Uma biografia do gênio por trás de
HARRY POTTER
SEAN SMITH
SUMÁRIO
Introdução 7
Capítulo
UM Abrindo a Câmara 9
DOIS Uma criança que gostava de ler 16
TRÊS Uma rebelde oculta 30
QUATRO Adeus à Floresta 42
CINCO Uma mulher de verdade 50
SEIS O amor num clima quente 68
SETE A armadilha da pobreza 80
OITO Um pouco de ajuda 90
NOVE A hora e a vez da professora Joanne Rowling 99
DEZ A caminho 114
ONZE Propriedade pública 120
DOZE Hollywood 127
TREZE Honoris causa 134
QUATORZE A obra beneficente 144
QUINZE Eovencedor... .148
DEZESSEIS Fort Knox 153
DEZESSETE Um novo amor 159
Pós-escrito 169
Bibliografia 174
INTRODUÇÃO
"Quando você sonha, pode fazer aquilo de que gosta."
J. K. ROWLING
riadora do mais famoso e amado de todos os personagens da Li ficção contemporânea, J. K. Rowling é também autora de sua própria libertação de uma existência deprimente, à beira da penúria. A história da mulher sossegada, que se distancia de tudo e escreve durante horas sentada à mesa de um bar, com uma xícara de café e um copo dágua, enquanto sua filhinha dorme tranqüila no car rinho, pode ter se tornado um clichê, mas pode também servir de inspiração para milhões de pessoas.
Por um lado, a J. K. Rowling que escreveu e continua a escrever os romances de Harry Potter, o fenômeno literário dos anos 90 e do novo milênio. Por outro, a Joanne Rowling (o "J. K." foi estratégia de marketing de seu editor), uma mulher sonhadora, tímida, mas surpreendentemente apaixonada, que mudou sua vida graças à habilidade de traduzir seus sonhos em histórias.
Em janeiro de 1994 ela estava "dura" e desempregada, lutando para criar sua filha num pequeno apartamento alugado em Edimburgo, na Escócia. Apenas seis anos mais tarde, com seu primeiro livro transformado numa gande produção de Hollywood, o valor de seu patrimônio foi avaliado em mais de 120 milhões de dólares, cerca de 360 milhões de reais.
Para sua legião de leitores, os livros de Harry Potter são mais do que simples fantasia: há um sentido de realismo e uma busca de moralidade que vão muito além da simples aventura, da mágica e da
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batalha do bem contra o mal. Para esta biografia, foram feitas uma
pesquisa exaustiva e entrevistas exclusivas com muita gente que
conheceu J. K. Rowling. Tudo para entender como seus livros vieram A
a ser escritos e que influencias moldaram tanto a vida quanto a obra dessa autora, levando-a, após muitas tentativas, à fama e à riqueza.
AB RI N D O A CÂ A IMI A R A
"Joanne está lá em cima escrevendo as coisas dela."
Pete Rowling e Anne Volant levavam uma vida comum e tinham 1 bastante orgulho disso. Foi tudo muito rápido para o casal que se conhecera num trem que deixava Londres a caminho da costa da Escócia, onde assumiriam seus postos na Marinha. Naquela época, início dos anos 60, a viagem até a região central da Escócia durava cerca de nove horas, tempo suficiente para que os dois jovens de 18 anos se conhecessem melhor.
A relação entre Pete e Anne se firmou nos meses seguintes. Anne engravidou em 1964, o que tornou a situação do casal complicada pelos preconceitos sociais da época e, sobretudo, pelo fato de trabalharem nas forças armadas. Eles decidiram, assim, sair da Marinha e tentar a sorte fora de Londres, já que os dois preferiam criar os filhos no campo.
Pete decidiu seguir o exemplo do pai e procurar emprego na indústria. Conseguiu uma vaga como aprendiz na linha de produção da fábrica Bristol Siddeley em Filton, distrito de Bristol. Era sua grande chance de se fixar no campo, mas antes precisava resolver um probleminha: seu casamento.
No dia do casamento, 14 de março de 1965, Anne estava.no quinto mês de gravidez e um pequeno volume já podia ser percebido em seu corpo delicado. Seu marido havia feito 20 anos há duas semanas e ela, há seis. Eram muito novos para começarem a vida com um bebê a caminho. Era muito provável que caíssem no
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marasmo da vida a dois em Londres, mas a engenhosidade e o dinamismo de Pete garantiram um destino bem diferente para eles.
Sendo um casal tão jovem e com tantas responsabilidades, o agito dos anos 60 passou sem ser notado. A história às vezes esquece que a década de 1960 foi vivida pela geração seguinte à da Segunda Guerra Mundial. Anne e Pete nasceram em tempos de guerra e cresceram em um país que tentava, aos poucos, se reerguer após seis anos de conflito e devastação.
Quando se casaram, Tom Jones era o número um nas paradas de sucesso com a música It's not Unusual. Sua voz retumbante seria logo substituída pelo estilo irreverente dos Rolling Stones, com The Last Time. Joanne Rowling contou uma vez que seus pais adoravam os Beatles e tinham todos os discos deles, uma lembrança do tempo em que ainda eram jovens, antes de se tornarem um velho casal aos 20 anos de idade. Era impossível associar Yate, a cidade onde foram morar, com os winging sixties, os loucos anos 60.
Quando Pete e Anne se mudaram para Yate, a área ainda tinha um certo aspecto rural. Sunridge Park era uma estradinha cercada por campos. A única mancha na paisagem ficava alguns quilômetros à frente, no final da estrada, onde o centro comercial Yate Town havia sido inaugurado um ano antes.
Anne Rowling deu entrada no Hospital Cottage em julho de 1965. No dia 31 de julho, Anne deu à luz uma menina, descrita anos mais tarde como "gordinha e loura" pela própria J. K. Rowling. Anne e Pete decidiram que o nome seria simplesmente Joanne.
A lembrança mais antiga de Joanne é a do nascimento de sua irmã Dianne, chamada carinhosamente de Di. A nova integrante da família Rowling nasceu em casa no dia 28 de junho de 1967. Joanne disse que, "no dia em que ela nasceu, meu pai me deu massinha de modelar para me manter ocupada enquanto ele ficava para lá e para cá, entrando e saindo do quarto. Não me lembro do bebê, mas lembro que comi a massinha".
Pete estava indo bem na fábrica Bristol Siddeley. Era um jovem brilhante e batalhava para dar uma vida melhor à mulher e às filhas.
A casa onde moravam estava começando a ser engolida pela cidade cinzenta que não parava de crescer. Aquela não era a vida no campo que os Rowling queriam para suas filhas, e eles logo começaram a procurar um lugar mais tranqüilo.
A seis quilômetros de Yate, Winterbourne é grande demais para ser um vilarejo e pequena demais para ser uma cidade. Tinha um lado comunitário que não existia em Yate, e foi lá que Pete Rowling comprou a casa de três quartos no número 35 da rua Nicholls Lane. Não era ainda a casa dos seus sonhos, mas já era um grande avanço.
Anne e Pete, londrinos típicos e amigáveis, se encaixavam bem no perfil cosmopolita daquela comunidade, formada por pessoas vindas das mais diferentes regiões do país para trabalhar nas fábricas de Bristol e morar nas cidades próximas. A maioria trabalhava na Bristol Siddeley, que, após uma série de incorporações, foi fundida em uma única companhia, a Rolls-Royce, em 1971.
Ao contrário do que muita gente pensa, a companhia não era especializada na fabricação de carros de luxo. Na verdade, seus mais de dez mil operários produziam motores de avião. Pete trabalhava em um dos galpões, onde os motores eram montados. A rotina de trabalho era puxada. O expediente ia das 7:30 às 17:OOh, mas normalmente os operários faziam hora extra para não deixar o trabalho incompleto no final do turno. Não demorou muito para Pete começar a subir na companhia, deixando para trás a linha de montagem.
Os Rowling foram logo estabelecendo boas relações com outras pessoas da comunidade, tornando-se especialmente próximos de Alan e Helen Hall. Os quatro haviam prestado serviço militar - Anne e Pete na Marinha, Alan e Helen na Força Aérea -, e Alan também trabalhava na fábrica Bristol Siddeley. Aos domingos, enquanto as mulheres preparavam o almoço, ele e Pete saíam para tomar uma cerveja no pub Wheatsheaf Inn. Alan conta que nunca se esqueceu das conversas que tinham sobre política. Ele se lembra de Pete como um sujeito que levava as coisas a sério, e acha que Joanne herdou o jeito do pai.
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Como Pete trabalhava muito, foi Anne quem mais influenciou as meninas em seus primeiros anos de vida. Ela desistiu de ter uma carreira para ser mãe e, segundo Joanne, jamais esboçou o menor sinal de arrependimento por não ter aproveitado mais a vida de solteira. Anne transmitiu todo o seu amor pela literatura para sua família. Ali, no ambiente tranqüilo de Nicholls Lane, nasceu a criatividade extraordinária de J. K. Rowling.
O primeiro livro de que se lembra foi lido por seu pai quando ela teve sarampo. O título era The Wind in the Wiiows (O vento nos salgueiros). Joanne nunca revelou como pensou em Weasley para nome do melhor amigo de Harry Potter, mas Weasley soa parecido com measly (sarampo, em inglês). Os primeiros livros udos na infância têm muita influência na mente das crianças. Pete Rowling costumava sentar-se pertinho do beliche para encantar sua filha de quatro anos com as façanhas de Rato, Toupeira, Senhor Sapo e Texugo, personagens muito populares das histórias de Kenneth Grahame.
Nas histórias de Harry Potter, os animais são muito importantes, principalmente no modo como são usados para discutir a moralidade e a fragilidade das emoções humanas. Esse caminho foi bem explorado por Kenneth Grahame. Algumas características do Sr. Sapo, exibido e presunçoso, com ares de superioridade, são vistas no modo arrogante de Gilderoy Lockhart, o professor de Defesa Contra as Artes das Trevas. Dumbledore, o grande mentor de Hogwarts, reflete em sua personalidade um pouco da sensibilidade de Texugo. A Floresta Selvagem de Grahame e a Floresta Proibida de Rowling são bastante parecidas, locais de trevas, ameaçadoras para os heróis e as pessoas de bem.
lan Potter, um ano mais jovem que Joanne e vizinho da casa 39, disse que "na casa dos Rowling havia prateleiras e mais prateleiras de livros". Ruby, sua mãe, e Anne costumavam trocá-los. Anne estava sempre lendo para suas filhas. Para Ruby Potter, "ela acreditava que as histórias deveriam fazer parte da educação das crianças".
Ao contrário de outras crianças, Joanne nunca ligou muito para os
C um Abrindo a Cdmara
livros estrelados pelo garotinho Noddy de Enid Blyton. Com Richard Scarry era diferente - outro exemplo de como as crianças gostam de ver animais assumirem características humanas. Os livros de Scarry surgiram no final dos anos 60. Gatos, ratos, porcos, cachorros e vários outros animais contribuíam para mostrar o mundo às crianças, levando informação e educando-as ao mesmo tempo.
Os trens, que tiveram muita importância na vida e na obra de Joanne, sempre estiveram presentes na obra de Scarry, em geral conduzidos por uma raposa. Seus pais se conheceram num trem. A idéia de escrever Harry Potter surgiu num trem. E, nos livros, é o Expresso de Hogwarts que transporta Harry de sua vida miserável do mundo real, ou mundo "dos trouxas", para o mundo da magia.
A pequena Joanne Rowling amava a obra de Scarry. Foi inspirada por ela que, pela primeira vez, pegou uma caneta e escreveu uma história. Colocou nela o nome de "Rabbit". Rabbit, o herói, um coelho, tem que ficar em casa por estar com sarampo e recebe a visita de seus amigos. Entre eles, uma abelha gigante, chamada Miss Bee (Senhorita Abelha).
Joanne sempre gostou de coelhos. Divertia sua irmã contando histórias que inventava sobre Di, que caía no buraco de um coelho e era alimentada com morangos pela família de coelhos. O cão terrier da família foi chamado de Tambor por conta do coelho de Bambi, filme de Walt Disney. As meninas da família Rowling sempre quiseram ter um coelho igual à família Potter, que tinha o Flump. As duas irmãs sempre iam até lá dar algo para ele comer.
Joanne confessa que "Rabbit" foi quase totalmente copiada de uma história de Richard Scarry sobre um coelhinho que fica doente e é internado num hospital. Mas é impressionante que uma menina de seis anos dedicasse seu tempo a escrever uma história. Helen Halls se lembra de ter chegado à casa da amiga Anne e perguntado sobre sua filha mais velha. "Joanne está lá em cima escrevendo as coisas dela." Anne respondeu, orgulhosa. Quantos pais não dariam tudo para ter um filho que ficasse feliz dentro do quarto, lendo um livro ou escrevendo uma história.
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A primeira pessoa a ouvir as histórias de Joanne foi sua irmã. E há 30 anos é assim. O entusiasmo de Di por tanta criatividade sempre representou um grande estímulo na vida de J. K. Rowling. Sua mãe também adorava ouvir as histórias da filha, e a dedicatória do primeiro Harry Potter foi a forma que Joanne encontrou de expressar sua gratidão. O apoio da família a Joanne deu-lhe confiança e entusiasmo para continuar escrevendo suas histórias, compartilhando-as com outras pessoas. Sua imensa imaginação deu a Joanne uma liderança natural entre as crianças da rua, que estavam sempre brincando juntas. As crianças se divertiam muito brincando de magos e bruxas, um jogo que Joanne havia inventado.
Não havia videogames para preencher o tempo, e o que Joanne, Di, lan Potter e sua irmã Vikki queriam mesmo era mergulhar no baú cheio de roupas de Anne e dar asas à fantasia. Ruby Potter comentou que as crianças sempre roubavam as vassouras que ficavam na garagem para fazer de conta que eram vassouras de bruxos. "Joanne estava sempre no comando. Era sempre a líder."
Joanne inventou um jogo em que as meninas se vestiam de bruxas e os meninos de magos. Isso significava que, em geral, só tinha um mago: lan. Sentavam-se debaixo de uma árvore e Joanne elaborava umas palavras mágicas e fingia que estava preparando poções mágicas com ingredientes esquisitos. "Eu vestia o casaco de meu pai ao contrário, para parecer um mago de verdade", lan relembra. "Acho que naquele baú havia também um par de óculos de brin cadeira parecidos com os de Harry Joanne estava sempre inventando histórias e todos viravam personagens."
A liderança de Joanne era indiscutível, mas lan Potter também tinha seus dias. Numa tarde, antes do chá, ele convenceu Joanne que uma lesma gorda e suculenta era um tira-gosto irresistível. No capítulo 2 (O Vidro que Sumiu) de Harry Potter e a Pedra Filosofal, ela narra: "Com freqüência, os Dursley falavam de Harry assim, como se ele não estivesse presente - ou melhor, como se ele fosse alguma coisa muito desprezível que não conseguisse entendê-los,
como uma lesma." Na verdade, quem se parece mesmo com uma lesma é o Duda Dursley!
Se havia algo que Joanne não suportava eram aranhas. Até hoje, se perguntarem a Rowling o que ela mais detesta, a resposta imediata será "aranhas". Não é surpresa, então, que elas apareçam tanto em seus livros, nos quais Rony é o que tem mais medo delas. Rowling revive seu medo infantil em Harry Potter e a Câmara Secreta quando Rony e Harry são levados até Aragogue, na Floresta Proibida, onde encontram "aranhas do tamanho de cavalos, com oito olhos, oito pernas, pretas, peludas, gigantescas". Se Joanne ti vesse que enfrentar um bicho-papão, criatura que se transforma naquilo que você mais temer, é provável que enfrentasse uma aranha igual a Aragogue.
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UMA CRIANÇA QUE GOSTAVA DE LER
joanne sempre foi mais séria, cabeça baixa, olhando para a frente,
uma pessoinha responsável."
uando Joanne festejou seu quinto aniversário, em 1970, não havia McDonald's para agradar os jovens paladares. Em vez disso, as crianças se sentavam à volta da mesa e Anne e Ruby serviam sorvetes e gelatina, sanduíches e bolo. Anne Rowling era uma cozinheira de mão cheia e sempre insistia em que a família fizesse as refeições junta. Quando Pete chegava do trabalho, Joanne e Di deixavam as brincadeiras de lado e iam para casa comer.
Essa tradição de se sentar à mesa para compartilhar com os outros elaboradas refeições certamente influenciou a imaginação de J. K. Rowling. Desde o início Harry Potter se deliciaria com a variedade de pratos apetitosos oferecidos aos alunos de Hogwarts: na sua primeira refeição na escola em A Pedra Filosofal havia uma grande variedade de pratos, incluindo "rosbife, galinha assada, costeletas de porco e de carneiro, pudim de carne, ervilhas, cenouras, molho, ketchup". Nada de pizza, Big Macs ou similares para essas crianças - apenas a velha cozinha inglesa tradicional, exatamente como a mãe de Joanne costumava fazer. E isso tudo antes das tortas de maçã, das tortas com calda, das bombas de chocolate e dos biscoitinhos com geléia, dos bolos de frutas, dos morangos, da gelatina, dos pudins de arroz e tantas outras delícias que vinham na sobremesa.
Dois meses após seu quinto aniversário, Joanne foi para o colégio pela primeira vez. A escola St. Michael's Church of England ficava a cinco minutos a pé do número da casa dela. Anne foi andando
com sua filha mais velha naquele primeiro dia, como faria durante a maior parte da vida escolar de Joanne, até mesmo quando ela já era adolescente.
Joanne adorou a escola desde o início. A St. Michael's era uma típica escola de cidade pequena à moda antiga. O prédio era como uma capelinha vitoriana, com grandes janelas de sacada. O único contratempo foi que, quando sua mãe veio buscá-la para o almoço, depois da primeira manhã de aula, ela achou que nunca mais ia voltar para a escola. Ela contou ao escritor Lindsey Fraser: 'Achei que era só aquilo, que eu terminara a escola e não precisava mais voltar." Há algo encantador nessa ingenuidade.
Winterbourne era um lugar agradável. Anne Rowling freqüen temente ficava com Ruby Potter no alto da rua onde moravam, esperando que suas filhas saíssem da escola, de mãos dadas. Elas levavam as crianças para ver os patos no lago no centro da cidadezinha, ou os cavalos e burros que havia nas cocheiras, ou algumas vezes iam ao porto para ver os grandes navios entrando. Anne e Pete Rowling sentiam-se felizes por poderem dar a suas filhas uma infância à moda antiga, num ambiente protegido. Essa feli cidade iria acabar para Joanne quando foi fisgada pelo olhar severo de Sylvia Morgan na escola primária que veio a seguir.
A tentativa de fazer uma relação entre eventos e pessoas da vida de Joanne Rowling e os da saga de Harry Potter é um passatempo divertido, O diretor da escola primária para onde Joanne foi transferida dois anos mais tarde era Alfred Dunn, muito respeitado na comunidade. Já com mais de 80 anos, o Sr. Dunn foi muito assediado pela televisão e pelos jornais quando estes notaram que as iniciais de seu nome eram as mesmas daquelas do diretor de Hogwarts, Alvo Dumbledore, e concluíram que ele deveria ter sido o modelo de onde saiu o sábio personagem dos livros de Harry Potter. Mas iremos encontrar traços mais claros de Dumbledore em um futuro diretor de Joanne Rowling e em seu próprio pai. Alfred Dunn não se lembra de Joanne. Ela era uma das mais novas da turma e particularmente tímida e sossegada.
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J. K. Rowling
G Uma criança que gostava de ler
Parte do medo que Sylvia Morgan impunha estão presentes no professor de Poções de Hogwarts, o professor Severo Snape. Outras fontes de inspiração são mais óbvias. Dursley, por exemplo, uma inofensiva cidade de Gloucestershire, recebeu o fardo de ser o sobrenome dos parentes boçais que criam Harry como um intruso no mundo "dos trouxas", forçando Harry a dormir num armário debaixo da escada. Basta olhar em um dicionário de nomes geo gráficos da Inglaterra para encontrar Dudley, uma cidade em West Midlands, na mesma página. E lá está ele: Dudley Dursley, nome de Duda Dursley no original, o nome de um dos grandes personagens da literatura infantil, sem nenhum traço de decência.
As origens de Dudley são bastante óbvias. As de Harry Potter, o menino de óculos, são menos claras. Talvez seja inevitável que surgisse o mito de que a inspiração para Harry tivesse vindo de um amigo de infância, lan Potter, vizinho de Nicholls Lane, Winterbourne. Os jornais quiseram desesperadamente fazer alguma conexão simples e foram em cima de lan para tentar descobrir "a inspiração real para Harry Potter". Mas a única ligação é o sobre nome. lan, atualmente um pai de família que vive e trabalha em Yate, orgulha-se de ter conhecido Joanne, enquanto ela diz que o nome Potter veio de uma família que vivia numa casa logo adiante da dela. Mas também poderia ter vindo de Dennis Potter, o mais famoso dos autores da região da Floresta de Dean, para onde os Rowling iria se mudar.
Quando os livros de Harry Potter furam publicados, Ruby Potter escreveu para a autora dando parabéns pelo sucesso. Logo veio a resposta escrita a mão por Joanne, agradecendo a Ruby pela carta e garantindo que Harry não se baseava em seu filho lan. Joanne admitiu que "roubara" o sobrenome Potter, que achava bem mais bonito do que Rowling, que odiava.
Os Potter e os Rowling deixaram de ser vizinhos em 1974, quando Pete e Anne se apaixonaram pela pequena cidade de Tutshill e por uma casa de campo, chamada Church Cottage, do outro lado da ponte do rio Severn. Para Joanne, então com nove anos de idade,
esse novo playground era o paraíso. Entre as cidadezinhas de Tutshill e St. Briavels há um penhasco íngreme do alto do qual é possível contemplar a mais bela vista do rio Wye. O Wye é conhecido na região como Curva da Ferradura e desliza rapi damente, passando pelas ruínas de Lancourt Church, onde Joanne se reunia com suas colegas bandeirantes para fazer piqueniques nas tardes quentes de verão e observar os corvos e gaviões que voavam em círculos no céu. Voar, dizia Joanne, era uma fantasia infantil que ela conseguiu incorporar na série Harry Potter.
Tutshill, sossegada e indiferente à passagem do tempo, era o portal de entrada para milhares de tesouros e segredos para jovens mentes imaginativas. Pete e Anne descobriram a cidadezinha quando viajavam pela ponte do rio Severn e passaram de carro pela cidade vizinha de Chepstow, e depois subiram até a Floresta de Dean. A ponte, inaugurada pela rainha Elizabeth II, em 1966, tornou essa maravilhosa região do interior facilmente acessível àqueles que trabalhavam em Bristol, e a viagem até a fábrica Rolls Royce, em Filton, passou a levar no máximo meia hora. Quando os Rowling se depararam com uma casa de campo de pedra à venda na entrada da cidade, decidiram que estava na hora de sair de Winterbourne.
Para as irmãs Rowling, que tinham sete e nove anos, foi a maior reviravolta de suas jovens vidas. Significou fazer novos amigos, instalar-se numa nova casa e, mais que tudo, aventurar- se numa nova escola. Uma das principais razões pela qual seu pai decidiu tirar a família de uma casa perfeitamente agradável porém simples em Winterbourne foi a própria Church Cortage, a nova propriedade onde iriam morar. Enquanto a casa de Nicholls Lane foi construída em 1963, Church Cottage tinha uma longa his tória, bem como uma fantástica vista do estuário do rio Severn. Um aspecto peculiar de Tutshill é sua posição entre os dois grandes rios. A cidade fica bem na fronteira entre a Inglaterra e o País de Gales. Chepstow fica a apenas cerca de dois quilô metros morro abaixo, no País de Gales, enquanto Tutshill fica no
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condado inglês de Gloucestershire, havendo forte influência galesa na cidade.
A nova casa dos Rowling ficava imediatamente ao lado da Igreja de São Lucas, do outro lado da qual estava a escola Tutshill Church ofEngland, onde Joanne continuaria sua educação. Church Cottage talvez fosse um pouco perto demais da escola para o gosto de Joanne e Di Rowling, mas o pai delas estava transbordando de entusiasmo.
Até mudar-se para Tutshill, os Rowling tinham morado em casas modernas que não precisavam de muitas reformas. Church Cottage, com seu piso de lajes, deu a Pete a oportunidade de misturar aspectos antigos com novas idéias.
No primeiro dia de aula do outono de 1974, Joanne Rowling andou os 20 metros que separavam a porta da frente de Church Cottage até o portão de entrada da escola de Tutshill. Os novatos se destacavam em seus uniformes novinhos. Joanne estava muito embaraçada e nervosa ao entrar na sombria sala de aula de Sylvia Morgan. Mais tarde ela descreveria essa sala como "um local que lembrava bastante um romance de Dickens". As carteiras de ma deira antiquadas tinham tampa de abrir e tinteiro embutido.
Sylvia Morgan provocava medo nas crianças de Tutshill. A opinião geral era de que ela era uma adepta da "velha escola" de como discipiiinãr os alunos. A primeira coisa que a Sra. Morgan fez com a turma nova de 35 a 40 meninos e meninas foi separar os melhores alunos dos menos capazes. Ela fazia isso por meio de um teste de aritmética diário. O teste exigia um certo grau de cálculo mental e, nessa manhã em especial, um conhecimento de frações, coisa que Joanne ainda não tinha aprendido. Pelo menos a provação viria a mostrar-se útil quando ela escreveu o capítulo chamado "O Chapéu Seletor", no primeiro livro de Harry Potter. Harry estava apavorado diante da perspectiva de ter que passar por um teste em sua chegada a Hogwarts, pois ainda não tinha aprendido nenhuma mágica e não podia imaginar a que perguntas teria que responder.
Ca tJo Urna criança que gostava de ler
Felizmente o "teste" de Harry acabou sendo bem menos traumático do que ele temia.
Em seu próprio teste, Joanne conseguiu meio ponto, o que era razoável e acabou dando a ela um lugar no canto direita da sala. Ela ainda não sabia disso, mas a Sra. Morgan a tinha colocado na fila dos maus alunos.
Ela se dedicou a melhorar a opinião que a Sra. Morgan tinha de suas capacidades. Além dos testes diários, havia testes semanais que davam aos alunos a oportunidade de brilhar em outras áreas além da matemática. A filosofia da educação da Sra. Morgan baseava-se em três matérias - leitura, escrita, aritmética -, embora mais de uma pessoa que tenha observado seus métodos pensasse que na verdade era apenas uma "repetição, repetição, repetição".
No final do ano escolar, Joanne tinha sido promovida para o lado esquerdo da sala, reservado aos alunos mais brilhantes. Estava claro que a capacidade dela estava acima da média, o que a Sra. Morgan acabou compreendendo. Mais tarde Joanne se lembraria: "Fui pro movida a segunda à esquerda. Mas isso teve um preço. A Sra. Morgan me fez trocar de lugar com aquela que, na época, era a minha melhor amiga. De modo que, ao dar alguns passos e atra vessar a sala, me tornei inteligente mas impopular."
Embora Joanne não tenha boas lembranças da Sra. Morgan, ela veio a ser útil quando pensou nos professores da Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts: "Várias pessoas influenciaram a criação do personagem de Snape em meus livros, e aquela professora claramente foi uma delas. Eu a achava tremendamente assustadora." A influência da Sra. Morgan também pode ser percebida na personagem da professora McGonagall, que, em Harry Potter e a Pedra Filosofal, diz a seus alunos: "Quem fizer bobagens na minha aula vai sair e não volta mais. Estão avisados."
O alívio que as crianças sentiam por conseguir passar pela turma da Sra. Morgan diminuía um pouco quando descobriam que no ano seguinte iriam enfrentar o marido dela, John, vice diretor desde 1952. John Morgan, como sua esposa, era religioso
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e por muitos anos foi ajudante da igreja em Tutshill. Era também severo e antiquado em seus métodos, mas era bem mais popular do que sua mulher.
Quando a Escola Tutshill festejou seu 1 5Ø0 aniversário, em 1998, os diretores tentaram convencer Joanne a ajudá-los a marcar a ocasião fazendo lá o lançamento de seu terceiro livro, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban. Argumentavam que não apenas ela era uma ex-aluna, mas havia também uma forte ligação por ela ter morado muitos anos ali perto. Mas não tiveram sucesso, e Tutshill tampouco possui um lugar de destaque nas lembranças de Joanne. Parece que a aclamada escritora não é dada a ímpetos de sentimentalismo
De fato, o único papel relevante que Tutshill tem no catálogo de obras de J. K. Rowling é no livro Quadribol Através dos Ièmpose, no qual os Tutshill Tornados aparecem na lista dos times de quadribol da Grã-Bretanha e da Irlanda.
Joanne teve a primeira experiência de morte na família quando tinha nove anos, e sua avó Kathleen, mãe de Pete, seu pai, morreu no hospital em Poole, Dorset, após um ataque cardíaco. Tinha apenas 52 anos e Joanne ficou desolada: "Eu a adorava, e a lembrança mais triste que tenho desse tempo é a da morte dela." Ela homenageou sua vó quando adotou o nome Kathleen para representar a letra K do famoso "J. K. Rowling".
Kathleen e seu marido Ernje tinham uma mercearia chamada Glennwood Stores em Station Road, em Dorset. Joanne e Di ado ravam quando seus pais as levavam para visitar os avós, que mo ravam num simpático apartamento em cima da loja. A verdadeira delícia para as meninas era que eles as deixavam brincar de loja. Desde que não houvesse fregueses, as irmãs podiam brincar com todas as mercadorias de verdade, latas de feijão, sopa e sardinhas, pacotes de cereais e tudo quanto é doce, e faziam de conta que estavam comprando e vendendo. Joanne era a balconista que pesava
tudo cuidadosamente, e Di, uma freguesa espalhafatosa. Isso as mantinha ocupadas por horas e horas, e garantia que seus pais pudessem desfrutar um pouco de sossego no andar de cima. Também significava que elas não passavam todo o tempo vendo besteiras na televisão, embora Joanne admitisse que tinha um fraco pelos desenhos animados.
A Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts ainda não foi tocada pela moderna tecnologia da educação. A sala comum de Grifinória não reflete os temas das séries televisivas nem programas de auditório. Quando Hermione Granger, Rony Weasley e Harry Potter querem encontrar alguma referência a Nicolas Flamel na biblioteca da escola, eles não fazem uma pesquisa no computador. Eles consultam um volume empoeirado após outro. Os livros, as conversas e as horas de refeições foram as três influências-chave da família sobre Joanne, e isso se reflete em Hogwarts. Mesmo quando está no mundo "dos trouxas", Harry Potter não tem interesse em times de futebol nem nos ídolos da música pop.
Os avós maternos de Joanne eram Stanley e Frieda Volant. Moraram na mesma casa, em Tufnell Park, durante mais de 30 anos, até a morte de Stanley, em 1977. Joanne descreveu Stanley e Frieda como "um casal infeliz". Certamente ela tinha pouca afeição por Frieda, que preferia sua multicolorida coleção de cães a crianças pequenas, e serviu como parte da inspiração para a medonha tia Marge que aparece na casa dos Dursley em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban.
Entretanto, Stanley e Ernie são lembrados com amor. Joanne contou que "ambos eram grandes pessoas". Stanley era um consultor de engenharia, embora nos últimos anos trabalhasse como ajudante em um hospital para se manter ocupado. "Era um grande sonhador e passava muito tempo no caramanchão do jardim, fazendo coisas", lembra Joanne. Em O Prisioneiro de Azkaban é possível encontrar uma homenagem aos avós: Stan e Ernie são os motoristas do Nôitibus Andante que resgata Harry Potter.
Nem tudo era tristeza em Tutshill para as meninas Rowling. Elas
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gostavam de fazer parte das bandeirantes, embora Di se atirasse nas reuniões das terças-feiras à tarde com muito mais prazer do que sua irmã. Sylvia Lewis, chefe das bandeirantes, lembra que "Di estava sempre muito entusiasmada. Ela chegava de repente, sempre rindo, e mal podia esperar por nós para começar. Joanne sempre foi mais séria, cabeça baixa, olhando para a frente, uma pessoinha respon sável, sabe? Essas meninas tinham personalidades diferentes", O diretor de Tutshill, Dai Rees, também se lembra de Di, com seus cabelos negros, "a mais vivaz das duas meninas".
As bandeirantes eram uma forma boa e inocente de diversão, propiciando um sentido de camaradagem e um primeiro contato com as regras de responsabilidade social, Durante duas horas, uma vez por semana, 24 meninas da cidadezinha reuniam-se no salão da igreja para atividades que eram um mundo fora do olhar implacável da Sra. Morgan.
Há também um tema mágico em torno das bandeirantes. O grupo de Joanne se dividia em seis grupos menores - Fadas, Diabretes, Duendes, Elfos, Gnomos e Diabinhos -, nomes dos quais Joanne pode ter se lembrado quando veio a escrever sobre os duendes Dobby e Winky e os gnomos encrenqueiros do jardim dos Weasley.
Joanne não abandonou o mundo dos livros em seu novo ambiente. Depois de sua primeira tentativa com "Rabbit", ela escreveu um conto chamado "Os Sete Diamantes Amaldiçoados", embora na época achasse que seria um romance. Esse conto de aventuras homenageava Edith Nesbit, autora de Os Meninos e o Ti de Ferro e de A História dos Caçadores de T Nesbit era filha de um escritor e, quando adulta, Joanne viria a identificar-se com ela mais do que com qualquer outra escritora: "Ela costumava dizer que se lembrava exatamente como se sentia e como pensava quando era criança, e eu diria que me lembro vividamente como era ter 11 anos e todas as outras idades até os 20. Ao ler Os Caçadores de lèsouro, acho que fica claro que pessoas que não se lembram de como era ser criança não devem escrever literatura infantil."
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Church Cottage, como sua casa anterior em Winterbourne, era cheia de livros, não apenas porque a irmã de Anne, tia de Joanne, era leitora para a editora Milis and Boon e, a cada dois meses, costumava mandar uma caixa enorme cheia de romances. Como disse Joanne, "eu era bem nova quando me familiarizei com as artimanhas de homens de queixo quadrado e ombros largos em estado de alerta permanente, e então voltava para o What Katy Did e Enid Blyton, e o C. 5. Lewis de sempre".
O "C. S. Lewis de sempre" era a série clássica As Crônicas de Narnia, cuja influência sobre Harry Potter e a Pedra Filosofal pode ser claramente vista em O Leão, A Bruxa e o Guarda-Roupa. Nos dois romances há um portal que transporta o herói para um mundo mágico e fantástico. No caso de Harry, é a inspirada Plataforma 9 1/2 da estação de King's Cross. A heroína de Lewis chamava-se Lucy e entrava na terra de Narnia através de um guarda-roupa, sendo saudada por uma criatura mitológica, um fauno chamado Tumnus.
Lewis descreve muitas criaturas mágicas, inclusive faunos e um bicho-papão, além de uma coleção de animais que falam, in clusive Aslan, o leão. O irmão de Lucy, Edmund, recebe uma bebida especial, dada pela malvada Bruxa Branca: "Era algo que ele nunca provara, muito doce, espumoso e cremoso, e aqueceu-o até os dedos dos pés." Harry experimenta uma sensação seme lhante quando toma sua primeira caneca de cerveja quente aman teigada no Caldeirão Furado, dizendo que foi a coisa mais deliciosa que ele já tinha provado, e parecia esquentar todo o seu corpo, de dentro para fora.
Joanne sempre foi franca em relação às influências de outros escritores em sua obra, e é sincera, honesta e autodepreciativa quando fala de sua fase pré-adolescente. Ela contou que "era o exemplo de uma criança que gosta de ler - baixinha e gorducha, óculos de fundo de garrafa, vivendo num mundo de devaneios
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completos, escrevendo histórias sem parar, e uma vez ou outra saía do nevoeiro para implicar com a coitada da minha irmã, obrigando-a a ouvir minhas histórias e a participar das brincadeiras que eu tinha acabado de inventar".
Essa avaliação de si mesma, modesta e nada lisonjeira, levou imediatamente à observação óbvia de que ela é seu próprio modelo para a principal personagem feminina nas histórias de Harry Potter, Hermione Granger, a filha do dentista, "nascida trouxa". Ela não nega isso: "Hermione foi muito fácil de criar, porque se baseia quase totalmente em mim mesma aos 11 anos de idade. Realmente é uma caricatura de mim. Como Hermione, eu era obcecada pelo sucesso acadêmico, mas isso só servia para mascarar uma insegurança enorme. Acho que é comum que meninas pouco atraentes se sintam assim."
Como Joanne, Hermione é uma leitora voraz. Em seu primeiro encontro, ela diz a Harry: "Tenho outros livros recomendados, e você está em História da Magia Moderna e Ascensão e Queda das Artes das Trevas e em Grandes Acontecimentos Mágicos do Século XK" Em Harry Potter e a Câmara Secreta, Rony Weasley observa: "Acho que está tentando ler a biblioteca inteira antes do Natal."
Joanne reconhece: "Sempre achei que tinha que ter um excelente desempenho, sempre tinha que levantar a mão antes de todo mundo, sempre tinha que estar certa." Esse é um traço que ela dividiu, de forma bem-humorada, com Hermione, especialmente quando ela está nas aulas do temido Snape, professor de Poções, que costuma ignorar as tentativas entusiasmadas de Hermione para cha mar sua atenção sempre que sabe as respostas às perguntas dele.
Hermione pode ter medo de fracassar mas, diferente de Joanne, isso não acontece na prática. Enquanto Joanne teve que se virar com um patético meio ponto em sua primeira experiência com os testes diários da Sra. Morgan, Hermione se gaba para Harry e Rony de que Flitwick, professor de Feitiços, contou-lhe que ela tirou 112% em sua prova. Naturalmente ela é a melhor aluna de seu ano. É curioso que - enquanto Hermione, ao menos no início das his
tórias, é pouco mais do que a caricatura da cê-dê-efe que sabe tudo - é o próprio Harry Potter quem manifesta as inseguranças da menina de 11 anos que Joanne foi na vida real. É ele quem fica apavorado diante da perspectiva de ter que fazer uma prova ao chegar a Hogwarts. Ele é quem sofre nas aulas de Snape, exatamente como Joanne viria a sofrer nas mãos do seu professor de química John Nettleship na próxima Escola Wyedean. É Harry quem sofre terrivelmente a falta de sua mãe, exatamente como Joanne viria a sofrer quando Anne, sua própria mãe, morreu.
Hermione revela um lado mais profundo e mais emotivo de si mesma quase no final de A Pedra Filosofal, quando deseja boa sorte a Harry: "Eu! Livros! E inteligência! Há coisas mais importantes, amizade e bravura, e, ah, Harry, tenha cuidado!"
Essa pode ser a voz de Anne Rowling falando. Quando Joanne tinha nove anos, Anne deu a ela um livro que, Joanne candidamente admitiu mais tarde, talvez tenha tido mais influência direta nos livros de Harry Potter do que qualquer outro. Foi The Little White Horse (O cavalinho branco), de Elizabeth Goudge, publicado pela primeira vez em 1946. Na capa da edição de 2000 há uma citação de J. K. Rowling: "Eu simplesmente adorei The Little White Horse. O enredo é emocionante... Dá medo em alguns trechos, é romântico em outros. E a heroína é divertida."
A personagem Maria Merryweather, com nome digno das his tórias de Harry Potter, pode ser divertida, mas Joanne Rowling teria se identificado mais com o fato de que ela era sem graça e tinha os cabelos ruivos.
Como modelo para escrever um romance infantil bem-sucedido, dificilmente se encontra algo melhor do que The Little White Horse Inconscientemente, os componentes essenciais parecem ter se en raizado na mente fértil de Joanne Rowling, prontos para serem usados quando, 15 anos depois, Harry Potter estava tomando for ma. Os personagens têm nomes ricos e incomuns. Além de Maria Merryweather, há sua governanta, Miss Heliotrope, e Monsieur Coq de Noir, Loveday Minette e o anão Marmaduke Scarlet, que,
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como o duende doméstico Dobby na saga de Potter, trabalha na cozinha e na limpeza.
Maria é orfã e, também como Harry Potter, vive em um mundo que não lhe é familiar. Viaja de Londres com Miss Heliotrope e Wiggins para o castelo de uma prima, no belo e misterioso Vale Moonacre. Para chegar ao castelo, têm que viajar por um túnel. O personagem Wiggins é uma brincadeira de Goudge, que J. K. Rowling deve ter apreciado. Wiggins é apresentado como "guloso, presunçoso, mal-humorado, egoísta e preguiçoso". Por que razão Maria viaja com ele? Na página seguinte tudo é revelado: Wiggins é um cachorrinho cocker spaniel com pedigree.
Os animais assumem papéis importantes e, como na série de Harry Potter, nem sempre são aquilo que parecem ser. Wrolf um c amarelo enorme, na verdade é um leão, protetor de Maria. Zacariah, o gato, é muito esperto e usa o rabo para escrever men sagens hieroglíflicas nas cinzas do braseiro da cozinha. Serena, a lebre, também é sábia. Nas histórias de Harry Potter há um gato esperto, Bichento, pertencente a Hermione e que sabe que Perebas, o ratinho de estimação de Rony, na verdade é o covarde Pettigrew em forma de animago.
Há também o próprio Cavalinho Branco, galopando através da floresta de pinheiros. "Maria nem ficou surpresa quando ele virou sua adorável carinha e olhou para ela, e ela viu um estranho chi frmnho prateado na testa dele. Seu cavalinho branco era um uni córnio." Harry também descobre essa criatura mítica na Floresta Proibida e ao longo de suas aventuras em O Cálice de Fogo.
A espantosa influência deste livro em Potter pode ser vista de forma ainda mais clara nas descrições de comida: "Há bastante bolo de passas, bolo de açafrão, bolo de cerejas, bolo de fadas gelado, bombas, pão de gengibre, suspiros, dedos de amêndoas, bolo crocante, bolo de chocolate, cone recheado de creme, confeitos de Devonshire, pastéis doces, sanduíches de geléia, sanduíche de limão azedinho, sanduíches de alface, biscoitos de canela e torradas com mel para alimentar mais de 20." Por incrível que pareça, esta não é
a descrição de um banquete em Hogwarts, mas sim um trecho do último capítulo de The Little White Horse. É bom saber que Joanne reconhece as influências que teve.
Os paralelos entre as vidas de Elizabeth Goudge e de Joanne Rowling poderiam nos fazer desviar do assunto, já que, além de escrever livros infantis, Elizabeth também teve uma mãe com problemas de saúde, viveu no interior e teve uma vida amorosa tumultuada. Mas não são tão importantes quanto a óbvia influência literária que exerceu.
Em The Little White Horse, o lema de Merryweather é: "a alma co rajosa e o espírito puro, com um coração alegre e amoroso, juntos herdarão o reino". A frase nos lembra a coragem de Potter e o entusiasmo de Hermione Granger pela amizade e pela bravura.
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UMA REBELDE OCULTA
s meninas adolescentes que estudavam na Escola Wyedean poderiam ser classificadas em mais ou menos cinco categorias:
as estudiosas, as peruas, as valentonas, as fedorentas e o restante, as garotas comuns que compõem o restante do rebanho. Joanne, ou Jo, como ela preferia ser chamada, era enquadrada pelas colegas na categoria de estudiosa inteligente. Foram necessários alguns anos até que ela se livrasse de uma imagem tipo Hermione Granger, mas no início da adolescência começou a deixar de ser uma aluna reclusa para tornar-se mais sociável e popular. No último ano, já era tão popular que seus colegas a elegeram representante de turma. A esse respeito, Joanne diz que, na prática, foi eleita a "menos provável-de ir para a cadeia", o que deixa clara sua opinião acerca da escola. Ela chegou a dizer uma vez que "gostava bastante da escola", mas não é bem isso que um de seus amigos lembra. "Wyedean era uma escola horrível, e você não tem idéia do quanto Jo e eu queríamos sair dali."
Joanne começou a ficar mais sociável e extrovertida no início da adolescência. Quase todos os seus colegas da Escola Tutshill foram para Wyedean, que, em 1976, era uma escola secundária moderna, que acabara de ser transferida para um novo local no vilarejo vizinho de Sedbury. Hoje os quatro quilômetros que separam Church Cottage da escola estão ocupados por tantas casas que difícil saber onde termina uma cidade e começa a outra. Sedb
é dominada pelos prédios escolares que se expandiram e por um quartel do exército. As pessoas não precisavam fazer provas para entrar na Wyedean. Bastava morar próximo à escola. Sendo uma escola pública, era gratuita.
John Nettleship, antigo professor de química, observa que "sempre tivemos diversos tipos de pessoas vindas da zona rural". Essas pessoas incluíam os filhos da classe operária tradicional e os das famílias que se deslocavam mais e que tinham migrado para essa área, como era o caso dos Rowling, porque tinham percebido que esse ambiente era melhor para seus filhos. Essas pessoas que não pertenciam ao meio rural trouxeram nova prosperidade à região.
Para Joanne, estar na Wyedean significava ter se libertado do Sr. e da Sra. Morgan, seus antigos professores. Havia, entretanto, um novo grupo de professores com os quais teria que lidar, O diretor era Ken Smith, que Nettleship descreve como um "perfeito cavalheiro". Um colega de Joanne se lembra dele simplesmente como "um homem rígido como uma bengala".
Joanne, no seu papel de representante, teria tido um contato muito mais próximo com os mecanismos da administração escolar e com o trabalho do diretor do que a maioria dos alunos. Ela pode ter incluído alguns traços de seu antigo diretor na figura de Dumbledore, porém o diretor de Hogwarts é uma combinação de diversas personalidades. Se o raciocínio tranqüilo de Dumbledore pode lembrar um pouco Ken Smith, isso não necessariamente sig nifica que seu personagem se baseie apenas em diretores de escola do tempo de Joanne. Provavelmente ele tem muito mais em comum com Pete, pai de Joanne, que Nettleship descreve como "muito sábio".
A influência do próprio John Nettleship como um protótipo para Snape, professor de Poções de Hogwarts, é mais evidente. Ele é Consciencioso conciso, perspicaz, e possui a habilidade de chegar ao
uro de um problema, o que deve ter assustado seus alunos menos
os. Stinger (ou "Ferroada"), apelido pouco delicado que lhe ram, sentese feliz, e mesmo orgulhoso, de ter servido de modelo
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para o professor que atormentava Harry. Química não era um assunto em que Joanne Rowling, com sua mente de artista, se destacasse. Porém, embora possa ter esquecido a tabela periódica dos elementos, ela nunca esqueceu o trauma de uma das aulas de Nettleship. "Eu tinha esse hábito de argüir um aluno, depois outro", lembra, "e muitas vezes escolhia Joanne porque ela era uma das me lhores alunas da turma."
Com freqüência, Harry é o foco do olhar crítico do professor Snape, contorcendo-se em sua cadeira à medida que luta para responder às perguntas impossíveis feitas pelo professor: "Potter", disse Snape de repente, "o que eu obteria se adicionasse raiz de asfódelo em pó a uma infusão de losna?" Ponha Rowling no lugar de Potter e você terá uma idéia do suplício que a jovem Joanne encarava cada vez que entrava no prédio de ciências para os dois tempos de química. Nettleship observa que "acho que a falta de autoconfiança que vemos em Harry é algo que ela sentia em alguns aspectos de sua vida escolar".
Nettleship aceita com bom humor o fato de que possa ter inspirado Snape. "Acho que os personagens dela são uma mescla bem-feita, mas de fato vejo alguns traços meus no Snape. No início imaginei que eu poderia ser Alvo Dumbledore. Depois, quando os repórteres começaram a vir bater na minha casa dizendo 'você. o Snape, não é?', a Shirley, minha mulher, disse:
'Tenho tentado esconder esse fato de você. Não me agrada lhe dizer isso.' Penso que eu era visto pelos alunos como sendo muito severo, especialmente nos anos 70. A mentalidade era: poupar o chicote é estragar a criança.
Uma das coisas que me chamam a atenção é que o Snape claramente é um problema para si mesmo, tanto quanto para as outras pessoas. E quando chegarmos ao final da história de Harry Potter, no Livro Sete, vendo as coisas serem explicadas ao longo das páginas, eu talvez consiga algumas dicas sobre como levar o resto da minha vida de forma mais fácil. Talvez acabe me tornando uma pessoa melhor."
John Nettleship foi particularmente significativo para a família Rowling porque, como chefe do departamento de química, foi ele quem entrevistou Anne quando ela se candidatou a um emprego como assistente de laboratório, pouco depois que Di também veio para a Wyedean. No princípio, ela não se deu bem.
"Na prática a decisão foi minha", admite Nettleship. "Shirley, minha mulher, era a chefe dos técnicos e estávamos procurando alguém para trabalhar com ela. Surgiu uma opção entre Anne e outra mulher que já tinha excelente currículo como técnica. Lamento dizer que senti que era melhor oferecer o emprego à que tinha experiência. Shirley ficou bem zangada comigo. Infelizmente ela acabou sendo muito ruim e, felizmente, em pouco tempo se encheu do emprego e foi embora. Conseguimos então mandar buscar Anne, o que foi uma sorte para nós, porque ela era excelente."
Era o emprego perfeito para Anne, que sempre gostou da com panhia de pessoas jovens. Desde que suas filhas tinham crescido e saído das bandeirantes ela era uma colaboradora animada do clube de jovens de Tutshill, que se reunia no antigo salão da igreja. Ela tocava violão muito bem e fez o possível para passar seu talento para Joanne que, como outros adolescentes, se via como uma estrela do rock e queria mesmo era tocar guitarra elétrica.
Anne, Joanne e Di pareciam mais irmãs do que mãe e filhas. Ficaram conhecidas em Tutshill por caminharem juntas para a Escola Wyedean, pela manhã, por, mais tarde, entrarem nas lojas para comprar alguma coisa para o jantar. Seu local predileto era a G. & E Roser, açougueiros, verdureiros e fornecedores das melhores salsichas de Gloucestershire. "Joanne era sempre uma menina muito sos segada quando elas entravam aqui", lembra Geoff Roser. "Era uma família bem unida, e nos fins de semana o pai vinha com elas. Anne e Pete eram um casal muito dedicado." Naquela época, na estrada que passa por Tutshill havia mais mochileiros do que automóveis. As garotas" trocavam entre si as fofocas do dia à medida que caminhavam para casa.
Anne, que tinha muito senso de humor e invariavelmente via o
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lado divertido das coisas, contou-lhes um dia um episódio inesperado, ocorrido no laboratório de biologia, envolvendo uma linda professora nova e seus besouros de estimação. John Nettleship lembra-se de que "eram criaturas horríveis. Um dia eles fugiram e a professora, orgulhosa proprietária desses bichos, saiu correndo, deixando a pobre Anne sozinha para resolver a confusão. Eles estavam no teto, pela sala toda. Felizmente tinham ficado presos no laboratório". Anne achou aquilo tudo uma grande piada e, depois de contar e repetir a história muitas vezes ao longo do dia, os pequenos besouros de 5 centímetros tinham se tornado mons trinhos de 30 centímetros. Quando Anne narrou essa aventura às filhas, voltando para casa, sem dúvida os bichos tinham alcançado proporções colossais. Joanne, que sempre teve uma memória de elefante, reciclou a história na saga dos explosivins que Hagrid usou em suas aulas de Trato das Criaturas Mágicas, em Harry Potter e o Cálice de Fogo. Era esperado que as crianças levassem os explosivins para passear, mas não era possível controlar aqueles bichos com um metro de comprimento, "um cruzamento extremamente perigoso de escorpião-gigante com caranguejo-de-fogo", e a turma se espa lhou por todos os lados, tentando controlar os bichos.
Joanne já impressionava seus professores de inglês na Wyedean por sua criatividade. Um jovem estudante norte-americano, Dave Neuschwaftder, era um dos que mais se impressionava. "Ela era urna aluna notável em minhas aulas de redação. Espero que ela tenha guardado uma redação intitulada 'Minha ilha deserta', que recebeu nota 10 e foi escrita durante um tópico de literatura baseado no tema da sobrevivência."
Neuschwander lembra-se de que, embora participasse das discussões em sala de aula, Joanne preferia expressar-se escrevendo:
"ela parecia confiar em suas habilidades, mesmo que algumas vezes fosse um pouco tímida". Ele também ficou impressionado com uma professora que, na ocasião, era a influência literária mais importante de Joanne. Lucy Shepherd era urna jovem de vinte e poucos anos quando Joanne entrou na Wyedean, e tinha grande entusiasmo pe
las mulheres que realizavam seu potencial. "Ela realmente se entre gava de corpo e alma àquilo que estava ensinando", observa Neuschwander, "e respeitava os alunos ensinando-lhes as habili dades fundamentais de que necessitavam, bem como alimentando sua criatividade e seu amor pelo estudo."
"Lucy se concentrava e era eficiente naquilo que realmente importava, sem perder tempo com besteiras, mas as crianças não tinham medo dela, porque estavam certas de que podiam contar com seu interesse. Era um modelo extraordinário para qualquer aspirante a professor. Suas aulas resultavam em um ensino sério, por causa de suas excelentes qualidades de organização e da dedicação em obter dos alunos um trabalho de qualidade. Não tenho dúvida de que Lucy teve uma grande influência sobre Joanne Rowling."
John Nettleship também homenageia Lucy. "Ela tinha os mais elevados padrões acadêmicos. Colaborava comigo, porque eu não era muito bom na hora de recomendar livros. Estava sempre ocupado demais tentando explodir o laboratório! As novas escolas secundárias da Inglaterra nessa época tendiam a atrair professores mais criativos, que estavam à procura de um local onde pudessem tentar algo novo. Lucy era uma pessoa inspirada."
Joanne reconhece que Lucy Shepherd foi a única professora de quem se aproximou, porque inspirava confiança. Mas nem mesmo Lucy percebia que sua aluna alimentava uma forte ambição de tornar-se escritora. Conseguiu convencer a escritora que estava brotando de que não iria a lugar nenhum sem ser precisa e sem prestar atenção à estrutura. Em Contando Histórias: Uma Entrevista comi K Rowling, Joanne explica que o respeito por sua professora originou-se da extraordinária paixão de Lucy Shepherd por seu trabalho. Ela era feminista e Joanne nunca havia encontrado uma mulher como aquela: "Lembro-me que, um dia, eu estava rabis cando numa folha enquanto ela estava falando e ela me disse que eu estava sendo realmente muito indelicada. Eu respondi: 'Mas eu estou ouvindo.' Então ela disse que ainda assim eu estava sendo in delicada. Isso me marcou."
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Lucy Shepherd infelizmente aposentou-se do magistério, que exercia tão bem, e foi trabalhar numa livraria em Bristol. Joanne guarda como uma preciosidade a carta que recebeu dela após a publicação da primeira história de Harry Potter, dizendo-lhe que gostara do livro.
A adolescente Joanne Rowling estava começando a compreender que o mundo era bem maior do que os estreitos limites da escola Wyedean. Quando tinha 13 anos, teve o primeiro contato com lugares diferentes, numa viagem escolar de intercâmbio a uma pequena cidade perto de LilIe, na França. Uma de suas amigas da escola lembra-se que "não ficamos impressionadas, era tudo muito chato. Jo e eu achávamos que era irônico que, com tantos lugares bonitos na França, nós tivéssemos ido parar numa cidade pobre e malcuidada".
O maior escritor surgido na região de Wye, até então, era o dramaturgo Dennis Potter. E a juventude da Wyedean se iden tificaria com uma garota com quem ele conversa numa lanchonete em seu livro de memórias The Changing Forest (A floresta mutante). Ele pergunta o que ela acha da região. Ela responde: "Você quer dizer este depósito de lixo.., é quase morto, só isso. E tem um monte de gente velha e deprimida. Não tem nada para fazer. Apenas um monte de antigas tristezas..."
Mesmo Paula Whitehouse, secretária de longos anos do diretor, concorda: "Não há absolutamente nada para os jovens fazerem." Chepstow, que é a cidade mais próxima de Wyedean e Tutshill, nem mesmo tem cinema. É uma dessas cidades do interior onde grupos de garotos e garotas, jovens demais para beber nos pubs, vagam sem destino, reunindo-se nos estacionamentos dos supermercados para fumar e andar de skate.
Para os jovens, a região toda é como uma grande prisão aberta. O uniforme da Wyedean, uma feia combinação de marrom e amarelo, era pouco melhor do que um uniforme de presidiário, era detestado.
Até hoje Joanne se recusa a ter qualquer uma dessas duas cores em seu guarda-roupa.
O cinema mais próximo ficava em Coleford, e foi nele que Joanne viu Grease - Nos lémpos da Brilhantina com seus amigos, o filme mais popular do ano. Todos os garotos queriam ser John Travolta, e as garotas, Olivia Newton-John, embora Joanne estivesse começando a mostrar suas tendências radicais que tornaram atraente para ela o personagem subversivo de Rizzo. Representado no filme por Stockard Channing, Rizzo mais tarde viria a ser o personagem a quem Joanne seria associada por seus amigos da universidade. Grease, passado numa escola secundária nos Estados Unidos nos anos 50, está a milhões de quilômetros de distância de Wyedean, e a única pitada de realidade é proporcionada por Rizzo, a personagem que oculta sua vulnerabilidade por trás de uma aparência impetuosa.
John Travolta era muito popular no ano que Joanne passou na Wyedean, mas o ídolo número um era Leif Garrett, galã de cabelos louros encaracolados que enfeitava as paredes do quarto das garotas impressionáveis pelo país inteiro. Ele teve dois grandes sucessos na Inglaterra em 1979, mas logo veio a ser substituído pela nova sen sação adolescente, ou, no caso de Joanne Rowling, pela banda de punk-rock The Clash, a preferida das pessoas "antenadas" e tida co mo a melhor de todas as bandas punk. Joanne se dava conta bem claramente de que seus hormônios estavam explodindo. A colega de escola Andrea Andrews lembra-se de que "ela costumava sentar- se com uma de suas amigas e espiar disfarçadamente um garoto da nossa classe, claramente louca por ele. Ele era louro e bem alto para um garoto de 15 anos e muitas garotas estavam interessadas nele". A própria Joanne disse: "O fato de ter um bom cérebro não quer dizer que você seja melhor do que as outras na hora de conter seus hormônios."
Quanto às festas, as oportunidades eram raras. Andrea lembra que havia um clube de jovens em Woodcrofr, e uma vez ou outra uma discoteca no ginásio em Chepstow. "Eram os grandes momen
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tos nas nossas vidas, quando era possível tomar bebidas alcoólicas e andar no meio daqueles adultos de 16 anos. Só raramente havia discoteca no auditório da escola. E era só." Joanne desenvolveu uma paixão duradoura por discotecas, à qual ela iria se dedicar mais tarde, durante sua aventura no exterior.
A juventude urbana de Londres e outras cidades britânicas de hoje em dia ficaria de queixo caído diante da total falta de oportunidades que assolava os adolescentes dessa cidade do interior tão distante, em que o único ponto de encontro era a lanchonete do Martin e a padaria do Gregg. O Live and Let Live, um bar sujo e bagunçado, porém agradável, que ficava na estrada entre Tutshill e Wyedean, estava totalmente fora dos limites para Joanne. Quando a família se mudou de Winterbourne para Tutshill, Pete e Anne ra ramente saíam, a não ser para comer com alguns amigos. Geoff Roser, o açougueiro, observa que nunca viu os Rowling num bar durante todo o tempo em que eles moraram em Tutshill.
Como muitas garotas inteligentes e tímidas, Joanne mergulhava em áreas mais marginais e radicais da cultura jovem, de onde seu gosto pelo The Clash. Sua fase punk teve um efeito duradouro:
pelos dez anos seguintes, ela preferiu a maquiagem de olhos preta bem pesada, marca registrada da aparência gótica exibida pela cantora Siouxsie Sioux da banda Siouxsje and the Banshees.
É lembrada por seus colegas de escola como uma jovem silenciosa e tímida, mas que, em companhia de suas amigas, era expansiva e ainda as divertia com histórias das quais eram protagonistas. Uma delas se lembra de que "Jo nos distraia com sua inteligência rara e suas histórias cheias de emoções. Era muito inventiva e hábil ao ler as cartas do tarô, e lia as nossas mãos criando histórias que eram puro faz-de-conta, mas que nos divertiam e nos faziam morrer de rir. Seu estilo seco e irônico pode ser reconhecido instantaneamente nos livros. Ela pode ter se aberto para o mundo depois que cresceu, mas essa contadora de histórias sempre esteve dentro dela". Como seu herói Harry Potter, havia uma personalidade totalmente nova esperando para ser ouvida: uma rebelde oculta.
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Joanne continuou a ler de forma voraz e eclética uma mistura de livros que vai de James Bond a Jane Austen, que se tornou sua autora predileta. Ela leu Emma umas 20 vezes. Quando tinha 14 anos sua tia-avó deu-lhe Hons and Rebeis, a espirituosa autobiografia de Jessica Mitford. Joanne ficou enfeitiçada não apenas por ser uma leitura divertida e atraente, mas também por ser a história de uma pessoa real. Jessica Mitford tornou-se sua heroína e, em grande parte, influenciou seu caminho em direção à auto-realização: "Ela me inspirou porque era corajosa e idealista, qualidades que admiro acima de tudo."
Uma sensação de que os horizontes estavam se expandindo contribuiu para o florescimento de Joanne na Escola Wyedean, apesar de seus defeitos. Ela ainda tinha que lidar com um grande problema da educação na Inglaterra, ou seja: a tendência para agressões entre colegas e a chateação que isto causa nas crianças. Uma colega lembra que "qualquer um que fosse inteligente e ambicioso na melhor das hipóteses era ignorado, mas habi tualmente era atacado fisicamente e discriminado, mesmo pelos professores, como sendo cê-dê-efe". Joanne teve que enfrentar seus próprios demônios quando uma garota de sua turma a agrediu na escola. Mesmo não sendo a maior das garotas de sua idade, cerca de um metro e setenta, ela reagiu como pôde. Mais tarde lembrou:
"Eu não tive escolha. Ou atacava de volta, ou caía no chão e me fazia de morta. Durante alguns dias fiquei muito famosa porque não tinha sido massacrada pela outra menina. A verdade é que o meu armário ficava exatamente atrás de mim, o que me ajudou a ficar em pé."
Este incidente não transformou Joanne em uma adversária temida na Wyedean, e ela passou algumas semanas nervosa, evitan do a valentona de sua turma. Não é de espantar que isso contribuísse para reforçar sua repulsa pelas brigas - entre alunos, pro fessores e, mais tarde, com amantes.
O vilão Draco Malfoy e seus dois capangas brutais Crabbe e Goyle personificam os valentões escolares nos livros de Harry Potter. Harry e, especialmente, Rony Weasley estão sempre travando ba talhas contra o pior dos alunos da casa Sonserina, que até o mo mento não tem qualquer aspecto bom. Draco está de acordo com as modernas teorias psicológicas sobre os valentões, que dizem que, no fundo, são uns covardes. Defrontado com a perspectiva de en contrar o desconhecido na Floresta Proibida, ele revela sua verdadeira face: "A Floresta", repetiu, e não pareceu tão tranqüilo como de costume. "Não podemos entrar lá à noite.., tem todo tipo de coisa lá... lobisomens, ouvi falar." E mais tarde: "Malfoy soltou um grito terrível e fugiu."
Um dos contemporâneos de Joanne na Wyedean era um garoto louro e baixinho que pode ter servido de inspiração para Neville Longbottom, um raquítico saco de pancadas nos livros de Harry Potter. Esse garoto é descrito por um amigo de Joanne como tendo uma aparência de "bem mais novo do que era, com cabelos louros e um ar angelical que o faziam parecer um coroinha. Ele era muito tímido e falava baixo e, como você pode imaginar, sofria o diabo por causa disso. Ele era atacado e passava maus bocados".
Intimidaç fisicas vindas dos professores eram uma maldição ainda maior para Joanne Rowling, que pensava ser esta "a coisa mais nojenta que alguém possa fazer". Wyedean tinha sua cota de pro blemas e esses ingredientes foram postos no caldeirão onde se fundiu o personagem de Snape. Um professor pode ser firme e rigoroso, até mesmo severo, sem ser um brutamontes. Lucy Shepherd, a professora preferida de Joanne, era firme mas nunca atacava um aluno. Joanne sempre compreendeu como isso funcionava, especialmente depois que ela própria se tornou professora: "É muito fácil ser um valentão."
Hogwarts é uma criação interessante porque, como todos os estudantes são internos, é erroneamente vista como uma escola particular. John Nettleship defende fortemente que Hogwarts é uma
Uma rebelde oculta
escola pública. O fato é que a freqüência parece não ter qualquer relação com situação financeira, nem existe uma prova de admissão. A família Weasley, que mandou todos os seus sete filhos para lá, era claramente pobre. O boçal Duda Dursley é que vai para uma escola particular pagando mensalidades e taxas: a Escola Smeltings, onde seu pai estudou. Nettleship explica que "a própria Joanne disse que as pessoas lêem nos livros de Harry Potter exatamente o que querem, e é por isso que os que são favoráveis aos internatos pensam que eles são os melhores. Mas a própria Joanne é a favor das escolas públicas universais, e Hogwarts é assim".
Joanne nunca desejou ter ido para um internato, e este é um ponto no qual ela insiste repetidamente. Também deixou claro que sua própria filha nunca iria para um internato. É irônico, portanto, que tenham sugerido que os livros de Harry Potter sejam uma das razões para a inesperada reversão na tendência de esvaziamento dos internatos ingleses. Principalmente o número de meninas internas aumentou. Nick Ward, presidente da Associação dos Internatos, confirma que muitos pais citaram os livros de Harry Potter como fator do renovado interesse.
Hogwarts é um internato sobretudo porque J. K. Rowling teria enorme dificuldade de tecer aquela trama caso não o fosse, O in ternato é um local bastante usado na literatura infantil. Joanne admitiu que "há algo de libertador quanto a ser transportado para essa espécie de família substituta que o internato representa, onde os relacionamentos são menos intensos e talvez os limites sejam mais nitidamente definidos".
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ADEUS À FLORESTA
"Era dificilficar em casa."
]( impossível dizer quando os primeiros sinais da esclerose ii múltipla atingiram Anne, mãe de Joanne. Ela lembra que tinha 12 anos quando sua mãe teve dificuldade para levantar um bule de chá. William Clark, professor de química em Wyedean, percebeu o problema depois que Anne sofreu uma queda na escola. Shirley Nettleship recorda-se que sua amiga sentia agulhadas na mão quando tentava tocar violão. Quando Anne tinha 35 anos e Joanne 15, os médicos deram o diagnóstico: esclerose múltipla. A partir de então, o horror de ter que viver com uma doença progressivamente debilitante atingiu o lar dos Rowling. Ao explicar que sua mãe tinha uma forma "galopante" da doença, Joanne disse algo extremamente tocante quando confessou que "era difícil ficar em casa".
Anne Rowling era uma mulher cheia de entusiasmo e sobre quem não havia nada de mal para dizer. O clichê de "viver a vida plena mente" aplicava-se de verdade a essa mulher de cabelos negros, mãe de duas crianças, que sempre colocou o interesse de sua família em primeiro lugar e só parava de correr de um lado para outro para ler um livro. Dona de uma gargalhada contagiante, fazia rir todos aqueles que a cercavam.
A energia natural de Anne e o seu desejo de não ser apenas uma dona-de-casa levaram-na a buscar o emprego na Wyedean logo que suas filhas ficaram um pouco mais velhas. Seu marido Pete estava subindo na carreira na Rolls-Royce como engenheiro, e ela queria
contribuir mais para o lar do que simplesmente lavando e passando roupa. O emprego era ideal, pois permitia que ela tivesse um contato diário com Joanne e Di. John Nettleship observa que "ela era uma pessoa muito centrada nas crianças e ótima para lidar com os alunos".
Apesar de ser uma pessoa reservada, Joanne revelou seus sentimentos sobre a doença de sua mãe ao jornal Scotland on Sunday, para colaborar com a Semana da Conscientização da Esclerose Múltipla, em abril de 2001. O termo "conscientização" é bem apropriado, Os Rowling, como milhares de outras famílias afetadas pela doença, não se davam conta dela até que sua presença destrutiva tornou-se parte de seu lar.
No relato afetuoso e comovente sobre sua mãe e a doença que a afligia, Joanne revelou como foi doloroso acompanhar o avanço da doença: "Havia dias em que ela conseguia suspender o bule de chá, em outros não, mas ainda estava correndo de um lado para outro, fazendo as tarefas domésticas e trabalhando como técnica de laboratório na escola, além de tocar seu violão. Achávamos que não poderia ser nada muito grave."
A esclerose múltipla é uma doença do sistema nervoso central que continua sendo um mistério para a medicina. Muitas pessoas supõem, erradamente, que seja um problema muscular ou uma doença degenerativa simplesmente porque sabemos tão pouco sobre ela e porque invariavelmente afeta os movimentos. O que acontece, basicamente, é que a informação que o cérebro envia para as terminações nervosas musculares do corpo fica embaralhada. É por isso que Anne Rowling não conseguia levantar o bule. Não se conhece a causa nem a cura dessa doença. Muitos acreditam que se trata de uma infecção desencadeada por um ou mais vírus, o que explicaria por que a gravidade da doença e seu progresso variam consideravelmente para seus portadores.
Por uma infeliz coincidência, o professor Clark foi diagnosticado portador da enfermidade na mesma época que Anne. Clark lembra- se de que "Anne teve uma forma muito virulenta da doença. Um dia
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Copftu Quatro Adeus à Floresta
ela caiu na escola e foi embora abruptamente". Ele decidiu contar aos seus alunos tudo sobre a sua doença e como isso afetava sua vida. Sendo alguém que sofria de esclerose múltipla, Clark pode ser considerado sortudo, uma vez que tem a doença há 26 anos e continua vivo, embora não ensine mais. Anne Rowling não teve tanta sorte.
Clark lembra que havia dias em que ela estava normal, com seu jeito de ser agradável, e outros em que se sentia mal. Pouco após ter recebido o diagnóstico, teve que desistir de seu emprego. John Nettleship lembra que "ela ficou desolada quando ouviu o diagnós tico, porque significava que não poderia mais desempenhar suas funções como técnica com tanta facilidade. Anne tinha que lavar tubos de ensaio e não podia mais confiar em seus dedos para segurá los. Pensar que, de algum modo, não estava cumprindo bem suas obrigações era para ela muito pior do que a idéia de que tinha uma doença. Mas não se deixou consumir pela autopiedade.
Em casa houve um período de dor e pesar quando a doença "galopante" de sua mãe tornou-se uma realidade para Joanne e Di. Church Cottage ficou entulhada de panfletos explicativos sobre a doença, contendo as poucas informações disponíveis. Anne em geral lia tudo o que lhe caísse nas mãos a respeito. Alguns dias ela con seguia andar apenas de uma maneira espasmódica, e parecia estar piorando rapidamente. Depois havia fases em que ela parecia ter voltado ao normal. Os dias ruins foram se tornando mais freqüentes do que os bons. "Quanto mais a doença progredia, mais séria ela ficava", diz John Nettleship, com tristeza na voz. "Sua despreocupa ção e sua espontaneidade quase não existiam mais."
Quando teve que abandonar o trabalho, Anne não sabia o que fazer com seus dias. Sylvia Lewis lembra-se de que ela costumava sair para limpar a igreja perto de casa, só para ter o que fazer. As meninas freqüentemente apareciam para lhe fazer companhia. Era uma situação curiosa, porque os Rowling não eram muito de ir à igreja, ainda que a Igreja de São Lucas ficasse do outro lado da cerca do jardim. As duas meninas nunca compareciam à escola domini
cal e só participavam de uma cerimônia religiosa uma vez por ano. Assim como Hogwarts tornou-se um lugar de liberdade para
Harry Potter, Wyedean aliviava um pouco a pressão que Joanne sentia por causa da triste situação em casa. Seus cursos preparatórios de inglês, francês e alemão para o ensino médio permitiam que crescesse intelectualmente. Ela foi apresentada ao teatro numa viagem a Stratford-upon-Avon (cidade natal de Shakespeare) para assistir a Rei Leai Shakespeare muitas vezes exige um nível de atenção que muitos alunos têm dificuldade em manter, mas Joanne adorou tanto a peça quanto a experiência. Até o momento em que começaram as viagens com a escola, ela estivera limitada a algumas pantomimas com sua mãe e seu pai. Após ver o Rei Leai a turma foi ver Conto do Inverno, cuja protagonista se chamava Hermione e que, mais tarde, daria origem à amiga sabichona de Harry Potter, Hermione Granger. Se for feita uma pesquisa com as crianças em idade escolar, perguntando-lhes quem foi Hermione na literatura, certamente elas mencionarão a personagem de J. K. Rowling e não a de William Shakespeare.
Um aluno novo chamado Séan Harris entrou na Wyedean. Era uma pessoa nova, diferente da velha turma da qual Joanne tinha começado a se cansar. Joanne e Séan ficaram amigos imediatamente
- e para sempre. Ele era só um pouco diferente, e Joanne Rowling, amante de música new wave, simpatizante do Greenpeace e da Anistia Internacional, adorou-o. Além disso, ele tinha um carro, um Ford Anglia turquesa, o que permitia escapar de uma situação que estava se tornando cada vez mais opressiva para Joanne. Era um alívio abençoado de um ambiente onde o máximo era fumar um cigarrinho do lado de fora da loja de conveniência na hora do almoço. Séan e Jo pegavam a estrada e partiam para Bristol e Bath ou, indo na direção contrária, para Newport e Cardiff, onde podiam freqüentar bares, discotecas, clubes e shows. De repente o mundo se tornou um lugar maior.
Joanne homenageou Séan no segundo livro de Harry Potter com a dedicatória: "Motorista das minhas fugas e amigo dos tempos
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dificeis." Ela também homenageou aquele primeiro veículo da liberdade, descrevendo o carro da família Weasley como um Ford Anglia turquesa. Esse carro voador mágico torna-se um símbolo de resgate ao longo do segundo livro. Primeiro é o meio de transporte dos irmãos Weasley quando eles vêm resgatar Harry de sua prisão virtual na rua dos Alfeneiros número 4, quando seu tio o havia trancado em seu quarto: "Rony estava debruçado na janela traseira de um velho carro turquesa, estava estacionado no ai: "Depois, esse mesmo carro transporta Harry e Rony para a Hogwarts quando eles perdem o trem da escola: "Harry sentiu o banco vibrar embaixo dele, ouviu o ruído do motor, sentiu as mãos em cima dos joelhos e os óculos em cima do nariz." Por último e talvez mais importante, ele resgata Harry das aranhas gigantes na Floresta Proibida, ocasião em que se torna um carro selvagem: "Harry deu uma palmadinha de agradecimento no carro enquanto ele dava marcha à ré na Floresta e desaparecia de vista." Joanne gostava muito do carro velho e surrado de Séan, e ficou feliz que ele fosse a capa de uma das edições inglesas de A Câmara Secreta.
No seu último ano na escola Joanne foi eleita representante, posto cuja votação era feita entre os professores e os alunos. Sua eleição foi um testemunho de sua popularidade e maturidade. A doença de sua mãe e as nuvens escuras que pairavam sobre Church Cottage de algum modo lançaram no mundo uma Joanne mais alegre e mais sociável. Seu trabalho também se mostrava tão promissor que ficou decidido que ela tentaria uma vaga na Universidade de Oxford para estudar línguas modernas. Anne e Pete, que não estiveram na universidade, ficaram entusiasmados diante dessa perspectiva. John Nettleship acredita que a ambição dos Rowling era de que suas filhas tivessem uma educação completa e não fossem obrigadas a lutar como eles próprios fizeram quando ainda eram jovens.
Joanne fez um teste para Oxford e foi colocada numa lista de espera, enquanto aguardava o resultado de suas provas finais. Ter minou sendo recusada. Joanne nunca falou disso publicamente, porém, olhando em retrospecto, foi bom que ela não tivesse en
trado. Caso contrário, como sugere John Nettleship, "talvez nunca tivesse escrito esses livros fantásticos".
Apesar de ter sido recusada por Oxford, Joanne não perdeu o entusiasmo. Ela nunca ficou olhando para o passado.
O objetivo principal de Joanne, quando era uma garota inteligente e livre de 18 anos, era pular fora de Wyedean e sair da Floresta de Dean. Mas de alguma forma ela sente orgulho pela escola. As experiências que viveu lá estão entranhadas nas histórias de Harry Potter. Os amigos que ela fez, como Séan Harris, seus professores - como John Nettleship e Lucy Shepherd - e as salas de aula em que passou o tempo, todos a influenciaram. Como diz John Nettleship, "Joanne era uma ótima observadora. Acho que no período de sete anos em que esteve lá ela construiu um grande reservatório de conhecimento a partir daquilo que ouviu e viu".
Joanne já disse que se lembra nitidamente como era cada ano de sua infância e de sua adolescência. Na Wyedean, ela passou pelo amadurecimento que Harry, Hermione e Rony estão passando em Hogwarts.
E não podemos deixar de falar na grande e mágica Floresta de Dean, que, apesar de todo o desejo de Joanne de deixá-la para trás, incendiou sua imaginação com seus mitos e suas lendas, bem como com seu cenário espetacular. Phil Lewis, que ensinava cerâmica e escultura em Wyedean e que mantém um estúdio no coração da Floresta, na cidadezinha de Bream, declarou que "era impossível viver perto da Floresta ou do Vale do Wye sem ser inspirado por suas histórias e tradições. Quando eu era criança, ficava na Floresta até o crepúsculo. Se avançasse mais alguns metros, seria dominado pelo sentimento que havia algo de mal à espreita ali".
No folclore local eram abundantes as histórias de bruxarias e maldições. Em 1906, uma mulher de Cinderford, chamada Elien Hayward, enfrentou a acusação de "usar ilegalmente de determi nado artificio, recurso ou instrumento de saber para, usando supos
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ta bruxaria, enganar ou impor-se a um dos súditos de Sua Majestade". A mulher, conhecida como velha Elien, descrevia-se como herborista e capaz de curar úlceras, cortes e feridas.
No primeiro ano em Hogwarts os alunos estudavam herbologia três vezes por semana com "uma bruxa baixa e gorda chamada professora Sprout". As aulas eram dadas nas estufas de plantas atrás do castelo, onde aprendiam como cultivar plantas estranhas e raras, além de cogumelos, e lhes era ensinado como usá-los em diferentes feitiços. Foi a professora Sprout que, em Harry Potter e a Câmara Secreta, cultivou a mandrágora, planta capaz de restaurar as vítimas petrificadas do basilisco, terrível serpente que guardava a câmara.
Em 1892 foi descoberta na cidadezinha de Dymock, no lado norte da Floresta de Dean, uma tabuleta de chumbo. A tabuleta continha uma maldição lançada contra uma mulher chamada Sarah Ellis, cujo nome estava escrito de trás para a frente no alto da tabuleta. A Maldição de Dymock invocava os nomes de oito espíritos "para banir essa pessoa do lugar e do país. Amém para o meu desejo amém". Em Harry Potter e a Pedra Filosofal nos é apresentado o espelho de Ojesed, que é "desejo" de trás para a frente. Segundo contam as lendas locais, ao saber da maldição, Sarah enlouqueceu e acabou se suicidando.
Uma das grandes lendas da Floresta conta a história de um jovem que tenta aproximar-se da filha de um aldeão que a isolava de todos. Numa certa tarde de verão, o velho estava sentado em seu jardim quando viu passar o jovem e indesejável pretendente. Tendo-se certificado de que ele se fora, o velho adormeceu ao sol da tarde, enquanto sua filha, dentro da casa, preparava o jantar. Mais tarde despertou e viu uma lebre olhando fixamente para a casa. Rápido, apanhou sua espingarda e atirou no animal, ima
•ginando que daria uma saborosa refeição. Infelizmente ele con seguiu apenas ferir uma das patas traseiras da lebre, que fugiu com um salto. Logo depois, o rapaz saiu do campo para onde a lebre tinha corrido. Estava mancando.
Este é um exemplo primitivo daquilo que J. K. Rowling chama
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de animagos, um mago ou feiticeiro que pode transformar-se num animal. Bem no início de Harry Potter e a Pedra Filosofal o Sr. Dursley fica perplexo ao ver aquilo que imagina ser um gato de listras amarelas estudando um mapa. Contudo, não se tratava de uma ilusão, uma vez que o gato era de fato a professora McGonagall.
A Floresta de Dean é, de fato, "um pequeno país em si mesma",
e ter crescido ali não poderia deixar de ter um efeito sobre Joanne,
a adolescente, e sobre J. K. Rowling, a autora. Ela talvez tenha sido
mais afetada pelos livros que leu, e sem dúvida sua vida familiar era
mais importante, porém a Floresta teve uma considerável influência
sobre ela.
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UMA MULHER DE VERDADE
'Ela era uma pessoa introvertida que ndo mantinha um relacionamento ativo com o mundo exterior"
A Universidade de Exeter era uma escolha estranha para uma estudante que alimentava a idéia de associar-se com livres pensadores radicais que queriam mudar o mundo. Não é de estranhar que a universidade apresentasse uma das mais altas médias de automóveis por estudante no país. Joanne, no entanto, não sabia dirigir.
Ela saiu diretamente de Wyedean para a vida de estudante no campus, sem tirar um ano de férias, como é costume na Inglaterra. A vida no campus não era nada daquilo que ela esperava. Ela teve também que lidar com a mudança de ambiente. Na Wyedean, ela tinha sido representante de turma. Em Exeter, era uma universitária nervosa que tinha acabado de completar 18 anos e vinha de uma escola estatal do interior. Ray Davison, um de seus professores, disse se lembrar de que ela teve problemas de adaptação.
Exeter foi uma aposta relativamente tranqüila e Joanne tinha, em grande parte, sido orientada por seus pais. Era um passo para fora de casa, mas não um passo tão grande - era uma viagem de duas horas de carro de Church Cottage até ali, e ainda mais rápido se fosse de trem.
O campus era um lugar revigorante, cheio de gramados, grandes árvores, quadras de tênis e pássaros cantando. Quando Joanne estava examinando as opções após ser recusada em Oxford, Exeter era a única universidade a sudoeste de Bristol, perto demais de casa.
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pus tinha uma vista fantástica, situado em um morro acima jga cidade do condado de Devon.
A nqüilidade silenciosa do ambiente acadêmico não se estendia oS dormitórios dos alunos, o primeiro lar de Joanne após ter
ído de Church Cottage. Ela ficou no Pavilhão Jessie Montgomery, dio grande de tijolos, onde os estudantes dispunham de
quartos padronizados. É mais provável que tenham
-- de inspiração para a série de televisão As Prisioneiras do que para a Escola de Magia e Bruxaria Hogwarts. Joanne fez o possível para dar uma aparência acolhedora ao seu quarto com seus livros, blocos de desenho e seu violão, mas isso jamais seria o mesmo que seu quarto em casa. Para ir aos prédios das aulas e, mais importante, à lanchonete e aos bares dos estudantes, tinha que enfrentar uma ladeira íngreme conhecida por todos como Morro dos Cardíacos.
Pelo menos havia o que fazer em Exeter. O Odeon Film Centre exibia três filmes na semana em que Joanne chegou: O Despertar de Rita, 007 Contra Octopussy e Porky II - O Dia Seguinte. E o Northcott Theatre, dentro dos limites do campus, é uma das prin cipais companhias do interior do país.
O principal problema de Joanne inicialmente foi encontrar estudantes com quem tivesse alguma coisa em comum. O melhor lugar para fazer isso era no prédio da associação dos estudantes, chamado de Devonshire House. O ponto central era o barzinho da Devonshire House: "Muito mais do que apenas café... Tortas, pas téis, espetinhos de carne ou legumes, sanduíches quentes." Tornou- se um segundo lar para Joanne e, quando ela recebeu um grau honorário em Exeter em 1999, um de seus antigos amigos da universidade sugeriu que teria sido mais apropriado colocar cin zeiros com seu nome no barzinho da Devonshire House.
Algo diferente aconteceu com Joanne na universidade. Seu estilo cê-dê-efe, parecido com a Hermione que conhecemos, havia praticamente sumido no final de sua adolescência. A garota que usava óculos quadrados havia se transformado numa mulher jovem, voluptuosa, fascinante, com lentes de contato e talvez mais interesse
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pela vidasocial do que pela vida acadêmica. Jo tinha um belo corpo e usava krngos cabelos, escovados para trás e cheios de laquê, além de maqioagem pesada nos olhos. Era bem popular com os rapazes.
Dois faores influenciaram a modificação de Joanne. O primeiro foi a sua recém-descoberta liberdade. Ninguém imaginaria que ela viesse derma região interiorana tão distante. Em segundo lugar, ela não era especialmente brilhante no curso de graduação que es colheu, de modo que seu entusiasmo pelos estudos não era tão forte quanto poderia ter sido caso estivesse cursando inglês. Um de seus instrutores, Martin Sorrel, diz que "ela era uma estudante mediana que não estava deslocada, mas era claro que não tinha ambição nessa área de Iniguas". Keith Cameron, que foi seu professor durante toda a graduaçio, concorda: "ela não era tão dotada para idiomas quanto outros aLnos".
Joannetermjnou estudando francês. Esta decisão foi influenciada por seus pais, que acharam que isso poderia lhe ser mais útil para encontrai um emprego do que um diploma em inglês. Um diploma em outro idioma lhe seria útil para encontrar trabalho como secretária bilíngüe ou tradutora. Talvez seu pai, de espírito prático, que se tornara técnico sem ter uma educação universitária, tenha tido dií quanto às vantagens de uma graduação em inglês. Joanne dsse para Angela Levin, do Daily Mau: "Eu queria fazer inglês, rias a que todo mundo ia dizer 'para que serve isso?'. Embora eu sonhasse ser escritora, nunca pensei que isso fosse possível, então só contei para os amigos mais íntimos."
Assimjoanne foi obrigada a estudar francês e letras clássicas. Pelo menos os professores eram interessantes. Havia um grau de formalidade no departamento de línguas modernas. Yvette Cowles explica qi "você não chamava ninguém de 'Martin' ou de 'Ray'. Era semp:e 'Senhor' ou 'Professor'. Acho que, em parte, era assim por ser uni lugar tradicional e também pelo próprio estilo do curso, centrado na literatura. Não era um curso feito para que os alunos pudesseniviver na França, por exemplo. No ano em que todos eram obrigadri a passar na França, eu era capaz de conversar sobre a
filosofia do país, mas não saberia pedir a alguém que pusesse água para ferver". Segundo Yvette, "Jo gostava dos clássicos e de mito logias. Acho que isso não é surpresa para ninguém".
A "observadora arguta" de que John Nettleship se lembra provavelmente se sentia bem em companhia das pessoas que faziam parte do departamento de línguas modernas. Estes, por sua vez, ficavam curiosos em relação a uma garota de quem Ray Davison se lembra como "muito sonhadora". Ele acrescenta: "Ela era uma pessoa introvertida, que não mantinha um relacionamento ativo com o mundo exterior."
Ela tinha consciência de que os outros a viam como alguém que vivia no mundo da Lua. Um determinado professor era muito paciente, e mais tarde Joanne disse que "a tolerância dele com minha assustadora ignorância quanto à sua matéria era admirável. O mais perto que ele chegou de me repreender pelas minhas eventuais faltas, bem como por minha tendência a perder todas as apostilas que ele me dava no momento seguinte, foi quando me descreveu como uma sonâmbula. Isso foi dito com uma expressão ao mesmo tempo paciente e divertida. Eu me arrependi de ter contado isso a meus amigos, que repetiram isso muito mais vezes do que eu achasse engraçado".
No início de seu segundo ano em Exeter, Joanne mudou-se para outro prédio no campus, chamado Lafrowda, onde os alojamentos eram uma espécie de kitchenette. Os quartos não eram melhores do que os do Jessie Montgomery Eram pequenos, com camas de sol teiro, o tipo de acomodação das universidades inglesas.
Foi em 1984 que Joanne descobriu The Smiths, sua banda predileta até hoje. Ela contou a Sue Lawley que "adoro os Smiths por causa da guitarra e das letras, que são muito bem boladas". The Smiths, com o inimitável Morrissey nos vocais e o inovador Johnny Marr na guitarra, foram os prediletos tanto dos críticos quanto dos estudantes esclarecidos que evitavam o Spandau Baliet, o Culture Club e demais bandas do movimento New Romantics. Joanne era capaz de ficar sentada em seu quarto tentando aprender
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os acordes de Johnny Marr em clássicos como What a Diffi'rence Does li Make? e Heaven Knows I Miserable Now. "Entendo por que ela gostava tanto dos Smiths", observa Yvette Cowles. "Eles eram meio melancólicos e taciturnos. Acho que, embora Joanne parecesse bastante firme, confiante, alegre e muito sociável, na verdade era bem tímida e muito voltada para si mesma. Nesse sen tido, era uma pessoa bem solitária, porque passava muito tempo vivendo em sua imaginação."
Joanne, exatamente como fizera com seus amigos de Wyedean, exibia seu talento de contadora de histórias. Embora tivesse alguns namorados, ela preferia a companhia de suas amigas, que discutiam entre si os problemas de cada uma, que em geral tinham a ver com os homens. Yvette lembra bem das histórias: "Ela escrevia as histórias usando-nos como personagens. Eram geralmente histórias de espionagem e todas éramos personagens tipo Mata-Hari que ela tecia dentro da trama. Eu era uma mulher fatal chamada Snake Hips. Éramos mulheres fatais e maravilhosas nas histórias e sempre saíamos vencedoras."
Nas belas noites de verão, as garotas se empilhavam no carro de Katrina McKinnon e iam para o pub Double Locks, junto ao canal Exeter. O pub parece uma gaiola de coelhos, com pé-direito baixo e passagens estreitas entre as mesas de carvalho, à volta das quais uma dúzia de estudantes poderiam espremer-se, sentados em frágeis bancos de madeira que pareciam prestes a desabar, e estava sempre apinhado de gente - mais ou menos como o Três Vassouras, em Hogsmeade. Três noites por semana havia música ao vivo, normalmente jazz. Joanne, como verdadeira fã de James Bond, raramente tomava cerveja, preferindo bebidas destiladas, em geral vodca.
O pub que ela mais freqüentava era o The Black Horse, no centro da cidade. Joanne passava quase tanto tempo nele quanto tomando café no bar da Devonshjre House. Yvette Cowles lembra-se de uma noite em especial, quando a turma de meia dúzia, de garotas, na qual estava Joanne, voltava do pub para o campus, quando começaram
uma versão bêbada de Yõu Make me Feel Like a Natural Wóman (Você me faz sentir como uma mulher de verdade), de Aretha Franklin, seguida de uma versão igualmente barulhenta de Respect, também da rainha do soul. A pacata população de Exeter deve ter ficado encantada com a algazarra.
Para um estudante, a semana típica incluía sete ou oito horas de aulas e seminários e mais quatro ou cinco com os instrutores. A partir daí, cada estudante era responsável por suas horas de estudo. Joanne fazia o mínimo possível. Entretanto, no final do segundo ano, os exames se tornaram um problema, e Joanne não exibia mais nenhuma das características de Hermione. Só para' começar, ela esqueceu de se inscrever adequadamente para sua prova, e foi duramente lembrada disso por Ray Davison. Joanne passou raspando, mas foi decidido que seria melhor que ela deixasse de lado os estudos gregos e romanos em seus últimos dois anos.
A decisão mais importante para Joanne nesse estágio era onde passar o ano na França, parte essencial do curso de graduação. Havia três opções: ensinar inglês em meio expediente numa escola francesa, estudar numa faculdade na França, ou trabalhar numa empresa francesa. Joanne escolheu a primeira e terminou indo viver em Paris no ano acadêmico seguinte. Era a primeira vez que tentava dar aulas.
Joanne diz que adorou o tempo que passou em Paris. Ela dividia um apartamento com um italiano chamado Fernando, uma garota espanhola e uma mulher russa. A espanhola era tão obsessivamente arrumada que Joanne, que decididamente não o era, passava a maior parte de seu tempo lendo em seu quarto, de modo a evitar a cozinha. Ela contou que num belo domingo ficou em seu quarto o dia inteiro lendo Um Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens:
"quando saí do quarto, à noite, dei de cara com o Fernando, que me olhou absolutamente horrorizado". Eu tinha posto uma máscara de creme no rosto e ele supôs que eu tivesse acabado de receber a notícia de alguma morte, o que de fato eu tinha - a morte de Sidney Carton, personagem do livro. O pobre Carton tomou o lugar de
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Charles Darnay na guilhotina, por causa de seu amor por Lucie, mulher de Darnay, e em seu derradeiro sacrificio ele encontra a salvação: "O que agora faço é de longe o melhor que já fiz em toda a minha vida; o repouso que agora vou encontrar é de longe o melhor de todos."
Joanne considera esta como sendo "a mais perfeita última linha já escrita para um livro" e que "invariavelmente a faz chorar". Ela já escreveu a última linha da série de Harry Potter, embora os leitores tenham que esperar até a publicação do Livro Sete, dentro de alguns anos. Vai ser fascinante ficar sabendo qual o destino final de Voldemort, cujo nome se traduz do francês como "Vôo da Morte".
Joanne voltou para a universidade a fim de cursar o último ano. Muitos de seus colegas haviam feito uma graduação de três anos, já tendo se formado e ido embora. Isso a deixava mais unida aos seus amigos do curso de francês - que eram um ano mais velhos do que a maioria dos outros estudantes -, especialmente nas noitadas. Yvette lembra-se de que "nós todos nos encontrávamos no bar e depois íamos para o quarto de alguém tomar uma bebida, ou só para bater papo. Jo gostava de beber. Gostava também de sair para festas e divertir-se. Mas ela tinha um lado sério, e fico pensando se o fato de ser tão vivaz e animar as festas não era só um disfarce para se proteger. Olhando de fora você nunca imaginaria que pudesse algo de errado com a mãe dela. Penso que ela ocultava suas vulnerabilidades para manter o controle. Sempre pensei que ela fosse exatamente como a Rizzo de Grease - Nos 7 da Brilhantina, que tinha um lado bad girl, mas na verdade era bastante meiga. Eu sempre a admirei".
Joanne ficou sendo "uma das garotas", mesmo que tivesse en contrado seu primeiro namorado sério e iniciado um relacionamento que, entre idas e vindas, durou vários anos. Ele era um colega de universidade, alto, moreno, e gostava de sair para beber. Yvette observa que "ele era um estudante típico e ela tinha uma personalidade mais forte. Sempre achei que ele era meio escorregadio. Acho que me lembro de que estavam quase se separando em Exeter".
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Durante seu último ano, em março de 1987, Joanne apresentou- se como voluntária para ajudar na peça anual em francês, dirigida por Martin Sorrell. A peça era um besteirol chamada O Cosmonauta Agrícola do dramaturgo francês René Obaldia. Joanne ficou res ponsável pelo guarda-roupa.
Joanne levou suas responsabilidades a sério e compareceu a todos os ensaios. O professor Sorrell lembra que "ela era elemento-chave da equipe, porque os trajes tinham que ser perfeitos. Fiquei im pressionado com o envolvimento dela com a peça, porque é muito fácil não se preocupar com as coisas quando você é estudante. As pessoas se inscrevem e depois somem. Mas neste caso a peça andou bem e os trajes eram excelentes".
A peça foi apresentada três noites no Teatro St. Luke, que pertence à universidade. Teve a lotação esgotada, o que foi bastante surpreendente, já que era em francês.
A outra grande preocupação de Joanne nessa época era sua dissertação, um ensaio de três mil palavras em francês que valia para a sua avaliação final. O professor Sorrell acredita que "a dis sertação é um teste para as habilidades de organização dos alu nos". Seu colega, o professor Cameron, acrescenta que "havia indícios de que Joanne trabalhava melhor em assuntos que exi giam um maior envolvimento pessoal, e por isso sua dissertação foi seu melhor trabalho".
Durante seu último ano a perspectiva das provas finais era um terror constante. Joanne não as encarava como Hermione Granger teria feito. Yvette Cowles diz: "Eu não me lembro de Jo uma estudante essencialmente acadêmica. Ela sempre gostou de livros e obviamente já tinha lido bastante, o que dava a ela uma postura diferente diante das coisas, mas não necessariamente uma atitude acadêmica."
Joanne passava muito tempo na biblioteca, onde havia uma enorme quantidade de títulos à sua disposição. A universidade tem cerca de um milhão de livros ao todo, sendo que cerca de 600.000 ficavam no campus principal. Joanne se interessava sobretudo pelo
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inglês, e não por seu curso de francês. Era muito descuidada quanto à devolução dos livros da biblioteca, e recebeu uma multa de 50 libras (equivalente a R$ 230,00) por livros atrasados, quantia considerável para uma estudante.
Um dos livros que ela leu enquanto estava na universidade foi O Senhor dos Anéis; de J. R. R. Tolkien. Joanne tornou-se grande admiradora da saga, e o livro de mil páginas contendo a história completa ficou gasto de tanto ser manuseado ao longo dos anos, Os aficionados gostam de comparar os livros de Harry Potter ao épico de Tolkien. Os dois possuem estratégias que são, de forma geral, semelhantes - explorar o eterno conflito entre o bem e o mal. Tolkien era um pensador acadêmico, estudioso de linguagem e professor de literatura medieval. Seu grande feito, que a própria Joanne reconheceu, foi ter criado uma mitologia totalmente ori ginal. Os nomes que deu aos personagens, aos animais e objetos são maravilhosos e exóticos, e, como os de Joanne, fazem a língua se retorcer: Aragorn, Butterbur, Mugwortt Wormtongue e Bilbo Baggins têm impressionante semelhança com alguns dos nomes das histórias da série de Potter, como Aragog (Aragogue), Butterbeer (cerveja de manteiga), Muggles (trouxas), Wormtail (Rabicho) e Dudley Dursley (Duda Dursley). Assim como Frodo, o herói de Tolkien, Harry também é um órfão ingênuo com parentes desagradáveis: Harry tem os Dursley, e Frodo, os Sackville-Baggins.
Tanto Tolkien quanto Rowling utilizam um mentor amigável, que funciona como uma figura paterna e permite que o herói cresça, mas está pronto para intervir e resgatá-lo se necessário. Harry tem Dumbledore, Frodo tem Gandalf O inimigo nos dois casos é um "Dark Lord", ou "Senhor do Mal", Sauron em O Senhor dos Anéis e Voldemort nas histórias de Harry Potter. Nas duas séries o senhor do mal começa enfraquecido e está tentando recuperar o poder. Ambos são derrotados não pelo poder, mas porque o herói é forte e bom. Frodo acaba sendo bem-sucedido por não concordar em tomar para si o poder do anel. Da mesma maneira Harry derrota Voldemort em A Pedra Filosofal imaginando a si mesmo dando a
pedra para Dumbledore, e não por se imaginar assumindo o poder. Wormtongue tem fortes paralelos com Wormtail (Rabicho). O
primeiro se esconde na mão direita do rei de Rohan, próximo o suficiente para influenciar e espionar os acontecimentos. Wormtail (Rabicho) - também conhecido como Peter Pettigrew - assume a forma de um rato e une-se à família Weasley como bichinho de estimação para manter-se informado dos importantes aconte cimentos do mundo da magia. Wormtongue e Wormtail acabam revelando seu verdadeiro caráter como seguidores covardes do senhor do mal.
A semelhança de algumas idéias das duas histórias, que tratam de temas envolvendo magia e mitos, não é de surpreender. Duas são particularmente notáveis, O Senhor dos Anéis tem o Ringwraiths, negros e encapuzados, enquanto O Prisioneiro de Azkaban nos apresenta os Dementadores, também negros e encapuzados. Ambos têm efeito extraordinário sobre o herói: "Harry sentiu a própria respiração entalar no peito. O frio penetrou mais fundo em sua pele. Chegou ao fundo do peito, ao seu próprio coração." E na obra de Tolkien "a velha ferida latejou de dor e um frio enorme se espalhou em direção ao coração de Frodo".
Uma outra semelhança pode ser encontrada em Harry Potter e a Pedra Filosofal, quando Harry descobre o Espelho de Ojesed, que, como Dumbledore lhe explica, "mostra-nos nada mais nem menos do que o desejo mais íntimo, mais desesperado de nossos corações". No segundo livro da Irmandade do Anel, Frodo esbarra subitamente com o espelho de Galadriel. A sílfide lhe diz que "eu posso ordenar ao Espelho que revele muitas coisas, e a alguns posso mostrar o que desejam ver".
Joanne Rowling disse que O Cavalinho Branco é o livro que influenciou Harry Potter. Como todos os grandes autores, ela é capaz de assimilar idéias, sejam de Tolkien, Jane Austen ou Elizabeth Goudge, e usá-las para fertilizar sua própria imaginação. Quando lhe perguntaram se a obra de Tolkien influenciou a série de Harry Potter, ela respondeu: "Penso que, se deixarmos de lado o fato de
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que os livros falam de dragões, varinhas mágicas e magos, os livros de Harry Potter são muito diferentes, especialmente no tom. Tolkien criou toda uma mitologia. Não penso que alguém possa dizer que eu tenha feito isso. Por outro lado, ele não criou um personagem como Duda Dursley."
Ainda se passariam cinco anos antes que o primeiro dos livros de Harry Potter surgisse, quando Joanne leu pela primeira vez O Senhor dos Anéis. É claro que este livro teve forte influência sobre ela, como alguns outros que leu. Tolkien certamente não é tão bem- humorado quanto Rowling, uma vez que a série de Harry Potter é muito divertida. É difícil imaginar Tolkien escrevendo a cena de O Prisioneiro de Azkaban que envolve o gerente da livraria: "Tem sido uma loucura! Pensei que já tínhamos visto o pior quando compramos 200 exemplares de O Livro Invisível da Invisibilidade, custaram uma fortuna e nunca achamos os livros."
Joanne passou um tempo feliz em Exeter e as alusões ao condado de Devon e à sua vida universitária podem ser percebidas aqui e ali ao longo das histórias de Harry Potter. Em A Pedra Filosofah o descobridor do elixir da vida, Nicolas Flamel, vivia em Devon, onde atingiu a idade de 665 anos. A família Weasley vive numa casa bagunçada em Ottery St. Catchpole. E há ainda o professor Binns, que aparece ocasionalmente nos livros e que, conforme a própria Joanne admitiu,. foi inteiramente baseado num professor do departamento de clássicos da universidade. Binns é um professor que, já muito velho, adormeceu diante da lareira da sala de professores e morreu. Na manhã seguinte levantõu-se para dar sua aula, deixando o corpo para trás, de forma que seu fantasma continua a dar aulas de História da Magia. Segundo Harry; esta era a aula mais chata de todas em Hogwarts: "O professor Binns abriu seus apontamentos e começou a ler num tom monótono, como um aspirador de pó velho, até que quase todos os alunos na sala caíram num estupor profundo."
Joanne passou nas provas com uma nota média. Ela podia ter se saído melhor, caso tivesse estudado inglês, mas seu instrutor
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Martin Sorreli diz: "Não tenho uma opinião formada quanto à sua escolha de curso na faculdade ter sido positiva ou não para ela. No que me diz respeito, não acho fundamental para um escritor se graduar em inglês."
A formatura foi um evento alegre, animado e brilhante, em 1987. Todos capricharam nas roupas, com vestidinhos pretos de passeio, e os rapazes com cortes de cabelo estilo Duran Duran, que não combinavam muito com seus ternos e gravatas. Pete e Anne - ela numa cadeira de rodas - estavam lá para aplaudir sua filha. Para eles foi um dia muito feliz e, quando seu nome foi anunciado, Joanne, encabulada, de beca e capelo, atravessou o palco para receber seu diploma das mãos de Sir Rex Richards, chanceler da universidade.
Um dos títulos honorários de doutor em letras daquele dia foi concedido a Glenda Jackson, que disse aos estudantes que prezava essa honra mais do que qualquer outro dos prêmios que recebeu por suas atuações como atriz. Sua história servia para inspirar aqueles que vieram de um começo nada privilegiado. Ela deixou a escola aos 16 anos e começou a vida de trabalho como assistente numa drogaria.
Joanne estava destinada a seguir os passos da Glenda Jackson. Como Martin Scorrell observa, "é bem claro que Joanne estava esperando chegar o seu tempo". E ainda teria que esperar por um longo tempo.
O estado de saúde de Anne Rowling tinha piorado sensivelmente. Para sair de casa ela precisava de uma cadeira de rodas, e na época em que Joanne saiu da universidade, de um andador para movi mentar-se dentro de sua própria casa. Anne se tornara uma figura popular na cidade e todos eram solidários a ela.
Joanne atravessou um período meio sem rumo na vida. Fizera um curso de secretariado para estudantes que falavam mais de um idioma - no caso dela, inglês e francês -, mas ela própria admite que, como secretária, era "um pesadelo". Depois de sair de Exeter,
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ela mudou-se para um apartamento em Clapsham, sudoeste de Londres, com algumas meninas da universidade, e se mantinha com trabalhos temporários, não sabendo onde estaria a cada semana. Um de seus empregos foi com um editor, e uma de suas tarefas era despachar as cartas de rejeição. Pelo menos nesse período ela aprendeu a datilografar muito rapidamente, o que é uma habilidade inestimável para quem quer ser escritor.
O fato de estar ganhando algum dinheiro reduzia as preocupa ções de seus pais quanto ao seu futuro. Eles eram pessoas práticas e naturalmente Anne se preocupava por não estar mais por perto para ajudar no futuro. Joanne passou algum tempo em Londres trabalhando para a Anistia Internacional. No início estava animada, mas logo a falta de envolvimento ativo frustrou suas aspirações. Yvette Cowles recorda que "Jo era muito idealista, e lembro-me de que ficou muito desiludida. Não creio que ela estivesse feliz ali". Ela trabalhava no departamento africano, ajudando a pesquisar os abusos contra os direitos humanos nos países de língua francesa, mas nunca se ajustou completamente. Quando seus colegas de trabalho saíam para almoçar, Joanne inventava uma desculpa qual quer e se afastava na direção contrária, em busca de um local tranqüilo onde pudesse escrever o romance para adultos que mi ciar Chegou a um ponto em que seus pretextos eram tão ridículos que urna colega perguntou se ela estava tendo um caso na hora do almoço. Nenhum dos dois livros para adultos que escreveu aos 25 anos chegou a ser publicado, mas ela desenvolveu o costume de rabiscar anotações e parágrafos em bares e lanchonetes, algo que foi útil quando estava escrevendo Harry Potter.
Joanne tinha outro meio de garantir sua privacidade enquanto trabalhava. Seus pais jamais gostaram de música clássica, mas Joanne havia se interessado por esse gênero de música. Ela ia descobrindo o que gostava por tentativa e erro, comprando muitas fitas cassete. Uma de suas prediletas era a sonata Appassionata para piano, de Beethoven, que ela costumava ouvir em seu trabalho temporário de digitadora. "Isso costumava fazer as pessoas pararem
de conversar comigo. Eu punha os fones nos ouvidos e fazia de conta que estava datilografando."
Seu namorado de Exeter tinha se mudado para Manchester, e Joanne decidiu juntar-se a ele. Não foi uma decisão feliz, já que mais tarde ela se referiu a esse período como um ano de sofrimento. Ainda assim, levou a uma importante revelação que mudou sua vida. "Mesmo se pudesse", diz ela, "eu não voltaria atrás em ir para Manchester, nem teria deixado de pegar o emprego no escritório ou começar aquele livro realmente ruim."
Joanne estava bem desanimada quando se sentou olhando o mesmo trecho do interior da Inglaterra durante 40 minutos, num trem de volta para Londres, após um fim de semana que passou procurando um apartamento em Manchester, sem conseguir nada. Pode ter pensado em muitas coisas: se estava certa de sair de Londres, ou como estaria a saúde de sua mãe em casa, ou como seu pai estaria lidando com isso. Podia ter ficado pensando no Black Horse ou no bar da Devonshire House e em épocas mais tranqüilas. Mas não pensou em nada disso, porque Joanne Rowling sempre fora uma sonhadora e, à medida que olhava para fora, pela janela do trem, e via algumas vacas malhadas de olhar igualmente perdido, ela imaginava um trem transportando um menino para um internato de magos: "A idéia de Harry surgiu de repente em minha mente. Não sou capaz de dizer o que desencadeou isso. Mas vi muito claramente a idéia de Harry e da escola de magos. Nesse momento eu tive a idéia básica de um menino que não sabia quem era, que não sabia que era um mago, até receber um convite para a escola de magos. Nenhuma outra idéia tinha me animado tanto quanto esta."
Para sua grande decepção, Joanne não estava levando nem lápis nem papel naquela tarde de junho, o que não era comum. Então, fechou os olhos para poder ver tudo dentro de sua cabeça. Pensou no protagonista, Harry, embora ainda não tivesse escolhido esse nome. Concentrou-se na escola, nas pessoas que Harry poderia encontrar lá. Ela contou que, no final dessa viagem, tinha imaginado Rony Weasley - baseado em Séan Harris -, Hagrid, o
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guarda-caça, o personagem que mais gostaria de encontrar na vida real, e os fantasmas da escola, Nick Quase Sem Cabeça e Pirraça. Nesse estágio inicial ela ainda não tinha nomes para todos os seus personagens. Os nomes viriam mais tarde, usando, entre outras fontes, o dicionário de nomes geográficos e o Dicionário de frases e Fábulas, de Brewer.
Acima de tudo, Joanne pensou na escola em si, em que aspecto poderia ter. Imaginou um ambiente escocês, porque a Escócia tinha sido importante para seus pais. Imaginou um castelo, mas nenhum castelo específico que tivesse conhecido. Hogwarts é uma combinação de muitas construções: talvez a abadia de Tintern, perto de Chepstow, o Pavilhão Thomas, na Universidade de Exeter, ou uma construção peculiar erguida para um projeto da escola no pavilhão principal da Wyedean, quando ela tinha 13 anos. Todos estes entraram no caldeirão de onde surgiu Hogwarts. Mais tarde, já em seu quarto, rascunhou freneticamente num pequeno bloco de papel fino e barato tudo que podia se lembrar dessa viagem de trem
- o primeiro documento de Harry Potter.
Seria exagerado sugerir que Harry Potter havia se tornado, instantaneamente, uma paixão devoradora para Joanne. Esse estágio inicial foi em junho de 1990, e o livro só seria publicado sete anos mais tarde. Entretanto, era uma distração bem-vinda para o tédio de uma vida que parecia não sair do lugar. Ela arranjou um emprego temporário de secretária na Câmara de Comércio de Manchester e, por volta do final do ano, mudou-se de Londres para Manchester. Por algum tempo ela também trabalhou na Universidade de Manchester.
Mas sempre havia o menino mago para ajudar a passar o tempo, e logo suas anotações sobre a saga enchiam uma caixa de sapatos. Joanne já decidira que haveria sete livros, o que alguns consideram um pouco arrogante da parte de um autor ainda inédito. Mas era completamente sensato. Um livro para cada ano que Harry passaria em Hogwarts. Ela também já tinha resolvido qual seria o nome de seu herói. "Harry sempre foi o meu nome
predileto para um menino, e Potter era o sobrenome da família que morava perto de nós quando eu tinha sete anos. Sempre gostei desse nome e o peguei emprestado." Possíveis nomes para outros personagens foram sendo colecionados com entusiasmo e guardados na caixa: Dumbledore, por exemplo, é uma palavra do inglês antigo para designar um besouro.
Apesar da visão quase divina que Harry Potter representou, esse não foi o acontecimento mais importante do ano. Anne Rowling faleceu em 30 de dezembro de 1990. Tinha 45 anos. Joanne passara em casa pouco antes do Natal. "Ela estava magérrima e parecia exausta. Não sei como não percebi o quão doente ela estava, a não ser porque já havia acompanhado sua piora durante tanto tempo, que a modificação nesta ocasião não me pareceu tão dramática." Joanne disse adeus à mãe, sem saber que seria a última vez, na véspera do Natal, e foi embora de Tutshill para passar as festas com o namorado e a família dele. Na véspera do Ano-Novo foi acordada às 7:30 da manhã por um telefonema de seu pai. Isso era inédito e ela imediatamente temeu o pior. Instintivamente sabia o que tinha acontecido: "Até hoje não posso escrever sobre ela sem chorar.
Anne morreu em casa, depois de uma batalha de dez anos contra a doença. Uma cerimônia fúnebre simples foi realizada no Crematório de Gloucester, a 60 quilômetros dali, somente para a família e uns poucos amigos.
A morte de sua mãe teve um efeito profundo sobre Joanne Rowling, efeito que ela admite persistir até hoje. Mudou o rumo de sua vida e também o de Harry Potter. Por algum tempo ela ficou perdida. Sentindo-se muito infeliz, voltou para uma vida sem sentido em Manchester e para um relacionamento que se deterio rava. Após uma briga particularmente séria, ela saiu enfurecida porta afora e foi para um pub. Mais tarde registrou-se no quarto de um hoteizinho em Didsbury, na periferia de Manchester.
A noite não foi desperdiçada. Para afastar sua cabeça dos problemas, Joanne decidiu que ia ser divertido se praticasse algum
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tipo de esporte de bruxos em Hogwarts, Pensou no quadribol Um jogo original envolvendo mais de uma bola e com um nome tirado de sua própria imaginação.
Quando estava tentando conceber o nome para o jovem Dursley, inicialmente pensou em Didsbury; mas acabou resolvendo que os moradores daquela periferia de Manchester onde ela tinha con cebido o quadribol não mereciam estar associados ao parente boçal de Harry.
Joanne homenageou sua mãe da melhor maneira Possível, escrevendo o capítulo "O Espelho de Ojesed" em seu primeiro livro de Harry Potter. É provavelmente o mais famoso de todos os capítulos de Harry Pottei e Joanne diz que é dele que ela mais se orgulha. Sem dúvida é o mais comovente, O Espelho de Ojesed é um espelho mágico no qual você vê refletida a imagem daquilo que você mais deseja ver. Dumbledore explica a Harry que "ele nos mostra nada mais nada menos do que o desejo mais íntimo, mais desesperado de nossos corações".
No caso de Harry, ele vê seus pais falecidos acenando para ele. Sua mãe está chorando e sorrindo ao mesmo tampo: "sentiu uma dor muito forte no peito, em que se misturav a alegria e uma terrível tristeza". Joanne admitiu que "quando li o capítulo, vi que tinha dado ao Harry muitos d meus sentimentos em relação à morte de minha mãe".
Se olhasse nõ de Ojesed, Joanne veria sua mãe Anne. Ela revelou que queria ter cinco minutos para poder contar a sua mãe todas as novidades. "Eu ia ficar tagarelando sem parar e, ao fim dos cinco minutos, me daria conta de que não tinha perguntado como é estar morta. Egoísmo típico de uma criança, não é?"
Do ponto de vista do enredo é útil que Harry Potter seja órfão. Ele não tem pais que interfiram, tem que se virar por conta própria e pode ficar na escola nas férias. De certa forma, Joanne sentiu que ficou órfã depois que sua mãe morreu. Seu sentimento deu um lado moral mais sério a Harry con-io personagem. Aqueles que conheceram Anne percebem que no primeiro livro há uma
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dívida para com ela. John Nettleship observa que "quando leio os livros, sinto o tempo todo que estão transmitindo os valores de Anne e Pete, cujos padrões eram muito elevados. Os pais de Joanne tinham, ambos, um forte sentido de justiça e de res ponsabilidade. Eu os considerava pessoas do mais alto nível, e o que gosto, em relação aos livros, é que eles refletem a ética da família de Joanne".
Segundo John, "dá para perceber que os livros vêm da infância de Joanne. Não que representem alguma coisa como 'devo escrever isto em memória à minha mãe'. Joanne disse que, quando releu o primeiro livro, descobriu que havia muito de sua mãe ali. Foi o que Shirley e eu sentimos. Você logo percebe a presença da mãe em segundo plano, e a maneira como a mãe dela pensaria sobre tudo aquilo".
Uma das homenagens mais óbvias à mãe de Joanne está na forma pela qual o jovem Harry consegue vencer o maligno Voldemort. Em A Câmara Secreta, Harry diz a ele: "Eu sei por que você não pôde me matar. Foi porque minha mãe morreu para me salvar."
Pouco após a cerimônia fúnebre, o apartamento de Joanne em Manchester foi arrombado por ladrões que levaram os poucos tesouros sentimentais que sua mãe lhe deixara. Aquilo foi a última gota. Ela nunca se sentira realmente feliz em Manchester, e seu envolvimento amoroso havia terminado. Era hora de partir.
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O AMOR NUM CLIMA QUENTE
"Acho que Joanne estava desesperada para amar"
Um pequeno anúncio no jornal The Guardian chamou a
atenção de Joanne: "Escola localizada na cidade do Porto, em Portugal, precisa de professores de inglês qualiflcados". Joanne tinha
POuca experiência relevante para um trabalho como professora além do ano que passara em Paris, mas a cidade do Porto parecia o tipo de ltigar onde Jessica Mitford, a autora que ela tanto admirava, teria ido parar. sim, ela mandou um curriculum com uma carta em que explicava seu entusiasmo em relação a ensinar em Portugal.
O anúncio tinha sido publicado por Steve Cassidy, coordenador das escolas de Inglês Encounter. Ao viajar para a Inglaterra a fim de visitar sua família em Bernsley, ele faria contato com alguns candidatos e daria um jeito de entrevistá-los. Ele encontrou-se com Joanfle num hotel próximo à estação ferroviária de Leeds. 'Tomamos café e batemos papo", lembra ele. "Ela tinha uma apa rência um tanto gótica, com uma maquiagem pesada ao redor dos olho Parecia a Morticja da família Adams! Não era uma candidata notável mas achei que se sairia bem. Era um pouco tímida e lembrome de que parecia um pouco triste. Acho que sua mãe havia morrido há pouco tempo."
Joanne soube que ensinaria inglês em todos os níveis, de principiantes aos alunos avançados. Steve também contou a ela algutfl coisa sobre a cidade do Porto, embora Joanne já tivesse feito suas Próprias pesquisas sobre a segunda maior cidade de Portugal. O
principal interesse turístico da região é o vinho do Porto. Todos os rótulos famosos encontrados nas lojas de bebidas são de lá, e os produtores Taylor, Sandeman, Graham, Offley e Cockburn abrem suas instalações para visitas e degustação.
Joanne conseguiu o emprego. Estava ansiosa para começar sua nova aventura. Seu pai tinha começado a reconstruir sua vida mudando-se de Church Cottage para uma nova casa em Chepstow. Sua irmã Di estava trabalhando como enfermeira em Edimburgo. Joanne partia sem remorsos. Não tinha muitos pertences para empacotar, embora o trabalho de Harry Potter, que estava avan çando, não tenha ficado esquecido.
Tomou o avião em Manchester numa manhã fria e nublada de novembro, e o primeiro vislumbre que teve da nova cidade foi quando olhou pela janela e viu o magnífico rio Douro correndo diante de seus olhos. A cidade do Porto está numa posição magní fica na desembocadura do rio, que se estende em direção à margem do oceano Atlântico. Steve Cassidy, que tem aquele ar descansado dos ingleses que moram no exterior, estava no aero porto para recebê-la.
A chegada de automóvel à cidade do Porto é menos maravilhosa do que a vista aérea, combinando um trânsito intenso com prédios feiosos. Joanne não teve que procurar acomodações, porque Steve alojava todos os professores novos num amplo apartamento de quatro quartos, em cima da Farmácia da Prelada, na rua Central de Francos.
Felizmente para Joanne, que estava animada porém apreensiva, os outros dois professores novos e colegas de apartamento eram mulheres de vinte e tantos anos, com quem ela se entendeu imediatamente. Ame Kiely, uma alegre irlandesa de Cork, e Jill Prewett, uma inglesa de mente aberta, tornaram-se amigas es peciais. Elas iriam oferecer um apoio inestimável a Joanne mais tarde, quando sua vida no Porto se tornaria complicada. Foi para elas que Joanne escreveu a memorável dedicatória de O Prisioneiro de Azkaban, terceiro volume de Harry Potter: "Para Jill Prewett e
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Ame Kiely, as avós do Swing." Esta dedicatória que enga muitos fãs de Pottei nada tem a ver com um amor por um estilo de música, o swing. Éantes uma homenagem às noites de sábado desfrutadas pelas três jovens em busca de diversão, boa bebida e alguma companhia.
Swing é uma discoteca, uma das mais antigas de Portugaj A clientela é formada por jovens no final da adolescência e outros de vinte e poucos anos, tipicamente garotas em roupas comuns e rapazes tipo machão latino tentando parecer indiferentes. As três professoras ficaram do lado freqüentado por pessoas mais maduras
- mais para "vovós" -, mas era um lugar divertido.
As garotas tinham a ajuda de Maria Inês Aguiar, mulher im petuosa de cabelos negros, que era diretoraassistente da Escola de Inglês. Elas se sentavam na confeitaria Labareda, perto dos escri tórios principais da escola, na avenida Fernão de Magalhães e resolviam seus problemas. Maria Inês as ajudava com a língua portuguesa, embora diga que Joanne nunca chegou a falar um por tuguês muito bom. Ela recorda que "Joanne era uma pessoa muito agitada, ansiosa, andando em volta como uma borboleta. Tinha uma gargalhada histérica um pouco estranha. Acho que ela não estava satisfeita. Você podia ver que faltava alguma coisa. Um dia ela chegou a me pedir que lhe arranjasse um namorado. Acho que Joanne estava desesperada para amar".
Maria Inês seria a figura importante na impressionante seqüência de acontecimentos que viriam mudar drasticamente a vida de Joanne, mas isso foi mais de um ano e meio depois. Naquele momento, Joanne estava se adaptando a um novo modo de vida. Steve diz que a cidade do Porto é amigável e, para os padrões in gleses, razoavelmente segura para as mulheres. "Para algumas pes soas pode ser um pouquinho sossegada demais", diz ele, mas isso não devia se referir a quem foi criada em Tutshill, perto de uma cidade onde não havia cinema.
A saudade de casa por passar o primeiro Natal fora da Inglaterra foi atenuada por uma animada festa de Natal que Steve organizou,
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bar chamado Bonanza. O trabalho em si não era especialmente gente. Steve observa que 'Ames era uma professora brilhante, as Joanne era bastante competente para o emprego, até come tem as complicações. Ela ficou emotiva". As aulas iam das 5 da
tarde às 10 da noite, com algumas horas nas manhãs de domingo. Sendo assim, havia um bocado de tempo para ela fechar a porta da sala dos computadores e digitar suas anotações de Harry Potter em um processador de textos. Steve e Maria Inês lembram-se dela como uma das digitadoras mais rápidas que já conheceram: "ela digitava à velocidade da luz", lembra Maria Inês. Joanne também passava muitas horas desenhando e se tornara especialista em fazer pequenos desenhos com caneta e tinta.
Durante o dia ela podia se dedicar ao prazer de escrever a mão em bares. A cidade do Porto é bem servida quanto a isso, e um bar em especial, o Café Majestic, na rua Santa Catarina, tornou-se seu retiro predileto. Joanne podia sentar-se, fumar, bebericando o forte café português, e sonhar com magos. O Majestic tinha elegância e era um lugar onde as mulheres podiam encontrar-se para bater papo sem serem incomodadas, o que é fundamental. Na maioria dos dias, Joanne aparecia antes do trabalho. Depois, tomava o ônibus para a escola de inglês e então, antes das aulas, digitava as anotações feitas no café.
Para mudar de ambiente havia os jardins do Palácio Cristal, uma linda área ajardinada perto do centro da cidade, onde, nos dias quentes, Joanne podia sentar-se debaixo das árvores com seu cappuccino e observar os patos no lago ornamental ou ouvir os pavões-reais chamando atenção.
A cidade do Porto conquista aos poucos. Steve Cassidy, que mora lá há 20 anos e é casado com uma portuguesa, explica que "leva tempo até a gente conhecer o Porto. Lisboa é obviamente uma cidade linda, enquanto a cidade do Porto pode parecer um pouco cinzenta. Mas tem uma grande história". A cidade realmente tem romance, especialmente à noite. E há também o Ribeiro, a margem do rio, a área mais bonita da cidade, onde
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Joanne, Ame e Jill se encontravam ao entardecer para comer pizza, beber vinho e ver o sol se pôr sobre o Douro.
Seja lá o que for que a cidade do Porto representava para Joanne, libertava-se aí um espírito emocional e volátil que tinha ficado oculto nos confins de Tutshill, no ambiente protegido da Universidade de Exeter e nos escritórios monótonos em que ela trabalhou antes de sua aventura portuguesa.
A noite que mudou a vida de Joanne começou da maneira habitual. Era uma noite típica de sábado em março e já havia cinco meses que ela estava no Porto. As três amigas resolveram ir para o Meia Cava, um lugar onde, segundo Maria Inês, "você pode se soltar, ficar bêbada e procurar amor". Fica a poucos metros do Ribeiro, num pequeno pátio quadrado onde amigos e namorados se encontravam entre cafés e cervejas. No andar de baixo havia uma área de bar com jazz suave, e no andar de cima, uma discoteca. Joanne e as amigas optaram por ficar embaixo, onde, por acaso, um jovem estudante de jornalismo português estava bebendo com amigos. 'Aquela garota com olhos azuis fantásticos entrou", lembra ele.
Jorge Arantes não conseguiu mais tirar os olhos de Joanne, que, com sua cabeleira ruiva e sua maquiagem carregada nos olhos, destacava-se das garotas portuguesas. As inglesas eram sempre alvo do interesse dos rapazes locais. Maria Inês explica isso com sim plicidade: "Nossos rapazes são machões, e as moças inglesas são accessíveis." Joanne nunca falou do caso amoroso que se iniciou naquela noite, mas Jorge conversou longamente com Dennis Rice, do Daily Express, que comprou sua história depois que Joanne ficou famosa.
Eles se deram conta de que aquela noite poderia ser algo mais do que uma noite de paquera num bar, porque ambos tinham um amor por livros. Joanne mal falava português, mas Jorge tinha um bom domínio de inglês. Na época, Joanne estava relendo Razão e Sensibilidade, de Jane Austen, um dos seus livros prediletos, que Jorge também tinha lido. Jorge lembra-se: "Estávamos muito à vontade um com o outro, e conversamos no mínimo durante
duas horas. No final da noite, nos beijamos e trocamos números de telefone."
Jorge telefonou dois dias depois e combinaram de sair. "Antes que soubéssemos o que estava acontecendo, ela já estava no meu aparta mento e passamos a noite juntos. Não havia nada promíscuo nisso, simplesmente éramos dois jovens independentes gozando a vida."
Jorge diz ter percebido como viria a ser o relacionamento deles quando esbarrou com Joanne, poucos dias depois, em outro bar, e ela o viu conversando com uma moça holandesa. Joanne foi até lá e disse baixinho para ele: "Jorge, se é para haver alguma coisa entre nós, eu não vou dividir você com ninguém." Joanne não estava querendo ser apenas mais uma conquista. Se é verdade que Joanne exibiu sinais de um temperamento ciumento nas primeiras fases de seu relacionamento amoroso, os amigos observaram que, à medida que o tempo passou, os papéis se inverteram. Foi sempre um rela cionamento tempestuoso.
Em pouco tempo os jovens amantes estavam passando mais noites juntos do que separados. Durante o dia, Jorge encontrava Joanne no Café Majestic ou na Confeitaria Labareda. Ele não causou uma boa impressão em Steve Cassidy no dia em que apareceu no prédio da English Encounter: "Eu não gostei dele quando veio à escola. Não gostei da forma como me encarava. Parecia uma pessoa meio grossa."
Eles conversavam sobre literatura. Joanne invariavelmente levava O Senhor dos Anéis, que lera pela primeira vez aos 19 anos e foi um dos livros que quis levar para Portugal. Maria Inês confirma que ela estava sempre com o livro e Jorge se lembra de que ela nunca o largava. Jorge ficou sabendo de Harry Potter e leu o maço de anotações manuscritas e folhas datilografadas que compunham a primeira história. Ele sempre demonstrou um grande entusiasmo pela escrita de Joanne: "Para mim ficou evidente na mesma hora que era uma obra de gênio. Ainda me lembro de dizer a Joanne: 'Nossa! Estou apaixonado por uma grande escritora."
Ele lembra que já nessa época Joanne tinha definido a estrutura
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para os sete livros. Jorge, que alimentava uma ambição de ser ele próprio um escritor, afirma que foi a primeira pessoa a ler o manuscrito de Harry Potter, e que deu sugestões. Mas Joanne, numa rara explosão, declarou que "ele contribuiu tanto para o Harry Potter quanto eu para Um Conto de Duas Cidades, de Charles Dickens". De fato ele tem cerca de 20 folhas de papel manuscritas, mas tudo o que isso prova é que Joanne as deixou para lá. É bem provável que eles tenham conversado sobre o projeto. Eles logo passaram a morar juntos e seria bem esquisito um relacionamento em que o casal não discutisse suas esperanças, ambições e outros assuntos íntimos. Maria Inês fala sobre essa influência da seguinte forma: 'A escrita estava na cabeça de Joanne, mas Jorge deu-lhe ímpeto, livrou-a de sua infelicidade."
Uma das ligações mais fascinantes entre Portugal e Harry Potter é através do famoso poema português "Pedra Filosofal". Foi escrito por Antonio Gedeão, pseudônimo de Rômulo de Carvalho. Renomado professor de física e química, cuja obra reflete uma grande compreensão da vida, ele se tornou um dos mais aclamados escritores portugueses. "Pedra Filosofal" é seu poema mais conhe cido, e Jorge, como quase todo estudante português, o conhece bem, até porque os versos foram musicados numa canção de Manoel Freire. Pedra Filosofal trata da importância do sonho, algo que faz parte do de Joanne.
O poema inicia-se assim:
Eles não sabem que o sonho é uma constante da vida
tão concreta e definida
como outra coisa qualque como esta pedra cinzenta
em que me sento e descanso como este ribeiro manso...
E termina:
Eles não sabem, nem sonham que o sonho comanda a vida.
que sempre que um homem sonha
o mundo pula e avança
como bola colorida
entre as mãos de uma criança.
Joanne descobriu que estava grávida. Esta não era a melhor ocasião para o casal. Jorge tinha que prestar o serviço militar no Exército português durante oito meses. O casal, unido havia pouco tempo, decidiu que não fariam um aborto. Estavam morando com a mãe de Jorge num pequeno apartamento térreo de dois quartos na rua Duque de Saldanha. Além dos dois quartos, o apartamento tinha uma sala e uma pequena cozinha. Em Portugal é comum os casais morarem com os pais de um ou do outro. Faz sentido do ponto de vista econômico. A mãe idosa de Jorge, Marília Rodrigues, recebeu bem Joanne: "Ela era uma moça encantadora e eu a via fazendo parte da família." Marília, mulher amável, só falava um pouco de inglês e passava grande parte do dia na igreja. Tinha pouca coisa em comum com Joanne.
Como o Porto ficou insuportavelmente quente no verão de 1992, Joanne e Jorge planejaram fazer uma viagem de um mês à Inglaterra, quando ela poderia apresentá-lo à família e aos amigos e dar a todos a boa notícia. O projeto foi cancelado quan ela sofreu um aborto espontâneo. Jorge afirma que esse triste acontecimento aproximou ainda mais o casal. "Decidimos que, quando a ocasião fosse favo rável, tentaríamos ter outro filho e nos casaríamos." Ele a pediu em casamento em 28 de agosto de 1992. Ele se lembra da data per feitamente porque Joanne, brincando, mencionou-a numa carta que lhe escreveu quando ele estava no quartel: "Vinte e oito de agosto de 1992. Jorge Arantes pediu Joanne Rowling em casamento, pegando a si mesmo de surpresa, tanto quanto a ela."
Ao mesmo tempo surgiam desentendimentos na relação e uma
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briga dramática revelou o quão difícil e turbulenta ela já estava, mesmo antes que tivessem uma filha, O casal estava lanchando à tarde na casa Império, defronte à Escola de Idiomas. Não houve qualquer advertência quanto ao drama que estava para desenrolar-se ou o que o desencadeou, embora Maria Inês comente que "ele era muito possessivo e ciumento".
Uma discussão surgiu do nada. Maria Inês lembra-se de que Jorge deu um empurrão em Joanne: "Ele a empurrou e ela saiu gritando." Joanne saiu correndo pela rua, aos berros, perseguida por Jorge, ainda enfurecido. Maria Inês lembra-se de que "ela correu para o nosso prédio e subiu as escadas, até a Sala Dois. Juntou gente na rua, porque pensavam que ele ia acabar com ela. A cara dele mostrava isso".
Steve Cassidy não podia acreditar quando chegou de volta à escola e encontrou umas 100 pessoas tentando ver o que estava havendo lá dentro, prestando atenção na confusão que acontecia. Maria Inês estava lá, aflita, tentando ajudar. "Foi como uma cena de Romeu e Julieta. Ele gritava 'Joanne, me perdoa. Eu te amo'. E ela, chorando, gritava de volta 'Eu te amo, Jorge'." Alguém chamou a polícia, preocupado com a segurança de Joanne, e dois policiais entraram na escola para resolver a situação. Só Joanne e Jorge sabem quantas brigas dessa natureza eles tiveram em sua casa.
A cerimônia do casamento foi curiosa, restrita e nada romântica. Pouco antes das 11 horas de 16 de outubro o casal se apresentou diante do oficial do Registro Civil. Joanne usava um vestido preto com gola em com um colar de pérolas de três voltas. Jorge vestia um paletó preto por cima de uma camisa com bolinhas vermelhas e brancas, com uma camiseta de malha branca por baixo. Di, a irmã de Joanne, viera de Edimburgo com seu namorado. Após a ceri mônia, os recém-casados assinaram a certidão de casamento. Joanne tinha 27 anos, e seu marido, apenas 24.
As fotografias tiradas depois da cerimônia falam por si. Joanne, agarrada a um pequeno buquê, está olhando para a câmera com um olhar perdido. Jorge, aparentemente mais à vontade, está sorrindo e
O amor num clima quente
apóia sua mão casualmente no ombro dela. E foi só isso - difi cilmente seria o casamento com o qual uma garota que adorava O Cavalinho Branco ou os romances de Jane Austen teria sonhado. Mais tarde, naquele mesmo dia, Joanne foi trabalhar e deu aula. Não houve lua-de-mel.
Joanne nunca falou sobre o dia de seu casamento, mas, em Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, a professora Trelawney diz a Lilá Brown na aula de Adivinhação que "aquela coisa que você receia vai acontecer na sexta-feira, dezesseis de outubro". Mais Adiante no livro fica-se sabendo que o coelho de Lilá foi morto por uma raposa exatamente no dia predito pela professora de adivinhação: "Essa coisa que você receia vai acontecer na sexta- feira, 16 de outubro! Lembram? Ela estava certa, ela estava certa!" Em 1992, o 16 de outubro foi uma sexta-feira e foi também o dia do casamento de Joanne.
Em poucas semanas, Joanne estava grávida novamente. Foi um período de inquietação por causa do aborto espontâneo que tivera. Mas esta gravidez transcorreu sem problemas. Ela passava mais tempo do que nunca na escola, trabalhando em suas anotações de Harry Potter. Seus amigos na escola observaram que ela estava mais isolada do que antes, com freqüência sentando-se sozinha nos bares da região.
Mesmo grávida, Joanne estava perdendo peso - 11 quilos ao todo -, o que era preocupante. Pode ter sido conseqüência de tensão causada pelo ciúme e pelas discussões entre ela e Jorge. Manha, mãe de Jorge, observa que "eles se amavam, mas tinham muito ciúme um do outro". Quando saía para beber com seus amigos, Jorge esperava que ela ficasse em casa à sua espera. Por outro lado, ele não gostava quando ela saía com Ame e Jill. Segundo Maria Inês, elas diziam para Joanne que ela deveria se separar dele.
A filha de Joanne nasceu em 27 de julho de 1993 depois de um trabalho de parto de sete horas, e foi chamada de Jessica por seus pais. Joanne descreveu o nascimento de Jessica "sem dúvida o
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melhor momento da minha vida". Se fosse menino, se chamaria Harry. Joanne disse muitas vezes que deu esse nome ao bebê por causa de Jessica Mitford, sua adorada autora. Jorge tem uma versão diferente. Ele diz que o nome da menina Jessica Isabel vem de Jezebel, personagem bíblica.
Joanne continuou a perder peso após o nascimento do bebê e temia-se que ela estivesse ficando anoréxica. Jorge terminara o serviço militar mas não tinha emprego, e era Joanne que mantinha a casa. "Havia grandes discussões entre eles", lembra Maria Inês.
Em novembro o casamento tinha atingido o ponto de ruptura. Uma noite houve outra briga, levando uma vez mais a um pequeno drama na rua. Segundo um artigo publicado mais tarde no Express, Jorge declara que explodiu porque Joanne lhe disse que não o amava mais: "Tive que arrastá-la para fora de casa às 5 horas da manhã e admito que lhe dei umas bofetadas com muita força na rua", diz o artigo.
Em outros artigos de jornais, Jorge negou ter espancado Joanne, dizendo apenas que a arrastou à força para fora de casa. Seja como for, em 17 de novembro de 1993 Joanne Rowling estava sem lar, numa cidade estrangeira, só com a roupa do corpo e seu bebê de quatro meses de idade ficara na casa do homem que a pusera no olho da rua.
Ame e Jill estavam lá para socorrer a amiga em estado de choque. Chamaram Ma Inês, que, sendo portuguesa, poderia ajudar a resgatar Jessica. Não havia dúvidas de que o casamento estava terminado. Maria Inês chamou um amigo policial e, com ele, vol taram ao apartamento na manhã seguinte.
Ela se lembra de ter "telefonado a um advogado, que me disse que pegasse o bebê de qualquer maneira. Oficialmente a polícia não podia fazer nada, mas eu os convenci a virem comigo. Achei que isso poderia servir para assustar o Jorge. Ele atendeu à porta da rua e disse que não queria falar comigo, mas eu tinha posto o meu pé na porta para que ele não pudesse fechá-la. Pensei que seríamos atacados pelos vizinhos. Eu podia ouvir o bebê chorando dentro da
casa. Fiquei dizendo para ele: 'Jorge, me dá o bebê, me dá o bebê.' No final ele trouxe o bebê para mim. Pobre rapaz".
Tudo o que Joanne queria era sair do Porto o mais depressa possível. Mas havia providências a tomar. Maria Inês se lembra de dar mamadeiras a Jessica na escola enquanto Joanne finalizava os preparativos. E todo o tempo Jorge procurava descobrir onde sua esposa e sua filha estavam. Elas não tinham ficado com Ame e JilI, porque Jorge sabia onde moravam, mas com outros amigos que ele não conhecia. Duas semanas após seu mundo ter desmoronado, Joanne e Jessica saíram do Porto para sempre.
É normal que se pergunte como é possível que tudo isso tivesse acontecido a uma mulher jovem, brilhante, inteligente, sociável? Por que ela havia de terminar despejada de casa, numa cidade estrangeira, com um bebê e um marido com quem brigava constan temente e que, ao que parece, lhe dava medo? Maria Inês acredita que Joanne estava "muito confusa" e "queria muito ter alguém para amar". Certamente a morte de sua mãe deixara em sua vida um vazio que agora podia ser preenchido por sua filha.
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A ARMADILHA DA POBREZA
"Nunca pensei que pudesse me encalacrar dessa maneira."
Depois dos horríveis acontecimentos no Porto, o único consolo para Joanne era que ao menos tinha consigo seu bebê de
quatro meses. Apesar de tudo o que acontecera e das dificuldades que enfrentara desde então, nem por um único segundo Joanne lamentou ter tido sua filha. Jessica continua sendo a coisa mais importante em sua vida e Joanne admite francamente que "é a Jessica quem me faz ir em frente".
Seu projeto era simples. Primeiro, voltar para a Inglaterra, onde estariam muito mais seguras do que em Portugal, onde ela não tinha certeza de como a lei funcionaria. Precisava encontrar um lugar para morar e, no ano seguinte, um emprego, de preferência como professora. Tinha pouquíssimo dinheiro, o suficiente apenas para alugar um apartamento pequeno por poucos meses. Como seus amigos de Londres haviam se mudado, decidiu tentar sua sorte em Edimburgo, na Escócia, onde sua irmã estabelecera-se com sucesso.
A pergunta óbvia é: por que ela não ficou com seu pai enquanto se ajeitava, especialmente uma vez que o Natal estava chegando? Ele mantivera seu bom emprego na Rolls-Royce e, ten do em vista o quanto a família era unida, aquela pareceria ser a coisa mais natural a fazer. Mas as circunstâncias tinham muda do. Pete Rowling casara-se novamente aos 48 anos de idade, pou co mais de dois anos após a morte de Anne. A nova esposa,
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Janet Gailivan, oito anos mais jovem do que ele, fora sua secretária. Nenhum dos membros da família Rowling jamais falou de
qualquer desentendimento entre pai e filhas. Mas ele não esteve no casamento de Joanne, nem compareceu ao de Di, em Edimburgo. Ele próprio se casara com Janet numa cerimônia simples no Registro Civil de Newport, em 2 de abril de 1993, enquanto Joanne estava no meio de sua gravidez no Porto. Quando o primeiro livro de Harry Potter foi publicado, em 1997, foi dedicado a Jessica, Anne e Dianne. O pai não foi citado.
Depois que Joanne se tornou uma autora consagrada, os jornais espalharam rumores de um desentendimento. O Sunday Express escreveu sobre um "infeliz segredo de família", em janeiro de 2001:
"Poucos meses depois que sua primeira esposa Anne morrera de esclerose múltipla, o Sr. Rowling e Janet Gallivan foram morar juntos, para surpresa de suas próprias famílias." Janet se separara de seu marido, deixando com ele dois filhos, em Bristol.
Pete Rowling nunca revelou nada sobre seu novo relacionamento, preferindo viver tranqüila e reservadamente. A evidência de que há algum desentendimento é estritamente acidental e, em defesa de Pete, se é que ele precisa de defesa, há o fato de que sua primeira esposa Anne morreu na casa da família após ter estado doente durante dez anos. Ele sempre esteve ao lado dela. John Nettleship, que acompanhou os Rowling durante muitos anos, observa que Pete passou períodos difíceis e teve que reconstruir a sua vida. Maria Inês lembra-se nitidamente da impressão que teve quando Joanne estava no Porto: "Joanne amava muito o pai."
Joanne e Jessica tomaram um trem para Edimburgo e para perto de sua irmã. Foi um desapontamento que tivesse perdido o casa mento de Di, em 3 de setembro. Di casou-se com Roger Moore e só alguns poucos amigos compareceram. Eles não contavam que Joanne viesse bater à porta de seu apartamento em Marchmont Road 140 com o bebê, dois meses depois. Mas havia uma união muito forte entre as irmãs.
Di tem a feliz capacidade de ver o lado bom das coisas. E sempre
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estimulou sua irmã, principalmente quanto ao progresso de Harry Potter. Joanne falou mais tarde que havia contado a ela sobre Harry pela primeira vez em Marchmont Road. Joanne saíra de Portugal levando os três primeiros capítulos escritos e com notas para completar o primeiro livro, além de muitas outras idéias para o restante da série, inclusive a conclusão. Di convenceu Joanne a deixá-la ver o que já tinha sido escrito até ali e ficou imediatamente cativada. "É possível que, se ela não tivesse rido, eu tivesse deixado tudo de lado", admite Joanne, "mas a Di riu."
Apesar dessa reação calorosa, havia outras prioridades na vida de Joanne agora, maiores do que Harry Potter. Afinal, ela concebera pela primeira vez o jovem mago três anos e meio antes e só tinha completado três capítulos para apresentar.
Joanne via-se como uma mulher independente e bem-educada e não queria ser um peso para sua irmã e seus amigos. Ela arranjaria um local provisório para morar enquanto começava a resolver sua situação. Sua vida estava cada vez mais difícil. "Nunca imaginei que pudesse fazer uma série de besteiras tão grande, a ponto de me ver num apartamento sem aquecimento, infestado por camundongos, cuidando de minha filha", ela disse. "E me zanguei porque senti que não estava cuidando bem de Jessica."
Para completar sua infelicidade, Joanne teve que enfrentar o pesadelo da burocracia. Em 21 de dezembro de 1993 ela se viu relatando sua desafortunada situação para o Departamento de Previdência Social do Distrito de Leith. Teve que preencher vários formulários para pedir beneficios e auxílio-moradia. Descreveu seu suplício com candura: "Você tem que passar por uma entrevista e explicar a uma porção de estranhos como você chegou a ficar sem um tostão, sendo a única provedora de sua filha. Sei que ninguém estava ali para me fazer sentir humilhada e inútil, mas era exa tamente assim que eu me sentia."
A recompensa por essa humilhação foi de 69 libras (R$ 300,00) por semana, com as quais esperava-se que ela alimentasse e vestisse a si mesma e a seu bebê e que pagasse todas as despesas de casa. Um
A armadilha da pobreza
dos presentes que Joanne ganhou no Natal daquele ano foi um CD do R.E.M., cuja música Everybody Hurts (Todo mundo sofre) passou a ouvir sem parar. Finalmente, não conseguindo mais suportar o barulho dos camundongos pela casa, decidiu engolir seu amor-próprio e pediu emprestado 600 libras (R$ 2.700,00) ao seu "amigo dos dias tempestuosos" Séan Harris, que continuava próximo e leal a Joanne.
Mas a esperança de que isso a levasse rapidamente a um apar tamento melhor para Jessica e para ela própria foi esmagada pela burocracia. Telefonou para mais ou menos uma dúzia de agências imobiliárias de Edimburgo, tentando alugar um novo apartamento mas todas negaram. Joanne se lembrou desse problema quando anunciou seu apoio a uma institujção beneficente para famílias de pais solteiros: "Vozes entediadas e robóticas do outro lado da linha repetiam: 'não alugamos nada para pessoas que estejam no auxílio- moradia. Sinto muito'."
A situação parecia sem esperanças, até que uma mulher ficou com pena dela ou apenas concordou em mostrar-lhe alguns apar tamentos para ver se ela desistia do assunto. "Vi uma brecha de luz e então comecei a falar tão depressa que ela não conseguiu abrir a boca", lembra Joanne. Naquela mesma tarde ela assinou um contrato de aluguel de um apartamento de um quarto sem mo bília, no número 7 de South Lane Place, em Leith, o antigo porto de Edimburgo. Era um começo. Sua irmã e mais alguns amigos que tinha em Edimburgo emprestaram-lhe alguns móveis e ela mudou-se com Jessica para esse quarteirão que seria seu lar du rante três anos, e o lugar em que finalmente, escrevendo na mesa da cozinha, ela completaria o manuscrito de Harry Potter e a Pedra Filosofal.
Leith não é nem de longe a pior área de Edimburgo. Joanne e Jessica moravam no térreo de um prédio moderno de oito apar tamentos distribuídos por quatro andares, que fazia parte de um conjunto de vários prédios idênticos. No centro havia uma área verde malcuidada, com uma mesa e um banco marrons. Era um
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J. K. Rowlí
lugar onde era possível sentar-se, mas quem gostaria de se sentar ali? Certamente não uma autora em busca de inspiração para um livro. As ruas em volta estavam cheias de gente idosa, velhos moradores de Leith. Perto dali havia uma escola primária, para onde Jessica iria quando completasse cinco anos.
Uma vez mais Joanne estava aprisionada, como tinha estado em outras fases de sua vida. Noite após noite ela ficava sozinha com seu bebê para cuidar e para lhe fazer companhia. Foi então, exatamente quando não podia acontecer nada pior, que Jorge chegou do Porto. Era a última coisa de que ela precisava. Depois que Joanne o deixara de vez, Jorge buscara alívio nas drogas.
Joanne conseguiu pedir ajuda a amigos para mantê-lo lon ge dela e de Jessica, enquanto ia ao escritório dos advogados Blacldock Thorley. Ela nunca disse quanto medo tinha de Jorge nessa época, mas de qualquer forma esta foi uma medida drástica. Em 15 de março de 1994 deu entrada numa ação para impedi-lo de aproximar-se dela, conseguindo um mandado provisório. Esta é uma questão séria na Escócia, especialmente se Joanne decidisse levar a questão para o estágio seguinte, no qual o interdito se torna permanente Os termos do interdito de Joanne contra seu marido impediam_no de "molestá-la, agredi-la verbalmente, ameaçá-la ou colocá-la em estado de medo ou de alarme através do uso de violência contra ela em qualquer lugar dentro dos limites de Edimburgo".
Jorge não teve alternativa senão voltar para o Porto.
Por seu lado, Joanne descobriu-se caindo mais fundo numa depressão - não era tédio, nem tristeza ou um suspirar tipo "estou me sentindo um pouco chateada hoje": era o buraco negro do desespero. Os Dementadores, que aparecem pela primeira vez em O Prisioneiro de Azkaban, são o resultado criativo de um período de vida que ela diz ter sido a coisa mais desagradável que já vivenciou. "É a ausência total de capacidade de pensar que algum dia você vai conseguir se sentir bem novamente, é a ausência de esperança, um sentimento de morte, que é muito diferente da tristeza."
Os Dementadores são os guardas da prisão de Azkaban e cons tituem uma metáfora para a própria depressão. Com o Espelho de Osejed, representam o aspecto mais pessoal dos livros de Harry Porter até aqui e podem ser parte da evidência de que Harry Potter é a própria Joanne. Ela pode ser Hermione Granger, cê-dê-efe e sabichona, mas ela também é Harry, a criança que sente falta da mãe, que odeia ser objeto de atenção e mexericos e que desaba na presença de um Dementador. Com sua boca, que é um buraco escancarado e sem forma, o beijo do Dementador suga a felicidade da pessoa e se apossa de sua alma. Apesar desse aspecto sombrio, há um contraponto divertido no antídoto contra os pavorosos senti mentos trazidos pelo Dementador, que é o chocolate.
Os dias implacavelmente infelizes passavam, um atrás do outro. Um dos piores foi quando ela foi visitar uma amiga de sua irmã e viu a quantidade de brinquedos que seu filho tinha. "Naquele ponto, quando embrulhei os brinquedos de Jessica para ir embora, vi que eles caberiam numa caixa de sapatos. Voltei para casa e chorei até não poder mais." Em outra ocasião, o agente de saúde que veio visitar Joanne - algo que era compulsório para uma mulher sozinha que estivesse vivendo de benefícios - trouxe alguns brinquedos usados para Jessica: um ursinho de pelúcia bem gasto, uma casinha de plástico e um telefone que podia ser puxado por uma cordinha. Joanne ficou tão humilhada por esse ato de genuína bondade que enfiou os brinquedos num saco de lixo preto e deixou-os na rua para a coleta do lixo.
Pelo menos havia Leith Links, uma ampla área de gramado aberto, a cerca de um quilômetro de South Lorne Place. Aí Joanne podia observar outras jovens mães brincando com seus filhos nos balanços e escorregas de cores brilhantes, numa arca de Noé e num trepa-trepa que parecia uma molécula de DNA.
Foi no primeiro verão depois da saída do Porto que Joanne lentamente começou a virar o jogo. As mudanças que foram acon tecendo não eram todas para pior. Em 10 de agosto de 1994 ela pediu o divórcio. Talvez nove meses de aconselhamento tenham
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ajudado, mas pela primeira vez, desde sua volta de Portugal, ela começava a fazer planos e a preencher seus dias com algo mais do que Dementadores, Seu cunhado Roger formara a empresa The Sint Partnership com um amigo chamado Dougal McBride, e tinham comprado um bar não muito elegante, chamado Nicolson's, próximo da junção da South Bridge com a Royal Mile. Esta viria a ser uma aquisição importante para Joanne. Ela ainda queria escrever Harry Potter e seu desejo de contar histórias e de ser uma escritora profissional estava mais forte do que nunca, O máximo de sua ambição era entregar seu cartão de crédito a alguém numa loja e ele dizer que ela tinha escrito seu livro predileto, mas isso nunca iria acontecer onde morava.
Ela precisava de algum lugar aonde pudesse ir, onde não se sentisse isolada e solitária, mas estivesse na companhia de pessoas que estivessem cuidando de suas próprias vidas e que a deixassem em paz para seguir com a dela. Os bares sempre foram uma fonte de inspiração, desde seus dias de trabalho em Londres e mais tarde no Porto. Contudo, com seu orçamento para lá de apertado, ela não podia permitir-se passar as tardes tomando uma xícara após outra em cafés da moda, O Nico1son era uma dádiva dos céus. Era da família, de modo que a equipe não se importaria se ela passasse uma hora - ou às vezes duas - com a mesma xícara de café. O destino podia estar lhe enviando um sinal, porque uma rua além do Nicolson's há uma estrada chamada Potterrow,
Joanne saía com Jessica em seu carrinho e andava meia hora ao longo da Easter Road em direção ao centro da cidade. Se tivesse sorte, Jessica estaria dormindo quando chegassem a South Bridge. Se ainda estivesse acordada, então Joanne continuaria rodando com ela subindo a Royal Mile. Era uma parte da cidade muito inte ressante e quase sossegada, apesar da música de gaitas de fole que enche o ar neste trecho turístico da cidade. Muitos desses lugares poderiam reivindicar a inspiração para o Beco Diagonal, a rua de comércio para magos nas histórias de Harry Potter. Mas poucos chegam tão perto disso quanto os becos Old Assembly Close,
Anchor Glose, Old Stamp Office Glose e as muitas outras passagens estreitas da parte antiga de Edimburgo.
Quando Jessica estava dormindo profundamente, Joanne ia para o Nicolson's, onde tinha que lutar para subir os 20 degraus até o primeiro andar, e tentava encontrar uma mesa num canto tranqüilo para trabalhar em suas anotações de Harry Potter. O bar tinha uma atmosfera alegre e meio juvenil, com uma seleção de reproduções de Matisse nas paredes e janelas e iluminação em estilo art déco que o distinguiam. O ideal era que Jessica ficasse dormindo enquanto Joanne trabalhava. Pelo menos no Nicolson's ela se sentia viva. Uma tarde por semana uma amiga levava Jessica por algumas horas e Joanne conseguia ter uma folga, ler um romance - ela gostava de Nabokov e de Roddy Doyle - ou trabalhar nas regras do quadribol.
Roger Moore, que com seus longos cabelos escuros parecia mais um cavaleiro do que um dono de restaurante, nunca contou que eram aparentados, preferindo criar a ilusão de que a cunhada era apenas mais uma freguesa do Nicolson's: "Todos sabíamos que ela estava escrevendo um livro. Com muita freqüência ela vinha, várias vezes por semana, e sentava, durante horas, tomando café. Quando você tem um freguês que vem e fica durante um longo tempo, ele logo se torna conhecido da equipe e todos ficam sabendo qual é a dele, por que está ali. Acho que ela conheceu bem uma parte da equipe." Seu sócio, Dougal McBride, lembrou que Joanne escrevia tudo a mão: "era caneta e papel, rabiscando, relendo, refazendo tudo de novo". Outro membro da equipe recordou que "a garotinha dor mia todo o tempo enquanto sua mãe escrevia".
Esse tempo no Nicolson's tornou-se uma espécie de lenda, como a que ela escrevia com uma das mãos enquanto embalava Jessica com a outra, para fazê-la dormir, e que ela preferia trabalhar em seu livro lá porque não tinha dinheiro para pagar o aquecimento em seu apartamento em South Lorne Place. Mais tarde ela viria a revelar que essas histórias eram em parte verdade, em parte imaginação: "É verdade que eu escrevia em cafés com minha filha dormindo ao meu lado. Pode soar muito romântico, mas claro que não é nada romântico
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quando você está passando por isso. O exagero vem quan do eles dizem 'bem, o apartamento dela não tinha aquecimento'. Eu não estava lá pelo calor. Estava realmente em busca de uni bom café e de não ter que interromper o fluxo das idéias para me levantar e fazer mais café para mim mesma." O mais importante é que o Nicolson's e outros lugares que ela descobriu, como o Elephant Café, na Ponte George IV, tiravam Joanne de seu apartamento escassamente mobiliado, deixando seus Dementadores para trás.
Por volta do final de 1994 Joanne arranjou um pequeno emprego como secretária, o que lhe proporcionou um acréscimo de 15 libras (R$ 70,00) por semana. Ela descobriu que esse era o máximo que lhe seria permitido ganhar antes que o Estado começasse a deduzir a quantia equivalente de seu benefício. Pelo menos o dinheiro fez alguma diferença, no mínimo para comprar fraldas para Jessica. Ela queria trabalhar mais e pediu ajuda ao agente de saúde que a visitava para encontrar uma creche onde pudesse deixar Jessica uma tarde por semana. Disseram a ela que somente crianças que estivessem em situação de risco podiam obter vagas nesses lugares e que Jessica era "muito bem-cuidada". Uma vez mais ela se viu apanhada em uma armadilha paradoxal: precisava de um emprego para poder pro porcionar uma creche particular, mas não podia conseguir um emprego enquanto não conseguisse uma creche.
Nesse meio tempo, a cada semana ela ainda tinha que encarar a agência de correio aonde ia receber seu cheque de benefício. Ela nunca esqueceu a vergonha que a sociedade infligia a ela e a outros por terem que entregar uma caderneta de benefícios por cima do balcão na frente de outras pessoas. "Não sei o que todas aquelas velho tas atrás de mim diriam se vissem minha caderneta - 'san guessuga', 'vagabunda', 'parasita da sociedade', coisas assim." Não é de surpreender que acrescentasse que "foi mais ou menos nesse ponto que a maior parte do meu amor-próprio tinha sido es magada". Mas ainda tinha amor-próprio o suficiente para renovar seu interdito provisório contra Jorge em 23 de novembro de 1994.
Joanne descobriu que sua experiência de magistério em Portugal
Capítuk Sete A armadilha da pobreza
ão seria suficiente pata iniciar uma carreira em educação na Escócia. precisava de um certificado de pós-graduação em educação para conSegui1 o registro no General Teaching Council na Escócia, que lhe permitiria dar aulas em escolas escocesas. Ela candidatou-se a fazer o curso de línguas modernas em Maray House, no centro da cidade. Ela estava entre os 120 candidatos convocados pata uma entrevista extremamente difícil e cansativa, que durava um dia inteiro e que reduziria o número de candidatos a um quarto do número inicial.
O dia consistia em um trabalho em grupo, um trabalho escrito, uma aula de demonstração e unia entrevista conduzida na língua estrangeira escolhida como tema central do candidato. Joanne escolheu o francês, embora ela pudesse recorrer ainda ao português e alemão. A entrevista, no final de janeiro de 1995, era para uma vaga no curso de um ano que se iniciaria em agosto seguinte. Para seu grande prazer, ela foi aceita. Aquela era sua primeira grande realização desde que voltara de Portugal. Ainda tinha que conseguir uma creche e uma subvenção, mas, aos 29 anos, enfim estava fazendo progressos. Uma das expressões de sabedoria prediletas de Joanne é o lema budista de que "A vida é sofrimento". Proclama que todos temos que sofrer para crescer. Espiritualmeflte nessa época, Joanne já devia ter uns três metros de altura.
No verão de 1995, Joanne foi capaz de largar os benefícios da Previdência para sempre. Um amigo cujo nome ela nunca revelou lhe deu ajuda financeira para a creche, de modo que ela pudesse outra vez tornar-se uma estudante em tempo integral, e ela também recebeu uma subvenção do Departamento Escocês para a Educação e Indústria. Ainda havia uma última coisa a finalizar antes que pudesse embarcar no estágio seguinte de sua vida. Em 26 de junho de 1995 seu interdito contra Jorge tornou permanente. No mesmo dia, 26 de junho de 1995, seu divórcio finalmente saiu. Ela não era mais a Sra. Jorge Arantes.
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UM POUCO DE AJUDA
" Você nunca vai ganhar dinheiro com livros para crianças, Jo."
Bryony Evens abriu o malote do correio nos escritórios da 1 Literária Christopher Little, em Walham Grove, Fuilham. Era uma manhã gelada de fevereiro. Formada em Inglês, Br-yony era estagiária no escritório da agência e sentia-se muito feliz de conseguir o emprego e entrar no ramo editorial, ainda que não gaLnhasse nada. Dezoito meses após ter entrado no escritório, Br--yony tinha sido promovida a gerente e assistente pessoal de CHiristopher. Mas continuava com a obrigação de abrir a corres po ondência pela manhã.
Felizmente, para Joanne Rowling, Bryony adorava ler, espe ciaitimente clássicos da literatura infantil. Achava que O Cavalinho Br era um livro fabuloso e era fã de O Senhor dos Anéis, além de oultros livros de aventuras e de histórias passadas em internatos. Se Jo pudesse ter escolhido alguém para dar uma olhada em Harry P0Ttter, não poderia ter escolhido ninguém melhor do que Bryony, qu aos vinte e cinco anos, tinha a mesma idade de Joanne quando ela i criou o menino-mago.
A maioria dos originais apresentados teria ido direto para a cesta de "rejeitados", e foi exatamente este o destino inicial de Harry Pontter. Não porque Bryony não se interessasse pelo manuscrito, mas Ha Potter e a Pedra Filosofal era evidentemente um livro infantil e a algência não lidava com esse gênero. Christopher não achava que lite infantil desse dinheiro. "Não adiantava mostrar alguma
coisa ao Chris se não íamos mesmo trabalhar com o livro", explica Bryony. "Eu sempre separava tudo o que recebíamos em dois montes, aquilo com que trabalhávamos e aquilo com que não tra balhávamos, como literatura infantil e poesia, por exemplo." A sorte de Joanne era que Bryony sempre dava uma olhada na cesta do material recusado antes de separar os originais para devolver. Ela prestou atenção em Harry Potter durante o almoço por causa da pasta de plástico preta que Joanne utilizara, bastante diferente.
"Pesquei o livro para dar uma olhada. Havia uma sinopse e três capítulos de amostra, que era o que solicitávamos que os autores mandassem. A primeira coisa que observei foi que havia ilustrações. Havia uma do Harry de pé junto à lareira na casa de Dursley, com o cabelo despenteado e a cicatriz do relâmpago na testa. Comecei a ler o primeiro capítulo e era quase idêntico ao que finalmente foi publicado. A principal coisa que me impressionou e que adorei foi o senso de humor." Bryony terminou o primeiro capítulo e separou o manuscrito para terminar de ler os outros dois mais tarde.
Naquela época a agência empregava uma jovem leitora freelance, Fleur Howle, para examinar manuscritos enviados e para trabalhar com os autores de que eles tinham gostado a fim de garantir que tivessem um padrão suficientemente elevado para submetê-los aos editores. Fleur entrou no escritório naquela tarde e Bryony passou- lhe o manuscrito de Joanne, dizendo que parecia realmente bom. Fleur leu tudo e, como Bryony, ficou impressionada. Bryony lembra ter lido o primeiro capítulo, enquanto Fleur começou pelo segundo e o terceiro. No final do dia, Bryony os leu também e disse a Chris:
"Podemos pegar esse livro?" Chris disse que fizéssemos o que achás semos melhor, e foi isso.
Christopher Little é um homem de sessenta e poucos anos em quem o adjetivo "sociável" cabe como uma luva: charmoso, vestido com elegância, geralmente com um terno listrado. Mas Christopher é, acima de tudo, um homem de negócios com olhar aguçado para explorar ao máximo o potencial de cada projeto. Depois de passar algum tempo trabalhando para as fábricas de lã de Yorkshire, ele
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passou muitos anos no ramo de transportes marítimos, em Hong Kong. Quando esse ramo começou a andar mal, no final dos anos 70, voltou para a Inglaterra, onde abriu uma pequena agência de recrutamento em Londres, chamada City Boys, além de uma pe quena agência literária. Tocou os dois negócios simultaneamente durante dez anos, mais ou menos, até concentrar-se exclusivamente no lado literário.
Por volta de 1996 seu sócio era o respeitado agente literário Patrick Walsh, que havia passado os quatro anos anteriores cons truindo uma sólida lista de clientes. Os dois tinham personalidades muito diferentes, mas funcionaram bem juntos, provavelmente por serem opostos. Bryony explica que "Chris era, antes de mais nada, um homem de negócios, enquanto Patrick era, acima de tudo, um agente literário. Mas os dois trabalhavam bem juntos porque podiam discutir sobre o trabalho e um dava idéias para o outro. Patrick tocava de seu jeito as coisas na parte literária, enquanto Chris controlava o marketing. Patrick era muito desorganizado, enquanto Chris, todo arrumadinho. Chris se envolvia muito com a parte promocional das coisas. Sabia, por exemplo, como lidar com estrelas do esporte que queriam escrever um livro, porque ele via as oportunidades de mídia, conseguindo publicidade para um assunto através de outro. Sua abordagem era mais uma visão de negócios do que literária"
Joanne tinha achado essa agência no Writers' c Artists' Yearbook (Anuário de escritores e artistas), na Biblioteca Central de Edimburgo, e gostara do nome. Era o segundo agente de Londres que tentava. O primeiro mandou de volta uma breve comunicação de recusa e deixou Joanne aborrecida por não ter devolvido a pasta preta especial na qual ela tinha mandado seu trabalho. Bryony escreveu para Joanne em nome de Christopher, pedindo-lhe o restante do manuscrito. Embora não fosse um assunto prioritário para a agência, Joanne viu a coisa de forma bem diferente. Ficou dançando em volta da mesa da cozinha. "Achei que era um bilhete de recusa, mas dentro havia uma carta dizendo 'Obrigado. Gostaría
mos de receber o restante de seu livro, com exclusividade'. Foi a melhor carta que recebi na minha vida. Eu a li oito vezes", disse. O restante de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi parar no escritório de Walham Grove em menos de uma semana, por medo que Christopher Little pudesse mudar de idéia. Joanne não sabia que neste estágio Christopher Little ainda não tinha lido nenhuma palavra do trabalho.
Mas logo isso mudaria. Primeiro foi Bryony quem leu o livro inteiro em velocidade recorde. "Li muito rápido, porque era bom mesmo. Não dava para interromper a leitura. Entreguei-o a Chris dizendo o quanto estava entusiasmada. Ele levou o livro e leu-o todo na mesma noite. Ele costumava fazer uma leitura dinâmica, mas sempre fez questão de ler o material de seus autores."
"Discutimos o assunto na manhã seguinte e Chris estava entu siasmado. Havia apenas três ou quatro coisas sobre as quais que ríamos que Jo pensasse. Lembro-me de que eu queria que ela de senvolvesse mais um pouco o Neville Longbottom. Eu achava que era um personagem encantador. E Chris ficou apaixonado pelo jogo de quadribol, achando que deveria ter maior destaque. Sua visão era que o jogo não interessaria aos meninos se as regras não estivessem bem claras. Na realidade ela já tinha escrito essas regras, de modo que simplesmente respondeu 'tudo bem' e as incluiu. Jo também inseriu uma ilustração de uma partida de quadribol, apenas uma folha de papel com os magos montados em cabos de vassouras, interagindo."
Depois de três cartas, Bryony, que cuidou de toda a comunicação editorial com Joanne, ficou satisfeita. Mostrou o manuscrito a Patrick Walsh, que ficou tão impressionado quanto Christopher Little. Neste ponto o manuscrito estava bem se melhante à versão final do livro. Muito minucioso quanto à parte contratual, Christopher despachou um contrato da agência oferecendo-se para representar Joanne. Eles ficariam com 15% do faturamento bruto do mercado interno do Reino Unido e 20% sobre filmes, sobre o mercado dos Estados Unidos e traduções. Era
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um contrato seguro e padrão, que amarrava Joanne à agência por cinco anos e depois seria renovado anualmente, com aviso prévio de três meses em caso de rescisão.
O primeiro parágrafo do contrato declara que "o escritor designa o agente seu único e exclusivo representante em todas as esferas literárias abrangidas pelo autor, incluindo romances, contos, peças de teatro, poemas, roteiros de filmes, roteiros para televisão, letras de músicas e material promocional, bem como na exploração dos chamados 'direitos de merchandising' derivados dessas atividades". Nos primeiros meses de 1996, ninguém sabia até onde o merchandising de Harry Potter chegaria.
Christopher Little, sempre meticuloso, incluiu uma carta cha mando a atenção para a cláusula que declara que o escritor, por recomendação do agente, deveria buscar aconselhamento legal in dependente sobre o conteúdo do contrato para que pudesse com preender inteiramente os termos e as condições do documento.
Joanne ficou muito entusiasmada porque um agente de verdade estava interessado em seu livro. Rubricou cada página do contrato, conforme solicitado na carta, e devolveu uma das cópias ao agente. O final bem-educado de Christopher Little, de que "esperava sin ceramente que fosse estabelecido um relacionamento comercial lon go e bem-sucedido", não passava de cortesia. Na agência ninguém tinha a mínima idéia de quão mal estava a situação financeira de Joanne. Mesmo as despesas de correio representavam um peso adicional. E ela tinha que datilografar novamente páginas inteiras para não ter que gastar dinheiro com fotocópias. Era a cliente mais pobre que Christopher Little já tivera.
Havia chegado a hora de mandar Harry Potter e a Pedra Filosofal para um editor. Esta parte ficava a cargo de Bryony. Christopher lhe havia dito para não gastar muito dinheiro em fotocópias - fica caro copiar dez vezes um original de 200 páginas. Bryony preparou três versões, acrescentou um novo frontispício e carimbou em cada uma delas "Agência Literária Christopher Little". Na linha que indicava o nome do autor, lia-se: "por Joanne Rowling".
Uni pouco de ajuda
Agora, tudo o que Bryony podia fazer era sentar-se e cruzar os dedos. A editora Penguin foi a primeira a recusar. Na Transworld, a pessoa que normalmente teria lido estava afastada por motivo de doença, de modo que o original iria ficar numa pilha sem ser lido até que Bryony o pedisse de volta a fim de enviá-lo para outro lugar. Ao todo cerca de uma dúzia de editoras descartaram a oportunidade de publicar J. K. Rowling, até que um original foi enviado aos es critórios da Bloomsbury em Soho Square. A editora fora fundada em 1986, sob a direção de Nigel Newton, e seu maior sucesso até então tinha sido O Paciente Inglês, de Michael Ondaatje, que ganhou o Prêmio Booker de 1992 e deu origem ao filme. A Bloomsbury abrira recentemente uma divisão de livros infantis, coordenada por Barry Cunningham, que passara do marketing para a editoria e, como Christopher Little, tinha um bom faro para o potencial comercial de um projeto.
A ambição de Barry era publicar livros "que despertassem reações nas crianças", e foi o que ele encontrou em A Pedra Filosofal. "Foi emocionante. O que me impressionou logo de cara foi que o livro vinha com um mundo imaginário completo. Percebia-se que Jo conhecia seus personagens e sabia o que iria lhes acontecer. Mas era longo demais para um livro infantil naquela época."
Havia apenas quatro pessoas na divisão de livros infantis da Bloomsbury: Barry, Eleanor Bagenal, Janet Hogarth e a publicitária Rosamund de la Hey. Todas foram responsáveis pelo sucesso de Harry Potter. Barry se lembra como foi dificil fazer com que os livros de sua divisão fossem notados dentro da firma. Foi Rosamund quem teve a idéia de anexar um tubo de chocolate Smarties ao original, quando este foi enviado a outros editores da Bloomsbury.
O Smarties patrocina um dos principais prêmios literários para livros infantis da Inglaterra. Tem a peculiaridade de ser votado, em parte, pelas próprias crianças, e dessa forma reflete com mais exatidão aquilo que elas realmente estão lendo. No futuro, o Triplo Prernio de Ouro Smarties iria representar papel importante para valorizar altamente Harry Potter.
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Finalmente, após cerca de um mês, Barry fez uma oferta de 1.500 libras, cerca de R$ 7.000,00. Bryony se lembra de ter telefonado para a Harper-Collins, à qual uma das cópias de avaliação fora enviada, e de lhes dizer que a Bloomsbury estava interessada. Bryony perguntou se eles queriam fazer uma contraproposta. Responderam que tinham gostado do livro, mas, como não iam ter tempo para fazer uma proposta, disseram que aceitássemos a que já tínhamos. Christopher examinou pessoalmente os pontos mais sutis do contrato e aconselhou Joanne a aceitar a oferta.
Um dos envolvidos se lembra de que a Joanne não podia ter ficado mais feliz ou mais agradecida diante da oferta. E, assim, a Bloomsbury garantiu para si mesma o maior fenômeno da literatura moderna pelo equivalente a R$ 7.000,00. Para Joanne era uma pequena fortuna - cerca de 1.910 dólares (R$ 6.000,00) após a dedução da comissão do agente. O dinheiro foi pago em duas parcelas, uma na hora, a outra na publicação do livro, programada para junho do ano seguinte (1997).
A Bloomsbury pediu que Joanne viesse a Londres e fosse apre sentada a todos em um almoço. Joanne resolveu fazer a viagem de ida e volta de Edimburgo num só dia, por causa de Jessica. Isso significava que ela iria ficar sentada num trem durante dez horas, mas também lhe daria a chance de trabalhar no segundo livro. Naturalmente ela estava nervosa quanto aos primeiros passos no mundo dos negócios literários. Ela ainda não conhecia pessoal- mente Christopher Little nem Barry Cunningham. Um dos exe cutivos lembra que ela estava incrivelmente nervosa. Joanne nunca conseguiu largar sua "dieta" de quando era estudante, composta basicamente de cigarros e cafeína, o que não é exatamente bom para os nervos.
Barry Cunningham achou que foi um ótimo almoço. "Embora fosse tímida em relação a si mesma, Joanne me pareceu muito segura e decidida quanto ao livro, O mais importante de tudo é que realmente acreditava que as crianças iriam gostar do Harry. Eu sabia que ela tinha passado por um período difícil depois de voltar de
ii O Um pouco de ajuda
Portugal, e fiquei muito impressionado com sua dedicação à história. Ela tinha uma enorme compreensão sobre essa fase de crescimento das crianças." No final do almoço, Barry apertou a mão de sua mais nova autora e disse-lhe: "Você nunca vai ganhar di nheiro escrevendo livros infantis, Jo." Essa observação acabou sendo uma das histórias preferidas de Joanne.
Ao final de um longo dia, a futura multimilionária, exausta, começou a viagem de volta para casa. A única coisa que lamentava era não ter conhecido pessoalmente Bryony, que ficara tomando conta do escritório. Por causa disso, Joanne não conseguiu agradecer à mulher que tinha feito um esforço tão grande a seu favor e que acabaria saindo da agência sem nunca tê-la encontrado. Bryony sim plesmente havia acabado de se mudar, começou um novo re lacionamento e decidiu que queria ganhar mais dinheiro. Ela iria trabalhar em uma imobiliária durante três anos, antes de entrar para a editora Michael O'Mara Books.
Tendo se falado apenas por telefone, Joanne e Bryony iriam se conhecer em outubro de 1998, no Festival Literário de Cheltenham, pouco tempo depois da publicação de Harry Potter e a Câmara Secreta. Bryony foi com sua tia e levou duas crianças "emprestadas" para que pudessem estar na platéia de uma sessão de perguntas e respostas com J. K. Rowling. Ela se lembra bem desse dia: "Estávamos sentadas no corredor do lado de fora da sala e eram 10 horas mais ou menos quando uma mulher passou, usando saltos bem altos. Estava muito elegante. Eu não disse nada, mas fiquei pensando se seria Joanne. Então todos entramos na sala, as crianças se sentaram no chão com as pernas cruzadas e seus livros debaixo do braço, e os adultos se sentaram em cadeiras atrás. Joanne entrou, leu um trecho e depois respondeu às perguntas. Fiquei surpresa ao ver como as crianças faziam perguntas inteligentes e obviamente eram grandes fãs dos livros. Sabiam tudo a respeito e se interessaram especialmente pelos nomes.
"Eu levantei a mão para fazer uma pergunta e ela disse 'que bom, alguns adultos estão querendo falar!'. Perguntei sobre os direitos de
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filmagem: 'Li que você aceitou fazer um contrato por um preço mais baixo porque queria ter algum controle sobre o filme. Você está satisfeita com o negócio que fez?' Ela disse que sim e acrescentou:
'Espero conseguir convencer o Robbie Coltrane a representar o papel de Hagrid, mas infelizmente um dos jornais disse que o Hagrid era um tremendo monstro e isso talvez faça com que o Robbie desista.' Eu disse que a jornalista que escreveu o artigo evidentemente não tinha lido o livro e ela gostou de ouvir isso.
"Mais tarde houve uma sessão de autógrafos. Minha tia tinha levado um exemplar da edição para adultos de A Pedra Filosofal, que acabara de ser lançada, e Jo disse-lhe que era a primeira vez que autografava um desses. Mostrei-lhe uma carta que eu tinha escrito sobre o livro e que fora publicada no Evening Standard de Londres. Ela viu o meu nome, levantou-se de um salto e me deu um abraço apertado, na frente de todo mundo, dizendo para todos quem eu era e o que eu tinha feito pelo Harry Potter. Foi muito legal."
Joanne nunca esqueceu o papel que Bryony representou em seu sucesso. Quando encontrou Bryony novamente, no lançamento de O Cálice de Fogo, autografou um exemplar para ela com palavras emocionantes: "Para Bryony - que realmente descobriu Harry Potter... J. K. Rowling."
A HORA E A VEZ DA PROFESSORA JOANNE rOWLING
"Profrssora, você está escrevendo um livro?"
em tudo ainda ia bem para Joanne. A empolgação ao ser
aceita por uma agência literária "de verdade" teve como contraponto um período escolar dificílimo. É no segundo período que os professores em formação passam por algo que o instrutor de Joanne, Richard Easton, descreve como "duras avaliações". Para começar, têm que produzir um vídeo sobre si mesmos, o que os
•ajuda a identificar suas áreas de fragilidade e a aprimorar sua técnica para futuras entrevistas de emprego.
Ele diz que "os estudantes estão sujeitos a muitas pressões no segundo período". "Todo mundo entra em depressão depois do Natal, sem falar nos resfriados. O final do segundo período é uma surra para eles." Isso certamente vale para mães solteiras e autoras iniciantes. Joanne teve que passar várias semanas numa escola preparatória, onde se esperava que as pessoas começassem a "se comportar como pro fessores de verdade". Foi alocada na Escola Secundária Católica Romana de St. David, em Dalkeith, uma cidadezinha cerca de 16 quilômetros a sudeste de Edimburgo. Isso significava um longo dia, e a única vantagem era a localização numa área verde perto do campo de golfe Newbattle e do Bosque Benbucht.
Para Joanne foi uma parada dura. Ela foi avaliada duas vezes por um instrutor chamado Michael Lynch. Na primeira vez, em 19 de fevereiro, recebeu uma nota D, o mínimo aceitável, por seu manejo da classe e pelo planejamento das aulas. O manejo da classe incluía
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a criação de um ambiente de aprendizagem que fosse "objetivo, seguro e metódico", o gerenciamento do comportamento dos alu nos, bem como a manutenção de seu interesse e motivação. As notas completas de Joanne foram: Assunto e Conteúdo do Ensino, D; Comunicação, C; Metodologia, C; Manejo, D; Avaliação, C; A Escola, C; Profissionalismo, BIC. Hermione Granger teria tido um colapso nervoso.
Entretanto, duas observações de Michael Lynch deixavam espaço para um certo otimismo. Ele achou que ela era muito solidária com as necessidades dos alunos e que colaborava bem com os outros professores. Ninguém esperava que ela fosse, de cara, uma pro fessora notável, mas a avaliação tinha sido uma advertência de que precisava melhorar se quisesse ir bem no curso. E teve o efeito desejado. Na avaliação seguinte, oito dias depois, tudo tinha me lhorado. Desta vez ela teve notas B em tudo, menos no conhe cimento da escola, e Michael observou que ela era muito boa em relação a obter ajuda e conhecimento dentro da escola.
Ele também a achou boa no planejamento de um programa coerente de ensino, O tempo que Joanne dedicava a trabalhar cui dadosamente seu programa do dia seguinte, enquanto Jessica estava dormindo, à noite, estava dando bom resultado. Ele mencionou em particular as idéias interessantes e originais de Joanne, e uma vez mais chamou atenção para sua compreensão, cheia de solidariedade, das necessidades dos alunos. A escola também achou que Joanne tinha melhorado consideravelmente no curto período que estivera com eles, especialmente no que se refere à apre sentação. Essa avaliação reconhecia sua paciência e sua com preensão, ao mesmo tempo que esperava um padrão determinado de comportamento - ecos das características de sua respeitada pro fessora de inglês Lucy Shepherd, e de Anne, sua mãe. As qualidades que Joanne mostrava como professora eram evidentemente as mesmas que podem ser encontradas em sua escrita: planejamento cuidadoso, compreensão das crianças e daquilo de que elas gostam, além de muita imaginação.
O trimestre do verão ainda não tinha chegado, mas, se Joanne conseguisse manter esse nível de progresso, sua carreira de professora parecia tão promissora quanto suas ambições como escritora. Desta vez foi alocada durante seis semanas em um local mais conveniente, na Academia de Leith, a cerca de 500 metros de sua casa. Aberta em 1991, a Academia é um prédio surpreendente de arquitetura moderna. É como uma gigantesca estufa de plantas, cheia de passagens labirínticas, cercadas de fileiras de samambaias e palmeiras exóticas - um tremendo avanço em relação às carteiras de madeira, tinteiros e quadros-negros das escolas tradicionais. O mais importante de tudo, para Joanne, era que tinha uma creche para os filhos dos funcionários e dos alunos mais velhos.
Como professora em formação, Joanne se sentiu totalmente à vontade na Academia Leith. Go dos alunos e dos professores. Sua supervisora Eliane Whitelaw ficou impressionada: "ela ficou com algumas das minhas turmas e foi muito bem. Era muito organizada e profissional, mas também tinha um excelente relacionamento com os garotos".
Joanne era meticulosa na preparação das aulas. Tinha turmas dos 12 aos 18 anos e não tinha medo de colocar suas próprias idéias nas aulas. Joanne nunca diria "Por favor, abram seus livros na página 343". Para uma das aulas, ela inventou um engenhoso jogo de cartas que, embora não pudesse ser comparado com o jogo de quadribol, revelava seu potencial como professora. Ela mesma desenhava todas as ilustrações. Era um jogo de cartas do qual participavam dois ou três alunos de cada vez. As cartas, todas elas ilustradas, são divididas em dois montes. O aluno da vez compra uma carta de cada monte e tem que formar uma frase que inclua os dois objetos estampados nas cartas. Todo o jogo é conduzido em francês e, se o aluno conseguir formar uma frase, fica com as cartas. Se não, as cartas são devolvidas para debaixo do monte. Então é a vez do seguinte.
No modelo do jogo de Joanne, o jogador A diz "Qu't'st-ce qu'on t'a offert?" ("O que foi que te deram?") ao jogador B, que é quem está comprando. Então o jogador B compra uma figura de um
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suéter num dos montes e a de uma avó no outro, e diz 'Ma grand'nère m'a oj unpull"("Mjnha avó me deu um suéter"), que é uma boa resposta e ele pode ficar com as cartas. Pergunta então ao jogador C "Qu'est-ce qu'on t'a o o jogo continua até que todas as cartas tenham saído. As crianças do Leith reagiram bem aos métodos de Joanne, muito mais divertidos do que ficar sentados numa roda perguntando "Queile heure est-il?" ("Que horas são?").
Joanne também incorporava mapas e diagramas, jogos de palavras cruzadas, artigos de revistas tirados da Elie e suas próprias ilustrações. Uma das tarefas dos alunos consistia em escrever uma carta de agradecimento a um primo chamado François que mandou um presente de Natal. Os alunos podiam determinar qual era o presente, mas Joanne sugeria algumas das coisas que eles poderiam escrever na carta: / la couleur" ("gostei da cor"), ' ("maravilhoso"), ' ("divertido"), "je l ("adorei"). As aulas de Joanne eram muito amusantes (divertidas). Richard Easton se lembra de que "Joanne era muito criativa. Acho que esta é a qualidade mais importante que um professor pode ter. Algumas pessoas ensinam a partir do livro e é só, enquanto alguém que tem um pouquinho de talento criativo pode aparecer com vários jogos interessantes. Lembro-me dos desenhos de Joanne. Ela usava suas próprias habilidades e as empregava como material didático, É exatamente isso que tentamos estimular nos profes sores em formação".
Eliane Whitelaw, sua supervisora, deu a Joanne sete notas A e disse que seu trabalho tinha "um nível excepcionalmente elevado". Ela elogiou especialmente a capacidade de Joanne de ajudar os alunos com potenciais diferentes. Não havia uma fileira de alunos burros na sala de Joanne. Eliane achou que ela criava um bom am biente de trabalho na sala de aula e, principalmente, ajudava os alunos a criarem sua própria autoconfiança e independência. Como professora, Joanne Rowling é a antítese do professor Snape, de Hogwarts, que ataca e ridiculariza seus alunos, especialmente o pobre Nevilie Longbottom.
Richard Easton visitou a escola e, em sua avaliação final de Joanne antes da graduação, destacou seu planejamento, suas ha bilidades de comunicação e o nível de interesse dos alunos. Fez tam bém uma observação que, com certa freqüência, tem sido feita sobre ela no mundo editorial: que tem um nível elevado de profis sionalismo. "De certa forma não passa de mito a idéia de que ela não perdia tempo preparando as aulas", explica ele. "Talvez não passasse tanto tempo quanto os outros professores preparando suas aulas, mas creio que era porque estava empregando seu tempo da maneira mais produtiva possível." Em apenas cinco meses Joanne progrediu de notas D para A.
Joanne se graduou como professora em julho de 1996. Para comemorar, reuniu seus colegas e instrutores para uma folga na praia de Seacliff. Eles aproveitaram o dia lindo, nadando e fazendo piquenique. Para Joanne, um dia à beira-mar era uma raridade, especialmente um dia sem Jessica.
No final desse difícil ano acadêmico, Joanne tinha virado sua vida pelo avesso. Em breve seria uma autora publicada, um sonho que se tornava realidade, mesmo que não ganhasse dinheiro com isso. E ela agora tinha um diploma de pós-graduação em Educação e um registro provisório no Conselho Geral de Ensino, de modo que podia registrar-se como professora substituta em Edimburgo e esperar uma oportunidade para ser efetivada. Tinha começado a escrever a segunda parte da saga de Harry Potter, usando a sala de computador da escola para digitar suas notas para o livro que viria a ser Harry Potter e a Câmara Secreta. Era melhor do que ficar tra balhando em planos de aulas.
Joanne esperava ganhar a vida como professora. Contudo, poucas coisas são tão estimulantes quanto esperar para ver pela primeira vez um livro seu à venda numa livraria. "A alegria mais pura, mais perfeita, foi quando finalmente me dei conta de que ia ser um livro, um livro de verdade, que seria visto nas prateleiras das livrarias", lembra Joanne. Mas ainda faltava um ano até que esse momento chegasse e ela precisava de dinheiro para sustentar Jessica, espe
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cialmente agora que não estava mais recebendo beneficio do governo. Substituir professores que se afastam por motivo de doença ou que estavam prestando serviço fora não era um trabalho bem pago, mas era melhor do que os tempos em que ela ficava sentada à toa no apartamento. Jessica tinha agora três anos e Joanne ainda não estava preocupada com a escola primária.
Ela teve a sorte de conseguir uma vaga na Academia de Leith. Era a escola mais próxima de sua casa e ela fizera boa amizade com Eliane Whitelaw. Embora fosse uma professora qualificada e experiente, Eliane na verdade tinha um ou dois anos a menos do que ela. As duas se encontravam para tomar um café fora do horário da escola e Eliane ajudava Joanne a preparar suas aulas. A Academia de Leith tinha estabelecido um conjunto de valores para a equipe - bem como para os alunos e seus pais - que estaria bem de acordo com o espírito de Hogwarts: "Sucesso na aprendizagem para todos; respeito mútuo e interesse pelos outros; necessidades individuais e desenvolvimento; honestidade e eqüidade em nossas ações."
Uma tarde, em Leith, uma menina apareceu na aula de Joanne sem trazer papel nem caneta. Rowling disse a ela que pegasse algo em sua mesa de professora. Mais tarde, ela contou ao jornal Guardian que "a menina estava demorando demais perto da mesa, então eu me virei para ela e disse: 'Maggie, quer voltar para o seu lugar?'". M descobrira o segredo de Joanne no meio dos papéis que estavam na mesa e perguntou: "Professora, você está escrevendo um livro?" "É só úm hobby", resmungou a professora Rowling, encabulada.
Richard Easton lembra-se de ter esbarrado com ela na rua, no centro de Edimburgo, e de ter lhe perguntado como estava pas sando. Ela respondeu que escrevera um livro no bar de seu cunhado e que o livro tinha sido aceito para publicação. Isso foi muito tempo antes que a mídia se interessasse em conhecer aquele bar ou a famosá autora freguesa da casa. Aliás, essa cena lembrada por Richard desmente a teoria, levantada por alguns, de que os editores de Joanne inventaram a história do bar como estratégia de marketing.
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Joanne precisava arranjar dinheiro. Estava ocupada escrevendo J-Iarry Potter e a Câmara Secreta, e Christopher Little a estimulava. Mas ela e Jessica não podiam viver de brisa. A edição do livro tinha sido indolor. Bryony Evens lembra-se como ficou impressionada, quando o livro foi publicado, ao ver como ele tinha sido pouco editado. Barry Cunningham diz que eles apenas "apararam algumas arestas" do original. Por exemplo, o famoso parágrafo de abertura ficou exatamente como Bryony se lembra de tê-lo lido pela primeira vez. A maior mudança tinha sido que Joanne Rowling agora era
J. K. Rowling. Era uma estratégia de Christopher Little. Ele consultara as pessoas envolvidas na publicação de livros infantis, que lhe disseram que enquanto as meninas liam livros escritos por homens, os meninos não leriam um livro escrito por uma mulher. Ele disse a Joanne que era preciso escolher algumas iniciais e depois colocar o sobrenome. J. Rowling não parecia forte o suficiente. J. R. Rowling soava como um personagem do seriado de TV americano
Dailas. J. R. R. Rowling lembrava muito J. R. R. Tolkien, autor de O Senhor dos Anéis, de modo que, depois de pensar um pouco, chegaram a J. K. Era sonoro e Joanne gostou da idéia de acrescentar o nome de sua avó Kathleen ao seu próprio, O único problema era que ia ter que sentar-se à mesa para treinar sua nova assinatura. Toda sua vida ela assinou Joanne Rowling, ou simplesmente J. Rowling. Agora teria que dominar o J. K. Rowling. Mal sabia ela quantas vezes ainda iria assinar esse nome.
Joanne descobriu, completamente por acaso, que o Conselho Escocês de Artes mantinha um sistema de bolsas para ajudar autores. As condições para que alguém fosse escolhido eram que vivesse na Escócia e que fosse um autor já publicado. Estritamente falando, Joanne só preenchia a primeira condição, mas teve a sorte de contar com a solidariedade de Jenny Brown, diretora literária do Conselho. Jenny disse ter decidido que Joanne podia ser escolhida porque já tinha o contrato da Bloomsbury. Ela queria usar esse dinheiro para ajudá-la enquanto escrevia o segundo livro de Harry Potter.
Estimulada por Barry Cunningham, seu editor, Joanne submeteu
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uma proposta descrevendo o que estava fazendo e explicando por que precisava do dinheiro, pedindo ao Conselho que levasse em conta as despesas que tinha com sua filha e o fato de que não possuía, naquele momento, um posto fixo como professora. Jenny pediu a Joanne que viesse a uma entrevista preparatória em seu escritório. Joanne contou a Jenny que pretendia escrever uma série de sete livros. Já tinha 40 páginas de A Pedra Filosofal com ela, e Jenny ainda se orgulha de ter sido uma das primeiras pessoas a ver uma parte do livro. Ficou suficientemente impressionada para indicar Joanne como um dos 40 candidatos às dez bolsas anuais.
Uma comissão especial, que não precisava entrevistar Joanne, examinou sua candidatura. A próxima notícia que recebeu foi uma carta que chegou informando que tinham concedido a ela a bolsa mais alta possível, de 8.000 libras (R$ 36.000,00) anuais. Era uma indicação inicial e estimulante de como seu trabalho seria bem recebido. Era também a maior quantia em dinheiro que Joanne já recebera de uma vez só em toda a sua vida. Joanne nunca esqueceu o apoio que Jenny e sua equipe lhe deram, e prontamente concordou em comparecer ao lançamento que o Conselho organizou para a versão impressa em braille de Harry Potter e a Pedra FilosofaL Depois disso ela veio a ganhar dois prêmios para livros do Conselho Escocês de Artes, e em 2001 devolveu o prêmio de 1.000 libras (R$4.500,00) como doação para ajudar a patrocinar novos autores. A bolsa foi outro exemplo de como as coisas na vida de Joanne estavam começando a dar certo. É um programa fantástico e, ao contrário das bolsas para estudantes, não é necessário retornar o dinheiro, nem mesmo para aqueles que vendem 100 milhões de cópias de seus livros.
Cada passo dado por Joanne nessa época seguia na direção de sua ambição de se tonar uma escritora em tempo integral. Uma de suas primeiras aparições como autora foi como convidada de uma apresentação da Bloomsbury no Café Royal em Edimburgo, onde os editores apresentam a nova safra de escritores a pessoas importantes do meio literário na Escócia. Uma cópia dos manuscritos já tinha sido
enviada a pessoas-chave incluindo Lindsey Fraser, diretora-executiva do Scottish Book Trust, uma organização que promove a leitura. O objetivo do Trust é recomendar livros de que as pessoas, especialmente as crianças, possam gostar. No disputado mundo das publicações, uma recomendação dessas seria a glória para um autor inédito. A especialidade de Lindsey era exatamente livros infantis, de modo que ela seria um bom termômetro para avaliar como um novo título seria recebido. Ela comenta: 'Achei-o original, espirituoso, ambicioso e sólido. Mas nunca poderia imaginar o que de fato iria ocorrer."
A primeira compra que Joanne fez com sua bolsa de 8.000 libras foi um computador, o que acabaria com o sofrimento de bater e voltar a bater na velha máquina de escrever de segunda mão. Não iria, contudo, acabar com a parte de escrever coisas a mão num canto do Nicolson's ou de algum outro bar de Edimburgo. Uma das coisas que as pessoas em geral não percebem em relação à série de Harry Potter é que Joanne está escrevendo todos os livros ao mesmo tempo, sob a forma de notas. Ela planeja histórias para todos os seus personagens. Histórias que podem nem ser usadas nos livros, mas são arquivadas usando seu sistema infalível: caixas de sapatos. Bryony Even explica que "ela tem que guardar notas sobre tudo para fazer referências cruzadas em algum livro futuro. Por exemplo, no primeiro livro Hagrid entrega o bebê Harry usando uma mo tocicleta que 'o jovem Sirius' lhe emprestara. Mais tarde, no ter ceiro livro, ficamos sabendo quem é Sirius Black e como foi que ele deu a motocicleta para Hagrid, e aí você se lembra de quando leu sobre isto pela primeira vez. Não sei como ela faz para se lembrar de todos os detalhes".
Harry Potter e a Pedra Filosofal foi lançado em 26 de junho de 1997, em edições de capa dura e brochura - haviam se passado sete longos anos desde que, pela primeira vez, Harry Potter surgiu na mente de Joanne, naquela viagem de trem de Manchester para Londres. Finalmente seu sonho se realizara. A edição de capa dura saiu com 500 exemplares. Barry Cunningham se encarregou pes soalmente da ilustração da capa. Ele queria algo encantador e
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atraente, sem ser pretensioso mas engraçado, refletindo o humor de Harry Potter. A ilustração de Thomas Taylor com o menino de óculos fundo de garrafa e a marca do relâmpago na testa, de pé diante de um trem vermelho brilhante com a inscrição "Expresso Hogwarts", talvez seja a capa de livro mais famosa que já existiu.
Joanne ficou tão empolgada que passou o dia inteiro andando por Edimburgo com o livro debaixo do braço. Ela disse a Barry que era como "ter outro filho". Contou também que as primeiras palavras que Jessica falou foram "Harry" e "Potter" e que ela espontanea mente gritava isso nas livrarias de vez em quando. "Eu tinha certeza de que as pessoas achavam que era eu quem mandava."
Não houve qualquer ostentação para acompanhar o lançamento do primeiro livro. A combinação de um autor desconhecido com um enredo que envolvia um internato para magos não era exa tamente algo que deixasse os editores muito animados. Barry tinha um orçamento bem apertado - tão apertado que ele nem foi capaz de fazer uma oferta para os direitos de venda nos Estados Unidos
- e não conseguiu promover o livro neste primeiro momento. Em vez disso, confiou em seus contatos com pessoas que poderiam gostar do livro. Ainda assim, saiu uma resenha estimulante no jornal Scotsman que descrevia o livro como "incontestável evi dência da força de histórias contadas de forma inovadora e vivaz, em contraposição à fórmula atual de histórias de horror e romances perversos".
O Sunday Times também publicou uma resenha favorável e foi importante por ter dito que "se trata de uma história mágica que vai agradar a todos, dos 10 anos aos 99". O público-alvo principal de Harry Potter era a faixa etária dos 9 aos 13 anos, mas Joanne poderia conseguir uma realização especial como autora de livros infantis caso seu trabalho também pudesse atrair os adultos. O jornal resumia o enredo: "Ainda quando bebê, Harry Potter é dei xado com parentes enfadonhos e malvados para sua própria pro teção. Ele vem do mundo dos magos. Em seu 110 aniversário, os ma gos mandam buscá-lo para treiná-lo e, assim, fazer com que cum
pra o seu destino. Esta é uma história cheia de surpresas e piadas." Três dias depois do lançamento de Harry Potter e a Pedra
Filosofal o destino interveio de maneira totalmente extraordinária e inesperada. Christopher Little ligou de Nova York, explicando que estava havendo um leilão dos direitos do livro para o mercado norte_americano e que parecia promissor. Mais tarde, Joanne lembrou: "Leilão? Pensei em Sotheby's, Christie's, antiquários... O que era aquilo? Então me dei conta de que era o meu livro que estava sendo leiloado." Christopher disse que a manteria informada. Por trás dos panos a figura-chave era Arthur A. Levine, diretor editorial da Scholastic Books. Por coincidência, Janet Hogarth saíra da Bloomsbury e fora trabalhar na Scholastic e fez com que Levine desse uma olhada em A Pedra Fílosofal. Ele leu o livro numa viagem de avião, enquanto ia de Nova York para a Feira do Livro de Bolonha, na Itália, e reconheceu o imenso potencial de vendas no mercado norte Ele não foi o único comprador americano que ficou impressionado com o livro, mas foi o único a oferecer 100.000 dólares (R$ 300.000,00). E contou ao New York Times que foi assustador ficar fazendo ofertas enquanto os lances iam subindo cada vez mais. "Uma coisa é dizer que gostou de um romance escrito por uma mulher desconhecida, lá na Escócia, e que quer publicá-lo. Quando os lances vão subindo, a história muda. Você continua gostando do livro por 50.000 dólares? E por 70.000 dólares?"
Felizmente para Joanne, Levine continuou gostando do livro, mesmo por 100.000 dólares, embora admitisse nunca ter pago tanto por um livro até então e que estava correndo "um risco enorme". Mesmo Christopher Little, calculando seus 20%, estava mais animado do que costumava ficar quando ligou para Joanne para informá-la de que Levine iria pagar US$ 100.000 pelo livro e que lhe telefonaria para dar os parabéns dentro de lO minutos. "Quase morri", disse ela. Levine se lembra que tiveram uma conversa muito agradável: "Eu djsse a ela que não se apavorasse e ela respondeu que agradecia o conselho, mas estava apavorada do mesmo jeito. Disse
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também que já que havíamos colocado todo esse dinheiro no livro, tínhamos que nos concentrar em fazer com que desse certo."
Foi uma virada radical na vida de Joanne. Tempos depois, num artigo que escreveu para o Sunday Times, ela disse que, naquela noite, ficou andando freneticamente pelo apartamento durante horas. Foi deitar-se às duas da madrugada e acordou de manhã bem cedo com o telefone tocando. Ele não parou de tocar durante uma semana. A imprensa sabe reconhecer uma boa história quando aparece, e "mãe solteira sem um tostão recebe 100.000 dólares" era tão boa quanto "ganhador de loteria agora pode pagar uma operação para salvar a vida de uma criança". A vida de Joanne em Edimburgo era perfeita para um departamento de publicidade e merecia ser explorada até o fim.
Os jornais adoraram. O Daily Mau declarou: "Mãe sem dinheiro e recém-divorciada vendeu seu primeiro livro por 100.000 libras." Joanne não estava sem dinheiro, pois tinha recebido a bolsa de 8.000 libras do Conselho Escocês de Artes. Além disso, já estava divorciada há quase dois anos e o livro fora vendido por 100.000 dólares, não por 100.000 libras. Só conseguiram acertar a parte de "ser mãe". A vida de Joanne já estava dentro de um liquidificador que simplificava os acontecimentos-chave de sua vida para depois exagerá-los. Rapidamente os jornais foram informados de que ela escrevja num bar enquanto Jessica dormia e que morava numa espelunca gelada.
Será que o fenômeno Harry Potter teria decolado se a Scholastic tivesse pago pelo livro uma quantia que não desse para virar notícia? Certamente não se gastaria tanto tempo e tanto dinheiro para promovê-lo, caso tivessem pago, digamos, 5.000 dólares, mas, com tanto dinheiro em jogo, era necessário que ele fizesse sucesso. Os 100.000 dólares foram bem empregados? Muitos "especialistas" tinham dúvidas em relação à primeira edição nos Estados Unidos, de 50.000 exemplares, um número alto demais para um primeiro livro. Ele entrou nas listas de mais vendidos em 1350 lugar, mas, exatamente como aconteceu na Inglaterra, a popularidade do me-
fino-mago cresceu rapidamente. No final de 1999, os livros de Harry Potter ocupavam três dos quatro primeiros lugares nas listas de mais vendidos daquele ano. Era o equivalente, no mercado editorial, ao fenômeno dos Beatles.
Christopher Little contou à imprensa que o negócio feito pela Scholastic não tinha precedentes em matéria de livros infantis. Certamente era impressionante.
Duas semanas após a publicação de Harry Potter e a Pedra Filosofal, Joanne entregou os manuscritos do segundo volume das aventuras do jovem mago ao seu editor. Ela achou mais difícil escrever este do que o primeiro, preocupada porque ele podia não ser bem recebido. Chegou a convencer a Bloomsbury a deixá-la pegar os originais de volta por seis semanas, de modo que pudesse dar uma ajeitada no texto. Nessa época, Barry Cunningham não estava mais na Bloomsbury. Seu contrato com a empresa era de três anos, e depois disso ele quis mudar-se para o interior e fundou sua própria empresa, chamada The Chicken House, que publica livros infantis no Reino Unido e nos Estados Unidos. Continua muito orgulhoso de sua contribuição para a história de Harry Potter. Pouco tempo depois de ter saído da Bloomsbury, ele compareceu a um evento especial em uma escola local e viu uma menininha carregando um livro da primeira edição de A Pedra Filosofal. "Fiquei curioso em saber o que ela achava do livro e perguntei. Nunca me esqueci de que ela abraçou o livro e disse baixinho: eu adoro este livro."
Joanne nunca esqueceu a contribuição de Barry e sempre apoiou muito seu novo trabalho.
Enquanto isso, o redemoinho em que sua vida se transformou continuava, e ela encarou sua primeira grande entrevista exclusiva com um jornal de distribuição nacional. A Bloomsbury achou que Nigel Reynolds, o espirituoso crítico de arte do Daily 7 o jornal mais vendido no Reino Unido, podia ser a pessoa para fazer a entrevista. Joanne compareceu aos escritórios do 7èlegraph, em
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Londres. Reynolds gostou dela: "Nós nos divertimos. Lembro-me de ter dito a ela que, ao longo dos próximos meses, outras pessoas lhe fariam diversas vezes essas mesmas perguntas. Ela estava um pouco nervosa e deixou implícito que achava isso dificil, porque eu lhe disse que, se tudo desse certo, em breve ela iria notar que sua vida se tornaria propriedade pública. Ela me pareceu preocupada com isso."
Reynolds e Joanne conversaram sobre a história da própria Joanne que tinha sido distribuída para os jornalistas durante a campanha publicitária da Bloomsbury Ele observa: "O texto dava a impressão de Joanne estar vivendo num pequeno apartamento escuro e que não podia pagar a conta do aquecimento de casa. Ela confirmou tudo o que nos tinham dito. Ela falou sobre o bebê no carrinho e o restante da história que todos conhecemos hoje. Também foi muito reservada quanto a sua vida particular. Por exemplo, ela não disse absolu tamente nada sobre por que deixou Portugal."
Reynolds ficou impressionado com o seu profissionalismo, mes mo nesses primeiros passos hesitantes com a mídia, mas acrescentou que Rowlings chamou sua atenção por não parecer uma pessoa feliz. "Ela não transmitia uma sensação de felicidade. Eu sabia que ela tinha vivido situações difíceis na Escócia, mas a impressão era de que ela carregava o mundo nas costas. Desde então, sempre senti que ela estava cheia das tensões e dores da vida."
Para uma primeira entrevista, esta transcorreu bem, mas Reynolds estava certo: Joanne não gostava de se expor em público. Uma das poucas vezes em que ela e Christopher Little quase bri garam foi quando ele agendou vários compromissos públicos, que ela cancelou assim que ficou sabendo deles. Exatamente dez dias depois da publicação de seu primeiro livro, Joanne era o artigo de destaque da terceira página do 7 um estímulo enorme para uma carreira que estava só começando. O artigo era um protótipo do que seria a versão publicada da vida de Joanne, a lenda de J. K. Rowling: "Ela andava pelas ruas empurrando Jessica em seu carrinho até que adormecesse. Depois, costumava ir para
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um bar levando a filha adormecida, pedia um café, espalhava seus papéis em cima da mesa e escrevia febrilmente até a criança acordar." A idéia "romântica" de uma divorciada sem dinheiro que tirou a sorte grande não faz muita justiça aos tempos difíceis que Joanne atravessou.
Mas o marketing e o falatório funcionaram. A segunda vez que Reynolds escreveu sobre ela foi quase um ano depois, seis dias após a publicação de Harry Potter e a Câmara Secreta. Ele relatou que, pela primeira vez, um livro infantil ocupava o primeiro lugar na lista dos mais vendidos no Reino Unido. Nos dois artigos mencionou que empresas cinematográficas estavam demonstrando interesse em Harry Potter. Mas o passo importante seguinte para Joanne Rowling não era Hollywood, mas o número 19 de Hazelbank Terrace.
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A CAMINHO
' de ter ficado impressionado com a naturalidade com que ela falava com a filha."
íarry Potter e a Pedra Filosofal esteve na lista dos mais vendidos 1 na Inglaterra desde a sua publicação. Pode não ter sido um livro cult desde o início, mas vendeu 70.000 exemplares só no Reino Unido no primeiro ano e ganhou dois Prêmios Smarties de literatura infantil. Contudo, o dinheiro dos direitos autorais sobre a venda dos livros leva um bom tempo até chegar ao autor. O cheque de Joanne referente aos direitos dos primeiros seis meses foi de cerca de 800 libras (R$ 3.600,00), que a deixou muito feliz. Afinal, a própria autora disse que nunca esperou ganhar dinheiro com direitos autorais. O segundo cheque já foi de 2.000 libras (R$ 9.000,00). Assim, quan do o segundo livro, Harry Potter e a Câmara Secreta, passou a ser o número um na lista de mais vendidos no país, Joanne tinha ganho apenas 2.800 libras (R$ 12.600,00) em direitos autorais.
Mas o negócio feito com a Scholastic tinha um retorno certo, e Joanne sabia qual seria a primeira coisa que faria com a sua parte:
sair de South Lorne Place. Ela sempre se preocupou com sua segurança por morar ali. Certa vez, um ladrão arrombou uma janela e tentou entrar em sua casa. Isso a convenceu de que tinha que ar ranjar outro lugar para morar. Di, sua irmã, que tinha abandonado a enfermagem para estudar Direito, ainda estava morando em Marchmond Road com seu marido Roger. Joanne, então, começou a procurar uma nova casa em alguma rua próxima à de sua irmã. Joanne nunca aprendeu a dirigir, mas, quando seu saldo bancário
melhorou, passou a andar de táxi por Edimburgo, em vez de se cansar andando a pé ou de ônibus, com sua filha de quatro anos de idade, O preço máximo que estabeleceu para a compra da casa foi de 40.000 libras (R$ 180.000,00), mas o critério mais importante era que ficasse perto de uma boa escola primária.
A escola primária Craiglockhart, em Ashley Terrace, era um adorável e tranqüilo lugar para uma moça jovem passear a pé com sua filha à tarde. Joanne descobriu um apartamento à venda a duas esquinas da escola, em Hazelbank Terrace. Era uma rua bem-cui dada, num bairro de classe operária. As crianças passeavam em suas bicicletas tranqüilamente, num sinal da atmosfera agradável do lugar. Joanne ficou encantada. As casas de dois andares tinham um jardinzinho na frente e uma cerca dando para a rua. A vizinhança era uma mistura agradável de moradores antigos e famílias com crianças pequenas, a maioria das quais estudava em Craiglockhart. Joanne não disse de onde tirou o nome de Gilderoy Lockhart, o professor vaidoso que é uma das suas melhores e mais engraçadas criações, mas Lockhart era um nome que passaria a fazer parte de sua vida diária.
Mudar-se de Leith não foi nenhum sacrifício para Joanne. Anos mais tarde, conseguiu voltar lá como freguesa de alguns dos restaurantes e bares da moda pelos quais, até então, só havia passado na porta, parando às vezes para espiar com olho comprido o cardápio exposto. Mudou-se para Hazelbank Terrace a tempo de Jessica começar a escola primária, em setembro de 1998, logo depois do seu aniversário de cinco anos. Nessa época ninguém na rua nem na escola podia imaginar que havia entre eles a autora de um sucesso de vendas. As mães que esperavam seus filhos no portão da escola ao lado de Joanne não tinham a mínima idéia de que o livro que seus filhos carregavam debaixo do braço tinha sido escrito pela mulher que jogava conversa fora ali com elas. Uma mãe confessou que nunca teria tido coragem de falar com Joanne, se soubesse que ela era J. K. Rowling. E Joanne não estava preparada para ser famosa, nunca se sentiu bem com a sensação claustrofóbica da fama. Ela
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contou certa vez ao Sunday Times que nunca esperou que alguém pudesse se interessar por ela pessoalmente. Suas fantasias mais ousadas não tinham ido muito além da publicação do livro, e o auge da realização seria uma resenha num jornal bem conceituado.
O novo lar de Joanne ficava no segundo andar de uma casa com entrada própria. Logo depois da entrada, uma escada leva a uma sala de visitas, cozinha e dois quartos. Havia um sótão que, pela primeira vez, era algo que Joanne podia chamar de "escritório". Sempre que podia, Jessica ficava lá brincando com seus videogames. Também pela primeira vez Jessica pôde ter seu próprio quarto.
O canteiro da frente era cimentado, o que era bom para Joanne, que não herdara da mãe o amor pela jardinagem. Seu tempe ramento agitado não se ajustava a esse tipo de atividade tranqüila. Entretanto, ela cedeu aos pedidos de Jessica e comprou um coe lhinho, pensando que se tratava de uma espécie de coelho "anão", mas ele cresceu e se tornou um monstro de orelhas enormes que estava sempre à espera de uma oportunidade para dar umas dentadas em sua dona. Mais tarde comprou um porquinho-da índia. Quase todas as noites seu vizinho, William Ford, ouvia a porta dos fundos bater e Joanne gritar "esqueci de dar comida para o coelho!". Joanne também teve um gato com o nome muito apropriado de Caos.
Wililam também custou a perceber que Joanne era a escritora J. K. Rowling mas, como os outros vizinhos, fez o que pôde para respeitar sua privacidade. "Ela era uma pessoa muito sossegada en quanto esteve aqui. Nós todos olhávamos as crianças para não sumirem de nossa vista. Jessica era bem pequena, bem novinha." Joanne passou a fazer parte da comunidade, chegando a pedir ajuda a William num dia em que ficou trancada do lado de fora da casa.
Àquela altura, Joanne era escritora em tempo integral. Tentava manter uma vida normal por causa de Jessica, embora saísse de casa com freqüência em viagens para promover o livro ou sessões de autógrafos. Ela descobriu que tinha muita empatia com as crianças que vinham vê-la ou ouvi-la em leituras: "Como ex-professora,
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havia um profundo sentimento de alegria em saber que tudo o que esperavam de mim era que distraísse as crianças, sem precisar manter a disciplina." O melhor de todos os momentos para Joanne ocorreu durante uma viagem para promover Harry Potter e a Câmara Secreta no Reino Unido. A mãe de um menino disléxico de nove anos de idade contou-lhe que Harry Potter foi o primeiro livro que ele conseguiu ler inteiro sozinho. A mãe explodiu em lágrimas quando encontrou o filho lendo o livro por si mesmo um dia, depois que ela lera para ele em voz alta os dois primeiros capítulos.
Quando os alunos da escola Craiglockhart se deram conta de quem ela era, Joanne se ofereceu para uma sessão de leitura, a fim de que as crianças parassem de aborrecer Jessica com perguntas sobre sua mãe. Jessica, que tinha facilidade para fazer amizades com as outras crianças da escola, não tinha lido os livros. Joanne decidira deixar isso para quando ela tivesse sete anos, mas Jessica estava ficando tão cheia das perguntas que lhe faziam sobre Harry Potter que Joanne, um pouco nervosa, começou a ler para ela as histórias. Felizmente, ela adorou.
Quanto mais famosa Joanne ficava, mais intensamente tentava preservar sua intimidade. Ocasionalmente ela aparecia no Margiotta, uma mercearia fina em Ashley Terrace, a cerca de 200 metros de casa, mas em geral fazia suas compras em Stockbridge, uma área na moda, ao norte de Princes Street, e a muitos qui lômetros de casa. O agente literário Giles Gordon, que dirige a filial escocesa de Curtis Brown, lembra-se de ter visto uma cara co nhecida na seção de frios e queijos da delicatessen Herbie's. Ela estava com uma menininha e Giles se lembra de que "parecia muito feliz". Quando chegou ao caixa, perguntou se era mesmo quem ele estava pensando. O funcionário não tinha a mínima idéia do que ele estava falando e, quando Giles lhe disse que aquela era a mais famosa cidadã de Edimburgo, o rapaz simplesmente respondeu que era uma cliente habitual da loja. Giles ficou tão impressionado com o encontro que escreveu sobre isso na sua coluna de fofocas literárias no Edinburgh Evening News: "A boa notícia", concluía, "é que,
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agora, cada vez que eu for comprar ovos, os meus filhos - que acham que J. K. Rowling é melhor do que Shakespeare - vão querer ir comigo." Se foram, não viram nem sombra de Joanne. Poucas semanas depois Giles voltou à Herbie's: "Obrigado mesmo", dis seram com ironia os funcionários, "desde que você escreveu aquilo, ela nunca mais apareceu. E era uma de nossas melhores freguesas."
Era mais uma demonstração curiosa de como Joanne Rowling levava a sério sua intimidade. Outro jornalista de Edimburgo está certo de que Joanne costumava dar pistas falsas a propósito dos bares que freqüentava, de modo que pudesse ficar em paz naqueles onde de fato ia. Ela ainda ia ao Nicolson's, mas cada vez menos freqüentemente, já que o lugar tinha se tornado parada obrigatória na trilha dos turistas à procura de J. K. Rowling. Seja como for, em 1998 o Nicolson's sofreu uma reforma geral, livrando-se da atmosfera animada e barata que Joanne encontrara e a inspirava tanto para escrever, e virou um restaurante elegante e caro, com área de bar anexa. A gerência decidira tentar atrair os jovens freqüen tadores de bares da moda. Não era mais um lugar adequado para Harry Potter. Não se pode mais imaginar uma mãe solteira, apoian do-se em beneficios da Seguridade Social, sentada ali, bebericando uma tequila enquanto sua filha dorme sossegada no carrinho ao lado dela.
A impressão principal que Giles Gordon teve, de pé atrás de Joanne em seu rápido encontro na delicatessen, foi do relacio namento entre mãe e filha: "Lembro-me de que fiquei impres sionado pel0 jeito totalmente à vontade como ela conversava com a filha , diz ele.
"Notei que havia uma ligação muito boa entre elas, e achei isso uma maravilha.
Ao que parece Jessica ainda não foi perturbada pela fama da mãe. Joanne explicou: ' que, num sentido, o bom é que ela era muito nova quando realmente começou a notar uma diferença. De certa forma, ela cresceu com isso como se fosse uma coisa normal." Houve uma ocasião em que Joanne tentou despertar um pouco de
interesse, ligou o rádio e contou a sua filha que ela iria ouvir a mãe falando sobre o livro. Jessica não se impressionou com isso: "Mas, mamãe, eu já sei como é que você fala."
E realmente sabe. Joanne passou mais tempo com ela nos seus
primeiros anos do que muitas mães conseguem ficar com suas filhas,
e isso é algo que pode ser notado. Jessica continua sendo mais
importante do que Harry Potter na vida de J. K. Rowling: "Ela sabe,
e com razão, que vem em primeiro lugar."
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ROPRIEDADE PUBLICA
"Agora eu não posso escrever!"
s piores temores de Joanne se concretizaram em 14 de J novembro de 1999. Os jornais tinham descoberto que ela tinha sido casada com Jorge Arantes. Ela sabia que isso aconteceria algum dia, mas nunca pensou que ficasse tão famosa a ponto de os jornais ficarem dispostos a pagar para que seu ex-marido revelasse detalhes íntimos da relação amorosa e do casamento para apreciação de milhões de pessoas durante o café da manhã. Ironicamente, ela acabara de ser nomeada "Mulher do Ano" pela revista Glamour dos Estados Unidos e, segundo o Scotland on Sunday, era a mulher mais bem-sucedida da Escócia. Talvez já fosse famosa o suficiente para se tornar um bom alvo das fofocas da mídia.
A empresa Express Newspapers tinha concordado em pagar 15.000
libras (R$ 67.000,00) a Jorge por duas entrevistas, começando no seu jornal de domingo (Express on Sunday), e Dennis Rice foi mandado para a cidade do Porto para entrevistá-lo. Ao mesmo tempo, Paul Henderson, do Mau on Sunclay, também foi para Portugal tentar obter um depoimento de graça que estragasse a surpresa do jornal concorrente. Dennis Rice não ficou entusiasmado com o ex-marido de Joanne: 'Achei-o desagradável. Ele só saiu da cama às duas da tarde. Eu não quis passar muito tempo com ele."
Não foi dificil para ele montar uma história, uma vez que Jorge falava inglês fluentemente. A matéria saiu com o título de "Amor perdido foi o primeiro a ver Harry Potter". O subtítulo era "O ex-
marido conta como a romancista começou a escrever quando ficou grávida" o que, de cara, já não era verdade. Havia uma foto de Joanne, Jorge e Jessica. Em defesa de Jorge, é preciso dizer que ele foi gentil ao falar sobre Joanne em sua história, dizendo maravilhas de seus olhos azuis. Não foi vingativo. Mesmo assim, Joanne teria preferido que o mundo não ficasse sabendo dos detalhes de seu relacionamento tempestuoso com Jorge.
A história anunciava como seria a segunda parte a ser veiculada no jornal do dia seguinte: "Por que botei minha mulher para fora de casa cinco meses depois do nascimento do nosso bebê e dei adeus para sempre ao nosso casamento e à minha filha".
A história de Paul Henderson, no Mau on Sunday deixou-a ainda mais chateada, porque afirmava que Jorge havia contribuído para a criação de Harry Potter. Segundo o jornal, Jorge teria dito que, "quando eu dizia a Joanne para mudar alguma coisa, ela costumava fazer as alterações. Nós líamos os trabalhos um do outro e dávamos sugestões". Henderson descreveu Jorge como "desempregado e sem dinheiro, depois de uma carreira sem importância nos jornais do Porto, atualmente passando dias e noites no escuro, com as cortinas fechadas, trancado em casa, desejando ter aproveitado melhor seu casamento com a famosa escritora".
Na manhã em que as histórias saíram, um amigo telefonou a Joanne. Ela se lembra de que não tinha a menor idéia do que havia acontecido. "Ele perguntou se estava tudo bem comigo. Falava como se eu tivesse acabado de passar por uma grave cirurgia. Então, respondi: 'Por que não estaria? E ele disse: 'Nossa, então você ainda não sabe!" O coitado não queria ser o primeiro a dar as más notícias para Joanne e tentou desligar, mas finalmente acabou contando o que estava nos jornais. "Tudo que consegui pensar como resposta foi: 'O que deu em você para estar lendo o Mau on Sunday?"
Ainda havia a segunda parte da história do Express para sair. As revelações agora eram mais sensacionalistas. O artigo afirmava que Jorge agora era viciado em drogas. A história também contava que ele havia arrastado Joanne para fora de casa às cinco horas da manhã e "lhe
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deu uma forte bofetada na rua". Não importa se ela mesma leu tudo ou se alguém lhe contou o que fora escrito, o fato é que essas matérias nos jornais obrigaram Joanne a reviver os piores momentos de sua aventura na cidade do Porto. Pelo menos Jessica, que só tinha seis anos, foi poupada da chateação - ela tinha coisas melhores para ler.
Jorge afirmava que só queria ver sua filha mais uma vez, mas não falou nada sobre o interdito permanente que havia contra ele em Edimburgo. Disse que não queria nenhum dinheiro de Joanne, embora tenha aceitado o cheque de 15.000 libras do jornal. Acabou não recebendo nada. Alegaram que ele quebrou a exclu sividade do contrato por causa da história no Mau on Sunday, além de outra no Jornal de Notícias, um diário do Porto. Ele também disse que havia encontrado outra pessoa: "Não posso me casar com outra enquanto não puder provar que estou livre." Tanto o Cartório de Registros de Edimburgo quanto os advo gados de Joanne em Leith podiam ter lhe dado uma certidão do divórcio, emitido em 26 de junho de 1995.
Para Joanne a coisa toda poderia ter sido pior. Não houve nenhuma sugestão de que ela houvesse estado envolvida em um estilo de vida tipo "sexo, drogas e rock and roll", o que não seria bom para a imagem de uma autora de histórias infantis. Em vez disso, era tudo muito triste. Como Dennis Rice observa, "acho que ela se sente muito envergonhada por essa história toda". Uma coisa é todo mundo saber que um dia você foi uma mãe solteira sem dinheiro, mas é muito diferente todo mundo ler no jornal que seu ex-marido colocou você para fora de casa a pontapés.
A partir daí Joanne tem demonstrado uma grande desconfiança em relação à imprensa e um desejo ainda maior de preservar sua intimidade. Outras histórias, algumas totalmente inventadas, começaram a aparecer, o que a fez declarar a Ann Treneman, do The Times: "Eu estava muito vulnerável naquele momento. Como sempre, o pior sinal de que estou irritada - o que não ocorre com muita freqüência - é que eu não conseguia escrever. Saí nesse dia para escrever. Fui a um café e apenas me sentei lá, rabiscando no
papel. Mas isso me deixou ainda mais deprimida. Pensei: agora eles atacaram a única coisa que era realmente constante. Agora eu não consigo escrever!"
Em vez de chocolate, desta vez o remédio para a aflição de Joanne foi sair para fazer compras. Entrou num joalheiro da Princes Street, a principal rua de comércio de Edimburgo, e comprou um anel com uma água-marinha quadrada enorme, sem nem perguntar o preço antes. Ela nunca tinha sido tão extravagante. "É quase obsceno", ela disse, "não dá para digitar com ele no dedo, de tão pesado que é. É o tipo de coisa que só dá para usar em certas ocasiões porque, no dia-a-dia, eu poderia acabar machucando alguém com ele." Com prou também presentes para algumas amigas e se sentiu muito melhor. E foi bom porque, nessa ocasião, ela estava sob pressão para terminar Harry Potter e o Cálice de Fogo, ainda lutando com o enredo. No meio do processo de criação, ela descobriu que havia uma falha na trama e teve que recomeçar quando percebeu que não tinha preparado a seqüência de acontecimentos que permitiria chegar à conclusão que desejava.
O fascínio dos jornais pelo ex-marido de Joanne não tinha se esgotado. No verão de 2000, duas semanas antes da publicação do Cálice de Fogo, ele apareceu novamente no Sunday Mirror afirman do que ela tinha realmente escrito A Pedra Filosofal enquanto estava no Porto.
Uma vez mais o artigo fazia referência ao alegado envolvimento de Jorge com as drogas. Entretanto, também relatava que ele estava tentando começar de novo, sem drogas, em Paris. Um mês depois ele estava falando ao Daily Mail dizendo que tinha decidido cortar todos os vínculos com Jessica e Joanne. Uma vez mais não havia qualquer menção ao interdito. Ele também afirmava que Joanne tinha deixado para trás vários manuscritos, mas que nunca revelaria o seu conteúdo. A verdade é que isso não tem nenhuma importância. Quando Joanne saiu às pressas, Jessica era - e continua sendo - muito mais importante do que um punhado de anotações de trabalho. Jorge Arantes é simplesmente parte da carga da vida
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de Joanne Rowling, e ela não pode fazer nada se a mídia fica desen cavando figuras de seu passado ou de seu presente. Por seu lado, talvez Jorge também tenha feito um movimento mais positivo para seguir adiante com sua vida, e talvez seja de novo o homem que tanto encantou Joanne.
Em três anos, Joanne se tornou uma das mulheres mais ricas e famosas do mundo, e parte da carga de ser uma celebridade é que qualquer vestígio de fraqueza pessoal será explorado até as últimas conseqüências. A sugestão de que seu pai se casara com a secretária com uma rapidez quase indecente, provocando com isso uma briga na família, também foi explorada a fundo. Joanne é uma pessoa incomum até pelo fato de que é alvo preferencial tanto de jornais sérios quanto dos tablóides sensacionalistas. Enquanto os grandes jornais se interessam por ela como escritora e como fenômeno literário, os tablóides se impressionam mais com seu status de cele bridade e riqueza. Ambos são interesses legítimos, mas é signi ficativo que, quando desejou alcançar o público mais ampio possível em favor do National Council for One Parent Families (Conselho Nacional para Pais e Mães Solteiros), foi para o Sun, um desses tablóides, que ela contou a história de sua vida presa aos benefícios da Seguridade Social em Edimburgo.
Seja lá o que for que a magoe, Joanne tem a satisfação de poder dar o troco em seus livros. Ela nega ter inventado Rita Skeeter, a correspondente especial do Daily Prophet, para vingar-se dos jornalistas cujas histórias possam tê-la desagradado, e Rosamund de la Hey confirma que Rita "definitivamente não se baseia em ninguém em particular". Skeeter é uma das mais gloriosas criações no catálogo de personagens de Harry Potter, a bruxa que anda de vestidos de cor vermelho-arroxeada e usa uma pena-de-repetição- rápida para distorcer e inventar citações sobre suas vítimas, es pecialmente sobre Harry. Joanne saboreia com grande prazer as descrições que faz dela. Quando Harry responde a uma pergunta sobre a Taça Tribruxo com um "hum...", a pena-de-repetição- rápida escreve: "Uma feia cicatriz, lembrança de um passado
trágico, desfigura o rosto, de outra forma encantador, de Harry Potter, cujos olhos..."
Rita serve como veículo para uma visão irônica do jornalismo sensacionalista dos tablóides. Joanne afirma que Rita Skeeter originalmente iria aparecer em A Pedra Filosofal. Quando Harry entra pela primeira vez no Caldeirão Furado, ela sairia correndo em direção a ele, aflita para conseguir uma entrevista com o famoso menino com a cicatriz na testa. Joanne acabou cortando-a do último rascunho, preferindo lançá-la em O Cálice de Fogo. Joanne explicou que "tinha planejado fazer sete livros e o melhor momento para a chegada dela é no meio do quarto livro, quando o peso da fama de Harry realmente começa a oprimi-lo". Embora insista em que a personagem não se baseie em nenhum jornalista em particular, nem seja influenciado por uma única história, há uma certa semelhança entre a história publicada no Daí& Record que afirmava que Rowling tinha se tornado "isolada, nervosa e irascível", e uma matéria exclusiva do Daily Prophet, que afirmava que Harry Potter tinha se tornado "instável e possivelmente perigoso".
Mas a repórter do Daily Record pode respirar aliviada, porque O Cálice de Fogo foi escrito antes da publicação de seu texto. Rita finalmente recebe o que merece quando Hermione descobre que ela é um Animagus sem registro, capaz de transformar-se em besouro, e que esteve ouvindo as conversas de todo mundo para conseguir um furo jornalístico. Hermione prende-a num jarro de vidro, mas ela sobrevive para voltar em algum futuro livro.
Atualmente Joanne tem influência bastante para controlar muito daquilo que é publicado sobre ela. As entrevistas que aceita dar são cuidadosamente escolhidas e planej adas.
Foi-se o tempo em que ela podia posar tomando café no The Elephant Café ou no Nicolson's. Todos já se cansaram de ver fotos de Joanne Rowling tomando café. Aqueles que a entrevistaram em geral gostaram dela por seu senso de humor, sua gargalhada, franqueza e inteligência. E, apesar de ser a maior estrela da litera tura moderna, o sucesso não a fez perder a razão. No final de uma
entrevista com Simon Hattenstone, do Guardian, convenceram- na a posar para uma foto segurando uma vassoura. Ela respondeu, rindo: "Sejamos sinceros, isso é ridículo."
HOLLWOOD
"O filme tem que ser britânico e verdadeiro com as crianças."
hollywood chegou até Harry Potter bem rápido. O primeiro a
aparecer foi David Heyman, que tinha voltado para Londres em janeiro de 1997, depois de passar 17 anos em Los Angeles.
Inicialmente trabalhou na Warner Brothers, depois como produtor
independente em alguns filmes. Trabalhou também no popular A Pequena Princesa, e sabia como fazer um filme que fosse atraente para o público jovem, O mais importante é que tinha assinado um acordo especial dando preferência à Warner para desenvolver material criativo e identificar potenciais co-produções através de sua própria empresa, a Heyday Films.
O presidente da Warner, Lorenzo di Bonaventura, explicou: "o Heyman vai ser nossa conexão entre Inglaterra e Estados Unidos, ajudando a garantir financiamento para determinadas produções e a desenvolver projetos que poderiam ser produzidos mais efetiva mente no Reino Unido do que nos Estados Unidos".
Palavras de estímulo para o Sr. Heyman, mas ele ainda tinha que
conseguir um "projeto". É aí que entra J. K. Rowling com Harry
Potter e a Pedra FilosofaL
Tania Seghatchian, executiva da Heyday, foi a primeira a ler o livro e adorou. Falou com David sobre isso. Ele leu e também adorou. Os filhos dele leram e adoraram. Os amigos também já ti nham lido e o incentivaram. David Heyman mexeu-se rapidamente para garantir os direitos, mas Christopher Little não gosta de ser
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pressionado. Dois anos se passaram até que o negócio com a Warner Brothers fosse fechado, e nessa ocasião a série Harry Potter tinha entrado na lista dos mais vendidos no mundo inteiro e estava bem mais valorizada. É incrível que tantos editores tenham recusado os originais do primeiro livro. Numa época em que a alta tecnologia tem prioridade no lazer das crianças, o mundo editorial subestimou uma história tradicional atraente onde internato, orfandade e magia são combinados numa química que faz voar a imaginação.
David Heyman imediatamente reconheceu as possibilidades visuais da extraordinária criação de Joanne. E não estava sozinho:
Christopher foi rápido no sentido de explorar esse interesse. Nigel Reynolds, naquela primeira entrevista com Joanne, dez dias depois da publicação, escreveu: "Dois estúdios de Hollywood e um pro dutor americano independente estão disputando a compra dos direitos de filmagem." Christopher cercou-se de garantias para que todos soubessem que tinha uma preciosidade em suas mãos. Joanne, em sua "espelunca" em Edimburgo, ficou meio perdida com toda essa confusão no início.
Joanne começou a recuperar sua segurança graças às mudanças que aconteceram em sua vida: chegou ao topo na lista dos mais vendidos, recebeu um prêmio literário prestigiadíssimo, mudou-se de seu apartamento alugado, viu enormes filas de pessoas pedindo seu autógrafo. e querendo conhecê-la. Ela era uma escritora de su cesso. Durante os anos que se seguiram, Joanne adquiriu força e autoconfiança para proteger sua criação e manter o interesse pro fissional sobre ela. Por exemplo, não havia a mínima possibilidade de Harry Potter passar a freqüentar a Escola de Feitiçaria e Magia de Beverly Hills. Joanne disse ao New York Times que "faria tudo para evitar que Harry Potter aparecesse em caixas de comida congelada. Isso seria o pior dos pesadelos".
A fenomenal atração exercida por Harry Potter nos Estados Unidos é difícil de explicar. A própria Joanne admite: "São livros tão britânicos. Não há personagens americanos. Não tenho ex plicação para isso." Mas acha desnecessário comprometer sua in
tegridade só para agradar ao mercado americano. "Você não vai encontrar um aluno americano fazendo intercâmbio em Hogwarts. Não acho que seja fiel aos livros ter alguém vindo do Texas ou de qualquer outro lugar."
Se você quer despertar interesse num projeto de filme para crianças, há duas palavras mágicas: a primeira é Steven, a segunda, Spielberg. Tão logo seu nome foi mencionado com o de Harry Potter, o mundo do cinema ficou sabendo que seria um grande filme. Joanne já estava se dedicando ao divertido jogo de tentar encontrar os atores adequados para cada personagem. Ela sempre quis Robbie Coltrane para o papel de Hagrid, porque acreditava que o ator encheria a tela de tal maneira que todos veriam que ele nasceu para retratar o guarda-caça de Hogwarts.
No final de 1999, a negociação do filme se completou. Como em qualquer projeto de cinema, é difícil diferenciar os fatos da ficção. Christopher Little tinha intermediado a negociação com David Heyman e a Warner Brothers, e Joanne estava feliz. Não foi o maior negócio de todos os tempos na indústria cinematográfica - as cifras citam um milhão de dólares -, mas Joanne também não entregou Harry Potter por um punhado de moedas. Ela permaneceria par cialmente no controle sobre o filme, contribuiria para o roteiro e teria o direito de vetar certos tipos de merchandising, especialmente dentro da Inglaterra. Em troca, a Warner Brothers assumiria o controle da marca Harry Potter pelo mundo todo, que ela com preendeu que significaria roupas e jogos, bebidas e chocolate - e rios de dinheiro.
A primeira tarefa do estúdio foi indicar um diretor. Steven Spielberg foi o primeiro nome cogitado, mas não levaram a idéia adiante por causa dos rumores de que ele e Joanne não tinham chegado a um acordo sobre o destino de Harry Potter na tela. Ele foi cuidar de outro projeto da Warner Brothers. Em 27 de março de 2000 contrataram Chris Columbus, quase três anos depois de David Heyman ter lido Harry Potter pela primeira vez. Columbus tem um currículo impressionante, que inclui Esqueceram de Mim e
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Uma Babá Quase Perfrita, por coincidência tirado de um romance (Madame Doub de Anne Fine, passado em Edimburgo. Mas o que mais contou foi que ele escreveu roteiros de aventuras fantásticas para crianças, como Gremlins, Os Goonies e O Jovem Sheriock Holmes.
Lorenzo di Bonaventura disse que "para nós era importante descobrir um diretor que tivesse afinidade com as crianças e a magia". O próprio Columbus não perdeu tempo com pronuncia mentos na mídia e pegou um vôo para Londres para encontrar-se com Joanne pela primeira vez. A Variety relatou que ela, e não o diretor nem o chefe de estúdio, é quem teria a palavra final quanto ao tom do filme. Talvez este tenha sido o obstáculo no envolvi mento com Spielberg. Joanne já estava ganhando mais dinheiro do que jamais havia imaginado. Oferecer montanhas de ouro a ela não ia fazer com que ela cedesse. Ela sempre disse que escreveu os livros para si mesma e certamente não para produtores de cinema de Hollywood. Ela se declarou "muito contente" em ter Columbus como diretor.
Este nunca foi apenas uma questão de um único filme. Desde o início, Joanne dissera que seriam sete livros, de modo que haveria sete filmes. A essa altura, os três primeiros livros estiveram entre os cinco primeiros mais vendidos durante todo o ano an terior e o interesse antecipado pelo quarto livro estava atingindo um nível espantoso.
A tarefa primordial para a equipe de produção foi encontrar um jovem ator para o papel de Harry Potter. Logo os jornais estavam cheios de histórias acerca de uma "enorme procura de alguém que se parecesse com Harry Potter". O primeiro favorito foi Haley Joel Osment, que tinha sido muito aplaudido por sua atuação ao retratar o menino assombrado por espíritos em O Sexto Sentido, ganhador do Oscar. Mas ele saiu do páreo porque achava que o livro deveria permanecer sendo apenas um livro e não ser transformado em filme. Os produtores, preocupados, fizeram testes em escolas por todo o país e estimulavam crianças inte 130
ressadas a entrarem em contato com eles através da página da Warner Brothers na Internet. David Heyman, num golpe de sorte, foi ao teatro no West End, região que concentra teatros em Londres, com seu amigo, o agente literário Alan Radcliffe, que levou junto seu filho Dan, recém-iniciado na carreira de ator. David lembra-se de que "estava assistindo à peça, mas os detalhes se perderam depois que vi Dan. Telefonei para Alan no dia seguinte. Achava que Dan incorporava o espírito de Harry Potter".
No final de agosto, a Warner Brothers anunciou que tinha con tratado um menino de 11 anos de Londres para representar o papel de Harry. E quando Daniel Radcliffe, com seus óculos de aro de metal, foi apresentado à imprensa num hotel de Knightsbridge, parecia que ele tinha acabado de sair da ilustração que Thomas Taylor fizera para o livro.
Tímido, Daniel admitiu ter chorado quando ganhou o papel de Harry. Mas ele não é um novato no show-business. Já apareceu na televisão, na produção de David Copperj2eld feita pela BBC, e estreou no cinema no filme O Az do Panamá, adaptação do livro de John Le Carré. Seu pai, Alan, foi um ator que não se destacou antes de tornar-se poderoso agente literário. Sua mãe, Marcia Gresham, também tivera um flerte com o palco, antes de se tornar respeitada produtora de elenco. Pelo menos o novo astro contava com o apoio, nos bastidores, da equipe certa para negociar seus honorários. Ele aceitou 300.000 dólares por dois filmes, deixando evidente o dilema que a Warner Brothers enfrentava: ti nham que iniciar a produção do segundo filme sem saber se o primeiro ia fazer sucesso. Em cada livro, Harry tem um ano a mais e era preciso que Daniel acompanhasse seu crescimento nos filmes.
Joanne ficou encantada com a escolha de Daniel, tanto quanto se encantara com a escolha de Emma Watson, de 10 anos, e de Rupert Grint - nome digno da saga de Harry Potter -, de 11 anos, para os papéis de Hermione e Rony. "Quando vi o teste de tela do Dan Radcliffe, achei que o Chris Columbus não podia ter encontrado outro Harry melhor", disse. "Desejo a Dan, Emma e
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Rupert boa sorte, e espero que eles se divirtam representando o primeiro ano na Hogwarts tanto quanto eu me diverti escre vendo." Ela contou a Chris Columbus que ele tinha selecionado o "filho que ela havia perdido".
Tanto Heyman quanto Columbus estavam ansiosos para acabar com qualquer temor de que Harry Potter ficaria americanizado. Heyman disse que "nós sempre fomos e continuamos a ser fiéis aos livros", e Columbus completou declarando que "o filme tem que ser inglês e verdadeiro com as crianças". E acrescentou que "J. K. Rowling me conquistou desde a primeira página".
Outro desenvolvimento feliz foi que Robbie Coltrane assinou o contrato para fazer Hagrid e que Maggie Smith, a grande dama do teatro inglês, aceitou fazer o papel da professora McGonagall, uma escolha inspirada. Com AIan Rickman no papel de Snape, Richard Harris como Dumbledore, Julie Walters como a Sra. Weasley e John Cleese como Nick Quase Sem Cabeça, o filme estava começando a
parecer um quem e quem ao cinema ingles.
O autor do roteiro foi Steve Kioves, cujo currículo incluía títulos como Susie e os Baker Boys, com Michelle Pfeiffer. Ele não se opôs a que Joanne contribuísse nessa parte, embora na metade de 2000 ela estivesse sendo pressionada a terminar o quarto livro de Harry Potter. Mas ela deu a aprovação final ao roteiro.
A próxima etapa era descobrir as locações certas. Hogwarts e o armário de Harry debaixo da escada foram cuidadosamente recria dos nos Estúdios de Leavesden, em Hartfordshire, mas a imaginação de Joanne não facilitava as coisas. Apesar de ter havido pressões por parte de diversos locais turísticos, foi escolhida a Catedral de Gloucester como locação principal de Hogwarts. O reitor de Gloucester, o reverendíssimo Nicholas Bury, como todos que es tavam envolvidos no projeto, jurou guardar segredo. "Gloucester é uma das catedrais mais bonitas e elegantes e o claustro prova velmente é uma das mais belas jóias de arquitetura da Europa", disse ele cheio de orgulho. Ficou decidido que esse claustro era perfeito para ser o pátio quadrangular da Hogwarts.
Outras locações para certas partes de Hogwarts incluíram a Abadia Lacock, em Wiltshire, a Catedral de Durham e a Abadia Whitby. O Alto Comissariado Australiano, de Londres, serviu como Banco Gringotes. A Warner Brothers estava decidida a manter sigilo completo sobre as locações, na medida do possível, porque "não queria as pessoas apontando para a tela e dizendo: 'olha, isso é em Oxford". O local que provavelmente ficou mais famoso após apare cer no filme foi a pitoresca estação de trem de Goathland, onde há locomotivas a vapor, na cidadezinha que tem esse nome, em North Yorkshire. Para o filme foi transformada em Estação Hogsmeade. No livro ela nem tem tanto destaque, é apenas uma pequena plataforma escura, na qual Harry e seus colegas descem depois de sua viagem vindo de King's Cross.
Quando a filmagem começou, nem Daniel nem Rupert tinham lido todos os livros. Daniel confessou que só leu os dois primeiros "há muito tempo", mas tinha esquecido tudo deles. Por imposição legal atores infantis não podem interromper seus estudos, de modo que havia um instrutor viajando pelas locações com eles. Infe lizmente, para eles, as aulas eram de matemática e história dos "trouxas", e não de Trato das Criaturas Mágicas. O desagradável inverno inglês significou que a filmagem ficou suspensa e não terminou na data prevista, março de 2001.
Fazer um filme, hoje em dia, é apenas metade da guerra. A outra metade é a divulgação e a promoção, para que o maior número possível de pessoas aguardem ansiosamente o lançamento. Esse processo iniciou-se em 1 de março, com o lançamento de um trailer especial na página da Warner Brothers na Internet. Mostrava uma série de cenas, incluindo todas as cartas para Harry chegando pela chaminé da lareira, o trem a caminho da Hogwarts e as aulas de Feitiços do professor Flitwick. E, é claro, Robbie Coltrane como Hagrid. No final de junho foram lançadas outras imagens do filme, inclusive uma tomada do Fofo, o monstruoso cão de três cabeças que guarda a Pedra Filosofal.
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HONORIS CAUSA
' era mais feliz quando era uma escritora pobre e desconhecida do que consigo ser agora que sou uma executiva medíocre com as contas pagas."
\ quarto cheque de direitos autorais que Joanne recebeu, dois anos após a publicação de Harry Potter e a Pedra Filosofai era
milionário. Oficialmente, ela se tornou uma milionária no final de junho de 1999. Foi uma jornada de cinco anos, desde os benefícios recebidos na agência de correio de Leith até os cartões de crédito sem limite. Agora Joanne tinha bastante cacife para negociar. Estava recebendo em direitos autorais de 15 a 20% do preço de capa de seus livros, quando o normal é um autor receber entre 7 e 10%.
Ela ainda morava com Jessica em Hazelbank Terrace. Suas únicas extravagâncias visíveis eram uma cozinha planejada e uma babá americana para ajudar a cuidar de Jessica. O tempo de Joanne estava cada vez mais escasso, com centenas de cartas para abrir todos os dias e, sempre que possível, responder pessoalmente. Ela nunca esqueceu a primeira carta de uma admiradora, uma menina cha mada Francesca Gray. Começava com "Caro Senhor". Isso con firmava que a estratégia de Christopher Little quanto ao seu nome literário estava dando certo e, pelo menos no início, confundiu o leitor sobre o sexo do autor.
A vida em Hazelbank Terrace seguia sossegada. Joanne nunca tivera interesse em tornar-se a grande anfitriã literária de Edimburgo e raramente era vista nos eventos de literatura. Em sua casa, os jantares festivos eram realizados esporadicamente e sempre limitados aos amigos mais íntimos e fiéis. Ela dependurou na
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parede da cozinha os versos da "Dedicatory Ode", de Hiliarie Belloc, que dizem muito sobre a maneira que Joanne Rowling escolheu para viver sua vida:
Do silêncio da casa e apenas um começo aos finais desconhecidos, nada mais vale o desgaste da vitória senão a risada e o amor de amigos.
Os moradores de Hazelbank Terrace se orgulhavam de ter uma autora famosa na rua, mas tomavam cuidado para não interferir na vida dela. Fia se dava bem com os pais dos amigos de Jessica, mas protegia sempre sua intimidade e a segurança da filha. A rua era sempre muito tranqüila e um lugar seguro para Jessica andar de bicicleta. Segundo William Ford, "se ela precisasse se preocupar com segurança, teria se mudado na mesma hora".
E foi pensando em segurança que Joanne começou a estudar seriamente a idéia de se mudar. Mas arranjar uma casa de dois quartos na região central de Edimburgo é mais fácil do que encontrar uma casa digna de uma milionária. Joanne decidiu pensar a respeito. De qualquer maneira, depois da publicação do terceiro livro da série, Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, em 8 de julho de 1999, ela ficou afastada grande parte do tempo em viagens para a promoção dos livros.
O lançamento desse terceiro livro, especialmente nos Estados Unidos, fez com que Joanne passasse de autora popular a uma mega estrela. Joanne nunca esqueceu uma vez que chegou a uma loja em Boston para dar autógrafos e viu uma fila que se estendia por dois quarteirões. Por ser inglesa, supôs que aquilo se tratava de alguma liquidação, mas logo lhe disseram que toda aquela gente estava ali por sua causa. Nesse dia ela distribuiu 1.400 autógrafos. Um funcionário de uma livraria em Washington disse que, para participar de uma tarde de autógrafos com Joanne, "as pessoas começavam a fazer fila de manhã cedo. Era como um show dos Rolling Stones".
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Com seu imenso séquito de fãs americanos, surgiu uma oposição inesperada, porém inevitável, de "pais preocupados". Numa reunião especial foi dito ao Conselho de Educação da Carolina do Sul que "os livros têm um tom sério, de morte, ódio, falta de respeito e puro mal". No entanto, Joanne sempre afirmou que Harry reflete o mun do moderno porque é de uma raça misturada- seu pai era um mago de raça pura e sua mãe, a uma bruxa nascida "trouxa".
Na Austrália, o Christian Outreach Coliege, uma escola par ticular da província de Queensland, baniu os livros de Harry Potter de sua biblioteca, afirmando que são violentos e perigosos. Um grupo de Escolas da Comunidade Cristã imaginou que o livro deveria trazer adesivos de advertência sobre os perigos do mundo do ocultismo, e o diretor do Cedar Coliege, no sul da Austrália, Peter Thomson, declarou que "os livros mostram o ocultismo como algo bom e não é esse o caminho que queremos trilhar".
Ainda nos Estados Unidos, um especialista em educação declarou que os livros dão a entender às crianças que os meninos são melhores do que as meninas. A Dra. Elizabeth Heilman, de Indiana, disse que Harry está sempre tendo que resgatar Hermione de situações perigosas, mostrando-a como desamparada. Para ela, os livros pregam que as meninas "dão risadinhas à toa, são choronas, fofoqueiras e antiintelectuais", enquanto os garotos são "mais sá bios, corajosos, divertidos e inteligentes". No entanto, Hermione está anos-luz à frente de Harry e Rony no que se refere à in teligência, além de ter um base moral mais bem definida. Em todos os livros ela emprega suas capacidades intelectuais indispensáveis para apoiar Harry a lutar contra o mal. Mas, como a própria Joanne apontou, "o meu herói é um menino e, na idade dele, as meninas não têm muita importância. É claro que essa importância vai crescer com o tempo. Mas aos 11 anos seria muito apelativo mostrar uma garota linda, divertida, ótima em matemática, que dominasse mecânica a ponto de consertar automóveis". Mas ela inclui três meninas como artilheiras no time de quadribol da casa Grifinória.
No final, esse punhado de opiniões de revoltados serviu apenas
para promover a imagem pública de Joanne e nunca a prejudicou. Legiões de fãs de Harry Potter levantaram-se em sua defesa. E são mesmo legiões. Os primeiros três livros de Harry Potter tinham vendido oito milhões de exemplares só no Reino Unido e quase 24 milhões nos Estados Unidos na época em que o quarto livro estava pronto para publicaçáo. Só nos Estados Unidos mencionava-se a impressionante cifra de 55% das vendas do mundo inteiro. Os livros de Harry Potter estão disponíveis em 35 idiomas, e Christopher Little está seguro de que nos próximos anos as vendas de edições em línguas estrangeiras vão constituir uma proporção ainda maior do total. Até a China foi seduzida pelas atividades do menino-mago, ainda no verão de 2000, quando a Editora do Povo, a mesma que publicou a coleção dos poemas do presidente Mao Tse-tung, lançou 600.000 caixas contendo o conjunto das traduções dos três primeiros livros de Harry Potter, a maior primeira edição de um livro de ficção desde que os comunistas chegaram ao poder, em 1942.
Relutante, Joanne embarcou numa série de "grandes entrevistas" com o objetivo de despertar o interesse pelo quarto livro, Harry Potter e o Cálice de Fogo. Nunca foi gasto tanto espaço em jornal para discutir a escolha do título de um livro, como se o título fizesse diferença para as vendas. Os jovens mal conseguiam esperar pela publicação. Uma sugestão muito popular foi "Harry Potter e a Copa do Mundo de Quadribol". Foi quando deixaram vazar, cuidado samente, a informação de que alguém morreria no quarto livro. Foi um choque! É claro que não poderia ser o Rony, nem a Hermione! Os leitores mais jovens ficaram angustiados. Mais tarde descobriram que se tratava de Cedrico Diggory, que, até o livro quatro, não era um personagem importante. Ainda assim, o momento de sua morte foi altamente emocionante.
O quarto livro foi envolvido em muito segredo - uma estratégia segura para provocar curiosidade. O manuscrito original ficou tran cado num cofre de banco e nenhum exemplar foi enviado para críticos. Diziam que a editora de Joanne na Bloomsbury, Emma
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Mathewson, vivia apavorada, com medo de que algum assaltante pudesse roubar o precioso livro. Nas negociações referiam-se ao livro apenas pelo codinome Potter Quatro. Uma das poucas pessoas a receber um exemplar antes do lançamento foi Chris Columbus. Ele recebeu a honraria das mãos da própria Joanne, mas ele teve que esconder o exemplar até dos filhos, que tiveram que enfrentar fila para conseguir um exemplar no lançamento sem saberem que o pai tinha um trancado na mesa dele.
As filas nas lojas, no dia 8 de julho de 2000, eram do tipo que se poderia esperar para um show dos Beatles ou para uma final da Copa do Mundo com a Inglaterra jogando. isso só para comprar o livro e não para encontrar a autora. Nunca houve um evento editorial como esse.
Os números deixam qualquer um espantado. Na data do lança mento, 8 de julho de 2000, a livraria virtual Amazon.com vendeu antecipadamente 290.000 exemplares. Uma tiragem média para um livro infantil de boa vendagem é de 20.000 exemplares. A tiragem para o Reino Unido foi superior a um milhão de cópias. Para o Reino Unido, Canadá, Austrália e Estados Unidos, juntos, esse número sobe para 5,3 milhões. Imaginava-se que Joanne ganharia 10,5 milhões de dólares só com a venda da primeira impressão. À meia-noite, 9.000 caminhões blindados deixaram os Estados Unidos para percorrer todo o continente, levando a nova aventura de Harry Potter.
Na Inglaterra, a Bloomsbury acertou em cheio ao ter a idéia de festejar a publicação na estação de King's Cross, onde construíram uma imitação da famosa Plataforma 9 1/2. O evento começou às 11 horas porque, como os fãs de Harry Potter sabem, essa é a hora em que o Expresso de Hogwarts parte no início de cada período letivo. E havia um trem de época especialmente para levar Joanne e alguns convidados numa viagem pelo interior. Na hora, isso causou um certo tumulto, que deixou Joanne bem constrangida. Quando ela finalmente chegou num Ford Anglia turquesa, mais de 500 crianças animadíssimas tiveram que ficar em segundo plano por trás de um
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batalhão de repórteres. Ela ficou frustrada por não poder chegar perto para conversar com seus verdadeiros fãs. Até a polícia teve que intervir na confusão. Foi um pandemônio.
Amelia Hill escreveu no Observer que "dois pais, com os filhos em prantos agarrados em seus ombros, diziam aos berros que eles estavam fazendo escândalo à toa, enquanto lutavam para conseguir um lugar perto da barreira". Um pai se queixava dizendo "onde está a mágica disso?", enquanto sua filha choramingava porque não havia corujas voando por ali. As únicas pessoas que conseguiram autógrafos em seus livros foram os policiais, trabalhando para manter a ordem. Eram também os únicos a conversar com Joanne enquanto um batalhão de fotógrafos e repórteres gritavam: "Aqui Joanne, olhe para cá!" Quando perguntaram a Joanne se estava espantada, a autora respondeu: "Invente uma palavra mais forte e multiplique por dois."
Para ela, as crianças estão sempre em primeiro lugar, por isso ficou consternada com o que aconteceu. À medida que o "Expresso de Hogwarts" partia, tudo o que ela pôde fazer foi baixar sua janela e gritar "sinto muito" para um grupo de crianças desoladas.
A primeira coisa que todo mundo notou em Harry Potter e o Cálice de Fogo foi o tamanho. Com 636 páginas, era o dobro dos livros anteriores. Robert McCrum, editor literário do Observer, disse que o livro era um megassucesso comercial. Penelope Lively achou o livro longo demais e disse que ele repetia uma fórmula: uma ameaça misteriosa, tentativas de superá-la, triunfo no final e re velação. Disse que da próxima vez deveria ser publicado algo um pouco mais inteligente.
Seis dias após aquela provação, Joanne e seus assessores estavam em outro trem, a caminho das torres de marfim da Universidade de Exeter, onde ela aceitara receber o grau de Doutora em Letras, honoris causa. A idéia do prêmio viera do professor David Harvey, do Departamento de Clássicos, e de sua esposa Frances. Harvey tinha se tornado um grande fã: "Tenho 61 anos e me divirto com os livros como as crianças. Ela tem um dom surpreendente de
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contar histórias e manter a ação fluindo, sempre com humor." Ele mantinha contato com ela desde a publicação do primeiro livro, e Joanne tinha escrito um pequeno texto para a Pegasus, a revista do Departamento.
Joanne mal podia acreditar que 13 anos depois de sair de Exeter com média 2,2 em francês voltaria para receber uma homenagem daquelas. Glenda Jackson, mulher que ela admirava por sua de terminação em mudar de carreira e obter sucesso num mundo dominado pelos homens, já tinha quase 50 anos quando recebeu uma homenagem na cerimônia de formatura da própria Joanne, em 1987. E aqui estava ela, Joanne Rowling, aluna da Wyedean School, sendo homenageada duas semanas antes de completar 35 anos.
Uma das coisas fantásticas a respeito das universidades é que, para elas, o tempo não passa. Os rostos dos estudantes podem mudar, mas muitas vezes as roupas, o estilo, o regime alimentar à base de cigarros e café e o comportamento geral mudam pouco. E a mobília de uma universidade permanece ao longo do tempo, os prédios e auditórios também e, é claro, os próprios professores. Pouca coisa havia mudado desde a saída de Joanne. Dos acadêmicos, Joanne reconheceu imediatamente Martin Sorrel! na fila das pessoas que a esperavam e correu para cumprimentá-lo. Ela se lembrou da peça O Cosmonauta Agrícola e dos figurinos. Martin ficou feliz ao ver que Joanne se-lembrava dele, porque gostava dela desde quando era apenas uma estudante. O melhor de tudo foi que Pete, seu pai, viera de Chepstow com Janet, sua segunda esposa, e estava sentado na platéia para ver a filha, tão orgulhoso quanto no dia da formatura dela. Qualquer desavença que houvesse entre pai e filha parecia estar superada e no quarto livro há uma dedicatória para ele.
As cerimônias de formatura são acontecimentos de gala. Os acadêmicos e os figurões sempre fazem questão de parecerem solenes em seus trajes coloridos. Joanne não se sentia à vontade ali e parecia nervosa quando tomou seu lugar no cortejo. O bibliotecário da universidade, Alistair Patterson, lembra-se que Joanne estava muito nervosa. Tentando deixá-la à vontade, ele começou a con
versar sobre sua primeira escola, a Academia de Leith, de Edimburgo, onde Joanne tinha dado aulas. Naturalmente tímida, Joanne sempre achava um sacrifício ter que aparecer em público. Ela se sente mais feliz com as crianças. Mas, por outro lado, o título honorário de Exeter satisfazia seu lado Hermione, sempre em busca de aprovação acadêmica.
O Dr. Peter Wiseman, membro do Departamento de Línguas Modernas e professor de letras clássicas, foi o orador da cerimônia. Ele começou seu discurso com uma referência a Harry Potter e o Cálice de Fogo: "Tenho notícias sérias. Vocês sabem quem escapou da morte e vive nas florestas da Albânia..." Uma prova do amplo alcance de Harry Potter foi que os professores reunidos não acharam que o Dr. Wiseman tivesse ficado maluco. Ele prosseguiu resumindo a versão pública da biografia de Joanne, conforme divulgada pela mídia: "Uma criança tipicamente viciada em leitura, baixa e gorducha, com óculos de lentes grossas, escrevendo histórias sem parar."
O genial relato do Dr. Wiseman apenas tocou a superfície, mas realçou os três importantes ingredientes do sucesso de Joanne:
"Primeiro, o talento natural e a obsessão de exercê-lo - a criança imaginativa e suas histórias. Segundo, a experiência de formação - os tempos difíceis que fortificam o caráter daquele que os atravessa. E terceiro, o trabalho árduo - uma concentração autodisciplinada, dedicada a atingir o objetivo de qualquer maneira." As observações do Dr. Wiseman lembraram a Joanne sua verdade budista preferida de que "viver é sofrer", mas também incluíram uma idéia quase esquecida quando se fala do sucesso dela: praticamente desde que começou a falar, Joanne Rowling era uma contadora de histórias.
O Dr. Wiseman também destacou um importante ponto acadêmico: "Agora há uns 30 milhões de pessoas no mundo todo que conhecem ao menos uma frase em latim, mesmo que esta signifique "Nunca perturbe um dragão adormecido" (Draco Dormiens Nunquam Titillandus).
O discurso leve deixou Joanne mais à vontade. Ela se adiantou
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para receber o seu diploma, mas ainda teve que esperar que todos os formandos recebessem os seus para então poder ler o seu discurso.
O Chapéu Seletor teria tido um colapso diante da quantidade de formandos. Seu discurso foi o melhor que ela tinha feito até então. Rebecca Rampton, presidente da Associação Estudantil, lembra-se que "ela fez o melhor discurso que eu já ouvi. Todos os formandos presentes se sentiram tocados". Joanne começou contando à platéia que tinha recebido um cartão de parabéns de um contemporâneo de Exeter, que dizia: "Suponho que isso sirva para mostrar aos for mandos que é possível fazer alguma coisa significativa na vida, mesmo que passe três anos inteiros no Black Horse."
Contudo, ela escolhera falar sobre três assuntos que considerava muito importantes: cometer erros, correr riscos e ter sorte. A sin ceridade com que falou sobre o ano infeliz que passou em Manchester, de sua atuação medíocre numa série de empregos e de sua tentativa de escrever um romance adulto que acabou saindo ruim demais desarmou completamente aqueles que pudessem ter restrições a ela. Joanne revelou que, quando saiu da universidade, tinha muito medo de fracassar: "Eu tinha medo de me arriscar na pobreza e na desilusão, e de me dedicar inteiramente à única ambição que jamais tive: ser uma escritora."
Joanne reconheceu que foi somente na fase em que era uma mãe sozinha e tão divulgada pela mídia, que ela encontrou a coragem para descobrir se tinha valor como escritora. Sem emprego, sem dinheiro, separada, não tinha absolutamente nada a perder. Joanne admitiu com suas próprias palavras: "Eu era mais feliz quando era uma escritora pobre e desconhecida do que consigo ser agora que sou uma executiva medíocre com as contas pagas."
As características de humildade e consciência social tão notáveis em Joanne Rowling ficaram mais evidentes à medida que ela lembrou à platéia de que tinham a sorte de estar nesta universidade, porque muita gente, pelo mundo inteiro, com talento semelhante, nunca teve essa oportunidade. Lembrou a todos que eram pessoas privilegiadas e que deviam se dedicar a melhorar o mundo e não
apenas a glorificar seu próprio talento. Desde que alcançou o sucesso, este é um princípio que ela própria tem seguido ao pa trocinar diversas instituições beneficentes.
Finalmente, disse aos estudantes que esperava que eles não ficassem "aprisionados pelo medo do fracasso", que fossem "capazes de viver apenas de acordo com suas próprias expec tativas", que encontrassem "o trabalho no qual pudessem dar o melhor de si mesmos e, portanto, pudessem ter uma vida mais plena e mais satisfatória".
Foi um discurso emocionante e impressionou os formandos, que aplaudiram longamente, O pai dela disse que tinha sido um grande momento. Mais tarde, Joanne conseguiu relaxar e juntar-se aos membros do corpo docente e a outras pessoas para um jantar especial na universidade.
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A OBRA BENEFICENTE
" Temos que nos esforçar em dobro para fazer a metade."
autoconfiança que Joanne sentia agora fazia com que tomasse coragem para fazer ouvir sua voz em assuntos que eram
importantes para ela. Agora que havia se tornado uma mulher rica e famosa, por mais que procurasse evitar a publicidade, Joanne tinha uma imagem pública da qual tirar proveito. Ela passou a apoiar três instituições beneficentes, além de ter feito aquela que tem sido considerada a maior doação individual a uma instituição - os di reitos autorais de dois pequenos livros para o Comic Relief
Seu primeiro ato filantrópico foi doar 750.000 dólares para o National Council for One Parent Families (Conselho Nacional para Famílias de Pais Sozinhos), sediado em Londres. Também aceitou, em 2000, o posto de embaixadora dessa instituição de caridade. Joanne sempre reagiu veementemente contra o estereótipo negativo dos pais sozinhos, e sentia-se mobilizada para ajudar a causa. Agora ela podia concretizar seu desejo. Tão útil quanto sua substancial doação foi a publicidade que gerou ao escrever um artigo para o tablóide sensacionalista The Sun, cuja tiragem diária ultrapassa três milhões de exemplares.
Seu artigo era empolgante e sincero e, nele, contava como se sentiu quando se viu numa prisão burocrática da qual teve a sorte de escapar. Sua franqueza sobre a experiência infeliz que viveu, rara vinda de uma celebridade, deixou a impressão de que ela tinha se tornado mais forte e consciente. Os fatos citados no artigo sobre
pais sozinhos não eram nada agradáveis: na época, 3% dos pais sozinhos eram adolescentes; 60% haviam sido casados e estavam separados, divorciados (como Joanne) ou viúvos; 25% das crianças inglesas viviam só com o pai ou a mãe; de cada dez famílias inglesas chefiadas por uma pessoa sozinha, seis viviam na pobreza.
Joanne concluiu dizendo que "nós todos estamos fazendo o tra balho de duas pessoas, mesmo antes que comecemos a procurar emprego e, como eu própria descobri da pior maneira possível, temos que nos esforçar em dobro para fazer a metade".
Joanne também apoiou os Centros Maggie, em Edimburgo, que oferecem aconselhamento e apoio às vítimas de câncer e às suas famílias. Os centros procuram oferecer uma ajuda que os hospitais não conseguem por falta de tempo e recursos. Joanne se interessou por esta instituição quando um câncer de mama foi diagnosticado em uma amiga. Lá, a autora tem realizado uma série de sessões de leitura para levantar fundos e garantir a abertura de novos centros em Glasgow e Dundee.
A terceira instituição beneficente é a Scotland MS Society (Socie dade Escocesa para a Esclerose Múltipla), de grande importância afetiva para Joanne por causa da doença de sua mãe. Joanne é benfeitora dessa sociedade e promoveu alguns eventos públicos. Abriu um centro de atendimento avaliado em 375.000 dólares para doentes em Aberdeen, em abril de 2001, e declarou: "Espero que um dia centros como este sejam um padrão, e não uma exceção. A verdade sobre a precariedade do atendimento a pessoas com esclerose múltipla só ficou clara para mim depois que conheci a MS Society na Escócia, o que me deixa ainda mais orgulhosa por con tribuir para ela." Curiosamente, a Escócia é o país com a mais elevada incidência de esclerose múltipla do mundo.
Uma vez mais Joanne se pôs em ação, escrevendo um artigo exclusivo para o Scotland on Sunday, que mais tarde apareceu também no Observer O texto, muito comovente, pedia às pessoas que se mobilizassem. Depois de avaliar a doença de sua mãe, Joanne se deu conta de que a mãe dela fez fisioterapia, que aliviaria seu
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sofrimento no máximo dez vezes nos dez anos em que esteve doente. Sua mãe não podia dirigir, então mantinha-se isolada em Church Cottage, no interior, onde vivia. Sua mãe se arrastava pelas escadas de casa porque já não conseguia andar e, ainda assim, o fisio terapeuta e a assistência domiciliar pararam de atendê-la. A indig nação de Joanne devido ao sofrimento de sua mãe era evidente e havia um forte tom de revolta.
Joanne também foi convidada a participar do Comic Relief de 2001, cujo formato bem-humorado tem por trás um propósito maior: a caridade. Aproveitando a popularidade de Harry Potter, ela concordou em escrever dois livrinhos de 40 páginas cada um. O valor seria de pelo menos 3 dólares por exemplar vendido mais os direitos autorais. Tudo ficaria para a Comic Relief. Os livros faziam parte da lista de leituras de Harry em Hogwarts - Animais Fantásticos e Onde Habitam e Quadribol Através dos Séculos. Ela gostou de ter escrito os dois livrinhos, mas essa experiência acabou trazendo-a para mais perto do mundo do show-business.
Outra organização que pediu ajuda a Joanne foi o Partido Trabalhista inglês. Gordon Brown, então chanceler do partido, é admirador de Joanne e da maneira como ela superou as dificul dades. Ele se uniu a ela em 5 de dezembro de 2000, na Conferência do Conselho Nacional para Famílias de Pais Sozinhos, e ambos se entenderam_imediatamente. A imprensa noticiou amplamente que ele convidou Joanne a aderir ao Partido Trabalhista, mas ela se manteve reservada quanto às suas convicções políticas.
Joanne, entretanto, continuou a interferir em questões sociais. Seu primeiro discurso como embaixadora do Conselho Nacional incluiu um ataque à secretária de estado da Inglaterra por ter sugerido que famílias com pais casados eram "a regra". E, mais uma vez, realçou os números que revelam que 25% das crianças inglesas são criadas por pais separados, declarando: "Ann Wildecombe, confirmando sua posição contra pais sozinhos, disse à revista Good Housekeeping que acha que a sociedade deveria ter uma 'norma preferencial'. Nós não seguimos as normas preferenciais de algumas
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pessoas mas nós existimos. O grau de civilização de uma sociedade deveria ser avaliado não por aquilo que as pessoas preferem chamar de normal, mas pela maneira como seus membros mais vulneráveis são tratados. Se tirarmos a pobreza dessa equação, a imensa maioria das famílias mantidas por uma única pessoa cuidaria tão bem dos filhos quanto os que são casados."
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E O VENCEDOR.
" Estou me esforçando ao máximo para não fazer como a Gwyneth..."
A partir de 1997, Joanne começou a ganhar muitos prêmios. Harry Potter e a Pedra Filosofal ganhou 21 prêmios em quatro
anos. Ela foi por três vezes nomeada para a Medalha Carnegie, que é o prêmio de maior prestígio na literatura infantil britânica. Em janeiro de 2000, o fato de ela não ter ganhado o Prêmio Literário Whitbread tornou-se uma notícia quente - o prêmio acabou sendo conferido a Seamus Heaney, irlandês ganhador do Prêmio Nobel, por sua aclamada tradução do poema épico anglo-saxão Beowuif O prêmio já tinha despertado controvérsia quando indicaram a modelo Jerry Hall para fazer parte do júri. Joanne ganhou o Prêmio Whitbread na categoria Melhor Livro Infantil do Ano na mesma ocasião, por Harry Potter e o Prisioneiro de Azkaban, mas não pôde receber o prêmio porque estava gripada. O ator, romancista e contador de histórias Stephen Fry recebeu o prêmio em nome dela. Eles ficaram amigos quando ele concordou em ler a versão em áudio dos livros de Potter. A maratona do programa de rádio do feriado de Natal com Harry Potter e a Pedra Filosofal, que ficou no ar durante oito horas ininterruptas, al cançou audiência de 3,5 milhões de pessoas.
O surpreendente não era que Joanne tivesse deixado de ganhar o Prêmio Whitbread, mas que um livro infantil escrito por uma autora recém-chegada estivesse concorrendo a um prêmio tão prestigioso. E mais: concorrendo com um ganhador de Prêmio
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Nobel, um dos maiores nomes da literatura moderna. Bryony
Evens lembra que, desde o início, na Agência Literária
Christopher Little, "nós não víamos Harry Potter exclusivamente
como literatura infantil. Era uma excelente leitura, ponto".
Nove dias depois, curada da gripe, Joanne recebeu em Londres o Prêmio Literário Britânico, o "Nibbies", como Autor do Ano. O Nibbies é o equivalente ao Oscar para a literatura britânica. Em seu discurso, Joanne disse à platéia: "Estou me esforçando ao máximo para não fazer como a Gwyneth Paltrow aqui... Isto é uma grande honra. Obrigada, muito obrigada. Tenho que agradecer à Bloomsbury, como sempre, em particular a Emma Mathewson e a Rosamund de la Hey. Estou apavorada. Se vocês todos tivessem nove anos de idade, eu me sentiria muito mais à vontade. Como podem ver, estou totalmente constrangida."
A observação de Joanne, de que estaria mais à vontade numa sala cheia de crianças de nove anos de idade, era absolutamente sincera. Ela sempre está mais tranqüila e feliz na companhia de crianças. Os pais das crianças que já estiveram com J. K. Rowling em suas viagens notaram que ela fala com as crianças de igual para igual. Ela continua querendo ser acessível para as pessoas que realmente importam - seus leitores. Nem sempre as coisas funcionam como planejado, como no lançamento de Harry Potter e o Cálice de Fogo na estação King's Cross. Isso acontece sempre que se subestima o imenso interesse gerado pela sua presença em uma livraria. O agente literário Giles Gordon ainda se lembra de uma das primeiras tardes de autógrafos em Stockbridge, quando a multidão superou todas as expectativas. Depois de uma hora de fila, Joanne ainda era um pontinho no horizonte, e ninguém gostou quando anunciaram que
J. K. Rowling tinha que sair porque estava na hora de ir buscar sua filha Jessica. No meio de toda aquela gente reclamando, Giles avançou para a frente da fila e pediu a Joanne que autografasse o livro para o filho dele. Joanne foi apanhada de surpresa e, sem se queixar, autografou mais um livro.
O primeiro ano do novo milênio não podia ter sido melhor para
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Joanne. Além de ser a Autora do Ano e de receber o doutorado honorário em Exeter, ela foi condecorada com a Ordem do Império Britânico pelos serviços prestados à literatura infantil, nos festejos comemorativos do aniversário da rainha. Joanne deveria comparecer ao Palácio de Buckingham para receber a honraria das mãos da rainha, em dezembro, mas cancelou "porque Jessica estava adoen tada". Pelo menos foi o que contaram. Na realidade, ela estava na platéia da Escola Primária Craiglockhart para ver sua filha atuando na peça de Natal. Joanne, que sempre põe em primeiro lugar tudo o que se refere à filha, assistiu muito orgulhosa, sentada no meio de todos aqueles pais que estavam ali babando. A história de que a Jessica não estava se sentindo bem foi apenas uma desculpa bem- educada, mas será que existe uma razão melhor para se faltar a um compromisso oficial do que ir ver sua filha atuando numa peça de teatro na escola? A importância do vínculo entre mãe e filha ilumina os livros de Harry Potter da mesma maneira que ilumina a vida da própria Joanne.
Não houve repreensão por parte da família real e, depois do Natal, o príncipe de Gales convidou Joanne para comparecer ao castelo de Balmoral. Foi então o príncipe Charles quem fi nalmente entregou a Ordem do Império Britânico a Joanne, que acabou encontrando a rainha quando esta visitou os escritórios da Bloomsburyno centro de Londres.
A rainha disse a Joanne: "Quando criança, eu era uma leitora voraz. E foi bom para mim, porque agora leio rápido e tenho sempre muito, para ler." Mencionou também que sua neta, a prin cesa Eugenie, era fã de Harry Potter. A rainha ficou contente de se deixar fotografar ao lado de Joanne. As duas foram fotografadas sorrindo muito diante de uma estante lotada de livros de Harry Potter, todos com a capa voltada para a câmera - uma peça de publicidade desnecessária, arranjada pelo editor.
Já era esperado que, em meio a toda essa aclamação, houvesse reações contrárias. Quando se está na galeria da fama, sempre aparece alguém para fazer críticas. No meio literário ninguém faz
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tanto sucesso quanto Joanne Rowling. Alguma coisa tinha que acontecer para atrapalhar o sucesso dela. A chateação partiu de uma autora americana pouco conhecida até então, chamada Nancy Stouffer e que assina N. K. Stouffer, que afirmava que Harry Potter era um plágio de seu livro The Legend ofRah and the Muggles (A lenda de Rah e os Muggles), publicado em 1984.
O herói de Stouffer é Larry Pottei que tem cabelos pretos ondulados e usa óculos. Sua mãe se chama Lilly Potter (a mãe de Harry é Lily). Há um personagem chamado Guarda dos Jardins (Rowling tem o Guarda das Chaves) e, é claro, há os Muggles, que são pequenas criaturas carecas que cuidam dos dois meninos órfãos nas histórias de Stouffer, e, nos livros de Harry Potter em inglês, esse é o nome dado aos "trouxas", aqueles que não são magos. Stouffer escreveu 12 livros entre 1984 e 1988, mas nenhum deles tem qualquer relação com magia. Ela comentou: "Coincidências podem acontecer, mas ainda assim acho que se algo parece um pato e age como pato... e um pato.
Robert McCrum, editor literário do Observer comentou que uma das leis inflexíveis do mundo literário diz que tão logo um escritor alcança reconhecimento generalizado, alguém menos bem-sucedido vai reclamar de plágio. Foi o que aconteceu com Shakespeare e continua acontecendo até hoje.
Era inevitável que a questão fosse parar nas mãos dos advogados. Joanne nunca tentou ocultar a influência que sofreu em seus livros, e parte da diversão de Harry Potter é tentar localizar exemplos de homenagens literárias a Tolkien, Jane Austen, Elizabeth Goudge ou C. S. Lewis. Robert McCrum acredita que todos os bons autores que são honestos admitem que, quando esbarram em alguma coisa interessante na obra de outra pessoa, vão guardá-la, consciente- mente ou não, para utilizá-la no dia em que lhes faltar inspiração. Joanne explicou que teve a idéia de "Muggles" ("trouxas", na edição brasileira) depois de ouvir as pessoas se chamando de "mugs".
É claro que a mídia adora o alarde causado por uma acusação de plágio. A manchete no jornal inglês The Sun acusava: "1984 - 151
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J. K. Rowling
Nancy escreve um livro sobre Larry Potter e Muggles; 1997 - J. K. Rowling escreve sobre Harry Potter e Muggles". Joanne não é a única autora contemporânea a sofrer acusações de plágio: E D. James, lan McEwan, Graham Swift e Robert Stone também já passaram por isso. McCrum declarou que "já está na hora de escritores criativos reclamarem seu direito de pegar emprestado de outros sem se envergonharem por isso".
Então por que Joanne e seus editores não fizeram um acordo fora dos tribunais? Afinal, um milhão de dólares não é muito quando o assunto é Harry Potter. Uma declaração de Nigel Reynolds, do Daily Ièlegraph, talvez esclareça a questão: "Joanne teve uma vida difícil e tem a integridade de uma pessoa pura." A verdade é que Joanne se orgulha muito de Harry Potter e não admite que nada diminua o valor dessa conquista.
Fort knox
'Ela me incomoda porque de certa forma é parecida comigo."
A riqueza de Joanne tornou-se assunto de grande fascínio sobre o
público talvez pela rapidez com que ela se tornou uma das mulheres mais ricas da Inglaterra. Toda vez que se publica uma lista, o rosto dela é o escolhido para a ilustração, entre obscuros magnatas de negócios, velhos astros do rock e jogadores de basquete. Segundo o jornal inglês Sunday flmes, Joanne foi classificada como a 526a pessoa mais rica do país em 2001, com uma fortuna de 97,5 milhões de dólares. Ela era recém-chegada naquela lista. Provavelmente só ela e seu contador sabem exatamente quanto dinheiro tem. O próprio Sunday Times admite ter feito uma estimativa "conservadora" de seus rendimentos. Em 2001, Joanne aparecia como a 36a mulher mais rica do Reino Unido. Em 2003, uma estimativa do mesmo Sunday Times indica que a venda de livros, de produtos da marca Harry Potter e o cinema já fizeram de Jeanne a mulher mais rica da indústria cultural britânica, com uma fortuna avaliada em 280 milhões de libras, maior até do que a da rainha Elizabeth II.
Na verdade, pouco importa se Joanne tem 97, 120 ou 280 milhões de libras. Se tivesse conta no Banco Gringotes, o banco dos duendes, ela não teria conseguido entrar em seu cofre devido à montanha de galeões de ouro empilhados lá dentro. Quando deixou de comparecer à entrega do British Book Awards em 2001, circulou uma piada dizendo que Joanne tinha viajado para com prar um terreno - o Canadá. Ela de fato comprou uma nova casa,
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um pouco menor que o Canadá é verdade, mas ainda assim uma residência muito atraente em Kensington, Londres, cujo valor está estimado em 6,75 milhões de dólares. A propriedade fica num condomínio de 25 casas para ricos e, entre outros luxos, tem uma piscina subterrânea e segurança 24 horas. Madonna alugou uma casa ali durante algum tempo, o que deu notoriedade a esse condomínio. Christopher Little diz que é "o segundo lar de Rowling, que, no entanto, prefere não se mudar para Londres definitivamente. Mas ela não precisa mais se hospedar em hotéis toda vez que vem à cidade para se encontrar comigo ou com os editores". Como outros que dão valor ao dinheiro, pois já tiveram que se preocupar com ele no passado, Joanne não costuma jogar dinheiro fora. Mesmo que Joanne nunca ficasse naquela casa, já seria um ótimo investimento.
Pelo menos a autora ainda pode andar pelas ruas elegantes de Londres sem ser reconhecida. Isso estava ficando cada vez mais difícil em Edimburgo, principalmente depois do banho de loja que tomou. Ela parece rica. Seus cabelos agora estão loiríssimos - o tom ver melho foi-se para sempre. Como a Hermione no Baile de Inverno, em Harry Potter e o Cálice de Fogo, seus cabelos não são mais des grenhados, mas escovados e brilhantes. Sua pele está bem-cuidada, suas roupas são de grifes famosas e suas jóias têm diamantes ver dadeiros. Quando sai a pé pela Princess Street, olhando as vitrines, as cabeças se viram independentemente de Joanne ter se tornado famo sa. Quando entra em um restaurante, é reconhecida e homenageada. Se estiver jantando em companhia masculina, provavelmente aparecerá nas colunas sociais dos jornais. Joanne não é Madonna, mas não dava mais para continuar morando em Hazelbank Terrace.
Finalmente ela encontrou a casa certa, a 20 minutos a pé da área próspera da cidade. É uma mansão com muros de três metros de altura, cobertos de hera, que devem ter sido construídos para dar privacidade a seus moradores. Lá dentro há amplas sacadas voltadas para um suntuoso jardim.
Os amigos de Joanne tiveram que jurar que não revelariam seu
novo endereço. Há algo bastante triste sobre esse lugar. Você pode imaginar a pequena Jessica chegando em casa da escola e tendo que acertar uma senha para poder entrar em casal A dificuldade em deixar o mundo fora da sua casa está em não transformá-la numa prisão.
Jessica e sua mãe são vistas apenas em raras ocasiões em Hazelbank Terrace hoje em dia, embora Joanne não tenha cortado todas as suas ligações com sua antiga residência. Ao invés de colocá la à venda, deu de presente para uma mãe solteira de quem tinha se tornado amiga quando viviam na mesma vizinhança em Leigh. A mulher, que tem uma filha da idade de Jessica, tem sido uma amiga leal e discreta, qualidades que Joanne aprecia cada vez mais. O presente é um exemplo típico da sua singela generosidade.
Joanne não foi a única pessoa que ficou rica com Harry Potter. O pequeno mago é uma máquina de fazer dinheiro. Sua imagem - os óculos de aro de metal, a cicatriz em forma de raio - é tão fácil de reconhecer quanto a do Mickey. A Coca-Cola pagou 150 milhões de dólares para ser a única parceria de marketing da Warner Brothers no filme Harry Pouer e a Pedra Filosofal. Brad Bali, presidente de marketing da Warner Brothers na Inglaterra, disse que foi muito importante "criar uma parceria com capacidade de pro porcionar ao mundo inteiro o poder e a magia de Harry Potter".
Há quem diga que o lucro com merchandising e licenciamentos gerado pela franquia de Hollywood estaria em torno de um bilhão de dólares. A loja Marks and Spencer, com filiais em todo o Reino Unido, vivendo uma crise nas vendas, acreditava que só uma mágica resolveria seus problemas. E foi exatamente o que aconteceu. A loja ganhou o contrato para vender os produtos Harry Potter:
roupas de cama, papéis de presente, material escolar e todo tipo de roupas. Para a venda de brinquedos com a marca, foram assinados contratos com Mattel, Hasbro e Lego. Logo, logo outros produtos como xampu e cartões também serão vendidos, além de balas e chocolates. Uma empresa inglesa, a Electronic Arts, conseguiu os di reitos para desenvolver jogos de computador baseados nos livros. São também programadores exclusivos para a área de jogos da America
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Online, o que lhes dá uma platéia potencial de 25 milhões de usuários. A Bloomsbury não ficou esquecida. Os editores de Joanne
fecharam um contrato para vender agendas, calendários, cadernos de endereços e marcadores de livros com a marca Harry Potter. O sucesso de Harry Potter causa inveja no mundo editorial, principalmente entre aqueles que não deram oportunidade a J. K. Rowling. Cinco diretores já estão milionários graças à afta das ações de suas empresas. Nigel Newton, de 45 anos, foi um dos responsáveis por esse fenômeno. Nascido na Califórnia, é considerado um visionário em um ramo sem muito glamour. Isso só contribuiu para o sucesso de Harry Potter. Ele foi co-fundador da Bloomsbury em 1986, com a antiga editora-chefe Liz Calder, depois de ter se destacado por seu trabalho na editora Sidgwick and Jackson.
Nigel Newton é cauteloso e ressalva que nem todos na empresa trabalham com Harry Potter, lembrando que a editora tem outros autores bem-sucedidos, como Michael Ondaatje, Will Self e Joanna Troliope. Mas embora a Bloomsbury publique 250 títulos por ano, Harry Potter é responsável por mais de 20% do seu faturamento. A Bloomsbury tem um contrato para publicar os sete livros de Harry Potter, e as vendas permanecem altas. Na verdade, parece que sobem cada vez mais. Em junho de 2001, a Bloomsbury criou uma divisão de publicação de livros infantis, fazendo com que o valor das ações da empresa-xubisse imediatamente, de 0,90 dólar para 12,70 dólares. Nigel ganhou quase 750.000 dólares só por ter anunciado isso.
O indivíduo que mais enriqueceu com Joanne Rowling foi Christopher Little, que, numa estimativa conservadora, até 2001 havia ganho mais de 15 milhões de dólares. Christopher é hoje um dos homens mais ricos do mundo editorial. Ele reconhece sua sorte e diz para todo mundo que o sucesso de Harry Potter foi a maior surpresa de sua vida, porque quase recusou o livro de Joanne. Agora ele tem novos escritórios e um Mercedes novinho. O próprio Christopher admite que Harry Potter mudou as vidas de todos que se associaram a ele. Achavam que ia dar certo, mas nunca ima ginaram um sucesso tão grande.
Aqueles que conhecem Christopher e Joanne acreditam que eles têm uma espécie de relacionamento de pai e filha e, ao mesmo tempo, não permitem que isso se torne muito pessoal. Joanne tornou-se implacavelmente eficiente em seus negócios, e Christopher mantém todo mundo afastado dela, administrando fax e e-mails. Na época da publicação de O Prisioneiro de Azkaban, em 1999, ele começou a dosar seus outros interesses, reduzindo sua lista de clientes a, no
máximo, meia dúzia. Ele até deixou de representar A. J. Quinell, e deixou Artemis Fowb de Eoin Collins, escapar por entre seus dedos. Tornou-se best-seller internacional e, como Harry Potter, deve chegar às telas dos cinemas.
Uma parceria que deu errado foi aquela feita entre Christopher Little e Patrick Walsh, que terminou em 2000, quando Walsh re solveu abrir sua própria agência, a Conville and Walsh.
A parceria de Joanne e Christopher continua a prosperar. No início de 2001, no entanto, houve rumores de que não andavam bem e que ela estava procurando um novo agente literário. Mas só Joanne e Christopher sabem a verdade dessa história.
Ela e Jessica formam outra importante equipe, embora incom pleta. Depois que seu casamento acabou, ter outro homem em sua vida deixou de ser prioridade. Seu objetivo era um só: lutar para sair da pobreza e da depressão. Ela ficava feliz por desfrutar a companhia de amigos e chegou a se comparar a Emma Woodhouse, a heroína do romance de mesmo nome, de Jane Austen. Emma é uma per sonagem que se mistura às vidas amorosas de seus amigos. "Ela me incomoda porque de certa forma é parecida comigo", explicou Joanne no programa de rádio With Great Pleasure.
Jane Austen sempre foi a escritora favorita de Joanne. Ela lê continuamente os romances, fazendo um rodízio dos títulos e, sempre que pode, homenageia Austen em seus próprios livros. Madama Nor-r-ra, por exemplo, a odiosa gata de Filch, o vigia de Hogwarts, é "um bicho magro, cor de poeira, com olhos saltados como lâmpadas...". Madame Nor-r-ra (Mrs. Norris em inglês) é também a odiosa tia de Fanny Price em Mansfield Park, de Jane
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Austen. Uma homenagem mais sutil a Austen está nas surpresas que Joanne sempre introduz no desfecho de seus livros. Um exemplo disso é a revelação de um personagem aparentemente inofensivo ser o verdadeiro inimigo de Harry e não Snape, como todos pensavam. O enredo de Emma tem aquilo que Joanne chama de "o mistério mais habilmente arquitetado que já li". O envolvimento secreto de Frank Churchill com Jane Fairfax passou despercebido por ela na primeira vez em que leu o livro. E para seus amigos também. "Tenho consciência de que nenhum dos finais surpreendentes que pensei para os livros de Harry Potter pode se aproximar do que Austen fez em Emma."
A passagem que Joanne escolheu como sua favorita no programa de rádio foi a cena depois do piquenique em Box Hill, em que Emma faz uma piada maldosa sobre a solteirona Miss Bates. Numa cena poderosa, Mr. Knightly adverte Emma: "Se ela fosse uma mulher de fortuna, eu deixaria de lado todo esse absurdo inofensivo e aproveitaria essa chance; eu não iria me indispor com você por causa das suas liberdades. Se ela fosse sua semelhante em situação - mas, Emma, considere quão distante isso é da realidade. Ela é pobre; naufragou dos confortos em que nasceu; e, se viver até uma idade avançada, vai provavelmente se afundar mais. A situação dela deveria garantir sua compaixão. Foi mal arranjada, de fato!"
Uma das características que as heroínas de Jane Austen e Joanne têm em comum é a independência. Embora se orgulhe de ser assim, Joanne revelou que gostaria de ter outros filhos, porque admira as famílias grandes. Como sofreu muito em seu casamento, tornou-se cautelosa no que diz respeito a novos relacionamentos. Mas esse cuidado, por mais justificado que fosse, foi esquecido no momento em que foi apresentada a um jovem médico.
UM NOVO AMOR
"Ela precisaria ser completamente louca para esperar o que aconteceu"
A primeira característica que chamou a atenção da mídia e do 1 \. público quanto ao novo homem na vida de J. K. Rowling foi sua semelhança com Harry Potter. O Dr. Neili Murray, seis anos mais jovem do que Joanne, tem, de fato, uma certa aparência "potérica", acentuada pelos óculos de aro redondo. Parece que ninguém consegue usar uma armação desse tipo sem ser comparado ao pequeno feiticeiro representado por Daniel Radcliffe. O Dr. Murray também usa uma franja de menino, mas é claro que não tem nenhuma cicatriz em forma de raio na testa.
O casal se conheceu na casa de um amigo comum e Joanne se apaixonou imediatamente. O problema era que Neil era casado, mas Joanne soube que ele estava separado da mulher, Fiona, que também era médica.
O Dr. Murray é um profissional de classe média, com uma vida estável, o tipo de marido que os pais de Joanne teriam escolhido para a filha. Esperava-se que ele continuasse a tradição da família, como seu pai e seu avô, e trabalhasse como veterinário na cidade de Huntly, no condado de Aberdeen. Sua mãe, Barbara, trabalhou co mo professora primária.
É quieto, estudioso e trabalhador, um cidadão sério, com quem Joanne, uma pessoa de temperamento mais leve, poderia discutir seus problemas e inseguranças. Não se deixa de ser uma guerreira só porque se teve a boa sorte de virar uma multimilionária. No início
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do relacionamento, Joanne e Neil eram vistos de mãos dadas, trocando beijos, como qualquer casal de namorados. Saíam para jantar em restaurantes como o Skippers Bistro, em The Shore, em Leith, e encontravam os amigos para almoçar na Pizza Express, em Stockbridge. Ela também o acompanhava em um ou outro evento social no hospital. Suas personalidades se completam.
Ele é discreto, enquanto Joanne, quando está com pessoas que conhece e confia, dá vida a uma reunião, com sua gargalhada que ilumina qualquer encontro. Aos poucos, o casal começou a passar cada vez mais tempo na luxuosa casa de um milhão de libras que ela comprou em Merchiston, onde quase sempre se via o carro esporte vermelho dele parado na entrada.
Quando os jornais descobriram o romance, no início de 2001, houve um frenesi de especulações: quem era o homem que tinha conquistado o coração da autora de Harry Potter? Quem deu uma idéia sobre o tipo de homem que é Neil Murray foi sua ex-mulher, Dra. Fiona Duncan. Um dia, ele telefonou se desculpando pela intromissão da mídia que, inevitavelmente, a descobrira: "Ele me disse que lamentava muito por expor a mim e minha família a tudo aquilo. Eu respondi que estava tudo bem. Ele não falou de Joanne, mas sou sua ex-mulher e acho que não teria sido apropriado. Não era da minha conta com quem ele estava envolvido, nem se era ou não uma pessoa famosa."
Na primavera de 2001, os jornais começaram a especular se Joanne tinha planos de casar com o "namorado que era a cara do Harry Potter". Ela aparentemente usava um anel de noivado e foi forçada a negar as histórias que os dois se casariam durante as férias de verão na América do Sul. Os rumores aumentaram quando Neil abriu mão de seu emprego de 32 mil libras (R$ 144.000,00) por ano para viajar. Seu pai, Ernest, disse que "estava encantado por eles e feliz pelo filho".
Eles realmente viajaram para uma pausa romântica. Neil se encontrou com Joanne e Jessie, como Jessica é chamada na família, nas lindas ilhas Maurício, nos trópicos, para um feriado de sonhos.
No dia 29 de julho, dois dias antes do trigésimo sexto aniversário de Joanne - data que, coincidentemente, compartilha com Harry Potter -, a imprensa de todo o país publicou fotos do casal, graças às lentes de longo alcance dos paparazzi. Joanne aparecia irradiando felicidade, sem saber que sua alegria e seu biquíni preto estavam sendo examinados de tão perto. Pior ainda foi que a revista OK' resolveu incluir uma foto de Jessica na reportagem de quatro pá ginas. Até então ela vinha sendo poupada nas Lotos que apareciam nos tablóides.
Quando Joanne soube disso, decidiu buscar uma reparação para o que considerou uma violação indesculpável do direito de sua filha a privacidade e segurança. Apresentou queixa formal à Press Complaints Comission (Comissão de Queixas contra a Imprensa), argumentando que as fotografias eram uma invasão de privacidade e uma violação do código britânico de prática jornalística, que proíbe fotografar crianças só porque os pais são pessoas famosas. A Comisão aceitou as duas queixas, ou seja, que o uso de lentes de longo alcance para fotografar pessoas em locais privados, sem o consentimento delas, era inaceitável, e que crianças não devem ser entrevistadas nem fotografadas pela imprensa em assuntos que envolvam seu bem-estar, sem a permissão de um dos pais.
Tim Toulman, diretor da Comissão, ressaltou que Joanne nunca tinha exposto a filha em público e que não havia fotos dela em circulação. Acrescentou que "a Comissão decidiu que, coerente com sua conduta, ela tinha escolhido um lugar tranqüilo, na baixa estação e sem construções altas por perto, a não ser o hotel". En tretanto, a observação que mais pesou foi a de que Jessica tinha ficado constrangida na escola.
Joanne deu a seguinte declaração: "Estou encantada e aliviada pela Comissão ter decidido a favor de Jessica. Estou me empe nhando em dar a ela uma vida tão normal quanto possível e tenho me esforçado, nos últimos quatro anos, para preservá-la da intromissão da imprensa. Espero e acredito que a decisão neste caso vai protegê-la de incidentes semelhantes no futuro e que esta-
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beleça um precedente em casos que envolvam outras crianças de pais famosos."
A decisão foi divulgada apenas um mês antes do que viria a ser o segundo acontecimento mais importante do ano para Joanne: a estréia mundial, em 4 de novembro, do filme Harry Potter e a Pedra Filosofal. Foi uma prova a mais de que Joanne era uma das mulheres mais famosas do mundo. Apesar da presença de cele bridades mais familiares da mídia como Cher, com uma peruca prateada, Patsy Kensit, duquesa de York, e Sir Cliff Richard, foi o filme da reservada J. K. Rowling que ganhou as primeiras páginas. Pela primeira vez, os paparazzi tiveram todo o direito de tirar fotos de Joanne, que usava um terninho preto de veludo de seda e uma papoula vermelha em homenagem ao Dia do Armistício. Ela ace nou, sorriu e parecia uma estrela, mesmo que por dentro estivesse sentindo sua costumeira ansiedade.
Nesse dia, quando Joanne se defrontou com a legião de fãs do lado de fora do cinema Odeon, na Leicester Square, havia uma diferença muito importante: Neil Murray, pela primeira vez, aparecia ao seu lado em público. Para a mídia havia tantas coisas acontecendo, tantos rostos conhecidos para ver, que aquele público lá fora não era o foco das atenções. J. K. Rowling e o primeiro filme de Harry Potter eram, nesse momento, mais importantes do que Joanne Rowling e seu primeiro namorado a sério desde o fim do casamento. Neil, também de preto com uma papoula vermelha na lapela, posou para a imprensa de maneira natural abraçado a Joanne e, depois, muito feliz nos bastidores, enquanto ela dava entrevistas. Como responsável por todo aquele burburinho e frenesi, ela declarou aos repórteres: "Estava muito nervosa antes de ver o filme, mas estou muito satisfeita com ele e acho que todos vão amá-lo."
Dentre as estrelas do filme, Robbie Coltrane dominou as aten ções. Mas o próprio Harry Potter, Daniel Radcliffe, também foi agarrado por todos os microfones e câmeras. Ele já tinha dado várias entrevistas declarando que "tinha pensado bastante quanto a ser reconhecido e acho que vai ser tranqüilo". Por ironia, ele tinha
preferido não usar os famosos óculos de Harry e, como resultado, custou a ser reconhecido.
A estréia mundial de Harry Potter e a Pedra Filosofal foi o ponto alto de meses de uma intensa campanha de divulgação. No início de março, o pontapé inicial foi dado com a exibição de um trailer com uma amostra da mágica que viria a seguir. A impressão mais duradoura que o trailer deixou foi que o jovem Daniel Radcliffe era igual à ilustração do original de Thomas Taylor para a capa do primeiro livro.
Durante as filmagens, Joanne teve um papel muito ativo nos bastidores, envolvendo-se como uma mãe orgulhosa, mas nervosa, trilhando a linha tênue entre uma interferência e uma assistência cuidadosa. Disseram que ela desfrutou um poder de veto sem precedentes sobre a escolha do diretor, do roteirista e de todos os atores. Freqüentava sempre o local das filmagens para dar sua opinião sobre as cenas e ia ver o que tinha sido filmado à noite.
Seis meses antes do lançamento do filme, raro era o dia sem alguma nova informação no site oficial na Internet. Em setembro, por exemplo, a primeira foto de Harry sobre a vassoura foi liberada para um público sedento de informação. Havia ainda quase tantas histórias sobre a continuação, Harry Potter e a Câmara Secreta, como a de Hugh Grant jogando fora a chance de fazer o vaidoso Gilderoy Lockhart, um papel finalmente agarrado por Kenneth Branagh. A Warner Bros. saiu em campo para registrar os nomes para o segundo filme, incluindo Dobby, Floo Powder - Madame Pomfrey -, Ginny Weasley e Moaning Myrtle - Murta que Geme.
Até mesmo o príncipe Charles queria saber as novidades e o andamento do filme. Tinha se tornado amigo de Joanne e jantou na suntuosa casa dela, em Londres. Foi ela quem contou que "ele me perguntou sobre o filme. Disse que mal podia esperar para vê-lo e queria saber se era fiel à história que eu tinha inventado. Respondi que sim".
Joanne ficou mais tranqüila quanto à sua "cria" com a abordagem do diretor Cris Columbus, que admitiu ter sido "uma paixão para
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mim ser o mais fiel possível". Columbus teve o incentivo adicional de agradar sua filha de 12 anos, Eleanor, que é fanática por Harry Potter e teria sido sua crítica mais feroz se ele se atrapalhasse. Felizmente, ela ficou bem impressionada com os esforços do pai.
Joanne estava começando a sentir a imensa pressão da expectativa do público, brincando que iria à estréia disfarçada: "Procure a pessoa de turbante roxo - serei eu." Ela se envolveu tanto com o filme que o quinto livro da série, Harry Potter e a Ordem da Fênix, teve de ser posto de lado, o que foi um desapontamento para os fãs que esperavam um novo livro a cada ano, nos sete anos de Harry na escola. Neil e Joanne começaram a perceber que precisavam en contrar um refúgio, um lugar longe das câmeras dos paparazzi - as atenções indesejadas nas ilhas Maurício só fizeram aumentar a compulsão de Joanne por privacidade. Ela precisava de um lugar calmo, onde pudesse se desligar do mundo exterior e desfrutar a companhia de Neil e de Jessica. E onde pudesse escrever.
Neil e ela começaram a perambular pela região rural, num raio de duas horas de distância de carro de Edimburgo. Não muito longe de Perth, acharam a casa perfeita - secular, histórica e grande o bastante para acomodar uma família maior, caso Joanne resolva ter outro filho. Killiechassie, cõnstruída em 1864, era propriedade de um milionário italiano, e Joanne conseguiu negociar a compra, em sigilo, com a ajuda de um corretor de imóveis de Perth. O preço pedido foi mantido em segredo, mas alguns estimam em cerca de dois milhões de libras.
Killiechassie é uma casa de pedra nas margens do rio Tay, de costas para a estrada para Aberfeldy, uma deliciosa cidadezinha rural distante pouco mais de três quilômetros e um centro popular de turismo, por causa da paisagem de tirar o fôlego.
Os jardins da casa ostentam lindas árvores centenárias e, por dentro, Killiechassie tem seis dormitórios, um quarto de vestir, uma sala de visitas, uma sala de almoço, cozinha, biblioteca e, natu ralmente, um escritório para Harry Potter. Para Joanne, era um refúgio perfeito.
Harry Potter e a Pedra Filosofal foi um triunfo cinematográfico. Joanne pode ter ficado apreensiva com a estréia, mas a resposta não podia ter sido melhor. Baz Bamigboye, que escreveu a primeira resenha no Daily Mau, entusiasmou-se: "Fico contente em dizer que é verdadeiramente um show de feiticeiro." Com 152 minutos de exibição, o filme certamente condensou a história ori ginal tanto quanto possível. Bamigboye achou "fabulosas" as cenas de quadribol e acrescentou que o jogo mortal de xadrez que Harry tem de jogar para alcançar a Pedra Filosofal fez com que ele sen tasse na ponta da cadeira.
Discretamente, longe das fanfarras e trompetes, Joanne organizou duas estréias de gala destinadas à caridade. A primeira, em 6 de novembro, em Edimburgo, levantou fundos para os Centros Maggie e para a MS Society Scotland (Sociedade Escocesa para a Esclerose Múltipla). A segunda aconteceu no dia seguinte, em Londres, em beneficio do National Council for One Parent Families (Conselho Nacional para Famílias de Pais Sozinhos). Joanne não perde uma oportunidade para ajudar suas instituições favoritas.
Harry Potter e a Pedra Filosofal teve lançamento nacional em 16 de novembro. Nem todos os críticos ficaram tão impressionados quanto Bamigboye, apesar de o filme ser inegavelmente um produto de qualidade, com uma atuação maravilhosa do elenco, que, além de Robbie Coltrane, inclui Maggie Smith e Richard Harris. Fazendo uma retrospectiva, é mesmo bem fiel ao livro. Considerando tudo, o filme é basicamente para crianças e não poderia haver nenhuma discussão diante das filas de jovens que se formaram para vê-lo por todo o mundo. Harry Potter e a Pedra Filosofal fica em segundo lugar, atrás de Titanic, na lista das maiores bilheterias de todos os tempos. Só nos Estados Unidos, arrecadou 297 milhões de dólares até o fim de 2001.
A publicidade do filme fez com que o livro voltasse ao topo da lista dos mais vendidos. Um dos aspectos mais surpreendentes do sucesso de Harry Potter é como ele se mantém. Depois de vender 135 milhões de cópias desde 1997, como pode existir alguém que
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ainda não tenha lido um livro de Harry Potter? Mas ele continua a transbordar das prateleiras. A cada 30 segundos, alguém, em algum lugar, começa uma história de Harry Potter.
Por ironia, a maior competição do filme veio de O Senhor dos Anéis: a Sociedade do AneL Parece que há anos não faziam filmes envolvendo magia e então eles chegaram como os ônibus na hora do rush. Quando toda essa competição forjada pela imprensa sossegou, o épico de Tolkien surgiu como o mais aclamado pela crítica e ganhou o Bafra (maior prêmio de cinema da Inglaterra) como o melhor filme do ano e, depois, quatro estatuetas do Oscar. Mas quanto à bilheteria; Harry Potter e a Pedra Filosofal foi muito superior, apesar de ambos serem sucessos comerciais retumbantes. As seqüências devem alimentar essa rivalidade por muitos anos.
Como parte do enorme interesse do público em tudo o que se refere a Rowling nessa época, Joanne aceitou ser o assunto do programa Omnibus, da BBC Television. O programa traçou um atraente panorama sobre sua vida e destacou os tópicos mais importantes. Ela finalmente voltou até a Tutshill Primary School e encantou as crianças aparecendo de surpresa, falando com elas da maneira simples que sempre usa com seus pequenos admiradores. Mostrou seu quarto no Church Cottage e se lembrou das pontas de cigarro jogadas pela janela, tentando fazer com que seu pai acreditasse que-tin-ham sido lançadas sobre o muro do jardim pelos rapazes da cidade.
Mais intrigante para os fãs de Harry Potter é que ela confi denciou que haveria mais mortes nos livros seguintes, uma em es pecial, horrorosa. Também admitiu ter escrito 15 versões do primeiro capítulo de Harry Potter e a Pedra Filosofal. Não é de admirar que fosse quase perfeito quando chegou às mãos de Bryony Evens. Revelou ainda que o capítulo final do último livro da série foi guardado em uma capa amarela e escrito no mesmo tipo de fo lha de bloco que as crianças levam para a escola nas mochilas. Essa pasta especial agora fica guardada em um cofre de segurança e não em nenhuma das três casas de Joanne. E não é para menos, já que
o conteúdo daquela surrada pasta amarela vale milhões de libras.
O fato mais importante na vida de Joanne Rowling em 2001 aconteceu em 26 de dezembro na biblioteca da Killiechassie House:
seu casamento com o Dr. Neil Murray. Foi uma reunião familiar, feliz, restrita, preservada das atenções da imprensa e do público, mas também uma ocasião para banir todas as tristes lembranças de sua primeira e malfadada aventura no casamento, nove anos antes. Foi uma comemoração inteiramente diferente daquele empoeirado dia no Porto, quando Joanne vestiu-se de preto e seu rosto traía um sentimento mais de esperança do que de expectativa. Nada jamais poderá substituir sua alegria com o nascimento da filha Jessica - nem mesmo ver Harry Potter e a Pedra Filosofal pela primeira vez em uma livraria -, mas seu segundo casamento chegou bem perto.
Joanne usou marfim na cerimônia e teve três damas de honra: sua irmã Di, a irmã de Neil, Lorna, e Jessica. Lorna e Di assinaram como testemunhas. O melhor de tudo foi Pete Rowling e sua segunda mulher, Janet, que viajaram de Chepstow para comparti lhar a felicidade de Joanne.
Mais uma vez não houve lua-de-mel para a recém-casada Sra Neil Murray. Em vez disso, ela teve de retomar o trabalho de Harry Potter e a Ordem da Fênix, ansiosamente aguardado por milhões de crianças em todo o mundo. As distrações para Joanne enquanto lutava para terminar o livro foram enormes. É bem mais fácil escrever na adversidade, quando a determinação exclui qual quer diversão.
O futuro de Joanne, tão triste nove anos antes quando voltou de Portugal, ficou cor-de-rosa e seguro. O desejo de ter mais filhos foi satisfeito no dia 23 de março de 2003, com o nascimento de David Gordon Rowling Murray, em Edimburgo. O pai do pe queno escocês, Neil, resolveu que o futuro dele, quando não estiver acompanhando Joanne pelo mundo, pode ser trabalhar como médico rural.
Se uma palavra pudesse sintetizar o que Joanne conquistou e servir de incentivo para aqueles que alimentam ambições secretas,
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J. K. Rowling
é a que se encontra em sua nova certidão de casamento, no espaço seguinte à palavra impressa "ocupação": Escritora. Foi o que ela sempre sonhou ser, embora, como honestamente admitiu: "Eu pre cisaria ser completamente louca para prever o que aconteceu. Quem poderia esperar isso tudo?
POS - ESCRITO
Quando comecei a escrever este livro achava que Joanne Rowling como pessoa era mais interessante do que Harry Potter, sua criação ficcional. E creio que estava certo. Se você acha que combater o mal voando em cabo de vassoura é mais fascinante do que a emoção e o verdadeiro drama de uma vida humana, então irá discordar de mim.
Neste livro, tentei mostrar alguns dos acontecimentos e das pessoas da vida de Joanne que a moldaram e influenciaram como pessoa e como escritora. A fama e o dinheiro, em quantidades que superam a possibilidade de compreensão da maioria das pessoas, entraram na sua vida de maneira tão repentina que é fácil esquecer que, antes de mais nada, ela é uma escritora extremamente talentosa.
Os escritores trazem muita coisa de suas experiências pessoais para o que produzem, e foi um trabalho investigativo muito in teressante tentar localizar referências da vida de Joanne nos livros de Harry Potter. Fiquei encantado ao descobrir coisas que reconheci quando fui reler os livros. Em Harry Potter e a Pedra Filosofal, por exemplo, Hagrid diz a Harry que Voldemort "já havia matado alguns dos melhores bruxos da época, os McKinnon, os Bone, os Priuet...". Em minha pesquisa descobri que Katrina McKinnon era uma colega da Universidade de Exeter, e Jili Prewett, uma amiga do Porto. Ainda tenho que
descobrir o significado de Bone. Joanne muitas vezes tem dito
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que escreve Harry Potter para si mesma, e posso imaginá-la mor rendo de rir dessas citações.
Penso que a verdadeira Joanne Rowling ficou obscurecida por todo o marketing e falatório em torno de Harry Potter. A história da "mãe solteira sem dinheiro" foi contada tantas vezes que, para muita gente, agora parece mais ficção do que realidade. Fiquei perplexo ao descobrir como realmente sabe-se pouca coisa da vida de Joanne que não sejam os poucos fatos carregados de clichês e de informações equivocadas. É um princípio conhecido que qual quer erro que seja impresso uma vez será repetido sempre da mesma forma. Foi muito divertido verificar que isso aconteceu até comigo, ao escrever este livro. O jornal The Guardian escreveu que eu fui da mesma escola que Joanne, o que não é verdade - minha escola ficava a 200 quilômetros da dela. Imagine o meu espanto de chegar em Portugal e ver a mesma informação equivocada num jornal português. Lembro-me que, há poucos anos, uma atriz me pediu que não escrevesse que ela foi da mesma escola que a princesa Anne, porque isso não era verdade. Eu lhe garanti que não perpetuaria o erro. No domingo seguinte abri o jornal e, para meu grande constrangimento, a primeira frase do artigo incluía o trecho "...que foi da mesma escola que a princesa Anne". Um subeditor tinha colocado isso sem me dizer nada. É muito fácil -compreender por que as celebridades perdem a paciência com a mídia.
Tendo se tornado uma celebridade mundial, um dos problemas que Joanne Rowling passou a enfrentar é tentar manter alguma intimidade. Nellie Melba, a grande soprano australiana, dissé certa vez que "uma das desvantagens da fama é que a gente não pode nunca escapar dela". Joanne Rowling agora é uma pessoa famosa, uma figura pública que, num prazo extremamente curto, viu sua vida revirada de tal modo que há agora um anseio por saber onde ela vai passar as férias, o que compra no supermercado e com quem divide o seu chocolate. É bem compreensível que ela queira resguardar ao máximo sua intimidade, especialmente por causa de
sua filha, mas a fama também é como um "gênio da garrafa": de pois que ele sai, não há como enfiá-lo de volta.
O público tem pouco tempo para as pessoas famosas que "querem ficar em paz", depois de terem concordado com todas as formas imagináveis de publicidade enquanto subiam os degraus da fama. E não faz diferença se Joanne resistiu mais ao marketing pessoal do que muitos outros. No início de uma carreira você está tão ansioso por atenção que agradece qualquer forma de interesse e fica feliz se alguém diz que gostou do seu filme, da sua música ou do seu livro. Depois que se torna famoso, quer poder escorregar de volta para o anonimato quando sai para comprar um litro de leite. Infelizmente, a fama não funciona desse jeito.
Ela lidou surpreendentemente bem com as pressões da fama e mantém os pés no chão. E deu um jeito de usar sua influência de uma forma que seja importante para ela, apoiando diversas instituições beneficentes. Em menos de quatro anos Harry Potter havia vendido 100 milhões de exemplares pelo mundo inteiro. Sempre tive um saudável ceticismo em relação a números e estatísticas, mas a medida do fenômeno Harry Potter não pode ser subestimada. Como Christopher Little comentou, "para ter uma idéia, imagine que cada homem, mulher ou criança no Reino Unido tivesse dois livros de Harry Potter".
O que ela tem feito pela ficção infantil é outra questão. Há quem diga que Harry Potter saturou de tal maneira o mercado que outros livros não conseguem mais espaço. Há outros que pensam que Harry Potter abriu o mercado para mais literatura infantil, estimu lando escritores a escrever e jovens leitores a ler.
Lindsey Fraser observa: "Qualquer livro que atraia as crianças de maneira tão forte tem que ser aplaudido, e é muito gratificante ver a literatura infantil atraindo tanta atenção séria de adultos como conseqüência do entusiasmo das crianças. Trabalho nesse campo há quase 20 anos e raramente a literatura infantil tem recebido a atenção e consideração que merece. São bem mais do que instrumentos para ajudar as crianças a gostarem de ler. Entretanto
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o exagero sem precedentes que envolve esses livros e, com freqüência, também a autora, obscureceu um pouco o fato de que há muitos outros livros, autores e ilustradores notáveis para os jovens. Sempre que tem oportunidade, Joanne faz o possível para destacar esse ponto."
Louvor em excesso sempre gera algum descontentamento. Às vezes isso é divertido. Por exemplo, Raymond Briggs declarou que "é muito irritante ver alguém com dezenas de anos a menos aparecer em uma profissão de 'velhos' e ter sucesso instantâneo. Isso não é justo". Outras pessoas menos bem-humoradas têm sugerido que
J. K. Rowling anda reciclando uma xaropada de internatos antiga e cheia de clichês. Esse tipo de crítica deixa de levar em conta a imaginação dela, que é de tirar o fôlego. Como Penelope Lively observou, "a saga de Potter tem grandes qualidades: um mundo fantástico minuciosamente imaginado, um estoque ilimitado de in venção espirituosa e provocativa, uma narrativa com um ritmo fan tástico. Os comentários maldosos de que não se trata de um trabalho original, por ser uma mistura de temas já gastos e de personagens da literatura infantil, estão mal colocados. Depen dendo de como você quiser olhar, nada é original".
Todo mundo sabe que são sete livros na série Harry Potter, o que coloca uma pressão enorme sobre Joanne. Vai ser uma tremenda frustração se o desfecho não satisfizer o público. Há perguntas demais a serem respondidas. Eu gostaria especialmente de ver quanto mais de sua vida particular Joanne vai introduzir. Será que alguém vai ficar doente como Anne, a mãe de Joanne, ficou? Será que a Hermione vai finalmente se dar conta de que a vida é mais do que a realização acadêmica? Será que Harry vai se apaixonar por uma moça totalmente inadequada? Será que a Rita Skeeter vai reaparecer como biógrafa do Harry Potter? Entretanto, quero ver acima de tudo o que vai acontecer na batalha entre Harry e Voldemort, o bem e o mal. Será que Voldemort vai ser derrotado e vai desaparecer para sempre? Será que continuará maligno ou terá uma chance de redenção, talvez buscando um perdão antes de
morrer, como Darth Vader na série Guerra nas Estrelas? Um dos aspectos mais característicos da saga de Harry Potter é que os personagens podem morrer. A magia não consegue tapear a morte.
Só a própria Joanne sabe as respostas, e ela tem que lidar com a pressão gerada pelas expectativas dos leitores. Fico pensando também no que ela vai escrever depois de Harry Potter. Ela não tem que publicar mais nada, se não quiser fazê-lo. Mesmo que nunca mais escreva uma única palavra, Harry Potter será um testemunho duradouro de um talento extraordinário. Ralph Waldo Emerson escreveu que "apenas talento não basta para fazer um escritor. É preciso haver um ser humano por trás do livro". Por trás da escritora J. K. Rowling há a mulher Joanne Rowling. Ela pode ser um pouquinho tímida e nervosa às vezes, mas é uma mulher cheia de sentimento, forte e determinada. Talvez os tem pos difíceis - a pobreza, a depressão, seu casamento complicado e a doença e a morte de sua mãe - tenham dado a força que levou seu talento à realização.
No final, com a ajuda das experiências positivas de sua vida, incluindo sua filha Jessica, a lealdade dos amigos, o amor de sua família e um menino-mago chamado Harry Potter, ela alcançou a realização.
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