Liz Fielding
A última coisa que Kate queria era se envolver em um romance passageiro.E era apenas isso que Jason Warnick estava lhe oferecendo. Atraente, sedutor e francamente
irresistível, ele atraía as mulheres feito um ímã. Para se proteger do charme de Jason, Kate inventou um namorado, as a quem ela estava querendo enganara Ao cínico
Jason Warnick ou a si mesma? Sim, porque os beijos ardentes de Jason deixavam claro que ele queria Kate de qualquer maneira. E a forma como era correspondido mostrava
e jamais haveria lugar para outro homem na vida de Kate!
ENCONTRO COM O AMOR
Emma Richmond
O lado bom: Vivien não estava acostumada a ser assediada pelos homens. Principalmente homens altos perigosamente sexies como Joshua Baynard. Ele poderia :r qualquer
mulher que quisesse. Então o que queria com Vivien, uma viúva desamparada e com uma pequena filha?
O lado ruim: Bebês não faziam parte dos planos de Joshua Baynard, mas Vivien Carrigan, sim. Não conseguia tirar a morena atraente de sua cabeça. Era uma pena que
ela viesse acompanhada daquele pacote...
O que pensa o bebê: Cathy não conhecera seu pai, mas estava certa de que Joshua era um substituto perfeito. Precisava apenas convencê-lo de que existia na primeira
vez para tudo, até mesmo para a paternidade.
Digitalização: Nina
Revisão: Crysty
Copyright (c) 1995 by Liz Fielding
Originalmente publicado em 1995 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: Bittersweet deception
Tradução: Ana Carolina Ferreira do Nascimento
Copyright (c) 1996 by Emma Richmond
Originalmente publicado em 1996 pela Silhouette Books,
divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Título original: First-time father
Tradução: Márcia Gimenez
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de
reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a
Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá.
Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas
registradas da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios.
Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas
terá sido mera coincidência.
EDITORA NOVA CULTURAL
uma divisão do Círculo do Livro Ltda.
Alameda Ministro Rocha Azevedo, 346 - 11Q andar
CEP: 01410-901 - São Paulo - Brasil
Copyright para a língua portuguesa: 1997
CÍRCULO DO LIVRO LTDA.
Fotocomposição: Círculo do Livro
Impressão e acabamento: Gráfica Círculo
BEIJOS ARDENTES
Liz Fielding
CAPITULO I
Então, é assim que a cozinheira termina a noite? Kate Thornley, encurralada contra a pia por um homem embriagado, irritou-se com esse comentário irônico de um observador
que olhava a cena, divertido.
Será que o idiota não vê que estou em apuros?, perguntou-se. Como ousa ficar ali, parado, em vez de me ajudar?
- Não ligo, finjam que não estou aqui - o espectador prosseguiu. - Vão em frente.
Ela reuniu toda a força que possuía e, enraivecida, empurrou o bêbado. Retomou a compostura e encarou o estranho zombeteiro com um olhar furioso, pronta para dizer
o que pensava dele. Mas as palavras morreram em seus lábios, quando ela reconheceu o dono dos olhos pretos mais insolentes que já vira.
Perto dos trinta anos de idade, Jason Warnick era o presidente da Magnum Entretenimentos, uma companhia que fundara havia dez anos e que agora era uma das mais lucrativas
emissoras de televisão.
- Oh, é você, Jason - o bêbado disse. - Vim até aqui buscar... buscar...
- Uma sobremesa? - Jason completou, sem tirar os olhos de Kate.
- Sobremesa? Essa é boa. - O outro riu, cambaleando para fora da cozinha. - Tchau, Kate. Vejo você em breve.
Dava a impressão de conhecê-la havia anos, no entanto, vira-a pela primeira vez dez minutos atrás, quando entrara na cozinha pedindo uma aspirina.
Kate ficou ainda mais furiosa e a vermelhidão de seu rosto acentuou-se. Tocou o broche de ouro com seu nome gravado, presente que Samantha, sua irmã mais nova, lhe
dera. Sempre gostara de usá-lo, mas depois daquela noite o deixaria em casa.
Bastou olhar para Jason para conscientizar-se de que, se tentasse explicar o que acontecera, ele abriria um sorriso malicioso e soltaria um comentário ultrajante.
Mas seu único erro fora acreditar que aquele homem realmente estivesse com dor de cabeça. Ele se aproximava vagarosamente e, quando Kate virara-se para abrir a porta
do armário, ele a encurralara contra a pia e exigira um beijo, com um hálito horroroso de uísque e cigarro.
- Posso lhe oferecer alguma coisa, sr. Warnick? - Kate perguntou num tom de voz profissional, erguendo o queixo. - Ou veio buscar sua sobremesa?
- Se está procurando um substituto para Harry, lamento. Não como sobremesa.
- Nunca?
- Bem, não como sobremesa com a freqüência que os jornais anunciam.
- Está dizendo que os jornais mentem?
- Nem sempre. E melhor dizer que eles tendem a aumentar os fatos. E um hábito que têm em comum com as mulheres.
- Talvez deva escolher melhor os jornais que lê, sr. Warnick. E suas mulheres.
- Acho que não está em posição de dar conselhos.
- E você está?
- Claro que estou, Kate. Sei exatamente do que uma mulher gosta: dinheiro e poder. Fazem de tudo por essas coisas.
- Não se esqueceu da emoção mais importante? Jason cruzou os braços e fitou-a com interesse.
- E qual seria essa emoção? - perguntou. - O amor, sr. Warnick.
- Amor? Quer dizer sexo?
As faces dela avermelharam-se, quando Jason tocou o broche em seu peito. Kate afastou-se e os dedos dele roçaram seus seios, excitando-os de imediato.
O que é isso, Kate Thornley?, ela ralhou consigo mesma. Foi um ligeiro- toque, involuntário. Comporte-se.
- Não me esqueci do amor - Jason prosseguiu. - Mas o amor, para vocês, mulheres, é uma arma.
- Por que veio à cozinha, sr. Warnick? - ela indagou, mudando de assunto rapidamente.
Até aquele momento, apesar da inacreditável rudeza masculina, ela sentia que estava no controle da situação, sentia-se capaz de replicar a qualquer comentário malicioso,
mas enganava-se. Seu coração estivera trancado por tanto tempo que perdera a noção de perigo.
- Vim atrás de um balde de gelo - Jason respondeu.
- Gelo? - ela repetiu, refletindo que aquela era a última resposta que esperava.
- Gelo. Ah, você sabe, pequenos cubos de água congelada. Mas se quiser sair correndo atrás de Harry, é só dizer onde posso pegá-los.
Kate abriu a porta do armário e tirou um baldinho de metal. Depois, foi até o refrigerador e retirou três formas de plástico com gelo.
- Não há problema algum - disse, pegando o balde e colocando-o sobre a mesa.
Jason continuou a observá-la de uma maneira sedutora, fazendo com que a respiração dela ficasse ofegante. Kate baixou o olhar para a camisa branca que ele usava,
notando que os botões de cima estavam abertos, exibindo o pescoço bronzeado. Então, Jason ergueu-lhe o queixo e forçou-a a encará-lo.
- Quer mais alguma coisa, sr. Warnick?
- Talvez eu tenha mudado de idéia quanto à sobremesa.
Kate recuperou a sanidade e ficou furiosa.
Jason Warnick pode ser considerado um homem desejável por muitas mulheres, mas eu o acho arrogante e presunçoso, pensou.
- O que tem em mente exatamente, sr. Warnick? Uma rápida apalpadela, como seu amigo Harry?
- Em toda minha vida, Kate, nunca fiz nada remotamente parecido com o que Harry Roberts fez. Com certeza, eu não trairia minha esposa com uma cozinheira.
Jason pousou as mãos na cintura delicada.
- Mas não sou casado - acrescentou.
- Lamento, sr. Warnick, mas não faz meu tipo.
Kate cruzou os braços e fez de tudo para mostrar-se indiferente.
- Não? - Jason perguntou, erguendo a sobrancelha. - Veremos.
Para ele, aquilo não passava de um jogo, e esperou que ela ficasse na ponta dos pés para beijá-lo. Kate tinha consciência de que, se o beijasse, sua mente ficaria
entorpecida com o perfume masculino e ela acabaria adorando a pressão dos braços fortes ao redor de seu corpo.
Pensou na boca máscula sobre a sua. Sentiu um forte calor ao imaginar as mãos grandes em sua cintura, puxando-a para bem perto...
O que está acontecendo comigo?, indagou-se, arrepiada. Sou sensata, tenho os pés na chão.
- Sinto muito, mas terá de aceitar minha palavra, porque não tenho a mínima vontade de beijá-lo, sr. Warnick.
Jason ficou parado. Então, com um rápido movimento, deslizou as mãos pelas costas macias, apertando o corpo dela contra o seu.
- Mentirosa - acusou, irritado.
Antes que ela pudesse protestar, ele inclinou a cabeça e cobriu-lhe os lábios com a boca, acendendo chamas de desejo, fazendo-a admitir que era o homem mais desejável
que ela já conhecera.
Quando Jason finalmente interrompeu o beijo, Kate encarou-o, confusa, desnorteada, com o coração batendo violentamente no peito, como uma adolescente que experimentara
o prazer do primeiro beijo.
- Sua palavra é igual à de qualquer outra mulher, Kate. Não tem valor.
O tom de voz áspero dele fez com que Kate voltasse à realidade, sentindo-se humilhada.
- Disse que não queria beijá-lo, sr. Warnick, e era verdade, só que eu não disse nada sobre não apreciar o beijo.
Jason permaneceu calado. Por um momento, fitou-a, então, de repente, caminhou para fora da cozinha.
- Sr. Warnick - Kate chamou ao vê-lo aproximar-se da porta. Jason parou, mas não se virou.
- Esqueceu seu balde de gelo - ela alertou.
O telefone tocou e Kate atendeu.
- Kate Thornley.
- Bom dia, srta. Thornley.
Kate respondeu ao cumprimento, reconhecendo de imediato o tom suave da voz da sra. Tisha Maynard, uma de suas clientes favoritas, apesar de ter sido na cozinha dela
que acontecera o desagradável encontro com Jason Warnick.
- Srta. Thornley, poderia vir até minha casa ainda hoje?
- Claro. Que tipo de festa está planejando?
- Não é uma festa. Prefiro não discutir por telefone.
Será que Jason Warnick falou que me viu nos braços de Harry Roberts?, Kate pensou.
- Estou livre às onze e meia - disse. - O horário é conveniente?
- Estarei esperando.
Kate colocou o telefone no gancho e foi para o quarto, escolher roupas mais apropriadas do que a calça jeans e camiseta que usava. Abriu o armário e olhou-se no
espelho fixado no lado de dentro da porta.
Observou a pele clara, os cabelos pretos, as faces levemente coradas e os lábios delicados. Pousou o dedo indicador sobre o lábio inferior, recordando o beijo de
Jason.
- Que inferno! - exclamou, pegando um conjunto de saia e casaquinho.
Eram exatamente onze e meia quando Kate tocou a campainha da casa da sra. Maynard. Foi guiada até a sala de estar logo em seguida.
- Por favor, sente-se, srta. Thornley - a sra. Maynard pediu, acomodando-se num sofá. - Vou direto ao assunto. Tenho uma proposta de negócio.
- Proposta de negócio?
Até aquele momento, Kate não percebera como estava tensa, pois fora até aquela casa pensando numa boa defesa contra uma crítica injusta feita por Jason. Como era
uma organizadora de festas, cozinheira e garçonete, com livre acesso em casas e escritórios, reputação era tudo.
- Que tipo de negócio? - perguntou.
- Queria contratar seus serviços pelos próximos seis meses. Sei que são muito requisitados em Londres, afinal é uma excelente cozinheira e uma esplêndida organizadora.
Kate lembrou-se do gerente do banco informando-a de que sua conta bancária estava quase no vermelho.
- Por favor, continue - pediu.
- Já esteve em Norfolk, srta. Thornley?
- Norfolk? Não.
- Lá, vivi em Fullerton Hall, com meu sobrinho. Já ouviu falar em Fullerton Hall?
- Não.
A sra. Maynard não pareceu ofendida, mas desapontada.
- Bem, não é tão grande quanto a casa Blickling, mas é tão antiga quanto - informou, pegando da mesa um guia turístico, que entregou a Kate. - Quero planejar uma
casa de chá.
Kate olhou para a fotografia na capa do guia turístico. Era uma casa muito bonita, com torres nas duas extremidades da fachada e enormes chaminés de tijolos, parecidas
com as que ela vira em Hampton Court.
- E adorável - elogiou. - Acho que o único problema deve ser o aquecimento.
- E é, querida. - A sra. Maynard riu. - Sei que é a pessoa indicada para organizar minha casa de chá. Não é o tipo de garota que se deixaria -dominar pelo romantismo,
trabalhando numa mansão construída no tempo da rainha Elizabeth I. '
- Desculpe...
- Decidi usar o jardim de inverno para oferecer maior conforto. Poderia começar a organizar uma lista do que precisará ser providenciado?
Em circunstâncias normais, Kate teria recusado a proposta da sra. Maynard, mas, sentada diante de sua escrivaninha, refletiu que aquele contrato de seis meses resolveria
suas preocupações.
As mensalidades da academia de dança de sua irmã de catorze anos, Samantha, eram o maior problema.
Kate recordou quando Sam, como todos chamavam a garota, a abraçara com força, chorando, porque lhe fora negada uma bolsa de estudos.
- Eu tentei, eu tentei - a irmã afirmara.
- Eu sei, querida.
- Terei de sair de lá?
- Não precisa sair da academia, meu amor. Será difícil pagar as mensalidades, mas daremos um jeito.
Como conseguiria pagar, não tinha a menor idéia. Ainda não comentara nada a respeito da oferta de compra do apartamento que a vizinha fizera. Seria difícil deixar
o lugar em que moravam havia três anos, mas com Sam morando na academia de dança por meio ano, seria ridículo recusar, já que as duas se acomodariam muito bem num
apartamento menor.
E se aceitasse o emprego em Fullerton Hall, não teria despesas nos seis meses seguintes. Pegou o telefone, decidida a aceitar a proposta da sra. Maynard. Iria para
Norfolk depois da Páscoa, quando Sam voltasse para a academia.
Aquela seria a última noite no apartamento. Sam já fizera as malas, e Kate arrumara sua própria bagagem só com o essencial. O resto de seus pertences ficaria junto
com a mobília, numa empresa de guarda-móveis.
Kate preparara um jantar especial e, depois da refeição, as duas jogaram-se preguiçosamente no sofá para assistirem à televisão. Sam escolheu um programa de entrevistas,
e as duas ficaram olhando para o apresentador e seu convidado, Jason Warnick.
Sam disse alguma coisa, mas Kate não prestou atenção, pois, com os olhos fixos na tela, lembrava o breve encontro que tivera com Jason, um incidente que reavivara
poderosas emoções, antes trancadas firmemente. Emoções que precisara esquecer quando assumira a responsabilidade pela irmã. E quando seu namorado, David, a fizera
escolher entre casar-se imediatamente com ele ou "ficar fazendo o papel de mãe para Sam".
Muito diferente de Jason Warnick, o ex-namorado era loiro, tinha olhos azuis e um charme quase irresistível. Quase, porque nunca conseguira convencê-la a ir para
a cama com ele. E quando David apresentara seu ultimato, ela conhecera sua verdadeira personalidade de homem frio e prático.
Ele se casara menos de um ano depois, com uma garota cujos pais financiariam seus negócios. Escolhera uma moça bem diferente de Kate, que não precisava sustentar
uma irmã apaixonada pela dança, gastando com isso tudo o que ganhava. Uma irmã mais nova que dançava como um anjo, mas que ficara emocionalmente abalada desde que
os pais morreram num acidente de carro.
Depois de David, ninguém mais conseguira impressionar Kate, até que ela conhecera um homem com a reputação de destruir corações.
- Acho que Jason Warnick pratica esse sorriso na frente do espelho - comentou com sarcasmo, observando o convidado do show.
- Vamos, Jason, não seja pessimista - disse o apresentador com típico sotaque irlandês e sorrindo maliciosamente. - Não espera mesmo encontrar uma mulher que satisfaça
seus ideais?
A câmera deu um close em Jason.
Tenho de admitir que ele é muito atraente, Kate pensou ao observá-lo passar a mão nos cabelos.
- Nunca fiz segredo do que acho das mulheres: elas têm duas funções na vida, uma na cozinha e outra na cama - Jason respondeu.
A câmera focalizou as pessoas da platéia, que bateram palmas, principalmente os homens.
Jason agradeceu aos aplausos com um gesto com a cabeça.
- Como vê, não fizeram nenhuma objeção - disse.
- Que maravilha! - Kate exclamou com furioso sarcasmo.
- E qual dessas duas funções você acha mais importante, Jason? - o apresentador perguntou.
- Acho que as duas combinam naturalmente. - Uma das câmeras focalizou Jason de frente, e Kate teve a impressão de que ele olhava para ela. - Parece que há uma afinidade
entre comida e sexo...
- Quer dizer que encontrou uma mulher que sabe cozinhar? Sério?
- Meu caro amigo, e eu já deixei de falar sério alguma vez?
- Não, com relação às mulheres. E vai nos dizer quem é ela?
Kate sentiu-se empalidecer.
- Não - Jason negou. - Mas você sabe de quem estou falando, não é, Kate?
Kate engoliu em seco e Sam deu um grito, extasiada.
- Kate Thornley, anda guardando segredos? - a irmã zombou. - Quer dizer que o maravilhoso Jason Warnick aproximou-se de você, quando a encontrou lavando louça?
- Não lavo louça, Sam. As pessoas que me contratam têm máquinas para fazer isso. - Kate forçou um sorriso. - Não está na hora de ir para a cama? Amanhã será um longo
dia.
Sam foi para a cozinha tomar um copo de leite, enquanto Kate voltava a atenção para a televisão.
Por que ele fez isso?, perguntou-se. Por que usou meu nome?
Sentia-se exposta. Ficou de pé e desligou a televisão.
Ainda bem que vou para Norfolk, um lugar tranqüilo, a trezentos quilômetros de Jason Warnick, pensou.
CAPÍTULO II
O toque do despertador acordou Kate, mas ela permaneceu deitada mais alguns minutos, meio desorientada. Então, livrou-se dos lençóis e levantou-se.
Abriu a cortina da janela e observou mais uma vez o playground e a vista serena do lago. Fullerton Hall era muito maior do que imaginara.
Assim que chegara, notara os adoráveis tijolos vermelhos, as belas flores dos jardins e a grama que parecia um vasto tapete verde e, apesar das estátuas assustadoras
de pedra que guardavam a entrada, tivera a impressão de que a casa sorria, dando-lhe as boas-vindas.
Foi para o banheiro, onde aproveitou o prazer de um delicioso banho quente sem se preocupar com a conta da eletricidade no final do mês. Então, vestiu uma calça
jeans desbotada e uma camiseta creme, passou levemente blush rosa nas faces e desceu a escada, com a intenção de explorar os arredores.
Nos fundos da casa, havia um pequeno jardim contornado por tijolos vermelhos, onde cresciam tulipas. Mais adiante, via-se um portão de ferro, onde entrelaçava-se
uma trepadeira florida.
Kate foi até o portão, abriu-o e caminhou pelo terreno, descobrindo que ali cultivava-se um pequena horta em meio ao pomar. Videiras dividiam o espaço com legumes,
verduras e árvores frutíferas.
Ela arrancou uma folha de um limoeiro e cheirou-a.
- Aqui vai ser o paraíso desta cozinheira - disse, pensando em voz alta.
- Então, deve ter mais cuidado com o que pega no pomar para não cair em pecado.
Kate virou-se assustada, deparando-se com Jason Warnick.
- Meu nome não é Eva, Como já sabe, e esta não é a época
13 ****
***
cama com você? Vou lhe dizer uma coisa: já fui beijada por homens muito melhores.
Jason estreitou os olhos e, de imediato, ela disse a si mesma que deveria escolher com mais cautela suas palavras se não quisesse se arrepender profundamente.
- Já terminou? - ele indagou, seco. - Sugiro que escolha um desses homens e corra atrás dele. Não é bem-vinda aqui.
- Não sou? Talvez devesse conversar com a sra. Maynard primeiro.
- Diga o que veio fazer aqui.
- A sra. Maynard me ofereceu um contrato de seis meses. Foi ela mesma quem exigiu que não houvesse nenhuma cláusula pela qual o contrato pudesse ser anulado. Talvez
porque não queira que eu mude de idéia. Não sei por que ela achou que eu poderia fazer isso.
- Seis meses? - Jason franziu a testa. - Onde minha tia... Isso não importa. Você vai apresentar uma desculpa e minha tia não a impedirá de partir. Eu prometo.
- E por que eu partiria, sr. Warnick? Estou muito feliz com o contrato que fiz.
- Essa sua felicidade pode ser anulada, e com rapidez.
Jason observou-a longamente, notando os tênis brancos, as pernas longas cobertas pela calça jeans justa, a cintura fina, os lábios carnudos e sensuais. E os olhos
verdes, que brilhavam furiosamente, um tipo de aviso que qualquer homem entenderia como sinal de perigo. Mas, para ele, aquele brilho era desafiador.
Ergueu as sobrancelhas, como se estivesse esperando algum tipo de reação, uma explosão que arruinaria qualquer chance de ela ficar trabalhando naquela casa.
Mas não imaginava o quanto Kate precisava daquele emprego. Nem que aquele deslize na cozinha de Tisna, em Londres, fora o primeiro nos três anos em que exercia a
profissão de organizadora de festas.
Forçou-se a examiná-lo também, começando pelos sapatos de couro feitos à mão. As pernas eram longas e, pelo modo como as calças estavam agarradas nas coxas, musculosas.
Por um momento, Kate deteve-se na cintura e nos quadris estreitos, então pousou o olhar no peito vasto, subindo-o para os ombros largos.
O impulso desafiador de Kate sumiu assim que ela notou o queixo quadrado e o sorriso malicioso.
- Jason? - Tisha chamou-o atravessando a horta-pomar, quebrando a tensão que pairava no ar. - Ouvi o barulho de seu carro. Eu o esperava mais tarde, querido.
Fez uma pausa, ofereceu a face para ser beijada.
- Fico feliz por ter se apresentado à srta. Thornley - continuou, virando-se pára Kate. - Dormiu bem?
- Dormi, obrigada - Kate respondeu, tendo consciência do olhar intenso de Jason. - Meu quarto é muito confortável.
- Bem, se quiser alguma coisa, é só pedir. - Tisha voltou a atenção para o sobrinho. - Insisti para que Kate viesse e preparasse nossa casa de chá. Ela é uma maravilhosa
cozinheira e uma excelente organizadora. Foi ela quem preparou aquele jantar, da última vez em que foi me visitar.
- Eu sei - ele afirmou. - Nós... nos esbarramos. Mas que casa de chá é essa?
- Será no jardim de inverno. Eu devia ter lhe dito antes, mas você tem estado tão ocupado com a instalação da nova emissora de rádio que não quis perturbá-lo. Além
do mais, foi você mesmo quem me pediu para não incomodá-lo com detalhes.
- A sra. Thornley é muito mais do que um detalhe. Já contrataram todo o pessoal necessário?
- Já. Estou muito feliz por ter Kate me auxiliando na criação da casa de chá, porque não conheço nenhum profissional tão talentoso quanto ela.
- Obrigada - Kate agradeceu.
- Tenho certeza de que essa moça tem muitos talentos. O que exatamente ela vai organizar aqui?
Tisha, sem saber que aquela conversa tinha um duplo sentido, explicou o que Kate faria.
- Como vê, Jason, não precisarei incomodá-lo com nada - ela declarou.
- Claro que não. Quem formulou o contrato? - ele indagou.
- Essas coisas devem ser feitas corretamente.
- Meu advogado tratou disso tão bem quanto o seu teria tratado. Só porque sou velha, não quer dizer que sou idiota.
- Nunca disse que era idiota, Tisha, mas...
Jason parou por ali, aparentemente incapaz de destruir o prazer que a tia estava sentindo.
- Mas? - Tisha perguntou. - Acha que teria feito melhor?
- Claro que não - Jason negou, evitando olhar para Kate.
- Você é uma mulher inteligente e planejar uma casa de chá foi uma idéia adorável.
- Por que não leva Kate para dar uma volta pelo jardim antes de tomarmos o café da manhã? Ela está cheia de idéias.
- Está? - Jason encarou Kate. - Venha, vamos dar uma caminhada. Estou ansioso para ouvir o que tem em mente.
Estendeu a mão, e nada em seu gesto demonstrava a fúria que Kate viu em seus olhos.
- Não há necessidade de me acompanhar, sr. Warnick - ela disse.
- É bom estender as pernas depois de uma longa viagem. - Jason fitou-a de esguelha. - Eu lhe asseguro que não tenho planos imediatos para fazermos sexo entre as
flores.
- Nunca pensei isso, a menos que, claro, aquela regra de dormir sozinho só seja aplicada dentro da casa.
- Se está querendo fazer um teste...
- Está seguro comigo - Kate afirmou, zombeteira.
Jason parou e ela foi forçada a fazer o mesmo. Ele a olhou, pensativo.
- Talvez deva estar mais preocupada com sua própria segurança - disse.
Kate bufou, mas Jason não se deu por vencido. Segurou-a pelo cotovelo e continuou a caminhar pelo pátio rodeado de rosas. Aquela caminhada estava longe de ser o
passeio que Kate imaginara. Ela tentou livrar-se da mão forte, mas Jason segurou-a com mais firmeza.
- Não quero que pense, Kate, que porque decidi não interferir nos planos de Tisha estou feliz com eles.
- Não tenho a impressão de que está feliz.
- Ela é uma mulher teimosa e não suporta ver as coisas serem feitas sem ser do seu modo. Seus planos estão bem adiantados e impedi-los sem magoá-la será muito difícil.
Há quanto tempo está aqui?
- Cheguei ontem à noite.
- Espero que seu elogiado dom para a organização seja mais do que um mito, porque esta casa estará aberta para nossos clientes dentro de duas semanas.
- Eu sei.
- O que a deixará muito ocupada. Não que não vá haver muitas oportunidades de flertar com os fregueses.
- Talvez eu possa conseguir sua garantia de que os fregueses não vão flertar comigo? Nem os homens que moram aqui?
Por um momento, Kate achou que o pegara desprevenido, mas Jason pareceu recuperar-se rapidamente.
- Em Fullerton Hall, Kate, eu faço as regras.
-Também tenho algumas regras e no topo de minha lista...
- Não está em posição de ditar regras.
- E no topo de minha lista... - ela repetiu, furiosa, mas parou, não porque ele fizesse menção de interrompê-la, mas porque achou que iria passar por idiota.
- Continue.
- Não tem importância.
Insistir para que ele não a beijasse na cozinha, ou em qualquer outro cômodo, talvez só pusesse mais idéias na mente dele para encontrar um meio de mandá-la embora.
- Por aqui, Kate.
Jason abriu um portão de metal ornamentado, que ao lado tinha como guardião um lobo de bronze com um olhar maligno. Acariciou a fera e deu um passo à frente. Kate
hesitou, fazendo com que ele olhasse para trás.
- Entre nesta floresta encantada aquele que tiver coragem - Jason recitou. - Você tem?
- E do que eu teria medo, sr. Warnick?
Ele puxou-a pelo braço.
- É a possibilidade do perigo que faz a vida interessante, Kate.
Todos precisamos correr riscos, caso contrário, como saberemos que estamos vivos?
Jason parou, encarou-a e franziu a testa. Apesar do perfume das flores, Kate podia sentir o cheiro da colônia masculina. Seus nervos ficaram à flor da pele, eletrizados
com a proximidade dos corpos.
Cada vez que fico ao lado dele, corro riscos, pensou. O pior de tudo é que ele tem razão. Não lembro de um dia ter me sentido tão viva.
Jason continuou a fitá-la por alguns segundos, com ar confuso, então olhou para o relógio de pulso.
- Está na hora do café da manhã - informou. - Pode começar a trabalhar preparando-me o meu.
- Então, é melhor me levar de volta, sr. Warnick. Não quero que desmaie de fome nesta "floresta encantada". Seria horrível, se fosse enfeitiçado por um duende.
- Há coisas mais perigosas do que duendes nesta floresta, srta. Thornley. Mulheres jovens e com olhares inocentes, por exemplo.
Kate sentiu as faces corarem.
- O que gostaria de comer? - perguntou, soltando-se.
- Ovos bem fritos. - Jason abriu a porta da cozinha e Kate seguiu-o. - Vou comer aqui, com você.
Kate vestiu um avental e foi até a despensa buscar uma caixa de ovos.
- Bem fritos - murmurou com raiva, terminando de preparar os dois primeiros ovos com bacon.
Maldito Jason Warnick, pensou, furiosa consigo mesma, quebrando mais dois ovos na frigideira.
A porta abriu-se, mas ela fingiu que não ouviu, dando completa atenção aos ovos.
- O cheiro está delicioso - ele comentou.
- Sou uma excelente cozinheira.
Ela colocou os ovos num prato e levou-os à mesa, adorando ver a firmeza com que suas mãos executavam o movimento.
- Sei que é uma excelente cozinheira - Jason disse. - Sente-se. Se Tisha quer uma casa de chá no jardim de inverno, ela terá uma, mas você tem um prazo e será necessário
a combinação de nossos esforços para que tudo dê certo.
- Achei que não tivesse tempo para se preocupar com detalhes.
- Nesse caso, tenho de arranjar tempo. Assim que terminarmos o café, iremos ao jardim de inverno e começaremos a trabalhar.
Passaram uma hora no local da futura casa de chá, trocando idéias.
- O que vai fazer agora? - ele indagou ao retornarem à cozinha, para tomarem uma xícara de café.
- Fazer a lista do que precisa ser comprado.
- Não acha melhor fazer uma pesquisa de mercado?
- Pesquisa de mercado?
- Normalmente contrato uma empresa para isso, mas tenho certeza de que nós dois podemos dar um jeito.
- E o que significa essa pesquisa de mercado?
- Dar uma espiada na concorrência. Há umas casas de chá em Oulton Market. Tenho de sair agora, mas eu a pegarei por volta de... mais ou menos... quinze para as quatro.
- Mas...
Jason dirigiu-se para a porta da frente, mas Kate correu atrás.
- Por que não leva sua tia? - ela quis saber.
- Minha tia contratou-a para dar conselhos, e já que está sendo paga pela sua habilidade, pretendo tirar proveito de toda sua sabedoria. Com licença, tenho de dar
alguns telefonemas, antes de sair. Não virei almoçar.
Jason não esperou pela resposta, deixando-a boquiaberta no meio do corredor que levava à cozinha.
Preste atenção no que ele tem para ensinar, Kate, ela alertou-se.
Teve a impressão de que Jason Warnick era um homem com a mente totalmente voltada para os negócios, e seu meteórico sucesso era prova daquilo.
Sentou-se à mesa para fazer a lista do que seria necessário comprar.
- Está muito calada, srta. Thornley - Jason comentou ao engatar a primeira marcha no veículo.
- Também tenho obrigação de conversar, além de cozinhar?
- Apenas se estiver com vontade.
Jason voltou a atenção para o tráfego e não percebeu o olhar irritado que Kate lançou-lhe. As ruas foram ficando estreitas ao se aproximarem de Oulton Market. Ele
teve de esperar um vagaroso trator atravessar o cruzamento antes de estacionar o carro na praça e, num movimento rápido, descer do automóvel. Foi abrir a porta do
passageiro para Kate sair.
- Vamos escolher a casa Chaleira de Cobre, ou a Cozinha de Martha? - perguntou. - Ou vamos a ambas?
- No interesse da pesquisa de mercado, acho que deveríamos experimentar as duas, embora seja um pouco estranho.
- Já que teremos de comer alguma coisa, também correremos o risco de engordar.
Kate fitou-o de cima a baixo.
- Acho que para você não há risco - comentou. - A menos que esteja tentando me dizer que corre dez quilômetros por dia e joga squash três vezes por semana.
- Acho que gosta de me ver sofrer, Kate, mas tem razão, não tenho tendência para engordar.
- Não adianta tentar arrancar elogios de mim, sr. Warnick. Já sabe como é atraente.
- Está ficando descuidada. O que acabou de dizer foi quase um elogio.
- Foi? Tenho certeza de que essa não era minha intenção.
Jason pareceu pensativo.
- Estou começando a perceber por que Tisha ficou tão impressionada com você. Isso me faz lembrar de que ela pediu para eu comprar um remédio.
Ao atravessarem a praça na direção da farmácia, Kate percebeu que eram o centro das atenções.
- Está atraindo muito interesse - comentou.
- Eu, não. Essas pessoas me conhecem há anos. Você é quem está excitando a curiosidade local, embora não seja meu tipo de mulher favorito. Lamento, mas será alvo
de especulações durante o jantar de toda essa gente.
- Está se referindo a sua famosa fraqueza por loiras? Mas suponho que elas não foram convidadas para Fullerton Hall, já que lá homens e mulheres que não sejam casados
são obrigados a dormir separados.
Jason tirou do bolso a receita médica que Tisha lhe dera.
- Algumas garotas fazem de tudo para entrarem na televisão, até dormem sozinhas - observou.
Kate sentiu um frio na espinha assim que Jason enlaçou-lhe o braço e guiou-a para a Cozinha de Martha. Sentaram-se a uma mesa, e ele entregou-lhe o cardápio.
- O que vai querer? - perguntou.
Ela sabia que não precisava do cardápio para escolher o que desejava comer, mas usou-o como um escudo, enquanto recuperava a compostura.
- Pão de cevada e chá - respondeu.
- Só?
- Para os propósitos de uma pesquisa de mercado, sr. Warnick, será o suficiente.
A garçonete anotou o pedido e logo voltou com o bule de chá e duas xícaras.
- Devo servi-lo, não? - Kate ironizou. - Acho que não tem muita experiência em servir-se, com tantas mulheres correndo atrás de você, querendo mostrar suas habilidades.
Jason sorriu, enquanto ela vertia o chá nas duas xícaras. A garçonete trouxe os pães de cevada e Kate agradeceu.
Ele pegou a xícara de chá e ergueu uma sobrancelha ao vê-la partir o pão ao meio, cheirá-lo, então colocá-lo no prato.
- O que foi? - questionou.
- Esse é o tipo de pãozinho produzido em massa. Pode ser adquirido em dezenas de supermercados, onde às vezes ficam encalhados por vários dias.
- E isso não é bom?
Kate apoiou os cotovelos na mesa e pousou o rosto nas mãos.
- Isso é uma questão de opinião, sr. Warnick, mas esse tipo de pãozinho não é o que Tisha tem em mente e, se esse é o tipo de alimento que está disposto a servir
aos seus fregueses, com certeza não vai precisar de mim.
- Acho que já conversamos sobre eu precisar ou não de você.
- Você não desiste, não é mesmo?
Jason abriu a carteira, tirou algumas notas e deixou-as sobre a mesa, ficando de pé. .
- Quanto tempo acha que vai me agüentar? - perguntou.
- O quanto você puder me agüentar.
- Bem, já viu o suficiente? Devemos ir até a Chaleira de Cobre?
- Não será necessário, sr. Warnick. A clientela de Fullerton Hall será muito seleta, e o que vi aqui, e certamente verei em qualquer outro lugar, não nos servirá
de base. Deve ter percebido, inteligente como é.
- Outro elogio - Jason observou, abrindo a porta do carro para ela entrar. - Não tem medo de que eu fique convencido?
Kate encarou-o, enquanto prendia o cinto de segurança.
- Estou certa de que de esse seu enorme ego assimilará facilmente esse elogio e muitos outros - replicou.
- Não me amole! - ele exclamou, batendo a porta com mais força do que a necessária.
- Jason! - exclamou um homem alto, de cabelos castanho-claros, parando ao lado do carro.
- Olá, Mike.
- Não sabia que estava em Fullerton Hall.
- Kate Thornley, Mike Howard - Jason apresentou-os.
Mike e Kate trocaram um aperto de mãos através da janela do automóvel.
- Olá, Kate - ele cumprimentou calorosamente.
- Olá, Mike.
- A srta. Thornley está organizando uma casa de chá em Fullerton Hall - Jason explicou, seco, com a expressão fechada. - Abriremos daqui a duas semanas.
- Quando exatamente será o grande dia? - Mike perguntou, sem parar de olhar para Kate. - Farei de tudo para estar lá.
- Será avisado do dia da inauguração - Jason respondeu, impaciente, fazendo com que o outro homem soltasse, relutante, a mão de Kate.
- Bem, é melhor eu deixá-los - Mike comentou. - Tenho certeza de que têm muito o que fazer. Eu a verei em breve, Kate.
Ela sorriu abertamente, um sorriso mais caloroso do que o normal, enquanto Mike afastava-se.
- Ele é corretor de imóveis - Jason comentou, prendendo seu cinto de segurança. - Falei isso, caso queira fazer uma anotação.
- E fiz.
CAPÍTULO III
Jason e Kate fizeram o caminho de volta a Fullerton Hall em completo silêncio. Ele estacionou o carro atrás do furgão dela, na extensa entrada de carros.
Kate pousou a mão na maçaneta com a intenção de abrir a porta do veículo o mais rápido possível, mas Jason impediu-a. Por segundos, ela ficou olhando para os dedos
longos que apertavam seu pulso com desnecessária força, então, furiosa, puxou o braço, livrando-se. Encarou-o, pronta para protestar, mas a intensidade dos olhos
escuros fez com que preferisse ficar calada.
- Comporte-se, srta. Thornley - ele avisou-a. - Esta é uma pequena comunidade, e não quero ver Tisha envergonhada com escândalos envolvendo a cozinheira.
- Com relação a você, acho que ela já está muito mais do que envergonhada. Ou é tão insensível que não vê que seus comentários sobre mulheres são extremamente ofensivos
e de mau gosto?
Kate achou que aquela declaração o deixaria desconcertado, mas foi pura ilusão.
- A verdade é sempre difícil de ser aceita - Jason replicou.
Ela ficou chocada com o modo convicto como ele pronunciou aquelas palavras. Não sabia dizer como sua vida certinha virara uma desordem total em menos de doze horas,
mas seguiria com seu trabalho, já que assumira um compromisso com Tisha.
- Deixe-me seguir em frente com o que estou sendo paga para fazer - ela replicou.
- E não recebe pela sua outra atividade?
- Como ousa! - Kate sentiu as faces avermelharem-se. - E o homem mais insuportável que tive a infelicidade de conhecer!
- Já acabou? Vai ter que aprender a sofrer, srta. Thornley. Falei para ir embora ontem e devia ter seguido meu conselho. Só que agora é tarde demais.
- Será que deseja agradar sua tia para receber Fullerton Hall como herança?
- Herança? - Ele riu. - Que ilusão, querida! Quero agradar minha tia, como você mesma disse, porque ela deixou sua cidade natal para vir cuidar de mim quando minha
irresponsável mãe me abandonou. Fullerton Hall, Kate, pertence a mim.
Ela empalideceu. Tentando desesperadamente manter a pose, declarou:
- Então... trabalho para você?
Os olhos pretos brilharam, satisfeitos.
- Trabalha para mim - Jason afirmou. - E é meu direito lembrá-la de manter-se na linha, se não quiser ser demitida.
- Tornaria minha vida bem mais fácil se parasse de... Kate hesitou.
- Parasse de fazer o quê? - Jason insistiu.
Parasse de fazer com que eu tenha consciência de meu corpo, como nenhum outro homem fez, ela pensou.
Desesperada, tentou abrir a porta do carro, ansiosa para se ver bem longe de Jason. Mas ele já se antecipara e descera, dando a volta no veículo. Abriu a porta,
mas ficou parado, impedindo que Kate saísse, fitando-a com tanta intensidade que a fez arrepiar-se.
- Já que vai ficar, Kate, poderia fazer a gentileza de colocar aquele trambolho fora do caminho? - Ele apontou para o furgão. Há muito espaço na garagem e ele está
tirando a beleza do jardim.
Com as mãos trêmulas, ela abriu a bolsa para pegar as chaves do veículo. Ao encontrá-las, saiu do carro, sentindo as pernas hesitantes. Subiu no furgão e guiou-o
até a garagem. Desligou o motor e ficou sentada, considerando a hipótese de ir para bem longe dali, em alta velocidade, sem olhar para trás.
Mas havia assinado um contrato e além disso tinha de ser prática. Afinal, não tinha para onde fugir. Vendera seu apartamento em Londres e não seria de um dia para
o outro que encontraria uma nova moradia. Desceu do furgão, abandonando a falsa segurança que ele parecia oferecer. Precisava começar a comprar mantimentos, contratar
o pessoal que a ajudaria, ou seja, tinha muito com o que se ocupar, para ficar preocupando-se com Jason Warnick.
Mais tarde, Nancy, a jovem e delicada empregada, colocou três pratos sobre a mesa da pequena sala de refeições usada pelos donos da casa.
- Por que três? - Kate perguntou ao vê-los.
- Foram ordens da sra. Maynard.
Kate, na hora do jantar, ao observar a jovem colocar a sopeira na mesa, não pôde deixar de pensar que preferiria comer com ela, na cozinha, do que acompanhada de
Jason. Qualquer prazer em Fullerton Hall parecia ter-se evaporado com a presença de Jason Warnick. A porta abriu-se e ele entrou na sala, seguido pela sra. Maynard.
Os dois acomodaram-se à mesa, e Tisha perguntou a Kate como fora seu dia, enquanto Jason abria a garrafa de vinho.
- Kate, posso servi-la? - ele indagou.
- Por favor. Obrigada, sr. Warnick.
- Não é necessário tanta formalidade, Kate - Tisha protestou. - Diga a ela para chamá-lo de Jason, querido.
- Kate pode me chamar do nome que ela escolher - ele respondeu, zombeteiro.
Kate colocou um pouco de sopa fervente no prato, desejando que fosse o colo dele.
- Vou chamá-lo de Jason - disse, parabenizando-se pelo tom
de voz indiferente.
A sra. Maynard queria ouvir como estavam os preparativos, e Kate contou, falando das novas idéias que surgiram em sua mente. Jason não fez muitos comentários, mas
Kate tinha certeza de que ele ouvia cada palavra, observava cada movimento.
Ela se recusou a tomar uma xícara de café com Tisha na sala de estar, alegando que precisava ir ao escritório improvisado para ela, para terminar de planejar os
últimos detalhes.
Lia pela segunda vez a lista de mantimentos, quando percebeu que era observada. Ergueu a cabeça e viu Jason parado entre os batentes da porta, observando-a atentamente.
- Normalmente fica tão entretida com o que está fazendo? - ele perguntou.
Kate corou, sabendo que quando encontrava-se concentrada, tinha o hábito de falar sozinha.
- Há quanto tempo está aí? - indagou, áspera.
- Há um bom tempo. Tive a esperança de que estivesse fazendo café.
Kate olhou para seu relógio de pulso, que tinha estampado um personagem de desenho animado da Warner Brothers, presente dado por Sam.
- E tarde para tomar café - falou.
- Acho que sou eu quem deve decidir isso.
Kate encolheu os ombros.
Se ele não quer dormir, problema dele, pensou.
- Posso preparar algo para Tisha? - perguntou.
- Ela já foi para a cama.
- Ah...
De repente, Kate sentiu-se sozinha com Jason Warnick naquela enorme mansão. Era um alívio ter como desculpa o preparo do café, e poder sair da pequena sala. Levantou-se
e esperou que Jason saísse da porta, para não esbarrar nele e correr o risco de ser traída por seu próprio corpo. Por um momento, ele permaneceu no mesmo lugar,
desafiando-a a arriscar um contato corporal, então, quando viu que ela não se movia, deu um passo para trás, com um sorriso irônico nos lábios.
Foram até a cozinha. Ela ligou a cafeteira e encheu-a com água e pó de café, entregando a Jason uma xícara, assim que a bebida ficou pronta.
Ele pegou a xícara, mas, em vez de subir para seu quarto ou ir ver televisão na sala, como ela desejava, seguiu-a de volta ao escritório. Aproximou-se da mesa e
pegou a lista em que Kate vinha trabalhando.
- Vamos realmente precisar de tudo isso? - indagou, interessado.
Feliz por ele manter a mente concentrada em negócios, e não em piadinhas de mau gosto, ela movimentou a cabeça afirmativamente.
- E muito mais - afirmou. - Vocês têm conta com algum atacadista especializado em alimentos?
- Não consumimos uma quantidade de comida que necessite de compras por atacado, mas podemos arranjar um atacadista qualquer.
- Quanto antes, melhor. Vão querer checar seu crédito e...
- Checar meu crédito? - ele a interrompeu, incrédulo. - Acho que meu nome é suficiente para me dar crédito. Vou escolher um atacadista amanhã cedo. Está bem assim?
- Se é o mais rápido que pode providenciar, só posso concordar.
- Vou passear com a cachorra idiota que pertence a Tisha antes de ir para a cama. Quer me acompanhar?
Na caminhada ou na cama?, Kate pensou, ao mesmo tempo em que suas faces coravam.
- Não - negou rapidamente e, ao perceber que fora rude, acrescentou: - Obrigada.
- Então, boa noite, Kate.
- Boa noite, Jason.
Ela subiu para o quarto, querendo ter certeza de que estaria com a porta do aposento trancada antes de ele retornar do passeio com a cachorra.
Abriu a agenda e lembrou-se de que ainda precisava preparar o artigo para a seção de culinária do jornal Evening Mail.
Os dias estão passando muito rápido, disse a si mesma.
Quando avisara a editora que passaria alguns meses no interior, a mulher sugerira que ela aproveitasse aquela oportunidade para tentar fazer algo diferente, como
dar receitas tradicionais da região e tecer comentários sobre os restaurantes locais.
Kate pegou a máquina de escrever portátil e procurou um local para colocá-la. Arranjou um espaço sobre a cômoda, pegou uma folha de papel sulfite, mas, por alguns
segundos, ficou apenas observando-a.
Não tenho inspiração porque nada aconteceu, ou melhor, o que aconteceu eu não posso escrever, pensou.
De repente, começou a datilografar as primeiras impressões que tivera da casa. Ouviu Jason e Daisy, a cocker spaniel de Tisha, chegarem do passeio e atravessarem
o vestíbulo. Pouco depois, teve a sensação de que ele parou diante de sua porta e, de imediato, imaginou se realmente a trancara. Então, ouviu os passos afastarem-se
e olhou para o que escrevera. Achou as primeiras linhas ridículas, tirou a folha da máquina e amassou-a. Decidiu escrever uma carta para Sam.
Quando estava no meio da folha, teve uma idéia. Deixou a carta para a irmã de lado e voltou a concentrar-se na matéria para a revista.
"Querida prima Karla, estou lhe escrevendo para contar sobre o novo emprego que consegui numa casa do interior, pertencente a um homem chamado..."
Parou e tamborilou os dedos na cômoda, pensando num pseudônimo para Jason.
"Jack Wesseck. Ele não foi muito amigável comigo quando entrou na cozinha, mas..."
Kate teve uma excelente noite de sono depois que terminou de escrever o artigo. Fazer uma paródia para amenizar a tensão que Jason Warnick provocava permitira que
visse o lado ridículo de toda aquela situação. Além disso, ele retornaria a Londres em um ou dois dias, o que tornaria tudo ainda melhor.
Jason mostrou, sem deixar sombra de dúvida, que sua mente encontrava-se voltada para o trabalho, quando saiu de seu escritório e deparou-se com Kate passando pelo
corredor, um pouco antes das dez da manhã.
- Já providenciei um atacadista - informou. - Se estiver pronta, posso levá-la até lá agora.
- Não acredito que seja comum você oferecer algum favor.
- Tem razão, mas você não sabe o endereço do atacadista e eu tenho de ir mesmo a Norwich.
- Então, vou segui-lo com meu furgão.
Jason não protestou, e ela dirigiu-se até a garagem, ficando surpresa ao ver que seu veículo não estava lá.
Não pode ter sido roubado, pensou. Quem poderia querer um furgão como o meu, se poderia roubar outros quatro automóveis mais novos, mais bonitos e mais caros?
Jason ficou parado na porta da garagem, com as mãos nos bolsos da calça, então aproximou-se.
- Onde está meu furgão? - Kate questionou, rude.
- Levei-o até um mecânico. Precisava de alguns reparos.
- Quando tivesse dinheiro para levá-lo a uma oficina mecânica, eu mesma o teria levado.
- Enquanto trabalhar para mim, estará sob minha inteira responsabilidade, e insisto que qualquer veículo que use passe por uma revisão. Seu furgão tem seguro e está
licenciado devidamente?
- Claro.
- Então, não há com o que se preocupar. Não entre em pânico, ele provavelmente vai ser devolvido amanhã.
- Que maravilha! - ela exclamou, sarcástica. - E como vou ao atacadista agora?
- Vai comigo.
Jason pousou a mão nas costas dela e guiou-a até uma caminhonete de cabine dupla, abrindo a porta do passageiro.
- Obrigada - ela agradeceu.
- De nada. Tenho certeza de que o prazer foi todo meu.
Jason dirigiu o veículo concentrando-se no trânsito, e Kate ficou aliviada por ele não fazer nenhum esforço para quebrar o silêncio. Queria aproveitar a chance de
admirar as propriedades ao longo da estrada. Olhou para o velocímetro do automóvel e disse a si mesma que seu pobre furgão estaria chacoalhando descontroladamente,
àquela velocidade.
Quando chegaram, ele deixou o veículo no estacionamento de um prédio comercial.
- Quanto tempo acha que vão levar para acertarem tudo? - perguntou.
- Uma hora, no máximo.
- Volto daqui a uma hora.
Uma hora depois, cumprindo sua palavra, Jason a esperava no estacionamento. Kate saiu do prédio e logo avistou o veículo. Ao vê-la, ele desceu do carro.
Ela se dirigiu para a porta do passageiro, mas ele a impediu.
- Quer dirigir, Kate?
Quem não gostaria de guiar um veículo como esse?, ela pensou, embora suspeitasse dos motivos da oferta.
- Por quê? - questionou.
- Se nos levar até Fullerton Hall em segurança, eu a deixarei vir para cá com esta caminhonete, quando precisar. Não estarei sempre à disposição para trazê-la.
- Isso é uma promessa?
Jason sorriu, entregando-lhe as chaves, e Kate disse a si mesma para lembrar-se de não falar a primeira coisa que lhe viesse à cabeça, toda vez que ele a enfurecesse.
- Meu furgão não vai estar pronto amanhã? - ela perguntou.
- Se passar pela inspeção, depois do serviço feito.
Kate segurou as chaves do veículo com força. Jason ria, enquanto acomodava-se no banco do passageiro. Ao colocar a chave na ignição, ela teve certeza de que estava
cometendo um grande erro, mas não sabia ao certo o motivo de sua inquietação.
- É bom saber que não deixa o carro morrer, nem o faz andar como um canguru - Jason comentou ao pararem num semáforo.
- Nunca dirigi dando trancos no carro - ela protestou furiosa, errando ao engatar a marcha.
O motor rugiu como uma fera.
- O que estava dizendo mesmo? - Jason provocou.
Kate corrigiu seu erro e, quando o sinal abriu, guiou o carro tranquilamente pela rua. Com o tempo, foi ganhando confiança e pisou no acelerador, adorando a potência
do motor. Jason olhou para seu relógio de pulso.
- Vire à esquerda - disse.
- Aonde vamos?
- Temos um compromisso.
- Temos?
- É, temos. Nós dois. Um almoço. Aqui estamos. Estacione ali.
Kate estacionou o veículo na frente de um pequeno restaurante.
Jason estendeu o braço e desligou o motor, guardando as chaves no bolso, antes que ela pudesse esboçar qualquer reação.
- Não deve deixar o motor ligado enquanto o veículo estiver estacionado - ele falou. - Agora, podemos almoçar?
- Acho que não.
Jason desceu do automóvel e foi abrir a porta para ela.
- Aconselho-a a vir comigo, pois não irá a nenhum outro lugar até que eu tenha almoçado - disse.
Puxou-a e envolveu a cintura fina com os braços, antes que ela pudesse protestar.
- Isso é sequestro! - Kate exclamou, tentando ignorar o toque sensual das mãos másculas em sua cintura.
- É mesmo? Bem, nesse caso, devo fingir que sou um seqüestrador malvado e roubar um beijo da mocinha indefesa. Estive a manhã toda me prometendo beijá-la.
Ela não estava preparada, e quando a boca firme esmagou a sua, sentiu o sangue ferver e as batidas do coração acelerarem-se. Fazia muito tempo que ninguém fazia
com que ela se sentisse daquela maneira. Ciente dos olhares que estavam atraindo, disse a si mesma que devia pará-lo, mas sem convicção.
Ficou imóvel, enquanto ele deslizava as mãos por suas costas, apertando-a contra o peito, forçando-a a perceber quem dominava. O ruído de outro carro entrando no
estacionamento fez com que ela encontrasse a sanidade, empurrando-o com força.
Jason fitou-a zombeteiramente.
- Da próxima vez, vai ter que implorar - disse. - Mas depois do almoço.
- Seu...
Ele passou um braço pelos ombros dela e guiou-a para dentro do restaurante, sem dar-lhe chance de xingá-lo.
- O que vai querer tomar? - perguntou ao acomodarem-se numa mesa, desafiando-a a fazer um escândalo.
- Suco de laranja.
Kate ainda encontrava-se entorpecida pelo beijo. Tinha a sensação de que tudo o que Jason Warnick queria, conseguia. Como ou por que era desejada não fazia a menor
diferença, pois ela estava determinada a resistir à tentação.
A garçonete anotou o pedido das bebidas e, quando retornou, trouxe o cardápio.
- Recomendo casquinhas de siri - Jason falou.
- Bom - ela replicou com indiferença, nem um pouco interessada na comida.
Tenho de fazê-lo parar de me beijar, pensou. Mas como?
- É uma pessoa difícil de agradar - ele comentou.
Kate fitou-o.
Ele vai parar de me beijar, disse a si mesma. Vai voltar para Londres, onde uma dúzia de mulheres estão loucas para dividirem a cama com ele.
- É que geralmente não almoço - explicou.
Sou uma mulher de vinte e três anos de idade, amadurecida demais para me deixar derreter nos braços de um homem, pensou. Jason deve beijar muitas garotas por semana.
Deve ser por isso que seus beijos são tão deliciosos.
Abriu o cardápio e examinou-o lentamente, antes de pousá-lo na mesa.
- O que decidiu? -- Jason indagou.
- Vou querer uma casquinha de siri. - Kate tomou um gole de suco de laranja e olhou ao redor. - E um lugar adorável.
- Muito.
Ela o encarou. A expressão do rosto másculo era indecifrável, mas Kate sabia que as palavras de Jason, na maioria das vezes, tinham duplo sentido. A garçonete voltou
e anotou o pedido.
- Poderia me dar seu autógrafo, sr. Warnick? - a jovem murmurou. - No cardápio, por favor.
Jason perguntou o nome dela e fez uma piadinha para amenizar o visível nervosismo da garota.
Ele nunca tentou me acalmar, Kate pensou. Pelo contrário, parece querer me perturbar. Sei que estou pisando num terreno perigoso, mas tenho de pensar em Sam. Dificilmente
terei outra oportunidade de ganhar tanto dinheiro em seis meses.
Respirou fundo.
Com o dinheiro da venda do apartamento e daquele trabalho, poderia reabrir seu pequeno restaurante, hipotecado pelo banco. Então, tudo o que tinha a fazer era não
perder o autocontrole nos seis meses seguintes. Não ia ser difícil, já que Jason voltaria para Londres em breve.
Aquele pensamento era reconfortante, e quando a garçonete trouxe as casquinhas de siri, Kate já controlara todas as suas emoções.
- Devia almoçar mais vezes - Jason comentou.
- Eu sei. A propósito, a comida está excelente. Obrigada pelo convite.
- Jason - ele resmungou.
- Como?
- "Obrigada pelo convite, Jason". Quero que diga meu nome.
- Sei. Obrigada, Jason.
- Assim é muito melhor. Café?
Ela moveu a cabeça negativamente e olhou para o relógio de pulso.
- Preciso voltar para Fullerton Hall - falou.
- Café? - ele tornou a perguntar, ignorando-a.
Kate abriu um amplo sorriso para esconder a raiva que sentia.
- Não, obrigada, Jason. Tenho muito o que fazer e está na hora de irmos embora.
- Claro.
Mas Jason não fez nenhum movimento para levantar-se, ao contrário, estendeu o braço por cima da mesa e segurou com firmeza uma das mãos delicadas, afagando-a. Kate,
de imediato, quis livrar-se, mas deixou-se relaxar, querendo provar a ele que seu toque não a afetava mais.
- Acho seu gosto por relógios de pulso muito interessante - ele comentou. - Posso vê-lo?
Relutante, Kate mostrou o relógio.
- É realmente interessante - Jason afirmou.
- Foi um presente de aniversário que ganhei de Sam.
- Sam? Quem é Sam?
Kate percebeu que ele achava que Sam era o nome de um homem, e não um diminutivo de Samantha. Encontrara a solução para seus problemas.
- Eu e Sam moramos na mesma casa - contou.
- Moram juntos? Ele não se importa de você flertar com todos os homens que vê?
- Aparentemente, não. Nunca brigamos por causa disso, em três anos.
- Sam é um idiota. Um idiota pobre, para piorar.
Kate puxou o braço.
- Quando se ama; dinheiro não faz a menor diferença - retrucou.
- No caso de vocês, fidelidade também não. E o que Sam acha de você passar seis meses em Norfolk?
- Preciso desse emprego.
- Esse cara é mesmo idiota.
Ela se levantou, encantada com a reação que estava provocando.
- Sam não é idiota. E a pessoa mais gentil, mais carinhosa...
- Já entendi - Jason declarou, levantando-se da cadeira. - Ele é o único homem da sua vida.
- Vejo que compreendeu.
- Então, da próxima vez que eu beijá-la, tenho certeza de que me fará lembrar disso.
- Não haverá próxima vez.
Kate saiu do restaurante o mais rápido que pôde e ficou parada na frente da porta do motorista da caminhonete. Jason caminhou tranquilamente pelo estacionamento
e jogou-lhe as chaves.
- Dirija devagar, querida - ironizou.
Kate ignorou o sarcasmo, mas, no íntimo, seguiu o conselho dele e guiou o veículo em baixa velocidade. Disse a si mesma que não fazia isso porque Jason mandara,
mas porque seus nervos estavam à flor da pele.
Quando chegaram em Fullerton Hall, ela estacionou o veículo no jardim.
- Obrigada pelo almoço - agradeceu, apreensiva.
- De nada. Eu adorei. Adorei mais ainda tê-la beijado.
- Vá para o inferno, Jason Warnick!
Ela desceu do carro, entrando apressadamente na casa, ignorando a risada dele. Foi direto para seu quarto e lavou o rosto com água fria.
Durante toda a tarde, o telefone não parou de tocar. Eram os fornecedores querendo confirmar a lista de compras. Kate prometeu que entraria em contato no dia seguinte.
Aproveitou para marcar uma reunião com a sra. Maynard e Jason para depois do jantar, para conferirem se tudo estava saindo como desejado.
Quando as duas estavam acomodadas ao redor da mesa de jantar, Jason apareceu e mostrou-se muito irritado.
- Tenho de resolver outros assuntos, Tisha - reclamou. Essa inauguração que você planeja está interferindo em meus negócios.
- Faça o que quiser, Jason. E o que sempre faz. - A sra. Maynard virou-se para Kate. - Falando em telefonemas, alguém ligou esta tarde para você. Desculpe, eu devia
ter dito antes.
- Acho que não deve ser nada importante - Kate declarou, mas ficou preocupada.
- Pelo contrário, acho que é. Foi um telefonema de Sam. Kate empalideceu.
- Sam? - repetiu. - Houve um acidente?
- Não, querida, nada disso. Sam pediu para você enviar cem libras o mais rápido possível.
Um assobio desdenhoso chamou a atenção de Kate. Jason a observava com um sorriso malicioso.
- Talvez Sam queira lhe comprar um relógio decente - zombou. - Por- que não vai telefonar? Não é urgente?
- Pode esperar - Kate replicou com frieza.
Não sei por que minha irmã precisa de cem libras, pensou. Vai ter de esperar mais uns trinta minutos pelo meu telefonema.
Não fez menção de sair da mesa, pelo contrário, pegou a colher, mas Jason segurou-lhe o pulso no mesmo instante.
- Insisto, Kate - ele disse. - Não deve deixar o homem esperando.
Tisha ergueu as sobrancelhas, espantada. Sabia exatamente quem era Sam, mas ao ver o olhar que Kate lançou-lhe, entendeu sua intenção e aceitou prosseguir com a
farsa.
- Sam é um homem tão charmoso! - mentiu descaradamente. - Peça desculpas por mim, Kate, por não ter dado o recado antes.
- Obrigada, Tisha. Bem, vou telefonar agora, se não se importam.
- Claro. Deixe-a ir, Jason. Está machucando o pulso dela.
Kate foi até o telefone da cozinha. Estava trêmula e arrependida por ter envolvido Tisha naquela mentira. Mas quando ouviu a voz de Sam, deixou de lado todas as
suas preocupações.
- Uma bicicleta! - exclamou, rindo. - Não poderia ter mandado uma carta em vez de deixar um recado de vida ou morte?
- Desculpe, mas é que a minha está velha e uma nova facilitaria minha vida. Muitas garotas estão comprando bicicletas novas. Se dissesse que vai enviar o cheque
pelo correio...
- Mas era o que eu ia dar a você no Natal!
- E que adorei o modelo que vi numa loja.
- Tudo bem, meu amor, vou enviar o cheque amanhã.
Ao desligar o telefone, ainda rindo, virou-se e percebeu Jason parado no vão da porta.
- Já resolveu a emergência? - ele indagou.
CAPITULO IV
- Quer dizer dar dinheiro a ele - Jason declarou.
Kate só podia culpar a si mesma por ter criado aquela confusão.
Se não estivesse tão envergonhada, se não ficasse tão magoada com o desdém nos olhos dele, seguiria seus instintos e diria a verdade.
- Claro que dou - afirmou. - Fico feliz em poder ajudar.
Recuou um passo, mas pisou em falso e cairia, se Jason não fosse rápido o suficiente para segurá-la com firmeza.
- Se parar de mimá-lo, talvez esse sujeito consiga caminhar com as próprias pernas - ele replicou, seco.
Ela arregalou os olhos, surpresa com seu ríspido tom de voz.
- As pernas de Sam já estão devidamente exercitadas - retrucou.
Virou-se, mas Jason pousou a mão em seu ombro e virou-a, fazendo com que ficassem frente a frente.
- Você o sustenta, não? É por isso que precisa deste emprego. Ele prometeu pagar tudo o que deve, quando ficar rico?
- Sam me paga de maneiras que você não pode imaginar.
Como fui entrar numa situação tão ridícula como esta?, Kate perguntou-se. Inventei um namorado, ou melhor, usei o apelido de minha irmã para manter Jason Warnick
longe de mim. Daqui a alguns meses, estarei dando risada de tudo isso, mas agora... Jason colocou o dedo indicador sob seu queixo, fazendo-a tremer.
- Não sabe que uma garota com sua beleza não deve pagar por nada que lhe dê prazer? - perguntou em tom suave. - E ele não deve ser tão especial assim, porque você
fica facilmente excitada nos braços de outro homem.
Kate entrara numa situação complicada, da qual seria muito difícil escapar. Os insultos de Jason tinham ido longe demais, e ela achava que não os merecia, mas também
não estava disposta a contar a verdade.
- Quer ver como fica excitada nos braços de outro homem? - ele desafiou e então começou a inclinar a cabeça, aproximando a boca da dela.
Kate afastou a cabeça antes dos lábios entrarem em contato e deu um passo para trás.
- Se tem algo a dizer relacionado ao meu trabalho, sou toda ouvidos - replicou num tom de voz severo, porém educado. - Caso contrário, seria muito pedir que me deixe
em paz?
- Quero falar sobre trabalho.
- Trabalho? - ela repetiu, surpresa com a mudança tão repentina de assunto.
- Tisha falou que você concordou em preparar qualquer jantar comemorativo enquanto estiver aqui - ele comentou.
- É verdade. Ela está planejando um jantar especial?
- Não, mas eu decidi convidar uma velha amiga para jantar.
- Só uma? - ela perguntou, irônica.
- Uma é o suficiente. O jantar será no próximo sábado, um dia antes da inauguração da casa de chá.
Minutos atrás, ele estava me seduzindo, agora pede que eu cozinhe para uma de suas namoradas, Kate pensou, furiosa. Qual de suas glamourosas companhias virá? Clare
Riggs? Anne Pitt? Suzy Williams?
O súbito ciúme que sentiu era ridículo e inesperado, mas nem por isso deixou de ser doloroso.
- Ela vai ficar para o café da manhã? - quis saber.
Jason sorriu.
- Não acho que isso seja da sua conta, Kate, mas ela não vai ficar para o café da manhã. Mora aqui perto e posso levá-la para casa.
- Conveniente, não?
Ele estreitou os olhos, como se estivesse querendo dizer que Kate estava indo longe demais.
- O que vai querer para esse jantar? - ela indagou, consciente do perigo que correria se insistisse em desafiá-lo.
- Não sei. Vou deixar tudo em suas mãos. Mas Annabel detesta peixe.
Ah, então a "velha amiga" é Annabel Courtney, Kate concluiu mentalmente. Sei que eles foram vistos juntos inúmeras vezes e há rumores de que são namorados. Pelo
menos foi o que li nas colunas sociais.
- Nada de ostras? - ironizou.
Jason bateu a porta da cozinha com violência, talvez farto de suas piadinhas insolentes.
A partir de então, Jason começou-a passar a maior parte do tempo no escritório, deixando bem claro que não queria ser interrompido por nada. Raramente aparecia para
as refeições, preferindo comer no escritório.
Na quinta-feira à noite, pediu para Kate ir até sua sala, mandando recado pela empregada. Quando ela entrou, notou que ele escrevia, iluminado pela luz do pequeno
abajur sobre a mesa. Reparou também que a lareira estava acesa.
- Você me chamou, Jason?
Ele a encarou, deixando-a perceber sua expressão cansada.
- Boa noite, Kate. Sente-se. - Largou a caneta, tirou os óculos e esfregou os olhos. - Como as coisas estão caminhando?
Eu não sabia que ele usava óculos, ela pensou. Fica muito mais charmoso.
- Tudo está saindo como o planejado, sem problemas - afirmou, acomodando-se numa cadeira, determinada a manter a conversa num nível impessoal.
- Que bom.
Jason fitou-a por um longo momento, franzindo a testa. Perturbada com aquele olhar, Kate fez menção de levantar-se.
- Bem, se não há mais nada a dizer, preciso ir - disse, apressada.
- Parece que tem trabalhado muito.
- Agora, enquanto ainda tenho de acertar pequenos detalhes. Depois da inauguração, tudo ficará mais fácil. Você também tem trabalhado muito ultimamente.
- Não há comparação. Você não investiu nada na casa de chá, enquanto eu investi milhões de libras em um novo empreendimento. Um pouco de dedicação, para que tudo
vá de vento em popa, garante o lucro.
- Com certeza você tem contadores para fazer esse tipo de trabalho.
- Tenho. São talentosos, trabalham com seriedade, mas é do meu dinheiro que estamos falando. Prefiro eu mesmo passar algumas horas cuidando dele.
- Entendo. Realmente, a fronteira entre lucros e perdas é estreita.
- Nossa! Uma mulher que sabe falar de negócios. Dirigiu algum que não deu certo? Foi por isso que aceitou o emprego que Tisha ofereceu-lhe?.
- Em parte.
Jason não perguntou mais nada, mas ergueu-se da cadeira, espreguiçou-se, caminhou até o barzinho e serviu-se de um copo de conhaque.
- Ò que vai querer? - indagou.
- Nada, obrigada. Tenho muito trabalho a fazer - ela respondeu, ressabiada.
- Não se preocupe, falaremos sobre trabalho, prometo. Só que prefiro sentar a seu lado na frente da lareira, saboreando minha bebida, porque passei o dia inteiro
atrás daquela mesa. - Ele abriu um amplo sorriso. - Você também merece um pouco de descanso.
- Se é assim, vou querer um gim-tônica.
Pouco depois, ele pegou os dois copos e dirigiu-se para junto de duas poltronas de couro.
- Venha, sente-se aqui - convidou. - E muito mais confortável.
Relutante, Kate sentou-se numa poltrona e pegou seu copo. Jason acomodou-se na outra poltrona e estendeu as pernas.
- Adoro ficar na frente da lareira - comentou. - Sinto saudade daqui, quando estou em Londres.
- As noites aqui são bem frias - Kate observou, nervosa. Jason fitou-a.
- Relaxe - pediu delicadamente. - Não vou atacá-la.
- Está mudando seus hábitos? - ela indagou, mas logo em seguida recomendou-se escolher melhor as palavras e manter a conversa na área de trabalho. - O que deseja
discutir?
- Detalhes de última hora. Mesmo os pequenos investimentos precisam de cuidados para obterem sucesso. - Ele a olhou de cima a baixo, obviamente notando sua tensão.
- Quando relaxar, poderemos começar.
Tomou um gole do conhaque, pegou uma tora e jogou-a no fogo. Kate continuou rígida, mas ele não fez nenhuma menção de conversar, mantendo sua palavra. Sentindo-se
uma idiota, ela acomodou-se confortavelmente na poltrona e estendeu as pernas.
Por instantes, Jason pareceu não notar sua mudança de comportamento.
Será que ele se esqueceu de que estou aqui?, ela se perguntou.
- Gostaria de fazer um ensaio, uma simulação de chá da tarde no jardim de inverno, amanhã - ele anunciou de repente, assustando-a. Tomou mais um pouco de conhaque
e encarou-a. - É possível?
Bem, tenho de preparar o cardápio para o jantar de sábado, treinar várias garotas para trabalharem como garçonetes nesse chá simulado e fazer uma grande quantidade
de bolos, biscoitos, pães, patês e outras coisas, refletiu. Não vai ser uma tarefa fácil, mas adoro desafios.
- É uma excelente idéia - disse.
- Tenho muitas outras idéias boas.
- De onde virão os fregueses?
- Meu departamento de publicidade entrou em contato com algumas pessoas. Tenho sido bombardeado pela imprensa local e por dois jornais de nível nacional que pretendem
cobrir o evento, sem falar no pessoal de minha emissora de televisão.
Jason fez uma pausa para tomar mais um gole da bebida.
- Se eu promover um tour por esta linda casa antiga, e você preparar uma boa recepção no jardim de inverno, seremos um sucesso - observou.
- Emissora de televisão... - murmurou, mais para si mesma do que para ele.
- Qual o problema? Sabe que sou...
- Sei, claro, e esse é o motivo de tanto tumulto. Duvido que outra casa de chá, numa residência de campo qualquer, atraísse tanto interesse.
- E daí?
- Nada. Mas acho que, sendo as coisas como são, vou precisar ir ao cabeleireiro - Kate respondeu em tom de brincadeira, pois sabia que não teria um minuto de folga.
- Ah! - Ele se levantou, tirou o copo vazio das mãos dela, foi ao bar e encheu-o novamente, sem perguntar se Kate queria beber mais. - Se pretende ter um programa
culinário na televisão, não está vendo o lado certo das coisas.
- Não? E qual é o lado certo?
- Vá ao meu quarto esta noite e eu lhe mostrarei.
Jason estendeu-lhe o copo. Kate pegou-o e começou a tomar o gim-tônica rapidamente, procurando esconder a excitação que as palavras dele haviam causado. Se ele percebesse
que ela lutava bravamente para disfarçar a forte atração que sentia, conseguiria o que queria: uma noite de sexo.
- Não está quebrando as regras da casa? - Kate indagou.
- Esta casa é minha. Eu faço as regras.
- Recentemente, me ofereceram um programa culinário na televisão. Fui convidada para uma festa, onde discutiria os detalhes com o diretor da emissora, mas desconfiei
e não compareci. A cama é uma velha maneira de fechar negócios, não?
- Vem do tempo em que a primeira mulher das cavernas percebeu que era o caminho mais fácil para obter comida.
- Mas, se o homem caçava, ela cozinhava. Não era uma transação unilateral.
- Cozinhar deve ser muito mais fácil do que caçar um mamute selvagem, não? - Jason olhou-a de modo penetrante, antes de perguntar: - Quem foi?
- O quê? - ela perguntou, confusa.
- Quem lhe propôs uma noite de sexo em troca de um programa culinário? Devo avisá-la de que nem todos, no mundo dos negócios, cumprem as promessas que fazem.
- Quer dizer... quer dizer que ele podia não estar falando sério?
- Tenho certeza de que a parte da cama era séria, mas duvido que você conseguisse o programa.
- Você me deixa chocada, Jason. Ainda bem que não aceitei a oferta daquele homem. Sam...
Sam, naquela noite, dançara um solo num show da academia, e Kate não perderia o espetáculo, nem mesmo que houvesse acreditado na oferta para trabalhar na televisão.
- Não é necessário explicar - Jason interrompeu-a, ríspido.
Olhou para o fogo. - Posso contar com sua colaboração amanhã?
Kate pousou o copo na mesinha de centro, levantou-se e caminhou para a porta. A trégua acabara.
- Pode contar comigo, claro - afirmou, parando e virando-se para Jason. - Tem idéia de quantas pessoas virão?
- Sabe quantas pessoas virão para a inauguração oficial da casa de chá?
- Não.
- Precisará haver comida suficiente para todas, não é?
- Naturalmente.
- Então, o ensaio de amanhã será ainda mais útil.
Era sexta-feira e o pessoal da imprensa chegou logo após o almoço.
- Tudo pronto? - Jason perguntou ao entrar na cozinha, depois de ter mostrado Fullerton Hall a todos os presentes.
Kate arrepiou-se ao ouvir a voz profunda, como se fosse uma garota de dezessete anos de idade.
- Tudo pronto - afirmou.
Passava glacê de chocolate num bolo, quando a porta da cozinha abriu-se e um repórter e um cameraman entraram. O repórter fez-lhe algumas perguntas pessoais e outras
relacionadas ao trabalho.
Kate continuou a confeitar o bolo, enquanto respondia às perguntas. Estava muito ocupada para sentir-se nervosa e só mais tarde, quando Tisha perguntou-lhe se gostaria
de assistir ao noticiário noturno, preocupou-se com seu desempenho.
Logo, porém, disse a si mesma que era ridículo ficar nervosa, porque não usariam uma entrevista com a cozinheira, podendo mostrar convidados mais interessantes.
Entrevistaram Jason no jardim de Fullerton Hall, e ele mostrou-se perfeitamente à vontade diante da câmera, contando um pouco da história da casa.
Kate foi ao jardim de inverno, quando notou que a câmera fora desligada, e encantou-se com a decoração, que ficara maravilhosa. Entrou na sala para colocar um bolo
grande na mesa de doces, e de repente viu-se conversando com Jason sobre os preparativos para a inauguração, no domingo.
- Está sendo muito profissional, Kate - ele elogiou. - Acho que a casa de chá ficará lotada, no domingo. Todos vão querer conhecer a cozinheira. Quer uma cópia da
fita? Pode ser útil, um dia.
- Claro, obrigada, Jason. Tenho certeza de que Sam adorará me ver num filme.
No sábado à tarde, Jason entrou na cozinha e ficou observando Kate. Ela tentou ignorá-lo, focalizando a atenção na massa de torta que estava preparando.
- Sam recebeu o cheque? - ele quis saber.
- Acho que sim, embora isso não seja da sua conta.
- Ele não telefonou para agradecer?
Não houve resposta.
- Não? - Jason persistiu. - Bem, se o sujeito é um parasita e vive às custas de uma mulher, seria pedir muito que tivesse boas maneiras.
- E qual sua desculpa para ser mal-educado, Jason? - Kate perguntou, sem tirar os olhos da massa que misturava.
- Fui uma criança carente.
- Você não sabe o que é ser carente.
- Não sei?
Kate encolheu os ombros e pensou em Sam, em tudo o que haviam passado juntas, mas guardou o pensamento para si.
- Se o cheque não tivesse chegado, eu saberia - argumentou.
Jason não se mostrou convencido.
- Tenho certeza de que Sam vai me agradecer quando nos encontrarmos - ela prosseguiu.
- Claro. - Jason fez uma pausa breve. - Kate?
- O quê?
Ela ficou surpresa ao olhá-lo e ver sua expressão pensativa.
- Nada - ele disse e saiu da cozinha.
Meia hora depois, o telefone tocou.
- E para você - Jason anunciou, aparecendo na porta. - Sua editora.
- Kate, querida? Quem era aquele que atendeu o telefone? Não me pareceu nem um pouco civilizado.
- E que ele não está num bom dia, Laura. Estamos todos ocupados demais e...
- Desculpe, meu amor. Não quero tomar seu tempo. Só quero avisar que adoramos a última matéria que nos enviou.
- Que bom!
Kate estivera tão ocupada que esquecera aquele assunto.
- Muito original - a editora elogiou. - Daria para criar coisas assim todas as semanas, em vez de a cada quinze dias? Podemos ter outra matéria para a semana que
vem?
- Vou tentar, Laura. Escute, preciso desligar. Estou preparando um jantar.
Kate despediu-se e colocou o telefone no gancho. Estava entusiasmada com o sucesso inesperado, mas também com um pouco de medo.
O telefone tocou de novo.
- Não sou seu secretário, Kate - Jason reclamou com frieza, reaparecendo na porta. - E Mike Howard. Diga que está ocupada! Preciso do telefone.
Quando Mike perguntou se poderiam sair para jantar na semana seguinte, Kate aceitou de imediato.
Depois de desligar o telefone, arrependeu-se. Sair com aquele homem só complicaria sua vida já caótica.
Mas ele é uma pessoa agradável, e um passeio noturno pode me fazer bem, disse a si mesma.
Às nove e meia, o jantar de Jason e Annabel foi servido por Nancy. Depois de recolher a louça suja, a mocinha entrou na cozinha e avisou:
- Jason faz questão de que a sobremesa seja servida por você.Será que não foi suficiente eu ter cozinhado para essa tal de Annabel?, Kate indagou-se, fazendo uma
careta.
Trocou de avental, olhou-se no espelho e respirou fundo. Pegou a bandeja com a sobremesa e caminhou até a magnífica sala de jantar, onde, à luz de velas, cintilavam
copos de cristal e talheres de prata.
As mãos de Jason cobriam as da "velha amiga".
- Annabel quis conhecer minha nova cozinheira, Kate - ele declarou.
Como ousa dizer "minha"?, Kate pensou, furiosa, colocando a bandeja sobre a mesa.
- Ela queria saber se você lhe daria a receita da torta de frango com cogumelos - ele continuou, beijando a mão de Annabel. - Ou é um de seus segredos?
Kate cerrou os punhos. Tinha a impressão de que Jason fazia toda aquela encenação de propósito. Se ele queria deixá-la enciumada, já conseguira, quando lhe pedira
para preparar aquele jantar romântico.
Ela voltou a atenção para a loira, que a fitava com interesse.
- Não é nenhum segredo, srta. Courtney - disse. - Eu lhe darei a receita com o maior prazer. E posso demonstrá-la no seu programa, quando quiser.
- Que idéia brilhante - Annabel falou. - A cozinheira de Jason Warnick no meu programa! Pense na publicidade!
- E terei uma vantagem. - Kate começou e interrompeu-se, fazendo com que Jason e Annabel olhassem para ela. - Estou certa de que a srta. Courtney não esperará certos...
favores.
Annabel engoliu em seco, entendendo muito bem o que Kate dissera. Jason, contudo, não se mostrou nem um pouco feliz com aquela declaração.
- Chega, Kate - exigiu com frieza.
- Claro, senhor.
Ela estava saindo, quando Jason gritou:
- Kate!
- O quê, senhor?
- Não achei nada engraçado.
- Nem eu, sr. Warnick. Só acho que deve pedir desculpas à srta. Courtney, a menos que ela não seja tão escrupulosa.
Kate fez uma reverência afetada, virou-se e saiu dali, feliz por tê-lo irritado.
- Kate! - Jason gritou de novo, fazendo com que ela parasse no corredor. - Mais uma coisa.
- O que é? - ela perguntou, virando-se.
- Nunca mais me faça uma reverência! Fui claro?
- Foi, senhor. Algo mais?
Ele se levantou, foi até ela e segurou-a com força pelo braço.
- Eu devia dar-lhe umas palmadas no traseiro - declarou. - Como ousa...
- Jason, querido! - Annabel intrometeu-se. - Acho que está na hora de eu voltar para casa. Pode me levar?
- Claro que posso, Annie. Vamos agora mesmo.
Quando a casa de chá fechou, às seis da tarde de domingo, Kate sentia-se exausta. Acabou de arrumar tudo, só desejando tomar um banho e ir para a cama. Mas Jason
tinha outros planos.
- Você precisa de ar fresco - declarou. - Venha, vamos andar um pouco.
Kate ficou parada ao sentir o braço musculoso envolver seus ombros.
- Não, obrigada.
- Você ficou em casa a semana inteira. Está tão pálida que receio que o Sindicato das Cozinheiras venha atrás de mim. Vamos levar Daisy para passear.
Kate entreabriu a boca, disposta a recusar o convite, mas notou que Jason estava tão determinado que não adiantaria nada.
- Tenho que trocar de roupa - disse.
- Rápido.
Ela subiu a escada de dois em dois degraus, dizendo a si mesma que era ridículo ficar nervosa só porque Jason a convidara para "respirar ar fresco". Não podia esquecer-se
de que na noite anterior ele só estivera preocupado com Annabel.
Vestiu uma calça de lãzinha cinzenta e um suéter rosa. Passou blush e batom, mas olhou para seu reflexo no espelho sem nenhuma satisfação. Fora uma semana de trabalho
árduo, mas ela sabia que sua palidez tinha pouco a ver com aquilo. Era Jason que a deixava estressada, com seus modos irritantes.
Ele já a esperava no jardim. Por alguns segundos, ficou parado, observando-a. Depois, abriu a porta do passageiro da caminhonete.
- Achei que fôssemos caminhar - Kate comentou.
- E vamos.
Ela não teve tempo de replicar, porque ele foi buscar Daisy. Voltou pouco depois e pôs a cachorra no banco de trás.
- Aonde vamos? - Kate perguntou, assim que ele se acomodou no banco do motorista.
- A praia.
- Praia?
Ele riu.
- Espero que não faça nenhuma objeção quanto a sujar os sapatos de areia - zombou.
- Posso tirá-los. Houve um breve silêncio.
- Eu não sabia que estávamos perto da praia - Kate disse.
- De onde achava que vêm os siris e caranguejos que encomendamos?
- De um peixeiro local.
Jason fitou-a e pôs o veículo em movimento. Meia hora depois estavam andando com Daisy na areia da praia. Kate riu ao ver a cachorra correr atrás de algumas aves
marinhas.
- Assim é bem melhor - Jason comentou. - Você devia rir mais vezes.
Kate engoliu em seco, quando ele segurou-lhe a mão, fazendo com que ela corresse ao lado dele, atrás de Daisy.
- Pare, pare, Jason, por favor - pediu, sentando na areia, exausta.
Ele jogou-se ao lado dela e acariciou-lhe o rosto.
- Bem, pelo menos ficou corada - falou.
- Não me toque!
Jason retirou a mão e deitou na areia, olhando para o céu. Kate respirou aliviada, mas, de repente, o rosto de Annabel apareceu em sua mente. Recordou os boatos
de um possível romance entre os dois. Aquilo deixou-a magoada, mesmo sabendo que sentia tanta atração por Jason, porque fazia muito tempo que não mantinha um relacionamento
amoroso.
- Assisti mais uma vez àquela fita de vídeo que fizeram da casa - Jason declarou. - Você está muito bem. Vou até Londres amanhã e mandarei fazer uma cópia para lhe
dar.
- Obrigada.
Kate ergueu-se e caminhou até a beira da água. Jason imitou-a.
- Eu gostaria de aparecer no programa matinal de Annabel - ela declarou.
- Livre-se de Sam e posso pensar no assunto - propôs.
- Recebi uma carta de Sam, hoje.
- Eu sei.
- Agradecendo o cheque.
- E quanto mais ele pediu?
- Não muito.
- Por que dá dinheiro a ele? Você não é nenhuma idiota.
- Não? Talvez essa seja a diferença entre sexo e amor. O amor faz com que sejamos idiotas, mas Jason Warnick é esperto demais para deixar que isso aconteça. Sinto
pena de você, sabia?
CAPITULO V
Jason colocou as mãos nos ombros de Kate, segurando-a com firmeza.
- Jason... - ela murmurou. - Peço...
- Desculpas?
Meu Deus, como posso dizer que tenho pena de um homem que tem tudo o que quer?, ela se perguntou. Mas sinto que Jason não é feliz. Algo deve ter acontecido, para
que ele mostre tanto desprezo pelas mulheres.
- Eu não devia ter dito aquilo. Desculpe - pediu com sinceridade.
- Está pedindo desculpas? - Por segundos, ele se mostrou pouco à vontade, então desatou a rir. - Estou ficando preocupado.
Começaram a caminhar.
- Quando voltarmos para casa, vamos parar num bar - Jason comentou. - Todo esse exercício me deixou com sede.
Subiram para a calçada e tiraram a areia dos sapatos. Kate entrou na caminhonete e esperou Jason limpar Daisy e colocá-la no banco de trás.
- Já está escurecendo - comentou.
- É mesmo - Jason respondeu, olhando para o céu. Entrou no veículo e franziu a testa. - Tem medo do escuro?
- Não, adoro a noite. E aqui, ela é mais bonita do que em Londres, por causa do céu repleto de estrelas.
- E, para cada grão de areia, há uma estrela no céu.
- Filósofo?
- Não, sou físico. Poderia ter poupado as mensalidades da faculdade se tivesse descoberto minha vocação para o mundo dos negócios antes.
- Duvido que dinheiro seja problema para você.
- Assim é bem melhor, Kate. Sinto-me mais seguro quando é rude. - Ela abriu um sorriso e refletiu que pensava o mesmo a respeito dele.
Minutos depois, entraram num bar, deixando Daisy na caminhonete, com .um pote de comida e outro de água. Sentaram-se a uma mesa próxima da janela, e Jason ordenou
duas cervejas bem geladas.
- Quero agradecer pelo empenho que demonstrou - disse.
- Sou paga para dar o melhor de mim. E gosto de desafios.
- Acho que deveria deixar os cabelos soltos mais vezes. Fica melhor.
- Sabe, já me falaram isso.
- E muitas vezes, não? Então, por que prendê-los? Não gosta de ser chamada de bonita? Não gosta de ser uma mulher atraente?
Ela não respondeu.
- Ou só usa os cabelos soltos para Sam? - ele prosseguiu. - Ele gosta de soltá-los, de escová-los antes de vocês irem para a cama?
- Por favor, Jason!
- Deve ficar muito bonita, deitada na cama, com os longos cabelos pretos espalhados no travesseiro.
- Não sou bonita. Sou uma garota como outra qualquer. Vivo num mundo comum. Por que não me deixa em paz?
- Confesse, Kate. Diga a verdade - Jason falou num tom sério de voz.
Tisha deve ter contado que Sam é o apelido de minha irmã, ela pensou.
- Desculpe, eu não quis... - hesitou. - Você deve estar furioso.
- Não estou furioso. Confesse que esqueceria Sam e seu amor por ele se eu a pegasse nos braços e a levasse para a cama.
- O quê? - Kate perguntou, surpresa e aliviada por ele ainda não ter descoberto a verdade.
- Está tremendo - ele comentou, sarcástico. - Está com medo de mim? Diga o que posso fazer para ajudá-la.
- Não preciso do seu tipo de ajuda. E não tenho medo de nada!
A não ser de trovões, ela admitiu apenas para si mesma.
- Não? - ele questionou, desconfiado. --Todos têm medo de alguma coisa, nem que seja de baratas.
- Pode me telefonar, se quiser ajuda para retirar alguma de sua casa - ela replicou.
- Com certeza telefonarei, mas se para me ajudar você tiver de entrar no meu quarto, não vou notar barata nenhuma.
Ele sorriu, obviamente percebendo que as faces dela avermelhavam-se.
- Mas vamos falar de seus medos - insistiu.
- Não tenho medo de você.
- Está sendo idiota com relação a Sam, senhorita, e vou provar.
- Sam precisa de mim.
- Disso eu sei. O que quero provar é que você não precisa dele.
- Não sou eu quem devia dizer isso? - Kate indagou, furiosa, mas estava tão cansada que acabou deixando escapar um bocejo.
- Vamos embora. Seu dia foi muito cansativo.
No caminho de volta para Fullerton Hall, permaneceram em silêncio.
Acho que não temos mais nada a dizer um ao outro, Kate pensou, aliviada.
Quando ele estacionou o veículo, ela se despediu com um breve "boa noite" e correu para dentro da casa.
Estava sentada na cama, já de pijama, escovando os cabelos, quando ouviu os passos de Jason ecoarem no corredor. Ficou imóvel quando percebeu que ele parara diante
da porta de seu quarto.
- Boa noite, Kate - ele gritou, desatando a rir.
Momentos depois, ela ouviu a porta do quarto dele fechar-se.
Quarta-feira era o dia de folga de Kate. Ela resolveu passar o dia elaborando a matéria para sua seção no Evening Mail.
Criara a personagem Karla, no primeiro artigo que escrevera em Fullerton Hall, descrevendo-a como uma jovem camponesa, sua "prima", e com quem correspondia-se para
trocar receitas. Ela própria adotara o pseudônimo de Cathy para assinar as "cartas". Na primeira, descrevera a casa em que estava trabalhando e falara de Jack Wesseck,
uma personalidade da televisão, muito temperamental, que dera vários palpites na preparação de um jantar especial.
Agora escreveria a "resposta" de Karla, e daria a receita de um rocambole com recheio de legumes que a moça mandara-lhe.
"Achei seus comentários com relação ao sr. Wesseck muito grosseiros, querida. Aceitar um palpite ou outro não é nada demais. Por exemplo, quando preparo meus molhos..."
Kate parou de datilografar e leu o que escrevera para ter certeza de que não estava ficando muito real. Encolheu os ombros, dizendo a si mesma que ninguém perceberia
que Jack Wesseck era na verdade Jason Warnick.
- Vou até o correio, Tisha - avisou ao terminar a matéria, encontrando a mulher na sala de estar. - Posso levar Daisy comigo?
- Claro que pode. Eu ia mesmo pedir para que saísse com ela. Ah, outra coisa. Jogo bridge todas às quartas à noite. Quer vir comigo?
- Não sou boa em jogos de cartas, e Mike Howard convidou-me para sair na quarta-feira. Jason nos apresentou em Oulton Market.
- Espero que se divirta. Mike é um homem muito gentil.
A sra. Maynard tinha razão. Mike era uma companhia muito agradável e nada ameaçadora, ao contrário de Jason.
- Obrigada pela noite adorável, Mike - Kate agradeceu ao cruzarem os jardins de Fullerton Hall, na volta.
- Podemos sair outras vezes?
Kate apreciara a noite, mas não queria dar falsas esperanças a Mike.
Minha vida já está muito complicada e não quero entrar em outro relacionamento e depois ficar tão decepcionada quanto fiquei com David, refletiu. É melhor não arriscar.
De repente, a luz do alpendre acendeu-se e alguém abriu a porta da frente.
- Mike! - Jason exclamou, ao sair, fingindo surpresa. - Quer entrar e tomar um drinque?
- Olá, Jason - Mike cumprimentou, tenso. - Pensei que estivesse em Londres.
- Estava, mas com tantas atrações em Fullerton Hall, não tive como ficar por lá.
- Já vou, Kate - Mike disse, claramente nervoso. - Ligo na sexta.
- Claro - ela concordou com mais entusiasmo do que antes.
Ficou em silêncio, observando o carro dele desaparecer na escuridão. Então, virou-se para Jason e perguntou:
- Estava escondido atrás da porta?
- Estava. E apareci na hora certa, não? Mais dez segundos e Mike a teria beijado.
- E se ele me beijasse? O que você tem a ver com isso?
- Nada. Eu só estava pensando em Sam.
- Sei.
- E melhor entrai. - Jason foi ao encontro dela e segurou-a pela mãe. - Daqui a pouco vai chover.
- Solte-me!
- Por quê? Posso lhe oferecer a mesma coisa que Mike.
Jason puxou-a para dentro e fechou a porta, antes de abraçá-la e tomar-lhe os lábios num beijo ardente. Ela lutou, batendo os punhos contra o peito duro, até que
conseguiu livrar-se.
- Nunca mais faça isso! - exclamou, furiosa.
- Ninguém irá beijá-la na frente de minha casa, Kate, a não ser eu.
Ela queria sair correndo, mas primeiro tinha de colocar um ponto final naquela situação.
- Deixe-me avisá-lo de uma coisa, Jason Warnick. Encoste um dedo em mim e verá se não o denuncio por assédio sexual.
- Jason! - Tisha espantou-se ao entrar, chegando do jogo de bridge. - Eu não o esperava antes do fim da semana.
- O clima está muito quente em Londres - ele disse, sorrindo para a tia. - Vim para cá em busca de frescor e paz.
- Já que pretende ficar, trate de contratar uma secretária - Tisha recomendou. - Quando está aqui, o telefone não pára de tocar. Teve uma noite agradável, Kate?
Kate pestanejou, confusa. Esquecera completamente o encontro com Mike.
- Tive, obrigada - respondeu, um tanto hesitante. - Como foi seu jogo de cartas?
- Joguei com um péssimo parceiro. Vou tomar um drinque. Me acompanha?
- Não, obrigada. Já é tarde e terei um longo dia, amanhã.
Com isso, Kate subiu a escada, entrou no quarto e trancou a porta. Tomou um delicioso banho quente e acomodou-se na cama, mas o sono não veio. Escutou os passos
de Tisha e Daisy soarem no corredor, mas passaram-se duas horas, e não ouviu as passadas firmes de Jason. Imaginou que talvez ele voltara para Londres.
Então, decidiu tomar um copo de leite. Vestiu um penhoar e foi para o andar de baixo. Um barulho vindo do escritório de Jason, enquanto ela passava pelo corredor
rumo à cozinha, assustou-a. Mesmo refletindo que poderia ser um ladrão, caminhou na ponta dos pés até a porta do escritório e abriu-a. Jason estava colocando lenha
na lareira.
- Jason?
- O que quer? - ele perguntou com aspereza, endireitando-se para encará-la.
- Já é tarde - ela comentou.
- Sei que é tarde. Qual o problema? Não consegue dormir?
- Não - ela confessou. - Pensei em tomar leite. Você quer? Se preferir; posso preparar chocolate quente.
- Chocolate quente? - ele repetiu, incrédulo. - A última mulher que me ofereceu isso foi minha babá! Ela também usava um pijama listrado e um velho penhoar. Mas
era bem diferente de você. E, se quer saber, chocolate quente não vai curar o que estou sentindo.
- Por que não telefona para Annabel? - Kate sugeriu de imediato, furiosa, presumindo que ele estivesse sentindo falta de sexo.
- Annabel? - Ele abriu um sorriso malicioso. - Bem, como ela está em Londres, aconselho você a ir para a cama e não esquecer de trancar a porta do quarto.
Kate não viu Jason no café da manhã, mas notou que Nancy levou uma bandeja com panquecas, geléia de morango e um copo de suco de laranja para o escritório dele.
- Vou até Norwich, Kate - Tisha avisou. - Acho que só voltarei bem tarde. Por favor, peça a Nancy para deixar um sanduíche pronto para mim, já que ela estará de
folga à noite.
- Claro. E Jason?
- Jason pode ir a um restaurante.
- Mas posso...
- Ele tem uma casa e empregados em Londres. Se quer ser mimado, deve ficar por lá.
Mesmo assim, Kate preparou um espaguete à bolonhesa para o jantar. Arrumou a mesa e foi ao escritório, chamar Jason para comer.
- Obrigado, Kate - ele agradeceu, mas não fez menção de acompanhá-la.
Enquanto colocava espaguete em seu próprio prato, ela se perguntou por que se preocupara em preparar uma refeição para dois.
- Kate?
Ela assustou-se. Virou-se e notou que Jason entrara na pequena sala de refeições, com uma garrafa de vinho e dois copos nas mãos.
- Posso me juntar a você? - ele indagou.
- Sente-se.
Jason acomodou-se na cadeira oposta à dela e encheu os copos com vinho tinto.
- Trouxe este vinho da região toscana, no ano passado - comentou. E muito bom.
Ela provou a bebida.
- É delicioso - concordou. - Jason, eu...
- Kate, não vá - ele pediu.
- O quê?
- Você não ia dizer que vai embora?
- Embora? Não! Só queria pedir desculpas por ontem à noite.
- Desculpas!? - ele espantou-se. - Pelo quê?
- Você sabe.
- Fui eu que tive um péssimo comportamento. Mas quando falei com Tisha pelo telefone e ela me contou que você ia sair com Mike... Não ama Sam?
- Gosto de sair, Jason, e posso manter um relacionamento de simples amizade com um homem.
- Mas da próxima vez que você sair com Mike, ele vai fazer questão de aprofundar esse relacionamento.
- Por que diz isso?
- Duvido que ele queira apenas amizade, só que não é tão franco quanto eu.
- Escute, esqueça o que eu disse sobre assédio sexual.
- Esquecer? Você tinha o direito. Até foi muito generosa.
Generosa?, Kate repetiu mentalmente. E se ele souber o que tenho escrito para o Evening Mail? Senhoras de idade tinham começado a escrever para "Cathy", aconselhando-a
a procurar outro patrão.
Jason ficou em silêncio por longos momentos.
- Kate, uma associação que cuida de crianças desamparadas quer promover um piquenique beneficente aqui em Fullerton Hall. O que acha?
- Seria uma boa publicidade. Tenho certeza de que a imprensa viria cobrir o evento.
- E, seria, mas estou apenas pensando em ajudar.
- Desculpe, não quis ser grosseira. Acho uma idéia brilhante.
- Pode organizar tudo?
- Claro. E quando será?
- No final de maio. - Jason ofereceu mais um pouco de vinho, mas Kate recusou, e ele se levantou. - Tem razão, chega. Vou passear com Daisy. Quer vir comigo?
- Não, eu...
- Prometo que só a beijarei com seu consentimento. - Ele deu a volta na mesa e ajudou-a a levantar-se. - Gostaria que me acompanhasse. Passei o dia inteiro no escritório.
Jason, que fora a Londres, retornou numa noite de sexta-feira e encontrou Kate sentada à mesa da cozinha, planejando o cardápio para o piquenique.
- E para você, Kate - ele disse, entregando-lhe um grande envelope. - Lembra-se da entrevista no dia da inauguração da casa de chá? Desculpe por ter demorado tanto.
Ela abriu o envelope e retirou uma fita cassete.
- A gravação! Obrigada, Jason.
Ele pôs uma pilha de jornais na mesa.
- Aqui estão todos os jornais que fizeram comentários sobre a inauguração da casa de chá. Achei que gostaria de ver.
- Quantos!
- Nem todas as matérias são sobre a casa de chá. Algumas falam da mansão em si. - Jason começou a folhear um deles e declarou, ao encontrar o que procurava: - Você
vai adorar este artigo.
Kate pegou o jornal e leu:
- "O cobiçado solteirão Jason Warnick parece estar muito ocupado com a inauguração de uma casa de chá em Norfolk. E, com certeza, com sua misteriosa Kate." O que
significa isso? - ela perguntou, erguendo os olhos para Jason.
- Eu disse seu nome num show de entrevistas noturno. Desculpe.
- Ah, eu me lembro. Tudo bem.
- Viu o programa? Por que não me contou?
- Sam adora aquele programa - Kate respondeu sem pensar e notou que o brilho nos olhos de Jason desaparecia. - Eu não estava prestando muita atenção na entrevista
- mentiu. - Bem, com licença, tenho de preparar o jantar.
- Vou jantar fora.
- Sei que Annabel já voltou. Deve ser muito bom tê-la por perto.
- Muito bom.
Mike telefonou para Kate depois do jantar e perguntou se poderiam sair para tomar um drinque. Ela aceitou, dizendo a si mesma que qualquer coisa seria melhor do
que ficar sozinha, imaginando o que Jason e Annabel estariam fazendo. Sentia tanto ciúme, embora não admitisse, que, na volta do passeio com Mike, permitiu que ele
a beijasse no jardim de Fullerton Hall
- Que tal jantarmos juntos na semana que vem? - ele sugeriu.
- Ligo para você, Mike - ela respondeu depressa, vendo o carro de Jason entrar na alameda.
Entrou quase correndo e estava na cozinha, tomando água, quando Jason apareceu.
- Teve uma noite agradável, Kate?
- Tive, obrigada.
- Não precisa agradecer. Aposto que já agradeceu a Mike - replicou Jason, saindo da cozinha.
- Inferno! - ela exclamou.
Jason tornou-se cortês, mas distante. Kate sabia que ele passava muito tempo com Annabel, pois os dois eram citados quase que diariamente na coluna social do jornal
de Norwich.
Ela continuou a escrever para o Evening Mail, recebendo grandes elogios da editora. Mas Jason comportara-se tão bem desde que ela tivera o segundo encontro com Mike,
que parte de sua inspiração desaparecera.
Não teve mais contato com Mike, o que a deixou surpresa, mas aliviada. Um dia, porém, quando foi comprar selos em Oulton Market, avistou-o e acenou. Ele deu-lhe
as costas e caminhou na direção oposta.
- Mike! - ela gritou, espantada. Ele parou, relutante.
- Oi, Kate, tudo bem?
- Como vai? Faz tempo que não nos vemos.
- Estive muito ocupado.
- Eu também. Que tal tomarmos um drinque? E minha vez de lhe pagar um.
Mike olhou para o relógio de pulso.
- Adoraria, mas não posso - disse. - Tenho um encontro.
- Tem, mesmo? Ou está tentando me evitar?
- Desculpe, Kate, mas Jason disse...
- Jason! O que ele tem a ver com isso?
- Ele me mandou desistir de você.
- Desistir?
- E, disse que você é dele... Devia ter me contado, Kate.
Ele se virou e afastou-se.
- Devia? - ela murmurou, olhando para o envelope que segurava e que continha o artigo para o Evening Mail. - Claro que sim. Por que não contar para todo o mundo?
CAPÍTULO VI
Kate voltou para Fullerton Hall e começou a datilografar uma nova "carta para Karla", depois de rasgar a que pretendera enviar para o jornal. Quando terminou, leu
e aprovou. Colocou as folhas num envelope, selou-o, e foi até a caixa de correio da própria casa.
Hesitou um instante, antes de deixar o envelope cair na caixa trancada. Soltou-o, por fim, mesmo sabendo que, daquela vez, fora longe demais. Lembrou-se do comentário
que lera num dos jornais que Jason trouxera de Londres.
"Cathy" deve seguir os conselhos de "Karla" e largar o emprego na casa de Jack, pensou, caminhando na direção da porta da frente com passos decididos. Pena que eu
não possa fazer o mesmo.
Kate não viu Jason por uns dias, mas depois do jantar de domingo, ele foi até o escritório improvisado para ela.
- Mal a vi esta semana - ele comentou.
- Tive muito o que fazer - ela respondeu, sem tirar os olhos do papel a sua frente.
- Gostaria de acertar os últimos detalhes para o piquenique beneficente. Vamos até um bar?
- Prefiro discutir o assunto aqui mesmo.
Kate tirou uma pilha de papéis de uma cadeira, para que Jason sentasse. Ele ignorou o gesto, mas aproximou-se da mesa.
- Está querendo me evitar - comentou. - Por quê? Pensei que tivéssemos decidido cessar fogo. Não me lembro de nada que eu possa ter feito recentemente para ofendê-la.
- Não? Pense um pouquinho.
- Por que não vai direto ao ponto?
- Estou pronta para falar de negócios, nada mais.
Jason ficou em silêncio, e Kate forçou-se a encará-lo, não acreditando que ele não soubesse por que ela estava furiosa.
- Não queria discutir os últimos detalhes para o piquenique? - perguntou.
- Quero você em meu escritório em dez minutos.
Jason virou-se e saiu. Kate sentiu-se como um condenado aguardando a hora da execução. Passados os dez,minutos, foi até o escritório dele e bateu na porta.
- Entre!
Jason estava sentado atrás da mesa, mexendo em alguns papéis.
- Por que ser formal, Kate? Não bate na porta, quando está usando seu penhoar.
Ela não respondeu e acomodou-se numa cadeira. Jason começou a falar sobre o piquenique, e depois de acertarem o que faltava, ele largou a caneta.
- Tudo parece sob controle - disse. - Obrigado.
- Tenho certeza de que será um grande sucesso.
- Tudo o que preciso é de um dia de sol. Já conversei com o meteorologista de minha emissora e ele disse que o tempo estará bom.
- Então, nada vai dar errado - comentou Kate, levantando-se.
- Era uma piada - Jason explicou, irônico. - Qual o
problema?
Ela sentiu as faces corarem, mas obrigou-se a enfrentá-lo.
- Encontrei Mike em Oulton Market - falou.
- Deve ter sido um encontro maravilhoso.
- Pelo contrário, eu diria que nosso encontro foi embaraçoso.
- Mesmo? O que ele disse que a deixou embaraçada? O relacionamento de vocês não era platônico?
- Ele disse... Você sabe exatamente o que ele disse.
- Mike contou-lhe nossa conversinha?
- Conversinha? Como ousa dizer que eu e você...
- Sei o que falei, Kate. - Jason foi até o barzinho e serviu-se de conhaque. - Quer?
- Não.
- Eu estava pensando em Sam.
- Sam?
- Esqueceu-se de quanto o ama?
- Sam sabe... que está sempre em primeiro lugar.
- Sabe? Acho a fé que ele tem em você patética. - Jason tomou um gole da bebida. - Levemos em consideração os sentimentos de Mike. Eu o conheço há muito tempo. Não
quero que ele fique magoado.
Kate empalideceu.
- Sua lealdade com os amigos é impressionante - declarou.
- Mas acho que ele não entendeu o que você quis dizer.
- Mike é um cara muito prudente. Não quer mesmo beber?
- Se quer dizer que é por prudência que ele não ataca mulheres indefesas, concordo.
Jason entregou-lhe um copo com um pouco de conhaque, mesmo ela não tendo dito que queria.
- Certo, mas não acho que você se encaixe no rol das mulheres indefesas - respondeu.
Kate engasgou-se com o conhaque. Quando Jason bateu em suas costas, ela notou que estavam lado a lado e muito próximos.
- Tente de novo - ele sugeriu, apontando para o copo. - Mas vá devagar.
- Não!
- Parece cansada. Tem trabalhado muito. Vou contratar alguém para ajudá-la.
- Não precisa. É muito mais fácil trabalhar aqui do que como autônoma em Londres. Em Fullerton Hall não fico acordada até tarde.
- Talvez esse seja o problema. Precisa sair mais. A propósito, tenho dois ingressos para uma peça teatral em Norwich. Aceita ir comigo?
- Por que não convida Annabel? - Kate questionou.
- Annabel?
Kate teve a sensação de que fora longe demais, pois Jason parecera irritado e afastara-se dela.
- Não, Annabel não pode ir comigo. Está trabalhando. E já que eu aparentemente roubei você de seu namorado... A não ser que tenha feito as pazes com Mike.
Ela olhou-o com raiva.
- Não fez? - ele perguntou cinicamente e serviu-se de mais uma dose de conhaque. - Então, se é tão difícil aceitar um convite meu, vou transformá-lo numa ordem.
- Não é preciso. Adoraria ir ao teatro com você.
Kate escolheu o vestido de seda que usara no Natal do ano anterior. Lavou os cabelos e decidiu deixá-los soltos. Como toque final, colocou os brincos e a gargantilha
de rubi que o pai lhe dera no seu décimo oitavo aniversário. Olhou-se no espelho e ficou satisfeita.
Jason estava no vestíbulo, de costas para a escada, conversando ao telefone. Ela desceu os degraus, sentindo-se uma estrela de filme antigo. Notou como o paletó
preto que Jason usava enfatizava os ombros largos e não teve como conter um suspiro.
Ele virou-se ao ouvir os passos dela. Colocou o telefone no gancho e observou-a. Aproximou-se do pé da escada e ajudou-a a descer os últimos degraus.
- Cinderela - sussurrou.
Kate enrubesceu.
- Certifique-se de que estarei em casa antes da meia-noite, príncipe encantado - brincou.
- Não me diga que esse belo vestido se transformará num avental, ou melhor, num pijama listrado!
Os dois riram e seguiram para a porta da frente. Jason guiou-a até uma limusine preta, e o motorista abriu a porta de trás para que eles entrassem.
- Que luxo! - ela comentou.
- Acha?
Kate sentiu-se uma idiota. Disse a si mesma que Annabel Courtney jamais teria feito um comentário como aquele. Jason colocou as mãos delicadas entre as suas.
- Fico feliz por ter gostado - falou.
Durante todo o caminho para o teatro, divertiu-a com histórias sobre as celebridades que conhecia.
Kate estava encantada ao sair do teatro.
- Gostei muito, obrigada - ela agradeceu assim que acomodaram-se na limusine.
- Percebi. Gosto de mulheres que não têm vergonha de rir.
- Isso é um elogio?
- Não tem certeza? - Jason segurou as mãos dela. - Vou ter que melhorar.
- Não é necessário - ela negou, puxando as mãos. - Aonde vamos agora?
- A um pequeno restaurante perto de Oulton Market.
Chegaram lá pouco depois, e um garçom levou-os a uma mesa perto da janela. Kate olhou para fora e viu um riozinho que se represava para formar um pequeno lago, antes
de escoar-se por um canal de pedras.
- Que lugar adorável! - exclamou.
- Tinha certeza de que ia gostar. Isto aqui era um moinho, e conservaram quase tudo o que foi possível, inclusive o riacho.
O garçom aproximou-se da mesa empurrando um carrinho com a refeição.
- Nós nem pedimos nada, ainda! - Kate admirou-se.
- Eu sabia que sairíamos tarde do teatro, por isso pedi os pratos com antecedência - explicou Jason. - Espero que não se incomode.
- Não precisava ter tido tanto trabalho.
- Não foi nada demais, mas eu quero uma recompensa.
- E o que seria?
- Por enquanto, um sorriso.
Por enquanto, Kate repetiu mentalmente. E depois? Será que ele é tão seguro de si que tem certeza de que vai me levar para a cama?
Começou a ler o folheto que recebera no teatro, tentando disfarçar sua confusão.
- Foi você quem patrocinou a peça - comentou, evitando sorrir, o que seria a prova de sua rendição. - Foi por isso que, apesar de termos chegado atrasados, nos levaram
até nossos assentos?
- Chegamos atrasados porque eu não queria expô-la aos bisbilhoteiros de plantão - ele esclareceu, assim que o garçom acabou de servi-los e afastou-se.
- Normalmente não é tão discreto - ela retrucou, sem pensar.
- Quando levo uma modelo ou uma jovem atriz a um bar em Londres, ela espera que nossa foto apareça nos jornais, no dia seguinte. Faz parte do negócio.
- Entendo.
- Não, Kate, não entende. Você não nasceu para aparecer nas colunas de mexericos.
Ela sentiu um frio na espinha. Refletiu que sua matéria para o jornal já devia estar na mesa da editora, pronta para ser publicada na próxima semana. Não podia prever
o que resultaria daquilo.
- Podemos comer? - perguntou, embaraçada, pegando o garfo. - Desculpe, sei que não é da minha conta, mas foi por que está patrocinando o espetáculo que todas aquelas
pessoas estavam esperando-o na sala da imprensa? Por que me levou junto?
- Eu a levei porque quis. Quer saber mais alguma coisa?
- Quero. Por que me apresentou, sem mencionar que sou sua empregada?
- Eles teriam olhado para você e pensariam que eu estava usando um eufemismo para algo bem diferente.
Kate engoliu em seco.
- Não pensariam, não! - exclamou, mesmo sabendo que ele tinha razão.
- Já que é minha empregada, mais especificamente minha cozinheira, querida Kate, gostaria de saber sua opinião profissional quanto ao nosso jantar.
- Delicioso.
Jantaram sem conversar muito, mas num clima agradável de camaradagem.
- Acho que comi demais - Kate confessou no fim.
Mas, quando uma taça de morangos com chantilly foi colocada a sua frente, ela pegou a colher, sem hesitar.
- O que foi que disse? - ele ironizou.
- Nada.
- Esse é o segredo. Comida simples.
- Eu gostaria de voltar a ter um restaurante como este.
- Mas, enquanto isso...
- Aceito qualquer emprego.
- E seu restaurante teria de ser em Londres?
- Teria. Ou perto.
- E quando vai abri-lo? - Jason perguntou.
- Quando tiver dinheiro. Antes, pretendo publicar meu livro de culinária.
- Livro?
- Ainda estou pensando, mas pretendo fazer uma adaptação da minha secção de culinária no... - Ela lembrou o que logo seria publicado no Evening Post e improvisou:
- Num jornal do meu bairro.
- Boa sorte. Bem, está na hora de irmos.
Kate olhou ao redor e ficou surpresa ao notar que o restaurante estava vazio.
- Nossa! - exclamou. - Já é tão tarde?
- Passa de meia-noite, Cinderela. Vamos.
O carro parou no jardim de Fullerton Hall e os dois desceram. Caminharam até a porta da frente, que Jason destrancou.
- Obrigado, Kate. Espero que tenha se divertido tanto quanto eu.
- Me diverti muito. Obrigada.
Relaxada e feliz, ela fechou os olhos e esperou o beijo que tornaria a noite perfeita.
- Se quiser que eu a beije, terá de pedir, esqueceu? - Jason observou.
Kate abriu os olhos.
- Vejo você no sábado. -. Ele riu, voltando para o carro.
- Jason?
- Agora é tarde, querida. Tenho de estar em Londres às seis, para uma entrevista no noticiário matinal.
Kate esperou até a luz vermelha das lanternas do carro desaparecer, então entrou. Gostaria de estar furiosa com ele, mas não podia, já que fora ela mesma quem criara
as regras.
O dia estava ensolarado, no sábado. O piquenique seria um sucesso, e já havia muita gente no jardim. Kate ficou feliz por ter bastante trabalho, o que a impediria
de ficar pensando no que teria acontecido se Jason a beijasse. Também preocupava-se com a vinda de Sam, que ela pretendia ir buscar na segunda-feira, quando Jason
já estivesse nos Estados Unidos.
- Olá, Kate! Pensei que fosse encontrá-la na cozinha.
Kate, que ia entrar no quarto, virou-se e ficou maravilhada ao ver Sam. O prazer de rever a irmã, porém, não durou muito tempo.
- Sam! O que está fazendo aqui? - Puxou a garota para dentro do quarto e fechou a porta, pois ouvira a voz de Jason. - Eu não ia buscá-la na segunda?
- Eu sei, mas uma das professoras veio para cá e eu peguei uma carona.
- Ótimo, mas pode contar tudo depois. Agora tenho de pensar. Que encrenca! Por que você tinha de aparecer logo hoje?
- Pensei que ficaria feliz!
- Desapareça na multidão, porque ainda não contei a verdade a Jason.
- Que bela recepção de boas-vindas - ironizou Sam.
- Devia ter pensado nisso antes de aceitar caronas. - Kate franziu a testa. - Com quem você veio? - Empalideceu. - Não ficou no meio da estrada, pedindo carona,
ficou?
- Eu já disse que vim com...
- Agora, não.
Kate abriu a porta do quarto e verificou se não havia ninguém por perto, antes de descer com a irmã e levá-la até a porta da frente.
- Tem dinheiro? - perguntou e, sem resposta, tirou da carteira uma nota de cinco libras. - Vá. Tenha juízo e não se meta em confusão.
Observou a irmã misturar-se às pessoas que estavam no jardim e virou-se para entrar.
- Tudo bem? - Jason indagou, aparecendo a seu lado.
Ela estremeceu, assustada.
- Nossa! Sou tão feio assim? - Ele riu e afagou-lhe a mão. - Está tremendo. Qual o problema?
- Nada - ela negou, passando a mão nos cabelos. - E que hoje o dia está movimentado demais.
- Vamos sentar um pouco. - Ele envolveu os ombros dela com um braço e guiou-a até a cozinha. - Peço desculpas por estar atrasado. Precisei trazer um de nossos convidados.
- Almoçou? Posso preparar uma omelete.
- Já almocei. Quem era a garota com quem estava conversando? Ela me pareceu familiar.
- Precisamos conversar, Jason, preciso explicar...
- Querido! É aqui que está se escondendo! - Annabel exclamou, entrando na cozinha.
- Oi, Annabel - ele cumprimentou em tom seco.
- Que cozinha adorável! - a loira continuou. - Obrigada por ter me mandado aquela receita, Kate. Gostaria de participar de meu programa? Poderíamos gravar aqui mesmo.
- Esqueça, Annabel - Jason resmungou.
- Jason não gosta que suas garotas apareçam na televisão - Annabel murmurou, com um sorriso, ignorando o olhar de advertência de Jason. - Prefere deixá-las em casa.
- Não seria melhor dizer "na cama"? - Kate retrucou.
CAPÍTULO VII
- Jason, meu querido, o que fez com Kate que a deixou com essa péssima impressão de você? - Annabel perguntou, surpresa. - Se não tiver cuidado, vai criar má fama.
- Riu e passou o braço pelo dele. - Venha, vou ter de cortar uma fita ou fazer um discurso, não vou?
- Não é uma inauguração de supermercado, Annabel, mas um piquenique beneficente - Jason replicou, impaciente.
Acompanhou a moça para fora da cozinha, mas parou na porta e, por cima do ombro, lançou um olhar desconfiado para Kate.
Algumas pessoas procuraram a casa de chá, mas como eram poucas, Kate permitiu que as garçonetes fossem se divertir no jardim. No final da tarde, porém, o jardim
de inverno estava tão cheio que ela se viu obrigada a ajudá-las a servir.
- Vi você na televisão - uma mulher comentou. - Falei para minha irmã...
Kate não ouviu mais nada, pois sua atenção voltara-se para a sirene de uma ambulância que parecia muito próxima. Olhou pela janela e viu que muitas pessoas agrupavam-se
ao redor do lago. Foi até a porta.
- O que aconteceu? - perguntou a um empregado da propriedade, que passava por ali, apressado.
- Alguém caiu no lago - ele contou. - Estou indo telefonar para o dr. Cullingan.
- Quem caiu no lago?
- Não conheço. E uma garota, e já foi resgatada.
Kate cruzou o gramado, alarmada, como se estivesse prevendo que a garota que caíra no lago era sua irmã. Ao abrir caminho entre as pessoas para aproximar-se da ambulância,
teve a confirmação do que mais temia. Um enfermeiro estava enrolando Sam num cobertor.
- Desculpe, Kate - a mocinha pediu, envergonhada. - Tentei não entrar em confusão, mas o ursinho de pelúcia de uma menininha caiu no lago e...
O alívio que Kate sentiu ao ver que estava tudo bem com a irmã transformou-se em raiva.
- Um urso de pelúcia! - exclamou. - Arriscou a vida por um urso de pelúcia! Samantha Thomley, sabe que esse lago é muito perigoso? - Olhou para o enfermeiro. - Ela
vai ficar bem?
- Claro. Nada que um bom banho quente não cure - ele respondeu. - Ela só está ensopada, mas o sr. Warnick insistiu para que chamassem um médico. - Sorriu para alguém
que estava atrás de Kate. - A garota vai ficar bem, senhor.
Kate girou nos calcanhares e deparou-se com Jason.
- E culpa sua - acusou-o. - Devia haver umas placas de aviso, ou alguém que ficasse vigiando para evitar que isso acontecesse. Crianças podem facilmente cair na
água!
- Não sou criança - Sam protestou. Kate virou-se para a irmã.
- Então, por que agiu como uma? - questionou.
- Pelo amor de Deus, ela só estava tentando ajudar - Jason intrometeu-se.
- Ajudar! - Kate exclamou. - E onde você estava quando tudo aconteceu?
- Estava aqui.
- Aqui! E fez algum curso de salva-vidas? Ela poderia ter se afogado.
- Eu sei nadar - Sam argumentou. - Só perdi o fôlego e não esperava que o lago fosse tão fundo.
- E como poderia saber que o lago era fundo? - Kate perguntou. - Não há nenhuma placa avisando!
De repente, percebeu o grande número de pessoas que assistiam àquela discussão, observando, fascinados, a maneira como ela enfrentava o todo-poderoso Jason Warnick.
- Venha, Samantha, o médico já deve estar chegando - continuou, mais calma. - É melhor tirarmos essas roupas molhadas.
- Obrigada por ter me tirado do lago, sr. Warnick - Sam agradeceu. - Espere até minhas amigas saberem disso. Foi o melhor banho que já tomei em toda minha vida.
- Fico feliz por pensar assim - Jason disse. - Mas prometa que nunca mais tentará fazer nenhum "salvamento".
Só então, Kate percebeu que Jason estava molhado dos pés à cabeça.
- Prometo - Sam afirmou.
- A garota está bem? - uma mulher perguntou, segurando no colo uma menina de mais ou menos dois anos de idade abraçada a um urso de pelúcia encharcado.
- Estou bem, senhora - Sam garantiu. - Fico feliz por sua filhinha poder abraçar o ursinho outra vez.
Um tumulto de homens carregando câmeras e empunhando microfones anunciou a chegada da imprensa. Jason enlaçou o braço de Kate.
- Vamos sair daqui - sugeriu.
- Mas não posso deixar Sam...
- Sam?
- Minha irmã. Samantha. Todos a chamam de Sam. Jason olhou para a garota esbelta e sorridente, cercada pela imprensa.
- Então, Sam não é um homem? - indagou com raiva.
- Eu tentei lhe contar.
- É mesmo? Quando? Quando disse como o amava? Ou quando disse que o sustentava? Ou nas inúmeras ocasiões em que ele foi o assunto de nossas conversas?
- Não fui eu quem começou com essa farsa. Foi você quem interpretou tudo errado.
- E você não fez questão de contar a verdade. Por quê?
Um flash pôs fim àquela discussão.
- Obrigado, sr. Warnick - um fotógrafo agradeceu, radiante, antes de perguntar a Kate: - Como se chama, querida?
- Não é da sua conta - Jason replicou, apressando o passo na direção da casa. - Sua irmã não vai ser a única a aparecer nos jornais de amanhã.
- Isso não tem a mínima importância - Kate falou, então olhou sobre o ombro e gritou: - Sam!
Jason abriu a porta e puxou-a para dentro.
- Mas para mim tem - disse.
Claro, Annabel é quem aparece nas colunas sociais ao lado dele, Kate pensou, enciumada.
- Desculpe - pediu.
- Nancy! Chá quente, o mais rápido possível - Jason ordenou. - Vá até meu escritório, Kate. Vou trocar de roupa.
- Tenho de cuidar de Sam! Ela pode pegar uma pneumonia.
- O máximo que pode acontecer é sua irmã desmaiar por causa do cheiro da lama! - ele gritou, já no andar superior.
- Kate, você levou um choque - Nancy falou. - Vá sentar-se para relaxar. Cuido- de sua irmã.
Kate concordou e foi sentar-se junto à janela, de onde ficou olhando a multidão que começava a se dispersar. Só aceitou tomar o chá quando Nancy prometeu que faria
com que Sam tomasse um banho bem quente.
A empregada saiu e, logo em seguida, Kate ouviu a porta do escritório abrir-se. Correu para lá, na expectativa de que fosse Sam, mas encontrou Jason, já de banho
tomado.
- Ela está bem? - perguntou, aflita.
- Está. Sam deve ser a menor de suas preocupações, agora. Nancy mandou-a tomar banho e lhe servirá um chá quente com limão. E o médico disse que está tudo bem com
sua irmã.
- Acho que devo agradecer por ter tirado minha irmã do lago.
- Em vez de ter gritado comigo na frente da multidão? Aquilo foi tão bonito! - ele zombou. - Mas Sam teria saído do lago sozinha. Deve ser uma garota de fibra, se
for igual a você.
- Ela é mais forte do que eu. Teve de ser.
- Por quê?
- Não interessa.
Kate tentou ir embora, mas Jason agarrou-a e levou-a até o sofá, depois de fechar a porta. Obrigou-a a deitar-se com as pernas em seu colo e começou a massagear-lhe
os pés.
- Isso deve ajudar - disse num tom de voz suave. - Por que não começa me contando a razão de sua duplicidade?
Ela manteve o olhar nas mãos másculas, que se moviam em seus pés.
- Eu... - murmurou, mas não conseguiu ir em frente.
- Será que é tão difícil assim?
Kate encarou-o. Seria capaz de confessar que se sentia atraída por ele de um modo quase incontrolável? Pior de tudo, tinha certeza de que era aquilo que ele queria
ouvir.
Mas eu não gosto de Jason e detesto a maneira como ele trata as mulheres, pensou. Ai, já tenho tantas preocupações, e agora Sam inventou de ser heroína.
Começou a chorar, sem poder conter-se.
- Ela poderia ter se afogado e seria minha culpa - declarou. - Se eu não tivesse inventado aquela mentira...
Jason ofereceu-lhe um lenço e ela assoou o nariz.
- Eu não queria ter ido tão longe, acredite em mim... - Kate parou de falar, quando ele se inclinou e tirou o elástico que prendia seus longos cabelos pretos. -
O que está fazendo?
- O que deveria ter feito há muito tempo. Vou fazer amor com você.
- Não! Não pode.
- Não? Como vai me impedir, agora que descobri que não há nenhum namorado em sua vida?
Jason afagou os cabelos dela, deslizando a mão para a face macia. Ninguém nunca olhara Kate com tanta intensidade e determinação. Para ela, isso era glorioso e atemorizante
ao mesmo tempo.
- Não me olhe assim - pediu.
- Paro de olhar, se me pedir para beijá-la.
- Eu... não posso!
- Vai ter que pedir, querida. Prometi que não a beijaria a menos que pedisse, lembra? Não quero quebrar minha promessa.
- Você me beijaria? - perguntou, em tom de brincadeira, sentando-se e pondo as pernas para fora do sofá.
Jason abraçou-a e começou a acariciar-lhe as costas. Kate suspirou, deliciada.
- Peça - ele exigiu.
Ela passou o dedo indicador nos lábios firmes.
- Beije-me, Jason - murmurou.
Ele encostou levemente a boca na dela.
- Assim? - indagou.
- É.
Jason beijou-lhe rapidamente os lábios, as faces, o queixo e o pescoço.
- Quero que peça mais uma vez.
- Beije-me, por favor.
Ele a beijara antes, mas fora algo bem diferente. Kate parou de lutar contra ele e contra seus sentimentos, entregando-se aos sedutores carinhos. Jason desabotoou
a blusa dela e começou a acariciar os seios redondos e firmes, provocando deliciosas sensações.
- Vamos para outro lugar - ele sussurrou. - Há muitas pessoas por aí, e... - Como que para reforçar as palavras dele, a porta abriu-se, e Sam entrou no escritório.
- O que aconteceu com Kate? - perguntou. - Ela desmaiou?
Sentindo o rosto em fogo, Kate fechou os botões da blusa e levantou-se.
- Estou melhor, agora - disfarçou. - Mas fiquei apavorada por sua causa.
- Não devia ter se preocupado tanto - replicou Sam, olhando para Jason. - Acho que ainda não agradeci como devia por ter me tirado do lago.
- Esqueça - Jason falou com a maior naturalidade, então, vendo Kate caminhar para a porta, perguntou: - Aonde vai?
- Tenho de preparar o jantar. Nancy está de folga.
- Não se preocupe. Todos iremos jantar fora.
Kate e Jason estavam calados, imersos em pensamentos, mas Sam não parou de contar a Tisha sobre a academia de dança.
- Lamento estragar a festa, mas tenho de pegar um avião - Jason interrompeu a animada conversa das duas.
No caminho de volta a Fullerton Hall, Sam não parou de fazer perguntas a Jason sobre os Estados Unidos, até que Kate mandou-a, delicadamente, calar-se.
- Eu gostaria de ir para lá - Sam explicou.
- Pois eu, se não tivesse negócios a tratar naquele país, ficaria em Fullerton Hall - Jason disse.
Mais tarde, quando Sam e Tisha subiram para seus quartos, Jason e Kate foram para o jardim, onde a limusine o esperava.
- Volto assim que puder - ele murmurou.
Beijou-a carinhosamente, então deixou-a. Quando não mais ouviu o motor do carro, ela começou a andar lentamente pela alameda escura. Não havia por que ter pressa.
Precisava de tempo para aceitar que desejava Jason tanto quanto ele a desejava. E que o amava. Como alguém só podia amar uma vez na vida.
Mas vou entrar nesse relacionamento de olhos bem abertos, ela pensou. Jason nunca teve um compromisso sério com uma mulher, e não sou idiota para acreditar que ele
me ama ou que vá me amar um dia.
Recordou a maneira cínica como ele a olhara na cozinha da casa de Tisha, em Londres, quando se viram pela primeira vez.
As mulheres correm atrás de Jason, lembrou-se, desanimada. Ele sorri, e elas vêm. Só que comigo foi diferente. Eu não estava preparada para jogar o joguinho de sedução
a que ele está acostumado.
David ensinara-lhe uma importante e cruel lição: ninguém se interessaria realmente por uma mulher que era responsável por uma adolescente. Ela, desde então, protegera-se
contra nova desilusão amorosa, mas cansara-se disso. Se Jason a deixasse com o coração partido, isso não seria pior do que o vazio na alma que sentira nos últimos
três anos.
Sam fora acomodada na suíte para crianças, no fim do corredor do terceiro andar. Kate, que nunca entrara lá antes, ficara encantada com a quantidade de brinquedos
antigos que vira, e idéias começaram a borbulhar em sua mente.
Na manhã de quinta-feira, foi até lá em busca de Tisha, depois de tê-la procurado pela casa, em vão. A mulher e Sam haviam dado corda em vários brinquedos, que se
movimentavam graciosamente pelo piso.
- Que lindo! - Kate exclamou, olhando para um macaco de pelúcia que batia dois pequenos pratos de cobre, usando uma farda semelhante à da banda real.
- Eu tinha esquecido esses brinquedos - Tisha confessou. - Jason deve querer vendê-los.
- Ah, não! - protestou Sam, entrando no banheiro.
- Vender! - Kate espantou-se. - Por que não arrumamos tudo, recriando um berçário vitoriano? As pessoas pagariam para ver este lugar, como fazem nos museus.
- Não sei. Os outros quartos mal foram usados pela família, e não me importo que os visitem. Mas este é diferente, tem um valor sentimental, pelo menos para mim.
Jason foi o último bebê que o usou.
- Jason?
Tisha riu.
- É difícil imaginá-lo como um bebê, não? - perguntou. - Talvez ele tenha crescido rápido demais, arcando com tantas responsabilidades. A mãe de Jason fugiu com
um rico sul-africano, e meu irmão morreu num acidente aéreo, numa viagem que fez para procurá-la.
Kate refletiu que aquilo explicava as atitudes de Jason com relação às mulheres e sua crença de que elas eram incapazes de amar.
- Não é de surpreender que Jason seja cínico no que se refere às mulheres - Tisha prosseguiu. - Não era tanto, quando mais jovem. Afinal, não se lembrava da mãe,
e a deserção dela magoou-o, mas não tão profundamente quanto...
Tisha parou de falar por um momento e suspirou.
- Bem, quando ele se tornou bem-sucedido, dirigindo sua emissora, conheceu Sally Richmond e deu a ela sua primeira chance na televisão.
Kate franziu a testa, forçando a memória.
- Ela se mudou para os Estados Unidos, não? - perguntou.
- Mudou-se, depois que Jason fez dela uma estrela. Ele não estava em Londres e soube pelos jornais. Nem pôde ter a satisfação de processá-la por ter quebrado o contrato,
pois não havia nenhum.
- Por quê?
- Os dois moraram juntos um ano, e não se faz contratos com quem se ama, não é mesmo?
Então é isso, pensou Kate. Poder e dinheiro. Sally conseguiu as duas coisas, usando Jason, e nem se despediu dele.
Cerrou os punhos, como se estivesse sentindo a dor e a humilhação que ele experimentara.
- Talvez tenha razão quanto ao berçário - Tisha falou. - E idiotice ser tão sentimental. Vou conversar com Jason assim que ele voltar.
Naquela noite, Kate foi dar uma volta no jardim para relaxar. Depois, decidiu ver televisão, mas não encontrou nenhum programa que a agradasse. Tomou um banho quente,
mas nem assim conseguiu amenizar a angústia que sentia. Estava nervosa, agitada. Por fim, preparou-se para dormir, mas sabia que o sono não viria.
Olhou para o pijama e fez uma careta. Pensou na glamourosa Annabel e perguntou-se o que ela usaria para dormir.
Camisolas de seda, sem dúvida, refletiu. Peças caríssimas, bem diferentes dos pijamas que eu compro em liquidações de lojas populares.
Foi até o armário e olhou-se no espelho, fazendo poses provocantes. Riu de seus esforços, sentindo-se ridícula, decidindo que um copo de leite quente com açúcar
a ajudaria a relaxar.
Chegava perto do topo da escada, quando parou e olhou para o quarto de Jason. Depois de alguma hesitação, foi até lá e entrou, fechando a porta. Esperou que seus
olhos se acostumassem ao escuro, ouvindo as próprias batidas do coração. Então, viu um abajur e acendeu-o. Notou que as paredes do quarto eram de carvalho e que
as pesadas cortinas de veludo estavam abertas. Havia uma lareira feita de pedra num canto, com um tapete vermelho e azul na frente. Depois de olhar cada detalhe,
observou a cama de casal, grande e aconchegante, cuja colcha de brocado fora puxada para trás, de modo convidativo, expondo os lençóis de linho.
Sem poder resistir, deitou-se, ajeitando a cabeça no travesseiro. Por alguns instantes, hesitou entre a idéia de ir embora e o desejo de ficar. Mas seus olhos começaram
a ficar pesados e, como se estivesse hipnotizada, ela tirou a calça do pijama e aninhou-se entre os lençóis.
Jason acordou-a com um beijo.
- Olá, Kate.
Ela abriu os olhos e, à luz do abajur, viu-o sentado na cama.
- Jason! Eu dormi aqui? - perguntou, confusa.
- Dormiu, querida. Voltei um dia antes para lhe fazer uma surpresa, mas parece que foi mais esperta do que eu. Agradeço por ter aquecido minha cama.
Jason sorriu maliciosamente. Kate sentou-se, envergonhada.
- Desculpe - pediu, levantando o lençol e colocando os pés no chão.
Ele olhou os longos cabelos pretos despenteados, a parte de cima do pijama amassada e as pernas bem torneadas, totalmente nuas.
- Não tive intenção de... - ela começou e parou, envergonhada.
- Não?
Jason beijou-a, deslizando as mãos por seu corpo, massageando os seios rijos, fazendo-a gemer de prazer.
Empurrando-a suavemente para que ela se deitasse, inclinou-se e beijou-lhe o pescoço de modo sensual.
- Senti saudade - sussurrou, voltando-a fitá-la.
A única resposta de Kate foi desabotoar a camisa dele e pousar as mãos no peito másculo.
- Faça amor comigo, Jason.
Ele se endireitou e segurou as mãos dela.
- É melhor você sair daqui, Kate.
- E se eu não quiser? - ela perguntou, envolvida pelo clima sedutor.
Jason olhou-a por um momento, então fechou os olhos.
- Por favor, Kate, saia agora.
Embaraçada, ela desceu da cama e correu para a porta. Rejeição era a última coisa que esperava, mas devia ter desconfiado. Aquela cama era sagrada. Um dia, seria
da esposa dele.
- Kate!
Ela parou na porta, sem se virar, pronta para fugir antes de ouvir mais insultos.
- Esqueceu a calça do pijama - ele murmurou.
- O quê?
Jason foi até ela e entregou-lhe a peça de roupa.
- Bom resto de noite - sussurrou. - Durma bem.
Kate correu para o próprio quarto, fechou a porta e jogou-se na cama, rompendo em lágrimas.
Na sexta-feira, Jason dormiu o dia todo e só apareceu quase na hora do jantar, encontrando Kate na cozinha. Aproximou-se e abraçou-a pela cintura.
- Oi, Kate.
- Oi, Jason - ela respondeu, tentando afastar-se, mas ele a segurou com firmeza.
- Esse não era o tipo de recepção que eu esperava, depois do que aconteceu ontem à noite.
- Esqueça ontem à noite.
- Quer dizer que não quer mais o cargo de "aquecedora de cama"?
- Aqueço sua cama e você me manda embora. Interessante, não?
- Há pequenas formalidades que precisam ser discutidas antes, Kate.
- Não se dê ao trabalho de explicar coisa nenhuma - ela replicou, olhando para baixo para não encará-lo.
- Quanto maior o trabalho, maior a recompensa. - Ele soltou-a e acariciou-lhe o rosto. - Vou falar com Tisha. Talvez ela fique feliz em me ver.
- Já telefonou para seu escritório em Londres, Jason? - Tisha perguntou, colocando o guardanapo no colo, no início do jantar. - Ligaram o dia inteiro.
- Farei isso na segunda-feira - ele respondeu, então olhou para Kate. - Tenho outras coisas em mente.
A partir daí, a conversa foi monopolizada por Sam, que queria saber tudo sobre a viagem dele aos Estados Unidos.
Em dado momento, alguém tocou a campainha, e Sam foi atender, voltando com um envelope nas mãos.
- É para você, Jason - anunciou.
- Será que não podem viver sem mim? - ele zombou, pegando o envelope e saindo da mesa.
Voltou minutos depois.
- Conte-me o que fez nesse fim de semana, Sam - pediu.
- Aprendi a caçar borboletas.
- E pegou alguma?
- Não! Não suporto matar bichos, nem mesmo insetos.
Sam, então, começou a conversar entusiasmadamente com Tisha. Momentos depois, Jason levantou-se da cadeira e disse:
- Se for fazer café, Kate, leve o meu ao escritório. Quero discutir algumas futuras mudanças com você.
- Certo.
Kate lavou a louça e levou o café ao escritório. Colocou a bandeja na mesinha de centro e notou que Jason olhava atentamente para um recorte de jornal sobre sua
escrivaninha. Mesmo de longe, ela pôde ver uma fotografia dos dois, tirada no sábado, no dia em que Sam pulara no lago para resgatar um urso de pelúcia.
Jason encarou-a friamente.
- Muito interessante, não acha, Kate? - perguntou, sarcástico.
CAPÍTULO VIII
Kate sentiu um arrepio ao ler o artigo sob a foto:
"A misteriosa Kate foi descoberta, finalmente. Enquanto tentávamos descobrir quem era a namorada de Jason Warnick, a resposta estava a um palmo de nossos narizes.
Kate Thornley, uma soberba cozinheira, que conhece receitas deliciosas, fisgou o cobiçado solteirão, presidente da Magnum Entretenimentos."
Ela sentiu as mãos trêmulas, mas obrigou-se a continuar a leitura.
"A propósito, as matérias que Kate escreve para o Evening Mail tornaram-se muito interessantes. Não é difícil imaginar quem são realmente o chauvinista Jack Wesseck
e a excelente cozinheira Cathy, pois Kate está trabalhando em Fullerton Hall, a mansão de Jason em Norfolk. Annabel Courtney terá de ser mais habilidosa, se realmente
quiser ser a sra. Warnick."
Kate ficou petrificada, esperando pela explosão de Jason.
- Muito bem - ele disse calmamente, surpreendendo-a. -
Terá algo muito excitante para escrever na próxima semana, não?
Seria mais fácil se ele gritasse comigo, ela pensou, arrependida de ter criado o personagem Jack Wesseck. Eu poderia entender, suportar, mas essa demonstração de
autocontrole é terrível.
Continuou calada e imóvel. Como poderia desculpar-se? Tudo começara como um jogo, quando ele decidira provar-lhe que era irresistível para as mulheres. Ela, então,
para extravasar a raiva, inventara aquela maneira provocante de publicar suas receitas no jornal.
- Quando escrever outro episódio, não esqueça de contar que foi aquecer minha cama, querida, deitando-se nela seminua - Jason zombou.
Kate tivera a impressão de que estaria preparada para quando Jason partisse seu coração, porém...
- Não há necessidade de dizer que recusei sua oferta de sexo - ele prosseguiu, sem dó. - Tenho uma reputação para cuidar.
Ela pensou em explicar, justificar, mas disse a si mesma que talvez ele estivesse furioso demais para ouvir qualquer coisa.
- Vou embora assim que encontrar uma substituta - declarou e fez menção de afastar-se.
- Não. As coisas serão do meu jeito e você fará tudo o que eu mandar. Sente-se. - Ele tirou o telefone do gancho e discou um número. - Mas, primeiro, tenho de pôr
um ponto final nesses mexericos.
- E pode fazer isso?
- Posso limitar o estrago. Sala de edição de noticiários, por favor - ele pediu a alguém no outro lado da linha.
Ficou à espera, fitando Kate friamente.
- Tem idéia do que provocou, moça? Jason Warnick achou a garota perfeita, que é tão boa na cozinha quanto na cama. Todos os jornais vão falar nisso durante semanas.
- Você sempre disse que esse era o tipo ideal de mulher. Não pode culpar a imprensa por...
- É, não posso - ele a interrompeu. - O trabalho da imprensa é procurar notícias. Mas eu nunca tive a intenção de...
Fez uma pausa, exalando um suspiro ruidoso.
- Diabos! - exclamou. - Você trabalha e mora na minha casa, eu lhe pago um ordenado enorme! Percebe as implicações? Pensou no que tudo isso causará a Sam?
Kate empalideceu e sentou-se numa cadeira.
- Sam? O que pode acontecer com ela?
- Edição de noticiários? - ele perguntou, voltando a falar ao telefone. - Geoff, é Jason. Tenho uma "bomba" para encerrar nosso noticiário noturno. O público vai
adorar. Anunciem meu casamento com a senhorita Kate Thornley.
- Não! - Kate gritou e levantou-se, derrubando a cadeira.
- Vai ser daqui a uma semana, em Fullerton Hall, mas isso não precisa ser noticiado - prosseguiu Jason, impassível. - Mande nosso pessoal vir aqui, de helicóptero,
para fazer a cobertura do noivado, hoje.
Ficou em silêncio alguns segundos, ouvindo o que Geoff dizia.
- Não diga aos membros da equipe o que virão fazer aqui - recomendou. - Não quero que um deles avise seus contatos em outras emissoras e minha casa vire um inferno.
Kate estava trêmula, quando Jason desligou o telefone.
- O que acha? - ele indagou.
Ela abriu e fechou a boca, apalermada. Nos últimos momentos, percebera que Jason não era o playboy indiferente que aparentava ser. Ali estava um homem implacável,
capaz de passar por cima de tudo e de todos que se atravessassem em seu caminho.
- Por favor, não faça isso comigo - ela implorou. - Não... não acredito que você está disposto a casar comigo só para evitar mexericos!
- Não sei o que esperava ganhar com tudo o que fez, Kate. Lembro de você ter dito algo a respeito da coluna que escrevia e lamento não ter prestado mais atenção.
Jason aproximou-se. Ela tentou afastar-se, dando alguns passos para atrás, mas chocou-se contra a porta fechada.
- Você escreve muito bem - ele elogiou. - Imagino como todos estão rindo da caricatura que fez de mim.
- Nunca pretendi...
- Sam é quem sofrerá mais com o barulho da imprensa, caso não haja casamento. Se você se preocupa tanto com sua irmã quanto diz, aceite a solução que encontrei,
sorrindo e fingindo que está feliz.
- Não vou participar dessa farsa - Kate declarou.
Tentou fugir, mas Jason segurou-a.
- Que farsa? - ele perguntou, beijando-a levemente nos lábios. - Eu a aconselho a considerar as conseqüências, se não participar. No mínimo, terei de entrar com
um processo contra seu jornal.
- Baseado em quê? Não escrevi nada além da verdade!
- E mesmo? - ele murmurou, sarcástico.
Guiou-a até sua mesa e pegou uma das cópias das matérias que ela escrevera.
- Isso é verdade? - indagou com aspereza. - "O sr. Jack pediu-me algo chamado droit de seigneur. Procurei em meus livros de receita e não encontrei nada parecido.
Se souber o que é, poderia me enviar a receita, Karla? Confesso que gosto de fazê-lo feliz e..."
Jogou a cópia na mesa.
- Droit de seigneur - resmungou. - Direito que os senhores feudais tinham de usar o corpo das servas. Alguma vez forcei-a a fazer sexo comigo?
- Na-não... eu... - ela gaguejou, abalada.
- Muito pelo contrário, quando encontrei-a em minha cama, ontem, tive o bom senso de mandá-la embora.
- Por que não pergunta a Mike Howard? Ele lembra da conversa que vocês tiveram. Quando me viu, no dia em que fui ao correio, quase saiu correndo!
- Não sei do que está falando.
- Peça a ele para refrescar sua memória!
Ela se virou e girou a maçaneta da porta.
- Amanhã, os repórteres descobrirão o número do telefone daqui - Jason disse, fazendo-a parar. - Estou surpreso por ainda não terem descoberto. Vão querer falar
com você, comigo, irão atrás de Sam.
- Por quê?
- Ela apareceu no jornal local, e, além disso, com a cena que você fez à beira do lago, todos descobriram que são irmãs. Sam vai voltar para a academia em poucos
dias, não?
- Vai.
- Quer ver sua irmãzinha inocente cercada por repórteres, ouvindo sórdidas insinuações a seu respeito? Eles estarão agrupados diante do portão, pularão o muro, farão
tudo por uma foto ou uma entrevista. E isso o que você quer?
Kate moveu a cabeça negativamente, incapaz de pronunciar uma palavra.
- Foi o que pensei - ele declarou. - Agora, iremos até a sala de estar para dar a boa notícia a Tisha e Sam. Foi uma feliz coincidência eu ter posto uma garrafa
de champanhe para gelar.
Kate olhou para a garrafa imersa em cubos de gelo, num balde de prata sobre a mesa. Franziu a testa, intrigada, mas Jason não deu nenhuma explicação.
- Vá vestir roupas melhores - ele ordenou. - Acariciou as faces delicadas e secou as lágrimas que teimavam em cair. - Não chore.
Levou-a pelo braço até a sala, e contou a Tisha e Sam que iam ficar noivos e casar dali a uma semana.
- Estou encantada, queridos - a tia declarou, animada.
Sam deu um forte abraço em Kate.
- O pessoal da televisão logo estará aqui - Jason avisou. - Pedimos licença para nos arrumarmos.
Sozinha no quarto, Kate voltou a chorar, mas controlou-se, tomou um banho rápido e começou a maquilar-se.
- Posso entrar? - Jason perguntou, batendo na porta do banheiro.
- Pode - ela respondeu, trêmula, sem saber como conseguira passar a base e o blush nas faces.
Estava com o rímel na mão, mas desistira de aplicá-lo, pois borraria o rosto, com certeza.
Ele a levou até a banqueta da penteadeira, obrigando-a a sentar-se.
- O que falta, para acabar a maquilagem?
- O rímel - ela respondeu num fio de voz, entregando-lhe o tubinho.
Jason abriu-o e puxou a escovinha para fora, inclinando-se sobre ela.
- Pelo amor de Deus, Kate, pare de tremer e abra bem os olhos, ou não vou conseguir passar essa porcaria nos seus cílios.
- Não consigo parar.
Ele passou a escovinha o melhor que pôde nos longos cílios, então recuou para olhá-la e mostrou-se satisfeito com o resultado.
- Tudo bem. Onde está o vestido?
Ela não respondeu, mas ele foi até o armário e pegou um vestido vermelho de crepe.
- Fique de pé - ordenou.
Puxou-a para que se levantasse, tirou-lhe o robe e ajudou-a a passar o vestido pela cabeça.
Com certeza, adquiriu essa habilidade em anos de prática, Kate pensou tristemente.
- Falta o batom - Jason declarou. - Mas primeiro, vou lhe
dar algo para acabar com essa tremedeira.
Abraçou-a e beijou-a com firmeza. De início, Kate não esboçou nenhuma reação, então bateu as mãos contra o peito musculoso. Ele a soltou e foi ao banheiro, voltando
em seguida com um batom, que deu a ela.
- Tome. Passe isso.
Pouco depois, desceram a escada de braços dados para esperar a equipe de televisão. Uma hora mais tarde, frente às câmeras, Jason explicou que conhecera Kate em
Aga e que se apaixonara imediatamente. Foi tão convincente que, se Kate não soubesse da verdade, teria acreditado nele.
Assim que a entrevista acabou, Jason convidou a todos para brindarem com champanhe. Após o brinde, aproximou-se de Kate e comentou:
- Parece estar bem melhor. E não cometa mais nenhum erro, querida. Para me certificar, vou mantê-la tão ocupada que não terá tempo para novas travessuras. - No sábado,
Jason disse a Kate que iria com ela levar Sam de volta para a academia de dança, no dia seguinte. O anúncio do casamento traria novos fregueses à casa de chá, e
entre eles haveria repórteres ansiosos para conversarem com a "noiva", e ele obviamente não queria arriscar-se.
- Mas Nancy vai ficar trabalhando sozinha! - Kate protestou.
- E por que não? Quando casarmos, Nancy terá de dar conta do recado, não é? Mas se quiser, pode levantar mais cedo, amanhã, e deixar tudo arrumado para ela.
- Mas não vamos nos casar. O noivado foi só para...
Ela se interrompeu, aturdida. Ele estaria pensando em levar a farsa até o fim? Mas aquilo era ridículo!
- O anúncio sairá no The Times, na segunda-feira - ele declarou com toda a calma.
No domingo pela manhã, Kate acordou cedo. Sentia-se exausta, estava com dor de cabeça e esperava com receio a longa viagem de carro até a academia.
Escreveu uma carta de demissão à editora, pedindo para que enviassem seu pagamento a uma instituição de caridade.
De súbito, bateram na porta do quarto.
- Entre! - ela gritou.
Jason abriu a porta e entrou.
- O que quer? - Kate indagou, nervosa. - Por quanto tempo mais serei tratada como uma prisioneira?
- Prisioneira? - Ele riu. - No momento, nós dois somos prisioneiros da mídia. - Olhou para a carta em cima da cômoda. - O que é aquilo?
- Minha carta de demissão. Não vou mais escrever para o Evening Mail.
Jason pegou o envelope.
- É um erro - disse. - Você precisa escrever uma última carta a Karla. Não pode deixar seus leitores em suspense. - Guardou o envelope no bolso. - Está na hora de
"Cathy" descobrir o que droit de seigneur significa.
- E mesmo? - ela ironizou. - E daí?
- A história é sua. Talvez, Cathy não precise voltar para a cozinha, se for boa na cama. Vamos, temos de levar Sam para a academia.
A chegada de Sam na escola de dança foi um triunfo para a garota. Ela atraiu olhares invejosos de alguns colegas, enquanto outros foram pedir um autógrafo a Jason.
Ele abraçou Kate pelos ombros, e ficaram conversando com um grupo de adolescentes.
- Vai ser dama de honra de sua irmã, Sam? - uma mocinha perguntou.
- Claro que sim - Jason afirmou.
A diretora fez questão de tomar chá com eles e desejou-lhes felicidade -no casamento. No fim do chá, Jason assegurou que ele e Kate estariam presentes no espetáculo
natalino da academia.
Finalmente, chegou a hora de voltar para Fullerton Hall. Rodaram em silêncio por algum tempo, até chegarem a um posto de gasolina onde havia uma caixa coletora de
cartas. Jason parou o carro e tirou o envelope do bolso.
- Esqueça - Kate falou. - Como você disse, a história de Cathy está incompleta.
Ele olhou-a por um momento, então abriu a porta do carro, desceu, atravessou a rua e colocou a carta na caixa.
Kate achou muito deprimente procurar um vestido de noiva para comprar, pois estava certa de que Jason desistiria do casamento no último minuto. Achava que Tisha
também pensava assim, embora não demonstrasse, parecendo encantada e alegre ao ocupar-se com os preparativos.
As duas percorreram várias lojas de Norwich, e Kate provou dezenas de vestidos, sob o olhar exigente de Tisha.
- Esse ficou perfeito, Kate - a tia de Jason aprovou por fim.
A vendedora e Tisha, então, sem se preocupar em perguntar a opinião de Kate, escolheram a grinalda, uma pequena coroa que ficaria presa num coque, e que o buquê
seria de rosas brancas.
Na sexta-feira, Sam chegou na limusine dirigida pelo motorista particular de Jason e logo em seguida foi enviada a Norwich, para comprar o vestido que usaria como
dama de honra.
Até aquela noite, Kate acreditara que Jason desmancharia o noivado, acabando com o pesadelo. Não o via desde o dia em que haviam levado Sam à academia.
- Vou ficar em Londres - ele informara.
Telefonara todas as noites e, em todas essas ocasiões, Kate pedira para que ele reconsiderasse sua decisão. Na sexta-feira, ela decidiu implorar.
- Se acabarmos com tudo agora, será pior - Jason disse.
- Pior para quem?
- Vejo amanhã. - Ele fez uma pausa. - O quê?
Devia ter coberto o bocal do aparelho, pois Kate só pôde ouvir murmúrios daí por diante.
- Annabel está mandando lembranças - ele falou por fim.
Kate desligou o telefone.
A limusine parou na frente da igreja. Tisha, Sam e outras cinco garotas que também seriam damas de honra estavam esperando, e ajudaram Kate a sair do veículo.
As seis meninas alinharam-se aos pares na frente de Kate, e o órgão começou a tocar. Entraram graciosamente na igreja decorada com flores e velas. Jason foi ao encontro
de Kate, quando o cortejo aproximou-se, e levou-a ao altar. Ela o fitou e disse a si mesma que jamais amaria alguém como amava Jason.
A cerimônia começou e, quando o padre perguntou se havia algum impedimento para aquela união, Kate pensou que alguém fosse manifestar-se. Isso não aconteceu, e ela
não saberia dizer se ficara feliz ou desapontada.
Queria memorizar aqueles momentos, mas teve a impressão de que tudo passou muito rápido. Logo os dois estavam fora da igreja, dois cercados por fotógrafos e pelo
cameraman da emissora de televisão de Jason.
De repente, Kate viu Annabel aproximar-se para cumprimentá-la.
- Faça seu marido feliz - a loira murmurou, beijando-a na face.
Jason guiou Kate até a limusine, que levou-os vagarosamente para Fullerton Hall.
O carro parou no jardim, repleto de fotógrafos, e os dois desceram.
- Muito bem, sra. Warnick, posso carregá-la nos braços? - Jason perguntou.
E antes que Kate pudesse responder, ele a pegou no colo e seguiu para a casa.
Bem mais tarde, Kate foi ao escritório, procurando um pouco de paz. Não conseguia parar de pensar que se casara com um homem que passara a noite anterior ao casamento
com outra mulher.
Em dado momento, Tisha entrou e foi até ela, que se acomodara no sofá.
- Venha, querida. Está na hora de se trocar.
Subiram para o quarto de Kate e, minutos depois, alguém bateu na porta. Era Nancy, que entrou carregando uma bandeja.
- Trouxe um pouco de chá, Kate - a empregada falou.
- Oh, Nancy, obrigada, mas hoje você é minha convidada. Devia estar se divertindo.
- E estou. Sabe, você estava linda, na igreja.
- Ela tem razão - Tisha reforçou, depois que a empregada saiu. - Quando Jason olhou-a, pensei que ele fosse chorar de emoção. Estou tão feliz por meu sobrinho ter
encontrado alguém como você.
Uma lágrima escorreu pela face de Kate.
- O que foi, querida? - Tisha indagou.
- Emoção - ela mentiu.
Escolheu um vestido de corte reto e, quando ficou pronta, saiu do quarto. Jason estava esperando-a ao pé da escada, ao lado de Sam. Ele estendeu-lhe a mão para ajudá-la
a descer os dois últimos degraus.
- Jason disse que posso vir morar com vocês - Sam contou, radiante. - Não é maravilhoso?
Kate encarou-o. Aceitava que ele quisesse transformar sua vida um inferno, mas fazer promessas falsas a Sam era imperdoável.
Ao saírem da casa, foram cobertos por uma chuva de arroz jogado pelos convidados, e Kate sentiu os olhos encherem-se de lágrimas. Parecia mesmo um casamento de verdade,
por amor. Haviam até amarrado latas no pára-choque traseiro do Jaguar que eles usariam para viajar.
- Aonde vamos? - ela perguntou, depois que cruzaram o portão de Fullerton Hall.
- Isso tem importância?
Kate moveu a cabeça negativamente.
Claro que não, pensou. O casamento foi uma farsa, e a lua-de-mel será um pesadelo.
- Kate, quanto a Sam...
- É desonesto dar esperanças a ela, Jason. Concordamos que esse casamento será temporário.
Jason parou o carro no acostamento e virou-se para ela.
- Não me lembro de termos feito nenhum acordo nesse sentido - declarou.
CAPITULO IX
- Eu... nós não... - Kate balbuciou, confusa, então, ficou furiosa: - Claro que é temporário! Sabemos disso. Talvez eu mereça o que está fazendo comigo, mas Sam,
não.
Jason saiu do carro e desamarrou as latas que estavam presas ao pára-choque, deixando-as próximas à cerca do acostamento. Kate ficou observando as latas, não querendo
encará-lo. Mas ele não deu a partida no veículo e, finalmente, ela o fitou.
- Está determinada a dar sua vida por Sam, não? - ele perguntou. - Ou talvez esteja querendo mostrar ao mundo o quanto é maravilhosa?
- Você não sabe de nada.
- Então, por que não me conta? - Jason ligou o motor do carro e pisou no acelerador lentamente. - Temos uma longa viagem.
- Não é nada de importante.
- Conte.
Kate respirou fundo.
- Minha mãe era uma excelente dançarina, mas desistiu da carreira ao conhecer meu pai - começou. - Ela me matriculou numa academia de dança assim que comecei a andar,
mas eu não tinha o menor jeito.
Abriu um sorriso.
- Acho que ficou desapontada comigo - continuou. - Então, quando eu estava com nove anos de idade, veio Sam, que nasceu para dançar. Na classe do maternal, ela já
era destaque. Devia vê-la dançando, Jason. É extraordinário.
- E você faz de tudo para mantê-la na academia.
- Faço. Ela nunca conseguiu bolsa de estudos, porque há alunos de famílias menos favorecidas do que a nossa.
- Não se preocupe quanto às mensalidades. Eu pagarei.
- Não é preciso.'Eu sempre dei um jeito. O dinheiro de nosso apartamento...
- Como foi que seus pais morreram? - Jason indagou com gentileza.
- Morreram num acidente de carro. Havia neblina na serra e a visibilidade era péssima. Papai saiu da pista numa curva. Sam foi arremessada para fora do carro. Machucou-se
muito, mas a recuperação foi completa.
Percebendo que estava provocando más recordações, Jason parou de fazer perguntas e concentrou-se na estrada.
Em Londres, num bairro elegante, ele entrou na alameda de uma residência em estilo vitoriano, cujo portão foi aberto e fechado rapidamente por um guarda. Repórteres
formavam um grande ajuntamento na rua, mas eram impedidos de entrar no jardim por vários seguranças.
- Esta é minha casa - Jason anunciou. Kate ficou atônita.
- Achei que quisesse evitar publicidade.
- Há publicidade e publicidade. Sei que toda essa atenção a aborrece, mas logo esquecerão de nós, acredite. Se nos virem como um casal feliz, desistirão de nos transformar
em notícia. Felicidade não vende jornais.
Na primeira manhã de casados, Jason levou Kate a uma joalheria famosa, num shopping que abria aos domingos.
- Eu gostaria que escolhesse um anel - disse, pegando a mão dela entre as suas. - Dedos tão esguios...
Beijou um por um, ignorando o vendedor e fazendo Kate corar. Mas ela sabia que ele não perderia a oportunidade de cortejá-la, sempre que houvesse testemunhas.
Deixou-o escolher um solitário de brilhante. Era o anel mais bonito que ela já vira. Disse a si mesma que o devolveria assim que a farsa terminasse, mas, naquele
instante, aproveitaria o prazer de ver uma jóia tão linda em seu dedo.
- É adorável, não? - o vendedor perguntou. - Foi uma excelente escolha, senhores.
- Concordo - Jason afirmou, levando a mão com o anel até seus lábios. - Venha, Kate. Está na hora de fazermos compras.
- Vamos começar por aqui - disse, quando entraram numa butique luxuosa, entregando-lhe um envelope com dinheiro. - Quando terminar de fazer as compras, haverá um
carro esperando-a no estacionamento. Compre o que quiser.
- Mas, Jason...
- Ficaremos em Londres por um mês e não quero vê-la usando a mesma roupa duas vezes.
- Não posso aceitar!
- Não? O que aconteceu com "amar, honrar e obedecer"?
- Os padres já não dizem isso na cerimônia.
- Não?
Kate tentou lembrar as palavras do sacerdote que os casara, em vão.
- Não prestou atenção na nossa cerimônia de casamento, sra. Warnick? - ele zombou.
- Eu...
- Nos veremos mais tarde. Tenho umas coisas para organizar.
O casal espanhol que cuidava da casa de Jason recebera Kate com entusiasmo, no dia anterior. Quando ela chegou, depois de horas entrando e saindo de lojas caríssimas,
ouviu Maria chamando o marido para levar as compras da "sra. Warnick" para o quarto. - Kate? E você? - Jason gritou do banheiro dele.
- E quem mais seria? - ela murmurou, mais para si mesma do que para ele.
- Venha aqui.
Kate cruzou a porta que ligava as duas suítes e viu que Jason lavava o rosto.
- Comprou tudo o que precisava? - ele perguntou.
- Comprei.
- Que bom. Hoje à noite, sra. Warnick, vamos à ópera. Espero que tenha comprado algo estonteante para vestir, porque será o centro das atenções.
- Serei?
Por um momento, ela achou interessante aparecer em público de braços dados com Jason, usando um dos vestidos maravilhosos que comprara.
- Não mereço um agradecimento? - ele perguntou.
- Claro. Obrigada.
- Um agradecimento mais adequado. - Jason fechou os olhos. - Beije-me.
Na noite anterior, ela tomara banho e vestira uma linda camisola de seda antes de deitar-se na cama de casal de sua suíte, esperando por Jason, mas ele não aparecera.
Agora, deu um passo à frente, olhou para o homem que tanto amava e sentiu um aperto no peito. Aproximou-se mais, ficou na ponta dos pés e deu-lhe um beijo na testa.
Com um movimento rápido, ele a segurou.
- Esse não é o agradecimento que eu queria, muito menos um beijo apropriado - protestou.
Encostou-a contra a pia e beijou-a de modo arrebatador.
- Este, sra. Warnick, é um beijo de agradecimento apropriado - falou, então soltou-a.
Kate, por alguns segundos, ficou confusa, mas a raiva que sentiu em seguida foi mais forte.
- Vou lembrar disso, senhor - retrucou, seca.
Virou-se e voltou para seu quarto, batendo com força a porta que ficava entre os dois aposentos.
Ficaram em Londres por cinco semanas, durante as quais Jason levou Kate a muitos lugares. Dançaram nas mais conhecidas boates e jantaram em restaurantes que somente
os ricos e famosos freqüentavam. Uma noite, ao chegarem numa boate, viram Annabel, que acenou, cheia de animação. Sem perguntar a Kate se ela queria isso, Jason
levou-a até a mesa que a loira ocupava, acompanhada por um homem.
Em certo momento, Charlie Mountjoy, o amigo de Annabel, perguntou a Jason se podia dançar com Kate. Jason concordou sem hesitar, reação que Kate estranhou. Em outras
ocasiões, quando outros homens haviam feito o mesmo pedido, ele segurara a mão dela com mais força e recusara sua permissão.
Mas, naquele instante, Jason e Annabel trocaram olhares. Parecia que queriam ficar sozinhos e, de repente, Kate percebeu que o encontro não tinha nada de casual.
Kate dançou com Charlie por um tempo, depois pediu desculpas, dizendo que não estava se sentindo bem, o que não era mentira. Ela notara que a mesa deles ficara vazia
e Jason e Annabel não estavam dançando.
Foi ao banheiro retocar a maquilagem e, no caminho, notou uma porta de vidro que dava acesso a um jardim. Resolveu ir até lá. Por segundos, pensou que estivesse
sozinha, mas ouviu as vozes de Jason e Annabel. Estavam escondidos numa sombra, muito próximos.
- ... lamento por ter bagunçado as coisas, Annabel, mas não tinha jeito. É só por algumas semanas. Não dá para...
Kate cerrou os punhos, enciumada. Teve vontade de dar um soco em Annabel.
Jason é meu marido, pensou. Ele não me quer, mas se não dorme comigo, também não vai dormir com Annabel.
Aproximou-se dos dois.
- Jason? Estou cansada, querido. Podemos ir para casa? Enlaçou o braço musculoso e sorriu.
- Claro - ele respondeu.
No caminho de volta para casa, ele sugeriu que retornassem a Norfolk.
- Já está mesmo na hora de voltar ao trabalho - ela concordou. - E o pior é que estou exausta.
- Pobre Kate. Tenho exigido muito de você, não? Faz parte do jogo. Percebeu que não somos notícia há uma semana? Acho que nos tornamos um casal enfadonho. Agora,
podemos seguir com nossas vidas tranquilamente, e ninguém irá notar.
"Seguir com nossas vidas". Aquela frase não parava de ecoar na mente de Kate, na viagem para Norfolk. Mas que vida? Se ela e Jason tivessem namorado por alguns meses,
pelo menos haveria o que recordar. Cinco semanas vestindo-se elegantemente para impressionar celebridades e curiosos não era o que ela chamava de vida. Deveria ter
deixado as roupas glamourosas em Londres, pois em Norfolk não teriam utilidade.
Acordou assustada ao notar que o carro parara.
- Hora de acordar, meu bem - Jason murmurou. - Chegamos em casa.
- Casa?
Kate olhou ao redor. Fullerton Hall. Seria sua casa, pelo menos por um tempo. Desceu do carro.
- Olá, Tisha - Jason cumprimentou, dando um beijo na tia, que fora encontrá-los.
- Olá, Jason. - Tisha abraçou Kate. - Como vai? Divertiram-se? - Riu. - Que pergunta estúpida. Claro que se divertiram. Li as matérias que os jornais publicaram
sobre vocês. Podem me contar tudo amanhã, quando estiverem descansados.
Parou de falar por um momento, tirando um molho de chaves do bolso e entregando-o a Kate.
- São suas, agora.
- Mas... - Kate começou a protestar, mas Jason interrompeu-a com um gesto.
- Vai para a Dower House, ou para Londres? - ele perguntou à tia.- - -
- Vou vender a casa em Londres e ficar definitivamente na Dower House. Confesso que não via a hora de você casar e vir morar aqui para me deixar livre.
- Precisa de alguma coisa?
- Não. Vou para minha casa, onde tenho tudo o que preciso.
- Por favor! - Kate exclamou, desesperada. - Não pode ir embora, Tisha! Esta é sua casa.
- Querida, estou velha demais para ficar andando por uma casa tão grande. - Tomou as mãos de Kate entre as suas. - Minha casa fica bem perto daqui, não vou desaparecer.
Fiquem em paz, vocês dois.
- Jason... - murmurou Kate, à beira das lágrimas.
- Agora sabe por que minha tia vinha querendo há anos que eu me casasse - ele comentou. - Quando tiver a idade dela, também não gostará de morar num lugar tão grande.
- Diga a Tisha que nós não... - Kate ainda tentou.
- Bem, discutiremos isso depois. Agora, vamos descansar. Tenho certeza de que Nancy apreciará sua ajuda, amanhã.
- Nancy está em Oulton Market - Tisha informou. - Deixou o jantar na geladeira. É só esquentar.
- Iremos visitar você amanhã, tia - Jason prometeu.
- Não antes das onze - a mulher avisou, depois recusou a carona que Jason ofereceu. - Caminhar me faz bem.
Jason e Kate entraram em casa. Ela olhava para as chaves, sem saber o que fazer.
- Para que vou querer essas chaves? - perguntou.
- Para abrir portas.
- E quando essa farsa acabar?
- Jogue-as no lixo.
Kate desfez as malas, guardando tudo no quarto que usara até uma semana antes do casamento. Em Londres, com aqueles quartos interligados, fora fácil fingir que eram
um casal feliz. Mas o que os empregados de Fullerton Hall pensariam, vendo que seus patrões dormiam em quartos separados? Bem, aquilo não fazia a menor diferença.
Se quisessem manter os empregos, teriam de ficar calados.
Ela desceu e esquentou a carne assada, embora não estivesse com fome. Jason jantou e trancou-se no escritório. Depois de procurar inutilmente algo que a agradasse
na televisão, Kate decidiu ir para a cama, ler. Já vestira a camisola, quando percebeu que deixara no carro o livro que estivera lendo em Londres. Vestiu o penhoar
e foi buscá-lo.
O ar estava quente e úmido. O céu cobrira-se de nuvens escuras, e o vento soprava forte, fazendo com que ela se arrepiasse enquanto caminhava na direção da garagem.
Então, começou a trovejar. Kate, apavorada, esqueceu o livro e correu para casa. Foi direto para o escritório, mas Jason não estava lá. Voltou para o vestíbulo.
Era incapaz de pensar e, a cada trovão, tremia. Até que soltou um grito.
- Kate? - Jason chamou, descendo a escada, enrolado numa toalha. - Kate? O que aconteceu?
Ela não respondeu. Estava em pânico. Subiu correndo a escada, querendo ir para seu quarto, mas Jason segurou-a, abraçando-a.
- Por Deus, Kate, qual o problema? Está tremendo! - Ele a sacudiu. - Está doente?
Ela ouviu outro trovão e libertou-se, correndo para seu quarto, enfiando-se embaixo das cobertas. Jason seguiu-a, sentou-se na cama e arrancou-a do "esconderijo",
abraçando-a. Kate levou as mãos aos ouvidos e gritou:
- Não posso suportar! Jason, por favor, faça isso parar! Ele deitou-se na cama e cobriu-se, tornando a abraçá-la.
- Calma - sussurrou. - Está tudo bem.
Beijou-a nos cabelos e nas orelhas. Gradualmente, a tempestade foi passando. Cansada, ela acomodou-se contra o corpo másculo. Sentiu-se uma idiota, mas, naquele
instante, aquilo pouco importava. Fechou os olhos e dormiu.
Kate acordou, desorientada, mas aos poucos lembrou-se de tudo.
- Está melhor agora? - Jason perguntou.
- Desculpe.
- Não precisa se desculpar.
De repente, ela tomou consciência de que ele estava seminu e deitado a seu lado.
- Mentiu para mim, Kate Warnick.
- Menti?
- Contou uma mentirinha. Disse que não tinha medo de nada.
- Exceto de trovões. Sei que é um medo idiota, mas não consigo me controlar.
- E sempre se esconde debaixo das cobertas?
- E onde mais me esconderia? - ela ironizou, sorrindo. - Aqui é seguro, não sabia? Na cama, a gente se protege de monstros, da escuridão de trovões...
Na verdade, estava sentindo-se muito mais segura nos braços de Jason.
- Pelo contrário, a cama pode ser um lugar muito perigoso -
ele disse, desamarrando o penhoar dela.
Acariciou-a lentamente, beijando-a com carinho na testa, nas faces, no nariz, nos olhos, até apoderar-se dos lábios úmidos com ardor.
Sentou-se na cama e jogou o lençol no chão.
- Quero vê-la - murmurou. - Nua.
Livrou-a da camisola de seda, percorrendo o corpo dela com mãos ansiosas, contornando as curvas sedutoras.
- É linda, Kate. Não sei onde encontrei forças para não fazer amor com você até agora. Noite após noite...
- Eu estava esperando que me procurasse. Por que nunca apareceu no meu quarto?
- Porque forcei-a a casar comigo e achei... Bem, agradeço aos trovões por esta oportunidade, mas... - Ele se levantou. - Parece insegura. Se quiser que eu vá embora...
Ela tirou a toalha que o envolvia com um puxão firme e segurou-o pela mão.
- Não, Jason, não quero que vá.
Ele voltou a deitar-se e massageou os seios redondos, fazendo-a gemer de prazer. Sugou um dos mamilos, depois o outro, ao mesmo tempo em que explorava com as mãos
as partes mais sensíveis do corpo sensual, levando Kate à beira da loucura.
- Está pronta, meu amor? - perguntou.
Mas não esperou resposta, guiando-a a um mundo feito de sensações alucinantes e puro prazer. De início, foi gentil, penetrando-a com delicadeza, movendo-se devagar,
então amou-a com ferocidade, levando-a ao êxtase.
Ofegante, rolou para o lado, acariciou os cabelos sedosos e acomodou Kate contra seu corpo.
- Tem um emprego para a vida inteira - brincou. - Aquecedora de minha cama. Trago o contrato amanhã.
Ela ignorou a dor que sentiu ao ouvir aquelas palavras, mas disse a si mesma que naquele momento não havia espaço para dor, pois encontrava-se nos braços dó homem
a quem amava, e apenas isso importava.
- Já tenho um contrato - murmurou.
- Que se refere a seus serviços como cozinheira e organizadora de festas. Tenho outra coisa em mente. Uma vez, disse que eu não era seu tipo. Não quer mudar de opinião?
- Sua opinião sobre si mesmo é inabalável.
- Não é verdade. Conheço meus defeitos, mas eles não justificam o fato de você ter me tratado mal esse tempo todo.
- Tem razão. Acho que venho tratando mal o mundo todo. Mas depois de David...
- David? - Jason repetiu, sério. - Eu pensei ter derrotado todos os meus rivais. Quem é David?
- Fomos noivos. Isso foi há muito tempo. Quando meus pais morreram, ele deixou bem claro que Sam era uma responsabilidade que ele não queria assumir.
- Está falando sério?
- Disse que se eu não a colocasse num orfanato, não nos casaríamos.
- Você teve sorte, livrando-se dele.
- Tive, mas não posso culpar David totalmente por sua atitude. Fica caro manter Sam na academia. Além das mensalidades, há sempre a necessidade de comprar sapatilhas,
custear viagens e outras coisas mais que você nem imagina.
Kate fez uma pausa, organizando os pensamentos.
- Quem aceitaria arcar com esse tipo de responsabilidade? David pode ter sido egoísta e cruel, mas queria iniciar um negócio próprio, fazer carreira...
- Em minha opinião, foi um patife.
- Bem, o fato é que depois dele fiquei com medo de outra desilusão e me afastei dos homens.
- E o que a fez mudar de idéia? O que a levou a esperar por mim em minha cama, naquela noite?
A única resposta que Kate tinha para dar era que estava perdidamente apaixonada por ele, mas não podia confessar tal coisa.
- Pensei... - murmurou. - Não sei...
- Agora sabe, meu bem.
- Sei.
Kate passou as mãos no peito másculo, fazendo com que Jason soltasse um suspiro.
- Aprendeu rápido - ele sussurrou.
- Tive um excelente professor.
- Mas as lições não terminaram, querida.
- Jason?
- O quê, amor? - Ele baixou o jornal, olhou para o prato dela e franziu- a testa. - Ainda não comeu nada.
- Vou comer.
Ele dobrou o jornal, colocou-o de lado e segurou a mão delicada.
- O que há? - indagou. - Cansou da vida de casada?
Fazia quase seis semanas que haviam voltado de Londres. Se o começo do casamento fora pura agonia; depois da noite das trovoadas tudo era felicidade. Mas Kate não
esquecera a conversa que escutara entre Jason e Annabel, na boate.
- Não, não cansei - respondeu. - Mas...
- Mas?
- Acho que deveríamos acertar alguns pontos com relação ao futuro.
- Que pontos?
- Por favor, não dificulte. Sabe o que estou dizendo. Eu gostaria de saber... preciso saber... Por quanto tempo pretende levar o casamento adiante?
- Do que está falando? - ele perguntou, parecendo zangado.
- Eu... bem...
- Oh, claro, você disse uma vez que achava que nosso casamento seria temporário. E quando acha que deve acabar?
- Meu contrato vai até o fim de setembro e...
- Seu contrato? Ah, é, esqueci. Mas pensei em renová-lo, se as circunstâncias permitirem.
- Que circunstâncias?
- Espere e verá.
CAPÍTULO X
Certo dia, Kate acordou bem cedo. O céu ainda estava escuro e, por um tempo, ela ficou deitada, quieta, ouvindo a respiração de Jason. Sentia-se enjoada, mas achou
que se ficasse ali, parada, o enjôo desapareceria. Então, percebeu que estava enganada e gentilmente livrou-se do lençol. Saiu da cama, dirigindo-se ao banheiro.
Por segundos, ficou olhando-se no espelho, perguntando como pudera ser tão idiota. Uma semana antes do casamento, ficara tão entorpecida pelos inesperados acontecimentos,
que não fora capaz de pensar em nada com clareza. Muito menos em tomar precauções contra uma possível gravidez.
Agora, era tarde demais, e não adiantava querer ignorar a verdade. Passou as mãos na barriga, imaginando o pequeno ser que se formava ali dentro. Um milagre. Um
bebê. Olhou-se mais uma vez no espelho e sorriu.
Lavou o rosto com água fria, notando que a palidez desaparecera. Decidiu voltar para a cama e viu que Jason não acordara, mas, assim que se deitou, ele estendeu
o braço e puxou-a para perto de si. Ela ficou deliciando-se com aquele abraço, até que o sono voltou.
Quando despertou, Jason aproximava-se da cama, carregando uma bandeja.
- Acorde, dorminhoca - murmurou. - Já são nove horas.
- Já? Não pode ser! - Ela jogou o lençol no chão e sentou na cama. - Mas hoje é domingo. Preciso mesmo levantar?
- Está mais do que na hora. Trouxe seu café da manhã.
Só de ouvir as palavras "café da manhã", ela ficou enjoada, apesar de a bandeja não conter nada ameaçador. Havia apenas uma xícara de chá e algumas torradas, que
Jason, acomodando-se ao lado dela na cama, ajudou-a a comer.
- Está feliz? Tem gostado de nossas noites? - ele perguntou, passando a mão nos cabelos sedosos.
- Tenho adorado.
- Sabe, é importante sentir-se feliz, quando se está tendo um romance - disse com seriedade.
- E você, sente-se feliz?
- Não me lembro de ter tido noites mais deliciosas.
Kate imaginou se ele continuaria tão feliz, quando percebesse que ela podia estar grávida. Experimentou uma sensação de dor no peito, ao raciocinar que talvez Jason
não gostasse da idéia, ou se sentisse obrigado a manter o casamento por causa do bebê.
Ela o amava tanto que não seria capaz de obrigá-lo a fazer o que ele não quisesse. Já não mais importava quanto tempo ficariam juntos, pois ela mesma já vinha pensando
em sair de Fullerton Hall antes que ele adivinhasse o que estava acontecendo.
Trocou de roupa e desceu para a cozinha. Encontrou tudo limpo e arrumado. Nancy vinha tomando conta de Fullerton Hall e também da casa de chá, o que era muita responsabilidade
para uma única pessoa.
Ela merece uma promoção e um aumento de salário, Kate pensou.
- Tem feito milagres - elogiou, quando a jovem apareceu na cozinha. - E eu não tenho ajudado em nada, portando-me como uma madame.
- Oh, não, sra. Warnick, não estou me saindo tão bem assim. Não consigo fazer coisas tão gostosas quanto as que a senhora faz.
Kate riu.
- Mas conseguirá - incentivou-a.
Terá de conseguir, refletiu.
- Será o próximo estágio de seu treinamento - prosseguiu. - Pode me ajudar a preparar tudo esta semana, mas se não precisar de mim agora, vou tomar um pouco de ar,
dar uma caminhada.
Ao voltar do passeio, preparou o almoço de todos e, mais tarde, quando disse a Nancy que a ajudaria a guardar a louça, a empregada afirmou que podia dar conta de
tudo sozinha. Kate foi até a sala de estar e tentou ler uma revista, mas não conseguiu concentrar-se, pois perguntava-se a todo instante se Nancy não estava sobrecarregada.
- Sabe, sinto saudade daquela cachorra idiota de Tisha - Jason comentou, fechando o livro que lia.
Kate tentou esboçar um sorriso.
- Eu também - confessou. - Daisy era sempre uma boa desculpa para uma caminhada, quando não se tinha nada mais para fazer.
- Por que não compra um bicho de estimação? Será sua companhia, enquanto eu estiver fora.
- Estiver fora? - ela repetiu, em pânico. - Vai viajar?
- Tenho alguns assuntos a resolver, de vez em quando. Deixei os negócios de lado nos últimos dois meses e recebi um telefonema desesperado de um de meus executivos.
Preciso ficar em Londres por uns dias.
Será que Annabel está impaciente?, Kate perguntou-se, levando alguns segundos para retomar o controle.
- Claro - falou. - Entendo. Acho que vou passar o tempo cuidando do berçário.
Jason encarou-a. Com medo de ter passado a idéia de que estava grávida, Kate apressou-se em dizer:
- Está cheio de brinquedos, e eu conversei com sua tia a respeito de restaurá-lo e decorá-lo em estilo vitoriano.
- Tisha comentou comigo, mas acho que não devemos abrir o berçário ao público. - Jason fitou-a intensamente, talvez esperando que ela dissesse que iam ter um bebê.
- Seria uma excelente atração - Kate insistiu. - E Tisha concorda comigo.
- Concorda? - Ele encolheu os ombros, indiferente. - Vá em frente, então.
- Será uma maneira de me sentir útil. Vou precisar de um perito na época vitoriana para me ajudar, afinal não sou historiadora.
- O museu de Norwich e o National Trust podem ajudá-la.
- Posso conversar com Mike Howard - ela declarou, irritada com a indiferença de Jason. - Ele trabalha meio período no National Trust.
- Duvido que Mike seja uma fonte confiável para esse tipo de informação, mas fique à vontade para entrar em contato com ele.
Kate encontrava dificuldade para dormir todas as noites em que se deitava sozinha na cama enorme. Fazia três dias que Jason viajara e, mesmo ele telefonando duas
vezes por dia, ela sentia muita saudade.
Depois de ter terminado o noivado com David, prometera a si mesma nunca mais se envolver com um homem. Fora fácil cumprir a promessa, enquanto trabalhava todas as
noites e passava os feriados ao lado de Sam. Além disso, o fato de ela ter uma irmã mais nova para cuidar esfriara o ardor dos admiradores que encontrara.
Pelo menos, com Jason em Londres, posso esconder meus enjôos matinais sem precisar sair do quarto na ponta dos pés, Kate pensou, correndo para o banheiro.
Saber que estava esperando um bebê dera-lhe uma imensa alegria, apesar das complicações que isso traria a sua vida. Nunca imaginara ter um filho, muito menos de
Jason Warnick.
Começaria a procurar um pequeno restaurante para comprar em East Anglia, pois abandonara a idéia de regressar a Londres. Não queria que seu filho crescesse numa
cidade grande. Não compraria um estabelecimento muito perto de Fullerton Hall, porque quando saísse da vida de Jason, seria para sempre.
Tomou banho, vestiu-se com cuidado, escolhendo uma das roupas que comprara durante a lua-de-mel, e decidiu tirar vantagem da ausência de Jason. Pegou um dos carros
e foi a Suffolk, para conhecer o local. Não tinha todo o tempo do mundo, e o futuro do bebê era mais importante do que sua tristeza por imaginar Jason e Annabel
juntos.
No caminho de volta, parou num mercadinho em Oulton Market para comprar frutas e legumes. Assim que pegou o pacote com as compras, notou Mike parado a seu lado.
- Kate! Parabéns pelo casamento. Felicidades.
- Obrigada, Mike - ela agradeceu com frieza.
- Vamos tomar um café? Meu escritório fica do outro lado da rua.
Ao ouvir a palavra "café", Kate ficou enjoada.
- Não, café não, Mike, obrigada, mas eu queria mesmo falar com você. Há alguém por aqui que possa me ajudar a montar um berçário em estilo vitoriano, em Fullerton
Hall, para exposição ao público?
- Você é muito empreendedora. Posso pedir a ajuda de alguém do National Trust, e também há livros que você pode consultar. Vou procurar nos arquivos da biblioteca
e lhe fazer uma lista.
Foram para o escritório dele e Kate acomodou-se numa poltrona.
- Jason disse que você não seria uma fonte confiável para esse tipo de informação - comentou, forçando um sorriso. - Não sei por quê.
Mike sentou-se atrás da escrivaninha e começou a brincar com uma caneta.
- Jason está bravo comigo. Sabe, Kate, planejei escrever um pedido de desculpas, mas de repente você estava casada e não me pareceu correto. Posso pedir desculpas
agora?
- Pedir desculpas? Não estou entendendo.
- Naquele dia em que tentei evitá-la... - Mike parecia pouco à vontade. - Bem, Jason não exigiu que eu a deixasse em paz, apenas disse que havia outra pessoa em
sua vida e achou que eu deveria saber.
- Sei. E você presumiu que fosse ele?
- Presumi, claro.
Ela se sentiu mais culpada ainda por ter escrito aquela matéria onde usara as palavras droit de seigneur. Aparentemente, estivera errada o tempo todo. Expusera Jason
a uma desagradável publicidade, e ficara claro que ele fora uma vítima inocente.
Levantou-se da cadeira.
- Você me liga assim que fizer a lista dos livros? - perguntou.
O telefone estava tocando, quando Kate entrou em casa. Ela atendeu no aparelho que havia no vestíbulo.
- Kate? O que aconteceu? - Jason perguntou, preocupado. - Estou ligando há horas, e ninguém sabia me dizer onde estava.
- Fui dar um passeio. Estive em Beccles.
- Bem, não faça mais isso. Se quer passear, espere até que eu volte, e irei com você.
Kate riu com desdém.
- O que é isso? Não preciso de uma babá. Sabe, vi Mike Howard hoje. Ele vai providenciar algumas informações para eu começar a montar o berçário.
Jason não fez nenhum comentário, e Kate apertou o fone com força.
- Ele contou... a conversa que vocês tiveram... - ela informou, hesitante.
- Contou?
- Desculpe. Eu devia ter perguntado, e não...
- Não se culpe. Minha intenção não era nada inocente. - Ele riu, e o coração saltou, emocionado. - Estarei em casa amanhã, por volta do meio-dia. Quem sabe, pode
ser que eu passe a tarde demonstrando quanto...
- Não sei o que quer dizer, senhor - ela brincou.
Mas quando colocou o telefone no gancho, uma lágrima correu por sua face.
O céu estava nublado, quando Kate acordou no dia seguinte, às oito horas -da manhã. Ela preparou uma xícara de chá e foi para a sala de estar, onde ligou a televisão.
Viu Annabel Courtney rindo graciosamente, sentada num sofá do estúdio de televisão.
É um absurdo alguém acordar às cinco da manhã e parecer tão bem no vídeo. Mas ela é bonita, esbelta e tem longos cabelos loiros, pensou. Não precisa de um maquilador
milagroso para deixá-la estonteante.
A câmera movimentou-se, e Kate ficou imóvel ao ver Jason ao lado de Annabel. Começou a sentir dor de cabeça e tontura. Correu para o lavabo e debruçou-se na pia,
achando que ia vomitar.
Nancy apareceu na porta, olhando-a com preocupação.
- Sra. Warnick? Kate? Tudo bem?
- Comi alguns dos camarões que sobraram do jantar de ontem. Acho que deve jogar o resto no lixo.
- E melhor voltar para a cama. Vou chamar um médico.
- Não precisa. - Kate teve de fazer um grande esforço para voltar ao sofá. - Estou melhor. Vou ficar bem.
Mas Nancy telefonou ao médico, que chegou rapidamente e mandou Kate passar o resto do dia na cama.
- Não há nada de errado, você está apenas cansada - ele diagnosticou. - E normal, no início da gravidez. Nancy cuidará de você. Fez isso pela mãe muitas vezes, porque
é a mais velha de seis irmãos. Você estará em boas mãos.
Virou-se ao ouvir a porta do quarto abrir.
- Jason, é bom vê-lo, caro amigo! - exclamou. - Estava acabando de dizer a sua esposa para não fazer muito esforço. Nada de boates até de madrugada, ouviram?
Jason ficou parado no vão da porta.
- Acho que são os passeios dela a Suffolk que a estão deixando exausta - observou.
- Faça com que ela descanse. Afinal, agora Kate terá de tomar cuidado por dois - o médico recomendou.
Jason acompanhou-o até a porta da frente e, mais tarde, voltou para o quarto carregando uma bandeja.
- Ainda não almocei e pensei em almoçar aqui com você - falou. - Nancy fez canja.
- Desculpe, Jason.
- Por que está pedindo desculpas?
- Pelo bebê. Eu devia ter tomado cuidado, mas é que não pensei...
- Sabe de uma coisa? Prefiro quando você não pensa. Pedi-lhe para tomar precauções?
- Não, mas...
- Então, assumo a responsabilidade por meus atos. - Jason encarou-a. - A menos que, claro, não queira ter um filho meu.
Kate ficou sem palavras, por alguns instantes. Livrou-se do lençol e jogou as pernas para fora da cama.
- Do que está falando, Jason Warnick? - sibilou por fim, furiosa. - O bebê é meu também! Como se atreve a dizer que não o quero?
Fez um enorme esforço para ficar de pé, mas Jason segurou-a pelo braço antes que ela desse o primeiro passo.
- Fiz uma enorme confusão em sua vida, Jason. Como pude ser tão idiota?
Ele a pegou no colo e colocou-a de volta na cama.
- Ele não vai mudar nada - ela continuou, passando a mão na barriga. - Vou embora em setembro.
- Ele? - Jason acariciou-lhe o rosto. - Tem tanta certeza de que vai ser um menino? Pode ser besteira, mas pensei que seria uma menininha de cabelos pretos e olhos
verdes, como você.
- Então, desconfiava de minha gravidez. Tentei não levantar suspeitas e agir com a maior naturalidade, quando acordava enjoada.
- Talvez eu já soubesse dessa gravidez muito antes de você.
- Não é possível. Se eu mesma não sabia...
Jason deslizou as alças da camisola de seda pelos ombros delicados, deixando os seios expostos. Kate baixou o olhar e notou que eles estavam diferentes, mais cheios,
empinados.
- Estão maravilhosos - Jason murmurou.
Inclinou a cabeça e beijou um seio, depois o outro, antes de colocar as alças da camisola no lugar e cobrir Kate com o lençol.
Era difícil resistir à tentação, mas Kate tinha de pôr um ponto final naquele casamento.
- Estou falando sério, Jason. Planejei ir embora antes de o bebê nascer. Ele não vai atrapalhar...
- Você não acreditará que disse isso, quando ele chorar de madrugada.
- Ele!
Jason riu.
Como eu o amo!, Kate pensou.
- Fez uma promessa a Annabel - disse. - Deve manter a palavra.
- Falando em Annabel, acho que devia ver isso. Ele tirou do' bolso um envelope branco.
- O que é? - ela perguntou.
- Um convite para o casamento de Annabel. Kate sentiu-se empalidecer.
- Jason, deve dizer a ela!
- Dizer o quê? - ele indagou num tom de voz baixo, antes
de pegar as mãos esguias e beijá-las.
Então, afastou o lençol e começou a beijar a cintura de Kate por cima da camisola, mas ela o impediu de continuar.
- Não! - exclamou. - Não pode deixar Annabel casar-se! Ele a encarou, surpreso.
- Não posso? Por quê?
Lágrimas começaram a rolar pelo rosto aveludado, e Jason mostrou-se muito preocupado.
- O que está acontecendo? - ele quis saber.
- Não posso permitir esse casamento. Vá atrás dela. Diga-lhe que em poucos meses estará livre...
- Charlie Mountjoy e Annabel achariam que estou louco. - Jason fez uma careta. - E não vejo graça em dividir a cama com mais dois, sendo um deles outro homem - prosseguiu,
sorrindo.
- Pare de fazer piadinhas! Estou falando sério, pelo amor de Deus! Uma vez, você me acusou de me fazer de mártir, e não vou deixar que faça o mesmo.
- Acredite em mim, meu amor, estou adorando o sacrifício.
- Jason, não estou brincando. Deixe-me ir. - Encarou-o com um sorriso forçado. - Já estive olhando alguns restaurantes campestres em Suffolk. - Fungou, segurando
novas lágrimas. - Adorei Beccles e...
- Você é minha esposa, Kate, e está carregando meu filho. Acha que eu me casaria com você, se amasse outra mulher? Meu Deus! Se pensa assim, não me admira que queira
ir para longe de mim.
- Mas foi você quem disse, e concordei, que nosso casamento é apenas temporário.
- Eu nunca disse isso, mas a doce e nobre Kate está disposta a sacrificar sua felicidade para dar lugar a uma rival.
Jason calou-se por um instante, abraçando-a.
- Não existe nenhuma rival, querida - falou. - Eu ia pedir você em casamento, naquela noite em que coloquei champanhe para gelar.
Kate lembrava-se muito bem daquela garrafa de champanhe num balde de prata cheio de gelo.
- Não pude dormir, depois que quase fizemos amor no meu escritório - ele prosseguiu. - Nas noites seguintes, revirei-me na cama, hora após hora, pensando em você.
Descobri que a queria. E para sempre.
Fez uma pausa, sorrindo com ternura.
- Mas fiquei com receio de que você resistisse, colocando Sam como um obstáculo - continuou. - Minha querida, eu criaria e educaria quantas irmãs você tivesse.
- Está me surpreendendo, Jason. Você, com receio de alguma coisa?
- Vamos convir que esse tal de David fez um estrago e tanto! Você poderia achar mais fácil ficar se escondendo atrás de Sam do que aceitar o desafio da vida e do
amor - ele explicou.
Passou a mão no rosto, como se hesitasse.
- Então, mudei de tática. Dei-lhe um pouco mais de espaço, tentei ser mais educado - contou. - E cheguei a ter a impressão de que ficou desapontada.
- Não me lembro de ter ganhado mais espaço, nem de você ter sido mais educado, Jason Warnick.
- Como pode me culpar? Só de pensar em Mike Howard beijando-a... De certa maneira, foi uma sorte Sam ter caído no lago, porque assim...
- Eu caí em sua cama - ela completou.
- Não. Eu descobri que não havia nenhum homem em sua vida. Voltei o mais rápido que pude dos Estados Unidos, convencido de que você era uma ameixa madura, pronta
para ser colhida.
Jason moveu a cabeça negativamente ao ouvi-la bufar.
- Estou envergonhado - admitiu. - Fui para Londres e, quando voltei, encontrei-a em minha cama, mas estava cansado...
- Está dizendo que me expulsou de seu quarto porque estava cansado?
Jason abriu um sorriso.
- Posso afirmar que não estava morto de cansaço, meu amor, mas tenho certos padrões de conduta.
Kate engoliu em seco, então empurrou-o ao ouvi-lo rir. Ele abraçou-a com firmeza.
- Oh, querida, não se afaste de mim! Escute. Quando colocou os braços ao redor do meu pescoço e disse: "Faça amor comigo, Jason", quase perdi o controle. Ele beijou-a
numa dás faces.
- Eu achava que nunca mais seria capaz de amar alguém de novo, mas compreendi que desejava tanto você, e para sempre, porque a amava - declarou. - Essa é uma estranha
confissão, vinda de um cínico como eu, não? Dá para acreditar?
Kate sentia-se tão feliz que por um momento ficou sem voz.
- Mas passou a noite anterior ao nosso casamento com Annabel - disse por fim, decidida a esclarecer tudo.
- Com os pais de Annabel, velhos amigos meus. Eu tinha de dormir em algum lugar, porque não queria que nós dois tomássemos o café da manhã juntos, no dia de nosso
casamento. Dá azar.
- Annabel quer realmente casar-se com Charlie?
- Claro que sim.
- Charles Mountjoy não se divorciou poucos meses atrás? - perguntou. - Foi o que ele me disse, quando dançamos.
- Já estava separado da esposa há muito tempo. Ele e Annabel vêm se encontrando discretamente há anos. Eu e ela somos grandes amigos, e quando a imprensa começou
a falar de um suposto romance, me afastei.
- Afastou-se, como? Trouxe-a aqui e...
- Pedi a Annabel que voltasse a freqüentar esta casa, para que você ficasse enciumada. Era uma forma de ela me retribuir o favor.
- E conseguiu me deixar com ciúme, pode acreditar.
- Posso lhe assegurar que ela não ficou nem um pouco contente, quando você dançou com Charlie naquela boate.
- Achei que tinha voltado para ela, quando vi vocês juntos na televisão, hoje de manhã.
- Aquilo era trabalho, Kate. É você que eu amo. Agora, conte-me sobre o restaurante em Beccles.
- Que restaurante? Que Beccles? - ela perguntou, maliciosa.
Jason riu.
- Que alívio! Eu estava começando a ficar preocupado, imaginando como você faria para dirigir Fullerton Hall, o restaurante, e ainda cuidar do bebê.
Beijou-a na testa, carinhoso.
- Annabel quer porque quer fazer um programa semanal de culinária com minha mulher, na minha cozinha! Acha que você pode me convencer a aprovar a idéia.
- Minha cozinha - Kate corrigiu-o. - Mas espero que tenha dito a ela que isso será impossível. Eu quero você, Jason Warnick, não uma carreira na televisão.
Ele tomou o rosto dela entre as mãos.
- Vai ficar, Kate?
Ela abraçou-o e sorriu.
Kate abriu a porta da igreja e viu Jason diante do altar, como estivera no dia do casamento, porém de costas para a entrada. Caminhou pelo corredor entre os bancos,
lembrando que passara por ali, vestida de noiva, mas com o coração cheio de dúvidas.
- Jason? - chamou. - O que está acontecendo? Nancy disse que você queria se encontrar comigo aqui.
Ele se virou.
- Estive pensando no dia em que nos casamos. Todas aquelas pessoas assistindo a nossa troca de promessas... O que teriam pensado, se soubessem que forcei-a a casar
comigo, e que você estaria a quilômetros de distância, se pudesse?
- Não é bem assim - ela negou, aproximando-se dele.
- Não? Eu já sabia que a amava e tinha certeza de que você me amava, mas nosso casamento não era para ser daquele jeito.
- Desculpe, Jason, estraguei tudo.
- Se alguém tem culpa, sou eu. Não me comportei nada bem. Tirei conclusões apressadas quanto ao seu caráter, só porque fiquei com ciúme quando a vi nos braços de
Harry Roberts. Imagine, eu nem a conhecia, e fiquei enciumado.
Jason riu.
- E você se vingou, inventando aquela história sobre Sam. Eu a subestimei, algo que não farei de novo, pode apostar. Estou aqui na igreja há um bom tempo, pensando
o que faria, se você decidisse ir embora.
- Eu...
Ele pousou o dedo indicador sobre os lábios dela.
- Deixe-me terminar - pediu. - Kate Warnick, quero que saiba que eu te amo. Prometo amá-la e honrá-la por toda a minha vida. Vou perguntar mais uma vez: quer ficar
em Fullerton Hall, como minha esposa? Ser a mãe de meus filhos?
- Jason Warnick, quero que saiba que eu amo você e que vou amá-lo pelo resto de minha vida.
Por um momento, os dois ficaram parados, olhando-se. Então, Jason inclinou a cabeça e encostou os lábios nos dela.
- Então, meu amor, ficaremos juntos até que a morte nos separe - murmurou, antes de beijá-la com infinito amor.
LIZ FIELDING nasceu em Berkshire e foi educada num internato em Maidenhead. Aos vinte anos de idade, viajou para a África para trabalhar como secretária em Lusaka,
onde conheceu seu marido, John. Os dois passaram os dez anos seguintes trabalhando na África e no Oriente Médio. Agora, estão em Gales, com seus dois filhos, Amy
e William.
ENCONTRO COM O AMOR
Emma Richmond
PRÓLOGO
- A igreja de São Pedro e São Paulo, que agora vocês podem ver, é uma das mais altas no leste da...
Vivien interrompeu-se ao notar um pequeno distúrbio às suas costas, sentindo o coração acelerar-se por já saber do que se tratava. Virou-se lentamente e observou
o homem de cabelos escuros que agora se juntava ao grupo. Ele não pediu desculpas pelo atraso, nem fez nenhum comentário, limitando-se a fitá-la com seus olhos quase
negros. A expressão do estranho permaneceu fria e distante, até que ele deixou escapar um daqueles sorrisos fingidos que a enlouqueciam, erguendo as sobrancelhas
como se eles fossem íntimos. O que, obviamente, não eram! Na verdade, ela mal o conhecia.
O homem estava seguindo os grupos de excursão há dois dias, deixando bem claro seu interesse nela. E Vivien sequer era capaz de imaginar por quê! Alarmada com o
assédio, e consciente da forte atração que a unia ao reservado estranho, ela revirou os grandes olhos cinzentos, sentindo-se embaraçada. O que estava acontecendo,
afinal? Chegara até mesmo a sonhar com o homem, antecipando sua chegada...
Lentamente conseguiu voltar a concentrar a atenção no grupo de turistas. A imagem do estranho ainda estava impressa nitidamente em suas retinas... camisa e calça
jeans, e uma pasta de couro que ele sempre carregava...
Vivien deixou escapar um sorriso desanimado e passou os dedos entre os cachos de seus longos cabelos castanhos, afastando-os da testa.
- Desculpem-me... onde eu estava mesmo? Oh, sim... - Frustrada, quase podendo sentir o olhar penetrante do homem em suas costas, ela tentou exasperada continuar
com o que vinha fazendo.
- As famílias de De Vere e Spring fizeram da igreja o que ela é hoje. Com uma torre de quarenta e dois metros, ela...
- Três - uma voz lânguida destacou-se do grupo para informá-la.
Virando-se novamente, o que a forçou a dar um passo atrás,
Vivien perguntou, confusa:
- O quê?
- Quarenta e três metros - o atraente estranho informou-a, prestativo.
- Oh, obrigado... V-você gostaria... de se juntar ao grupo?
Ele concordou, meneando a cabeça, e sorriu. Seus olhos, porém, continuavam frios. Vivien imaginou distraidamente que nunca vira olhos castanhos tão distantes. A
despeito do óbvio interesse por ela, e também do comportamento relaxado do homem, aqueles olhos nunca expressavam nenhum calor. Eles a atraíam e repeliam ao mesmo
tempo, exatamente por causa disso. Não havia nenhum sentimento ali... a não ser pelo sorriso jocoso, nada que se pudesse perceber, nada que indicasse que tipo de
pessoa ele era. Tratava-se de um observador, um homem que gostava de ver as coisas de fora. Provavelmente não gostava de fazer parte de nenhum grupo, ela concluiu.
- A torre também é notável por seu rico trabalho de entalhe em madeira... - o homem adicionou em seguida. - Joshua Baynard, muito prazer - ele apresentou-se com
voz suave.
Sem saber exatamente o que fazer, ela permaneceu piscando os olhos rapidamente por um momento. Finalmente lembrou-se de que devia se apresentar também, e fez isso
arqueando as sobrancelhas, tentando imaginar em que o estranho pensava naquele exato instante.
- Vivien...
- Eu sei - ele interrompeu.
Claro que sabia! Ela sempre se apresentava para os grupos de turistas, repetindo diariamente o próprio nome várias vezes. Mas ele ainda não havia mencionado o seu
até aquele momento. E aquela voz... Oh, aquela voz! Quente, sedutora... parecia capaz de prometer sensações inenarráveis para qualquer mulher...
Sentindo-se tola, Vivien chegou à conclusão de que era impossível tentar ignorá-lo, ou até mesmo dizer para que ele a deixasse em paz.
Aquele estranho despertara sensações que ela imaginava ter deixado para sempre no passado, aguçando-lhe os sentidos.
- Eu tenho que... continuar o tour pela vila.
- Sim.
Desviando o olhar e sentindo-se confusa, com a própria respiração muito entrecortada, Vivien procurou por seu grupo com o olhar, encontrando-os um pouco adiante,
a examinar as paredes ancestrais da igreja. As pessoas pareciam bastante interessadas e conversavam animadamente.
Silenciosamente, ela rezou para que não fizessem muitas perguntas, sabendo que estava sendo examinada atentamente... muito atentamente, aliás, pelo belo estranho.
Joshua. Joshua Baynard. Depois de sorrir nervosa, ela conduziu o grupo de volta à estrada, e à medida que andava ia indicando as casas pintadas em água forte e explicando
o significado dos brasões e emblemas que se viam em cada uma das fachadas.
Rapidamente chegaram ao antigo tribunal do condado. Recuperando a compostura, Vivien começou a contar a história do prédio, esforçando-se para não deixar escapar
nenhum detalhe. Aquela não era sua rota habitual. Estava lá apenas para substituir outra guia, que ficara doente.
- Depois do colapso das tecelagens locais, o tribunal tornou-se uma prisão, sendo posteriormente transformado num estabelecimento comercial... isso até ser restaurado,
cerca de quarenta anos atrás, transformando-se numa atração turística. Se vocês quiserem entrar agora, vão encontrar displays que contam a história dos lanifícios
e maiores detalhes sobre a história de Lavenham.
As pessoas entraram no prédio e Vivien deixou escapar um longo suspiro de alívio, recostando-se na parede. Mas a tranqüilidade durou pouco, pois todo o seu corpo
ficou rígido outra vez quando ouviu a já conhecida e sedutora voz masculina dirigindo-se a ela.
- Que tal um drinque?
Erguendo a cabeça para encará-lo, ela ostentava uma expressão estupefata.
Quê? - perguntou roucamente. - Pensei que pudéssemos tomar um drinque enquanto esperamos... Você parece estar com muito calor.
- Não... quer dizer, está mesmo fazendo calor... Você não pretere entoar para ver o tribunal? É um lugar muito bonito.
- Não. - Adiantando-se, ele ergueu a mão e passou com suavidade o dedo indicador pelo lábio inferior de Vivien, que reagiu afastando-se, chocada.
- O que pensa que está fazendo?
- Tocando em você.
- Bem, não faça isso! Você não pode! Nem sequer me conhece!
- Mas eu quero conhecê-la - ele explicou calmamente.
- Olha... - ela começou, desesperada.
- Am?
- Pare com isso! Por que está fazendo isso?
- Porque acho você a mulher mais linda que já vi.
- Mais linda? - ela repetiu incrédula. - Não seja tolo... eu nem mesmo sou bonita.
- Não é? - ele perguntou zombeteiro.
- Não!
O homem tomou-lhe a mão esquerda, segurando-a e examinando a aliança que ela usava no dedo anular. Limitou-se a fazer isso e depois encarou fixamente Vivien, como
se esperasse que ela dissesse algo.
Obviamente ela não diria nada de pessoal àquele estranho. Não sabia se era realmente perigoso, mas seu ar frio e distante a amedrontava um pouco. Sentia-se incomodada
principalmente no sentido... sexual. Uma viúva com uma filha pequena, como ela, tinha mesmo que estar um pouco vulnerável...
- Quem é você? - ela sussurrou.
- Eu já lhe disse.
- Não... não, você não disse. Apenas falou seu nome.
Ele sorriu daquela forma irritante, e deu uma explicação absolutamente inócua.
- Tenho muito interesse por arquitetura.
- E o que isso tem a ver comigo?
- Nada. Acontece que você também é... interessante.
- Eu não quero ser interessante! - Retirando a mão rapidamente, ela virou-se, olhando desesperadamente para a entrada do prédio, na esperança de que o grupo saísse
logo.
- Por que não acaba logo essa excursão?
- Por quê? - ela perguntou.
- Porque eu gostaria de levá-la para casa.
- Não!
- Sim.
- Não - ela repetiu, preocupada. Os homens nunca se atiravam sobre ela. Por que aquele parecia divertir-se em fazer isso? - Caso você seja um ladrão, fique sabendo
que não tenho nenhum dinheiro! - disparou furiosa. - Não ria! Isso não é nada engraçado!
- Discordo - ele murmurou de forma relaxada. - Mas, respondendo à sua pergunta... não, não sou um ladrão. E também não estou interessado em seu dinheiro. Para onde
vai levar o grupo agora?
- Sabe muito bem para onde eu vou - ela replicou secamente. - Afinal de contas, você está me seguindo há dias.
- E verdade... então vamos ver o convento, a tecelagem, a velha escola e a Granja Shilling, onde viveu Jane Taylor. A mesma Jane Taylor que escreveu "Brilha, brilha,
estrelinha"... o que me faz pensar... onde é que você mora? - ele emendou suavemente.
Confusa, Vivien percebeu que sua boca abrira-se automaticamente, de surpresa, diante da audácia dele. Tentando de forma desesperada recompor-se, ela notou que os
turistas começavam a sair do velho tribunal. Com um sorriso absolutamente artificial, completou o resto do tour dizendo as frases e palavras automaticamente, sem
saber ao certo o que dizia. A única certeza que possuía era que Joshua continuava a examiná-la por todo o tempo...
Aquilo a fazia sentir-se tola. Tinha medo de que a excursão terminasse e tivesse que ficar a sós com ele, pois sabia que Joshua não iria embora junto com os outros.
Tentou imaginar algumas desculpas, mas interrompeu-se ao lembrar de que não precisava de desculpa alguma. Podia apenas dizer para que ele desaparecesse, deixando
bem claro que não estava interessada.
O problema, porém, é que estava... aliás, muito interessada em ver aonde aquilo poderia chegar.
Com o mesmo sorriso forçado ela despediu-se do grupo, pedindo desculpas pela própria inexperiência naquele trajeto e desejando a todos uma boa estada. Enquanto falava
notou que Joshua permanecia parado às suas costas. Podia quase sentir o calor do corpo dele. Esperando...
Quando o grupo finalmente se dispersou, ela virou-se e encarou-o friamente.
- Preciso ir agora.
- Ótimo - ele concordou sorrindo. - Aonde nós vamos?
- Eu vou - ela replicou com firmeza, virando-se para ir embora. - Nada de nós.
Ele tocou-a no ombro, forçando-a a encará-lo, e manteve os olhos fixos nos dela. A tensão entre os dois era elétrica.
- Vai ser desse jeito?
- Sim. Você não pode vir comigo...
- Por quê? Vou atrapalhar alguma coisa?
- Não! E-eu não... - Mordendo o lábio inferior, ela desviou o olhar, livrando-se ao mesmo tempo das mãos dele.
Afastou-se um passo, e encarou-o determinada, entreabrindo a boca para protestar... mas ele impediu-a suavemente, pousando o indicador sobre seus lábios.
- As pessoas costumam conhecer umas às outras às vezes, sabia? Um homem conhece uma mulher, fica fascinado... uma mulher vê um homem...
- Não.
- Sim. Não é necessário ficar preocupada, ou amedrontada. Só quero conhecê-la um pouco mais, e aprender tudo sobre sua... história - ele sorriu. - E então, aonde
podemos ir?
- Tenho que pegar Cathy.
- Cathy?
- Minha filha.
- Que idade ela tem?
- Um ano... incompleto - ela emendou. - E, para que fique bem claro, eu vou pegá-la, não nós. - Seu olhar era preocupado e apreensivo. Ela o encarava desanimada,
tentando sem muito sucesso incutir alguma firmeza à própria voz. - Fiquei muito lisonjeada com seus elogios, mas realmente não pretendo ter nenhum envolvimento por
enquanto, sinto muito.
Dando as costas a ele, Vivien saiu de lá rapidamente, rezando para que não fosse seguida.
Quando chegou à casa da mulher que ficara tomando conta de sua filha, três quarteirões adiante, inventou uma desculpa qualquer para não aceitar a xícara de café
que lhe fora oferecida. Precisava sair de lá o mais rápido possível...
Em seguida colocou a menina no banco traseiro do automóvel, que deixara estacionado em frente à casa da babá.
- Dá-dá!
Vivien começou a rir ao observar o rosto adorável da filha, mas em seguida interrompeu-se, prendendo a respiração, pois notou que Cathy acenava para alguém atrás
dela. Ao virar-se encontrou Joshua, sorrindo e acenando para a criança também.
- Saia daqui já!
- Pap... pap... papá! - Cathy balbuciou.
- Esse não é papai, entendeu? - Vivien disparou automaticamente, erguendo a mão e- admoestando à filha com severidade. - Eu disse não! - continuou, agora dirigindo-se
a Joshua outra vez com um tom hostil. Sentia, porém, que o ritmo de seu coração se acelerara muito e seu estômago revolvia-se incontrolavelmente.
- Não acreditei em você - Joshua murmurou.
Sem se importar em dar explicações, ela deu a volta no carro, entrou, deu partida, e saiu de lá estrondosamente. Pelo espelho retrovisor pôde ver Joshua parado onde
o deixara, com seu jeans surrado e seu sorriso enigmático. Por que ele estava fazendo aquilo? Ela não era o tipo de mulher que os homens costumavam assediar...
Se ele ao menos conhecesse metade da história, ela pensou com um sorriso triste, com certeza correria como um ladrão: Sua vida era uma bagunça! Mas se...
"Não!", ela se negou decidida. Nada de "ses".
Minutos depois estava estacionando diante de sua velha e adorável casa. Andrew tinha o sonho de restaurá-la, mas morrera sem concretizar esse objetivo.
Afastando as recordações, ela deixou escapar um suspiro amargo e saiu do carro, apanhando a filha no banco traseiro e levando-a para o interior da casa.
Lá dentro tudo estava muito quieto. Mas aquela paz era temporária, pois em poucos dias Daniel estaria de volta...
Daniel, que dividia a casa com ela. Daniel, que precisava dela. Se não fosse por ele...
"Tolice!", ela pensou. Mesmo que Daniel não existisse, ela nunca pensaria em se envolver com o tal de Joshua Baynard. Joshua Baynard parecia... perigoso, e certamente
ela não precisava de mais problemas.
Preparou um chá para Cathy, banhou-a e colocou-a na cama. Mas não conseguia parar de lembrar daquele estranho homem enquanto fazia tudo isso. Começou a ler o jornal,
mas colocou-o de lado logo depois, lembrando-se de que havia deixado muitas tarefas por fazer ao sair pela manhã. Acabara de se levantar para ir à cozinha quando
alguém bateu na porta. Como se pudesse adivinhar o que aconteceria a seguir, caminhou com passos hesitantes para atender.
Encontrou Joshua parado nos degraus da escada com uma expressão inocente no rosto.
- Eu não desisto muito fácil - ele declarou em voz baixa.
- Eu não quero você aqui!
- Por quê?
- Porque... Eu não tenho que ter uma razão, diabos! - ela exclamou exasperada.
- Sim. Você tem que ter uma... Posso entrar?
- Não.
Joshua sorriu de forma angelical e, notando o estupor de Vivien, entrou mesmo sem' ter recebido permissão.
- Não sou nenhum bandido, assassino ou ladrão... Só queria conhecê-la melhor, entende? - Ele tirou uma garrafa de vinho que até aquele momento mantivera escondida
atrás do corpo e ofereceu-a a Vivien.
- Não bebo - ela mentiu de imediato.
- Então pode guardar para uma ocasião especial... por favor - ele emendou com suavidade. - Para me agradar.
Agradá-lo? Por que faria isso?
- Quem lhe contou onde eu vivia?
- Ninguém. - Indicando um jipe estacionado ao lado do carro dela, ele explicou: - Eu a segui.
- Você me seguiu?
- Sim. E depois que vi onde era sua casa, voltei para comprar algo para comer e essa garrafa de vinho... Por que a rampa? - ele indagou olhando para a varanda.
- O quê?
- Aquela rampa ali - ele indicou. - Para que serve?
- Para uma cadeira de rodas. A cadeira de rodas de Daniel!
- Daniel?
- Ele divide a casa comigo.
- Um amante?
- Não! - O rosto de Vivien estava ruborizado e sua expressão era irritada. - É apenas um amigo... um amigo de meu falecido marido.
- Ah... Café?
Vivien queria recusar, mas ele já se encaminhava para a cozinha, a despeito de seu olhar de reprovação. Sentindo-se tola e impotente, ela o seguiu.
- O que aconteceu com ele? - Joshua indagou.
- Com quem?
- Daniel, claro - ele replicou com uma paciência monumental.
- Foi culpa minha... - ela murmurou num fio de voz. - Era uma noite escura... chovia muito e eu não estava acostumada com o carro. Daniel tinha bebido demais e então
me ofereci para dirigir... - Vivien interrompeu-se, sentindo a culpa voltar quando a imagem da motocicleta que aparecera de algum lugar na escuridão surgiu outra
vez em sua mente. Fora forçada a sair da estrada. - Se não houvesse aquele buraco - ela continuou com a voz embargada -, ou a árvore, talvez eu tivesse conseguido
controlar a maldita situação. Mas a verdade é que não consegui!
Mais uma vez ela interrompeu-se emocionada. Daniel tinha sofrido danos sérios na espinha... Talvez ficasse para sempre em uma cadeira de rodas. Isso fazia com que
sua culpa se tornasse ainda pior.
Sem se preocupar em continuar explicando, Vivien aceitou o copo descartável de café que Joshua lhe oferecia.
- Onde Daniel está agora? - ele perguntou em tom casual.
- Viajou para Londres há alguns dias para cuidar dos últimos detalhes de sua coleção... Ele é um estilista de modas.
Meneando a cabeça em assentimento, Joshua olhou pela janela que dava para os fundos e indicou curioso a construção que se podia ver de lá, localizada nos fundos
do grande jardim.
- O que é aquilo?
Acompanhando-lhe o olhar, Vivien respondeu:
- E a casa de hóspedes. Eu estava pensando em reformá-la
para alugar dentro de alguns meses.
Mais uma vez ele concordou com um gesto de cabeça, virando-se em seguida para encará-la.
- Há quanto tempo você ficou viúva?
- Vinte meses.
- E como seu marido morreu?
- Ele se afogou - ela murmurou com amargura. - Arriscou-se demais ao praticar surfe numa praia com ondas muito revoltas... Mas isso não é da sua conta, Joshua. Eu
não devia estar lhe dizendo nada disso.
- E muita gentileza de sua parte - ele zombou.
- Sim - Vivien replicou secamente. Não precisava da simpatia ou da piedade de ninguém. Desejando contornar logo aquela situação embaraçosa, ela encarou-o com um
brilho desafiador nos olhos.
- E você?
- Sou solteiro.
- E?
Espantado, Joshua franziu as sobrancelhas, e seus lábios curvaram-se em um sorriso franco.
- "E" o quê?
- O que você faz?
- Sou um arquiteto especializado em restaurações históricas. Vim para SufFolk para ajudar na reconstrução de um velho castelo normando.
- Oh...
- E, veja só, acabei encontrando uma linda dama com grandes olhos cinzentos ao fazer isso!
- Sim. Bem... - ela murmurou sem graça. - Eu não fiz nada para atraí-lo, por isso acho melhor que você vá logo embora daqui.
Ao ouvir isso ele colocou o copo sobre a mesa e avançou...
Vivien o observava, incapaz de se mover. Estavam muito próximos agora, quase a ponto de se tocarem. Foi então que ele inclinou a cabeça, envolvendo-a com os braços,
e beijou-a... Suavemente. Sem nenhuma pressa.
O contato daquele corpo másculo provocou sensações que ela acreditava estarem adormecidas há muito tempo. Sensações impossíveis de controlar.
Logo depois, por alguma estranha razão, ela começou a retribuir o beijo. Mas ao notar que fazia isso ficou muito irritada, e afastou Joshua com um empurrão.
- Não - ela recusou debilmente.
- Sim. - Com os olhos fixos em Vivien ele mais uma vez inclinou a cabeça para beijá-la, mas ela foi mais rápida e conseguiu fugir. - Por quê? - Joshua indagou curioso.
- Você gostou do primeiro beijo...
- E-eu... eu não posso - Vivien gritou.
- Por quê?
- Porque... - ela começou, com a respiração entrecortada. - Porque isso é errado!
- Como assim?
- Não sei, está bem?
Sem parar de sorrir por um instante sequer, ele meneou a cabeça afirmativamente, e tomou a mão dela com suavidade, beijando-a. - Tudo bem, boa noite - disse em voz
baixa. - Eu não poderei estar aqui amanhã...
- Não lhe convidei para voltar!
- Mas estarei aqui, depois de amanhã.
- Quem não estará aqui serei eu! - Vivien replicou exasperada. - Prometi a Daniel ajudá-lo com o desfile, em Londres!
- Então eu encontro você. - O mesmo sorriso apareceu nos lábios de Joshua, e depois disso ele partiu sem dizer nenhuma outra palavra.
Ainda aturdida, ela tentou colocar seus pensamentos em ordem. Nunca encontrara um homem como aquele em sua vida! Não sabia como lidar com a situação... Droga! Ele
podia até mesmo ser um marginal! E o deixara entrar em sua casa sem opor resistência... Como era tola!
Passou o dia seguinte atormentada por uma agonia profunda, mas ele não veio, como avisara. Nas primeiras horas da manhã seguinte entrou no carro e dirigiu-se a Londres,
para encontrar Daniel, que realmente precisava dela. Nunca antes sentira-se tão desorientada em toda a sua vida...
CAPITULO I
- Bate palminha, bate palminha...
- Vivien!
Ela suspirou.
- Desculpe.
- Você está aqui por minha causa!
- Sim, mas Cathy gosta de...
- Não a chame assim! E Catherine!
- Eu sei que é Catherine! - ela concordou candidamente. - Fui eu quem a chamou assim... Mas é um nome grande demais para uma menininha tão pequena, não é, querida?
Isso! Assim mesmo - ela incentivou, ao notar que a filha batia palmas. - Bate palminha, bate...
- Vivien! - Daniel advertiu-a, obviamente irritado. - Pare com isso.
- Acalme-se - ela replicou. - Está tudo bem.
- Não está bem! Não tenho tempo para frivolidades. Eu preciso...
- Daniel...
- Ora, dane-se! - ele gritou, destemperado. - O que você pode saber?
- O bastante para lhe dizer que está entrando em pânico sem necessidade. - Segurando o bebê em uma posição mais confortável, Vivien pousou a mão calmamente no ombro
de Daniel. - Você é um grande estilista. Tem uma boa coleção. A casa está cheia, a imprensa está aqui... Estilistas de nome vieram assistir. Tudo vai dar certo,
confie em mim.
- Confiar era você? - ele perguntou com amargura. - Olhe para mim e veja o quanto me custou confiar em você antes!
Livrando-se da mão dela com irritação, Daniel empurrou a cadeira na direção dos cabides de roupas, depois examinou a coleção pela centésima vez.
Vivien suspirou desanimada, soltando suavemente a mão de Cathy, que teimava em brincar o tempo todo. Continuava a olhar para o jovem na cadeira de rodas. Estava
começando a ficar cansada de ser julgada o tempo todo pelo acidente que acontecera.
- Está atrapalhando, querida...
Com um sorriso desanimado ela se moveu, para sair do caminho de uma modelo carrancuda, recebendo depois um sarcástico "muito obrigada" como agradecimento. "Mulher
mal-educada", pensou.
Procurando um espaço onde não estivesse atrapalhando ninguém, virou-se. Seus olhos piscaram furiosamente e ela congelou ao notar que o homem que a perturbara tanto
dois dias antes estava ali, recostado relaxadamente em uma parede. Mas ele não devia estar ali!
Joshua sorriu como sempre, e o ar carregou-se de eletricidade. Droga! O homem podia perturbá-la apenas arqueando as sobrancelhas! Sentindo-se nervosa, Vivien cruzou
a sala, dirigindo-se a ele à queima-roupa.
- O que está fazendo aqui?
- Observando você - ele murmurou calmamente, estendendo um dedo para brincar com Cathy.
Corando, e olhando rapidamente ao redor, ela sussurrou, agitada:
- Você não devia estar aqui!
- Interrompo alguma coisa? - Ele parecia surpreso, e Vivien achou aquilo muito difícil de suportar.
- Não seja absurdo! - Lembrando-se do beijo que tinham trocado na primeira noite ela corou ainda mais... Tentar compreender o que sentia em relação àquele enigmático
estranho consumia todas as suas energias. Ele a fazia sentir-se vulnerável e excitada ao mesmo tempo. Todos os desejos secretos que Vivien sempre tivera pareciam
ter-se materializado em uma pessoa...
Mas aquilo não podia estar acontecendo! Dissera a si mesma na estrada, enquanto vinha de Suffolk, que não o veria nunca mais. Tinha que dizer isso direta e honestamente
a Joshua...
- Você não devia estar aqui - ela repetiu desanimada.
- Por quê? - Joshua perguntou com ar inocente.
- Porque não foi convidado. E porque...
"Porque isso parece errado", ela pensou. Gostaria de nunca tê-lo encontrado. Ao menos seria uma preocupação a menos em sua vida...
Joshua estava observando Daniel, e Vivien tentava descobrir o que significava a expressão que podia perceber em seus olhos. Mas não conseguiu notar nada naquele
rosto inescrutável.
Sua aparência era ainda mais atraente naquele dia. Um homem que com certeza era capaz de provocar impacto... Os olhares dos dois se encontraram, e mais uma vez um
sorriso curvou os lábios sensuais de Joshua.
Vivien desviou a cabeça, na defensiva, sentindo o coração bater descompassado dentro do peito.
- Vivien!
Tomando um pequeno susto, ela correu até o lugar de onde Daniel tinha gritado. Tinha consciência de que todos os seus movimentos eram observados por Joshua.
- Ela não vai vestir isso!
- O quê?
- A modelo - ele informou, preocupado. - Disse que não vai desfilar com um de meus modelos.
- Mas ela tem que fazer isso! E uma profissional paga para fazer um trabalho.
- Bem, ela não quer. Agora, o que vou fazer?
- Quem é a garota?
- Discutir não vai adiantar nada! - ele retrucou com impaciência. - Mesmo sua diplomacia não vai funcionar dessa vez. A garota teve um ataque histérico, droga! Você
vai ter que fazer isso para mim... Pode deixar que eu seguro o bebê. - Daniel estendeu os braços para apanhar Cathy, depois ergueu a cabeça e encarou Vivien com
um olhar de desafio. - Vai ter que fazer - ele repetiu.
- Não seja tolo! Eu não sou uma modelo!
- Você tem o tamanho certo... longas pernas... busto pequeno...
- Pare de falar assim! Além disso, meu busto não é tão
pequeno assim - ela protestou, examinando o próprio corpo
por um segundo.
- Ora, com os diabos para tudo isso! - Daniel explodiu irritado. - Não ligo para mais nada. Quero voltar para casa.
- Não seja ridículo! Você não pode abandonar o desfile nessa altura dos acontecimentos. Trabalhou como um louco para estar aqui... Onde está o produtor? Com certeza
ele pode cuidar disso...
- Ele está lá na frente, cuidando da imprensa... Mudando de assunto, quem é aquele? - Daniel indicou com a cabeça na direção de Joshua. - O homem não tirou os olhos
de nós até agora.
- Joshua Baynard - Vivien confessou com relutância. - Ele é um... amigo.
"Que amigo!", ela pensou, desconsolada. Amigos não faziam coisas como seguir e amedrontar alguém daquele jeito!
- Desde quando? - ele perguntou desconfiado. - Eu nunca o vi antes.
- E daí? Você não é meu dono, Daniel. Posso muito bem ter meus próprios amigos.
- Não gosto dele!
- Não seja infantil.
- Bem, o que você espera? O desfile vai ser uma bagunça... e você nem mesmo quer me ajudar!
- Eu não sou uma modelo! - Vivien repetiu com desespero.
- Não estou pedindo nada impossível, Vivien! Você disse que ajudaria...
- Sei disso, acontece que eu não sou modelo!
- Isso tudo é culpa sua! Se você não... Virando-se, ela fechou os olhos profundamente irritada.
- Qual é o vestido? - perguntou, sentindo-se vencida.
- O preto.
- Quanto tempo falta para o desfile?
- Cerca de meia hora.
Meneando a cabeça com desânimo, Vivien murmurou:
- Tome conta de Cathy, se não ela desaparece.
As modelos trocavam-se num corredor, sem nenhuma divisória que as separasse das outras pessoas que estavam nos bastidores, e não pareciam nem um pouco incomodadas
pelo fato de estarem nuas diante de estranhos.
Bem, ela não era uma modelo, e não tinha nenhuma intenção de ficar nua ali, principalmente na frente de Joshua Baynard e Daniel. Apanhando o vestido, dirigiu-se
para um banheiro com passos vacilantes. Suas pernas tremiam e sua respiração estava entrecortada. Depois de entrar, encostou a porta e despiu-se devagar.
Logo percebeu que seria uma tarefa árdua entrar naquele vestido, que era todo feito de um tipo qualquer de borracha. A parte da cintura entrou sem dificuldade, mas
as mangas longas prendiam-se à pele dos braços, deixando Vivien profundamente irritada.
Foi então que uma voz lacônica chamou sua atenção, causando-lhe um sobressalto.
- Use um pouco de talco.
Virando-se depressa, Vivien reparou que Joshua havia aberto a porta. Desesperada, cruzou os braços para cobrir os seios nus.
- Não tenho talco aqui. E você, por favor, saia logo!
Ele estendeu a mão, que segurava uma lata de talco, e franziu as sobrancelhas.
- Tome. Vai ajudar a borracha a escorregar... Erguendo a cabeça, ela o encarou furiosa.
- Eu não me importo! Agora saia já daqui! - gritou.
Aquele sorriso enlouquecedor voltou a curvar os lábios dele.
- Não fique tão irritada - ele pediu enquanto colocava a lata de talco no chão.
- Se você disser mais uma palavra... - Vivien ameaçou, murmurando - provavelmente vou me tornar muito violenta! - Já era o bastante suportar a chantagem emocional
de Daniel... Mas não iria agüentar aquele frio e cínico estranho, que por um motivo qualquer resolvera se intrometer em sua vida.
Joshua saiu sem dizer nada, e minutos depois a própria Vivien cruzou a porta do banheiro, agora já completamente vestida. Na verdade, usara mesmo o talco para ajudar
as longas mangas a escorregar sobre sua pele.
- Dê uma volta - Joshua pediu, recostado a uma parede.
- O quê?
- Gire um pouco.
- A borracha... não posso - Vivien murmurou com voz estrangulada, tomada por um pânico claustrofóbico. Podia sentir a transpiração escorrendo pelas costas.
- Não pode se mover? - ele parecia espantado. Ela meneou a cabeça negativamente.
- Tente!
Encarando-o desconsolada, ela tentou mais uma vez, sem sucesso.
- Está cortando minha circulação - protestou. - Nunca vou conseguir passear por aquela passarela fazendo caras e bocas! - O pensamento a aterrorizava. Realmente
nunca conseguiria, principalmente diante daquela multidão de olhos curiosos... - Não vou poder fazer isso! - repetiu.
- Sim, você pode - Joshua apanhou o chapéu que complementava a roupa, colocando-o cuidadosamente na cabeça de Vivien. - Caminhe.
- Eu não posso.
- Caminhe!
Joshua era imune a seus protestos, e sua voz não se alterara nem um pouco. Tudo o que Vivien pôde fazer, portanto, foi respirar profundamente e tentar. Mas seu pânico
era patente, e ela se movia praticamente como um autômato.
Nesse exato instante Daniel aproximou-se, com o produtor empurrando a cadeira de rodas. Ele segurava Cathy no colo com cuidado.
- Leve - o estilista ordenou irritado. - Seus gestos devem ser muito suaves.
- Daniel... Você por acaso já vestiu isso?
- Claro que não!
- Então não me diga para fazer "gestos suaves", droga! - ela protestou, exasperada. - E quanto a ser leve...
Olhando para Joshua, Daniel fez uma expressão contrariada.
- Você não deveria tê-la ajudado... - murmurou. - E esses cabelos? Deus, eu disse especificamente que não queria ver cabelo algum!
- Não vou cortar todo o meu cabelo, Daniel, pode esquecer!
Calmamente, Joshua removeu o chapéu e ajeitou os cabelos de Vivien atrás da gola do vestido, fazendo-os praticamente desaparecerem.
- Assim está melhor - ele observou satisfeito.
As modelos iam e vinham, a música tocava muito alto e o desespero de Vivien transformou-se num tremor que tomou conta de todo seu corpo. Foi então que Daniel começou
a designar a ordem em que as modelos deveriam entrar.
- Vá por último - ele instruiu. - E faça exatamente o que elas fizerem.
Lembrando-se do que a forçara a fazer aquilo, ela concordou com um gesto contrafeito de cabeça. Fora a culpa que a levara até Londres. E a culpa a forçara àquela
situação embaraçosa em que se encontrava no momento. Tudo deveria ser uma festa, não um pesadelo. Mas por causa do acidente...
- Vá! - Daniel comandou.
Sem tempo para pensar, ela seguiu as modelos automaticamente. Como conseguiu desfilar, nunca soube. Seus olhos estavam fixos no vazio, por isso não foi capaz de
reparar nem mesmo no espocar dos flashes e nas luzes multicoloridas. Também não foi capaz de ouvir a ovação e os aplausos prolongados que a audiência lhe dedicou,
limitando-se a imitar o que as modelos profissionais faziam. No íntimo sabia que se parasse para pensar por um segundo sequer desabaria em uma incontrolável crise
de choro...
O caminho pela passarela pareceu durar uma eternidade, e Vivien teve que parar inúmeras vezes para que os presentes pudessem admirar a criação de Daniel. Apavorada,
cega e mantendo a respiração presa, além de sentir-se extremamente desconfortável naquela roupa, ela finalmente saiu de cena alguns minutos depois.
E nem mesmo se. importou com o fato de Joshua ajudá-la a se despir daquele modelo inconveniente. Passou-se um longo momento até perceber que estava novamente com
os seios nus diante dele. Então cruzou os braços diante do corpo, repetindo o gesto que já fizera antes, e jurou para si mesma que nunca mais cederia à chantagem
emocional de Daniel. Não importava o quanto ele fosse bom nisso.
- Muito bem - Daniel aproximou-se, parecendo pela primeira vez feliz e animado. - Oh, Vivien, você foi espetacular!
Abrindo os olhos ela encarou-o, olhando de relance para Cathy e deixando escapar um sorriso.
- Nunca mais - ela advertiu suavemente. - Nunca mais me peça para fazer isso, entendeu?
- Mas você foi brilhante! Não reparou como eles aplaudiram?
- Provavelmente fizeram isso porque eu parecia uma tola! Por favor... por favor, deixe-me sair logo dessa confusão!
Retirando o chapéu, ela voou para o banheiro. Dessa vez fechou a porta e, depois de livrar-se definitivamente do vestido, resolveu tomar uma ducha forte e revigorante.
Depois de secar-se e voltar a vestir seu confortável conjunto de seda, percebeu que estava exausta.
Droga, por que tinham escolhido justamente o verão para fazer aquele desfile? Por que não no outono, quando era muito mais fresco?
Terminando de ajeitar os cabelos, Vivien suspirou, desejando de todo o coração ir logo para casa.
Entretanto, prometera ficar até o fim, o que a forçaria a suportar o coquetel que seria servido a seguir. Só então estaria livre novamente para fazer a longa viagem
de volta à Suffolk.
Ao voltar para os bastidores ela procurou pela filha.
Cathy ainda estava no colo de Daniel, que parecia segurar a criança com uma expressão estranha e indecifrável.
Havia algum tempo a atitude de Daniel em relação à menina vinha preocupando Vivien. Ele se comportava como se Cathy fosse sua própria filha, além de deixar as pessoas
pensarem que ele e Vivien eram mais do que amigos... o que também era muito estranho.
Nunca dera nenhum motivo a Daniel para que ele pensasse que existia algo entre eles. Tinha pena dele, isso ela admitia, e também sentia-se culpada pelo que acontecera,
mas aquela situação já estava se tornando incômoda demais.
Na verdade, sentia-se obrigada a cuidar dele não apenas pelo acidente, mas porque também fora o melhor amigo de Andrew. A solidão causada pela morte do marido a
fizera perceber esse perigo muito tarde. Vivien não sabia se comportar de maneira rude, a aparentemente Daniel capitalizara esse fato cuidadosamente depois do acidente
de carro...
- Tenho que fazer um telefonema. Virando-se, ela encarou Joshua, confusa.
- O quê?
- Eu disse que tenho que fazer um telefonema.
- Está bem -; Vivien murmurou sem entender sobre o que ele falava.
- Encontro você depois.
Ela não sabia o que responder, por isso limitou-se a encará-lo com espanto. Observou atentamente enquanto ele se afastava, e seus olhos não conseguiram se desviar
um segundo sequer daquele corpo másculo e musculoso. Droga! O que estava acontecendo com ela? Desde que conhecera Joshua sentia-se tensa e nervosa... nervosa demais.
Ele retornou alguns minutos depois, mas Vivien ainda não fora capaz de se mover, pois fora assediada por várias pessoas, que inexplicavelmente a cumprimentavam por
causa do desfile.
Encarou o olhar fixo dele com vacilação, desviando a cabeça de forma abrupta alguns segundos depois.
- Tenho que apanhar Cathy - ela murmurou, esforçando-se para fingir um tom casual.
- Claro. Mas vou lhe pedir uma coisa. Alugue-me a casa de hóspedes.
- O quê? - Ela encarou-o chocada. - O quê? - repetiu, querendo convencer-se do que ouvira.
- Quero estar perto de você. Alugue-me a casa de hóspedes.
CAPITULO II
- Não! - Vivien negou com firmeza. - Você precisa discutir isso com Daniel? - Joshua perguntou.
- Claro que não!
- Então por que não? Você disse que pretende alugar a casa...
- No futuro, não agora! Não desse jeito... Ora, Joshua, você viu muito bem o estado em que a casa está.
- Isso não tem nenhuma importância. Posso ter um pouco de trabalho e reformá-la...
- Acontece que não vai ser um "pouco" de trabalho - ela protestou com energia. - Aquela casa está caindo aos pedaços.
Joshua arqueou as sobrancelhas, divertido.
- Por que está tão espantada? Tem medo de que Daniel possa fazer alguma objeção?
- Eu não estou espantada! E esse assunto nada tem a ver com Daniel.
- Tem certeza?
- Claro que tenho certeza... Ora, Joshua, seja sensato. Você não pode alugar aquela casa de hóspedes.
- Eu quero estar perto de você, Vivien - ele repetiu num tom de voz muito rouco. - E quero poder...
- Não! - ela cortou. - Você não deve!
- Por quê?
- Porque... porque...
- Realmente não existe nada entre você e Daniel?
- Já disse que não! E, por favor, não toque mais no nome dele... Daniel nada tem a ver com minha vida. Simplesmente a casa de hóspedes não está num estado razoável
para ser habitada por um ser humano... você sabe disso. O lugar está desocupado há anos!
- Eu não me incomodo com isso - Joshua tornou a repetir.
- Pare com isso! Qualquer um iria se incomodar! - A despeito das roupas simples e surradas, havia um certo ar de sofisticação que emanava dele. E elegância também.
- Oh, Joshua... por que insiste?
- Você sabe por quê - ele replicou. - Você... me excita.
Perturbada, e com um incrível desejo de mudar de assunto, Vivien resolveu fazer uma pergunta mais direta.
- Você não pode ficar hospedado na vila?
- Não - ele respondeu suavemente. - Fica muito longe do castelo no qual vou trabalhar.
Ela encarou-o ainda mais uma vez, percebendo que a expressão de Joshua permanecia impassível. "Oh, Vivien!", pensou. "Se continuar mexendo com fogo você vai acabar
se queimando!"
Caminhou com passos incertos para o outro lado do recinto, totalmente perdida em pensamentos. Daniel fazia dela o que queria, e agora estava deixando o mesmo acontecer
com Joshua...
- Vivien!
Girando sobre os calcanhares, ela olhou confusa para Daniel. Deixou escapar um suspiro e estendeu os braços para apanhar a filha adormecida.
- Está pronto?
- Eu? Claro que sim... mas o que ele quer? - Com um gesto de cabeça, Daniel indicou Joshua.
- Alugar a casa de hóspedes.
- O quê?
- Ora, não comece! -Vivien replicou amuada. - Eu já disse... Joshua quer alugar a casa de hóspedes.
- Ele já viu o estado em que está aquilo?
- Sim, é claro.
- E ainda quer alugar?
- Sim!
- Por quê? - Daniel perguntou, desconfiado. - Afinal de contas, não me parece o tipo de pessoa que moraria num lugar como aquele. Olhe para ele... parece que acabou
de descer de um iate...
- Não seja absurdo! Acha que o dono de um iate iria usar aquelas roupas?
- Ora, como sou tolo! Cheguei a pensar que o sujeito se incomodaria com aquela bagunça. Droga, Vivien, seja sensata! O homem não pode ficar na casa!
- Bem, mas ele vai ficar --.ela retrucou com um arroubo de fúria. - Já tomei minha decisão.
- Tome cuidado, querida - Daniel advertiu-a. - Eu já encontrei gente como ele antes...
- Não seja tolo... Mudando de assunto, temos que ir embora
- Vivien interrompeu-o. - Joshua está nos esperando.
- Ele que espere! Há quanto tempo o conhece?
- O suficiente... E não me interrogue, certo? Ele precisa ficar mais perto do castelo normando que vai restaurar. É um arquiteto especializado... ou coisa assim
- terminou, franzindo as sobrancelhas.
- Por mim o homem podia ser até da National Geographic! Ele não pode ficar na casa de hóspedes.
- Já está tudo arranjado, Daniel.
- Deve desfazer o arranjo, então!
- Escute bem, a casa é minha e eu farei o que quiser, entendeu?
- Apanhando a bolsa de mão que trouxera para carregar as coisas do bebê, ela deu por encerrada a discussão e saiu de lá com Cathy nos braços.
Aquilo tinha que parar. Realmente tinha que parar. Daniel queria ter controle sobre sua vida! Era absolutamente imperdoável a forma como ele fazia isso. Mas quando
se deu conta do que dissera, estacou abruptamente. Dissera que ia mesmo alugar a casa para Joshua! Como pudera fazer isso?
Joshua a esperava do lado de fora.
- Mudança de planos - anunciou. - Só consegui dar aquele telefonema agora, e acho que vou ter que ficar em Londres por mais alguns dias. Quando resolver tudo me
encontro com você em Suffolk, certo?
Sem saber por quê, Vivien recebeu a notícia com desânimo. Será que no fundo desejava a presença dele?
Depois que se despediram ela continuou a pensar na pergunta, concluindo que era cedo demais para respondê-la. Agora tudo em que tinha que pensar era na viagem de
volta. Provavelmente seria difícil agüentar Daniel resmungando por todo o percurso...
Para alívio de Vivien, Daniel não falou quase nada durante a viagem para Suffolk, limitando-se a olhar as paisagens pela janela com uma expressão preocupada no rosto.
Tinha a mesma idade que ela, mas um rosto de criança... e certamente agia como uma às vezes. Ao pensar nisso,. Vivien perguntou-se como agiria se tivesse sido condenada
a passar o resto da vida numa cadeira de rodas...
Provavelmente se comportaria de forma ainda pior que a de Daniel, concluiu, desanimada. Mas não podia mudar as coisas, não podia fazer o tempo voltar. O que lhe
restava era ajudá-lo como pudesse, o que já estava fazendo.
A estrada tinha poucas curvas, o que era capaz de deixar qualquer motorista com sono em uma noite como aquela, e por isso Vivien esforçava-se para ficar alerta.
A imagem de Joshua, porém, não lhe saía da mente. Joshua, o homem a quem alugara a casa de hóspedes. Joshua, de quem Daniel não parecia gostar nem um pouco...
Passaram por Chelmsford, Braintree, Sudbury, e finalmente chegaram em casa. Vivien deu uma última olhada para os postes de iluminação do centro de Lavenham, e depois
desligou o motor do carro com um suspiro.
O contorno da casa de hóspedes destacava-se no horizonte por causa do luar. Aquele lugar realmente precisava de muitos reparos...
E, por causa da própria teimosia, agora não teria apenas um, mas dois hóspedes, Vivien lembrou-se desanimada.
- Não posso me oferecer para carregar sua bagagem - Daniel comentou com amargura.
- Isso não é necessário, você sabe. Estou muito cansada, Daniel, foi um dia longo e preciso colocar Cathy na cama.
- Catherine - ele a corrigiu.
- Sim - ela concordou. Por que discutir?
Ajudou Daniel a sair do carro e subir na cadeira de rodas, empurrando-a até a porta do anexo onde ele vivia. Voltou para o carro e pegou a bolsa e a filha adormecida,
trancando as portas à seguir.
- Boa noite, Daniel - disse em voz baixa.
- Precisa de ajuda com a menina?
- Não. Entre e tente dormir.
Entrou na casa e foi direto ao quarto de Cathy, colocando-a cuidadosamente no berço. Ao voltar para o andar térreo, foi até a cozinha e preparou uma xícara de chá
para si mesma, que carregou para o quarto.
Mas ao deitar-se voltou a pensar no comportamento de Daniel, que era uma coisa realmente preocupante. Por quanto tempo ele continuaria culpando-a pelo acidente?
Será que aquele pesadelo não acabaria nunca mais?
Talvez tivesse sido um erro convidá-lo para ficar hospedado no anexo da casa, mas logo depois do acidente fora tudo em que conseguira pensar para poupá-lo do incômodo
de viver num apartamento no terceiro andar, principalmente porque o prédio dele não tinha elevador.
A ligação de Daniel com Andrew também pesara em sua decisão. Afinal de contas, depois da morte de seu marido Daniel fora extremamente atencioso.
Que grande confusão sua vida acabara se tornando! Casara-se aos vinte e seis anos, tornara-se viúva aos vinte e sete e mãe aos vinte e oito...
Sua mente insistiu em voltar para Joshua. Ele representava uma preocupação a mais, algo que podia ter evitado. Mas ainda restava a possibilidade de ele voltar à
razão, o que o faria correr de lá ao reparar no verdadeiro estado da casa.
Era a única esperança que ainda podia ter...
No dia seguinte, usando um velho vestido de algodão e com os cabelos presos, Vivien resolveu limpar a casa de hóspedes para que seu futuro inquilino não morresse
sufocado pela poeira. Cathy observava a mãe atentamente, sentada em sua cadeira de pés altos, batendo palmas e rindo à toa.
Obviamente, a limpeza não seria exatamente uma mensagem de boas-vindas, mas ao menos ela ficaria com a consciência mais tranqüila. Nem mesmo sabia por que estava
fazendo aquilo, pois já tinha trabalho demais, para se preocupar com aquela tarefa extra. Quando terminou de retirar as cortinas imundas e colocá-las na máquina
de lavar, já estava exausta. Preparou então um lanche para Cathy.
Era uma cena bastante doméstica, ela pensou com um sorriso cansado. Quem poderia imaginar, alguns anos atrás, que sua vida mudaria de forma tão dramática?
Bem, era melhor não pensar no que podia ter acontecido. Aquilo tudo fazia parte do passado, e além disso não podia mais imaginar o mundo sem sua adorada Cathy.
Apanhando o polidor de móveis, voltou para o trabalho, começando pelo hall. Depois foi para a sala de estar, polindo com capricho a única peça de mobília decente
que havia na casa de hóspedes... uma mesa de jantar redonda de carvalho, com seis cadeiras confortáveis. Tinha pertencido à sua mãe, que assim como seu pai morrera
muitos anos antes. Sua família não era muito grande. Não tivera irmãos ou irmãs. Seus únicos parentes eram dois tios bem velhos, que moravam em Yorkshire. E Cathy.
Sua adorável Cathy.
Olhou de relance para o espelho, notando que a própria aparência era deplorável, e foi ver se a filha estava acordada... mas acabou encontrando a lavanderia de sua
casa inundada. Aparentemente a máquina de lavar havia quebrado.
- Oh, hoje não! - ela resmungou, desconsolada.
Teve muito trabalho para secar o chão, e depois ligou para a oficina de reparos da vila para que mandassem um técnico para realizar o conserto, mas recebeu a notícia
de que o homem talvez só pudesse ir no dia seguinte.
Ficou ainda mais exausta, principalmente depois de ser obrigada a terminar de lavar as cortinas sem o auxílio da máquina, e sem se dar conta acabou adormecendo em
uma das cadeiras da varanda que dava para os fundos do jardim.
Acordou com o choro da filha, e logo depois Daniel apareceu, reclamando por não ter sido chamado para o jantar.
"Droga", Vivien pensou, lançando um olhar furioso em sua direção. Será que aquele homem só sabia reclamar?
Vivien começou a preparar alguma coisa para o jantar, apressada, quando alguém bateu à porta. Finalmente! Ela deixou escapar um suspiro. Provavelmente era o homem
da oficina de consertos. Pelo menos não teria que lavar o resto das roupas da casa à mão...
- Você demorou muito... - ela começou agressivamente antes de ver quem realmente era. - Oh... desculpe! Pensei que fosse o homem da oficina - ela murmurou. Frustrada,
estava consciente de que sua aparência era terrível, e mordeu o lábio inferior ao mesmo tempo em que fazia um gesto para que Joshua entrasse. - A casa está uma confusão...
- ela começou, interrompendo-se em seguida, furiosa consigo mesma. Não precisava pedir desculpas a ele, afinal! - Você disse que ficaria em Londres por alguns dias.
Seus olhares se encontraram, e o conhecido sorriso voltou a curvar os lábios de Joshua.
- Eu disse? - ele perguntou suavemente.
- Sim.
- Meus planos acabaram mudando outra vez.
- Oh, tudo bem, é melhor você entrar, então. Tenho que terminar de... - Ouvindo um grito infantil, ela interrompeu-se e correu para os fundos da casa.
- Meus Deus! - Cruzando o jardim, encontrou Cathy chorando aos pés do escorregador... o brinquedo que Daniel montara duas semanas antes e que ela o mandara desmontar.
O escorregador era alto demais para uma criança da idade de Cathy... e Vivien o advertira disso! - Daniel?
Quando Daniel apareceu do outro lado do jardim, vindo de seu quarto, ela encarou-o furiosa.
- Eu lhe disse para desmontar isso! Ela podia ter morrido! Já lhe disse que Cathy é muito pequena. Esperava que tivesse me ouvido! Droga, você nem mesmo estava aqui
para tomar conta dela enquanto eu atendia à porta.
- Eu não ouvi a campainha - ele replicou irritado. - Além disso, não prometi tomar conta dela hoje. Estou muito ocupado!
Ela lembrou-se de que a campainha realmente não fora tocada, por isso limitou-se a suspirar enquanto abraçava a filha de forma protetora.
- Ora, tudo bem, volte para seu trabalho!
Dando as costas a ele, Vivien concentrou a atenção no pequeno joelho de Cathy, que estava um pouco arranhado, mas aquele era o único ferimento, felizmente...
Ao virar-se, notou que Joshua a observava com atenção, e isso a fez sentir-se tola e desajeitada.
- Daniel deixa a menina sozinha demais - ela explicou sem jeito. - Sinto muito - murmurou em seguida. - Hoje foi mesmo um dia daqueles!
Naquele instante um homem de macacão azul apareceu no jardim, contornando a lateral da casa, interrompendo a conversa.
- Graças a Deus! - ela exclamou. - Desculpe-me - murmurou para Joshua. - Voltarei em um minuto. Podia olhar Cathy para mim, por favor?
Correndo ao encontro do mecânico, ela conduziu o homem até a máquina com um sorriso forçado, voltando logo depois. Cathy parecia muito à vontade com Joshua, que
brincava com a menina, animado.
- Vou lhe mostrar a casa de hóspedes. Não tive tempo de...
- Oh, o que foi agora? - ela perguntou ao notar que o mecânico saíra da casa, aparentemente disposto a falar alguma coisa. Foi até o homem mais uma vez, encarando-o
com impaciência. - Não, não, não me diga - ela disparou sarcasticamente. - Você não tem as peças necessárias... Eu disse que era um problema na porta. E disse isso
claramente. Nem pense em dizer que não vai poder consertar hoje... porque não quero ouvir. E também não estou disposta a pagar por duas visitas!
- Eu apenas queria saber se a senhora já teve problemas com
a máquina antes - o homem murmurou pacientemente. - Porque, na verdade, o problema não é na porta.
- Oh... Não. Apenas começou a... vazar água por todos os lados.
- Isso eu notei.
Quando o homem voltou para dentro da casa, Vivien voltou a encarar Joshua, que a observava atentamente, e corou.
- Tudo bem, tudo bem - ela murmurou na defensiva. - Nem precisa me dizer. Eu sei que fui muito bruta, mas...
- Eu deixo você nervosa - Joshua completou por ela.
- Sim... não! Só não entendo por que você está aqui - ela disparou. - Francamente, você não parece o tipo de homem que se interessaria por uma viúva com um bebê.
- Não pareço? - ele indagou relaxadamente. - E que tipo de homem eu pareço, então?
- Eu não sei!
Evitando o olhar inquisidor dele, Vivien voltou a olhar para a casa de hóspedes. Bem, de qualquer forma ele ficaria à vontade naquele lugar, não é? Afinal de contas,
era um especialista em velharias...
Voltando a encará-lo, notou que sua expressão não mudara nem um pouco. Estava prestes a se desculpar novamente pelo comportamento rude quando lembrou-se de Daniel,
e calou-se, irritada consigo mesma, mordendo o lábio inferior mais uma vez. Bem, talvez ele ainda pudesse recusar...
Joshua desviou o olhar e examinou a velha casa também por um tempo que pareceu uma eternidade, e só depois disso voltou sua atenção novamente para Vivien. Seus olhos
eram totalmente inexpressivos.
- E melhor quando vista por dentro - ela murmurou. - Pelo menos está limpa e... bem, um pouco mais confortável do que parece. A cama é razoavelmente nova - emendou,
desgostosa por estar defendendo a casa, que na verdade era indefensável. - A porta não está trancada, pois a fechadura não funciona.
- Não há nada lá que possa ser roubado?
Vivien nem se dignou a responder, limitando-se a apontar para os fundos do jardim.
- Aquele acesso vem direto da rua. Pode estacionar seu carro ao lado da casa.
- Um bônus extra.
- Pare de rir da minha cara! Não há motivo para ser sarcástico! Você não tem que ficar lá. Não é obrigado a isso!
Os lábios de Joshua contraíram-se.
- Onde está Daniel?
- Metido no quarto - ela respondeu mecanicamente, espantada com a abrupta mudança de assunto. - Ele vive no anexo, como você já sabe.
As sobrancelhas de Joshua arquearam-se. Ele olhou para a casa, para o anexo, e finalmente voltou a olhar para a casa de hóspedes.
- Eu lhe disse que estava caindo aos pedaços! - ela argumentou defensivamente.
- E verdade.
- Sim. Bem, espero então que você arrume logo outro lugar. Ou volte para onde veio...
- Não gosto de hotéis. Que acha de cem por semana?
- Cem? - Ela ficou atônita. - Você está querendo me pagar?
- Claro. Você está me alugando a casa, não é?
Ela estava?
- Vamos ficar muito tempo parados aqui fora? - ele perguntou calmamente.
- O quê?
- Acho melhor darmos a impressão de que tudo entre nós não passa de uma transação comercial. Para não irritar Daniel, entende?
- Bem, mas é isso mesmo! E por que você insiste em sempre tocar no nome de Daniel? - Vivien perguntou intrigada. - Isso não tem nada a ver com ele! Mas... ainda
não posso acreditar que queira mesmo ficar lá, Joshua! Quer dizer, olhe bem para o estado da casa...
- Já olhei - ele disse com um sorriso malicioso. - Prefere que eu fique na sua casa?
- Não!
O sorriso de Joshua se acentuou. Tirando as chaves do carro do bolso, ele devolveu Cathy para Vivien.
- Vou pegar o carro - avisou.
Observando-o se afastar, Vivien deixou escapar um suspiro desanimado. Talvez ele precisasse mesmo ficar perto do trabalho, enfim. Então sorriu também. O que ele
iria pagar a ajudaria muito com as despesas...
Daniel apareceu naquele momento, vindo do anexo, e ela preparou-se instintivamente para outra discussão.
- Era o tal de Joshua? - ele perguntou. - Por que não me disse que ele viria hoje?
- Eu não sabia que ele viria hoje.
- Bem, o que ele disse?
- Nada.
- Ora. Ele deve ter dito alguma coisa!
- Bem, não disse. Estou imaginando se devo preparar algo para ele comer - ela murmurou preocupada.
- Alimentá-lo? - Daniel perguntou incrédulo. - Por que você deveria fazer isso? Não é sua obrigação.
- Eu não disse que era uma obrigação! - ela negou, exasperada. - Estava apenas imaginando se devia fazer isso ou não.
- Ele vai lhe pagar?
- Cem por semana.
- Cem libras? O homem está louco?
- Provavelmente.
- Então mantenha-se longe dele!
- Ora, Daniel...
- Falo sério, Vivien. Uma mulher jovem e atraente como você, completamente indefesa...
- Não sou "completamente indefesa".
- Para todos os efeitos é - ele argumentou com amargura. - Já que não posso defendê-la.
- Não preciso que você me defenda, e essa discussão não tem sentido. Volte para seu quarto e seu trabalho. Eu tenho muito o que fazer. - Colocar toalhas e lençóis
na casa de hóspedes, por exemplo... Droga! Ainda havia tanta coisa para ser feita!
Entrando em casa, Vivien olhou para as peças da máquina de lavar espalhadas pelo chão, e esforçou-se para não gritar de desespero.
O mecânico ergueu a cabeça, sorrindo, e acenou para Cathy. A menina riu e bateu palmas animada, como se nada estivesse errado.
- Aceita um copo de chá gelado? - ela perguntou, dirigindo-se ao homem.
- Com muito prazer. Está fazendo um calor infernal hoje.
- Verdade. - Mais do que isso... o tempo estava úmido e abafado, e Vivien rezava para que o dia acabasse logo.
Enquanto servia o chá na cozinha ouviu a explicação que o homem fazia sobre o defeito, e à medida que ouvia a extensão dos danos franzia cada vez mais as sobrancelhas.
Ao entregar o chá, encarou o mecânico, preocupada.
- Quanto acha que o conserto vai custar?
Ele mordeu o lábio inferior antes de responder.
- Bem... não posso calcular o preço das peças agora, mas creio que tudo vai ficar em cerca de cinqüenta libras.
Vivien encolheu os ombros, ciente de que não adiantava se preocupar mais com aquele assunto.
- Sim - concordou fracamente. - Bem, vou deixá-lo trabalhar sossegado.
Com um sorriso exausto nos lábios, foi apanhar toalhas e lençóis limpos no armário do quarto, ainda carregando Cathy nos braços, e depois de fazer isso atravessou
o jardim outra vez, dirigindo-se para a casa de hóspedes. Ainda estava pensando no prejuízo causado pela máquina de lavar, quando entrou sem bater e encontrou seu
inquilino... que vestia uma toalha. Apenas uma toalha. Felizmente ele a amarrara bem aos quadris, Vivien notou, aliviada.
- Oh! Sinto muito! - ela balbuciou, incapaz de tirar os olhos do peito musculoso de Joshua. - E-eu.. trouxe toalhas e lençóis limpos.
- Muito obrigado - ele murmurou. - Mas acho que devia bater antes de entrar, não acha?
- Sim. Sinto muito - ela repetiu. - Eu me esqueci disso. Colocando a carga na cadeira mais próxima, virou-se para sair rapidamente.
A voz de Joshua a interrompeu. E era uma voz que a perturbava muito.
- A água estava fria.
Oh, Deus! Virou-se novamente para encará-lo.
- Há um aquecedor de água na banheira - ela explicou.
- Isso eu descobri. Só não consegui ligá-lo.
- Eu devia ter explicado isso, mas...
- Você não sabia que eu vinha hoje - ele completou. - Sim, você deve estar mesmo muito confusa.
Fazendo um esforço muito grande, Vivien conseguiu manter em seu rosto uma expressão imperturbável. Não era nenhuma burra, pelo contrário, mas aquele dia estava superando
todas as suas expectativas em termos de desastre. Tinha arrumado um inquilino que não queria... e que agora estava parado na sua frente quase nu. Mas tinha que reconhecer
que ele até que era bem desejável...
Foi até o banheiro e encontrou o aquecedor portátil da banheira, ligando-o para checar se funcionava. Estava prestes a chamar Joshua quando sentiu o toque de um
dedo úmido em seu ombro.
- Você parou de respirar - Joshua murmurou, soltando uma risada.
Droga! Cathy agora estendia a mão para brincar com os cabelos dele.
- Pap... pap... papá - a menina balbuciava alegremente, e Joshua tomou-a nos braços, erguendo-a sem nenhuma dificuldade e virando-se em seguida para encarar Vivien.
Notando que ela estava completamente paralisada, adiantou-se e beijou-a levemente nos lábios.
Os lábios de Joshua abandonaram os dela lentamente, com relutância, e um brilho estranho apareceu em seu olhar.
- Ela está molhada.
- O quê?
- Sua filha. - Seu olhar quente e sedutor não se afastava do dela nem um segundo sequer. - Ela está molhada.
- Oh, certo, sim. Quero dizer... é água, da máquina de lavar, não... - Com um suspiro frustrado pegou a filha de volta, meneando a cabeça em grande confusão ao sair.
- Sua boba - murmurou para a menina, que insistia em continuar brincando. - E eu já disse que ele não é seu pai...
O pai de Cathy não se parecia nem um pouco com Joshua. Mas a menina nunca o vira, nem sequer em uma fotografia, por isso não podia ser culpada.
Entrando outra vez na lavanderia, a inundada lavanderia, ela tentou se recompor do flamejante encontro que acabara de acontecer.
- Já terminou? - perguntou ao mecânico, esperançosa.
- Sim. Pode me pagar apenas o combinado. Não vou cobrar pela visita, certo?
- Oh, bem, muito obrigada - ela murmurou sorrindo. Talvez ele a tivesse perdoado pela rudeza por causa do chá... Foi até a cozinha e pegou a bolsa, mas notou que
a expressão do homem tornou-se preocupada quando sacou o talão de cheques. - Não aceita cheque?
O homem parecia um pouco embaraçado.
- Se a senhora pudesse me pagar em dinheiro eu agradeceria.
O chefe me pediu para fazer algumas compras na volta...
E ele também não tinha dinheiro.
Droga! Para piorar as coisas as peças velhas atravancavam toda a lavanderia.
- Espere um minuto. - Correndo até o anexo, encontrou Daniel na varanda. - Tem algum dinheiro para me emprestar?
Erguendo a cabeça, ele a encarou, espantado.
- O que foi?
- Tem algum dinheiro? Daniel meneou a cabeça.
- Cinco libras, acho.
- Não é o bastante. Droga!
- Por que você precisa de dinheiro?
- Para pagar o mecânico da máquina de lavar.
- Sinto muito, mas não posso ajudá-la - ele murmurou com indiferença. - Por que não pede a seu inquilino?
- Não seja tolo. Não posso pedir a ele.
- Por que não?
- Porque eu não posso.
- Por quê? - Joshua perguntou atrás dela.
Girando sobre os calcanhares, Vivien encarou-o, embaraçada.
- É que não é muito...
- Ético?
- Sim... não. Oh, eu preciso de cinqüenta libras - ela admitiu exasperada.
- Por que não pede a ele um adiantamento do aluguel? - Daniel interveio secamente. - Está pagando aluguel, não é?
- Hã-hã. - Olhando para os dois, Joshua voltou a sorrir daquela forma irritante, tirando a carteira do bolso e retirando cinco notas de dez libras em seguida. -
Você pode me dar o recibo depois.
- Recibo? Oh, claro... muito obrigada. - Pegando o dinheiro, Vivien voltou para a lavanderia. Pelo menos dessa vez ele estava vestido.
- Sinto muito tê-lo feito esperar... tive que apanhar algum dinheiro emprestado.
- Não vai lhe fazer falta? - o mecânico perguntou, preocupado.
- Não, não... irei ao banco amanhã e resolverei tudo. - Não precisava lhe contar que o orçamento mensal já estava estourado.
Quando o homem saiu, Vivien agradeceu novamente e fechou a porta, recostando-se contra ela com um suspiro. Tudo o que queria era sentar-se e descansar um pouco,
mas tinha que alimentar Cathy... E o telefone começara a tocar, para piorar as coisas. A chamada era para Daniel. Por que ele nunca atendia as chamadas no anexo?
Não fora exatamente por isso que mandara instalar um aparelho lá?
Depois de avisá-lo sobre o telefonema, voltou para cuidar do jantar da filha, colocando-a no cadeirão da cozinha para poder trabalhar. Cozinhou um creme de batatas
com leite. E Cathy continuava rindo para a mãe, como se achasse toda aquela agitação muito engraçada. Era uma menina adorável, e apesar de ter apenas um ano já sabia
como chamar a atenção de qualquer pessoa para seu rostinho adorável.
- Você é mesmo uma malandrinha, não é? Tesouro da mamãe...
Vivien murmurou, sorrindo para a criança.
- Era o fotógrafo - Daniel anunciou abruptamente, irrompendo na cozinha. - Ele... Deus do céu, Vivien, o que está fazendo para ela?
- Creme de batatas.
- Parece muito pesado para uma criança.
- Ela gosta... O que o fotógrafo queria?
- Marcar a sessão de fotos para o próximo domingo. Eu liguei para Amanda...
- Amanda?
- Uma produtora amiga minha.
- Oh, certo, e daí?
- Ela vai conseguir algumas modelos para a sessão, mas não todas que eu precisava. Por isso, se não se incomodar em vestir aquele modelo negro outra vez...
- Oh, não! Não, Daniel, não quero vestir aquela coisa outra vez. E quente e apertada demais.
- Não vai estar fazendo tanto calor... vamos fazer as fotos às sete da manhã.
- Não posso estar lá às sete da manhã! - Vivien explodiu, adicionando um pouco mais de leite ao creme. - Agora, por favor, Daniel, deixe-me cuidar de minha filha.
Estou exausta, e nem um pouco disposta a discutir com você...
- Você prometeu - ele murmurou entre os dentes cerrados ao sair. - Que belo portfolio eu vou ter com apenas quatro modelos... - seus resmungos perderam-se na distância.
Terminando de preparar o creme, Vivien sentou-se ao lado da filha para alimentá-la. Sua tranqüilidade, porém, durou muito pouco, o que já estava se tornando comum
naquele dia.
- Pode me arrumar um cadeado? - Joshua perguntou, entrando pela porta. Seus cabelos estavam desgrenhados e ele parecia mais atraente do que nunca. - Já consegui
uma corrente, e pretendo trancar a porta a partir de hoje.
Vivien meneou a cabeça negativamente.
- Não tenho nenhum cadeado, mas pode olhar na caixa de ferramentas. Se não me engano tenho uma fechadura usada lá. Pode pegá-la para colocar na sua porta. Se não
a encontrar pode mandar instalar uma nova... - ela emendou, continuando a alimentar Cathy: - Por minha conta, claro.
- Claro.
- Ora, não zombe de mim.
Erguendo a cabeça, ela indicou o armário onde estava a caixa de ferramentas. Joshua foi até lá e conseguiu encontrar o que ela indicara. Continuou mexendo na caixa
por algum tempo para pegar as ferramentas necessárias para o serviço.
- Não tive tempo de preparar o jantar ainda - Vivien confessou, desanimada. - Quer tomar um pouco de leite ou coisa assim? Também tenho um pouco de... Oh, Cathy,
não faça isso - pediu quando a menina começou a enfiar a colher no prato e fazer uma tremenda bagunça, atirando creme para todos os lados. - Coma direitinho, como
uma boa menina. - Perdida na confusão por um momento, ela virou-se para encarar Joshua novamente. Ele já estava em pé, e com várias ferramentas nas mãos.
- Vou tentar colocar a fechadura agora.
Ela assentiu, meneando a cabeça lentamente ao vê-lo sair.
- Eu costumava ser mais esperta, Cathy - Vivien sussurrou devagar. - Sempre tinha coisas para dizer... respostas na ponta da língua. Podia falar com sujeitos como
Joshua Baynard sem problema nenhum. Já trabalhei para gente como ele, e mesmo assim não me sentia tão tola... Não faça isso, sua bruxinha, e não fique de boca cheia.
- Deixando escapar uma risada, ela limpou mais uma vez o rosto da filha e deu-lhe a mamadeira cheia de leite. - Não engula rápido. Beba bem devagar, ouviu?
Depois de um momento de silêncio, Vivien continuou, deixando escapar um suspiro.
- Preciso de alguém para conversar - continuou a falar lentamente. - Mas com alguém que pudesse responder... sem discutir o tempo todo, como Daniel. E por mais que
eu te ame, querida, você ainda não é a pessoa mais falante que conheço...
Sugando a mamadeira com entusiasmo, a filha a encarava com extremo interesse, como se entendesse tudo o que a mãe dizia.
Vivien levantou-se e colocou alguns ovos para cozinhar, pois pretendia fazer uma salada. Podia também preparar alguns filés, imaginou, embora seu cansaço lhe mandasse
deixar Joshua comer fora...
Cerca de vinte minutos depois, como se soubesse o que ela fazia, Joshua reapareceu, carregando as ferramentas.
- Conseguiu consertar a porta?
- Sim.
Ela sorriu de forma amistosa, tentando encontrar alguma mudança na expressão impenetrável dele.
- Você gostaria de comer um pouco? Fiz apenas uma salada e alguns filés, sinto... - Interrompeu-se ao notar que Joshua arqueava as sobrancelhas entusiasmado, olhando
para a comida. Parecia realmente muito satisfeito.
Depois de guardar as ferramentas na caixa, colocando-a de volta no armário, ele voltou e sentou-se em uma das cadeiras sem fazer nenhuma cerimônia.
- Por que ele vive no anexo?
- O quê?
- Daniel. Por que ele vive no anexo?
- Porque eu não queria que ele ficasse em minha casa. Além disso, os médicos disseram que seria bom para sua recuperação uma certa independência.
- Ah...
- Mas isso não é problema seu - ela comentou secamente.
O conhecido sorriso curvou os lábios dele outra vez, e Vivien apressou-se em desviar o olhar, fazendo com que Cathy parasse de brincar e voltasse a tomar a mamadeira.
Seus gestos eram bruscos e atabalhoados, deixando bem claro o quanto a presença daquele homem a perturbava.
Observando a confusão de Vivien, Joshua soltou uma risada grave.
- Eu não estou querendo fazê-la ficar tão nervosa - ele a tranqüilizou.
- Bem, mas não está fazendo um bom trabalho, não é?
Jantaram em silêncio. Uma atmosfera de tensão eletrizante parecia preencher o ar entre os dois, e isso incomodava muito a Vivien. Quando ela terminou de comer, notou
que Cathy também já terminara, jogando a mamadeira no chão com entusiasmo.
Colocando a mamadeira sobre a pia, Vivien virou-se para encará-lo outra vez. Pensava em dizer alguma coisa quando a filha começou a bater com força na tampa da cadeira
de bebê, chamando-lhe a atenção.
- Pap... pap... papá - a criança dizia, sorrindo para Joshua de forma efusiva.
Ele não parecia nem um pouco impressionado com aquela demonstração, e encarou Vivien com firmeza.
- O recibo? - ele murmurou.
- Recibo? Você realmente quer um?
- Hã-hã.
- O que acha que eu posso fazer? Fugir de minha própria casa sem pagá-lo pelo empréstimo? Posso lhe devolver tudo amanhã... Além disso, não tenho um bloco de recibos
em casa. Não esperava ter um inquilino tão cedo...
- O que você esperava, Vivien? - ele perguntou com uma voz muito suave.
- Nada!
Joshua levantou-se com um murmúrio abafado, depois avançou na direção de Vivien e beijou-a na testa.
- Você é uma mulher muito estranha.
- Está enganado. Sou uma mulher muito cansada, isso sim - ela corrigiu-o com irritação.
Ele sorriu, acariciando a cabeça de Cathy levemente antes de sair.
- Bastardo - ela murmurou, falando em voz baixa o bastante para que a filha não pudesse ouvir. - Insensível. - Será que realmente achava que Vivien tinha o hábito
de dever dinheiro?
Um pouco mais tarde, Vivien resolveu repreender Daniel, quando ele apareceu para jantar, por causa do incidente do dinheiro.
- Da próxima vez que você se meter num assunto para o qual não foi chamado pode ir embora, entendeu?
Daniel terminou de comer a salada em silêncio antes de voltar a falar.
- O que me diz de domingo? - ele perguntou em voz baixa, quando estava prestes a sair. - Por favor... não pode reconsiderar só dessa vez?
Vivien não queria fazer aquilo, mas foi incapaz de encarar a súplica naqueles olhos pequenos... Mais do que uma súplica, uma chantagem disfarçada, ela sabia. Meneou
a cabeça com relutância por fim.
- Está bem. Mas será a última vez - ela advertiu. - Domingo, e nunca mais, entendeu?
- Certo. Obrigado, Vivien. - Sorrindo para Cathy, Daniel saiu em silêncio.
"Quero minha vida de volta", ela disse a si mesma quando subiu as escadas para colocar a filha na cama. Estava exausta, e rezava para ter uma noite de sono profundo.
Aquilo era o que mais desejava naquele momento.
Mas suas preces, infelizmente, não foram atendidas.
CAPÍTULO III
Ao ouvir o estrondo, Vivien despertou em pânico, com a visão ainda embaralhada. Prendeu a respiração até que sua mente conseguisse interpretar o som, e pouco a pouco
seu ritmo cardíaco foi voltando ao normal. Mas logo em seguida houve outra explosão, dessa vez com o ruído menor. Cathy começou a chorar e Vivien pulou da cama como
um raio, dirigindo-se imediatamente para o quarto ao lado.
Apanhando a filha do berço, ela segurou-a contra o corpo, preocupada. Era uma das maiores tempestades que já vira, e o ruído era causado por fortes trovões.
Fascinada, apesar do susto, Vivien aproximou-se da janela com um sorriso nos lábios. Desde pequena adorava tempestades, ao contrário da maioria das crianças. O sorriso,
porém, morreu logo que sua visão desviou-se para a casa de hóspedes, porque um dos raios atingira o lugar.
Oh, Deus! E bem no quarto de Joshua! Por um momento... longos segundos que pareceram uma eternidade, foi incapaz de pensar com clareza. Talvez...
Baixando os olhos para a filha, e notando que, por mais incrível que pudesse parecer, ela voltara a dormir, Vivien recolocou-a cuidadosamente no berço e saiu correndo
do quarto.
Descalça, e vestindo apenas a camisola, ela cruzou o gramado rapidamente em direção à casa de hóspedes. Empurrando a porta, que estava aberta, entrou, estacando
aterrorizada ao chegar ao quarto. Respirando fundo, notou que havia um buraco na parede. Tijolos e estuque espalhavam-se sobre a cama...
- Que maldito azar - uma, voz lacônica murmurou atrás dela.
Girando sobre os calcanhares, encarou Joshua. Ele vestia um robe e, felizmente, parecia estar inteiro.
- Eu vi... eu pensei que...
- Sua reação imediata foi muito gentil - ele observou com ironia. - Mas o que esperava fazer sozinha? Me resgatar dos escombros?
- Não seja tolo - ela replicou com a respiração entrecortada. - Você acha que eu não conseguiria?
Ele fez uma pausa, encarando-a com interesse.
- Na verdade, acho que você conseguiria sim - admitiu em voz baixa.
Voltando a olhar para a parede ela deixou escapar um suspiro.
- Você não pode ficar aqui.
- Não.
- Melhor ir para minha casa.
- Uma oferta tentadora...
- Pare com isso! - ela repreendeu-o com firmeza. - Eu esperava tê-lo encontrado...
Ele suspirou.
- Sim. Sinto muito. Acho que também fiquei em estado de choque.
- Está ferido?
Joshua meneou a cabeça negativamente, encarando-a o tempo todo.
- Posso improvisar uma cama para você no sofá... ou talvez seja melhor carregarmos a cama até lá... - Depois do susto pelo qual passara, Vivien se sentia incapaz
de pensar claramente. Só naquele momento percebeu que a camisola encharcada estava colada a seu corpo, notando também o robe curto de Joshua, que deixava pernas
perfeitamente torneadas à mostra... e subitamente a tempestade pareceu transferir toda a sua eletricidade para aquele pequeno ambiente. A distância entre eles não
era muito grande...
- Veio assim apenas para me agradar? - Joshua perguntou suavemente, estendendo a mão para tocar a camisola de leve com o dedo indicador.
- Não - ela negou de imediato. - Quando vi o estrago que o relâmpago tinha feito, apenas corri como uma maluca. Pensei que você estivesse morto.
- E você teria se importado com isso?
- Claro que sim! Mas que pergunta idiota!
- Que bom.
- Joshua, eu... - Vivien tentou protestar ao ser enlaçada pelos braços fortes dele, que a puxavam contra seu corpo. Era um abraço muito, muito apertado.
- Shhh. - Inclinando a cabeça, Joshua cobriu seus lábios em um beijo longo, e depois passou a percorrer um caminho enlouquecedor pelo pescoço e os ombros. - Eu podia
amá-la aqui mesmo...
- Ah, não - ela recusou, sem poder respirar. - Não.
Mas seu corpo parecia reagir sozinho, moldando-se contra o de Joshua à medida que seus seios roçavam contra o peito forte e rígido como aço. Uma das pernas dele
ficou entre as suas, excitando-a profundamente. Fazia muito tempo que Vivien não fazia amor, nem era segurada daquela forma...
Bem, para ser sincera, nunca fora abraçada daquele jeito, admitiu para si mesma com franqueza. Nunca...
O toque dos lábios quentes sobre sua pele era devastador, provocando-lhe um tormento inacreditável. Com os dedos ele fazia carícias capazes de enlouquecer qualquer
mulher...
- Não posso deixar Cathy sozinha por tanto tempo - ela sussurrou, sinceramente preocupada.
- Não, claro que não - Joshua concordou, sem parar de acariciá-la.
- Preciso ficar por perto para...
- Precisa ficar perto de mim - ele argumentou com um tom de voz sedutor, fazendo-a gemer debilmente.
- Não. - Tentando agir de forma sensata, Vivien forçou o corpo dele um pouco para longe, encarando-o com seriedade. - Não consigo pensar direito quando você me toca
desse jeito - ela protestou com objetividade.
- Essa era, exatamente, minha intenção - Joshua murmurou, continuando a tocá-la, com carícias cada vez mais íntimas.
- A-além disso... temos que levar a cama para dentro - ela continuou desesperada. - Quando a chuva diminuir um pouco...
- Hã-hã - ele concordou, sem parar de excitá-la. Seus olhos escuros prendiam os dela como se fossem imãs. Vivien podia sentir uma onda de prazer tomando conta de
seu corpo, dos pés à cabeça.
- A cama vai acabar ficando molhada - ela murmurou exasperada. - E não há nenhum outro cômodo aqui nessa casa em que ela caiba... Oh, Joshua, pare com isso! - Ela
gemeu debilmente quando os ágeis dedos dele tocaram seus seios.
Com um esforço enorme, Vivien endureceu as linhas do próprio rosto, visando encará-lo de maneira ameaçadora.
- Você não gosta disso?
- N-não... sim. Oh, por favor, isso vai acabar me destruindo Joshua parou, erguendo a cabeça.
- Destruindo você? - ele perguntou devagar. - Uma palavra muito estranha, não acha?
- Estranha? - ela retrucou. - Ora, eu mal conheço você!
- Verdade - ele concordou, beijando-a novamente no pescoço.
- E eu não quero fazer isso!
- Não quer mesmo?
- Não!
- Por quê?
- Porque minha vida já está complicada o bastante - Vivien murmurou, exasperada.
Com os olhos fixos em seu rosto atormentado, Joshua assentiu com um pequeno gesto e recolocou a alça da camisola no lugar.
- E quando você vai me conhecer melhor? Quando sua vida vai estar menos complicada? - perguntou com voz sedosa.
- Não sei. Eu não entendo o que está acontecendo. Você faz com que eu me sinta...
- Sim - ele concordou. - Você provoca a mesma coisa em mim.
Dando um passo para trás, ela encarou-o surpresa, notando que a expressão de Joshua também estava perturbada. Mas não podiam ficar ali a noite toda, apenas olhando
um para o outro. Ela precisava voltar para casa, pois Cathy podia acordar.
Respirando profundamente, virou-se e mirou novamente a cama. - Certo... - começou a dizer, interrompendo-se ao notar que a voz soara mais suave do que pretendia.
- Agora devemos levar a cama para lá. Amanhã nos preocuparemos com o que fazer sobre esse quarto.
Puxando os cobertores, ela despejou os escombros no chão e posicionou-se para apanhar um dos lados da cama. Logo os dois estavam cruzando o gramado rapidamente,
e só pararam diante da porta da cozinha, quando notaram que seria necessário virar a cama para que ela passasse pela porta.
- Segure firme - ela instruiu Joshua, sem notar sua expressão espantada diante do comportamento prático da senhoria.
- Seria melhor tirarmos o colchão antes - ele sugeriu. - Isso facilitaria muito as coisas...
Assentindo com um gesto nervoso de cabeça, Vivien ajudou-o a passar o colchão pela porta antes de voltar a segurar a armação da cama.
- Subindo as escadas - ela indicou quando finalmente já estavam dentro da casa.
- Não podemos acender a luz? - ele perguntou com simplicidade.
Com um sorriso encabulado por ter esquecido algo tão simples, ela adiantou-se e ligou o interruptor, iluminando a escadaria antes de subirem.
- Coloque no chão um pouco - ela sussurrou, para não acordar Cathy. - Acho melhor tirarmos o berço do quarto antes. - Cuidadosamente abriu a porta do quarto e esperou
até que Joshua se juntasse a ela. Depois os dois ergueram o berço ao mesmo tempo.
Caminhando suavemente, carregaram o berço até o quarto de Vivien, colocando-o perto da janela. Cathy continuava dormindo. Com passos muito leves, os dois saíram
do quarto, encostando a porta sem fazer nenhum ruído e descendo as escadas.
Quando eles finalmente terminaram com a cama, agora já seca, limpa e instalada no quarto de Cathy, Vivien evitou encarar Joshua.
- Boa noite - ela murmurou em voz baixa.
- Boa noite. Você tem algum plástico grande em casa? - ele perguntou, absolutamente calmo.
- Plástico? - Vivien repetiu, confusa.
- Para colocar no buraco da parede na casa de hóspedes. Quando voltar a chover forte...
- Oh... claro! Acho que tem algo que você poderá usar no armário, ao lado da caixa de ferramentas. Vou até lá lhe ajudar...
- Não. Vá para a cama, eu posso fazer isso sozinho. Além do que, você deve estar muito cansada.
Assentindo, ela caminhou de volta ao próprio quarto, deixando um longo suspiro escapar logo que fechou a porta às suas costas.
Sua vida era difícil... Não, sua vida era uma confusão infernal, mas suportável, até a chegada de Joshua. "Não pense nisso agora", disse a si mesma com firmeza.
"Precisa, na verdade, tentar apagar da memória o gosto da boca dele, o contato com aquele corpo..."
Prendeu a respiração, deixando o ar sair lentamente. "Você não o conhece, Vivien. Já foi casada antes... Não seja tola!" As frases soavam nitidamente em sua mente,
como se alguém as pronunciasse. Joshua não parecia estar interessado em casamento. Era melhor esquecer aquelas fantasias e ir logo para a cama.
Já deitada e aquecida pelos cobertores, virou-se e olhou para o relógio no criado-mudo. Duas horas da manhã. Com um pouco de sorte, poderia dormir por mais quatro
horas. Isso se conseguisse dormir, claro. Se conseguisse esquecer como era estar envolvida por braços fortes e protetores, beijada como se não houvesse amanhã...
Com um gemido, enfiou a cabeça no travesseiro, tentando ignorar o fogo que a consumia por dentro.
Cathy dormiu até tarde, o que não era habitual. Isso permitiu que Vivien descansasse um pouco mais do que imaginara, sentindo-se revigorada ao acordar.
Em pé ao lado do berço, olhava para o rosto adorável de Cathy, sorrindo... até que Joshua invadiu sua mente mais uma vez. Decidida a afastar tais pensamentos, retirou
delicadamente os cobertores que envolviam a menina.
- Vamos lá, minha boneca - ela a chamou. - Temos um dia longo pela frente. - Erguendo a criança, beijou-a no rosto e caminhou para o banheiro. Colocou a menina cuidadosamente
no andador e testou a temperatura da água da banheira, que enchera alguns minutos antes. Depois de tirar sua camisola e a da filha, pegou-a no colo outra vez, entrou
na água e começou a banhá-la... foi quando Joshua abriu a porta.
Vivien engoliu em seco, sem saber o que fazer, enquanto Cathy, alheia ao embaraço da mãe, continuava a brincar e espirrar água para todos os lados. Joshua sorriu
sem jeito, desculpou-se e saiu.
"Será que não consigo ter um minuto de paz, meu Deus?", ela pensou, exasperada.
Terminando rapidamente, enrolou os cabelos com uma toalha e vestiu um robe curto de algodão. Logo em seguida, secou a filha e envolveu-a com uma toalha, carregando-a
colada ao corpo de volta ao quarto. Era muito agradável sentir o calor daquele corpinho junto ao seu... um prazer quase tão grande quanto o do corpo forte e musculoso
de um homem...
"Droga, Vivien!"
Precisava parar de pensar naquele tipo de bobagem. Carinhosamente, deu um abraço apertado na filha.
- Coisa gostosa! Mamãe tem vontade de morder você, sabia? Cathy sorria, estendendo os bracinhos para a mãe.
- Mã... mã... mã!
- Mamãe te ama. - Ela sorriu. - E acha você muito, muito especial, Cathy Carrigan - emendou suavemente.
Acabando de vestir a menina, Vivien recolocou-a no berço, caminhando para a janela e abrindo a cortina. Lá fora fazia um dia nublado e cinzento. Nada de sol.
Joshua estava parado diante da casa de hóspedes, e cumprimentou-a ao vê-la, o que fez o sorriso de Vivien desaparecer. Será que o seguro cobria danos causados por
relâmpagos? Se isso não acontecesse...
Bem, era melhor não se preocupar com os problemas antes de eles aparecerem. Além disso, podia usar um pouco do dinheiro que receberia como pagamento do aluguel para
ajudar na reforma...
- Cathy, não! - ela gritou ao notar que a menina fazia menção de querer sair do berço. Apressando-se, retirou-a de lá, colocando-a na cama, depois vestiu-se rapidamente
e desceu para preparar o café da manhã.
Estava na cozinha havia pouco tempo quando Joshua surgiu pela porta. Ele parecia disposto, e enumerou os danos que o raio tinha provocado. Logo em seguida, pegou
a pequena Cathy no colo e começou a brincar com a menina animadamente.
- Eu fiz chá e café - Vivien informou em voz baixa. - O que você prefere comer? Torradas? Cereais?
- Torradas seriam ótimas. - Cruzando a cozinha com Cathy nos braços, Joshua colocou-a na cadeira de bebê, fechando cuidadosamente o tampo da mesma. Então tomou seu
lugar na mesa e ficou esperando, sem nunca tirar os olhos de Vivien.
- Daniel não toma café da manhã com você? - ele perguntou calmamente.
- Que piada! - Vivien replicou, deixando escapar uma risada. - Geralmente tomo café às seis e meia da manhã. Ele nunca acordaria num horário desses!
Joshua não respondeu, continuando a observá-la atentamente. Vivien estava furiosa consigo mesma, pois sentia claramente o efeito avassalador que aquele homem era
capaz de provocar. Naquele momento, por exemplo, notou desanimada que suas pernas tremiam como geléia.
- Nós não discutimos sobre refeições e coisas do gênero...
- É verdade - ele concordou com expressão séria. - Mas acho que apenas o café da manhã já estaria ótimo. Se eu acordar antes, ou depois, isso fica por minha conta
também. Estamos combinados? - ele perguntou por fim.
- Oh, é... é que acabei de pensar numa coisa. Talvez você realmente não queira ficar na casa de hóspedes agora, principalmente depois do que aconteceu...
- Eu não quero?
- Não foi isso que eu disse. Mas talvez você prefira ficar num hotel em Lavenham.
- Não gosto de hotéis - ele declarou em voz baixa.
- Eu tinha esquecido disso! - Vivien murmurou com um acento irônico na voz.
- Prefiro ficar aqui. Será apenas para dormir, pois passarei a maior parte do dia fora.
- Bem, eu...
- Tudo bem?
Não, ela na verdade não achava que tudo estava bem, mas não sabia explicar por que se sentia assim.
- Tenho apenas um banheiro na casa - ela informou com voz fraca.
- Sei disso. Se for um problema, posso usar o da casa de hóspedes, não é?
- Acho que sim. - Mas não queria tê-lo morando em casa. A idéia de Joshua hospedado na casa de hóspedes já era ruim o bastante. Ele podia pelo menos tentar enxergar
a situação pelo seu ponto de vista, sem comportar-se como se tudo aquilo fosse a coisa mais natural do mundo.
- E quanto à sua roupa suja? - ela perguntou, imaginando que aquilo poderia realmente ser outro problema.
- Tenho certeza de que minha senhoria não vai se importar se eu usar a máquina de lavar, não é?
- Você usar a máquina? Sabe como fazer isso?
- Espero ser capaz de desempenhar uma função tão complexa
- Joshua murmurou sarcasticamente.
- Sim. - Odiando a si mesma por não ser mais objetiva, Vivien tentava imaginar uma justificativa razoável para convencê-lo. - Não use muito sabão - ela murmurou
por fim, levantando-se para apanhar as torradas.
- Você sempre é indecisa desse jeito? - ele perguntou curioso.
- Sim... não! Não abuse da sorte, Joshua - ela advertiu firmemente. - Posso virar um bicho se você continuar a rir a minha custa.
Geralmente Vivien ficava de mau humor pela manhã, o que tinha se intensificado ainda mais com a presença daquele homem. Afinal de contas, isso significava a perda
de grande parte de sua privacidade, que já era pequena antes, graças a Cathy e Daniel.
- Vou ajudá-la com as despesas da reforma da casa de hóspedes
- Joshua declarou, interrompendo abruptamente seus pensamentos.
- Você não precisa fazer isso. Quero dizer... - com um suspiro, ela voltou à pia para preparar a mamadeira de Cathy. - Afinal de contas não foi culpa sua, não é?
- Me sinto obrigado mesmo assim.
Sim, ele parecia mesmo ser o tipo de pessoa sempre disposta a ajudar...
- Tem um pouco de manteiga e geléia? - ele perguntou, arqueando as sobrancelhas.
- O quê? - Ainda confusa, pois era incapaz de parar de pensar na estranha situação em que se envolvera, Vivien encarou-o por alguns instantes. - Oh... claro, esqueci
de tirar da geladeira. - Apressada, ela retirou alguns potes da geladeira, colocando-os na mesa. - Sinto muito. Tem marmelada naquele pote e geléia de framboesa
aqui, acho... Não, Cathy! Me dê essa colher, seja uma boa menina... obrigada - agradeceu embaraçada quando Joshua lhe estendeu outra colher. - Não costumo ver ninguém
pela manhã - ela adicionou logo depois, tentando se justificar. - Desculpe-me se estou meio... atrapalhada.
- Talvez seja melhor que eu cuide do café da manhã enquanto estiver aqui - ele sugeriu calmamente. - Isso lhe daria mais tempo para cuidar da menina...
Sentindo-se uma idiota completa, Vivien encarou-o com interesse.
- Você nunca foi casado? - perguntou.
- Não.
- Já cuidou de crianças alguma vez?
- Não.
Obviamente, uma pessoa que nunca tivesse feito aquilo teria dificuldade para entender como às vezes era difícil cuidar de um bebê. Em algumas manhãs, na verdade,
Vivien sentia-se como se tivesse que equilibrar-se em uma corda bamba de circo. Fazer ao mesmo tempo o papel de pai e mãe era uma tarefa extremamente estafante...
Trabalhar para manter a casa e as contas em ordem tornava tudo mais difícil, e agora ainda havia a presença de Joshua, como uma preocupação extra!
- O que você fazia antes de casar? - ele perguntou com casualidade.
- Era decoradora de interiores...
Joshua sorriu, provocando um olhar atônito por parte dela.
- Sinto muito - ele murmurou. - Acho que nunca teria imaginado isso.
- Não foi isso - Vivien protestou. - Você estava rindo!
- E que sua casa não me parece exatamente em ordem - ele justificou-se, indicando com um gesto abrangente a confusão da cozinha e da lavanderia, que eram ambientes
praticamente sem mobília.
- Você não devia me julgar por isso... - ela replicou indignada, e então suspirou. - Apenas ando meio sem tempo - "E sem dinheiro", emendou mentalmente. - Fiz o
melhor que pude para arrumar meu quarto e o de Cathy de forma que ficassem habitáveis... - O que ganhava como guia turística nos últimos tempos mal dava para cobrir
os gastos, concluiu, desanimada, deixando escapar novo suspiro. - Mas isso nunca fez nenhuma diferença antes que você chegasse. E não ria, entendeu?
- Como você sabia que eu ia rir?
- Pude sentir isso!
Levantando-se outra vez, Vivien foi cuidar da papinha de Cathy, deixando a filha brincando com a colher e evitando olhar na direção de Joshua. Aquilo era uma tolice...
ele era apenas um homem, droga! Não precisava ficar tagarelando o tempo todo para quebrar o silêncio apenas para agradá-lo... Ainda mais porque só podia falar sobre
assuntos dos quais ele não fazia a menor idéia. Será que Joshua era capaz de compreender as sensações que provocava nela? Sim, claro que sim. E provavelmente gostava
de fazê-la sentir-se mal. Mas por quê? Por que ele a atormentava tanto?
Vivien não se achava muito atraente para o sexo oposto, por isso não podia entender o que Joshua vira nela. No passado, chegara a sentir-se bela... mas agora? Nunca
se maquiava, e provavelmente cheirava a comida de bebê... Além disso, com sua aparência, ele provavelmente conquistava qualquer mulher que desejasse. Podia apostar
que dezenas delas já haviam se ajoelhado a seus pés.
Mesmo sem olhá-lo, era capaz de lembrar de cada traço daquele rosto incrivelmente belo. O jeito como ele sorria, seus cabelos, o brilho do olhar... E isso era aterrador.
O corpo másculo também era perfeito, com um porte altivo e sedutor. Cerrando os dentes, ela afastou tais pensamentos da mente com violência.
- Quanto tempo acha que vai demorar o conserto da casa de hóspedes? - perguntou abruptamente.
- Não existe perigo de desabamento, se está preocupada com isso - ele respondeu espantado. - As colunas não foram afetadas e o telhado parece estar em ordem. De
qualquer forma, o conserto pode ser feito rapidamente, tudo é apenas uma questão de dinheiro...
- É mesmo! Me lembrei de uma coisa: acha que danos causados por raios são cobertos pelo seguro? - ela perguntou ansiosa.
- Você vai ter que checar a apólice.
- Claro. - Mas mesmo que os danos fossem cobertos, certamente haveria despesas adicionais, Vivien concluiu, com um suspiro.
Voltando à mesa, começou a alimentar Cathy pacientemente, sentando-se no lado oposto ao de Joshua por sentir a mesma tensão que a acometera quando fora beijada por
ele na noite anterior. Foi naquele exato momento que Daniel apareceu, irrompendo pela porta dos fundos em sua cadeira de rodas.
Ele estacou, olhando para ambos com desdém.
- Mas que cena tocante... O que ele está fazendo aqui? Joshua virou-se para encará-lo.
- Bom dia - murmurou em voz baixa.
Daniel corou, avançando na direção de Cathy e passando os dedos entre os cabelos da menina com um gesto possessivo, rindo em seguida.
- Ora, querida, não vai querer ficar sentada nessa cadeira velha, não é? Venha sentar com o tio Daniel.
- Daniel, deixe-a onde está - Vivien pediu, amuada. Ignorando-a, ele pegou a menina e começou a alimentá-la.
- Vou querer um pouco de cereal.
Evitando olhar para os dois homens, Vivien voltou a se levantar e foi preparar rapidamente o café da manhã de Daniel.
- Você ouviu a tempestade na noite passada? - ele perguntou, dirigindo-se exclusivamente a Vivien logo depois. Já voltara a colocar a menina na cadeira, começando
a tomar seu chá.
- Sim - Vivien respondeu brevemente, sentando-se para terminar sua xícara de chá. - Ela destruiu a parede da casa de hóspedes.
- O quê? - Daniel perguntou, confuso.
- A tempestade.
- Vivien...
- Foi um raio - Joshua interveio laconicamente. - Por pouco não me atingiu.
Ela ergueu a cabeça, olhando na direção de Joshua. Ele sorria calmamente... Deus, como era atraente! "Não sorria, por favor", gostaria de lhe pedir. Aquilo era demais
para ela.
Percebeu que Joshua explicava os acontecimentos da noite anterior para Daniel, mas sua mente estava concentrada em outros pensamentos. E em outras lembranças...
A atenção de Vivien só voltou à realidade quando ouviu Daniel chamá-la.
- O quê? - perguntou com o olhar distante.
Encarando-o durante um momento tenso, ela ficou à espera, para vê-lo explodir logo depois.
- Ele ficou aqui? Nessa casa?
- Bem, onde mais ele poderia ficar? Na chuva? Claro que ele ficou aqui.
- Você ficou louca?
- Não que eu saiba... Eram duas horas da manhã, Daniel, francamente!
- Então você deveria ter me contado.
- Estou contando agora.
- Não foi isso que eu quis dizer!
- O que foi então?
- Bem, caso você não saiba, não gosto de fazer papel de bobo!
- Problema seu, Daniel. - Irritada, ela se levantou, começando a limpar a mesa. - Quer um pouco mais de chá?
- Não.
- Ótimo. Então quero que vocês dois saiam daqui. Tenho muito o que fazer. Trouxe sua roupa para lavar?
- Não - Daniel murmurou, contrariado.
- Acho melhor trazer logo, senão vai ficar para outro dia.
Joshua deixou escapar um sorriso, levantando-se também e saindo em seguida
- Por que ele riu?
- Como posso saber?
- Bem, ele é amigo seu, não é?
- Não, ele não é, ele... - interrompendo-se, ela encarou Daniel furiosa. - Ora, suma daqui!
- Você está procurando confusão...
- Saia já daqui!
Resmungando, Daniel saiu pela porta, e Vivien pôde vê-lo interpelando Joshua no jardim. Joshua respondeu algo de que ele não gostou, fazendo-o ir direto para o anexo,
com uma expressão furiosa no rosto.
Poucos minutos depois Joshua saiu com seu velho jipe... que estava em piores condições do que o carro velho da própria Vivien, e ela observou-o afastar-se enquanto
tentava mais uma vez colocar os pensamentos em ordem.
Vivien passou o dia organizando a casa, e Daniel felizmente não apareceu para atrapalhá-la. Inspecionou a casa de hóspedes e depois ligou para a companhia de seguros,
apenas para receber um polido "não" como resposta. A apólice não cobria danos causados por raios, por isso ela teria que pensar no que fazer. Para começar, precisava
consultar uma empresa especializada em reformas. Faria isso o mais rápido possível.
Esforçou-se para lavar as roupas antes que voltasse a chover, pois à distância nuvens negras e ameaçadoras pareciam vir na direção da casa.
Tirou as coisas de Cathy do quarto onde Joshua agora estava instalado, fez as camas, limpou o chão e o banheiro... O tempo passou como um raio, e Vivien ficou espantada
ao ouvir o motor do jipe no final daquela tarde. Impulsivamente, desceu as escadas para vê-lo, sem saber por que fazia aquilo, mas acabou desistindo no meio do caminho.
Seria melhor preparar logo o jantar, o que começou a fazer em seguida, descascando as batatas com nervosismo.
Como se soubesse que era ansiosamente esperado, Joshua entrou na cozinha minutos depois, sendo imediatamente seguido por Daniel.
- Não precisava vir para me receber - Joshua murmurou em tom provocador para o outro homem. - Foi muita gentileza de sua parte.
- Por que não vai logo para um hotel? - Daniel murmurou entre os dentes cerrados. - Não deve ficar nessa casa, sozinho com Vivien!
- Não gosto de hotéis - Joshua argumentou com calma. - Além disso, Vivien precisa do dinheiro. Não é, Vivien?
Ela não respondeu, limitando-se a manter a concentração no que fazia. Estava cada vez mais difícil suportar aquela situação.
As dez horas a chuva finalmente despencou, com grossas gotas estalando impiedosas nos vidros das janelas. Não devia estar chovendo tanto naquela época do ano, e
os fazendeiros provavelmente estavam amaldiçoando o tempo.
Joshua lia um livro silenciosamente, Vivien e Daniel assistiam televisão, e nenhum deles falara por toda a noite. Os dois homens pareciam imersos em pensamentos
profundos, que ela não conseguia imaginar quais fossem. Ela, por sua vez, estava contente por ter conseguido um pouco de sossego.
Naquele momento, sentindo-se exausta, levantou-se abruptamente e anunciou que estava indo para a cama.
- Pode ajudar Daniel com a cadeira, Joshua? Está chovendo muito, por isso é melhor carregá-lo pela varanda da frente...
Joshua assentiu.
- Boa noite, então - Vivien emendou num sussurro. Quando passou por Daniel ele estendeu a mão e puxou-a, forçando-a a beijá-lo no rosto. Seu desejo era beijá-la
na boca, ela sabia... apenas a provocar Joshua. Meneando a cabeça desconsolada, afastou-se, depois de livrar-se dele.
O ruído provocado pela chuva fez com que adormecesse quase que imediatamente... mas ela acordou logo depois, despertada por uma mensagem clara de seu subconsciente.
Droga! Esquecera a portinhola da clarabóia da cozinha aberta... tudo ficaria completamente inundado se não descesse logo para cuidar do assunto.
Dessa vez iria certificar-se de que estava decentemente vestida, pois podia encontrar seu atraente inquilino no caminho. Vestiu um robe vermelho comprido antes de
abalar-se escada abaixo, dirigindo-se diretamente para a cozinha.
A portinhola ficava no topo da porta, e chovia demais para que ela fosse buscar a escada na garagem. Por isso, teve que improvisar, subindo cautelosamente na cadeira
de bebê.
- O que diabos você pensa que está fazendo? - ouviu a voz incrédula de Joshua murmurando atrás dela.
- Se não fechar isso agora - ela explicou, resfolegando por causa do esforço -, a cozinha vai ficar inundada.
Ele deixou escapar um suspiro, mas em seguida pediu com firmeza:
- Desça logo daí. Deixe que eu faço isso, Vivien... antes que você caia e se machuque.
- Não tenho a menor intenção de cair - ela murmurou com dignidade.
- Certo. Mas desça mesmo assim... eu detestaria vê-la machucada! E pelo amor de Deus, coloque sapatos. Você pode tomar um choque elétrico numa tempestade como essa,
sabia?
Retirando-a do topo da cadeira como se ela fosse um saco de plumas, ele fechou a portinhola em seguida, sem ter a necessidade de subir em lugar nenhum. Era, realmente,
um homem muito alto.
Cheia de admiração, Vivien nem mesmo notou que seu robe se abrira e a chuva mais uma vez ensopara-lhe a fina camisola, deixando nítido o contorno dos seios sob o
fino tecido.
- Eu sabia que havia uma razão para as mulheres precisarem de um homem - ela comentou, rindo satisfeita. - Não sei o que faria sem você, Joshua. Muito obrigada.
Estranhamente, ele não tentou se aproximar. Em vez disso indicou uma cadeira com um gesto de cabeça e desapareceu escada acima, voltando logo depois com uma toalha
que apanhara no banheiro.
- É melhor você se secar um pouco, ou vai acabar pegando uma gripe - ele advertiu, estendendo a toalha. - Vou lhe preparar um café quente.
Vivien estava espantada com a agilidade e a presteza de Joshua, que foi em seguida até a lavanderia e apanhou panos para secar o chão enquanto a água fervia. O café
ficou forte e delicioso, provocando nela uma sensação revigorante. Ficaram em completo silêncio desde que ele começara a cuidar de tudo.
- Eu acordei você? - ela murmurou finalmente, vendo-o sentar-se em uma cadeira do outro lado da mesa.
- Na verdade, não. Eu estava consultando algumas gravuras históricas sobre o trabalho que estou realizando no castelo... - ele esclareceu, sorvendo um grande gole
da caneca que servira para si mesmo. - Mas fiquei preocupado com o barulho. Pensei que você estava dormindo há muito tempo e imaginei que podia ser um ladrão.
- Oh... sinto muito por tê-lo incomodado - Vivien desculpou-se consternada. Aquilo significava que ele se importava com ela! Uma estranha sensação de felicidade
a invadiu, embora não soubesse por quê.
Uma coisa, porém, a deixara preocupada. Habitualmente Joshua não se comportava de maneira tão solícita quanto naquela noite. Por que ele fazia isso agora? Será que
aquele era o verdadeiro Joshua? Na maior parte do tempo ele não parecia se incomodar muito com os detalhes da vida cotidiana.
Talvez a reação dele tivesse alguma coisa a ver com a conversa que tivera com Daniel... Sobre o que eles poderiam ter falado? As dúvidas avolumavam-se cada vez mais
na mente cansada de Vivien.
Dando uma última olhada para a clarabóia, ele virou-se, terminando de tomar o café, e ordenou:
- Acho que agora é melhor você voltar para a cama, Vivien. Deve estar muito cansada, pois não parou de trabalhar desde que cheguei aqui. Ou será que pretende fazer
mais alguma coisa antes de dormir?
Ela meneou a cabeça negativamente.
- Bem, já que todos nós encerramos nossas atividades noturnas... - ele murmurou com malícia. Em seguida levantou-se, indicando a ela que o seguisse.
Joshua subiu as escadas sem esperá-la, e ela ainda demorou-se por um instante na cozinha, terminando também de beber o café. Quando subiu, notou que a porta do quarto
dele estava fechada, e recostou-se inexplicavelmente na parede do corredor, perdida em pensamentos.
Alguns segundos depois, porém, Joshua abriu a porta abruptamente e a surpreendeu, colocando a cabeça para fora. - Está esperando por um convite? - ele perguntou
num tom de voz muito suave e rouco.
- Não! - ela negou automaticamente, corando de maneira incontrolável. - Boa noite, e muito obrigada.
Joshua assentiu, sorrindo antes de fechar a porta outra vez, e Vivien caminhou com passos hesitantes para a cama. Checou o berço de Cathy, que continuava a dormir
imperturbável, e olhou para o relógio, descobrindo atônita que passava pouco da meia-noite.
Já estava na cama outra vez quando lembrou-se de outra coisa. Aquele dia era o do aniversário de Cathy, e ela nem mesmo tinha embrulhado seu presente! Nossa, onde
estava com a cabeça? Claro que a menina não sabia disso, mas mesmo assim Vivien sentiu-se culpada e negligente por ter esquecido do fato.
Levantando-se outra vez, e sem preocupar-se em acender as luzes, ela voltou a descer as escadas. Cuidadosamente, abriu a porta do armário da sala de jantar, atenta
para não fazer nenhum ruído. Retirou de lá uma caixa de brinquedo e duas folhas de papel de presente, além de um rolo de fita adesiva e uma tesoura.
Ajoelhando-se no chão, começou a embrulhar a caixa em seguida. Seus lábios curvavam-se com um terno sorriso.
- O que está fazendo agora? - Joshua perguntou parado sob o arco que levava para a sala de estar.
Virando-se para encará-lo, ela sorriu sem jeito.
- É o aniversário de Cathy, e eu tinha me esquecido.
- E suponho que vamos acordá-la para contar, não é?
Surpresa, Vivien riu, meneando a cabeça.
- Não, seu bobo. Eu tinha me esquecido de embrulhar o presente dela. Só isso.
Recostando-se contra a parede, Joshua cruzou os braços calmamente.
- Ela está fazendo um ano de idade hoje, não é?
- Sim.
- Acha que ela sabe que é seu aniversário?
- Não, claro que não sabe. E apenas um bebê, Joshua, francamente...
- Então ela também não sabe que tem que ganhar um presente, nem que esse presente deve estar embrulhado - ele concluiu usando uma lógica inatacável.
- Mas eu sei.
- Por que não faz isso pela manhã? Tenho reparado que você anda dormindo muito pouco.
- Não seja tolo, ela me veria se eu fizesse isso pela manhã... Tem que ser uma grande surpresa. Pode me ajudar segurando o papel?
Encolhendo os ombros, ele juntou-se a Vivien, ajoelhando-se a seu lado e segurando obedientemente a borda da folha para que ela pudesse colocar a fita adesiva.
- O que é isso?
- Um elefante. - Ela ergueu a cabeça, notando a expressão confusa de Joshua e rindo. - Com rodinhas e uma alça. Você deve achar que sou uma tola, não é?
- Acertou.
- Mas quando você tiver uma família aposto que vai fazer tudo exatamente igual - Vivien murmurou suavemente.
- Espero não viver para ver isso.
- Nunca quis se casar com alguém e ter filhos?
- Não.
Nenhuma hesitação. Ele nem mesmo pensara para responder, apenas dissera um convicto "não"... Uma dor estranha tomou conta de Vivien de forma inexplicável. Obviamente
devia saber disso. Por que aquele estranho pensaria por um segundo sequer em casamento? Aterrorizada, percebeu que talvez ela fosse a única pessoa preocupada com
isso. E Joshua nunca lhe dera nenhuma esperança... então por que suas palavras provocavam tanta dor?
- A menos que fosse uma pessoa muito especial - ele emendou
com voz rouca.
Olhando-o de relance, ela virou a caixa distraída, notando que ele se apressava em segurar a outra ponta do papel com uma expressão imperturbável no rosto.
- Especial?
- Hã-hã...
- E você nunca encontrou alguém assim? - Vivien indagou com cautela.
- Pare de me interrogar.
- Eu não estava... quero dizer... - Esquecendo o que pretendia dizer, ela limitou-se a colar outro pedaço de fita adesiva no embrulho.
- Já terminou?
- Sim. Agora tenho apenas que escrever o cartão.
- Cathy já sabe ler? - ele perguntou, fingindo admiração. A brincadeira provocou um sorriso tímido em Vivien que, entretanto, era incapaz de esconder um traço de
tristeza no olhar.
- É importante, entendeu? - Levantando-se, ela sentou-se na mesa de jantar para escrever com mais facilidade.
- "Para Cathy" - ele leu, depois de erguer-se também do chão. - "Com muitos e muitos beijos, Mamãe".
- Não faça isso - Vivien protestou, corando e sentindo-se subitamente vulnerável. - Não me importo com o que você pensa.
- Isso não se aplica só a mim...
- O quê?
- Quero dizer, você já se importou alguma vez com o que outras pessoas pensavam?
- Bem... Não. - Um pouco confusa, ela levantou-se, fechando a caneta e guardando-a na gaveta do móvel junto com o resto do papel e a tesoura.
Joshua aproximou-se, entregando-lhe o rolo de fita adesiva. Ao fazer isso, tocou-a de leve nas mãos, causando uma onda de excitação incontrolável, que percorreu
todo o corpo de Vivien. Ele a perturbava, fazendo-a desejar coisas estranhas, carícias... Precisava de um ombro amigo onde pudesse encostar a cabeça, dividindo as
preocupações, os problemas...
Mas isso era egoísmo, não era? Tudo o que queria era usá-lo! Além disso, era bem claro que ele não se interessava pelas mesmas coisas que ela, o que podia provocar
mais confusão do que já existia.
- Por quê, Joshua? - ela perguntou em voz baixa.
- Do que você está falando? - ele inquiriu suavemente, próximo o bastante para que Vivien pudesse sentir-lhe a respiração.
- Por que você me perseguiu? Tenho certeza de que não sou o tipo de mulher pela qual você seria atraído.
- Quem pode dizer exatamente o que é atraente ou não? - Joshua argumentou, passando os dedos com gentileza em seus cabelos, tocando-a depois nos lábios e no pescoço.
Uma onda de eletricidade percorreu o corpo de Vivien, que virou-se para encará-lo.
- Um nariz arrebitado... - ele continuou -, o modo de caminhar, os olhos. Dinheiro, posição, simpatia...
- Dinheiro? - ela perguntou com um sorriso. - Sabe que não tenho nenhum.
- Não, mas um dia vai ter, não é? Dentro de poucos anos.
Vivien assentiu. Não estava contente por viver naquele estado de caos permanente, e quando Cathy ficasse um pouco mais velha sem dúvida voltaria a trabalhar como
decoradora, e pretendia ganhar muito dinheiro com isso.
- E quanto a Daniel? - Joshua perguntou.
- Daniel? - ela repetiu, confusa.
- Sim. Você pretende continuar morando com ele? Aliás, por que você continua vivendo com ele, Vivien?
Culpa, estava prestes a dizer, mas acabou mudando de idéia.
- Porque ele precisa de mim.
- E se eu precisasse de você?
- Você? - ela perguntou, sentindo-se desolada por não poder nem mesmo imaginar que isso acontecesse.
- Você doaria sua vida para cuidar de mim? Eu podia ser um homem muito rico, não pensou nisso?
- Acha que faria alguma diferença para mim? - Ela sorriu, certa de que ele estava apenas brincando.
- Não faria? Mesmo que eu tivesse uma grande mansão e uma conta bancária enorme?
- Você tem?
- Talvez.
- E talvez eu receba uma herança inesperada - ela zombou, bem-humorada. - E então nós dois seríamos ricos.
- Sim.
- Mas a felicidade não depende de dinheiro, não concorda?
- E do que ela depende, Vivien? De uma certa habilidade para... excitar? - A expressão dos olhos dele, assim como a voz rouca que usava, fizeram-na engolir em seco.
- E isso nós dois temos de sobra não temos? - Segurando-a pelos ombros, ele puxou-a de encontro a si, com os olhos fixos nos dela. - Não temos?
Sentindo o coração bater descontroladamente no peito, Vivien esforçou-se para manter a voz calma e controlada.
- Sim. Mas isso não responde à pergunta que eu lhe fiz.
- Não responde?
- Não. Por que eu, Joshua? - ela indagou com voz rouca. - Já notei que não gosta muito da vida doméstica, que não se importa com família ou crianças... então por
que está tentando me seduzir?
- Você realmente não imagina meus motivos?
Ela meneou a cabeça negativamente.
- Porque eu posso fazer isso - ele respondeu, sussurrando ao ouvido de Vivien.
- O quê?
- Toque-me - ele pediu, com a voz ainda mais suave e envolvente.
- O quê?
- Me faça alguma carícia... pode fazer isso? Você parece evitar o contato desesperadamente, e eu gostaria de saber por que...
- Porque... porque eu não sei o que você quer de mim, e porque... eu não tenho coragem - ela admitiu com franqueza. - Joshua, faz muito tempo desde que eu... - Ela
respirou profundamente e, com os olhos ainda fixos nos dele, continuou. - As vezes você parece tão distante, e eu não posso...
Com um gesto sutil ele retirou o rolo de fita adesiva de sua mão, colocando-o na gaveta junto com as outras coisas, depois enlaçou-a com os dois braços.
- Não pode? - ele perguntou roucamente. - Ou será que não quer parecer desesperada?
- Não! - ela negou, horrorizada.
Com um sorriso diferente, Joshua aproximou-se ainda mais.
- Que interessante... porque eu estou.
- Está o quê? - ela sussurrou, confusa.
- Desesperado.
- Não, você não está.
- Não discuta. Me dê um beijo de boa noite.
- Joshua...
- Beije-me.
Vivien tocou o queixo dele levemente com os lábios.
- Não foi bom o bastante.
Com um pequeno gemido, e tentando controlar a ânsia que parecia consumi-la, ela finalmente cobriu os lábios dele com um beijo prolongado e sedutor. Podia imaginar
seu corpo nu, forte e poderoso sob o roupão, e isso aumentava ainda mais seu prazer.
- Agora é hora de ir para a cama. E muito tarde. E quanto à sedução... - ele emendou com voz rouca e entrecortada -, é uma coisa que ambas as partes estão fazendo.
"E se ele estiver certo?", Vivien perguntou-se minutos mais tarde, queimando de desejo na cama.
No dia seguinte Vivien não viu sinal de Joshua. Ele acordara muito cedo e saíra antes de clarear, e só foi voltar depois que ela já estava na cama, dormindo.
Mas a festa de aniversário de Cathy foi divertida mesmo assim. Tiveram um bolo decorado, e cantaram juntos. Daniel tinha comprado muitos presentes para a menina,
enquanto Joshua não se lembrara de mandar sequer um cartão.
Ela o ouviu chegar e trancar a porta da cozinha. Era realmente muito tarde... madrugada, para ser mais precisa. A manhã de domingo. O dia da sessão de fotos.
Droga! Ao lembrar-se da promessa que fizera a Daniel virou-se e acertou o despertador para as cinco da manhã.
Depois ficou ouvindo os ruídos que Joshua fazia, sem conseguir adormecer... os passos subindo a escada, a porta do quarto ao lado se abrindo, os passos em direção
ao banheiro...
Será que ele olhara para a porta do quarto dela? Sorrira daquele jeito mais uma vez? Talvez imaginasse que ela sairia do quarto, disposta a seduzi-lo... Não fora
isso que insinuara na noite anterior?
Vivien não sabia ao certo o que pensar, limitando-se a olhar para a parede que separava os dois quartos, desconsolada. Não parava de pensar nele... de desejá-lo.
Joshua devia estar nu, seu corpo enorme esticado relaxada-mente na cama... Será que estava com as mãos cruzadas atrás da nuca? Parecia ser o tipo de homem que gostava
de pensar antes de dormir. Ou talvez já estivesse deitado de lado, dormindo profundamente? Tentou imaginar como ele conseguira a cicatriz no pescoço. Teria sido
na infância? Talvez tivesse caído da bicicleta quando era um garoto de doze ou treze anos... Podia imaginá-lo quando garoto. Será que fora feliz? Por que não queria
ter sua própria família, então? Bem, ela certamente não perguntaria sobre o assunto.
"Vivien, você não vai dormir?", ela pensou, furiosa consigo mesma. A mera presença de um homem em sua casa parecia capaz de despertar toda a feminilidade adormecida
por tanto tempo...
Daniel não podia ser considerado um homem, pelo menos não naquele sentido. Era apenas um amigo. Mas, pelo jeito que as coisas iam se desenrolando,'talvez nem essa
amizade resistisse por muito tempo. E todos aqueles presentes para Cathy... uma bicicleta grande demais para a menina, uma piscina desmontável, uma casa de bonecas...
Generoso. Generoso e tolo. Apesar disso, ela não conseguia explicar a ele que não sentia absolutamente nada...
Se ao menos fosse mais forte, poderia comportar-se de forma mais resoluta... Bem, ainda havia a possibilidade de ele ficar famoso e tornar-se mais independente logo,
pois muitas pessoas estavam interessadas em seu trabalho de estilista. Era um consolo, não era? E então Vivien poderia voltar a cuidar da própria vida, conhecer
novas pessoas...
Tudo acabaria dando certo.
Despertando sobressaltada, ela desligou o alarme do despertador para não incomodar Cathy nem Joshua. Sentia-se totalmente indisposta, e a perspectiva daquela sessão
de fotos não servia para deixá-la nem um pouco mais animada. Quando já estava pronta e vestida, apanhou a bolsa com as coisas da filha e retirou Cathy do berço cuidadosamente,
descendo as escadas em silêncio para encontrar-se com Daniel. Dessa vez nem sequer olhou para a porta do quarto de Joshua.
- Está pronto? - perguntou ao bater na porta do anexo.
- Creio que sim.
- Tudo vai dar certo. - "Deus, faça tudo dar certo", ela pensou.
- Acho que vai chover.
- Não, não vai, as nuvens estão indo para o leste e logo o sol vai aparecer, acredite. Faz idéia de quanto tempo a sessão vai durar?
Ele meneou a cabeça, em dúvida.
- Não muito tempo, suponho.
Cathy continuava adormecida em sua cesta, mais um dos presentes de aniversário de Daniel... mas o motor do carro recusava-se a pegar.
Vivien tentou não entrar em pânico. Bastava ficar calma e tentar outra vez. O rosto de Daniel, porém, parecia preocupado.
- Faça alguma coisa! - ele murmurou com os dentes cerrados.
- Estou tentando. Tudo vai dar certo...
- Não vai! Bem, é isso... não vou poder ir! Diabos, todo esse trabalho por nada... O fotógrafo não vai esperar, você sabe. Ele está me fazendo um favor. E as modelos,
então, nem pensar...
- Daniel, acalme-se. Nós temos muito tempo. Posso chamar um táxi...
- E quem vai pagar por isso? Você?
- Sim, e pare de gritar, por favor. Não quero que Cathy acorde...
- Então faça essa maldita geringonça funcionar!
- Estou tentando!
A porta da cozinha se abriu naquele instante, e Joshua saiu da casa, caminhando na direção deles. Ele vestia apenas uma calça cinzenta, e parou ao lado da porta
de Vivien, encarando-a preocupado.
- Qual o motivo dessa gritaria?
CAPÍTULO IV
- É apenas minha última estratégia de sedução, Joshua - Vivien disparou com impaciência.
- Não está funcionando. E será que vocês dois nunca param de discutir? Pensei que ia encontrar um pouco de sossego no interior de Suffolk... mas isso parece ser
a única coisa que não existe aqui.
- Não é verdade - ela protestou. - Você... - Interrompendo-se, Vivien notou que Daniel ouvia atentamente a discussão, por isso resolveu ser menos pessoal. - O carro
não funciona. Daniel tem uma sessão de fotos hoje, em Lavenham. Sinto muito se acordamos você - emendou calmamente.
- Vocês não me acordaram. Não notou que já estou barbeado?
- Não, mas você parece estar muito irritado!
- E estou. Agora me dê licença - ele ordenou. Sua voz era firme e decidida, mas apesar disso não parecia sinceramente nervoso.
Calada, Vivien fez o que Joshua pediu, saindo do carro e apanhando a toalha que tinha nas mãos, enquanto ele se sentava no banco do motorista. Ele virou a chave,
pisou no acelerador... e a bateria deu seu último suspiro. A situação aparentemente estava pior do que esperava.
- Você sabe se a bateria está seca? - perguntou a Daniel, sério.
- Como eu posso saber? Esse maldito carro não é meu.
Joshua olhou então para Vivien, e ela meneou a cabeça negativamente.
- A que horas vocês precisam estar em Lavenham?
- Dentro de meia hora - Daniel resmungou contrariado.
- Vou chamar um táxi - Vivien insistiu.
- Quando ele chegar todos já terão ido embora, as modelos, o fotógrafo...
- Não seja pessimista. - Virando-se para a casa, ela começou a caminhar até que Joshua a deteve, oferecendo-se:
- Vou levá-los até lá.
Oferta? Aquilo não era uma oferta, mais parecia uma ordem.
- Não precisa fazer isso, posso chamar um táxi...
- Subam no meu carro, vou colocar os sapatos e vestir uma camisa. Volto em dois minutos.
Logo ele estava de volta, completamente arrumado e com um par de mocassins negros nos pés. Movia-se como um atleta, com movimentos ágeis e rápidos. Sentou-se no
jipe com uma expressão autoritária que Vivien simplesmente odiou.
- Tem certeza que pode nos levar? - ela perguntou secamente.
- Sempre tenho certeza. Suba no carro.
Depois de ajudar Daniel a entrar no jipe e colocar Cathy no banco de trás, ela bateu a porta e afivelou o cinto de segurança.
Ninguém agradeceu a Joshua.
Ele sentou-se ao volante, e Vivien olhou-o de relance, fitando por um instante os dedos fortes que agarravam a direção... Dedos longos e de unhas muito bem cuidadas.
Ela notou também os bíceps, perfeitamente delineados. Era um homem meticuloso, ou pelo menos sua aparência sugeria isso. Engraçado... no começo ela tivera uma impressão
totalmente diferente. Sua expressão dura naquele momento não fazia lembrar nem um pouco o homem de sorriso sedutor que ela conhecera. Para ser sincera, Vivien já
não sabia se aqueles sorrisos tinham sido reais ou não.
Queria apressá-lo, mas logo notou que ele não se abalava. Joshua era um motorista cauteloso, e deixou bem claro que não cometeria nenhuma imprudência. Ao desviar
o olhar para mirar a paisagem à frente, porém, ela notou que os frios olhos cinzentos a observavam pelo reflexo do espelho. Lembrou-se dos pensamentos que tivera
na noite anterior. Um pequeno suspiro escapou-lhe dos lábios, e Vivien virou-se devagar para olhar outra vez para o berço de Cathy.
- Ela está dormindo? - Daniel perguntou sem virar a cabeça.
- Sim.
- O dia começou bem cedo para ela.
- Ela sempre acorda cedo - Vivien replicou resignada. - Embora não tão cedo quanto hoje, devo admitir.
- Claro. Você a alimentou?
- E óbvio que não! Prefiro deixá-la dormir até mais tarde - ela murmurou irritada, respirando profundamente. Não queria que Daniel estivesse no carro, não queria
que ninguém estivesse ali, a não ser Cathy. Poderia dirigir sem rumo por dias e dias, sem pensar em nada, apenas sé divertindo. Não seria ótimo?
Dez minutos depois estavam chegando a Lavenham e, seguindo as instruções de Daniel, Joshua estacionou o jipe atrás do mercado da cidade.
Ao saltar do carro, Vivien olhou com interesse para as construções da era Tudor, que tinham sido ligeiramente adaptadas para o uso atual. Era uma vila bonita, com
pessoas muito gentis. Vivien sentia um pouco de frio por estar vestindo apenas uma camiseta, e deixou o olhar escapar na direção do tribunal, construído em 1529.
Hoje o lugar seria usado como pano de fundo para as fotos, mas durante a última semana ela conduzira vários grupos de turistas por ali.
Incluindo Joshua. Joshua, que a perseguira, a excitara e a deixara nervosa. E que continuava fazendo isso.
O fotógrafo estava checando a luz e escolhendo alguns ângulos para fazer seu trabalho, e quatro garotas jovens e bonitas conversavam diante do prédio antigo. Elas
pareciam entusiasmadas, e isso fez Vivien sentir-se inadequada. Enquanto Joshua ajudava Daniel a descer, ela voltou e apanhou o cesto de Cathy, sorrindo quando a
filha despertou e piscou os olhinhos lindos.
- Comporte-se como uma boa menina - ela sussurrou. - Nada de bagunça. - Cathy sorriu e balbuciou algo na língua dos bebês.
Ao seguir as modelos para o interior do antigo tribunal, Vivien entregou a filha com relutância para Daniel. Lá dentro trocaria de roupa junto com aquelas lindas
garotas. A sensação era desagradável e embaraçosa.
Lembrara-se de trazer talco para ajudá-la com o complicado modelo, mas não pôde deixar de lembrar o prazer que o toque de Joshua lhe causara quando ele a ajudara
a vestir a roupa na primeira vez... "Ora, tire isso da cabeça, Vivien!", ela ordenou a si mesma, irritada. "Você está começando a me encher com esse assunto".
Contendo um suspiro, saiu para o exterior, e durante as duas horas seguintes esforçou-se muito para parecer natural, enquanto o fotógrafo não parava de clicar e
pedir novas poses. Logo depois, alguns curiosos começaram a fazer um círculo para observar a sessão de fotos, e Vivien agradeceu aos céus pelo fato de o chapéu disfarçar
um pouco suas feições. Não gostaria de ser reconhecida na cidade em que trabalhava...
E o fotógrafo continuava, impiedoso. Fique assim, faça isso, faça aquilo, sorria, salte... Saltar? A certa altura já estava esgotada e tensa, rezando para que tudo
acabasse logo e pudesse voltar para casa com a filha.
No passado, não muito tempo antes, teria Conseguido entrar no espírito da coisa, divertindo-se como as outras garotas, mas agora não se sentia capaz disso, mesmo
sem saber por quê.
Será que o fato de Joshua estar observando tinha alguma ligação com seu embaraço? Sentia-se intimidada pela presença dele? Tola? Irritada? O sol começou a ficar
mais forte, e ela concluiu que seu desconforto ia aumentar ainda mais.
Mais tarde, Daniel, o fotógrafo e as outras garotas formaram um grupo no meio da praça... e até mesmo Cathy fazia parte dele. Certamente a menina estava gostando
de ser o centro das atenções. Uma das moças dava-lhe a mamadeira, e por um instante aquilo provocou ciúmes em Vivien, até que ela percebeu a presença de Joshua a
seu lado. Olhando-o com desânimo, e esperando encontrar impaciência ou irritação naquele rosto duro, notou apenas que ele continuava impassível como sempre.
- Está demorando mais do que eu esperava - ela murmurou, desculpando-se desajeitadamente.
- Não foi culpa sua.
Atônita, ela encarou-o fixamente. Joshua sorriu com paciência.
- Achava que eu a culparia por alguma coisa?
- Por que não? Você me culpa por tudo o mais.
- Bobagem. Bobagem! Bobagem!
- Você tem uma memória curta, não é? O sorriso dele acentuou-se.
- Estávamos todos muito irritados pela manhã. - Apontando Daniel com um gesto de cabeça, ele adicionou: - Ele parece estar se divertindo muito agora...
- Sim.
- Assim como sua filha, ele adora chamar a atenção dos outros.
- Sim. - Aquilo era verdade. Daniel gostava de parecer sério e profundo, mas sempre melhorava de humor quando se sentia... importante. Uma onda de culpa acometeu-a,
porque a situação atual dele fora causada por um erro seu.
Uma das garotas aproximou-se, sorrindo para Vivien e olhando de forma sedutora para Joshua. Em seguida a moça perguntou, curiosa:
- O que aconteceu a Daniel?
- Eu fiz isso a ele - Vivien informou em voz baixa. - Nós já terminamos?
A garota ficou um pouco confusa, olhou para Joshua como se quisesse fazer uma pergunta, mas aparentemente desistiu.
- Sim - ela respondeu. - Já pode se trocar agora.
- Ótimo. - Vivien concordou aliviada, apressando-se em voltar para o tribunal para trocar de roupa. Desejava parar de pensar no acidente de Daniel, então virou-se
envergonhada para encarar a jovem, que a seguira. - Sinto muito, eu não queria ter sido rude com você. É o vestido... ele é tão desconfortável que me deixa de mau
humor!
- Não fico surpresa. - A garota sorriu. - Ainda bem que não estou no seu lugar.
- Sim... Bem, respondendo à sua pergunta, Daniel ficou assim num acidente de carro - Vivien explicou com relutância, concluindo que depois daquele ataque de rudeza
devia à moça uma explicação. - E eu é quem estava dirigindo.
- Oh, pobrezinha! Vivien encarou-a surpresa.
- Pobrezinha? Eu?
- Sim, é claro, você deve estar se sentindo culpada por isso. Claro que sinto pena de Daniel também... Mas acho que às vezes os danos psicológicos podem ser piores
do que os físicos, você não concorda?
- Sim -Vivien assentiu, surpresa com a maturidade da jovem. Logo depois saiu para o exterior, notando que Daniel ainda era o centro das atenções.
Pegando a filha, dirigiu-se a ele em voz baixa:
- Encontro você no carro.
- Onde você vai?
- Dar uma caminhada.
- Bem, não demore muito. Podia deixar a menina comigo.
- Não... prefiro levá-la comigo. Vejo você mais tarde.
Ajeitando Cathy numa posição mais confortável, caminhou na direção da Lady Street, concluindo que não devia mais explicações a Daniel. Não precisava justificar as
próprias ações nem pedir para ficar com a filha. Não precisava dar satisfações a ninguém.
- Sente-se melhor? - Joshua perguntou, juntando-se a ela de repente.
- Não.
- As noites andam muito agitadas!
- Não.
- Como foi a festa de Cathy?
- Ótima.
- Ela gostou do elefante? - ele insistiu, com simpatia.
- Sim.
- E não teve mais problemas com a clarabóia?
Parando abruptamente, Vivien virou-se para encará-lo, notando que sua expressão permanecia irritantemente inabalada.
- Eu não estava tentando seduzir você!
As sobrancelhas dele arquearam-se, e seus lábios contraíram-se. Involuntariamente, ela concluiu.
- E não preciso que você me ajude com nada.
- Quanta independência! - Joshua zombou. - E, voltando ao assunto, eu não a acusei de tentar me seduzir - ele emendou suavemente.
- Sim, você acusou. Você disse que...
- Eu estava brincando.
Vivien tinha os olhos fixos nos dele.
- Devia morder sua língua, Joshua - ela advertiu seriamente.
- Eu não gosto de brincar sobre determinados assuntos!
- Você não aceita uma brincadeira? - ele perguntou casualmente.
- Na verdade, não acredito que você estava brincando.
Joshua parecia estar sinceramente espantado, pois mudou de assunto a seguir.
- Você ligou para a companhia de seguros?
- Sim. O estrago não será coberto pela apólice. - Ela parou um pouco, sentindo o peso de Cathy nos braços. Seus olhos desviaram-se ligeiramente para um antigo mosteiro.
- Uma construção do século treze - ele comentou.
- Eu sei.
- O revestimento das paredes é admirável. Ela continuava calada.
- E um tipo de afresco - ele explicou.
- Eu sei de tudo isso.
- Sabe mesmo?
- Claro - Vivien insistiu, olhando-o de relance. Você estava mesmo brincando?
- Hã-hã.
- Oh, certo, tudo bem.
- O prédio teve seu interior totalmente restaurado. Existem belíssimas escadas jacobinas e medievais, decoração do período Tudor e...
- Eu sei tudo isso, Joshua. Eu contei a você.
- Foi mesmo. Cinco dias e dezessete horas atrás - ele admitiu, usando um tom de voz muito suave.
Baixando a cabeça e notando que a gola do vestido de Cathy estava suja, ela suspirou.
- Isso foi antes que eu abrisse minha casa ao público...
- Você parece cansada, dê-me sua filha um pouco, ela é pesada demais para você. Devia ter trazido o carrinho de bebê.
- É verdade. Mas o que aconteceu com você? Achei que não gostava de crianças.
- Só quando estão molhadas.
Joshua apanhou a menina e começou a brincar animadamente.
- Por que ficou subitamente disposto a conversar? - ela perguntou em voz baixa.
- Curiosidade. - Ainda olhando para Cathy, ele sorriu. Vivien examinava seu rosto com um olhar intenso.
- Estava curioso sobre o quê?
- Você.
- Por quê?
Ele sorriu, virando-se para encará-la.
- Você não é capaz de parar de fazer perguntas?
- Não... sim, Droga! Você me deixa nervosa, Joshua!
- Bom. Já é hora de voltarmos. - Virando-se, ele esperou até que ela o seguisse de volta à praça.
Bom? Ele achava bom deixá-la nervosa?
- É por isso que você é assim tão misterioso? Para me deixar nervosa?
- Eu nunca fui misterioso - ele a contradisse calmamente.
Exasperada, Vivien apressou-se para acompanhar os passos largos de Joshua.
- Eu não sei nada sobre você - ela declarou sem fôlego. - E, por favor, não ande tão rápido.
Ele diminuiu o passo.
- Ainda preocupada por ter um estranho dentro de casa? Não tenha medo, não sou um bandido. Não pretendo roubá-la, nem fazer qualquer coisa errada.
- Não estou preocupada - Vivien mentiu. - Seu trabalho vai indo bem? Foi por causa dele que ficou fora o dia todo ontem?
Joshua hesitou.
- Meu projeto - ele a corrigiu. - Só vai ser trabalho quando me aceitarem definitivamente.
- Mas você acha que existe possibilidade de isso acontecer? Ele assentiu... com cautela demais, ela notou.
- Oh, fico muito feliz!
- E mesmo? - Agora ele parecia mesmo espantado.
- Sim, é claro. Suponho que seja desagradável ficar sem trabalho. E parece que você anda...
- Meio falido? - ele sugeriu cuidadoso, fazendo-a rir.
- Não é bem isso... mas tenho a impressão de que não anda ganhando muito dinheiro.
Um sorriso contrafeito apareceu nos lábios de Joshua.
- Estou certa?
- Mais ou menos - ele concordou.
- Então por que disse todas aquelas coisas sobre dinheiro no outro dia?
- Suposições.
- Joshua! Não seja tão vago! Mais uma vez, ele sorriu.
- Conte-me algo sobre você.
- Contar o quê?
- Qualquer coisa... Tudo.
- Não há nada de importante para se contar - ela murmurou desanimada. - Sou apenas o que você está vendo.
Joshua deixou escapar uma risada.
- Então quero que Deus me ajude!
Nesse instante voltaram à praça, e Daniel continuava cercado pelo grupo. Ao notar a aproximação dos dois, fez um gesto vago com uma das mãos.
- Vou ficar mais um pouco. Vejo vocês mais tarde.
Assentindo, Vivien caminhou lentamente para o carro, estacando ao considerar que Joshua podia esperar para levar Daniel.
- Eu acho que posso tomar um táxi... - ela começou.
- Não vai ser necessário. Uma das garotas vai levá-lo.
Joshua colocou o cesto de Cathy no banco de trás, prendendo-o cuidadosamente com o cinto, e então contornou o jipe para abrir a porta para Vivien.
Entrando no carro, ela afivelou seu próprio cinto, olhando pela janela. Ele queria que Deus o ajudasse? Será que estava se referindo à sua desorganização? Não sabia
ao certo o que pensar, mas algo havia mudado entre eles.
- Por que está tão compenetrada? - Joshua perguntou em voz baixa. Não parecia nem um pouco espantado.
- Oh... Nada de mais. Pensava no que vou preparar para o almoço...
Ele não acreditou muito na desculpa, mas ficou em silêncio.
Quando chegaram, Joshua estacionou nos fundos da casa, e saltou imediatamente para retirar Cathy do carro e entregá-la a Vivien. Em seguida, apanhou algo no porta-luvas
e fechou a porta.
Segurando um pequeno embrulho, ele sorriu.
- É um bloco de recibos - explicou. - Devemos manter nosso relacionamento comercial... completamente sob controle, não acha? Eu preenchi o primeiro recibo, e tudo
o que você precisa fazer é assinar. - Apanhou a chave que ela segurava na mão, adiantou-se e abriu a porta, deixando-a passar.
Colocando o cesto de Cathy sobre a mesa, Vivien procurou uma caneta e assinou rapidamente o recibo, destacando-o em seguida. Joshua pagou o resto do aluguel da semana
ao pegar a folha.
- Não precisa ficar tão preocupada.
- Eu não sabia que parecia preocupada.
- Que tal uma bebida? Chá? Café?
- Sim, é claro. Vou preparar.
Um sorriso desanimado surgiu nos lábios de Joshua.
- Eu é que estava oferecendo - explicou.
- Oh!
- Sente-se no jardim - ele sugeriu calmamente. - Vou fazer o chá. Açúcar ou creme?
- Açúcar.
Sentindo-se confusa, Vivien foi para o jardim, sentando-se em uma das confortáveis cadeiras que deixava na varanda traseira.
Por que ele estava sendo tão amável? Claro que já flertará com ela, além de perturbá-la, mas nunca fora especialmente amistoso, não é? Então por que estava agindo
daquela forma? Será que estava com pena dela?
Logo depois Joshua apareceu carregando a bandeja de chá.
- Vou examinar melhor os danos da casa de hóspedes - ele murmurou enquanto servia.
Depois que beberam em silêncio ela o observou atravessar calmamente o gramado, caminhando com uma elegância fora do comum. Será que fora rico no passado? Talvez
estivesse ansioso para conseguir aquele trabalho e voltar a ganhar dinheiro... Isso explicaria o comportamento estranho que ele tivera antes. Talvez fosse preocupação
por não estar trabalhando.
O exame não demorou muito. Sem dúvida um arquiteto não demoraria para realizar uma avaliação simples como aquela. Logo depois ele já estava de volta, sentando-se
ao lado dela e servindo-se de outra xícara de chá.
- Não está tão ruim. Vou encomendar alguns materiais e consertar tudo para você.
- Oh, você não precisa...
- Não preciso? - ele sorriu. - Acha que pode fazer isso sozinha? Com um sorriso desanimado, ela meneou a cabeça.
- Muito obrigada. Eu vou...
- Não se ofereça para me pagar - ele interrompeu-a secamente.
- Oh... bem, obrigada. - Num misto de confusão e embaraço, ela emendou: - Diga-me como é ser um arquiteto especializado como você. O que exatamente você faz?
- Trabalhos de conservação, geralmente para o governo.
- E não há muito trabalho no momento?
Outra vez ele pareceu hesitar antes de menear a cabeça.
- Você disse algo sobre um castelo normando.
- Maravilhoso. Ou pelo menos foi, no passado.
- E você espera reconstruí-lo?
- Na verdade pretendo deixá-lo mais lindo do que jamais foi.
Deixando escapar um sorriso por vê-lo falar pela primeira vez do trabalho, Vivien resolveu brincar.
- Sempre é assim tão pedante?
- Sempre. Tome seu chá.
Sorrindo outra vez, ela sorveu um longo gole do líquido quente.
- E quanto aos pais de Daniel? - ele perguntou subitamente. - Costumam visitá-lo?
Por que aquele interesse em Daniel? Todas as suas conversas acabavam sempre naquele ponto.
- Não - ela respondeu. - Ele diz que não se dá bem com os pais, que eles o aborrecem. Eu os vi uma vez no hospital - lembrou. - Depois do acidente. São muito idosos.
Tentei dizer-lhes quanto estava sentida...
Depois de soltar um suspiro, ela continuou.
- Eles estavam irritados, confusos, e me odiando muito. Quem poderia culpá-los? Nunca mais os vi desde então. Tentei escrever, mas... - Interrompendo-se, olhou para
Cathy, que brincava alegre na grama. A menina largou o elefante de brinquedo por um instante e agarrou a perna de Joshua, obviamente pedindo para que ele a pegasse
no colo. E ele fez isso, acariciando-a levemente na cabeça.
- Acha que ela tem mau gosto? - ele perguntou com ironia, fazendo Vivien sorrir.
- Cathy gosta de homens. Vou ter que ficar de olhos bem abertos quando for mais velha.
- Hã-hã. Por que Catherine?
- Oh, Andrew queria uma menina, e sempre dizia que ela se chamaria Catherine, como a heroína de "O Morro dos Ventos Uivantes" - ela explicou. - Eu apenas atendi
a seu desejo...
- E acabou ficando Catherine. E um bonito nome, não?
- Concordo. Mas cuidado... ela está desabotoando sua camisa - Vivien advertiu quando a menina começou a brincar com os botões.
Ele sorriu, retirando as duas mãozinhas e beijando-as. Depois a menina estendeu os braços e abraçou-o.
- Ela é assim o tempo todo? - Joshua indagou, entregando um livro de figuras coloridas para a menina.
- Exceto quando está dormindo... Ela já deve estar ficando com fome. E melhor que eu entre para preparar a comida.
Mas apesar de saber o que precisava fazer, Vivien se sentia extremamente bem, não desejando nem um pouco sair do jardim. Joshua estava diferente naquele dia, mais
atencioso e suave.
Ainda admirando a forma como ele brincava com sua filha, Vivien não foi capaz de deixar de notar os músculos poderosos daqueles braços, nem a forma como seus cabelos
agitavam-se ao vento, tornando os ângulos do rosto forte ainda mais atraentes... Uma onda elétrica percorreu todo seu corpo, fazendo-a levantar-se de imediato.
Ele ergueu a cabeça para encará-la, provocando uma nova onda de tremor em Vivien. Incapaz de desviar o olhar, incapaz de interpretar o que aqueles olhos brilhantes
lhe diziam, ela sentiu-se como se estivesse suspensa. Era como se tudo ao redor tivesse parado, e nem mesmo os sons chegavam a seus ouvidos. A realidade só voltou
quando Cathy tocou-a de leve na perna.
Piscando, e sem saber exatamente o que tinha acontecido, abaixou-se para pegar a filha, murmurando uma desculpa qualquer e saindo dali. Sentindo-se embaraçada, correu
para a cozinha. Nada tinha acontecido, mas mesmo assim parecia que tinha feito amor com Joshua. Que loucura!
Depois de colocar a menina na cadeira de bebê, Vivien começou a preparar o almoço, mas sua mente não parava de lembrá-la do que acontecera... o olhar de Joshua,
a forma como se sentira momentos antes, o desejo de que algo mais acontecesse... Amar e ser amada, poder expressar aquele amor. De forma completa e apaixonada.
Andrew nunca fora apaixonante, por isso ela aprendera a suprimir os próprios sentimentos, fingindo que não se incomodava com a insensibilidade do marido. E por quê?
Por que ela fingira, tentando convencer-se de que sentir desejo era uma coisa vergonhosa? Não sabia responder a isso.
Quando sentiu a presença de Joshua atrás de si pulou assustada, mas ele pareceu não notar seu embaraço.
- Vou dar outra olhada na casa de hóspedes, para ver se consigo adiantar alguma coisa - ele informou.
- Muito obrigada - ela sussurrou. - Joshua? - perguntou um instante depois, fazendo-o parar. - Você não vai querer almoçar?
Ele meneou a cabeça.
- Pode deixar. Mais tarde eu mesmo preparo algo.
Joshua estava retirando um pouco de entulho da casa de hóspedes quando elas acabaram de comer. Depois de lavar os pratos, Vivien decidiu sentar-se novamente no jardim
para descansar, já que o dia estava agradável e Cathy podia se divertir. Estava cansada depois de passar por tantas noites mal dormidas, por isso acabou fechando
os olhos, sentindo as pálpebras muito pesadas e caindo num estado de semiconsciência. Só voltou a abrir os olhos quando notou que não estava mais sozinha. Joshua
a observava atentamente, o que a fez corar.
- Está muito calor para trabalhar - ele explicou calmamente.
- Sim - ela concordou.
Ele estava com a camisa desabotoada e para fora da calça, e seus pés estavam descalços. Logo depois sentou-se ao lado dela, estendendo relaxadamente as pernas longas
e torneadas e provocando outra onda de desejo em Vivien.
- Você sempre quis ser decoradora? - ele perguntou casualmente. - Sempre quis fazer algo artístico?
- Artístico? - ela perguntou, sentindo que mais uma vez falariam sobre assuntos que nada tinham a ver com a óbvia atração que sentiam mutuamente... Tentando se concentrar,
ela replicou: - Não acho que decoração possa ser considerada uma forma de arte. Basta um bom olho para combinar cores, escolher tecidos e...
- Você nunca quis pintar? Ou, quem sabe, esculpir?
- Pintar? - Que curioso ele dizer aquilo, porque na verdade ela já fizera muitas pinturas. E fora, até certo ponto, uma boa pintora. - Por que pensou nisso?
- Pelo modo que você anda, toca as coisas. Seus dedos são longos e delicados... - ele explicou com voz suave, virando a cabeça para que ela o visse melhor. - Existe
uma certa delicadeza que transparece em tudo o que você faz.
- É mesmo? - Vivien murmurou com descrença. Intimamente satisfeita, sorriu sem jeito. - Eu já pintei - revelou.
- E por que parou? - Ele esperava pela resposta com uma expressão curiosa.
Baixando a cabeça para evitar aquele olhar, ela meneou a cabeça.
- Oh, é que não é possível ganhar muito dinheiro com pintura. E eu tinha que cuidar de minha vida - emendou um instante depois, com um suspiro.
Joshua manteve uma expressão indecifrável durante um longo momento.
- É uma pena que a vida nos force a tomar decisões como essa - limitou-se a comentar com um toque de tristeza na voz.
Ficaram conversando por mais algum tempo, e várias vezes Vivien apanhou-se admirando aquele corpo másculo sem nenhum pudor. Era como se estivesse sendo atraída por
uma força muito além de sua compreensão. A tensão no ar em certos momentos chegava a ser óbvia.
Mas finalmente Joshua se levantou, anunciando que precisava dar alguns telefonemas, e entrou na casa, deixando-a a sós com a filha e os próprios pensamentos.
- Sim, Vivien - ela murmurou para si depois que a porta fechou-se atrás dele. - Estou começando a acreditar que você vai ter que fazer algo a respeito disso...
No fim da tarde Daniel voltou, sendo trazido por Amanda, a mesma moça que conversara com Vivien em Lavenham. Ele informou que o fotógrafo lhe conseguira uma entrevista
em uma grande maison de Londres, e que por isso teria que se ausentar por uma semana.
A princípio Daniel mostrou-se descontente por deixá-la a sós com Joshua, e eles chegaram até mesmo a discutir, mas finalmente Vivien convenceu-o dos óbvios benefícios
que a viagem poderia significar para sua carreira de estilista.
Quando Amanda veio apanhá-lo, naquela mesma noite, os dois despediram-se de maneira fria e impessoal.
Bem mais tarde, deitada na banheira para um agradável banho quente, Vivien caiu em si, compreendendo exatamente o que aquela viagem significava.
CAPÍTULO V
Vivien percebeu que a ausência de Daniel significava que ficaria sozinha com Joshua por toda aquela semana. Devia estar preocupada, mas isso não aconteceu. Apenas
um sentimento de antecipação, talvez tolo, tomou conta dela. Afinal de contas, quem poderia ser ferido?
- Pensei que você nunca mais fosse sair do banho - Joshua murmurou ao vê-la descer as escadas naquela noite.
- O que Daniel lhe disse antes de partir? - ela perguntou, indiferente às palavras dele. Vira os dois juntos antes que Daniel entrasse no carro e ficara muito curiosa,
mas logo depois subira para tomar banho e não tivera tempo de esclarecer a dúvida.
- Ele apenas me disse para ficar longe de você.
"E você vai fazer isso?", ela quis perguntar, contendo-se a tempo.
Joshua aproximou-se, tocando-a levemente nos ombros e provocando mais uma descarga elétrica em seu corpo. Vivien permaneceu tensa e com a respiração em suspenso.
- Por que não vamos jantar fora hoje à noite? - ele perguntou com um sorriso nos lábios.
- Fora? - ela repetiu, como se isso fosse a última coisa em que pensaria.
- Hã-hã, você sabe... garçons, uma mesa à luz de velas...
- Luz de velas?
- Sim.
- E quanto a Cathy?
- Qual o problema?
- Eu não posso chamar uma babá a essa hora.
- Então nós a levaremos junto.
- Levá-la? - Vivien repetiu. A menina estava sentada no tapete da sala, brincando com seu elefante querido. Parecia muito compenetrada na brincadeira, e adorável,
como sempre.
-Eu preferia um ambiente mais acolhedor para conversarmos, você sabe - ele sussurrou lentamente. Tocando-a nos lábios com o dedo indicador, prendeu-a num abraço
envolvente logo depois.
- Olhe para mim.
Vivien ergueu os olhos, consternada.
- Seu marido nunca a levava para jantar fora?
- Andrew? Não.
- E você gostaria de fazer isso?
- Sim. Quer dizer... - Andrew nunca a convidara, sempre dizendo que era um desperdício de dinheiro... e Andrew também costumava decidir o que era melhor para ela.
Sempre se mantivera no controle das coisas, implacável. Embora o tivesse amado, não o conhecera muito bem antes do casamento. Se isso tivesse acontecido, talvez...
Bem, mas falar com Andrew nunca a fizera sentir-se daquela forma. O toque dele jamais provocara nela as reações que Joshua produzia.
- Você tem alguma roupa mais formal para vestir? Ela assentiu, meneando a cabeça devagar.
- Sim, é claro. Joshua sorriu.
- Você sempre é confusa desse jeito?
- Não. - "Apenas quando estou com você", ela adicionou
mentalmente.
Acariciando-a levemente no queixo, ele a beijou na testa como se ela fosse uma menina.
- Vá se preparar, então.
Novamente Vivien assentiu, observando-o se afastar na direção dos fundos da casa.
- Joshua? - subitamente o chamou, fazendo-o virar-se. - Você pode pagar?
- Sim - ele informou em voz baixa.
Será que ele estava usando as economias apenas para agradá-la? Vivien não queria que isso acontecesse.
- E-eu podia cozinhar alguma coisa...
- Não - ele replicou simplesmente.
- Eu posso fazer um jantar!
- Sei disso. Vá se arrumar - ele repetiu, saindo da sala.
"Posso cozinhar", ela pensou indignada. Além disso, provavelmente não iriam a nenhum, restaurante francês...
Vivien trocou de roupa dezenas de vezes, querendo parecer atraente para Joshua ou, pelo menos, especial. Aquilo era absurdo.
Talvez fosse melhor não ir. Provavelmente ele a convidara apenas por sentir pena. Era melhor pensar bem no assunto.
Olhando para o espelho, viu o reflexo da filha, que estava espalhando a montanha de roupas alegremente, e sorriu. Cathy estava linda. Vivien escolhera o melhor conjunto
rendado para vestir a menina, e lhe calçara meias brancas de três quartos. Um olhar de relance para o relógio a informou que estava atrasada demais.
Acabou escolhendo um vestido preto de seda, meias, também de seda, e sapatos de salto alto. Mais uma vez examinou o resultado ao espelho com uma expressão apreensiva
no rosto. E se ele não gostasse de sua aparência?
Sentia-se exausta.
Finalmente desceu as escadas, levando Cathy, e foi até a cozinha. Colocou a menina na cadeira alta e só então ouviu um ruído atrás de si. Virou-se apressada e parou,
prendendo a respiração.
Joshua estava... encantador. Deixando escapar um sorriso, ela preferiu mudar o termo, escolhendo "arrasador" no final. Usava terno azul-marinho e camisa branca de
seda, além de uma caríssima gravata italiana. O olhar dele brilhava intensamente, mas Vivien ainda não sabia se o agradara ou não. Era incapaz de saber por sua expressão,
e tentou convencer a si mesma que não se importava. De qualquer forma, não iria perguntar, claro.
- Você está ótimo - ela comentou, fingindo casualidade. As sobrancelhas de Joshua ergueram-se levemente.
- Quer que eu carregue Cathy?
- Ela provavelmente vai babar em você.
- Isso não importa. - Ele apanhou a menina, segurando-a com cuidado nos braços. Em seguida saiu pela porta dos fundos, cruzando o gramado em direção ao jipe e sendo
seguido de perto por uma calada Vivien.
- Você vai precisar trocar a bateria de seu carro - ele comentou ao ajustar o cinto de segurança para prender o cesto de Cathy no banco traseiro. - Se quiser, posso
cuidar disso...
- Eu mesma farei isso - ela recusou.
Joshua sorriu, abrindo a porta dos passageiros para que ela entrasse antes de contornar o carro para instalar-se ao volante.
- Você também está ótima - ele murmurou ao ligar o motor.
- Muito obrigada - ela agradeceu amuada, fazendo-o rir.
- Por acaso parece que passou um furacão por seu quarto? Encarando-o com surpresa, sem saber ao certo se ficava indignada ou não, ela assentiu.
- Sim. Você parece conhecer muito as mulheres... Imagina que realmente sabe como elas funcionam?
- Hã-hã.
Melhor não continuar com aquele assunto, ela concluiu. Talvez acabasse ouvindo coisas que não desejava. Virando-se, checou o cesto da filha pela última vez antes
que o carro atingisse a estrada.
- Aonde estamos indo?
- Fica do outro lado de Long Melford. E um restaurante italiano. Gosta de comida italiana?
Se não gostasse, qual seria a diferença?
- Sim.
Ele olhou-a de relance, rindo.
- Gosto de você, Vivien Carrigan, apesar de você ser tão carrancuda.
- Muito obrigada - murmurou, contrariada. - Mas não sei se posso dizer o mesmo sobre você.
Dessa vez a risada dele foi ainda maior, e muito mais franca.
- Relaxe. Eu prometo que você vai se divertir.
- Espero que sim. E o que quis dizer com "carrancuda"? - ela perguntou. - Eu não sou...
- Acho que estou deixando você nervosa outra vez - ele cortou-a abruptamente. - Mas prometo que isso não vai durar muito...
Sem dúvida ele estava certo ao dizer que a deixava nervosa. Mas o que queria dizer com aquela última frase? Vivien perguntou-se, desviando o olhar para a estrada
e deixando escapar um suspiro.
O restaurante era maravilhoso. Era como se tivessem sido transportados para a Itália em um passe de mágica. Todo o ambiente era alegre e acolhedor, e Joshua cumpriu
a promessa de uma noite divertida para Vivien e Cathy. Ele obviamente era conhecido no lugar, pois todos o tratavam como a um velho amigo, desde os garçons até o
simpático casal de proprietários.
Cathy adorou tudo, a atenção, os risos, os mimos que todos pareciam querer fazer-lhe... e Vivien sentiu-se orgulhosa por causa da filha encantadora.
Para completar, a comida era maravilhosa, o vinho excelente, e Joshua comportou-se o tempo todo de forma realmente encantadora. Uma parte cínica e desconfiada de
Vivien continuava a negar simpatia a ele, mas no fim ela resolveu desistir disso e aproveitar o momento. Mesmo que Joshua estivesse apenas sendo gentil, a noite
estava sendo perfeita. Fazia muito tempo que ela não se sentia tão especial. Ou tão atraente.
Durante o jantar contaram muitas histórias divertidas sobre si mesmos, e riram, o que fez muito bem para o espírito daquela mulher que passara os dois últimos anos
em um pesadelo de enganos e muito pouco carinho. Vivien sentia-se feliz e relaxada, e não queria nem mesmo voltar para casa.
Voltaram, é claro, mas o calor provocado pelo vinho ainda a mantinha eufórica. Joshua esperou na sala de estar enquanto ela colocava Cathy no berço, e, com um rosto
esfuziante e cheio de felicidade, Vivien voltou para encontrá-lo minutos depois. Ela avançou, parando diante dele, envolvendo-o com um abraço e beijando-o de leve
no queixo.
- Muito obrigada. Foi uma noite maravilhosa.
- E essa noite maravilhosa já tem que acabar? - ele perguntou suavemente, passando os braços ao redor da cintura de Vivien e puxando-a de encontro a si. - Tem? -
ele insistiu, falando num volume quase inaudível. Em seguida inclinou a cabeça, encontrando os lábios dela entreabertos e beijando-os com ternura. - Você me parece
uma promessa dos prazeres que estão por acontecer...
Era tão bom estar nos braços dele, ser tocada daquela forma...
Deixando a cabeça repousar no ombro forte de Joshua, ela fechou os olhos e suspirou lentamente, apreciando cada segundo daquele contato delicioso.
- Você já vai dormir? - ele provocou, e ela meneou a cabeça negativamente.
Joshua tirou o paletó, jogando-o sobre o sofá, depois removeu a gravata, tirou as abotoaduras e guardou-as no bolso da calça. Seus longos dedos escorregaram pelas
costas de Vivien, parando nos quadris, e ela sentiu uma onda involuntária de expectativa quando seus corpos se tocaram.
Depois de várias carícias feitas por ele, porém, ela começou a relaxar e soltar-se, entregando-se ao abraço forte daquele homem.
- Vá um pouco para trás.
- O quê? - ela sussurrou, desapontada.
- Vá um pouco para trás.
Obedecendo automaticamente, ela observou-o livrar-se das alças que mantinham o vestido suspenso, retirando-as calmamente de seus ombros. Um segundo depois a seda
do vestido roçou a pele de Vivien, em seu caminho para o chão.
Ele abraçou-a novamente, fazendo-a sentir o contato com seu corpo quente com uma intensidade ainda maior... Um pequeno gemido, carregado de erotismo, escapou-lhe
dos lábios nesse instante.
- Joshua... - ela começou, sem saber ao certo o que pretendia exatamente dizer.
- Shh... - ele interveio, cobrindo os lábios dela com um beijo prolongado è cheio de ternura, ao mesmo tempo que se livrava do sutiã. Seus dedos ágeis e experientes
começaram a fazer carícias enlouquecedoras nos mamilos de Vivien, acabando com qualquer resistência que ela ainda pudesse ter.
Incapaz de suportar tudo aquilo, ela chutou o vestido para longe e pressionou o corpo contra o dele, sentindo todo o poder pulsante da masculinidade de Joshua. Fazia
tanto tempo...
Com as mãos trêmulas, começou a desabotoar a camisa dele, ao mesmo tempo que descrevia lentamente círculos no peito forte e musculoso. Podia notar que sua respiração
também estava extremamente entrecortada. Logo depois de atirar a camisa para longe, ao encontro do vestido negro, ela foi suspensa do chão, e carregada silenciosamente
até o quarto que já fora de Cathy.
Apoiando-se no cotovelo, Joshua deitou-se ao lado de Vivien na cama e começou a beijá-la com suavidade, nos ombros e no pescoço. O caminho descrito por seus lábios
foi descendo, e ele logo encontrou os mamilos rígidos, que em seguida começou a sugar e mordiscar devagar, provocando uma onda de prazer capaz de obscurecer totalmente
os sentidos dela.
- Joshua... - balbuciou, ensaiando um protesto, apesar de saber que naquele momento seria capaz de fazer tudo o que ele queria.
Vivien avançou, oferecendo-se claramente a ele. No íntimo sabia que não adiantava mais lutar contra o desejo que a consumia, por isso concluiu que a entrega franca
seria a melhor coisa a fazer.
Mas, inexplicavelmente, Joshua ficou parado, imóvel por um instante, limitando-se a encará-la. Suas carícias tinham cessado e ele ostentava uma estranha expressão
no rosto. Os olhos escuros eram frios e distantes. Parecia que outro homem tinha tomado seu lugar de um momento para outro.
Segundos depois, para aumentar ainda mais a confusão de Vivien, ele virou-se sem dizer uma palavra sequer e saiu do quarto, abandonando-a completamente.
No começo ela não soube ao certo o que pensar, e apenas caminhou para seu quarto. Mas logo depois uma dor pareceu trespassar seu peito sem piedade.
Nunca sentira-se tão desprezada na vida. Como pessoa ou como mulher.
E o pior é que não fazia a mínima idéia do que podia ter causado aquela reação nele...
Apesar de tudo, o dia seguinte começou de forma tranqüila. Joshua já estava cortando a grama do jardim quando ela acordou, e evitou falar sobre a noite anterior,
como se estivesse se sentindo embaraçado.
Bem, talvez as primeiras suspeitas de Vivien tivessem se confirmado, e ele apenas não se sentia realmente atraído por ela. Agora comportava-se de forma estranha
por ser orgulhoso demais para admitir isso.
Joshua levou-as para almoçar fora, e depois preparou um lanche sem pedir a ajuda de Vivien. Foi um dia agradável e relaxante. Mas as dúvidas ainda atormentavam a
mente de Vivien. Foi só mais tarde, quando Cathy finalmente se cansou de brincar e caiu no sono, que eles voltaram a conversar sobre o assunto.
- Acho que precisamos conversar - Vivien murmurou, colocando as mãos na cintura ao se juntar a ele no jardim depois de levar a menina para o quarto e colocá-la no
berço. - Você não acha?
Colocando-se diante dela e segurando-a pelos ombros, Joshua encarou-a com uma expressão consternada.
- Sabe que eu desejo você, Vivien, não sabe? - ele perguntou. Depois de hesitar por um momento, ela assentiu lentamente.
- E você também me deseja.
- Sim - ela sussurrou.
- Então você deve deixá-lo ir.
- O quê?
- Daniel. Você não o ama. Deve parar de manipulá-lo, Vivien.
- Manipular? Eu? - ela perguntou incrédula. - Daniel é o único manipulador por aqui!
- Não foi isso que eu ouvi dizer.
- E onde foi que ouviu essa bobagem?
- Isso não importa - ele respondeu em voz baixa. - Mas vamos ser francos. Sei que você não é nenhuma tola...
- Não sou? Estou começando a pensar que sou a mulher mais estúpida que já nasceu. Somente uma tola agüentaria uma pessoa como Daniel por tanto tempo. Ele parece
querer se apropriar de Cathy e...
- Isso é compreensível.
- Não, não é!
- Claro que é. Se você não deseja casar com ele, deve dizer isso logo, senão ele vai se apegar cada vez mais à criança...
- Que absurdo! E quem lhe deu a idéia de que eu pretendia me casar com ele?
Se Joshua pensava assim, por que flertará com ela?
- Nunca pretendeu?
- Claro que não!
- Então diga isso a ele, pelo amor de Deus!
- Eu não quero mais falar sobre Daniel, está bem? - ela pediu, irritada. Jamais pensara que as coisas chegassem àquele ponto.
- Ele ama você. Ou pelo menos pensa que ama.
- Você parece ser uma autoridade nesse assunto, não é mesmo?
- Não - ele negou, parecendo cansado da discussão. - Mas se você não o quer, por que permite que essa situação continue?
- Porque eu não sei como resolvê-la! - O suspiro de Vivien foi longo e profundo.
Onde Joshua estava querendo chegar? Será que ele a queria, mas não fazia nada por causa de Daniel, por duvidar que não existisse nada entre eles?
- A pequenina não se parece com ele - Joshua comentou com calma.
- O quê?
- Cathy não se parece com ele.
- Com quem? Andrew?
- Não, com Daniel.
- Daniel? E por que ela se pareceria com Daniel? Joshua a encarou com uma expressão séria no rosto.
- Porque ele é seu pai, não é?
Vivien não acreditava no que estava ouvindo.
- Daniel, pai de Cathy? Como você pode me insultar dessa forma, insinuando que eu... eu...
- Que você dormia com Daniel?
- Sim! Quem colocou essa idéia absurda na sua cabeça? - ela perguntou furiosa, embora soubesse a resposta.
- Daniel me disse - ele informou, imperturbável.
- Ele me fez parecer uma pessoa muito respeitável, não é mesmo? - Vivien comentou com amargura. - E o que mais ele disse?
- Que você está hesitando em aceitá-lo como marido porque ele está paralítico.
- O quê? - Sentindo-se ferida como jamais acreditara ser possível, Vivien desviou seu olhar.
- Conte-me a verdade, Vivien - Joshua pediu.
Se ele acreditara em Daniel, o que ela poderia dizer? E que diferença a verdade iria fazer?
- Conte-me - ele insistiu.
- Não é da sua conta - Vivien cortou com frieza. Joshua aproximou-se, forçando-a a encará-lo.
- Você parece... traída - ele comentou, embaraçado.
- Eu me sinto traída. E não apenas por Daniel.
- Vivien, eu...
- Não tente me fazer de tola, Joshua - ela o interrompeu.
- Se você acreditou que Cathy é filha de Daniel, e que eu iria me casar com ele, por que estava tentando me seduzir? Porque eu não vou acreditar naquela história
ridícula de que você se apaixonou por mim na primeira vez em que me viu!
- Eu não disse que me apaixonei - ele corrigiu. - Disse que tinha ficado atraído. E não sabia nada sobre Daniel. Mas quando vim para cá as coisas começaram a ficar
descontroladas, e não sabia mais o que pensar depois do que Daniel me contou.
Ela balançou a cabeça, confusa. Com que direito Daniel se intrometia tanto em sua vida?
- Veja bem - ela ponderou, depois de respirar profundamente.
- Antes que eu resolva definitivamente minha vida, quero deixar uma coisa bem clara: ainda aceito essa situação porque tenho uma dívida com Daniel. É claro que acho
que eu e Cathy merecemos algo mais, mas enquanto não me sentir segura de que Daniel estará bem, não poderei fazer nada...
Joshua permaneceu em silêncio por um instante, e depois também deixou escapar um suspiro, encolhendo os ombros, desanimado. Parecia que ele queria dizer algo e não
era capaz. Vivien adiantou-se, pois queria esclarecer outro assunto que a afligia.
- Você não quis fazer amor comigo ontem porque pensou que eu estava envolvida com Daniel?
- Hã-hã...
- E agora que você sabe a verdade?
- O que você acha? - Avançando rapidamente em sua direção, ele puxou-a para junto de si, beijando-a com paixão. Incapaz de resistir, Vivien entregou-se ao prazer
que sentia ao estar nos braços daquele homem, mesmo que não soubesse exatamente o que pensar.
- Oh, Joshua, não!
- Sim. - Sua voz soou de forma estranha... muito estranha, enquanto ele continuava a beijá-la, fazendo carícias por todo o seu corpo. - Quero você, Vivien... Tanto
que nem consigo me controlar.
- Me solte, por favor - ela protestou, amedrontada. - Precisamos conversar.
- Sei disso, mas não quero falar agora...
- Alguém pode chegar. - Vivien sentiu a própria respiração muito entrecortada. Fazendo um último esforço, enterrou os dedos nos ombros de Joshua, tentando empurrá-lo.
Mas as sensações que o beijo dele lhe provocava deixavam-na enfraquecida, sem força suficiente para conseguir se livrar.
Naquele momento, a Van de Amanda apareceu na alameda que passava ao lado da casa, contornando-a. A caminhonete surgiu rápido demais, impedindo qualquer reação dos
dois, pois logo depois estava freando a poucos metros de distância.
A própria Amanda, ao volante, parecia espantada com a cena, mas o mais terrível foi o olhar que Daniel, sentado ao lado da moça, lançou em sua direção.
Era um olhar selvagem e furioso, que provocou em Vivien um tremor súbito e incontrolável.
Sentia que uma discussão terrível estava para acontecer...
CAPÍTULO VI
- Não! - Daniel gritou ao mesmo tempo que abriu sua porta, tentando sair, e caiu.
Joshua tentou ajudá-lo, mas ele livrou-se de seus braços com um safanão.
- Não me toque! - ordenou, furioso. Com um esforço enorme, sentou-se sozinho na cadeira de rodas que Joshua tirara do carro. - Eu confiei em você! E em você! - dirigiu-se
a Vivien, que ajeitava a roupa com gestos atabalhoados. - Como você pôde? Não sabe quem ele é?
- Daniel... - Joshua começou, mantendo a voz fria e controlada.
- Cale a boca! Pensa que eu não sei? Estive falando com minha mãe hoje, seu idiota! E minha mãe, como você deve saber... porque já a conhece... não é capaz de manter
nenhum segredo! - Virou-se para encarar Vivien, com o rosto retorcido e furioso. - Ele é um espião! - gritou. - Enviado por meus pais para livrar seu filho querido
de uma caça-dotes inescrupulosa!
- Caça-dotes? - Vivien sussurrou. - Caça-dotes?
- Sim! E ele sabia o tempo todo que eu voltaria. Estava combinado com Amanda. Mas ela não pôde continuar com a farsa. Me contou tudo hoje de manhã! - Daniel despejava
as palavras de forma entrecortada. - Joshua esperava que eu voltasse e visse vocês juntos apenas para me ferir!
- Eu não acredito em você! - Vivien declarou, aturdida.
- Mas devia! Ele achou que essa cena apaixonada bastaria para fazer com que eu desistisse... e que tolo eu fui! Bem, certamente fui um idiota ao pensar que você
não me trairia! Mas Joshua só precisava de uma chance para mostrar a você o que um homem de verdade era capaz de fazer - disse com escárnio. - Afinal de contas,
ele não é um aleijado, não é? Pode fazer amor com você quando quiser! E eu apenas amo você - ele admitiu com um gemido - mas isso não era o bastante!
- Não pode...
- Sim! Você pensa que ele te deseja? - Daniel riu com amargura. - Pensa que a beijou porque se importava com você? Porque você o excitava? Bem, vá em frente, pergunte
a ele - desafiou-a.
Sentindo-se enjoada, confusa e trêmula, Vivien olhou para Joshua... um Joshua muito diferente, que a encarava com olhos frios e penetrantes.
- Sabia que ele é rico? - Daniel continuou, implacável. - Estava apenas um pouco aborrecido, e então resolveu vir brincar um pouco por aqui!
- Eu precisava vir a Suffolk - Joshua murmurou calmamente.
- Sim, mas isso só tornou sua tarefa mais fácil - Daniel replicou cheio de amargura. - Você gosta de jogos, não é, Joshua? Como gosta de mulheres. Ele tem um monte
delas em Londres - comentou, dirigindo-se a Vivien. - Realmente acha que ele a desejava? Oh, claro que você é bonita e sexy o bastante, mas ele gosta de liberdade...
o bom e velho Josh. Ame-as e as abandone... esse é o lema dele. Acredita que um homem assim se prenderia a uma mulher com uma filha?
As palavras eram despejadas descontroladamente, liberando as semanas, meses e anos de frustração que Daniel suportara por não ter Vivien nas mãos.
- Eu teria dado tudo... tudo - ele continuou - por você e Cathy. Estava esperando por você! Não queria apressá-la de forma alguma! - Com um riso amargo, encarou-a
friamente. - 0 que vocês fizeram, foram para a cama logo que eu me afastei da casa?
- Não - ela negou com firmeza. Olhando mais uma vez para Joshua, não com raiva, mas com nojo, ela perguntou em voz baixa:
- Isso é verdade?
Ele não respondeu, limitando-se a encará-la fixamente.
- Mas eu lhe disse a verdade - ela lamentou desiludida.
- Você também me disse que sabia o que fazer, que você e Cathy mereciam algo mais - Joshua ponderou, impassível.
- Paz - ela explicou, ainda em voz baixa. - Era tudo o que eu queria. Se pudesse me certificar de que Daniel fizesse sucesso no seu trabalho, então ficaria mais
tranqüila, pois sabia que ele nunca precisaria recorrer aos pais.
- Paz? - Daniel disparou. - Depois de acabar com minha vida?
- Sim - ela insistiu. - Daniel, o que aconteceu naquela noite foi um acidente, e você não tem o direito de viver minha vida por causa disso. Você deixava todos pensarem
que Cathy era sua filha. Disse isso para Joshua... e para quantos outros? Disse que não nos casamos porque você está paralítico... Não fez isso?
- Eu amo você!
- E isso justifica tudo? Nada vai mudar o que eu lhe fiz. Nada vai ser capaz de aplacar minha culpa. Mas essa vida é minha, Daniel, e Cathy é minha filha. Eu sou
grata a você pelas coisas que...
- Não preciso de sua gratidão!
- Mas não sinto nada além disso - ela continuou suavemente, ferindo-o, ferindo a si mesma e sentindo-se enjoada, mas determinada a não deixar Joshua perceber isso.
Encarando Daniel firmemente, voltou a falar. - Nunca lhe dei nenhum motivo para que você pensasse que iríamos nos casar um dia, dei? Para pensar que estava apaixonada
por você? Você se convenceu disso por conta própria, e acho que meu único erro foi não ter coragem de interromper seus delírios. Fui fraca... Mas depois de tudo
o que você fez por mim e por Cathy quando Andrew morreu, achei melhor esperar que você despertasse sozinho dessa ilusão, para não causar uma dor ainda maior. E depois
do desfile de sua coleção fiquei mais aliviada, pois imaginei que seu sucesso poderia...
- Mas eu te amo - ele repetiu.
- Não...
- Sim! Não vá querer me ensinar o que estou sentindo! Não ouse fazer isso! Eu sempre amei você, mesmo antes que Andrew morresse... Não esperava que você me amasse
tão cedo. Mas estava preparado para esperar... Eu cuidava de você, da menina...
- Eu sei, mas...
- E então ele apareceu, e você mentiu para mim. Nem mesmo sabe quem ele é, não é? Joshua Baynard Renwick - escarneceu. - Um dos arquitetos mais famosos da Inglaterra.
Um dos maiores especialistas do mundo em restauração histórica. Um expert. Quando descobri o que meus pais estavam fazendo, levantei tudo sobre ele. E realmente
um homem muito famoso, e rico... E um amigo de meu pai! Foi um truque sujo de meu pai mandá-lo para cá! Para tirar-me das garras de uma jovem viúva mercenária...
E sabe o que mais meus pais pensam? Que vocês duas vivem em minha casa.
Joshua fez um pequeno movimento involuntário, mas Daniel o deteve com um gesto autoritário.
- Você também não sabia disso, não é? Pensava que a casa era minha, e que eu a deixava viver aqui, como meus pais acreditavam... Tolos! Vocês todos! - Respirando
profundamente, e à beira de um ataque de nervos, Daniel continuou com amargura. - E então ele juntou-se a seu grupo turístico, fingiu estar interessado e você caiu
como uma patinha! Ele a convenceu a alugar-lhe a casa de hóspedes, e tudo não passava de uma farsa! Joshua veio para ludibriar você, afastá-la de mim, e quando tivesse
conseguido isso certamente a colocaria de lado!
O rosto de Daniel era angustiado, a ponto de fazer Vivien desejar confortá-lo. Mas no fundo ela sabia que não devia fazer isso.
Com os olhos turvos, Vivien olhou para Daniel e depois para Joshua. Amanda, que não saíra do carro, observava a cena consternada.
- E até onde você pretendia ir para descobrir a verdade, Joshua? - perguntou exasperada. - Até onde fosse necessário? Que sacrifício, não é? - escarneceu, profundamente
desanimada. - Que maldito sacrifício!
Sua voz morreu na garganta, e ela precisou de um momento para se recompor, continuando devagar e com muita dignidade.
- Agora, por favor, saiam daqui. Os dois. - Com a garganta seca e os olhos úmidos, ela entrou na casa e subiu para o próprio quarto. Fechando a porta, e trancando
a fechadura, sentiu a torrente incontrolável de lágrimas que estava prestes a desabar.
"Aprende suas lições da forma mais dura, não é, Vivien?" As lágrimas finalmente irromperam, escorrendo-lhe pelo rosto. Uma dor profunda oprimia-lhe o peito. Deitou-se
na cama e afundou a cabeça no travesseiro, com raiva de si mesma. Sentia-se usada e trapaceada, e indubitavelmente traída.
Podia ouvi-los discutindo lá fora, Daniel destemperado e Joshua mais calmo. E então, momentos mais tarde, batidas soaram à sua porta. Ela as ignorou.
- Vivien - Joshua chamou em voz baixa.
Ela não respondeu, prendendo a respiração e ouvindo o silêncio... o silêncio de uma pessoa que esperava.
Ouviu, ou pelo menos pensou ter ouvido, um suspiro, e depois os passos dele se afastando. Minutos mais tarde ouviu o ruído do motor do jipe sendo ligado. Daniel
partiu logo em seguida, depois de ter sido auxiliado por Amanda para voltar a seu carro. Só depois que ouviu os veículos se afastando é que Vivien fez um movimento,
girando o corpo na cama para fitar o teto.
Devia ter desconfiado, dizia a si mesma. No íntimo sabia que aquela situação era um engano. As armadilhas estavam por toda parte... O comportamento estranho de Joshua,
oscilando entre a frieza e uma gentileza exagerada... Mas estava solitária e vulnerável, desejando acreditar, e então, quando um homem atraente surgira vindo do
nada, jogara o bom-senso pela janela e tornara tudo muito fácil para ele. Joshua a excitava, fazia com que se sentisse uma mulher outra vez... Que tolice!
As lágrimas continuavam a escorrer por seu rosto. Sempre condenara as mulheres que ficavam vulneráveis por causa de homens. Que tolas! Será que elas achavam que
um futuro sem romance era uma coisa decepcionante? Era melhor sentir-se como ela se sentia hoje?
Joshua Baynard não era um bom homem. Não, até seu nome era uma mentira. Joshua Baynard Renwick. Podia aceitar que ele tivesse vindo para ficar de olho em Daniel.
Era compreensível. Mas precisava tê-la seduzido deliberadamente? Mesmo que acreditasse na história de ela ser uma caçadora de fortunas... Não, aquilo fora injustificável,
e muito baixo de sua parte.
Caiu em um sono profundo, acordando uma hora mais tarde. Levantou-se e olhou de relance pela janela, notando que nuvens negras aproximavam-se no céu. Logo tudo ficaria
escuro e desabaria mais uma tempestade de verão. Sem importar-se com o rosto manchado pelas lágrimas, desceu as escadas para fechar todas as janelas.
Joshua estava sentado na cozinha. Esperando.
Ela encarou-o com uma expressão indiferente.
- Pensei ter ouvido você ir embora - comentou com frieza.
- Eu saí para dar uma volta, pensar no que aconteceu - Joshua informou com seriedade.
- O que teria feito se eu não me sentisse atraída por você?
- Esse não era o plano original.
- E qual era o plano?
- Pode sentar por um minuto? - ele convidou-a com gentileza.
- Não.
Ele fez um gesto de cabeça, concordando. Seu rosto parecia retorcer-se de remorso.
- Originalmente, a intenção era apenas ver o que estava acontecendo, me assegurar de que tudo estava indo bem com Daniel, e vigiá-lo discretamente.
- Mas você precisava de uma desculpa, uma razão para estar aqui, e quando notou como era capaz de me afetar mudou as regras do jogo, não é?
- Fico envergonhado por ter que admitir que sim. Se você realmente fosse o tipo de pessoa que os pais de Daniel tinham descrito...
- Você devia me dar uma dose de meu próprio remédio, não é verdade?
- Sim.
- Então eu gostaria muito de saber como pretendia fazer isso... Jamais lhe passou pela cabeça que se, como os pais de Daniel acreditavam, eu me recusava a casar
porque ele estava paralítico, provavelmente não era uma caça-dotes competente? Não acha que meu comportamento era estranho para uma pessoa interessada apenas em
dinheiro?
- Não - ele discordou, mantendo a calma. - Eu imaginei que você pudesse estar poupando energia para o grande golpe.
- Imaginou? - ela repetiu suavemente.
- Sim... Imaginei que uma pessoa mal-intencionada faria isso.
- Mas não era verdade.
- Não.
- Você é realmente rico?
A hesitação dele foi breve dessa vez.
- Sim.
- Você deliberadamente abusou de minha ingenuidade. Com ar pesaroso, Joshua assentiu com um gesto de cabeça.
- Sim.
- E, apenas por curiosidade - ela perguntou, com uma expressão fria no rosto -, quão longe você seria capaz de ir?
- Eu não teria ido muito longe, e tinha bons motivos para isso. Comecei a ficar apaixonado por você, Vivien...
- Apaixonado! - ela escarneceu com amargura.
- Sim, apaixonado. Eu já não podia me controlar, querendo contar-lhe tudo... Se eu não tivesse cometido esse erro...
- Oh, então você concorda que cometeu um erro?
- Sim.
- Foi mesmo uma armação, não é? Aquela história de Daniel e Amanda.
Mais uma vez ele hesitou, e então assentiu, com os olhos fixos nos dela.
- Sim. Mas não pelos motivos que Daniel colocou. Vivien, você pode não acreditar, mas eu realmente me apaixonei, e precisava esclarecer a situação. Achei que se
ele nos surpreendesse a verdade viria à tona.
- Nada como uma cena de traição para resolver um probleminha, não é? - Vivien comentou com amargura.
- Conversei com Amanda, explicando as dúvidas dos pais de Daniel. Contei como eles estavam preocupados com a influência que você podia estar exercendo sobre ele...
e até mesmo - Joshua adicionou com um sorriso triste -, que você podia estar interferindo em sua recuperação. Ela concordou em me ajudar, e nós decidimos que se
ele visse você me beijando...
- Nossas reações durante a discussão iriam esclarecer tudo... - ela completou, encarando-o com dignidade.
Joshua abaixou a cabeça, deixando escapar um suspiro, que Vivien interpretou como mais um fingimento. Só então ele continuou.
- Sim, mas quando Amanda pensou melhor, achou tudo aquilo um erro, e contou ao Daniel. Tínhamos marcado um horário certo para que eles voltassem, mas...
- O resto, como costumam dizer, é apenas história.
- Sim. Mas há mais um detalhe que preciso lhe contar...
- Não quero ouvir mais nenhuma explicação, Joshua. Já está bastante claro para mim o tipo de canalha que você é - Vivien interrompeu-o.
- Você nunca vai me perdoar por tê-la julgado mal, não é?
- Não. Assim como também não vou perdoá-lo por... - Calando-se, deixou escapar uma risada curta e repleta de amargor.
"Por me dar esperanças", completou mentalmente. "E por me dar instantes de uma alegria falsa".
Mantendo a voz sob controle, ordenou calmamente:
- Vá embora, Joshua. Suma daqui. E nunca mais volte, por favor.
Girando sobre os calcanhares, Vivien voltou para o quarto e trancou-se novamente. Todos os porquês do mundo não fariam a mínima diferença agora, fariam? Não. Apenas
um fato importava: Joshua Baynard a fizera de boba. E fizera isso deliberadamente.
CAPITULO VII
Vivien acordou pela manhã, sentindo-se estúpida e traída, mas ao encarar o próprio reflexo no espelho sua apatia transformou-se em raiva. Nenhuma desculpa era possível,
nenhum "eu sinto muito, Vivien, mas me enganei com você" a faria esquecer o que tinha acontecido.
Será que Joshua apenas encolhera os ombros e resolvera partir em busca de novas aventuras amorosas? Talvez uma antiga namorada?
Ele dissera que estava se apaixonando por ela. Não. Se estivesse apaixonado teria dito alguma coisa, explicado algo.
Não é um bom homem, Vivien. Não. Então por que aquilo doía tanto? Por que não conseguia odiá-lo? Afastando esses pensamentos da mente, ela apanhou a filha no berço
e abraçou-a com ternura, como se quisesse prepará-la para um futuro que não prometia grande coisa.
"Na semana que vem você terá esquecido tudo", assegurou a si mesma. Poderia até rir do assunto. Tudo retornaria à tranqüilidade habitual...
Entrando na cozinha, estacou, chocada. Um grande, muito grande, buquê de rosas estava sobre a mesa. Celofane, uma fita cor-de-rosa... e um cartão.
Retorcendo os lábios, apanhou o cartão e o leu.
"Mudei-me para a casa de hóspedes. Dentro do envelope está o aluguel desta semana." Estava assinado "J.B.R."
Com uma expressão furiosa no rosto, carregando Cathy em um dos braços e as flores no outro, ela cruzou o gramado como um raio na direção da casa de hóspedes, escancarando
a porta da frente... Encontrou um Joshua surpreso, que vestia apenas uma toalha ao redor da cintura.
- Não foi assim que tudo começou? - ele perguntou suave mente, mantendo os olhos fixos nela por todo o tempo.
Vivien atirou o envelope e o cartão em cima dele, depois as flores, e saiu sem dizer uma palavra. Cathy começou a chorar, espantada com a violência da cena.
- Fique quieta. Você não pode me julgar também. - Como ele ousara? Era tudo em que conseguia pensar.
De volta à cozinha, acomodou a filha no cadeirão e começou a preparar o café da manhã. Colocou duas fatias de pão na torradeira e pegou um pote de comida de bebê
na geladeira. Como ele ousara?
Depois de servir a menina, desabou sobre uma cadeira, cortando algumas cenouras com movimentos bruscos e violentos... e ao erguer a cabeça viu Joshua parado na porta
da cozinha, observando-a.
- Eu te odeio!
- Sim - ele concordou em voz baixa.
- Suma daqui.
Joshua examinou seu rosto abatido, desviando o olhar para Cathy por um momento. A menina observava tudo com atenção, como se soubesse exatamente o que estava acontecendo.
Logo depois ele fez meia-volta e desapareceu. Ainda estava usando apenas a toalha.
- Eu te odeio - ela sussurrou.
Trancando a porta da cozinha, esforçou-se para recuperar a calma. Preparou para si mesma uma xícara de chá, bebeu lentamente e então decidiu sair para fazer compras.
A meio caminho da cidade lembrou-se de que não tinha trocado a bateria do carro, o que significava que Joshua tinha feito isso. Por um momento ficou tentada a arrancar
a bateria e jogar diante da porta dele. Só então percebeu como estava sendo tola... Afinal de contas, nem mesmo era a porta dele, a casa toda era dela.
Como ele decidira mudar-se para lá outra vez? A cama ainda estava no quarto de Cathy. Talvez ele tivesse achado melhor tirá-la durante sua ausência. E o buraco na
parede do quarto? Talvez tivesse passado a noite dormindo no chão da sala...
Quando chegou no supermercado, Vivien não foi capaz de lembrar o que fora comprar, saindo algum tempo depois, carregando poucas coisas. Ao retornar para casa notou
que o jipe não estava mais lá. A casa de hóspedes estava trancada e as janelas fechadas. Subitamente sentiu-se... trapaceada.
Entrando na casa pela porta dos fundos, com Cathy nos braços e a sacola de compras apertada contra o peito, ela estacou com descrença.
As flores que havia atirado sobre Joshua tinham sido trazidas de volta, e a elas tinham se juntado muitas outras, dispostas elegantemente em um arranjo sobre a mesa.
Também havia flores na sala, no hall e até mesmo um vaso de violetas no banheiro. Mas era tarde demais para aquilo. Sentindo-se cansada e confusa, ela preparou o
almoço para Cathy.
Se Joshua ainda estivesse lá, com certeza atiraria tudo sobre ele outra vez. Mas não estava. Ele se fora.
As seis horas ouviu um carro. Levantando-se, com os olhos muito abertos, correu até a porta dos fundos, recostando-se nela para poder distinguir os ruídos fora da
casa. Ouviu a porta do carro batendo, a porta da casa de hóspedes sendo aberta e fechada, e depois, cautelosamente, arriscou espiar pela janela.
Uma Mercedes reluzente estava estacionada na alameda, e as janelas da casa de hóspedes agora estavam escancaradas. Segundos depois Joshua apareceu, e ela mal teve
tempo para se esconder. Cathy assistia à cena com interesse, sentada em sua cadeira de bebê, e Vivien sorriu-lhe amistosamente. Ouviu passos aproximando-se, parando,
e depois se afastando.
Avançou curiosa até a janela, e viu que havia outra enorme cesta de flores depositada na soleira da porta. Sentindo-se novamente furiosa, não conseguiu se conter.
- Não me mande mais flores! - gritou.
Ele parou no meio do gramado, virando-se curioso.
- Está falando comigo? - perguntou.
- Não! - Vivien fechou a janela com violência, provocando um murmúrio excitado em Cathy.
- Fique quieta, você - Vivien reprovou-a. - Isso não é nada engraçado.
A menina a encarava como se nada entendesse.
Na manhã seguinte foram frutas, acompanhadas por buquês de rosas vermelhas. Maçãs, pêras, uvas, laranjas, amoras... todo o tipo imaginável de frutas. E Vivien gostava
de frutas... Batendo a porta para não cair em tentação, deixou tudo do lado de fora. Sabia que era um terrível desperdício, mas não se importava.
A noite foi um perfume, na manhã seguinte mais flores e uma caixa com um colar, e então... nada.
- Desistiu muito fácil - ela murmurou. Desapontada, abriu a porta dos fundos, sem saber que era observada da casa de hóspedes.
No dia seguinte ainda não havia nada na soleira da porta, e ele não saíra para trabalhar... se é que estava trabalhando. Talvez aquela história também não passasse
de uma mentira. Provavelmente nunca existira nenhum castelo normando. E a casa de hóspedes continuava fechada.
Por volta do meio-dia, sem admitir para si mesma que estava olhando constantemente para o relógio, muito irritada e tensa, começou a preparar o almoço.
- Ora, isso é ridículo! - disse finalmente para si mesma.
Foi até a porta e abriu-a, olhando para a casa de hóspedes mais uma vez. Nada.
Estava começando a ficar alarmada. Será que ele estava doente? Podia estar sufocando lá dentro, com as portas e janelas fechadas. Já estava a meio caminho da casa
de hóspedes quando percebeu o que estava fazendo. Decidiu-se então por uma abordagem menos direta, e aproximou-se silenciosamente da janela da sala. Joshua estava
deitado em um saco de dormir, imóvel.
Tremendo, Vivien bateu ansiosamente no vidro. Nenhuma resposta. Mordendo o lábio inferior, foi até a porta da frente, que felizmente estava destrancada.
- Joshua? - ela chamou.
Silêncio.
Entrou rapidamente.
- Joshua! - Ele não se movia... não dava nenhum sinal de tê-la escutado. - Joshua? - sussurrou preocupada. Aproximando-se, abaixou-se e tocou-o no ombro com hesitação,
tomando um susto enorme quando ele segurou-a com força pelo pulso.
- Seu...
- Calma, não grite nenhum palavrão, Cathy pode ouvi-la da cozinha - ele a aconselhou.
- Pensei que você estivesse doente! - ela replicou furiosa.
- Você está sem sorte, ainda não estou morto - ele devolveu com sarcasmo. - Acho que é apenas um pouco de desidratação. Trabalhei demais sob o sol ontem.
Sentindo os dedos fortes fechados como uma manopla em seu pulso, Vivien protestou:
- Você está me machucando.
- Não estou não. - Ele puxou-a para mais perto, beijando-a. - Bom dia.
- Já é tarde! E você está muito suado!
- Vou tomar banho num minuto. Quer se juntar a mim?
- Não!
- Covarde.
- Solte-me!
- Não. Oh... Oi, Cathy!
A menina seguira Vivien, que esquecera a porta da cozinha aberta ao arremeter pelo gramado. Joshua riu, acariciando-a levemente com a mão livre, mas parou logo em
seguida.
- Você não pode fazer isso comigo! - Vivien protestou, tentando se livrar outra vez.
- Claro que não posso! - ele exclamou, parando imediatamente de rir. - Mas que outra alternativa você me deixou?
O que mais preocupava Vivien, porém, era o fato de ele estar meio despido e os cobertores terem caído no chão.
- Cubra-se com alguma coisa!
- Eu não posso... não estou com as mãos livres.
Cathy segurava-o com firmeza na outra mão.
- Se eu soltar, você promete que fica? - ele perguntou em voz baixa. - Por favor?
Ela encarou-o por um momento, desviando a cabeça quando notou que estava sendo atraída por aquele olhar como se sofresse a influência de uma força magnética.
- Por favor? - ele repetiu.
- Você gastou todo aquele dinheiro com frutas, e flores... que grande desperdício!
- Não foi um desperdício.
- Foi idiota! Eu lhe disse para ir embora!
- Eu não queria partir. Por favor?
- Você é um trapaceiro.
- Não inteiramente - ele negou.
- Não minta. Você fingiu.
- Só no começo. Mas eu estava realmente atraído por você, Vivien.
- E acha que isso muda tudo? - ela perguntou com amargura.
- Não, e quanto mais a conheço, mais arrependido fico.
- Mas que tocante!
- Veja bem, Vivien, eu...
- Você não pode fazer amor com uma mulher como eu, não é verdade? Meu Deus... como você deve ter se arrependido de cometer esse engano!
- Pare com isso - ele pediu em voz baixa. - Posso compreender sua amargura, e também seu ressentimento...
- Você pode? Pode mesmo? Você me feriu, sabia?
- Eu sei disso.
- E nem se preocupou em pedir desculpas.
- Eu sei.
- Você me usou!
- Não...
- Sim! - ela insistiu com firmeza.
- Mas não é isso que a deixou nervosa, não é? - ele perguntou cautelosamente. - Na verdade acha que eu enganei você, não é verdade?
- Você fez isso!
- Não - ele negou. - Eu enganei a mim mesmo. Comportei-me de uma maneira não apenas reprovável, mas que também vai contra tudo aquilo em que acredito. Você me permitiria
explicar por que agi desse jeito?
Fazendo um gesto de cabeça que não era nem afirmativo nem negativo, Vivien sentou-se no chão, ainda presa pela mão forte de Joshua.
- Por quê? Por que você quer meu perdão? - ela perguntou com um tom sarcástico que não foi capaz de evitar.
- Eu quero mesmo seu perdão... claro que sim. Mas essa não é a única razão.
- Então o que é? O que quer exatamente de mim?
- Tudo o que você tem para dar - ele respondeu simplesmente.
- O quê?
- Dê-me sua promessa de que não vai fugir, e eu solto sua mão.
Vivien finalmente consentiu. Era uma forma de chantagem, mas pelo menos ouviria o que tinha a dizer.
Joshua encarou-a fixamente por um longo momento, soltando-a em seguida.
- Vá e coloque a menina no berço - murmurou devagar. - Eu encontro você num território neutro. O que me diz do meio do jardim? Em vinte minutos?
Com outro aceno de cabeça, Vivien concordou, e sua mente estava muito confusa quando finalmente deixou a casa de hóspedes. Subiu até o quarto e colocou Cathy no
berço, acariciando-a até que a menina adormecesse.
Depois desceu lentamente as escadas e foi até o jardim, caminhando até a sombra que uma frondosa macieira proporcionava. Recostou-se no tronco, tamborilando os dedos
contra a madeira úmida, e olhou distraidamente para os campos ao redor da casa.
"Não vai acreditar em mais nenhuma das mentiras dele, Vivien", ela advertiu a si mesma. Não pretendia comportar-se como uma tola e começar toda aquela tortura outra
vez.
Quando Joshua começou a atravessar o jardim, ela olhou em sua direção fixamente. Apesar de ter tomado banho e colocado roupas limpas, ele não abandonara a expressão
amargurada do rosto.
- Não posso suportar vê-la tão ferida e infeliz - ele começou em voz baixa. - Não posso suportar o fato de que fui eu quem causou esse sofrimento. Todos nós traímos
você, não é? Os pais de Daniel, o próprio Daniel e eu... Até mesmo seu Andrew, por morrer tão cedo, de certa forma traiu sua confiança...
Aproximando-se, ele segurou-a pela mão, acariciando-a com gentileza, antes de começar a falar.
- Joseph, o pai de Daniel, é um construtor. Um homem bom e competente. Ele também é formado em história, e alguns anos atrás, quando eu precisei de alguém para trabalhar
numa restauração em Essex, acabou apresentando-se para o emprego. Nos tornamos bons amigos. Ele era trabalhador e extremamente honesto. Um homem de caráter, se você
me entende, e Daniel, o seu filho único, obviamente era seu maior orgulho.
Seguiu-se uma pausa tensa, e então Joshua prosseguiu.
- Quando eu a encontrei pela primeira vez, tinha acabado de chegar de Praga. Trabalhara durante meses com Joseph na restauração de um palácio ducal, e durante esse
período ele me contou sobre o acidente de Daniel, e sobre você também... Ele estava zangado, confuso, amargurado. Daniel não falava mais com ele, e também cortara
gradualmente as relações com a própria mãe, que desejava muito cuidar do filho. Lembro de Joseph comentar "ela parece tão pura e inocente", referindo-se a você,
claro. E ele conhecia seu marido também - Joshua adicionou com a voz fraca.
Erguendo a cabeça, Vivien encarou-o com espanto. Ele dissera a última frase num tom sombrio.
- Sim, imagino que isso seja possível - ela concordou. - Andrew e Daniel freqüentaram a escola juntos. Se não me engano, Andrew chegou até mesmo a trabalhar para
o pai de Daniel...
- Sim. E ele queria que Andrew continuasse trabalhando para ele.
- Queria? Eu não sabia disso. Mas o que isso tem a ver com...
- Andrew aparentemente disse, quando deixou o emprego, que o motivo para que ele deixasse a empresa era a garota de quem ficara noivo. Ele contou uma história, dizendo
que você não admitia que ele trabalhasse para outra pessoa, e o forçara a tentar estabelecer-se por conta própria.
- Oh, isso não é verdade! - ela sussurrou. - Ele não pode ter dito isso!
- Foi o que Joseph me contou, e eu acredito nele. Veja, talvez essa tenha sido apenas uma desculpa de Andrew para evitar maiores explicações. Eu não conheci seu
marido, não sei que tipo de pessoa ele era.
Mas Vivien sabia, e no íntimo sabia que aquela história tinha uma certa lógica. Andrew sempre gostara de facilitar as coisas para si mesmo, querendo que as pessoas
sempre gostassem dele e não o culpassem, e então talvez tivesse colocado a culpa por sua saída nela, para não ficar mal-visto aos olhos do patrão...
- E então Joseph passou a me ver como uma mulher mercenária - ela murmurou. - E à luz dos últimos acontecimentos...
- Passou a acreditar ainda mais nisso - Joshua concordou.
- Joseph também deixara uma boa quantidade de dinheiro para Daniel. E quando Daniel mudou-se para Suffolk, e passou uma temporada hospedado com vocês...
- Pensaram que ele não era o hóspede, e sim o dono da casa.
- Sim, e também acreditavam que você e Andrew moravam aqui de favor. Mas veja bem, Vivien, essas conclusões a que eles chegaram... Daniel sempre era muito vago,
contando meias-verdades e fazendo com que os pais pensassem o que ele quisesse.
- Entendo.
- Eles também concluíram... - Depois de deixar escapar um suspiro, ele continuou, hesitante. - Também concluíram que você e Daniel eram amantes, e que você estava
traindo seu marido. As cartas de Daniel eram repletas de citações a você... como você era adorável, como ele a admirava... Talvez nem ele mesmo soubesse quantas
vezes mencionava seu nome, como estava sendo envolvido... eu não sei...
Mais uma vez ele fez uma pausa, encarando-a com olhos faiscantes.
- Foi então que Andrew morreu - ele continuou, muito sério.
- E quando Daniel disse que estava cuidando de você, deixando mais ou menos implícito que Cathy era filha dele, seus pais a princípio ficaram zangados, mas depois
acabaram aceitando, com medo de que, se não fossem razoáveis o,bastante, não pudessem nunca ver a neta...
Deixando escapar um gemido desconsolado, Vivien livrou a própria mão e virou as costas para Joshua. "Deus do céu", pensou.
- Eles queriam desesperadamente vir até aqui, conhecê-la ver o bebê. Mas Daniel disse que você se recusava a vê-los.
O rosto de Joshua era uma máscara impenetrável.
- E então aconteceu o acidente de carro - ela murmurou em voz baixa. - Um acidente que eu causei. Portanto eu não apenas havia traído meu marido, como impedia que
eles vissem sua suposta neta, e também havia aleijado seu único filho.
- Foi isso que eles pensaram - Joshua confirmou.
- Mas Daniel estava tão apaixonado por mim - ela emendou com amargura -, que insistiu para que eu ficasse aqui... na casa dele... e deixou os pais acharem que eu
estava interessada na casa e na herança.
- Sim.
- Não me admiro que eles tenham pensado que eu era realmente uma pessoa das piores. Mas tudo isso foi baseado em mentiras e especulações... Por que não vieram por
si mesmos ver que tipo de pessoa eu era?
- Eles vieram. Mas você estava fora por algum motivo, e Daniel lhes disse para não voltarem nunca mais.
- Porque se eles voltassem, e me conhecessem, com certeza acabariam descobrindo a verdade...
- E a única chance de Daniel fazê-la apaixonar-se por ele teria finalmente caído por terra. Ele deve ter pensado que se a mantivesse a seu lado por tempo o bastante,
se você se acostumasse...
- Se ele me chantageasse o bastante, você quer dizer. Jogando a culpa do acidente sobre mim a cada instante...
- Sim, e então, quando Joseph me contou tudo isso em Praga, estava muito preocupado... Preocupado não, estava verdadeiramente angustiado. E foi quando ele ficou
sabendo que eu viria para Norfolk para cuidar de uma nova restauração...
- Norfolk? - ela perguntou, virando-se para encará-lo.
Joshua sorriu sem jeito.
- Sim, Norfolk. E onde fica o castelo normando de que lhe falei.
- Mas Norfolk fica longe daqui! É outro condado!
- Sei disso. Acredite em mim, sei disso muito bem. Dirigir para lá todos os dias, naquele jipe velho...
- Mas por quê? Por que precisava fingir que era pobre?
- Porque você concluiu que eu era. Eu tinha chegado direto do aeroporto, sem tempo para trocar de roupa ou me barbear... e o jipe foi o único carro que. consegui
alugar quando cheguei ao vilarejo - ele murmurou desanimado.
- Então você planejou nosso encontro friamente... - ela murmurou, sentindo-se traída mais uma vez.
- Não. Eu estava com calor, cansado e irritado. Parei em Lavenham para pedir informações sobre como poderia chegar aqui... e acabei cruzando com aquele grupo de
turistas. Logo que me juntei ao grupo, ouvi você se apresentando, e foi uma coincidência. Simples, não? Uma incrível coincidência.
- Chrissie estava doente - Vivien explicou sem necessidade. - Eu a substituí naquela semana. A mãe dela servia de babá para Cathy enquanto eu fazia isso.
- Eu esperava encontrar um mulher mais velha, uma pessoa dura e agressiva, e vi, como o pai de Daniel já afirmara, uma mulher jovem e doce. Um sorriso amigável...
Mas eu acreditava na história que Joseph me contara. Não tinha nenhum motivo para desconfiar dele. Minha própria mãe casou-se com meu pai por causa de dinheiro -
ele revelou consternado. - Eu já conhecia o efeito que a ganância pode ter sobre as pessoas. Achava que Daniel merecia um futuro melhor. Qualquer um merece um destino
melhor do que o que meu pai teve. Mas apesar de tudo, ele amava minha mãe. Suportava todas suas manias e frivolidades porque a amava. Acho que papai nunca soube
ao certo se eu realmente era seu filho. Mas comportava-se como se eu fosse, e eu sempre o amei por isso.
- E então, quando o pai de Daniel pediu...
- Sim. Eu não queria vir, achava que isso não era um assunto no qual devia me meter, que Daniel era velho o bastante para saber o que estava fazendo. Não havia nenhum
motivo para acreditar que ele era o vilão da história... Acabei concordando apenas em ver o que estava acontecendo para contar tudo para o meu amigo quando o encontrasse.
Mas você me intrigou, e por isso eu acabei ficando.
Vivien mantinha no rosto uma expressão impenetrável.
- Quando saímos para jantar, Mário, o dono do restaurante, me disse "dessa nós gostamos, Joshua", e eu não queria continuar fingindo, porque me sentia muito bem
com você. Então, naquela noite, minha rejeição foi causada por um motivo moral... eu não podia estar sentindo o que sentia por você. Eram emoções para as quais eu
não estava preparado. E mesmo que você fosse uma mulher terrível, eu sabia que não deixaria de desejá-la. Como meu pai desejava minha mãe... Era irônico... Como
se a história de minha vida estivesse se repetindo...
- Você poderia ter me contado antes - ela murmurou. - Eu teria compreendido.
- Sim, mas eu ainda não sabia disso.
- Não.
- Tem mais uma coisa, Vivien. No dia em que Daniel nos surpreendeu, eu realmente perdi o controle da situação, não a beijei de propósito.
- Como assim? - ela perguntou, sem entender.
- Amanda deveria trazer Daniel apenas no dia seguinte, entende? Eu não estava esperando que eles chegassem àquela hora...
- Mas...
- Quando você me contou que nunca tivera nada com Daniel, e que Cathy não era filha dele, percebi o erro que estava cometendo - ele explicou. - E havia decidido
ligar para Amanda, desfazendo o acordo.
- Então por que você me beijou?
Joshua sorriu envergonhado.
- Já disse, me descontrolei. Não agüentava mais ficar longe de você. Além disso, como eles deveriam chegar apenas no dia seguinte, teria muito tempo para avisar
Amanda.
Vivien suspirou profundamente, tentando colocar seus pensamentos em ordem. Como uma relação sólida poderia florescer depois de tantas mentiras e desconfianças? Como
poderia acreditar em Joshua depois do que acontecera? E ele? Confiaria nela algum dia?
Ficaram em silêncio por um longo momento, até que Joshua voltou a falar.
- Você o amava muito, Vivien?
- Andrew? - Quando ele confirmou a pergunta, meneando a cabeça, ela hesitou por um momento antes de explicar. - Eu o amava, mas nosso casamento não foi nada do
que estava esperando. Se ele não tivesse morrido, talvez até tivéssemos conseguido esclarecer as coisas entre nós, não sei. Talvez não fosse um casamento excitante
ou delirantemente feliz, mas era sólido o bastante para resistir... Não à morte, é claro. Andrew era meio obstinado e teimoso às vezes, e também não era muito sensato...
eu não me sentia infeliz, mas...
- Ele não a satisfazia totalmente, não é? Não, não precisa responder se acha essa uma pergunta desleal. Tudo o que eu queria era descobrir...
- Por que eu pareço tão carente quando estou a seu lado?
- Vivien! Não pode pensar que acho isso de você!
- Não posso? Bem, muito obrigada pela explicação - ela agradeceu calmamente.
Com o rosto impassível, ele esperou, e então, finalmente, perguntou:
- Só me diz isso?
- Sim - Vivien murmurou, abaixando a cabeça.
- Sem perdão?
Vivien hesitou, sentindo uma onda de revolta percorrer todo seu corpo.
- Eu perdôo você, mas... - murmurou quase sem voz.
- Mas?
Respirando profundamente, ela continuou, por fim.
- Mas não quero vê-lo mais.
- Por quê?
- Porque já fui ferida o bastante.
CAPITULO VIII
Joshua encarou Vivien por um longo tempo, com seus olhos brilhando intensamente.
- Você acha que vou feri-la mais? - perguntou em voz baixa.
- Não sei. Mas você... pode fazer isso.
- E o risco é alto demais?
- Eu tenho Cathy, não posso correr riscos. - Vivien estava a ponto de chorar, podia até mesmo sentir seus lábios tremerem. - Por favor, vá - ela sussurrou. - Se
realmente se importa comigo, vá embora.
Joshua avançou, tocando em seus lábios com um dedo.
- Sim. Mas só por enquanto - ele concordou suavemente. - Virando-se, saiu rapidamente, entrando no carro e partindo em seguida.
Vivien não quis vê-lo se afastar. Joshua não vestia mais roupas surradas, não havia mais necessidade de fingir. Suas roupas agora pareciam caras, assim como o carro.
Enxugando as lágrimas, ela entrou na casa e olhou para as flores que ele mandara. Talvez devesse se mudar, colocando a casa à venda, e recomeçando em outro lugar.
Uma vida nova. E talvez um dia encontrasse uma pessoa para amar. Qualquer pessoa.
Os dias se passaram, mas a lembrança de Joshua continuava na mente de Vivien. Não conseguia dormir bem, nem se alimentar direito, e sabia que isso não era justo
com Cathy.
Mas sua rotina parecia exatamente igual ao que sempre fora. Limpou a casa de hóspedes, tocando cada coisa que Joshua deixara para trás, cada coisa que ele tocara.
Sentava constantemente na cama dele, que levara de volta para lã, e sentia-se tola e infeliz.
O buraco na parede fora finalmente consertado, por pedreiros que chegaram no dia seguinte à partida de Joshua, dizendo que o trabalho já estava pago. Cansada demais
para protestar, ela aceitara. Mas cada vez que um carro passava na estrada prendia a respiração, esperando que fosse o dele.
E então, exatamente duas semanas depois da partida de Joshua, Daniel voltou. Um Daniel diferente, muito mais calmo, que foi trazido por .Amanda.
Cathy recebeu-o esfuziante, praticamente pulando em seu colo. Daniel abraçou-a com ternura, beijando-lhe os cabelos.
- Senti falta dela - ele confessou encabulado. - De vocês duas.
- Daniel...
- Não, deixe-me dizer isso. Preciso pedir desculpas, e me explicar, se isso for possível. - Ainda segurando Cathy, ele encarou Vivien diretamente. - Você está com
uma aparência péssima. Fomos nós que provocamos isso, não é?
- Sim.
- Eu falei com meus pais, explicando tudo - ele continuou rapidamente. - Eles ficaram horrorizados, furiosos... queriam encontrá-la para pedir desculpas também...
- Agora não - Vivien interrompeu decidida. - Um dia, talvez...
- Sim. Oh, Vivien! Eu nem mesmo sei por onde começar. Eu sempre o invejei, você sabe... Andrew. Ele tinha as melhores notas na escola, namorava as moças mais bonitas...
Talvez isso tenha sido um dos motivos. Eu passei a desejar tudo o que ele tinha... Você era tão bonita e engraçada, vivia sorrindo... Eu realmente sinto muito. Fiz
de sua vida um inferno, e isso nunca foi minha intenção...
- Sei disso.
- Tentei tomar o lugar de Andrew, fazer tudo o que ele fazia. Talvez até melhor - ele emendou desanimado. - Você às vezes parecia ficar sentida quando ele não apoiava
suas idéias, seu entusiasmo, e acho que comecei a odiá-lo por isso, e quando ele morreu me convenci de que seria capaz de cuidar melhor de você, entendê-la melhor...
Quando Cathy nasceu, passei a acreditar que ela era minha. Eu amava tanto a menina... e, aliás, continuo amando. Você me deixaria vê-la de vez em quando? - perguntou,
obviamente preocupado com uma provável resposta negativa.
- Sim, é claro. Ela também ama você muito. Você é seu padrinho, afinal de contas.
- Sim. Muito obrigado. - Examinando o rosto infeliz de Vivien, ele suspirou, depois continuou, determinado. - Andei pensando muito nessas duas semanas, e conversando
bastante com Amanda também. Ela ficou tão horrorizada quanto meus pais... e depois eu voltei ao hospital. Andava sentindo dores estranhas nas pernas... arrepios
e coceiras, e estava muito assustado. Eu pensava que isso podia significar algo ruim, mas estava enganado. Minhas pernas vão voltar a funcionar. Elas vão ficar boas
de novo...
- Fico feliz.
- Ainda vai demorar um pouco... tenho que fazer fisioterapia e tudo o mais, mas... - Respirando profundamente outra vez, ele perguntou suavemente:
- Você me perdoa?
- Oh, Daniel! - ela exclamou desamparada. - Sim, eu perdôo você. Nós dois fomos vítimas das circunstâncias.
- E você vai me visitar de vez em quando? Levar Cathy? Ou então deixar-me vir até aqui para visitá-la?
- Sim, é claro.
- Eu não vou ficar abandonado. Amanda e eu... bem, eu gosto muito de Amanda - ele disparou abruptamente, provocando um sorriso compreensivo por parte de Vivien.
- Ótimo. E ela gosta de você também?
Daniel deu um sorriso sério, assentindo com um gesto de cabeça, e então suspirou.
- Joshua veio me ver. Nós tivemos uma longa conversa. Você não o está vendo mais?
- Não.
- Ele está muito magoado.
- Está? - Vivien perguntou com indiferença. No íntimo, porém, também se sentia magoada e perdida. - E ele deve ter falado muito bem, para fazer com que você viesse
defendê-lo.
- Não seja amarga. Você gosta muito dele, não é?
Desviando a cabeça para que ele não pudesse ver a expressão de seu rosto, ela mordeu o lábio inferior com força desmedida. Gostar dele? Gostar? Podia dizer isso
de um homem que a fazia tremer apenas com um sorriso?
- Eu decidi me mudar - ela anunciou subitamente. - Viver mais perto da cidade. Sinto-me um pouco isolada aqui nesse lugar.
Ele suspirou.
- Se você precisar de alguma ajuda... Quer dizer, se houver algo que eu possa fazer...
- Não - ela murmurou lentamente. Não havia nada que ninguém pudesse fazer.
- Vou apanhar minhas coisas no anexo. Amanda está esperando lá fora no carro... ela vai me ajudar. Você não se mudaria sem me avisar, não é? - ele perguntou, preocupado.
- Não.
Amanda e Daniel demoraram a tarde toda para desocupar o anexo. Quando foram embora, e Cathy já estava deitada no berço dormindo, Vivien perguntou-se se não estava
sendo um pouco precipitada. Mas acabou chegando à conclusão de que Joshua realmente não era o tipo de homem que se envolveria com uma viúva, mãe de uma criança de
colo. Pelo menos não seriamente. E ela precisava de um relacionamento sério.
Sentou-se distraidamente na cama, e logo depois ouviu um ruído alto, que parecia ser de um helicóptero. A princípio não deu muita atenção ao fato, mas o ruído foi
aumentando e aumentando, por isso ela foi até a janela e realmente vislumbrou um aparelho sobrevoando as árvores do outro lado da estrada.
Polícia, concluiu, ou talvez a força aérea... mas em seguida notou que o helicóptero era vermelho, e lembrou-se de que essa cor não era usada por nenhuma das duas
opções. O aparelho parecia um grande dragão, ela pensou distraída, ainda observando desinteressada as manobras feitas pelo piloto. Se o barulho continuasse ia acabar
acordando Cathy.
Suspirando, afastou-se da janela. Dennis, o dono da fazenda ao lado, não gostaria nada se estragassem sua plantação de milho.
Abriu cuidadosamente a porta do quarto de Cathy, caminhou até o berço e sorriu. A filha continuava dormindo calmamente, e tinha se livrado das cobertas por causa
do calor. Vivien não pôde deixar de sentir uma intensa emoção ao contemplar o rosto sereno da menina...
Com as mãos apoiadas na grade do berço, ela continuava olhando para a filha ao mesmo tempo em que tentava imaginar o que aconteceria em sua vida no futuro... E então
ergueu-se com um sobressalto, ouvindo um ruído atrás de si.
Girando sobre os calcanhares, deparou-se com Joshua. Compenetrado, calmo, ele estava parado na porta, com as mãos enfiadas nos bolsos da calça.
- O helicóptero - ela balbuciou com a respiração entrecortada.
- Hã-hã. Incomodei? - ele perguntou em voz baixa. - Não pensei nisso até que fosse muito tarde... Acordei Cathy? Foi um pouco difícil de pousar. Cabos telefônicos,
você sabe como é - ele explicou laconicamente.
- Sim.
Olhando para o berço, Joshua certificou-se de que a menina continuava dormindo, sorriu, depois voltou a encarar Vivien.
- Você parece cansada.
- Muito obrigada.
Examinando detidamente o rosto dela, ele finalmente perguntou:
- Vai me perdoar?
Vivien não respondeu, não podia responder, nem mesmo sabia o que dizer. Desviando o olhar, caminhou até a janela e ajeitou uma cortina que não precisava ser ajeitada.
- Tive uma semana infernal - ele murmurou com uma voz ainda mais suave.
"Você teve?", ela pensou com amargura. Você teve? Quer saber como foi a minha?
- Vivien?
Recostando a cabeça contra a cortina, ela fechou os olhos apavorada, ouvindo-o se mover com a respiração contida, consciente dos passos que se aproximavam. Ele segurou-a
pelos ombros, fazendo-a tremer da cabeça aos pés, e lentamente forçou-a a virar-se para encará-lo.
- Estou apaixonado por você.
Ela fechou os olhos com mais força, recusando-se a encará-lo. Mantinha a respiração suspensa instintivamente.
- Oh, Vivien, Vivien... - Joshua suspirou. Puxando-a de encontro a si, ele a envolveu com um abraço terno. - Você está magoada? Ferida? Está rezando para que eu
vá embora... ou será
que é exatamente o contrário?
Seguiu-se uma pausa tensa, depois da qual ele continuou.
- Sinto-me tão desesperado quanto Daniel sempre foi. Sinto-me vazio, frustrado, estúpido e irritado. Meu Deus, como eu ando irritado! Tenho uma casa enorme, uma
casa vazia muito triste e solitária... e tenho me comportado como um perfeito idiota - ele emendou suavemente. - Comprei um cavalinho de brinquedo, o maior que consegui
encontrar. E um urso de pelúcia. Nossa, você precisava ver aquele urso...
- Você não gosta de Cathy - Vivien interrompeu-o.
- Gostar dela? Eu adoro a menina!
- Não é verdade - ela protestou. - Você nunca riu das caretas dela, nem a beijou ou acariciou.
-Eu não ousava. Não queria ser mal-interpretado. Ela é uma menina capaz de conquistar qualquer pessoa. Você nem imagina como era difícil para mim não rir! Eu gostei
de Cathy desde o primeiro momento em que a vi.
- Mas não da mãe dela.
- Principalmente da mãe dela. - Ainda mantendo-a entre os braços, ele segurou-a com delicadeza pelo queixo. - Por que não olha para mim, Vivien?
Ela meneou a cabeça negativamente, voltando a recostar-se contra o peito de Joshua.
- Você não vai permitir que eu te ame?
Afastando a cabeça num gesto abrupto, ela encarou-o fixamente.
- Permitir? - ela perguntou, soltando um gemido angustiado. - Permitir? Você sabe como eu me sinto!
- Sim. Mas você não podia se permitir esse sentimento?
- Eu não sei! - ela exclamou exasperada. - Não sei o que você quer!
- Você - ele respondeu simplesmente.
- Você nem mesmo me conhece.
- Verdade, mas sei o que você me faz sentir.
- Mas por quê? - ela sussurrou, com a respiração entrecortada.
- Por quê? Eu não sei. Só sei o que sinto.
- Me quer para um caso? Uma diversão? Por pena? Culpa?
- Não. Quero você para sempre.
Joshua disse aquilo com uma simplicidade tão grande que fez com que Vivien se calasse por algum tempo.
- Para sempre?
- Hã-hã. Você, eu, Cathy. Quero poder segurar a menina nos braços e rir das caretas dela, receber seus beijos... E quero que a mãe dela me ame.
Vivien sentia-se à beira de uma crise de choro, totalmente chocada.
- Mas você não me conhece! - ela sussurrou debilmente.
- E não me conhecer fez alguma diferença em relação ao que você sente a meu respeito?
Baixando a cabeça, ela concordou.
- Eu nunca vi a risonha e feliz garota de que todos sempre falam...
- Todos - ela repetiu com desdém. - Daniel não pode ser chamado de "todos".
- Não, mas seus amigos na cidade sim.
- Não tenho muitos amigos. Ando, sempre muito ocupada.
- Sim, isso é verdade. Bem, você pode não saber, mas existem muitas pessoas que gostam de você. Descobri isso nessas últimas duas semanas.
- Apenas sentem pena - ela explicou calmamente.
- Não - ele negou com gentileza. - Isso está apenas em sua mente. Você é a única que se culpa pelo acidente. Eu quero ser amado, Vivien - ele adicionou suavemente.
- E quero ser amado por você.
- Você deve ter dezenas de mulheres a seus pés! Daniel me contou isso...
- E nenhuma delas jamais me fez sentir desse jeito. Nenhuma delas fez com que eu me sentisse desejado. Nenhuma delas me fez desejar ser amado.
Com os olhos fixos nos dele, que brilhavam como diamantes, ela finalmente compreendeu. Aqueles olhos profundos, que ela acreditara serem frios, na verdade serviam
apenas para esconder os sentimentos mais íntimos de Joshua.
- Sorria com seus olhos - ela ordenou abruptamente, fazendo-o piscar de surpresa. Ele finalmente fez o que Vivien pedira, e seus lábios também curvaram-se num sorriso.
Foi um sorriso desajeitado, mas extraordinariamente atraente.
- Melhor? - ele perguntou num tom zombeteiro. - Agora você.
Mas Vivien não podia, subitamente não era capaz.
- Oh, dane-se! - ela exclamou, e lágrimas começaram a escorrer-lhe pelo rosto. - Dane-se. - Passando os braços ao redor do corpo enorme de Joshua, ela abraçou-o
com força, enterrando o rosto mais uma vez no peito musculoso e chorando... chorando por todo o sofrimento ao qual fora submetida nos dois últimos anos...
Joshua a confortou, ninando-a como a uma menina, beijando-a levemente nos cabelos com suavidade e ternura. Depois de algum tempo ela ergueu a cabeça, tendo os olhos
ainda úmidos.
- Venha - Joshua pediu em voz baixa. - Não vamos querer acordar Cathy, não é?
Ela deixou-se conduzir por seus braços fortes, e ele fechou a porta devagar, logo que saíram do quarto. Caminharam em seguida para o quarto de Vivien, deixando sua
porta entreaberta. Joshua fez com que ela sentasse na beira da cama e foi até a cômoda apanhar a caixa de lenços de papel, que lhe estendeu. Só então sentou-se também,
esperando enquanto ela se recompunha.
- Está melhor?
- Sim. Sinto muito.
Retirando a caixa de lenços das mãos dela com suavidade, ele voltou a abraçá-la.
- Quero beijar você - disse devagar, provocando um tremor que percorreu todo o corpo de Vivien.
O calor parecia queimar seu rosto, e ela continuava a fitá-lo com os lábios entreabertos. Logo depois os lábios dele cobriram os seus com um beijo, um beijo suave
e carinhoso, que apesar disso também explorava-a com avidez, excitando-a de maneira inacreditável.
De olhos fechados, Vivien entregou-se àquele momento de pura sedução e encantamento, sentindo o estômago revirar-se em reação à onda de desejo que a acometia.
Finalmente abriu os olhos, encarando-o. E Joshua afastou-se um pouco, com uma expressão séria no rosto.
- Não tenha medo de me tocar, Vivien. Por favor, não faça isso. Eu preciso ser tocado. - Tomando a mão dela, ele segurou-a contra o próprio rosto, depois beijou-a
na palma. - Toque-me.
Mesmo que seja apenas para me esbofetear.
Vivien podia sentir a tensão dele., a urgência causada pelo desejo.
- Eu já o toquei antes...
- E eu a rejeitei. Não pode esquecer isso? Perdoar?
- Se você estiver mentindo...
- Não estou mentindo.
- Ou fingindo...
- Nem fingindo. Eu te quero muito, Vivien.
Mas Vivien não conseguia tirar da cabeça a possibilidade de que em poucas semanas, ou meses, ele voltasse a ficar frio e indiferente, afastando-se definitivamente
e dizendo que tudo estava acabado. Mas a vida era um jogo, não era? E agora ela se sentia prestes a fazer sua maior jogada...
Encolhendo os ombros, observou-o com muito cuidado, e depois estendeu a mão, tocando-o com hesitação no peito rígido e musculoso. Depois puxou devagar a camisa dele,
tirando-a da cintura. Enfiando os dedos entre o tecido e a pele, começou a percorrer um caminho tortuoso de carícias naquele torso magnífico.
- Você continua a ter a mesma incerteza? - Joshua perguntou com suavidade. - Vê mentiras em tudo o que eu digo? Realmente não se considera uma mulher atraente?
Ela meneou a cabeça negativamente.
- Então deixe-me amá-la - ele murmurou num tom gutural. - Deixe-me fazer amor com você. Quero explorar cada centímetro de seu corpo, tocá-la, abraçá-la, excitá-la...
Sentindo a própria respiração ficar cada vez mais pesada, Vivien manteve os olhos fixos nos dele, incapaz de se mover, completamente indefesa... E então ele começou
a acariciá-la nos seios, lenta e cuidadosamente.
- Chega de mentiras, chega de rejeição, nada mais de... incerteza. Eu quero você como minha mulher, quero que Cathy seja minha filha, e se você disser que eu preciso
esperar, então eu esperarei. Se você disser que não... eu morrerei.
- Oh, Joshua! - ela gemeu. - Eu não posso dizer não. Você sabe como me sinto a seu respeito. E não quero esperar. Não posso esperar. - O corpo dela já antecipava
o que estava prestes a acontecer. E podia sentir que o mesmo acontecia a Joshua. Com a mão trêmula, acariciou-o devagar no rosto e nos cabelos. - Me ame - ela sussurrou
roucamente. - Faça amor comigo, e por favor, não me deixe sofrer novamente.
A respiração dele fazia o peito musculoso contrair-se, e então sua mão insinuou-se na barra do vestido de Vivien, fazendo-o subir muito devagar... enquanto isso
os olhos de Joshua permaneciam fixos nos dela. Vivien sentiu uma tontura súbita quando a mão tocou em sua intimidade, gemeu quando sentiu-se livre de todas as roupas
e finalmente não pôde mais suportar aquela onda incontrolável de desejo. Deixando escapar um gemido desarticulado, abraçou-o com muita força, e despiu-o com uma
urgência absolutamente selvagem, puxando-o em seguida para o meio da cama.
Entregou-se à sensação que o corpo quente daquele homem provocava em seu próprio corpo, e sentiu todo o desejo dele. Tocou-o sem pudor nem restrição, e fundiu-se
a ele como se os dois fossem uma coisa só, forjada em fogo e aço...
Uma espiral irresistível de prazer tomou conta de Vivien. Subitamente encontrara todas as coisas que sempre sonhara numa só pessoa. O tempo parou para que eles se
amassem. Lânguida, excitada, ávida, ela o tocou muitas e muitas vezes, achando que nunca seria suficiente. Nunca mais poderia viver sem sentir o gosto dos lábios
de Joshua sobre os seus, ou o aroma másculo e viril que seu corpo perfeito exalava.
- Meu Deus! - ele sussurrou com voz trêmula quando deitou-se ao lado de Vivien, enlaçando-a com um braço e uma perna.
- Nossa!
Igualmente exausta, atônita, e subitamente espantada com a própria sensualidade, ela lançou um olhar de relance na direção dele.
Joshua a observava, e deixou escapar uma risada curta.
- Isso foi uma surpresa...
- Sim. Eu acho... eu não... sinto muito. Eu devo ter...
- Sente muito? - ele interrompeu-a, rindo de maneira relaxada. - Você está se desculpando? Ora, Vivien... - Abraçando-a com firmeza, ele beijou-a várias vezes. -
Eu vou ter que me matricular num curso de sobrevivência, mas, pelo amor de Deus, não se desculpa
- Eu devia estar muito tensa - ela murmurou fracamente. Os lábios dele contraíram-se num sorriso franco.
- Sim, eu aposto que sim.
- Eu nunca... quero dizer, eu sempre quis, mas... - Mais uma vez uma ponta de insegurança tomou conta dela, impedindo-a de falar, mas dessa vez Vivien conseguiu
romper o mutismo e disparou: - Você ficou chocado? Quero dizer, eu não acho que sou
uma ninfomaníaca ou coisa do gênero... Ora, pare de rir!
Recostando a cabeça no travesseiro, ele sorriu com ternura.
- Oh, Vivien! Eu adoro você. - Erguendo-se devagar, ele tocou-a com suavidade nos lábios. - Vamos nos casar amanhã. Ou melhor, hoje à noite mesmo. Vivien, vamos
casar já. Eu queria poder lhe dar a lua.
- Eu prefiro chocolates.
- O quê? - Encarando-a confuso, ele tornou a perguntar: - O que você disse?
- Eu queria chocolates - ela confirmou. - Você me comprou flores, perfumes e frutas, mas eu esperava chocolates.
- Quer dizer que isso era tudo o que eu devia ter feito? - ele perguntou surpreso. - E eu sofrendo toda aquela angústia, sentindo-me rejeitado... apenas porque não
sabia sobre o chocolate?
- Sim. Eu gosto de chocolate.
Mais uma vez um sorriso iluminou a expressão de Joshua.
- Sua boba! Oh, minha adorável e tola Vivien! - Ele deixou escapar um suspiro, com os olhos brilhando intensamente. - Está bem, então você terá chocolates - prometeu.
- E tudo mais que seu coração mandar. Seja lá o que for, eu conseguirei. Mas você vai ter que se casar comigo antes.
- Vou me casar com você - ela disse de imediato. - Antes que você mude de idéia.
- Nunca faria isso. - Acha que eu a deixaria escapar depois de tudo o que aconteceu? - Ele meneou a cabeça e sorriu. - Nunca!
- Cathy pode ser a dama de honra?
- Hã-hã... O que o elefante dela vai vestir?
Vivien piscou, imaginando por um instante como a filha ficaria em um vestido branco, carregando o adorado elefante a seu lado.
- Oh, Joshua, sim! Todos na igreja vão rir muito. Será um dia realmente feliz!
- Assim como todos os outros dias que virão depois - ele prometeu suavemente.
EMMA RICHMOND nasceu durante a guerra no norte de Kent quando, segundo ela, fazendeiros eram a norma e veículos e auto-estradas não existiam. "Minha infância foi
repleta de calor e aventura. Afável e desorganizada, sou casada e tenho três filhas que já deixaram o ninho, provavelmente por exasperação! O cão ficou, relutante.
Sou uma leitora ávida, uma escritora compulsiva e uma encantada avó recente. Amo a vida e meu mundo de sonhos, e tudo que necessito para tornar as coisas completas
é uma governanta, como antigamente!
Bjos!
Edilma
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