segunda-feira, 25 de outubro de 2010

{clube-do-e-livro} Jane Porter - No Coração do Deserto.txt

No Coração do Deserto
The Sheik's Wife
Jane Porter
Momentos Íntimos 154
ELA OUSARIA RENDER-SE ÁQUELE HOMEM ORGULHOSO, APAIXONADO, PRIMITIVO?...
O sheik Kahlil al-Assad nunca perdoou Bryn por ter rompido os votos do matrimônio. Então ele descobre que também foi privado do convívio com o filho nos primeiros
anos de vida do garoto... E decide se vingar.
Bryn não tinha se dado conta... Ela e Kahlil ainda são casados! Ela sabe que não pode negar a Ben o direito de conhecer o pai. Por isso concorda em voltar para o
reino de Kahlil, no meio do deserto. Lá chegando, vê-se confinada nos aposentos do harém, onde deverá preparar-se para... Voltar para a cama do sheik!
Digitalização: Alê M.
Contribuição: Gisa
Revisão: Marelizpe
Copyright (c) 2002 by Jane Porter Gaskins
Originalmente publicado em 2002 pela Silhouette Books, divisão da Harlequin Enterprises Limited.
Todos os direitos reservados, inclusive o direito de reprodução total ou parcial, sob qualquer forma.
Esta edição é publicada através de contrato com a Harlequin Enterprises Limited, Toronto, Canadá. Silhouette, Silhouette Desire e colofão são marcas registradas
da Harlequin Enterprises B.V.
Todos os personagens desta obra são fictícios. Qualquer semelhança com pessoas vivas ou mortas terá sido mera coincidência.
Título original: The Sheikh's Wife
Tradução: Miguel Cohn Editora
Publisher: Janice Florido
Editora: Fernanda Cardoso
Editoras de Arte: Ana Suely S. Dobón, Mônica Maldonado
Paginação: Dany Editora Ltda.
CAPÍTULO I
Bryn deu uma olhada de relance no espelho do hall, a caminho da porta, onde alguém tocava a campainha com insistência. Usava um esplendoroso vestido branco.
Seus olhos azuis brilhavam, e o rosto se mostrava cheio de expectativa.
Era uma noiva linda. E sentia-se muito bem, mais do que nos últimos anos. Faltavam apenas sete dias para o casamento. Seria a mulher de Stanley.
Sorrindo, cantarolava a Marcha Nupcial ao abrir a porta da casa, e a luz do entardecer entrou. Em seguida, Bryn entreviu largos ombros e uma boca de contorno
maravilhoso. Só um homem teria uma boca dessas. Sobressaltada, seu coração parou por segundos.
- O que... você está fazendo aqui?
- Alô, querida. Que prazer em vê-la...
O tempo parou, mudou de lugar e por um momento ela ficou como que hipnotizada. Como na ocasião em que o encontrara, quando capotara com seu Volkswagen e batera
no reluzente Mercedes Benz. Seu carro dera perda total. O dele sofrera um leve arranhão.
Bryn sentiu de novo aquele impacto, o que a deixou sem ar. De seus lábios escapou um nome:
- Kahlil...
- Você não esqueceu! - Ele a encarou, divertido, mas então, seus olhos dourados cintilaram, como quando ficava nervoso. Estendeu-lhe uma folha, murmurando,
suave: - Talvez se lembre disto.
Bryn fitou o papel, incapaz de ler o que estava escrito. Somente conseguia ouvir aquela voz, áspera, em seu inglês formal, tal qual aprendera quando criança
num internato britânico.
- Do que se trata?
- Não o reconhece?
- Não. - Bryn ainda segurava, aturdida, a maçaneta. Kahlil deu uma risadinha indulgente, tal como o fizera quando se casaram, quando ela fora a sua amada noiva
ocidental.
- É nossa certidão de casamento. O documento que nos mantém legalmente unidos.
Bryn não conseguia falar, sua garganta se fechara. Entretanto, não podia perder o autocontrole, censurou-se, forçando-se a enfrentá-lo.
Kahlil não parecia louco. Pelo contrário, mostrava-se calmo, dono de seus atos e sabedor do que fazia, como se tivesse planejado aquela visita de propósito.
Uma semana antes do matrimônio...
A cabeça de Bryn começou a girar, seu cérebro paralisado pelo medo. E se Kahlil descobrisse Ben? E se tomasse conhecimento da existência do filho deles?
Não. Jamais voltaria para o sheik. Nunca mais viveria em Zwar!
Decidida, Bryn se empertigou, retomando sua convicção e coragem.
- Não entendo o que isto tem a ver conosco.
- Tudo, minha querida. Estou aqui para ver por que você está se casando outra vez, visto que ainda é minha esposa.
Como assim? Ridículo. Se Kahlil achou que poderia dobrá-la com uma bobagem como aquela, equivocara-se. Já não tinha dezoito anos. Não era mais uma noivinha
tola.
- Não somos casados - afirmou áspera, com uma entonação cheia de desdém. - Nós nos divorciamos há três anos. Não com disposição para brincadeiras, Kahlil.
Talvez em Zwar os divórcios não sejam permitidos, mas aqui estão dentro da legalidade.
- Sim, querida. Eu entendi isso. Talvez tenha esquecido de que sou graduado em leis pela Universidade de Harvard, uma instituição americana, e, a despeito
de minha nacionalidade árabe, compreendo a legitimidade de um divórcio americano. Mas nós jamais nos divorciamos.
Sua expressão deixava transparecer uma leve ameaça, que Bryn captara muito bem. Ergueu o queixo, cravando o olhar nele.
- Se isso for mais uma da suas piadas...
- Será que alguma vez eu fui um comediante?
Não, de fato. Kahlil era um homem com uma urgente necessidade de senso de humor, isso sim.
- Estou tentado livrá-la de embaraços futuros, Bryn. Pensei em esperar até que chegasse à igreja, com os convidados todos presentes. Podia entrever a figura
de seu ansioso noivo no altar, ali parado, em seu smoking. Não será esse o traje dele?
Bryn não imaginava que poderia ser objeto do desprezo de Kahlil. Já o vira fazendo isso com outros, no passado, mas nunca com ela. Ele sempre demonstrara ser
protetor, generoso e amoroso.
Aquela lembrança, contra sua vontade, apertara-lhe o peito. Seu casamento se dera rápido demais. Entretanto, não podia voltar atrás.
- Creio que já chegou a hora de você ir embora.
Kahlil segurou a porta para impedir que Bryn a fechasse em seu nariz.
- Tentei ser polido, mas não surtiu efeito. Não haverá casamento no próximo sábado, querida. E, enquanto eu viver, você não se casará com nenhum outro homem.
Nunca.
Bryn cerrou a mandíbula a fim de não perder a compostura. No país de Kahlil os homens mantinham as mulheres escondidas sob véu, diziam-lhes como se vestir,
como deveriam raciocinar, aonde poderiam ir. Mas não no Ocidente, e menos ainda em sua casa!
- Não sou sua propriedade.
- Sim, quando se trata de Zwar.
- Kahlil, as pessoas não são objetos.
Naquele momento, ele a agarrou e a fez colar-se em seu corpo, espalmando as mãos sobre seus seios. Seus dedos pareciam fogo sobre a pele dela, apertando-a
sob o corpete do vestido. Então, afastou-a de si o suficiente para que pudesse ouvir-lhe as batidas do coração.
- Como pôde crer que eu a deixaria casar-se com outro? Imagina mesmo que abriria mão de você?
- Nós nos divorciamos! - Bryn começava a sentir medo, não por ele, mas por pensar que ainda estivessem casados.
- Não entendi.
- Quer que eu desenhe?
A escuridão do corredor encheu o rosto dele com sombras sinistras.
- Não houve divórcio, Bryn. Você nunca me devolveu o papel assinado, e, com a falta dele, a separação não foi efetivada.
- Como assim?
- Eu contestei o divórcio, recusando-me a aceitar que você me deixara. Contei ao juiz que não passava de uma rápida ausência sua. O juiz lhe enviou a papelada,
e você jamais a devolveu. Portanto, o divórcio não foi concedido.
- Teve coragem de subornar o juiz?!
- Ora, ora! Seu sistema legal não é tão venal assim. Se quiser apresentar uma queixa, faça-o por sua conta.
Kahlil a desarmou. Poderia ele estar certo? Será que se esquecera, em algum momento, daqueles papéis?
Seu cérebro disparou, lutando para se lembrar daquele primeiro ano em que tivera de lutar sozinha, cuidando do bebê. Mudara-se várias vezes, trabalhara em
serviços temporários para poder pagar suas contas.
- Eu não sabia que no Texas um divórcio pode ser contestado - ela afirmou.
- Tudo é possível no Texas.
Bryn imaginou Kahlil tomando Ben nos braços e levando-o em seu jato particular. Se isso acontecesse, jamais tornaria a ver seu filho. Aquela visão era insuportável,
mas tão real que quase a desesperou.
- Por que está fazendo isso, Kahlil?
- Casou-se comigo, Bryn. Fez seus votos, meu anjo, assim como eu. Continuo a cumpri-los, e você também deverá fazer o mesmo.
- Nunca mais viverei com você.
- Mas é minha mulher, Bryn, e continuará sendo.
Bryn cruzou os braços. Sua vida ligada à dele... Uma existência de aprisionamento para ela e Ben. Era incapaz de imaginar os dois ao lado dele.
- O que quer de mim, Kahlil?
- Você.
Bryn sentiu um frio no estômago. "Jamais. Nunca mais!" Apertou seus dedos na parte superior dos braços, pressionando seus músculos, pressionando as unhas na
carne.
- Isso não tornará acontecer.
Kahlil sorriu, com firmeza e determinação.
- Claro que acontecerá. Aposto minha vida nisso. Amanhã o motorista virá buscá-la. Jantaremos e discutiremos o futuro.
- Não há futuro algum para nós!
- Oh, sim, há! Que tal lhe parece às sete horas?
Nesse horário, Ben estaria ali. Era o momento de seu banho, depois histórias, e cama. Bryn talvez não pudesse sair, assim como não poderia permitir que Kahlil
viesse.
- Não tem o direito de se intrometer em meus assuntos desse jeito. Se o que você disse é verdade... Bem, preciso de tempo. Terei de falar com algumas pessoas,
e, além disso, há Stan.
- Sim, velho e bom Stanley Hopper. Seu chefe, seu noivo, seu agente de seguros.
- Pare com isso!
- Estou hospedado no Four Seasons Hotel. Não irei embora daqui enquanto não estiver tudo arranjado. - Inclinou-se para beijar-lhe os lábios entreabertos. -
Está muito bonita nesse vestido.
Bryn o havia esquecido. Colocara-o para se certificar de que não precisaria de arranjos de última hora.
- Queria saber como ficava.
- Garanto que lhe cai muito bem. Teve bom gosto ao escolhê-lo.
Bryn ainda tremia uma hora após a despedida de Kahlil. Mudara de roupa, preparara uma xícara de chá, mas não conseguira relaxar e se acalmar.
Kahlil estava enganado, tinha de estar. Não era mais casada com ele. Não era sua mulher. Não poderia ser.
Seus pensamentos se sobrepunham, encaminhando-se para várias direções, ao dirigir até a pré-escola para buscar Ben.
Se ainda estivesse casada com Kahlil, ele teria direitos sobre o menino. E poderia tirá-lo dela.
Durante o jantar, esforçou-se para manter o filho alheio a sua imensa preocupação. Ficou aliviada quando o pôs para dormir e sobrou-lhe um certo tempo para
raciocinar.
Caminhou pela sala, pensativa. A única forma que encontrou para proteger seu garoto era mantê-lo escondido. Bryn não sabia como fazê-lo, mas teria de ser assim.
Não poderia ser diferente.
No dia seguinte, pediu dispensa do trabalho e se dedicou a fazer uma série de telefonemas: para o palácio da justiça, o advogado, e qualquer um que pudesse
ajudá-la sobre o assunto de sua separação de Kahlil.
Horrorizada, ouviu um dos funcionários da corte afirmar que os papéis se perderam e, assim, o processo fora suspenso fazia mais de um ano.
Então, Kahlil estava com a razão. De acordo com as leis do Texas, sua união ainda era válida.
Demorou ainda mais dois dias para que Bryn aceitasse a terrível realidade. Dois dias com nós no estômago, duas noites sem dormir, enquanto se culpava por não
ter se preocupado com os detalhes do divórcio e de se assegurar de que fora deferido. A falha fora sua, só sua.
Enfim, muito triste, Bryn ligou para Stan e lhe deu a notícia. O noivo foi, sem demora, ao encontro dela, e depois de falar por horas sobre o tema, chegaram
à mesma conclusão: nada poderia adiar o casamento deles.
Stan se comportara como um verdadeiro cavalheiro, sem fazer acusação alguma e prometendo-lhe toda ajuda.
Mas, quando ele a deixou, Bryn sabia que ainda precisava fazer uma última e penosa ligação telefônica.
Ligou para o Four Seasons Hotel, que passou sua chamada para a suíte presidencial, onde estava Kahlil. Ele não demonstrou nenhuma surpresa com a chamada. Mas
Bryn não tinha intenção de perder tempo. Com voz fria e formal, sugeriu que se encontrassem para jantar na noite seguinte, num popular restaurante de Dallas.
Kahlil ofereceu-se para mandar um carro, e ela recusou. Dirigiria sozinha, informou-lhe, e voltaria sozinha para casa. E afirmou, categórica, que seria a última
vez que se veriam.
Mas o encontro não começara da forma como Bryn imaginara. Em primeiro lugar, seu automóvel não funcionara e, em vez de deixar Ben na casa da babá, teve de
pedir-lhe que viesse buscá-lo.
Depois, viu-se obrigada a ligar para Kahlil avisando-o de que se atrasaria por causa de problemas com o veículo. E, antes que o táxi que chamara chegasse,
uma limusine preta parou na frente da sua residência.
Da janela da sala de visitas Bryn viu Kahlil descendo, parado próximo da porta aberta do carro. Ele não se mexeu. Não falou. Tão só aguardava, naquela sua
forma agressiva de dono da situação. Transmitia toda a segurança do mundo.
Kahlil não pretendia sair dali. Não lhe daria paz.
A limusine deslizava pela estrada, cortando o tráfego, de forma que Bryn não conseguia se concentrar no que quer que fosse. Kahlil dissera que mudara sua reserva
para outro restaurante, mais discreto, no qual ficariam mais à vontade para conversar, mas ela não deu importância a esse detalhe. Nada fazia diferença, no que se
referia a ele. Para Bryn, tudo tinha acabado, estava morto, ultrapassado.
Não por sua escolha. Jamais preferiria que fosse assim.
A limusine parou em frente a um exclusivo restaurante de Dallas. A entrada era tão discreta que mais parecia de um depósito. Todavia, Bryn pôde constatar que,
passando a entrada, as paredes eram pintadas em azul e dourado, e o teto de folhas de ouro brilhava com dúzias de extravagantes lustres.
- Com fome? - perguntou Kahlil, pousando sua mão em seu ombro.
- Não.
Aquele leve toque a transtornou. Para não se deixar trair, Bryn saiu de perto dele, aborrecida com sua reação. Não deveria ter sentido aquilo.
O maitre os saudou com polidez e os conduziu para uma área reservada, cujas cortinas lhe dariam maior intimidade, se necessário.
Bryn sentou-se e observou as cortinas, suplicando para que permanecessem abertas. Kahlil pediu bebidas e o antepasto. As mãos dela tremiam sob a mesa.
- Sorria. - Kahlil recostou-se no espaldar. - Parece que você está sendo torturada.
- E estou. É bem assim que me sinto.
- A que ponto chegamos... - zombou, meneando a cabeça e observando a severa expressão dela. - E pensar que outrora você daria a vida por mim.
"Quase morri por viver com você, isso sim." Mas Bryn não verbalizou o que pensava. Kahlil não sabia nada a respeito daquela última noite em Tiva, ou sobre
sua afeição pelo primo dele, que provara ser equivocada e por isso quase redundara num trágico engano.
- Não pode querer mandar em mim, Kahlil. Já estamos separados há três anos e meio. Eu mudei.
- Sim, você se transformou numa rebelde.
- Porque amadureci. Não aceitarei mais ordens suas.
- Jamais lhe ordenei coisa alguma. Você é que fazia tudo sem eu pedir. E com avidez...
Bryn não queria rememorar o passado, e muito menos seu relacionamento.
- Kahlil, quero o divórcio, e essa será a primeira atitude que tomarei amanhã cedo. Stan conhece um ótimo advogado, e ele e eu seremos marido e mulher assim
que possível.
- Espero que seu Stan seja um homem paciente, pois terá de esperar muito. Eu a prenderei de todas as formas legais possíveis. Você age, eu reajo.
Bryn o encarou, zangada.
- Por quê? O que lhe fiz para que esteja agindo assim?
- Você não honrou sua palavra.
Então era isso. Tratava-se da mais pura e odiosa vingança. Como tudo isso seria perigoso para Ben...
O antepasto, composto por caranguejo assado, chegara. Bryn adorava aquele prato, mas estava tão enjoada que mal conseguia suportar o cheiro. Notou que Kahlil,
também, não tocara em nada.
- Não imaginei que estivesse sem apetite.
- E não estou minha querida. Apenas aguardo que você me sirva.
Incrível! Como se ela fosse uma mulher de seu harém!
- Você não é deficiente, sheik al-Assad!
- Mas por que eu deveria me servir se está aqui para isso, Bryn?
Ela o encarou, apreciando os cabelos negros, a fronte poderosa, os traços refinados. Teve de lutar consigo mesma para se livrar dele, partindo seu coração
ao meio para fugir. Foram necessários anos para se livrar de Kahlil e conseguir refazer sua vida, então, de repente, ele reapareceu.
Era um homem ladino, que conseguia desarmá-la com um simples olhar. Amava-o demais, e precisava dele mais do que Kahlil poderia lhe dar.
Levantou-se às cegas, e seu vestido se enrolou entre suas pernas. Kahlil a agarrou e a fez se sentar de novo.
- Não lhe dei permissão para ir embora. Você não pediu minha autorização para deixar a mesa.
- Jamais fiz isso e não será agora que o farei!
"Meu Deus, que ele acha que é?!" pensou, enquanto lágrimas afloraram a seus olhos.
- Eu não consigo acreditar que já o amei. Que ingenuidade a minha!
- Não há como negar que me amava muito.
- Amava. Isso foi no passado. Hoje, sinto apenas ódio.
- Amor, ódio... Que diferença faz? Estou mais preocupado em que honre os seus votos, Bryn. Entendo que éramos jovens demais quando nos casarmos, mas lhe dei
espaço para que crescesse. Três anos e meio, para ser exato. Agora, estou aqui para levá-la de volta a casa.
- Zwar não é minha casa! Ele estalou os dedos.
- Palavras... E estou cansado deste debate. O fato é que seu lugar é em Tiva, no palácio, tomando conta de meus filhos.
- De jeito nenhum!
- Acha que será mais feliz casando-se com seu patético corretor de seguros? Solicitei a meu serviço de inteligência que acompanhasse esse homem. Trata-se de
uma criatura sem emoções, sem dinamismo...
- Mas eu o amo.
- Não ligo a mínima. Ele não será seu.
Tomada pelo medo e pela ira, Bryn estendeu a mão para dar-lhe uma bofetada. Ele agarrou-lhe o pulso, antes que atingisse seu propósito.
- Enlouqueceu mulher?!
- Deixe Stan em paz. Ele não merece isso.
- Mas você, sim, pois me insultou, bem com a minha família. Tinha uma responsabilidade, pois era a princesa al-Assad, e abandonou meu povo.
- Solte-me!
- Eu espero por uma explicação.
- Está me machucando!
Embora com as pupilas dilatadas e faiscando, Kahlil a soltou, deixando a marca de seus dedos em sua pele branquíssima. Kahlil fechou então as cortinas, separando-os
do resto do restaurante.
Kahlil queria forçá-la a voltar àquele mundo pavoroso subjugando-a. Ela não poderia permitir isso. Não era a mulher dele. Era mãe, e a mãe de Ben.
O pranto que contivera a tanto custo começou a cair. Cerrou os lábios para não se descontrolar.
- Não chore Bryn. Não quero ver minha mulher chorando em público.
- Você fechou as cortinas. Ninguém irá perceber.
- Eu estou vendo. É o bastante.
Tudo com ele era tão difícil... Cada palavra era ríspida. Bryn não queria lutar contra Kahlil. Nisso, era bem melhor do que ela. Aliás, era melhor em tudo,
o que não permitiria que sua vontade se impusesse ou que seus sentimentos fossem melhores.
Kahlil encarara seu silêncio como uma prova de submissão, pois, por um instante, suavizara o olhar.
- Se não estiver interessada em lutar, por favor, não me provoque. Não fiz uma viagem tão longa para ser escarnecido por uma mulher.
Será que ele sempre fora tão arrogante? Tão intransigente?
Talvez, num determinado momento, Bryn tivesse achado aquele machismo muito atraente, mas agora lhe parecia um terror. Não só para ela, mas também para Ben
e seu porvir.
Se Kahlil soubesse que tinha um filho, insistiria para que fosse educado em Zwar, seu pequeno país, rico em petróleo e poderoso reino no Oriente Médio. Zwar
era atraente, mas não tanto como a liberdade que ela e Ben desfrutavam no Texas.
Kahlil se inclinou para frente e tomou-lhe o queixo. Bryn recuou um pouco, pois não queria deixar transparecer o quanto ele a afetava.
Mas, quando Kahlil passou de leve o polegar sobre seus lábios, seu corpo inteiro estremeceu, numa reação que não conseguira esconder dele.
- Está muito sensível, minha querida. Será que Stan jamais a tocou?
- Meu relacionamento com ele não é de sua conta.
- Uma valente resposta para uma mulher que está numa situação tão precária.
Bryn mordeu o lábio e forçou um sorriso. Não poderia negar que ele tinha razão. Mas não voltaria atrás.
- Eu mudei muito, Kahlil. Não sou mais aquela jovem que se casou com você.
- Bom. Então, teremos de nos ajustar. Também não sou mais aquele homem que um dia conheceu. - Sorridente, não deixava de encará-la. - E você mudou muito. Está
mais bonita.
- Não me elogie à-toa.
- Não estou fazendo isso. Encontrei muitas mulheres no correr dos anos, mas nenhuma como você. Com sua graça, ternura...
- Pare!
-... Sua pele macia e impecável. Seus olhos, duas preciosas safiras azul-escuras. A boca mais macia do que uma rosa.
Bryn estremeceu. "Não dê atenção ao que ele diz. Não o deixe reconquistá-la. Conseguiu se livrar dele uma vez, não pode começar de novo!".
- Está me querendo só por não ter conseguido impor sua vontade.
Kahlil a soltou, mantendo o sorriso e endurecendo o olhar.
- Eu posso tê-la, mas basta um pouco de agressividade. Sim, ele jamais fora agressivo antes daquela noite, mas Bryn percebera que Kahlil poderia ficar bruto
de repente e o quanto podia ser ameaçador. Tornou a ficar sério.
- Será que Stan não sabe que você é uma garota inconstante?
"Que golpe baixo"
- Ele sabe que o deixei.
- Você lhe contou que me abandonou sem sequer deixar um bilhete? Ou um beijo de despedida? Disse-lhe que pegou sua bolsa e o passaporte a foi embora?
- Contei a meu noivo que apanhei minha bolsa e fugi.
Se Kahlil queria jogar pesado, Bryn não recuaria. Era isso o que vinha fazendo desde que deixara Zwar. Trocando o almoço pelo café da manhã. Comprando roupas
de segunda mão. Trabalhando em dois períodos. Assumira todos os riscos de uma mãe solteira, e obtivera êxito.
- Stanley jamais quis saber por que me abandonou?
- Stan sabia que eu era infeliz, e isso é o suficiente. Kahlil baixou sua taça de vinho tinto, girou-a e olhou pela luz do candelabro.
- Que homem mais compreensivo... Será que continuará assim quando o jogar fora, cansada do casamento?
O sarcasmo de Kahlil a cortava como uma navalha, bem fundo. Se quisesse se livrar dele, teria de escapar. Mas não o faria dessa forma, não dessa vez.
- Eu jamais o joguei fora, Kahlil.
- Não? Mas foi assim que me senti assim. Também foi o que pareceu aos outros. O palácio foi invadido por mexericos. O escândalo atingiu o reino inteiro. A
vergonha não foi só minha. O meu povo também sofreu com isso.
- Que escândalo? De que está falando?
- Dos rumores de que você fora... Infiel.
CAPÍTULO II
- Nunca! - Bryn ficou ruborizada, embaraçada e surpresa. Como Kahlil poderia acreditar em algo semelhante?! A certeza de que ele fora capaz de pensar o pior
a seu respeito machucou-a mais do que poderia esperar.
Nutrira a esperança de que Kahlil viesse procurá-la. Também esperara que descobrisse a traição de Amin. Mas, em vez disso, aceitara ser traído, aceitara sua
falha, aceitara que ela fora infiel. Pelo visto, nem ao menos se deu ao trabalho de dar-lhe o benefício da dúvida...
Lágrimas queimaram-lhe a garganta. Lágrimas que nunca seriam vertidas.
Abandoná-lo quase a destruíra. Fora a coisa mais difícil que já fizera. Bryn quase enlouqueceu quando voltou ao Texas e descobriu que estava grávida.
Era o filho que Kahlil tanto queria. E que jamais conheceria. O sentimento de culpa quase acabou com ela. Agradeceu a Deus pela pobreza, que a obrigava, todos
os dias, a sair da cama e ir trabalhar até a noite, para ir dormir logo que chegava em casa, morta de cansaço.
Kahlil talvez zombasse de Stan e de sua corretora de seguros, mas trabalhar como secretária em seu escritório sem dúvida salvara a vida dela.
- Por que não me dá o divórcio e passa por cima disso, Kahlil?
- Não posso fazer tal coisa.
- Por que não?
Bryn o fitou e notou a firme disposição de sua boca, a inteligência de seu envolvente e brilhante olhar, e pôde vislumbrar seu filho ali, na semelhança dos
olhos, do nariz, dos lábios. Por que jamais o notara antes? Ben era Kahlil em miniatura.
E de repente, constatou a terrível verdade. Ela e Kahlil não eram dois estranhos. Tinham algo em comum, uma preciosidade. Ben.
- Fácil demais - respondeu ele, seco. - Divórcio talvez seja a solução mais fácil, mas não sou do tipo que resolve tudo com facilidade.
Ela sabia sobre o que Kahlil estava falando, entendia a referência ao casamento entre eles. Ele a prevenira, dizendo-lhe que tal união criaria muito alvoroço,
previu a reação de sua família e até a dura censura do pai. Afirmara também que passariam por momentos difíceis, e Bryn deu de ombros, beijando-lhe a adorável boca.
Garantiu a ele que venceria aquela batalha, certa de que o amor e a aprovação de Kahlil eram suficientes. Mas enganara-se. E muito.
Observou o duro perfil de Kahlil. Outrora, adorara beijar todos os ângulos e planos de seu rosto.
Sentiu-se invadida por uma aguda mágoa. Ela já o amara. Certa vez. O que mais quisera era ficar com ele. Adorara-o com loucura, esperando que Kahlil sentisse
o mesmo. Mas, ao contrário disso, seu marido se retraiu, o calor desaparecendo sob uma máscara impessoal. Obrigações, país, negócios. Seus mundos não tinham nada
em comum, seus caminhos se separaram.
- Esse divórcio é muito importante para você?
Essa pergunta causou-lhe seguidos arrepios que subiram-lhe pela espinha. Kahlil estava brincando com ela da mesma forma como um gato faz com um rato, antes
de engoli-lo.
Ela não engrandeceria esse jogo com uma resposta. Deixaria que ele falasse primeiro. Deixaria que imaginasse as explicações.
Porém, uma justificada angústia a assolou ao se confrontar com o tamanho do problema. Não se tratava de algo de simples resolução. O futuro de Ben estava em
jogo.
Mais do que provocar Kahlil, precisava lidar com ele, tentar uma composição. A sra. Taylor, babá de menino, traria Ben de volta às onze horas da noite, ou
seja, faltavam menos do que três. Precisaria estar de volta ao lar até esse horário, portanto, tinha de se livrar de Kahlil.
- Muito.
- A ponto de colocar tudo em risco?
- O que você quer dizer com "tudo"?
- De ser minha durante o final de semana.
Ela pegou seu copo d'água e o levou à boca. A borda do copo bateu contra seus dentes, derramando um pouco do conteúdo.
- Quero você para o fim de semana. - Kahlil se inclinou para frente.
- Essa é sua proposta?
- Estou lhe dando a oportunidade de determinar sua vida.
- Seu eu passar o final de semana com você, seu agradecimento será o divórcio?
- Desde que meus termos sejam aceitos.
Parecia fácil para ele dizer isso. Aquilo esvaziara a cabeça de Bryn. Nenhuma palavra, nenhum som, nada parecia conseguir se formar.
- E esses termos são...
- Quero um final de semana prolongado a seu lado. Quatro dias. Três noites. Eu escolho o lugar.
Ela tocou, com seu dedo, uma das gotas em cima da toalha de mesa.
- Quer que eu seja sua mulher.
- Quero-a para minha amante.
Ela levantou a cabeça e o encarou. Ele sorriu, sem nenhum calor em seus olhos.
- O que pretendo é possuí-la, matar minha sede e fazê-la minha. De novo.
Alguma coisa ganhou vida dentro dela, o que a alarmou. Kahlil tinha certeza de como responderia. Sabia que poderia seduzi-la com um simples gesto de mão.
- Não acredita que eu teria coragem de deixá-lo uma segunda vez?
- Por acaso eu disse isso? - Deu de ombros.
- Não precisa Kahlil. Eu o conheço bem.
- Se quiser me agradar, darei seguimento ao processo do divórcio em Zwar. Se não for capaz de seguir as regras e me satisfazer, deverá retornar para Zwar comigo
e tomar lições com as concubinas do palácio.
- Você sairá ganhado de qualquer forma. Ele ignorou o comentário.
- Sacrificará apenas quatro dias de sua existência. Decerto, o amor de Stan vale pelo menos isso?
O amor de Stan valia mais, mas o preço de Kahlil...
Quatro dias em sua cama. Quatro dias fazendo amor. Uma visão de peles bronzeadas, corpos quentes, o suor brilhando a sua frente fez seu sangue ferver e colorir
suas faces.
- É uma proposta humilhante.
- Mas cheia de possibilidades. Esperanças para seu futuro. Sim. Haveria uma chance para Ben.
Bryn respirou fundo, considerando aquela oferta, por um instante. Estaria sozinha, nua, fraca. Kahlil a reduziria mais uma vez a fome e fogo, e acabaria precisando
muito dele, e o desejaria. Como antes.
Seria arriscadíssimo. Para ela e para Ben. Bryn experimentou, com aquela proposta de Kahlil, uma velha ferida sendo aberta, da qual pensara estar protegida,
mas que agora voltava a ser perigosa.
Quando estavam juntos aconteciam coisas maravilhosas e terríveis. Bryn se sentia mais viva, mais natural, mais consciente, mas tudo isso saía caro demais.
Kahlil a fazia experimentar emoções e desejos que não conseguia controlar. Machucara-a anos atrás e machucava agora. Portanto, esse sentimento não podia ser natural
ou normal. As emoções não deveriam ir tão fundo.
- Não posso Kahlil. Não há como.
Ele arqueou os lábios num sorriso torto.
- Não precisa responder de imediato, Bryn. Talvez prefira pensar um pouco. Dou-lhe uma hora. Ou melhor, duas, uma vez que seu destino está em jogo.
O jantar terminara. Kahlil jogou várias notas sobre a mesa. O troco era uma mesquinharia para Kahlil, mas uma fortuna para Bryn. Serviria para comprar sapatos
novos para Ben. Costeletas para o jantar de domingo. Até para passar uma noite nas praias do golfo.
Um ressentimento imenso deu-lhe vontade de chorar.
Kahlil a levou até a limusine. Ele não fazia idéia do que era ter de se preocupar com cada compra na mercearia todo início de mês, quando tudo começava de
novo: aluguel, gás, conta de luz, prestação do carro, e assim por diante, até ter vontade de gritar. Não ajudara muito Stan ter se oferecido para pagar as despesas.
Bryn ficou tentada a aceitar, contivera-se. Até o último Natal, quando ele a pediu em casamento.
Extenuada, Bryn decidira concordar com o pedido, esperando que a união com Stanley fosse a decisão certa. Não para ela, mas para Ben.
Entorpecida, entrou na limusine, e Kahlil ordenou ao motorista que fossem direto para a casa dela.
O medo e a confusão ameaçavam se apossar de Bryn, ao reconhecer o perigo que representava a permissão de Kahlil em levá-la para casa, pois, embora todas as
coisas de Ben estivessem embaladas para a mudança, algum detalhe poderia denunciá-lo.
- Por que não vamos dar uma volta de carro?
- Como é?
Bryn fingiu não notar incredulidade de Kahlil.
- Ou talvez uma caminhada. A noite está maravilhosa. Com pouca umidade, pela primeira vez em muitas semanas.
Kahlil percebera a expressão especulativa dela.
- Do que temos de nos esconder?
O fato de que ele pudesse ler seu íntimo com tanta facilidade a amedrontava. Determinou-se a se livrar dele o mais rápido possível. Teve a sensação de estar
se afogando, a água subindo, a destruição iminente. Sentiu-se atormentada demais, por não compreender que aquilo não terminaria com facilidade. Kahlil era esperto,
muito mesmo, e também ameaçador.
Nem bem terminara de engolir o amargo gosto de pânico, Bryn se lembrou de que Ben saíra de casa mais cedo, ansioso para ir ao encontro da sra. Taylor. Seus
pequenos tênis batiam sobre o passeio, seus jeans eram sempre enrolados no tornozelo. Ela sempre comprava roupas com números maiores, para que durassem por duas
temporadas, ou talvez três. Naquele dia, seu menino parou junto ao automóvel da sra. Taylor, virou-se para saudá-la e deu-lhe um sonoro beijo.
- Eu te amo, mamãe.
Aquela recordação a emocionou. Sentiu de volta uma ponta de medo, que sempre surgia quando o beijava antes de dormir. E se alguma coisa acontecesse? E se sofresse
um acidente? E se o perdesse? E se... Tantas dúvidas pareciam querer levá-la à loucura.
Um ímpeto amoroso cresceu em seu peito, pleno de determinação e convicção. Bryn não falharia com Ben. Lutaria com unhas e dentes para protegê-lo. Ele era o
que de melhor lhe conhecera.
Bryn fitou Kahlil, com um tímido sorriso.
- Há alguma coisa ilegal em querer caminhar?
- Você nunca gostou de andar.
- Lógico que não. Eu tinha dezoito anos, naquela época. Preferia motocicletas e carros de corrida, e qualquer coisa que alegrasse o meu coração.
"Como você, que me fazia exultar."
Kahlil pediu ao motorista que os levasse até um parque popular, que estava quase vazio. O motorista os deixou à beira da calçada, e então começaram a dar uma
volta pelo quarteirão.
O anoitecer, calmo para setembro, estava mais perfumado do que de hábito pelas folhas maduras caindo ao final do verão, abrindo o outono.
Kahlil não disse uma palavra. Bryn mordia o lábio inferior, procurando uma alternativa para a proposta dele, que poderia talvez ser uma tentativa de vingança,
sem colocar Ben em perigo.
Mas nenhuma solução lhe ocorreu. Dessa vez, Kahlil não a deixaria em paz. Ele a encontrara, e agora queria vingança. Kahlil colocou as mãos no bolso.
- Você está sem saída, Bryn. Não irá escapar sem uma solução para este jogo.
Um estremecimento a atravessou implacável. Ele tinha mesmo o dom de saber tudo o que ela pensava?! "Kahlil está tentando me humilhar."
- Garota esperta... - Parou de andar, encarando-a, com um ar zombeteiro. - Você me humilhou diante de minha família e meu povo. Tem tanta sorte que sua humilhação
será... em particular.
- O que o leva a crer que aceitarei o que quer?
- Costumava ser mais corajosa, Bryn. Era louca por aventuras, viagens e o desconhecido. Isso já não a atrai mais?
"Não. Não desde que dei à luz. Todo meu interesse está voltado para Ben."
- Agora prefiro uma vida mais simples e relações menos complicadas.
- Como Stan?
- Deixe-o fora disso.
- Como poderia? Ele é o inimigo.
- De modo algum. O inimigo é você!
Kahlil deu risada, e o som áspero atravessou a noite.
- Quatro dias, Bryn. Quatro dias e estará livre. Poderá se casar com Stan, ter uma família, seguir avante.
"Oh, Kahlil, como você é esperto e manipulador! Seria mais inteligente de minha parte confiar no Diabo!"
A desvantagem de Bryn era que Kahlil a conhecia. Ele sabia quanto o procurara, por vezes e vezes, dominada pelo desejo de saciar seu corpo, tão inexperiente
que não conseguia se fartar, sua voluptuosidade liberada querendo mais e mais.
Esse, todavia, não era o relacionamento que tinha com Stan. Era um problema seu, claro, mas apesar de sua gratidão em relação a Stan, não gostava quando ele
a tocava. Achava que suas sensações mudariam quando se casassem, mas será que conseguiria? Poderiam, mesmo?
Olhou para Kahlil com cautela. Seu semblante estava iluminado pelo luar. Se ela aceitasse o convite, ele a deixaria
livre? Se confiasse nele, honraria a palavra
dada?
- Muito bem, então, vamos acabar logo com isso - disse ela, sentindo-se caçada, o ar comprimindo-lhe os pulmões. Não respiraria direito até que se livrasse
dele. - Quatro dias e três noites. Escolha o lugar, a cidade e o hotel.
- Céus! Agora você soa paranóica.
Bryn se recusou a ceder à tentação, muito envolvida para analisar a proposta por todos os ângulos. Algumas noites com ele em Nova York seria algo muito ruim?
Faria o que Kahlil pedia, e depois obteria o divórcio.
- Nova York, no Ritz-Carlton Hotel.
- Paris, no Ritz-Carlton.
- Não sairei dos Estados Unidos, Kahlil.
- Não confia em mim?
- De jeito nenhum. - Bryn se endireitou. - Afinal, você está me julgando, de acordo com seu ponto de vista, e dando as cartas. Não me parece muito justo.
Kahlil esboçou um sorriso sem humor.
- Acho que terá de se esforçar muito para me agradar... Agitada, Bryn voltou para a limusine. Sabia muito bem que estava apenas perdendo tempo, seu, dele e
de Ben.
Kahlil poderia parecer um homem moderno, vestindo roupas caras, com sua beleza deslumbrante, mas ainda raciocinava como um senhor feudal.
A limusine parou na porta da casa de Bryn, e o motorista abriu-lhe a porta. Mas, antes que ela se movesse, Kahlil agarrou-a pelo cotovelo.
- Talvez não seja muito seguro que vá comigo - afirmou, com suavidade, - mas também poderia ser a coisa mais inteligente que já fez um dia. Tudo no mundo está
sujeito a riscos... Até a liberdade.
Ela não respondeu. Não conseguiria.
Kahlil passou a mão por seu braço. Seu toque a enlouquecia.
- O final de semana não ficará sem suas recompensas, Bryn. Noto o quanto você está ansiosa por mim...
Sem dúvida, ela estava excitada, sua pele queimando, seu corpo derretendo, respondendo vivamente a suas provocações. Kahlil sempre lhe causara isso, pondo-a
cheia de paixão.
Naquele momento, seus nervos palpitavam, seu pulso disparava. Ele era um entorpecente, algo que viciava e também destrutivo. De um jeito ou de outro, era transformador.
Em sua cama, nos seus braços, faria tudo por Kahlil. Ainda que fosse deixar sua casa, mudar de nome, prostrar-se aos pés dele em muda adoração.
Voltando à realidade, Bryn, atordoada, viu-se dividida entre vontades antagônicas. "Corra. Fique. Grite. Beije."
Se aceitasse o convite, seria objeto da vingança de Kahlil. O pior era saber que se sentiria feliz com até mesmo com humilhação, só por estar com ele.
Uma mulher deveria ter mais auto-respeito. Ela não tinha nenhum.
Bryn conseguia sentir a pressão da coxa dele sobre ela, seus quadris muito perto, seu calor penetrando-a. Kahlil prometera prazer sexual intenso, um prazer
que só conhecera com ele.
Um calafrio passou-lhe pela coluna. Fechou seus olhos, e seu coração balançou por ele. Mais uma vez envolvido por Kahlil.
"Pare com isso, Bryn! Acorde! Não pode fazer uma coisa dessas. Pense em Ben. E nos perigos em seu palácio. E, se tudo isso não bastar, pense em Amin."
- Não posso Kahlil. Não farei o que está querendo. Temos que ter um rompimento limpo.
Teria sido essa sua voz? Alta, estridente, cheia de medo?
- Rompimento limpo... - escarneceu ele. - Muito difícil querida. Você ainda é minha mulher.
- Isso não é justo.
- A vida também não.
Bryn se fez de ofendida, lutando para esconder dele suas tumultuadas emoções. Estava com raiva, quase chorando. Se não conseguisse se livrar dele, Kahlil poderia
descobrir Ben. Mas, passar com ele um final de semana seria o mesmo que se atirar na cratera de um vulcão.
Era o futuro de Ben, ou o dela.
Ben ganhou.
Nenhum outro homem forçaria uma mulher a se submeter, concluiu Bryn, infeliz, sem conseguir esconder a raiva ou o desespero. Kahlil jamais planejara liberá-lo
dos votos do casamento. Dera-lhe tempo, mas não a perdoara. Espaço, mas não liberdade. E, sem o divórcio, poderia perder Ben a qualquer momento.
Ambos sabiam que Kahlil não era um homem qualquer. Era um sheik em seu país, onde sua palavra era lei. Bryn soltou um breve suspiro.
- Deus, eu te odeio!
- Isso não me preocupa. Quero o que é meu. E você, esposa, me pertence.
Ia beijá-la. Bryn sabia, sentiu-o antes mesmo que ele abaixasse a cabeça. Ficou alarmada, pois se tornava muito vulnerável em seus braços.
Tentou fugir do contato, mas Kahlil foi mais ágil. Fechou a porta e a apertou contra o banco de couro.
- Você não consegue escapar de mim - murmurou rouco, com a mão descendo pela sua nuca de Bryn, apertando-lhe as costas. - Mas também não acredito que queira.
E, com isso, inclinou-se, cobrindo a boca carnuda com seus lábios.
Kahlil deslizou os dedos do pescoço para os seios redondos, seu carinho acendendo labaredas por onde deslizava.
Toda arrepiada, Bryn se inclinou um pouco mais para Kahlil, querendo mais contato, mais daquele poder.
- Diga-me, minha querida, é assim que você responde a Stan, também?
Bryn pareceu congelar. Endurecida pelo terror, golpeou com força o tórax dele, desesperada para escapar. Kahlil gargalhou malévolo.
- Meu amor, deixe-me prosseguir com o que estou fazendo. Gosto muito de explorar suas curvas.
Desgosto, remorso, a dor a transpassava como pequenas flechadas, penetrando-lhe a consciência, fazendo-a lembrar-se de quem era Kahlil. Um selvagem. De um
país selvagem.
O pavor se transformara em raiva, a emoção explodindo, e seu braço fez um movimento para cima, flexionando os dedos, abrindo a mão. E acertou-lhe um tapa direto
na face esquerda, que ecoou dentro do silencioso veículo.
Kahlil não se moveu.
"Meu Deus, o que eu fiz"?! Como pude tomar uma atitude dessas na frente de outras pessoas?
- Desculpe-me...
Ele não disse nada. Permaneceu hirto em seu lugar, os olhos arregalados de espanto. Com o peito dolorido, Bryn o encarou, e mesmo na sombra pôde ver a vermelhidão
em sua pele.
- Esta noite você levantou a sua mão para mim duas vezes, e em uma delas me acertou. E isso não é um bom hábito.
Bryn precisava se desculpar, mas não conseguia falar, tonta por tantas e poderosas emoções que mais pareciam um turbilhão dentro dela. Amava e odiava Kahlil.
Sonhava com seus afagos, mas acabara por esbofeteá-lo. Era uma loucura. Ficar perto dele a punha maluca. Como fazer para escapar dele de novo?
- Você terá de perder esse costume, e logo. Entendeu princesa al-Assad?
- Não me chame de princesa. Não sou nada disso.
- Lógico que é. E, enquanto for a minha mulher, terá o direito de usar meu nome, minha fortuna e minha proteção.
- Não!
- Não pode evitá-lo, Bryn. Casar-se comigo mudou sua vida. Seus olhares se cruzaram, luz e sombra brincando sobre as graníticas feições de Kahlil, até que,
ao descer da limusine, estendeu a mão a Bryn, para acompanhá-la.
- Para sempre.
CAPÍTULO III
O telefone, dentro da casa, tilintava. Bryn conseguia ouvi-lo ao se encaminhar para lá. Subiu correndo os degraus e logo procurava colocar a chave na fechadura,
mas suas mãos tremiam tanto que não conseguia.
- Precisa de ajuda? - perguntou Kahlil, com a voz arrastada e cheia de zombaria.
- Não!
O aparelho continuava a tocar, e a persistência de quem estava chamando criava uma nova preocupação. E se fosse a sra. Taylor? E se tivesse acontecido alguma
coisa com Ben?
Embora muito ansiosa, Bryn pôde, enfim, destrancar a porta. Abriu-a, mas assim que entrou, o telefone parara de chamar.
Kahlil decerto notara sua aflição e frustração, pois, quando passou por ela, tocou-lhe a ponta do nariz com o dedo.
- Querida, se for importante, a pessoa tornará a ligar. Kahlil saiu de perto dela e foi do hall à cozinha. Aquela liberdade a enfureceu, pois não o havia convidado.
Seguiu-o, pisando duro. Ele analisou o cômodo diminuto.
Bryn acompanhou-lhe o olhar crítico. Kahlil não perdia nenhum pormenor, incluindo as toalhas de papel dependuradas em uma barra cromada.
- Se precisava de dinheiro, deveria ter me informado - disse ele por fim, virando-se para encará-la, com os braços cruzados sobre o peito.
Bryn sentia as têmporas doendo e o coração dolorido, mais uma vez. Não permitiria que a energia dele influísse em seus sentimentos. Aquela moradia estava repleta
de memórias dos bons tempos que passara com Ben. Todos aqueles maravilhosos "primeiros": o primeiro sorriso, o primeiro dente, o primeiro passo, a primeira palavra.
Talco infantil e canções de ninar Ervilhas amassadas e doces beijos. Aquele fora o mundo no qual sobrevivera. Até aquele dia.
- Não preciso de seu dinheiro, Kahlil. Adoro minha casa. É bastante aconchegante.
- Fantasticamente aconchegante, eu diria. Está tudo deteriorado.
Bryn apertou os lábios. Quanta prepotência! Claro que ele reparara em seus móveis de segunda mão. No mundo do sheik al-Assad, tudo era do melhor. Os carros,
os móveis, jóias, tudo de primeiríssima linha. Bryn não podia se permitir tais luxos. Mal conseguia pagar seu aluguel. Contudo, Ben era saudável e feliz, e não negociaria
a segurança dele nem por toda a riqueza da face da terra.
- Não o convidei para entrar. Se não se sente confortável, tem a liberdade de sair. Você sabe onde fica a porta.
- Como? E privar-me de sua companhia? Nada disso, não sairei daqui - afirmou relaxado e sorridente. -Todavia, para uma sulista, sua hospitalidade deixa muito
a desejar. O correto seria oferecer-me um refresco.
Bryn não tinha mais tempo a perder. Era necessário livrar-se dele, pois faltava uma hora para Ben retornar com a sra. Taylor.
- É muito tarde, Kahlil.
- Sim, e uma xícara de café seria adorável.
Certo, não adiantava nada discutir. Kahlil fazia ouvidos moucos quando queria, e tornava-se cego quando lhe era conveniente.
Assim, ela colocou a chaleira no fogo, para preparar o café da forma como ele lhe ensinara, no estilo francês, mais forte, mais escuro e mais saboroso que
o americano. Alguns hábitos eram difíceis de serem mudados.
- Embora você ache isto aqui aconchegante, acredito que podemos fazer algo para melhorá-lo. Você precisa de coisas mais apropriadas a sua posição. Eu lhe contratarei
uma governanta, um motorista e um guarda-costas.
Ela nem ao menos se virou.
- Não preciso de guarda-costas ou de um motorista. Sou mais uma ótima dona de casa. Você não encontrará uma poeira em canto algum.
- Só queria facilitar sua vida.
- Um divórcio facilitaria muito mais. Uma governanta não passaria de um incômodo.
- Não se preocupe com o dinheiro...
- Não se trata disso. Você não pode tomar conta de meu destino, Kahlil. Eu não quero.
- Tenho justificadas preocupações sobre sua segurança. Naquele instante, o telefone voltou a tocar. Bryn ficou tensa, com um peso nas costas. Seus músculos
enrijeceram de medo. Não queria atender, mas também não podia ignorá-lo. Kahlil percebeu sua indecisão.
- Deixe-o tocar - ordenou autoritário como sempre. O aparelho continuou chamando. Quatro vezes. Cinco. Bryn desejava atender, mas Kahlil a impediu, segurando-a
pelos ombros.
- Esqueça o telefone. Ouça o que eu tenho a lhe dizer.
- Não posso...
- Sim, pode. E precisa. Você me deixou esperando por três anos. Acho que me deve cinco minutos de sua preciosa atenção.
Cinco toques. Seis, sete...
- Kahlil, por favor!
- Não.
Trêmula, Bryn fechou os olhos, o coração batendo descompassado.
Oito, nove. E então parou. Emudeceu.
- Você não me deve nada, sheik al-Assad, e não irá me aprisionar mais uma vez! - gritou, com raiva não só dele, mas da família, seus costumes, sua insensibilidade
por vê-la como uma mera extensão dele.
- O palácio nunca foi uma prisão!
- Mas eu me senti uma prisioneira. Você me abandonou presa no harém!
- Sabia de antemão que as esposas comem, dormem e convivem em seus próprios quartos. Foi educada no Oriente Médio, Bryn. Você conhecia nossas tradições.
- Mas foi com você que me casei. E esperava viver com você.
- E era assim, durante a noite. Eu a mandava buscar quase todas as noites, desde que não estivesse fora, em razão dos negócios ou obrigado a participar de
festas. - Kahlil suspirou.
- No que diz respeito a seus sentimentos sobre o palácio, não podíamos colocar sua segurança em risco. O problema de ser uma princesa que vale milhões... bilhões
de dólares é que viria gente de todo lugar para encontrar você.
- Ninguém sequer sabe que sou sua mulher!
- Mas saberão.
A confiança dele causou-lhe mais um calafrio. Sabia que Kahlil diria a todos que ela lhe pertencia. Que ninguém, como Stan, alimentasse ilusão alguma por Bryn,
pois ele se asseguraria de mantê-la naquela torre de marfim.
- Você está me fazendo de prisioneira em minha própria casa.
- É o preço que pagamos por sermos ricos. Bryn ficou ofendida.
- Seus pais foram executados por terroristas, querida. Todo e qualquer ser humano adulto deveria saber que nosso planeta é bem perigoso.
- Eu optei por viver sem medo.
Assim que deixara Zwar, Bryn deu às costas a lugares exóticos e aventuras selvagens. Viagens nômades, nunca mais. A instabilidade de seus pais destruíra a
família. Não faria isso com Ben.
- Não serei apenas mais uma, para dar-lhe paz de espírito - acrescentou áspera, sem vontade de se lembrar da bomba que explodira no mercado ou do horror de
ver seus pais mortos.
Bryn fora enviada para Dallas, para a casa de sua tia Rose, e morar com ela foi bom demais. Agradecia a Deus pelo afeto e abnegação da tia.
Sentiu mais do que ouviu os passos de seu marido se movimentado atrás dela, quase sem fazer ruído, como um enorme gato. Lindíssimo e letal.
- E eu não deixarei que um fio dos seus cabelos seja tocado.
- E puxou-a para si.
Bryn ficou tensa e ele beijou-lhe a nuca.
Os lábios dele contra a sua pele proporcionavam-lhe um prazer inimaginável.
Seus mamilos ficaram túrgidos, seu ventre se aqueceu. Um simples beijo era suficiente. Um mero toque, e começava a derreter.
Seus nervos retesaram. Queria sentir a mão de Kahlil deslizando sobre seus seios, seu ventre, suas pernas...
- Nem um fio de cabelo - ele repetiu, e, bem devagar, ia soltando as presilhas de tartaruga da cabeleira loira. - Apesar de tudo, ainda a desejo. Ainda quero
amar seu corpo.
"Resista! Resista!"
- Sim. E eu a perdôo. - Kahlil beijou-lhe mais uma vez a nuca, dando-lhe um novo prazer e mais sensações intensas. Suas mãos desceram pelas costas dela e seguraram-na
com firmeza. - A única coisa que eu quero é tê-la de volta a nosso lar.
Aquilo a atingiu, reacendendo velhas mágoas, lembrando-a do segredo pelo qual tanto lutara para que ele não soubesse. Passara os últimos três anos tentando
esquecer que alguma vez lhe pertencera, ignorando até que seu filho era o filho dele...
Mas a casa de Kahlil jamais seria sua, não depois do que Amin fizera. Não depois do que ela fizera.
Os lábios dele subiam e desciam por seu pescoço. Bryn cerrou as pálpebras, a cabeça caindo para a frente, dominada pela força de suas emoções. A volúpia a
dominou. Queria ser tocada, amada. Stan se preocupava com ela, mas jamais a fizera se sentir daquele jeito. Nunca com aquela intensidade, com aquele fogo.
A água da velha chaleira começou a ferver, soltando um leve assobio.
- Temos de seguir em frente - respondeu, afobada, enquanto o ar entrava em seus pulmões, seu coração tão delicado quanto um ornamento de cristal. - Temos que
enterrar o passado. Preciso continuar vivendo.
- Não posso fazer isso.
- Por que não? Você é um dos mais perfeitos e educados homens do Oriente Médio. Tem diplomas de Oxford e Harvard...
- Posso ter sido educado no Ocidente, mas minha criação é árabe. Eu sou árabe. E meu orgulho exige justiça. Olho por olho, dente por dente.
- Humilhação por humilhação. - Bryn se virou para ele, bem devagar, sentindo-se desamparada.
- Exato.
- Quer dizer que, até que eu decida acompanhá-lo para um fim de semana, não terei mais sossego.
Ele não disse nada. Nem precisava. Kahlil olhou dentro dos olhos dela.
- Não está me deixando alternativa, não é?
Kahlil parou de sorrir. Bryn parecia a encarnação da inocência injuriada, as pupilas brilhantes, os lábios tremendo. Será que ele já não vira aquela expressão?
E também não a conhecia? E também não ouvira aquela inflexão martelando seu cérebro milhares de vezes desde que Bryn partira, naquela noite?
Kahlil achou irônico o fato de que, mesmo zangada, ela ainda continuasse mais bonita que uma modelo, seu rosto transmitindo doçura, sua pele irretocável envolta
por sedosos cabelos claríssimos. Sempre amara os cabelos dela, com suas várias nuances douradas.
Ficara fora de si quando Amin lhe falara a respeito do casamento de Bryn. Kahlil não acreditou que ela se atrevera a se unir a outro homem. Sua ira fora tão
grande que não sabia qual seria sua reação assim que chegasse a casa dela, mas, quando abriu a porta, a violência em seu coração cedera. Ela era sua. Voltaria para
casa com ele.
- Claro que tem uma saída, meu bem. Pode ceder a meus caprichos por quatro noites, ou ser minha, no nome, pelo resto de seus dias. A escolha é sua.
Isso, sem dúvida, a assustara, e por um instante Kahlil sentiu um pouco de boa vontade, até se lembrar de como Bryn fugira dele, sem desculpas, sem tentativas
de reconciliação, nada. Jurara amá-lo e quebrara o juramento em menos de um ano.
Chegara o momento de ela entender a importância da palavra dada. Em Zwar, a vida de alguém dependia de seu juramento.
Bryn se afastou dele, enchendo a máquina de café francesa com água fervente. O sheik observava as mãos dela e sua concentração.
Estendeu-lhe uma xícara de café, para não tocá-lo.
- Como ficou sabendo que irei me casar?
- Amin me contou. - Kahlil notou o desagrado profundo dela. - Seu ódio por meu primo é inaceitável e desnecessário. Ninguém colaborou mais como você do que
ele.
- Posso imaginar.
- Duvida de mim?
- Duvido dele. Como Amin ficou sabendo do casamento? Kahlil deu de ombros.
- Encontrou seu anúncio na internet, ao ler um jornal de Dallas.
- Não é muita coincidência? Amin lendo um jornal de Dallas pela internet? Por que ele deveria se interessar pelas novidades daqui?
- Eu tenho investimentos nesta cidade. Produção, refinarias de petróleo... - Não lhe escapava o esforço dela para não perder o controle. - Despreza a lealdade,
não é? Mas Amin tem sido mais leal do que você, minha jovem esposa.
Estava na ponta de sua língua a acusação contra Amin, em deixar escapar a terrível verdade a respeito do primo favorito de Kahlil, mas, antes que pudesse dizer
qualquer coisa, ouviu o barulho de um carro estacionando lá fora.
Céus, não poderia ser a sra. Taylor já de volta, poderia?
Dirigiu-se até a sala, quase correndo. Ouviu Kahlil falando alguma coisa sobre sua decisão e que fizera uma escolha, mas ela não respondeu, atemorizada, medrosa,
o pânico a consumi-la.
Da soleira, Bryn vislumbrou um carro parado em frente a sua calçada. A velha picape da sra. Taylor. E, próximo dela, uma cabecinha escura. Ben.
Era esse o telefonema. A sra. Taylor ligara para informar que traria Ben mais cedo. E ali estava, trazendo Benjamin para seu lar, na pior hora possível, direto
para os braços do pai.
- Amigos? - perguntou Kahlil, por detrás dela.
Bryn não podia ver seu rosto, mas sentiu-lhe a tensão, o olhar focalizando o veículo parado e os passageiros dentro dele.
Ela não conseguiria falar nem se sua vida dependesse disso.
A porta da picape se abriu, e um menino vestindo jeans, camiseta e tênis brancos deu um salto.
Bryn não podia fazer nada, nem ficar ali parada. Saiu para a varanda e desandou a correr, vendo apenas Ben diante de si. Assim que alcançou o filho, aninhou-o
nos braços, com a certeza de que estava perdida.
Não sabia o que fazer. Nem ao menos poderia proteger Ben quando mais precisava.
Gelada da cabeça aos pés, Bryn começou a tremer. Agachando-se no chão, ajoelhou-se no asfalto áspero. Terminara. O segredo, a fuga, a pretensão. Terminara.
Segurava Ben com firmeza, precisando dele, sofrendo por seu menino. Cada escolha que fizera, cada erro que cometera acabaria agora.
Os passos de Kahlil soaram atrás dela. O salto de couro de seus sapatos ecoavam na dureza do cimento.
Bryn fechou os olhos, rezando por um milagre, para que algo fizesse Ben desaparecer, não permitindo que esse momento chegasse. Em vez disso, Kahlil se postou
a seu lado, muito altivo.
- Você se importaria em me explicar, Bryn?
Seu sangue gelou nas veias. Seus dentes começaram a ranger.
Mas Ben, tão jovem, tão inocente, ergueu a cabeça escura e encarou Kahlil, com seus grandes olhos castanhos fixados na angustiada figura do pai.
- Mamãe, quem é esse homem?
CAPÍTULO IV
Assim que embarcaram no Learjet, os motores se avivaram, o avião taxiou e alçou vôo. As tremeluzentes luzes do Texas iam ficando ao longe, e a agourenta noite
escura foi tomando corpo, envolvendo-os.
Bryn, com os nervos à flor da pele, apertava Ben entre os seus braços. Estava agradecida por ele ter conseguido adormecer, após uma bateria de perguntas durante
a viagem até o aeroporto, que, embora inocentes, eram bem embaraçosas. "Para onde estamos indo mamãe? Ficaremos em algum hotel? Poderemos nadar?"
Para Ben, tudo era aventura, uma excitante quebra da rotina. O garoto estava com a sua mãe, a bordo de um avião, e acabara de tomar um copo de refrigerante.
O que mais poderia querer uma criança de três anos de idade?
Bryn fechou os olhos e sentiu um nó na garganta, prestes a cair em lágrimas. Tudo aquilo por que lutara até aquele momento caíra por terra. A segurança de
Ben se achava em jogo. Estavam à mercê de Kahlil.
E ele não dissera nada desde que subiram no avião, duas horas atrás. Mas Bryn o conhecia o suficiente para adivinhar seu estado de espírito, ao estudar suas
endurecidas linhas, seus traços firmes e a disposição controlada. Sim, Kahlil sentia muita raiva. Não, era mais que isso: estava furioso.
Engoliu em seco, com a cabeça pesada. Sufocada, teve medo, pânico e remorso, e tudo isso junto ameaçava enlouquecê-la. O que aconteceria agora? Qual seria
a atitude de Kahlil? Ben, inquieto, se mexeu e reclamou sob seu tenso abraço. Com carinho, Bryn o ajeitou no confortável assento de couro.
O pequeno relaxou, aninhando o pequeno corpo no dela, os cabelos finos esparramados sobre seu peito.
Bryn sentia a respiração dele, e estremeceu assim que Ben voltou a cair no sono. Sentiu uma dor no coração, pois seu amor por ele era intenso. Será que seus
próprios pais sentiram o mesmo por ela? E, se assim fosse, por que não tomara conhecimento?
Bryn os perdera ainda muito novinha, por isso suas recordações eram poucas. Claro que tinha fotografias dos pais, mas gostaria de lembrar-se de suas vozes,
das conversas que tiveram com ela.
Não esquecera o amor que nutriam por seu trabalho, a paixão pelo deserto e o povo do Oriente Médio, mas não conseguia recordar o que lhe diziam. Não sabia
do interesse deles por ela, suas necessidades, seus sonhos.
Porém, não eram seus desejos que importavam agora, era Ben. E os interesses dele, as necessidades dele. E pedia a Deus, como fazia desde quando ele nascera,
para que tivesse segurança. Que estivesse a salvo. Que se sentisse amado.
Deu mais um beijo na testa do menino, antes de afastar um pouco uma mecha que lhe caía pela face. Ben era lindo, de cabelos escuros e olhos dourados, perfeitos.
Tão parecidos com Kahlil...
- Quando é o aniversário do garoto?
Kahlil sabia. Era óbvio que o filho era dele. Possuíam idênticos olhos, nariz, o maravilhoso perfil do queixo e do rosto. Mesmo sendo ainda uma criança, os
traços do pai eram bem evidentes.
- Oito de maio.
Kahlil não disse nada. Nem precisava. Bryn podia sentir que estava fazendo rápidos cálculos, de seu casamento e os meses até o nascimento de Ben. Eles o conceberam
logo após a lua-de-mel, quando tudo o que ela quisera era ficar nua e a sós com Kahlil, pele com pele, dedos e lábios, corpos e desejo. Desejava-o, como tudo dele,
com paixão e desespero, seu coração acordado, os sentimentos atiçados. Jamais se sentira tão viva.
- Meu filho - Kahlil afirmou seco, com o olhar velado, lábios apertados, numa expressão feroz.
- Sim.
- Cometeu um grande engano, Bryn. - Sua inflexão era apavorante. Sem dúvida, faria com que ela sofresse. - Tão silenciosa, princesa al-Assad... Uma noite de
protestos, e agora essa quietude.
Ele apertava um damasco entre os dedos, achatando-o, do mesmo modo como queria fazer com Bryn, que, com certo esforço, dirigiu o olhar para ele.
- Desculpe-me.
Kahlil jogou o damasco dentro da boca, mastigando-o devagar, engolindo-o após um certo tempo.
- Está dizendo isso porque foi desmascarada.
"Será? Seria mesmo essa a razão por que me sinto tão melancólica?" Pensou de novo em seus pais, o amor que nutriam um pelo outro, a amor pelo trabalho, e tão
pouco tempo para ela. Será que mantivera Ben longe de Kahlil por abnegação? Ou resolvera mantê-lo em segredo para não ter de dividi-lo com ninguém?
Mas uma decisão desse tipo, egoísta e cega, magoaria Ben.
- Não, não é verdade - Bryn se obrigou a responder. - Tudo o que fiz foi visando a segurança de Ben.
- Achou que eu poderia magoar meu próprio filho? - Kahlil destilava todo seu rancor. - Em sua opinião, sou um homem desse tipo?
Não. Mas era cego, pelo menos quando se tratava de seu primo. Kahlil sempre o protegera. Sempre o fizera e sempre o faria.
Ben poderia ser magoado por Amin. Se Amin a atacou, por que não faria o mesmo com o garoto?
- Seu silêncio fala alto demais.
- Minha única preocupação era com o bem-estar de Ben, Kahlil. Tudo está mudando para ele.
- E é assim que tem de ser.
- Ele ficará assustado.
- Ficará bem, isso sim. O pequeno terá a mim, e isso é o suficiente.
Kahlil não o afastaria dela. Ou sim? Não a magoaria, nem a Ben. Ou sim?
- Farei tudo o que me pedir, mas seja gentil com ele. Ben é tão pequeno...
- Posso constatar isso por mim mesmo. Também noto a devoção que tem por você, Bryn. Eu não imporia sofrimento a minha própria carne.
Ela balançou a cabeça, lutando para não deixar transparecer as emoções.
- Estamos voando para Zwar?
- Deveremos estar chegando a Tiva dentro de seis horas. E Amin? Estaria lá também? Iria esperá-los?
- Sua família... Sabe que estarei chegando?
- Meu pai morreu, há dois anos.
- Sinto muito. Eu não sabia.
- Não costuma ler os jornais?
Bryn tratara de esquecer tudo o que se referisse a Zwar e Kahlil.
- Lamento Kahlil.
- Minha sobrinha, Mala, que tem a mesma idade que você, está em Londres, terminando sua graduação. Portanto, não estará lá. Os demais vêm se juntando às pressas.
- E Amin?
Kahlil lançou-lhe um rápido e duro olhar.
- Meu primo mora fora do país. Prefere a vida noturna de Monte Carlo à de Tiva.
Bryn sentiu-se aliviada, após tantas horas de angústia. Fora a melhor notícia dos últimos dias. Kahlil preparava um drinque.
- Quer um?
- Não. Muito obrigada.
- Fale-me a respeito de meu filho.
Muito justo, pois Kahlil era um estranho para Ben. Bryn sentiu uma pontada de remorso. Fora terrível o que fizera para ele. No entanto, teria tido outra escolha?
Alguma saída sobre a qual não pensara?
- Gostaria de saber como ele é - acrescentou Kahlil, com suavidade, apesar da evidente zanga.
- Benjamin acabou de completar três anos, mas às vezes fala como um adulto. É uma alma madura. Uma criança que nasceu sabendo tudo. Muito gentil e carinhoso.
E com uma saúde de ferro.
- Do que ele gosta de brincar?
- Com carros, caminhões, trens e tudo o que pode ser feito com uma bola.
- O que ele pediu para o Natal?
A garganta de Bryn se apertou. Essa questão não conseguiria responder, não por não recordar, mas porque a recordação era bem desagradável.
Jamais esqueceria a forma como seu menino ficara sentado na frente do Papai Noel, numa loja de departamentos, pedindo um pai de presente. Não um carrinho novo
ou qualquer outro brinquedo. Seu filho queria um papai.
O Papai Noel da loja olhou para Bryn e se sentiu miserável. Para piorar um pouco, Ben não conseguira acreditar que na manhã de Natal Papai Noel não trouxera
o que lhe pedira. O menino chorou tanto que Bryn temeu por sua saúde.
O pranto de Ben disse mais que mil palavras. Foi aí que Bryn decidiu aceitar a proposta de Stan.
- O que ele tinha pedido? - persistiu Kahlil.
- Uma família. - Faltava-lhe coragem para encará-lo.
- E por que você não me procurou?
Bryn deu de ombros, e lágrimas quentes fizeram seus olhos arder.
Passou-se um minuto antes que Kahlil tornasse a falar:
- Não sei o que me deixa mais bravo. O fato de ter escondido o menino de mim, ou ter resolvido dar-lhe um outro pai.
A amargura de Kahlil a atingiu. Recriminava-se pela dor que causava agora àquele homem, que, um dia, amara mais do que tudo.
- E então? Não consegue encontrar nenhuma desculpa?
- Nenhuma que você poderia aceitar.
- Nós dois formaríamos uma família de verdade, Bryn. Juntos. Essa é a família de que Ben precisa, pois é a verdadeira, de sangue.
Bryn não se conteve e voltou a chorar. Era o que também desejava. Uma família que jamais tornara a ter depois da morte dos pais, e que era seu desejo mais
sincero para Ben, e sua maior ambição, quando se casara com Kahlil. Todavia, não fora assim. Para nenhum deles.
Kahlil apertou as mãos, ressaltando os músculos do antebraço.
- Agradeço a Alá por ter, enfim, encontrado meu filho. Farei tudo o que for preciso por ele, mas você... É algo bem diferente.
Antes de o avião levantar vôo, Kahlil fora até o luxuoso quarto a bordo e trocara a camisa de linho branca por uma malha preta, de gola olímpica, e um blazer
preto. Naquele momento, vestido de preto da cabeça aos pés, parecia ainda mais poderoso, um vingador cavaleiro negro.
- Está com medo, esposa? - murmurou ele, sua entonação profunda e quente, curiosa e cheia de sensual aspereza.
Bryn reagia ao encanto dele, mesmo que estivesse afastado dela. Um forte calor enrubesceu-lhe as faces. E, óbvio, Kahlil percebeu.
Um homem que tinha mestrado em sociologia, antropologia, psicologia, antes de completar seus estudos avançados em negócios e direito, se aperfeiçoara na arte
de observar as pessoas. Ajudava-o muito analisar o que os demais estavam sentindo, em geral bem antes de eles mesmos conseguirem.
Kahlil sabia o que ela desejava, quais seus receios, suas culpas. Arrancara-a de seu mundo, trazendo-a de volta para o dele.
Retornar a Zwar parecia uma volta para a era da escuridão. Aquele país ainda se mostrava muito feudal e até meio bárbaro, em especial em seus costumes em relação
às mulheres. Todavia, possuía toda uma atmosfera de sensualidade irresistível. De paixão, magia e mistério. Um lugar que se assemelhava a sua própria casa, ao que
já fora uma vez. Até o momento em que se deixara dominar pela insegurança, até depositar sua irrestrita confiança no homem errado: Amin.
Se tivesse procurado Kahlil para discutir seus temores, se tivesse sido um pouco mais paciente, menos... Ansiosa...
Confiar em Amin era o mesmo que colocar a cabeça na boca de um leão. Fora uma decisão imatura e estúpida. Como pudera ser tão ingênua?
Kahlil observava todas as mudanças nos traços dela: esperança, ira, desespero. Deixara-a preocupada. Isso era bom. Deveria se preocupar, mesmo. E muito.
O que Bryn tivera em mente ao impedi-lo de ver o filho? O que havia dentro daquele peito, no lugar do coração?!
Kahlil se apaixonara por sua beleza, seu sorriso, sua inteligência, mas agora se perguntava se tudo não passara de ilusão. Será que se deixara levar por uma
miragem? Apesar de linda e brilhante, Bryn seria uma mulher sem um pingo de consistência? Um reluzente colar banhado a ouro sobre metal barato?
Engoliu em seco, as mãos comprimidas, a temperatura tão alta que podia senti-la em seu rosto. Parecia um caldeirão fervente, turvado pela angústia, que estava
pronta para destruí-lo.
Seu olhar se dirigiu para a formosa cabeça inclinada sobre o menino. Bryn o segurava forte, o rostinho dele sobre seu peito. Os lábios pequeninos exprimiam
a tranquilidade absoluta do sono infantil.
Voltar a ser criança de novo, amada e protegida, a salvo de dura realidade da vida...
Uma tristeza profunda o espicaçou, quando num flash de memória surgiram os belos olhos escuros, os longos cabelos negros de sua mãe. Ela chorava muito, desesperada,
quando o tiraram dos braços dela.
Kahlil odiava aquela lembrança, e afastou-a, apagando todos os traços do passado, que não mais importavam.
Perdera a mãe e sobrevivera. Com Ben se daria o mesmo, se fosse esse seu destino.
Mas vê-lo junto de Bryn, testemunhar a confiança e o amor do menino e a dedicação de sua mulher enfraqueceu sua decisão. Se os separasse, os destruiria, abalaria
a todos, algo que jurara não fazer jamais.
Contudo, não era mais o homem que se casara com Bryn. Queria vingança. Punição. Pretendia quebrar o genioso espírito da mulher que desposara.
Não precisava ser assim, mas a escolha fora dela. Portanto, teria de pagar por isso.
- Teve algum outro homem em Zwar? - perguntou-lhe de repente, para quebrar o encantamento daquele quadro tão doce.
Ela pagaria. Ele a faria pagar.
- Não.
- Sério? Não me parece muito segura de si. Gostaria de ponderar mais um pouco sobre essa pergunta?
- Não preciso fazer isso, Kahlil. Fui fiel a você.
- Sexualmente?
- Sim.
- Sem sombra de dúvida?
- Pode apostar.
- E emocionalmente?
- Meu Deus, Kahlil, que interrogatório é esse?! Se suspeitar de adultério, diga de uma vez, pois não ficarei fazendo jogos de adivinhação com você. Usei de
toda a honestidade. Nunca dormi com outro homem enquanto estive casada com você. E nem quis isso enquanto estávamos casados. Queria só você.
Então por que o abandonara? Seu frio e analítico raciocínio precisava saber de tudo. Bryn mentia ou omitia algo. De qualquer forma, enganara-o, o que quase
o matara de dor.
Graças a Deus que se recuperara em tempo. Rifaat, seu mordomo e assistente pessoal, se preocupara com ele. Lembrara Kahlil de seus deveres, obrigações e futuro.
A perda do pai o ajudara nessa empreitada. Zwar chorou seu líder. Sendo assim, Kahlil tivera de deixar de lado sua crise pessoal para se concentrar em seu país.
O trabalho o ajudara. Por um tempo. Até ficar sabendo que Bryn planejara casar de novo, quando então as velhas feridas voltaram a doer. A traição outra vez,
a mágoa reaparecendo, as desordenadas emoções... Angústia, choque, desconfiança.
"Eu te amava. Como você pôde me abandonar?!" Era o desesperado grito de uma criança abandonada. E foi assim que se sentira.
Kahlil desdenhou a própria fragilidade, a necessidade de amar e ser amado. Não deveria sentir isso em relação às outras pessoas ou a relacionamentos. Seu pai
jamais tornara a se casar após a viuvez. Por que ele também não poderia ser tão forte?
- O que estou fazendo com você aqui? O que estou pensando? Bryn se mexeu, atenta.
- Você pode fazer o avião retornar. Ainda é tempo. Nem sequer terminamos de cruzar o Atlântico.
A ânsia dela em livrar-se dele o enfureceu, mais uma vez. Quem era ela para tomar decisões? Bryn fugira, abandonara-o. Talvez até tivesse se entregado a outro.
- Se eu a mandar de volta, irá sozinha. Bryn ficou confusa. Então, entendeu.
- E Ben?
Kahlil a encarou, duro e inflexível.
- Ele é o príncipe herdeiro. Um dia ficará com meu título e minha posição de líder de meu povo. Portanto, é óbvio que ficará comigo.
- O quê?! Pois saiba que falarei com o embaixador...
- E o que espera que ele vá fazer? A criança é minha. Sou o pai, tenho direito. Nem mesmo o governo americano discutiria isso comigo.
- Eles não irão permitir que o afaste de mim!
- Claro que não. Nem pretendo fazer isso. Você terá a liberdade de ir e vir e visitá-lo quantas vezes quiser, mas Ben permanecerá no palácio em Tiva.
- Sem mim?
- Ele é muito pequeno. Vai se acostumar.
Kahlil não conseguia sentir dó de Bryn. Ela o impedira de ver o garoto nos primeiros três anos de vida. Portanto, merecia tudo aquilo, e muito mais.
- Você partirá o coração dele.
- Corações se consertam. Feridas se curam. Sei muito bem disso.
- E, mesmo tendo sofrido tanto, ainda assim quer feri-lo?
- Não está em posição de me pregar um sermão. Se dependesse de você, Ben não faria jamais parte de meu mundo. Estava determinada a ficar com ele só para si.
Daqui a alguns anos, Zwar será o lar de meu filho, e meu povo, o povo dele. Ben amará tudo isso, e será abençoado com a força, posição e autoridade.
- Não pode comprá-lo, ou o amor dele.
Kahlil deu de ombros, intimamente satisfeito por vê-la aborrecida.
- Quero falar com o embaixador, Kahlil. Agora!
- Desculpe-me. O telefone não está funcionando.
- Isso não é verdade. Você já fez algumas chamadas.
- Mas foi mais cedo. Agora é agora.
- Kahlil, você não tem o direito...
- Tenho todos os direitos!
O grito acordou Ben. Bryn tentou fazê-lo voltar a dormir, mas o pequeno despertara de vez, levantando a cabeça e olhando, sonolento, para a cabine.
- Ainda não chegamos? - Bocejou, seus olhos castanhos piscando, deixando entrever uma ruga de preocupação entre as sobrancelhas.
- Não, ainda não. - Bryn beijou-lhe a testa e olhou com um ar de censura para Kahlil, culpando-o por tê-lo acordado bem no meio de seu sono.
Era isso o que queria evitar. Ben não parecia querer dormir de novo, no meio de tanta tensão.
- Por que estava gritando, mamãe? - Ben estendeu um dedo para tapar-lhe a boca.
A resposta estava na ponta da língua: era Kahlil quem gritava. Mas não queria prejudicar ainda mais o relacionamento entre pai e filho.
- Eu estava gritando?
- Sim. Você gritou com esse homem.
- Desculpe-me, querido. Eu não devia ter feito isso. Ofendo os ouvidos das pessoas, não é verdade?
- Sim. - O garoto enlaçou os dedos nos dela. - Quem é ele, mamãe? Por que está nos acompanhando?
"Céus, o que dizer?"
- Ben, este é... Seu... Filho, ele, é seu... Seu...
- Papai.
Quem completou a frase foi Kahlil, ansioso como nunca. Não fora a forma como Bryn imaginara. Mas que fosse.
- Sim, queridinho. Ele é seu pai. Fomos casados há alguns anos e vivíamos num maravilhoso deserto.
- É mesmo? - Ben olhava de Bryn para Kahlil. - Numa tenda? Com camelos?
- Num palácio. - Kahlil sorria. - Mas, lógico, temos camelos.
- Eu gosto de camelos. - O menino fitava Kahlil, com uma expressão semelhante a dele. - Eu sou Ben. Esse é meu nome. Qual é seu?
- Sou o sheik Kahlil Hasim al-Assad.
- Que nome mais comprido...
- Nem tanto. Logo mais você terá um igual ao meu.
- Muito bom.
"Muito bom? Isso é tudo?" Ben aceitara seu novo pai, o novo nome, a nova casa como se fosse a coisa mais natural do mundo. Ben olhou para a mãe, tocando-lhe
a face, com carinho.
- Este é meu pai de verdade? - cochichou, lançando um rápido olhar para Kahlil.
- Sim.
- Aquele que eu queria?
- Sim, meu amor.
Pararam de falar. O pulso de Bryn disparou. Podia sentir o esforço de Ben, suas confusões e perguntas. Tudo mudara como num passe de mágica.
De repente, Ben estendeu a mãozinha para Kahlil.
- Eu sou Ben, papai.
Kahlil enrijeceu. Por um instante, não se moveu. Sua expressão se fechou com severidade. E então, pouco a pouco, estendeu a mão em direção seu filho.
- É um grande prazer conhecê-lo, Ben. É muito bom estarmos, enfim, juntos.
- Demorou muito tempo, não é?
As íris de Kahlil escureceram, e seu olhar encontrou o de Bryn.
- Muito mais do que imagina.
CAPÍTULO V
O jatinho terminou sua aproximação, tocando o chão quase sem fazer ruído. Passados poucos minutos, parou em frente a um iluminado hangar.
Antes que a porta da aeronave fosse aberta, um severo Kahlil saiu de seu quarto particular na cabine, com suas roupas ocidentais escondidas por seus trajes
típicos, o djellaba, e um howli branco, escondendo-lhe os cabelos.
O estômago de Bryn se contraiu, e ela engoliu em seco. Aquele era o sheik Kahlil al-Assad, em pessoa.
Kahlil deu um giro e se voltou para ela, com um insensível olhar, fitando-a e analisando-a.
- Você terá de se cobrir.
- Poderá parecer estranho a Ben. - Afagou a cabeça do menino.
Kahlil a encarou e respondeu-lhe, depois de um tenso silêncio:
- Ben achará mais estranho ainda se eu for forçado a tomar uma atitude.
Kahlil não entendera. Ben podia ser meio árabe, mas jamais deparara com os costumes do Oriente Médio. Não sabia nada sobre sua linguagem ou cultura.
- Dê-me uma chance para que possa explicar-lhe.
- Acho que esse papel cabe a mim, uma vez que o djellaba e o howli fazem parte de minha cultura.
E foi o que fez em menos de trinta segundos, dizendo ao garoto que o manto e o véu tornavam as mulheres especiais, protegendo-as, deixando-as mais bonitas
e transformando-as em princesas.
- Não gostaria que sua mãe fosse uma princesa?
Kahlil a atingira. Mais uma vez. Bryn ficou paralisada, enquanto ele abria outro djellaba e uma roupa de menor tamanho. Suas mãos se moviam rápidas, ajeitando-lhe
o manto sobre as costas, e a seguir, o véu sobre a cabeça.
Seus olhos se encheram de lágrimas. Desejava Kahlil, mas não dessa forma. Queria-o como quando estavam fazendo amor, sendo sinceros e acreditando um no outro.
De repente, Kahlil se inclinou para frente e deu-lhe um beijo por sobre o fino tecido do véu.
- Estamos em casa. E não se esqueça disso. Lembre-se de quem você é.
Bryn não conseguia falar. Sentia falta de ar. O medo, o cansaço e a ansiedade a dominavam. Estava insegura, entre seus anseios e as necessidades de Ben. Sabia
bem que não eram as mesmas, e jamais voltariam a ser.
O pequeno tocou o manto negro dela e deu um passo atrás, olhando para o pai.
- Ela não parece uma princesa - disse-lhe, com certo desapontamento. - Princesas não usam roupas deste tipo.
Bryn já lhe contara muitas histórias de princesas, como Cinderela, Branca de Neve e a Bela Adormecida. Assim, Ben tinha em mente que elas eram criaturas mágicas,
nem um pouco parecidas com sua mãe com aquele traje.
Se a situação não fosse tão grave, ela até riria. Abraçou-o e o pegou no colo.
- Está bem assim, meu amorzinho. O manto servirá para ajudar mamãe. É um hábito aqui, novo e divertido.
- Mas papai falou que você se transformaria numa princesa. Eu quero que se pareça com uma, mamãe. Tire isso - insistiu, puxando o manto com força, tentando
arrancá-lo. - Por favor, mamãe, tire!
- Ela não pode - Kahlil afirmou. - E sua mãe sabe a razão. Bryn não se importará, porque sabe a razão disso.
- Então, me diga papai.
- Porque estamos em meu país, e as regras aqui são diferentes. Tratamos as mulheres de uma forma peculiar e gostamos de protegê-las. Ao usar a djellaba e o
véu, sua mãe estará protegida.
- É alguma mágica? Como um feitiço?
Kahlil instigara mais uma vez a imaginação de Ben.
- Quase isso. E ela não o usará para sempre, só até chegarmos ao palácio.
- Mas a cor é feia. Deveria ser uma mais bonita. Como vermelho ou azul. Mamãe fica muito bonita nesses tons.
- Então sua mãe se vestirá com uma dessas assim que estivermos ao palácio. Iremos dar uma olhada nos vestidos, e você me dirá qual ficará melhor nela. - Kahlil
lhe estendendo a mão. - Vamos até o palácio?
Dirigiam-se ao terminal do aeroporto, quando alguns gritos foram ouvidos, provocando a aparição de um batalhão de soldados dentro do perímetro.
- O que está ocorrendo, Kahlil?
- Não sei. - E tomou Benjamin em seus braços.
Bryn queria segurá-lo, precisava dele junto de si, mas os soldados continuavam aparecendo, carregando enormes armas, que a encheram de terror.
Um deles se aproximou de Kahlil e, com uma grande reverência, murmurou alguma coisa em árabe.
Kahlil acenou rápido com a cabeça e retomou a caminhada, com Ben no colo. Lançou um rápido olhar, que não revelava nada, para Bryn.
Estavam quase correndo. Bryn notou que os soldados faziam um círculo para protegê-los e que um refletor varria o caminho, com uma forte luz atrás deles.
Dentro do edifício, uma porta bateu, e os soldados se movimentaram, separando Bryn de Kahlil.
- Ben! - ela gritou, tentando agarrá-lo, mas os homens a impediram, separando--a ainda mais dos dois.
Sua boca ficou com um sabor amargo. Bryn tinha de fazer força para engolir, dominada pelo medo e a angústia. O que estava acontecendo? Para onde a estariam
levando? Aonde iam Kahlil e Ben?
Ela não percebera que dissera tudo aquilo em voz alta, e alguém, num impecável inglês, acabou por responder:
- Você não será molestada. Por favor, princesa, seja paciente. Todas as suas perguntas serão respondidas em seu tempo.
Seja paciente? Como? Ben se fora e os soldados eram impiedosos, sem nunca sequer tocá-la, mas encaminhando-a sempre em frente, até uma passagem secreta, e
depois para a escuridão da noite.
Um luxuoso carro a esperava, talvez um Mercedes, e a porta traseira foi aberta. Não teria outra escolha a não ser entrar.
- Para onde estamos indo? - indagou ao motorista.
Ele a fitou de relance pelo espelho retrovisor, mas não fez nenhum comentário.
Bryn fizera a questão sem esperança alguma de obter uma resposta. Em Zwar, os homens não dirigiam a palavra a uma estrangeira, muito menos às ocidentais.
Desse modo, Bryn se recostou no assento, o temor e a indignação subindo-lhe pela espinha. Como Kahlil podia fazer isso com ela?
Graças de Deus que Ben estava com ele, entretanto. Ninguém tocaria nele enquanto estivesse com Kahlil. O sheik o protegeria, disso tinha certeza. Kahlil podia
até odiá-la, mas já amava o filho.
Uma série de portas se abriu para deixar entrar a limusine no palácio, por entre suas altas muralhas. Bryn se sentiu aliviada por, enfim, terem chegado. A
única coisa que desejava era ver de novo seu filho. Para ter certeza de que estava a salvo.
Lá dentro, apresentaram-lhe dois criados, um dos quais reconheceu de imediato como sendo Rifaat, assistente pessoal de Kahlil. Desempenhando as funções de
mordomo e secretário particular, Rifaat al Surakh cuidava dos afazeres privados de Kahlil, tanto sobre negócios quanto os pessoais. No passado, cuidara desde planos
de viagens até envolvimentos políticos.
Bryn sentiu um rubor momentâneo, feliz por rever o velho amigo.
- Rifaat, como vai você?
- Bem, muito bem, princesa. - Fez uma grande reverência.
Filho de um diplomata, Rifaat estudara no Ocidente, frequentando a prestigiosa Universidade de Georgetown, em Washington, antes de voltar para Zwar e servir
no corpo diplomático. Brilhante, sofisticado e moderno, Rifaat sempre fora amigo de Bryn.
- Rifaat, ajude-me, por favor. Os soldados do aeroporto tiraram meu filho de mim. Ben está aqui? O que aconteceu?
Ele se curvou mais uma vez.
- Princesa, devo acompanhá-la até os seus aposentos.
- Não. Não quero ir para lá. Preciso ver Kahlil. Ele está com meu filho. Eles estão aqui? Já chegaram?
Um segundo criado se afastou devagar, deixando Bryn e Rifaat a sós. Ele se curvou, mais uma vez.
- Tenho instruções de levá-la para a ala das mulheres, princesa. Sua governanta está lá, a sua espera.
- Tenho de ver Kahlil - repetiu, com firmeza, endireitando os ombros. - Por favor, Rifaat, meu filho.
Os olhos dele faiscaram, fitando-a, antes que mirasse um ponto atrás dela. Rifaat não a fitou mais. Não pretendia mais falar.
- Rifaat, por favor!
- Seu quarto está pronto, princesa. Espero que lhe agrade. Bryn empalideceu, como se ele tivesse lhe atirado um copo de água gelada no rosto. Rifaat não pretendia
lhe revelar nada. Mesmo que soubesse onde estava Kahlil, jamais lhe contaria. Parecia que agora já não eram mais amigos.
Virando-se, Rifaat começou a atravessar o amplo salão de piso de mármore, seguido por Bryn, que não tinha outra opção. Ninguém falaria com ela até que Kahlil
passasse alguma instrução a respeito.
Ao alcançarem a ala das mulheres, uma criada encoberta por um véu a recebeu e fez-lhe uma reverência. O mordomo de Kahlil se foi, sem olhar para trás.
Cumprira seu dever, Bryn pensou, com amargor. Acompanhara-a até o harém. Saíra das mãos dele.
Bryn ficou olhando Rifaat, acompanhando sua partida. Ele a tratara-a de maneira idêntica à de Kahlil: com raiva, com desdém, com desprezo.
Fraquejou por um instante, as faces enrubescendo muito, os dentes cerrando. Só uma coisa poderia ser ainda pior: a volta de Amin.
A jovem criada se apresentou como Lalia e a informou de que seria sua assistente pessoal, ajudando-a a se vestir, pentear e ser feliz.
Bryn achou graça daquela peculiar descrição dos serviços que receberia. Vestir, pentear e felicidade. Como se a vida fosse tão simples assim.
Mas não sorriu, e Lalia lhe lançou um desconfiado e nervoso sorriso, assim que a deixou em seus aposentos pessoais.
- Para você, minha senhora. - Lalia mostrou-lhe o aposento. Seu inglês era afetado, seu sotaque, pesado. - Gosta minha senhora?
- Lalia... - disse-lhe Bryn, com suavidade, procurando persuadi-la. -... Meu marido, o sheik... Preciso falar com ele. Kahlil está com meu filho, e estou com
medo.
- Sem medo - retrucou Lalia. - Tudo é muito encantador por aqui. Bem como você gosta, sim?
- Meu filho...
- Este quarto é muito bonito, não acha?
Lalia também não lhe revelaria nada. Nem sequer tomaria conhecimento da angústia de Bryn. Ninguém por ali.
Sem vontade alguma, começou a andar pelo ambiente. Era seu antigo quarto, o mesmo que usara três anos e meio atrás. A certa altura, olhou para o pálido carpete
cor pêssego, a seus pés. Tinha um desenho intricado e de um valor inestimável, pois pertencera a uma rainha persa setecentos anos atrás, reputada como a mais bela
mulher do Oriente.
Kahlil o trouxera de presente para Bryn, instalando-o no aposento dela. Queria tudo do melhor para sua noiva, a futura rainha.
Mas não dera certo.
Observou, então, uma elegante arca sobre um criado-mudo próximo a sua cama. Suas jóias.
Amin. O conflito. Sua última noite no palácio.
Sem pressa, aproximou-se da arca, e mais devagar ainda ergueu-lhe a tampa. Diamantes, safiras, rubis e esmeraldas brilhavam sobre o veludo púrpura.
Não podia ser. Levara tudo quando fugira do palácio, esvaziando a caixa e enchendo sua bolsa com todas as peças com que Kahlil a presenteara. Usara aquelas
jóias para pagar sua fuga de Zwar, escondendo-se num vôo charter até Nova York e depois num vôo comercial para Dallas, onde foi recebida por tia Rose.
Contudo, estavam todas ali. Ou talvez fossem apenas peças iguais, tiara por tiara, bracelete de ouro por bracelete de ouro. Seu peito se contraiu com aflição
e medo.
Kahlil acreditou em Amin, e não nela. Confiara no primo, não em sua mulher.
Fechou a caixa, cujo trinco se encaixava numa fenda profunda, tal como seu coração.
Sentou-se na beira do leito, cruzando os braços. Foi assombrada pela lembrança da sua última noite no palácio, nesse mesmo quarto. Amin a prendera ali, cobrindo
sua boca com a dele para que não gritasse. Seu hálito era azedo, uma mistura de álcool e cigarros, e usara todo seu peso para prendê-la no colchão.
- Minha senhora, gosta de suas antigas acomodações? Sim, concluiu toda arrepiada, tentando esquecer o passado e se concentrar em Lalia. Era seu velho quarto.
Aquele que lhe causara pesadelos durante anos.
Levantou-se. Sentia raiva e desgosto em pensar que estava aprisionada aquele lugar mais uma vez.
- Desculpe-me, Lalia, mas não consigo ficar aqui. Você tem de dizer isso para a Sua Alteza: estes aposentos não servem.
Lalia tentou falar alguma coisa, mas, antes que o conseguisse, Bryn se dirigiu até a porta.
- Não se preocupe. Eu mesma falarei com o sheik.
Mas teve seus passos interrompidos. Os guardas não a deixaram passar. Estavam parados ali, em dupla, meneando a cabeça.
- Não me obriguem a gritar. Eles nem sequer piscaram.
Então, Bryn começou a gritar muito alto, como se estivesse sendo maltratada ou assassinada. Mas ninguém apareceu. E os soldados continuaram impassíveis.
- Princesa, por favor! Princesa, por favor!
- Lalia, pare!
- Princesa, você me colocará em apuros. Serei severamente punida por não agradá-la! - A garota se agarrara aos pés de Bryn, pressionado seus lábios em seu
calcanhar.
- Lalia!
Mas a jovem continuava implorando, murmurando ininteligíveis frases em árabe com tanta rapidez, que Bryn mal conseguiria captar algumas delas.
- Lalia, ninguém irá puni-la.
- Sua Alteza Real o fará!
- Isso não é verdade.
Lalia lançou um medroso olhar para os soldados.
- Minha senhora, a última menina foi mandada para um lugar muito ruim. Por favor, princesa, não deixe que me mandem embora, também!
Bryn sentiu um toque de remorso. Seria verdade? Será que Adjia, sua primeira criada, fora castigada?
- Tenho de encontrar Sua Alteza, Lalia.
- E você irá. O sheik irá chamá-la. Eu sei. Tenho certeza. Agora venha, princesa, tome um pouco de chá.
Kahlil chegara fazia apenas três horas, e já havia recebido um telefonema de Amin.
Ao colocar o receptor no lugar, olhou para a fotografia em sua mesa, uma foto emoldurada, que lhe fora dada por Amin e na qual estavam os dois, tirada alguns
anos atrás, depois de uma partida de pólo. Amin abraçava Kahlil, e ambos riam com uma de suas piadas. Pareciam ser os melhores amigos.
Fora o que Kahlil acreditara durante certo período.
Entretanto, tudo isso mudara, assim que se tornaram adultos com responsabilidades, deveres. Kahlil se perguntava quando aquela amizade se transformara em inveja.
Quando o apreço verdadeiro se tornara manipulação.
Durante vinte anos, eles ainda sorriram, divertidos, das brin cadeiras, e passavam a noite inteira juntos, mas sempre com alguma tensão. E culpa. Kahlil não
precisava mencionar que o destino os tratara de forma diferente. Ele era o príncipe herdeiro, Amin, o primo pobre.
E agora, Amin queria voltar para Zwar, para uma visita. Retornara apenas uma vez, naqueles três anos e meio, e fora por uma tarde, para o enterro do pai de
Kahlil. Não trocaram uma palavra sequer. Amin agira como se o enterro fosse uma simples formalidade oficial.
Então por que desejava voltar agora para Tiva? Por que não seis meses atrás? Ou dali a seis meses?
Não poderia ser por causa de Bryn, poderia?
Kahlil pegou o retrato emoldurado. Estudou o rosto infantil do primo, seus claros olhos cinzentos, a boca sorridente.
Talvez tivesse chegado a hora de deixar os rumores e as especulações de lado. Se tivesse havido alguma coisa entre Amin e Bryn, talvez tivesse chegado o momento
de esclarecer.
Kahlil colocou a foto de volta na escrivaninha e pegou de novo o telefone. Digitou o número do apartamento de Amin em Monte Carlo. Ele atendeu de imediato.
- Pensei em sua proposta, Amin. Você está certo. Faz muito tempo que não ficamos juntos. Venha para casa. Colocaremos nossa vida em dia.
Bryn observava a criada desfazer a maleta que trouxera de Dallas.
Com muito método e cuidado, Lalia colocava tudo dentro do armário. Mas sua expressão mudou assim que chegou aos vestidos e calças, que estavam no fundo.
- Isto não são roupas de uma princesa, senhora.
"Mas eu não quero ser princesa." Queria ser apenas Bryn, uma jovem mãe, com um pequeno e sincero círculo de amizades. Construíra uma boa vida no Texas. Podia
não ser muito alegre, e talvez tivesse meios limitados, mas era assim que vivia, e não tinha queixas.
Lalia terminou de pendurar as roupas de Bryn. Em seguida, abriu uma segunda porta do armário e lhe indicou um sem-número de trajes em turquesa, azul-royal,
violeta, rosa, pêssego, amarelo-limão, marfim, branco, dourado. Seda, cetim, veludo. Vestidos longos, incrustados com jóias.
- Para a princesa - disse Lalia. - Gosta? Inacreditável. Desde quando estariam ali aquelas peças?
Quanto Kahlil gastara nelas, esperando por sua volta?
Sua arca de jóias estava repleta. O guarda-roupa, abarrotado com trajes de bom gosto, vibrantes e coloridos.
Como fora antes. E como Kahlil determinara que fosse, dali em diante. Tudo mudara, mas nada era diferente.
Incrível. Doloroso.
Bryn sentiu um tormento de remorso, percebendo como deveria ter sido duro para Kahlil esperar por ela, entendendo, pela primeira vez, que ele não queria terminar
com o casamento. Tinha lhe dado apenas certo espaço.
Ele a queria de volta.
Lalia, com muita gentileza, fechou o armário, e virou o rosto em direção de Bryn.
- Tudo está pronto. Venha, vamos preparar seu banho.
Bryn, ao despir-se no banheiro de mármore, mirou-se no enorme espelho dentro de uma moldura de ouro. Seus longos cabelos estavam desarrumados, e sombras azuis
ofuscavam-lhe os olhos. Sentia-se arrasada, o que combinava com seu aspecto.
- Minha senhora, o banho está quente o bastante. Veja. Por favor, sente-se.
Todas as peças eram em ouro e mármore. Ouro verdadeiro. Sólido. Um salão de banhos para uma rainha.
Um perfumado vapor saía pelos tubos, e pétalas de flores flutuavam na superfície.
Bryn deixou cair a toalha, envergonhada, porém resignada com a falta de privacidade no palácio. As criadas foram muito bem treinadas, com medo de não cumprir
seus deveres, que eram muitos. Seu trabalho era servir, assistir e tornar a vida da princesa mais agradável.
De repente, ouviu-se, rompendo o silêncio, a voz de Kahlil:
- Deixe-nos - ele ordenou. - Quero falar com minha mulher. A sós.
Lalia deixou o local, curvando-se, reverente, o que irritou Bryn.
- O que está fazendo aqui, Kahlil. Onde está Ben?
- Qual pergunta deverei responder primeiro? Ela sentiu o sangue fervendo.
- Ben, por favor. Onde está ele? E o que aconteceu no aeroporto?
- Isso não é de sua conta.
- Há alguma séria ameaça ou não? Não quero meu filho sujeito a agitações ou instabilidade.
- Sua imaginação corre solta, como você. Foi apenas uma medida preventiva, nada, além disso.
- Não quero ficar separada de Ben. Dê-me de volta meu menino.
Kahlil virou o rosto em direção à porta.
- É uma pena, mas não o terá.
- Kahlil!
- Perdão, mas é verdade. Não permitirei que o veja até que eu decida o que irei fazer.
- Sobre o quê?
- Como príncipe herdeiro, o menino irá precisar de uma educação especial. Terá trabalhos escolares desafiadores, estudo intensivo de línguas e exposição às
culturas oriental e ocidental.
- Ben tem só três anos. É quase um bebê!
- Fui mandado para a Inglaterra quando não era muito mais velho do que Ben. Quanto mais cedo melhor.
- Não! Não permitirei isso! Eu não quero que ele seja educado por estranhos!
- Esse assunto está fora do seu alcance. Estamos em Zwar. Sua opinião não tem peso algum aqui.
- Se acha que vou rastejar como Lalia, então se prepare, sheik al-Assad. Posso estar aqui de novo, mas não sou mais aquela frágil e tola garotinha com a qual
você se casou faz alguns anos. Sou mais dura, e dessa vez tenho voz!
- Se tivesse mesmo, eu não deveria tê-la ouvido?
- Sim...
- Então por que não ouvi mais cedo, enquanto você gritava?
Ele a ouvira naquela tarde, e a ignorara. Um forte pânico a assolou. Encheu a mão em formato de concha com água e a atirou nele, molhando-o.
Kahlil se inclinou para a banheira e a arrancou do banho, deitando-a sobre o frio chão de mármore.
- Agora eu ouvi você.
- Seja mau para mim, mas não me tire Ben. Não sei que jogo está jogando, mas isso não é justo e nem correto.
Kahlil a trouxe para si, quadril com quadril, coxa com coxa, os corpos apertados.
- Não se trata de jogo algum. Isso terminou. Agora começam as consequências.
- Punir Ben não é justo.
- Não estou fazendo isso. Quero punir você, que mentiu para mim, me fez de tolo, me roubou...
- Está se referindo às jóias?
- Refiro-me a meu filho. Ele é meu, não é?
- Lógico que é seu! Basta olhar para Ben! Os olhos são os seus, o nariz é o seu, a boca é a sua. É idêntico a você.
- Então, minhas atitudes são justificadas.
Fechando a última distância que havia entre eles, Kahlil pressionou seu corpo nu de Bryn contra o dele e cobriu-lhe a boca com a sua. Foi um beijo apaixonado,
de tirar o fôlego.
Quando Kahlil tornou a encará-la, seus olhos dourados se mostraram um quê de ternura.
- Desculpe-me, Bryn. Tenho de fazer isso por meu país e meu povo. Não há outra opção.
- Se tentar tirá-lo de mim, lutarei por Ben, cada segundo de cada hora de cada dia.
- E irá perder.
- Não tenho outra escolha a não ser lutar.
- Assim como eu também.
CAPÍTULO VI
Bryn não conseguia parar de dar voltas por seu quarto, reprisando a cena do banheiro por várias e várias vezes, tentando esquecer o que sentira quando os lábios
dele a beijaram e a força do corpo de Kahlil.
Seu marido a beijara para puni-la, mas sua boca era tudo, menos rude. Seu toque qualquer coisa, menos grosseiro. Experimentou o velho desejo se acendendo e
rondando-os. Kahlil ainda a queria, mas dessa vez como vingança.
Um calafrio a percorreu. Temia o que ainda nutria por ele, e o fato de ainda estar apaixonada pelo homem que a afastara de seu filho. Mas Kahlil não era um
ser humano qualquer, era seu marido. O pai de Ben.
Oh Deus, o que havia feito? Como pudera ter imaginado que seria capaz de manter aquilo tudo em segredo? Kahlil era um dos mais poderosos homens do mundo. Claro
que a encontraria. Se não hoje, mais tarde, quando Ben tivesse mais idade e a pressionasse para saber suas origens. Os filhos querem saber. E têm todo o direito.
Estava inquieta e com remorso. Tinha plena consciência de que Kahlil jamais magoaria o filho. Discutir com ele sempre fora muito difícil. Era inteligente,
rápido e eloquente. Tinha o dom de triturar todos os seus argumentos. Conseguia provar-lhe que sempre caía em contradições, que se confundia e se atrapalhava.
Mas dessa vez nem sequer discutiu. Impusera suas condições e pronto. "Mas não estamos mais na Idade Média, e eu não sou mulher para ser domesticada num harém!"
Bryn entendia as frustrações e angústias de Kahlil, e que precisaria de um certo tempo para extravasar as emoções. Todavia, não permitiria que cerceasse seus
direitos.
Ben era seu filho, tinha apenas três anos e, embora fosse brilhante, inteligente e corajoso, era também muito sensível. Deveria estar se fazendo muitas perguntas.
Deveria estar ansioso por vê-la.
Se Kahlil não lhe trouxesse o filho, ela iria até ele!
O palácio estava às escuras. Sereno e quieto. Bryn teve um calafrio ao se esgueirar pelo corredor e passar pelo alojamento de Lalia em direção ao hall.
A lua iluminava o piso de mármore entre as acomodações das mulheres, os salões principais e o corredor que ia à direção de uma outra ala, onde estavam os quartos
para hóspedes. Tinha certeza de que Kahlil instalara Ben ali. Não havia muitas opções, apenas a área dos homens, das mulheres, dos hóspedes e a suíte privada do
xeque.
Abriu a primeira porta e perscrutou o ambiente, cuja única iluminação era conferida pelo luar. A janela estava aberta, e a cama, vazia.
Fechou a porta com cuidado e se dirigiu até o próximo quarto. Vazio, e a cama também.
Estremeceu quando chegou à terceira porta. Estava tensa e muito ansiosa. Sentiu-se observada e teve mais medo do que poderia haver imaginado.
Ridículo! Todos dormiam. Ninguém a acompanhava.
Girou a maçaneta um pouco mais. Estava tudo escuro e cheio de sombras. Com as cortinas descidas, pôde apenas vislumbrar uma sombra. Notou um movimento, com
o canto dos olhos, e seus instintos lhe disseram que deveria correr.
Fortes luzes iluminaram o ambiente, cegando-a. Dois braços a ergueram pelos seus antebraços.
- Deixe-me sair! Ponha-me no chão!
- Pare Bryn. Está apenas piorando as coisas.
Com um frio na espinha, reconheceu tratar-se de Kahlil, e viu, de relance, seu perfil. Seu queixo mostrava o início de uma barba.
- Como... O que...
- Detector de movimentos. Segurança de alta tecnologia. Você foi acompanhada por minha câmera de segurança assim que deixou suas acomodações.
Bryn ficou mortificada. Kahlil a vira fazer sua ronda pelo palácio. E vasculhar os quartos.
- Você é um voyeur.
- E você, uma mulher furtiva - retrucou com repugnância, seu robe deixando entrever mais pele do que ela apreciaria.
Parecia bruto, primitivo e incrivelmente másculo. E fora justo isso o que a pusera em apuros cinco anos atrás.
- Eu não precisaria me esgueirar desse jeito por aí se tivesse me permitido ver meu filho!
- Jamais encontrei uma mulher mais desobediente que você em toda minha vida.
- Isso porque vive neste ambiente machista. Mas devo dizer-lhe que há centenas... milhares de mulheres que são mais exigentes do que eu! Agora, solte-me, deixe-me
ir!
- Nem pensar. - Kahlil a agarrou, apertando-a contra o peito. - Não conseguirei dormir, com você dando voltas por aí, e meus guardas não terão sossego se voltar
para seu quarto. Portanto, ficará comigo esta noite. E garanto que não irá a lugar algum.
Kahlil girou a chave na fechadura. Candelabros acessos tremeluziam, lançando sombras que dançavam nas paredes. Bryn tremeu, como se estivesse voltando no tempo.
- Velas?
- São mais aprazíveis. - Ele a colocou sobre sua cama de lençóis azuis.
Percebeu então que estava em apuros. Kahlil jamais a machucaria, apostava a sua vida nisso, mas ficar sozinha com ele era perigosíssimo. Jamais poderia resistir
a seu cheiro nem a sua força.
- O que pretende fazer, Kahlil?
- Cuidar de você.
- Estou preocupada.
- Eu também. - Lançou-lhe um olhar estranho e deu-lhe as costas, indo até um armário. - Esposas fugitivas arruínam reputações.
- Você não precisa se preocupar com minha reputação. Eu estou bem. E continuarei assim.
- O que me preocupa é minha reputação. - Ele fechou a porta do móvel e se virou outra vez para Bryn.
A caixa que trazia consigo parecia bem pesada, pelo que indicavam seus músculos retesados.
- O que você tem aí? Kahlil colocou-a sobre a cama.
- Instrumentos de meu prazer.
- Muito engraçado... - disse ela, olhando com certo desconforto para a caixa, cujos entalhes mostravam desenhos de serpentes enroladas numa árvore, pombas
numa videira, os membros de um homem e uma mulher intimamente abraçados. Não se tratava de um objeto inocente.
- Acha que estou brincando?
Seus cabelos escuros brilhavam com a luz das velas.
Talvez não. Kahlil era dono de um humor incomum. E, antes que pudesse dizer qualquer coisa, ele abriu a tampa, revelando seu conteúdo.
O ouro brilhava em contraste com a seda encarnada.
Bryn piscou ao deparar com grossas pulseiras de ouro sobre seda cor de sangue. Teve um ligeiro sobressalto. De que se tratava? Quais eram os planos de Kahlil?
Assim que se inclinou para lhe mostrar as jóias, seu robe se abriu, revelando mais um pouco do seu enrijecido tórax e de sua portentosa musculatura. Bryn conseguiu
sentir o perfume de sândalo dele, exótico, forte e erótico. Aquilo aqueceu-lhe o sangue nas veias, seu corpo desejando demais o dele.
Mas a ânsia de volúpia de Bryn diminuiu um pouco quando Kahlil abriu uma das pulseiras de ouro, prendendo-a em seu delicado pulso.
- Está me algemando?! Quem ele achava que era?
- Estou fazendo o que é necessário.
- Isso é inaceitável, Kahlil, mesmo vindo de você!
Bryn tratou de tirar a pulseira, mas ele a segurou com força, mantendo-a fechada. Ela a machucava um pouco, o que somente servia para fazer Bryn compreender
que não passara de uma caça.
Furiosa, chacoalhou o braço mais uma vez. A pulseira pesava pelo menos quinhentos gramas. Era com certeza de ouro maciço. Não haveria outra explicação para
tanto peso.
- Fui obrigado a restringir sua caminhada por aí.
- Eu só queria ver Ben!
Sentindo-se culpado, mas sem deixar que ela percebesse, Kahlil abriu a segunda pulseira de ouro, conectada àquela que prendera em Bryn.
- Já lhe disse que não. Que parte do "não" você não entende? Lágrimas inundaram os olhos dela, de vergonha e ódio.
- Aquela em que você me pede para pular assim que me ordene. Gosta de degradar as mulheres, não é?
- Claro que não. Mas amo a paz de espírito, e vocês, mulheres, não a dão para mim.
Kahlil passou a segunda pulseira no próprio pulso. Poderia haver castigo maior? Bryn se perguntava.
- Não pretendo passar a noite inteira presa como uma criminosa!
- Dê-se por feliz por eu não tê-la mandado para a prisão. Cheguei a ponderar sobre isso. Muitas vezes.
- Não desobedeci a nenhuma lei.
- Sério? Posso afirmar que o fez com, no mínimo, meia dúzia delas. Você seria muito maltratada em nossa corte. Não temos contemplação com mulheres rebeldes.
- Então me mande para a prisão. E se explique para Ben, depois.
- Eu não precisaria fazer isso. Poderia dizer ao menino que você preferiu partir. Queria voltar para casa e assim o fez.
- Abandonando-o aqui?!
- Mães são humanas. Às vezes cometem erros. Mudam de atitude. Estão sempre fugindo das responsabilidades.
- Não eu!
Kahlil deu de ombros.
- Para ser franco, Bryn, não dou a mínima. Estou há mais de quarenta e oito horas sem dormir, cruzei duas vezes o Atlântico, livrei você de um imprudente casamento,
descobri que tenho um filho. Estou exausto. Só quero dormir.
- Eu preferiria ter sido atirada num ninho de víboras! Ele arqueou uma sobrancelha.
- Que melodramático vindo de você!
Ela mudou o tom, tentando ser mais gentil. Tinha de fazê-lo voltar à razão.
- Kahlil, você sabe que tenho o sono leve. Como poderei dormir nestas condições.
- Isso é problema seu não meu. Deveria ter pensado nas consequências antes de fugir do harém. Todavia, o que foi feito está feito, e agora vamos para a cama.
- Não dormirei com você!
- Bryn, está colocando minha paciência à prova. Será que não consegue perceber que estou fazendo o melhor para tomar conta de você?
Ela chacoalhou furiosa, a corrente que os prendia.
- É esta é a forma que encontrou? Meu Deus, você não serve para ser pai!
A expressão dele se modificou. Mostrou-se endurecida e fria. Bryn o atingira.
- Se quiser viver para ver o amanhecer, mulher, deite-se e fique quieta, muito quieta. Estou cansado de servir de bobo para você. Preciso dormir. E você, de
orientação. Desculpe-me por ter de tratá-la como um animal selvagem, mas, esta é a única solução que consigo ver.
- Um animal selvagem! Eu lhe mostrarei quem é animal selvagem! - E Bryn fez um brusco e vigoroso movimento para tentar quebrar a corrente.
O braço dele nem ao menos se moveu.
Ela tentou com toda força disponível, tentando abalá-lo, mas Kahlil nem se mexeu. Permaneceu parado ali, imóvel, sem se permitir o mais leve sorriso.
- Eu te odeio!
Kahlil esboçou um sorriso largo.
- O sentimento é recíproco, querida. Portanto, venha para a cama e evite uma nova cena.
E com isto, atirou Bryn sobre os lençóis. Em seguida, começou a tirar a roupa, arrancando a calça branca e se encolhendo para sair do roupão.
A corrente que os unia começou a tilintar quando ele se deitou ao lado dela.
- Precisa dormir nu? - Bryn não sabia se conseguiria resistir a tamanha tentação.
Kahlil se virou para seu.
- Somos casados. Seremos tão assexuados quanto possível. Ela ficou vermelha.
- E o que me diz a respeito das velas? Não irá apagá-las?
- Não esta noite. Preciso deixá-las acesas, para ficar de olho em você. Todavia, poderão se apagar sozinhas. Próximo ao amanhecer. - Então, estendeu a mão
para apanhar uma mecha dos cabelos dela. - E, Bryn, você não conseguirá quebrar esta corrente. Não tente. Será pura perda de energia.
Ela lançou um olhar para a corrente de ouro entre eles, ainda não acreditando que ele a prendera. Que tipo de homem acorrenta uma mulher? Um de mentalidade
medieval. E esse era Kahlil. Como pudera deitar-se ao lado dela sem uma única peça de roupa? Pelo amor de Deus, os lençóis mostravam mais do que escondiam!
- Se é dessa forma que pretende me cativar, você se enganou. E muito.
- Não preciso disso. Você me pertence.
Tocou-a mais uma vez, agora, acariciando-lhe as costas com a ponta dos dedos, subindo e descendo, sem pressa alguma. Bryn experimentou uma ponta de desejo
na parte inferior do corpo, uma fome tão insaciável que a aqueceu do baixo-ventre até as coxas.
- Esperei por você durante três anos, Bryn. Não imagina que a deixarei escapar agora, não é? Agora durma. Estou exaurido. Você fez de hoje um longo dia.
Deu-lhe as costas e fechou os olhos. Em poucos minutos, sua respiração mudou, indicando que caíra no sono.
Bryn esticou as pernas. Cada fibra estava dolorida, tremenda, cada músculo insatisfeito. Haveria um inferno especial para homens como Kahlil, e Bryn o quereria
lá, sem complacência.
Mais tarde, um pecaminoso calor a invadiu e a agitou, embora apenas um pouco. Não queria perder o prazer. Sentiu-se muito bem, sua pele, seu corpo sensível
e vivo. "Estou dormindo ou sonhando?", questionou-se, abandonando-se ao deleite, não querendo abrir os olhos no caso que fosse somente um sonho.
Mãos passaram por entre suas pernas, sobre os seus seios, um joelho abrindo os seus.
Não era sonho. Lembrou-se de repente de onde estava, com quem estava. Descerrando as pálpebras, deparou com os olhos dourados de Kahlil. As velas tinham uma
pequena chama, a maioria se apagara por si só, e o rosto dele, se mantinha nas sombras.
Kahlil agarrou-lhe um seio, a palma da mão amassando os bicos excitados, abrindo-lhe os lábios, primeiro como um protesto, depois como um suspiro.
Impotente, ela se reclinou sedenta de paixão. Desceu os cílios para olhar a boca dele, desejando ser de novo beijada, querendo a boca na sua.
Kahlil se mexeu, livrando-se dos lençóis de cetim, colocando suas desnudas coxas entre os joelhos dela, separando-lhe as pernas e movimentando-se entre as
coxas dela.
A camisola se levantara e ficou presa pelos quadris. Bryn não queria mais nada além de agarrá-lo pela nuca e obrigá-lo a beijá-la sem parar. Suplicou pelos
lábios dele, sua língua, seu toque.
Mas, em vez de cobrir-lhe a boca, Kahlil procurou com os lábios os pontos sensíveis de seu pescoço, pontos eróticos que só ele conhecia. Com a língua circulou
entre o lóbulo da orelha e o ombro, arrancando-lhe uma ofegante respiração, delirante de prazer.
Bryn libertou os braços e o agarrou-o pelos ombros. Eram largos, e segurou-se neles como se estivesse desfalecendo. Estando tão próxima de Kahlil, havia tanto
tempo sem sexo, liberava poderosas emoções que não tinham nada a ver com mero prazer físico.
Precisava dele, ser parte dele, amada por ele, como só Kahlil sabia fazer.
- Você está pegando fogo, Bryn.
- Eu preciso de você...
Kahlil não precisou de mais nenhum outro encorajamento. Impaciente, arrancou-lhe a calcinha e levou a mão para dentro das suas coxas, instigando um rio de
sensações. A cada toque, Bryn sentia-se mais excitada.
Estremeceu, antecipando a posse dele.
O que não demorou muito. Deitando-se em cima dela, sorrindo, Kahlil a penetrou.
O prazer dele alimentava o dela. Bryn o apertou forte e o trouxe mais para dentro de si.
Kahlil se curvou sobre ela, com força, levando-a à loucura, ultrapassando todos os limites.
Bryn teria soltado um grito no momento do êxtase se a boca dele não estivesse cobrindo a sua, absorvendo toda sua lascívia. Viu-se perdida, arrepio após arrepio,
com lágrimas enchendo-lhe os olhos. Queria-o, desejava-o... sempre. Não conseguiria negar-lhe de nada.
Nem mesmo o coração.
Kahlil suspirou, ele também atingindo o auge, um som de pura exasperação fazendo Bryn sentir a relutância dele assim que o trouxe para perto, envolvendo-a
num abraço protetor.
Ainda não pronunciara uma palavra. E não lhe deu mais nenhum carinho.
Bryn tinha vontade de chorar, e mordiscou o lábio inferior, lutando para manter um último vestígio de orgulho. Já tinham feito amor muitas vezes, mas jamais
se sentiram tão vazios depois, nem tão nus, nem tão necessitados e desesperados.
Procurou o lençol para se cobrir, ou encontrar um canto para se esconder, mas a algema esfolava seu pulso, uma inesquecível lembrança de que estava à mercê
dele.
CAPÍTULO VII
- O que aconteceu esta noite foi um erro - disse Kahlil, sem sequer olhar para Bryn, virando-lhe as costas, com o sol matinal delineando-lhe o perfil. - Não
deverá acontecer nunca mais. A partir de agora, você dormirá na ala das mulheres, mesmo que para isso eu tenha de acorrentá-la ao chão.
Ter feito amor apenas aumentara a tensão entre eles. Uma invisível ansiedade crepitava dentro de Kahlil.
- Não precisa me acorrentar. Você tem Ben. Não irei a lugar algum.
- Como se eu pudesse acreditar em tudo o que me diz... Bryn ignorou o arrogante comentário, guardando para si suas emoções. Fora penoso para ela dormir na
cama de Kahlil. Percebera que não endurecera o coração o suficiente e que o vazio dentro dele persistia. Se isso fosse amor, poderia muito bem viver sem ele.
- Não confia em mim, mas me deseja.
- Desculpe-me. Perdi o controle. Farei todo o possível para que não se repita.
Se estivesse tentando feri-la, poderia ficar feliz. Acorrentá-la ainda não fora castigo suficiente. Agora, queria degradá-la. Humilhá-la após o ato mais íntimo
que existe. Bryn ficou magoada com a aversão que ele deixava transparecer.
- Bem, não pedirei desculpas. O que aconteceu entre nós foi divino.
- Foi sexo, tão-só.
Bryn sentiu o rosto pegando fogo. Não se retrataria. Recusar-se-ia a aceitar que o amor que fizeram fora alguma coisa horrível e sórdida. Comportara-se como
uma parceira ardente. E ele também.
- Então foi demais, excepcional.
Kahlil lançou-lhe um olhar por cima do ombro.
- Está falando por mim, ou apenas por você? "Fique firme, Bryn. Não se deixe dominar."
- Ora, ora... Você falou que ainda continuamos casados, então, por que não podemos nos realizar um nos braços do outro?
- Não me sinto realizado dormindo com você. Só aliviado. Bryn jurara não chorar e pretendia manter o juramento, mas a crueldade dele a feria demais. Sofreu
com aquela mudança entre eles. Não conseguiria manter as rédeas de suas emoções. Não depois de ele levá-la ao auge e de se lembrar de como as coisas tinham sido
um dia.
Quando faziam amor, anos atrás, Kahlil murmurava palavras carinhosas em sua língua natal: "Doce flor do meu jardim", "Tesouro do deserto". Terminara, porém.
O rancor dele era palpável.
Se não tivesse Ben, Bryn talvez escapasse de seu ódio, mas não poderia abandonar o filho. Tinha de conquistar a confiança de Kahlil. O menino precisava do
pai, e ela, de seu amado.
A cabeça começou a latejar. Faria tudo o que precisasse ser feito. Tudo para que seu casamento desse certo, nem que fosse a ferro e fogo.
No céu ou no inferno, afirmou para si, furiosa. Sem arrependimentos. Sem recuos.
- Diga-me o que quer de mim, Kahlil. Farei tudo o que mandar. Serei do jeito que você quiser.
- Que mudança repentina de atitude!
- Acompanham minha convicção.
- Você faria isto por mim?
- E por meu filho.
- Ah, seu filho... - Sorriu sem humor, os olhos gelados. - Eu me perguntava quando retomaria esse assunto. Isso não me diz respeito, não é? E sobre você e
suas formas de encontrar um caminho.
- Apenas quero vê-lo. Nem que seja por alguns minutos.
- Não está em condições de exigir nada.
- Sei disso, e estou pronta para negociar.
- Negociar ou implorar?
- Os dois. Farei qualquer coisa para vê-lo.
- Qualquer, mesmo?
A frieza daquela pergunta a colocou em alerta, mas manteria sua posição. Kahlil a pressionava, levava-a até a beira do precipício, ou até mais além.
- O que quer que seja, Kahlil. Aceitarei qualquer punição que queira me impor, e ficarei a sua disposição para tudo o que pedir desde que deixe ver meu filho.
Logo.
- Veremos.
- Será que isso significa que poderei ver Ben hoje pela manhã, ou à noite?
- Isso quer dizer que estarei pensando a respeito. Aquilo não bastava.
- Tenho de saber se ele está bem.
- Está ótimo.
- Não sei o significado de "ótimo", neste caso.
- Mas eu sei. Ben está ótimo.
- Não é o suficiente para mim.
- Pode confiar no que digo. E agora, chega.
Bryn sentiu um tremor a invadi-la, machucando-a. Kahlil não conhecia Ben e o quanto ele precisava de carinho. Nem como se protegia uma criança. Cada nervo
de seu corpo ansiava pelo abraço do pequeno e da necessidade de segurá-lo contra o peito. Era um instinto primitivo, tão forte como jamais sentira antes.
- Diga-me o que quer que eu faça Kahlil, e eu o farei.
- Não há nada que possa fazer.
- Não me diga isso! Tem de haver algo. Diga-me o que é, vamos achar numa...
- Baraka! Pare!
Bryn se deu conta de que se mostrava muito vulnerável, e isso não era nada bom. Mas não havia saída.
- Deixe-me provar que pode confiar em mim. - E ela caiu de joelhos, prostrando-se, implorando. - Serei sua serva, obedecerei...
Kahlil a fez erguer-se, com os olhos cheios de desprezo.
- Como poderei respeitá-la, se insiste em se comportar com uma maluca? Não me casei com você para isso. Não quero uma mulher que não se controla.
- Mas foi você que me reduziu a isso! A implorar, a rastejar, a suplicar! Eu sou sua. Mas não sou melhor que qualquer criada do harém. Farei tudo o que puder
lhe dar prazer. Agora, deixe-me prová-lo.
Um músculo do queixo dele se retesou. Kahlil, então, procurou o robe e tirou alguns papéis do bolso, estendendo-os para ela.
- Então, assine aqui. Vamos acabar com isso.
- Do que se trata?
- Os papéis do divórcio. Fui instado por meu escritório a dar andamento ao processo, pois fiquei desmoralizado perante meu povo. Meus funcionários e meus criados
sabem que não consigo lidar com você. Todos sabem de sua falta de lealdade, e perdeu seu espaço aqui.
Bryn nada disse, pois não confiaria em sua resposta. Depois daquela noite, daquela paixão na cama dele... estava fazendo isso?!
Kahlil estendeu-lhe os documentos mais uma vez.
- É lógico que não deixarei que lhe falte nada.
Gelada da cabeça aos pés, Bryn abraçou-se, que fez os braceletes tilintar.
- E Ben?
- Ficará comigo. "Imagine se seria diferente."
- Assine Bryn, e hoje à tarde você estará voando de volta para casa. Livre.
Bryn experimentou uma forte tontura, como se tivesse caído no vácuo.
- Eu não assinarei nada. Nunca!
- É de seu maior interesse.
- Não, é do seu. - Um intenso calor a invadiu, de repente. - Que tipo de mãe acha que sou para dar as costas a meu filho?!
- Eu permitirei que o visite.
- Inaceitável.
- Isso é muito comum entre as mães.
- Não eu.
- A criança se ajustará melhor do que você imagina.
- "A criança"? Não é "a criança", é Ben. Seu filho, meu filho, nosso filho! Não irei embora daqui sem ele!
- E eu não o deixarei sair.
- Nesse caso, também ficarei. Jamais lhe darei o divórcio. Se quiser tê-lo consigo, também ficarei. Trata-se de um pacote completo, Kahlil. Ben e eu sempre
estaremos juntos.
Ela o deixou sem palavras. Deus! Bryn sabia que tudo o que ele dissesse agora a levaria a ultrapassar os limites.
O silêncio entre eles ficara tão pesado que se podia ouvir, ao longe, o canto dos pássaros.
Quando Kahlil, enfim, quebrou a quietude, parecia um pouco menos duro:
- Para sempre?
- Sim.
- Faria isso por seu filho?
Ele sabia tão pouco a respeito da força do amor! Os papéis se espalharam pela mão dela.
- Eu morreria por Ben. Sem pestanejar.
- Tão rápido assim?
- Não tenho a menor dúvida a esse respeito. É isso o que me pede para fazer? Ir para o último sacrifício?
- Por Alá, não! - Kahlil recuou, cerrando as pálpebras. Em seguida, fitou o protegido jardim. - Como levamos isso para tão longe, a partir de onde estávamos?
Será que ela ouvira uma retratação? Que percebera arrependimento na entonação dele? Um nó se formou em sua garganta. Kahlil deu-lhe as costas.
- Acho melhor que volte para sua ala. Falaremos depois, eu prometo.
Não fora assim que Kahlil planejara o encontro. Esperara lágrimas, sim, e iradas acusações, mas não a disposição dela em implorar, jogada a seus pés, de prostrar-se
diante dele e oferecer-se para um altar de sacrifícios.
Kahlil não encontrava alegria naquela vitória, nem prazer em seu poder. Sobretudo depois do que acontecera entres eles, naquela noite. Desejava-a, precisava
dela. Queria tocá-la, saboreá-la, mas esse desejo o enfurecia.
Como poderia gostar de uma mulher na qual não confiava? Como desejá-la se ela quebrara e traíra seus sagrados votos, tanto em público quanto em particular?
Quisera puni-la essa manhã, forçá-la à submissão, e quando Bryn o aceitara... Deixou-o ainda mais bravo. Estava furioso, mas consigo mesmo.
Bryn jamais fora como as outras mulheres com que já se deitara. Fora diferente desde o início, excitando-o, inocente, apaixonada e carinhosa. Ela queria o
mundo, então, e Kahlil o teria mandado fazer para ela. Achou que conseguira. Falhara, porém.
Alguém bateu na porta. Kahlil foi abri-la, sabendo que era Rifaat, seu mordomo. Convidou-o para que entrasse.
- Os novos papéis... - disse Rifaat, levando-os até a decorada mesa de Kahlil. - Precisam apenas de sua assinatura.
Kahlil, perplexo, fitou o documento. Entendera o que os conselheiros lhe sugeriram, mas não estava seguro de que aceitaria.
- Muito obrigado.
- Imaginei que pudesse conseguir a anuência dela.
- Bryn não quer deixar Ben. Pelo menos demonstrou ser melhor mãe do que esposa.
Rifaat ficou quieto. Entediado, pegou os papéis de volta.
- Meu primo ainda não chegou Rifaat?
- Não.
- Avise-me assim que ele chegar. Boa noite.
- Sim. Boa noite, meu senhor.
Kahlil se debruçou sobre o pequeno berço e ergueu o cobertor. O menino se mexeu, virando um pouco mais a mão sobre o queixo, e aninhou-se no travesseiro.
"Meu pequeno, meu filho..." Os olhos de Kahlil arderam. Concluiu que não podia continuar assim. E não continuaria. Em algum lugar devia haver um santuário
para as crianças, um lugar sagrado para protegê-las, por sua ternura.
Talvez ele, se tivesse sido protegido quando criança fosse hoje um homem diferente... E um líder diferente.
Pôs a sua mão na testa de Ben. Os cabelos desarrumados pareciam seda. Podia sentir a respiração do filho e sua força inata.
Mais calmo, sentindo o primeiro sinal de paz daqueles últimos dias, pegou Ben no colo e ficou imóvel. O filho pesava muito pouco, mas significava tudo.
Bryn ouviu passos em seu quarto. Ergueu a cabeça, perscrutando a escuridão, com o coração disparado. Havia alguém ali, e que se encaminha em sua direção.
Levantou-se e esfregou os olhos, cheia de medo. Lembrou-se da última noite, e agora, mais um intruso...
- Bryn.
"Kahlil!" A profunda voz de seu marido, seu conciso e formal inglês, ecoou na noite.
- Está acordada?
- Sim. O que aconteceu?
- Nada. Fale baixo, ele ainda está dormindo. Não o acorde. De repente, percebeu. Quase saiu voando do leito. Kahlil lhe trouxera o filho de volta!
O sheik o colocou sobre o colchão, perto dela, cobrindo-o. Sem palavras, Bryn afagou a cabeça do menino e suas bochechas quentes. Era verdade. Ele estava ali!
- Muito obrigada, Kahlil. Muito obrigada, mesmo. Kahlil deu de ombros e, sem dizer nada, se dirigiu para a porta.
- Kahlil, o que quer dizer isso?
- Não sei Bryn. Talvez devamos chamar de uma trégua. Chega de brigar. Pelo menos por nosso filho.
- Nunca mais - ela concordou rápido. - Kahlil, mais uma vez, muito obrigada. Do fundo do meu coração.
- Eu sei.
Ele ficou parado, emoldurado pelo batente, iluminado pela luz amarela, que lhe ressaltava as formas.
Parecia um príncipe muito bonito, porém, solitário, de um conto medieval. Bryn entendeu, naquele momento, que ele não tivera mais ninguém, desde que o abandonara.
Kahlil hesitou. Ela percebeu a tensão, o silêncio dele repleto de significados.
A dor no peito dela era tão forte que mal conseguia respirar. Queria acompanhá-lo, tocá-lo, segurá-lo, amá-lo. Mas tinha medo, muito medo da distância entre
eles.
- Boa noite, Bryn. Espero que durma bem.
- Agora, dormirei.
- Eu também. - Virou-se, dirigindo-se para a escuridão. Bryn apertou o filho nos braços, mas não conseguiria adormecer.
Passaram-se horas. Bryn beijou mais uma vez o filho, bem de leve, para não acordá-lo. Estava grata por tê-lo de novo consigo. Mas não conseguia dormir, não
quando os seus pensamentos estavam concentrados em Kahlil.
Pela primeira vez, conseguira abrir uma brecha na armadura de Kahlil, e, em vez de agredi-lo, quisera agradar o homem que uma vez amara, e que ainda amava.
Sentiu um tumulto interior, bem como novas emoções, uma combinação de afeto, esquecimento... Perdão. Um dia, ela e Kahlil sentiram isso um pelo outro, quando
eram ainda cheios de esperanças e amor. Será que encontrariam aquilo tudo de novo? Será que voltariam a se amar como antes?
Saiu da cama, ajeitou Ben entre os travesseiros e chamou a criada, para dizer-lhe que precisava ser levada até Kahlil naquele mesmo instante.
Ele dormia. Rifaat abriu-lhe a porta, deixando-a entrar, um lugar proibido para todos os demais.
Bryn não parara para pensar, tomara uma simples decisão, respondendo ao impulso que a levara de seus aposentos até os dele. Apenas isso
Kahlil despertou e levantou-se, com o robe de cetim cobrindo-lhe as formas. Bryn ficou excitada na mesma hora. Ele lhe pareceu ainda mais sexual. De uma virilidade
e masculinidade estonteantes.
Diferente de Stan.
E de muitos homens que já conhecera.
Os olhos dourados de Kahlil encontraram os dela.
- Sim?
No instante em que seus olhares se cruzaram, o coração dela ameaçou explodir. Kahlil a desnudava com o olhar. Bryn queria agarrá-lo e começar a fazer amor
de imediato.
No entanto, ficou estática, sentindo que havia um abismo entre eles, os segredos e a desconfiança, os erros e o medo.
- O que deseja, Bryn?
- Você.
Kahlil franziu a testa, e suas íris escureceram. Com vagar, tirou o roupão e indicou-lhe que se aproximasse.
Ela correu para a cama, atirando-se nos braços dele.
- Kahlil, eu... Ele a fez calar-se:
- Não. Não diga nada. Não acredito no que você diz.
E cobriu os lábios dela com os seus, seu corpo sobre o dela, seu peito apertando os seios fartos, seus quadris pressionando-lhe o ventre.
CAPÍTULO VIII
Com a pele ainda úmida e o desejo por fim saciado, Bryn olhou para Kahlil esperando que lhe dissesse algo. Sabia que ele tinha algo na mente. Seu olhar deixava
transparecer isso, bem como a tensão em sua boca e as rugas ao redor dos lábios.
Não faria pressão alguma sobre a questão, se é que havia uma. Seria muito melhor dar um tempo para Kahlil. E, na verdade, Bryn se sentia tão bem, tão relaxada...
Músculos em dia e o pulso sob controle.
Kahlil, então, procurou-a, deslizando a mão ávida por seu pescoço, depois entre os seios, cada dedo a explorá-la, numa carícia erótica, até chegar a um mamilo,
com o qual pôs-se a brincar.
- Você falou sério ontem à noite, quando disse que queria ficar?
Bryn o encarou, dividida entre a quentura que a perpassava com uma forte tensão seu ventre e o interior das coxas, e o medo originado por aquelas palavras.
- Bryn?
Kahlil ainda queria mandá-la de volta. Mesmo depois do que acontecera entre eles, o mais íntimo ato que um homem e uma mulher podem usufruir juntos.
Fechou os olhos por um instante.
- Eu não partirei se é isso o que está me perguntando.
- É isso o que estou querendo saber? - Kahlil afastou o lençol.
Ele demonstrava que ainda tinha muito vigor. Bryn podia vislumbrar o soldado nele. Kahlil servira por seis anos no exército de Zwar. Todos os homens do país
o fizeram. Ben também teria de fazê-lo.
- Ora, não é disso que estamos falando? - Bryn retrucou, apreciando aquela visão magnífica, lamentando a paixão que nutria pelo marido.
Kahlil a fazia sentir-se como uma fruta deliciosa, e ela amava isso, bem como as proezas sexuais dele. Todavia, esse não era o tema em debate, lembrou, dizendo
a si mesma que ele seria tudo, menos um adversário. Faziam uma trégua, isso era tudo, mas Kahlil ainda queria tirar-lhe o filho.
- Ben e eu ficaremos juntos para sempre!
- Sem divórcio?
- Nenhuma chance.
De repente, Kahlil se inclinou e começou a sugar-lhe o bico do seio. Bryn se arqueou, permitindo a ele todo o acesso que quisesse a seu mamilo.
Kahlil levantou a cabeça, sorrindo de satisfação. Provou a força do que poderia fazer com ela. Controlava sua satisfação.
- Isso quer dizer que você não faz mais a menor objeção a renovar seus votos?
"Como é?!" Bryn deu um pulo, agarrando-se no lençol, sentindo uma necessidade premente de proteção.
- Renovar votos... Como se eu fosse casar de novo? Ele afastou-lhe a coberta.
- Tire-o. Gosto de vê-la assim.
- Não consigo raciocinar quando estou nua.
- Claro que consegue. Concentre-se. - Kahlil a olhava fixo. - Nós nos casamos pela primeira vez numa corte americana. Agora, será aqui. Uma cerimônia árabe
tradicional.
Casar-se com ele de novo?
Bryn ficou aturdida, os pensamentos embaralhados, o corpo pesado, quase lânguido.
Fazer amor com Kahlil de novo, sentir a intensidade daquela paixão não apenas uma vez, mas muitas e muitas vezes, estar de novo nos braços dele, em seu coração,
em seu leito!
Mas isso não fora uma declaração de amor. Não estava sendo aceita como a mulher, mas como um objeto. Como propriedade dele. Era parte de seu sistema de dominação,
de sua necessidade de controle.
Então? perguntou uma tênue voz dentro dela. Qual seria a importância? Estaria com ele, formariam uma família. Ben teria o que desejava, e ela voltaria a ser
esposa de fato de Kahlil. Não era tudo o que mais queria?
Não havia nenhuma razão para que não desse certo. Viveram momentos maravilhosos no começo, e chegaram ao céu, antes de descer para o inferno.
Um relógio badalou ao longe. Bryn experimentava o peso do tempo e do passado. Daqueles tão longos três anos e meio, com tantas dificuldades. Não conseguia
imaginar-se retornando àquela vida.
- Se nós nunca nos divorciamos, por que me pede para renovar os votos, Kahlil?
- Será uma demonstração de confiança - disse, estendendo o braço para tocá-la.
Aquele toque tão envolvente e a familiaridade com que ele a tocava despertavam-lhe uma fome insaciável. Suas entranhas se contraíram de volúpia. Se Kahlil
tornasse a tocar seu rosto, seus seios, seu ventre, suas coxas...
Suspirou, dominada pela luxúria, pela paixão.
- Será em benefício de... Ben?
- Dele e de meu povo.
O povo dele. Mas não o dela. Jamais.
Era uma ferroada, mas melhor assim do que enchê-la de esperanças. Dessa forma, saberia onde estava pisando. Dali em diante, as obrigações superariam o amor.
Não seria uma jóia em sua coroa, mas a mãe do filho dele.
Kahlil agarrou-lhe o queixo e a fez encará-lo.
- Você tem algum problema em casar comigo de novo?
- Não.
Não via nada além do rosto dele. Seus olhares se encontraram, e os olhos dele a encantaram com seu tom dourado e sua determinação. Transmitiam energia e convicção.
Ele era brilhante, complexo e emotivo. Possuía o dom de fasciná-la e confundi-la.
Kahlil, inclinando-se para frente, roçou o nariz no dela, e depois os lábios.
- Você tem de estar muito segura, Bryn, pois mais uma fuga será o fim de tudo.
A boca dele roçou a dela. Um arrepio subiu-lhe pela espinha.
- Hum? - Kahlil murmurou, sem soltar-lhe o queixo. Bryn o agarrou, delirando, enlouquecida. Não fora capaz de entender o que ele dissera, pois o erotismo comandava
todo seu ser.
- Eu preciso de uma resposta, Bryn.
Ela cerrou as pálpebras e se aproximou mais um pouco dele.
- Sim.
- Irá se casar comigo de novo?
- Sim.
E então, o amor que fizeram foi ainda mais completo, numa entrega que quase os consumiu e incendiou. Nada mais importava, nada mais além deles. E daquilo que
compartilhavam.
Bryn voltou para seus aposentos antes do anoitecer, os sentidos saciados, o coração ainda acelerado. Errara, admitiu ao abrir a porta e ver o filho, que estava
dormindo. Havia coisas mais importantes do que fazer amor com Kahlil.
Para começar, Ben.
E merecer o amor de seu marido.
Nem toda a atividade sexual do mundo seria bastante para pôr fim à solidão que existia dentro dela. Kahlil a tocara, possuíra-a com lascívia, mas o vazio no
peito dela só fizera crescer com o desinteresse que ele denotava em sua expressão.
Se Kahlil ao menos tivesse pronunciado uma frase de afeição, um sinal de sentimentos profundos... Porém, ele guardara para si os sentimentos. Compartilhara
apenas o corpo.
Kahlil fazia todo o possível para reduzir o relacionamento deles a puro sexo.
Bryn o queria para amá-lo, como quando se conheceram. Mas ele, não.
Começou a nascer em seu íntimo um receio de que Kahlil jamais viesse a amá-la de novo. Refez-se um pouco ao respirar fundo e se recusou a entrar em pânico.
Não queria expor-se, junto com Ben, a um caos emocional. Já fugira uma vez de seus temores, mas agora isso não se repetiria.
Bryn terminou de se aprontar no instante em que o filho acordava. A alegria dele por revê-la lhe encheu os olhos de lágrimas. Apertaram-se num forte abraço
que quase lhes tirou a respiração.
- Amo você, mamãe!
- Eu também, e senti muito sua falta. - Bryn beijou-lhe o rosto. - Como está, meu querido? O que andou fazendo?
Ben começou a contar-lhe sobre suas atividades, falando sem parar a respeito de tudo o que descobrira em Zwar. Brinquedos, trens em miniatura, primos, futebol
e jogos de cartas. Muita comida. Filmes em vídeo. Até mesmo um passeio de pônei.
- Fez tudo isso em dois dias? - perguntou Bryn, indulgente, acariciando-o.
Mãe e filho saboreavam o café da manhã, e ele, de quando em quando, se sentava no colo dela.
Assim que terminaram, foram para o jardim. Ben começou a explorá-lo, e sem querer deu uma cutucada num bichinho, que para fugir dele entrou em um pote.
Foi aí que Bryn ouviu o ruído de passos no piso de pedra, e, nutrindo a esperança de que fosse Lalia, trazendo-lhe café em vez de chá de menta, ergueu a cabeça.
E constatou que não era ela.
Era um homem. De ombros largos, esguio, da mesma atraente cor de Kahlil, mas não tão alto.
Amin parou a sua frente, sorridente.
- Como vai, moça bonita?
Bryn quase desfaleceu, e não conseguiu se levantar, embora tentasse.
- O que está fazendo aqui, Amin?
- É dessa forma que me recepciona, depois de tantos anos? - Enfiou a mão no bolso da calça, ainda sorrindo, os cabelos bem-aparados, que acentuavam a sua beleza.
Ele era belo, mais até do que Kahlil, a perfeição dos astros do cinema de Hollywood. Mas Bryn sentia aversão por Amin. Aquela formosura exterior escondia uma
alma perversa.
- Não há nada que lhe interesse por aqui.
- Mas este é meu lar, Bryn.
- Sabe muito bem que não deve vir a esta parte do palácio. Estes são meus aposentos privados, e fração da ala das mulheres.
Muito embora isso não o tivesse detido na última vez.
O semblante dele se anuviou, e depois se descontraiu. Com o indicador, mostrou o céu e o sol.
- Estamos aqui fora, e tudo isso pertence a Alá. Enfim, Bryn conseguiu reunir forças, e ergueu-se.
- Se é assim, nós entraremos.
- Estou surpreso por não estar feliz em me ver. Temos ainda... Negócios pendentes.
- Não há nenhum negócio pendente entre nós. E saiba que não irá arruinar minha vida, como fez um dia! - Bryn fitou Ben.
Amin acompanhou seu olhar e o focalizou no menino. - Um belo garoto. Até se parece um pouco comigo. Ela quase engasgou. Não acreditava que Amin tivesse a ousadia
de insinuar aquilo.
- Não vejo semelhança alguma.
Mas Amin já tomara Ben no colo. O pulso de Bryn disparou. Vê-lo pegando seu filho lhe causava arrepios.
- Temos olhos tão parecidos... - Amin balançou um pouco a cabeça do menino. - A boca e o nariz dele são como os meus. Poderia ser meu, não poderia?
"Combata o fogo com fogo", ela se ordenou, resistindo à tentação de agarrar seu garotinho e sair correndo.
- É muito comum essa semelhança entre os membros da família. - E Bryn tomou Ben dos braços dele, envolvendo-o de um jeito muito protetor. - Como primeiro primo
do sheik al-Assad, vocês têm muitas características em comum.
- Sim, seu primo-irmão. - Amin a encarou com frieza. - Como somos felizes por termos um ao outro.
- Mais do que possa imaginar.
- Você não deveria falar nesse tom comigo. - Amin chacoalhou a mão e se sentou numa cadeira próxima. - Entendo que nunca comentou com ele sobre nós.
Bryn colocou o filho no chão, que se afastou um pouco.
- Na há "nós" algum! Nem nunca houve.
- Bryn querida, como pode dizer uma coisa dessas? Já fomos muito próximos um dia. - Enrugou os lábios e arqueou as sobrancelhas de forma sugestiva. - Muito,
muito próximos.
- Nunca dessa maneira.
- Você me convidou para ir a seu quarto.
Bryn o fizera, mas não com aquele intuito. Não como ele fizera entender.
Ela procurou Ben, sentindo a necessidade de tocá-lo e de que o menino lhe transmitisse segurança.
- Sabe muito bem que era só para conversar, Amin.
- Será que foi isso?
Bryn se sentia muito mal, percebendo que esse seria um pesadelo que nunca acabaria. Amin era o diabo em pessoa, o pior de todos os seres humanos, e não sabia
como lidar com isso.
- Levarei meu filho para dentro. - Bryn voltou a pegar Ben no colo, apertando contra si, temendo por ele e por Kahlil.
Se deixasse, Amin destruiria tudo, mais uma vez.
- Querida, você pode fugir, mas não conseguirá se esconder - afirmou, num perfeito inglês. - Eu estou de volta, e ficarei esperando.
Bryn entrou com o filho, levando-o até o dormitório, no qual passou a chave, antes de se ajoelhar no tapete e colocar o rosto entre as mãos. Sentiu frio e
calor, e uma náusea violenta.
"Deus, por favor, não permita que ele faça isso comigo de novo...".
Duas mãozinhas lhe descobriram o rosto.
- Mamãe?
Bryn ouviu-lhe a voz, viu-lhe as feições, mas estava tomada por um medo tão grande que conseguiu apenas deixar escapar um tímido sorriso.
- Está tudo bem, meu amor. Mas não estava. Muito longe disso.
- Você não pode entrar agora...
Bryn passou correndo por Rifaat, empurrando as portas para o conjunto de salas que formavam o escritório do palácio. Computadores, aparelhos de fax, telefones,
arquivos, câmeras de segurança... Era um local muito bem equipado. Nada que lembrava o passado na moderna instalação.
Dois secretários que estavam nos teclados se viraram e olharam para ela. Um terceiro assistente apareceu de dentro de uma sala, fitando-a.
- Onde está ele? - Bryn quis saber, observando tudo ao redor.
- Em uma reunião - Rifaat respondeu com aspereza, colocando-se entre ela e uma porta parcialmente aberta.
Mas esse gesto foi desnecessário. Kahlil apareceu, vestido em trajes ocidentais, blusa preta de gola olímpica e calça verde-oliva, ocupando todo o espaço da
entrada.
- O que está acontecendo aqui? - indagou, com um telefone sem fio na mão. Seus cabelos estavam meio revoltos, e a sua profunda voz denotava impaciência.
- Belo escritório. - Bryn mordiscou o lábio, furiosa com Amin, Rifaat, Kahlil, todos eles.
Esquecera a política do palácio, a absoluta impossibilidade de conseguir qualquer objetivo... Pelo menos para uma mulher.
- Você acaba de interromper uma reunião da Opee para elogiar meu escritório?
- Não. - Bryn respirou fundo, sentindo a autoconfiança desaparecendo. - Seu primo Amin está de volta.
- Sim, eu sei, e ele me contou que a encontrou hoje no jardim. - Kahlil franziu as sobrancelhas. - Falou-me também que vocês conversaram um pouco e que você
lhe apresentou Ben. Há algum problema nisso?
Da forma como Kahlil apresentara a situação, tinha-se a impressão de que a visita de Amin fora uma confraternização entre amigos queridos.
- Não, Kahlil. Apenas não estava certa de que você sabia do retorno dele.
- Então você ficou feliz? Ele me disse que foram, numa ocasião, muito próximos.
Bryn voltou a sentir enjôo, a pele pegajosa. "Acredite em Amin e em sua capacidade de plantar sementes venenosas!" Fez força para pensar em alguma coisa que
não fosse incriminadora. Não se preparara para revelar-lhe o assédio do primo. Precisava encontrar uma forma de dividir com o marido sua fraqueza e a falha do passado.
- Sim... Sempre tenho prazer em falar com alguém de sua família. E queria que fosse você que lhe apresentasse Ben.
- Jantaremos juntos hoje à noite. Farei com que Amin também esteja presente, quando tomarei providências para as apresentações formais.
"Hora de ser esperta, garota." Bryn não exporia Ben, mais uma vez, àquele ser detestável. Poderia lidar com ele, sujeitando-se às crueldades e aos jogos do
primo de Kahlil, desde que não fosse na presença do filho.
- Sei que você gosta de jantar num horário seria muito tarde para uma criancinha. Que tal se apenas nós três participássemos dele? Melhor ainda: talvez só
vocês dois queiram jantar juntos.
- Nós três - afirmou Kahlil, com a peculiar segurança. - Não seria uma comemoração sem você.
A ansiedade a paralisava.
- E o que estaremos comemorando?
- A alegria de estarmos todos juntos de novo. Como nos velhos tempos.
Lalia fez uma coroa sobre a cabeça de Bryn com argolas douradas e abrilhantadas por um creme perfumado. Vestiu-a com um elegante vestido branco e um corpete
da mesma cor, coberto com aplicações de pérolas.
- Você parece uma rainha. - Lalia a admirava, e colocou um espelho a sua frente.
Mas Bryn, ao mirar seu reflexo, não viu uma rainha, mas apenas sua preocupação, seus lábios tão comprimidos que linhas pálidas sobressaíam em cada lado da
sua boca pintada.
Encontrar-se-ia com Kahlil dali a meia hora, na sala de jantar dele. Mas precisava falar-lhe antes da chegada de Amin.
Então, dirigiu-se até o quarto de Kahlil, sem avisar. Ele se espantou com sua chegada, mas não a repeliu. Todavia, o olhar dele se turvou quando Bryn lhe disse
que preferiria muito mais que jantassem a sós do que na presença de Amin.
- Você faz restrições a meu primo? - Kahlil apertou o cinto preto de couro sobre a calça branca, fitando-a de soslaio.
- Sinto-me mais confortável só com você. - Bryn se aborrecia com sua inabilidade de ser mais direta.
Queria falar-lhe tudo sobre Amin, mas teria de tomar cuidado. Precisava, antes de qualquer coisa, conquistar a confiança de seu marido e um elo mais profundo.
- Acontece que já o convidei para estar conosco. Seria falta de polidez cancelar agora o convite. Isso é, a menos que haja uma boa razão para tal - Kahlil
falava, com muita calma. - Bryn?
Ela se perguntava se Kahlil queria fazer um tipo de teste. O que gostaria que dissesse?
- É que esta noite eu não me sinto muito... muito sociável.
- Mas você está maravilhosa.
Pareceu-lhe um comentário cheio de ironia. Alguma coisa não estava certa. Kahlil não parecia o mesmo homem com quem dormira na última noite.
- Amin está a caminho da sala de jantar, Bryn. O que posso dizer-lhe agora? Que mudei de idéia? Que prefiro um jantar mais íntimo em vez de contar com a participação
dele?
- Você é o sheik, ora...
Kahlil não respondeu de imediato, encarando-a com aquele olhar arguto de ave de rapina.
- Muito bem, eu lhe enviarei um recado, dizendo que devermos jantar a sós, mas não poderei dispensá-lo a noite inteira. Convidarei meu primo a participar daqui
a uma hora. Tomará café conosco.
Era melhor do que nada. E talvez, por algum milagre, Bryn encontrasse uma maneira de, nos próximos sessenta minutos, contar para Kahlil tudo o que houvera
naqueles últimos anos.
O cardápio era formado por carneiro marinado, pimentões e arroz com açafrão. Os pratos, embora simples, estavam deliciosos.
Sentaram-se um em frente ao outro sobre o chão acarpetado, separados por uma pequena mesa. Kahlil relaxara durante a refeição, contara a Bryn uma série de
histórias, e enchera várias vezes os copos com vinho tinto.
- Para mim, chega - ela protestou, sorrindo, quando o marido quis servir-lhe mais bebida. - Daqui a pouco estarei fazendo alguma besteira.
- Parece-me interessante... - respondeu ele, meio inclinado. - Posso fazer uma sugestão? Lembro-me de uma dança bem erótica que você fez para mim. Se bem me
recordo, eu havia lhe pedido que fosse tirando as peças de roupa, uma a uma.
Ela corou.
- Não me parece sábio, ainda mais quando seu primo está para chegar.
A simples menção a Amin mudou o humor de Kahlil.
- Não é uma boa idéia - concordou rápido. Bryn começou a arrumar a mesa.
- Deixe disso - Kahlil ordenou. - Esse é o trabalho dos criados. Venha até aqui e sente-se comigo.
O que poderia fazer? O bom-humor dele se fora. Kahlil estava tenso, irritado. O que foi que dissera? O que fizera? Preparara-se para sentar-se numa cadeira
de couro.
- Não ali. Aqui. Bryn hesitou.
- Onde?
- Aqui - repetiu ele, indicando o carpete. - A meus pés.
- Sobre meus joelhos?
- Sim.
Bryn se sentiu humilhada com aquele pedido. Não se mexeu. Não conseguiria. Permaneceu em pé, tremendo de raiva e vergonha.
Alguns segundos se passaram, longos e sofridos, um depois do outro. Bryn engoliu em seco. O que estava acontecendo com seu marido?
Kahlil continuava apontado para o carpete a seus pés. Contrariada, ela se forçou a se movimentar, caminhando devagar na direção dele, e prostrou-se no solo.
- Mais perto, esposa.
Ela resistia e hesitava. Ele aguardava.
- Você tem algum problema para aceitar minha proposta?
- Não sei por que insiste para que me sente no chão, se seu primo está chegando. Não acha que uma cadeira seria mais apropriada?
- Quero crer que você está mais preocupada em agradar Amin do que a seu marido?
- Não se trata disto! - interrompeu-o ao ouvir passos ecoando no piso de mármore.
Amin chegara. Kahlil gesticulou para que entrasse.
- Por favor, deixe que eu me levante - Bryn implorou, com suavidade.
- Não. - Kahlil a encarou. - Fique onde está.
- Você é muito injusto!
- Mais uma palavra e farei você de tamborete. Quase roxa de raiva, Bryn se encolheu.
- Mais perto.
Com o sangue fervendo, foi um pouco mais para frente, ajoelhada. Kahlil apontou para uma almofada entre seus pés.
- Aqui.
Ela deu uma irada olhada para a almofada, e notou que o marido cerrava a mandíbula com força. Ficou entre os pés dele, como um cachorro obediente com seu dono.
Kahlil resolvera mesmo cumprir seu papel de soberano!
A hesitação dela não passara despercebida. Kahlil golpeara duas vezes a almofada, uma ordem sem palavras. Tudo na frente de Amin.
Era como colocar sal em feridas abertas.
Seus olhos azuis cruzaram com o olhar de Kahlil, que parecia estar dizendo: "Estou esperando".
O domínio dele a mortificava. Não acreditava que queria subjugá-la na presença do primo. Era uma verdadeira tortura.
Irritada, Bryn, por fim, se ajeitou sobre a almofada entre os pés dele, colocando as mãos sobre a gola do corpete.
- Assim está melhor.
- Para quem? - perguntou, áspera.
- Quieta. - Kahlil pressionou um dedo sobre os lábios. - Não quer que eu use de meu poder, quer? Pois, com certeza, laeela, você se sentirá ainda mais desconfortável
como um tamborete.
Amin sorriu.
"Meu Deus, ele sorriu!"
Bryn cerrou as pálpebras, prendeu a respiração e rezou para que o solo se abrisse a seus pés.
Entretanto, não recebeu essa graça.
CAPÍTULO IX
O café, junto com a sobremesa, foi servido por um criado. Bryn continuou sentada, acompanhando a aborrecida conversa.
Amin falava a respeito de sua vida em Monte Carlo, mulheres, carros, jogos em cassinos. O interesse foi diminuindo, e Kahlil, para finalizar, despediu-se dele.
Assim que Amin saiu, Bryn se levantou, esticou as pernas e sentiu os joelhos doendo.
- Bem, foi uma conversa impressionante! Amin deve estar assombrado com seu poder.
- Que poder?
- Sobre mim. - Bryn mordiscou o lábio, apontando o polegar para o próprio peito.
- Será que exerço esse poder sobre você?
- Não estou discutindo isso...
- Mas é o que eu discuto - interrompeu-a. - Você me prometeu que mudaria, assegurou-me que me seria leal. Esta noite foi um teste. Queria saber como se comportaria
perto de Amin.
- E será que fui aprovada?
- Sim. Com muito louvor.
- Da próxima vez, conte-me suas intenções. Eu talvez consiga preencher suas imperiais expectativas.
- Por que deveria fazê-lo? Para que possa brincar de me obedecer? Laaela, não quero ser enganado. Quero a coisa verdadeira.
- Obediência.
- Rendição.
Ela encolheu os ombros, impaciente.
- Eu lhe ofereci meu corpo. Concordei em renovar os votos. O que mais pode querer de mim? De que outra prova ainda precisa?
- Você ainda está com raiva.
- Sim, estou zangada.@ Por você ter feito tão pouco de mim, fazendo-me sentar ali como um cão de estimação, abanando a cauda para você.
Os olhos dele brilharam, embora mantivesse seu ar de neutralidade.
- Ninguém perceberia que estava fazendo alguma objeção.
- Como pode saber?! Você não olhou uma única vez para mim. Eu não era parte da conversa.
Kahlil pegou-lhe a mão, trazendo o pulsos delicados para seus lábios, e beijou a pele macia.
- Estou lhe dando atenção agora.
- Não quero mais!
Um pequeno músculo se mexeu no queixo dele.
- Estranho querida. Seu comportamento me leva a pensar outra coisa. Está enrubescida. Sua respiração, agitada, sua boca, entreaberta. Você me parece realmente
muito... Excitada.
Bryn se sentia esgotada, isso sim. Dividida entre a excitação e o medo, toda arrepiada, seus nervos muito tensos. A mera pressão dele sobre sua mão causou-lhe
um calafrio na espinha. E agora, como em todas às vezes, o toque dele a desarmava, fazendo seu corpo palpitar de alegria.
Kahlil tornou a beijar-lhe o pulso, os lábios dele roçando-o, delicados, antes de prender os dedos dela nos seus.
- Nós nos casaremos - disse calmo. - Tentaremos de novo, para que dê certo. Mas antes acho que deveríamos discutir alguns detalhes, para deixar tudo em pratos
limpos. Vamos começar por você. Por que me abandonou três anos atrás?
Isso teria de ser naquele momento? Já era quase meia-noite, Bryn estava morrendo de cansaço, pensando apenas em ir para a cama.
- Não podemos esperar para falar disso, Kahlil? Estou exausta. Não dormi bem estas últimas noites.
- Não poderemos nos casar com esses fantasmas dentro do armário.
- Não estou me recusando a tocar no assunto. Queria apenas que não fosse tão tarde da noite, depois de tantos dias difíceis, e após termos ficado, por duas
horas, ouvindo as lamúrias de seu primo sobre dívidas de jogo! Por que o tolera tanto? Amin é um parasita. Nem mesmo trabalha!
Kahlil se aborreceu.
- Ele vive de seus fundos de investimento. São dele, e foi o que escolheu.
- Foi você quem proporcionou esses fundos para seu primo, não seu pai.
- E se fosse?
Bryn não detectou a ponta de ira, a grave inflexão, por estar envolvida demais em suas próprias emoções para ler o que Kahlil tentava dizer. Pois, se tivesse
percebido isso tudo, teria notado de imediato que pisava em campo minado.
- Kahlil, sei que os laços de sangue são muito importantes para você, mas Amin não é quem imagina. Não é leal...
- Meu primo tinha tanta certeza de que você me diria isso que apostou cem libras esterlinas comigo. Perdi a aposta.
Bryn engoliu em seco.
- Quando ele falou isso?
- Hoje à tarde. Em meu escritório. Antes que me preparasse para o jantar.
"Quer dizer então que Amin o procurou, tentando falar com ele quando ainda estava por ali. Que víbora, que cruel, que venenoso!"
- Ele é um mentiroso, Kahlil!
- Diga-me: aconteceu alguma coisa entre vocês dois? Algo pouco lisonjeiro... E incriminador?
Bryn gelou. "Meu Deus, o que Amin terá contado?"
- Não! Não o suporto, Kahlil. Só de olhar para ele eu me sinto mal.
- Duas mentiras, Bryn... Duas mentiras numa mesma noite. Como poderei confiar em você?
Bryn, atônita, parou. Seu cérebro trabalhava rápido, tentando compreender o que se passava.
- Não sei a que está se referindo.
- Mentira número um: eu lhe perguntei se já teve um problema com Amin, e você me disse que não. Meu primo me falou sobre sua pequena obsessão. Foi a três anos,
muito tempo se passou. Por que não podemos discutir isso?
Ela então se encaminhou para ele, ajoelhou-se diante do marido, colocando as suas mãos sobre os joelhos dele.
- Kahlil, eu lhe direi a razão por que não gosto de seu primo. Amin destrói pessoas, destorce a verdade. Nunca conheci alguém tão competente em disfarçar sentimentos
e inverter situações como ele. Pensei que fosse meu amigo, mas não é. Confiei em Amin e perdi meu tempo. No entanto, não houve nada de sórdido entre nós.
- Nem um beijo?
- Não. Nunca. - Bryn erguendo-se um pouco sobre os joelhos, implorando a Kahlil para que a ouvisse e entendesse. - Não senti jamais atração alguma por ele.
Eu tinha você. E isso irritava muito Amin. Ele queria nos punir.
- Por que ele faria isso?
Bryn se levantou e tocou-lhe o queixo. Espantou-se com a forma como Kahlil se encolheu a seu carinho. Porém, não o evitou, e ela continuou, deslizando o indicador
até sua boca.
- Talvez porque invejasse nossa felicidade.
Kahlil colocou a mão dela entre as suas, segurando-a. Seus olhos dourados a examinavam, procuravam ler seu íntimo.
- Se meu primo me traiu, eu quero saber. Se ele tentou se aproveitar de você, deverá ser punido. Existe mais algum fato que eu deva saber?
Do que deveria acusar Amin? Assalto? Violação? Bryn lhe enviara um recado, pedindo-lhe que fosse encontrá-la. Foi por essa razão que tudo acontecera. Como
poderia explicar a atitude dele e justificar a sua?
Não poderia.
- Não, Kahlil. Não há nada mais.
- Não quero que você e ele tornem a ficar a sós. Nada mais de conversas confidenciais. Nada mais de xícaras de chá ou seja lá o que for. Minha mulher tem de
estar acima de qualquer suspeita. Tem de manter uma conduta condizente com a de uma princesa. Entendeu?
- Sim.
- Dentro de uma semana confirmaremos nossos votos. Desse momento em diante, nada de segredos e mentiras. E muito menos fugas.
A semana transcorreu sem maiores acontecimentos. Bryn passava os dias com o filho e as noites com Kahlil. Não vira mais Amin. Na realidade, após três dias
sem vê-lo, achou que ele poderia ter voltado para Monte Carlo. Sorriu, vendo uma luz no fim do túnel.
"Chega de Amin, de suas ameaças e de suas péssimas intenções." Quem povoava agora todos seus pensamentos era Kahlil. Como se tivesse determinado a vida dela.
O sheik a fizera mudar-se para o quarto dele e fez transferir o berçário do filho para mais perto deles. Passou a fazer as refeições com Bryn e, quando possível,
junto com Ben também.
À noite, Kahlil gostava de lhe tirar a roupa, seduzi-la, saboreá-la. Fazia amor com tanta perfeição que ao cair no sono sentia-se parecia flutuar. Por vezes,
acordava Bryn durante a noite e queria mais. Mas, quando ela acordava, pela manhã, ele já estava no escritório, dirigir seus negócios.
Bryn o ouvira certa vez ao telefone. Kahlil fora convidado para uma reunião, mas desculpou-se, pois não estava em condições de sair de Tiva, naquele momento.
Não a deixaria mais sozinha, ela percebeu mais preocupada do que segura. Não confiava nela.
Tentou perguntar-lhe sobre a conferência durante o jantar, tentando fazê-lo entender que tudo correria bem no palácio, se tivesse de participar. Kahlil quase
lhe cortou o pescoço.
- Não a deixarei só!
- Mas não estarei só, meu querido. Estarei com Rifaat, Lalia, os guardas do castelo, Ben...
- Não irei. A conversa termina aqui.
Na cama, Kahlil não a tocou. Bryn então se sentiu uma estranha na cama dele, não fazendo parte do coração dele.
Será que entre os dois as coisas nunca mais voltariam a ser as mesmas?
Quando Kahlil a procurou, num outro dia, ele fez amor com tanta intensidade que a deixou sem ar e atordoada. Como se quisesse fazer-lhe ver que era ele
quem mandava. Que era o dono dela. Que Bryn lhe pertencia. Mas que não a amaria.
O dia do casamento chegou. Lalia preparou a noiva no antigo quarto, dando-lhe banho e passando-lhe um óleo perfumado, com escrupuloso cuidado.
A criada cantava, enquanto cuidava de seus afazeres.
- Este é um dia muito feliz, senhora. Você se casará com sheik al-Assad aqui, numa cerimônia tradicional. Todos ficarão felizes.
Exceto ela, Bryn. Queria que Kahlil lhe desse alguma demonstração de afeto, um sinal de que sentia emoções mais profundas, mas não deixou transparecer nada.
As conversas entre eles eram banais. O único momento em que se aproximavam era durante a noite, no leito. De outra forma, eram quase que dois estranhos distantes
e separados.
Ouviu-se uma batida na porta, e Lalia foi ver quem era. Voltou com uma folha de papel dobrada.
Bryn fitou o bilhete, com certa excitação. Apenas uma pessoa passaria notas dentro do palácio. Somente um alguém teria coragem para fazê-lo na ala das mulheres.
Abriu a folha sem pressa e leu: "Tenho de vê-la. Neste minuto". Sem assinatura. Não era mesmo preciso. Ela conhecia aquela letra. Pertencia a Amin.
Por alguns instantes, não conseguiu respirar. Quando se recobrou, amassou o bilhete. Não responderia. Ele nem mesmo deveria estar ali. O que Amin fazia no
palácio no dia de seu casamento? Não deveria estar em Monte Carlo, jogando e indo a festas?
Sentiu-se tentada a chamar por Kahlil, confessar tudo de uma vez por todas. Melhor encarar o problema e fazer o episódio com Amin virar coisa do passado, antes
que renovassem os votos.
Entretanto, Bryn hesitou, sentindo o papel amassado em sua mão.
Será que Kahlil entenderia se lhe contasse? Será que compreenderia a razão por que ela confiara num homem como Amin?
Não. Kahlil não entenderia. Ele não gostava de fraquezas nos outros. Desdenhava-as, até consigo mesmo. Não importava o que falasse sobre Amin, o fato era que
eles eram inseparáveis, quase irmãos.
Amin a encurralara, e devia ter consciência disso. Mas Bryn não se daria por vencida, não desistiria. Agora, aquela era sua casa, sua família. Talvez não pudesse
falar contra ele, mas também não faria o jogo daquele miserável.
A festa esperava por ela. Lalia conduziu Bryn até lá, exultante.
De repente, uma mão a agarrou pelo braço, o que a impediu de dar mais um passo.
- Eis uma expressão tipicamente americana: você pode fugir, mas não pode se esconder.
Bryn olhou para Lalia, que continuava andando.
- Andou vendo muitos filmes, Amin. Deixe-me ir.
- Temos de conversar.
- Não há nada para falarmos.
Mas ele a ignorou, forçando-a para que se encaminhasse em direção a uma discreta porta decorada com espelhos. Abriu-a e a obrigou-a a entrar.
- Posso transformar sua vida num inferno, se for essa sua escolha.
- Você acha que pode - respondeu ela, irritadíssima pelo fato de tentar uma coisa daquelas alguns minutos antes do matrimônio.
Bryn não sentia medo. Estava mais brava do que temerosa. Por que razão Kahlil não queria aceitar que o primo era uma víbora dissimulada? Como conseguia tolerar
tal tipo de gente?
- Você é uma fraude e um mau-caráter, e se continuar me fazendo ameaças, contarei tudo para Kahlil a seu respeito.
- Não me pressione miss América.
- Digo-lhe o mesmo, seu patife! Não sou a noivinha ingênua que um dia conheceu, e estou farta de suas sórdidas brincadeiras. Você me atacou em meu quarto,
e estava pronto para me violentar!
- Foi o que você queria. Sei que me queria.
- Querer você?! Eu o abomino! E se não me soltar darei um grito tão grande que pensarão que está me assassinando!
Bryn tentou então abrir a porta, mas Amin a impediu, pressionando seu corpo no dela, cobrindo-lhe a boca com uma mão e, com a outra, apertando-lhe o pescoço.
- Eu não gritaria, se fosse você, e não falaria nada para Kahlil, pois ele não entenderia. Kahlil é um sheik, um homem do Oriente, que pensa como tal. Jamais
perdoaria uma mulher que o traísse. Não a perdoaria nunca. Jamais.
Bryn se desvencilhou dele e abriu a porta.
- Fique longe de mim! - E caminhou para o hall, onde todos estavam reunidos.
Bryn não conseguia pensar com clareza. Lágrimas de raiva e frustração ameaçavam cair. Amin confundia a verdade e mentia melhor do que ninguém.
E também conhecia os receios dela, o que lhe conferia um enorme poder sobre Bryn. Sabia que temia ser abandonada, expulsa e separada de seu filho, Ben.
Trêmula, ajeitou-se. Seu coração continuava agitado, pois não conseguira silenciar a voz de Amin, as palavras dele ecoando em sua cabeça: "Kahlil é um sheik,
um homem do Oriente, que pensa como tal"...
Seguiu em frente, odiando-se por ter compartilhado tanto seus sentimentos com Amin. Ele sabia que era insegura e que continuava, ainda, lutando com essa insegurança.
Não era muito difícil minar a segurança de alguém. Os termos certos, as acusações certas, as sementes adequadas...
Não! Não poderia, nem deveria deixar que Amin fizesse aquilo de novo. O desprezível primo de Kahlil já se interpusera uma vez entre ela e Kahlil, destruindo
sua união, e não o permitiria agora. Dessa vez, seria mais forte. Mais confiante. Sabia o que queria, e era Kahlil.
Esse era o dia de seu matrimônio. Não estava disposta a permitir que ninguém o arruinasse, muito menos Amin.
Lá fora, o sol abrilhantava tudo ao seu redor. Ouviam-se suaves vozes e risos discretos, satisfeitos. Todos pareciam animados com a comemoração.
Bryn estava excitada. Seria um novo começo de vida para ela e Ben.
Rifaat e Lalia a esperavam.
- Houve algum problema? - Rifaat quis saber, lançando um olhar para trás dela, em direção ao corredor.
Bryn forçou um sorriso, controlando melhor seu tremor.
- Está tudo bem.
Rifaat franziu as sobrancelhas.
- Achei que tivesse visto o primo da Sua Alteza...
- Sim, você viu. Passei por Amin no hall. Estava vindo para cá.
Rifaat deu mais uma olhada para o hall antes de fitá-la, notando sua palidez.
- Bem, estamos prontos?
- Sim, princesa - afirmou Lalia, cobrindo Bryn com um véu. - Chegou a hora. Sua Alteza está esperando.
Bryn se postou ao lado de Kahlil, na entrada do palácio. Tudo certo. Tudo perfeito. Até que...
- Montaremos num camelo, Kahlil?!
Ele estreitou pouco os olhos ao tomar a mão de Bryn, para beijar-lhe os dedos.
- É o costume.
Ela observou o arco de flores.
- Sabe muito bem o que sinto a respeito de camelos.
- Você teve uma má experiência, laeela. Este não machucou ninguém em meses.
Bryn suspirou. Eram recém-casados quando montaram um camelo pela primeira vez. A montaria dele se comportara muitíssimo bem. A dela, entretanto, a derrubou
direto para o chão, o que lhe deixou um calombo na cabeça.
E, pela expressão de Kahlil, pôde perceber que se lembrava daquela cena. Ele escolhera os camelos de propósito. Era a forma que encontrara para ligá-los ao
passado.
- Desde que o danadinho não cuspa em mim... Não quero estragar meus cabelos. Lalia precisou de duas horas para deixá-los assim.
- Tem minha palavra de honra: o camelo não irá cuspir.
- Você consegue controlar até os preços do petróleo, sheik al-Assad, mas duvido que possa controlar os humores dos animais.
Todavia, olhando para ele naquele momento, vestindo o tradicional djellaba de casamento, o howli sobre a cabeça, Kahlil lhe parecia mais selvagem, mais árabe
e mais sensual do que nunca. Não existia nada na face da terra que Bryn não fizesse por aquele homem.
Kahlil esboçou um sorriso lindo para ela, seu olhar dourado cintilando.
- Já lhe disse que está magnífica? Bryn enrubesceu.
- Não.
- Jamais encontrei uma mulher tão bonita. Estou honrado por ter aceitado ser a minha esposa.
Ela ficou muda por um momento. Nem sequer conseguira engolir, com o pulso batendo forte, seu peito cheio de amor. Jamais amara um homem como amava Kahlil.
Ele a fazia sentir-se completa.
- Quero fazê-lo feliz - murmurou um tanto rouca.
- Você conseguiu.
Por um átimo de segundo eram os únicos seres vivos ali presentes. Por um instante, o mundo era só deles. Poderia ser sempre assim.
- Venha. - Kahlil tomou-lhe a mão. - Seu camelo a espera. Assim como seu filho. Minha prima Mala veio de Londres acompanhada por suas crianças e levou Ben
para a cerimônia, onde todos nos aguardam. Impacientes, imagino eu.
Uma vez que tomaram assento nos camelos, que encontraram ajoelhados, todos os criados assomaram ao jardim. Lalia foi ajeitar o vestido da noiva. Os servos
de Kahlil saudaram o camelo dele. Com uma cascata de pétalas de flores, e uma evocativa música, os animais partiram.
Bryn acenava para a multidão. Estava emocionada. Dessa vez, jurou para si mesma que ela e Kahlil se amariam para sempre.
CAPÍTULO X
Mais parecia o cenário de um luxuoso filme antigo: grandes tendas brancas, camelos com correntes, maravilhosos tapetes persas, música, palmeiras e folhagens
de árvores balançando ao sabor da suave brisa do final da tarde.
O sol começara a se pôr e, como previsto por Kahlil, pintaria as cremosas dunas de vermelho, pêssego e ouro.
A cerimônia foi muito bonita, com muitas orações, bênçãos e a união das mãos dos noivos. Assim que terminou, Kahlil levou Bryn até o helicóptero, apoiando
a mão nas costas dela, com o que quase a enlouqueceu de prazer.
- Para onde estamos indo? - ela quis saber, afivelando o cinto de segurança.
Kahlil acabara de lhe informar que Ben ficaria no palácio enquanto estivesse fora, sob a guarda de sua ama-seca e de Mala, prima dele, que tinha dois filhos.
Mas, mesmo assim, não seria fácil para Bryn deixá-lo lá.
O menininho percebeu a hesitação da mãe, sorriu-lhe e acenou-lhe. Não parecia preocupado por ela estar viajando com Kahlil por alguns dias. O filho parecia
tão seguro... Tão parecido com o pai!
Bryn fitou Kahlil, e encontrou o olhar dele.
- Estamos indo para um lugar muito especial para mim, laleea. Você nunca esteve antes lá.
- É muito longe?
- Não, desde que não se viaje de camelo.
Era noite quando chegaram. O céu púrpura estava escuro, e o local, em completa escuridão. Nenhum sinal de iluminação, nenhum sinal de civilização.
O helicóptero começou sua descida.
Bryn ouviu o piloto conversando, dando as coordenadas. Franziu as sobrancelhas assim que começou a ver pequenos pontos de luz. Quando tocaram o solo, constatou
que se tratava de tochas.
- Onde estamos Kahlil?
- Em meu refúgio.
Kahlil voltou a pegar a mão dela, ao passarem pelos antigos arcos de pedra, em direção a uma velha fortaleza, que deveria ter pelo menos mil anos.
- Isto é seu? - Bryn estava encantada.
Kahlil a ergueu nos braços antes de entrar num dormitório com almofadas de seda espalhadas pelo chão e candelabros iluminados.
- Quantos castiçais! Não sabia que gostava tanto deles.
- Não há eletricidade por aqui. - Kahlil e levou até o colchão. - Portanto, não tenho escolha. Se não tivéssemos castiçais, não poderia vê-la. E, acredite,
eu quero ver você.
- É mesmo?
- Sim, pode acreditar. Neste exato minuto estou louco para vê-la nua. Tire a roupa para mim.
- O... Quê?
- Quero que se dispa para que eu possa inspecionar minha mulher.
Bryn ficou ao mesmo tempo chocada e excitada.
- Jurou que me obedeceria, Bryn. Disse que nosso relacionamento deveria ser verdadeiro.
- Sim, mas...
Kahlil arqueou as sobrancelhas e esperou.
Enrubescida e com os dedos tremendo, Bryn procurou o zíper do vestido. Kahlil se reclinou na cama, esperando. Lentamente ela abriu o zíper e livrou-se do vestido.
A próxima peça foi um sutiã de seda. Abriu-o, deixando os seios à mostra.
- Ah...
Bryn sentiu então o intenso calor do minucioso exame dele. Kahlil observava seus seios, a tensão de sua delicada pele, os mamilos enrijecidos, ansiosos, como
estavam ansiosas suas coxas por tê-lo entre elas.
- O que falta, por favor?
Kahlil parecia indiferente. Mas era só aparência, pois a estudava com muita concentração.
Bryn tirou a calcinha de cetim, deslizou-a pelos quadris, joelhos e tornozelos. Ficou nua, a não ser pela coroa de ouro e brilhantes. Corou da cabeça aos pés.
Kahlil, sempre calado, se levantou, foi até ela e a abraçou. O corpo inteiro dele estava duro, o tórax, o abdome, suas pernas, tudo.
Ele a enlaçou e passou a explorar com delicadeza cada curva, cada reentrância.
- Você é tão quente - Kahlil murmurou ao ouvido de Bryn. - Parece que se sente no céu.
- Acho que é mais parecido com o inferno - retrucou, com um arrepio após o outro, o peito dele apertando-lhe os seus doloridos seios, intensificando-lhe a
sensibilidade.
- Precisa aprender a ser paciente...
- Estou tentando.
E Bryn o estreitou ainda mais.
- Encantador... - Kahlil acariciava-a nas costas, brincando com sua cintura fina.
Bryn gostara mais quando a mão dele a segurava pelas nádegas, sua masculinidade comprimida sobre a pelve, o corpo dele tomando-a com desespero. Enlouquecida,
mordeu-o pescoço e depois no lábio.
- Beije-me como você costumava me beijar.
Como resposta, Kahlil a levou para a cama, coberta com luxuosos lençóis de seda e cetim. Bryn sentiu-lhe o perfume de sândalo e limão e beijou-o, apaixonada,
enquanto lhe arrancava o robe.
As formalidades acabaram, e os preliminares também. Não demorou muito para que atingissem o pico mais alto do prazer. E pela primeira vez, desde que retornara
a Zwar, Bryn acreditou que um muro acabara de cair, quebrando uma barreira que existia entre os dois. E Kahlil a segurava, beijava, e a amou com um carinho intenso.
Com lágrimas nos olhos, Bryn teve a certeza de que, dali em diante, tudo daria certo.
Ainda muito sensível Kahlil a ergueu nos braços, trazendo-a para si.
- Você é minha, entendeu? Minha. Minha!
- Sim, meu amo.
- Gostei disso.
- Não diga!
- Bryn, não está brincando comigo, não é?
- Eu poderia ser mais obediente ainda?
- Isso é diferente de uma rendição. - Então, sorriu. - Só me falta treinar um pouco mais.
Ainda sorrindo, beijou-a, roubando-lhe o ar. Bryn estava feliz. Se Kahlil abaixava a guarda para compartilhar a risada com ela, era porque encontrara o caminho
do coração dele. Talvez ele não dissesse em palavras de que a amava, mas a ternura se achava ali, dentro dele. Daria algum tempo a seu marido. Era só disso que precisavam:
tempo e amor.
Kahlil beijou-lhe a nuca e a concavidade embaixo da orelha. Sentiu uma explosão de calor dentro dela, um desejo insaciável por ele.
- Não comece alguma coisa para a qual não está preparado para terminar - ela caçoou, apertando-o em seus braços.
- Oh, eu estou preparado! - E Kahlil se ajeitou entre as coxas macias, provando o que dizia. - Sabe que a enganei para trazê-la de volta? Eu lhe contei uma
pequena mentira.
Bryn o afastou.
- O que?
- Nada muito importante. Uma mentirinha insignificante.
- Que mentira Kahlil? Do que se trata?
- Subornei um determinado funcionário para destruir certo documento. Sabe aquele que você jamais assinou? Culpa minha. Certifiquei-me de que não chegaria até
você.
- Kahlil!
Ele tomou-lhe o rosto e a beijou com ardor.
- Eu não iria perder você. Nunca permitiria isso.
Naquele momento, foram interrompidos por uma batida na porta.
- Vá embora! Estou ocupado.
- Perdoe-me, Alteza - respondeu a pessoa que batia, - mas trata-se de uma emergência.
Kahlil voltou em menos de cinco minutos.
- Surgiu um problema em Tiva - disse para Bryn, assim que retornou ao quarto. - É urgente. Preciso voltar sem demora para o palácio.
Vestiu-se com roupas ocidentais. Franzia as sobrancelhas e a sua expressão não era nada boa.
--Virei para cá o mais rápido que puder.
Alguma coisa na expressão dele tirou o sossego de Bryn.
- O que houve?
- Não posso falar sobre isso agora, mas lhe mandarei o helicóptero na primeira oportunidade.
- E vai me deixar aqui, no meio de nada?
- É um lugar seguro. É minha casa. Quero você aqui. Não era o tom de uma discussão, mas de ordem.
- Pelo menos, conte-me o que você sabe.
- Bryn, bem que eu gostaria. Mas ainda não tenho conhecimento todos os fatos.
- Alguma coisa no palácio? Talvez uma insurreição?
- Não, nada parecido com isso.
- Então o quê? Meu Deus, Kahlil, o menino...
- Eu sei. - Beijou-lhe a testa. - Seja paciente. Logo saberei de todos os detalhes.
Afastou-se, colocou o paletó e saiu.
Kahlil reapareceu passadas dezesseis horas. Entretanto, os rotores do helicóptero continuaram ligados.
- Trata-se de Ben - disse-lhe Kahlil, sem nenhum preâmbulo. - Ele foi embora.
Ben? Fora embora? Impossível. Mas fora o que Kahlil dissera.
- O que quer dizer com "foi embora"? Para onde?
- Não sabemos.
Bryn se pôs a andar de um lado para o outro, os braços cruzados, tentando não entrar em desespero.
- Ele fugiu?
- Não.
- Então o quê?! Está tentando me dizer que alguém o sequestrou?
- Sim.
Ela deu um salto para trás, horrorizada. Sua boca ficou seca.
- Quem?
- Amin.
Bryn deu mais um passo para trás. Kahlil levantou os ombros, num gesto que revelava mais do que qualquer palavra.
- Coloquei todos os recursos à disposição, Bryn. Nós o encontraremos. Tem minha palavra.
Bryn sentiu-se desfalecer. Fora sua culpa. Não protegera Ben, não confidenciara seus medos para Kahlil. Sentiu-se forte e inatingível por Amin. Desafiara-o,
insultando-o ao dizer que não poderia feri-la, que não tinha cacife para isso. Céus, o que fizera?!
- O que sabemos até agora? Quais foram as providências tomadas?
- O garoto foi sequestrado depois da cerimônia de ontem. A empregada estava preparando seu banho, de costas para ele. Quando se virou para pegá-lo, ele já
não estava mais lá.
Desaparecera. A palavra invocava o medo. Pronto, desaparecido. Pronto, perdido. Pronto, seu coração partido. O que poderia dizer? Nada. Nada!
- Como sabe que foi Amin? Como pode saber que Ben não saiu sozinho, tendo achado alguma porta aberta?
- Temos evidências.
- Quais?!
- Amin deixou uma carta numa linguagem cifrada. Sem o menor sentido. Precisaremos de paciência, para permitir que nossos homens continuem com a investigação.
Se com isso Kahlil imaginara poder acalmá-la, enganara-se. Aquelas palavras instilaram ainda mais terror no coração de Bryn. Seu estômago se contraía.
- Conte-me, Kahlil. Eu quero saber. Preciso saber.
- A nota é curta. E como eu disse, cifrada. Amin fala que estava levando o que era dele. Foi tudo.
Bryn ficou um pouco mais aliviada.
- Ora, assim não podemos ter certeza de que ele está com Ben! Temos duas pessoas desaparecidas. Não sabemos se estão juntos.
- Nós temos certeza disso, sim. Está tudo gravado na fita de vídeo. Amin agarrou Ben e tirou-o do berçário.
- Não! Não foi assim, ele não fez isso. Diga-me, Kahlil! Ele a segurou pelos braços e a trouxe para si, aninhando-a.
- Calma, laeela, nos os encontraremos. Juro que nosso filho estará logo conosco.
O helicóptero os levou de volta para Tiva, direto para o vigiado palácio.
Ouviu-se o pio de um pássaro, agitando um dos potes de hibiscos que flanqueavam a entrada. Bryn parou por um instante para observar uma abelha se aninhando
entre as pétalas de uma flor. Era assim que se sentia em relação a Kahlil: um animalzinho incapaz de resistir a seu néctar.
E agora, o que o desejo e o intenso amor lhe tinham dado? Segredos, mentiras e um filho raptado.
Era demais para que conseguisse suportar.
Kahlil a amparou, ajudando-a a atravessar a pesada porta. Conduziu-a até os aposentos dela, no harém.
- Eu lhe darei notícias assim que as tiver.
Bryn gostou de ser confortada pelo marido. Seria mais fácil enfrentar o futuro ao lado dele.
- Não quero ficar sozinha - implorou, segurando-o. - Deixe-me ficar com você.
- Trata-se de um problema de segurança máxima. Estou indo ao encontro de meus conselheiros. É melhor que fique aqui.
- Não é o melhor para mim. Estou com medo.
- Bryn, confie no que digo. Darei notícias assim que recebê-las. Agora, trate de descansar. Você precisa muito.
Lalia pediu um rápido jantar, mas Bryn nem sequer o tocou. Queria seu filhinho de volta.
Os minutos se transformaram em horas. Bryn começou a tremer, por consequências do choque de adrenalina. Dormira muito pouco. Era enorme a ansiedade. Sentia-se
virada do avesso.
- Você precisa dormir minha senhora. - Lalia indicou-lhe a cama. - Deite-se. Repouse.
Contudo, Bryn não conseguiu conciliar no sono. Ficou a noite inteira sentada, apoiada na parede de seus aposentos, o olhar perdido no horizonte.
Amin era o diabo em pessoa. Um sujeito da pior espécie. Mas nem mesmo ele seria capaz de machucar uma criança. Ou seria?
Tentava imaginar para onde teria levado o menino, e se Ben estaria amedrontado. Esforçou-se para evitar o mórbido cenário. Tinha de pensar positivo, imaginando
que Amin não maltrataria o pequeno.
De certa forma confortada, Bryn acompanhou o brilho da lua, as estrelas brilhantes, que pouco a pouco iam perdendo o brilho, até o amanhecer.
A manhã chegou, e ela ainda permanecia sentada, com os braços envolvendo-lhe os joelhos.
A criada reaparecera, envolta em véus. Ela também parecia cansada, como se não tivesse dormido.
- Café da manhã, princesa. - Lalia apresentou-lhe uma travessa com pães quentes, frutas frescas e chá de hortelã.
- Não consigo comer. E não conseguirei até que Ben esteja comigo.
- O sheik o trará de volta. Ele é todo-poderoso.
"Sei... Quem dera fosse verdade!" Bryn tomou um pouco de chá, mas não comeu nada. Rezava para que Amin tivesse alimentado o filho. Se ele ainda estivesse vivo...
"Não! Você não pode pensar assim. Lógico que está vivo." Amin era cruel e egoísta, mas não castigaria uma criança.
Bryn começou a chorar, mas, determinada a não se deixar dominar por inúteis emoções, secou o pranto, pois aquilo não ajudaria Ben em nada.
Foi quando Lalia tornou a entrar.
- Minha senhora, o sheik al-Assad a está esperando no salão principal. Por favor, eu a vestirei depressa.
Bryn, embora aflita, teve de permitir que Lalia desempenhasse sua tarefa.
- Tem de ser corajosa, Alteza - disse Lalia, terminando de penteá-la.
- Sou muito corajosa, fique sabendo.
O que mais queria agora era encontrar Kahlil e saber das novidades. A única coisa que poderia fazer era rezar para que o filho tivesse aparecido.
Rifaat a aguardava na saída da ala das mulheres.
- Bom dia, princesa al-Assad.
- Bom dia, Rifaat.
- Parece-se muito cansada. Por acaso não dormiu esta noite? Como poderia? Como alguém era capaz de dormir, tendo o filho de três anos desaparecido?
- Sua Alteza soube de alguma coisa?
- Não sei senhora.
Ela arqueou as sobrancelhas, impaciente, frustrada.
- Por que precisa fazer essas brincadeiras comigo, Rifaat? Você sabe tudo o que acontece por aqui. É o ouvido secreto de Kahlil. Tem acesso a todos os criados.
Sabe das coisas antes dele!
Rifaat deu um leve sorriso, mas a expressão nos seus olhos não era nada boa. Fez uma reverência e pôs-se a conduzi-la pelo palácio.
Bryn viu o marido no fundo da sala de recepção. Parado perto da janela, olhando para o jardim privativo. Raios de sol o iluminavam, o céu rosado como num conto
de fadas.
Só estava ele no recinto.
O sheik e virou devagar e tomou assento numa pesada e maciça cadeira, com toda a tranquilidade.
Não trocou um olhar com ela. Nem sequer a fitou.
Aquilo era ruim. Muito, muito ruim. Alguma coisa horrível devia ter acontecido a seu filho.
CAPÍTULO XI
- Conte-me, Kahlil. Diga o que está acontecendo.
- Venha até aqui.
Bryn sentia o sangue gelado, tão temerosa estava com o que poderia ouvir.
- Primeiro me fale alguma coisa. Quero saber logo o que tem a dizer.
Kahlil levantou a cabeça escura. Seus olhos, que brilhavam de emoção, encontraram os dela.
- Não tenho nenhuma notícia de Ben. Isso tem a ver com você.
Ela deu um passo à frente, e depois outro, enquanto a adrenalina subia, deixando-a tensa e exausta.
- Comigo?
- Sim, minha obediente mulher, é com você.
- Como assim? Do que se trata?
- Sabe querida, eu aprendi muito, e também estudei muito.
- Não estou entendendo.
- Você é um logro, princesa. - Kahlil deixou a cadeira e desceu do estrado. Estava descalço, o robe aberto, revelando calça comprida brancas e seu tórax nu.
- Sente-se.
Bryn se acomodou no sofá à frente dele.
- Está me confundindo. Não faço idéia de sobre o que está falando.
- Nenhuma?
- O que tudo isso tem a ver com Ben?
- A pergunta correta deveria ser: o que tudo isso tem a ver com Amin.
"Ah, não..." Kahlil, sem dúvida, ouvira algo, captara qualquer coisa. Será que Amin fizera alguma ameaça? Contara histórias? Como a teria incriminado agora?
- Bem? - Kahlil, parado a sua frente, a encarava. - Você não pretende se defender?
Ela começou a suar frio.
- Como posso me defender se não há acusação?
- Quero saber tudo a respeito do seu romance com Amin.
- Não houve romance algum!
- Não é o que mostra o videoteipe.
- Não há videoteipe que me mostre com Amin...
- Há muitas fitas mostrando vocês dois juntos.
- Mas não mostram que fizemos sexo.
- Diga-me, ele esteve ou não em seu quarto?
"Amado Deus, como Kahlil sabe disso? Só pode ter sido Amin. Ele deve ter confessado."
- Esteve, mas nada disso aconteceu.
- Todavia, você saiu correndo. Talvez por ter experimentado um sentimento de culpa?
Bryn não conseguia acreditar que ele estivesse fazendo isso agora, quando Ben estava desaparecido.
- Não tivemos nada um com o outro. Jamais fizemos sexo. Olhe o vídeo e terá a prova.
- Não há câmeras de segurança no harém. As filmagens cessam na porta de entrada.
- Que conveniente!
- Mas não se trata de apenas da aventura de uma noite. Você andou lhe escrevendo cartas de amor por meses.
- Não foram cartas de amor, mas tão só alguns comentários, alguns muito infantis...
- Não concordo com esse julgamento. - Kahlil tirou as cartas do bolso para lê-las: - "Amin, tem sido maravilhoso. Não sei o que faria sem você". - Abriu mais
uma. - "Preciso vê-lo esta noite. Poderemos nos encontrar?" E esta? "Você é um anjo. Eu te adoro." Vamos, fale! O quê, pelo amor de Deus, quer dizer isso?!
- Nada, não significa nada. São frases carinhosas de uma adolescente. Eu tinha dezoito anos!
- E era casada comigo.
- Sei que parecem comprometedoras...
- E são! O que estava pretendendo escrevendo cartas de amor?
- Não são cartas de amor, mas mensagens entre amigos. Amin estava me dando conselhos...
- Aposto que sim!
A rispidez dele a fez recuar.
- Não é assim, Kahlil. Por favor, tente entender. Acabáramos de voltar para Zwar, e você se enterrou no trabalho. Eu estava solitária, deprimida. Totalmente
fora de meu meio.
- E por isso se virou para Amin.
- Em busca de amizade, nada mais. Ele uma vez foi muito gentil comigo. Ouvia-me, me encorajava, fazendo-me acreditar que logo tudo melhoraria entre eu e você.
- Quer dizer que o culpado é eu? Fui um marido torpe?
- Não! Querido, procure entender. Quando noivamos, você foi muito atencioso, me fez sentir especial e muito desejável. Talvez eu tivesse sido muito mimada.
- Ah, é?
- Muito bem, fui muito imatura, mas o fato é que, quando chegamos aqui, você se concentrou no trabalho e teve pouco tempo para mim. Seu primo agiu como um
amigo. Ele percebeu que eu estava solitária, sem confiança, e me fez crer que tudo acabaria correndo bem.
- Você não conta para um homem que está solitária e sem confiança. Deveria ter dito isso para mim. Você não procura um outro homem em busca de carinho, mas
tem de pedi-lo para mim!
- Kahlil, por tudo o que há de sagrado, perdoe-me. Eu imploro!
- Poupe-me disso, Bryn. Não acha que é tarde demais?
- Jamais quis magoá-lo. Eu te amo, e sempre amei. Ele fez um gesto rude.
- Amin diz que Ben é filho dele, Bryn! Se for assim, tem todo o direito de ficar com o menino. Não tenho razão alguma, legal ou moral, para pedi-lo de volta.
- Não!
- A busca está encerrada.
Bryn estendeu as mãos e quase gritou, em protesto:
- Meu Deus, Kahlil, isso não pode ser verdade! Ben é um bebê. Ele deve estar aterrorizado.
- Amin saberá o que fazer.
- Ele não é o pai de Ben. O pai é você! Nunca estive com outro homem, mas, mesmo que esteja com raiva, não puna o menino. Ben nem sequer conhece Amin!
- Não é mais problema meu agora.
- Como assim?! Você é o sheik de Zwar. Seu primo raptou seu filho, e me diz que não é problema seu? Quem, então, manda neste país?!
Kahlil agarrou-a pelos pulsos e os chacoalhou.
- Acha que está falando com quem?!
- Com meu marido! Meu arrogante, orgulhoso e teimoso marido. Sabe por que mantive contato por todos estes anos com Amin? Porque você me desprezou. Deixou de
me ver, de me ouvir, de falar comigo. Estava abandonada, e não me sentia bem com isso, mas jamais dormi com Amin. E se você, por orgulho, arrisca a vida de seu filho,
eu juro Kahlil, que...
- O que fará?
- Eu mesma o procurarei. Ficarei sem comer, dormir e descansar, até que encontrá-lo.
- Você é uma mulher que está no Oriente Médio. Não tem dinheiro, nem transporte, nem amigos. Jamais o achará.
O coração se despedaçava aos poucos.
- Por que você me odeia tanto? Por ser fraca? Por ter necessidades?
- Suas necessidades a atiraram aos braços de meu irmão. O irmão dele?
- Está querendo dizer nos braços de seu primo?
- Amin é meu irmão. - Kahlil engoliu em seco. - Meio-irmão. Filho bastardo de minha mãe.
Ela prendeu a respiração, atônita. Sentiu a zanga de Kahlil, com aquela confissão dolorosa.
- Eu pensei que sua mãe tivesse morrido assim que você nasceu.
- Não morreu. Não até que eu chegasse ao colégio. Quando meu pai descobriu o romance dela com seu melhor amigo, exilou-a daqui. - Baixou um pouco os cílios,
destacando os seus ossos da face. - Meu pai era bondoso. Sob nossa lei, ela poderia ter sido executada.
- Se seu pai fosse realmente generoso, não o teria privado da sua mãe!
- Ela escolheu trair os juramentos do casamento e sofreu as consequências.
- Não. Quem arcou com as consequências foi você. Sua mãe cometeu um erro e pagou por ele. Assim como quer que Ben pague pelo meu. Mas não é justo!
- A vida não é justa, Bryn. Nunca foi. Talvez Ben aprenda isso desde já.
- Não pode estar falando sério.
- Sim, estou. A existência é cheia de golpes duros. Fui um menino solitário. Também sofri, mas aqui estou mais forte do que nunca.
- Sabendo disso e lembrando-se de seu sofrimento, é capaz de infligir isso a seu próprio filho?
- Nem mesmo sei se ele é meu filho.
- Sim, você sabe. Ben é seu. Pode estar com raiva de mim, mas não poderá negar que ele é filho nosso.
- Você dormiu com ele, Bryn?
Kahlil mudou de conversa, desviando seu foco em um segundo, mas ela continuou batendo na mesma tecla:
- Não, Kahlil, não! Não sinto a menor atração por ele. Jamais senti!
- Mas estas cartas e a visita dele ao seu quarto mostram com clareza que há mais do que amizade entre vocês dois.
- Não de minha parte. Jamais o quis, nunca. Agora entendo como comentários podem ser mal-interpretados, e como fui imatura. Mas creia Kahlil, não houve nada
entre eu e ele. Nada de desejo ou relações físicas.
Ele baixou os cílios mais uma vez, escondendo o irritado brilho dos seus olhos dourados.
- Não mais que uma ligação emocional.
Kahlil afirmou que não iria fazer esforço algum para encontrar o filho, mas quando chegou a notícia de que Amin fora encontrado, não hesitou por um minuto
sequer. Podia estar enfurecido com Bryn, mas jamais deixaria o menino sofrendo.
Sem mudar de roupas, chamou a limusine e se sentou no banco de trás, embora morresse de vontade de dirigi-la. Ainda não conseguia entender o motivo da ação
de Amin em raptar uma criança. Não apenas seu filho, mas qualquer criança. Como um homem poderia descer tanto?
Enquanto o veículo passava pela cidade, Kahlil, tenso, massageava a fronte, mas a tensão não cedia. Chegara a hora de restaurar a paz no palácio. Era tempo
de colocar tudo em ordem. Já se fora a época em que tudo era fácil em sua casa, porque controlava tudo.
Bryn teria de partir.
Cerrou as pálpebras e os dentes. Sentiu o carro balançando quando passou num buraco, as emoções correndo soltas, um maligno desespero que queria evitar.
Amava aquela mulher. Sem nenhuma dúvida. Ele a venerara, mas isso fora antes de encher-se de desconfiança.
Não viu nada por alguns momentos, nem ouviu nada, não sentiu nada a não ser uma intensa aflição, parte angústia, parte tristeza. As mesmas emoções que sentiria
quando criança. Quase chorou, mas não adiantaria lamentar o leite derramado. Não poderia modificar o que aconteceu, e a vida continuaria.
"Siga em frente Kahlil, siga em frente, pelo amor de Deus!"
Passados alguns minutos, abaixou as mãos e olhou pela janela da limusine. A estrada se achava rodeada por dunas brancas. Poderia respirar, enfim, sem vontade
de gritar. Já passara por situações difíceis antes. Sobrevivera à perda de Bryn. Sobrevivera à perda de todos. Ele era o sheik Kahlil al-Assad, e a sua palavra era
lei.
No palácio, Lalia fazia todo o possível para acalmar a princesa, colocando-lhe compressas geladas sobre a testa.
- Calma, minha senhora, você não pode continuar chorando dessa maneira. Acabará adoecendo!
Bryn virou o rosto e tirou a compressa. Não queria nada. Apenas Kahlil e Ben. Sua família de novo unida.
Acordou assustada e ouviu vozes lá fora. Em seguida, as rodas de um carro parando perto da entrada do palácio.
Bryn acabara por adormecer enquanto o sol ainda brilhava, e nesse instante, seu quarto estava envolvido pelas luzes do crepúsculo, o espaço interior frio e
acinzentado.
Kahlil entrou, sem se fazer anunciar. E, mesmo estando Bryn meio adormecida, encaminhou-se até ela, irado, possesso.
- Levante-se! - ordenou. - Vamos esclarecer tudo agora, e para sempre!
Havia marcas de luta nele.
- Você está machucado! Kahlil a ignorou.
- Estamos com Ben, e ele parece estar em ótimo estado. Mas, de todo modo, meu médico irá examiná-lo. Você o verá em breve.
- Graças a Deus! - Bryn se atirou nos braços dele. - Eu tinha certeza de que você não iria abandoná-lo. Sabia que o encontraria!
Ele se endireitou.
- Fiz por ele, não por você.
- Kahlil, eu te amo. Sempre te amei! O sheik a empurrou para longe.
- Não quero mais ouvir isso.
- Mas você tem que...
- Não! É tarde demais. Agora não adianta. Venha. Amin nos espera. Vamos acabar com isso logo.
O que Kahlil estava lhe pedindo era uma loucura. Queria obrigá-la a confessar adultério, traição, crimes que não cometera? Bryn se recusava a aceitar qualquer
outra acusação que não fosse a conquista da confiança de Kahlil. Todo o resto recusaria verbal, e fisicamente, balançando a cabeça com força.
Amin sorria com malícia e falava todas as mentiras que queria. Insistia naquela fantasiosa história, aumentando-a mais e mais, à medida que as horas iam passando.
Afirmara que Bryn era quente, apaixonada, insaciável.
Bryn deu de ombros, deixando que Amin prosseguisse com seu veneno.
Kahlil não olhou para Bryn enquanto Amin estivera falando. Ficou parado em frente a sua ornada cadeira, braços cruzados, expressão vazia.
E Bryn, sabendo como a mãe dele falhara, sabendo que jamais se sentira seguro com o amor de seu pai, percebeu que também falhara com ele. Se Kahlil queria
torturá-la, não poderia ter escolhido uma hora mais oportuna.
Ela viu Rifaat de soslaio. O criado fitava o vazio, calado, quase invisível. "Que me importa o que Rifaat está pensando, quais os sentimentos dele por uma
noiva desleal?"
Fechou os olhos, tentando impedir-se de chorar. Mas não conseguiu.
"Kahlil, eu te amo. Kahlil me perdoe. Você é meu sol e minha lua. É tudo em minha vida...".
Os dedos dele estalaram, com muito estardalhaço. Ela abriu os olhos e o viu encaminhando-se para Amin.
- Chega! Já ouvi demais. A polícia está esperando lá fora, e acredito que a prisão não será tão confortável como seu apartamento em Monte Carlo.
- Como se você alguma vez tivesse se preocupado com isso.
- Eu me preocupei. Você é meu irmão. Sangue de meu sangue.
A boca de Amin se contorceu, e seu pomo-de-adão subiu e desceu.
- Sangue? Desde quando? Nunca passei de uma obrigação para você, seu caso de caridade.
- Dividi tudo com você!
Bryn estremeceu com a dureza de Kahlil. Parecia fora de si.
- Não dividiu nada comigo! Roubou minha mãe...
- Eu também a perdi, Amin! Quando meu pai a mandou embora de Zwar, ele também me machucou...
- Mas você se reergueu, príncipe herdeiro de Zwar. Teve todas as oportunidades, todas as regalias. Internatos na Inglaterra, escolas graduadas nos Estados
Unidos, dinheiro, poder... Teve tudo. Eu só queria uma participação.
- Minha mulher não era uma opção. Amin gargalhou.
- Não mesmo?!
Bryn cobriu o rosto com as mãos. Não conseguiria suportar aquilo. Pôde ouvir os guardas prendendo Amin, mas não viu a cena. E não levantou os olhos até que
a pesada porta se fechasse detrás dele.
Mas Amin não foi o único a sair. Kahlil também se fora. Depois de um curto silencio, não conseguiu ficar quieta.
- Quando Kahlil estará de volta? - perguntou sem pensar. Rifaat não respondeu de imediato. Bryn se virou para ele e notou uma peculiar expressão.
- Ele voltará, ou não?
- Não, minha senhora.
Não estava certa de que ouvira direito. Então, curvou a sua cabeça.
- Mas mais tarde mandará me buscar.
- Tenho instruções de levá-la para o carro. Está lá fora, esperando.
- E... Ben?
- Já está no automóvel. Com seus pertences. Sua criada empacotou tudo.
Bryn não entendeu, e se sentiu estúpida por isso. Achou que se devia às emoções daquela última hora e o receio de perder o filho. Mas se Rifaat falasse um
pouco mais devagar e lhe explicasse tudo de novo...
- Por que Ben está no carro? Para onde estaremos indo?
- Para casa.
Mas sua casa era ali. Kahlil, ela e o filho. Era àquele lugar que pertencia. Então por que Ben estava no carro? O que Kahlil pretendia com isso? Como poderia
ter feito tal coisa, sido tão cruel?
Bryn, de repente, tomou uma decisão.
- Onde está o sheik?
- Sei que é muito difícil, princesa, mas talvez Sua Alteza tenha razão. Seria aconselhável fazer uma trégua. Tenho certeza de que o príncipe herdeiro está
dormindo na limusine, e assim que a princesa estiver no avião também dormirá. Logo mais isso não passará de recordações...
- Não, não e não!
Kahlil não poderia estar fazendo aquilo. Não tinha o direito, não depois de trazê-los até Zwar e mostrar-lhes o inferno. Despertara-lhe o coração, revivera
o amor deles. Não podia mandá-la embora!
- Tenho que vê-lo.
- Não poderá princesa.
Bryn não queria continuar a ouvi-lo. Assim, saiu correndo pelos corredores. Passou pelos guardas e se abalou para o escritório de Kahlil, mas não havia ninguém
ali.
Ouviu Rifaat chamando-a, mas não lhe deu atenção. Seguiu avante, para o quarto de Kahlil.
A porta estava fechada. Tentou abri-la. Fora trancada, e uma réstia de luz passava por debaixo dela.
- Kahlil! - gritou, sentindo Rifaat logo atrás. - Ouça-me: entendo que esteja com raiva, e tem pleno direito disso. Mas não puna o menino. Brigue comigo, mas
não com ele! Ben ama você. Precisa de você. Eu preciso de você. Escute aqui, como pode fazer uma coisa dessas sem sequer falar comigo?! Abra a porta!
Não permitiria que Kahlil tomasse essa atitude. Não iria colocá-la para fora mais uma vez. Sabia que ele a amava, e muito, dentro de seu coração imperial.
- Oh, Kahlil, fale comigo... Não pode nos colocar dentro de um avião sem dizer adeus. O que farei sem você? Para onde iremos? Como poderei educar Ben sem você?
Se vai mesmo nos mandar embora, dê-me pelo menos respostas, conselhos, qualquer coisa!
Rifaat a alcançara e agarrou-a pelos ombros para tirá-la da frente da porta do sheik.
- Minha senhora, por favor, não me obrigue a chamar os guardas.
Ela se pôs a esmurrar a porta, que tremia com as fortes pancadas.
- Kahlil, ajude-me! Ele me levarão embora. Você pode impedi-lo. Tem de fazê-lo!
Rifaat continuou, dessa vez com mais cuidado.
- Por favor, Bryn - falou com calma. - Não quer cair em desgraça, não é? Saia com dignidade, eu lhe imploro. Pelo bem de seu filho, pelo menos.
Mas o que ela estava fazendo era lutar pelo bem do filho!
- Não irei. De forma nenhuma!
- Preciso conduzi-la até o automóvel. Venha comigo, Bryn, não faça as coisas ficarem ainda mais difíceis do que já estão.
- Kahlil... Em toda minha vida, só amei você.
Ela podia senti-lo do outro lado da porta. Via-lhe a sombra por baixo dela.
- Eu iria até o fim do mundo por você. Abriria mão de tudo o que me pedisse. Daria meu coração, se o quisesse. Kahlil...
E de repente a sombra se afastou da porta. Mais uma vez a abandonava. Seguia em frente, sem ela. "Kahlil!"
Rifaat, junto com um guarda, a segurou. Bryn não tinha mais forças para resistir.
Acabara. Kahlil não a queria. Não queria o filho. Tomara a decisão, e não voltaria atrás.
O veículo a esperava. Quando o chofer abriu a porta traseira, Bryn viu o filho dormindo, segurando um elefantinho azul. Seu filho, o filho de Kahlil.
- Não acredito que tudo irá terminar assim. Rifaat se despediu dela:
- Desculpe-me, minha senhora. Ela não conseguiu falar nada.
- Sei o que o irmão do sheik fez. Eu estava lá, naquela noite em que a atacou em seu quarto.
Bryn ergueu a cabeça, mais aturdida ainda.
- As câmeras de segurança viram que ele entrou na ala feminina. Eu não sabia o que fazer, quando então a ouvi gritando. Fui até seu quarto quando a vi lutando
por sua caixa de jóias.
De repente, Bryn percebeu tudo. Sempre se perguntou como conseguira escapar.
- Não fui eu quem o esmurrou. Foi você!
- Tinha de ser feito.
- E então o carregou para fora.
- Eu a vi deixando o palácio e não a impedi. Pensei nisso várias vezes. Deveria ter contado para Sua Alteza o que aconteceu naquela noite, mas você fugiu,
e Amin não saiu de perto de Kahlil. Como dizer a um sheik que seu irmão é um canalha?
Ela então percebeu como Kahlil era vulnerável. Todos queriam algo dele.
- Não, você não pode Rifaat. Não deve.
- Falarei com Sua Alteza, se quiser.
- E o que acontecerá? Kahlil se voltará contra você. Não quero isso. Amo Kahlil demais para que fique sem um amigo. E você é amigo dele, não é?
- Se eu não falar com o sheik, você o perderá.
- Já o perdi. - Tentou, sem sucesso, sorrir. - Diga-lhe... Parou, olhando em direção ao palácio.
- Não se preocupe. É melhor partir antes que Ben acorde.
CAPÍTULO XII
Fazia apenas duas semanas que Bryn se acomodara nas luxuosas poltronas do jato, com o filho nos braços. Ali estava de novo, voltando para o Texas. Mas Dallas
já não era mais seu lar. Sua casa era a de Kahlil. Com os três juntos.
O avião vibrou, os motores acionados com um barulho ensurdecedor. Podia sentir o cheiro do combustível. Levantariam vôo a qualquer instante. Começou a chorar
e engasgou de emoção.
Como pudera sua felicidade terminar assim? Tivera tanta esperança naquela primeira noite da segunda lua-de-mel... Em vez de tudo dar certo, tudo desmoronou.
E ainda não sabia como contar toda a verdade para Kahlil, explicar-lhe que o amor dela era maior do que tudo na face da terra. Amor de verdade não era apenas
paixão. Todavia, Kahlil não acreditava nela. Não confiava.
O avião começou a se movimentar. Preparava-se para partir.
Doía muito. Sentia-se injustiçada. Não o perdera uma, mas duas vezes. Queria chorar, mas sabia, que se o fizesse, perderia o controle de vez.
De repente, ouviu-se uma voz vindo do fundo da cabine.
- Se você for eu irei junto.
"Kahlil?!"
Sem pressa, imaginando que seu coração partido estaria lhe pregando uma peça, Bryn girou no assento.
Deparou com Kahlil parado no fundo do avião, de jeans desbotado, camiseta, cabelos despenteados, o rosto machucado.
- Não vá. Não sem mim.
Bryn não conseguia falar. Lágrimas quentes queimavam-lhe os olhos. Podia tão só balançar a cabeça, sem acreditar que ele estava naquele avião, depois de tudo
o que acontecera.
- Não conseguirei fazê-lo sem você.
- Fazer o quê? - Seu corpo todo tremia.
- Governar Zwar e liderar meu povo. - Desalentado, Kahlil passou os dedos entre os cabelos. - Não sei nem mesmo se conseguirei viver, sentindo-me assim.
- Não...
- Não sou melhor do que meu pai. Ele sempre dizia que agia em defesa de seu povo, mas não sei se isso é verdade. Papai dizia que as leis e a ordem estavam
em primeiro lugar, e eu tentei viver dessa forma, mas é insuportável. Minha vida é insuportável.
Bryn tentou se levantar, querendo ir até ele, mas estava com Ben nos braços e ainda não se achava em condições de se manter em pé.
- Não pode ser assim, Kahlil. Não quando o povo o ama tanto quanto nós te amamos.
Kahlil deu um solavanco para frente.
- Por que preciso machucar você? Por que transformei a nossa vida num inferno?
- Não sei, mas há alguma razão. Tenho certeza.
- Nenhuma, a não ser o fato de eu ser muito cruel. - Parou a um passo dela, seus olhos dourados assustados, a expressão triste. - Não posso continuar assim.
Tenho de parar, e tem de ser já.
- Você está aqui, agora, e é isso o que interessa.
Bryn não sabia se deveria ficar feliz ou triste por Rifaat ter quebrado a palavra e procurado Kahlil.
- Rifaat contou para você? Eu lhe pedi que não o fizesse. Kahlil franziu as sobrancelhas.
- Contar o quê? Aconteceu alguma coisa? A Ben?
- Não, nada parecido com isso.
Ela hesitou, percebendo que Kahlil não sabia sobre o que estava falando. Se Rifaat não o procurou... era porque Kahlil decidira vir por conta própria.
Por um instante, ficou sem saber o que pensar, sentir, e então, de repente, alguma coisa se soltou em seu coração e sentiu uma intensa onda de felicidade.
- Como está ele? - Kahlil apontou para Ben, aproximando-se mais, para pegá-lo.
- Está ótimo, e dormindo o tempo todo.
- Pobre menino... - O sheik o aninhou contra o peito, os músculos se regozijando com aquele abraço. - Será que ele sabe o que fiz? Ben sabia que os estava
mandando de volta?
- Ele acordou antes que subíssemos no avião, mas não lhe disse para onde íamos. Só lhe disse que faríamos um passeio.
A mandíbula de Kahlil se contraiu.
- Não sei no que estava pensando. Não entendo como pude mandá-los embora dessa forma. Fiquei ouvindo seu choro atrás da porta. Senti sua mão na maçaneta, seu
calor e a sua dor... E, em vez de deixá-la entrar, eu a ignorei. Como pude fazer isso para você? E com a minha família?
- Creio que agiu movido por seus traumas de infância.
- Não fui justo. Desculpe-me. Perdoe-me.
- Na há nada a perdoar.
- Há muito. Nós, os al-Assad, somos duríssimos com nossas mulheres.
Bryn afagou o rosto amado.
- Eu te amo, Kahlil.
- Sei disso. E também que nada aconteceu entre você e meu irmão. Não é esse tipo de mulher, Bryn. Seu coração é muito puro para isso. Além do mais, conheço
Amin. Ele passou a vida inteira me manipulando. Brincando comigo. Posso imaginar o inferno que representou para você.
- Agora está tudo acabado. Temos Ben conosco, e eu tenho você.
Kahlil suspirou.
- Esta noite, quando gritou meu nome... Foi idêntico ao que aconteceu com minha mãe. Naquela época eu não sabia por que ela foi levada embora. Sabia apenas
que algo horrível acontecera. Nunca mais tornei a vê-la. Tive uma vez uma chance, quando, ainda garoto, visitei os Estados Unidos. Mas me recusei a encontrá-la.
Mamãe morreu menos de um ano depois. De câncer.
- Você não sabia...
- Recusar-me a falar com ela foi um de meus maiores enganos. E esta noite quase o repeti. Bryn, sua casa é em Tiva, comigo, e a quero a meu lado. Se for isso
que você quiser também.
- Eu quero!
- Não posso mais perdê-la.
- Sei disso. Quero ficar com você para sempre. Juntos, com Ben, um para o outro.
- É bom, pois não pretendo que Ben seja disputado por nós dois. Meu filho não passará pelo que eu passei. O sofrimento não me fez mais forte. Fez-me mais cruel.
Por favor, não deixe de me amar.
- Kahlil! Jamais!
- Chega de quartos separados, de haréns e de alas femininas. Você ficará comigo.
- Como um casal de verdade? Ele assentiu severo, determinado.
- Um casal normal, para que Ben usufrua o que há de melhor numa família. É o que ele merece, o que toda criança merece, e isso é o que mais quero.
O coração se encheu de luz, de felicidade.
- Amo você, Kahlil.
- E eu mais ainda.
- É impossível.
- Eu posso. Sou o sheik Kahlil Hasim al-Assad, soberano de Zwar, líder de meu povo. O que eu disser será feito. - Inclinou-se para frente, com o garotinho
seguro entre os seus braços, e beijou-a, com carinho, com reverência. - Você não poderá fazer nada contra isso, minha querida. Não irá me vencer.
Essas foram as palavras mais deliciosas do mundo. Sorrindo entre uma torrente de lágrimas, Bryn levantou as mãos.
- Muito bem, eu me rendo!
Bjos!
 
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