segunda-feira, 25 de outubro de 2010

{clube-do-e-livro} Emma Richmond - O Expresso do amor.txt

Expresso Do Amor
( Emma Richmond)
Título Original: A Man To Live For


ESSE HOMEM TINHA O DOM DE TIRÁ-LA DO SÉRIO!

Até onde Francine sabia, ela e Giles Lapotaire eram completos estranhos, forçados a conviver em um romântico passei pela Suiça, a bordo de um luxuoso trem.
Entretanto, o arrogante e charmoso milionário parecia conhecer todos os detalhes de sua vida, desprezando-a em um momento e seduzindo-a em outro... Francine não
sabia que tipo de jogo Giles estava jogando... mas, quando o prêmio eram os beijos dele... ela queria ganhar sempre!

Digitalização: Polyana
Revisão: Vanessa Cristina


Copyright (c) 1996 by Rebecca Winters
Originalmente publicado em 1996 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: Three little miracles
Tradução: Therezinha Monteiro Deutsch

Copyright (c) 1994 by Emma Richmond
Originalmente publicado em 1994 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: A man to live for
Tradução: Glauce Boso

Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas óu mortas terá sido mera coincidência.

EDITORA NOVA CULTURAL
Uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - lls andar
CEP: 01410-901 - São Paulo - Brasü
Copyright para a língua portuguesa: 1997 CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo

CAPÍTULO I
Vestindo um elegante casaco creme, com golas e punhos de pele, e com a cabeça coberta por uma echarpe de seda marrom, Francine aguardava a partida do trem,
à moda das grandes divas do cinema das décadas de quarenta e cinqüenta, como Lana Turner, Rita Hayworth e Vivien Leigh. No entanto, apesar do glamour, suscitado
por suas roupas impecáveis e pela sala de espera privativa da estação, sentia um vazio enorme no peito, bastante próximo da melancolia.
Era véspera de Natal, época de festa, alegria e confraternização. Mas, nesse ano, nada disso lhe seria possível... Estava só no mundo, dividida entre a apreensão
e a tristeza. Pelo menos, esperava que o futuro lhe propiciasse um novo começo...
Com um minúsculo lenço de linho, enxugou os cantos dos olhos, com muita discrição, para que nenhum dos seletos ocupantes da sala percebesse suas lágrimas furtivas.
Precisava urgentemente encontrar algo que a distraísse, antes que fosse impossível conter o choro.
Olhando ao redor, deixou-se envolver pela imagem de um casal bastante incomum por sua beleza e sofisticação no outro extremo da sala. Não podia ouvir o que
falavam, porém tinha a nítida impressão de que estavam discutindo... Que pena, pareciam um par perfeito!
A mulher, de pele alva e cabelos escuros, aparentava ser uma manequim recém-saída de um editorial de moda; quanto ao acompanhante... Minha nossa! Ele era um
deus de masculinidade e sedução, como apenas os antigos escultores gregos poderiam conceber!
Esquecendo suas tristezas por um momento, Francine concentrou-se naquele homem alto, de porte atlético, por volta de trinta e oito anos, cabelos loiros e irresistíveis
olhos azuis... Que mulher não se sentiria especial nos braços desse dom juan do século vinte?
No mesmo instante, riu-se daqueles pensamentos tolos. Era uma romântica incorrigível, que andava lendo e assistindo a filmes de amor demais. Deu um suspiro
triste. Na dura realidade, nem sempre havia um final feliz...
Um toque suave no ombro a fez despertar de todas aquelas divagações para o chamado da recepcionista.
- Já está na hora do embarque, mademoiselle - a moça comunicou, amável. - O carregador levará sua bagagem, se fizer a gentileza de acompanhá-lo.
Francine assentiu com um sorriso, entregando a mala e a frasqueira para um senhor robusto, com um vistoso uniforme vermelho e dourado. Depois, passou a segui-lo
pelos corredores, apinhados de gente, da estação.
"Mal posso acreditar! Estou em Paris, prestes a embarcar no exclusivo e caríssimo Expresso da Europa!", pensou, sentindo-se como a própria Cinderela a caminho
do grande baile no castelo. Porém, esse entusiasmo foi efêmero...
Bastou lembrar que faria a viagem sozinha, para, novamente, ficar deprimida. Tantos planos, tantas fantasias, tudo arrasado pela força arrebatadora do destino!
A visão do famoso Expresso, entretanto, trouxe-lhe um certo alento. Embora fosse menor do que imaginava, havia uma indiscutível aura de fascínio, elegância
e esplendor naquele trem, que lhe causou um frisson pelo corpo. Além da locomotiva, havia mais quatro vagões: o dormitório, a sala, o restaurante e a cozinha, onde
também ficavam os compartimentos de carga.
Dando uma última olhada pela estação, despediu-se da resplandecente e gigantesca árvore de Natal, do burburinho dos transeuntes e do homem sedutor que tanto
instigara sua imaginação. Por fim, embarcou, prometendo-se aproveitar cada segundo daquela jornada por alguns dos cenários mais espetaculares de toda a Europa.
Depois de atravessar alguns ambientes, decorados em estilo Luís XV, foi acomodada em uma cabine, com a informação de que haveria um coquetel de boas-vindas
no vagão principal.
Pondo a tristeza de lado, Francine desfez a mala e acabou trocando a roupa de viagem por um vestido de veludo negro, presente de sua adorada madrinha. Forçou
um sorriso, ao lembrar de todas as roupas maravilhosas que a boa mulher lhe dera para aquela viagem.
De súbito, a memória a fez reviver o momento em que Marie-Louise, a quem todos chamavam carinhosamente de Molly, surpreendera-a com uma autêntica montanha
de pacotes das lojas mais caras de Paris.
"Uma viagem especial como essa requer um guarda-roupa equivalente!", a querida Molly afirmara, categórica, diante das recusas de Francine em aceitar todos
aqueles presentes. Além disso, na penúltima vez em que se haviam encontrado, ela já conseguira arrancar de Francine a promessa de que iria se divertir muito naquele
passeio natalino.
- Não vou decepcioná-la, Molly - murmurou, fazendo força para sorrir, enquanto se aprontava para o coquetel.
Antes de deixar a cabine, mirou-se com atenção no espelho, para ter certeza de que estava bem. A última coisa que desejava era destoar dos demais passageiros,
gente muito rica e viajada.
O vestido negro, longo e justo, dava-lhe um ar sofisticado, realçando-lhe as formas curvilíneas. Como sua pele era perfeita, uma maquiagem sutil foi suficiente
para destacar seus pontos fortes: os olhos verdes e a boca sensual. Os cabelos castanho-claros, quase loiros, presos em um coque alto com alguns fios caindo-lhe
sobre o rosto, era o toque de charme do visual. Satisfeita com o efeito, respirou fundo e foi para o coquetel, travar os primeiros contatos com seus companheiros
de viagem. Naquele traje, ninguém poderia dizer que não era rica nem freqüentadora assídua da alta sociedade. Aliás, seus amigos costumavam provocá-la, dizendo-lhe
que tinha um certo ar esnobe e arrogante, próprio da nobreza.
Nesse momento, em vez de zangar-se com aquelas brincadeiras, estava torcendo para que eles estivessem certos. Afinal, diante das circunstâncias, era melhor
parecer esnobe do que nervosa e insegura, como, de fato, estava se sentindo.
Quando entrou no salão, sorriu ao deparar-se com um magnífico piano de cauda, seu instrumento predileto. Depois, sem perder o jogo de cintura, cumprimentou
as pessoas ao redor, com um discreto aceno de cabeça, e acomodou-se em uma poltrona, próxima da janela. Logo um garçom veio servir-lhe uma taça de champanhe e canapés.
Assim que o trem se pôs em movimento, Francine sentiu um frio na espinha. O jogo havia começado; agora, só lhe restava torcer para que a sorte estivesse de
seu lado. Se, ao menos, pudesse contar com a companhia espirituosa de Molly...
De repente, uma voz máscula e rouca chamou-lhe a atenção. Virando-se, quase teve um colapso, ao se deparar com o mesmo homem sedutor da sala de espera. Seus
olhares se encontraram, e ela lhe sorriu, meio constrangida.
Ele, por sua vez, limitou-se a cumprimentá-la com um movimento breve de cabeça, beirando a arrogância, sem interromper a conversa com o casal que o acompanhava.
Com o coração batendo descompassadamente, Francine não conseguia desgrudar os olhos dele. Havia um certo magnetismo naquele homem capaz de mexer com seus instintos
mais profundos e secretos. Contudo, lembrando-se da moça alta e exuberante da estação, libertou-se daquele encantamento, tornando a olhar para a janela. Não queria
nem se aproximar de pessoas comprometidas!
Minutos depois, quando ele se dirigia ao encontro de um outro grupo de passageiros, um leve solavanco no trem o fez esbarrar no braço de Francine. Fitando-a
de um modo superior, parecia esperar que ela se desculpasse, embora a culpa tivesse sido exclusivamente dele. - Pardon - disse por fim, afastando-se depressa. Francine
ficou atônita com aquele incidente. Ele devia ser muito rico e poderoso para agir daquele modo. Mesmo assim, isso não lhe dava o direito de ser rude com ninguém!
Se Molly estivesse presente, com certeza, teria exigido uma retratação.
Olhando ao redor, notou três ou quatro pessoas que a fitavam com interesse. Pelo jeito, era o assunto principal das conversas, tendo a desagradável sensação
de que os outros, de uma forma ou de outra, já se conheciam. Nesse instante, o maitre tocou um pequeno sino de cristal, anunciando que o jantar seria servido. Entre
risos e comentários engraçados, todos se dirigiram para o carro-restaurante, acomodando-se nas mesas, arrumadas com o que havia de melhor em termos de porcelana,
prataria e cristal.
Sentindo-se como um peixe fora d'água, Francine sentou-se sozinha, em uma mesa mais afastada. Estava começando a achar que fora um erro ter aceitado esse convite...
- Posso fazer-lhe companhia?
Perplexa, viu aquele homem atraente parado diante de si.
- Deseja sentar-se comigo? - indagou, duvidando do que acabara de ouvir.
- Naturalmente.
- Por que naturalmente? - Sua voz soou ingênua e assustada, traindo o que lhe ia na alma. - Há menos de cinco minutos...
- Fui rude com você? - concluiu, irônico. Sem esperar pelo consentimento dela, ocupou o lugar em frente.
Pensando nas alternativas que lhe restavam, Francine achou melhor ser cortês com o estranho. Não seria nada sábio criar caso com alguém logo no começo do passeio.
Aliás, não havia como negar que aquele homem a atraía terrivelmente...
Sorrindo, estendeu-lhe a mão para se apresentar:
- Sou...
- Sei quem você é, mademoiselle - interrompeu-a, com notas de rispidez. - Por que está aqui?
Confusa com aquela conversa, arregalou os olhos verdes, levando alguns instantes para responder. Como ele poderia ter a petulância de lhe perguntar tal coisa?
Além disso, como sabia quem ela era?
- Fui convidada - explicou, com o orgulho ferido. Se bem que, na verdade, Molly quase a forçara a aceitar aquele convite. Mas isso não era da conta daquele
estranho mal-educado!
Ele a olhou de cima a baixo, com desdém.
- Gostaria de saber por que veio...
- Talvez alguém desejasse minha presença aqui, monsieurl Aliás, minha passagem foi comprada e paga como a de todos os outros!
- Paga?!
- Sim. - Com um toque de honestidade, acrescentou: - Bem, não por mim... Foi paga por outra pessoa.
- Ah! Sim. Com certeza, foi paga por outra pessoa! Irritada com a prepotência e o desprezo dele, Francine empertigou-se na cadeira, empinando o nariz.
- Por acaso, tem idéia de como é desagradável ouvir alguém repetir cada comentário seu?
- Não.
"Certamente que não!", pensou, furiosa. Por que ele a estava tratando com tanta crueldade e indiferença, fazendo questão de humilhá-la?
- Sabe quem sou? - ele indagou, quebrando o longo silêncio que se instalara entre os dois.
- Não - respondeu sem fitá-lo. - Deveria conhecê-lo?
- Talvez... Em todo caso, sou Giles Lapotaire. Mon Die! Que nome sensual! Pena que era um homem insensível e arrogante...
Sem consultá-la, Giles pediu uma garrafa de champanhe e, assim que o garçom encheu as taças, ergueu-lhe um brinde. Sua fisionomia era sarcástica e esnobe...
- A essa viagem de Natal! - ela exclamou, num impulso repentino.
- Sim, brindemos a essa viagem de Natal. - Cada gesto ou palavra de Giles vinha carregado de tédio e sarcasmo, dando a impressão de que estava apenas fazendo
um favor a Francine ao sentar-se a seu lado.
- Esse passeio não lhe parece excitante? - ela perguntou, com seu jeito meigo e inocente.
- Claro que não.
- Verdade?!
- Non - afirmou, com um suspiro entediado.
- Pensei que os franceses gostassem de aventurar-se por lugares exóticos, com belas paisagens...
- Pode ser... Mas não sou francês. Sou suíço. - Arqueou as sobrancelhas, com aquele insuportável ar de superioridade. - E nós, da Suíça, não nos deixamos impressionar
à toa, madernoiselle.
Francine calou-se, estudando cada detalhe daquele rosto belo e másculo. Sem dúvida nenhuma, ele era o homem mais charmoso, intrigante e sedutor que já vira.
Todavia, ao mesmo tempo, também era a criatura mais desagradável e prepotente de todo o mundo!
- Sempre agride as pessoas dessa maneira? - indagou, perdendo a paciência.
- Refere-se a você?
- Claro que sim. Estamos sozinhos nesta mesa! Ele tomou alguns goles de champanhe, antes de responder:
- Digamos que eu não goste nem um pouco de você, madernoiselle.
- Por quê? - Estava em choque com aquele excesso de franqueza e aspereza. Além do mais, ele viera sentar-se ali por livre e espontânea vontade.
- Acho que é óbvio, não?
- Definitivamente, não é, monsieurl Não o conheço e jamais o vi antes, portanto, não entendo por que me trata com tanto sarcasmo!
O garçom entregou-lhes o menu, interrompendo a conversa em um ponto dramático. Contudo, assim que ficaram a sós, Giles a fitou, desafiador.
- Porque eu e Marie-Louise éramos grandes amigos, madernoiselle.
Perplexa, ela repetiu:
- Eram amigos?
- Exatamente. Molly era uma criatura muito especial. Uma grande dama, que sempre colocava sua família em primeiro plano.
Francine sentiu o sangue gelar. Embora Molly fosse a pessoa mais encantadora que conhecera, a filha era insuportável, e Cecille a única neta, parecia ainda
pior. Será que ele estava imaginando que a afilhada fosse tão traiçoeira e leviana quanto aquelas duas? Era óbvio que sim!
- Faça seu pedido.
Incapaz de falar, fez sinal para que ele escolhesse os pratos.
- Molly escreveu-me antes de morrer - ele explicou após fazer os pedidos.
- Mesmo?
- Sim, para dizer que, infelizmente, não poderia comparecer a essa viagem.
- Como assim? - As peças daquele complicado quebra-cabeça estavam começando a se encaixar. - Mas ela não sabia...
- Que estava morrendo? - concluiu a frase outra vez. - Claro que sabia! Aliás, na carta, disse-me que seria "a grande oportunidade de minha vida" fazer-lhe
companhia nessa viagem.
- Grande oportunidade de sua vida?! - tornou a repetir, com uma risada nervosa.
Em seguida, Francine tomou o resto de champanhe da taça, lutando para reprimir a explosão de emoções desenfreadas que ameaçavam vir à tona. Tristeza, revolta,
medo, ódio assolavam-lhe a alma sem nenhuma piedade.
- Que bom que já sou crescida o bastante para não precisar de sua companhia, monsieur. Posso me cuidar muito bem sozinha!
- Ora, jamais duvidei disso!
Por um segundo, Francine teve uma vontade imensa de esbofeteá-lo e ir embora daquele lugar. Mas, por sorte, o bom senso falou mais alto, e ela conseguiu se
conter. Afinal de contas, não poderia saltar de um trem em movimento e, sob hipótese nenhuma, daria àquele homem desprezível o prazer de vê-la protagonizar um escândalo
na frente de todas aquelas pessoas esnobes.
- Era o advogado de Marie-Louise? - indagou, reiniciando o diálogo.
Humilhada e ofendida com o tratamento injusto, estava disposta a aplicar-lhe uma dose de seu próprio veneno.
- Cuidava de seus investimentos. Como vê, algo bem monótono e entediante. - Deu um sorriso maldoso. - Para seu gosto, é claro. Afinal, uma garota da alta sociedade,
que costuma passar o tempo viajando pelo mundo, deve buscar apenas novas emoções.
Espontânea, Francine riu do enorme equívoco. Não conseguia acreditar que sua querida Molly realmente a descrevera daquela maneira... Porém, não poderia culpá-la.
Talvez a madrinha jamais tivesse entendido ou aprovado sua profissão.
- Alta sociedade, eu? - Meneou a cabeça, reforçando a negativa. Contendo o riso, tentou explicar-lhe em que consistia seu trabalho: - Na verdade, minha profissão
ainda não tem um nome específico... Pode-se dizer que sou uma mulher inovadora!
-Interessante... - murmurou, com um gesto automático. Apesar da palavra positiva, a conversa parecia aborrecê-lo.
- Faço coisas de que as pessoas precisam.
- Verdade?! - Dessa vez, sua voz estava impregnada de malícia. - Tais como o quê?
Ela respirou fundo, em busca de algum exemplo prático. Já rodara bazares, feiras e lojas de antigüidades de toda a França em busca dos objetos mais inusitados.
- Digamos que você precise de um certo tipo de abotoadura e não saiba onde encontrá-la, é aí que eu entro na história! - Ignorando o desdém de seu interlocutor,
passou a falar com paixão sobre seu trabalho. Pois esse era um assunto que sempre a entusiasmava. - Procuro o objeto para você e, caso não consiga encontrá-lo, eu
mesma o fabrico.
- Uma abotoadura?
- Sim, ou um vestido, uma echarpe, um chapéu, um biombo. Enfim, qualquer coisa inusitada e incomum!
- Em outras palavras, você fica com a glória da descoberta e o cliente com a velharia?
- Não! - negou, eloqüente. - Sempre arranja um jeito de distorcer o que digo!
Ignorando a explosão de Francine, ele perguntou:
- Por que faz esse tipo de trabalho?
- Ainda na Faculdade de Belas Artes, comecei a fazer coisas para meus amigos... - voltou a falar, cautelosa. - Quando o curso terminou, descobri que a competição
pelas poucas vagas oferecidas pelo mercado era feroz. Portanto, levei adiante o que seria apenas temporário.
Pela primeira vez, desde que o conhecera, Giles parecia intrigado.
- Consegue se sustentar com essa atividade?
- Ganho o suficiente para ser feliz.
- E o que é felicidade para você?
- Ter dinheiro para pagar minhas contas, manter-me decentemente vestida e poder me divertir um pouco com meus amigos.
- E também vai dizer que adora crianças, animais e senhoras idosas?
- Pare de me ridicularizar!
- Por que deveria? De fato, espera que eu acredite em você? - Cravou os olhos penetrantes no rosto de Francine, como se fitasse uma criminosa. - Já lhe disse,
conheci Molly muito bem.
O que a madrinha teria contado de tão terrível a seu respeito para suscitar um desprezo tão profundo da parte de um desconhecido?
- E, no momento, está comprometida com alguém?
- Não - apressou-se em negar. Ele riu, jogando a cabeça para trás.
- Que conveniente! Também estou sozinho... Havia tanta maldade e ironia em seus gestos e olhares que Francine chegou a sentir enjôo.
- Giles?
Uma luva de cetim vermelho desceu-lhe pelo ombro, obrigando-o a virar-se.
- Marguerite.
- O que houve entre você e Claire na estação? - uma loira elegante indagou, sem dirigir um olhar sequer para Francine.
- E por que deveria ter acontecido algo? - devolveu a pergunta.
- Ora, ela não está aqui, jantando conosco.
- Que conclusão óbvia!
- Pare de fazer rodeios! Claire está na cabine? Em vez de responder, Giles dirigiu-lhe um olhar desafiador, que a fez remover a mão de seu ombro imediatamente.
Depois, ela se afastou, seguindo para o vagão onde ficavam os dormitórios.
- Gostaria de saber por que a convidei! - murmurou, como se pensasse em voz alta.
- Talvez pelo mesmo motivo que Molly me convidou - Francine respondeu, petulante.
- É... Talvez...
- Poderia me explicar de onde os outros passageiros o conhecem? Aliás, todos parecem ser velhos conhecidos...
Uma ruga de provocação apareceu em sua testa, diante do tom inquiridor de Francine.
- Somos amigos.
- Ah! Que interessante! - exclamou, deixando-se contagiar pelo sarcasmo. Já estava farta daquele jogo, em que era humilhada por ele. - E Molly também os conhecia?
- Quase todos.
- Bem, isso explica algumas coisas...
- O interrogatório já acabou?
Ela sacudiu os ombros, com descaso.
- Por hora, sim.
- Ótimo! Aproveite seu jantar. - Levantou-se, fazendo-lhe uma mesura irônica. Contudo, inclinou-se, sussurrando-lhe ao ouvido: - Provoque a mínima encrenca
e estará fora desse trem!
- Encrenca? Jamais causo encrencas! - Infelizmente, seu protesto soou muito mais alto do que pretendia, atraindo a atenção dos outros passageiros.
Envergonhada, desejou que um buraco se abrisse sob seus pés, tirando-a daquele lugar. Mas, como isso era impossível, enfrentou o desprezo de Giles Lapotaire.
- O que Molly lhe disse sobre mim, afinal?
- O suficiente.
- Bem, não pode ter sido algo tão mau assim, pois nunca fiz nada muito grave.
O olhar de Giles tornou-se ainda mais sarcástico após aquela afirmação.
- Talvez, segundo sua moral, pode ser que se considere uma santa... Entretanto, siga meu conselho e fique bem longe dos homens casados!
Francine empalideceu, sentindo vertigens. Se não estivesse sentada, provavelmente teria desmaiado.
- Venha juntar-se a nós, no salão, quando terminar a refeição. Haverá comemorações natalinas - disse, antes de ir ao encontro dos outros passageiros.
Por um bom tempo, ela permaneceu imóvel, incapaz de movimentar um músculo sequer. Nunca fora tão maltratada na vida em tão pouco tempo! Porém, acima de tudo
isso, uma dúvida atroz torturava-lhe a alma... Que aquele homem prepotente a escolhesse como vítima de seus ataques até poderia entender. Era uma desconhecida, sem
família ou dinheiro, no meio de pessoas onde á tradição e o saldo bancário davam as ordens. Contudo, ele alegava que Molly era a responsável pelo baixo conceito
que tinha dela.
O relacionamento de Francine e Molly era muito especial, baseado no afeto e na confiança. Sem nenhum exagero, diria que se gostavam como mãe e filha. Por que
então a madrinha teria destruído sua reputação nos últimos momentos de sua vida?
A única resposta que conseguia obter era seu relacionamento com Edward, o único homem por quem se apaixonara até agora.
Galante e sedutor, ele soubera como conquistar o afeto de Francine, dando início a um rápido e intenso romance. Tudo parecia mágico e perfeito, como em uma
história de amor, até que, um belo dia, a esposa de Edward bateu em sua porta, dizendo-lhe um monte de ofensas e acusações.
Ela quase morrera de vergonha e decepção. Nunca poderia imaginar que o namorado afetuoso, que fazia, planos para desposá-la, já era casado e tinha dois filhos.
E claro que havia contado toda aquela história para a madrinha, que, naturalmente, ficara furiosa. Contudo, na época, dera todo o apoio a Francine, reservando seu
ressentimento para o patife do Edward.
Agora, entretanto, chegava à triste conclusão de que sua querida Molly ficara muito decepcionada com ela.
Caso contrário, jamais teria revelado aquilo para Giles Lapotaire. Mesmo assim, não tinha raiva nem ressentimento da madrinha. Só sentia uma imensa saudade.
Enquanto provava os pratos requintados que o garçom lhe trazia, ia montando, peça por peça, aquele quebra-cabeça.
Ainda lhe restavam algumas dúvidas... Por que Molly não lhe dissera que estava morrendo? E como pudera fazê-la prometer que tomaria parte daquela viagem de
Natal sabendo que era uma reunião de amigos? Porém, encontrar respostas para essas questões pareceu-lhe bem mais fácil do que imaginava...
Independente e orgulhosa como era, certamente, Molly não quisera preocupar Francine, revelando-lhe a gravidade de seu estado de saúde. Quanto àquela viagem,
fora uma forma astuta de arranjar um local agradável para a afilhada não passar o Natal sozinha. Quando a sobremesa foi servida, decidiu que já era hora de esquecer
todos os problemas, incluindo Giles Lapotaire, e desfrutar da viagem. Afinal, prometera a Molly que iria se divertir bastante naquele trem.
Curiosa, passou a observar os outros passageiros, notando que não eram mais do que trinta. A passagem devia ser muito mais cara do que havia imaginado para
tornar uma viagem daquele porte lucrativa com tão poucas pessoas. Pois, além de passar uma semana naquele verdadeiro hotel cinco estrelas, viajando pelos Alpes suíços,
ainda teriam direito a um baile a fantasia em um castelo de Chur.
Após o café, retornou para o salão, sorrindo ao descobrir que o vagão fora todo enfeitado com guirlandas, velas e sinos, sem falar na imensa e colorida árvore.
Agora sim estava começando a parecer Natal!
Logo em seguida, entrou um casal de americanos, que também teve uma explosão de felicidade ao ver a transformação do local. Ambos sorriram para ela, e, em
pouco tempo, os três estavam conversando animadamente sobre a lenda de Papai Noel. Outros passageiros vieram juntar-se a eles, tratando Francine com delicadeza e
simpatia.
Por causa dos insultos de Giles, julgara muito mal aquelas pessoas. A maioria era muito agradável, e alguns chegaram até a repreendê-la por ter ficado sozinha
durante o jantar.
Graças àquele tratamento carinhoso, ela finalmente conseguiu relaxar e se divertir. Contudo, bastou avistar a figura majestosa de Giles, circulando pelo salão,
para sentir-se insegura outra vez.
Para piorar, por mero acaso, seu olhar cruzou com o de Marguerite. No mesmo instante, a loira veio a seu encontro, olhando-a de alto a baixo com a mesma expressão
de desdém de Giles.
- Que gosto deplorável! - exclamou, entre risos. E, ignorando os suspiros de protesto dos acompanhantes de Francine, prosseguiu com as provocações: - Então,
onde ela está?
- Quem? - perguntou Francine, perplexa.
- Claire.
- Não tenho a menor idéia - Francine respondeu. Marguerite respirou fundo, impaciente.
- Bem, de qualquer forma, você não faz o tipo de Giles. - Com a mesma rapidez com que se aproximara, retirou-se, indo para perto do piano.
Aqueles comentários eram tão absurdos que Francine começou a rir. Como poderia se ofender quando nem sabia do que se tratava?
- Acho que nunca testemunhei tamanha grosseria! - a americana exclamou, chocada com a atitude de Marguerite. - E pensar que os europeus são considerados gentis!
- A maioria é - Francine respondeu, ainda rindo. - Todavia, para mim, a polidez das pessoas não depende do lugar onde nascem, mas da educação que recebem.
Sem contar as diferenças de personalidade de cada um.
- Tem razão. Sabe de uma coisa? Marguerite não entende nada de moda para criticá-la daquela maneira. Você está adorável!
- Obrigada.
Nesse momento, Anise, uma simpática convidada, apareceu no salão, trazendo uma caixa enorme com chapéus e outros adereços. Fazia questão de que cada um escolhesse
um modelo, sem aceitar recusas. Nem mesmo Giles escapou de sua investida.
- Feliz Natal, Anise - ele cumprimentou, dando-lhe um beijo afetuoso na face.
Em seguida, todos começaram a trocar votos de boas-festas.
Francine retribuía os cumprimentos, procurando manter-se próxima dos americanos. Porém, quando percebeu, estava na companhia de um charmoso cavalheiro de olhos
azuis.
- Todos estão se perguntando quem é você, mas, por excesso de polidez, não têm coragem de indagar-lhe diretamente. Eu, contudo, pretendo desvendar esse mistério!
- Seu tom galante tornava a conversa agradável e divertida. - Acaso é uma intrusa?
- Uma intrusa? - repetiu, assustada. - É isso que todos estão pensando de mim?
- O que esperava, minha cara dama misteriosa? Quem é você?
Subitamente, notando a proximidade de Giles, Francine resolveu provocá-lo, agindo como a mulher fatal que ele a considerava.
- Como disse, sou uma intrusa - mentiu, com um sorriso maroto, mantendo o mistério em torno de si. - É casado?
- Isso importa?
- Muito. Só costumo flertar com homens casados! Mas só flertar! - explicou, para ter certeza de que: ele havia compreendido que tudo não passava de uma brincadeira.
- Ah! Entendo... - falou, piscando o olho. Inesperadamente, foram separados por um grupo de passageiros eufóricos, que tentava transformar a festa em um baile
carnavalesco.
Achando graça na expressão desolada de seu novo amigo, forçado a dançar com Anise, Francine acabou ficando perto de uma janela.
- Uma intervenção mais do que oportuna, não acha? - Giles perguntou ao aproximar-se de Francine, causando-lhe calafrios.
- Desastrosa! - exclamou, esforçando-se para parecer decepcionada. - Nem cheguei a descobrir se ele é casado ou não!
- A resposta é sim!
- Quem é a esposa?
- Ela não está aqui. Agora, esqueça esse assunto e mantenha-se longe dele!
Estreitando os olhos verdes, tentou imitar a sutileza provocante do olhar de uma gata. Precisaria treinar um pouco esses artifícios em sua cabine.
- Tentarei... E quanto a você, é casado?
- Não, nem pretendo vir a ser.
- Ah! Então está fora de minha lista... - zombou, fazendo uma expressão de desapontamento. - A propósito, quem é Claire?
- Por que o interesse?
- Só estou querendo entender por que todos falam sobre ela. Marguerite, principalmente.
Ele se limitou a sorrir-lhe, impassível.
- Já que não quer falar sobre isso, talvez possa me esclarecer outra dúvida... - Francine propôs, mudando de assunto. - Todos demonstram tanta consideração
por você, há alguma razão especial para isso?
- Ora, eu os convidei.
- O quê?
- São todos meus convidados, exceto você, mademoiselle.
- Sim, exceto eu... - repetiu, deixando-se dominar pela raiva. - E, como não deve ter-lhes dito quem eu sou, estão pensando que não passo de uma intrusa!
- Verdade?
- Infelizmente, é! Por que não lhes conta tudo e acaba de uma vez por todas com esse mal-entendido?
- Ora, isso acabaria com a graça da situação. Francine contou até dez para não ter um acesso de raiva. Giles Lapotaire possuía o dom de tirá-la do sério.
- Bem, se os convidou, suponho que tenha pago suas passagens...
- Correto.
- Nossa! Deve ter-lhe custado uma fortuna! - exclamou, espontânea.
- Que bom que tenho recursos financeiros para isso, não?
Francine o fitou, espantada, imaginando quanto ele devia ter gasto com aquela viagem.
- Não se assuste, posso garantir-lhe que não arrombei os cofres do banco... Apenas aluguei esse trem para essa viagem de final de ano.
- Você o alugou?
- Sim. - Falava pausada e ironicamente, atento à reação que suas palavras causavam em Francine. Parecia estar se divertindo muito com aquilo tudo. - Sabe,
detesto fazer as vezes de anfitrião e comprar presentes de Natal. Portanto, como aquele dito popular, resolvi "matar dois coelhos com uma cajadada só". Ela arregalou
os olhos, cada vez mais intrigada com a história. Sua intuição lhe dizia que havia algo errado nisso tudo...
- É uma maneira de retribuir a hospitalidade dos amigos - Giles concluiu, servindo-se de uma taça de champanhe.
- Isso tudo parece um contra-senso! Se detesta receber pessoas, como pretende passar uma semana trancado em um trem com toda essa gente?
- Ah! Mas não pretendo ficar a semana toda. Desembarcarei em Weesen para esquiar. - Franziu a testa, adquirindo um ar ainda mais zombeteiro. - Desapontada?
- Aliviada. - Desviou o olhar para a janela, notando que a neve caía incessantemente lá fora.
Um Natal Branco... pensou, lembrando-se da tradicional canção natalina. Os Natais na casa de Molly eram tão alegres e felizes... Que contraste com a festa
de Giles Lapotaire!
De súbito, como num passe de mágica, percebeu o óbvio. Se ele alugara o trem, era evidente que Molly também era uma de suas convidadas. Portanto, sua passagem
não poderia ter sido paga pela madrinha...
Pálida como a neve, tornou a encará-lo.
- Pagou minha passagem?
- Não precisa ficar tão alarmada.
- Pensei que fosse um presente de Moly... - murmurou, cada vez mais aflita com a situação.
- De certa forma, foi. Ela queria que você estivesse aqui, e atendi a seu desejo.
Mas ele não a queria ali! Agora, compreendia o motivo de tanto desprezo e aversão... Não passava de uma intrusa em uma festa particular.
- Porém, não sou sua convidada. Molly era e me fez prometer que viria a essa viagem. - Empertigando-se, acrescentou: - Não precisa mais se preocupar comigo,
monsieur Lapotaire. Deixarei o trem na próxima estação.
- Giles. - Um toque de ternura suavizou-lhe a expressão sarcástica. Parecia surpreso com a atitude dela. - Além disso, não precisa partir. Isso é um absurdo!
Basta se comportar.
Ela estava inconformada. O mundo havia desabado sobre sua cabeça. Como Molly pudera colocá-la naquela confusão? O melhor a fazer era ir embora assim que possível.
Poderia descer em Chur e pegar outro trem de volta para a França. Contudo, relutava em aceitar essa alternativa... No fundo, não queria interromper a viagem.
Apesar dos atritos desagradáveis com Giles Lapotaire, pela primeira vez em anos, estava se sentindo realmente viva. Esse homem cruel, zombeteiro e arrogante
mexia com seus sentidos, despertando-lhe desejos que imaginara esquecidos... Que mulher não gostaria de tê-lo como amante?
Um século pareceu transcorrer até que ele retomou a conversa.
- Você não é como eu a imaginava... Voltando à realidade, ela o encarou com semblante interrogativo. Contudo, ele não esclareceu o comentário como ela esperava
que fizesse.
Nesse momento, o pianista começou a tocar Um Natal Branco, enquanto um coro, improvisado por Anise, acompanhava a melodia.
Dando vazão à enxurrada de emoções que lhe agitava a alma, ela começou a chorar, sem importar-se com os prováveis comentários jocosos de Giles. Tivera um ano
difícil, que culminara com a morte de sua madrinha, o único elo familiar que lhe restava... Agora estava completamente só no mundo.
Com o sorriso mais charmoso que já vira, ele se aproximou e, antes que Francine pudesse adivinhar suas intenções, deu-lhe um beijo rápido, mas sensual. Ela
o encarou, com as faces coradas e o coração acelerado. Nunca imaginaria que um simples beijo pudesse fazer seu corpo todo vibrar, vítima de desejos inconfessáveis...
- Feliz Natal - Giles sussurrou, com voz rouca. Sua expressão era um completo enigma. Não havia traços de ironia, escárnio, tão pouco de ternura... Ninguém
poderia adivinhar o que se passava em sua alma.
Francine levou alguns minutos, mas conseguiu se recompor do choque causado pelo beijo. Furiosa consigo mesma e também com ele, acabou recorrendo ao cinismo.
- Por acaso, a Terra se move de acordo com sua vontade?
- Não... - respondeu, sem desviar os olhos dos dela. - Apenas esse trem.
CAPÍTULO II
Não demorou muito, Giles foi envolvido por um grupo de convidados, enquanto Francine foi arrastada para o lado oposto.
- Até que enfim! - alguém exclamou, exultante, tocando-lhe o braço.
Ao se virar, ela viu o alegre cavalheiro de olhos azuis.
Durante os próximos dez minutos, ele não se cansou de elogiar sua beleza, com o firme propósito de seduzi-la.
Usando o barulho da festa como desculpa, Francine fingia não entender as propostas sutis e, às vezes, nem tanto, que ele lhe dirigia. Por fim, cansada daquele
jogo, resolveu que já era hora de se retirar.
- Bem, vou para minha cabine... Sozinha, é claro! - falou, sem perder o bom humor. - Tive um dia longo e cansativo.
- Então só posso desejar-lhe uma boa noite, minha dama misteriosa. - Beijou-lhe a mão, em um gesto cavalheiresco. - Mas amanhã será um novo dia... E sou muito
determinado!
Rindo daquelas investidas, ela se despediu das pessoas ao redor e deixou a festa com classe. Mesmo a distância, estava ciente de que Giles acompanhava todos
seus movimentos.
"Esqueça esse homem, Francine!", disse a si mesma, ainda sentindo em seu corpo o efeito devastador daquele beijo.
Giles Lapotaire não fizera a mínima questão de ocultar quanto a desprezava. Por isso, envolver-se com esse homem só poderia resultar em sofrimento e amargura.
Com um suspiro desanimado, isolou-se em sua cabine. Tinha a sensação de que, nas últimas horas, sua vida dera uma guinada de cento e oitenta graus, fugindo a seu
controle. Talvez ainda estivesse sob o impacto da morte recente de Molly...
- Se ela sabia que estava prestes a morrer, por que não me contou? - indagou-se, chorando.
No fundo, sentia remorsos por não ter estado junto dela em seus últimos momentos de vida. Sem mencionar que não pudera comparecer ao funeral... Cada vez que
se lembrava disso, uma angústia profunda dilacerava-lhe o coração.
Justamente no dia em que Marie-Louise falecera, estava em Londres, empenhada em encontrar alguns objetos vitorianos para a produção de um comercial. Quando
a governanta de Molly conseguiu localizá-la, já era tarde demais...
Ainda chorando, trocou o vestido preto por uma camisola de seda. Em seguida, removeu a maquiagem, que, depois de tantas lágrimas, já estava bastante borrada.
- Sou a única passageira que não recebeu convite... - murmurou, soluçando cada vez mais forte.
Sentia-se solitária e rejeitada. Contudo, Molly havia lhe garantido que iria se divertir muito naquela viagem, e a madrinha jamais lhe dissera uma só mentira.
Restava-lhe apenas aguardar os acontecimentos...
Aos poucos, o movimento compassado do trem conseguiu acalmá-la, deixando-a à beira do sono. Subitamente, lembrou-se das palavras proféticas de seu pai, ao
iniciarem uma outra viagem ferroviária pelo interior da França...
"O mundo nos espera, minha filha! Daqui para a frente, teremos muitas aventuras, contratempos e felicidades. Nada mais será como antes!"
Francine deu um sorriso amargurado. Naquela mesma noite, o pai morrera, vítima de um ataque cardíaco fulminante. Estava com oito anos, e Molly, antiga colega
de infância de sua avó, fora tudo que lhe restara, já que a mãe havia morrido ao lhe dar a luz.
- Parece que as grandes reviravoltas de minha vida sempre estão relacionadas com trens... - concluiu, caindo em sono profundo logo depois.
Por volta das seis horas da manhã, Francine despertou, com muita sede. Devia ter exagerado um pouco no champanhe. Sem hesitação, vestiu um robe e foi para
o vagão principal, em busca de algo para beber. Aquela hora, a festa já devia ter acabado, e, provavelmente, todos estariam dormindo.
Apenas quando já adentrara o salão, percebeu que sua consideração estava errada. Giles Lapotaire, a última pessoa que gostaria de encontrar naquele momento,
era exatamente quem estava acordado.
Com a gravata borboleta desamarrada em volta do pescoço, os cabelos em desalinho e a aparência exausta, ele tocava Por Elise no piano.
O primeiro impulso de Francine foi retornar para a cabine, antes que ele notasse sua presença. Contudo, devido à sede e também à beleza da música, resolveu
ficar.
- Toca muito bem... - elogiou-o, assim que conseguiu reunir coragem para avançar.
Por um momento, Giles desviou os olhos do piano para fixá-los no rosto de Francine. Mas logo voltou a agir como se ela não existisse.
- Estou com sede... - disse, desajeitada, tentando explicar sua presença ali.
- Ou será que está à procura de um garçom? - insinuou, maldoso.
Ignorando aquele comentário de mau gosto, ela foi até o bar e serviu-se de um copo de suco de laranja!
- Deseja algo para beber? - questionou, procurando ser cortês.
Ele fez apenas um sinal negativo com a cabeça.
Diante de tanta frieza, Francine deu meia-volta, arrependida por tê-lo incomodado. Era preferível passar sede em sua cabine do que agüentar as provocações
de Giles.
- Não esteve no funeral - ele falou, em tom acusador, antes que ela cruzasse a porta. - Aliás, não havia nenhum familiar.
- Não... - Querendo se explicar, retornou para perto do piano. - Eu amava muito Molly!
Ele sacudiu os ombros.
- Mesmo? Nesse caso, tem um modo muito peculiar de demostrar seu afeto, mademoiselle.
- Como pode dizer isso? Nunca nos viu juntas! Sem dizer uma palavra, Giles levantou-se e saiu da sala, deixando Francine sozinha.
Ela continuou imóvel, ao lado do piano, sentindo-se péssima. De repente, a visão das belas paisagens suíças, que pareciam invadir as janelas do trem, conseguiram
tirá-la daquele estado letárgico.
Lembrando que era Natal, fez uma prece ao Menino Jesus e retornou para a cabine. Ela e Molly sempre começavam a manhã de Natal com uma oração.
Em vez de voltar para a cama, tomou um bom banho e começou a se aprontar, física e emocionalmente, para seu segundo dia naquele trem.
Meio apreensiva, passou longos minutos analisando o vestido de seda vermelho que havia reservado especialmente para aquela data, sem saber se deveria usá-lo
ou não.
No momento da escolha, achara o modelo perfeito para um almoço de Natal entre desconhecidos. Agora, no entanto, sentia-se ridícula com aquela roupa vermelha.
- Esse visual ingênuo e divertido não combina com a imagem de mulher libertina e conquistadora que Giles faz de mim... - murmurou, desanimada, ao olhar-se
no espelho.
Poderia optar pela discrição absoluta, fazendo o possível para passar despercebida durante o resto da viagem. Contudo, o orgulho ferido e a mágoa clamavam
por vingança.
- Se Giles Lapotaire me vê como uma Messalina, é isso o que vai ter!
Pegando a sacola de cosméticos, caprichou na maquiagem. Realçou os olhos com sombra escura e delineador, aplicando até um par de cílios postiços. O batom,
é claro, só podia ser vermelho-fogo, da mesma cor do esmalte, que fez questão de passar nas unhas. Manteve o mesmo penteado da véspera, porém, ao terminar a produção,
achou que ainda faltava algo...
Pé ante pé, deixou a cabine para buscar, no arranjo floral do corredor, o detalhe inusitado que faltava: uma camélia branca.
Pondo a flor nos cabelos, não conteve uma gargalhada. Sentia-se como se fosse uma dançarina de flamenco, dança típica da Espanha, embora lhe faltassem as castanholas.
Antes de voltar para a sala, ainda acrescentou alguns acessórios pretos para conferir mais dramaticidade ao traje: bolsa, sapatos de salto alto e uma echarpe em
torno do pescoço.
Como já havia previsto, os outros passageiros não haviam saído de suas cabines. Afinal, ainda eram nove horas da manhã, madrugada para quem fora dormi entre
quatro e cinco horas.
Aproximou-se do bar, cumprimentando o garçom:
- Feliz Natal.
- Feliz Natal, mademoiselle. Deseja algo?
- Um café, por favor. - Leu o nome do moço no crachá e acrescentou, simpática: - Jean-Marc.
Ele retribuiu a gentileza com um sorriso.
- Minha nossa! Começou cedo, hein? - A voz glacial de Giles soou às costas de Francine.
Decidida a não deixar que aquelas insinuações a tirassem do sério, ela se limitou a responder no mesmo tom:
- Um pouco de gentileza não faz mal a ninguém. Mas não deve saber do que estou falando...
- Puxa! Está com as garras afiadas hoje!
- Pode me provocar quanto quiser, já estou vacinada contra sua agressividade, Giles!
- Bem, isso era o mínimo que eu podia esperar de alguém como você... - Virando-se para o garçom, pediu: - Um café, Jean-Marc.
"Alguém como eu!", repetiu mentalmente, sentindo o ódio dominá-la. Mesmo assim, sustentou a aparência tranqüila e despreocupada, piscando-lhe os olhos, cobertos
de maquiagem.
Perplexo com os cílios postiços àquela hora da manhã, Giles passou a observá-la de alto a baixo, como se fosse escrever um editorial de moda.
- Seu traje está... - Confuso, calou-se, à procura de um adjetivo exato para descrevê-la. Embora desprezasse Francine, não podia negar que era bela e exótica,
capaz de mexer com seus instintos masculinos como nenhuma outra mulher conseguira. Talvez por isso a odiasse tanto...
- Exagerado? - ela indagou, sorridente. - Sim, eu sei... Foi um erro ter escolhido uma roupa vermelha para o Dia de Natal. Mas, diante de equívocos, só há
duas opções: ignorá-los ou se divertir com eles. Como pode ver, preferi a segunda alternativa.
Giles riu, meneando a cabeça em negativa. Ela era imprevisível.
- Mudar de roupa teria sido uma terceira opção. Aliás, a mais acertada.
- Pode ser... Só que agora é tarde demais! - Prestando atenção nele, notou que vestia calça jeans e suéter azul-celeste, da cor de seus olhos. - Ah! Não me
diga que vai passar o Dia de Natal com essas roupas tão esportivas!?
- Ao ver o glamour de seu traje, quando tirou essa camélia do arranjo do corredor, percebi que seria impossível competir com você. Por isso, optei por algo
mais despojado.
- Eu não o vi. - Então, sem saber por quê, perguntou: - Claire virá?
Ele não respondeu.
Não era curiosa e muito menos costumava se meter na vida alheia. Contudo, quando se tratava de Giles Lapotaire, parecia se transformar em uma outra pessoa,
cheia de desejos e vontades incontroláveis... Por isso, insistiu no assunto:
- Eu os vi na estação.
Um longo silêncio tomou conta da sala.
Percebendo que fora longe demais, Francine tentou consertar a situação constrangedora que causara. Com esse propósito, mudou radicalmente o rumo da conversa.
- O que Papai Noel lhe trouxe?
- Ele ainda não passou por aqui... - respondeu, quase sorrindo. - Os trens são os últimos lugares visitados pelo Bom Velhinho.
Por um segundo, ele a fitou de modo enigmático. Havia um toque de carinho mesclado a uma dose de perplexidade em seu rosto... No entanto, logo voltou a exibir
sua expressão arrogante de costume.
- Termine seu café, mademoiselle. Iremos nos ver mais tarde.
Francine ficou sozinha na sala, pensando seriamente na possibilidade de trocar aquele traje exótico por algo mais discreto. Mas, um a um, os outros convidados
foram chegando, obrigando-a a desistir da idéia. Agora, teria de arcar com as conseqüências de seu ato...
"Que bom que ninguém me conhece...", pensou, aliviada. Já que Giles não estava disposto a revelar quem ela era, só lhe restava aproveitar-se dessa aparente
desvantagem.
Com exceção de Marguerite, que continuou a ignorá-la, as outras pessoas a trataram de modo gentil e carinhoso, achando graça de sua roupa extrovertida. Ganhara
até um apelido, Red, que significa "vermelho" em inglês.
Quando o maítre os chamou para o dejejum no carro-restaurante, todos atenderam de imediato à convocação, rindo e contando piadas, como se fossem crianças travessas,
inclusive Francine.
Como na véspera, sentou-se sozinha. Não queria impor sua presença a ninguém. Afinal, era uma ilustre desconhecida no meio de um grupo de amigos.
Não tardou, Giles veio sentar-se com ela, trazendo-lhe um enorme pacote. Todos os outros convidados estavam abrindo os presentes que ele deixara sobre cada
mesa.
- Posso não gostar de você, mas não seria tão cruel a ponto de expô-la a uma situação dessas - disse, sincero. - Então, separei este pacote para você.
Sem saber se aceitava ou não o presente, ela baixou os olhos, fixando-os no gigantesco laçarote púrpura do embrulho.
- Lamento que não seja nada especial. Não esperava que viesse...
- E por que eu não viria? - perguntou, áspera. - Não tinha idéia de que essa festa era particular!
- Achei que tivesse compromissos mais excitantes do que essa viagem...
Francine voltou a encará-lo, perplexa.
- Algo mais excitante do que uma viagem pela Suíça, em um trem exclusivo?
- Sim.
Ela riu do absurdo. Não era rica e, tirando algumas viagens a trabalho para Londres, nunca havia saído da França.
- Se soubesse que eu viria, teria me comprado algum presente especial?
- Claro.
- Mas acabou de dizer que não gosta de mim... E também detesta fazer compras...
- Ora, minha secretária cuida desses detalhes. Só faço a lista.
Ela observou o presente.
- Então onde arranjou esse embrulho?
- Só tive de trocar algumas etiquetas. Mas não se preocupe, ninguém ficou sobrando.
- Ah! Ótimo!
- Não fique aí parada! Deve abrir a caixa, e não ficar admirando a embalagem!- tentou animá-la, ao perceber que Francine hesitava em aceitar o presente.
- Foi um gesto muito simpático de sua parte - agradeceu, sincera. - Obrigada.
- Até mais tarde... - Giles retirou-se, deixando o carro-restaurante.
Francine estava justamente imaginando se ele nunca comia, quando alguém a chamou...
- Hei! Red! Não fique aí sozinha!
O cavalheiro de olhos azuis viera convidá-la para se juntar a ele.
- Estou bem, não se preocupe.
- Bobagem! Não pode ficar isolada no Dia de Natal. Diante daquele argumento de peso, resolveu aceitar o convite. Pegando a bolsa e o embrulho que Giles lhe
dera, ela o seguiu até outra mesa, bem ao lado do simpático casal americano.
Só então abriu seu presente. Na caixa, havia um robe de seda preto, Channel, é claro; uma legítima echarpe Hermes e um broche de ouro da mesma marca; um magnífico
estojo de maquiagem e um vidro de perfume Ysatis, de Yves Saint Laurent. Como ele podia dizer que aquilo tudo não era nada "especial"?
Olhando ao redor, viu que os outros ganharam quase as mesmas coisas, com pequenas adaptações para os homens. Havia gravatas Hermes, canetas Mont Blanc, cigarreiras
e isqueiros de ouro. Tudo de marcas sofisticadas e famosas.
"Giles deve ter gasto uma pequena fortuna com todos esses presentes!", pensou, perplexa. Cada vez que queria comprar um vidro de perfume ou uma roupa, um pouco
melhor, era obrigada a fazer verdadeiros malabarismos em seu orçamento. "Mas, afinal, ele disse que possui recursos financeiros para isso!", acrescentou, amarga.
Detestava pessoas esnobes!
- Bem, iremos flertar o tempo todo ou apenas entre as refeições? - seu novo amigo indagou, jocoso, fazendo-a abandonar aqueles pensamentos.
Em princípio, ela ficou séria, porém, gradativamente, foi relaxando até achar graça no comentário.
- Entre as refeições, está bom?
- D'accord. E apenas na presença de Giles, suponho?
- Não! - Consciente de que corara, tornou a remexer nos presentes até que, sem alternativa, acabou rindo da situação. - Mas seria muito mais agradável na frente
dele.
- Por quê? Ela sacudiu os ombros, fugindo daquela pergunta.
Em seguida, deu um sorriso matreiro, fazendo-lhe uma proposta:
- Como ele não está aqui no momento, podemos conversar com naturalidade?
- Perfeitamente, Red. Enquanto tomavam o apetitoso dejejum, passaram a falar sobre temas variados e alegres. Então, descobrindo que Francine não conhecia a
Suíça, ele começou a dar-lhe algumas explicações sobre as paisagens que viam através das janelas.
- Bem-vinda a Lausanne. Consegue ver Savoy, encravada entre os Alpes?
Francine forçou a vista na direção indicada. Era fascinante admirar todos aqueles lugares, que só via em fotos ou filmes!
- Aquela torre, ao longe, pertence à catedral - ele voltou a explicar, adorando fazer o papel de guia turístico.
Quando o café chegou ao fim, todos voltaram para o outro vagão. Francine estava totalmente integrada ao grupo, embora as pessoas a chamassem por Red.
A única novidade era um homem alto e pálido que acompanhava Marguerite. Por mais que forçasse a memória; não se lembrava de tê-lo visto na noite passada.
- É o marido de Marguerite - Giles informou, discreto, adivinhando seus pensamentos. - Ele não participou da festa. Estava indisposto.
- Isso não me surpreende...
- Que língua ferina! Não precisa atacar Marguerite só porque ela não gostou de você.
- Não me julgue por sua moral! Só ia dizer que ele está muito abatido e...
- Venha ver o cenário - interrompeu-a, chamando-a para perto da janela. - Estamos passando por Montreux.
Ela ficou maravilhada com a vista. Contudo, não conseguia se concentrar totalmente na paisagem. A proximidade excessiva de Giles mexia com seus nervos, causando-lhe
tremores, seguidos por ondas de frio e de calor...
- Marguerite é irmã de Claire - ele falou de súbito.
Agora Francine entendia por que a loira a desprezava tanto. De certo, Marguerite a via como uma rival da irmã.
"Que tolice!", pensou, rindo. Imagine se poderia haver algo entre ela e Giles! Os dois passavam o tempo entre brigas e provocações!
Nesse instante, uma leve sacudida no trem fez com que Giles colasse o corpo ao seu. Bastou aquele ligeiro contato para que Francine ficasse toda arrepiada,
ansiando por algo mais íntimo...
No mesmo momento, deu a mão à palmatória... Aquele homem, apesar de tratá-la com tanto desprezo, conseguia perturbá-la assustadoramente! Pena que ele a detestasse
tanto...
De alguma forma, o contato também devia ter-lhe causado sensações inesperadas, pois, dando uma desculpa, Giles desapareceu entre as outras pessoas.
A todo custo, Francine tentava afastar os pensamentos torturantes que lhe invadiam a mente, conversando com os companheiros de viagem ou observando os belos
cenários da Suíça. Porém, só conseguia pensar na masculinidade provocante de Giles, no aroma cítrico de sua loção pós-barba, nas delícias do beijo de Natal...
Sabia muito bem o que isso significava: estava se apaixonando por Giles Lapotaire! Será que já não lhe bastavam os transtornos que o romance com Edward lhe
causara, ainda precisava arranjar mais confusão?
Não queria, ou melhor, não podia se apaixonar por aquele homem! Mas como controlar os sentimentos?
Nas horas que se seguiram, não voltou a falar com Giles. Ele parecia empenhado em evitá-la, sempre dando um jeito de se manter distante.
"Talvez seja melhor assim...", consolava-se. Embora não pudesse negar que gostaria de ficar junto dele, mesmo que fosse para discutir.
Quando o almoço foi servido, no meio da tarde, Francine teve uma grande surpresa ao descobrir que ele iria fazer-lhe companhia. Dessa vez, entretanto, nenhum
dos dois parecia ter muito a dizer. Ficaram calados a maior parte da refeição, imersos em seus próprios pensamentos e conflitos.
Por sorte, às vezes, um ou outro convidado vinha juntar-se a eles, quebrando a monotonia. Tratavam Francine com gentileza, mas eram maldosos com Giles, fazendo-lhe
uma série de provocações. Tudo com muito bom humor.
- Por que estão fazendo tantas piadas com você? - ela perguntou, assim que serviram o café e os licores, após a sobremesa.
Mais descontraído do que de costume, ele riu antes de responder.
- É que sabem que não gosto de bancar o anfitrião, por isso aproveitam para me provocar. Aliás, também não costumo ir a festas muito concorridas ou a lugares
da moda, como St. Moritz ou Klosters, em época de temporada. Logo, não estão acreditando que estou lhes proporcionando essa viagem.
Francine o encarou, boquiaberta.
- Não gosta de estar com as pessoas?
- É claro que sim! Adoro ficar com meus amigos. Mas em pequenas doses...
-Ah! Entendo, prefere observá-los... Não gosta muito de se envolver, não é mesmo?
Arqueando uma das sobrancelhas, Giles a fitou de modo grave.
- Você, ao contrário, deve adorar contatos sociais. Mas acho que não se importa muito em ferir ou brincar com os sentimentos dos outros, não é, Red?
- As pessoas são muito importantes para mim - afirmou, com tanta veemência que ele chegou a arregalar os olhos. - Não pode me julgar dessa forma tão cruel
por causa de meia dúzia de palavras de Molly que você deve ter interpretado mal.
- Ora, pare de fazer o papel de vítima ofendida! Isso não fica bem em você, Red. - Suas palavras eram cortantes como uma navalha. - Sei exatamente com que
tipo de pessoa estou lidando.
- Será que sabe mesmo? - Sentindo que não tardaria a chorar, Francine pegou a bolsa, apressada, levantando-se da mesa. - Preciso me retirar, estou farta de
ouvir suas ofensas. Só porque pagou minha passagem não tem o direito de me insultar desse modo.
- Em nome de minha velha amizade com Molly, tenho todo o direito de dizer-lhe o que acho sobre você.
- Não tem não! Molly e eu nos amávamos muito! E também éramos grandes amigas!
- Se está dizendo a verdade, por que a magoou tanto? Faz idéia do que ela sofreu por sua causa?
- Eu nunca a magoei - protestou, furiosa. - Não ouse duvidar de meu amor por ela!
Sentindo as lágrimas escorrerem por sua face, deu-lhe as costas e partiu. Estava tão transtornada que nem se importava se alguém havia notado sua discussão
com Giles. Só queria trancar-se em sua cabine.
Antes que chegasse a seu destino, mãos vigorosas a interceptaram no corredor do carro-dormitório. Pressionando-a de encontro à parede, Giles a obrigou a encará-lo.
- Marie-Louise a amava, e você a decepcionou. Como pôde fazer isso com alguém tão maravilhosa quanto ela?
- Não sei o que ela lhe contou sobre minha vida... Porém não deve ter sido nada tão ruim quanto você alega - defendeu-se, lutando para se soltar dele. - É
sua interpretação que me faz parecer egoísta e imoral!
Giles estava visivelmente impressionado com seu discurso. Contudo, enfrentava uma verdadeira batalha interna... Não sabia o que pensar sobre aquela desconhecida,
que entrara em sua vida com a força de um furacão.
- Está chorando... - Havia certa ternura em sua voz.
- E daí? - Francine retorquiu, desafiadora. - Por que iria se importar com isso?
Ele enxugou seu rosto com a mão, aproveitando para acariciar-lhe os lábios sensuais. Já perdera a conta do número de mulheres que havia beijado... No entanto,
aquela boca lhe parecera de uma doçura inigualável.
- Se o que diz é verdade, o que teria levado Molly a inventar todas aquelas mentiras a seu respeito? - indagou, procurando ser imparcial.
- Não sei. Nem consigo imaginar por que ela lhe disse algo sobre mim. Nunca a ouvi mencionar seu nome! - Seus olhos verdes pareciam soltar faíscas de ódio.
- Aliás, se eram tão amigos quanto diz, ela devia ter me falado sobre você, não acha?
- Não necessariamente. Molly mantinha sua vida pessoal separada dos negócios.
- Agora só falta me acusar de ter me aproximado dela por dinheiro!
- Está livre dessa acusação, Red. Pois, como já deve saber, o patrimônio da família foi totalmente dilapidado nos últimos anos. Não sobrou quase nada.
- Sim, eu sei... Há quanto tempo a conhecia?
- Muitos anos... Meu pai cuidava dos negócios da família e era grande amigo do casal Patry. Quando! assumi a presidência do banco, passei a controlar sua conta.
Visitava Molly umas duas ou três vezes por ano. - Fez uma pausa, acrescentando, com pesar: - Gostava muito dela...
- É mesmo? Pois eu a amava! - Outra vez, juntou todas suas forças para tentar se libertar de Giles. Não suportava mais aquela discussão nem aquela proximidade
inebriante... Temia perder o controle de si mesma.
Para impedir sua fuga, ele a apertou ainda mais, pressionando-a com seu próprio corpo.
- Por que não foi ao funeral?
- Estava em Londres... Quando me avisaram, o enterro já tinha acontecido. - Recomeçou a chorar, com maior intensidade.
No começo, Giles ficou desconfiado daquela reação. Contudo, ao perceber que Francine estava sendo sincera, transformou-se em outro homem, carinhoso e compreensivo.
- Não pretendia magoá-la... Aliás, duvidava que pudesse fazê-lo.
Em nome do que restava de seu orgulho, Francine reprimiu as lágrimas, mentindo:
- Não me magoou. - Soluços inconvenientes comprometeram a veracidade de sua afirmação. - Mas não esperava me fazer rir com essa avalanche de insultos, não
é?
Estava pensativo... por isso demorou a falar. Parecia em guerra com sua consciência.
- Marie-Louise era muito idosa, talvez um pouco antiquada demais... Pode ser que tenha interpretado mal seu comportamento...
- Pode ser... - concordou, melancólica.
- Não esperava fazê-la sofrer. - E, num gesto inesperado, contornou-lhe os lábios com a ponta dos dedos, como se os desejasse muito...
- Deixe-me ir, Giles... - suplicou, sentindo que não tinha forças para resistir por muito mais tempo. - Acho que não temos mais nada para conversar. Ignorando
os pedidos de Francine, ele continuou a acariciar-lhe a face e os cabelos.
- Mesmo sabendo tudo sobre você, sinto um desejo louco de tocá-la... Quero beijar-lhe a boca, fazer amor com você! - Cravou os olhos impiedosos em seu rosto.
- Desde que nos beijamos, na noite passada, também me deseja, não é?
- Não! - mentiu, embora seus olhos confessassem a verdade. Nunca sentira um desejo tão intenso assim por homem nenhum; nem mesmo Edward conseguira lhe despertar
uma paixão tão avassaladora. Contudo, não podia ceder.
- Pare de mentir!
- Por que me beijou? - Procurou atacá-lo, para se defender. - O que pretende provar com isso tudo? Que sou tão leviana e imoral quanto me julga?
- Não quero provar nada, Red... Beijá-la, naquela noite, não estava em meus planos. Simplesmente aconteceu, fugiu a meu controle...
- Você é desprezível! Eu...
Seus protestos foram silenciados por um beijo possessivo e dominador.
Desesperada, Francine ainda tentou reagir, empurrando-o para longe, mas foi dominada pelo fogo da paixão. Logo passou a corresponder ao beijo com a mesma fúria
e impetuosidade. Seus corpos se contorciam de prazer, vítimas de um desejo arrebatador, desenfreado.
- Sabia que não estava errado... - ele murmurou, ofegante, assim que a soltou.
- Errado?
- Minha cabine fica no final do corredor, à direita... - disse, tentando puxá-la pelo braço.
- O quê?
- Ficaremos mais à vontade lá... Percebendo a intenção de Giles, ela se afastou. Seu rosto traduzia toda a revolta e a dor que estava sentindo.
- Venha.
- Não!
- Por que não? - Estava boquiaberto e ofendido com a recusa.
- Por muitas razões. Acabei de conhecê-lo, você me despreza...
- Isso nunca a impediu antes.
Francine ficou petrificada. Aquelas palavras foram piores do que um soco.
- Para quem já teve tantos amantes, por que esse excesso de escrúpulos para ficar comigo?
Mortalmente ofendida, ela lhe deu um tapa vigoroso na face.
Giles distanciou-se alguns passos, transtornado pelo ódio e pelo constrangimento. Os músculos do rosto estavam contraídos, e os olhos pareciam soltar faíscas.
Então, um barulho ensurdecedor cortou o ar, logo acompanhado pelo alarme de emergência.
- Agarre-se em algo! - ele gritou, diante do choque. Mas a única coisa que Francine encontrou para se segurar foi aquele corpo viril, que havia rejeitado minutos
atrás.

CAPÍTULO III
O trem parou violentamente. Giles e Francine foram jogados contra a parede, a vários metros de onde estavam. Depois, veio o silêncio, seguido por uma escuridão
aterradora, até que, por fim, as luzes de emergência se acenderam.
Incapaz de mover-se, devido ao pânico, ela continuou no chão. Todo o corpo doía, e respirava com dificuldade. Não demorou muito, Giles veio em seu socorro,
colocando-a de pé.
- Está tudo bem? - ele indagou, tomado pela aflição. Nem parecia o mesmo homem prepotente e vaidoso de minutos atrás.
Francine fez um sinal afirmativo com a cabeça. Tremia tanto que ainda não estava em condições de falar.
Sem perder tempo, Giles correu para a porta de saída, ordenando:
-Veja se os outros precisam de ajuda. Vou descobrir o que causou esse acidente.
Respirando fundo, ela procurou controlar os nervos e foi ao encontro dos companheiros de viagem. Quando se aproximou do vagão principal, gemidos, choros e
protestos a fizeram gelar. Não sabia como iria encontrá-los... A bela sala decorada em estilo Luís XV agora estava completamente revirada, como se um tufão tivesse
passado por ali. Móveis e objetos misturavam-se às pessoas, espalhados por todos os cantos.
Marguerite fazia o maior escândalo, chorando como se o mundo tivesse acabado.
- Cale-se! - alguém gritou, perdendo a paciência com aquelas lamúrias.
Surpreendentemente, ela obedeceu, ficando no mais absoluto silêncio.
Os passageiros que estavam bem começaram a se levantar e socorrer os outros, erguendo móveis e afastando entulhos.
Francine correu até uma mulher desmaiada, perto da porta, cujo marido lutava para reanimá-la. Tomando-lhe o pulso, constatou que não havia ferimentos aparentes...
- Ela é hipertensa, Red - o marido informou. Olhando ao redor, à procura de algo que pudesse ajudar, Francine improvisou uma compressa fria com alguns cubos
de gelo e guardanapos, que pôs na nuca e na testa da mulher. Logo ela foi voltando a si, piscou os olhos e moveu a cabeça para os lados.
- Está melhor? - Francine indagou com delicadeza, apertando a mão da enferma.
- Sim... Só um pouco zonza.
- Red - outra pessoa a chamou, aflita.
- Pode ir, eu cuido dela agora... - o marido disse, tentando pôr a esposa de pé. - Obrigado.
Francine foi na direção do chamado, fazendo pequenos curativos em mais duas ou três pessoas. Sempre dava um jeito de aproveitar o que tinha em mãos, já que
não sabia onde estava a maleta de primeiros socorros do trem. Ainda bem que fizera um curso de introdução à enfermagem na época do ginásio, senão estaria perdida
agora!
- Onde está Giles? - alguém perguntou.
- Ele foi ver o que aconteceu - Francine respondeu, com um sorriso cheio de confiança. O mais importante, nessas horas, era não perder a calma.
De repente, gemidos fortes, vindos detrás do bar, chamaram-lhe a atenção. Ao investigar, encontrou Jean-Marc sangrando muito, com um corte no braço.
Com a ajuda de um homem, tirou o garçom de lá, acomodando-o sobre uma poltrona.
- Está muito ruim? - o moço perguntou, contorcendo-se de dor.
- Não se preocupe, vai ficar bem... - ela respondeu, tentando estancar o sangue com uma faixa improvisada.
- Foi uma avalanche?
- Parece que sim... - Francine sussurrou, olhando de relance para as janelas.
- Giles saberá o que fazer - um dos homens falou, acompanhando a conversa.
- Os suíços são muito eficientes, como seus relógios - um terceiro afirmou, rindo. - Não me surpreenderia se, daqui a pouco, retomássemos nossa viagem!
Todos ao redor riram, mais confiantes e descontraídos. Francine fez uma prece silenciosa, agradecendo o clima de solidariedade e animação que reinava no trem,
apesar do acidente.
- Red, por favor... - um homem a chamou, nervoso. - Acho que Angelique quebrou o braço.
Deixando Jean-Marc sob os cuidados de uma senhora, Francine seguiu o cavalheiro de olhos brilhantes, cujo nome ainda não sabia.
A francesa estava deitada em um sofá, apertando o local machucado com uma compressa de gelo. Estava pálida, chorando baixinho.
Gentilmente, Francine examinou-lhe o braço, movendo-o em várias direções.
- Não houve fratura - informou, confortadora. - Trata-se apenas de uma contusão. Se o enfaixarmos, a dor vai diminuir um pouco.
Ao sinal aquiescente da mulher, ela tirou a própria echarpe do pescoço e cuidou da tarefa.
Muitos homens começavam a se movimentar pela sala, atrás de informações sobre o que acontecera. Giles ainda não voltara para dar-lhes notícias, e os funcionários
pediam para que nenhuma pessoa deixasse o trem.
Depois de ter certeza de que todos já haviam recebido socorro, Francine resolveu fazer uma investigação por conta própria. Para isso, esgueirou-se até a cozinha
e, atravessando o compartimento de carga, desceu do trem. Apesar do frio intenso e do vento gelado que castigava a região, ela andou alguns metros, com as pernas
enfiadas na neve fofa, até obter uma visão mais nítida do que bloqueara os trilhos.
- Meu Deus! - exclamou, atordoada, ao ver uma verdadeira imensidão de neve à frente da locomotiva.
- O que está fazendo aqui? - Giles gritou, furioso, indo a seu encontro. - Volte já para dentro, ou vai acabar congelando!
Batendo o queixo de tanto frio, permitiu que ele a levasse de volta para a cozinha. Então, envolvendo-a em um cobertor, Giles arranjou-lhe um copo de conhaque.
- Beba tudo - ordenou, arrancando-lhe os sapatos molhados.
Diante da ordem imperiosa, não teve coragem de desobedecê-lo. Além do mais, sabia que Giles estava com a razão. Podia ter morrido lá fora, com os termômetros
marcando dez graus abaixo de zero.
Sem perder tempo, ele passou a massagear-lhe os pés com vigor, para que a circulação se normalizasse.
Lentamente, a cor foi voltando à face de Francine, e os tremores diminuíram...
- Fez uma grande tolice... - repreendeu-a, embora seu tom estivesse mais brando, quase carinhoso.
- Desculpe, não tive intenção de causar problemas - explicou, em um murmúrio vacilante. - Só estava preocupada... - Ia dizer "com você", mas calou-se a tempo.
Não queria deixá-lo ainda mais convencido do que já era.
- Tivemos muita sorte... Mais alguns segundos, e teríamos mergulhado naquela montanha de neve - disse, deixando escapar seus pensamentos mais sombrios. A testa
estava coberta por rugas de preocupação.
- As coisas estão muito ruins? - arriscou perguntar, temendo aborrecê-lo.
- Não se pode dizer que estamos no paraíso... Não podemos mover a locomotiva, sem termos certeza de que isso não irá provocar uma nova avalanche - respondeu.
- Mas, não se preocupe, um trem de resgate já está a caminho.
- De fato, não se brinca com a famosa eficiência suíça - zombou, furiosa com as sensações de volúpia e êxtase que a estavam tomando de assalto. O conhaque
forte e as massagens, a essa altura, muito sensuais, estavam esquentando-a mais do que deviam...
O momento era totalmente impróprio para esse tipo de reação passional, e, além do mais, não podia permitir que Giles controlasse seu corpo como bem entendesse.
Não iria esquecer os insultos e a proposta absurda que ele lhe fizera pouco antes do acidente!
Sua provocação pareceu surtir o efeito desejado, pois Giles afastou-se imediatamente.
- Quando voltar para o vagão principal, Red... - fitou-a com desprezo - não diga aos outros passageiros o que viu. Pânico e histeria só iriam piorar as coisas.
- Não sou histérica nem pretendo alarmar ninguém! Ele não retorquiu, dando-lhe as costas.
Francine ainda ficou mais alguns minutos ali sentada, envolta na coberta. Estava com muita raiva daquele homem convencido, esnobe e... maravilhosamente sedutor!
Já não sabia mais o que sentia por ele. Uma hora, tinha vontade de jogar-se em seus braços e beijá-lo até perder o fôlego. Logo depois, porém, gostaria de
dar-lhe socos no estômago. O que estava acontecendo com ela?
A contragosto; as palavras sábias de Molly lhe vieram à mente: "amor e ódio são duas faces de uma mesma moeda".
- Isso nunca - sussurrou, revoltada. Se era difícil aceitar a hipótese de sentir-se atraída por Giles, que só sabia desprezá-la, amá-lo era algo fora de cogitação.
Sua voz devia ter soado um pouco mais alta do que imaginava, pois os funcionários, que se esforçavam para pôr a cozinha em ordem, olharam-na, espantados.
Com um sorriso amarelo, Francine aproveitou para pedir-lhes que preparassem bebidas quentes e alguns lanches para as pessoas. Em seguida, voltou para o Vagão
principal, bem a tempo de ouvir as instruções de Giles...
- O trem de resgate deverá chegar em torno de meia. hora. Portanto, seria ótimo se todos estivessem bem agasalhados na hora de mudarmos de veículo. Está um
frio aterrorizante lá fora. - Deu uma olhada significativa para Francine, com o canto dos olhos, embora ninguém mais tivesse percebido.
Contrariada, ela respirou fundo e foi ver como Jean-Marc estava.
- Quanto às malas, levem apenas o essencial para essa noite. O restante ficará seguro aqui - Giles continuou a explicar. - Se não houver mais nenhum imprevisto,
este trem estará a nossa espera em Chur, amanhã cedo.
Os convidados começaram a bater palmas e fazer brincadeiras. Todos estavam enfrentando a situação com muito bom humor.
- Desculpem o transtorno, amigos. Logo, para delírio de todos, os garçons entraram, trazendo café, chocolate quente, chás e sanduíches de salmão e de queijo.
Foi uma festa, com direito até a músicas natalinas no piano. Afinal de contas, tinham motivos de sobra para comemorar. O que fora apenas um contratempo poderia ter
sido uma grande tragédia. Após o lanche, as pessoas foram para suas respectivas cabines, a fim de se preparar para a mudança de trem.
Quando o resgate finalmente chegou, Giles fez questão de carregar as damas que não estavam usando botas, para que não molhassem os pés na neve.
Francine estava arrependida até o último fio de cabelo por ter esquecido suas botas em casa. Como pudera vir à Suíça, em pleno inverno, sem trazer aqueles
calçados? Era o mesmo que ir ao Havaí sem levar biquíni!
Chegava a estremecer só de se imaginar nos braços de Giles, por isso, teve de recorrer a toda sua astúcia para escapar dessa situação...
Manteve-se escondida no vagão quanto pôde. Por fim, aproveitando um momento em que ele levava outra mulher, percorreu a pequena distância entre os dois trens,
como se estivesse em uma corrida de vida ou morte.
Uma vez instalada, permaneceu quieta e pensativa o resto da viagem até Chur, imaginando uma maneira de abandonar o Expresso da Europa. Só queria voltar para
casa e esquecer, se fosse possível, que conhecera Giles Lapotaire.
A primeira providência a tomar, quando chegassem à estação, era ver se conseguia passagem para qualquer lugar do mundo. Como essa tarefa seria praticamente
impossível em pleno Dia de Natal, já estava se preparando para partir no dia seguinte. Tinha apenas uma certeza: de forma alguma voltaria ao trem de Giles! Francine
estava tão envolvida com seus planos que nem sentiu o tempo passar. Quando percebeu, haviam chegado a Chur.
- Um microônibus irá levá-los para o hotel - Giles informou, tornando a se desculpar pelos inconvenientes daquela mudança.
Mesmo obcecada pela idéia de conseguir uma passagem para outro local, Francine levou um choque, ao se deparar com a mesma moça charmosa, que vira em Paris.
Com um casaco de visom que ia até os pés, botas e gorro também de pele, ela parecia saída do elenco do filme Dr. Jivago. Era linda e tinha plena consciência
dessa fato.
"Claire...", Francine concluiu em pensamento, sentindo uma dor aguda no coração. Se lhe restava alguma dúvida quanto à identidade daquela mulher, Marguerite
encarregou-se de dissipá-la...
- É Claire! - gritou, esfuziante, como se acabasse de ver Papai Noel.
Deixando de lado seus planos de fuga, Francine não tirou os olhos de Giles, atenta a cada detalhe de sua fisionomia.
Ele, é claro, foi ao encontro da namorada, amante, ou o que quer que ela fosse. Também parecia perplexo por vê-la ali...
"Não seja boba, Francine! Pare de se iludir!", repreendeu-se, sentindo uma estranha vontade de chorar. Contendo as lágrimas, aproveitou-se da confusão da chegada
para ir até os guichês. Agora, mais do que nunca, precisava ir embora.
Decididamente, o destino parecia estar conspirando contra ela. Nenhum guichê estava aberto, e tudo o que conseguiu foi um número de telefone para informações
turísticas. Porém, esse serviço só estaria funcionando no dia seguinte.
Desanimada, voltou para junto do grupo do Expresso da Europa. Giles havia sumido, e Claire conversava com a irmã, afastadas das outras pessoas.
Francine ficou perplexa ao ver o modo frio e impessoal como as duas se tratavam. Após os esforços incansáveis de Marguerite para ter notícias de Claire, esperava
abraços calorosos, ternura e muito afeto...
- Gostaria de saber por que ela estava tão ansiosa para encontrar a irmã... - indagou-se, ao acaso.
Contudo, Francine quase morreu de vergonha quando a mulher ao lado respondeu sua pergunta.
- Ora, Marguerite só queria ter certeza de que a irmã não tinha ido para a Grécia atrás de um milionário que ambas acabaram de conhecer.
- Oh! - Ficou boquiaberta diante daquela revelação. - Pensei que Claire estivesse envolvida com Giles! E Marguerite é casada!
Angelique arqueou as sobrancelhas, em uma expressão de puro cinismo.
- Não seja ingênua, querida. Mulheres como elas só se casam por conveniência. Dinheiro, bom relacionamento na sociedade, romances clandestinos e, acima de
tudo, uma boa rivalidade entre irmãs são fatores que tornam suas vidas interessantes.
Embora não quisesse crer no que Angelique lhe dissera, bastava observar as irmãs para saber que era a pura verdade. Elas pareciam odiar-se!
De repente, Giles reapareceu, e Claire enlaçou seu pescoço, dando-lhe um beijo provocante.
Com o coração despedaçado, Francine deu meia-volta e começou a se afastar do local. Nunca existira nada entre eles, mesmo assim, não suportava vê-lo nos braços
de outra mulher.
- Não há comparação, não é, Red? - Marguerite indagou, maquiavélica, ao aproximar-se.
- De fato. Aliás, nem mesmo você é páreo para ela. Não fora nada gentil, nem educado, da parte de Francine, dizer aquilo. Todavia, em algumas situações, era
necessário combater fogo com fogo. Certamente, da próxima vez, Marguerite pensaria duas vezes antes de atacá-la.
Apertando o passo, Francine deixou-a para trás e entrou no ônibus, rindo e conversando com os outros companheiros.
Ao chegarem ao hotel, um autêntico castelo do século dezessete, um coral os esperava, cantando as mais conhecidas canções de Natal.
Emocionada, Francine não conseguiu reprimir as lágrimas, que rolavam em abundância por seu rosto. E, embora se esforçasse para apagar os vestígios do choro
com um lenço, os olhos lacrimejantes eram capazes de denunciá-la a quilômetros.
- Está chorando... - Giles murmurou, abismado.
- É o Natal... - explicou, evitando encará-lo. - Sempre fico emotiva nessa época.
- Bem, aqui está a chave. A bagagem já foi levada para seu quarto.
Os dedos deles se tocaram ligeiramente, causando arrepios pelo corpo inteiro de Francine.
- Obrigada... - Aproveitando a aproximação de outros hóspedes, ela se retirou depressa.
Enquanto seguia o camareiro pelos suntuosos corredores do castelo, pensava, desolada, que nunca mais tornaria a ver Giles Lapotaire. Iria partir na manhã seguinte
e, até lá, não tinha intenções de sair do quarto.
Contudo, ao chegar a seu destino, acabou reformulando seus planos...
O quarto era magnífico e luxuoso, como o de uma princesa! Cama com dossel, cortinas de brocado... Sentia-se a própria Cinderela! E, como naquele conto de fadas,
também haveria um baile.
- Um baile de gala, a fantasia! - exclamou, deixando vir à tona todo seu romantismo.
Ao ver o belíssimo traje de egípcia, pendurado no guarda-roupa, suas últimas dúvidas se dissiparam, como fumaça diante de um ventilador...
Todo bordado com pedrarias, o vestido de musselina verde-água era digno de Ísis, a grande deusa do Egito antigo. Também havia um par de sandálias de salto
alto, da mesma cor da roupa, pulseiras, um colar e uma peruca negra enfeitada com ornamentos dourados.
Era impossível resistir... Partiria no dia seguinte, já estava decidida. Mas, de modo nenhum, iria perder uma oportunidade daquelas.
Faltavam cinco minutos para as dez horas da noite. Francine estava petrificada diante do espelho. O baile havia começado havia mais de quarenta minutos, protanto,
se realmente pretendia participar da festa, deveria descer logo...
A maquiagem egípcia estava fantástica, bem como a peruca e os outros adereços... Seu grande problema era o vestido muito transparente e com duas enormes fendas
laterais que quase chegavam à cintura.
Usando uma combinação e recorrendo à ajuda providencial de linha e agulha, conseguira diminuir os excessos. Mesmo assim, não se sentia à vontade dentro daquele
modelo... Era ousado e sensual demais para seu gosto...
Lembrando-se de Claire e Giles, acabou criando coragem e, finalmente, saiu do quarto. Iria se despedir do papel de mulher fatal com absoluta propriedade.
A medida que ia se aproximando do salão, deparava-se com fadas, príncipes, piratas, personagens mitológicas, reis, rainhas, gueixas e muito mais. Tudo embalado
pelo som de uma orquestra espetacular, que tocava desde valsas aos mais recentes sucessos das bandas de rock.
- Hei! Red? - alguém a chamou, no meio da agitação. - Está simplesmente linda com essa roupa de Cleópatra!
"Cleópatra! Que apropriado!", riu, repetindo mentalmente o nome. Para quem havia se imaginado como a romântica Cinderela, encarnar a sedutora Cleópatra era
uma transformação e tanto... Afinal, a rainha do Egito tornara-se conhecida por sua astúcia e seu talento na arte da sedução, o que lhe rendera o amor de Júlio César
e do general romano Marco Antônio.
Francine só não esperava terminar a noite de modo tão trágico ou desastroso quanto Cleópatra, que se deixara picar por uma serpente.
- Do que está vestido, René?
- Ora, não está reconhecendo meu traje? - o cavalheiro de olhos azuis, cujo nome descobrira momentos antes, retorquiu, alisando a roupa. - Sou um dos mosqueteiros
de Luís XIII.
Francine caiu na risada.
- Não sabia que eles usavam plumas de avestruz nos chapéus!
- Essa foi uma pequena adaptação.
Os dois riram, e ele a convidou para dançar, apresentando-lhe aos reluzentes salões do castelo de Chur.
Depois daquele verdadeiro début, Francine não ficou um só instante sozinha. Conversava com seus conhecidos do trem, dançava com quem viesse tirá-la, sempre
fazendo questão de ser gentil e simpática. Estava feliz por ter ido ao baile. Pelo menos teria uma recordação boa dessa desastrosa viagem...
Para desgosto de Marguerite, que estava amuada em um canto, onde quer que Francine passasse, percebia que todos se voltavam para admirá-la, principalmente
os homens. Isso era um presente para sua vaidade feminina, tão maltratada nos últimos dois dias! Aliás, pensando em Claire, Francine não vira nem sombra dela no
baile...
"Talvez a beldade esteja irreconhecível, debaixo de alguma fantasia mais exótica", pensou, com certo sarcasmo. Logo, porém, descartou a hipótese, já que Giles
desfilava pelos salões sozinho.
Ao contrário da maioria absoluta dos convidados, ele não usava nenhuma fantasia. Havia preferido a sobriedade de seu smoking.
De vez em quando, percebia que ele se aproximava, como se quisesse lhe falar. Contudo, limitando-se a observá-la com reprovação, Giles logo se afastava.
Durante toda a noite, esse mesmo ritual se repetiu, até que, enfim, ele a puxou pelo braço, trazendo-a de encontro ao peito. A atração entre seus corpos parecia
natural, embora ambos relutassem em admitir isso.
- Pare de se exibir - falou, enérgico. Entretanto, quem os visse pensaria que ele estava lhe fazendo algum elogio.
- Como esperava que eu agisse com um vestido como esse? Tive um enorme trabalho para minimizar as fendas e os decotes!
- Não tive nada a ver com isso... - afirmou, recebendo um olhar de descrédito de Francine.
- Hei! Procure outra acompanhante! - um desconhecido, que dançava com ela no momento da abordagem, protestou.
Giles a soltou, fitando o oponente com fúria.
- Por que não fica com Claire? - Francine propôs, conciliadora.
- Ela não veio ao baile...
- Que pena! - exclamou, irônica, retornando à pista de dança com seu parceiro, vestido de rei do Sião.
Não queria mais pensar em Giles Lapotaire, que até agora, só a fizera chorar. Ele que ficasse com Claire Marguerite ou qualquer outra! Afinal, tudo o que fazia
acabava por aborrecê-lo ou atrair sua revolta... Não havia como agradar àquele homem!
Embora tentasse se enganar com essa postura independente e determinada, a festa perdera todo o encanto após a rápida discussão. Melancólica, arranjou uma desculpa
e afastou-se do acompanhante...
- Francine! - alguém a chamou.
Virando-se, acenou para a alegre americana que vinha em sua direção. A amiga estava simplesmente hilariante em um traje de medusa, com direito até a cobras
estilizadas na cabeça. Contudo, havia outra pessoa por perto...
- Francine? Ela a chamou de Francine? - Giles indagou, acusador, segurando-a pelo cotovelo.
- Sim, e daí?
- Como tem a coragem de se apresentar com esse nome?
- Ora, não estou fazendo nada errado!
Por que ele se irritava com tudo o que fazia? Por sorte, nesse momento, a medusa juntou-se a eles, obrigando-os a disfarçar a irritação mútua.
- Só queria dizer-lhe boa noite, meu bem. - Deu-lhe um beijo afetuoso na face. Em seguida, voltando-se para Giles, falou: - Pare de importunar a pobre Francine.
Todos estão começando a achar que não gosta dela,
- Ele não gosta - Francine interveio, franca.
- Bobagem! Sei muito bem reconhecer um casal apaixonado quando o vejo, por isso não tentem me ludibriar - disse, sorrindo para os dois.
Assim que a americana se foi, Giles tornou a perguntar, dessa vez mais furioso:
- Por que está usando esse nome?
- Ora, porque é assim que me chamo - afirmou, colérica. - Quem pensou que eu fosse, Cleópatra.
- Não... Cecille.
CAPÍTULO IV
- Cecille!? - Francine explodiu, atônita. - Agora já foi longe demais com seus insultos! Não admito que me compare com ela!
Houve uma longa pausa, enquanto a ira nos olhos de Giles se transformava em perplexidade.
- Não é Cecille?
- Definitivamente, não! Como pôde me confundir com aquela criatura... - Calou-se. Enfim, havia desvendado o enigma. Revoltada, murmurou: - Agora entendo por
que vinha me tratando com todo esse desdém...
- Como esperava que eu agisse com Cecille? Francine não respondeu de imediato. Estava transtornada de ódio, vergonha e frustração.
- Pelo que sei, ela está na Flórida. Portanto, se deseja encontrá-la, monsieur Lapotaire, não perca mais seu tempo aqui!
- Não quero nada com ela!
- Não seja ridículo! Pensando que eu fosse Cecille, tentou levar-me para sua cabine, lembra-se?
- Estava seduzido por você, seja lá quem for... - respondeu, começando a fitá-la de outra maneira... Não havia mais aquela expressão de desdém e arrogância
em seu rosto.
- Que tolice! Você me desprezava, mas, apesar disso, queria fazer amor comigo. Se eu tivesse aceitado seu convite, só me restaria humilhação.
Respirando fundo, Giles resolveu mudar de assunto. Como poderia explicar-lhe que estava apaixonado por ela? Logo ele, tão objetivo e racional, que nunca acreditara
em amor à primeira vista, de repente, via-se fascinado por uma mulher que conhecera a menos de dois dias!
- Se não é Cecille, quem é você?
Furiosa, Francine sorriu-lhe com sarcasmo. Sentia-se como se estivesse tendo um terrível pesadelo e não via a hora de acordar.
- Bem, estava na estação, vi aquele belo trem e achei que não haveria problema se eu me juntasse ao grupo. Então...
Ele a segurou pelos ombros, obrigando-a a encará-lo.
- Por que está aqui?
- Já lhe disse... Molly me convidou. Se soubesse que era uma festa particular, jamais teria vindo! Repeti essa história umas dez vezes, quando vai acreditar
em mim?
- Marie-Louise convidou a neta! - Giles continuou a teimar. No fundo, preferia discutir com ela a ter de enfrentar as emoções estranhas e contraditórias que
o invadiam. Não estava acostumado a lidar com sentimentos, apenas com cálculos, -apólices e números... - Ela me escreveu um bilhete, recorda-se?
- Molly e Cecille não se encontravam havia mais de um ano. Elas nem sequer se falavam ao telefone! Não sei de onde tirou essa conclusão absurda.
Começando a se exasperar com o impasse, Giles arrostou Francine até um corredor mais isolado. As pessoas já começavam a fitá-los, com curiosidade, à procura
de alguma fofoca.
- Vamos esclarecer logo essa história - exigiu, áspero - Por que se fez passar por Cecille?
- Alguma vez eu lhe disse que esse era meu nome? - perguntou, com as mãos na cintura, desafiadora. - Não, nunca! Aliás, quando tentei me apresentar, você grosseiramente
me informou que já sabia quem eu era!
Ele respirou fundo, impaciente.
- O que nos leva de volta ao início. Quem é?
- Sou Francine Ward.
- Nunca ouvi falar sobre você...
- Isso também é minha culpa?
- Qual era seu grau de parentesco com Molly? - tornou a perguntar, intrigado.
Por um momento, Francine hesitou, pensando se deveria responder àquele verdadeiro interrogatório. Afinal, desde o começo da viagem, não fizera nada de errado
para merecer um tratamento tão injusto. Ele fora o grande culpado por tudo, tirando conclusões precipitadas...
- Era sua afilhada - disse por fim. Achou melhor acabar de uma vez com aquele mal-entendido.
Ele riu, liberando um pouco da tensão.
- Ora, pare de mentir! Não pode ser a afilhada de Molly!
Cada vez mais séria, ela o desafiou:
- Por que não?
- Ora, porque... é velha demais!
- Velha!? Tenho apenas vinte e oito anos!
- Não foi isso que eu quis dizer... - desculpou-se. Estava tão confuso que já não conseguia mais usar as palavras adequadas. - É que Molly sempre se referia
à afilhada como se fosse uma criança. Costumava chamá-la de "minha adorável garotinha", "minha menina", coisas do gênero.
Foi a vez de Francine dar uma boa gargalhada. Sentia tanta saudade de sua madrinha...
- As vezes, Molly não se lembrava de que eu havia crescido... Além do mais, eu era uma "garotinha" comparada a ela. Imagino que, quando se tem oitenta e sete
anos, qualquer pessoa com menos de trinta vira uma criança.
Olhando fixamente para ela, Giles analisou cada centímetro de seu rosto... Lutava para pôr os pensamentos em ordem...
- É por isso que eu estava tão confuso. Você era diferente de tudo o que Molly havia me contado.
- Ela lhe disse que meu nome era Cecille? - arriscou outra pergunta, queria saber de onde ele havia tirado aquela idéia mirabolante.
Baixando os olhos, teve de admitir que cometera um lamentável engano.
- Não... Na verdade, foi um bilhete curto, sua letra estava muito trêmula...
- E, mesmo assim, preferiu me maltratar, em vez de esclarecer as coisas?
Zangada, Francine tentou ir embora. Mas, agindo rápido, ele conseguiu impedi-la, segurando-lhe o braço.
- Solte-me! Não temos mais nada para conversar - protestou, lutando para se livrar daquelas mãos fortes.
A masculinidade selvagem de Giles estava começando a perturbar-lhe os sentidos... Suas fibras latejavam de desejo, implorando mais carícias... Contudo, ofendida,
esforçava-se para manter o autocontrole.
- Está enganada. Temos muitas coisas para discutir. Agora que já sei quem é, precisamos falar sobre nós. - Propositadamente, colou o corpo ao dela, abusando
de seu poder de sedução.
- Deixe-me em paz!
- Vai negar que não se sente atraída por mim, como eu me sinto por você?
- Minha vida não é baseada em atração. Procuro algo mais estável e duradouro do que uma simples noite de amor! - Cravou os olhos no rosto de Giles. - Ainda
não entendeu, não sou como Cecille!
- Isso já faz parte do passado, Francine. Seu nome fora pronunciado de modo encantador.
Mas, apesar da vontade de jogar-se nos braços dele, manteve-se firme e implacável. Após a lição que aprendera em seu romance frustrado com Edward, jamais iria
permitir que o desejo falasse mais alto do que seus sentimentos.
- Você é extremamente convencido, Giles Lapotaire! Acha que posso esquecer todas as ofensas que me fez, assim, de uma hora para a outra?
- Só disse aquelas coisas porque pensei que fosse Cecille.
- Ora, mas você as disse! - Lembrando-se de outro detalhe importante, inquiriu: - E quanto a Claire?
- Quem? - Ele se fez de desentendido.
- Pare com isso! Não quero ouvir mais nenhuma palavra! - Do fundo de sua alma, brotou uma força tão grande que conseguiu empurrá-lo para longe.
Perplexo, ele não sabia o que fazer para consertar a situação.
- Vou partir na primeira oportunidade que tiver e espero, sinceramente, nunca mais tornar a encontrá-lo - bradou, com as faces coradas de raiva. - Aliás, faço
questão de devolver todos seus presentes. Pode dá-los para Claire ou Cecille!
- Isso está me parecendo ciúme... - provocou, deixando-a ainda mais irada.
- Quanta pretensão! - Dando meia-volta, Francine desapareceu nos corredores do castelo.
Giles tentou alcançá-la, mas, no meio do trajeto, foi cercado por alguns amigos, e, quando conseguiu se livrar do grupo, não havia nem sinal dela.
- Francine... - Não se cansava de repetir aquele nome, como se estivesse dizendo uma poesia. Era fabuloso descobrir que a mulher de seus sonhos não era a sórdida
Cecille.
Após ter escapado de Giles, Francine trancou-se em seu quarto, torcendo para que ele não viesse procurá-la.
Sua primeira providência foi livrar-se da fantasia e tomar um longo banho de imersão. Depois, um pouco mais tranqüila, jogou-se na cama, lutando para ver se
conseguia dormir.
Em seu íntimo, uma verdadeira guerra se desenrolava entre diversos tipos de sentimentos. Ódio e revolta combatiam ferozmente contra felicidade, ternura e amor.
Estava confusa e não conseguia chegar a nenhuma conclusão.
O que sentia por Giles Lapotaire ultrapassava a barreira da simples atração física... Não sabia explicar como nem por quê, em apenas dois dias de convivência
turbulenta, apaixonara-se por ele... Mas essa era a pura verdade! Gostava de seu jeito reservado de demonstrar afeto pelos amigos, de seu humor sarcástico, de sua
grande inteligência... Oh! Deus! O que seria de sua vida sem ele?
Ao mesmo tempo, nutria um ódio imensurável por aquele homem intransigente e convencido, que passara os últimos dias a espezinhá-la. Como poderia esquecer todos
as ofensas injustas que ele lhe fizera? Agora, Giles alegava ter feito tudo aquilo por desconhecer sua identidade... Será que poderia acreditar em seu pedido de
desculpa e em suas promessas de amor, ou tudo não passara de um pretexto para seduzi-la?
Passou a noite inteira envolta por esse torvelinho de contradições, de modo que quase nem conseguiu dormir. Nas raras vezes em que pegou no sono, acordou,
sobressaltada, com pesadelos mais confusos ainda...
Quando amanheceu, estava com uma aparência péssima. Olheiras profundas marcavam-lhe o rosto pálido. Além disso, o cansaço físico e mental era extremo...
Com uma boa dose de maquiagem, tentou encobrir as marcas da noite mal dormida, e tomou bastante café para se manter acordada.
Infelizmente, seus planos de abandonar o Expresso da Europa também acabaram frustrados. Não havia meios de regressar a Paris nos próximos três dias. Por causa
da proximidade do Ano-Novo, todas as passagens já haviam sido vendidas.
Como não era milionária para fretar um avião ou qualquer outro meio de transporte que a tirasse dali, teve de engolir o orgulho e voltar para o trem, junto
com os demais convidados de Giles.
Ignorando seu anfitrião, trancou-se na cabine por várias horas. Por fim, vencida pela fome, acabou deixando seu esconderijo.
Para sua surpresa, descobriu que Marguerite e o marido não estavam mais no trem, haviam partido para a Grécia. Contudo, não teve coragem de perguntar sobre
Claire, embora também não a visse entre os passageiros.
Jean-Marc foi outra ausência notada por Francine. Ao indagar por ele, informaram-na de que Giles cuidara para que fosse transferido para o hospital de Chur,
a fim de se recuperar por completo do acidente.
Melancólica, sentou-se na mesa de costume. No final da tarde, chegariam a Weesen, onde Giles iria desembarcar ... Provavelmente, nunca mais se encontrariam...
- Posso fazer-lhe companhia, mademoiselle? - Giles indagou, do mesmo modo que fizera na primeira noite. Porém, dessa vez, sua voz era terna e sensual.
Ela ergueu os olhos do cardápio, sorrindo com espontaneidade.
- Por favor, monsieur.
Seria tão maravilhoso se pudessem voltar no tempo, iniciando a viagem outra vez, sem os desencontros e mal-entendidos... Entretanto, não se podia mudar o passado,
apenas aprender com os erros para construir um futuro melhor.
- Nunca vai me perdoar, Francine? - perguntou, sem rodeios, logo após fazer os pedidos.
Pega de surpresa, ela ficou sem saber o que responder...
- Também a vi na estação, em Paris - falou, saudoso. - Fiquei fascinado por sua beleza e seu charme, embora aparentasse uma grande melancolia. Contudo, acabei
por perdê-la de vista no meio da multidão.
- Pensou que eu fosse uma intrusa?
- Não, pensei que fosse Cecille... A recepcionista dissera-me que sua passagem estava em nome de Marie-Louise Patry, e, como eu não entendera o bilhete, achei
que fosse a única conclusão plausível... Não podia imaginar que a afilhada de Molly fosse uma mulher tão exuberante.
Francine enrubesceu com o elogio.
- E Claire?
- Ora, você deve ter-nos visto na sala de espera da estação... Estávamos discutindo. Egoísta e mesquinha, ela se recusava a me ajudar a recepcionar meus amigos.
Tinha recebido um convite mais interessante...
- Para ir à Grécia?
- É impressionante como as notícias correm, não? Sacudindo os ombros, ela disse:
- Você também é milionário. Então por que ela foi procurar outro homem?
- Sim, tenho muito dinheiro... Porém, como já lhe disse, não gosto muito de badalações ou festas concorridas, o tipo de coisa que Claire procura.
- Mesmo assim, ela foi encontrá-lo em Chur... - falou, ansiosa para ouvir o resto da história.
- É verdade, porém, nosso romance já estava acabado. - Giles segurou as mãos de Francine, que estavam sobre a mesa. - Claire nunca significou nada para mim,
nem eu para ela.
- Como posso saber se essa história não irá se repetir comigo, Giles?
- Ora, você é diferente de Claire e de todas as outras, Francine! - exclamou, convicto. - Posso dar-lhe centenas de motivos. Nenhuma das moças que eu conheci
até hoje cuidaria dos feridos como você fez no dia da avalanche, nem iria providenciar lanches. Ou se importaria com o estado de Jean-Marc, um garçom. Além disso,
chorou de emoção ao ouvir as cantigas de Natal...
- Ora, também tenho defeitos... - disse, modesta.
- Que ficaria imensamente feliz em conhecer, numa longa convivência diária.
- Está dizendo que... que... - Não conseguia terminar a frase de tão nervosa que estava.
- Quero me casar com você, Francine Ward.
- Pare de brincar com meus sentimentos, Giles! O que está propondo é algo muito sério!
- Tenho consciência disso... Já estou com quase quarenta anos e, até hoje, nunca me casei nem propus casamento a mulher nenhuma, Francine... - Beijou-lhe a
mão. - Se isso ainda não for suficiente para convencê-la de quanto é especial para mim, lembre-se das palavras da medusa... Ela nos disse que estávamos apaixonados.
- Sim, mas paixão não é o mesmo que amor - argumentou, com vivacidade.
- Ora, então admite que se sente atraída por mim?
- Que convencido - protestou. Caíra naquela armadilha sem perceber... - Estaria mentindo se lhe dissesse o contrário, Giles... Mas acha que um casamento pode
se sustentar apenas com paixão?
- Antes de conhecê-la, achava que amor à primeira vista só acontecesse em filmes ou livros... Porém, você virou minha vida de pernas para o ar, Francine. Não
desejo apenas fazer amor com você. Também quero compartilhar minhas angústias e alegrias, ter filhos... Eu te amo!
Ela queria gritar que também o amava, mas, por receio de se ferir, calou-se no último segundo. Todavia, seus olhos brilhantes valiam por uma tórrida declaração
de amor.
- Não precisa me responder agora, Francine. Venha comigo para Weesen. Ficaremos alguns dias juntos em um confortável e bucólico chalé nas montanhas.
- Não sei esquiar...
- Ora, está fugindo do assunto.
Piscando os olhos várias vezes, ela concordou:
- Sim. Estou assustada. Até ontem, você me odiava, agora, quer se casar comigo... Não sei o que pensar!
- Jamais a odiei, Francine. - Seu olhar era sincero. - Agi daquela forma arrogante porque não me conformava em sentir amor por alguém como Cecille... Estava
tão obcecado em negar meus sentimentos que teimava em não perceber que você era outra pessoa...
Ela sorriu, destruindo todas as barreiras que a separavam dele.
- Eu te amo, Giles! - exclamou, sem reservas. - Tentei reprimir esse sentimento com todas as minhas forças, mas foi em vão...
- Quer dizer que aceita minha proposta?
- Sim.
- Só agora entendo as palavras proféticas de Molly: "conhecer essa jovem será a grande oportunidade de sua vida". Pensei que ela estivesse sendo irônica, por
se tratar de Cecille. Felizmente, minha interpretação estava errada.
Desde que entrara naquele trem, Francine tivera a sensação de que o destino estava controlando seus passos. Porém, achara que tudo não passava de uma conspiração
ou pura falta de sorte... Mas também havia se enganado.
Graças à magia do Natal, dois corações solitários foram unidos em um só, durante um breve espaço de tempo. Daí para frente, nada poderia separá-los!
Esquecendo que estavam no restaurante, um beijo longo e apaixonado selou o início de uma nova vida juntos e de um grande amor...

EMMA RICHMOND nasceu durante a guerra em North Kent, Inglaterra, quando, segundo ela conta, "fazendas eram a norma e estradas não existiam. Minha infância foi repleta
de calor e aventura. Sou casada e tenho três filhas que já voaram do ninho, provavelmente por exasperação. O cachorro ficou, embora relutante. Amo a vida e meu mundo
de sonhos, e tudo de que necessito para completar minha felicidade é de uma governanta, como no passado".


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Bianca Dupla 652.2 - Expresso do Amor - A Man To Live For

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Bianca Dupla 652.1 - Três Pequenos Milagres - Rebecca WintersBjos!
 
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