sexta-feira, 17 de setembro de 2010

{clube-do-e-livro} Rebecca Winters - A morada do amor.txt

A MORADA DO AMOR
Rebecca Winters



Passado e futuro não existiam. Para Rafael, só o presente importava.
Kit Spring e Rafael de Mendez pretendiam casar-se na propriedade da família dele, na Espanha. Em vez disso, a cerimônia foi realizada no quarto de um hospital
em Idaho, minutos antes de Rafael ser submetido a uma cirurgia de emergência. Para alegria de Kit, ele sobreviveu à operação... mas perdeu a memória. Kit estava
casada com um homem que nem sequer sabia quem era ela!
Disponibilização: Márcia S.
Digitalização: Simoninha
Revisão: Edith
Formatação: Crysty


Querida leitora,
Este mês é o aniversário de uma de minhas tias prediletas, a quem eu e meus irmãos a chamamos de "segunda mãe" - com a grande diferença que ela nunca nos
deu bronca. Bem, como ela adora ler os Romances Nova Cultural, selecionei algumas histórias mais do que maravilhosas e vou levar quando for visitá-la.
Até imagino sua satisfação ao se deparar com os heróis apaixonantes de cada livro que escolhi!
Bem, para você não ficar com água na boca, vou dar uma dica: procure nas bancas as edições deste mês de Julia, Sabrina e Bianca. Não dá para perder. Confira!

Janice Florido Editora

Copyright (c) 1993 by Rebecca Winters
Originalmente publicado em 1994 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: For better, for worse
Tradução: Débora S. Guimarães

Copyright (c) 1993 by Kathryn Ross
Originalmente publicado em 1993 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: A scent of betrayal
Tradução: Júlia C. Cárdia

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.

Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.

Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.

Copyright para a língua portuguesa: 1994

CIRCULO DO LIVRO LTDA.
EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Al. Ministro Rocha Azevedo, 346 - 9a andar
CEP: 01410-901 - São Paulo - Brasil

Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo



NOTA DA AUTORA
Certa vez meus pais contaram-me uma história sobre alguns bons amigos, um casal muito apaixonado que, no dia do casamento, foi forçado a separar-se antes
mesmo de a recepção terminar. O noivo recebeu ordens para apresentar-se imediatamente ao comando em San Francisco, Califórnia, para combater na Segunda Guerra Mundial.
Esse desafortunado casal teve de esperar dois anos para reunir-se e partir para a tão esperada lua-de-mel. Quando meus pais contaram essa história, eu ainda
era uma adolescente ingênua e impressionável, e fiquei angustiada pelo que julgava ter sido uma enorme tragédia na vida de seus amigos.
Recentemente, minha editora na Harlequin honrou-me com um convite para escrever sobre casais em lua-de-mel. Quando comecei a compor minhas idéias, lembrei-me
da história que meus pais haviam contado há tantos anos e experimentei as mesmas sensações que havia sentido na adolescência. Então decidi escrever sobre noivos
afastados daquilo que mais queriam: eles mesmos.
Mas não desejava um cenário de guerra, e então concluí que nada podia ser mais trágico do que casar-se com alguém que se ama e descobrir que o marido está
sofrendo de amnésia, e que não é capaz de distinguir a esposa de uma desconhecida qualquer. O que você, leitora, faria em tais circunstâncias?
Aposto que agiria como Kit, que luta para conquistar ó amor de Rafe com toda a força de sua alma. Espero que apreciem a história. Saber que as pessoas amam
um bom romance é o que me mantém sempre escrevendo. O que eu faria sem leitoras como vocês?
Rebecca Winters

CAPÍTULO I

- E eu declaro - o capelão franziu a testa ao ler o nome na licença especial - Rafael de Mendez y Lucar e Kit Spring oficialmente casados.
Mesmo sob o efeito da medicação, Rafe fitou-a e Kit pôde ver uma mensagem de amor em seus olhos negros.
Vasculhara dois continentes durante oito semanas a sua procura, sem saber sequer se a veria novamente, e só conseguira encontrá-la quando alguém lembrara
o nome do lugar onde Kit havia nascido. Chegara um dia antes e fora procurá-la no hotel obscuro onde estava trabalhando, pondo um ponto final na separação, e agora
as tão esperadas palavras haviam sido finalmente pronunciadas.
Kit sabia que agora ele estava calmo, em paz.
Sem esperar pela autorização do capelão, inclinou-se para beijar os lábios pálidos que tanto desejava, mas o anestesista impediu-a de tocar o marido.
- Lamento, sra. Mendez, mas já devia ter administrado a droga há cinco minutos - e fez um sinal para o auxiliar, que o ajudou a guiar a maça para fora da
sala de emergência e através do corredor.
Kit os seguiu até o elevador, incapaz de acreditar que Raje, sempre tão forte e corado, jazia pálido e indefeso sob o lençol branco. A possibilidade de
perdê-lo paia sempre a fez adiantar-se e agarrar o braço do médico.
- Por favor - sussurrou -, não deixe que nenhum mal lhe aconteça. Eu não suportaria...
Os dois meses de separação haviam sido tão dolorosos, que ainda não conseguira recuperar o equilíbrio. A tensão a dominava, tanto que sequer havia percebido
que o escudo dos Mendez esculpido no anel que Rafe usara para a cerimônia cortava a palma de sua mão.
- Um coágulo cerebral é sério, mas a operação para aliviar a pressão é rotineira. Não tenho dúvida de que ele logo estará bem.
Antes de fechar as portas do elevador, o cirurgião sorriu com segurança tentando tranqüilizá-la, mas foi inútil.
- Sra. Mendez - o capelão chamou, tocando-a no braço. - Sei que não poderá descansar enquanto não souber o resultado da cirurgia, e por isso vim me oferecer
para lhe fazer companhia.
A última coisa que desejava nesse momento era companhia, mas não podia ser rude com o pastor Hughes, capelão do hospital e responsável pela cerimônia de
dois minutos que a unira a Rafe.
Lúcido, apesar do acidente que provocara o grave ferimento em sua cabeça, Rafael recusara-se a sofrer a cirurgia antes de torná-la sua esposa, e Kit concordara
imediatamente. Percebendo que a agitação poderia interferir de maneira negativa no resultado da cirurgia, o dr. Penman decidira permitir que o casamento fosse realizado
na sala de emergências. Na verdade, todos ligados ao Hospital Universitário de Pocatello ficaram maravilhados, e Kit jamais poderia expressar a gratidão que sentia
pela equipe.
- Obrigada, capelão - disse, tentando afastar-se sem magoá-lo.
Mas, ao dar o primeiro passo, sentiu-se tonta e leve de apoiar-se nele por alguns segundos.
- Está sentindo alguma coisa, sra. Mendez? o capelão amparou-a.
Kit negou com a cabeça e, juntos, caminharam até a sala de espera, onde o capelão a fez sentar-se e beber um copo de água. Desde que chegara ao hospital,
seguindo a ambulância no carro que Rafe alugara, Kit recusara-se a comer ou beber qualquer coisa. Agora, até mesmo a água sem gelo tinha um sabor delicioso.
- Sente-se melhor?
O sorriso gentil do capelão a fez pensar em agradecer por tudo que havia feito, mas então lembrou-se de Diego Silva, piloto de Rate. Devia estar no aeroporto
até agora, imaginando o que acontecera. Precisava falar com ele e explicar sobre o acidente.
Desculpando-se, foi até as cabines telefônicas do saguão e conseguiu localizar Diego. Conhecera-o em outra ocasião, quando pilotara o jato que levara Rafe
e ela à África, numa viagem de negócios. Mas Rafe livrara-se dos negócios em uma hora, e aproveitara a desculpa perfeita para ficar longe da família e dedicar-se
totalmente a Kit.
A reação desesperada de Diego a fez ter certeza da amizade que o piloto devotava ao patrão. E quando lhe contou que haviam casado, Diego a agradeceu por
fazer o señor tão feliz. Com o coração aquecido pela demonstração de afeto, ouviu-o pronunciar mais algumas palavras em espanhol, uma língua que estava tentando
aprender, mas na qual jamais seria fluente. Diego disse alguma coisa sobre ir imediatamente para o hospital, mas Kit o convenceu a esperar até que o médico autorizasse
as visitas.
Antes de despedir-se, o piloto garantiu que entraria em contato com a família do patrão, e implorou para que ela não o deixasse sozinho.
Quando Kit voltou à sala de espera, o capelão permanecia no mesmo lugar.
- Tive oportunidade de celebrar alguns casamentos aqui no hospital, todos em caráter de emergência, mas a situação de vocês me deixou intrigado. É óbvio
que seu marido não é cidadão americano. Por que decidiram se casar? É tudo tão romântico, que pensei em convidá-la para jantar e ouvir sua linda história.
Kit sorriu, apesar das lágrimas que não conseguia conter, e deslizou uma das mãos pelos cabelos loiros, curtos e encaracolados.
- Se quer mesmo ouvir...
- É claro que sim! O que acha de irmos até a cantina? O doutor Penman afirmou que a cirurgia levaria uma hora e meia, no mínimo, o que significa que temos
muito tempo.
A sugestão era sensata, e Kit decidiu que já era hora de comer alguma coisa. A comida era saborosa, e o capelão possuía uma calma capaz de envolvê-la e
inspirar confiança. Os minutos passavam devagar, e de repente surpreendeu-se revelando coisas que jamais havia contado a ninguém.
- Estávamos a caminho da Espanha, onde pretendíamos nos casar. Quando atravessamos uma intersecção, a caminho do aeroporto, um jeep e uma caminhonete bateram
na outra faixa. O jeep foi atirado longe e, por alguma ironia do destino, atingiu justamente o nosso carro. Com o impacto, Rafe bateu a cabeça no vidro. Não perdeu
a consciência, mas percebei que estava tonto e confuso, especialmente pela dificuldade que tinha em falar. Alguém chamou uma ambulância, e o médico diagnosticou
a formação de um coágulo na área atingida pelo impacto. O cirurgião preparou-o imediatamente para a operação, mas Rafe insistiu em casar-se primeiro...
- Seu marido parece ser um homem forte e determinado.
- Ele é extraordinário! - sussurrou, pensando em como poderia explicar Rafe ao doce e simples capelão de Idaho. Educado nas mais famosas escolas européias,
fluente em diversos idiomas, sofisticado, rico, Rafael de Mendez y Lucar parecia maior que a própria vida. Originária da mais antiga aristocracia espanhola, sua
família estava entre as maiores proprietárias de terra da Andaluzia.
E ele a amava! Ela, Kit Spring, uma insignificante professora americana de vinte e cinco anos de idade, absolutamente só no mundo. Mas havia sido um amor
proibido que dividira a família Mendez, atirando irmão contra irmão e mãe contra filho.
Sabendo que era a razão pela qual Jaime estava sempre pronto a atacar Rafe e o motivo pelo qual ele e a mãe tratavam-se como estranhos, Kit não encontrara
outra alternativa senão afastar-se da família. Se desaparecesse, Jaime, que sempre havia andado à sombra de Rafe e tinha uma forte tendência à autodestruição, seria
poupado da humilhação de tê-la perdido para o irmão mais velho. Poderiam reunir a família e voltar a viver como antes.
Sem revelar os planos que destruiriam sua felicidade, demitiu-se do emprego na Espanha e voltou para os Estados Unidos, para Inkom, Idaho, a pequena cidade
de oitocentos e cinqüenta habitantes onde havia nascido e vivido até a morte dos pais. Rafe jamais a encontraria.
Mas, na tarde anterior, quando começava a pensar que enlouqueceria longe dele, Rafe aparecera milagrosamente no saguão do pequeno hotel onde era recepcionista.
O proprietário, velho amigo de seus pais, havia sido gentil o bastante para deixá-la trabalhar em troca de um quarto e comida.
A alegria de vê-lo entrando e o pavor provocado por sua expressão furiosa a fizeram retroceder até sentir a parede em suas costas.
- Como... como soube que eu estava aqui? - havia gaguejado.
- Tem razão de estar com medo - ele afirmara, ignorando a pergunta e saltando o balcão num movimento ágil. - Como teve coragem de fazer isso conosco?
- Você sabe por que decidi partir. Não queria tornar a situação ainda pior entre você e Jaime.
- Seu sacrifício jamais teria mudado a situação entre nós. Meu pai cuidou disso antes de morrer. De qualquer forma, o rompimento era inevitável, e Jaime
deixou a propriedade para tentar a vida sozinho. E eu vou levá-la comigo para a Espanha, de onde jamais devia ter saído.
- E sua mãe? Ela disse... Bem, disse que eu devia partir e deixar seus filhos em paz.
- Mamãe é uma mulher inteligente, e também aprenderá a amá-lo com o passar do tempo. Já consegui fazê-la entender o que sinto, disse que minha vida não
vale nada sem você, e até consegui uma licença especial. Vamos nos casar assim que chegarmos a Jerez. Onde está o dono desta espelunca? Temos de avisá-lo que a melhor
recepcionista da América está pedindo demissão.
- O sorvete, sra. Mendez - o capelão chamou-a, interrompendo as recordações.
- Oh, desculpe. Deve achar que sou extremamente rude.
- De jeito nenhum, minha querida. Sei que está apreensiva. Como conheceu seu marido?
- Através de Jaime, seu irmão - ela revelou, experimentando o sorvete de creme. - Há alguns meses, eu ensinava matemática e inglês na Base Naval Americana
em Rota, na Espanha. A cidade fica perto de Jerez Jaime ajudava Rafe a administrar os negócios da família. Eles são proprietários de muitos acres de terra, onde
cultivam a uva com a qual produzem o vinho que exportam para o mundo todo. No último outono, alguns amigos me convidaram para uma festa de degustação que Jaime estava
oferecendo. Uma coisa levou à outra, e começamos a sair.
- Mas foi o outro irmão que conquistou seu coração.
- Sim - suspirou.
- Deve ter sido difícil...
- Foi horrível! Jaime pediu-me em casamento antes de Rafe entrar em cena, mas eu sempre adiava o momento de dar uma resposta, porque queria ter certeza
de que o que sentia por ele era amor. Assim que conheci Rafe, compreendi u diferença entre amar e gostar de alguém.
Sem parar para respirar, Kit falou sobre a insistência de Rafe em assumir publicamente o namoro e as freqüentes bebedeiras de Jaime depois dela rejeitar
sua proposta. Ainda magoada, contou a terrível discussão que com a mãe deles e o retorno precipitado aos Estados Unidos. Finalmente falou sobre a inesperada chegada
de Rafe a Idaho, depois de ter percorrido dois continentes à sua procura.
- Rafe contou que Jaime deixou Jerez e foi viver em Madri. Quem pode saber o que está acontecendo com ele, em que está pensando... Parece que Jaime cortou
relações com todos - lamentou.
- Mas isso foi melhor para todos. Seu marido está certo, sra. Mendez. Esse tipo de situação deve ser encarada sempre com franqueza e honestidade. Além do
mais, o que parece um rompimento pode ser apenas o começo de uma vida adulta e responsável para o seu cunhado. Um dia ele encontrará uma mulher que o ame de verdade.
A culpa não foi sua.
- Eu sei, mas por minha causa a família separou-se.
- Está dizendo que preferia não ter conhecido seu marido?
- Oh, não!
- Eu já imaginava. A vida tem caminhos estranhos, e nesse momento seu marido precisa de todo seu amor e apoio.
- Ele é minha vida, capelão. Rafe precisa ficar bom!
- Onde está sua fé, minha filha? - o religioso sorriu. - Se já terminou seu sorvete, acho que devemos voltar à sala de emergência e descobrir se já há alguma
notícia.
Vinte minutos depois o médico surgiu na sala de espera o Kit saltou da cadeira.
- Doutor Penman! E então? Rafe vai ficar bom?


CAPITULO II

- A operação foi um sucesso, e seu marido já foi levado para a sala de recuperação. Talvez possa vê-lo amanhã cedo, mas só por alguns minutos. Por volta
das oito, está bem?
Eram dez e meia da noite, o que significava que teria de esperar cerca de dez horas.
- Não posso vê-lo agora?
- Quer que ele volte a ser forte e saudável, não?
- É claro que sim! E obrigada por tudo, doutor.
- Seu marido é um homem de sorte - ele riu. - Vá descansar um pouco sra. Mendez. Não vai querer que ele a veja pálida e com olheiras, não é?
O doutor Penman se foi e o capelão sorriu.
- Eu disse que não tinha motivos para preocupar-se. Está pronta para partir? Estou a caminho de casa, e teria o maior prazer em deixá-la em algum lugar.
- Obrigada, mas o carro que alugamos está na garagem do hospital. O acidente só arruinou a pintura, mas não amassou a lataria e nem danificou o motor. Vou
procurar um hotel e descansar.
O religioso recomendou um hotel próximo e partiu.
Sentar-se novamente no carro onde Rafe havia sofrido o estúpido acidente a enervava. Quando chegou ao hotel, estava tão tensa e aflita que não conseguia
sequer pensar em descansar.
Jamais havia imaginado que uma noite podia arrastar-se com tanta lentidão. As poucas horas de sono foram agitadas, interrompidas por ataques de ansiedade
e pesadelos que a faziam levantar-se e andar de um lado para o outro, olhando para o anel que Rafe lhe dera horas antes. Era uma jóia de família passada para os
primogênitos durante quatro gerações de Mendez e entregue a Rafael por seu pai, Don Fernando. Temendo perder algo tão valioso, Kit guardou-o num compartimento interno
da bolsa.
Pouco antes das oito da manhã, tomou um copo de suco e foi direto para o hospital. Na sala de emergência, uma enfermeira comunicou que devia ir centro de
recuperação, onde o doutor Penman a recebeu na porta.
- Seu marido teve uma noite calma e está descansando. Até agora não constatamos complicações. Mesmo assim, só vou permitir que o veja por alguns instantes,
porque o sr. Mendez ainda está um pouco tonto e confuso.
- Isso é normal? - Kit perguntou alarmada.
- Sim, e bastante freqüente. Os episódios não são prolongados, mas cada paciente respondeu de maneira diferente. Quis informá-la para evitar que diga alguma
coisa capaz de aborrecê-lo ou inquietá-lo. Apenas comporte-se naturalmente. Podemos entrar?
Rafe estava imóvel sobre a cama, a cabeça envolta por bandagens e o corpo ligado aos monitores. Estava acordado, e acompanhava a aproximação da esposa e
do médico com expressão indiferente.
- Como vai, querido? Senti sua falta - ela sorriu, tocando-o no braço.
Rafael fitou-a com ar interessado... mas não deu o menor sinal de tê-la reconhecido.
- Sou eu, meu amor. Kit. E amo você, lembra-se?
- Kit? - ele repetiu.
- Isso mesmo. Nós nos casamos ontem à noite, e agora sou sua esposa. Sente alguma dor? - perguntou, tentando dominar o pânico.
Ele murmurou algumas frases em espanhol e fechou os olhos. O doutor Penman chamou-a do outro lado da sala, onde discutia com a enfermeira. Tensa e preocupada,
Kit seguiu-o até o corredor.
- Ele não me reconheceu! - exclamou. - Quando disse que meu marido estava confuso, pensei que... Não tinha idéia de que não me reconheceria.
- Isso é temporário - o médico informou. - Espere mais vinte e quatro horas, e verá como ele estará melhor. Telefone esta noite, no horário das minhas consultas.
Se ele estiver menos confuso, talvez possa vê-lo por alguns minutos. Senão, volte amanhã neste mesmo horário.
Kit telefonou doze horas mais tarde, mas as condições de Rafe permaneciam inalteradas. Quando setenta e duas horas se passaram sem que ele a reconhecesse
ou recordasse o que havia acontecido, o doutor Penman exigiu novos e variados exames. Os resultados indicaram que não havia nada de errado em seu organismo.
Sentindo-se num pesadelo, Kit compareceu à reunião com o doutor Penman e um tal doutor Noyes, psiquiatra.
- Por que ele não lembra de mim, doutor? Estou com medo.
- Eu sei que está. A perda de memória perturba o paciente e fere aqueles que o amam - o psiquiatra explicou.
- Já viu alguém demorar tanto para livrar-se de uma amnésia?
- Sim, sra. Mendez. No final da era Vietnam, quando mudei-me para a Califórnia, tive a oportunidade de trabalhar com vários pacientes que haviam perdido
a memória em função de ferimentos na cabeça. Eram homens como o seu marido, sem complicações anteriores ou problemas fisiológicos. Trabalhei com o grupo durante
três meses, e todos haviam recuperado depois desse período.
- Três meses? - Kit exclamou. - Está comparando ferimentos de guerra ao acidente que meu marido sofreu?
O psiquiatra estudou-a por alguns momentos e revelou:
- Estava esperando que pudesse me dizer.
- Eu... não entendo.
- Na minha opinião, seu marido pode estar sofrendo do que chamamos amnésia psicogênica, ou uma perda de memória sem causas orgânicas. Em outras palavras,
o termo implica num quadro de stress anterior ao ferimento. Com os soldados, a tensão é provocada pela fadiga, pelo terror, o isolamento... enfim, coisas que a mente
gostaria de suprimir. Com os civis, a causa normalmente reside num grave problema financeiro ou em crises familiares prolongadas, como rompimentos entre pais e filhos
ou irmãos. Nesse caso, a amnésia serve para ajudar o paciente a escapar de uma situação intolerável, de circunstâncias com as quais ele não foi capaz de lidar de
maneira racional. Há alguma coisa desse tipo no passado de seu marido?
- Meu Deus...
- O que foi, sra. Mendez?
Nervosa, Kit contou ao médico tudo o que havia acontecido desde que conhecera a família do marido, suprimindo apenas os detalhes mais íntimos.
Quando concluiu seu relato, o psiquiatra afirmou com a cabeça.
- Numa família aristocrata como a que descreveu, o dever e a honra assumem importância espantosa. A carga insuportável que seu marido suportou veio, sem
dúvida, do conflito entre os sentimentos pela mulher amada e o senso de responsabilidade familiar. E como se não bastasse, a mulher por quem havia arriscado tudo
o abandonou, obrigando-o a correr meio mundo até encontrá-la. A amnésia foi um sinal, sra. Mendez, uma forma da mente expressar seu estado de exaustão.
- Mas ele me encontrou, e nos casamos antes de Rafe ser operado!
- Isso explica o desejo quase irracional do paciente. Ele insistiu em casar-se antes de receber a anestesia - o doutor Penman contou ao colega.
- Exatamente - o doutor Noyes sorriu. - Sra. Mendez, o quadro de seu marido é clássico. O acidente ocorreu antes do casamento, e por isso ele suprimiu o
feliz episódio da memória, junto com todos os outros eventos traumáticos. Pelo que disse, a situação familiar permanece inalterada...
- Sim, é verdade. Quanto tempo acha que ele ficará sem memória?
- Os pacientes respondem de duas maneiras diferentes. O primeiro grupo emerge com a identidade totalmente recuperada e um lapso que cobre o período de amnésia
ou fuga, como a chamamos.
- E o segundo?
- No segundo grupo, o mais raro, os pacientes têm conhecimento da perda de identidade pessoal e sofrem de amnésia por toda a vida.
- Não!
- Sei que é chocante, sra. Mendez. Gostaria de afirmar que a amnésia de seu marido é temporária, mas não posso ter certeza. Além do mais, no momento estou
mais preocupado com você do que com o sr. Mendez - o psiquiatra confessou.
Kit ergueu o rosto molhado, pensando em como ele podia dizer algo tão absurdo.
- O fato é que seu marido não perdeu a mobilidade ou a capacidade de cuidar de si mesmo. Por exemplo, ele sabe escovar os dentes e cuidar da higiene pessoal.
Sabe que hoje é sexta-feira e tem até consciência de estar em Idaho, proveniente da Espanha. Seu comportamento é absolutamente normal e adequado, e a única coisa
que o torna diferente cio que era antes da cirurgia é o fato de não poder lembrar o passado. Mas ele ainda não está perturbado com a situarão, porque ninguém tentou
forçá-lo a recordar os episódios que a mente suprimiu. Por outro lado, sua mente funciona perfeitamente, e a situação é bastante dolorosa. Eu e o dr. Penman queremos
dizer que estamos aqui para ajudá-la a lidar com isso da melhor maneira possível.
- Não sei nem por onde começar!
- É natural - o doutor Penman tentou acalmá-la. - Amnésia é uma quadro bastante diversificado e, por isso, extremamente imprevisível. Por enquanto, seu
marido precisa recuperar-se da operação. Em alguns dias ele será transferido para o quarto, onde poderá lhe fazer companhia durante todo o tempo, se desejar. Nesses
dias, tente acostumar-se com a situação. Até lá, no entanto, decidimos que é melhor não vê-lo.
- E quando puder ver meu marido, o que devo dizer? Como devo agir?
- Siga seu instinto. Seu maior problema será tentar esconder a raiva.
- Raiva?
- Exatamente, sra. Mendez. Em pouco tempo estará sentindo raiva de seu marido. Faz parte do processo e é saudável, desde que não se prolongue. Falaremos
novamente sobre esse assunto antes dele sair do hospital - o psiquiatra garantiu.
Terminada a reunião com os médicos, Kit saiu do hospital e, com lágrimas nos olhos, jurou a si mesma que faria tudo para ajudar Rafe a recuperar a memória.
E se fosse impossível, então o conquistaria novamente. Depois de oito semanas de separação, sabia que a vida sem ele era impossível.


CAPÍTULO III

Seis dias após a cirurgia, Rafe foi transferido para o quarto e Kit recebeu autorização para visitá-lo. Surpresa com a própria palidez, decidiu lavar os
cabelos e aplicar um pouco de maquiagem para realçar os olhos verdes, disposta a recuperar a aparência com que atraíra sua atenção.
Usou o mesmo traje do primeiro encontro, um vestido justo que mostrava suas curvas e provocava a admiração masculina por onde quer que passasse. Colocou
algumas gotas de seu perfume favorito e pôs os brincos de ouro que ele lhe dera.
De acordo com o doutor Noyes, a memória de Rafe podia voltar a qualquer instante, provocada por eventos insignificantes e decidira ir às últimas conseqüências
para acelerar o processo.
- O que eu não daria para ter sua beleza - a enfermeira brincou ao vê-la entrando. - Na verdade, o que eu não daria para ser casada com um homem como seu
marido. Os enfermeiros o trouxeram há pouco, e o sr. Mendez está repousando. Ele insiste em dizer que é capaz de fazer tudo sozinho, e está desesperado para deixar
o hospital. É um lutador, e isso é um bom sinal.
- Espero que esteja certa. Meu marido sempre assumiu a responsabilidade por outros, e não está acostumado a depender de ninguém.
- Eu já notei. Ele pode esquecer o passado, mas não há nada errado com o resto de seu corpo... se é que me entende.
- Entendo - Kit riu. - E pretendo concretizar meu casamento.
- Com essa aparência, aposto que não terá nenhuma dificuldade.
- Pois vou lhe confessar uma coisa, enfermeira. Estou apavorada!
- No seu lugar, também estaria.
- Tem algum conselho a me dar?
- Mostre todo o amor que sente por ele. Sei que não parece muito profissional, mas nesses casos não há uma orientação específica a ser seguida.
Nervosa, Kit agradeceu e dirigiu-se ao quarto do marido. Não voltara a vê-lo depois do primeiro dia no hospital, mas havia almoçado e jantado na cantina
todos os dias, sempre em companhia de Diego e do capelão. O piloto mantinha-se atento e próximo, e assumira a tarefa de transmitir todas as notícias à família Mendez.
Sua amizade e as palavras doces do religioso foram as únicas coisas capazes de suportá-la durante a semana de agonia, mas agora estava acabado.
Quando entrou no quarto, Rafe estava sentado na cama, assistindo a um programa na tevê. Parecia perfeitamente normal, e só o pequeno curativo sobre o corte
indicava que havia suportado algo sério como uma cirurgia cerebral.
Ao vê-la, ele desligou a televisão e estudou-a com expressão interessada, porém distante.
- Olá - Kit cumprimentou, deixando a mala de roupas que trouxera para ele perto do armário. Com esforço, conseguiu mostrar uma calma que não sentia. -:
Sabe quem sou eu?
- Lembro-me de ter visto seu rosto quando acordei, depois da operação. Entre outras coisas, os médicos disseram que você é minha esposa. Kit. Por que não
usa o nome completo, como a maioria das mulheres? Kitty.
- Quando nos conhecemos, em janeiro, você perguntou a mesma coisa, e eu expliquei que meu nome verdadeiro é Kit.
- Janeiro... Agora estamos em abril.
- Dia vinte e quatro - disse, fitando-o em busca de algum sinal de reconhecimento. No mês de maio, Jerez realizava a feira da uva, e Jaime sempre havia
dito que Rafe, como primogênito e herdeiro da propriedade, deveria abrir a feira é desfilar seus cavalos premiados pela praça, ocasião em que Kit, pretendia acompanhá-lo.
Mas agora...
- Nós nos conhecemos e nos casamos em menos de quatro meses? - ele estranhou.
- Teríamos nos casado em algumas semanas, não fossem algumas pequenas complicações.
- Por acaso dormimos juntos? Você está grávida? Seria fácil dizer que haviam sido amantes desde o início e que havia uma grande possibilidade de estar esperando
um filho, mas um casamento baseado em mentiras sempre terminava em fracasso.
- Não - respondeu.
- Por que não? Você é linda, e qualquer homem a teria desejado. Já sei! Decidi me casar com você por que não consegui seduzi-la de outra maneira. Devo acreditar
que é virgem? - ele sorriu com cinismo. - Quer me convencer de que nenhum homem jamais viu ou sentiu os tesouros ocultos sob esse vestido tentador?
- Sei que no momento sou uma estranha para você, mas pensei que pudéssemos nos tratar com um mínimo de civilidade
- Kit respondeu furiosa.
- Mas eu estou sendo civilizado. Você veio ao meu quarto afirmando ser minha esposa, e como não me lembro de nada, não tenho outra opção a não ser aceitar
tudo o que você e os médicos dizem. E claro que tenho algumas perguntas, especialmente no que diz respeito à minha vida particular, vida esta que, segundo dizem,
dividi com você.
- Ainda sou virgem, mas só porque nunca encontrei alguém que me fizesse dar o grande passo. Até conhecer você o me apaixonar. Alguns problemas impediram
que nos entregássemos à paixão. Seu irmão mais novo... bem, ele também apaixonou-se por mim.
- Um irmão... Quanto tempo mais novo?
- Dois anos. Ele tem vinte e nove.
- E você?
- Farei vinte e seis em outubro.
- Ainda não entendi por que não fizemos amor.
- É muito complicado. Não queríamos magoar seu irmão, especialmente porque ele me conheceu primeiro e chegou a pedir-me, em casamento.
- Se não o amava, por que continuou atormentando o rapaz?
Sem saber, Rafe conseguiu tocar o ponto principal de ser pesadelo.
- Eu gostava de Jaime. Ele era um homem maravilhoso, gentil e cheio de vida, e pensei que, com o tempo, meus sentimentos transformariam-se em amor. Mas
não aconteceu.
- E durante todo esse tempo, nós dois enganamos meu irmão? É isso que está dizendo?
- Não! Nós só nos conhecemos quatro meses depois de Jaime ter entrado em minha vida.
- Se meu irmão chegou a pedi-la em casamento, por que não fomos apresentados antes?
- Jaime nunca me levou à fazenda de sua família. Nós nos víamos às escondidas, nos dias em que eu não dava aulas. A princípio não dei importância, mas depois
compreendi que ele temia revelar à família a namorada americana. - E também não queria que ela conhecesse seu irmão antes de estarem casados. - Numa família antiga,
rica e tradicional como a sua, os filhos ainda se casam com as mulheres escolhidas pelos pais.
- Um costume arcaico do qual eu discordo.
- Sim, é verdade. E esta foi a origem do conflito familiar. Você e Jaime haviam decidido que preferiam a solidão ao casamento sem amor. Isso destruiu os
planos que sei pai havia traçado para você. Na verdade, quando sofreu o primeiro ataque cardíaco, há alguns anos, seu pai culpou-o numa tentativa de obrigá-lo a
mudar de idéia.
- Madre de Dios!
- Rafe, querido...
- Do que me chamou?
- Rafe. É um apelido carinhoso. Todos o chamam de Rafael, e você até me contou que seu pai escolheu esse nome por causa do arcanjo. Ele dizia que um dia
você herdaria tudo, e então o arcanjo Rafael seria o guardião da fortuna dos Mendez. Também falou várias vezes sobre como a propriedade familiar é importante para
você, especialmente depois da morte de seu pai.
Ainda surpreendia-se com o fato do destino de Rafe ter sido selado pelo pai no momento do nascimento. Por isso ele odiava o que o pai lhe fizera... a ele
e a Jaime que, como segundo filho, não recebera nenhum direito ao nascer. Por isso o caçula julgava-se inferior e desprezível.
- Você fala como se meu pai fosse um monstro. Como posso saber que não está aproveitando o momento paia conquistar algumas vantagens? Pelo que sei, não
passa de urna professora americana pobre de urna pequena cidade do interior, uma mulher sem recursos que pode muito bem usar as armas que tem para explorar minha
família e afastar-me de meu irmão.
- Se realmente acredita nisso, podemos pedir a anulação do nosso casamento com base na falta de consumação. - Furiosa, Kit abriu a bolsa, apanhou o anel
e a certidão de casamento e atirou-os sobre a cama. - Estas são as provas de que realmente nos casamos. Você me emprestou o anel até que pudesse me dar uma das jóias
da família, coisa que eu nunca quis. Seu amor era suficiente. Deixarei um endereço com Diego, seu piloto. Ele está na cidade, esperando para levá-lo de volta à Espanha.
Assim que chegar lá, procure seu advogado e diga a ele que mande os papéis para a anulação. Assinarei tudo sem protestar, e nunca mais voltaremos a nos ver.
- Ei, onde pensa que vai? - ele perguntou, vendo-a aproximar-se da porta.
- Voltar para a pequena cidade do interior onde pobres professoras não precisam ser humilhadas. Para onde mais, Don Rafael de Mendez y Lucar? Este é seu
título oficial, o nome que está impresso na licença de casamento que conseguiu na Espanha. Faça bom uso dele... e adeus, señor.


CAPITULO IV

Várias horas mais tarde, já no quarto do hotel, Kit lembrou o que o médico lhe dissera sobre a possibilidade de sentir raiva de Rafe e preocupou-se. Amava
o marido, e queria vê-lo saudável novamente. Uma explosão como a que tivera pouco antes podia ser prejudicial ao processo de recuperação, e isso era a última coisa
que desejava.
Um recado do doutor Noyes chamando-a ao hospital a fez sentir-se ainda mais culpada.
- O que aconteceu? - perguntou angustiada ao entrar em seu consultório, vinte minutos depois.
- Não aconteceu nada - ele espantou-se.
- Não? Rafe não lhe falou sobre nossa discussão? Foi horrível. Não queria dizer aquelas coisas - e relatou os fatos numa torrente de palavras ansiosas.
O sorriso do médico pegou-a de surpresa.
- Já discutiram? Isso é ótimo! Significa que suas emoções estão em contato, apesar do lapso de memória.
- Estou envergonhada e apavorada, doutor. Se fiz ou disse algo que não devia...
- Bobagem! Discutirão outras vezes, até encontraram um meio de lidar com os eventos atuais. Chamei-a aqui porque o departamento de psiquiatria da Universidade
de Utah indicou dois profissionais na Espanha, um em Madri e outro em Sevilha. Quer que eu telefone para eles e discuta o caso?
- Já falou com Rafe sobre esse assunto?
- Sim, mas ele disse que não vê necessidade. Seu marido não é homem de depender da ajuda de terceiros, e prefere arcar sozinho com o peso de seus problemas.
Acho que você é a única capaz de exercer alguma influência sobre ele.
- Se tivesse ouvido as coisas que ele disse esta manhã...
- Aposto que o sr. Mendez já está arrependido, esperando por sua visita. Ele não tem nenhuma lembrança do passado, mas sabe que você é sua esposa e única
fonte de apoio no momento. O fato de tê-la combatido com tanta ferocidade é prova disso. Ele sabe que tem de confiar na esposa, mas não gosta disso. Não é o tipo
de homem que deposita confiança em objetos externos, e vai testá-la a cada passo do caminho.
- E mesmo assim, acredita que serei capaz de convencê-lo a consultar um psiquiatra quando voltarmos à Espanha?
- Acho que, se prepararmos o terreno agora, logo estarão alcançando um ponto em que ambos desejarão falar com alguém. E é melhor ter algum nome em mente,
de preferência um profissional competente e sério.
- Concordo. Por favor, entre em contato com o psiquiatra de Sevilha. É mais perto de Jerez.
- Telefonarei para ele amanhã cedo.
- Obrigada. Se precisar de mim, estarei no quarto de Rafe.
- Isso mesmo. Ir até lá servirá para mostrar que é mais forte do que ele imagina, e isso lhe dará a segurança necessária para confiar.
Mais calma, Kit dirigiu-se ao quarto de Rafe disposta a desculpar-se pela explosão e manter o controle.
- Como está meu marido? - perguntou à enfermeira responsável pelo plantão noturno.
- Felizmente chegou! Ele estava ameaçando deixar o hospital para ir procurá-la.
As palavras da enfermeira foram como um bálsamo para seu coração.
- Eu estava no consultório do doutor Noyes.
- Da próxima vez que for a algum lugar, é melhor avisar seu marido.
- Por quê? Houve algum problema?
- A pressão sangüínea subiu um pouco, e estou convencida de que a causa foi sua ausência.
- Tomarei cuidado para que isso não se repita.
- Homens! Nunca estão por perto quando precisamos deles, mas agem como crianças mimadas quando não lhes damos atenção.
Rafe estava sentado na mesma posição de antes, lendo uma revista. Quando viu Kit entrar, jogou a revista na mesa do telefone e encarou-a como quem está
pronto a retomar a batalha.
- Desculpe pela explosão - ela começou. - Fiquei muito nervosa, mas depois me acalmei e tentei colocar-me em seu lugar. Infelizmente não consegui. Não posso
culpá-lo por não confiar em mim, mas gostaria de provar que estou do seu lado. Esqueça que somos casados. Afinal, é só um papel, e não significa nada se não houver
um compromisso.
- Está dizendo que arrependeu-se por ter se casado comigo?
- Não! Mas se você estiver...
- Não sei o que penso ou sinto, mas parece que somos realmente casados.
- Só se você quiser. Sua vida toda ficou na Espanha, num lugar maravilhoso onde existem raízes fortes e profundas. A propriedade, negócios que exigem sua
experiência, questões familiares, preocupações... Você é o homem mais importante e influente de toda Andaluzia, um cidadão respeitado e admirado por todos.
- Está falando como se eu fosse um modelo de perfeição - ele irritou-se.
- Exatamente. Por isso me apaixonei por você.
- Esse meu irmão... Pode falar mais sobre ele?
Kit escolheu as palavras com cuidado.
- Ele o ajuda a administrar a propriedade.
- E somos próximos?
- Você sempre quis aproximar-se mais, mas existem vários obstáculos.
- Está falando de você mesma... e de meu pai.
- Pelo que consegui compreender desde que conheci a família, seu pai o nomeou herdeiro absoluto no dia em que nasceu. Jaime sempre foi tratado como o menos
importante, ignorado, e a preferência evidente de seu pai acabou por abalar as relações entre você e seu irmão. A inveja de Jaime o envenenou e colocou uma carga
terrível sobre seus ombros. Você nunca conseguiu compensar a ausência do amor paterno, porque seu irmão insistia em repelir todas as tentativas de aproximação.
Depois de um breve silêncio, Rafe perguntou:
- Se Jaime nunca a levou à nossa casa, como nos conhecemos?
Kit já esperava pela pergunta, e respirou fundo para conter as batidas aceleradas do coração.
- Certa noite combinamos um encontro, mas o carro de Jaime estava na oficina e eu fui buscá-lo na bodega depois do horário de trabalho. Quando cheguei,
você estava lá. Um dos trabalhadores deveria avisar-me que Jaime não poderia comparecer, porque ficara retido nas videiras resolvendo problemas urgentes. Mais tarde,
você confessou que havia dito ao empregado que daria o recado. Queria conhecer a americana com quem Jaime estava saindo, a mulher que tornara-se alvo dos comentários
locais.
- Continue.
- Ouvi falar em Rafael de Mendez desde que cheguei a Rota, uma cidade próxima de Jerez. Quando conheci Jaime numa festa de degustação de vinho, para onde
fui levada por alguns amigos, percebi que ele o admirava e invejava, e que nutria um grande ressentimento por você. Então o conheci, e compreendi que não era o monstro
que havia imaginado. Na verdade, senti uma atração imediata por você, e isso me deixou apavorada.
- Parece que o sentimento foi mútuo - Rafe murmurou com a testa franzida.
- Sim. Você me convidou para ir à fazenda e provar o vinho especial que reservava para amigos íntimos e familiares. Sabia que não devia ir, e recusei o
convite. Mas você insistiu, dizendo que Jaime já devia ter me levado para conhecer a família, e eu acabei concordando. No minuto em que passei por aquela porta soube
que estava traindo Jaime, mas os sentimentos que você despertava em mim traíam a lógica. Sua mãe havia saído para visitar amigos e nós passamos uma tarde inesquecível
juntos. Saboreamos o vinho especial e você me mostrou a fazenda, um verdadeiro museu da história da arte espanhola. Quando me acompanhou até o carro, compreendi
que algo avassalador acontecia comigo. Prometi a mim mesma que nunca mais voltaria a vê-lo.
- Por quanto tempo conseguiu cumprir a promessa?
- Pouco. Você telefonou duas vezes no dia seguinte, e acabamos combinando um piquenique. Depois disso, passamos a nos ver todos os dias e noites, sempre
que Jaime ficava preso no trabalho. Comecei a evitar seu irmão, e só o encontrava em locais públicos, onde existissem outras pessoas por perto. Sentia-me culpada,
mas... Bem, estava apaixonada por você.
Rafe mantinha os olhos fixos em seu rosto, atento e sério, e Kit prosseguiu.
- Cerca de um mês depois de nos conhecermos, eu o acompanhei numa viagem rápida. Seguimos no jato particular e passamos o dia fazendo turismo. Naquela noite,
você me levou para jantar num restaurante à beira-mar e falamos sobre nossas vidas e sonhos. Depois caminhamos pela praia, você me beijou... e me pediu em casamento.
- Por Diós! O modelo de perfeição roubou a namorada do próprio irmão!
- Não, Rafe! Você não é esse tipo de homem. Deixe-me explic...
- Sr. Mendez?
A enfermeira entrou com a bandeja do jantar e interrompeu a conversa.


CAPÍTULO V

Kit apanhou a bandeja e colocou-a sobre a mesa acoplada à cama, agradecendo a enfermeira que, discreta, saiu em seguida. Tentou ajudá-lo a servir-se, mas
Rafe segurou-a pelo pulso e empurrou a mesa.
Apesar da violência do gesto, o contato físico provocou uma onda de calor que espalhou-se por seu corpo. Seis dias haviam se passado desde que sentira o
toque daquelas mãos pela última vez!
- Acha que vou conseguir comer agora? - ele explodiu, soltando-a subitamente. - Como posso ter conhecido uma mulher com quem meu irmão saía havia quatro
meses e tê-la pedido em casamento em tão pouco tempo?
Rafe estava visivelmente horrorizado com o que julgava um ato de deslealdade para com o irmão do qual sequer se lembrava. Não suportava vê-lo sofrendo tanto,
e teve de lutar para conter o desejo de abraçá-lo e oferecer um pouco de conforto.
- Não tenho nenhuma explicação - ela suspirou. - Mas os franceses chamariam tudo isso de coup de foudre. Raio de luz. Amor à primeira vista. Foi o que aconteceu
conosco. Quando me levou de volta, depois daquela breve viagem, você disse que contaria tudo a Jaime, pois ele merecia saber a verdade. Eu concordei, mas pedi que
me deixasse contar tudo sozinha, quando julgasse adequado. Era minha obrigação.
- Tenho a impressão de que você não cumpriu com essa obrigação.
- Não. Antes que eu tivesse uma oportunidade, você falou sobre nós com sua mãe. Ela me telefonou alguns dias mais tarde e convidou-me para um almoço num
restaurante de Jerez. Durante a refeição, ela implorou para que eu deixasse o país e nunca mais voltasse, pois nosso relacionamento acabaria destruindo Jaime. Se
eu partisse, ele superaria o sofrimento e você se casaria com uma jovem de Sevilha chamada Luísa Rios, uma moça de boa família e muito dinheiro. Sua mãe insinuou
que você logo me esqueceria.
- Meu irmão é realmente instável como está dizendo?
- Não sei. Ele sempre vivei à sua sombra, e as palavras de sua mãe me assustaram. Demiti-me do emprego na base naval e voltei para os Estados Unidos sem
me despedir de ninguém.
- Fugiu de mim...
- Foi necessário! Já havia existido muito sofrimento em sua casa, e não queria causar mais dor.
- Então não me amava de verdade. Não com a profundidade que eu devo tê-la amado... já que estava disposto a arriscar tudo, até mesmo o ódio de meu irmão
e a reprovação de minha mãe. Se desapareceu sem sequer despedir-se, não podia estar preocupada com meus sentimentos. O doutor Penman disse que passei dois meses
à sua procura, até finalmente encontrá-la.
- Eu estava preocupada, devastada e...
- Por que decidiu voltar à Espanha comigo?
- Não vai acreditar em mim. Depois de dois meses de tormento, decidi que não podia sacrificar nossa felicidade para impedir o sofrimento de Jaime. Estava
prestes a telefonar para a fazenda e pedir que fosse me encontrar em Idaho, quando o vi entrando no hotel.
- Tem razão. Não acredito em uma palavra do que disse.
- Então, por que acha que me casei com você?
- Não sei. Talvez para confortar um homem que corria o risco de não sobreviver à cirurgia. A julgar pelo que acabou de contar, você tem uma certa tendência
ao auto-sacrifício.
A voz dele soava cansada e, preocupada com sua saúde, Kit anunciou:
- Acho que vou sair e comer alguma coisa. Quer que eu volte, ou prefere ficar sozinho?
- Tanto faz.
- Então vou deixá-lo descansar em paz. - Usando a caneta e o papel que encontrou sobre a mesa de cabeceira, escreveu o telefone do hotel onde estava hospedada.
--Se precisar de mim, não hesite em telefonar.
Numa demonstração de imenso controle, Kit saiu sem demonstrar a dor provocada por seu último comentário.
De volta ao quarto de hotel, telefonou para Diego e autorizou-o a visitar o amigo e patrão, garantindo que Rafe estava em excelente estado de saúde e certamente
gostaria de sua companhia.
Na tarde seguinte, Kit vestiu-se e maquiou-se com cuidado antes de ir visitar o marido, disposta a impressioná-lo da melhor maneira possível. Sabia que,
no íntimo, Rafe ainda era o mesmo homem de antes, aquele por quem apaixonara-se de imediata e que a amara desde o primeiro instante.
Quando entrou em seu quarto, encontrou-o em pé ao lado da cama, usando o telefone. Ao vê-la, ele desligou o aparelho e exclamou com sarcasmo:
- Quanta gentileza! Minha esposa decidiu aparecer.
Kit pensou em lembrá-lo sobre o que dissera na noite anterior, mas mudou de idéia. Não queria provocar mais uma discussão.
- Vejo que já está bem melhor - comentou. - Trocou o pijama pelas roupas de passeio, e parece que esteve caminhando um pouco.
- Se estivesse aqui de manhã, quando os médicos vieram me examinar, saberia que serei liberado amanhã cedo. Era sobre isso que queria falar com você.
- Isso... isso é maravilhoso, Rafe - gaguejou, surpresa com a notícia. - Os médicos disseram quando poderá voltar à Espanha?
- Pretendo partir amanhã mesmo. Já discuti os detalhes com Diego, que à esta hora deve ter informado minha mãe.
Kit ficou atônita. Todos os arranjos haviam feito sem o seu conhecimento, e Rafe preferira a ajuda de Diego à sua. A revelação atingiu-a com o poder de
uma bomba e provocou novas dúvidas.
- O doutor Penman sabe que pretende viajar?
- É claro que sim.
- Mas você foi operado há uma semana! Não quero que corra o risco...
- Para recuperar a memória, o que pode ou não acontecer, devo estar em lugares familiares e próximo de coisas ligadas ao meu passado.
- Devia ficar mais alguns dias...
- Qual é o problema? Tem medo que eu descubra que andou mentindo? Por isso ficou tão pálida e assustada?
- Se teve oportunidade de conversar com Diego, então sabe que eu disse a verdade.
- Sei? Parece que você e Diego são muito próximos... Mais do que deveriam, dadas as condições de empregado e esposa.
- Pelo amor de Deus, Rafe! Diego é seu amigo! Faria qualquer coisa por você, e foi ele quem o ajudou a me procurar durante dois meses. Diego passou a última
semana esperando para vê-lo, aflito com seu estado de saúde.
- É mesmo? Pois ele passou o tempo todo falando sobre você. É óbvio que está encantado!
- Rafe, não diga bobagens! Diego tem uma esposa e dois filhos, e é absolutamente maluco pela família!
- Desde quando isso impede um homem de desejar outra mulher? - ele perguntou com cinismo, deslizando os olhos por seu corpo e detendo-se em algumas curvas
mais pronunciadas.
Kit só percebeu o quanto estavam próximos, quando ele ergueu o braço e deslizou um dedo em torno de sua boca, criando uma necessidade intensa que ameaçava
incendiá-la.
Removendo o batom que havia ficado retido em sua pele, Rafe friccionou o dedo contra a palma da outra mão num gesto lento, como se estivesse saboreando
alguma recordação.
- Agora entendo porque meu irmão não foi o único seduzido por seu charme. Você é desejável, mi esposa. Talvez até me arrependa por voltar à Espanha sozinho.
- Sozinho? - ela exclamou. Rafe sorriu.
- Exatamente. Antes de tomar uma decisão sobre esse casamento, vou voltar para casa e fazer algumas observações. Acho que você também precisa de tempo para
refletir sobre o que aconteceu. Espero que consiga recuperar seu emprego no hotel, ou encontrar colocação numa escola qualquer, já que é professora. É claro que
farei um depósito em sua conta bancária para protegê-la de possíveis contratempos...
- Goste ou não da idéia, agora é meu marido, Rafe! - Kit afirmou furiosa. - Casei-me porque estava apaixonada, e você também me amava. Os médicos podem
testemunhar sua insistência em casar-se antes de ser submetido à cirurgia, em vez de esperar até voltarmos à Espanha. Portanto, se me deixar aqui, serei obrigada
a usar o dinheiro que vai depositar em minha conta para segui-lo até Jerez. Seria mais simples se viajássemos juntos, não acha?
Depois de alguns instantes de silêncio Rafe segurou-a pelos ombros, os olhos iluminados por um brilho intenso e perigoso.
- Se quer mesmo ir comigo, amorada, é melhor preparar-se para enfrentar as conseqüências. Porque, se eu descobrir que não foi absolutamente honesta, juro
que estará encrencada até seu adorável pescocinho.
Enquanto falava, Rafe deslizou as mãos até circundar seu pescoço, acariciando a região onde o sangue pulsava cada vez mais depressa. Ele inclinou-se como
se fosse beijá-la, mas sorriu antes que os lábios se tocassem e, soltando-a, murmurou:
- Esteja pronta para partir às nove da manhã.


CAPITULO VI

Kit mantinha-se afastada dele no banco da limusina, observando-o em busca de alguma reação. Percorriam a propriedade da família Mendez há dez minutos, conduzidos
por Luís, um dos empregados da fazenda e amigo de confiança. Na alegria de recebê-los no aeroporto, Luís agarrara as duas mãos de Rafe e abraçara o patrón com afeto
genuíno.
Rafe não tinha idéia do quanto era querido, e por isso limitara-se a suportar o abraço e murmurar algumas palavras frias de agradecimento, como fizera com
Diego ao descer do avião.
Kit sentia pelo marido, cujo rosto estava marcado por linhas de ansiedade e cansaço. Gostaria de tocá-lo e prometer que tudo acabaria bem, mas seu orgulho
não o deixaria aceitar ajuda ou consolo de quem quer que fosse.
Em sua opinião, deviam ter permanecido na América por mais alguns dias, mas o doutor Penman garantira que Rafe podia viajar, desde que repousasse com freqüência.
O jato dos Mendez possuía um pequeno dormitório e, embora houvesse passado todo o tempo de vôo deitado, sabia que ele não dormira um único segundo, nem
mesmo depois de tomar o sedativo que o médico prescrevera. Enquanto isso, ela permanecera sentada e sozinha, incapaz de concentrar-se nos livros e revistas que providenciara
antes de embarcar. Diego não a convidara para conversar na cabine e, mesmo que a houvesse convidado, Kit teria recusado. Não queria alimentar a paranóia do marido
com relação ao piloto.
Um olhar para a expressão de Rafe, e Kit soube que o fato de estar em solo espanhol não significava nada. Como seria perder a memória? Em que estaria pensando,
enquanto os olhos negros vagavam pelo lugar que sempre amara?
Milhares de videiras estendiam-se como se quisessem tocar o horizonte, formando um quadro de beleza única que Rafe várias vezes elogiara. Agora, era como
se ele sequer o notasse.
Quando o carro aproximou-se da casa branca e imponente, o sol, uma bola de fogo no céu andaluz, começou a esconder-se. A noite caía devagar, e logo estaria
sozinha com seu marido pela primeira vez desde o casamento.
Temendo que os olhos traíssem a intensidade de seus sentimentos, evitou encará-lo. Não suportaria enfrentar seu sarcasmo, não num momento em que era invadida
pelo amor com força tão inesperada. Concentrou-se na famosa bodega de vinho da propriedade, na torre da capela familiar, nos contornos da fazenda iniciada em 1700,
na casa e em tudo que sempre havia pertencido à família Mendez.
A única vez em que Rafe a levara até lá, sentira-se imediatamente atraída pelos balcões de ferro e pelo telhado vermelho, pelas flores e folhagens que subiam
pelas paredes e emprestavam um ar de encantamento à construção sólida e antiga.
Luís contornou a fonte construída no centro do jardim e seguiu até a entrada principal, onde uma mulher alta, morena e com aparência aristocrática os esperava.
Kit notou que a atenção do marido voltou-se para a silhueta magra e discreta que aproximava-se com passos firmes.
Jaime e Rafe possuíam traços muito parecidos com os dela, mas Kit já havia visto o quadro de Don Fernando na sala principal e sabia que o primogênito herdara
a altura e o ar autoritário do pai.
- Essa é sua mãe, Rafe - ela murmurou.
- Posso ter perdido a memória, mas não sou cego.
Apesar de seca, a resposta tinha uma nota bem humorada que a fez lembrar o homem que havia conhecido meses antes. Gabriela Mendez correu para perto do carro
e abriu a porta do lado de Rafe. Diego havia lhe explicado todos os detalhes sobre a amnésia, mas Kit sabia que ela só acreditaria depois de encontrar-se frente
a frente com o filho.
- Rafael, mi hijo! - Dona Gabriela gritou, agarrando-se ao filho assim que ele desceu do carro.
Mais uma vez, Rafe apenas tolerou a demonstração de afeto. Espectadora atenta, Kit compreendeu o quanto o momento era doloroso para ele e a mãe, cujo amor
pelos filhos jamais estivera em questão. Falavam em espanhol, o que a impedia de acompanhar toda a conversa.
Sentindo a necessidade de extravasar a tensão acumulada desde o início da viagem, Kit desceu do carro e foi ajudar Luís com a bagagem, surpreendendo-se
ao perceber que Rafe afastava-se da mãe para colocar-se entre ela e o empregado. Dona Gabriela fitou-a com os grandes olhos negros cheios de acusações.
- Deixe isso com Luís - Rafe indicou com tom frio. - Minha mãe vai levá-la ao seu apartamento.
Kit estivera antecipando esse momento e, num gesto involuntário, fechou os olhos. Rafe a deixara acompanhá-lo na viagem de volta à casa, mas não pretendia
permitir maiores aproximações. No entanto, independente dos desejos dele e da mãe, não estava disposta a separar-se do marido. Não depois de tudo que haviam enfrentado.
Tomando cuidado para não ser ouvido por Luís e Dona Gabriela, virou-se para Rafe e indicou:
- Você quer dizer nosso apartamento, não? Sou sua esposa, não uma hóspede da casa. Dormirei onde você dormir.
Depois de encará-la por alguns segundos, Rafe virou-se para a mãe e falou em inglês.
- Pode nos mostrar onde fica o nosso apartamento? Kit deve estar cansada, e acredito que queira refrescar-se antes do jantar.
Kit havia se preparado para uma batalha, e mais uma vez ele a surpreendia. E agora, o que estaria passando por sua mente? Apesar de contrariada, Gabriela
Mendez decidiu não questionar a decisão do filho, especialmente depois de fitá-lo e interpretar o significado dos grandes círculos negros em torno de seus olhos.
Rafael estava exausto, e nesse momento nada podia ser mais importante que sua recuperação.
- Venham comigo.
Kit tentou não demonstrar a surpresa quando Rafe segurou seu braço, mas o corpo traiu as emoções e estremeceu ao sentir o calor de seu toque. Seria sempre
assim, e Rafe sempre saberia que tipo de reação provocava ao tocá-la.
Depois de atravessarem o salão principal, ornado por belíssimas obras de arte e objetos de gosto requintado, Dona Gabriela conduziu-os à ala direita da
fazenda, única parte que Rafe não havia lhe mostrado na tarde em que a levara à casa da família.
Quando perguntara o que havia naquela direção, ele respondera:
- Meu apartamento. Gostaria de conhecê-lo?
Ainda podia lembrar como sentira o rosto vermelho e, embaraçada, preferira manter-se em silêncio.
- Chegamos - Gabriela Mendez anunciou, empurrando a porta dupla que dava acesso aos aposentos de Rafael. Luís os seguira com a bagagem, que colocou do lado
de dentro.
O apartamento, mais moderno e claro, era mobiliado com simplicidade e diferente do restante da fazenda. Exceto pela cama de casal de madeira negra e entalhada,
o restante do aposento era decorado em tons de azul, cinza e branco, o que lhe conferia uma atmosfera mais leve e menos opressiva.
Ao lado do quarto havia uma pequena biblioteca particular, cujas paredes eram cobertas por livros, e no extremo oposto ficava o banheiro, moderno e funcional.
Enquanto Dona Gabriela os conduzia pelo apartamento, Rafe movia-se com lentidão e apoiava-se em Kit que, alarmada, fitou-o com ar ansioso. Percebendo sua intenção,
Rafe balançou a cabeça num movimento quase imperceptível, demonstrando que não devia dizer nada diante de sua mãe.
Suportando o peso do marido, Kit virou-se para a sogra e disse:
- Obrigada por ter nos trazido, mas... não estou me sentindo muito bem, sra. Mendez. Importa-se se eu for me deitar um pouco?
Gabriela Mendez refletiu um pouco e, antes de responder, disse alguma coisa ao filho em espanhol. Ele respondeu com tom gentil, mas a pronúncia carregada
a impedia de compreender o que diziam. A expressão da sra. Mendez não era das mais satisfeitas mas, o que quer que Rafael houvesse dito, era óbvio que ela optara
por não discutir.
- Mandarei Consuela trazer o jantar aqui. Boa noite, mi hijo.
Depois de beijar o filho no rosto, Gabriela estudou a nora mais uma vez com olhos frios e penetrantes e, sem dizer nada, saiu e fechou a porta em silêncio.
Kit ajudou o marido a caminhar até a cama e o viu deitar-se de costas, um braço sobre os olhos.
- Sente alguma dor? - perguntou aflita, tocando-o no braço para verificar se a temperatura era normal. A pele era morna, mas não o suficiente para provocar
alarme.
Rafe empurrou sua mão.
- Estou fraco, só isso. Os médicos disseram que eu levaria alguns dias para voltar ao normal.
- Felizmente está em casa, deitado em sua cama. Deixe-me ajudá-lo a mudar de roupa e cobrir-se.
- Não. Quando a tal Consuela vier trazer o jantar, direi a ela que a leve ao apartamento que minha mãe preparou para você.
- Mas quando estávamos lá fora...
- Lá fora eu senti a fraqueza se aproximando e não quis usar a pouca energia que ainda possuía para discutir onde dormiríamos.
- Pois saiba que não vou sair daqui! Você é meu marido e eu o amo. Fizemos nossos votos naquele hospital, e você prometeu ao capelão que estaríamos juntos
para o pior e o melhor. Estamos casados e vamos viver juntos, ouviu bem? Era o que mais queríamos, o motivo pelo qual voou até Idaho para me encontrar!
- Se quer ficar no meu apartamento, o problema é seu. Mas vai ter de encontrar outro lugar para dormir.
- Há um sofá na biblioteca. Dormirei lá, e se precisar de alguma coisa durante a noite...
- Se eu precisasse de uma enfermeira, o doutor Penman não teria permitido que eu saísse do hospital.
Magoada, Kit preparou-se para insistir na demonstração de cuidado, quando as batidas na porta a interromperam. Devia ser o jantar.
Depois de receber a bandeja das mãos de Consuela, Kit solicitou mais lençóis, travesseiros e cobertores, que foram trazidos alguns minutos mais tarde.
Percebendo que o marido mergulhara num sono profundo, Kit foi preparar a cama no sofá de couro da biblioteca e voltou para junto de Rafe, onde começou a
saborear a deliciosa refeição.
Era a primeira desde o acidente que tinha uma oportunidade de examiná-lo sem pressa, olhando para os próprios sentimentos ao ver-se perto do homem que amava.
Poderia sentir novamente o fogo daqueles lábios? Seriam capazes de transformar o papel que haviam assinado no hospital num casamento de verdade?
Lágrimas quentes rolaram por seu rosto e caíram no prato, esquecido em seu colo. Incapaz de comer, deixou a bandeja sobre a mesa de cabeceira e foi preparar-se
para dormir.
Horas mais tarde, depois de muito esforço para abafar os soluções com o travesseiro, Kit finalmente conseguiu adormecer.


CAPITULO VII

Os raios de sol infiltravam-se pela janela do estúdio, incidindo sobre o rosto de Kit e despertando-a de um sono profundo. Sonolenta, consultou o relógio
e viu que era quase meio-dia. Não dormia até essa hora desde a adolescência!
E Rafe? Ainda estaria deitado?
Afastando as cobertas, levantou-se e vestiu o robe que deixara sobre uma cadeira próxima antes de ir até o quarto ao lado.
Rafe já havia acordado. A cama fora arrumada, o quarto, limpo, e não havia nem sinal de sua bagagem. Ao abrir a porta do armário, descobriu aliviada que
suas roupas haviam sido penduradas com as dele. Um observador menos atento pensaria tratar-se de um casal harmonioso, habituada a dividir todos os espaços.
Mas realidade era diferente do que indicavam as evidências, tão próximas de seus sonhos. E se estava determinada a conquistá-lo mais uma vez, tinha de estar
ao lado dele onde quer que fosse, até transformar-se no único foco de suas atenções.
Com vigor renovado, tomou uma ducha, lavou os cabelos e vestiu-se com simplicidade, tomando o cuidado de escolher roupas coloridas que realçassem sua pele
pálida e macia. Depois de aplicar uma leve camada de batom, desceu ao salão à procura do marido.
Uma das criadas guiou-a à sala de jantar, uma espécie de jardim de inverno onde flores de todos os tipos cresciam exuberantes.
Gabriela Mendez estava sentada à mesa repleta de frutas e pães.
- Buenos dias, señora - cumprimentou-a no idioma local. A mãe de Rafe respondeu em inglês.
- Estava mesmo esperando por você. Por favor, venha tomar o seu café. Se quiser ovos, ou qualquer coisa mais americana, basta dizer e eu instruirei a cozinheira.
- Oh, não, obrigada. Um pêssego e um pedaço de pão serão mais que suficientes.
- Café?
- Não, obrigada.
Sentindo-se cada vez mais inconfortável sob o olhar atento da sogra, Kit passou manteiga no pão e tentou fingir indiferença ao morder a fruta suculenta.
- Quando Diego telefonou para informar-me sobre meu filho, não quis acreditar. Mas depois de conversar com Rafael, compreendi que o passado, a propriedade
e a família não significam mais nada para ele. Eu não significo nada!
Gabriela era uma mulher forte e orgulhosa como o filho, mas desta vez Kit pôde perceber o tremor em sua voz.
- Sra. Mendez. Rafe não se lembra de nada ou ninguém, mas os médicos garantiram que, com o tempo, ele provavelmente recuperará a memória. Temos de ser pacientes.
- Quanto tempo?
- Ninguém pode dizer. Só podemos esperar, rezar e fazer o que estiver ao nosso alcance para ajudá-lo.
- Por que voltou? Ele não a ama! Sequer a conhece! Vocês nem dormiram juntos. Não existe nada entre você e meu filho, além de um documento inútil atestando
que são casados. Não chegaram nem a se casar na Igreja.
A fruta doce e suculenta tornou-se subitamente seca e insípida, e Kit teve de esforçar-se para engolir o pedaço que mastigava.
- Rafe pode ter perdido a memória, mas continuo apaixonada por ele. Ele também me amava antes do acidente, e espero que tudo volte a ser como era.
- Talvez a espera seja longa. Não acredito que Rafael recupere as lembranças.
- O psiquiatra afirmou que amnésia permanente é um evento muito raro, sra. Mendez, e me recuso a acreditar que Rafe não poderá recuperar-se.
Dona Gabriela balançou a cabeça, os lábios tremendo num sinal de descontrole.
- Esta manhã, quando tentei falar sobre negócios, ele disse que ainda não estava em condições de pensar nisso. Na verdade, duvidou do próprio interesse
pelo assunto. Jaime se foi, e os negócios da família estão nas mãos do administrador da propriedade. Rafael está com ele nesse momento, vistoriando as terras. Mas
Rodrigo é incapaz de cuidar de nossos interesses internacionais como meu filho. Nos últimos meses, enquanto Rafael revirava o mundo à sua procura, a situação deteriorou-se,
e recebi diversos telefonemas desagradáveis. Temos problemas... - Num gesto inesperado, Gabriela agarrou a mão da nora. - Se realmente ama meu filho, se não quer
mesmo partir, ajude-o a assumir novamente o lugar que sempre lhe pertenceu. Todos precisam dele por aqui!
Forte e orgulhosa, a matriarca dos Mendez retirou a mão num gesto súbito, embaraçada por ter demonstrado fraqueza.
- Señora - Kit começou hesitante, certa de que a idéia aborreceria a sogra ainda mais. - Acredito que Rafe conseguirá recuperar a memória, mas não sabemos
quanto tempo isso pode demorar. Se a situação é tão difícil como diz, alguém competente deve assumir o comando antes que seja tarde e. Por que não chama Jaime de
volta?
- Tem idéia do que está sugerindo?
- Pode apostar que sim. Jaime pode administrar os negócios da família. Como seu marido e Rafael sempre estiveram por perto, ele nunca teve uma oportunidade
de demonstrar o quanto é competente. Conheço seu filho mais novo, e sei que ele ama essa terra. Procure-o, peça para voltar e diga que é necessário.
- Ele não virá. Não enquanto você estiver aqui.
A amargura na voz de Gabriela despertou a culpa que Kit julgava esquecida. Mesmo assim, tinha de tentar ajudar a família do homem que amava.
- Jaime sabe sobre o que houve com Rafe?
- Não. Decidi não dizer nada até que o visse com meus próprios olhos.
- Acabei de ter uma idéia! Por que não telefona para Jaime e conta que Rafe feriu-se num acidente de automóvel? Diga a ele o quanto sua presença é necessária,
mas não fale que estou aqui. Nós duas sabemos que ele ama o irmão, e que não recusará um pedido da mãe. Ficarei escondida até que Jaime possa conversar com Rafe.
Depois de compreender a situação e o tudo o que aconteceu, duvido que ele tenha coragem de virar as costas para a família. Jaime não permitirá que o orgulho e o
ressentimento interfiram em sua decisão.
Gabriela fitou a nora por alguns instantes, e Kit teve a impressão de ver um brilho de admiração naqueles olhos negros.
- Parece que confia no caráter de meu Jaime.
- Seus filhos são homens extraordinários. Jaime é maravilhoso, e eu o amo como a um irmão. Por favor, acredite em mim, señora! Rafe e eu jamais tivemos
a intenção de magoá-lo.
- Você é muito convincente - e levantou-se. - Desculpe-me, mas tenho algumas coisas para resolver. Sinta-se à vontade e considere-se em casa... por enquanto.
Kit não sabia se o que sugerira à sogra daria resultados. Na verdade, quando ficou sozinha e pensou sobre o assunto, chegou a arrepender-se por ter trazido
o nome de Jaime à conversa. Mas era a única solução possível para o impasse, e Dona Gabriela não dissera não. Já era um começo...
Incapaz de permanecer no interior da casa, cujas paredes pareciam sufocá-la, decidiu sair para um passeio. Seguiu pela estrada de terra que levava às videiras,
mas o calor da tarde e o sol forte a fizeram diminuir o passo gradativamente. Kit caminhou mais meia hora por entre as fileiras verdejantes plantadas em solo úmido,
solo que, segundo Rafe, era encontrado apenas nesta parte da Espanha. Havia um grupo de construções alguns metros à frente e, sedenta, decidiu verificar se havia
água em um deles.
Os trabalhadores interrompiam suas tarefas para acenar com simpatia, e Kit retribuía os cumprimentos sempre com um sorriso nos lábios. A esta altura, todos
deviam saber que Rafe voltara para casa e trouxera a esposa.
Quando aproximou-se dos construções, compreendeu que havia caminhado até os estábulos onde Rafael mantinha seus cavalos premiados. Mais alguns passos e
notou a presença do marido, cercado por meia dúzia de empregados eufóricos. Ele e um acompanhante, provavelmente Rodrigo, haviam acabado de chegar montados em magníficos
garanhões brancos como a neve.
Pela primeira vez desde o acidente, Rafe parecia divertir-se. Não conseguia saber sobre o que conversavam, porque todos falavam um espanhol rápido e carregado,
mas a afeição que nutriam pelo patrón era óbvia.
Kit manteve-se à sombra do prédio, mas a sombra não era eficiente contra o sol escaldante da tarde. Pequenas gotas de suor brotavam em suas costas e entre
os seios, ensopando a blusa de tecido leve que aderia ao corpo como uma segunda pele.
Quando o grupo aproximou-se, foi forçada a admitir que todos os outros homens tornavam-se insignificantes diante da beleza exuberante de seu marido. Os
cabelos negros, mais longos do que quando o conhecera, tomavam-se ainda mais brilhantes sob o sol, e a pele bronzeada a fazia pensar nos hidalgos do século anterior.
Esquecida da sede, saiu das sombras e caminhou para o estábulo, como se atendesse ao chamado imperioso de uma força mil superior à dela. A conversa ruidosa
transformou-se em silêncio e todos a observaram com evidente admiração, apesar do respeito devido à mais nova sra. Mendez. A esposa de Rafael.
Todos... exceto seu marido, cujo rosto parecia ter perdido o entusiasmo de antes. Talvez fosse efeito da luz, mas teve a impressão de que ele empalidecia,
como se estivesse sob o efeito de um choque. Teria lembrado alguma coisa?
A tensão era tão intensa e evidente, que o grupo dispersou-se e cada um foi cuidar de suas obrigações, deixando-os a sós.
Algo havia acontecido durante a cavalgada, pois agora Rafe parecia ainda mais desconfiado que antes.
- Precisa de alguma coisa, mi esposai
- Eu... estava passeando e o vi aqui. Não acha que devia voltar para casa e descansar um pouco? Tenho certeza de que o doutor Penman não contava com uma
cavalgada.
- Já disse que não preciso de uma enfermeira.
- Acontece que amo você, e por isso estou preocupada. Esse calor é terrível! Vamos voltar e almoçar juntos. Agora que já percorreu parte da propriedade
com Rodrigo, gostaria de saber o que está sentindo e pensando.
- Se quer saber se lembrei alguma coisa, a resposta é não.
- Ah... Pensei que quisesse um pouco de companhia.
- Tive companhia durante toda a manhã, o que me faz presumir que está se referindo algo mais íntimo.
- Não... por enquanto. É claro que quero fazer amor com você. Na verdade, é o que mais quero desde que nos conhecemos, mas estava falando sobre companheirismo,
amizade, coisas que talvez o ajudem a ajustar-se.
- Obrigado, mas não estou interessado. Diga a minha mãe que irei para casa mais tarde e jantarei com ela, sim?
- Sinto muito, mas terá de dizer pessoalmente. Não tenho a menor intenção de voltar para casa nas próximas horas - disse, tentando esconder a tristeza e
a raiva que ameaçavam dominá-la.
Virando-se, Kit correu para longe do marido, ignorando o calor opressivo e o sol inclemente.
Rafe chamou-a e perguntou para onde ia, mas ela o ignorou. Na verdade, não se importava com os empregados silenciosos que, estupefatos, testemunhavam a
cena.
Se Gabriela Mendez já sabia que o filho e a nora haviam dormido em camas separadas, então todos logo saberiam que o casamento do patrón com a americana
que arruinara a vida de Jaime estava fracassando.
Os médicos haviam dito que sentiria raiva dele... mas não imaginavam nem a metade da intensidade do sentimento!


CAPÍTULO VIII

Nos três dias seguintes, Kit viu o marido somente na hora do jantar, ocasiões sombrias em que Dona Gabriela sempre iniciava a conversa. Rafe respondia de
maneira polida, porém fria, e retirava-se assim que a refeição chegava ao fim.
Partia cedo, antes da esposa levantar-se, e só voltava ao quarto tarde da noite, depois dela ir deitar-se na cama improvisada na biblioteca.
No quarto dia, a sra. Mendez chamou-a antes que saísse.
- Posso conversar com você?
Notando a ansiedade da sogra, Kit parou no alto da escada e encarou-a.
- Algum problema?
- Telefonei para Jaime, e ele chegará esta tarde.
- Sabia que ele não recusaria um pedido seu. Isso é maravilhoso!
- Talvez seja um terrível e trágico engano.
- É claro que não! Agora que já me avisou, aproveitarei para ir à Sevilha e conversar com o psiquiatra de quem lhe falei. Talvez passe a noite lá. Rafe
e Jaime precisam de uma chance para conversar.
- É uma boa idéia, mas meu filho não permitiria que fosse tão longe sozinha, dirigindo. Vou pedir a Diego que a leve no jato da família e fique à sua disposição.
Meu filho mantém uma suíte permanente no Prado, e não vai ter de preocupar-se com reservas. Se precisar comprar alguma coisa, ele tem contas em todas as boas lojas.
- Mas a distância é pequena! - Kit protestou. - Já dirigi por milhares de quilômetros na América, e sempre sozinha.
- Mas agora você é a esposa de Rafael de Mendez y Lucar, e não pode mais comportar-se de maneira tão independente.
- Ele pode ficar furioso quando souber que viajei com Diego. Antes de deixarmos Idaho, Rafe acusou-me de estar interessada em seu piloto.
- Então os sentimentos dele por você não estão mortos como eu acreditava!
- Estão, señora. Absolutamente mortos.
- Absurdo! Acha que meu filho a teria trazido de volta à Espanha, ou permitido que dormisse em seu apartamento, se não a quisesse por perto? Ele a segue
com os olhos sempre que está distraída. Quero ver a expressão de Rafe quando eu disser que sua esposa foi à Sevilha com Diego. Conheço meu filho, e sei que ele não
é indiferente a você. Nunca foi.
De repente Kit sentia-se próxima de Dona Gabriela como jamais estivera.
- Vou me preparar para partir - disse.
- Enquanto arruma suas coisas, telefonarei para Diego e pedirei a Luís que a leve ao aeroporto.
- Obrigada, sra. Mendez. Deve estar muito entusiasmada com a chegada de Jaime. Vou rezar para que tudo corra bem.
- Todos nós precisamos da ajuda da Virgem Santíssima. Se houver uma reconciliação, serei eternamente grata a você - Gabriela afirmou, alimentando a esperança
de uma amizade entre sogra e nora.
Vinte minutos mais tarde, Kit partia na limusina guiada por Luís. Quando chegaram ao aeroporto, ela agradeceu ao motorista e convenceu Diego a levar sua
esposa e filhos.
A princípio ele protestou, mas depois Kit o fez compreender que também era sua patroa, e que não se importaria em esperar no hangar até que ele tomasse
todas as providências.
Duas horas depois, os cinco estavam a caminho de Sevilha. Kit conheceu Maria, a esposa do piloto, e passou algum tempo brincando com as crianças de dois
e quatro anos na suíte do jato, enquanto o casal aproveitava a rara oportunidade de privacidade.
Às dez da manhã seguinte, Kit compareceu ao consultório do doutor Perez e expôs o caso de Rafe em detalhes. O médico garantiu que o quadro progredia de
acordo com o esperado, citando exemplos de pacientes que, vítimas de> amnésia, caíam em depressão profunda e recusavam-se a deixar o hospital e até mesmo a cama.
O fato de Rafael estar se alimentando, convivendo com outras pessoas e divertindo-se com os cavalos demonstrava, entre outras coisas, que era dono de excelente saúde
mental. Seu conselho era que, como esposa, não perdesse a esperança e continuasse agindo como fizera desde o início.
Entusiasmada com o otimismo do psiquiatra, Kit convenceu Maria a acompanhá-la numa sessão de compras, enquanto Diego cuidava das crianças. Quando voltaram
ao hotel, várias horas mais tarde, carregadas de pacotes e brinquedos, Kit teve certeza de que havia conquistado amigos valiosos e sinceros.
A situação na fazenda só voltou a incomodá-la quando sobrevoaram Jerez e suas casas de telhados vermelhos. Sentia-se indefesa, deslocada, e esperava que
Jaime e Rafe não houvessem chegado às vias de fato.
Diego telefonara pedindo a presença de Luís no aeroporto, mas uma surpresa a esperava na saída do hangar. Rafe havia ido buscá-la no lugar do espanhol sorridente
e grisalho.
- Espero que tenha se divertido - ele comentou com tom furioso, agarrando-a pelo braço e puxando-a para mais perto. - Como minha esposa, devia ter me avisado
que pretendia deixar a cidade. E com o meu piloto!
Estava com ciúmes! Feliz e surpresa, Kit conteve os ligeiros arrepios de temor que percorriam seu corpo.
- Já que eu me recusei a colaborar, espero que Diego tenha satisfeito suas necessidades.
Kit teria respondido à altura, mas Maria gritou excitada:
- Señor Mendez!
Surpreso com a voz feminina, Rafael virou-se a tempo de ver a jovem e atraente morena desembarcando com o pequeno Pedro nos braços, profundamente adormecido.
Diego vinha logo atrás da esposa, carregando Anita sobre os ombros.
Todos aproximaram-se e, sorrindo o piloto apresentou a esposa, certo de que o patrão não se lembraria dela. Kit mantinha-se em silêncio, sem entender o
que diziam no idioma local, observando a expressão do marido suavizar-se ao cumprimentar Maria e afagar a cabeça das crianças. De acordo com Diego, a menina adorava
o chefe do pai, o que tornou-se evidente quando, carinhosa, ele plantou um beijo em seu rosto e abraçou-o.
Pouco depois todos despediram-se, e no instante em que ficaram sozinhos no carro, Rafe tornou-se novamente sério e fitou-a com ar de reprovação.
- Não vou pedir desculpas. Você deixou a fazenda sem dizer nada a ninguém. Se Luís não houvesse revelado onde a deixou ontem à tarde, teríamos telefonado
para a polícia à sua procura. O que havia de tão importante em Sevilha, a ponto de partir às pressas e passar a noite fora de casa?
Dona Gabriela não o informara!
- Decidi conversar com o doutor Perez, mas ele só pôde me receber hoje de manhã.
- O desmemoriado aqui sou eu, não você.
- Todos podem utilizar os serviços de um bom psiquiatra quando é necessário, e senti que precisava de alguns conselhos.
- E conseguiu obtê-los?
- Sim.
Com um sorriso sarcástico, Rafe ligou o motor e partiu.
- Quer saber o que aconteceu durante sua ausência, ou perdeu o interesse?
Assustada, Kit tentou manter a voz calma.
- Está falando como se houvesse algum problema. Aconteceu alguma coisa com sua mãe? - Na verdade, estava profundamente preocupada com a sra. Mendez.
- Jaime voltou para casa.
- Ah... Deve ter sido uma grande surpresa. Como ele está?
- Melhor do que eu esperava. Ele é bastante parecido com mamãe e dolorosamente honesto. Passamos1 a noite conversando, e descobri que nós dois o magoamos
muito.
- Eu sei. Mas não fizemos nada de propósito.
- Ele é melhor do que eu jamais serei.
- Por que diz isso?
- Porque se eu houvesse sido a vítima de tamanha traição, jamais perdoaria ou voltaria a encarar o traidor.
- Como pode saber?
- Aprendi coisas sobre mim mesmo nas últimas vinte e quatro horas. Você falou a verdade no hospital, mas os fatos eram desagradáveis e preferi não acreditar.
- É compreensível, Rafe. Afinal, eu era apenas uma estranha para você. E não seja tão duro ao julgar-se, porque todas as famílias têm problemas, mesmo as
mais normais e ajustadas.
- A dinastia Mendez não combina com o que chama de família normal. E o mais terrível em tudo isso é que, no fundo, sei que o magoei novamente por ter aquilo
que queria.
- Está esquecendo uma coisa, Rafe, Jaime dizia me amar, mas eu nunca disse que o amava. O que você e eu sentimos um pelo outro foi instantâneo e inevitável.
Isso não é traição!
- Jaime vai morar novamente na fazenda e assumir os negócios antes que seja tarde demais. Minha mãe disse que haverá uma feira em algumas semanas, e prometi
que ficaria o tempo suficiente para celebrar com a família. Depois partirei.
- Partirá... para onde?
- Não sei.
De repente Kit olhou em volta e percebeu que estavam parando numa trilha deserta ladeada por árvores frondosas.
- Por que paramos aqui?
- Para ser bem honesto, quero fazer amor com você. Mas prefiro que seja longe da fazenda.
- Entendo. Agora que sabe que não sou uma mentirosa, decidiu sentir desejo por mim.
- Não. Desejei você desde que a vi naquele quarto de hospital. Quando soube que havia viajado com Diego, descobri que não gostava da idéia de dormir com
outro homem, e esperei por sua volta com ansiedade maior do que julgava possível.
Mas ainda não mencionara a palavra amor.
Kit julgara-se capaz de qualquer coisa para conservar o marido a seu lado, mas sem amor e companheirismo, que esperanças poderiam ter de construir um casamento
de verdade?
Tentando demonstrar calma, fitou o e disse:
- Infelizmente, seu comportamento no hangar feriu-me bastante. O Rafe que conheci antes do acidente jamais teria acusado a esposa e o leal amigo de estarem
mantendo um romance clandestino. Não posso fazer amor com você.
- É o que veremos - ele disse antes de ligar, o carro. E as palavras soavam como uma ameaça.


CAPÍTULO IX

No momento em que chegaram à fazenda, Kit desceu do carro e entrou em casa sem esperá-lo. Através de Consuela, soube que Jaime estava no galpão da administração
analisando os livros contábeis com Rodrigo, e Dona Gabriela já havia ido repousar em seu quarto.
Aliviada, subiu a escada em busca de solidão e tranqüilidade para pensar.
A caminho do aeroporto, Luís havia contado que o señor sempre escovava os cavalos antes de ir deitar-se, o que significava que Rafe devia ter ido para os
estábulos e teria o apartamento só para si.
Antes de mais nada, precisava de uma boa ducha. Depois vestiu o pijama de algodão, o robe, escovou os dentes e secou os cabelos. Apagou a luz e saiu do
banheiro, parando assustada depois dos primeiros passos. Rafael bloqueava seu caminho para a biblioteca, e também havia mudado de roupa. Agora usava um pijama curto
e um robe aberto sobre o peito, exalando uma sensualidade que a embriagava.
- Eu... não esperava que voltasse tão cedo. Desculpe por ter ocupado o banheiro por tanto tempo.
- Eu estava esperando por você, não pelo banheiro.
- Se não se importa, estou cansada e gostaria de ir para a cama.
- Era exatamente o que eu ia sugerir.
Algo em seu tom de voz a fez sentir-se indefesa e vulnerável.
- Você está no meu caminho - sussurrou.
- Não estou. Acho que já é hora de dormir numa cama de verdade, e com o seu marido.
- Prefiro o sofá.
- O local onde vamos dormir não tem a menor importância, porque pretendo fazer amor com você - e aproximou-se devagar e determinado.
Kit tentou retroceder, mas sentiu que as pernas tocavam a cama de casal.
- Já disse o que penso sobre esse assunto no carro.
- Eu também - e segurou-a pelos ombros, acariciando-a e puxando-a para mais perto. - Tenho pensando muito em seu corpo, em sua boca...
Afinal, por que diabos estava tentando evitar aquilo que mais queria? Rafe inclinou a cabeça e ela ofereceu os lábios num gesto de entrega, abraçando-o
e rendendo-se à febre que a incendiava.
O robe escorregou por seus ombros e ficou esquecido no chão. Os braços fortes de Rafe a levaram para a cama, mas Kit mal tinha consciência do mundo que
a cercava, tal era a intensidade das emoções que a dominavam.
- Quero você, mi esposa - ele murmurou. - Fui tolo por privar-nos daquilo que mais queríamos desde aquele quarto de hospital.
- Pois eu o quero há mais tempo, Rafe. Amo você há meses, e com tanta força, que mal posso lembrar a época em que esse sentimento ainda não existia. Está
dizendo que me ama, que sairemos daqui juntos depois da feira e começaremos uma vida nova em algum lugar?
Entre um beijo e outro, Rafael colocou o corpo sobre o dela.
- Vamos esquecer tudo, ao menos esta noite. Vamos pensar apenas no que sentimos quando estamos juntos. Por Diós, nunca imaginei que um pijama pudesse ser
tão excitante!-gemeu, abrindo o primeiro botão para beijar a pele delicada de seu ombro.
- Se não me ama, se não me quer em sua vida para sempre, então o que estamos fazendo é errado - protestou, apesar do fogo que os lábios dele espalhavam
por seu corpo.
- Tudo o que sei é que a quero e não posso pensar em nada além desse momento. E chega de discurso, amorada. Esta noite esqueceremos o mundo e criaremos
um novo, só nosso.
Antes de perder o controle, Kit aproveitou-se de sua fraqueza e empurrou-o, livrando o corpo do peso sedutor. No instante seguinte estava em pé, embora
um pouco insegura. Temendo ficar sozinha com ele e ceder aos impulsos, saiu do apartamento como se um fantasma a perseguisse, e ouviu a voz de Rafe chamando seu
nome até esconder-se num dos quatros de hóspedes no extremo oposto da casa.
Era assim que sempre terminava. Ela fugia e ele gritava, implorando para voltar. Temia que essa fosse a história de sua vida, e pela primeira vez desde
o acidente, sentiu medo de que o destino não lhes reservasse um futuro feliz. Rafael planejava partir depois da feira, mas não mencionara a intenção de lavá-la.
Ao trancar a porta do quarto e atirar-se sobre uma das camas, sentiu-se invadida por um frio intenso e infinito, como se nunca mais pudesse sentir-se novamente
aquecida e feliz.
As horas de sono não trouxeram alívio algum. Ao amanhecer, Kit levantou-se e foi até o apartamento do marido para apanhar algumas roupas.
Ele estava deitado sobre o ventre, descoberto, e respirava profundamente. As cobertas espalhadas indicavam uma noite inquieta, como a dela, mas isso não
lhe trazia consolo. Em silêncio, Kit recolheu as roupas no armário e saiu na ponta dos pés.
De volta ao quarto de hóspedes, onde pretendia dormir desse dia em diante, vestiu-se rapidamente e penteou os cabelos. Em seguida saiu, passou pelas portas
imponentes da casa e partiu sem destino. Tudo o que sabia era que precisava manter-se em movimento para aliviar a tensão que castigava seu corpo, e as primeiras
horas da manhã eram as melhores para uma longa caminhada.
Não tinha consciência de quanto tempo havia se passado, mas o sol já estava alto quando parou ao lado da capela. Uma aura de tranqüilidade parecia chamá-la
para o interior e, num impulso, empurrou as pesadas portas de madeira entalhada que cederam de imediato.
Depois do brilho intenso do sol, Kit precisou de alguns segundos para habituar-se à penumbra do santuário. O ar era morno, úmido e perfumado, uma mistura
de incenso e fumaça das velas que queimavam no altar. Alguém estivera ali pouco antes.
Apesar de pequena, a capela era de extraordinária beleza, e ela sentou-se num dos bancos para apreciar as pinturas nas paredes e orar por alguma orientação.
- Kit? Sabia que era você - uma voz masculina murmurou às suas costas.
Sobressaltada, virou-se e exclamou:
- Jaime! - Era como uma versão mais nova de Rafe. Ainda era o mesmo Jaime que conhecera, mas ela notou as mudanças sutis de imediato. Linhas de cansaço
marcavam seu rosto moreno, e o corpo musculoso havia perdido alguns quilos. - Eu... desculpe se invadi...
- Oh, não se preocupe - ele sorriu. - Eu estava passando quando a vi e decidi entrar.
- Oh, Jaime...
- Não! - ele ergueu a mão. - Não precisa explicar nada, nem desculpar-se. Meu irmão já repetiu a ladainha várias vezes desde que cheguei. Na verdade, refleti
bastante nos últimos dois meses. E bebi muito, também - sorriu. - De qualquer forma, mesmo com as bebedeiras, concluí que nenhum de vocês queria me magoar.
Kit tentou falar, mas ele balançou a cabeça,
- Deixe-me terminar enquanto ainda tenho coragem. Quando você fugiu, meu irmão ficou alucinado, totalmente descontrolado e desolado, e foi então que percebi
o quanto a americana era importante em sua vida. A princípio fiquei furioso e magoado, mas depois percebi o que você havia feito por mim, para me poupar, e agora
sei que sofreu tanto quanto ele.
Kit não pôde mais conter-se e as lágrimas correram livres por seu rosto.
- Amo você, Jaime. Acho que é o irmão que eu gostaria de ter.
- Também amo você, e nós dois amamos Rafael. Mamãe disse que ele corre o risco de nunca mais recuperar a memória. O que quer que aconteça, não o deixe partir,
Kit. E nunca mais o abandone. Sem você, meu irmão não é nada.
- Ele não me ama, Jaime. Ele não se lembra!
- Não acredito. Quando Luís disse a ele que você havia ido à Sevilha com Diego, Rafael empalideceu como se fosse desmaiar. Em seguida ele saiu como um louco,
dirigindo como se a própria vida dependesse da velocidade"
- Meu Deus...
- Kit, o que quer que papai tenha feito, agora ele já não está entre nós. Não podemos permitir que o passado destrua nossa família, e isso é o que tenho
dito a mamãe e ao meu irmão. Ajude-o, Kit - Jaime suplicou, tomando a mão dela e beijando-a. - Ajude-o a compreender que o passado não tem mais importância.
Com o coração leve como há muito não sentia, ela o abraçou e murmurou:
- Você é maravilhoso, Jaime. Pena que tenha sido você...
- Pois eu não acho que tenha sido uma pena. Sei que ainda vou encontrar uma mulher extraordinária, capaz de me amar como você ama meu irmão.
- Aposto que todas as mulheres solteiras da Andaluzia gostariam de ter uma oportunidade - ela sorriu entre as lágrimas.
- Você acha? Mamãe vive dizendo a mesma coisa.
- E ela está certa.
- Bem, tenho o resto da vida para encontrar essa tal mulher. Agora, antes de voltar ao trabalho e salvar a fortuna da família, acho que vou lhe dar uma
carona até a casa. Algo me diz que Rafael está procurando pela esposa, resmungando pelos cantos e perturbando a paz doméstica.


CAPITULO X

Depois de agradecer Jaime pela carona e pelas palavras de consolo, Kit correu para dentro da casa e quase derrubou Dona Gabriela, que foi recebê-la na porta
e segurou suas mãos.
- O que houve, señora?
- Você viu Rafael?
- Não - Kit respondeu angustiada. - Estive caminhando pela fazenda e encontrei Jaime na capela. Nós... estamos em paz.
Gabriela fez o sinal da cruz em sinal de agradecimento e beijou a nora no rosto, bastante emocionada.
- Não sabe como isso me deixa aliviada.
- Posso imaginar. Jaime me deu uma carona até aqui e voltou para o trabalho, mas não vimos Rafe. Há quanto tempo ele desapareceu?
- Há meia hora. Quando meu filho desceu para o café e descobriu que vocês dois haviam saído, entrou no carro e partiu como um maluco. Estou apavorada!
- Rafe prometeu que não partiria antes da feira - Kit lembrou, abraçando a sogra numa tentativa de acalmá-la. - Ele é um homem honrado, e está enfrentando
uma fase difícil e dolorosa.
Infelizmente, também estava apavorada e não conseguia acreditar nas próprias palavras. Na noite passada, rejeitara as tentativas de aproximação do marido.
Se se Rafe houvesse cometido alguma tolice, movido pela raiva e pelo ressentimento? Como reagiria quando encontrasse Jaime?
Devia ter visto o carro do irmão estacionado diante da capela, e podia ter interpretado o encontro acidental como algo planejado. Culpa, desespero, raiva...
quem poderia saber que sentimentos o motivavam?
Como Dona Gabriela, Kit imaginava o pior.
Ao cair da noite, quando já haviam decidido chamar a polícia e comunicar o desaparecimento, Rafael voltou à fazenda.
Apesar dele não ter ido cumprimentá-los na sala de jantar, Kit trocou um olhar aliviado com Jaime e Dona Gabriela e foi ao encontro do marido.
Entrou em seu quarto sem bater, ansiosa para saber o que acontecera, e encontrou-o parcialmente despido, preparando-se entrar no banho.
- Como decidiu dormir em outra parte da casa, sugiro que não volte a entrar em meu apartamento, a menos que esteja preparada para dividir minha cama.
Rafael jamais saberia o quanto sentira-se tentada a ceder.
- Você demorou tanto, que sua mãe ficou preocupada.
- Minha mãe? E minha esposa?
- Também, é claro.
- Pois preocuparam-se por nada. Depois de conversar com o doutor Perez, encontrei uma velha amiga e passei horas muito agradáveis. Ou melhor, ela me encontrou
- riu com sarcasmo. - Luísa Rios é uma mulher muito atraente, e parece ansiosa para reatar nossa... amizade. A menos que me dê uma boa razão para passar a noite
em casa, estou disposto a ir encontrá-la.
- Uma mulher disposta a envolver-se com um homem casado não merece suas atenções. Talvez esse tenha sido o motivo pelo qual não casou-se com ela.
- O homem de quem está falando não existe mais. E depois da conversa que tive com o doutor Perez, estou ainda mais convencido de que ele jamais voltará
a aparecer.
- Está tentando dizer que chegamos ao fim?
- Você tomou essa decisão quando deixou minha cama. E agora, se me der licença, preciso me preparar para um compromisso.
Desesperada, Kit virou-se e saiu do apartamento. E desta vez Rafe não a chamou de volta, o que a fez pensar no pior.
Durante a semana seguinte, Rafael levantava-se cedo todos os dias e saía, retornando apenas quando Kit já havia ido deitar-se. Ninguém, nem mesmo Jaime,
sabia onde ele ia ou o que fazia.
Dona Gabriela distraía-se indo à costureira e discutindo sobre os trajes que usariam no próximo final de semana. Kit sempre a acompanhava, consciente da
alegria que provocava aceitando os convites da sogra. E como não tinha mais disposição para as longas caminhadas de antes e as viagens até Rota, os pequenos passeios
também serviam para preencher o tempo.
Apesar de tudo, ambas sabiam que, passada a feira, Rafael deixaria Jerez e destruiria a família para sempre. Kit não conseguia pensar numa vida sem Rafe
e, por isso, envolvia-se nos preparativos com verdadeiro desespero, tentando ocupar a mente.
No dia do desfile, ela e Dona Gabriela seriam levadas numa charrete puxada por lindos cavalos ornamentados e guiada por Esteban, o treinador chefe do estábulo
dos Mendez. Rafe e Jaime, de acordo com o costume, abririam a parada montados em seus magníficos garanhões. Atrás dos Mendez viriam os Rios, e depois todas as outras
famílias proeminentes de Jerez. Pessoas de todo o país, inclusive turistas e autoridades, chegavam à cidade para comemorar mais um ano de boas safras.
No primeiro dia da feira, Kit não pôde mais conter-se e desabafou com o cunhado.
- Jaime, como poderei subir naquela charrete e acenar para o povo com um sorriso nos lábios, sabendo que meu casamento é uma farsa? Luísa Rios deve saber
disso, já que ela tem sido a companhia de seu irmão nas últimas noites.
- O fato de meu irmão ter ido tão longe para humilhá-la revela a força de suas emoções. Tenho certeza de que essa situação não vai durar muito tempo. Rafael
ainda está tentando descobrir exatamente o que sente... e o que você sente por ele. Por isso não pode retroceder, Kit! Rafael está testando seu amor.
Testando seu amor! Exatamente o que os médicos haviam dito algumas semanas antes.
Sem outra opção, Kit decidiu acatar o conselho de Jaime. Naquela tarde, Luís levou-as de carro até o ponto inicial da parada, no centro de Jerez, mas Kit
mal conseguiu apreciar a beleza da paisagem. Apenas executava movimentos, sorria e acenava, tentando mostrar-se animada e feliz.
Todas as ruas haviam sido adornadas com lanternas, e as pessoas vestiam roupas coloridas que completavam a atmosfera carnavalesca. O flamenco e as castanholas
ecoavam por todos os cantos, seguidas por vozes melodiosas e acompanhadas pelas palmas da multidão eufórica. Mas Kit apenas olhava pela janela do automóvel, vazia
de emoções.
Agindo como um robô, segurou os enormes babados do vestido amarelo e desceu do carro, enquanto Luís ajudava Dona Gabriela a saltar pela outra porta. A matriarca
dos Mendez usava um vestido negro de rendas finíssimas e babados vermelhos sobre a saia rodada, e um pente de marfim sobre os cabelos negros e brilhantes completavam
o traje típico e de beleza ímpar. Antes de deixarem a fazenda, Jaime as presenteara com flores cujas tonalidades combinavam com suas roupas, e Dona Gabriela prendeu
a rosa vermelha sobre o ombro esquerdo. Kit preferiu colocar a camélia amarela atrás da orelha, realçando os cabelos. Sabia que a pele clara e os olhos verdes a
tornavam uma intrusa entre os espanhóis de cabelos e olhos negros, a única estrangeira no meio de famílias cujas linhagens haviam começado no tempo de Philip II,
ou antes.
Discreta, tentando não chamar a atenção, Kit seguiu a sogra até a charrete dos Mendez e sentou-se a seu lado, pronta para fingir uma alegria que estava
longe de sentir. Então olhou para o condutor, um homem de costas largas e fortes, e viu que ele inclinava-se para falar com alguém na multidão.
Rafe!
O traje típico, composto por calça preta e justa e uma jaqueta curta da mesma cor, realçava a força impressionante do corpo musculoso e acentuava a beleza
de seus traços másculos. O chapéu, ligeiramente inclinado sobre a cabeça, o tornava bastante parecido com os antigos hidalgos.
O cavalo branco movia-se impaciente, como se já não pudesse mais esperar pelo momento glorioso em que desfilaria diante de tantos olhares admirados. De
repente Kit compreendeu o quanto ele fazia parte daquela terra, da vida das pessoas que o observavam com verdadeira adoração. Rafael de, Mendez não podia desistir!
Não o deixaria abandonar seu lugar!
Então ele ergueu a cabeça e conduziu o cavalo por entre a multidão, dirigindo-se à charrete da família. Jaime o seguia de perto, vestido à maneira local,
mas era a imponência.do primogênito que todos admiravam. Ao alcançar a charrete, Rafael parou e fitou-a em silêncio por alguns instantes, sério e sombrio, para em
seguida continuar em seu caminho. Então uma mulher gritou seu nome e Kit sentiu o sangue gelar nas veias.
- Ignore, mi hija - Dona Gabriela aconselhou. - Sorria para a multidão. Você não tem nada a invejar. Todas as mulheres gostariam de estar em seu lugar no
dia de hoje... especialmente Luísa Rios.
Quando ela estendeu a mão cheia de anéis, Kit segurou-a com força e respirou fundo, experimentando um amor profundo pela sogra que tanto a apoiava.
Durante a hora seguinte, Kit forçou-se a sorrir e acenar para a multidão, apesar do frio que envolvia seu coração. A parada chegou ao fim e as danças de
rua começaram, animando a multidão de habitantes e turistas. Por mais que olhasse em volta, não conseguia ver o marido em parte alguma, o que a entristecia ainda
mais. Agora que cumprira o dever com a família, Rafael devia ter voltado para a fazenda a fim de arrumar as malas e partir.
Dona Gabriela pediu a Luís que a levasse embora, e Kit conteve o desejo de dizer que a acompanharia. Talvez quisesse alguns momentos de privacidade para
despedir-se do filho, e não queria invadir um momento tão íntimo. Jaime também ficou na feira, consciente de seus deveres, e até a tirou para dançar. Estavam rodopiando
pela rua, quando Diego chegou com sua esposa e propôs que Jaime dançasse com Maria, enquanto ele bailava com a patroa e amiga.
- Permita-me dizer que está simplesmente linda, señora. O patrón é um homem de sorte.
- Gostaria que ele pensasse assim, Diego. Como vai acabar descobrindo de qualquer forma, acho que não há mal algum em lhe contar...
- Se não se importa, Diego, preciso conversar com minha esposa - uma voz profunda a interrompeu.
Surpresa, Kit virou-se e fitou-o boquiaberta, incapaz de acreditar que ele estava ali, e não a caminho da fazenda. Sentindo que o assunto era sério e importante,
Diego pediu licença e afastou-se.
Sem dizer nada, Rafael enlaçou-a pela cintura e conduziu-a até uma rua menos movimentada, onde estacionara seu Mercedes. Formal, ajudou-a a entrar e foi
sentar-se diante do volante, sempre em silêncio.
- Está deixando Jerez, não é? - ela perguntou, sentindo que o casamento chegava ao fim. - Já cumpriu seus deveres familiares. Por que não vai embora de
uma vez e me deixa aproveitar o que resta da feira?
- Porque temos alguns assuntos a discutir antes que alguém vá a algum lugar, e não quero platéia - Rafe respondeu em voz baixa, sem encará-la. Em seguida
ligou o motor e afastou-se do centro da cidade.
- Caso esteja interessado nos meus planos, pretendo permanecer na fazenda e voltar para o emprego de professora na base naval de Rota. Sua mãe e eu nos
tornamos boas amigas. Ela e Jaime me convidaram para ficar e... e... decidi aceitar o convite. Sou sua esposa, Rafe, e pretendo permanecer casada com você. Se quer
ser livre para casar-se com Luísa Rios, terá de lutar pelo divórcio nos tribunais, o que significa que não será livre nos próximos oito ou dez anos.
- Não sei de onde tirou a idéia de que pretendo me casar com Luísa Rios. Você mesma disse que eu podia ter feito isso antes, e não quis.
- Ela vai partir com você? Por isso aproximou-se várias vezes durante a parada, mostrando à cidade que prefere a companhia dela à de sua esposa?
- Se não estou enganado, minha esposa recusou-se a dormir em minha cama. E esse é um dos votos matrimoniais, mi esposa.
- Você sabe por que me afastei!
- Está dizendo que agora sente-se preparada para cumprir com suas obrigações conjugais?
- Você vai embora.
- E se não fosse?
- Não faria diferença. Sei que não me ama, e sei que correria para os braços de Luísa quando se cansasse de mim.
Seguiram em silêncio por algum tempo, até que ultrapassaram os portões da propriedade dos Mendez e Rafael perguntou:
- E se eu prometer fidelidade?
- Por quanto tempo acha que seria capaz de manter a palavra?
- Por mais tempo do que imagina.
- Só está dizendo essas coisas para me iludir. Vamos encarar os fatos, Rafe - explodiu, os olhos cheios de lágrimas. - Você esqueceu o passado, e as pessoas
que mais o amam não passam de estranhos. Não desejo essa experiência nem para o meu pior inimigo. E quanto ao que disse sobre o divórcio e meus planos para o futuro...
Era apenas um blefe. Deixarei a Espanha assim que assinar os papéis do divórcio. Amanhã mesmo, se você quiser.
Sem olhar para trás ou esperar por uma resposta, Kit desceu do carro e correu para o quarto de hóspedes, onde atirou-se sobre a cama e entregou-se ao pranto.
Chorou até sentir que o coração tornava-se novamente vazio, e então levantou-se e começou a livrar-se das roupas festivas. Uma boa caminhada a ajudaria a recuperar
o controle.
Havia acabado de tirar o vestido, quando ouviu o barulho da porta e virou-se. Rafael estava parado no meio do quarto, e o traje típico havia sido substituído
pelo roupão de banho. Agora que tirara o chapéu, podia ver que seus olhos brilhavam com um fogo que não voltara a acender-se depois do acidente.
- Rafe... Não sei o que veio fazer aqui, mas é melhor ir embora.
Ele avançava devagar, os olhos fixos em seu rosto.
- Vim fazer o que devia ter feito assim que me recuperei da cirurgia. Vamos fazer amor.
- Isso... não vai resolver nada - Kit gaguejou, atordoada com as mãos que deslizavam por seus braços'.
Quando ele a puxou de encontro ao corpo, o calor de sua pele destruiu a pouca capacidade de raciocínio que ainda lhe restava e Kit desistiu de lutar.
- Oh, Rafe, como eu o amo! Não sabe como será difícil viver sem você!
- Viver sem mim? Depois de todo o esforço que fiz para convencer o capelão do hospital a nos casar? De jeito nenhum!
- Rafe! Sua memória...
- Voltou, amorada. No momento em que a vi sentada naquela charrete, uma luz acendeu-se em meu cérebro e um amor imenso invadiu meu coração. Não sei como
pude esperar até agora para tomá-la nos braços. Acho que foi a parada... Os sons, os aromas, a música... Algo trouxe de volta as lembranças, exatamente como o doutor
Noyes disse que aconteceria.
- Oh, Rafe...
- Amei você mesmo durante a amnésia, mas tive medo de não ser o mesmo homem por quem apaixonou-se.
- Sou sua esposa, Rafe, para o bem e para o mal. Jamais conseguirá se livrar de mim, mesmo que queira - ela riu, o rosto banhado por lágrimas de emoção.
- Para o bem e para o mal... Agora que já enfrentamos o pior, o que acha de começarmos a viver as alegrias do casamento? - e tomou-a nos braços, levando-a
para a cama e beijando-a com paixão.

REBECCA WINTERS escreveu dez livros para as séries Harlequin Romance, todos dramáticos e altamente emocionais, bastante populares entre os leitores. Ela
é, definitivamente, uma nova e importante escritora com apelo mundial. Sua grande paixão é escrever dramas de amor.

Bjos!
 
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