psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.
Copyright Petit Editora e Distribuidora Ltda., 1990/ 97.
1 edição: Setembro/90 2.000 exemplares
2 reimpressão: Dezembro/)0. 2.000 exemplares
3 reimpressão: Abril/93 3.000 exemplares
4 reimpressão: Março/94 5.000 exemplares
5 reimpressão: Outubro/94 5.000 exemplares
6° reimpressão: Janeiro/95 10.000 exemplares
7 reimpressão: Setembro/95 10.000 exemplares
8 reimpressão: Agosto/96 10.000 exemplares
9 reimpressão: Outubro/97 10.000 exemplares
Revisão de textos e composição gráfica: João Duarte de Castro
Capa. criação c arte final: Flávio Machado
Foto da capa: Élio Oliveira da Silva
Editoração: Luiz Carlos Pasqua
1 33.1 Carlos, Antônio (Espírito)
Copos que andam / pelo Espírito Antônio Carlos:
psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.
São Paulo: Petit, 1994. 140 p.
Copos que Andam
Pelo Espírito ANTÔNIO CARLOS
Psicografia VERA LÚCIA MARINZECK DE CARVALHO
Título
J: 133.9
editora
PETIT EDITORR E DISTRIBUIDORA LTD(i.
Índice
Prefácio 13
Introdução
1 - A Feira do Livro Espírita
2 - Jovens viciados 21
3 - Conseqüências da Brincadeira 28
4 - Socorro a encarnados 36
5 - A Casa do Jardim Torto 42
6 - O Tablado 48
7 - Fabiano 53
8 - Informações 62
9 - Psicometria
10 - A rosa seca 74
11 - Os primeiros socorros 79
12 - Amor maternal 88
13 - José, o Caixão 94
14 - A história de Carlos 100
15 - A palestra 108
16 - Doutrinação 113
17 - Nely 119
18 - Temos todos, realmente, uma história 123
19 - Tempos depois 135
Prefácio
Em certa cidade do interior, numa Feira de Livro Espírita, um grupo de senhoras e demais companheiros responsáveis pelo evento conversam, preocupados, com o assunto
do momento: a brincadeira que alguns jovens do lugar faziam, com copos, na invocação de Espíritos. Até nas escolas, desavisados já estavam se reunindo para, no intervalo
das aulas, fazer suas indagações a título de curiosidade. Uma equipe espiritual que prestava assistência aos trabalhos da Feira de Livros, preocupou-se com o problema
pelo perigo que tal atividade pode trazer aos incautos que se envolvem na ação aparentemente inofensiva de brincar invocando Espíritos. O mal está em que apenas
Espíritos inferiores e ignorantes se prestam
a esse tipo de invocação. Bons Espíritos jamais se dispõem a isso. E os Espíritos inferiores, maus e ignorantes, apresentando-se
nas sessões de invocação, mentem, mistificam, inclusive assumindo
falsa identidade, a fim de satisfazer a curiosidade dos desavisados.
Respondem àquilo que lhes perguntam, fazem previsões e dão
conselhos, participando da brincadeira. Contudo, julgando-se credores dos participantes que os invocam a seu serviço, fazem duras
e dolorosas cobranças pelo "trabalho" prestado. Esses Espíritos, portadores
de fluidos pesados e negativos, infestam o ambiente a que
comparecem. Se gostam do lugar e dos moradores, aí permanecem,
passando a fazer parte da vida da família, acarretando todo o
tipo de desequilíbrio e influências nocivas. Induzem os jovens ao
consumo de drogas para que possam vampirizá-los; divertem-se
com as peças de mau gosto que pregam aos desprotegidos encarnados;
e julgam-se no direito de usar e abusar de tudo e de todos
por terem sido chamados para a prestação de serviços.
Antônio Carlos e equipe acompanham muitos dos envolvidos
nas brincadeiras dos "copos que andam" e têm a oportunidade de
presenciar a deletéria atuação dos Espíritos inferiores invocados.
Constatam muitos casos de obsessão e procuram intervir em favor
dos atingidos, numa difícil e espinhosa tarefa de amparo e reparação.
Muitas são as histórias então relatadas. Inclusive, o caso da
jovem Nely que é induzida a matar o próprio pai, vindo depois a se
suicidar!
João Duarte de Castro
Introdução
Em uma cidade pacata e bonita, realizava-se mais uma Feira do Livro Espírita. A
tarde morna do mês de agosto contribuía para o movimento das pessoas, que palestravam
alegres, trocando idéias
sobre a Doutrina Espírita. Um grupo de senhoras simpáticas conversava
com amizade e respeito sobre o assunto que as preocupava:
- Muitos dos nossos jovens, desinformados, levam na brincadeira algo que desconhecem, e o fazem com a ajuda de muitos
adultos - disse Conceição, deveras preocupada. - Até nas escolas, estão se reunindo nos intervalos das aulas, para indagarem
sobre curiosidades.
- E acontece cada barbaridade! Conta-se que perguntam datas
de desencarnações e obtêm respostas, e que formam até palavras
obscenas! - comentava não menos preocupada Maria Luíza.
- Tento, sempre que possível, instruir as pessoas sobre o que é
realmente a brincadeira do copo, que de brincadeira não tem nada.
Gostaria de indicar a esses jovens algum livro sobre o assunto, mas
não tenho conhecimento de nenhum - fala Solange.
- A literatura Espírita é vasta - diz Toninha, pessoa de estudo,
conhecedora da Doutrina Espírita. - Realmente, não tenho conhecimento de livro específico sobre o assunto. Será que não
poderíamos pedir ao Antônio Carlos que escrevesse um?
- Seria bem interessante um livro que narrasse os acontecimentos do lado de lá, no Plano Espiritual, sobre essa brincadeira
tão em voga - conclui Solange.
- Acho que vocês se preocupam muito - diz Claudete, otimista.
- Essa brincadeira está fazendo muitas pessoas passarem apertos
e medos. Brincam com o que não conhecem e, depois, passam a
temer as conseqüências. Isso tem levado muita gente a pedir
trabalhamos há tempos com jovens encarnados e, conhecendo-os
bem, sabemos que, na maioria das vezes, fazem isso por fazer, ou
para participar, por curiosidade, ou até mesmo para serem agradáveis
à turma. Entretanto os que têm mais sensibilidade, são os mais
prejudicados. Essa brincadeira tem-se realizado com muita freqüência, está na onda, como diz a garotada.
- Adultos também estão lidando com isso, embora em número menor. Querem solução para seus problemas, tentam bisbilhotar
a vida de outras pessoas ou, ainda, procuram saber do futuro, como
se nós, desencarnados, pudéssemos conhecer e responder sobre
o que há de vir. Muitos pensam que, só porque desencarnamos,
sabemos de tudo e, ainda, que até podemos nos tornar adivinhos.
- O futuro depende muito do livre-arbítrio de cada um! - suspira Lúcia.
- Bem - fala Mateus -, se você, Antônio Carlos, estiver interessado, poderemos, logo mais, levá-lo para que assista a uma
"brincadeira do copo". Verá grupos de Espíritos desencarnados
desocupados responderem durante um fenômeno mediúnico, através
de um objeto no caso um simples copo de vidro, a grupos
encarnados imprudentes que ignoram o perigo que correm nessas
horas em que estão a se divertir.
- Aceito e agradeço.
O trabalho do lado espiritual, na Feira do Livro Espírita, era feito
por horário, em rodízio, tal como faziam os encarnados. E não
faltavam tarefas. A equipe dos encarnados não só vendia livros, mas
também orientava muitas pessoas, com conselhos sensatos e bondosos,
e ainda escutavam pacientes os problemas de muitos,
procurando sempre ajudar.
Os trabalhadores desencarnados eram de uma equipe que
acompanha Feiras de Livro Espírita por todo o Brasil. São instruídos
e acostumados nesse trabalho, sendo um de seus objetivos o
ânimo e a alegria de todos. Outra equipe era constituída por Espíritos
que trabalham no espaço espiritual da cidade, tais quais amigos
que conversavam. Participavam dessa equipe socorristas de três grupos,
dos quais faziam parte os encarnados que ali trabalhavam.
Os Espíritos davam passes em todas as pessoas e, ainda, socorriam
outros desencarnados sofredores. Muitos vinham até a
barraca. Alguns acompanhavam compradores encarnados ou mesmo
buscavam auxílio para seus males. Havia os que se portavam
como compradores, certos de estarem encarnados. Eram, então,
encaminhados para os Postos de Socorro, ou para os Centros Espíritas
para serem orientados.
A preocupação maior era com os ataques de Espíritos avessos
ao Bem, que perseguem a divulgação da Verdade. Porque, conforme
disse Jesus: "Conhecereis a Verdade, e ela vos libertará". Essas
Entidades vêem na Feira do Livro Espírita uma força enorme que
os está vencendo. Por isso as equipes estão sempre atentas na defesa,
sempre felizes e irradiando Paz.
Foi com muito prazer que fiquei na barraca, esperando pelos
amigos, enquanto observava o movimento.
Três jovens se aproximaram. Eram garotas bonitas, mas estavam
inibidas. Puseram-se a olhar os livros em exposição e ficaram
a cochichar. Acompanhava-as uma senhora desencarnada, que nos
cumprimentou e explicou:
- Marina, minha neta, veio até aqui induzida por mim. As outras
são amiguinhas, e elas estão curiosas para participarem da
brincadeira do "copo que anda". Já fiz de tudo para elas não irem
e, na tentativa de que alguém as instruísse, encaminhei-as até aqui.
Preocupo-me com Marina, ela é doce e bondosa, mas sendo médium
e participando de uma atividade, onde Espíritos brincalhões
estejam presentes, temo que um deles se torne companhia dela e
a prejudique.
José Luiz, que no momento estava a receber as pessoas e a
orientá-las na compra de livros, cumprimentou-as e indagou:
- Que livros preferem? Romances?
- Será que você poderia nos responder uma coisa? - indaga
Marina. Nem esperou pela resposta e continuou: - A brincadeira
do "copo que anda" é espírita?
- O Espiritismo é uma Doutrina que ensina somente o Bem, a
modificação íntima das pessoas, tornando-as melhores. É uma religião
séria que proporciona aos seus seguidores estudo e
orientação. E, respondendo sua pergunta, esse divertimento não é
espírita, o "copo que anda" constitui apenas fenômeno mediúnico.
- Hum!... - suspirou Marina.
José Luiz entendeu que não fora bem compreendido e explicou
mais claramente:
- Não, minha filha, essa brincadeira não é Espiritismo, porém
nós, espíritas, entendemos que os mortos do corpo, vivos em espírito,
ou como também são chamados tantas vezes de fantasmas,
assombrações, podem vir e brincar quando são chamados. Entenderam?
- Ave-Maria! São demônios? - exclamou uma delas.
Estavam assustadas e, atentas, escutavam as elucidações de
José Luiz:
- Desencarnados são os que vivem sem o corpo físico, são os
vivos, cujos corpos morreram. Continuamos a ser no Além o que
fomos aqui. Pessoas sérias, ocupadas, não desperdiçam o tempo.
Espíritos bons não participam de fenômenos mediúnicos que não
visam o Bem. Dessas brincadeiras participam Espíritos que não têm
o que fazer, são desocupados e brincam com as pessoas para se
divertirem. Muitos deles podem ser maus ou "demônios", como
você diz, porém "demônios" são também nossos irmãos que, no
momento, desconhecem o Bem e afastaram-se de Deus...
- Por que querem participar desse divertimento? - indaga Solange,
que se aproximara e escutava a conversa.
- Para saber do futuro - respondeu uma delas. - Se vou casar,
se vou estudar...
- Do futuro, só Deus sabe - replica Solange. - Esses Espíritos
levianos respondem o que lhes vêm à mente, sem se importarem
com a verdade. Mentem e divertem-se. Depois, são almas de mortos,
vocês não têm medo? Pois deveriam temer os que participam
dessa brincadeira. Por isso, não devem divertir com o "copo que
anda"!
- Eu não vou!
- Nem eu!
- Sei lá, e se vier um demônio e ficar conosco! Isso pode acontecer,
não é? Meu pai disse que pode... tenho medo!
- Este é o grande perigo - conclui José Luiz -, algum Espírito
maldoso ficar com vocês e atrapalhar suas vidas.
Interessaram-se por alguns livros e indagaram o preço.
- Que preço baixo! Custa só isso? - exclamou Marina. - Nunca
vi um livro tão barato!
- É que a Literatura espírita não visa lucro algum, porque seu
objetivo é instruir, informar e ajudar as pessoas - sorriu Solange.
As mocinhas compraram alguns livros e foram embora com a
decisão de não participarem da brincadeira do copo. A avó desencarnada,
aliviada, agradeceu e partiu com elas.
Uma senhora, acompanhada de um Espírito, veio até à barraca.
Quando o desencarnado viu Claudete, não se aproximou, ficou
olhando à distância. A senhora cumprimentou a atendente e logo
se queixou:
- D. Claudete, estou sentindo-me novamente mal, desanimada,
com dor de cabeça e cansaço!
A professora Claudete animou-a, sorriu e, como se falasse a
um de seus alunos, aconselhou-a, indicando alguns livros que muito
poderiam ajudá-la.
- Este Espírito, um senhor desencarnado, já foi encaminhado
por três vezes ao Posto de Socorro, mas não toma jeito! - informou-nos
Maria.
- Por que será que não fica num lugar tão lindo e agradável
como é o Posto? - indaga Lúcia.
Aproximamo-nos dele, que nos olhou desconfiado e falou
rápido:
- Não fiz nada, estou quieto. Só olho...
- Sabemos - disse calmamente Mateus -, só queremos saber o
porquê de o senhor não ficar no Posto de Socorro!
- Bem, lá existe muita disciplina, muita ordem que temos de
obedecer, nem posso fumar...
- Entretanto, lá foi curado e não sente dores, há um leito confortável
e alimento.
- Alimento sem carnes - replicou, exigente -, curam-me, porém
logo fico doente novamente.
- Já sabe que seu corpo morreu e, quando tenta viver como se
estivesse encarnado, volta a sentir os sintomas que tinha, e fica doente.
Entretanto, o senhor está vampirizando sua esposa!
- Disse bem, meu caro, a minha esposa e não a sua. Vivemos
bem deste modo.
- Sua esposa não pensa assim, pois está constantemente a se
queixar dos maus fluidos seus.
- Ela é assim mesmo, queixa-se de tudo.
Parou de falar, foi saindo devagar, distanciou-se alguns passos
e correu desaparecendo de nossas vistas.
- Sempre achei estranho desencarnados saírem dos Postos de
Socorro - disse Lúcia. - Esse senhor prefere vagar, não querendo
disciplinar-se.
- Gostos diferem - explica-nos Mateus -, nem todos gostam
do amarelo. Nos Umbrais encontramos muito sofrimento, nos
horrores dos cativeiros, nos que padecem em remorso e também na prática de vícios de toda espécie. O que pode ser feio,
triste e ruim para alguns, como ficar a vagar, ou morar nos Umbrais,
pode ser uma escolha para outros. O que é um paraíso
sonhado para tantos, como as Colônias, Postos de Socorro, é um
lugar desagradável para muitos. Questão de afinidade. Colônias
Espirituais e Postos de Socorro são lugares de disciplina, de ordem,
onde não se podem conservar vícios, mas se aprende a
moral cristã e a ser útil. Existem os que só querem receber e,
pior, exigem, sem dar valor a quem os serve. Porém nem todos
os que retornam de um Posto de Socorro, pensam assim, porque
a saudade dói. Se queremos bons lugares, temos que nos
afinar já com eles, sendo simples e puros, como os que vivem
lá.
- Que acontecerá com esse senhor? - indaga Lúcia.
passou a sentir em parte seu desespero. Ele não quer suicidar-se,
porém sente-se tentado. Pensa muito nisso e teme.
E, para nosso espanto, o moço falou às senhoras:
- Desde que fiz a brincadeira do "copo que anda", lá em casa, sinto-me
assim, angustiado, aflito, com dores de estômago, sem poder
dormir direito, e parece que escuto: "Suicida! Suicida!" Não quero isso
não, moças, não quero. Sei que quem se suicida vai para o Infemo.
Acredito em Deus e não posso fazer isso, nem ir para o Infemo.
- Quem pratica esse ato sofre muito realmente, porém Deus é
bom demais, e o castigo etemo não existe! Por ser grande o sofrimento,
parece que o tempo não passa e, assim, acredita-se que o
sofrimento é etemo. Você não deve mais pensar nisso - disse-lhe
Hilda.
- Deve tomar passes, ler o Evangelho - falou carinhosamente
Maria Luíza. - Vamos fornecer-lhe os locais e os dias de reunião.
- Vou indicar-lhe alguns livros e, ao estudá-los, não pensará mais
nisso - esclarece Toninha. - É preciso orar, pedir a Deus para ajudar
a afastar essas idéias de você. Também não deve mais participar
ou fazer a brincadeira do copo.
- Peguei essa tentação por isso, não foi? - indaga o moço, mais
tranqüilo.
- Deve ter sido - esclarece Toninha -, nada de bom sai dessa
diversão.
- Se quiser presenciar Espíritos se comunicarem, vá a sessões
espíritas. Não deve você participar desses divertimentos, para não
sujeitar-se a influenciações piores - conclui Hilda.
- Está vendo, Antônio Carlos - diz Mateus -, como essa brincadeira
é perigosa? Está a preocupar a todos os espíritas da região!
- Será que ele poderia suicidar-se? - indaga-nos Lúcia.
- Talvez, se a moça desencarnada ficasse muito tempo com
ele. Porém ele sentia-se apavorado e, de algum modo, procuraria
ajuda. Estava sendo induzido, ou, como os encarnados costumam
dizer, "tentado". Mas possui o livre-arbítrio para atender ou não a
sugestão - responde Mateus.
- E se ele não procurasse ajuda? - indaga Maria.
- Os fluidos constantes dela fariam com que ficasse doente e
consultasse médicos, que lhe receitariam remédios. Poderia até
perturbar-se e, quem sabe, suicidar-se.
- A culpa dele, nesse caso, é a mesma? - indaga Lúcia, interessada.
- Na Espiritualidade, cada caso é um caso, levando-se em conta
inclusive a obsessão. De qualquer forma, o suicídio traz graves
conseqüências para quem o pratica.
O moço adquiriu vários livros, desejando estudá-los e ir com freqüência tomar passes e, sentindo-se outro, agradeceu e foi para casa.
Mudando a equipe de trabalho, Maria, Joaquim e Mateus estavam livres. Andamos tranqüilamente pela bonita e grande praça, onde estava armada a barraca da Feira do
Livro Espírita.
- Não vá por ali!
Esbarrou em nós, sem nos ver, um desencarnado que seguia uma senhora. E continuou a falar sem notar-nos:
- Uma Feira do Livro Espírita, que perigo! Sabe-se lá o que um desses livros poderá fazer, se for lido? Ela poderia desconfiar que a vampirizo e aques minha vingança!
Ainda mais, se procurar ajuda desses abelhudos espíritas. Vamos pelo outro caminho, e já!
A senhora mudou de rumo, evitando passar perto da Feira.
- Infelizmente - disse Joaquim - muitos encarnados aceitam facilmente a orientação má de desencarnados. Esse irmão que obsedia essa senhora, certamente responderia
a quem o invocasse através do copo. Isto é, diria muitas mentiras. Ele é inteligente, mas teme a Feira do Livro Espírita, por ser um local de socorro e orientação;
onde seus organizadores alertariam aquela senhora e poderiam até impedir que dela se vingasse.
Na ponta da praça, a barraca era um foco enorme de luz que descia do alto, irradiando-se e permitindo ser vista de longe. Fazia os maus temerem, dava esperança
e socorro aos sofredores e o mais importante, propiciava oportunidades
De aprendizagem, conhecimento e instrução a todos os que dela se aproximassem.
Cap.2
Jovens viciados
Não tínhamos andado muito e, ao atravessarmos a rua, encontramos
um grupo de oito jovens. Num instante, prepararam o
local como já haviam planejado, e organizaram a mesa. Colocaram
nela as letras do alfabeto recortadas de papel grosso, e
também os numerais de zero a nove, todos em círculo, tendo de um
lado o monossílabo "sim" e, do outro, o "não". Puseram um copo de
vidro, com a boca para baixo, no centro do círculo. Os jovens rodearam
a mesa e três deles apoiaram o dedo indicador da mão direita
sobre o copo. Um deles, o que liderava, pediu em voz alta:
- Concentremos-nos, para que Anabela e Lael se comuniquem
conosco - e continuou o jovem, com voz pausada: - Anabela, Lael,
vocês estão presentes? Podem falar conosco?
- Este jovem que está invocando é Luciano - esclareceu-nos
Joaquim. - Está achando sensacional o fenômeno. Tem dezessete
anos e não segue religião nenhuma, embora se diga católico, como
é sua família. Sendo sensitivo, permite, com seus fluidos, que desencarnados
possam brincar com ele. Vejam, aí estão os Espíritos
que foram invocados: um grupo de arruaceiros. Anabela é esta jovem...
bem, nem tanto, pois desencarnou com vinte e seis anos, e
Lael é este rapaz loiro. Todos pertencentes ao bando, como eles
próprios chamam "nossa turma". São viciados em drogas.
Os integrantes do grupo, sete no total, chegaram em alvoroço,
rindo, gargalhando e dizendo gracinhas. Trajavam poucas roupas,
predominando as vestes de cor preta e os cabelos despenteados;
estavam sujos, cheirando mal, e as mocinhas, muito pintadas, usavam
colares e brincos. Não nos viram.
- Lael, deixa-me responder em seu lugar? - perguntou um deles,
todo enfeitado com correntes grossas prateadas.
- Pode, porque esse Luciano está me cansando, pois a todo
momento quer consultas, Idiota! Pagará caro, porque Lael nada
de graça! Ei, garotos, podem vampirizar à vontade, pois foram eles
que nos chamaram...
- Ora, eles não usam drogas, e seus fluidos não são legais
reclama uma das jovens.
- Pode esperar que não cansará sua beleza; logo muitos de
estarão nas drogas - diz, confiante, Lael.
Eles rodearam os jovens encarnados, e nós ficamos à sua volta.
E nós é que respondemos aos jovens encarnados, usando
mesmo processo para formar as palavras:
- Vocês, jovens, deveriam estar estudando, e não brincam
com o que desconhecem. Espíritos sérios e bons não perdem se
tempo com essas coisas. Não devem fazer isto, é errado!
- Que acontece, Lael? - indaga um dos desencarnados do bando, assustado. - Quem está respondendo por nós?
- Não sei. É melhor "dar no pé".
Saíram rápido e os moços ficaram desiludidos. Um deles murmurou
"Que estranho!"
- Acho isso coisa do demônio. Minha mãe viu num filme que
era o diabo quem respondia.
- Deixe de ser boba! - exclama Luciano -, às vezes, nem Ana
bela nem Lael podem vir; deve ser algum engraçadinho que
respondeu por eles.
- Se não puderam vir, onde estarão? - quis saber uma jovem
- Eu sei lá! - exclama Luciano -, nunca morri pra saber,..
- Será que é morto mesmo, quem responde?
- Que medo! - exclama outro jovem.
- Ora, não diga besteira, é morto mesmo, Você não é etemo
Então, quando morre, continua vivendo. Foi Lael quem disse - fala
com convicção Luciano.
Frustrado, desfez o grupo de jovens e foi embora.
- Luciano não é má pessoa - explica-nos Joaquim, um dos mentores espirituais. - É curioso, inteligente, era bom filho, digo era
porque esses Espíritos viciados já começam a mudar sua cabeça.
Mateus, preocupado, argumenta:
- Vícios! Como é triste ser escravo de um vício! No corpo físico
ou fora dele, estaremos presos ao vício que cultivamos, até que
pela nossa própria vontade, possamos vencê-lo. Pessoas cativas de
drogas quando encarnadas, continuam a se drogarem depois de
desencarnadas e quase sempre em piores condições. E tudo fazem
para alimentar o vício, vampirizando encarnados e persuadindo-o
a se drogarem também. E libertar-se delas não é fácil. É necessário
muita ajuda, mas primeiramente é preciso que queiram a ajuda.
- Vamos tentar ajudar Luciano? - exclamei.
- Sim, porém iremos nos defrontar com seu livre-arbítrio - fala
Maria, com piedade. - E como afastá-lo dos Espíritos viciados, se
ele é que os invoca? Que fazer com esses irmãos viciados que não
querem ser ajudados? Temos em nosso Educandário uma ala enorme
destinada a recuperar Espíritos de jovens viciados. Mas lá estão
só os que querem se libertar da droga e lutam para isso, o que não
é fácil, pois mesmo tendo todo o apoio, levam tempo para que se
curem. E esses integrantes do bando estão longe de querer socorro!
Querem usar Luciano como intermediário, pois desejam que
se vicie para depois vampirizá-lo.
- E, pelo jeito, Luciano prefere-os. Vocês ouviram como se referiu
a nós, chamando-nos de "engraçadinhos"? - sorriu Joaquim.
Seguimos Luciano e logo encontramos o grupo dos jovens desencarnados
que o esperavam, e o acompanharam. Não nos viram,
e só nos perceberiam se quiséssemos, pois nossas vibrações eram
diferentes: a nossa mais suave, rarefeita; a deles, mais grosseira.
Após alguns minutos, sentiram algo diferente, que estranharam e
os incomodava!
- A sensação esquisita de novo? Que será? Não vejo ninguém -
disse Lael.
- Não sei - fala um outro -, parecem-me fluidos dos "caretas
de branco". Será que Luciano orou?
- Claro que não, porque já recomendei que não fizesse isso -
começa a ficar nervoso Lael.
- Em todas as vezes que meu avô vem encher-me, querendo
que mude minha forma de viver, sinto esta sensação - fala uma
jovem.
- É melhor "dar no pé" novamente - disse Lael. - Que tal irmos
ao bar e farrear? A turma pode estar lá.
- Se não estiverem, é só chamá-los, que virão como cachorrinhos!
Vamos! - exclama Anabela.
Luciano continuou seu caminho, e foi para casa.
- Qual será o bar onde irão? - indaga Maria.
- Vamos acompanhá-los à distância e depois visitaremos Luciano
- sugere Mateus.
Seguimos os jovens do grupo, que foram para um barzinho com
aparência discreta. Entraram, entramos também e, acomodando-
nos num canto, ficamos observando.
Alguns encarnados ali estavam, a maioria jovens desocupados.
O bando de desencarnados logo animou-se:
- É incrível como se afinam! - exclama Maria.
- Ociosos e desocupados! - exclama Joaquim. - Não é à toa
que os imprudentes dizem que não têm o que fazer, só arrumam
confusão.
Os viciados desencarnados cochicharam a seus conhecidos
encarnados, ficaram pertinho deles e vimos as drogas surgirem
seus esconderijos. Drogaram-se, usufruindo juntos daqueles efeitos nocivos e, como diziam, "viajavam" tristemente unidos.
Saímos e Mateus explicou-nos:
- Nem todos os jovens viciados são induzidos por Espíritos, Embora a companhia desses infelizes não falte. Porém é fácil adquirir o vício e são muitos os motivos
que eles enumeram, para
se justificarem, Os vícios danificam o corpo físico, o corpo perispiritual, e um dia terão que dar conta do seu ato ao Criador que os fez perfeitos. Aprenderão,
talvez, a lição num corpo doente, cujos efeitos eles mesmos provocaram por livre escolha!
- Esses Espíritos foram viciados, quando encarnados - indaga
Maria.
- Sim, mas pode acontecer que um Espírito se junte aos jovens
e adquira o vício. O corpo carnal é uma vestimenta, quem adquire
vícios somos nós - explica Joaquim.
- Que acontecerá a esses jovens desencarnados? - quis saber
Maria.
- A droga aos poucos arruinará o perispírito deles, tornando-os
verdadeiros farrapos, e a dor sábia virá para ensiná-los; ou pode
acontecer que antes se cansem dessa vida e queiram ajuda - responde Mateus.
- Aí deixarão o vício?
- Terão que lutar para vencê-lo - diz Mateus. - Sofrerão duplamente, o vazio da vida fútil e a falta das drogas, porque chegarão
a um ponto que nem forças terão para vampirízar alguém.
Chegamos à casa de Luciano. Não é de nosso costume entrar
sem ser convidado, por isso ficamos por minutos observando-a do
lado de fora. Seu lar era confortável, de classe média e não lhes faltava nada.
A família se compunha do pai, da mãe e da irmã menor,
Para nossa surpresa, veio ao nosso encontro, convidando-nos
a entrar, o avô desencarnado de Luciano. Apresentou-se alegre
cheio de esperanças:
- Sou Wálter, avô patemo de Luciano. Vieram ajudar meu neto?
- Estamos a pesquisar as invocações que estão fazendo com a
brincadeira do copo. Vimos Luciano fazer isso e o seguimos. Não
sei se poderemos ajudá-lo - explica Maria.
O Sr. Wálter sorriu, conduzindo-nos para dentro
- Por não ver a turma de viciados chegar com meu neto, pensei
que se livrara deles. Aqui estou de visita, pois preocupo-me com
ele, mas não consigo ajudar. Ninguém acredita que isso não seja
brincadeira e, pior, julgam que não necessita de ajuda. Já tentei
conversar com ele, durante o sono, porém não me atende. Até já
respondi através do copo, mas repele-me.
- Já tentou instruir os pais? - indaguei.
- Sim, minha nora pensa que é a força do pensamento de seu
filho que faz mover o copo. Acha lindo Luciano ter essa força, e até
já pesquisou em livros de Psicologia. Considera tudo normal, não
crê que os mortos se comuniquem, e vê nessa brincadeira algo inocente
de jovens, achando que logo Luciano se cansará e deixará
disso. Meu filho é que se preocupa mais com o assunto, mas aqui
prevalecem as idéias de minha nora.
- Sr. Wálter, tente intuir seu filho a aconselhar Luciano. Daremos
ajuda - disse Mateus.
Atendendo à nossa sugestão, chegou perto do filho, que deixou
de ler o jornal, por sentir em parte as orientações.
- Luciano, venha cá!
O jovem veio de má vontade e sentou-se perto do .pai.
- Filho, você tem estudado? Percebo que anda muito envolvido
nessa brincadeira.
- Não é brincadeira, é algo sério - diz Luciano, desafiando.
- Não vá muito na conversa de sua mãe. Mesmo que seja força
do seu pensamento, é algo que você desconhece e, por isso, não
deve fazer. Deixe de participar desse divertimento!
- Não é nada como a mamãe pensa, converso mesmo é com
os mortos!
A mãe de Luciano entrou na sala e começaram a discutir. Não
havia respeito, e um xingava o outro. Luciano agrediu os pais, que
lhe aplicaram um castigo. Naquela noite não sairia, e ficaria em
seu quarto.
Luciano foi para o quarto, revoltado e aborrecido. Incentivamo-
lo a orar, a pensar em acontecimentos bons. Nada conseguimos,
pois isso lhe era desinteressante demais e, assim, lembrou-se dos
amigos e pensou em invocá-los.
Tirou da gaveta os objetos necessários, arrumou-os no chão,
sentou-se e concentrou-se. Com o pensamento firme, chamava-os
pelos nomes:
- Anabela! Lael!
Logo que escutamos o alvoroço dos jovens, saímos do quarto
e ficamos na área da frente, tornando-nos visíveis para eles.
- Boa noite! - dissemos.
Gargalharam, examinando-nos:
- Quem são vocês? - quis saber Lael.
- Amigos - respondeu Joaquim. - Vocês estão bem?
- Demais, "cara" - responde Lael. - Que querem vocês aqui?
- Que deixem Luciano em paz - responde Mateus.
Riram de novo, e Lael fala desafiando-nos:
- Há um engano aí, quem não nos deixa em paz é ele. Não
viemos aqui de abelhudos como vocês. Somos chamados. Alguém
quer sua presença aqui? Quem pediu para que cuidassem de Luciano?
Ele?
Nesse ponto, Lael tinha razão. Luciano chamava por eles e não
por nós. Sereno, indaguei:
- Por que vivem assim? Arruinaram-se e levam outros a fazerem
o mesmo?
Lael respondeu, após dar escandalosas gargalhadas:
- Estamos bem cientes do que ocorre conosco, pois o avô deste
aqui vive nos enchendo. Mas, enquanto dá, vamos tocando,
porque ninguém aqui está a fim de ser certinho, nem de largar o
viciozinho. Esta vida de aventura nos atrai. Não forçamos ninguém
a se drogar e, se o fazem, é porque gostam. Somos mesmo todos
amigos. E podem parar por aí, porque não vamos responder mais
a interrogatório. Atendam quem pede pra vocês. Ok?
- Vocês sofrem, são escravos do vício - ponderei.
- Corta essa, cara! - fala cinicamente Anabela. - Cuidem da
vida de vocês, que da nossa cuidamos nós. Se sofremos, ou não,
que têm vocês com isso?
Tentaram entrar, mas os impedimos e, vendo que não conseguiriam, afastaram-se rindo e xingando.
- Pena que não podemos levá-los para um tratamento - suspira
Maria.
- Os trabalhadores do Bem não estão para socorrerem a todos,
mas sim aos que pedem e aos que querem - expressa Mateus.
- Sinto por eles, pois vagam vampirizando encarnados viciados
e induzem outros a se drogarem. Enganam a si mesmos,
dizendo que estão bem, e se iludem com alegria falsa, através dessa
brincadeira - diz Maria.
Entramos. Luciano, por não ter sido atendido, deitou-se e adormeceu
logo. Fizemos com que se desligasse do corpo físico, e Maria
tentou alguma conversa, porém ele não deu lhe atenção e, minutos depois, voltou irritado ao corpo.
Despedimo-nos do Sr. Wálter e retornamos a nossos afazeres.
No outro dia à tardinha, reunimo-nos novamente e fomos ver
Luciano. Chegara em casa cansado, saturado de fluidos negativos,
com dor de cabeça, por ter se concentrado demais. Participara de
três reuniões, onde o copo andara, respondendo a todas as indagações que fez.
Deitou-se e ficou a pensar:
"Acho que vou experimentar drogas. Deve ser um barato só.
Ajudará a suportar esta vida chata que levo."
Tentamos novamente intuí-lo, mas Luciano repeliu todos os
bons pensamentos e apelos nossos. Saímos e Joaquim disse:
- Só se ficássemos vinte e quatro horas por dia com Luciano
para ajudá-lo, assim mesmo, só impediríamos que os desencarnados
se comunicassem, mas não de ele invocá-los. Temos,
entretanto, nossos afazeres e aqui nem fomos chamados.
- É verdade - disse Maria -, há muito o que fazer, tanto entre
encarnados como desencarnados, pois os trabalhadores são poucos.
A maioria quer ser servida, sem pensar em servir, desejando
encontrar e usufruir o que está feito, mas nunca fazer. Poucos pensam
em ser úteis e, muito menos, servos, como nos pediu Jesus.
Na grande Seara do Pai, há muito o que fazer. Não podemos ficar
com Luciano e, mesmo porque nesta oportunidade, não temos
como ajudá-lo, já que nem quer nossa presença...
- É verdade - disse -, somos nós os intrusos. Lael tem razão
em dizer, porque são eles os chamados. Não devemos interferir,
desrespeitando o livre-arbítrio de Luciano, que no momento quer
a eles e não a nós.
Mateus concluiu, sério:
- Experimentará drogas e fatalmente se tornará um viciado, influenciado pelos desencarnados que ele mesmo chamou.
Deixamos pesarosos a residência do jovem, entendendo, porém, que ali nada poderíamos fazer. Mesmo se levássemos todo o
grupo de desencarnados e afastássemos dele os jovens viciados,
ele novamente invocaria, e outros viriam. E também, que fazer com
uma turma de arruaceiros que não quer mudar a forma de viver?
Como levá-los para um lugar em que haja ordem, como as Colônias e os Postos de Socorro?
Fomos pesquisar outro caso.
Cap.3
Conseqüências da Brincadeira
Fomos até a casa de Renata, jovem de dezesseis anos, que se mostrava apavorada. Tentava orar, ou então clamava por socorro. Entramos.
Estava na sala, sentada no sofá, sentindo-se fraca, entretanto
notamos que começava a debilitar-se. Confundia as orações, pois
iniciava recitando a Ave-Maria e acabava no Pai-Nosso. A causa
dessa confusão era um desencarnado que estava sentado na frente dela, impaciente com as orações.
Joaquim aproximou-se da jovem, ficando entre ela e o desencarnado, e Renata sentiu-se aliviada por causa dos fluidos bons dele.
- Que ocorre com você, menina? - indaga carinhosamente Joaquim. Renata sentiu a pergunta do Espírito e, parando de orar,
pensa no que lhe acontece.
- Por Deus! Não sei o que está havendo. Desde que participei
da brincadeira do copo, na casa de minha prima, na cidade vizinha,
encontro-me assim, triste, infeliz, irritada e perseguida. Não durmo
mais direito, não tenho sossego para me alimentar, sinto vontade
de tomar bebida alcoólica, que detesto. E o pior, é que parece que
odeio meu namorado, mas sei que o amo muito! Sinto vontade de
xingá-lo. Não sei o que faço...
Com nossa presença, Renata pôde orar e sentir-se mais calma.
Observamos o desencarnado. Mateus lê o seu mental e nos
informa:
- Chama-se Alen, desencarnou com 26 anos, já há um bom
tempo, é de nacionalidade alemã e teve seu corpo morto em
um acidente de avião. Não é mau, mas aventureiro; é poliglota
e fala o português, estando há meses no Brasil. Adora viajar e
o faz de avião. Sabe que seu corpo morreu, porém isso lhe é
indiferente.
Observei Alen, tinha cabelos castanhos, olhos verde-escuros,
barba rala, magro, alto, vestia simplesmente calça e camisa de cor
cáqui. Olhava Renata com adoração. Não nos viu, porque estava
muito ligado à matéria, e só pelo que fosse material se interessava.
- Que faz aqui? - indaga-lhe Mateus.
Ele responde como se a pergunta viesse de si mesmo, como
se estivesse pensando.
- Amo-a. É incrível, tantas mulheres conheci e fui apaixonar-
me por essa encarnada, com quem nenhuma ligação no passado
tive. Encontrei-me com ela pela primeira vez, há pouco, é tão linda.
Amo-a...
Mateus insiste:
- Você está desencarnado e ela está encarnada!
- Que importa isso? Perto dela ficarei, e será só minha. Afastarei
quem dela se aproximar, principalmente o namorado, aquele
que chato, e logo conseguirei que terminem esse relacionamento bobo.
por ,já fiz com que ele caísse da moto, que belo tombo. Aquela máquina
tem equilíbrio frágil e, por isso, foi um trabalho fácil; não será
muito difícil fazê-lo cair novamente.
- Ela não o quer... - fala-lhe Mateus.
- Renata aprenderá a amar-me. E só tenho este problema, pois
ela tem medo de mim. Vou deitar ao seu lado, ela sente e não quer,
indo então dormir com a mãe. Aí não vou. Como ficar junto com a
sogra? Amo-a tanto, mas ela não entende. Sempre quis uma mulher assim: jovem, bonita, honesta e pura. Ela nunca se casará, não
deixarei, porque não quero que ninguém a namore, tenho ciúme
e, quando terminar esse namoro, tudo estará resolvido. Quero conservá-la assim, jovem e bonita.
- Como o fará? Ela envelhecerá - continua Mateus, enquanto
Alen, pensa, levando-nos a conhecer suas idéias:
- Certo, ela envelhecerá, porque está encarnada, porém vai demorar
para acontecer. Terei que amá-la assim, porque não posso
tirá-la do corpo. Como faria para que desencarnasse? E se isso acontecesse,
iria querer ficar comigo? E ninguém desencarna antes da
hora, só se for através do suicídio. Renata suicidar? Não, não seria
possível, não poderia induzi-la, porque ela ora e crê em Deus. Também, se conseguir matar-se, vai perturbar-se e sofrer muito, e não
quero isso, amo-a!
- Você já lhe perguntou se quer o tipo de vida que está querendo
para ela?
Com a nova pergunta de Mateus, Alen inquieta-se, levanta-se e
fala:
- Amo-a e pronto, se me quer ou não, é outro problema, e
problema dela, não meu. Ainda bem que a encontrei entre os jovens
que brincavam com o copo. Renata é minha e aprenderá a
amar-me. Vou sair um pouco, estou pensando besteiras.
Ele saiu e Renata suspira aliviada, levanta-se e vai ao encontro
da mãe. E então Maria, nossa companheira de trabalho, fala-nos
admirada:
- Imaginem, um desencarnado apaixonar-se por uma encarnada! Poderemos ajudá-la?
- Sim, vamos fazê-lo - disse -, aproveitemos que Alen ausentou-se, para intuí-la a pedir orientação e auxílio.
Renata foi para a cozinha, onde sua mãe lavava a louça.
- Mamãe - disse ela -, tenho que dar um jeito neste meu medo
e nervoso. Sinto muita vontade de brigar com meu namorado. O
coitado caiu da moto e nem tenho vontade de ir vê-lo. Apavoro-me
quando vou dormir, pois sinto que tem alguém na minha cama!
- É bom dar um jeito mesmo, porque seu pai não está achando bom que durma na cama dele...
A senhora calou-se por momentos e Mateus chegou perto dela,
transmitindo-lhe uma intuição, que ela recebeu como um pensamento
seu: sentiu que a filha teria que pedir ajuda a quem
entendesse desse assunto. Lembrando-se, então, de uma pessoa,
alegrou-se e disse à filha:
- Você não tem uma amiga, cujos pais são espíritas e dão passes? Isso que se passa com você, pode ser algo que desconhecemos
e eles talvez possam ajudá-la.
- É mesmo, mamãe, Leslie é tão boa e delicada! Vou telefonar-
lhe e perguntar se seus pais podem ajudar-me.
Saiu da cozinha, pensando em telefonar mais tarde, mas Joaquim insiste com ela:
- Telefone agora! Agora!
Quanto mais cedo recebesse ajuda, seria melhor. Renata atendeu à sugestão, discou, conversou com a amiga e, contando parte
do que lhe ocorria, foi convidada a ir lá, que estaria sendo esperada.
Com nossa motivação, Renata comunicou-se com a mãe e saiu.
Acompanhamo-la.
Alen estava na esquina e, ao vê-la, correu, ficando perto dela.
- Vai sair? Vou junto, beleza!
Joaquim ficou entre eles e, por isso, Alen não conseguiu saber
onde ela ia e nem Renata recebeu influências dele. Ela andou rápido e logo chegou à casa da amiga, que a fez entrar.
Foi acolhida por Conceição e Próbio, que a convidaram a se
sentar. Diante do olhar carinhoso da dona da casa, Renata começou
a chorar e contou o que lhe acontecia.
Alen entrou também e, estranhando, quis sair, mas Lúcio, um
dos protetores do casal, segurou-o:
- Fique conosco, senhor - disse-lhe Lúcio -, nada lhe faremos
de mal...
Magnetizado, Alen ficou imóvel ao lado de Renata, sem conseguir influenciá-la. Teve que escutar os conselhos que Conceição
dava à mocinha:
- Renata, essa brincadeira do copo é um fenômeno mediúnico,
em que invocam, chamam os desencarnados para responderem
perguntas. Embora mortos do corpo, são mortos bem vivos. Nesse
divertimento de que você participou, um dos Espíritos presentes
passou a acompanhá-la.
- Um morto acompanhando-me, D. Conceição? Na verdade, bem
que sinto isso. Será que os senhores podem livrar-me dele? Tenho
medo e não quero um morto me acompanhando! Por favor, prometo nunca mais participar e nem ver essa brincadeira maldita!
- Peça a Deus, peça com humildade e confiança - disse-lhe
Próbio. - Peça a Deus por ele também, para que receba a ajuda
que necessita.
- Sim, Sr. Próbio, vou orar, porque nada quero de mal a ele,
pois nem sei quem é, e nem quero saber. Espero que seja feliz,
mas longe de mim. Por Deus, peço-lhes, tirem-no de perto de mim!
- Como sabe que é "ele"? - sorri Conceição.
- Sinto, somente. Acho que não sei...
Conceição o vê, pede a todos que orem e Lírcio, com passes,
faz Alen adormecer. Próbio e a esposa levantam-se e dão um passe em Renata, desligando Alen dela. Então, Lúcio pega Alen, como se fosse uma criancinha, e o leva
para o Centro Espírita.
Renata começa a se sentir bem melhor, aliviada, com os fluidos
nocivos dispersados por passes benéficos. E ora com fé.
- Pronto - disse Conceição -, ficará melhor.
- Agradeço aos senhores, e também à Leslie. Começo a achar
que o Espiritismo é algo modemo e não coisa "careta". Sinto-me
tão bem! Foi como se os senhores tirassem de mim um peso e dos
bem pesados.
- Verá como é maravilhoso compreender a Justiça de Deus -
fala-lhe Próbio.
Renata agradeceu e voltou tranqüila para casa, já pensando em
arrumar-se e visitar o namorado.
Lúcio regressou, cumprimentou-nos sorrindo, pois já nos
conhecíamos da Feira do Livro Espírita, e explicou-nos:
- Levei Alen para o Centro Espírita, onde o casal amigo e eu
freqüentamos. Ficará dormindo e, na próxima reunião, receberá
orientação através da incorporação. Será levado, depois, para seu
país de origem e deixaremos que lá receba o aprendizado necessário e, por isso, não voltará mais a incomodar a jovem.
- Graças a Deus! - falamos aliviados.
Renata pedira ajuda em lugar certo e a recebeu. Quando
suplicamos com fé, recebemos sempre o melhor, o que nos convém
no momento.
Dali, fomos visitar outro local, onde estava sendo realizada outra
"brincadeira do copo".
Quatro garotas faziam a invocação e uma outra observava, fazendo
orações, pois estava com medo. O desencarnado que
respondia, não gostou nem um pouco de sua vibração, porque a
oração o incomodava. Pediu, então, que se retirasse, ordenando:
"Marisa deve sair, ela atrapalha!"
A jovem levantou-se e disse:
- Vou mesmo e vocês também deveriam parar com isso!
O desencarnado pôs-se a rir alto e a mocinha retirou-se. As outras
continuaram e uma delas indagou:
- Vovó Cida? Agora pode responder-me?
"Claro, querida" - formou a frase letra por letra.
Maria exclama:
- Veja, Antônio Carlos, ele se passa pela avó da menina!
- Quem mente, informa errado até sua individualidade - fala
Mateus. - Este desencarnado parece-me mal-intencionado. Vamos
ouvir o que ele responde às garotas.
As jovens estavam na casa de Cláudia, e a que indagava, permanecia num quartinho de fundo. As outras mocinhas eram suas
amigas. O desencarnado fala para si mesmo, cuspindo de lado e
com raiva:
"Ser convidado a ditar a essas desmioladas no quarto do fundo...
humilhação! Odeio os ricos! Vou colocar mais lenha na fogueira
da discórdia, vou levá-los a odiarem-se e a brigarem."
Cláudia perguntou, novamente:
- Meus pais me amam?
Gargalhando, o desencarnado vai formando a frase:
"Sinto dizer-lhe, neta querida, que eles amam só a si mesmos.
Ninguém liga para você aqui, somente eu."
Maria fala-nos, indignada:
- Vê o que esse desencarnado está incutindo na mente delas?
Que maldade!
Ali ficaram por mais de meia hora, indagando curiosidades. E
o desencarnado respondia o que lhe convinha, procurando sempre
intrigar um contra outro.
Dando-se por satisfeitas, encerraram a brincadeira e saíram conversando
e trocando idéias sobre as respostas. O desencarnado foi
sentar-se, cansado. Sua perna direita estava inchada e toda cheia
de feridas. Joaquim aproximou-se dele e inquiriu:
- Que faz aqui?
Ele não nos via, mas sentiu a pergunta como se lhe surgisse na
mente e pôs-se a pensar:
"Vagava por aí, há tempo. Perambulo de um lado pra outro, pois
sempre fiz isto, desde encarnado. Estava passando na rua, em frente
a esta casa, quando escutei chamarem por alguém para responder
à "brincadeira do copo". Vim e atendi, fazendo-lhes este favor e,
quando perguntaram quem eu era, pensei no que responder. Não
ia dizer a essas finezas de senhoritas que era Pedro, só Pedro, porque
nem sobrenome tenho; respondi, então, que era a avó...
"Avó? Que avó?" - indagou Cláudia. - "Vó Cida"?
- Bem, elas mesmas acharam o nome e passei a ser "Vó Cida".
Esta casa é chique e bonita; são ricos, metidos e possuem tudo o
que sempre quis ter. Eles têm demais e aqui fiquei para atormentá-
los, porque merecem. São ricos... odeio os ricos!
- Por que atormentá-los, se nada lhe fizeram? - indaga novamente
Joaquim.
- Nada me fizeram? Se eles pudessem me ver, já teriam me
expulsado. Se eu fosse encarnado, já teriam chamado a polícia. Só
porque são ricos, merecem que fique aqui e os importune.
- Deve ir embora - insiste Joaquim.
- Não! Estou bem, pois é a primeira vez que estou num lugar
onde fui chamado e bem recebido; e ninguém pediu para eu ir embora. Porém sou orgulhoso, quando me tocam, saio.
Escutamos vozes de dentro da casa: eram os encarnados discutindo.
Pedro levantou-se, gargalhando, foi para o local da discussão
e nós o acompanhamos. O casal chegava da rua, eram os donos
da casa e discutiam com Cláudia e esta reclamava, chorosa:
- Vocês não me amam, não me querem, sou sozinha no mundo!
Quero morrer!
Por um bom tempo discutiram, sem motivos aparentes, entretanto
atendiam Pedro que, na discussão, pulava com uma perna
só, de um lado para outro, com raiva, querendo mesmo é que se
odiassem.
Quando a discussão terminou, Pedro sentou-se cansado, com
a perna doendo terrivelmente. Colocava a culpa de sua dor em outras
pessoas que, no momento, eram os proprietários da casa em
que estava. Dizia, raivoso:
- Se tivesse sido rico, não havia ficado com a perna deste jeito,
porque teria dinheiro para cuidar-me; por isso tenho que descontar em alguém esta
dor! E estas são as pessoas ideais: ricos e com
saúde. E a idiota da mocinha trata-me bem, pois acredita que seja
a avó dela. Ainda bem que essa avó não está por aqui.
Joaquim tornou-se visível a ele. Pedro examinou-o com indiferença,
mas o socorrista falou-lhe de maneira agradável:
- Dói-lhe a perna? Quer curar-se? Se vier comigo, posso ajudar.
- Minha perna dói muito e quero muito sarar. Mas onde devo ir
com você? Logo agora que tenho um lugar para ficar, você convida-me
para ir não sei aonde? Agora tenho um lar!
- Este lar não lhe pertence e, se continuar a atacá-los, logo esta
casa não será mais lar de ninguém. Por que faz isso?
- Cobra meus atos?
- Não, só queria que soubesse que há outras formas de viver e
em bons lugares, sem ser intruso em lares alheios.
- É capaz de curar-me?
- Sim, venha comigo.
- Vou, mas é bom que saiba que sou livre e só fico lá se quiser.
- Claro!
Joaquim deu-lhe a mão e volitaram. Mateus, Maria e eu limpamos
o ambiente da casa e demos passes nos moradores. Maria
conversou mentalmente com Cláudia, aconselhando-a a não brincar
mais com o copo e a orar com mais freqüência.
Logo depois, Joaquim reuniu-se a nós novamente:
- Levei Pedro ao Centro onde trabalho, deixando-o aos cuidados
de amigos, que curarão sua perna aos poucos, para que fique
conosco mais tempo. Tenho esperança de que, em nossa companhia,
ao ver nosso trabalho e sentir nossa alegria em servir ao Bem,
goste e mude de vida.
- Poderá voltar aqui? - indaga Maria.
- Sim, mas esperamos que não - responde Joaquim. - Se voltar
a vagar, sua perna enfermará novamente. Se os jovens o
chamarem, será tentado a voltar e, nesse caso, dependerá dele. E,
se insistirem com essa brincadeira, mesmo que Pedro não volte,
outro ou outros poderão atendê-los e, talvez, não tenham o auxílio
que tiveram agora. Aí, talvez, comece uma obsessão que poderá
trazer graves conseqüências a todos.
- É chegada a hora de nos despedirmos - suspira Maria -, porque
a Feira do Livro Espírita terminou. A equipe que participa dos
trabalhos da Feira, vai partir e devemos retornar às nossas tarefas.
Abraçamo-nos, felizes.
A Feira do Livro Espírita é uma bênção para a cidade que a organiza.
Muitos livros bons vendidos, muitas pessoas orientadas,
amizades fortalecidas e muitas ajudas realizadas.
Recordei-me de uma história ocorrida há tempo, que, na série
de acontecimentos desastrosos, se iniciara com uma diversão, a
de invocar Espíritos por brincadeira.
Cap.4
Socorro a encarnados
Fui visitar o Departamento de Socorro da Colônia onde resido,
com a finalidade de conhecer e aprender a ser útil
com sabedoria.
Carlos, um velho amigo, recebeu-me:
- Antônio Carlos, é um prazer tê-lo conosco! Venha conhecer
nossas equipes de trabalho.
Sempre me encantei com aquele Departamento, instalado num
edifício lindo, aconchegante e grande, com inúmeras salas, onde trabalham
muitos benfeitores. Não conseguia esconder minha alegria.
Primeiramente, visitamos a ala onde se recebem pedidos de
desencarnados que vagam pelos Umbrais, na Crosta e nas furnas.
São quase sempre clamores desesperados de socorro. Mas, também,
há muitos desencarnados que pedem por seus entes queridos
encarnados ou desencarnados, e os pedidos chegam telepaticamente.
Desta ala, saem as orientações para as equipes de socorro
a desencarnados. E os pedidos serão atendidos, ou não, conforme
a necessidade real dos solicitantes, tendo em vista sempre o melhor
para eles.
Logo passamos à ala onde chegam pedidos de socorro, de ajuda,
feitos por encarnados. O local é grande e os pedidos são
separados por seções. Íamos entrar na primeira sala, quando encontramos
duas senhoras, que, ao cumprimentarem alegremente
meu cicerone, foram-me apresentadas:
- Aqui estão duas amigas, que estão a nos visitar também. A
Sra. Antonina, que prefere ser chamada de Toninha, e Leila.
Continuamos, agora, nós quatro, a observar tudo. O movimento
era bem maior neste setor.
- Nessas alas, são analisados os pedidos que nos chegam - esclarece
Carlos.
Eram três salas grandes, onde trabalhavam muitas pessoas.
Numa delas, a maior, o número de pedidos excedia ao das outras.
- São pedidos feitos a Maria, mãe de Jesus - explica-nos ele. -
Nesta outra sala, anotam-se pedidos feitos a Deus e a Jesus e,
naquela, aos Espíritos com nomes de santos, e a pessoas desencarnadas.
- A ala da mãe de Jesus é maior e, nela, há mais pedidos do
que a Deus e a Jesus? - indaga, indignada, Leila.
Carlos sorri e elucida:
- São muitos os necessitados que recorrem a ela, Maria, mãe
de Jesus. Isso talvez aconteça por causa do culto católico, ou porque
é mulher, mãe. Muitas pessoas julgam Deus muito distante, incomunicável
e poderoso. Mas também o temem, julgando-o vingativo,
capaz de punir seus filhos por leves pecados. Não entendem ainda
que Deus não castiga, mas que somos, isso sim, donos de nossos
atos e que as ações más levam-nos a sofrer sua reação. Longe estão
de sentir em Deus o Pai amoroso e justo, que esta dentro de
nós. Pensam outros que, pedindo a Maria, Jesus não irá negar um
pedido feito à sua mãe e, por isso, preferem pedir a ela e não ao
próprio Jesus.
Uma equipe médica, composta de seis membros, passou por
nós. Carlos desejou-lhes êxito, voltou-se para nós e explicou:
- São médicos e enfermeiros que irão à Terra atender a dois
pedidos: um deles, feito à Nossa Senhora do Carmo, por uma senhora
que sofre de atrozes dores reumáticas, e eles têm ordem para
amenizar suas dores; o outro foi dirigido a São Sebastião, também
por outra senhora, mãe de um garoto de seis anos, que passará
por uma cirurgia abdominal de grave risco. Os da equipe auxiliarão
os médicos encarnados e tudo farão para a recuperação da saúde
do menino.
- Como chegam os pedidos? - indaga Toninha, curiosa, diante
de tantas solicitações que estavam na mesa e seriam estudadas.
- De muitas formas. Nos locais comunitários, dedicados a todos
os cultos do Bem, existem trabalhadores que atendem a
pedidos comuns, de ajuda simples. As súplicas que necessitam de
análise mais profunda, são anotadas e enviadas a nós. As solicitações
feitas em ambientes privados, a exemplo dos lares, são
recebidas telepaticamente por estes trabalhadores que estão sentados
em frente às mesas, para anotação.
- Todos os pedidos são anotados? - indaga Leila.
- Os que são feitos com fé, por quem clama por auxílio com confiança,
vindos de onde quer que seja, chegam com certeza ao
Departamento. Quando pedem socorro, em caso de perigo, se o
auxílio precisar ser urgente, qualquer trabalhador do Bem que esteja
por perto, prestará ajuda, atendendo o caso, se for possível. Os trabalhadores
do Bem estão em toda parte e, para eles, não importa
atender em nome de Maria, dos Santos ou de outros desencarnados.
E ainda, amiga Leila, nossos irmãos inferiores também estão pela
Terra e eles, ao contrário, afastam-se quase sempre dos chamamentos
do Bem, porém se aproximam, quando ouvem blasfêmias, pragas e
palavras obscenas. Se os bons tentam ajudar, os maus tudo fazem
para agravar as situações, deliciando-se com as discórdias, provocando
brigas e incentivando o anedotário baixo. Entram em sintonia com
os bons ou com os maus, conforme sua vibração. Mas os pedidos de
ajuda são quase sempre dirigidos aos bons e, se forem feitos com a
força da fé, recebem atendimento. Acredito que a maioria das solicitações
de encarnados são atendidas,
- E pedem muitas coisas? - quis saber Toninha.
- Oh! sim, recebemos pedidos para tudo, desde a cura de uma
pequena dor, até de uma doença grave. Também para encontrar
objetos ou comprar coisas; de pais que querem filhos; e de filhos
abandonados, que querem pais. Recebemos realmente muitos.
Vejam vocês estes aqui.
Carlos mostrou-nos uma pilha grande de pedidos: todos de adolescentes,
para as mais diversas Entidades, com o objetivo de serem
ajudados nos exames do colégio.
- E são atendidos? - indaga, sorrindo, Leila.
- Acho que terão de estudar mesmo! - sorri também Carlos, -
Porém algumas solicitações nos chegam com tanta fé, que nos
impele a enviar fluidos benéficos ao solicitante, sendo que em alguns
casos, os membros de nossa equipe de socorro vão até eles e
lhes dão passes, para que se acalmem e possam fazer o exame
bem dispostos.
- Promessas? Que seção grande! Por que tem este nome? - indaga
Leila.
- A maioria dos pedidos vêm, juntamente com promessas. Na
Terra, os encarnados estão acostumados a comprar tudo, ou quase
tudo, até favores. Por ignorância, agem assim também com as
raças. Vejam, amigos, este pedido aqui: uma senhora pede a cura
de seu filho a São Jorge e, se atendida, acenderá uma vela de seu
tamanho para o santo. Aqui chegam, todos os dias, várias promessas,
algumas difíceis de serem feitas, sendo que muitas não
beneficiam ninguém. Em outras, há a intenção de ajudar o próximo,
como as que prometem fazer a caridade material. Porém são raras
as que nos chegam como pagamento do benefício de melhora
íntima do paciente.
- Aqui, não costumamos observar se cumprem, ou não, as promessas.
Somos felizes por trabalhar e tentamos ser servos úteis,
fazendo todo o possível para realizar nossas tarefas, porém os resultados
a Deus pertencem. Fazer o Bem condiciona-nos para a
bondade, e é maravilhoso ser bom! O que recebemos e nos deixam
contentes são os agradecimentos, os quais recebemos em
número bem menor que os pedidos. Vejam este: é simples e sincero, vem de
uma senhora que manifesta gratidão comovida
Nossa Senhora do Rosário, pela graça recebida.
- Carlos, seria prejudicial à pessoa que faz uma promessa, receber
a graça e não cumpri-la? - indaga Leila.
-A maioria que faz a promessa, mas não a cumpre, geralmente
contrai uma dívida. Nesse caso, os trabalhadores do Bem não
são credores, pois a nós ninguém deve. Todavia, temos visto muitos
encarnados ansiosos por pagarem promessas e desencarnados
sofrerem com o pensamento fixo na promessa não cumprida. Mas,
se não somos os credores, outros podem consideram-se como tais.
Conhecemos casos, em que as promessas feitas às almas do purgatório,
ou melhor aos Espíritos que vagam, promessas que alguém
faz ou que outros fazem em nome desse alguém, e elas costumam
ser cobradas por esses Espíritos, que exigem o seu cumprimento.
Há também os pedidos feitos diretamente a Espíritos, como acontece em certos Terreiros; depois que os atendem, exigem que
cumpram as promessas. Quando a Terra estiver mais adiantada, em
progresso, as promessas irão desaparecer. E, para as graças recebidas,
haverá o sincero agradecimento ao Pai Misericordioso.
- São muitos os pedidos atendidos? - perguntei.
- A porcentagem não é grande, porque muitos são considerados
impossíveis. A maioria deles é vinculada às coisas materiais, e são
em número pequeno os formulados para a melhora verdadeira, a
espiritual. Em quantidade grande existem os pedidos para tornar-
se rico. Muitos até mencionam, junto aos pedidos, que irão fazer
expressivas ajudas aos semelhantes, com a riqueza. Entendemos
que a caridade material é o calor da fratemidade, porém existem
muitas formas de fazê-la, sem ser através do dinheiro. Nenhuma
dessas pessoas que pedem, se comportam assim, e se esquecem
da caridade do consolo, da boa orientação, de ser paciente, de visitar
pessoas solitárias e enfermas. Não admiraria se uma dessas
pessoas atendidas esquecesse a promessa, logo após ficar rico, ou
fizesse a caridade a si própria em primeiro lugar. Vejam vocês,
amigos, estes outros pedidos: uns querem que chova, e outros, que
faça sol em determinados dias; certamente, não é nossa tarefa intervir nos fenômenos naturais, para o prazer das pessoas. Estes
outros pedidos são para a vitória de equipes esportivas e para o
time preferido ser campeão. Há muitas solicitações para encontrar
objetos perdidos, ou de moças que querem se casar. Esta outra solicitação
é de um homem que, infelizmente, pede a Santo Antônio,
com desejo de ficar viúvo. Por isso, caros amigos, todas as súplicas
que nos chegam, feitas efetivamente com fé e perseverança são
analisadas, separadas e nossas equipes vão e fazem as visitas devidas.
Se dirigidas para o Bem e viáveis, são atendidas prontamente.
- Para o Bem? - estranha Toninha.
- Sim - esclarece Carlos bondosamente. - Se for para o Bem
do solicitante ou para quem ele pede. Veja estes, como exemplos:
A mãe pede a cura do filho paralítico; analisado o caso, a
mãe quer a cura do filho, mas ele, não; o jovem não quer sarar,
porque seu Espírito quer passar por essa prova escolhida antes
de reencarnar. Este outro, feito por um homem, dirigido à Virgem
Maria, pedindo a cura para sua dor de estômago; analisado, tem
ele essas dores por fumar demais, porém ele quer sarar sem deixar
o vício; se o atendermos, atolará mais no vício piorando sua
situação futura. Observe este, é de um moço de 23 anos de idade,
que pede diretamente a nós, trabalhadores do Bem, para que
o ajudemos a encontrar determinado trabalho, onde trabalhasse
pouco, mas ganhasse muito; isso seria nocivo a ele, porque nesse
emprego alimentaria a luxúria e a preguiça, já tão fortes em
seu espírito.
Temos aqui também pedido dos pais de um garoto de dois anos,
que foi raptado. Analisado o caso, foi o casal unido, para um aprendizado
através da dor, para cumprir um resgate do passado. Foram
eles, noutra existência, feitores que castigavam escravos, vendendo-lhes
os filhos, separando-os dos pais. O garotinho está em outro
país e dificilmente o terão de volta. As dores deles são ecos daquilo
que semearam.
- Por isso é que os pedidos devem ser analisados? - interroga
Toninha, concluindo.
- Sim, porque todo o bem deve ser realizado com sabedoria e
do melhor modo possível. Muitos casos, porém, dos que estudamos,
eram simples de serem atendidos. A exemplo deste, em que
uma senhora pede que a filhinha de três anos pare de cair. Verificamos
que a menina possuía um problema na visão e intuímos a
mãe, para que a levasse ao oftalmologista; agora, com óculos, ela
não se machuca mais.
- Noto, Carlos, que as mulheres é que fazem mais pedidos -
fala Leila.
- É verdade, a mulher é mais sensível, mais do que o homem,
pois a maioria delas está sempre a cuidar, a ajudar. Quase sempre
ela é mais humilde e, por isso, pede mais, ora mais.
- Vocês recebem também pedidos para o encaminhamento
de alguém recém-desencarnado? - quis saber.
- Vários são os pedidos que recebemos nesse sentido. Alguns
deles podemos atender, porém outros infelizmente não, pois seria
como dar um copo de água para alguém que não quer tomá-lo.
Pedem socorro para quem não está querendo ser socorrido.
Tendo que se ausentar por momentos, Carlos deixou-nos à vontade,
aconselhando mesmo que observássemos os trabalhadores
e analisássemos a tarefa junto deles.
Andei por entre as mesas, observando tudo e, numa delas, estava
escrito: "Pedidos que não podem ser atendidos". Parei. Num
canto, estavam dois pedidos unidos, examinei-os: um deles era de
um homem que se dirigia ao Espírito André Luiz, para que a esposa
se convertesse à Doutrina Espírita. O outro era da esposa à Nossa
Senhora Aparecida, pedindo para que o esposo se tornasse católico.
Os resultados da análise foram: ambos não seriam atendidos,
pois nenhum deles tinha a real compreensão de religião, para aceitar
a doutrina do outro. Foram intuídos para se amarem e se
respeitarem e aceitarem Deus, como Pai de todos, que não separa
os filhos por suas crenças.
Outro pedido que me chamou a atenção, foi o de uma esposa
suplicando a cura do marido. Analisado, constatou-se uma obsessão,
em que o desencarnado e o encarnado foram e continuavam
sendo inimigos ferozes; indicou-se a intuição aos familiares encarnados
do doente, para procurarem ajuda em Centros Espíritas. Mas
não aceitaram a sugestão, por não acreditarem no Espiritismo.
Novamente foram ajudados, no sentido de perdoarem, também não
aceitaram, porque para os encarnados o sofrimento era injusto e
quem o causara, indigno de perdão.
Em seguida, estava uma promessa a Nossa Senhora de Lourdes,
feita por um pai, que pedia uma graça para evitar que o filho
de vinte e seis anos se casasse, porque julgava má a moça; analisado
o caso, concluiu-se que os dois estavam ligados por outras
encarnações e deveriam unir-se nesta, para reajuste. Esse pai recebeu
somente o consolo, pedindo-lhe que aceitasse a nora como
filha e ajudasse o casal, com bons conselhos.
- Senhores, por favor! - volta Carlos, dirigindo-se a nós. - Estamos
analisando um caso deveras interessante, convido-os a
participar. Aceitam? Acompanhem-me.
Seguimos nosso instrutor, agradecidos.
Cap.5
A Casa do Jardim Torto
Seguimos Carlos até uma saleta agradável, onde o esperavam
os membros de uma equipe de socorro. Apresentou-nos,
eram Cibeli, Fabiano e Mauro.
- Amigos - disse Carlos -, estamos reunidos para atender
um pedido incomum. O pedido veio diretamente a nós, ou quas,
- Marta pede aos bons Espíritos ou aos "santos de Deus" qm
atendam. Clama por socorro para uma sobrinha, que víve nos
arredores de pequena cidade, não longe da metrópole em que a
reside. O pedido é para que socorramos Nely, não específica
em que. Fabiano e Mauro foram até a menina e verificaram que ela
realmente necessita de ajuda. Por favor, Fabíano, conte-nos o que
viu.
Fabiano é o que aparenta ser o mais jovem da equipe. Muito
bonito, loiro de olhos azuis, traços firmes e bem pronunciados, fa
a narração em seguida:
- ll~Iarta não se encontra com a sobrinha Nely, no momento. ,
menina é órfã e mora numa chácara com três empregados. Está
debilitada fisicamente, além de estranhamente, e ainda uma pequena
mas perigosa falange de Espíritos, a obseda.
- Vamos ajudá-la - completa Carlos. - Para isso, convido vocês
Toninha, Leila e Antônio Carlos, a acompanhar-nos. 1'esquisaremo
o que de fato acontece e tudo faremos para ajudar a menina Neli
Aceitam o convite?
- Sim! - respondemos os três juntos -, com prazer!
- Dentro de uma hora partiremos, por ísso estejam na sala de
recepção, de onde sairemos.
Continuamos ainda por algum tempo no departamento, e visitamos
o belíssimo jardím que o circundava, enquanto estaivamo
ansiosos por conhecer os fatos que induziam uma falange de Espíritos
inferiores a obsedar uma menina.
Na hora marcada, reunimo-nos os sete na recepçào e partimos
em seguida, volitando, em direção à guerra.
Nos arredores de pequena cidade, descemos nos jardins de
uma chácara.
A propriedade não tinha grande dimensão e estava descuidada,
com aparência mesmo de abandono. A estreita estrada que
levava à propriedade era de terra e, na parte da chácara que dava
para a estrada, havia muros altos, com um portão de ferro na entrada.
A casa estava no meio de um jardim, onde outrora havia
flores, mas no momento só se viam muitas ervas daninhas e pequenos
arbustos. Porém chamava mais a atenção o seu paisagismo,
com os canteiros tortos, formando estranhas figuras geométricas
e, nos canteiros maiores, estatuetas de gesso, de anões e quendes,
constituindo figuras feias, já gastas e sujas, que completavam a estranha
decoração do jardim. Não era à toa que conheciam a
propriedade como a Chácara do Jardim torto.
- Ninguém deve cuidar deste jardim, que pena! - disse Leila.
A casa, um sobrado, era grande e com muitos cômodos. Pareceu-nos
conservada, embora notasse que Fora pintada lia tenihos.
Atrás da casa, uma pequena horta de verduras e uma plantação
descuidada de milho, crescendo junto com o mato. Havia também
um grande galinheiro, com muitas aves e logo observamos que a
maioria era de cor negra. Um chiqueiro com alguns porcos e um
pequeno curral com poucos cabritos.
Nesse instante, ouvimos um barulho de carro. Aproximamo-nos
e vimos no volante um homem de aproximadamente trinta e cinco
anos, de aspecto desagradável, e pudemos notar que era viciado
em bebida alcoólica. Cinco desencarnados, com o mesmo aspecto
do motorista, estavam no carro. Saindo da casa, em correria, entra
no carro uma menina.
- Esta é Nely - mostra-nos Fabiano.
- Não parece ter doze anos! - exclama Toninha.
Nely era pequena para sua idade. De compleição magra, cabellos
castanhos avermelhados, crespos, berm curtos, trajava uniforme
de escola. Depois de entrar no carro, partiram. tlrn senhor aiariu o
portào, fechando-o logo que ele passou.
- Este senhor é João - elucida-nos Mauro. - São três os empregados
da casa. João, que cuida dos animais e da horta; a Sra.
Germana, ou D. Gema, sua esposa, que cuida da cozinha e da limpeza
da casa; e seu filho José, o motorista que vimos.
Um estranho grupo de Espíritos, conversando distraídos, saiu
da casa, passou por nós, sem nos ver. Um deles falou para uma
das mulheres do grupo:
- Honória, fique com Ana no jardim, deixe-a tomar sol.
- Sol? Oh! cara, pensa que ela é encarnada? - riu um outro Espírito,
que se aquietou logo, por causa do olhar firme e autoritário
daquele que dera a ordem.
Honória, a que recebeu a ordem, possuía fisionomia de idosa,
aparentando ser a mais velha do grupo. Pegou pela mão uma
mulher, que julgamos ser Ana, e sentaram-se no jardim.
Os outros três volitaram.
- Que chato! - resmungou Honória, baixinho -, fazer companhia
a esta idiota, que nem sabe conversar.
Ana estava enferma e pudemos verificar que era recém-desencarnada.
Mostrava-se magra e abatida, com olhar sem expressão,
pois estava perturbada.
- Deve haver um desencarnado dentro da casa, pois constatamos
dez, em nossa visita anterior, porém vimos até agora só nove
- disse Fabiano.
- Entremos para conhecer a casa, amigos - disse Carlos. - Vamos
tentar compreender o porquê de estarem aqui reunidos tantos
desencarnados trevosos.
Logo que entramos, escutamos resmungos vindos da cozinha
e para lá nos dirigimos.
- Esta é D. Gema - explica-nos Mauro.
A Sra. Germana, de cabelos quase todos brancos, deveria ter
quase sessenta anos e estava insatisfeita e irritada, porém não nos
admiramos, pois um desencarnado do grupo vigiava-a, aborrecido.
- Pelo que vimos - elucida Mauro -, sempre fica um deles com
D. Gema, a vigiá-la, impedindo-a de orar.
- E consegue impedi-la? - indaga Toninha.
Carlos responde:
- Ninguém consegue impedir a outrem de orar, mas podem,
isso sim, distrair, dificultar a concentração. Observe, Toninha, que
o desencarnado está irritando-a, para dificultar seu trabalho diário
e tudo faz para que não tenha vontade de orar. Sabem que a oração
poderá ser acompanhada com um pedido de socorro, e os
desencarnados aqui não querem Espíritos bons por perto.
D. Gema limpava a cozinha e preparava o almoço. Numa bacia
sobre a pia estava um grande pedaço de carne que ia utilizar. Escutamos
seu resmungo:
-A menina Nely só quer comer carnes e quase cruas, mas nada
de verduras e frutas, nem leite. Faço arroz, feijão e carne todos os
COPOS QUE
dias, no almoço e no jantar, porém a menina só come carne! Meu
Deus!
D. Gema deu um suspiro e, ao pronunciar "Meu Deus!", o desencarnado
deu-lhe um tremendo tapa na cabeça. Ela sentiu uma
pontada de dor e exclamou:
- Ai! Que acontece? Nem esse nome posso dizer? O João acha
que é impressão minha, entretanto recomenda que não o diga, porque
todas as vezes que o pronuncio, dói minha cabeça.
O desencarnado, cínico, sorrindo, disse alto:
- Não é para dizer mesmo! Se repetir, repito a dose, bato mesmo,
velha imbecil. Só não acabo com você porque Raquek não
quer, porque é útil na cozinha!
Falou isso, ameaçando-a com a mão. Fabiano tentou protegê-la,
mas Carlos o impediu:
- Logo mais, Fabíano, a ajudaremos. Devemos primeiro conhecer
os fatos, estudar os acontecimentos e agir com sabedoria. Por
enquanto, não devem desconfiar de nossa presença aqui. Vamos
conhecer a casa toda.
Todos os cômodos eram grandes, estavam desarrumados e não
muito limpos. As janelas fechadas davam a impressão que não era
costume abri-las. Não havia muitos enfeites. No térreo situavam-se
as salas e a cozinha e, no andar de cima, os quartos e banheiros.
Só dois quartos estavam destrancados, os outros, fechados, talvez
por não serem usados. Um deles pertencía à Nely, e nele nada nos
chamou a atenção. Havia um armário, com poucas roupas, a cama,
uma escrivaninha com alguns livros e cadernos escolares, indícando
que cursava a quinta série, e estava com notas péssimas.
O outro quarto chamou-nos a atenção:
- Parece um quarto de pintura e trabalhos manuais! - diz Leila.
- Sim, mas não de Nely. Era a saleta de trabalho de sua mãe,
Noemy - explíca Fabiano.
Constituía o aposento mais limpo da casa. Uma saleta que deveria
ter sido local agradável outrora, onde se viam telas pintadas,
a maioria de natureza morta, estando inacabada a do cavalete, e
uma mesinha com pincéis e tintas. Ao lado do sofá, uma cesta de
vime com agulhas, linhas e toalha para bordar.
- Nely é órfã de pai e mãe? - indaga Cibeli.
- Sim, sua mãe desencarnou há dois anos e meio, e o pai, há
sete meses - esclarece Mauro.
- Seus pais estão entre os desencarnados que vimos? - indaguei.
- Não, não se encontram por aqui - responde Carlos. - Vamos,
agora, descer ao porão.
A casa estava saturada de fluidos pesados, nocivos, que nos
inquietavam, e mantínhamos o equilíbrio com orações e bons pensamentos.
A escada que ligava o andar térreo ao superior da casa, era larga
e revestida com um tapete de cor vermelha, sujo e gasto, e
possuía bonito corrimão de madeira trabalhada. Porém a escada
que levava ao porão era estreita e com degraus altos. E o porão era
um salão, somente.
- Que interessante! - exclama Leila.
Tinha razão, pois o lugar, se olhado por encarnados, nada tinha
de especial: apenas alguns armários com poucos objetos, uma
mesa grande, algumas cadeiras velhas, quadros pelo chão e utensílios
velhos.
Porém, visto do plano astral, ali estava montado um grande laboratório
de alquimia, com muitos tubos de líquidos, potes com ervas,
objetos profanos, instrumentos de torturas e muitos livros de magia
negra.
- Que objetos estranhos! - exclama Cibeli.
- São objetos de um mestre do mal, talvez pertences do chefe
do bando.
- Vejam isto, amigos! - mostra-nos Toninha.
Num canto do salão, jogado no chão, um objeto físico, um quadrado
de madeira fina. Em um dos lados, estava pintado, com tinta
preta, o alfabeto e os numerais de zero a nove.
O estranho tablado estava impregnado de forte fluido nocivo.
Carlos concentra-se por instantes no objeto e explica-nos:
- Esses desencarnados estão aqui porque foram chamados,
invocados. - Diante do nosso assombro, continuou: - Sim, invocados
talvez por brincadeira ou diversão, para responderem às
indagações e, para isso, usou-se o tablado. Unindo a força mental
do encarnado que indaga e os fluidos dos Espíritos, consegue-se
movimentar esta seta, essa aí, que está no chão, para formar palavras
e frases, completando um intercâmbio entre eles, encarnados
e os desencarnados.
- Quem os invocaria? Nely? - indaga Cibeli.
- Sim, a menina - responde, triste, Carlos. - Lyly não o fez por
maldade, porém, quando mudou para esta casa, encontrou o tablado
no porão e interessou-se, julgando ser uma brincadeira.
Agindo dessa mesma forma, em muitos lugares, há pessoas que
julgam isso simples brincadeira, mas representa algo sério, que tem
Tablado: nome dado naquela região a um pedaço elc m;nlcir,~, pintado,
usado para casas invocações perigosas. Essa mesma denominação usaremos
no ciecçn-rer da história. (Nota do Autor Espiritual - N.A.E.)
levado a conseqüências trágicas muitos que dela participam. Invocam
Espíritos levianamente, usando até orações ao iniciar.
Entretanto, as orações apenas nos lábios não espantam nossos irmãos
inferiores, que as toleram apenas no começo dessa pretensa
diversão, mas logo que adquirem confiança, mandam parar com
isso.
Observando o tablado, Carlos continua:
- Este tablado tem sua história.
a família que residia antes nessa chácara era feliz. Tudo era
diferente, bonito, alegre e bem cuidado. O casal tinha seis
filhos, estando o mais velho com dezesseis anos, na época
em que tudo começou a mudar. Foi ele que ouviu dizer, na escola,
que pessoas bem dotadas mentalmente tinham força para fazer andar
objetos com a ajuda dos mortos, e que eles poderiam, inclusive,
responder a qualquer indagação. Curioso, resolveu tentar, construindo,
ele mesmo, este tablado, e pintando-o devidamente, Depois,
juntamente com dois írmãos mais jovens, iniciaram a comunicação.
A família dizía ter uma determinada religião, mas não a seguia
nem possuía o abençoado costume de orar. Com eles morava, há
muito tempo, Narcisa, a empregada, vigiada por alguns desencarnados,
que esperavam momento adequado para se vingarem dela,
porque, em encarnação anterior, fora ela um feitor branco muito
mau. Os sete negros que agora a rodeavam, não a tinham perdoado
e acabaram por encontrá-la nas vestes de uma negra pobre, órfã
e empregada de brancos.
Os meninos tiveram na tablado um brinquedo interessante.
Concentravam-se e invocavam um desencarnado. E diziam "qualquer
Alma do outro mundo", "um morto", pois para eles não fazía
diferença. Assim invocavam:
"Qualquer um que aqui esteja, venha atender-nos!"
Os negros observavam os meninos, curíosos, e sentíam-se invocados,
e o mais inteligente deles, o líder, de nome João, passou
a responder aos garotos e cognominou-se de Pai-João.
Pai-João e, conseqüentemente, os outros seis companheiros
passaram a sentir-se à vontade na casa e, porque eram chamados
e tratados com consideração, até simpatizavam-se com os menínos,
pois para eles tudo era válido, desde que realízassem a
vingança. A primeira recomendação feita aos garotos foi para esconderem
dos pais a brincadeira do tablado, e eles assim o fizeram.
Léa, outra empregada, descobriu o brinquedo, e os meninos
convidaram-na para participar, contanto que guardasse segredo. Tornaram-se
assim quatro encarnados e sete negros, ex-escravos
revoltosos, um grupo a realizar o intercâmbio mediúnico.
Os desencarnados passaram a fazer favores aos garotos e
também à Léa, contando parte de suas vidas, quando estavam encarnados,
para assim ganharem a confiança deles e, aos poucos,
foram fazendo os quatro odiarem Narcisa.
Pai-João falou que o pai dos meninos era amante de Narcisa, e
eles acreditaram piamente, passando a tratar a empregada negra
com rancor, e assim também o pai. De adolescentes dóceis, tornaram-se
revoltados, sendo compreendidos somente pelo suposto
amigo, Pai-João. Narcisa sentiu-se triste e magoada com o tratamento
que passou a receber dos jovens, e isso fez com que seus
pensamentos baixassem a vibração. Seus inimigos, então, puderam
influenciá-la e começaram a obsedá-la, dando-lhe a sugestão
de que deveria suicidar-se.
Faziam ao seu antigo feitor, na pessoa de Narcisa, o que ele
lhes fizera. Diziam-lhe sempre:
"Deve matar-se a si mesma. Nada é pior do que ser negro! Pessoas
de cor não merecem viver! Não seja covarde, suicide-se,
mate-se a si mesma, negra imunda!"
Os meninos acabaram contando à mãe que o pai era amante
de Narcisa, porém não contaram como souberam, e então a mãe
deduziu que eles haviam visto. Por isso, o casal desentendeu-se e
o lar, antes sossegado, tornou-se um caos. Todos souberam da calúnia
e acusavam Narcisa, que foi expulsa da casa pela senhora.
Narcisa desesperou-se. Sentindo que ninguém acreditava nela
e não tendo para onde ir, saiu correndo de casa, atravessou as plantações,
entrou nas terras vizinhas onde havia um grande reservatório
de água e, atendendo aos chamamentos dos desencarnados, suicidou-se.
A tragédia abalou a todos. O pai dos garotos não se conformava
por ter sido difamado, e a esposa por ter sido traída. Os negócios
começaram a ir de mal a pior e o senhor faliu. Por isso, venderam
a chácara e mudaram-se.
Os negros, após o suicídio de Narcisa, sentiram-se vingados e,
vendo-a sofrer desesperada pelo ato que cometera, desinteressaram-se
dela. Resolveram, assim, mudar com a família, porque se
julgavam amigos dos garotos, considerando certo tudo o que fizeram.
Os meninos, porém, desiludiram-se da brincadeira com os
Espíritos, ficaram chateados com a mudança e com as brigas dos
pais, por isso não quiseram levar o tablado, deixando-o aqui, no
porão.
A famílía foi morar em uma outra cidade, onde residia uma irmã
da mãe dos garotos, que era espírita e médium. Logo que ela os
viu, percebeu também os negros, e explicou-lhes o fato, convidando-os
para ir ao Centro Espírita que freqüentava. O casal, achando
que deveria mesmo ter algo que os atrapalhava, foi a uma sessão
de desobsessão e os mentores da casa trouxeram os negros, orientando-os
através de incorporações, e eles contaram toda a história.
O casal pasmou com a afirmação o dos filhos sobre o tablado,
reconheceu o perigo a que ficaram expostos e reconciliou-se, tornaram-se
espíritas. Hoje estão bem.
- Como soube disso tudo! - exclamou Cibeli.
- O dirígente espiritual desse Centro é meu amigo e já havia
comentado o fato comigo. Ao ter o endereço desta chácara, achei
que poderia ser a mesma, e fui confirmar com ele: realmente era.
- E Narcisa, sabe dela? - perguntou Leila.
- Foi socorrida pelos antigos obsessores, então já doutrinados,
e pelos trabalhadores espirituais. Vagava desesperada perto de onde
se suicidara, e atualmente recupera-se em local de socorro apropriado
para os que tiram a vida física, através do suicídio.
Continuando sempre tranqüilo, Carlos, após uma pequena pausa,
aduziu:
- Um agiota da região comprou a chácara para revender, porém,
por causa dos comentário sobre o suicídio de Narcisa e a
infelicidade do casal, as pessoas supersticiosas da redondeza não
se interessaram em adquiri-la, ficando por muito tempo fechada.
- Carlos - indaga Toninha -, locais de acontecimentos trágícos
podem vir a prejudicar outras pessoas, futuros moradores?
- Dependendo de muitos fatos, os locais de fluidos pesados podem
prejudicar, se não forem eliminados e trocados por outros,
benéficos. E também podem estar no local moradores desencarnados
e, se os futuros moradores não souberem conduzi-los,
orientá-los, pode se estabelecer uma obsessão. Tudo o que ocorre
fica registrado no Plano Espiritual, e pode transformar-se em más
influências às pessoas. Há sensitivos que conseguem ver o ocorrido,
através da psicometria.
Tempos depois, o agiota colocou o anúncio de venda num jornal
da Capital e convenceu Noel Leocídio, pai de Nely, a se
interessar e a comprar o ímóvel. Foi mais precísamente Noemy, mãe
da jovem, quem quis vir para o interior, na tentativa salvar seu casamento.
Noel e Noemy não se entendiam, porque ele era
mulherengo, jogador, e ela achou que no interior o marido poderia
se interessar pela terra e vir a ser bom esposo. Havia também interesse
que a filha crescesse numa cidade pequena. Assim, tentando
recomeçar, compraram a Chácara do Jardim Torto e se mudaram.
Todos gostaram do lugar, principalmente Nely. Contrataram-se
empregados e, entre eles, Léa, a moça que trabalhou com os antigos
donos e participava da brincadeira do tablado.
O casal continuou a brigar e Nely vivia isolada. Por isso interessou-se
pelo tablado, logo que o achou no porão e, por não saber
como manuseá-lo, indagou aos empregados e Léa a ensinou.
Fez tudo como Léa falara, inclusive invocar o Pai-João. Nely não
desistia, embora sem resultados. Certo dia Raquek, Espírito que vagava,
passava pelas redondezas, ouviu a invocação, aproximou-se
e, porque não houvesse ninguém a impedir sua entrada, resolveu
por curiosidade responder a menina. Assim, amigos, uma invocação
sem conhecimento do assunto, por brincadeira, deu início ao
que vimos. Raquek procurava um local para trazer Ana, que estava
prestes a desencarnar, porque não queria que ela ficasse no umbral,
depois da morte do corpo físico. Achou aquele local ideal, com
uma família sem religião, vibrando mal, e com mais um detalhe a
seu favor: fora chamado e convidado por Nely a permanecer e a
responder sempre a ela. Raquek, atualmente, passou a obsedar
Nely, que nada faz sem seu consentimento.
- Mas agora o tablado parece-me abandonado! - disse Leila.
- Sim, está. No início, o obsessor e a jovem conversavam através
do tablado. Sabemos, porém, que o tablado é um objeto neutro,
pois são as mentes, os Espíritos, é que se comunicam, e Raquck
sabe disso. No momento, comunica-se com Nely telepaticamente,
e ela o vê e sente, além de conversar com ele normalmente.
- E Léa onde está? Não trabalha mais na casa? - pergunta Toninha.
- Trabalhou pouco tempo aqui, mas foi dispensada, por não
ser boa empregada.
- Nely também chama Raquek de Pai-João? - perguntei.
- Não, logo ele identificou-se, dando o nome certo - responde
Carlos bondosamente, diante do nosso interesse.
- Nely escondeu também o tablado dos pais?- indagou Mauro.
- Não. Chegou até a fazer a seta andar, para os pais verem. O
pai ficou indiferente, como sempre fazia diante dos acontecimentos
do lar. E, se aquele brinquedo fazia a menina aquietar-se,
deveria ser bom. A mãe achou lindo a filha, com dez anos na época,
saber concentrar-se, ter poderes mentais a ponto de mexer
sozinha e com habilidade a seta, formando frases inteligentes e
rápidas. O companheiro espiritual que ela dizia ter e que a atendia,
com o nome exótico de Raquek, seria tudo uma ínvenção da
mente privilegiada de sua filha bem-dotada. Sentia-se orgulhosa
ao vê-la encontrar objetos perdidos, responder às perguntas dos
empregados, através da concentração sobre o tablado, Sei disso,
amigos, porque pesquisei sobre a antiga família e como teria começado
essa estranha obsessão ou possessão, e também lendo a
projeção astral do tablado. Mas, para ajudar, teremos que saber
mais, muito mais. Entretanto é hora de sair daqui.
Sentimo-nos aliviados ao sair do porão e fomos para o jardim.
Honória e Ana continuavam sentadas no banco, sendo que uma
sentia-se entediada e a outra estava passiva, alheia.
- Vamos fazer deste local um ponto de encontro - dísse-nos
Carlos.
O local escolhido situava-se entre dois canteiros grandes, perto
do muro que dava para a estrada, no canto direito do jardim.
- Repartiremos as tarefas, vamos colher informações para começar
a agir - incentiva-nos Carlos carinhosamente, a sorrir.
Concordamos e Carlos determínou:
- Cada um de nós fará uma pesquisa ou trabalho. Leila, fique
encarregada de obter informaçôes de Noel Leocádio, pai de Nely.
Cibelí, procure saber de Noemy, onde está, como desencarnou etc.
Toninha, informe-se sobre Raquek e, conseqüentemente, sobre Ana.
Mauro fará a parte mais perigosa, tentando obter ínformações sobre
o dono do laboratório que vimos no porão: procure saber se
algum dos socorristas sabe quem é ele e por que está aqui. Estarei
no Departamento, procurem-me se houver necessidade. Tentarei
saber de Nely, de suas encarnações anteriores, para que possamos
entendê-la e ajudá-la. Antônio Carlos e Fabiano, vocês aqui ficarão
observando e anotando os acontecímentos, mas sem interferir.
Espero amigos que, até à noite, nos reunamos novamente para elaborar
nosso plano de ação. Boa-sorte!
Rápidos volitaram, ficando Fabíano e eu.
Sentamo-nos num dos bancos do jardim, de onde podíamos
observar toda a casa. A Sra. Gema continuava na cozinha com
seu vigia, enquanto que Honória e Ana permaneciam no jardim.
Observava Fabiano, quando notei que pensava em algo que o
ínquietava.
- Fabiano, conhecemo-nos há poucas horas e sinto-o muito amigo,
porém noto-o preocupado, posso ajudá-lo? Ficaremos horas
aqui, talvez só observando, por isso poderíamos ocupar o tempo
conversando. Não quero ser indiscreto, entretanto, se quiser repartir
suas atribulações, diga-me.
- Obrigado. Se tiver paciência para me ouvir, Antônio Carlos,
saiba que me preocupo é com a repetição.
- Repetição?! - estranhei.
- Devo, amigo, reencarnar logo. Estou há tempo desencarnado,
há quinze anos, e dedico-me ao estudo, ao trabalho, preparando-me,
mas temo a reencarnação e a repetição. Explicarei melhor.
Muitas vezes já encarnei; quantas, não sei. Vestir um corpo carnal
é passar por difíceis provas e, na Terra, nesta época de transformação,
as responsabilidades são muitas e receio, como tantos outros,
falhar.
- É verdade, nossa Terra está atualmente saturada de vibrações
tensas, materialistas e destrutivas, descendo cada vez mais ao fundo
do poço, no domínio da matéria. E a responsabilidade de cada
um de nós, cristãos no trabalho do Bem, são muitas. Fabiano, você
tem necessidade de reencarnar agora? Se não estiver seguro, não
é melhor adiar, aguardar mais tempo?
- Tempo? Já tíve bastante! Anseio por reencarnar, só que tenho
medo de fazê-lo. Já ouviu, amigo, a história de um aluno que passa
em muitas matérias, menos em uma que o obriga a repetir o ano?
Acontece assim comigo. Pedi para reencarnar e tudo fazer para
resolver a questão desta vez e, para ísso, tenho trabalhado, estudado
e pesquisado a matéría que me retém, tanto é que aqui estou a
participar deste socorro.
Fabiano calou-se por momentos, olhei-o e procurei transmitir-lhe
conforto e coragem. Olhou-me agradecido e exclamou:
- É a mediunidade que temo!
Calamo-nos novamente. Mediunidade, graça para distribuir de
graça e por graça. Lembrei-me de alguns médiuns que conhecia e
de tantas histórias reais que ouvira, de vitórias e fracassos. É realmente
uma grande prova. A mediunidade é para mim como um
bísturi que, bem usado, cura e extermina a dor, mas que também
pode machucar, matar. Ou como um livro que, sendo bom, educa,
ensina e orienta ou, sendo mau, que perverte, desencaminha. Podendo
ser também como o fogo que aquece, serve e constrói ou
destrói, queima e fere.
- Fabiano, não tema ser médium! A mediunidade é uma graça,
uma bênção para indivíduos que estão no meio do camínho, para
purificar-se e alcançar o Reino de Deus.
- Antônio Carlos, Nely é médium, não é?
- Sim, é, e muito sensitiva.
- Está ela usando a mediunidade mal, não acha?
- É cedo para afirmar. Teve e tem maus companheiros, porém
é jovem e poderá mudar.
- Tem más companhias porque vibra como eles. Se assim não
fosse, não aceitaria tê-los por companheiros. Sabemos que Nely tem
somente o corpo jovem, mas não o Espírito. Espero realmente ajudá-la.
- É o que desejo também.
Após ligeira pausa, Fabiano falou:
-A mediunídade, para mim, será uma repetição, pois serei novamente
médium. Tenho, amigo, uma história triste, de fracassos.
- Conta-me, Fabiano, fale de seu passado, de sua experiência.
- Falarei dos fatos mais importantes, daquilo que me marcou
mais. Começarei no inícío da Idade Média, quando fui quente fanático
e tornei-me padre. Para mim, nada existia de importante além
do Clero. Não acreditava que pessoas pudessem ter visões, sentir,
ver, conversar com pessoas mortas fisicamente, ter avisos em sonhos;
não aceitava nada de quem pensasse diferente de mím.
Cheguei a perseguí-las com injúrias, castigOs e as ironizava, chamando-as
de loucas. Tinha a relígião nos lábios, não no coração e,
para os que me contradiziam, desejava-lhes o Inferno. Desencarnei
e sofri muito pela perseguição de inimigos e pela decepção de não
estar no Paraíso, porque achava que merecia o Céu. Pela bondade
do Pai, fui socorrido e pedi aos benfeitores para ter mediunidade
e, assim, voltei a encarnar.
Naquele tempo, ter mediunidade não era fácil. Considerados
bruxos, fossem bons ou maus, eram perseguidos, presos e até queimados
vivos. Fui filho de camponeses e, desde menino, via os
desencarnados e com eles conversava, principalmente com minha
avó paterna. Meus pais temiam por mim e tentaram corrigir-me,
procurando fazer com que escondesse o dom que possuía. Mas o
fanatismo em mim voltou forte, pois achava que não poderia ocultar
algo que me era tão natural, e sentia que estava certo e os outros,
errados. Minha avó também aconselhava-me cautela, dizendo
carinhosamente que não era direito querer que outras pessoas acreditassem
em mim. Comecei a benzer pessoas e ajudá-las, chegando
mesmo a curar muitas. Atendendo recomendação de minha avó,
não cobrava dinheiro pelo que fazia, mas exigia delas a gratidão, e
que passassem a pensar, a crer como eu. Para se dar de graça o
que de graça se recebe, exige-se meditação profunda. Não devemos
cobrar materialmente, nem tampouco oprimindo as pessoas.
É necessário ajudar e esquecer. O que fazemos aos outros, é a nós
que fazemos. O trabalho no Bem é a graça que nem sempre merecemos,
e que só conseguimos fazer pela Bondade do Pai. E, tantos
como eu, cobram do beneficiado a gratidão.
Inclusive, não suportava gracejos. Por isso, familiares e conhecidos
passaram a ironizar, a rir de mim, porém percebi que, se fazia
o bem, podia também fazer o mal. Passei então a beneficiar os que
me elogiavam e a prejudicar os que me criticavam, através de vibrações
para que adoecessem, até mesmo a meus familiares. E
rogava pragas terríveis aos que, curados e ajudados por mim, eram-me
ingratos. Esquecia-me de que não era u quem fazia, mas que
eu servia apenas de intermediário. Entretanto julgava-me importante
e orgulhoso. Minha avó, aquele bondoso Espírito, aconselhava-me
e tudo fazia para me chamar à razão. Não quis atendê-la e, por
isso, afastou-se e fiquei com a companhia a que fizera jus, a dos
maus. Fui denunciado ao Clero, porém, avisado por um amigo, consegui
fugir. Mudei-me para a Alemanha e, como lá as perseguições
eram terríveis, dissimulei a mediunidade, arrumei um trabalho e
nunca mais dei notícias aos meus. Namorei uma boa moça e me
casei. Mas o fanatismo era forte em mim e acreditava que tinha de
fazer tudo para que os outros pensassem como eu. Procurei um
grupo que realizava rituais escondidos, e um parente de minha
esposa ajudou-me a integrar-me nele. Com eles, aprendi a fazer
filtros de amor e misturar de ervas, que manipulava para remédio
ou veneno. Cobrávamos caro, e vovó ainda tentou fazer com que
mudasse de atitude, porém pedi-lhe que não me aborrecesse e ela
ausentou-se, triste. Desencarnei saturado de energias negativas, sofrendo
muito por longos anos e foi novamente vovó quem me
socorreu e me ajudou. Por algum tempo, estudei, trabalhei e pedi
para encarnar novamente. Vovó despediu-se, pois tinha que continuar
seu trabalho, e por isso já não podia contar com sua ajuda.
Tíve amparo e não lhe dei valor. Quando procedemos assim, chega
a hora em que o auxílio nos é tirado.
Fabiano parou a narrativa e enxugou as lágrimas abundantes.
- Fabiano, as lágrimas de remorso lavam a alma, e as de saudade,
aliviam-nos. Esse Espírito que tanto bem lhe fez, fez o bem
para si mesmo. E agora que lhe é grato, sentirá com certeza e receberá
a recompensa por seu carinho onde quer que esteja. Não se
entristeça, amigo, porque tristezas não pagam dívidas, pois são resgatadas
com trabalho edificante.
- É verdade, Antônio Carlos, desculpe-me. Luto sempre contra
a tristeza, porque sei que cultivá-la nos traz desânimo, desesperança
e doenças. Tento ser otimista e sou grato ao Pai-Amoroso, pelas
muitas oportunidades que nos dá, pela Lei justa da reencarnação.
Amo muito esse Espírito, que foi minha avó, sou-lhe profundamente
grato, sei que está em esferas superiores e que ora por mim.
Tenho muitas dívidas, amigo, e quero resgatá-las pelo Amor, com
trabalho mediúnico no Bem. Nesse período em que estive desencarnado,
prometi a mim mesmo voltar a ser médium, sem ser
fanático, respeitando as opiniões alheias. Benfeitores do Plano Espiritual
tudo fizeram para ajudar-me, e voltei como membro de
família relígiosa, que conhecia os fenômenos mediúnicos e os respeitava.
Logo notaram minha mediunidade e tudo fizeram por
educar-me e conduzir-me no Bem. Entendí, obedeci a meus pais e
não tivemos problemas. Éramos pobres, porém trabalhadores. Aos
vinte anos, enamorei-me de uma jovem de família rica, desejei ardentemente
tê-la para mim e casar-me com ela. Passei a segui-la
sempre que podia e via-a sempre nas missas aos domingos. Um
dia, enchendo-me de coragem, fui conversar com ela e disse-lhe
que a amava. Ela contou-me que era prometida a um senhor rico e
que seu pai só a deixaria casar com pessoas de posse financeira.
Prometi-lhe conseguir dinheiro suficiente para poder casar-me, e
pedi que me esperasse.
Pensei com afliçáo em como fícar rico em pouco tempo e só
achei um modo: utilizar meu dom medíúnico. Sabia que na floresta,
em uma caveenaa, morava um mago, homem rico, que dava
consultas e fazía fíltros. Era procurado por muitas pessoas de posses.
Escondido de meus pais, fui procurá-lo. Recebeu-me e escutou-me
pacientemente. Depois fez comigo alguns testes que
comprovaram minha mediunidade e, por isso, aceitou-me como
ajudante. À noite, escondido, ia para a gruta e com o mago trabalhava,
aprendendo tudo rapidamente. Já não me sentia bem na
Igreja, nem com as orações, e as imagens pareciam cobrar meus
atos. Porém ficava nas proximidades da Igreja no horário da missa,
para rever minha amada. Algumas vezes trocamos frases banais,
em encontros que tudo fazia para parecerem casuais. Minha família
descobriu tudo e proibíu-me de voltar à floresta. Briguei com
eles, saí de casa e fui morar com o mago. Consegui juntar algum
dinheiro em poucos meses e, embora não fosse muito, enchi-me
de esperanças. Então fiquei sabendo que minha amada iria casar-se
em breve. Então, esperei ansioso que saísse da missa, segui-a,
cerquei-a na rua e indaguei, furioso:
- Você vai se casar?
Ela tentou explicar, parecia escolher as palavras para não me
machucar. Disse-me que o noivo era boa pessoa, que simpatizava
com ele, queria-o bem, aprendera a respeitá-lo naqueles meses de
noivado e que ia realmente casar-se em breve; por isso deveria esquecê-la.
Nada me prometera, eu sim é que fiz compromisso de
ficar rico e não tinha conseguido. Insisti para que fugíssemos, mas
ela, perdendo a paciência, disse orgulhosa: "Não posso, deixa-me
em paz! Só se fosse louca, para unir-me a um bruxo! Sei que ajuda
o mago da gruta; sou cristã e não quero para marido alguém que
pode ser queimado e que, talvez, me leve junto".
Enraivecí-me, pois pensei ter ocultado bem meu trabalho, e
olhei-a com ódio. Ela concluiu, írritada: "Deixa-me em paz, mago!
Deixa-me em paz! Te esconjuro!"
Afastou-se rápido e retornei magoado, pois doía-me terrivelmente
seu desprezo, e também estava assustado em saber que meu
trabalho na gruta não era desconhecido, como pensava.
O Mago consolou-me e incentivou-me a retribuir, cultivando
ódio e vingança. E, com isso, os Espíritos maus passaram a assediar-me.
Meus pais e meus irmãos foram visitar-me muitas vezes, tentando
que mudasse de atitude e voltasse para casa. Gostava deles,
porque eram bondosos comígo e, às vezes, sentia até vontade de
atendê-los, porém queria vingar-me e fiquei com o Mago na gruta.
Continuei com a intenção de ficar rico, e descobri que fazer
drogas abortivas poderia dar-me dinheiro, tornando-se isso minha
especialidade. Uma das empregadas da casa de minha ex-amada,
moça ainda, veio em busca de meus favores. Atendi-a, mas não
lhe cobrei, e até lhe dei dinheiro, muito dinheiro, para que fizesse
o que eu pretendia. Nessa ocasião, a mulher que me desprezara,
estava grávida de poucos meses; dei então a droga abortiva, para
que a empregada colocasse em sua comida, e o aborto aconteceu.
E, porque o casal queria filhos, fiz desse processo minha víngança.
Assim, todas as vezes que engravidava, a empregada colocava a
droga em sua comida e ela abortava. Vê-los infelizes, era meu prazer.
Anos se passaram e, então, planejei matar o esposo dela; entretanto,
antes que eu conseguisse, a Inquisição prendeu-nos. Os
inquisidores encarceravam muitas pessoas, fossem boas ou más,
mas a prática da bruxaria era proibida, e qualquer fenômeno mediúnico
era perseguido. Nossa moradia na gruta foi destruída e todo
o dinheiro que juntara, mais as coisas de valor que possuía, foram
doados à Igreja. As provas eram muitas, por isso resolvemos confessar
todas as acusações e evitar a tortura; mesmo assim fomos
condenados a morrer na fogueira.
Pensei que pudéssemos, o Mago e eu, livrar-nos e, por isso, invocamos
os amigos desencarnados, utilizando toda nossa força
mediúnica, porém nada conseguimos. Desencarnamos, os dois, na
fogueira em praça pública. Ser queimado é horrível: a dor aguda,
ardida, do fogo, o cheiro de carne queimada, a fumaça que sufoca,
faz com que a cada lembrança eu estremeça.
Os antigos amigos desencarnados, que tratávamos como empregados,
tornaram-se senhores e exigiram de nós o pagamento,
fazendo-nos escravos deles. Se os bons ajudam por amor, com a
íntenção de servir, nada querendo em troca, nem mesmo agradecimentos,
os maus o fazem, mas querem pagamento. Por anos
servímos como escravos, nos Umbrais. Sofri muito, com o remorso
de meus erros, o pavor do fogo e a agonia de ser assassino, pois
ajudara mulheres a abortar. E, no caso de minha ex-amada, matara
mesmo, pois ela ígnorava, julgando-se doente... e quantos tratamentos
fizera. O remorso sincero fez-me desejar outro tipo de vida e,
ao suplicar por socorro, fui auxiliado e conduzido a um Posto de
Socorro. Libertaram-me das trevas, mas não do remorso. Por isso,
ora sentia-me queimar, ora envenenado nas ervas que abortavam,
e então desejei o esquecimento e pedi para reencarnar. Não teria
mediunidade nessa vida, pois queria resgatar minhas dívidas em
sofrimento na matéria.
Cheio de esperança, fiquei perto de uma mulher etuc engravidara
e possíbilitaria minha encarnação, porém logo desesperei-me,
porque a mulher não me queria, não queria fílhos e abortou o corpo
por que tanto ansiava. Muito triste, voltei ao Posto de Socorro,
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entendendo a gravidade de meus erros, pois necessitava tanto de
um recomeço e me fora negado, como eu fizera a tantos outros.
Novamente aproximei-me de outra mulher que se engravidara e,
esperançoso, vi o pequenino feto que seria meu corpo carnal. Essa
mulher também não me quis e tomou drogas para abortar, porém
não matou o feto, porém danificou-o. Quis, assim mesmo, o corpo
com defeitos, e reencarnei. Nasci muito feio, com o lado esquerdo
cheio de problemas, inclusive o braço e a perna eram menores e
tortos. Aprendi a andar aos cinco anos de idade e sempre com
muitas dificuldades. O remorso era tanto que perturbei o cérebro
físico, ocasionando deficiência mental, ficando com o QI bem abaixo
do normal. Não me importava, vivia a oportunidade de resgatar
meus erros e, no esquecimento provocado pelo corpo físico, o remorso
não me atormentava, portanto sentia-me bem. Éramos
pobres e aprendi a trabalhar com meu pai: fazia vassouras e cestos
e vendia-os. Vivia alegre e sorrindo, tanto que ganhei o apelido de
João Feliz. E escutava sempre minha mãe falar:
"Não sei de que ri! É por Deus mesmo! Ser assim e ser feliz!"
Aos quarenta anos desencarnei tuberculoso, sofrendo muito.
Fui socorrido de imediato e, agradecido, vi meu corpo perispiritual
recuperado. Recordei meu passado e senti que resgatara muitos
dos meus erros, mas havia bastante ainda. Não quis resgatá-los pela
dor, pois, naquela encarnação, chamado João Feliz, fui bom somente
para mim. Se errei prejudicando meu próximo, queria fazer o
Bem a outrem, resgatando meus erros com trabalho. Pedi para reencarnar
e ter novamente a mediunidade, como instrumento para que
pudesse ajudar o próximo.
Fui atendido e reencarnei no Brasil, no Rio de Janeiro.
Desde garoto, senti a perturbação da mediunidade por prova
e, bondosamente, meus pais ajudaram-me, levando-me a um Centro
Espírita para tomar passes. Na adolescência, passei a freqüentar,
lá, as reuniões e a receber, pela incorporação, Espíritos necessitados
de orientação. Fazia isso por necessidade, para ficar livre da
angústia, da aflição, que sentia com a aproximação de um desencarnado
necessitando de auxílio. Não sentia nele um irmão que
sofria, mas em mim um instrumento que poderia aliviá-lo.
Nessa encarnação, recebi por hereditariedade um corpo bonito,
que chamava a atenção do sexo oposto e isso envaidecia-me.
Interessei-me pela filha do dirigente do Centro que eu freqüentava,
e começamos a namorar. Era trabalhador e, logo que melhorei meu
salário, casei. Meu sogro, homem bom e honesto, tratava-me como
filho.
Depois de alguns anos, comecei a me chatear com a vida que
levava, sentindo rotina em tudo. Tínhamos três filhos, mas já não
amava a esposa, e o Centro Espírita parecia-me pequeno e simples.
Um colega de trabalho convidava-me sempre para conhecer o
trabalho espiritual do Terreiro que freqüentava. Aceitei o convite,
fui e gostei, pois era movimentado e não exígia que se estudasse,
nem que os freqüentadores tivessem vida exemplar, cheia de
virtudes que, para mim, naquele momento, pareciam-me tão
aborrecidas. Passei a freqüentar o Terreiro, deixando, então, de ir
ao Centro Espírita. Então, muitas mulheres que lá freqüentavam,
passaram a ínteressar-se por mím e senti-me tentado. Minha esposa
e meu sogro tudo fizeram para me fazer ver que poderia trabalhar
em qualquer lugar, porém deveria acautelar-me dos abusos feitos
em nome do Bem.
Sei o que pensa, Antônio Carlos, acredita que onde quer que estejamos,
se quisermos, faremos o Bem e que existem muitos
Terreiros, carinhosamente chamados de Centros de Umbanda, bem
orientados e que praticam o Bem. Mas, infelizmente, aquele que freqüentava
não era bem assim. Os Espíritos amigos, do Centro Espírita,
não me acompanharam na mudança, e os desencarnados que lá serviam,
passaram a facilitar a vida para mim, fazendo em meu lugar o
que me cabia como lição de aprendizagem. Fui me afastando de casa,
abandonei a esposa e os filhos e passei a morar com outra mulher,
muito bonita, bem maís jovem do que eu. O Terreiro cresceu com
minha mediunidade. Acreditava que só fazia o Bem, entretanto muitas
das minhas ajudas resultavam em sofrimento para terceiros. Lá,
cobravam-se os favores e, embora no começo estranhasse, depois
achei certo, pois era como um trabalho e tinha que ser pago; mas
pensava erradamente. Como era muito procurado, deixei meu emprego
e passei a dedicar-me só ao Terreiro e dele receber meu
sustento. Comecei a viver melhor financeiramente e tive mais dois
filhos com a segunda mulher. Minha ex-esposa criou, com a ajuda
de meu sogro, nossos três filhos, que se tornaram pessoas honestas
e boas. Porém os outros filhos eram dois terríveis, oportunistas e malandros.
O Terreiro, com o tempo, veio a ficar sob minha direção, e
lá tudo era cobrado, mas sem exagero. Meus dois filhos não queriam
trabalhar, passaram a desfrutar da renda do Terreiro e a cuidar das
finanças. Querendo cada vez maís dinheiro, começaram a cobrar caro
e a exigir pagamento de seus protegidos. Os bons afastaram-se, tanto
os encarnados como os desencarnados. Senti-me só, triste, sem
ânimo para enfrentar a esposa e os filhos, mas contínuei meu trabalho
por algum tempo, até que um ataque do coração expulsou-me
do corpo físico e desencarnei.
Sofri muito e, novamente, o remorso atormentou-me, por cobrar
o que deveria distribuir de graça e por graça. Deveria através
da mediunidade praticar o Bem, esquecendo o que fazia, mas nunca
o que recebia.
- Fabiano, ânimo, amigo - disse -, vencerá desta vez, a lição
foi aprendida e o erro não se repetirá. Confio em você!
- Antônio Carlos, contar a você meu passado fez-me bem. Confio
na ajuda de amigos do Plano Espiritual e, também, vou
reencarnar com a ajuda de pessoas queridas. Meu sogro será o
principal responsável, pois serei seu filho, e já prometeu ser severo
na minha educação. É espírita militante e muito estudioso. Minha
primeira mulher virá comigo como irmã, para exemplo na minha
educação. Quero ser médium, e desta vez ter a mediunidade como
instrumento de trabalho no Bem e por ela purificar-me, resgatar
meus erros com Amor.
Calamo-nos por momentos.
Informações
Observávamos, quando quatro dos desencarnados voltaram.
Três entraram na casa e Raquek ficou no jardim. Era ele bem
estranho: alto, testa larga, de bigodes e cavanhaque negro,
como os cabelos, olhos pequenos, trajava roupas escuras e bota
de cano longo. Vestia uma capa preta que ia do pescoço até os
joelhos. Usava anéis e uma corrente dourada grossa, no peito.
Ao se aproximar de Ana, modificou sua expressão, suavizando
a fisionomia, e carinhosamente sentou-se ao lado dela. Honória,
sua comandada, nada disse, ficando quieta. Ana sentiu-lhe a presença,
agitou-se e, ao ouvir sua voz, encolheu-se, tremeu e apertou
os braços no corpo.
Raquek falava-lhe em voz baixa:
- Ana, Ana, fale comigo! Atende-me!
Sua voz era de tom forte, com ligeiro sotaque europeu.
Vendo que ela se assustava, levantou-se aborrecido e afastou-se.
A perturbada senhora, não o sentindo perto, relaxou-se e voltou
a ficar apática.
Nely chegou da escola e entrou em casa. Fabiano e eu a acompanhamos.
Jogou os objetos escolares numa cadeira e sentou-se para almoçar.
Não falou nada e D. Gema também nada disse, somente
serviu o almoço. Seis dos desencarnados serviram-se também do
repasto: carne, somente carne, quase crua. Nely comeu pouco e
retirou-se logo para o quarto.
E, pela tarde, alguns desencarnados saíram e outros ficaram
na casa, entretanto sem algazarra. Um deles continuava a vigiar D.
Gema, e Honória continuava com Ana.
No horário marcado, no final da tarde, todos de nossa equipe
retornaram, e Carlos pediu que cada um relatasse as informações
colhidas. Primeiramente coube a mim, que em poucas palavras
contei os acontecimentos do dia, e rematei:
- O corpo físico de Nely está debilitado, porque alimenta-se somente
de carne. Satura-se de proteínas animais, faltando-lhe
vitaminas e cálcio, tão importantes, ainda mais nessa fase de crescimento.
A alimentação sadia e variada ê de suma importância ao
corpo físico, a exemplo do sal que retém líduidos no organismo,
da pimenta que aquece, do cálcio para a fortificação dos ossos.
Um pouco de tudo é ideal para o bom sustento, mas o que excede,
em um tipo de alimento, prejudica o corpo. Entretanto, o Mago do
Laboratório e Kaquek deveriam saber disso, mas permitem. Talvez
deixem que seus companheiros a façam alimentar-se somente de
carne, mesmo sabendo que está a definhar e venham, com isso,
perder seu instrumento encarnado.
-Talvez, Antônio Carlos - diz Carlos -, não estejam dando importância
se Nely desencarne, ou não. Pensam em ficar aqui
temporariamente. E você, Leila, conte-nos o que descobriu sobre
Noel Leocádio.
- Como me informou um trabalhador de um Posto de Socorro
no Umbral, Noel Leocádio está com um bando de irrmãos inferiores
e arruaceiros. Foi levado recém-desencarnado por Raquek e deixado
no bando, na condição de não voltar ao antigo lar. Noel
adaptou-se ao grupo e não pensa na família, nem na filha. Não se
encontra em condições de um socorro, no momento.
- Um dia, Noel cansará da vida de futilidades e procurará socorro.
E Noemy? Você, Cibeli, soube onde ela está? - indagou a Carlos.
- Encontrei-a nas enfermarias do Posto de Socorro, perto da
Crosta. Seu estado é lastimável e tem pesadelos constantes. Inforrnou-me
a direção do Posto que Noemy fora deixada nas
proximidades, logo após seu desencarne. Deduzi que foi por Raquek.
Na mente de Noemy, nota-se o ódio profundo pelo esposo,
pois vê constantemente suas traições e o dinheiro gasto em jogo.
Em agonia, sente os muitos abortos que fez. Por não querer mais
filhos de um marido irresponsável, abortara em toda gravidez, depois
do nascimento de Nely. Com o tratamento bondoso e dedicado
do Posto esperamos que melhore seu estado vibratório, como também
tenha no Bem sua mudança de vida.
Carlos concluiu:
- Raquek não queria os pais de Nely por aqui. Deve ter levado
Noemy para as proximidades do Posto, porque sabia que seria socorrida,
como também que sua perturbação iria permanecer por
muito tempo. Raquek nos traz curiosidades. Que soube delE, Toninha?
- É um Espírito solitário, que há muito está só e desencarnou
Na sua última vida física, amou profundamente Ana e, porque
um amor impossível, estiveram separados. Raquek é o seu sobrenome,
e fora um sacerdote, contra a vontade, por imposição
Clero e da família. Acostumou-se com a vida fácil e passou a desfrutar
de todas as vantagens que o Clero oferecia. Servindo em
uma localidade, conheceu Ana e apaixonou-se por ela, que evidentemente
tínha outro nome, era filha de pessoas influentes e muito
bonita. Seu pai a fez ficar noiva de um senhor idoso, feio, porém
rico, querendo que casasse logo. Ela não quis, desesperou-se e pediu
ajuda a Raquek, seu confessor, que prometeu ajudá-la,
planejando a morte do noivo, colocando aos poucos no vinho dele
um veneno, cujo efeito fazia a morte ter aparência natural. Conseguira
a substância a preço de ouro com um bruxo que morava nas
proximidades da cidade, e soube dele através da confissão. Disfarçou-se
para adquirir o veneno. Ninguém suspeítou, nem mesmo
Ana, que, agradecida, achou que fora a oração do sacerdote que a
ajudara, passando a tratá-lo com carinho, e Raquek entendeu que
era correspondido na sua paixão. Ana chegou a pensar que o amava,
porém respeitava-o como sacerdote. Tempos depois, o pai de
Ana arrumou para ela outro casamento. Dessa vez, porém, o noivo
era jovem e bonito, e ela sentiu-se dividida, porque queria, como
toda moça, casar e ter filhos. Raquek se desesperou, por não admitir
perdê-la. Pensou em fugir com ela, mas temia, porque, se
deixasse o clero, não mais teria a proteção da Igreja e poderia até
ser perseguido por ela. Também, conhecia bem o pai de Ana, que
era rancoroso e mau e iria persegui-los até a morte. Pediu, implorou
a Ana, que fugisse sozinha e que, mais tarde, ele daria um jeito
de ser transferido para longe e a levaria. Ana preferiu ser esposa,
por não querer viver escondida e amante de um padre. Raquek,
então, com o mesmo veneno, matou-a. Ninguém suspeitou. Meses
depois, Raquek foi transferido e seguiu sua vida em erros, muitos
erros. Ana, ao desencarnar, perturbou-se e sofreu muito. Foi socorrída
carinhosamente pela avó materna. Pediu para reencarnar e o
fez no Brasil, numa família pobre. Agora se sentia feliz.
Raquek ao desencarnar foi procurá-la, pois Ana foi a única mulher
que amou, e conseguiu encontrá-la. Assediou-a sem obsedá-la,
protegendo-a até, mas por causa do ciúme não deixou ninguém
aproximar-se dela, com intenções de namoro.
Ana teve uma existência simples, de trabalho e, depois que os
pais desencarnaram, viveu sozinha e solitária.
Tudo isso pesquisei em arquivos e, na tentativa de obter mais
informações, li discretamente os pensamentos dele. Raquek, vendo
Ana doente e prevendo para logo sua desencarnação, quis arrumar
um lugar para ela, porque não a queria no Umbral. Pretendia
trazê-la para um lugar confortável, grande e que fosse sossegado.
Saiu à procura e, passando por aqui, escutou Nely invocar um desencarnado;
entrou e ninguém barrou sua entrada. Gostando da
vibração da casa, do lugar, atendeu Nely e tratou de travar amizade
com ela. Ficou, assim, satisfeito em arrumar um lugar para trazê-la.
Ana demorou mais tempo para desencarnar do que previra
Raquek, mas, quando aconteceu, ele a trouxe para cá.
Concluí o porquê de Ana ainda estar perturbada e falei:
- Ana teme Raquek e refugia-se em si mesma com medo de
enfrentá-lo. Por mais que ele se esforce, não consegue despertá-la
desse torpor em que se encontra. No seu amor egoísta, não percebeu
que Ana nunca o amou e que, na encarnação em que teve
vida simples e de trabalho, afastou-se dele definitivamente.
- Carlos - indaga Leila -, o que poderia acontecer com Ana se
não viéssemos aqui? Vamos socorrê-la, não é?
- Sem dúvida, será a primeira que levaremos, se permitida for
nossa interferência. Leila, não se esqueça de que os trabalhadores
no Bem estão em toda parte e, por isso, Ana seria socorrida em
qualquer tempo. Se não foi ainda, é porque não se lembrou do Pai,
de Deus, e nem clamou por socorro.
- Mauro, e o laboratorista, que nos diz dele?
- Seu nome é Asec. Estudioso da magia-negra, é um mago. Era
senhor de um pedaço no Umbral, e foi, em determinada época,
desafiado por outro mago. Julgando ser mais fraco que o desafiante,
temeu perder a disputa, porque sabe muito bem que, para quem
perde, restam a escravidão e muito sofrimento. Por isso, fugiu com
alguns comparsas. Queria achar um local onde pudesse estudar,
preparar-se melhor para disputar forças com o outro e, ao mesmo
tempo, esconder-se. Um dos integrantes do bando viu José, o motorista,
num bar bebendo, acompanhou-o até a chácara, que
considerou ideal para a nova moradia. Asec veio, gentil, e pediu a
Raquek que deixasse seu bando ficar aqui por algum tempo. Ele
concordou, mas impôs condição: que eles não fizessem algazarra
e que, quando trouxesse Ana para cá, ajudassem a cuidar dela,
acrescentando que aqui ele sempre mandaria. Asec e os companheiros
mudaram-se para cá e parece que vivem bem.
- Assim, amigos - conclui Mauro -, local onde não há preces,
onde não se vive no Bem, é local aberto aos maus.
- Será que Asec tem muitos conhecimentos? - indaga Toninha.
Carlos, após pensar um pouco, respondeu:
- Pelo que vimos no laboratório, Toninha, Asec é estudioso
plasmar as plantas que lá estão, necessita de conhecê-las
profundamente. Entretanto, utilíza livros, porque não possui
conhecimentos na memória. Deduzo que são pesquisas de
que lhe foram dadas ou confiadas.
- Carlos, Asec poderá ser perigoso? - indagou Cibelí.
- É imprudência achar que aqueles que servem ao Mal,
têm forças. Muitos, como Asec, não têm preguiça de pesquisar, estudar
e trabalhar, podendo representar perigo para muitos
desavisados. Não viemos aqui desafiá-los, mas tentar ajudá-los. Não
podemos ignorar que Asec não deseja nossa ajuda e que, por isso,
poderá atacar-nos, ou defender-se, por julgar que apenas se utiliza
de sua liberdade. Só que, meus amigos, quem serve ao Mal, escraviza-se
a ele. Devemos ser cautelosos, porém nunca medrosos.
Dessa forma, Cibeli, se Asec é perigoso, não o será para nós.
Calamos por instantes e Carlos retomou as palavras, completando
a informação que faltava:
- Pesquisei as encarnações de Nely, para que possamos entendê-la
e ajudá-la. Teve nossa garota muitas encarnações,
Resumindo, o mais importante para nós é saber que por diversas
vezes dedicou-se ao Ocultismo, sendo considerada quase sempre
como bruxa e fazendo o Mal. Na penúltima encarnação, presa pela
Inquisição, teve o corpo queimado e guardou muito ódio. Desencarnada,
vingou-se de todos os que a condenaram, Satisfeita na
víngança, veio para o Brasil e, pela Bondade do Pai, recebeu a graça
da encarnação para o reajuste. Nasceu negra e escrava,
entretanto não aceitou sua posição e revoltou-se. Procurou, então,
uma forma de extravasar seu rancor nos que a rodeavam, principalmente
nos brancos. Juntou-se aos que praticavam os rituais
africanos e, como recordasse de muitos feitiços, passou a praticá-los.
Desencarnou e foi conduzida por amigos desencarnados ao
Umbral, onde fícou por algum tempo. Quis reencarnar e escolheu
um casal para pais, compulsoriamente. Não tem Nely ligação nenhuma
com ninguém de sua família, nem com empregados nem
com os desencarnados que aqui estão. Não se apegou a ninguém
e, por isso, é fria e indiferente, parecendo incapaz de amar, de querer
realmente bem a alguém, embora tenha, a seu modo, gostado
de sua mãe nesta encarnação.
- Deduzo, Carlos - falou Fabiano -, que por herança do passado,
foi fácíl para Nely usar o tablado e, agora, conversar com Raquek
sem ter medo.
- Sim, é verdade, Fabíano, grandes são nossas responsabilidades
ao aprendermos o Ocultismo e usá-lo para o Mal. Somos reflexos
do nosso passado e construímos no presente o que seremos amanhâ.
Vamos, amigos, tentar obter algumas informações que nos faltam,
na própria casa. Entremos...
Psicometria
Anoitecia e a casa estava quase às escuras. Havia luz no
quarto de Nely e na cozinha. Ao entrarmos, vimos D. Gema
acender as luzes da sala de jantar, para servir a refeição. Os
desencarnados, então, rodearam a mesa com disciplina.
- Nely, vem jantar! - gritou a serva.
A menina desceu as escadas, em sitêncio, sentou-se e começou
a se servir. Novamente o cardápio era carne de ovelha, quase
crua.
- Vamos subir - disse-nos Carlos.
Obedecemos aliviados, pois não era de bom gosto ver aquele
repasto.
- É necessária nossa concentração em torno dos objetos e da
casa, procurando ler seu astral e conhecer os acontecimentos que
nos faltam.
- Como? - indaga Leila.
- Pela Psicometria - esclarece Carlos. - Podemos, cara Leila,
definir a Psicometria como a leitura da memória das coisas. Paredes
e mobiliários, assoalhos e teto possuem a virtude de receber e
conservar eflúvios vitais de acontecimentos ou de fatos marcantes
vividos em sua presença, os quais podemos ler, agora, através da
concentração. Entretanto são informações do ambiente ligado ao
objeto e não da matéria que o constitui. Ou, para nos entendermos
melhor, são acontecimentos humanos que registram, na matéria, a
própria história. Não é difícil para nós, desencarnados, usar a
Psicometria, pois basta a concentração com o firme desejo de ler
o astral dos objetos. Comecemos pela sala de trabalhos, lugar preferido
de Noemy, mãe de Nely. Olhemos fixos nesta tela de pintura
inacabada.
Enquanto Carlos falava, acompanhávamos interessados sua
orientação e concentramo-nos na tela. Vimos, então, a figura de
Noemy, apresentando-se como uma pessoa sem muitos atrativos,
de estatura miúda e magra. Mostrava-se pensativa, e a figura do esposo
vinha-lhe à mente, pois queria tanto que ele mudasse a forma
de viver, mas estava piorando a cada dia. De repente, vímos Nely
entrar. Estava diferente, era mais saudável, corada e arrumada. Aproximou-se
da mãe e disse:
"Mamãe, Raquek pedíu-me que lhe falasse. Não é mais para a
senhora fazer o que pretende, porque seu corpo está fraco e poderá
morrer."
A resposta foi seca:
"Não amole!"
Nem todos do grupo conseguíam ver com perfeição as cenas que
narro, porém Carlos explicava-nos tudo o que via, dando-nos o mais
perfeito esclarecimento. Cada um tinha seu modo e grau de concentração
e, por isso, a leitura através da Psicometria não acontecia da
mesma forma para todos. Entretanto, estávamos encantados com os
resultados. Vimos ainda, na sala de trabalho, cenas de discussões entre
Noemy e Noel, levando-nos a saber que o casal brigava muito.
Também notamos Nely sentada no sofá e presumimos que a menina
deveria passar horas ali a cismar, a pensar.
- Passemos para o escritório da casa - disse-nos Carlos.
Não havia nada que chamasse a atenção no escritório: uma
estante vazia, uma mesa e quatro cadeiras. Novamente bastou concentrar-nos
para ver Noel sentado à frente da mesa planejando suas
farras. Era bonito, de tipo alegre e bem cuidado, moreno claro, olhos
esverdeados e bigode bem aparado. De repente, vimos uma cena
comovente entre pai e filha. Nely entrara no escritório e pedia, implorava
chorando ao pai, que não se casasse novamente. Noel
respondeu à filha cinicamente:
"Você não manda em mim, pirralha! Vou me casar! Vá choramingar
com seu Raquek e não me amole?"
A menina respondeu ao pai no mesmo tom, desafiando-o, e
Noel bateu-lhe no rosto, jogando-a ao chão. O tapa forte feriu seu
rosto, que começou a sangrar. O pai saiu indiferente e ela ficou
caída dizendo palavrôes, chamando Raquek como o pai recomendara.
Raquek surgiu e entendemos que Nely via-o claramente. Ajoelhou-se
ele ao seu lado, à maneira de um serviçal, sem entretanto
demonstrar nenhum carinho.
Ajuda-me, Raquek, ajuda-me!" - disse Nely, chorando alto.
"Que quer que faça?" - responde ele.
"Que meu pai não se case!"
"Você está certa não querendo o casamento, porque, casado
trará a idiota da esposa para cá e certamente vai querer mandar
na casa, que é sua, por herança de sua mãe. Não é bom ter estranho
por aqui, pois vivemos tão bem! Só que, minha menina, sabem
que seu pai não presta, e é um namorador incorrigível. Se o separarmos
desta, em pouco tempo arrumará outra, portanto o melhor
seria se sumíssemos com ele..."
Raquek silenciou. Nely, que ainda estava caída, deitada no chão,
sentou-se interessada. Mais calma, parou de chorar e indagou:
"Como?"
Raquek responde calmamente:
"Matando-o. Se seu pai morrer, ficará com tudo e será dona de
si mesma. Sua tia não a molestará, pois é fácil afastá-la. Noel náo
serve para nada e, se continuar a jogar, poderá acabar até com o
que é seu, com o que sua mãe lhe deixou. Se ele morrer, você ficará
com os criados e comigo, que nunca a abandonarei. Se
concordar, faremos tudo parecer acidente e ninguém desconfiará."
Nely respondeu com firmeza, sem vacilar:
"Quero. Meu pai deve morrer e farei como recomendar."
As figuras se apagaram e Carlos, com um sinal, levou-nos para
a escada.
- Concentremo-nos na escada, amigos, e veremos o que podemos
sondar nela.
Cenas sem importância surgiram: um operário que se machucou
ao montá-la, cenas com os ex-moradores; mas apareceu o
que nos interessava, Noel e Nely. Estavam os dois no alto da escada,
o pai da menina ia sair, passear e ela despedia-se dele.
"Volte cedo, papai!"
"Como é bom vê-la boazinha, filha! Precisou levar um tapa,
ontem, para ficar obediente. Voltarei cedo, amanhã!" - riu.
Nely fuzilou-o com o olhar, porém sorriu. Despreocupado, Noel
começou a descer a escada, quando Nely deu-lhe um forte empurrão,
fazendo-o cair e rolar pelos degraus, só parando embaixo.
Asec e Raquek observavam tudo, impassíveis e, quando Noel ficou
imóvel, Asec aproximou-se, apontou para um local no pescoço dele
e disse a Raquek:
"Aqui"
Raquek transmítiu a Nely:
"Venha, Nely, coloque seu pé aqui e aperte com força. Isso, bastante
força!"
Nely seguiu a orientação de Raquek, vímo-la descer as escadas
com calma, colocar o pé direito no local indicado e apertar com
força.
"Basta!" - exclama Asec - "morreu!"
"Pronto, Nely" - diz Raquek -, "pode chamar os criados."
Nely retirou o pé, friamente olhou o pai e começou a gritar:
"Acudam! Socorro! Gema, José, Sr. João! Papai caiu da escada!"
Asec e Raquek em operação rápida, demonstrando conhecer
o que faziam, desligaram Noel-Espírito do corpo e saíram.
Vimos os criados chegarem, e também o médico. Nely continuou
a fingir, agora chorando. O facultativo examína o corpo de
Noel e diz, naturalmente:
"O Sr. Noel fraturou o pescoço ao cair. Está morto."
As cenas enfraqueceram-se e sumiram. Cibeli exclamou:
- Nely matou o pai!
- Ajudada por Asec e Raquek - completa Toninha, ao mesmo
tempo que indaga: - Carlos, Nely é culpada desse crime?
- Toninha - responde Carlos -, nosso livre-arbítrio é respeitado
pelo Pai, por Deus. Nely praticou o ato porque quis. Nossas obras
pertencem a nós, tanto as boas, como as más. Os três participaram
do crime, e todos têm sua parcela de culpa. E muito difícil o desencarnado
fazer com que o encarnado pratique algo que não
queira. Ainda mais coisa grave, como a que fizeram. Vibravam igualmente,
por ísso, Nely tem culpa. Foi sugestionada, mas fez porque
quis e se afina completamente com Raquek, tanto que aprovou desde
o inícío o plano. Caros amígos, ninguém se safa de seus erros
culpando só os desencarnados que os tentam. Tentações e maus
conselhos por parte de desencarnados sempre houve e haverá,
porém cabe a cada um de nós, ou do encarnado, aceitá-los, ou não,
como também há os bons conselhos vindos dos obreiros do Bem,
que podemos rejeitar ou não.
Após um instante de silêncio, Mauro exclamou:
- A Psicometria é fantástica! Já a conhecia pelo estudo, porém
é a primeira vez que a uso.
- Sim - fala Carlos -, é bom utilizá-la para captar acontecimentos
em torno das coisas. Em nosso caso, pudemos conhecer o modo
como Noel desencarnou. E a casa sempre fechada facilitou-nos ver
com clareza e sem maiores interferências.
- Carlos, há encarnados que conhecem a Psicometria e fazem
uso dela, não há? - indaga Fabiano.
Carlos, com sua bondade de sempre, continua a nos esclarecer.
- Estou a me lembrar de um fato - falou a Mauro. - Quando
encarnado, houve em minha cidade muito alvoroço, em virtude
uma casa que diziam ser assombrada. Um amigo de meu pai a
comprou e, era só ele entrar em um dos quartos, para ver uma cena
trágica: um homem matando uma mulher a facadas. Um respeitável
senhor espírita foi chamado e não constatou nenhum Espírito
ali. Recomendou que abrissem bem a casa, que a pintassem e
trocassem o mobiliário do quarto. Feito isso, as aparições cessaram.
Carlos conclui:
- O amigo de seu pai, Mauro, deveria ser um psicômetra sem o
saber, pois percebia, através do astral da casa e dos objetos do quarto,
o que tinha ocorrido, certamente um críme praticado às
escondidas. A prática da Psicometria, sem conhecimento, tem desnorteado
muitos que confundem o que vêem, com desencarnados.
A leitura do astral dos objetos diferencia-se da clarividência com
relação aos desencarnados, porque a Psicometria está relacionada
a objetos e a determinados lugares, enquanto que, na Vidência, os
desencarnados podem ser percebidos em qualquer lugar, embora
saibamos que eles têm preferência por certos lugares ou cômodos
da casa. Por isso, o Plano Espiritual tem insistido para que os espíritas
estudem, principalmente os dirigentes, a fim de não se
deixarem enganar nesses casos.
- Podemos considerar o psicômetra como se fosse médium? -
indago.
Carlos responde.
- Médium é aquele que entra em intercãmbio com desencarnados.
Psicômetra é o sensitivo que lê o astral ou a aura dos
objetos, lugares, etc. sem a interferência dos desencarnados. Pela
sua sensibilidade, o psicômetra vê, através de vibrações, o que ficou
registrado na aura pesquisada, tendo conhecimento do que faz,
ou nem sequer sabendo o que seja.
- Carlos, poderão as emanações magnéticas e as irradiações
contidas em objetos írradíar-se e atingir outras pessoas? - indago.
- Sim, podem. O pensamento humano, ao agir sobre a natureza
material, adere de modo mais ou menos prolongado nas coisas
e objetos, que nos servem habitualmente. Por isso há muitas
pessoas que se sentem inquietas e angustiadas ao visitarem
determinados lugares, a exemplo de prisões, prostíbulos, etc. Ou,
então, experimentam bem-estar onde só houve, ou ainda há, acontecimentos
dirigidos para o Bem, como em certos templos, etc.
Assim acontece, ao sentirem-se mal em contacto com determinados
objetos usados em torturas ou que serviram para assassinar
alguém. Também receberem benefícios, sentindo-se bem ao contemplar
ou pegar objetos que pertenceram a pessoas boas, como
um livro, etc.
- Há muitas histórias principalmente de jóias antigas, tachadas
de azaradas, de mau agouro, ou então de talismãs de sorte. Isso
aconteceria pelas emanações magnéticas nelas contidas? - indaga
inteligentemente Toninha.
- Jóias - responde Carlos - são, na maioria das vezes, objetos
de estima ou ódio, de cobiça e disputa. Constituem algo em que se
projeta mais a atenção. Por isso, são facilmente psicometradas e
com histórias interessantes. Podem realmente influír benéfica ou
negativamente, conforme o caso, em pessoas sensíveis que as adquirirem
e usarem.
Satisfeitos com os conhecimentos que necessitávamos, encerramos
os trabalhos com a Psicometria, para anotarmos um fato
deveras interessante.
10 A rosa seca
Durante a tarde, Fabiano e eu tínhamos visto o Sr. João
matar uma ovelha, colher seu sangue numa vasilha e, para
que não coagulasse, adicionou-lhe vinagre. Saímos do "hall"
da escada, fomos para a sala de jantar e notamos que a refeição
terminara, porém Nely continuava sentada, silenciosa e acompanhada
pelos desencarnados, que também permaneciam quietos.
Ficou ali cerca de vinte minutos e depois levantou-se, dirigindo-se
para a cozinha. Foi até a geladeira, retirou um recipiente fechado,
abriu-o calmamente e vimos que continha sangue. Pegou um copo,
despejou nele o sangue até quase a borda, fechou novamente a
vasilha e a colocou de novo na geladeira, A Sra, Germana olhava-a
com píedade, porém nenhuma palavra trocaram, nem para despedir-se,
porque Nely, pegando o copo, saiu da cozinha, subiu
vagarosamente a escada e encamínhou-se para seu quarto. Raquek
mais quatro elementos do grupo acompanhavam-na, e também nós,
sem contudo deixarmos que nos notassem. O quarto de Nely era
bem simples, um dos menores da casa, onde havia uma cama, um
armário, uma cômoda, e a janela, que dava para a esquerda do
jardim. Nely acendeu uma luz fraca, que deixou meio na penumbra
o local. Em címa da cômoda não havia nada, e foi ali que a
menina colocou o copo.
Abrindo o armário, onde havia poucas roupas, pegou uma caixa
de sapatos que estava na frente, retirou-a e sentou-se na cama
com ela na mão. Deu um triste suspiro e a abriu: dentro havia um
galho e fragmentos de uma flor, ambos secos, amarronzados pelo
tempo. Fícou olhando-os e pôs-se a recordar. Os desencarnados
ficaram pacientemente perto da cômoda aguardando, e nós acompanhamos
seus pensamentos.
Nely lembrava do enterro da mâe, pois sabia que sua vida iria
mudar. Não podia confiar no pai, e a mãe era, portanto, sua proteção
e consolo. Chorava sentida, mais pela pena que sentia de si
mesma e pelo medo de enfrentar a vida sem ela, do que pela separação.
Ali conseguia vê-la: sua mãe estava no caixão, fria e triste,
com rosas vermelhas muito bonitas enfeitando a urna funerária.
Raquek permanecia a seu lado e disse-lhe:
"Pegue e guarde a rosa que sua mãe tem entre os dedos e verá
que não murchará, como não acabará o amor de sua mãe por você,
porque nada acaba com a morte do corpo. Não chore, você terá
sempre a mim."
"E eu que pensei" - continuou Nely a meditar - "ter ele dito
isso só para consolar-me, entretanto ensinou-me um processo simples,
para que esta rosa seca floresça sempre bela."
Nely parou de recordar, pegou o galho, deixando na caixa os
restos da flor, e colocou-o no copo com sangue e, em seguida, fez
um estranho ritual em frente desse copo. Raquek e seus companheiros
olhavam impassíveis.
A menina saudou o copo, lembrando saudações a deuses antigos,
porque certamente misturava os muitos credos de que já
participara em suas vidas passadas, das quais tinha ligeira lembrança.
Falava depressa e parecia recitar fórmulas das quais
entendemos poucas palavras, entretanto repetia o nome de Raquek
muitas vezes. Finalmente, parou, pôs as mãos espalmadas em cima
do copo e ficou a olhá-lo.
Nada de anormal vimos acontecer com o galho, mas nem um
minuto se passara e Nely modificou-se. A expressão de seu rosto
suavizou-se, pois parecia que via algo muito belo, porém continuava
a olhar o galho como que fascinada. Exclamou, baixinho:
"Floresceu! A rosa seca floresceu! Mamãe está aqui e continua
a amar-me!"
Então, observamos Raquek, fixando o olhar em Nely. Entendemos
que ele a hipnotizava, fazendo-a ver no galho seco um
galho verde com uma linda rosa vermelha.
Nely estava alegre e, pela primeira vez, vimos que sorria. Ficou
minutos olhando o galho, depois tirou-o do copo, limpou e guardou-o
na caixa, que, finalmente, colocou no armário.
Quando ela retirou o galho, os cinco desencarnados sorveram
os fluidos vitais do sangue existente, sem dizer uma palavrinha, mas,
pelas expressões, deliciavam-se com o alimento. Logo após, saíram,
deixando a menina a sós.
Nely não demorou a dormir, porém seu sono era agitado, e seu
corpo enfraquecido exalava odores de carnes deterioradas de que
vinha se nutrindo. Bastava olhá-la, para entender que carecia
urgentemente de tratamento e mudança de alimentação. Deixando-a
no leito, retiramo-nos do quarto.
Raquek estava na sala e dava ordens a Honória:
"Sendo você hoje escalada para zelar Ana, não se distraia. Sabe
perfeitamente que exijo que cuide bem dela. Deve colocá-la agora
para descansar. Prenda-a na cama, não precisando ficar no quarto,
porém não saia de casa e fique atenta para atendê-la no que necessitar."
"E ai de você se algo acontecer a ela!" - fala um deles com
arrogâncía.
Honóría não respondeu. Raquek e os outros quatro que estavam
no quarto, saíram acompanhando .José, o motorista. Asec
encaminhou-se para o porão, certamente para estudar, e Honória
tratou logo de cumprir as ordens.
Segurou na mão de Ana, fazendo com que se levantasse e a
seguisse. Encaminharam-se para um dos quartos, entrando em um
que, para os encarnados, estava fechado. Acomodou Ana num leito
material e ela ficou quieta, indiferente. Honória pegou uma
corrente de material mental, de fluidos, plasmada por eles, colocou
no pé direito de Ana e fechou o cadeado, verificando se estava
bem presa à cama. Os desencarnados usam muito objetos plasmados,
sendo que os bons fazem-no para coisas üteis, porém os
seguídores do Mal utilizam-nos como instrumentos de tortura ou
enfeites. A corrente assim modelada pode incomodar um
encarnado, sem encarcerá-lo; mas prende, imobiliza, um desencarnado
como Ana.
Honória, usando uma manta também plasmada com fluidos,
cobriu Ana e afastou-se, deixando-a imobilizada. Foi sentar-se na
varanda, bem embaixo do quarto onde a deixara, para descansar.
Caminhamos para o canto do jardim, onde nos encontraríamos.
A noite estava quente e estrelada, reinando silêncio, que era quebrado
pelos insetos ou ruídos distantes de animais.
- Aqui não há cães! - observa Leila.
- Havia - responde Mauro -, porém escutei D. Gema falar que
eles incomodavam a menina Nely, com seus latidos, e que ela e
José mataram todos. Lendo as lembranças da Sra. Gema, detectamos
que mataram os animais a tiros de espingarda. Deduzi que os
cães percebiam a presença dos desencarnados, ladrando muito, e
Nely resolveu matá-los, para que não a importunassem mais.
Após uma pausa, Carlos esclare
Parei aqui
ceu-nos, sem esperar as indagações
que certamente viriam, porque estávamos curiosos para
entender as estranhas cenas que presenciamos.
- Vimos Honória prender Ana, certamente porque Ratluek não
76
queria que fugisse. Os desencarnados que aqui estão, usam objetos
materiais e complementam, conforme suas necessidades, com
aqueles que plasmam. Descobrimos que sabem modelar os fluidos,
pelo que vimos no laboratório e observando os que Honória
usou.
- Podem fazer qualquer objeto? - indago.
- Desde que conheçam e saibam, podem - respondeu Carlos.
- Por que Raquek faz Nely ver no galho seco a rosa florescer? -
quis saber Cibeli.
- Presenciamos ali um ritual. Os rituais dão confiança às pessoas
acostumadas a eles. E, pelo que soubemos do passado de Nely,
usava rituais de magia nos seus trabalhos. As palavras que pronunciou
são uma mistura de lembranças, porém sem coerência e sem
necessidade. O que aconteceu foi porque Raquek a hipnotizou. Não
entendo bem a razão de ele fazer isso. Talvez fosse para que se
alimentassem de sangue, mas poderiam fazer isso no sacrifício dos
animais e durante as refeições. Pode ser, também, porque, com o
decorrer do tempo, Raquek passou a querer bem Nely e, assim,
quisesse consolá-la. Ao pedir que pegasse a flor, usou esse estranho
processo e contínua a fazê-lo díariamente para alegrar a menina.
Assim, Nely sente-se feliz ao ver a flor seca transformar-se!
- Ela vê Raquek. Será que não gostaria de ver a mãe? - indaga
Fabiano.
- Acho que nunca pensou nisso, mas se quiser é fácil Raquek
hipnotizá-la, fazê-la ver a mãe e até falar com ela. Ou também plasmar
em si mesmo ou em outros deles a imagem de Noemy -
esclarece Carlos. - Isto é fácil a Raquek, que conhece e estuda,
como também deve ser a Asec: podem plasmar qualquer imagem,
só não podem ter a mesma vibração, enganam imprudentes que
não aprendem a distinguir os desencarnados bons dos maus pelas
suas víbrações e carismas e não só pelas ímagens. Não se podem
igualar as vibrações, não podem demonstrar fazer sentir as irradiações,
porque eles não as possuem boas. Irradiamos o que somos.
- Como ele hípnotiza Nely rápido e fácil! - exclama Leila.
- É verdade, Raquek hipnotiza fácil Nely, porque ela assim o
permite e quer - esclarece-nos Carlos. - É mais fácil encarnado
hipnotizar encarnado, e desencarnado a outro desencarnado. Um
desencarnado hipnotizar a um encarnado é bem mais difícil. NestE:
caso torna-se possível, porque Nely afina-se com ele e gosta de ver
a rosa florir. A liberdade de cada um é muito forte para que outro a
anule, só com a permissão do próprio é possível. Meus amigos, devo
ír agora á Colônia, ao Departamento de Socorro, para levar as informações
que obtivemos e pedir permissão para ajudar Nely.
Carlos volitou e ficamos no jardim aguardando. Fabiano
então, falou-nos:
- Gostaria que tivéssemos autorização para ajudá-los. Tenho
piedade de D. Gema e gostaria de vê-la livre de seu vigia.
- Se não tivermos consentimento, regressaremos logo, não
- indaga Toninha.
- Sim, partiremos em seguida - afirma Mauro -, mas pela experiência
que tenho no trabalho com Carmas, acho que ficaremos
ajudaremos Nely. Parém, nesse caso, essa tarefa envolve muitos
fatos e, conseqüentemente, necessita da cooperação de outros setores.
Para o bom desempenho em um auxílío assim, o trabalho
deve ser bem planejado e executado.
- E pensar que tudo começou com uma brincadeira, aparentemente
inofensiva para muitos encarnados, mas com possibilidade
de ser, como neste caso, de conseqüências tão graves! - suspira
com piedade Toninha.
Ao trocarmos idéias sobre os acontecimentos, o tempo passou
rápido e, antes de completar uma hora que Carlos partira, retornou
com físionomia alegre:
-Amigas, o trabalho espera-nos! Recebemos a permissão. Nely
e seus companheiros serão ajudados.
Copos que andam / pelo Espírito Antônio Carlos:
psicografado por Vera Lúcia Marinzeck de Carvalho.
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os primeiros socorros
Ficamos por meia hora a planejar como seria realizada a
tarefa. Começaríamos já, naquela mesma noite. Tudo deveria
ser feito com rapidez, pois nosso objetivo era doutrinar as
Entidades espirituais que ali estavam, todas elas se possível, e depois
conduzir os encarnados para o caminho do Bem. Carlos,
sempre disposto a orientar-nos, deu as últimas instruções:
- Faremos deste canto sossegado do jardim nosso ponto de encontro.
Agiremos com cautela, procurando ajudar separadamente
a cada um deles. E quanto mais tardar saberem de nossa presença
aqui, melhor. Trabalharemos em grupo, pois não é aconselhável
agirmos sozinhos. Primeiramente libertaremos Ana, mas, para isso,
precisamos isolar Honória, para que não perceba. Vamos, claro
realizar a ajuda no menor tempo possível. Nely corre risco de desencarnar,
se continuar com essa alimentação errada.
Caminhamos para perto de Honória e Carlos fez um círculo
magnético em sua volta. Ela nem notou, continuando quieta, sentada
e distraída em seus pensamentos. Entramos no quarto onde
Ana estava, e Carlos, com simples toque das mãos, abriu a corrente.
Dirigiu-se, então, às nossas companheiras:
- Toninha e Leila, por favor, levem Ana para uma de nossas
enfermarias na Colônia, deixem-na instalada e voltem. Lá, sem a
presença de Raquek que a intimida, e no ambiente salutar da Colônia
logo se recuperará e ficará boa.
Toninha e Leila acomodaram Ana em seus braços e volitaram.
- Bem - diz Carlos -, ajudemos agora D. Gema. Vamos conversar
com seu vigia.
Fabiano sorriu, e suspirou:
- Queria tanto isso... livrar D. Gema de seu vigia. Posso, Carlos,
dar um passe nela e limpá-la dos fluidos nocivos?
- Sim, Fabiano - responde nosso instrutor -, pode ajudar a Sra.
Germana, porém não conseguiria só com um passe limpá-la desses
fluidos pesados, porque são muitos e, por aqui, tudo é saturado
de energia negatíva. Porém, enquanto conversamos com o desencarnado,
preste-lhe auxílio.
Entramos nas acomodações do casal. No quarto simples e pequeno,
D. Gema preparava-se para deitar, enquanto que o esposo,
Sr. João, já estava repousando. Os dois deveriam estar na faixa etária
dos 60 anos, entretanto pareciam muito cansados, desanimados
e tristes. O Sr. João reclamava para a esposa no momento em que
entramos:
- Gema, sinto-me doente. Esta chácara parece-me tão triste e,
por isso gostaria de ir embora daqui!
-Acalme-se, João. Ir embora? Para onde? E José? Nosso filho '..
é ruim e bébado. Em que lugar o aceitaríam? E depois, que será de
Nely se formos embora?
- Nely! É tão doída quanto José! Não vê de que se alimenta?
Como age? Leva sangue para o quarto. E o que faz com ele? Não o
sabemos... quase não fala essa menina. O pior é que quem mata
os pobres bichínho sou eu. Que situação esquisita! Ela bem que
poderia morar com a tia e, assim, iríamos embora. Nem para rezar
tenho sossego! Parece estranho, porém todas as vezes que tento,
sinto ferroadas na cabeça.
Sentado, no canto do quarto, estava Lemão, o desencarnado
que a vigiava. Observava tudo com indiferença.
- Será que ela não consegue mesmo orar com ele por perto? -
indaga Cibeli.
- Realizar algo depende somente de cada um de nós, pois temos
nosso livre-arbítrio, e a oração é a maior força de que dispomos
para resolver nossos problemas. Germana quer orar, porém sua vontade
é fraca e ainda se deixa envolver com facilidade pela influência
do desencarnado que a vigia. Cede ao domínio dele, ou à tentação
vínda de outrem. Se quisesse realmente orar, conseguiria, mesmo
com ferroadas na cabeça. Vamos levar Lemão para o jardím.
Com uma rede magnétíca, Carlos o envolveu, ísolando-o, para
que não chamasse e alertasse os companheiros. Foi conduzido para
o jardim e sentiu-se como que atordoado, sem saber o que estava
acontecendo. Tentou chamar os comparsas, mas não conseguíu.
Carlos abriu o círculo magnético e Carlos, Cíbelí, Mauro e eu entramos
nele. Nisso, Lemão, podendo ver-nos, ficou muito assustado.
Lemão era o que apresentava melhor aspecto entre os do grupo.
Alto, deveria medir cerca de doís metros, louro, bem claro,
cabelos cortados curtos, vestía roupa preta, e usava correntes de
metal no pescoço e pulsos. Ficou alguns segundos observando, até
que nos perguntou:
- Quem são vocês? Que querem?
- Somos servidores do Cristo. Trabalhamos para o Bem e amamos
todos como irmãos - responde calmamente nosso instrutor.
- Irmão?! - falou Lemão, estranhando. - Que quer dizer irmão?
Julga que sou também seu irmão?
- E - responde com firmeza Carlos.
Carlos era estudioso e servidor do Bem há anos, e bastava olhar
para um desencarnado ignorante da verdade, seguidor do Mal,
como Lemão, para saber de suas reações e conhecer seu passado,
seu nome, além de tudo o que se referisse a ele e pudesse ser útil.
Lemão não parecia ser de difícil conversâo. Carlos continuou:
- Somos irmãos, criados pelo mesmo Pai, separados somente
pelo diferente modo de viver.
- São fortes? Quero dizer, vocês podem mesmo?
- Se pensa que tememos Asec ou Raquek, engana-se. Não tememos
semelhantes irmãos que, temporariamente, escravizam-se
no mal - fala Carlos.
- Eles são perigosos... - Lemão muda o tom de voz e fala bem
baixinho.
- Por que nos diz isso? - indagou Mauro.
- Bem, fico sempre do lado do mais forte. Estou mesmo desorientado,
com medo e não sei o que fazer. Não sou bobo, sou
inteligente, e sei que, se vocês me prenderam, não conseguirei fugir.
Que farão comigo? Serei seu escravo?
- Os seguidores de Cristo não fazem escravos - falei. - Lutamos
para libertar todos e para que sejam felizes.
- Conversas! - Lemão tenta sorrir -, sabemos que os bons são
intrometidos e que fazem maldades a nós, pobres moradores do
Umbral.
- Se você nos considera bons, como é que, sendo bons, fazemos
coisas ruins? Por acaso já comprovou se praticamos o mal?
- indagou Carlos.
- Não, só me disseram - suspira Lemão. - Afinal, dizem tantas
coisas, mas a principal é para que não fujamos nem procuremos
os do Cordeiro.
- Não tem vontade de mudar de vida? - indagou Cibeli.
- Sim, moça, tenho. Mas sinto medo, e meu medo faz com que
obedeça e fique quieto. Sei que erro, porém não vejo outro recurso.
Estou no mato, sem cachorro. Se desobedeço, sou castigado,
se procuro os bons e eles não me quiserem, estou enrascado; ou,
se os bons me aceitarem, fico escravo deles.
- Engana-se, Mário, não queremos escravos, mas, sim, amigos
e irmãos - bondosamente expressou-se Carlos.
- Como sabe meu nome?! - Lemão arregala os olhos.
- Conhecemos muito de você. Sei que seu nome é Mário e que
não era bem sua intenção procurar o Bem, ou os bons, como nos
designa. Mas, se vier conosco, não será como escravo e sim como
companheiro; porém exigimos que mude a maneira de viver. Nada
de vampirizar encarnados para fumar ou beber, nada de falar obscenidades.
Deverá respeitar todos e aprender a amar os outros
como a si mesmo.
- Isso não é difícil? Gostar de quem nos quer bem, é fácil. Porém...
- Porém, Lemão - arrebata Carlos -, todos somos amados igualmente
por Deus. É como filho amado que Ele lembra agora de você
e, por nosso intermédio, convidando-o a mudar de vida e nos seguir.
Lemão permanece quieto e hensa rápido no que ouvira. Vê cenas
tristes de sua vida no Umbral. Olha para cada um de nós,
analisando-nos:
- Vocês são felizes? - indagou.
- Sim, porque somos livres, porque fazemos o Bem, porque
amamos - respondo.
- Se eu for com vocês, eles podem pegar-me? Não? Vocês garantem?
- Sim, porque para onde você vai, eles não podem ir. Márío,
queremos levá-lo modificado. Arrependa-se de seus erros, peça perdão
a Deus, faça um propósito de emendar-se e queira ter outro
tipo de vida - expressou Carlos.
Lemão começa a ver seus erros. Vém-lhe à mente as cenas
dos acontecimentos vividos por ele lhe, independentemente de sua
vontade. Inquieta-se a princípio e depois chora. Seu pranto é sincero,
pois sente vergonha e, no momento, tem vontade de mudar de
vida, de ter paz e tranqüilidade. Em voz alta, brada:
- Deus! Oh! Pai, perdoa-me!
Carlos abraça-o, e ele se admíra com o carinho que recebe,
dizendo comovido:
- Ajudem-me! Levem-me com vocês!
Mauro e Cibeli levaram-no para a Colônia, onde seria deixado
numa de suas escolas, apropriada para recuperação de Espíritos
que, de seguidores das trevas, receberiam a luz do aprendizado do
Bem.
Toninha e Leila, que haviam deixado Ana para tratamento na
enfermaria da Colônia, reuniram-se a nós; e Fabiano, que havia
ficado com D. Gema, contou-nos, alegre:
- D. Gema conseguiu orar e chorou emocionada. Agora ela e o
Sr. João dormem sossegados!
- Conseguimos converter Lemão! - exclamei, contente.
- Não se entusiasme tanto, Antônio Carlos, porque Mário, o Lemão,
era o mais fácil. - falou Carlos.
Lemão não era mau realmente, e estava no bando por comodismo
e medo. O fato é que se cansara da vida que levava, porém,
por falta de coragem e fé, nela continuava.
Com o retorno de Mauro e Cibeli, aproximamo-nos de Honória,
que continuava sozinha e distraída, pensando e recordando seu
passado. Entramos no círculo magnético em que a tínhamos
deixado, porém ela não nos percebeu e Carlos a motivou a
continuar pensando, recordando, e nós seguímos seus
pensamentos.
Honória pensou na vida simples e pobre que tivera quando menina.
Mocinha, conhecera Mayo, apelido de seu companheiro Jair,
e com ele foi morar. Era ele chefe de um bando de ladrões. Residiam,
ou melhor, escondiam-se, ela e outras mulheres do bando, na
montanha, lugar de difícil acesso, onde o grupo de homens ia e
vinha após seus assaltos. Teve cinco filhos, mas dois morreram logo
após o nascimento. Um deles, o segundo, Luís, era meigo e bom,
uma flor no meio dos espinhos. Os outros dois pareciam com o pai
e, desde meninos, acompanhavam-no e já roubavam. Luís não queria
seguir os exemplos do pai, não gostava de acompanhá-lo e tudo
fazia para ficar com Honória, e ela, como mâe, defendia-o, dizendo
que ele não iria para ficar cuidando dela. Mayo começou a
forçá-lo a roubar e, não conseguindo, passou a odiá-lo. Honória
amava o filho, porém achava que também deveria seguir o pai e
tudo fazia para convencê-lo. Luís, entretanto, era diferente, de gênio
bom, repartía tudo o que tinha com os outros, gostava de
trabalhar, mas honestamente. Um dia Luís disse a ela que ia embora,
que partiria para longe e ela contou ao marido. Mayo ficou furioso
e o matou.
Honória chorou, sentindo a morte do filho. Depois de desencarnarem
todos, ela nunca mais viu o filho assassinado. Ficou com
Mayo de bando em bando no Umbral, juntamente com os outros
dois filhos que, no momento não estavam com ela, mas os via sempre
e sabia deles. Entretanto, nada sabia de Luís. Mayo não gostava
de recordar o passado, continuava grosseiro com ela e não a deixara
remoçar, para que não o traisse, e continuasse como sempre
a ser sua serviçal.
Mayo surrava-a bastante, quando encarnados, e agora na espiritualidade,
mostrava-se ciumento, bastando estar nervoso, para
descontar nela. Estava sempre com outras mulheres, sendo
desde o tempo das montanhas, traía-a sempre.
Tivemos compaixão de Honória, pois havia cometido
erros, mas amava seus filhos e doía-lhe o remorso por ter dito
a Mayo que o filho Luis ia partír.
- Boa-noite - disse-lhe Carlos.
Honóría deu um pulo, levando um enorme susto, e olhou
com medo. Depois, instintivamente, tentou correr e, não conseguindo
passar pelo círculo magnético, gritou por socorro:
- Mayo, Mayo, Raquek, Asec, socorram-me!
Depois de um minuto debatendo-se e gritando, cansou, se
sentou-se no chão e, encolhendo-se, ficou a nos olhar apavorada.
- Honória, por favor, escute, somos amígos - falou carinhosamente
Leila.
- Não quer conversar conosco? - indaguei.
Ela não respondeu e Carlos interferiu:
- Pensa no seu filho Luís? Bom moço esse seu filho!
- Conhece-o? Como ele está? - indagou com voz trêmula.
- Por que nos teme? Se nos ouvir, verá que só queremos ajudá-la
- continuou Carlos.
- Nunca fiquei presa!... Nunca outro bando conseguiu prender-me.
Não conheço vocês, nunca vi gente tão esquisita... são
educados. Vocês não são do bando do Tonhão, são? A que bando
pertencem?
- Somos membros dos Obreiros do Bem, cios Cordeiros do Cristo,
ou seja, os trabalhadores de Jesus - respondeu Carlos,
procurando achar um modo de nos apresentar.
- Estranho - disse Honória, relaxando -, vocês também prendem
gente?
- Só em casos especiais. Você não está presa, mas provisoriamente
dentro de um circulo magnético, para que possa ouvir-nos
sem fugir - respondi.
- Que querem falar comigo? Como sabem meu nome?
- Honória, sabemos o bastante de você, para convidá-la a nos
seguir e conhecer outro tipo de vida - falou Mauro.
- Vocês são muitos e eu estou só. Por que não conversar com
todos juntos?
- Conversaremos com eles depois - respondeu Fabíano. - Agora
queremos ajudá-la.
- Não pedi ajuda! Não quero ajuda! Se Mayo escutar, pensará que
fui eu quem pediu socorro a vocês. Vai me prender e me torturar.
- Honória, não tema! Acalme-se! Veja nesta tela o local para
onde a levaremos.
Carlos plasmou a tela que colocara na frente de Honória, e projetou nela a Colônia, suas belezas e o modo de vida de seus
habitantes. Ela observou tudo e, encantada, sentou-se no banco.
- Lindo! - exclama.
- Será sua moradia se vier conosco - continuou Carlos -, se
quiser mudar seu modo de viver, largar o bando e aprender a fazer
o Bem. Esta vida não a aborrece? Não lhe dá um vazio?
Honória esfregou os olhos, ajeitou a roupa e observou-nos novamente:
- Como posso confiar em vocês? Não estão me enganando?
- Nós não enganamos ninguém. Nunca ouviu falar de socorristas,
dos trabalhadores do Bem? - indagou Toninha.
- Sim, já. Mayo diz sempre para ficarmos afastados deles, e até
nos escondermos, porque são como polícia, prendem-nos.
- Honória - falou Carlos -, não somos polícia, mas socorremos
os que sofrem e tentamos alertar os moradores do Umbral, sobre
as verdades, sobre os ensinos de Jesus, para que eles conheçam
um outro tipo de vida e possam ter paz. Somos felizes e queremos
que todos também sejam. Nunca pensou em ser feliz, em morar
num lugar onde a respeitem, sem que seja surrada ou ameaçada
de torturas, onde todos são iguais e têm os mesmos deveres e direitos?
- Onde vocês moram, vive-se assim?
- Sim. Lá existe ordem, tranqüilidade, e poderá estudar e aprender
a viver no Bem - respondi. - Aproveite a oportunidade e mude
de vida.
- Mayo não deixa. E, se eu o abandonar, até vocês serão castigados!
- Você já ouviu falar que algum socorrista, trabalhador do Bem,
fosse apanhado pelos moradores do Umbral e castigado? - pergunta
Leila.
- Não, nunca soube.
- Então - argumenta Carlos -, não há o que temer. Eles nem
nos estão vendo, porque assim o desejamos. Nossas vibrações são
diferentes. Se estiver conosco, nada poderão fazer contra você!
Também, acredito que todos os do grupo virão conosco.
- E meus outros dois filhos?
- Você poderá vê-los e, quem sabe no futuro, ajudá-los - respondi.
- Sinto, senhores, não irei. Deixem-me passar, pois já conversamos
muito. Fico por aqui, que já me acostumei com esta vida.
Carlos não desanimou:
- Você sabe, Honória, que o corpo morre e o Espírito continua
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vivendo. Sabe também que vivemos um período no corpo material,
e outro como agora, no Plano Espiritual, para depois voltar
novamente a outro corpo físico, não sabe? Você deverá encarnar e
já pensou como será seu corpo, se contínuar errando? Como será
sua reencarnação?
Carlos projetou na tela alguns erros dela. Honória estremeceu,
olhando fascinada, e os enganos foram passando, coisas erradas
que fizera desde menina, até as mais recentes. Depois projetou um
corpo defeituoso, como seria o seu. Honória assustou-se.
- Seus erros e a perseverança no jeito de viver erradamente
levarão seu Espírito a vestir um corpo de carne assim. Mude de vida,
Honória, volte ao Bem. Além de medo e humilhação, que mais oferece
esse tipo de conduta a você? Quando estava encarnada, você
orava? Nunca ouviu falar de Jesus? Venha conosco! Se não quiser
vir, teremos que levá-la para esclarecimento, numa incorporação,
num Centro Espírita, - falou Mauro.
- Mayo não me achará? Vocês têm certeza?
Carlos projetou novamente a Colônia na tela e índagou:
- Vocês já foram lá?
- Nesse lugar, não. Conheço de longe o Posto de Socorro e
nunca conseguimos tirar alguém lá de dentro.
- Já tem a resposta - falei -, lá começará vida nova e irá gostar.
- Sou realmente infeliz, por mais que aparente alegria... Somos
infelizes! Quero tentar ser feliz!
- Longe de Deus, ninguém consegue ser feliz. Distante do Pai,
aparentamos alegria, sem realmente a possuirmos. Ninguém é feliz
no camínho do Mal. Lá, Honória, você encontrará a felicidade e
terá paz.
Mauro e Fabiano pegaram-na, um em cada braço e volitaram,
antes que pudesse mudar de idéia.
Carlos explicou-nos:
- Honória irá para a Escola de Recuperação e tenho certeza
que gostará. Logo que estiver adaptada, náo irá querer saír de lá.
Foi muito maltratada com Mayo e o bando, porém lá receberá carinho
e respeito.
- Encontrará Luís, o fílho? - indagou Leila.
- Poderá saber dele com facílídade, dentro de pouco tempo,
pois na Colônia terão como informá-la. Conseguirá também ajudar
seus outros filhos, em futuro próximo - respondeu nosso instrutor.
Com exceção de Asec, que trabalhava no laboratório, os outros
desencarnados não estavam em casa. Resolvemos aguardá-los,
fícando no jardim.
- Tentaremos conversar com eles - disse Carlos, - Procuraremos
esclarecê-los, porém, se não conseguirmos, levaremos todos para
um Centro Espírita, dirigido por um amigo encarnado, que é o Sr.
José Carlos Braghiní. Então, através da íncorporação, serão orientados
e, depois, levados para uma Escola de Recuperação.
- Escola de Recuperação? Explica-nos, Carlos, como funciona?
- pediu Toninha.
Carlos não se fez de rogado e, entusiasmado, falou:
- No Plano Espiritual, o desencarnado tem muitas oportunidades
de estudar. Para os desencarnados que desconhecem até que
seu corpo físico morreu, há escolas que conhecemos, onde irão
aprender sobre o mundo espiritual. As escolas de recuperação existem
em algumas Colônias distribuídas pelo Brasil. São locais
fechados, onde o aluno não pode sair, até que conclua seus estudos.
E dirigida por mestres de conhecimentos, irmãos virtuosos,
estimulados a fazer o Bem, pelo bem. Raquek e seus companheiros,
Espíritos ativos, de muitos conhecimentos, sem contudo serem
espiritualízados, quando estiverem doutrinados, vão redimir-se,
harmonizar-se e aprenderão a servir ao Bem. Essas escolas são muito
bonitas, além de bem equipadas. Lá ficam o tempo necessário:
meses ou anos, num estudo que lhes dará compreensão das verdades
etemas. De filhos das trevas, passarão a filhos da luz.
- Levar para serem doutrinados através da incorporação, é mais
fácil? - indaga Cibeli.
- O doutrinado irá sentir as vibrações materiais; sentirá como
encarnado por minutos, sentirá o corpo físíco que há muito não o
tem, não gosta e teme só de pensar que voltará a encarnar. Sente-se
dominado pela matéria que despreza. Acostumado a dominar
mentes, sente-se domínado pelo doutrínador. Todos eles, esses írmãos
trevosos, sabem que um dia serão julgados e, ao se sentirem
dominados, acham que esse julgamento chegou. No íntimo,
reconhece-se incorporado frente a espírítos desencarnados e encarnados
maiores que ele; sente que ali achou um caminho para
possuir um valor maior, o espiritual. Sim, é mais fácil doutrinar um
irmão incorporado - conclui Carlos.
cap.12
Cmor matemac
Já passava de uma hora da manhã, quando José, o motorista,
voltou tão bêbado, que mal conseguia saír do carro. Ajudado
pelos desencarnados que o acompanhavam, foi para o quarto.
O grupo de desencarnados ficou na varanda. Havia muita conversa,
falavam baixo e riam muito, diziam palavrões e obscenidades.
Após meía hora, Isabelita, outra agregada ao grupo, de aparéncia
jovem, bonita, muito enfeitada e pintada, desceu para o porão para
encontrar-se com Asec.
Raquek entrou na casa, acomodou-se no sofá da sala e lá ficou.
Quatro deles, Tião, Caixão, Ramu e Mayo, continuaram na varanda.
Carlos disse-nos:
- Vamos concentrar-nos em Tião e fazê-lo afastar-se do grupo.
Tião era moreno, alto, quase preto, vestia calça larga e um colete
de couro preto. Não tínha mais nenhum enfeite, além de um
cinto largo e nele enfiados punhais e facas.
Inquietou-se com os fluidos que recebia de nós, calou-se e já
nem ouvia mais os companheiros. Insistimos, sugerindo que andasse
pelo jardim. Deixando os amigos sem dizer nada, desceu
devagar os degraus da varanda, caminhou pelo jardim e foi sentar-se
num dos bancos. Ficamos à sua volta e Carlos explícou-nos:
- Vamos tentar fazer com que recorde seu passado, revivendo-o.
Podemos dominá-lo com lembranças, ínclusive íncluindo fatos
que lhe provocarão remorso e, com isso, talvez façamos com que
peça ajuda. Ajudem-me, amigos, víbrando em favor deste irmão.
Tião continuava inquieto, e Carlos olhava-o fixamente. Começou,
então, a recordar o passado e fomos acompanhando suas
lembranças.
Era de família pobre, com muitos írmãos, e sempre foi arteiro
e briguento. Todos o desprezavam, menos a mãe, que muito o
amava. Mulher meiga e bondosa sempre tivera paciência com ele
e carinhosamente o aconselhava a mudar o jeito de vida. Ainda adolescente,
saiu de casa e juntou-se a um grupo de vadios, começando
a roubar e meter-se em brigas. Por várias vezes, teve que se esconder
da polícia, ocasião em que contava com a ajuda da mãe.
Escondia-se nas montanhas e grutas, e ela levava-lhe, à noite, alimentos
e roupas, tirando de seu sustento para ajudá-lo. Nunca
ficava magoada com ele e repetia sempre:
"Tião, filho, Deus existe e o vê. Um dia terá que estar diante
d'Ele e como se sentirá? Seja honesto, filho, não maltrate as pessoas,
porque um dia será maltratado também."
Numa briga, matou um homem e foi preso. Sofreu na prisão,
mas isso só lhe deu ódio. Quando encarcerado, soube da morte da
mãe e sentiu muito. Aproveitando uma oportunidade, fugiu e foi
para longe, continuando na vida errada, porém sempre com saudades
da mãe. E, ao recordar dela, além de doer-lhe, parecia que a
ouvia repetir:
"Mude de vida, filho!"
Evitava, então, pensar nela.
Tião enxugou as lágrimas, olhou para os lados e, vendo que
ninguém do grupo o observava, continuou a recordar.
Passados muitos anos, voltou à terra natal e soube que seu pai
também falecera; procurou um de seus irmãos que, em troca de dinheiro
deu-lhe hospedagem. Gostava desse irmão, que era pobre,
trabalhador, com muitos filhos, mas não lhe fizera perguntas e nem
ele disse nada de seu passado. Esse irmão tinha uma filha, Elizinha,
com doze anos. Menina meiga, bondosa e parecidíssima com sua
mãe. Ela tratava-o bem, dava-lhe atenção, carinho e, por isso, gostava
dela, que fazia com que se lembrasse muito da mãe. Certo dia, ao
ficar sozinho em casa com ela, confundiu os sentimentos, violentou-a,
matando-a em seguida. Fugiu e nunca mais voltou, mas, pela
primeira vez, sentiu-se apavorado e jamais teve sossego. Cometeu
outros crimes, e de nenhum deles tinha remorsos, somente desse.
Não deixamos Tião parar de pensar e fizemos com que
recordasse várias vezes os conselhos da mãe. De repente, Tião exclamou
alto:
"Encarnamos muitas vezes! Agora me lembro disso. Será que
minha mãe não era Elizinha? Ai de mim, sou miserável! Matei Elizinha
que gostava de mim e, como mamãe, amava-me. Foi ela a
única pessoa que se importou comigo."
Carlos sempre olhando fixo para Tião, fez com que pensasse
em Elizinha. A imagem da garota veio-lhe à mente e lhe falamos,
através da imagem da menina:
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"Já perdoei o senhor, tio! Perdoei, como Jesus perdoou os que
o crucificaram. Fique bom, titio, fique!"
"Não posso!" - respondeu Tião em voz alta. "Seu tio não tem
jeito... Sou ruim."
"Claro que tem!" - contínuamos a falar através da imagem que
projetamos no cérebro de Tião. - "Jesus perdoou o ladrão da cruz.
Peça perdão, volte a Deus, ao Pai que nos criou. Deixe essas más
companhias, deixe de maldades e aprenda a fazer o Bem. Quem
assim faz, não teme, não sofre de remorso."
"Oh! O remorso dói tanto! Por que fui fazer mal a quem tanto
bem me fez?"
Tião chorava sentido, arrependido realmente desse erro, pois
doía-lhe o remorso. Mas nunca se lembrou de pedir perdão, achava-se
indigno de ser perdoado, e pensava também que era com os
maus que deveria ficar.
Carlos fez com que pensasse na mãe novamente e, assim, falou-lhe:
"Tiáo, meu filho, aceite minha bênção."
"Abençoa-me, mãe? E eu fiz tantas vezes a senhora chorar, efue
até morreu pelo desgosto que lhe dei!"
"A mãe que ama, não esquece o filho. Amo você, sofri por você
e sofro, porque sei que, entre os maus, não irá ser feliz."
"Por favor, por favor, não sofra mais por mim. Não sofra!"
Tião não desconfiou que o forçávamos a pensar, mas nada fez
para parar. Esqueceu-se dos companheiros, falava alto e chorava.
A imagem da mãe falava por nós:
"Como ser feliz, meu filho, vendo-o sofrer! Peça perdão a Deus,
volte ao Bem, recupere-se entre os bons."
"Pedir perdão? Peço! E se Deus for como minha mãe, Ele me
perdoará! Mas como encontrá-lo?" - fafou chorando Tíão. "Será que
Deus está no Posto de Socorro, que só conheço de longe? Oh! meu
Deus, perdoe-me!"
Tíão levantou-se, Carlos abriu o círculo magnético e ele volitou.
Seguimos seu caminho. Foi até o Posto de Socorro, perto da Crosta,
e bateu no portão:
Abram! Quero pedir perdão a Deus! Quero ser bom! Socorram-me
em nome de Deus e de minha mãe!"
Carlos emitíu, em pensamento, pedido de ajuda aos trabalhadores
do Posto, inclusíve para abrirem o portão. Vendo-o aberto,
Tião entrou correndo. Carlos tornou-se visível a ele e o atendeu:
- Entre, irmão Sebastião! Deus está aqui e em toda a parte. Você
aprenderá a vê-lo em todos e em tudo, até dentro de você. Seja
bem-vindo entre nós!
Chorando, Tião deixou que Carlos o abraçasse e foi conduzido
para o interior do Posto. Os fluidos salutares fizeram com que sentisse
sono e exclamasse:
- Tenho sono! Meu Deus! Quanto tempo faz que não tenho a
bênção do sono para esquecer!
Dormiu nos braços de Carlos, e o levamos para a Colõnia, onde
seria encaminhado para a Escola de Recuperação.
- Amor! Que bonito sentimento tem a mãe de Tião, para com
ele! - exclama Cibeli.
- É verdade - completou Carlos -, quando uma mulher purifica
seus sentimentos e ama grande e sabiamente os filhos, planta
no espírito deles a boa semente, que um dia germinará. Tião estava
perdido no mal e com más companhias, por isso não conseguiu
fazer brotar a semente que, amorosamente, a mãe plantou nele.
Diante de um amor materno puro, poucos são os que não se curvam.
Na maternidade, tem a mulher grande oportunidade para amar,
auxiliando os que temporariamente são seus filhos, a se redimirem.
O amor materno é dos mais puros sentimentos que nós,
humanos, podemos sentir ou ter. Infelizmente, muitos não conseguem
isso.
- Honória! Onde está? Velha idiota!
Mayo gritava alto, proferindo palavrões e, como não foi atendido,
fez terríveis ameaças. Aproximamo-nos da varanda. Ramu e
Caíxão víeram correndo e logo veío também Raquek, Asec e Isabelita.
- Que aconteceu? Mayo. Pare de gritar! - falou Raquek com voz
baixa.
- Honória sumiu - respondeu, abaixando o tom de voz, mas
bastante nervoso.
Ao escutar a resposta, Raquek foi rápido para o local onde deveria
estar Ana e, segundos depois, escutamos:
- Ana também sumiu! Ana não está aqui!
Voltou para a varanda e Asec indagou:
- Sumíram? Ninguém some assim, só por sumír. Quem não está
aqui, está em outro lugar.
- A corrente que foi colocada no pé de Ana está aberta - explicou
Raquek, demonstrando certa intranqüilidade.
- Vamos analisar esse sumiço friamente - falou Asec, calmo. -
Vocês já as procuraram?
- Não procurei - replicou Mayo -, Honória atende-me sempre,
de onde estiver, vindo quando a chamo.
- Vocês aí, sabem de alguma coisa? - indaga Asec aos que
ficaram. - Não sabem? Onde estão os outros, Lemão e Tião? Não
confio muito nesses dois. Ramu, vá procurar os dois pela chácara
e por onde costumam ir. Você, Mayo, em vez de gritar, vá procurar
Honória, que só pode estar visitando os filhos, ou não ouviu você
chamar, por causa da tempestade forte que hoje houve no Umbral.
E você, amigo Raquek, não se preocupe, pois Honória deve ter levado
Ana para passear. Se não foi por causa disso, só pode ter
fugido, e Honôria com medo saiu à sua procura. Pensando bem, se
Ana fugíu, só poderá estar na casa em que vivia quando encarnada,
com algum parente ou amigo encarnado. Vão procurá-las.
Aparentando estarem mais calmos, Mayo e Raquek volitaram.
Ramu saiu em direção aos fundos da casa e Caixão ficou sozinho
na varanda, enquanto que Asec e Isabelita retornaram ao porão.
- Vamos isolar Caixão e levá-lo para o jardim - disse Carlos.
Jogamos uma rede magnética nele. Ficou tonto e perdeu os
sentidos, a beira de um desmaio, para os encarnados. Fechamos a
rede e o levamos para o nosso canto do jardim. Mauro ficou a vigiá-lo.
Retornamos à varanda e não esperamos muito, Ramu voltou e,
logo em seguida, Raquek, a gritar por Asec, que veio logo.
"E estranho esse mago: estava preocupado, mas continuou a
agir do mesmo modo, calmo e frio" pensou Raquek. Depois olhou
bem para os dois companheiros, observando tudo, a varanda, o jardim,
a casa, e disse:
- Nada, Asec! Ana não estava lá, nem esteve. Não gosto disso!
Que poderá estar acontecendo? Ramu também não encontrou os
outros, e Caixão, que ficou aqui, também sumiu. Acha que pode
ser seu rival?
Asec parecia pensar e, após alguns segundos, respondeu:
- Não, não é! Se fosse, eu sentiria. Não conseguiria estar aqui
sem que eu soubesse; depois ele iria querer a mim e não aos que
me acompanham. Volto ao laboratório, vou tentar saber o que há
e, se Mayo voltar com notícias, avise-me.
Asec desceu rápído ao porão e Carlos fez sinal para que o seguíssemos.
Todavia, Vimos, com espanto, que o mago pegava seus
pertences com rapidez e os colocava numa sacola. Estremeceu
quando entramos. Rapidamente, pegou a mão de Isabelita que estava
muito assustada, e desapareceram de nossas vistas, volitando.
Asec despedíu-se, não o víamos mais, mas escutamos sua voz demonstrando
calma, falando baixo:
- Carlos, você e seu bando não me pegarão! Não desta vez!
Sou mais esperto que vocês, bobocas do Bem! Talvez um dia o
enfrente, mas devo aprender a vencê-lo. Adeus!
- Asec e Isabelíta foram embora? Como Asec conseguíu perceber
nossa presença? - indagou Leila.
- Fugiram juntos. Vejam, levou tudo o que lhe poderia ser útil.
Só deixou os companheiros, confirmando o grande egoísta que é.
Entretanto, não menosprezemos os conhecimentos de Asec, pois
é estudioso. Percebeu nossa presença, acredito até que nos tenha
visto, porque, com o sumiço de alguns membros do grupo, sentiu
que somente nós, os socorristas, poderíamos estar aqui. Quanto a
saber meu nome, deve ter ouvido um de vocês falar.
- Vamos atrás dele? - quis saber Fabiano.
- Não, Asec fugiu, abandonou o local e creio que não voltará.
Nossa míssão consiste em ajudar Nely e afastá-la desses desencarnados.
É claro que ajudaríamos melhor, encaminhando-os para
o Bem, porém ir atrás de Asec, que se afastou daqui, seria outro
trabalho para o qual deveríamos ter permissão. Quanto a querer
preparar-se para enfrentar-me um dia, talvez tenha esquecido que
não estarei ocioso, pois evoluo todos os dias e, se ele nesse período
aprender e tiver dado dez passos, terei dado doze. Porém esses
Espírítos não gostam de enfrentar os servos de Jesus, porque sabem
que o Bem é mais forte, e por isso fogem de nós, como de
suas consciências. Não nos preocupemos com ele, Fabiano, pois
esse tipo de vida que Asec leva, fará com que se canse e procure
um dia a Verdade e a Paz, no Bem.
cap.13
josé, o Caixão
Voltamos à varanda. Ramu e Raquek nada perceberam.
Observei Ramu, era um tipo bem estranho e feio, de rosto
comprido. Estava sempre com a cabeça inclinada para a frente
do corpo. Possuía olhos frios como aço, sorriso cínico e só tinha os
caninos; de lábios finos, alto e magro, as mãos desproporcionais,
unhas longas e finas. Vestia roupas largas de tom amarelo forte e
roxo. Notamos ainda que se pervertera na sexualidade.
Conversava com Raquek em voz baixa:
- Não estou gostando disto, Raquek, tenho Asec por chefe, gosto
de Mayo como companheiro de muitas épocas e, se ainda estou
aqui, é por eles. Vou só esperar Mayo chegar e, conforme as notícias,
me mando.
- Desconfio do rival de Asec e estou com você. Vou embora
daqui também. Asec que se vire. De qualquer jeito, encontro Ana
e, se não conseguir, não me importo, porque já me cansei dela.
Está perturbada e não há meio de fazê-la voltar à razão.
- Vai deixar a doida da Nely, Raquek?
- Por que não? Nada tenho com ela.
- A menina vai sentir sua falta, pois acostumou-se com você.
- Que se dane! Aqui vim temporaríamente, mas sempre quis
voltar para a Europa, e gostaria que Ana melhorasse para irmos
juntos. Planejava partir em breve, mas agora acho que partirei já.
Se Nely sentir minha falta, azar dela!
Mayo regressou nervoso e falou apressado:
- Nada! Ninguém viu Honória por lá. Vocês a encontraram?
- Não - respondeu Raquek -, desçamos ao poráo, parece que
Asec não nos escuta.
Desceram e se espantaram. Mayo falou, irado:
- Fugiu! Se Asec levou seus apetrechos, fugiu e só com Isabelita.
Covarde! Está sempre escapando. É melhor irmos também. Quem
será que nos persegue?
Os três estavam perto um do outro, olhavam o laboratório, preparando-se
para volitar e fugir. Jogamos uma rede magnética neles,
e Mayo ainda exclamou:
- É tarde, prenderam-nos! São os do Cordeiro!
Perderam os sentidos. Ajeitando-os na rede, volitamos, levando-os
para o Centro Espírita, onde seriam doutrinados através da
incorporação.
Carlos explicou-nos:
- Estes três, só diante de uma força maior, para entregarem-se
ao Cristo. Conversar com eles sería perda de tempo.
Os trabalhadores do Centro receberam-nos com alegría. O local
não era grande, porém bem organizado, tanto no aspecto
material como no espiritual. Deixamos os três adormecidos, com a
informação de que seriam atendidos naquela mesma noite. Voltaríamos
para a reunião e vibraríamos em favor de sua recuperação.
Voltamos à casa de Nely, quando ela saía para a escola. Estava
séria, como sempre.
- Parece que não sente falta dos companheiros desencarnados
- falou Fabiano.
- Ainda não - explicou Carlos. - Acho que nem sempre eles a
acompanham à escola.
- Não é perigoso afastar Raquek de Nely dessa forma? - inclamou
Tonínha. - Afastar, assim, um obsessor não sería prejudicial à
menina?
Carlos, bondosamente, respondeu:
- Uma desobsessão rápida não é aconselhável, porque, numa
obsessão, o desencarnado e o encarnado estão tão ligados que,
separá-los bruscamente, é como cortar um fluxo de sangue. A obsessão
tanto pode ser amorosa como por ódio, porém sempre
envolve sentimentos fortes, que fazem um necessitar do outro. Não
é o que ocorre no caso de Nely. Raquek não a ama nem a odeia,
mas a usa para uma finalidade. Nely, por sua vez, tem em Raquek
a segurança de realizar seus anseios, ela também não tem vínculo
de sentimentos com ele. Ambos têm interesses: ele queria um local
para Ana fícar, e Nely quer que ele a sirva. Pelo que Raquek
dísse a Ramu, ia deixá-la de qualquer forma e, se não o imobilizássemos,
fugiria. Preocupo-me é com Nely, que está muito
desarmonizada e infeliz.
- Será que não sente remorso por ter matado o pai? - indaga
Leila.
- Não me parece nem um pouco arrependida - continuou a
elucidar-nos Carlos. - Somente as boas ações proporcionam harmonia.
Erros e maldades nos dístanciam das Leis Dívinas,
fazendo-nos infelizes. Vamos ver Caixão.
Mauro estava sentado ao lado de Caixão, que ainda estava sem
sentidos. Observei-o e reparei que era o mais feio deles: careca no
alto da cabeça e com cabelos ruivos compridos até a metade das
costas. Tinha o perispirito deformado pelo hipnotismo, e notávamos
que não se importava com o aspecto que tinha, pois sabia que
Asec facilmente poderia transformá-lo. Possuía orelhas grandes, nariz
largo, baca saliente e rosto peludo, parecendo-se com um
cachorro. Trajava-se com roupas de couro, calças curtas e colete
marrom. Seus pés pareciam patas de cavalo, mas suas mãos eram
normais.
Carlos observa-o, lê sua memória e elucida-nos:
- Caixão cometeu vários crimes e há muito está ligado ao Mal.
Tem esse apelido desde encarnado. Seu pai possuía uma serralheria
onde fazía também caixões-de-defunto: era uma pequena e
simples funerária. Desde pequeno, gostava de brincar com os caixões
e de dormir dentro deles, dai o apelido. Herdou o que era do
pai, depois de enganar a mãe e os írmãos. Casou-se, porém não
conseguia manter vínculos de amor, só de ódio. Teve filhos, mas
nunca se importou com a família e, por ser farrista e mulherengo,
teve muitas amantes. Uma delas era mulher de um fazendeiro da
região, que descobriu e planejou vingar-se, ainda maís porque soube
que Caixão estava cortejando sua filha. Começou a segui-lo de
longe. Certa noite Caixão tinha bebido demais e, em vez de entrar
em casa, entrou na serralheria. O fazendeiro e o filho cuidadosamente
entraram lá e o encontraram dormindo dentro de um dos
caixões. Friamente, os dois fecharam a tampa, levaram-no para a
carroça e partiram. Na estrada, num lugar deserto, cavaram um
buraco, onde colocaram o caixão com ele dentro, jogando pedras
e terra por cima. Caixão, acostumado a dormir dentro de caixões,
nada percebeu, porém acordou sufocado, desesperado e desencarnou
em seguída, Ninguém soube do que ocorreu com ele e nem
do crime, por isso foì dado como desaparecido para a tranqüilidade
dos familiares. Muitos achavam que tinha ido para o Inferno com
corpo e tudo. Ao desencarnar, foi perseguido por Espírítos que o
odiavam, mesmo transformado como está. Porém soube vencer os
que o perseguiam, inclusive porque cursou a Escola de Vingadores,
no Umbral. Passou a perseguir o fazendeiro mesmo depois de
ter desencarnado. Depois de algum tempo, o fazendeiro foi socorrido,
mas Caixão está esperando que ele reencarne para vingar-se
novamente. Agora serve a Asec, porém continua farrista e mau.
96
Fizemos com que acordasse, para conversarmos com ele.
Despertou inquieto, sem conseguir entender o que lhe acontecia,
e indagou:
- Ramu, que brincadeira é essa? Quer briga? Sabe bem que Asec
não quer brigas entre nós.
Tornamo-nos visíveis e, então, olhou-nos por instantes, assustou-se,
porém logo controlou-se e falou cinicamente:
- Pelas barbas do Profeta! Quem são vocês? Intrusos? Que querem
de mim?
- Somos emissários do Bem, queremos conversar com você,
José - responde calmamente Carlos.
- Como sabe meu nome? Já tinha até esquecido. Certo que fui
batizado com o nome de José... Engraçado - riu alto -, batizado...
Que importa o batismo? O Umbral está cheio de pessoas batizadas.
Prefiro ser chamado de Caixão. Mas por que me prenderam?
Estou quieto, não interfiro em nada de vocês!
- Esta casa é sua? Ou Nely é de vocês? - indaguei.
- Ora, é isto! - retrucou Caixão. - Nely é mais nossa do que de
vocês. É assassina, má e ôtima companheira.
- Vocês ajudaram a matar o pai dela - expressou Leila.
- Nunca vi serviço tão fácil... Porém, se é esse o problema, podem
soltar-me, vou embora e vocês ficam com o "anjinho" - falou,
debochando.
Carlos respondeu calmamente, com voz harmoníosa e
agradável:
- Queremos ajudá-lo. Você, sendo inteligente, sabe que a forma
de vida que está levando é uma plantação e que não se livrará
da colheita. Não teme? Terá que reencarnar, e já pensou como será
sua vída?
- Não gosto de pensar nisso. Deixem-me sair! Posso fazer uma
troca, soltem-me que lhes digo onde está uma ríqueza escondída.
Carlos contínua a falar-lhe, tentando doutriná-lo!
- Não estamos interessados em ríquezas materíais, pois ísso
afeta apenas a encarnados ambíciosos, mas para nós não tem serventia.
Se gosta de trocas, veja onde moramos, conheça outra forma
de víver e troque seu modo de proceder.
Mauro projetou imagens da Colônía, na tela que levara, mostrando
os jardins, as fontes de água pura e crístalína, os prédios, a
escola para onde íría e os desencarnados que lá vívem felízes.
Caixão no começo tentou não dar atenção, mas a curiosídade
foi mais forte e acabou admirando tanto, que até se assustou com
a pergunta de Leila:
- Então, José, vamos para lá?
- Nunca pensei que fosse tão bonito! Não julgava os bons com
tanto bom gosto! Sei que para ir a esse local, terei que renunciar a
vinganças, à vida ociosa, aos meus amigos. Terei que obedecer as
regras de lá, não é? Acho que não quero ir.
Fabiano argumentou:
- Vingar! Quando age assim, você faz o mal aos outros e a si
próprio. A vingança é uma faca que corta dos dois lados. Não pensou
ainda, José, que mereceu o desencarne que teve? Não foi você
primeiro a ofender seu assassino? Não o desonrou, fazendo da esposa
dele sua amante, e não queria também sua filha?
- Como sabem disso? Isso não é assunto de vocês!
Carlos falou calmo, mas com autoridade.
- Não gosta de recordar seus erros? Só aprecia ver-se como
vítima? Foi enterrado vivo, mas não fez algo parecido com seu pai?
Não o embebedou e sufocou com o travesseiro para ficar com a
serralheria? Seu desencarne foi colheita do que plantou, por isso
não tem por que se vingar. Já pensou, José, em como será o restante
de sua colheita? Recomece, agora, aproveite a oportunidade,
volte-se para Deus, peça perdão e abandone essa forma de vida
que leva. Seus amigos já foram, só resta você aqui. Asec fugiu, abandonando-os,
e os outros partiram conosco.
Caixão ficou quieto por instantes, observou a casa e chamou
os amigos mentalmente e, por não obter resposta, entendeu que
era verdade, que estava sozínho conosco. Pensou em tudo o que
viu e ouviu, indagando em voz baixa:
- Que posso fazer com vocês?
Toninha respondeu:
- Conhecerá o Bem, para praticá-lo. Aprenderá numa escola
especial onde se preparará para trabalhar conosco ou para reencarnar.
- Gosto tanto da Grécia! Lá encarnei tantas vezes e gostaria de
voltar para lá!
- Poderá fazê-lo depois de cursar a escola - falou Carlos -, porém
vamos primeiro transformá-lo no que era antes.
- Não precisa, eu mesmo me transformo.
Para nossa surpresa, Caixão foi se transformando e seu aspecto
passou a ser o de um homem comum. Falou com sinceridade:
- Vou com vocês, mas posso mudar de idéia e dar-lhes trabalho.
Carlos sorriu e disse:
- Acompanhe-nos, José, comece uma nova fase, renascendo
para a verdadeira vida, para o Bem.
Carlos, levou-o para a Colônia, voltou em seguida e Cíbeli indagou:
- Carlos, Caixão não dará trabalho na escola?
- José conhecerá outra forma de viver. A escola é para receber,
acolher indivíduos como ele e, por isso, está preparada para
transformá-lo. Não terá tempo para causar problemas, porque vai
ser estimulado para trabalhos e estudos interessantes. Creio na sua
transformação.
- Amigos, nosso trabalho não terminou ainda, pois falta-nos levar
para a escola os três que serão doutrinados no Centro Espírita,
e ainda cuidar de Nely. Aguardaremos aqui até a hora de irmos à
reunião. Faremos rodízio para ficar com Nely e veremos se ela aceita
um de nós ao seu lado.
- Eu quero ser a primeira - diz Cibeli, alegre -, porém explique-me
antes, Carlos, por que diz sempre "doutrinado" e não
"evangelízado"?
- Evangelizar um Espírito é tentar que se modifique pelo Amor,
pela Moral evangélica. Doutrinar é mostrar ao desencarnado, e perturbado
no Mal, que a lei do Carma existe e que um dia sofrerá
como fez e faz outros sofrerem. Nosso amigo, dirigente do Centro
Espírita onde serão doutrinados é, além de evangelizador, um doutrinador
que tudo faz para encaminhar esses irmãos trevosos para
o Bem, com a moral cristã e também com sua força mental.
Nisso, Nely chegou da escola, sentou-se silenciosamente para
almoçar, quando nos aproximamos dela. Repeliu-nos, ficou inquieta
e alimentou-se pouco, indo para o quarto em seguida. Cibeli acompanhou-a.
cap.14
história de Carlos
oltamos para nosso canto do jardim e, por instantes, ficamos
silenciosos. Observei Carlos, sempre tranqüilo, amoroso
e achei que sua vida poderia nos servir de exemplo. Com certo
atrevimento, falei:
- Carlos, todos nós temos uma história, conte-nos sua vida.
Todos se interessaram, confirmando meu pedido, e Carlos narrou-nos:
- Muitos indagam: "Que nos importa o passado? O passado,
passou", mas não é assim, porque somos o que vivemos, somos
fruto do passado, seja bom ou mau; e nossa graça é Deus ser bom
e misericordioso. Do fruto mau que fomos, temos a oportunidade
de torná-lo bom, até de ser útil e agradável. Não fugi à regra, vivi
como mau fruto e, através das existências, fui tornando-me bom e,
através do sofrimento, fui tornando-me útil. Fui bruxo, porém das
maldades que fiz ficou a lição para desmanchá-las e que hoje me
fazem compreender, para ajudar os magos do Mal. De comerciante
corrupto à piedade para com todos os ladrões. O usurpador,
caluniador e invejoso me fez entender os defeitos humanos,
desprezar os vícios e amar os pecadores. Desencarnado, fui vampirizador,
além de perturbado e muito sofredor, mas agora tenho a
graça de ajudar os maus e recuperá-los, como fui ajudado. Mas,
depois de ter abusado do meu livre-arbítrio, colhi o que semeei e,
por não ter plantado nada de bom, colhi sofrimentos. Como leproso,
despi o orgulho; mudo, aprendi a não caluniar; médium, fiz o
bem para reparar o mal que pratiquei como feiticeiro. Morri na Inquisição,
e o fogo queimou o resto de meus vícios.
Contarei a vocês, meus amigos, começando por esta última
existência, porque foi nessa encarnação que encontrei vários Espíritos
a mim ligados ou pelo ódio ou pelo amor. Até aos treze anos,
minha vida foi tranqüila, junto de meu pai e de Maria, minha ama.
Meu pai e eu dávamo-nos bem, éramos muito amigos. A única preocupação
dele, em relação a mim, era que eu via Espíritos e com
eles conversava, e também pelas muitas visões que eu tinha e que
ele não conseguia entender. Com medo da Inquisição, que era violenta
naquela época na Espanha, fez-me prometer-lhe não contar
o fato a ninguém e, por isso, só comentava com ele.
Meu pai era forte, mas de repente adoeceu, fato que me preocupou
muito, porque, numa visão que tive, ele estava morto. De
fato foi enfraquecendo e não conseguia esconder de mim sua tristeza.
Numa tarde, chamou-me e disse, sério:
"Estêvão, sempre fiz você pensar que era órfão de mãe, porém
não é verdade, ela está viva. Soube há pouco tempo que enviuvou,
e escrevi a ela contando que adoeci gravemente e que você não
tem ninguém com quem ficar, quando eu morrer. Hoje, Margarida,
este é o nome de sua mãe, respondeu minha carta, pedindo que o
leve para lá. Preste atenção, meu filho, amo você e até quando Deus
o permitir ficarei a seu lado. Porém sinto que morrerei logo, pois
meu corpo enfraquece e as forças me abandonam. Entretanto, Estêvão,
nunca perca a fé em Deus, como também nunca conte que
vê coisas que ninguém vê. Prometa-me, filho."
Afirmei com a cabeça, segurando para não chorar, e meu pai
continuou:
bom "Vou contar-lhe nossa história. Morava em ovrtro sítio, era vizinho
de sua mãe. Mocinho ainda, fiquei órfão de mãe e, por motivo
banal, meu pai brigou com o pai de Margarida, tornando-se inimigos.
Conhecera Margarida, recordava-me dela como menina, mas
um dia encontramo-nos no bosque perto de nossas casas,
surpreendemo-nos e nos apaixonamos. Por muito tempo encontramo-nos
às escondidas, no bosque. Nesse tempo, meu pai, de
um mal súbito, desencarnou e fiquei sozinho com os empregados.
Logo depois, Margarida, aflita, contou-me que esperava um filho, e
propus que fugíssemos para casar, porém ela não quis, dizendo ter
medo do pai. Por coincidência, o pai dela partiu para uma viagem
demorada e, com o auxílio da mãe, ela teve você. Mandou-o, então,
para mim, com um bilhete terminando tudo entre nós e
pedindo-me que criasse você. Maria, que já trabalhava comigo, cuidou
de você. Amava muito Margarida e não me conformei com sua
decisão. Enfrentando perigo, escalei a janela de seu quarto, ouvindo
dela mesma que não me amava e não nos queria. Voltei triste,
consolei-me com você, colocando-lhe o nome do primeiro dos mártires
do Cristianismo: Estêvão.
Pouco tempo depois, sabendo que Margarida ia casar-se, resolvi
mudar-me, ir para longe e iniciar com você nova vida. Vendi a propríedade
e estabeleci-me aqui, juntamente com Maria, sempre
bondosa a cuidar de nós. E agora, vendi tudo o que temos aqui,
converti em moedas de ouro, que estão aqui nesta caixa e são suas.
Guarde-as com cuidado, porque servirão para que se estabeleça
no futuro. Maria ficará com você e o continuará ajudando, até que
um dia possa você olhar por ela. Partiremos amanhã cedo."
Enquanto meu pai falava, apareciam-me visões. Vi o passado
e, em outra existência, meu pai fora casado com Maria, eram ricos
e tinham filhos fortes e bonitos. Eu vivia como criado deles e mudo.
Um dos filhos deles matou numa briga um fidalgo, e correu para
casa, contando aos pais. Para defender o filho, vestiram-me com
as roupas do filho assassino, entregaram-me aos soldados, dizendo
que eu era o culpado. Não podendo gritar minha ínocência, os
soldados, cíentes que era o criminoso, mataram-me.
Meu pai apertava-me a mão.
"Entendeu tudo, Estêvão? Prometa cuidar de Maria."
Olhei bem para meu pai. Foram, Maria e ele, maus comigo no
passado, porém nessa existência tudo fizeram por mim.
"Ama-me muito, não é, meu pai? Também o amo! Cuidarei de
María, prometo."
No outro dia, bem cedinho, partimos. Papai padecía com a
viagem, e fomos de carruagem, parando sempre para que descansasse.
Tinha ele trinta e dois anos, porém aparentava muito mais,
pois estava magro e cada vez mais fraco. Maria ajudava-o em tudo,
nutrindo um amor maternal por nós dois. Tinha ela quarenta e dois
anos, era feia, morena escura, mas muito simples e boa.
Perto da cidade em que minha mãe morava, meu pai desencarnou.
Sofri muito, fizemos seu sepultamento e, em seguida,
Maria e eu continuamos a viagem.
Minha mãe morava num sítio perto de uma boa cidade, e herdara
do esposo uma criação de cavalos que era sua renda. Lugar
muito bonito, com a casa-grande rodeada de belo jardim. Cheguei
assustado, de mãos dadas com Maria, e entrei com medo. Uma mulher
jovem ainda, línda, recebeu-me abraçando-me. Era minha mãe.
Sentia-me uma ave estranha em ninho novo, Depois de ter
cumprimentado Maria, minha mãe disse-me:
"Estêvão, que lindo é você! Sejam bem-vindos! Entretanto, necessito
da compreensão de vocês. Disse a todos que você é Filho
de uma prima que faleceu, e que ficará por pouco tempo. Seria
um escândalo contar a verdade, por isso até para meus filhos menti,
mas falarei a eles logo que for conveniente. Espero que me
compreendam."
"Sim" - disse Maria.
Nada respondi, senti-me rejeitado, pois estava com minha mãe
e não poderia chamá-la assim.
Conheci meus outros irmãos, dois meninos e uma menina, Simão,
Artur e Madalena. Foram amáveis comigo, simpatizei com eles
e gostei muito de Artur.
Maria foi alojada na ala dos empregados, e meu quarto seria
perto do de Simão. Pedi a D. Margarida para ficar com Maria e, meio
a contragosto, deixou. Assim, fiquei hóspede da ala dos serviçais.
Percebi que minha mãe não estava bem financeiramente e
confirmei isso quando a vi conversando com um senhor na sala.
Instintivamente, escondi-me e ouvi a conversa. Exigia ele de minha
mãe o pagamento da dívida, senão tomaria tudo o que tinha, o
sítio, a criação de cavalos e a casa. Minha mãe implorou para que
tivesse paciência, pois mandara vender as jóias e pagaria tudo.
O senhor, louro, de bigodes, muito antipático, ameaçava minha
mãe com certa satisfação, então vi-os no passado. Era ele,
outrora, um comerciante; estava sujo e amarrado, frente a minha
mãe, que o acusava:
"Foi você, ladrão! Entrou em minhas terras para roubar-me. Aqui
mando eu! Vai ser castigado. Perderá o que transporta!"
Só porque o mercador entrara sem autorização nas terras da
baronesa, ela mandou castigá-lo com chicotadas, ficando com tudo
o que era dele; mandou, depois, abandoná-lo na estrada.
Agora, era o senhor nas posses da dívida e cobrava sem piedade,
ameaçando tirar tudo o que ela possuía.
Quando ele foi embora, saí do meu esconderijo e fui até minha
mãe, que chorava.
"Meu filho!" - suspirou triste -, "em que má hora veio até mim.
Não tenho como pagar a dívida e perderei tudo. O dinheiro que
receberei das jóias é pouco, e mal dará para comprar uma casinha,
mas do que viver?"
Corri ao meu quarto, peguei a caixa com o dinheiro que meu
pai me entregara, tirei a quantia que daria para pagar a dívida, guardando
o pouco que restou. Levei o dinheiro para minha mãe.
"Meu pai não morreu pobre, deixou-me este dinheiro, que lhe
dou, para que a senhora pague tudo."
"Não posso aceitar, meu filho, esse dinheiro é seu."
"Se a senhora não tiver lugar para morar, nem eu terei. Se não
tiver do que viver, nem eu. Aceite!"
Mamãe hesitou, mas depois o pegou e beijou-me, agradecida:
"Obrigado, Estêvão! Aceito como dívida, darei a você um título
e pagarei tudo mais tarde. Com o dinheiro da venda das jóias,
aumentarei a criação e logo terei o dinheiro para pagá-lo. Obrigado,
meu querido."
Naquele dia mesmo, deu-me o título que guardei na minha
caixa.
Com o resultado da venda, minha mãe aumentou a criação de
cavalos e nossa vida continuou normal. Estudava com meus irmãos
e continuava a dormir com Maria. Minha mãe não me pagou, nem
falou mais no assunto, nem eu.
Só sentia o fato de continuar a ser o filho da prima falecida.
Artur e eu tornamo-nos grandes amigos, embora fosse mais
novo que eu três anos. Só ele sabia que eu era seu irmão, pois ele
mesmo descobrira, por ser também dotado de faculdade mediúnica.
Quando me confessou os dons que possuía, contei-lhe dos
meus, e isso uniu-nos mais ainda. D. Margarida proibira Artur de
falar sobre o assunto, do mesmo modo que meu pai o fizera, temendo
a Inquisição.
Continuava cada vez mais a ter visões, bastando olhar para uma
pessoa para ver seu passado, suas vidas ou sua existência anterior.
Entre brincadeiras, vi o passado de minha irmã. Fora ela, em encarnações
passadas, minha escrava e odiou-me, depois veio como
filha e reconciliamo-nos, porém não chegamos a nos amar; agora
éramos indíferentes.
Também já vivera com meu outro irmão, Simão, no século XII.
Cavaleiros-guerreiros, fizemos muitas maldades e sofremos por isso.
Agora juntos, caminhando para o progresso, éramos amigos, mas
não unidos.
Via o passado de todos os que me rodeavam, do professor, dos
empregados...
Sempre fiel à promessa que fizera a meu pai, só comentava o
fato com Artur, porque possuía problemas parecidos.
Tínhamos uma serva que era muito feia e que mancava, puxando
a perna direita. Um dia, ela caiu com uma bandeja, ao servir
o desjejum. Limpou chorando a sujeira do chão. Vi seu passado,
como uma rainha orgulhosa e ociosa que desprezava os deficientes
físicos, proíbindo até que entrassem em seu castelo.
Descobri, com mínhas visões, que sempre pagávamos pelos
nossos erros. Que todo abuso tem punição. Pensei muito no que
deveria ter feito para estar órfão de pai, e de ser estranho no lar da
própria mãe. Recordei meu passado e enxerguei tudo com perfeição,
como se o estivesse vivendo novamente.
Naquela encarnação, fora mulher. Na adolescência, tive uma
filha, que coloquei num cesto de serragem, que usavam para acender
o fogão na casa de minha patroa. Pela manhã, ela encontrou a
criança e a criou entre os servos. Nunca me aproximei dela, temendo
ser descoberta, entretanto procurava saber sempre como
estava. Quando completou dezoito anos, foi expulsa da casa em
que servia, por estar grávida.
Fui procurá-la, encontrei-a ao relento e trouxe-a para casa, dando-lhe
um quartínho no fundo do quíntal, como abrígo, poís não
podia deixá-la dentro de casa por causa de meu marido, que nada
sabia. Conteí a ela quem era e pedi-lhe perdão.
"É difícil desculpá-la" - disse-me chorando -, "queria tanto uma
mãe, mesmo que fosse a mais pobre e feia; queria alguém que me
amasse. Cresci sem carinho e fui me apaixonar pelo filho da patroa,
de quem engravidei e por isso fui expulsa."
Vi-a triste, enfraquecer e, ao dar à luz, morreram ela e a criança.
O filho da patroa fora meu pai. Minha filha era agora a minha
mãe, Margarida, que se esforçava para me amar, mas acho que
não conseguia. Por isso, sabia, sentia que não poderia contar muito
com ela, abandonara-me uma vez, não hesitaria em abandonar a
segunda.
Estava com vinte anos e, juntamente com meus irmãos, ajudávamos
mamãe no sítio, que prosperava muito. Comecei a namorar
uma moça da vizinhança, pensava em me casar e parecia que tudo
ia bem.
Por outro lado, Artur não conseguia dominar seus dons, pois,
ao ver alguém doente, impunha-lhe as mãos e curava. Logo víeram
os comentários e começou a ser procurado às escondidas.
O senhor, ex-credor de minha mãe, denunciou-nos à Inquisição.
A denúncia era de que alguém de nossa casa, com o poder do demônio,
curava as pessoas.
Minha mãe foi presa.
Ficamos desesperados, porque sabíamos que Artur seria preso
e morto.
Muito triste, tentei achar uma solução. Orei com fé e, então, vi
meu passado em que estive com Arthur.
Éramos amigos, moços da mesma idade e, certo dia, ao voltar
de uma festa, fomos assaltados. Entretanto um de nossos companheiros
conseguiu escapar, e sabíamos que procuraria socorro.
Fomos despojados de todos nossos pertences, e os ladrões, ao partirem,
acharam conveniente levar um dos nossos, como refém.
O chefe dísse, apontando-me:
"Vamos levar este como prisioneiro, porque, se os soldados vierem
atrás de nós, não nos atacarão, por causa do refém. Você aí,
vem conosco."
Tratei de safar-me, entregando Arthur:
"Pobre de mim! Nada sou e os soldados não ligarão para minha
vida. Este, sim, é filho do Barão de V, amigo do Rei."
Levaram Artur, que olhou-me tristemente, sendo encontrado
pelos soldados três dias depois, morto sob tortura.
A recordação do olhar triste do meu amigo de outrora, irmão
agora, encheu-me de remorso, dando-me vontade de fazer algo por
ele.
Bastou a notícia correr sobre a prisão de minha mãe, D. Margarida,
para todos temerem e afastarem-se de nós. Recebi um bilhete
de minha namorada terminando o namoro. Pensei muito e decidi
que deveria agora salvar Artur. Sem contar o que iria fazer, dei à
Maria a caixa com as moedas de ouro que me restaram e escrevi
um bilhete para minha mâe, Escrevi pouca coisa, que minha decisão
fora muito pensada, que tudo deveria continuar bem e que
cuidasse de Maria. Coloquei junto o título da dívida.
Deixei com Maria, para que lhe entregasse.
"Artur, vou entregar-me à Inquisição, pois, se alguém aqui faz
curas, este alguém sou eu."
"Está louco! Não pode mentir assim. Sabe o que o espera se
disser isso?"
"Tenho, meu irmão, uma dívida para com você, deixe-me pagar."
"Você anda vendo de novo o passado! Não é justo! Não estou a
cobrar, por isso eu ë que irei me entregar."
"Artur, se fizer isso, morrerá. Sua mãe, Simão e Madalena sofrerão
torturas e tomarão tudo de vocês, deixando-os na miséria.
Se eu me entregar, nada lhes acontecerá, porque sou um servo da
casa."
"É sacrifício demais, meu írmão, por isso pense mais um pouco.
Agradeço, comovido. Se me salvo dessa, Estêvão, vou partir para
longe, para náo mais colocar a vida dos meus em perigo, já que
não consiga controlar meus dons."
"Quando curar, faça-o por mim também. Você alivia as dores
também, mas eu só vejo o passado, tenho lá minhas visões, o que
não é útil para ninguém. Você, sim, é necessário."
Abraçamo-nos.
Artur pensou que eu ainda iria meditar sobre o assunto, entretanto,
saí de casa e fui me entregar.
Minha mãe já começava a ser torturada. Quando me entreguei,
foi libertada e nada aconteceu a todos, a não ser terem de pagar à
Igreja rezas e missas, para limpar a casa de minha influência.
Confessei todas as acusações que me fizeram, na presença de
minha mãe, que escutava calada, nada fazendo ela para me defender.
Por ter confessado, não me torturam, porém fui condenado a
morrer na fogueira, no dia seguinte, que era data já marcada para
outra execução.
Logo que amanheceu, fui levado com outros condenados para
a Praça e amarrado a um poste de madeira. Enquanto esperava que
acendessem o fogo vi-me no passado longínquo, em tempos bárbaros,
ajudando a bloquear janelas e portas das casas de uma
aldeia, para depois incendiá-las, com os moradores dentro.
Acenderam o fogo e muitos gritavam, pois as queimaduras doíam
muito. Gritei também. Senti que Artur orava por mim e uma
paz invadiu-me. Orei e não me desesperei, desencarnando após
muito sofrimento, com o nome de Jesus nos lábios.
Fui socorrido imediatamente por Espíritos bondosos e, assim,
a morte de meu corpo deu-me alívio e felicidade. Encontrei-me com
meu pai e adaptei-me fácil à vida espiritual. Vi Artur partir para longe
da família e fazer uma cabana, onde era seu lar e o lar dos
infortunados, curando todos os doentes que o procuravam.
Compreendi que eram verdadeiras minhas visões e, por isso
não fiquei magoado nem com a Inquisição, nem com o Clero. Entendi
que eram pessoas más e ambiciosas, que agiam em nome
de uma religião, em que até os bons padres eram perseguidos.
Senti-me em paz, porque fizera amizade com todos os que no
passado magoara ou por quem fora magoado. Estive muito tempo
desencarnado, porém querendo progredir e construir meu futuro,
reencarnei no Brasil, onde me tornei padre, com o nome de Padre
Carlos. Oitenta e cinco anos servi a Jesus, educando infantes e jovens,
procurando ensinar-lhes o Bem.
Depois de desencarnar, pude ver, já na Colônia, como eram
atendidos os pedidos feitos à Virgem Maria e aos Santos, pois muito
lhes pedi quando encarnado, orientando também outros a
fazerem. Interessei-me tanto que, logo que pude, fui trabalhar no
Departamento de Socorro a Encarnados, em que estou até hoje e
onde quero ficar por muito tempo ainda.
Carlos calou-se, estávamos tão encantados com sua narrativa,
que nenhum de nós ousou fazer comentários. Depois de alguns minutos
de silêncio, Carlos falou:
- Amigos, é hora de irmos ao Centro Espírita. Mauro ficará com
Nely.
cap.15
A palestra
" Chegamos ao Centro Espírita, bem antes do início dos Trabalhos,
e o dirigente encarnado, Sr. José Carlos, já estava
presente, sentado na cabeceira da mesa, orando. A movimentação
espiritual era grande. A equipe médica atendia os
desencarnados doentes, e a equipe de proteção estabelecía a ordem,
dominando com fluidos magnéticos os desencarnados
trevosos e bagunceiros, para lá conduzidos com a finalídade de
assistirem à reunião e serem doutrinados.
O ambiente tranqüilo cobria-nos de Paz, levando à meditação.
Fomos recebidos por Alexandre, que nos cumprimentou alegre e
cordial, solicítando que ficássemos ao lado do doutrínador encarnado,
em local reservado a Espíritos convidados que, como nós,
vinham assistir à reunião. Alexandre inspirava simpatia e principalmente
respeito aos irmãos ínferiores, pois era alto, com cerca de
2,15 m, sorriso aberto e muito forte. Ao deixar-nos acomodados,
voltou para perto do dirigente do Centro, e com ele permaneceu
juntamente com Artur, o guia do dirigente, Espírito amável, gentil e
de muita sabedoria.
Todos os Espírítos em serviço no Centro movimentavam-se ordenadamente
e com Amor. Trabalho ali é que não faltava.
Examinei tudo, curíoso e atento, observando que o local estava
aberto a todos, encarnados e desencarnados, e que ninguém
era barrado, para receber ali orientação e ajuda. Irmãos com intenção
de confundír ou perturbar, entravam também, aquietando-se
logo pelo respeito que os mentores espírituais e a equípe de proteção
impunham.
Antes do início da reunião, o dirigente atende bondosamente
às pessoas que lá buscam auxilio para seus males espirituais
e materiais. Observei uma jovem senhora que entrou no Centro
aflita e triste, sentou-se ao lado do dirigente encarnado, pondo-se
a queixar:
- Sr. José Carlos, tenho dezoito anos, estou casada há três. E
tenho dois filhinhos. Há uma semana, perdi um outro, pois abortei
em virtude de ter levado uma surra de meu marido. Casei-me jovem,
mas combinávamos bem, mas de uns tempos para cá meu
marido começou a beber e a me tratar mal.
Depois de algumas palavras de consolo, o Sr. José Carlos deu-lhe
um passe, e pudemos observar que o abdômen da jovem estava
com manchas negras, predisposto a uma infecção. Ela mostrava-se
abatida e fraca.
A equipe médica espiritual aproximou-se e, em conjunto com
os encarnados, limpou o perispírito da jovem, retirando as manchas
escuras; em seguida, com os fluidos do dirigente, foram
fortalecidos os órgãos doentes. A jovem senhora suspirou aliviada,
absorvendo os fluidos doados. O perispírito da moça inundou-se
de luz, que lhe propiciou conforto e saúde. Assim que a jovem começou
a receber o passe, uma equipe de Espíritos visitou seu lar e
de lá trouxeram um Espírito perturbado e mau, que a perseguia.
Muitos desencarnados acompanham encarnados às reuniões
espíritas, mas outros, temendo os bons, não vão. O que foi trazido,
demonstrava não gostar de orações, nem de reuniões espíritas. Veio
imobílizado magneticamente, rindo e debochando, mas calando-se
em seguida só de ver a equipe espiritual do Centro. Foi colocado
na fila para que incorporasse em um dos médiuns da casa e recebesse
a doutrinação.
Alguns minutos antes do início, tudo estava organizado, e as
filas formadas para a incorporação. Uma era de doentes, que ignoravam
sua situação de desencarnados, e necessitavam de fluidos
dos médiuns, para que pudessem entender seu real estado. A outra
com desencarnados endurecidos em maldades. Lá estava,
entre eles, o acompanhante da jovem mãe, e os três que nos interessavam:
Mayo, Ramu e Raquek. Estes olhavam tudo curiosos, no
entanto havia outros com medo, e alguns tentando aparentar indiferença.
Pontualmente, os médiuns foram chegando e formando um
bom número de encarnados de boa vontade. Sentaram-se ao redor
da mesa e, no salão, imperava silêncio entre os encarnados.
Para nós, havia alguns gemidos dos doentes desencarnados.
O Sr. José Carlos iniciou a reunião, recitando com voz forte e
harmoniosa o Pai-Nosso e em seguida orou:
- Senhor, agradecemos a oportunidade que nos dá de nos reunirmos
em Seu nome, encarnados e desencarnados, sofredores e
abastados, partícipando de seu socorro e de seu amor. Ajude-nos
para que possamos, pouco a pouco, caminhar para nossa união
definitiva com o Senhor, Pai de Bondade. A sua luz imploramos
para que não nos percamos em nossas trevas. As tuas mãos lhe
pedimos para que nos coloque no barco de Sua soberania. E, assim,
possamos atravessar o oceano de nossa ignorância em
segurança, desfrutando de Sua harmonia e Amor. Aguardamos a
assistêncía dos bons Espíritos, como sempre, e pedimos-lhe que
em Seu nome todos sejam amparados. Pai, fazei com que esta reunião
seja mais uma de Suas manifestações!
- Que beleza! - exclamou Leila.
Um dos dirigentes desencarnados olha para Leila e sorri, explicando:
- A oração que escutamos nasce da Alma, da inspiração e da
verdade que o doutrinador está vivendo. Cara convidada, não adianta
dizer fórmulas preconcebidas para atingir outras almas. É
preciso que uma alma fale à outra, pois elas têm sua própria linguagem.
Em seguida, o Sr. José Carlos leu os dois parágrafos do capítulo
XVI de O Evangelho Segundo o Espiritismo: "Servir a Deus e a
Mamon." Fechou o livro e explanou. Tentarei resumir e descrever:
- A Parábola do jovem rico fala-nos também da redenção do
homem. O jovem foi ao Mestre pedir um atestado para sua
conduta e perguntou: "O que é necessário para salvar-se"?
Jesus respondeu de pronto que, para ter um lugar no Céu, era
suficiente cumprir os mandamentos.
O mancebo retrucou que fazia isso desde sua mocidade. Jesus
então completou: "Se queres ter um tesouro no Céu, renuncia
a tudo e segue-me!"
Mas o moço não estava disposto a renunciar aos favores e facilidades
que no momento desfrutava, e saiu, voltando para casa,
triste.
Assim procedemos em vários momentos de nossa vida, à maneira
do jovem rico, sem coragem de deixar gozos, trabalhos, afetos
e recreações materíais, para procurar o aPrendízado, através do
trabalho edifícante na vivência espirítual. As vezes, não nos acovardamos
só pela riqueza, mas por tudo o que nos prende à vida
no corpo físico. É preciso ter coragem suficiente para viver encarnado
de acordo com os exemplos de Jesus. Deixar as coisas
relacionadas à matéria em segundo plano, como ele e os apóstolos
fizeram, e colocar as atividades espirituaís em primeiro lugar
em nossa vida.
Renunciar aos benefícios exteriores em favor dos bens interíores,
não é fácil, ou seja, trocar as vantagens materiais pelas espirituais. E,
para fazer o Bem, temos que renunciar a muitos estímulos grosseiros
a que nos acostumamos e dos quais até gostamos.
Se estivermos presos à matéria e aos bens materiais, faremos
igual ao jovem da parábola: ficamos tristes.
Porém a redenção do homem não vem através de favores
externos, mas sim de um trabalho de transformação interior que
ele consegue ao colocar o espírito em primeiro lugar.
Atitudes boas, exteriores, não redimem o homem, mas têm a
capacidade de criar ambiente propício para que ele se torne bom.
E, para que isso seja possível, não devemos amar a matéria mais
do que o espírito.
Para aquele que ainda não se entregou ao Pai, que não vive nos
exemplos do Mestre Jesus, fazer o Bem exige sacrifício, é doloroso.
Quando o Bem é feito, entretanto, por aquele que já se cristificou,
é só uma conseqüência de ser bom, pois ele já se conscientizou
da importância dos bens espirituais.
Grande exemplo deu-nos o Apóstolo dos Gentios, Paulo de Tarso,
ao dizer: "Eu transbordo de júbilo em todas as minhas
atribulações, morro todos os dias, e já não sou eu, o Paulo, que
vive, mas sim o Cristo é que em mim vive." Havia Paulo se integrado
no Cristo, intimamente, e renunciado a tudo com Amor, para
ser um servo útil de Jesus.
Nós, cristãos espíritas, devemos meditar nessa Parábola e ter a
certeza de que a matéria passa, mas a vivência espiritual permanece,
é verdadeira e representa a renúncia aos bens materiais, pelas
verdades espirituais que nos beneficiam, realmente.
Certo é, irmãos, que o indivíduo é o único responsável pela sua
remição ou condenação. Jesus, ao falar aos discípulos e ao povo,
dá-nos as condições para a entrada no Reino do Céu, e termina
dizendo: "Exemplos vos dei; façam como eu fiz."
Portanto é de interesse do homem viver como ensina o Mestre
Jesus: ser bom. É verdade que, ao fazer o Bem, muitos serão beneficiados,
mas o maior favorecido é ele mesmo, pois agindo assim
está se redimindo. Fazer a vontade do Pai e seguir os ensinos de
Jesus é tarefa nossa. Façamo-la.
Depois dos esclarecimentos, apagaram a luz, ficando somente
uma tênue claridade a focalizar um retrato de Jesus. Os trabalhos
práticos começaram, pela doutrinação dos desencarnados que se
incorporaram.
Todos os Espíritos que se manifestavam eram muito bem recebidos.
O Sr. José Carlos cumprimentava-os com um amável
"Boa-noite e que a Paz seja convosco".
O dirigente, de raciocínio rápido e lógíco, respondia com argumentos
bondosos aos doutrinados. Dos que aguardavam na fila para
atendimento, alguns escutavam atentos, outros pareciam ignorar,
outros ainda procuravam um modo de se safarem, sem, contudo,
conseguir.
cap.16
..Doutrinação
Convidados que éramos, observávamos tudo com interesse.
Narro o que nos foi de maior importância, salientando algumas
argumentações do doutrinador.
O perseguidor da jovem mãe incorporou-se. Desafiou o doutrinador
com uma risada e disse, sem responder ao cumprimento:
- Não sei por que estou aqui e o que faço não é da conta de
vocês. Se a prejudico, faço porque quero e porque ela merece.
- Meu irmão - respondeu o Sr. José Carlos -, se alguém deve
ou não sofrer, não cabe a nós julgar. Cada um tem sua colheita.
Isto não justifica nos arvorarmos em cobradores de algo, que a nós
não compete. Somente a Deus cabe julgar, e a cada um de nós
pertencem os próprios erros. Você, que ainda está dominado pela
mente egoísta, não consegue nem administrar seus erros, e tenta
impedir que outros possam ter paz. Você quer felicidade e, por não
consegui-la, faz com que os outros não a tenham.
- Também, não sou culpado de tudo - respondeu ele. - É desculpa
de encarnados colocar sobre nós a culpa de erros que
cometem. Sou sincero em dizer que quero vingar-me, fazer com
que ela sofra, porém não sou culpado de tudo. Apenas disse "bata
nela", e ele fez porque quis, não o forcei. Agora, somente eu estou
aqui sendo julgado?
- Cabe ao Pai julgar seus filhos, bons ou maus, e não a nós.
Não julgamos ninguém, apenas tentamos ajudá-los. Enquanto se
intromete na vida alheia, deixa a sua com tudo por fazer. Nenhum
dos dois está isento de erro: nem você, que agiu provocando a tentação,
nem o encarnado, que se afinou com você e o atendeu. O
homem é livre e Deus lhe dá a oportunidade de fazer de si mesmo
o que quiser. Acontece que a lei do menor esforço é sempre cultivada
pelo encarnado que o culpa. Fácil é desculpar nossos erros,
ineriminando os outros. Porém, amigo, contribuir para a desarmonia
do casal, como você faz, está errado e não lhe traz bem nenhum,
porque a vingança é como fel, náo dá prazer. Nós nos fazemos bem
ou mal todos os dias e, por isso, depende de você ser a favor ou
contra Deus.
- Fui mandado. Os que sofreram por causa dela, na outra existência,
obrigam-me a fazer o que faço.
- Não se justifica, pode ter sido obrigado a realizar o mal, realmente
pode-se ser dominado pelas entidades maléficas, porque se
afina com elas. Você está sendo muito medíocre, pois, ao não conseguir
realizar em si próprio a harmonia, engana-se destruindo a
harmonia do próximo. Fala que não obrigou o encarnado, mas agora
se diz obrigado. Assuma seus erros, reconheça-os e se envergonhe
deles, entendendo que é hora de mudar. Esqueça a vida alheia, olhe
os melhores para que possa imitá-los, e os piores para que possa
ajudá-los. Não deve cobrar dívidas, para não gerar sofrimentos. Você,
meu irmão, preocupado em infelicitar a outros, que tem feito
por sua própria felicidade? Não é tempo de pensar e fazer algo de
bom para você? Convidamos você para freqüentar uma escola onde
conhecerá outra forma de vida. Esqueça os encarnados, vá com
esses amigos espirituais!
Ele ainda vacilou, pensou que não podia sair dali, entendera
que o doutrinador tinha razão, neste tempo em que perseguía, era
perseguido pela infelicidade e intranqüilidade, fazia sofrer e isto
dava-lhe satisfação exterior, mas continuava a sofrer.
mudado, o ex-perseguidor afastou-se da médium e passou
para outra fila, a dos que iriam logo mais para a Colônia.
Mayo dirigiu-se para a incorporação. Estava ainda furioso com
Asec, por tê-lo deixado após tantos anos em que lhe fora dedicado.
Entretanto, cumprimentou o doutrinador, olhando tudo, curioso.
Nunca experimentara a incorporação, achou interessante e teve
uma idéia: procurou aparentar humildade e disse:
- O senhor é forte, é um mago também. Vou servi-lo!
- Engana-se, irmão, aqui não temos outro senhor a não ser Jesus,
e somos servos dele, no trabalho do Bem. Para servir ao Bem,
é necessário aprender: convidamos você para esse estudo. Por que
pensa em servir a pessoas e náo ao Mestre Jesus? Até quando vai
se contentar com mesquinharias temporárias? Quando no corpo
físico, encarnado, não se preocupou com a Alma. Agora, fora dele,
desencarnado, ciente da sobrevivência, ainda não se ínteressa pelas
coisas espírituais.
- Bem - respondeu Mayo, encabulado -, nunca tive oportunídade
de mudar de vida.
- Alunos relapsos no esforço da evolução justificam suas atitudes
dizendo que não fizeram o Bem porque não sabiam ou não
tiveram oportunidade. Enganam a si mesmos. Oportunidades sempre
temos. Por acaso as procurou? O homem é a imagem e a
semelhança de Deus e, se você ainda acha que não teve a oportunidade
de cultivar valores maiores, tem-na agora. O Pai não se
esquece de seus filhos e socorre-os através de seus próprios filhos.
Irá para uma das casas de Deus, para que tenha, irmão, o propósito
de transformar-se, e que isso possa fazê-lo melhor, tornando-o bom
para sua própria harmonia e felicidade. Se queria uma oportunidade,
aqui a tem, seu destino está em suas mãos, portanto decida.
Mayo ficou inquieto, pois ali estavam pessoas bem maiores que
Asec. Pensou no filho que tinha matado, e em Honória que estava
nessa escola para onde seria levado. Meditou também que era melhor
ir com os bons do que com os impiedosos inimigos do Umbral.
Então, disse humilde, realmente:
Nunca ninguém me falou como o senhor, nem com tanto respeito.
Sou mau, errado e pecador.
Por que não diz ex? Ex-mau, ex-pecador? Inicie vida nova!
Mayo não hesitou mais.
era Fabiano, que estava ao meu lado, indagou a um dos trabalhadores
do Centro:
isto - Será que a doutrinação através da incorporação, é suficiente
para a conversão, realmente?
- Não, absolutamente - responde, educadamente o indagado.
- A doutrinação é o primeiro passo no extermínio do orgulho e na
conscientização de que o Espírito não é nada sem Deus. O verdadeiro
trabalho de transformação é realizado por um longo período
de estudo e compreensão, nas escolas do Espaço.
Agora foi a vez de Ramu incorporar. Tentou dar um murro na
mesa para se impor, porém o médium não o atendeu, porque os
trabalhadores encarnados estavam educando a mediunidade, para
não fazer os excessos sugeridos pelos desencarnados. Ramu jaí estava
assustado por ver Mayo, seu chefe, atender o chamamento,
sem reagir. E, como não conseguiu dominar o médium, não respondeu
às saudações do doutrinador, que insistiu:
- Que a paz esteja com você! Em que podemos ser-lhe útil?
- Em nada, aqui nada me interessa e não sei por que me trouxeram!
- Deus não se esquece de seus filhos, eis a razão de você estar
aqui.
- Nunca me preocupei com essas coisas, nem acreditava
em Deus...
116
- Agora acredita?
- Não sei... A vida não acabou quando meu corpo morreu e
isso me deixou com muitas dúvidas, que nunca falei a ninguém.
- Deus é o sustento do Universo, Pai de todos nós. Se você vive
sem o corpo físico, tem prova de que nada acaba e que nosso Criador
é nosso sustento.
- Deixem-me ir embora e fazer o que gosto!
- Não é mais possível. Aceite nosso convite para recomeçar,
antes que a dor bata à sua porta. Dívidas você tem muitas, inclusive
a pior delas, a de saber se lhe convém a deturpação das funções
normais de viver, que Deus lhe concedeu.
Ramu estremeceu, pois viu que sua vida era como um livro
aberto, porém ninguém o julgava. Respondeu, então, mudando de
assunto:
- Se não tiver vontade, náo vou, porque sou livre para fazer o
que quiser.
- Sim, é livre, mas será obrigado a responder por seus atos. Os
tempos para você são chegados e, se continuar assim, vai ser obrigado
a reencarnar e veja como será seu corpo em sua nova
exístência física.
A tela à sua frente foi acionada e Kamu viu um corpo todo defeituoso
e sentiu arrepios, porém nada respondeu. O Sr. José Carlos
continuou:
- Se nem a esta oportunidade der valor, será expulso da Terra
para outro planeta primitívo, onde recomeçará reencarnando em
corpos primitivos, praticamente sem capacidade alguma.
O medo de perder seus conhecimentos abalou Ramu. Isso, porque
muitos de nossos irmãos trevosos são maus, porém inteligentes,
e sua experiência é sua maior riqueza.
- Siga - continuou o doutrinador - com nossos irmãos para a
Colônia Escola ou a dor se incumbirá de fazê-lo mudar de idéia,
- Está bem, eu vou! - exclamou, vencido, Ramu.
- Então, inicie cultivando a humildade, peça a Deus perdão e siga.
Raquek foi o próximo. Respondeu polidamente ao cumprimento
do doutrinador, procurando ter calma e falou em seguida:
- Não quero ir para onde levou os outros. Tenho meu lívre-arbítrio,
sou livre.
- Usou sua liberdade para o mal. Fez mau uso dela e sabe que
deverá dar conta a Deus, um dia.
- Deus é bom e, quando eu quiser, peço perdão e Ele me perdoa.
- Sim, é verdade, Deus é bom e ama a todos os seus filhos.
Podemos, pelo sincero arrependimento, ser perdoados pelo
Pai-Amoroso, porém não estamos livres das reações de nossos atos.
Deus permite que façamos dívidas ou créditos e é nossa própria
consciência que nos vai cobrar. Deus é o pano de fundo da consciência
de todos nós. Não estaremos livres dos resultados de nossas
ações pelo perdão, porque pedir perdão é pedir um recomeço, e
Deus nos dá sempre nova oportunidade. Somos como uma caixa
d'água, colocamos dentro pelo livre-arbítrio o que queremos. Ao
ter água suja, não basta que se ponha água limpa junto da suja, é
preciso limpá-la com trabalho e através da transformação, para
depois colocar água pura.
- Quer dizer que terei que pagar por todos os meus erros? São
muitos!... Levarei muito tempo.
- Não levou tempo para fazê-los? Precisará de muitas encarnações
para repará-los. Adiando e contraindo mais débitos, não estará
aumentando sua dívida?
- Meu caro - falou preocupado Raquek -, o caminho do erro é
largo e fácil, mas o da recuperação é estreito e trabalhoso.
- Porém, de final feliz. Você, meu irmão, confundiu o meio com
o fim, pensou em servir ao Senhor pelos atos exteriores, com orações
labiais. Foi agraciado muitas vezes, inclusive vivendo em meio
da classe esclarecida quando encarnado, tendo conforto e supremacia
que o cargo lhe conferia. Contaminou-se, em vez de fazer o
bem para si próprio e tornar-se bom. Fez de você um Espírito ocioso,
interessado somente em satisfazer seus desejos. Desencarnado,
continuou da mesma forma. É chegada a hora de acordar e viver
na verdade. Acredita, irmão, que Deus lhe deu essas oportunidades
e a inteligência, para que tenha essa vida tão medíocre? Quem
tem, pode. Quem tem e pode, porém não faz, cria débitos. Portanto,
você é um devedor. Teve oportunidade de ser bom, de fazer o
Bem, teve título até de Seguidor do Cristo e não o fez.
- Mas... nunca pensei assim.
- Está tendo uma oportunidade, agora, de renascer para uma
nova vida, digna de um Espírito. Para tanto, poderá ir para uma Colônia,
onde estagiará numa escola, para trabalhar e estudar,
adquirindo novos valores para vivê-los futuramente, em seu cotidiano.
No entanto, é necessário que você queira isso. Deus deu-lhe o
livre-arbítrio, mas somos responsáveis pelo uso dessa liberdade. Servimos
a Deus pelo Amor ou voltaremos a Ele pela dor. Decida.
- Quero estudar, vou com vocês.
- Vá em paz, irmão, porque a finalidade maior do Espírito é
fazer tudo o que puder, para a maior glória da manifestação de Deus.
É fazer tudo o que puder para melhorar, e nunca piorar. Não basta,
irmão, refrear o mal, é preciso ser ativo no Bem. Que Deus o abençoe.
No térmíno das doutrinações, todos os desencarnados entraram
em um aeróbus e partiram rumo à Colônia, fícando no local
somente os desencarnados que ali trabalhavam, e nós, os convidados.
A equipe médica tratou dos encarnados necessitados que
estavam presentes.
A Prece de Cáritas foi recitada por um médium e, enquanto
orava, vimos fluídos salutares ca indo sobre todos, fortalecendo-lhes
o corpo e o Espírito. A visão era tão linda que Tonínha, ao meu lado,
chorou emocionada.
- Que beleza! Se os encarnados soubessem quantos benefícios
recebem numa reunião espírita séria, mais valor fhe dariam.
O Sr. .José Carlos encerrando com o Pai-Nosso, orou:
- Senhor, como sempre o Seu amparo não nos faltou e, por
isso, aceite nosso agradecimento. Queremos, Pai, que ao sair desta
reunião, em nosso dia-a-dia, possamos viver, a todo momento, o
que aqui ouvimos e falamos, para vê-lo manifestando-se em tudo
o que existe. Queremos amá-Lo em todos os nossos irmãos. Enfím,
Pai, queremos deixar de cultívar a personalidade passageira e
viver aquilo que realmente somos: cidadãos cósmicos, Seus filhos.
Assim, Senhor, agradecemos mais uma vez o que recebemos, o que
nos foi confiado, embora aqui e agora não possamos avaliar o tanto
que nos concedeu. Obrigado, Senhor!
Acendeu-se a luz e os encarnados, felizes, conversavam entre
si, e também nós, os desencarnados, comentávamos sobre os trabalhos
que presenciamos.
Carlos agradeceu comovido ao Alexandre e ao Artur. Nesse momento,
recebemos de Mauro, que estava com Nely, pedido de
socorro.
Partimos em seguida, após ligeira despedida.
Chegamos à chácara e fomos direto aos aposentos de Nely.
Ao ver-nos, Mauro explica-nos, triste:
- Nely tentou matar-se!
Nely estava deitada em seu leito, com D. Gema ao seu lado,
chorosa e aflita. Havia sangue por todo o quarto, além de vários
objetos espalhados pelo chão. Um médico desencarnado medicava
a menina, que estava desmaiada. Mauro continuou a nos esclarecer:
- Chamei pela equipe médica da Colônia, e Dr. Renato veio em
nosso auxílio. O Sr. João foi à procura de um telefone, na vizinhança,
para pedir uma ambulância.
Dr. Renato, muito simpático e competente, sorriu e cumprimentou-nos;
era conhecido da equipe do Departamento de Socorro a
Encarnados. Informou-nos sobre o estado de Nely:
- Perdeu muito sangue e está muito debilitada, enquanto que
seu coração doente bate fraco e seu cérebro não quer reagir à altura:
enfim não quer viver.
- Que aconteceu, Mauro? - indagou Carlos.
- Nely jantou pouco, subiu para o quarto e repetiu o estranho
ritual da noite anterior, porém, como a rosa não floriu, gritou desesperada:
"Mamãe, não me abandone!"
Sem que pudesse perceber sua intenção, pegou um estilete na
gaveta e cortou o pulso esquerdo, então o sangue jorrou com a
violência do corte. Tudo fiz para impedi-la, mas não me ouviu, não
me atendeu e, friamente, trocou o estilete de mão, cortando o pulso
direito. Usando tudo o que sabia e que podia para ajudá-la, fiz
com que esbarrasse nos objetos e os derrubasse. D. Gema veio ver
o que acontecia chamou pelo esposo e ele foi procurar ajuda, porque
osé está bêbado e dormindo. D. Gema, aceitando minha
sugestão, enfaixou com toalhas os pulsos de Nely. Chamei, então,
Dr. Renato e vocês. Desculpem-me!...
- Mauro - falou Carlos, abraçando-o -, você agíu certo. Se Nely
não o atendeu, não se culpe, porque ela, com sua vibração baixa,
não queria ajuda dos bons. Uma pessoa em desespero, médíum
ou não, é difícil que tenha boas intuições, ínspíradas por nós, trabalhadores
do Bem. E depois, como interferir no livre-arbítrio de
um encarnado? Se queria suicídar-se, como impedir? Agiu bem em
fazer a menina derrubar objetos e provocar barulho.
Nisso, o Sr. João entrou no quarto cansado e aflito:
- A ambulância já vem, abri o portão. Como está ela, Gema?
- Não sei... parece mal.
A ambulância chegou e dois enfermeiros entraram na casa,
subindo rápido a escada. Aproximaram-se de Nely e um deles tomou-lhe
a pulsação.
- Está viva! Quem enfaixou os pulsos da menina? Trabalho bem
feito!
- Fui eu - respondeu D. Gema -, nem sei como fiz!
D. Gema, nervosa, não percebera que Mauro ajudou. Isso às
vezes acontece, quando, num apuro ou num socorro, os encarnados
fazem coisas que, em ocasiões normais, não fariam.
Colocaram Nely na maca e levaram-na para a ambulância, seguidos
por D.Gema. Fomos juntos, porém Fabiano ficou com o Sr.
João.
Com cuidado, o motorista rumou a ambulância para o hospital,
enquanto que Dr. Renato nos esclareceu:
- Vai agravando-se o estado de Nely. Esia com proteína demais
no sangue e carência de muitas vitaminas, faltando pouco para ter
um enfarte do miocárdio. Espero que o médico encarnado perceba
e a socorra a contento.
Nely cheirava mal, exalando odor de carne podre, juntamente
com emanações de sua vibração baixa. Manchas negras concentravam-se
em seu tórax, sem que conseguíssemos dispersá-las.
No hospital da cidade, que era simples e pequeno, um médico
jovem atendeu-a prontamente. Não havia aparelhos modernos,
entretanto o facultativo auscultou-a, percebendo logo que Nely estava
muito fraca.
Em quase todos os hospitais da Terra, existem equipes de
desencarnados, trabalhadores do Bem, que prestam serviços. Carlos
pediu aos socorristas que ali serviam, auxílio para o caso,
expondo em rápidas palavras o estado de Nely. Um deles, chegando
perto do médico encarnado, fez com que voltasse a examinar o
coração de Nely, e foi com alívio que ouvimos:
- Enfermeira, rápido, aplique este medicamento, pois a menina
está para ter um enfarte.
Imediatamente tudo foi feito em favor de Nely e, depois, o médico
fez a sutura e os curativos nos pulsos. Logo em seguida, saiu
da sala para dar notícia a D. Gema, que chorava e tentava orar, no
corredor.
-A menína Nely deverá ficar uns dias no hospital para exames,
porque seu coração não está bem.
- Doutor! Depressa!
A enfermeira chamou-o e o médico voltou rápido para perto
de Nely, enquanto o Dr. Renato já tentava socorrê-la. Os dois facultativos,
o encarnado e o desencarnado, tudo fizeram para ajudá-la,
mas seu coração parou fulminado por um enfarte.
Agora, só restava a nós e aos encarnados tomar as providências
para o sepultamento. Nely adormeceu no corpo e Carlos
chamou-nos para uma reunião no pátio do hospítal, para explicar:
- Infelizmente, não conseguimos evitar o desencarne. Nely poderia
ficar anos na matéria, pela bênção da reencarnação, entretanto
destruiu seu corpo, e seu Espírito continua vivo, teve uma oportunidade
fracassada. É verdade que não desencarnou porque seu sangue
esgotou-se pelos cortes dos pulsos. Porém, se não os houvesse cortado,
teríamos conseguido ajudá-la, fortalecendo-a ou até mesmo
curando-a e não ocorreria agora esse enfarte. A intenção é tudo, por
isso Nely é suicida e assassina. Ficará horas, dias, dormindo em pesadelos,
ligada no corpo e, ao acordar, sentirá o pavor da
decomposição. Experimentará o fruto que plantou. Porém bastará que
clame por socorro, para que possamos retirá-la do corpo e levá-la
para uma enfermaria, num dos hospitais do Plano Espiritual, onde
aos poucos obterá melhoras. A cada um é dado como justiça o que
lhe cabe. Lembremos que nenhuma infração tem penalidade igual à
outra e, num suícídío, muitos fatores são levados em conta. Nely sofrerá
o remorso de ter assassinado o pai, de ter tentado se matar,
experimentará a falta da carne que comia por vício e sentirá a falta
do corpo por tê-lo abandonado antes da hora. O corpo físico é uma
bênção muito grande e nunca poderá ser desprezado; e quem faz,
paga caro por isso. Nely estará sempre em minhas orações e ficarei
atento para ajudá-la assim que ela quiser e pedir.
- Não podemos ajudá-la sem que o peça? - indagou Leila.
- É difícil ajudar quem não quer ser ajudado. Mauro tentou e
não conseguiu auxiliar Nely, porque todos nós necessitamos querer,
para receber.
- Nely violentou o próprio corpo. Trará isto conseqüências a
ela no futuro? - indagou Fabiano já reunido a nós.
122
- "Cada caso é um caso" dizem sabiamente muitos. O suicida
agride seu perispírito pela própria vontade, ao destruir o corpo físico
e, nesse caso, o remorso muitas vezes não o deixará sarar. E
pode o perispírito lesado, ao reencarnar, transmitir ao corpo essa
lesão. Quanto a Nely, não sei, pois há tantos acontecimentos a serem
considerados em favor dela, a exemplo da solidão, da falta de
amor, de ter o corpo ainda criança, embora saibamos que ela seja
um Espírito milenar. Se todos acreditassem que somos eternos, que
morre somente o corpo físico e que os sofrimentos continuam depois
de desencarnados, haveria menos suicídios conscientes.
Suicidar-se não é resolver problemas, mas sim agravá-los.
- Carlos - comenta Toninha, preocupada -, atualmente, muitos
são os jovens que tentam contra sua vida física. Que pensa disso?
- Minha cara amiga, esse fato náo preocupa só a você. Numerosos
trabalhadores do Plano Espiritual têm organizado equipes para
ajudar crianças e adolescentes a não cometer tal ato. Talvez muitos
deles encaixem-se nos acontecimentos vividos por Nely,
sentindo a falta de compreensão e de amor, a solidão e ainda a
carência de crença e oração. A educação religiosa é demasiadamente
importante, assim é que o Espiritismo tem batalhado para
que em todos os locais haja a Evangelização Infantil e o Encontro
de Jovens.
Orientar, indicar o bom caminho deve ser a conduta dos espíritas,
para com os jovens. Deixar os filhos sem religião, para que
decidam qual caminho a seguir quando adulto, não é certo. Devem
todos os pais educar seus dependentes na religiáo que seguem
e que considerem certa. Entretanto, nada melhor para os jovens
inteligentes do que uma religião que não choque, nem contradiga
o raciocínio. O Espiritismo esclarece muito, e os jovens que realmente
o seguem, não se suicidam. São de fato muitos os
adolescentes que, insatisfeitos, procuram a morte do corpo, e quantos
acidentes são provocados em razão disso. As estatísticas são
alarmantes, isso porque o Evangelho é pouco estudado, meditado
e vivido.
Fez-se silêncio entre nós e observei Carlos, que estava concentrado
em seus pensamentos. Todos nós sentimos o ato praticado
por Nely e, embora estejamos acostumados a isso, vimos que nem
todos os socorros a encarnados dão certo, ou acabam conforme
nossa vontade. O livre-arbítrio existe para todos e deve ser respeitado.
Evitar que encarnados errem é difícil e, às vezes, impossível.
Carlos voltou a falar, e sua voz agradável dava-nos ânimo:
- Amigos, não conseguimos evitar que Nely tentasse contra seu
próprio corpo. Quando uma pessoa realmente não quer uma
bênção, é impossível fazer com que aceite receber a dádiva da boa
sugestão. Nely já havia planejado esse ato e por qualquer motivo o
faria. Se a razão foi porque a rosa não floriu, isso iria acontecer também,
pois Raquek arquitetava ir embora. A rosa florir era uma ilusão,
uma mentira, e ninguém vive eternamente apoiado em uma irrealídade.
Com a nossa vínda, ela só teve benefícíos, porém não quis
nos atender. Se Mauro não a fizesse provocar barulho, nem seria
socorrida. Talvez não errasse tanto, se a tivéssemos deixado prostrada,
mas como deixá-la assim por muito tempo? Por oportuno,
narro a vocês o que ocorreu comigo, em época distante. Fui
procurado por uma irmã também desencarnada, que, aflita, contou-me
que seu filho, meu sobrínho, planejava suícidar-se.
Acompanhei-a, para que tentássemos fazer com que desistisse da
infeliz idéia. Tudo o que estava ao nosso alcance, fizemos. Verificamos
que não havia influência de desencarnados e que seus
problemas não eram muitos. Sugerimos, conversamos com ele,
desligando-o do corpo enquanto dormia. Não adiantou, pois quando
acordado lembrava-se apenas parcíalmente do sonho, e sentia
mais saudades ainda da mãe e de mim, aumentando sua vontade
de reunir-se a nós. Clamei pelo auxílio de socorristas e dois deles
vieram unir-se a nós. Meu sobrinho não aceitou ajuda, estava irredutível
e comprou um veneno. Ao colocá-lo no copo, esforçamo-nos
para deixá-lo prostrado e, aí, sentiu-se tonto e deixou cair o copo.
Mas, bastou melhorar, para pegar a garrafa e tomar seu conteúdo
destrutivo. Tentamos socorro através de uma vizinha, que atendeu
nossa sugestão e veio à sua casa, achando-o agonizante. Levou-o
para o hospital, onde foi socorrido, mas desencarnou horas depois.
Meu sobrinho foi culpado. Todavia deve salientar-se que, embora
criado com os ensinos de uma religião, aprendeu a orar e a crer
em Deus, mas sem entendê-lo. Conheceu o Evangelho, só que não
viveu conforme nos exemplificou o Mestre, por não ter compreendido
as verdades eternas. Por seu ato, sofreu muitos anos no Vale
dos Suicidas, até que pudemos socorrê-lo. Deus não desampara a
ninguém e as dores são divinas lições. Atualmente, está encarnado,
é surdo-mudo e tem ataques freqüentes de asma. Sofre agora
dificuldades bem maiores do que aquelas que o levaram a cometer
o ato infame. Porém é resignado e confio que, desta vez,
aproveitará a bênção da encarnação.
Quanto a Nely, os encarnados tomaram todas as providências
necessárias, sendo que seu corpo foi colocado na pequena capela
ao lado do hospital, onde poucas pessoas, a maioria curiosas, foram
velá-la. Padre Anselmo, o vigário da paróquia, foi o único que
orou com fé por sua Alma. Era realmente um servo de Jesus, de
boa vibração, caridoso, crente e fervoroso. Ficou longo tempo ao
lado do corpo.
A tia de Nely chegou e estava com o rosto inchado de chorar.
Cumprimentou o Padre Anselmo, apresentando-se:
- Sou Marta, tia de Nely.
Marta era alta, bonita e trajava-se de preto, com elegância, tinha
cabelos louros-pintados e estavam penteados conforme a
moda. Sentia realmente o desencarne da sobrinha.
As providências que faltavam foram acertadas e, no horário previsto,
sepultaram Nely.
Carlos chamou um socorrista que trabalhava no cemitério e
pediu:
- Assim que Nely apresentar condições de ser socorrida, avise-me,
por favor.
Marta saiu do cemitério conversando com Padre Anselmo.
Acompanhamos os dois.
- Padre, sou herdeira da chácara como única parenta de Nely,
porém não a quero e vou doá-la à igreja. - Começou a chorar: -
Sou culpada do ato de Nely, minha única sobrinha, filha de meu
único irmão, pois deixei-a sozinha. Quando morreu minha cunhada,
sabia da maneira errada como vivia meu irmão, dos maus
exemplos que poderia dar à menina, porém nem me ofereci para
ficar com ela, por achar que seria trabalhoso. Depois, meu irmão
morreu, e que fiz? Deixei-a na chácara com empregados, embora
quisesse, naquela época, que fosse para um colégio interno, mas
não a quis comigo. Nely, porém, implorou para ficar na chácara e,
comodista, iludi-me, pensando que era o melhor para ela, e consenti.
Assim, Padre, deixei-a com esse casal de empregados que a
amaram mais do que eu, porém eram somente empregados em
quem Nely mandava, mas não obedecia. Sou culpada por Nely ter
tentado contra sua própria vida!
- Não pense nisso agora, D. Marta, e oremos para que Nely tenha
salvação. Mas, se quer mesmo doar a chácara, não o faça para
a Igreja, e sim para uma fundação que está empenhada em construir
um asilo para idosos. O local será excelente abrigo para os
velhos.
Marta, querendo resolver logo o assunto, pediu ao Padre que
lhe indicasse um advogado, e os dois foram em seguida consultar
um que ele conhecia. Deixaram tudo acertado, com a doação feita,
e combinaram que Marta voltaria para assinar a documentação,
logo que estivesse pronta.
Padre Anselmo acompanhou Marta à chácara e ficaram na varanda.
Padre - falou a tia de Nely -, vou pegar os documentos necessários
para que o senhor os leve ao advogado. Desta casa, levarei
apenas algumas fotos e jóias.
Os três empregados aproximaram-se e Marta abraçou D. Gema:
- Obrigada Gema, pelo que fez por Nely. Quero comunicar-lhes
que doei a chácara para uma Fundação que fará dela um abrigo de
idosos. Pedi ao Padre Anselmo que o Sr. João e você fiquem aqui
como moradores.
Gema e o marido agradeceram aliviados, pois estavam muito
preocupados com o destino de suas vidas, já velhos e com um filho
problemático. E Marta continuou:
- Quanto a você, José, infelizmente não poderá ficar, pois sabemos
que é viciado no álcool e, por isso, não é um morador ideal
para um local que abrigará necessitados. Doarei a você o carro.
Sim, será seu. Poderá trabalhar e sustentar-se.
José bateu palmas e pulou de contentamento:
D. Marta, obrigado, o carro era tudo o que queria. Irei morar
na cidade, para trabalhar com ele, mas virei sempre visitar meus
pais.
Gema e João entreolharam-se tristemente, não acreditando no
que José dizia, porque estavam cansados das confusões do filho,
porém acharam que talvez fosse melhor para todos ele viver longe.
Padre Anselmo sentou-se na varanda, e Gema e Marta abriram
toda a casa. Uma equipe de desencarnados veio, atendendo a pedido
de Carlos, limpar o local dos fluidos pesados. O sol entrava
pelas janelas abertas, facilitando o trabalho.
Marta colocou numa sacola alguns objetos que queria, separando
outros e colocando-os num canto do jardim para serem queimados.
O colchão, com as roupas de cama de Nely, manchadas de sangue,
foram os primeiros e, depois, também livros, cadernos, enfim tudo o
que não iria servir para o futuro asilo.
Atendendo à sugestão de Mauro, D. Gema foi ao porão, pegou
os livros do pai de Nely e o tablado. Mostrou-os ao Padre e à Marta:
Com isto, Nely falava com o demônio!
Marta suspirou, triste e perguntou ao
Padre Anselmo:
Demônio!? Será que ela conversava mesmo com o dernônio?
Tenho lutado, Marta, com meu rebanho sobre esse tipo de
brincadeira, de invocações, utilizando tablados, para fazer o que
chamam por aqui "copos que andam". O que significa realmente,
não sei e, por isso, procuro instruir todos para que não façam isso,
porque não devemos brincar com o que desconhecemos. Se são
demônios, não posso dizer, mas bons é que não são, porque, seja
quem for, tem mais o que fazer do lado de lá, sem tempo para atender
a brincadeiras.
- Por que fazia isso? Por que Nely usava esse tipo de diversão?
- Marta, as pessoas, de um modo geral, anseiam por descobrir
a verdade, que sabem existir, mas não sabem onde. Desejam saber
o que há depois da morte do corpo. Procuram no sobrenatural
algo que as satisfaça em vez de confiar em Deus e buscar amparo
nos ensinos de Jesus, para entender a sobrevivência após a morte.
Contudo, fazem brincadeiras desse tipo, que podem gerar inúmeros
problemas, em vez de procurar orientação entre pessoas que
conheçam o fenômeno, mesmo que sejam de outras religiões. Porque
as religiões, Marta, são setas no caminho, e não basta apenas
ter uma crença, mas é necessário caminhar, seguir essas indicações.
Padre Anselmo fez ligeira pausa, suspirou triste e completou:
-Talvez a solidão tenha levado Nely a essa brincadeira perigosa,
não sei. Era tão estranha!...
Gema colocou o tablado junto aos outros objetos e pôs fogo.
Ver queimar tudo aquilo foi alívio para todos nós.
Marta despedíu-se do casal e do Padre, pois voltaria para casa.
Padre Anselmo também retírou-se, porque tinha em mente tomar
as providências necessárías para que, no menor espaço de
tempo possível, a chácara se transformasse no Asílo tão sonhado.
Nossa equipe retornava ao Departamento. Despedí-me dos
amigos abraçando-os, porque não iria com eles:
- Amigos - expliquei -, acompanharei Marta. Indago-me sobre
o motivo que a impediu de levar Nely consigo e, também, de haver
orado com tanta fé por ela, fato que nos levou a este trabalho de
ajuda e, por fím, de ter feito essa doação maravilhosa! Acho que
Marta necessita da ajuda de um consolo. Agradeço a vocês, amigos,
pela oportunidade que me foi dada, ao acompanhá-los.
Retribuindo os abraços, meus companheiros volítaram, entendendo-me.
Acompanhei Marta no carro e partimos.
cap.18
Temos todos, realmemte, uma história
Marta dirigia o carro com cuidado. Falei-lhe, e recebeu
minhas palavras como se viessem de seu pensamento. Indaguei:
"Marta, como se relacionava com Nely?"
Vieram-lhe muitas cenas vividas à mente e, então, acompanhei
seus pensamentos.
Marta lembrou-se de sua infância e do irmão, mais velho que ela
dois anos. Pequena ainda, seu pai os abandonou e nunca mais o viram,
fazendo com que sua mãe lutasse com dificuldades para criá-los.
Brigava muito com o irmão, que era irresponsável desde garoto. Para
poder estudar, trabalhava como empregada no Colégio e, quando faltavam
dois meses para a formatura, sua mãe desencarnou de mal
súbito. Formou-se e arrumou emprego, porém trabalhava bastante,
enquanto seu irmão não firmava em nenhum serviço, ficando a despesa
da casa por sua conta. Certa vez, brigou sério com ele e
mudou-se para um apartamento, com amigas. Passou a vê-lo raramente.
Soube posteriormente, que começou a namorar uma moça,
filha única e que possuía alguns bens materiais. Conheceu a cunhada
nas vésperas do casamento: era feia, estranha e mais velha do que
ele. Casaram-se e foram morar com o pai dela, já viúvo. Parecia que
Noel, seu irmáo, tivesse endireitado e, nessa época, Nely nasceu. Pouco
depois, o pai de Noemy desencarnou e Noel começou a viver como
irresponsável entre mulheres e jogo, gastando o dinheiro que a esposa
recebera do pai. Noemy achando que a cidade grande era o
motivo da perdição dele, resolveu mudar para o interior, comprando
a chácara, para onde se mudaram. Mesmo residindo na mesma cidade,
via-os pouco e, depois que mudaram, passou a vê-los ainda
menos. Assim mesmo, ao se encontrarem, esforçava-se para não discutir
com ele. Quando Noemy, sua cunhada, desencarnou, teve pena
da Filha Nely, por ficar com o pai, mas nada fez pela sobrinha. Com a
desencarnação do irmão, Marta pensou em colocá-la num colégio
interno, para que tivesse um bom estudo. Foi nomeada sua tutora,
mas nem por um momento pensou em trazê-la para viver com ela.
Nely não quis ir para o internato da escola, então deixou-a na chácara,
que recebera de herança, sendo que também ganhava uma
pensão, com a desencarnação do pai. Preferíu pensar que a sobrinha
estava bem, para não se preocupar e não sentir culpa. Escrevia
com freqüência para ela, que respondia prontamente, dizendo sempre
que estava tudo bem. Nunca achava jeito para visitá-la, mas, num
feriado prolongado, foi vê-la. Preocupou-se com a situação, pois
Nely estava pálida, magra e estranha, embora fosse educada e agradável
com ela. Pediu à sobrinha que procurasse um médico e ela
prometeu que iria, porém disse para não se preocupar, porque não
sentia nada de errado e estava tudo bem. Marta sentiu-se inquieta
durante a visita à chácara e não conseguiu dormir naquela casa. Voltou
preocupada e orou pedindo ajuda à menina.
Insisti, para que se lembrasse mais:
"Marta, por que não levou Nely com você? Por quê?"
Marta parou o carro, chorou bastante e disse alto:
- Tudo por causa dele, de Crístiano!
"Quem é Cristiano, Marta?" - indaguei.
Marta foi se acalmando, parou de chorar, enxugou as lágrimas
e retornou aos seus pensamentos. A fisionomia de um homem elegante
veio à sua mente: era Cristiano. Marta pensou:
-Sempre ele, dediquei-me sempre a ele e, mesmo quando Nely
necessitou de mim, voltei para atendê-lo. Não tirava férias há anos,
trabalhava muito e estava sempre à disposição dele. Por causa dele,
nem Nely quís junto a mim, inclusive para não atrapalhar as visitas
que ele me fazia.
Em resumo, Marta, quando começou a trabalhar, era funcionária
de uma firma do pai de Cristiano. Nessa época, conheceu-o, mas já
era casado e brigava muito com a esposa. Todos no escritório sabiam
do caso e, quando o pai dele desencarnou, passou a ser o dono
e colocou Marta como sua secretária. Ela apaixonou-se por ele e tornou-se
sua amante. Cristiano abusava desse amor, pois Marta era
secretária eficiente e amante paciente. Por isso, dizia que ia separar-se
da esposa para casar-se com ela, porém adiava sempre, ora por
causa dos filhos pequenos, e depois porque estavam na adolescência,
Marta voltou a dirigir o carro e, sem demorar muito, chegou a
seu apartamento, que, embora pequeno, era bem decorado e agradável.
Pegou a sacola que trouxera com os pertences da chácara e
voltou a chorar, lamentando em voz alta:
"Meu Deus! Que fiz de minha vida? Não casei, não tive filhos, o
tempo passou e estou só. Deixei Nely sozinha, pobrezinha, como
me arrependo! Não quero mais saber de Cristiano, deixei tudo por
ele e, se tivesse tido a coragem de trazer Nely comigo, não seria
ela tão infeliz e estaria viva!"
Dei-lhe um passe, foi acalmando-se e adormeceu.
No outro dia pela manhã, acompanhei Marta ao trabalho. Quando
entrou na sala, vimos um senhor à sua espera, que reconheci
ser Cristiano em quem ela pensava. Veio ao seu encontro sorrindo
e foi beijá-la, mas Marta virou o rosto.
- Marta, querida - falou com voz sensual e desagradável aos
meus ouvidos. - Esperava você ontem, por que não veio? Precisei
daquele contrato e não o achamos! Por que demorou?
- Não lhe contei da morte de minha sobrinha?
- Contou, mas já não estava morta? Que tinha mais a fazer lá?
Precisei de você e sabia disso.
- Sinto a morte dela! Não tenho o direito de sofrer? Que tenho
feito esse tempo todo a não ser sofrer? Não diria dessa forma, se
fosse um de seus filhos que tivesse morrido!
- Você está nervosa! Está bem, não falaremos mais disso. Pegue
o contrato e traga-o, com urgência.
Ele saiu da sala. E pude ver que era por esse egoísta que ela
sofria. Marta sentou-se triste à frente de sua mesa. Penalizado, abracei-a;
"Marta" - disse-lhe -, "você é filha de Deus. Deve amar a si
mesma para poder amar o próximo. Quer tanto assim a esse homem?
Ou já o amou? Deve querer bem a quem lhe quer, a quem a
proteja. Alguém que, nesta hora, enxugaria suas lágrimas consolando-a,
entendendo-a. Merece amar alguém melhor, que seja seu
amigo. Se ele ainda não largou a esposa, não irá largar mais e, se o
fizer, já pensou quantas pessoas sofrerão por isso? A esposa pode
ser mais uma vítima nas mãos desse egoísta. E os filhos, quantos?
Quatro. São pessoas inocentes que nada têm a ver com os desentendimentos
dos pais. Pense, Marta, é isso o que quer? Quer ser
esposa desse homem? Enfrentará ele a Sociedade para ficar com
você? Simples secretária? Ou não sería você a amante, que ele se
gaba de ter, junto de seus amigos?"
Marta ouviu-me parcialmente, acalmou-se pegou o contrato,
colocando-o em cima da mesa. Em seguida, pôs uma folha na máquina
de escrever, datilografou rápido uma carta de demissão e
assinou-a.
Pegou a carta e o contrato, entrou na sala de Cristiano e ouviu
dele:
130
-Acalmou-se, querida? À noite, prometo ir a seu apartamento.
- Cristiano, quando vai se separar de sua esposa? Quero data
certa.
- Por que isso agora? Não sei, você sabe, os meninos...
- Você pensa em se separar, realmente? Se se separar, casará
comigo? Quero a verdade, Cristiano!
- Meu bem, estamos felizes assim, não estamos? Por que estragar
tudo com o casamento?
- Cristiano, por anos invejei Clarice mas agora vejo que é pena
que tenho dela. Ela é como eu, um objeto em suas mãos! Nunca
pensou em separar-se não é? Repartir os bens, a fortuna... Mas,
meu caro, para mim chega! Estou indo embora, da firma e de sua
vida. Aqui tem o contrato e minha carta de demissão, não trabalho
nem mais um minuto aqui!
- Está brincando? Lógico que está! Não pode me abandonar
assim! Que faço sem você? Olhe, meu bem...
Marta encheu-se de esperança, estava de costas para ele, ela
sorriu, ia virar e jogar-se em seus braços, mas segurei-a para que
pudesse ouvir o resto da frase. E Cristiano continuou:
-Aqui na firma vai virar uma bagunça sem você. Ninguém sabe
fazer nada direito. Não pode me abandonar logo agora que temos
tantos negócios. Onde arrumo outra secretária?
Esforçou-se Marta para segurar o choro:
- Cristiano, não lhe será fácil substituir a escrava da firma, não
é? Não tiro férias, trabalho horas a mais sem receber extras e cuido
de tudo! Porém substituir a amante é fácil!
- Marta, se não me quer mais, tudo bem. Há outro, não é? Mas
continue trabalhando aqui.
- Não, Cristiano, saio agora e para sempre!
-Ah! é assim?! Não pago seu salário, ingrata! Não lhe dou carta
de recomendação. Ainda bem que não me casei com você.
Ela saiu da sala, amparei-a e vi que se controlava para não chorar.
Foi até sua mesa, pegou o que lhe pertencia e saiu do prédio
sem se despedir de ninguém. Consolei-a, acompanhando-a até o
apartamento, pois estava magoada e triste.
"Não fique aqui sozinha a chorar, Marta" - disse-lhe -, "saia, vá
passear, distrair, faça uma visita...
Marta lembrou:
- O Sr. Leonardo, coitado, deve estar sofrendo tanto! Acho que
vou lá um pouco, pois perdeu o filho único, no domingo passado,
e está só como eu!
Arrumou-se, retocando a maquiagem e penteando os cabelos.
Saiu do apartamento, entrou no elevador e apertou o botão do oitavo
andar. Parou numa porta e hesitou, pensando: "Que falo a ele?"
"Bata na porta, Marta! Console para ser consolada" - insisti.
Marta tocou a campainha, esperou segundos e já ia voltar, quando
a porta se abriu e surgiu um senhor de aspecto agradável,
simpático, com bons fluidos e a cumprimentou:
- Boa tarde, Marta, que deseja?
Marta engasgou, tossiu, suspirou, porém nada respondeu. Vendo
sua hesitação, Leonardo pegou em seu braço, puxou-a para
dentro e, sorrindo, disse:
- Entre, Marta, sente-se, por favor, mas não repare, pois sabe
como é, homem sozinho nada arruma direito.
Marta olhou-o e respondeu baixo:
- Boa-tarde!
Leonardo sentou-se à sua frente, esperou educado que a visita
falasse. Então encostei a mão na testa de Marta e pedi:
"Marta console para ser consolada, você sofre, ele também deve
ter sofrido e talvez sofra ainda. Sente-se sozinha, e ele também deve
saber o que é solidão. Diga-lhe palavras de sentimento e fraternidade."
Marta observou Leonardo paciente à sua frente e pensou: "Deve
achar-me louca." Tentou sorrir, esforçou-se e disse:
- Sr. Leonardo, vim aqui para dar-lhe meus pêsames pelo falecimento
de seu filho. Sinto muito, todavia não pude ir ao enterro.
Ta inventar uma desculpa, mas não queria mentir mais, pois não
fora porque Cristiano passou a tarde com ela. E completou:
- O fato é que sinto muito, porque sei o que é isso! Ontem
mesmo sepultei minha única sobrinha. Agora estou só, sem família
e achei que o senhor está sofrendo como eu, então vim aqui.
Marta começou a chorar, Leonardo sentou-se ao seu lado, ofereceu-lhe
um lenço e olhou-a penalizado.
- Chame-me de você, nada de senhor, Marta. E també, ninguém
está só, quando tem Deus por companhia.
- Aí é que está, não tenho Deus por companhia.
- Não acredita em Deus?!
- Sim, acredito! Mas acho que não sou boa companhia para
que Ele fique comigo. O senhor... desculpe-me, você se sente na
companhia Dele?
- Tudo o que faço, Marta, faço com a certeza de que estou diante
Dele.
- Será, Leonardo, que o meu Deus é o mesmo que o seu?
- Deus é um só, mas há muitas maneiras de chamá-lo e,
também, são inúmeros os meios de entendê-lo. Porém, não importando
nossa crença, devemos adorá-lo acima de todas as coisas.
Viver, tendo-O por companhia, é tudo fazer para viver no Bem e
para o Bem. Marta, deve consolar-se com a morte física de sua
sobrinha, porque só o corpo foi sepultado. Nosso choro desesperado
perturba nossos entes queridos do lado de lá. Confie no Pai, ore,
estará assim ajudando sua sobrinha.
- Acredita mesmo nisso?
- Claro, o Espírito, a Alma, sobrevive ao corpo. Meu filho Leonel
partiu cedo, com dezesseis anos, mas está bem melhor agora,
mais feliz do que aqui, preso ao corpo doente. E estarei um dia
com ele, quando me for também.
- Que religião tem você, Leonardo? Fala com tanta convicção!
- Sou Espírita. Conhece?
- Bem... na verdade não conheço bem nenhuma, mas fui certa
vez a um Centro Espírita com uma amiga. Vi, sentada à mesa, fazendo
parte da equipe de ajuda, uma pessoa de mau procedimento
e não voltei mais lá.
- Marta, o Espiritismo é uma religião aberta a todos. E é certo
que, para pertencer à equipe de ajuda ou à corrente mediúnica,
deve o orientador encarnado do Centro exigir boa moral. O Espiritismo
tem insistido muito com seus seguidores na reforma interna,
na troca de vícios por virtudes e, se nem todos o fazem, não é culpa
da religiáo. Uma pessoa de má conduta deve regenerar-se
primeiro para depois pertencer a uma equipe de auxílio, ou participar
do trabalho mediúnico. Será que você não deu uma desculpa
a si mesma, para não voltar?
Marta não respondeu e abaixou a cabeça, envergonhada. E
pensou: "Quem sou eu, para julgar alguém?"
- Já almoçou, Marta?
Como ela negasse com a cabeça, Leonardo convidou-a:
- Venha, almoce comigo, fritaremos mais uns ovos.
Automaticamente Marta levantou-se e seguiu Leonardo a cozinha,
com a conversa girando em torno de assuntos culinários.
Acabaram de fazer a refeição, almoçando em silêncio. Marta sentiu-se
bem ao lado de Leonardo, pois sua calma fazia-lhe bem. Aceitou
de imediato seu convite para passear. Caminharam devagar pela
calçada e Marta falou-lhe com sinceridade:
- Leonardo, que feliz idéia tive em visitá-lo. Se ficasse em casa,
estaria sem alimentar-me e chorando.
Leonardo sorriu, Marta reparou que ele era jovem ainda,
charmoso e muito educado. De forma natural, contou a ela sua
história:
- Casei cedo e minha esposa e eu fomos felizes, porém, o tempo
passou e ela não engravidava. Fomos ao médico e, após muitos
exames, constatou-se que eu era estéril. Resolvemos adotar crianças
e Leonel recém-nascido veio alegrar nosso lar. Quando ele
completou dois anos, Ivone, minha esposa, adoeceu e nunca mais
recuperou a saúde. Com câncer, viveu anos entre médicos e hospitais
fazendo com que adiássemos a idéia de mais adoções.
Quando Ivone desencarnou, ficamos Leonel e eu, e a vida voltou
ao normal por uns tempos. Em certa época, notando o menino
pálido, levei-o ao médico, que diagnosticou leucemia. Lutamos
contra a morte, mas meu Leonelzinho se foi. E aqui estou, até que
chegue minha hora também. E você, Marta, o que se passa com
você?
Marta suspirou, triste, vendo Leonardo tranqüilo e sereno, não
parecendo que tinha passado por tantos sofrimentos. Abriu seu
coração e contou toda sua história, sem omitir nada, sem desculpar
seus erros. Não chorou e acabou exclamando:
- Vê, Leonardo, como tenho motivos para me envergonhar de
Deus, de querê-lo por companhia?
- Marta, se de fato envergonha-se de estar com Deus, deve modificar-se
e acabar com o motivo que a leva a isso. Arrepender-se
com sinceridade dos erros significa que, se voltássemos atrás, agiríamos
diferentemente. Não se aflija tanto e recomece sua vida,
recomece acertando. Já pensou em quantas pessoas estão sofrendo
pela morte de alguém querido neste momento? Pode ajudar Nely
agora, mas de outra forma, orando por ela e, em seu nome, ajudando
outras pessoas. É certo que somos donos de nossas obras,
mas ajudar alguém, pela intenção de outrem, é orar. E orar com
sinceridade também é fazer a Caridade para o próximo. Fez bem,
Marta, em separar-se de Cristiano. Há tempo, observo você, pois
penalizava-me vê-la ligada a um amor assim. Desculpe-me, mas
no prédio todos sabem, comentam e, depois, é bonita demais para
passar despercebida. Marta, estou de férias, volto ao trabalho na
semana que vem. Posso nestes dias ajudá-la, se quiser, a arrumar
outro emprego. Se concordar, podemos começar pela firma em que
trabalho e amanhã mesmo.
- Ah! Leonardo! Agradeço, quero sim!
Anoitecia quando voltaram. Marta entrou no apartamento, o
telefone tocava, atendeu e franziu a testa. Era Cristiano, como sempre
indelicado.
- Marta, onde estava? Liguei a tarde toda. Quero-a aqui amanhã
no trabalho. Onde estão os documentos do cliente "Z"?
Marta respondeu, friamente:
- Calma, Cristiano. Não tenho que lhe dar satisfação. Os documentos
estão na sua mesa, na terceira gaveta à direita. Meu pedido
de demissão é verdadeiro. Não volto mais, nem para você, nem
para o trabalho. E não me ligue mais, por favor!
Desligou o telefone, deu dois passos, porém voltou-se e tirou-o
do gancho.
Trocou-se para dormir e ia dar-lhe um passe. Porém Marta orou,
e a oração sincera e comovida deu-lhe a paz de que tanto necessitava.
Adormeceu.
No dia seguinte, acompanhei-os. Marta notava, e eu também,
o quanto Leonardo era querido e estimado por todos em seu local
de trabalho. Lá, fez um teste, com perfeição, e foi contratada logo
após como datílógrafa, para começar no dia seguinte. Na volta, Marta
agradeceu a Leonardo:
- Leonardo, obrígada! Vou ganhar menos, mas tudo bem, pois
todos aqui são tão simples e não necessitarei comprar tantas roupas
para vír trabalhar. Gostei de todos, serei efícíente e não se
arrependerá por ter-me recomendado.
- Marta, hoje à noite teremos uma reunião de estudo sobre a
Doutrina Espírita, quer vír comígo?
- Quero. Ontem, enquanto orava, senti que, se quero realmente
modificar-me, tenho que começar seguindo uma religião. E o
Espiritismo, julgando-o por você que a segue, deve ajudar-me a melhorar.
Necessito mesmo de reformar-me intimamente.
Com a certeza de que Marta encontrara em Leonardo a ajuda
que necessitava, voltei aos meus afazeres.
cap.19
Tempos Depois
Decorridos seis meses após a desencarnação de Nely, tive
a feliz notícia de que ela foi socorrida. Encontrava-se na
enfermaria de um hospital de auxílio a suicidas, onde por
longo tempo receberia amparo e socorro.
A chácara já abrigava diversos idosos e o lugar parecia outro,
com o Padre Anselmo trabalhando duro, todo sujo, ajudando na
construção e carregando tijolos. Sentia-se feliz, servindo ao Senhor
através do serviço ao próximo. Gema e João estavam muito bem,
ajudando, saudáveis e tranqüilos, o Padre no trabalho de reforma
da casa e a cuidar dos idosos.
Nos fundos do imóvel, havia uma imensa horta, onde os internos
contentes trabalhavam. O jardim com aspecto diferente, já não
continha os canteiros tortos nem as estranhas e feias estatuetas.
Quando chegamos, D. Gema tinha colhido uma rosa linda e, contente,
foi mostrá-la ao Padre.
- Padre Anselmo, veja que linda! É a primeira que floresce no
jardim.
- Gema - disse ele -, coloque-a no jarro, vamos ofertar à Virgem.
A casa estava diferente, toda aberta, movimentada e agradável
devido aos fluidos benéficos produzidos pela oração e pela caridade.
Visitei Marta, também estava muito diferente, tanto no aspecto
físico, agora bem mais simples, sem o excesso de maquiagem e
sem a tintura nos cabelos. Parecia mais jovem e bonita. Também
modificara seu íntimo e estava tranqüila, em paz. Notei, pelos seus
fluidos, que orava muito agora, que sua fé aumentara, que estava
reformando-se intimamente. Preparava o jantar e aguardava ansiosa
uma visita.
Leonardo chegou, era a visíta que Marta esperava. Trazia-lhe
flores e gaguejou ao falar:
- Marta, quero... Bem, quero que se case comigo!
-Oh! Leonardo! Pensei que nunca iria pedir-me em casamento!
Quero, sim!
Abraçaram-se, felizes.
- Vamos casar logo, Marta. Mudará para meu apartamento e,
assim, não precisará pagar aluguel. Marquemos a data para o mês
que vem, está bem?
- Leonardo, posso pedir-lhe algo em que há tempos penso?
Poderíamos adotar crianças.. duas, três!
- Marta, querida! Agora sei que seremos felízes realmente, você
é boa, é um amor. Crianças? Que beleza!
Desejei-lhes muita felicídade e saí, deixando-os a fazer planos
para o futuro.
Dois anos se passaram. O Asilo, repleto de abrigados, é uma
instituição que exemplífica pelo carínho com que os idosos são tratados,
e Padre Anselmo ainda constrói e aumenta a propriedade,
fazendo chalés.
Marta e Leonardo estão felizes com três rebentos que adotaram,
dois meninos e uma menina, sendo negro, o menor deles.
Muitas vezes, nesses tempos, visitei Nely. Naquele dia, entretanto,
ao entrar na enfermaria, vi um homem ajoelhado ao lado de
seu leito. Não querendo interromper, esperei que a visita se fosse
para falar com minha amíga.
Não esperei muito, o homem levantou-se e, ao sair, passou por
mim, então o reconheci: era Raquek. Um Raquek diferente, vestido
com simplicidade, limpo, mas tríste e com lágrimas nos olhos.
Aproximei-me de Nely, que sorriu ao ver-me:
- Tio Antônio Carlos, veio ver-me?
- Como vai, minha pequena Nely?
Nely melhorara e logo seria transferida para outra ala, onde se
levantaría do leito e poderia passear pelos jardins, para, depois de
algum tempo, freqüentar as salas de aula. Seu aspecto era o de uma
doente em convalescença. Sentia ainda as perturbações que
provocou em seu perispírito. Teria muito do que reclamar, demonstrando
estar aprendendo as lições de bem-viver, que não devemos
nos apiedar de nós mesmos e que queixas e tristezas só envenenam
mais os sofrimentos.
Respondeu-me, deixando de sorrir:
- Recuperando-me, Tio, estou me recuperando. Tio Antônio
Carlos, o senhor viu aquele homem que aqui estava? Parece gostar
de mim, mas, não sei por que, não sinto o mesmo por ele. Sei que
é errado não querer bem a ele, porém não sinto raiva ou ódio, só
não gosto dele. Pareceu-me que ia fazer-me algo ruim. Pediu-me
perdão, dizendo que gostava de mim e que, quando eu era criança
na vida física, não teve compaixão de mim e abusou da minha solidão.
Depois disse adeus, informando que ia reencarnar e que orava
todos os dias pedindo a Deus a oportunidade de, um dia, fazer-me
o bem. Falou, falou e só escutei. Lembrei-me vagamente de algumas
coisas, do "tablado", como chamava um quadrado de madeira
pintado com letras e números, com que eu brincava, e de um Espírito
arrogante e feio que respondia. Não gosto de recordar, faz-me
mal, dói-me o remorso e, também, vejo sangue e rosa, carne crua
e animais feridos. Quando fico triste, tia Isaura recomenda-me não
pensar nisso. Será que o conheci? Só sei que me lembro bem de D.
Gema e do Sr. João, porque recebo muitas orações deles e, também,
da Tia Marta e do Tio Leonardo, que se casou com ela. Faz-me
bem receber esses incentivos: dão-me ânimo e coragem, fazendo-me
sentir amada. Quero ficar como eles desejam: sadia e feliz!
- Você é querida, Nely!
- É verdade. O senhor e o Tio Carlos visitam-me tanto e aqui
tenho amigos, inclusive tia Isaura, que me quer tão bem!
Tia Isaura é uma psicóloga que tudo faz para recuperar os abrigados
daquela enfermaria: os jovens que se suicidaram.
- A prece, Nely - disse-lhe, voltando ao assunto -, faz-nos muito
bem! Onde quer que estejamos, ao orar por alguém, os tluidos
vão até ele, fortalecendo-o, transmitindo nosso recado de amor. A
oração é o elo que todas as criaturas dispõem para obter auxílio e
ajudar a outros, ou para entregar-se às forças positivas do Bem.
Aprenda, Nely querida, a orar com fé e amor.
- Ontem aprendi uma oração linda que Tia Isaura me ensinou.
Quer ouvi-la?
E Nely recitou:
- "Pai Celeste, abençoa-me nesta hora de dor e remorso,
Dá-me coragem para bem sofrer,
Dá-me alegria para uioer,
Dá-me o Amor, para que possa distríbuí-lo a todos os meus
irmãos. Amém!"
Bonita, não é?
- Sim, bonita e comovente. Tenha como hábito orar sempre,
Nely, e o mais importante: aprenda a fazer a oração por si mesma,
deixe-a brotar do coração, não só pedindo, mas agradecendo também.
- Eu! Sempre agradeço! Por estar aqui, por ter Tia Isaura, Tio
Carlos e o senhor.
138
Sorrimos, dei-lhe um passe e deixei-a adormecida.
Saí da enfermaria e, ao chegar ao jardim que circunda o hospital,
Raquek esperava-me:
- Posso falar-lhe um momento?
- Claro que sim, sentemos neste banco.
- O senhor desculpe-me se o incomodo, mas sei que estava na
equipe que me socorreu há dois anos e quero agradecer-lhe. Desejo
também saber notícias de Nely. Como ficará ela?
- Nely recupera-se rápido, melhora muito e logo poderá estudar
e participar de lazeres com o grupo de jovens.
- Breve rencarnarei e preciso ajustar-me ao meio em que vou
viver, na Terra. Duras provas esperam-me nessa encarnação, mas
estou confiante, porque aprendi muito nesse tempo, na escola, sentíndo-me
forte e disposto a resgatar meus erros. Quero pedir-lhe
um favor, que cuide de Nely por mim também.
- Claro, Raquek, estarei sempre com ela, e será bem orientada
e preparada.
- Sabe meu nome? Sabe também minha história?
Concordei discretamente com a cabeça, pois não queria que
se sentisse humilhado ou envergonhado. Porém Raquek abaixou a
cabeça e continuou a falar tristemente, demonstrando que aqueles
dois anos na Escola de Recuperação na Colônia foram-lhe úteis
e proveitosos.
- Fui ocioso e mau, sempre me aproveitei de pessoas invigilantes
e não instruídas, para fazer brincadeiras com elas, na guerra.
Quando possível, até materializava-me para provocar-lhes susto e
medo. Saindo à procura de Ana, vim para o Brasil e aqui encontrei
um campo vasto para minhas brincadeiras, inclusive quando incorporava
em médiuns vaidosos e dizia ser pessoa famosa e, então,
ria às gargalhadas, ao ser acreditado. Participei de muitas brincadeiras
com o copo, com encarnados que, invigilantes, não sabem
o perigo que correm. Satisfazia-os, respondendo com asneiras, pois
achava que mereciam escutar. Respondia com tolices que me vinham
à mente, na hora, às inúmeras perguntas bobas que faziam,
contando histórias trístes e comoventes. Achava certo, naquela
época, dizendo que nenhum encarnado tinha o direito de fazer desencarnados
de empregados ou adivinhos. Divertia-me muito e vi,
também, muitos problemas sérios começarem com essas invocações,
que provocavam tantas obsessões. E isso acontece, porque
muitos dos Espíritos evocados, gostando do lugar ou das pessoas,
ficam com elas, como eu que, procurando um lugar para levar Ana
quando desencarnasse, encontrei Nely que chamava um Espírito
para responder-lhe. Gostei do lugar, achei-o seguro e lá fiquei,
usufruindo do lar alheio. Tantas desgraças atraem os encarnados
para si, através de brincadeiras ou curiosidade. E, depois de chamarem
os Espíritos e respondidas as perguntas, querem afastar os
que foram convidados, proferindo orações decoradas, juntamente
com ramos, ervas ou água benta. Podem certas ervas, quando queimadas,
serem tóxicas e incomodarem Espíritos maus e ociosos.
Mas voltam depois, mais furiosos e rancorosos por terem sido expulsos.
Só não entrava em lares onde a oração era sincera e o
Evangelho estudado e vivido, deixando fluidos que faziam uma
barreira, pela qual não conseguia passar. Nem Espíritos com minha
experiência passam. Onde os pensamentos de caridade de seus
moradores fluem de um modo que favorece os semelhantes, ou
seja, com fluidos bons, torna-se insuportável, ali, a presença dos
invasores de lares alheios, os inescrupulosos que semeiam desgraças.
Mas quando forem convidados ou chamados, sentem-se então
como donos, tanto do lugar, como das pessoas. Vampirizam fluidos
como pagamento das respostas dadas e julgam-se ainda
credores.
Raquek silenciou e indaguei, mudando de assunto:
- E Ana?
- Ana perdoou-me. Está bem, serve e estuda aqui na Colônia.
Obrigado por ouvir-me. Agradeça em meu nome a todos da equipe
que nos ajudou, que não nos repeliu e teve por nós a maior
caridade, despertando-nos para a verdadeira vida. Adeus!
Raquek levantou-se, deu uns passos, mas levantei-me e o alcancei:
- Raquek, espere! Permita-me abraçá-lo? Desejo a você, irmão
amigo, que aproveite as lições que terá na nova vida. Que tenha
um feliz retorno para nós e no tempo certo.
Pela primeira vez, vi Raquek sorrir. Retribuiu meu abraço:
- Obrigado! Obrigado!
Partiu, sentei-me no banco novamente e orei por ele:
"Deus-Pai, abençoe esse seu filho pródigo, que regressa ao corpo
físico para uma nova tentativa. Necessita ele de bênçãos e apoio,
para que vença seus vícios e adquira virtudes. Iluminai-o com Seu
amor, fortalecendo seus propósitos de melhoria, para que possa aproveitar
a bênção da encarnação, fazendo o Bem, e que, ao regressar
ao Mundo Espiritual, tenha a tarefa cumprida. Que Jesus o abençoe!"
Recordava essa história, sentado num banco do tranqüilo e belo
jardim, na frente do Departamento em que, no momento, tinha a
oportunidade de servir e obter conhecimentos. Fui despertado das
minhas recordações com a voz suave de Laura, companheira de
equipe:
- Antônio Carlos! O irmão está sendo esperado para um novo
trabalho.
- Ah, sim! Obrigado!
Novo trabalho... novas tarefas. Como sou grato pelas atividades
a mim confíadas, dentro de uma equipe. Como é gratificante o
labor na Seara do Pai, como simples serviçal, aprendendo a cada
ajuda, construindo, amenizando dores e recuperando almas. O trabalho
no Bem é a grande oportunidade que o Pai dá a todos nós,
seus filhos, para que camínhemos, progridamos e aprendamos sempre
mais.
Acompanhei-a, feliz.
Se você gostou deste livro, o que acha de fazer com que outras pessoas
venham a conhecê-lo também? Poderia comentá-lo com as pessoas do seu
relacionamento, dar de presente a alguém que você sinta estar precisando ou
até mesmo emprestar àquete que náo tenha condições de comprar. O importante
é a divulgação da boa leitura, príncipalmente a literatura Espírita. Entre
nessa corrente?
Contra-capa do livro:
Copos que Andam
Apenas uma "ingênua" brincadeira? Quem
os faz "andar?" A força do Pensamento?. . .
Se é assim que você imagina que as coisas
funcionam, não deixe de ler este livro e saiba o
que de fato acontece!. . . A realidade é bem
outra !
Antonio Carlos, neste romance busca nos
alertar através de seus personagens (extraídos
da vida real), para o grande risco e perigo em
que incorrem todos aqueles que, por meio de
objetos, tais como copos, pêndulos, etc, acabam
atraindo para si mesmos a atenção de
espiritos inferiores, ignorantes e maus e, a tal
ponto de acabarem sendo perseguidos e obsediados
pelos mesmos, uma vez serem estes,
portadores de fluídos pesados e negativos. Bons
espiritos jamais se prestam a tais brincadeiras
ou invocações.
Um tema fascinante, um alerta aos incautos,
uma leitura, obrigatória de conteúdo útil e
verdadeiro ! . . . Um livro que, certamente
todos devem ler e divulgar.
Olá, bons amigos:
Mais um livro espírita anexado para todos.
Observação importante para os espíritas. No Recenseamento do IBGE na questão se é espírita responda: Kardecista. Se optar por espírita vai ser considerado como sem religião.
Muita paz!
Bezerra
Livros:
http://bezerralivroseoutros.blogspot.com/
Áudios diversos:
http://bezerravideoseaudios.blogspot.com/
Lua
Contra-capa do livro:
Copos que Andam
Apenas uma "ingênua" brincadeira? Quem
os faz "andar?" A força do Pensamento?. . .
Se é assim que você imagina que as coisas
funcionam, não deixe de ler este livro e saiba o
que de fato acontece!. . . A realidade é bem
outra !
Antonio Carlos, neste romance busca nos
alertar através de seus personagens (extraídos
da vida real), para o grande risco e perigo em
que incorrem todos aqueles que, por meio de
objetos, tais como copos, pêndulos, etc, acabam
atraindo para si mesmos a atenção de
espiritos inferiores, ignorantes e maus e, a tal
ponto de acabarem sendo perseguidos e obsediados
pelos mesmos, uma vez serem estes,
portadores de fluídos pesados e negativos. Bons
espiritos jamais se prestam a tais brincadeiras
ou invocações.
Um tema fascinante, um alerta aos incautos,
uma leitura, obrigatória de conteúdo útil e
verdadeiro ! . . . Um livro que, certamente
todos devem ler e divulgar.
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