria. Porque o Livro de Arlindo [Silva], um grande amigo meu,
ele fez por conta pr�pria e eu ..quei muito contente. [...] Mas se eu tivesse
que contar toda a minha hist�ria desde os 14 anos, quando eu comecei a
minha vida de camel�, ou desde a escola p�blica, quando eu comecei a
vender doces no recreio, eu acho que dariam tr�s ou quatro volumes
(MORGADO, 2017, p. 187).

Existe na biogra..a-reportagem de Silvio Santos alguns exemplos de
enunciados que certamente adv�m de entrevistas jornal�sticas, embora
Silvio, hoje em dia, seja avesso a dar entrevistas.

Temos alguns exemplos que Morgado (2007) traz, que s�o
assumidamente entrevista:

Tenho certeza que, em qualquer sequestro, a imprensa deve se manter
respeitando a orienta��o policial. Cada caso � um caso. Dizer que a imprensa
ajuda divulgando, ou dizer que a imprensa prejudica divulgando, n�o � uma
verdade total. A imprensa deve fazer aquilo que os americanos fazem:
respeitar a orienta��o policial.

� Entrevista coletiva ap�s o ..m do sequestro de sua ..lha n�4, Patr�cia,
Globo, 28 de agosto de 2001 (Morgado, 2017, p. 175).
Temos aqui uma reportagem, em seu sentido literal, estrito, do g�nero
entrevista. N�o temos uma entrevista can�nica, reportada com uma
introdu��o biogr�..ca do entrevistado, como na revista Veja, tampouco uma
pergunta do entrevistador seguida de uma resposta do entrevistado. Mas
temos uma resposta de Silvio, com direito a discurso direto n�o marcado
(em negrito) e direcionado a um audit�rio. A resposta de Silvio �
direcionada a rede Globo, pois sabemos que o jornalismo da Rede Globo de


Televis�o tinha uma pol�tica r�gida de n�o negocia��o com sequestradores e
demorou inclusive para noticiar e fazer a cobertura do sequestro da ..lha de
Silvio Santos.

Morgado (2017) reporta a entrevista de Silvio na biogra..a-reportagem,
que contou ainda com outro rep�rter, aquele que fez a entrevista: uma
entrevista coletiva. O rep�rter, ao entrevistar, se vale de certas
circunst�ncias, como as entrevistas coletivas, em que se deve dividir o turno
com outros rep�rteres. Tratou-se aqui de um trabalho de rua do primeiro
rep�rter, aquele que conseguiu o enunciado de Silvio.

Silvio Santos, por meio da institui��o jornal�stica, colabora com a
sociedade e traz uma re..ex�o: no caso de um sequestro, a imprensa deve
respeitar a orienta��o policial. No caso desse sequestro, aparentemente, a
orienta��o policial era a exaustiva divulga��o do sequestro, que, por sua vez,
inibiria a a��o do sequestrador. O sequestrador tamb�m pediu a cobertura
da imprensa.

Esse excerto da entrevista � curioso porque n�o � autobiogr�..co de
maneira direta. N�o h� um intercambiar pronominal, ou seja, nem mesmo
ocorre a presen�a marcante e caracter�stica do �eu� da autobiogra..a,
tampouco do �ele�. Todavia, decorre de uma entrevista, como assinala
Morgado (2017).

A entrevista aqui deixa impl�cito um entrevistador e mant�m seu
car�cter assim�trico de intera��o: � enrijecida pela pergunta e resposta.

Neste outro caso, aparece o entrevistador-rep�rter, no caso, David
Nasser, da revista O cruzeiro:

O milagre brasileiro � outro. Imaginem s�: n�s dois criando gado aqui em
Barra do Gar�as. Um locutor e um rep�rter. Quem diria.

� Em entrevista a David Nasser.
O Cruzeiro, 29 de novembro de 1972. (MORGADO, 2017, p. 36).
Na biogra..a-reportagem de Silvio a sensa��o de espontaneidade n�o �
diferente: assim como na entrevista escrita, que, n�o raro, no processo de


retextualiza��o, gosta de manter elementos da oralidade para sugerir uma
espontaneidade t�pica das conversas face a face e induzir a uma intimidade.
Essa conversa impressa coloca em evid�ncia a afetividade, indicada pelo
sorriso, pela ira, pela surpresa.

Na biogra..a-reportagem de Silvio Santos, h� um exemplo assim:

Quando eu cheguei em S�o Paulo, usava blus�o, parava na rua, comia
melancia, abacaxi, comprava tangerina, comia pastel na pastelaria... Ficava
parado ali no [Bar do] Jeca, na S�o Jo�o com a Ipiranga, vendo as mulheres
passarem, como eu ..cava na Cinel�ndia, no Odeon... Assim, de camisa, mas
que n�o era boa assim, n�o era, era uma camisa... R�-r�!


� SBT, 7 de maio de 1987. (MORGADO, 2017, p. 182).
Parece-nos, nesse caso, mais um depoimento do que uma entrevista;
todavia, esse elemento dos risos (em negrito) � muito comum nas
entrevistas impressas para despertar afetividade, preservar a proximidade e
sensibilizar pela sensa��o de intimidade dessa rela��o entrevistado e
p�blico-alvo, audit�rio.

No excerto acima, ..ca claro o papel de Morgado (2017), n�o somente
como autor bi�grafo, mas tamb�m como rep�rter. Ele est� reportando a
risada de Silvio no depoimento. Morgado (2017) faz ainda outra inser��o de
autoria: [Bar do] Jeca. Morgado (2017) reporta o fato com honestidade.

H� na biogra..a-reportagem de Silvio muitos enunciados possivelmente
proferidos em entrevistas do Homem do Ba�, que n�o est�o claramente
especi..cados como entrevista. Todavia, aparentemente nasceram de
perguntas feitas ao animador. Muitos casos reunidos na biogra..areportagem
foram coletados da revista Veja. Silvio Santos re�ne algumas
capas da revista em reportagens especiais ao longo dos anos e deu
entrevistas exclusivas para a revista.

Vejamos alguns desses enunciados � Veja:

Eu estou a quase quarenta anos trabalhando para essa classe [C] com o Ba�.
� uma classe espetacular. � humilde, � correta. Pobre � melhor pagador do
mundo. A classe m�dia �s vezes n�o paga porque sabe que se a coisa for para
a justi�a pode demorar at� dez anos.


� Veja, 17 de maio de 2000 (MORGADO, 2017, p. 36).
Vejamos que a inser��o de Morgado para manter a coer�ncia do
enunciado pode ter advindo da pergunta do jornalista: �[...] para essa classe

[C]
com o Ba��. Por exemplo, a pergunta pode ter sido elaborada assim:
�Como � trabalhar com a classe C todos esses anos?�.
Outros enunciados cedidos � Veja
v�o por diferenciados caminhos:

Eu con..o no meu feeling. 90 ou 95 por cento das decis�es que eu tomo,
gra�as � minha intui��o, costumam dar certo. Eu digo isso sem menosprezar
meus assessores. Eles s�o excelentes na execu��o, mas eu gostaria de ter aqui
mais gente criativa. No Brasil, as pessoas s�o pouco criativas em geral. E uma
ideia pode representar apenas 10% de um empreendimento, mas sem ela n�o
existiriam os 90% de execu��o bem-sucedida.

� Veja, 28 de maio de 1975 (MORGADO, 2017, p. 39-40).
Nesse excerto abaixo, aparecem, concomitantemente, a voz de Silvio e
de Morgado (2017), de maneira clara:

Deve mostrar que � um colaborador sincero. Mas o importante mesmo � n�o
ter medo de mim.

� Explicando
qual seria a condi��o essencial para algu�m trabalhar com ele.
Veja, 28 de maio de 1975. (Morgado, 2017, p. 41).
Morgado (2017) usa o ger�ndio �Explicando� (em negrito) � muito
comum na oralidade do portugu�s brasileiro � para contextualizar o
enunciado de Silvio.

Em maio de 1975, o Homem do Ba� deu muitas declara��es � Veja:
�Comandar um programa com audit�rio para mim � f�cil.� (Morgado, 2017,

p. 41). Silvio Santos disse ainda: �Voc� est� vendo aquele televisor colocado
no meio do audit�rio? Ele est� ali porque eu estou me exercitando em falar
olhando para a minha imagem, abstraindo por alguns momentos a presen�a
de pessoas � minha frente.� (MORGADO, 2017, p. 83). E mais: �Os
programas de audit�rio v�o cada vez ser mais raros no futuro. Eu preciso me
preparar para ter a mesma naturalidade, a mesma comunica��o, sem
depender do audit�rio.� (MORGADO, 2017, p. 83). Sob um aspecto de
pergunta ret�rica, Silvio pergunta a ele mesmo e ele mesmo responde:

�Amigo �ntimo? Acho que n�o tenho nenhum.� (MORGADO, 2017, p. 174).
E fala: �Con..dencias? Eu n�o costumo fazer con..dencias nem pra mim
mesmo!� (MORGADO, 2017, p. 179).

Silvio tamb�m d� v�rias declara��es � revista Veja no ano de 2000,
como refrata Morgado (2017): �Na minha emissora, eu n�o inter..ro. Cada
um faz o programa do jeito que quer. Eu n�o falo nada. Quem fala � o
n�mero. Quem d� ibope pode mostrar o que quiser.� (MORGADO, 2017, p.
126). Ainda sobre o ibope: �Temos que dar ao povo o que ele quer. Se for
samba, ser� samba. Se for mulher com pouca roupa, ser� mulher com pouca
roupa.� (MORGADO, 2017, p. 131). Sobre a viol�ncia, Silvio acrescentou:
�N�s estamos no meio de uma guerra, fazer o qu�? N�o adianta ..car com
medo. Al�m disso, nas vezes em que eu fui assaltado, os bandidos n�o

..zeram nada porque reconheceram a voz de Silvio Santos.� (MORGADO,
2017, p. 174). Sobre f�, respondeu: �Na verdade, se n�o fosse animador,
gostaria de ser pastor. Mas, na minha igreja, eu s� ia falar do Velho
Testamento. Est� tudo l�.� (MORGADO, 2017, p. 177). E ainda: �Quanto a
Jesus... Ele pode ter sido l� ..lho de Deus. Mas eu acho que ele era mais um
cara brilhante, um sujeito que hoje seria o Lula, o J�nio Quadros, o Collor.
Acho que ele era antes de tudo um pol�tico.� (Morgado, 2017, p. 177). E
sobre morte, falou: �N�o tenho medo de morrer.� (MORGADO, 2017, p.
178). �Sei que alguma coisa vai estar reservada para mim do outro lado, uma
nova miss�o.� (MORGADO, 2017, p. 179).
Ainda para a revista Veja, mais recentemente, Silvio Santos declarou:

Eu pensei que se n�s tiv�ssemos de fazer uma capa para a revista ser�amos
eu, Roberto Carlos, Pel� e Lula. N�o � s� popularidade. O povo gosta de
mim, gosta do Roberto, gosta do Pel� e gosta do lula, independente do que
n�s fa�amos.

� Veja S�o Paulo, 7 de fevereiro de 2014. (MORGADO, 2017, p. 91).
Ainda que os enunciados de Silvio pra revista Veja n�o tenham sido
reportados por Morgado (2017) por meio da estrutura can�nica da
entrevista, entrevistador, entrevistado e p�blico, pela heterogeneidade dos


temas diversos abordados por Silvio Santos, somente podemos concluir ter
havido uma pergunta que originou tais respostas.

Embora n�o estejam no formato que estamos acostumados a ver na
revista Veja, aquele que inicia as entrevistas com a biogra..a do entrevistado,
as respostas e perguntas, temos, no livro de Morgado (2017), um estilo de
entrevista prevista por Hoffnagel (2010). Trata-se do estilo primeiro estilo,
que coloca o pr�prio nome como se fosse o entrevistador. Por exemplo: Isto
�, Veja, Galileu, Contigo etc. Nesse estilo, temos a impress�o de que � a
revista ou o jornal, a institui��o jornal�stica, que interage com o
entrevistado, eximindo o entrevistador-rep�rter de qualquer
responsabilidade. Esse estilo personaliza e aumenta a voz da revista.

Se Morgado (2017) trabalha no livro como uma esp�cie de rep�rter dos
enunciados de Silvio dados � Veja e aos outros ve�culos de comunica��o, ao
colocar as institui��es jornal�sticas como respons�veis, ele se exime de
qualquer reponsabilidade de propriedade associada a problemas que
envolvem a palavra autoria.

A linha que separa as autobiogra..as das con..ss�es � t�nue. Grosso
modo, caracteriza-se pela rela��o do homem com Deus, em que o outro n�o
exerce uma resposta imediata: Deus con..gura uma entidade de car�ter
monol�gico. Todavia, tanto nas autobiogra..as, quanto nas biogra..as, as
con..ss�es dialogam com a vida, com o ato de existir. � medida que �eu� vou
vivendo, �torno-me� um ato de exist�ncia.

A consci�ncia do homem � o que separa o bem do mal, o certo do
errado, e as perguntas que o sujeito faz para si respondem � consci�ncia.
Essas perguntas antecedem o ato da exist�ncia e tamb�m o ato enunciativo:
por qu�?, pra qu�?, est� certo?, cabe fazer isso ou n�o?, isso � necess�rio?

� evidente que Silvio Santos responde � sua consci�ncia em alguns
momentos de sua hist�ria. Um momento espec�..co ocorre quando o
Homem do Ba� lan�ou um plano de sa�de, o Clam, que ganhou a fama de
ser milagroso por ser dele.


Segue o momento narrativo que fala da dor na consci�ncia que Silvio
sentiu pela sua Organiza��o M�dica (Omed):

Assim, Silvio realizava seu antigo desejo de oferecer m�dicos e hospitais a
pre�os acess�veis para as camadas populares. O sucesso de vendas foi
imediato, mas acabou provocando uma forte dor na consci�ncia. Certo dia,
ao chegar em casa, encontrou na cal�ada um casal em prantos. O pai disse:

� Seu Silvio, o meu ..lho morreu...
� Mas morreu de qu�?
� Eu tinha o Clam e ele morreu.
� O Senhor sabe, eu n�o tenho culpa, eu n�o sou m�dico.
� N�o, eu sei, mas o meu ..lho morreu. (MORGADO, 2017, p. 24).
Silvio sentiu-se culpado e desmotivado a continuar com o Clam: ele
acabou vendendo para a Blue Life.

Silvio Santos � um autor pro..ciente de sua pr�pria hist�ria e � tamb�m,
evidentemente, autor dos enunciados que proferiu ao longo da vida,
reunidos em Silvio Santos � A trajet�ria do mito. O Homem do Ba�, o
�patr�o�, n�o � apenas empres�rio, � artista tamb�m, como sabemos, e,
portanto, como artista, pensa em seu audit�rio; por isso, o outro exerce
in..u�ncia sobre os seus atos. Silvio oferta a outrem sua vida e tenta enxergar
no outro como este interpreta seus atos. Ou seja, a forma como ele � e como
ele n�o �, aquilo que gosta, aquilo que n�o gosta, a forma que age etc. �
importante para determina��o do sujeito Silvio Santos.

A consci�ncia � determinante, pois, por meio dela, o sujeito Silvio
Santos reconhecer� n�o apenas os valores est�ticos puros, nem os valores
sociais puros, e, sim, os valores manique�stas, de car�ter moral. O �patr�o�
informa sua vida pelos enunciados n�o apenas como ser humano, mas
tamb�m como autor e como personagem.

H�, em certos momentos, a sensa��o de que Silvio relaciona-se consigo
mesmo, e, por isso, em alguns enunciados, sua enuncia��o est�
fundamentada n�o apenas no arrependimento, mas tamb�m na culpa. �
nesses momentos que se d� o autoinforme-con..ss�o, que � a rela��o dele


com ele mesmo, que ir� ser o princ�pio constitutivo organizador da sua
enuncia��o.

Vejamos um exemplo:

Quando eu me lembro da minha mulher que morreu e que eu dizia que era
solteiro; que eu escondia as minhas ..lhas para poder ser o gal�, pra poder
ser o her�i; eu, quando falo com a minha consci�ncia, acho que s�o das
coisas imperdo�veis que eu ..z diante da minha imaturidade.
SBT, 21 de fevereiro de 1988. (MORGADO, 2017, p. 181).

Silvio responde nesse excerto pra sua pr�pria consci�ncia a pergunta:
pra qu�? Ele sabe que n�o est� certo. Sente culpa e considera imperdo�vel
(em negrito) sua atitude. Nesse momento, parece que Silvio busca o perd�o
de Deus.

No autoinforme-con..ss�o, somente o que o autor diz sobre si mesmo �
de fato considerado; todavia, o outro pode ser um juiz poss�vel, levando-se
em conta que o que o outro diz sobre �mim� pode dialogar com o que �eu�
mesmo penso sobre �mim�.

Se a consci�ncia do indiv�duo � absolutamente relevante no informe
sobre si mesmo, resgatemos as consci�ncias biogr�..cas social de costumes e
aventuresco-heroica. Elas aparecem tamb�m nos enunciados-reportagem de
Silvio. A consci�ncia biogr�..ca aventuresco-heroica proferida ao SBT em 13
de mar�o de 1988: �H� coisas que n�o fazemos para os nossos
contempor�neos, mas para as futuras gera��es.� (MORGADO, 2017, p. 185).
Aqui o autor Silvio Santos manifesta-se pela necessidade de ser importante
n�o apenas nas vidas dos contempor�neos, mas tamb�m dos descendentes.
Aspira � gl�ria. A consci�ncia social de costumes na revista O Cruzeiro, de 5
de maio de 1971: �Nada se consegue sem esfor�o, sem dedica��o, sem
honestidade. Meus pais me ensinaram essa li��o e eu apreendi. Tenho
adora��o por eles.� (MORGADO, 2017, p. 173). Faz parte mais dos costumes
em fam�lia de Silvio. A educa��o dos pais, o dia a dia junto aos
contempor�neos.


� pela consci�ncia que se d� o di�logo com o autoinforme-con..ss�o.
Silvio Santos assume em seus enunciados uma consci�ncia, relaciona-se
consigo mesmo. Ele mesmo con..rma isso para a Folha de S. Paulo, de 21 de
fevereiro de 1988: �Quem me rege, desde os 18 anos, quando era da escola
de paraquedistas, � a consci�ncia, raz�o e emo��o. Nesta ordem.�
(MORGADO, 2017, p. 185).

As con..ss�es, por si s�, s�o relatos informativos: �Confesso que sempre
fui amante das emo��es fortes.� � Depoimento para o livro A Vida
Espetacular de Silvio Santos (1972) � (MORGADO, 2017, p. 185).

Segundo Melo (2003), o estilo jornal�stico est� ligado ao relato do
cotidiano amalgamado com o que Vivaldi chama de �linguagem da vida�
(MELO, 2003, p. 42). A biogra..a-reportagem de Silvio Santos conta a vida
dele pela voz de Morgado (2017), pela voz dos jornais e revistas e pela voz
do pr�prio Silvio. Ou seja, dialoga com a biogra..a, a autobiogra..a, o relato
de vida e o autoinforme-con..ss�o: � reportagem. Morgado (2017) ajuda a
reportar a vida de Silvio por meio do livro. A biogra..a-reportagem �
informativa.

Para Beltr�o (1972), os g�neros jornal�sticos devem �informar, explicar,
orientar.� (BELTR�O apud MELO, 2003, p. 60). Devem apresentar � a
reportagem, a entrevista, a hist�ria de interesse humano � uma aproxima��o
com o audit�rio, com o p�blico a que se destina, uma vez que sempre ir�
buscar uma ades�o.

A classi..ca��o de Beltr�o (1972) considera dois g�neros de reportagem:
a pequena reportagem, que se con..gura pela super..cialidade em fun��o da
celeridade com que os fatos devem ser divulgados, e a grande reportagem,
mais profunda, que exige tempo, pesquisa, avalia��o e re..ex�o
�distanciando-se portanto da press�o anal�tica que caracteriza os relatos
jornal�sticos imediatos.� (MELO, 2003, p. 60-61).

A biogra..a-reportagem do �patr�o� pode, sob esse ponto de vista �
reportagem em profundidade � ser considerada uma reportagem enunciada


sob a �gide da pesquisa e da re..ex�o. � desenvolvida de forma documental,
portanto, reportagem documental, consolidada pela publica��o, pela
informa��o, pelos relatos de vida, pelos enunciados do protagonista e de
personagens que comp�em a sua vida.

A pesquisa de Morgado permitiu que o discurso manifesto de Silvio
Santos se tornasse reportagem. Cabe-nos a a..rmativa de Melo (2003):
�Nesse caso as enquetes e os depoimentos, seriam instrumentos de capta��o,
que tomam forma no discurso manifesto atrav�s das not�cias ou das
reportagens.� (MELO, 2003, p. 62).

Como vimos, a biogra..a-reportagem est� recheada de
intertextualidade manifesta. Entendemos que os pr�prios enunciados de
Silvio s�o provenientes de uma intertextualidade manifesta.

Vejamos alguns exemplos de depoimentos de Silvio Santos no SBT
coletados por Morgado (2017):

A maior loja que eu abri do Ba� da Felicidade no Rio de Janeiro, a que mais
empolgou na �poca, foi em Madureira. Era uma loja enorme, n�s at�
t�nhamos di..culdade de pegar o aluguel. Eu dizia para os meus executivos:

�Olha, essa loja � muito grande, voc�s v�o pagar um aluguel alto, n�s n�o
estamos ainda podendo gastar isso...�. E hoje � a mesma loja, continua no
mesmo lugar, e at� parece bem menor do que era na �poca.

� SBT, 1 de mar�o de 2011. (MORGADO, 2017, p. 34).
Esse depoimento acima � interessante porque se desdobra em duas
intertextualidades manifestas: a primeira � o pr�prio enunciado e a segunda
� o enunciado no enunciado (em negrito). O primeiro (o depoimento) � n�o
marcado e o segundo � marcado pelo aux�lio paratextual das aspas. Al�m
disso, � informativo � a loja continua no mesmo lugar, pelo menos at� 2011,
data do depoimento �, � explicativo � Silvio explica como come�ou � e diz
como orientava seus executivos: �Olha, essa loja � muito grande, voc�s v�o
pagar um aluguel alto, n�s n�o estamos ainda podendo gastar isso...�
(MORGADO, 2017, p. 34). (Em negrito).

Silvio Santos falando sobre seus colegas de pro..ss�o:


Quando eu era locutor de r�dio, os meus colegas se aproximavam de mim,
batiam papo comigo, eram iguais a mim. Depois, n�o sei porque raz�o, que
eu passei a ser empres�rio de televis�o, os colegas ..cam afastados, ..cam
perguntando para as minhas secret�rias: �Como � que ele est�? Ser� que
posso falar com ele?�. Posso garantir a voc�s que eu continuo sendo o
mesmo colega. Eu n�o mudei... Pode ser que eu tenha mudado

..nanceiramente, mas, pessoalmente, eu me considero o mesmo.
� SBT, 19 de agosto de 2011. (MORGADO, 2017, p. 38).
Esse outro depoimento � diferente do primeiro. No primeiro, a
intertextualidade manifesta se d� pelo discurso direto do Silvio sobre ele
mesmo no enunciado dele mesmo. Nesse outro excerto, Silvio fala como se
fosse os colegas locutores (em negrito): �Como � que ele est�? Ser� que
posso falar com ele?� (MORGADO, 2017, p. 38). O �eu� autobiogr�..co
somente vai existir diante de um �tu� igualmente autobiogr�..co.

Neste pr�ximo exemplo, a forma intertextual manifesta se d� de
maneira singular. N�o h� a pluralidade manifesta, todavia ainda se trata de
um discurso manifesto:

Se o funcion�rio sai, � porque ele quer melhorar a sua situa��o pro..ssional.
Mas se ele quer voltar, as portas est�o abertas. Aqui, n�s nunca fechamos a
porta pra ningu�m. Nenhum de nossos funcion�rios saiu como nosso
inimigo.

� SBT, 19 de Agosto de 2011. (MORGADO, 2017, p. 42).
Existe na biogra..a-reportagem de Silvio Santos outro g�nero do
discurso da esfera jornal�stica ligado ao artigo de opini�o que devemos
mencionar: a carta. Entretanto, na medida em que ela � publicada em um
ve�culo jornal�stico por cita��o, passa a ganhar estrutura de not�cia ou
mesmo de reportagem.

Esta carta foi publicada na Folha de S. Paulo, de 13 de maio de 2000:

Se eu for � fal�ncia (n�o � drama), n�o vou poder andar na rua. J� vimos
outros empres�rios com uma hist�ria igual. Con..aram em homens do
governo, fracassaram e �perderam� tudo. Eu n�o vou fracassar, porque Deus
vai decidir, usando os doutores ju�zes como seus instrumentos.

� Carta ao tribunal regional Federal de S�o Paulo. 17 de janeiro de 2000.
(MORGADO, 2017, p. 46).

Silvio fala em carta sobre a Tele Sena:

[Ap�s o ..m do Clam] Imaginei um outro plano de capitaliza��o, que n�o
trouxesse nenhum problema de consci�ncia e que pudesse salvar os meus
neg�cios.

� A cria��o, em 1991, da Tele Sena. Carta ao tribunal Regional Federal em
S�o Paulo, 17 de janeiro de 2000. Trecho reproduzido pela Folha de S. Paulo,
13 de maio de 2000. (MORGADO, 2017, p. 45).
A carta de Silvio torna-se not�cia na medida em que � publicada na
Folha de S. Paulo e torna-se reportagem na medida em que � publicada na
biogra..a.

O relato jornal�stico � captado da realidade, da vida como ela �, e,
portanto, depende de dois n�cleos: a informa��o e a opini�o. Na primeira,
conhece-se sobre o fato; na segunda, conhece-se o que se pensa sobre o fato.
Por isso, o relato jornal�stico, segundo Melo (2003), tem duas vers�es: �a
descri��o e a vers�o dos fatos.� (MELO, 2003, p. 63).

Melo (2003) pondera que os g�neros jornal�sticos det�m uma
articula��o processual, e esta se d� pelos acontecimentos ligados ao real, a
realidade dos fatos, a express�o jornal�stica, ou seja, o relato dos fatos e a
express�o pela coletividade. Se partirmos da proposi��o de que a pesquisa
dos enunciados de Silvio � o mote para a biogra..a-reportagem dele,
entendemos que a narra��o biogr�..ca no livro de Morgado pode ser uma
descri��o, um relato da vida de Silvio, baseado nas pr�prias palavras do
�patr�o�. Isso � veri..c�vel pela recorr�ncia explicita da intertextualidade
manifesta entre a narra��o biogr�..ca e os enunciados de Silvio Santos.
Todavia, o relato apresenta uma constru��o composicional mais descritiva e
a narrativa biogr�..ca goza de um con..ito.

Por exemplo:

Assim, Silvio realizava seu antigo desejo de oferecer m�dicos e hospitais a
pre�os acess�veis para as camadas populares. O sucesso de vendas foi
imediato, mas acabou provocando uma forte dor na consci�ncia. Certo dia,
ao chegar em casa, encontrou na cal�ada um casal em prantos. O pai disse:

� Seu Silvio, o meu lho morreu...
� Mas morreu de qu�?

� Eu tinha o Clam e ele morreu.
� O Senhor sabe, eu n�o tenho culpa, eu n�o sou m�dico.
� N�o, eu sei, mas o meu lho morreu. (MORGADO, 2017, p. 24).
E mais:

[Ap�s o ..m do Clam] Imaginei um outro plano de capitaliza��o, que n�o
trouxesse nenhum problema de consci�ncia e que pudesse salvar os meus
neg�cios.

� A cria��o, em 1991, da Tele Sena. Carta ao tribunal Regional Federal em
S�o Paulo, 17 de janeiro de 2000. Trecho reproduzido pela Folha de S. Paulo,
13 de maio de 2000. (MORGADO, 2017, p. 45).
Temos o relato jornal�stico:

Assim, Silvio realizava seu antigo desejo de oferecer m�dicos e hospitais a
pre�os acess�veis para as camadas populares. O sucesso de vendas foi
imediato, mas acabou provocando uma forte dor na consci�ncia. Certo dia,
ao chegar em casa, encontrou na cal�ada um casal em prantos.
(MORGADO, 2017, p. 24).

Temos tamb�m o acontecimento real: o di�logo manifesto (em
negrito). E ainda a vers�o dos fatos, a dor na consci�ncia (em negrito)
contada pelo pr�prio Silvio. Quando Morgado narra esse acontecimento, ele
expressa sua leitura deste, ou seja, � a express�o pela coletividade.

Se a narra��o biogr�..ca pode ser considerada um relato dos fatos, de
car�ter informativo, da vida do Silvio Santos, a reportagem n�o est� apenas
na divulga��o, na pesquisa, dos enunciados de Silvio ao longo da vida no
livro. O que queremos dizer � que, sob essa perspectiva, o livro todo de
Silvio � reportagem; � biogra..a, mas essencialmente reportagem. A
reportagem lida com os fatos e seus assuntos circunscritos. � tamb�m
interpretativa e lida com a dedu��o. Parte do tema circundante para os fatos.

Na medida em que entendemos a narra��o biogr�..ca do livro de Silvio
Santos tamb�m como reportagem, podemos analisar o �lead� constru�do
por Morgado (2017) na introdu��o de cada cap�tulo.

No cap�tulo 2, Neg�cios, em que Morgado cita os pais de Silvio,
poderemos encontrar na introdu��o todas as perguntas � Quem, o que,
quando, onde, por que e como � sugeridas por Bond (1961):


Desde muito jovem, o carioca Senor Abravanel, nascido em 12 de dezembro
de 1930, demonstrava uma rara disposi��o para o trabalho. Filho de
imigrantes � o grego Alberto e a turca Rebecca �, n�o queria depender dos
pais para comprar aquilo que deseja-se, como as balas premiadas Fruna ou
as entradas para as matin�s de quinta-feira no cine OK, no centro do Rio de
Janeiro, que exibia a s�rie o vale dos desaparecidos, estrelada por Bill Elliott.
Ainda na escola Celestino da Silva, onde cursou o prim�rio aproveitava o
hor�rio do recreio para vender doces aos colegas. E quis mais. Depois de
muito andar pelas ruas do centro do Rio � procura de trabalho e de se
decepcionar com os baixos sal�rios oferecidos pelas lojas e reparti��es
p�blicas presenciou uma cena que o faria escolher sua primeira pro..ss�o.
(MORGADO, 2017, p. 15).

Quem: Senor Abravanel.

O que: aproveitava o hor�rio de recreio da escola para vender doces.

Quando: ainda na escola.

Onde: escola Celestino da Silva.

Por qu�: n�o queria depender dos pais para comprar aquilo que desejasse.

Como: aproveitava o hor�rio do recreio.
No cap�tulo 6, Vida pessoal, a �lead� tamb�m responde �s perguntas:

Por diversas raz�es, Silvio Santos alimentou o m�ximo de mist�rio em torno
de sua vida pessoal. Uma dessas raz�es � a seguran�a. Durante o Show de
calouros de 21 de fevereiro de 1988, deu a seguinte resposta para uma
telespectadora que perguntou o porqu� de ele n�o mostrar a fam�lia na
televis�o:

� Eu coloco a minha fam�lia em risco se ela aparecer na televis�o. Eles
podem querer fazer alguma coisa que n�o devem com a minha fam�lia e o
artista sou eu. (MORGADO, 2017, p. 165).
Quem: Silvio Santos.

O que: mist�rio em torno de sua vida pessoal.

Quando: 21 de fevereiro de 1988.

Onde: show de calouros.

Por qu�: raz�o de seguran�a.

Como: respondendo � pergunta da telespectadora.
Silvio Santos sempre se espelhou em Manuel de N�brega, como

pro..ssional e pai. Por isso, o cap�tulo 5, Pol�tica, come�a com a hist�ria de


Manuel de N�brega, que foi deputado. Silvio tentou se candidatar, por�m na
�poca sua candidatura foi impugnada. Vejamos a �lead� desse cap�tulo:

A mosca azul da pol�tica j� picou in�meros comunicadores. Desde que o
r�dio se converteu em fen�meno popular, partidos cercam personalidades
que se disponham a converter sua audi�ncia em votos. Blota Jr., Cidinha
Campos, Clodovil, Homero Silva, H�lio Costa, S�rgio Zambiasi e v�rios
outros trilharam esse caminho. Manuel de N�brega foi um dos pioneiros.
Convidado por Adhemar de Barros, ingressou no PSP e elegeu-se deputado
estadual em 1947. Recebeu a maior vota��o do Brasil naquela �poca: 37.778
votos. Mesmo tendo sido um parlamentar atuante, trabalhando, inclusive, na
elabora��o da nova Constitui��o de S�o Paulo, N�brega frustrou-se
profundamente com a atividade pol�tica, que acabou por prejudica-lo no
r�dio. Ap�s decidir n�o se candidatar � reelei��o, foi parar na esta��o de
menor audi�ncia na �poca, a emissora Piratininga, antiga Cruzeiro do Sul.
Apesar de tudo que j� havia feito, precisou provar novamente o seu valor at�
que, ..nalmente, conseguiu voltar para uma r�dio maior, a Nacional, e
recuperar a lideran�a de audi�ncia. Por tudo isso, sempre alertou Silvio
Santos:

� N�o entra em pol�tica porque n�o casa bem com atividade art�stica. � uma
besteira porque voc� n�o vai se dar bem.
Por cerca de trinta anos, Silvio seguiu esse conselho. Nos anos 1960, chegou
a recusar um convite do PSD para se candidatar a deputado. (MORGADO,
2017, p. 141-142).
Quem: Manuel de N�brega

O que: artista que se enveredou para a pol�tica; eleito como deputado.

Quando: 1947.

Onde: S�o Paulo.

Por qu�: tinha popularidade por trabalhar no r�dio.

Como: recebeu um convite.
Esse �lead� � interessante porque � o �nico de todo o livro que n�o

come�a informando sobre Silvio Santos. Conta de maneira breve a hist�ria

de Manuel de N�brega na pol�tica, o que con..gura um axioma do g�nero

biogr�..co, em que o �eu� se constitui a partir de um �voc��. Todavia,

reforcemos a ideia de que Silvio Santos constitui-se de v�rios �eus�: Senor

Abravanel, Silvio Santos, Silvio, Homem do Ba�, patr�o. No cap�tulo 2,


nosso protagonista � Senor Abravanel. No cap�tulo 3, Senor. Somente no
cap�tulo 4 aparece o seu nome j� como Silvio Santos no �lead�.
No cap�tulo 3 da biogra..a-reportagem, Artista, ocorre um fen�meno
interessante: o �lead� responde o �porque� de forma parcial:

Catorze anos: uma idade marcante para Senor. Idade da sua primeira
experi�ncia sexual, da sua experi�ncia como camel� e da sua primeira
experi�ncia art�stica. Sem esperar, ganhou um concurso para locutor na
R�dio Guanabara, mas por considerar o sal�rio baixo, logo voltou para as
ruas. O pouco tempo diante do microfone, embora pequeno, foi o su..ciente
para infect�-lo com v�rus do r�dio. Senor gostava de acompanhar programas
de audit�rio e seu animador favorito era C�sar de Alencar, que ouvia aos
s�bados � tarde pela R�dio Nacional. O formato da atra��o, composta por
uma sequ�ncia de quadros de certa independ�ncia entre eles, virou
refer�ncia. O pr�prio Programa Silvio Santos seria muito semelhante a isso.
(MORGADO, 2017, p. 53).

Quem: Senor.
O que: primeira experi�ncia como camel� e primeira experi�ncia como
locutor.
Quando: na adolesc�ncia; tinha 14 anos.
Onde: Rio de Janeiro, r�dio Guanabara.
Por qu�: gostava de acompanhar C�sar Alencar, seu animador preferido,
locutor da r�dio Nacional.
Como: ganhou o concurso para locutor.


No cap�tulo 4, o �lead� � curto e n�o responde a todas as perguntas;
todavia, as respostas aparecer�o na trajet�ria narrativa. O �lead�: �O SBT
merece um cap�tulo � parte. Para Silvio Santos, n�o � um neg�cio como os
outros. Trata-se da mais completa tradu��o da simbiose entre o artista e o
empres�rio.� (MORGADO, 2017, p. 99).
Quem: Silvio Santos.
O que: o SBT.
Quando: ?
Onde: ?


Por qu�: para Silvio Santos, n�o � um neg�cio como os outros. � a simbiose
entre empres�rio e artista.
Como: ?


As respostas vir�o pela narrativa biogr�..ca, e � por isso que se trata
efetivamente de biogra..a e reportagem. O �lead� da biogra..a-reportagem de
Silvio, a cada cap�tulo, � estruturado de maneira condensada, clara e
sumarizada dos principais itens. �, portanto, na categoriza��o de Bond
(1961), �lead� condensado.

Bond (1961) explica que o �lead� condensado pode conter outro �lead�
em sua composi��o. Podemos dizer que Morgado (2017) tamb�m utiliza o
�lead� ativador do interesse: �Catorze anos: uma idade marcante para Senor.
Idade da sua primeira experi�ncia sexual, da sua experi�ncia como camel� e
da sua primeira experi�ncia art�stica.� (MORGADO, 2017, p. 53). Trata-se
de um aperitivo para contar o restante da hist�ria.

Por meio da perspectiva de Silva (2012) para a reportagem, olhemos a
nossa primeira constru��o intertextual � no in�cio desse cap�tulo �, entre o
discurso direto de Silvio e a narrativa biogr�..ca:

Toque de Midas
Senor Abravanel, 14 anos. Camel�.
�Um dia eu estava passando na Avenida Rio Branco, tinha algum dinheiro
no bolso e resolvi comprar tr�s carteirinhas de pl�stico [para guardar t�tulo
de eleitor]. Era 1945, �poca de elei��o para a presid�ncia da Rep�blica�.
Gritando, um homem chamava a aten��o de quem passava pela Avenida Rio
Branco. Ele vendia carteiras pl�sticas para guardar t�tulo de eleitor. Ap�s o

..m do Estado Novo, o Brasil voltava a ser uma democracia, ou seja, havia
demanda para as tais carteiras. Senor ..cou t�o impressionado com a
facilidade com que as vendas aconteciam que n�o resistiu a seguir o tal
homem. �Achei que poderia ganhar algum dinheiro vendendo as
carteirinhas. Comprava tr�s por Cr$ 3,00 e vendia por Cr$ 5,00 cada uma
momentos depois. Era bom neg�cio�. Com uma moeda de 2 mil r�is,
comprou a primeira carteira. Foi para a cal�ada, falou para quem passava e
logo fez a venda. Rapidamente voltou para a loja e comprou mais duas
carteiras, tamb�m vendidas facilmente. Quanto mais dinheiro ganhava, mais
o seu entusiasmo aumentava. Foi ent�o que decidiu: seria camel�.
(MORGADO, 2017, p. 30).

Percebemos, na reportagem acima, que o �lead� est� entre aspas. Esse
�lead� entre aspas, pala descri��o de Bond (1961), geralmente responde �s
perguntas �O que?� e �Quem?�. A pergunta �Quem� est� respondia fora do
corpo do texto, depois do t�tulo: Senor Abravanel, 14 anos. Camel�. E a
pergunta �O que� � respondida propriamente no �lead� entre aspas: �Um dia
eu estava passando na Avenida Rio Branco, tinha algum dinheiro no bolso e
resolvi comprar tr�s carteirinhas de pl�stico [para guardar t�tulo de eleitor].
Era 1945, �poca de elei��o para a presid�ncia da Rep�blica.� (MORGADO,
2017, p. 30). Toda a reportagem desenvolve-se a partir disso.

Se a narrativa biogr�..ca de Morgado fosse uma reportagem
tradicional, can�nica, divulgada por outro suporte de comunica��o etc.,
poder�amos dizer que sua narrativa segue o sistema cronol�gico, em
formato de pir�mide, em que o modelo narrativo � simples e os fatos s�o
narrados na trajet�ria que eles realmente aconteceram. Trata-se do formato
de pir�mide em que a hist�ria come�a no topo � geralmente come�a com o
protagonista � e os relatos s�o narrados um atr�s do outro at� o cl�max e a
conclus�o.

Pegaremos o cap�tulo 6, Vida pessoal, para apresentar com se d� o
formato cronol�gico na biogra..a-reportagem de Silvio:

Por diversas raz�es, Silvio Santos alimentou o m�ximo de mist�rio em torno
de sua vida pessoal. Uma dessas raz�es � a seguran�a. Durante o Show de
calouros de 21 de fevereiro de 1988, deu a seguinte resposta para uma
telespectadora que perguntou o porqu� de ele n�o mostrar a fam�lia na
televis�o:

� Eu coloco a minha fam�lia em risco se ela aparecer na televis�o. Eles
podem querer fazer alguma coisa que n�o devem com a minha fam�lia e o
artista sou eu. (MORGADO, 2017, p. 165).
Esse � o �lead�, como vimos, o t�pico frasal, o ex�rdio e/ou introdu��o,
em que Morgado (2017) exp�e, d� pistas de como ser� o desenvolvimento.

No terceiro par�grafo dessa p�gina, Morgado (2017) escreve o seguinte:

Durante anos Silvio acreditou que alimentar d�vidas seria fundamental para
manter o interesse p�blico. Para a revista Veja de 28 de maio de 1975,


declarou:

� Eu descobri como � importante uma interroga��o. � muito dif�cil criar
uma interroga��o. Ent�o, quando ela surge, � preciso aproveita-la.
(MORGADO, 2017, p. 165).
No desenvolvimento, na narra��o, Morgado (2017) exp�e um fato

relacionado ao mist�rio que Silvio gostava de manter em torno da sua

fam�lia e escreve: �Entre os anos 1960 e 1970, mentiu a idade para

imprensa.� (Morgado, 2017, p. 165).
Complementa:

Outra mentira que Silvio costumava contar nessa mesma �poca estava
relacionada com seu estado civil. Dizia ser solteiro, quando, na verdade era
casado desde 15 de mar�o de 1962 com Aparecida Honoria Vieira. Cidinha
era ..lha da dona de uma pens�o no bairro da Bela Vista e, quando
adolescente, gostava de frequentar os audit�rios das r�dios. Silvio a conheceu
na Nacional. Casados, trilharam o caminho entre as di..culdades, no tempo
em que eles pr�prios montavam e entregavam as cestas do Ba� da Felicidade.
Com Cidinha, Silvio teve suas duas primeiras ..lhas. Com o tempo, ele
passou a numer�-las. A n�1, C�ntia, nasceu no ano seguinte ao casamento. A
n�2, Silvia, adotiva, nasceu em 1970. Foi Manuel de N�brega quem a recebeu
primeiro nos bra�os, ainda rec�m-nascida. Para a mulher que lhe deu a
crian�a, N�brega contou que n�o poderia aceita-la porque j� tinha um ..lho
crescido, Carlos Alberto, mas disse que Silvio Santos gostaria de t�-la para
presentear sua esposa. Com apenas tr�s anos de vida, Silvinha, enrolada em
um cueiro, chegou a casa dos Abravanel. Tanto C�ntia quanto Silvia foram,
por muitos anos escondidas do p�blico, indo inclusive morar no exterior.
Cidinha faleceu em 22 de abril de 1977, v�tima de c�ncer no est�mago.
(MORGADO, 2017, p. 166).

Morgado (2017) escreve ainda sobre o segundo casamento de Silvio,

agora com Iris Abravanel: �Silvio s� voltou a se casar de papel passado em 20

de fevereiro de 1981, com Iris P�ssaro.� (MORGADO, 2017, p. 166). E ainda:

Daniela a n�3; Patr�cia, a n�4; Rebeca, a n�5; e Renata, a n�6. Todas elas do
primeiro e do segundo casamento, vieram trabalhar com o pai. No SBT, por
exemplo, Patr�cia tornou-se apresentadora Silvia passou a conciliar o
trabalho diante e por tr�s das c�meras e Daniela assumiu a dire��o art�stica.
(MORGADO, 2017, p. 167).

Mais adiante na narrativa, Morgado (2017) trata da rela��o de Silvio
com os N�brega:


Manuel completava 60 anos de vida e apresentava a Pra�a da Alegria dentro
do programa Silvio Santos, ainda na Globo. Ao ..nal, Silvio, olhando para as
suas colegas de trabalho:
�Voc�s sabem que tudo o que eu tenho foi Manuel de N�brega que me deu.
Ele me deu o Ba�, me deu o programa de r�dio, me deu o programa de
televis�o. Mas tudo isso eu poderia ter, eu poderia ter um Ba�, eu poderia ter
um programa de r�dio, eu poderia ter um programa de televis�o. Mas h�
uma coisa que ele me deu, e s� ele podia me dar: � o exemplo de um trabalho
honesto, um amor ao trabalho...�. (MORGADO, 2017, p. 167-168).
Catorze anos depois, Silvio repetiu a mesma surpresa quando Carlos Alberto
de N�brega, ..lho de Manuel, estreou A Pra�a � Nossa. Terminados todos os
quadros, o animador entrou no palco batucando uma colher de caf� em um
pires, revivendo os tempos de camel�. Deu ordens para tirar todos os
intervalos comerciais daquele momento em diante. Por uma hora, relembrou
passagens da vida dele com Manuel e Carlos Alberto, que Silvio havia tirado
da Bandeirantes e transformado em diretor art�stico do SBT.
�Voc� [Carlos Alberto de N�brega] n�o veio s� como redator, voc� n�o veio
como artista, porque redatores e artistas n�s encontramos no Brasil, nos
Estados Unidos, Na Argentina. Voc� veio como meu irm�o, voc� veio como
meu amigo, voc� veio como uma pessoa que vai me ajudar a fazer aquilo que
seu pai gostaria de fazer comigo. [...] E voc� veio me ajudar n�o no banco da
pra�a, n�o. Voc� veio me ajudar com as suas qualidades pessoais, que voc�
herdou do Manuel. Voc� veio me ajudar agora, depois de uma faculdade na
Globo, com suas qualidades pro..ssionais�. (MORGADO, 2017, p. 168).

Fala de f� at� chegar ao cl�max do cap�tulo, que � o sequestro do Homem do
Ba�:
As reportagens j� publicadas sobre Silvio Santos revelaram que ele preservou
h�bitos simples, mesmo depois de ter ..cado rico. Quase n�o tem vida social,
preferindo permanecer em casa ou viajar em fam�lia. N�o tem as mesmas
preocupa��es com seguran�a que outros milion�rios como ele possuem. At�
ele e sua ..lha Patr�cia serem mantidos ref�ns, acreditou que sua fama era
su..ciente para proteg�-lo. Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em
c�rcere privado dentro da sua pr�pria casa pelo sequestrador de Patr�cia,
Fernando Dutra Pinto. Durante v�rias horas, o brasil e o mundo ..caram
com os olhos na TV, que transmitiu tudo ao vivo. O caso s� chegou ao ..m
quando o governador de S�o Paulo Geraldo Alckmin, atendendo a um
pedido feito por Silvio, foi at� o local e negociou a rendi��o do bandido.
(MORGADO, 2017, p. 170-171).

A conclus�o e/ou perora��o: �Conservador, cultiva uma r�gida rotina,
iniciada por volta das 5 horas da manh� e encerrada as 22h30 min. H�
quatro d�cadas tem o seu cabelo cuidado por Jassa um de seus maiores
amigos e conselheiros.� (MORGADO, 2017, p. 171).


No �ltimo par�grafo:

Alguns podem rejeit�-lo, enquanto outros podem am�-lo, mas ningu�m
pode ignor�-lo. Ao estudar a vida de Silvio Santos, pode-se mais do que
conhecer a vida de um artista, compreender como pensa, age e sente o Brasil
popular, que � o verdadeiro Brasil. (MORGADO, 2017, p.172).

Se juntarmos todos os excertos, teremos o formato cronol�gico:

Durante anos Silvio acreditou que alimentar d�vidas seria fundamental para
manter o interesse p�blico. Para a revista Veja de 28 de maio de 1975,
declarou:

� Eu descobri como � importante uma interroga��o. � muito dif�cil criar
uma interroga��o. Ent�o, quando ela surge, � preciso aproveit�-la.
(MORGADO, 2017, p. 165).
Entre os anos 1960 e 1970, mentiu a idade para imprensa. (Morgado, 2017,
p.165).
Outra mentira que Silvio costumava contar nessa mesma �poca estava
relacionada com seu estado civil. Dizia ser solteiro, quando, na verdade era
casado desde 15 de mar�o de 1962 com Aparecida Honoria Vieira. Cidinha
era ..lha da dona de uma pens�o no bairro da Bela Vista e, quando
adolescente, gostava de frequentar os audit�rios das r�dios. Silvio a conheceu
na Nacional. Casados, trilharam o caminho entre as di..culdades, no tempo
em que eles pr�prios montavam e entregavam as cestas do Ba� da Felicidade.
Com Cidinha, Silvio teve suas duas primeiras ..lhas. Com o tempo, ele
passou a numer�-las. A n�1, C�ntia, nasceu no ano seguinte ao casamento. A
n�2, Silvia, adotiva, nasceu em 1970. Foi Manuel de N�brega quem a recebeu
primeiro nos bra�os, ainda rec�m-nascida. Para a mulher que lhe deu a
crian�a, N�brega contou que n�o poderia aceita-la porque j� tinha um ..lho
crescido, Carlos Alberto, mas disse que Silvio Santos gostaria de t�-la para
presentear sua esposa. Com apenas tr�s anos de vida, Silvinha, enrolada em
um cueiro, chegou a casa dos Abravanel. Tanto C�ntia quanto Silvia foram,
por muitos anos escondidas do p�blico, indo inclusive morar no exterior.
Cidinha faleceu em 22 de abril de 1977, v�tima de c�ncer no est�mago.
(MORGADO, 2017, p. 166).
Daniela a n�3; Patr�cia, a n�4; Rebeca, a n�5; e Renata, a n�6. Todas elas do
primeiro e do segundo casamento, vieram, vieram trabalhar com o pai. No
SBT, por exemplo, Patr�cia tornou-se apresentadora Silvia passou a conciliar
o trabalho diante e por tr�s das c�meras e Daniela assumiu a dire��o
art�stica. (MORGADO, 2017, p. 167).
�Voc�s sabem que tudo o que eu tenho foi Manuel de N�brega que me deu.
Ele me deu o Ba�, me deu o programa de r�dio, me deu o programa de
televis�o. Mas tudo isso eu poderia ter, eu poderia ter um Ba�, eu poderia ter
um programa de r�dio, eu poderia ter um programa de televis�o. Mas h�

uma coisa que ele me deu, e s� ele podia me dar: � o exemplo de um trabalho
honesto, um amor ao trabalho...�. (MORGADO, 2017, p. 167-168).
Catorze anos depois, Silvio repetiu a mesma surpresa quando Carlos Alberto
de N�brega, ..lho de Manuel, estreou A Pra�a � Nossa. Terminados todos os
quadros, o animador entrou no palco batucando uma colher de caf� em um
pires, revivendo os tempos de camel�. Deu ordens para tirar todos os
intervalos comerciais daquele momento em diante. Por uma hora, relembrou
passagens da vida dele com Manuel e Carlos Alberto, que Silvio havia tirado
da Bandeirantes e transformado em diretor art�stico do SBT.
�Voc� [Carlos Alberto de N�brega] n�o veio s� como redator, voc� n�o veio
como artista, porque redatores e artistas n�s encontramos no Brasil, nos
Estados Unidos, Na Argentina. Voc� veio como meu irm�o, voc� veio como
meu amigo, voc� veio como uma pessoa que vai me ajudar a fazer aquilo que
seu pai gostaria de fazer comigo. [...] E voc� veio me ajudar n�o no banco da
pra�a, n�o. Voc� veio me ajudar com as suas qualidades pessoais, que voc�
herdou do Manuel. Voc� veio me ajudar agora, depois de uma faculdade na
Globo, com suas qualidades pro..ssionais�. (MORGADO, 2017, p. 168).
As reportagens j� publicadas sobre Silvio Santos revelaram que ele preservou
h�bitos simples, mesmo depois de ter ..cado rico. Quase n�o tem vida social,
preferindo permanecer em casa ou viajar em fam�lia. N�o tem as mesmas
preocupa��es com seguran�a que outros milion�rios como ele possuem. At�
ele e sua ..lha Patr�cia serem mantidos ref�ns, acreditou que sua fama era
su..ciente para proteg�-lo. Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em
c�rcere privado dentro da sua pr�pria casa pelo sequestrador de Patr�cia,
Fernando Dutra Pinto. Durante v�rias horas, o Brasil e o mundo ..caram
com os olhos na TV, que transmitiu tudo ao vivo. O caso s� chegou ao ..m
quando o governador de S�o Paulo Geraldo Alckmin, atendendo a um
pedido feito por Silvio, foi at� o local e negociou a rendi��o do bandido.
(MORGADO, 2017, p. 170).
Conservador, cultiva uma r�gida rotina, iniciada por volta das 5 horas da
manh� e encerrada as 22h30 min. H� quatro d�cadas tem o seu cabelo
cuidado por Jassa um de seus maiores amigos e conselheiros. (MORGADO,
2017, p. 171).
Alguns podem rejeit�-lo, enquanto outros podem am�-lo, mas ningu�m
pode ignor�-lo. Ao estudar a vida de Silvio Santos, pode-se mais do que
conhecer a vida de um artista, compreender como pensa, age e sente o Brasil
popular, que � o verdadeiro Brasil. (MORGADO, 2017, p. 172).

Evidencia-se aqui uma reportagem perfeita em formato cronol�gico.
Uma das caracter�sticas, a nosso ver, da biogra..a-reportagem de Silvio

Santos, � a possibilidade de podermos l�-la de tr�s formas diferentes: de

maneira linear, lendo a narrativa biogr�..ca e os enunciados na se��o Silvio

Santos por ele mesmo; de maneira assim�trica, ao ler a se��o Silvio Santos por


ele mesmo e depois ler a narra��o biogr�..ca; ou ler somente os enunciados
de Silvio.

Se o leitor optar em ler somente os enunciados de Silvio, ter� as
informa��es apenas pela voz de Silvio, mas, se optar em ler os enunciados e
narra��o biogr�..ca, seja de forma assim�trica, seja de forma linear, gozar�
de v�rias informa��es novas que se complementam.

Lembrando Sayeg-Siqueira (1990): �para um texto ser um texto, n�o
basta simplesmente ter uma refer�ncia e uma tematiza��o, ele precisa trazer
uma informa��o nova.� (SAYEG-SIQUEIRA, 1990, p. 28).

Se unirmos a narrativa biogr�..ca e os enunciados de Silvio em uma
grande reportagem sobre o homem do Ba�, teremos v�rias informa��es
novas:

Durante anos Silvio acreditou que alimentar d�vidas seria fundamental para
manter o interesse p�blico. Para a revista Veja de 28 de maio de 1975,
declarou:

� Eu descobri como � importante uma interroga��o. � muito dif�cil criar
uma interroga��o. Ent�o, quando ela surge, � preciso aproveit�-la.
(MORGADO, 2017, p. 165).
Entre os anos 1960 e 1970, mentiu a idade para imprensa. (Morgado, 2017, p.
165).
Outra mentira que Silvio costumava contar nessa mesma �poca estava
relacionada com seu estado civil. Dizia ser solteiro, quando, na verdade era
casado desde 15 de mar�o de 1962 com Aparecida Honoria Vieira. Cidinha
era ..lha da dona de uma pens�o no bairro da Bela Vista e, quando
adolescente, gostava de frequentar os audit�rios das r�dios. Silvio a conheceu
na Nacional. Casados, trilharam o caminho entre as di..culdades, no tempo
em que eles pr�prios montavam e entregavam as cestas do Ba� da Felicidade.
Com Cidinha, Silvio teve suas duas primeiras ..lhas. Com o tempo, ele
passou a numer�-las. A n�1, C�ntia, nasceu no ano seguinte ao casamento. A
n�2, Silvia, adotiva, nasceu em 1970. Foi Manuel de N�brega quem a recebeu
primeiro nos bra�os, ainda rec�m-nascida. Para a mulher que lhe deu a
crian�a, N�brega contou que n�o poderia aceita-la porque j� tinha um ..lho
crescido, Carlos Alberto, mas disse que Silvio Santos gostaria de t�-la para
presentear sua esposa. Com apenas tr�s anos de vida, Silvinha, enrolada em
um cueiro, chegou a casa dos Abravanel. Tanto C�ntia quanto Silvia foram,
por muitos anos escondidas do p�blico, indo inclusive morar no exterior.
Cidinha faleceu em 22 de abril de 1977, v�tima de c�ncer no est�mago.
(MORGADO, 2017, p.166). �A minha maior tristeza foi a morte da minha

primeira mulher, Cida, aos 39 anos de idade�. (Morgado, 2017, p.180).
�Quando eu me lembro da minha mulher que morreu e que eu dizia que
era solteiro; que escondia as minhas lhas para poder ser o gal�, para
poder ser o her�i; eu quando falo com a minha consci�ncia, acho que s�o
das coisas imperdo�veis que eu z diante da minha imaturidade�.

(MORGADO, 2017, p. 181).
Daniela a n�3; Patr�cia, a n�4; Rebeca, a n�5; e Renata, a n�6. Todas elas do
primeiro e do segundo casamento, vieram, vieram trabalhar com o pai. No
SBT, por exemplo, Patr�cia tornou-se apresentadora Silvia passou a conciliar

o trabalho diante e por tr�s das c�meras e Daniela assumiu a dire��o
art�stica. (MORGADO, 2017, p. 167).
�Voc�s sabem que tudo o que eu tenho foi Manuel de N�brega que me deu.
Ele me deu o Ba�, me deu o programa de r�dio, me deu o programa de
televis�o. Mas tudo isso eu poderia ter, eu poderia ter um Ba�, eu poderia ter
um programa de r�dio, eu poderia ter um programa de televis�o. Mas h�
uma coisa que ele me deu, e s� ele podia me dar: � o exemplo de um trabalho
honesto, um amor ao trabalho...�. (MORGADO, 2017, p. 167-168).
�N�s zemos um bom relacionamento, principalmente depois que eu
passei a atuar no programa dele, porque antes eu quase n�o via o [Manuel
de] N�brega. Como eu n�o tinha nenhum parente em S�o Paulo, eu
estava sozinho, com 24 anos, o N�brega passou a ser o meu pai. Eu ia pra
casa dele, frequentava a fam�lia, me dava muito bem com o Carlos
Alberto... N�s �ramos bons amigos�. (Morgado, 2017, p. 75).
Catorze anos depois, Silvio repetiu a mesma surpresa quando Carlos Alberto
de N�brega, ..lho de Manuel, estreou A Pra�a � Nossa. Terminados todos os
quadros, o animador entrou no palco batucando uma colher de caf� em um
pires, revivendo os tempos de camel�. Deu ordens para tirar todos os
intervalos comerciais daquele momento em diante. Por uma hora, relembrou
passagens da vida dele com Manuel e Carlos Alberto, que Silvio havia tirado
da Bandeirantes e transformado em diretor art�stico do SBT.
�Voc� [Carlos Alberto de N�brega] n�o veio s� como redator, voc� n�o veio
como artista, porque redatores e artistas n�s encontramos no Brasil, nos
Estados Unidos, Na Argentina. Voc� veio como meu irm�o, voc� veio como
meu amigo, voc� veio como uma pessoa que vai me ajudar a fazer aquilo que
seu pai gostaria de fazer comigo. [...] E voc� veio me ajudar n�o no banco da
pra�a, n�o. Voc� veio me ajudar com as suas qualidades pessoais, que voc�
herdou do Manuel. Voc� veio me ajudar agora, depois de uma faculdade na
Globo, com suas qualidades pro..ssionais�. (MORGADO, 2017, p. 168).
As reportagens j� publicadas sobre Silvio Santos revelaram que ele preservou
h�bitos simples, mesmo depois de ter ..cado rico. Quase n�o tem vida social,
preferindo permanecer em casa ou viajar em fam�lia. N�o tem as mesmas
preocupa��es com seguran�a que outros milion�rios como ele possuem. At�
ele e sua ..lha Patr�cia serem mantidos ref�ns, acreditou que sua fama era
su..ciente para proteg�-lo. Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em
c�rcere privado dentro da sua pr�pria casa pelo sequestrador de Patr�cia,


Fernando Dutra Pinto. Durante v�rias horas, o Brasil e o mundo ..caram
com os olhos na TV, que transmitiu tudo ao vivo. �Vai acontecer uma
trag�dia. Ele vai me matar se o governador n�o vier�. (Morgado, 2017,
p.175). O caso s� chegou ao ..m quando o governador de S�o Paulo Geraldo
Alckmin, atendendo a um pedido feito por Silvio, foi at� o local e negociou a
rendi��o do bandido. (MORGADO, 2017, p. 170).

�Eu posso garantir a voc� que se o governador [Geraldo Alckmin] n�o
fosse ontem a minha casa, eu tenho certeza, n�o � um palpite, eu poderia
morrer, o Fernando [Dutra Pinto, sequestrador] certamente morreria e
mataria tr�s ou quatro policiais que ali estavam�. (Morgado, 2017, p. 175).
Conservador, cultiva uma r�gida rotina, iniciada por volta das 5 horas da
manh� e encerrada as 22h30 min. H� quatro d�cadas tem o seu cabelo
cuidado por Jassa um de seus maiores amigos e conselheiros. (MORGADO,
2017, p. 171).
Alguns podem rejeit�-lo, enquanto outros podem am�-lo, mas ningu�m
pode ignor�-lo. Ao estudar a vida de Silvio Santos, pode-se mais do que
conhecer a vida de um artista, compreender como pensa, age e sente o Brasil
popular, que � o verdadeiro Brasil. (MORGADO, 2017, p. 172).

Pela intertextualidade manifesta, a biogra..a-reportagem de Silvio
Santos � riqu�ssima em informa��es novas.

A biogra..a-reportagem de Silvio � na ess�ncia do estilo pr�prio desse
g�nero discursivo � trata da observa��o da realidade que aprofunda a
not�cia base: � pesquisa e reconstitui��o hist�rica. Morgado (2017), quando
pesquisa as falas de Silvio Santos ao longo da vida, as re�ne em um livro e as
publica: est� fazendo uma reconstitui��o hist�rica.

Em suma:

Entendemos biogra..a como um g�nero do discurso que encabe�a e
representa outros g�neros do discurso da atmosfera biogr�..ca na
contemporaneidade, como a entrevista, a autoinforme-con..ss�o e a
autobiogra..a. Como g�nero do discurso de relativa estabilidade, a biogra..areportagem
de Silvio, por ser biogra..a, se irmana de outros g�neros
biogr�..cos que comp�em esse espa�o consistentemente povoado. Desse
modo, a biogra..a se apropriou tamb�m da reportagem.

Entretanto, a reportagem, que � um g�nero do discurso do campo de
atividade humana jornal�stico, apropriou-se n�o apenas do g�nero carta e do


g�nero entrevista, como aparece em nossas an�lises, mas tamb�m da
biogra..a, do autoinforme-con..ss�o e da autobiogra..a nos enunciados
proferidos por Silvio Santos.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito � uma biogra..a, grosso modo, pela
simples exist�ncia dos cap�tulos que comp�em uma ordem enunciativa. Tem

o con..ito da pr�xis narrativa. Trata da vida de uma das personagens mais
importantes da cena midi�tica brasileira. Contudo, tanto na narrativa
biogr�..ca quanto na reportagem cronol�gica, h� uma correla��o: ambas
elegem uma personagem, s�o narrativas, s�o relatos de vida, gozam de
intertextualidade manifesta e s�o narradas em formato de pir�mide
cronologicamente. N�o seria exagero a..rmar que, de maneira desarticulada,
ou seja, ao desmembrar o livro, ao desorden�-lo, Silvio Santos � A trajet�ria
do mito poderia ser considerado uma esp�cie de grande reportagem. �
biogra..a e � reportagem.
Entendemos que os enunciados de Silvio, de um modo geral,
repercutiram na sociedade, no �organismo social� (MELO, 2017, p. 66), e o
autor Morgado fez escolhas autorais que propiciaram uma narrativa
biogr�..ca que reporta a vida de Silvio Santos: uma narrativa da exist�ncia.
Trata-se de enunciados que geraram outros enunciados, ou seja, par�grafos
com a voz de Silvio que ajudaram a construir uma narrativa biogr�..ca
cronol�gica.

A compreens�o do leitor � expandida ora pela narra��o biogr�..ca, ora
pelos enunciados, que se complementam e trabalham concomitantemente
para a ampli..ca��o compartilhada de novas informa��es sobre a vida de
Silvio Santos.

� reportagem de per..l e documental, oriunda de entrevistas,
depoimentos, declara��es, cartas e not�cias.
A biogra..a-reportagem de Silvio conversa com o g�nero not�cia e
apresenta relatos, que s�o meramente informativos e descritivos. Os verbos


est�o no passado e n�o h� incid�ncia de discurso citado, intertextualidade
manifesta, em par�grafos mais informativo-noticiosos.

H� enunciados que adv�m do g�nero entrevista, todavia uma entrevista
assim�trica, em que o entrevistador aparece de maneira velada; �
representado pelas institui��es jornal�sticas: O Cruzeiro, Folha de S. Paulo,
Veja etc. Morgado (2017) mant�m tra�os de oralidade, como os risos de
Silvio, que nos deixa uma sensa��o de espontaneidade caracter�stica das
conversa��es presenciais, do dia a dia, do cotidiano.

Dialoga com g�neros da atmosfera biogr�..ca, o depoimento e/ou
testemunho.

Como autobiogra..a, as reportagens enunciadas re..etem o �eu� e o �tu�,
cuja subjetividade ocorre ao percebermos a inexist�ncia da unicidade do
�eu�. Emana de um posicionamento enunciativo-discursivo cambiante,
autodieg�tico e homodieg�tico, entre o �eu� como �eu�, o �eu� como �tu� e o
�eu� como �ele�.

Silvio Santos conversa com ele mesmo quando consulta sua consci�ncia
e confessa que errou ao longo da vida: uma caracter�stica do autoinformecon
..ss�o. Trata-se um di�logo com sua consci�ncia.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito goza de uma reportagem em
profundidade, fruto de uma pesquisa s�ria de car�ter documental. �
reportagem pelos enunciados de Silvio, que, por meio de uma pesquisa,
Morgado (2017) nos reportou. � reportagem pela rela��o que esses
enunciados t�m com a narra��o biogr�..ca, que se relaciona com o g�nero
reportagem, por se tratar de uma narrativa do real, do ver�dico e do
veri..c�vel. � um relato e � uma narrativa: a narrativa � concomitantemente
biogra..a e reportagem.

5.3 A BIOGRAFIA-REPORTAGEM

Se, por um lado, ao inferirmos que o g�nero reportagem � um g�nero
est�vel, que n�o sofre altera��es na sua constru��o composicional, podemos,
por outro lado, a..rmar que a biogra..a � um g�nero do discurso
relativamente est�vel. Goza de in..u�ncia da autobiogra..a, do autoinformecon
..ss�o, das conversas do cotidiano, das entrevistas etc. Todavia, a
reportagem � constru�da sob a �gide de outros g�neros do discurso, como a
pr�pria entrevista e a not�cia � e �, evidentemente, in..uenciada por eles.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito � uma composi��o h�brida. �
concomitantemente biogra..a e reportagem. Como biogra..a-reportagem,
apresenta um conte�do tem�tico, um estilo e uma constru��o
composicional.

Para Todorov (2018), a hist�ria se constitui a partir do momento
presente, no hoje. O espa�o gen�rico-discursivo acontece no aqui e agora e o
espa�o de outrem acontece a partir de mim.

Podemos deduzir que, nessa biogra..a de Silvio Santos, h� uma
transgress�o do g�nero: a biogra..a acomoda a reportagem.

Para que houvesse essa transgress�o, foi necess�ria a exist�ncia do
g�nero biogra..a can�nico � a biogra..a: A espetacular vida de Silvio Santos,
de Arlindo Silva �, por exemplo. Se uma poesia � escrita em prosa, ela
subverte a poesia em verso, mas a poesia em verso n�o deixar� de existir.

O livro de Morgado (2017) nasce de outros dois g�neros, a biogra..a e a
reportagem, que se hibridizam; materializa-se, ent�o, um novo g�nero do
discurso: a biogra..a-reportagem. Quando perguntado a Todorov (2018, p.
63) sobre a origem dos g�neros, ele responde: �Simplesmente, dos outros
g�neros�. Ou seja, g�neros nascem de outros g�neros.

A biogra..a-reportagem de Morgado traz in..u�ncia de biogra..smos
antigos, como a biogra..a-ret�rica, a consci�ncia biogr�..ca romana e a
consci�ncia biogr�..ca grega. A consci�ncia biogr�..ca dos gregos se
orientava pelos contempor�neos; por seus her�is vivos. Trata-se da
consci�ncia biogr�..ca social de costumes. �A consci�ncia romana sente-se,


como o elo entre os antepassados mortos e os descendentes que ainda n�o
participavam da vida pol�tica.� (BAKHTIN, 2014, p. 256). A consci�ncia
biogr�..ca romana � a consci�ncia que chamemos de aventuresco-heroica.

Vejamos um exemplo da consci�ncia biogr�..ca grega em um
depoimento de 18 de maio de 2016, em que Silvio Santos comenta o
desempenho das ..lhas como apresentadoras no SBT: �A Patr�cia vai muito
bem na televis�o. Eu estou muito contente com ela e com a Silvia, que est�
me surpreendendo. Eu n�o sabia que ela seria t�o espont�nea quanto est�
sendo.� (MORGADO, 2017, p. 135). Um exemplo de fala de Silvio, que
dialoga com a consci�ncia biogr�..ca romana, � este: �H� coisas que n�s n�o
fazemos para nossos contempor�neos, mas sim para futuras gera��es.�
(MORGADO, 2017, p. 185).

A biogra..a-reportagem de Silvio dialoga com os antepassados
biogr�..cos e assinala uma preponder�ncia da consci�ncia biogr�..ca grega
em detrimento da consci�ncia biogr�..ca romana. �Um novo g�nero �
sempre a transforma��o de um ou v�rios g�neros antigos: por invers�o, por
deslocamento, por combina��o.� (TODOROV, 2018, p. 64).

Morgado (2017) nomeia os enunciados de Silvio como frases, ou seja,
est�o circunscritas pela categoria texto. Nas palavras do autor: �Silvio Santos

� A trajet�ria do mito re�ne centenas de frases desse artista e empres�rio,
ditas desde os anos 1950� (MORGADO, 2017, p. 12). Todavia, essas frases,
quando inseridas em cap�tulos por eixos tem�ticos, ganham status de
enunciado. Esses enunciados, quando reunidos, s�o proferidos por uma
enuncia��o: o livro. Todorov (2018) vai relacionar as frases ao texto e a
enuncia��o ao discurso. Acrescenta o autor que um discurso n�o �
necessariamente feito de frases, mas sim de frases enunciadas, ou seja, por
enunciados.
Esses enunciados est�o ligados a um tema enumerados de acordo com
esses eixos tem�ticos na se��o Silvio Santos por ele mesmo.
Leiamos alguns desses enunciados:


1 � ��O Ba� � a galinha dos ovos de ouro� � evento 50 anos do Grupo Silvio
Santos em 22 de setembro de 2008.� (MORGADO, 2017, p. 36).
2 � ��O dinheiro, para mim, representa apenas trof�u de sucesso e vit�ria�.�
(MORGADO, 2017, p. 39).
3 � ��A empresa tem que ser a personalidade do dono.� � Folha de S. Paulo, 21
de fevereiro de 1988.� (MORGADO, 2017, p.3 9).
4 � ��Eu estou sempre bem, voc� j� me viu mal?�.� (MORGADO, 2017, p. 44).
5 � ��O trabalho � a coisa mais importante para o ser humano.� � SBT, 20 de
agosto de 2006.� (MORGADO, 2017, p. 52).
6 � ��Ganhei um concurso para locutores com 400 concorrentes.� �
Lembrando sua entrada na R�dio Guanabara, hor�rio pol�tico, 1989.�
(MORGADO, 2017, p. 73).
7 � ��Eu considerava Manuel de N�brega como um pai.� � SBT, 7 de maio de
1987.� (MORGADO, 2017, p. 76).
8 � ��O Topa Tudo por Dinheiro agrada pela espontaneidade. Quando me
empenho, d� certo.� � O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de 1990.�
(MORGADO, 2017, p. 79).
9 � ��Comandar um programa de audit�rio para mim � muito f�cil.� � Veja,
28 de maio de 1975.� (MORGADO, 2017, p. 81).
10 � ��Quando coloco o palet�, gravata e aquela bolinha, eu sou animador.� �
SBT, 7 de maio de 1987.� (MORGADO, 2017, p. 85).
11 � ��Eu me surpreendo com minha popularidade.� � SBT, 21 de agosto de
2011.� (MORGADO, 2017, p. 89).
12 � ��� preciso acabar com o preconceito a Silvio Santos.� � Afinal, 3 de
novembro de 1987.� (MORGADO, 2017, p. 91).
13 � ��Se a televis�o � comercial, e s�, a �nica preocupa��o tem que ser
mesmo ganhar dinheiro.� � Realidade, setembro de 1969.� (MORGADO,
2017, p. 92).



14 � ��Meu plano era parar aos 70 anos. Mas sei que n�o vou conseguir.� �
Veja, 17 de maio de 2000.� (MORGADO, 2017, p. 96).
15 � ��Vou entrar nessa briga para ser a primeira rede brasileira [em
audi�ncia].� � Amiga, 12 de novembro de 1975.� (MORGADO, 2017, p. 121).
16 � ��N�o comprei a Record.� Amiga, 12 de novembro de 1975.�
(MORGADO, 2017, p. 125).
17 � ��Enquanto estiver dando audi�ncia, continua. Se cair, eu mudo.� � O
Estado de S. Paulo, 28 de outubro de 1991.� (MORGADO, 2017, p. 127).
18 � ��A Globo � um supermercado, eu sou uma quitanda.� � A..nal, 3 de
novembro de 1987.� (MORGADO, 2017, p. 131).
19 � ��Gosto do Gugu porque seu ego n�o � gigantesco. Ele trabalha sem
reclamar de nada.� � Veja, 25 de abril de 2001.� (MORGADO, 2017, p. 134).
20 � ��Qual o ser humano que vai progredir se ele n�o recebe est�mulo e s�
recebe cacetada da imprensa?� � SBT, 21 de fevereiro de 1988.�
(MORGADO, 2017, p. 136).
21 � ��Eu sou um homem que entende do assunto televis�o.� � O Estado de S.
Paulo, 7 de janeiro de 1990.� (MORGADO, 2017, p. 137).
22 � ��N�o quero saber de pol�tica. Eles precisam de mim? Eu sirvo.� � Jornal
do Brasil, 14 de fevereiro de 1988.� (MORGADO, 2017, p. 155).
23 � ��O Brasil n�o precisa de um estadista. O Brasil precisa de um pronto
socorro.� � SBT, 13 de mar�o de 1988.� (MORGADO, 2017, p. 157).
24 � ��J�nio [Quadros] � um g�nio.� � SBT, 6 de maio de 1988.�
(MORGADO, 2017, p. 162).
25 � ��Eu dirijo o meu trabalho; o meu trabalho n�o me dirige.� � SBT, 19 de
agosto de 1981.� (MORGADO, 2017, p. 174).
26 � ��Vai acontecer uma trag�dia. Ele vai me matar se o governador n�o
vier.� � Veja, 5 de setembro de 2001.� (MORGADO, 2017, p. 175).
27 � ��A minha fam�lia � de origem judaica e a minha religi�o � israelita, sou
judeu.� � Depoimento para o livro 50 anos de TV no Brasil (2000).�



(MORGADO, 2017, p. 176).
28 � ��N�o tenho medo de morrer.� � Veja, 17 de maio de 2000.�
(MORGADO, 2017, p. 178).
29 � ��N�o sou luxurioso.� � Folha de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1988.�
(MORGADO, 2017, p. 182).
30 � ��Confesso que sempre fui amante de emo��es fortes.� � Depoimento
para o livro A vida Espetacular de Silvio Santos (1972).� (MORGADO, 2017,


p. 185).
Recortamos as frases curtas de Silvio Santos em cada cap�tulo da se��o
Silvio Santos por ele mesmo. Na medida em que Morgado (2017) pesquisa
essas frases e as agrupa, subdividindo-as em cap�tulos, ele as est�
enunciando, portanto, enunciado concreto.

Olhemos abaixo cada tema. Os n�meros correspondem aos enunciados
selecionados acima:
1-Toque de Midas
2-Rela��o com o dinheiro
3-O estilo Silvio Santos de administrar
4-Maus neg�cios
5-Li��es de sucesso
6-O come�o da carreira
7-Manuel de N�brega
8-Os programas de TV
9-O estilo Silvio Santos de comunicar
10-Um artista que � empres�rio ou um empres�rio que � artista
11-Fama
12-Rela��o com a cr�tica


13-Analisando a comunica��o
14-Aposentadoria?
15-A forma��o do SBT
16-Record
17-O programador
18-Globo
19-Elenco
20-Jornalismo
21-O neg�cio televis�o
22-Longe da pol�tica
23-Dentro da pol�tica
24-Rela��o com os presidentes
25-Em que acredita
26-Viol�ncia
27-F�
28-Morte
29-Na intimidade
30-Valores Pessoais
Para Todorov (2018), o discurso n�o � constitu�do de frases, mas de

frases enunciadas, e complementa que a enuncia��o apresenta por
proposi��o um locutor ou orador que enuncia. Apresenta ainda um receptor
ou audit�rio a quem o enunciado se dirige e o discurso �que antecede o
enunciado e que tamb�m o sucede em um contexto de enuncia��o.�
(TODOROV, 2018, p. 65).


Esse discurso que antecede e sucede os enunciados de Silvio na
biogra..a-reportagem � a narra��o biogr�..ca intertextual de Morgado
(2017).

Todorov (2018) considera os g�neros como uma esp�cie de institui��o
a ser respeitada e seu modelo um ideal de escrita. Morgado (2017) segue
dois modelos: o da biogra..a e o da reportagem. A biogra..a conta a hist�ria
de vida de Silvio Santos e a reportagem a con..rma.

Os enunciados de Silvio Santos s�o atos de fala que, segundo Todorov
(2018), est�o inseridos na realidade de toda sociedade. Esses atos de fala s�o
intr�nsecos � atividade humana e podem ser caracterizados como g�neros
n�o liter�rios.

Os enunciados de Silvio desarticulados, descontextualizados, isolados,
s�o atos de fala n�o liter�rios, mas, reunidos na enuncia��o de Morgado
(2017), o livro, as frases tornam-se enunciados manifestos em um g�nero:
neste caso, a biogra..a-reportagem. Esse g�nero do discurso tem sua origem
na esfera de atividade humana jornal�stica. O jornalismo � uma atividade
social e, como tal, pode vir carregada de ideologia.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito � um livro assentado em um g�nero
que propicia saber onde se est�, ou seja, onde � o seu lugar de escrita.
Quando Morgado (2017), pela escolha de autoria, opta pela pesquisa das
frases enunciadas por Silvio, o pesadelo da p�gina em branco j� estava
atenuado � faltava de..nir o g�nero; n�o poderia ser outro g�nero que n�o
fosse a biogra..a.

Para Medvi�dev (2012), o g�nero representa o todo da obra em sua
totalidade enunciativa. O autor acredita que uma obra s� se torna realidade
quando adquiri o formato de determinado g�nero do discurso.

A biogra..a-reportagem do Silvio � uma obra de arte, uma obra
liter�ria, e, como tal, goza de autoria � foi pensada e escrita por Morgado
(2017) a partir dos enunciados do pr�prio Silvio, que caracteriza uma dupla
autoria; apresenta como suporte o livro e foi publicada; teve a sua circula��o


midiatizada pelo SBT e por outros canais de divulga��o; teve uma
representa��o social, se considerarmos que Silvio Santos � um her�i
nacional � de camel� passou a ser banqueiro � e seu carisma como artista �
quase uma unanimidade entre os brasileiros; tem responsabilidade
intelectual e atribu� as falas de Silvio aos determinados ve�culos midi�ticos
pelos quais as frases enunciadas foram publicadas ou divulgadas.

O livro de Silvio tem um acabamento, uma totalidade resolvida, e, por
isso, goza da caracter�stica de g�nero do discurso. � uma biogra..a de
relativa estabilidade e, por isso, um g�nero h�brido: � biogra..a; �
reportagem. Apresenta um acabamento interno abatido do pr�prio objeto,
ou seja, exaurido do pr�prio livro. N�o se vale de um acabamento
convencional.

Morgado (2017) compreende ideologicamente os enunciados de Silvio
Santos e olha o mundo da mesma perspectiva do �patr�o�. Olha o mundo de
Silvio, na biogra..a-reportagem, sob os olhos do pr�prio Silvio. Propicia, ao
separar em se��es tem�ticas, os enunciados, um di�logo entre enunciados.

Segundo Medvi�dev (2012), o enunciado n�o deve ser entendido como
um todo lingu�stico, e suas formas n�o s�o apenas sintaxe. Sob essa
perspectiva, a se��o Silvio Santos por ele mesmo � composta por enunciados
e n�o por frases.

Embora Silvio Santos seja o autor desses enunciados, ele n�o � o �nico
respons�vel por eles. O direito de propriedade do autor, nesse caso, �
dividido com as institui��es jornal�sticas, que podem ter editado a fala
original; contudo, em �ltima inst�ncia, Morgado (2017) seria o respons�vel
por quaisquer incongru�ncias: o livro pertence e � associado a ele.

Nos enunciados de Silvio est�o sempre indicadas abaixo as fontes de
divulga��o em que foram veiculados.

Por exemplo: �Gosto de biogra..as, pois s�o o espelho da vida. Mas
tamb�m gosto de ler livros do tipo �viva em paz com a sua coluna�, �como


lidar com as pessoas.� � Folha de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1988.�
(MORGADO, 2017, p. 182).

E ainda: ��Por que eu n�o dou entrevista, n�o concordo com livro sobre
mim, com ..lme? Se nenhum advogado, nenhum m�dico ou professor �
cercado de todas essas... �... regalias, eu tamb�m n�o devo ser.� � Folha de S.
Paulo, 21 de fevereiro de 1988.� (MORGADO, 2017, p. 182).

Em todos enunciados de Silvio, h� a institui��o jornal�stica � ou livro �
em que foram publicados.

Vejamos mais um enunciado publicado na Veja:

O brasileiro � um povo humilde. A televis�o � a sua �nica divers�o. Esse
povo n�o quer ligar a televis�o para ter aula ou ter cultura. Isso quem tem
que dar a ele s�o as autoridades competentes, por meio da escola.

� Veja, 17 de maio de 2000. (MORGADO, 2017, p. 94).
Em todos os casos, a responsabilidade autoral dos enunciados �
dividida por tr�s autores: a institui��o jornal�stica, Morgado (2017) e o
pr�prio Silvio Santos, que proferiu os enunciados.

Morgado (2017), algumas vezes, se mostra como autor de maneira
clara. Uma delas � quando explica as declara��es de Silvio pelo uso do
ger�ndio. A voz do autor cristaliza-se. Vejamos alguns exemplos assim (em
negrito26). Revista O Cruzeiro, 29 de novembro de 1972: ��Estou dando uma
incerta. N�o quero que saibam que o dono chegou.� � Chegando disfar�ado
com �culos escuros e barba posti�a, para conhecer a fazenda Tamakavy,
que havia comprado no mato grosso.� (MORGADO, 2017, p. 40).

O ger�ndio �chegando� traz uma sensa��o de oralidade e intimidade:
aproxima o autor do leitor.

Na Veja, de 28 de maio de 1975, Silvio declarou: �Deve mostrar que �
um colaborador sincero. Mas o importante mesmo � n�o ter medo de mim.�
(MORGADO, 2017, p. 41). Morgado contextualiza: �Explicando qual seria
a condi��o essencial para algu�m trabalhar com ele.� (MORGADO, 2017,

p. 41).

Silvio comenta � revista Amiga de 1975:

N�o estou pretendendo in..acionar o mercado e nem oferecer, por exemplo,
Cr$ 80 mil a quem ganha Cr$ 40 mil. Isso seria muito f�cil e n�o signi..caria
a realiza��o que estamos procurando. Essa concorr�ncia, s� nas minhas
outras empresas: agora mesmo acabo de contratar para a minha empresa de
seguros o melhor pro..ssional do mercado. Ele ganhava uma quantia em
outra companhia, ofereci o dobro e ele est� comigo. Foi f�cil, mas s� foi a
utiliza��o do sistema capitalista.

� Comentando sobre o sal�rio dos artistas. (MORGADO, 2017, p. 42).
Essas inser��es do autor t�m car�ter de discurso direto em alguns
exemplos de maneira bastante clara:

Comprei a [R�dio] Tupi do Rio, que j� est� paga, mas ela tem que ser
entregue a mim pelos cond�minos, mas eu n�o sei o que eles v�o fazer.
Cumpri todas as cl�usulas contratuais e os contratos. Estou esperando eles
entrarem no minist�rio das comunica��es com um pedido de transfer�ncia
para o meu nome. Se eles n�o pedirem, n�o sei como vai ..car, mas a R�dio
Tupi � minha.

� Silvio Santos n�o assumiu o controle da R�dio Tupi do Rio.
Olho M�gico, 1 de janeiro de 1980. (MORGADO, 2017, p.45).
Goza inclusive de travess�o: elemento paratextual.
Caso de ger�ndio com a part�cula apassivadora �se�:


O que aconteceu foi inexplic�vel at� para especialistas.

� Referindo-se ao caso do Banco PanAmericano em um cart�o de Natal
escrito de pr�prio punho para Luiz Sebasti�o Sandoval, ex-presidente do
grupo Silvio Santos, que publicou o fac-s�mile em seu livro Aprendi fazendo
(Gera��o Editorial, 2011). (MORGADO, 2017, p. 46).
Outro caso de inser��o de autoria de Morgado depois da fala de Silvio
acontece com a preposi��o �ap�s�: ��As a��es do Banco PanAmericano v�o
subir! N�o vendam!� � Ap�s ter vendido o banco PanAmericano para o
BTG Pactual. SBT, 31 de janeiro de 2011�. (MORGADO, 2017, p. 47). E
ainda: ��Eles est�o reclamando de barriga cheia.� � Ap�s ouvir N�bia �lliver
pedir aumento no valor dos pr�mios da Casa dos Artistas. Veja, 21 de
novembro, 2001.� (MORGADO, 2017, p. 135). ��� Foi quando leu pela
primeira vez um depoimento que Manuel de N�brega havia gravado


sobre ele, em 3 de outubro de 1974.�� SBT, 7 de maio de 1987.�
(MORGADO, 2017, p. 76).
Morgado (2017) contextualiza a hist�ria de quando Silvio leu o
depoimento de Manuel de N�brega em 1987: �O dia 4 de Abril [de 1987] foi

o dia mais feliz da minha vida�. (MORGADO, 2017, p. 76).
Contextualiza com um substantivo feminino no in�cio:
Dizem que eu sou o maior animador do pa�s. Isso n�o � verdade. O carinho
que voc�s dedicam a mim � que vale. Voc�s s�o admir�veis, sensacionais,
com voc�s � f�cil fazer programa l�der. Durante minha aus�ncia, meu irm�o
L�o Santos comandou o programa com o mesmo sucesso. Voc�s
prestigiaram meu irm�o como prestigiam semanalmente a mim, porque s�o
barbaras, sensacionais, ilustres. Eu gostaria de poder retribuir de alguma
forma, porque n�o mere�o.

� Conversa com as suas colegas de trabalho, antes de come�ar mais uma
edi��o do seu programa dominical.
A Cr�tica, 1969. (MORGADO, 2017, p. 87).
Com adv�rbio de modo e ger�ndio: �Muito obrigado! N�o tenho
palavras. Realmente, estou muito emocionado. Hoje � um dos dias mais
felizes da minha vida�. (MORGADO, 2017, p. 88). � �Em p�, em um
Mustang vermelho convers�vel, acenando, para a multid�o na parada do dia
da crian�a. SBT, 12 de outubro de 1987.� (MORGADO, 2017, p. 88).

Outro exemplo que se inicia pelo verbo transitivo �inaugurar�:

Fizeram coisas de Primeiro Mundo que me deixaram surpreso. Com estas
condi��es, se n�s tivermos talento, vamos conseguir uma audi�ncia maior.
Tenho certeza que essas condi��es nos favorecem, mas o importante � o
resultado no v�deo, n�o importa de onde venha o produto, seja de uma
garagem, como n�s j� ..zemos por diversas vezes, ou de est�dios como este
que eu ainda n�o conhe�o.

� Ao inaugurar os est�dios do Centro de Televis�o da Anhanguera. SBT,
19 de agosto de 1996. (MORGADO, 2017, p. 139).
E um �ltimo exemplo da presen�a do autor � mesmo nos enunciados
de Silvio � se assenta diversi..cadamente por ter seu in�cio com um numeral
ordinal de tr�s:


Prefeito pode colocar um vice-prefeito � sua escolha, independente de
partido, para dividir com ele a prefeitura e ele, o prefeito, ir para Miami
quando desejar, deixando o vice na prefeitura?

� A terceira pergunta de 12 perguntas que fez ao PFL ap�s ter sido
convidado a candidatar-se a prefeito de S�o Paulo. SBT, 6 de mar�o de
1988 (MORGADO, 2017, p. 157).
No s�culo XIX, o retrato do autor aparecia apenas em edi��es
biogr�..cas. Hoje em dia, a foto est� na capa, apresenta uma minibiogra..a e
faz parte do jogo midi�tico da consagra��o, do despertar, do interesse do
leitor pelo autor.

Podemos considerar Silvio Santos um autor impl�cito do livro, o que
por si s� j� desperta a curiosidade do leitor que admira Silvio Santos:
simplesmente pela sua grande notoriedade e popularidade.

As vendas da biogra..a-reportagem de Morgado (2017) duplicaram
depois da ida do autor ao Programa Silvio Santos. O reconhecimento de
Silvio e a exposi��o do livro e de Morgado na m�dia trouxeram uma
visibilidade. Foi curioso assistir Morgado na televis�o falando de seu livro
mais c�lebre. Sua imagem jovem e seu discurso s�rio diante de Silvio
personi..cam uma ideia de compet�ncia e seriedade, que encontramos
realmente ao abrir o livro. Essa apari��o na televis�o n�o prejudicou
Morgado: pelo contr�rio, o projetou.

Silvio Santos, embora diga que n�o concorda com livros escritos sobre
ele, ajudou a divulgar a biogra..a-reportagem de Morgado (2017). O autor,
junto de Silvio, analisou o conte�do do livro na televis�o.

Portanto, j� na concep��o, a biogra..a-reportagem de Silvio Santos �
imanente � rela��o desta com a m�dia: nasceu da m�dia e essa foi a grande
ideia. A pesquisa nasceu da reuni�o dos enunciados de Silvio, na m�dia, nos
jornais, em revistas e em livros e tamb�m em depoimentos dados pelo
�patr�o� ao SBT.

Ao voltarmos � quest�o do g�nero, devemos lembrar as palavras de
Bakhtin (2010), que nos a..rma serem os g�neros do discurso tipos de
enunciados relativamente est�veis. Os g�neros do discurso s�o constitutivos


de autoria, de um conte�do tem�tico, de um estilo e, sobretudo, de uma
constru��o composicional.

5.3.1 CONTE�DO TEM�TICO
A biogra..a-reportagem, grosso modo, tem um conte�do tem�tico que
discorre sobre a vida em seus mais diversos segmentos: a fam�lia, a religi�o,
os neg�cios, a escola, a m�dia etc. Para Bakhtin/Vol�chinov (2009), o tema
est� numa posi��o superior ao signi..cado e est� invariavelmente ligado a
enuncia��o: no nosso caso, a enuncia��o que analisamos � o livro Silvio
Santos � A trajet�ria do mito.

Os fatores, ent�o, a serem considerados, s�o de car�ter extralingu�stico:
a condi��o s�cio-hist�rica de produ��o. Esse elemento permite que
participem do conte�do tem�tico n�o apenas componentes inst�veis da
signi..ca��o, mas, principalmente, o extraverbal, que inclu�: situa��o de
produ��o, de recep��o e de circula��o.

A situa��o de produ��o o pr�prio Morgado (2017) apresenta:

Silvio Santos � A trajet�ria do mito re�ne centenas de frases desse artista e
empres�rio, ditas desde os anos 1950. Elas foram organizadas em cinco
blocos tem�ticos: �Neg�cios�, �Artista�, �Dono de televis�o�, �Pol�tica� e �vida
pessoal.� Cada bloco tem subdivis�es a ..m de auxiliar a leitura e a consulta.
Ao ..nal, foi inclu�da uma breve linha do tempo que relaciona os principais
acontecimentos da vida de Silvio Santos. (MORGADO, 2017, p. 12).

A recep��o foi excelente: Silvio Santos recebeu Morgado e divulgou o

livro.

A circula��o do livro aconteceu em todo o Brasil.

Mas, como se d� a produ��o, a recep��o e a circula��o no interior do

livro? Como se comporta no interior da enuncia��o, o conte�do tem�tico?

Ao partirmos do pressuposto de que a biogra..a-reportagem foi
constru�da a partir das declara��es de Silvio para jornais, revistas, livros e
televis�o, come�a da� tamb�m o processo de idealiza��o do livro: por meio


da circula��o. Circularam no �mbito da sociedade declara��es,
depoimentos, atos de fala que adv�m de momentos hist�ricos e sociais da
vida de Silvio Santos: um her�i nacional.

Apresentaremos os excertos enunciativos que correspondem a cada
ve�culo de circula��o e divulga��o que comp�em um cen�rio nacional e
hist�rico � alguns desses jornais e revistas n�o est�o mais em circula��o �,
em sua maioria divulgados pela atividade sociopro..ssional do jornalismo:
esfera de atividade humana jornal�stica.

Circula��o � Jornal O Estado de S. Paulo, 7 de janeiro de 1990:

Desde garoto, quando era camel�, j� reunia gente. Existe uma diferen�a
muito grande entre o chamado marreteiro atual e o camel� de antigamente.
Antigamente, �ramos s� dez no Rio, mas o camel� era aquele que colocava a
seu redor, fazendo m�gica ou falando sobre o produto que tinha para vender,
umas 100, 200 pessoas. Eu era praticamente um animador de rua. Ent�o por
intui��o ou por natureza, quando parava e come�ava a conversar, as pessoas
iam parando e ouvindo o que tinha a dizer. (MORGADO, 2017, p. 30).

N�o podemos dizer como a sociedade recebeu as declara��es de Silvio,
mas podemos eleger um representante social: Morgado. � pela narrativa
biogr�..ca de Morgado (2017) que podemos desenhar sua recep��o social:
por meio da intertextualidade manifesta:

Al�m de carteiras, passou a vender outros artigos, como bijuterias, bonecas
dan�antes, canetas e at� rem�dio para calos. Seu contato com os pedestres
tamb�m mudou. Trocou a gritaria pela conversa descontra�da,
emoldurada por um grande sorriso. Atra�a multid�es em torno de si com
piadas e pequenos n�meros de m�gica, tirando moedas e da orelha de
quem quer que fosse, por exemplo. Al�m disso, destacava-se tamb�m pela
sua hist�ria: ao contr�rio dos outros camel�s, ele era estudante e fazia
quest�o de contar que trabalhava para pagar suas despesas e, assim ajudar
sua fam�lia. Isso comovia as pessoas que pediam aos guardas que n�o
repreendessem o garoto. (MORGADO, 2017, p. 16).

A intertextualidade manifesta na narra��o biogr�..ca de Morgado
(2017, p. 16) est� neste recorte: �Trocou a gritaria pela conversa
descontra�da, emoldurada por um grande sorriso. Atra�a multid�es em


torno de si com piadas e pequenos n�meros de m�gica, tirando moedas e da
orelha de quem quer que fosse, por exemplo.�.

Chama-nos aten��o a aprecia��o do autor: conversa descontra�da,
emoldurada por um grande sorrido. Atraia multid�es... Morgado
entendeu assim este enunciado de Silvio: �Antigamente, �ramos s� dez no
Rio, mas o camel� era aquele que colocava a seu redor, fazendo m�gica ou
falando sobre o produto que tinha para vender, umas 100, 200 pessoas. Eu
era praticamente um animador de rua.� (MORGADO, 2017, p. 30).

Inferiu que Silvio tinha uma conversa descontra�da e um grande
sorriso e, por isso, atraia multid�es.

Temos ainda a infer�ncia de um adv�rbio de inclus�o: at� rem�dio para
calos. O adv�rbio � um elemento da signi..ca��o que agrega na sua rela��o
com o conte�do tem�tico.

Trata-se, portanto, de uma recep��o no interior da enuncia��o, do
enunciado proferido por Silvio e posto em circula��o pelo jornal Estado de
S�o Paulo. A narrativa biogr�..ca constru�da a partir desse enunciado de
Silvio coloca tamb�m o conte�do tem�tico intr�nseco � vida de Silvio Santos
em circula��o.

Vejamos mais exemplos de produ��o, de recep��o e de circula��o na
biogra..a-reportagem do �patr�o�.
Circula��o � Revista do R�dio, 23 de outubro de 1965:

Ganhei muito dinheiro com isso. Mas a barca entrou no estaleiro para sofrer
reparos e eu n�o poderia ..car parado. Mudei-me para S�o Paulo, onde
ingressei na R�dio Nacional. Se n�o tivesse feito isso seria um desastre, pois
at� agora a barca est� no concerto. (MORGADO, 2017, p. 33).

A recep��o e a produ��o de Morgado (2017) no desenvolvimento da
narrativa biogr�..ca do enunciado de Silvio foram as seguintes:

Esse neg�cio, que parecia promissor, logo sofreria um golpe: com problema
no eixo, a barca, onde estava o bar, foi parar no estaleiro. O tempo previsto
para o concerto era de, no m�nimo, tr�s meses. Tempo demais para esperar
Silvio precisava pensar em uma alternativa, pois tinha contra�do uma d�vida
para trocar o bar por um com melhores materiais, agora com a�o inoxid�vel.


Foi quando um diretor da Antarctica lhe fez o convite para conhecer S�o
Paulo e ele aceitou. (MORGADO, 2017, p. 19).

No �mbito da signi..ca��o, chama aten��o os verbos: parecia e
sofreria. Parecia promissor � uma combina��o que sugere um ju�zo de valor,
por exemplo: aparenta ser promissor, mas n�o �. S�o verbos no pret�rito
imperfeito que dialogam com a lembran�a de Silvio Santos sobre o ocorrido.
Trata-se de uma narrativa retrospectiva em prosa caracter�stica do g�nero
biogra..a.

A signi..ca��o ocorrer� sempre pelo sistema da l�ngua, fonol�gico,
morfol�gico e sintagm�tico, pelo seu estilo verbal. Ela se relaciona
diretamente com o tema, mas est� em uma inst�ncia inferior: o conte�do
tem�tico caracteriza-se n�o pela rela��o entre signo e signi..cado, e sim pela
ideologia. O conte�do tem�tico � um signo ideol�gico.

Circula��o � Revista A Cr�tica, 1969:

Bom, o Ba� precisa de um impulso de publicidade pra poder ir pra frente.
Ent�o eu fui fazer propaganda do Ba�. Ent�o precisava de uma ag�ncia de
publicidade que cuidasse disso. A� a ag�ncia n�o podia ..car �nica e
exclusivamente com a conta do Ba�. Seria muito gasto pra isso. Ent�o
come�amos a pegar outras contas e a ag�ncia ..cou aut�noma. Depois, a
gente resolveu dar casas de pr�mio. E nos compr�vamos as casas. Mas as
construtoras nunca entregavam as casas no dia certo. Ent�o montamos uma
construtora. Bom, seria desperd�cio que essa construtora ..casse s�
construindo casas pra dar pr�mio. Ent�o montamos o credi�rio. Mas tinha
muita gente que n�o tinha dinheiro pra comprar ou para gozar dos
descontos quando a casa � comprada � vista. Montamos uma ..nanciadora.
Mas a ..nanciadora, justamente por ser uma ..nanciadora, n�o poderia ..car
unicamente ..nanciando os crediaristas e compradores de nossas casas.
Ent�o passamos a ..nanciar todo mundo que nos procurasse, como qualqueroutra ..nanciadora. � muito mais simples fazer as coisas assim completas.
(MORGADO, 2017, p. 35-36).

Recep��o e produ��o de Morgado (2017) na narrativa biogr�..ca:

Uma das novidades que Silvio implantou foi um calend�rio de sorteios,
premiando os clientes que estivessem �rigorosamente em dia� com as
mensalidades. Assim, combatia a taxa de inadimpl�ncia. Isso demandou
melhorias na estrutura administrativa do neg�cio e amplia��o dos
investimentos em propaganda. Por isso, em 1962, foi constitu�da a


Publicidade Silvio Santos: a ag�ncia priorizava a comunica��o do Ba�, al�m
da produ��o e comercializa��o dos seus programas de televis�o.
O tempo que sorteava bonecas Estrela e jogos de jantar Nadir Figueiredo
tinha ..cado pra tr�s. Agora, eram entregues casas. Havia, por�m, um s�rio
desa..o a ser superado. A legisla��o exigia que essas casas j� estivessem
constru�das antes de serem sorteadas. Mas qual construtora conseguiria
atender a demanda do Ba�, que entregava, no m�nimo, um im�vel por m�s?
N�o houve outro jeito: a solu��o foi montar a Construtora e Comercial NF
Ltda. E, para manter os oper�rios sempre trabalhando, novos
empreendimentos, para clientes externos, tamb�m come�aram a ser
lan�ados. (MORGADO, 2017, p. 21-22).

A inter-rela��o entre a signi..ca��o e o tema se d� pela palavra e pelo
discurso. A signi..ca��o revelar-se-� no interior de um tema constitu�do
materializado pela enuncia��o.

A biogra..a-reportagem tem um grande conte�do tem�tico, que � a
vida de Silvio Santos. � subdividida em v�rios eixos tem�ticos: um deles � o
de neg�cios. A narrativa biogr�..ca, produ��o e recep��o de Morgado (2017)
� bastante informativa, traz informa��es novas. Contudo, o que nos chama
aten��o � a intertextualidade constitutiva na narrativa biogr�..ca:
�rigorosamente em dia�. A signi..ca��o, de ordem estil�stica, aparece no
interior do tema, pelas palavras � criadas pelo Silvio Santos � e resulta na
investiga��o da palavra e/ou express�o ideol�gica nas condi��es contextuais
da enuncia��o.

Circula��o � SBT, 21 de Fevereiro de 1988:

Nesta temporada de 88, eu vou fazer 5 horas [de programa] e o Gugu 4. Na
temporada de 89, eu farei 3 horas e o Gugu 6. Na temporada de 90, eu farei 1
hora, 1 hora e meia do Ba�, e o Gugu faz o restante. Ao entrar nos 61 anos
[de idade], eu vou fazer Miss Brasil, Trof�u Imprensa e mais alguns shows
para satisfazer a minha vaidade de homem de televis�o. Paro. N�o quero
mais. (MORGADO, 2917, p. 96).

Recep��o e produ��o de Morgado (2017) na narrativa biogr�..ca:

Os milhares de horas de grava��o, somados �s atividades de empres�rio,
consumiram parte da sa�de de Silvio. Nos anos 1980, enfrentou problemas
no cora��o, no joelho, na pr�stata, no olho e na garganta. Chegou a
abandonar uma grava��o por n�o ter mais voz para continuar. Diante disso,
pensou em abrir m�o da sua carreira art�stica quando completasse 60 anos


de idade para dedicar-se ao SBT, �s outras empresas e, como dizia, �
comunidade. Com esse objetivo, decidiu, em 1988, dividir parte da sua
programa��o dominical com Gugu Liberato, que trouxe de volta da Globo.
(MORGADO, 2017, p. 67).

A signi..ca��o relaciona-se com esse eixo tem�tico, que � Silvio Santos
artista, por uma caracter�stica espec�..ca de ordem enunciativa, pelo
discurso indireto e pela intertextualidade constitutiva: �Diante disso, pensou
em abrir m�o da sua carreira art�stica quando completasse 60 anos de idade
para dedicar-se ao SBT, �s outras empresas e, como dizia, � comunidade.�
(MORGADO, 2017, p. 67). Comunidade � uma palavra usada por Silvio. A
rela��o entre a signi..ca��o e o conte�do tem�tico se d� pela palavra est�vel
e dur�vel, que pode ser ressigni..cada pelo conte�do tem�tico.

Circula��o � Depoimento de Silvio Santos para o livro 50 anos da TV
no Brasil organizado por J.B de Oliveira Sobrinho, Boni (2000): �Consegui
ser dono de televis�o por acaso, n�o foi uma coisa perseguida por mim.�
(MORGADO, 2017, p. 120).

Recep��o e produ��o de Morgado na narrativa biogr�..ca:

Apesar de ter dito em v�rias entrevistas que tornar-se dono de televis�o
nunca esteve em seus planos, essa ideia come�ou a ser ventilada ainda nos
anos 1960, poucos anos depois de ter lan�ado o programa Silvio Santos.
(MORGADO, 2017, p. 99).

Circula��o � Jornal do Brasil, 1 de novembro de 1989: �Depois de
cuidar da in..a��o vou cuidar da sa�de, da habita��o e da educa��o, nesta
ordem.� (MORGADO, 2017, p. 160).

A recep��o e produ��o de Morgado (2017) que dialoga com esse
enunciado de Silvio Santos (acima) utiliza o discurso direto do pr�prio
Silvio no limiar da narrativa, que caracteriza outro modelo na rela��o
signi..cado e conte�do tem�tico. O eixo tem�tico � o da pol�tica, em
detalhes:

Suas promessas de campanha eram t�o vagas quanto agressivas.
Eu pretendo imediatamente fazer com que melhore a alimenta��o do nosso
povo, melhorem as condi��es do nosso povo, melhorem as condi��es de


habita��o do nosso povo, melhorem as condi��es de educa��o de nosso
povo. Eu pretendo imediatamente atacar a in..a��o, diminuir a in..a��o, e eu
pretendo imediatamente aumentar o sal�rio m�nimo. (MORGADO, 2017, p.
150).

Circula��o � Jovem Pan, 31 de agosto de 2001:

Eu posso garantir a voc� que se o governador [Geraldo Alckmin] n�o fosse
ontem a minha casa, eu tenho certeza, n�o � um palpite, eu poderia morrer,

o Fernando [Dutra Pinto, sequestrador] certamente morreria e mataria tr�s
ou quatro policiais que l� estavam. (Morgado, 2017, p. 175).
Recep��o e produ��o de Morgado no eixo tem�tico Vida pessoal:

Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em c�rcere privado dentro de
sua casa pelo sequestrador de Patr�cia Fernando Dutra Pinto. Durante v�rias
horas, o Brasil e o mundo ..caram de olho na TV, que transmitiu tudo ao
vivo. O caso s� chegou ao ..m quando o governador de S�o Paulo Geraldo
Alckmin, atendendo a um pedido feito por Silvio, foi at� o local e negociou a
rendi��o do bandido. (MORGADO, 2017, p. 171).

Segundo Bakhtin/Vol�chinov (2009), a signi..ca��o dar-se-� pela

palavra e o conte�do tem�tico pelo enredo da enuncia��o e do contexto

s�cio-hist�rico de produ��o. O livro de Silvio Santos, ou seja, a enuncia��o �

subdividida em cinco temas: neg�cios, artista, dono de televis�o, pol�tica e

vida pessoal. Todos esses temas se agrupam em detrimento de um �nico

grande tema: a vida de Silvio Santos, sua trajet�ria biogr�..ca.
O tema neg�cios:

Silvio apostou que o Ba� seria um bom neg�cio, caso fosse bem
administrado. Por esse motivo, promoveu diversas mudan�as e os resultados
logo apareceram. Assustado, Manuel decidiu sair da sociedade e entregar sua
parte a Silvio, que fez quest�o de pag�-lo. Finalmente, em 1961, Senor
Abravanel tornou-se acionista majorit�rio da empresa, que, em 28 de junho
de 1963, transformou-se em BF Utilidades Dom�sticas e Brinquedos.
(MORGADO, 2017, p. 21).

O tema artista:

Finalmente, pela TV Paulista, �s 12 horas de 2 de junho de 1963, entrou no
ar pela primeira vez o Programa Silvio Santos. �Pr�mios brincadeiras e
melodias se re�nem nesse programa, que ter� a dura��o de duas horas e
meia�, registrou a Folha de S. Paulo no dia da estreia.


N�o demorou muito para o Programa Silvio Santos se revelar um sucesso de
p�blico. Quando comemorou seu primeiro ano no ar, j� tinha o dobro de
tamanho original e lotou o gin�sio do Pacaembu em um especial realizado
em 14 de junho de 1964. Nessa �poca Silvio comandava cinco atra��es:
Cuidado com a Buzina, Pra Ganhar � s� Rodar, Pergunte e Dance e Tribunal
de Sucessos. (MORGADO, 2017, p. 59).

O tema dono de televis�o

Finalmente, em 22 de outubro de 1975, o presidente Ernesto Geisel assinou o
decreto n� 76.488, que outorgava � TV Studios Silvio Santos LTDA:
�concess�o para estabelecer uma esta��o de radiodifus�o de sons e imagens
(televis�o)� na cidade do Rio de Janeiro. Era a certid�o de nascimento do
canal 11. A cerim�nia que o..cializou a outorga ocorreu dois meses depois,
no gabinete do ministro das Comunica��es. Manuel de N�brega, na
qualidade de diretor superintendente da nova esta��o, fez quest�o de cruzar
os mais de mil quil�metros que separam s�o Paulo de Bras�lia para participar
da solenidade, apesar da sa�de muito debilitada. Ap�s ouvir os discursos que
Quandt de Oliveira e Silvio Santos haviam feito de improviso, ele tirou do
bolso do palet� um texto que havia datilografado.

� E podemos a..rmar que toda a classe radialista e todos os artistas detelevis�o no Brasil est�o vibrando no dia de hoje. E com justa raz�o. � a
primeira vez na hist�ria brasileira que um canal de televis�o � dado a um
punhado de artistas brasileiros. Sim, senhor ministro, em cada um de n�s,
diretores do canal 11, h� um animador, um ator, um redator, um produtor,
um artista de televis�o. (MORGADO, 2017, p. 102).
O tema pol�tica:

Foi ent�o que, em 6 de mar�o, Silvio fez outro Show de Calouros antol�gico.
Ao vivo ouviu a opini�o de diversas pessoas sobre se deveria ou n�o se lan�ar
� prefeitura. A maioria, inclusive sua esposa, Iris, se op�s. Um dos �nicos
favor�veis foi J�nio Quadros, tratado como �g�nio� pelo apresentador.
Tamb�m apresentou uma lista de 12 perguntas a que o PFL deveria
responder. Questionou, por exemplo, se poderia continuar animando seus
programas de domingo. (MORGADO, 2017, p. 143).

O tema vida pessoal:

Por diversas raz�es, Silvio Santos alimentou o m�ximo de mist�rio em torno
de sua vida pessoal. Uma dessas raz�es � a seguran�a. Durante o Show de
calouros de 21 de fevereiro de 1988, deu a seguinte resposta para uma
telespectadora que perguntou o porqu� de ele n�o mostrar a fam�lia na
televis�o:

� Eu coloco a minha fam�lia em risco se ela aparecer na televis�o. Eles
podem querer fazer alguma coisa que n�o devem com a minha fam�lia e o

artista sou eu. (MORGADO, 2017, p. 165).

A rela��o s�cio-hist�rica de produ��o, de forma direta, na biogra..areportagem,
se deu pela rela��o entre os enunciados de Silvio e a constru��o
narrativo-biogr�..ca de Morgado (2017) na cena midi�tica brasileira. Se
pensarmos na psicologia s�cio-hist�rica de Vygotsky, em que, grosso modo,
as rela��es humanas, no decorrer da vida do indiv�duo e no seu
desenvolvimento humano, dar-se-�o pelas rela��es sociais que esse
indiv�duo mant�m durante a vida, podemos inferir que a biogra..areportagem
de Morgado (2017), cujo tema central � a vida de Silvio Santos, �
uma enuncia��o recheada das rela��es humanas constitutivas de Senor
Abravanel ao longo de sua vida: inclusive a rela��o autoral entre Morgado e
Silvio Santos.

Em cada tema da biogra..a-reportagem de Silvio, vislumbraremos a
rela��o do Homem do Ba� com os mais diversos personagens de sua vida.

No tema neg�cios, por exemplo, h� a rela��o de Silvio com os pais
Alberto e Rebecca, que levou Silvio a trabalhar, pois n�o queria depender
dos pais para comprar aquilo que desejasse. Ainda h� a rela��o com o
homem que viu gritando na rua vendendo, um camel�, que o inspirou a
vender as carteiras de t�tulo de eleitor. H� a rela��o propulsora de Silvio com

o diretor da ..scaliza��o da prefeitura, Renato Moreira Lima, que prendia
camel�s por crime de vadiagem e pediu que Silvio fosse procurar um amigo
na R�dio Guanabara. Houve a sociedade de um bar com o cunhado de Hebe
Camargo. A amizade com Manuel de N�brega. A rela��o com seus
assessores, em especial com Luiz Sandoval e Mario Albino Vieira. O
encontro com Henrique Meireles, ent�o ministro da fazenda, e com o
presidente Lula, para discutir o assunto de seu banco, o PanAmericano etc.
O tema artista tamb�m � recheado de rela��es humanas. � mencionada
a primeira rela��o sexual de Silvio Santos, que foi com uma prostituta. A
in..u�ncia pro..ssional do animador C�sar Alencar, que Silvio gostava de
ouvir. Sua rela��o com os radialistas, Jorge Curi e o produtor Mario Ramos;


a oportunidade dada por Silveira Lima. O incidente com Paulo Carigi, que
levou Silvio a ser demitido da R�dio Continental. Ainda quando Silvio
trabalhou com Fernando de N�brega, irm�o de Manuel de N�brega, que deu
uma carta de recomenda��o para que ele entregasse a Manuel. E quando foi
aprovado no teste para a R�dio Nacional por Demerval Costa Lima. A
rela��o com o j�ri do Show de Calouros: Aracy de Almeida, Pedro de Lara,
Flor, Sonia Lima, D�cio Piccinini, Nelson Rubens, Antonio Fonzar, Wagner
Montes, Wilza Carla e S�rio Malandro; quando come�ou trabalhar com seus
dois auxiliares de toda uma vida, Roque e Lombardi, e assim por diante.

O mesmo acontece nos temas dono de televis�o, pol�tica e vida pessoal:
a rela��o de Silvio com os artistas, com pol�ticos e com a pol�tica e, tamb�m,
com o sucesso, a f�, a viol�ncia e a fam�lia.

O tema realiza-se pela ocorr�ncia de enunciados anteriores � as frases
enunciadas por Silvio � que perpassam o discurso � a narra��o biogr�..ca �
pelo pr�prio discurso em uma enuncia��o concreta, o livro.

Os formalistas russos consideram que o tema acontece da liga��o entre
frases isoladas, de acordo com o signi..cado, signi..cado este que constr�i
uma unidade tem�tica. O c�rculo bakhtiniano discorda disso e pondera
justamente o seu oposto: a partir da l�ngua, palavras, frases, per�odos, o todo
do enunciado se apresenta, e, da�, nasce o tema, que � apresentado
discursivamente. Ou seja, �o tema � insepar�vel tanto do todo da situa��o do
enunciado quanto dos elementos lingu�sticos.� (Medvi�dev, 2012, p. 196).

O tema da biogra..a-reportagem de Silvio Santos � a vida amparada por
suas rela��es sociais e por sua ideologia, valores pessoais, f�, no que acredita,
divulgados por meios de comunica��o que propiciaram uma circula��o,
uma recep��o e uma produ��o.

Os componentes de car�ter verbal do tema de..nem a signi..ca��o, que
� uma forma n�o s� de se apropriar, mas tamb�m de designar o tema �
todavia, nunca ser� o pr�prio tema.


O g�nero do discurso biogra..a-reportagem � constitu�do pelo todo, ou
seja, pelo tema, pela sua signi..ca��o, pelos componentes verbais, pelo estilo,
mas, sobretudo, por sua constru��o composicional.

Se o tema liga o g�nero ao discurso, o estilo verbal liga o signi..cado ao
tema, e, portanto, o estilo do g�nero do discurso biogra..a-reportagem �
constitutivo da forma.

5.3.2 O ESTILO
Existe na biogra..a-reportagem pelo menos tr�s concep��es de estilo. A
conceitua��o de Bakhtin (2010), que menciona o estilo pela proposi��o:
recursos lexicais, fraseol�gicos e gramaticais da l�ngua; as ..guras de
linguagem, que inclu�mos nessa perspectiva por meio da elocutio ret�rica. E
temos ainda a importante conceitua��o de Bakhtin/Vol�chinov (2009) de
estilo como manifesta��o estil�stica no discurso de outrem.

Comecemos a sinalizar pelos recursos lexicais, neste momento, mais
precisamente os verbos: o estilo verbal do g�nero do discurso biogra..areportagem.


Levando em considera��o a caracter�stica do g�nero biogra..a, um
g�nero narrativo, retrospectivo e em prosa, os verbos deveriam se encaixar
nas varia��es do passado: pret�rito perfeito, pret�rito imperfeito, pret�rito
mais que perfeito, futuro do pret�rito e assim por diante. Mas h�, na
biogra..a-reportagem, algumas varia��es verbais, principalmente no
cap�tulo 1 introdut�rio: O homem por tr�s do sorriso. Isso se deve
provavelmente por Silvio Santos estar vivo no momento em que o livro de
Morgado foi escrito. Todavia, � importante desenhar essa trajet�ria verboenunciativa
cambiante, j� no come�o do livro.

Por exemplo:

Independentemente de se considerar mais comerciante ou mais artista, o
pro..ssional Senor Abravanel conhecido pelo nome de Silvio Santos,
cristalizou-se como elemento relevante da cultura popular. Qualquer


brasileiro sabe cantarolar a m�sica que anuncia seu programa, imitar sua
gargalhada e repetir os seus bord�es. Muitos pontuam fases da vida com as
atra��es apresentadas por ele e sonham com a fortuna prometida em seus
programas. (MORGADO, 2017, p. 09).

O excerto acima come�a com o verbo �considerar� no in..nitivo
relacionado a Silvio Santos. Depois, aparece o verbo �conhecido� no tempo
passado, partic�pio passado, e, em seguida, o verbo �cristalizou-se�,
conjugado no pret�rito perfeito, auxiliado pela part�cula apassivadora �se�.

Para tratar da hist�ria de vida de Silvio Santos no par�grafo inicial, o
autor Morgado (2017), teve que recorrer a tr�s tempos verbais
progressivamente.

Quando o autor passa a referir-se aos brasileiros � �Qualquer brasileiro
sabe cantarolar a m�sica que anuncia seu programa, imitar sua gargalhada e
repetir os seus bord�es.� (MORGADO, 2017, p. 09) �, o tempo verbal � o
presente do indicativo: Silvio vive o dia a dia junto dos seus contempor�neos

� social de costumes: �anuncia�, �sonham�. Mas a narrativa retrospectiva
tamb�m continua e se faz presente, ainda ligada � narrativa dos brasileiros,
no par�grafo, pelos verbos �apresentadas� e �prometida�, que est�o no
partic�pio passado. No exemplo: �Muitos pontuam fases da vida com as
atra��es apresentadas por ele e sonham com a fortuna prometida em seus
programas.� (MORGADO, 2017, p. 09).
Curiosamente, o par�grafo seguinte come�a com os verbos no presente
do indicativo: �De fato, Silvio Santos � um comerciante. Vende sonhos
embalados em um sorriso que, diante das c�meras, parece indestrut�vel.
Contudo, ele vai al�m.� (MORGADO, 2017, p. 09).

Na continua��o do mesmo par�grafo, o posicionamento verbal muda
para o passado: �Gra�as � sua persist�ncia e, por que n�o dizer, insist�ncia,
construiu uma carreira que dura mais de sete d�cadas, sendo cinco delas �
frente do programa de televis�o que leva seu pseud�nimo e � sin�nimo de
domingo.� (MORGADO, 2017, p. 09). Aparece �construiu�, no pret�rito


perfeito e pela primeira vez um ger�ndio � �sendo� �, que aparecer� com
recorr�ncia durante todo o livro.
A terceira parte do par�grafo come�a com um verbo no pret�rito
perfeito: �chegou�:

Chegou a animar mais de dez horas ao vivo, entremeando sorteios
milion�rios com gincanas infantis, brincadeiras com artistas, desa..os ao
conhecimento, c�meras escondidas, oportunidades para calouros, n�meros
musicais e pedidos de namoro. Forjou um estilo que resiste a variedade e ao
tempo. Serve de exemplo para outros apresentadores que desejam alcan�ar
um sucesso t�o reluzente quanto s�o as joias usadas pelo Patr�o, um dos
apelidos de Silvio. (MORGADO, 2017, p. 09-10).

O par�grafo termina com um verbo no pret�rito perfeito � �forjou� � e,
em seguida, Morgado (2017) ..naliza o par�grafo apropriando-se de uma
coer�ncia estranha: volta a narrativa para o presente do indicativo com os
verbos �resiste�, �desejam�, �serve�, e �s�o�, formato inicial do par�grafo.

No 3� e 4� par�grafos, ainda do primeiro cap�tulo, o estilo verbal varia
essencialmente entre o pret�rito perfeito e o presente do indicativo.
Vejamos 4� par�grafo:

Entre o artista e o empres�rio, est� o homem. Carioca, casado, pai de seis

..lhas e que se declara conservador, apesar de comandar uma rede de
emissoras que, por diversas vezes, deixou de lado qualquer conservadorismo
na hora de lutar por mais pontos de audi�ncia. (MORGADO, 2017, p. 10).
No 5� par�grafo, essa instabilidade verbal continua, entre passado e
presente, pois apresenta ainda o verbo �ter� no presente do subjuntivo �
�tenha� � com um auxiliar, o verbo �ser� no partic�pio passado: �sido�.
Todavia, � nesse par�grafo que come�a uma preponder�ncia maior de
verbos no ger�ndio:

Essa, ali�s, parece ser a sua faceta mais complexa. Para ele ser dono do SBT
n�o � o mesmo que ser dono de qualquer outra coisa � ainda que essa coisa
tenha sido um banco, por exemplo. Silvio Santos considera que a televis�o �
�o seu neg�cio�. Foi o primeiro artista da tela a formar sua pr�pria rede. A
partir de um show dominical, fez brotar uma grade inteira de programa��o,
revelando um estilo t�o fren�tico quanto conectado com a massa. E essa
conex�o se d� pelas formas mais inusitadas passando sucessivos epis�dios


da A pantera cor de rosa, at� o cap�tulo da novela concorrente acabar,
exibindo o J� Soares Onze e Meia s� depois da meia noite ou adotando
Chaves como solu��o infal�vel para atrair espectadores a qualquer hora do
dia ou da noite. (MORGADO, 2017, p. 10).

No 6� par�grafo, o presente do indicativo aparece novamente na
narra��o referindo-se a outrem, entretanto, a narrativa retrospectiva � bem
marcada por dois verbos no passado, como podemos ver:

Em longo prazo, atos assim poderiam desgastar a imagem de qualquer um,
mas com ele, e apenas com ele, tudo isso produz o efeito contr�rio em uma
parcela expressiva do p�blico. Cada arroubo parece cobrir-se com uma capa
de genialidade que, al�m de surpresa desperta torcida. S�o muitos os que
querem v�-lo vencer, como se os representasse, tanto pela origem simples,
quanto pela identi..ca��o que gera a cada brincadeira animada em seu
audit�rio repleto de povo. (MORGADO, 2017, p. 11).

�Poderiam� � um verbo no futuro do pret�rito usado pela primeira vez
na narrativa, que contempla ainda no mesmo par�grafo o verbo
�representasse�, que est� no pret�rito imperfeito do subjuntivo.

Essa instabilidade de tempo verbal no cap�tulo 1 da biogra..areportagem
n�o � usual do g�nero biogra..a. Morgado (2017) numera como
cap�tulo 1 o cap�tulo introdut�rio, que poderia ser chamado de pr�logo. Em
biogra..as can�nicas, o tempo verbal desses pr�logos est� sempre no
pret�rito e, em sua maioria, a narrativa biogr�..ca tamb�m.

No cap�tulo 2, Neg�cios, o tempo verbal j� est� no pret�rito e divide seu
espa�o com o ger�ndio, recorrente em todo o livro, e com verbos no
in..nitivo.

Vejamos um primeiro recorte do cap�tulo 2, repleto de verbos no
passado que se dividem com verbos no in..nitivo:

Apesar de gostar da ideia de ingressar no mundo art�stico, p�s tudo na
ponta do l�pis e n�o lhe agradou ver o desfalque que essa nova atividade
causava ao seu bolso. No r�dio, atuava at� cinco horas por dia e ganhava um
conto e trezentos por m�s. J� na rua, trabalhava apenas 45 minutos, durante

o hor�rio de almo�o dos guardas, e ganhava 960 mil r�is por dia! Ou seja:
em menos de uma hora como camel�, ganhava quase o que recebia por um
m�s inteiro de trabalho como locutor. Assim, tomou uma decis�o que lhe
pareceu �bvia: voltar para as ruas. (MORGADO, 2017, p. 17).

Percebemos aqui uma maior recorr�ncia de verbos no pret�rito
perfeito: �p�s�; �agradou�; �causava�; �atuava�; �ganhava�; �trabalhava�;
�tomou�; �pareceu�. E verbos no in..nitivo: �gostar�; �ingressar�; �voltar�.
Percebe-se nesse par�grafo uma limita��o da expans�o lexical, j� que o autor
utiliza o verbo �ganhava� tr�s vezes.

Nesse segundo recorte do mesmo cap�tulo 2, ocorre uma incid�ncia
maior de verbos no ger�ndio; todavia, os verbos no pret�rito perfeito s�o
preponderantes:

A adolesc�ncia de Senor dividiu-se entre a vida de camel�, os estudos e os
audit�rios das r�dios, que frequentava apenas no papel de ouvinte. Seu
desejo de ganhar dinheiro, um misto de vontade e necessidade, falava mais
alto nessa fase. Ap�s deixar o servi�o militar obrigat�rio, trocou as cal�adas
pelos escrit�rios, obras e reparti��es p�blicas, nos quais vendia bijuterias,
cortes de tecido e sapatos sob medida. Isso ainda acontece em algumas
reparti��es p�blicas no Rio, onde as pessoas passam de carrinho pelos
corredores e entram vendendo de tudo, principalmente sandu�ches e doces.
Senor acabou retornando ao r�dio, quando passou a adotar o nome art�stico
Silvio Santos. Mas, em paralelo, sempre manteve outras atividades.
Percebendo a monotonia que reinava nas viagens de barca entre o Rio e
Niter�i, resolveu montar um sistema de alto-falantes que funcionava de
segunda a sexta. Foi por conta dessa iniciativa que Silvio, pela primeira vez
na vida, recebeu uma cr�tica da imprensa. (MORGADO, 2017, p. 17).

Nota-se nesse par�grafo que o pret�rito perfeito ainda � preponderante,
por conta mesmo da narrativa retrospectiva, caracter�stica do g�nero
biogra..a. Os verbos que est�o no pret�rito perfeito s�o maioria: �dividiu�;
�frequentava�; �falava�; �trocou�; �vendia�; �passou�; �reinava�; �manteve�;
�resolveu�; �funcionava�; �foi�; �recebeu�. Alguns verbos no in..nitivo:
�ganhar�; �deixar�. Uma incid�ncia maior de ger�ndio: �vendendo�,
�retornando�, �percebendo�. E o que chama aten��o � um verbo no presente
do indicativo, �acontece�, no meio da narrativa retrospectiva. Nota-se uma
inser��o informativa do autor que nos parece mesmo a intromiss�o de um
rep�rter: �Isso ainda acontece em algumas reparti��es p�blicas no Rio, onde
as pessoas passam de carrinho pelos corredores e entram vendendo de tudo,
principalmente sandu�ches e doces.� (MORGADO, 2017, p. 17).


Ainda no cap�tulo 2, Neg�cios, h� um par�grafo que intercala o tempo
passado com o futuro do pret�rito, o partic�pio passado e uma breve
ocorr�ncia de ger�ndio, com uma novidade: verbos no pret�rito mais que
perfeito:

A princ�pio, seriam poucos dias de viagem. Contudo, estimulado pela vaga
de locutor que conseguira na r�dio Nacional, atual Globo, Silvio decidiu

..car. Mas ele ainda tinha uma d�vida a honrar em sua terra natal, ent�o, na
tentativa de conseguir mais dinheiro, levou seu bar para S�o Paulo e o
instalou, em sociedade com um cunhado de Hebe Camargo, ao lado da
emissora onde trabalhava. Durante certo tempo conciliou o microfone com
o balc�o. Mais tarde, conseguiu vender o bar, batizado de Nosso Cantinho,
por 240 mil cruzeiros. Contudo, os ganhos n�o eram su..cientes para ganhar
as d�vidas que contra�ra e teve de abrir mais duas frentes de trabalho: voltou
a corretar an�ncios, lan�ando uma revista de passatempos chamada
Brincadeiras para Voc�,e come�ou a fazer shows em circos. (MORGADO,
2017, p. 19-20).
O par�grafo est� praticamente todo no passado. No futuro do pret�rito:
�seriam�. No partic�pio passado: �estimulado�; �batizado�; �chamada�. No
pret�rito perfeito: �decidiu�; �tinha�; �levou�; �instalou�; �conciliou�;
�conseguiu�; �teve�; �voltou�; �come�ou�. Uma breve ocorr�ncia de ger�ndio:
�lan�ando�. E duas ocorr�ncias do pret�rito mais que perfeito: �conseguira�;
�contra�ra�.

J� nas primeiras linhas da biogra..a-reportagem, uma ..gura de
linguagem � relacionada � elocu��o � � bem presente no texto: a
antonom�sia. Trata-se de um recurso lexical. Segundo Tringali (2014), a
elocutio � quando o discurso desabrochar� pela escolha lexical, das palavras,
ou seja, pela ornamenta��o do discurso.

A ..gura de linguagem por antonom�sia � aquela que �em vez de dizer
�Arist�teles�, digo �Fil�sofo�, porque Arist�teles � o ..losofo por excel�ncia ou
por antonom�sia.� (TRINGALI, 2014, p. 193). Substitui-se o nome pr�prio
por uma qualidade do indiv�duo referente a esse nome pr�prio.

Silvio Santos tem muitos nomes e apelidos que Morgado (2017) utiliza
no intuito de n�o repetir o nome Silvio Santos o tempo todo.


Vejamos um exemplo nos primeiros par�grafos da biogra..areportagem:


Independentemente de se considerar mais comerciante ou mais artista, o
pro..ssional Senor Abravanel conhecido pelo nome de Silvio Santos,
cristalizou-se como elemento relevante da cultura popular. Qualquer
brasileiro sabe cantarolar a m�sica que anuncia seu programa, imitar sua
gargalhada e repetir os seus bord�es. Muitos pontuam fases da vida com as
atra��es apresentadas por ele e sonham com a fortuna prometida em seus
programas. (MORGADO, 2017, p. 09).
Chegou a animar mais de dez horas ao vivo, entremeando sorteios
milion�rios com gincanas infantis, brincadeiras com artistas, desa..os ao
conhecimento, c�meras escondidas, oportunidades para calouros, n�meros
musicais e pedidos de namoro. Forjou um estilo que resiste a variedade e ao
tempo. Serve de exemplo para outros apresentadores que desejam alcan�ar
um sucesso t�o reluzente quanto s�o as joias usadas pelo Patr�o, um dos
apelidos de Silvio. (MORGADO, 2017, p. 09-10).

Nesse exemplo acima, Senor Abravanel,
no primeiro par�grafo, �

conhecido pelo nome de Silvio Santos, n�o h� uma substitui��o por

antonom�sia. Mas, no ..nal, quando Silvio Santos torna-se �Patr�o� e, em

seguida, Silvio Santos torna-se �Silvio�, deu-se a substitui��o por

antonom�sia.
Esse processo ocorre durante todo o livro.

Vejamos outros exemplos:

Silvio s� entrou em um audit�rio de r�dio para atuar, e n�o apenas para
assistir, aos 18 anos. Como n�o podia trabalhar nas ruas, pois achava que sua
posi��o de soldado paraquedista n�o permitia, decidiu voltar ao microfone.
A chance veio pelas m�os de Silveira Lima, que naquele momento,
apresentava na R�dio Mau� o programa Clube do Guri, aos domingos. Era
justamente o dia de folga do soldado Abravanel, 392, que servia na Escola
da Paraquedistas, em Deodoro e aproveitava o tempo livre para participar no
ar, mesmo sem ganhar dinheiro por isso. Ele gostava de apresentar calouros
que tentavam a sorte, com ele, no passado, havia tentado v�rias vezes.
(MORGADO, 2017, p. 54-55).

�Silvio� foi substitu�do por �soldado Abravanel 392�, que con..gura uma

dupla ..gura��o: � concomitantemente antonom�sia pela substitui��o de

�Silvio� por �soldado Abravanel 392� quanto en�lage
por expans�o


sem�ntica. Soldado, que � um substantivo, ganha o per..l de um adjetivo que
quali..ca o Abravanel. Silvio � Abravanel que foi soldado e seu n�mero era

392. A expans�o sem�ntica se d� tamb�m por associa��o entre as palavras
soldado, que pode ser associada a guerreiro, a batalhador, a lutador etc., ao
sobrenome de batismo de Silvio. A en�lage � um recurso gramatical por
difus�o sem�ntica.
Outro exemplo de antonom�sia no cap�tulo 3, Artista:

N�o Satisfeito, Silvio passou a animar programas tamb�m em outros dias da
semana. Em 1964, aos s�bados � tarde da TV Tupi de S�o Paulo, come�ou o
Festival da Casa Pr�pria. Quatro anos depois, nesse mesmo canal, lan�ou
atra��es noturnas, com destaque para aquela que considera sua maior
cria��o: Cidade Contra Cidade. Essa gincana reunia desde provas f�sicas at�
de conhecimento, passando por n�meros art�sticos, concursos de beleza,
a��es comunit�rias e exibi��es folcl�ricas. Com tantas atra��es, o programa
muitas vezes invadia a madrugada e, n�o raro, os telespectadores s�
conheciam o vencedor por volta das quatro horas da manh�. Mesmo assim,
alcan�ava uma audi�ncia t�o grande que foi destaque na edi��o de setembro
de 1969 da revista Realidade.

No domingo, 20 de julho, quando o homem botou o p� na Lua, a televis�o
estava l�, transmitindo diretamente e com uma imagem perfeita, apesar
dos 400.000 quil�metros de dist�ncia. O �ndice de audi�ncia foi a bom
n�vel: 41,4% das pessoas que t�m tev� estavam assistindo ao espet�culo,
enquanto 20% dos aparelhos permaneciam apagados.
[...]
Enquanto isso, sem ir � lua, Silvio Santos conseguiu em S�o Paulo uma
audi�ncia apenas 15% menor (40,4), na sexta-feira, com o programa
Cidade contra cidade. E no domingo o IBOPE marcou 35,8 para o
Programa Silvio Santos, que cou com o segundo e terceiros lugares entre
os programas de maior audi�ncia, perdendo apenas para a transmiss�o
da aventura de Apolo 11.
Outras atra��es que o Homem do Ba� apresentou em sua faixa nobre foram
Sinos de Bel�m, na qual chegava a por a pr�pria vida em perigo ao cumprir
provas t�o arriscadas quanto subir 15 andares em uma escada Magirus sem
prote��o, e Silvio Santos diferente. (MORGADO, 2017, p. 60-61).

O �Silvio� do primeiro par�grafo, que j� � uma abrevia��o de �Silvio

Santos�, � substitu�do por antonom�sia no �ltimo par�grafo por �Homem do

Ba��.


A reportagem da revista Realidade (em negrito) tamb�m apresenta
outra ..gura de linguagem, que s�o as retic�ncias. Entre o par�grafo que
representa o IBOPE do homem pisando na lua e o IBOPE de Silvio Santos,
h� um sil�ncio, que diz pelo n�o dito. Tem for�a ret�rica, impacta e traz uma
sensa��o de import�ncia para o feito de Silvio Santos. As retic�ncias
representam o sil�ncio que diz: Silvio Santos � um evento televisivo t�o bom
ou melhor que o homem pisando na lua.

As retic�ncias aparecem tamb�m em enunciados de Silvio Santos
reportados por Morgado (2017). Vejamos o exemplo dessa declara��o de
Silvio para a Folha de S. Paulo de 21 de fevereiro de 1988: �Por que eu n�o
dou entrevista, n�o concordo com livro sobre mim, com ..lme? Se nenhum
advogado, nenhum m�dico ou professor � cercado de todas essas... �...
regalias, eu tamb�m n�o devo ser.� (MORGADO, 2017, p. 182).

No cap�tulo 4, Dono de televis�o, apresenta dois exemplos de
antonom�sia por substitui��o na mesma sequ�ncia narrativa:

Cerca de seis meses ap�s entrar na Record, a Gerdau decidiu deixar o
neg�cio. Essa seria uma �tima chance para Silvio se seu contrato com a
Globo n�o lhe impusesse uma multa, 25 milh�es de cruzeiros, caso se
tornasse acionista de qualquer emissora de r�dio ou TV. Quem deu a solu��o
para esse impasse foi Demerval Gon�alves, ent�o diretor administrativo do
Grupo Silvio Santos:

� Eu tenho um grande amigo com quem trabalhei 19 anos. � um empres�rio
bem-sucedido, tem mais dinheiro que voc�, e acho que ele compre a Record
pra voc� sem pedir nada em troca.
Joaquim Cintra Gordinho, dono da Companhia Brasil Rural, era f� do
apresentador e se pronti..cou, inclusive, a emprestar o dinheiro da
transa��o, mas isso n�o chegou a ser necess�rio. Como ele morava nos
Estados Unidos, inclu�ram na sociedade outro homem de con..an�a:
Laudelino de Seixas, ex-piloto de Joaquim, que ..cou com 10% das a��es. Ele
seria o informante de Silvio Santos dentro da Record.
Em paralelo a essas transa��es, o Homem do Ba� entrou, em 1974, na
disputa pelo canal 9 de S�o Paulo. (MORGADO, 2017, p. 100).
Morgado (2017), no primeiro par�grafo, usa o nome �Silvio�. Na
continua��o da narrativa biogr�..ca, substitu� Silvio por �apresentador�. Na


sequ�ncia, usa o nome composto �Silvio Santos�, que � substitu�do, no
�ltimo par�grafo, logo em seguida, por Homem do Ba�.
Ainda no mesmo cap�tulo, h� um tropo lexical por expans�o
sem�ntica:

Finalmente, em 22 de outubro de 1975, o presidente Ernesto Geisel assinou o
decreto n� 76.488, que outorgava � TV Studios Silvio Santos Ltda. �concess�o
para estabelecer uma esta��o de radiodifus�o de sons e imagens (televis�o)�
na cidade do Rio de Janeiro. Era a certid�o de nascimento do canal 11. A
cerim�nia que o..cializou a outorga ocorreu exatos dois meses depois, no
gabinete dos ministros das Comunica��es. (MORGADO, 2017, p. 102).

A expans�o sem�ntica se d� por per�frase no termo �certid�o de
nascimento�, que condiz ao nascimento de seres humanos. No caso,
Morgado (2017) usa o termo para expandir semanticamente a outorga da
concess�o de televis�o a Silvio Santos. Troca-se uma express�o por outra.
Dito de maneira condensada, Morgado (2017) poderia ter dito: �nasceu o
canal 11�. � tamb�m uma ..gura de linguagem por alus�o, que consiste na
rela��o entre um termo jur�dico para o registro de nascimento de seres
humanos � �certid�o de nascimento� � para designar o nascimento de um
canal de televis�o.

Nesse cap�tulo 4, Dono de televis�o, Morgado (2017) orna seu discurso
narrativo com algumas ..guras de linguagem.
Vejamos outros dois exemplos de ..guras de linguagem em dois
par�grafos em que o autor aparece bastante:

No dia seguinte � inaugura��o, a transmiss�o teve in�cio �s 18 horas. Ap�s
uma hora de programas educativos, come�ou a ser exibido um epis�dio de
Hazel, que Silvio rebatizou como A Empregada Maluca. Logo ap�s, A
Empregada Maluca. Em seguida, A Empregada Maluca. Depois, A
Empregada Maluca. Trava-se do mesmo epis�dio repetido quatro vezes
seguidas. Quatro vezes seguidas! Eo dono da TVS fez o mesmo com v�rias
produ��es. Para se justi..car, dizia simplesmente dotar o mesmo racioc�nio
das salas de cinema. Assim quem perdesse a primeira exibi��o teria outra
chance para ver.
Entre os enlatados, era exibido o primeiro notici�rio da hist�ria do canal.
Tratava-se do boletim Silvio Santos informativo, com cerca de dois minutos
de dura��o. (MORGADO, 2017, p. 104).


Nesses dois par�grafos, ocorre a substitui��o por antonom�sia do nome
�Silvio� por �dono da TVS�. O autor aparece bastante nesses par�grafos,
inclusive com a exclama��o interativa: �Quatro vezes seguidas!�
(MORGADO, 2017, p. 104).

O autor repete v�rias vezes �A Empregada Maluca� e repete ainda a
express�o �Quatro vezes seguidas� por duas vezes. Morgado (2017) marca a
sua voz, nesse caso, com a ..gura de linguagem hip�rbole. Trata-se do
exagero, de uma supervaloriza��o do que est� sendo dito por meio da
repeti��o, que alude a um movimento das s�ries do SBT, em que s�o
repetidos os mesmos epis�dios v�rias vezes. Morgado (2017) tenta criar
uma imagem dos �enlatados americanos� pela repeti��o e escreve quatro
vezes: �A Empregada Maluca�. O pr�prio termo �enlatados� � um eufemismo
para atenuar a falta de produ��o criativa de programas produzidos pelo
pr�prio SBT � �poca.

A ..gura de linguagem antonom�sia acontece durante todo o livro.
Vejamos mais um exemplo: �Ainda em 1988, outro movimento de impacto:
Silvio trouxe Gugu de volta para a sua rede. Augusto Liberato come�ou a
trabalhar com o Homem do Ba� em 1974, na produ��o de Domingo no
Parque.� (MORGADO, 2017, p. 112).

H�, no mesmo cap�tulo, uma antonom�sia �s avessas. Trata-se de uma
digress�o. Em vez de apresentar a substitui��o do nome �Silvio� e/ou �Silvio
Santos� por �patr�o�, �Homem do Ba��, �dono da TVS�, Morgado (2017)
escreve assim na perora��o: �Conforme as frases revelar�o, a de..ni��o que o
dono do SBT d� para a TV oscila entre trabalho e divers�o, o que leva a
uma conclus�o: para Silvio Santos, televis�o � tudo.� (MORGADO, 2017, p.
119). Substitu� dono do SBT por Silvio Santos e utiliza outro eufemismo:
�para Silvio Santos televis�o � tudo�. O que Morgado quer dizer com �tudo�
�: Silvio Santos v� na sua TV trabalho e divers�o e atenua isso com a
express�o: �televis�o � tudo�. Para o pr�prio Morgado (2017), subentende-se
que televis�o seja um ve�culo de comunica��o de suma import�ncia, por


essa infer�ncia do autor: �televis�o � tudo�. Dizer que a televis�o � tudo �
mais agrad�vel do que dizer que televis�o � um neg�cio lucrativo, � uma
empresa, � trabalho, mas tamb�m � divers�o, especialmente para Silvio
Santos.

Em se tratando da divers�o de Silvio Santos com os seus programas e
com sua rede de televis�o, Morgado (2017) conta como ..cou conhecido o
Topa Tudo por Dinheiro:

O dono do SBT ainda teria muito trabalho pela frente. Em 1991, lan�ou o
Topa Tudo Por Dinheiro, que frequentemente liderava a audi�ncia e ..cou
conhecido nos bastidores como �o recreio de Silvio�. C�meras escondidas
com Ivo Holanda, Ruth Romcy, Gibe, Fernando Benini e outros atores eram
intercaladas com brincadeiras na plateia e no palco. (MORGADO, 2017, p.
68).

Entendemos a express�o �o recreio de Silvio� como um eufemismo
ir�nico. Tratar-se-ia, ent�o, de serem duas ..guras de linguagem trabalhando
concomitantemente: a ironia e o eufemismo. �Recreio� � um momento de
divers�o, de brincadeira, um exerc�cio de lazer, e Silvio Santos sempre foi
muito pro..ssional, como animador e apresentador. Portanto, � uma
indica��o sarc�stica, que alarga os sentidos que s�o unilaterais. Tamb�m h�
uma indica��o eufem�stica, que tenta atenuar a brincadeira, talvez um
pouco exagerada, do patr�o. O ..lme Central do Brasil ilustrou Dora,
personagem protagonista, que vende uma crian�a e compra uma televis�o: a
personagem assiste na nova TV o programa Topa Tudo Por Dinheiro. O
pr�prio nome do programa � ir�nico, uma zombaria.

O cap�tulo 5 Pol�tica
apresenta tamb�m algumas substitui��es por
antonom�sia: as �ltimas do livro.
Vejamos os �ltimos exemplos de antonom�sia:

Em uma din�mica que fazia lembrar o namoro na TV, v�rias legendas
nanicas se ofereceram para Silvio. A escolhida foi o Partido Municipalista
Brasileiro, PMB. Seu fundador, pastor Armando Corr�a, era tamb�m
candidato a presidente pela legenda, com campanha acontecendo no r�dio e
na TV.


Ao anunciar sua entrada no PMB, o Homem do Ba� embaralhou a
campanha por completo. (MORGADO, 2017, p. 146).

E ainda:

A candidatura parecia decolar, mas havia um por�m: as c�dulas de vota��o
foram impressas no in�cio da campanha, antes de Silvio entrar. Ou seja:
quem quisesse votar em Silvio Santos deveria marcar um X ao lado do nome
Corr�a, o 26. Durante os poucos dias que faltavam at� a elei��o, o
apresentador teve de usar o seu poder de comunica��o no r�dio e na TV
para explicar e convencer os eleitores a votarem nele, mas atrav�s de outro
nome. (MORGADO, 2017, p. 147-148).

Antonom�sia de �Silvio� por �o apresentador�.
Na mesma p�gina 148, acontece a mesma substitui��o:


Centralizador, o pr�prio Silvio decidiu que faria toda a campanha do
primeiro turno sozinho e s� contrataria um marqueteiro no segundo turno,
quando esperava continuar contando com o trabalho do Paulo.
Terminada a grava��o do primeiro programa, o apresentador pediu para
assistir o resultado do que havia falado. Gostou do que viu. (MORGADO,
2017, p. 148).


H� uma substitui��o do nome Silvio na mesma p�gina pelo termo �o
patr�o�:

Dessa grava��o, o que mais chamou a aten��o de Paulo Tadeu foi a dura��o:
cerca de 5 minutos e 40 segundos. Silvio havia extrapolado o tempo que o
PMB teria. E ent�o ele mandou cortar um trecho, o que reduziria o total para
5 minutos. Mas ao dar essa ordem, ouviu o seguinte coment�rio do diretor:

� Silvio, n�o s�o 5 minutos de programa direto. S�o 2 minutos e meio de
tarde e 2 e meio � noite.
� Mas ningu�m me avisou disso � reclamou o patr�o, que demostrava n�o
saber como funcionava a mec�nica do hor�rio eleitoral. (MORGADO, 2017,
p.149).
Uma ..gura de linguagem que se apresenta no livro algumas vezes � a
met�fora. A met�fora pode trabalhar simultaneamente nos signi..cados da
palavra e/ou como recursos fraseol�gicos da l�ngua.

J� utilizamos � no come�o deste cap�tulo � um exemplo fraseol�gico e
metaf�rico, que � a express�o Toque de Midas.
Vejamos outros exemplos:


Desde quando estudei Hist�ria da Civiliza��o, li que o povo precisa de p�o e
circo. Durante todos esses anos, desde quando eu era camel�, dei circo ao
povo pra ganhar o meu p�o. E desde os 14 anos que sempre tive muito mais
p�o do que precisei. Ganhava tr�s sal�rios m�nimos num dia.

� SBT, 6 de mar�o de 1988. (MORGADO, 2017, p. 38).
Essa met�fora aparece pela voz de Silvio Santos como autor e garante
ao texto uma escolha lexical de autoria para aquilo que Silvio queria dizer e
disse.

P�o e circo � uma met�fora popular que consiste em a..rmar, neste
caso, que aquilo que o povo realmente precisa � de comida e de divers�o.
P�o associa-se a comida e circo a divers�o. Trata-se do sentido e do
signi..cado entre quatro palavras que coexistem semanticamente: p�o �
comida; circo � divers�o. H� similaridade entre as palavras e tra�os comuns.

Como desenho fraseol�gico, a express�o �P�o e circo� t�m um contexto
social e pol�tico: �O povo vive de p�o e de circo�. Isto �, essa fraseologia
signi..car-se-ia em um contexto social e pol�tico do Brasil, o seguinte: d�
arroz, feij�o e futebol ao povo, que ele n�o te incomodar�. O termo adv�m
do latim �panem et circenses� e sua origem os historiadores atribuem a um
poeta sat�rico romano chamado Juvenal.27

Outra met�fora presente no texto est� nessa narra��o de Morgado
(2017): �No Brasil, Silvio Santos sempre contou com dois �is escudeiros,
personagens indispens�veis em todos os seus programas: Lombardi e
Roque.� (MORGADO, 2017, p. 65). Trata-se de uma express�o popular que
remete a Antiguidade, no que se refere a essa rela��o entre Reis e seus
escudeiros ..�is, protetores incans�veis de seus senhores e seus reinos.
Cervantes popularizou o termo quando elegeu Sancho Pan�a como ..el
escudeiro de Dom Quixote.

Uma express�o utilizada por Morgado (2017) coexiste � met�fora: �A
mosca azul da pol�tica j� picou in�meros comunicadores.� (MORGADO,
2017, p. 141). � met�fora e � express�o idiom�tica e/ou fraseologia. O termo
�mosca azul� originou-se de um poema de Machado de Assis, cuja hist�ria


se d� pela rela��o de um plebeu com uma mosca azul diferente, que tinha as
asas de ouro. O plebeu deslumbrado come�a a sonhar com poder e riqueza,

o que afeta seu senso de realidade e sua racionalidade.
Essa express�o idiom�tica, �mosca azul�, � uma met�fora comumente
utilizada na esfera pol�tica, que, grosso modo, corresponde a uma pessoa,
an�nima, celebridade, que se deixa iludir pelo mundo do poder e do
dinheiro. Pode-se dizer que pol�ticos corruptos, que s�o descobertos
roubando dinheiro p�blico, foram picados pela �mosca azul�.

Olhemos parte desse outro par�grafo:

Mas a disputa mais dura seria travada dentro do partido. O diret�rio
regional se op�s � ideia de lan�ar Silvio como candidato e a dire��o nacional
teve de intervir. Pronto: estava armado o ringue. O gongo soou quando os
dirigentes do PFL paulistano que foram destitu�dos, munidos de uma
liminar concedida pelo Tribunal Regional Eleitoral, TER, convocaram uma
conven��o para escolher os nomes da legenda que disputariam a elei��o.
(MORGADO, 2017, p. 152).

Ocorre duas met�foras de expans�o sem�ntica, relacionadas � luta de
boxe: �armando o ringue� e �o gongo soou�. S�o signi..cados que se
coexistir�o semanticamente. Gozam de tra�os em comum. Essas met�foras
s�o utilizadas para exempli..car a briga que se deu no PFL na ocasi�o.

Outra met�fora encontra-se nessa senten�a: �Nas m�os de Silvio,
Chaves tornou-se um coringa.� (MORGADO, 2017, p. 114). O coringa �
uma carta do baralho poss�vel de ser usada em qualquer situa��o. O Chaves
foi um programa usado por Silvio em diversas situa��es como uma �carta na
manga�, que sempre desestabilizou emissoras concorrentes por sempre ter
dado muita audi�ncia.

Temos no ..nal do livro, no cap�tulo 6, Silvio Santos por ele mesmo,a
presen�a de outras duas ..guras de linguagem pela voz do pr�prio Silvio:

Fui treinado na escola de paraquedistas do Ex�rcito. O meu treinamento foi
esse que voc� viu no ..lme Nascido para Matar, e que deveria chamar-se
Nascido para n�o Morrer, porque todos eles forem treinados para ir ao
Vietn� e n�o morrer. O paraquedista n�o deve falhar, porque quem falha
morre. Deve agir quando � preciso agir.


� Folha de S. Paulo, 21 de fevereiro de 1988. (MORGADO, 2017, p. 186).
O nome do ..lme Nascido para Matar se constitu� por uma contradi��o,
um paradoxo entre as palavras �nascido� e �matar�: morte e nascimento
est�o no extremo oposto; nascimento e morte con..itam semanticamente.
Todavia, de forma pouco po�tica, as duas palavras opostas se harmonizam.
O oximoro se con..rma na sugest�o de Silvio: deveria chamar-se Nascido
para n�o Morrer.

Silvio Santos, ao dizer que o seu treinamento na escola de
paraquedistas foi como no ..lme Nascido para Matar, mas que deveria ter
outro nome, Nascido para n�o Morrer, amplia a compreens�o do signi..cado
das palavras e da senten�a por uma nega��o: trata-se da ..gura de linguagem
l�totes. � uma nega��o �s avessas, que con..rma o essencial do que Silvio
quer dizer: o treinamento da escola de paraquedistas n�o ensina a matar,
mas ensina a n�o morrer.

Existe no livro uma ocorr�ncia de express�o idiom�tica e/ou
fraseologia genu�na:

Tamb�m merece ser mencionada a capacidade de Silvio para batizar seus
programas de forma nada convencional. J� criou desde nomes
desnecessariamente longos, como Cassetadas Engra�adas e Desastradas, at�
outros bem sint�ticos. Chegou, por exemplo, a resumir o velho ditado:
�Quem foi rei nunca perde a majestade� em apenas duas palavras: Rei
Majestade. (MORGADO, 2017, p. 117).

�Quem foi rei nunca perde a majestade� � uma express�o popular,
idiom�tica.

Outra perspectiva poss�vel para o estilo na biogra..a-reportagem � o
discurso de outrem.

Bakhtin/Vol�chinov (2009 [1929]) sinaliza o discurso direto ret�rico, o
discurso direto preparado, o discurso direto esvaziado, o discurso citado
disseminado oculto, o discurso indireto impressionista, o discurso indireto
analisador do conte�do e o discurso indireto analisador da express�o.
Apresenta, ainda, o discurso indireto livre.


Na biogra..a-reportagem, dispomos de algumas dessas manifesta��es
discursivas. Esse g�nero biogr�..co transitou entre o estilo linear e o estilo
pict�rico.

O estilo pict�rico � mais complexo por n�o possuir contornos bem
delineados, visivelmente marcados e separados do corpo do texto. Esse estilo
aparece na tessitura narrativa de maneira sutil.

Vejamos primeiro alguns exemplos de estilo pict�rico na biogra..areportagem
de Silvio Santos:

Silvio tinha viajado para Boston para tratar da sa�de. Passou 15 dias
sozinho, trancado em um quarto de hotel e chorando �como uma
crian�a�, conforme revelou mais tarde. Quando voltou para o Brasil, estava
com a cabe�a mudada. Por pensar que lhe restavam poucos anos de vida,
resolveu aproveit�-los de uma nova forma. Desejava retribuir a aten��o, o
carinho e a corrente de ora��es que seu p�blico lhe dedicou. Mas como?
(MORGADO, 2017, p. 142).

Proveniente de uma intertextualidade constitutiva � �como uma
crian�a� conforme revelou mais tarde �, ou seja, Silvio revelou que tinha
chorado como uma crian�a, esse recorte do par�grafo (em negrito)
caracteriza um discurso indireto analisador da express�o (DIAE). Trata-se
do discurso de Silvio expresso de forma indireta pela voz do narrador:
Passou 15 dias sozinho, trancado em um quarto de hotel e chorando �como
uma crian�a�. (MORGADO, 2017, p. 142). Ao subtrairmos �conforme
revelou mais tarde�, gozamos de uma subjetividade assinalada pelas aspas,
donde emana uma simbiose entre a voz do autor e a voz da personagem. As
aprecia��es de Silvio, que diz ter chorado �como uma crian�a�, s�o colocadas
em primeiro plano no limiar narrativo.

Temos ainda outro exemplo de discurso indireto analisador da
express�o (DIAE):

Em junho de 1989, durante uma conversa em sua casa com os senadores
Marco Maciel e Carlos Chiarelli, decidiu que enfrentaria Aureliano Chaves
na conven��o nacional do partido. Mas, na manh� do dia seguinte, se
arrependeu. Para Arlindo Silva disse que n�o se sentia �sucientemente
motivado para ser candidato�. (MORGADO, 2017, p. 145).


Esse exemplo � diferente do outro, embora ambos sejam DIAE. Aqui o
discurso indireto � marcado pelo pronome relativo �que�: para Arlindo Silva
disse que n�o se sentia �su..cientemente motivado para ser candidato.�
(MORGADO, 2017, p. 145).

A aprecia��o do autor se d� pela presen�a, em primeiro plano, com o
aux�lio das aspas, da voz de Silvio Santos: �su..cientemente motivado para
ser candidato.� (MORGADO, 2017, p. 145). H�, portanto, uma simbiose
subjetiva entre a voz do autor e a voz da personagem. Quem � que fala
�su..cientemente motivado para ser candidato�: Morgado (2017) ou Silvio
Santos? Nesse caso, � a voz de Silvio Santos que est� entre aspas.

Outro exemplo de DIAE est� nesse excerto abaixo, a partir de uma
intertextualidade constitutiva: �Uma das novidades que Silvio implantou foi
um calend�rio de sorteios, premiando os clientes que estivessem
�rigorosamente em dia� com as suas mensalidades. Assim, combatia a taxa
de inadimpl�ncia.� (MORGADO, 2017, p. 21).

A express�o de Silvio �rigorosamente em dia� soa como uma
aprecia��o ir�nica do autor, que se con..rma na senten�a: �Assim, combatia a
taxa de inadimpl�ncia.� (MORGADO, 2017, p. 21). Apresenta Morgado
(2017) uma dissolu��o sarc�stica para a express�o de Silvio. N�o se dissocia,
na tessitura narrativa, a voz de Silvio da Voz de Morgado (2017).

Outra categoria de discurso indireto � o DII: discurso indireto
impressionista. Olhemos o par�grafo abaixo:

Nos dias que se seguiram, a preocupa��o com o estado de suas cordas vocais
e a ansiedade por entrar em um mundo como o da pol�tica, que conhecia
muito pouco ou quase nada, embaralharam os pensamentos de Silvio, que
se afastou do partido e chegou a pensar em desistir. Apesar de tudo,

..nalmente, no Show de Calouros de 13 de mar�o, disse que aceitava ser
candidato. (MORGADO, 2017, p. 144).
N�o h� d�vidas de que se trata de um excerto proveniente do discurso
indireto, pela incid�ncia recorrente do pronome relativo �que�. Fica claro o
discurso indireto no ..nal do excerto por essa senten�a: �Apesar de tudo,


..nalmente, no Show de Calouros de 13 de mar�o, disse que aceitava ser
candidato.� (MORGADO, 2017, p. 144). Caracteriza-se por ser discurso
indireto impressionista pelas aprecia��es do autor na narra��o biogr�..ca do
estado psicol�gico de Silvio.
Morgado (2017), de maneira onisciente-intrusa, diz que Silvio
encontra-se �preocupado�, �ansioso� com os pensamentos �embaralhados�, e
que Silvio �pensara em desistir�. Trata-se da transmiss�o de um discurso que
� interior � narra��o, um discurso dos sentimentos, das emo��es e dos
pensamentos da personagem vistos de uma perspectiva que s� o autor viu.
Morgado (2017) sugere emo��es e pensamentos vividos por Silvio.

Nesse pr�ximo excerto, encontramos tr�s tipos de discurso de outrem,
respectivamente:

Duas semanas ap�s esse programa bomb�stico, Silvio recebeu em sua casa,
no bairro do Morumbi, uma carta assinada por Orlando Dorsa,
administrador regional de Campo Limpo. Nela, o apresentador � tratado
�como o esperado messias�, que reuniria �todas as condi��es de dar
continuidade � majestosa e irrevers�vel administra��o de J�nio da Silva
Quadros, � frente da municipalidade da nossa querida Capital� [sic].
Depois de ler essas palavras, o dono do SBT ligou para Dorsa perguntando se
ele tinha algum partido. A resposta foi positiva: tratava-se do Partido da
Frente Liberal, PFL. No dia seguinte, o ent�o deputado estadual e presidente
do PFL-SP, Inoc�ncio Erbella, apareceu na resid�ncia de Silvio com as ..chas
de ..lia��o, prontamente preenchidas. Em poucas horas, toda imprensa j�
sabia da novidade. Em 4 de mar�o de 1988, as bancas paulistanas
amanheceram com jornais estampando manchetes na capa como �Silvio
Santos no PFL. Quer ser prefeito�, de O Estado de S. Paulo, ou �Silvio
Santos j� no PFL, � prefeitur�vel�, da Folha de S. Paulo. Mas, apesar de toda
essa expectativa, o apresentador comunicou aos jornalistas que s� diria se
seria ou n�o candidato durante o seu programa: �Assistam porque v�o
ajudar a minha audi�ncia�. (MORGADO, 2017, p. 143).

Nesse par�grafo acima, al�m da substitui��o por antonom�sia, ..gura
de linguagem, do nome �Silvio�, por uma qualidade comum a esse nome
pr�prio, que � �o apresentador�, gozamos de dois tipos de discursos
indiretos, o discurso indireto analisador da express�o (DIAE), o discurso


indireto analisador do conte�do (DIAC), que ocorre duas vezes, e um tipo
de discurso direto: o discurso direto preparado (DDP).

Come�aremos a tratar do discurso indireto analisador da express�o
(DIAE) e, portanto, analisaremos o par�grafo de baixo para cima.

Na senten�a: �Mas, apesar de toda essa expectativa, o apresentador
comunicou aos jornalistas que s� diria se seria ou n�o candidato durante o
seu programa�: �Assistam porque v�o ajudar a minha audi�ncia.�
(MORGADO, 2017, p. 143), ..ca evidente o discurso indireto analisador da
express�o (DIAE), assinalado por aspas, que privilegia certa subjetividade:
precisamos estar atentos na leitura para identi..car que essa voz (em negrito)
� realmente a voz de Silvio Santos.

Mais acima no par�grafo, identi..camos outros dois �personagens�, que
viabilizam outro tipo de discurso indireto: o discurso indireto analisador do
conte�do. (DIAC). �Em 4 de mar�o de 1988, as bancas paulistanas
amanheceram com jornais estampando manchetes na capa como �Silvio
Santos no PFL. Quer ser prefeito�, de O Estado de S. Paulo�. (MORGADO,
2017, p.143). E na continua��o desse recorte: �Silvio Santos j� no PFL, �
prefeitur�vel�, da Folha de S. Paulo.� (MORGADO, 2017, p. 143).

As personagens, nesse caso, s�o a Folha de S. Paulo e O Estado de S.
Paulo, personi..cados pelo autor para consubstanciar o discurso indireto.
Esse discurso dos jornais na trama narrativa tem um vi�s claramente
pol�tico, em que o autor resgata essas declara��es por uma orienta��o
ideol�gica que dialoga e justi..ca o tema do cap�tulo: Silvio Santos e a
pol�tica. O autor est� citando o discurso de outrem, inclusive auxiliado pelas
aspas, mas sua inten��o foi, realmente de forma clara, delimit�-lo no interior
da narrativa: sua motiva��o pode ser ideol�gica, mas � essencialmente
tem�tica.

H� no par�grafo outra manifesta��o do DIAC que corresponde �
enuncia��o da carta recebida por Silvio Santos escrita por Orlando Dorsa:


Nela, o apresentador � tratado �como o esperado messias�, que reuniria
�todas as condi��es de dar continuidade � majestosa e irrevers�vel
administra��o de J�nio da Silva Quadros, � frente da municipalidade da
nossa querida Capital�. (MORGADO, 2017, p. 143).

O discurso de outrem, no caso, de Orlando Dersa, � usado por
Morgado (2017) no contexto epistemol�gico do tema pol�tica, em que o
autor cita a carta e o discurso de Dorsa de maneira bem delimitada na trama
narrativa entre aspas. O pronome relativo �que� est� presente tamb�m e
marca de forma vis�vel o discurso indireto. O conte�do da carta � pol�tico e
coloca Silvio Santos como o sucessor de J�nio Quadros. � usada a express�o
metaf�rica �esperado messias�. Trata-se tamb�m de um eufemismo, por
considerar Silvio Santos como um �salvador� do partido para a elei��o. �,
portanto, discurso indireto analisador do conte�do (DIAC), j� que Morgado
(2017) utiliza personagens e suas falas a servi�o de sua orienta��o
sem�ntico-tem�tica ao desenvolver o cap�tulo sobre Silvio Santos na pol�tica,
que respeita uma ideologia: o tema pol�tica.

A �ltima manifesta��o, no mesmo par�grafo, do discurso de outrem,
adv�m de um discurso direto: o discurso direto preparado: �Depois de ler
essas palavras, o dono do SBT ligou para Dorsa perguntando se ele tinha
algum partido. A resposta foi positiva: tratava-se do Partido da Frente
Liberal, PFL.� (MORGADO, 2017, p. 143).

O discurso direto preparado (DDR) se caracteriza pelas fronteiras, que
correspondem ao discurso de outrem, ..carem bastante esmaecidas. Isso se
d�, provavelmente, pelas aprecia��es do autor que prepara o leitor para o
discurso direto: �A resposta foi positiva�. Quando Morgado classi..ca a
resposta como positiva, trabalha com ju�zo de valores. Por que ..liar-se ao
PFL seria positivo? A pr�pria resposta ao telefonema de Silvio Santos �
�tratava-se do Partido da Frente Liberal, PFL.� (MORGADO, 2017, p.
143) � n�o deixa claro no interior do contexto narrativo se quem fala �
Dorsa, que d� essa resposta ao telefonema de Silvio, ou tratar-se-ia de uma


segunda aprecia��o de Morgado (2017) � por exemplo, o partido liberal era
a melhor op��o. A voz � concomitantemente de Morgado (2017) e de Dorsa.

Morgado (2017) prepara o discurso com a aprecia��o de que a resposta
de Dorsa ao telefonema fora �positiva� e o pr�prio autor responde que a
resposta era positiva por se tratar do PFL.

O DIAC aparece em outro par�grafo acrescido por outra variante: o
discurso indireto livre (DIL). Vejamos o par�grafo:

Em 21 de fevereiro 1988, Silvio voltou para diante das c�meras. Fazia um
m�s que n�o animava programas ao vivo. Estava mais magro, usando anel e
pulseira, com penteado diferente e nova pl�stica no rosto. Transformou o
show de calouros em um espa�o em que jurados, telespectadores por
telefone, convidados e plateia poderiam lhe fazer qualquer pergunta,
respondidas, uma a uma, com surpreendente franqueza. Contou, por
exemplo, que no dia anterior havia recebido uma liga��o de Daniel Filho,
ent�o diretor da Globo, amea�ando tirar Mara Maravilha do SBT: assumiu
que escondia suas lhas e seu verdadeiro estado civil para pousar como
gal�; disse acreditar em reencarna��o; e at� contou que perdeu a
virgindade com uma prostituta. Tamb�m anunciou que deixaria os palcos
em 1990 e que at� l�, passaria de forma gradual o comando de seu
programa para Gugu, que havia recontratado alguns dias antes. Com o
espa�o que abriria em sua agenda, desejava fazer �alguma coisa �til para a
comunidade�, mas n�o sabia o qu�. A �nica certeza que expressou naquela
noite era a de que n�o entraria na pol�tica. (MORGADO, 2017, p. 142).

Morgado (2017), por meio do discurso indireto, delimita, no interior
do contexto narrativo, a voz de Silvio Santos (em negrito). Trata-se do
discurso indireto analisador do conte�do (DIAC), dessa vez, utilizado como
ferramenta liter�ria na biogra..a-reportagem para servi�o da orienta��o
tem�tica e sem�ntica do autor, que altera o di�logo interno � narra��o
biogr�..ca � pol�tica � e exp�e particularidades biogr�..cas de Silvio com um
intuito ideol�gico: contar e justi..car como e por que Silvio Santos tentou
candidatar-se, embora, segundo o autor, naquela noite Silvio tinha
expressado que n�o tinha inten��o de entrar para pol�tica.

�Com o espa�o que abriria em sua agenda, desejava fazer �alguma coisa
�til para a comunidade�, mas n�o sabia o qu�. A �nica certeza que expressou


naquela noite era a de que n�o entraria na pol�tica.� (MORGADO, 2017, p.
142). Nesse ..nal de par�grafo, apresenta-se uma das manifesta��es de
discurso indireto livre (DIL).

A voz de Silvio, que est� entre aspas � �alguma coisa �til para
comunidade� �, se n�o estivesse marcada pelas aspas, confundir-se-ia com a
voz de Morgado (2017). Mesmo com as aspas, associado � senten�a seguinte

� �A �nica certeza que expressou naquela noite era a de que n�o entraria na
pol�tica� (MORGADO, 2017, p. 142) �, confundem-se a voz de Silvio e a de
Morgado (2017). Pode ser considerado discurso indireto livre pela
concep��o de Tobler (1887): uma mistura entre discurso direto e discurso
indireto. Todavia, para dialogarmos com a concep��o de Tobler (1887),
necessitar�amos considerar a voz de Silvio entre aspas como discurso direto,
o que n�o � o caso. Aproxima-se mais a express�o �alguma coisa �til para
comunidade� do discurso indireto analisador da express�o (DIAE).
Segundo Bakhtin/Vol�chinov (2009 [1929]), o discurso indireto livre
(DIL) se d� pela apropria��o ativa de uma enuncia��o que � de outrem, ou
seja, se d� pela intera��o entre o discurso narrativo e o discurso citado.

�Com o espa�o que abriria em sua agenda, desejava fazer �alguma coisa
�til para a comunidade�, mas n�o sabia o qu�.� (MORGADO, 2017, p.142).
Essa senten�a, a partir da explica��o do c�rculo de Bakhtin, que considera
que o falante � nesse caso, Morgado (2017) �, ao contar fatos passados
(verbos � abriria, desejava, sabia), introduz a enuncia��o de Silvio, �fazer�
�alguma coisa �til para a comunidade�, com o intuito de mostrar que o
tempo presente � imperfeito, ou seja, � contempor�neo dos acontecimentos
que s�o relatados.

A senten�a que se segue � �A �nica certeza que expressou naquela noite
era a de que
n�o entraria na pol�tica.� (MORGADO, 2017, p.142) � nasce de
um discurso indireto de Morgado (2017), amparado pelo pronome relativo
�que�, acompanhado pela preposi��o �de� por uma quest�o de reg�ncia. A
voz de Silvio nessa senten�a est� oculta, velada, como acredita Kalepky


(1899) ser caracter�stica do discurso indireto livre. � como se Silvio Santos
tivesse dito: �eu n�o entrarei para a pol�tica�. Mas quem disse que Silvio disse
isso, n�o foi Silvio, foi Morgado (2017).

Confunde-se a voz do autor com a voz da personagem na tessitura
narrativo-biogr�..ca, que goza de uma dualidade enunciativa. Na mesma
constru��o sint�tica, manifestam-se duas vozes diferentes: a voz de Silvio e a
voz de Morgado (2017).

Vejamos outro exemplo de discurso indireto livre:

Silvio demorou mais de tr�s meses para registrar por escrito que aceitava
participar da conven��o do PFL e lan�ar-se candidato a prefeito. Tarde
demais. A carta na qual documentava sua decis�o foi, inclusive, devolvida
por Inoc�ncio Erbella. Muitos dos que, no come�o, se mostravam
entusiasmados com a entrada do animador j� tinham se arrependido. Eles
n�o gostaram nada de Silvio declarar que n�o faria qualquer concess�o aos
partidos. (MORGADO, 2017, p. 144).

Podemos dizer que o DIL, nesse caso, se d� pela anastomose entre os
discursos direto e indireto, representados respectivamente pelo verbo
dicendi �declarar� e pelo pronome relativo �que�.

A voz de Silvio se confunde com a de Morgado (2017). Olhemos toda a
senten�a: �Eles n�o gostaram nada de Silvio declarar que n�o faria qualquer
concess�o aos partidos.� (MORGADO, 2017, p. 144). Quem declarou que
n�o faria qualquer concess�o aos partidos? Silvio ou Morgado (2017)?

Morgado (2017), em sua narra��o, parece querer dizer que Silvio
declarou que n�o faria nenhuma concess�o aos partidos.

Outro exemplo na narra��o biogr�..ca de Morgado (2017) de discurso
indireto livre est� tamb�m na jun��o do discurso indireto com o discurso
direto na seguinte senten�a: �Apesar de ter dito em diferentes entrevistas que
tornar-se dono de televis�o nunca esteve em seus planos, essa ideia
come�ou a ser ventilada ainda nos anos 1960, poucos anos depois de ter
lan�ado o Programa Silvio Santos.� (MORGADO, 2017, p. 99). Trata-se da
�apreens�o ativa da enuncia��o de outrem.� (Bakhtin/Vol�chinov,


1929/2009, p. 182). Isso, para os autores, � entendido como discurso indireto
livre, ainda que proveniente de uma intertextualidade manifesta
�acidentada� (Fairclough, 2001, p. 137).

Silvio Santos, como autor, � competente em trabalhar as
intertextualidades manifesta e constitutiva. Por isso, aparecem incid�ncias
em seus enunciados tamb�m de discurso indireto livre. Declara��es dadas a
ve�culos de comunica��o que circulam pelo formato gr�..co e imag�tico,
preponderantemente formatados pela escrita, materializam, nas falas de
Silvio � publicadas pela forma escrita � esse dialogismo de colora��o pouco
linear.

Um exemplo de discurso indireto livre (DIL) est� nesse enunciado de
Silvio publicado pela Folha de S. Paulo em 21 de fevereiro de 1988: �J�
Soares foi nossa grande conquista. Ele veio trazer aquele chantili que, dizem
as classes pensantes, faltava no nosso pudim.� (MORGADO, 2017, p. 128).

Mas, dentre os enunciados de Silvio que mais dialogam com o discurso
indireto livre, pela concep��o de Bally (1912), encontra-se esse:

Vejo [os ..lmes] com minha mulher e fa�o os cortes, aqui mesmo, nesta sala.
Em A Escolha de Sofia, por exemplo, o rapaz pegava a mo�a, levava para o
campo, deitava na grama e ..cava l�: ah, ah, ah! Corta, corta, vamos cortar
esse tro�o. Ele vai com a mo�a para o campo e, no dia seguinte, aparece
dizendo �que foi maravilhoso e tal�. Todo mundo j� sabe que houve sexo.

� Jornal do Brasil, 14 de fevereiro de 1988. (MORGADO, 2017, p. 128).
Nesse excerto acontece separadamente o discurso direto �deitava na
grama e ..cava l�: ah, ah, ah!� (MORGADO, 2017, p. 128); o discurso
indireto livre, composto pelos discursos direto e indireto �Ele vai com a
mo�a para o campo e, no dia seguinte, aparece dizendo �que foi
maravilhoso e tal�.� (MORGADO, 2017, p. 128). � discurso direto pela
marca��o das aspas e a presen�a do verbo dicendi no ger�ndio �dizendo� e,
concomitantemente, discurso indireto marcado pelo �que�: foi a personagem
e o pr�prio Silvio que disseram �que foi maravilhoso e tal�. Todavia, � a
senten�a: Corta, corta, vamos cortar esse tro�o, que nos chama mais


aten��o. Trata-se do que Bally (1912) considera como uma forma extremada
do discurso direto, com a queda do �que�. E, portanto, �Style indirect libre.�
(Bakhtin/Vol�chinov, 1929/2009, p. 185). N�o se sabe se quem diz �corta,
corta...� � a mulher de Silvio ou o pr�prio Silvio. Entretanto, embora n�o
haja uma indica��o clara, sabemos que � o Silvio que est� dizendo �corta...�.

Esse enunciado de Silvio Santos � inteiramente dial�gico e dialoga
igualmente com a conceitua��o de Lerch (1914), em que o fato relatado e o
discurso de outrem emanam do pr�prio autor, neste caso, Silvio Santos. H�
uma vivacidade que � expressa no conte�do do enunciado: Silvio �
personagem, � autor e � no conte�do do enunciado � � tamb�m editor. � o
que Lorck (1921) chamou de �Discurso vivido.� (Bakhtin/Vol�chinov,
1929/2009, p. 189). Ao olharmos a senten�a: �Ele vai com a mo�a para o
campo e, no dia seguinte, aparece dizendo �que foi maravilhoso e tal�.�
(MORGADO, 2017, p. 128), conclu�mos que esse discurso indireto livre �
uma representa��o da personagem, o homem no ..lme, e de Silvio Santos,
expressa de forma direta dentro de seu pr�prio discurso.

Essas manifesta��es do DIAE, do DIAC, do DII, do DDP e do DIL s�o
caracter�sticas do estilo pict�rico. Trata-se de fronteiras discursivas
assim�tricas, aprecia��es do autor no limiar da narrativa, contornos pouco
delineados que de..nem esse estilo em oposi��o ao estilo linear.

Segundo Castro (2014), o discurso direto ret�rico (DDR) � uma das
raras manifesta��es do estilo linear na literatura. O DDR personi..ca e
reproduz nos textos liter�rios, as conversas do dia a dia, as intera��es
verbais, que s�o preparadas por perguntas ou exclama��es de car�ter
ret�rico, que comumente aparece como discurso direto, di�logo e discurso
compartilhado por personagem e autor.

Vejamos esse exemplo:

Silvio sempre deixava o mais surpreendente para o ..nal: ensinar aos

eleitores como deveriam votar nele.

A maior di..culdade minha � que meu nome n�o aparece na c�dula. Voc�s
que desejam votar em mim n�o v�o encontrar o nome de Silvio Santos na


c�dula. Aqui est� a c�dula, voc�s est�o vendo? O nome de todos os
candidatos. Agora, quem pretende votar no Silvio Santos, quem con..a no
Silvio Santos, quem quer dar seu voto para Silvio Santos, deve marcar um X
no 26. Ent�o, 26, Corr�a. S� que n�o � Corr�a. � 26, Silvio Santos.
(MORGADO, 2017, p. 150).

Trata-se de um discurso de Silvio Santos para a TV em que Silvio pede
votos e explica como votar nele. Esse discurso de Silvio � preparado por um
discurso direto preparado (DDP) �Silvio sempre deixava o mais
surpreendente para o ..nal: ensinar aos eleitores como deveriam votar
nele.� (MORGADO, 2017, p. 150). O discurso direto preparado de Morgado
(2017) serve como artif�cio para preparar e inaugurar o discurso direto de
Silvio.

O discurso de Silvio tem uma plasticidade �nica, delineado com um
contorno bem de..nido, citado fora do corpo da narra��o e preparado pelo
DDP, que o antecede. Trata-se de uma singulariza��o, de um exemplo do
estilo linear por discurso direto ret�rico (DDR).

Vejamos outro exemplo na biogra..a-reportagem:

Assim, Silvio realizava seu antigo desejo de oferecer m�dicos e hospitais a
pre�os acess�veis para as camadas populares. O sucesso de vendas foi
imediato, mas acabou provocando uma forte dor na consci�ncia. Certo dia,
ao chegar em casa, encontrou na cal�ada um casal em prantos. O pai disse:

� Seu Silvio, o meu lho morreu...
� Mas morreu de qu�?
� Eu tinha o Clam e ele morreu.
� O Senhor sabe, eu n�o tenho culpa, eu n�o sou m�dico.
� N�o, eu sei, mas o meu lho morreu. (MORGADO, 2017, p. 24).
Esse excerto equivale a um di�logo real, pois � separado do corpo da
narra��o e, portanto, seu estilo, � ret�rico, direto e linear.

Castro (2014) considera essas entabula��es discursivas de perguntas ou
exclama��es ret�ricas as falas das personagens e do narrador, que se
estabelecem por aspas ou travess�es, provenientes do discurso direto:
discurso direto ret�rico (DDR).


Esse di�logo acima (em negrito) adv�m de um discurso direto ret�rico,
que � preparado pela narrativa biogr�..ca e goza tamb�m de outra
particularidade: a presen�a do discurso citado antecipado e disseminado
oculto (DCADO). � uma interfer�ncia discursiva: �Assim, Silvio realizava
seu antigo desejo de oferecer m�dicos e hospitais a pre�os acess�veis para as
camadas populares. O sucesso de vendas foi imediato, mas acabou
provocando uma forte dor na consci�ncia.� (MORGADO, 2017, p. 24).
Trata-se de uma adjetiva��o do que Silvio Santos teria sentido �forte dor na
consci�ncia�. Essa senten�a parece ter sa�do da consci�ncia do pr�prio Silvio
Santos � e, de fato saiu, como podemos veri..car nesse enunciado abaixo:

[Ap�s o ..m do Clam] Imaginei um outro plano de capitaliza��o, que n�o
trouxesse nenhum problema de consci�ncia e que pudesse salvar os meus
neg�cios.

� A cria��o, em 1991, da Tele Sena. Carta ao tribunal Regional Federal em
S�o Paulo, 17 de janeiro de 2000. Trecho reproduzido pela Folha de S. Paulo,
13 de maio de 2000. (MORGADO, 2017, p. 45).
Silvio disse ter �problema de consci�ncia�, mas n�o forte dor na
consci�ncia. Todavia, trata-se da descri��o de uma postura, de um car�ter,
de uma vis�o do mundo, que � inerente a personagem, imanente a Silvio
Santos. Trata-se de um desenho da personalidade de Silvio Santos pelo
discurso do autor e, simultaneamente, do discurso do pr�prio Silvio Santos,
que trabalham concomitantemente.

O estilo linear advindo do discurso direto ret�rico (DDR) acontece
algumas vezes no livro e, portanto, n�o � exagero a..rmar que a biogra..areportagem
de Silvio Santos goza da escolha autoral das ..guras de
linguagem, caracter�sticas de um estilo com base liter�ria e tamb�m de
ambos os estilos: o linear e o pict�rico.

5.3.3 A CONSTRU��O COMPOSICIONAL

A dispositio (disposi��o), �que � o que Bakhtin chamaria de constru��o
composicional� (FIORIN, 2015, p. 233), � a forma constitutiva que organiza

o discurso.
Na ret�rica cl�ssica, a dispositio ajuda a ordenar e aplicar os
argumentos; todavia, os argumentos s�o levantados na inventio ret�rica,
onde se busca as provas ret�ricas de argumenta��o. Entretanto, como em
nossas an�lises n�o ..zemos o levantamento das provas ret�ricas, por meio
da inventio, duas categorias da dispositio tornam-se pouco realiz�veis para
esta an�lise da constru��o composicional: a con..rma��o e a digress�o.
Analisaremos, portanto, a constru��o composicional da biogra..areportagem
por meio de tr�s categorias da dispositio ret�rica: o ex�rdio,a
narra��o ea perora��o. Essas categorias assemelham-se ao que entendemos
por introdu��o, desenvolvimento e conclus�o.

N�o raro, em biogra..as e autobiogra..as can�nicas, h� um pref�cio � no
caso de biogra..a de biografado vivo �, escrito pelo autor-orador, que conta
suas rela��es com o biografado � se foi uma rela��o pr�xima ou distante, se
teve autoriza��o t�cita ou n�o, entrevista com o biografado etc. Na
autobiogra..a, o pref�cio � escrito pelo autor autobiogr�..co e se resume,
geralmente, a vida do autor-orador a partir de um cl�max motivador para a

o desenvolvimento de todo o texto.
Os pref�cios diferem de autor para autor: uns recebem t�tulo, outros
abrem o livro com enunciados, outros intitulam a abertura como pref�cio e
assim por diante.

A biogra..a-reportagem tamb�m tem uma introdu��o prefacial, que
chamaremos de ex�rdio deste g�nero discursivo.

O ex�rdio da biogra..a-reportagem � bipartido. � um cap�tulo e � uma
introdu��o; foi intitulado como cap�tulo 1, O homem por tr�s do sorriso. O
autor-orador conta resumidamente a hist�ria do in�cio da vida de Silvio
Santos sob uma perspectiva do pro..ssional, o menino comerciante, o
locutor, o animador, mas, principalmente, a vida do homem de neg�cios.


Curiosamente, no mesmo cap�tulo, o autor-orador faz sua exposi��o
discursiva.
Nas palavras do autor:

Silvio Santos � A trajet�ria do mito re�ne centenas de frases desse artista e
empres�rio, ditas desde os anos 1950. Elas foram organizadas em cinco
blocos tem�ticos: �Neg�cios�, �Artista�, �Dono de televis�o�, �Pol�tica� e �vida
pessoal.� Cada bloco tem subdivis�es a ..m de auxiliar a leitura e a consulta.
Ao ..nal, foi inclu�da uma breve linha do tempo que relaciona os principais
acontecimentos da vida de Silvio Santos. (Morgado, 2017, p. 12).

Trata-se de uma estrat�gia prefacial diferenciada, j� que a vida do Silvio
Santos, por si s�, � um argumento substancial e atrativo para inspirar a
leitura do livro. Contudo, � no segundo momento, do ex�rdio
bipartido, que
saberemos o que realmente vamos ler. O autor prende a aten��o do leitor
com a vida de Silvio Santos e depois, em seguida, exp�e o tema do livro e
como ele est� disposto.

Na primeira fase do ex�rdio, o autor-orador discorre sobre Silvio.
Vejamos um momento:

Entre o artista e o empres�rio est� o homem. Carioca, casado, pai de seis

..lhas e que se declara conservador, apesar de comandar uma rede de
emissoras que, por diversas vezes, deixou de lado qualquer conservadorismo
na hora de lutar por mais pontos de audi�ncia. (MORGADO, 2017, p. 10).
Na segunda fase do ex�rdio
� chamado de cap�tulo 1 em ambas as fases
�, Morgado (2017) apresenta a disposi��o da biogra..a-reportagem.
Vejamos o ex�rdio
na fase dois:

Silvio Santos � A trajet�ria do mito re�ne centenas de frases desse artista e
empres�rio, ditas desde os anos 1950. Elas foram organizadas em cinco
blocos tem�ticos: �Neg�cios�, �Artista�, �Dono de televis�o�, �Pol�tica� e �vida
pessoal.� Cada bloco tem subdivis�es a ..m de auxiliar a leitura e a consulta.
Ao ..nal, foi inclu�da uma breve linha do tempo que relaciona os principais
acontecimentos da vida de Silvio Santos.
� importante ressaltar que n�o se trata de um compilado de bord�es. As falas
n�o est�o necessariamente dispostas em ordem cronol�gica de publica��o,
pois Silvio, em diversos momentos, refere-se a acontecimentos passados,
como a sua inf�ncia no Rio de Janeiro ou o seu come�o no r�dio paulistano,
por exemplo. A sequ�ncia foi constru�da de modo a revelar ao leitor como o


pensamento do dono do SBT se desenvolveu ao longo dos anos. Esse
desenvolvimento, por vezes, exp�e contradi��es, o que torna a leitura desta
obra ainda mais reveladora, mesmo para aqueles que j� conhecem os
principais lances da trajet�ria de Silvio Santos.
Por ..m, cumpre acentuar que todas as cita��es foram trabalhadas com a
maior ..delidade poss�vel aos registros originais. Contudo, revis�es pontuais,
comuns a pr�tica jornal�stica, foram feitas em per�odos extra�dos de longos
discursos de improviso, feitos no calor da emo��o e que, por isso mesmo,
n�o se mostraram integralmente claros ou gramaticalmente corretos quando
transcritos. O organizador dedicou seu m�ximo empenho a ..m de preservar
as palavras ditas originalmente e, sobretudo, o sentido com o qual foram
empregadas. (Morgado, 2017, p. 12).

Se assentarmos a biogra..a-reportagem em um g�nero ret�rico cl�ssico,
poder�amos a..rmar que ela se aproxima mais do g�nero epid�tico e/ou
laudat�rio. O tom de Morgado (2017) �, em sua maioria, no livro, elogioso.
Todavia, ao se assentar o planejamento do livro de Morgado (2017) na
hibridiza��o da biogra..a com a reportagem, essa padroniza��o responde a
um g�nero do discurso: a biogra..a-reportagem.

Morgado (2017) busca no g�nero epid�tico a primeira fase de seu
ex�rdio: � elogioso ao falar de Silvio.
Olhemos alguns excertos sob essa perspectiva do g�nero epid�tico no
ex�rdio:

Independentemente de se considerar mais comerciante ou mais artista, o
pro..ssional Senor Abravanel conhecido pelo nome de Silvio Santos,
cristalizou-se como elemento relevante da cultura popular. Qualquer
brasileiro sabe cantarolar a m�sica que anuncia seu programa, imitar sua
gargalhada e repetir os seus bord�es. Muitos pontuam fases da vida com as
atra��es apresentadas por ele e sonham com a fortuna prometida em seus
programas. (MORGADO, 2017, p. 09).

Trata-se de um argumento elogioso. O verbo cristalizar tem como
sin�nimo o verbo solidi..car; o que Morgado (2017) quer dizer � que Silvio
Santos est� solidi..cado como elemento signi..cativo da cultura popular
brasileira. � um bom argumento para a introdu��o de uma biogra..a.

No segundo par�grafo dessa primeira fase do ex�rdio, Morgado (2017)
tece mais elogios ao �Patr�o�:


De fato, Silvio Santos � um comerciante. Vende sonhos embalados em um
sorriso que, diante das c�meras, parece indestrut�vel. Contudo, ele vai
al�m. Gra�as a sua persist�ncia e, porque n�o dizer, insist�ncia, construiu
uma carreira que dura mais de sete d�cadas, sendo cinco delas � frente do
programa de televis�o que leva seu pseud�nimo. Chegou a animar mais de
dez horas ao vivo, entremeando sorteios milion�rios com gincanas infantis,
brincadeiras com artistas, desa..os ao conhecimento, c�meras escondidas,
oportunidades para calouros, n�meros musicais e pedidos de namoro.
Forjou um estilo que resiste a variedade e ao tempo. Serve de exemplo
para outros apresentadores que desejam alcan�ar um sucesso t�o reluzente
quanto s�o as joias usadas pelo Patr�o, um dos apelidos de Silvio.
(MORGADO, 2017, p. 09-10).

Morgado (2017) diz primeiro que Silvio �vende sonhos�. Sua
constru��o discursiva elogiosa se d� progressivamente. � a partir da
segunda linha que o elogio aparece mais nitidamente com a adjetiva��o do
�sorriso� de Silvio, que �, segundo Morgado (2017), �indestrut�vel� diante
das c�meras. Depois, o autor-orador utiliza as palavras �persist�ncia� e
�insist�ncia�, que antecedem a senten�a: �construiu uma carreira que dura
mais de sete d�cadas�. �Chegou a animar mais de dez horas ao vivo�; �estilo
que resiste a variedade e ao tempo�; �Serve de exemplo�.

A primeira fase do ex�rdio
tenta, portanto, conquistar a ades�o do
leitor, pela hist�ria vitoriosa de Silvio Santos, regada por escolhas lexicais e
argumentos elogiosos de natureza persuasiva.

A segunda fase do ex�rdio
nos d� uma pincelada da dispositio
do livro.
Enverada pela quest�o do planejamento. Contudo, tamb�m tenta prender a
aten��o do leitor e ganhar sua ades�o, como podemos perceber no segundo
par�grafo:

� importante ressaltar que n�o se trata de um compilado de bord�es. As
falas n�o est�o necessariamente dispostas em ordem cronol�gica de
publica��o, pois Silvio, em diversos momentos, refere-se a acontecimentos
passados, como a sua inf�ncia no Rio de Janeiro ou o seu come�o no r�dio
paulistano, por exemplo. A sequ�ncia foi constru�da de modo a revelar ao
leitor como o pensamento do dono do SBT se desenvolveu ao longo dos
anos. Esse desenvolvimento, por vezes, exp�e contradi��es, o que torna a
leitura desta obra ainda mais reveladora, mesmo para aqueles que j�


conhecem os principais lances da trajet�ria de Silvio Santos. (Morgado, 2017,

p. 12).
Nota-se uma inten��o de falar diretamente com o leitor. Morgado
(2017) deixa o livro mais interessante ao propor uma sequ�ncia que vai
�revelar�, �expor contradi��es�, o que propicia a leitura da obra uma
atividade ainda mais �reveladora�.

No ex�rdio, o autor-orador n�o deve prometer aquilo que n�o ir�
cumprir e de fato, h� algumas contradi��es nas falas de Silvio. Ou seja, Silvio
rev� suas opini�es formadas e formatadas constantemente, �s vezes,
inclusive, se contradizendo.

Vejamos um exemplo nesses dois excertos inclu�dos na mesma p�gina
da mesma se��o:

Eu n�o sou obrigado a entender de perfumaria, de banco. Eu n�o! Isso a� eu
boto dinheiro, pago bem os pro..ssionais e eles t�m que me dar resultados. E,
�s vezes, falham. Desta vez, falhou.

� Referindo-se ao caso do Banco PanAmericano.
Folha de S. Paulo, 12 de novembro, 2010. (MORGADO, 2017, p. 46).
Essa � a contradi��o, que foi vinculada pela TV Globo em 31 de janeiro
de 2011: �Eu vendi. Se n�o entendo de banco, pra que vou ..car com banco?�
(MORGADO, 2017, p. 46).

Morgado (2017) cumpriu o que prometeu no ex�rdio
reunindo
contradi��es: �Esse desenvolvimento, por vezes, exp�e contradi��es, o que
torna a leitura desta obra ainda mais reveladora...� (MORGADO, 2017, p.
12).

Dessa forma, Morgado (2017) cativa o leitor, lhe parecendo agrad�vel e
honesto. Embora o autor-orador da biogra..a-reportagem de Silvio nos
conte como ser� a disposi��o do livro, ele o faz de forma parcial, ou melhor,
de forma sucinta, como deve ser uma introdu��o:

Silvio Santos � A trajet�ria do mito re�ne centenas de frases desse artista e
empres�rio, ditas desde os anos 1950. Elas foram organizadas em cinco
blocos tem�ticos: �Neg�cios�, �Artista�, �Dono de televis�o�, �Pol�tica� e
�vida pessoal.� Cada bloco tem subdivis�es a ..m de auxiliar a leitura e a


consulta. Ao nal, foi inclu�da uma breve linha do tempo que relaciona os
principais acontecimentos da vida de Silvio Santos. (MORGADO, 2017, p.
12).

Morgado (2017), no desenvolvimento do livro, cumpre o que est� a�
descrito (em negrito). Entretanto, a constru��o composicional da biogra..a
reportagem n�o � s� isso.

O autor-orador faz uso de uma coer�ncia, que n�o sabemos ser
pensada ou instintiva: a narra��o, ou seja, o desenvolvimento da biogra..areportagem
tamb�m � bipartido, assim como sua conclus�o, sua perora��o.

Na narra��o, Morgado (2017) exp�e os fatos sobre a vida de Silvio em
forma de narrativa. Essa narrativa � complementada com informa��es sobre
a vida de Silvio Santos narrada por ele mesmo: enunciados de Silvio
reunidos e organizados por Morgado (2017). A narra��o � bipartida por se
acomodar estruturalmente na narrativa biogr�..ca, voz de Morgado (2017) e
nos enunciados de Silvio Santos, voz de Silvio.

Olhemos os exemplos, em cada cap�tulo, da constru��o composicional
da biogra..a-reportagem em seu desenvolvimento, ou seja, na narra��o.
Cap�tulo 2: Neg�cios.

Ainda em setembro, no dia 22, Silvio foi a Bras�lia ter uma reuni�o com o
ent�o presidente Lula. Havia 16 anos que o apresentador n�o entrava no
Pal�cio do Planalto. Na �ltima vez, ainda era Itamar Franco quem estava l�.
O encontro foi marcado �s pressas, ocupando um hor�rio antes reservado
para Henrique Meireles, ent�o presidente do Banco Central. Aos jornalistas,
Silvio disse que foi pedir ao presidente que participasse do Teleton,
discursando na abertura do programa e doando R$ 12 mil, ou seja, mil para
cada ano da campanha da AACD. Somente algumas semanas depois dessa
reuni�o � que a crise do PanAmericano se tornaria p�blica. (MORGADO,
2017, p. 27).

Silvio Santos por ele mesmo.

Se eu for � fal�ncia (n�o � drama), n�o vou poder andar na rua. J� vi outros
empres�rios com uma hist�ria igual. Con..aram em homens do governo,
fracassaram e �perderam� tudo. Eu n�o vou fracassar, porque Deus vai
decidir, usando os doutores ju�zes como seus instrumentos.


� Carta ao Tribunal Regional Federal em S�o Paulo. 17 de janeiro de 2000.
Trecho reproduzido pela Folha de S. Paulo, 13 de maio de 2000.
(MORGADO, 2017, p.45-46).
O cl�max desse cap�tulo � a crise do Banco PanAmericano. O fato �
descrito em detalhes, tanto no conte�do quanto nos fatos. O pr�prio Silvio
Santos acrescenta sobre o fato em carta para Luiz Sebasti�o Sandoval: �O
que aconteceu foi inexplic�vel at� para especialistas.� (MORGADO, 2017, p.
46).

Segundo Ferreira (2010), os fatos com suas causas enunciadas est�o no
�mbito do judici�rio, os exemplos no �mbito do deliberativo e as qualidades
ressaltadas no epid�tico.

O caso do banco PanAmericano, na narrativa biogr�..ca, emana dos
tr�s g�neros cl�ssicos ret�ricos: a causa enunciada (judici�rio) � a quebra do
Banco Pan Americano que poderia levar Silvio Santos a fal�ncia. Os
exemplos (deliberativo) s�o os fatos que levaram o banco a quebrar: �o Pan
Americano vendia sua carteira, mas dava baixa em apenas parte dela,
in..amando seu patrim�nio l�quido.� (MORGADO, 2017, p. 27). E as
qualidades ressaltadas resumem-se em como Silvio Santos fez para sair da
crise e evitar a fal�ncia: �Silvio deu como garantia todas suas 44 empresas,
incluindo seu amado SBT. Tal atitude foi bem recebida pelo mercado, que
n�o era acostumado a ver esse tipo de comprometimento.� (MORGADO,
2017, p. 28).

Nessa narrativa, da quebra do Banco PanAmericano, Morgado (2017)
deixa para o ..nal do cap�tulo, como de fato lhe conv�m, por se tratar de um
�timo exemplo argumentativo para justi..car o t�tulo do cap�tulo e seu
conte�do e o que de fato aconteceu.. Os fatos s�o descritos com clareza.

Cap�tulo 3: Artista.

Outro tipo de sonho que o Programa Silvio Santos se propunha a realizar era

o da fama. Desde o lan�amento do Cuidado com a Buzina, an�nimos
mostravam o talento que pensavam ter, mas que, muitas vezes n�o tinham.
Cantores desa..nados, por exemplo, eram garantia de gargalhadas do
audit�rio. O espa�o mais importante para esse tipo de atra��o foi, sem

d�vida, o Show de Calouros, lan�ado em 1977. Um dos segredos desse
formato era a composi��o do corpo de jurados, que misturava diferentes
per..s. Havia os mal-humorados, como Aracy de Almeida e Pedro de Lara; as
bonitas, como Flor e Sonia Lima; os cr�ticos, como D�cio Piccinini e Nelson
Rubens; os gal�s, como Antonio Fonzar e Wagner Montes; e os alegres, como
Wilza Carla e S�rgio Mallandro. Para todos eles Silvio Santos atuava como
escada, ou seja, preparava a piada para que completassem. Ali�s, o pr�prio
Silvio foi alvo de muitas dessas brincadeiras, especialmente as de S�rgio
Mallandro, que chegou a disparar ovos de galinha contra todos do programa.
O Show de Calouros tamb�m incluiu v�deos curiosos sob o t�tulo Isto �
incr�vel, piadas contadas por Ary Toledo, par�dias compostas e cantadas por
Renato Barbosa e entrevistas na sala do artista. (MORGADO, 2017, p. 6364).


Silvio Santos por ele mesmo.

Dizem que sou o maior animador do pa�s. Isso n�o � verdade. O carinho, o
sacrif�cio que voc�s dedicam � que vale. Voc�s s�o admir�veis, sensacionais,
com voc�s � f�cil fazer programa l�der. Durante minha aus�ncia, meu irm�o
L�o Santos comandou o programa com o mesmo sucesso. Voc�s
prestigiaram meu irm�o como prestigiam semanalmente a mim, porque s�o
barbaras, sensacionais, ilustres. Eu gostaria de poder retribuir de alguma
forma, porque n�o mere�o.

� Conversa com as suas colegas de trabalho, antes de come�ar mais uma
edi��o do seu programa dominical.
A Cr�tica, 1969. (MORGADO, 2017, p. 87).
A exposi��o do autor-orador � clara. Morgado (2017), nesses excertos,
se prop�e a tra�ar uma rela��o entre Silvio Santos e a fama.

Morgado (2017) conta alguns acontecimentos. Por exemplo, a
brincadeira de S�rgio Mallandro: �Ali�s, o pr�prio Silvio foi alvo de muitas
dessas brincadeiras, especialmente as de S�rgio Mallandro, que chegou a
disparar ovos de galinha contra todos do programa.� (MORGADO, 2017, p.
63-64).

Trata-se de duas narrativas atraentes, tanto a descri��o do elenco e das
atra��es do Show de Calouros, quanto a rela��o de Silvio com a fama, com o
elenco do Show de Calouros, assim como a rela��o entre Silvio e suas
colegas de trabalho, seu audit�rio.


O fato e suas causas (judici�rio), nesse cap�tulo, � o jeito Silvio Santos
de comunicar, sua rela��o com a fama, os programas de TV, a rela��o com
cr�tica etc. Os exemplos (deliberativo) s�o seus programas de TV �
epis�dios como o do S�rgio Mallandro, a como��o de Silvio Santos, Barbara
Paz e do Brasil na ..nal da Casa dos Artistas, a rela��o de Silvio com o seu
audit�rio, com seus artistas, com Roque, com Lombardi etc. E as qualidades
(epid�tico) ..cam claras, no enunciado de Silvio na sec��o Silvio Santos por
ele mesmo, em que Silvio demostra simplicidade e humildade em sua
conversa com as suas �colegas de trabalho�: �Durante minha aus�ncia, meu
irm�o L�o Santos comandou o programa com o mesmo sucesso. Voc�s
prestigiaram meu irm�o como prestigiam semanalmente a mim...�
(MORGADO, 2017, p. 87).

Cap�tulo 4: Dono de televis�o.

Curiosamente, foi transmitindo futebol que a TVS alcan�ou pela primeira
vez a lideran�a de audi�ncia: Cosmos versus Santos, em 1 de outubro de
1977, ao vivo dos Estados Unidos. Tratou-se da �ltima partida de Pel�,
exibida com exclusividade para o Rio de Janeiro pelo canal 11. (MORGADO,
2017, p. 105).

Silvio Santos por ele mesmo.

Neste momento est� no ar a TVS, canal 4 de S�o Paulo. E muita gente
pergunta pra mim: �� Silvio Santos, por que TVS? � TV Silvio Santos?�.
Bem, � TV Silvio Santos porque, carinhosamente, os cariocas dizem que �.
N�o sei se os paulistas tamb�m v�o cham�-la assim. � que n�s faz�amos os
nossos programas num est�dio chamado Studios Silvio Santos, e, quando o
governo nos deu o canal de televis�o, este canal ..cou sendo a TV dos
Studios. Ent�o, a TV Studios. Por esta raz�o o nome TVS.

� SBT, 19 de agosto de 1981. (MORGADO, 2017, p. 123-124).
Trata-se, nesse cap�tulo, de exposi��o dos fatos, mais precisamente de
fatos ligados � origem do SBT. Morgado (2017) narra esse momento
detalhadamente.

O fato (judici�rio) era que Silvio podia ..car sem seu programa de TV,
apresentado na �poca pela TV Globo, o que poderia resultar no ..m do
Programa Silvio Santos e, consequentemente, do Ba� da Felicidade. A causa


(judici�rio) foi a concess�o do canal 11, atual SBT. Morgado (2017)
exempli..ca isso (deliberativo) em detalhes: a concess�o conseguida no
governo Geisel, a compra das a��es da Record, o leil�o de equipamentos da
TV Excelsior � que Silvio comprou �, a concess�o para a transmiss�o de
televis�o para outros estados, pelo governo Figueiredo etc. As qualidades
(epid�tico) s�o expostas n�o somente pelas habilidades de Silvio como
artista, evidentemente, mas, principalmente, sua vis�o como empres�rio,
que, de fato, propiciou a Silvio Santos a possibilidade de ser dono de
televis�o.

Cap�tulo 5: Pol�tica.

Finalmente, em 19 de outubro, o animador se encontrou em Bras�lia com a
c�pula do PFL e Aureliano Chaves, que se disp�s a renunciar em seu favor, e
Silvio aceitou assumir a candidatura em seu lugar. Mesmo com tudo
acertado, no dia seguinte, houve uma reviravolta: irritado com o vazamento
da negocia��o e ap�s conversar com sua fam�lia Aureliano comunicou a
Hugo Napole�o, presidente nacional do PFL, que tinha desistido de desistir.
Silvio ainda tentou conversar com o candidato por telefone, mas n�o foi
atendido. A �nica forma que encontrou para falar sobre e com ele foi, mais
uma vez, usando o Show de Calouros. Dedicou quase uma hora de edi��o de
22 de outubro para relatar o que havia acontecido nos dias anteriores, tudo
temperado com elogios a Aureliano. Exibiu, ainda naquela oportunidade, a
�ntegra de uma entrevista que havia concedido no dia anterior, quando saia
do seu camarim no teatro Silvio Santos. Nada adiantou: Aureliano seguiu na
campanha. Com isso, os pefelistas Hugo Napole�o, Edson Lobo e Marcondes
Gadelha, apelidados pela imprensa como �os tr�s porquinhos�, partiram em
busca de uma nova legenda para o dono do SBT. E com detalhe: faltava
menos de um m�s para a elei��o. (MORGADO, 2017, p. 146).

Silvio Santos por ele mesmo.

O que � um presidente? � um homem como eu. Ele vai ao banheiro, tem dor
de barriga, tem dor de dente, tem briga com a mulher, tem que pagar a
escola dos ..lhos e tem trabalho como eu. Eu n�o consigo ser presidente,
como ele n�o consegue ser animador. Somos dois homens em posi��es
id�nticas.

� SBT, 21 de fevereiro de 1988. (MORGADO, 2017, p. 158).
O fato na narrativa � que Silvio queria se eleger e a causa (Judici�rio)
foi a insist�ncia de Silvio, que levou o PFL a se mexer, um candidato a


desistir de desistir da elei��o e o Homem do Ba� a dedicar um tempo do
Show de Calouros para tentar convencer Aureliano Chaves a manter sua
desist�ncia de elei��o. Os exemplos s�o o Show de Calouros, a entrevista de
Silvio Santos no dia anterior, a movimenta��o dos pefelistas para Silvio se
candidatar etc. A qualidade (epid�tico) est� na persist�ncia de continuar
tentando se candidatar e est� tamb�m na ironia da situa��o; na constru��o
desse enunciado: �Eu n�o consigo ser presidente, como ele n�o consegue ser
animador. Somos dois homens em posi��es id�nticas.� (MORGADO, 2017,

p. 158); Silvio contextualiza bem a circunst�ncia.
Temos, portanto, na narra��o da biogra..a-reportagem, em seu
desenvolvimento, a narrativa biogr�..ca na primeira fase e os enunciados de
Silvio Santos na segunda fase. A primeira fase da narra��o se d� pelos
cap�tulos Neg�cios, Artista, Dono de televis�o, Pol�tica; a segunda fase se d�
pela sec��o Silvio Santos por ele mesmo, presente ao ..nal de cada cap�tulo.

A perora��o da biogra..a-reportagem se d� de maneira tripartida.
Come�a a ser constru�da a partir do cap�tulo 6 Vida pessoal.

Se o ex�rdio � uma fus�o entre introdu��o e cap�tulo � O homem por
tr�s do sorriso �, o cap�tulo 6 � um cap�tulo pertencente ao
desenvolvimento, todavia, � concomitantemente um cap�tulo de conclus�o.

Cap�tulo 6: Vida pessoal.

As reportagens j� publicadas sobre Silvio Santos revelaram que ele preservou
h�bitos simples, mesmo depois de ter ..cado rico. Quase n�o tem vida social,
preferindo permanecer em casa ou viajar em fam�lia. N�o tem as mesmas
preocupa��es com seguran�a que outros milion�rios como ele possuem. At�
ele e sua ..lha Patr�cia serem mantidos ref�ns, acreditou que sua fama era
su..ciente para proteg�-lo. Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em
c�rcere privado dentro de sua pr�pria casa pelo sequestrador de Patr�cia,
Fernando Dutra Pinto. Durante v�rias horas, o Brasil e o mundo ..caram
com os olhos na TV, que transmitiu tudo ao vivo. O caso s� chegou ao ..m
quando o governador de S�o Paulo Geraldo Alckmin, atendendo a um
pedido feito por Silvio, foi at� o local e negociou a rendi��o do bandido.
Conservador, cultiva uma r�gida rotina, iniciada por volta das 5 horas da
manh� e encerrada �s 22h30min. H� quatro d�cadas tem o cabelo cuidado


por Jassa, um de seus maiores amigos e conselheiros. E � m�o de vaca,
daqueles que espremem o creme dental at� o limite de suas for�as.
Disse acreditar que o ideal � viver como a classe m�dia dos Estados Unidos,
seu pa�s de refer�ncia n�o apenas quando pensa em televis�o, mas tamb�m
em sa�de, emprego, seguran�a p�blica e qualidade de vida. Passa cada vez
mais tempo na casa que comprou em Celebretion, na Fl�rida. Constru�do
pela Disney, esse condom�nio nasceu com a promessa de ser a cidade dofuturo, ainda que sua arquitetura remeta ao ..nal do s�culo XIX. � l� que
Silvio passa os dias como qualquer outra pessoa, lavando lou�a, fazendo
compras no supermercado e assistindo a s�ries no Net..ix.
Conforme disse certa vez, Silvio possui tr�s personalidades: o homem
comum, que n�o consegue ser no Brasil; o artista, com pelo menos seis
gera��es de admiradores; o empres�rio, respons�vel por diferentes neg�cios
e milhares de empregos. Dentro dele, esses per..s se misturam de tal forma
que n�o � poss�vel delimitar onde acaba o Senor Abravanel e come�a o Silvio
Santos. E foi justamente com esse am�lgama que cada brasileiro modelou a
imagem que tem dele, ainda que ela apresente algumas lacunas deixadas pelo
mist�rio que ele sempre fez quest�o de cultivar.
Alguns podem rejeit�-lo, enquanto outros podem am�-lo, mas ningu�m
pode ignor�-lo. Ao estudar a vida de Silvio santos, pode-se, mais do que
conhecer a vida de um artista, compreender como pensa, age e sente o Brasil
popular, que � o verdadeiro Brasil. (MORGADO, 2017, p. 171-173).

� por meio de um fechamento do livro pela vida pessoal de Silvio
Santos que o autor-orador rati..ca tudo o que antes j� foi dito na narra��o
biogr�..ca e nos enunciados do pr�prio Silvio. Mas n�o se trata apenas de
uma rati..ca��o: Morgado (2017) ampli..ca, por meio da narra��o da vida
pessoal de Silvio, o corpo do livro.

O autor-orador conclui o livro com a vida pessoal de Silvio, que, nos
termos de uma biogra..a-reportagem, soa perfeito.

Como � esperado na perora��o de um texto e/ou discurso, tenta-se
despertar paix�es. Silvio Santos � um homem querido por todos os
brasileiros, e, portanto, Morgado (2017), ao citar o sequestro de Silvio na
perora��o, desperta no m�nimo uma indigna��o pelo ocorrido. Pode,
evidentemente, despertar c�lera, principalmente para o pr�prio Silvio
Santos, sua fam�lia e seus amigos mais pr�ximos. Mas Silvio, por ser uma

..gura popular e absolutamente querida, desperta no brasileiro uma

identi..ca��o e uma proximidade, em que, de fato, n�o � dif�cil encolerizar-
se por seu sequestro e pelo sequestro de sua ..lha.
O excerto na perora��o que cita o sequestro � este:

Em 30 de agosto de 2001, Silvio foi mantido em c�rcere privado dentro de
sua pr�pria casa pelo sequestrador de Patr�cia, Fernando Dutra Pinto.
Durante v�rias horas, o Brasil e o mundo ..caram com os olhos na TV, que
transmitiu tudo ao vivo. O caso s� chegou ao ..m quando o governador de
S�o Paulo Geraldo Alckmin, atendendo a um pedido feito por Silvio, foi at�

o local e negociou a rendi��o do bandido. (MORGADO, 2017, p. 171-173).
Na segunda fase da perora��o, Silvio Santos por ele mesmo, em sua
tem�tica sobre viol�ncia, n�o se estranharia que a indigna��o do leitor e o
aumento de sua c�lera pudessem in..ar ao ler sobre o sequestro pelas
pr�prias palavras de Silvio Santos.

Nas palavras do pr�prio Silvio:

Eu posso garantir a voc� que se o governador [Geraldo Alckmin] n�o fosse
ontem at� a minha casa, eu tenho certeza, n�o � um palpite, eu poderia
morrer, o Fernando [Dutra Pinto, sequestrador] certamente morreria e
mataria tr�s ou quatro policiais que l� estavam.

� Jovem Pan, 31 de agosto de 2001. (MORGADO, 2017, p. 175).
Contudo, Silvio Santos tamb�m brincou com o pr�prio drama,
despertando outra paix�o: o riso. Ainda na segunda fase da perora��o, Silvio
Santos por ele mesmo, est� escrito assim:

O sequestro �, para mim, o Show do Milh�o, s� que o Fernando n�o
comprou a revista. E foi logo apelando para as cartas: mandou uma primeira
carta que o Datena leu ela toda na TV Record, mandou mais uma segunda
carta, mandou mais a terceira carta... N�o tinha mais carta para mandar, ele
apelou para os universit�rios: minha ..lha, que � universit�ria, e mais duas
universit�rias que estavam com ele. A� n�o tinha mais universit�rias pra ele
apelar, ent�o apelou para os pulos: deu o primeiro pulo na minha casa, deu o
segundo em Alphaville e deu o terceiro na minha casa de novo. Tava com
meio milh�o na m�o, resolveu arriscar, perdeu tudo.

� Contando piada sobre o pr�prio sequestro.
SBT, 26 de outubro de 2001. (MORGADO, 2017, p. 176).
Esse enunciado de Silvio � bem interessante porque, al�m de ser bemhumorado,
tem bastante tra�o de oralidade � Tava, A� � e ainda a ..gura


ret�rica retic�ncias.

Morgado (2017) usa da afetividade para a sua perora��o, tanto na
organiza��o dos enunciados de Silvio, quanto na sua narrativa biogr�..ca.

Em sua perora��o, o autor-orador tenta encurtar a dist�ncia entre o
leitor que se interessa pela vida de Silvio Santos, homem do dia a dia,
popular, brasileiro, que deseja ..car rico, desenhando o Homem do Ba�
como algu�m de �h�bitos simples�, �rotina r�gida�, �homem comum� etc.

Na segunda fase da perora��o, como �ltimo enunciado de Silvio,
apresentam-se essas palavras:

Eu quero agradecer a voc�s por terem vindo e terem escutado toda essa
minha hist�ria. Porque o livro que o Arlindo [Silva], um grande amigo meu,
ele fez por conta pr�pria e eu ..quei muito contente. [...] Mas se tivesse que
contar a minha hist�ria desde os 14 anos, quando eu comecei a minha vida
de camel�, ou desde a escola p�blica, quando eu comecei a vender doces no
recreio, eu acho que dariam tr�s ou quatro volumes.

� SBT, 21 de agosto de 2011. (MORGADO, 2017, p. 187).
Dizemos que a perora��o � tripartida porque apresenta, al�m do
cap�tulo 6 Vida pessoal e a sec��o Silvio Santos por ele mesmo, ainda um
adendo: uma cronologia.

Essa cronologia insere a vida de Silvio de 1930 a 2016. Nos anos 30
nasce o Homem do Ba�; em 2016, Silvio � tema da exposi��o: Silvio Santos
vem a�, no Museu da imagem e do som de S�o Paulo.

A cronologia � uma novidade no g�nero biogr�..co. Pode ser
considerada como uma caracter�stica particular do g�nero do discurso
biogra..a-reportagem. Essa caracter�stica especial comp�e a perora��o deste
g�nero, nesse caso.

Em suma:

A enuncia��o da biogra..a-reportagem � representada pelo suporte do
livro. A narrativa biogr�..ca e as falas de Silvio, sejam vinculadas pelo SBT,
por jornais, revistas ou livros, � o produto dessa enuncia��o, ou seja, � seu
enunciado.


Segundo Bakhtin (2010), todo enunciado goza de relativa estabilidade
em determinado campo de atividade humana, n�o apenas pelo seu conte�do
tem�tico, mas tamb�m pelo seu estilo verbal e, sobretudo, pela sua
constru��o composicional. A biogra..a Silvio Santos � A trajet�ria do mito �
dispersa, no bom sentido; � vol�vel e infrequente por apresentar uma
transitividade nada est�vel entre dois g�neros do discurso que se
complementam.

O conte�do tem�tico da biogra..a-reportagem implica fatores
extralingu�sticos como a recep��o, a produ��o e a circula��o. No interior da
enuncia��o de Morgado (2017), h� evidentemente fatores lingu�sticos de
car�ter morfol�gico e sintagm�tico, que se apresentam no todo do
enunciado; entretanto, esses fatores lingu�sticos est�o a servi�o de um
construto maior, um signo ideol�gico, o tema.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito trata-se de recep��o: como Morgado
(2017) recebeu os enunciados do �patr�o� e, a partir da�, produziu o livro,
por meio da intertextualidade manifesta.

Todavia, esses enunciados gozavam de temas, que Morgado (2017)
organizou no livro. Esses enunciados de Silvio tiveram uma circula��o na
m�dia anterior � composi��o da biogra..a-reportagem, que est�o inseridos
em ve�culos de movimenta��o sociopro..ssional da esfera de atividade
humana jornal�stica que, portanto, anteveem os temas referentes a vida de
Silvio. Esse conte�do tem�tico foi reorganizado de maneira ideol�gica na
biogra..a-reportagem de Morgado (2017).

O conte�do tem�tico est� ligado aos temas neg�cios, artista, dono de
televis�o, pol�tica, vida pessoal, que n�o acontecem discursivamente de
forma isolada, como entendem por unidade tem�tica os formalistas russos.
O signi..cado da biogra..a-reportagem est�, sim, apropriadamente ligado �
estrutura da l�ngua, por palavras, frases, per�odos; contudo, o tema est�
indissoluvelmente insepar�vel do enunciado � seja na narrativa biogra..a,


seja nas palavras de Silvio Santos � do extrato fundamentalmente
lingu�stico.

Por extrato lingu�stico entendemos o estilo verbal da biogra..areportagem
de Morgado (2017), que � riqu�ssimo. O estilo emana, nesse
caso, do jogo verbal, da transitividade temporal dos verbos � principalmente
nos primeiros cap�tulos �, das ..guras ret�ricas de linguagem, da
antonom�sia, da met�fora, da en�lage, da per�frase, da hip�rbole, do
oximoro, da l�totes, assim como o discurso de outrem e/ou discurso citado:
o discurso direto ret�rico (DDR), o discurso direto preparado (DDP), o
discurso indireto analisador da express�o (DIAE), o discurso indireto
analisador do conte�do (DIAC), o discurso indireto impressionista (DII), o
discurso citado antecipado e disseminado oculto (DCADO) e o discurso
indireto livre (DIL).

Compreendemos que, pela rica manifesta��o dos discursos indiretos e
do discurso direto ret�rico, al�m do discurso indireto livre, a biogra..areportagem
emana simultaneamente de um estilo linear e pict�rico; todavia,
h� uma hegemonia do discurso pict�rico sobre o discurso linear. Se
considerarmos, no entanto, a intertextualidade manifesta como estilo linear
e a intertextualidade constitutiva como estilo pict�rico, teremos uma
incid�ncia maior do estilo linear em sobreposi��o ao estilo pict�rico. �,
portanto, sensato, considerarmos a biogra..a-reportagem heterog�nea,
constitutiva, concomitantemente, de um estilo linear e de um estilo
pict�rico.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito apresenta uma constru��o
composicional diferenciada: sua disposi��o, concretizada pelo ex�rdio, pela
narra��o e pela perora��o investem em uma estrutura biogr�..ca n�o
can�nica. A constru��o que se equivaleria ao pr�logo, de estrutura
biogr�..ca can�nica, �, na biogra..a-reportagem, de forma simult�nea,
cap�tulo e introdu��o. Os cap�tulos subsequentes da narra��o s�o
constru�dos por narrativa biogr�..ca e por uma novidade: a voz do pr�prio


biografado. Cada cap�tulo � Neg�cios, Artista, Dono de televis�o, Pol�tica �
s�o acrescidos por enunciados do biografado na sec��o Silvio Santos por ele
mesmo. A perora��o � organizada em tr�s partes: � um cap�tulo de narrativa
biogr�..ca � Vida pessoal �; � a se��o de enunciados de Silvio relacionados �
vida pessoal e, por ..m, uma cronologia que conta a vida de Silvio Santos de
forma breve desde a d�cada de 1930.

No ex�rdio, portanto, manifestam-se duas partes: uma hist�ria
resumida de Silvio, que apresenta, em linhas gerais, o biografado e a
apresenta��o da pesquisa feita por Morgado (2017) dos enunciados de Silvio
Santos e uma breve exposi��o de como se deu a organiza��o do livro. �
ex�rdio e cap�tulo: O homem por tr�s do sorriso.

Na narra��o, h� uma composi��o bipartida entre a narrativa biogr�..ca
e os enunciados de Silvio.

E, na perora��o, uma composi��o em tr�s fases: cap�tulo-perora��o,
enunciados de Silvio e cronologia.

A biogra..a-reportagem � um g�nero do discurso h�brido apassivador
de um enunciado inst�vel, em que ora � biogra..a, ora � reportagem. Est�
assentado nesse lugar, mesti�o, dual, miscigenado, duplo, de exposi��o da
vida e de sua con..rma��o. A biogra..a de Silvio, associada aos nichos
tem�ticos, comporta essa exposi��o contemplativa da vida, que �
con..rmada por sua fala precursora de toda autoralidade deste g�nero
discursivo novidadeiro, �nico e, ao mesmo tempo, plural. � mistura de vida
com gra..a e informa��o reportada. Como cores prim�rias que, ao se
misturarem, d�o forma a cores secund�rias, o azul com amarelo d� vida ao
verde, o amarelo com o vermelho origina a laranja e o azul com o vermelho
propicia o roxo: a biogra..a e a reportagem asseguram o nascimento de um
g�nero do discurso novo, de relativa estabilidade.


23 Nesta sess�o, todos os trechos grifados em negrito ou it�lico s�o de nossa autoria.
24 Nesta sess�o, todos os trechos grifados em negrito ou it�lico s�o de nossa autoria.
25 Dispon�vel em: <https://www.dicio.com.br>. Acesso em: 24 set. 2019.
26 Neste cap�tulo, os grifos em negrito s�o de nossa autoria.
27 Dispon�vel em: <https://pt.mwikipedia.org>. Acesso em: 12 dez. 2019.



CONCLUS�O


O presente livro � sob uma perspectiva de tese de doutoramento �
tratou especi..camente de autoria, de biogra..a e de reportagem, dos g�neros
do discurso e de sua estabilidade relativa. Por autoria entendemos escolha,
cria��o, ideia, responsabilidade, propriedade e direitos. Ademais, autoria
pressup�e uma ferramenta indispens�vel, um elemento de viabiliza��o: o
autor. Esse autor adota o meio social em que seu produto enunciativo
circular� e como se dar� sua produ��o. Prop�e uma intencionalidade
a..uente ao leitor e prev� uma aceitabilidade que des�gua na recep��o de um
determinado audit�rio.

O autor de..ne e escolhe que recursos lexicais ele utilizar�, quais os
tempos verbais, as ..guras ret�ricas de linguagem, se empregar�
fraseologismos, tropos gramaticais, cita��es diretas, indiretas, discurso
indireto livre, intertextualidade manifesta, intertextualidade constitutiva,
recursos paratextuais, extralingu�sticos e perscruta ainda se o texto soa
amb�guo, se as conjun��es est�o sendo usadas adequadamente, se os termos
usados s�o apropriados e pr�prios do g�nero do discurso a qual est�o sendo
inseridos. O autor pensa ainda na estrutura composicional de sua
enuncia��o e/ou de seu enunciado, em que ele se apoiar�.

O quadro te�rico-metodol�gico de nossa tese se assentou
fundamentalmente na Filoso..a da Linguagem proposta por Bakhtin (2010),


chamada An�lise Dial�gica do Discurso. A partir da concep��o de g�neros
do discurso, partimos da hip�tese de que se os g�neros discursivos s�o
enunciados de relativa estabilidade, portanto, inst�veis, nossa investiga��o
propiciaria o estabelecimento de um di�logo efetivo entre dois g�neros do
discurso que comp�em uma atmosfera de car�ter biogr�..co: a biogra..a e a
reportagem. Essa dialogiza��o se d� pela expans�o e extens�o, pela
complementariedade e hibridiza��o que o g�nero reportagem oportuniza ao
g�nero biogra..a, neste caso. Oferece um di�logo entre duas esferas de
atividade humanas distintas: a liter�ria, por meio da biogra..a, e a
jornal�stica, por meio da reportagem. Ambas conversam entre si e prop�em
ainda outro dialogismo: a conversa entre o discurso liter�rio e o discurso
jornal�stico.

Entre as linhas te�ricas complementares de nossa tese est�o �quelas
ligadas a Teoria Liter�ria em Barthes (1988 e 2006) e Lejeune (2008); a
Sociologia de Chartier (1999 e 2014) e a Filoso..a de Foucault (2015). �
importante salientar que, para ampliar o entendimento da tr�plice
constitutiva dos g�neros do discurso � conte�do tem�tico, estilo, constru��o
composicional �, al�m do pr�prio conceito de g�neros discursivos,
recorremos ao c�rculo bakhtiniano sob a �gide de Medvi�dev (2012),
Bakhtin/Vol�chinov (2009), e ainda Todorov (2018), essencialmente na
quest�o de g�nero. Especi..camente na designa��o de estilo e da constru��o
composicional, recorremos a elementos da ret�rica cl�ssica, como a elocutio
e dispositio. Para isso, nos fundamentamos em Arist�teles (2015), Discini
(2016), Ferreira (2010) e Fiorin (2015).

O livro Silvio Santos � A trajet�ria do mito � uma enuncia��o
competente. O enunciado, como produto da enuncia��o, neste caso, de
relativa estabilidade, � um h�brido de dois g�neros discursivos: a biogra..a e
a reportagem. Nosso objetivo de investiga��o, portanto, estabelece-se em um
dado momento, em que se vislumbra um novo g�nero do discurso que se
desenha por algumas novidades: o autor n�o teve nenhum contato pessoal


com o coautor e biografado, portanto, essa rela��o de distanciamento e
proximidade entre biografo e biografado, �ntima, em grau de parentesco, se
d� pela rela��o do autor com os enunciados de toda uma vida do coautor:
Silvio Santos. � pela intertextualidade manifesta presente entre os
enunciados do coautor e a narrativa biogr�..ca do autor que se d� essa
rela��o efetiva entre a personagem biografada, que tamb�m � coautor �
Silvio Santos �, e o autor principal e respons�vel pelo livro, Fernando
Morgado.

A biogra..a-reportagem estende a biogra..a � no sentido de expans�o
da hist�ria de da vida de Silvio Santos � por ser narrada de um jeito novo,
assentado em dois g�neros do discurso. Signi..car-se-ia, neste caso, resgatar
a compreens�o de Todorov (2018, p. 63) sobre os g�neros: �g�neros nascem
de outros g�neros�.

O livro de Morgado (2017) despende mais para uma consci�ncia
biogr�..ca institu�da pelos gregos, conhecida como social de costumes � a
vida pr�tica, o dia a dia junto aos contempor�neos � do que para a gl�ria
junto aos descendentes.

Na condi��o de biogra..a, o livro espira certas particularidades do
g�nero: descreve a vida de Silvio Santos em seus diversos �eus�. Conta a vida
de Silvio como camel�, depois como empres�rio de sucesso, como artista,
como pai, amigo, marido, ..lho. Todavia, � uma biogra..a diferenciada por
n�o haver, em um sentido estrito, trope�os de mem�ria, ou seja, n�o foi
necess�rio nenhum tipo de ..ccionaliza��o. Isso se d� pela descri��o
biogr�..ca ser con..rmada na se��o correspondente aos enunciados de Silvio.
Os enunciados de Silvio gozam de tr�s fontes de autoria: a voz do pr�prio
Silvio Santos, a voz de Morgado e a voz da institui��o jornal�stica que
divulgou as falas do Silvio �patr�o�, o que torna imposs�vel a quebra do
contrato de veridic��o. Portanto, trata-se de uma biogra..a absolutamente
contempor�nea, diferente das biogra..as cl�ssicas, nesse sentido.


Na antiguidade, se estudava a vida de um homem de destaque, escritor,
cientista ou ..l�sofo para conhecer n�o apenas sua intimidade, mas para
entender os seus escritos. Silvio tem seu nome escrito na m�dia todos os
dias, embora o �patr�o� goste de manter descri��o sobre sua vida pessoal.
No entanto, pela primeira vez as falas de Silvio Santos, �seus escritos�, foram
reunidos em um livro de car�ter biogr�..co. Hoje, se estuda uma
personalidade como a de Silvio Santos como exemplo de sucesso, ou
simplesmente para ..car rico ou apreender a apresentar um programa de
televis�o: indubitavelmente, o pr�prio leitor quer fazer parte do show, ou
seja, quer ele pr�prio, por emula��o, ser o Homem do Ba�.

Do mesmo modo, a biogra..a-reportagem de Silvio Santos n�o nos
apresenta somente pela intimidade da vida pessoal do biografado. As
informa��es narradas por Morgado (2017) s�o, na maioria de conhecimento
p�blico, duplamente p�blicas, se lembrarmos de que est�o apoiadas nas
pr�prias palavras de Silvio. No entanto, por se tratar de Silvio Santos, h�
uma espetaculariza��o da vida. A realidade da vida de Silvio Santos abre �as
portas da esperan�a� para que outras personagens da vida real, gente
comum, pessoas como n�s, possam tamb�m alcan�ar o sucesso t�o evidente
que Silvio Santos n�o tem o menor pudor de expor e ele exp�e,
magistralmente, sem parecer arrogante e sem perder a ades�o do seu
p�blico ..el.

Morgado (2017) reporta a vida de Silvio Santos em um duplo: a
narrativa biogr�..ca e a organiza��o tem�tica dos enunciados de Silvio.

Os resultados de nossa investiga��o contribu�ram diretamente para que
pud�ssemos responder nossos questionamentos acerca de nossa pesquisa. A
quest�o central assentava-se na circunscri��o de autoria na biogra..areportagem,
ao considerarmos as caracter�sticas desse novo g�nero h�brido,
misturado, mesclado n�o apenas por seu estilo, seu conte�do tem�tico e sua
constru��o composicional, mas tamb�m pelas caracter�sticas imanentes ao
g�nero biogra..a e ao g�nero jornal�stico da reportagem.


Em raz�o disso, o conte�do tem�tico da biogra..a-reportagem
envolveu, al�m dos temas lineares � neg�cios, artista, dono de televis�o,
pol�tica, vida pessoal � a circula��o, produ��o e recep��o. Essa categoria
s�cio-hist�rica, a circula��o, envolveu os ve�culos de divulga��o prim�ria
dos enunciados de Silvio, Folha de S. Paulo, Estado de S�o Paulo, Jornal do
Brasil, Veja, O cruzeiro, entre outros, que s�o exteriores e, ao mesmo tempo,
interiores ao livro. A circula��o do livro em si, por todo o Brasil, foi bem
recebida, aparentemente, pelo p�blico brasileiro, e igualmente bem recebida
por Silvio Santos. A recep��o, vis�vel no interior do livro, materializa-se pela
narra��o biogr�..ca ter sido desenvolvida a partir dos enunciados de Silvio,
por meio da intertextualidade manifesta. Ou seja, Morgado (2017) recebeu
esses enunciados de Silvio Santos que repercutiram no organismo social, na
sociedade, e, a partir da�, produziu o seu livro. A signi..ca��o de toda a
biogra..a-reportagem, ou seja, sua constru��o fonol�gica, morfol�gica e
sintagm�tica fora constitutiva do estilo verbal indissoluvelmente ligado ao
conte�do tem�tico de todo o livro.

O estilo revelou a escolha de Morgado (2017) por uma heterogeneidade
constitutiva n�o apenas do g�nero biogra..a-reportagem, mas comum
tamb�m ao g�nero do discurso biogra..a. Al�m disso, uma constru��o
composicional at�pica, constitu�da de um ex�rdio, que ora � uma introdu��o,
ora uma apresenta��o e resulta em um cap�tulo inicial, uma narra��o
composta por narra��o biogr�..ca e as palavras do pr�prio biografado na
se��o Silvio Santos por ele mesmo e uma perora��o diferenciada, que se
tratou de um misto de cap�tulo, com conclus�o e adendo: uma cronologia
sobre a vida de Silvio Santos.

Silvio Santos � A trajet�ria do mito n�o tem um formato r�gido, ou seja,
pode ser lido por quaisquer perspectivas: pelos enunciados de Silvio e
depois pela narrativa biogr�..ca; pela narrativa biogr�..ca e depois pelos
enunciados de Silvio; somente pelos enunciados de Silvio. O come�o, meio e

..m podem ser constru�do pelo leitor, todavia sua composi��o apresenta

uma diacronia, uma evolu��o no tempo, tanto pelos eixos tem�ticos
propostos por Morgado (2017), ao organizar, no livro, os enunciados de
Silvio, quanto na narrativa biogr�..ca do autor.

Por se tratar do trabalho que uniu dois g�neros do discurso, a biogra..a
e a reportagem, o foco de nossa tese � a prova de uma possibilidade: dois
g�neros, um da esfera liter�ria e o outro da esfera jornal�stica, poderiam se
miscigenar e formatar outro g�nero discursivo com conte�do, material e
forma, advindos de uma cria��o autoral e art�stica de car�ter inovador.
Nossa base te�rica, sinteticamente, se fundamenta na sua ess�ncia por
re..ex�es do c�rculo bakhtiniano. Todavia, goza de importantes
contribui��es de Foucault e Barthes naquilo que se refere a autor e autoria.

Para ..nalizarmos, conclu�mos que Morgado (2017), ao decidir escrever
um livro autoral sobre Silvio Santos, por meio dos enunciados do pr�prio
Silvio Santos, n�o poderia descrev�-los na narrativa por outra fonte
gen�rico-discursiva que n�o fosse a biogra..a. Tratava-se de enunciados
proferidos por Silvio assentados s�cio-historicamente pela trajet�ria de vida
do Homem do Ba�. A narrativa biogr�..ca, na biogra..a-reportagem, nasce
da intertextualidade manifesta a partir dos enunciados de Silvio reunidos no
livro com o aux�lio da intertextualidade constitutiva, de discursos direto,
indireto e indireto livre.

Morgado (2017), na qualidade de ser autor, joga com a
transdiscursiviza��o do g�nero do discurso biogra..a ao expandir o g�nero
por meio da reportagem, donde cria outro g�nero: a biogra..a-reportagem.
Ao entendermos que os g�neros do discurso gozam de enunciados de
estabilidade relativa, a possibilidade de transdiscursos n�o se esgota e
permite, portanto, a consolida��o de g�neros que se classi..cam, se criam e
se estabelecem a partir de outros g�neros. Esperamos, sob esse olhar,
estimularmos outras pesquisas poss�veis no �mbito do texto e do discurso,
no terreno dos g�neros do discurso, com o aux�lio valioso da autoria e do
autor. Consequentemente, ampliar as probabilidades referentes ao g�nero


reportagem, mas, sobretudo, assegurar novos estudos sobre particularidades
e possibilidades do g�nero do discurso biogra..a, por interm�dio de uma
rica e contempor�nea atmosfera de ordem biogr�..ca.


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O Grupo Amigos dos Livros e Outros  tem o prazer de lançar hoje mais um livro digital para atender aos  deficientes visuais !

 SÍLVIO SANTOS VEM AÍ - TIAGO RAMOS E MATOS
SINOPSE: 
Este livro visa apresentar um novo gênero do discurso: a biografia-reportagem. Essa possibilidade nasce de uma intersecção entre os gêneros biografia e reportagem: sua concepção se dá a partir de um estudo aprofundado sobre autor e autoria do livro Silvio Santos - A trajetória do mito (2017) publicado pelo escritor e professor Fernando Morgado sobre o animador de auditório mais querido do Brasil. O objetivo geral do trabalho consistiu em verificar como se dá, no gênero biografia-reportagem, as noções de autor e de autoria, quanto ao distanciamento ou à proximidade entre autor e biografado, mas principalmente refletir em como a voz da personagem biografada influiu na composição narrativa e autoral do biógrafo autor. De que forma os enunciados proferidos pelo próprio Silvio Santos ao longo da vida resultaram em ponto de partida para a construção da narrativa biográfica de Morgado? Os resultados das análises conferiram ao livro de Fernando Morgado o estatuto de biografia-reportagem, um híbrido de dois gêneros do discurso, por meio de uma dupla autoralidade: a narrativa biográfica é construída por meio dos enunciados do próprio Silvio. Na condição de biografia goza de uma heterogeneidade inata a este gênero do discurso: é rico em intertextualidade manifesta e intertextualidade constitutiva. Na condição de reportagem apresenta um formato cronológico de narração.

DOAÇÃO DO NOSSO ASSOCIADO MOISÉS DE OLIVEIRA


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Este e-book representa uma contribuição do grupo Amigos dos Livros  para aqueles que necessitam de obras digitais, como é o caso dos deficientes visuais e como forma de acesso e divulgação para todos.



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