A taste of heaven
Emma Richmond
Júlia 635
Com um homem como Marck, Debby iria até o fim do mundo.
Debby Grant vivia para suas esculturas, pouco se importando com o mundo ao redor. Bonita e extremamente sensível, ela só conseguia expressar suas emoções
através da arte. Mas tudo mudou ao conhecer Marck du Vaal.
Prático e imediatista, o charmoso solteirão achava que tinha soluções para tudo. Até mesmo para a timidez de Debby. Por isso não hesitou em levá-la para o
Oriente, a lugares belos e místicos. Marck queria destruir suas barreiras para provar que o amor sempre é tudo!
CAPÍTULO I
A casa isolada no meio do campo chamava a atenção, é seu ar de nobreza decadente emprestava-lhe um aspecto acolhedor.
A poucos metros da entrada, Debby Grant a examinava pensativa. Depois, olhando para a calça de brim desbotada e a camiseta que usava, sorriu. Era a primeira
vez que seu jeito descontraído de vestir combinava com o ambiente.
E se Marck du Vaal morava ali o encontro poderia ser agradável, apesar de Daniel tê-lo descrito como um holandês de temperamento difícil.
Permaneceu quieta, mordiscando o lábio. O rosto, de uma beleza clássica, estava sério, sem o sorriso costumeiro que lhe realçava ainda mais as maçãs salientes
e o queixo fino.
Ele falaria inglês? Sim, claro, pensou impaciente. Afinal de contas, era riquíssimo e morava na Inglaterra!
Pelo aspecto da casa, também parecia um homem extravagante: deixara a Ferrari vermelha estacionada bem no meio do jardim. Isso não incomodava Debby nem um
pouco. Mas a preocupava o fato de não conhecê-lo, pois tinha dificuldade em falar com estranhos.
Depois de um certo tempo de hesitação ela decidiu abrir caminho pela grama crescida, que lhe chegava quase aos joelhos. Foi até a porta e bateu. Nenhuma resposta.
Tentou mais uma vez e nada!
Espiou pela janela. Não se podia ver muita coisa lá dentro. As vidraças acumulavam pó, parece que há muito tempo.
Com um suspiro profundo, Debby perguntou-se o que deveria fazer. Se tivesse de escolher, seria melhor ir embora e dizer que não o encontrara.
Mas, olhando ao redor, decidiu contornar a casa. Viu então um homem sentado no terraço, escrevendo à máquina. O rosto bronzeado era forte e de traços marcantes,
com um nariz de traços clássicos e o queixo saliente. Os cabelos, da cor de ouro velho, caíam em desalinho pela testa larga, e atrás cobriam o colarinho da camisa.
Só poderia ser Marck du Vaal. Como ele não desse sinais de ter notado a presença de Debby, foi obrigada a tossir delicadamente.
- Não precisa fingir-se de doente - falou, em tom seco. - Notei que você estava aí faz cinco minutos.
- Desculpe - balbuciou, tímida.
Ele ergueu a cabeça após um toque no teclado e voltou-se para observá-la melhor.
Os olhos eram azuis, brilhantes, e mostravam-se momentaneamente surpresos.
- Se veio se oferecer como cozinheira ou faxineira, desista - declarou, com um sotaque leve e apaixonante.
- Oh, não! Sou Debby Grant - apresentou-se.
E, como ele continuasse com a mesma expressão, acrescentou desconcertada:
- Sou irmã de Daniel.
- Ótimo. Agora que deciframos esse pequeno mistério, adeus. Estou muito ocupado.
Sem se deixar intimidar, com um ligeiro sorriso ela subiu para o terraço e sentou-se num vaso de plantas encostado à parede.
- O senhor se esqueceu dele? - insistiu.
- Não - declarou, pressionando forte outra tecla. - Nunca fomos apresentados.
- Mas claro que sim! - Voltou a insistir Debby. - É amigo de Clare. Vim avisar que eles mudaram os planos e foram para Bangcoc hoje cedo.
- Hoje cedo - repetiu Marck, com a atenção voltada para o que estava fazendo.
- É, Daniel telefonou ontem à noite e...
- Você está se estendendo muito, senhorita!...
- Grant - informou, impaciente. - Acho difícil o senhor não lembrar o nome do rapaz com quem sua sobrinha viajou!
- Foi com quem, para onde? - Ainda o ar ausente, as sobrancelhas arqueadas, enquanto olhava para o papel na máquina.
- Com Daniel, para o Oriente! - apressou-se em dizer.
- Não seja boba! Clare está na Suíça! - gritou, levantando a cabeça.
- Suíça? Como pode estar lá? - gaguejou Debby.
- Não sei - explicou ele. - Não faço a menor ideia sobre 0 que você está falando. Agora, por favor, quer ir embora?
- Mas...
Com um gesto de desânimo Marck du Vaal recostou-se na cadeira e encarou-a, os olhos azuis muito brilhantes.
- Por favor... - implorou ele. - Por favor, vá embora. Não sei quem você é. Não conheço seu irmão, nem tenho vontade de conhecer. Só sei que minha sobrinha
está na Suíça.
- Ela voltou? - Debby interrompeu, hesitante. - É estranho, a menos que Clare tenha brigado com Daniel...
- Que importa quando voltou, ou se brigou? - exclamou Marck surpreso.
- Bem, acredito que não, realmente. Quer dizer, desde que esteja bem...
- Sem dúvida que está! Por que motivo não estaria? - inquiriu, com espanto muito grande.
- Nenhum, suponho. Só acho curioso ela ter voltado tão depressa. Se estão com sete horas de diferença... isto é... não voltou ainda - concluiu, agora completamente
confusa em calcular fusos horários. - Não estou entendendo nada!
- Não há nada para entender. A senhorita é que está mon-tando um quebra-cabeça, não é? - argumentou.
- Lógico que não. Já expliquei o que está acontecendo - retrucou Debby.
- Não, srta. Grant, não explicou. Contou uma história sem o menor sentido e, ainda que eu normalmente não tenha dificuldade para entender as coisas, confesso
estar perdido. Agora, comece do começo.
Mordendo o lábio inferior, os olhos bem abertos e fixados no rosto dele, Debby perguntou-se onde era o começo.
- Daniel, meu irmão, telefonou para dizer que está mudando de ideia e indo para Bangcoc. E, segundo Clare, o senhor não se importaria para onde fossem. Mas
achou que eu deveria saber... - disse de uma vez só.
- Não - afirmou, secamente.
- Não o quê? - quis saber, alarmada.
- Clare está na Suíça - garantiu, com voz dura.
- Não continue repetindo isto! É impossível! Com a diferença de horários, mais a duração do vôo, se estavam juntos a noite passada ela jamais poderia ter
voltado par a Suíça, pelo menos até hoje à noite! Pelo amor de Deus, por que eu iria lhe dizer estas coisas, se não fossem verdade? - implorou, com exaltação.
- Por quê, realmente? Você é uma atriz? - quis saber Marck ao notar-lhe a expressão assustada.
Continuou a examiná-la da cabeça aos pés, desde os cabelos castanhos e crespos, presos com o que parecia ser um cadarço de sapatos numa espécie de rabo-de-cavalo.
Deslizou o olhar pela figura esguia, a calça de brim quase puída e aparentemente dois números maior do que deveria usar, a camiseta que em outros tempos devia ter
sido branca, deixando-a desconcertada e com a impressão de estar sem roupa.
- Uma atriz? Pareço com uma? E, se fosse, que diferença faria? Vim falar a respeito de Clare, e não sobre minha profissão! Pelo que vejo, não deveria ter
me envolvido nisto...
- Que você faz, então? - interrompeu Marck.
- Sou escultora - declarou, indignada. - Agora, por favor, vai telefonar para a escola de sua sobrinha?
- Não precisa, senhorita. Falei com ela ontem - argumentou, como se falasse com uma criança teimosa.
- Ligou para ela? - A voz de Debby mostrava preocupação.
- Não, foi ela quem ligou para mim - ele declarou.
- Aí está! Como sabe de onde veio o telefonema? - interpelou, triunfante.
- Porque minha sobrinha não mente! - esbravejou, no limite da paciência. Tomando uma inspiração profunda, prosseguiu mais calmo: - Não sei por que seu irmão
disse que Clare está com ele. Pode ser outra moça chamada Clare...
- Não - interrompeu, apressada.
- Fique quieta! Até onde sei, ela sequer conhece alguém chamado Daniel Grant - Marck sugeriu, mais conciliador.
- Ora, isso não prova nada... - Debby descartou, provocadora.
- É verdade. Entretanto, deixando de lado o fato de que possa ou não conhecê-lo, sei que está na Suíça. Agora, adeus, srta. Grant. - Com movimentos controlados,
inclinou-se para a frente, colocou nova folha de papel na máquina e recomeçou a escrever.
- Por favor, telefone para a escola - Debby pediu, olhando-o em desafio.
Marck du Vaal colocou os cotovelos sobre a máquina e cobriu o rosto com as mãos. Ficou assim por alguns minutos, enquanto Debby irritava-se, mordendo o lábio.
Quando havia decidido que era melhor ela mesma telefonar, ele ergueu o rosto e apoiou o queixo no punho fechado.
- Por acaso seu irmão pediu que você viesse aqui?
- Não. Só disse que eu precisava saber das mudanças de planos dele.
- Não telefonou para dizer que Clare estava com ele?
- Não. Já lhe disse por que...
- Não pediu que viesse me ver - Marck a interrompeu.
- Oh, Deus, dai-me forças! Vim porque pensei que o senhor gostaria de saber. Ela é menor! O senhor deve tomar conheci-mento do seu paradeiro! - gritou, desesperada.
- E sei onde está! Na Suíça! Lamento, srta. Grant, mas não sei o que espera conseguir com toda essa história.
- Que o senhor acredite no que estou contando!
- Srta. Grant, só esta semana recebi a visita de duas moças dizendo terem sido encaminhadas por um produtor, um rapaz querendo ser ator, um outro procurando
trabalho num estúdio... e outros mais. Assim, como poderia crer nesse caso fantástico que me contou? Tenho de admitir que a senhorita foi muito cria-tiva, e se não
esqueceu nenhuma linha do texto estou até disposto a acreditar.
- Quem é o senhor? - Debby sussurrou, como se não esti-vesse certa de qual dos dois enlouquecera. - Ora, srta. Grant. Que pergunta é esta? Sabe muito bem
quem eu sou! - ele falou, irônico. - Marck du Vaal!
- Mas quero dizer quem realmente é. O que você faz?... Marck recostou-se outra vez, os olhos azuis estreitados. Com lentidão o bronzeado foi sumindo, dando
lugar a uma palidez acentuada, como se estivesse passando mal. Ficou de pé, afastou a cadeira e deu alguns passos, com a cabeça baixa.
- Está bem, vou telefonar - prometeu, mais calmo, e entrou em casa.
Com um suspiro ruidoso, Debby fechou os olhos em atitude meditativa, Pensamentos diversos cruzavam-lhe a mente. "Por que as pessoas vêm lhe oferecer serviços?
Por que é rico, será?"
Ele mencionara produtores e atores, o que fazia pensar que es-tava ligado à indústria de cinema ou ao teatro. "Por que as pessoas contavam tantas histórias
a Marck du Vaal? Seria por isso que ele havia ficado em dúvida quanto à própria sobrinha?" E, curvando os ombros, abraçou os joelhos. "Oh, Daniel, por que você fez
uma coisa dessas comigo?" Ainda que Marck du Vaal não pudesse saber que Clare havia deixado a escola sem permissão, quando descobrisse a verdade, o que aconteceria?
Ficaria furioso.
E quem iria ser o alvo de toda a cólera? Provavelmente Debby Grant...
Não soube precisar por quanto tempo ficou ali, pensando sem chegar a uma conclusão, pois não havia muito sentido no que ouvira.
Sons abafados de passos às suas costas fizeram-na encolher-se, o rosto crispado de preocupação.
- Ela estava lá? - insistiu, quando ele voltou.
- Não. Mentiu que eu estava muito doente e que viria para casa cuidar de mim. Não sabia quando estaria de volta - Marck informou, em tom desanimado.
- Pensei que estivesse furioso - arriscou, por não ver qualquer reação.
- E estou - ele murmurou.
- Mas não parece... - ela apressou-se em dizer, irônica.
- Nem sempre demonstro meus sentimentos. Aliás, muito raramente - comunicou, com voz ainda suave, a expressão serena,
- O que vai fazer agora? - procurou saber, sem demonstrar preocupação.
- Irei buscá-la. O que mais poderia fazer? Talvez a traga antes de Jan descobrir.
- Jan?... - indagou, sem compreender.
- Meu irmão, o pai dela. Você sabe ao menos onde poderiam estar? - falou alto, fazendo-a pular.
- Sem dúvida, em Bangcoc! Pode ficar tranquilo. Daniel cuidará dela... - respondeu, procurando mostrar firmeza.
- Acho bom! - advertiu, ameaçador.
- Claro - assegurou, - Ele é muito responsável.
- Não sei se quem convence uma garota a ir para o Oriente é tão responsável assim... - refletiu, nada amigável.
- Ele não a convenceu! - exclamou, defendendo o irmão.
- Não? Como tem tanta certeza? - Marck ironizou.
- Porque Daniel me disse. Clare decidiu ir encontrá-lo logo após a Páscoa, o que o aborreceu bastante. Não ficaria, se a ti-vesse convidado.
Droga! Eu não precisava disso! - E, virando~se para olhá-la, acrescentou: - Você sabe o nome e endereço do hotel?
- Sim. Daniel deixou um roteiro comigo. Cidades, vilas, esse tipo de coisas... - ela o interrompeu, apressada, querendo demonstrar segurança.
- E o número do telefone, você tem? - Não - confessou. - Só o nome.
- Não tem importância - desconversou, cansado. - Farei reserva num vôo para nós.
- Nós? - gemeu, em total espanto. - Sim, srta. Grant... Nós!
- Mas o senhor não vai precisar de mim! - protestou.
- Engano seu. Não conheço seu irmão!
- Mas não precisa conhecê-lo... - interrompeu-se, vendo es-tampadas no rosto dele as intenções a respeito de Daniel. - Não foi culpa dele.
- Você é quem diz isso, e não posso forçá-la a ir. Pensei que sua preocupação fosse uma garantia, porém vejo que errei no julgamento.
- Mas eu vim porque estava realmente preocupada - procu-rou justificar-se.
- E agora já não está mais? - ele começou.
- Ainda estou, sim - Debby reclamou, zangada.
- Então, você vem comigo! - Voltando-lhe as costas, Marck du Vaal entrou em casa e ela o ouviu ao telefone.
- Falei com minha agência de. viagens. Vão me ligar depois disse, em resposta ao olhar interrogativo dela.
- Não sei em que posso ser útil. Não sou boa nessas coisas sugeriu, na esperança de que ele não insistisse.
- Ajudará a procurar. Se não estiverem nesse hotel, teremos de achar uma pista... Você conhece seu irmão e sabe o que ele pensa - Marck avaliou.
- E o senhor conhece Clare - Debby argumentou, incerta quanto à reação dele.
- Claro que conheço... Por fotografias! A última vez que nos vimos foi há mais de três anos - devolveu, com ar zombeteiro.
Ela não esperava uma resposta desse tipo.
- Sim, srta. Debby, e sei muito pouco sobre ela. Jan precisou viajar para os Estados Unidos, e me pediu para Clare passar o fim de semana aqui. Ele queria
que eu me certificasse de que ela estava bem. Oh! Meu Deus! Ele só foi há dois dias, e veja o que já aconteceu.
- Mas... Se ninguém sabia dessa viagem, como é que sua sobrinha conseguiu o dinheiro? - retrucou, no auge da surpresa.
- Porque Jan lhe dá uma mesada fabulosa! Oh, Deus, como eles estão viajando? - perguntou, de surpresa.
- De mochila nas costas - ela afirmou, inocente.
- Mas não de carona? - quis saber, horrorizado.
- É claro que não! - negou, sem ter certeza. - Daniel queria conhecer o mundo antes de entrar para a universidade. Tirar um ano só para ele.
- Qual a idade dele? - Marck exigiu, preocupado.
- Dezoito. E é bonito! - apressou-se em dizer, sem pensar.
- Estou certo que sim. Qualquer garoto que consiga fazer uma menina viajar com ele ao Oriente tem que ser no mínimo bonito!
- Isso não é justo! - advertiu, irada. - Ele não convenceu ninguém. A decisão de partir para a Tailândia foi dela.
- Não seja tola! Clare não se jogaria para alguém sem convite! - ele argumentou, defendendo a sobrinha.
- Como sabe, se não a conhece bem? - retrucou, irônica.
- Porque não imagino Jan e Lilly educando-a para se comportar desse jeito. Eles formam o casal mais antiquado que já vi - ele objetou.
- Talvez seja por isso. Revolta! - ela analisou.
- Ah, psicóloga agora? - investiu, caçoando.
- Não, é que garotas de dezessete anos não são mais crianças, hoje em dia. Na verdade têm a cabeça muito mais aberta que a minha!
- Muito difícil - zombou. - Desculpe-me. Lutar um contra o outro não resolverá nada. Faz tempo que se conhecem?
- Não muito. Foi em Paris, logo depois do Natal. Daniel contou-lhe seus planos para este ano, e devem ter mantido con-tato. - Tentou tranquilizá-lo - Mas
cuidará dela.
- Estou certo que sim, e é esta a minha maior preocupação - disse, franzindo a testa.
- O que o senhor quer dizer? - Debby sussurrou, arisca.
- Não banque a inocente! Clare é uma bela moça, ao menos parecia ser pelas últimas fotos que vi. E nenhum rapaz ao lado dela sentirá só um amor platônico!
- esbravejou, perdendo a calma.
- Isso não é muito bom para sua sobrinha, não é? E agrade-ceria se não julgasse Daniel por você! Oh! - exclamou, colorando as mãos sobre aboca. - Desculpe-me...
Fui presunçosa...
Divertido com a reação, Marck tomou-lhe as mãos entre as suas.
- Então resolveu mostrar as unhas? - retrucou, brincando.
- Como assim? - Sentiu o rosto esquentar e avermelhar-se.
- Você me lembrou uma gatinha assustada, mas agora não lenho tanta certeza assim - respondeu, arqueando a sobrancelha.
- Obrigada - disse, zombando. E, alongando o pescoço: - Parece que o telefone está tocando.
- Deve ser o agente de viagens - afirmou, soltando-lhe as mãos e entrando em casa.
Debby seguiu-o de perto e constatou ser realmente da Agência o telefonema.
Ao terminar Marck colocou o fone no gancho e dirigiu-se a ela, que estivera o tempo todo com os olhos fixos no rosto dele, escutando a conversa.
- Decolamos hoje, às cinco e meia. E, segurando-lhe o braço, conduziu-a até o terraço, onde con-tinou a observá-la atentamente.
- Você sempre corre assim em defesa do seu irmão? - inquiriu, após alguns minutos de silêncio.
- Não, mas o senhor insiste que a culpa foi dele - respondeu, com os olhos faiscando.
- Ele sabia que Clare não tinha permissão?
- Se soubesse, teria me contado - argumentou, irritada.
- Pela última vez, por que você veio me contar? - Porque Clare tem apenas dezessete anos, e pensei que o senhor ficaria preocupado em saber que ela não está
onde imagina!
- Está bem, dê meia hora para me aprontar e depois sairemos. Enquanto isso, se quiser pode fazer chá ou o que achar melhor - murmurou, antes de voltar para
dentro.
Com um suspiro de alívio Debby foi procurar a cozinha, e notou por onde passava que, pelo menos em matéria de desordem, a casa era igual à sua.
Retirou uma xícara da pilha no escorredor, colocou água para ferver e fez um pouco de chá, voltando para o terraço.
Sentando-se na cadeira que Marck deixara livre, perguntou-se por que se comportava desse modo.
"Não queria ir para o Oriente com ele. É... perturbador", pensou, franzindo a testa.
Então, por que não lhe dizia isso? E mais: como poderia ter certeza de tudo o que dissera sobre o irmão? E se Daniel se abo-recesse com as lamentações de
Clare e resolvesse livrar-se dela, com a justificativa de que não a convidara?
"Oh, Daniel", murmurou para si. "Por favor, cuide dela."
- Pensamentos secretos, srta. Grant? - perguntou suavemente, divertido com a expressão de susto de Debby, que não o vira chegar.
Ele acrescentou:
- Pensei que estivesse refletindo sobre voar com um desconhecido para o outro lado do mundo - lembrou, agachando-se ao lado dela.
- Talvez. Decidi porque o senhor não parece o tipo de homem que gosta de gatinhos assustados - ousou desafiá-lo.
- Realmente... Mudando de assunto, existe alguém que possa ficar preocupado com sua viagem? Pais... Namorado?...
- Não. E o senhor, alguma namorada que possa não gostar de estarmos juntos? - devolveu, em expectativa.
- Acha que ela ficará com ciúme? - retrucou, divertido. - Por que ficaria? Estou longe de ser a "mulher fatal"... -
respondeu, fazendo trejeitos.
- Não é? Começo a me perguntar... - falou, cínico.
- Não comece, sr. Du Vaal. Não se esqueça de que estou indo por sua insistência. Não comece a imaginar coisas!
- Por quê? - falou lentamente.
. - Que significa este "por quê?', sr. Du Vaal? Por acaso espera que toda mulher se ajoelhe aos seus pés? - ela murmurou, na defensiva.
- Não. Estava querendo descobrir se você vai se tornar um problema para mim... - ele assegurou, calmo.
- Fique tranquilo. Gosto de homens magros e morenos, e não de gigantes louros! - rebateu, com um meio sorriso.
- Estou longe de ser um gigante. Porém, é reconfortante saber que nossos gostos são opostos.
- Ainda bem, não é mesmo? - E franziu as sobrancelhas, acrescentando: - O senhor pode viajar sem problemas?
- Felizmente sim, e você?
Também, o que vem a calhar, não é mesmo? - devolveu, com aspereza, completando em seguida: - Vendo que não tenho escolha...
- Há sempre uma escolha. Mas você não tem nenhuma en-comenda para executar, ou coisa assim? - argumentou, por acaso.
- No momento, nada de interessante, pois em geral faço o que gosto. Se vende, Ótimo, se não... - Debby falou em tom casual.
- Não se preocupe nem um pouco - concluiu por ela. - Estou começando a compreender a srta. Debby Grant...
- Não tenha essa pretensão - ela contradisse. - E por que quis saber se eu era atriz? - completou.
- Nada de importante - desconversou Marck.
- Por que se fazer de tão misterioso? - ela insistiu. - O que o senhor faz, na verdade?
- Efeitos especiais. Isto é, deixo as cenas prontas, digamos assim - explicou, conclusivo.
- Cinema e televisão? - A curiosidade foi mais forte. Marck não respondeu, limitando-se a sorrir.
- O senhor pensou que eu queria ganhar um papel em algum dos seus filmes? Não foi?
- Sim, mais ou menos isso - concordou.
- Pois enganou-se. O senhor é famoso? Será que já ouvi falar a seu respeito? - perguntou, mais amigável.
- Provavelmente não, a menos que leia o nome dos integran-tes da equipe técnica, no fim dos filmes - disse, paciente. - Nunca faço isso. Não tenho muito tempo
para cinema. Com um sorriso disfarçado, Marck du Vaal ficou de pé. - Já está pronto? - perguntou, quase num sussurro, insegura. - Sim, vou apenas guardar a máquina
de escrever. - E carregou-a para dentro.
Com a xícara de chá numa das mãos, o corpo largado sobre a cadeira, Debby seguiu-o com os olhos. "Não queria ser problema para ninguém, e muito menos ter
qualquer envolvimento com aquele homem", pensou. Quando passava pela porta, minutos depois, ela resolveu perguntar:
- Quanto o senhor mede?
- Um metro e noventa. Isso lhe agrada... ou é importante? - brincou, com ar de zombaria.
- Não estou interessada em ninguém. Apenas pensei que o senhor fosse mais baixo, parecia mais forte.
- Ainda bem que não sou. Detestaria isso.
- Eu quis dizer... - começou, encolheu os ombros e parou.
- O quê? - ele perguntou, parando à sua frente.
- É que estou interessada em modelos vivos para minhas esculturas e...
- Como você conseguiu chegar aqui de carro? - interessou-se de repente.
- Eu vim de ônibus, e depois caminhei um pedaço.
- E onde você mora? - ele insistiu.
- Perto daqui. Do outro lado de Sevenoaks-Eynsford.
- Está bem. Agora vamos - apressou ele, praticamente empurrando-a.
Marck du Vaal abriu a porta do carro com uma mesura exagerada para que Debby entrasse. Jogou a mala no bagageiro e deu a volta para sentar-se ao volante.
- Aperte o cinto, pois corro muito - informou.
- Pensei que fosse proibido - sussurrou, preocupada.
- E é. Mas, se o trânsito estiver livre e tivermos boa visibilidade, nada impede. Por quê, você tem medo?
- Que diferença faria, se tivesse? - ela retrucou.
- Nenhuma. Temos pouco tempo e muita coisa a fazer. Você demora para se arrumar? - ele mudou de assunto.
- Não. Tudo o que tenho a fazer é colocar algumas roupas na mochila. Achou que eu iria me enfeitar? - ironizou.
- Não - Marck garantiu, o mais seco que pôde. Recostando-se no banco, fechou os olhos. "Com um pouco de sorte logo encontrariam Clare e voltariam", pensou.
Quando pararam na frente de sua casa, Debby olhou-a mais reconfortada. Desceram e, ao entrar, ela dirigiu a Marck um sorriso conciliador, olhando em volta
a desordem de tudo.
- Ainda bem que não moramos juntos, não é? Quer dizer... A bagunça de nossas casas... - tentou brincar.
- Eu não moro lá - ele defendeu-se. - A casa servirá apenas como cenário para um filme, e trabalho nela com o intuito de torná-la uma espécie de casa fantasma!
Com aquela resposta, Debby sentiu-se corar.
Mais uma vez havia feito papel de boba ao querer que o relacionamento deles fosse mais cordial, pelo menos sem as agressões que troçaram desde o primeiro
instante. Não sabia por quanto tempo ficariam juntos, tudo dependeria de encontrarem Daniel e Clare o mais rápido possível. Era o que estava esperando, an-siosamente.
Debby fez um gesto para que ele se acomodasse na sala. - Meu passaporte e o roteiro do itinerário de Daniel devem estar na escrivaninha. Se não se importa de procurar
enquanto me arrumo, esteja à vontade - instruiu, antes de subir a escada. No quarto, tirando a mochila do maleiro, pensou alguns ins-tantes sobre o que levar. Short?
Por que não? Podia estar quen-te. Suéter? Talvez esfriasse à noite. Camisetas.
Mexendo numa gaveta da cômoda, encontrou uma calça nova de algodão. Qua mais? Do fundo do guarda-roupa tirou um par de sandálias e calçou. Por cima de tudo,
colocou cuidadosamen-te os cadernos, de desenho e lápis.
"Agora só preciso de dinheiro. Espero que Marck possa pas-sar no banco. Que horas são? Onde está meu relógio?", pensava aos atropelos, correndo de um lado
para o outro do quarto.
Descendo para a sala, não encontrou Marck onde deveria estar. Logo notou a porta do ateliê aberta e sentiu um arrepio. Ficou alarmada, pois não gostava de
estranhos por lá, nem mesmo Daniel.
Largou a mochila no chão e atravessou a sala, quase correndo. Ele estava de pé em frente à janela, examinando uma peque-na escultura.
- Trabalho seu? - perguntou, exibindo a estatueta.
- Sim - foi a resposta lacónica de Debby.
- Muito bonito e bem-feito - ele elogiou, sério.
- Obrigada - disse, ainda com voz áspera.
- Você parece zangada! Estou me intrometendo, não é? Sin-to muito... - procurou justificar-se.
- Não, eu... é... mais ou menos - ela respondeu.
- Mas por quê? Se eu tivesse sua capacidade, convidaria todo mundo para ver! - disse, com sinceridade.
- Duvido muito! - mas ao ver-lhe o semblante sem qualquer ironia, relaxou.
- Que madeira você usa, Debby? - quis saber, revirando a escultura nas mãos.
- Macieira. - Ela informou, e atravessou o ateliê para tomar das mãos dele o trabalho, colocando-o no parapeito da janela.
- Você é famosa? - ele procurou manter o tom descontraído.
- Não me preocupo com fama. O senhor encontrou?
- Encontrou o quê? - ele espantou-se.
- Meu passaporte e o roteiro - ela falou, ríspida.
- Nem procurei ainda, sinto muito... - justificou-se.
- Está bem, deixe que eu mesma procuro, pois também não sei onde ficou meu relógio...
Com a testa franzida, voltou para a sala e foi até a escrivaninha, abrindo-a e remexendo nos papéis. Encontrou o que procurava e estendeu o passaporte a Marck,
que o guardou no bolso da calça. Sem se importar com a presença dele, dirigiu-se à mesa com uma folha de papel na mão, desdobrou-a e, com o dedo, percorreu algumas
linhas.
- Deixe-me ver - ele interveio, afastando-a, e leu em voz alta: - Delhi, Agra, Jaisalmer, Jodhpur, Kashmir, Goa, Hong Kong, Bangcoc. Santo Deus! Ele tem
muito dinheiro?
- Sim, por quê? - Debby apressou-se em dizer, com um sorriso estampado no rosto.
- E vai gastar tudo nessa viagem? - Marck indagou, com reprovação. - Não. Ele está viajando do modo mais econômico possível - argumentou, desconfiada
com o tom da pergunta.
- E você tem uma fortuna igual à dele? - zombou.
- Não, mas tenho como pagar minhas contas. Podemos parar no banco, quando formos para o aeroporto? - retrucou, agressiva.
- Sim - ele murmurou, a olhá-la como se ainda não estivesse certo do que fazer com ela. De súbito, jogou: - Como sabia onde me encontrar?
- Daniel me deu o telefone de Clare, para casos de emergência e... Bem, quem atendeu disse que o senhor estava em Wester-ham e me deu o endereço...
- Foi assim, então? - Marck concluiu, irónico.
- Acredito que a garota que me atendeu ao telefone só fez isso porque eu disse que não tinha nada a ver com cinema ou televisão - desculpou-se, procurando
apagar qualquer mal-entendido que por acaso estivesse pairando no ar.
Está bem, está bem... Mas tenho a impressão de que me arrependerei amargamente.
- O senhor tem todo o direito de cancelar minha passagem - queixou-se, esperançosa.
- Não - descartou Marck, e caminhou com passos firmes para a porta, com Debby correndo atrás.
CAPITULO II
Conforme haviam combinado, pararam no banco, pegaram cheques de viagem e seguiram para o aeroporto Heathrow, onde mal tiveram tempo de guardar o carro.
Correram até o balcão da companhia aérea. Marck ocupou-se das passagens, da apresentação dos passaportes, e por fim seguiram para o portão de embarque no
exato momento em que os passageiros estavam sendo chamados.
No avião os lugares eram ao lado das janelas, e Debby, recostando-se, olhou para fora. Sentiu as preocupações voltarem.
"Quatorze horas", pensou.
Havia esquecido que viveria uma intimidade forçada com Marck du Vaal, por quem começava a sentir uma atração como há muito tempo não sentia por alguém...
Aconselhou-se a ficar em guarda.
- Que há de errado? Medo de voar? - ele perguntou.
- O quê? Oh, não, estou apenas pensando - Debby disse, virando-se para ele.
- Em que, no seu irmão? - insistiu, curioso. Balançando a cabeça em negativa ela tirou o folheto de instruções de vôo do bolso da poltrona da frente e fingiu
ler.
Fora bem ingênua ao pensar que apenas sua vontade bastava para não sentir atração por aquele homem.
"Oh, pelo amor de Deus", disse a si própria, enquanto colocava o folheto de volta. "Mantenha-se firme! Caia na real! Trate-o como um irmão... ou um tio."
Quando a aeromoça lhe ofereceu a revista de bordo, Debby levou um susto muito grande porque seus pensamentos estavam a quilômetros dali.
- Você está murmurando e se mexendo como alguém nos últimos espasmos de demência! - Marck exclamou, impaciente. - Por Deus, o que há?
- Nada. Estava pensando - explicou, com um sorriso amarelo, forçando naturalidade. - Esqueci que este é um vôo de longa duração.
Tão logo os sinais luminosos pararam de piscar, ela desaper-tou o cinto e moveu-se na cadeira para que pudesse ver os passageiros do outro lado do corredor.
Logo seus olhos encontraram os de uma mulher de cílios muito longos, que a observava.
Com um sorrisinho perverso, Debby pegou o caderno de desenho e começou uma caricatura dá moça. Marck reprovou, ao ver o que ela fazia. - Isso não é muito
bonito.
- Não me importo - e encolheu os ombros. - Não gosto das olhadas que ela está dando.
- Com certeza, isso tem a ver com sua roupa - Marck ob-servou, com um sorriso.
- Deduzi o mesmo. Isso incomoda, afinal? - Pelo menos, não a mim. É muito difícil eu me embaraçar com alguma coisa.
- Foi o que imaginei. Você não parece ligar muito para o que as pessoas pensem a seu respeito.
- Acertou. - E apontando para o desenho: - Isto vai mantê-la ocupada até aterrissarmos?
- Talvez. Por quê? Você esperava que eu o distraísse? - Virou-se para ele, em tom que poderia provocar uma briga. Marck du Vaal não deixou de observar:
- A propósito, ia mesmo pedir que parasse de me chamar de
senhor. Afinal, não sabemos quanto tempo ficaremos juntos, e cerimônias não ajudariam muito as coisas.
- Foi o que pensei. E, quanto ao divertimento, se estivesse pensando o contrário, seria melhor pedir à dama do outro lado do corredor. Pelo jeito ficaria
muito feliz se o fizesse!
- Miau! - fez Marck, mostrando os dentes.
- Nem um pouco - Debby negou, vagamente. - Estava ape-nas tentando ser útil.
- Pois saiba que não está. - E olhando para o esboço, falou com lentidão: - Você sabe desenhar outras coisas além de rostos?
- Que espécie de coisas? - quis saber, intrigada.
- Salas. Posso? Sem esperar resposta, Marck tomou o bloco e o lápis e, virando a página, começou a desenhar o layout de uma casa.
- Está espécie de coisas. - explicou, por fim, mostrando o desenho a Debby.
Fazendo um muxoxo enquanto pensava a resposta, ela acenou de leve com a cabeça e tomou o bloco. Destacou a folha, amassou e jogou-a no colo dele.
- A casa onde você está trabalhando?
- Hum, hum. - E, inclinando-se sobre o ombro dela, descreveu o que tinha em mente. - Você adora desenhar, não é? - Observava o trabalho que Debby desenvolvia
com competência.
- Sim - confessou. - Sempre gostei. Às vezes gasto horas sem dar conta, quando tudo está saindo bem. Outras, basta apenas um traço para capturar o que quero.
Mas tem dias em que nada dá certo. Com você acontece a mesma coisa?
- Também. Inspiração não é um aparelho que possamos ligar... Ei, a escada vira para a direita -- instruiu, os olhos fixos no papel. - Diga-me, seu irmão
é rico? - perguntou, sem transição.
- Vovô lhe deixou uma herança gorda - Debby explicou.
- E para você, nada?
- Não seja bobo. Sou mulher, e vovô não tinha uma opinião muito boa sobre as mulheres. Grades ou suportes? - perguntou, pousando o lápis para desenhar o
corrimão da escada.
- Suportes... Explica-se a atitude do avô, se sua avó era parecida com você - Marck concluiu, com ternura na voz. - Por que não deixou a herança para seus
pais?
- Vovô não gostava deles. Na verdade, o problema era com meu pai. - Recostando-se, o lápis entre os dedos, sorriu vagamente. - Acho que foi por isso que
comecei a esculpir... Foi a profissão mais suja em que pude pensar...
- Explique melhor - ele pediu. - Creio que jamais encontrei alguém que gostasse tanto de pensar em círculos!
- Bem - começou, não muito contente, - Foi um grande desapontamento para meus pais quando nasci... Porque eu era muito doce... - Ignorando-lhe o sorriso
gutural, continuou: - E... bem... digamos, muito bonita. Minha mãe gostava que eu usasse roupas finas, geralmente brancas, assim eu não podia brincar no jardim.
Nada de brincar com areia, de me misturar com outras crianças... Minha mãe também era puritana, e logo que pôde me carregou para uma escola doutrinadora onde acreditava
que eu estaria a salvo dos horrores do mundo. Garotos, para ser exata.
- Funcionou? - ele perguntou, zombeteiro.
- Não sei... - E mudou de assunto: - Quando eu estava com nove anos, Daniel nasceu.
- Você tem vinte e sete anos? - exclamou, incrédulo. - Meu Deus, parece ter pouco mais de dezoito!
- Talvez isso tenha algo a ver com a infância reprimida...
- Isto não parece incomodá-la muito - Marck observou. - Agora não mais. Para encurtar a história: quando vovô, que a propósito era Loring Grant, morreu, eu...
- O industrial? - questionou Marck.
- Sim. Meu pai era filho único e Daniel, sendo o único neto homem, ficou com tudo. Papai ficou furioso! Entretanto, havia pouco que ele pudesse argumentar.
- E você, nada... - insistiu.
- Não. De qualquer forma, dois anos depois nossos pais mor-reram num acidente de carro e Daniel veio morar comigo. Os tu-tores lhe deram dinheiro bastante
para pagar nossas despesas...
- Não acredito numa palavra - murmurou Marck, cruzando os braços sobre o peito.
- Mas é tudo verdade. Foi mais ou menos como contei - ela defendeu-se.
Como se conheceram naquele dia, não poderia esperar que Marck acreditasse, mesmo que remotamente, naquela história de família. A menos que fosse para descobrir
que espécie de influên-cia Daniel estaria exercendo sobre sua sobrinha.
Voltando-se para olhá-lo, Debby viu a aeromoça parada ao lado deles, com a jarra de café na mão.
- Você está sendo solicitado - disse, afável.
- Desculpe. Preto, por favor, e sem açúcar. Debby?
- Com leite e um pouco de açúcar - Baixando a mesinha, ela colocou a xícara antes de passar-lhe o bloco de desenho. - É assim? - perguntou.
- Está Ótimo. Pode me emprestar o lápis? - E começou rapidamente a traçar alguns sinais em diversos pontos.
- As cruzes indicam os lugares para efeitos especiais? - indagou, ao vê-lo marcar determinados pontos do desenho.
- Em teoria - concordou, franzindo a testa, e começou a escrever instruções.
- Fale-me sobre você - ela o encorajou, pegando o café e tomando-o aos pouquinhos.
- Falar o quê? - disse, encolhendo os ombros. - Minha história seria enfadonha, comparada com a sua.
- Que absurdo! Conte sobre sua vida, onde conseguiu este bronzeado...
- Está bem - concordou, abandonando a escrita. - Peguei sol no México, onde estive filmando desde fevereiro.
- Você tem que ficar no lugar das filmagens?
- A maioria das vezes, a menos que fora esteja melhor, o que nem sempre acontece.
- O que estiveram filmando?
- Uma ficção científica com muitos discos voadores e alienígenas - ele explicou.
- E você teve de construí-los? Fazê-los funcionar? - Debby ficou mais interessada ainda.
- Sim, e também dirigir ângulos de câmara para criar mais efeitos - Marck informou, divertido.
- Você gosta do que faz? - arriscou.
- Sem dúvida! Não conseguiria fazer, se não gostasse. - Com um sorriso intrigante, os olhos brilhando bem-humorados, acrescentou: - No estúdio nós brincamos
muito, ainda mais quando precisamos fazer algo que deva explodir. E o mais importante é que pagam muito bem - entusiasmou-se, ao ver-lhe o sorriso.
- O que lhe permite escapar para Bangcoc - falou travessa.
- Claro, é isso mesmo - concordou, voltando a ficar sério. Debby o consolou, ao notar que ao fazer a observação trouxera à tona o motivo da viagem deles.
- Sua sobrinha estará bem.
- Espero que sim. - Com um suspiro profundo, Marck recostou-se e estirou as pernas compridas.
- Que tipo de treinamento é necessário para se tornar um especialista em efeitos especiais? - ela perseverou, tentando contornar a situação.
- Formar-se em engenharia ou apenas habilidade manual para fazer coisas. Por quê? Pensa em se candidatar?
- Céus, não! Acho que não aguentaria explodir algo que eu tivesse criado - exclamou, com voz infantil.
- Não esqueça que há grande diferença entre as suas obras e as minhas - ele especificou.
Em seguida, Marck voltou a atenção para o bloco e continuou a escrever, esquecendo tudo ao redor.
Olhando para aquele perfil forte e saliente, Debby sorriu. E ela que estivera preocupada se o incomodaria... Duvidou até de que Marck tivesse consciência
da presença dela.
Balançando a cabeça, voltou a olhar pela janela, e o resto do vôo passou sem mais nenhuma troca de confidências.
Após o jantar, baixou o encosto da poltrona que ocupava e procurou dormir. "Com sorte estaria de volta à Inglaterra já no dia seguinte", pensou, "fazendo
esforço para não ficar de-primida".
Debby achou Bangcoc quente, úmida e barulhenta. Sentiu-se um pouco desorientada porque saíram de Londres no fim da tar-de e aterrissaram no mesmo horário.
Seu corpo insistia que era de manhã, bem cedo.
Foram até a calçada do aeroporto pegar um táxi, e com um gesto cansado ela afastou da testa os cabelos molhados de suor. Olhava para cima e admirava o céu
azul.
- É sempre assim por aqui, tão quente? Normalmente o clima aqui é muito úmido - Marck informou, enquanto olhava ao redor. - Por quê? O calor lhe fez mal?
- Não sei, nunca estive num lugar tão quente assim.
"Talvez o clima não afetasse a ele" pensou, sentindo-se de repente aflita. Devia estar pensando em Clare ou nos efeitos es-peciais complicados, pois não dera
mostras de tê-la levado a sério.
Debby recostou-se no banco do carro e ergueu o rosto para aproveitar a brisa que soprava; mentalmente ia antecipando a sur-presa que Daniel teria quando eles
os encontrassem, e esperava que o irmão ao menos usasse um pouco de diplomacia.
Mas as paisagens que via pela janela e os sons exóticos que checavam das ruas tiveram o dom de desviar-lhe os pensamentos, Debby agora desejava capturar tudo
aquilo no papel. Começou então um esboço com traços rápidos mas decisivos.
- Não é espantoso? Exatamente como se imagina - exclamou, surpresa. - Barulhenta, colorida, congestionada... Oh, veja! Canais!
- Klongs - Marck disse, corrigindo. - São chamados de klongs.
Você já esteve aqui antes - ela falou, com um tom de acusação.
- Já. E se tivermos tempo eu a levarei ao Templo do Buda de Esmeralda - Marck informou, com um sorriso divertido, enquanto apontava para algumas vistas onde
sempre apareciam templos.
Debby calou-se, limitando-se a olhar para os locais que ele apontava e para os comentários que fazia quando julgava necessário, porque era a primeira vez
que ela visitava a Tailândia.
- OK! Acho que chegamos ao hotel, que felizmente tem ar-condicionado.
Após confirmarem na portaria as reservas ja feitas em Londres, assim que chegaram ao quarto Debby abriu a janela, apoiou os cotovelos no parapeito e observou
a cidade que se descortinava até o horizonte.
Daniel estaria andando por lá, em algum lugar? Divertia-se? Debby esperava que sim, como esperava que estivesse cuidando bem de Clare. Lembrou-se do rosto
do irmão e sorriu. Gostaria de sair, encontrá-lo e avisá-lo. Mas, sentindo-se suando e amarrotada, afastou-se até a cama, pegou roupa limpa e foi tomar uma ducha.
Saiu do banheiro vestida num pequeno quimono de seda fornecido aos hóspedes pelo hotel, procurou na mochila a escova, pasta de dentes e um pente, e lembrou-se
de que os esquecera, na pressa.
Resolveu pedir emprestado a Marck e dirigiu-se ao quarto dele, vestida como estava. Encontrou-o apenas com uma toalha enrolada ao redor dos quadris, indicando
que tinha tomado um bom banho também, o que a deixou perplexa e embaraçada.
- Desculpe. Vim ver se você pode me emprestar pente e pasta de dentes... - falou baixinho.
- Sirva-se - disse, lacônico, os olhos estreitados enquanto a avaliava. - Estão na prateleira sobre a pia.
- Obrigada - sussurrou com voz embargada ao olhar o corpo forte e bronzeado dele.
"Seminu não era muito corpulento", pensou inconsequente, enquanto penteava os cabelos com o pente dele...
De fato, era bem proporcionado. O peito, largo e macio, estreitava-se um pouco na cintura, pernas musculosas, a penugem dourada realçada pelo bronzeado, e
o abdômen com a musculatura muito bem definida...
- Você encontrou? - perguntou, entrando no banheiro atrás dela.
- Sim, sim, obrigada. Espero que não se importe, mas usei a escova que ainda estava fechada. Comprarei uma nova. Pegando o pente, apressada, Debby continuou
a passá-lo pe-los cachos de cabelo emaranhados.
- Mudou de ideia? - Marck perguntou sorridente, encostan-do o ombro no portal.
- Sobre o quê? - Ela assustou-se, olhando-o confusa.
- Sobre não fantasiar a respeito de homens louros - brin-cou, divertindo-se com o embaraço dela.
O desconforto era tão grande que ela não conseguiu atinar com o que Marck queria dizer. E só após encará-lo bem no fundo dos olhos é que percebeu a extensão
da pergunta.
- Você pensa que vim porque... Oh, não! - exclamou, cho-cada. - Vim pegar o pente, mesmo!
- Sim, eu sei - falou, em tom de pilhéria.
- Sabe o quê? - ela insistiu. - Não acho nada engraçado você ficar imaginando coisas!
- Imaginar? - revidou, fingindo dúvida.
- Sim, imaginar! Foi você quem me obrigou a vir, para aju-dar a procurar sua sobrinha! - gritou, indignada.
- Então, por que usa roupas tão inadequadas? - retrucou,
o sorriso mais largo ainda.
- Com toda a certeza não é em seu benefício! Não parei para pensar! - gaguejou, horrorizada com a pretensão dele.
- Pois devia tê-lo feito. Entrar quase nua no quarto de um homem é muito perigoso! Você não me conhece, nada sabe a meu respeito. Eu poderia ser... - disse,
exagerando o cinismo.
- Você poderia... E provavelmente é, mas não comigo!
- Por coincidência não sou, mas isso não... Oh, o que está tentando fazer? - Marck a reprovou, observando a rapidez com que ela se penteava. - Quer ficar
careca? Dê isto aqui... - E tomou-lhe o pente das mãos.
Empurrando-a para o quarto, sentou-a na beirada da cama e por trás, usando movimentos de extrema suavidade, em total desacordo com o tom de voz impaciente,
começou a desembaraçar-lhe os cachos sedosos.
- Nunca, Marck - começou ela, preocupada. - Honestamente, nunca imaginei que você pudesse pensar...
- Então isso a torna ainda mais perigosa - disse, em reprovação.
- Sinto muito - ela gaguejou. - Estou tão acostumada a entrar no quarto de Daniel e ele no meu que nem me passou pela cabeça uma segunda intenção.
- Pronto - ele comunicou, sem lhe dar atenção e devolvendo o pente.
- Obrigada - gemeu.
Ficando de pé num pulo, Debby andou pelo quarto com os olhos confusos fixados no rosto dele.
- Você é muito magra - ele observou, enquanto olhava para baixo, para as pernas expostas pelo quimono curto.
- Eu sei, esqueci de comer. Vou me vestir, posso? Depois iremos procurar por Daniel e Clare, ou primeiro telefonaremos para o hotel? - desconversou, o rosto
vermelho e ardendo.
- Se estiverem por lá - respondeu, como se estivesse falando para si mesmo.
- Estarão - ela garantiu, profundamente agradecida por terem voltado a um terreno seguro. - Daniel obedecerá ao roteiro, nunca se desvia. Se tem um plano,
sempre segue à risca... - Explicou apressada quando Marck lhe atirou um olhar reprovador. Ele lembrava sempre que toda confusão ocorrera porque Daniel convidara
Clare para viajar.
- Não sei - ele falou pensativo. - Poderíamos ficar rondando por lá. Não é longe.
- Por que não nos hospedamos no mesmo hotel?
- Se tivesse visto o tipo, não faria tal pergunta...
- Por quê? É um pouco...
- Para dizer o mínimo, não é o tipo de lugar que normalmente atrai turistas. E só Deus sabe por que se hospedaram lá, quando podiam pagar por acomodações
decentes - repreendeu, preocupado.
- Pode ser - Debby concordou, porque também não conhecia os motivos. - Talvez Clare e Daniel não soubessem como era o local quando fizeram as reservas.
- Quem sabe - ele falou, avançando num movimento leve que a fez dar um passo rapidamente para trás, e pareceu diverti-lo. - Você está tão tranquila como
quer demonstrar? Não está nem um pouquinho apavorada por seu irmão? Dezoito anos não é ser muito jovem para vadiar ao redor do mundo?
- Suponho que seja, mas Daniel nunca pareceu muito jovem murmurou, pensativa. - Sempre se comportou como alguém mais velho que eu... E, como disse antes,
é muito sensível, auto-suficiente.
- Sabe, você é uma mulher de uma beleza estonteante. Uns olhos... - analisou, deslizando um dedo pelo queixo dela, fazendo-a estremecer ao notar-lhe a expressão
alterada.
- Tenho olhos castanhos - lembrou apressada, com outro passo para trás. - De qualquer forma, sou muito magra, você mesmo disse.
- Eu sei, mas isso não diminui sua beleza. E essa voz meio rouca, na verdade, induz a coisas não muito prudentes de se provocar num homem! Vá embora, Debby
Grant, preciso me vestir. Eu a chamarei dentro de alguns minutos.
Debby saiu, enquanto pensava na crueza das palavras que aca-bara de ouvir, às quais não estava acostumada.
"A última coisa que desejava no mundo era um flerte com Marck du Vaal", pensou, "uma pessoa que não parecia fácil de se lidar..."
Sentia-se imprudente por ter ido quase despida àquele quarto. Afinal, sempre evitara situações que não fosse capaz de manipular, e até aquele momento havia
tratado Marck como se fosse realmente um irmão...
Bem, seria mais cautelosa para não cometer outros enganos de novo. Com medo de que ele chegasse para apanhá-la antes que estivesse pronta, Debby entrou dentro
da calça jeans e vestiu uma camiseta limpa.
Quando Marck a chamou, alguns minutos depois, parecia es-tar preocupado, e para alívio dela não fez qualquer menção ao ocorrido. Tomando-lhe o braço num gesto
inconsciente, guiou-a para fora, na tarde quente, e Debby olhou ao redor, ansiosa por dar a seus pensamentos outra direção.
Bangcoc parecia ser uma mistura fascinante de passado e presente, vielas sombrias e ruas maravilhosamente iluminadas; observava também riqueza e pobreza juntos,
enquanto era levada pelo que parecia ser um labirinto.
- É provável que você veja alguns, ao vivo - Marck comen-tou ao notar a expressão maravilhada dela ao passarem em frente de uma loja com estatuetas douradas
de elefantes.
- Eles vêm à cidade? - indagou, espantada.
- Com uma certa frequência, poderemos ver os elefantes e seus mahouts.
- Os donos - ela deduziu. - Eles passam a vida inteira trabalhando juntos...
- Acredito - concordou, com um sorriso indulgente.
- Você sabe que os elefantes estão entre os melhores nadadores do reino animal? Usam a tromba como tubo de mergulho - comentou, parando em frente a uma das
estatuetas, pressionando as folhas de ouro que a revestiam com o dedo.
- Que coisa curiosa - ele respondeu, divertido.
- Sabe, Marck, eu disse que não queria vir, mas agora estou contente por ter vindo. E você?
- Contente por você ter vindo, ou porque eu vim? - ele espicaçou.
- Por ambos - disse, taxativa.
- Eu também tenho de admitir que estou contente... Ainda que preferisse viajar para a Tailândia em outras circunstâncias... Vamos, é melhor continuarmos.
Procurando ver tudo de uma vez, a mão de Marck firme a segurar-lhe o braço, seguiram através de ruas congestionadas e estreitas, e o passo vagaroso proporcionou-lhe
olhar melhor algumas das mercadorias expostas por onde passavam.
Debby foi separada de Marck por alguns instantes e aproveitou para examinar umas peças de marfim esculpidas de forma extraordinária, até sentir-se puxada
pelo braço, desviando-a de um carro que tentava abrir caminho por entre a multidão.
- Gostaria que você olhasse por onde anda! - ele avisou.
- Tudo bem - concordou.
Acalorada e sem fôlego por estar sendo empurrada através daquelas ruas difíceis de se trafegar, ficou feliz quando chegaram ao destino. Ou melhor, teria ficado
mais contente ainda se não visse o extremo mau gosto do prédio.
Marck havia dito que aquele era um hotel barato. Mas dava a impressão de completo abandono: a pintura da porta descolava da madeira, a fachada de pedra estava
toda trincada.
Ela olhou para Marck esperando algum sermão contra a falta de responsabilidade de Daniel ao permitir que Clare se hospedasse ali. Como nada aconteceu além
da expressão carrancuda, resolveu segui-lo pelo hall. Mas retrocedeu rapidamente.
O interior parecia um banho turco. Do lado de fora estava quente, mas sem qualquer sombra de dúvida era preferível a permanecer no hotel. E assim ela resolveu
esperar na calçada. Marck faria a investigação sozinho.
Impaciente, ela consultou o relógio e viu que já se havia passado mais de cinco minutos. Isso a fez pensar a respeito do que poderia estar acontecendo lá
dentro, se ele teria encontrado os dois jovens, se naquele momento seu irmão estaria passando maus bocados.
Com determinação, Debby resolveu entrar também, quando vislumbrou uma nesga de cabeça escura, uma mochila, e ficou paralisada com a ação.
- Daniel! - gritou, esquecendo-se de tudo. Embrenhou-se pela ruela apertada, tentando em desespero man-
ter a cabeça dentro do campo de visão. Empurrando, pedindo desculpas, apertando-se por entre as pessoas e frustada porque não conseguia correr mais, gritava
o nome de Daniel freneticamente, por simples hábito, pois era impossível alguém ouvir al-guma coisa no meio daquele barulho todo.
Ao ver a cabeça logo à sua frente, fez um último esforço e agarrou a mochila, obrigando-o a parar. Rindo, sem poder respirar, forçou-se a ficar de frente...
e olhou para o rosto espantado de um completo desconhecido, que nem mesmo era inglês.
- Senhora, o que há? - o rapaz perguntou espantado, em francês.
- Oh! - ela disse, atrapalhada. - Não. Perdão... - gaguejou, sem saber o que dizer, pois seus conhecimentos de francês eram insuficientes para explicar o
que se passava.
- Pensei que você fosse outra pessoa... Perdão... - Com um ligeiro encolher de ombros, o rapaz continuou no caminho.
Suspirando em desapontamento Debby retornou... para descobrir que estava perdida, que não tinha a menor ideia de qual caminho tomar.
Olhou ao redor, espantada, e começou a andar na direção que imaginava ser aquela de onde tinha vindo. Procurou recordar qualquer ponto marcante que pudesse
ter visto quando perseguia o rapaz... E de repente lembrou-se de Marck.
Oh, céus, ele iria matá-la. Emitindo um pequeno som de exasperação pela estupidez cometida, e pela ausência de qualquer outra ideia brilhante, vagou pela
rua.
A princípio devolvia mecanicamente os sorrisos e acenos que recebia, vindos de comerciantes que tentavam persuadi-la a comprar pedras preciosas por preços
inacreditáveis de tão baixos.
Para maior infelicidade, ao alcançar as barracas de prataria, dos trabalhos de batik e das sedas, esquecera por completo a necessidade de procurar o hotel.
Os passos se tornaram mais lentos, até parar para examinar os delicados trabalhos manuais. E justo nesse momento Marck encontrou-a.
Bem que ela preferia que isso tivesse acontecido quando estava perdida e desesperada... Realmente uma pena, pois ela estava tão absorvida e interessada em
tentar entender os gestos e acenos que o dono de uma barraca lhe fazia...
Debby relutou em olhar o rosto de Marck, pois sabia de antemão que ele estava furioso.
- Que você está fazendo? - perguntou, friamente.
- Eu... - Ela não conseguia falar mais nada. Segurando-lhe o braço, a voz alterada, a aparência selvagem,
repreendeu-a com dureza.
- Você é a pessoa mais egoísta que já tive o desprazer de conhecer! Estou vasculhando este mercado há horas! Não tenho a menor intenção de gastar metade
do meu tempo à procura de irresponsáveis como você e seu irmão. Se você fizer isso de novo, juro que a matarei! Poderia ter acontecido alguma coisa! Agora, mexa-se!
- Marck - implorou, voltando-se. - Eu não... Eu pensei ter visto Daniel...
- Não me importo nem um pouco com o que você pensou ter visto! Não se importou comigo, isto sim, e resolveu me deixar como um idiota, plantado naquele hotel!
- Não foi por querer... - ela desculpou-se, os olhos percorrendo-lhe o rosto implacável.
- Pediu que me avisassem? - ele exigiu.
- Bem, não... - ela balbuciou.
- Pensou pelo menos um pouquinho em mim? - novamente inflexível.
- Claro que pensei! Mas, se entrasse no hotel para lhe contar, teria perdido a pessoa de vista!
- Então, onde está ele? - perguntou apressado, olhando ao redor, com exagero.
- Não era Daniel - ela confessou. - Mas poderia ter sido. Eu não queria perder esta chance. Por favor, não fique mal-humorado...
Com um olhar de desgosto, ele girou nos calcanhares e começou a se afastar.
- Marck! - Temendo perder-se de novo, correu e segurou-lhe a manga da camisa. - Por favor, não fique assim. Eu estava apenas tentando ajudar e me perdi.
Sinto muito...
- Você faz ideia de como eu fiquei? Pensei que tivesse sido raptada! - E agarrou-lhe o braço com tanta força que ela gemeu tentando livrar-se.
Praguejando em voz baixa ele passou a arrastá-la como a uma criança teimosa, e Debby foi ficando irritada. Não perdia o con-trole com muita frequência, mas
assim já era demais. Que esperava que ela fizesse? Que rastejasse?
Quando alcançaram uma rua bastante larga ele parou um táxi e, sem a menor delicadeza, empurrou-a para o banco de trás, en-trando a seguir e sentando-se a
seu lado.
- Daniel e Clare estão bem? - perguntou, sem expressão.
- Nunca saberemos! Não estavam lá. - E acrescentou com voz ríspida: - Ficaram uma noite e depois se foram. O recepcionista pediu que procurássemos no Dusit
Thani.
- Juro que não sabia... - Debby fraquejou.
- Então, por que não perguntou quando ele lhe telefonou? Você garantiu que sabia!
- Como eu ia adivinhar? Foi este o nome que ele me deixou... retrucou, procurando defender-se.
- Pois é, o hotel estava no intinerário do qual nunca se desviaria... - Marck falou, sarcástico.
Apertando os lábios com firmeza, Debby recostou-se no banco do carro e soltou um suspiro profundo.
"Bem, esperemos que estejam no Dusit sei lá o quê", orou fervorosamente. "Do contrário, seria estrangulada!"
- Você parece estar... - tentou, olhando-o de lado.
- O quê - respondeu, sem mexer a cabeça.
- Aborrecido. Você disse que não demonstra quando está aborrecido.
- Oh, cale a boca! - exclamou, com voz cansada.
- Estamos indo para o Dusit? - quis saber, fixando o olhar na nuca do motorista.
- Desta vez irei sozinho. Você fica no táxi.
E não trocaram mais uma palavra sequer, até chegarem ao hotel.
- Espere aqui, entendeu? Dentro do táxi - ordenou, frisando bem as palavras.
Enquanto descia explicava lentamente ao motorista, que quase não falava inglês, o que estava pretendendo, e dirigiu a Debby outro olhar de aviso que a deixou
gelada.
Não demorou mais que poucos minutos, e ao sair parecia mais zangado do que quando havia entrado.
Sem dizer palavra, Marck entrou no carro e instruiu que os levasse de volta ao New Imperial, onde estavam hospedados.
- Eles não estavam? - Debby murmurou, juntando as últimas reservas de coragem.
- Assim que chegarmos ao hotel você irá arrumar imediatamente suas coisas - foi o que respondeu, procurando pelas chaves no bolso da camisa.
- Para onde estamos indo? - ela quis saber.
- Butterwort, na Malásia, e temos que tomar o trem da noite - informou, sem mostras de querer conversar.
- Oh! - foi tudo o que ela conseguiu dizer.
- Sim, oh! Ele está seguindo o roteiro direitinho, não é? - falou irônico.
Incapaz de pensar em qualquer coisa que amenizasse a tensão do momento, Debby limitou-se a olhá-lo de modo aberto e franco. Isso pareceu surtir efeito pois,
com uma praga em voz baixa, Marck entregou-lhe as chaves e andou para o elevador.
- Marck - chamou, hesitante. - Posso comprar algumas coisas?
- Não temos tempo - falou, entrando no elevador sem nem mesmo virar a cabeça para trás.
- Mas eu preciso... - parou ao ver a porta fechar-se. Então ela virou-se para a rua, sentindo um leve desejo de desafiá-lo. Na verdade não havia saído por
aí sem um motivo justo!
Marck não se preocupava em tentar compreendê-la, a intransigência dele não tinha o menor sentido. Imagine! Tratá-la com ares de grande senhor, querer mandar
na vontade dela.
Havia notado uma lojinha quase encostada ao hotel, essa era a sua única oportunidade. Se não aproveitasse... Não sabia quando seria a sua próxima viagem à
Tailândia... Dirigiu-se para a porta e viu que a loja estava aberta: na vitrine estavam expostas todas as espécies de mercadorias, inclusive o que ela estava procurando.
Não vacilou mais. Saiu.
Tudo o que tinha a fazer era ser rápida...
CAPITULO III
De volta ao quarto, Debby dobrou cuidadosamente os dois vestidos que comprara, colocando-os na mochila. E muito apressada juntou os outros pacotes. Jamais
conseguiria guardar tudo em tão pouco tempo.
Pensou, porém, que Marck talvez nem notasse que estava com mais bagagem do que quando chegaram. Entretanto, ela também não se importaria se isso acontecesse.
A culpa era dele, por ser tão prepotente.
Dando mostras de eficiência e conferindo tudo detalhadamente, para ver se não esquecera nada, desceu para esperar por ele que, para sua surpresa, já a aguardava.
Assim que a viu chegar à recepção, Marck caminhou para a porta, obrigando-a a segui-lo. A custo ela tentava acompanhar-lhe os passos largos.
Na frente do hotel tomaram outro táxi até a estação, onde mais uma vez foi deixada para trás, carregando os pacotes, o rosto contraído a correr esbaforida
pela plataforma.
- Olha aqui! - Debby resmungou sem fôlego, enquanto procurava alcançá-lo. - Acho que isso está ficando ridículo! Já me desculpei e disse que não aconteceria
de novo...
- Mas, pelo que vejo, já aconteceu - retrucou, enquanto ela o olhava, irritada.
- De fato aconteceu - concordou. - O que não teria ficado visível, se eu tivesse guardado tudo na mochila!...
- O que não altera o fato de ter sido desobediente - ele a interrompeu, brusco.
- Marck! - gritou, parando e causando algum tumulto nas pessoas que vinham atrás dela. - Não sou criança! Sou perfeitamente capaz de tomar conta de mim mesma.
Admito até que errei hoje cedo...
- Mas que grande coisa!... - caçoou.
Caindo em si de repente, Debby viu o quanto estavam chamando a atenção com todo aquele estardalhaço, atrapalhando as pessoas.
Deu uma risada estridente, dando um pulinho para acertar o passo com o dele e balançando a cabeça.
- Você pode estar muito errado a respeito das pessoas. Afinal, você também parece um alienado.
- Alienado? - exclamou, parando abruptamente e, por sua vez, quase derrubando quem vinha atrás dele. - Que expressão mais revoltante!
- É a conclusão a que se pode chegar. Você parece tão apático às vezes e... sempre cansado - ela explicou.
- Pois saiba que trabalho, e muito! - disse, revoltado.
- Não disse que você não trabalhava, mas que parecia tão... procurou justificar-se.
- ...apático. Sim, você disse isso - completou, friamente.
- Está bem, paremos por aqui, pois não estou mais a fim de discussões por hoje. Gostaria apenas que me explicasse como é que vamos entrar num trem que parece
estar quase a ponto de explodir com tanta gente.
- Muito simples. Viajaremos de primeira classe, pois, se temos que rodar por todo o Oriente, pretendo ao menos fazê-lo com conforto. Agora, se você quer
se espremer no meio da massa...
- Não seja tão pomposo! - Debby o interrompeu.
- Sinto-me terrivelmente pomposo! - gritou.
Depois, mostrou-se tão surpreso com a própria reação que ela acabou rindo. Marck não se conteve por muito tempo e acompanhou-a.
- Saiba que você é uma vilã de primeira!
- Amigos novamente? - ela perguntou, afinal.
- Oh, pare de me olhar como se eu fosse surrá-la. - E, tomando-lhe os pacotes, andaram mais alguns passos antes de pararem à porta do vagão.
- Quanto tempo ficaremos nesse trem? - procurou saber, preocupada.
- Vinte e quatro horas - informou, divertido com a expressão dela.
- O quê!? - ela gritou. - Deus meu! Não me importo de gastar as tábuas deste banco, mas já está passando dos limites!
Ela entrou obediente no vagão e soltou um gritinho de deleite quando o guarda mostrou dois beliches reservados. Assim que se afastou, subiu para uma das camas.
- Pensei que fôssemos dormir no chão... - falou, mostrando-se aliviada.
- Pensou mas não vamos, como pode ver. Estou começando a entender por que você disse que não seria de grande ajuda... Não é seguro deixá-la por conta própria
- sorriu, vendo o jeito como ela procurava se aninhar.
- Não se iluda com a minha aparência e as minhas ações - reprovou. - Às vezes sou cheia de truques. Comprei um presente para você - e estendeu-lhe um pacotinho.
Marck recebeu-o meio desconfiado, sacudiu de leve a cabeça e rasgou um pedaço do papel para examinar o conteúdo. Ao perceber do que se tratava, o rosto abriu-se
numa risada.
- O que farei com você? - disse exibindo na palma da mão a escova de dentes em forma de Mickey Mouse.
Provavelmente arrependendo-se ou talvez para não querer mostrar fraqueza quando já havia assumido o papel de protetor, estampou outra vez no rosto uma expressão
séria.
- Que é isso? Por acaso tenho agido como uma criança? - fingiu-se ofendido.
- Não, é que era a única escova que tinham, onde comprei.
- Que mais a srta. Grant andou comprando?
- Alpargatas chinesas - declarou ela.
- Mas... Por quê? - perguntou, surpreso.
- Porque são difíceis de encontrar na Inglaterra, e são muito confortáveis - esclareceu, pegando outra sacolinha.
- Parecem com aqueles sapatos antigos de ginástica - comentou Marck, tomando um deles na mão.
- É, mas o solado é mais macio e o preço é incrivelmente baixo - argumentou, como se pedisse aprovação.
- Como são pequenos - notou, enternecido - Que pezinhos você tem - completou.
- Trinta e cinco! E quero pedir mais uma vez que pare de me tratar como a uma criança! - reprovou, zangada.
- Para mim é mais seguro - disse seco. - O que mais você comprou?
- Pasta de dentes, escova, escova de cabelos e dois vestidos de algodão. E agora me diga para onde estamos indo.
- Penang - informou, olhando-a firme.
- Obrigada - respondeu, sustentando-lhe o olhar.
- Não há de quê. Daniel e Clare deixaram o Dusit ontem pela manhã - Marck informou, deixando-a alegre.
- Como você soube...
- Porque seu irmão contou ao recepcionista para onde iam. Do meu quarto telefonei para o hotel, e deixei uma mensagem pedindo que Daniel e Clare nos esperassem
lá.
- Bem sensato - ela aprovou.
- Assim pensei. Obrigado. - retrucou.
- Eles estão bem? - interessou-se, enquanto procurava enrodilhar-se na poltrona.
- Acredito que sim... Devem estar, do contrário saberíamos. Mas amanhã poremos tudo em pratos limpos.
Ela concordou com um leve aceno de cabeça e recostou-se dirigindo-lhe um olhar surpreso, sentindo o balanço brusco do trem que começara a mover-se. Por um
momento esquecera-se de que estavam indo para algum lugar.
Ficou de pé e foi até a janela olhar o trem movimentando-se, ver as pessoas que ficaram na plataforma.
Mas o encanto durou pouco, logo interrompido pelo ar-condicionado muito forte e pelo serviço de controle de passaportes e alfândega.
Quanto mais o tempo passava, mais congelada Debby se sen-tia. Estava muito cansada porque não conseguira dormir bem, além de ter fome. Não comera, pois lhe
serviram um jantar que não conseguira identificar. O prato exótico tirou-lhe o apetite.
- Quanto tempo ainda falta para chegarmos a Penang? - perguntou, entendiada.
- Mais uma hora, acredito. Por que você não vai se lavar, para se refrescar um pouco? - ele sugeriu.
- É uma boa ideia - concordou, saindo do vagão.
Lavou-se o melhor que pôde, apesar da água que teimava em não sair da torneira e de ao mesmo tempo precisar manter o equilíbrio. Essa situação significava
para Debby um teste quase impossível de se realizar. Após o banho, ela guardou os apetrechos de toalete e voltou, ao longo do trem que chacoalhava muito.
Sorriu para uma cavalheiro que parecia extremamente ansioso para iniciar uma conversa. A princípio relutou, mas depois ficou tão maravilhada com o que ele
contou da vida no Oriente que só voltou à cabine quando o trem parou na estação.
- Já estava para mandar uma patrulha de busca atrás de você - Marck exclamou, exasperado.
- Desculpe. Encontrei um senhor inglês no corredor - explicou. - Ele me contou que vive aqui desde a adolescência. Imagine isso! Nunca mais voltou à Inglaterra!
- Você costuma conversar com todo mundo? - queixou-se Marck, enquanto se preparava para o desembarque.
- Às vezes sim - disse ela, displicentemente.
Enquanto conversavam, ela o observava. Aqueles movimentos controlados eram fascinantes num homem tão grande. Estava feliz por ter vindo, por tê-lo conhecido.
Marck era um homem muito bonito, tinha de admitir, e era sempre um prêmio sentir-se à vontade com alguém extremamente atraente, como ele.
Talvez por causa do frio no trem, o calor de Butterworth afetou-a mais do que esperara.
Debby ficou muito feliz quando Marck a escoltou até o ferry-boat para Penang. Ao menos durante a travessia haveria uma brisa.
Ao chegarem no cais do porto tomaram um riquixá com destino ao Hotel E&O, em Georgetown.
Era um edifício velho e original, dos tempos coloniais, ao qual foram acrescentados anexos recentes, que em hipótese alguma lhe tiravam a beleza ou a tranquilidade.
- Oh, Marck, é perfeito - ela suspirou. - É aqui que eles estão?
- Não. E não consegui vaga no hotel deles, estava cheio... Mas, como não é muito longe, poderemos ficar de ronda por perto e ver se conseguimos alguma coisa.
Então, quando os encontrarmos, poderemos voltar para casa.
- Sim - ela concordou, a voz meio triste.
- Ora, não fique tão desapontada! Foi para isso que viemos - consolou-a.
- Eu sei - disse, suavemente.
- Você até pode ficar, após termos encontrado Clare - Marck.
- Pode até ser que sim. Mas pensarei a respeito - falou, sabendo porém que não ficaria no Oriente. Não seria a mesma coisa, sozinha...
Tomando-lhe o braço, Marck guiou-a à área de recepção, sorrindo ao ver-lhe o entusiasmo quando foram levados para a parte mais velha do prédio.
Um garoto, que não parecia ter mais do que nove anos, carregou a bagagem deles e parou primeiro no quarto de Debby. Colocou a mochila sobre a cama e abriu
a porta que dava para o terraço. Com um sorriso largo, feliz pela alegria que viu no rosto dela, o menino saiu carregando a mala de Marck.
- Tomaremos um bom banho e comeremos alguma coisa antes de sair - disse Marck. - Eu a verei daqui a mais ou menos meia hora.
Abanando a mão, num gesto de pouco caso, ela permaneceu parada a olhar para o jardim enquanto ele se dirigia para o outro quarto.
Sem outra escolha senão começar a se aprontar, vestiu um dos vestidos comprados em Bangcoc e, sem vacilar, cortou um pedaço da fita que segurava a cortina
e amarrou os cabelos.
Desceu afinal para a sala de jantar.
Inconsciente dos olhares que recebia, por causa da aparência excêntrica, Debby parou e relanceou o olhar pela sala, deleitada ao perceber que o ambiente ainda
guardava a atmosfera român-tica dos tempos passados.
- Iremos procurar Daniel e Clare antes de fazermos as reservas para o vôo da volta - disse Marck, que já estava à espera dela. - Depois, se houver tempo,
tomaremos um ônibus que circula pelas redondezas e lhe mostrarei algumas atrações turísticas.
- Você está sendo muito cavalheiro e humano - ela brincou, com a cabeça inclinada enquanto observava do outro lado da mesa.
- Deve ser o perfume no ar... responsável pela maior parte disso. Além do mais, se der a Clare um pequeno susto, ela pode ficar mais razoável e voltar para
a escola.
- Ah, sei. Devia saber que não tem nada a ver comigo - Debby reclamou, amuada.
- E então? Está pronta? - ele apressou-a.
- Sim - respondeu educadamente, limpando os cantos da boca e sorrindo para o garçom, que esperava logo atrás.
Depois de terem escovado os dentes, enquanto andavam em direção à saída, ela notou que o rosto de Marck estava descontraído e um leve sorriso se esboçava
nos lábios dele.
- Por que você está rindo? - perguntou, enlaçando o braço ao dele.
- Por que você está deliciosamente inconsciente...
- De quê? - quis saber, intrigada, interrompendo-o.
- Você nem sequer se nota? - parou, olhando-a e usando um dedo para afastar-lhe da testa uma mecha de cabelo.
Debby continuou sem entender onde ele queria chegar, sobre o que ele estava falando.
- Pois é. Todo mundo no restaurante estava vestido para a noite, e de repente aparece a srta. Grant, vestida numa camisola barata de algodão, que mais parecia
ter sido guardada na mala de alguém durante anos a fio.
- Mas está fresco - ela protestou, solene, os olhos avivados pelo sorriso. - Eu o embaracei?
- Nem um pouco... Acho, que estou começando a gostar de ser visto com você e não faz nenhum mal ao meu ego, mesmo vestida como está. Penso que você é a mais
feminina das mulheres que já conheci. Cada gesto seu é delicado, o jeito como mexe a cabeça, como sorri...
- Oh, eu... - ela exclamou, embaraçada, as mãos nas bochechas coradas. - Que coisa mais linda de se ouvir!
- É? - perguntou, sorridente.
- Obrigada. E não acredito que você possa ter um ego.
- Vamos... E talvez eu deva mencionar também que você é demolidora, provocante e...
- Pode parar por aí! Vou conservar a ilusão de que sou desejável.
- Mas você é desejável - ele retrucou, enfático, dando outra parada. - Infelizmente...
Sentindo que a tensão voltava a crescer entre eles, Debby virou-se e começou a caminhar, apressada.
- Acalme-se. Correndo assim, nesse calor, você acabará esgotada. - Marck brincou pegando-lhe o braço e fazendo-a ir mais devagar.
Obedeceu, mas, resoluta, manteve o rosto virado, fingindo prestar atenção às barracas na calçada e aos edifícios exóticos.
"Debby, sua boba!", disse para si. "Você foi insensata rindo dele, encorajando-o... quase flertando. Você nunca aprenderá?"
- Isso é ridículo! - Marck falou, a meia-voz.
- Explique-se. - Apressou-se em dizer, parando muito surpresa por aquela explosão.
Obrigando-a a parar, obedecendo a um impulso, ergueu as mãos e apoiou-as no rosto dela, mantendo-o na mesma posição com firmeza, mas sem empregar nenhuma
força.
A seguir, inclinou-se em direção a ela e, sem lhe dar tempo de reagir, beijou-a. Afastando-se, esperou que esboçasse um gesto de defesa, com os olhos iluminados
por imensa ternura.
- Por que você me beijou? - ela exigiu, mais chocada e confusa do que poderia imaginar.
- Só Deus sabe - ele sussurrou. - Provavelmente queria saber se isso resolveria alguma coisa. Parece que não. Agora vamos andando, antes que eu esqueça todas
as minhas boas intenções.
"Que boas intenções seriam?", ela perguntou-se, ainda aérea, tocando os lábios com a ponta dos dedos enquanto caminhavam por entre a multidão.
O canto dos olhos levemente franzidos, tentava persuadir-se de que ele procurava apenas manter-se amigável. Não obstante, era uma boa coisa saber que pelo
menos estariam mais sociáveis um com o outro.
Ficou ainda mais tranquila ao ver que o hotel onde seu irmão e Clare estavam era bem melhor que o de Bangcoc.
Enquanto Marck fazia perguntas na recepção, Debby observava-o intrigada. Será que... estaria gostando dela?
E, no lugar do pânico que essa possibilidade poderia trazer, ela sentiu apenas mais ansiedade. Estaria mudando? Espantou-se.
Com um suspiro triste, decidiu que não queria maiores envolvimentos. Isso nunca dera certo antes, por que seria diferente agora?
Com uma estranha sensação de que o destino estava para lhe armar alguma peça, Debby procurou acalmar-se olhando as paredes do saguão. Mas sua mente trabalhava
sem parar, à procura de respostas.
Foi trazida de volta à realidade pela voz de Marck, ouvida como se estivesse muito longe. Voltou-se na direção dele.
- Eles se hospedaram aqui, ontem de manhã. - Disse Marck, o rosto e a voz refletindo abstração.
- E?... - ela perguntou, desinteressada.
- E o rapaz com quem falei não estava de serviço quando eles chegaram - completou.
- Então, não receberam o seu recado...
- Não soube informar. Só disse que o recado não estava na caixinha, e com certeza foi entregue - comentou ele, com uma expressão de dúvida.
- E agora, o que vamos fazer? - perguntou, aflita.
- Voltar para o nosso hotel e esperar que entrem em contato conosco. Eu devia ter previsto - Marck comentou. - Deveria realmente ter previsto. Oh, droga!
Que há com você? - falou, atento à expressão de Debby.
- Nada. Apenas pensando sobre umas coisas. Você deixou outro recado? - explicou, tentando desviar-lhe a atenção.
- Deixei, dizendo onde estamos hospedados. Você tem certeza de que está bem? Não é o calor, é?
- Não, claro que não - ela retrucou, impaciente. E forçando um sorriso, para encobrir o desconforto pela insistência dele, acrescentou: - Obrigada.
- O que foi que eu fiz?
- Sei lá, talvez seja um agradecimento por cuidar tanto de mim. Não creio que eu me tivesse saído muito bem se estivesse sozinha aqui no Oriente.
- Mesmo com todo esse desembaraço que você disse que tem? Ainda tenho minhas dúvidas se sua viagem iria além de Bang-coc. - E acrescentou com ar maroto:
- Perder-se em becos sem saída parece ser sua especialidade. Agora me diga uma coisa: onde você encontrou essa fita para amarrar os cabelos?
- Do bandô da cortina do meu quarto. Não acredito que eles notem a falta de um pedacinho... - brincou, profundamente agradecida por ele estar de novo se
comportando da maneira habitual.
- Não acredito mesmo. E, se percebessem, garanto que você os convenceria a não se importar, não é verdade?
- Deveria? - virou-se, surpresa.
- Pode ser. Mas agora vamos tomar um táxi... Não estou tão certo de que o calor não a esteja afetando. Passearemos pelo jardim do hotel, poupando nossas
energias até que Daniel e Clare resolvam aparecer - argumentou, cauteloso.
Aquilo soou suspeito. Por quê?
"Será que ele saberia de alguma coisa que não queria contar-lhe?", refletiu Debby.
- Ei, olhe só para aquilo! - gritou, com alegria infantil.
- E o templo de Kek Lok Si. Tem sete andares e é chamado de Pagode dos Dez Mil Budas... E não, não quero visitá-lo. Pelo menos, não hoje. Está muito quente!
- Desmancha-prazeres! E o que é aquela colina?
- Tudo o que sei é que se chama Colina Penang, e acho que há um tipo de teleférico que leva até o topo. Mas agora estou interessado em nadar um pouquinho,
o que você acha? - sugeriu.
- É uma boa ideia - concordou, com um sorriso. - Já que você não é um dos melhores guias turísticos.
- Nós não somos turistas - ele disse, severo. - Você trouxe maio?
- Não - respondeu, um tanto amuada.
- Então, vamos comprar um biquini para você. E depois vamos gozar a preguiça, na piscina do hotel.
- Não tem praia? - ela perguntou, decepcionada.
- Não. Espalhadas pela ilha há praias belíssimas, porém não acredito que você queira se juntar ao grupo elegante... - ele concluiu, com ar zombeteiro.
- Vestida desse jeito? - ela franziu o rosto, notando que as dobras do vestido não se tinham desmanchado.
- Desde quando você se preocupa com aparência?
- Eu não me preocupo mesmo! Mas pensei que você, sim!
- Quem lhe disse? Que foi agora? - brincou, procurando manter o clima descontraído entre eles.
De repente, para completo espanto de Debby e sem qualquer aviso, começou a chover.
O aguaceiro caía do céu como se tivessem aberto as comportas de uma barragem, e com um gritinho de surpresa ela correu a abrigar-se num toldo próximo, rindo
deliciada por Marck ter se recusado a segui-la.
- Devem ser quatro horas - ele informou, solene, mostrando-se tranquilo apesar da roupa encharcada e da água que escorria pelo rosto.
- Como você sabe? - ela indagou, fingindo-se surpresa.
- Porque na Malásia sempre chove às quatro horas, uma chuva pesada e de pouca duração. Passará dentro de mais ou menos cinco minutos - disse, com ar de professor.
- É uma maravilha, não é? - falou, o rosto voltado para cima, examinando o céu.
- O que lhe causa tanta admiração?
- Alguém poder saber a hora, claro, pela chuva - e sorriu feliz quando ele estourou numa gargalhada.
- Acabamos de sentir na pele, não foi? Vamos andando, sua bruxinha, parece que está parando - brincou, divertido com a ingenuidade dela.
Trocaram de roupa e encontraram-se na piscina, deserta àquela hora. Debby vestira uma camiseta sobre o biquini e estava sentada sob um guarda-sol grande e
listrado, o bloco de desenho sobre os joelhos quando Marck chegou.
- Não entrou na água ainda?
- Num minuto - murmurou, sem fôlego, sentindo o coração dar pulos à visão daquele peito bronzeado.
- Você é quem manda. - Jogando a toalha na cadeira mais próxima, voltou-se e deu um mergulho perfeito.
Isso estava realmente ficando ridículo, como ele havia dito. Não queria tomar conhecimento da presença dele, e esperara ter um mínimo de autocontrole. Mas
o corpo não estava obedecendo ao comando, negava-se a ignorar a presença daquele homem!
Com um ruído gutural, Debby atirou o bloco, no chão de azulejos e ficou de pê. Tirando a camiseta, sentou-se ágil na borda da piscina e experimentou a temperatura
da água antes de mergulhar lentamente.
Não era boa nadadora, mas tinha certeza de que podia atravessar até o outro lado, e talvez o exercício dissipasse certos pensamentos e o tremor de excitação
que teimavam em perturbá-la.
Boiando de costas, ficou a olhar para o céu de um azul profundo. Era difícil acreditar que estivesse na Malásia!
Tudo havia mudado tão de repente... Via-se agora forçada a uma proximidade perigosa de um homem atraente e que continuaria a incomodá-la enquanto durasse
aquela procura por Clare e Daniel.
Mudando de posição, Debby recomeçou a nadar. A água estava morna, sedosa, envolvendo-lhe o corpo como plumas, e vagarosamente, talvez por causa do perfume
delicado que emanava do jardim, relaxou. Atingindo a outra borda, virou-se, tomou im-pulso e voltou a flutuar, permitindo que a mente vagasse.
Clare estava a salvo, teria apenas mais algumas horas na com-panhia de Marck... Poderia aproveitar, alegrar-se, tirar o maior proveito das férias inesperadas.
Distraída, soutou um grito de alarme quando braços fortes a enlaçaram, levantando-a da água.
- Não, me solte! - advertiu, assustada. E assim foi feito, mas não como esperava. Preparava-se para uma imersão repentina, mas o que Marck fez foi soltar-lhe
primeiro as pernas. Depois, suave e lentamente, deixou-a deslizar por entre os braços que a rodeavam, pele contra pele, até que as cabeças ficaram no mesmo nível,
os corpos grudados pela pressão da água.
Os cabelos de Marck estavam jogados para trás, e os cílios molhados brilhavam. Os olhos azuis soltavam faíscas, enquanto en-quadrinhavam o rosto dela até
se fixarem na boca.
Debby sentiu uma corrente elétrica percorrer-lhe todo o corpo, acompanhada de uma onde de calor que, atingindo-lhe os dedos, transmitiram uma sensação de
formigamento.
- Continuo ainda com um desejo avassalador de beijá-la... - ele murmurou, colocando na voz uma ternura que a assustava.
- Não - ela protestou. - Você não deve!...
- Por que não? - falou com a voz suave e terna, com a boca quase colada à dela. - Porque não sou moreno?
- Sim - ela concordou, intimamente agradecida por surgir aquele pretexto.
- Mentirosa! - ele sugeriu, brincalhão.
- Não estou mentindo! E, por favor, quer me largar? - Debby protestou, debatendo-se.
E, como não fosse obedecida, cerrou os lábios e lutou para manter a respiração num ritmo normal. Estava atemorizada que ele descobrisse o quanto conseguia
afetá-la. Era mesmo provável que tivesse grande prazer em importuná-la, pelo simples prazer de ser provocante.
- Por que você está fazendo assim comigo? - indagou, determinada a não chegar a limites extremos, a não reagir muito emocionalmente. - Em poucas horas estaremos
voltando para casa, e não nos veremos mais...
- Será que não? Como você tem tanta certeza? - Marck falou, com um ar de brincalhão.
- É claro que não! - afirmou, categórica, olhando-o nos olhos. - Você não deve flertar comigo! Não é justo!
- E o que é justo? - ele perguntou, afagando-lhe o rosto com as costas dos dedos. - De mais a mais, quem quer ser justo numa hora dessas, em meio a uma paisagem
tão bonita, com um jardim perfumado e uma bela mulher nos braços? Que mais um homem pode pedir a Deus?
- Não sei, nem me interessa! - ela esquivou-se.
- Você não sabe, Debby dos olhos sorridentes? Nem mesmo um beijinho? - continuou, tentando-a.
- Nem por sonho! - declarou, procurando livrar-se.
- Por quê? - ele sussurrou-lhe, com os lábios colados aos cabelos dela.
- Porque sei exatamente onde um simples beijinho pode chegar! - argumentou. - Devo estar parecendo e agindo como uma boba. Mas acredite: por baixo deste
exterior insensato, existe uma cabeça muito dura.
- E o coração? - murmurou, provocante, apertando-a.
- O coração também - ela confirmou.
Havia aprendido com dificuldade que um coração endurecido era a melhor resposta a tudo. E agora não estava disposta a esquecer as lições. Desviando o olhar,
dirigiu-o ao jardim, com a expressão distante.
- Alguém magoou você, Debby? - Ele perguntou.
- Sim - disse, procurando não mostrar muita emoção.
- Estas experiências do passado ainda doem?
- Não! - exclamou sem pensar. Depois, irritou-se. Deveria ter dito que sim.
- Então, por que tantas barreiras?
- Porque me lembro do que aconteceu! Oh, Marck, por favor, não comece. Se eu deixá-lo me beijar, vou acabar gostando de você mais do que quero...
- E é proibido? Sou um indivíduo agradável...
- Eu sei, e é esse o problema. Desde que você não me beije...
- Então finja que não será problema, mas deixe que eu beije você... Eu quero muito, muito... - sussurrou ao ouvido dela.
- Que adianta fingir, Marck? - respondeu, sabendo que não era verdade.
Cada minuto na companhia dele aumentava a atração, e beijá-lo tornaria tudo muito mais difícil.
- Por que para você as coisas têm que ter um significado muito profundo? - procurou saber, tranquilo. - Nenhum flerte sem maiores consequências?...
- Sim, algumas vezes. Mas somente se... Não é direito, Marck! - protestou, zangada. .
- Se não for sério o bastante para significar alguma coisa? E beijar-me significa ou pode significar algo?
- Está bem, sim! - ela gritou, exasperada. - Agora, vamos parar de falar nisso? Quer me largar?
Marck ficou a examinar o rosto dela por um longo tempo, mantendo-a colada a seu corpo. E de repente resolveu atender-lhe a vontade.
Soltou-a e nadou, afastando-se. Debby ficou surpresa e humilhada por tudo ter significado tão pouco para ele. Nada mais do que uma simples atração. física
que exigia satisfação imediata.
Ela saiu da piscina, pegou a toalha e massageou-se energicamente, procurando enxugar-se antes de vestir a camiseta. Apanhou o bloco de desenho, tremendo tanto
que teve dificuldades em fixar a visão na folha de papel. Recostou-se e fechou os olhos, apertando o bloco contra o peito como um escudo.
"Nenhum arrependimento", disse a si mesma. "Seja sensata... Sim, o mais sensata que puder."
- Não há a menor necessidade de parecer estar defendendo a honra contra um bando de saqueadores - ele gracejou, vindo secar-se ao lado dela.
- Não estou fazendo nada disso! - alegou, ríspida, recusando-se a olhá-lo. - Acho que vou tomar um banho e me trocar.
Ficando de pé num pulo, Debby correu para dentro do hotel. Tinha plena certeza de que Marck, parado, observava-a. Talvez agora estivesse rindo dela, achando-a
infantil.
Ela pouco se importava, tinha apenas muita vontade de chorar porque... gostava de Marck e havia desejado que ele a beijasse com toda a paixão, com todo o
coração.
E o que a havia impedido de ir adiante fora apenas uma extrema covardia... ou timidez.
CAPITULO IV
Enquanto tomava banho e trocava de roupa, Debby mantivera consigo uma conversa muito severa, que conseguiu fazê-la ficar mais ou menos sob controle.
Usando outro vestido comprado em Bangcoc, também amarrotado, foi sentar-se no terraço vazio e envolto em sombras.
Decidira ser fria e polida com Marck, amigável mas reservada. E esse era o modo como se comportaria, daí em diante. E para estar mais segura de que manteria
os pensamentos afastados dele, começaria a desenhar alguns esboços.
Estava tão absorvida nos desenhos que se assustou ao perceber um garçom parado a seu lado, oferecendo um coco verde com um canudinho. O sorriso era tão franco
que a desarmou.
- Obrigada - disse, pegando o coco.
Como o rapaz permaneceu, curioso, no mesmo lugar, ela sorriu e com um gesto pediu-lhe que se afastasse alguns passos. Virando a página rapidamente, desenhou-lhe
o rosto e depois, arrancando a página, entregou-a a ele.
O sorriso radiante que ele lhe deu recompensou-a mais ainda quando o viu admirar o trabalho e depois apertá-lo contra o peito, numa atitude de êxtase.
Em seguida, com outro sorriso largo, afastou-se e entrou no hotel.
- Você faz as coisas parecerem tão fáceis... - Marck murmurou, por trás dela.
- Para mim, são - admitiu. - Nada de excepcional que mereça elogio, pois desenhar para mim é um dom natural.
Lembrando-se da decisão que tomara, Debby ergueu o rosto para olhá-lo. Ele parecia estar no seu humor habitual, sem o menor traço de ironia no olhar tranquilo,
o que a fez descontrair-se.
- Mas você aperfeiçoou esse dom natural - acrescentou, vin-do sentar-se à frente dela. - O que está bebendo?
- Não faço a menor ideia - confessou, piscando um olho.
- Um garçom trouxe este coco, e me pediu algo que não entendi. Ele parecia muito ansioso para que eu dissesse sim.
- O que mais você desenhou? - procurou saber, a cabeça meio voltada para o hotel, à espera do garçom.
- O jardineiro, mas não consegui fazer direito - disse, arrancando a folha e começando a amassá-la, sendo impedida por Marck.
- O que há de errado com ele? Para mim parece perfeito!
- Mas não para mim! - disse, com um sorriso afável. Pela primeira vez sem qualquer preconceito, Debby examinou-lhe atentamente a aparência, porque estava
gostando dele mais do que queria admitir. Com toda a certeza sabia que ele já esquecera o que tinha acontecido na piscina, e não iria criar dificuldades.
O queixo forte estava recentemente barbeado, os cabelos penteados com cuidado, e a camisa azul que ele usava tornava-lhe os olhos ainda mais brilhantes.
- Você está bonito - aprovou com naturalidade, enquanto retornava a atenção para o papel. - Você devia usar sempre roupas azuis.
Sem preceber-lhe a expressão de meiguice, Debby apoiou os pés no barrote da cadeira dele e começou a desenhar, muito concentrada.
Fez quatro esboços antes de se dar por satisfeita, enquanto alternava olhares do jardineiro para o desenho, à procura de alguma incorreção. Por fim, decidiu-se
pelo último esboço que fizera.
- Posso ver? - Marck perguntou, suavemente.
- Claro - disse, voltando o bloco ao contrário para que ele pudesse dar uma olhada em todos os desenhos.
- Você vai esculpir? - quis saber, interessado.
- Creio que sim. Esses esboços me agradam, e dependendo do resultado também fundirei modelos em bronze - admitiu, cautelosa. - Você não acha extraordinário
que dois rostos nunca sejam totalmente iguais?
- Sim, mas dizem que cada um de nós tem um duplo...
- Dizem. Mas quem são eles? Nunca vi um, e estou sempre examinando as pessoas.
- Rostos são os trabalhos que você faz melhor?
- Eu gosto! - ela exclamou, fazendo-o rir.
- O que você vai fazer com os desenhos de que não gostou?
- Vai guardá-los? - quis saber.
- Céus, não! Não estão bons! - argumentou.
- Pode dá-los para mim? - ele arriscou.
- De jeito nenhum - recusou asperamente, e, vendo-lhe a decepção, explicou: - Estão malfeitos!
Antes que ele pudesse detê-la, Debby rasgou os desenhos pela metade e colocou-os sobre a mesa.
- Pode dizer que é vaidade! - disse, com um risinho conciliador.
Debby estava agradecida, pois Marck deixava que ela se sentisse à vontade de novo. Pegou o bloco de volta e começou um outro desenho. Com a cabeça inclinada
para o lado, o lábio inferior entre os dentes, deu os retoques finais antes de mostrá-lo.
- Oh, Debby - falou, surpreso, os olhos risonhos. - O senhor Rei dos Carrascos? É assim que você me vê?
- Não, claro que não. É só uma brincadeira.
Tomando o bloco das mãos dele, começou tudo de novo. Desta vez, representou-o como um cavaleiro medieval, os cabelos ligeiramente mais longos, cota de malha
e armadura envolvendo-lhe o esplêndido corpo, um elmo emplumado sob o braço.
- Magnífico! Está maravilhoso! - avaliou Marck, depois de olhar por um bom tempo o retrato. E, com um sorriso disfarçado e cheio de sentimentos, confessou:
- Não sei o que dizer... Mas este você não rasga!
- Você é quem sabe - ela concordou.
- Obrigado. Guardarei isto como se fosse um tesouro - prometeu, com uma pequena mesura.
- Não há por que agradecer.
Ela estirou o braço para pegar o drinque, quase derrubando-o sobre a roupa, quando ouviu uma voz gritar, cheia de espanto, em algum lugar atrás dela.
- Cérebro!
- Bom Deus, você parece um hippie! - ela gritou por sua vez em reprovação ao virar-se e ver Daniel correr em sua direção.
Com um sorriso aberto, Debby quase derrubou a cadeira ao ficar de pé, na ânsia de recebê-lo.
- Patife! Grandiosíssimo patife! - exclamou, agarrando-lhe os ombros magros e sacudindo-o para envolvê-lo num abraço bem apertado.
- Eu?! - Daniel assustou-se, não parecendo muito feliz por vê-la. - O que eu fiz? E o que, em nome de Deus, você está fazendo aqui?
- Vim com Marck, o tio de Clare - Debby explicou, enquanto ele se mostrava aborrecido.
- Por quê? - perguntou, asperamente. - Estou esperando, vamos! Por que você fez isso? Pedi um ano! Um único ano, e o que tive? Uma adolescente aparecendo
em Hong Kong a me importunar com declarações de amor eterno, mensagens do tio em todos os lugares por onde passei! E agora você! Debby, não sou uma criança! Concordei
em telefonar todas as semanas. Não foi o bastante?
- Não fui eu! - ela retrucou, irritada. - E nunca o tratei como a uma criança! Além do mais, se você tivesse seguido o roteiro, nada teria acontecido! Nós
temos procurado por você...
- Não pedi que me procurassem! - Daniel gritou.
- Não disse que você pediu, e pare de gritar comigo! - Mortificada, consciente de que Marck era um observador interessado, voltou-se para apresentá-lo: -
Este é o tio de Clare...
- E daí? - Daniel interrompeu-a bruscamente.
- E daí que ele veio buscá-la, pois não sabia dessa viagem ao Oriente. Pensava que ela estivesse na escola, na Suíça...
- Isso não me surpreende nem um pouco! Ela é a mais mimada e petulante das pirralhinhas que cruzaram meu caminho!
- Onde ela está? - Marck interferiu, ficando de pé e vindo para o lado dele.
- Ora, pergunte outra coisa! - Daniel gritou.
- Não quero saber de outra coisa, só esta: onde ela está? - Marck insistiu, no mesmo tom de voz irado.
- Não tenho a menor ideia! Ela não é, graças aos céus, de minha responsabilidade - respondeu, olhando Marck com um sorriso insolente. Aquela atitude fez
o coração de Debby gelar. Ele voltou-se, dando a saber que estava indo embora.
- Não vire as costas para mim enquanto eu estiver falando, rapazinho - sibilou Marck, ameaçador. - Clare é uma menina, e você assumiu a responsabilidade
sobre ela quando a convidou para viajar. Agora, onde ela está?
- Convidá-la? Você deve estar brincando... - zombou Daniel. - A única coisa que eu lhe pedi foi para se jogar no primeiro despenhadeiro que encontramos!
E tire essa maldita mão do meu braço!
Com os olhos iguais a duas pedras de gelo, o rosto duro, Marck aumentou a pressão e lentamente começou a empurrá-lo ao longo do terraço.
- Não! - gritou Debby, correndo atrás deles. - Marck, deixe-o!
- Cale a boca! - ele respondeu, grosseiro, enquanto continuava a empurrar o garoto para um dos lados do hotel, saindo da vista das poucas pessoas que naquele
momento chegavam ao terraço.
- Pare, Marck! Você está apenas piorando as coisas! Solte-o! - ela bradou, segurando as mãos de Marck na tentativa de libertar o irmão.
- Está bem - ele esbravejou, com ódio no olhar. Soltou Daniel e recostou-se contra a parede, cruzando os braços no peito.
- Agora, onde está minha sobrinha?
Debby, analisando a intolerância de ume o cinismo de outro, percebeu a raiva escurecer-lhe os olhos castanhos. Sentia-se mal diante daquela cena. "Seria este
o Marck verdadeiro?", perguntou-se. "Este homem irascível, o extremo oposto de quem se dedicava a uma profissão delicada, minuciosa?"
Porque, apesar da descrição superficial que ele fizera de sua vida profissional, qualquer um podia ver que efeitos de cinema eram um trabalho que exigia paciência.
E pelo visto, ser o melhor nesse ramo pedia mais do que se mostrar apenas sensível. De repente ela temeu por Daniel, que parecia incapaz de perceber o perigo em
provocar Marck du Vaal.
- Daniel - ela sussurrou. - Por favor, diga onde está a garota...
- E por que eu deveria dizer? - ele gritou.
- Porque, não importa o que você pense, ela é menor!
- Está em Singapura - informou, encolhendo os ombros em sinal de pouco caso.
- O que ela esta fazendo em Singapura? - Debby assustou-se.
- Não faço a menor ideia! - declarou, com indiferença.
- Daniel, por favor! - implorou, colocando-se entre os dois homens para evitar uma provável agressão.
- Eu preciso de um drinque - Daniel falou, olhando para Marck com menosprezo.
- Você disse que ele era bom? - Marck perguntou, friamente.
- Ele é bom! - Debby retornou, furiosa, quase em lágrimas. - Você não deveria tê-lo irritado!
- Oh, sinto muito! - ele falou com ar tão cínico que Daniel fuzilou-o com o olhar, enquanto Marck voltava ao terraço.
Ficando sozinha, Debby recostou-se contra a parede. Desanimada, fechou os olhos.
O que Clare estaria fazendo em Singapura, afinal? .
Com um longo suspiro, Debby afastou da testa algumas mechas de cabelo. Queria correr para longe, esconder-se...
- Debby... - a voz que a chamou não estava alta.
Com um suspiro de infelicidade, ela foi juntar-se aos dois homens.
Ao menos não estavam mais gritando, notou ao aproximar-se deles.
Marck inclinava-se para a frente e falava, insistente, com o jovem. Este, entretanto, ainda se mostrava rebelde.
"Por que Daniel insiste sempre em contrariar os outros? E por que eu vim até aqui?" Esses pensamentos torturavam Debby.
"Se eu não tivesse me envolvido nessa história, agora estaria em casa, tranquila."
Com muito esforço ela foi até onde Marck e Daniel estavam e, no intuito de evitar a qualquer custo outra briga, sentou-se em uma cadeira ao lado do irmão.
- Verei se consigo um vôo... - Marck informou com um ar cansado, ficando de pé e entrando no hotel.
- Por que ela foi para Singapura? - Debby perguntou, quando ficou sozinha com o irmão.
- Já disse para ele - foi a resposta insolente.
- Mas não custa você também me dizer! - ela gritou, já fora de controle.
- Mantenha a voz baixa! - ele sussurrou, completando de má vontade: - Tivemos uma discussão... Outra. Então ela foi para Singapura, com alguns estudantes
que encontramos em Bangcoc.
- Quando foi?
- Ontem, depois de ler o recado do tio. Pedi que ficasse, mas Clare se recusou - respondeu, calmo.
- E por que você não a impediu? - ela argumentou.
- E por que eu deveria? Não sou o tutor dela! De mais a mais, como iria adivinhar que estava sem permissão? - ele contrapôs.
- E por que o hotel não sabe o destino dela? - questionou Debby, lembrando que Marck obtivera, por telefone, a informação de que a sobrinha ainda estava
hospedada em Penang.
- Eles não sabiam. Encontrei este bilhete embaixo de minha porta, e tem dinheiro também, para pagar a conta - explicou, tirando do bolso um envelope e jogando-o
sobre a cama.
- Oh, Daniel, que confusão! - ela suspirou.
- Nem me fale! Estou farto de tantas alterações em meus planos. Preparei tudo com tanto cuidado, e agora olhe para mim! - refletiu, desanimado.
- Sinto muito - ela respondeu, sem energia.
- Quem devia pensar assim era eu! E por que você teve de ir contar tudo para ele? - Daniel exigiu.
- Porque ele tinha o direito de saber. Daniel, por favor, pare de ser difícil - implorou. - A situação toda já é ruim o bastante sem você estar forçando
a paciência de Marck.
- Eu não provoquei. Ele simplesmente assumiu que eu estava errado! Está bem - capitulou, de má vontade. - Sinto muito, Cérebro, mas acho que não havia necessidade
de ele me tratar daquele jeito estúpido! E não entendi ainda por que você veio, se é completamente inútil nessas coisas...
- Eu sei. Acredite, a ideia não foi minha...
- Foi minha - Marck admitiu, retornando. - Iremos para Singapura, no vôo das nove e meia da manhã. Não havia outro mais cedo.
- Descobriu em que hotel ela está? - Debby quis saber. Ao mesmo tempo, ela também se perguntava se deveria sugerir sua volta para a Inglaterra.
- Não sei onde minha sobrinha se hospedou por lá. Seu irmão terá de descobrir isso mais tarde, com alguém do grupo que não viajou.
Sem mais o que dizer, levantaram-se indo para o restaurante, os homens se esquivando.
O silêncio entre eles agora chegava a incomodar, de tão pesado. Marck olhou para Daniel com desdém, mas, esforçando-se para adquirir o máximo de controle
possível, sorriu meio sem jeito e procurou iniciar uma conversa.
- Por que você chama sua irmã de Cérebro?
- Meu caro! Se você quiser saber resposta para qualquer coisa, é só perguntar a ela...
- Nem sempre - Marck objetou.
- Quase sempre. Você não entra na Universidade de St. Andrews usando só um sorriso!
- Não acredito! Na Escócia? - ele indagou, com dúvida nada lisonjeira.
- Sim, senhor! St. Andrews, na Escócia, e com louvor! E lá o indivíduo tem que ser bom de verdade, caso contrário... - retrucou, o ódio suplantado pelo desejo
de glória.
- Você tem razão - Marck concordou, olhando Debby com novo interesse. - O que você estudou?
- Belas Artes. Em Oxford não tinha vaga naquele ano. - Informou, encabulada.
Balançando a cabeça, Marck voltou-se para Daniel e, sustentando o olhar do jovem, pousou as mãos sobre a mesa, cruzando-as num gesto apaziguador.
- Agora que estamos calmos, talvez você queira me explicar alguns detalhes sobre Clare. Ela o abandonou mesmo, em Hong Kong?
- Sim - Daniel confirmou, com um sinal de cabeça. - Até admito que tive um pouco de culpa - continuou. - Lembro-me de ter falado com entusiasmo sobre a viagem
ao Oriente, quando nos conhecemos, e nem desconfiei do interesse que ela demonstrou pelo meu roteiro. Queria saber minúcias. - Parou, tornou um gole do vinho e logo
continuou: - De qualquer modo, como disse, ela apareceu de surpresa, passeou bastante e a cada dia ficava mais insuportável porque queria ir a todos os lugares que
eu não queria...
- Como por exemplo?... - interrompeu Marck.
- Shows noturnos exóticos. Mas melhorou muito quando nos mudamos para um hotel mais luxuoso, porque começou a esnobar todo mundo. Depois disso é que voltou
a conversar com os outros, que estavam planejando visitar Penang. Como estava em meus planos, concordei em vir porque com ela é menos enervante ceder do que discutir.
- Então você não tentou livrar-se dela, deixando-a entregue à própria sorte? - Debby interveio, esperando assim que Marck aceitasse melhor as explicações
do irmão.
Daniel dirigiu-se a Marck:
- Quando chegamos em Georgetown e ela encontrou seu recado, bem que não foi uma boa coisa - atacou, direto. - Você deveria ter aparecido de surpresa. Avisar
sua sobrinha é fatal! A última coisa que eu soube é que ela havia arrumado as malas e sumido. Até eu pensei que você estivesse apenas querendo bancar o tio ranzinza.
- E, assim como sua irmã, agora está preocupado com ela.
- Marck afirmou, baixando o olhar e revirando a taça entre os dedos.
- Pode ser. - E, virando o rosto, perguntou para Debby:
- Você terminou aquelas peças de xadrez?
- Peças de xadrez? - Marck intrometeu-se, admirado.
- Sim. Um jogo encomendado por Sir Edward March - Daniel informou.
- O ator? - perguntou Marck, espantado.
- Ele mesmo. Viu o conjunto esculpido para o Visconde Em-merson e no dia seguinte encomendou um, representando os ato-res e atrizes famosos.
- Mas veja só!... Então você se relaciona com os círculos in-fluentes? Quem diria! - disse, em tom duvidoso.
- E ficou muito contente com o resultado - Debby admitiu, olhando para o chão. Sabia o que Daniel estava querendo fazer. Era costume dele.
- É sério? Acho que a tenho subestimado demais - Marck comentou, um pouco desconcertado.
- Não se preocupe, não é só você - disse Daniel, como se isso lhe desse prazer.
- Quer que eu lhe consiga um quarto aqui? Ou você prefere ficar onde está e nos encontrarmos amanhã, no aeroporto? - Marck interpelou, polido.
- Por que eu devo encontrá-los no aeroporto? - foi a vez de Daniel ficar surpreso.
- Porque iremos para Singapura juntos - Marck comunicou.
- E daí? Não vejo onde está a necessidade.- retrucou.
- Você precisa ir conosco, Daniel - Debby interveio.
- Oh, não. De jeito nenhum! Vou terminar de gozar minhas férias, como planejei! - falou, estendendo as mãos.
- Daniel - Marck murmurou, contido, os olhos duros e parados, mostrando-se de repente muito perigoso. - Você vai conosco sim, nem que seja amarrado!
- Pode esquecer a ideia! Só porque você é alguém acostumado a dar ordens, não pense que pode me comandar! Não tenho a menor intenção de me pendurar no cós
de suas calças, ainda que você queira!
- Não estou pedindo nada, estou simplesmente afirmando que você virá conosco e ponto final - gritou, batendo as palmas das mãos sobre a mesa com toda a força.
Marck du Vaal parecia estar a ponto de explodir. Agarrou o garoto pela camiseta, segurando-o firme.
Incapaz de suportar aquela cena violenta por mais tempo, Debby levantou-se num pulo e com um pequeno grito de aflição saiu correndo.
- Veja que bela coisa você fez! - Daniel gritou, libertando-se e correndo atrás da irmã.
- Droga! - disse Marck, exausto.
Jogando o guardanapo sobre a mesa, levantou-se.
Refugiando-se à sombra da parede que fazia frente para o mar, Debby apoiou-se a uma palmeira próxima e olhou a distância, a visão atrapalhada pelas lágrimas,
obrigando-a a piscar várias vezes e a apertar as pálpebras.
Não esperava ser seguida e então se assustou, tentando libertar-se quando alguém segurou-lhe os braços. Enrijeceu o corpo e virou a cabeça, descontraindo-se
ao confirmar que era Daniel.
- Agora acalme-se... - ele sussurrou, dando-lhe umas sacudidelas. - Nós estávamos apenas discutindo, nada de grave o bastante para você se preocupar.
- Estou me sentindo mal - ela apressou-se em dizer.
- Desculpe, mas... honestamente, Cérebro. Ele é arrogante demais!
- Não, não é. Por que você não explicou as coisas de modo mais razoável, Daniel? Por que você perdeu a calma?
- Ele me tirou do sério. É tão importante que eu vá para Singapura?
- É importante, sim, porque ele não sabe como localizar Clare - Debby informou, explicando as razões que Marck lhe dera.
- Santo Deus, que coisa mais estranha!... Se é assim, estou disposto a ceder. Desde que aquela dondoquinha entrou em minha vida, não tive mais um minuto
sequer de paz! - Ao notar que Marck estava parado a alguns passos deles, dirigiu-lhe um olhar de poucos amigos. - A que horas sai o avião?
- Às nove e meia da manhã - Marck informou, seco.
- Então, estarei lá. - E, virando-se para a irmã, beijou-lhe a testa. - A gente se vê pela manhã,
Á seguir, encaminhou-se para o hotel, deixando Marck e Debby a sós.
- Você está bem? - Marck interpelou-a, vindo para o lado dela.
- Sim - respondeu, cabisbaixa.
- Acho que você quer que eu peça desculpas... - continuou.
- Não vejo necessidade - garantiu ela.
- Eu sei que você está aborrecida com o que houve, mas aquele menino não se mostrou um exemplo de boas maneiras. E não me lembro de ter conhecido alguém
tão difícil, nos últimos anos...
- Não insista nisso, Marck. Ele não é assim como você está pensando - ela defendeu.
- Debby... - ele falou, em tom repreensivo.
- Está bem, só quando o acusam de coisas que ele não fez.
- Você há de convir que eu não o acusei de nada. Apenas perguntei onde Clare estava.
- Não foi o que você perguntou, Marck, mas o modo como perguntou. Agora, acho que voltarei para a Inglaterra, pois não vejo onde poderei ser útil.
- Você será sempre útil, nem que seja como mediadora entre mim e Daniel. - Marck insistiu, gentilmente, andando para mais perto dela. - Só mais um dia...
- E se não for apenas mais um dia? Suponhamos que, quando chegarmos lá, Clare tenha escapado de novo? - sugeriu.
- Aí, nesse caso, você estará livre para fazer o que quiser, até mesmo voltar para a Inglaterra. Eu continuarei a busca, levando Daniel comigo.
- Oh, Marck! - respirando mais aliviada, recostou a cabeça contra o peito dele.
- Você está tremendo!... - sussurrou carinhoso, abraçando-a firme e apoiando o queixo no topo da cabeça dela.
- É só um pouco de tensão - Debby respondeu, passando os braços ao redor da cintura dele.
Ouvir-lhe o coração bater funcionou como um calmante. Pouco a pouco foi se descontraindo, aconchegando-se àquele corpo másculo, em busca de proteção.
- Pobre Debby, você não merece o irmão que tem.
- O quê!? - reagiu, irritando-se e erguendo a cabeça para olhá-lo. - Daniel não é mau, e tudo o que lhe contou é verdade!
Ele só não gosta de ser acusado injustamente, claro!
- Fique calma, tentarei mudar meu julgamento a respeito dele, até conversar com minha sobrinha.
- Grande coisa, Marck. Quer dizer que você já sabe o resultado? - advertiu.
- Então, a partir de agora não discutirei mais com ele, porque não quero ver você aborrecida. Afinal, você o conhece mais que eu - prometeu, afagando-lhe
os cabelos.
- Pensei que o conhecia. Parece que ele me vê como...
- Superprotetora? - ele a interrompeu, caçoando.
- Deu a entender - e descansou de novo a cabeça contra o peito dele.
Debby inalou profundamente o perfume que pairava no ar, muito mais forte depois que a noite caíra.
Achou curioso que, ao sair correndo do restaurante, ainda havia luz do dia. Mas, sem notar, escurecera.
Tinha lido uma vez sobre esse fenômeno de a noite suceder o dia sem o período de transição, como ocorria na Inglaterra. E agora estava vivendo isso pessoalmente.
O que a alertou para o fato foi o coro das cigarras, que escutava atenta à medida que se acalmava. Quando Marck afundou a ponta dos dedos por entre seus cabelos,
massageando-lhe o cou-ro cabeludo, fechou os olhos com um suspiro de contentamento.
- Sente-se melhor agora? - ele interessou-se.
- Sim, obrigada - ela respondeu, com uma voz infantil que o fez rir.
- Bom. Você cheira à luz do sol, se é possível - ele observou, com voz ligeiramente rouca.
A luz que irradiava dos olhos de Marck emprestava-lhe uma alegria contagiante, reforçada pelo sorriso largo que ele distendia dos lábios.
Então, Marck mudou de posição para encostar-se contra a parede e puxar Debby entre suas pernas poderosas, de forma que seus rostos ficassem bem próximos...
E de súbito a expressão dele mudou, tornando-se séria, em expectativa.
A tensão por fim explodiu. Respirando fortemente, Debby tentou afastar-se.
- Ah, não. Fique - ele implorou, persuasivo. - Apenas por alguns momentos, para se acalmar e desanuviar a mente. Se você for agora, não vai conseguir dormir.
Ficará pensando sobre o que aconteceu até sentir-se mal outra vez.
Mesmo sem ter certeza de que fosse a verdade, Debby resolveu ficar. Seria estupidez correr dele... que estava apenas tentando ser gentil.
Com os olhos bem abertos e fixados nos dele, a expressão assustada, começou a mordiscar o lábio.
- Não faça assim - ele reprovou, a voz enrouquecida, olhando-lhe a boca. Ergueu a mão, e delicadamente libertou-lhe o lábio. - Assim você se machuca.
- Eu... - ela começou a falar, mas parou, sem jeito.
- Você está muito longe de mim - ele sussurrou ao ouvido de Debby, em tom quase inaudível.
Enlaçando-a com os braços, examinou-lhe o rosto até que ela, embaraçada, tentou afastar-se.
- Não - implorou. - Você prometeu, Marck...
- Não prometi nada. Quero só um beijo. Desejei-o durante o dia todo. Feche os olhos.
- Não - ela gemeu. - Por favor, pare!
- Se voltarmos para casa amanhã, você nunca saberá o que perdeu - insistiu, a boca quase colada ao ouvido dela.
- Não quero saber. Eu lhe disse...
Ela sentiu o coração bater descompassado quando ele a apertou fortemente contra o corpo, forçando-lhe os lábios com os dele, a língua deslizando sorrateira
por entre seus dentes, antes mesmo que tivesse a chance de impedi-lo.
Debby retesou-se, procurando livrar-se, e gemeu profundamente quando ele não cedeu um milímetro. Ao contrário, Marck intensificou ainda mais a pressão da
boca sobre os lábios delicados.
Amedrontada pelo que ele a fazia sentir, Debby empurrou-lhe os ombros. Não obtendo sucesso, o pânico e o desespero crescendo por saber que se não se libertasse
logo iria corresponder aos beijos daquele homem, ela agarrou-lhe um punhado de cabelos e puxou com força. Quando ele gritou e instintivamente soltou-a, Debby saiu
correndo o mais rápido que pôde.
Marck alcançou-a, quando chegava perto da parede onde flores se acumulavam numa profusão de perfumes. Obrigando-a a parar, virou-a e empurrou-lhe as costas
contra as ramagens.
- Não, por favor, Marck! - implorou, desesperada. Ignorando-a, pressionou-lhe o corpo trêmulo contra a parede e inclinou a cabeça para habilmente capturar-lhe
de uma vez os lábios.
Debby, com um pequeno soluço, abandonou a luta que sabia ser inútil e enterrou os dedos nas costas largas, porque queria muito ser beijada por ele, mais do
que ousava confessar. Pelo menos uma vez...
Consciente de que deveria recuar, mas por instinto não querendo, desejando apenas sentir o prazer supremo que com certeza Marck poderia lhe trazer, ela empurrou
a língua contra a dele, e depois dominou-lhe a boca.
E enquanto Marck dobrava-se lentamente, dominando-a, ela movia-se mais e mais para frente, beijando-o com uma necessidade que durante muito tempo escondera.
Dois anos de sensações reprimidas explodiam agora, e dominavam-na por completo. Já não havia mais autocontrole. Não havia também mais nenhum espaço entre
eles...
As coxas de Marck, com os músculos rígidos, estavam pressionadas fortemente contra as dela, prendendo-a. O peito maciço quase lhe esmagava as costelas.
Os beijos ardentes, mas ao mesmo tempo suaves e incessantes, percorriam-lhe a boca e a face, fazendo Debby estremecer. Especialmente quando Marck, tomando
de uma inspiração profunda, passou a mordiscar-lhe sensualmente a língua e a explorar-lhe a superfície interna dos lábios.
"Tudo era loucura", ela pensava, mas parecia incapaz de deter-se. Não queria parar, porque amar aquele homem era belo e apaixonante.
Estava num sonho, com a presença daquele corpo másculo e excitante fundindo-se ao seu, o perfume no ar entorpecendo-a, o som agudo das cigarras e as respirações
mesclando-se numa avidez tão grande que chegava a hipnotizá-la.
Os cabelos de Debby soltaram-se e a suave brisa os agitava em torno do rosto.
Quando Marck, procurando maior equilíbrio, moveu-se um pouco, permitiu-lhe afastar-se e respirar mais facilmente.
Erguendo as pálpebras que pareciam muito pesadas, Debby olhou tonta dentro daqueles olhos azuis profundos, que mais pareciam duas águas-marinhas de pureza
intensa. Pareciam tão embriagados de desejo quanto os dela.
- Oh, Deus! - ela sussurrou.
- Sim, sim - ele concordou, beijando-a uma vez mais, enquanto começava a lhe acariciar os seios.
- Não - ela protestou, procurando libertar-se. - Não!
Incapaz de olhar para ele, pois sentia-se culpada por ter deixado as coisas irem tão longe, tão fora de controle, Debby inclinou a cabeça para trás e apoiou-a
na parede, fechando Os olhos.
Confusa, insegura, magoada, lutou para normalizar a respiração. Não podia acreditar que respondera com tanta intensidade àqueles estimulos sensuais e sentia-se
assustada. Se quisesse, teria detido Marck du Vaal. Mas ela não quis...
- Eu... - começou, lutando para abrir os olhos.
- Não diga nada... Não diga que não acontecerá, ou que você não quer nada comigo! Não diga que você será mais sensata e forte da próxima vez... Suas reações
já disseram tudo o que havia para ser dito - ele advertiu.
- Mas eu ia dizer que... eu...
- Sem mais brincadeiras, Debby - ele interrompeu.
- Mas não estou brincando - protestou.
- Você sabia o efeito que causava em mim. Que queria fazer amor com você, segurar seu corpo nu entre meus braços, sentir o gosto de sua pele, tocá-la...
- falava, enquanto a segurava firme pela cintura.
- Sabia, mas não com essa intensidade - ela sussurrou, os olhos arregalados.
- Você sabia muito bem, e queria tanto quanto eu!
- Não é verdade - ela negou sem energia, pois sabia que era verdade.
Sentira uma tentação muito forte de dizer sim, e fazerem amor... Mas, se tivesse sucumbido, não suportaria depois ser abandonada!
CAPITULO V
- Não precisa ficar tão preocupada assim, não vou violentá-la! - repreendeu-a, frustrado.
- Eu sei... Sinto muito, mas ainda não estou preparada para qualquer envolvimento amoroso - sussurrou, aflita. - Voltarei para casa amanhã, não nos veremos
mais, e acho que assim é melhor.
- Será mesmo? Para quem? O melhor, pelo menos por ago-. ra, é que você vá dormir - ordenou exausto. - Antes que eu perca de vez o controle e faça alguma
bobagem. - Nem mesmo sei por que estou persistindo - ele acrescentou, quase que para si, enquanto a empurrava em direção ao hotel.
- Sinto muito - ela gaguejou com ar vago, sem mesmo ter certeza de que estava se desculpando.
- Você sente? Duvido! Você é uma mulher perigosa, Debby... Creio que sabia do seu poder de atração desde o primeiro instante em que a vi no jardim, de pé,
com aquela carinha de garota e um sorriso fascinante no olhar. Pena eu não ter adivinhado então que você iria destruir minha paz de espírito!
- Mas eu não tive essa intenção! - protestou, pois Marck dava a entender que tudo fora planejado.
- Pode até ser. Mas você diz as coisas com tanta inocência que é fatal! Saiba ainda que dizer a um homem que ele é bonito é o mesmo que achá-lo atraente.
E se quem diz isso é alguém inexperiente como você... logo se criam mil ideias na cabeça de um homem!...
- Eu acho você atraente e isso é metade do problema - Debby exclamou, infeliz. - Porém, não queria que você criasse ideias erradas sobre mim.
- Não queria! Meu Deus! Então, o que tivemos agora foi apenas uma pequena demonstração de poder?
- Não tire conclusões apressadas!
Como ela se mostrasse ainda mais transtornada, Marck dirigiu-lhe um sorriso ligeiro e gozador. Estendeu a mão e correu o indicador ao longo do nariz dela.
- Não - ela encolheu-se, colocando as mãos contra o peito dele como se quisesse empurrá-lo.
- Como pode uma coisinha tão pequena me causar tantos problemas? O que vou fazer com você, Debby Grant? - falou sorridente, colocando as mãos sobre as dela.
- Nada. Você não vai fazer nada!.- exclamou amedrontada, mas com determinação. - Você está sendo desagradável e assim não dá! Já falei mil vezes que não
podemos ter qualquer relacionamento, e não é justo continuar tentando me confundir!
- O problema é que gosto de fazer isso... E não quero ser nem um pouco justo. - Marck devolveu, com um sorriso.
- Não? - Debby parecia estar muito infeliz.
Por um momento, pensou que ele não a deixaria ir. Mas, finalmente, com um breve encolher de ombros que parecia mais irritação que qualquer outra coisa, soltou-lhe
as mãos e deu um passo para trás.
- Está bem - ele concordou, com frieza.
Virando a cabeça para o outro lado, para que ele não visse as lágrimas que de súbito inundaram-lhe os olhos, Debby piscou várias vezes e começou a andar dentro
do hotel, em direção ao quarto.
"Bem, o que se poderia esperar?", perguntou-se furiosa. "Que ele argumentasse com você? Tentasse persuadi-la?"
Debby ficou acordada por um longo tempo na cama enorme, as mãos juntas atrás da cabeça, pensando no que havia acontecido.
Devia se sentir aliviada, agradecida mesmo a Marck por ele ter aceitado suas recusas. Mas não era o que acontecia.
Estava confusa, e o modo como respondera às investidas dele, ao invés de libertá-la expulsando-o da mente, só conseguia fazê-la querer mais atenções de Marck.
"Por que as pessoas não acreditam quando você lhes conta determinadas coisas?", perguntava-se em desespero.
Havia dito que não queria ser beijada...
"Não", ela pensou com um suspiro profundo.
Realmente, não queria. Mas, se não fosse tão covarde, teria Be aconchegado àquele corpo quente e forte; ah, sim, teria...
Gemendo desconsolada, Debby rolou na cama e enterrou o rosto no travesseiro.
"Oh, Deus", pensava. "Tudo o que ele queria era um romance passageiro para amenizar a viagem."
Quanto a ela, um envolvimento teria representado muito mais, e provavelmente tudo acabaria em lágrimas e coração partido. Jamais ela admitiria tornar-se muito
apegada a Marck. Sabia muito bem as consequências...
O café da manhã transcorreu num silêncio embaraçoso, ambos preocupados.
Debby sentiu-se menos tensa ao chegar a hora de ir para o aeroporto. Daniel já estava à espera quando entraram no saguão, vindo ao encontro deles e recebendo
um sorriso como saudação.
- Você parece péssima - observou. - Dormiu bem?
- Muito pouco - ela confessou, tentando imaginar a reação dele se viesse a saber dos verdadeiros motivos.
- Que há com ele? - perguntou, indicando Marck, que estava parado a um canto, sério. - Agora que ele está na pista certa, imaginei que ficasse mais acessível.
- Você conseguiu o nome do hotel onde Clare se hospedou? - ela perguntou, mudando de assunto para evitar contar alguma coisa que pudesse trazer conflitos
entre os dois homens.
- Sim - informou Daniel, olhando-a meio suspeitoso.
- Você acha que ela ainda está lá?
- Como é que vou saber? - disse, ríspido. E, percebendo que tal atitude não era uma boa política, confortou-a: - É bem provável que esteja. E aposto que
será a primeira pessoa que veremos, ao chegar.
- Isso soa mais como ansiedade que como uma resposta concreta - Debby analisou.
- Você acertou pela metade. Estou ansioso, mas é para continuar minhas férias, isto sim. - E virou-se apontando para Marck com certo sadismo. - Agora, se
ele espera encontrar uma adolescente humilde e obediente, vai levar o maior susto!
- Que grande conforto você é! Ela é tão ruim assim? - Debby perguntou, assustada.
- Um pouco pior - ele confirmou, antegozando a aflição de Marck. - De fato, devo ficar mais um pouco e assistir ao espetáculo.
- Então fique sozinho. Estou voltando para a Inglaterra no primeiro vôo que conseguir.
Quando os alto-falantes passaram a anunciar os vôos, pegaram as bagagens e foram juntar-se a Marck no portão de embarque.
No aeroporto de Singapura, tomaram um táxi até o hotel: Enquanto Marck pagava a corrida, Debby e o irmão foram confirmar as reservas e ver se Clare ainda
estava hospedada.
Constataram que as predições foram correias. Parada no balcão, usando um short sumário e sapatos de salto alto, mostrava-se uma figura tão extravagante que
fez Debby engolir em seco. De fato, esperava encontrar uma jovem sofisticada, é verdade. Mas não daquele jeito.
- Ali está sua sobrinha - Daniel anunciou com ironia a Marck, que chegava naquele momento.
Nesse instante, Debby entristeceu-se por Marck, que já se mostrava claramente relutante. Queria dar-lhe segurança, mas não sabia como. Além do mais, pensou,
duvidava muito que ele aceitasse sua interferência.
- Obrigado - Marck respondeu, antes de ir ao encontro de Clare.
- Ela é muito bonita - Debby sussurrou ao irmão, com a dúvida nascendo-lhe na mente.
- Eu nunca disse o contrário - ele caçoou.
Voltando-se para observar o tio e a sobrinha, que de olhos arregalados fitava-o boquiaberta, Debby admirou o rosto bonito da garota, emoldurado por cabelos
claros e curtos.
Agora entendia por que Marck classificara Daniel de vilão. E, para deixá-la ainda mais surpresa, a jovem jogou-se nos braços de Marck e explodiu em soluços
barulhentos.
- A história se repete - Daniel murmurou cínico, não se mostrando surpreso com o que via.
- O que você quer dizer com isso? Nós poderíamos ajudar, não acha?
- Nem pense nessa bobagem. Ela chorará o bastante para que se acredite na história que está contando. Depois, milagrosamente, as lágrimas secarão, e daí
Clare dará um sorriso de garotinha amorosa e dócil.
- Daniel! - ela reprovou, chocada por tanta amargura. - Que coisa horrível!
- Horrível? Pensei que... - Parou de falar quando os olhos de Clare fizeram um breve contato com os seus. Mas depois continuou: - Adivinhe quem vai ser tapeado?
Eu estou fora, verei você no fim de agosto, querida irmã. Não ficarei por perto para ser crucificado, pois não tenho nenhuma vocação para tal coisa. E, se você for
esperta, também não ficará.
- Mas, Daniel, você não pode sair assim... - Foi interrompida pela ação súbita de Daniel, que lhe deu um abraço e um beijo de despedida.
- Não é que eu não posso, eu devo! - E saiu.
- Daniel! - gritou, correndo atrás dele. - Aonde você está indo?
- Qualquer lugar longe daqui. Mudei de ideia, pois posso me queimar com algum dos fogos de artifício que certamente serão soltados - e passou pela porta
giratória, sumindo na multidão.
Lentamente voltando até onde estavam Marck e Clare, o rosto exibindo uma expressão aborrecida, Debby postou-se ao lado deles.
- Para onde foi seu irmão? - ele perguntou.
- Não sei - confessou, calmamente.
- Como não?
O problema é que Debby não estava mais certa de quem era a parte inocente em toda aquela história, e começava a odiar-se por duvidar do irmão. Ainda que os
ruidosos soluços de Clare parecessem sérios, nenhuma estria de maquiagem manchava-lhe o rosto delicado, não se via o mais leve sinal de pálpebras inchadas ou nariz
vermelho. Desconfiada, Debby franziu a testa.
- Olá, Clare, como você está?
- Olá - respondeu, com ar de vítima. - Você é a irmã de Danny?
- Sim.
A garota reclamou, patética:
- Ele não gosta de mim...
- Não mesmo. Diga uma coisa: por que você saiu com tanta pressa de Penang?
- Fiquei apavorada quando o recepcionista me entregou a mensagem de tio Marck. Julguei que ele estivesse muito zangado - explicou, baixando os olhos. E continuou,
enquanto brincava com a barra da camiseta: - Então planejei voltar para a escola, antes que meu tio me alcançasse. Tenho sido um transtorno, não é?
E, com um talento digno de uma atriz, Clare conseguiu encher os olhos de lágrimas, que pouco a pouco foram escorrendo pelo rosto.
- Então, por que não comprou uma passagem de volta à Suíça ontem mesmo, assim que chegou aqui? - Debby investiu, agressiva.
- Debby! Por favor, agora não! - Marck exclamou.
- Está bem, agora não. Irei providenciar nossos quartos, pois vocês têm muito que conversar - desistiu estrategicamente, com um sorriso malicioso.
- É, temos. Sinto muito que Daniel...
- Não precisa se preocupar - ela interrompeu, adivinhando o que seria dito. - Fique tranquilo, que nossas costas são largas.
- Prefiro que você fale diretamente - ele reclamou irritado, franzindo o rosto numa carranca.
- Sei disso, mas no momento a melhor coisa é dizer o mínimo - advertiu, zangada também.
- Você não quer ouvir as explicações de Clare?
- Realmente, não. Prefiro acreditar na versão de Daniel, que me pareceu bem mais convincente. - E viu no rosto de Clare uma expressão de triunfo.
- Mesmo que não seja verdade? - insistiu Marck. - Você sabe que as explicações de Clare e de seu irmão não combinam! - ele gritou, a irritação dominando-lhe
a voz.
- Faço uma ideia... Posso até mesmo dar um palpite na versão dela: viajou contra a vontade, por insistência de Daniel, e aos poucos foi vendo que havia cometido
um erro. - Virando-se para Clare, perguntou com sarcasmo: - Como estou indo? Minha cena é boa?
Recebeu em resposta um aceno de cabeça e ainda mais lágrimas, fazendo-a sorrir, compreensiva. "Essa menina é muito, mas muito boa atriz mesmo", pensou. "Deveria
estar num palco, representando personagens trágicos." Baixando a cabeça, procurando controlar-se, Debby se afastou e foi preencher algumas fichas no balcão.
Dando uma gorjeta ao menino que insistiu em levar sua bagagem até o quarto, jogou a mochila sobre a cama antes de ir até à janela e olhar para a rua. "Sinto
muito, Daniel", pediu desculpas mentalmente, " por duvidar de você, mesmo que por um momento, mas defender sua inocência agora seria provocar uma batalha difícil."
Ouvindo bater à porta, Debby voltou-se e ficou à espera. Seria Marck ou Clare? Foi abrir. Era Clare.
- O que você deseja? - perguntou, com voz nada amistosa.
- Daniel merece tudo o que eu disse... E não importa qual seja sua atitude, meu tio não acreditará em você - falou em voz agressiva, bem diferente da cena
no saguão.
- Não precisa me lembrar de nada, não sou boba. Mas só diga uma coisinha: por que Daniel merece isso?
- Porque ele saiu de Paris para o Oriente dizendo que me amava, que seria muito bom se eu pudesse acompanhá-lo na viagem. E, quando cheguei, ele estava furioso,
me tratou com se eu fosse uma garotinha! Bem, eu mostrei a ele! E, se você cruzar meu caminho ou causar algum problema, mostrarei a você também quem sou! Posso inventar
qualquer história sobre seu precioso irmão!
- Quanto a isto não tenho dúvidas - retrucou, calma. - Adeus, Clare. - Sem esperar que ela se virasse, fechou a porta.
Aquela visita a importunou bastante e, sentindo-se enfastiada, Debby colocou algum dinheiro na bolsa e desceu. Deixando as chaves no balcão, dirigiu-se rapidamente
para a porta, rezando para não encontrar ninguém conhecido pelo caminho!
Os olhos vagos, o pensamento voltado para dentro, Debby passava pelos pontos turísticos de Singapura e tudo que via eram aqueles olhos azuis. Quase podia
sentir a maciez dos cabelos louro-escuros, a potência do corpo sólido..: Desejava Marck como nunca desejara ninguém. Queria jogar-se nos braços dele e ser amada.
Parando abruptamente, fechou os olhos o mais apertado que pôde até conseguir controlar-se.
Ela deveria ter feito a menina explicar tudo na frente do tio, em vez de ter falado por ela. Deveria ter tentado algumas lágrimas também, ser mais maliciosa.
De fato, deveria ter se preocupado em olhar por onde andava, assim não tentaria passar por entre duas barracas, num espaço onde mal cabia uma criança. Estaria
tudo bem se Debby não estivesse usando a calça de bolsos grandes. Foi trazida violentamente à realidade quando sentiu-se presa a um pino, que lhe dera um puxão.
E, ao ver toda a estrutura balançar, agarrou com as duas mãos o tubo que servia de apoio. Olhou para baixo num esforço de localizar o pino que caíra e soltou um
gemido de derrota ao vê-lo embaixo da barraca, fora do alcance dos pés. Tentada a deixá-lo cair e sair correndo, gritou de medo quando alguém bateu em seu ombro.
- Pelo amor de Deus, Marck, você quase me matou de susto! - exclamou.
- Isso não é nada comparado ao que eu gostaria de fazer - ele disse, rangendo os dentes selvagemente. - Onde você andou? Por que você está se escondendo
aqui?
- Não estou me escondendo. E, por favor, quer manter a voz baixa?
- Por quê? - perguntou, olhando ao redor.
- Porque não quero todo mundo rondando por aqui, para ver o que vamos fazer! - explicou.
- Não vamos fazer nada... - ele negou, violentamente.
- Claro que vamos! E quero lembrá-lo de parar de andar a me seguir. Posso tomar conta de mim mesma! Marck! - gritou, desesperada, quando ele começou a afastar-se.
- Volte aqui!
- Por quê? - ele perguntou, arrogante. - Você acaba de dizer que é capaz de tomar conta de si própria...
- Normalmente eu posso, mas agora que você está aqui preciso de sua ajuda - murmurou, sem jeito.
- Precisa? Não diga! Mas que vergonha! - ironizou.
- Quer parar de bancar o difícil? Eu não estou encostada nesta barraca fazendo ginástica, sabia?
- Então, o que você está fazendo? - quis saber, com uma expressão de superioridade.
- Porque estou segurando esta maldita barraca! - falou por entre dentes
- O que você disse? - interpelou com ar espantado, parando por completo. - O quê!?
- Estou segurando esta maldita barraca - repetiu, aflita. - O pino caiu!
- Oh, Deus!
- Que tal em vez de invocar o nome de Deus me dar uma mãozinha e colocar o pino de volta? Se eu soltar o cano, vem tudo abaixo. Rápido, Marck, estou começando
a ficar cansada, e o dono não vai gostar nem um pouco!
- Com toda a certeza. Você já viu o que tem aí? Quantos vasos de argila e louça? - devolveu, zombando da aflição dela.
- Já, já vi! Ei, aonde você vai? - gritou horrorizada ao vê-lo afastar-se. - Não ouse ser mais desprezível ainda!...
- E por que não? Não é o que você merece?
- Mereço por quê? O que foi que eu fiz desta vez?
- Você deveria perguntar o que não fez. Ficaria mais fácil de responder. É por isso que estou tentando deixá-la resolver sozinha esse problema de agora,
pois ainda não entendi como você conseguiu derrubar o danado do pino.
- Estava pensando na vida e tentei passar por aqui, sem perceber que o espaço não dava...
- Você nunca pensa no que deve - interrompeu. - Onde está o pino?
- Lá embaixo... Rolou para baixo da barraca. Por favor, depressa, que esta coisa é pesada e não aguento mais!
- Sob medida para você - replicou. Mas para alívio de Debby ele curvou-se, pegou o pedacinho de ferro e, afastando-a com o quadril, colocou-o no lugar. -
Está bem agora, pode soltar.
- Obrigada - disse, de má vontade, soltando o cano rapidamente, prendendo a respiração quando a barraca oscilou.
- Disponha, srta. Grant - Marck replicou, brincando. - Talvez agora você queira me contar por que foi tão rude com Clare.
- Eu, rude?! - ela gritou, estridentemente, sem acreditar no que ouvia. - Eu!?
- Há outra Debby Grant por aqui? Confesso que fiquei abobalhado com o que ela me contou.
- Contou o quê, pelo amor de Deus?
- Que tinha ido a seu quarto pedir desculpas e você a expulsou.
- Então foi esse o motivo da visita? Que estranho... Pensei que ela tivesse ido me prevenir...
- Como prevenir? - perguntou, confuso.
- E eu é que sou boba! E pedir desculpas por qual motivo, se ela é a inocente da história?
Ficou tentada a dizer umas palavras muito duras. Mas conteve-se, desgostosa, e passou por ele, caminhando em direção ao hotel.
Ficou aliviada ao ver o prédio logo adiante. Subiu as escadas correndo e entrou.
Clare estava parada no saguão e, ao vê-la, o mau humor de Debby suplantou qualquer desejo de paz.
- Você deveria escrever um livro, queridinha. Ficção realmente é o seu forte - falou, andando duro em direção à garota.
Afastando-a do caminho, foi pegar a chave, mas parou quando Clare pousou a mão em seu braço.
- O que é? - perguntou, agressiva, mas sorriu ao ver o motivo da demonstração espontânea de carinho.
Marck estava a poucos passos delas.
- Eu sinto muito - Clare disse, docemente.
- Sente o quê? Desculpe se acho tudo um pouco duro de engolir... E, se está querendo criar mais outra historinha não se incomode, já ouvi o bastante para
um dia só.
Esbarrando rudemente na jovem, seguiu o caminho, com a intenção de escapar antes de fazer alguma estupidez, como por exemplo estrangulá-la.
Deu uma parada brusca por causa do tom de voz de Marck.
- O que está acontecendo com você? - ele exigiu.
- Nada - ela informou, ríspida.
- Não percebe! Devo lembrá-la que escutei seu irmão contar o que houve? Será que, pelo menos por delicadeza, você não pode se comportar do mesmo jeito com
minha sobrinha?
- Que delicadeza... o quê? - gritou, sem se preocupar nem um pouco de se terem transformado no centro das atenções. - Você o condenou por antecedência, formou
opinião antes mesmo de encontrá-lo...
Notando que não estava sendo levada a sério, olhando-o furiosa deu um muxoxo e encaminhou-se para a escada, desejando ter alguma coisa na mão com que pudesse
golpeá-lo.
Debby entrou ruidosamente no quarto, chutando o tapete enquanto procurava dissipar a raiva que sentia, e jogou-se na poltrona.
Depois, pegou o bloco de desenho em cima da cama, passou as páginas até chegar a uma em branco e começou uma caricatura, representando Clare como uma víbora.
Intrigou-a ver a porta abrir-se, subitamente.
- Gostaria de uma explicação - disse Marck, entrando.
- Ora bolas, não seja cego!
- E você não seja tão rude!... Quer me explicar o que está acontecendo?
- Nada - disse, sem levantar a cabeça.
- Então, pare de ser ranzinza!
- Você é quem está dizendo - gritou.
- Está mesmo. Eu trouxe você comigo para me ajudar... E veja o que está fazendo. Complicando as coisas. Não entendo nada de adolescentes - queixou-se, aflito,
recostando-se nas costas da poltrona onde Debby estava sentada, espiando por sobre os ombros dela.
- A única coisa que eu poderia ajudar a fazer era estrangular aquela menina petulante - disse, fechando o bloco. - Agora vá embora, que não quero falar com
você!
- Nem pensar! Ficarei aqui até você me contar por que está se comportando como uma criança mimada!
- Ai, meu Deus, me ajude! - E com um movimento repentino ficou de pé.
Livre do peso, a cadeira tombou, arrastando Marck, que se esparramou no chão.
- É bem do seu jeito - ela disse sem pensar, depois gritou alarmada quando ele agarrou-lhe o tornozelo e puxou-a para o chão, por cima dele. - Me largue!
- Não, até que você me peça desculpas!
- Por quê? Não mandei que você se escondesse na poltrona!...
- Não estava falando da poltrona.
- Se é então sobre sua sobrinha, ela merece tudo e muito mais... Se você não sabe distinguir quando está sendo feito de bobo, fique certo de que não sou
eu quem vai dizer o contrário! E se eu fosse você... sairia daqui antes que sua queridinha o encontre em meu quarto! - acrescentou, furiosa.
- E por que eu deveria me importar, se ela me pegasse aqui?
- Por quê... Oh, porque - ela começou, incapaz de pensar ou arrumar as ideias numa explicação aceitável.
- Muito bem explicado - ele brincou, enquanto continuava a mantê-la presa.
- Eu te odeio! - sussurrou, retorcendo-se num esforço para escapar.
- Não, você não me odeia... E fique quieta!
- Me solte, por favor!
- Não! E não adianta se debater desse jeito...
Segurando-lhe o rosto com as duas mãos, Marck olhou-a. Depois, com um som que mais parecia um gemido, puxou-lhe a cabeça para baixo.
Desprevenida, Debby não conseguiu ser rápida o bastante para defender-se. Aterrorizada, tentou livrar-se, porque se não o fizesse estaria perdida.
Já estava se derretendo, os pensamentos se apagando, quando fez um último e desesperado esforço para se libertar.
- Agora chega, Debby, fique quieta! - ele comandou. Com um rápido movimento de corpo, virou-a, ficando enfim por cima dela.
- Não vou ficar quieta! Não quero nada com você!
- Acredito de todo o coração... Mas sei que você quer! - ele caçoou.
- Não quero! E não seja arrogante. Afinal foi você quem começou todo este absurdo, não eu! - ela reclamou.
- Você pensa que isso torna as coisas mais fáceis? Ignorando o desafio e usando de um pouco de força, baixou a cabeça e beijou-lhe a boca, longa e demoradamente,
até quebrar-lhe a resistência e fazê-la retribuir.
- Me beije - ele ordenou, asperamente. - Deixe-me fazer amor com você... Você não sabe, pode gostar...
- Não! Você só tem me trazido problemas, desde o dia em que o vi e....- Debby disse, obstinada, os olhos tempestuosos, a voz entrecortada e desigual, recobrando
um pouco de controle.
- Então empatamos, e você não quer ser perturbada, quer?
- Adivinhou, pois agora o que quero é paz!
- Que covardia... - ele sussurrou, irônico.
- Não é esse o ponto.
- Claro que é! Medo de gostar, esse é o ponto exato! Deslizou a mão espalmada pelo queixo dela, e com o polegar percorreu a linha do lábio inferior, acariciando-o
levemente. Em seguida abaixou a cabeça até os lábios dela e beijou-a com toda suavidade, quase que apenas roçando os lábios.
O movimento da boca, auxiliado pelo ar morno da respiração de Marck, provocou nela tremores de excitação por todo o corpo.
- Ainda que você não acredite - ele continuou, - vim aqui apenas para conversar. Mas está se tornando uma obsessão esse desejo de querer fazer amor com você...
E soltou um suspiro, procurando regular a respiração, ao mesmo tempo em que rolava para um lado e curvava-se com os braços entre os joelhos.
Debby quase cedeu desta vez. A tentação de dizer sim foi terrível. Contendo a mão que estirou para tocar-lhe as costas, afastou-se chocada quando ele se esquivou
e recomeçou a falar, sem lhe dar tempo de dizer nada.
- Não jogue fora sua felicidade, querida - ele implorou, a respiração pausada e profunda. - Não estou acostumado à au-topunição... E, para ser honesto, jamais
desejei alguém tanto quanto desejo você.
- Marck, há um perigo iminente de eu me apaixonar por você, o que não quero. Você quer? - falou, sentando-se e passando os braços ao redor dos joelhos.
- Não - ele confirmou, calmamente.
- Sei que para você isso seria uma aventura passageira, mas comigo não pode ser desse jeito. Tentei, Deus sabe como, mas não consegui! Portanto, não quero
envolvimentos!
- Ora, cale a boca! - Ele interveio. - Isso de modo algum está parecendo uma diversão, a menos que seja humor negro. E o pior de tudo é que... é que eu provavelmente
gosto muito de você, mas muito mesmo!
- E o que é então? A velha história de se querer o que não se pode ter? - Debby sugeriu, mais calma.
- Não. É desejar uma mulher muito bonita, muito sensual, que a cada momento me traz conflitos e sonhos. - Pressionando as mãos nos joelhos, Marck ficou de
pé com um pulo. De repente lembrou: - Ei! Você não comeu nada no almoço!
- Não estava com muita fome...
- Então jantaremos mais cedo.
- Não - ela recusou, rapidamente. - Pedirei que me mandem alguma coisa aqui no quarto mesmo. Portanto, tenha uma boa noite, Marck.
Não conseguia aceitar a ideia de sentar-se frente a Clare.
- Como queira. Boa noite, então. - Com um sorriso estranho, ele acrescentou: - Só espero que hoje à noite você durma tão mal como eu!
CAPÍTULO VI
Debby suspirou desesperadamente quando a porta fechou. O remorso já lhe corroía, e não ter feito amor com Marck não tornava as coisas mais fáceis, como pensara.
Na verdade, nada melhoraria, e logo estariam separados de vez. Portanto, ela deveria muito bem ter cedido aos próprios desejos...
Ficando de pé, Debby atravessou o quarto e foi até a janela. Não conseguia compreender por que Marck estava sendo tão persistente, se ele não parecia o tipo
de homem que perseguia causas perdidas... Principalmente quando a causa relacionava-se com Daniel, o rapaz que ele pensava haver seduzido Clare.
Também não fazia a mínima ideia do quanto a sobrinha sabia mentir.
Suspirando, ainda mais confusa, golpeou o parapeito da janela com o punho fechado. Não queria sentir-se assim.
"Ora bolas, Debby Grant, se você não quer, não quer e pronto! Tudo o que tem a fazer é permanecer firme nos seus propósitos, tomar um banho frio, beber um
drinque e relaxar. E, se ficasse ainda que bêbada... ao menos teria uma garantia de dormir como uma pedra. É exatamente isso o que você deveria fazer!"
Decidida, ela desceu até o bar e pediu um gim tônica, sentando-se numa banqueta e olhando os cubos de gelo quase invisíveis na bebida. Mexia-os com o dedo,
de vez em quando. Esvaziou o conteúdo do copo, rapidamente, devolvendo-o ao barman, decidida a voltar ao quarto.
Quando cruzava o saguão, porém, um movimento a fez parar e voltar a cabeça com curiosidade, bem na hora de ver Clare esgueirando-se, vestida para a noite.
"Oh, Deus!" pensou. "Para onde ela estará indo com tanta pressa?" Dividida entre o desejo de proteger Marck e a alegria de ver a sobrinha ter o castigo merecido,
correu atrás dela. Clare era quase uma criança, e a consciência de Debby não lhe permitia deixá-la sair à noite, em uma cidade estranha. Tudo poderia acontecer-lhe...
Ela acabara de passar pela porta, quando sentiu a mão pesada de um homem sobre seu ombro.
- Não, minha garota. Você não vai, de maneira nenhuma, passear a uma hora dessas - Marck falou, pausada e suavemente atrás dela.
- Não ia passear - resmungou, irritada. - E por que você me aparece justo agora? Você não tem mesmo noção de tempo, Marck du Vaal. Entretanto, nem tudo está
perdido. Sé nos apressarmos, poderemos alcançá-la ainda...
- Alcançar quem? - ele indagou, curioso.
- Sua sobrinha. Acabo de vê-la saindo!
- Não vamos começar tudo de novo! Não tem nem cinco minutos que falei com ela no quarto, e me disse que ia dormir mais cedo. Será que seu ponto de vista
é tão estreito assim quando se trata de Daniel?
- O que Daniel tem a ver com tudo isso?
- Só tem. Essa vingança contra Clare! Essa decisão de querer provar que ela não é inocente. Você não pode ser honesta o bastante para admitir que seu irmão
é pelo menos parcialmente culpado? Sei o quanto você gosta dele, mas protegê-lo assim não fará nenhum bem, no fim das contas.
- Vingança?... - disse, destacando as sílabas. - O que se passa na sua cabeça, Marck? Nem eu nem Daniel queremos vingança: que isso fique bem claro. Sua
sobrinha, sim! Aliás, aqueles olhos azuis de bebê, acredite, escondem um cérebro maquiavélico. Ela não está no quarto, mas circulando pelas ruas de Singapura...
E estou indo procurá-la, antes que ela nos arranje mais encrencas!
- Você vai é para o seu quarto, Debby Grant! - ele ordenou, severo.
- Desde quando você manda em mim? - ela o desafiou.
- Debby! Não me provoque! Você não vai sair. - E para reforçar as palavras, segurou-lhe o braço com firmeza. - Nenhum argumento mais. Você pode ir para o
quarto, ou para o bar, ou para a piscina, qualquer outro lugar do hotel, mas sair...
- Marck, uma vez você não acreditou em mim... E eu estava errada? Me diga?... - ela rebateu.
- Para que lado ela foi? - ele rendeu-se, soltando um suspiro de derrota ante aquele argumento.
- Para lá - ela informou, apontando à direita.
- Se você estiver mentindo para mim, Debby... - ameaçou, rangendo os dentes.
Afrouxando a pressão no braço dela, saiu quase a correr ao lado da rua, com ela pela mão.
- Por quê eu iria mentir?
- Só Deus sabe. Agora, se ela fugiu para encontrar Daniel...
- Assim é impossível continuar, Marck. Será que só você merece crédito? Você é o dono de toda a verdade do mundo? Seja um pouco compassivo!...
- Está bem, está bem - ele rendeu-se. - Sinto muito, acho que estou com os nervos à flor de pele. Vamos os dois procurá-la.
Levaram quase duas horas andando a esmo, e então a paciência e o dinheiro de Marck esgotaram-se.
- Vou lhe dizer uma coisa. Nunca terei um filho - falou, quando entravam em mais uma boate. - O que está acontecendo entre vocês duas me deixa louco...
- E como você acha que estou me sentindo?
Estava afogueada e com fome, cansada e com os pés doloridos, a cabeça estourava de tanta dor.
Como é que se pode vir a um lugar como esse em busca de diversão? - perguntou-se Debby observando tudo ao redor.
Ali as luzes eram coloridas e de mau gosto, a música tocava tão alto que ensurdeceria qualquer pessoa. Indo até o fim da pista de dança, foi puxada por pulsos
firmes, pelas costas da blusa.
- Fugindo, garotinha? - perguntou, impaciente.
- Mas que mania? O que foi agora?
- Lá... olhe lá! - Marck disse, com calma surpreendente.
Olhando na direção indicada, Debby sentiu o coração parar.
Clare estava de pé a um canto, de costas para eles, conversando com Daniel. Desejando que um buraco se abrisse no chão para tragá-la, rastejou atrás de Marck.
"Que diabo seu irmão estaria fazendo ali?"
- Fora! - Marck disse categórico a ambos - Agora! Clare mostrou-se amedrontada e decidiu sair com o tio. Daniel, entretanto, parecia estar pronto para discutir.
Debby segurou-lhe o braço, os olhos suplicantes. Com um encolher de ombros, ele seguiu os outros para fora.
- E então?... O que vocês estavam fazendo aqui?- exigiu Marck, olhando para Daniel.
- Vi Clare saindo e resolvi segui-la, para ver o que ia fazer.
- Mentiroso! - Clare gritou. - Você me convidou, me pediu para encontrá-lo aqui antes de ir embora amanhã!...
- Cale a boca - trovejou Marck, e virou-se para o jovem. - É verdade o que ela está dizendo?
- Ainda que eu saiba que você não vai acreditar, é pura mentira... - Daniel disse, recostando-se contra a parede, uma expressão cansada no rosto magro.
- É verdade sim, é verdade! - Clare gritou, agarrando-se no braço do tio. - Ele disse que queria falar comigo, por cinco minutos apenas. Fiquei esperando
lá fora um tempão e... Oh, foi horrível! - Começou a soluçar e, jogando-se nos braços de Marck, concluiu: - Os homens ficaram tentando me pegar...
Afastando-a de perto de si, ele avançou para Daniel com uma fúria como Debby ainda não tinha visto.
- Não - ela gritou, empurrando Clare para um lado. - Não ouse tocá-lo...
- Cale a boca! - Marck rugiu selvagemente.
- Não me calarei! Você é que precisa ser mais racional! Forçando-se entre eles, permaneceu com as costas voltadas para o irmão, os braços abertos em atitude
protetora. Parecia ridícula entre os dois homens, bem mais altos que ela, coisa que no momento não levou em consideração.
- Se você tocar um dedo nele... eu... - concluiu.
- Você o quê? - Marck zombou, erguendo-a nos braços e colocando-a de lado. - Leve Clare para o hotel.
- Quem é você para me dar ordens? - reagiu, fora de si.
- Você fará exatamente como eu estou mandando... - sibilou, com raiva. - Para alguém que não suporta discussões e brigas, você está fazendo um belo trabalho.
Ou... era apenas mais uma mentira?
- Pense o que quiser. Mas saiba que eu também tenho meus ataques de mau humor. E, quando perco a paciência, fico muito, muito zangada! Pode acreditar! Agora,
trate de largar o meu braço...
- Que gatinha mais arisca... - E, enquanto a observava, seu rosto foi se abrandando.
Debby sentiu um leve arrepio. Não estava gostando do jeito como era observada.
- Me solte - sussurrou, ameaçadora.
- Como tenho errado a seu respeito, Debby Grant! Como é que você consegue ser tão inocente, com a idade que tem? Para onde mais você vai me levar? Essa insistência
em vir sozinha à procura de Clare... Você sabia que ela ia encontrar Daniel, não sabia?
- Não seja estúpido! Como poderia saber? Quem me teria contado, se nem conosco ele está?
- Você faria qualquer coisa para proteger seu irmãozinho, não é?
- Espere um pouco, amigo... Eu não preciso de protetores. Já sou bastante crescidinho para tomar conta de mim mesmo, não acha? E solte o braço dela... Em
vez de ficar culpando todo mundo... - Daniel fez uma pausa, afastando-se da parede - você faria melhor se perguntasse à sua preciosa sobrinha por que eu iria querer
me encontrar com ela, se a detesto!
- Porque tenho apenas sua palavra, quando os fatos dizem exatamente o contrário... Mas agora começo a perceber. Parece muito suspeito que no instante em
que decido vir para Bangcoc você resolva pular de um lugar para o outro. - E virando-se para Debby: - Você o avisou, não foi?
Ela reagiu atônita.
- Como eu poderia avisá-lo?
- E eu sei lá? Mas creio que posso entender. Você praticamente o criou, daí a necessidade de protegê-lo...
- Não é sem razão que você é um especialista em efeitos especiais... Saiba que, se ele estivesse errado, eu jamais o protegeria. E não esqueça que ele nos
ajudou a procurar sua querida sobrinha... Você acha que meu irmão faria isso, se fosse culpado de alguma coisa?
- Consciência pesada, sem dúvida! Agora se torna mais claro ainda por que você flertou comigo...
- Flertar com você? - ela exclamou, completamente estonteada. - Eu!?
- Quem mais poderia ser? Você mesma, para desviar minha atenção de Daniel.
- Não há a menor dúvida de que a coisa mais fácil do mundo é jogar sobre os outros a culpa de nossos erros. Se você acreditava que Daniel era um sedutor
de menores, por que tentou seduzir a irmã dele? Como vingança?
- Não tentei seduzi-la. Eu gostava de você... Acreditei que você estava agindo por inocência. Mas me enganei... Só me pergunto sobre o que mais você mentiu...
- Para falar a verdade, seu julgamento me afeta muito pouco. Libertando o braço com um safanão, Debby afastou-se dele e começou a andar de volta para o hotel.
A respiração agora lhe vinha em meio a soluços truncados.
- E por que tudo isso? - Daniel perguntou, ao lado dela.
- Nada, esqueça. - E gritou por cima do ombro, para Marck, que a vinha seguindo: - Espero que sua sobrinha receba tudo o que está pedindo, e muito mais...
- Agora sim! Esta é a verdadeira Debby, não é? - disse, segurando-lhe o braço de novo. - Você prefere ver uma garota se meter em encrencas a admitir a culpa
do seu irmão! Mas talvez ele tenha aprendido... Talvez até seja injusto acusá-lo... Afinal de contas você o criou...
- Seu maldito! Essa é a coisa mais suja que você já disse...
- falou, com a voz quase fora de controle.
- É? Ou está muito perto da verdade?
- Nunca, nunca mais chegue perto de mim. Não me toque nem fale comigo! - gritou, o rosto contraído e lívido.
Com um movimento brusco libertou o braço, pegou a mão de Daniel, e saíram quase em disparada pela rua.
- Você foi de grande ajuda. Muito obrigada... - falou chorosa para o irmão, sem sequer olhá-lo.
- Você não precisava de ajuda - ele murmurou, divertido.
- Parecia estar se saindo muito bem...
- E seus brios? Não se importa com o que ele ia pensar de você?
- Por que iria me importar, se não fiz nada? E se alguém estava esperando por um herói... por favor, não olhe para mim!
- Seu covarde! - ela gritou.
- Debby... Ele tem duas vezes o meu tamanho...
- E daí? Você deveria ao menos ter tentado enfrentá-lo.
- Para ser pulverizado? Não, irmãzinha, agradeço. E agora, minha doce irmã, digo adeus mais uma vez. - E concluiu, ao examinar-lhe o rosto com mais atenção:
- Você está apaixonada por ele!
- Deixe de falar asneiras... - ela gritou, golpeando-lhe o braço tão forte quanto podia.- Eu odeio aquele homem. Adeus.
- E correu para as escadas do hotel, o rosto branco pelo susto.
As palavras de Daniel ainda ecoavam em seus ouvidos quando Debby entrou no quarto e bateu a porta. Tremia tanto que quase não conseguia ficar de pé. Sentando-se
no chão, as costas contra a parede, olhou para os pés doloridos por entre um véu de lágrimas.
"Não amava Marck, não amava! E por que", perguntou-se irada, "sempre fazia exatamente o contrário do que se prometia?"
Sussurros e o som de passos no corredor fizeram-na gelar. Num pulo levantou-se e andou desarvorada pelo quarto, os olhos totalmente abertos.
- Vá embora! - gritou rouca, quando a porta abriu-se.
Marck entrou no quarto furioso. Enquanto ele avançava, arrastando Clare bastante aterrorizada, Debby afastou-se indo até a janela.
- Como você acha que me sinto agora, Debby? Tirando o fato de termos dado um verdadeiro show gratuito, para metade da população de Singapura, acabo de descobrir
que seu irmão iniciou minha sobrinha em drogas! O pai dela gostará muito de saber do fato, você não acha?
- Não. - Clare gritou, desesperada, correndo para agarrar-lhe o braço. - Você não contará a papai! Você prometeu!
- Fique caladinha, menina - ele quase rosnou, empurrando-a. - Você acha que posso ficar calmo com uma coisa dessas? Você acha que devo deixar aquele maldito
Daniel Grant vadiar pelo Oriente, impune?
- Drogas? - Debby pensou que fosse desmaiar, o rosto perdendo o pouco de cor que ainda restava. - Daniel não usa drogas, nunca usou!
- Eu não disse que usa ou usava. Disse que ele induziu Clare a usá-las.
- Você realmente o odeia a ponto de querer vê-lo apodrecer em uma prisão? Tudo porque sua aventurazinha foi frustrada? - Debby falou olhando para a menina,
sentindo-se enojada e pressionando as mãos trêmulas contra o coração que batia descompassado.
Mostrando-se cada vez mais amedrontada, Clare voltou-se e correu para a porta, esbarrando em Daniel. Jamais imaginaria revê-lo, ainda mais naquela situação.
Que surpresa, aliás, para todos!
Daniel segurou a garota pelo pulso, virou-a e a empurrou para a cama.
"Estava parecendo um estranho", Debby pensou, abobalhada. Crescido. O rosto magro estava tenso e zangado, quando fechou a porta com o pé.
Por fim ele explicou o motivo de sua súbita chegada:
- Decidi que não seria justo deixar minha irmã levar a culpa de um bocado de mentiras, portanto voltei - começou, calmamente. - Quer dizer, Clare, que eu
a viciei em drogas? Foi isso o que eu ouvi, quando chegava à porta do quarto...
- Não - ela soluçou, a voz abafada nos lençóis.
- Drogas? Já aguentei o bastante de você, nestas últimas semanas. Seus ataques de mau humor, seu enfado... E, está bem, talvez eu não tenha manejado a situação
como deveria. Talvez, sem pensar, tenha feito você acreditar em amor, e que seria bom tê-la comigo nessa viagem pelo Oriente. Provavelmente não teria sido ruim,
se você não se tivesse tornado uma... Deixe para lá. Mas drogas, Clare!...
- Eu disse que não, não foi? - gritou, quase histérica.
- Não foi o que ouvi do seu querido tio, agora há pouco. Agora você vai contar toda a verdade, palavra por palavra, e na minha frente. Chega de histórias!
- Ele está dizendo a verdade, tio, não houve drogas... - a garota murmurou, num fio de voz.
- Conte o resto também - ordenou, forçando-a a sentar-se. - Vamos! Conte tudo, logo!
- Eu fugi para me encontrar com Martin e John, dois amigos de Londres.
- Mas não para se encontrar comigo... - ele insistiu.
- Não - ela confirmou.
- Satisfeito, grande justiceiro? - Com um olhar de repulsa, empertigou-se e olhou para Marck.
Os olhos fixos no vazio, distantes e desolados, Marck moveu a cabeça e olhou para a sobrinha.
- E então? - Daniel insistiu.
- Sim, estou satisfeito agora. Levante-se, Clare - acrescentou friamente, voltando a atenção para a jovem. Como ela não se movesse, pegou-lhe o braço e obrigou-a
a levantar-se. - Vamos, peça desculpas pelo que você causou!
- Desculpem-me - ela sussurrou baixinho.
- Eu também peço que me desculpem - Marck disse, olhando em direção a Daniel. - Tenho cometido muitos enganos, não é? Sinto muito, mesmo.
Com o rosto pálido voltou-se para olhar Debby, que assistia muda à cena toda e abaixou a cabeça ao sentir-se observada, fitando as mãos cerradas, quase rezando
para que todos fossem embora.
Tão logo ouviu o ruído da porta fechando-se, cerrou os olhos, esgotada.
- Você está bem? - Daniel perguntou, suavemente, cruzando o quarto até ela.
Acenando com a cabeça, ela suspirou e tentou sorrir. Mas a boca recusou-se a obedecer ao comando. Então balançou outra vez a cabeça, enquanto pequenos tremores
percorriam-lhe o corpo.
- Você quer que eu fique? - perguntou, preocupado. Ainda acenando com a cabeça, olhou para as mãos crispadas,
quase à beira de um ataque de nervos.
- Pobre diabo - Daniel murmurou. - Apesar dos pesares, estou com pena dele. E você, o que fará?
- Vou voltar para casa - ela murmurou.
- Quer que eu volte com você?
- Não, muito obrigada. Continue sua viagem. Você merece se divertir, depois de toda a confusão causada por aquela desmiolada - comentou, dirigindo-lhe um
sorriso hesitante.
- Pelo que estou vendo, acho melhor eu ficar mais um pouco aqui em Singapura...
- Não é realmente necessário, pode acreditar em mim. Eu estou bem, apenas um pouco chocada. Mas passa logo. Vá gozar suas férias. - Fazendo um último esforço,
empurrou-o na direção da porta.
- Olhe lá, Cérebro... Você tem certeza?
- Absoluta! Estou bem agora. Vou para a cama, e pela manhã pegarei um avião de volta à Inglaterra. Me telefone na próxima semana, contando as novidades -
sorriu, fingindo-se feliz.
Com um risinho aliviado ele saiu, deixando-a a sós.
Andando para a cama, Debby encolheu-se sobre as cobertas, o travesseiro abraçado firme ao estômago. Sentia-se horrível.
Foi talvez uma hora mais tarde quando ouviu um leve bater à porta.
"Marck", ela supôs. "Com uma explicação, um novo pedido de desculpas."
Ignorando-o, enrodilhou-se mais ainda contra o travesseiro e fechou os olhos, fingindo dormir. Ouviu a porta abrir-se, passos cautelosos virem em direção
à cama, e forçou-se a respirar profundamente, mantendo a cadência.
Depois do que pareceu uma eternidade, os passos retrocederam e a porta foi fechada com cuidado. Enterrando o rosto no travesseiro, Debby começou a chorar
baixinho, um choro convulso.
Sem perceber, acabou dormindo.
Quando desceu na manhã seguinte, para o café, o rosto ainda estava completamente lívido, havia sombras escuras sob os olhos encantadores. Ela encontrou-se
frente a frente com Marck, bem no começo da escada. Não havia a menor dúvida de que estava esperando por ela.
- Debby...
- Não estou com disposição para conversar, Marck, e sei que você vai tocar no que aconteceu ontem à noite. Desculpe, mas tudo o que mais quero agora é voltar
para casa. - Ela interrompeu-o rapidamente, olhando para a frente.
- Eu sei. Comprei passagens para nós três, no vôo da tarde.
- Segurando com delicadeza o braço dela e levando-a para um lado, continuou: - Eu tive uma longa conversa com Clare, na noite passada... Ela não é muito popular
na escola. E suponho que, numa tentativa de se fazer mais interessante, se vangloriou...
- Por favor, Marck, não quero saber - ela o interrompeu mais uma vez.
- Mas eu gostaria que você ouvisse o que tenho a dizer, por favor... Você pode me ouvir? - implorou, gentil.
- Está bem. Sejamos delicados pelo menos uma vez na vida...
- ela falou, irônica.
- Pois bem, ela se vangloriou sobre o encontro com Daniel em Paris, sobre o convite para a viagem... Ninguém acreditou nela, então decidiu ir, apenas para
provar a todos que estavam errados, e deu no que deu. Sei que isso não desculpa o que ela fez...
- Realmente não - ela exclamou, interrompendo o raciocínio dele. - E. eu lhe disse que não queria mais falar sobre isso. Se você me permite, vou fazer minha
mala.
Escapando dele, Debby correu de volta ao quarto. Se pudesse livrar-se dele até a hora de irem para o aeroporto, já que no avião seria impossível evitá-lo...
Não queria conversa, não queria explicações. Que apenas Marck a deixasse sozinha e em paz, que a ignorasse.
Mas quando no decorrer do dia isso aconteceu, em vez de sentir-se melhor, piorou.
Debby sentiu-se abandonada e solitária.
O vôo estava atrasado e eles permaneceram no aeroporto, nas imediações do monitor de televisão. Como bonecos de cera, evitavam um ao outro.
Tão logo alguém levantou-se, deixando uma cadeira vaga, Debby correu e sentou-se.
Marck e Clare imitaram-na e ficaram estáticos, sem trocar sequer olhares. Quando a atmosfera se tornou carregada demais para suportar, Marck levantou-se,
praguejou e foi até o balcão procurar informações sobre o horário.
Clare, obviamente sentindo-se incapaz de suportar a proximidade de alguém que a conhecia, que sabia dos seus erros, levantou-se e começou a andar a esmo.
- Outra meia hora de espera - Marck murmurou, retornando e postando-se de pé na frente de Debby, mãos nos bolsos.
Só então notou a falta da sobrinha.
- Para que inferno ela foi? - praguejou, olhando ao redor como se esperasse por mais encrencas.
- Eu não sei - Debby resmungou.
Depois, dirigiu-lhe um olhar penetrante, desafiando-o a culpá-la.
- Onde você estava? - Marck desabafou toda a ira sobre a menina, que vinha chegando nesse momento.
- Procurando alguma coisa para fazer - ela sussurrou, os olhos enchendo-se de lágrimas.
- Se está pensando em fugir, pense duas vezes! - Marck disse seco, não querendo fazer ou dizer qualquer coisa que pudesse ser interpretada como fraqueza.
- Se não quer ficar sentada aqui, sente-se naquele banco lá e espere.
- Você não precisa me tratar como se eu fosse uma criminosa. Afinal, já pedi desculpas - reclamou, chorosa.
- Preciso sim - ele retrucou. - Você já se esqueceu de tudo o que aprontou? Acha que foi pouco e que dá para confiar? Agora faça como estou mandando!
- Ela é apenas uma criança - Debby sussurrou, querendo defendê-la agora que Marck a estava culpando.
- Ora bolas! Não comece a dar uma de boa samaritana! - comentou, num tom desagradável. Depois, com um suspiro, passou a mão pelos cabelos. - Mais uma vez,
sinto muito. Olhe, não podemos falar aqui, mas quando voltarmos... O que foi agora? - vociferou quando Clare voltou e ficou de pé, ao lado dele.
- Eu... Eu preciso ir... - ela gaguejou, timidamente.
- Vá de uma vez! - explodiu, sem a menor paciência. - E, quando voltar, não saia mais do lugar até que o vôo seja chamado!
"Mas que dia alegre", Debby pensou, começando a sentir-se mal de novo. "Uma diversão atrás da outra."
Mais tarde fez tudo o que estava ao alcance para evitá-los durante o vôo. Debby sentou-se ao lado de uma velhinha muito simpática e faladora, que passou praticamente
todas as quatorze horas de vôo deliciando-a com suas histórias, cada uma mais fantástica que a outra.
Entretanto, depois Debby não conseguiria lembrar uma palavra sequer.
CAPITULO VII
Quando o comandante da aeronave anunciou que dentro de alguns minutos estariam descendo no aeroporto de Londres, Debby sentiu-se renascer, adquirindo novo
ânimo. Não via a hora de sentir-se em casa e começou a ficar ansiosa, achando que aqueles minutos não passariam nunca.
Assim que o avião aterrissou em Heathrow e as portas foram abertas, ela foi uma das primeiras a descer.
Queria livrar-se o mais breve possível de Marck e de Clare com tanta intensidade que acabou esquecendo que ainda teriam de passar pela alfândega. E lá foi
alcançada por eles. Sem outra saída, Debby ficou por perto, sem trocar palavras, e continuou assim até chegarem à fila de táxis. .
- Eu posso pegar o táxi - disse com rebeldia a Marck. - Não há necessidade de vocês se desviarem do caminho.
- Eu disse que a levaria e farei isso - ele retrucou, não aceitando mais desculpas.
- Oh, pelo amor de Deus! Vocês dois querem parar de discutir? - atiçou Clare, mostrando estar de volta à antiga forma. - Deixe-a tomar o maldito táxi! Que
importa?
- Olhe aqui, menina, se você não calar essa boca eu... Você não acha que já aprontou e falou demais? E agora vamos andando. Você também, Debby! - falou,
autoritário.
- Não adianta insistir, adeus! - E afastou-se.
Furiosa consigo mesma e com Marck, sem saber por que, Debby pegou a mochila e andou em direção à fila de táxis do lado de fora. Sentia-se como se estivesse
desmanchando-se em pedaços.
Seu grande gesto custou-lhe uma fortuna, mas cada centavo gasto com o táxi valeu a pena por não ter de estar espremida num carro com aqueles dois. Necessitava
de paz, calma e espaço para se recuperar.
Pagou o táxi e entrou em casa desconsolada, sentindo um vazio interior muito grande.
Jogando a mochila no chão, ela recostou-se contra a porta, onde ficou por um longo tempo, pensando nos últimos acontecimentos. Por fim empertigou-se e entrou
na cozinha à procura de algo para comer, esperando que o pão não estivesse embolorado e o iogurtes na geladeira não estivessem vencidos.
Ah, como era bom estar em casa de novo!
Por hábito, olhou para o relógio e viu que eram apenas onze e meia da noite. Um vôo de quatorze horas!
Estava morta de cansaço, mas não havia muita razão para ir para a cama. Com certeza, não conseguiria dormir. Então, achou melhor ocupar-se com alguma coisa
até o sono chegar, como limpar a cozinha, mesmo que isso não oferecesse grandes atrativos.
Quando acabou o trabalho, ainda era uma e meia da manhã, e a despeito do corpo estar exausto, a mente desligada, continuava febril.
De fato, ela ficava ocupando-se com pedaços de informações de valor irrelevante, aquele tipo de coisas que não têm valor nenhum mas que incomodam e crescem
como bola de neve até se transformarem num problema.
Deixou-se cair sem forças no sofá, de olhos abertos, fitando o nada.
O que Marck estaria fazendo agora? Dormindo? Teria expulsado Debby de sua vida? Mas, também, que importância tinha isso?
"Ah, muita, muita mesmo", pensou, achando tudo incompreensível.
Quase não se conheciam, há apenas uma semana... Entretanto, Marck du Vaal acabou ocupando todos os pensamentos de Debby, excluindo tudo o mais, deixando-a
infeliz, confusa e magoada.
Parte disso acontecera por sua própria culpa, sem dúvida. Se tivesse permitido que ele se desculpasse...
Em todo caso, ela esperava que a infelicidade passasse, mais cedo ou mais tarde. Tudo dependeria, por exemplo, do empenho que Debby fizesse em se entregar
ao trabalho.
Ainda estava acordada, às cinco e meia da manhã, quando alguém bateu à porta, impaciente.
Abrindo-a, Debby deparou-se com Marck, o rosto cansado mas radiante de alegria ao vê-la.
- O que você está fazendo aqui? - perguntou, admirada com a presença dele àquela hora. - Seria muito bom para todo mundo, se você me deixasse em paz, como
pedi...
- Não, Debby, não seria. Principalmente para mim e para você - ele murmurou, mostrando-se tão cansado quanto ela com aquela acolhida fria.
Entrou no hall e tropeçou nos jornais, que ainda não haviam sido recolhidos. Chutando-os com força para um lado, andou até o centro da sala, devagar, procurando
algo para dizer.
- Tem cinco garrafas de leite na escada, lá fora...
- Eu sei, quero que elas fiquem lá. Estou pensando em começar uma coleção. Você não acha uma ideia original? - Dizendo isso, Debby afastou-se dele e entrou,
sentindo-se contrariada e irritada. Sem vontade de discutir, entrou no ateliê, onde começou a brincar com um pedaço de madeira que estava sobre o banco, deixando
Marck plantado na sala.
Ouviu-o entrar no ateliê, mas não se virou para olhá-lo.
- Não quero você aqui - queixou-se, com maus modos. - Estou cansada.
- Também estou. Você pensa que tem monopólio sobre isso? Eu, pessoalmente, sinto como se não tivesse dormido uma semana inteira.
- Então, você deveria ter ido para a cama - ela disse, sem emoção. - E o que você fez com Clare? Você não a trouxe aqui, trouxe?
- Não. Eu a deixei em meu apartamento, e a primeira coisa a fazer hoje será colocá-la num avião para a Suíça.
- Se ela não tiver desaparecido de novo, enquanto você está aqui.
- Se ela desaparecer, não será para sempre... E pare de mexer nessa madeira - ele disse, irritado. - De qualquer modo não vim falar sobre ela, nem me desculpar
ou me explicar...
- Cansei de desculpas e explicações que não trazem resultado positivo - Debby esquivou-se, jogando para longe o pedaço de madeira. - Estou com dor de cabeça
e não quero conversa...
- Mas eu, sim- ele disse, inflexível. - E, quer queira quer não, irá me escutar.
- Por quê?
- Quer ficar quietinha um instante, por favor? - pediu, procurando manter-se calmo. - Eu nem mesmo quero gostar de você, mas olhe para mim. Quem é
que pode mandar nos sentimentos? Jamais explico coisa alguma a quem quer que seja, e aqui estou me comportando como... Deixe para lá. Realmente, sinto muito por
tudo...
- Isso é tudo? - perguntou, irônica.
- Não, não é tudo. - Aproximando-se mais, virou-lhe o rosto. - Me sinto péssimo por ter acusado seu irmão de todas aquelas coisas, Debby. Como poderia saber
que Clare era assim? Quero dizer... É mais fácil acreditarmos em nossa própria família do que em estranhos.
- Mesmo ela sendo uma mentirosa?
- Por favor, não complique as coisas mais do que já estão, e me deixe terminar - retrucou, ofendido. - E pare de me olhar como uma criança zangada, não fica
bem em você.
- Como pode saber? Só me conhece há uma semana... Tire as mãos de mim - reclamou, afastando-se. - Agora pode continuar.
- Eu não sei onde eu... - recomeçou, inseguro.
- Marck!
- Bem - ele murmurou. - Não foi inteiramente minha culpa, você sabe! Seu irmão é que foi um cabeça-dura.
- Marck, acho que é melhor mudarmos o tom da conversa e tirar Daniel do meio desse assunto. Você sabe muito bem de quem é a culpa, e não adianta ficar batendo
sempre na mesma tecla, principalmente quando tudo já foi esclarecido. Quer esquecer que ele existe? - pediu, exaltada.
- Pelo amor de Deus - ele explodiu. - Você quer calar a boca? Será que você não viu que eu estava magoado... que eu gostava de você, que na verdade não queria
dizer todas aquelas coisas horríveis? Seja um pouco razoável também, e não queira cobrar coerência só de mim!
- Fico espantada de como os homens podem ser tão estúpidos...
- Vou estrangulá-la num minuto, se não ficar quieta - Marck falou, ameaçador. - Coloque-se no meu lugar. Pensei que você estivesse mentindo, me enganando.
Depois, no caminho de volta ao hotel, Clare me disse que estava sendo chantageada. Minha sobrinha falou que, se não fosse encontrá-lo, Daniel contaria ao pai dela
sobre um certo envolvimento com drogas. Sinceramente, não parei para analisar isso a fundo. Apenas reagi, ao imaginar a confusão que se formaria... Imaginei nossos
nomes arrastados na lama...
- Então este é o problema... - atalhou, sarcástica. - Você não estava se importando se a vida de Clare se arruinaria por causa de tóxicos! Não estava se
importanto, se Daniel ficasse atrás das grades, condenado por tráfico! Toda a sua preocupação foi por causa da possibilidade de ser seu precioso nome publicado em
jornais, envolvido em escândalo. E você acha que os jornais ficarão preocupados com uma família obscura como a sua?
- Aí é que você se engana. Não somos desconhecidos...
- Ah! - exclamou, triunfante. - Chegamos ao centro da questão! Pertencem à Real Família Holandesa?
- Não seja boba, não combina com você - ele rosnou.
- Quem é você, afinal de contas?
- Sou muito conhecido. - ele explicou, acanhado.
- Mas você disse que não era famoso... - ela acusou.
- E não sou, continuo afirmando. Não precisa se mostrar tão desconfiada.
- E, se não é por causa de fama, por que é então?
- Pelo dinheiro da família! Nós somos muito ricos e conhecidos. Meu pai é um milionário que não sabe o que mais fazer com o dinheiro, eu sou rico, além de
ter herdado uma fortuna de meus avós. Em meu campo de trabalho, sou bom e posso exigir um salário alto... Mas não é aí que quero chegar, não me desvie. É que Jan
e Lilly, os pais de Clare, mantêm um centro de reabilitação para drogados. Ele vai com frequência aos Estados Unidos dar conferências.
- Oh - Debby exclamou, sem jeito.
- Pois é. Ficará bonito nos jornais, não é? A filha de um especialista, envolvida com o mal que ele quer erradicar!
- Então, foi por isso que ela usou esse estratagema - Debby concordou. - Pensava que era a coisa mais segura que poderia alegar, pois você faria tudo a seu
alcance para abafar possíveis escândalos e a mandaria de volta à escola. Assim os pais de Clare nem sequer saberiam que ela havia estado no Oriente...
- Exatamente - ele concordou.
- Mas quando você disse que iria denunciar meu irmão, ela entrou em pânico.
- É.
- Você teria coragem de denunciá-lo? - Debby perguntou, olhando fundo nos olhos dele.
- Sinceramente, não sei. Tive até vontade de matar Daniel, o que me assustava, porque eu teria feito isso. Foi o que descobri em mim o que me apavorou.
- Não tenha dúvida de que Clare teria evitado. - Debby disse, calmamente.
- Suponho que sim. Nunca me senti tão fora de controle, em toda a minha vida. Por um momento até desejei matar você também, pois quando fui ao seu quarto
com Clare você estava tão...
- Não quero lembrar - ela atalhou, voltando as costas para ele.
- Falei umas coisas horríveis...
- Sim, tudo bem, foram coisas daquele momento. Confesso que não ajudei muito, reconheço meus erros.
- Puxa, Debby, por que as coisas são tão complicadas quando você está por perto? Não podemos começar tudo de novo?
- Não - ela murmurou, balançando a cabeça, determinada a não ceder a chantagens emocionais.
- É tão difícil assim me perdoar?
- Compreendo por que você disse tudo aquilo, ou ao menos penso compreender. Provavelmente, eu teria feito a mesma coisa - admitiu. - Mas tudo tem que acabar
aqui.
- Você pode me explicar as razões? Dê uma razão que seja razoável...
- Porque sim, e basta! Não vejo motivos para apresentar razões sobre o meu comportamento. Minha decisão já é o bastante.
- Porque você deseja um compromisso mais sério, é isso? É o que você tem em mente, Debby?
- Marck, o seu grande erro é tentar concluir as coisas pelas pessoas. Não quero compromissos, não quero nada de ninguém... Será que você não percebe? Você
não é burro!
- Nunca? - perguntou, ignorando-a. - Você quer passar o resto de sua vida sozinha? O que acontecerá quando Daniel sair de sua vida?
- Nada acontecerá - gritou, exasperada, começando a sentir-se desnorteada pelo ritmo que a conversa ia tomando. - Continuarei como sou.
- Mas por quê? - ele quis saber, parecendo tão perplexo que Debby entrou em pânico.
Disse a primeira coisa que lhe veio à mente:
- Porque não tenho tempo! Não pedi para você me perseguir... E não quero saber por que você está aqui.
- Você quer, porque lhe interessa! Eu quero você!
- Querer é uma coisa, mas conseguir é outra completamente diferente... - Debby ironizou.
- Vamos apostar quem sai ganhando?
- Não costumo jogar, e muito menos fazer aposta. Pense um pouco no papel ridículo que você está representando. Você não vê que sua urgência é só uma atração
física?
- Se fosse tão simples assim, você acredita que eu estaria agindo como um completo idiota, um menininho que está atrás da primeira namorada? Já estou velho
para me comportar assim, Debby, e estou bem seguro do que quero e sei o que quero: você! - desabafou, tirando um peso da consciência.
- Que coisa mais romântica de se dizer para uma mulher...
- comentou, com ironia.
- Pode ser! Afinal, cada movimento seu quase me leva à loucura, e você tem consciência disso. Assim, seja honesta e pelo menos tenha a decência de me explicar
direito, em vez de ficar dando voltas! E não venha me dizer que não sente o mesmo que eu, porque tive provas concretas. Seu envolvimento comigo foi muito intenso
para querer negar agora!
- Como você pode afirmar coisas sobre os sentimentos de outras pessoas com tanta firmeza? - ela defendeu-se, sentindo-se desnudada de corpo e alma.
Os olhos arregalados e amedrontados olhavam para ele, e todas as sensações estranhas, de insegurança e desconforto, desabaram sobre ela.
Não queria causar desejos tão violentos em ninguém, não queria sentir-se do jeito que ele tentava fazê-la sentir-se, não queria falar sobre suas necessidades.
Debby colocou as mãos sobre os ouvidos, como uma criança, como se o ato fosse suficiente para apagar tudo à sua volta: o poder brutal que emanava do corpo
dele, a intensidade de seus sentimentos.
Contrariando a própria vontade, ela sentiu o corpo mudando, o peso crescendo em seu peito, a pressão no abdômen.
- Não sente? - ele continuou, persuasivo. - Pode honestamente dizer, do fundo do coração, que não sente nada por mim? Que tudo aquilo foi uma paixão causada
pela luz tropical? Por um jardim perfumado das Mil e Uma Noites?
- Pare, por favor... Você sabe que eu gosto de você...
- Muitíssimo obrigado! Você é uma grandissíssima covarde, Debby Grant.
- Talvez seja - admitiu. - Mas ao menos não tento intimidar ou induzir ninguém a ter um caso comigo. E, se eu ceder às suas exigências, o que acontecerá,
Marck? Você satisfará sua luxúria e depois simplesmente dirá adeus, enquanto eu ficarei no meu canto amargurando decepções...
- Debby, pense um pouco. Somos dois adultos, e as coisas não precisam necessariamente terminar em decepção. Há uma possibilidade muito real de que tudo termine
em risos...
- Não acho que você acredite nisso mais do que eu, apesar de falar com tanta convicção. E não me venha com a conversa de que ficou amigo de todas as suas
amantes, porque não quero saber, nem tenho a menor vontade de me juntar a esse grupo. Dá para entender? Deixe as coisas como estão, é o melhor para nós dois, Marck.
Por favor! - ela implorou.
- E é tudo? Você pensa que seu coração é uma geladeira, onde você pode colocar os sentimentos e deixá-los lá para usar quando quiser, sem estragar?
- É exatamente assim que penso - mentiu, torcendo para que ele acreditasse no que dizia. - Sinto muito.
- É só o que sabe dizer: sinto muito, sinto muito... Desse jeito vai gastar a fita...
Marck olhou-a com uma expressão rígida. Os olhos azuis, que com tanta frequência ficavam ternos, pareciam agora feitos de gelo. A boca era uma linha amarga,
e Debby sentiu os olhos turvarem-se com lágrimas.
Com um movimento abrupto, Marck virou-se e saiu.
Ela então se retraiu ao ouvir uma garrafa de leite quebrar-se. O barulho do motor afastando-se pareceu ainda mais alto, e olhando para as mãos que torcia
em desespero Debby desejou acariciar aquele homem, afagar-lhe os cabelos.
Mas na verdade não acreditava que os sentimentos dele fossem assim tão verdadeiros. Marck estava errado, ela não sentia o mesmo amor... Ela não sentia!
Tinha apenas essa dor imensa por dentro, um grande desejo de chorar. Enchendo os pulmões com respiração profunda, ela apertou os olhos com força para expulsar
as lágrimas. Depois, abriu-os assustada, ao ouvir de novo o motor do carro e o guinchar dos freios quando Marck parou novamente em frente a sua casa.
Com um pequeno som de aflição, Debby olhou pela sala procurando uma saída que não existia. Ouviu a porta do carro bater.
"Não deveria deixá-lo entrar", pensou. "Ou deveria?"
A porta da frente estava fechada e ela ouviu-o bater. A respiração suspensa, as mãos fechadas na frente do corpo, Debby pulou como uma mola distendida quando
Marck jogou-se contra a porta.
Ele respirava pesadamente, o peito largo subindo e descendo em movimentos rápidos, e com passadas largas alcançou-a e puxou-a para seus braços, a boca cerrando-se
cruel contra a dela.
Por um momento Debby ficou estatelada demais para mover-se e tomar qualquer iniciativa, ou mesmo esboçar qualquer rea-ção. Saboreava o gosto daqueles lábios
fortes que se fundiam com os seus, enchendo-lhe todo o ser com um amor que a transportava para longe, para uma praia deserta onde só eles dois se encontravam.
Foi o próprio Marck quem se recobrou primeiro. Interrompeu o beijo, apertou-a com muita força mas com todo o carinho de que era capaz, aninhando a cabeça
dela contra o ombro musculoso e beijando-lhe os cabelos.
- Mais uma vez me desculpe. Sinto muito, mesmo - sussurrou. - Tenho me comportado como um animal, porque não suporto ser contrariado - acrescentou, com um
riso abafado.
Afastou-a e olhou-a no rosto.
- Você está certa, você não pediu para eu me sentir assim...
- disse, depois de um breve silêncio. - Não posso explicar por que sinto este amor. Nunca me comportei assim. Nunca.
- Oh, Marck. Não posso suportar, realmente não tenho estrutura. E a pouca que tinha você conseguiu derrubar. Me sinto um trapo.
- E assim, então - ele caçoou. - Eu não podia adivinhar...
- Com ar determinado, jogou ao chão uma pilha de revistas e, caindo sentado, puxou-a para o colo - Agora me diga: por que uma mulher sensual e bonita como
você age desse jeito? Até admito que não sinta o mesmo que eu, e que não tenha um caso comigo. E ainda que eu não seja bom o bastante para desejar que você encontre
alguém e se case, queria saber por que se comporta como uma tola...
Com os olhos cheios de lágrimas pelo tom de voz suave que ele empregava, Debby choramingou e baixou o olhar. Podia sentir nele a tensão pelo modo como tentava
controlar a respiração.
Temendo olhá-lo, começou a brincar distraidamente com um botão da blusa, enquanto pensava no que dizer. Fez uma careta cômica de espanto quando o botão soltou-se
em seus dedos.
- Vê, nem mesmo um botão eu sei pregar... Que chance eu teria de manter um relacionamento por muito tempo?
- Pare de ficar adiando decisões - ele ordenou. - Comece a falar o que lhe vem à cabeça. De preferência me conte sobre sua vida, preciso saber por que você
desenvolveu tantos complexos...
- Começar... - balbuciou. - Está bem. Meus pais não demonstravam gostar muito de mim. Diziam que eu era estraga-prazeres, difícil, impossível de se aturar,
e assim por diante...
- Lembro de você ter dito que eles a mandaram para um internato?...
- Sim, mas bem mais tarde. Continuando, sempre quis pintar, desenhar, brincar com massinha. Era tudo o que eu queria fazer, e eles se irritavam com a minha
bagunça. E foi aí que minha mãe pensou que as freiras pudessem me corrigir. Acho que acertou até certo ponto, pois nunca me deixaram fazer qualquer coisa que não
fosse educacional... Às vezes me puniam por desenhar em meus cadernos, mas quanto mais me proibiam mais aquilo se tornava uma obsessão...
- Que modo mais medieval de se educar uma criança...
- Elas não pensavam assim... De qualquer modo, o desfecho de tudo se deu quando eu tinha onze anos e me mandaram para a escola primária local. Como a maioria
dos professores eram homens, meu pai pensava que eu poderia ter mais disciplina. E foi aí que ele errou. Aconteceu exatamente o oposto, pois os professores ficaram
mais do que felizes em alimentar minha paixão pela arte. O que, é claro, fez meu pai se transformar numa fera...
- Que absurdo! Ele deveria ficar muito feliz por você ter tanto talento...
- Não seja maluco. Ficou horrorizado! Para ele... lugar de mulher é na cozinha, é aprender prendas domésticas... Quando fui para a universidade a situação
era por demais embaraçosa...
- Dá até para imaginar o ambiente...
- Pode ter sido um caso de intransigência. Naquela época eu pensava que, se tentasse o bastante, poderia até fazê-los mudar o ponto de vista. Mas ninguém
queria ceder. Eu pensava que, se eles vissem meus trabalhos, acabariam gostando e me incentivariam...
- O que não aconteceu, suponho - ele concluiu. Sacudindo os ombros, Debby confirmou:
- Claro! Então eu procurei arranjar um modo de ficar em St. Andrews, mesmo durante as férias. Trabalhava à noite num pub, e nos fins de semana como caixa
de supermercado.
- E não voltou para casa...
- Não. Procurei ser feliz. Quando não pude mais pagar aluguel, fui dividir uma casa com outras moças... E comecei a sonhar acordada, pulava de uma coisa
para outra por pura inconstância. Me absorvia no que estava fazendo, um projeto, qualquer coisa, e esquecia que era meu dia de limpar a casa. A cumplicidade delas
durou pouco... E me pediram que mudasse. Assim, achei outro lugar... Encontrei Giles e me apaixonei por ele... A princípio foi maravilhoso estar apaixonada, ter
alguém de quem gostar, ser amada, alguém que me entendia...
- Duvido muito - Marck murmurou, com um sorriso.
- Pensei que pudesse me corrigir, porque queria tanto ser amada. E me mudei para o apartamento dele...
- Mas você disse que era inexperiente - Marck interrompeu, e ela sorriu acanhada.
- Bem, foi porque... Bem, eu pensei que...
- Se eu a julgasse de todo inocente, talvez me comportasse melhor com você?
- Mais ou menos. Não queria que você pensasse que eu era uma conquistadora. Sinto muito, não tenho muita experiência, pois houve apenas Giles...
- Vamos, continue. Não há necessidade de ficar tão atrapalhada. Eu a perdoo. Posso até não gostar, mas prometo não usar nada contra você.
- Depois das acusações que sofri, creio que não iria gostar dessa hipótese - disse, virando-se para olhá-lo como uma expressão arrogante que o fez rir.
- Está bem. Pedirei desculpas mais convenientemente, se é o que você quer. Podemos continuar com a história? Se ficar me distraindo, perco o pedaço onde
você parou... Você se mudou para o apartamento de Giles, não é?
- Sim, e tentei mudar de verdade. No início fazia compras, cozinhava, limpava o apartamento, apenas... Bem, eu tinha provas para estudar, projetos para preparar...
e seis semanas mais tarde ele pediu que eu me mudasse de lá. Alegou que era como morar com uma boneca inflável... Oh, não me olhe assim!
- Como estou olhando? - ele questionou, sorridente.
- Você sabe. Com esse ar paternalista - murmurou. Olhando para as mãos entrelaçadas,. Debby suspirou profundamente.
- Quando vovô morreu, meus pais e Daniel vieram morar comigo. E, logo que terminei a universidade, nós mudamos para Londres. Alugamos um apartamento em Islington,
e trabalhei duro procurando um mercado para meus trabalhos. Foi assim que encontrei David. Ele possuía uma pequena galeria e concordou em deixar alguma coisa minha
exposta. Ele era bom, me convidava para sair. E eu, como era uma boba, aceitava. Mas, quando pela quinquagésima vez me esqueci do encontro e cheguei tarde demais,
acabei abandonada mais uma vez - concluiu, num fôlego só.
- Faz muito tempo? - Marck perguntou.
- Faz dois anos...
A essa altura, Marck du Vaal parecia muito compenetrado no relato que acabara de ouvir - Após refletir um pouco, disse:
- Eu imagino que o fato de dois homens e uma família insensível não terem compreendido você não lhe dá o direito de se autopunir. Não é culpa sua, Debby!
- Claro que a culpa é toda minha! E pelo que vejo, você não entendeu uma palavra do que eu disse. É impossível viver comigo!
- Bobagens, bobagens... E, quer fazer o favor de ficar quieta um pouquinho? Sente-se por favor - ele pediu, com um sorriso tenso.
- Desculpe - murmurou baixinho, as bochechas vermelhas quando compreendeu o que Marck queria dizer. - E isso não é bobagem.
"Que fazer agora? Deveria levantar-se?", ela se perguntou. "Mover-se?"
Estava ficando cada vez mais difícil pensar direito, permanecendo tão perto dele. Ela lutou para manter a calma. Depois bateu o pé no chão, quando Marck suspirou.
Incapaz de aguentar por mais tempo a proximidade dele, ficou de pé e andou devagar, até uma cadeira, para ficar brincando com um pedaço de argila.
Com um suspiro trêmulo, Debby virou o rosto determinado para ele.
- Isso não significa que eu não me importo com as pessoas. Eu me importo, mas...
- Tem que ser do seu jeito.
- Sim. Não sei se é certo, se é egoísmo, mas não posso mudar... Tentei, mas é como sou.
- E eles? - Marck quis saber, suavemente.
- Eles o quê? - Debby assustou-se.
- Esses, que confessaram amá-la. Eles também tentaram compreendê-la?
- Não vejo por onde eles teriam que mudar. Cada um é como é, e acabou. Assim não existe relação entre duas pessoas, mas de uma só.
- Então, por que você teria de mudar?
- Acabei de falar. Porque um relacionamento não é uma coisa unilateral. Logo, porque eles teriam de ser os únicos a ceder?
- Absurdo! Existe uma palavra chamada compromisso, você conhece?
- É óbvio que sim. E é isso o que venho tentando explicar, e você faz questão de não entender. Eu quis um compromisso, comecei com essa intenção... Mas depois
esqueci por completo.
- Então você só tem de encontrar alguém mais tolerante - ele sugeriu.
- Que engraçado... Quem vai querer ser tolerante? Você gostaria de nunca ter uma camisa limpa? De não ter um lençol lavado, porque eu esqueci?
- A situação não chegará a tanto. - ele disse, brando. - Sempre mando minhas roupas para a lavanderia. Qual o próximo motivo?...
Olhando-o exasperada, Debby procurou mentalmente outros argumentos. E, se Marck achava que ela seria incapaz de pensar em desculpas, estava enganado.
- Pois bem. Suponho que você. quisesse...
- Temos que ser pessoais? Quando você me diz "você"... isso significa eu mesmo, ou uma pessoa hipotética qualquer? - Marck perguntou.
- Eu não... não... oh, pare! Estava tentando ilustrar o meu ponto de vista! Se ele quiser dar uma festa e eu concordar em cozinhar...
- Eu... Ele - corrigiu-a, bem-humorado - teria que contratar um bufe. Não esqueça que vocês estão, provavelmente, vivendo juntos há alguns meses. E ele está
começando a conhecer suas falhas.
- Supondo-se que ele não pudesse, por qualquer razão, contratar um bufê, ou qualquer coisa nesse sentido, o que aconteceria?
- Os convidados chegariam, você estaria esquecida do dia, ou mesmo da hora, e muito feliz trabalharia com seus pedaços de barro ou madeira. Assim ele os
levaria para a sala e...
- E eu teria também esquecido de limpar... - Debby falou, triunfante.
- Ele explicaria com seu charme habitual que...
- Como você sabe que ele tem charme?...
- Porque ele é bem parecido comigo, pelo que vejo. Ele explicaria que sua companheira é uma artista muito habilidosa, e que deveriam desculpar a bagunça...
E, no caso de serem realmente amigos, detalhes assim não têm importância.
- Até que eu gostaria de ver - ela interrompeu.
- Aceitariam de bom grado e, levando-se em conta que a essa altura ele já a conhecesse muito bem, com certeza teria contratado os serviços de uma empregada
diária - continuou, entrando de boa vontade no espírito da coisa. - E na suposição de que você, num momento de exuberância, se oferecesse para cozinhar, sem dúvida
a encontraria na cozinha esculpindo cenouras em vez de raspá-las...
- Corretíssima essa suposição! - ela concordou, contendo um riso ao imaginar a cena.
- Mas, sendo uma pessoa altamente eficiente e prevenida, já teria um bufê de prontidão para casos de emergência... Apenas no caso de sua companheira ficar
absorvida em esculpir cenouras! - Marck deu-lhe uma piscada com os olhos tão belos, cheios de sedução.
- Você está sendo ridículo e sabe disso! Suplantar todas as minhas peculiaridades irá custar a você... a ele... uma fortuna!
- Então você terá que encontrar alguém que tenha uma fortuna... como eu - ele acrescentou. - Para que serve o dinheiro, se não para gastar?
- Você tem, quero dizer... tem... uma fortuna? - perguntou, debilmente.
- Sim, além do meu próprio dinheiro, claro, ao contrário do seu avô, o meu gostava dos netos, e deixou uma grande fortuna para nós três: Jan, Greta e eu.
Meu pai não se importou. Você gostará do meu pai, ele é bem parecido com você.
- Ninguém se parece comigo - ela retrucou, petulante.
- Agora isso, minha querida garota, é muito suspeito. Você quer elogios? - ele disse, com uma risada.
- Nunca precisei pedir - ela gaguejou, olhando-o. - Não funcionaria, Marck! Realmente não. Você muda para cá, eu me apaixono, você vai embora e eu fico a
ver navios...
- Como você sabe? - ele insistiu.
- É a velha história da teoria e da prática. Falar é uma coisa, mas quando duas pessoas moram juntas as coisas começam a se complicar. Principalmente quando
uma descobre as fraquezas da outra...
- O que significa uma possibilidade muito real de que um relacionamento dará certo. Sentimentos não vão embora apenas porque se quer, tão facilmente assim.
Eu sei disso por experiência própria. No primeiro momento em que a vi, senti que teria trabalho. Tentei não gostar de você, mas...
- Quis saber até onde podia ir, ou o que conseguiria?
- Não. Você não é uma pessoa fácil de ser ignorada. Percebi que sentimos a mesma coisa, e não diga o contrário. Entretanto, não farei chantagem nenhuma,
só peço que medite sobre o que conversamos.
- Tentarei o máximo...
- OK, por agora é o bastante. Tenho serviço para pôr em dia, e vou tentar me concentrar nele. Em poucos dias, srta. Debby Grant, eu voltarei... E, se você
ainda pensar do mesmo jeito, prometo que a deixarei em paz. Cuide-se!
Inclinando o rosto, Marck olhou-a com ternura e um sorriso cativante. Levantou-lhe o queixo com um dedo, depositando um beijo leve nos lábios de Debby.
"Cuidar-se, ele dissera. Dificilmente fazer outra coisa", Debby pensou.
A esperança parecia manter uma guerra contínua com o seu senso prático. Por que tinha de gostar tanto assim daquele homem? Seria muito mais fácil se não gostasse
dele, porque então o problema deixaria de existir.
Debby logo notou, após aquele encontro, que só pensava em Marck, sentia muito sua falta, tinha saudade do seu estranho senso de humor e da sua voz sexy. Na
realidade ele era como um rolo compressor a esmagá-la com tantas exigências e demonstrações de sentimentos...
A esse simples pensamento, Debby recomeçou a tremer. Sensações antagônicas assaltavam-na, lutavam dentro dela. O vazio e um desejo imenso a invadiram, e nada
poderia preenchê-los ou substituí-los. E Marck não telefonou.
Cinco dias se passaram e nenhum telefonema... Teria pensado melhor e ficado arrependido? Teria enfim acreditado no que ela dissera?
Debby estava dividida. Um lado sensato ordenava-lhe esquecê-lo e ficar feliz, enquanto o insensato obrigava-a a subir, tomar um banho, vestir roupa limpa,
pegar a bolsa, andar até o ponto de ônibus, porque precisava saber notícias de Marck. Afinal, ele havia plantado esperanças em seu coração. E agora elas se recusavam
a morrer.
Andando na direção da casa de Marck, ela teve a sensação de coisa já vista. O carro vermelho estacionado exatamente no mesmo lugar, a grama parecia um pouco
mais alta, a casa ainda mais abandonada que da primeira vez. Fora só há duas semanas?
Andando até a porta como fizera antes, bateu hesitante. E, para seu espanto, a porta abriu-se sozinha. Normalmente Debby não era dada a medos do desconhecido.
Mas nessas circunstâncias sentiu um arrepio percorrer-lhe a espinha.
A casa estava muito silenciosa, quase lúgubre. Alertando-se para não agir como boba, empurrou a porta e entrou... E soltou um grito agudo quando uma viga
coberta de teias de aranha caiu bem a sua frente. O coração saltando do peito, a mão na garganta, soltou outro grito e olhou aterrorizada.
- Que está acontecendo aqui? - Marck trovejou furiosamente, surgindo a passos largos da porta no fim do hall.
Parou de repente, o rosto sem qualquer expressão. E depois pareceu... Bem, nesse instante Debby não saberia definir com o que ele estava parecendo.
Estava esperando que ela não viesse? Sem receber qualquer resposta, Marck foi até o outro lado da sala e abriu um painel na parede. Com um leve sussurro de
motor, a teia foi subindo lentamente, junto com a viga.
- Droga, Debby, o que foi que você veio fazer? Esta não é uma boa hora...
- Eu também não gosto de aranhas - ela disse em defensiva, desejando jamais ter vindo.
Ele não parecia nem um pouco feliz por vê-la.
- Não há nenhuma aranha, e a teia é artificial, não vê? - ele murmurou acintosamente, talvez certificando-se de que não houve danos.
- Artificial ou não, essa coisa quase me matou de susto! - Debby defendeu-se.
- A pena foi não termos gravado seu grito, senão... Afastando-se dela, com a mão suja alisando os cabelos desalinhados, Marck chamou:
- Harry? Você ouviu isso?
- Sim - uma voz flutuou de volta. - Soou bonito! Com um grunhido de satisfação ele voltou-se, com ar de surpresa em vê-la ali, ainda de pé.
- Oh, sinto muito - disse, rapidamente. - É melhor você vir para cá... E, pelo amor de Deus, ande pelo centro ou irá disparar outra coisa qualquer...
Sentindo-se magoada e insegura, Debby obedeceu, seguindo-o até a sala, onde se jogou numa cadeira quebrada, atrás de uma mesa em iguais condições. Só então
ousou dar-lhe um sorriso.
- Eu não deveria ter vindo, não é?
- Bem, tenho de confessar que esta não foi mesmo uma boa hora para fazer visitas... Entretanto, como você está?...
- Estou bem - respondeu, sem emoção. - Eu... - e parou de chofre quando a porta se abriu e um homem magro e baixo, cabelos cor de areia, entrou correndo.
- Marck, onde você quer este cabo?... Oh, desculpe, não sabia que você tinha visitas... Foi você quem gritou? - perguntou, meio atrapalhado.
- Sim - ela admitiu. - Desculpe, eu... - Depois parou quando Marck, de um pulo, ficou de pé, exclamando: - Geor-ge, onde diabos você achou isso?
- Estava lá em cima, no quarto dos fundos - George explicou, parecendo totalmente confuso.
- Oh, diabos! Quem tirou... Harry, aposto que foi Harry! Eu o matarei! - Afastando George da frente, Marck saiu da sala gritando o nome do outro homem. Trocando
um olhar assustado com George, Debby deu outro sorriso vago.
- Acho que, de alguma forma, estou no meio da confusão - ela desculpou-se.
- Não se preocupe - disse, com gentileza. - Todo mundo é culpado, esta semana. Não fomos capazes de fazer a iluminação correta, e os produtores querem começar
as filmagens na próxima semana... Desculpe, amor, tenho que ir, prazer em conhecê-la - disse quando ouviu a voz de Marck em algum lugar da casa, chamando-o.
- Igualmente - ela respondeu, olhando pela sala vazia e imaginando se deveria deixar um bilhete antes de sair.
Encolhendo os ombros, decidiu que era melhor que não o fizesse. Caso contrário, estaria se arriscando a escrever sobre alguma anotação técnica, e aí sim é
que haveria encrencas.
Debby pretendia atravessar o hall novamente e, com um olhar assustado, foi à janela.
Abrindo a persiana, meio apreensiva de que alguma outra peça do cenário caísse sobre sua cabeça, ela afastou-se e fechou-a com muito cuidado.
CAPITULO VIII
Debby saiu e ficou em frente da casa, em dúvida sobre ir embora ou esperar um pouco para ver se Marck saía.
Ele deixara transparecer que não queria mais saber dela, fora claro nessa atitude, sem dar-lhe a menor atenção, sem ao menos fingir que ficara contente em
vê-la.
Mas por que deveria, se Debby estava agindo levianamente, querendo que ele parasse o trabalho para dedicar-se a ela?
E mais: o fato de ele não se ter se mostrado eufórico não significava que estivesse indiferente.
Por esse motivo, ela não poderia voltar para casa. Teria de descobrir a verdade.
Retornando pelo mesmo caminho, parou em frente ao carro de Marck com o propósito de esperar alguns minutos. Recusando-se a admitir outra hipótese, recostou-se
na Ferrari, olhando para o céu.
Não havia muito sol... Seria um presságio? Por quanto tempo deveria esperar?
Não queria dar a impressão de desespero, mas também não pretendia cortar as chances que o destino pudesse oferecer-lhe, ainda que tudo indicasse o contrário.
Procurando afastar qualquer pensamento negativo, Debby olhou fixo a grama que se agitava com o vento, mas percebeu que era impossível não pensar.
Viu-se solta no tempo, analisando se houvera sentido tanta intensidade na relação com Giles e David. Concluiu que não, e que estava se comportando como uma
tiete.
Uma mulher de vinte e sete anos comportando-se como uma fã tresloucada? Debby riu em silêncio.
- O que a está divertindo, srta. Grant? - Marck perguntou-lhe às costas, fazendo-a dar um pulo.
- Não é honesto se aproximar das pessoas sorrateiramente, como você fez agora - reclamou.
E não se conteve. Riu à imagem que ele apresentava: os cabelos despenteados e com as pontas espetadas para cima, uma camada de sujeira numa das maçãs do rosto,
enquanto numa das mãos segurava um sanduíche e na outra um copo.
- Você já comeu? - perguntou, com um sorriso vago.
- Ainda não - respondeu, vendo-o partir o sanduíche ao meio e entregar-lhe uma das metades. - É de pernil? - ela perguntou, levantando uma das camadas de
pão.
- Deus é quem sabe, mas tem gosto bom - informou.
- Vamos ver - e, recolocando o pão, deu uma mordida.
- Pensei que você tivesse ido embora - ele confidenciou, recostando-se no carro, ao lado dela.
- Quase fui, mas decidi ficar.
- E o que a estava divertindo, quando cheguei?
- Pensamentos bobos sobre o meu comportamento...
- Decidiu alguma coisa, então?
- Não sei, mas acredito que talvez tenha me aproximado de uma decisão. E você, como está indo?
- Ocupado. Não telefonei porque conversar ao telefone é sempre insatisfatório. E também porque estou me apressando para terminar logo o serviço, pois as
filmagens começam na próxima semana. Por que você veio?
- Não sei como me comportar mais, o que fazer... Idiota, não é? Até mesmo limpei a casa...
- Não diga!...
- Bem... Acho melhor voltar e deixá-lo trabalhar.
Como não viesse nenhuma resposta, ela olhou-o notando a testa franzida e o olhar vago para o chão. Algum problema o afligia, pois dispensava a ela apenas
metade da atenção.
Incapaz de resistir, tocou-lhe o braço suavemente e sorriu.
- Desculpe, Debby, mas é que alguma coisa não está funcionando como devia... Deve ser o filtro azul... E isso está me irritando, por eu não achar onde está
o erro!
- Não entendo nada de filtros. Adeus, Marck - e voltou-se para ir embora, com um pequeno suspiro, duvidando se ele a ouvira. Enquanto esperava pelo ônibus
ela analisava toda a situação, pela primeira vez.
"Você está apaixonada por ele", admitiu."E como pode estar apaixonada por alguém que conhece há apenas duas semanas?"
Vendo Marck de novo, Debby teve plena certeza de seus sentimentos. Estava tremendo, e sabia que era porque o desejava. Queria ter o que o destino lhe oferecia.
Ele a achara sexy e engraçada... E se lhe dissesse que queria ter um caso... Qual seria a reação de Marck?
Quando o ônibus parou, Debby estava com a cabeça quente e nem viu a pergunta que fez ao motorista:
- O que você faria se descobrisse que está apaixonado por alguém? - perguntou, deixando o homem curioso e espantado ao mesmo tempo, porque fizera a pergunta
do lado de fora, na calçada.
- Contaria a esse alguém, sem dúvida - ele opinou.
- Mas supondo-se que essa pessoa não queira... que queira apenas?... - engasgou, sem saber como continuar.
- Apenas sexo? - ele concluiu, sem pudor.
- Sim - corou violentamente.
- E o que há de errado com sexo? Você vem ou fica?
- Vou ficar, e obrigada pela resposta - ela riu alto. Ele estava certo, que mal havia em sexo.
Sem mais delongas Debby voltou pela estrada e viu Marck parado ainda no mesmo lugar, com o sanduíche na mão.
Foi até ele e parou bem à frente sem ser notada, tão absorto ele estava.
- Voltou de novo, Debby? O que houve? - perguntou, ao vê-la, com ar assustado.
- Não, é que pedi um conselho ao motorista, gostei da resposta e aqui estou... Eu quero você!...
- Muito bom! E este é um projeto a curto ou a longo prazo? - riu.
- Não sei, você se importa?
- Não, nem um pouco - e jogou o sanduíche fora. - Estou cansado de banhos frios e tenho uma porção de coisas a fazer. Mas nenhuma é mais importante do que
fazer amor com você...
E puxou-a para bem junto de si, apertando-a contra o peito, a mão grande postada na nuca, respirando profundamente e colando os lábios nos dela.
Com um suspiro Debby passou os braços pelo pescoço dele e correspondeu ao beijo com uma paixão que a deixou atônita. O gesto afetou Marck também, a julgar
pelo gemido de prazer que ele soltou.
Procurando colar os corpos o mais que podia, ela dava pequenos beijos por todo o rosto daquele homem. Depois trocaram outro beijo tórrido, que os estonteou.
Não estavam muito à vontade, ali não era um lugar apropriado para revelações de amor.
E além do mais começou a chover de repente, gotas pesadas que os ensoparam em segundos.
Tomando-lhe a mão, Marck levou-a para os fundos da casa. Entraram numa sala em estilo francês. Depois, ele tomou-a nos braços, a boca procurando a dela com
renovada urgência.
Esmagada contra ele, Debby forçava ainda mais o contato, apertando os braços ao redor do pescoço de Marck. Sentia-se quente e fluida, a respiração entrecortada
desejava-o loucamente.
Quando Marck puxou a camiseta de dentro da calça dela e deslizou a mão quente por suas costas, nuas, Debby soltou um gemido gutural, arrepiando-se e aconchegando-se
mais a ele.
- Você não está usando sutiã - ele balbuciou.
- Não... - ela sussurrou, em voz baixa.
- Debby, eu... - murmurou, levando-a nos braços. Carregou-a até o sofá, onde se deitou também. - Sua camiseta está molhada, é melhor tirá-la... - Marck falou.
Endireitando-se, tirou a própria camisa e voltou a deitar-se por cima dela. E suspirou profundamente, deliciando-se quando os seios pequenos e túrgidos tocaram-lhe
o peito nu.
Beijava-a com paixão e ternura, cheio de um desejo ardente. E Debby correspondia a tudo, com igual intensidade. Foi um beijo como nunca imaginaram.
Debby enterrava os dedos nas costas de Marck e o abraçava, forçando ainda mais a proximidade dos corpos, sorvendo-lhe o hálito naqueles beijos apaixonados.
Ele escorregou uma das mãos pelo ombro dela, em direção ao seio, aninhando-o na concavidade da palma, enquanto o polegar tateava à procura do bico enrijecido.
E a respiração de Debby transfortnou-se em puro êxtase.
- Você está com pressa, não é, garota?
- Pensei que você não me quisesse - sussurrou.
- Eu também estou desesperado, sempre a desejei com alucinação. Mas tentava me convencer do contrário...
Querendo apenas ser amada, beijada, Debby puxou-lhe a cabeça em direção à sua. Desejava-o como à vida, e seus dedos voltaram a enterrar-se naquelas costas
largas.
- Oh, Deus, Debby, eu quero você agora - ele ofegou.
E baixaram as mãos ao mesmo tempo, executando movimentos apressados para se desembaraçarem das roupas. Os corpos afogueados massageavam-se, fazendo-os ofegarem
como loucos, e já não havia mais lugar para pensamentos. Só sensações, que também já ameaçavam sair do controle.
Debby pôde ouvir seu coração disparar quando Marck a tocou com movimentos precisos, trocando beijos que entremeavam a respiração truncada. A pele estavam
em brasa, molhada pelo suor.
E estava demorando muito... O sofá era estreito demais, ele muito grande e pesado... Ou ela que era muito pequena? A frustração por não conseguirem se ajeitar
ali fez Debby praguejar enquanto tentava desesperada abraçá-lo...
- Por favor, Marck, por favor... - ela gemia.
- Estou tentando! Isto mais parece uma luta livre... É ridículo ficar aqui. - E, caindo para um lado, pegou as roupas e falou com uma ordem: - Vista-se!
- Não podemos tentar no chão? - ela começou, o desejo tornando-lhe a voz entrecortada.
- Não diga nada, nem uma palavra - Marck implorou. Já vestidos, ele pegou-lhe a mão e puxou-a em direção ao carro. Dirigiu o mais rápido que pôde até a casa
dela.
Ao chegarem, Debby abriu a porta com mão trêmula; estava assutada.
- Onde? - Marck perguntou, seco e com urgência.
Com um sorriso, ela guiou-o para a escada, nervosa, e apontou a porta, que Marck abriu com um empurrão, olhando frustrado para a cama de solteiro.
- Tire a roupa.
- Marck, eu... - tentou objetar.
- Nua! - ele pediu, enquanto se despia apressado. - Deus, nunca me senti tão embaraçado em toda a minha vida!
- Oh, Marck, não importa - Debby murmurou, enquanto puxava a camiseta por sobre a cabeça e o observava.
Quase engasgou ao ver-lhe o corpo viril, e uma onda de fogo invadiu todo o seu ser, os mamilos endurecendo em antecipação.
Não foi uma união delicada, mas Debby também não esperava que fosse. Marck tomou-a sem qualquer preliminar, a respiração forte, o corpo rígido enquanto a
penetrava...
Mas ela estava mais do que preparada para recebê-lo. Segurando-o firme, lutou para antecipar-lhe as necessidades e soltou um grito involuntário quando atingiu
o clímax, muito rápido, muito cedo.
Quando ele soltou o corpo, satisfeito, Debby distribuiu-lhe beijos pelo peito encharcado de suor, murmurando palavras soltas. Cada pedaço dela vibrava, e
sentiu-se descontraída, gloriosamente feliz, saboreando o peso e a quentura dele.
Marck mexeu-se e afastou-se dela, que ficou a olhar para o teto, a mente começando a funcionar de novo com lucidez.
- Marck? - ela sussurrou, carinhosa.
- Não fale... Deus, que fiasco! - ele lastimou-se.
- A última parte não foi, pelo menos para mim...
- Você está falando sério? - ele disse, inseguro, sentindo-se um canalha.
- E você precisa de auto-afirmação? Desde quando? Marck olhou-a com ternura e depois riu, quando ela lhe deu um tapinha no braço.
- Onde é que você arrumou esta miniatura de cama? - ele perguntou, batendo a mão com força no colchão duro.
- Porque sou pequena e nunca pensei que ia fazer amor com um gigante - protestou, embaraçada agora por sua nudez, enterrando o rosto no travesseiro. E acrescentou:
- Sabe, não foi tão confortável para mim também...
- Eu sinto muito, minha querida... - Marck disse, com ternura.
- Por que pedir desculpas? Eu não teria perdido isso, por nada no mundo... E foi muito bom, apesar do desconforto...
"O que aconteceria agora", ela pensou.
"Marck simplesmente se levantaria e sairia? E ela? Ofereceria uma xícara de café? Chá?"
Olhou-o e viu um sorriso estranho que não conseguiu decifrar, alertando-a mais ainda quando Marck endireitou-se e abriu a boca ao olhar para o relógio.
- Meu Deus, são cinco horas, Debby! Preciso ir dar uma olhada no maldito filtro... - falou e curvou-se para beijá-la no nariz. - Desculpe-me.
- Já são cinco horas? Vá, vá brincar com seus filtros... Eu o verei mais tarde, espero...
- Claro que sim - murmurou, mas a voz indicava que ele já se afastara. - Você está bem? - perguntou, virando o rosto para ela.
- Estou, não se preocupe. Vá...
- OK! Tchau! - Marck pegou as chaves do carro e já estava na porta quando voltou.
Inesperadamente se aproximou da cama, beijou-a apaixonado, desculpou-se de novo e saiu.
Sentando-se e colocando um travesseiro atrás das costas, Debby abraçou os joelhos.
"Marck não dissera se tinha gostado", pensou. "Não dissera quando voltaria. Será que aquilo tudo havia significado algo para ele?"
Descansando a cabeça nos joelhos, Debby permitiui, que as lágrimas caíssem. Queria abraçá-lo, aconchegar-se contra seu corpo quente, fazer planos... A sensação
de impotência foi tão grande que puxou o travesseiro das costas e o atirou contra a parede.
Com um longo suspiro secou as lágrimas nos punhos e foi para o banheiro.
Iria dormir mais cedo e, com um sorriso triste, desceu a escada pensando em comer algo. Não que sentisse fome. É que jejuar também não resolveria nada.
- Oh, Marck - sussurrou - o que você fez comigo? O que, pelo amor de Deus, você fez?
Debby não acreditava que ele voltasse. Pressentindo que não conseguiria comer, resolveu trabalhar um pouco no ateliê. Talvez, envolvendo-se com alguma coisa,
pudesse distrair a mente.
Pegou o bloco de desenho e folheou até a página onde retratara o jardineiro malaio. Decidiu esculpi-lo em argila.
Pegou um rolo de arame e começou a moldar, fixando às extremidades numa base de madeira. Apossando-se de um pedaço de argila, não demorou muito para cobrir
a armação de arame e dar uma forma geral. Depois, sentou-se mais confortavelmente na cadeira e forçou-se a se concentrar... Pouco a pouco a imagem de Marck desapareceu,
enquanto se envolvia em transformar o desenho numa figura real.
Não notou o tempo passar. Nada parecia existir, fora do seu círculo de concentração. Nem mesmo a chuva tamborilando na vidraça, ou a porta se abrindo à passagemde
Marck, molhado e desgrenhado.
Debby não viu o sorriso cálido e cheio de amor que ele deu à sua figura suja de argila, os olhos distantes, e todos os sentidos presos àquela pequena imagem
de barro que se transformava à sua frente.
Ao ver que as dobras da roupa estavam como queria, afastou as mãos, deu um passo para trás e olhou criticamente, com aprovação. No outro dia trabalharia o
resto.
Quebrada a concentração, Debby tornou-se consciente de quanto os ombros estavam duros, e com um bocejo grande estirou os braços por sobre a cabeça... Depois
gelou, os braços erguidos. Finalmente registrou a presença de Marck. Ele parecia cansado ao extremo, e sem expressão.
- Há quanto tempo você está aí? - quis saber.
- Horas - ele mentiu, com brandura.
- Que horas são? - interrogou, preocupada.
- Duas da manhã.
Vendo-o ali, Debby concluiu que não sabia o que dizer. Resolveu apenas olhá-lo, sentindo uma onda avassaladora de amor difundir-se por todo o seu corpo, com
tal intensidade que chegou a pensar em desmaiar. Ficou de pé e olhou as mãos.
- É melhor lavá-las... - desconversou.
- O rosto também. Tem um filete de argila grudado... Dirigiu-se para a pia sentindo as pernas trôpegas, nervosa sem
saber a razão, tomando muito tempo para secar-se enquanto pensava. Marck voltou, o que significa que gostava dela. Ou não...
- Que há de errado, mudou de ideia? Não quer mais se envolver comigo? - perguntou, calmo.
- Não. Apenas não sabia o que dizer ao vê-lo aí parado. Fiquei amedrontada, sem saber o que você esperava...
- Por que o medo?
- Porque... bem, porque... - ela gaguejou.
Ainda não queria contar o quanto o amava, pois Marck não queria que ela o amasse. Havia dito isto, em Singapura.
- Você não acreditou que eu voltaria, não é?
- Na realidade, não...
- Venha aqui... - ele ordenou, carinhosamente.
Engolindo em seco andou até ele, soltando um pequeno suspiro ao ser puxada para o meio dos braços fortes, ao ser segura firmemente.
- Eu desejei você por tanto tempo, Debby. São apenas duas semanas, mas parece toda a minha vida. Me contive o mais que pude, até vê-la em minha casa pude
ver os sentimentos romperam a barreira, e fui tão grosseiro. Primeiro o fiasco do sofá. Depois, incapaz de me controlar naquela caminha de solteiro... me senti embaraçado
e estúpido. A única vez que isso realmente importava... falhei pela estupidez.
- Mas você não falhou - ela assegurou, compreensiva.
- Sei que você se esforçou para que tudo parecesse especial... E pude ver em seu rosto quando ficou desapontada.
- Não foi assim, Marck, você sabe...
- Por isso peguei meu relógio, disse a primeira coisa idiota que me veio à mente e saí correndo...
- Cale a boca, Marck, não pensei nada disso. Fiquei apenas me perguntando o que fazer, o que dizer. Achei até que você saiu apressado por ter se desapontado
comigo...
- Não, claro que não... de verdade! - ele lamentou-se.
- Então pare de falar e me leve para a cama, por favor. Estou me sentindo muito cansada - disse, com ar maroto.
- Você manda. Mas a primeira coisa que faremos, ao acordar, será comprar uma cama bem grande - respondeu, sorridente.
- OK. O problema é com você, pois para mim aquela cama é ótima...
Marck carregou-a nos braços até o quarto e deitou-a sobre a colcha, perdendo alguns minutos a observá-la.
- Você quer dormir mesmo? - disse, sugestivamente.
- De jeito nenhum. E você? - respondeu, no mesmo tom.
- Nem por sonho! - afirmou, divertido.
Sem mais delongas, Debby tirou a camisola e inclinou-se para a lâmpada, acendendo-a.
- Quero ver você - ela disse, com voz rouca.
- Nunca encontrei ninguém que me envolvesse tanto quanto você, Debby! - E com um sorriso despiu-se, concluindo: - Deixe um lugarzinho para mim...
Afastando-se para um lado na cama estreita, manteve os olhos fixos nele, que procurava equilibrar-se a seu lado.
- Estou com medo de tocá-la, coisinha frágil... - ele falou, correndo a mão espalmada desde os joelhos até os seios dela.
- Não sou nem um pouco frágil - ela contradisse.
Então rolou para ficarem de frente, e gemeu de prazer quando os corpos se tocaram, e suspirou quando mãos calorosas percorreram-lhe o corpo todo. Debby espremeu-se
contra aquela musculatura rija, esticou-se para que as bocas se unissem.
Marck olhou-a apaixonado, os corpos totalmente unidos, exalando desejo. E ela soltou um gemido abafado.
- Estou sendo esmagada e, neste momento, é o que mais quero, com toda a certeza... - Debby falou, com um risinho nos olhos cheios de contentamento.
- Apenas saborear um pedacinho do paraíso? É isso o que você quer? - perguntou, desarticulado.
Ao ouvi-la concordar, Marck sentou-se prendendo-lhe as pernas entre as suas. Ela conteve a respiração à vista de tanto esplendor.
- Oh, Marck, você é tão bonito! - E, sem pensar no que fazia, deslizou as mãos por aquelas coxas compactas, enquanto um gemido rouco escapava dele.
- Não faça isso, Debby, por favor...
- Eu quero tocá-lo, tanto. Mas você está muito distante - ela retrucou, a voz parecendo estrangulada.
Procurando acalmar-se, obrigou-o a deitar-se. Em seguida, tratou de sentar-se sobre ele.
- Este é o modo como pessoas pequenas fazem amor com gigantes - sussurrou, rouca, os olhos fixados nele.
Com um suspiro tenso, moveu o corpo para cobri-lo. Os olhos fechados, o pescoço para trás, estirou as mãos espalmadas explorando o peito dele, e sentiu a
própria respiração prender-se na garganta quando as palmas quentes das mãos dele cobriram-lhe os seios.
- Como você sabe? Teve muitas aulas práticas?
- Não, o amor é inventivo e há coisas em que a imaginação dispensa professores... E, por favor, não fale agora... não...
Passando as mãos pelos ombros dela, puxou-a para baixo, aninhando-a contra o peito e alisando-lhe as costas, desde a cintura até as nádegas. A respiração
de ambos acelerou-se. À medida que o ritmo deles ia se acelerando, todos os pensamentos foram banidos. Ela apertou-o fortemente, prendeu-o firme. Gritou-lhe o nome,
cada parte dela vibrando, e por fim atingiram juntos o êxtase.
A respiração ainda pesada e lenta, Marck ergueu-se e pôs-se ao lado de Debby.
- Abra os olhos, quero ver como você está...
- Me sinto no céu, Marck. Nunca vi nada tão bonito. E você, como está se sentindo?...
- ,Como um homem querendo desesperadamente entregar sua liberdade... E, se não a agarro agora, posso perdê-la!...
- Oh, Marck, eu não sei... Eu... nunca pensei...
- Você não quer casar comigo?
- Sim, quero casar com você... Marck, parece que estou apaixonada por você há séculos... Por que acha que fui até aquela casa, ontem?
- Você está apaixonada por mim? Casaria comigo... Eu te amo muito... Debby, tenho me comportado como um bobo, não é? Eu nunca amei ninguém como você.
- Não serei uma companheira muito convencional.
- Com toda certeza, não... E o jeito como dava risadinhas quando tentávamos fazer amor confirma tudo...
- Oh, desculpe, não pensei...
- Não, não, não... Nada de desculpas. Foi lindo, uma nova maneira de fazer amor... Inovações são coisas boas...
- Eu amo tanto você, Marck - disse, alisando-lhe os cabelos.
- Está bem, assunto encerrado - disse, brincalhão. - Você quer massagear minhas costas? - E virou-se de bruços.
Com um risinho disfarçado, Debby estirou o braço e começou a descrever pequenos círculos em suas espáduas.
- Uuummm... Que delícia... Não, não pare - protestou, quando os movimentos dela cessaram.
Sorrindo afetuosamente, recomeçou os movimentos, a mão para cima e para baixo, fazendo-o adormecer logo.
Debby acordou com o sol da manhã, mas não quis levantar-se. Preferiu aproveitar o calor do corpo de Marck, o peso do braço em sua cintura.
Com cuidado para não acordá-lo, pegou o bloco de desenho ao lado da cama, empurrou as cobertas dele e recostou-se na cabeceira da cama, esboçando um desenho
em traços rápidos.
- Está frio - ele balbuciou.
- Não seja criança - e riu quando ele ergueu a cabeça e pegou o bloco, virando-o para poder olhar.
- Que coisa mais chata! - disse, sentando-se.
- Não é não, é arte! - ela defendeu-se.
- Não, sou eu nu, e espero que você não esteja pretendendo mostrar a ninguém!...
- Fique tranquilo, é para consumo interno - e riu.
Jogando o bloco no chão, Debby estirou-se na cama para colocar os corpos em contato, e prendeu a respiração quando sentiu o corpo dele reagir à sua proximidade.
- Você está?...
- É este o efeito que você sempre causa em mim... - Pressionando o nariz contra o dela, falou: - Bom dia, será que posso esperar ser acordado desse jeito
todas as manhãs?
- Pretensioso! Eu também espero que algumas vezes seja você a me acordar... Combinado? - perguntou, com amor nos olhos.
- Sim, e tão logo levantemos, o que imagino levará semanas, iremos providenciar nosso casamento...
- Marck, você tem que viajar um bocado, não?
- Sim, tenho. Mas se você pensa que eu a deixarei fora da minha vista, está muito enganada! Nem que eu tenha de carregar um ateliê nas costas... Está bem?
- Eu posso trabalhar em qualquer lugar... E se pensa que eu também, meu querido, vou perder você de vista, é melhor desistir agora, antes de consumar a bobagem...
Marck, será que seus pais vão gostar de mim?
- Vão adorá-la, meu pai principalmente. E tenho certeza de que irão elogiar minha escolha... Por que está tão preocupada?
- Um pouco de medo, talvez...
- Porque nos conhecemos há pouco tempo?
- Não... Estou com medo de você se cansar de mim...
- Não, querida, isso nunca. Saiba apenas que qualquer relacionamento é um jogo. Não posso fazer promessas, posso apenas dizer como me sinto no momento, mas
acho que sempre sentirei assim. Você me delicia, me encanta, me faz rir, me faz sentir protetor... Quero amá-la e cuidar de você... Com você sou completo, inteiro,
e é como você deve agir e se sentir também...
- Está bem, é assim que me sinto realmente. Não quero que você me deixe, nunca... Quero olhar e encontrá-lo no lugar para onde estou olhando, ser capaz de
tocá-lo... Você é tão bonito - ela sussurrou.
- E um gênio. Você esqueceu de dizer um gênio - ele acrescentou, com um sorriso provocante.
- Você é um gênio! - ela zombou, rindo alto.
- Mas é claro. Afinal, eu a encontrei...
- Não, eu é que encontrei você!
- Mas você se descartaria de mim, se não fosse por minha insistência...
- Está bem, entrego os pontos... Mas só se você fizer amor comigo! - Debby acrescentou, alisando-lhe o peito.
- Agora? - Marck perguntou, a voz enrouquecendo, movendo os quadris para mais perto dos dela, enquanto ela deslizava a mão ao longo do ventre dele.
- Sim, agora! - ela sussurrou, num fio de voz.
- Sem problemas, amor. Os gênios estão sempre prontos e capazes a qualquer hora, momento e lugar - ele concluiu, fechando os olhos para melhor sentir as
carícias que ela fazia.
- Ah, é? - Debby sorriu, com um jeito malicioso no olhar.
- Como é que você pode duvidar? - disse, Marck. Puxando-a com toda a delicadeza para cima dele, prendeu-a com firmeza e beijou-lhe os lábios com muita paixão.
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1Bjos!
Edilma
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